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J«
(o
DESCRIPÇÃO
DA
VIAGEM A MU8SUMBA
DO
MUATIANVUA
EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUATIÁNVUA
DESGRIPÇÃO
DA
VIAGEM Á MUSSUMBA
DO
MUATIÁNVUA
PKLO
CHEFE DA EXPEDIÇÃO
HENRIQUE AUGUSTO DIAS DE CARVALHO
Major do Estado Maior de Iníanleria
KDIÇAO ILLU8TRADA POB II. CASANOVA
VOL. I
DE LOANDA AO CUANCO
LISBOA
LMPRENSA NACIONAL
1890
V
I
r^*.'a>v/5» '
V
.1
A
NAGÃO PORTUGUEZA
e. 9. Q.
o chefe da Expediçio
Ok
AO EXCÍLLENTISSIMO SENHOR CONSELHEIRO
MANUEL PINHEIRO CHAGAS
IINISTRO D'ESTADO HONORÁRIO
CONSAGRA ESTA PAGINA
O cbefe da Expedição
AO IXCILLKNTISSnO SKIIBOR CONSIIBBIRO
FRANCISCO JOAQUIM DA COSTA E SILVA
Pelf noilo qoe m interessou no bom êxito da Expedição
e oa pnblicaçio dos trabalhos d'ella
PARA SEMPRE GRATO SE CONFESSA
O chefe da Expedição
AOS BENEMÉRITOS
l
ES
EZES
NO
CONTINENTE AFRICANO
Ea to»tfaulM de duração pelo seo extremado patríotisno e acrisolado esforço
O chefe da Expedição
AOS PiliílCOS [ ILLOSIRADOS GRÉMIOS
SOCIEDADES DE GEOGRAPHIA DE LISBOA
DE GEOGRAPHIA COMMERCIAL DO PORTO
ASSOCIAÇÃO COMMERCIAL
E ATHENEU COMMERCIAL DA MESMA CIDADE
lanifesU leste logar • sen profundo reconhecimento
O Chefe da Expedlçio
índice das gravuras
Pa?.
Agostinho Sizenando Marques, sab-chefe da Expediçílo opp. a 42
Porto de Loanda 46
Pharol de Loanda 49
Ponta do Dande 52
Mannel Sertório de Almeida Aguiar, ajudante da £zpediç2o opp. a 56
Malva 60
Conselheiro Ferreira do Amaral opp. a 60
Contractados em Loanda opp. a 66
Uma das encostas da cidade alta (Loanda) opp. a 68
Orphis do asjlo D. Pedro V opp. a 72
Feira diária em Loanda opp. a 80
Vapor Serpa Pinto opp. a 86
Fóssil vegetal 88
Entrada no Cuanza 92
Nossa Senhora da Muxima 93
Estrella do sul %
Villa e fortaleza de Massangano opp. a 96
Baptisado no mato 97
Ponte em Massangano opp. a 98
Porto do Dondo opp. a 100
Uma ma na vilIa do Dondo opp. a 102
Dr. Luiz Collaço 105
Trepadeira 106
Typos do Libolo opp. a 110
Ponte Pinheiro Chagas opp. a 112
Planta da margem do Lucala 114
Fazenda Proiotypo opp. a 120
XVIII EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
Pag.
Partida da Expedição para Ambaca 126
Rua das Palmeiras 129
FsLzendsL Santa Izaòel opp. a 132
Icungo (Gyp8 afrícantis) 136
Caça aos gafanhotos opp. a 150
Fabrico de uma tanga 152
Pungo (montada do ajudante da Expedição) 154
Jangada 156
Pári-á-CacoIombolo opp. a 156
Patrulha do Zamba opp. a 158
Pedras de Pungo Andongo 161
Cinatti Keil 164
António (creado do chefe), de Golungo Alto 165
Pungo Andongo opp. a 166
Idem opp. a 170
Polycarpo de Beça Teixeira 172
Pungo Andongo opp. a 174
Idem opp. a 178
Cesalpina 182
Partida para Malanje opp. a 186
Muquíxi 190
Entrada de Malanje — Ponte D. Carlos opp. a 190
Secretario 191 ^
Mungungo 204
Imbondeiro opp. a 210
Casa do negociante Custodio José de Sousa Machado 217
Xaquilembe, seu filho e o Muadiata 222
Custodio José de Sousa Machado 224
Amor perfeito de Malanje 228
Matheus e Manuel 229
Adolpho (contractado) 232
Successor do soba Muhieba (carregador) 233
Typo do Songo (contractado) 235
Muquíxi 238
Estrada para Cahombo 239
Artefactos de Malanje 242
Cacolo Cahombo opp. a 244
Typo do Songo (carregador) 247
João Campacala (idem) 251
MirahUis longiflora 253
Soldados Moveis opp. a 256
Mussengo ulaje 258
DESCRIPÇlO DA VIAGEM XIX
Pag.
Fortaleza de Malanje 263
ímctfa — Propriedade de Custodio Machado opp. a 264
Convolvulacea 268
Roa principal de Malanje 269
Arte£Eketo8 de Malanje 277
Domingos (contractado) 281
Moende (jogo) 298
Urucá 299
Narciso António Paschoal 303
Flor e fructo do omcú 306
Morea 310
Estrada para Qnissole 311
Cacoata Tâmbu 314
Ifanuel (carregador) 319
Silphium tertbinthinaxtettm (Mulendica) 320
Povoação de Andala Quinguangua opp. a 320
Calei (bagre) 354
Stida de Malanje 3õ5
Mapnngo (insígnia de poder) 356
Propriedade agricola de José Vaz no Qnissole 359
Estabelecimento agricola de Callado no rio Luiimbe 361
Estabelecimento de Francisco José Esteves em Catalã 364
Estação Vinte e Quatro de Julho opp. a 366
André (carregador) 369
HabiUçoes do salalé 372
Casimiro (carregador) 373
Constnicçòes do salalé opp. a 374
Smfularinea 376
Sé (iuitári 379
Estação Ferreira do Amaral opp. a 380
Mucango, tio de Sé Quitári 383
Panorama de Cafuzi opp. a 384
Andala Quissna 386
Accacia de Cafúxi 388
Estaçio Paiva de Andrada opp. a 392
Cáhia Cassázi 401
Mossanje. 404
Catnta 409
Zanga 417
Mneto Anguimbo 420
Balaio 422
í^is soldados da Ezpediçâo 423
XX EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
Pag.
MusBoma 426
Muqufxi 435
António Bezerra (interprete) 438
Chapéu 440
Povoação de Ambango opp. a 458
O cozinheiro Marcolino e sua mulher 459
Mulolo Quinhângua 462
Mulher de Cáhia Casaáxi 463
Sobeta Matamba 466
Soba Caputo 467
Filha do soba Anguvo 471
Indemene Méssu 481
Muquizi 504
Rio Lui opp. a 506
Fernando (cozinheiro) 512
Uangambcle (carregador) 513
Passagem do Cuango — Zunga desesperado opp. a 526
Citruõ medica 530
Camaleão 533
Flor do tabaco 540
Simão Cândido Sarmento 568
Miyíji 578
Cogumelo 602
Vapores Stanley e Peace 625
Mappas (trcs).
índice dos capítulos
CARTA AU CONSELHEIRO MANUEL PINHEIRO CHAUA8.
INTRODUCÇAO
Em LiUboa — Projecto da £xp«diçlo Portngaesa ao Muatiânvua — Seaa fins — Conaul-
taa — Trabalho! preparatórios — NomeaçSes — Organtsaçio — Correspondência com
diversos Isstítiitos e anetoridades — InstmcçSes do Ooyemo pelas qnaes se devia
regular o chefe na sua Missio ao Maatiânvua — Partida da Expcdiçlo. . . Pag. 1 a 46
CAPITULO I
DE LOANDA A MALANJE
No porto de Loanda ; recordações históricas ; I^anda cidade dos trópicos ; seus melho-
nunentos — Na cidade de Loanda ; preparaçio da expediçSo ; contraetados ; efBcax
avzilio de 8. Ex.* o Gtoyemador Qeral ; os melhoramentos feitos e os que mais
importa fuer ; a popnlaçio — No rio Cnanxa ; sua importância e bella posição ; in-
formaç]»es do dr. ICannel Ferreira Ribeiro — Massangano ; ontras povoações á
beira-mar — A villa do Dondo — Viagem para Caxengo — Concelho de Cazengo —
Viagem para Ambaca — Concelho de Ambaca — De Ambaca para Pnngo Andon-
Ko — Concelho de Fungo Andongo — Viagem de Pungo Andongo para Malanje —
Entrada em Malaoje — Q nosso modo de ver sobre a regiilo que atravessá-
™» Pag. 47 a 214
XXII EXPEDIÇIO PORTUGUEZA AO MUATIANVUA
«
CAPITULO II
CONCELHO DE MALANJE
Demora da Ezpediçio em Malaqje ; em que ae emprega o poMoal e InformaçSea aobre
o melhor caminho para o interior — O qae era Malai^e antea de ser elevado á ca-
thegoria de concelho ; «eus actuaea limites — Caminhos ; habitações e materiaes de
constmcçio — Pessoal da administraçio do conselho e as missões nacional e estran-
geira— Carência de soccorros médicos e serviços correlativos; insufSciencia da
força armada — Ediflcios e melhoramentos públicos; causa« de insalubridade e
condições de saneamento — Commercio ; seu desenvolvimento, sua» relações eom
os indígenas, e gravíssima concorrência dé estrangeiro — Agricultura e as provi-
dencias que o seu desenvolvimento mais altamente reclama — Uma eleiç&o em
Africa — Dificuldades com os carregadores ; podo de pagar-lhes ; exigências que
apresentam — Protesto contra as informações do explorador Wissmann a respeito
do commercio português — Despedida de Mala^je Pag. 215 a 856
CAPITULO III
DE MALANJE AO CUANGO
Viagem para Catalã. Em Catalã. Partida para Andala QuinguAngua. Estaçlo 24 de Ju-
lho ; a povoaçSo e seus moradores. Viagem para Andala Quiss&a. Construcções do
salalé. Chuva e trovoada. Incidente no caminho — Caf&xi. Estaç-io Ferreira do
Amaral. Visita de 8é Quitári. Qosto pela aguardente. Cumprimentos do Jaga ; pre-
sentes ; dança. Visita ao Jaga Andala Quissúa. Abundância de gado — Viagem do
chefe para Camávu. Os carregadores Massongos. O sobeta Angonga. Ka Estação
Paiva de Andrada. Visita ao soba Ambango. A Estaçáo. Ajuste de carregadores.
Intrigas de Ambango. Visita do soba Anguvo. Discórdias dos sobas. Desagulsado
com Câhia Cassázi — Viagem do chefe com ai.* secçSo para o Cuango. O dia 31 do
Outubro. Mona Mussengue, Mulumbo, e Zunga. Passagem do rio ; pagamentos aos
donos das canoas e aos pilotos. A avidez de Zunga. Episodio grotesco. Visita do
potentado Mueto Anguimbo. Ser&o na companhia de vários gentios — Regresso do
chefe á Estação Paiva de Andrada — Algumas considerações sobre a região e seus
habitantes ; crenças, usos e costumes d^e^tes — Partida da Estação Ferreira do
Amaral. Correspondência acerca da passagem para o interior — Communicações
officiaes relativas ao progresso da Espedição e suas relações com o gentio — Mar-
cha da 2.* secção para a Estação Paiva de Andrada. Na Estação. Entrevista com os
sobas. Situação dos povos e diversas informações sobre o estado do palz, e como se
devem acceitar as informações do gentio — Algumas palavras acerca das expedi-
ções commerciaes para o interior do continente. O negociante Braga — Participa-
ções officiaes dando conta dos trabalhos da Expedição e outra correspondência sobre
o mesmo assumpto. Preparativos de partida e incidentes desagradáveis' — Viagem
para o Cuango. Nas margens do Lui. Roubo nas bagagens; providencias enérgicas ;
encontro dos objectos roubados. Jornada para a povoaçSo de Anguvo ; acampamento
Junto a esta povoação. Entrevista com Muene Canje. Noite de Natal; tempestade ;
fugida de carregadores — Na margem do rio Cuango. Vioitas. Passagem do Cuango.
Ainda o Zunga — Na casa filial de Custodio Machado Pag. 3ò7 a 530
DESCRIPÇAO DA VIAGEM XXIII
CAPITULO IV
O QUE DEVE SER MALANJE
Oroir''^b.iA do pUiudto de Malax^e ; fua meteorologia comparada com a de Loanda —
Saneamento por meio do trabalhador africano — Gonsideraç5es sobre oi traballia-
doree europeus — Sitoaçio do iudigena, devido úm ambições dos estrangeiros —
Aproreitamento doe indigenas na administração provincial ; facto comprovativo
da inflneneia que sobre eiles exercemos. Keêessidade de educar devidamente os
povoe que nos sio sujeitos, como elementos indlq»ensaveis para a ezploraçio e
aproveitamento das riquesas naturaes nos noMos domínios — Organisaçlo do go-
verno do districto de Malax^e — As missões civilisadoras e de instrucçio e pro-
tceçio aos naturaes — Methodo a seguir no ensino; pessoal das missões; o mis-
sionário — Administraçio da Justiça ; tribnnaes especiaes para o gentio — Força
militar agrícola ; Moveis ou segunda linha ; serviços que lhe pertencem ; força
policial — Intervenção dos sobas na administraçio local — Contribuições ; melho-
ramentos públicos ; pessoal do governo do districto ; receita — Necessidade da
creaçio do novo governo nos confins da província de Angola para eficazmente
eontnbnir a dilatar e a assegurar o dominio de Portugal através do grande eon-
tiaente Pag. 531 a 608
APPENDICE
PU4NO E ORÇAMENTO PARA O NOVO GOVERNO DE MALANJE... Pag. GOS a G2S
I1L"° e ex-"'' sr.
Conselheiro Manuel Pinheiro Chagas.
Meu respeitável amigo :
Deu-me V. EJx.* uma bem alta prova de considera-
ção, confiando-me a direcção da Expedição Portugueza
ás Terras da Lunda, a leste da provincia de Angola,
na Africa austro-central ; e eu faltaria ao meu dever
86, no momento em que venho apresentar ao paiz o
resultado dos seus trabalhos, não o fizesse preceder de
uma pagina especial, em que ficasse assignalado o meu
grande reconhecimento para com V. Ex.*
Designou-me V. Ex.* os trabalhos a que mais pai'ti-
cularmente devia satisfazer a Expedição, e, para melhor
se comprehender todo o seu alcance politico e com-
mercial, foram-me entregues as Instruc(^es, que sem-
pre me serviram de norma em todos os meus actos,
ainda os mais insignificantes, no meio das tribus com
quem tive de manter relações, procurando consubstan-
ciar e radicar nas mais modernas a antiga influencia
que sobre os seus antecessores os nossos conseguiram
exercer. Correspondem a essas Instrucções, os três li-
vros de que se compõe esta obra, que submetto á illus-
trada apreciação de V. Ex.^ para ajuizar das questões
vitaes, principalmente para a nossa soberania e futuro
do nosso commercio a que tive de attender.
Todas as investigações e estudos á que procedeu a
Expedição foram além do que no seu inicio se podia
suppor; excederam os limites que lhe foram marcados,
porque também, por cii*cumstancias que não era dado
prever, não só duplicou o tempo calculado para o des-
empenho da sua tarefa, mas ainda se alargou o campo
em que essas investigações e estudos deviam ser feitos,
em territórios cujos habitadores não tinham ainda visto
o homem branco, — o que tudo consta das minuciosas
commupicações mensaes e mais documentos que sem-
pre enviei á Secretaria dos Negócios de Marinha e Ul-
tramar, e também, quando isso era possivel, a três dos
nossos principaes institutos scientifícos.
Essas investigações e estudos constituem um volu*
moso e variado material que torna assaz conhecida a
vasta região explorada, sob muitos pontos de vista, quer
no interesse da sciencia quer no do paiz, e por isso,
além doesta obra geral, foi organisado um álbum ethno-
lógico de phojkographias, que.e8cIareGe todos os estudos
da Expedição, e coordenaram-se mais quaíro volomeei
parciaes, referentes: um, ás produc^ks e aos climas;
dois, aos vocabulários e á grammatíca das línguas; e o
outro, á ethnographia e historia tradidoTud dos povos;
constituindo o todo um trabalho baseado em factos es-
crupulosamente observados, e d.evidamente elucidados
por gravuras, chtomos, cartas, mappas, schemius e dia*
grammas.
Mão posso, nem devo deixar de tributar t^nibem
aqui os meus sinceros e calorosos agradecimentos aos
successores de V. Ex.* no Ministério dos; Negócios de
Marinha e Ultramar, pelos auxilies e protecção que se
dignaram dispensar-me, no propósito de que todo o
material adquirido pela Expedição ficasse aproveitado,
auctorisando não só a respectiva publicação com todo
o seu desenvolvimento, mas ainda facilitando os recur-
sos indispensáveis para que se pudessem consultar e
cotejar 08 trabalhos similares já publicados dentro e
fora do paiz — o que permittiu completarem-se com
vantagem os estudos da Expedição, e d^elles se tirarem
conclusões praticas em beneficio da sciencia em geral
e da África em particular.
Entregues todos estes trabalhos ao Governo de Sua
Magestade seria occasião opportuna de dar por finda
a missão de que fora encarregado ; mas faltaria ao meu
dever, como militar e como cidadão portuguez, se,
tendo chegado do centro de Afi-ica com o mais com-
pleto conhecimento dos gravissimos perigos que estão
imminentes sobre as nossas provincias de Angola e
Moçambique, não indicasse o melhor meio de os con-
jurar e de se aproveitarem também naquelle continente
as terras a que temos incontestáveis direitos.
Já dei conta de alguns d'esses alvitres a S. Ex/ o
Sr. Conselheiro Barros Gomes, a quem igualmente
devo inolvidáveis provas de deferência e boa vontade ;
mas não me soffre o animo limitar-me apenas á indi-
cação dos mais graves d'esses perigos e não tratar da
sua melhor resolução no campo pratico, procurando
fecunda applicação a todas esses alvitres, visto o co-
nhecimento que tenho do theatro em que se vSo succe-
dendo precipitadamente os acontecimentos que nos
podem ser funestos, e ter-me servido de lição tudo o que
vi e observei, tanto da parte dos estrangeiros como
das tribos còm que mais em contacto me encontrei.
Posso, pois, dar informações seguras, porque fiquei
conhecendo o apertado cerco que nos estão pondo as
prindpaes nações da Europa, mandando ás terras da
Africa, por um lado os missionários mais instruidos,
08 deanteiros mais ousados, os exploradores mais des-
temidos, os investigadores mais competentes; man-
tendo, por outro lado, na costa, bloqueios, cujo fim é
mais politico que humanitário; e de costa a dentro,
nas zonas centraes, insinuando-se no animo dos chefes
indígenas, arrancando-lhes contratos de que elles não
teem consciência, apossandoHse das suas terras e £51-
zendo convergir para os portos marítimos os seus pro-
ductos commerciaes ; — e nós, Portuguezes, que já te-
nnw o exemplo tristemente eloquente da Guiné e do
Zaire, ficaremos apenas com as paragens mais insalu-
I
bres nas vertentes oceânicas, se não procedermos com
toda a segurança, actividade e energia.
Travon-se a campanha, sem que o presentissemos;
porque a nossa attençSo estava subdividida na appli-
caçSo de providencias internas mais urgentemente re-
clamadas nos logares aonde a nossa auctoridade res-
tringira a sua influencia, esquecendo-nos que essas
providencias nunca poderiam dar os resultados que se
pretendiam quando nos fosse limitado o vasto hori-
zonte a que miravam.
Previ-o e disse-o por muitas vezes, mas não fui atten-
dido!
Estamos agora no mais vivo d'essa campanha, para
sustentarmos a integridade das nossas possessões de
Angola e Moçambique, e mal me ficaria a mim se, co-
nhecendo que ainda não é tarde, abandonasse o meu
posto, tendo perfeito conhecimento do perigo, e não
mostrasse, por todos os modos ao meu alcance, qual a
maneira mais efficaz de o combater; e é isso o que faço
no decorrer doesta obra, á medida que os assmnptos
m'o sollicitam, justificando-se assim o seu desenvolvi-
mento.
Não são as pugnas, por emquanto, á mão ai*mada,
(e faço os mais ardentes e sinceros votos para que se
não chegue a tal extremo), mas as que visam á absor-
pção pela influencia politica e commercial — não me-
nos arriscadas para a independência das nações; e
essas novas conquistas, que mais caracterisam o ul-
timo quartel d'este século, fazem-se por meio da mais
activa propaganda e vulgarisação, discutindo-se qual
é a nação mais capaz e mais competente para civilisar
08 povos africanos, e promover o seu progresso e bem
estar.
Discute-se mesmo qual é a naçlão que mais serviços
tem feito em beneficio da raça negra, debatendo-se
exactamente neste momento este pleito, de que tanto
se tem abusado, e em que Portugal deve sempre figu-
rar como parte mais interessada.
Mas ainda não é tudo quanto deixo exposto, como
muito bem o sabe V. Ex.*, pois arrojam-se a dizer que
os Portuguezes nada teem feito naa terras da Africa
para alargar o conhecimento d'e]las, e cbegam mesmo
a pôr em duvida a nossa competência para esta ordem
de trabalhos.
É contra tào ousadas asserções que me cumpre pro-
testar perante o paiz, e oxalá o podesse fazer perante
a Europa, ou melhor, perante o mundo civilisado —
embora como o mais humilde de todos os trabalha-
dores que se internaram no seio do continente africano
para o estudar, — affirmando mais uma vez que, assim
como fomos nós os primeiros a descobrir, conquistar e
explorar as mais vastas e mais extensas regiões iuter-
tropicaes — patenteando ao muudo novos mundos e
novas gentes, — ninguém melhor do que nós, ainda na
actualidade, se pode antecipar no estudo e resolução
das mais importantes questões scientificas, tanto no
que respeita ás raças e A acclimataçSo de europeus de
trópicos a dentro, como ao aproveitamento das terras
e das condições favoráveis á sua colonisação pela raça
preta e á transformação d'esta raça; porque, ninguém
como nÔB, conhece o seu viver intimo, a sua politica,
o 8eu commercio, as suas producçÕes iudustriaea, e
Dieíino as suas liuguas, onde se encontram assimi-
lados, e de remotos tempos, antigos vocábulos portu-
guezeg.
E que assim é, provam-no: a infinidade de roteiros,
descripçSes, noticias, estudos e outros documentos que
temos dispersos por vários arcliivos das maia antigas
inetitiiições, na metrópole e repartições publicas das
nwisaa duas grandes provincias africanas; as collec-
çòea dos annaes ultramarinos e dos bolletins oíHciaes
oaquellas provincias, e varias publicações e ainda ea-
criptos inéditos. Que se collijam todos esses trabalhos
na devida ordem, agrupando-se pelas regiões a que se
referem, e ainda subdividindo essas secções pelos va-
noH assumptos a que respeitam, e formaremos assim
•ima coUecção especial de dados preciosos acerca do con-
tinente africano, que, se nem sempre tiverem para a
íciencia o cunho da precisão, que hoje lhe imprimem
<M especialistas armados dos instrumentos mais moder-
nos de investigação, nella se reconhecerá que para a
sua acquisição presidiu sempre o espirito da obser-
vação e a boa fé, que é bem melhor do que as ruidosas
informações do momento, e a falta de conhecimento de
causa de que se ressentem certos trabalhos estran-
geiros.
E justificado, por certo, o nosso orgulho, por ter-
mos sido os primeiros que chegámos ás terras intertro-
picaes, precedendo todas as demais nações, quer na
America e Oceania, quer na Ásia e na Africa; mas de-
vemos encontrar ahi também o mais vivo estimulo
para mostrar aos estrangeiros, que se abeiram cubiço-
sos das nossas possessões, que somos os mais compe-
tentes para tratar com as raças que as povoam, diri-
gindo a sua transformação e não promovendo a sua
extincção como, em geral, tem feito a Inglateira e estão
fazendo também outras nações nas vaiíadas regiões
que occuparam, quer num quer noutro hemispherio.
As lactas, porém, accentuaram-se e proseguem com
assombrosa actividade, e não pode haver o menor tem-
i
i
po a perder, a minima dilação/ reclamando hoje todas
as noêsas possessões, mais do que nunca, o auxilio e
a attençSo de todos os que se prezam de Portuguezes.
E dirigi-me a V. Elx.* nestes termos, porque se trata
de um assumpto palpitante de interesse e verdadeira-
mente nacional. E se, como chefe de uma Expedição
portugueza que foi ao centro da Africa, eu me alegro
e ufimo de ver publicados os seus trabalhos, porque são
os melhores documentos e os mais irrefragaveis para
comprovar que me esforcei pôr corresponder á idea
que V. Ex,* teve em vista enviando-me ali; como Por-
tQgtlez não deixaria de lamentar que se não aprovei-
tassem as indicações fornecidas pela Expedição, per-
dendo-se tantos esforços, tantas canseiras, tantos sacri-
ficios e tão boa opportunidade para triumphar dos
muitos obstáculos, que se oppõem á nossa expansão co-
lonial e á nossa legitima liberdade de acção em todos
o« territórios portuguezes de além-mar.
YSo os principaes alvitres indicados nesfiels traba-
llios, lembra-èle mesmo o modo prática da íníia melhor
• *
«
applicação; e a V. Ex.^ venho impetrar toda a sna va-
liosa e cordial coadjuvação na propaganda do que deve
ser hoje uma Santa Cruzada, a fim de que unidos todos
pelo mesmo pensamento possamos luctar com êxito
feliz, e mostrar ao mundo inteiro, que os Portuguezes
nSk) faltaram nunca aos seus deveres como povo civi-
lisado e colonisador.
Não podem ir tão longe estes modestos escritos, nem
tenho nome nem auctoridade para os apresentar; mas
depondo-os nas mãos de V. Ex.^ apello para o seu for-
moso talento e para o seu acrisolado patriotismo, pois
estou certo de que, sob o seu alto patrocinio e aquecidos
á luz da sua superior intelligencia, poderão elles me-
lhor servir de estimulo para que novos labores se ini-
ciem e novas expedições se preparem, que de uma vez
ponham termo ás accusações que se nos estão fazendo,
offerecendo-se também simultaneamente á justa e sen-
sata apreciação de toda a gente de boa fé e de inten-
ções honradas os trabalhos e serviços já emprehendidos,
e ainda os que estão em via de execução, attestados
pelos verdadeiros monumentos de progresso que va-
mos levantando nas nossas possessões africanas.
Quando, porém, V. Ex.* não encontre nos trabalhos
da Expedição, que tive a honra de^ conduzir ás terras
do Muatiánvua, o merecimento que deveriam ter, confio
que ficará convicto de que procurei satisfazer, até ao
extremo limite das forças próprias e com os recursos
de que dispunha, ás Instnic^ies que recebi, e á con-
fiança que V. Ex/ depositou naquelle que com a maior
s&tifi&çSo se subscreve
De V. Ex.*
com o mais subido respeito e consideração
amigo muito dedicado
Henrique Augusto Dias de Carvalho.
DE LOANDA AO CUANGO
INTRODDCÇÃO
H H larlorldftdei ^ In«lnicçflo4 da GQVpmo pelua qu
■ nu> NIhIo u Kuiii&nvui ~ FanMi ds Expedi-lo.
Em fevereiro de 1884 empenhava-se, com interesse, o Ex."®
Conselheiro Manuel Pinheiro Chagas, Ministro e Secretario de
Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, pela construcçâo
do caminho de ferro de Loanda a Ámbaca.
Este projecto, que havia mais de dez annos estava na tela
da disciissão e cujos estudos tinham sido feitos por um pessoal
technico distincto, por mais de uma vez, e por Ministros de
politica diversa, fôra apresentado ao parlamento afim de obter
a indispensável auctorisaçSo para tomar-se realisavel.
Para tSo arrojada empreza vacillavam ainda os mais enthu-
siastas por este importante meio de desenvolvimento da pro-
víncia de Angola, quando tinham de attender ás fontes de
receita que, logo de principio, haviam de saldar os enormes
sacríficios do seu custo e conservaçílo.
Contava-se com o commercio do centro do continente ; porém,
a verdade era que, na alfandega de Loanda, os rendimentos
nos últimos annos haviam diminuido muito, e os exploradores
allemlies, que por lá tinham andado de 1875 a 1882, nada
haviam feito transpirar sobre o que viram com respeito a esse
commercio.
Tinhamos, 6 certo, o roteiro da viagem de Rodrigues Graça
de 1843 a 1848, e informações doeste e de alguns negociantes
wtanejos, que se lhe seguiram, de tempos a tempos, a devas-
*w a regiSo central além do Cuango que, a dar-se-lhes cre-
4 KXPEDIÇAO PORTUGUESCA AO MUATIInVUÁ
dito, nos aconselhavam a procurar ali mercados para as nossas
industrias em troca dos productos conhecidos — marfim, borra-
cha, cera e gomraas.
Havia, pois, toda a conveniência em se conhecer das actuaes
circumstancias d*esses mercados, e em attrahir os productos que
ahi se encontrassem, ao menos para ir alimentando o caminho
de ferro, que, por necessidade da província, ia construir-se,
até que se encetassem em liarga escala a exploração agrícola e
a mineira, na região que elle ia beneficiar.
Assim o comprehenderam o Ex.™" Ministro da Marinha Ma-
nuel Pinheiro Chagas, o Secretario Geral do seu Ministério,
Conselheiro Francisco Joaquim da Costa e Silva, a Sociedade
de Geographia de Lisboa e todos quantos se empenhavam pela
construcção d'aquellc caminho de ferro.
Demonstrava eu, então, na revista illustrada As Colónias
Portuguezas, — de cuja fundação me ufano, pois a vejo sustentar
os bons principies de propaganda iniciada, — as vantagens, que
obteriamos em reatar antigas relações, que principiáramos a
manter com os estados da Lunda; e, ouvido pelo Ex."^ Ministro
Manuel Pinheiro Chagas e pelo Conselheiro Francisco Joaquim
da Costa e Silva, por intervenção do benemérito explorador
africano Paiva de Andrada, fui convidado a apresentar o pro-
jecto da Expedição que tinha em vista.
Delinear o projecto como cu o imaginara, com a maior bre-
vidade possível, era, por certo, trabalho mui árduo; porém,
como desejava satisfazer ao honroso convite que recebera, não
vacillei, apresentando logo um trabalho bem mais modesto, pois
se tratava de uma missão em Africa, que me parecia muito
urgente, sobre o modo de fazer um estudo pratico de toda a
região a leste do antigo reino de Angola, que habilitasse o
Governo a providenciar de sorte que se oppuzesse um dique
ás intenções absorventes que então se manifestavam, e que
tendiam a cercear as principaes fontes de riqueza do nosso
commercio colonial pelo occidente, tanto mais que estavam
estabelecidas as bases para um tratado com a Inglaterra, sobre
a nossa malfadada questão do Zaire.
INTRODUCÇlO
Este planOy que^ até então, eu não encontrara, sequer esbo-
çado, em nenhum dos trabalhos publicados a respeito áA Africa
Central, afigurava-se improrogavel, e para quem conhece pra-
eticamente a vastíssima província de Angola, sempre onerada
com grandes encargos, é evidente que o melhor modo de lhe
dar o desenvolvimento, de que ella é susceptível, seria alargar a
área do seu commercio, facilitando-lhe as communicaçSes com
o interior.
Era manifesto o definhamento do commercio da sua capital,
emquanto que florescia o do Ambriz ao Zaire. Não era, pois, no
âmago da província que devíamos procurar as fontes que por
muito tempo o alimentaram ; era preciso ir além dos seus limi-
tes orientaes, e ultrapassar o rio Cuango.
E este rio, que fora em parte estudado pelos beneméritos ex-
ploradores Capello e Ivens, e também por Van Mechow, até
certa altura, não seria navegável d'ahi em deante até ao Zaii*e?
E sendo-o, eram grandes os obstáculos a vencer para a união
d^essa linha fluvial com a continuação do caminho de ferro
de Loanda a Ambaca, já projectado?
Quando tudo isto fosse possível, que vantagens nos podia
offerecer a região central limitrophe?
£ como se ha de conhecer bem esta região, sem conhecer
o8 productos do seu solo, os seus climas, as aptidões dos seus
povos, 08 seus usos e costumes, a sua historia, a sua existên-
cia politica, e antes de tudo a sua língua?
Dominavam-me estas ideas, como se prova pelas minhas
communicaçSes ao Governo durante o desempenho da missão
que me foi confiada, mas abstive-me de apresentar um projecto
muito desenvolvido e de precedê-lo de largas considerações,
receando prometter o que eu talvez não pudesse realisar.
Tratei de fixar, por isso, as principaes questões a que deve-
riamoB attender como mais instantes, a saber: restabelecer a
nossa antiga influencia com os povos do Estado do Muatiãnvua ;
estreitar mais as nossas relações commerciaes com esses povos,
chamando de novo para a província as correntes mercantis
que se procurava desviar para o norte; garantir communicações
6 £XP£DIÇ20 POKTUQUEZÂ AO HUATIÂNVUA
seguras ao nosso commercío entre ellcs^ por meio de EstaçSes
civilisadoras^ commereiaes e hospitaleiras ; e ainda crear-lhes
necessidades pelo contacto comnosco, ao mesmo tempo que, por
uma influencia pacifica e benévola, os fossemos preparando a
recorrerem a nós, que retribuindo-lLes o trabalho lhes propor-
cionaridmos meios do as satisfazerem.
Neste sentido fonnulei o projecto, c S. Ex.' o Ministro en-
tendeu conveniente sobre elle consultar a Sociedade de Geo-
graphia de Lisboa, que, reconhecendo-lhe a urgência, nâo foz
demorar o seu parecer sobro tão importante assumpto. Julgo
do meu dever reproduzir aqui este documento para melhor se
avaliarem as ideas da benemérita Sociedade sobre a missão
de que eu era encarregado.
Sooiedacle cio Geog^apliia cie ILiist>on.
111."" c Ex."« Sr. — Satisfazendo aos desejos, para nós muito honrosoí*,
que V. Ex.* foi servido cominuuicar-noH por oAicio.da Direcção Geral do
Ultramar de 28 de janeiro ultimo, e acolh(?ndo com particular agrado o
pensamento e projecto a ({ue o mesmo oifício allude, a Dirccçilo doesta
Sociedade encarregou a Commissílo Nacional de Exploração e Civilisa-
çao Africana, de (rstudar o assumpto e tem a honra de apresentar, in-
cluso, a V. Kx.* o parecer da mesma ConimissUo.
A urgência e a natureza do caso e a circunistancia de se acliar sus-
penso o expediente interno da Sociedade, por motivo da mudança e rcin-
stallaçao da sede, fez -nos prescindir de levar o assumpto pendente á
consideração da assembléa geral.
Cremos, comtudo, poder assegurar a V. Ex." que interpretámos o sen-
timento c a opiniílo dos nossos consócios, fazendo nosso o parecer da
nossa ConnnisHÍlo Africana.
Parece-nos até que este, como outros assumptos de análoga natureza,
ganham muito sob o aspecto dos interesses e necessidades da politica
nacional, — nas presentes circiunstauciíis, — em nslo serem extempora-
neamente submettidos a uma publicidade que, sem trazer proveito algum
ao estudo e á resolução competente d'elles, pode ser, e tem sido, por^•en-
tura, mais de uma vez explorada contra o paiz e contra os esforços pa-
trióticos da sua administração.
Não ignora V. Ex.* que particularmente, em relaç3o ás nossas cousas
africanas, diversos e poderosos interesses de politica e de cobiça estra-
nha intrigam o conspiram incessantemente contra nós.
INTRODUCÇXO
NSo pode já duvidar-sc, e o Governo de certo o sabe muito melhor
do que uós, que esses interesses toem em Portugal agentes hábeis e
dedicados que espiam as nossas tentativas, e exploram as ingenuidades
e imprudências da nossa boa fé e da nossa indiscrição habitual.
Julgámos escusado alongar-nos mais acerca doesta qucstSo delicada
e ingrata, em que apenas de leve tocámos, para affirmar a Y. £x.* que
por nossa parte temos entendido de ha muito dever acautclar-nos, ató
onde podemos, e consoante o pensamento patriótico e pratico que a
nossa Sociedade representa e procura servir, contra a vulgarlsaçâo pre-
matura e indiscreta de certos negócios e tentativas de que nos parece
que n2o convém que os estranhos possam ter, como já tem succedido,
mn conhecimento antecipado que os habilite a preparar-uos difficulda-
des e mallogros.
Assim é que, relativamente á Missão ao Muata-Yanvo, se tem conser-
vado reservado para nós o assumpto desde as primeiras conversações
de alguns dos nossos coUegas com V. Ex.* e com o sr. Paiva de Andrada,
por nos ter parecido que nas vésperas de uma pova expedição allcmã
áquelle potentado, e na situação presento da questão africana, haveria
conveniência em que a Missão Portugueza se organisasse e partisse sem
rnido, além de tudo prematuro e inútil.
Infelizmente também neste assumpto se não ponde manter a necessá-
ria reserva; a noticia da Expedição Portugueza, e.até do seu caracter
politico, chegou já a Bruxcllas e a Berlim, e estas circumstancias bas-
tarão para tomarmos a liberdade do chamar a particular attenção de
V. £x.* sobre a conveniência manifesta, que nos parece havor em que
epsa Expe< lição se organise rapidamente, de maneira que possa partir
no paquete de 6 do próximo mez, expedindo-se desde já as necessárias
prevençíícB e ordens ao Governador Geral.'
Faça- nos sempre V. Ex.* a justiça de acreditar na boa e sincera von-
tade da Sociedade de Geographia de Lisboa em cooperar, como possa o
lhe cumpra, no serviço do Estado.
Deus guarde a V. Ex." Lisboa 4 de fevereiro do 1884. — 111."'» e
Ex.*<* Sr. Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Marinha e Ul-
tramar. = Pela Direcção, o Vice-Presidcntc em exercicio, Francisco Ma-
ria da Cunha = O Secretario perpetuo, Luciano Cordeiro,
Pareeei* cia Commissã.o AAricana
Senhores: — A Commissão Africana da Sociedade de Geographia de
Lisboa foi extremamente agradável a commimicação que a Ex."* Dircc-
f«o lhe fez do officio do Ministério da Marinha e Ultramar, de 28 do
corrente, relativamente ao projecto de uma missão de estudo e de rela-
8 EXPEUIÇIO POBTDGUEZA AO MUATIANVUA
ç5eB politicas a enviar ao potentado africano, geralmente conhecido pelo
nome de Muata-Yanvo ou Muatu-ya-nvo,
Sem tratar agora de reivindicar para a Sociedade de Geograpbia de
Lisboa a iniciativa da idóa ou reconhecimento da necessidade económica
e politica de renovar as relações oíficiaes com o referido potentado, c de
vigiar d'aguelle lado do sertão africano os trabalhos e esforços, nem
sempre exclusivamente humanitários e civilisadores, dos exploradores e
aventureiros estrangeiros, — iniciativa e reconhecimento que se acham
registados na correspondência official da Sociedade e na particular c
oíficiosa da sua Sjccretaria gorai, — limitar-se-ha a prestar, em princi-
pio, a sua sincera adhesão ao pensamento que faz objecto do officio do
Governo, e a offerecer á Direcção o seu parecer para que ella faça d^clle
o uso que tiver por mais conveniente.
Abstendo-se igualmente de fazer, por agora, a historia das antigas
relações portuguezas com o referido potentado, crê também escusado
demorar-se na fácil demonstração das conveniências commerciaes e po-
liticas doestas relações, conveniências de longa data reconhecidas c
apenas accrcsccutadas agora pela direcção e pelas circumstancias pre-
sentes do movimento na exploração pratica geral do contuiente africano.
E evidente que, se tivéssemos proscguido na politica por vezes en-
saiada em antigas epochas — que chegou no Congo a radicar-se por
uma forma notabilisHima — tcriaraos fixado em condições seguras e van-
tajosas para o nosso commcrcio c para o desenvolvimento civilisador
do nosso domiuio, o prestigio e a auctoridade do nome portuguez, nos
potentiidos sertanejos que cstanceiam entre as duas costas meridionaes
africanas. Mas n^o é menos certo também (|ue podemos ainda valorisar
cousideravelment(; a situação singular que a historia e o espirito aven-
tureiro e ousado dos nossoíf conquistadores, dos nossos missionários e
dos nossos colonos nos crearam em Africa, e que estamos chegados a
um momento em que, se o níío fizermos de prompto por mn esforço decidido
e intelligente, arriscámos deveras, com a honra do nosso nome, a segu-
rança e a prosperidade das nossas possessões africanas, contra as qnaes
conspiram, por igual, a cobiça e a intriga d'aquellos a quem exacta-
mente abrimos o grande continente. Depois de mallograda, e ainda as-
sim gloriosa, tentiitiva representada pela Kxpediçao de Joaquim Rodri-
gues Graça, em 1843, e lí parte (luaesquer ])artioulares commissões e
dedicações patrióticas de um ou outro sert^inejo portuguez, as nossas
relações oflficiaes com o Muata-ya-nvOy pode dizer-se que se acham in-
terrompidas e abandonadas.
O esforço, o serviço, e o vasto e utilissbno projecto do homem a quem
o Governador José Xavier Bressane Leite confiou, por instrucções de 18
de março de 1843, o encargo de explorar <«os territórios dos régulos por
onde transitasse, de examinar os seus usos e costumes, de conhecer da
INTUODUCÇXO 9
soa agricultura, rios, minas, etc., para bem. dos interesses da NaçSo»,
nSo teem sido apreciados com toda a justiça entre nós, posto lograssem
merecer a admiração e o elogio dos estranhos, e sirvam ainda de illu-
cidaçâo c de guia aos exploradores que outros Estados teem ultima*
mento enviado ao poderoso potentado do sertão central do continente
negro. Vem a propósito citar a Expedição de Graça, cujo diário, nunca
publicado na integra, esperámos x)oder em breve oíferecer ao publico,
porque nos parece que o projecto que agora o Governo nos commanica,
se approxima naturalmente d^aquelle que a Expedição de 1843 repre-
sentava.
Essa Expedição, infelizmente desprovida de recursos scientificos, ti-
nha o duplo caracter de commercial e politica, de particular e de oífi-
ciai, na sua organisaçâo e destino, e cremos que é igualmente este o
caracter da nova Expedi ç-âo projectada, sendo pelo menos, o que nos
parece e que todas as circumstancias aconselham que se lhe imprima,
de»le o seu inicio, até aos ultimes pormenores da sua organisação.
O caminho ou caminhos que conduzem ao Muata-ya-nvo são conho-
ddos, e sem esquecer a necessidade de aproveitar todas as occasiõcs que
Be offereçam de augmentiir e de rectificar os nossos conhecimentos e
informações scientificas das regiões africanas, considerámos o projecto
eobre que temos de pronunciar-nos como o de uma missão, principal-
mente commercial e diplomática, destinada :
l.* A estudar os meios mais práticos e fáceis de assegurar e dcsen-
Yoker as relações commerciaes entre os territórios e portos da nossa
pTovinvia de Angola e os povos e territórios sujeitos á dominação do
Mwta-ya-nvo ;
2.* Renovar junto doeste a memoria e cordialidade das relações anti-
gu^ reforçar no seu animo e governo a estima o o respeito pelos portu-
Rnezes, vigiar e combater as influencias estranhas e hostis que tendam a
iilheal-o de nós e promover, emíim, os trabalhos convenientes no sentido
<ie fixar n*a((uella8 regiões, e junto d'aquelle potentado, o prestigio e
uctoridade da civilisação portugueza por meio do estabelecimento do
lonanÚBsão religiosa, de um «residente» politico ou de algumas feitorias
i^ontes.
Qualquer que tenha de ser a solução da chamada questão do Zaire,
^ das qae possam surgir pelo estabelecimento dos allemãcs o dos
inçlexea ao sul do Cunene, é indispensável assegurar e desenvolver as
wUçoc» (lo interior com os portos da província de Angola, e evitar e
combater por meios práticos e promptos o desvio d'cssas relações para
qiiaçaquer occupações ou estabelecimentos estrangeiros ao norte e ao
*4 ou a preponderância politica de quaesquer influencias estranhas nas
wgiòea n&o avassalladas do interior.
O noMo principal alliado em Africa foi sempre, e diz o mais rudi-
10 EXPEDIÇÃO POBTUGUEZA AO MUATIInVUA
mentar senso pratico que ha de continuar a ser, o indígena que nós con-
seguimos attrahir e prender ao convivio da nossa civilisaçSo, do nosso
protectorado p*aciíico e liberal, da nossa influencia e da nossa actividade
mercantil e instructiva.
Pequenos e pobres como somos, criam-nos recursos singulares de
força e de expansão colonial, a indole c tendências de raça, uma exce-
pcional facilidade da adaptação e de assimilação etbnica e climatérica,
a larga affirmaçíio antiga da nossa actividade e do nosso dominio. Cir-
cumscrevendo, porém, as nossas considerações aos quesitos que nos são
propostos 110 ofiicio do Ministério da Marinha, e dando como perfeita-
mente dispensável qualquer demonstração das necessidades e das van-
tagens determinativas da Missão projectada, cujo pensamento nos não
parece que possa soffrer a menor coutestiição razoável, passaremos a ex-
por, summariamcnte, o nosso parecer acerca da forma por que enten-
demos que esta Missão deve levar a cabo os seus trabalhos e o que
principalmente lhe cumpre fazer.
1/* As lições da experiência própria e alheia, facilmente explicáveis
para quem conhece as condições a que por emquanto teem de subordi-
nar-se as expedições sertanejas em ^Vfrica, á parte as rasões de econo-
mia e de caracter especial indicadas pelo Governo, aconselham que a
Missão projectada se componha, pelo que diz respeito ao seu pessoal
brancOf do menor numero que for possível de individues.
Quer em rtílaçâo ao numero, quer á qualidade, cargo ou profissão
d'esses individues, segundo a indicação do oiHcio do Governo, mal po-
deríamos manifestar a nossa opinião não nos tendo sido enviada a pro-
posta a que n'elle se allude.
Naturalmente nessa proposta se terá determinado as rasões por que
se entende que a missão se deve formar de um chefe, um ajudante, um
padre e um pharmaceutico.
Bastará de certo um chefe, ofiicial do exercito ou da armada, ou até
um individuo da classe civil, regularmente habilitado, branco, enten-
de-se, para com uma pequena escolta e comitiva de serviço indispensá-
vel levar a cabo o projecto.
E, porém, de evidente vantagem que um missionário, branco e por-
tuguez igualmente, exeinplarissimo de caracter e costumes, acompanhe a
Missão, e pode ser conveniente que mais brancos lhe sejam ad^icionados
para os trabalhos de exploração scientifíca e de representação official,
e muito particularmente, se como é para desejar, se conseguir estabe-
lecer junto do Muata-Yajioo uma missão religiosa ou uma «residência*
politica portugueza.
Parece-nos escusado indicar as qualidades e caracter de instrucção
e de confiança que devem determinar a escolha do chefe.
É claro que elle ha de ser um homem iutelligente, de saúde vigorosa,
INTRODUCÇAO 1 1
enérgico e prudente, soffircdor e resoluto, de costumes severos, conhe-
cedor, quando ntU> experimentado, nas cousas africanas e nos trabalhos
principaes d*estcs reconhecimentos e campanhas de explbraçâo de es-
tado, dotAdo de uma instrucçâo scicntiíica, provada por trabalhos ou
por títulos escolares que sufficientementc garantam a sua capacidade,
Mibendo determinar pelos processos mais rudimentares e expeditos,
quando mais nâo seja, a situação gcographica de qualquer ponto; fazer
as observações astronómicas c meteorológicas, fundamentaes, colher o
conservar êpecimens e exemplares geológicos, zoológicos e botânicos,
otc. Todo o pessoal deve ser escolhido por clle,. e mantcr-se-lhe subor-
dinado na mais severa disciplina.
N2o seria fácil, nem parece que nos fosse pedido, que formulássemos
o orçamento doesta Expedição, orçamento que, além de tudo, terá de va-
riar muito segundo as upplicaçijes e fins do projecto inicial.
Accresce que a Expedição se diz que será^ auxiliada por subscripçáo
particular, certamente no pensamento, que não podemos deixar de ap-
provar, de que ella tenha também por encargo o ensaio de algumas
operações commerciaes.
£, pois, provável que na proposta se estabeleçam as condições orça-
mentaes que ficam á conta e responsabilidade do Governo, e que este
adopte consequentemente uma forma contraetal precisa e definitiva, o que
igualmente nos parece ser o melhor processo para a formação da Mis-
são, do seu pessoal e despezas geraes d'clla.
A Expedição cremos poder fazer-se sem largos dispêndios, parecen-
do-uos igualmente conveniente dar como determinado o processo de
accessos, quando se trate de individues militares, ou de futuras conces-
sões extraordinárias não especificadas no contracto primitivo, seja qual
fòr a classe a que esses indivíduos pertençam.
Pode o chefe ser um official do exercito ou da armada, com o curso
da respectiva anna, parecendo haver realmente vantagem em que o seja,
mas pode também ser individuo da classe civil correspondentemente
habilitado. O que importa, sobretudo, é que tenha as qualidades moraes
c instructivas necessárias ao bom desempenho do cargo.
2.« Relativamente aos intuitos principaes da Missão, cremos te-los
indicado já com suifíciente clareza.
As instrucçôes politicas e scieutificas podem ser moldadas pelas que
levou a Expedição scientifica Serpa, Capello e Ivens. As instrucçôes com-
merciaes terão naturalmente de ser propostas pelos promotores da Ex-
pe<lição, estudadas, modificadas ou approvadas pelo Governo, ou por
quem elle encarregar de o fazer.
£ certo, porém, que determinado o pensamento e fim da Missão, á
discrição, intelligeucia e zelo do seu chefe, tem de ficar a liberdade de
proceder pela melhor forma que as circumstancias e os recursos lhe per-
12 EXPEDIÇZO POBTUOUEZA AO MUATIANVUA
j ■ '
•
mittam. A elle também deve pertencer a indicação ou proposta dos in-
stmmentos e utensilios que tiver como indispensáveis, sem prejuízo de
approvaçSo superior.
Neubuma duvida terá comtudo a Commiss&o Africana, se o Governo
e a Direcção entenderem por conveniente, de fixar quaesquer instmc-
ções ou indicações fundamentaes, e bem assim de accordar com o chefe
que for nomeado, a resolução de qualquer assumpto referente á mesma
Expedição, desejando prestar a esta, por si e pela Sociedade toda a co-
operação e parecer que for de sua competência. Aqui, porém, cabe uma
observação, que julgámos ser de particular importância.
Como a Direcção da Sociedade não ignora de certo, a Expedição scieu-
tifíca de 1877 esteve para mallograr-se, quando apenas attingira o Bibe,
pela supcn^eniencia no seio da extincta Commissão Central permanente
de Geograpbia, de susceptibilidades e suggcstoes tardias que, posto não
se tivessem reduzido a uma deliberação e consulta regular, inspiraram
ordens que lançaram a confiisão entre os trcs beneméritos exploradores.
Por outro lado facilmente se comprebcnde que estas expedições e
trabalhos, pelo menos no que elles tecm de scientifíco ou no que im-
porta ás necessidades e conveniências do estudo geral, mal podem su-
l>ordinar-se exclusivamente ao expediente ordinário das secretarias e
repartições publicas.
Ha resultados e noticias que exigem immediata publicidade, devida-
mente fiscalisada e dirigida, e convém igualmente conservar interessado
o publico nos diversos incidentes e resultados do emprehendimento.
E finalmente necessário ccntralisar e assegurar a correspondência, c
as informações auctorisadas e convenientes da Expedição. Comprehende-
se, e faz-se isto em toda a part«, e ainda ha pouco, em relação aos tra-
balhos de Savorgnan de Brazza, o Governo Francez procedeu por esta
forma estabelecendo (me todos os serviços e correspondência que lhes
dissessem respeito se reunissem e centralisassem numa estação especial,
devidamente habilitada. Importa chamar a atteuç4o do Governo sobre
este assumpto.
Existindo junto do Ministério do Ultramar, e fundida nesta Sociedade,
a Conunissão Central de Geograpbia, cujo Presidente é o projirio Minis-
tro, parece-nos que nenhuma duvida pode haver de que nessa Commis-
são se concentre todo o expediente e correspondência relativa á Expedi-
ção projectada, e das mais que estejam ou venham a organisar-se de
igual natureza, começando por aquella que ha pouco partiu de Lisboa
formada pelos nossos illustres consócios os srs. Capello e Ivens.
Relativamente ao itinerário a seguir, mal pode determinar-se ante-
oipadamente com precisão e segurança. Hão de determiná-lo, dia a dia,
nmitas vezes as circumstancias e as necessidades da Expedição por um
lado, por outro, o bom critério e zelo do chefe respectivo.
INTBODUCÇÃO 13
N2o se tratando rigorosamente de uma Expedição de descoberta de
novoB caminhos e regiões, e sendo o principal objectivo o restabeleci-
mento das relações com o Muata-Yanvo, parece-nos conveniente ad-
optar como ponto de partida no sertão angolense, Malange, ponto qne
08 exploradores allemíKcs teem escolhido como base habitual das suas
expedições naquella mesma direcção. Ali, e no Quibundo, encontrará a
Missão, entre outros sertanejos costumados a visitar as terras do Muata,
08 conhecidos irmãos Machados, que tantos serviços tecm prestado aos
allemães, e tão acariciados são por elles.
£ porventura chegada a occasião de o Governo Portuguez estimular
também a dedicação d^aquelles negociantes por qualquer testemunho de
distincçlo e de apreço. Não ha muito que elles projectaram uma £x-
pediç-ão ao chamado paiz do Cachcche, tendente a anteceder, senão a
invalidar, em grande parte os projectos de Stanlej, em relação á dra-
gagem commercial d^aquellas regiões.
Vem também a propósito chamar a attenção do Governo para a im-
portância notável de Malange, quer sob o aspecto politico, quer sob o
dos interesses commerciaes da província de Angola. É necessário con-
solidar e fortalecer seriamente d^aqucllc lado, c naquellc ponto, o domí-
nio portuguez. Uma boa occupação militar c uma administração hábil,
vigilante e moral, parece-nos que seria uma forte garantia, indispensá-
vel, a estabelecer ali sem delonga, para tranquillidade e honra da nossa
soberania e da nossa influencia no sertão.
São do maior interesse todas as informações que a Missão possa co-
lher acerca dos caminhos commerciaes mais fáceis e seguidos, dos pro-
cepsos, necessidade e preferencias do commercio indígena, das aptidões
do solo e do clima, dos costumes, tendências e situação dos diversos po-
vo#, cm summa, de quanto importa ao melhor desenvolvimento das nos-
sas ri'laç4ies mercantis. Estudar e pesquizar o procedimento e propósi-
tos dos exploradores e agentes estrangeiros, é necessariamente um dos
fins da Missão portngueza.
Em relação ás providencias tendentes a evitar que o commercio seja
dt^sviado dos caminhos ou das relações -dos nossos territórios e nego-
ciantes, «o assumpto é vasto e complexo de mais para que o desdobre-
mos aqui n*algumas indicações summarias e incidentaes.
Resolvida a questão do Zaire, um dos nossos immediatos e mais vi-
gorosos empenhos deve ser, até onde for ainda possível, assegurarmos
os caminhos commerciaes indígenas, do interior para a nossa costa e
para a margem sul do Baixo-Zaire. O desvio do commercio dos sertões
ao sul do grande rio para o nortQ d*elle, é provável que continue a en-
contrar difficuldades e resistências consideráveis.
Ha annos instou a Sociedade de Geographia pelo estabelecimento de
nma estação civilisadora em Xoki, como inicio e preparaçtío de uma
14 EXPEDIÇÃO PORTUOUEZA AO MUATIÂNVOA
occupaç2o offectiva. Stanley percebeu dopois a importância d*aqaelle
ponto, e estabeleceu- 80 n*elle.
Os caminhos de S. Salvador para leste, c os do mesmo ponto para o
Ambriz pelo Bembe, que nunca devêramos ter abandonado, podem ter
para nós, muito em breve, uma importância decisiva. Tudo isso, porém,
apenas por natural divagação nos vem á lembrança, que o qu^ agora
ha de occupar o estudo e attenção da Expedição projectada é o desen-
volvimento o segurança das correntes mercantis, entre os vastos terri-
tórios do Muata e os nossos estabelecimentos que lhe ficam mais pró-
ximos, ou os nossos portos de Loanda e Benguella.
Em relação ao primeiro, o caminho de Malange parece-nos natural-
mente indicado; em relação ao segundo o caminho do Bihé impõe-se
necessariamente. Kecapitulaudo, respondemos aos quesitos do ofticio do
Ministério do Ultramar.
l.'» A Expedição deve ser organisada com o menor numero de indi-
vidues brancos que seja compatível com o seu caracter e missão, não
podendo a ComniiBsão julgar da organisação a que o oflicio allude, por
não conhecer a proposta respectiva, em que provavelmente essa organi-
sação se explica e fundamenta. Parcce-lhe, comtudo, que ha vantagem
cm que acompanhe a Expedição um padre ou missionário catholico,
branco e portuguez, e que não havcnl inconveniente em que d'ella fa-
çam parte dois outros brancos com as qualidades ou cargos indicados
no documento ofticial, 8(!ndo, porém, absolutamente indispensável que
ente pessoal se ache moral e instruetivameute habilitado, nas condições
atniz expostas e consoantes á missão de que vne incumbido.
2.° A Missão deve ser prineipahuento commeroial e politica, á ma-
neira da de Eodrigucs Graça, mas suíti cientemente dotada dos requisitos
e m(!Íos indispensáveis ji exploração soientifica, que deverá simultanea-
mente fazer, das regiões que atravessar.
Convirá que elhi se cmpenlie no estabelecimento de uma missão reli-
giosa, de uma feitoria eomniercial ou de uma residência politica junto
do Muata.
E claro que a Missão deve apresentar ao potentado africano, uma
dadiva ou offerta do Governo Portuguez, e que na resolução d*estc ponto,
que aliás não foi consignado ao nosso parecer, deve haver toda a discri-
ção o cuidado, reflectindo -se bem nas cireurníítancias em que se acha o
poderoso regulo, frequente e generosamente presenteado pelos allemães.
A Commissão Africana, approvando calorosamente, nos termos que
ficam expostos, o .projecto díi Expedição indicada, estimará poder co-
operar, na medida das suas forças, para o melhor êxito d'ella.
Casa da Sociedade, em 3 de feveníiro de 1884. = Pela Commissão
Africana, o Presidente, Vif<conde de S. Januário — O Secretario-relator,
Luciano Cordeiro,
INTEODUCÇlO 15
Está largamente desenvolvido o parecer da Sociedade de
Geographia de Lisboa e exposto com a proficiência que cara-
cterisa todos os trabalhos doesta benemérita Sociedade. Não
mencionava, porém, especialmente estudar os diversos idiomas
d'aquelle8 povos, sem duvida porque a Sociedade depois de
1878 por diâerentes vezes já tem manifestado a necessidade
doesse estudo; nem tSo pouco se referia o parecer á conve-
niência de se proceder ás investigaçSes fimdainentaes para se
examinar a vida social e o modo mais fácil de ir civilisando
cada um d'esses povos, e de activar as suas relações com a
província de Angola; cerUimente, porque taes trabalhos só
por si demandam, além de. aptidões especiaes, o tempo indis-
pensável.
Mas, em todo o caso, esse parecer, tXo notável sob muitos
pontos de vista, mostrava a importância da missão que eu me
propunha a desempenhar, c não faltavam já as bases impres-
cindiveis para S. Ex.* o Ministro resolver.
A portaria, que em seguida transcrevemos e que me encar-
rega de organisar a Expedição, evidencia que a idea do Go-
verno era que a Expedição se occupasse principalmente de um
consciencioso estudo commercial, do estabelecimento de Esta-
cais e de manter boas relações com todos os povos entre os
quaes tivesse de transitar até ao ponto do seu destino, fazendo
tratados de boa amizade e commercio com os respectivos po-
tentados.
Poirtairia
Sendo de maior conveniência attrahir aos portos da província de
AnfToIa o commercio do sertão a&icano, amiudando, quanto possivcl, as
Tthifies entre esta provincia e os povos que demoram a leste d*ella,
£ivorccendo-no8 excepcionalmente neste empenho, nâo só as relações
inexistentes, mas o grande prestigio que entre aquelles povos tecm
linda o nome c a língua portugueza, o que obriga os exploradores es-
trtng:eiros que se dirigem áquellas paragens e demorarem -se em terri-
tório portuguez para aprenderem os rudimentos da nossa lingua a fim
de poderem facilmente ser entendidos, e a procurarem as recommenda-
Ç^Vit das auctoridades e negociantes portuguezes; e sendo inquestio-
EXPEDIÇÃO FOBTtJOUEZA AO MUATiAnVCA
navelmente, no intuito indic&do, um doe meio* m&ia efficftzes de b.
(darmos o nosso comiuercio naqiiellc sertSo o eHtabi>Iecer relu^^eB fa
t! frequentes com oa Heua regulas e povoa maia importantes, demoo
strando-llicB que sabemos conservar & influencia que desde remotaá ^i
eras uji tvmoa sempre mantido ; lia Sua Magestade El-Rei por bem,
pela Secretaria dTstado dos Negócios da Marinlm e Ultramar, encar-
regar D Major do exercito de Portitgal, Ilenrique Augusto Dias de Car-
valho, de organisar uma expcdifSo ijue, tendo por fim especial ir em
missão ao Afuutu lauvo, procure ao mesmo tempo realisar os seguiut«B
1.° Estudar, especialmente sob todos os pontos de vista do interesse
commcreial, a região que demora a leste da prorincia de Angola, exa-
minando quaes as suas priscipaes producções, o seu commercio, os
caminhos por oudo elle actualmente se dirige para os mercados de con-
sumo, o os meios que poderiam emprcgar-se para d attrahir ás nossas
, possessões de Angola;
2.° Indicar quacs os pontos, ondn conviria fiindanuos niicloos de esta-
ções commerciaos ou estações eivilisadoras, procurando desde logo pro-
mover as relações directas dos prineipaes centros eommerciaes d'aquella
regiito com o conimercio da província de Angola;
3." Conciliar o respeito e amisade dos povos por onde passar, inspi-
rondo-lhes confiança no nome portuguez, ensinando -lhes, a par dos prin-
cípios da religião christS, ae praticas mais úteis qno os levem ao melhor
aproveitamentâ do solo, c de todas as riquezas naturaes, e assegiirando-
IhcB que encontrarão sempre nasTclações com os portuguexee intuitos
de pas, de protecção c de progresso ; c tratando por todos os meios de
propaganda ao seu alcance de lhes tornar odioso o estado du escra-
Para o desempenho tanto da missão ao Muuta lanvo, como das indi-
cações mencionadas, receberá o referi d» Major Henrique Augusto Diaa
de Carvalho opportunamente as instrucçucs convenientes, incnmbindo-
Ihe desde já propor ao GoTemo o pessoal que deve compor a mencio-
nada Expedição e que será constituído, alem do chefe, por um snb-chefe,
um missionário e nm ajudante, convindo que todos elles tenham conhe-
cimento, senão da região qno vae ser percorrida, pelo menos do interior
da província de Angola, o que a um d'eltes não sejam estranhos os co-
nhecimentos pharmaceuticoB.
No intuito de mais completamente corresponder aos fins da miesãn
que lhe 6 incumbida, deverá o Major Henrique Augusto Diaa de Car-
valho procurar interessar nesta Expedição o commercío das praças dr
Lisboa e do Porto, que, segundo consta tecm acolhido com favor a idía
que se pretende realisar, diligenoíando, se for possível, que desde jk se
inicie qualquer tentAtiva que conduza directa ou indirectamente a lerar
J
INTRODUCÇlO 17
iqnelle sertiU) africano, em larga escala, os productos da industria por-
tugaeza e a abrir-lhes ali fáceis e abundantes mercados.
Paço, em 24 de março de 1884. = Manuel FitUieiro Chagas,
Estava; pois, dado o principal impulso e lixados official-
mente os problemas a que a Expedição mais devia attender ; e
bem sabia eu a responsabilidade que assumia para com o paiz,
para com a Europa e para com a sciencia, que se empenha
com ardor em promover o estudo de tudo o que diz respeito
is questões da Africa intertropical.
Nio havia tempo a perder, porque a Expedição tinha de
partir de Lisboa no paquete de 6 de maio para aproveitar a
melhor monção para viagens no interior do continente africano,
e por isso, em 3 de abril, sob proposta minha, eram nomea-
dos: Sub-chefe, o phannaceutieo, reformado em Major, do qua-
dro de saúde da provincia de S. Thomé e Principe, Agostinho
Sizenando Marques ; Missionário, o sacerdote, professor da es-
cola principal de Loanda, António Castanheira Nunes; e Aju-
dante, o Tenente do exercito de Africa Occidental, Chefe do
concelho de Massangano, Manuel Sertório de Almeida Aguiar.
Todos tinham largo tirocinio em Africa, e as habilitações
indispensáveis para os cargos especiaes que lhes foram com-
mettidos.
O Sub-chcfe, além do serviço que lhe fora peculiar durante
treze annos que esteve na ilha de S. Thomé, ganhara credito
nio só na direcção do observatório me^teorologico d'aquella
ilha, mas ainda no estudo da sua fauna e flora, encarregan-
do-se da organisação das variadas collecçoes de productos co-
loniaes, que durante o seu tempo se enviaram a differentes
exposiçSes nacionaes e estrangeiras.
O Missionário havia já exercido este mesmo cargo por mui-
tos annos a norte, sul e leste da provincia de Angola, mais
ou menos internado; e no professorado grangeara prestígio
com o indígena, — predicado essencial, que só se adquire pelo
conhecimento de seus usos e costumes e da sua linguagem.
O Ajudante já contava quinze annos de serviço na Guiné,
Cabo Verde e em diversos pontos da provincia de Angola,
18 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
contando duas campanhas contra o gentio, e tendo servido, como
Chefe em concelhos internados, como Cacongo e outros, accres-
cendo o dedicar- se ao estudo da photographia, em que adqui-
rira pratica.
Nomeado o pessoal, tratou-se de organisar o material, em
que, se houve deficiências, devidas a circumstancias de economia
e tempo, houve demasias por falta de bases que nos esclareces-
sem; estes factores poderiam deixar de existir para análogas
expedições regionaes, quando se tenha em attenção o que sobre
tal assumpto teremos a expor.
Como tinha de interessar na Expedição o commercio das
praças de Lisboa e Porto, e diligenciar que se iniciassem
quaesquer tentativas para levar em larga escala, ao sertão
por onde tinhamos de passar, os productos de industria do paiz,
dirigi ás Direcções das Associações Commerciaes de Lisboa e
Porto, Banco Nacional Ultramarino e Sociedade de Geogra-
phia Commercial do Porto, o ofBcio e circular que seguem,
circular, que directamente enviei também aos negociantes mais
importantes de Lisboa, do Porto e de outras praças.
Officios
111."'» e Ex."® Sr. — Desejando o illustrado Ministro da Marinha e
Ultramar aproveitar, para o paiz, todos os vantajosos elementos de que
ainda dispõe o prestigio portuguez na vasta região do continente a&icano,
comprehendida entre as possessões de Angola e Moçambique, dignou-sc
honrar-me com o encargo de Chefe da Expedição exploradora que para
ali se deve dirigir em 6 de maio próximo, tendo entre outros fins o es-
pecial de procurar novos mercados ao nosso commercio e industrias, es-
tudando tudo que possa interessar e garantir a propaganda e desenvol-
vimento do que reciprocamente possa convir neste intuito a Portugal,
e aos paizes que a Expedição tenha de atravessar.
O Governo, pela sua parte, entendeu confiar-me instrucções para que
possam ter toda a validade os tratados de amizade que a Missão tem
de celebrar com os cliefes d'aquelle8 povos, e designa quaes os estudos
de exploração a que se deve dar preferencia, tanto no interesse do paiz
como no da sciencia •, porém, no que respeita a iniciar qualquer tentativa
que conduza directa ou indirectamente a levar áquelle sertão, em larga
Nwmip l^n^i
nrrBODUCçXo 19
escala, os productoB da industria portagueza e abrir-lhes fáceis e abun-
dantes mercados, incumbe-me o mesmo Governo de procurar interessar
desde já nesta Expedição o commercio das praças de Lisboa e Porto.
Para que possa bem desempenhar-me d'esta missão, para mim de
certo em demasia honrosa, tom^ a liberdade de dirigir pelo correio aos
principaes negociantes, industriaes e capitalistas das referidas praças a
inclusa circular.
Mas não é isto sufficiente, como Y. £z.* sabe, porque o nosso paiz
náo está, como a Allemanha, costumado a esta espécie de associações,
que teem sido ultimamente o alimento das explorações allemãs ao cen-
tro da Africa, e que táo bons resultados práticos teem dado. Agora mesmo
segue o Tenente Wissmann, a reforçar a estação Luquengo, onde está o
seu companheiro o Dr. Pogge, com uma grande expedição de fazendas
e artigos diversos, obtidos por subscripção em Berlim, entre os seus capi-
talistas, commerciantes e industriaes.
Solicito, pois, por este meio o valiosíssimo auxilio da Direcção da
respeitável Associação de que Y. £x.* é mui digno Presidente, na pro-
paganda de que — nesta tentativa de experiência — entrem já, pelo me-
nos, alguns artigos de commercio, que por quaesquer circumstancias, em
armazéns ou depósitos, estão sendo considerados como capital estacio-
nário, se náo perdido.
A Expedição, tendo o máximo empenho em se tornar útil aos inte-
resses práticos dessa e de outras instituições, muito deseja que Y. £x.*
e a iUustrada Associação se dignem dar-lhe quaesquer instrucções neste
8€otido.
Deus guarde a Y. Ex.* Secretaria dos Negócios da Marinha e Ultra-
mar, 29 de março de 1884. — Hl."" e Ex."»" Sr. Presidente da Associação
Commercial do Porto. = Henrique Angvsio Dias de CarvcUho, Major do
exercito.
(Idênticos para os Ex."^** Srs. : Presidente da Associação Commercial
de Lisboa, Governador do Banco Nacional Ultramarino e Presidente da
Sociedade de Greographia Commercial do Porto.)
Ci]roii.lair a, que se irefere o offl.cio anteirioi*
A Expedição Portugueza á Africa Central, encarregada de uma mis-
são especial junto ao «Muata lanvo», grande potentado que domina na
vasta região da Lunda, entre as nossas possessões de Angola e Moçam-
bique, tendo de transitar por povoados ricos em marfim, cera e outros
productos hoje procurados nos principaes mercados europeus, com a
devida auctorisação, offerece seus serviços ao commercio do paiz, que
20 EXPEDIÇÃO PORTOGUEZA AO MUATIANVUA
poderá aproveitar, querendo, a opportunidade de dar saida ás fazendas
e géneros armazenados, que a concorrência tenha afugentado dos nos-
sos mercados.
Nesta circular encontrará Y. Ex.* uma lista das fazendas e diversog
artigos que teem mais prompta venda naquelles sertões, e que devem ser
empacotados em volumes de fácil manejo, e de peso não superior a 30
kilos.
Dará Y. Ex.* as suas ordens para que nos invólucros d* esses volumes
se leiam, numa das faces as iniciaes da firma de Y. £x.* e a respectiva
numeração, na outra face — E. P, A, C. — Expedição Portugtieza, Africa
Central.
Os volumes devem ser acompanhados da copia do inventario, em que
pela numeração se conheça o que conteem e também os seus respectivos
valores.
Uma commissão nomeada pelo Governo entregará á Expedição os vo-
lumes que Y. Ex.* enviar, e esta, sempre que houver opportunidade, fará
á commissão remessa do valor dos productos transaccionados, e, effe-
ctuada a devida liquidação, fará a mesma dividir os interesses propor-
cionalmente aos valores recebidos.
Como a Expedição deve seguir no paquete de 6 de maio, pede-se a
Y. Ex.", caso queira aproveitar-se dos seus serviços, se digne ofl5ciar-me
para o Ministério da Marinha e Ultramar, e fazer preparar o que ten-
ciona enviar, até ao fim do mez de abril.
A resposta de Y. Ex.* é muito necessária para se proceder á nomea-
ção da commissão, e poderem calcular-se os carregadores, que será neces-
sário ajustar com a devida antecedência.
ÍSerá Y. Ex.* avisado do dia e local para onde devem ser dirigidos
os volumes. — De Y. ex.*, muito attento venerador e creado = 0 chefe
da Expedição, Major Henrique de Carvalho. — Lisboa, 24 de março de 1884.
Lista.
Espingardas diversas; espadas, idem; pólvora; bacias de arame;
panellas de ferro; espelhos de diversas qualidades e tamanhos; barre-
tes de lã, cores diversas; camisolas de lã; facas de differentes qualida-
des; missanga de bordar, cores sortidas; contaria; almandrilha, etc;
coral fino e grosso; louças (faiança e outros géneros, das nossas fabricas),
como canecas, tijellas, pratos, etc. ; vidros differentes (industria portu-
gueza); machetes; algodões crus differentes; baeta amarella, vermelha e
azul, diversos tons; pannos diversos; chitas, idem ; fardas, idem; velludos,
idem; zuartes; tapessarias de differentes qualidades e tamanhos; lenços
estampados; sedas differentes; louça de folha; relógios; copos bronzea-
dos ; pannos da costa ; galões dourados ; fio de ferro, de cobre e de latão ;
DÍTRODDCÇAO 21
yarios ntensilios de ferro; chapéus de palha e outros; chapéus de sol,
de cores ; caixas de musica e harmónios ; realejos ; bonés bordados, de
borla; fechos de porta e varias outras ferragens, incluindo pregaria;
miudezas e todos os mais artigos de fácil consumo e permutação nos
sertões de Africa. ^^ O chefe da Expedição, o Major Henrique de Car-
valho.
Procurei estabelecer, por este meio, as relações indispen-
sáveis, com as associações e casas mais importantes do com-
mercio do paiz; e completava assim as bases fimdamentaes,
sobre que deviam proseguir os trabalhos da Expedição no que
dizia respeito á sua missão principal.
Também julguei do meu dever communicar á Sociedade de
Greographia de Lisboa que fora eu encarregado de dirigir a
Expedição ao Muatiânyua, solicitando os seus bons officios para
o melhor desempenho d'esta minha missão ; o que fiz nos se-
guintes termos:
Officio
Dl."** e Ex."« Sr. — Sendo presente a S. Ex.* o Sr. Conselheiro Ministro
dos Negócios da Marinha e Ultramar a consulta da Sociedade de Geogra-
phia de Lisboa sobre o projecto de exploração dos paizes a leste da
nossa provincia de Angola até aos dominios do Muata lanvo, honrou-me
S. Ex.* encarregando-me de organisar e dirigir a Expedição que, além
de uma missão especial junto áquelle potentado, terá de satisfazer a to-
dos 08 quesitos sobre que versa a consulta da nossa Sociedade ; nesse
intuito prepara-se a Expedição para chegar a Malanje por todo o mez
de julho, devendo sair de Lisboa no paquete de 6 de maio próximo.
Muito me honrará a benemérita Sociedade de Geographia de Lisboa,
dignando-se dispensar á Expedição, dirigida, por um dos seus mais insi-
gnificantes, mas dos não menos dedicados sócios, os seus sábios conselhos,
confiando-me as instrucções cujo desempenho julgue conveniente aos fíns
da mesma Sociedade e do máximo interesse na occasião presente á pro-
vincia de Angola e ao paiz em geral.
Deve-se á Sociedade de Geographia de Lisboa a iniciativa das nossas
primeiras explorações scientiíicas no continente africano rcalisadas de-
pois da sua instituição; e se essas, pelo mérito scientifico e airojado
emprehendimento, encontraram desde a origem a máxima protecção que
lhes podia ser dispensada pela Sociedade, a esta, cuja crfui :'ff (To
mais modesta, mas cujos fins não devem ser menos proveitosos ao nosFo
22 EXPEDIÇZO PORTUGUEZA AO MUATIInTUA
engrandecimento colonial e commercial, conto que nSo faltará o mesmo
illustrado patrocinio. Falta-lhe uma direcção firme, sabia e já provada
como a dos beneméritos Serpa Pinto, Capello e Ivens ; mas eu ouso es-
perar que, pela intervenção de V. £x.*, não será menos bem acolhida e
considerada pela Sociedade, e que esta se dignará dispensar-lhe a sua
benévola e mui valiosa cooperação.
Deus guarde a V. Ex.« Lisboa, 1 de abril de 1884. — 111."» e Ex.-« Sr.
Secretario perpetuo da Sociedade de Geographia de Lisboa. ^ O sócio,
Henrique Augwto Dias de Carvalho.
NSo me faltava boa vontade^ nem me poupava a trabalho,
procurando dar as mais completas informações sobre os fins
da Expedição, que se preparava a seguir para o centro do con-
tinente em concoiTcncia com as mais notáveis expedições es-
trangeiras que a precederam, largamente abastecidas de todos
os recursos e com mais largas aspirações. Tinha-as eu também,
e segredava-me a consciência que nâo devia recear o confronto
dos seus trabalhos com os que a nossa Expedição Portugueza
pudesse levar a cabo.
Mas até onde poderíamos chegar se não fossemos franca-
mente auxiliados? Que recursos poderia eu encontrar, consul-
tando todas as sociedades, agremiações e as firmas commer-
ciaes mais auctorisadas ?
Aprecie a nação os documentos que deixo exarados, pois di-
zem mais que todas as considerações que eu possa fazer.
OflFereço todos á consideração dos que se intere^am pelo
nosso progresso em Africa, e assim se poderá fazer inteira
justiça ás intenções que me dominavam ao organisar em Lis-
boa a — Expedição ao Muatiânvua.
Desejava partir robustecido com os melhores conselhos e
as indispensáveis adhesões das Sociedades e dos homens mais
competentes em questões coloniaes, e a par de todas estas
consultas procurava habilitar-me com o material mais indis-
pensável.
Aos Ex."*®* Srs. João Carlos de Brito Capello, Dr. José Vi-
cente Barbosa du Bocage, Conde de Ficalho, Dr. Júlio A. Hen-
riques e José Júlio Rodrigues, participei a nomeação do pessoal
INTRODUCÇlO 23
da ExpediçSo, e fiz a apresentação do meu collega Sizenando
Marques, como o encarregado das observações meteorológicas
e coUeccionador dos exemplares da fauna e flora, que fosse pos-
sível adquirir durante a nossa missão no centro da Africa;
solicitando por essa occasião, de S. Ex.", conselhos e instruc-
ç5es para o melhor desempenho de taes encargos. A benevo-
lência, com que todos nos acolheram e honraram, deixou-nos
penhoradissimos.
Foram os nossos instrumentos devidamente aferidos no Ob-
servatório do Infante D. Luiz, e algumas indicações se digna-
ram dispensar-nos os Ex.™®* Srs. Conde de Ficalho e Dr. Júlio ^
Henriques, não podendo receber as que esperávamos dos au-
ctorisados professores os Ex."*®* Srs. Dr. Bocage e José Júlio
Rodrigues, por motivos mui justificados na occasião.
Dando publicidade ás respostas dos officios enviados a dif-
ferentes institutos, devemos declarar que muitas e anima-
doras foram também as indicações particulares, e se não as
mencionámos em especial é pelo receio que temos de omittir
alguma. Apresentando em seguida a relação dos exportadores
que confiaram volumes á Expedição, aproveito o ensejo para
lhes prestar neste logar o tributo do meu reconhecimento.
Por intermédio da Sociedade de Geographia Commercial do
Porto:
António José Gromes Samagario — riscados e lenços.
António Marinho — riscados e baetas.
Casa Buisson — lenços.
Companhia manufactora de artefactos de malha — barretes de lã.
Costa & Companhia, fabrica das Devesas — amostras de louça.
Custodio Lopes da Silva Guimarães — galões e sapatos de liga.
Eduardo Augusto dos Santos Júnior — 12 caixas de vinho do Porto.
Fundição de Massarellos — panellas de ferro.
Fundição do Ouro — uma bomba,
(íonçalves Filhos & Companhia — chapéus.
J. da Rocha e Lima — lenços.
João Camillo de Castro — louça.
Joào Ferreira Dias Guimarães — galões, botões, sombrinhas, pentes,
mantas, rendas, emblemas, etc.
24 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUATIANVDA
José Carneiro de Mello — cotins, sarja, lona e flanella.
Lino José de Campos — 48 latas de azeitonas.
Manuel de Sousa Loureiro Castro — chapéus de sol.
Manuel Francisco da Costa — ferragens.
Marinho Irmãos — riscados e camisolas.
Manuel José Moreira Monteiro — peças de riscado.
Santos &. Nogueira — barretes de lâ.
Sociedade de Geographia Commercial — chapéus de palha.
Directamente :
João S. Howarth, fabrica de Sacavém — 4 caixotes com louça.
Doestes volumes foram apenas os dos srs.: Manuel Fran-
cisco da Costa, JoSo Ferreira Dias Guimarães, Lino José de
Campos, Eduardo Augusto dos Santos e Jono S. Howarth,
que acompanharam a Expedição. Mais adeante fallaremos
minuciosamente de todos elles.
A^ssooiapeLo Oomtneiroial de IL<isl>ofi,
. . .Sr. — Foi presente k Direcção da Associação Commercial de Lis-
boa o officio com data de 29 de março ultimo, que V. se serviu diri-
gir-lhe e no qual, dando conta de se achar encarregado, pelo Ex."° Sr.
Ministro do Ultramar, da direcção da Expedição africana que vae
brevemente emprehender a exploração d'aquelle continente na vasta
região de Lunda, entre Angola e Moçambique, solicita da nossa As-
sociação que o auxilie na tentativa de experiência cm que se acha em-
penhado.
O pensamento d'esta empresa nSo pode deixar de ser altamente sym-
pathico á corporação do commercio da nossa praça, pois sâo obvias as
vantagens que d'ella lhe devem derivar. Esta Direcção, desejando cor-
dialmente o melhor êxito á Expedição que V. está encarregado de diri-
gir, mui gostosamente deu conhecimento aos seus associados da circular
impressa, inclusa no officio de V. , fazendo-a patentear no gabinete de
leitura da Associação, para assim chegar a noticia do seu conteúdo a
algum dos seus associados que directamente a não recebesse de V.
Deus guarde a V. Lisboa, 4 de abril de 1884. — . . . Sr. Major Hen-
rique Augusto Dias de Carvalho, . . . Chefe da Expedição Portugueza
á Africa Central. = O Presidente, Carlos Ferreira dos Santos Silva. = O
Secretario, António Adriano da Costa,
INTRODUCÇAO 25
A^ssocia^ão OommeroiAl do Poirto
... Sr. — O officio que V. se dignou dirigir a esta Associação, com
data de 29 de março ultimo, foi acolhido com a consideração e apreço
devidos ao interessante assumpto de que o mesmo se occupava, e se
só hoje venho responder-lhe, é porque desejava participar a V. o que
esta Associação tinha procurado fazer em bem do patriótico intento do
i Ilustrado Ministro da Marinha, fervorosamente secundado por V.
No dia immediato áquelle em que se recebeu o officio de V. a que
estou respondendo, foi o mesmo publicado n'um dos jomaes mais impor-
tantes doesta cidade, e bém assim as instrucçocs e lista que o acompa-
nhavam.
1:500 circulares, das quaes remetto um exemplar, foram enviadas
aos fabricantes e commerciantes doesta praça, e os Directores doesta
Associaçáo obrigaram-se a aconselhar e a promover a remessa de pro-
dactos, que, estando nas condições por V. indicadas, possam contribuir
para tornar pratica e proveitosa a promettedora tentativa, que todos
applaudem sinceramente.
Receba V. os votos fervorosos que esta Associação faz para que o
Oovemo de Sua Magestade e V. vejam coroados de prospero resultado
Úo abençoados esforços, empenhados no engrandecimento da pátria.
Deus guarde a V. Porto e Associação Commercial, 14 de abril de
1884. — ... Sr. Henrique Augusto Dias de Carvalho, . . . Chefe da Expe-
dição Portugueza á Africa Central. = O Presidente, Ricardo Pinto da
Coita.
6ooieda.de de GS-eog^apliia, Oommeiroial
ú,o Porto
. .Sr. — O Conselho Geral d'esta Sociedade, tomando conhecimento
de um officio que a esta Sociedade foi dirigido pelo Sr. Henrique de Car-
valho, Chefe da Expedição Portugveza á África Central, que deve partir
de Lisboa em 6 de maio próximo, resolveu envidar todos os esforços
para conseguir que doesta cidade sejam enviados alguns volumes, se-
^ào as indicações fornecidas no referido officio.
Para conseguir este resultado, cuja utilidade é obvia, além da co-
'^peraçâo que espera obter de todos os sócios, o Conselho Geral nomeou
'"na conuniosâo composta de nove membros, um dos quaes é o dignis
«imo Secretario d*essa Associação, o Sr. Vieira de Castro, com o espe-
cial encargo de, por todos os modos ao alcance da referida commissSo
c da Sociedade, angariarem a adhesão de negociantes e industriaes para
í remessa de artigos para a Expedição.
26 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUATIÍNVUA
Esta Sociedade, e especialmente a commissâo acima indicada, lucta-
riam com grandes difficuldades para attingirem o fim a que se propõem,
se não esperassem obter o valiosissimo auxilio e protecção da meritis-
sima Associação Commercial do Porto, a que v. ex.* tão dignamente
preside, e por isso o Conselho Geral resolveu que eu me dirigisse a
V. Ex.*, manifestando as intenções doesta Sociedade e solicitando o au-
xilio e protecção de que carece, e que em tão elevado grau lhe pode ser
prestado pela meritissima Associação Commercial.
E o que por esta forma cumpro, expressando ao mesmo tempo a espe-
rança de que esta solicitação merecerá a Y. Ex.* e á benemérita Asso-
ciação Commercial do Porto um bom e favorável acolhimento.
Deus guarde a v. ex.' Porto e Secretaria da Sociedade de Geogra-
phia Commercial, 6 de abril de 1884. — 111."° e Ex."* Sr. Presidente da
Associação Commercial do Porto. = 7. P. de Oliveira Martins, Presi-
dente.
A.ssooia,pa.o Oommeiroia,! do Poi^to
...Sr. — Em resposta ao officio que V. se dignou enviar- me com
data de 23 de corrente, no qual me pede para lhe serem indicados os
nomes dos cavalheiros que devem formar uma direcção representante
dos expedi tores de productos de fabricação nacional, destinados á Expe-
dição official á Africa Central, cumpre -me informar a V. de que, ten-
do-se esta Associação e a Sociedade de Geographia d'esta cidade,
encarregado de promover a remessa dos productos já referidos, qualquer
doestas corporações acceitará com prazer as informações que V. tiver
a bondade de enviar-lhe, e igualmente se encarregará de as transmittir
aos interessados.
Deus guarde a V. Porto e Associação Commercial, 28 de abril de
1884. — ... Sr. Henrique Augusto Dias de Carvalho, ... Major Chefe
da Expedição ao Muata, lanvo. = O Presidente, Ricardo Pinto da Costa,
Sociedade de Greojari^npliia, Oommeireial
do I*orto
... Sr. — O Conselho Geral d'e8ta Sociedade, apreciando no devido
valor o officio que de V. recebeu com data de 29 de março findo, resol-
veu tomar a iniciativa na remessa de alguns fardos para a Expedição do
. . . commando de V. Para esse fim nomeou uma commissâo especial
que deve começar com a máxima urgência os seus trabalhos.
Aproveito a occasião para rogar a V. o obsequio de expedir para
esta Sociedade alguns exemplares da circular impressa com a compe-
INTRODUCÇÃO 27
tente lista^ qne Y. distribuiu, a fim de poderem servir de guia aos di-
Tersos membros da referida commissão.
Deus guarde a V. Porto e Secretaria doesta Sociedade, 6 de abril
de 1884. — . . . Sr. Major Henrique de Carvalho, . . . Chefe da Expedição
ao Muata lanvo.=0 Primeiro Secretario, Fernando Maya.
.. . Sr. — Em virtude da resolução tomada no Conselho Geral doesta
Sociedade, enviei hontem a Y. um telegramma, em que pedia a Y. o
obsequio de indicar, com a máxima urgência, qual a direcção a dar aos
volumes que d' aqui sejam enviados para a Expedição de que Y. é . . .
Chefe, bem como o ultimo dia de sefem feitas d*aqui essas remessas.
A razão d*este pedido que tive a honra de dirigir a Y. está em que
um negociante doesta cidade, solicitado por esta Sociedade, organisou
e fez entregar na estação dos caminhos de ferro de Campanhã uma
grande remessa, e tornára-se necessário o esclarecimento acerca da di-
recção a dar a taes volumes. Também ha mais alguns expedidores que
tcem promptas, ou quasi promptas, remessas, e precisava esta Sociedade
avisal-os convenientemente e a tempo acerca dos dois pontos acima in-
dicados.
Eis a razão do telegramma que, por ordem do Conselho Geral, tive a
honra de enviar a Y. hontem. Não tendo até á hora em que escrevo,
seis da tarde, recebido resposta alguma, rogo a Y. o obsequio de, pelo
telegrapho, me enviar as informações e esclarecimentos a que atraz me
referi.
Deus guarde a Y. Porto, 25 de abril de 1884. — . . . Sr. Major Hen-
rique Augusto Dias de Carvalho. = O Primeiro Secretario, Fernando
MaycL
. , . Sr. — Inclusos remetto a Y. os documentos relativos aos volumes
que hontem enviei a Y. para a Expedição de que Y. é . . . chefe.
A urgência de tempo e as difficuldades inherentes a uma primeira
tentativa impediram que os esforços empregados por esta Sociedade, no
intuito de promover impo^nte remessa de productos para a Expedição,
w manifestassem em mais larga escala. Accresceu ainda o facto de se
t<*r ventilado nesta occasião a questão da Exposição do Brazil, o que
contribuiu muito para arrefecer os ânimos não preparados para empre-
gas novas, como a da Expedição á Africa Central.
£m todo o caso procurou esta Sociedade manifestar a sua vitalidade
tuociando-se a uma empreza utilíssima, e empenhando-se para o bom
28 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUATLÍNVDA
êxito d*ella. £ esta a sua missão, que pretende e procura cumprir quanto
cabe nas suas forças. Se bons desejos bastassem, muito longe se iria
no empenho de que esta Sociedade tomou a iniciativa no Porto.
Tenho toda a esperança no bom êxito da empreza commettida á há-
bil direcção de Y. , e a mesma confiança e esperança sente esta Socie-
dade, da qual neste momento me constituo interprete, certo e convicto
de que exprimo os seus sentimentos e opiniões. Portanto, como necessa-
riamente esta Expedição deve ser seguida de outra e outras que vão
como que de reforço á primeira, creio poder assegurar a V. que esta
cidade se fará representar de uma forma mais avantajada nas seguintes.
Para insuflar no espirito dos productores, principalmente, idéas no-
vas, cumpre e é indispensável fazer propaganda activa e quasi indivi-
dual, para o que se tomam necessários tempo e instrucçoes especiaes
e desenvolvidas sobre o assumpto. Feito um trabalho longo e difficil
uma vez, fica assente e garantido por muito tempo; mas é indispen-
sável fazer-se, o que não foi possível para esta Expedição, pois que o
tempo escasseia sobremaneira.
Em todo o caso, creio que esta Sociedade cumpriu o seu dever c sa-
tisfez a sua missão na forma como procedeu, e conquistou jus a ser con-
siderada como interessando-se pratica e positivamente na solução do
importantíssimo problema colonial.
Esta Sociedade, sem duvida alguma, terá a maior satisfação em re-
ceber a V. , no caso que lhe seja possível vir ao Porto antes da partida,
c aproveitará tal occasião para significar a V. toda a consideração que
tem e toda a sympathía que lhe merece a empreza que V. é . . . Chefe,
o, ao mesmo tempo manifestar a V. os seus sinceros votos pela boa
viagem e feliz êxito da Expedição.
Deus guarde a V. Porto e Secretaria da Sociedade de Geographia
Commercial, 1 de maio de 1884. — . . . Sr. Major Henrique Angusto Dias
do Carvalho, . . . Chefe da Expedição Portugueza á Africa Central. = O
Primeiro Secretario, Fernando Maya.
Sociedade de Greog;ira.pliia de IL»ifi»l>oa,
. . . Sr. — Cumpre-me agradecer a V. a communicação que se serviu
fazer-me em seu officio de 1 de abril, e o amável offerecimento dos seus
serviços á Sociedade, na honrosa commissáo de que V. foi olficialmente
incumbido.
A Sociedade, á qual opportunamente communicarei aquello documento,
não deixará de certo de congratular- se pela resolução do Governo e pela
escolha que fez de V. , que estimamos contar de ha muito no numero dos
nossos dedicados consócios.
INTRODUCÇlO 29
Ao Grovemo de Sua Magestade expoz já á direcção da Sociedade,
adoptando o parecer da Commissão respectiva, aquellas ideias e indica-
ções que entendia dever apresentar-lhe sobre a Expedição projectada ás
terras do Muata Yanvo, quando fomos convidados a exprimir o nosso
voto e parecer, por S. £x.* o Ministro da Marinha e Ultramar.
É provaTel que esses documentos, se tiverem sido considerados como
ateis n'alguina parte ou n'algum sentido á referida Expedição, tenham
ádo commonicados a V.
N2o tendo posteriormente recebido communicação alguma por parte
do Gk)vemo, devemos naturalmente entender que elle resolveu dispensar
a Sodedade de qualquer outro concurso, além da consulta alludida, em
relação á ideia e plano da Expedição projectada, cumprindo-nos somente
acatar essa resolução, como o temos feito por occasião de outras expe-
dições análogas.
Não deixará Y. de comprehender perfeitamente toda a delicadeza
doesta situação creada á nossa Sociedade. Ella resolverá o que tiver por
mais conveniente em relação ás amáveis suggestoes contidas no officio
de y. , e cumprirei então o grato dever de cumprir as suas ordens.
Agradecendo, porém, a parte que me é pessoal na communicação de
V. , tomarei a liberdade de observar-lhe que, como V. não ignora, a
commbsão de que foi encarregado, á parte a sua particular missão diplo-
mática e commercial, pôde accrescentar em muito o pecúlio de informa-
ções e de noticias que a sciencia tem procurado reunir, em relação ás
regiões e povos que demoram para além da nossa occupação angolense.
£ o melhor conhecimento da hydrographia aMcana um dos pontos
capitães da universal campanha emprehendida de ha séculos para abrir
o continente negro á civilisação europea.
Quer y. se dirija por Malange, quer tenha de optar pelo caminho
do Bihé para attingir a Limda, não ha de encontrar inteiramente devas-
sada e conhecida a questão das formações e communicaçòes hydrogra-
phicas na vasta zona que terá de atravessar, apesar dos notáveis tra-
balhos e esclarecimentos fornecidos por tantas expedições nacionaes e
estrangeiras, que a teem percorrido.
Permittir-me-ha, porém, y. que desde já chame a sua attenção para
u informações extraordinariamente deficientes que possuímos acerca do
paiz que os nossos sertanejos chamam Cacheche, ao qual projectava
dirigir-se em 1882 uma grande expedição planeada pelos Srs. Machados,
de Malange.
Segundo estes, o trajecto é desconhecido do Quango para o nordeste.
Ksaa expedição propunha-se a partir de Malange na direcção de nor-
deste atravez da Jinga, uma parte do Hungo, até ás fronteiras septcn-
trionaes do HoUo, seguindo directamente ás cachoeiras do Tembo-alluma,
Qo Quango, para ali resolver se lhe conviria marchar através do paiz do
f
t
32 EXPEDIÇXO POBTDGUEZA AO MUATIANVUA
portancia a dispender com a dita Expedição, pelo modo seguinte : ven-
cimento do pessoal superior e guardas, calculados para dois annos,
ll:760j^000 réis; todas as despesas de material, instrumentos ou quaes-
quer outras, 7:560jÍ»000 réis.
Paço, em 22 de abril de 1884. = Manuel PinJieiro Chagas,
Tendo sido nomeados, por portarias de 24 de março e 3 do correu te
mez, o Chefe e mais pessoal para a Missão ao potentado africano Muata
lanvo, e sendo conveniente estabelecer os vencimentos doestes empre-
gados durante o tempo da mencionada Missão ; manda Sua Magestade
£1-Rei, pela Secretaria d*Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar,
que sejam abonadas mensalmente aos mesmos empregados, além dos
soldos e ordenados que, segundo as suas classes, lhes pertencerem, as
gratificações constantes da tabeliã junta, a contar das datas nas mesmas
declaradas, e bem assim as ajudas de custo respectivas em todo o tempo
que permanecerem no interior de Africa, devendo cessar estes venci-
mentos desde que os referidos empregados regressarem a Lisboa por
qualquer circumstancia. Pennitte o mesmo augusto Senhor que os em-
pregados superiores da dita Missão recebam dez mczes adiantados das
suas gratificações para descontarem pela totalidade de seus soldos ou
ordenados, e que aos guardas, quando assim se julgue necessário, atten-
tas circumstancias que o Governo apreciará, se paguem adiantados dois
mezcs de vencimento.
Paço, em 22 de abril de 1884. = Manuel Pinheiro Chagas.
rL*£tbolla doN voncimentois iiieiiHucs do Oheí*e
e mais empregados da !M.issâo ao potentado afxdcano
]\luata lanvo
Chefe (além do soldo da cffectividade da sua patente), gra-
tificação lãOj^OOO
Sub-chefe (além do so!do da sua classe), gratificação 100^000
Missionário (alem do seu vencimento de professor), gra-
tificação 50^000
Ajudante (além do soldo da cffectividade da sua patente),
gratificação ÒOJIOOO
Ajudas de custo aos quatro ditos empregados, a 15;^000 réis GOSOOO
4 guardas europeus, a 20;í000 réis mensaes cada um SOj^OOO
4904000
Em vinte e quatro mczes importam cm 11:760^000
INTUO DLCI,' AO
33
Os einpr^^ftrlos <jue stúrcin do Lisboa comeram a veiicer as suasgra-
I fifica^-úes desile quo parllrem para Africa, e ob que residem em Angola
I desiie que stiguirem para o interior. As ajudas de custo eSo aboDadaa
I cmquaotu se eonservarein e:n míssilo no interior da provincia.
bocrelarta d'Eatado dos Negócios da Marinha e Ultramar, 22 de abril
de 1681. = Jfanuej FiaJieiro Chaga».
í
Á desiiesn foita com o material, do 7:5605000 réis, doaen-
volve-se em: mstrtimoiitos, livros, mcdicamentus, armamento
CHpeciul, photographia, presentes ao Huatiãavua o cGrte, paa-
ta^'[n de rios e expediente.
N3o eo attcndeu & construcçSo de Estnçílcs, a presentes aos
potentados onde ellas se levantassem, ou a presentes du tran-
«li>, nem ao salário e raçíios ilo pessoal de ciin'ega,(lure8, aoB
escoteiros, o « outras despesas extraordinárias, diligeucias,
gratificações, ctc.
Na provineia de Angola contava a Expedição obter barra-
ra», %amas, mesas e baiipos jjortateis, armamento Winthestcr
com as respectivas cargas, mneliinas o outros auxiiios para
phutographía, bem como tipóias e muares, o que tudo havia per-
tencido ao pessoal dos estudos do cnniiuho de ferro de Aiu-
bnca e ficara em deposito.
Por causa da epizootia, a Expedição nilo p3de obter, de
S. Thiigo de Cabo Verde, as muai'UB, como havia solieitado
in governo.
IVocurei orgauisar um material para a Expedição nas melbo-
i« a Diais económicas condiçSes, tendo especialmente em at-
tençb dar cumprimento As ordens superiormente recebidas, e
bibilibUla com o ipiu lhe cm indispensável.
Jicii tinha cscripto em 1877 no Jornal dan Colónias, quo
tm Frsnça e Inglaterra ha bazai'es especlaes, onde se forne-
comoH vinjunlcs on colonos que emigram pai-a paizes quentes
• ptliiKircs, de todos os rcctu^os considerados tnais indispensa-
™' e adequados a protegê-los dtt influencia dos climas e dos
pMÍgos do sertão, uiuniudo-Hc de ferramentas, instrumentos,
■"«luiittí, livros e artigos particulares aos diversos misteres
* lie desejam dedicar-se; e em outros estabelecimentos ae
34 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
adquirem os mais modernos instrumentos de precisSo, appro-
priados já para trabalhos em Africa, acompanhados das res-
pectivas instrucçSes praticas para os diversos estudos, que a
sciencia instantemente reclama aos que se aventuram a in-
temar-se naquelle continente.
Sabia cu também que os fornecimentos, que fizesse em
qualquer d'esses estabelecimentos, seriam cm boas condições
de economia, qualidade e acondicionamento; porém, nem o
tempo nem os recursos me permittiam lá ir, e era mesmo já
tarde para requisições de um ou outro objecto que conhecesse
mais de perto c fosse julgado essencial, como chronometros e
outros instrumentos de meteorologia, anthropometria, etc, ou
de consei^vas e outros géneros de alimentação, a fim de que
num pequeno volume obtivéssemos o máximo de commodída-
des e de alimentos.
E é nisto, sobretudo, no preparar do material das suas ex-
pedições para o continente africano, que os estrangeiros se
avantajam a nós, logo ao saircm dos seus paizes.
Era, porém, muito tarde, e tive de me sujeitar ao que pu-
desse encontrar na cidade de Lisboa, e por economia ao que
o Governo me dispensasse em Loanda.
Sabia que existiam em deposito, na direcção das obras pu-
blicas e no ministério da guerra, algumas armas antigas com o
competente cartucliame e correame, barracas e artigos que lhe
s3lo inherentes; vieram apenas algumas barracas, e em tal es-
tado, que nem foi possivel acondicioná-las para embarque. O
cartuchame e capsulas estavam deteriorados, e as armas, que
eram de systema Wcstlcy Richards, melhor fora nâo as termos
levado, porque durante mezes constituiram cargas muito pe-
sadas e desgeitosas e, distribuídas pelos carregadores, depressa
se inutilisaram.
Estava deteiminado que a Expedição devia sair no paquete
de 6 de maio, e em 28 de abril recebia eu as instrucções que
transcrevo.
INTBODUCÇXO 35
TxkmtwLCQÒem
Por qae se dere regniar o mi^or do exercito
Uenrlqae Áagasto Dias de Carralho
na Missão ao potentado africano Maata lanro
Tendo sido Y. encarregado, em portaria de 24 de março ultimo,
de organisar e dirigir a Missão que o Governo de Sua Magestade re-
solveu enviar ás terras do potentado africano Muata lanvo, para os
fins designados na mesma portaria, e com o intuito de renovar as re-
lações commerciaes e officiaei^ com o mesmo potentado, que a expedição
iniciada por Joaquim Rodrigues Graça, em 1843, procurara estabele-
cer, por bem dos interesses da Nação, deve V. observar n^aquella
organisação e no cumprimento de tão importante incumbência os pre-
ceitos constantes das presentes Instrucçocs, ás quaes vae junta a copia
da alludida portaria.
A missão será composta de V. , como Cbefc, do Pharmaceutico refor-
mado em Major, Agostinho Sizenando Marques, como Sub-chefe, do Mis-
sionário António Castanheira Nunes, e do Tenente da Africa Occidental,
Maimel Sertório de Almeida Aguiar, como Ajudante.
Se por qualquer razão o Missionário nomeado por portaria de 3 do
corrente não puder fazer parte da Missão, será por Y. escolhido, de
aecordo com o Governador Geral da província de Angola, um outro que
seja europeu e portuguez, e se ache moral e instructivamente habilitado
para desempenhar as fimcçÕes importantes que teem de lhe ser attri-
buidas.
II
Para o desempenho do que incumbe á Missão cuja direcção lhe é cou'
fiada, são entregues a Y. instrumentos, medicamentos e outros obje-
ctos enumerados nas relações juntas a estas Instrucções, e fomecer-se-ha
na província de Angola dos demais a que se refere a relação respectiva,
e do pessoal indigena que lhe for indispensável para seu transporte.
III
Ifflinediatamente á sua chegada a Loanda deverá Y. apresentar-sc
so Governador Gkral da provincia, a fim de receber d'este magistrado
36 EXPEDIÇlO PORTUGUEZA AO MUATIANVUA
as ordens o indicações que lhe parecerem convenientes para o bom ezito
da Missão, considerando- as Y. como addicionamento ás presentes in-
strucções.
IV
Beunido o pessoal da Missão e obtidos os precisos meios para a sua
definitiva organisação e transporte, seguirá V. ao seu destino, de-
morando-se em Malange somente o tempo necessário para obter os
carregadores que lhe faltarem para a conducção do pessoal respectivo e
material.
Em Malange procurará que os commcrciantes portuguezes Machados,
que ali se acham estabelecidos, auxiliem e protejam a Missão e os fins
que se propõe, de modo que encontre o menor numero de difficuldades
no seu trajecto. £ de presumir que aquclles cidadãos, que tamanhos ser-
viços teem prestado a muitos exploradores estrangeiros que por ali teem
transitado para o sertão central do continente negro, folguem de se lhes
ofForecer occasião de provar o seu patriotismo, coadjuvando uma Expedi-
ção Portugueza de que o Groverno tem esperança de obter singulares
resultados para o commcrcio em geral, e especialmente para os interes-
ses políticos de Portugal. O Governo acaba de reconhecer a dedicação
dos alludidos commcrciantes por um testemunho inequívoco de distinc-
ção e apreço, que accrescentará em valor, se também maior demonstração
derem agora dos seus sentimentos de bons patriotas.
Deve ser cm Malange que Y. terá de planear o itinerário que
lhe cumpre seguir até ás terras do potentado Muata lauvo, e só ahi o
poderá determinar com a precisão possível, contando que circumstan-
eias imprevistas se podem dar, que algumas vezes o obriguem a qualquer
alteração. O sertanejo Graça tem marcado no seu itinerário, dia a dia,
os pontos por onde transitou, mas depois de 1847 ha sido mais de uma
vez devassado aquelle sertão, e será por certo fácil a Y. , com cri-
tério, e investigando, regular o seu trajecto até o ponto do seu destino,
encurtando sensivelmente o itinerário de Graça.
YI
No seu percurso até á Mussumba deverá visitar os principaes chefes das
tribus cuja passagem marcar no seu itinerário ; não se designando a Y.
quaes devam ser essas tribus pela diiiiculdadc, que não desconhecerá,
de lhe serem indicadas n'estas Instrucções. Só o perfeito conhecimento
INTRODUCÇXO 37
do estado em que irá encontrar as relações que entre si possam ter os
poYOS de Qoibundo, Cubango e Cassai, e do modo por que actualmente
costumam a tratar os exploradores e aviados europeus, é que poderá
decidir Y. a visitar aquelles povos c demorar-se entre clles o tempo
necessário para estreitar relações de amizade e commercio,' se prever
que essa demora não retardará a chegada da Expedição á Mussumba.
Se tiver razoes que lhe assegurem a possibilidade de não transtornar o
fim da Missão com a sua passagem por aquelles povos, aproveitará n^esse
caso a oceasião para procurar conseguir dos respectivos régulos que
consintam e defendam abrigos construidos pela Expedição, que offercç^m
aos visitantes europeus ou commerciantes dos sertões mais conforto do
que as cubatas levantadas nas suas senzalas ; convencendo esses régulos
de que, por esta forma e com essas commodidades, podem ter entre si um
commercio seguro e ininterrompido, e auxiliares valiosos para a sua ci-
Tilisação. Em todo o caso, deve ser empenho constante de Y. propor-
cionar principalmente aos portuguezes que por ali forem a segurança de
que necessitarem para fazerem a permutação de suas mercadorias pelos
prodactos do «paiz, sem soffrerem os vexames e exigências que usam
fiizer-se naquellcs sertões aos que a clles vão commerciar.
YII
Provida como vae a Missão dos instrumentos e recursos scientiíicos,
deve Y. aproveitar todas as occasioes que se lhe offereçam de au-
gmentar e rectificar as informações que existem 'das regiões africanas
por onde transitar, estudando similhantemente os meios práticos e mais
&ceis de assegurar e desenvolver as relações commerciaes entre os ter-
ritórios e portos da província de Angola e os povos sujeitos ao dominio
de Moata lanvo; não perdendo jamais de vista quanto importa evitar,
por todos os meios, o desvio d'essas relações para quaesquer occupaçòcs
oa estabelecimentos estrangeiros ao norte e ao sul, e combater a pre-
pouderancia politica de estranhos nas regiões não avassaladas do inte-
rior do paiz.
YIII
A soa chegada á Mussumba deve ser precedida das formalidades e
wremonias usadas especialmente com o Muata lanvo, e de que deverá
lofomuir-se em Malange, devendo apresentar a este potentado os pre-
lentes que lhe envia o Rei de Portugal, em demonstração do apreço
^ que é tido de longa data por Sua Magestade, principalmente desde
<ive ali residia por algum tempo Joaquim Rodrigues Graça, signiíi-
L
38 EXPEDIÇXO POBTUGUEZA AO MUATIAnVUA
cando-lhe quanto é agradável a Portugal a renovação das cordiaes re-
laçòes iniciadas pelo dito sertanejo ; inspirando no seu animo e no dos
seus conselheiros a estima e respeito pelos portugueses, que foram os
primeiros a trocar com olle as valiosas mercadorias que levaram ás suas
terras, engrandecendo o seu commercio com o fornecimento do que care-
cia para satisfazer as necessidades do seu bem estar ; e convencendo-o
também de que são os Portuguezes que ha séculos são tratados e respei-
tados por todos os povos dos sertões visiuhos pela sua liberalidade e
actividade mercantil.
Logo que V. entenda que se ha insinuado no animo do potentado
por forma que elle se ache bem disposto com respeito á Missão, procu-
rará persuadil-o a celebrar um tratado do amizade e commercio, em que
se consigne a necessária auctorisação e protecção por elle dada ao esta-
belecimento e fixação, junto do mesmo potentado, de uma missão civili-
sadora, religiosa e commercial dirigida por um «Kesidente politico» per-
manente, e de algumas feitorias a que elle igualmente dê as devidas
garantias de segurança, na certeza de que assim concorre para o desen-
volvimento e civilisação dos territórios sob o seu domiuio, que receberão
proveitosas lições sobre o modo de fomentar a cultura de suas terras e
alimentar empresas de permutação de géneros da sua producção pelas
mercadorias portuguezas que satisfaçam as suas instantes necessidades.
IX
Devem ser aproveitadas pela Missão todas as occasioes de persuadir
os régulos das regiões que percorrer, e com mais demorada insistência
o potentado que vae visitar, a abandonarem o antigo costume de escra-
visar, fazendo-llies sentir que o Governo Portuguez tem o maior empe-
nho em ver para sempre terminada a escravidão nas terras de Africa,
onde todos lograriam maior somma de bens se seguissem os hábitos e
priucipios civilisadores da Europa; mas estas exhortaçoes devem ser
empregadas com critério e discrição, porque não pode espcrar-se que
facilmente se desarrcigue do espirito de taes gentilidades, sobre que não
temos dominio, o que consideram um direito e uma vantagem.
Deve ser um dos cuidados da Missão investigar do procedimento,
propósitos e influencia que entre aquelles povos vão tendo os explorado-
res allcmães, ou outros quaesquer estrangeiros que até elles teem che-
gado, e registar particularmente tanto essas informações como outras
INTRODUCÇXO 39
de interesse para Portugal. Sempre que a MissSo verifique que algum
agente estrangeiro tem usado da ascendência, que por acaso possa ter
alcançado sobre os indígenas, para prejudicar os interesses do commercio
naeional ou o Nome Portuguez, protestará contra esse facto, procedendo
eom a perspicácia e zelo que puder empregar para destruir quaesquer
prevenções ou malévolas insidias, e fazcndo-lhes bem sentir que nem
sempre sâo exclusivamente humanitários e civil isadores os trabalhos e
tendências de alguns d*esscs exploradores ou agentes.
XI
Um dos meios de captivar a sympathia dos régulos dos scrtues por
onde tem de atravessar a Missilo, é o de se conformar com os usos e
estylos do paiz, assignalando a sua passagem, para ser bem acolhida,
eom presentes e dadivas, a que se deve soccorrer, não como tributo, mas
como espontânea demonstração de amizade e boa disposição de manter
estreitas relações com os que dispõem das populações de taes paires. E,
neste ponto, vem de molde recommendar á Missão o procedimento dos
exploradores portuguezes por occasião das suas viagens pela Airica e
qae elles nos seus interessantes livros relataram, tratando das exigências
qae alguns régulos ousaram fazer-lhes, que mais poderiam denominar se
verdadeiras extorsões. Um dos meios mais seguros de se livrarem dos
ataques dos indígenas consistia quasi sempre em ser por estes reconhe-
cido, que os exploradores se achavam bem preparados para resistir a
quaesquer tentativas de depredação. Mas, ao passo que conservavam a
conveniente firmeza, esgotavam também todos os recursos da prudência
e da conciliação com os que peores instinctos revelavam.
XII
•
A quem conhece as necessidades, tendência e superstições dos povos
gentílicos, não será preciso encarecer a influencia e preponderância que
entre elles pode adquirir a Missão, prestando-lhes os soccorros médicos
de que necessitarem, e que serão dispensados pelo pharmaceutico da
mesma Missão. £ pois escusado inscrever longas recommendações sobre
este assumpto.
XIII
A influencia moral que a Missão deve exercer sobre o espirito dos
otdigenas cumpre que seja inalteravelmente mantida, dando o exemplo
^ bom procedimento a todos que se reunirem em tomo d'ella e dos
40 EXPEDIÇXO PORTDGUEZA AO MUATIÂNVUA
seus estabelecimentos, tratando os povos com benevolência, observando
e fazendo observar pelos que a compõem, ou a ella se juntarem, a mais
estricta justiça nos negócios que tenham relação com os indígenas, e
não consentindo por caso algum que qualquer da Expedição illuda,
insulte ou maltrate os mesmos indígenas. É da observância exacta
doestes preceitos que depende o bom resultado da Missão, e especial-
mente o credito do Nome Portuguez.
XIV
Deve a Missão, desde a sua salda de Loanda até o ponto do seu des-
tino, durante todo o tempo que se achar constituída, e na sua volta a
Loanda, fazer um diário exacto e completo de tudo quanto occorrer e das
mais pequenas circumstancias que interessem aos seus âns. Sempre que
encontre opportunidade rcmettcrá copias doesse diário, acompanhando- as
de esboços dos caminhos percorridos, da situação geographica de qual-
quer ponto, das observações astronómicas e meteorológicas fíindamentaes,
e fará constar ao Governador Geral de Angola a situação da Missão.
Quando esta terminar apresentará no Ministério da Marinha e Ultramar
o alludido diário e um relatório de tudo quanto possa interessar á scien-
cia e ao commercio em geral, e em especial ás relações com o Muata
lanvo, assim como a collccção de espécimens e exemplares geológicos,
zoológicos, botânicos, etc, que deve ter colhido e conservado.
XV
Um dos maiores cuidados de V. deverá ser o de procurar assegurar
a sua correspondência e relações entre Malange e quaesquer pontos do
itinerário que concertar, e entre estes e os estados do Muata lanvo,
a fim de poder fazer, com mais cautelíi, a remessa do que lhe é recommen-
dado no artigo 14.*», e enviar para o Ministro e Secretario d'£stado dos
Negócios do Ultramar, Presidente da Commissão Central de Geographia,
os resultados e noticias que exigirem immediata publicidade, que ha de
ser devidamente físcalisada e dirigida, para que possa fazer-se conhecer
pela imprensa o que for politico publicar; sendo certo que muito convein
conservar o publico interessado nos diversos incidentes do emprehendi-
mento que vae ser commettido, na intelligeneia de que não 6 permittido
a V. dar informações do andamento, successos e resultados da Missão a
outra qualquer pessoa ou a qualquer jornal, visto como só o Ministro
pode estar nas circumstancias de discriminar e apreciar o que se poderá
publicar sem inconveniente, e haver sido resolvido que toda a corresiKjn-
INTR0DUCÇ20 41
dencia e serriços relativos á Missão se deverão reunir e centralisar na
Commissão Central de Geographia, cujo Presidente é o Ministro.
XVI
Ser2o tidas em apreço especial todas as informações que a Missão
possa vir a colher com respeito aos caminhos conmierciaes mais fáceis
e seguros, aos processos, necessidades e preferencias do commercio in-
dígena, ás aptidões do solo e do clima, aos costumes, tendências e situa-
çlo das diversas populações que atravessar, e, emfim, a tudo quanto
importe ao maior desenvolvimento das nossas relações commerciaes.
XVII
Fazendo parte da MissSo um Missionário portuguéz, e indo entre as
alfaias que ella conduz um altar portátil, recommendará V. ao dito Mis-
sionário a installaçSo do mesmo altar no local mais próprio, e que for
cedido pelo Muata lanvo para se celebrar missa, resguardando-o de
qualquer profanação que iniitilise o prestigio que se lhe deve attribuir,
ou macule o respeito com que deve ser venerado, sobretudo entre gen-
tios. A Missão é politica e commercial, mas deve ser também religiosa.
N^esta qualidade pode fazer relevantíssimos serviços á civilisação do
paiz.
XVIIl
Pode presumir-se que a Missão de que V. é incumbido requeira dois
annos para satisfazer aos âns a que se destina, e que ficam designados
nestas Instrucçoes. Não ficará, porém, sendo obra de grande utilidade
o que fizer, se na sua retirada for deixando ao abandono todos os esfor-
ços, diligencias e dispêndios. E por isso que, referindo-me ao que fica
dito no artigo 8.', eu lhe rccommendo que insista cm procurar conseguir
do Muata lanvo que permitta que fique junto d'elle um «Residente» que
dirija a Missão civilisadora, religiosa e commercial que ali deve perma-
necer. Assim não afrouxarão as nossas relações com aquclle potentado,
que é de crer estariam ainda mantidas desde 1846, se não fosse a impre-
vidência do sertanejo Graça, que pode ser relevada pela necessidade da
soa forçada retirada.
XIX
Os exemplos que os membros da Missão derem, de moralidade, de
respeito pela boa fé dos contractos, de honestidade nas transacções, de
i
42 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
•
comprimento exacto de seus deveres sociaes, bSo do necessária e pro-
veitosamente reflectir-se nas outras partes componentes da Expediçlo,
e ser reconhecidos pelas povoações por onde transitarem e pelos povos
dos estados do Muata lanvo. £, pois, a pratica d'esses exemplos que
muito rccommendo, como essencial á Missão, e nSo menos importanto
será que V. mantenha sempre na melhor ordem e subordinação todos
os elementos de que ella se compozer.
Tudo o mais que nestas Instrucçocs não vae mencionado e que for
necessário ter em consideração, será facilmente supprido pelo zelo e
pela pratica que Y. tem dos sertòes airicanos.
Secretaria d^Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, em 28 de
abril de 1884. = Manuel Pinheiro Chagas.
Approxima-sc o dia da partida, e o serviço accumula-se por
tal forma que .não dá tempo a descanso. Era indispensável
aproveitarem-se todos os momentos.
Do Porto annunciava-sc-me, já pelo correio, já por tele-
grammas, a remessa de eargas, e estas nSo chegavam.
O meu collega Sizenando Marques, occupado com a aequi-
siçSLo de instrumentos e seu aferimento, escolha de medica-
mentos e rancho, e outras minudencias para os serviços a seu
cargo, e ainda vigiando a maneira por que tudo se acondicio-
nava em volumes de grandeza e peso determinado, nSo podia
attender a outros trabalhos.
As cargas propriamente da Expedição, bagagens e ainda
uns setenta volumes do commcrcio do Porto, a pouco e pouco
iam entrando nos depósitos do Arsenal, para d'ahi seguirem
para bordo logo que tudo estivesse reunido; mas em 5 ainda
<avam perto de duzentos volumes, que eu sabia terem já sido
expedidos do Porto. Os telegrammas a tal respeito succediam-
se, mas as cargas estavam demoradas no transito.
A alfandega achava-se fechada, e d'ahi nova fadiga para
serem recebidas a bordo as cargas que estavam no Arsenal. A
custo, ás seis horas e meia, entraram ellas no paquete.
Era tempo de tratarmos dos nossos preparativos, e de cum-
prirmos com os deveres que mais custam a quem se ausenta
do paiz por motivos análogos — as despedidas aos nossos pa-
rentes e amigos.
j
INTRODUCÇlO 43
Recolhi tarde a casa neste ultiipo dia^ e parece que a sorte
me qaeria apurar o soffirimento. Horas depois de ter dado um
abraço de despedida em meu estimado tio, o General Comman*
dante das Guardas Municipaes^ Luiz de Almeida Macedo, re-
cebi de súbito a noticia de que se finara repentinamente.
A familia banhada cm pranto com a dor cruciante da sepa-
ração e a dolorosa noticia da morte de um parente tão que-
rido (dos poucos que me restavam ascendentes) davam ao dia
do meu embarque uma sombra de tristeza tão profunda que eu
mal podia resistir-lhe ; e, digo bem, fugi de casa para bordo,
convencido de que se voltavam contra mim todas as angustias
da vida.
Tomara, porém, sobre mim graves encargos. Havia-me col-
locado ao serviço do paiz, e antepunha-sc a tudo o cumpri-
mento do meu dever.
Parti.
A Sociedade de Geographia de Lisboa, sempre benévola e
sempre prompta a animar os que trabalham, lá estava repre-
sentada na ponte do Arsenal, aguardando o nosso embarque.
 do Porto, que tanto cooperou com o seu valioso auxilio para
o melhor desempenho da nossa Expedição, ainda, á ultima
hora, nos veiu animar com um telegramma de enthusiasticas
felicitações.
Também no Arsenal estavam os parentes e alguns amigos
niaig dilectos para nos acompanharem, e a todos eu procurava
occultar a minha dor, fechando commigo todas as minhas
A gineta de bordo dá o signal de partida. Ainda os abraços
de despedida, e segue o vapor ^S^. Thorm, pelo Tejo abaixo,
no rumo em que na sua ultima viagem, quatro mezes antes,
levara os notáveis e sympathicos exploradores portuguezes
Capello e Ivens, para essa rápida e audaciosa viagem através de
Africa — uma das grandes glorias do paiz neste ultimo quartel
ílo século.
Ia comnosco o sympathico Tenente da armada italiana Af-
fooso Maria Massari, já conhecido pelos seus trabalhos de ex-
L.
44 EXPEDIÇZO PORTUGUEZA AO MX7ATIÂNVUA
ploraçSo no norte da Africa^ agora contratado para o serviço
da Internacional, e que mo fôra apresentado pelo meu antigo
amigo o explorador africano Dr. Max Búchnery que, estando de
passagem em Lisboa com o fallecido Nachtigal, veiu a bordo
despedir-se de mim, c recommendar-me aquelle sou amigo.
Massari parecia desanimado por uma idca triste. Separava-sc
da sua futura noiva e ia para longcs terras, entregue a uma sorte
incerta e talvez contraria aos seus mais ardentes desejos. Tam-
bém não recebera informaçSes satisfactorias de Stanley, seu
futuro chefe, e via-se assim duplamente embaraçado.
As circumstancias approximaram-nos, o que foi para nós de
grande prazer, e muitos foram os assumptos que discutimos
com respeito a explorações.
Tanto a mim como a Sizenando nos davam cuidado os tra-
balhos que Íamos emprehender, mas não podiamos fugir a es-
tas influencias de bordo, que são de todos conhecidas, e de
que todos os que tccm viajado nos nossos paquetes da carreira
de Africa se recordam sempre com saudade.
O commandante A. de Oliveira Fialho, nosso antigo amigo,
o que bem conheciamos de outras viagens, procurou tomar esta
o mais agradável possivel.
O vapor era bom. Já conhecia o caminho, como elle dizia;
fazia onze a doze milhas por hora, e tudo promettia uma via-
gem feliz e rápida.
Um dos passageiros, porém, portuense, dos seus trinta an-
noB e de génio folgazão, achava a vida a bordo monótona, e
dizia-me enthusiasmado :
€ Tenho pena de o não ter conhecido cm Lisboa, pois o não
deixaria mais, e bons serviços lhe havia de prestar.
€ Gosto muito de commoçSes fortes, novas, nunca sentidas!
Imagine, eu mettído numa cubata no meio de um deserto e
que de repente, sem me ser dado prever, um leão de um salto
apparece ao pé de mim!
«Fixa-me com os seus olhos de fogo, mas não vacillo um
só momento. Se não tenho a espingarda á mão deito fogo á
cubata, e elle enraivecido lá vae para a floresta berrando como
INTBODUCÇÍO 45
nm possesso^ e eu cá fico ao pé do fogo com os meus compa-
nheiros; cantando victoria, emquanto não rompe o dia.
cE d'Í8to que eu gosto! São estas commoç5es que eu pro-
curo ha muito tempo. Olhe que eu já percorri o Amazonas^ o
Bio da Prata como commissario; e andei por muitas terras do
Brasil, e declaro-lhe que só cm Afirica poderia encontrar o que
desejo; d'estas scenas que ora nos assustam, ora nos animam,
e muitas vezes nos fazem suppor termos a nossa vida por
am fio.
cSSo estas commoçSes fortes, que ha de ter a cada momento^
que eu lhe invejo! Pois ha nada mais bello que, depois de dias
de fome, disputar-se a tiro com o gentio uma gallinha, um
ovo, um firucto qualquer, e ir saboreá-lo depois com todo o
descanso!
cSão estes momentos felizes do que só podem gozar actual-
mente os exploradores!»
E é assim que uma grande parte da gente pensa com res-
peito a explorações!
KSo eram essas commoçBcs que eu procurava, nSo ; e, pela
minha parte, confesso que as muitas por que passei me abala-
ram e fatigaram bastante, e estou certo de que aquelle enthu-
siasta, que por ellas tanto almejava, pelo menos no fallar, se
tiTesse soffrido metade, de certo se daria por satisfeito.
O que me preoccupava sempre era dar fiel cumprimento ás
«Instrocções» pelas quaes havia de guiar-me, e que os leitores
já conhecem; instrucçSes de que se deprehende a importância
^ missXo que se nos encarregara.
Campria-nos, pois, estudar as terras, para onde nos dirigia-
Di08, sobre diversos pontos de vista politicos, económicos e
«científicos.
Era, emfim, uma missão de paz, de civilisaçSo, e em que
•c apresentavam os mais importantes problemas a resolver.
Poder-se-iam resolver ao menos algims d^elles?
Que raças habitavam todas as terras até á Mussumba? Que
lingaag fallavam? Quaes os seus usos e costumes? Quaes os
•cítt caracteristicos ethnographicos? Qual a influencia do meio
46 EXPEDIÇlO POBTUQUEZA AO MUATIInVUA
que os cercava? Qual a sua forma de governo? A sua poli-
tica? A sua historia? Em iim, como aproveitá-los para o bem^
sem a macula da escravidão ?
Da maneira pela qual a Expedição attendeu a todos estes
assumptos se verá nas differentes monographias que vSp ap-
parecer a publico^ e que cm summula abrangem : Descripção
da viagem e eíicposição de todos os trabalhos nos quatro annos que
durou a Expedição, 3 volumes ; Os climas e as producçves das
terras de Malanje á Lunda, 1 volume ; Methodo practico para
fallar a língua da Lunda, contendo najTaçdes históricas dos
diversos povos, 1 volume ; Vocabulários dos dialectos dos povos
do occidente da região tropico-austral da Africa, para portuguez
e de portugucz para esses dialectos, com eíxplica^és dos vocábu-
los de difficil definição, 2 volumes; Ethnographia e historia
tradicional dos povos da Lunda, corroborada por caracteres
physicos, linguisticos e outros essenciaes, 1 volume; Meteorolo-
gia e climatologia das regiões visitadas pela Expedição, com-
paradas com as do littoral africano ao occidente e ao oriente
1U1S mesmas latitudes, 1 volume; Álbum ethnographico, 1 vo-
lume.
CAPITULO I
DE LOANDA A MALANJE
aèi uJcúete úorna, nalike kuia hdutúh
«se tens medo, não avances.»
Ko porto de LoandA ; recorda^ 5ei hiitoricas ; Loanda cidade doi trópicos, e aens molhO'
ramentos — Ka cidade de Loanda; preparação da ezpediçio; contratados; efficas
aaxilio de 8. Ex.* o Qoyemador Oeral ; os melhoramentos feitos e os que mais importa
faser ; a população — No rio Cnanza ; importância ; soa bella posição ; informaç&es
do dr. Manoel Ferreira Ribeiro — Massangano; outras povoações i beira*rio — A villa
do Dondo —Viagem para Caaengo — Concelho de Cazengo — Viagem para Ambaca —
Concelho de Ambaca — De Ambaca para Pungo Andongo — Concelho de Pnngo An-
dongo —Viagem de Pnngo Andongo para Halai\je — Entrada em Halai\)e — O nosso
Biodo de Ter sobre a região que atravessamos.
Pouco se dorme n bordo
de um pnquelc, qimndo fim-
(lendo, porque, affeitos como
estamos, npós nlgims dins de
vingem, aos seus desoncon-
tradoB movimentos, no niido
da mnchinn e ao rodar do
leme boL o vaevem das pe-
sadas correntes, e 'a todas
essas sensações, emfim, que
50 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÍNVUA
nos embalam e ao principio mesmo nos atormentam, e contra
as quaes nos não é dado reagir, sentimos então a sua falta e
não podemos conciliar o somno.
Accresce a estas circumstancias, justo é dizê-lo, uma certa
inquietação, ou, ainda, a natural curiosidade que nos desassocega
e nos estimula.
Não é, pois, para estranhar que, fundeado o vapor, logo ao
i*omper do dia, mesmo antes da baldeação, sobre a tolda se
encontrem muitos passageiros, uns com a idea predominante
de irem para terra nas primeiras embarcações que larguem do
navio, outros ansiosos, esperando um parente ou amigo que
lhes venha dar noticias e proporcionar-lhes um bom transporte ;
e ainda outros, que nem as bagagens fecharam, com o único
fim de contemplarem o panorama da terra naquellas horas em
que começa o movimento matinal e em que o sol nascente dá
certo tom de novidade ao porto e á cidade que nos defronta:
e se isto succede em todos os portos onde, ainda que seja ape-
nas de passagem, se entra, com muito mais razão se observa
quando se chega a um porto tropical, onde se deseja viver por
algum tempo.
Fôramos também dos primeiros a subir á tolda, onde nos en-
contrávamos mais uma vez' com todos os nossos companheiros
de viagem, de quem estávamos prestes a separar- nos.
«Mas por que nos vamos demorando tanto tempo a bordo?»
perguntava um passageiro, que pela primeira vez aqui che-
gava.
Toruou-se esta interrogação o assumpto geral da conver-
sa, c, de facto, todos mais ou menos lamentámos que, sendo
Loanda uma cidade secular e de uma grande importância com-
mercial, e tendo chegado um paquete na véspera á noite,
não estivesse este rodeado de embarcações que se afretassem
para o transporte de passageiros, bagagens, etc.
Attribuiam uns esta grave falta a medidas preventivas de
policia, outros a que ainda não tocara a alvorada em terra, mas
nem uns nem outros acertavam. O navio havia sido visitado
logo que chegou, e a policia estava a bordo. A razão era, com
DESCBIPÇZO DA VIAGEM 51
magoa o dizemos, não haver em Loanda embarcaçSes d^essa
ordem. E custa a crer que ninguém se lombrasse ainda de pro-
ver a tZo imperiosa necessidade, sendo certo que havia de au-
ferir bons lucros.
Uma cidade de primeira ordem como Loanda, puramente
commercial, que tudo importa e que tudo paga com os ricos pro-
ductos de exportação ; que vae ser dotada com um caminho de
ferro de penetração e imia linha telegraphica que a h'ga á Eu-
ropa, e servida no seu recinto por uma rede telephonica, nSo
ter no sen porto grande numero de barcos para transportes,
dá desde logo uma triste idea das suas commodidades com-
mercíaes.
E como pode explicar-se que qualquer particular, para sair
da cidade ou nella entrar com sua bagagem pela via marítima,
esteja dependente do favor de transporte do Governo ou de
qualquer amigo?!
O movimento de navios no porto de Loanda é tal, que con-
viria mesmo organisar este serviço e facilitar assim ao indi-
gena os trabalhos marítimos, com o que muito se aproveitaria.
Mas deixemos este incidente, provocado por um passageiro
que pela primeira vez aqui veiu, e olhemos em derredor, con-
templando os logares que viramos em outra epocha, e pro-
curemos descobrir o seu progresso durante o tempo que d^elles
estivemos ausente. .
O paquete ancorara entre a ponta de Isabel e o morro
das Lagostas, negro promontório nSo mui saliente, onde ter-
mina a enseada do rio Bengo, hoje coroado por um bom pha-
rol de luz de rotaçSo, que se vê a grande distancia, proje-
cto do illustre engenheiro Manuel Raphael GorjFHo, ampliado e
levado a effeito sob a direcção do seu collega e successor no
serviço das obras publicas Arnaldo de Novaes.
Na nossa frente, a leste, estamos vendo, revestida de um
cinzento claro, a fortaleza do Penedo, que primeiro foi um
pequeno forte que mal continha seis boccas de fogo, mandado
eonstmir por Luiz Lobo da Silva no seu governo de 1684 a
1688* Nelle fôra preso, por ordem do mesmo governador, o
52 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
traidor jaga de Caconda, que ahi terminou ob seus dias, em
castigo do quanto incommodara os povos de Benguela.
Este forte^ transformado oitenta annos depois em fortaleza,
pelo, ainda hoje n2Lo olvidado, Governador D. Francisco Inno-
cencio de Sousa Coutinho, apesar das interrupções por falta de
material e porque a maior parte das novas construcçSes era
feita onde chegava o mar, concluiu-se em dezesete mezes.
Elle lá está ainda em bom estado, vendo-se sempre em
asseio e boa ordem, sendo aproveitados os seus bons armazéns
abobadados, abaixo do terrapleno, para deposito de pólvora do
Governo e do commercio.
Ultimamente, como já não tenha a capacidade indispensável
ás exigências do commercio, sob um bem elaborado projecto
do nobre Marquez das Minas, está-se procedendo um pouco
além do pharol, para o interior, no alto da Bella Vista, á con-
strucçHo de um paiol em boas condições e munido dos compe-
tentes pára-raios.
Para o norte do logar em que estamos vae-se desdobrando
a costa por largas curvas reentrantes, que terminam em pon-
tas mais ou menos salientes, sendo a que divisamos mais longe
a do Dande, que nos occulta as bellezas das margens do rio do
mesmo nome.
O terreno sobre as praias, de uma areia esbranquiçada, ele-
va-se quasi a prumo, parecendo-nos cortado pela mão do homem
e formando barreiras dispostas em camadas de composição va-
riada, ora vermelhas, ora pardacentas, desanimando pela falta
de vegetação a quem pela primeira vez vae penetrar nesta pro-
vincia, sobretudo quando tenha admirado a prodigiosissima ve-
getação das^nossas primorosas ilhas de S. Thomé e do Principe.
A impressão desagradável que se sente é tal, que estamos
convencidos de que ainda não houve uma s4 pessoa que, nesse
momento, se não recordasse com saudade da pátria e de tudo
o que lá deixou, lembrando-se de voltar no mesmo paquete
sem pôr os pés numa terra de tão desolada apparencia!
E são estas impressões que, juntas á triste opinião que na
metrópole corre sempre com respeito á Africa, muito teem
L
descripçao da viagem 53
contribuído a tomar-nos aventureiros coloniaes e nunca colonos ;
isto éy procurámos obter um capital com a idea de regressar em
pouco tempo á pátria!
£ esta uma das causas que mais teem concorrido para o
atraso em que, nesta quadra do século xiX; ainda se encon-
tram todos 08 nossos dominios de além-mar^ que tão facil-
mente nos poderiam elevar ao grau de prosperidade a que as-
pirámos, fazendo de Portugal uma nação mais respeitada, do
que o está sendo, pelas naçSes colonisadoras. Mas não culpe-
mos apenas os Governos d'este atraso, pois que o mal é de-
vido aos nossos costumes e, talvez, a estar estabelecida a cor-
rente da emigração para outros pontos do globo, em que temos
importantes centros commerciaes; não querendo referimos a
epochas anteriores ao primeiro quartel ainda doeste século, onde
encontramos a causa apparente àó seu estacionamento, senão
já definhamento, porque essas grandezas tão falladas eram me-
ras illusòes, que todas se desfizeram, e com que a província de
Angola nada lucrava.
Ás colónias não se fazem sem homens e sem capitães, e sem
86 porem em pratica os grandes melhoramentos materiaes e
moraes que mais podem transformar as terras e as sociedades.
A Gran Canária, que é de hontem, é um modelo que temos
* seguir ; aliás, em menos tempo do que se pode suppor, as
noBsaa ilhas da Madeira e de S. Vicente decairão a par do
florescimento e desenvolvimento da sua vizinha, que se tomou
ji sua rival.
As ultimas estatísticas do movimento do seu porto já apre-
sentam um numero de vapores entrados mensalmente maior
^ne 08 annuaes anteriores, e muitos indivíduos que este anno
Pí^uraram aquella ilha para estação de recreio, tiveram de
íctirar por não haver já onde se hospedarem!
Mas como levantar a opinião publica em favor das nossas
possesaJes?
Ba, sem duvida, muitos processos para o fazer; mas entre elles
deve prevalecer sempre o de uma enérgica propaganda por
meio de descripçSes exactas e das informações mais comple-
54 EXPEDIÇIO PORTUGUEZÂ AO MUATIÂNVUA
tas que sejam possiveis^ dadas por todos os expedicionários e
por todos 08 funecionarios e negociantes^ que sâo^ para assim
dizer^ os batedores que abrem e facilitam o caminho a uma
larga emigração.
£ nós; honrados pelo Governo de Sua Magestade com um
importante trabalho de exploração commercial, diligenciare-
moS; tanto quanto couber em nossas forças, dizer a verdade
inteira sobre os factos que observámos.
Conheciamos a historia da cidade de Loanda, onde servira-
moS; tomando parte em muitos dos seus meAioramentos : nella
estávamos prestes a entrar pela segunda vez, e não o podía-
mos fazer com indifferença.
E, obrigados a contemplar de novo a princeza das nossas
colónias, porque nSo lhe consagraremos algumas palavras?
E bello o seu porto, é grandioso o panorama que ella nos
offerece, mas quizeramos ver-Ihe mais animação, mais movi-
mento, mais vida e maior população.
Cidade dos trópicos, quizeramos vê-la com toda a pujança
das cidades que lhe são congéneres sob os mesmos parallelos.
E porque não se tomará ella a primeira cidade do mundo
intertropical africano?
Vejamo-la por um momento, no seu estado actual e através
da sua heróica historia.
Quem pode olhar com indifferença para a veneranda forta-
leza de S. Miguel, que tantos feitos illustres recorda?
E porque nrio existe já esse padrão do governo de Luiz da
Motta Feio, de que ainda nos falia Lopes de Lima nos seus
Ensaios estatísticos, — o esplendido passeio publico, sobrepujado
de frondosas e fructiferas arvores, com os seus obeliscos e
assentos de pedra?
Fora esta constnicção attestada em 1819 como um padrão
do bom governo de Motta Feio, pelo Juiz, Vereadores e Procu-
rador do senado da Camará ; mas o tempo, talvez, encarregou-se
de fazer desapparecer todos os vestígios d 'esse monumento, e
lá rareiam agora as arvores, que não são de certo as plantadas
por aquelle benemérito Governador!
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 55
£ como tinham fecunda iniciativa os portuguezes de outro
tempo!
Lembremo-nos de alguns nomes laureados e prestemos-Ihes
a devida homenagem.
Francisco de Vasconcellos da Cunha, que governava os rei-
nos de Angola e Benguela desde 1G35, mandou construir o forte
de S. Miguel apenas de barro, taipa e adobes, sendo a des-
pesa paga com os rendimentos do dizimo, além dos da fazenda.
E foi doeste forte que o valente general Salvador Correia de .
Sá Benevides, treze annos depois, no dia 15 de agosto, fez sair
hollandezes, francczes e allemaes em numero superior a mil,
e outros tantos pretos que o occupavam, os quaes, ao passarem
pelo pequeno numero de portuguezes que os desalojaram, quasi
se arrependeram da precipitaçílo era se renderem !
Como é agradável recordar os heróicos feitos d^es&es bellos
tempos, e como esta velha cidade se foi desenvolvendo, já no
planalto, já á bcira-mar !
£ teem sido grandes na verdade os seus melhoramentos ; mas
o seu clima, o seu commercio e as suas condições geographicas
exigem que se rcalisem muitos outros, e julgamos do nosso de-
ver lembrá-los aqui.
A cidade de S. Paulo da AssumpçHo de Loanda está dis-
posta em dois taboleiros, um superior e outro á beira-mar ; pelo
quê se tem feito a distincçSo de cidade alta e cidade baixa.
A baixa estende-se até á encosta, e para o norte vae-se es-
treitando, limitando-se a um renque de casas distanciadas umas
das outras; mas nunca se attendeu á natureza dos terrenos e
i influencia que nelles exercem as aguas pluviaes.
As chuvas, por exemplo, como bem o mostra a gravura, en-
carregam-se de arrastar as areias, que facilmente se desaggre-
gam da encosta, dando a esta a forma de talude, e depositam-
nas em monticulos, que novas chuvas levam para o taboloiro
inferior, e d'aqui para o mar, augmentando assim o terreno
Bub-marino em prejuizo da cidade alta.
Não sabemos se ha elementos sufficientes para se avaliarem
estes phenomcnos geológicos^ já calculados para a costa doBalti-
56 EXPEDIçXo'PORTUGDEZA AO MUATIInVUA
CO, delta do Egypto, e outros logares onde os problemas d'esta
ordem sâo estudados com affinco ; mas esta profunda modifica-
ç^ nas camadas superfíciaes de terreno é assas intensa, e d'isso
mesmo se ressente o porto, cujo fundo se eleva, e mostra que a
ilha fronteira, ou antes o cordão littoral que tem este nome, é
de formação recente.
Somos, pois, levados a crer que os dois taboleiros em que
assenta a cidade de Loanda tendem a nivelar-se com o andar
dos séculos, ce a mâo do homem não se oppuzer ao desenvol-
vimento doeste phenomeno de erosão.
Como a própria gravura indica, as communicaçSes entre a
baixa e a alta da cidade fazem-se por calçadas, construidas em
diffcrentes epochas, orladas com arvores, que, apesar da sua an-
tiguidade, não te era tido grande crescimento.
Aquém, no planalto, vcem-se os cemitérios, o do alto das
Cruzes e o protestante, como tristes mansões dos mortos; e
mais além, para o interior, a obra mais monumental dos últimos
tempos — o hospital Maria Pia.
Um pouco mais para o sul, como limite da parte mais ele-
vada, avista-se uma torre, de construcçHo antiga e que fazia
parte da primitiva igreja da sé, muito bem aproveitada para
o observatório meteorológico, de oíide teem saido trabalhos •
notabilissimos depois de 1877, e de que, por certo, os médicos
do ultramar não deixarão de deduzir as formulas meteoroló-
gicas e dos climas, sempre úteis aos que desejarem fixar-se
por estas terras.
Cá em baixo, á beira-mar, e quasi a meio do contorno da
bahia, distinguem-se importantes edifícios, como o mercado, a
casa ingleza, a alfandega, a capitania do porto, as officinas das
obras publicas ; e mais além, quasi occulto pelo theatro, o velho
edifício do terreiro publico, importante construcção do Capitão
General Sousa Coutinho, e que no seu governo, que teve princi-
pio em janeiro de 1764, já serviu para celleiro do diversos gé-
neros, que elle mandou distribuir pelos mais necessitados, na
triste quadra de uma cruel fome, por que passou a cidade du-
rante vinte mezcs ; e de tal modo se houve aquello benemérito
DESCRIPÇÁO DA VIAGEM 57
governador, que os effeitoB d^essa calamidade publica foram
muitíssimo atenuados.
Recordavamo-Dos com todo o enthusiasmo doestes factos,
quando a nossa attenç&o foi despertada pela atracação de esca-
leres ao navio, e, entre alguns amigos que vinham de terra,
apresentava-se o nosso collega, Ajudante da ExpediçSLo, o Te-
nente do exercito da Africa Occidental Manuel Sertório de Al-
meida Aguiar, que estava em Loanda havia poucos dias, vindo
de Massangano, onde exercera o cargo de Chefe do concelho.
Chegara, pois, a hora de desembarque, e sendo-nos offereci-
das algumas casas particulares para nossa residência na cidade,
muito gratos pela distincçSo, não pudemos acceitar, mostrando
a tão bons amigos, que assim nos queriam obsequiar, a conveniên-
cia que tinhamos de residir próximo da alfandega, para mais fa-
cilmente nos occuparmos das cargas e do seu ac4>ndicionamento,
até se reembarcarem nos vapores da carreira do Cuanza.
Queriamos também isolar-nos o mais possivel de todas as
distracçSes, que sempre proporciona a hospitalidade de bons e
antigos amigos, attento o muito que havia a fazer.
A organisaçâo da Expedição, de que era forçoso occuparmo-
no8 com actividade, para nos demorarmos o menos tempo pos-
sível no littoral e aproveitarmos ainda para a viagem no inte-
rior a quadra própria, que já ia muito adeantada, era o nosso
principal cuidado.
£ uma regra já experimentada, e que nunca deve ser esque-
cida por quem se destina ao interior do continente africano, —
o affiístar-se bem depressa da costa, muito principalmente se
tem de passar para as regiSes mais elevadas.
A resistência orgânica que se adquire no littoral nSò se obtém
em poucos dias, nem mesmo em poucos mezes, e por consequên-
cia a demora que houver aqui predispSe o individuo para as
febres e a não poder resistir ás longas marchas que tem de
fazer, debaixo de um sol ardentíssimo, pelas regiSes onde o
veneno miasmatico, com os seus terriveis effeitos, o pode sur-
prehender, encontrando-o já sem aquelle vigor que tinha ao
entrar em Afirica.
L
58 EXPEDIÇXO POBTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
A retirada deve ser mais rápida quando se tenha contratado
algum pessoal indígena numa povoaçSLo qualquer da localidade
de onde tenha de partir uma expedição^ muito principalmente
da zona maritima, porque as distracções, que elle procura,
prejudicam e são causa de quebras de contractos.
Não olvidemos ainda um conselho da experiência que res-
peita a nóS; europeus^ principalmente, e que adoptámos desde
que fundeámos na ilha do Príncipe; é o 'uso diarío do sulfato
de quinina como preventivo, pelo menos cinco grãos em jejum.
Também se perde a acclimatação já adquirida quando se
passa de um clima quente para o paiz natal; e tiós, embora
habituados ás terras da Africa, já estávamos em Lisboa havia
dois annos, e portanto iamos passar por uma nova adaptação,
que a experiência tem provado não ser das mais fáceis, e por
isso mesmo nos tomáramos mais cautelosos, apesar de nos encon-
irarmos com mais forças do que quando de lá regressámos.
O preventivo de sulfato de quinma, neste caso, tanto ao
Chefe como ao Sub-chefe, impoz-se-nos de tal modo, que só pas-
sados dias, depois de estarmos em Lisboa, deixámos de o usar ;
e se alguma vez d 'elle em Africa nos esqueciamos, accom-
mettia-nos uma excitação febril, e éramos obrigados a tomá-lo
em dose dobrada ou ainda maior.
A falta de sulfato de quinina tomou-se sensivel e mesmo
grave, pois o Chefe da Expedição, deixando de o tomar por se
lhe ter acabado, três dias depois, em que se viu obrigado a
estar exposto ao sol intenso de março, foi accommettido de
uma febre comatosa que o ia levando á sepultura, tendo de se
sujeitar ao tratamento curiosissimo do gentio, de que daremos
conhecimento no logar competente.
É indispensável recorrer ás auctorídades competentes para
sabermos das prevenções de que nos devemos rodear para
resistirmos ás doenças do continente africano.
Os nossos médicos coloniaes, pela sua longa pratica, nos seus
relatórios, e nos últimos annos o Sr. Dr. Manuel Ferreira Ri-
beiro em todas as suas obras, que, com muita dedicação, tem
escripto sobre a nossa Africa, mui principalmente nos seus estu-
DESCRIPçlO DA VIAGEM 59
dos medico-tropicaes, durante os trabalhos do campo para o ca-
minho de ferro de Ambaca, dSo-nos valiosos conselhos a seguir.
Mas seja-nos permittido observar que notámos algumas de-
fidencias nos trabalhos que consultámos, e a que mais adeante
nos referimos, trabalhos aos quaes precisam de recorrer os
individues que são obrigados a intemar-se nos sertSes da
Âfirica Central com o intuito de se demorarem no desempenho
da sua missão — faltando-lhes umas vezes a alimentaç&o con-
veniente; aproveitando-se outras dos alimentos dos gentios,
sofirendo quasi sempre suores abundantes, expondo-se aos
raios de um sol ardentíssimo, atravessando activos focos de
infecçSo, e tendo nto poucas vezes de passar dias inteiros sem
poder mudar de roupas, que a cada passo se encharcam e
seccam sobre o corpo.
A todas estas circumstancias, a que se expSe quem se in-
terna nos sertSes da Africa Central, ajuntem-se a acç2io depri-
mente do clima, o trabalho constante, os incommodos com os
indígenas e dificuldades de toda a ordem que não podem dei-
xar de apparecer entre povos, cuja língua, usos e costumes se
igaoram, e que forçosamente nos hão de servir de auxiliares.
SSo, poÍ8| constantes as causas de desanimo e de graves
doenças, que se manifestam após atormentadoras febres e indis-
posiçSes gástricas, que nos inhabilitam para o trabalho e para
as mais simples concepçSes intellectuaes.
Haviamos compulsado com vivo interesse os livrps de viagens
de exploradores nacionaes e estrangeiros, e notáramos quaes
as difficuldades com que haviam luctado, a fim de nos aper-
cebermos e podermos luctar com vantagem; e nos relató-
rios do serviço de saúde do ultramar procurámos as informa-
ç3es mais indispensáveis para nos fornecermos de alimentos,
abrigos, roupas, remédios, e mesmo indicações praticas para
melhor os acondicionar e aproveitar.
NIo haverá algum alimento, perguntávamos a nós mesmo,
que seja anti-dqi>auj}eraHvo e de que se faça boa provis&o para
auxiliar o uso da alimentação indigena, sempre tSo monótona
e tio deficiente para o europeu? N8o haverá o que possa sup-
l
60 EXPEDIÇÃO FOBTDGDEZA AO KUATIXkVDA
prir a folta de sal, que se nSlo encontra na regifto para onde nos
dirigimoB? £ que alimentos nos seriam mais úteis, qual o me-
lhor modo de os conservar e o maia simples de os cozinhar?
Ka <a, porém, das indicações- que procurávamos, gniá-
mo-noa pela pratica que haviamos adquirido no littoral e pelas
informaçSes que obtivéramos da leitura de viagens no interior
das nossas proviacias e centro do continente, jA publicadas, e
fomecemo-nos do que julgámos mais indispensável.
Durante a nossa viagem, á medida que nos iamos inter-
nando, démo-nos ao trabalho de ir registando n%o só os defei-
tos da organisaçâo da nossa ExpediçSo e as difficuldades com
que tivemos de luctar, mas ainda o modo pratico de as resolver.
Sobre todas estas ohservaçSes tizemos um trabalho, compre-
hendendo a maneira de acondicionar todos os objectos, foram
de volumes e modo de os fechar e transportar mais facit e eco-
nomicamente ; qual a melhor alimentação para levar em redu-
zido volume, os preventivos indispensáveis que nos devem
acompanhar e meio de os ter sempre á mão ; emfím, a simplifica-
ção de todo o serviço com vantagem e mus alguma commodidade.
SSo, por certo, indicaçSes estas muito utcis aos qoe tiverem
de se occupar de quaesquer trabalhos no centro de Africa, em-
quanto se nfto espalharem por esse vasto sertKo estaçSes civi-
lisadoras, devidamente montadas, c os caminhos de ferro nSo
rasgarem de um a outro lado todo o continente, abrindo as flores-
tas, e fazendo com que a industria ofFereça ao viajante todos
os recursos de que este carece, para, sem perigo, se entregar
aos trabalhos que lá o levarem.
DESCBIPÇXO DA VIAQEH
NA CIDADE DE LOANDA
esembarcando em Loanda, im-
mediatamente mandámOB pedir
a S, Ex.' o Governador Geral,
I o ConBellieiro Joaquim Fran-
cisco Ferreira do Amaral, se
dignasse marcar a hora, em
que DOS poderia receber, e,
neste mesmo dia, tivemos a
honra de ser recebidos por
S, Ex.' com a sua proverbial
delicadeza; e com o senso pra-
tico, que lhe é peculiar, man-
teve a conversação sobre os
diversos fins da nossa missSo,
ora interrogando, ora aconse-
lhando sobre tudo o qae se lhe afigurava melhor para se dimi-
nnirem os attritos á marcha da Expedição em todo o território
da província aob a feliz administração de S. Ex.*
Catavam feitos os comprimentos officiaes, e, na nossa resi*
deocia, aguardnva-nos o velho amigo Cunha Foca, agente da
acreditada casa Bcnsaude, que, segundo as ordens do seu dire-
ctor em Lisboa, vinha offerecer os seus prestimosos serviços, e
dar-DOs o credito de que carecêssemos aqui em Loanda e na
soa casa do Dondo.
62 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO HUATIInVUA
Por varias vezes o occupámos e nelle encontrámos sempre
a melhor vontade em nos servir, e por isso aqui lhe endereçá-
mos os nossos agradecimentos.
A ExpediçSo aproveitava todos os momentos na sua organi-
saçSo pratica, e ao mesmo tempo esperava quaesqner ordens
ou instrucçSes particulares do Governo provincial, como lhe fôra
determinado; e em 3 de junho recebeu um officio, onde se con-
signavam algumas recommendaç5es da mais alta conveniência
com rclaçSo aos potentados com que nos poderiamos achar mais
em contacto.
O officio é do teor seguinte:
... Sr. — Encarrcga-me S. Ex.* o Sr. Governador Geral de dizer
a y. que nenhumas instrucçocs ha por parte doeste Governo Geral a
accresccntar ás que recebeu do Governo de Sua Magestade, porquanto
tudo dependerá das decisões que as circumstancias da viagem acon-
selharem.
No emtanto parece que deve Y. ser prudente no uso dos medicamen-
tos para com os potentados mais fortes, por isso que poderiam aquelles
espirites rudes e ignorantes attribuir aos remédios qualquer morte ine-
vitável, e filha de causas naturaes, e esta prudência é aconselhada por
todos 08 exploradores da Africa, e na phrase do celebre Abbadie: as
vantagens da cura nSo correspondem aos inconvenientes de uma termi-
nação fatal da doença.
Pcdem-se igualmente a V. os seus bons officios e esforços no cami-
nho para augmentarem as remosHas de productos para a Exposição, acon-
selhando os moradores a que concorram a este ccrtamen que muito
directamente os interessa, e cujos resultados a ellcs mais particular-
mente aproveitarão.
Quanto a todos os meios necessários para seguir viagem a Expedição
da q.ual V. é mui digno Chefe, deverão ser requisitados á £x."** Junta
da Fazenda.
Por este Governo Geral vão dar- se ordens aos Chefes dos Concelhos
que para bom resultado da Expedição sigam sem hesitação as indicações
de V. , e satisfaçam as suas requisições, a fim de que esta viagem pela
qual S. Kx.* o Sr. Governador Geral se interessa muito pessoalmente,
possa fazer-se e terminar com o êxito que é de esperar da competência
de V. , e dos sous illustrados companheiros.
Deus guarde a V. Secretaria do Governo Geral em Loanda, 8 de
junho de 1884. — ... Sr. Chefe da Expedição ao Muata ItLovo. == Alberto
Carlos d' Eça de Queiroz, Secretario Geral.
DESCRIPÇAO DA VUGEM 63
Como nenhumas ordens havia a esperar mais de S. Ex.*,
ao offieio acima transcripto respondeu o Chefe no dia imme-
diato:
IlL"» e Ex."« Sr. — Aguardava as determinações de S. Ex.» o Conse-
lheiro Governador Geral d'csta província, não só com respeito ás pro-
videncias indispensáveis de que muito carece a Expedição a meu cargo,
emquanto transita por territórios onde chega sua benéfica influencia,
mas muito principalmente para ter na devida consideração e dar cum-
primento a quaesquer encargos que o mesmo Ex."'^^ Sr. julgasse dever
confiar-me.
O offieio de y. Ex.*, n.® 517, de hontem, communicando-me as resolu-
ções de S. Ex.* dá-me ensejo a deliberar que a Expedição siga no vapor
que se espera para o Doudo, e d*ahi, tão promptamente quanto possível,
para Malanje.
£, pois, para )esta viagem que eu tomo a liberdade de solicitar desde
já communicação á Alfandega para que a carga da Expedição possa dar
entrada nos armazéns da Companhia de navegação do Cuanza, e á di-
recção da Companhia para á Expedição ser concedido o transporte de
pessoal e carga no primeiro vapor a partir, se bem dizem, Serpa Pinto,
Além das três passagens para o pessoal superior ha ainda a solicitar
uma para Augusto César, empregado subaltçmo, que do Reino acom-
panha a Expedição, e duas para dois indígenas de confiança contratados
nesta cidade.
Para os meios de transporte por terra, que S. Ex.* o Governador se
dignou dispensar, peço a V. Ex.* se digne apresentar a S. Ex.* as inclusas
requisições que faço á Ex."« Junta de Fazenda.
Numa d^essas pedem-se oito bois-cavallos em substituição das muares
que não puderam ser dispensadas, e aquelles podem ser adquiridos em
Punge Andongo ou em Malanje, segundo as convefiíencias que a econo-
mia e a qualidade aconselhem.
Como a Expedição pode contar com a protecção das auctoridades
administrativas nos concelhos por onde tem de transitar, só ahí e a essas
auctoridades deve requisitar os carregadores indispensáveis até Ma-
lanje, onde tem de concluir definitivamente a organisação do pessoal de
carregadores da sua caravana para o interior.
Sendo possível, se S. Ex.* o Sr. Conselheiro Governador pudesse con-
ceder á Expedição cincoenta soldados indígenas do batalhão de Ambaca,
para vigiarem pelas cargas em todo o tempo da sua missão ; e quando
por vontade delles, seria isso muito para desejar, pelo auxilio que lhe
prestariam, evitando-se assim, que a Expedição tenha de instruir cín-
eoenta homens boçaes, para os quaes trouxe o armamento indispensável
64 EXPEDIÇIO PORTUOUEZA AO MUATIÂKVUA
concedido pelo Ministério da Guerra, para melhor garantia dos valores
que o Governo de Sua Magestade confiou á mesma Expedição.
Por ultimo devo dizer a V. Ex.* que a Expedição se empenha por cor-
responder á confiança que nella depositou o paiz e o Ministro que a no-
meou, e agora, ao interesse que S. £x.* o Governador Geral acaba de
patentear mais uma vez no citado officio de V. £x.* pelo bom êxito de
sua missão.
Deus guarde a V. Ex.* Loanda, 4 de junho de 1884. — 111."»» c Ex."»«»
Sr. Secretario Geral do Governo Geral da província de Angola.= 0 Chefe
da Expedição, Henrique Âugvsto Dias de Carvalho,
Activo como é, o Ex."** Conselheiro Ferreira do Amaral nSo
fez demorar a resposta^ que é do teor seguinte:
... Sr. — Tenho a honra de accusar a recepção do officio de V. sem
numero e com data de hoje, o qual foi presente a S. Ex.* o Governador
Geral, quo me encarrega de lhe responder que as requisições que ellc
Incluia foram enviadas á Ex."* Junta de Fazenda, para que esta as tome
na devida consideração.
Quanto ao pedido feito por V. de soldados para acompanharem a
Expedição, n*esta data officiou-se ao Commandaute de caçadores n.^ 3,
aquartelado na Pamba, concelho de Ambaca, para que forneça trinta ho-
mens que queiram voluntariamente seguir a viagem por Y. emprehen-
dida, visto como não podem legalmente ser conipellidos a prestar esse
serviço. Estou, porém, certo que essa força será fácil e expontaneameute
recrutada no referido batalhão de caçadores n.° 3, devendo ao mesmo
tempo dizer a Y. que será bom evitar nos pontos mais affastados os
apparatos de força, que são sempre motivos de desconfiança e susto para
os naturacs, que attribucm logo ás expedições compostas doesta maneira
intenções bellicosas e de conquista, as quaes euraizando-se podem tra-
zer obstáculos á realisação do pensamento civilisador que Y. prosegue.
Finalmente, cumpre-me communicar a Y. , que foram dadas hoje
ordens á Alfandega para lhe entregar os objectos pertencentes á Expe-
dição e trazidos da Europa.
Deus guarde a Y. Secretaria do Governo Geral em Loanda, 5 de
junho de 1884. — ... Sr. Chefe da Expedição ao Muata lanvo. = Alberto
Carlos d^Eça de Queiroz, Secretario Geral.
Sendo incerto obterem-se as trinta praças concedidas, por-
que só como voluntários é que se podiam aeceitar, e como se
tivessem apresentado alguns carregadores que em Loanda se
empregavam no serviço da Alfandega e de maxila, entendi nSo
dever desprezar a offerta.
j
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 65
Fez-se entre estes a escolha dos indivíduos conhecidos do
Chefe que já haviam trabalhado no serviço das obras publicas,
e que lhe inspiravam mais condança.
O contracto era vantajoso, nao só pelo lado financeiro, mas
ainda pela garantia que offerecia, sendo feito na Administração
do concelho ; e, por isso, no dia 7 o Chefe dirigiu-se ao Secre-
tario Geral do Governo da provincia nos seguintes termos:
Dl.*» e Ex."* Sr. — Procurando-me nesta cidade doze carregadores
indígenas, alguns filhos de Malanjc, um das próprias terras da Lunda,
e dois que dão conhecimento e informações de rios e povoados até além
do Cassai, que pouco differcm dos que são do nosso domínio, e quercn>
do elles contractar-se para fazer parte da Expedição em condições que
julgo de grande vantagem, rogo a Y. Ex.*, se digne de solicitar do
ex."^ Conselheiro Governador Geral a devida permissão para que na
Administração do concelho doesta cidade se lavre um termo de contracto,
cm vista do qual se possa providenciar, caso algum d^esses indivíduos,
depois de ter recebido os adeantamentos, deixe de embarcar, ou fuja de
qualquer ponto para esta cidade.
Se desejo contratar este pessoal, é pór ter elle servido commigo nas
obras publicas d*e8ta cidade, de 1878 a 1882, em diversas construcçoes,
e querer acompanhar-me. Alguns mais se apresentaram ; porém, por me
ser indispensável attender á economia, não posso contemplar todos.
Outrosim, peço ainda a S. Ex.* a necessária auctorisação para ser
dada passagem de 3.* classe a estes carregadores no vapor da Compa-
nhia de navegação do Cuanza, em que segue a Expedição.
Deus guarde a V. Ex.» Loanda, 7 de junho de 1884. — Ill."»« e Ex."»»
Sr. Secretario Geral do Governo Geral da provincia de Angola= O Chefe
da Expedição, Henrique Augusto Dias de Carvalho,
A resposta de S. Ex.* foi a seguinte :
. . . Sr. — Em resposta ao officio de V. datado de 7 do corrente, in-
cnmbe-me S. Ex." o Governador Geral de dizer a V. que n^esta data se
mandou abonar passagem para o Dondo, n'um dos vapores da companhia
do Cuanza, aos doze carregadores que teem de o acompanhar, assim
como se ordenou ao Administrador d'este concelho para mandar lavrar
os termos de contractos dos referidos carregadores.
Deus guarde a V. Secretaria do Governo Geral em Loanda, 9 de
junho de 1884. — ... Sr. Chefe da Expedição ao Muata lanvo. == iíZôfrto
Carlos d'Eça de (iueiroz, Secretario Geral.
66 EXPEDIÇÃO PORTDGUEZA AO MUATIANVUA
Fazemos referencia especial aos contractos que celebrámos^
para que se conheçam mais algumas provas sobre o modo por
que nos entendemos com os indigenas, e acabe para sempre a
idea de que nas nossas possessões se tolera um. vislumbre sequer
de escravatura.
Dirigimo-nos á Administração do concelho no mesmo dia
em que recebemos o officio de S. Ex.*, e^hi, perante o nosso
antigo amigo o Ex.™^ Sr. Adnunistrador, António Urbano Mon-
teiro de Castro, e testemunhas, se registou no livro ii de termos
diversos do anno de 1884, fl. 22 e 23, o contracto feito com
doze dos carregadores, que se oflfereceram para o serviço da
Expedição, os quaes eram: 1.°, Paulo, de Malanje; 2.®, Ma-
theus, do Libolo; 3.®, Manuel, da Jinga; 4.®, Paulino, da
Quissama; õ.®, Roberto, de Benguela; 6.®, Cabuita, de Qui-
bundo; 7.®, Marcolino, do Congo; 8.®, Narciso, da Lunda;
9.**, Domingos, de Loanda; 10.®, Francisco Domingos, de Cas-
sanje; 11.**, António, de Golungo; 12.**, Adolpho, do Congo.
Contrataram-se mais: um cozinheiro, José, do Libolo, e
um cometoiro (que fora dos Moveis), Domingos, de Massan-
gano.
O contracto dos primeiros foi de 100 réis por cada dia ao
serviço da Expedição, e o equivalente a 100 réis diários para
raç5es, recebendo no acto do contracto 36j5í500 réis para prepa-
rativos de viagem e para deixarem alguma cousa a suas fa-
mílias ; o do cozinheiro foi de 10^000 réis mensaes, recebendo
três mezes adeantados, e o do corneteiro de 5^000 réis men-
saes, recebendo dois mezes adeantados; e todos principiavam
a vencer rações do Dondo em deante. Compromettiam-se elles
a acompanharem a Expedição á mussumba do Muatiãnvua,
vigiando e defendendo as cargas e os expedicionários, e a fa-
zerem serviço de carregadores sempre que por falta de pes-
soal assim se tornasse preciso.
Qualquer dos primeiros, em Loanda, ao serviço de maxila
só que seja, vence, ordenado e ração, de 5^5000 a 6^(000 réis
mensaes. A vantagem foi, pois, nos 3G/$õ00 réis, que logo dis-
penderam, e em receberem todos os vencimentos juntos no
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DESCRIPÇ!0 DA VIAGEM 67
regresso, o que nSo compensou de certo os perigos a que se
expuzeram e trabalhos por que passaram.
Tendo chegado o vapor Serpa Pinto e estando annunciada
a partida para o dia seguinte á noite, nSo havia tempo a perder
em se cuidar na arrumação e boa disposição das cargas e ba-
gagens.
Auctorisada pelo Conselheiro Governador Geral, a Expedição
cedeu á Direcção das obras publicas, pelo preço da factura,
sessenta volumes de diversas ferragens e pregaria que o ne-
gociante da praça do Porto, o sr. Manuel Francisco da Costa,
enviou a tempo de acompanharem a Expedição, e a sua im-
portância foi applicada á compra de artigos próprios para o
interior; e assim esses sessenta volumes reduziram-se a qua-
torze, onde se contavam esses artigos e os que por conta do
Governo recebemos na cidade de Loanda, taes como : barracas,
camas, mesas portáteis, machinas e aprestos de photographia,
armas e suas munições, etc.
Tinhamos ainda algumas horas deante de nós e iamos deixar
a cidade, onde se nos haviam dispensado favores e distincçSes,
e onde tantos e tão extraordinários melhoramentos estavam em
rápido curso de realisação.
Consagremos, por isso, alguns momentos a todos estes me-
lhoramentos, que se estão fazendo, prestando assim o nosso
enthusiastico preito a esta bella cidade, a altiva rival de todas
as cidades sub-tropicaes africanas, que foi o theatro de tantos
heróicos feitos dos nossos antepassados, e que será, num futuro
próximo, o modelo de todas as nossas possessões do ultramar.
Não desejo, por ocioso, repetir o que já está dito nos bem
elaborados relatórios dos Governadores, Chefes de serviço de
icaude, Directores das obras publicas, nas descripçSes e via-
rren» dos exploradores Serpa Pinto, Capello e Ivens, nos en-
saios estatísticos de Lopes de Lima, nas memorias de Motta
Feio, nas obras do Dr. Ferreira Ribeiro e em outras de diffe-
rentes escriptores que se teem occupado da cidade de Loanda.
Em um período que ainda não vae lougc, teve a cidade de
Loanda os seus dias de amargura, e todos procuraram conhecer
68 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIAnVUA
da sua causa. Attribuiam-Da uns á falta das chuvas, outros á
fáltsi de transportes e de boa viação, muitos ás dissidências
com o Banco Nacional Ultramarino, e alguns, finalmente — e
esta é a razão mais plausivel, quando não o seja conjuncto de
todas — a terem escasseado, ou pelo menos a terem-se des-
viado, os principaes artigos do commercio do interior, marfim
e borracha, o que obrigou a fecharem-se muitas casas filiaes
nos concelhos sertanejos ; — symptoma gravissimo e que mal
pode logo explicar quem não conhece praticamente o com-
mercio do sertão, e a preferencia de alguns de seus povos em
correrem para o norte e sul, affluencia com que teem lucrado
as alfandegas de Ambriz e Benguela em prejuízo da de Loanda.
E certo, porém, que, devido ás expedições de obras publicas
e aos estudos do caminho de ferro de 1877, e agora á activi-
dade, intclligencia e bons desejos do Director das obras publi-
cas, o Major de engenheria João Ferreira Maia, que accumula
estas funcçoes cora as de Presidente da Camará Municipal,
para que foi eleito no corrente anno, e ainda á superior admi-
nistração do bemquisto Governador e distincto official da ar-
mada. Conselheiro Ferreira do Amaral, começou a desappa-
recer a crise, que se apresentou medonha, e em toda a cidade
se vae já notando uma fecunda transfoimação, em que é muito
grato attentar.
O Ministro por um lado animando o Governador na dedi-
cação e bons desejos que sempre tem manifestado pelo engran-
decimento da colónia, e este pelo seu dando com toda a energia
o seu apoio á Camará Municipal, á Direcção das obras publi-
cas e a outras distinctas corporações que dispõem de recursos,
todos, emfim, se mostram empenhados em que Loanda não
desmereça do logar que occupa entre as principaes cidades do
littoral africano.
A singular distribuição orographica do terreno em que as-
senta a cidade de Loanda, a irregularidade da encosta que
separa os dois taboleiros em que a cidade se divide, e a que já
nos referimos, chamam desJc logo a attenção dos engenheiros
e dos hygienistas, que procuram estudar as causafi da insalu-
DESCRlPÇlO DA VIAGEM 69
bridado de uma localidade^ em que^ comquanto não haja super-
iicies pantanosas, são frequentes as febres palustres.
Desnudadas as terras de vegetação que as segure, o movi-
mento das areias sob a acção das chuvas torrenciaes é patente,
vendo-se, como prova indiscutivel, as suas grandes accumu-
lações nas ruas calçadas da cidade baixa, — obra esta impor-
tante do Governador Ponte e Horta, em que se consumiu
muito tempo e dinheiro e que jazia occulta aos transeuntes
por estar alguns decimetros abaixo do nivel do solo, achando-se
transformadas as portas em janellas, apesar de dois e três
degraus que aquellas tinham á sua frente.
Por outro lado o porto ia-se entulhando, e de tal modo, que
nas baixas marés quasi se podia ir a vau ató á ilha, pois nem
já a corrente tinha força para repellir essas grossas camadas
de areias, que se amontoavam no seu leito.
As correntes maritimas, para o que concorre o Cuanza em
grande parte, e as marés, por seu turno, teem influido na barra
da Corimba; em outro tempo dava esta passagem a grandes
embarcações, porém de um pequeno banco que era, se tomou
já num dique, o que as obriga a tornearem a ilha para entrarem
no porto.
Era, pois, urgente que a mão do homem tratasse de obviar
ao desmoronamento de ediiicios importantes da cidade alta, hoje
á beira da encosta, e se removessem as accumulações de areias
que pejavam as ruas da baixa, sendo dirigidas essas obras de
modo que de futuro não houvesse de attender aos mesmos
inconvenientes.
O melhoramento que immediatamente lembra é o de um
revestimento de cantaria, de baixo a cima, aproveitando-se os
taboleiros, que se fizessem em toda a altura, para habitaçSes,
jardins, hortas, passeios etc. ; mas estas obras seriam dispen-
diosas, e Ferreira Maia, que assim o comprehendeu, planeou
um projecto que ofFerecesse vantagens immediatas, mas sob um
ponto de vista mais modesto e mais económico.
£8se projecto consistia em fazer proseguir o aterro margi-
nal, já encetado por imia das Camarás transactas, e ligá-lo á
70 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUATIANVUA
-ponta de Isabel , e em continuar o anterior da principal praça
Pedro Alexandrino á beira-lnar^ até ao morro da fortaleza de
S. Miguel ; obra esta de reconhecida necessidade, porque, além
de outras vantagens, tinha a principal — fazer desapparecer o
pestilente lameiro do Bengo e da praia a sueste.
Para desvio das aguas fazia construir sobre a encosta, en-
tão em barrocas, ruas calçadas, ligandoas ás já existentes para
communicação directa com a cidade alta, e revestindo os terre-
nos que as separassem, e que não pudessem ser murados para
futuras habitações, de arbustos e raizes que, engradando-se,
fossem estorvos a novos esboroamentos, quando menos tempo-
rariamente, até que fosse possivel dispor de recursos para uma
mais segura consolidação.
Fen^eira Maia, eleito Presidente da Camará, e com o apoio do
Governador Geral, principiou logo a executar o seu plano, e é
certo que hoje se vê o empedrado das ruas da cidade baixa;
que o aterro marginal em parte vae seguindo, havendo já bons
lanços devidamente arborisados ; que novas ruas muradas, em-
pedradas e com os seus renques de arvores, cortam a encosta
de onde vinham as maiores enxurradas; e que está em começo
uma avenida, do aterro próximo ao mercado, a seguir directa-
mente ao hirgo do hospital Maria Pia, sobre esses morros e bar-
rocas, que ainda ha bem pouco conhecíamos escalvados e de
lormas extravagantes.
Não pôde Ferreira Maia ver o resultado do seu projecto em
execução, porque succumbiu á fadiga; e, infelizmente, como
acontece a maior parte das vezes áquelles que do coração se
dedicam a uma causa de que só tira proveito o paiz, — morreu,
legando apenas a seus filhos um nome honrado.
Para Loanda morreu aquelle prestimoso cidadão, mas não o
seu projecto, pois encontrou quem o fizesse proseguir ; e asse^
gurâmos que no nosso regresso, quatro annos depois, a sua
execução tinha grande incremento e as ruas da cidade baixa
estavam limpas e nellas se continuava a ver o empedramento
tantos annos soterrado.
Acreditamos que ainda serão arrastadas algumas areias uas
DESCRirçlO DA VIAGKM 71
grandes enxurradas; mas nSo se dê a execução por concluida;
contínue-se o projecto de Feireira Maia tal como elle o deixou
planeado^ emquanto não for possível, com a protecção do Go-
verno ou por meio de um empréstimo, fazer a verdadeira obra,
que é levantar differentes audares com paredões de supportes,
que possam vender-se ou arrendar-se, com o que a camará lu-
crará bons rendimentos.
Que se continue, pois, a cavar na vinha do Senhor, como
diz o nobre Visconde de S. Januário, quando se trata de bene-
ficios para as colónias, e alguma cousa se conseguirá.
Um dos importantes e bem estudados projectos do enge-
nheiro Raphael GorjSo era o aterro marginal, ligando a ponta
de Isabel com a Alfandega, e o estabelecimento ali de uma
ponte, á qual atracariam navios de alto bordo e d'onde a carga
sairia para a Alfandega em carris assentes sobre esse novo
aterro.
Este projecto ia seguir-se, e já lá vimos uma ponto provisória
para mais prompta descarga do material do caminho de ferro
e da canalisaçSo das aguas da cidade.
Estas duas obras, da máxima importância para a cidade, são
dois immorredouros padrões de gloria para o illustrado Ministro
que teve a iniciativa da sua execução, prendendo-se com elles
ainda um terceiro, de não menos vulto — o da ligação da cidade
com a capital da metrópole pelo cabo submarino.
Estas três obras, só por si, bastariam para provar que a cidade
de Loanda se levanta e não desmerece os créditos de terceira
praça commercial portugueza; e se honram o Ministro que as
iniciou, a ellas também fica vinculado o nome do distincto
Governador Ferreira do Amaral, que, pela sua pertinaz insis-
tência, conseguiu que taes melhoramentos fossem começados
na SOA administração.
Na cidade ha também uma rede telephonica, devida á inicia-
tiva do mesmo Governador. Simpliliea-se assim o expediente
tifBcial, e muito tem a ganhar o commcrcio e os habitantes em
liarticular. Ultimamente, para evitar recados, sempre detur-
pados pelos servos indigenas, havia necessidade de se escrever
k
72 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIAnVUA
para a mais pequena cousa, e nisso se gastava muito tempo c
papel; emquanto que por este meio de communicaçSo — o tc-
leplione — promptamentc se resalvam quaesquer duvidas.
A construcçao do hospital Maria Pia levou tal impulso nos
últimos tempos, que já o encontrámos recebendo doentes e nas
melhores condições possiveis.
Este estiibeiccimcnto colossal, bellamente situado quanto á
sua exposição, está sob a direcçílo de um distincto quanto sym-
pathicx) medico, Dr. Ramada Ciurto. Pela sua magnificência,
pela distribuição e boa disposição dos seus alojamentos e repar-
tições, com luxuosas mobilias, machinas, gazometros, lavan-
deria, cozinhas, canalisação de aguas, hortas, jardins, emíim
por todos os recursos essenciaes para a hygiene, serviço clinico
e boa alimentação d(i que dispõe, rivalisa com um hospital de
primeira ordem na Europa, c tem sido a admiração dos estran-
geiros que o visitam. E um monumento da longa permanência,
no Mini»t(TÍo dos Negócios do Ultramar, doesse vulto que para
Portugal é uma gloria dos tempos modernos, — o ConselheiíH)
João de Andrade Corvo.
Foi um dia de regozijo para a cidade de Loanda o da inau-
guração d^'Bte monumeiítal ediiicio do caridade. Por essa
occasião não estiueceu ao benemérito Governador Ferreira do
Amaral essa outra antiga instituição, também de caridade, que
se tem mantido, cm lucta cora muitas difficuldades, á custa da
iniciativa particular, a que se deve o seu estabelecimento.
Referimo-nos ao Ai^ylo D. Pedro V, recolhimento onde as or-
phãs de europeus c africanos teem encontrado o indispensável
agasalho e educação, e que mereceu a protecção que, particu-
larmente, o estimado Governador e sua chorada esposa lhe
puderam dispensar.
O que officialmente não era permittido ao philantropico ma-
gistrado fazer suppria-o a magnanimidade d^esses dois boií-
dosos corações, revelando-se era muitas esraolas e benefícios.
A elles se deve a feliz lembrança de abrir naquelle dia um
bazar, que produziu uma boa receita para a manutenção de
tão pio recolhimento.
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 73
As orphâs^ com os seus simples o asseados uniformes, fo-
ram photographadas; e neste logar a gravura é um mudo
apello aos poderes públicos^ para que concedam áquelle esta-
belecimento uma dotaçFlo. que vá melhorar as suas circum-
stancias, permittindo-lhe dar á instrucçHo que ali se ministra
um desenvolvimento á altura das aspirações da cidade que o
instituiu.
 par doestes notáveis melhoramentos; não devemos esque-
cer outroS; não menos dignos de se patentearem á Europa, para
que se conheça o caracter progressivo e humanit<irio que todos
elles revelam.
As esplendidas officinas das obras publicas, a Escola profis-
sional e o Observatório meteorológico, que já mencionámos, —
obras e instituições que honram a expedição do obras publicas
de 1877 — merecem sempre especial menção.
As suas officinas, que de anno para anno teem tomado maior
desenvolvimento pela acquisição de grandes e aperfeiçoadas
machinas, já teem feito reparos importantes em navios nacio-
naes e estrangeiros, e estão no caso de satisfazer ás exigências
da agricultura moderna, e em pouco tempo não deixarão de
attender a trabalhos de maior vulto.
Creou-as, e tem-nas visto medrar, o intelligente e activo en-
genheiro David Sarmento, um dos beneméritos d'aquella expe-
dição, e a quem foi entregue a execução do projecto por elle
elaborado, bem como a organisação da sua instituição, que abrange
diversos officios.
Muito seria para desejar que nellas fossem aproveitados dois
recursos importantes da provincia, — ferro e carvão.
Aqui tem a iniciativa particular onde bem coUocar capitães,
e para os trabalhos não lhe faltarão braços baratos.
As industrias em Angola mais ou menos teem sido ensaia-
das com proveito, e se uma ou outra apenas tem vingado, c por-
que lhe faltava então o apoio do Governo, com as providencias
que só elle podia dispensar.
Poderá, pois, exigir-se ao Governo que cmprehenda grandes
trabalhos de deseccamento de pântanos e de irrigação em ex-
74 EXPEDIÇÃO P0RTIK5UEZA AO MUATIÂNVUA
tensos vallesy nas regiões em que apenas se encpntra uma ou
outra povoação indigena que pouco ou nada produz?
Só 08 esforços combinados do Governo e da iniciativa par-
ticular poderão produzir salutares effeitos^ porque também
não faltam provas de que pouco se tem conseguido com os
trabalhos isolados de indivíduos emprehendedores^ luctadores
que teem succumbido sem poderem vencer tão grandes obsta-
culos; como são : a insalubridade do clima; a falta de braços,
as estiagens, as grandes cheias, carência de soccorros médicos
e outros.
Presentemente não ha governo algum que se recuse a au-
xiliar a iniciativa particular ou a encaminhá-la.
As minas de ferro e carvão não estão muito distantes da
linha fluvial do Cuanza, e o systema de viação Decanville,
aproveitado, facilitará os transportes até lá.
Desenganemo-nos. O preto não é um ente inútil, e bem diri-
gido é um auxiliar poderoso nas industrias agrícola, mineira e
fabril ; e não faltando na nossa província de Angola os recursos
naturaes indispensáveis, é urgente aproveitar esses mananciaes
de riquezas, sem os quaes não ha prosperidade que se possa
sustentar.
E no homem que está a principal força de qualquer paiz.
Faltam apenas capitães, e esses não se devem esperar dos
governos.
Falíamos com conhecimento de causa, e no decorrer doeste
nosso trabalho ver-se-ha que não somos exaggerados.
Continuemos, porém, apreciando os melhoramentos da cidade
de Loanda.
Como complemento á instituição das officinas foi lembrada
a escola de artes e officios, sob o titulo de Profissional.
Aproveitaram-se as ruínas da extincta igreja do CoUegio dos
jesuítas e terreno adjacente para a sua construcção. A rica ca-
pella mór de mosaico, que um inglez em tempo propoz comprar
ao Governo, devidamente restaurada, serviria de capella para
a escola. Ao passo que tudo se preparava para se iniciar a
j
DESCRIPÇSO DA VIAGEM 7Õ
construcçSo, uma commissão competente estudava o projecto
doesta tão útil instituição.
Os alumnos preparados ahi pelas liçSes theoricas, iriam me-
lhor comprehendê-las praticando nas officinas e nas obras em
construcçSo, emquanto que outros, nos casões dos corpos da
capital^ trabalhariam em roupas e calçado para os seus compa-
nheiros. A regeneração da povoação indigena tomava-se assim
mais salutar, e proveitosa.
Este isdificio ficou por concluir numa pequena parte, espe-
rando opportunidade de maiores recursos ; e, na verdade, im-
pressiona, não só que se não conclua, mas ainda que se não
fíindasse uma instituição tão útil para a provincia, em que as
creanças, recebendo a instrucção primaria a par da religiosa,
adquirissem ao mesmo tempo a profissional junto de operários
devidamente habilitados.
Alais onerosa e inútil tem sido essa outra instituição supe-
rior, com o pomposo titulo de Escola principal, em que se sup-
poz poder ensinar ao indigena economia politica, francez,
inglez, geographia e historia pátria, quando, na verdade, elle
pouco sabe de instrucção primaria ; e o resultado tem sido des-
ampararem os alumnos a escola logo em seguida ás matriculas.
Em geral, o indigena africano precisa de um estimulo para
«air da indolência em que o crearam, e esse estimulo, encon-
trado na instrucção profissional tal como a comprehendêra a
crommissZo que regulamentara essa nobre instituição, seria o
a^nte mais efficaz de sua civilisação.
Ahi encontraria elle boa alimentação e vestuário, e só isto era
baifttante para o incitar ao trabalho; emquanto que na Escola
príncijpal vê-se sujeito ás circumstancias da familia, se é que
a tem, e como a instrucção o não favorece na occasião, fogo
delia.
Aasim o comprehendeu o pratico Governador Ferreira do
Amaral, que mandou regressar o professor de economia politica
á metrópole, e aproveitou parte do edificio da referida escola
para uma aula de instrucção primaria.
A existência do Observatório meteorolo^co não é hoje apenas
76 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIInVUA
uma formalidade, como o foi até 1877. Está devidamente mon-
tado, tendo como annexo um observatório magnético.
A direcção d^ellc, confiada aos briosos e competentíssimos
officiaes da nossa armada, acha-se em communicaçUo com o
Director do Observatório meteorológico do Infante D. Luiz,
em Lisboa.
A elle recorrem já navios nacionaes e estrangeiros, para
confronto de suas observações e verificação de chronometros.
As publicações das suas multiplices observações fazem-se
com regularidade ha dez annos, e d'ellas se podem tirar resul-
tados muito proveitosos.
A questão da climatologia de toda a região a leste de Loanda
é importante e merece que se estude, pois do seu conheci-
mento depende a melhor exploração doesse sertão.
Não esqueçamos que foi ainda depois de 1880 que o porto
de Loanda começou a ser illuminado; e trata-se já de collocar
na ponta das Palmeirinhas um pharol de ferro, de luz não in-
ferior ao do morro das Lagostas, que irá illuminar pelo sid a
entrada do porto.
A illimiinaçao do porto tem sido de grande proveito á na-
vegação e ao commercio, pois até os nossos paquetes, acos-
tumados á carreira, muitas vezes aguardavam as madrugadas
para nelle entrarem.
A linha telegraphica, também de iniciativa de Manuel Ra-
phael Gorjão, e para cujo custeio o commercio concorre com
o rendimento necessário, p5e Loanda em contacto com diver-
sos pontos do Cuanza e concelhos internados a leste. Deve,
comtudo, prolongar-se e ramificar-se, porque além de outras
muitas vantagens servirá para ligar o observatório com os
postos meteorológicos, que é indispensável crear pelo interior
e dos quaes, por emquanto, se encarregariam de bom grado
os agricultores ou negociantes europeus, munidos de instruc-
ções, e que em seguida ás leituras dos seus instrumentos as
enviariam logo pelo telegrapho ao observatório central.
Tocámos ligeiramente, é certo, nos melhoramentos mais im-
portantes de Loanda, mas embora, em resumo, devíamos con-
DESCRIPÇÃO DA VIAGEM 77
8Ígiiá-los aquiy para mostrarmos a injustiça com que nos tra-
tam alguns estrangeiros, ousando affirmar que nada temos feito
em prol das nossas terras de além-mar!
Livingstone, que numa das suas viagens através da África
veiu a Loanda, notava como digna de reparo a liberdade que
observava nos deportados, a confiança que elles nos inspira-
vam quando ali chegavam, pois que lhes entregávamos aguarda
da fortaleza!
Receava que elles, senhores de armas e pólvora, pudessem
dar um ataque á cidade!
Notava também as restricçOes da nossa Alfandega, pondo
peias ao commercio estrangeiro, e que ainda fosse interdicto a
qualquer estrangeiro a propriedade do solo!
£ra verdadeiro Livingstone nas notas que tomava na sua
interessante viagem através do continente, mas nem sempre
as illaçSes que d'ellas tirou foram felizes.
Com respeito aos deportados houve sempre a necessária
vigilância, sendo certo que até hoje nao ha notícia de se ter
dado o caso que elle receava.
Nos últimos tempos, a deportação de sentenciados para
Loanda tem sido assumpto de muita attençâo para governan-
tes e governados, e o illustrado e nunca esquecido Rebello da
Silva, de certo na esperança de que fosse reformado o nosso có-
digo penal, havia decretado o estabelecimento das colónias
penitenciarias de modo a aproveitarem-se as forças d'essa leva
de criminosos que todos os mezes entravam em Loanda, ao
mesmo tempo que pelo trabalho se contribuiria para regene-
ração d'elle8.
Na pratica apresentava diíBculdades a sua execução; comtudo,
nos últimos annos algumas tentativas se fizeram nesse intuito,
e para a colónia Esperançaj instituida ultimamente pelo bene-
mérito Governador Amaral, vão sendo enviados os degredados
qne da metrópole vccm chegando. O mesmo Governador tenta
instituir no sul outra colónia d'este género.
Quanto ás restricçSes, ó o próprio Livingstone que nos diz
o motivo por que em 1845 as casas inglezas, que mantinham
!■
I »
78 EXPEDIÇÃO POETUGUEZA AO MUATIÂNVUA
rcIaçSes commerciaes em Loanda, se retrahiram. As ligaçSes^
que entfto havia com o Brasil, se por circumstancias de força
maior foram prejudiciaes a essas casas, não o foram menos ás
dos negociantes portuguezes.
E tanto o commercio não encontrava ahi restricçSes, que
Livingstone ficara surprehendido de ver em Loanda só um
negociante inglcz, emquanto no paiz todas as trocas eram fei-
tas com tecidos de algodSo das fabricas inglezas!
Também ali, como em todas as nossas colónias, se permittiu
aos estrangeiros a acquisiçâo de propriedades, ou de terrenos
para as levantarem, e nas mesmas condições que aos portugue-
zes, isto é, concessões gratuitas, e em tempo sem confronta-
. ções — um dos males de taes concessões.
Havia restricções para os navios? Mas qual é a nação que as
nao tem tido?
Leroy Beaulieu aponta, — perfeitamente discriminados em
cinco classes, — os processos adoptados pela Inglaterra para res-
tringir os movimentos do commercio das suas colónias, e nao
certamente com o fim de prejudicá-las, mas sim de fazê-las
prosperar, e foi só a pratica que mostrou a necessidade de as
fazer cessar.
Estas restricções diziam respeito:
1.* A exportação dos productos das colónias que só devia
fazer-s(í para a metrópole ;
2.* A importação dos artigos de fabricação estrangeira nas
' colónias;
3.* A importação de productos provenientes de colónias es-
trangeiras na metrópole ;
4.* As que nâo permittiam o transporte de mercadorias, pro-
venientes das colónias ou destinadas para ellas, senão era na-
vios nacionaes ;
f).* As que prohibiam ás colónias fabricarem os seus produ
ctos brutos.
E todas estas restricções tinham por movei o favor aos inte-
resses da nação liberal por excellencia.
líão a Livingstone, mas áquelles que ainda hoje argumen-
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 79
iam como elle e professam os seus principios a nosso respeito,
recordaremos factos dos nossos dias, e digam-nos depois onde
86 encontram mais restricçSes para estrangeiros.
Na verdade, a Inglaterra nem sempre foi nossa amiga, prin-
cipalmente tratando-se de questões coloniaes.
Durante o anno de 1875 saiam nos seus vapores de Acra
e portos próximos até ao da Serra Leoa, indigenas que quizes-
sem emigrar para a ilha de S. Thomé; e vinham em tal
estado de nudez, que o Governador da provincia exigiu ao
consignatário portuguez que os vestisse para os poder desem-
barcar.
Nesse anno nSo houve peias a tal emigração. No anno se-
guinte habilita-se um navio da casa Tarujo para o transporte
de emigrantes, contratados nas mesmas condições e localidades ;
o navio é aprisionado e a emigração prohibida, sob o pretexto
de escravatura!
Houve uma demanda que durou dois annos, se bem nos re-
corda, mas a justiça estava do nosso lado e foram satisfeitas
as indemnisações reclamadas com respeito á presa.
Mas a ilha e os agricultores, foi quem sofireu com a mal
entendida restricção, ao mesmo tempo que de Lourenço Mar-
ques einhambane nós consentiamos que saissem emigrantes
para as colónias ínglezas do sul. Natal e outras!
Na mesma epocha deu-se o seguinte facto em Macau:
Governava a província o Almirante Sérgio de Sousa (o falle-
cido Visconde de Sérgio), e a vizinha cidade de Hong-Kong,
pela sua imprensa, bradava contra a emigração chineza que
se fazia, por Macau, para a America. Fazendo-se ella também
por Hong-Kong, tratou aquclle governador de a regulamentar,
tendo em vista o que se praticava ali.
Ainda não ficou satisfeita aquella imprensa, e mais tarde o
Governador Visconde de S. Januário, fez mais: determinou
que se observassem os regulamentos adoptados em Hong-
Kong !
Pois ainda isto não foi o bastante, por que vimos que o nobre
Visconde suspendeu a saida dos colonos por Macau!
!
1 f -
80 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUAT1ÍNVUA
A consequência foi os vapores da carreira de Cantão e ou-
\ ' » tros barcos, que faziam escala pelo nosso porto para Hong-
Kong, virem carregados de emigrantes, que para lá seguem, e
d'ahi vSo então nos vapores da carreira da America, no porão
com ferros aos pés emquanto a terra está á vista!
E querem os filhos da liberal Inglaterra maiores restricçSes
do que as que temos apontado?
Agora consideremos outra ordem de factos.
As missSes do bispo americano Taylor estão disseminadas
pelo interior da nossa provincia com prejuizo nosso; as fabricas
de Manchester, prejudicando as nossas, lá vão espalhando os
seus artefactos até aos pontos mais longinquos; os belgas, pre-
judicando a industria das nossas lazarinas, mandam-uos por
anno milhares de espingardas ; os exploradores scientifícos en-
tram nas nossas províncias ultramarinas como em terras pró-
prias, e mais, isentos dos direitos que paga o nosso commercio,
e com 08 productos assim importados, vão concorrer nos con-
celhos do interior; não ha colónia alguma nossa onde não se
vejam estrangeiros estabelecidos nas mesmas condiçSes que os
portuguezes, e livres dos encargos officiaes a que estes por lei
são obrigados.
Encontrarão, pois, os inglezes nas nossas colónias menos li-
berdade de acção de que nas suas? Não acreditámos.
Se ha quaesquer restricçoes para o commercio, tanto as
sofFrem os estrangeiros como os nacionaes, e quanto á sua
existência é isso devido a principies e tlieorias económicas,
sobre os quaes até hoje a sciencia não disse a ultima palavra.
Enganou-se, pois, Livingstone, e enganar-se-hão sempre,
i por certo, todos os que se metterem a descrever qualquer
paiz, sem ahi se demorarem o tempo indispensável para o
estudarem.
Mudam as circumstancias do commercio com as localidades,
com as condições do clima e com os usos e costumes, e como
se pode então apreciar um facto social ou económico sem se
avaliar cada um dos factores que mais influem nos seus resul-
tados?
* 1
f!
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 81
Chega, finalmente, a hora de deixarmos a cidade de Loanda,
a que nos ligam saudosas recordações. E opportuna a occasiâo
de darmos conta das cartas retardadas que nesta cidade rece-
bemos do negociante Custodio José de Sousa Machado, de
Malanje.
4 de abril de 1884. — Amigo e Sr. Major Henrique de Carvalho. — ^Foi-
me muito agradável a prezadíssima carta de V. datada de 4 de fevereiro,
e mais agradável me foi poder ver como Y. luctou e poude vencer tanta
difficoldade. Muitos parabéns. ^
Meu irmão seguiu d'aqui cm dezembro com uma grande expedição
para a Africa equatorial e sem passar pela mussumba do MuatUanvo, pois
que, se tal fizesse, não lograria chegar aonde se deseja, que é a terra
dos Cassungamenos.
Devido a essa expedição, ha aqui agora uma falta enorme de carre-
gadores para toda a parte, como aqui nunca se notou I Basta dizer, que
para a expedição allemã, que aqui tenho, só pude arranjar por em quanto
cem carregadores para o Lubuco, c não sei como se ha de arranjar o
resto. E verdade que para a Mussumba, ponto já mais conhecido, talvez
que seja mais fácil appareccrem ; no emtanto, só com a vinda de V. é
que se ha de poder assentar no que for melhor.
Aqui encontrará V. não o conforto que se pôde encontrar numa terra
civilisada, mas um pobre e humilde tecto para o resguardar, e aos seus
companheiros, das intempéries da estação ; mas pobre e humilde como é,
é-lhe todavia franca e sinceramente offerecido com o maior prazer e
satisfação.
Ao dispor de V. fica quem com a mais subida estima e consideração
é — De V. , etc. = Custodio J, de Sousa Machado,
Malanje, 19 de maio de 1884. — ... Sr. Major Henrique de Carvalho. —
Loanda. — Comquanto não tenha noticia da chegada de Y. , pela espe-
rança que me deu na sua muito apreciada carta de 4 de abril, sou levado
a crer, pelo seu conteúdo, que chegou \ e que chegasse de perfeita saúde
é o que sinceramente estimo.
Emquanto aos vários assumptos de que trata na sua citada carta,
para cabalmente responder sobre tão vasto plano, era mister que eu dis-
pozesHC de grande intelligcucia e de tempo, que não tenho ; mas quando
Y. aqui chegar, então teremos muito tempo de conversar, não deixando
da minha parte, sempre que me for possivel e o melhor que puder, de
lhe fazer as indicações que mais convenham ao bom desempenho da sua
espinhosissima commissão.
No entretanto, pode Y. já ficar disposto, se admitte a minha sincera
82 EXPEDIÇXO PORTDGUEZA AO MUATIÂNVUA
franqueza, que Quimbundo é um ponto actualmente morto, nSo tendo
já aqucUa importância commercial e politica que já teve ; além d'is80,
para se ir por tal via, era dar-se uma derrota ao sul para descair depois
para o norte, derrota a meu ver totalmente desnecessária, por nâo haver
razões e interesses que a justifiquem. Passar por dentro de Cassanje
é isso impossivel, porque os Bangalas não consentem a passagem dos eu-
ropeus pelo seu território para o outro lado do Cuango; haja vista o
que fizeram aos nossos illustres exploradores Capello e Ivens, para me
dispensar de dizer mais. Para se passar pelo Loango, muito ao sul de
Cassanje, que era o caminho que meu irmão levava para Quimbundo, é
preciso ir-se preparado de modo a perder metade do que um commer-
ciante leva, para pagar imaginários crimes, que elles phantasiam, só na
mira de roubar o viandante. A vista, pois, do que com toda a verdade
acabo de expor a Y. , e que me parece do seu interesse saber, o cami-
nho que tem a seguir deve ser necessariamente o que levou agora meu
irmão á frente da nossa expedição mercantil, que é : ir d'aqui direito a
Cafuxi (Bondos), direito ao porto do rio Cuango entre os rios Luí, que
ao norte separa a fronteira dos Bangalas (Cassanje), e o Luhanda, que
ao sul separa a fronteira da nação do Holo, ficando entre estes dois rios
um mixto de nações, todas independentes entre si, e a cuja região demar-
cada entre esses dois indicados rios se dá o nome Mahari ou Cahari,
cujo chefe, que dizem ser bastante poderoso, se chama Mueto-nguimbo,
dono do porto da passagem no rio Cuango, situado abaixo alguns kilo-
metros aonde o rio Luí conflue no Cuango. Este caminho é completa-
mente novo, sendo meu irmão e mais um companheiro que levou, os pri-
meiros europeus que passaram por tal via, segundo a aíhrmativa dos
próprios naturaes. E ainda por este caminho por onde convenci o Te-
nente Wissmann que devia seguir a expedição allemã de que é chefe, des-
prezando assim a instrucção que trazia de ir direito ao Tembo-á-Lnma^
seguindo o trilho até ao Cuango que anteriormente tinha d'aqui levado
o Major Mechow.
O caminho, pois, que levou meu irmão com a nossa expedição, é ma-
gnifico ; e quando V. o queira seguir também, parece-me, não terá que
arrepender-se. E seguindo-o, terá do outro lado do Cuango a nação do
Xinje, cujo povo é manso como os cordeiros. Doesta nação tomará V.
o trilho que conduz ao Caungula, um potentado bastante poderoso, mas
já subordinado ao Muafianvo. De Caungula, seguirá V. direito a Mus-
sumba, capital da Lunda, e aonde reside o Muat'ianvo.
O caminho &tè ao Cuango é bastante fértil de mantimentos para toda
a comitiva, muito principalmente de gado vaccmn, suino, cabrum, etc.
E preciso que V. saiba, que o Muafianvo tem por uso e costume
receber tudo que o individuo leva para negocio, encarregando-se elle de
mandar comprar marfim nos pontos aonde o ha, e como para esta gente
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 83
O tempo nâo tem valor, os amios succedem-se ims aos outros, sem que
cUe preste contas do que recebe ; e, como elle é o dono das suas terras,
nâo havendo por isso a quem recorrer, o remédio já se vê, é esperar.
Além d' isto nâo consente que europeu nenhimi passe além dos seus
Estados.
Acho ocioso encarecer a conveniência politica que ha na alliança da
Lunda com Portugal : eu já o tenho demonstrado muitas vezes pela im-
prensa, e ainda ao próprio Sr. Conselheiro Governador Geral, quando aqui
esteve o anno passado ; mas é preciso muita prudência e tacto da nossa
parte, e coadjuvá-lo, estimulando-o no seu valor (despótico aliás) contra
08 invasores do sou território — os Quiocos — que lhe teem avassal-
lado já uma grande parte dos seus melhores e mais poderosos feuda-
tarios. Sobre tâo melindroso assumpto, só aqui, pessoalmente, teremos
occasiâo de fallar; e por isso, e por falta de tempo, reservo-me para
então.
Emquanto a estações commerciacs eu vou estabelecer uma no porto
do Cuango, mas na margem direita ; outra, logo que tenha um europeu
de confiança, vou estabelece-la no Caungula, e outra no porto do Cassai,
em Quicassa, que dá passagem para o Lubuco (Tu-Chilangues), para os
Ma-cubas (Luquengo e outros pontos do norte para o Lualaba).
Os exploradores allcmâes é que me teem impedido de ter mandado
já o individuo encarregado da estação do Cuango, pois me pediram para
que o nâo despachasse sem ser na sua comitiva, a que accedi por com-
prazer.
Estabelecidas as estações nos pontos que deixo indicados, teremos
sem difficuldade communicaçoes escoteiras, rápidas e sem difficuldades
com a Africa Central.
Mas aonde é que hei de ir buscar pessoal de confiança que possa
encarregar de fazer negocio, receber e despachar cargas e a correspon-
dência de uns para outros pontos ? E isso que me tolhe de maior desenvol-
vimento. Lançar mâo de ambaquistas ? E impossível, por serem elles os
maiores ladroes, ao ponto de, quando nos nâo queremos deixar roubar
por elles, seduzirem o gentio para nos roubar, a pretexto de um nada,
apparentando para comnosco, e principalmente quando nâo conhecemos
a lingua, o maior interesse em defesa da nossa causa. Creia Y. que
nâo estou phantasiando, cstou-lhe expondo com franqueza os males de
que tenho sido victima. Isto é uma gente que nâo precisa que os convi-
dem a acompanhar-nos, porque elles sâo os próprios a encorporarem-se
nas nossas comitivas; sâo elles ainda os verdadeiros ciganos da Africa,
porque em toda a parte se encontram, nâo para nos auxiliar, mas para
nos crear difliculdades. Mas também teem seu préstimo. Emquanto aos
carregadores, já se poderiam ter pago alguns, se estivesse auctorisado,
ou por outra, habilitado a fazê-lo, pois alguns teem apparecido.
84 EXPEDIÇÃO POBTUQUEZA AO MUATIÂNVUA
N2o acredite Y. que pagando-os d*aqai para um ponto qualquer do
interior, que lhe é fácil poder depois obter os precisos para onde quizer ;
é mister conservar os que teem de o acompanhar até Mussumba, e ali
depois, fazer com elles novo ajuste, quer para cá, quer para o norte,
quer para o sul, quando eUes queiram continuar ao serviço de Y. É por
isso, que quero, além do interesse commercial, estabelecer a estação
commercial na margem direita do Cuango, porque sendo os Ma-Chinjes
um povo dócil, desejo costumal-os a transportarem cargas de lá para
aqui, e de lá para o Caungula e Cassai ; porque do outro lado do Cassai já
estão 08 Tu-Chinlangues que se prestam ao carreto de pequenas cargas,
por ser gente muito fraca, mas iguahnente dócil.
Muito mais longe me levaria o conteúdo da muito apreciada carta
de Y. , mas escasseia-me o tempo, e por isso me reservo para quando
Y. chegar. Todavia ahi ficam os principaes pontos que offereço á apre-
ciação de Y. para d'elles eolher o que possa julgar aproveitável, se de
aproveitável achar algimia cousa.
O que peço a Y. é que não leve á conta de abuso da sua extrema
bondade o ter-lhe roubado, com tâo estéril massada, o mais precioso do
seu tempo. No mais, creia ao seu dispor quem com toda a estima e con.-
sideraç&o se subscreve — De Y. , etc. = Custodio <7. de Sousa Machado.
Repetiam-se as visitas e os affectuosos comprimentos; dese-
javam-se as mais felizes horas através de todo esse sertão que
Íamos percorrer, e, com satisfação o dizemos aqui, todos mos-
travam o mais vivo interesse em que obtivéssemos resultados
essencialmente práticos.
Urgia, porém, partir, mas não o devíamos fazer sem dirigir
a S. Ex.* o Ministro, neste momento, um olficio por intermédio
do governo da província, dando conta de que a Expedição se-
guia para o seu destino.
Esse officio é o seguinte:
ni."® e Ex."° Sr. — Que poderei eu dizer a Y. Ex.* com respeito á via-
gem de Lisboa aLoanda, que não seja muito conhecido? No emtanto, pelo
que respeita á Expedição, é forçoso confessar que, em todos os portos
ondiB o paquete fundeou, foram bem lisonjeiras as demonstrações que
tanto eu como meu collega recebemos das auctoridades superiores e de
alguns dos seus habitantes. Estas demonstrações, bem o sabemos, todas
vão recair no Ministro que levou por deante um projecto que, se estava
na mente de muitos, deve a elle a remoção das difficuldades para se em-
prehender a sua realisação.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 85
Na noite de 30 do mez passado fundeámos em frente doesta cidade, e
pouco depois, pelos cavalheiros que foram a bordo, soubemos ser espe-
rada a Expedição, sendo-nos em três casas particulares offerecida hos-
pitalidade, que nâo pudemos acceitar, por nos ser conveniente tomar
quartos numa hospedaria próximo á Alfandega, e ser preciso também
estarmos um pouco isolados para continuarmos os trabalhos prepara-
tórios encetados em Lisboa.
Desembarcámos na manhã de 31, e nesse dia fomos comprimentar,
como era do nosso dever, S. Ex.» o Governador Geral da provincia, o
qual desde logo nos dispensou toda a coadjuvação official para que a Ex-
pedição não encontrasse diíficuldade, nem o mais pequeno estorvo nos
seus primeiros passos ao dirigir-se a Malanje.
Tendo conhecimento que o Missionário A. Castanheira Nunes enten-
dia dever propor condições para se lhe garantir um futuro, ou á sua fa-
milia, caso morresse no serviço da Expedição, convidei-o a declarar-me
qual era a sua definitiva resolução. Allegou : a sua avançada idade,
longa carreira no funccionalismo doesta provincia, parte em pontos mais
ou menos internados, em que prestara serviços que, segundo elle, não
tiveram a devida remuneração ; a demora na confirmação da nomeação
de professor da escola principal doesta cidade, cargo em que apenas lhe
faltavam três mezes de serviço para completar o prazo em que por lei
lhe deveria ser dada a aposentação; o receio de preterir os seus direitos
a essa aposentação pelo facto de acceitar o penoso encargo de Missio-
nário da Expedição, não obstante ser esta, por certo, commissão por elle
reconhecida de máxima importância para o paiz ; e finalmente o sacri-
fício dos interesses que hoje disfructa em Loanda, onde vive com a com-
modidade, que a sua idade e longa permanência em Africa requerem,
e que não era compensado pela pequena gratificação mensal que lhe fora
arbitrada. Foram estas as principaes razões que muito influíram no seu
animo, para ainda que a seu pesar, deixar de fazer parte da Expedição,
a não ser que o Governo de Sua Magestade se dignasse acceitar as con-
dições que elle apresentava.
Era tarde — foi a minha resposta. E não devendo nem podendo demorar
a Expedição, que não posso ainda dizer a V. Ex." quando sairá de Malanje,
deliberei partir para o Dondo no vapor da companhia, que se diz deve
largar do porto amanhã, aguardando no emtanto quaesquer determina-
ções de S. Ex." o Governador Geral.
Pelas cartas que hontem recebi do negociante Custodio Machado, de
Malanje, sei que a Expedição allemã, sob a direcção do Tenente R. Wiss-
mann, tem encontrado ali grandes difficuldades para organisar o seu pes-
soal de carregadores. Verdade é que ha sempre taes difficuldades quando
se trata de explorações para o norte ; e, no dizer do mesmo negociante,
parece haver toda a probabilidade de que a nossa Expedição seja mais
86 EXPEDIÇXO PORTOGUEZA AO MUATIAnVUA
feliz, porque tanto os povos de Malanje como os de Sanza e Ambaca, e
carregadores que regressam nesta epocha do serviço de transporte de
Dondo a Cazengo, se prestam a ir áa terras do Muatiânvua, onde este
e outros, seus immediatos, lhes facilitam a ligação com mulheres de seus
povoados a troco de presentes. Essa região, na linguagem fluente e ele-
gante do Dr. Max BUchner é por esse facto o Eldorado doestes povoS) e
mui principalmente dos interpretes e ambaquistas.
Mas nSo obstante esta minha bem fundada esperança, repito, nSo me
é dado por emquanto calcular o tempo que a Expedição se demorará em
Malanje ; e, como seja certo que tenha de estacionar antes do Cuaxigo,
não procurei nesta província quem quizesse substituir o referido líissio*
nario, aguardando que V. £x.* resolva que á Expedição venha aggre-
gar-se o sacerdote que cm Lisboa solicitara de V. Ex." fazer parte da
mesma, e que se promptiíicava a residir na Estação que lhe fosse indi-
cada, apenas com os vencimentos designados pela lei que creou as Esta-
çues Civilisadoras.
Se este Missionário já não encontrar a Expedição em Malanje, tudo
fica prevenido para se facilitar o seu transporte até encontrá-la.
Do que se requisitiira no paquete anterior á Direcção das obras publi-
cas d'e8ta província para o serviço da Expedição apenas se conseguiu
obter, mandando-se-lhes fazer os devidos reparos, barracas, mesas por-
táteis, cinco carabinas Winchester com três mil cargas, e alguns artigos
para a secção photographica.
IS. Ex.* o Governador auctorisou a compra de camas, redes, macas, can-
tinas e ainda de oito bois de monta.
Pelo orçamento, approvado por V. Ex.», deviam acompanhar-me de
Loanda para o interior mais três empregados subalternos europeus, o
que importava em 60;^000 róis meusaes, fora rações; porém, tendo-se-me
apresentado aqui, para fazerem parte da nossa Expedição, uns trinta in-
dígenas, de mim conhecidos por haverem trabalhado sob a minha direc-
ção nas construcçõ(ís a meu cargo quando fíz parte das obras publicas
nesta cidade, de entre ellcs escolhi doze dos mais robustos, e com aucto-
risação de S. Ex.* o Governador foram contratados na Administração do
concelho, de modo que, para o tempo calculado, dois annos, ha uma diffe-
reuça a favor de 126^5000 réis.
Estes homens teem famílias em Loanda, estão já costumados aos usos
europeus, e faliam mais ou menos portugucz ; dois d'elles, os mais velhos,
foram carregadores de maxilas durante perto de quatro annos que estive
em Loanda, e offerecem-nos garantia de que serão bons vigias das car-
gas, que hão de procurar mais agradar-nos que ao gentio, e finalmente
que não nos abandonarão com receio de serem deportados para Moçam-
bique ou para a Guiné.
Além disto, como não é possível díspensarem-se mais que trinta sol-
DESCBIPÇXO DA VUGEM 87
dados indígenas, e é incerto poder obter- se este numero entre voluntários,
aquelles, armados como estes, augmcntarão a nossa força policial armada,
e assim se infundirá mais respeito ao gentio.
Sobre os pombos -correios, devo dizer a V. Ex." que chegaram bem, e
que deixo nesta cidade quatro casaes para dois pombaes, um no palácio
do Governo e outro a cargo do Director das obras publicas, a quem dei-
xei as competentes instrucções. Os restantes seis são para o pombal em
Malanje, e espero que o negociante Custodio Machado d^elle tome conta.
Como no próximo paquete espero cheguem as cargas dos diversos
volumes do commercio do Porto, que não chegaram a Lisboa a tempo de
virem comnosco, pedi a 8. Ex.* o Governador se dignasse providenciar
para que me fossem remettidos para Malanje.
Nâo tendo sido calculada a verba a dispender com transportes, e
variando estes de concelho para concelho, a S. Ex." o Governador soli-
citei que elles fossem fornecidos pelos Chefes e pagas as despesas pela
Ex."* Junta de Fazenda; ao que S. Ex.* annuiu promptamente, estando
aquella prevenida para, sem hesitação, proporcionar todos os meios de
que lhe é dado dispor para o rápido progresso da Expedição.
A Expedição, devendo partir amanhã para o interior, despede-se de
y. Ex.*, fazendo votos para que lhe seja possível corresponder sempre á
confiança que V. Ex.» nella depositou.
Deus guarde a V. Ex.* Loanda, 9 de julho de 1884. —Hl.»* e Ex."® Sr.
Conselheiro Ministro e Secretario d'Estado do» Negócios da Marinha e
Ultramar. = O chefe da expedição, Henrique Augusto Dioê de Carvalho.
Chegara a hora de embarcar no vapor Serpa Pinto, que
estava atracado ao cães da companhia^ aguardando os passa-
geiros e recebendo ainda as ultimas cargas da Expedição.
Nâo nos sendo possível acceitar todos os convites que tive-
mos, nem tão pouco o do Governador Ferreira do Amaral, que
demais a mais era commemorativo do seu anniversario, — faltas
estas que só podem ser attribuidas ao pouco tempo de que po-
diamos dispor, — aqui consignámos o nosso reconhecimento
para com todos os que nos deram tantos testemunhos de defe-
rência.
Os contratados iam comparecendo a pouco e pouco no cães,
todos mais ou menos alegres, e dois já muito embriagados, o
que é para desculpar, pois entre elles e seus parentes e amigo
se travaram durante o dia acaloradas discussões, acerca das
probabilidades do regresso, porque os perigos eram muitos
88 EXPEDIÇXO POnTDfiUEZA AO MUATIÂNVUA
noB terras do gentio bravo, em que se cortavam ns cabeças
da gente e se comia a sua carne. Diziam-Ihes também que o
Major os fizera soldados, e elles agora já níío podiam largar
a praça e liaviam de ir para a Guiné, para Moçambique, oa
para onde ello qnizesse.
Um dos embriagados chorava a valer, porque, eegondn elle,
Ibe haviam roubado a roupa que comprara para a TÍagem,
que a tiuham levado para o Terreiro Publico e este estava
agora fechado !
Era tâo incomprchensivel o que o homem dizia, que o Chefe
o conveueeu a ir deitar-se para bordo, ficando de dar provi-
dencias no dia seguinte; e elle foi, certamente sem conscíen- 1
cia do lugar onde estava, e lá adormeceu.
Dados os últimos abraços aos amigos que nos acompanha-
ram, entrámos á meia noite no vapor, onde já, sobre a tolda, '
umas camas de campanha de bastante uso e cobertas por ordi-
nários mosquiteiros estavão promptas ; uctlas nos deitámos fati- J
gados das fainas do dia, acordando de madrugada quando o I
vapor se fazia ao largo para dar volta á ilha, pelo norte, ej
seguir o sen rumo para a bocca do Cuanza.
pesceipçao da viagem
NO CUANZA
vapor Serpa Pinto, visto do
exterior, é um bonito barco,
tem bom andamento, mas infe-
lizmente é só de carga e sem
condiçSes que o recommendem
para navegar numa regiSo tro-
pical.
Quando se argumenta que em
cerca de quarenta toras este va-
por chega ao terminut da sua
carreira — Dondo — e que uma
noite se passa bem, responde-
mos que na maior parte das via-
gens nilo Buccede assim; mas
ainda que succeda, gastam-se
lOjflOOOréis por dia, o que é carol
Nos vapores da companbia do Cuanza aò se faz distiacçSo
de duas classes. Ã superior díffere da inferior em a primeira
ter comida e a outra nSo; em nos offerecer, para nos deitar-
mos, as taes camas de campanha sobre o convez, emquanto
que na inferior serve do leito o próprio convez; em propor-
cionar uma bacia e uma toalha para os passageiros mais abo-
nados, e aos demais apenas uma celha.
For taes commodidades paga o passageiro de primeira classe
10,9000 réis, e o da segunda 5,9000_réis I
^m^
90 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO MUATIÍNVUA
Ora devemos confessar que tudo isto é exhorbitante^ e que
se por qualquer circumstancia; o que succede muitas vezes^ a
viagem se prolonga até cinco ou mais diaS; toma-se um mar-
tyrio para os passageiros de 1/ classe pelos incommodos; falta
de asseio e mau passadio ; e para os da inferior pelo que ainda
é peor — a fome!
Commanda o vapor António de Sousa (vulgo, Carapau)/ um
d'estes homens que indicam logo ser o que nós chamamos —
homem do mar, e que, não obstante procurar ser agradável aos
passageiros, tem o seu feitio especial — um homem de mar com
todas as suas birras e preconceitos!
NSo é d^aquelles supersticiosos, como conhecemos muitos, e
de uma devoção provada por qualquer imagem em que se re-
presente uma das phases de provaçSo da mãe de Christo ; mas
por isso mesmo, talvez, é pouco condescendente, e muito cioso
no seu commando : o que na nossa viagem se revelou e pelo
que mais perdeu a Companhia do que interessou, como eram
os seus desejos.
Os contractados em Loanda, aportando o vapor na Muxima,
como fossem devotos da imagem de Nossa Senhora que ahi se
venera, traziam já de Loanda vassouras, para varrer a capella
e velas de cera e ainda outras cousas para depositarem aos
pés d^aquella tão afamada imagem, implorando- lhe uma boa
viagem até á Mussumba e que os livrasse de perigos e grandes
trabalhos, e pcrmittisse que regressassem todos com saúde.
Seria apenas uma questão de meia hora de demora, por-
que a igreja fica próxima ao cães a que o vapor atracou.
Pois o capitão não annuiu ao pedido, por que queria adeantar
a carreira com receio que lhes faltasse agua no Dondo.
A questão, repetimos, era apenas de meia hora!
O vapor seguiu, e meia hora depois encalhou, e só pôde sa-
far-se passadas três, tomando a encalhar na manhã seguinte,
para só ao sol posto, e depois de muito fatigada a tripulação,
continuar a navegar.
Mencionámos este facto, porque mais tarde teremos de fazer
allúsão a elle.
DESCBIPÇXO DA VIAGEM 91
Passámos a barra cerca das oito horas e sem que o sentís-
semos, o que não é vulgar; e pouco depois entravamos na
enseada, á nossa esquerda, onde estSo fundeados os velhos
vaípores da companhia.
O Cuanza corre neste logar, fazendo grandes curvas, ora para
o norte, ora para o sul, e perdendo já muito da sua velocidade,
porque se vae estendendo pelas margens entre essa prodigiosa
vegetaçSo, por onde passam hoje embarcaçSes pequenas.
E é assim que sobre as margens e nas planícies que lhes
ficam próximas, nas epochas das seccas fica estagnada muita
agua, que não pôde ir na corrente, formando-se entSo largas
Buperfifiies encharcadas, d'onde emanam os effluvios paludosos
que tantas vidas teem ceifado, e contra os quaes não se teem
empregado ainda as grandes obras de arte, já com o intuito de
melhorar as condições de salubridade da região, já com o fim
de conquistar para a agricultura muitos hectares de magnifico
solo hoje absolutamente desaproveitados.
A regularisação das margens do rio Cuanza imp8e-se como
uma das obras mais necessárias e mais productivas.
Os bongues ^, feitos para o resguardo das plantaçSes da fa-
zenda Santa Cruz, são d^isto uma prova bem patente.
Este rio, que tem sido a admiração de nacíonaes e estran-
geiros pela deslumbrante vegetação de suas margens e limpidez
das suas aguas, contribuiu de um modo importantissimo para
as conquistas em Angola, pois por elle se fazia a passagem para
Massangano, sede heróica das operações militares, e onde
ainda se conserva como monumento essa antiga fortaleza que
domina o rio, e que por isso mesmo bem digna é de ser con-
servada para ensinamento ás gerações futuras.
O publicista Dr. Manuel Ferreira Ribeiro, que nos últimos
tempos mais tem escripto sobre a nossa A&ica, nos seus Estu-
dos medico-tropicaes, encarando este rio sob variados aspectos,
além das impressões e considerações da sua especialidade,
> Defesas feitas de terra e canniço para resguardo dos terrenos mar-
ginaes onde se fizeram plantações.
EXPEDIÇÍO POBTUOnEZA AO MUATIÂNVOA
compendiou tudo quanta d'elle se tem escripto, nEo só pelo
que reepeita á geographia e flora das suas margens e á sus
navegação, acompanlmnclo as suas reflexSes com factos histó-
ricos que se acham espalhados em diversas obras, roteiros
deserípçSes e docuraentoa officiaea, mas ainda o estudou como
via eommercial*.
1 AoB que se iatereasoin pelo que teinoa em Africs
a leitura d'esta interessante publicatSo.
UESCKlP^rAO DA VIAGUM
O Dr. Ferreira Ribeiro descreve o rio Cuanza sob a impres-
BHO de que a Expedição doa estudos do caminlio de ferro de Ara-
baca, do que fez partL- ciiuio medico, trabalhava com o fito do
que a via férrea devia partir de Oeiras, com o que a linha
fiuvíal tudo tinha a lucrar.
Mas hoje, que o traçado começou de Loauda, Beguiudo-ae um
projecto diverso do que primitivamente se tinha em vista, que
aiosta a via férrea de»te rio, volveremoã & primitiva navegação
gentílica em canoas de um eij pau?
Deixaremos que o rÍo se entulhe e mais ae complique 0 re-
I de Buas aguas, ou que estas procurem novas saidos?
1 grande erro sob qualquer ponto de vista, princí-
j politico.
uta lembrar que, ainda o anno passado, era uma imprete-
rível necessidade que todos os passageiros do vapor da ear-
I reira se armassem e fizessem fogo contra o gentio da margem
esquerda para o forçar a recuar, arrependido da sua ousadia
em atacar as embarcações que tinham de navegar por ali.
Estando fatalmente condemnada a carreira do uavegaçâo
a vapor, nBo serão as pequenas emliarcaçÕea do vela ou a
remoa que poderão resistir ao gentio da margem esquerda, e
í •
94 EXPEDIçlO POBTUOOEZA AO MUATIANVUA
O que succederá é ficar esse gentio senhor do rio, e d'ahi os ata-
ques á margem opposta e ás povoações que elle banha.
Voltaremos, pois, aos antigos tempos?
E quanto não nos custará depois, se quizermos adquirir o
que hoje formos perdendo?
Nâo será só dos Quissamas que teremos a recear agressões
e ataques á propriedade. Os Libolos e Baílundas, mais para
leste, aproveitarão da pilhagem, porque teem contas a ajustar
com Bângalas e Bondos, e os únicos a perder seremos nós,
porque os indigenas crêem que nas casas de commercio está
depositada maior porção de pólvora, armas e fazendas, do que
na realidade ali existe.
Os poderes públicos, de certo, pensarão nas providencias a
tomar desde já, a fim de se evitarem essas grandes e novas
complicações na futura administração da provincia.
É preciso pois conservar para a navegação o rio Cuanza,
melhorando-se-lhe o regimen, e fazendo na sua barra as obras
que foram recommendadas pelo distincto engenheiro Arnaldo
de Novaes.
O Dondo, deixando de ser o entreposto commercial dos sertões
de leste, não pode, só por si, nem as povoações do littoral, cus-
tear as despesas de uma companhia de navegação, e assim
torna-se indispensável que o Governo pense já em estabelecer
policia naquelle rio, preparando vapores apropriados que, re-
cebendo algumas cargas e passageiros, poderão auferindo recei-
tas ao menos para o custeio do carvão, servir o commercio,
que não deixará de se fazer entre o Dondo e povos vizinhos
do Libolo, e outros sertanejos e os agricultores das margens
do Cuanza.
Deve mesmo tratar-se da exploração do carvão de Cambambe,
e aproveitar se, quando mais não seja, em proporção equi-
valente ao que tenha de importar-sc para o consumo d^esses
vapores. E ainda mais se pode diminuir o custeamento da
navegação, quando se colloque no leito do rio um cabo raetal-
lico, como o que se estabeleceu no nosso Douro, para reboque
dos vapores, do que resultará uma economia de 25 por cento
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 95
na despesa do carvão; melhoramento este de tão grande im-
portância que, ha seis annos; houve quem pedisse o privile-
gio; quando pudesse haver um accordo com a actual companhia
do Cuanza.
Acreditámos que não foi bem comprehendido o pedido, por-
quanto no Douro tem o referido cabo oflFerecido vantagens á
navegação.
Mas prosigamos na nossa viagem.
O vapor Serpa Pinto não se demorou em Muxima, como
dissemos, apesar de ahi receber um passageiro para Massan-
gano, e seguiu para o Cunga, onde atracou ao cães, permane-
cendo ahi por algumas horas.
Aqui éramos esperados por João Rebello, antigo agente da
casa ingleza, a quem conveiu a farda de capitão de segunda
linha para incutir mais respeito ao gentio, com o qual tem de
lidar diariamente.
Rebello tem creado nome pelas âuas fructuosas caçadas ao
jacaré, que elle sabe artisticamente preparar para os museus,
devendo nacionaes e estrangeiros á sua amabilidade os exem-
plares que possuem.
Os contractados de Loanda, em razão das boas e antigas
relações do chefe da Expedição com João Rebello, a este
se lamentaram da contrariedade que sentiam e da situação em
que os coUocára o commandante do vapor, não lhes permittindo
que fossem a Muxima levar as suas offerendas a Nossa Senhora.
Sempre de coração bondoso, ouviu com attenção a queixa dos
pobres rapazes, e immediatamente se promptiíicou elle mesmo
a ir na manhã seguinte, á outra banda do rio, satisfazer esse
compromisso religioso, o que os interessados com mostras.de
intimo regosijo muito agradeceram.
E de passagem seja-nos permittido observar, posto que de
simples intuição, que entre todos os povos, mas mais espe-
cialmente com a gente da raça negra, é da máxima impor-
tância, para quem carece do seu auxilio no desempenho de
qualquer empreza, manter-lhe sempre o espirito num certo
grau de animação, e não lhe deixar perder a força moral pois
96 EXPEDIÇÃO PORTDQUEZA AO UITATIINVUA
que do coatrarío, o bom êxito d'eesa empreza pode ficar seria-'
mente compromettido.
à casa que Joiío Rebello dirige, no Ctumza, é uma das mais
importauteB da companhia ingleza, Newton & Camigie, e todo
o seu negocio é feito, pode dizer-se, com o gentio.
DKUCRIPÇAO DA VIAGEJl
EM MASSANGANO
Seguindo vJagDiu fomoa fundear em
frente do porto de Maasangano. Pena-
liaou-noa deveras o estado em que en-
contrámoB o presidio e aqudia villa de
Ijinta nomeada, enjoa fiindamentoa fo-
ram lançados em 1581 por
Paulo Dias de Novaes.
Kra ali que os noasOB va-
lentes antepassados iam des-
cansar das fadigosas corre-
rias ao gentio e sustentavam
tom as armaa na
mito a defesa de
tilo importante
posto.
Neate ponto, e
([iiasi por favor
da administração
provincial, man-
tem-se um che-
fe do vasto con-
celho d'aquelle
nome, o nove
\ soldados de pri-
ira linha, se
tanto, para ga-
rantirem a nossa
; iiuctoridade e a
' nossa soberania!
A curioaidado e tiediuuçào dõ nosso collega Sertório de
Aguiar, se deve a gravura representando a parte principal da
98 EXPEDIÇIO PORTUOUEZA AO MUÁTIÂKynA
povoaçllo gentílica e um baptisado no mato, ceremonia antíga
em todo o sertSo onde chega a alçada dos sacerdotes n'elle
espalhados.
SSo esplendidos os palmares que orlam todo o rio Lucala,
principalmente junto á sua foz^ sendo os terrenos ali muito
férteis.
Uma bem dirigida exploraçSo das minas de ferro, que abun-
dam em todos estes matos, dava a receita indispensável para
conservar a fortaleza, ao menos como monumento, melhorar
as condiçSes sanitárias da villa e o seu porto, d'onde outr'ora
saiam promptas as galés para a policia da costa.
Custa a crer que uma regifto tão productiva e bellamente
situada entre a confluência do Cuanza e Lucala chegasse ao
abatimento em que hoje se vê*.
De certo, os seus primeiros povoadores europeus deviam ter
ahi deixado vestígios da sua passagem ! Onde estão estes?
O emmaranhado da floresta, onde ha em verdade arvores
cujas madeiras teem grande valor ; o estado lastimoso da po-
voação, que pouco difFere das mais selvagens que se vêem
pelo sertão ; a falta dos recursos mais indispensáveis ; a vaga-
bundagem do povo, tudo, emfim, nos faz suppor que, se algum
europeu aqui trabalhou, toda a sua obra, toda a sua influencia
se extinguiu. E certo, comtudo, que num rápido exame se re-
conhecem as boas condiçSes naturaes da região para uma pro-
mettedora empresa extractiva.
Como centro agrícola e como ponto estratégico a villa de
Massangano pode oíFerecer as mais largas vantagens e prestar
os melhores serviços, se a quizermos aproveitar.
Não se deve esquecer, porém, que o seu terreno é palustre
e que a natureza tropical domina ali como soberana.
Assim cogitando, encostados á amurada do vapor, iamos
vendo desapparecer á nossa vista a bandeira portugueza, que
lá estava tremulando acima das ameias da fortaleza.
1 Á confluência de dois rios chamam os indipenas massangano (ma-
sagano); é portanto d* aqui que vciu o nome que dêmos ao concelho.
DESCIlIPçXo DA VIAGEM
pocha era das penres para
navegar a vapor no Cuanza,
porque O rio levava poucas
a^iias c estávamos arriscadoa a
não aporlar ao Doudo. Ob en-
(■alliea que se repetiam e ob
r''eL'ios de outros fizeram atra-
car o andaniontii do barco, e
pur isso a custo se conseguiu
c-liegar áquelle porto no dia IT),
ik^poia de já estir de todo cer-
_ ^ rada a noite, quando com rae-
\T^ Ihor tempo tor-Be-ia fimdeado
no dia 12.
Na madrugada de 16, o representnnte da firma Bensaudo
& C* vciu a bordo buscar-nos para sua casa; e pava os seus
esplendidos urmazc-us foram conduzidas as caritas sob a vigi-
^ Uacia dos contracCailos.
A Expedição aproveita o ensejo para declarar que encontrou
I «empre o mais fraueo auxilio nesta casa, quer em Lisboa, quer
I Loauda c no Dfmdn. Pelas recommendaçSefl do Sr, Abra-
I hani Bensaude foi tratada de uma forma que nunca poderemos
r esquecer, não 8(5 nos casos em que foi prociao recorrer no seu
* eredíto, maa ainda quando cila se utilÍBou da sua rasgada hos-
f pitalidade.
100 EXPEDIçlO POBTUOUEZA AO MUATIÂNVUA
A Expedição tratou logo de aproveitar o tempo em relacio-
nar tudo que existia^ e reduzir os volumes ás proporções con-
venientes para poderem ser transportados pelos carregadores ;
e, ao mesmo tempo, ia fazendo distribuição de armamento^ cor-
reame, muniçSeS; instrumentos, utensilios, e arejando as boas
roupas que levava para presentes.
No emtanto, fazia-se ahi acquisiçlo de contaria, missangas,
sal e outros artigos, julgados indispensáveis para quem viaja
entre o gentio.
Havia-nos encarregado o sr. Eduardo Augusto dos Santos,
negociante da cidade do Porto, de tornarmos conhecido o seu
vinho coníiando-nos, doze caixas, para ensaio. A um acredi-
tado negociante nesta villa o entregámos para tal fim pelo
preço da factura.
E certo que saindo elle á razão de 400 réis cada garrafa,
pouco mais ou menos, se vendeu na mesma noite a razSo de
1^000 réis, e quem o provava achava-o excellente, afiançan-
do-nos alguns negociantes que d^elle mandariam vir maior
porção.
Era mais imi encargo do commercio do Porto de que nos
desobrigávamos, e segundo nos pareceu com bons auspicies.
Não nos podia passar indifferente o movimento commercial
do Dondo e por isso lhe prestávamos toda a nossa attenção.
Estava animado o commercio, com respeito ás boas colhei-
tas de café de Cazengo, muito do qual tinha estado armaze-
nado nas fazendas dois e três annos, e aproveitava-se a aíHuencia
de carregadores que appareeia nesta quadra, sendo conve-
nientissimo manter-se até onde fosse possivel essa affluencia.
Não podíamos, pois, esperar o retorno d'estes para nos inter-
narmos.
Mas como a corrente principal era para Cazengo, e ao com-
mercio convinha aproveitar os retornos para ali, cedeu-nos as
suas comitivas para não voltarem sem cargas ; e, logo que d^isto
nos inteirámos, telegraphámos para o nosso antigo amigo e
camarada, o chefe de Cazengo em Caculo, actualmente Major
em Loanda, commandante de um dos corpos de caçadores,
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 101
Lourenço Justiniano Padrel, perguntando-lhe se seria possível
angariar ali carregadores para Malanje^ e elle immediatamente
nos deu uma resposta favorável e ofFereceu-nos hospitalidade
em sua casa.
Fácil foi encontrarmos um negociante que se encarregasse
de enviar todas as cargas para Cazengo.
A este tempo appareceu-nos uma comitiva de trinta e um car-
regadores, gente do Lombe, que devia regressar a Malanje sem
fretes, e por isso os contractámos para o pessoal, bagagens e
cargas mais indispensáveis, devendo-nos transportar directa-
mente a Caculo e d^ahi a Ambaca, Pungo Andongo e Malanje.
O seu contracto foi de duas peças de fazenda e 500 réis em
cada uma doestas localidades para rações, contracto que foi
feito perante o Administrador do concelho.
Devidamente armados os nossos contractados, como os leito-
res vêem na gravura que apresentámos, e prompto para mar-
char o pessoal superior, fixou-se o dia 21 de madrugada para
a partida.
Passávamos pela primeira vez no Dondo, mas não nos era
estranha a historia da sua fundação, e as condições do seu de-
senvolvimento commercial, e por isso diremos agora algumas
palavras a respeito da localidade, reservando-nos para no re-
gresso a examinarmos mais detidamente.
A villa do Dondo situada na margem direita do Cuanza entre
9^ 4' de lat. S. do equador e 14^ 31', 36" E. de Greenwich,
numa altitude de 93™, 7 é limitada pelos rios Cuanza, Mucozo
e riacho Capacala. Tem contra si o estar assente numa depres-
são insalubre, abafada pelas serras que lhe impedem a neces-
sária ventilação, c principalmente pelos elevados morros, que
a limitam a leste; é porém um empório do commercio do
interior, e se muitas victimas de abnegação e de trabalho ja-
zem no seu formoso cemitério, é certo que alguns mais felizes
nella fizeram as suas fortunas.
A qucstiío principal para quem tem de ali viver é manter
um bom regimen, melhorando-se também as condições sani-
tárias da povoação ; e a estas de ha muito que se está atten-
102 EXPEDIÇÃO POETUGUEZA AO MUATIÍNVUA
dendo, devido aos esforços do hábil facultativo Laiz Fernando
Collaço^ que todos aqui reputam como benemérito.
E tão importante o numero de casas commerciaeS; que hoje
aqui existe, que as antigas filiaes do commercio de Loanda teem
retirado. Se bem nos recorda, actualmente continuam .apenas
a casa ingleza e duas portuguezas.
As actuaes casas commerciaes fomecem-se directamente da
metrópole, sendo certo que os seus géneros, apesar das des-
pesas com que relativamente estão onerados, se vendem ao
publico por preços muito mais razoáveis, e ha, por isso, toda
a vantagem para o commercio do sertão em fornecer-se d'esta
praça, de preferencia á de Loanda.
A povoação do Dondo é um mixto de gente, vinda de diver-
sos pontos da província, e de fora d'ella, que teem constituido
senzalas nas proximidades dá villa, seguindo a affluencia do
commercio, uns na idéa de participarem d'e8sa affluencia pelo
trabalho, q outros unicamente com o fim de se approximarem
das estradas que conduzem para o interior, c de se locuple-
tarem pelos roubos que com qualquer pretexto possam fazer.
Além do europeu de differentes proveniências portuguezas,
de mais ou menos longa residência aqui e por isso mesmo mais
ou menos pallido e enfezado pela acção mórbida do clima, en-
contra-se o africano com todos os tons da côr negra, desde o
preto retinto até ao menos carregado, e ainda os mestiços
até ao pardo mais claro. A aeçao deletéria do clima tem influen-
cia igualmente em todos e até nos próprios indigenas, porque
as vidas são de curta duração, e as creanças dão imi contin-
gente importante para a mortalidade, podendo calcular-se em
60 por cento!
Este facto registámos nós em diversos pontos da região que
atravessámos.
Mas como não ha de ser assim?
A alimentação das mães é o mais parca que é possivel, co-
mendo somente em dias successivos infunde, que embebem em
agua fervida cora sal, pimentinhas, ou com um pouco de azeite
de palma e folhas de plantas esculentas, se as teem; chegam
DESCRIPÇXO DA VUGEH 103
mesmo a passar dias, chuchando apenas pedaços de canna
saccharina, comendo jinguba crua ou mandioca fervida em
agua e sal, ou uma maçaroca de milho assada!
São dias de festa aquelles em que alcançam um bocado de
peixe seco, de carne podre, ou mesmo lagartas das arvores!
E, com tao escassa alimentaçíCo, ellas ahi vão para o ser-
viço das lavras ou de transportes, ou de cortes de lenha, (tendo
este de ser diário, embora se hajam empregado naquelles),
com as creanças escarranchadas na cintura, seguras por uma
tira de panno que amarram á frente, expostas ao sol, andando-
Ihes a cabeça num vaevem continuado.
O leite da raile resente-se de tudo isto. É uma aguadilha,
sem qualidades nutritivas e em tão pequena quantidade as
mais das vezes, que ella tem necessidade de o supprir suffo-
eando a creança, de quando em quando, com bolas de infunde!
Se juntarmos a isso a vivenda, essa palhoça immunda que
geralmente construem, se não á beira de rios ou riachos, junto
a poças de agua fétida, de que bebem, não é para estranhar
que os que escapam na infância com muita difficuldade pos-
sam exceder os quarenta annos, e que nelles predomine a in-
dolência, que é um predicado do indigena africano, porque
a ereançii até quatro e cinco annos dorme no solo junto i fo-
gueira, passando d^ahi para as costas da mãe; e a sua ali-
mentação, durante esse tempo, é insufficientissima e sempre a
mesma.
Em todo o nosso percurso notámos que apenas se destacam
d'esta educação primitiva as mães que servem desde creanças
algum europeu, ou serviram em outro tempo como escravas.
Quando tratarmos dos usos e costumes dos povos com quem
convivemos no interior, encontraremos tudo quanto se nota
entre esta mistura de povos que rodeia o Dondo, e que o con-
tacto durante grande numero de annos com uma população
europea já importante não tem sido suíiiciente para modificar.
O augmento da população indigena no Dondo é devido, por-
tanto, ás correntes de immigrantes que para aqui vêem e não á
soa propagação, e são estas correntes que nos trazem diale-
104 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
ctos diversos que mais difficultam a lingua^ que se denomina
ambunda, e que depois soffre alterações devidas ao contacto
com os europeus.
Predomina, é verdade, o dialecto mais do interior, e é indu-
bitável que a sua grammatica tem soffrido pequenas modifica-
ções.
São os vocábulos novos, que de lá vêem, que vão fazendo
esquecer os de antigo uso, e por isso ninguém como os portu-
guezes, que teem residido em Angola, poderá hoje fazer um
estudo comparativo da lingua ambunda, que se fallava nos sé-
culos xvn e xvni, com a actual, de onde concluiremos que a
lingua que se falia no litoral até ao Dondo é já mixta.
A facilidade, com que o indígena africano — a que propria-
mente chamámos gentio — muda de uma para outra localidade,
tem por causas principaes a falta de culturas que o prendam á
terra e o desconhecimento de todos os deveres sociaes. Estas
mudanças, se por um lado augmeutam a população de uma
determinada localidade, também lhes dão decréscimos em ou-
tras, e por isso os recenseamentos no sertSo só se podem fazer
com alguma probabilidade na população das sedes dos con-
celhos.
Ainda assim havia uma população ambulante, principalmente
na villa, devida á epocha de maior affluencia do commercio,
que muito altera os algarismos em que se fixam os habitantes,
quando podem ser apurados.
Nesta occasião calculou-se haver 4:000 pessoas na sede do
concelho; mas pelo que observámos, pareceu-nos muito maior
o seu numero. Acreditando, porém, no calculo, e sendo a média
da mortalidade por anno, em circumstancias normaes, de 20
por cento, é este um quadro desanimador e que reclama muita
attenção tanto no que respeita ao saneamento como ao cum-
primento das medidas de hygieue publica.
Para nós a existência de um foco insalubre, como o Dondo,
representa a desigualdade da lucta, que se sustenta em toda a
parte entre as influencias mórbidas locaes e as condições de
resistência da população.
DESCKIPÇXo DA VIAGEM 105
No empenho de preservar a povoação das influencias miaBma-
ticas, tem-se toraado diatincto o honrado Dr. Luiz CoUaço, que
á pratica de um bom medico reúne o poderoso auxilio da Ca-
mará Municipal, de que faz parte.
O impulso dado ás obras publicas pela fecunda ExpediçiLo
de 1877 chegara até aqui, c no seu segundo anno, encontraram
que fazer, no primeiro lanço da estrada d'eBta villa para Ca-
zcngo, mais de 60(1 trabalhadores indígenas. Por uma economia
mal entendida foi rcduEÍda a dotaçlo para obras publicas, e
tiveram de ser suspensos este e outros melhoramentos em
execução,
O Dr, Luiz Collaço, eleito Presidente da Camará, aproveitou
a occastUo, chamando a si os iodigenas já habituados a este
serviço, c quo se acostumaram a occorrer a necessidades crea-
das pelo lucro do trabalho voluntário, e, auxiliando-se de dois
artistas europeus, cmprehendeu melhoramentos de grande im-
portância para a villa, que è a sua scguúda pátria.
106
BXPBDIÇZO FOBTUQCSSA AO HUATIÂItVUA
Deixemos o prestante cidadão dedicando-se a estes melho-
ramentos, de que teremos de fallar mais tarde, e, a^ra que
vamos partir para o interior, aproveitemos a occaaiSo de consi-
gnar quanto reconhecida lhe fícou a Expedição pela imponente
despedida que lhe preparou.
Enthasiastaa todoa pelos resultados da nossa missão, oxalá
elles encontrem motivos para applaudlr os dobsos esforços.
Nesta festa, a que assistiram amigos selectos, nSo podemos
deixar de mencionar a presença de um joven mas já acredi-
tado negociante, o Sr. Marcus Zagury, sócio da firma Lara &
C.*, que nos offereceu hospitalidade na casa da mesma 6rnu
em Pungo Andongo.
VIAGEM PARA CAZENGO
ova ordem de cuidados c du
responiabilidadea se nos npre-
Heiita\a agora; c por isso nSo
admira que aiuda de noite já
n i xjjed Ç i esttvease em mo-
1 viURiito disjtondo-sc tudo de
, iiindo a pndE,r-8c encontrar á
luSo, e devidamente acondi-
^ Lionado u que fosse indispcn-
bavel durante a viagem.
Rimptu ) dia 21 de junho,
e unt( 8 daa sete honis da ma-
n)i?ljá as Ljnietas e tambores
estjtvam no largo da villa dando
o situai de marcha.
das cargas vae formando, e no emtanto vem
chegando o Chefe do concelho, e alguus amigos que nos querem
honrar com a sua companhia até tora da villa.
E a hora.
O porta-bandcira lá vae para a frente, e seguem-no os cor-
netas e tambores que, tocando uma marcha em ordinário, in-
fluem tanto no animo dos carregadores, que estes vão levan-
tando as cargas e seguindo, sem que seja preciso dizer-lliea que
1 10 EXPEDIÇÃO POBTDGUEZA AO MUATIÂNVUA
tiras tNlgadas de um palmo de compridO; de que filemos, nk^am
fornecimento por xuxm macuta, 30 réis ca^A uma,'^ tiunimi a
troco de feijão.
Examinando a casa por dentrO; vimos estirado no solo um
europeu esfarrapado, magro, de cor macillenta, com os. pés em
miserável estado, cheios de feridas, resultado do m abundo,
PtUex penetrans. Surprehendeu-nos e confrangeu-npç p seu
estado, sobretudo quando nos disse que era soldado do bata-
lh?Ío de caçadores de Ambaca, de onde partira, bavia cinco
dias, para recolher ao hospital em Loanda!
A ignorância, ou antes o modo brutal de extrahir aquelle
parasita, e "b falta de asseio teem sido causa de que muitos
estejam hoje sem dedos nos pés, sendo este desgraçado um
triste exemplo de tal desleixo. Desde o dia 16 que estava em
marcha e sem recursos alimentícios, e ia colhendo aqui e
acolá o que lhe dessem ou o que podia furtar.
São duas horas e meia da tarde. O sol queima, mas é for-
çoso seguir a ver se conseguimos passar o Lucala ainda de dia.
Alcgra-nos ver um caminho largo e direito deante de nós,
de bom piso e limpo de capim, e por isso caminhámos a pé.
Os carregadores vão contentes, porque se animaram com
uma porção de aguardente, que se comprou a titulo de mata-
bicho — o único estimulo, que por cmquanto nos dá a conhecer
a actividade doesta gente !
Apesar de ter sido rápida a marcha, só ao sol posto chegá-
mos á margem do Mucozo, e por isso achámos mais prudente
não passar este rio de noite. Além d'isso, ao lado da estrada
encontrámos, acampadas, comitivas de cargas que chegavam
de diversos pontos, e seria arriscar-nos a uma desobediência
querer obrigar a nossa gente a seguir.
E sempre bom evitar desobediências, principalmente no pri-
meiro dia de jornada; e, depois, diga-se a verdade, tinhamos
já andado bastante.
Acampámos á beira da estrada, afastados das outras comi-
tivas, ficando uma grande praça entre nós e a casa dos Móveis,
e outras que constituem aqui uma pequena povoação.
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DESCRIPÇJO DA VIAGEM 111
Chegou a nossa gente ainda a tempo de encontrar nessa
praça algumas mulheres feirando garapas^ peixe seceo, fari-
nhas^ jinguba e outros mantimentos^ de que fez acquisiçSo
para a ceia.
E este um ponto de muita passagem do commercio; e^
por isso se justifica a escolha do local^ ao pé de um rio, para
descanso das caravanas e incentivo áquella feira diária.
Como não trouxéssemos as barracas, porque contávamos dor-
mir naquelle dia em Caculo, mandámos armar as nossas camas
junto a duas grandes e frondosas arvores e protegemo-las com
os tampos das redes.
Estávamos dispondo as nossas cousas, porque a claridade do
dia ia desapparecendo, quando se avizinhou de nós um amba-
quista, soldado movei, offerecendo-nos os seus serviços — cer-
tamente dar -nos um quarto na patrulha; mas querendo mos-
trar que sabia portuguez ás direitas, a tudo nos respondia : pois
não! é verdade! e nSio houve meio de obtermos outra resposta
ás nossas interrogações!
Agradecemos a sua attençílo, e tratámos de jantar ao clarSo
das fogueiras do acampamento. A sopa foi o ultimo prato,
porque levou mais tempo a arranjar; o que nílo foi fora de
propósito, porque nos aqueceu o estômago, do que bem preci-
sávamos, e deixou-nos aptos a resistir á cacimba da noite,
que era espessa, e através da qual, em redor e a grandes dis-
tancias, víamos ainda assim sobre as abas e cumes das serras
os enormes clarões das queimadas.
Era a primeira noite que iamos dormir ao ar livre, em logar
para nós inteiramente desconhecido, e rodeados de indigenas
que nos serviam apenas durante uma marcha, e mais além de
um grande numero d^elles que nos eram absolutamente es-
tranhos.
Cada um tratou de embrulhar-se numa manta, deitando-se
sobre a sua cama, de carabina ao lado, alumiado pelas fogueiras
dos diversos acampamentos, e pouco e pouco se deixou apo-
derar de somno, sob a impressão estranha e desagradável da
vozearia d'essa gente que o rodeava.
: ♦
> i
-f.
I , 112 EXPEDIÇXO POBTUGUEZA AO MUATIÁNVUA
íi
\ \ Ao romper da madrugada é a corneta qae nos desperta, e
V * num prompto, emquanto se enrolam camas e tudo se dispõe
para a marcha, o cozinheiro arranja-nos uma chávena de café
que, com a respectiva dose de sulphato de quinina, faz parte
dos nossos preservativos nessas longas e fatigantes marchas.
Arrancar os carregadores do conchego da fogueira nas ma-
drugadas de maio a agosto é uma lucta, e por isso nào é para
H estranhar que em junho as marchas se principiem ás sete horas
e quasi sempre depois, quando o sol já é insupportavel.
O rio Mucozo, que na epocha das grandes chuvas é de cor-
rente bastante caudalosa, seguindo com uma velocidade su-
*. perior a 10 milhas por hora e interrompendo por vezes a
. tt r communicação para Massangano e Cazengo, é nesta quadra va-
I ^ w diavel, porque traz pouca agua.
( As bordas d'este rio são escarpadas, e cobertas de densas
florestas de arvores de grande porte. Parece que a natureza
se encarregou de dispor as cousas de modo que as aguas do
rio, nas grandes cheias, se não disseminassem e fossem formar
largos pântanos, o que está lembrando ao homem que lance
m2Lo dos recursos que ella lhe proporciona para estabelecer
|1 sobre as suas margens uma ponte de passagem.
Y' Custa a crer que, sendo este o caminho mais importante pela
affluencia do commercio para os concelhos agrícolas, nao se
tenha attendido á satisfação de tão impreterível necessidade, já
de ha muitos annos reconhecida.
Provámos da agua, que na occasiâo era boa, o que de
certo não succederá na epocha das chuvas, por causa da quan-
tidade de barro que an^asta na sua corrente.
Effectuámos a passagem mais depressa do que esperáva-
mos, e seguimos para o Lucala.
A descida para este rio é feita também á custa do trabalho
das aguas phiviaes, as quaes, denudando as encostas alcanti-
ladas, deixaram a descoberto bancadas de rocha, em que se
p distinguem indicies de minérios de ferro e de cobre ; e torna-se
difficultoso descer em razão das quebradas e barrancos que
vão augmentando de anno para anno.
1
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 113
Mais a 8uly sob a direcção do antigo conductor das obras
publicas Romano, trabalhava uma secção, preparando o ter-
reno em que se devia lançar a ponte projjectada; e esperava-
se pelo Governador Ferreira do Amaral para a collocação da
primeira pedra *.
Effectuámos a passagem do rio em uma canoa gentilica,
escavação rudimentar feita num bom tronco de mafumeira,
trabalho em que também se utilisam outras arvores que tcem
as condições apropriadas.
São uns berços que se desequilibram ao mais pequeno movi-
mento e se voltam com muita facilidade.
Com muita gritaria e trambolhão, e mesmo com alguns so-
papos e mergulhos á mistura, se effectuou a passagem sem que^
felizmente, se molhassem as cargas, o que de veras receávamos.
Desde que um honrado Governador, José Maria da Ponte e
Horta, extinguiu os dizimes para pôr cobro ás extorsões e vio-
lências a que davam azo, o porto foi considerado pertença do
soba Cabouco, que impropriamente d'elle se apoderou para
cobrar tributos de passagem, pondo ao serviço das comitivas
e de qualquer viajante as suas canoas.
A Expedição era de Sua Majestade, e por isso este poten-
tado, coronel honorário e cavalleiro da ordem militar de Nossa
Senhora da Conceição de Villa Viçosa, não exigiu tributos de
passagem ; apenas os pilotos da canoa receberam de gratificação
o seu mata-bicho.
E não se julgue que por ser em serviço do Estado deixa-
mos de ficar obrigados ao soba, porque é doesse tributo que
1 De facto, dias depois, com toda a solemnidade, procedeu o Gk)ver-
nador Geral á cerimonia, dando á ponte o nome de Pinheiro Chagas.
Por muitos motivos se tomou esta ponte bem conhecida, ficando a ella
vinculados os nomes de todos quantos concorreram para a sua construc-
ção. Quando regressámos já ella estava concluída, e porque seja impor-
tante como obra de arte, e pelo serviço que presta á agricultura, do con-
celho de Cazengo muito principalmente, entendemos opportuno repre-
sentá-la em gravura.
8
■i
114 EXPKDIÇXO ^KTOGUEZA AO HDATIÍNVUÃ
elle vire com toda a grandeza, tendo já sido computado o een
rendimento anntial em 5:000iKI00 ou 6:000i!1000 réis, o que
mostra a importância do trafico que por aqui transita.
Perto das dez horae poz-se a Expedição em marcha, passando
a serra em direcçSo a Caculo, onde entrou na melhor ordem.
 região que atraTessamos tem já outro aspecto. SSo mon-
tanhas cobertas de grandes florestas e, mais inaccessiTeis por
causa dos barrocaes e linhas de agua que as cortam. É a região,
por ezceliencia, do café, e onde também se dá a canna sac-
charina. Parece que neste ponto se estabelece a traunçSo
d'esta para aquella cultura. Pelos indicies que observamos é
de presumir que existam ali jazigos de minérios aprOTeitareis.
à contar da villa do Donde, haviamoB feito om percurso de
56 kilometros approzimadamente, e, na verdade, é eó depois do
Lucala que nos impressionam mais notavebnente os nnmeroBOi
e gigantescos exemplares da flora, que nem nos deixam desco-
brir a disposição do terreno que sombreiam.
Sobrepujados de fortes e grossas trepadeiras que se cniBUii
e enlaçam, tonuun-se estes macíssos silvestres recintos impe-
netráveis ao homem, e fazem que supponhamos estar ntima
floresta primitiva, em que se abrigam as feras.
DESCEIPÇAO DA VIAQEM
CO.NCELHO DE CAZENCO
mico passava do meio dia, quan-
do chegámos ao principal largo
(Ia villíi de Caculo. Ahi nos
iig^ardava o Chefe, CapitSo
1'jidrel, que jA na véspera tioha
ido ató A ponte do Lucala,
siipjjondo que ali tivesaemoB
(■licgado.
Com a actividade que lhe é
li:iljitual, deu ordem para aa
I ai-gas seguirem para oa arma-
zena que lhes havia destioado,
e logo DOS conduziu para o
bello alojamento que nos tinha
preparado em aua casa.
Feitos os devidoa cumprimentos, im medi atam ente se expe-
diram telegramraaa para o Governador Geral em Loanda,
participando a chegada aqui da Expedição, e para o Dondo
pedindo brevidade na remessa das cargas.
A recepçSo que nos faz Padrel e sua excellente família foi,
como para todos os compatriotas que aqui vêem, inexcedivel;
e é por intervençilo d'elle que temos de confeasar o nosso
< reconhecimeato a todos oa fuaccionarios, agricultores e nego-
; r
*
i ;
í
fc
116 EXPEDIÇIO F0BTU6UEZA AO MUáTIIkVUA
ciantes, a quem nos apresentou, assim como lhe devemos (
que sabemos com respeito ao concelho de que vamos fidlar
e que tanto interesse merece, como região puramente agri
cola, para a prosperidade da província.
As £sicilidades e boa recepção que em toda a parte tivemoi
pre&taram-nos ensejo de Êizermos as investigações de que care
ciamos para formar um juizo mais seguro sobre as difficul
dades que existem para o desenvolvimento da agricultura.
Neste mesmo dia, emquanto se experimentavam carabinas
armas e revólveres, se distribuiam raçSes, etc., puzeram se en
ordem os diários da viagem, e receberam-se visitas.
Entre estas, appareceunos Vieira Carneiro, negociante ser
tanejo de Além-Cuango, afiícano dos seus cincoenta ou maii
annos, agora empregado como escripturario de commercic
nesta viUa, e que se propunha a acompanhar a Expedição, se (
Governo lhe garantisse uma pensão para a familiai caso mor
resse na viagem.
Quando um angolense, conhecedor do sertão para onde va
mos, nos fez uma proposta de tal ordem, forçoso é confessai
que ficámos desanimados. Ou aquillo por lá é muito insalubre,
ou muito nos vamos arriscar no meio do gentio.
Mas, reparando nelle, dissemos depois para os nossos com
panheiros : talvez o homem receie que pela sua idade já nãc
resista ás fadigas por que terá de passar, e a que resistii
quando mais moço.
Contou-nos elle que a sua ultima viagem fora em 1874,
Levava muito negocio e roubaram-lhe quasi tudo o que trou-
xera, resultado de uma boa permutação ; sendo forçado a en-
terrar o resto do marfim, antes de chegar ao Cuango, con
receio de que os Bângalas Ih^o roubassem também.
Era este o motivo principal por que se propunha a ir com
nosco, embora com pequeno salário. Queria aproveitar a pas
sagem da Expedição no regresso, para á sombra delia trazer í
sua pequena fortuna.
Disse-nos que numa das suas viagens fora longe, para além
do Cazembe, e descobrira o rio Luengue, o lago Calumbo e ai-
DESCRTPÇAO DA VIAGEM 117
gumas salinas, de qne o gentio que o acompanhava nSo tinha
conhecimento.'
Interrogado, porém, com respeito a Cazembe, fez-nos con-
vencer de que nSo era do Muata Cazembe que tratava, e sim
de um outro próximo do rio Liba, de que nos falia Living-
stone, — rio de que também os Lundas, com quem convivemos
depois, mostraram ignorar a existência, nSo obstante fatiarem
muito do rio Liambéji.
Disse que jiroximo do tal rio Luengue, que descobriu, se en-
contra uma região em que ha muito marfim. Será o Caiuco, ou
Caiunco, de que nos fallou Livingstone, e a que também se re-
feriu o nosso benemérito explorador Serpa Pinto? Será o
Samba, que, por má interpretação, Cameron na sua travessia
para Benguela denominou Ussamba ? Ou finalmente ^ será Ca-
nhiuca, dependência do Muatiânvua, a que os exploradores
aliem ^es deram o pomposo titulo de reino?
Foram estas as interrogações que fizemos a Vieira, e a que
elle nâo pôde responder.
Promptificava-se Vieira a encaminhar-nos por onde elle fôra,
a Moçambique, segundo os seus cálculos em trinta e cinco dias
de viagem !
Na verdade, custava-nos a crer nas suas informações, por-
que seria sua conveniência, neste caso, sair era Moçambique,
e elle mostrava querer ir comnosco para voltar com o negocio
que deixara enterrado.
Que se lhe havia de responder?
Só podíamos offerecer-lhe transporte, mesa, barraca e uma
mensalidade de 18/5000 réis.
Mas, como elle ficasse de nos apresentar umas cartas, que
provavam nSo só a sua probidade, como os serviços que pres-
tara a negociantes portuguezes no interior, nada resolvemos
nesse dia.
Vieira era de opiniSo que a ExpediçSo, dirigindo-se ao
Muatiânvua, prestaria um excellente serviço ao commercio
da provincia, porque ha annos a esta parte, tanto os Quiôcos
como os Bângalas o estSo prejudicando grandemente com as
•I
118 EXPEDIÇXO POBTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
amarraçSeB^. E estava persuadido de que a Expediçto
tinha de luctar com difficuldades por causa dos carregadores
da comitiva, mas que convenceria o gentio a receber bem os
negociadores e a acabar com os roubos. <cO que é preciso, dizia
ellc; é muita paciência para o negocio, porque, em geral, todos
os povos, do Cuango para lá, sSo muito desconfiados ; e nSo
consentir que os carregadores se mettam com as mulheres
d'elles, porque isso dá logar a demandas que levam muitos
dias a decidir, levantadas de propósito para obrigar as cara-
vanas a fazerem despesas nos seus sitios, além do que teem a
pagar pelo crime.»
Estas advertências confessámos hoje que não sSo para des-
prezar, e que nunca as olvidámos.
Chegavam as primeiras cargas do Dondo, e fomos com o
chefe fazê-las accommodar em casa do negociante Soares
Romeu, que se encarregou de as ir enviando para Malanje,
com excepção de seis, de que precisávamos para Fungo An-
dongo, e de outras que nos deviam acompanhar d'aqui para
Ambaca.
Impressionava-nos, sempre que saiamos, um constante ne-
voeiro sobre a povoação, parecendo cortar a certa altura as
montanhas que a cercam e impedir-lhe a ventilação, ao passo
que grandes e copadas arvores nos limitavam o horizonte.
Estávamos como que debaixo de uma grande pressão, abafa-
dos, a respiração tomava-se diffieultosa, e tudo e todos apre-
sentavam aspecto triste e acabrunhado.
Disse-nos Padrel que isto é sempre assim emquanto o sol
não consegue desfazer o nevoeiro, e que dias ha em que as
camadas são tão espessas que o não consegue; e é então que
essa tristeza, que notámos, se toma mais sensivel.
A regular pelo que observámos, o sol só apparece á vista
do observador depois das nove horas da manhã, não se tor-
nando a ver mais depois das quatro da tarde.
1 Extorsões feitas em todo o sertão aos negociantes pelo gentio.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 119
Deve ser bem desagradável a vida aqui^ onde fisiltam as mais
pequenas distracções!
Padrel aproveitou a occasiSo; de nos mostrar as obras que
estava dirigindo por conta dos rendimentos do concelho e com
auxilio dos agricultores. Regularisa-se o largo em frente da re-
sidência, em que estSo plantando arvores na devida ordem, e
também se melhora a praça principal, que está rodeada por
cajsas de commercio. A rua principal, da entrada da villa ao
largo da residência, também está merecendo a sua attençSo,
e uns pequenos aqueductos nas linhas de agua estSo sendo
cobertos de madeira.
Faz o que pode. Mas o que é isto numa povoaçSo que de
tudo carece, e de que já ha quarenta annos se fallava pela fer-
tilidade das terras que a limitam, pela abundância da borra-
cha e desenvolvimento do seu café silvestre?
Era isto o que pensávamos ao regressar á residência para
jantar, quando Padrel se lembrou de nos convidar a visitarmos
algumas fazendas, emquanto não appareciam os carregadores
que nos eram indispensáveis. Escusado será dizer que accei-
támos de bom grado, porque desejávamos fazer uma idéa do
que era a agricultura neste concelho, já tão afamado.
A importância de Cazengo, escreviamos nós á noite no nosso
diário, é devida a umas dezoito propriedades, em que a me-
nor, só em café, tem um rendimento annual superior a 22:000
kilos , e as maiores para cima de 150:000. A Prototypo já
produziu 225:000 kilos. Nesta e noutra fabrica-se também boa
aguardente.
Se o caminho de ferro for uma realidade, Cazengo terá um
logar proeminente na contribuição para os cofres provinciaeSi
porque a fertilidade dos seus terrenos, quando devidamente cul-
tivados, a augmentará extraordinariamente.
A vegetação, que se observa é prodigiosissima; as aguas cor-
rem em abundância e são das mais puras que se conhecem.
A canna saccharina e o café, de rápido desenvolvimento,
pedem machinas para seu tratamento em substituição de bra-
ços humanos, o que já se realisa em duas ou três proprieda-
120 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIAnVUA
des; mas falta o principal factor de todo o progresso — estra-
das e transportes rápidos.
Lucta-se nestas propriedades, ha annos, com moita coragemi
e se alguns agricultores teem sido vencidos, outros teem trium-
phado na lucta; e todos vão cobrando alento, esperando essa
via férrea tão desejada e cuja influencia já se conhece nos no*
vos emprehendimentos em diversas propriedades, e em alguns
melhoramentos públicos em via de execuçSo.
Acabávamos de escrever estas notas, quando os foguetes,
que no ar estalavam, nos recordaram que estavan^os na noite
de S. João. Também o popular santo aqui é festejado pelos
metropolitanos, que por cá vivem, e que nâo esqueceram as
alegres folias de taes noites nas terras da sua naturalidade.
Aproveitámos esta distracção, que nos apparecia, e fomos dar
uma volta pelo largo, onde untadas de petróleo, se queimavam
em fogueiras as barricas que serviram a alcatrão, cantando e
dançando os indigenas em roda d'ellas.
Estas danças, como todas as que já nSo teem o cunho da
nacionalidade, apesar de animadas pelos que nellas tomam
parte, mais ou menos electrisados pela aguardente, sfto em
geral monótonas, e para nós perdem muito no interesse.
Apesar porém da sua monotonia, é certo que, longe das dis-
tracções que nos proporcionara os centros civilisados, o nosso
espirito se influe com a descompassada gritaria e movimentos
desordenados com que são acompanhadas estas danças.
E conversando ora com uns ora com outros, as horas foram
decorrendo despercebidamente e recolhemos já tarde, compro-
mettidos a ir almoçar, no dia seguinte, á fazenda Santa Isabel,
com o seu digno administrador Carmo Ferreira e o seu com-
mensal Dr. Abel Augusto Correia de Pinho, juiz de direito
da comarca.
A difetancia da villa a essa bonita propriedade agrícola ven-
ce-se em duas horas e meia de boa marcha, mas como para lá
caminhámos antes de se descobrir o sol, fomos subindo, sem
grande fadiga, para o logar em que estão o terreiro, as casas
de habitação e os armazéns.
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DESCRIPÇXO DA VIAGEM 121
Tintamos tomado chá á moda de Padrel, isto é, carne
fria, boas torradas e um bom copo de vinho; podiamos, por-
tanto, esperar pelo almoço^ e com todo o vagar fomos fazendo
as nossas investigações.
Deixáramos em baixo uma esplendida plantaçSo de óptima
canna de assucar^ para entrarmos logo nas plantaçSes de pés
de café que, apesar do seu grande desenvolvimento, sSo de
acanhada apparencia á vista dos colossos vegetaes que os som-
breiam.
Ainda não tínhamos chegado ao fim da rampa quando nos
appareceu Carmo Ferreira, com o seu costumado bom humor, e
disposto a auxiliar as nossas investigações, emquanto se prepa-
ravam as chapas para se obterem algumas photographias e o
almoço nSo ia para a mesa.
Esta propriedade pertence hoje a uma sociedade de que faz
parte Carmo Ferreira, que ha três annos aqui permanece, dan-
do-lhe o maior desenvolvimento, como já se observa.
As habitações estão bem dispostas, numr plano de antemSo
preparado e muito arejado, pelo que se nos afigurou dever attri-
buir-se — assim como aos cuidados de uma alimentação apro-
])riada — a saúde que relativamente disfructam os europeus
nqui residentes.
É certo, porém, que o nosso horizonte está muito limitado
pelo frondoso arvoredo que sobrepuja os arredores do terreiro,
embora em rampa, que vão descendo até formarem os valles
([ue se aproveitaram para a plantação da canna.
E de tal modo se enti*elaçam os ramos de umas arvores com
os de outras, que interceptam a penetração dos raios solares,
ou lhes quebram a intensidade.
O solo conserva-se sempre húmido, e essa humidade deve
ser bastante prejudicial; e as plantações de canna, que na
baixa tiram d'ella grande proveito, são outros tantos males que
se accumulam contra a salubridade do logar.
Esta impressão desagradável, que sente quem pela primeira
vez visita estas regiões, parece, sobretudo a quem não des-
conhece o trabalho das roças na ilha de S. Thomé, que pode«
122 EXPEDIÇXO POBTUOUEZA AO MUÁTllNVnÁ
ria deixar de se experimentar fazendo-se um desbaste bem
ordenado, quando nSo uma roçada, deixando ficar apenas as
arvores indispensáveis para protegerem os pés do café nos
seus primeiros annos.
Diz-se que Jofto Guilherme Pereira Barbosa, que conhecia
praticamente a cultura do café no Brasil, chegando a Cazengo
em 1837, e vendo desenvolvidos os pés de café silvestre, se
propoz a arrotear uma plantação, e, devido aos seus cuidados,
tomara ella um tal desenvolvimento, que os indígenas da loca-
lidade o imitaram.
As plantações dos indígenas attingiram o numero de duzen-
tas, e ainda hoje se calcula que a sua producçSo era. de
1.500:000 kilogrammas. E possível que haja algum exagero
nesta informação. Teria sido muito acertado se se tivesse dado
toda a protecção aos indígenas, porque, dedicando-se elles ao
amanho das suas terras, não ha, por todos os motivos, nas
circumstancias actuaes europeus que possam com elles com-
petir.
Os europeus, que se seguiram a Barbosa, depois de 1845,
iniciaram com felicidade as suas plantações ; porém a baixa do
preço do café na Europa, e outras causas, como a falta de bra-
ços, difficuldades de transporte, e ainda a carência da protecção
official, de capitães, e os erros em afastar o pequeno proprie-
tário, foram causas de que este as abandonasse, com quanto
a producção não haja diminuído.
Desenganemo-nos : as nossas colónias africanas não poderão
desenvolver-se — e não ha outro rumo a seguir emquanto as
influencias climatéricas forem tão nocivas ao europeu — senão
civilisando o indígena pelo trabalho.
A educação do indígena em trabalhos niraes nas regiões
agrícolas, transformando-o em pequeno proprietário, é o expe-
diente que conhecemos mais fecundo para se attingir a má-
xima riqueza agrícola de que estas terras são susceptiveis.
Argumenta-se aqui com o facto de que os primeiros indí-
genas plantadores de café alcançaram em pouco tempo um
rendimento razoável, e que os íilhos, em vez de proseguírem
descripçao da viagem 123
no caminho trilhado por sens pães, se suppuzeram ricoS; e se
entregaram á indolência, contraindo empréstimos ruinosos, de
qne resultou serem espoliados do que tinham.
Este facto não se deu só aqui. Em S. Thomé registam-se
factos análogos, e de alguns sabemos nós que se deram com os
naturaes !
Mas de quem é a culpa?
Da falta da necessária educaçSo e das ambiçSes dos que pre-
tenderam espoliá-los.
£nriqueceu-se o aventureiro á custa dos incautos, com o pre-
juizo das locaUdades, que definharam, é das populaçSes, que
fugiram I
E isto deu-se aqui, quando Barbosa, doze annos depois de
começar a sua plantação, dizia: cÉ injusto quem julgar esta
gente incapaz de progresso na civilisação e na industriai.
Nesse tempo já as plantações de café tinham grande desen-
volvimento, e faziam-se ali também tecidos de algodllo, e fabri-
cava-se o ferro para negocio com o gentio da Quissama em troca
de sal, e com o de leste em troca de cera.
Se a administração publica tivesse intervindo na educaçSo
d'este povo, que tendia a civilisar-se, se fossem aproveitadas as
líçSes praticas de Pereira Barbosa e aqui fosse creada uma es-
cola de agricultura, que com o tempo teria muito desenvolvi-
mento, de certo não tínhamos hoje a lamentar que esta regiSo,
tão fértil, tivesse passado por um período de retrocesso.
Vieram e aqui se estabeleceram alguns europeus ignorando
o que era a agricultura africana, inteiramente diversa da que
se estuda em Portugal. Desconhecendo todos os perigos que oa
rodeavam e contra os quaes se não teem tomado as devidas
providencias; prescindindo do seu bem estar; supportando
toda a casta de sacrificios; abnegando da sua própria vida pelo
amor á causa a que se dedicaram e de que só pensavam obter
immediatos fructos, esqueciam que na véspera, a seu lado,
sucumbiam um e outro patricio, victimas sempre das illusSes
em que se embalavam!
E, cousa singular, os agricultores vão morrendo, dizendo
124 EXPEDIÇXO POBTUGUEZA AO MUATIANVUA
sempre os que ficam que o clima da terra é benigno, e con-
fiados em que na colheita seguinte ficarSo mais desaffirontados,
e com mais duas terão uma fortuna que lhes permitta ir gozar
nas terras da sua naturalidade o fructo de tanto sacrificio I
E quem protege estes heroes do trabalho?
Onde estSo as escolas que lhes ministrem conhecimentos de
agricultura nos paizes tropicaes, e as indbpensaveis regras
para nelles viverem?
Onde hSo de procurar os livros de vulgarisaçSo que lhes
sirvam ao menos de guia nessas empresas a que se aventuram?
Como se illudem ! E como illudem os seus parentes e amigos
na metrópole!
Foi Alberto da Fonseca, esse enthusiasta pela riqueza agrí-
cola de Cazengo, essa victíma da sua dedicaçSo, e que succum-
biu na lucta pelo trabalho, que sem o pensar talvez, insistindo
pela construcçSo do caminho de ferro de Ambaca, fez conhe-
cer Cazengo como uma das regiSes mais insalubres a leste de
Loanda ; região, repetimos, que requer desde já medidas sani-
tárias de grande alcance para se aproveitarem os recursos que
a natureza lhe prodigalisou.
Até então, se houve no concelho um delegado do serviço de
saúde, foi apenas de passagem ; e os agricultores, negociantes e
funccionarios do Estado, apenas para consultas medicas tinham
o inseparável Chemoviz, que para alguns é um flagello, pois
imaginam soffrer de todas as doenças que nelle se apontam.
Mas se os estudos do caminho de ferro de Ambaca nos for-
necem argumentos e documentos importantes da situação de
Cazengo, com respeito a insalubridade ; se está reconhecido que
a exhuberancia da vegetação é a causa primordial da maligni-
dade do clima; se é certo que a construcção do caminho de
ferro se vae fazer e ha de servir esta região ; como é que seis
annos depois d^aquelles estudos ainda encontramos este con-
celho no abandono já conderanado ? !
Ha effectivamente uma grande falta de propaganda, e, o que
é mais, de propaganda official que anime a iniciativa particular
a constituir empresas!
DESCRIPÇZO DA VUGEM 125
Para nós, acceitâmos como principio que grandes empresas
europeas hão de crear pequenos proprietários indígenas, e que
8Ó assim se transformarão as regiSes agrícolas - hoje focos de
infecção — em legares aprazíveis pela modificação do clima.
Será crivei que, tentando o Governo uma arrojada empresa
para facilitar os transportes de productos de Cazengo, esqueça
ainda por mais tempo as providencias de que carece esse núcleo
de colónia europea, que vae sendo dizimado.
Se esses agricultores, que, na verdade, são os nossos benemé-
ritos exploradores coloniaes, os deanteiros da civilisação que se
hão disseminado pelos sertões das nossas provindas africanas,
não merecem essa attenção dos poderes públicos; deixarão
estes então sacrificar os seus funccionarios, quando não a uma
morte certa, a um estado sempre precário de saúde?
Não o acreditámos.
Um dos grandes defeitos da nossa vida colonial tem sido a
nossa disposição para acceitarmos como verdadeiro o princi-
pio— que as colónias são terras em que qualquer que para lá
vá encontra sempre melhor aproveitadas as suas forças do
que nas terras da sua naturalidade.
Um mau filho vae para as colónias ; o que não tem habilita-
ções para se empregar na metrópole vae para as colónias ; em-
fim, tudo o que não é bom manda se para as colónias I Basta
uma carta de recommendação e o seu futuro está feito I
E estes erros de tal modo se arraigaram, que se patenteiam
dias depois de entrarmos em qualquer das nossas possessões !
Uludimo-nos quando suppomos que de tudo entendemos, que
de tudo podemos fallar, que tudo podemos fazer sempre,
com melhores resultados do que os obtidos pelos que nos
antecederam, e assim esquecemos que nas nossas terras nem
mesmo prestámos a devida attenção ao que pretendiam ensi-
nar-nos I
Mas se estes defeitos, devidos a uma falta de orientação se-
gura sobro as nossas colónias, teem passado despercebidos, por-
que alguns individues foram felizes, é certo que teem sido um
mal para o desenvolvimento d^ellas. E este mal toroa-se tanto
126
KXPEOIÇÍO FOUTUGDBZA AO HUATIÂNVUA
mais grave por ser implicitamente auctonaado pelo Bystema
que ainda hoje se segue na sua administra^ So.
Ãsaim noiueiara-se para os differcntes cargos do fuiicciona-
hemo indivíduos que só O^crani conhecimento da existência de
taes cargos pela sua nomeaçilo '
Um primeiro sargento, que pode ter sido um bom offici&l
mfenor no exercito, pelo lacto da sua promoçUo a official su-
balterno para o ultramar, está hoje apto para dirigir todos ou
cargos da administraçíto publica, o caso é que lhe conveiiliu
acceitar a vida attríbulada do sertão com todas as suas conse-
quências! Mas a accumulaçâo de funcçSes vae muito mais longe.
Êntrega-ae á sua responsabilidade uma ambulância de medica-
mentos, e ha de tomar-se também medico e pharmaceutíco I
£ digamos de passagem, que conhecemos alguns chefes,
certamente intelligcucias privilegiadas, que lá se arranjam com
as drogas e as teem applicado ás vezes com tal felicidade, qae
debellaram doenças consideradas de gravidade.
â
DESCRIPÇÂO DA VIAGEM 127
Mas isto ainda não é tudo. Recentemente o chefe, só por
ser chefe, é iim sábio!!
EUe, que tem um expediente que não lhe permitte sair da
residência official, tem de conhecer os limites do seu concelho,
e nestes as nascentes dos rios e o cnrso que seguem, as mon-
tanhas, serras, cordilheiras, a sua geologia e mineralogia, a
meteorologia e climatologia, as doenças predominantes, a fauna
e flora, a população, usos e costumes das diversas tribus que
a compSem, as producçSes, industrias' e commercio, e tudo
isto como se fosse a cousa mais simples do mundo !
NSo exaggerâmoB, e o documento em que se interrogam os
chefes dos concelhos sobre todos estes assumptos acba-se pu-
blicado num dos números do Boletim ojfficial da província, fim
do anno de 1887, e é sobre as suas respostas que se pretende
fazer a nova carta geographica!
De que teem servido então os pareceres dos homens techni-
coB que teem visitado em differentes epochas os concelhos da
província?
Com respeito á agricultura crearam-se legares de agrónomos,
é verdade, mas onde praticaram?
Se o pensamento é ir implantar ali as nossas culturas de
Portugal, commettemos um grande erro !
Em tempo, ouvimos que era conveniente fazerem-se em
S. Thomé, antes de tudo, viveiros de café, quando junto a cada
pé ha um viveiro natural ! E já houve quem se lembrasse de
destruir, em Malanje, o salalé pela djnamite!
É tempo 'de pensarmos a serio nas nossas colónias.
Que se crie uma corporação de agrónomos coloniaes no nosso
paiz, mas que vão dois ou três annos para a America ver o
que lá se passa, com respeito ás culturas próprias — café, cacau,
canna, algodão, tabaco, etc. ; que sejam depois distribuidos es-
ses funccionarios pelas diversas regiões agrícolas das nossas
provincias, onde devem estabelecer-se quintas modelos, em que
aprendam os indígenas, ao mesmo tempo que sirvam de exem-
plares aos europeus que se querem dedicar á agricultura; e,
finalmente, que ao lado do agrónomo se coUoque o engenheiro
128 KKPEDIÇIO PORTUGUEZA AO MUATIÁNVUA
mechanico, o medico e o pharmaceutico ; e assim já teremos
alguma cousa que preste em beneficio da agricultura.
As despesas que se fizessem com estes funccionarioS; eram
bem pagas pelo desenvolvimento da producçSo.
Estamos convencidos do que tanto o governo da metrópole
como o provincial continuam ainda suppondo benigno o dima
doeste concelho, e que os portuguezes que dirigem essas dezoito
fazendas, que constituem a parte mais importante da agriculr
tura de Cazengo^ vivem na abundância e com todas as com-
modidades e só precisam de lun caminho de ferro, que a seti
tempo lá chegará.
A não ser assim^ já aqui teriam enviado uma missSo de in-
dividues competentemente habilitada com conhecimentos prar
ticos das regiSes tropicaes, que devidamente os elucidassem
sobre as providencias necessárias para se não desacreditar
esta região a ponto de ficar despovoada.
Sobre o que vimos e ouvimos, foram estas em resumo as
considerações a que fomos levados; e que se nos desculpe a
franqueza com que as expomos, porque, acima de tudo, a ver-
dade é para nós um dever dizer-se, quando, em consequência
da nossa missão, nos dirigimos ao Governo e ao paiz, para que
se remedeiem os males que apontámos.
Fixára-se a nossa partida para 25, ás onze horas da manhã,
por isso que iamos jantar e pernoitar na fazenda Prototypo a
convite do seu administrador.
Tudo estava preparado para este fim, e logo na madrugada
doesse dia se fez partir a caravana das cargas; e nós, depois
de almoçarmos com Padrcl, seguimos cora elle.
E, mais uma vez ainda, temos de consignar quanto iamos
penhorados pela aíFabilidade e demonstrações de sympathia de
que foi alvo a Expedição, tanto da parte do Chefe do concelho
e sua familia, como de todas as pessoas com quem mantive-
mos relações.
Não citamos nomes, nem fazemos referencias especiaes,
porque podemos deixar de memorar algum, e todos tiveram
igual jus ao nosso reconhecimento.
niíSCItlPl.^AO DA VIAOEW
— ; YUGEM PAIU'AMBAUA
Tiubamos andado 10 kilome-
tfíis e chegUmoa ao rio Quí
cuia, onde parilmoa para ver a
líilla ponte em coriBfrucçSo, di-
iij;ida por Padrel, sob a fiscali-
s:i.;ào de F. Lopea da Costa o
Silva, cominandante da divisão
de Moveis, que perto d'ali tem
A Bua patrulha.
130 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUATIÂKVUA
Aè obras de alvenaria estavam completas^ e feitas com moita
solidez; faltava apenas o taboleiro, cujas madeiras, já appare-
Ihadas, foram offerecidas pelo administrador da Prototypo, J.
Augusto da Silva.
Esta ponte devia ser posta brevemente á disposição do pu-
blicOy e esperava-se a vinda do Grovemador Ferreira do Amaral
para se fazer a inauguração.
£ obra de reconhecida utilidade para o transito de cargas^
cuja affluencia por aqui é muita, e deve-se á dedicaçSo do
Chefe e bom auxilio dos fazendeiros.
E é geralmente assim ! Fora das vistas das auctoridades prin-
cipaes das nossas colónias, os melhoramentos públicos que
existem são resultado da iniciativa particular. Referindo-nos
especialmente a Angola, o que se encontra bom pelo interior
deve-se á dedicação dos chefes de concelhos, mas com o auxilio
dos agricultores e negociantes.
Quanto não custam, porém, esses melhoramentos?!
Só a muita necessidade d'estes pode fazer esquecer aos que
mais contribuem para os melhoramentos que se fazem nas ca-
pitães o oous que acarretam á agricultura e ao commercio.
Houve já um governo, que se lembrou ser indispensável
acudir de prompto ás necessidades da producção e do commer-
cio das nossas possessões em Africa, e tentou emprehender, em
larga escala, as obras publicas no ultramar ; mas, infelizmentCi
o seu pensamento foi mal apreciado, e uma economia mal enten-
dida fez com que se interrompessem muitos trabalhos já em
via de execução, e outros devidamente estudados para serem
iniciados na primeira opportunidade, e este concelho, que era
contemplado, mais uma vez ficou esquecido!
Que os que se preoccuparam cora as despesas em estudos re-
conheçam o seu erro, e vamos nós proseguindo na nossa tarefa.
Esta ponte marca, por assim dizer, a entrada, por este lado,
na fazenda Prototypo, para onde nos dirigimos. Esta fazenda
pertence á viuva e filhos de Albino José Soares — outro mar-
tyr da sua dedicação pela agricultura, que elle fez desenvolver,
sendo esta a propriedade mais importante do concelho.
DESCRIPÇZO DÁ VUGEH 131
Seguimos subindo suavemente pela já afamada Rua das Poí"
meiroê, que se pôde dizer é uma boa estrada de serventia
publica com mais de 5 kilometros de extensão, tendo uns 20
metros de largo, orlada de altas palmeiras symetricamente
dispostas.
Percorremos os dois primeiros kilometros, admirando a afluên-
cia de carregadores, em numero de quatrocentos, sendo grande
a actividade no serviço dos armazéns.
O administrador, a quem já nos referimos, esperava-nos, e
mostrava- se satisfeito com a nossa chegada, pois é sempre
motivo de satisfação, para quem vive tão longe da pátria e
tão isolado de distracções, encontrar com quem fallar e quem
mostre interesse por estas terras. É mesmo um pretexto para
se descansar do aturado trabalho quotidiano.
Encontrámo-lo muito satisfeito por ter conseguido, durante
o mez, enviar para o Dondo grande quantidade de café, ainda
restos das colheitas de 1880 e 1881, que até agora estavam
armazenados por falta de carregadores.
Os pilões, nesta fazenda, são movidos por uma machina a va-
por da força de cinco cavallos; esta porém carecia agora de
alguns reparos, que o administrador esperava poderem ser
feitos pelo engenheiro Sarmento nas officinas em Loanda.
Até agora, quatro horas da tarde, a machina, ainda assim,
limpara e lustrara desde a manhã trinta e uma saccas de café
de setenta e cinco kilos cada uma.
Quantos braços não se poupam neste serviço, e com que ra-
pidez elle se faz?
Visitámos os armazéns, e muito é o café nelles arrecadado,
mais do dobro do que tem saido nesta quadra!
J. Augusto da Silva veiu da metrópole para esta provincia
em 1851, e vive nesta fazenda ha dez annos! Na verdade
está bem conservado, revelando assim a sua boa organisação
para resistir á influencia do clima de Cazengo.
Vimos o lago artificial para creação de peixes; e provámos
das magnificas uvas, tão afamadas no concelho e seus arre-
dores.
132 EXPEDIÇlO POBTUOUEZA AO MUATIÂNVUA
Toda a fazenda é cortada por largas ruas, e entre ellas so-
bresaem os enormes eantSes de arvores de café dispostas em
quincnnce, o que permitte á arvore maior desenvolvimento, e
'toma mais fácil a limpeza entre ellas, quando, como aqui, as
parallelas estão distanciadas dois metros.
Ainda ha densas florestas de boas e ricas madeiras por
explorar nestas encostas dos quadrantes do norte, o que não
admira, porque esta propriedade, ainda hoje conhecida pelos
indígenas com o nome de Cahonda, é nova. Foi principiada por
Albino Soares, em 1855, e não foi só para o café que ellc a
trabalhou. A cultura do algodão mereceu-lhe também muito in-
teresse, chegando a remetter para a metrópole 2:500 kilogram-
mas, de que obteve bom resultado.
Albino, que não fôra estabelecer-se ali como aventureiro,
mas sim como colono, estava fazendo uma propriedade para
seus filhos, e com esse fito não attendia só ao presente.
Procurava o bem estar dos seus trabalhadores; estabelecera-
Ihes senzalas em logares apropriados, acasalava-os, dava-lhes
terrenos para cultivo próprio, e proporcionava-lhes distracçSes,
chegando mesmo a organisar uma banda de musica, cujas des-
pesas com instrumentos e professores corriam por sua conta.
Chegou mesmo a ter agentes no interior do continente para
resgatar indivíduos de ambos os eexos, proporcionando a estes
vantagens e concessões, que os libertavam do estado de escravi-
dão a que estavam sujeitos.
Para toda a parte para onde nos voltamos, se encontram si-
gnaes de que a civilisação aqui não tem sido uma palavra vã,
e tem encontrado proselytos.
E esta uma fazenda agrícola modelo, e lastimámos que o seu
iniciador succumbisse na epocha em que ella florescia, e podia
ser incentivo para que outros o imitassem.
Chamados para a mesa do jantar, á sua vista ficámos surpre-
hendidos.
Não estávamos em Cazengo, estávamos na casa do mais rico
lavrador da melhor das nossas províncias de Portugal! Foi o
que se nos afigurou, para em seguida exclamarmos: — não é
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DESGBIPçlO DA VIÁGEH 133
para estranhar que, com taes condiçSes de alimentação^ de com-
modidades de casa, e boa disposição e exposição da fazenda, se
resista ás influencias do clima!
Mas quantas victimas não houve para se poder aqui viver
hoje em taes condiçSes!
£ o que agora nos está causando admiração é mais um ai*-
gumento em abono do que dissemos com respeito ás necessi-
dades da agricultura do concelho em geral.
Entrámos nos aposentos que nos eram destinados, e, ainda
aqui, tivemos que admirar a grandeza com que foram mobilados.
Com quantas difficuldades não teve que luctar Albino Soares
para fazer transportar estas mobilias de Lisboa até aqui!
E foi pensando nisto que adormecemos!
Rompeu o dia; e depois de tomarmos o genuino café, fizemos
seguir as cargas para Caringa, limite do concelho com o de
Ambaca, e fomos admirar os bellos productos da horta que
fica próxima da residência.
Silva presenteou-nos com um bonito boi preto, ainda novo,
mas que já dava cavallaria, e com um garrafão de azeite de
palma purificado.
Para recordação tiraram-se algumas photographias da notável
vivenda em que estivemos hospedados.
São horas de partir, e seguimos por essa bella estrada or-
lada de palmeiras, deixando á nossa direita as senzalas Qui-
lombo e Príncipe.
Silva e outros acompanharam-nos até ao fim da estrada ex-
trema da fazenda, que são mais uns 4 kilometros, e dirígimo-
nos para casa do negociante Luiz António Pereira em Andala-
tando, onde Padrel havia mandado preparar hospedagem para
ali dormirmos.
Aqui chegámos já perto do sol posto, depois de um percurso
de mais 7 kilometros.
Encontrámos em Andalatando uma pequena colónia de nego-
ciantes, que confessam terem obtido este anno bons lucros, por-
que o indígena lhes traz muito café para comprarem, e não
lhes faltam carregadores para o levarem ao Dondo.
134 EXPEDIÇlO PORTUOnEZA AO MUÁTIÃNVUA
TodoB estSo muito animados, porque se está construindo a
ponte sobre o Lucala. O que será quando se principiar a con-
struir o caminho de ferro?
E são estas esperanças que vão dando alento aos europeus
com quem temos conversado neste concelho!
* Se, a par dos melhoramentos materiaes de reconhecida utili-
dadc; se forem adoptando medidas sanitárias essencialmente
praticas, os resultados serão muito mais profícuos, não só para
os europeus como para os indigenas e por conseguinte para
esta productiva regiJto.
Aqui, onde a corrupção atmospherica é principalmente de-
vida á infecção tellurica, só a cultura do solo, o desbrava-
mento das florestas, e o desvio conveniente das aguas, poderão
a pouco e pouco melhorar as condições de salubridade.
E isto conseguir-se-ha cora o tempo, como já dissemos, creando
uma escola agricola, aproveitando as boas disposiçSes do in-
digena d'e8te concelho para a agricultura, e procedendo ao
desbravamento das florestas, a começar de baixo para cima,
sobre essas abas de serra onde a exposição seja melhor em re-
lação aos ventos predominantes e ao sol, para o desenvolvi-
mento do café e cacau. Assim se crearão pequenas proprieda-
des, que com o tempo se desenvolverão até á maior altura;
e é ceno que a salubridade da localidade ha de logo augmentar
consideravelmente, porque os pequenos proprietários se irão
encarregando de outros melhoramentos ao seu alcance, que
hoje lhes não occorrem por falta de incentivo e não porque os
não apreciem.
Isto que já foi ensaiado e que, por desmedidas ambições,
não fecundou nem se desenvolveu, é o que ha a fazer com
respeito a Cazengo.
Apesar de ser já bastante tarde, ainda antes de jantar fomos
visitar uma olaria em que se fabrica, por processos rudimenta-
res, boa telha, que dizem ter consumo nos concelhos próximos.
E esta uma industria que era da máxima conveniência que
se desenvolvesse, porquanto, nestes concelhos sertanejos, as
coberturas das casas dos europeus e até mesmo as de resi-
DESGBIPÇXO DA VUOEH 135
dencias officiaes, ainda bSo em geral feitas ao nso primitivo,
como a choupana do gentio — de capim Becco, o que é um pe-
rigOy sobre tudo na epocha das queimadas!
Ora, onde não faltam os recursos indispensáveis, como boas
madeiras e barros, isto só mostra da nossa parte uma grande
incúria, e faz crer que o progresso e a civilisaçSo nos teem sido
indifferentes. E é por este indifferentismo que somos mal con-
siderados pelos estrangeiros.
José António Pereira, Commandante da primeira companhia
de Móveis do concelho, encarregado da casa de negocio de Luiz
António Pereira, onde fomos hospedados, ínformou-nos de que
esta casa tem mantido ha dois raezes, em constante movimento
para o Dondo, cento e cincoenta carregadores em transporte de
cargas de commercio — o que não succedia ha muitos annos.
Se o café nos mercados da Europa subir de preço e se man-
tiver por algum tempo, de certo que os agricultores e nego-
ciantes sertanejos se libertarão de uma grande parte do ónus
com que teem luctado nos últimos annos.
O Chefe Padrel ainda nos quiz acompanhar até Caringa, li-
mite do seu concelho com o de Ambaca, e fez expedir um es-
coteiro ao Coronel Victor, como este lhe pedira, participando
a nossa entrada no dia seguinte no concelho que administra
muito a contento das povoações aiuda de gentios, para quem
a vassallagem é ainda incomprehensivel.
Custou-nos a separação de tão bom companheiro e camarada,
que pretendia adivinhar o que mais desejássemos para nos
ser agradável, e procurou sempre proporcionar-nos todas as
commodidades. Aqui lhe renovámos os nossos sinceros agra-
decimentos.
Em Caringa esperavam-nos os carregadores, que fizemos
seguir para Caméxi, onde, junto ao rio, descansámos para re-
gistarmos algumas informações emquanto nos preparavam o
almoço para o qual nos chamaram ás duas horas.
Deviamos ter chegado aqui muito mais cedo; porém, o boi
que alguns montaram para experiência, entreteve-nos pela
serie de trambolhões por que os fez passar, e de uma das
13
EJCPEDIV^lO PORTDQUEZA AO MUATIÂNVUA
vezes Gscapu1íu-se da mjto de um dos c&valleiros, e elle alii
foi de batida por entre o capim secco, obrigaBdo-noe a fazer-lhe
cerco, e perdendo-ae mais de uma hora para o agarrar durante
a qual se deram episódios que provocaram a gargalhada.
A noBBa marcha até aqui foÍ de 18 kilometros.
Ab três horas da tarde continuámos a viagem, e pouco de- 1
jwis apre sentou -se -nos um soldado, do batalhão do commando i
do bravo corouel do nosso exercito de Africa occidental, Anta- I
nio (ieraldo Victor, hoje reformado em general de brigada, I
com uma guia para ficar ao nosso serviço, c com os bilhetes-l
de visita d 'esto nosso amigo, oíFc recendo -noa hospitalidade om 1
sua casa e dos seus offíciaes felicitando -nos pela chegada aa-M
concelho.
líKSCRIl-vSo DAVJAUKM
CONCELHO m AMBACA
uando is a esconder-sc o sol
no horizonte, cbegámoa a Pam-
ba, onde está aquartelado o ba-
lallião de caçadores n." 3, po-
ilendo calcular-so o percurso de
IJaculo até aqui — -em 57 ktlome-
iroa — marcha que bons escotei-
103 teem feito num dia.
O Commandante e seus offi-
i'ines, mal sentiram, ao longe, o
iiique das cornetas da Expedi-
vílo, vieram ao nosso encontro.
TivemoB a satísfaçSo de en-
Lontrar antigna camaradas e ami-
gos, o que nos alegi-ou; e, emquauto os carregadores com as
cargas se dirigiam para o local que lhes fôra destinado, o Com-
mandante convida va-noB a ir ver o quartel — a obra de maior
importância nos últimos tempos em Ambaco — começada ha
pouco sob a sua direcçSo, apenas com os recursos materiaes
da localidade e com o trabalho das praças do batalhão.
A exposição do quartel é boa, e o seu plano foí subordinado
ÔA recommendaçiSes mais modernas para este género de edi-
ficaçSes. Tem um bò pavimento raso, sendo isoladas as caser-
nas, arrecadasses e demais dependências por largas mas e
138 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUAHInVUA
patcos^ estes com cultura horticola^ o que é de bom effeito,
e de que tiram o máximo proveito as praças indigenas^ que,
dispensando rancho de caldeiro, teem melhor alimentaçXo.
Os officiaes estão bem alojados. As repartiçSes da secretaria
e casa do commandante sâo amplas e bem ventiladas.
As edificações, comprehendendo o quartel e todas as suas
dependências, com paredes de adobes, caiadas exteriormente,
faziam-nos lembrar uma bonita aldeia onde entrara a aniroaçSo.
r
E um contraste com as senzalas de palhoças, que consti-
tuem a povoaçSo em redor e a d'ali afastada.
ff Se nSo fosse esta sua obra, dissemos nós ao Coronel, passa-
ríamos por aqui na supposiçSo de que isto era um deserto,
pois o alto capim nSo só encobre a povoação, como não deixa
ver o trilho para aqui se entrar!»
Fomos depois ver a ponte que o Coronel está fazendo con-
struir sobre o Lucala, que neste logar é muito estreito.
A ponte é feita por conta da Camará, que já na sua acta con-
signou o nome que ha de ter: — Ferreira do Amaral.
Nada mais justo, porque ao benemérito Governador geral se
deve o novo impulso para levantar Ambaca do marasmo a
que chegara.
Estão proniptos os pilares de alvenaria e prepara-se a ma-
deira para o seu taboleiro, e tudo espera o Coronel se conclua
com brevidade, pois deseja aproveitar a passagem do Conse-
lheiro Ferreira do Amaral, que tenciona ir a Malanje, para se
fazer a inauguração.
Principiava a noite, e o nosso hospedeiro convidou-nos a re-
colher para jantar.
Esta rápida inspecção a duas construcçSes novas, confessá-
mos que nos impressionou agradavelmente, porque nada mais
viamos, e faziamos uma outra idéa de tudo isto!
Não pensávamos que a capital do mais importante concelho
do interior tivesse caído num tal esquecimento !
Será realmente este o logar, diziamos nós, para onde se mu-
dou, em 1606, a sede do presidio fundado dois annos antes pelo
Gk)vernador Cardoso, nesse logar a que chamam Praça Velha,
DESCRIPÇlO DÁ VIAGEM 1 39
e onde existem as minas do forte, ou antes redueto, que os
valentes portuguezes de outrora foram, construir á vista dos
inimigos?
Será aqui, onde os jesuitas vieram collocar o berço da civi-
lisaçSo, e de onde dimana esse vislumbre de instrucçSo que se
encontra disseminada por toda esta parte do continente?!
Seria nesta vasta planicie, que acabávamos de ver, que por
vezes se reuniram forças de milhares de homens armados, para
repeliir o gentio que nos hostilizava?!
Mas onde estão os vestígios de factos tSo importantes, que
aqui se deram e a historia nos aponta?
Na verdade, tudo isto é triste; e se nSo fossem alguns^ docu-
mentos que escaparam ao devorador salalé, e os cuidados de
homens dedicados que lhes deram publicidade, parecél*ia que
tudo que se diz de Ambaca era uma fabula!
Entre os commensaes tomaram assento alguns amigo^ do Co-
ronel que vinham ver-nos; e sobre o assumpto ouvimos um
homem velho da localidade, que, se bem nos recordamos se
chamava Balthazar, e outros ; e reunindo as notas, que entSo
tomámos, e as investigações a que procedemos, concluímos:
Que f5ra neste local que se reuniram, em 1740, vinte mil
homens armados por ordem do Governador Magalhães, dos quaes
apenas soldados eram duzentos e sessenta de infanteria e trinta
de cavai lana;
Que todos os presidies contribuíram para aquella força,
sendo a isso obrigados todos os brancos, e pretos calçados ;
Que a guerra era contra a rainha Jinga, por ter sido assas-
sinado nos seus estados um negociante branco, a quem rouba-
ram todo o seu commercio;
Que esta guerra fôra feita por proposta do Governador, com
o assentimento de todas as auctoridades que tinham voto.
A rainha estava então no recinto que as pedras de Pungo
Andongo limitam, e entre os penedos na parte mais recôndita.
Os nossos, com receio de que ella fugisse para as suas ilhas no
Cuanza, como era uso de seus antecessores, trataram pri-
meiro que tudo de tomar posse das ilhas, e depois, de perse-
140 EXPEDIÇIO PORTUGUEZÁ ÀO IfUÁTIÂNYaA
guirem aquelles que em debandada procuraram refugiar-se
entre os penedos.
Pedia á Jinga que se lhe concedesse a paz^ sujeitando-se
ás condiçSes que lhe fossem impostas, porquanto nSo fora ella
que ordenara se praticasse tal attentado na pessoa de um bran-
co; que o crime era grande, mas fôra obra de seus vassallos,
a quem ia mandar castigar.
Ha quem diga que £5ra um dos ascendentes de Calandula,
potentado nas terras d'este concelho, que, combatendo ao nosso
lado, perseguira a rainha, e, apaixonando-se por ella, a protegera
escondendo-a entre as pedras, emquanto elle nSo obteve as
pazes em que interveiu.
Balthazar diz que não fôra Calandula, e sim o homem com
quem ella viveu depois, e que era também soba aqui do conce-
lho. Fôra este encarregado pelo chefe de descer ao covil onde
ella estava, e vendo-a, de tal modo ficara encantado da sua
belleza, que ella tirou d'Í8so partido, conseguindo que prote-
gesse a sua fuga para o Songo, promettendo-lhe que ficaria
sendo sua mulher se obtivesse as pazes que desejava, o que
conseguira; e depois d^isso foram estabelecer-se mais para
leste.
Foi depois doesta guerra que a feira da Lucamba passou para
aqui, pois a Lucamba ficou despovoada por não serem ahi as
terras boas para a cultura.
Muitas são as causas que teem contribuido para que Âmbaca
não indique hoje o que foi; porém, de facto, os jesuítas minis-
traram aos filhos doesta ten^a os rudimentos da lingua portu-
gueza, a par de uma instrucção em ofiicios e no cultivo dos
campos ; ensino este que se tem transmittido de pães para filhos,
porém já viciado. Os mais espertos, como deixasse de vir
cpmmercio para aqui, vão hoje procurar fortuna noutras terras.
Com respeito a Calandula, continuou Balthazar, é ainda agora
um potentado importante, porque tem muito povo e subordi-
nados até ao Cuango. E a importância deve-a á parte activa
que um dos seus antepassados tomou a nosso lado, numa das
guerras contra o rei do Congo.
. DESCREPÇÀO DA VIAGEM 141
Contam ainda hoje os seuB; que Calandola tinha acoíise-
Ihado o chefe da expedição militar, que fora de Loanda com
ellc; sobre o melhor modo de combater as forças do rei; e
como o referido chefe rejeitasse os seus conselhos^ tendo receio
de que o julgassem traidor, mandara prevenir a feunilia de que
os portuguezes iam mon*er; e elle havia de morrer ao pé d'elles,
portanto tratassem já de quem lhe havia de succeder no estado.
De facto assim aconteceu, e os seus vieram entfto estabele-
cer-se aqui nas vizinhanças do presidio com o consentimento
do nosso Governo, e sempre teem auxiliado as nossas forças
contra o gentio, principalmente da Jinga !
Convinha ao Governo garantir a segurança doeste posto
avançado no interior, e por isso a auctoridade local tem sem-
pre fechado os olhos aos abusos que o seu povo mais ou menos
tem praticado, expoliando os viajantes indigenas.
O antecessor do actual Calandula adquiriu fama de valente
por taes abusos, e foi destacando para o interior representan-
tes seus, com a imposição de lhe serem tributários ; e estes fo-
ram-se estabelecendo próximo dos caminhos do commercio en-
tre os Bondos, e nos Holos e Bongos, próximo do Cuango.
O actual segue as pisadas d'aquelle, e a preponderância que
elle e os seus sobas vão tendo já prejudica o commercio, por-
que se tomaram os seus estabelecimentos coutos de ladrSes e
vadios, filhos d^aqui e de outros concelhos, que demais fiallam
portuguez ; e são elles os que os incitam a roubarem seus pa-
tricios e Bângalas, mostrando-lhes que nada teem a recear
porque pouca força militar temos no interior.
Depois que o batalhão veiu para cá, esses salteadores, que
infestavam os caminhos para o interior, já não dão tanto que
fallar.
Houve ultimamente um governador que pensou em mandar
ao Calandula uma embaixada com presentes, procurando por
meios suasórios chamá-lo á ordem ; e isto era um passo muito
acertado.
O actual queixa-se de que o Governo não tem feito caso d'elle,
nem nunca teve em attenção os serviços de seus avós, em-
142 £XPEDIÇZ0 PORTaGUEZÁ AO MUÁTIÂNVUÁ
quanto que Cabouco e Cassanje, constantemente sSo lembrados^
tendo-se revoltado varias vezes contra as nossas auctoridades.
Esta conversação era realmente interessante para nós, e pena
foi que, cortada por varias interrupçSes, se generalisasse e viesse
cair nas questSes da actualidade, que já conheciamos.
Comtudo, não foi em vão que a registámos, porque a ella,
mais tarde pela tradição de outros povos, conseguimos juntar fa-
ctos, que nos permittem marcar muito approximadamente quando
principia a formar-se o estado doesse tão afamado e temido po-
tentado no centro do continente, e a que menos correctamente
se tem chamado Muata lanvo.
O Coronel Victor também é de opinião que se devia trazer
sempre contente o Calandula, porque dispõe de muita gente
atrevida e mesmo aguerrida, e que nos pode auxiliar para con-
ter sujeitos os Dembos, Bondos e Hungos, não avassalados e
vizinhos, e garantir, não só a segurança do commercio e agri-
cultura em Encoje, Duque, Fungo e Malanje, como também
do caminho para o Dondo.
Mesmo para a exploração das minas de oiro do Lombije, e
aproveitando esse pretexto, diz o Coronel, é de toda a conve-
niência a intervenção do Calandula, porque tem influencia bas-
tante para remover quaesquer difficuldades que apresentem os
povos limitrophes, difficuldades que se devem esperar, por-
que ninguém ignora que o gentio nf\o acceita bem que lhe ex-
plorem a terra.
Para quem conhece o Coronel Victor — que passou a sua vida
como subalterno em combates com o gentio, que foi o chefe
das ultimas operaçSes militares em toda a região do Duque de
Bragança, que por muito tempo tem vivido em todos estes ser-
tões como chefe dos seus concelhos, onde se soube impor pelo
terror, e, finalmente, que das guerras da Guiné chegou ha pouco
tempo agraciado com a commenda da Torre e Espada, o que
entro estes povos mais veiu confirmar a fama que já tinha, de
Quijando ainvencivel» — a sua opinião não é para desprezar.
Muitas vezes ouvimos fallar, mesmo além Cuango, do Qui-
jando, doeste camarada africano, chegando a attribuir-se-lhe
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 143
O costume de : — antes de entrar em fogo^ esfregar a farda com
um remédio que só elle conhecC; para que as balas do inimigo
lhe não toquem.
Esta é a lenda que se tem propalado entre o gentio, e que
é para nós muito aproveitável; pois basta muitas vezes a pre-
sença d'este chefe, para evitar conflictos, de que se podem ori-
ginar graves consequências para a provincia.
Acabáramos de jantar tarde, e a conversa ainda nos reteve
por muito tempo á mesa. As visitas querem retirar, e o Coronel
pede-nos que ainda passemos o dia seguinte com elle, para com
descanso se preparar a força que uqs quizer acompanhar; e nós
aproveitámos o ensejo pedindo a Balthazar para nos guiar num
passeio ao romper do sol, pois desejávamos obter ainda mais
algumas informações, ao que elle de bom grado annuiu.
Pouco dormimos, porque tivemos uns maus vizinhos — umas
ratazanas que entre os forros das divisórias do nosso aloja-
mento nos faziam uma impressão desagradável com os ruídos
das suas ascensões e cambalhotas; e outras mais aventurosas
que conseguiam sair e davam saltos por cima da nossa ca-
beça.
Por isso, logo de madrugada viemos para o largo a esperar
o nosso companheiro.
Um grande silencio que reinava para o lado do quartel pro-
vava-nos que era ainda muito cedo, e para ahi nos dirigimos
para conhecer dos seus arredores.
Completa desillusão!
Estende-so a planura para norte, rareando já o capim, e ele-
va-se depois o terreno em morros, uns seguidos aos outros,
mais ou menos elevados, despidos de vegetação, apresentando
aqui e acolá manchas esbranquiçadas e avermelhadas!
Para elles estivemos olhando algum tempo e diziamos vol-
tando:— antes de se construir este quartel, o que haveria aqui
para mencionar? Uma rua com algumas moradias de adobe, e
uma porção de palhoças dispostas a esmo?
Onde estará a igreja de Nossa Senhora da Conceição de
Ambaca?
144 EXPEDIÇlO PORTUGUEZA AO HUATIÂNVnA
Por que razSo se escolheu este logar para terminus da linha
férrea de Loanda, pela qual tantos se empenham?
Será certo que foi aqui a capital do grande districto organi-
sado em 1838; que contava oitenta mil habitantes e centena-
res de sobados; dos quaes cento e trinta eram feudatarios da
coroa?
Mas durante o meio século que se lhe seguiu qual é a evo-
lução que se tem dado? Augmentou ou diminuiu a populaçZo?
Essa agricultura, que existia, e que chegara mesmo a expor-
tar para Loanda os seus productos, porque definhou? Porque
se não desenvolveram essa^i grandes manadas de gado vaccum?
A populaçSo industriosa, esses ferreiros, carpinteiros, alfaiates,
sapateiros que destino tiveram?
Como tudo aqui é desolador!
E estará o Governo ao facto de tudo isto? Conhecerá das
causas doesta desolação? Ou vamos construir um caminho de
ferro sem conhecer de taes causas, e sem ter a convicção de
que elle poderá attrahir os restos d^esses elementos civilisadores
dispersos, e que Ambaca ainda lhes poderá offerecer vanta-
gens, superiores a outras terras, pela agricultura e outras in-
dustrias que tiveram já aqui nomeada?
É possivel, e aqui temos mais uma d^essas fecundas liçSes,
escriptas nas terras intertropicaes, e onde o clima se patenteia
assombrosamente nivelador!
Desappareceram as culturas de Ambaca e fugiu a sua popu-
lação; desappareceram as obras collossaes de Oeiras e desap-
parecerá tudo o que se fizer, se não se tomarem em linha de
conta os vivos coeficientes de correcção que mais caracterisam
as localidades tropicaes.
Faziamos estas reflexões, quando nos appareceu o bravo Coro-
nel, com Balthazar, convidando-nos para tomarmos café e irmos
em seguida todos dar o nosso passeio, emquanto o ajudante do
batalhão ia apurando das praças voluntárias as de melhor
comportamento, para passarem ao serviço da Expedição.
No passeio apresentou-nos o Coronel vários sobas vizinhos
que, uniformisados a capricho, vinham címiprimentar os seus
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 145
hospedes. Todos, mais ou menos, se faziam perceber em porta-
guez, e d^elles obtivemos também algumas informaçSes.
E, cousa notável, o ambaquista, o afamado ambaquista, esse
vulto com quem se topa a cada passo no centro do continente,
diz-se, e é conhecido por branco; e todos os que nos outros
nossos concelhos sertanejos procuram imitá-los no seu modo de
trajar, e nos seus usos e costumes, dizem-se filhos de amba-
quistas! £, a avaliar por aqui, a população de Ambaca deve
ser na verdade muito grande.
O ambaquista, para mostrar a sua importância sobre estes,
ao seu nome de baptismo junta um appellido portuguez cuja
fama lhe é vulgar; e assim, de envolta com os heroes da pri-
mitiva, Salvador Correia, Paulo Dias de Novaes, Sousa Cou-
tinho, de que tiram um e dois appellidos, lá se encontram já,
modernos Sá da Bandeira, Lopes Calheiros, Ferreira do Ama-
ral, etc.
Alguns querem, ainda, destacar-se de seus parentes por as-
cendência distincta, como, por exemplo, o primeiro interprete
da Expedição, que entendeu por melhor aggregar ao appellido
Bezerra, de seu pae, o de Lisboa, para que todos soubessem,
dizia elle, que seu bisavô viera do reino!
As missões de jesuitas que por aqui estiveram muito tempo,
tendo a sua sede no Ambango-á-Quitambo, e as minas de cujo
convento, Santo Hilarião, ainda lá existem, deixaram vestígios
de sua passagem na educação dos povos que os rodeavam. A
parte os interesses da companhia que os moviam, e davam le-
gar ao que hoje se censura como escândalos, é certo que a elles
se deve a transformação de Ambaca em berço da civilisação
E d'aqui que partem esses rudimentares conhecimentos da nossa
lingua, quer fallada, quer escrípta, as noções de agricultura e
de officios manuaes e de outras profissões.
O que elles não puderam destruir, infelizmente, foi essa mal-
dita crença nos encantos e feitiços, e qu6 faz mais mal aos que
se aventuram a internar- se no continente do que as crenças dos
gentios.
É porque naquelle ensino havia factos, havia exemplos, e
10
146 EXPEDIÇIO POBTUaUEZA AO MUATIÂNVUÁ
no de hoje ha eloquência^ e como muito bem diz o sr. A. F.
Nogueira no seu excellente livro A nuja, negra: cOs indígenas
acreditam mais nos factos do que na eloquência; por mais su-
blime que seja, e quer seja profana ou sagradai.
A este respeito, quem conhece hoje o ambaquista ou indivi-
duo por elle educado— qu#<todos sSo baptisados os que andam
por estes sertSes — pôde dizer como o bispo de Angola em
1772: cque do baptismo só aproveitam as creanças que mor-
rem em tempo conveniente^ porque as que chegam á puber-
dade e d'ahi para cima, ficam reincidindo em suas ^perstiçSes
e leis barbaras em que vivem os outros i.
E ainda é verdade o que então affirmava o referido bispo:
t mesmo em velhos perseveram nas suas superstições/ em que
crêeni; e na multiplicidade de mancebas, que nSo querem lar-
gar, e outros mais abusos gentílicos e diabólicos em que vivem
sem remédio».
O ensino religioso era extemporâneo ; e como muito bem diz
o nosso ousado explorador Serpa Pinto: c façamos primeiro do
preto um homem, e temos tempo para d'esse homem fazermos
um christâo».
Mas, se o ensino religioso nada produziu, é certo que o ou-
tro, apesar de muito incompleto, deixou fructos, e são elles que
mostram a protecção que Portugal sempre dispensou aos povos
das suas colónias.
Raro é o ambaquista, descendente dos educados n^aquellas
missões, que não se dedique a algum dos officios manuaes,
sapateiro, alfaiate, carpinteiro, pedreiro; e todos elles mais
ou menos sabem ler e escrever, sendo mesmo peritos em cal-
ligraphia.
Depois dos missionários, são os pães que se teem encarregado
da educação dos filhos ; e pena é que esse ensino vá sendo in-
conscientemente tão deturpado, tomando se quasi inintelligiveis
as cartas que elles hoje nos enviam, algumas das quaes teremos
occasião de publicar.
Todos trajam á europea; mas, entre elles, distinguem-se os
que estão em melhores circumstancias pelo chapéu alto e sobre-
DESCRBPÇXO DA VIAGEM 147
casaca preta, e logo abaixo os que fazem o seu fato de orleft
preta ; e todos calyam, ^oje, ou sapato de liga, ou sapatos por
elles feitos de couro ou de panno de algodão, que fabricam e tin-
gem, e que teem, em logar de sola, madeira.
A maior ambiçSlo do ambaquista que se preza é ser isento
de praça, e possuir muitas mulheres; e são estes os dois moti-
vos fortes por que larga o domicilio paterno, logo que chega
aos seus vinte annos.
Toma-se negociante sertanejo, porque encontra sempre guem
lhe forneça* uma pacotilha a credito; e lá vae para o interior
com dois ou três discipulos, que lhe confiam sob condição de elle
lhes ensinar as prendas de que é dotado.
O vidro da tinta, pennas e papel acompanham-no para toda
a parte no seu rolo de folha que usa a tiracollo ; e mesmo so-
bre o joelho, sentado no solo, elle escreve uma carta.
Ás duas primeiras viagens são geralmente pequenas; perde
sempre para os credores, mas traz a familia que procurava,
mulheres e rapazes que resgatou, e estabelece-se no seu sitio.
Fabrica uma casa de adobe, coberta de capim, e faz lavrar
a terra de que se apossou.
É ainda ás lições praticas dos missionários, que se deve o
pequeno cultivo das terras que por aqui se encontra. A sua
producção hoje reduz-se a arroz, feijão, batatas do reino e
indigenas, milho, cebolas, alhos, bananas, mangas, jinguba e
tabaco.
Do trigo já não tratam, mas affiança-nos Balthazar e tam-
bém o Coronel, que se colhera muito bom trigo em Ambaca.
Os velhos é que vão dando noç3es agricolas aos rapazes e
mulheres. Vimos boas tangas de algodão, e fumámos excellen-
tes charutos aqui fabricados.
Feita a sementeira, o que tem queda para o negocio recorre
de novo ao seu credor a titulo de lhe pagar o augmentado cre-
dito, e parte para uma nova exploração; e, em vista da produc-
ção que calcula, determina á familia que deixa, geralmente só
mulheres, a quantidade de dinheiro que quer encontrar no mea-
lheiro, que é o solo onde o enterra.
.■*
«
148 EXPEDIÇIO PORTUGUEZA AO MUATLÍNVUA
E assim se explica, em parte, nSo só o desenvolvimento da
populaçSo que teve Ambaca, como o da sua producçSo, e ainda
o apparecimento recente de moedas de cobre e peças de oiro
antigas, que se conbece terem estado muito tempo debaixo da
terra.
Os impostos e a decadência de Ambaca é que teem feito
apparecer essas moedas.
Mas a que devemos attribuir esta decadência? Dizem-nos
que ^ abuso da supremacia eleitoral a que fôra guindado o
commendador Manuel Mendes da ConceiçSo Machado, filho
da localidade, e que pelas suas prepotências a auctoridade
superior da provincia mandou prender em 1876 e remetter para
Loanda, onde morreu pouco depois.
No que este celebre commendador mais ferira a populaçSo,
fôra em amarrar seus filhos a cordel para sentarem praça no
exercto, e as eleições para deputados fomeciam-lhe o ensejo.
A sombra das suas influencias, elle, o homem dos códigos,
sugava o povo defi*audando-o nos seus interesses, fazendo
justiça de Ambaca, como ainda hoje se diz; e por isso a
gente mais aproveitável emigrara para outros concelhos, e
alguns sem pouso certo por lá andam pelo interior, lembrando-
Ihe Ambaca, apenas como recordação da grandeza de seus
pães.
NSo acreditámos que seja só este o motivo; este é dos nos-
sos dias, e a decadência vem de epochas muito anteriores.
Pelo que temos lido, acreditámos que Ambaca, ao fundar-se
o nosso presidio na latit. 9® 15' S. do Equador e longit. 15® 2(y
E. de Greenwich, se tornou um centro de sobados avassalla-
dos, e que fugiam ao despotismo dos Jingas, govemando-se
independentemente, embora submettidos á nossa bandeira, e
contribuindo com impostos para de nós terem uma protecção
efficaz.
A estes povos reuniram-se outros, fiigidos mais de leste, tam-
bém com o seu governo independente, avassallando-se uns e
outros não, mas correspondendo ao mesmo por se avassalla-
ram aos sobas já vassallos.
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 149
Entre elleS; uma leva de gente da Lunda^ como veremos
mais adeante; capitaneada por um príncipe, com auctorísação
de um dos governadores D. Manuel, certamente D. Manuel P.
Forjaz, foi-se estabelecer em Lucamba, de onde retirou pou-
cos annos depois por as terras nada produzirem e^ seguindo
atrás da caça, internou- se até ao Cuango.
Começou, depois, o commercio de marfim e escravos entre
estes e os aviados do nosso commercio, que já então chegavam
ate aqui, a despeito das prohibiçSes de auctorídade superior em
mercadejarem, no sertão, brancos, mulatos e negros calçados.
Os jesuítas, com a mira neste commercio, conseguiram ro-
dear-se de povos que catechisavam, animando-os ao mesmo
tempo que lhes dispensavam o ensino incompleto de que já
falíamos.
Por muitos annos as guerras da Jinga, e outras a leste d'este
povo, eram as barreiras ao nosso ingresso para o interior, e
todo o commercio se fazia em Ambaca, seguindo para Loanda
pelo caminho protegido pelos jesuitas até S. António do Bengo.
Já se vê, pois, que essa grandeza baseada no commercio de
Ambaca era ephemera, desde o momento em que nos inter-
návamos e a viação era outra, isto é, logo que o gentio foi
repellido das margens do Cuanza e se conseguiu um caminho
mais directo para Loanda; e sendo os povos avassallados que
procuravam as casas do commercio do litoral, Ambaca princi-
piou a perder em importância pelo lado commercial.
Restavam a agricultura e a industria fabril; estas, porém, com
a retirada das missões, foram também afirouxando pela falta de
estimulo e protecção official, e sobretudo de trfmsportes fáceis.
Vieram depois as exigências e extorsões dos chefes; esque-
cemo-nos de aproveitar os sobas na administração publica; e,
por ultimo, deixámos imperar a tal potencia do commendador,
e por isso necessariamente devia succeder o que presencia*
mos — Ambaca ficar exânime.
Quanto a nós, é á accumulação e successão de todos essas
causas que se deve attribuir a decadência de Ambaca^ e, por
conseguinte, a emigração de seus filhos mais prestáveis.
150 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATLÍNVUA
Os ambaquistasy espalhando-Be^ teem servido de núcleos em
outros pontos do sertão, de onde dimanam usos e costumes
nossoS; embora envolvidos nos gentílicos da localidade em que
elles residem ; mal que temos de lastimar, porque tem servido
de argumento para os estrangeiros nos desacreditarem, pois só
querem ver nelles um portuguez que está explorando o com-
mercio do gentio ; e mal contra que, na verdade, tem de reagir
todo e qualquer europeu que se embrenha por esses sertSes,
no intento de ser útil ao seu paiz e á sciencia.
Teve Ámbaca fama pelos seus bois-cavallos, e houve em tempo
quem aifirmasse que ahi abundava o gado bovino.
Para os informadores onde terminaria então o concelho de
Ambaca?
Quanto aos bois-cavallos acreditámos que se vissem bastantes,
porque, sendo aqui que o indígena começou a.adaptar-se aos
nossos usos e costumes, reconhecendo as vantagens que tiráva-
mos do cavallo, nos procurou imitar, domesticando os bois
novos que por negocio adquiria de leste; porém, é certo que
nem a abundância, nem a qualidade de pastos indicam, pelo
menos agora, que a região que temos percorrido até aqui, seja
a preferível para esse gado, e sobretudo quando se conhece,
como nós conhecemos, a região que se segue, já fora d'este
concelho, até ao Cuango, onde os pastos são excel lentes e o
gado se tem desenvolvido de modo, que surprehende a quem
percorre todo esse sertão.
Ahi é unicamente o pasto que sustenta o gado, emquanto
que aqui e noutros pontos é necessário cuidar da sua alimen-
tação.
Ê possível que se haja sustentado aqui alguma manada, e
òomo consequência o exaggero da fama. Talvez succeda o mes-
mo que se dá com os papagaios de pennas carmezins ou ro-
sadas, que muitos suppoem oriundos de Malanje e Cassanje,
quando elles a final nem da Lunda são. Os que apparecem vem
do norte, trazidos pelas comitivas de commercio que lá vão ; e
os Lundas, se os tivessem, não os cediam, porque as pennas
da cauda doestas aves são muito apreciadas pela nobreza, e
DESOKIPÇZO DÁ YUGEM 151
copstituem um dos ornamentos de distíncçSo entre os potenta-
dos e pessoas da sua corte.
Para o potentado lunda, hoje, um papagaio doestes é um
presente de valor, porque ha grande falta das taes pennas e já
recorrem ás de aves menos raras.
Com respeito á caça, fomos informados de que se nSo en-
contra com facilidade em Ambaca; o que não admira, porque
tendo sido este um dos pontos mais povoados do sertão, com
certeza a que escapou foi corrida para o interior.
É talvez por isso, que faz parte da alimentação do povo
a grande abundância e variedade de gafanhotos, sendo o meio
de os apanhar mais facilmente o largar fogo ao capim depois de
se conhecer a direcção do vento, a fim de sem risco se fazer
uma boa colheita. Este meio poderá ser bom, mas ia-nos sendo
fatal no meio de um deserto, e por isso o prohibimos d^ahi
em deante. O outro meio de os apanhar é mais moroso e re-
quero muita gente : juntam-se raparigas e rapazes, com ramos
de folhas e vão batendo o capim.
O ambaquista, bem como as suas mulheres, quer em passeio,
quer conversando, aproveita as horas do dia fiando algodão,
de antemão preparado por elles para tal fim.
O processo é o mais rudimentar possivel. Ajeitam as pastas,
em redor de uma pequena vara rija, e o fio vae sendo enro-
lado a uma outra, delgadinha e mais pequena que fazem girar,
descrevendo espiraes, entro os dedos pollegar e index da mão
direita, tendo por peso na parte inferior um firucto redondo,
que faz lembrar, pela forma e côr, um limão pequeno ainda
rijo.
Livingstone, que viu este m,odo de fiar o algodão por estas
regiões, não achou differença do que adoptavam os egypcios nos
primitivos tempos.
O ambaquista, á falta de recursos para obter fazendas do
nosso commercio, faz bons lençoes de algodão pelo systema
das tangas de mabela, batendo os fios transversaes com uma
régua abahulada por entre os fios collocados ao alto, trabalho
este que a Expedição melhor estudou numa colónia de am-
152 EXPEDIÇÃO PORTDODEZA AO MUATliSVUA
baquístae que encontrou na mussumba de Luambata, e de que
dará conhecimento mais desenvolvidamente.
£ com estes tecidos qite elles se vestem e calçam, e também
teem vestido oa povos do interior, entre os quaea residem por
algum tempo.
Acreditámos também que este trabalho é devido ao ensino j
dos jesuítas, a quem, devemos confessar, é justo o reconheci-
mento que ainda existe nestes povos pela educaoSo que elles
lhes ministraram.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 1 53
Lastima-se que elles quizessem intrometter-se na administra-
ção da província; mas é certo que os padres^ que depois dos
jesuitas para lá foram, nSo deram os resultados que a posteri-
dade tem ido herdando destes, e que seriam hoje muito mais
profícuos se o ensino que elles deram tivesse continuadores.
Agora Ambaca apenas exporta para os concelhos mais a leste
algum arroz e batata; e cremos que a attençSo que está mere-
cendo aos poderes públicos a construcção do caminho de ferro
de penetração a partir de Loanda, influiu no animo do actual
Governador para mandar aquartellar aqui um batalhSo de caça-
dores, sob o commando do Coronel Victor, de onde se desta-
cam forças para guarnição dos concelhos próximos.
Era o Coronel o individuo que mais convinha, não só para
o commando do batalhão como para Chefe do concelho, por
ser africano e muito sympathico á soldadesca, e respeitado pelo
gentio.
Durante o dia tivemos occasião de conhecer que assim era,
não só pelo que ouvimos aos sobas e aos filhos da localida-
de, como pelo que presenciámos entre as praças do seu com-
mando, que de muito boa mente lhe obedecem.
Estavam apuradas doze praças, que por sua vontade passa-
ram ao serviço da Expedição, e contrataram-se quatorze carre-
gadores para transportarem arroz, batatas e feijão até Pungo
Andongo.
Promptos para seguirmos viagem de madrugada, fez-se a cor-
respondência para o Governo e depois fomos jantar.
O Coronel Victor, sempre cortez, surprehendeu-nos com um
jantar de dezoito talheres, a que assistiram os seus officiaes,
funccionarios e principaes pessoas da localidade.
Terminou tarde, como era natural, o jantar, brindando-se por
Sua Majestade El-Rei, Ministro da Marinha, Governador Ama-
ral, e fazendo-se os mais ardentes votos pelos bons resultados
da Expedição.
O reverendo parocho convidou-nos a assistir a uma missa
que elle tencionava rezar por nossa intenção no dia seguinte^
e á qual todos prometteram comparecer.
154
EXPEDIÇÃO POBTUODEZA AO HDATIXhVDA
A offerta era de tal ordem que se nSo podia recusar.
Na madrugada de 29, já amarradas as cargas e tudo dis-
posto para a marcha, seguiu a Expedição para a capella, e foi
auuunclada a ceremouia, a que ia proceder-se, por uma g^ran-
dola de foguetes.
Fiado o acto religioso, cuja intençSo muito temos a agrade-
cer ao celebrante e a todos que a elle concorreram, despedimo-
DOs do Corouel Victor e de todos os nossos amigos, e partimos
seguindo a nossa bandeira, que j& ia na frente.
IH
DESCBIPÇXO DA VIAGEM
m AMBACA PARA PUNao ANDONGO
omo o Coronel Victor estivesse
já soffrenílii dt- uma enforini-
ilude c[iie nmi» tardo ae aggra-
vou tí o obri}j;oii a regressar a.
Luanda, mandoii-nos acompa-
nhiir poio Alferes Cândido e por
outros íiinccionarios até ao porto
do Lucala.
Entes, moutados em magnifí-
coa boia-cavallos, chegaram é,
margem do rio muito antes de
nós, e sob a sua vigilância já
quasi todaa as cargas e carre-
gadores tinham passado para o outro lado.
Pela primeira vez vimos as jangadas — um amontoado de
palhas ligadas, com uma similhança de popa e proa, e gover-
nadas por dois homens que aa empurram nadando.
Ao pormos pé em um tâo caprichoso transporte fluvial, falta-
ríamos á verdade se níto confessássemos que receámos que essa
j'6*j°6* *'* virasse, e nós, de mistura com as bagagens, lá fos-
semos levados peia corrente, sabe Deus para onde.
Emfim tudo paasou bem, e já perto do meio dia seguimos
em direcç3o á Praça Velha.
156
EXPEDIRÃO FOKTUOCEZA AO HUATIAnVUA
Ao defrontarmos com eaaea vestigios do redacto, recordámo-
uoa da Biia historia, e pensámoB quanto não custou esta liber-
dade, qut- hoje se dísfructa, de por aqui transitarmoa aem re-
ceio do gentio traiçoeiro! Quantaavictimaa por cata hberdade?
O» carregadores haviam rodeado o rio Camuéji, e seguiram;
por isso nós contimiámOB e fomos acampar, eram seis horas, no
Cacusso, um pouco adeante do Ala, ao p/; de umas pedras que
se eleram em pequeno numero acima do solo 1 a 2 metros.
Tínhamos feito um perciu-so de 20 kilomotros.
Estas pedras, n3o sei porquê, lembraram-noa, e nBo sem pena,
que nem sequer perguntáramos em Ambaca pelo denominado
Púri-á-CaeoIombolo, adiniravet subterrâneo, no dizer do nego-
ciante Pereira, de Andalatando, e que tentámos esboçar á sua
vista pelas indicações qua nos ia dando, com o fím de corrigir
o desenho se lográssemos visitá-lo.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 157
E uma grande rocha de grés schistoso^ cuja extensSo se cal-
cula em mais de 400 metros, com duas entradas quasi em
sentido opposto para imia espécie de tunnel que a atravessa^
tendo diversas alturas interiores.
Para a chamada entrada principal, a descida, porque é bas-
tante Íngreme, torna-se tão incommoda que muitos teem desis-
tido de ir até lá abaixo.
Tendo ahi chegado, encontra-se ao lado direito um lago que
segue para o interior, e continuando em frente penetra-se logo
na caverna, afigurando-se ter ahi uma altura superior a lõ
metros, altura que diminuo para dentro. A rocha, tanto dos
lados como superiormente, é esbranquiçada; porém, inferior-
mente está revestida de uma camada de limos até uma certa
altura, e o piso é da mesma rocha, devendo andar-se com cau-
tela para se não escorregar, porque está sempre molhado.
A entrada é espaçosa, e quasi ao centro, formando o fundo, se
unem a parte superior e inferior da caverna, ficando dos lados
aberturas menores para galerias, que se tomam tanto mais
escuras quanto mais nellas se penetra.
Nesse paredão ao fundo, chama a attençSo do menos curioso
explorador luna cavidade em forma de capella, no meio da
qual uma pequena pedra em bruto tem uma tal configuração,
que faz lembrar uma imagem de Nossa Senhora: os amba-
quistas chamam-lhe Nossa Senhora da Pedra Preta, e para
elles tomou-se oráculo, que consultam e ao qual fazem suas
promessas. Ao lado da imagem encontram-se cartas que lhe
dirigem, e garrafas com azeite, vinho e outras offerendas.
Pereira diz que tentou penetrar pela galeria da direita, po-
rém as luzes dos que o acompanhavam apagaram-se; e sen-
tindo correr um riacho próximo retirou-se com os amigos com
quem ali fora, deixando ir os pretos mais ousados para deante.
Vieram então esperar os pretos no lado opposto, e elles de
facto appareceram, molhados até para cima do joelho^ e disse-
ram não ter encontrado caminho enxuto. Certamente esta agua
é continuação d'aquella que se viu á entrada e a que chamam
lago.
■í*
/4 168 EXPEDIÇZO POBTUOUEZA AO MUATllKVnA
A largura da entrada aqui é superior á da primeira, mas é
muito mais baixa do que ella. Nesta parte da rocha sae agua
como -de um filtro.
E de suppor que os jesuitas, ou os antigos chefes d'este con-
celho; como Lourenço José Marques^ um dos homens mais ver-
sados em curiosidades e factos históricos da provincia, e que
muitos manuscriptos, segundo é voz publica, deixou do seu
espolio, tenham já dado conhecimento doesta importante obra
natural, que a terra esconde á vista do viajante; porém, con-
fessámos que, apesar de termos residido em Loanda perto de
quatro annos, foi a primeira vez que d'ella ouvimos fallar, e
sentimos de veras o esquecimento imperdoável de nSo irmos
verificar os apontamentos que haviamos tomado no nosso diário
em Andalatando, sobre os quaes é baseada a gravura que apre-
sentámos.
Pela primeira vez se armam as barracas de lona. O tempo
está bom e.os carregadores não fazem abrigos, e dormem ao ar
livre junto de fogueiras, que já se vêem espalhadas pelo acam-
pamento. As cargas estão entre as nossas barracas e distan-
tes d'essas fogueiras.
Jantámos muito tarde, e logo em seguida cada um tratou de
se recolher, tomar as suas notas e deitar-se.
Aproveitando a boa vontade dos carregadores, conseguimos
partir no dia seguinte ás seis horas e meia da manhã, e ás dez
haviamos chegado ao Zamba, tendo feito um percurso de 12
kilometros.
Até aqui a vegetação é muito semelhante, e as queimadas
produzem os seus effeitos devastadores, que nesta epocha sSo
bem visíveis.
Logo que saimos das redes, apresentou-se-nos o Comman-
dante da divisão dos Moveis, um ambaquista de seus cincoenta
annos, asseado, de altura regular, grosso, bem parecido, vestido
de preto, sobrecasaca e chapéu de palha : bello typo de homem,
que nos ofiereceu o seu bom quartel, com um grande quarto
para hospedes, na supposiçSo de que quizessemos ahi pernoitar,
e um boi da sua manada para darmos de comer á nossa gente.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 159
£ra uma novidade grande^ para esta terra^ a nossa Expe-
dição, de que já se fallava nas vésperas, e por isso fomos logo
rodeados de muito povo.
A offerta do boi ainda mais despeii;ára a curiosidade, por-
que se ia conhecer da valia do atirador que o abatesse, míssSo
de que se encarregou Sertório de Aguiar, que logo ao primeiro
tiro, fazendo passar a bala por entre a manada, atirou com o
sentenciado por terra. Este, depois de ter rodado um pouco
para o lado e como quem sacode uma mosca que o magoa,
caiu esperneando, em meio da gritaria e palmas do popula-
cho; e assim Aguiar, não perdendo os bons créditos que dis-
fructava entre nós de bom atirador, tinha d'ora avante a sua
fama estabelecida.
Esfolar um boi, esquartejá-lo, e fraccioná-lo depois em ra-
ções é uma faina que acaba sempre ao bofetão, quando não
acaba em facadas; e se a primeira vez entretém, nas outras
enfastia, e nos excita contra tudo e contra todos que nos ro-
deiam.
A pratica foi-nos mostrando as providencias que tínhamos de
adoptar em taes occasiSes ; e o certo é, que por fim se faziam
todos esses serviços como se estivéssemos num açougue em
qualquer cidade civilisada, no maior silencio e ordem possí-
veis, sem contendas, recebendo cada um a ração que lhe era
destinada.
Esperemos por occasião mais opportuna para fazer a des-
cripção completa d'esses serviços, e quaes as providencias que
por ultimo se adoptaram para evitar contendas sempre desa-
gradáveis; pois é um bom aviso que damos aos que se acharem
em circumstancias análogas ás nossas, convencidos, como esta-
mos, de que, em qualquer ponto do continente, a contar da
costa, o preto rude perde a cabeça ao ver correr o sangue de
qualquer animal.
O que estávamos vendo dá a justa medida do estado de
atraso em que se acham estes povos.
Terminou aquella operação como de costume : uma porção
do interior do boi não se reparte ; os que trabalharam na sua
«.
160 EXPEDIÇÃO PORTCGUEZA AO MUATIÂNVUA
diyisSo deitam a mão a um grande pedaço^ e cada um pu-
xando para seu lado vae sendo arrastado pelo mais forte^ até
que caem todos sem querer largar a presa. EntSO; os mais
fatigados^ e já pisados^ vão desistindo a pouco e pouco^ des-
compondo os outroS; até que dois ou três que ficam^ servin-
do-se por fim das facas^ lá se retiram com o seu quinhão.
Nesta barulhada^ não se estranha que tomem parte um ou
outro morador das povoações^ e também os cães.
A Expedição encontrou neste logar uma secção com as nossas
cargas^ vindas de Cazengo para Fungo AndongO; a qual tam-
bém tomou parte na festa da carne.
A população aproveitou do festim; mandando os seus vendi-
lhões com fuba^ farinha^ cebollas^ e outros géneros que se per-
mutam por carne.
Emquanto se tirava uma photographia da localidade^ pre-
parava-se o nosso almoço, no qual tomou parte o Chefe da di-
visão.
A sombra da casa collocou-se a mesa, e d^ali estivemos dis-
fructando; na nossa frente, uma esplendida floresta, já descri-
pta por Welwitsch.
Bartholomeu Pedro Brandão, que está satisfeito com os seus
hospedes, come pouco, mas bebe-lhe bem; e diz-nos: «O vinho
é muito bom, e peço licença para o dar a provar ás minhas ra-
parigas»; e cada uma por seu turno vem molhar os beiços no
precioso liquido, que o nosso amigo lhes dá por conta.
Principia o homem a alegrar-se, e ahi começam os presen-
tes : agora gallinha, depois fubá, farinha, ovos, e, por ultimo,
quer que levemos um porco!
Isso não pode ser, lhe diz um de nós, não temos carregado-
res para tanta cousa !
Tudo se arranja, retorquiu; e elle ahi vae ás curvas, gri-
tando por fulana e sicrana para lhe trazerem dois rapazes, que
levem as cargas dos seus amigos a Pungo Andongo, e elles
apparecem.
Fomos então mais exigentes: comprámos alguma cousa do
que precisávamos, mas pagando o porco.
DESCRIPÇÍO DA VIAGEM
161
Isto dea logor a uma diecusa^o, em que elle, aos abraços, nos
queria provar que era muito uobbo amigo, e que uSo parecia
bem fazer negocio com pessoas grandes de Mueiie Puto; mas
cedeu, por fim, com a condição de nos acompanhar até ao
Lutete, A margem do qual queriamoa pernoitar, e assim fize-
mos alguns forneci men toe.
^\vt
;';'^''%;;3s_- ^^^^n.
Mandou apparelhar o seu boi, mas como a alegria já fúase
grande, e aa peruas fraquejassem, tudo eram pretextos para
passarmos a noite ali.
Ás três horas, cmfim, estava o homem convencido de que
nós éramos maia teimosos do que elle, e resolveu-se a montar o
boi. Os carregadores segnem e nós vamos para as rédea.
Rodeado dos seus, quer mostrar que ainda é agil e nSo está
em tal estado quo nSo pos^a montar o bm' ; mas, ao fazô-lo,
vae cair do outro lado, rolando^pelo cIi.1o.
162 EXPEDIÇSO POBTUGUEZA AO MUATllNVnA
Um de nósy que ficou atrás, fez coro com as suas mulheres
para que ficasse e fosse descansar um pouco, e elle cedeu abra*
çando-o, e lá ficou sobre um pequeno morro, agitando um len-
ço, e em grande gritaria, dando vivas á ExpediçSk). .
As seis horas haviamos percorrido 4 kilometros. Parámos junto
ao rio Lutete, onde depressa os carregadores improvisaram um
acampamento, e os contratados armaram as nossas barracas,
para onde fomos escrever as impressões do dia, aguardando o
jantar, para o qual todos tínhamos appetite.
Arranjam-se fogueiras como de costume. Os carregadores
com a barriga cheia estSo satisfeitos, e tratam de cantar e dan-
çar; e nós, com esta bulha infernal a que nos vamos acostu-
mando, adormecemos, lembrando-nos da bebedeira do nosso
Bartbolomeu e da sua boa gente.
Bartholomeu, chefe da divisão, é uma potencia aqui: tem
bastantes mulheres, boa manada, bellos porcos, cabras, galli-
nhãs, lavras bem tratadas, e além d'isto boas propinas pela
resoluçSo das questões dos povos que constituem a divisSo ! Que
mais quer elle?
Parece á primeira vista, que estas entidades, chefes ou com-
mandantes de divisão — auctoridades gratuitas do governo da
provincia espalhadas por todo este sertão — são o fiagello dos
povos e um estorvo ao desenvolvimento das localidades.
Impressionados pelo que se tem dito e escripto sobre taes
auctoridades, confessámos que vinhamos predispostos contra
ellas; porém, o que fomos vendo depois, mostrou-nos que essas
entidades, quando bem aproveitadas, sao um grande auxilio
á boa administração da provincia, como esperamos provar de-
pois da nossa rápida viagem por estes concelhos sertanejos.
Começava o mez de julho e começava bem. Logo ao rom-
per do dia, o maioral do povoado próximo traz-nos um cabrito
de presente, e pouco depois, um homem d^ahi pede providencias
contra um dos soldados que nos acompanha.
Eis a questão:
Um soldado na véspera á noite roubára-lhe uma rapariga
e trouxera-a amarrada para o acampamento.
descbipçao da vuqeh 163
Chamoa-se o soldado e o seu cabO; e todos os cabos de car-
regadores^ ao mesmo tempo que se deram ordens para a Expe-
dição amarrar cargas.
O soldado confessou que roubara a rapariga^ porque um tio
d'ella em Ambaca lhe devia 6^000 réis.
O homem que se diz pae pede justiça de Mendes Machado;
isto é : que o soldado lhe dê fazenda e dinheiro^ e leve a ra-
pariga.
O soldado diz: «Já estou privado do meu dinheiro; minha
irmã esta amigada com o irmSo do queixoso^ tio da rapariga;
fique elle com o dinheiro e minha irmS^ e eu levo a rapariga
para cozinhar a minha comida na viagem.»
A rapariga nSo quer ficar com o soldado, porque se nSo por-
tou bem com ella, deixando-a ficar amarrada toda a noite.
O soldado insiste que só a foi buscar para cozinheira.
ResoluçSo : A rapariga fica com seu pae.
O corneta toca a avançar; cada um se dirige para as suas
secçSesy e seguimoç.
Vamos subindo suavemente. Já aqui se nota outra qualidade
de terra; já a vegetação é mais forte^ e o capim mesmo é di-
verso.
Tinhamos andado 13 kilometros e começámos a atravessar
uma extensa mata, de que também falia Welwitsch, finda a
qual entrámos em Cazela, pouco depois das dez horas, sendo o
percurso, do Lutete até aqui, 16 kilometros.
Descansámos para alnioçar, e fizemos seguir o cabo da força
com a carta de recommendaçSo de M. Zagury ao gerente da
casa Lara & C, em Pungo Andongo.
Passava já do meio dia quando proseguimos a nossa jorna-
da, e pouco depois começávamos a descobrir os cabeços das
celebres e tSo afamadas pedras.
Com verdadeiro enthusiasmo iamos vendo apparecer esses
ennegrecidos monolithos naturaes, de que se falia com admira-
ção ha dois séculos.
Conhecíamos o que se tem escrlpto a respeito d'esta mara-
vilha da natureza, e já em tempo escrevêramos alguns ar-
J64
EXPEDIÇXO PORTUODEZA AO MUATIXnvcA
tigOB, mofltrando muito especialmente as vantagens de aqui
se estabelecer uma colónia europea; e mesmo, quando fomos
conaultadoa, na commÍBsSo da reorgnnisa^o do exercito do Ul-
tramar, preferimos esta localidade a Ambaca para se aquarte-
lar um batalhSo, baseando-nos nasínforaiaçScs que então ha-
viamoa colhido.
ChegámoB, cmfim, ao pó d' este monumento natural, ás trea
horas e um quarto da tarde do dia 1." de julho de 1884; tendo
feito de Ambaca até arjui, no rumo quaai aeinpre sul, um '
percurso de 6Í.1 kilometro8 — viagem que um bom escoteiro tem
feito em dia e meio. i
DESCRIPÇAO DA VIAGEM
CONCKI.HO DK PUNGO AKDONGO
NÓB, que noB sentira-
inoa impressionadus, at-
tcntnndoiios monumentos
de Lo anda, observando
as bdla^ margens do
Cuauza, descobrindo-nos
respeitosos em presença
das heróicas fortalezas
de Muxima e de Mau
sangauo, estudando o
uotavel movimento com-
mercial do Dondo, per-
correndo as plantaçcies de
Cazengo e atravessando
OB dcBcampados da lea-
(riioi. ■!• Eiprdiçio) daria Ambaca, nSo pu-
demos dominar a nossa confusão e o nosso assombro quando
noa acbámoB em prc8eo;;a das majestosas pedras de Fungo
ÃDdongo I
1 66 EXPEDIÇIO POBTUGUEZA AO MUATIInVUâ
Ey com franqueza o confessámos^ nSo nos sentíamos com
animo de caminhar avante sem as contemplarmos por largo
espaço.
Approximámo-nos depois para fazer uma idea da sua altu-
ra, e recuámos em seguida, como que receiando ficar esmaga-
dos por um d'esses penedos, que parece quebrado, e cuja parte
superior se mantém em equilibrio, ameaçando despenhar-se !
Afastámo-nos ainda para mais longe a fim de melhor abran-
ger com a vista esses monstros de formas diversas, ligados
até meia altura a constituirem uma muralha ondulada, termi-
nando superiormente em figuras phantasticas mais ou menos
arredondadas, mais ou menos agudas, que se destacam em in-
tervallos como ameias de antigas fortalezas. E assim se esten-
dem por kilometros para noroeste estes penedos, interrompeu-
do-se a sua continuidade para depois nos apparecerem de
distancia em distancia, como se fossem as cristas da mesma
muralha que affloram á superficie e que diminuem de altura
até desapparecerem no terreno que vae subindo.
Como isto é soberbo!
Quizeramos, antes de penetrar nas entranhas d'esta enorme
estructura, que a natureza se encarregou de levantar para des-
afiar a audácia do poder humano, e onde os Portuguezes foram
esconder as suas habitações, avaliar-lhe as diversas alturas,
conhecer- lhe o aspecto e attentar na côr que a reveste, que só
de per si reptesenta um phenomeno interessante.
E, na verdade, como são grandiosos estes problemas da na-
tureza, que se revelam ao homem investigador!
E quem dirá que a côr negra doestes penedos é devida a uma
simples alga do género Sdtonema, a qual não só imprime
caracter a esta região pedragosa, mas também, o que não é
menos interessante, serve para proteger toda a vegetação contra
os raios do rei dos trópicos — o dominador implacável de todas
estas terras!
Apresentaram-se essas pedras como uma maravilha geológica
e como uma curiosidade botânica, e em verdade tudo aqui para
nós é admirável, surprehendente !
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 167
E que de recordações históricas^ politicas, coloniaes nos iam
acudindo á mente, memorando-nos da conquista doestas pedras
e dos heróicos feitos dos Portuguezes em toda esta vastíssima
provincial
Mas o território das Pedras Negras não era o objectivo da
nossa viagem, e por isso, assim pensando, naturalmente iamos
penetrando nos dominios d'aquelles soberbos gigantes da natu-
reza, seguindo por vezes em estreita vereda que dá acesso á
povoação.
Chegámos, emfím, eram quatro horas da tarde, a este exce-
pcional logar habitado, onde já nos estava esperando o sympa-
thíco negociante Philippe da Silva Leonor, cavalheiro que nos
captivou pelas suas maneiras distinctas e modos insinuantes.
Havendo embarcado muito novo para o Brasil, percorreu o
Amazonas e o Pará, de onde veiu para esta província, fixando
ultimamente aqui a sua residência como negociante e sócio da
acreditada firma Lara & C*
Recebeu-nos com verdadeira aflPabilidade, e tinha-nos prepa-
rado um bom aposento.
Tratámos de aproveitar o pouco que tínhamos da claridade
do dia, pois bem sabíamos que das pedras a dentro anoitecia
muito mais cedo.
E este, por certo, um phenomeno de fácil explicação ; mas
que influencia podo elle ter nos habitantes e na vegetação, se
inquestionavelmente recebem uma somma de luz e de calor
muito menor do que se estivessem a horizonte descoberto?
São questões de pequena monta á primeira vista, mas não o
podem ser quando se deseja conhecer a influencia de uma lo-
calidade na vida dos seus habitantes.
E a nós, que haviamos recommendado as terras de Pungo
Andongo como logar adequado para uma colónia europea, cum-
pria-nos reconhecer a verdade do que haviamos affirmado, em-
bora para isso tivéssemos pouco tempo de que dispor; e, por-
tanto, tratámos logo do que era indispensável providenciar com
respeito á Expedição, para nos dedicarmos depois com mais
cuidado ás nossas investigações.
lè8 fiXPEDIçXo POBfUOtTEZA ÀO HUÀTIInVUA
No grande quintal da casa que o gerente poz á nossa dispo-
sição fizeram-se acampar os carregadores, arrumando-se as
caibas num armazém, e armando-se uma das nossas barracas
de lona para os doentes, que, por infelicidade, já havia, cer-
tamente em razão das fatigantes marchas que ultimamente fi-
zéramos, por termos ainda de nos demorar em Malanje e ir já
muito adeantada a quadra do melhor tempo para nos inter-
narmos.
Da parte de fora do quintal armou-se outra barraca para as
doze praças, que davam uma sentinella para as cargas, ao mes-
mo tempo que vigiavam pela ordem entre os nossos carrega^
dores, pois que estavam aqui comitivas de diversas prove-
niências ao serviço da casa.
A bandeira da Expedição foi arvorada junto da barraca dos
soldados, porque os nossos desejaram sempre destacar-se das ou-
tras comitivas particulares com que se encontram; e é certo
que a bandeira portugueza os anima e infunde respeito.
Fomos, em seguida, procurar o chefe para sabermos se tinha
já feito acquisiçâo dos bois de monta, como lhe fora recommen-
dado pelo Governador geral da provincia. O chefe, que não
passava de ser um bom homem, e desejava viver sem incom-
modos, disse-nos que era cousa difficil o alcançarem-se de
prompto oito bois em boas condições, e que por isso nos espe-
rava para nós os escolhermos.
Voltámos a Philippe Leonor, que se encarregou de os apre-
sentar no outro dia de manhã, aifiançando-nos que já podíamos
dispor de três.
Despediram-se os carregadores que terminaram os seus con-
tractos, e aproveitou-se o retomo de oito para Malanje, que fica-
ram logo a nosso serviço e se encarregaram de obter mais, de-
vendo os contractos de todos ser feitos no dia seguinte.
Nestes serviços se passou o resto da tarde, até nos chamarem
para o jantar.
Vieram procurar-nos algumas pessoas da localidade as quaes
o dono da casa, com a boa vontade de se nos ser agradável,
convidara para nos fazerem companhia.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 169
GeDeralisou-se a conversaçSO; e largamente se apreciou a
importância doesta região^ e se fallou da sua opulência passada
e sua presente decadência.
Tratando-se da opulência, já se vê que falíamos do coronel
Manuel António Pires, cujas filhas e netas nós conhecemos.
Recordáram-nos o^modo principesco como elle em sua casa rece-
bera Livingstone, que também no seu livro lhe consagra pa-
lavras de muito louvor.
O coronel, como se sabe, era negociante; dispunha de grande
força de gente armada e havia-se tomado o sustentáculo do
prestigio portuguez por estes sertSes mais próximos.
As suas comitivas de negocio, passando através dos Libelos,
iam até o Bié e regiões ao norte, alargando cada vez mais a
fama do seu nome. Na verdade, chegou a possuir riquezas fa-
bulosas. Tinha boas propriedades agrícolas, boas manadas de
gado, e offerecia aos seus hospedes pSo fabricado com o trigo
que colhia das suas fazendas, e excellentes queijos, a que Li-
vingstone se refere como verdadeiro apreciador.
As hortaliças mais perfeitas, e as carnes mais saborosas, que
não eram excedidas pelas melhores da Europa, os fiructos mais
finos, mais mimosos e mais delicados, e os doces que d'elles
mandava fabricar, constituiam as refeiç3es doesse homem tSo
singular, como as pedras a cuja sombra se acolhera.
Das hortaliças, carnes, fimctas e doces, tivemos occasiSo de
provar magnificos exemplares.
Na sua residência, nesta villa, viam-se mobilias luxuosas
mandadas vir da metrópole; os tectos e paredes dos quartos
eram primorosamente pintados por artistas de mais subido mé-
rito, que para tal fim mandou chamar.
Era extraordinária, na verdade, esta narração, e tem tanto
mais de real, quanto é confirmada com sinceridade pelo celebre
Livingstone.
Como o coronel, lembra-nos Rodrigues Graça, nas suas pro-
priedades do Golungo Alto, e mais tarde o mallbgrado Borges;
e ainda em Moçambique e em S. Thomé, ha memoria de outros
Portuguezes que deixaram nome pela opulência em que vive-
170 EXPEDIÇlO POBTUGUEZA AO MUATIIkVUA
ram^ oa pelos vestígios que ainda d^ella se vêem nas proprie-
dades que administraram.
SSo importantes^ é certo; os factos que apontámos, e nSo
menos notáveis, annos antes, os que se contam de Fortunato de
Mello.
Advogara este com enthusiasmo a idea de' aqui se. estabele-
cer uma colónia europea; e seu pae, medico e naturalista dis-
tincto, diz-nos Lopes de Lima, havia escolhido esta regiSo de
preferencia a todas as outras para aqui passar os últimos dias
da sua vida.
Tudo isto, porém, não foi sufficiente para salvar esta loca-
lidade do abatimento em que hoje a encontrámos, e de que
nos é fácil dar a explicação.
Como quasi sempre succede, e ainda hoje, a respeito dos mais
vivos assumptos coloniaes, procede-se por informações menos
auctorísadas, e assim vimos que as pedras de Fungo Andongo
foram consideradas como insalubres e tSo más, certamente por
causa da côr negra por que são conhecidas, que foi este por
muitos annos o logar escolhido para onde se enviavam degre-
dados os facínoras mais perigosos!
Também para aqui veiu desterrado o preso politico José de
Seabra da Silva, que fôra ministro, e a quem por commiseraç&o
sustentara um dos ascendentes do indígena Polycarpo de Beça
Teixeira, cujo retrato apresentamos.
Prolongou-se a conversa até alta noite, e bem profunda foi
a in^pressão que ella nos deixou.
Os tempos áureos de Pungo Andongo tiveram, como os de
Ambaca, uma causa exterior, a qual foi o largo commercio de
marfim, escravos, borracha e cera, e com o seu desappareci-
mento foram-se todas as riquezas. O tempo encarregou-se de
apagar tudo o que era obra dos homens, e que elles não sou-
beram tornar duradouro.
Logo de madrugada puzcmo-nos a caminho para o logar da
habitação de José de Seabra da Silva, e já não a encontrámos.
No sitio em que essa casa existiu, quasi no fim da rua princi-
pal da villa, ao lado esquerdo, foi construida uma outra mais
> . V
DESCBIPÇXO DA VIAGEM 171
pequena; onde a Expedição se alojou no regresso, devendo
esse £Etvor ao negociante A. Coimbra; no seu quintal ainda
vimos restos das ruinas da antiga casa.
E o que restava da habitação principal do coronel Pires?
Que influencia tiveram estes homens nos habitantes?
Custa a attentar no poder nivelador que impera nestas ter-
ras; pois tudo desappareeeu sem haver reliquias á vista das
quaes se preste homenagem aos que maíe se distinguiram!
Mas, o que não podemos deixar de reconhecer é a singular
disposição das habitações e hortas que vemos nos recôncavos
doestas muralhas, de um e outro lado, fazendo-noa esquecer
o seu ligamento que nos serve de piso.
Os moradores internados neste profundo covão, aproveita-
ram 08 espaços entre as saliências doestas moles gigantes, e ahi
fizeram as moradias com os recursos materiaes da localidade,
sem ordem ou alinhamento.
A maior parte doestas edificações teem terrenos annexos,
onde se vêem laranjeiras e bananeiras, sempre regadas pelas
linhas de agua que saem da penedia e descem de alturas
diversas, sendo depois convenientemente dirigidas para as
regas d^outros pomares, hortas e jardins.
A população não tem augmentado e a raça branca não tem
tido aqui a devida propagação ; e diz-se que são firequentes o
escorbuto, as pneumonias e doenças dos órgãos respiratórios,
e ainda outras, provenientes da suppressão da transpiração.
Attribuem-se algumas doenças ao uso da carne de gado suino
e á qualidade das aguas, que não obstante, são das mais lím-
pidas e frescas.
Será de facto a população victima d'essas causas?
E urgente que os médicos façam estudos a tal respeito, por
ser este um dos assumptos que mais interessa á sciencia.
A par da influencia da localidade nos habitantes, levantam-se
outras questões não menos dignas de estudo.
Tinhamos lido o que a respeito doestas pedras escreveram
Livingstone, os beneméritos exploradores Capello e Ivens, e,
antes doestes, Welwitsch.
172 EZFEDIÇZO POBTtIQDEZA AO MUATiXnVCA
Ãb pedras apresentam-se realmente em tórma de maralha,
tendo kilometros de extensSo, e com salienciaB e reintranciaa
mais ou menoB agudas ou arredondadas, o que para o geólogo
nâo pôde ser indifferente.
As formas, como bem se vê nas gravuras qne apresenta-
mos, sito em geral, tSo variadas quanto ptiantasticos ; erguem-ae
umas pedras a m^s de 60 metros, e encastellam-se outras, lem-
brando um enorme castello medieval, ou, antes, esses monu-
mentos gigantescos do Egypto, que nos asBorabrara sendo obras
dos homens, como estas nos deixara estupefactos sendo obra
da natureza.
Destas pedras nos diz Livingstone ' : tCea rochers sont for-
mes d'un conglomerai de fragments arrondls de nature diverso,
renfermés dans une matríce de grés d'un rouge sombre, et
1 ExphralioTU daTit 1'intíriair de fA/rique auttrale, 1840-1856, pag.
463, tiad. Loreau.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 173
reposent sur une couche puissante de grés semblable, ou sont
contenusy en três petite quantité, quelques-nns des galets, qui
entrent dans la composition des colonnes
cLes {ragments dont le conglomérat de ces piliers est fbrmé
sont des morceaux de gneiss; de scbiste argileux, de mica et
de grés schisteux, de trapp et de porphjre, dont la plupart
sont assez gros pour faire supposer que ces rochers sont les
demiers vestiges de banes enormes de galets primitifs.i
Sobre este mesmo ponto escreveram os nossos exploradores
Brito Capello e Roberto Ivens*, o seguinte:
cDa analyse que fizemos, concluimos que sSo as penedias de
Pungo Andongo exclusivamente constituídas por um conglome-
rado duro e resistente, em que figuram schistos argillosos, de
envolta com o gneiss, porpbyro, alguma mica e a alludida es-
pécie de basalto, para o qual, porém, deve haver toda a reserva,
pela duvida em que estamos, t
E como se formariam estas penedias?
A este respeito escreve Livingstone*:
iLes piliers gigantesques de Pungo Andongo, doivent avoir
été formos par un courant maritime venant du sud-sud-est; il
est facile de voir, en les considérant d'un point élevé, qu^ils
suivent cette direction, et leur origine remonte à Tâge ob les
rapports de TOcéan et de la terre différaient complètement de
ce qu'ils sont aujourdlmi, bien avant Tépoque ou le globe ter-
restre fut prêt à devenir la demeure de Thommci
A idéa de uma corrente oceânica, vinda do sul e formando
estes pilares, nito foi acceita pelos nossos exploradores, que
explicam doeste modo o phenomeno:
c A primeira idéa suscitada a quem faz a ascençSo de qualquer
dos penedos (porquanto quasi todos sâo accessiveis), e que, re-
conhecendo a sua disposição, tenta explicar, pela existência em
* Dt Benguella áa Terras de lacca, vol. ir, pag. 190.
* Op. cit.j pag. 463.
174 EXPEDIÇÃO POBTUGUEZA AO mJATIÂNVUA
todo O conglomerado de calhaus perfeitamente roliços^ a aoçSo
indubitável da agua, é que outrora o leito do rio Cuanasa des-
lisava pelas pedras, e um effeito vulcânico, elevando-as, desli-
sou o curso do mesmo rio umas poucas de milhas para o sul. ^»
Parece-nos mais consoante aos &ctos observados a explicação
de Livingstone. do que a dos nossos exploradores Capello
e Ivens.
A lucta do Oceano com o continente, mais poderosa e mais
accentuada outr'ora, poderia suggerir aquella explicação na-
tural quando se attenta, mesmo em nossos dias, nos phenome-
nos de levantamento e abaixamento da costa marítima.
Refere-se Livingstone a um facto que relembrámos pelas
suas mesmas palavras. Sáo as seguintes:
cOn nous a fait voir sur Tun de ces rochers Tempreinte d'un
pied, qui passe pour être d*une reine célebre dont tout le pays
reconnaissait Tautorité*.
Os nossos^ exploradores, porém, faliam da existência: cDe
pegadas humanas á mistura com as de quadrúpedes, certa-
mente câo, que existem, que nós as vimos e as desenhámos
por serem authenticas.t^
Também vimos essa pegada muito visivel e a respeito da
qual 08 habitantes se chegam a convencer seja artificial. EUa
aprescnta-se de forma que pareceria, se fosse autentica, ter
havido um escorregamento de quem descesse; porém, é só de
um pé, e nem para a frente nem para trás ha outros vestígios.
O nosso amigo Francisco Salles Ferreira, na sua visita de
inspecçâlo das contribuições aos concelhos, como neste tivesse
de demorar-se, conseguiu obter um molde d'esta pegada, e
promette apresentá-lo num interessante trabalho que tenciona
publicar sobre a provincia, e fazer sobre elle algumas consi-
derações.
1 De Bcnguella às Terras de lacca^ vol. ii, pag. 196.
* Explorations dans Viniéritur de V Afrique australe, pag. 464.
3 De BengueUa ás Tertas de lacca, vol. ii, pag. 191.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 175
Julgámos^ pela nossa parte^ que a linha de Cachoeiras que
se estende quasi parallela á costa atlântica, levantando-se os
terrenos d'essa linha até aos planaltos centraes, e havendo nou-
tros legares pedras assim postas a descoberto, como as do Congo
e de Encoje para norte, está demonstrando que as correntes
oceânicas chegavam não longe doeste limite, cobrindo toda a
zona baixa da costa occidental da Africa, que é de formação re-
lativamente moderna.
As aguas diluviaes, que nessas epochas cairam e abriram val-
les, reduziram as alturas de montes e escavaram estes terre-
nos, deixando as pedras a descoberto, e enchendo de detritos
de toda a espécie, os terrenos que o mar ia deixando livres.
E bem sabido que as coordenadas geographicas são os pri-
meiros factores que servem á determinação de um clima. As
doeste já ha muito se acham calculadas, e são as seguintes:
Latitude 9« 42' 14" sul.
Longitude 15® e 30', E. Greenwich.
Altitude, 1071 metros.
É, pois, evidente que o território de Pungo Andongo está
muito mais próximo da linha equinoccial do que dos trópicos, e,
por isso mesmo, a sua posição não é das melhores, dando-se
além d'isto a circumstancia da sua baixa altitude, em relação
ás exigências dos modificadores do clima.
Nem a latitude nem a altitude são, pois, favoráveis a esta
região; mas a disposição do terreno, só de per si, neste caso,
tem grande influencia, e dá ao clima caracter mais benigno do
que o de outras localidades sob o mesmo parallelo.
O sol, passando aqui duas vezes no zenith, faz também com
que o calor domine ; e é grande, por certo, a correcção da tem-
peratura dada pela disposição que offerecem as pedras.
Mas qual será a influencia de simiHiante localidade, especial-
mente na acelimataçao da raça branca?
Apresentou-se-nos um caso. que a todos impressionou, e não
se sabe como explicá-lo!
E o de uma lindíssima creança de sete annos, em segunda
geração. De pelle finissima e de uma grande alvura, olhos gran-
176 EXPEDIÇXO POBTUGUEZA AO KDATIInVUA
des, cabellos louros, caindo-lhe em graciosos anneis sobre as
costas, bdca pequena e beiços rosados; era o enlevo dos pães.
Tinha, porém, um defeito, e grave, que causava pena en-
contrar em rosto tfto formoso — os dentes eram completamente
podres!
£8te mesmo phenomeno se dava numa sua irm2 mais pe-
quena, e que com ella muito se parecia.
Estas duas creanças são netas do velho Tavira, que ha mui-
tos annos aqui se estabeleceu, tendo sido primeiramente capi-
tão de navios mercantes.
SSo filhas estas creanças de uma filha d'elle e de um seu
sobrinho — rapaz activo e que seu tio chamou para a direcçSo
da sua bella propriedade agrícola, situada a uns 6 kilometros
fora da villa.
Também conhecemos os netos do coronel Pires, de que Li-
vingstone nos falia com tanto enthusiasmo. E estes, filhos de
sua filha e de um europeu, nasceram em Malanje e também
Boffrem do mesmo mal, sendo a mãe natufal de Pungo Ân-
dongo.
Poderiamos suppor o mal hereditário, se não soubéssemos
que no Peru e n^outros paizes se dSo factos análogos.
Deve attribuir-se esta doença, aqui, ás aguas, aos alimentos
ou antes ao clima?
E o que cumpre averiguar.
Causava-nos enthusiasmo fallar com os habitantes e recordar
factos históricos, que tanto ennobreceram os nossos maiores.
Foi o invicto capitão Luiz António de Sequeira que, em
1671, conquistara esta maravilha para a coroa de Portugal ao
atrevido D. João, ultimo rei dos Dongos.
Eram arrojados e persistentes os portuguezes, que abne-
gando de tudo que individualmente lhes era caro, se expunham
aos maiores perigos, somente estimulados pelo amor e engran-
decimento da sua pátria!
Bebellára-se aquelle vassallo ingrato contra a soberania de
F^ortugal, que por vezes libertara o seu reino do jugo dos Jingas,
animado pela derrota que as nossas forçius haviam sofirido
DESCRIPÇXO DA VUGEM 177
contra o Sonho, sabe Deus 86 pela imprudência de se não atten-
derem os conselhos do leal e dedicado Calandula, de que já £eJ-
lámos.
Custa a crer que Luiz António de Sequeira e os seus compa-
nheirosy durante onze mezes; tivessem a constância de se
sustentarem entrincheirados defronte d'este grandioso blocaus
natural e que se suppunha inconquistavel; esperando a oppor-
tunidade de lhe dar assalto.
Em diversos pontos, arcando com as difficuldades das aspe-
rezas das rochas e falta de rampas accessiveis^ elles trepam^
debaixo da resistência de um inimigo forte, aos cumes d'essa
penedia, de onde o desalojam e perseguem. É tal o terror que
d'elle se apossa pela bravura dos nossos, que muitos se des-
penham de differentes alturas perecendo assim muitos d^elles.
Pagaram bem cara a ousadia de irem atacar os nossos nos
entrincheiramentos I
E com actos de tal heroicidade occorre-nos o triste fim que
teve esse valoroso capitão I Alguns annos depois, é ainda um
traidor doesse povo dos Háris que, combatendo a seu lado contra
as hordes aguerridas de D. Francisco, successor da Jinga, apro-
veitando-se da desordem e confusão da nossa victoría, cobarde
e traiçoeiramente o mata á queima roupa!
AquoUe Portuguez, que foi o terror de todos estes sertSes,
morreu vencendo, como muito bem disse um dos nossos histo-
riadores modernos t
A conquista das Pedras Negras representa, pois, um dos mais
^andiosos feitos que os nossos praticaram por estas terras; e
é preciso que se divulguem bem todos os factos que ennobre-
cem o nome portuguez em Africa, visto que a Europa é tão
injusta para comnosco, e tenta absorver por tantos modos as
nossas melhores conquistas ! ^
Luiz António de Sequeira bem mereceu da pátria que tanto
honrou ; e o melhor monumento para coroar os seus feitos, con-
quistou-o elle. A nós cumpre saber aproveitá-lo para gloria di^
nação, arroteando devidamente as terras a que está vinculado
o seu nome!
u
178 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO HUATllNynA
E esta a homenagem que desejáramos se prestasse aos he-
roes que tanto se sacrificaram, e alguns dos quaes quasi s2o
desconhecidos dos Portuguezes 1
Noutro tempoy pela sua bella situaçSo, affluia aqui o com-
mercio de Jinga e Cassanjc; vindo do interior; do libolO; de
todo o sertSo bailundo e ainda do Bié ; hoje, porém, restringe-se
ao de leste, transportado por B&ngalas e Calandulas, e a muito
pouco da outra margem do Cuanza, e por este motivo muitas
das casas commerciaes, que aqui floresceram, já retiraram, e
mais algumas pensam em fazer o mesmo.
Benguela attrahiu a si todo o conmiercio mais a sul; Ma-
lanje e Dondo o que passa por Cassanje e Songo. Hoje Pungo
Andongo é apenas um ponto de passagem de comitivas.
O gentio, sempre desconfiado de que o enganam, embora afre-
guezado numa casa, em sabendo que noutro logar lhe dão mais
alguma cousa pelo seu género, ainda que seja uma gratificação,
sem olhar a distancias, vae lá com as suas cargas.
E sabido que o commercio no Dondo está menos onerado
que o de Pungo Andongo, e, portanto, pôde offerecer mais van-
tagens ao gentio. E preciso que se dê certo numero de cir-
cumstancias para haver compensações, e poder o negociante em
Pungo Andongo competir com o do Dondo. Ora essas circum-
stancias dâo-se com as casas filiaes, e são estas que fazem con-
corrência.
Aos gentios não passa este jogo indifferente e tratam tam-
bém de fazer o seu, de que se aiTcpendem muitas vezes, por-
que teem vendido o género por mais baixo preço do que lhes¥
fora offerecido anteriormente.
Reconheceu o nosso commercio não haver grandes vanta-
gens em ter espalhadas casas filiaes, e deu preferencia aos
aviados; limitando-se, pois, o seu numero em Pungo Andongo.
Todos estes factos, sendo o primordial o augmento de casas
commerciaes em Malanje, motivaram a decadência commercial, e
atrás d'ella a ruina de muitos prédios urbanos, e o desappa-
recimento de todos os vestigios d^essa opulência de que só os
homens antigos se recordam.
f
DESCRIPÇSO DA VIAGEM 179
Todo O commercio por estes territórios se tem feito sempre
ao acaso ; e a povoação era mais uma guarda avançada para
uma exploração do commercio exterior, do que uma localidade
em que se fixasse a população^ para constituir mna sociedade
regular.
Bastariam estes factos para se explicar toda a insciencia com
que aqui se fazia o commercio.
E que poderemos dizer das explorações agrícola, industrial
c mineral?
Como os europeus, arrastados pela idéa do commercio indi-
gena, não pensavam senão em lhe ir ao encontro, esqueciam
tudo que a terra IIkís podia offerecer como fonte de riqueza
publica; a sua passagem não era assignalada, em geral, por
serviço algum feito á localidade, e a sua retirada significava o
aniquilamento completo.
Houve, é verdade, os ensaios agrícolas de Fortimato de
Mello e do coronel Manuel António Pires, e estes deram al-
guns resultados benéficos á população indigena que por aqui
se encontra, mas que está mui limitada pelas emigrações, por
já não poder satisfazer ás necessidades que creou. E esta bella
região será um ponto morto, se lhe não acudirem com as pro-
videncias mais urgentemente reclamadas.
Tenta-se a plantação da canna saccharina já com algumas
vantagens, e parece que a agricultura se ensaia pela prímeira
vez! Acuda-se, pois, a esta região com todas as providencias
que possam aproveitar a estes pequenos núcleos de cultura.
Não oflferece duvida que estas terras são m&gnifícas para
diversas culturas europeas e para as que são próprias do clima,
e nellas também se dao bem, melhor que em toda a região
que percorremos, os bons pastos, e o gado aqui desenvolve-se
e vive bem.
E assim deve de succeder attenta a boa qualidade do capim
que é differente d'aquelle que havíamos encontrado antes do
Lutete, ainda na região de Ambaca. Aqui sim, dissemos nós,
aqui por certo que o gado bovino encontrará muito melhor
sustento, o que deve ser de grande vantagem para os colonos
180 EXPEDIÇZO POBTDOUEZÁ AO MUÁTIÂNynA
que procurem esta regiSo para se estabelecerem permanente-
mente^ e queiram entregar-se a trabalhos agrícolas e á valiosa
industria da creaçSo e engorda do gado^ que estabelecida a
linha férrea^ encontraria por certo fácil saida para o melhor
mercado do littoral.
Também é certo que o europeU| sejam quaes forem as cir-
cumstancias que se dêem, resiste ás influencias do clima, e pro-
paga pelo menos até á terceira geraçSo.
Devemos acreditar que o caminho de ferro de penetraçSo,
de Loanda, mais mez menos mez; ha de atravessar esta regiSo
para Malanje. E; portanto, occasiSo de pensarmos seriamente
em aproveitar os recursos com que a natureza dotou esta loca-
lidade, e a £Eicilidade de transportes que os poderes públicos
lhe proporcionam.
A iniciativa particular é por emquanto muito restricta no
nosso paiz, e por isso aos poderes públicos ainda solicitámos
mais um sacrificio, de que ao cabo de certo tempo resultarXo
vantagens importantes, principalmente no desenvolvimento da
agricultura^ e do commercio com a metrópole; porque este pe-
queno mercado, que hoje aqui existe, tomará grandes proporçSes
e terá uma outra ordem de necessidades.
Uma colónia penitenciaria e um batalbSo agricola podem ser-
vir ao Governo, não para ensaio, porque este está feito de ha
muito, mas para despertar a attençSo e estimular a iniciativa
particular.
Mas que uma e outro se estabeleçam devidamente, proce-
dendo-se aos trabalhos preparatórios indispensáveis, sob a di-
recção de individues competentes, cujos planos deverão ser
apreciados na metrópole, depois de ouvidas as auctoridades
sobre o assumpto.
Convençamo-nos. A nossa província de Angola ha de pros-
perar quando os seus produetos poderem entrar, em concor-
rência, nos mercados europeus, com os similares de outras pro-
veniências.
É tal o interesse que tomamos por esta região, sobre a
qual já publicámos pela imprensa periódica alguns estudos.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 181
que nos iamos esquecendo de que estayamos em yespera de
partída; mas sejam também estas nossas resumidas conside-
raçSes tomadas como tributo de reconhecimento a todas as
pessoas que em Pungo Ândongo nos prestaram informaçSes,
e mais ou menos manifestaram sjmpathia pelos bons resul-
tados da nossa missSlo.
Fizemos varias experiências para carregar os bois ; a von-
tade era grande, porém o trabalho baldado, apesar dos diversos
modos como pretendemos segurar as cargas. Se conseguiamos
o nosso intento com alguns bois, lá iam elles de encontro a
uma arvore, ou esquina de alguma casa, e a carga logo caia
por terra; outros entravam pela primeira porta aberta, e fa-
ziam dentro das casas grandes distúrbios, arrastando as cargas
até as largar.
Com o tempo e com um ensino persistente seria possivel
conseguir alguma cousa, mas em caminhos estreitos ; agora nSo
era possivel. Não havia, pois, outro remédio senSo contratar
mais carregadores, porque, além das faltas que já tinhamoS;
eram precisos mais alguns para o transporte dos fornecimentos^
que aqui fizemos, de pólvora, armas e lençaria grande^ por nos
terem avisado de que a expedição allemã comprara todos os
artigos d'esta qualidade que existiam em Malanje. Os carre-
gadores fomeceram-se de camisas e bonés de velludilho.
Como a Expedição partisse no dia seguinte e Sertório de
Aguiar estivesse preparado para tirar algumas vistas photogra-
phicas, aproveitou-se a ocoasiSo para photographar em grupo
a Expedição, em frente da casa onde estivemos hospedados^
obtcndo-se assim a gravura que apresentamos.
Não obstante haver ainda Êdta de alguns carregadores, deu-se
ordem para a expedição partir na madrugada seguinte, divi-
dida em secções ; e todo o dia se levou no preparativo de car-
gas, trabalhos sempre fastidiosos por causa dos pesos, distri-
buição de rações para a viagem, etc.
Para o serviço dos nove bois de monta nomeou-se um dos
contratados em Loanda acostumado a elle ; porém até Malanje
nenhum de nós quiz ir montado.
182
EXPEDIÇÃO PORTOOtlEZA AO HDATIÂNVDA
À pedido de Fhilippe Leonor, e como não podesBemoB ir d'aqui
pernoitar a Calundo, âcámoa ainda em sua casa, e oa carre-
gadores marcharam durante o dia por BecçSes e foram per-
noitar a Cacolo, para seguirem de madrugada para ali.
Foi assim melhor, porque tudo se fez com mais descanso, e
tivemos o prazer de mais uma vez jantarmos na companhia
de hons amigos.
descripçjÍo da tiageu
VIAGEM DE PUNGO ANDONGO PARA MALANJE
udo estava prompto para
partir ás sete horas e meia do
dia 4, e emquanto esperamos
por alguns amigos que querem
acompanliar-uos, teimam trea
doa coatractados de Loanda,
já alegretes pelo mata-bicho,
em carregar os bois; teimosia
quo dá ensejo a bons trambo-
IbSea e correspondente galhofa,
e a fazerem-se arrecadar as
cargas para, na primeira occa-
siSo,'nos serem enviadas.
Seguimos até ao lim da yilla, acompanhados pelas pes-
soas da localidade a quem já agradecemos essa attenção; e
ás dez horas e meia estávamos fóra das Pedras, e á uma
e meia chegámos a Cacolo, onde almoçámos.
Fóra do recinto da villa deixámos já, numa baixa, uma po-
voação indígena com bastantes palhoças. O terreno desce sua-
vemente d'ahi para o Lutete, affluente do Cuanza; para sueste
ficavam as pedras chamadas Jingas.
184 EXPEDIÇXO PORTUQUEZA AO MDATIÍNVUA
Alegra-nos a viagem pelo grande horizonte que descobrímoSi
parecendo-nos ter saido de uma prisão, e a nossa yontade é
andar e ver, mas ver longe ; e de quando em quando deitámos
um olhar fiirtivo para essa penedia, que vao desapparecendo,
e se nos afígnora afirora muito mais sombria.
Em Cari,^ povoação que passámos, apresentou-se-nos um
homem com um bilhete e um boi-cavallo. O bilhete era de um
dos nossos soldados que nos mandava mostrar aquelle boi para
o comprarmos, como cousa muito boa, por sete libras ! Isto deu
occasião a uma conversa, de que resultou comprarmo-lo por
lôjSOOO réis.
Apresentaram-nos outro boi-cavallo pouco depois, mas ar-
reado, que também foi comprado pelo mesmo preço; lembran-
do-nos então o conselho do Governadora provinda, de que
era preferível este meio de transporte a outro qualquer, por-
que^ em cásoi^ eittremos, nos proporcionava alimentação para
alguns dias.
Ainda depois apresentaram-nos mais, talvez uns seis ; e cus-
ta-nos a crer que os allemães que mandaram escoteiros a Am-
baca procurando até quarenta bois, se não lembrassem de os
mandar aqui!
Òccorreu-nos também o que nos dissera o pachorrento chefe
de divisão em Pungo Andongo que haveria alguma difficuldade
em arranjal-os!
As quatro horas seguimos para o Lutete, a cuja margem
foníos acampar, admirando-nos da volta que este rio dá, sendo
já a segunda vez que dormimos próximo d'elle e nos servimos
da sua agua.
Effectivamente, não nos enganaram com as informações
acerca das distancias: são 15 kilometros das pedras a Cacolo,
fe 10 de Cacolo até aqui.
A nossa refeição teve de ser muito parca; mas o peor de
iudó foi que tivemos de passar a noite nas redes, sobre o
capim, porque as camas ficaram para trás, certamente porque
os carregadores vinham entretidos com os outros que beberam
de mais.
DESCRIPÇSO DA VIAGEM 185
Ab secções que tinham partido de yespera estavam á nossa
espera em Calundo ; mas era já tarde para ali irmos, e ao me-
nos aqui tínhamos a casa da patrulha para abrigo.
Logo de madrugada estávamos de volta com os nossos carre-
gadores para seguirmos viagem, e depois de 10 kilometros de
marcha chegámos a Calundo, de onde queríamos fsLzer seguir
comnosco as secçSes que já ali estavam acampadas ; porém, o
negociante Moreira, gerente naquella localidade da casa Oli-
veira & IrmSos de Loanda, teve a amabilidade de vir ao nosso
encontro a dizer-nos que o almoço estava na mesa á nossa
espera.
Fizeram-se seguir as cargas para Matete. Contractaram-se
mais uns oito carregadores, que ahi estavam devoluto que
eram de Malanje, e mandaram-se a Pungo Ândongo para nos
trazerem as cargas que lá haviam ficado, e ao mesmo tempo
dizer aos carregadores retardados no caminho que avançassem
a encontrar-nos.
Paulino, o encarregado dos bois-cavallos, lembrou que havia
conveniência em serem estes montados tomando-se assim mais
fácil a marcha. Era razoável o conselho, e, por isso, elle e
os soldados lá os montaram e acompanharam as cargas.
O inesperado almoço vinha de molde, porque nos permittia
ter menos demora em Calundo, pois os nossos desejos eram
vencer a distancia que nos separava de Andala Samba; além
d'is80, Moreira, que tem fama de ser um bom negociante do
sertão, porque sabe viver com o indigena, prestar-nos-hia •
valiosos esclarecimentos.
Notámos á sua mesa, como já o havíamos feito em Pungo
Andongo, que as louças e talheres eram productos de indus-
tria alIemS, e, a tal propósito, soubemos que por estes sertSes
ha também carabinas, revólveres, facas de mato, e variedade -
de capacetes de metal, tudo de proveniência allemS, que os
exploradores d'esta nacionalidade para cá trouxeram e por
aqui teem ido negociando.
Registámos estes factos, porque foi por uma concessão gra-
ciosa do Governo portuguez, em beneficio da sciencia, que se
186 EXPEDIÇIO POBTUGUEZÁ AO HUATIÂNVUA
lhes facilitou o serem despachadas as suas cargas nas alfan-
degas da provinda^ com isenção de direitos^ e é bom que isto
conste.
Moreira^ este amável rapaz^ tSo digno de melhor sorte, é um
mau exemplar para animar a immigraçSo europea. Mortificado
com feridas incuráveis nas pernas, apresenta-se-nos maciUento,
com falta de sangue, senta-se e falia sempre como quem está
muitíssimo fatigado ; e o que também concorre para augmentar
a impressão penosa que sentimos ao vê-lo é o facto de ser a
sua pelle de uma alvura lymphatíca, os olhos claros, e o cabello
louro claro.
Pede licença para vegetar; e, comtudo, a sua residência está
num planalto elevado, completamente desassombrado, e elle
lá tem o Chemoviz para consulta!
Como isto é triste!
Reconhecidos o deixámos, e seguimos para Matete, a õ ki-
lometros de distancia, que se vencem nimia hora, e, com peque-
nas differenças, no rumo de leste.
Aqui encontrámos, definhando-se também em lucta com o
clima, á testa de uma casa filial de Moreira, um pobre rapaz.
Ferreira, que nos convidou para jantar, dizendo-nos logo que
tinha apenas uma gallinha, porque não quizeram vender-lhe
mais ; porém empenhava-se em que o nosso coUega Sizenando
Marques visse um doente, amigo d^elle, indígena, sobrinho de
Narciso Pasclioal, de Malanje.
Causou-nos dó tudo isto, e resolvemos ficar. Sizenando Mar-
ques foi ver o doente emquanto se comprou, matou e distribuiu
lun boi ; e, da parte que tirámos para nós, da melhor vontade
repartimos com Ferreira, e com o que levávamos do nosso
rancho se fez um excellente jantar, em que tomou parte,
e que estamos convencidos foi para elle um jantar de festa.
A nossa gente aproveitou também do descanso para prepa-
rar o fogo e cozinhar parte das suas raçScs de carne e fiiba,
que se lhe havia distribuído; não tendo deixado de haver,
como sempre, a infallível bulha e as rixas por occasião da
repartição da carne.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 187
Apresentaram- se ainda mais alguns bois-cavallos á yenda^
mas não os acceitámos por entendermos que já tínhamos os
que nos eram necessários. .
O commandante da divisão dos Moveis veiu comprimentar-
nos, e pedir licença para mandar prevenir o chefe do concelho
de Malanje da nossa chegada a este ponto, conforme elle lhe
ordenara de véspera ; e por isso se aproveitou o portador, es-
crevendo-se um bilhete para elle, e outro para o negociante
Custodio Machado.
A nossa gente seguiu, com ordem de acampar em Andala
Samba, e nós partimos ás quatro horas, depois de Sizenando
Marques voltar de ver o doente, e de lhe deixar as prescripçBes
para o tratamento a seguir com os preparados por elle mesmo
manipulados.
Continuámos no rumo leste ^4 les-sueste, e ainda não com-
pletos 4 kilometros, novamente passámos o Lutete, pela ter-
ceira vez, e deparou-s^-nos uma boa senzala num planalto á
direita, e á beira do caminho um bom quartel (patrulha), em
vista do que a nossa gente já havia acampado eram cinco
horas e três quartos da tarde.
Custando-nos a crer, pelas informações que tínhamos colhi-
do, que fosse ali Andala Samba, onde a gente recebera ordem
de acampar, chamámos o commandante da divisão que nos
disse ficar esse ponto a uma hora de distancia; e, não sem
custo, fizemos seguir para ahi os carregadores, só com o fim
de acostumá-los á obediência.
Havia luar, e ás sete horas e meia lá chegámos, tendo per-
corrido 7 kilometros, pouco mais ou menos, sempre no rumo
de leste.
Ahi encontrámos também estabelecida uma divisão de Mo-
veis, e o seu commandante apresentou-se immediatamente^
pondo á nossa disposição um bom quarto na patrulha, em que
havia umas tarimbas feitas de mabú, para servirem de leito, o
que nos foi bem pouco commodo, porque julgámos poder pres-
cindir das nossas camas, que deviamos ter collocado em cima
d^ellas.
188 EXPEDIÇÃO POBTUGUBZA AO MUATIÂNVUA
Os carregadores, na sna maioria, acamparam ao ar livre,
entre fogueiras, entretendo-se primeiro a cozinharem o man-
timento que tinham, e depois de terem a barriga cheia come-
çaram cantando e dansando ; e nós, já affeitos a estas berrarias
infemaes, adormecemos.
O Lutete, com todas as suas ramificações, cortando a regilo
em que temos andado depois de Pungo Andongo, rega muitos
▼alies, que podiam ser excellentemente aproveitados para va-
rias culturas remuneradoras; os indígenas, porém, apenas os
aproveitam parcialmente para mandioca — base principal da
sua alimentaçSo e que nSo requero cuidados — para milho,
feijSo, alguma batata doce, abóbora, ainda algumas bananeiras
e ananazes, e no todo, mais ou menos para tabaco.
Também pelo transito se tem encontrado, aqui e acolá, bons
pés de algodoeiro.
Quando chegará o dia em que a iniciativa particular se
convencerá de que o algodão é uma fohte de riqueza que vale
muito a pena de explorar, com o auxilio do indigena, e que
poderá ainda entrar na concorrência com o algodSo da Ame-
rica, muito principalmente agora, que se acredita que o cami-
nho de ferro ha de servir esta região?
As explorações commerciaes são boas nos centros em que
haja vida, e esta, aqui, só lh'a pôde dar a viação accelerada
e a agricultura, quando queira aproveitar-se judiciosamente
a excellencia do torrão e a abundância das aguas.
A affluencia do commercio, por todo este sertão, se por um
lado teve vantagens, por outro, trouxe o grande inconveniente
de fazer desapparecer um produeto rico, que, desenvolvido de-
vidamente, era a grande fortuna da província. Referimo-nos
á borracha, de que ainda se encontram vestigios nessas flo-
restas por onde temos passado. A mira no lucro immediato
arrastou o indigena á imprevidência e, diga-se mesmo á bar-
baridade, de destruir as fontes de todo esse produeto, pela
maneira porque o colheu.
DESCBIPÇlO DA VUGEIC^ 189
Estávamos no dia 6^ e logo de madrugada nos puzemos a
caminho com o firme propósito de entrarmos nesse meslno dia
em Malanje. " ,
Eram quasi dez horas quando acampámos junto á patrulha
do Lombe^ tendo feito um percurso de 13 kilometroS| descaindo
para les-noroeste.
O chefe da divisão dos Moveis veiu offerecer-nos de ahnoçar,
e por consequência fizemos seguir os carregadores para Cula-
muxitOy que verificámos depois ficar distante lõ kilometros
de Malanje.
Deixámos um caminho para leste, que vae para o Duque, e
seguimos o de noroeste.
Neste percurso encontrámos um soldado do destacamento de
Malanje, que se nos apresentou com uma guia do chefe doeste
concelho para ficar ás ordens da Expedição; era também por-
tador de uma carta do negociante Machado, que dizia esperar-
nos para jantar.
Tivemos apenas um curto descanso de talvez meia hora,
em Culamuxito, para se reunirem os carregadores que haviam
ficado para trás.
Culamuxito é um logar aprazivel, devido ao esplendido
desenvolvimento das arvores que povoam a sua grande flores-
ta, que lhe deu o nome indigena; é considerado vantajoso por
ahi affluir o commercio do interior, e também pela fertili-
dade da terra, que alguns cultivadores aproveitam para plan-
tações de canna saccharína.
Foi aqui iniciada a cultura da cana saccharína pelos irmSos
Machados, e foram elles os primeiros a fabricar aguardente no
concelho, o que lhes custou bastantes dissabores pela concor-
rência do álcool do commercio.
Estão estabelecidas neste logar algumas casas de coçamercio,
na stia maior parte filiaes das firmas de Pungo Andongo e
Malanje.
As quatro horas e meia saiu d'aqui a Expedição, na melhor
ordem possivel, indo os cavaiUeiros na frente, seguindo-se-lhes
a bandeira, depois as cargas e por ultimo nós.
190 EXPEDIpSto POBTUGUBZA AO MUATIÂNVIIA
O cometa^ que vae moDtado^ toca com toda a inJentiai
porque só assim os bois se dispSem a correr, e elle dép^V ^^
algona exercícios de equilíbrio cae, o que é iqptivp para grande
risota. Tudo isto disfiructámos bem, porque lamoll subindo mra
uma soberba plaDÍcie verdejante, que mais n2o deixámqpR^lM
Malanje, chegando ao rio, que limita a vílla pelos quadrantes
de noroeste para o norte, ao sol posto, e tendo feito um per-
curso de õ kilometros, pouco mais ou menos.
Todos estes valles, ou melhor, o conjuncto de valles entre o
Lombe, Cuanza e Cuije, tendo de permeio o rio de Habúnje
com os seus affluentes que, juntos com os d^aquellea rodeiam
a vílla situada num planalto, surprehendem pela variedade
de arvoredo, e pela sua vegetação, em geral superabundante.
O solo de toda esta regiSo, desde Pungo Andongo, pôde di-
zer-se que é composto de uma espessa camada de grés micaceo
vermelho, em que o grSo vae diminuindo de tamanho á me-
dida que noa afastámos d'ali, assentando sobre outras rochas
sedimentares.
MUQUIJE (ídolo)
í»
l
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►Ir
H
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í
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descrifçao da viaoeu
ENTBADA EM MALANJE
Não faUaremos da rece*
pçSo do Dfigociante Casto-
dio José de SausaMachado,
por quem fomos hospeda-
dos, porque nesta casa é
proverbial captivarem-seoB
hospedes, que a miado a
frequentam, com o aco-
lhimento o mais hixftrro:
nem do jantar, pois a sna
esplendida mesa tem fama,
e nella se nSo íazem alte-
fnij raçSes quando elles faltem.
^^ ^~- Custodio Machado á me-
sa é considerado hospede,
-- e D. Rosa procura sempre
ser-lbe agradável: dizendo
isto, está dito tudo.
Principiávamos a refeiçSo, quaudo nos foi entregue um cartSo
da expediçSo allemS, felícitando-nos pela nossa chegada; e
poaco depois appareceu a comprimentar-nos o seu chefe, o
192 EXPEDIÇZO P0BTU6UEZA AO IfUATllNVUA
sjmpathico Tenente H. Wissmann^ que tomou am logar á mesa,
qae lhe fôra offerecido pelo seu amigo o dono da casa.
Como era de sappor, o assumpto da conversa foi o que mais
nos interessava — exageros dos exploradores, falta de carrega-
dores e de bons interpretes, necessidade do estudo das linguas,
dificuldades da pronuncia, morte do Dr. Paul Pogge, as via-
gens de Shut e Btlchuer, etc., etc.
O jantar terminou com brindes (Prosit) — muito agradáveis
para as duas expediçSes.
Recolhemos, nSo para descansar, mas para pormos em or-
dem as notas que tomáramos, baseadas nas informaçSes que nos
haviam dado, e impressSes que recebêramos.
E estas melhor se apreciam percorrendo os seguintes officios,
que nessa mesma noite principiámos a escrever.
A S. Ex.* o Governador Geral:
m.^ e Ex.*<* Sr. — Chegámos a esta villa ás seis horas da tarde de
hontem^ e devendo aproveitar a opportimidade do correio que parte
ámanhS para essa cidade, principio por commimicar a Y. Ez.* que a Expe-
dição saiu de Fungo Andongo em 4, ás dez e meia horas da manha.
Pernoitámos nas patrulhas do Lutete e Andala Samba, sendo a mar-
cha do primeiro dia de cinco horas, a do segundo de seis, e a de hontem
de sete, ao todo dezoito horas ; o que nos convence de que a distancia é
pouco mais ou menos de 85 kilometros, como pelas cartas se nos afi-
gurou.
O caminho é realmente bom, e em algumas partes, próximo ás resi-
dências dos commandantes de divisões de Moveis, estava limpo, e para
sentir é a falta de pontes e de algumas obras de arte sobre riachos e li-
nhas de agua, que occasionam os charcos e pântanos que ha a atravessar.
Permitta Y. Ex.* que diga agora o que tenciono dizer a S. Ex.* o Biinis-
tro, é que esta viagem do Dondo a Malanje mais me convenceu da
necessidade que eu já de ha niuito sustentava : de se conservar, e reno-
var-se mesmo em alguns pontos, a antiga instituição das patrulhas.
No tempo em que governava o districto de Golungo-alto o distincto
major de artilheria, hoje general, Yisconde de Ovar, as patrulhas d*68te
districto foram até fornecidas com leitos, lavatórios e mais mobília.
De certo para quem não pôde fazer-se acompanhar de barracas e ca-
mas de campanha, são tão apreciáveis estes agasalhos, que bem se pode-
riam fornecer as patrulhas com uma ou duas camas de campanha, um can-
DESCalPÇAO DATIAGEU
193
dieiro, ama mesa, duas cadeiras, e um lavatório completo, objectos que,
ficando a cargo doe comoiandantcs de divisSo, e devidamente reserva-
□B, BÓ seriam facultados a indivíduos de uma certa educação.
V. El.', que já viajou por este sertSo, e conhece bem estes caminhos,
f certamente terá reconhecido esta necessidade, e envidará todos oa seus
esforços para que se sustentem as patrulhas que existem, se reedifiquem
•8 que estio em minas, e se levantem outras onde se sinta a sua falta.
Os exploradores allemies que pernoitaram nas que encontraram no
sen transito apreciam-nas, e confessam a ellas deverem alguns eommo-
dos que nSo esperavam do Dondo até Malanje.
Em tempo propoi o actual director das obras publicas d'estii provín-
cia, o Major de cngenheria José António Ferreira Maia, que oa soldados
d'estHS patrulbae, pagos de rações pelo serviço das obraa publicas, tivea-
sem a seu cargo conservar sempre limpos oa caminhos, atè 2 kilome-
troB para cada lado do quartel.
Isto seria muito útil; e quando aecumulassem esse serviço com o
de vigilância pelos tabotetroa de simples passagem sobre as lluIiHS de
D substituir as madeiras que estivessem cm
agua, poderii
mau estado,
V. El.* bem sabe, e asaii
graphia de Lisboa: «que a
as férreas, tudo mais seria i
a o demonstrou na nossa Sociedade de Geo-
s verdadeiras estradas na provincia seriam
in&uclifcro e pôde rcduzir-ae a caminhos
limpos de vegetaçSo, com passagens ligeiras sobre hb linhas de aguQy.
Sendo isto asaim, o projecto do illustrado Ferreira Maia tem agoru
todo o cabimento, e, devidamente ampliado, páde ainda offorccer mnia
vantagens.
Emquanto n proviíicia iilo pÚdo aproveitar um pessoal próprio,
poderiam ligar-se as patrulhas d'esta regiSo, em que se tocum os con-
celhos centraes, por uma linha tclegraphica', e indígenas habilitados
poderiam habituar-se k leitura de simples iDstrumentos meteorológicos,
a horas determinadas, cujo registo communicariam para Lounda, ao
passo que teriam a seu cargo uma pequena ambulância de medicam entoa
com umas prescripç<3es geraes, pnrn servirem aos viajantes que de mo-
mento d 'elles carecessem.
Ainda mais. Se ás patrulhas fossem agg-rcgadaa arribanas para dois
ou tres bois de monta, e se aproveitassem os Moveia para, a cavallo, le-
varem de umas ds outras aa malas da correspondência, creio que muito
melhoraria o serviço do correio, e eom pequena despesa.
Com estetf limitados recursos das obras publicas, telegraplio e cor-
reio, transformar Íamos as patrulhas em modestas estaçiSes hospitaleiras
e uívilisadoros, e certamente, bem educados us Moveis, cujos serviços boje
nZo sSo remunerados, constituiriam centroa, quando mais nSo fosse, de
pequena agricultura.
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194 BXPEDIÇIO POBTUGUEZA AO IRTAitlliVDA '*\ . *'^
y. Ex.*, melhor que eu, pelo sen modo pratico dever, podeii Jd|{i|p^.
do bom resultado a obter do que 0U80 lembrar. * - '\*.
ia
• %*••;;
Sobre a expedição allemS, devo dizer a Y. Ex.* que se me ^^jj^ii
não obstante o seu chefe negá-lo, que o seu fim é inteiramente conuMQdMk'^
e de procurar caminho da estaçSo estabelecida pelo fidlecido Dr. PcMê,
no Muquengue, para o Zaire pelo Cassai ou Lulúa e que, bem organi«
sada, se dispÒe a demorar-se alguns annos para a realisaçSo da tentativa
(qualquer que ella seja); porque, além de levar quinhentas carabinas mo-
dernas com o respectivo cartuchame, que parecem destinadas a exer-
citar os indigenas que consiga catechisar, se forneceu de muito gado
vaccum e cabrum, alem do ovelhum da casta que trouxeram, e de muita
criaçSo.
Já no Dondo e Fungo Andongo fomos informados que esta expedi-
ção se fornecera de fazendas e de outros artigos, no valor de 7:OOOJiOOO
réis e aqui também teem feito grande fornecimento.
Deus guarde a V. Ex.* — Hl."® e Ex.»® Sr. Conselheiro (Governador
geral da província de Angola. — Malanje, 7 de julho de 1884.= O Chefe
da Expedição, Henrique de Carvalho,
A S. Ex.' O Ministro da Marinha e Ultramar.
Ill."« e Ex."« Sr.
Pelo que respeita ao transito na nossa viagem do Dondo a Malanje,
passando por Cazengo, Ambaca e Fungo Andongo, vou repetir a V. Ex.*
o que já disse ao mui digno Grovemador d'esta província.
E de toda a conveniência que se mantenha a antiquíssima institui-
ção das patrulhas, conservando-se as que já existem, reedifícando-se as
que estão em ruínas, e ainda edificando-se outras em pontos de reconhe-
cida necessidade.
Fará quem não pôde contratar grande numero de carregadores, ou
mesmo para quem não pôde fazer-se acompanhar de barracas e de um
certo numero de objectos de commodidade indispensáveis, os quartéis
das patrulhas, quando em boas condições, são um beneficio ; pois assim
se evita que o viajante se exponha á cacimba da noite, e nellas irá
encontrar um tal ou qual conforto depois de uma fatigante marcha em
rede, ou montado num boi, o que é realmente bastante incommodo em
dias successivos.
' l>ESCaiPç20 DA VIAGEM 195
. k. ezh^lo do qne já houve no vasto districto do Golungo Alto, no
gQiverqD dk> actual Visconde de Ovar, em que se encontravam essas pa-
troUuui á distancia umas das outras de 10 a 15 kilometros e guameci-
4iijl*de camas e de outros artigos, ousei lembrar ao referido Governador
Aítel-as do mesmo modo, ficando esses artigos a cargo dos commandan-
tei^das divisões.
Digne-se V. Ex.* attender-me.
A patrulha, propriamente dita, não é mais que um pequeno destaca-
mento de Moveis, um cabo e alguns soldados, havendo em algumas
também um sargento.
Este destacamento, que nâo tem a menor remuneração, está ás ordens
do commandante de divisão — entidade que também nâo é paga, nâo ob-
stante ter bastante serviço e ser indispensável aos chefes dos concelhos.
Casos se teem dado dos Moveis abusarem das fardas qne vestem, exi-
gindo, e mesmo roubando, ás povoações com que se alimentarem, do que
se originam questões, que se tomariam conflictos sérios, se nâo fosse a
prudência dos chefes dos concelhos em attender ás reclamações e fazer
castigar os deliquentes, mudando-os de divisão.
Ninguém deixa de reconhecer que tal castigo é pequeno, porém que
mais se pôde fazer? Prendê-los na cadeia? Nâo ha verba para os sus-
tentar. Demitti-los? Isso sâo sempre os seus sonhos dourados.
E depois, como exigir-lhes subordinação e disciplina convenientes,
se lhes exigem serviço aturado como á tropa de linha, com o excesso das
diligencias pelo sertão, e nada se lhes paga, nem para comer nem para
se fardarem?
Também nâo ignora Y. Ex.* as dificuldades que ha nesta vasta pro-
víncia, já nâo digo para construir e conservar estradas, mas para regu-
larisar os leitos dos caminhos que existem, conservando-os sempre li-
vres de vegetação numa dada largura.
Do Dondo até Malanje fizemos um percurso approximado de 270
kilometros, e; com franqueza devo dizer, que grandes extensões de ca-
minho percorrido, devido aos cuidados dos commandantes das divisões,
se encontravam limpos de vegetação, numa largura approximada de
4 metros ; e, salvo uma ou outra depressão, se houvesse passagens nas
linhas de agua, ribeiros, riachos ou como lhes queiram chamar, isto é,
singellas pontes em que fosse fácil a qualquer substituir a peça de
madeira que estivesse em mau estado por outra, certamente que por
ahi podiam muito bem passar os carros ordinários para transportes.
Mas, Ex."*° Sr., isto que nós agora vemos, nâo se dá sempre. O bom
estado em que encontrámos os caminhos é devido á passagem do Gover-
nador geral pelo sertão ; e é tal a influencia de S. Ex.* entxt estes povos,
que, esperando-o novamente, continuam a conservar, e mesmo a melho-
rar, o estado em que se achavam os referidos caminhos no seu regresso*
196 EXPEDIVZO POBTUOUEZA AO XUATIÍKVUA
Ha toda a conveniência em se aproveitarem os destacamentos aas
patrulhas para vigiarem pela conservação das pontes, qae, segando o
voto do actual Director das obras publicas, se deviam construir em to-
dos os caminhos, pelo menos nos de maior transito commercial, de pie-
férencia a qaaesquer outros melhoramentos na provinda.
Se a esses homens se desse um salário diário de 60 a 100 réis, daado-
Ihes o encargo de cantoneiros, cujo serviço se podia estender até meia
distancia de outras patrulhas, teríamos uma boa rede de caminhos sem-
pre transitáveis.
Junto aos quartéis fiicilmente se levantariam telheiros (alguns já oa
teem), ou estações onde se recolhesse o gado e onde houvesse deposito
de agua e capim, e assim se montaria um serviço de mudas para trana-
porte e para correios, serviço que podia ser feito por escala pelos sol-
dados-cantoneiros.
No quarto destinado a pousada para os viajantes, em recinto apro-
priado, e sob a vigilância do commandante da patrulha, podia haver
uma pequena ambulância de medicamentos, d^esses que, por triviaes,
nada ha a recear da sua applicaç2o; e também simples instrumentos de
meteorologia, thermometros e barómetros, que todo o viajante civilisado
sabe ler. Com algumas noçòes que lhe dessem e pelo uso os commandan-
tes poderiam registar diariamente as suas leituras, isto nas patrulhas
que nâo pudessem ser aproveitadas para postos telegraphicos, porque
aos cuidados do telegraphista deviam ficar taes registos.
Nâo se admire, pois, V. Ex.* que eu diga — o Cabo lê — , porque,
em geral, esse posto nos Moveis recae em Ambaquistas, e pôde dizer-se,
que é uma raridade encontrar um que não saiba ler e escrever. £ tam-
bém não estranhe V. Ex.* que se encontrem Ambaquistas por toda a
parte, pois que, pelo facto de terem alguma instrucçio, hoje, logo que
chegam a uma certa idade, deixam as suas casas e terras para obterem
collocaçSo.
De todos 08 povos d*esta provincia, são elles os que mais se aventu-
ram, expatriando-se. Fogem á praça de primeira linha e buscam mulhe-
res ; nesse intuito, lá vão com a sua pacotilha, mesmo para o centro do
continente, até que satisfaçam essas ambições; e mais tarde buscam
empenhos para serem cabos ou sargentos, e, os mais habilitados, com-
mandantes das divisões de Moveis, nos pontos que mais lhes conveem.
Os conmiandantes de divisão poderiam ser muito aproveitados, quando
esse cargo recaissc em gente idónea, pois se podiam interessar na admi-
nistração dos concelhos.
Chefes de centros agricolas, com encargo de ensinarem a ler e a
escrever a gente sob o seu commando, e deixando-os perceber emolu-
mentos pela cobrança de contribuições para o concelho, ao mesmo tem-
po que assumissem cargos de juizes de paz entre os sobados, mas de-
DESCBIPÇlO DÀ VIAGEM 197
baixo de umas instnicçoes que não lhes permittissem exorbitar, tomar-
se-iam anctoridades prestantes.
Que nos servisse a administração de Java, entre os indigenas, de mo-
delo, e teriamos reconhecidas vantagens para o desenvolvimento agrí-
cola da provincia.
Desculpe-me Y. £x.* esta divagação, resultado das minhas impressões
durante o transito que fizemos, e seja-me permittido ainda fallar acerca
do serviço do correio no interior de Angola, que em verdade precisa ser
reformado.
Succedeu agora ter partido de Loanda, em 6, um escoteiro com a
mala da Europa e s6 aqui chegou em 22 !
Os negociantes, aqui e em Pungo Andongo, contribuem para no fim
do mez mandarem um escoteiro especial, com as suas correspondências,
para chegarem a tempo a Loanda e serem enviadas no paquete ; pois já
tem succedido sair d*aqui o correio em 24, e ficarem demoradas as cor-
respondências um mez em Loanda, tendo o paquete seguido no dia da
escala!
A receita do correio da provincia t^ai augmentado de anno para anno,
e é muito justo applicá-la bem em favor de quem para ella concorre, c
talvez o alvitre, que me occorreu, com respeito ás patrulhas, possa ser
aproveitado.
Um dos Moveis d*esses destacamentos teria este encargo especial até
á próxima patrulha, com um vencimento pago pelo correio, recebendo
as correspondências (malas) em dias determinados, de modo que dei-
xava umas e trazia outras, e em prazos que, ultrapassados, dariam log^r
a multas. Havendo bois de monta nas estações, até se podia organisar
economicamente um pessoal especial para este serviço que muito im-
porta ao commercio.
Mas tudo isto que lembro, deixaria de ser reclamado certamente, se
a construcção da linha férrea, pela qual V. £x.* tanto se empenha, for
uma realidade.
Encarecer as vantagens doesse importante beneficio, mesmo em rela-
ção aos melhoramentos de que fallo, é ocioso ; mas tenho a ousadia de
dizer a Y. Ex.*, que o terminus d'essa linha não pôde nem deve por
forma alguma ser Ambaca.
Estando o paiz disposto a tal sacrificio, o que importa mais 70 a 80
kilometros de linha, que tanta será a distancia de Ambaca a Malanje,
em uma região que não offerece dificuldade pelos accidentes de terreno
ou pelas obras d^arte ?
Creia Y. Ex.* que esse augmento de despesa paga-o bem o concelho
de Malanje, tanto pelo que ha de produzir, como pelo commercio que
aqui aflue da Lunda, Lubuco, e outros pontos intermédios, e que a faci-
lidade de communicações viria augmentar.
198 EXPEDIçlo POBTUOUEZA ÀO MUÀTIÂKynÀ
O Zaire, pôde Y. Ez.* estar certo, feita a constmcçSo doesta linlia, pou-
co nos pôde appetecer, e mesmo os estrangeiros só d*elle se servirlo,
quando não o abandonem extenuados de recursos e sacrifidos, pelo que
possam adquirir do norte d*elle, e apenas até ao meridiano de Niftngué.
Malanje, logo que se consiga, como é de esperar, remover as difi-
culdades de passagem em todo o Cuango, suscitadas em parte pelos
Bftngalas e Quiôcos, (o que mais facilmente se poderá obter com essa li-
nha férrea), ha de ser sempre o natural entreposto do commercio para
o centro do continente, e d'elle os Bângalas serio os agentes.
Malanje, pela sua altitude (1:154 metros) e exposição, aproveitadas
convenientemente as margens do seu rio, que limita a principal povoa-
çSo pelo noroeste, é relativamente salubre, e aqui encontra o europeu, para
sua alimentação, o que lhe é usual : trigo, arroz, milho, fava, ervilha,
grão, feijão de todas as qualidades, batata, boas carnes e agua, fiructos
da Europa e africanos. Aqui se dá a vinha, a pêra, a maçã, a laranja, o
ananaz, a banana, a manga, a annona, a pitanga e o jambo. Cá temos a
figueira, o café, o urucú, o eucaljpto, a borracha, etc., e todos os produ-
ctos hortícolas, com um desenvolvimento de admirar, como cebolla, cou-
ves, rábanos, etc.
Já vê pois, y. Ez.*, que podem viver aqui colónias europeas agrícolas
muito bem, e reproduzir; observando- se, comtudo, as leis de* um regi-
men apropriado. Este clima, como o de todo o paiz, a leste, differe muito
vantajosamente do do littoraL
Todo o clima em geral é perigoso, principalmente o dos trópicos, quan-
do se desprezam as precauções necessárias; porém, qualquer europeu
bem constituido vive aqui bem, podendo fazer mesmo trabalhos manuaes
durante muitas horas no dia, sem prejudicar a saúde.
As condições principacs para se ter saúde são, sem duvida, habita-
ções confortáveis, um trabalho regular, alimentação reparadora e mode-
ração nos gozos da vida.
O negociante Custodio Machado está nesta localidade ha vinte an-
nos, e só uma vez foi a Loanda para tratar de negócios, e é um bellissi-
mo exemplar de acclimatação ; quem o vê suppõc que elle habita na me-
lhor região do nosso Portugal — está robusto, de bellissima cor e forte.
Tem quarenta annos ; mas todos o fazem com dez annos de menos, prin-
cipalmente quando estamos juntos. Aqui e nos arredores ha outros nas
mesmas condições.
Nota-se aqui a longevidade, tanto nos europeus como nos indígenas,
o que não é proverbial no sertão que percorremos.
A falta de rápidas communicações com o bom porto de Loanda, e de
segurança e economia de transporte, tem sido até hoje o estorvo para
attrahir aqui o commercio e a agricultura.
Os terrenos são esplendidos e disso ha boas provas, e os recursos
DESCBIPÇÃO DÀ VUOEM 199
natoraes para cons tracções nâo faltam ; ha, porém, falta de quem dirija,
de quem encaminhe, e de quem se anime, emfim, a sacrificar algum capi-
tal, porque vê deante de si as dificuldades que só os governos podem
faser desapparecer.
Não sei porque este concelho estava esquecido pelos poderes públi-
cos, até á entrada do actual Governador na administração da provinda.
Lembrado para centro das operações militares nas guerras que se de-
ram em Cassanje, foi depois abandonado a ponto de ser retalhado por ou-
tros concelhos !
O serviço de saúde da província não se conhece ; aqui não ha um me-
dico, não ha um pharmaceutico. ,
A benéfica acção do serviço de obras publicas nunca se estendeu até
aqui; e, com tudo, não faltam na região recursos materiaes para se faze-
rem 08 melhoramentos que tanto se reclamam, e para o que contribuiriam
os sobados com a gente precisa.
Aqui o chefe é tudo ; e na verdade o administrativo e judicial são
ramos de governação que requerem magistrados especiaes.
Pôde dizer- se que Malanje é melhor conhecido da Allemanha que de
Portugal, e comtudo Malanje faz parte de uma província portugueza!
£ uma necessidade impreterível que o paiz conheça bem esta parte
da provinda de Angola, e por isso começam aqui as investigaçÒes mi-
nuciosas da nossa Expedição ; e tudo se prepara para esse fim, emquanto
não chegam as cargas, que a pouco e pouco teem ido para Cazengo, e se
organisa o pessoal que ha de transportá-las para o interior.
£, devo já fazer sciente a V. £z.* de que ha cinco ou seis annos se
encontravam carregadores para a Mussumba, para transportes de cargas
de 60 a 70 libras, por quatro peças de fazenda.
£ste preço tem subido a pouco e pouco, a ponto de se exigirem á ex-
pedição allemã, que ainda aqui está, oito peças e ração diária de uma
jarda de fazenda ou o seu equivalente. A nós já pedem dez peças e
ração igual, embora reconheçam que o preço dos géneros marfim e borra-
cha (os únicos do interior) teem tido grande baixa nos mercados da Eu-
ropa, e que com taes gastos de transporte não ha lucros para o nego-
ciante.
Pelas informações que já obtive, a elevação dos preços de transporte
faz-se sentir em todos os concelhos sertanejos, mesmo de uns para ou-
tros, e isto tem dado logar a um grande desanimo da parte do commer-
cio pelas tendências que teem para subir, sob qualquer pretexto, — agora
as expedições para o interior, amanhã a varíola, depois a epocha das
sementeiras, mais tarde as chuvas, etc., — ao mesmo tempo que os pro-
ductos no mercado da Europa tendem sempre a baixar.
Muitos exemplos eu posso citar já a Y. Ex.* de que tal é o ónus sobre
certos artigos que a sua exploração não convida. Qualquer mercadoria
200 EXPBDIÇXO PORTUGUESA AO MUATIÂHVUA
d'aqiii despachada para o Dondo, e vice-Yena, importa, por cada 100
libras, frete e raç5es, em 3^000 réis, addicionando-lhe o transporte pelo
Caanza (5 réis por libra) e de Loanda a Lisboa 500 réis (10 léiB por
kilogramma), chega á alfiundega onerada em 4J000 réis. Nio entro em
linha de eonta com direitos, despadios, sellos e entras mimideneiaa qae
mtÁB oneram esse prodncto.
Trata-se, por exemplo, do omcú, qne se teatoa eqilorar (prodoeto
este qne por muito tempo constitoia nma ríqaesa no Pará). Si^pondo
que para a colheita e preparo d*e88as 100 libras se empregoa nm homem
por dez dias á raz2o de 60 réis por dia, tal producto nio se poderia
vender por menos de i^800 réis, já com prejniao do exportador ; pois
no mercado pagou-se a 1^500 réis por arroba, isto é, 4^685 réis por as
100 Ubras!
O agricultor n2o continuou a exploração, e os arbustos que se teem
desenvolvido e estáo carregados de fructos, y2o largando estes no Boh
e elles para ahi ficam até que se queimem com o capim no tempo das
seccas.
Para a Expedição comprei, em Ambaca, arroz da terra a 120 réis a li-
bra, e o transporte de 3 arrobas até aqui importou em l^õOO réis, o qne
elevou o preço da libra a 136 réis !
Apesar de todos os encargos, vindo de fóra da província seria supe-
rior e mais barato !
Por estes dois exemplos notará já Y. £x.* as dificuldades que ha
para a iniciativa particular animar e proteger a agricultura.
O chefe de Cazengo, mandando-me apenas doze cargas, pede-me lhe
mande d 'aqui carregadores, porquanto nio é conveniente desinquietar
os que no seu concelho estáo em serviço dos agricultores. Uma pequena
elevação de preço seria má na occasiâo, porque iria logo sobrecarregar
o preço do café.
Com muita dificuldade lhe mandei trinta.
Esta questão de carregadores, pelo que vejo de dia para dia, ha de
me ser difficil de resolver, porquanto os sobados das proximidades de
Malanje estão exhaustos. Mais de quinhentos carregadores foram em
dezembro ultimo com Saturnino Machado, e esses acarretaram outros
tantos indivíduos para negocio. A expedição allemá está aqui ha seis
mezes para completar o numero de trezentos, e ainda lhe faltam vinte.
Por este motivo, já escrevi a todos os negociantes que teem influen-
cias nos sobados e nisso interessam, pedindo-lhes para me obterem to-
dos 08 carregadores que possam, e aguardo as respostas para tomar
uma resolução definitiva ; certo de que me nào resigno a demorar-me
tanto tempo aqui, como os exploradores allemães.
A expedição allemà compõe -se de : chefe, Tenente H. Wissmann ; me-
dico, Dr. Capitão L. Wolf ; observador. Tenente Von François ; photogra-
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 201
pho, Tenente Franz Milller; caçador Hans MtUler; carpinteiro de navios
Bugslag, e armeiro Schneider.
O modo por que esta expedição se está preparando hz acreditar
que segue com o intento de se demorar no Lubuco, procurando d^ahi
caminho para Canhica ou Canhioca, como elles lhe chamam, regifto que
desejaram visitar o fedlecido Paul Fogge e Max Bachner, mas nSo lh*o
consentiu o Muatiânvua, porque iam estragar o seu negocio de marfim.
O chefe Wissmann seguirá para o oriente.
Tentam explorar o Cassai, ou qualquer outro rio, para alcançarem uma
via fluvial que lhes dô communicaçâo com o Zaire, segurando a sua pri-
meira estação, ou melhor, o estabelecimento commercial creado pelo Dr.
Pogge no Muquengue.
Todos estes trabalhos sSo subordinados ao plano da Internacional,
sob a protecção do Bei da Bélgica, com quem Wbsmann, antes de or-
ganisada a sua expedição, se havia entendido.
Antes que queira, sobre Malanje pouco mais posso dizer a Y. Ex.*,
por isso que chegámos ha quatro dias ; e com respeito ao itinerário a
seguir, preciso obter ainda alguns esclarecimentos sobre o que estava
delineado, porque me faz vacillar a carta que Saturnino Machado es-
creveu a seu irmão, da qual, por obsequio d*este, tirei copia para en-
viar a y. £x.*, e que junta com esta remetto.
Deus guarde a V. Ex.« Malanje, 10 de julho de 1884— Ill."^e Ex.»»
Sr. Ministro e Secretario d^Estado dos Negócios da Marinha e Ultra-
mar.= O Chefe da Expedição, Major Henrique de Carvalho.
Por nos parecer summamente interessante, e com a devida
vénia, transcrevemos neste legar a carta a que no precedente
officio nos referimos, e de que com toda a franqueza o nego-
ciante Custodio Machado nos facultou a copia.
De Saturnino Machado a Custodio Machado:
Cuango, 29 de janeiro de 1884. — Hontem acabámos de passar o Cuan-
go, ao norte dos Bângalas (Cassanje) no paiz dos Cá-Harís. Felizmente,
em todo o caminho por nós percorrido os indígenas não procuravam
pôr-nos impedimentos, não obstante sermos os primeiros brancos que
transitam por este paiz. De Cafuxi procurámos um trilho entre o rio
202 EXFEDIÇIO FORTUOUBaBA AO MUATIÂHVUA
Lai e Lnbtnda, que correm parallelos para o norte, aerrindo o primeiro
de fronteira aos Bângalaa do Songo e o segando ao Hòlo.
Na beira doestes rios ha am districto povoado por diversas raças,
sendo a mais numerosa a dos Cá-Hondas, governados por diffèrentes re-
galos independentes nns dos ootros.
Foi neste paiz qae atravessámos o Loí para a margem direita, gas-
tando cinco dias para o passar, em rasZo do rio ter aqai mais de 70 me-
tros de largo, 4 de profundidade e nma velocidade superior a 4 kilo-
metros, gastando as canoas, trajecto de ida e volta, 33 minutos.
As margens d*este rio sio povoadas de uma vegetaçio esplendida,
ao c<mtrario das superfícies horíxontaes, onde n2o vimos senio exten-
sas planícies cobertas de capim, aqui e além algumas rachiticas acá-
cias, que mal davam madeira para as nossas cubatas. Porém, sio terre-
nos excellentes para a criação de gado vaccum, de que o indigena pos-
suo grandes manadas, sendo quasi todo o que vimos bem desenvolvido
e regularmente nutrido, muito superior ao gado que existe por Malan-
je. Dos Bondos até ao ponto em que estamos vimos mais de três mil ca-
beças no nosso transito. O preço por que o vendem n2o é caro, porque
comprámos vitellas de quatro e seis mezes a dezoito jardas de algodSo
cru.
A direcção que temos trazido de Cafuxi até aqui tem sido quasi
sempre noroeste. D*aqui queriamos seguir para o norte ; porém os car-
regadores, adevinhando as nossas intenções, recusaram levar tal direcçSo,
por 08 indígenas lhes terem dito que o caminho era mau. Assim, temos
agora que fazer a travessia pelo paiz do Xinje, privando-nos de ir ao
Anzovo, atravessar as terras de Maata Cumbana.
NSo pôde haver nada peor que os carregadores de Malanje. Procuram
ao viajante todas as difficuldades possíveis, chegando mesmo a seduzir
o gentio para o nâo deixar passar ! Só o que querem é comer, como es-
tes teem feito, que em sessenta dias que hontem fizeram, desde Malan-
je até aqui, apenas se tem marchado duzentas e cíncoenta horas e elles
já comeram três peças de ração cada um.
Por aqui se vê a quadrilha que é, e o que d^elles temos a esperar.
Se marchássemos regularmente, já hoje estaríamos além do Cassai ; as-
sim, náo sabemos nem é fácil calcular o tempo que gastaremos nesta
viagem. O que é certo, é que tudo quanto nós levámos é só para elles
comerem e roubarem, e quando chegarmos ao nosso destino já nada levá-
mos para vender.
Estáo neste sitio ha dez diaB e náo ha forças que os arranquem
d'aqui, dando por desculpas as enfermidades, o que é menos verdade. A
enfermidade que elles allegam é fundada na razáo de terem aqui en-
contrado muito gado vaccimi, aonde já immolaram quatro cabeças, afora
cabras, gallinhas, porcos, etc.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 203
Depois de passar os Bondos o paiz é fértil, o gentio de trato regular,
e nnnca me persuadi que fosse caminho tão direito para uma travessia
pelo Continente negro como é este que passámos até aqui. Porém, nem
tudo pôde correr á medida dos nossos desejos : se procurámos um cami-
nho para transitar sem obstáculos, e felizmente o encontrámos, temos o
carregador para destruir num momento todos os nossos planos forma-
dos, e quasi realisados, não lhes importando o prejuízo do viajante.
Não cai por inexperiente, não ; porque desgraçadamente conhecia o
que havia de acontecer, pois que a 10 kilometros de Catalã quiz obri-
gar 08 carregadores a voltar com as cargas para Malanje por ver logo
ali o seu mau proceder, constituindo- se em greve, fazendo um charivari
infernal, brandindo as suas armas, fazendo esgares, e ameaçando de
abandonar as cargas se lhes não desse ali mesmo nova ração. £u oppuz-
me energicamente para que se não desse nada aos carregadores, optan-
do para que voltassem com as cargas jpara Malanje, e obrigarem- se os
fiadores a pagar as despesas feitas, mas o António não annuiu^ satisfez
as exigências dos carregadores, e agora as consequências.
Ainda não tinham marchado quarenta horas em Cafuxi, e nova gre-
ve, e esta mais desaforada do que a primeira. Nesta não me pouparam,
fui alvo de grandes descomposturas. Ainda me oppuz, e resolvido a vol-
tar, abandonando tudo, porém o António não quiz ; o mal já tinha sido
feito em Andala Quinguangua, agora aguentar e cara alegre. Fiz como
Pilatos : lavei d*ahi as minhas mãos.
Assim temos vindo, de greve em greve, com os carregadores, gastando
sessenta dias até ao Cuango, que não são mais do que quinze marchas
de carregadores, gastando oitocentas peças de fazenda, independente-
mente da ração que já tinham recebido em Malanje.
Assim temos andado e andaremos, até acabar esta viagem, pedindo
unicamente ao AJtíssimo para que nos deixe chegar ao nosso destino, e
para que possamos regressar com saúde e sem maiores prejuízos. São
estes os meus desejos.
Amanhã vamos deixar o Cuango e tomar a direcção de leste, deixando
este rio, que poucas saudades nos deixa, por causa também das picar-
dias que soaremos dos pilotos das canoas. Posto que pagássemos unica-
mente vinte peças pela nossa passagem, quantia muito diminuta em re-
lação á numerosa caravana que levámos — o rio aqui tem mais de 100
metros de largo, 8 de profundidade e uma grande velocidade, — não era
todavia motivo bastante para nos reter seis dias, havendo três canoas
empregadas no nosso transporte; queixâmo-nos unicamente da insolên-
cia e velhacaria dos pilotos.
Aqui o Cuango não tem aquella vegetação luxuriante que tem o Luf,
não obstante termos passado a poucos kilometros de distancia da con-
fluência d'este naquelle.
204
EXPEDIÇSO POETDGDEZA AO MUATliUVUA
O regulo d'aqni é o Mocto Ãngoimbo, que tem s sna residência iia
margem esquerda do Cuango ; â o chefe doa Cá-Haris, e dizem ser baa-
tonte poderOBO. NSo tivemos a, honra de ver uva altrza, nSo obstante eu
ter ido á sua residência ; como estava doente, não appareceu. Comtudo
dizem ser bom e tratavel, obsequiando- nos coro nmaeicellentevitella,«
eilorquindo-nos primeiro doze pe^^as de fazenda a titulo de quíbanda.^'=
Saturnino Machado.
DE8CBIPÇA0 DA VIAGEM
O NOSSO MODO DE VER SOBRE A REGIÃO
QUE ATRAVESSÁMOS
atamos, (iDalmente, na povoação
principal de Malanje, logar ou-
Je teinos de completar a organi-
saçSo da Dosaa ExpcdiçSo, e onde
começam os nossos trabalhos
de exploração, por ser este um
dos concelhos mais afastados do
littoraL e pouco conhecido.
For^m, antes de dar conta
dos nosKOB c-studoa, relembremos
08 factos roais salientes e mala
característicos do nosso per-
curso, de mais (le 200 kitome-
trna do Dondo até aqui, su-
bindo sempre e passando por
terrenos de differentcs aptidSee, e a que correspondem povoa-
çSes mais ou menos importantes.
Estamos, pois, numa d'aquellaB regiSes elevadas tSo cara-
cterísticas do continente afiícano, mas não de tão grande alti-
tude qne o clima ae modifique por esse motivo e possa corrigir
206
EXPEDIÇIO POBTUGUEZA AO MUATIÂNVnA
a insalubridade^ modificai a infecçXo palustre, e dar novo ca-
racter á vida vegetal e animal.
A bacia hydrographica do rio Cuanza, cuja exploraçSo na
sua parte mais alta se está impondo como uma extrema ne-
cessidade, é menos desenvolvida do lado em que fica Malanje.
Esta parte da bacia ó, por assim dizer, um terminas da se-
gunda zona do valle do Cuanza, a partir da costa, e as suas
margens vSo-se elevando gradualmente, destacando-se aos la-
dos e a differentes distancias collinas, morros e montanhas que
lhe servem de limite e lhe circumscrevem a alimentação sendo
as suas aguas inteiramente pluviaes sem o menor contingente
das aguas provenientes das regiSes altas e das lacustres, que
neste mesmo continente tantas vias fluviaes alimentam.
Consideremos, porém, na linha que percorremos, sempre sob
a influencia do Cuanza na sua margem direita, o que se nos of-
ferece em relaçSo á composição do solo, aos vegetaes e aos
animacs que ahi vivem, ás povoações que por ahi se teem des-
envolvido, e condições em que tudo se encontra na actualidade.
Suppondo reduzidas aos differentes rumos astronómicos as
distancias percorridas, a contar de Loanda, constituimos o se-
guinte quadro, que, auxiliado pelo desenho graphico, muito es-
clarece acerca dos desnivelamentos em todo o nosso percurso.
Designaçlo
Rumos
approxiinados
Distancias
em
kilometros
InelínaçSei
por
kilometro
De Loanda Dará o Dondo
ESE.
ESE.
NE.
E.
E.
S.
ESE.
ENE.
E.
140
140
90
120
42
38
92
88
135
6".6
Do Dondo para Catende (Cazengo)
Do Dondo para Pamba (Ambaca) . .
Do Dondo para as Pedras (Pungo
AndonfiTO^
0-,67
7»
8»
Do Pamba para Catende (Cazengo)
De Pamba para as Pedras (Pungo)
De Pamba para Malanje (Villa) . . .
Das Pedras para Malanje (Villa) . .
De Catende para Malanje (Villa) . .
1",7
8",8
4",5
0«,94
2-,5
descbipçaÒ da viagem 207
Mas, como esses percursos são sobre montanhas, cortadas de
valles e alguns bastante profundos e sinuosos, podem imagi-
nar-se os grandes represamentos d'aguas no tempo das grandes
chuvas, de novembro a maio, e como consequência a natureza
miasmatica de toda esta região.
Constituem todos os terrenos que atravessámos, quatro zo-
nas distinctas, ás quaes correspondem também centros de
producção muito variados.
A primeira zona deve contar-se desde a costa até á altura do
Dondo, sendo estes terrenos, de littoral ou recentes, e outros
de formação relativamente moderna, sujeitos a elevaçSes e abai-
xamento pouco sensiveis no presente mas que deveriam ter
sido importantes em épocas passadas.
Desappareceraro as ilhas da foz do rio Cuanza ; formou-se a
que limita o porto de Loanda ; e vae-se tapando a barra da Co-
rimba, por onde não ha muitos annos, como já se disse, saiam
e entravam embarcações de alto bordo.
Partindo d*esta região baixa, entrámos na da linha das Ca-
choeiras e depararam-se-nos alterosos contrafortes e terrenos
mais elevados; é esta a segimda zona — aquella em que predo-
mina o ferro.
A passagem d*esta zona para a terceira, a que correspondem
as terras de Ambaca, não é tão saliente, e por isso muitos fazem
estender a segunda até Malanje.
Os que considerai^ as terras de Cazengo e Malanje como
uma só região, esquecem-se de que não é só o accidentado dos
terrenos que serve para fazer estas distincçSes.
Ambaca, por exemplo, que fica entre Cazengo e Malanje e
forma, por assim dizer, os contrafortes de Cazengo pelo nascen-
te, está mais baixa e tem outras condições de clima e até de
força vegetativa; e, quando se pense em fazer a sua explora-
ção agrícola, não se pode contar com as mesmas vantagens
que ofi^erece Cazengo.
São estas as differenças que sempre se desconheceram, e por
isso se fizeram tentativas, quasi sempre infructiferas, e se viu
í «
!l
208 BXPEDIÇXO POBTUGUEZÀ AO MUÀTIÂNVUÀ
despovoar Ambaca^ emqaanto Cazengo tem podido snsten-
M * tar-se.
Julgámos, poisy que a segunda zona, sob os parallelos em
que passámos, deve subdividir-se, tomando bem distinctas as
^ regíSes de CaÁengo, Ambaca e Pungo Andongo, ás quaes cor-
I respondem climas, culturas, producçSes e populaçSo muito dif-
ferentes.
O homem de Ambaca distingue-se do de Cazengo e do de
Pungo Andongo, não só pela natureza do trabalho a que se
dedica, mas ainda pelos seus costumes, industrias, dialectos e
até pela seu aspecto physico.
Quanto á regiSo de Ambaca, somos mesmo levados a acre-
ditar, pelas investigações e estudos ethnographicos e historico-
tradicionaes a que procedemos, que uma parte d'ella foi man-
dada habitar por um dos primitivos governadores geraes, que
tudo nos leva a acreditar fosse Manuel Cerveira Pereira ; e que
< para ahi fôra uma colónia da Lunda e do Libolo, que passado
f algum tempo abandonou a regiSo a que puzeram o nome de
Lucamba, como já dissemos, por ser improductiva, e a gente
' lá foi atrás da caça, e mais tarde são esses povos os que cons-
tituiram o jagado de Cassanje, de que mais adeante fallaremos.
Assim como esses, outros fugiram, por não julgarem bons os
terrenos para culturas.
Era bom que se conhecessem as terras de cada região agrí-
cola, para que se prestassem os devidos esclarecimentos a quem
nellas se quizesse fixar.
I Em Portugal, teem-se feito estudos especiaes ; e ha mesmo
I ^ mappas minuciosos, mostrando quaes as regiões vinicolas, as
dos sobreiros e carvalhos, as dos pinheiros, as dos milhos, as
dos trigos, etc.
E, se num paiz de tão fácil aproveitamento, ha indicações
agrícolas, florestaes, zoológicas e mineralógicas, quanto mais
precisas não são ellas aqui, onde, além do calor sempre per-
sistente, ba o miasma, contra o qual não se toma uma única
providencia !
DESCRU^XO DÁ VUGEM 209
A nossa dassificaçSo de zonas, até Malanje, é pois a seguinte :
Terras baixas ou marítimas;
Terras em socalcos, em que predomina o ferro (Casengo e
terras a norte);
Planaras de Ambaca;
Penedias de Fungo Andongo (rochas schistosas, gneises e
grossos conglomerados na base) e terrenos adjacentes.
NSo sSo, todos estea terrenos, essencialmente distinctos uns
dos outros, especialmente a contar do primeiro socalco ou das
Cachoeiras ; mas é certo que a sua configuraçSo, de per si, nos
faz ver distincçSes, embora nós aqui e acolá vejamos apparecer
o schisto, o granito, o ferre e o grés vermelho.
O que registámos, por ser um facto bem observado, é que
existe ferro e cobre, e no Dondo mostraram-nos carvSo e cal
que vem de Cambambe, na direcçSo das Cachoeiras; e nós as-
phaltámos os corredores do hospital Maria Pia, de Loauda, com
bitume do Libongo, na foz do Dande — o que faz pensar na exis-
tência de carvfto nas proximidades.
Também tivemos occasiSo de ver palhetas de oiro, recente-
mente obtidas do Lombije, e de que viramos em tempo uns
frascos pertencentes a José Maria de Prado e da exploraçfto de
Flores; e aqui,, em Malanje, nos foi mostrada uma pequena bala
de prata, que uma das filhas do celebre coronel Pires, de que
falíamos, possuia como reliquia, porque com estas balas car-
regava seu pae as espingardas de caça, á falta de chumbo ou
de balas de ferro, e diz-se ser da prata que os Jingas lhe leva-
vam de presente para este fim, desconhecendo o sôu valor.
Mas porque não vingou a fabrica de ferro de Oeiras, e ape-
nas apparece uma ou outra tentativa de exploração mineira, e
de ferro indigena até na região mais a oeste aonde fomos?
Kão valeria a peoa, ao menos na segunda zona fazer estudos
geológicos, não isolados, mas como complemento do estudo dos
climas, das producçSes e das aptidões do solo agricultavel ?
Todos os terrenos que se estendem, seguindo a faxa em
que attentámos, sustentam também centros de vegetação bem
distinctos de umas para outras zonas.
u
210 EXPEDIÇZO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
• Os grandes palmares em toda a zona baixa; as plantaçSes
de café na segunda zona; o amendoim, o tabaco e arroz em
Ambaca; as boas pastagens, os trigos e outras cultoras dos cli-
mas menos quentes em Fungo Andongo; e as florestas d'alii
para deante mostram que ha efifectivamente condiçSes geoló-
gicas e climatéricas que correspondem a cada zona, e se dis-
tinguem por alguns productos vegetaes.
Ha mesmo alguns factos isolados, assas curiosos, que im-
pressionam o observador.
O imbondeiro, por exemplo, apparece indifferentemente por
todas as três primeiras regiSes, isto é, desde a costa até aos
confins de Ambaca ; mas, doesta longitude até ao Cuango pre-
domina a acácia de bonitas flores de cor amarella e vermelha.
E certo que nem toda a região que atravessámos tem uma
população assas densa, o que nos causou a mais profunda im-
pressão, porque apesar doeste facto se apresentar logo á pri-
meira vista, não sabemos de quaesquer providencias que se te-
nham tomado no sentido de favorecer o seu desenvolvimento^
ou seja pela immigração, ou pela protecção directa ás famílias.
Limitam-se também os trabalhos agrícolas a meros ensaios^
e poucas toem sido as explorações mineiras e industi*iaes!
Na região entre o Dande e o Cuanza, de facto, pôde dizer-
se que tudo se tem experimentado. Houve ensaios de diversas
culturas, mesmo europeas, e também das dos climas quentes:
trigo, arroz, batatas, etc, e fruetas da Europa; algodão, tabaco^
café, canna saccharina, mandioca, milho, etc, dando excel-
lentes resultados. Houve uma candelária no Dande, que che-
gou a ter grande desenvolvimento; houve uma fabrica de fun-
dição de ferro, em Oeiras, e os indigenas obteem, por pro-
cessos rudimentares, bom ferro, de que se aproveitam para os
seus usos ordinários; conhecemos asphalto do Libongo, cobro
do Bembe e outros pontos, carvão do Cambambe, oiro do Lom-
bije e de outras partes, prata das terras do Jinga. Aprovei-
taram-se as magnificas madeiras á beira do Cuanza e con-
struiu-se até uma fragata e outras embarcações grandes, em
Massangano e em Loanda, para serviço da nossa costa.
DESCBIPÇZO DA VIAGEM 211
As tentatívasy porém, foram feitas de modo que muitos dos
emprehendedores, e dos que com elles trabalharam; succumbiram
yictimas da sua ousadia a par da sua ignorância, e d'ahi se
originou a descrença, causa principal do abandono em que
encontrámos estes férteis torrSes, beneficiados por aguas em
abundância, e d^ahi esses vestigios e ruinas do trabalho de
nossos maiores!
Da incerteza nascem as vacillaçSes!
Mal da Guyana franceza, que presenciou mesmo nas suas
praias, derrocadas successivas de grandes expedições metropo-
litanas, se a França não tivesse procurado, com insistência, co-
nhecer da causa de tSo grandes desastres de vidas e de capi-
tães!
E, entre nós, já se procurou, de facto, a causa de todas estas
incertezas e vacillaçSes?
Como possuir perfeito conhecimento dos recursos provinciaes,
sem que se façam estes estudos?
Impressionãmo-nos com as despesas cm estudos, porque o
publico não os conhece, e esquecemo-nos que d^elles, e só d'el-
les, depende a civilisação e a riqueza doesta importante parte
da naçSo.
Diz o sr. João de Andrade Corvo, nos seus valiosissimos
trabalhos sobre as provindas ultramarinas:
cA triste verdade- é, que em Portugal ha muita ambição de
território; muito moh'ndre phantasista; uma voz sempre dis-
posta a queixar-se dos outros; uma tendência a accusar usur-
pações e expoliações.
cÉ bom e justo que assim seja; mas é pouco.
cE preciso ter coragem para trabalhar; espirito ousado para
melhorar o que é nosso ; força para comprehender que a situa-
ção de Portugal lhe impõe o dever de melhorar a sorte dos
povos que lhe estão sujeitos, civilisando-os. »
Não desprezemos o conselho de uma das primeiras auctori-
dades na nossa causa africana, e mãos á obra. Estudemos; e
que esses estudos se façam desde já, a par da construcção da
via férrea, que está em andamento.
212 EXPEDIÇXO PORTUOUEZA AO MUATIÂNVnÀ
Pois nSo é para estranhar que, ainda hoje, a entrarmos na
ultima década do século xix, esta vastíssima provincia de An-
gola esteja importando productos que já ha muito devia ex-
portar, e sem que fizesse mal ás nossas industrias da metrópole,
como sSo o álcool, o assucar, o algodSo e o tabaco, e outros
propriamente hortícolas, como: feijão, batata, arroz, cebollas,
etc?
A administração provincial nSo tem aCçSo própria. Está ma-
niatada, e sujeita ás deliberações e consultas de gabinete da
metrópole, e ahi vêem-se as cousas por prismas muito diversos,
sempre na descrença de que as colónias progridam, e tendo em
vista a economia, porque ellas estão sendo um encargo muito
pesado á metrópole.
Que se faça a luz; que se estude devidamente o que pelo
menos é mais urgente; e veremos o engano em que se labora
e os erros que se teem commettido!
Apresentem-se estatísticas dos rendimentos das alfandegas
da metrópole e da nossa provincia de Angola, resultados de
importações e exportações que se fazem reciprocamente ; atten-
da-se á quantidade de famílias que, na metrópole, se sustentam
á custa dos interesses obtidos em Angola; lembrerao-nos das
empresas, propriedades e industrias para que contribuo esta
provincia e cujos impostos entrara nos cofres da metrópole;
continuemos assim perscrutando todas as fontes de receita da
nação, e veremos que para ella provem uma contribuição im-
portante, principalmente de Angola e de S. Thomé.
Outrora acreditaram- se os governadores doestas províncias
pelas conquistas, pelos seus feitos heróicos, e mais tarde, pelos
melhoramentos públicos que se eraprehendiam sob a sua direc-
ção; porém, depois que a administração se centralisou na me-
trópole, a não ser o actual c honra lhe seja, por actos de ad-
ministraçflo rasgadamente progressista, e exceptuando um ou
outro de tempos a tempos, poucos deixaram vistigios da sua
administração?
Em uma das sessões da camará alta, dizia o nobre Visconde
de S. Januário, pouco depois de chegar do seu ultimo governo
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 213
do ultramar: cE preciso dar mais latitude á acçSo dos gover-
nadores das nossas colónias, se querem que ellas progridam».
E assim é.
A acçSo dos governadores reduz-se, hoje, a reformar leis
provinciaeSy já muitas vezes corrigidas ; a mandar applicar cas-
tí^tí a militares e a degredados ; a mudar constantemente os
òliefdà dos concelhos, o a entreter com estes e com os govema-
ãorés subalternos o outras auctoridades, um volumoso expe-
diente !
Nisto se oocupa um período de três annos. Algumas vezes
visitam as povoaçSes do littoral; e raro é o que conhece o interior
da provincia, e se informa alguma vez das suas necessidades
mais instantes.
O illustre Governador Ferreira do Amaral é uma das exce-
pções de que acima falíamos; e é realmente para lastimar que,
pouco tempo depois de conhecer bem o que valiam os dominios
sob a sua administração e o proveito que d^elles se podia obter^
se não collocassem a seu lado os auxiliares e recursos indis-
pensáveis, e ao mesmo tempo se lhe âSo oíFerecessem vanta-
gens para elle continuar adininístrando esta província tanto
tempo, quanto o necessário para que visse os resultados das
providencias que adoptasse.
Infelizmente, não succedeu assim ; e, o que é mais, por cir-
cumstancias de certo alheias á boa vontade dos poderes pú-
blicos, não foram ainda impressos os relatórios da sua admi-
nistração, em que de certo haverá informações preciosas ; e as
pessoas menos illustradas, bem como os estrangeiros, continuam
na rotina de ignorarem o que está estudado, e o que ha de
bom na nossa província de Angola.
Os chefes de concelhos estão para com o Governador como
este para com o Ministro ; o que sabem na maior parte das ve-
zes é por informações, e estas de pouca confiança por falta de
authenticidade.
Gastam todos muito papel; mas resultados profícuos não se
vêem, pela falta de indispensáveis estudos práticos, e boa orien-
tação de quem dirige.
214
BXPEDIÇZO PORTOOtlEZA AO HDATIÂHVnA
£m camprimeato das iiiBtracçSee que noB foram dadas, en-
tendemoB ser um dever.ezpor, com toda a franqueza, as nossas
impressdes e os resultados práticos a que chegámos. O assum-
pto porém é de sua natureza complexo, e em alguns pontos
inteiramente novo, por ieeo teremos de lhe dar maior desen-
volvimento nos capitnloB que se segnem; e mais largos esta-
dos e mais completas aprecia^See teremos de fazer, tanto no
qne respeita á riqueza como á administraçSo da província de
Angola.
CAPITULO II
CONCELHO DE MALANJE
úeãa kaJnepe, úeJa kaãi
canda pouco, mas anda sempre.»
Demora da Ezpediçio em Malai^je; em que te emprega o pessoal e informaçSei sobre o
melhor caminho para o interior — O que era Malai^e antes de aer elevado i cathegoria
do concelho ; seus actnaes limites — Caminhos ; babitaç&es e materiaes de construe-
ç2o — Pessoal da administraçio do concelho e as missSes nacional e estrangeira —
Carência de soccorros médicos e serviços correlativos; insuíBciencia da força armada —
£dificios e melhoramentos públicos ; cansas de insalubridade e condições de sanea-
mento — Commercio ; seu desenvolvimento, suas relações com os indígenas, e gravis-
sima concorrência do estrangeiro — Agricultura e as providencias que o sen desen-
volvimento mais altamente reclama — Uma eleição em Africa — DUBculdades com os
carregadores ; modo de pagar-lhes ; exigências que apresentam — Protesto contra as
informações do explorador Wissmann a respeito do commercio português — Despedida
deMalai^je.
DEMOEA EM MALANJE
Ao chefe do coocellio, e a todoa os ncgodantes que mais ou
menoB mantinham rekçSes com os sobas vizinhos, pedimos
desde iogo o aeu auxilio para se contractarcm carregadores para
o serviço da Expediçiio até ao numero de trezentos; e man-
duram-ee para os sobas mais distiintes individuos acostumados
a taeH diligencias, com alguns presentes a Jím do os animar
a enviarem os carregadores de que pudessem dispor, para os
contractarmoa.
Nos Bobados maia próximos da villa poucos se podiam en-
contrar, porque a expediçiio do Machados & Carvalho que
d*aqtii sairá em novembro do anno passado, e depois a dos
allem&cs que estava em vésperas de partida, tomaram todos os
que haviam diaponiveis, e os poucos que ficaram contractámo-Ios
218 EXFEDIÇZO POBTUOUEZA AO KUATliirvnÀ
para serviço das nossas cargas de Cazengo para aqui, pis-
que o chefe d'aquelle concellio que esperaya o regresso das
comitivas do interior que andavam no serviço dos transportes
do caféy nos commnnicou que ellas se tinliam qnstado para
mna outra serie de viagens não convindo por motivo algum
desvii-Ias d'aquelle trabalho, o que seria prejudicial A agri-
cultura.
Forçados pois a reconhecer que a nossa Expediçlo tinha de
se demorar algum tempo em Malanje^ angariando os carrega-
dores que lhe eram indispensáveis para se internar^ e esperando
todas as cargas que estavam em Cazengo, entendemos de ex-
trema necessidade aproveitar o tempo, entretendo o pessoal que
já vencia pela ExpediçSo no que nos f&ra mais recommendado
com respeito aos trabalhos a emprehender.
É Malange, actualmente, um concelho da província, onde
existe ha mais de vinte cinco annos um núcleo de europeus
dedicado ao commercio, mas onde a agricultura só é conheci-
da, pode dizer-se, pelo seu nome.
Ainda nílo ha muito, num dos mais bem elaborados traba-
lhos publicados em Portugal sobre as nossas possessões ultra-
marinas, 80 transcreve a respeito de Malanje apenas uma
informação de Rodrigues Graça de 1843: cO soba chama-se
Enihanfjana c é tributário de Ambaca; o terreno é fértil, pro-
duz milho, feijrio e creaçoes: poucas vantagens commerciaes
offerece, a não ser cera e escravos. Os indígenas cobrem -se
com coiros de feras, usam de lanças e frexas, sao de má ín-
dole e ladroes, a sua religião é a idolatria».
Esta citação é feita pelo ex."® sr. conselheiro João de An-
drade Corvo *, um dos ministros que, modernamente, por mais
tempo dirigiu os negócios das colónias e que tem vinculado o
seu nome a grande numero de reformas e melhoramentos que
lhes respeitam. De certo elle mais diria do concelho de Ma-
lanje, se tivesse dados mais amplos.
í EshtdoB sobre, as Províncias Ultramarinas, vol. nr, pag. 241, 1884.
DESCRIPÇXO BA VIAGEtf 219
Convencemo-noS; poiS; 'que nos archivoB do Ministério dos
negócios do ultramar, não havia até 1884 outras informaçSes
ou esclarecimentos acerca doeste concelho, e por isso seremos
o mais minuciosos que nos for possível em relatar o que d'elle
conhecemos.
Já ficou dito, e deve repetir-sC; que na Allemanha depois
de 1876 conhece-se Malanje melhor do que em Portugal, peU
fifidta de publicidade e necessária propaganda que ha entre nós.
E sentimos deveras que o illustrado pessoal de engenheiros in-
cumbido do estudo do caminho de ferro de Âmbaca, não ti-
vesse tido opportunidade de fazer um reconhecimento até ali.
Havia nelle individues que pelas suas informações auctorisa-
das esclareceriam o governo e o paiz, acerca das boas condi-
ç8es doeste importante e vastíssimo concelho e das modificaçSes
pelas quaes tem passado com vantagens depois de 1843, uni-
camente devido aos sacrifícios d^alguns Fortuguezes que ahi
se estabeleceram e que tem ultimamente attrahido ali o eom-
mercio do interior, numa escala niuito desenvolvida.
Resolvemos, pois, que uma secçSo da Expedição, sob o com-
mando do ajudante, fosse estabelecer uma estação, já fora da
alçada da nossa auctoridade, na qual se armazenassem as car-
gas que fossem chegando de Cazengo, e ao mesmo tempo que
o pessoal procurasse insinuar-se no animo dos povos vizinhos^
attrahindo-os ao nosso convivio no interesse da agricultura e
do commercio de Malanje e também no interesse da Expedição.
Obter-se-íam assim carregadores para o seu serviço, garantin-
do-se ao mesmo tempo coramunicações seguras para o interior
e para a villa.
O resto da Expedição ficava na sede do concelho activando
o movimento das cargas, angariando carregadores, providen-
ciando para manter em boas condições a secção destacada, e es-
tudando o cojicelho sob os pontos de vista scientificos e com-
merciaes que mais interessassem em geral ao paiz.
O sub-chefe estabeleceu logo, nas melhores condições que
lhe foi possível, os instrumentos de meteorologia, e iniciou os
seus trabalhos não só de observações meteorológicas e astro-
220 EXPEDIÇ!0 POBTUGUBà AO MUATTInVUA
nomicas como de exploraçSes no campo^ tendo a attender aii
ao tratamento de doentes ^.
Era preciso pensar no melhor caminho a seguir para que a
primeira secçSo partisse a cumprir a missSo que já lhe fôra
destinada. Sendo ouvidos os negociantes práticos do sertSo da
Lunda, Narciso António Paschoal, o velho Lourenço Bezerra
que de lá chegara havia pouco tempo quasi cego, Gomes, An-
drade e outros e também a opiniSo sensata do. negociante
Custodio Machado, muito valiosa pelas boas informaçSes que
possuia do que se passava além Cuango e junto ao que nos con-
stava das conversas com o Tenente Wissmann, chefe da expe-
dição allemS sobre o que a pratica lhe- demonstrara na sua
primeira travessia; tudo nos convenceu de que Quimbundo,
nada valia actualmente como ponto commercial, pois que
tendo-se os Quiôeos estabelecido já em terras mais ao norte
difficultavam as marchas das comitivas de commercio para
a Mussumba, quando as não expoliavam, tendo já invadido
mesmo as terras de Muansansa^ grande quUolo do Muatiftn-
vua, a quem o Dr. Max Buchner ainda ha dois annos visitara.
Mais para oeste, as luctas de Bângalas e Quiôeos tinham sido
também estorvo ás remessas de marfim, cera e borracha que
vinham de Quimbundo para Malanje.
O sertanejo Saturnino Machado, homem bastante pratico e
que mais de metade da sua vida a passara ali, tomando-se
popular entre os vizinhos^ deixara a sua casa com os armazéns
cheios de borracha á guarda de seus pombeiros para lh'a en-
viarem quando houvesse opportunidade e carregadores, e fora
procurar por novos caminhos, ao norte, outros mercados que
offerecessem melhor resultado nas suas transacções.
A vantagem da marcha para a Mussumba por Quimbundo,
consistia apenas na existência ali do estabelecimento de Sa-
^ Todos 08 trabalhos do sr. Agostinho Sczinando Marques, tanto em
Malanje como nas outras estações cm que a Expedição se demorou, são
publicados num volume separado, o quarto dos trabalhos da mesma,
sob o titulo : Os climas b as pboducçoes das tebbas de Malanje i Lunda.
DESCBIFÇXO PA VIAGEM 221
tomino Machado, o qual foi um grande recurso para as ex-
pediçSes alIemSs que ahi faziam a sua estação, se forneciam
de novos snpprimentos, obtinham carregadores e eram guiados
de potentado em, potentado por delegados d*estes, e por pom-
beiros e interpretes do mesmo Saturnino Machado ; o que dava
garantias de segurança e tomava mais rápidas as viagens ^.
Por ultimo, não tendo agora este caminho importância com-
mercial e estando já estudado, a escolha de qualquer outro, se
nos acarretava attrictos, ofiferecia-nos campo menos conhecido
para as nossas investigações e vantagens para o nosso com-
mercio.
A expedição Machados & Carvalho, á parte as difficuldades
sempre levantadas pelos próprios carregadores, seguira bem
pelo caminho de NE. para o Cuango que passa nos Haris a
norte do longo e dos Bângalas; e a expedição allemã ia se-
guir pouco mais ou menos aquelle itinerário e com ella ia uma
comitiva de Custodio Machado para uma casa filial a esta-
belecer-80 na margem direita do Cuango em território dos Xin-
jes, súbditos de Capenda-cá-Mulemba, sobre que Saturnino
Machado informava bem.
Era, pois, de toda a conveniência, procurar garantir este
novo caminho ao commercio e tirar o máximo partido dos po-
vos de suas immediaçSes em nosso favor, radicando nelles o
mais que fosse possivel a nossa antiga influencia agora reno-
vada pela grande expedição dos irmãos Machados.
Não nos convinha a nós Portuguezes, trabalhar isolada-
mente nesta importante questão de exploração commercial^
sobretudo partindo d 'um mesmo ponto para o centro do conti-
nente, quando entre nós seguia uma expedição estrangeira —
também commercial — , e que pela forma por que estava orga-
1 Todos 08 exploradores estrangeiros que atravessaram a região da
Lunda de uma a outra costa e do Limpopo ao Zaire, foram sempre au-
xiliados pelos Portuguezes, devendo especialisar-se Livingstone, Came-
ron, Young, Stanley e todos os outros, mesmo os regionaes que conse-
guiram fazer alguns estudos.
222
EXPEDIÇÍO POBTDOHKÍA AO MUATIÂNVDA
nisadn, tinha de certo intuito de permanência e fina políticoí j
que não poderiam sor senSo contrários A nossn influencia.
Pcnsnva-se no accordo a que devíamos chegar com o ne- J
gociante Custodio Machado, quando appareceu em Malu^e A I
cumprimentar a expedição, Xaquilembe, Cacuata da Lunda
com um rapazito seu filho e um companheiro com o titulo de
Muit<!iata.
Estes homens tinham vindo com negocio a Cassanje e sa-
bendo que Be organisara uma expedição para ir visitar o seu
DESCRIPçXa DA VIAGEM 223
Muatiânvaa, entenderam dever oumprimentíUla e dar noticias
do estado em que se encontravam os caminhos.
I^omos informados de que Xanama, o Muatiânvua que o Dr.
Buchner visitara; já não existia nem tão pouco o que lhe suc-
cedeu; que Xanama receando que o illustrado explorador pai^-
ticipasse a Muene Puto que fôra roubado nas terras do seu
grande quilolo Anguvo, próximo do Cassai; despachara uma em-
baixada para o Ânguvulo; governador em Loanda, a quem
mandava um grande presente e dizer-Ihe: — que elle não man-
dara fazer tal roubo, apesar de não ter gostado d'aquelle inguerês,
porque dizia mal de seu amo Muene Puto; que elle desejava
que Muene Puto lhe mandasse filhos seus, brancos, mas não
inguerês, para ensinar seus filhos a fazer as bonitas cousas que
dos suas terras tem visto, etc., etc.
A embaixada era composta dos Cacuatas — Toca Muvumo,
Muzuóli, CarungongO; Ludui^o com grande comitiva que guar-
dava o presente, que se compunha de cincoenta dentes gran-
des de marfim, um anSo, uma onça viva, escravos e as cargas
de borracha que estes transportavam.
A embaixada gastou mais de um anno em viagem porque
tivera conflictos com os Qmôcos nas margens do Chicapa, e xú-
timamente estava demorada nas ambanzas dos sobrinhos dos
fallecidos Muhungo e Cambolo que se julgavam com direito
ao jagado de Cassanje, na margem direita do Cuango.
Os Bângalas não consentiam qu6 elles fossem com os pre-
sentes para o governador, porque diziam: só o seu jaga é que
pode fazer taes presentes e elles estavam-se preparando para
fazer uma guerra ao que está na posse do estado.
Tiveram ahi os Cacuatas noticia que fôra morto Xanama, e
por isso díspuzeram do presente a favor dos Bângalas, sup-
pondo que estes os auxiliariam a fazer uma guerra aos Quiôcos
que lhes quizeram impedir a passagem.
Os Bângalas receberam os presentes, e não se tinham decidido
a fazer tal guerra de modo que os Cacuatas agora temiam vir
dar o recado do Muatiânvua ao Anguvulo por não terem o pre-
sente de que esperavam a compensação . e temiam volver á
224 EXPEDIÇÃO POKTDOUHZA AO HUATIINVOA
MuGBumba porque o novo Muatiãnvna ee ellee appareceBsem
sein cousa alguma lhes mandara decepar ae cabeças.
Os QuiScoB Babiatu do convite que os Cacuataa fizeram aos
fiãn^las para os guerrear e agora os caminLos estavam cbeioa
de QuiôcoB e todos ob negociadores que por ali passavam eram
victimas da sua selvageria.
Depois de semelhante communicaçao que noa foi~traQsmit-
tida pelo liomem que servira de interprete ao explorador J
Biíchner e que era ami^ d'elles e no-los apresentjira, tratámos ]
de oa interrogar sobre o que era conveniente conhecer para quem '
se dirige para as suas terras e quaes os caminhos que elles po-
diam garantir como de mais segurança para uma grande expe-
dição.
Do que ouvimos concluimos — que o caminho já
) melhor a seguir, e que as casas commerciaes
projectado ^^^
I que Cus- ^H
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 225
todio Machado tencionava estabelecer e as estaçSes que a Ex-
pedição tinha de levantar, deviam obedecer a um plano de
modo que se protegessem reciprocamente; garantindo sempre
as communicaçSes entre si e com Malanje.
O negociante Custodio Machado, como homem pratico e de
espirito patriótico, do melhor grado annuiu a cooperar para o
bom êxito d'este plano e no dia seguinte entregava-nos a co-
pia das instrucçSes que confiava ao gerente da primeira casa
que ia estabelecer na margem direita do Cuango, as quaes sSo
do teor seguinte:
InstmcçOes do negroclante Cnstodlo Hachado
acerca do estabeleéimento da sna estação comineroial
na margem direita do Caango
1.* O fim único e exclusivo do estabelecimento d'esta casa ou estação é
paramente o de exercer o commercio licito com todos os povos que a ella
accorrerem com cera, borracha e marfim, para permutarem por mercado-
rias da Europa; mas muito principalmente para fazer o inicio em grande
escala do commercio da gomma copal, o qual tem sido até &oje desco-
nhecido neste concelho.
2.* Deverá, logo que chegue ao ponto indicado, construir uma casa de
pau a pique, que tenha 50 pés de comprimento por 15 de largo e 10 de al-
tura de paredes, perfeitamente segura e aterrada, destinando-se 25 pés
para armazém de mercadorias e deposito dos já indicados géneros colo-
niaes, e os 25 restantes serão divididos em dois quartos iguaes, desti-
nando um para dar hospedagem a qualquer passageiro civilisado que por
ali passe.
3.* Os géneros coloniaes são acreditados pelo mesmo preço por que
correm neste mercado no acto da sua recepção ; como, porém, para a co-
tação da gomma copal não haja ainda preço estabelecido, eu coto-a desde
já, sendo ella igual á amostra que entrego com estas instrucções ao sr.
Vasconcellos, em 4if500 réis a arroba, quando seja bem limpa de toda
a terra ou barro e que não contenha corpos estranhos; deverá pois com-
prar doeste artigo a maior quantidade possivel a preços animadores, a
fim de que o gentio se possa dedicar á sua procura, sem todavia deixar-
mos de tirar a vantagem em nosso interesse na exploração que nos pro-
porciona este novo ramo de commercio.
4.* Deverá empregar todos os esforços possiveis para animar sem vio-
lência o povo do Xinje a empregar- se na conducção das cargas do com-
226 EXPEDIÇ20 PORTUOCEZA AO mJATIÂNVUA
mercio, n2o b6 para Malanje, como para o Caiíngala, Miasmábai Im-
buço ou outro qualquer ponto; fazendo-lhe sempre com religiosa pontua-
lidade 08 pagamentos ajustados, para n2o dar motivo a que em seu animo
se possa incutir a menor sombra de desconfiança contra os Portugueses.
No caso de poder conseguir que venham carregadores a Malanje, deyerá^
sempre que seja possível, mandá-los acompanhados de pessoa eerta, a
fim de lhes inspirar confiança e animaç&o, a qual os deverá acompanhar
ainda no seu regresso, pagando-sé-lhe o que se ajustar por tal serviço.
£ conseguindo-se, como espero, que venham a Malanje sem repugnância
e com carga, empregará boas diligencias para os convencer a receberem
aqui o pagamento do seu Credito, n2o s6 porque acho isto mais vantajoso
ao meu interesse, mas ainda por ser assim melhor para elles poderem no
meu estabelecimento, e á sua vontade, escolher o artigo que mais possa
ser do seu agrado, para lhes satis&zer o pagamento ajustado.
Desejo, emfim, para coroar de bom êxito e florescimento este meu ar-
riscado emprehendimento, que se mantenha sempre a boa paz e a boa
harmonia com todos os povos gentios, não só com os que residem no per-
curso do trajecto, como com aquelles do logar aonde a casa vae ser esta-
belecida, e ainda com todos aquelles povos das circumvizinbanças; é este
um especialíssimo assumpto que eu muito recommendo á sua attençâo,
para que seja religiosamente observado, a fim de podermos manter sem-
pre as melhores relações com esses povos, sem que nunca possam ter mo-
tivo a pôr embaraços a quem quer que seja que por essas paragens possa
transitar.
5.* Os sacos em que me fizer remessa de borracha, que comprar, de-
verão ser feitos de mabella, por ser mais consisteute e duradoura que nSo
é a linhagem. A gomma copal deverá ser acondicionada em uma espécie
de caixote feito de hastes de bordáo cortadas em troços conveniente-
mente desbastados, de modo que o seu transporte seja fácil e commodo
ao carregador, sem que a gomma possa aqui chegar esmigalhada. A cera
deverá, como é costume, ser fundida em gamellas.
6.* £ de toda a conveniência que ao porto de Muêto Anguimbo afflua
o máximo movimento, sendo necessário como o do maior e mais seguro
transito do caminho que meu irmão abriu quando á frente da nossa Ex-
pedição Commercial se dirigiu á Africa central e equatorial; e para se
evitar quanto possível a falta de canoas que facilitem promptai^ente a
passagem do porto no Cuango, deverá comprar até três canoas grandes
e boas, que sirvam a dar com segurança transportes a cargas e pessoas
de uma a outra margem, podendo, para as ter sempre promptas para
tal fim, engajar o máximo numero de pilotos que forem precisos.
7.* Fica auctorisado o sr.VasconcelIos a comprar até quatrocentas pelles
de lontras finas e boas, bem como algumas de onças grandes, sendo umas
e outras sem defeitos. Também me comprará algumas quitecas, differen-
DESCRIPÇXO DA YUGEU 227
tes armas e arcos gentílicos, mulcmgueê-çuingundoõ e outras mais curio-
sidades que o gentio costuma fazer, e que veja podem ter algum mereci-
mento na estima dos europeus. Comprará igualmente até mil mabellas,
mas que sejam das mais largas e mais compridas que possam ser, rejei-
tando todas as que forem curtas e estreitas.
Finalmente, tudo o que vir que inspire interesse e curiosidade, quer
sejam trabalhos feitos pelo gentio em madeira, ferro, osso ou marfim,
quer mesmo animaes vivos que se possam possuir, sem lhes sacrificar a
vida e que por cá não haja ou nem sequer tenham sido ainda vistos,
poderá comprar, não sendo caros.
8.* Não poderá fazer vendas fiadas, devendo todas que realisar ser
feitas com o pagamento á vista.
9.* Náo poderá o sr. José António de Yasconcellos ter negócios particu-
larmente seus, porque sendo, como é, meu empregado, recebendo como tal
o ordenado de 15JÍ000 réis mensaes a seco, a contar da data em que le-
vantar para o seu destino, e mais õ por cento do valor dos géneros que
permutar e me despachar para Malanje, náo é justo que distraia a sua
attençáo, em prejuízo dbs meus interesses; além d^isso, se os seus bons
serviços, zelo, cuidado e honradez recommendarem uma qualquer grati-
ficação, ha de lhe ser dada sem repugnância.
10.* Em caso nenhum poderá despedir-se do meu serviço sem que pre-
viamente me avise de tal resolução, a fim de poder com antecedência pro-
curar outro empregado, a quem então fará entrega, por balanço, do que
houver cm casa, devendo esse balanço ser por ambos assignado.
11.* De seis cm seis mezes prestará um balanço exacto do movimento
da casa, para o qual deverão ser descriptas todas as compras e outras
despezas que se fizerem.
12.* Fará quanto possível para todos os mezes me remetter os géne-
ros coloníacs que tiver permutado, quer por carregadores Bondos, que
mandará engajar, quando não for possível fazer o despacho por Mazio-
jes, quer por outros de confiança e pontualidade.
Nos dias 14 e 15 de julho prcparou-se devidamente a sec-
ção que partiu na madrugada de 16. Foi estabelecer-se em
And^la Quínguângua uns 17 kilometros a NE. de Catalã, ulti-
mo ponto onde a nossa auetoridade estava exercendo de facto
a sua jurisdicção, e a 58 kilometros da villa de Malanje.
Este sobado já pertence ao jaga Andala Quissúa e tanto
d'este como dos povos visinhos nos occuparemos em occasiSo
competente.
Por agora diremos que em 24 de julho já o ajudante da
228 BXFKDIÇZO POBTOGDEZA. AO HCATliVTOi.
Expediç3o hospedava o melhor que era possivel o chefe da
expediçfto allemS que seguira ao couce da mesma.
Ob sobas das immedíaçSes da villa, Muhieba, Âmbango e
Ãngonga apresentaram alguns carregadores para o transporte
de cargas de Gazengo para Malanje e d*aqui para aquella es-
taçSo, que se denominou — 24 de Julho — e apesar da poucos
a mudança ia-se fazendo, emquanto continuávamos nas diligen-
cias de obtel? carregadores para a Mussumba, o que deu logar
a visitarmoe e entretermos relaçSes com diversos sobas do con-
celho, colherem-se boas informaçRea e fazerem-se trabalhos de
reconheúda necessidade e de ntto menor importância.
DSaCBIFçXo DA VIAGEM
O QUE ERA MALANJE
No atmo de 18&7, ainda
as terraB d'e8te concelho,
que é Tastiasimo, estavam
repartidas por diversos so-
bas já avassalladoB, muitos
d'elles, aoB presídios de
Ambaca e Duque de Bra-
gança.
Os Songos tiveram aqui
três sobados importantes
sendo o superior, o do
lembe, da &milia de Qui-
binda que se estabeleceu
no Bul junto ao Cuanza,
quasi na confluência do
CuJji, indo elle depois oc-
cupar aa terras do Quesao,
sujeitando-se aos dízimos
e serviço forçado no presí-
dio de Ãmbaca até ao anno
de 1850.
O Sonna, que já em 1828 se suppSe residia no Lombe,
como o seu povo deixasse de lhe obedecer com a mesma hu-
mildade depois que elle se avaseallou ao presidio de Ambaca,
230 EXPEDIÇZO PORTUGCEZA AO MUATllNVnA
mandou uma embaixada ao chefe declarando, que estava prom-
pto a pagar o dizimo á Nação e apresentar gente para o ser-
viço do presidio ; mas que determinasse que um delegado seu,
fosse residir junto d'elle com a necessária força para chamar á
ordem os seus súbditos que estavam procedendo onuito mal
depois que as suas terras passaram ao dominio da Coroa.
Franòisco Gomes, sobêta que viera de Cassanje e f8ra mo-
cota do Calandula de Ambaca, D. JoSo Damião, foi estabelecer-
se, com o titulo de Calandula, mais para leste do presidio e
d'elle um pouco distante no Jungo, terras do gentio Quiluanje-
quiá-Samba. Teve questSes com este e foi expulso do sitio pe-
lo povo.
Em 1838 sendo occupado o Duque de Bragança pela nossa
auctoridívie, Francisco Gomes e os seus fugiram com receio de
serem castigados e espalharam-se por Ambaca, Pire e terras de
Bondos de Andala Quissúa; indo Gomes primeiro para Cahon-
go e pouco depois para Camueia, Lombe de cima^ onde se
conservou até 1840. É depois doesta data que foi a Loanda,
pedir ao governador da provincia para se estabelecer em
Angola Luije, terras do soba Quifucussa (Bondo), declarando ser
elle o Calandula de Ambaca, de quem se não conhecia o pa-
radeiro havia muito tempo, e que gosára de umas certas isen-
ções do nosso governo pelos bons serviços prestados por um an-
tepassado nas guerras contra o Sonho, a que já nos referimos.
Foi elle recommendado pelo governador ao chefe do presi-
dio do Duque de Bragança, José Vicente Duarte, que o acom-
panhou até ao quartel da divisão do Lombe e lhe cedeu terras
no Matete além do Lombe limitadas pelo riacho Quingungo,
próximo da residência do soba tambera Bondo, Quicunzo-quiá-
Bembe, onde se estabeleceu com os seus, e onde estava uma
divisão de Moveis a quem Quifucussa, visto ser considerado
gentio, tinha de pagar os dizimos, emquanto elle Calandula era
dispensado de tal pagamento.
Esta concessão fora feita, não podendo elle passar o Lombe
nem tão pouco o Quesso, e como acceitasse, foi d'ahi em deante
considerado Jaga.
DESCRIPÇZO DÁ VUGEH 231
Morreu Gomes em 1848, tendo sempre vivido bem com as
anctorídades portnguezas.
Snccedeu-lhe D. Gonga Catalã que em 1849 foi castigado
pelo chefe do presidio do Duque, por abusos e faltas de res-
peito ao chefe da divis&o do Lombe, Joaquim José da Motta ;
e os seus macetas temendo que se perdesse aquelle estado
pelos atrevimentos de Calandula, destituiram-no e elegeram
para o substituir a D. António Agury que continuou no mes-
mo sitio.
A este ainda succederam Paulo Muânji e Bartholomeu Gar-
cianno, que sempre andaram em boa harmonia com as nossas
anctorídades.
Actualmente existem Muânji e Camuiri no concelho de Ma-
lanje residindo não mui distantes ao norte da villa, sendo o
primeiro competidor do outro e ambos se teem acceitado como
Calandulas por conveniência da tranquilidade publica e para
evitar conflictos entre elles, pois dispõem de muito povo.
Um e outro se tomaram protectores e acoutadores de Am-
baquistas e serviçaes que teem fugido, os primeiros ao alista-
mento militar e os últimos ao trabalho que a lei lhes imp5e.
Os Calandulas hoje apparecem por toda a parte, porque
adoptaram o uso gentílico, do representante usar o titulo de
representado ; é este um meio de se attríbuirem ao verdadeiro
as faltas e mesmo crimes, praticados por individues que se
servem de taes títulos.
O verdadeiro. Calandula reside no Songue, próximo das ter-
ras do Congo, é descendente da Lunda, vive em boa harmonia
com o rei do Congo e diz-se súbdito do rei de Portugal.
É dos seus dissidentes e que contra elle se rebellaram, que
partiram os actuaes que teem residência no Duque, no Jongo
á margem do Cuango, e os dois em Malanje : o Muânji entre o
rio Lombe e morro de Ambango, já no seu extremo a leste pró-
ximo á villa, e o Camuiri a norte do mesmo morro na margem
direita do Lombe próximo da confluência com o Lutenga.
Qualquer d'elles está abusando hoje muito das consideraçSes
com que por necessidade, teem sido tratados pelos chefes dos
BXFEDIÇZO POBTCGUEZÁ AO HCrATUNVIlÁ
conoellios, e muitas tSa as repreeentaçSes qae vSo ^parecendo
contra o sen mau procedimento e mesmo roaboa que os mos
snbordinadoa estão faseado ás comitÍTas de commeicto que
teem de transitar por aquelles legares.
O soba Quifucusaa, pertencia ao sobado Bambe-iá-CaTÚnji
de além do rio Cnaozs e veiu com os sons subordinados
Quenzs, Cambambe e Quissama-quiá-Bambe, occupar as terras
em que hoje estilo, limitadas pelo rio Angola Luijt e que se es-
tendem até Angola Bole, por conoes-
bSo de Ãadala Qoiasúa, a quem Qni-
fucussn se avassallou, sendo a popa-
laçilo angmcntoda pelas relações qae
os seus povos estreitaram com os Bon-
des, com os quaes se aparentaram
ainda por condescendência do mesmo
' Andala Quissúa. Estes povos foram-se
espalhando para as bandas do norte
entre o rÍo Cambo e seus affluentes
occidentaes.
O Andala Samba é de descendência
da Jinga. A ello concedeu o chefe
Juatino Feltro de Andrade terras do
(,'aiiiirc até ao Buizo com a condiçSo,
de vigiar pela segurança dos cami-
nhos, por serem ji muitas as queixas
que tinha do commercio contra sal-
teadores que atacavam as comitivas
de Calimdo até Cabanza, e também
de construir e conservar as passagens
sobre riachos e outras linhas d'aguas.
Já depois de estabelecidos todos estes sobas, vieram do Cod-
go-Ambango, Angondo, Mungongo, Momo, Caiongo, Cam-
buuje e Malenga, que estão próximos á villa a norte d'e8ta,
estendendo-se para leatc.
Próximos a estes e mais visinhos da villa, residem o Muhie-
ba e Angonga, parentes que vieram já de Quiríma entre o
DE8CRIPÇS0 DA VIAGEM
233
Soiigo e Tala MugODgo e sSo de descendência do Libolo, e tam-
bém Caliitanga que usa malunga *.
Tanto estea como oa anteriores consideram o Ambango do
cathegoria superior, e dizem ser a um dos seus antepassados que
se deve o estado dos Bambciros o que tal ora a sua fama que
deu o seu nome Ambango ao morro que limita a villa pelo
norte, do alto do qual, der
poia de uma ascenção de
800 ou 900 pés, os dossob
infatigáveis e ousados ex-
ploradores Capello e Ivens,
avistaram as penedias de
Pungo Andongo, os montes
de Ambaca, a sen^a Mu-
liuugo ao norte e o Cuanza
serpeando entre verdejan-
tes planuras ao sudoeste*.
Também de descendên-
cia da JingH, se estabele-
ceram junto ao Cuanza e
Cuiji de um c outro lado,
limitando o concelLo pelo
sudoeste os sobadoB — Qui-
táxÍ,Cabila, Andungo, Am-
bumba, Ambila, Cumassa
e Quissonde ; e maia tarde
passaram a ser denominados povos Masmelaa.
Foi depois de 1857 que todos ostee povos se r
formar o concelho de Malanje, até abi um c abado'
BB aggregaram também outros povos, mais a leste do Cuanza
para
' Bracelete de metal, digtinctivo Lonurifico eutre os súbditos do rol
do Congo.
B Btnffutlla át ttrra» de laeca, Tol. tt, cap. xt, pag. 41.
pendência do presidio do Ambaca, de que era auctoridade um
234 EZPEDIÇIo POBTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
para o norte; contando-se entre estes os dos sobas — Anjinji,
AnjiO; Calunda; Camulemba; Quiombo, Fila Cassanje, CiingEi
lanza Páti, a sueste; e mais os Songos — Sáti, Quitamba, Ca-
hombo, Quimbamba, Capuco e outros marginando o Coiji até
á sua confluência com o Cuanza; e ainda Quipacassa, Cam-
bondo; Muquixi; Catalã, Andala Samba, Ânzáji, etc., pelo
lado do norte.
A constituição d'este concelho era' de reconhecida necessi-
dade depois de 1850, anno em que o fallecido Major Salles
Ferreira por determinação do Governo teve de ir com uma
expedição bater os Bondos, depor e mais tarde prender o jaga
Andala Quissúa ; collocando em seu logar o Quissúa Camuáxi,
e mezes depois, bater o jaga Ambumba, de Cassanje, que fu-
giu para a margem direita do Cuango, collocando também em
seu logar o jaga que o povo elegeu.
Alguns sobas de Malanje por essa occasião tiveram de ser
castigados e entre elles se menciona o Muhieba, antecessor do
actual, que apesar de avassallado fazia causa commimi com os
rebeldes, atraiçoando -nos.
Os castigos que soffreram Muhieba e Andala Quissúa foram
na verdade terríveis, mas de grande effcito, porque ainda hoje
se falia nelles e com respeito pelas nossas armas. Um dos so-
bas foi amarrado a uma boca de fogo que se fez disparar em
seguida ficando o padecente surdo durante o resto da sua vida.
Dizem os descendentes de Muhieba que fora este o castigado,
porém Andala Quissúa, com quem estivemos e que era tão
surdo como velho, contou-noH ter sido elle quem soffrêra tal
castigo e que depois jazera muitos ânuos preso numa masmor-
ra em Loanda, mas injustamente.
Fosse qual fosse o castigado, é certo que o castigo impoz a
todos os sobas vizinhos a sujeição ás nossas auctoridades ,
ainda as de menor graduação; e os sobas do Lombe, Calan-
dula e outros mais- obstinados, foram modificando os seus cos-
tumes gentilicos e toniando-se mais obedientes.
Nas ultimas guerras de Cassanje, de 1857 a 1862, é certo
que as nossas forças encontraram ja nestes povos grandes au-
DESCBIPÇXO DA TUGEM
xíliares, e alguns como o Ambango e vizinhoa, e ainda ob do
Lombe e os do sut prestaram importantes serviços nas con-
BtrucçSes passageiras com que se julgou dever fortificar a vílla
pelos quadrantes de leste, e todos concorreram para a mana-
tenção da tropa que aqui se reuniu em avultado numero.
É depois d'iato, infelizmente, quando tudo estava bem dÍB-
posto para se dar um ataque a Cassanje que veiu a ordem para
se suspenderem as hostilidades e retirar toda a força, o que no
animo d'aquelle povo nos desprestigiou bastante, tomando-o
até insolente e atrevido para com os negociantes europeus;
porque a este facto acres-
ceu voltar o concelho de
Malanje a ser dividido no-
vamente em cabados, aban-
donando-se o que já tínha-
mos dominado a leste.
Ao gentio nSo passam
despercebidos factos d'eBta
ordem, e nós ouvimos muita
vez dizer A gcraçito mo-
derna, que Muenc Puto &
amigo de Cassanjo, porque
sabendo que as guerras que
houve com Cassanje foram Ci.
motivadas pelos seus filhos
negociadores, mandou reti-
rar todas as suas forças, e nHo quiz que ellcs pagassem as
mortes que fizeram.
Se elles teem a esperteza para com taes palavras se mos-
trarem amáveis, é para acreditar que aos indigenaa da pro-
víncia, e mesmo ao gentio seu vizinho, digam — nada temos a
receiar dos soldados de Muene Puto, porque já lhe matámos
muita gente e elle nSto teve coragem para fazer vingar essas
mortes. Miiene Puto bem sabe que somos valentes e os seus
soldados, quando cú chegarem, já não teem força para nos
guerrearem.
236 EXPEDIÇÃO POKTUGUEZÀ AO MaATIÂNVUA
Oa CassanjeSy ou, como é mais vulgar, os Bângalas, estXo
abusando muito da indiffercnça com que temos olhado para o
seu procedimento depois das ultimas guerras. E o peor é que
os mais ousados dos nossos aventureiros africanos, que acom-
panham comitivas de negocio no sertào, onde elles cstSo disse-
minados, tendo de proceder na resolução de pendências com
08 povos indígenas conforme lhes lembra e segundo os recursos
de força de que podem dispor, díio causa ás expoliaçSes e se*
questros das comitivas, feitos pelos Bâugalas cujos prejuizos
vão recahir sobre as casas cí>mmcrciaes que as abonaram.
Houve eiíifim um governador que reconheceu a necessidade
de se constituir de novo o concelho de Malanje e de ahi collo-
car uma auctoridade idónea com um destacamento da primeira
linha para poder sustentar a sua auctoridade; porém ainda
d'esta vez os limites doeste concelho foram marcados cm vir-
tude de informações pouco fidedignas, informações segundo
a memoria dos indígenas, no que sSUo pouco felizes. Muitas vc-.
zes, se não deturpam, inventam nomes, principalmente os Am-
baquistas, porque consideram desairoso mostrar que ignoram
o que se lhes pergunta.
Para elles, distinguc-se o homem do bruto em que este é
um ignorante e nHo falia, só para não se dar a conhecer.
Xâo havendo hoje melhores eschirecimentos do que aquclles
que obtivemos sobre as confrontações do concelho, apresentá-
mos, em presença da carta dos nossos beneméritos exploradores
Ca})ello e Ivcns, os limites por aecidi^utes naturaes que mais se
approximam d'aquell(is como verdadeiros; mas o que não offe-
rece duvida ó que se devem acceitar de preferencia os accidentes
naturaes, ou entrio proceder-se desde já ao levantamento geodé-
sico e topograpliico de toda a província de Angola por pessoal
competente, e sobre essa nova carta fazercm-se as demarcações
dos concelhos de modo a ficarem bem definidos os seus limites.
A serra Tala Miigurigo limita o concelho pelo lado de leste,
a começar pelos Songos, e seguindo com esta, esse limite vae
até ao extremo norte do monte Ambango, que fica approxi-
madamente na altura do porto Audala Maquita, no rio Luí.
^^*Hr~^
DESCRIPÇXO DA VUOEM 237
D'aquí faz-se a demarcação norte, cortando o rio Cambo até
á serra da Jinga, separando as terras doesta dos Bondos de
Andala Quissúa. O limite de oeste comprehende as monta^
nhãs do Duque de Bragança^ rio Lucala e segue pelo seu con
fluente Muquixe até Calundo, no Lutete, para continuar com
este e passar ao Lombe até á sua confluência com o Cuanza;
sendo o Lombe e o Lutete que separam este concelho do de
Pungo Andongo. O limite ao sul é a parte do Cuanza, entre
o Lombe e o Cuíji, seguindo depois este ao Songo.
As demarcações que nos apresentaram comprehendem nomes
de riachos e de sobas, que pela sua pouca importância, carta
alguma por emquanto pode d^elles dar noticia. Seria muito
necessário uma carta regional para se marcarem devidamente.
Os limites que acceitâmos e que se não afastam muito dos
que se consideram oíBciaes, abrangem um território com uma
área muito approximada de vinte e um mil e seiscentos kilo-
metros quadrados.
Uma zona de tanta vastidSlo, que abrange a maior parte da
região altoplana da nossa provincia, a norte do Cuanza, consi-
derada phytogeographicamente, distingue-se da zona littoral
e intermédia pela immensa variedade da sua grande vegetação,
multidão de plantas aromáticas e bulbosas, luxuriante verdura
de seus extensos descampados e particular elegância de mui-
tos vegotaes, tanto herbáceos como arborescentes ; considerada
ethnographicamente, é a mais complexa pela grande variedade
de povos que hoje a habitam, de procedências mui diversas,
mas que pelos seus usos, costumes, artefactos e dialectos mos-
tram que tiveram uma origem commum, de que se foram des-
prendendo em dififerentes epochas, para aqui muito mais tarde
e depois de terem experimentado varia fortuna se tomarem a
reunir, sob o nosso dorainio, em condições mais favoráveis para
a sua civilisação.
Offerece esta região notáveis vantagens, porque o relevo do
seu terreno e a sua abundante rede fluvial torna-a o mais apta
possível para se estabelecerem colónias agrícolas, tanto de in-
dígenas como de europeus.
238 EXFEDlÇlO POBTDGDEZA AO MCATIÍNVUA
Numa regiílo como esta, ha, pois, muito que estudar, tanto
sob o pODtO de viata scientlfíco como no de sua administração,
e eo o camiulio de ferro aqui chegar, mais urgentes se tornam
estes estudos para se conhecerem todas as aptidííes do seu solo
e as snaa condíçfíes de salubridade. Pode mesmo prever-ee que
80 devem fundar aqui quintas de recreio dos negociantes quo
vivendo no littoral, d'ali se retirem na epocba daa chuvas, que
£ 8 mais doentia.
^^C^ DBSCRIPgXO DA VIAGEM 230 ^^^H
CAMINHOS ^H
^^^^^B^^^^^H^a^H
^H
A s<;de do con- -^^^
'^^^H^HjH
celho, a que temos ^^^H
chamado villa, es- ^^H
tá situada entre O" ^H
'^^HB^pHwB
Ití' 10" de lat. S. ^H
<lo Equador e IG" ^H
15' 0" de long. E. ^H
,rgájí - "^■HhI
XA<i é innita ^^H
Be ^^^^^^H
1 ^jtt^H
[jola sua plan- a^^^^^^f
t^i, i' assenta snbrt) ^^^^^^^^h
<uii planalto ^^^^^H
metros acima do ^^^|
nível do mar, mé- ^^M
y^ÊÊ^^^S^^~~^^^^^B^^^^^^^^^
dia da rigorosas ^^^|
observaçcles hyp~ ^^^M
Bometricas e baro- ^^^H
^^Ê^^^Ís^^^^^M
A 9iia maior ex- ^^M
lens;1o é de W. ^^H
^^^^^^^B^s^- ^
pnra E., tendo a ^^M
•'ntrada a NE. e ^^H
Mt^M
sahidas pelo SE., -^^Ê
E. e íiW. por ca- ^^M
njinhos deiínidos, ^^M
([tie se dirigem, o ^^^H
KT '* ^'^ Pk^^SH^^^^^^^I
primeiro, através* ^^H
sando uma exten- ^^^^^H
1
240 EXPEDIÇZO POttTUOUESA AO miATllHVUA
^mm*A-
sa floresta das mais ralas e buzas, em que abundam as aca-
cias, a Quipacassa, e segue d'ahi passando sobre o Luzimbe,
afluente do Cuíji, para Catalã, logar em que se estabelece-
ram, e em suas vizinhaiiças, casas filiaes do commercio de
Malanje; o segundo, seguindo até certa altura com o rio Ma-
lanje, diríge-se para Cahombo, logar onde ha pouco tempo se
fundou a colónia penitenciaria Esperança, instituição do Oo-
vemador Ferreira do Amaral, e estende-se até ao Cuiji, pró-
ximo da sua confluência com o Cuanza; o terceiro a conver-
^r para o Cuiji, acompanha-o depois até Anjínje-á-Cabári,
Quissole e Angio, d'onde partem ainda outros caminhos, indo
um pelo Anzáji-á Catalã, outro pelo Chissa, Andala Samba,
etc., e um que se pode dizer o prolongamento do que parte
da villa, passando o rio Cuiji vae para o Sanza, Songos, etc.
Só este caminho de Malanjè ao Quissole é que se pode dizer
mereceu a attençSo da auctoridade, pois lembra uma estrada
de ordem inferior para vehiculos, e que certamente foi devida
ao estabelecimento de casas de commercio no Anjinji e Quis-
sole. Tem 14 kilometros de extensSo.
O caminho do leste, que se dirige para a colónia Esperança,
tem de extensSo 22 kilometros e é muito accidentado, ficando
a colónia numa altitude um pouco inferior á da villa. Neces-
sariamente, se a colónia tiver o desenvolvimento que se espera,
este caminho em pouco tempo se transformará numa estrada
nSo inferior á do Quissole.
Pelo que respeito ao caminho de Quipacassa, só mais tarde
se pensará eertameute em melhorar as suas condições de viaçSo,
porque quem mais o frequenta hoje é o gentio. É este cami-
nho o que oífcrece menos diíHcuIdades quanto aos accidentes
do terreno.
Os sobas prestam- se de boa vontade a dar a gente que for
necessária para os trabalhos, e ha grande vantagem de se eu*
curtar a distancia para a regiSLo dos Bondos de Andala Quis-
súa, hoje vassallo de importância, e com o qual convém manter
estreitas relaç(!le3.
A maior parte das habitações eram de construcçFto rudimen-
descripçao da vugek 241
tiar, com as paredes de adobe, coberturas de capim e piso de
terra batida ou piloada, ou de pedra mal britada. As que td-
timamente se estSo construindo merecem muito mais atten^
da parte dos proprietários, que teem em vista os commodos de
que elles e suas familias precisam, pois as fazem para sua ha-
bitação e para nellas arrecadarem os valores que teem de ne-
gociar.
Outr'ora consideravam- se as habitaçSes apenas como aloja-
mentos provisórios, que durassem o tempo indispensável para
o negocio de uma factura, pois na terra faltavam ao europeu
todas as condições de habitabilidade e os recursos que a ci-
vilisaçSo reclama ; e os governos, diga-se em verdade, nem pen-
savam em' semelhante localidade senão para censurarem impli-
citamente os que se expunham a vir fazer negocio entre o
gentio, declarando sempre que não podiam dispor de forças
militares indispensáveis para aqui manter a nossa auctoridade
e prestigio.
Hoje, quem faz uma casa é já pensando que nella tem de
permanecer por alguns annos, porque as illusSes com respeito
ás rápidas fortuna» desvaneceram-se, e quando possa retirar,
o custo da casa já está reembolsado, e vendendo-a, qualquer
preço que alcance é sempre bom lucro.
As coberturas de capim, sobre dispendiosas, offerecem pe-
rigos em caso de incêndio, e são incommodas por deixarem
passar as. aguas. Com grandes diíBcúldades luctaram os que
primeiro tentaram substitui-Ins por telhas ou feltro, o que além
de exigir despezas de transporte, requeria um madeiramento
nas devidais condiçSes.
Tendo cm attenção estas necessidades pensou-se, e bem, que
nos arredores da villa existiam, em grande quantidade, boas
madeiras e barros e que também havia a* alguma distancia boa
pedra calcarea, e portanto empregar um pessoal de modo a
aproveitarem-se estes recursos era o verdadeiro caminho a se-
guir e assim se fez.
Com respeito a" carpinteria e mesmo marcenaria vimos já
obras de alguma importância como — portas, janellas, armações
242
EXPEDIÇZO POBTDQCEZA AO miATllNTUA
de lojas e de coberturas em boas condições, e com uma tal ow
qual perfeição; cadeiras de assento de palba entrançada, mesas
e commodas, tudo envernizado, o que nos causou admiraçSo;
calhas, curvas para rodas e diffcrcntes peças de madeira para
machinas e carros completos próprios para bois.
De serralheria também vimos ferragens, fechaduras, cha-
ves, enxadas, picaretas, estribos, etc, e se nlo perfeitas, aa-
tísfazendo aos fins a que s3o deatinadas.
Quanto a otária, já se fabricam tijolos, ladrilhos e telhaa,
industria iniciada ha pouco, mas que a pratica ha de muito
DESCBIPÇAO DA VIAGEM 243
melhorar; panellas, bilhas e outros ntensilios caseiros já o gen-
tio os fabricava.
Com respeito a cal, obtivemos mna pequena amostra de uma
experiência que se fizera ultimamente com pedra calcareai
que se diz fôra trazida das bancadas de rocha onde estSo aber-
tas as fumas do Caeolo Calombo. Estas bancadas pelo fiEu^to
de estarem um pouco distantes da villa, nSo teem merecido
ainda a attençSo da iniciativa particular que certamente tira-
ria proveito da sua exploração, contribuindo para melhorar
consideravelmente as condições de solidez, aceio e bem estar
nas habitações onde este material fosse utilisado.
Por mais de uma vez estivemos para ir ver estas fumas tSo
afamadas, e que sâo visitadas quasi sempre pelos forasteiros,
que confirmam nellas existir calcareo em abundância e de boa
qualidade, porém circumstancias imprevistas nos desviaram
sempre d'este nosso intento. Foram todavia tSo minuciosas as
informações que d^ellas nos deram, que não duvidámos repro-
duzi-las.
Caeolo é uma montanha que fica próxima do rio Lombe e
a oeste de Malanje uns 26 kilometros.
Passado o rio sobe-se facilmente ao planalto, e uma vez ahi,
percorrendo algumas ondulações, encontra-se no terreno uma
abertura de forma circular, que dá entrada para uma depres-
são natural, ao fundo da qual se chega por uma rampa, que
a certa altura é cortada quasi verticalmente, obrigando o visi-
tante a um salto de mais de metro e meio.
Âpresentam-se então na frente as referidas fumas, cuja en-
trada espaçosa faz lembrar as cryptas abobadadas dos antigos
templos. Consistem estas num grande recinto dividido á frente
por dois grossos pilares ou esteios, que supportam o tecto, o
qual arremeda na forma um barrete de clérigo. Este recinto
mostra-se dividido em três lanços, um central e dois lateraes.
Uma outra parte da abobada, partindo dos pilares para dentro,
está ligada a \un. grande macisso central, o qual se prolonga
para o interior, formando com as paredes lateraes da grata
duas escuras galerias abobadadas.
244 EXPEDIÇÃO PORTUOUEZÀ AO MUATllNVnA
Calcula-se que a distancia entre os dois pilares da entrada
será de mais de dois metros, e d'e8tes ao macisso ha pouco
mais ou menos um espaço igual, sendo a largura das galerias
de pouco mais de um metro. Estas no principio recebem luz
por umas aberturas de forma irregular, que existem superior-
mente, e que por certo sSo já trabalho intencional, devido a
explorador mais curioso que tentou conhecer como acabavam
essas galerias.
A altura doesta gruta natural calcula-se que seja na entrada
de seis metros, e assim se conserva pouco mais ou menos até
onde teem penetrado os visitantes mais audaciosos, isto é, uns
vinte metros ; e affirma-se que as paredes sSo muito secas, es-
branquiçadas e sem uma fenda. O piso, e ainda a mesma ro-
cha, sSio de superfície* desigual. As luzes, devido provavel-
mente á presença do gaz acido carbónico, apagam-se á medida
que se penetra para o interior, por já não haverem abertu-
ras no tecto das galerias que facilitem a sua ventilaçSo, e os
visitantes recuara sempre com receio de animaes ferozes, sendo
os primeiros a retroceder os indígenas, logo que as luzes que
elles levam para alumiar o caminho se apagam.
Vêem-se indicies de ahi penetrarem animaes, e ha quem diga
ter lá visto cacos de louça de barro e cascas de diversos fructos,
o que n2to pode deixar de attribuir-se á reuniSio de alguns in-
digenas, que escolheram aquelle logar como refugio ou abrigo.
Todos são unanimes em que a certa distancia da entrada se
ouve um rumor surdo, que se attribue á presença de animaes no
interior da caverna. Por cima existe alguma vegetação, e rareiam
as arvores, sendo delgada a camada de terra. Aqui e acolá
veera-se montículos de pedra calearea de aspecto esponjoso *.
1 O ultimo chefe da colónia penitenciaria resolveu-se a cxpbrar o fa-
brico da cal, e chegara mesmo a fazer alguns fornos ligeiros á america-
na ; e foi por essa occasiao que recebeu ordem para retirar, porque a co-
lónia ia ser extincta. E isto foi um grande mal, porque os habitantes de
Malanje teem de continuar ainda a obter uma barrica de cal do Dondo
por um preço fabuloso.
DESOBIPÇXO DA VIAGEU
PESSOAL DE ADMINISTRAÇÃO E AS MISSOES
inúta-se a um official militar,
sob o titulo de chefe, o funccio-
nalismo Da administraçSo de tSo
vasto concelho. Keune elle en-
cargos diversos taes como : admi-
nistrador do concelho, juiz, com-
mandante militar, delegado do
correio, superintendente de con*
tribuiçSes, oíBcial do re^sto ci-
vil, âacal da fazenda, etc. Ha um
sacerdote, qae além de parocho
na sede, era professor de in-
' strucçtto primaria, com o titulo
de missionário, estendendo-se a
Bua jurisdicçSo ecclesiastica a
todo o concelho do Duque, e,
se hem nos recordamos, chegando mesmo até Pungo Andongo.
O chefe é coadjuvado na administraçSo, cobrança de rendi-
mentos, correio e julgado, por um escrivão, um amanuense,
ura ou dois of&ciaca de diligencias, e no serviço militar por um
cabo, nove soldados e uns seis cornetas I
O parocho tem por auxiliares oa rapazes de maior idade que
frequentam a aua escola.
Presente mento, a comarca de Pungo Andongo alai^u-se ató
aqui, e constituiu-se um jnizo ordinário gratuito com as suas
entidades: e mais confusa e demorada se tornou a administra-
246 EXPEDIÇXO PORTUGUESA AO HUATliHynA
çSo da juBtíça entre o grande numero de povos gentílicos do
concelho costumados aos processos summariosy e ás decisSea
dos sobas, nas suas questSes e que hoje mais se prendem com
o administrativo.
Foi demasiado cedo a applicaçSo das nossas leis vigentes,
no que respeita á administração da justiça aos povos gentili-
cos, que nSo estSo preparados para a acceitarem.
E depois a nomeação dos legares da magistratura para este
novo tribunal, sendo gratuitos, sobre quem foi recahir?
Em negociantes ou agricultores, que pelas suas muitas oc-
cupaçSes, se não podem entreter com os fatigantes trabalhos,
estudos e discussões inherentès a esses cargos, ou então em
homens inconscientes, ainda mais fanáticos pelo feiticismo do
que os próprios gentios, cujas causas crimes lhes são entregues
para as apreciarem e julgarem, e que mais complicam as ques-
tões, quando as não p3em de parte, adiando-as sob qualquer
pretexto, não se esquecendo nunca de expoliarem as partes, á
falta de interesses, porque pela lei poucos são os que podem
auferir.
Temos registados alguns casos, que provam ter havido pre-
cipitação em implantarmos a administração da justiça neste
concelho como a temos na metrópole.
Legisla-se e com as melhores intenções para povos de que se
não tem conhecimento, esquecendo-se os graves conflictos a que
pode na pratica dar logar a applicação de leis que elles nlo
comprehendem.
Entre os povos de um sobado julga-se um caso de feitice-
ria. Morre um, morrem dois ou três indivíduos, arrebentados
mesmo, com as drogas venenosas que os obrigaram a ingerir.
Os cadáveres jazem insepultos nas estradas ou nas proximida-
des, a auetoridade administrativa teve conhecimento do facto,
levanta auto de corpo de delicto e dá-se d*elle conhecimento ao
sub-delegado do ministério publico.
Instaura-se processo, sabe-se quem preparou as bebidas, sa-
be-se quem obrigou as victimas a bebê-las e sabe-se porque
tudo isto se fez. Eram feiticeiros os que morreram.
DESCBIPÇXO DA TIÃGEH
247
O 8ub-de legado, sendo d'ar|ue]lea africanos que acredita pia-
Oiente que o podem enfeitiçar, p8e termo na queatJo nSo tendo
quem inculpar; se o sub-delegado porém é zeloso e insiste
cumprir com os aeus deveres, requer que entre immediata-
mente na cadela o potentado e os do seu conselho, que ordena-
ram ás victimas que bebessem as drogas venenosas, e os que
as prepararam.
à auctoridade administrativa quer cumprir os seus deveres,
e embora com pequena força, lá segue para o sobado.
Kecua, porém, a maior píirte das vezes, porque o povo em
maasa apresenta-se a defender
os usos estabelecidos, que para
ellee silo leis, e os que as man-
daram applicar.
Se o representante da aucto-
ridade é firme e resoluto, levan-
ta-sc um cnnflicto, em que esta
é desprestigiada, se ó que nilo
p5e em risco as vidas e baveres
dos habitantes europeus na sede
do concelho.
Na maior parte das vezes,
pois, os criminosos nilo entram
na cadeia, e continuam incólu-
mes B mesmo mantendo as rela-
çSoB que tinham com ns aucto-
. , , 1 - . . • it TIPO no toxao
ridades administrativas ejudi- j^.^^^^^, ^^^^
ciaes.
Estes casos s3o frequentes; cheg:lmos mesmo a ver na ca-
deia criminosos d'esta ordem, por mandado da auctoridade
administrativa, que foram soltos por determina^ do sub-dele-
gado á falta de provas, quando estas existiam em abundância I
Foi assim melhor.
à prudência ou o medo do feitiço salvaram o concelho de
um estado timtidtuoso, que poderia ser muito prejudicial ao
commercio e i. agricultura.
248 EXPSDIÇXO POBTUOUEZA AO MUATIÍHVUA
Desenganemo-nos — é ainda muito cedo para impormos a
poTOSy que teem usos e costumes muito diversqa dos nossos, as
leis que nos regem. Em Malanje^ nas proximidades da villa
mesmo, adopta-se ainda com mais frequência^ do que além do
Cuango, a antiga praxe do juramento, para se conhecer da in-
nocencia do individuo ou dos individues sobre quem recahem
suspeitas de terem praticado, segundo o modo de ver do gen-
tio, o que chamam crime; suspeitas fundadas apenas nas adi-
vinhações de um homem, a quem recorrem como auctorídade
infallivel em tacs casos.
Estes juramentos, para os mais crédulos, consiste cm tomar
uma beberagem, que ás vezes no mesmo dia lhe p5e termo á
existência. Dizemos para os mais crédulos, porque hoje mui-
tos só o acceitam fazendo-se substituir por cães ou mesmo por
gallinhas. E uma questão de sorte a que se sujeitam, prefe-
rindo ter de pagar, quando esta lhe seja adversa, tudo quanto
possuam, antes do que perderem a vida.
Temos de ser mais explicites sobre este assumpto em outro
capitulo, e por isso nos limitámos a registar que neste conce-
lho e em outros mais próximos de Loanda, e até mesmo
naquella cidade, ainda que ás occultas das auctoridades, tal
juramento se usa entre os indígenas.
Os chefes aqui nâo teem força para fazer cessar semelhante
uso, e um houve que d'ellc se aproveitava quando tinha de
proceder a averiguações, entregando os individues a quem ti-
nha de interrogar, ao soba que cllc mais considerava.
Para os mais timoratos ó certo que este systema dava resul-
tados, porque preferiam confessar a verdade a sujei tarem-se á
prova do juramento, e as partes, como dizem vulgarmente,
acommodavam-se com os sobas, a quem pagavam os respecti-
vos medicamentos (emolumentos) por ter sido arbitro.
O indígena, mesmo o que está mais em contacto comnosco,
prefere as suas penalidades, por mais árduas que sejam, a pra-
tica d^esses juramentos, que para muitos equivale á pena de
morte entre nós, aos nossos castigos de prisão, deportação e alis-
tamento nos corpos do primeira linha da província, e por isso
«
• •
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 249
O chefe^ que os entregava aos sobas para elles decidirem nas
soas questSes^ era o melhor chefe que elles conheceraâi, e
ainda hoje é chorado!
Por aqui se vê que uma legislação especial, em que se inte-
ressassem os sobas e se tomassem os processos mais summa-
rios^ nSo só simplificava a administração,* mas tomava-a mais
económica e menos apparatosa.
Assim prepararíamos estes povos para mais tarde acceita-
rem bem as nossas leis. Que elles primeiro conheçam as van-
tagens e protecção que d^ellas podem advir, e sujeitar-se-hão
a todas as suas disposições.
Também no ultimo anno se dotou o concelho com uma com-
missão municipal e imia junta de parochia, por isso que se re-
conheceu a necessidade de adquirir receita em beneficio do
mesmo municipio, recolhendo em Malanje os impostos que o
commercio estava pagando no Dondo e creando outros sobre
a aguardente, industria apenas iniciada, promettendo grande
futuro, e sobre a qual mais adeante teremos de chamar a at-
tençSo dos poderes públicos.
Não teem dado os resultados, que era de esperar, as mis-
sBes a cargo do sacerdote, e sem intenção de offender quem
está incumbido doeste serviço, e com quem mantivemos boas
relações, devemos dizer a verdade: não os podem dar, porque
elle não comprehende o seu ministério, e d'esta sua ignorân-
cia tira partido a missão americana do bispo Taylor, que na
villa se foi estabelecer.
Como parocho, reduzem-se as suas funcçBes a um officio de
baptisar creanças è adultos aos molhos, a tanto por cabeça,
sendo o minimo 10 macutas (300 réis), na casa que serve de
capella da freguezia. Se tem de sahir da sede, quem o convida
para ir fazer um baptisado, além do transporte paga lOjSOOO
réis fortes. Como é natural, preparam-se-lhe boas refeições e
permitte-se que os povos vizinhos aproveitem a occasião da
ceremonia e o local, para se fazer a colheita das 10 macutas,
que se repete ás vezes com três ou quatro turmas de tantos
neophytos quantos o recinto escolhido comportar.
IT
250 EXPEDIÇXO POBTUOUEZÁ AO HUATTIhVUA
ComnOBCO deu-se um caso, que nSo podemos deixar de re-
giste. Quando regressámos do interior vieram em nossa compa-
nhia ÍEunilias de Ambaquistas, que ha quinze annos estavam reti-
das na mussumba do MuatiânYua^ e traziaiu creanças, e adultos
que desejaram baptisar-se logo que chegaran^.a Malanje. Vi-
nham também creanças, filhas de carregadores da ExpediçSo,
que nasceram durante o tempo da nossa missão, e ainda outiw
que tomáramos sob a nossa protecçSo, a maior parte dos quaes
nSo conheciam pae nem mãe, e que na occasiZo competente
mostraremos com documentos officiaes os destinos que tiveram.
Baptisaram-se ; mas qual nSo foi o nosso espanto quando,
tempo depois, se nos apresenta a couta d'esses baptisados em
numero de quarenta e tantos, a rasSo de 500 réis por cada um !
Verdade é que depois pedimos certidão de cinco, e apesar de
ter ao lado averbada a sua importância (500 réis), tinha por
baixo — grátis.
Foi um generoso obsequio, mas preferiríamos, e era mesmo
mais curial pagar as certidSes e nSo os baptisados.
Três mezes em cada anno, e geralmente antes das festas da
semana santa, faz-se a prodigiosa colheita pelo concelho do
Duque de Bragança, e o officio exerce-se mesmo em viagem,
no caminho onde o sacerdote passa de rede, em que tudo vae
devidamente preparado, e ahi mesmo se baptisam os que recla-
mam o sacramento.
Para o gentio o baptisado é uma ceremonia que lhes agrada
e a que acorrem pressurosos, porque cada um espera do seu
padrinho um bom presente, pelo menos que o vista; e a este
propósito se diz que ha gentios que se teem baptisado por mais
de uma vez, o que engrossa a fonte de receita para o parocho.
Com respeito a casamentos, se bem nos recorda, ha apenas
um registado nos livros da parochia, e a regular pela espórtula
dos baptisados, acreditámos que se façam, como fomos infor-
mados, exigências de cabeças de gado para que o acto reli-
gioso se verifique na capella !
Com respeito á missão do professorado, nSo caminham as
cousas melhor, não obstante aos domingos apparecerem três
desceipqSo da viagem
251
alas de rapazes, qae durante a missa berram despropositada-
mente umas oraçScs, e que se admittern como exploodidoa cân-
ticos.
Alguns rapazes vâo para a aula todos os dias, porém a de-
mora ahi nâo ó grande, e um d'elle8 que melhor comprehen-
deu o professor é o mestre dos outros. O ensino doa Ãmbaquis-
tas produz melhores resultados.
Ora tudo isto é muito grave, e para o que nSo podemos dei-
xar de chamar a attcnçSo de quem compete, porque na mesma
rua da vllla, a duzentos pas-
sos da capei la e escola esta-
beleceu-se a miasSo america-
na, que DOS está ensinando
como ae educa o gentio.
Um dos missionários tra-
tou logo de aprender a lín-
gua portuguesa cora o tim
exclusivo de estudar a lin-
gua do gentio, e a pouco e
pouco, senhoreando-Bc de
smlias, foi escrevendo na
vocábulos d 'esta e dando-
Ihes a verdadeira interpre-
tação em portuguez.
Na missKo existem senho- '■^
ras e crcauças, que se p3em cnrr-Bfl.i«r
ao lado dos neophytoa e os
acompanham na instrucçito, e n£o só estes são catechisados
pela aiTabilidade c mesmo cai'Ínho com que sSo tratados, mas
também porque os estimulam com prémios de registos colo-
ridos e diversos chromos. que elles muito apreciam.
Em alguns dias da semana, depois do sol posto, e nos domin-
gos, ás dez horas da manhil, as portas da casa da missão estão
abertas e pai'a lá entram adultos e creauçaa de ambos os se-
xos para assistirem ás cerimonias religiosas que ahi se cele-
bram com todo o decoro c dcvoçSo, em que os psalmos sSo
252 EXPEDIÇXO POBTUGUEZA AO MUÁTTÍKVUÁ
cantados ao som de uma orcheslra em que entra o harmonium"
flúte como parte principal^ sendo os coros feitos por todos os
circumstantes.
Nos intervallos as meninas da Missão e os missionários fa-
zem a explicação do cathecismo em portuguez e na lÍDgua am-
bunda, e obrigam as creanças; pelas continuadas repetiçSes, a
conservarem na memoria o que se lhes vae ensinando.
Assistimos a muitos doestes actos e ás aulas, e nunca aqui
vimos menor affluencia de gente do que a máxima concorrên-
cia á nossa capella e escola official.
O ensino da Missão não se limita apenas a instruir as pes-
soas que a ella concorrem nos mysterios da religião e nas le-
tras, mas tem também por fim o guiá-las pelo exemplo nas ar-
tes e officios, e no cultivo da terra^ e na sobriedade^ resigna-
ção, abnegação e paciência em supportar as contrariedades da
vida.
Os recursos do estabelecimento são, em verdade^ muito es-
cassos; reduzem-se ao fructo dos trabalhos agricolas e a uma
insignificante mesada em moeda, da receita de esmolas adqui-
rida pelo bispo Taylor.
O missionário Chatelaine que de lá retirara de regresso á
terra de sua naturalidade na Suissa, enviou depois para aquella
missão uma cartilha já impressa para os seus alumnos, escri-
pta na língua d'este8 com as equivalências em portuguez. Foi
sem duvida um bom serviço que nos prestou, mas oxalá que a
propaganda da Missão que principia a partir do Dondo e se
estende até ao Lubuco, debaixo da nossa protecção, não seja
num futuro mais ou menos remoto causa de grandes desgos-
tos e de prejuizos para o nosso domínio.
O dr. Summers que por auxílios portuguezes, de que temos
bons documentos, que a seu tempo apresentaremos, conseguiu
chegar ao Luluabourg do Estado Independente do Congo, lu-
ctou cora grandes dífficuldades, para ahi proseguir na propa-
ganda da sua missão; e isso nos prova, que a nossa tolerância
se tem tornado demasiada e é origem da complicação das nossas
cousas no continente africano.
DESCKIPÇJÍO UA VIAOEK
ífCORROS MÉDICOS. FOHÇA I'UBLICA
Não havia, nem ainda lioje
ha, um facultativo e um phor-
maceutico officiaes em toda a
! vaetissima regíSo do concelho;
entidades estas indispensáveis
' quando SC truta de uma colónia
curope-a cm uma rcgiSo cujas
condi ç3 es climatéricas e de ha-
bitabilidade para indivíduos es-
tranhos sao inteiramente des-
(.■onhecidas.
Esta gravíssima falta toma-
ra-Bc raais Bonsivel, porque vo-
íjava entre o publico ainda o
pânico duma mortandade que
houvera, dois mezes antes de
aqui chegarmos, quer de euro-
peus, quer de africanos, como
ha muitos annos nílo couetava,
icndo as pneumonias duplas a
doença que se tomou predomi*
I natite e que ainda continuava n fazer victimas.
O terror fora tal, que aínda se faziam preces e prociasBes
Ipara que tiudasac semelhante calamidade. Muito respeitamos
leatee actos pela devoção de que sâo revestidos, porém estes
M>r si fló não podem satisfazer, porque nilo devemos esquecer
jjmj>
•
254 EXPEDIÇlO PORTUGUESA. AO MUATIÂNVUA
também a máxima evangélica — Faze da toa parte que en te
ajndarei.
Era por isto mesmo que o chefe da Expedição dizia a S. Ex.^
o Ministro dos negócios da marinha e ultramar na sua coni-
municaçâo de 30 de setembro de 1884:
«Os processos de trabalho da MissSo americana sSo muito mais fecun-
dos que os que estão em uso na parochia do concelho, e urge que se pre-
parem 08 elementos indispensáveis para se estabelecerem boas Missões
portuguesas, aqui e mais para o interior, que devem encarregar-se da
educação do indígena, — o verdadeiro auxiliar com que podemos contar
para a transformação das terras da Africa intertropicaL
Tem sido este assumpto tSo bem tratado nas nossas regiões officiaes,
temos tSo bons exemplos a citar na historia da provinda de Angola
desde os primitivos tempos até hoje, do bom resultado das missões
quando devidamente organisadas, e do que na pratica ellas o£forecem
de mais vantajoso, que talvez pareçam prolixas quaesquer considerações
que eu tenha a fazer sobre este ponto.
Mas creio que assim não é, e se insisto no assumpto, é porque receio
muito que vamos adiando indefinidamente a importante questSo das mis-
sões, e nos limitemos a cruzar os braços e a admirar os pro^gios das
da Huilla e do Congo sob a direcção dos beneméritos sacerdotes Antu-
nes e Barroso.
Muitas missões, e capacidades para as dirigir como aquellas que aca-
bámos de citar, e que teem bem merecido do paiz, é do que carecemos
com muita urgência, porque as do bispo Taylor tendem a estender-se
para o interior.
Projectavam ultimamente destacar missionários para os Quiôcos, povo
este da Lunda que, se conseguem catechisar, o que creio fácil, muito
aproveitará com isso a causa da civilisação e da humanidade no centro
da Africa austral.
£ preciso que nas missões haja homens práticos com conhecimentos
de agricultura, desenho, e em geral das artes manuaes para se imporem
pelo exemplo e adquirirem influencia e prestigio entre os gentios.
As missões taes como se devem comprehcnder, são as verdadeiras es-
tações civilisadoras.»
«Pela iusufficiencia d opessoal medico e pharmaceutico para as exi-
gências doesta vastíssima província, não poude o Governador geral con-
seguir que o serviço de saúde mandasse para aqui entidades competentes
para beneficio dos povos do concelho, que é muito grande e do pessoal
da colónia Esperança que ia sendo já numeroso.
DESCBIPÇlO DÁ VIAGEM 255
Dá-se infelizmente o caso de ha três mezes ter havido aqui entre en-
ropeuB e indígenas uma mortandade que a todos surprehendeu como
cousa extraordinária, e para a qual mais contribuíram as pneumonias
duplas, doença que ainda hoje está &zendo muitas yictimas. £ questSc
de quadra, a que os antigos denominam de epidemia, e por causa da qual
se estão fazendo preces e procissões.
O meu coUega Sizenando Marques foi chamado para acudir a yanos
doentes, e sem fazer distincçâo de classe ou de côr tem ido em seu auxi-
lio; porém, infelizmente os doentes ou os seus familiares quasi sempre
o chamam nas ultimas circumstancias e depois da applicaçSo insciente
de remédios enérgicos. No emtanto o chefe da colónia Esperança, já
em extremos desesperados a elle recorrendo, ou porque fosse moço e
robusto ou por que mais desveladamente fôra tratado pelos que o cer-
cavam, o certo é que já entrou em periodo de convalescença e está quasi
restabelecido.
Commigo havia combinado em 13 do corrente nesta villa, o nego-
ciante Luciano Elísio da Cunha estabelecido no Chissa, ir esperar-me em
sua casa para me acompanhar a escolher um bom porto no Cuango para
a passagem da Expedição; e oito dias depois aqui regressou a casi^ de
seu socío e em tal estado, que sendo chamado o meu coUega no dia se-
guinte, já cousa, alguma poude £azer em seu beneficio. Os dois pulmões
estavam completamente perdidos. Todas as diligencias foram infructi-
feras.
Ha aqui um sentenciado, homem que teve alguma pratica de enfer-
meiro num dos hospítaes do reino e está empregado na casa de conmier-
cío de Alfredo José de Barros, que soccorre os doentes que o chamam,
com remédios por elle preparados numa pharmacía que em casa tem o
seu patrão.
Mas isto se alguma cousa tem de vantajoso quando fiútem absoluta-
mente todos 08 recursos médicos, bem considerado é um perigo e para o
qual concorre a auctoridade implicitamente, porque se vê na extrema ne-
cessidade de aproveitar os serviços d'aquelle individuo quando as cir-
cumstancias mais urgentemente o reclamam; mas o Gk)vemo de Sua Ma-
gestade, nSo deixará por certo de ter na devida consideração as provi-
dencias que urge adoptar desde já com respeito ao assumpto, e por isso
entendi do meu dever não occultar o que nesta localidade se está pas-
sando.
O chefe da colónia, jovem official, bastante intelligente e dedicado ao
estudo, lá se tem ido familiarisando com o Manual de Chertwviãf e obser-
vando as suas formulas prepara medicamentos servindo-se de uma am-
bulância que lhe foi confiada, tendo-os applicado aos sentenciados e
áquellas pessoas que o procuram e o consultam. Mas se, até certo ponto,
esta sua forma de proceder se pode considerar humanitária e tem sido
256 EXPEDIÇÃO POBTUOUEZA AO MUATIÂNYUA
atil e yantajoBa para os que teem aproveitado da sua consulta, acar-
reta-lhe sem a menor duvida graves responsabilidades, que elle nem
pode nem deve assumir.
S. Ez.* o Governador geral da provinda, que pode fazer em taes dr-
onmstancias, se lhe faltam os recursos indispensáveis?
A S. £z.* nada digo nesta occasiâo sobre tSo momentoso e importante
assumpto, limitando-me apenas a pedir-lhe a leitura d'esta commnnica-
çSo nSo fEusendo mais considerações; a intelligencia e boa vontade de
S. Ez.* supprirSo todas as que poderia feizer, e é de esperar que se ado*
ptem as providencias necessárias a fim de occorrer a uma falta cuja
continuação se toma altamente prejudicial a estes povos, e que terá sido
sem duvida notada e commentada desfavoravelmente pelos ezpediciona-
rios allemâes que aqui residem ha seis mezes.
Da çossa pharmacia teem-se cedido os medicamentos indispensáveis
ao tratamento de doentes europeus e indígenas que tem recorrido ao
meu coUega.»
Provavelmente S. Ex/ o Ministro da marinha e ultramar a
quem foi enviada esta commuicaçSo, nSo teve d'ella eonheci-
mento, sendo certo que ainda no nosso regresso o sub-chefe
teve de supprír a falta de medico e pharmaceutico, tomando-
se por ultimo tão indispensável a sua assistência ás doenças da
quadra, que a commissSo municipal e os habitantes, deram
d'is80 testemunhos públicos.
. Malanje como já vamos provar, tornou-se um centro impor-
tante de commercio e da agricultura na província de Angola
e oflFerece grandes recursos para o desenvolvimento d'esta e
de todas as industrias que no concelho se ensaiem e por isso
merece hoje toda a consideração dos governos não podendo con-
tinuar a manter-se uma administração tão acanhada como tem
tido até aqui.
A necessidadade de se estabelecer em Malanje uma delega-
ção de saúde, está na verdade bem comprovada; mas quería-
mos imia delegação, onde a par dos soccorros médicos, se fi-
zessem as competentes observações meteorológicas, o que era
de grandes vantagens para o estudo do clima e sua compara-
ção com o do littoral.
As delegações de saúde como tivemos occasião de observar,
precisam de ser remodeladas segundo as exigências da mo-
DESCRIPÇAO DA VUGEM 2Õ7
dema scíencia para se habilitarem a concorrer com trabalhos
eguaes áquelles que os médicos estrangeiros apresentam e
qne temos visto publicados em revistas scientifícas de primeira
ordem.
Ainda ha pouco tempo, podia acceitar-se o que hoje ôe man-^
tem; o concelho retalhado em divisões sob o commando de
officiaes moveis e que administravam em nome do chefe como
podiam e sabiam os povos vizinhos do quartel ou patrulhas,
govemando-se os sobas mais distantes independentemente, sa-
tisfazendo apenas a uns tributos mesquinhos ou nominaes a
pretexto de vassallagem, e o chefe na sede procedendo de modo
limitado ou unicamente exercendo a sua alçada de facto na co-
lónia europea espalhada aqui pelas povoações próximas de Cu-
lamuxito, Anjinji, Quissole, Anjio, Chissa, Anzaje, Catalã e
Andala Samba.
Seria absurdo exigir que as quatro divisões de Moveis que
tem o concelho e ás quaes está confiada a segurança publica,
a guarda dos valores do commercio e o prestigio da nossa
auctoridade, sem que por isso recebam um ceitil, fossem a ex-
pressão do que se deseja e que preeuchessem os fins para que
foram creadas. São ellas constituidas por um certo numero de
homens esfarrapados, esfomeados, com um boné militar na
cabeça e munidos de bayonetas sem bainhas, ou com cacetes
em que se arma uma bayoneta, ou com espingardas sem fechos
ou com estes amarrados por barbantes; emfim homens que só
servem para transportar as mallas do correio ou uma carta a
qualquer commandante de divisão.
O facto do concelho estar confiado a semelhante força, se
por um lado manifesta que é grande o nosso prestigio entre os
povos indígenas que o constituem, deve fazer também lembrar
que ahi mesmo vivem outros não avassallados e nos seus con-
fins gentio bravo, e que o concelho confronta com o de Cassanje
cujos povos ainda recordam as suas proezas e feitos nas ulti-
mas guerras em que repelliram as nossas forças regulares.
Estes povos posto que não tenham forças regulares tem sido
fornecidos a interesse de commercio da metrópole de armas
258
EXPEDIÇXO POBTUOUEZA ÁO MUÁTTIhVUA
lazarínas .e granadeiras e de bastante pólvora^ e o esqueci-
mento a que temos yotado a sua ousadia foi mais prejudicial
á nossa causa do que se tivéssemos castigado os rebeldes com
a devida severidade, posto isto nos custasse sacrificios de gente
e de dinheiro.
MUSSRNOO UIUJK
DEBCRIFÇXO DA TUGEM
edifícios pubucos. saneamento
reside o chefe do concelho num
t barracSo dividido em duas alas,
cada tuna com dois comparti-
mentos, sendo a da esquerda
destinada á administração e a
(la direita para moradia d'eUe
3 de sua família.
à construcçSo foi feita no
, terrapleno de um reducto, Koje
(^m ruinas, a qne impropria-
mente se cliama fortaleza, obra
. passageira que ae levantara em
tempo para defender os habi-
tantos da villa dos ataques do
gentio. Tem 80 metros de lado
c observaram-se as devidas proporçiJes no seu plano.
Actualmente o denominado fosBO dSo é mais do que uma
depressUo no terreno, porque as aguas plavíaes teem arrastado
as terras do parapeito para o fundo, onde se teem accnmn*
lado, de mistura com detritos vegetaes e lixo, que para ali fo-
ram lançados.
Ao fundo do terrapleno ha pequenas casas construídas como
o barracão de que falíamos, com paredes de adobe e cobertura
de capim; eram destinadas para o paiol, arrecadação de arma-
V--^i-^tf^
260 EXPEDIÇIO POBTUGUEZA AO MUATIÍNVUÁ
mento, cozinhas e casa de guarda, mas tudo está em tal estado
de ruína, que o chefe ultimamente teve de aproveitar-se da
offerta do paiol particular do commercio para nelle arrecadar
a pólvora do governo e o armamento. O que ha na arrecada-
ção está tudo arrumado a um lado, porque parte da cobertura
do mesmo abateu. E que armamento ! Uma carga inútil, cuja
madeira está a pedir fogo, e as ferragens que as vendam a
peso.
Já não é uma fortaleza, é antes um acervo de escombros,
de que o rapazio, e as cabras e carneiros fizeram logradouro
commum.
Isto tudo forma um verdadeiro contraste com os melhora-
mentos a que os particulares estão procedendo para embelleza-
mento da villa; e depois o que representa este recinto nas cir-
cumstancias em que se acha actualmente, quando nada temos a
recear dos povos gentílicos que o rodeiam?
Era bem melhor para a hygiene que se arrazasse de uma
vez o parapeito para se entulhar completamente o fosso, que
hoje é um deposito de immundicia e um foco de emanaçSes
deletérias, e se fizesse um bonito largo central, continuando-se
o pomar das laranjeiras que ha no terrapleno, que contém ex-
plendidos exemplares, e cuja plantação é devida a um dos pri-
meiros chefes d'este concelho.
Em frente doestes tristes destroços, que só denotam miséria,
e a nossa muita indifferença, e sobre os quaes fiuctua a bandeira
nacional, está o largo principal da villa, de grande área, e que
dá mais um attestado da nossa incúria.
Não devemos esquecer um grande edificio que existe em
paredes, até certa altura, começado á custa de uma subscripção
particular, e destinado á igreja da sede do concelho, mas onde
junto á entrada para a capella-mór, se desenvolveu uma ar-
vore de grande porte. Este local tornou-se também um verda-
deiro esterquilinio !
Era realmente reconhecida por todos a grande e inadiável
necessidade de proceder a esta construcçSlo, que como se vê,
está por concluir, porque a sórdida cubata onde se celebram
DESCBIPÇlO DA YUaEH 261
08 actos mais solemnes da nossa religião^ nSo nos acreditava
como bons catholicos^ e muito menos como povo culto e civí-
lisador, perante os indígenas que pretendemos catechisar e ar-
rancar á pratica dos seus preceitos feiticistas.
Mas nâo é isto só que provocou os nossos reparos e nos con-
tristou.
A pocilga em que se encontram os presos, situada na rua
principal da villa, e a que impropriamente se chama cadeia, é
um foco de infecção em que jazem os miseros, flagellados pelos
Pulex penetrans, carraças, e outros parasitas, acrescendo a tudo
isto ter o preso de pagar á entrada e saida uma tXo magnifica
hospedagem. Para lenitivo de tanto mal ainda ha quem se
condoa da sua desgraça e lhes dá alguma cousa para comer.
Sentimos ter de descer a estas minuciosidades, porém de-
vemos dizer a verdade inteira ao Governo, que desconhece este
estado de cousas que nos está desconceituando nos confins
doesta vastissima provincia aos olhos do gentio que pretende-
mos avassallar e educar, e mostrar-lhe como aqui se mantém a
auctoridade que o representa. *
Tanto a fortaleza como o recinto da igreja em construcçSo,
o quartel vizinho e a cadeia publica são focos de infecção mais
prejudiciaes que o grande pântano a que nos vamos agora re-
ferir.
O pântano corre pelo norte da povoação de um e outro lado
do rio Malanje e vae terminar em Quipacassa, tendo cerca de
dez kilometros de extensão para esse lado. Alguns denomi-
nam-no quizanga, nome impropriamente empregado, pois este
vocábulo é somente applicado ao pântano, quando elle é pesti-
lento, aliás deve ser màlona, e este faz menos mal que qual-
quer dos focos que apontamos, porque os ventos mais impe-
tuosos, que são os dos quadrantes de sul e leste, impellem os
seus effluvios para além da villa, que situada em tmi ponto alto,
lhe fica muito superior.
Ainda assim este pântano de ha muito estaria saneado, se
tivesse sido aproveitado na cultura da canna saccharina; mas
isto, que seria uma empreza indubitavelmente remuneradora,
262 EXPEDIÇXO PORTUOUEZÁ AO MUATllNVnÁ
dadas certas circumstancias^ demanda de prompto capitães
para grandes despezas, a que se nSo animam mesmo os mais
ousados habitantes da sede do conselho e arredores.
E quem se atreverá a um tal commettimento^ quando o com-
mercio, pelo modo por que os impostos estSo estabelecidos, vê
que com uma pipa de álcool se podem fazer três de aguar-
dente?
Como pode concorrer entSo a industria da canna saccharína
com os seus productos, embora obtidos em condiçSes econó-
micas?
Concorre, mas com que vantagem !
NSo ha agricultura que possa luctar com bom êxito, quando
as pautas aduaneiras nfto sSto reorganisadas segundo as exi-
gências da industria^ da agricultura e do commercio, do seu
estado de actividade e de progresso, das suas condiçSes eoono-
micas e segundo as suas relações com os mercados, tanto inte-
riores como exteriores.
NSo se podendo sanear este pântano por meio dos processos
agrícolas, não será fácil encontrar outro que o possa substi-
tuir com vantagem.
Pensou-se, e chegou mesmo a tentar-se, regularisar a cor-
rente do rio, profundando-se o seu leito em algumas partes e
fazendo excavaçòes novas na sua continuação para as aguas
serem desviadas em condições de desapparecerera as estagna-
ções das represas por falta de declives, mas todas as despezas
que se fizeram foram infruetiferas, como era de prever, porque
o mal é da própria quizanga, ou terras baixas e alagadas ao
sopé da montanha Ambango, numa grande extensão e sem es-
coante para lado algum.
Attenta a disposição dos terrenos, o que nos parece mais fá-
cil e proveitoso seria dividi-lo em talhões por valias, culti-
vando nelles a canna de assacar, a partir da base da monta-
nha, defendendo as margens do rio de modo que as aguas não
saissem do leito ainda nas enchentes mais altas.
r
Faculte o governo da província capital a emprehendedores,
sob condições que garantam lucro certo, e a obra ha de fazer-se
DESCfilPÇ2o DA VUGEU
aproveitando com isao a saliibrídade da principal povoaçiío
do concelho e euae immediaçSes, o emprehendedor e os ren-
dimentos provi nciacB.
Em queatScB d'esta ordem devemos também ter em atteo-
ção 08 lucros que por viaa indirectas derivam de uma determi-
nada origem e que vío entrar, como os rendimentos dírectOB,
noo cofres da província.
E para demonstrar que os interesses são certos não é ne-
cessário irmoa muito longe. Encontrámos bons exemplos nos
terrenos que marginam o rio para lesto cm continuaçílo áquel-
les de que tratamos, ondo se creou o, propriedade agrícola e
de recreio de Custodio José de Sousa Machado, — a Inveja —
G nos terrenos que marginam o Cuiji, no Anjfnji e Quissole, e
ainda noutros.
264 EXPEDIÇlo PORTUGUEZA AO MUATIÂKVnA
A Inyieja pode chamar-8e um jardim agrícola; de pequena
fazenda de recreio que era em principio, a pouco e pouco foí-se
desenvolvendo, transformando-se num estabelecimento que pôde
hoje servir como modelo. Diversos exemplares da flora euro-
pea, americana e africana, ao lado dos indigenas, convenien-
temente tratados e mesmo guiados no seu crescimento, devido
ao esmero do seu proprietário, o benemérito negociante e in-
dustrial acima mencionado, attingiram um tSo elevado grau de
desenvolvimento, que incitam ainda os mais incrédulos nas
aptidões agricolas doesta região, a fazerem ensaios nas terras
vizinhas das suas residências até aqui abandonadas e servindo
de monturos de lixo ou de immundícias.
Esta propriedade, que está no extremo da villa, a leste, é
cortada pelo rio Malanje, e tem na sua frente, marginando-a,
o caminho que segue para Cahombo, onde se estabeleceu a
colónia Esperança, colónia de sentenceados, devida á iniciativa
do actual governador, o conselheiro Ferreira do Amaral. Estava
ainda em trabalhos de installação e preparatórios de cultivo,
que infelizmente se retardaram por causa de um incêndio que
ali se manifestou, o qual apesar de atalhado a tempo, fez ainda
assim bastantes estragos.
A Inveja está dividida em grandes talhões por largas ruas
de piso regularisado ; na parte destinada ao jardim, onde se
construiu um grande tanque, veem-se as mais delicadas plantas
de sementes da Europa: variedade de rosas, dhalias, amores
perfeitos, verbenas, malvas, cravos, cravinas, lyrios, estrellas
do sul, alecrim, maiijoricrjo, etc. ; na horta encontram-se, e
muito desenvolvidos, (?á melhores exemplares de hortaliças do
reino, como, diversas espécies de couves, nabos, rábãos, ra-
banetes, cebolas, alfaces, ervilhas, etc.; grandes talhões em
que cresce o trigo, noutros o centeio, e os que nSo sSo apro-
veitados p!\ra plantas consideradas de mimo, s2o-o para o mi-
11 10, que é de cresoimonto e producçâo prodigiosa, batata eu-
ropea e imligena, grão, feijão, etc.
Alii se encontra já o pinheiro, o cedro, o urucú, a macieira,
bcllissimas laranjeiras e figueiras, a pitangueira, a mangueira,
DESCRIPy20 DA VIAQEH 265
a toranja, a fructa conde, a anona, as goyabeiras, diversas es-
pécies de bananeiras e varias outras arvores que dSo fioictos
indígenas.
Todos os talhSes são rodeados de esplendidos ananazes, e
próximo ao rio a rua que coiTe no mesmo sentido é orlada de
beilos eucalyptos.
Uma parte doeste jardim, que pode chamar-se de acciima-
tacão, a que ãca do lado do nascente, é destinada também a
culturas para alimentação do pessoal indígena, como ginguba,
inhame, batata, feijSo, milho, etc.
As margens do rio que eram sobrepujadas de mabá (jpopy-
rus) ainda ha dois annos, foram plantadas de canna saccharina,
c d'ella se estava vendendo já na villa uma boa aguardente,
distillação que se faz na mesma propriedade com a machina
especial do systema CoUares, e com o competente moinho, para
ser movida por agua ou por bois.
A plantação que estava feita quando regressámos, era calcu-
lada pelos práticos para uma producção de cem pipas de aguar-
dente, numa extensão, seguindo o rio, de mais de 1 kilometro,
tendo sido este devidamente encanado, e foi com este trabalho
e com o canna vial que se enxugou grande parte do pântano.
E, pois, este um exemplo comprovativo de que a quizanga
que resta á frente da villa pode desapparecer, logo que ahi
se façam trabalhos análogos.
Custodio Machado pensava em aproveitar convenientemente
a grande queda de agua do rio, que existe nesta sua proprie-
dade, como motores hydraulicos que tencionava applicar a al-
gumas industrias, caso o caminho de ferro ali chegasse. É de
certo um plano de grande alcance, porque a estação que venha
a fazer-se não pode deixar de ser na villa, com a qual confina
a propriedade.
O urucú, que até agora, para a propriedade, era apenas ar-
busto de ornamentação, quando devidamente preparado pode
ser uma grande fonte de receita.
Como se vê pela sua planta, a villa, povoação principal do
concelho, não é grande ; consiste em uma longa rua principal
18
266 EXPEDIÇZO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
correndo proximamente de leste a oeste, e da largo, onde está
a fortaleza, parte uma outra de menor exten&So, também es-
paçosa, pouco mais ou menos para norte, onde ha luna ponte
de madeira sobre o rio, construida ha pouco tempo, e ^ue dá
entrada á villa por esse lado.
Âtraz doestas ruas, e dispostas sem ordem, ha pequenas ha-
bitações, construidas ainda ao uso gentílico, algumas barrea-
das, formando por conseguinte viellas irregulares e mais ou
menos tortuosas.
Fora da villa e além do rio, um pouco para noroeste, pro-
ximamente á distancia de imi kilometro, na encosta de uma
montanha, estabeleceu-se um pequeno mas asseado cemitério,
convenientemente murado, em que as sepulturas estão res-
guardadas.
Alguns negociantes ultimamente quotisaram-se entre si e
£zeram levantar uma casa para paiol da sua pólvora, forÀ da
villa na montanha adjacente, e offereceram-na ao Gbvemo
para nelle recolher também a sua e tomar co&ta do edificio
como propriedade do Estado, logo que pelas taxas de saida
de barris, por elles estipuladas, estivessem embolsados da
despeza da construcção, o que de certo terá logar cm pouco
tempo.
Os principaes estabelecimentos eominerciaes que encontrá-
mos na villa pertenciam a Alfredo José de Barros, A. Simões
da Cruz, Eduardo Ferreira Campos, Custodio José de Sousa
Machado, Lara & C.*, Oliveira & Irmãos; em Culamixito a
António José Coimbra e Vieira Dias; no Anjinji-á-Cabari &
Narciso António Paschoal.
No nosso regresso contavam-se os antigos pertencentes a
Cruz, Campos, Machado e Paschoal, e mais os de Manacás,
Neves & Zagury, Costa & Coimbra, Zafrany & Neves, José dos
Santos Caria, Freitas Irmãos, Pinto & Ferreira, Victorino José
(la Ilosa, Macedo e outros menos importantes, e as casas ãliacs
(los primeiros, que se estendiam até ao Chissa, Catalã, Anzáji,
Samba e ainda na baixa de Tala Mugongo, e mesmo na feira
de Cassanje.
DESCKIPÇAO DA VIAGEM 267
Com algumas excepçSes, todos estes estabelecimentos apre-
sentavam ainda as paredes e coberturas feitas ao uso do paisi^
a que nos referimos anteriormente; as casas que se iam tefor^
mando ou construindo de novo já o eram em outras condições.
NSo obstante serem todas ainda de um só piso^ tinham cober-
tura de feltro ou telha, paredes de adobes em forma de ti-
jolo, e algumas de tijolo ou alvenaria, caiadas interiormente,
e já algumas exteriormente, com pavimentos ladrilhados ou ba-
tidos a cimento, e as obras de madeira em melhores condições
de fabrico.
As ruas da villa, em asseio e regularisaç2o do pavimento,
e por estarem devidamente illuminadas a petróleo, mostravam
ultimamente, que tinham merecido a attenção da commissSo
municipal e do novo chefe do concelho.
Em consequência das ultimas guerras de Cassanje foi limi-
tada a villa pelos quadrantes de leste por uma Hnha de for-
tiãcaçâo passageira, accommodada ao terreno e a que chamam
teíialhas, certamente pela disposição da sua frente, que olha
para a banda do sul.
Esta construcçâo, feita apenas para servir na occasiSo, e
que está presentemente nas mesmas condições da fortaleza —
umas ruinas que facilmente se devassam, encravadas já entre
povoações indigenas — melhor seria arrazá-la, ou então reedi-
£cá-la em boas condições de defeza fazendo d^ahi remover
essas povoações, que consistem em algumas dezenas de cuba-
tas de capim, dispostas sem ordem ou alinhamento, unidas al-
gumas a porções de terra cercadas, que são cultivadas ao uso
do paiz.
Do que deixámos exposto se concluo, que os edificios públi-
cos não são os mais apropriados a tornar este logar um bom
centro de immigração, e urge por isso que se adoptem na
provincia as medidas mais urgentes e se obtenham as indis-
pensáveis dotações, para que nas povoações çxistentes, e que
promettam florescer, se construam edificios em condições sa-
lubres. Para modelo, lembrámos os que conhecemos na colónia
franceza de Argel, alguns dos qiiaeft 0 iUastrado engenheiro
268 EXPEDIRÃO PORTCGUEZA AO MUATIAnvUA
Rapliael GorjSo se propunlia a constniir em differentea conce-
itos da província, que eram aliik bem económicos e que li
ficaram em projecto no archivo da direcçfio do aerviço das 4
obras publicas de Loaada.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM
COMMEIÍCIO E SEU DESEKTOLVIMKNTO
O commercio lifito de Malanje prÍDcipinti a Jeaonvolver-se
depois de 1860, por ter sido quaeí eomplftiiinentc abando-
nada, pelo menos par negociantes do importância, a feira de
Casaiinje em consequência das desastrosas guerras doa annos
anteriores j e affroiixou relativítmente, já na década seguinte,
porque nSo obstante principiar a affiuencia de borracha e cera,
escasseava o marfim. '
Ha cincoenta annoa vinha o marfim daa terras da Lunda, e
compensava o sacrifício de ir procurá-lo, pela barnteza dos
i de transporte, que já eram por si só, uma boa mercado-
ria de permutação — os escravos ; vinha o marfim e pelo tran-
sito obtinha-se a borracha e a cera.
O marfim, díga-se a verdade, nunca veiu em quantidade l:
raro era o quo entíto se comprava. Os potentados posauiam-no
como pagamento de tributos das auctoridades suas subordina-
270 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÁNVUA
das, ou, como estas^ em resultado da caça, porque o caçador
geralmente, e ainda hoje pode dizer-se como synonimo, — o
Quiôco — podia caçar em terras de qualquer, pertencendo me-
tade da caça ao dono do. sitio onde o animal cai^e morto. Só
a parte que pertencia ao caçador é que tinha venda.
Ás comitivas do nosso commercio que se internavam no
continente, nSo procuravam então mai-fim, procuravam escira-
vos, mas como tinham de fazer presentes e valiosos aos po-
tentados por onde passavam, estes retribuiam-os com escravos
e «alguns com uma ou duas pontas de mai*fim.
O marfim foi sempre mais procurado pelo lado do oriente,
e ainda hoje ha quem se recorde, em Quilimane a Tete do
arriscado negocio que ali se fazia, abonando-se a credito fa-
cturas, aos próprios caçadores que vinham do interior para
serem retribuidas com marfim.
Veiu a lei prohibindo a procura de escravos no centro de
África, e os sertanejos abstiveram-se de lá ir, já porque os
transportes tinham de ser pagos e o valor do marfim era pouco
convidativo, já porque os potentados não lhes sendo acceite a
sua mercadoria — escravos, — que possuíam em quantidade como
tributos recebidos, recusavam-se formalmente a permittir aos
seus povos, inclusive, que permutassem alimentos cora as co-
mitivas, e conseguiam demorá-las para pela fome se irem ren-
dendo e perdendo as suas fazendas. Finalmente como em ver-
dade, nunca houvesse abundância de marfim, esperava- se pelo
resultado da caça na occasião, e o negocio soffria grandes de-
longas para se fechar o que era devido também em parte aos
incidentes, como pretextos de crimes de carregadores e outros
que ainda mais o demoravam. Concluido o negocio, nâo para-
vam aqui os transtornos, porque no regresso, principalmente
nos primeiros dias, muitos eram os ataques de salteadores contra
08 quaes tinham de se precaver os negociantes, havendo sem-
pre mais ou menos prejuizos.
Houve até quem, para se salvar, cedesse a permutar alguma
fazenda por um ou outro escravo, — mercadoria perdida no ter-
ritório portuguez — e esse, quasi exhausto de recursos, deses-
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 271
perado, se obtinha no fim de mezes, direi meamo annos^ uma
ou duas pontas de marfim era o muito que conseguia.
Estes exemplos^ que se repetiram, foram afastando os eu-
ropeus d*es8as aventuras e dando logar aos aviados com forne-
cimentos a credito que nunca se pagaram na totalidade, e por
ultimo aos Ambaquistas, alguns dos quaes, ainda por lá andam
e como os aviados, nunca chegam a liquidar com os seus cre-
dores.
Ainda em 1859 se caçava o elephante entre o Cuílo e o Lu-
lúa do 9® de latitude S. do Equador para o norte. No Cabembe
de Bungulo, dava-se ao caçador quiôco Quirauanga Matala:
três barris de pólvora, duas armas lazarinas e seis peças de fa-
zendas e nq Luele matava elle poucos dias depois um elephante,
do qual uma ponta ficou para o caçador e a outra para o abo-
nador, tendo esta setenta e oito libras de peso. Um outro
Quiôco, Mona Congolo, quando precisava de fazenda ia a casa
de Saturnino Machado, recebia pela firma Machado & Carneiro
um abono e seguia para as suas caçadas, dias depois pagava
com grandes lucros o seu credito.
Em 1868 já se nâo encontravam elephantes, senSo do Chi-
capa para lá e nas terras de Mussenvo e pouco mais, na altura
de 8® para norte e em 1878 só próximo de 7**; para o sul já nSo
havia elephantes. Os Quiôcos depois d*esta epocha consegui-
ram insinuar-se no animo dos de Muquengue e continuam
perseguindo a caça para o norte.
Diz-se presentemente que entre o Chicapa e Cuango, a con-
tar do 7** para norte tem apparecido elephantes em quantidade ;
é possivel, porque esta região não tem sido explorada.
No oriente os Árabes, em raz2to de alimentarem o commer-
cio de escravos ainda encontram marfim no Nyangué em boas
condições e no occidente succedia o mesmo para o commercio
do Zaire.
No periodo de 1870 para cá, os Bângalas, povos de Cas-
sanje, que vivem nas margens do Cuango, notando o retrahi-
mento das casas de commercio portuguezas, tomaram-se ne-
gociantes e com grande vantagem, pois são elles os carrega-
272 EXPEDIÇÃO FOBTUGUEZÁ AO MUATTInVUA
dores de suas mercadorias. Intemam-se, ySo em busca de cera
e borracha e também de escravos para augmento de suas co-
mitivas. Sendo da mesma familia, digamos ainda com os mes-
mos usos e costumes e vivendo quasi sob o mesmo clima, que
08 povos com quem váo negociar, costumados como elles á mes-
ma parcimonia de alimentação e yestuariO| com pouco se sa-
tisfazem as suas ambiçSes, de modo que, caravanas de cin-
coenta a sessenta pessoas que vêem á feira de Cassanje, a Ma-
lanje, e algumas até ao Dondo e Loanda, o muito que trariam,
era uma até três pontas de marfim.
E certo que na Landa, no Canhiuca, no Samba, ao norte de
Lulúa e outros pontos a SE. ha ainda algum marfim, mas toda
essa região é muito grande, e o que existe, é pertença ainda
dos potentados, que a custo o obteem, não para negocio, mas
para apresentar ao Muatiânvua, quando este ordena o paga-
mento de tributos.
Nenhuma comitiva ahi logra chegar sem que tenha feito
transacções por escravos, mesmo porque estes constituem a
moeda mais corrente para se obter o marfim.
Depois do abandono da feira de Cassanje, appareceu aqui
Arsénio Pompilio Pompeu com uma factura importante de
Loanda, e que aguardava e animava as comitivas de Bânga-
las a internarem- se com commercio fiado para o interior. E
d^ahi que data a procura da borracha e cera e tal era a in-
fluencia por estes productos que ás suas fontes succedeu o
mesmo que á do marfim, foram-se esgotando, porque o gentio
tratou de colher sem se importar com o futuro. E tal foi a
abundância nessa epocha que já Arsénio e alguns pequenos
negociantes que d'elle se avizinharam com mira no lucro, não
satisfaziam as offertas e as caravanas encaminharam-se para
Malanje.
Então e depois, e pode-se afiançar até agora, tomou-se Ma-
lanje o verdadeiro entreposto commerci^^l do centro do conti-
nente para Loanda, sendo em principio os portos do Cuango
por onde elle affluia: Cambamba-cá-Quipungo, Anjínji-cá-
Quingúri, Quitamba-cá-Quipungo, Muanha-á-Cassanje, Quis-
DESCBIPÇlO DA VIAGEM 273
sueiarcá-Quipungò (vulgo Caquema)^ Cassanje-cá-CamboIo, Cas-
sanje-cá-Calunga, Ambanza Ilunda, Camassa-cá-Quibomba,
Ambanza Badiacola e Ambanza Cuenda.
Ultimamente pode dizer-se que estes portos estavam fecha-
dos ao commercio^ ou pelo menos que os Bângalas^ receosos
que mesmo pequenas comitivas de Quimbares, Calandulas,
Bondos e outros da nossa província fossem por conta própria
ou de algum estabelecimento commercial fazer-lhes concor-
rência no interior e estragar o negocio como elles dizem, taes
dificuldades e taes exigências apresentavam á passagem das
comitivas, que afastaram estas e se algumas conseguiam passar
satisfeitas as exigências, ainda tinham de se sujeitar a encor-
porar-se nas comitivas d^elles, o que as obrigava a grandes
demoras nas suas terras, emquanto estas se preparavam im-
pondo-lbe de mais a mais os Bângalas que todas as despezas
de portos e presentes a potentados de toda a grande comitiva
corressem por conta d^ellas.
Depois até 1882 as comitivas que sairam das terras de
Angola, procuravam no Cuango o porto chamado do Caminho
Grande, o de Quimbundo, também conhecido pelo de Muene
Quissesso, Senhor Machado (Saturnino); e havia também um
outro mais ao norte, o de Quitamba-cá-Quimpungo do Am-
banza Imbua, por onde passavam algumas comitivas do conhe-
cimento do Ambanza sem dificuldades .
Era aqui, que o europeu L. Elisio da Cunha tinha a sua
casa de commercio desde 1877.'
Os Drs. Pogge e Lux, por influencia dos irmSos Machados
passaram sem dificuldade no primeiro porto, porém o explo-
rador allemâo Otto Schiitt que quiz passar ao norte, depois de
ter pago imia verba importante, contrariado ainda por novos
entraves, retirou, pensando já regressar a Malanje. Porém no
transito encontrando-o Saturnino Machado, que ia com a sua
comitiva para o interior, este não só o acompanhou para lhe
facilitar a passagem no Cuango pelo seu caminho, mas ainda
foi a Cassanje buscar-lhe mais recursos por Schiitt já estar
muito desfalcado.
•
•"
♦
••
« •*
274 EXPEDIÇÃO POBTUQUEZA AO MUATIAKVUA
Este caminho de Quimbundo tem sido a ponco e pouco ában*
donado; porque logo nas terras dos Songos e Minungos, efetes
povoS; sob qualquer pretexto^ fazem exigências ás comitivas
de quituxi (crime), o que origina uma demanda que leva tempo
a decidir, além das despezas a fazer, que nfto sSo só as do
crime, s8o ainda as da alimentação do pessoal.
Tudo isto pois, tem concorrido desde 1868, para que os
Bângalas se tornassem os agentes do nosso commereio no in-
terior; com vantagem para elles e também para os concelhos
do sertão do Dondo a Malanje, começando a affluir estabele-
cimentos commerciaes de maior importância & villa de Malanje
e seus arredores.
Desenvolve-se Malanje no seu commercio com prejuizo do
Pungo Andongo e também do Dondo, porém este concelho
sente menos a differença porque ahi afflue o café de Cazengo
e azeite e outros productos da margem esquerda do Cuanza.
Está calculado desde 1881 que as três casas principaes de
Malanje, Alfredo José de Barros, Lara & C/ e Machado e as
duas mais a SE. de Narciso António Pascoal e Oliveira IrmSos,
permutam annualmente mercadorias no valor de 25OKX)0í00O
réis e isto quando a borracha e a cera teem tido grande baixa
nos mercados da Europa.
Esta baixa, tem-so feito sentir muito, porquanto o Bângala,
que como já disse é o carregador dos seus productos, muitas
vezes aqui chega para fazer negocio e, como se lhes falia nessa
baixa e se pretende dar-lhe o desconto ao preço do costume,
suppSe que o pretendem enganar e volta com a carga para a
sua terra tendo ás vezes dez e quinze dias de viagem a fazer,
mas prefere isso e esperar por melhor preço. E se trouxer
uma ou mesmo mais pontas de marfim, também não o vende,
embora se lhe dê mais alguma cousa que o usual por este
artigo.
Algumas comitivas, porém, mais ousadas, seguiam por Ma-
lanje para oeste e era-lhes mais fácil encontrar melhor coUo-
cação aos seus géneros quanto mais se aproximassem do lit-
toral e consideravam isto melhor negocio, o que se não estra-
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 275
nha, desde que se reconheça que os Bângalas não attendem
ás distancias que teem de percorrer a pé com as cargas aos
hombros; o que é pouco o que dispendem com a sua alimen-
taç?(o.
E esta é a razão porque algumas comitivas ultimamente ap-
pareciam em Loanda e também no Ambriz, quando noutro
tempo não iam mais longe do que ao Dondo.
Considerando os negociantes de Malanje, que^ as comitivas
que passavam para Loanda e para o Ambriz iam encontrar
vantagens nas suas permutações, porque os artigos do nosso
commcrcio eram muito menos onerados em Loanda com fre-
tes, e no Ambriz ainda menos pelas differenças de pautas, e
que dentro em pouco, Malanje, seria como outr'ora apenas um
ponto de passagem; reconheceram por isso que havia neces-
sidade de hictarem com alguns sacrifícios para se não desviar
a corrente de commercio que ahi tinha affluido. Reviveu por-
tanto o antigo systema das cambolaçSes, condemnado desde a
primitiva, porque os encarregados doeste serviço, diz-se, abu-
saram da liberdade do commercio.
E isto uma questão de theoria sobre que diversificam as opi-
nidcs, principalmente dos interessados; e bom ou mau é certo
que o systema, reviveu no concelho de Malanje, não obstante
a auctoridade, que não tinha nem tem força para o combater,
o não apoiar.
Saem agentes da cambolação das diversas casas com uma
pacotilha na epocha própria, e vão esperar ao caminho, a dias
do distancia, as comitivas de negocio procurando catechisá-
las, com dadivas aos chefes e a um ou outro mais influente,
e mostrando-lhe as vantagens que encontrarão se permutarem
o seu negocio nas casas que representam.
A mesma comitiva podem appareccr outros agentes ou na
própria occasiao, ou já depois no transito e isto que acontece
uma ou outra vez e quando os agentes não sejam conhecidos
ou mesmo amigos, (t que tem dado logar a conflictos.
As comitivas em geral, acceitando bem o primeiro cambo-
lador que lhe apparecc, sobre tudo quando conhecem a casa,
27G
EXPEDIÇIO POBTUQDBZA AO MliATIÂNVtlA
O que é natural, conaideram o facto como lembrança de amisa(
de seu antigo freguez e deixa-se guiar pelo agente.
Isto não é mais que um reclame a que estamos cOBtumadt
na Europa.
Um viajante chega a qualquer cidade por mar ou por ten
c meamo Raten de dar um passo nessa cidade, encontra lo(
uma alluvião de cambpUidorea com cartSes e anuuncios para tf
conduEÍrem ao melhor hotel, ao melhor alfaiate, chapelleir(
retratista, etc, etc.
No commercio sertanejo em Afiica, o mau é serem indigi
nas 09 agentes da cambolação, e ainda assim não sHo o
casas de maior vulto que estabelecem os conllictos. Sfio o
pequenas casas âliaes destacados mais para o interior e os avi
dos, que também por lá andam com as suas pacotilhas c as pn
tendem negociar a todo o transe ; e se essas pequenas casas o
aviados dispõem de força que poaaa impor-se às comitivas, aléi
da força moral que os anima por estarem cm terras que i
estas são extrauhas, quando a bem não queiram permutar ^
seu negocio, chegam a fazer-lhes sequestros em parte ou mesi
no todo da carga que transportam, a pretexto de que a parei
tes, amigos ou mesmo patrícios seus, chefes d outras comiti
vas em tal anuo ae fizera o mesmo.
Perdeu a comitiva na occasiSo, porque o theatro d'estae s
nas é fora da alçada das nossas auctoridadcs e n^ teeui i
quem recorrer; porém ella, maia tarde, obteve a compensaç^
com gi-andes lucros, porque nas margens do Cuango ou i
suas proximidades, comitivas que sejam estranhas, isto é, qql
sejam das terras da província portugueza, vâo pagando até ó
Bãngulas estarem saciados !
E este mal tomou taes raizcs entre os Bãngalas, que s
reproduzindo no centro do continente, com toda a vanta
para as localidades onde se pratica.
A eambolaçào das casas de Malanje, no intento com qoa ^
fizeram reviver, surtiu o effeito que se desejava — a corraite í
commercio nSo foi desviada, seguiam apenas para oeatej as
comitivas já afreguezadas em Fungo Andongo e no Dondo, e
DESCBIFÇZO DA VIAGEM
277
uma ou outra, coin a ídoa de especular; mas estas, como as
vantagens nSo compensassem as distancias a percorrer, so uma
vez chegavam ao Dfindo, nSo deixaram por isso duas o três ve-
zes de permutarem o seu negocio em Malaitje.
Abusando porém os indígenas, que procuram negociar por
sua conta nas proximidades dos llmiteB officiacs da província,
da cambolaçito, as casas de Malanje nunca mais alimentai-am
^^^ tal sjstcmaj substituiram-no pelo das famorosas, novo me-
^bi thoda de róclamc usailo só entre as casas commerciaea que olú
^^r £ucm a coQCorrcncia.
278 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO MUATIÍNVUA
Consiste este sjstema em lançar ás comitiTaB que passam
á frente doestas casas imi certo numero de artigos de oommer-
cio — camisas^ camisolas^ lenços, barretes, talheres, espelhos,
novidades em missangas o contarias, etc., para as convidar a
parar e fazerem ahi negocio. Essas comitivas naturalmente
param, distribuem os artigos entre si, emquanto os chefes en-
tram em convénios com os donos ou empregados da casa que
os representam, e raro é aquelle que nSo toma logo ahi o aga-
zalho da praxe.
£ muito singular o modo de fazer commercio com o indígena
no sertSo, e muito especialmente com o gentio.
Quem pela primeira vez procura conhecê-io, nSo lhe agrada
o que vê, sente-se mesmo mal ao descrevê-lo, parece-lhe tudo
muito irregular, e mesmo illicito o que se pratica, e o que a
tal respeito pode pensar redunda em descrédito pai^a os ne-
gociantes que ahi representam o conmiercio portuguez. Po-
rém observando com toda a attenção o que se passa durante
os transacções, o modo por que o gentio as encaminha, e co-
nhecendo o valor dos ai*tigos permutados, e principalmente
dos que se recebem, o ónus com que teem de ser sobrecar-
regados até chegarem aos mercados para onde se remettem,
e as alternativas de preços a que ahi estão sujeitos, nSo pode
deixar do conformar-se com os usos, e só lhe resta louvar a
muita paciência dos negociantes europeus e admirar o espi-
rito inventivo que revelam, c que a pratica lhes tem apurado,
para se sairem bem do labyrintho de antemSo preparado, em
que os envolvem, muito particularmente as comitivas de Bân-
galas.
Chegando uma comitiva a qualquer estabelecimento commer-
cial é hospedada, pelo menos durante ti^es dias, e a nSo ser o
chefe e um ou outro que o acompanha, que entram no esta-
belecimento para ver diversos artigos e conversar com o dono
a respeito do negocio, e observar o modo por que este se faz
com outros freguezes, os mais só pensam em comer e beber
bem por conta da casa, dansar c folgar até altas horas da
noite.
DESCBIPÇZO DA VIAGEM 279
As combinaçSes sobre preços sSo feitas pelo chefe da comi-
tiva de accordo com os mais velhos, sendo a imidade a peça
de fazenda de lei, cujo valor se pode reputar em 850 réis.
A unidade da pesagem é a libra, e, segundo O accordo a
que chegarem, em cima do balcSo se collocam as peças de fa-
zenda de lei que correspondem ás libras pesadas.
Antes de principiar esta operação, é sabido que tem de se sa-
tisfazer á exigência do mata-bicho com aguardente^ exigência
que se repete varias vezes de dia e de noite até se fechar
o negocio.
As pesagens são sempre acompanhadas de amiudadas obser-
vações e comparações com as que se tiverem já feito nesse e
em dias anteriores, e até em viagens precedentes ; e de muitos
commentarios e exigências que aborrecem. Cada um que pe-
sou o seu negocio procede depois á contagem das peças e re-
cebe a sua nota, alguns já em papelinhos, mas a maior parte
ainda em pausinhoa, a um por peça.
Vío depois conferenciar todos juntos sobre o numero de pe-
ças que rendeu o negocio de cada um e se àttinge o producto
que com antecipação já haviam calculado pelo numero de bo-
las de borracha, se se trata doesse producto, o que é mais tri-
vial, ou pelo peso do dente de marfim, calculado a olho, como
costuma dizer-se.
Não é raro, depois doestas conferencias, voltarem aos esta-
belecimentos a fazerem reclamações e procederem a novas pe-
sagens, addicionando ao monte mais algumas bolas de borra-
cha que tinham ainda guardadas, as quaes, na maior parte das
vezes, estiveram de molho durante a noite; muitas vezes á pe-.
sagem feita addicionam papagaios ou mesmo curiosidades.
Tudo isto leva muito tempo, procurando sempre o gentio a
favor dos seus interesses pretextos para ludibriar o comprador
e conseguir augmentar as pesagens; pela sua parte o compra-
dor que os percebe, tendo já a pratica necessária e tendo feito os
devidos descontos nas balanças e medidas de fazendas, discute
com elles, analysa os seus artigos, propõe abatimentos pelas
depreciações que lhes laz notar, ao mesmo tempo que por ou-
»i
280 EXPEDIÇIO POBTUGUEZA AO MUATIÂKVUÁ
tro lado os amacia^ dando-Ihe mais um copo de aguardente^
lun pequeno presente, do que mais lhe está attraindo a atten-
çSo emquanto duram as òperaçSes e discussSes do negocio.
Ha alguns annos parecia haver mais franqueza da parte dos
nossos estabelecimentos^ porque as peças de fazenda já vinham
preparadas das fabricas para negocio com o gentio. As peças
apresentavam maior numero de dobras que jardas, e conta-
vam-se as dobras por jardas. Assim uma peça de fazenda que
se dava ao gentio por 24 jardas, e que equivalia a três peças
de fazenda de lei, reputada em 2}$550 réis, nKo tinha mais
que 18, isto é, valia 1}$910 réis. Havia, portanto, uma larga
margem para compensar as exigências, a hoi^pedagem, os ma-
ta-bichos, os presentes, os enganos, as delongas das transac-
ções e malufo de quitanda final, faltando o qual se pode
desmanchar o negocio, e que de anno para anno se vae tor-
nando mais oneroso, usos estes com que todos se conformam,
para não perderem a freguezia, porque o gentio sempre en-
contra imia ou outra casa, que mais bem precavida melhor o
pode servir.
A questão das dobras durou alguns annos; porém este pro-
cesso tornou-se conhecido, e se um ou outro negociante tirou
d*elle proveito, de certo não foram os que tinham casas filiaes
ou aviados pelo sertão, nem tão pouco fornecimentos a credito
aos indígenas, porque esses tiveram os prejuizos de ficarem
com saldos a haver, devidos ao mesmo processo.
Nas primeiras transacções acreditou o gentio que as dobras
eram jardas, porém quando as peças eram abertas em suas
casas ou no interior reconheceram o logro, d^ahi em deante,
nas equivalências de peças de fazenda, o que antes acceitavam
aos estabelecimentos commerciaes por três peças, só tomavam
por duas e meia, e as de quatro (geralmeote chitas), por três.
E no sertão tornaram-se então mais exigentes : as fazendas que-
rem-nas medidas, importando-se pouco com a denominação de
jarda, fazendo elles a sua unidade, que, conforme os povos,
varia de 0™,90 até l'",20, e mais adeante teremos occasiSo
de citar até de 1°*,80 e mais.
desckipçao da viagem
281
I
Se o DOSBO commercio tem de recorrer a artificios é para
poder competir cora o gentio, que niaso não llic i inferior. Tem
ellee a pacliorra de dar jIs bolas de borraclm volume e grandeza
Riaior do que a que tinham quando as obtiveram, já pondo-as
de inõlho, já encheado-as do terra e paus ; e ás pontas de marfim
díLo maior peso, conseguin-
do atacá-las na extremidade
com calhaus de modo tal, que
é difficil perceber-se '.
Em geral o Bângala cstl
t2o pratico nas pesageníi,
que, embora as bolas de bor-
racha teuham passado por
differentcs grandezas, en-
fiam-nas logo cm pausinhos
em duas ordens, tautas por
ordem (ultimamente cinco),
e tem a sua unidade — miitd-
rí — que regula por meia
libra. Obsenámos muitas
vezes que as vinte bolaa que
traziam dispostas em dois
mutáris, se não tinham o
peso da libra, pouco d'ella
diffcriam.
Calcula, pois, o Bãngala, actualmente, que seiscentas o c;n-
coenta bolas, pouco mais ou monos, toem o peso de uma arroba,
■ Em T.isboa, ainda não ha muito, soubcmoB ter-se vendido mna ponta
de marfim para obra, em cuja extremitlade encurvada se encontrou per-
feitamente ajustado um taco de madeiro, sendo para admirar como foi
pOBBÍvel ali cotlo(?á-lo, o que bi5 se conheceu quando foi cortada a ponta.
Escosado será dizer quo o comprador, dando parte d' esta fraude, fòi im-
mediatamente indcmuisado pelo vendedor, pessoa muito acreditada uc^ta
^ Morreu em Malanjc dois mezcB depnia do TcgrcBso.
282 EXPEDIÇXO PORTUOUEZA AO MUÁTIInVUÁ
e sem se importar com o preço que a borracha possa ter no
mercadO; pela pratica reputa-a em tantas peças de fazenda^ e
com isso conta.
Depois de estas peças estarem sobre o balcâO; procura elle
reduzi-las ás equivalências, de modo a obter o máximo dos ar*
tigos que pretende e estes da melhor qualidade.
Devemos notar que outr'ora também o nosso commercio lu-
crava com as fazendas de boa apparencia mas com desfalque
nos fios, porque eram estas as que se levavam para o interior,
porém actualmente as fazendas doesta qualidade sào ahi rejei-
tadas e os Bângalas tornaram-se exigentes, e o peor é que as
pretendem boas pelo mesmo preço das inferiores, exigência
esta a que é impossivel satisfazer.
Viu-se portanto o commercio na necessidade de dar ás pe-
ças uma nova forma e medição. Como para elles uma divunga
regula de 3'°,40 a 3™, 60, as fazendas são cortadas já em uma
e em duas divungas, isto é, em um ou dois pannos. Dois pan-
nos, equivalendo ainda para o Bângala a uma peça de lei, já
em réis dá preço mais favorável, e por conseguinte na equiva-
lência de artigos muito mais.
E isto é indispensável, principalmente tratando-se de espin-
gardas. Quem conhece a pauta de Loanda, e os encargos com
que este artigo é onerado até Malanje, custa-lhe a acreditar que
elle se possa vender ao gentio pelos preços por que se vende.
Uma espingarda é reputada cm quatro peças de ftizenda de lei
(3j54(X) réis), pois além de Malanje vendem-se por três e por
duas e meia!
r
E pelas equivalências e pela balança que o nosso commercio
consegue satisfazer a todas as exigências do gentio, tendo em
attençao sempre o preço mais baixo que obtiveram os artigos que
permutaram nas remessas anteriores, e succede muitas vezes,
apesar das cautelas precisas, não terem lucro algum na venda
d'esse8 artigos, quando ntio coutara prejuizos.
O lucro da permutação geral, se o houve, é devido aos pre-
ços com que foram tomadas as fazendas, com os quaes se sal-
vam as baixas das remessas, já é uma compensação nas tran-
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 283
sacySes do anaO; mas conta-se mais um anno de sacrifícios in-
fructiferos.
Nos últimos annos, porém, a sorte bafejou o commercio de
Malanje, com a subida da borracha e com a affluencia das comiti-
vas que, depois de 1884, foi devido em parte á influencia da nossa
Expedição no interior, o que é comprovado pelos redditos da
alfandega de Loanda, provenientes dos concelhos de leste. O
augmento e desenvolvimento dos estabelecimentos commerciaes
neste concelho é ainda, ao que asseveram as próprias comiti-
vas de Bângalas : emquanto a Expedição de Muene
Puto está no interior; vamos para lá mais afou-
tes porque não nos roubam.
E note-se que neste período, e dois annos antes, poucas fo-
ram as comitivas de Bângalas que passaram além do Quicapa
á procura de marfim ou borracha em terras do Muatiânvua, e
se uma ou outra passou, de lá vieram sem cousa alguma, e os
que escaparam diziam: — Trazemos a nossa vida, e
já foi uma grande cousa!
E estas comitivas o que iam lá buscar eram escravos, não
só para fazerem parte das suas comitivas futuras para o Lu-
buco, mas ainda para ahi trocarem alguns por marfim.
A occasião é opportuna para repellirmos a insinuação do
Dr. Wolf, companheiro do Tenente Wissmann, o qual na sua
conferencia em Manchester, affirmou que se vendiam no Mu-
quêngue milhares de escravos por anno aos Bângalas e aos
Quiôcos em troca de armas e pólvora, insinuação que mais
tarde redunda em censura para os negociantes portuguezes, que
tão bem o receberam e a todos os seus companheiros durante
seis mezes que estiveram em. Malanje, e onde não viram en-
trar esses milhares de escravos em troca d'essas armas e pól-
vora, sendo certo que Bângalas e Quiôcos só doestes negocian-
tes as recebem, pelo menos na sua maior parte.
E repellimos essa insinuação, porque na verdade, se ha trans-
acções de escravos é exactamente na região além do Cuango,
e seguem da Lunda para as terras em que os illustrados ex-
ploradores andaram.
284 SXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO MUATIÍNVUA
Os Bftngalas e Quiõcos, e ainda ob Angombes e Bienos^ que
se Quiôcos nSo são, siU) da mesma fiEunilia, para lá os levam da
Lunda, e seguem com elles para o norte para o alliado do
Estado Livre Tippa- Tib, no Nyangué, e para outros negociantes
de escravos.
Nós sabemos que os exploradores allemSeS; desde que se
lembraram de viajar no centro da Africa, de 1878 até agora,
se conformaram com os usos e costumes dos povos que visi-
taram, e mesmo nSo podiam, nem podem por emquanto reagir
contra elles, e nSo só acceitavam os escravos como moeda
corrente, mas até com elles fizeram pagamentos aos seus car-
regadores, que eram filhos dos arredores de Malanje, perten-
centes aos sobas avassallados, mas que teem governo indepen-
dente; e também sabem os exploradores que esses individues
de escravos só teem o nome, que nós lhe damos pelo &cto de
ser esse o vocábulo com que classificámos, nSo o ente propria-
mente, mas a individualidade, que passa constantemente de
mSo em mSo ^.
1 É preciso conhecer bem o significado dos vocábulos para se apre-
ciar o modo de ser social do indigena gentio, e nâo cairmos em erros que
prejudicam as descripções de factos e do que se passa naturalmente na
vida real doestes povos. Mutu (mutu) é o vocábulo singular, que significa
«pessoa, ente» *, e o seu plural é antu (atu), Elles teem vocábulos para
distinguir a pessoa homem da pessoa mulher, e também os vocábulos
para as distinguir segundo as idades, e ainda para a pessoa homem os
que a distinguem segundo a sua cathegoria social.
Na classe inferior encontra-se o mururo («o servo» da familia,da tribo,
do estado emfím), que os nossos Ambaquistas interpretaram como, tnubica
(mubika)^ e que na província de Angola os nossos antigos consideraram
escravo. NSo ha equivalência entre mururo e mubica senão no facto da
dependência de um senhor que o pode passar a outrem — é a moeda nas
suas transacções.
O mururo, nas terras do Muatiânvua, é o abandonado, aquelle que se
encontra no mato, entre o capim, nos caminhos, e que nSo tem ou se lhe
nao conhece familia, ou um parente qualquer. Quem o encontra leva-o
cm sua companhia, e diz mururo á hunona («abandonado para quem o
apanhar»).
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 285
E feliz d'aquelle que chegou a terras portuguezas, porque
ahi termina o seu fadario; constituiu familia e trabalha para si
e para a sua descendência, a que d 'antes não tinha direito.
Mas temos agora mais do que informações indigenas, temos
noticias muito recentes das localidades em que teem estado
ultimamente os exploradores, fornecidas por europeus, e para
as quaes não podemos deixar de chamar não só a attenção
do nosso governo e do nosso paiz, mas ainda a de todas as na-
ções que se interessam pela causa africana, e d'essa nova as-
sociação humanitária fundada para pôr termo á escravidão em
Africa.
Como é natural, o abandonado que encontrou então um abrigo, o sus-
tento, uma familia emfim, trabalha para esta e considera-se d'ella o mais
inferior, e por esse facto é sempre o mururo. Como reconhecimento mesmo
d*C8se benefício, quando o chefe da familia tem alguma condemnação a
pagar, elle próprio se apresenta para o pagamento ou para fazer parte
d*elle. Registámos alguns casos d'estes, em que o senhor e mais pessoas
de famílias só a muito custo e nos últimos extremos lançavam mão do
mururo, a quem se haviam affeiçoado.
O mururo acarreta agua do rio, corta e transporta as lenhas para as
cubatas, faz o fogo, vae procurar nas lavras, e mesmo nos matos e nos rios,
alimentos para a familia, sae em diligencias para pontos distantes, para
todos os effeitos faz parte da familia e com consentimento dos chefes
pode ter as suas relações amorosas, porém dos fructos d*essas relações,
isto é, dos filhos é que não pode dispor ; qualquer doestes herda do pae
o ser mururo da familia que o abrigou.
Os prisioneiros de guerra, os tomados nos sequestros, ou que não po-
dem pagar condemuaçoes, são considerados abandonados — mururo.
Se apparecem parentes do mururo, seja em que grau for, mas reco-
nhecidos, o mururo ó resgatado e deixou de ser considerado como tal. ,
O mururo é um modo de ser no estado do Muatiânvua, porém nunca
vi este, nem os potentados chefes de território, fazer distincção entre elle
e os considerados fidalgos e mesmo fílhos do Muatiânvua. Aquelle vo-
cábulo mesmo, ouvi -o isolado, como designando o serviçal da familia,
e entre as mais indigentes, porque, para os que estão em melhores cir-
cumstancias já o vocábulo é outro e faz perder a idea do abandono —
caxalapoli (kaxaíapoli) ^ cuja interpretação é «vigia» (o que toma conta
do que pertence ao individuo que faz as vezes de seu pae).
286 EXPEDIÇZO FOBTUGUEZA AO MUATliWUA
Estas noticias yeem a propósito e completam os nossoa co-
nhecimentos sobre a RegiSo Portagaeza, que os illostrados ex-
ploradores que ali foram sob nossa protecç&o, offisreceram ao
Estado de H. Stanley e seus consócios; mas nós^ que sabe-
mos qoanto os nossos compatriotas; filhos de Angolai trabalhai
ram para a regeneração dos povos que a occapam^ protesta-
mos bem alto contra mais esta usurpaçSO; feita sem qae o nosso
paiz tivesse conhecimento de tal facto, ou pelo menos ignorando
as condiçSes em que se encontravam estes povos e as estreitas
relaçSes que ha vinte annos elles mantinham constantemente
com os filhos de Angola.
£m geral todas as pessoas que constitaem a fitmilia, a tríbu ou o es-
tado, sfto denominadas pelos próprios chefes aníu ámi {alu dfnt) ou ano
âmi, cnja interpretação é : «mca povo» ou «meus filhos».
O mururo só tem paridade com o muinea de Angola, em infelitmente
passar como moeda nas transacções como aquelle passou, porque as
circnmstancias da vida social rudimentar do centro do continente assim
o exigem, e para as quaes as nações civilisadas, sem o pensar, contribui-
ram, como demonstraremos em outros logares ; porém o que lembra de
odioso no mubica foi devido aos povos que avançaram na civilisaçâo e é
inteiramente desconhecido no caso do mururo.
Entre os povos do centro do continente, os ferros, os cepos, o chicote,
que alguns exploradores dizem lá ter visto como instrumentos de repres-
são e castigo para os escravos, não sâo de fabrico indígena. Esses arte-
factos saem das fabricas estrangeiras, geralmente inglezas, que já annos
antes os exportavam para outros pontos do continente africano e para
outras regiões do globo.
Infelizmente também nós importámos os modelos e os imitámos; po-
rém entre os indígenas, os próprios prisioneiros de guerra, sSo conduzi-
dos apenas seguros uns aos outros com cordas feitas de vergonteas de
trepadeiras, amarrando-se-lhes os pulsos atraz das costas, como se faz
aos macacos.
Mas os illustres exploradores allemâes que me obrigaram a fazer esta
explicação do que elles de certo não ignoram, sabem bem que nas terras
do centro de Africa, entre as tribus indígenas, não ha o serviço remn-
hcrado, que o mururo é uma necessidade, aliás não teriam quem os ser-
visse e teriam de retirar por lhes ser impossível penetrar no campo das
suas operações commerciaes.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 287
Depois da chegada da expedição Wissmann ao Lubueo tra-
tou-se e conseguiu-se a navegação, em parte, do Cassai e Luiúa
até ao Zaire, e fez-se logo oceupar o paiz pelos agentes do
Estado Independente do Congo, e em dezembro de 1887 dizem
as nossas noticias:
«O paiz mudou inteiramente; subiram de valor todos os artigos, tanto
de negocio como viveres; a fazenda espalhou-se por toda a parte com
profusão ; a borracha, que se vendia por preços extremamente baratos,
hoje está pelo triplo, e presentemente apparece pouca ; o marfim tor-
nou-se raridade e o que apparece vende-se por preços elevados e nâo
convém em qualquer mercado da província de Angola.
As caravanas de Quiôcos, Bângalas e Malanjes são quasi diárias.
Hoje estão neste paiz para cima de duas mil pessoas d'esta8 procedên-
cias, que são verdadeiros enxames que invadem todo o território do Lu-
bueo, não deixando uma bola de borracha, nem um escravo. Devemos,
porém, concordar que não são estas caravanas que fazem damno ao com-
mercio licito; compram e mal, fazendo negócios sem calculo nem me-
dida, porém levam a borracha para os mercados da província e os escra-
vos ficam com elles para os seus trabalhos.
O que é summamente mau, damnoso e terrível, são as caravanas de
Bicnos, que dcsem])ocam em Cabau vindos pelo oriente. Estas, sim, são
uma praga, emfim um verdadeiro flagello. É devido a ellas que estamos
fazendo conhecimento com a miséria, e soffrendo gravíssimos prejuízos.
. Temos feito diversas viagens a Cabau, a ultima em maio, e de todas
temos tido a desgraça de encontrar este flagello, obrígando-nos a reti-
rar com as mercadorias por ser impossível fazer negocio em concorrên-
cia com traflcaiitcs de carne humana.
Estes bandidos não levam para Cabau um búzio, nem um bago de
missanga ; o único artigo que levam para a troca por marfim são nume-
rosas levas de escravos, que vendem aos Bacubas por preços
desgraçados.
Para fazer idea d 'este péssimo negocio é sufficiente dizer que dão
por uma pequena ponta de quatro libras de peso, um escravo; de dez,
dois ; de vinte, seis ; de trinta, dez ; por uma de cincoenta a sessenta,
vinte ; e finalmente deram quarenta e cinco escravos por um
dente que pesava noventa e duas libras !!!
A primeira vista parece incrível que isto se faça; porém, com mágua
o digo, é uma triste verdade !
Os Bacubas, eniquanto teem negócios doestes, nâo vendem o seu mar-
fim por artigos de nef^^ocio licito, e quando o vendem, exigem em búzio
o equivalente ao valor de escravos.
288 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
Ora em Cabau o preço de um escravo sfto emoo mil bagos âe bmios,
preço fixo em todo o paiz, de forma que quem qnizer comprar a ponta
egual á vendida por quarenta e cinco escravos temdedardu-
sentos e vinte cinco mil búzios, que equivale a 225 kilogrammas ! O preço
d*este artigo, vindo de Malanje, fica em Cabau a 700 réis o kilogrammay
e a compra da ponta seria em réis por 157JÍ500.
Por aqui se vê como está hoje o negocio do marfim, devido aos tra-
ficantes da carne humana !
DirSo agora, como é possivd que os Bienos possam dar um numero
tflo avultado de escravos por uma ponta de marfim ?
A rasSo é muito simples, e vou eipIicÀ-la porque fui testemmilia oea«
lar de uma d*e88as transacções na viagem que fis ás bacias de Sanooro
e LumAmi, aonde encontrei uma cáfila de Angombes. Esta g^te saia
do Bié e veiu a Catema, no Dilolo, d'ahi atravessaram o pais entre
Samba e o Muatiânvua até ao Canbiuca. Atravessaram depois o Lubi«
lázi para a margem direita, no paiz dos Balongos, onde principiaram a
comprar escravos. Percorrem o extenso paiz dos cannibaes, entre o La-
bilázi e o Lumámi, comprando escravos ao Lupungo, Sàpo-8apo e outros
potentados, vendendo um barril com um kllogramma de pólvora on uma
arma lazarina por cinco escravos, quatro jardas de fiuenda por um, ete.
Descem com o curso do Sancoro até aos Bassongos, passando o rio para
a margem esquerda, entrando em Cabau, onde fazem substituir o nego-
cio licito pelo seu de escravos, que compram baratíssimos.
Foi cm novembro de 1886 que encontrei no Sapo-Sapo três carava-
nas de taes cáfilas que seguiam para Cabau, levando um numero superior
a oitocentos escravos!! Escravos vendidos por marfim, pelos
preços que lhe custaram, deiza-lhes um lucro espantoso !
Fiz ver isto ao Sr. Barão de Maçar, chefe politico do districto, e dis-
se-lhe nâo ser possivel estarmos perdendo os nossos interesses, n2o po-
dendo fazer negocio licito ao pé de taes concorrentes, e se não podia por
cobro a esse estado de cousas, reprimindo energicamente os vendilhões
de carne humana, collocava-me na dura necessidade de arranjar forç:is
para cu mesmo destruir os escravistas.
Cavalheiro, como é, mostrou- se muito seutido, mas nada ponde fiucr,
porque a estação do Luluaburg não tem um único homem que sirva
para pegar numa arma, e a estação do Luebo, que está a 20 kilome-
tros de Cabau, tem apenas seis Zanzibaritas, que são impotentes para
castigar uma caravana de Bienos, formidavelmente armados e bem mu-
niciados.
Faz -se commcrcio de escravos, vcndcndo-se ás centenas, a quatro
horas de marcha da estação do Luebo, não podendo obstar a este
commcrcio o pessoal do Estado Independente que se assenhoreou d*este
paiz?»
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 289
Acreditamos, pois, á vista doestas noticias, que se referem
á regiSo que os exploradores allemSes, valendo-se da nossa
influencia e protecção, foram dar de presente como terras por
si exploradas, ao Estado Independente do Congo, que é ver-
dade qae ahi se negoceia em escravos, mas que não são os
Portuguezes os agentes d'esse negocio, nem tão
pouco é elle para as terras portuguezas, e sim
para o norte e oriente, e os que não ficam no norte, lá irão
também para o oriente.
Por diversos individues tivemos conhecimento no interior,
que nas estações que se levantaram próximo do Muquengue,
Muanzagoma, Lulua, Luebo, etc, se esperava desviar o com-
mercio que ia para Malanje, fazendo-se offertas ás comitivas
até de dinheiro, llá^OOO réis por cada arroba de borracha ou
de artigos de melhor qualidade, e em maior quantidade do que
ellas podiam obter das casas de Malanje e mesmo em Loanda.
Em principio suppozemos que seriam os próprios Bângalas
que pretendiam encarecer agora a sua mercadoria e tentavam
armar ao effeito para maiores ganâncias sob tal pretexto.
Pelo que depois soubemos de melhor fonte, pelo conheci-
mento do que se passa no littoral com respeito a fretes e im-
postos, pela conferencia que lemos do Dr. Wolf, em Manchester,
e ainda pelas ultimas noticias do Lubuco, afigura-se-nos que
corre grande risco o commercio de Malanje e todo o sertanejo
d'ahi até á costa, se desde já se não adoptarem im mediatas e
acertadas providencias contra a propaganda que se faz a favor
do Estado Independente do Congo, em prejuizo dos interesses
da nossa provincia de Angola.
Os artigos de permutação facturados em Malanje, á rasão
de 2^1000 réis, vendem-se no Luebo a 225 réisl
Os búzios, que são o principal artigo para o negocio de mar-
fim com os Bacubas (quando não se ofierecem escravos), e que
em Malanje se vendem a 6f5õOO réis a arroba, e chegam ao
Luebo oneradas de modo a não poderem vender- se por menos
de ISjJOOO réis, estão-se vendendo no Estado do Congo a 4<J500
réis por dez mil bagos, que é mais de uma arrobai
290 BXPEDIÇZO PORTUGUEZA AO MUATIÂHVUA
Isto é devido nSo bó á facilidade de transportes, como á dif*
ferença de fretes marítimos e impostos aduaneiros.
Que vantagens podem ter pelo negocio licito as caravanas de
commercio que da nossa provincia nos últimos quinze annos
concorriam aos mercados do Lubuco, principalmente de Ma-
lanje e proximidades, se vSo lá encontrar melhores mercado-
rias do que podem levar, ou as similares, por preços quasi
50 por cento mais baratos, quando o nSo for ainda mais do que
aquelles por que as obtiveram em Malanje.
É para nos convencermos que em pouco tempo essas comi-
tivas, que para lá levavam commercio, agora irSo como immi-
grantes para se assoldadarôm por algum tempo ao serviço das
casas de commercio estrangeiro. Os resultados ser-lhe-hlo de
certo mais favoráveis.
Disse o Dr.WoIf na sua conferencia em Manchester: cExiste
tanto marfim nos paizes não conhecidos, além do Estado Inde-
pendente, que nem se pode pensar quando elle acabará... Se
o caminho de ferro do Congo for uma realidade, nSo ha du-
vida alguma que todo o commercio da borracha, que vae agora
para Malanje, descerá pelo Cassai e se juntará no Congoi.
Estava, pois, a propaganda iniciada para nos despojarem do
commercio além do Cuango.
Vejamos agora pelas noticias, ainda de dezembro de 1887,
como se trabalhava nesta empreza:
«A casa Sanford, da companhia americana que se propõe constniir o
caminho de ferro de Vivi a Leopoldville, para se certificar se haverá mo-
vimente sufficiente de commercio que alimente esse caminho, estabele-
ceu nas estações do Estado, mediante certas condições, artigos de com-
mercio para a compra de marfim c borracha, e o Sr. Legat no Lnebo,
nos mezes de junho e agosto, comprou para cima de 1:000 kilogrammas
de marfim e 4:000 de borracha ; sendo esta vendida por portugueses de
Angola, que por aqui estão fazendo os seus reviro». Os preços dos arti-
gos da troca são pelos do custo e despezas; os preços da borracha 3
pence por libra (peso), e o do marfim, qualquer que seja a sua lotaçilo,
2 shillinga por libra.
«Como o fim doesta companhia é conhecer do movimento commercial,
não admira que faça taes negócios. Mas vamos lá competir com ella !
descripçao da vugeh 291
O percurso d^aqui até Leopoldville é de mais de 600 milhas, e o lucro
é de 1 ptnny por 2 kilogrammas de marfim. Por quanto irão estes ho-
mens vender o seu marfim nos mercados europeus ?
Agora uma nova companhia, denominada Compagnie du Congo pour
le commerce et l^induatrie, propoe-se a navegar em todos os affluentes do
Cuango onde vae fazer negocio. Nâo estabelece feitorias, o commercio é
feito a bordo dos seus vapores especiaes.
Em vista dos projectos d' esta companhia, o que pode esperar no fu-
turo o commercio de leste de Loanda ?
A embocadura do Cassai calcula-se estar no 3* 14' 4" de lat. S. do
Equador, e entre esta e a foz dizem existir um afiluente, que vem da nossa
provincia e que é navegável até certa altura. O Cuango é navegável até
quasi ás portas de Malanje , e o Cuílo e Luangue pensa-se que tam-
bém se prestam á navegação para lanchas a vapor. O Cassai é navegá-
vel desde a foz até ao Peínde. E tudo isto aproveitado pelo Estado
Independente, nâo redunda cm prejuizo da região norte de toda a nossa
provincia de Angola?»
São estAs considerações de um negociante do sertão, homem
bastante pratico, que ha trinta annos se estabeleceu em Ma-
lanje e conhece todas as phases por que tem passado o com-
mercio do centro do Continente. E a ellas ainda acrescenta
muito judiciosamente :
»A lingua que se falia nas estações é a Portugueza; outra qualquer
difficilmeiíte seria entendida, por terem sido os Portuguezes que desbra-
varam este paiz ha mais de vinte annos, onde o seu elemento se encontra
espalhado por toda esta região.
Devido a esta feliz circumstancia é que Wissmann e os seus com-
panheiros se apossaram do Lubuco sem a menor opposiçâo.
Para se conhecer o elemento portuguez neste paiz é bastante dizer
que as caravanas de pequenos commerciantes que vem de Angola, che-
gam aqui quasi semanalmente. Toda a borracha que presentemente se
exporta por Loanda, sae d'aqui levada por Quiôcos, Bângalas e gente
de Malanje e Pungo Andongo, e também pelos Angombes vae muita
para Benguella. Isto pode dizer-se durante os últimos dez annos, por-
que da região da Lunda pouca borracha tem apparecido neste periodo.
Porém no Lubuco succcde o mesmo que á Lunda — as suas florestas
estão quasi completamente extinctas. As comitivas que ultimamente teem
chegado estão vendendo as suas mercadorias por menos de metade dos
preços aqui estabelecidos, e ainda assim muitos nâo logram vender os
seus artigos por causa das Estações.
292 SXPBDIÇZO FOBTUGUBZA AO MUAUÍNVUA
Ainda antes da chegada da expediç2o do Tenente Wissmann uma
anna ou um barril de kUogramma de pólvora equivalia a mil bolaa de
borracha ; actualmente uma arma vale quatrocentas, e o barril tresen-
tas; um boi ou vacca, que se vendia por dose mil bolas, presentemente
s6 o acceitam por quatro mil. Ainda ha pouco mil bolas pesavam, pouco
mais ou menos, 40 kilogprammas, agora nem chegam ao peso de dO.
Se vierem, como se diz, para aqui estabelecer-se filiaes das casas
hollandeza e firanceza do Zaire, as numerosas caravanas que aqui vinham
annuslmente da nossa provinda escusam de cá voltar, por lhes ser im-
possível luctar com taes casas.
«Um dos agentes da casa hollandeza com quem aqui íall^ chagado
no vapor Peace, afiirma vir para aqui luna filial da casa hoUaadeaa, e
admira-se que os Portugueses se n2o hajam importado com esta rQgiXo,
pois sem ella, por emquanto, de nada vale a grande provinda de Angola
com respdto a commerdo.»
Todas estas considerações vêem, quatro annos depois, con-
firmar o que a nossa ExpediçSo previu logo de principio em
Malanjc; e fez constar á Associação e Sociedade de Geographia
Commercial do Porto nestes termos:
«Malai^e é, e continuará a ser, principalmente se a construcçlo da
linha férrea a Ambaca for uma realidade, o verdadeiro e único centro de
commerdo europeu para o seio do Continente ; segundo o meu fraco modo
de ver, deverá Malanje ser no futuro o centro de um governo, governo
de leste da provinda, para cujo limite mais no interior está reservado
o Cuango.
. . . Pelo que respeita a liberdade de navegaçáo e reforma de pau-
tas, com taes medidas muito teem a ganhar os interesses do paiz, esta
provinda em especial e muito particularmente o commercio portuense,
quando queira alargar os seus mercados consumidores para aqui, fiEusendo
derivar parte dos productos que ora se encaminham em concorrência com
os estrangeiros para outros pontos.
Pois é crivei que se mantenha por mais alguns annos a distincçfto de
pautas para as mesmas mercadorias nesta mesma provinda ?
O Ambriz, com uma pauta mais favorável, já convida o gentio da
Lunda, ao norte, á permutação, quanto mais n&o se fsrá nos portos do
norte, que se pretendem conservar livres de direitos aduaneiros.
O Cuango é muito grande na verdade, porém o preto nâo conhece dis-
tancias para grangear lucros, embora pequenos. Nas margens doesta
grande artéria fluvial, que já ha muito nos devia fazer communicar ra-
pidamente com o Zaire, é onde mais se faz sentir o odioso dos gravames
das di£férenças pautaes.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 293
Não é raro encontrarem- se gentios nestas margens com a mesma qua-
lidade de mercadorias, obtidas com grande differença de preços, o que
elles levam á conta de bom ou mau negocio, ou, melhor direi, de que fo-
ram roubados. Isto não é exagero, e a mesma impressão recebeu o es-
trangeiro Yon Mechow, que um pouco ao norte da sua exploração no
Cuan!<o, encontrou fazendas mais baratas do que as similares de que
elle dispunha para seus gastos.
Se á Sociedade de Geographia Commercial do Porto está reservada
a importante missão de conseguir a reforma das pautas da provinda de
Angola, que as unifique e torne mais liberaes, muito terão a agradecer-
Ihe os interessados, e o seu nome ficará vinculado aos melhoramentos
que necessariamente d'ahi hão de provir para esta vasta colónia.
Somos d^aquelles que não apreciam o Zaire como vantagem princi-
pal; temos muito para onde nos alargarmos e com interesses certos. O
commercio pelo grande rio é um pretexto, ha de fazer- se pelo Cnango
para a nossa provincia quando tiver um termo a nossa boa fé e com an-
tecedência nos formos precavendo contra os successivos logros em que
caimos a cada passo com os aventureiros que de tudo nos querem des-
pojar. Bem sabem os estrangeiros o que querem, mas por emquanto a
evolução dos seus mysteriosos desígnios prosegue na penumbra; nin-
guém quer ver no nosso paiz ! »
Quando isto escrevíamos; em 1884, mal podíamos imaginar que
logo um anno depois o mysterio se desvendaria, organisando-se
o Estado Independente, e que já os exploradores allemSes esti-
vessem trabalhando por conta do futuro Estado, fazendo-lhe doa-
ç5o de um território, cujos povos só comnosco mantinham re-
lações e d'onde provinha nos últimos annos todo o commercio
indigena que affluia a Loanda e ao Ambriz. O Sr. BarSo de
Maçar, primeiro chefe do districto, que o Estado chama seu,
tratou logo de repellir os Portuguezes que lá encontrou, e se
podesse vedaria a entrada a todas as caravanas que da nossa
provincia para lá se encaminham ainda. A julgarmos pelo que
succedeu a um empregado africano chamado Santos, que o Te-
nente Wissmann para ali levara de Malanje, nenhum súbdito
portuguez poderia esperar d'aquelle funccionario o mínimo si-
gnal de sympathia.
Este pobre rapaz, amarrado, espancado e ferido pelos indí-
genas, esteve preso numa cadeia três dias, sendo depois por
fraqueza entregue aos seus verdugos, que o queimaram vivo !
294 EXPEDIÇXO POBTUaUBSA AO XUATIÂNVIU
O dr. Summers, da missSo do bispo Taylor, que se nata-
turalisára portuguez e entrara no Lubuco com a bandeira por-
tugueza á frente da sua caravana, fôra altamente censurado por
tal fiicto, nSo consentindo o Sr. de Maçar que elle entrasse no
exercício das suas funcçSes. Entre outras amabilidades d'aquelle
cavalheiro, ao illustrado missionário, registámos esta — que
nSo gostou de o ver com a bandeira portugueza, porque todos
os Portuguezes eram uns bichos e uns ladrSes.
Em occasiSo opportuna mostraremos ao súbdito belga quem
sSo os ladrSes que ao bondoso Rei Leopoldo 11 extorquiram a
fortuna, se é que Sua Magestade nSo os tenha jA apontado
antes de entrarmos nesse assumpto.
«Tanto 08 Qniôcos como ou Bftngalas — dizíamos nós á Sociedade de
Geographia do Porto — , teem descido ultimamente em busca de marfim e
borracha até ao 5^ lat. S. do Equador ; o regresso com as mercadorias
ás costas toma-se-lhes penoso quando elles, a menor distancia, do Am-
briz ao Zaire, encontram melhores fazendas em qualidade, mais varie-
dade, menor preço, e isto por causa do pequeno frete e nenhuns impostos
aduaneiros. Encaminham-se portanto para ali os que n2o estiverem mus
próximos dos Chilangues, pois que nesse caso largam a estes as merca-
dorias para as permutarem no Nyangué por escravos, os quaes s2o enca-
minhados d'ahi para a região dos lagos.
Mas se o caminho de ferro de Ambaca não é mais uma esperança vS,
se realmente se faz, são bem empregados os sacrifícios e trabalhos da
nossa Expedição e as despezas que com ella está fazendo o Governo.
As Estações que vamos construindo serão muito aproveitadas, tomar-se-
hão núcleos de civilisação, centros riquissimos de agricultura, em que
não faltam os braços livres e indispensáveis ; o commercio procurará es-
tes centros, de uma salubridade incontestável em relação ás zonas ma-
rítimas ; e muito é para sentir que não venha immediatamente alguém
aproveitar-se das boas disposições cm que deixámos os povos que as ro-
deam.
Fazendo -se um ramal doesse caminho de ferro a Malanje (65 kilome-
tros), e d'ahi um outro seguindo a sua directriz, mais ou menos pelo
nosso itinerário ao porto Molumbo, no Cuango, na extensão de 20 kilo-
metros, teríamos com isso grandíssima vantagem. As remoções de terras
não offerecem grandes difficuldades á construcção, porque as differenças
de altitude não são grandes e de nada valem as linhas de aguas a pas-
sar, sendo a mais larga o rio Lui, que na peoi epocha do anno, numa
largura pouco mais de 40 metros, tem profundidade não superior a 3 me-
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 295
tros, sendo inferiores o Cambo e o Luximbe, e sendo o porto Molambo
um bom porto, assim ficará ligado a Loanda, o melhor da costa em toda
a nossa provincia de Angola. Assim, não só se aproveitariam as férteis
terras que esse caminho de ferro atravessasse, as melhores que se conhe-
cem em toda a região, a partir do Dondo, pois é a da maior altitude,
regada por boas aguas, fadada para todas as culturas, mas ainda se re-
solveria o grande problema, cuja solução nos últimos annos tantos se
empenham em encontrar : unir por fácil communicação o alto Zaire com
um bom porto da costa, que certamente, depois de pequenos trabalhos,
não se encontrará nenhum como Loanda.
O Cuango, do Molumbo á confluência com o Zaire, pode tomar-se na-
vegável em principio por lanchas, e mais abaixo por barcos, uns e ou-
tros a vapor.
Se alguma cousa fizéssemos neste sentido, podíamos explorar com van-
tagem esses restos de productos naturaes, que ainda provocam a ambi-
ção do commercio em Africa, e certamente por uma direcção prudente se
conseguiria preservar as suas fontes do vandalismo e dar-lhes longo pe-
ríodo de extracção ; aprovcitar-se-iam ao mesmo tempo as riquezas que
o solo, aguas c braços nos oÔ*erecem, creando grandes propriedades agrí-
colas e centros populosos, onde então o commercio encontraria bons mer-
cados para as suas transacções; crear-se-iam as receitas indispensáveis
a sustentar a linha fluvial no Cuango e a férrea até Loanda, pouco nos
devendo importar a mal fadada e mal encaminhada questão do Zaire; cn-
grandeciamos a nossa vastíssima provincia de Angola, e finalmente, pelos
domínios do Muatíãnvua, manteríamos a ligação com a outra não menos
vasta, não menos rica província de Moçambique que estrangeiros cubi-
çosos parecem accordes em querer para sempre separar.
A nós, e só a nós, Portuguezes, pertencia de direito e de facto um
quadrilátero no centro da Africa, cujos lados exteriores são formados pelo
líttoral das nossas vastas e riquíssimas províncias de Angola e Moçam-
bique.
A Expedição pensou ainda por al^um tempo cm descer o Cuango, mas
crente que aos arrojados exploradores Capello e Ivens estava destinado,
depois de explorarem o Cunene, o continuarem a exploração já por elles
iniciada d'aquelle rio, para o seguirem até ao Zaire, e sendo mui diversa
a nossa missão, com bastante reluctancia desistimos d'este intento, que
podia e de certo seria mal recebido no paiz, se de facto os nossos bene-
méritos exploradores tivessem pensado ou lhes fosse determinada a re-
solução do importiiute problema. E com magua repetimos, desistimos
doesse intento, po~que conhecendo os trabalhos de V. Mechow, estávamos
crentes de que o Cuango, salva a queda de agua que o fez recuar no seu
projecto, era navegável, e d'essas supposiçoes bem fundadas dêmos co-
nhecimento ao nosso Governo «.
296 EZPEDIÇXO POBTUGUEBA AO MUATXÍHVUA
O que entSo se podia imagiDar ser uma ilIusSo, tomoa-se
numa realidade pouco tempo depois. Em fins de 1866 o Bev.^
Grenfell e o Dr. Mense no vapor Peace, pertencente á estaçlo
dos missionários Baptistas, estabelecida no Stanley Pool, fize-
ram essa navegação indo depois até ao Lulúa, como vimos
pelas noticias de que já demos conhecimento.
Mas se não nos antecipámos na resolução do problema, to-
davia não ha rasão para desistirmos de tratar desde já do es-
tabelecimento de barcos a vapor especiaes no Cuango e seus
afluentes da margem direita, e ao norte se for verdade o que
se suppSe com respeito a um affluente da esquerda, até onde
a navegação seja possivel, pois que esta linha fluvial ainda não
nos foi contestada.
Emquanto uma plêiade de homens ousados, que se estabe-
leceram em Malanje e mais para deante, teem luctado por
desenvolver o seu commercio muito onerado, como vimos, e
sem terem o apoio dos governos, que tudo ahi até agora in-
dicava terem esquecido que este vastissimo coácelho era de facto
occupado por Portuguezes, que contribuem annualmente com
uma importante receita para os cofres centraes da provinda;
os aventureiros estrangeiros que depois de 1878, pela nossa
costumada tolerância, estudaram esta região e procuraram in-
dagar das origens do commercio indígena, que se effectuava
com excellentes resultados em Malanje, porfiavam por se apo-
derarem d^elle.
Não era da Lunda, além do Cassai, o reconheceram três
expediçSes successivas, que e^se commercio provinha, e por
isso seguiu a quarta expedição para o norte, d'onde tinha re-
gressado o nosso velho sertanejo Silva Porto depois de uma
aventurosa viagem e onde em o período de 1876-1884 afflui-
ram numerosas caravanas de commercio da nossa provincia de
Angola.
Era, pois, ali no norte, que se devia estabelecer o thea-
tro das operaçSes, para se dar o golpe de mestre.
Continuando a apparentar na Europa que se tratava apenas
de explorações seientificas e arrojadas travessias, saia apenas
DESCRIPÇAO DA VUGEM 297
pelo oriente o Tenente Wissmann, emquanto o fallecido Dr.
Pogge ali permanecia vigiando pela presa.
Fi«erara-se os accordos da Allemanha com a Inglaterra (nossa
antiga e boa alliada), e o Rei Leopoldo; e voltou Wissmann con^
a quinta expediçílo, ainda ao abrigo da nossa protecção, abu-
sando da nossa tolerância, a dar o cheqne-mate aos Portuguezes
que o auxiliaram a colher os louros das suas glorias, e obser-
vando o plano de antemão forjado, entregou ao Estado, que
H. Stanley havia preparado para si, a região onde primeiro
tinhamos entrado e onde nós inmos buscar o commercio indí-
gena, que alimentava a prosperidade dos concelhos de Malanje
até ao Dondo.
Depois, a concorrência, fácil pelos transportes, isençSes de
direitos e impostos e o dominio absoluto sobre os povos su-
jeitos ao poder discrecionario dos potentados gentílicos — de
que forçosamente hâo de fugir as nossas caravanas e as dos
povos vizinhos, que se consideravam intermediários ou agen-
tes do nosso commercio — mais aggravou a situação penosa
que a cubica do estrangeiro nos creou.
Vê-se, pois, que o commercio de Malanje ha de decair, e
está já em crise. E podem os poderes públicos ser índifFeren-
tes a tal situação, quando o concelho, que é vastíssimo, tem
recursos que se podem aproveitar para suavisar por emquanto
essa crise e fazer prosperar outras industrias.
Fizemos a descripção do commercio de Malanje nas suas
relações com os indígenas, e mostrámos os graves e immínen-
tes perigos que está correndo por causa dos exploradores que
trabalham em favor do Estado Livre do Congo, e cumpre- nos
insistir para que se tomem as mais indispensáveis providen-
cias e se salve uma das melhores fontes de receita da provín-
cia de Angola e uma das mais bem fadadas regiões para pro-
porcionar legares de refugio contra as dtnomiuadas cameira-
das das regiões baixas.
Não se trata de cousa nova, de fazer qualquer tentativa de
exploração commercial. Trata- se positivamente de factos con-
summados e de que ninguém poderá duvidar.
298
EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
. Se Dia actualidade nada se fizer em &Tor de Malanje, pre-
cipit&mos a mina de Angola e annollfimos todoe os esforços
e sacrificioB que se estSo fazendo com o caminho de feivo de
penetraçSo.
MUEKDB (JOOO)
DESCHIPçXO DA TIAaEH
AGRICULTURA
Está iniciada a agricultura
no concelho, noa arredores da
villa, em grande escala e com
bons residtadne, e é para abi
que se deve dirigir a nossa at-
tençiio & medida que com todo
o impulso ae deve continuar a
conatrucçJlo do caminho de ferro
de Loanda a um doa portos do
Cuango, que offereça maisvan-
300 EZPEDIÇZO PORTUGUESA AO MUATIÂNYUA
tageos para o aproveitamento doeste rio como yU de commu-
nicaçlo^
Dizem 08 filhos do Landa: aci utuma, kaiaUpe mufUa cse
mandas, nSo olhes no caminho (nSo esperes, segue) t^. É ama
verdade esta, e qae devemos ter em vista, para nSo perder-
mos os bens qae ainda nos restam.
A agricultura do concelho, a grande agricultora, pode di-
zer-se começou ha poucos annos em Culamuchito pelas plan-
taçSes de canna saccharina, feitas pelo fisdlecido irmio de Cus-
todio e de Saturnino Machado, e por outros.
Depois seguiram-se as plantaçSes a £. e SE. da vílla, a
contar de Catepa pelo Anjínji e de Qui^sole até ao Luzimbe,
onde se estabeleceu o velho Callado, que tem sempre luctado
com grandes difficuldades e casos de força maior, como ainda
ha dois annos um incêndio devastador.
Nos últimos cinco annos é que teve maior incremento essa
promettedora industria, e neste período o agricultor José Vass,
que constituíra uma propriedade com diversas fazendas de Am-
baquistas e de indigenos, que por compra conseguiu reunir,
pasBOu-a por 22:000|$000 réis a um infatigável trabalhador,
António da Conceição Pinto, que desejava abandonar o com-
mercio, onde não fôra infeliz, para se dedicar á agricultura.
Em três annos este proprietário desenvolveu-a consideravel-
mente, tendo cedido a parte que lhe ficava mais distante da
residência a um outro, também arrojado trabalhador de ap-
pellido Ferreira, que tratou logo de fazer uma grande derru-
bada, encontrando por esta occasião, segundo elle disse, alguns
pés de café.
Narciso António Paschoal, que tinha uma pequena proprie-
dade para recreio, junto do seu importante estabelecimento
commercial, que era regada pelo rio Cuiji, tratou de a au-
gmentar, fazendo acquisição da que pertencia ao seu vizinho
1 O que equivale ao nosso proloquio : «Quem quer vae, quem n2o quer
manda».
DEÔCRIPylO DA VIAGEM 301
Andrade, e ainda de outros terrenos comprados á Fazenda, e
logo em seguida tratou de desenvolver as plantações.
Custodio Machado, porque Culaniuchito lhe ficava um pouco
distante, não abandonando a propriedade que ali tem, tratou
de aproveitar a denominada Inveja, nas margens do rio de Ma-
lanje, de que já falíamos, plantando ahi a canna saccharina.
No Lombe desenvolveram-se também as propriedades agrí-
colas de diversos indígenas, destaeando-se já entre ellas a de
Macedo.
A constituição doeste núcleo de maiores proprietários agri-
colas do concelho é, pode dizer-se, de recente data, e elles
não se poupam a cancciras nem a despêzas, e lá teem já in-
stallado os engenhos indispensáveis e outras machinas de grande
valor.
Todos elles ainda o anno passado, com grande custo, esta-
vam fazendo transportar do Dondo para Malanje, as pesadas
peças de novas machinas, que da metrópole tinham chegado!
Progrediram os trabalhos agrícolas de todas estas proprie-
dades á custa dos maiores sacrificios que é possivel imaginar,
e a colónia Esperança, com os grandes auxilies do governo
provincial, extinguiu-se passados três annos da sua instituição!
E o que é mais, todas as plantações que ahi se fizeram,
vingaram !
A extiucçâo da colónia Esperança foi um passo precipitado,
e não deve entrar em linha de conta para desacreditar a agri-
cultura nesta região.
As causas da sua extincção são as mesmas que já temos
apontado por varias vezes: falta de conhecimentos da loca-
lidade em que se estabeleceu a colónia, e não estar ella devi-
damente preparada para receber europeus, embora fossem sen-
tenceados !
Devia ella mudar talvez de local, pois não faltam no con-
celho muitas outros em melhores condições de salubrídade e
de mais fáceis communicações com a sua capital, mas nunca*
extinguir-se, como se fez, com grande prejuizo dos valores
que nella estavam empregados.
302 EXPEDIÇXO FOBTDGUESA AO MUAHÂHVUA
NÓ8, que tomámos a liberdade de apresentar ao faDecido
Gh>vemador Eleuterio Dantas o projecto de orna colónia pe-
nitenciaria agrícola, que mereceu a honra de ser mandado
estudar por uma commissSo e se chegou a iniciar; nós, que
solicitámos do Ex.°^ Conselheiro Júlio de Vilhena, no Jíít-
nai das Colaniaê, a sua sabia apreciaçSo para um outro proje-
cto mais desenvolvido, o qual era de dar execuçlo ao deter-
minado pelo finado estadista Rebello da Silva sobre colónias
penitenciarias no ultramar; nós, emfim, que louvámos a ini-
ciativa do benemérito Governador Ferreira do Amaral, nlo
podemos deixar de lamentar que S. £x/ nSo fosse compre-
hendido e nSo tivesse encontrado os auxiliares que lhe eram
indispensáveis para o proseguimento da empreza — o aprovei-
tamento da actividade d 'essas numerosas levas de sentenceados,
que todos os annos entram na provincia, em próprio beneficio
d'elles, regenerando-os pelo trabalho; — e a do desenvolvimento
da agricultura nas férteis regiões a leste de Malanje, que além
dos proventos immediatos para estas em particular, e para a
provincia em geral, serviria de incentivo paia a agricultura
do gentio vizinho se tomar productiva, o que tudo redundaria
em beneficio de Angola.
O concelho de Malanje produz já, e quando se queira pro-
duzirá em abundância, mandioca, o principal alimento do in-
digena; d'ella se obtém tapioca, fíiba (amidon), pós para gom-
ma e farinha; ginguba e gergelim, que também os indigenas
comem e ofierecem ao commercio para exportação; algodão,
que os indigenas fiam e tecem para redes, cintas, tangas, etc.,
e que sendo devidamente explorado, pode o commercio expor-
tar, emquanto se não estabelecem fabricas de fiaçSLo, etc.;
taho/co, que os indigenas remettem para o sertão e que o nosso
commercio poderá exportar, quando se trate a serio do seu
cultivo; canna sa^xharina, de que já se fabrica muito boa
aguardente; arroz, de uma qualidade especial e que se pro-
duz em terrenos secos ; mamona e purgueira, que se não pen-
sou em exportar, por ser caro o seu transporte; emfim, café, mi-
lhos, urticú, batatas, todas as qualidades àe feijão, grão, trigo.
DESClílPÇAO DA VIAQKM
3o;í
cevada e aveia, todos as variedades de hortaliças, e cebolas,
melancias, melSes, laranjas, limões, cidras, mangas, goiabas,
jambos, netperas, maçãs, etc.
£, fínalmeate, ha do concelho belliesimos pastos para gado,
o qual está bem desenvolvido, e também nâo ha falta de sal para
commercio eum o interior, e quando bera explorado, pode prea-
cindir-se do que é importado da metrópole.
À Sociedade de Geographia Commercial do Porto dizia a
nossa Expedição, depois de conhecer a fertilidade de toda esta
região até ao Cuango :
• Em todft eets, kodu, de Mutanje ao Cuango, vive e pode trabalhar o
europeu, tendo algumas commcdidades de que pode facilmente rodear-Bo;
venham ellee, não como aventureiros, mas como colonos, com algum ca-
pital buBCondo uma nova pátria, e coustruindo antes o Governo o cami-
nho de ferro projectado, veremoB se uão se fazem boas e ricas pro-
priedades.
Á agricultura é que pertence clvllisar e cugraudecer a Africa. Em-
quanto se peusar de modo diverso, havemos de continuar a ver dissipar
valiosos capitães, e nSo passará nunca do que tem sido.»
304 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
Quatro annos depois, quando nós vimos o estado florescente
das propriedades que dâo canna saecharina, as qiiaes já produ-
zem para o consumo ann uai mente mil pipas de aguardente ou
mais, e que o caminho de ferro se está construindo, nâo podemos
deixar de pedir aos poderes públicos — que protejam já, com
as providencias que lhes é dado adoptar, o desenvolvimento
da industria agricola, activando aquella construcção através
d'esta região até ao Cuaníro e dotando este rio com barcos a
vapor especiaes que difficultem a entrada dos álcoois estran-
geiros que lhe fazem concorrência, libertando de impostos por
um certo numero de annos tudo o que possa beneficiá-lo, como
sâo instrumentos, utensílios, materiaes, machinas, etc. ; final-
mente que promova francamente a colonisaçFio com indigenas
de além do Cuango, para sanearem e prepararem as localida-
des á melhor adaptação de colónias europeas agricolas, conve-
nientemente dirigidas por indivíduos technicns e de confiança,
pois só assim sé poderá tirar proveito das boas condições de
solo e da abundância de agua que o rega.
E isto sFio remédios a applicar de prompto, mas nXo é o suffi-
ciente. O plano de providencias a adoptar deve ser muito mais
lato, e deve ter em vista alimentar essa via forrea, cujos encar-
gos sào de elevada importância, para salvar a província de
Angola, pelo menos nesta regirio, que se estende 4 graus para
norte, da derrocada que lhe está inimincnte, preparada pelas
nações estrangeiras que mais temos beneficiado em Africa.
Deve esse plano abranger. As formulas de administração mais
consentâneas com a Índole e costumes dos diversos povos in-
.dígonas que constituem a populaçFio do concelho, interessando
nella quanto possível os chefes d'estes povos segando os seus
usos, e nào indo de encontro a elles, na regeneração que se
tenha em vista; o modo pratico de se utilísar o elemento in-
dígena hoje despiezado, no aproveitamento do solo, com cul-
turas de que tirem ímmediatos lucros na locíilidade ; o ensino
profissional mais conveniente á aptidão dos indígenas que nelle
se alistem de modo a estimulá-los na pratica e creando-Ihes
necessidades ; compenetrá-los da necessidade de contribuir para
desckipçao da viagem 305
o estado, mas de modo a fazer-lhes ver, com melhoramentos
palpáveis, que estes são applicadas com vantagens para todos
isto é, ligando as suas povoações entre si por caminhos re-
gulares, dirigindo-os na construcçào e disposições das suas
habitações, embora com os recursos de que ainda hoje dispõem,
a fim de pela sua forma e capacidade fazer mudar de aspecto
as povoações, approximando-as do grau de aperfeiçoamento que
podem ter; o estabelecimento era logar que, á condição de ser
central, reúna as de maior salubridade, boa agua, fertilidade
de solo e abundância de boas madeiras, — o que se dá nas
proximidades da villa, — de imia quinta regional modelo, ex-
plorada por europeus; e, finalmente, a creaçâo de companhias
militares agrícolas em differentes pontos do concelho, devida-
mente dotadas de aulas regimentaes, e a cargo das quaes
ficaria a policia das estradas, o serviço de escoteiros, as dili-
gencias do serviço publico nos limites dos seus districtos,
etc, etc.
O plano mais conducente, e de resultados práticos immedia-
tos, ao aproveitamento d'e8ta vastissima regiào e dos seus po-
vos deve ser desenvolvido em relação ao que conhecemos de
Malanje ao Cuango, assumpto este de um novo capitulo. Tal
como elle se nos afigura, apresentá-lo-hemos ainda neste pri-
meiro volume da DescripçaO da viagem — que realisámos de
Loanda á mussumba do Muatiânvua.
Julgamos ter dito o sufficiente para que se conheça o que
era Malanje, o que tem sido depois de 1843, o que é na actua-
lidade, e o imminente perigo que corre de decair depois do
desenvolvimento que attingiu, como succedeu a Ambaca e
Pungo Andongo, porque o coramercio, confiando nos productos
(marfim e borracha) que vinham do centro do continente, con-
fiou demasiadamente numa base falsa e instável. Essas fontes
dos dois únicos productos, embora valiosos, já estão, e mais cedo
do que podia prever-se (aparte as blagues de mananciaes que
esperam encontrar os que trabalham por i Iludir os protectores
do novo Estado Independente do Congo), beneficiando as cor-
rentes do commercio com as quaes já não podem competir as
806 EZFEDIÇfo FOBTDODEEÁ ÁO HtÁTUHTIU
de Mabmje, pelas muitas facilidades que aqoellas desfroctam.
Eatas perennes fontes em breve desapparecerlo, como pri-
meiro resultado das grandes emprezas das beneméritas asso-
(úaçSes humanitárias dos £ns do século zn, qoe por ultimo
parece querem completar a sua obra aniquilando a raça afri-
cana a pretexto de regenerá-la; nem que o grande continente,
onde ella se tem ãesenvolvido, possa ser desbravado somente
pelas raças que superabundam nos outros e de onde diari*-
mente se expatriam os seus filhos a procurar noras ternu onde
melhor possam aproveitar a sua actividade.
DESCRIPÇXO DA V1A0F,M
UMA ELEIÇÃO EM AFRICA
nu fatiar agora de uma eleíçSo
de deputado para as cortes con-
stituintes que haviam de refor-
mar o código fundamental do
paiz, outorgado pelo Imperador-
soldado, e de onde dimana o con-
juDcto de franquias que disfru-
ctâmos.
São convidadoa ob eleitores a
lançarem o seu voto na uma que
ost-i »obre uma mesa na secre-
taria da admioistração do con-
celho de Malanje, no domingo
17 de agosto de 18lr!4. Feliz-
mente a expedição allemSl já eatá longe e não assiste ao es-
pectáculo.
O corredor que dá accesso para a sala onde se vae consum-
mar o acto está bem guoi-necída de garrafas e garrafões de
aguardente, mas como ellea se despejavam com facilidade, a
multidão, que se estende até ao largo em frente da fortaleza,
de quando em quando tem de abrir passagem aos portadores,
que continuadamente vSo e vem a substituir as vasilhas esgo-
tadas pelas que voltam já cheias do fornecedor.
k
308 EXPEDIÇÃO POKTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
Logo de manhã a concorrência de eleitores para a forta-
leza onde fluctua a bandeira bicolor, aíHue de todos os lados.
Os eleitores ostentam nesse dia as suas melhores roupas; os
que estão mais em contacto com o elemento civilisado, trajam
ou sobrecasaca ou fraque preto, e os que nSo trazem chapéus
altos de antigas eras vem com os de panno ou de palha que
se usam só em dias festivos. Os sobas vestem saias de chita^
farda e as suas cajingas por elles mesmos tecidas e de diver-
sas formas; outros^ emfim, de menos posses, trajam á europea,
apresentando-se com as suas calças e casacos de riscados, ou
se ainda andam ao uso gentílico, com os seus pannos de varia-
das cores.
Todos trazem na mão um papelinho, que supporemos ser
antes um valle de aguardente, que uma lista para a eleição,
porque o portador á entrada do mencionado corredor, apresen-
tando-o, é logo contemplado com a competente medida cheia,
que elle sorve de um trago, passando para a sala, onde o seu
nome é descarregado, e o presidente da mesa eleitoral faz en-
trar mais um voto na uma.
São tantos os eleitores, que esta cerimonia, repetindo-se para
cada um, faz com que a votação se prolongue por dois e três
dias, e portanto, depois de fechadas as portas da secretaria do
concelho, o chefe vê-se tão apoquentado com as exigências
dos eleitores famintos pedindo de comer, que manda abater
uma porção de gado vaccum para elles dividirem a carne entre
si, e distribuir algumas cargas de fubá e mais garrafões da in-
dispensável aguardente.
Trata, pois, cada um de escolher local apropriado para os
seus agazalhos e onde fazer as fogueiras, e depois de cozi-
nharem a comida, comem, dançara e folgam, até altas horas
da noite, cantando sempre e fazendo alIusSes ao acto e á bon-
dade e liberalidade do chefe do concelho que os encheu a
fartar.
Isto repete-se dia e noite emquanto se não encerra o acto
eleitoral. Mas depois de todas estas operações, o que tem mais
graça é que suppondo-se que não ha um voto discordante da
DESCBIPÇlo DA VUGEM 309
vontade da mesa, nSo saccede assim. Apparecem nomes de
dois e três candidatos votados, entre os quaes o que tem me-
nor numero de votos tem-nos ainda assim em numero supe-
rior ao dos concorrentes á uma; e ainda mais, as listas lá
existem para o provar. Numa das eleiçSes anteriores, dizia- se,
que havendo a mesa deliberado servir um amigo eleitor, com-
promettido com um candidato a quem nSo podia deixar de sa-
tisfazer, lhe acceitou de pancada um rolo com trezentas listas,
muito bem acondicionadas e amarradas, mas receando que esse
numero de votos fosse fazer mal ao candidato recommendado
pela auctoridade, augmentou a esse candidato outros trezentos.
Quando algum dos europeus ahi residentes pretende intervir
nas eleições, ainda que nâo tenha poder para vencer as aucto-
ridades, a lucta trava-se, e já tem tido consequências graves;
por isso hoje absteem-se mesmo de lançarem o seu voto na
urna.
E fazem bem, porque o que se está praticando com o maior
desassombro desacredita-nos énao civilisa os povos que preten-
demos attrahir ao nosso convivio. Elles não imaginam o que
representa o acto a que sSo chamados, e bom é que continuem
a ignorá-lo.
Dos poderes públicos solicitámos, porém, que se acabe com
taes phantasmagorias; restrinjam-se os circules eleitoraes ás lo-
calidades em que ha camarás municipaes eleitas, e seja só con-
cedido o direito de votar áquelles que melhor podem compre-
hender essa regalia.
Façamos primeiro dos indígenas cidadSos, e depois convide-
mol-os a gosar dos seus direitos logo que tenham a compre-
hensâo do que elles valem.
E chamámos-Ihe festa indigena, porque assim sSo todas as
que vimos entre estes povos do concelho de Malanje. SSo reu-
niões de homens e mulheres, pulando, dançando, berrando,
com acompanhamento de instrumentos de pancadaria, marim-
bas e também de algumas harmónicas, subindo de ponto a fes-
tança e a alegria se teem bastante carne de vacca e abundân-
cia de aguardente.
310
EXPBDIÇZO FOBTCTOtlEU JU> HDA-niHTUA
SSo frequentes fe«taa ígnaes por occanSo de obitoa, oa qnando
promoTid&B por comitivu de negocio, e ornas e outras sio fora
do recinto da rills e aononciadas por descargas continuadas
de fuzilaria.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM
DIFFICULDADES COM CAKREGADORES
312 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO MUATIÂKVUA
mai^em do Luf, onde se devia montar a terceira. Havia, pois,
toda a conveniência em não aecumular mais cargas na segun-
da. Era preciso avançar, ainda que fosse a pouco e pouco, e
sendo assim estudava-se toda a região e os povos no nosso
percurso, como se tinha feito em Malanje e seus arredores.
Pela serie de documentos que reproduzimos se fará idea,
não só dos trabalhos já emprehendidos e cujo resultado foi
enviado ao Ministério dos negócios da marinha e ultramar,
mas ainda dos esforços em vão empregados, para 0]*ganÍ8ar um
pessoal de carregadores para trezentas e vinte cargas, sendo
mais de vinte para dois homens, devendo notar- se que a maior
parte das cargas tiveram de ser reduzidas no Dondo e em Ma-
lanje, a menor peso e volume.
As difficuldades de arranjar carregadores e de modificar as
cargas são assumptos já tão conhecidos e bem descriptos pe-
los exploradores africanos, que entrar nelles seria repetir, com
differenças insignificantes, o mesmo que está dito, e por isso
julgámos ser sufficiente transcrever parte da nossa correspon-
dência com as diversas auctoridades, e com os negociantes que
procuraram auxiliar-nos.
Com respeito a pagamentos ao pessoal é que julgámos con-
veniente prestar esclarecimentos nesta occasião, porque é mui
diverso o modo de o fazer á medida que nos vamos internando
no seio do continente.
O commercio, a partir do Dondo, tem conseguido manter
uma taxa invariável de pagamento para o transporte de uma
carga, cujo peso em media regula por 100 libras; porém, sub-
entende-se que essa carga é divisivel, e se o não for, que pode
ser transportada por dois e ás vezes mais homens.
Ora isto pode fazer- se de concelho para concelho, porque os
caminhos são regulares e teem a largura sufficiente, mas já não
se dá o mesmo além de Malanje, em que os caminhos são tri-
lhos e mais ou menos entre florestas.
Se as cargas são divisíveis, como fardos, barris de pólvora,
espingardas, etc, escusado é o negociante acondicionar estes
objectos em uma carga devidamente enfardada e protegida con-
DESCKIPÇlO DA VIAGEM 313
•
tra as intempéries que teem de sofirer nas jornadas, porque
passando para as mãos dos carregadores e fora das vistas de
quem lh'a confiou, é logo a carga dividida por diversos e acon-
dicionada a seu U90 nas suas muhambas ou canastras juntamente
com os artigos que lhes são indispensáveis, como pannos, es-
teiraSy panellas, etc., e também carne, peixe, mandioca, milho,
bananas e outros géneros para a sua alimentação.
Mas o pagamento no interior da provincia não variou, sendo
certo que os carregadores inculcados pelo soba que é freguez
de uma casa, raras vezes deixam de apresentar os objectos con-
stantes das cargas que lhes foram confiados.
O pagamento é feito por peças de fazenda, e estas podem
ser trocadas na equivalência já estabelecida pelos artigos de
negocio que mais lhes convenha. A peça actualmente tem um
certo numero de dobras, uma imidade inferior á jarda e o car-
regador da provincia, nos seus fretes dentro d'ella, acceita essa
unidade, porém os que se destinam para além de Malanje já
nSo a acceitam, e a pratica mostrou-nos que nfto podem nem
devem já acceitá-la.
A unidade de medida que aquelles exigem, é inferior ainda
assim, á que pretendem os Bângalas e Lundas, e principal-
mente os Quiôcos. E igual á adoptada pelos povos do Lui e
margens do Cuango, vizinhos ao norte de Tala Mugongo. £
medida que varia segundo o comprimento do braço do indiví-
duo que mede, e que ha de ser igual á extensão contada do
meio do peito até ao extremo da mão, tendo o braço direito
estendido para o lado. Duas medidas d'estas fazem um heirame,
quatro uma divunga (um panno) e dois pannos uma peça.
Esta peça, que teiQ, portanto oito d^aquellas unidades, é su-
perior á do commercio na provincia de 1™,60 ou mais, proxi-
mamente três das suas dobras.
Ora se o explorador, viajante ou negociante apenas tem o
trabalho de formular uma tabeliã de novas unidades no local
em que faz o seu fornecimento, e pagar nessa conformidade,
tem depois de calcular o seu fornecimento, partindo doestas ba-
ses, não como o commercio as proporciona, mas contando sem-
314
KXPEOrçÀO POKTDOUKK^ AO MITATIÍNVrA
pre com um excesso de fazenda para as differenças que vae en-
contrar á medida que se afasta para o centro do cootiiiente, e
muito principalmente se for negociar. Destas variantes resulta
a necessidade de maior numero de cargas e por eonseguiate
de bocas, c cada uuia come, não o que ee pensa equivalente
a duas das tacs dobras ein três dias, mas, pelo menos, uma em
cada d)i\, diíFcrença qne numa viagem longa é importante.
E fique-ae certo que a
raçSo de uma dobra por
dia é muito pouco, como
provaremos por vezes no
decurso da nossa uarra-
ç&o, e o resultado são os
furtos que se fazem aos
fardos, cargas de missanga
e pólvora, em quitntidadea
insignificantes, que se co-
nhece ser para comprar
de comer, mas que feitoa
por varias vezes e por di-
versos, avolumam oe dos- ,
falques.
Ha v Íamos estabelecido
em Matanje para os nossos
pagamentos as seguintes
equivalências, adoptando
pai-a base o bando, a uni-
dade da medida de fazenda, já indicada pelos carregadores
contratados :
8 batidos (peça) de algodSo 1 :000 taxas amarellaa
6 ditOK de riscado de segunda qualidade 1*> biindoB de algodão
8 ditos de riscada de priDieirUi qualidade 2i
8 ditOB de chita de segunda qualidade 'H
8 ditus de cLita de primeira qualidade -I^
1 espingarda lazarina '2ii
1 barril de pólvora (peso, 1 lli.) 12
1 chapelUnho de sol 6
DESCRIPÇZO DA VIAOEH 315
4 canecas ou pratos ordinários 8 bandos de algodão
3 macetes de Cassungo 8
1 macete de missanga Maria II 8 » »
1 braça de baeta 4
4 lenços grandes 8
6 ditos pequenos 8
» m »
m
» » »
» B 9
» » m
Com respeito aos outros artigos, era pelos preços da factura
que se regulava a equivalência.
Também estabelecemos a equivalência dos nossos artigos
com os productos — marfim, cera e borracha, calculando estes
pelos seus últimos preços nos mercados da Europa, assim, con-
tando com fretes, impostos, etc, tinhamos:
Borracha (peso, 3 Ib.) 8 bandos de algodfto
Cera (peso, 10 Ib.) 8 » » •
Marfim de lei (peso, 1 Ib.) 12 » » »
Dito meão (peso, 1 Ib.) 10
Dito inferior (peso, 1 Ib.) 6 » »
»
Mas esta tabeliã, que até ao Cuango foi bem acceite, teve
de ser muito modificada depois entre os diversos povos com
que estivemos em contacto, havendo differenças para mais e
para menos.
Em Malanje mesmo, salvo o que já está dito com respeito
a dobras, innovaçâo de ha dez annos a esta parte, as equiva-
lências diíFerem segundo as casas commerciaes e os emprega-
dos das mesmas casas, e isto é tão conhecido pelo negociador,
mesmo gentio, que se toma curiosa a exigência doestes, em só
fazerem o seu negocio com o dono ou quem representa de dono
do estabelecimento, e mui principalmente se é europeu, em-
bora os empregados de balcão também o sejam.
Entre elles supp3e-se que o primeiro, o mais velho, como
elles dizem, aquelle a quem todos obedecem, é sempre mais
benigno, mais resignado, dotado de mais perspicácia e que
lhes fará mais concessões e os tratará m*hor, predicados es-
tes que crêem os seus potentados possuem, e por isso pre-
316 BZPBDIÇZO POBT0OUB8A AO MUnlHVUA
fisrem tratar com os donos. Ainda mais^ o negodadorgentío at-'
tribae a si uma qualidade que o distingue entre os seus, e na
própria comitiva de que fiiça parte é mais considerado o que
tnuB maior commercio. Costumados ao estado de humilhaçSo em
que vivemi quando chegam i posiçSo de negociar por sua conta,
fora de suas terras, procuram sempre relaçSes com os indivi-
dues de mais elevada posiçSo ni^f terras por onde passam, e
isto explica também em terras portuguesas a consideraçXo que
desejam de egual para egual, com os proprietários dos esta-
belecimentos commerciaes.
^ Esta praxe mantem-se da parte do nosso commercio^ pela
conveniência em se nSo perder a fregueziai e muitas veses
succede estar o proprietário, ou quem o representa, entretido
com serviços que lhe sSo especiaes, inclusive fazendo a cor-
respondência ou mesmo escripturaçSo da casa, e deixar tudo
para ir attender ao negociador que reclama a sua presença.
E d'Í8to se tira um bom partido, porque estabelecida uma
larga margem para descontos nas transacções, ás vezes por
uma troca de artigos, umas certas concessSes, se compensam
os beneficios que lhe proporcionava o empregado de balcSo, e
com que o negociador se não conformava.
A casa lucrou e o freguèz ficou satisfeito, na supposiçSo que
ia muito mais bem servido, por ter feito o negocio com o dono
do estabelecimento a quem se dirigia, e do que se ufana entre
os seus, dizendo: — Fiz o negocio com o meu amigo.
Comnosco deu-se este caso:
Indo a caminho da Estação 24 de Julho, veiu ao nosso en-
contro o chefe de uma comitiva de Lundas que seguia para
Malanje, com negocio, e apresentou-nos um bilhete do chefe
da expedição allemã, que no-lo recommendava como Cacuata
do Muatiânvua. Pedia o protegêssemos no negocio que pre-
tendia fazer, ficando á nossa disposição para nos acompanhar
á mussumba, podendo os seus rapazes transportar alguma carga.
O Cacuata, de queni teremos ainda de fallar, porque repre-
senta um papel no decRrer da nossa missão, chamava-se Tambu
(Leão), e repetiu-nos o que o bilhete dizia.
DESCRIPÇAO DA VUOEM 317
Recommendámo-lo para Malanje, porém elle nSo quiz fazer
negocio emquanto ahi nSLo chegámos.
Procurou-nos depois para intervirmos em seu favor, dizen-
do-nos: —Vós representaes Muene Piíto, eu represento Mua-
tiânvua; nas nossas terras, quando um filho de Muene Puto
quer fazer negocio^ o Muatiânvua assiste para elle não ser rou-
bado; venho pois rogar-vos para assistirdes ao negocio que es-
tou fazendo da ponta de marfim que trouxe; eu vim recom^-
mendado a Muene Puto pelo seu filho inguerês, e por isso, sem
a presença de Muene Puto nâo faço negocio, vou-me embora.
Lembrando-nos que a Expedição, protegendo esta comitiva,
tinha a lucrar, pelo menos podia o Cacuata aplanar alguma
difficuldade com carregadores, e mesmo ser-nos útil no tran-
sito, falíamos ao negociante na casa de quem elle estava alo-
jado e que sabia da insistência do Cacuata, em fazer negocio
com a Expedição e depois em que interviessemos, protegen-
do-o, na casa em que se resolvera fazê-lo, o qual nos disse
ficar satisfeito com a ponta, acceitando o dono três peças de
lei por cada libra de peso (peça equivalente a 8 jardas de al-
godão).
Tratei, pois, do ajuste com o Cacuata, offerecendo-lhe duas
peças por cada libra de peso que tivesse o dente. Os empre-
gados da casa todo o dia levaram em discussão com elle, não
obstante a resolução do patrão, e acabou-se por nesse dia lhe
darem sessenta e oito búzios, que representavam o peso em li-
bras a que tinham chegado.
No dia immediato a toda a pressa chamou-nos o Cacuata, par-
ticipando que só lhe queriam dar trinta e quatro peças!
De facto sobre o balcão é o que estava, porém como o em-
pregado realmente dizia que a pesagem tinha sido de 68 li-
bras, e estávamos auctorisados pelo patrão a dar-lhe três peças
por cada libra, e havíamos contratado por duas, entendemos
conveniente evitar polemicas, e apenas dissemos ao empregado
do pagamento: — Vejo que o Sr. se enganou, porque em vez
de multiplicar por 2 o numero de libras, que são os búzios que
hontem lhe deu, dividiu, e por isso o homem se queixou com
318 EXPEDIÇIO PORtUOUEZÁ ÁO MUÁTIÂNVUÁ
rasSo ! — O empregado mostrou- se surprehendido, e sorriu-se, di-
zendo:— É verdade, onde eu tinba a cabeça! — E á minha
vista se fez o pagamento integral.
Pediu o homem o molufo de quitanda, e como o pagamento
auctorisado era de mais 68 peças^ conseguimos se lhe dessem
mais 6 peças, e ainda houve um lucro real, para o que o ne-
gociante offerecia, de 62 peças, fora o que elle já entendia lu-
crar pelo preço por que fazia sair do estabelecimento a sua fa-
zenda.
O Cacuata ficou satisfeito, o negociante lucrou e o empregado
na balança e nas equivalências também não deixou de ganhar!
O interprete de que nos servimos para nos entendermos com
o Cacuata, e que estava em ajuste comnosco para fazer parte
da Expedição á Lunda, e a quem no ajuste das equivalências
tivemos de mandar indagar por ultimo, de uma nova queixa
do Cacuata, disse-nos: — A diflFerença era de uma peça, que o
empregado também pagou ; porém estes rapazes de Malanje
n&o sabem fazer negocio com o gentio, elle hontem só devia
ter accusado metade do peso que lhe dava a balança e dar-lhe
os 68 búzios como peças a receber, e nXo como libras de pe-
sagem.
E assim que nós fazemos no mato, porque a outra metade
é para folga de presentes, mata-bichos e outros prejuizos.
Ouvindo tal declaração desesperámo-nos, e dissemos-lhe : —
E por isso que se diz que o commercio foge da província ; já
sabiamos de três modos de defraudarem esta pobre gente, e
vocemecê ensina-nos agora mais um. Fez vocemecê parte de
uma exploração allemã, e é por isto que Portugal é accusado
pelos estrangeiros. Que culpa tem a nação que vocemecês se
vangloriem de explorar os seus semelhantes, roubando-lhes o
melhor do seu trabalho. Quando elles se dirigirem para os
estabelecimentos estrangeiros, que na provincia se vão intro-
duzindo, queixem-se então que isto está abandonado, que seus
patr5es já não fazem commercio e que só o caminho de ferro
pode salvar a provincia ! Os senhores indigenas afastam d'aqui
o commercio, e para que querem o caminho de ferro? Se ten-
DESCRIPÇXO DA VIAGEM
319
cioDava ir na nossa companhia para a Lunda, nessa dísposiçiSo
escusa de ir, porque negócios que \á bc íaçam liSo do ser
pagos religiosamente. Estiveram aqui seis mezes os allemSes,
e ainda aqui ficou um negociante vendo as falcatruas que vo-
cemecês fazem, e nas notas d'elle não é o nome de seus pa-
trícios que se encontra, v sim o docommercio portuguez de
Malanje.
— Diga-me, que culpa
tem o dono d'aquel]a casa,
que o empregado seu patrí-
cio tenha procurado arran-
car ao Cacuata um certo
numero de peças? Nuo era
para o patrSo que elle que-
ria aquelle lucro, e, ámanhS
o nome do patrilo é que
apparecia na bocca de to-
doa.
Tem rasSo, — nos diz
elle — ; nós somos una igno-
rantes e devemos ser dea-
culpadoB.
— PoiB como VOCemecê m*«iu. im QUiuavEDol
entra no numero doa igno- con-^gador
rantes, trato de procurar
outra vida, que cumnosco já nilo vae.
A propósito d'eate caso dizíamos nds ao Qovcrno:
nE tuilo falaidutle, tudo fingioientoa, tudo leviandades, para Ibe nSo
darmoEioutroDome.de que estão usando os iudigenas que bc intitulam em-
pregados do comini-rcio, e meemo os ouropcus de rupiitação duvidosa, de
quem oa estabeleoimeutos commerciaes d aíjiti tepm do laoçar mSo para ob
Buaa casas filiaea, e mesmo para o baleio das próprios estabelecimentos,
i falta de melhor. É já liabito inveterado cá nestes contíns da provín-
cia, e por isso nilo se estranhe que úinanhS se diga qiic o commercio é
nma burla, um que todos os seus agentes poiRam em se tornar mais dis-
tincloH, comprometendo asaim aa firmas que nellea tcem de confiar, por-
que já se assevera que o pouco negocio que o gentio traz, segue de prefe-
k
320
EXFEDIÇXO POBTUODEU AO MUATIÍHTDA
renda pára ontroi concelhoa; tendo certo que m eomitivu de Bingalaa
e Lundu qne por aqniveem, por ímo memo leram diaa, e atá aomaiua,
antea de começarem a &2er transacções.
Acha-M agora neata villa nm eommtseionado de orna caaa de Uan-
clieater, com o propósito de conhecer como se &b aqoí o oommerdo ; e
é de crer qne este individao, qaando regresse, e em Tirtnde do que fica
exposto, nem ponpe mesmo a casa em qne, dmrante meses, tem tido unta
franca hospitalidade ; e assim como Cameron fei recair na Naçio Por-
tagneia o qna achon de repngnante e odioso no preto Ctúmbra, porqne
eate preto se lhe apresenton coroo cidadSo portugnei, aesún se piocu*
lari desacreditar o commercío portognes, tomando-se os empregadoa on
serrentea pelo patrSes.*
DESCftlFÇAO DA VUOEM
PROTESTO CONTRA AS INFOEMAÇÕBS DE WISSMANN
«maÍB poderiamos saj^r es-
crevendo o qae deiz&mos ex-
posto, que seria o tenente
WiftBmann, quatro auDOS de-
pois, qoe no livro em que dá
conta da sua exploração, fi-
zesse a, mais injosta censura
aos negociantes portuguezes
de Malanje, que sem a mais
pequena garantia por vezes
lhe honraram OB seus saques,
icerca dos quaes sempre se
estabeleceram duvidas e de-
longas noB pagamentos,
O arrojado explorador, que
pela segunda vez entrava no
coraçlo da Africa por Malanje, onde se demorou eutSo seis me-
zes, mantendo as mais estreitas relaçSes com os negociantes
portuguezes, bem sabe que ha a distinguir no commercio os
agentes ou aviados e caixeiros, dos negociantes ou seus repre-
sentantes á testa dos estabelecimentos que ahi conheceu; e
também, as medidas lineares e de peso estabelecidas por essas
casas commerciaes em relaçílo ás exigências dos negociantes
gentios, d'aquillo que se deve considerar buria ou logros usa-
dos por aquellcs agentes.
322 £XPEDIÇ!0 PORTUOUEZA ÁO MUÁTIINVUÁ
Que importa ao gentio a denominaçSo de jarda dada a uma
medida que varia de O^^GO a 1™,30, e de arroba a um peso que
varia de 30 a 50 e mesmo GO libras, se tudo é uma convea-
çSo de interesses reciprocos? •
Comprehende o gentio que uma chita de superior qualidade,
de 200, 300 ou 400 réis o metro se não pode transaccionar
pela mesma quantidade de borracba que uma outra de infe-
rior qualidade, de 70 a 150 réis o metro? E da mesma sorte
08 algodSes e riscados? Conhece elle que a qualidade é melhor,
que a largura é maior, que as cores e os padrões lhe agradam
mais á vista, mas ignora o seu custo e os impostos aduanei-
ros que sobre esses artigos pesara; cobiçou-os e não quer pa-
gar mais do que sempre pagou por igual quantidade de fa-
zenda.
O illustrado explorador, que conhece perfeitamente o modo
de negociar do gentio, ignora porventura que as bolas de bor-
racha apresentadas actualmente por elles, tendo diminuido de
volume, não diminuiram de peso, pelas impurezas com que as
enchem ?
E depois não devemos esquecer que não tratamos de igual
para igual, entre indivíduos civilisados, em que se fixa e se
observa uma tabeliã de equivalências para a transacção de pro-
ductos; aqui tudo é muito variável. Para o commerciante ci-
vilisado ha a attender nas transacções, em relação aos seus
artigos — ás variações de fretes mari timos, dos transportes ter-
restres, ainda ás costas dos homens, impostos aduaneiros, cama-
rários e outros; nos productos naturaes a negociar — aos preços
nos mercados da Europa, e para lá chegarem, aos mesmos ónus
que tiveram os primeiros, e ainda o que é peor, a attender á
qualidade d'esses géneros e exigências do gentio que os vende.
O gentio porém só tem a attender á sua cobiça, porque imagi-
nou que a sua carga lhe ha de dar um certo numero de arti-
gos, e tudo quanto obtenha a mais sao favores do seu amigo.
Mas é preciso que se saiba que elle regula-se pelo numero de
bolas de borracha e dimensSes do marfim, e serve-se de arti-
manhas para augmentar o seu peso.
DESCRIPv!0 DA VIAGEM 323
Como dissemoB, também em principio nos impressionou des-
agradavelmente o modo por que se fazia negocio em Malanje;
tudo nos parecia muito irregular, e o que considerámos burla
e expoliações dos aviados e casas destacadas pelos caminhos
no sertão, já fora das vistas das nossas auctoridades, por algum
tempo suppozemos ter a approvação do commercio ; mas nSo
é assim, vá a censura a quem a merece. Estes aviados e casas
trabalham para interesse próprio; de commum com os estabele-
cimentos de Malanje só teem o serem seus devedores, e mesmo
se alguma d^essas casas gira sob firma associada com a de um
capitalista, este nada tem com a gerência dos negócios.
Que as levas de gentio ou comitivas que trazem negocio do
interior fujam doestes aviados ou casas e venham a Malanje,
perfeitamente de accordo com o explorador Wissmann, mas
que fujam de Malanje, pelo mesmo motivo, para os concelhos
mais a oeste, é um engano, foi mal informado, é desconhecer
08 usos antigos. As que seguem são geralmente as antigas co-
mitivas, já afreguezadas em estabelecimentos de outros conce-
lhos, ou pelos motivos que já expozemos, tratando do com-
mercio de Malanje.
O illustre explorador devia dizer-nos a que chama commer-
cio portuguez, para não confundir no seu embroglio os homens
que lhe franquearam os seus estabelecimentos a toda a hora, e
que sempre encontrou dispostos a auxiliarem no nas duas epo-
chás que foi a Malanje organisar as suas expediçSes para o seio
do continente e lhe forneceram os créditos que levantou, sem
garantias nem limites. De certo esses fornecimentos nem esti-
veram sujeitos á pesagem das taes balanças mancas, nem a
medidas diversas das indicadas nas marcas.
O modo de pensar do arrojado viajante é que variou; en-
tão era o explorador scientifico que ia continuar a obra
encetada na sua primeira e gloriosa travessia, e assim que che-
gou ao seu amigo Muquengue, como teve a noticia que o ima-
ginário estado de Stanley se tomara uma realidade, olfere-
ceu-lhe pela sua parte as terras doeste potentado, que bem o
recebia; era preciso também agradar-lhe dizendo mal do com-
324 EXPEDiçXo portuguezá ao muáttânvuá
mercio portuguez de Malanje, sem o qual nunca teria chegado
ao Muquengue, nem a fazer ao Estado a cessão de territórios,
como se fosse cousa sua, cessão de que os proprietários não
teem conbecimento, pois continuam vivendo na idea de què
Muene Puto manda para lá seus filhos para negociarem, e que
os barcos a vapor, que navegam nos seus rios, chegam das ter-
ras do Muene Puto para serviço d^elles.
Se os filhos de Angola que estão nas terras de Muquengue
retirarem, quando as fontes de marfim e borracha se extingui-
rem, o que não tardará muito, então reconhecerá o Muquengue
e os seus como foram illudidos com a administração benéfica
do Estado Independente!
O modesto e mui esclarecido explorador, Dr. Max Bôchner,
calculou que o lucrativo commercio de marfim e caoutchouc
não podia durar mais que cincoenta annos, e que seria muito
mais proficuo fazer trabalhar os indigenas nas plantações de
baunilha, cacau, quina, etc. E nós vamos mais longe; os de-
voradores do Estado Independente, que já nem se dão ao tra-
balho de construir casas, e fazem o negocio mesmo a bordo
dos seus vapores, consumirão estes productos em cinco annos,
e com essa extincção cessará o seu philanthropico afan pelo
aproveitamento das forças activas, que até então reconheciam
no preto.
Depois repetirão o mesmo que muitos beneméritos explora-
dores africanos já disseram, que os pretos não são suscepti-
veis de passar o nivel da vida de tribu, e deixá-los-hão em
uma situação muito mais desgraçada do que aquella em que os
encontraram. Mas, quem sobreviver a esse abandono, verá o
resto. A região central de Africa tem necessariamente de pas-
sar por uma grande transformação, e nós, Portuguezes, que
assistimos impassiveis ao rápido caminhar para essa transfor-
mação, e que primeiro sentiremos o seu embate no oriente e
no occidente, nao contemos com o auxilio estranho para resis-
tirmos ás incursões d 'esses povos. Se taes incursões se rea-
lisarem, teremos de confiar nos próprios recursos, e com elles
nos devemos ir preparando.
DESCRIPÇlO DÁ VIAGEM 325
■ ^— — ^^^— -^^^^ — ^,^.^^■^■1^^— ^^^— ^i»^^— ^—^«^
Mas deixemos este incidente, a que fomos levados pelo livro
recente do explorador Wissmann, e nSo nos precipitemos em
considerações que nos suggerem os acontecimentos além do
Cuango. E como os documentos que em seguida transcrevemos
dizem o bastante sobre os trabalhos da Expedição em Malanje,
que possam não ter sido sufficientemente esclarecidos no texto,
ó tempo de encerrarmos este capitulo.
Officio do Chefe ao Ajudante da Expedição.
IH."*'* sr. — Participando-me V. S.* na sua commanicação recebida hon-
tem 23, que em 30 do corrente, se achará prompto a partir com a pri-
meira parte da Expedição para Quibutamêna, margem direita do Luí,
onde projectei estabelecer a Estação Paiva de Andrada; e sendo
certo que são o mais amigáveis possiveis as relações dos povos visinhos
com a nossa Estação Ferreira do Amaral, e estando essa Estação con-
cloida e preparada a receber o resto das cargas, e considerando sobre-
tudo que é da máxima conveniência transportar todas as nossas cargas
o mais breve possivel e com a segurança com que o temos feito, até ao
Cuango ; realizei hontem mesmo os contractos com o pessoal indispen-
sável para transporte das ultimas cargas que chegaram de Cazengo e
que seguem hoje com o empregado Augusto. Pelos contratos deve esta
comitiva abi cbegar na manhã de 30, o mais tardar.
O empregado se, porventura, ainda encontrar algumas cargas na Esta-
ção 24 de Julho, leva instrucções para obter do Andala Quinguangua os
carregadores necessários para se fazer também acompanhar d^essa car-
gas e o empregado Machado que ali está, depois de entregue a Estação
á pessoa por mim indicada, seguirá já para a que se vae construir na
margem do Lui.
As cargas que d*aqui vão são trinta e seis, e entre ellas, achará Y. S.*
quatro barracas de campanha que certamente lhe serão precisas.
A passagem do rio Lui, é de pequena importância e fíii informado que
n'este tempo se atravessa muito bem a vau e por isso não Ih^ fará fdta
por ora o nosso barco, que irá na viagem seguinte.
Na Estação Paiva de Andrada aguardará o Sr. Ajudante a minha che-
gada, que espero não excederá quinze dias depois da sua entrada em
Quibutamêna, porque acompanhando-me o Cacuata Tambu do Muatiân-
Yua, parece-me já conveniente ir reconhecer o porto onde elle passou o
Cuango, que diz ser alguns kilometros mais a sul do porto de Muêto
Anguinbo do nosso primeiro projecto.
O empregado leva os medicamentos que o Sr. Ajudante requisitou e
326 EXPEDIÇXO PORTUGUBZA ÁO MUÁTIÂNVnÁ
também sal para os nossos contratados, mas por esta occasiSo lembro-
lhe que este sal é das margens do Luí para onde vão, e esses homens
têem direito ao pagamento das rações na espécie corrente e nio em gé-
neros, e se estes lhes tem sido fornecidos, foi na supposição de que os
povos por onde têem transitado se recusavam a vender- lhe géneros por
não gostarem da nossa occupaçSo como os novelleiros aqui fizeram apre-
goar sem fundamento, como hoje podemos affirmar, e ainda por suppor-
mos que em alguns pontos não existiriam géneros ; porém agora o Sr.
Ajudante, bem como eu, conhece que todas as nossas apprehensòes estão
completamente desvanecidas pela pratica, e que é mesmo bom que a
nossa gente se costume a comprar sal aos vendilhões do Lui e com elles
estabeleça mesmo relações de amisade para não nos temerem, e que
saiba dar ao sal o devido valor para o pouparem alem do Cuango pois
que só ás rações e mui escassas o poderão ter.
Os carregadores que d'aqui partem, vão pagos de vencimentos e ra-
ções até ao Luí, e por isso, caso não tenha podido arranjar todos os car-
regadores que lhe são indispensáveis, para a conducção das suas baga-
gens, rancho e outros artigos que tem de o acompanhar, fará substituir
as cargas que levam pelas que julgar de mais urgente necessidade fazer
já transportar.
O Sr. Ajudante não deixará de conhecer, quanto tem sido útil o modo
por que vamos avançando, ainda que lentamente ; pois que alem dos po-
vos já nos estimarem e se congratularem quando qualquer individuo da
Expedição passa pelas suas povoações, tem havido a vantagem de não
estarmos inactivos e de podermos dar cumprimento a uma parte impor-
tante da nossa missão, fazendo estudos que vão sendo remettidos ao Mi-
nistério da Marinha e Ultramar, estabelecendo estações, como nos foi
muito particularmente recommendado, nos pontos onde o commercio se
não fazia senão entre indígenas, tornando- se as vizinhanças d'essas es-
tações povoadas de gentios que vem do interior com negocio, consti-
tuindo ellas verdadeiros centros das suas transações. E de esperar que
os gentios quando se convençam que não ha pensamento reservado de
os hostilisar foimem ahi centros de população importantes, o que por
certo, será agradável ao governo de Sua Magestade.
Cumprimos o que nos fora prescripto e os que depois de nós vierem,
por certo nos imitarão.
Por ultimo só me resta mais uma vez lembrar ao Sr. Ajudante que o
nosso empenho deve ser seguirmos sempre as instrucções que recebemos ;
e que bem com a nossa consciência, o governo e o paiz jamais olvidarão
os serviços que vamos prestando.
Malanje, 24 de julho de 1884. — III."*» sr. capitão M. S. d' Almeida
Aguiar, ajudante da Expedição. = O chefe da Expedição, Henrique de
Carvalho.
DERCKIPÇXO DA VTAOEM 327
Ao Secretario da Sociedade de Geographia de Lisboa.
111."» e Ex.™o Sr.— Ao favor do nosso estimado consócio Castodio José
de Sousa Machado, devo a inclusa copia de uma carta que sen irmão Sa-
turnino lhe dirigiu das margens do Cuango e que me pareceu de todo o
interesse para o archivo da nossa Sociedade ; sendo de nâo menos im-
portância para a minha Expedição, pois que de algum modo influiu para
alterar o itinerário que havia projectado seguir d'aqui para o interior
do Continente.
Não me sendo possivel ser táo extenso quanto desejava, porque preciso
terminar a minha correspondência que deve ser expedida hoje mesmo
para Loanda a fim de seguir para a metrópole no paquete de lõ do pró-
ximo mez, limito-me a dizer a Y. Ex.* e á Sociedade, que a S. Ex.* o mi-
nistro, justifico as rasoes por que abandono o itinerário por Quimbundo,
e faço seguir a nossa ExpediçAo para o rio Cuango, pelo caminho per-
corrido pela expedição dos irmãos Machados & Lopes de Carvalho, no
intuito de o assegurar ao commercio pelo menos emquanto os Bangftlas
subordinados ao Jaga de Cassanje não entrem na ordem e se sujeitem á
obediência que devem á auctoridade por nós reconhecida.
De accordo com o referido consócio Custodio José de Sousa Machado,
estamos estabelecendo n*esse caminho estações commerciaei^ e hospi-
taleiras.
Nós já montámos a primeira — 24 de Julho — em Andála Quinguangua
a uns 60 kilometros a ENE. de Malanje e passados poucos dias espero
se montará a segunda em Cafuxi junto ao rio Luhanda na vizinhança
de Andála Quissúa, e uma comitiva de Machado, já seguiu com um seu
delegado, a montar uma casa filial na margem direita do Cuango. As
instrucçoes que o negociante Machado confiou ao gerente doesse estabe-
lecimento foram por mim enviadas por copia a S. Ex.* o ministro e estão
elaboradas em harmonia com o que se recommenda nas minhas instruc-
çoes.
A Expedição allemã com a qual durante quinze dias, mantivemos aqui
as mais cordiaes relações, e que chegara a Malanje ha seis mezes, foi
recebida na nossa primeira Estação, onde viu já sessenta cargas em
preparativo de marcha para o interior.
Vamos devagar, é verdade, mas parece-me ser este o systema mais
seguro aproveitando- se bem os poucos carregadores que nos tem sido
possivel arranjar.
Rogo a y. Ex.*, se digne apresentar os meus sinceros protestos de
dedicação, á nossa Sociedade.
Deus Guarde a V. Ex.« Malanje, 29 de julho de 1884.— 111.»» e Ex.»*»
Sr. secretario da Sociedade de Geographia de Lisboa. = O chefe da Ex-
pedição, Henrique Augusto Dias de Carvalho,
328 EXPEDIÇZO PORTUOUEZA AO MUÁTIÂNVUA
A S. Ex.^ o Qovemador Geral da provinda de Angola.
£m 24 de julho, fluctuava a nossa bandeira no logar em que se estava
construindo a nossa primeira EstaçSo em Andala Quinguangna e n^esse
mesmo dia eu e o meu collega S. Marques fomos acompanhar o chefe da
Expedição allemâ o tenente Wissmann e o seu companheiro tenente Mol-
ler a Quipacassa, 12 kilometros distante de Malanje, onde o negociante
Custodio Machado lhes offerecia um almoço de despedida.
Antes de partir, o tenente Wissmann repetiu com insistência o pedido
que já na véspera me havia feito de o desculpar para com Y. £z.* pela
falta que commettêra em não ter particularmente e em nome da Expe-
dição, agradecido a Y. Ex.* os muitos obséquios que lhe foram dispen-
sados n*esta província por todas as auctoridades e habitantes com quem
mantivera relações, rogando não me esquecesse de mencionar particu-
larmente o nome de Y. Ex.* e também o do chefe d'este concelho o capitão
N. Y. Breyner pois que á efficaz protecção e auxílios que encontrara,
devia o bom acolhimento da sua expedição e á sua muita influencia o
poder partir sem encontrar outras diffictddades que não fossem as já por
elle conhecidas da indolência dos trezentos carregadores que conseguira
contratar.
Permitta pois Y. £x.* que, aproveitando a opportunidade do correio,
antes de tudo procure desobrigar-me doeste compromisso, com que me
congratulo por ser testemunha, que uma vez os estrangeiros se mostram
reconhecidos aos favores recebidos das auctoridades portuguezas nas
nossas colónias.
Na Estação portugueza em Andála Quinguangua, que se denomina
24 de Julho, almoçou e jantou no dia 30 o chefe da Expedição allemã, e a
sua opinião com respeito á construcção conhece-a Y. Ex.* pela copia do bi-
lhete que elle me escreveu.
N*esta data já ali estão depositadas 60 cargas que devem seguir para
o interior, alem do rancho para consumo do pessoal e fornecimentos para
um empregado interino.
Espero no dia 8 seguir para ali para acompanhar a secção do com-
mando do Ajudante a Cafuxi em terras de Andála Quissúa para, junto á
margem do rio Luhanda, se estabelecer a segunda nova estação que se
denominará — Ferreira do Amaral. Desculpe Y. Ex.* que a Expedição ao
deixar a primeira sob o seu benéfico governo, para se internar no Conti-
nente, preste assim homenagem e um tributo de reconhecimento ao be-
nemérito governador, que exerceu toda a sua influencia para que nos
concelhos por onde a Expedição transitou, os seus chefes não hesitassem
um só momento, em lhe prestar todo o auxilio necessário para ella se-
guir ao seu destino.
DESCRIPgXo DA VIAGEM 320
Removidas todas as cargas para a nova Estação, será entregae a de-
nominada 24 de Julho á pessoa idónea que a queira aproveitar para esta-
belecimento commercial avançando o ajudante a estabelecer uma ter-
ceira na margem do Lui, e durante este tempo de certo na margem do
Cuango, um empregado do negociante C. Machado, terá já construida
mna casa para o seu estabelecimento, com um quarto destinado a receber
viajantes.
£ já, na margem direita do Cuango, em terras do Capenda Camulem-
ba que será construida a nossa quarta Estação, muito mais espaçosa que
as anteriores, porque ahi se ha de reunir toda a Expedição durante al-
gum tempo, não só para fazer estudos que lhe são indispensáveis, como
modificar as cargas em relação ao seu peso, arranjar carregadores para
seguir pelo menos até terras já occupadas por povos do Muatiânvua, tendo
porém em attenção a epocha das chuvas.
Estabelecida esta linha de estações e sendo ellas occupadas devida-
mente, teremos segura a nossa communicação com Malanje e garantido
ao commercio um porto no Cuango, o que era uma necessidade impreterí-
vel que V. Ex.* não desconhece.
Até hoje, não sei se da metrópole vieram para a Expedição alguns vo-
lumes do commercio do Porto e encommendas que se fizeram para o seu
serviço.
Em todo o caso o que possa vir, ser-nos-ha remettido pelo negociante
Machado até ao Cuango.
Está concluido o pombal e os pombos já têem tido alguns ensaios no
serviço de correios, mas por emquanto a pequenas distancias.
Ainda me não foi possivel visitar a Colónia Esperança, mas tenciono
lá ir brevemente por serem esses os desejos do chefe e então farei um
croquis do meu reconhecimento e a V. Ex.* darei conta das minhas im-
pressões sobre tão util estabelecimento.
Deus guarde a V. Ex.* Malanje, 3 de agosto de 1884. — 111."» e Ex.™»
Sr. conselheiro governador geral de Angola. = O Chefe da ExpediçãO|
Henrique Auguéto Dias de Carvalho,
Ao Secretario da Sociedade de Geographia Commercial do
Porto.
111."* e Ex."*> Sr. — Em vésperas de partida, julgo do meu dever apro-
veitar a opportunidade do correio para enviar mais alguns esdarecimen
tos a y. Ex.* com respeito ao commercio n^estas paragens, que, na verdade,
tem muito a estudar por ser especial o que tenho observado e que se não
coaduna com o meu modo de pensar.
As fazendas que vogam são o riscado azul em branco de 1.*, 2.* e 3.*
qualidade; sendo aqui vendido a 3^000, 2il»õ00 e l/õOO réis a peça. Vem
330 EXPEDIÇÃO PORTUGUBZA AO MUATIÂHVUA
já ÚBs fiibrícas, pelos pedidos que se fazem, dobrmdas de modo que as
dobras (beirames) nâo correspondem ás medidas qae se indicam. Aa«m^
diz-se qoe ama peça (2.*) tem 9 beirames, cada beirame 2 jardas; de-
via, portanto, ter 18 jardas, mas apenas tem, quando tem, 12 jardas.
Os algodões sâo também de I .*, 2.* e 3.* qualidade e ainda n^estes ha
distiiicçâo de largo e estreito, e o seu preço varia de l^dOliad^õOO réis.
N^estes, lia peças (a maior parte) que indicam ter 40 jardas; muitas nem
têem 30. Ua-as também de IS dobradas em 24.
As chitas sào classificadas em finas e de negocio, adamascadas e ris-
cadas com cores vivas, que variam em preço, por peça, de 2^250 a õ^OOO
réis.
Vende-se também riscado anilado (de que os pretos gostam) a ^iOOO
réis a peça.
Doestas fazendas, em geral, raras sâo as que se podem chamar boas,
e o mau tecido sustenta-se por algumas semanas, devido a uma espécie
de gomma, que cáe em pó. Se a fazenda vae a lavar, fica uma rodilha,
se não uma rede, o que o gentio já reconhece e por isso rejeita-a.
Um commissionado ou agente de uma associação ou nova casa, que
viesse informar-se do negocio, qualidade de fazendas que se adoptam,
e procurasse reformar este systcma e nAo illudir o comprador, prestaria
um bom serviço ao nopso conimercio e industria, que parecem inclinados
a querer alargar as suas transacções em Africa.
O que se está praticando actualmente afugenta o negocio do interior,
e ainda ha dias tive eu de intervir em favor de mn Caquata do Muata-
iâiivua, que segue na minha companhia para n Luiida, a fim de o nâo en-
ganarem, como já se eatava fazendo, tanto nos pesos e balanças, como
nos pagamentos.
Com a exploração allemà aqui esteve um commir^sionado de commer-
cio, também allemào, Burgmabtter, por conta de uma casa de Manches-
ter, a informar-se do negocio, e quasi posso afiiançar, que depois de di-
zerem mal de nós, em breve para aqui mandarão uma ou mais agencias
d'e8ta casa.
Eu informo devidamente o governo sobre este assumpto, mas os ho-
mens de patriotismo podem, emquanto é tempo, antecedel-os e evitarem
a concorrência, que mais tarde nos ha de ser prejudicial.
O gentio foge já de quem o engana e prefere augmentar a sua viagem
(!om a carga ás costas, percorrendo mais GO léguas até Loanda, onde en-
contra melhoras fazendas e mais equidade, a transaccionar o negocio
aqui.
Isto é bem mau.
As armas lazarinas, de pau pintado a vermelho, de pederneira, que
abi custam 600 réis, vendem-se a 3^500 e nas equivalências por fazenda
dá-se-lhes sempre um valor superior.
descripçâO da viagem 33 1
Os barretes de lâ, cintas vermelhas, chapellinhos de sol de panninho
carmezim, espelhos, guisos, tachos, facas, etc., são para presentes a quem
faz negocio, porém no ajuste de contas ficam mais que pagos.
Os barris de pólvora, feitos à propôs, de madeira grossa, nSo tendo mna
libra de pólvora custam aqui 900 réis e são passados por duas libras por
causa do peso da madeira.
Mas para que todos estes embustes, estes enganos, e estes presentes
que o gentio paga sem o saber. Os mais experimentados hoje exigem
sempre mais, por desconfiarem (e com rasão) que sSo elles os prejudi-
cados?
Ha pouco disse-me um interprete, que tem viajado muito na Lunda,
que os negócios com o gentio são feitos de modo a dar-se metade do que
se offerece por qualquer género, para que a outra dê bastante folga aos
pedidos que elle faz, fechado o negocio I Já vê pois, V. £x.*, que alem
de todos os enganos, ainda ha depois este recurso final para que o gé-
nero comprado fique pelo menos 50 por cento mais barato do que o preço
pelo qual se ha de vender na £uropa.
As equivalências nas permutações de fazendas por quaesquer artigos
do mesmo estabelecimento, fal-as o commercio pelo preço das facturas e
o mais que pôde alcançar-se na occasião da permutação. É mais esperta
o que mais interessa na permutação.
Parece-me, pois, que havendo melhor qualidade de fazendas, medidas
e fracções exactas, variedade e novidade de artigos e até novos padrões
nas fazendas, tudo deve ser muito apreciado pelo gentio e attrahir o
commercio do interior que, repito, já nos vae fugindo.
Devo, porém, fazer sciente a V. Ex.* que, se o Porto quizer para aqui
dirigir o seu negocio, ao primitivo custo dos artigos, tem de aug^entar,
alem de direitos e fretes em Loanda, mais 10 réis por kilo no frete até
ao Dondo e d'ahi em diante 20 réis por kilometro em cada 80 a 90 li-
bras de carga. E a media dos preços por que tem ficado os transportes
das cargas da Expedição.
Os transportes realmente oneram muito o custo dos artigos, mas, re-
pare V. Ex.*, não é tanto como se diz e queira comparar com o que se dá
na Europa.
D*aqui á Mussumba de Muatiânvua, regula a distancia por pouco mais
de 1 :000 kilometros e o custo de uma carga d'aquellas está ajustada por
17j^õOO réis, e isto porque os pagamentos são feitos em fazendas aqui
compradas. P6de-se, pois, dizer que é caro? Eu nSo sei por quanto lá
se levaria uma carga igual empregando uma besta muar, se isso fosse
possível.
Emfim, a Associação Commercial do Porto reflectirá sobre estes escla-
recimentos e resolverá com respeito ao assumpto como entender, certa de
que muito folgarei que possa aproveitar- se o que lhe communico para' o
332 EZPKDIÇZO POBTDGUSZA AO MUATIIHYUA
deieiiToHrimeiílo das taamãçòe» do eonmiereio da cidade do Porto
Deus guarde aV. Ejl* Malange, 3 de agoato de 1884.— ID."* e Ex.»»
Sr. Secretario da Sociedade de Geographia Comiiiernal do Porto. = 0
Cbefe da Ezpediçio, Henr-gwe AmguMo Díoê de CarvalktK
A S. Ex/ O Ministro doe Negócios da Marinha e Ultramar.
IIL"* e Ez."* Sr. — Já tire a satisíaçio de eornininiicar a V. Ez.% qae
estava montada em Andala Qmngnangna, a nossa primeira estaçio eom-
mercial e hospitaleira e que esta, se denominou : 24 de Jolho, pela eoiíi-
eidencia feliz de ser n'este dia qne, no logar que para ella fôra designado
pelo potentado da localidade, se arroron pela primeira yes e com geral
aprazimento dos povos indígenas, a bandeira portogneza.
Informado pelo meu ajudante, que a Estaçio estava prompta a fone-
cionar e que havia toda a conveniência em occupal-a, ^roveitando-ae aa
boas relações que a secç2o sob seu commando, tinha mantido eom os po-
vos vizinhos e também de que por ali passavam comitivas de eonmier-
do, consegui que o negociante Narciso António Paschoal para lá en-
viasse um empregado com commercio, logo que a Ezpediçáo tivesse feito
remover todas as suas cargas para a nova Estação que ia estabelecer na
vizinhança do Jaga Andala Quissúa.
A Expedição já tinha entretido com este Jaga, correspondência so-
bre esse intento e náo se offereciam duvidas sobre tal estabelecimento ;
por isso se contrataram carregadores para o transporte das cargas e como
náo fosse posei vel arranjar todos os necessários, lembrou-me que talvez
o Jaga que dispõe de muitos povos, nao só os conseguisse para esta
mudança mas ainda para a Mussumba de Muatianvua, porque pelos boa-
tos que correm, de que os Bângalaê pretendem oppor-se á passcLgem da Ex-
pedição e do Muatianvua mandar matar os carregadores que commetterem
alguma falta — vejo que não me ser possível, aqui, obter mais do que os
vinte que já estáo contratados.
O ajudante, com os carregadores de que lhe era possivel dispor, pre-
parára-se com o que lhe era mais indispensável, e eu segui d^aqui ao
seu encontro com trinta cargas para a nova Estação, e um empregado
africano que tinha mandado para á Estação 24 de Julho, ficou ahi to-
mando conta das cargas que náo podiam seguir.
Em três dias conseguimos vencer a distancia que os allemáes trans-
pozeram em seis, mas no ultimo dia apesar de menor marcha, foi esta
muito mais fatigante e fastidiosa por termos de descer a valles de algu-
ma profundidade.
DBSCRIPÇZO DÁ VIAGEM 333
Chegados á planície de Cafoxi que é rodeada de bellas e elevadas
montanhas e serras todas cobertas de copados arvoredos, apparece-nos
Andala Maguita, potentado nas povoações a NE. e da parte do Jaga
nos disse que estavam preparadas três boas cubatas para nos hospedar-
mos.
Como estas povoações ficassem distantes do rio e da residência do
Jaga^ preferimos ficar a NO. no extremo de uma povoação pequena que
pertence a um potentado de menor graduação, Séquitari, á margem do rio
Luhanda.
£8te potentado não obstante não estar prevenido por Àndala Quissúa,
mandou limpar immediatamente duas boas cubatas para descansarmos,
emquanto nAo combinávamos com o Jaga onde queriamos fabricar a nossa
casa.
Mandei participar ao Jaga que tinhamos ali chegado, que agradecíamos
a boa hospitalidade que nos mandara dar na povoação Andála Maquita
mas preferíamos ficar na de Séquitari por estar-mos mais próximo d'eUe
e do rio, e que esperava elle desse as suas ordens n'este sentido.
Immediatamente apparece o seu muzumbo (interprete), dando-me co-
nhecimento que o Jaga já havia escrípto ao meu ajudante, mostran-
do-lhe que não podia sair da sua residência por estar velho e muito
doente das pernas, sendo o motivo porque não vinha elle próprio com-
prímentar-me ; que os filhos de Sua Magestade eram sempre bem vindos
ás suas terras e dava ordem a Séquitari para que fossem satisfeitos os
meus desejos. Agradeci, dizendo que de tarde iria visital-o.
As três horas da tarde, eu e o ajudante, fomos até lá, fazendo-nos acom-
panhar de homens que levavam os presentes que lhe destiláramos.
Passámos o rio e á medida que nos approximâmos da serra, que ficava
distante da povoação uns 400 metros, surprehendeu-nos a ascensão que
tinhamos a tentar pela aspereza do declive e irregularidades do piso
esburacado e embaraçado por raizes de arvores a descoberto, chegado
a convencer-nos que devia haver outro caminho, apesar do guia nos di-
zer ser este o único.
Era uma subida por vezes quasi na prumada, mas ainda assim a nossa
surpreza foi excedida quando vencida a primeira altura apoz um trajecto
de 200 metros n*nm planalto, vimos uma outra para vencermos e ainda
uma terceira e quarta, posto que, estas com inclinações muito mais ra-
scáveis. Calculo que nos elevámos a mais de 200 metros. O panorama
com que deparámos nos quadrantes de N. a S. pelo leste era realmente
soberbo, o horizonte é immenso e d^aqui se vêem as campinas e serras
que se desenvolvem alem do Cuango e descortina- se parte das povoações
de Cassanje. Terei occasião d'aqui voltar e farei o croquiê d'este pano-
rama digno de descripção, mas que V. £x.* decerto me dispensa de fazer
n*esta occasião.
334 EXPEDIÇZO PORTUGUEZÁ AO MUATIIkVUA
Chegados á residência do Jaga, mandou este logo collocar daas ca-
deiras á sombra de uma grande arvore na frente da sua porta, onde tam-
bém o foram sentar entre almofadòes sobre um certo numero de estei-
ras, que ahi coUocaram os seus serros ao chegarmos, dizendo elle logo
quando appareceu, que nos recebia aqui, para nos poupar o descalçar-
mo-nos ao entrar na sua habitação, como é o uso no paiz.
£8te velho Jaga é o que foi preso em 1850 pela expedição militar
do commando do major Francisco Salles Ferreira, em consequência de
ter sido assassinado em suas terras o capitão dos Moveis, chefe de divi-
são, Simão Rodrigues da Cruz.
£lle, como se provou mais tarde, em cousa alguma concorrera para
tal assassinato, porém fiigira, quando aquella expedição se approximava
da sua residência e isso deu logar a que o referido major o considerasse
rebelde e deposto e nomeasse logo outro para o substituir.
No mesmo anno, quando o major Salles voltou com nova expedição
para então castigar o Jaga rebelde Anbumba de Cassanje, foram enoon-
tral-o no seu exilio e não obstante elle pedir que o deixassem viver so-
cegado o resto de seus dias e na obdiencia do Jaga, que estava occu
pando o seu logar; o major desconfiado de tanta humildade, por qtianto
estava informado que elle tinha um grande partido e mais tarde se esta-
beleceriam conflictos com o Jaga por elle confirmado ; fel-o prender e á
comitiva que o acompanhava e a ferros o conduziram para a cadeia de
Loanda, onde o velho jazeu alguns annos.
Ura dos nossos governadores, creio que o fallecido visconde de Sérgio,
dias depois de tomar posse do governo, condoeu- se do pobre velho que
ali estava sem processo e mandou pol-o em liberdade, certamente acon-
selhando-o para que vivesse bem comnosco, porém não lhe occorrendo a
conveniência de o avassallar provavelmente por não suppor que elle vol-
tasse a occupar o seu antigo cargo.
Mas não succedeu assim, os velhos macotas entenderam ter o velho
Jaga soffrido muito, estando innocente e de novo o elegeram, e elle cer-
tamente, á cautella, veiu estabelecer-se no alto da serra a que com tanta
difficuldade trepámos.
Não será muito fácil a tropas regulares, dar um assalto e aprisionar
a sua povoação; primeiro, porque de longe a previniriam por meio de in-
strumentos de pancada de que darei conhecimento e, feita a prevenção,
com facilidade resistiria a sua gente pois não lhe faltam recursos para
se manterem por muito tempo e no emtanto talvez repellissem os ata-
cantes ; era segundo logar porque conseguindo estes approximar-se, as dif-
ficuldades do terreno lhes dariam tempo a refugiarem-se pelas terras não
avassalladas de noroeste.
A recepção que nos fez o Jaga e os seus macotas que o foram ro-
deando não deixava de nos interessar pela novidade, mas limito-me por
descrtpçao da viagem 335
agora ao essencial. O velho Andala Quissúa depois de nos apertar a mSo
•6 puchar-nos a si para nos abraçar, agradeceu-nos a visita e muito mais
o presente que lhe demos, como signal de boa amisade que constava de^
2 peças de chita, 1 de zuarte, 2 barris de pólvora, 1 garrafiU) de Mguar-
dente e uma bandeira portugueza; narrou a sua historia e o castigo que
soffrêra por um filho seu, malvado, o ter compromettido ; e terminou
aconselhando os que o cercavam a que vivessem sempre em harmonia
com os filhos de Muene Puto, que nâo consentissem que os seus povos
levantassem confiictos com elles, e que soubessem aproveitar esta occa-
sião em fazerem bons negócios, com a casa de Muene Puto que se ia
estabelecer nas suas terras, para que viessem outras e fossem então fe-
lizes. £lle já estava velho, não podia gosar d^essa felicidade, mas lem-
brava-lhes a desgraça que caiu sobre as terras, por causa do Cassanje
que se quiz revoltar contra os soldados de Muene Puto, etc.
Disse-lhe eu que lhe dava aquella bandeira, que elle bem conhecia,
porque tendo de collocar uma num grande mastro em frente da casa que ia
fazer, também elle devia estimar ter uma na sua residência, porque era
amigo e um bom vassallo de Muene Puto; mas a casa que ia fazer-se,
precisava ter paredes barreadas para durar mais tempo que as de capim.
De certo, responde o velho, quero a bandeira de Muene Puto na minha
habitação, porque é signal que me quer bem ; e emquanto á sua casa, os
senhores sâo brancos e eu sei os costumes, podem barrear as paredes,
nós é que nâo podemos.
Havia-me prevenido com a bandeira, porque tive o presentimento que
em elle vendo a nossa havia de ambicionar uma, e isto porque no meu
trajecto em Quíssúh, encontrei dois sobas do Jaga, que eram acompa^
nhados de força armada para uma guerra em Angola Luiji e a ultima
levava uma bandeira de chita de rnmagem.
Estes sobas, por mim interrogados sobre aquelle apparato bellico,
responderam : que tendo morrido Quifucussa, o seu povo por suggestoes de
um tal Ambumba, elegera para seu logar um protegido doeste, e Andala
Quissúa, que não desiste de seus direitos de nomeação, mandava-os guer-
rear e dar o Estado a quem pertencia.
Tanto este Ambumba como Anganga Anzamba e outros, conside-
ram-se portuguezes e desligados de Andala Quissiia e por isso pouco se
importam com taes guerras, e é certo que um chefe de divisão com 10
soldados Moveis foi o sufficiente para convencer as taes forças que de-
viam retirar, porque o novo Quifucussa já estava confirmado pela auc to-
ridade portugueza em Malange.
Quando desenrolei a bandeira para elle ver, inclinou-se todo para
deante, tocando com as mãos na terra, levou-as ao peito e bateu em se-
guida três vezes uma na outra, o que obrigou a todos os presentes a ro-
jarem-se no chão e a imitá-lo.
336 EXPEDIÇXO PORTUGDKZA AO BIUATIANVUA
^ ■■■■■ ■ ■■■■■■ ■■ ■■■■■■■■■■ ■ ^^»^^^^—^— ^i^«^^»^^— ^— ^^■^— ^^^^^^^^^^^^^^1^^— ^—
Despedindo-nos d*elle pediu-me se-lhe mandava um remédio bom
para lhe tirar as dores que estava soffrendo nas pernas, e na snpposiçSo
de que seria rheumatismo fiquei de lh'o mandar de Malange.
N*e8se mesmo dia com o meu ajudante, se escolheu o local para a
Estação, a que se deu principio na manhS seguinte, e tendo logo ahi col-
locado um mastro com a nossa bandeira, deu-se á futura estaçio o nome
de — Ferreira do Amaral.
Estávamos a lõ de agosto, e em Loanda nesse dia, todos prestam
homenagem á memoria do grande feito do valoroso general Salvador Cor-
reia que libertou a cidade do jugo dos HoUandezes ; também nós aqui,
lembrando- nos das grandes festas em Loanda, estávamos prestando a
nossa homenagem em nome da Expedição portuguesa, ao actual gover-
nador de Angola.
Aq^ nos confins do dominio, a leste da provinda sob a feliz admi-
nistrado do conselheiro Ferreira do Amaral, era justo que a Expedi-
ção, deixando um monumento de sua passagem para o interior, con-
signasse nelle o reconhecimento que devia ao benemérito governador.
Neste mesmo dia Andala Quissúa, mandou avisar todos os seus sobas
que eu contratava carregadores para a Musumba do Muatiftnvua até a
numero de duzentos e cincoenta, e além d'isso carregadores para irem a
Malanje e Andala Quinguangua, buscar cargas para a casa que ia fa-
zer-se em Cafuxi ; e mandando me parte doesta resolução lembrava-me o
seu pedido de milingo (remédio) para as pernas.
O meu regresso a Malanje foi o mais rápido possível; partindo ás sete
horas da manhã, ás quatro da tarde chegava á Estação 24 de Julho,
depois de um percurso de 48 kilometros em rede, e no dia seguinte 16,
ent]'ava em Malanje ás seis horas da tarde, tendo ido de Catála ao An-
zaje, Chissa, Ângio, Quissole e Aujinji, onde me demorei hora e meia
em casa de Narcizo Antouio Paschoal.
Em Malanje, encontrei bastante doente o meu collega S. Marques, sof-
frendo já havia três dias em resultado de excesso de trabalho que tivera
no matto, exposto ao sol ardentíssimo colleccionando exemplares da flora
que lhe pareceram de mais interesse para a sciencia.
Animado pela companhia e medicando-se devidamente, foi-se res-
tabelecendo felizmente, e três dias depois era eu atacado de uma gastro-
enterite, com febre e rheumatismo, que me obrigou a estar de cama al-
guns dias e ainda hoje me sinto bastante debilitado.
Apesar doestes meus incommodos, o que mais me tem contrariado, é
não apparecerem carregadores para a Mussumba, no emtanto vou empre-
gando todos 08 meus esforços para fazer seguir todas as cargas para a
Estação Ferreira do Amaral com gente de diversas proveniências, pois
para esse serviço já os de Andala Quinguangua, de Andala Quissúa, do
Lombe e do Sanza, apparecem.
DESCRIPÇ20 DA VIAGEM 337
Envio nesta data, dirigidos ao Ministério do ultramar, alguns caixotes
com collecçòes sendo um d'elles destinado para o Museu Ck>lonial, onde
vâo productos d*esta região, como trigo, arroz, café silvestre e outros,
tudo de excellente qualidade.
A cultora do trigo, foi apenas um ensaio de C. Machado ; lançara na
terra uma onça de semente doeste cereal e fez uma colheita de 80 kilo-
grammas de esplendida qualidade.
Também vão dois volumes especiaes de plantas devidamente etique-
tadas, um dirigido ao Ex."® Sr. conde de Ficalho e outro ao sr. Dr. Júlio
Henriques, de Coimbra, segundo as suas indicações e conselhos.
A respeito da dedicação do meu coUega para este género de traba-
lhos, eu tive occasião de informar Y. Ex.* da sua valia e por isso limito-me
agora a solicitar a Y. Ex.* se digne dar as suas ordens para que os vo-
lumes de collecçòes e correspondentes catálogos que as acompanham,
bem como os mappas das observações meteorológicas sejam enviados aos
directores dos estabelecimentos scientifícos a que se destinam.
Deus guarde a Y. Ex.", Malanje, 22 de agosto de 1884.— 111.»» e Ex.»»
Sr. conselheiro ministro e secretario doestado dos negócios da marinha
e ultramar. = O chefe da Expedição, Henrique Augusto Dia» de Carvalho.
A S. Ex.* O Governador Geral de Angola.
Ill."<* e Ex."'^* sr. — Regressando a Malanje, depois de ter visitado os
sobas que se comprometteram a apresentar carregadores para eu os con-
tratar para a Lunda, e logo que se me offereceu ensejo, diriji-me á co-
lónia Esperança e não o partecipei logo a Y. Ex.* por ter de enviar a
inclusa communicação ao Ministério, pela leitura da qual Y. Ex.* ficará
sciente do meu modo de pensar sobre tão útil instituição, escolha da lo-
calidade para seu estabelecimento e forma por que se encontram aloja-
dos os colonos.
Ahi deixo eu bem consignado o meu modo de ver sobre o estabeleci-
mento e sobre os trabalhos iniciados ; porém a Y. Ex.* devo dizer agora, que
o chefe da colónia de bom grado se prestou a acompanhar-me a todos os
pontos onde se faz sentir já o trabalho dos colonos, e levou a sua deli-
cadeza a pedir a minha opinião sobre o projecto, em vista de preferir
para as novas culturas as terras baixas juntas ao rio Cuiji entre os rios
Yula Angonbe e Sunza, o que me parece acertado. Junto ao rio Cuiji
para plantações de canna e áquem para trigo e centeio.
N'estas, a dois metros de profundidade, encontra-se sempre agua e
uma bomba artesiana indicará onde devem abrir-se poços a determina-
das distancias.
338 EXPEDIÇXO PORTUOtJEZÁ 40 M0ATIÍnVUÁ
_B^_a^^^^BsaBMKHa^>^^^^— ia^i^^i^i>n__^^^— ^— aiB^i— >~>~^^^->»^^B^^Bi^ii— aaaiaia*»»i*a-^ã<U^>-B-i ^iaa«kAM..M_<Mb.«M^
Também o chefe me desejou ouvir sobre a canalisaçfto do Cuiji para
o centro das habitações, e como me tivesse feito acompanhar de um ane •
roide, fácil me foi satis&zer ao seu pedido.
Das habitações ao Çuiji e no rumo S. já está feita uma larga estrada
de 1:500 metros de extensão, accessivel a carros tirados por bois, onde
se faz a conducção de barris de agu^ A differença de uivei é de 21"',õO.
Ora, para tal differença e n*esta pequena extensão,' creia V. £x.* que
os motores Halliday para moinhos de vento, importam, com a tubagem
precisa, em quantia inferior á despeza a fazer com a canalisação que
nunca pode ser obra boa, como V. £x.* não desconhece.
Um deposito de ferro no centro da povoação, que se diz provisória, e
os tubos, mesmo á superfície do solo, ao lado da estrada, seria o bastan-
te ; havendo a vantagem de se mudarem quando se queira e leval-os mesmo
a irrigar os terrenos que se pretenda, por meio de mangueiras.
Os rios Vula Angonbe e o Sunza, nas proximidades da colónia, en-
contrei-os já seccos e por isso verá V. £x.*, que o que proponho é vanta-
joso e económico.
Quando regressei da colónia, participaram-me ter aqui passado uma
embaixada de Cassanje, recommendada ao chefe e que se dirigia a
Loanda a comprimentar V. £x.*, e logo se espalhou que ella tinha por
fim pedir a V. £x.* para impedir que a nossa £xpedição fosse á Lunda,
pois receavam os de Cassanje, que ella tivesse em vista promover uma
guerra dos povos do Muatiânvua contra os Bângalas. Procurei logo o
chefe do concelho, que teve a attenção de me mostrar as correspondên-
cias do chefe do Cassanje a tal respeito e de que V. Ex.* terá conheci-
mento, e esta minha noticia apenas serve para prevenir a V. Ex.* sobre
boatos menos verdadeiros que venham a propalar-se.
Do chefe do concelho solicitei se dignasse enviar a V. Ex.* os volu-
mes das colleçòes que a Expedição remette para o Ministério do ultra-
mar.
Deus guarde a V. Ex.« Malanje, 30 de agosto de 1884. — 111.*"® e £x."°
Sr. conselheiro, governador geral da província de Angola.-^ O Chefe da
Expedição, Henrique Auyn^to Dias de Carvalho,
Da Secretaria do Governo de Angola ao Chefe da Expe-
dição.
...Sr. — Em resposta ao officio de V. datado de 4 do corrente, in-
cumbe-me S. Ex.* o governador geral, de dizer a V. que é com muitís-
simo prazer que vê a maneira hábil por que vae a Expedição satisfa-
zendo aos preceitos que constam das instriieções recebidas do governo
de Sua Magestade e que muito agradece a consideração havida com o seu
nome, no baptismo de uma das estações fundadas pela missão, a qual
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 339
representa por parte de Y. uma generosa attenção que se esforçará por
merecer, prestando á missão ainda de longe, todo o auxilio que em suas
forças caiba como é do seu dever e sâo as instrucções do referido go-
verno.
O mesmo £x."° Sr. mais me incumbe de dizer a Y. que seria conve-
niente que o tenente Wissemann escrevesse o agradecimento a que Y. se
refere no citado ofiicio, para poder documentar para a metrópole, que
tendo recebido instrucções para auxiliar a expedição allemã, as tinha
comprido a contento doesta. 8e não for porém possivcl obter esta decla-
ração escripta, ficará o testemunho da missão portugueza para certificá-lo,
comprehendendo-se todo o alcance do escripto a que me refiro.
Deus guarde a Y. Secretaria do Governo geral em Loanda, 22 de
agosto de 1884. — Ao. . . Sr. Chefe da Expedição ao Muati&nvua = ^Z-
berto Carlos d^Eça de Queiroz^ Secretario Geral.
Carta do negociante Custodio José de Sousa Machado ao
Chefe da Expedição.
Tendo-me Y. demonstrado os bons desejos que a benemérita Socie-
dade de Geographia Commercial do Porto tem em desenvolver o com-
mercio d*aquella cidade por estas paragens, verdadeiros centros de pro-
ducção e de consumo, venho satisfazer, ainda que imperfeitamente, ma»
tanto quanto o permittcm as minhas acanhadas forças, ao pedido de
Y. Ex.* remettendo-lhe as amostras com as indicações que deseja. Eu, pa-
triota humilde e sem voz auctorisada para poder emittir a minha opinião
sobre tão importante assumpto, mas fundado na experiência com que me
auetorisa a hagatdla de vinte annos de residência effectiva nestas para-
gens, estimaria muito que o commercio e a industria portuense viessem
com os seus productos concorrer vantajosamente com os da industria es-
trangeira, que nós importamos por intermédio de alguns monopolistas
do commercio e -da navegação colonial, parecendo-me ser isto bem fácil
ao génio laborioso e activo dos habitantes da cidade invicta e, sobre- 1
tudo no que respeita á industria algodoeira, fabricando tecidos iguaes aos
que importamos de Manchester e com os quaes fazemos a permutação
por géneros coloniaes com o gentio ; porque, tendo a metrópole, como
tem, a matéria prima que importa das colónias, de desejar era que muito
mais de 3.000 lOOOJiOOO réis que Angola importa annualmente de taes
tecidos, ficassem no paiz, alimentando a nossa população industrial, evi-
tando d'est'arte que, milhares de nossos compatriotas fossem obrigados a
abandonar a sua pátria, levando para o estrangeiro a sua intelligente
actividade por falta de applicação d'ella no seu paiz. Ora isto é profun-
damente triste, mas verdadeiro.
340 EXFEDIÇlO POBTUGUEZA AO MUATIÂNynÁ
Maa o que eu acabo de expor, agora mais do que nunca se juBtifica-
ría, se a esses monopolistas que tanto teem enriquecido á custa dos pe-
sados sacrificios a que tem subordinado o commercio e a navegação co-
lonial, lhes girasse nas veias o puro sangue português. Mas nlo succede
assim, e, em vez de educar e alimentar a nossa populaçio com industrias,
cujos productos teem neste illimitado paiz tio largo consumo, preferem
antes animar a industria e o commercio estrangeiro, servindo apenas
de 'seus intermediários, para nos venderem essas mercadorias depois
de haverem tirado d'ellas um fabuloso lucro, alem da commissSo, que se
lhes paga por tal serviço ! £ o estrangeiro, ao contrario do que faz qual-
quer commerciante, que deseja vender as mercadorias que tem no esta-
belecimento, fazendo todas as vontades e acarinhando quanto possível
o fireguez e muito especialmente quando elle é certo e nos paga pontual
e honradamente o que nos compra, elles, os estrangeiros, desdenhando
e ridiculisando a tolice portugueza — por lhe irmos comprar o que nós
podíamos ter tâo bom ou melhor em nossa casa, — manifestam a sua
gratidão para comnosco, insultando-nos e injuriando-nos, oppondo-se com
tenacidade infrene á occupaçâo do que é nosso — como o fizeram as ca-
marás de commercio, os Brights e quejandos em pleno parlamento in-
glez ! £ nem com tudo isto os inimigos da pátria e das colónias, que nSo
slo outros senão os monopolistas do commercio e da navegação colonial,
longe de se sentirem, pelo amor da pátria, de taes infiunias, continuam
a procurar-lhes — e talvez ainda em maior escala, — os productos da sua
industria, em vez de tirarem uma desforra pacifica e muito honrosa,
como era a de fundarem estabelecimentos fabris no paiz !
£u, em face d^isto, até creio, meu bom amigo, que já os estrangeiros
nos olham com o máximo desprezo pela pobreza de sentimentos patrió-
ticos que os portuguezes lhes patenteam.
Desculpe, meu bom amigo, a rude linguagem com que me exprimo,
e, se ella provocou em V. £x.* o seu desagrado, espero que se dignará
relevar-me d^essa falta, se falta commette quem tem a consciência de
somente dizer a verdade.
De V. , etc. = Custodio J, de Sousa Machado.
Lista das mercadorias que mais convém para os mercados do interior doesta
parte da Africa, por ser com ellas que se fazem as permutações de cera, bor-
racha e marfim, com os povos gentilicos.
Tecidos
N.° 1 — É o riscado americano chamado de 2.* D'ante8, eram as peças
d*este riscado de 18 jardas e de 24 pollegadas de largura ; porém a am-
DBSCRIPÇXO DA VIAOEM 341
biçSo mercantil, estabelecendo a competência entre collegas, diligen-
ciando cada um permutar mais, vendendo mais barato, levou-os a faze-
rem encommendas para as fabricas com menos jardas e menos largara,
vindo a peça dobrada no mesmo numero de dobras que tinha quando
trazia a medida de 18 jardas. Escusado será dizer que o primeiro que
fez uso doesta esperteza d*ella tirou a máxima vantagem. Hoje vem já
d*esse riscado com 12 jardas e 18 ou 20 poUegadas de largura.
N*esta qualidade de riscado ha um variado numero de padrões. Eu
simplesmente apresento essa amostra para por ella se fazer idéa do seu
tecido e preparo. Ha n^esse género um outro riscado chamado de 3.*,
muito mais ralo de tecido e com o mesmo numero de jardas e poUega-
das. Mas para estes sertões não convém que o mesmo de 2.* traga me-
nos de 14 jardas dobradas em 18 dobras.
K.<» 2 — Este é o riscado tafachis estreito de 1.*, de 14 jardas dobrado
em 18 dobras. E também bastante procurado.
N.® 3 — E o riscado tafachis de 1.* largo, também bastante procurado.
Doeste costuma vir de 14 jardas e ainda também de 18 jardas e 18 dobras.
N.® 4 — Sâo maclussos estreitos de 14 jardas dobrado em 18 dobras.
N.<* õ — São os mesmos maclussos, mas de 1.* e largos. Costuma vir
de 14 e também 18 jardas, mas sempre dobrado em 18 dobras.
N.® 5 — Chitas estampadas de 24 jardas dobradas em 24 dobras.
K^este artigo ha superior, médio, inferior e o ordinário com mais ou
menos preparo.
K.<* 6 — Lenços de chita estampados de 12 em peça, de diflEerentes gos-
tos, mas de cores muito vivas e de tamanho regular, não convindo que
sejam muito pequenos.
N.<* 7 — Baeta azul e encarnada em peça de 60 jardas.
N.» 8 — Algodão ou panno cru. N'este género a variedade é enorme
com muito preparo, conforme é mais ou menos ralo. Costuma vir o mais
vulgar, com 20 jardas dobrado em 40 dobras e com 20, 24 e 30 poUega-
das. E também costuma vir com essas mesmas larguras, mas com 24, 28
e 30 jardas, mas sempre dobrado em 40 dobras.
Estes é que são os tecidos de mais fácil venda e os mais usuaes e
conhecidos, o que não obsta a que se introduzam outros para melhor,
mas em quantidades moderadas até que o gosto se desenvolva.
Varies artigos de differentes industrias
Cassungos grossos (avelorio) das cores azul, branca e encarnada. Mis-
sanga Mana 2.* grossa, almandrilha fina e grossa, missanga gimbo grossa,
missanga branca grossa, coral apipado grossa, alguma roncalha, muito
pouca, azul e branca e outras.
342 EKPEDIÇZO PORTUQUEZA AO MUATIInvuA
- Ai taxas amarellas de nomeros 6 a 8 que já modernamente se man-
dam vir da Inglaterra.
' Os chapéus ou guarda-soes ordinários.
As facas ordinárias de ponta e cabo de osso, de 6 poUegadas.para
cima.
Arame amarello cortado em jardas de n.<** 4 a 6 (redondo).
Barretes de lâ e algodão, encarnados.
Cintas (faxas) de lã e algodão, encarnadas.
Linhas de algodão de n.<* 20 para cima.
Agulhas (poucas).
Espelhos com capa de zinco redondos e com capa de papel.
Papel almaço pautado e fino pautado.
Armas lazarinas, de coronha encarnada e que se fabricam em Liége,
cuja perfeição não se precisa admirar.
Pratos covos e rasos de louça imitando as que fazem os inglezes, que
tem grande consumo.
Canecas brancas e pintadas de bico e lízas, imitando louça ingleza
(idem).
Canecas bronzendas de melo litro e 2 litros, com relevos, e em forma
de jarros ou das que no Porto se chamam infutas.
Jarros e bacias de louça, imitando louça fina ingleza.
Fechaduras, á imitação das inglezas, dobradiças, pregos, louça de
ferro, pratos de folha de Flandres.
Jarros e bacias de folha de Flandres pintada.
Vinho do Porto engarrafado e de pasto.
Azeite de oliveira, sal, arroz e outros artigos de rancho e conservas.
Galões de oiro falso de* differentes larguras.
Machetes (ou catanas), enchaiias de 1 a 2 kilogrammas, machados
bem calçados de n.*' 4 a 6.
Cobertores de algodão com relevos estampados.
Chapéus de palha (ordinários), bonés de borla, de panuo e de veludo,
cores differentes — e bordados a soutache.
Bijuterias, anneis, brincos, pulseiras, ete.
A S. Ex.* o Ministro da Marinha e Ultramar.
Com respeito ao commercio, continuo informando V. Ex.* que a Expe-
dição tem-se visto na necessidade de comprar a fazenda a jardas para
pagamento aos carregadores na conformidade do ajuste, e é certo que
num total de dez peças teve de dar proximamente mais duas, por este
motivo exijo as contas dos fornecimentos em jardas e não em peças.
DESCRIPÇZO DÁ YlÁQEK 343
Também nas transacções a pesos, a aactoridade tem de intervir por-
que é um logro o que se está praticando. Nas pesagens de borracha ha
arrobas de quarenta e de cincoeiíta libras, e isto muito contrbue para nos
desacreditar, quando taes operações sâo do dominio dos estrangeiros, não
porque elles os nào façam ainda peiores, mas porque teem o bom senso
de as fazer fora do alcance das nossas vistas.
Na presenle occasião está aqui um negociante allemflo, Burgmastter,
por conta de uma casa de Manchester a estudar o modo por que se tran-
sacciona com o gentio e quaes os artigos de conunercio que este mais
procura, e por isso é natui*al que em muito pouco tempo comecem a sair
dos prelos estrangeiros as diatribes contra o commercio dos portuguezes
em Africa, e por isso me anticipo fazendo sciente a V. £x.* do que pode
motivar tacs censuras.
£ tal ^ a certeza que teem os Ambaquistas que assim procedem, de
ficarem incólumes, que fazendo parte das comitivas que vào para o in-
terior, ou mesmo servindo de guias ou interpretes ás expedições allemás
que desde 1878 aqui se organisaram para o centro do continente, para au-
ferirem maiores lucros, vâo sempre preparados com novos embustes e
falcatruas, o que tem motivado complicações a essas expedições.
Muito seria para desejar que isto acabasse e se ficasse sabendo de
uma vez para sempre quaes as medidas legues e as equivalências entre
os artigos do commercio com o gentio, visto nao correr entre elle uma
moeda com curso ofiicial.
Como V. £x.* verá, pelas coutas que lhe forem presentes, as despezas
com os transportes de cargas de setenta a oitenta libras dentro da pro-
víncia, regulam a 20 réis por kilometro e fora de 16 a 17 réis, o que na
verdade é muito barato attendendo á falta que ha de carregadores como
provam os documentos que juuto.
Se o commercio tivesse contribuído, como sempre esperei, para auxi-
liar o governo n^esta £xpediçâo que o interessava, as verbas orçadas
seriam suíEcientes, pois os transportes seriam pagos pelos lucros das
transacções, mas desde o momento que, mesmo o pouco que á ultima hora
os negociantes do i^orto accusam enviar, não foi recebido, a £xpedição
para dar cumprimento ás suas instrucvoes tem de recorrer ao credito em'
maior escala do que era dado suppor, porque alem das despezas de trans-
portes, tem de construir as £staçòes e fornecê-las pwra o tempo em que
a £xpedição tem de ahi mantcr-be ao menos para fazer os estudos que
lhe sâo recommendados e satisfazer a outros fins da sua missão.
A falta de carregadores tornou-se tão geral, não obstante os muitos
esforços que se teem empregado, que resolvi definitivamente, visto
achar-me um pouco melhor, seguir para o Cuango no dia 6 do próximo
mez com o meu collega Marques e um pequeno pessoal de carregadores
de que dispomos.
344 EXPEDIÇIO PORTUQUBZA AO MUATIÂNVnÁ
8e Andala Quissúa me apresentar os carregadores que me prometteu
e com os que possa já ter eucontrado o nosso outro coUega S. de Aguiar,
parece-me melhor seguir já directamente para a Mussumba ou descer o
Cuango até ao Zaire e subir depois com o Lulúa ou o Cassai e entrar na
Mussumba.
Só as circumstancias e recursos ahi me poderão suggerir o seguimento
do meu itinerário, de que darei na primeira opportunidade conhecimento
a y. Ez.*, certo que s&o os meus desejos descer o Cuango, porque melhor
seria aproveitada a despeza com triplíce vantagem de, satisfazendo ás
nossas instrucções, conhecer da navegabilidade dos rios mencionados, da
influencia estrangeira sobre os povos a norte e do que ha a esperar do
commercio d^essa região, quanto a mim já preferível ao da Lunda.
Tive já occasiáo de dizer a V. £x.*, que conheci a necessidade de es-
tudar as linguas doestes povos, e revestindo-me de toda a paciência, já
tenho um importante trabalho, e com o que possa ir adquirindo no campo
pratico espero fazer-me acompanhar de elementos que as auctorídades
competentes em Lisboa poderão converter em livros muito aproveitá-
veis de estudo, como grammatica, diccionario e mesmo uma guia de con-
versação.
Apesar de náo me ter sido encarregada tal tarefa, creio náo será in-
fructifera, náo só porque com o tempo podem fazer- se-lhe as devidas cor-
recções e preparar um bom trabalho para estudo dos europeus emprega-
dos em Africa, mas ainda para se habilitarem devidamente os futuros
exploradores a dispensar interpretes, em geral sempre maus, porque nem
dizem tudo que queremos, nem nos previnem de tudo o que devem ; mas
também, o que julgo de muita vantagem, poderá servir aos Ambaquistas
sobretudo para se aperfeiçoarem na lingua portugueza, a qual muito teem
transtornado, transformando os nossos em vocábulos ambundos. £ para
exemplo eu transcrevo a interessante carta que um Ambaquista dirigiu
como secretario de um soba ao meu ajudante na estação Ferreira do
Amaral.
111.""» sr. Tenente. — Em primeiro desculpa sem saber o honrado nome
de V. S.' e peço perdão a V. S.' por parte de Deus Nosso Senhor, a con-
fiança de lhe dirigir similhante esta; e como minha necessidade tão me
exige por isso humildemente dirigio-lhc esta ; Estou informado de varíos
meus patrícios d'aqui, em como V. S.* tem a Gulha de olhar para uma
pessoa que está muito distante de 4 léguas e pode ser conduzido por um
emzollo e por este motivo quero ver também com meus olhos ; e para o
que no caso de ser assim, rogo a sua bondade comparecer nesta minha
Banza, resposabilizo da jornada do meu senhor õO:000 que são duas
vaccas e um garrote que é o nosso dinheiro d'aqui. — Deus guarde a
V. S.» Canbonbo, 29 de agosto de 1884. = Soba, Cuigana Mogongo,
DESCRIPÇlO DA VU6EM 345
QuerV. £x.* saber do que se trato?
Pede o homem ao meu ajudante para ir á sua residência com a ma-
china photographica tirar«lhe o retrato, responsabilisando-se elle pelas
despezas da viagem.
Também junto á copia de uma carta recebida ha dias por C. Machado,
e que lhe foi dirigida pelo sócio d'elle e de seu irmSo, António Lopes de
Carvalho, escrípta da margem do Cassai e por onde V. £x.* verá o que
posso esperar dos carregadores das immediaçâes de Malanje.
SSo sempre as chuvas, as desculpas que os sobas dSo por nâo apre-
sentarem os carregadores, mas realmente é verdade nSo os haver.
Apenas consegui vinte para a Mussumba e quarenta até ao Cuango,
mas estou cansado de esperar e sem probabilidades que elles appare-
içam; completam se aqui os três mezes no dia 6 do próximo mez, de ob-
servações meteorológicas e seguimos para a estação Ferreira do Amaral,
pois talvez ali possa arranjar mais alguns carregadores.
As differentes cartas que junto, provam bem que continuar aqui, 'é
tempo perdido.
Deus guarde a V. Ex." Malange, 30 de setembro' de 1884. — 111."® e
£x."<^ Sr. Conselheiro Ministro e secretario doestado dos negócios da ma-
rinha e ultramar. = O chefe da Expedição, Henrique Augusto Dias de
Carvalho,
Carta de António Lopes de Carvalho a Custodio Machado.
Cula-Muchito, 3 de maio de 1884, ás 10 horas da noite. — Compadre
amigo e sr. Custodio :
Estamos próximos do Quicápa, distantes do Cassai oito dias de jor-
nada I ! A malvadez dos carregadores tem sido tanta, que nos obrigou a
retroceder para a nenzala de uns Qniôcos, a fím de tomarmos cont? do
resto das cargas, porque com gente tão péssima e perversa não se pode
terminar a viagem. Os roubos teem sid» tantos e com tal descaramento,
que alguns carregadores tcem roubado um terço da carga que se lhes con-
fiou para conduzir. Para que o amigo faça idéa, limito-me a dizer-lhe,
que 08 onze carregadores do Quanza, roubaram perto de trinta peças de
riscado inteiras, quasi dev; de chitas, trinta tangas e duas armas I Por
aqui já pode calcular quanto devemos ganhar.
Por tudo o caminho, temos colhido informações do Cabau, porém teem
ellas sido taes, que não sabemos o que havemos de fazer em tão triste
situação. Todos dizem que os Biénos arrasaram aquolle ponto de tal for-
ma, que para se comprar uma ponta de marfim são precisos cem mil ba-
gos de búzio (12-A) independente de almandrilha que já não acceitam
aos fios mas sim aos massos e outro sortimento. Ora, sendo doesta forma,
não podemos salvar metside do capital com que d*ahi saimos.
83
346 EXPEDIÇZO POBTOGUESA AO KDATIÍKVIIA
Os carregadores do Bondo, tem-se distíngnido no roubo por todo o
minlio ; a almandrilha, biuio e missanga tem andado numa poeira. Do sal
já nio existe metade.
Nio tem sido a necessidade qne os tem obrigado a roubar, mas sim
a malvados, porque s6 de raç2o já nos teem comido 5 peças e meia cada nm.
Estamos pois no sitio dos Qoiôcos, aos qnaes eomprámos dnas pontas
de marfim com 120 kilogrammas.
Colhendo informações dos Qoiôcos, indicaram-nos on ponto onde ba
mnito marfim a troco de bnâo e contaria.
Aqaelles promptificavam-se a levar>nos á tal regilo mediante a grati-
ficaçio de oito mil bagos de bosio, quatrocentos de almandrilha, dnas
campainhas e algnma fazenda para vestir.
A regiio a qne me refiro é talvez no 2* de latitnde entre o Loango e
Cassai, acima da confluência do primeiro, dois dias mus para o norte e i
embocadura do Lulua, onde está o mysterioso Lucuengo.
Besolvemos pois seguir para o norte, e chamando os patrões dos car-
regadores fizemos-lhe ver a nossa nova resoluçlo e os motivos que nos
obrigou a tal ; elles, porém, acceitaram i^>parentemente, mas combinan-
do-se todos para nos' exigirem dez peças de fazenda cada um, que vinha
a ser o mesmo que recusar, de forma que náo temos o direito de escolher
o ponto que nos convenha ; aqui quem manda s2o os carregadores e te-
mos de andar ao capricho d^elles.
Considerflmo-nos pois desgraçados, a única taboa de salvaçlo era a
viagem para o norte, porém estes infames privam -nos de nos salvarmos,
dizem que os mandaram para o Labuco, nâo querem saber se ha negocio
ou se deixa de o haver.
O Quiluange então, todo o seu empenho é presentear o Muquengue
com as nossas pessoas c tudo quanto levámos, contando receber d*aquelle
potentado, grande gratificação por tal presente.
£ á vista d*isto, tratámos de ver se pod amos convencer alguns carre-
gadores para seguirem para o norte com um de nós e o outro continuar
para o Lubuco com o restante.
Apenas podótnos convencer os Ma-Songos e os do Bango, mediante
três peças de pagamento a cada um.
Ficámos pois tratando d'cstc negocio c, tendo muito que fazer, n&o
podemos ser mais extensos. Desejo- lhe saúde, e até outra occasiâo.
Seu compadre, amigo, obrigado c criado, António Lopes de Carvalho.
Cartas do negociante Narciso António Paschoal ao Chefe da
Expedição.
. . .8r. — Presente da estimada carta do v. , datada de hoje ; vou em
primeiro logar agradecer os seus cumprimentos que retribuo, desejando-
DESCRIPÇXO DA VIAOEM 347
lhe a continuação da sua saúde; eu continuo encommodado, sendo este o
motivo de ainda não poder dar aki uma chegada.
Aos seus criados dei o recado para se dirigirem aos sobas a fim de ar-
ranjarem os carregadores ; eu já providenciei para me trazerem todos
que podessem ajuntar; mas ainda não me appareceram e apenas pude
agora arranjar o homem portador doesta, para contratar com V. a fim
de seguir com elle na sua missão, este homem esteve muitos annos em
Loanda, e tem bastante pratica da gente e costumes do sertão.
Quando despachar os portadores para Cassanje devem elles passar
aqui para receberem a carta para o chefe de Cassanje, assim como re-
commendar ao pessoal a maneira por que devem entrar naquelle concelho.
O homem que remetto tem conhecimento com os sobas que, como do
costume abonam os carregadores ; por isso com grande facilidade pode
ir engajando os carregadores, dirigindo-se aos sobas.
Sem assumpto para mais, subscrevo-me com toda a consideração
De V. , etc. Angingi Acabari, 18 de julho de 1884. — ... Sr. major
Henrique de Carvalho. = Narciso António Paschoal,
. . .Sr. — E portador doesta o seu criado que tinha vindo ao engaje de
carregadores que não pôde obter nessa, disse-me que alguns sobas pediam
que lhes adiantasse alguma vestimenta, mas é uma desculpa simples, e
como 08 conheço, querem enganar a V. , porque sei que alguns sobas
estão compromettidos com carregadores para diversos negociantes.
O homem que eu mandei no outro dia para guia de V. , passou
aqui hontem tcndo-lhe recommendado para hoje seguir para o Sanza,
a fim de engajar os carregadores que lhe foram recommendados por
V. , e vendo a vontade da parte d^elle, creio que o ha de conseguir
muito breve.
Sube do mesmo homem que V. tencionava mandar uma offerta ao jaga
de Cassanje por uns Caquatas que me consta estarem ahi no concelho
os quaes já estão naturalisados Bângalas, por terem gasto todas as impor-
tâncias que traziam do Muatiânvua a seus negócios, não podendo por
este motivo voltarem para a Lunda, e cresce mais que elles não podiam
entregar pessoalmente a offerta para o jaga, por não se corresponde-
rem com o referido jaga dl Cassanje, e mesmo acho desnecessário fa-
zer similhante offerta, visto V. não tencionar passar nas terras de Cas-
sanje.
Eu acho-me um pouco melhor mas muito fraco ; tenciono fazer uma
visita a V. mesmo para fatiarmos sobre certos assumptos da sua missão.
Desejo que continue de perfeita saúde, e sou com estima e conside-
ração.
De V. , etc. Angingi Acabari, 20 de julho de 1884. — . . . Sr major.
Henrique de Carvalho. = Narciso António Paschoal,
348 EXPEDIÇÃO PORTUOUESA. AO MUATIÂNVUA
Carta de Lourenço Gt>nçalyes dos Santos ao Chefe da Ex-
pedição.
. . .Sr. — Começando desde Ngio, aonde sou residente e seguindo para
Loximbi, Ndala-Samba, Xiça, e até neste ponto aonde cheguei hontem
no Lngaj amento de carregadores, conforme as ordens de v. , n2o me foi
possível conseguir nenhuns em todos os sitíos a que me refiro, para pe-
garem em cargas para Lunda, por a maior parte dos pretos ter sido en-
gajados pela Expedição allemã, e outros aproveitando esta comitiva, se-
guiram para o interior a seus negócios, não obstante que empreguei
todos os meios ao meu alcance n^este serviço, para satisfAzer as respei-
táveis ordens de v. O resto de alguns pretos que encontrei em algumas
sanzallas dizem que só se prestam a transportarem cargas do Dondo
para este concelho e vice-versa, por isso a este respeito espero segundas
ordens de y. , e no cazo de ser preciso engajar carregadores para este
fim, mandar-mc um garrafão de aguardente e um barril de pólvora, tudo
para prezentiar os sobas que devem afiançar os carregadores, porque
com feizenda vejo que nada posso fazer, tanto que a que V. me deu ainda
existe, bem como um bocado de sal para tempero.
Aguardo a resposta de V. por este portador e subscrevo-me com a
maior veneração
De V. Servo respeitador. Sanza, 26 de julho de 1884. — . . .Sr. Major
Henrique de Carvalho. ^ Lourenço Gonçalves dos Santos.
N. B. — Alguma cousa que sobrar nas despezas que eu fizer com os
carregadores, voltará.
...Sr. — HoDtem chegxiei neste sitio vindo de Cafuxi. Nao podendo
aprcsentar-me a V. por ter viudo incominodado na saúde, cumpre-me
participar a V. , que tendo percorrido diverças sanzallas dos Bandos,
no ingaj amento de carregadores, foram baldadas todas as minhas dele-
gencias por os pretos de aquelles sitios nào lhes convir pegarem em car-
gas para Muatiauvo.
Esta difficuldade que se tem oÔereeido neste serviço, tem-me desani-
mado inteiramente, de continuar a ser empreçado, e desde já despeço-me
das suas ordens, com grande sentimento de Y. , simples-ment»* por nào
ter a felicidade de colher a estima dos meus patrões por me faltar a oc-
caziáo de boni ezito dos meus serviços e da comissão a que tenho sido
ordenado, por que nào obstante que de minha parte nao tem havido a
mínima nipligencia de empregar os esforços para engajar carregadores,
porém, prende-me a consciência por nào poder satisfazer-se inteiramente
aos dezejos de V. Dos carregadores de Talla Mungongo que ha dias fiii
engajar, hontem apresentaram-se-me os cabos, dizindo que concordaram
DESCBIPÇAO DA VIAGEM 349
pelo pagamento que V. lhes havia offerecido para a viagem a Landa com
cargas, e que deixaram os outros em viagem para cá ; estou á espera
delies, e quando chegarem, irei com elles á prezença de V. para eflTei-
tuar-se o pagamento do carreto, e por aquelle serviço V. determinará a
minha gratificação.
Com toda a consideração subscrevo-me
De V. venerador servo e obrigado, Angiò, 4 de setembro de 1884. —
...Sr. major Henrique de Carvalho. = Z^ourenço Gonçalves dos Santos.
Carta dx) Soba Andala Qiiissúa Andombo ao Tenente Aguiar.
II."** Sr. — Recebi a honrada carta de V. S.' com data de 20 do corrente,
que acompanhou uma peça de chita, um barril de pólvora, e (3) três bo-
tijas de agua ardente, que por sua generosidade mandou-me offerecer, e
mil vezes muito obrigadissimo Fico certo da chegada de V. neste sitio,
de meu filho Ndala QuinguanguH, assim o trabalho que tem ahi de mandar
fazer a pousada (fundo), para qualquer nep:ociador que por ahi transitar,
conforme as ordens de Sua Magestade Fidelíssima, a quem Deus guar-
de, e estimarei que cumpra os ditas ordens, para ganhar a victoria. De-
pois de concluir o trabalho de ahi, aqui m'achará ás ordens, para esco-
lher o sitio que quizer, para fazer outra casa como aquella. A respeito
dos carregadores, até quando chegar aqui o ... Sr. major, que die ter
ficado em Malange, e por consequência V. S.* pode fallar a meus filhos, que
estão vizinhos com o dito Andala Quinguangua, para ver se arranjão ahi
alguns carregadores para irem em Malanje. Estimei as medidas que Sua
Ma<;estade Fidelíssima tomou, de mandar a Expedição portugueza para
o Matianvo.
Chegando aqui V. e o ... Sr. major, poderão fallar bem com os carre-
gadores que quizcrem ganhar, para levarem as cargas.
Concluo, desejando a Y. S.' a mais perfeitíssima saúde e ventura, e eu
fico de saúde, e assentado em um logar por causa da minha idade avan-
çada, e sou por ser com respeito
De V. S/ seu súbdito muito obrigado e criado. Banza, 28 de julho de
1884. — . . . Sr. tenente ajudante Aguiar. — Sobba, Ndala QuisstM Ndombo,
P, S. — Sciente do bom tratamento que lhe está fazendo o meu sobor-
dinado filho Ndala Quinguangua, conforme V. mandou-me dizer na sua
estimada carta, e muito estimarei que elle continue, como subordinado
portuguez.
Carta de Custodio Machado ao Chefe da ExpediçSo.
Sr. — Em resposta ao estimadíssimo officio que V. se dignou dirigir-me
com a data de hoje, cumpre-me franca e lealmente, dizer-lhe o seguinte:
O que mais tem concorrido para se não obter o numero de carrega-
350 EXPEDIÇXO PORTCGUEZA AO MUATIÂNVUA
dores que V. deseja para a Lunda, é a extrema falta que presentemente
ha d^elles para toda a parte, depois que a nossa expedição mercantil le-
vantou para a A&ica equatorial, seguindo-se-lhe depois a expedição
seientifica allemâ, que V. ainda veio aqui encontrar, e a qual, primeiro
que se lhe engajasse o numero que precisava, levou seis mezes, tempo
este que tiveram de residência na minha casa. Todavia eu, ainda assim,
não me tenho poupado a diligencias nem a esforços por toda a parte e
já mesmo antes de V. checar a esta terra, para lhe engajar o maior nu •
mero possível, mas tudo inutilmente.
Não sei a quem V. se quer referir na ultima parte do seu citado of-
ficio. Da minha parte cumpre-me confíimar aqui o que disse na minha
carta particular que V. recebeu, quando chegou a Loanda, que vinha
luctar com a grande escassez de carregedores, pois que também cá se
achava estacionada a expedição allemã por essa causa.
Mais me cumpre informar a V. , que para a Lunda, não ha hoje
aquella influencia de negocio que já houve noutros tempos, dando o preto
carregador preferencia, em ir antes para o Lubuco (Tu-Chilangues),
aonde encontram quem lhes forneça mulheres para os servir, por todo o
tempo que lá residirem e aonde se lhes dá de comer, gosando assim e a
seu modo e em larga escala e sem lhes ser preciso pagar a mais insigni-
ficante despeza, o que já lhes não succede na Lunda.
Eis tudo que me cumpre responder a V.
Deus guarde a V. etc. Malanje, 25 de setembro de 1884. — - . .Sr. ma-
jor Henrique Augusto Dias de Carvalho, chefe da expedição á Lunda. s=
Custodio J, de Sousa Machado,
Carta da firma Sousa Lara & C.*, ao Chefe da Expedição.
. . . Sr. — Com a approximação das chuvas, os carregadores recusam-se
formalmente ao ganho de cargas, tanto para o interior como para o Dondo-
Temos empregado todos os meios ao nosso alcance para conseguirmos
o cumprimento do pedido feito por W. , porém tudo tom sido baldado,
embora mesmo tenhamos feito avultadas promessas aos's<)bas pelo enga-
jamento de carreguílores, e tenhamos também ofterecido avantajados pa-
gamentos para assim animar os pretos a fazerem parte da Expedição de
que V. é mui digno chefe.
V. pode crer que iiao é por negligencia nossa que temos deixado de
dar cumprimento a seu pedido, porém está conhecido ser esta a peior
quadra para o engajamento de carregadores, e profundamente sentimos
não podermos sor úteis a V.
Deus guarde a V. , etc. Malanje, 25 de setembro de 1884. — .. .Sr.
Henrique Augusto Dias de Carvalho.= p. p. de Sousa Lara & C.*, «/. M,
de Freitas,
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 351
Do Chefe do concelho de Malanje ao Chefe da Expedição.
. . . Sr. — Em resposta ao officio que v. hontem me dirigiu, cumpre-me
dizer que effectivamcnte tem solicitado de mim, varias vezes, para, pelos
sobas do concelho sob minha administração, se alcançarem os carregado-
res indispensáveis á Expedição de que v. é mui digno chefe, e sei per-
feitamente que V. tem animado os sobas com presentes de valor, oflfe-
rccendo o pagamento de dez peças de fazenda aos carregadores que se
promptiíicassem a marchar para o ponto destinado, mas é certo, que além
dos presentes, e pagamento aos mesmos carregadores v. nâo tem podido
engajar o numero de carregadores precisos, e nem eu tenho conseguido
que os sobas apresentem esses carregadores, porque os mesmos sobas di-
zem-me sempre que a maior parte dos seus filhos seguiram para o Lu-
buco, levando cargas da expedição mercantil dos irmãos Machados e da
Expedição allemã, e outros a seus negócios naquelle sertão, e ainda ou-
tros empregados no transporte de cargas do commercio, que elles prefe-
rem, d*aqiii ao Dondo e vice-versa, por não lhes convir irem com cargas
a tão grande distancia como é a Luuda, aonde se destina a Expedição.
E esta a rasão da contrariedade que tem havido no engajamento dos
carregadores, e a desculpa que os sobas me teem dado.
Deus guarde av. etc. Malanje, 26 de setembro de 1884. — ...Sr.
chefe da Expedição Portugueza ao Muatiânvua.= O chefe do concelho,
Nicolau Victor Edmgçs Braf/ner, capitão.
De Alfredo José de Barros ao Chefe da Expedição.
. . . Sr. — Respondendo ao officio de 24 do corrente mez, devo dizer a
V. , que me tem sido difficil o engajamento de carregadores como em
tempo asseverei a v.
Tenho empregado estas diligencias, despachando empregados meus
(musumbos) aos sobas, não tem sido possivel convencê-los, mesmo ofie-
recendo-lhes um pagamento avultado, allegando que em virtude de esta-
rem próximas as chuvas vão empregar-sc na cultura.
Como V. deve saber, o concelho está completamente esgotado de car-
regadores, porque quasi todos foram para o interior da Lunda e Quiôco,
engajados pelos Srs. Saturnino, e tenente Wissemann, chefe da expedição
allemã, além de outros que preferiram dedicar-se ao seu commercio ali,
prescindindo o carreto.
Em consequência do que levo dito, já v. vê que nada posso conseguir
dos ditos carregadores, sentindo não ter o gosto de satisfazer o seu pedido.
Deus guarde a v. etc. Malanje, 27 de setembro de 1884. — . . .Sr. ma-
jor Henrique de Carvalho, chefe da Expedição Portugueza.= Alfredo
José de Barros,
S62 sxpKDiçXo FonraouEiâ lo mdâtiíhviia
De Francisco José Esteves ao Chefe d* Ezpediçlo.
. . .Sr. — Em resposta ao oficio de ▼• de 85 do proiimo passado, que
s6 liontem recebi, cnmpre-me dixer-Ihe : É verdade qae v. me pedia ha
já tempo paim contratar carregadores para o serviço da Eipediçio Por-
tngnesa 4 Landa, da qaal y. ó digno chefe, ainda qàe pagando-oa a
des peças de fiuenda, pagamento saperior ao qae ó de eostame para
a capital do sertão da Landa; fis porém todos os esforços ao mea alcance
para os obter, mas infelizmente nÍo me íbi isso possiyeL Por nltimo pe-
dia-me v. para lhe engajar alguns psra o Caango, visto os nio poder
engajar para a Landa, o qp» ea promettí, por me parecer isso mrài fiuil
visto a distancia ao Caango ser mais carta e por isso de menos demMm»
Se V. nio tem consegoido obter carregadores para a Landa é eerta-
mente isso devido a qae o carregador na presente estaçlo, dedicasse
mais 4 coitara do qae ao carreto, para aproveitar as primeiras elra«
vas; é esta ama contrariedade a qae também o connnereio do interior
est4 sujeito todos os annos nesta epocha, e, qae só de fevereiro em
deante melhora.
Algans sobas a qaem ea fallei para procararem carregadores para a
Landa, apresentaram-me idéas assustadoras sobre o Maata lanvo^ qae se
14 fossem lhes custaria as cabeças, etc, etc, e qae Aisíb fiusilmente se
arranjariam para o Lubuco, parece-me, porém, qae estas idéas se lhes
desvaneceriam, se como já disse o tempo fosse propicio.
Deus guarde a v. , etc. Catalã, 1 de outubro de 1884. — . . .Sr. major
Henrique Augusto Dias de Carvalho, chefe da Expedição Portuguesa 4
Lunda. s= Francisco Joêé Eêteves.
Do Secretario da Sociedade de Geographia de Lisboa ao
Chefe da EzpediçSo.
. . .Sr. — Accuso a recepção do officio de v. , de 29 de jalho, e dos
documentos que o acompanham. Na próxima sessSo terei o gosto de com-
municá-los á nossa Sociedade que não deixará de congratular- se pelas
noticias auspiciosas da expedição que v. dignamente dirige e de fuer
os mais calorosos votos pelo seu melhor êxito.
São interessantes as informações que v. nos communica acerca da
expedição Machado e do bom acolhimento feito pelos beneméritos con-
cidadãos doeste nome av. e á sua missão utilissima.
O desvio imposto por circumstancias supervenientes ao itinerário que
V. contava poder seguir, não me parece diminuir o interesse scientifico
e commercial da expedição que v. dirige, sendo de esperar que sob
aquelles dois aspectos, possa v. com a sua boa vontade e dedicação
prestar ao paiz informações e serviços de considerável importância.
DESCRIPÇZO DA VIÂOBM 353
Para nós, hoje mais do que nunca, o interesse nacional da consolida-
ção e segurança da nossa influencia e das nossas relações prestigiosas
no sertão africano, impõe* se como o primeiro objectivo das expedições
portuguezas.
Promover a communicaçSo e o trafico licito entre os nossos portos e
territórios occupados e as regiões do interior; assegurar que os cami-
nhos se conservam abertos, e firmar as sympathias e o prestigio da ac-
ção portugueza como acção de paz e civilisação respeitadora dos direitos
e dos poderes constituídos, aproveitar prudentemente todas as occasiÕes
que se offereçam para convidar os potentados indígenas ao commercio
licito com 08 portuguezes, ao abandono do trafico escravista e ao bom
acolhimento dos nossos missionários e negociantes, fazer neste sentido as
convenções que pareçam convenientes a exercer directamente ama inter-
venção amiga e justa nas questões e nos antagonismos sertanejos ; final-
mente, vigiar e desarmar por todor os meios a intriga com que os explo-
radores e missionários estrangeiros manifestamente teem procurado e
procuram alheiar de nós o respeito e a affeição dos naturaes e deslum-
brá-los com promessas e ameaças do poder dos seus respectivos paizes :
são propósitos que não podem deixar de ter merecido e de continuar a
merecer ao esclarecido esforço e critério de v. uma particular attenção,
e cuja feliz e habíl realisação temos como certo que fará a gloria da
expedição commandada por v
Reiterando os votos que faço pela prosperidade d'ella e de v. , cum-
pre-me assegurar-lhe que a Sociedade de Gkographia estima continuar
a receber as commuuicações que v. entenda dever fazer-lhe.
Deus guarde av. — Casa da Sociedade, 4 de outubro ne 1884. — ...
Sr. Henrique de Carvalho, sócio da Sociedade e chefe da Expedição ao
Muatiftnvua. »- O secretario perpetuo, Luciano Cordeiro,
A S. Ex.^ O Ministro e Secretario d^Estado dos Negócios da
Marinha e Ultramar.
111."" e Ex."» Sr. — Já um pouco restabelecido dos meus padecimentos,
e havendo sido infruetiferas todas as diligencias|para alcançar aqui mais
carregadores, parte amanhã o resto da Expedição para a Estação Fer-
reira do Amaral, na esperança de se demorar ahi pouco tempo.
Avançando a Expedição, julgou- se conveniente fazer acondicionar de-
vidamente as novas collecções adquiridas até esta data, e tanto dos seus
catálogos como dos mappas das observações meteorológicas feitas até
agora, envio copias com este officio, para serem remettidas ás estações
competentes.
A Expedição, pela boa recepção e acolhimento que teve na provinda
de Angola, consigna no seu diário, ao deixar Malanje, o seu muito reco-
354
XZPBDIÇXO POKTOmneU JU> MDAnlBVUÁ
abetíncoto ao Couselheifo gOTenudor gval « » todaa m wetaridioJc»
Mmedbiâa qa« lhes «So rabordiíudaa, e minda aos ludntntM dM povo»-
ç9m oode por algnm tempo teve de demcwv-M, pois todas á poitiK,
M^nndo M meioa e reeorsos de qne di^mnlum, dencoetnnB fuato
IbeB cift BTinpftthícft esta Ex^ediçlo.
llani&itBçSea bSo estma, a qne a Espediçio i-nteiide corres pondi-r em-
pngaado todo* oe meios ao sen alcance para snlÍBlazcr durante a suii
Buuio aoa desejos de V. £x.% qne sSo também o^ iir> aigntttario.
HaUi^e, 10 de ontobro de 18B4.— HL-* e Ez." Sr. Oraeelhciro Mi-
idatro e Mcretario d'eBtado dos negócios da marinha e ultrunar.^O
l&efe da Expedíçio, Btnnq»Êe ÂMgtuto Díoê d; Carvalho.
Ao Chefe do concelho de Cambambe.
XSL" e Ex."* Sr. — Aos enidados de V. Ex.% kÃo rrracttidoa com des-
tino ao/Ex."" GoremadoT da provincia, luna mala, sete caixotes, seis
guolaa, nm fardo o nm Toinme gradeado, para que ^. Ei.* dé as snaa or-
dens para serem euTÍados ao Ministério da marlnhiL e nltramar.
Os anímaes precisam ser sustentados do Domio ein dcaiite, c en soli-
cito de T. Es.* a sua attenclo para que Ibes oíIij falte o ilpvido alimeuto
até Loanda, certo de que a Jnnta de Faxenda hmi f-i- ri.'<'ii''iir^i a Batisfazcr
a respectiva despesa, por conta da Expedição a meu cargo.
Deus gnorde aV. Ex.* Ualonje, 19 de outubro de 1881. — Ill."*eEx."*
Sr. Cbefé do concelho de Cambambe. = O chefe da Expediçlo, fimrigw
Augvíto DitiÊ de Carvailto.
DESCHIPÇXO DA VIAGEM 355
DESPEDIDA DE MALANJE
Estávamos em principio de outubro^ haviara-se completado
trCB mezes de observaç^ea meteorológicas, remettcram-se ao
Governo toilas as colIecçíJes que se adquiriram, as nossas car-
gas seguiram avante, fícando comnosco dos bagagens apenas
o que era absolutamente indispensável. Estavam jil carregado-
res contratadiis para noa levarem de rede para a cstaçSo Fer-
reira do Amuriil, e n.^o obritante os homens mais sensatos
dizerem, ser arriscado partirmos apenas com vinte e seis car-
regadores contructados para a Mussuniba, e que o chefe da
Expedíçílo corriíi grande risco, por estar doente, alquebrado
e avelhantado, designou-se o dia 1 1 para a partida.
A Expedição nSo pode deixar de consignar neste logar o seu
reconhecimento pelas benévolas domonstraçSea de sympathia de
S6(r MznDi^^ KwrwjnuMA âa nrâxilavu.
■WPl
que fiâ alvo, ao ddxar a Tilla^ e de eqpedaliaar o nome do
bemqaiato negociante Cnatadio José de Sousa Madiadoy qne
além doa TalioaoB aerriçoe de que a meama ji Bie en dere-
dora, promovea as manifestaçBes de deqpedMa, qne eomèçan-
doíMi^dialO só ierminanun naTÍlla íb qnalro Imaa da tarde
do *dia lly com o almoço em seguida á missa, qiie em intm^
Ipela nossa felis viagem entendeu lesar, e paim a qual noa eon*
vidoí^ o Bev.^ paiodiOy indo todos os que tomaram pade nestas
«anifartagges aoompanliar-nos até á casa do pn^etario José
Van, no Qnissoley que nos onerava para o janteTi que só ponde
ter logar depois das ii6¥e horas da ncnte.
â no dia 1^ que tère logar o esplendido almoço de despe»
em casa doeste Inaano agrieultor, almoço em quê iíe tte-
caram os brindes mais àffectnosos, e em qué o nomedo ittns-
tre Ministro da Marinha, conselheiro Mannel Fbdimo ClJisgaSy
fin muitas Teses lembrado. '/'* .
Meio dia era a hora marcada para a partida} éi^^ioíáSte
oorreios já tinham levado a notieia i villa, o pessoal dá Àr
senda descarregava as suas^espíogatdas, a bandeira portugueBa
s^uiu á firente, e nós despedimo-nos saudosos dos nossos bons
amigosy que continuaram, emqaanto nos viam, soltando enthu-
siastícos vivas á KzpediçSo.
Murtnteo (omaxiA dk podbb)
CAPITULO III
DE MALANJE AO CUANGO
usotaf nuta été tnúén* éí; aèi uhmío^
kaudipe hUala mu Jila c queres?
vae tu próprio ; se mandas não es-
tejas a olhar no caminho. (Quem
quer vae, quem não quer manda)».
Viagem para Catalã. Em Catalã. Partida para Andala Quingruângua. Eitaçlo 24 de Julho;
a povoação e seus moradores. Viagem para Andala QuiMÚa. ConitracçSei do salalé.
Chuva e trovoada. Incidente no caminho — Caf&xi. Estaçio Ferreira do Amaral. Vi-
sita de Sé Quitári. Gosto pela aguardente. Cumprimentos do Jaga ; presentes ;daaça.
Visita ao Jaga Andala Quissúa. Abundância de gado — Viagem do chefe para Camivu.
Os carregadores Massongos. O sobeta Angonga. Na Estaçio Paira de Andrada. Vi-
sita ao soba Ambango. A Estaçio. Ajuste de carregadores. Intrigas de Ambango.
Visita do soba Anguvo. Discórdias dos sobas. Desaguisado com Cáhia Cassixi — Via-
gem do chefe com ai.* secção para o Cuango. O dia 81 de Outubro. Mona Muaaen-
gue, Mulumbo, e Zunga. Passagem do rio; pagamentos aos donos das canoas e aos
pilotos. A avidez de Zunga. Episodio grotesco. Visita do potentado Mueto Angnimbo.
Serão na companhia de vários gentios — Regresso do chefe á Estação Paira de An-
drada — Algumas considerações sobre a região e seus habitantes ; crenças, usos e cos-
tumes d^estcH — Partida da Estação Ferreira do Amaral. Correspondência acerca da
paoitagem para o interior — Communicações offlciaes relativas ao progresso da Expe-
dição o Ruas relaçSes com o gentio — Marcha da 2.' secção para a Estação Paira de
Andrada. Na Estação. Entrevista com os sobas. Situação dos poros e dirersas infor-
mações sobre o estado do paiz, e como se devem acceitar as informações do gentio —
Algumas palavras acerca das expedições commerciaes para o interior do continente.
O negociante Braga. — Participações offlciaes dando conta dos trabalhos da Expedi-
ção e outra correspondência sobre o mesmo assumpto. Preparativos de partida e inci-
dentes desagradáveis — Viagem para o Cuango. Nas margens do Lui. Roubo nas baga-
gens ; providencias enérgicas ; encontro dos objectos roubados. Jornada para a povoação
de Anguvo ; acampamento Junto a esta povoação. Entrevista com Muene Ca^Je. Noite
de Natal ; tempestade ; fugida de carregadores — Na margem do rio Cuango. Viaitaa.
I*a8sagem do Cuango. Ainda o Zunga — Na casa filial de Custodio Machado.
VIAGEM PARA CATALÃ
N3o nos era deaconhecido o caminho que tínhamos a seguir,
pois já o h.ivianioa percorrido no nosso regrcseo do And ai a
Quissua a Malanje, tendo feito o respectivo reconhecimento que
noa deu um bum croquis. O que nós porém desconheciam o 8
eram os carregadores que nos transportavam, contratados pelos
negociantes do Quiaaole para a viagem até á estação Ferreira
do Amaral, cora a condigíío de pernoitar em Catalã, onde ea-
peravamos encontrai' o pesaoal das cargas e bagagens que ha-
viam partido para ahi do Malanje no dia 10, pelo caminho das
senzallas dos Bambeiros.
Eate caminho para Catalã, faz-se no rumo pouco mais ou
menos de NE., e regula a sua exteu&ão, por causa dos zig-
k
360 BXPEDIÇZO PORTUGUESA AO muauínvua
zags a que nos obrigam as ondulaçSes do terreno^ entre flores-
tasy e passagens das linhas de agua, de 29 a 30 kllometros,
mas sendo bons os carregadores^ faz-se esta yiagem de rede
em seis e meia ou sete horas, e montado num boi, em menos
uma hora.
Em Catalã esperava-nos para jantar o negociante Francisco
José Esteyes, sócio do abastado proprietário Narciso António
Paschoal, de quem já temos fallado, e era preciso portanto
fazer apressar a marcha, porque demais tínhamos contra nós
o have-la principiado tarde e quando já não havia luar.
Até ao rio Luximbe, viam-se algumas plantaçSes de canna,
trabalho de Ambaquistas e de alguns indígenas, e uma boa pro-
priedade, cuja situaç&o é das melhores, porque fica entre este
rio e o Cuiji. Pertence a um velho europeu por nome Calado,
antigo residente nesta parte da província, um verdadeiro co-
lono, que fez doesta terra a sua pátria adoptiva.
Proseguimos contornando esta grande propriedade e de novo
nos embrenhámos numa floresta, ora descendo, ora subindo.
A claridade do dia ia desapparecendo, de modo que ao en-
trarmos no povoado Anzaje onde ha algumas casas filiaes
do commercio de Malanje, era já escuro bastante e os carre-
gadores não queriam passar avante.
A distancia d'ahi a Catalã é pequena, pouco mais de 3 ki-
lometros, e por isso insistimos com os carregadores, por nSo
ser possível ficarmos ali, e terem-se elles obrigado a leva-
rem-nos a Catalã. Allegavam que já por vezes tinham escor-
regado sobre a crusta da pedreira, sobre a qual em parte se
levantou a povoação, que havia buracos e paus pelo caminho,
que estava muito escuro, finalmente tinham receio de marchar
de noite.
Resolvemos fazer o resto da marcha a pé, entre o capim todo
molhado.
Fomos informados de que a este sitio se dera o nome de
Anzaje (raio), porque são frequentes aqui as descargas da ele-
ctricidade atmospherica, o que não é para estranhar attenta a
abundância de ferro contido no solo.
■
DESCIÍIPÇXO nA VIACEM 3fi]
^W
■
ChegámoB a Catalã ás novo horas, ser vindo -nos de guia
ara o estabelecimento do negociante Esteves, as luzes, que
e quando em quando descnbriainoa atravez do capim.
A mesa estava posta e elle aguardava-noa para jantar. De
nais havia sido a sua coudescendencia para que o demoratí
emos nindn, e por ísbo tratámos logo de nos alliviar dos ape
rechos que nos sobrecarregavam, como; revólver, faca, bolsa
ustrumentos, etc., que tudo amontoado arrumámos a um lado
i depois de lavar cara e mãos fbmoB tomar ob nOBsos logaree
^^^^H
i mesa, emquanto que dois contratados de Loanda que no
acompanhavam, iam recebendo dos carregadores e guardando
iB malas de viagem e outros volumes que nSo podiam deixar de
indar comnoaco.
ÃB cargas ainda nilo tínhatn chegado, e diase-nos Esteves que
erramente os carregadores não eaiam das senzallas dos pa
rentes de quem se foram despedir, sem terem a noticia de ha
permoB aqui chegado, como é de costume. A demora, porém
[iSo noa prejudicava porque tencionávamos ficar em Catalã \an
)u dois dias, fazendo todas as diligencias para contratar algune
1
]
362 EXPEDIÇZO POBTUOUEZÁ AO IfUATIÂKYUÁ
carregadores, quando mais nfto fosse para o Cuango, porque
diga-se a verdade, tínhamos partido de Malanje com muito
poucos.
Esteves, de madrugada, despachou os seus pombeiros para
o Sanza, a fim de ver se d'a]i vinham os que lhe tinham pro-
mettido e que já estavam pagos, e nós mandámos um soldado
ao soba Andala Quinguangua recommendando-lhe que arran-
jasse os que pudesse para, quando chegássemos á EstaçSo Vinte
e Quatro de Julho, os contractarmos.
Apesar de ser tarde e estarmos fatigados da marcha, con-
versámos muito com o nosso hospede, alegrando-nos o encon-
tro do único europeu que vive neste ermo, e que nos propor-
cionou uma tSo boa e tão franca hospitalidade.
Versou principalmente a no86a conversa sobre exploraçSes
commerciaes além do Cuango, e Esteves, que aspirava a aven-
turar-se a uma empreza doestas, mostrou-se penalisado porque
o seu sócio não tem querido annuir á realisaçSo de um pro-
jecto que elle lhe apresentara.
O negociante Paschoal, seu sócio, é um homem pratico, e
apesar de ter adquirido uma fortuna, negociando as suas fa-
cturas na feira de Cassanje e nas margens do Cuango, conhece
bem todos os prós e contras doestas aventiiras e quando se lhe
falia numa exploraçílo ao Lubuco, responde sempre: deixem
vir Saturnino Machado e depois veremos.
Tendo muitas relações com os Bângalas de maior importân-
cia, que certamente o terão informado acerca de commercio do
Lubuco e de todo o interior, acreditâraos ser prudente o seu
modo de proceder. Mesmo pelo que respeita a Cassanje, que
elle conhece bem e onde sustenta ainda algumas relações com-
merciaes, tem suas duvidas sobre o futuro.
Crê agora mais nos resultados da agricultura que nos do
commercio, e pensa empregar parte da fortuna, que com tantos
sacrificios e riscos alcançou em melhores tempos com o com-
mercio no sertão, na plantação da canna saccharina, sem com-
tudo abandonar os estabelecimentos commerciaes que hoje
possue.
DESCRIPÇZO DA VUGEM 363
Ávida de cangalheiro — disse-nos elle — é boa para rapa-
zes; os meus antigos freguezes sabem onde eu tenho as casas,-
se quizerem continuar negócios commigo que as procurem.
Filho da provincia, muito cordato, possuindo uma fortuna
solida', e tendo apenas três filhos que mandou educar em Lis-
boa, faz bem em não arriscar os seus capitães; e para entreter
a sua actividade, basta-lhe dirigir como o está fazendo, a sua
propriedade agricola ao pé da casa principal que tem no An-
jinji-á-Cabari e manter os seus estabelecimentos commerciaes.
Esteves, porém, ainda novo, que ambiciona voltar á terra da
sua naturalidade, de onde saiu muito moço, e com fortuna pafa
ahi se estabelecer, não lhe agrada o retrahimento do seu sócio,
e nao será para estranhar se algum dia nos chegar a noticia
de que elle se aventurou numa viagem ao interior.
Foram estas as impressões com que adormecemos, e de tal
modo, que só com dia claro despertámos, para logo pormos em
movimento a nossa gente, mandando uns a chamar os sobas
próximos, outros ás senzallas dos Bambeiros, dando parte aos
nossos carregadores de que já aqui estávamos e despachando
também os que de véspera já tinham diligencias destinadas
para o Sanza e Ándala Quinguangua.
£m seguida tomámos uma boa chávena de café e fomos dar
um passeio com o nosso hospede.
Agradou-nos ver a horta, junto ao rio Catalã, bem como os
arredores do estabelecimento commercial do nosso amigo.
Já não nos admirámos de que elle vivesse bem ali, preve-
niu-se para passar commodamente, longe dos recursos que offe-
recera os centros civilisados.
Na horta, encontram se os melhores exemplares das nossas
hortaliças e alguns de desenvolvimento superior ao que é mais
trivial em Lisboa.
Com respeito a gado bovino e suino é elle muito superior ao
que temos visto na provincia. Apresentou-nos um casal de
porcos que nos maravilhou pela corpulência e gordura. Con-
serva-o para a procreação apenas e por alguns exemplares que
vimos, prova-se que nâo degeneram.
n
364 EXPEDIÇZO POBTUGUEZÁ AO MCATIÂNVUA ^^Ê
[
0 gado ovelhum e catrura, era ainda muito mais deBenv<d<^^|
vido que 0 de Fungo Andongo, o meUior que conheciamos. ^H
Quauto ás aves domesticas nSo as ha superiores na provÍB^^H
cia, gallinhas, patos, perue e pombos, distinguem -se pela eal^^|
^andeza e bom peso. ^^H
Também possue c^es de caça, que se desenvolvem bem «^H
mesmo oa cruzados com indigenns nào são mauB. Fomos mimo-^H
seadns com um casal que muito apreciámos. ^^M
ft
Os pastos sl\o magníficos, as aguas exccUentes e nSo deye^^|
nos deixar de citar uma uasoente de agua férrea. A altitudO^^H
le Catalã é a mais elevada que conhecemos, 1;260 metroa^^^J
sto é, mais 106 metros que a de Malanje. Os peores ventD«i^^|
:iB de oeste, não sào os que predominam. Tudo emfim coDcorr&^^l
para neste logar se crearem bem os animaes de que o homem^H
arece para sua aUmentaçSo ou como seus auxiliares. | . ^^|
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 365
Asseverou-nos Esteves, que passava aqui muito bem attri-
buindo isso á salubridade do logar, ainda assim disse ter tido
algumas febritas, e com franqueza a cor macillenta da sua pelle
não nos agradou e pareceu-nos que elle resistia com vantagem,
em consequência do bom passadio.
E não admira o nosso reparo, porque depois vimos que o
mal a que tem podido resistir, as infecções paludosas, existe
próximo, mais para norte, sendo o clima muito húmido.
O passeio foi largo e por isso almoçámos já depois do meio
dia, aproveitando parte da tarde e noite na correspondência
para a metrópole, emquanto o pessoal menor, satisfeito com
um garrote, fubá e aguardente que lhes dera o dono da casa,
preparava a refeição para a noite.
Tivemos depois do jantar noticia que as nossas cargas ti-
nhani ficado nesse dia no Muquixi, e por isso era de suppor
que chegassem só no dia immediato, porém ainda não vinham
as que deixáramos em Malanje, por não terem apparecido al-
guns carregadores contratados, que affirmaram vir ter com-
nosco.
Appareceram alguns sobas vizinhos, dizendo que seus filhos
não queriam ir á mussumba com receio de que o Muatiânvua
lhes mandasse cortar o pescoço e não se ajustavam também
para o Cuango por temerem que depois os fiizessem seguir
amarrados para lá.
Era esta uma contrariedade que não sabíamos como expli-
car, mas sobre que julgámos conveniente não fazer maiores
indagações, para que não se propalasse o boato de que quería-
mos obrigá-los a tal serviço.
Mais tarde, soube-se que eram os de Cassanje que andaram
a atemorisar os povos com estas e outras noticias para que a
Expedição não fosse para o interior fazer mal ao seu negocio.
No dia 14 e logo de manhã, chegaram 12 carregadores do
Sanza para se contratarem, mas só até á estação Ferreira do
Amaral, por preço muito em conta.
Andala Quinguangua, respondera-nos que arranjaria 20 car-
regadores, mas estes de certo também não iriam ao Cuango.
366 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO MUATliKVnA
Tendo chegado as caixas, alguns carregadores queixaram-Be
das que continham a pharmacia e não houve remédio senlo
fazer transportar algumas por dois. F)ra um mau precedente já
nestas alturas, mas não havia remédio. Na EstaçSo onde nos
Íamos demorar algum tempo, providenciámos a este respeito.
Mandaram-se quatro dos antigos carregadores a Malanje
buscar as cargas que lá tinham ficado, sendo entregues as que
estes trouxeram a quatro novos, chegados do Sanza.
O dia 15 foi destinado para descanso de todos, a fim de no
dia seguinte de madrugada partirem para a EstaçSo Vinte e
Quatro de Julho. <
De facto em 16 poz-se a caminho a commitiva das cargas para
Andala Quinguangua onde ficava a Estação Vinte e Quatro de
Julho, acompanhada por dois soldados e com ordem de irem
avançando todos os dias para a Estação Ferreira do Amaral^ e
mandámos prevenir o empregado nesta ultima de que estáva-
mos em marcha e que recommendasse ao soba da povoaçIO|
que fosse arranjando carregadores para transportarem cargas
d'ahi para a Estação Paiva de Andrada, no Lui.
O velho Calado e sua filha jantaram comnosco, e esse homem
recordando-se da pátria, de que nos havia de fallar? Dos homens
de mais nomeada de seu tempo e das questões que então eram
mais palpitantes: guerra da Maria da Fonte, da Patuleia, do
marechal Saldanha, conde da Povoa, barão de Catanea, Passos
Manuel, etc, e terminou com o que o preoccupava mais na
occasião, o fabrico da aguardente, machinas de distillação, etc,
e de quanto fora infeliz no commercio.
A filha, essa, nem luna palavra, e para muita gente, soube-
mos depois, que passa por muda.
Tinhamos resolvido que partiríamos no dia immediato, e por
isso deixámos a familia Calado com o dono da casa e fomos
terminar e fechar a nossa correspondência para ser enviada
para Malanje.
Por emquanto iamos aproveitando os recursos que tinhamos
para dar mensalmente noticias nossas ao governo e ás nossas
famílias.
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DESCRIPÇlO DA VIAGEM 367
O nosso hospede entendeu nSo só dar-nos um lauto almoço
de despedida, como ainda preparar-nos alguns assados, ovos,
queijo, pão, vinho e café para o caminho.
Como a distancia d^aqui para a Estação, onde queríamos ir
pernoitar, não era grande, 20 kilometros, que de rede se vence
em três e meia ou quatro horas, acceitámos o seu convite e %
ficámos ainda para almoçar, no que fomos acompanhados pelo
velho Calado e só partimos á uma hora da tarde depois de » .
expedido o nosso correio para Malanje.
Despedindo-nos do nosso excellente amigo o sr. Francisco
José Esteves cumprimos um grato dever significando-lhe neste
logar o nosso reconhecimento.
Seguimos o rumo, quasi sempre para E. entre arvoredo, por
terras húmidas em parte encharcadas e com linhas de agua que
de certo desappareceriam, se a intensidade dos raios solares nào
fosse modificada pela ramagem do arvoredo sobre que incide.
Chegámos á Estação eram cinco horas e appareceu-nos logo
o soba, pedindo que não fossemos para aquella casa e sim para
uma que elle mandara preparar próximo da sua, porque como
estava fechada por algum tempo, pululava ahi o inahundo
(JPtãex penetrans).
Suppondo que seria exagero da parte do soba para nos at-
trahir para a povoação, tentámos entrar, porém os dois pri-
meiros carregadores que iam na frente, logo aos primeiros
passos, deitaram a fugir batendo nas pernas e gritando que não
entrássemos.
Não havia pois que hesidar, acceitámos o offereciípento.
O soba em seguida, presenteou-nos com um grande porco
para a commitiva o que se retribuiu com uma peça de chita de
primeira qualidade, que elle muito agradeceu; nós porém, rela-
tivamente não ficámos de peoi* partido.
Coin respeito a carregadores, disse-nos que na occasião só
pudera alcançá-los para Andala Quissúa, mas que passados mais
dias os apresentaria para o Cuango.
Neste caso resolvemos logo, com grande magua do soba,
partir de madrugada para a Estação Ferreira do Amaral, a fim
1
308 KXPBDTçXo POBTamnosA ao «UAirÂKvnA
^ m — —
de li' irmos' dormir e dÍ8semo»-Ihe que mandasse li os carre-
gadores quando os tivesse. ^
Maton-se o porco, ficando un pedaço para arraigarmos lam-
bem a nossa refei^^ e o resto dividia se pekè carregadores,
que trocando parte por fiiba tiveram mna boa ceia.
Ji de noite, Andala Qaingaangna mandou arranjar uma beUa
fogueira, a qual attrahiu dançadores e musica, e veiu sentar-se
perto de nós, para gosar das nossas impresaSes sobre o entre-
tenimento que preparara para celebrar a nossa cbegada.
* Tintamos assistido a muitas danças afiricanas, tanto nesta
província, como na costa oriental e na ilha de S. Thomé,
tínhamos lido algumas descripçSes de viajantes e eiploradores,
porém confessámos que mids primitivo, mais gentílico, nada
vimos, como o que se estava passando deante de nós.
As raparigas e os rapazes estavam formados em duas linhas,
distantes uma da outra uns 3 metros. A toada dos instrumen-
tos de pancada, sae uma das mulheres dançando em passinhos
curtos e vae direita ao homem que mais lhe agrada ç dançf»" em
firente d'eUe até lhe tocar e recuando nos mesmos passos de
dança, este como attrahido, procura também dançando unir-se
a ella que procura sempre fuglr-Ihe com o corpo. Assim andam
no terreiro ora avançando, ora recuando, até que a rapariga que
o fora desafiar se deixa vencer e então tocam-se por três vezes
no ventre e na ultima, ficam assim por segundos dançando, in-
clinando o tronco para traz e um pouco para a direita e ter-
minam de Bubito, indireitando-se, batendo os pés com força e
recuando cada um aos seus logares, no meio dos applausos dos
espectadores, expressos por grande vosearia, assobios e palmas.
Segue-se outra rapariga a conquistar o seu rapaz, e assim
Buccessivamente.
Quando as linhas dos bailadores eram grandes, viam-se dois
e três pares no terreiro. Algumas raparigas por mais envergo-
nhadas ou por mais coquetes tapavam parte da cara com len-
ços, mas pelos requebros que davam ao corpo e pelos sorrisos
que se lhes podiam descobrir, mostravam a sua satisfação por
este passatempo.
DESCRIPÇAO UA VIAGEM
369
Quando eram horaa de nos acconimodurmoB recolhemos, porém
as tarimbas eram curtas por falta de espaço na cubata, e por
isso, pelo calor ineupportavel que fazia c por causa dos mos-
quitos, poucos foram os momentos de repouso que tivemos.
Principiava a aclarar o dia, ainda tudo estava em socego na
povoaçSo, e já a nossa pequena commí tiva estava em movimento
de partida.
É occasião de fallarmos na Estação Vinte c Quatro de Jullio,
e de dar as informaçSes que temos sobre a povoação.
A Estação foi construída à
saida da povoação para norte,
e Hcou um pouco distante d'ella.
Oecupava uma área ile ll^X
4", 8 tendo as paredes a altura
de 3 metros.
Foi dividida cm dois com-
partimentos, sendo o do cen-
tríjj o mais espaçoso, com 6 me-
tros de comprimento destinado
a armazém das cargas, tendo
esteduas janellas. Os compar-
timentos latcraes cada um com
sua porta, destinaram-se, um
independente do armazém,
para hospedes, e o outro que
com este communica para o
encarrregado do estabeleci- ciuTtg»iior
mento.
Deu-se á cobertura bastante elevação, para offerecer bom
escoamento à, iigaA das chuvas.
NSo se deu maior desenvolvimento a esta EstaçSo, por ficar
a um dia de marcha de bons estabelecimentos commerciaes e
não ser provável que tão pequena distancia fosse sufficiente
incentivo para attrabir as commitivas do commercio do interior
já encarreiradas para aquellos.
Fundando esta Estação, teve-se em vista, facilitar as com-
370 BXFBDIÇXO POBTUGinUÁ AO mJATlÂJKVUA
mimicaçSes i Expediçlo, dispor ob poros visiiihos a Ma &Tor,
manter alii uma reserva de recursos, e fteilitar a mudança dos
cargas para deante, attenta a grande fidta de carregadorea que
havia em Maknje.
A poYoaçSo é disposta, como em geral, as que temos yisto,
^ numa baixa, assombrada pelo lado de leste e próximo de agua
i4^ corrente, havendo depressSes aqui e ali onde se estagnam por
algum tempo as agoas pluviaes. As habitaçSes slo baixas, re-
^'^^ Yestidas de capim mas regularmente acabadas, e destaoam-se
as dos indivíduos que teem mais posses pela grandesa, maia
divisSes e pela omamentaçto, feita com o mesmo capim, nas en-
tradas e no fecho das cúpulas.
Entre as habitaçSes vêem-se curraes e chiqueiros, e os ani-
mães também aqui parece darem-se bem.
SSo as mulheres quem cuidam das lavras e estás limitam-se
a plantaçSes de mandioca, milho, jinguba e nalgumas também
ha feijSo miúdo.
Os homens no tempo próprio caçam, cortam madeiraa no
mato, alguns ji procuram o serviço de carretos, mas na maio-
ria slo indolentes e os que se encontram pela povoaçSo passam
a maior parte do tempo nas habitaçSes, junto aos brazeiros e
bebendo d'alguma bebida fermentada, sendo aqui a principal
o hydromel.
As mulheres entrançam os cabellos a capricho, mas só os
penteiam de tempos a tempos, e untam-nos com varias sub-
stancias, a pohto de nalgumas apenas se perceberem as di-
visSes das tranças que mais parecem IS do que cabellos en-
crespados. As tranças sSo apertadas com pedaços de metal
ou enfeitadas com contaria, preferindo-se a vermelha. Algumas,
porém, mais pretenciosas e por isso mesmo menos descuidadas
e que se penteiam a miúdo, arranjam alguns penteados artís-
ticos e que agradam á vista.
Os rapazes até uma certa idade, geralmente, quando fezem
gosto pelas tranças augmentam-nas com crescentes que dis-
ferçam enfeitando-os com contaria diversa na côr e grandeza.
Presentemente os homens, pelo contacto com os Ambaquistas e
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 371
mesmo com os Bambeiros ', já usam como estes, de barretes e
chapéus de qualquer cor, feitio e espécie; o caso é cobrirem a
cabeça.
Vêem-se homens de barba cerrada e alguns têem-na es-
pessa.
Como vestuário trazem as pelles de qualquer animal, sus-
pensas á cinta atraz e adeante, porém sobre estas, se os têem,
usam pannos de fazenda que em geral só os tapa até aos joelhos
ou um pouco mais abaixo. Os mais abastados cobrem-se com
um grande panno de algodão ou de chita que a um terço do
seu comprimento amarram na cintura, ficando o resto para cima
com que tapam as costas envolvendo os braços na parte que
lhes cae adeante, se teem frio, e sempre quando estio senta-
dos ou conversando. As mulheres amarram sobre os peitos um
cordão ou fita delgada e entallado neste é que seguram os pan-
nos, ficando com os braços livres para poderem trabalhar á
sua vontade, pizar o bombo, cozinhar, cavar, transportar agua,
etc. As mais indigentes usam apenas um trapo a cobrir as par-
tes pudendas mas se teem mais algum retalho de fazenda, so-
bre o referido cordSo com que sempre apertam superiormente
os peitos de modo a fazer ahi uma quebra, prendem-no para
tapar o seio.
Os pannos melhores são debruados com outros, o mais geral
é debruarem-nos com ganga azul.
Com respeito ao seu dialecto, notou o capitSo Aguiar que
era um mixto do de Loanda com o dos Bailundos, encontrando-
Ihe comtudo vocábulos especiaes. E convencia-se de que se
havia adulteração era no que se chama dialecto de Loanda,
pelo contacto com os europeus.
Conhece o referido capitão e mesmo falia os dialectos de
Loanda até Massangano e alguns do sul, do sertão de Ben-
guella, e no seu diário registou, a respeito do dialecto que falia
este povo com quem conviveu algum tempo: cQue a maioria
1 Vizinhos da sede do concelho de Malanje.
372 EXFKDIÇXO POBTUanSEA AO mUTIÂHTm
dos termos sSo ignaes, porém a pronnncU i dífferente e con-
corre em grande parte para que quem, como en, nlo conhece a
ftmdo nem este nem ontros dialectos, os nlo possa compreheai-
der a primeira vex qae os oave. ^«dso de olmgar esta gente
a repetir duas ou três vezes o qtie me dizem para entio os
perceber».
■De fiicto asum é, mas nKo é só a pronuncia qae difficolta a
percepção, é a questZo de onvidOf a Cslta de Tocabnlos nos poro*
qno mais s» afastam da actÍTidade que se vae aooentaaudo
entre as tribos mais adeantadas, e principalmente o modo di-
▼erao da juxtaposiçSo d'ea8eB vocábulos. As línguas rSo pas*
Bando por modificações com o correr dos tempos e as de Afirica,
em alguns povoa, estão num periodo de transição e mais se
seute esta quando nos encontramos entre tribus relativamente
mais atrazadas *.
Este povo em geral é docit e a Expedição manteve com elle
as mtús cordeaee relaçSes, e como laça parte dos povos de
1 Vide OB volumes -eapeciaes sobre linguística, publicados pela Expe-
dição.
DESCaiPÇAO DA VIAGEM
373
Andala Quissúa, entre os quaes íamos viver por algum tempo,
basta por emquanto o que deixâmoa dito aobre aa nossas im-
pressBes geraes a seu respeito, nSo devendo comtudo deixar
de consignar por ultimo que apre sentando -se em principio
muito desconãado sobre as nossas intençSes, não foi, sem se
mostrarem conti-isfados, e sobretudo o potentado, que nos dei-
xaram partir antes do sol t
Seguimos o rumo N.-E,
e depois de passarmos a
povonçíío de Caco lo Bela,
embrenhámo-uos numa
floresta de arvores corpu-
lentas e onde o aalalé en-
controu vasto campo para
as suas imponentes coii
strucçSes; algumas real
mente s?ío prodigiowa.-,
deixando-nos em duvidii
á primeira vista, se síík
eltas que sustentam as ar- .
vores de elevado porte,
ou 80 estas lhes sorvem ^ ,
de apoio. CABCHIKIUDIII lUUUBl
E certo que além da riuTíiriuiot
arvoro principal que se
apresenta inleriormente rendilhada, envolvendo com as raizes
essas construcçIlSefl, partem d'estaB trcs ou quatro mais pe-
quenas que nellas parecem ímpIantadaB. Ha outras construçfles
já cobertas superiormente de vegetação variada e luxuosa como
siços de jardim, do centro dos quaes se elevam as arvores
que as sombreiam.
N3o é raro do tronco do uma d'cstas arvores levantar-se
uma outra como enxerto, de folha muito differente.
Algnmas d'e3tad obras da natureza, de tal modo captivaram
a nossa attenyão, que insensivelmente com o lápis as fomos
copiando o melhor que nos foi possível, para a nossa carteira.
374 EXPEDIÇZO PORTUOUEZÁ AO MUATIÂHVUA
Continuando a marcha^ ás nove horas e três quartos^ pas-
sámos o rio Cambo, sobre o tronco de uma arvore^ tendo feito
um percurso de lõ kilometros.
Este rio vem de S.-E, parece partir da elevada serra de Tala
Mugongo é descaindo para o W., seguir depois paraN. na baixa
Occidental das montanhas do jaga Andala Quissáa.
Começámos a subir, sendo ali a floresta mais densa, vendo-
nos forçados por isso a caminhar a pé, porque na rede o nosso
corpo era molestado com as pancadas nas arvores. O caminho
ainda estava liberto do capim pelas ultimas queimadas e por
isso nfto nos custou a marcha.
Passámos algumas linhas de agua, e ora descendo mais que
subindo, parámos ao meio dia na margem do rio Quindúa, onde
encontrámos bellas arvores, á sombra das quaes descansámos
e comemos alguma cousa, tendo feito um percurso de 11 kilo-
metros ou mais, e sempre no mesmo rumo.
A nossa gente precisava também de comer^ e por isso o des-
canso foi de uma hora.
Um pedaço de carne de porco e pSLo da véspera, ovos assa-
dos e queijo, foi a nossa refeição. O leitão inteiro que o nosso
amigo Esteves havia mandado arranjar apodrecera, mas os
carregadores é que não consentiram que se deitasse fora, co-
raeram-no todo.
Continuando a nossa marcha, depois de descermos a um
grande valie, subimos a um planalto, onde passámos ao lado
da senzalla de Cambaquela e num acampamento provisório mais
adeante encontrámos em descanço a commitíva das nossas
cargas que partira antes de nós de Catalã.
Eram três horas e três quartos e haviam ahi recolhido por-
que principiara a chover. Contávamos mais 10 kilometros de
marcha, sendo esta num rumo um pouco mais para norte.
Nilo nos convindo por forma alguma ficar ali, pois numa
marcha de três horas podiamos vencer a distancia que nos fal-
tava para chegar á EstaçUo, apesar da forte trovoada que es-
tava sobre nós, e suppondo que a chuva, pelo caminho que tí-
nhamos a seguir, pouco mal nos faria, mandámos distribuir uma
DESCRIPÇZO DA VUOEM 375
raçSo de aguardente á gente para a animar a prosegnir, e de-
terminámos que as cargas que encontrámos fossem immediáta-
mente recolhidas^ devendo os carregadores continuar a viagem
no dia seguinte.
Já tinhamos avançado 2 kilometros e na descida para^>o
valle maior que se encontra neste trajecto, que por ser pro-
fundo chamam Muhamba, a trovoada augmentou e a chuva
apertou comnosco cada vez mais. Os carregadores, que já iam
alegrotes, acossados por ella, seguiam numa carreira vertigi-
nosa e lá fomos de cambolhada na rede com elles por uma ri-
banceira Íngreme.
Felizmente elles sabem cair; porém um de nós, que ia na
frente, assentou com os costados no solo, e sem dar um ai, es-
perou que o levantassem do charco em que o deixaram, em-
quanto que aquelle que vinha atraz, e que o ia atropellando,
sentindo o alarido dos carregadores e sendo obrigado a des-
viar-se, saltou fora da rede suppondo que teriam partido a
cabeça ao seu companheiro que jazia immovel.
SSo accidentes estes que succedem muitas vezes a quem
tem de transitar no interior de Africa, e sobretudo onde hou-
ver aguardente ou qualquer bebida dos mesmos effeitos hila-
riantes.
Já fatigados, fomos como pudemos até á sehzalla do soba
mais próximo e como o tempo tendesse a alliviar, tratámos de
aproveitar a bonança.
Descíamos novamente pela Quicassa, mas a chuva e trovoada
augmentaram.
Faltavam 2 kilometros para chegar á EstaçSo, mas já es-
tava escuro bastante e o caminho era perigoso por ser em ri-
banceiras, na aba de uma serra.
Aproveitámos todavia a claridade dos grandes relâmpagos
para adeantar ainda alguma cousa no caminho e chegámos a
um acampamento provisório, dos que por ali se encontram,
prestando-se alguns dos homens que ahi se achavam, a virem
com fogachos que fizeram de capim guiar os nossos carrega-
dores.
376
EXPEDIÇZO FOKTDQDEZA AO MDATtiHVUA
Chegámos á Estação eram sete horas e um qnarto, mttito
moidos, muito encharcados c com bastante apetite, tendo sempre
seguido pouco mais ou menos o rumo N.-E. num percurso
de 48 kilometroa, a contar de Ãndala Quinguangua.
DESCBIPÇÍO DA VIAGEM
CAFLfXI -ESTAÇÃO FERREIRA DO AMARAL
ivcndo o empregado que pstiiva
tomando conta da Estavílo dis-
posto jil as cousas em dejRisito
11 doa quartos, e dado as
IH ordens ao cozinlieiro para
lazer uma canja de galliuha,
tratámos nós de mudar de roupa
i fomos tomando café para nos
' confortar.
Da Estii^So Paiva de Andra-
da tinham chegado na véspera
três contratados de Loanda a
-'<. dcram-nos noticias circurastan-
* ciadas do que por lií ao passava.
Como lodos ali estivessem bera, cuidámos de ir pondo os vo-
lumes que trazíamos nos devidos logores.
Veiu a canja por quo suspirávamos e uma refei^jílo repara-
dora e que o estômago recebia bem, dispoz-nos a ouvir as íii-
formaçfies de uns o outros acerca : das relaçSes <iije se haviam
mantido com os povos vizinhos, recursos alimenticios, prefe-
rencia da missanga á fazenda para a compra de géneros a re-
talho, gosto pronunciado dos potentados pela aguardente, ne-
gocio de gado bovino, esperanças de carregadores para a
378 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO HUATllNVnA
Mussumba, offertas de algiins para transportarem cargas para a
Estação Paiva de Andrada, etc., etc.
E depois de tudo isto, deitámo-nos e dormimos até de ma-
drugada, sentindo-se já então grande movimento na povoação.
Pouco depois de terminadas as nossas abluções matutinas e
feitos os arranjos do costimie, recebemos a visita de Sé Qui-
tári, soba da povoação. Como tomávamos café, também lhe
apeteceu provar, mas não gostou, preferindo um copo de aguar-
dente que sorveu com delicia.
Já sabiamos que toda esta gente até ao Cuango dá grande
apreço a um copo de aguardente. E o melhor mimo que se
lhes pode fazer, porque elles ainda não encontraram a moeda
com que a possam adquirir.
Se alguém se lembrar de vir para aqui vender cálices de
aguardente por boUas de borracha, não lhe faltarão freguezes,
porém será um grande mal para esta terra.
Tirar uma porção de borracha dos seus pequenos depósitos
para comprar um garrafão ou mesmo algumas garrafas, não o
farão porque geralmente esses depósitos, que a pouco c pouco
vão accumulando, constituem as suas fortunas, que destinam
parte para compra de cabeças de gado e uma outra para fa-
zendas e missangas com que se vestem. Mas tirarem luna boUa
de quando em quando para irem saborear o seu copinho, por
certo que o fariam *.
Nós levámos até ao Cuango alguns garrafòes de aguardente
destinados a presentes, por serem estes os mais económicos
e para gratificarmos os carregadores ; porém como o nosso fim
era mantermo-nos nas boas graças d'estes povos e não nego-
ciá-la, de um garrafão faziamos três e ás vezes mais, tempe-
rando-a com a agua do rio, filtrada, e sem que elles tivessem
conhecimento de semelhante operação.
1 No nosso regresso, já nas margens do Cuango e também aqui, se
negociava em aguardente a retalho, e os agricultores de Malanje, de
certo terâo reconhecido o augmento de procura d'este bom producto da
Bua industria, depois que a Expedição se foi internando no Continente.
DESCKIPÇAO DA VIAGEM
379
O soba terminou a sua viaita, participando- nos que espe-
rava que seu pae ', o jaga Andala Quisaúa, raandnsao cum-
primentar-nos c dar-nos de comer, para elle então também nos
trazer alguma couaa e dar ordem á sua g^nte para vir á Ea-
taçSo vender mantimentos á nossa comitiva.
É a praxe que encontramos ora todos os povos com quem
tivemos de entreter relações ; ninguém de uma povoação se
apresenta a vender ou offerecer qualquer cousa a um hosj
sem que o potentado tenha
primeiro enviado o seu pre-
sente.
De facto, depois de ter
retirado Sé Quitári, appa-
receu-noa um representante
do velho Jaga felicitando-
noB pela nossa chegada á
EstaçSo, sentindo elle mio
poder vir pessoalmente por
estar quaai entrevado, como
era sabido. Havia mandado
buscar um boi á sua ma-
nada para nosso alimento,
como porém este sei-viço ti-
vesse demora, pedia accei-
tossemos as duas gallinhas '
c a porca que enviava, para
n&a e a nossa gente podermot
sem o boi.
Agradecemos oa comprimentos e & lembrança do Jaga, e
compromettemo-nos a ir vê-lo logo que ttveasemoa tudo na de-
vida ordem, manifestando a necessidade que tínhamos de car-
regadores para fazermos seguir jA &s cargas para o Cuango,
1 esperar até que nos trouxes-
1 K uao d'eBtes povos cliamarero pac nos poteotados, polo menos o
cabulo que empregam para oa deaignarem, è eate.
S80 BXPEDIÇZO POBTUGUEZÁ AO XUATIÂHTnA
TÍ8to estannos muito apertados na EstaçSo. Como aignal de
amizade e de termos recebido o seu presente, mandámos-Ihe
pelos seus portadores um garrafto de aguardente, acrescen-
tando que esperávamos desse ordem ás suas sensallas para
Tenderem mantimentos á gente da nossa comitiva.
Foi depois de se retirarem estas visitas, que tivemos oppor»^
tunidade de passar uma visita á EstaçSo.
Ficara esta construída com toda a solides, occupando o edi-
fício uma área de 12^X4 dividido em três compartimentos,
sendo o do meio mais avançado e por isso mais largo 1 metxo.
Derarse ás paredes d'este ultimo, maior altura e portanto a sua
cobertura era também mais elevada projectando-se sobre as la-
teraes. Ao pavimento deu-sé um nivel superior ao do solo em
redor, ficando á frente da porta de entrada um pequeno alpen-
dre, dispondo-se o solo ahi em degrau, entre o nivel do ter-
reno e o da casa.
Os lados d'este alpendre foram fechados por bancos de arga-
massa igual á das paredes da construcçSo, onde se sentavam os
que nos vinham visitar, evitando-se assim a accumulaçlo de
gente na casa central onde trabalhávamos e onde estavamí ar-
recadadas fazendas e outros artigos de commercio, instrumen-
tos, armamento e utensílios que era indispensável ter mais á *
mao.
O alojamento da esquerda destinámo-lo para quarto de dor-
mir, e o da direita para armazenar as cargas, dispostas na de-
vida ordem, em prateleiras fixas nas paredes do alto a baixo.
As paredes tinham de altura 2",20, porém como as asnas ti-
vessem grande altura, havia no interior uma cubagem de ar
muito sufficíente.
Tanto as mestras como os tabiques foram feitos em duas
ordens de gradeamento de troncos devidamente preparados, e
entre elles metteram-se pequenos calhaus e pedaços de barro
endurecido sendo tudo depois revestido por ambos os lados de
barro amassado.
O soba tinha cedido um espaço ao fundo para curral e
horta, que devia ser fechado por um tosco gradeamento, o qual
i
i
, 1 -v .-■»
I
7
ti
descripçao da vugem 381
circumdaria a Estaçíto até á sua linha de frente; porém esse
serviço só poderia fazer-se, caso tivéssemos muita demora, o que
nâo desejávamos.
A frente da Estação havia um largo que nSo convinha em-
pachar e por isso o acampamento dos carregadores foi disposto
aos lados, ficando as suas habitações afastadas umas das outras
por causa dos fogos.
Estávamos na extrema norte do planalto da povoação a que
denominam Cafuxi * do Sé Quitári, d^onde seguem as ram-
pas para os valles, as quaes terminam junto ao rio Luhanda
que se desenvolve em curvas pronunciadas do nosso oeste pelo
norte para confluir no Luí. E pelo valle da nossa frente que
se faz o caminho para NE. para Holo, longo, etc.
No planalto que nos ficava fronteiro, distanciadas imias das
outras, destacavam-se, sombreadas por frondoso arvoredo, três
povoações que constituem Cafúxi, tendo cada uma o nome do
seu soba.
O nosso horizonte limitado a oeste pela grande serra de An-
dala Quissúa e que se estende para noroeste, é mui desaffron-
tado d'ahi para leste, principiando a restringir-se depois para
o sul, apresentando-se-nos ahi, a limitar o recinto das aldeias
dois elevados montes de formas semelhantes, quasi da mesma
altura vistos da Estação; e mais, parece que a natureza se
encarregou de os rasgar a meio, em forma da projecção de
um vaso, para dar accesso por este lado á região de além.
Durante as madrugadas, emquanto o sol nos permittia, ti-
vemos occasião de desenhar os panoramas que do largo da
Estação disfructavamos para todos os lados, e por isso os re-
produzimos para dar d'elles melhor idea do que por uma simples
descripçao.
Tendo nós presenteado o Jaga pela nossa chegada, era justo
não esquecermos o soba Sé Quitári e o seu velho tio, que pres-
1 Segundo os Ambaquistas, fmd («sitio»), kafaxi («pequeno sitio»).
Parece-noa a interpretação — aldeia, pequena povoação.
SB2 BXPEDiçZt) ^HUtstíuisàk âo iiuÃiilHVtrÂ
- ■ ' * " - -..
tara ao empregado da EstaçSo o importante serviço de lhe
ranjar. crea^, cabritos, ovos e mantimentos das lavras de
que elle carecia para seu sustento.
Tatnbem os figurámos a mn e a outro, assim como o toUio
Jaga, segundo um croquis que nos foi possivel obt^ durante os
poucos dias ein que mantivemos com eUes relaçSes.
Os homens vieram agradecer a lembrança e entSo trouxe»
ram cestos de fubá ^ para a nossa gente. Esta, que além da
porca teve também um garrote, enviado por Andala Quissáay
terminou o dia com um festivo sarau, e nós fomos obrigados
a acompanhar o soba e a sua primeira mulher assistindo a mum
dança improvisada pela nossa gente, á qual nXo resistiram aa
raparigas da povoaçSo, attrahidas pelos sons de uma harmónica
tocada por Adolpho, rua dos nossos contratados de Loanda*
Fizeram grandes fogueiras, assobiada e alarido, com a proTÍa
licença do soba.
As raparigas, já de tarde tinham vindo acompanhar o soba
para ver os brancos, de quem pareciam temer-se, porém uma .
porção de missanga a granel, que se lhes atirou, fez-lhes per*
der o aoanhamento e d'elles se approximaram. Por isso á
noite, ouvindo a musica, não poderam parar nas habitaçSes,
e o soba, que conheceu o que ellas queriam, disse-lhes que
fossem dançar com os filhos de Muene Puto.
O nosso cozinheiro Marcolino estava alegrete e entreteve
a sociedade, cozinhando os mocotós ^ para o nosso almoço do
dia seguinte.
Para animar a dança, que era dirigida pelos rapazes de
Loanda e a que as raparigas e rapazes da povoação facilmente
SC affeiçoaram, deu-se um cálice de aguardente temperada a
cada um.
As dez horas levantou-se um rijo pé de vento de N.-E. sendo
preciso fazer apagar as fogueiras por causa das fagulhas nSo
1 O amido da mandioca.
2 Mãos de vacca.
DBSCSIPÇZO DA VIAOEH
383
irem causar algum BÍniatro, terminando portanto a festa e reti-
rando cada um para suas casas.
Seria meia noite, grossa cbuva nos obrigou a mudar de camas
6 de logares, porque a cobertura do nosso alojamento, sujeita
a uma grande prova, indicava-nos os reparos de que carecia.
Destinámos o dia para fazermos a aaccnsSo á residência do
Joga, e por iaso se tratou do presente que lhe deviamoa levar,
porém antes, Sizenando Marques dispoz os seus inslnimentoa
de observação e preparou me-
dicamentos para alguns doentes
por quem o soba se interessava
e que lhe apresentara. Contra-
taram-se e pagaram-se dois car-
regadores para a Mussumba;
despacharam -a e com pagamento
dois dos nossos, que contrata-
ram mais dois seus parentes para
o serviço das targas Uimbtm
para a Mussumba mdí buacJÍ
los iÍB sen^atlas que diziam a
um dia de distancia da povoa
çSo, recebeu se a viaita de St
Quitan e de seu tio, que noa ^
trmxorara mais uma porca de
prcaontL que foi di\ idida pelo ^ ^^^^^ t o be «á aniTiiti
pessoal, o distribuíram se de
zesete cargas que haMam de seguir no dia immediat para t
Estaçlo Pa va de Andrnda
Perto daa três horas partimos para Andala Qiiíssúa, e en-
contrámos, ]>ouco depois de ter passado o Luhanda ás costas
doa carregadores, uma comitiva do Jnga, que vinha cimipri-
mentar-nos; dissemoa-ILc qual o nosso destino e portanto que
os quo quizessem fossem mais depressa preveni-lo. Alguns
retrocederam e outros entenderam dever guiar-nos e auxiliar-nos
ua Íngreme subida, em cujo primeiro lanço o aneróide accusou
uma differença de nivol do 246 metros.
384 £XP£DIÇAO PÒRTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
Como tinha havido prevençSo, fomos recebidos ao som de
marimbas de cabaças e de cantigas indígenas allusivas á nossa
boa amizade com o Jaga.
O velho estava já sentado sobre esteiras, entre dois grandes
almofadòes, ao lado da entrada da sua residência e á sombra
da mesma grande arvore sob a qual o vimos a primeira vez.
Vestia camisa de algodão e estava envolvido em um grande
panno.
Logo que nos approximámos estende-nos as mãos e de tal
modo nos puxou a si, que iamos perdendo o equilibrio ; abra-
çámo-lo, ao que elle e os seus mostraram grande satisfação.
Queixou-se logo das suas grandes dores nas pernas. S. Mar-
ques observou-o e receitou, prohibindo-lhe o uso da aguardente
com o que elle ficou muito contristado. Felicitou-se e a terra
pela vinda da Expedição. Recommendou aos seus que conti-
nuassem a mostrar boa amizade pelos filhos do Muene Puto.
Examinou uma a uma as differentes peças que compunham o
presente, e disse aos do seu conselho que mandassem apresen-
tar-nos os carregadores que já se tivessem arranjado.
Emquanto os interpretes transmittiam os cumprimentos de
parte a parte, não poude o velho resistir á tentação de pedir um
cantil para ver, c em seguida de no-lo pedir como presente
para seu uso.
Como havia sobresalentes, e como as visitas áquellas alturas
fazem-se uma vez na vida, lá o deixámos, para não contrariar o
2)obre Jaga na esperança que nos livrasse de mais embaraços
com carregadores.
Despedimo-nos d'elle, dizendo-lhc que iamos ver a povoa-
ção e elle pediu-nos veuia para presentear o soldado que nos
servia de interprete, com um bode, e que o presente para nós,
o mandaria á Estação.
Agradecemos e partimos.
A povoação ó boa, grande e as habitações mais importan-
tes são cercadas, sendo revestidos os paus das cercas de es-
teiras com desenhos agradáveis á vista.
Algumas habitíiçòes indicam idea de persistência, pela so-
DESC&IPÇAO DA VIAGEM 385
lídez e mesmo gosto artístico que revela a sua construcçSo;
sendo as suas cúpulas bastante elevadas.
Também visitámos uma povoaçSlo de Ambaquistas^ em boa
ordem e onde fizemos acquisição de cebolas^ alhos^ azeite de
ginguba ^ e de palma por elles fabricado e de boas bananas.
Vimos as suas lavras e creações e tudo nos agradou.
As mulheres e rapazio seguiam-nos neste passeio^ e o que
mais lhes causava admiração eram os cabellos finos e compri-
dos de Sizenando Marques, a quem tomavam por filho do chefe.
A ascensão e o calor, fez-nos transpirar copiosamente e des-
pertou-nos o appetite, e por isso ao chegarmos á Estação mu-
dámos logo de roupa, tomámos uma dose de sulfato de qui-
nino^, e pouco depois estávamos á mesa, fazendo as devidas
honras ao jantar com que o cozinheiro se esmerara, dizendo-
nos que se o achávamos bom, era porque agora tinha temperos
em abundância.
A noite passou-se como a anterior, assistindo á dança e
despedida dos rapazes, que de madrugada tinham de seguir
para o Luí ; emfim, um pretexto para molharem a palavra antes
de se deitarem.
Logo de madrugada, sabendo-se na povoação que ia partir
uma comitiva de cargas para a Estação Paiva de Andrada,
vieram alguns rapazes pedir se lhes dávamos também cargas
para ganharem alguma cousa. Contrataram-se dez, por oito jar-
das de fazenda cada um, e seguiram na comitiva que partiu ás
oito horas.
Chegaram pouco depois os quatro carregadores que de Ca-
talã se mandaram a Malanje para transportarem as cargas que
lá deixáramos, aos quaes se mandou dar carne e fuba^ que
sobrara das rações do dia anterior.
1 Cuata a crer que uma garrafa doeste azeite se venda em Lisboa por
preço inferior ao que aqui nos pediram.
2 Prevenção que muito recommendâmos a quem tem de viver em
Africa.
EXPEDItÃO PoaTOGDEZA AO MDAtUsITJA
O soba da povoação fronteira veiuviaitar-noB e fez-Be acom-
panhar de uma manada para escolhermos uma vaeca, presente
a que se correspondeu em valor ura pouco superior. Appare-
ceudepois Angola Ambolcj um doa grandes do jagado de Andala
Quissua, que já conhecíamos por o termos encontrado á frente
do uma força armada que ia fazer guerra a Quifucussa, quando
viemos aqui marcar o logar para a Estação. Vinha felicitar-
nos pela nossa chegada, apresentar-nos a sua primeira mulher
e trazer-nos também uma grande porca de presente, ao que
correspondemos como é do estylo, num valor superior.
Os presentes de gado, a
abundância d'e!le que vi-
mos pelas immedíaçSes, e
o seu custo muito rasoavel,
motivaram a nossa resolu-
ção de fazer o pagamento
de raçSes ate ao Cuango em
carne.
Nilopodendodeixarde ac-
' ceitar presentes e por con-
seguinte de lhes correspon-
der, liavia um grande saldo
K a favor da Expedição, pa-
gando em carne as raçõoa
a toda a gente da comi-
tiva, porque o valor com
que se retribuia com arti-
gos de commercio o gado recebido era inferior ao que teríamos
de pagar em raçííes.
As maiores cabeças de gado que nos tinham sido offerecidaa
davam para três días de ração ; sendo sessenta o numero de
boccas, equivaliam a 180 raçSes. Se tivéssemos de pagar em
fazenda, o mais favorável e que nunca se pode dar, seriam
noventa jardas, pouco mais de onze peças, e o valor do pre-
sente com que se retribuíra cada vez variara entre
nove peças.
I
DESCBIPÇÃO DA VUOEH 387
O pessoal ficou mais satisfeito, porque eram avultadas as ra-
ções de carne, e uma parte doestas facilmente se trocava na
povoação por productos das lavras e mesmo por farinhas,
fubá, etc.
Comprando, ainda o custo seria menor e portanto tomava-se
mais vantajoso.
Tendo participado o ajudante da ExpediçSo em 21, que a
Estação não comportava mais cargas e que elle estava prompto
a caminhar para deante, ficou resolvido que o chefe seguiria
no dia 23 direito ao Cuango, com todos os carregadores de
que fosse possível dispor, e também com os que se podes-
sem arranjar nas povoações vizinhas, havendo demora naquella
Estação apenas dos dias indispensáveis para ahi se contra-
ctarem os carregadores que faltassem, para não deixar ahi
carga alguma e neste sentido se procedeu ás diligencias ne-
cessárias.
Um rapaz, que se dizia filho do velho Jaga e que em Ándala
Quinguangua mantivera boas relações com o ajudante da Expe-
dição e a quem dêmos, não sei porque, o nome de João Quis-
súa, apresentou uns oito carregadores para transportarem a
rede do chefe até á Estação Paiva de Andrade, vindo elle
também de companhia.
O Sé Quitári e sua mulher appareceram ao sol posto para
conversar um pouco, recebemo-los com a nossa habitual cor-
dialidade e também se comprometteram da melhor vontade a
apresentar alguns carregadores para o transporte de cargas
para aquella Estação.
Tudo estava disposto para a partida do chefe no dia seguin-
te, e como não era possivel vencer a distancia que tínhamos
a percorrer num dia só, o cozinheiro arranjou uns assados para
a viagem.
Despacharam-se também cargas, tendo sido primeiro pagos
os carregadores que se contractaram.
O nosso collega Sizenando Marques, que continuava com a
maior sollicitude a dedicar-se aos seus estudos e observações,
encarregou-se de proseguir nas diligencias de contractar mais
886 BXFBDIÇZO POKTDCniEU AO HDAIIIhVOA
eatre^ãon» e de &3ser seguir ao sea destino as cazgas sob «
TÍ^laneia de algtuu soldados e serriçaes de Loanda, doa ponooa
^oe ficavam ao serviço da Estaçto Ferrwrs do Amaral^ par.
tindo d'ahi o chefe da madragsda do dia 23.
DESCIilPÇAO DA VIAGEM
VIAGEM DO CHEFE PARA CAMAVU
oscemos ao valle em frente da
EstaçSo, e passando duas vo-
zes o rio Luhanda, cntrámOB
iiuraa larga savana, limitada por
arvoredo, onde encontrámos as
terras já bastante encharcadas,
posto estivéssemos ainda no
principio da estaçSo das chuvas.
Tendo descido ao valle para pas-
íannoa o Luhanda a primeira
vez, inclinámos para N.-E. se-
guindo depois quasi sempre com
o rumo E., deixando algumas
povoaçiíea e lavras para traz.
Logo á entrada na savana,
ao sul, e contando os primeiros 8 kilometros de percurso, fica
a povoação do potentado Hunda, a quem pertencia uma boa
manada que ali vimos espalliada. Nesta povoaçíto encontrámos
acampados oito dos carregadores contratados em Mnlanje para
o Cuango, e que haviam marchado de Catalã no dia immediato
Á partida da comitiva dos Masongos contratados pelo nego-
ciante-Esteves.
Surprehendidoa, porque contávamos que oa quarenta car-
regadores que tínhamos contratado para o Cuango nos espe-
rassem na Estação Paiva de Andrada, como era do ajuste e
890 EXPEDIÇZO PORTOOUEZÂ AO XUÁTIÂirVUÁ
■III ■ ■— ^—— ^—^.^—11—^—^-^1^^— ^■^——^—^—^— ^——^^——— —1^—^-^^^—^^
nSo havendo nós excedido o praso da demora, fomos interro-
gá-los.
Mais nos surprehenderam, dizendo: — ^^Que visto a Expedi^
n&o poder passar para o Cnango, haviam deliberado procnrar-
nos para lhes darmos novas cargas para a Estaçlo Paiva da
Andnida e com esta nova viagem satisfazerem o seu compro-
misso para o Cuango.
E porque se nSo passa? Perguntámos.
Porque o soba Ambango está descontente com a EstaçXo.
Desconfiando que o motivo nSo era este, determinámos-lhe
que seguissem comnosco e tendo nós andado 2 kilometros, en-
contrámos um dos nossos soldados, que nos apresentou uma
communicaçSo do ajudante, participando que todos os carre-
gadores contratados para o Cuango haviam retirado.
Novamente interrogámos os homens, para que n2o occultas-
sem a verdade pois iamos sabê-la pelos potentados das imme-
diaçSes da EstaçZo. Apresentaram-nos um novo pretexto: —
Que na Estação não lhe queriam pagar raçSes.
Só nós, lhe dissemos, podiamos pagar raçSes e na occaailo
de partirem, e portanto não deviam ter retirado. Sigam pois
adeante e participem a todos os seus companheiros que nós
amanhã lá chegaremos e hão de ter as suas raçSes para mar-
charmos no outro dia para o Cuango. Foram.
Nós, continuando pouco mais ou menos no mesmo rumo E.
chegámos á povoação do Mona Quinhangua, completando até
ahi 20 kilometros, onde descançámos um pouco á sombra de
três grandes arvores para comermos alguma cousa, eram dez
horas e meia.
O potentado, homem serio e sjmpathico appareceu a cum-
primentar-nos com as suas mulheres e creanças, e pediu-nos
licença para mandar dar aos carregadores um bom porco e
fubá, o que acceitámos com a condição de elle comer do al-
moço que traziamos, porque não podiamos retribuir na occasião
a sua lembrança e não nos era possível pernoitar ali.
O potentado de bom grado acceitou, provou do cognac do
nosso cantil, que multo apreciou, e deu-o a provar ás suas mu-
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 391
IhereS; emquanto nós afagávamos as creanças e lhes distri-
buíamos alguns fios de missanga^ que sempre levávamos na bolsa
de viagem^ mimos que as mães muito agradeceram.
Depois fomos dar um passeio pela povoaçSo, que nos agra-
dou pela boa ordem em que estava; vimos a manada que era
esplendida e offerecendo-nos o soba duas rezes, pedimos para
estas ficarem ainda até o nosso regresso.
Despedimo-nos, deixando-lhe imi bilhete para um cabo de
carregadores, que devia ahi chegar no dia seguinte ou depois,
ordenando-lhe desse áquelle potentado um garrafão pequeno
de aguardente.
Seguimos 3 kilometros no rumo ESE. para percorrermos
depois 2, descendo para uma linha de agua, o Caquiango, no
rumo ENE. Vimos ao norte uma boa lavra de mandioca e á beira
do caminho uma pousada de carregadores, onde encontrámos
a comitiva que havia três dias tinhamos despachado.
Sendo apenas meio dia e tendo elles acabado de comer, cal-
culámos que naquelle dia não tinham marchado e interrogan-
do-os disseram : — Que não tinham ido avante por lhes haverem
dito que os potentados d'ahi em deante não deixavam passar
cargas, sem primeiro se lhes dar um garrafão de aguar-
dente.
Certamente os Massongos que elles nos informaram terem
fugido, foram propalando este boato pelo caminho.
Bem diziam os Allemães, que os Massongos eram os peores
carregadores que havia em Malanje e não os quizeram levar.
Kós acceitámos este recurso para o Cuango, porque Esteves nos
aíBrmou ter confiança no soba que os apresentava, aliás recu-
saríamos, como recusámos os que nos apresentaram em Ma-
lanje da mesma proveniência.
Conseguimos que a comitiva levantasse e seguisse comnosco,
porém duas horas e meia depois, já pediam por cansados para
acampar. Ficaram nos fundos que deixaram os Allemães ao norte
do caminho que tinhamos seguido, depois da referida linha
de agua por nove kilometros, direcção pouco mais ou menos
E. Yi ENE. sempre em subida, e num descampado.
392 EXPEDIÇZO PORTUGUEZA AO MUATIAnVUA
Não vendo rio algum e só poças de agua estagnada^ quize-
mos convencê-los que ficavam ali mal^ porém como fosse tarde
e elles podiam vencer no dia seguinte a distancia d'ali á Es-
tação, não insistimos.
Logo que começámos a subir do Caquiango, approximámo-
nos da grande serra Ambango, que se avista a N.-E. da Estação
Ferreira do Amaral, em forma de chapéu armado, e depois
seguindo os zig-zags do caminho sempre sombreado por esta
extensa serra e que parecia não ter fim, voltámos para N.-E,
e caminhando parallelamente á serra mais 10 kilometros dei-
xámo-la a final para entrarmos num vasto descampado para
o lado do N. seguindo ao longo do arvoredo que ficava á nossa
direita marginando o rio Lui, affiuente do Cuango.
Tinhamos caminhado mais 10 kilometros no mesmo rumo,
quando chegámos á povoação do sobeta Angonga, súbdito do
Ambango, no sitio do qual entrou a comitiva eram seis horas e
meia e já escuro bastante.
A marcha de 54 kilometros tinha sido fatigante, todos tinham
vontade de comer e de descansar, e já muitos dos que nos
acompanhavam ficavam atrás na senzalla do Bahulo, por isso,
eonvidando-nos o sobeta a tomar agasalho numa habitação que
cUe havia já feito preparar para tal fim, dêmos por terminada
a nossa viagem naquelle dia.
A cubata que nos apresentaram era espaçosa e bem con-
struida.
Arranjou-se uma grande fogueira á sua frente e recebemos a
familia do sobeta e toda a gente que quiz ir ver-nos. Trouxeram-
nos um bode de presente que demos -aos carregadores para divi-
direm entre si, retribuindo a dadiva com uma sobrecasaca
preta e 8 jardas de chita.
Depois de termos comido ura pedaço de cabrito assado, bo-
lachas e uma banana que trazíamos, deitámo-nos, e apesar das
dores rheumaticas na perna direita e de uma bolha debaixo do
pollegar do pé direito que nos mortificara durante a tarde, ce-
demos á fadiga e adormecemos, acordando só ás cinco horas
da manhã, já dia claro.
I
\
í'-;
DESCBIPÇXO DA VIAGEM 393
Tratámos dos preparativos da viagem^ fizemos as nossas
despedidas e ás cinco horas e meia partimos no rumo N-E.
Tinhamos andado 2 kilometros e passámos por uma povoa-
ção d^onde a gente saia correndo das cubatas para verem pas-
sar o filho de Muene PutO; fazendo grande alarido e batendo as
palmas.
Alguns rapazes quizeram substituir os carregadores que nos
transportavam na rede e conduziram-nos por 2 kilometros,
vindo as raparigas sempre aos lados gritando : Muene Puto ueza!
Muene Pvio uaxica! («Muene Puto, veiu ! Muene Puto chegou»)!
Chegando a uma outra povoação os rapazes d'esta recebe-
ram a rede dos que nos transportavam e de quem nos despe-
dimos recommendando-lhe que fossem á Estação para terem
o seu mata bicho. Também as raparigas quizeram acompanhar-
nos á povoação por onde tinhamos de passar, gritando como
as outras e andando distancia igual.
Nesta repetiu-se o mesmo que na anterior sendo os idtimos
que chegaram á Estação, tendo andado um pouco mais de 3
kilometros.
Veiu logo fazer os seus comprimentos o soba Ámbango,
acompanhado dos seus rapazes por elle mais considerados,
cada um com a sua espingarda lazarina.
Esta visita que devia ser de meros cumprimentos, tomou-se
demorada por causa dos queixumes do soba e da sua gente
contra o pessoal da Estação.
Não contaram tudo, porque terminaram os seus discursos di-
zendo : — O sr. major precisa descansar agora, voltaremos depois
para fallarmos com mais vagar.
Augusto Jayme, irmão do soba de Malanje, que nos acom-
panhava para vigiar pelos seus carregadores, e que mandámos
para deante a fim de ir fallar a Mueto Anguimbo, no Cuango,
e preparar-nos a passagem, disse não ter seguido, em conse-
quência da indisposição dos carregadores, sobre o que nos pre-
cisava fallar.
Já se vê que tinham havido por aqui novidades sobre o que
era indispensável providenciar, e portanto chegáramos a tempo.
Eitev» elle acatado mtmÊt eadenm ab de eovo, o qae
bem me edammiy poiqoe eté e^ oe eobee qee liiilleeMiB
fado enta^ram-ee aobre esteíias no dilo, oa em peqaemie htm-
qnhilioe>
A casa eetaTa cheia de gente, reeebea-noa mmfto bem n
fieaiam todos aatisfeitoe com o presente qne dêmos ao aen
pae.
Sobre a partida paia o Coango da primem parte da Sqpe-
diçSo, disse que nlo a teria consentido s^n a nossa' diegada,
porquanto n2o havia fallado comnosco e n2o conhecia a nossa
vontade, que era a de Muene Puto; e se houvesse alguma no-
vidade desagradável com os povos para deante, com razSo nos
poderíamos queixar d'elle, porém agora, como nós já tínhamos
chegado, tratar-se-ia d'is80.
Fallando-lhe com respeito á necessidade que tínhamos de
mantimentos, respondeu que se prohibiram ás mulheres de irem
vendê-los ao nosso acampamento com receio nao dessem ellas
motivo a conflictos entre os carregadores e a gente das povoa-
ç8es, o que nos desgostaria; porém, estando nós lá, nSo deixa-
riam de apparecer todos os mantimentos que desejássemos.
De facto, pouco depois, mandou-nos Ambango um boi magni-
fico e uma porção de fíiba, como signal de boa amizade.
O boi foi logo morto, limpo e esquartejado em raç^s, en-
viando-se, como é da praxe, uma perna ao dono da povoação.
Durante o dia os homens vieram á Estação, mas quando
acompanhavam o soba ; porém as mulheres e creanças nao nos
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 395
deíxaraiDy constantemente om magotes em frente da janella e
das portas para nos admirarem e verem os nossos mais peque-
nos movimentos.
Revestimo-nos da máxima paciência, aturando-os em prin-
cipio, respondendo a todas as suas perguntas, e deixando-os
depois em contemplação, pedindo-Ilies apenas que se sentas-
sem, para que pudéssemos ver o que tinhamos a fazer e para
não obstarem á livre circulação do ar. Pedido a que acquiesce-
ram de bom grado, porque era o que desejavam — ver o que
fazia o branco.
Voltou o soba ao escurecer do dia, para conversar e pedir-
nos um pouco de aguardente. Como precisávamos de carrega-
dores, estimámos mesmo que viesse, e escusado será dizer que
destemperámos todas os garrafões já encetados.
Como o soba ficasse de nos apresentar no dia seguinte todos
os sobetas da sua jurisdicção e nos pedisse para lhes darmos
alguma cousa, a fim d'elles o auxiliarem a apresentar com prom-
ptidão os carregadores que necessitávamos para o Cuango, tra-
támos de preparar doze presentes iguaes, oito jardas de ris-
cado e quatro de chita, que tantos eram os sobetas indicados,
e recolhemo-nos por necessidade de repouso.
A sós informou-nos o ajudante : das exigências do Ambango
e das rivalidades entre elle e um outro potentado Anguvo, a
2 kilometros da Estação e já na margem do Luí, dispondo
este de muito mais povo que o primeiro; que havia sobetas,
os que residiam nas immediações da Estação, que diziam reco-
nhecer Ambango por chefe e outros mais distantes ao N. que
reconheciam Anguvo ; que ambos se queriam impor como donos
da terra, a que dão o nome de Camávu, mas um e outro pa-
reciam intrusos, forasteiros que se estabeleceram ali, vindos do
interior, dizendo-se umas vezes do Holo, outras do longo,
sendo certo que a proveniência era diversa ; que havia porém
sobetas, que pela sua pequena importância em população e por
que se estabeleceram por ali depois, reconheciam um e outro
como mais velhos na terra mas apesar de lhes obedecerem, di-
ziam-se subordinados do jaga de Cassanje^ de quem se afasta-
396 KXPEDiçXo POBTuauEEA AO muatiAnvua
ram para 86 esquivarem aos tributos e procurarem os cami*
nbos dos negociantes de gado.
Observou ainda o ajudante, que era de suppor que no dia
immediato apparecesse por ali muita gente e que nXo nos dei-
xariam fazer cousa ^guma, porque se nSo contentariam em
nos ver de longCi baviam de querer estar muito perto de nós,
tomando-se impertinente a sua curiosidade.
Como o nosso fim principal era arranjar carregadores e nlo
menos de noventai assentámos em que o ajudante trataria de
providenciar para que se fossem pondo em ordem todas as
cargas e bagagens para a viagem, emquanto nós attendiamos
ás visitas e procurávamos contratar carregadores.
Era tarde quando adormecemos, mas como estávamos in-
quietos, resolvemos logo de madrugada passar vistoria á Esta-
çSo e dar balanço ás cargas existentes.
A EstaçSo tinba por base um rectângulo 10^x5"', e ape-
nas se fez nélla um compartimento reservado de 3 metros do
frente para o nosso alojamento e casa de trabalho, ficando o
resto para arinazem das cargas, onde também dormia um em-
pregado incumbido de as vigiar.
As paredes tinham de altura 3 metros, e na da frente uma
porta ao centro e uma janella de cada lado..
A altura da cobertura era grande, porque a largura da casa
também não era pequena.
Não sendo possivel barrar as paredes, foram revestidas de
capim, exterior e interiormente.
A frente da Estação estava virada a SSW. e nessa linha
via-se a alterosa serra do Ambango, destacando-se de tudo
que a rodeava, pela forma como se nos projectava, idêntica
no aspecto ao desenho que d'ella obtivéramos na Estação Fer-
reira do Amaral. Esta serra havia de servimos de ponto de
referencia para uma boa determinação, depois de termos as
coordenadas de ambas as EstaçSes.
Pelo balanço dado ás cargas, e attendendo á fugida dos
Massongos e ás cargas que deviam chegar no dia seguinte ou
depois, transportadas pelos rapazes de Andala Quissúa, que
DfiSCRIPÇAO DÁ VIAQEM 39?
de certo não quereriam ir para deante, calcolou-se não ser pos-
sível fazer se o transporte com menos de noventa carregado-
res, alem dos que estavam ao nosso serviço; não havia por-
tanto tempo a perder. %
Quatro dias! Quatro dias sem tréguas consumimos numa
lucta continuada com as exigências e impertinências de todos
os sobas, sobetas, mulheres, carregadores antigos e carrega-
dores que se contratavam ! Foi esta uma boa prova que elles
tiveram de quanto sabiamos ser pacientes, e da resignação de
que dispúnhamos para os aturar e de também os levarmos
sempre de vencida em todos os nossos intentos e bem assim
chamá-los á razão e os domarmos quando fosse preciso !
Nestas luctas, em que os interpretes ainda mais nos enfa-
davam, porque tudo atrapalhavam e confimdiam, ou por não
nos comprehenderem, ou por se temerem d'elles só pelo facto
de os considerarem como gentios e nos supporem sempre mais
fracos e estarmos á mercê d 'elles, deram-se episódios que, se
uns eram risíveis, outros nos revelavam o atrazo doestes povos,
a avidez e cubica desmedidas de que são dotados, e também
que nelles se encontra sempre um lado vulnerável por onde
é possivel despertar-lhe os bons instinctos. No seu animo de
tal modo se incutiu a prestigiosa influencia de Muene Puto,
que para muitos essa entidade é ainda hoje um mytho vene-
rando. Acreditam que só nós os Portuguezes, é que somos os eu-
ropeus, e que temos o condão especial de os attrahir, cathe-
chisar e educar devidamente para conviverem com gente culta.
Os primeiros sobetas que nos apresentou o Ambango, foram
Hunda, Ambualo e Cáhia Cassaxi, e como estes dissessem
quando lhes falíamos em carregadores, ter recebido ordem de
Cassanje para não deixarem passar os brancos para o Cuango,
que se fosse preciso obtivéssemos de lá licença, replicámos-lhe
que Cassanje era um jagado de Muene Puto, e ninguém nos
impediria de passar por lá ; que o nosso caminho era pelo norte
e se elles não quizessem dar carregadores os mandaríamos
buscar ao Anguvo e se este não tivesse todos que precisásse-
mos o Andala Quissúa apresentaria o resto; que se contavam
398 BXPBDIçto POHTDGUSZA AO mjATllNVUA
oom as soas annas para se opt^orem á nossa saída, só uma das
nossas mais pequenas lhes provaria que nada tínhamos d^ellas
a recear.
Disparámos um bom revólver, que traiamos, de seis tiros, e
isso foi o bastante para começar entte elles um tiroteio de re-
criminaçSes e ásperas censurasi por nos terem fallado mal e
feito siangar. E como nós nos retirássemos em seguida para a
EstaçSo, deixando-os no largo á frente da casa onde os rece-
bêramos, nSo descançaram emquanto nSo cedemos a que uma
deputaçSo d'elles entrasse, para nos assegurarem que todos obe-
deciam a Muene Puto e pediam que nSo ficássemos agasta-
dos com elles pelas más palavras de um homem que nSo sabia
fallar bem.
Era verdade que gente de Cassanje os ameaçara se elles nos
deixassem partir pelo norte, porque queriam que nós passás-
semos nas suas terras para lhes darmos alguma cousa; mas
elles eram filhos de Andala Quissúa, de quem nós éramos bons
amigos e não se importavam com Cassanje e haviam de apre-
sentar 08 carregadores.
Um copo de aguardente foi o signal de que a satisfaçSo nos
aplacara. O Ambango, nojenta creatura, que preparara a scena,
suppondo que nos demorava ali mais algum tempo, tendo ape-
nas em vista a aguardente que lhe fugia e que nSo se apres-
sara a desculpar os mais, foi corrido para a povoação, ouvindo
depois ásperas censuras.
Os filhos do Anguvo, que estavam presentes, asseguráram-
nos que seu pae nos apresentaria todos os carregadores de que
precisássemos para o Cuango, e se não tinha vindo já compri-
mentar-nos, fora porque o Ambango o não avisara da nossa
chegada, certamente com receio de que nós déssemos a An-
guvo, melhor presente que a elle.
Sendo vantajoso aproveitar a rivalidade entre estes dois po-
tentados, dêmos ao mais velho dos rapazes que nos fallou, uma
farda encarnada do commercio e oito jardas de chita para le-
varem a seu pae como signal da nossa chegada e dissemos-
Ihes que tinhamos muito gosto em vê-lo.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 399
Os sobetas Matamba e Cáhia Cassáxi que appareceram de-
pois^ vinham dizer-nos que eram estranhos ao desgosto que
nos causaram os sobetas do Ambango ; que elles estavam para
vir visitar-nos no outro dia porque queriam trazer-nos de co-
mer, mas que sabendo o que se havia passado com aquelles
sobetas, nâo esperaram pela comida que haviam mandado ar-
ranjar e vieram logo, só para nos assegurar que elles eram
filhos de Muene Puto e que contasse com os rapazes d 'elles
para levarem as nossas cargas ao Cuango.
Foram bem recebidos e levaram presentes para elles e suas
mulheres.
O Anguvo correspondeu ao presente mandando-nos uma
vacca e annunciou a sua visita para o dia seguinte.
Nesse dia, logo de manhã, constando a Ambango que o outro
soba vinha, pediu que lhe fosse fallar um dos nossos interpre-
tes. Estava afilicto, nos disse este, porque o Anguvo, o amea-
çara com uma guerra, logo que Muene Puto deixasse esta terra,
por nao lhe ter participado a nossa chegada, para elle poder
comer só a nossa fazenda; que se lembrou de nos apresentar
os sobas pequenos e se esquecera d'elle que era mais velho ;
que fora preciso Muene Puto lembrar-se d'elle para saber
que tinha chegado e poder vê-lo etc, etc. ,
Respondemos que Ambango acompanhasse a Anguvo, que
nós haviamos de conseguir que elles fizessem as pazes.
Como Anguvo vinha de rede, entendeu o Ambango vir es-
carranchado aos hombros de um dos seus rapazes mais fortes.
E da praxe entre estes povos, dar-se uma gratificação aos
individues que transportam os potentados nestas visitas gran-
des, e por isso dêmos uma porção de missanga aos carrega-
dores da rede, logo que estes chegaram á porta da Estação,
e depois ao que servia de cavallo, quando se approximou com
o cavalleiro.
Não poude conter a sua avidez o Ambango, que ia dando
um bom trambulhão, pelos esforços que fazia para arrancar a
missanga das mãos do rapaz que lhe servia de cavalgadura.
Foi preciso ampará-lo para se apear, e protejê-lo para entrar
ÍOÒ EXPEOIÇÍO tomÚQUÉÍA 10 HdÀTlllIVtlA
na EstaçSo, Uvrando-o das vuas e motejos da pcqpulaça, na
▼erdade bem merecidos; sendo curioso ver os seus tregeitoa
e carantonhas ao ser apupado sem piedade pelos que o rode»-
▼am.
Queixou-se Anguvo com azedume da maroteira do Am-"
bango em o afiístar de Muene PutO| quando elle lhe era muito
inferior èm categoria e um intruzo na terra, e que ji estírera
para o castigar pelo atrevimento de nSo deixar ir flizer a casa
onde Muene Puto. queria, pois Ibe dissera que os povos do
Lui eram ladrSes ; que mais ladrXo e bêbado era elle, porque
queria comer só e nSo repartir com ninguém os benefidos que
tinba recebido de Muene Puto e por isso agora nem os seus
filhos lhe queriam dar carregadores para apresentar a Muene
Puto ; que elle vinha visitar-nos, traser-nos de comer e diser-
nos que marcássemos o dia da partida para antecipadamente
poder mandar apresentar os carregadores de que carecêssemos.
Procurámos antes de tudo harmonisA-los, e dêmos a Anguvo
um presente igual ao que se tinha dado a Ambango, e agra-
decemos o segundo garrote com que nos obsequiou. Pedimos-
lhe que mandasse até sessenta carregadores, durante o dia se-
guinte, para lhe pagarmos e sairmos no dia immediato a esse.
O homem apresentou-nos dois de seus filhos, um, o que
fôra portador do presente que lhe enviáramos, para nos acom-
panhar e guiar por um bom caminho ao porto de Mueto An-
gaimbo, e despediu-se de nós, dizendo que nSo fazia caso de
um miserável como era Ambango, para nSo nos desgostar,
mas elle que tomasse muito sentido, que Muene Puto nem
sempre estaria ao lado d'elle para intervir a seu favor.
Demos-lhe entSo um pequeno garrafto de aguardente, com
o que se metteu na rede e partiu.
Depois saiu Ambango, que não deu sequer uma palavra,
mas doesta vez a pé, acompanhado do seu povo.
No dia seguinte, estava-se juntando gente na povoaçSo do
Ambango, para nos ser apresentada para o transporte de car-
gas, quando ao longe se sentiu toque de marimbas e ^e in-
strumentos de pancada.
DESCIilrçXo DA VIAGIÍM
401
Soiibe-se que era C:ihÍa-Cassfixi que vinha de rede com cam-
painhas e todo o seu povo, comprimentar Mueoe Puto.
Nda almoçaTamos, omquaiito elles marcliavam com todo o
seu vagar, saboreando as honrai com que se apresentava o seu
sobn. Vinham-se appruxímando da Estaçíto, quando de súbito ae
aentio grande borborinho e logo em seguida nos participaram
uma grande guerra da gente do Ambargo com a do-Ca^sáxi.
Eia o caso, O Ambango, considerando que era uma grande
offensa á sua dignidade, aprosen-
tar-se um soba inferior, de rede
e cora musica, na sua terra, or-
denou aos seus que o fossem
obrigar a apear-se, lhe quebras-
sem a rede e oa instrumentos, e
tratou de ae safar, passando o ,
Luí, que distava pouco mais di*
2 kilometros para leste de nós.
O povo do Ambango armada
com espingardas mas sem pól-
vora, e com paus fez a intimaçSo
á gente de Cassilxi para que reti-
rasse ou se apeasse o soba, e
d'ahi o conflicto, de que resultou
atirarem com o homem por terra,
quebrarem o pau á rede fazendo
em cavacos os instrumentos. O
mulherio e creanças gritavam,
os homens principiaram a lucta pelo arremesso de paus que
encontravam á mSo e que enim despedidos a grandes distan-
cias, batidos com os canos das espingardas ou com outros paus
de maiores dimens3es.
No emtanto, nós aaimns para ver o que se passava, nSo
obstante estarmos em chinellos, e como o homem fosse p«-
chado por outros e andasse acocorado, suppondo que elle es-
tava ferido, expozemo-nos aos taes projecteis, conseguindo com
o ausilio de trcs soldados, dispersar os magotes c trazermos
JiÉ
402 SZPEDIÇZO POBTUGUEZÁ AO 1ÍUATIÍHVUÁ
, , ;
pela mSo o soba^ que fizemos sentar em uma cadeira, i firente
da nossa casa.
Vinham os homens da povoaçSo em chusma, para nos darem
esqplicaçlo do que se havia passado e certificar-nos que nSo era
nada com Muene PutO| mas nós, antes que elles fatiassem, e
suppondo viriam atacar o soba, mandámos o interprete dizer-
Ihes, que se alguém se atrevesse a vir ali fazer desordens, &r
riamos arrear a bandeira de Muene Puta e rompiamos fogo
contni a povoação.
Retiraram todos, mandando nós depois chamar o Ambango,
e como este nXo estivesse, veio um dos homens velhos da po-
voaçSo, que disse nSo approvar as ordens que dera o Am-
baogo, pois se devia lembrar que estavam aqui os filhos de
Muene Puto; mas também que o soba Oassáxi fizera mal em
se apresentar nestas terras de rede, o que era uma £alta de
respeito para o dono d'ellas, que nSo tinha posses para andar
assim, e que era melhor elle retirar já, porque na povoaçSo
os ânimos estavam exaltados, e se mais tarde o encontrassem
ainda ahi, podiam fazer-lhe maior desfeita.
Como o soba Cassáxi entendesse ser mais conveniente re-
tirar, fizemo-lo acompanhar por três soldados, a quem elle
deu uma cabra de gratificação, e a nós mandou-nos uma grande
vacca.
Apparecendo o Ambango ao sol posto, fazendo-se estranho
ás occorrencias, por ter passado o dia na outra banda do rio,
onde fôra escolher gado para nos mandar, exprobámos lhe o
seu modo de proceder e fizemos-Ihe sentir a má situação em
que elle se estava coUocando com os povos vizinhos quando
nós deixássemos o sitio.
Estes povos sem um chefe que os estimulasse para o bem,
eram de certo os mais difiSceis de domar e convencemo-nos que
levantando-se conflictos com o Ambango e conseguindo-se provar
deante dos seus que elle era incapaz pelas suas más qualida-
des de dirigir os negócios que mais interessam ao que elles cha-
mam Estado, seria fácil fazêlo destituir das honras e contri-
buir para que de entre elles se elegesse um chefe que modificasse
DESCRIPÇAO DÁ VIAQEM 403
■^ ' ' ■ ■
OS maus hábitos que tornavam aquella gente odiada dos ou-
tros povos.
A final, no dia 27, logo de madrugada, principiaram a appa-
recer carregadores para o Cuango, ao preço de oito bandos *
de riscado, e como tivéssemos gado, mandou-se matar uma
vacca para distribuir rações á gente para o caminho, e depois
do nosso almoço, ás onze horas do dia 28, partiu o ajudante
com a primeira comitiva de cargas, tudo gente antiga.
Durante o dia, pagámos a sessenta e três carregadores, todos
apresentados por Anguvo, e a mais pagariamos se não fosse já
muito tarde e se nSo estivéssemos fatigados de medir e cortar
fazenda.
Chegaram cargas da Estação Ferreira do Amaral, transpor-
tadas por gente de Andala Quissáa, que preferiam ir buscar
novas cargas para aqui a irem para deante com as que trou-
xeram, como lhe propúnhamos; por isso tomavam-se precisos
dezescte carregadores a mais dos que haviamos calculado.
O que nos admirou, foram quatro rapazes de Andala Quis-
sáa, que trouxeram cargas para a Estação Ferreira do Ama-
ral, e que para aqui vieram comnosco, não terem querido rece-
ber pagamento e ajustarem-se para seguirem ainda com as
cargas comnosco até ao Cuango.
Queriam regressar no nosso serviço da rede até Cafúxi e
receberem então os seus pagamentos juntos para irem para suas
casas.
Se estes servissem de exemplo a outros, não faltariam car-
regadores em Malanje, não só para diversos pontos da província
a oeste, como ainda até ao Cuango.
Oxalá esta experiência aqui, estimulasse também estes po-
vos para não haver dificuldades quando o resto da Expedi-
ção tivesse de seguir para o interior.
1 O bando, aqui, medc-se de meio do peito ao extremo da mão direita
estando o braço estendido na linha do corpo; verificámos que correspon-
dia a 0",80.
404
EXPEDIÇÃO POIITUQUEZA AO MUATUNVOA
Ambango, apparece-nos quando eatavamoa a acabar de jan-
tar, e mostrou-se penalisado por nóa 11S.0 termos querido con-
templar os aeus rapazes com cargas, ao que lhe reapondemos !
que ellea nSo tinham de que se queixar, porquanto hai
ajustado como oa do Anguvo, fazerem o transporte por uma <
peça (oito bandos) e quando fomos a pagar-lhes exigiram duas;
se queriam receber como os outroa, que viessem de manbS
cedo tomar cargas, e cada um receberia uma peça e seguiría-
mos logo.
Tendo despachado os cairegadores do Anguvo com um dos 1
interpretes e contratados, fomos pagar aos que appareceram e j
estes pouco depois seguiam para a margem direita do Lul, J
ficando de noa esperar na povoação do Mulolo, onde iamosj
dormir.
Escrevemos ao sub-chefe para nos mandar o empregado euro-
peu com o cozinheiro Marcolino, e qiie continuasse a activar I
o transporte das cargas para a EstaçSo, onde doixavamoa I
apenas o cabo do destacamento e um contraetado de Loanda. I
Almoçámos áa dez horas, e com grande surpreza nossa, ap-
pareceu Ambango e Matamba para nos acompanharem ai
Luí, o que só conseutinioB até ás primeiras povoaçSes para ob 1
nilo obrigar a andarem a pé.
DESCRII\AO DA VIAGEM
TIAGEM DO CIIKFI: COM A PRIMEIRA SECÇÃO
1'AEA O CUAXGO
cndo o caminho a seguir em
zig-zaga, predominou o rumo
para N.-E. Depois de alraves-
' sarmos o planalto c a um pouco
. maia de 1 kilometro, conieçá-
raoB a descer para o valle em
; que enconti'ámos as terras en-
charcadas por causa daa chu-
i vas e dae lavras, e da um e
outro lado até ao rio Lui vi-
I mos povoaçSes de diversos so-
I bas, parecendo-nos todas pe-
' quenas, tendo, porém, mais ou
menos gado. Cestas, registâ-
moa á beira do caminho, as dos
aobetas Calabundo, Buudungo, Luianha, Canzundo, Canpun-
dundo, Matamba o a de MissOnhi, que era a maior.
Tintiamos andado 9 kilometros, e chegámos á beira de um
talude de onde se descobria atravez do arvoredo o rio Lul,
que nessa occasião ainda corria baixo, o que nos permittiu fa-
zer a sua passagem a vau.
à descida era disposta em degraus pelos indigenae, seguindo
as onduIaç3c8 do terreno, ora para um ora para outro lado,
descida que calculámos ser de 8 metros.
406 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIInVUA
Pelo que observámos á beira do rio, tanto numa como noutra
margem, as aguas pluviaes se não agora, em outros tempos,
já caindo directamente sobre as margens, já engrossando as
das correntes, deviam ter dado causa á formação doestes talu-
des, e se nas maiores enchentes as aguas não attingem hoje a
altura de onde descemos, pouco lhes faltará. Os pés de milho
que vimos a meio talude, quando aqui voltámos um mez depois,
estavam debaixo d'agua.
Eram quasi duas horas quando effectuámos a passagem,
que se fez com vagar e cautela, não só porque o rio tem a
largura de 60 metros, e a agua dava pela cintura dos homens
mais altos, mas ainda porque a força da corrente era muita,
0"*,9 por segundo, o que verificámos de tarde.
Passado o rio, subimos, e ainda no mesmo rumo fomos en-
contrar uma povoaçSlo a 1 kilometro de distancia.
Mulolo, soba da povoação, veiu logo ofiFerecer-nos uma boa
cubata para descansarmos, dizendo-nos que fôra aqui que per-
noitara o sr. capitão, que nessa madrugada seguira para Mus-
sangano, onde devia ficar. Agradecemos a attençSto que teve a
sua recompensa como era do estylo. dando-se-lhe um panno de
algodão (4 jardas).
Informando-nos da distancia d'aqui a Mussangano, e sabendo
que levaria duas horas a vencer, e não sendo ainda três da tarde,
lembrámo-nos de seguir para lá; porém os carregadores, tanto
de Anguvo como de Ambango, constando-lhe que o soba man-
dara vir a sua manada para nos presentear com um boi, e con-
tando já que o dividíssemos por elles, pediram-nos para que
ficássemos e que no dia seguinte adeantariam até encontrar o sr.
capitão. Cora grande satisfação de todos, annuimos ao pedido.
As impressões da pequena jornada d'aquelle dia foram real-
mente muito agradáveis. Os habitantes das differentes sen-
zallas por onde passámos fizeram -nos uma ovação, o que é para
agradecer entre povos gentios, e sobretudo nao estando preveni-
dos. Foi bastante a guarda avançada, que eram os filhos de
Anguvo, dizer quem transportavam, para todos virem para o
caminho esperar-nos.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 407
Cada vez nos convencemos mais de que esta gente, sendo
bem tratada^ se toma dócil; e não se diga que é pelas dadivas^
porque elles pelo caminho nada tinham a esperar. Aqui não
succedia como nos arrebaldes de Lisboa e outros pontos do
paizy em que creanças e mesmo os adultos; correm aos lados
dos viajantes que passam pelas suas terras a cavallo ou em
carruagens, com o sentido que estes lhes dêem alguma moeda
de cobre.
Emquanto nos preparavam o jantar, fomos dar um passeio
pela povoação, que cercada de grande arvoredo apresenta agra-
dável aspecto, e descemos depois ao rio e entretivemo-nos,
com o auxilio de pontos de referencia que marcámos, a medir
a velocidade dos corpos que boiavam, folhas, pedaços de pau
que homens por nós ensinados iam lançando á agua, emquanto
nós mediamos o tempo, e da media de muitas observações cal-
culámos assim com sufficiente approximação a velocidade da
corrente.
A agua pareceu-nos um pouco salobra e desagi'adavel, e
lembrámo-nos que talvez as salinas próximas de um e outro
lado pudessem ter alguma influencia para esse resultado.
Também nos entretivemos a fazer croquis do rio e do pa-
norama que se disfructava da nossa pousada para a margem de
onde viemos, um amphitheatro onde se ostentavam diversos
exemplares da flora africana, que dão realce á paizagem e que
decerto são modificadores importantes, pois se assim não fosse,
estando o sol já na sua grande declinação, mais insupportavel
se tornaria.
Jantámos ás cinco horas, e com appetite, porém a agua^ não
obstante ter passado pelo nosso filtro de carvão, era detestável.
Mulolo veiu-nos pedir para mandarmos matar um boi para
a nossa comitiva, pelo que tivemos de lhe dar duas peças de
riscado, 36 jardas, que correspondem a 4 Ya de lei, equiva-
lentes a 3^600 réis.
Foi morto o animal, e conhecendo nós quanto era difficil con-
tentar o gentio com a repartição da carne, e sendo a grande
maioria dos carregadores do Anguvo, encarregámos seu filho
"k^^
406 KKPEDiçZo rasTuonaA âo waãTítmwwL
de Cuor ft dGstiiliiiielo^ vío
fjÊo^ e 00 dose bomens ao homo
NIo ddzoa de lisfer giiiaiia e
pffflliHfl mes oomo s covse em enlie eOei^ lá ae
poeeedo elgom iaomoy lenrindo isfo de diatiaedb eoe urireg da
poToa^ e 90 wea tízíiiIio Catata, da margam fmgmwàiÊ^ qao
Tieia Tieitar-noa.
Eete soba diese, qoe eqiefáim paonaBenioa pda eaa teoa
para eamprír com oe eeos dererae, poíe aio eetata eaa beae
idaçSeo oom o Ambango.
CooTenoa algom tanpo, e oomo priaeqpiaira a eaematjai"
pedia lieeaça paia retirar, admirando-ee aniilo çm lhe ido
dcmcBioe am pedaço de carne e a]gama i^;aaidenle.
Betpcmdemos entio, qae nós é qoe estranhávaiaoiy eilaBdo
eDe em soa casa, se nXo tiyesse lembrado qae tinbaaioe anila
gente a qaem dar de comer, e qae moa peqpena lembaama»
am ovo de gallinha que foese, ama por nós mnilo i^piaeiada.
Ifololo spmou-me, e o soba lá fioi, 8^;ando disseram oa IW^
regadores, moito envergooluido.
Mnlolo ainda se demorou um pouco, bebeu am copo de
aguardente e retirou. E nós fomos escrever o nosso diário e
em seguida atirámo-nos para cima da cama de campanha ves-
tidos como estávamos, e adormecemos.
Caiu uma forte bátega de agua de madrugada, porém as
cargas estavam protegidas pelo capim, e como ás cinco horas
e meia já o sol estivesse a descoberto, tudo se poz em movi-
mento para a marcha.
Despedimo-nos do soba, e perto das seis horas seguimos na
rectaguarda da comitiva, no rumo de N.-E. Y^ N.
A marcha fez-se sempre em terreno bastante ondulado, entre
arvoredo, descendo mais que subindo e passando sobre muitos
charcos, chegando a Catandangala Mussangano, depois de uma
marcha de 14 kilometros, eram oito horas e três quartos.
O soba e a gente da povoaçSo, pediam para que descançasse-
mos, pois desejavam dar de comer ao seu protector Muene
Puto. Mostrámos a necessidade que tinhamos de ir acampar
DESCRIPÇlO DA VIAGEM
409
junto da comitiva do noaso ajudante e qiio para a outra
voz ali peraoitariamoa. Algima carregadores pediram para
se demorarem e que iriam maia tarde ter comnoBco, o que
consentimos^ porque se o nílo iizeasemoa, elles deíxar-se-iam
ficar.
Continuámos a jornada, ainda mais ou menos no mesmo
rumo por maia 8,5 kilometros, primeiro descendo a um pro-
fundo valle em que nSo era poasivcl andar de rede pela dou-
sidade da vegetaçUo e depois aubimos pela encosta de um pla-
nalto e sobrt elle passilmos á
frente da povoação de Mona
Anguvo, Bubdito de Muene
Canje, giande potentado na
margem direita do Lul, a
oeste de Mussangano. Des-
cendo 500 metros se tanto,
encontrámos no valle a co-
mitiva do ajudante fazendo
o acampamento, a qual pouco
antes ali havia cbegado.
Grandes e copadas arvo-
res, muito próximas umas
daa outras, apropriavam o
local para se transformar
com rapidez num acampa-
mento provisório, porém,
com respeito a eondiçSes
de salubridade, aio podiam
ser peorea na occasião, porque chovia, e o solo mantinba-so
encharcado, por não experimentar a acção dos raios solares.
O rheumati«mo nas pernas fez-nos conhecer pouco depois de
sbi estarmos, que não nos enganávamos.
Havíamos chegado em boa hora, porque o ajudante prepara-
va-se para ir almoçar, o ao seu convite nSo resistimos.
Tinha o ajudante já a sua barraca de lona armada, de modo
que nella so accommodou a nossa cama de campanha, e por
410 BXPKDIÇZO POBTUQUEZÀ AO HUAtllNVUA
Í880 em seguida ao almoço, mudámos de roupa e dormimos
umas duas horas.
Os carregadores que ficaram para trás foram chegando a pouco
e pouco e a tempo de também partilharem da carne de um
boiy com que nos presenteara Mona Anguvo. Este depois do
meio dia veiu comprimentar-nos. Em seguida saimos com o
interprete a explorar caminho para deante^ vindo dar a um
vaDe orlado de grande arvoredo, com terras encharcadas no
fundo, e que se prolonga até ao Cuango, d^onde concluímos
que as aguas d'este rio na epocha das cheias chegam aqui,
e durante mezes este valle é um extenso pântano.
As quatro horas e meia estávamos de volta no acampamento,
e viemos a propósito, porque os últimos carregadores que
tinham chegado, já gritavam por nSo serem contemplados com
carne, e que iam retirar, porque eram tanto filhos de Muene
Puto como os que tinham vindo primeiro.
Comprou-se um gaiTOte e todos ficaram satisfeitos, o que
convinha, pois tínhamos de attender á viagem da outra parte
da Expedição.
Recolhemos cedo, mas a chuva que caiu durante toda a
noite, mal nos deixou socegar, pois que a barraca se tomou
um verdadeiro filtro.
De madrugada melhorou o tempo, e deu-se ordem para
avançar.
Era um dia solemne o de 31 de outubro, e muito desejáva-
mos commemorá-lo, fazendo passar a primeira parte da Expe-
dição o rio Cuango, com a bandeira portugueza desfraldada.
Quizemos pagar o garrote ao soba, este porém não quiz
acceitar remuneração. Era um presente, e que Muene Puto
desse o que fosse da sua vontade. Promettemos então no nosso
regresso, dar-lhe uma vestimenta como lembrança também da
nossa passagem pela sua terra.
Como os carregadores do Anguvo tinham ido dormir na povoa-
ção, só conseguimos partir ás sete horas e meia; o rumo va-
riava entre E. e N.-E. por causa das sinuosidades do caminho,
que se faz quasi sempre por terreno pantanoso e á beira da
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 411
aba de uma montanha que se estende do sul acompanhando o
rio Cuango, sobrepujada de arvoredo que nesta parte está ra-
chitico, certamente devido ás queimadas.
Passados 9 kilometros; entrámos numa clareira a ESE. que
nào era mais de que uma grande depressão na montanha, já
escavada pelas aguas pluviaes, e começámos depois a descer sua-
vemente para ENE. 2 kilometros, entrando na povoação de
Mona Mussengue, d'onde já se viam as aguas do Cuango que
correm em curvas de grande raio em sentidos diversos mas
inclinando para N.-E.
O ajudante e as cargas iam seguindo aos zig-zags para o
porto, 3 kilometros mais adeante, inclinando para E., e nós,
encontrando Mussengue, dissemos-lhe que os filhos de Anguvo,
seus netos, vinham atrás com as nossas cargas e nos pediram
para os esperarmos na sua povoaçFio, porém que desejávamos
que as cargas que já tinham chegado, fossem passando nas
canoas para o outro lado, ficando nós com elie para nos enten-
dermos sobre os pagamentos que tinhamos a fazer e portanto
que nos mandasse arranjar quartel para pernoitar.
O soba recebeu-nos muito bem e disse-nos que MuenePuto era
o senhor das terras e que ninguém se opporia aos nossos de-
sejos.
íamos já a caminho para o porto, quando nos appareceu um
homem embrulhado num grande panno a chamar-nos — Oh
senhor, sou Mulumbo! e vociferando que era elle o dono do
porto, porém que era preciso participar ao seu chefe Muêto
Anguimbo a nossa chegada, para elle nos fazer passar o Cuango
muito bem. Coraprehendendo o que queria, dissemos-lhe qué,
devia esperar que nós o gratificássemos e aos pilotos que tra-
balhassem nas canoas, passando as nossas cargas. O homem
abrandou, mas ainda pediu para nos demorarmos um pouco,
porque o portador iria depressa dar parte a Muêto Anguimbo.
Como não tivéssemos almoçado ainda e pensámos que a ques-
tão era de pagar, promptamente annuimos ao que elle queria
e convidámo-lo para comer alguma cousa comnosco.
O ajudante voltou do porto, e mesmo onde estávamos^ á som-
412 EXPEDIÇXO POBTUGUBSA AO HUÁTIÂSrvnÁ
bra de uma grande arvore, dispozemoB as coasas para o almoço,
e em quanto este se arranjava, ordenámos que fossem indo as
cargas por grupos para o porto, entretendo-nos a conversar com
o homem, que nos deu noticias das expedições de Saturnino
Machado e dos AllemSes.
Queixou-se que estes lhe deram fazenda de má qualidade;
mostrámos a nossa, que lhe agradou. Provou do cognac do
nosso cantil de que gostou muito e principiou logo fSEdlando das
grandezas de Muene Puto.
O povo ia-se agglomerando em tomo de nós, e elle tudo era
dizer aos seus que se a£BU9tassem porque nós éramos pessoas
muito grandes. Nós procediamos ao contrario, diziamos-lhes que
podiam sentar-se, mostravamos-lhes as bússolas, o relógio, o
conta-passos, as facas, os revólveres, faziamos as nossas ez-
plicaçSes, dávamos uns fios de missangas ás creanças, lenços ás
raparigas, etc. £ elles iam dizendo uns para os outros, slo
bons brancos, sSo verdadeiros filhos de Muene Puto.
Veiu o almoço, o soba comeu d'elle, distribuiu-se bolacha ás
creanças, dêmos a provar um pouco do nosso vinho, e tudo
ficou muito satisfefto.
Mona Mussengue, a quem fizeram constar o que se estava
passando e que pertencia a uma outra sanzalla, appareceu-nos
dizendo que elle era o dono 'da terra. Arranjámos-lhe um logar
para se sentar ao pé de nós, e apesar de já vir tarde, também
provou um pouco do nosso bife com bolacha e um cálice de
vinho.
Aproveitámos então a oceasião de dizer: — Nós estamos prom-
ptos a pagar a passagem do rio, mas é preciso saber a quem.
Mulumbo diz que é dono do portO; que são suas as canoas, e
vossemecê MussenguO; diz que é dono da terra; além d'Í8so
os pilotos, que teem trabalho, também querem pagamento, e
Mulumbo também diz que é preciso uma ordem de Muêto
Anguimbo. Ora Muene Puto quer todos contentes e quer pagar
a quem for devido.
— Como nós não passámos hoje, e temos de ir ao Luí buscar o
resto das cargas, vossemecês chamam os pilotos para passarem
DESCBIPÇZO DÁ VUGEM 413
O sr. ajudante e as cargas que estSo chegando e nós cá com-
binaremos o que temos a pagar.
Mulumbo pediu vinte peças e como nos ríssemos desceu a
dezesseis. Ainda é muitO; lhe dissemos, porque o amigo sabe
que nós temos uma boa canoa e podemos passar sem as suas.
Para não termos trabalho de a armar, vamos pagar aos seus
pilotos mas ha de ser menos.
— Muene Puto pode mandar passar e pagará o que for da
vontade do seu coração.
Uma faisca eléctrica que ali caisse não produzia mais effeito
entre a nossa gente. Tudo partiu para o porto e nós despedimo-
nos dos sobas até á noitinha, recommendando a Mussengue que
mandasse arranjar a cubata e desse ao meu criado alguns ovos
e uma gallinha.
No porto houve alguma demora para apparecerem as canoas
e já se tratava de armar a nossa, quando ellas chegaram. As
novas exigências e conversa dos pilotos, sobre o pagamento
dos seus serviços, seguiram-se as nossas ameaças de que já não
careciamos dos seus serviços, porque iamos armar a nossa ca-
noa. Por fim cedA*am, e passaram o ajudante e duas cargas.
Eram duas horas e meia da tarde, ãuctuava a bandeira por-
tugueza no outro lado do Cuango. Os tiros de fuzilaria e os
vivas a Sua Magestade El-Rei D. Luiz, rompiam de um e
outro lado, e as cargas iam-se reunindo a pouco e pouco em
volta da bandeira.
A esta hora certamente, diziamos nós, está o nosso monar-
cha recebendo as felicitações de seu povo, e por maior festa
que lhe preparassem neste anno, por certo que não deixaria
de lhe ser sympathica e ao paiz em geral, a que naquella hora
celebravam dois dos seus mais humildes servidores rodeados
de africanos, na margem d'aquelle soberbo rio.
As canoas eram pequenas e viravam-se com muita facilida-
de, por isso não podiam transportar mais que duas cargas por
cada viagem. Já umas dez estavam no lado opposto, quando nos
appareceu descendo a ladeira para a praia, aos saltos, embru-
lhado num panno, com um pequeno pau na mão, que mane-
414 EXFEDIÇZO POKTUGUEZA ikO MUATliKVnÁ
java rapidamente um fignrSo baixo, de feia catadnray e que
mais parecia nm macaco que um homem, berrando como um
possesso, com a cajinga na cabeça, espécie de cbapen armado
com os bicos revirados para baixo, que fora oatr'ora de palha
xdara, mas que agora estava negra e gordurosa.
Entrando no circulo das cargas, veio direito a nós na mesma
faria, mas a esse tempo já sabiamos o que elle queria e nSo
nos arredámos, elle entSo virou-se para os carregadores, voci-
ferando, que eram elles os culpados em nSo prevenirem Mnene
Puto dos costumes da terra, que elle era o dono das canoas
e ninguém lhe fallára; que elle ia fazer retirar as canoas.
Prevenidos pelo interprete, assentámos-lhe uma palmada nas
costas, o quando elle se virou dissemos-lhe apresentando-lhe
o nosso cantil: — O que tu queres sabemos nós, vaes provar
aguardente.
NSo foi preciso interprete, limpou logo os beiços, sorriu-se
e bateu as palmas emquanto via com os olhos a luzirem-lhe,
correr no copinho o liquido do nosso cantil. O movimento das
cargas continuou.
EntSo já manso, fallou aos interpretes^ para que Muene
Puto o nâo esquecesse dando-lhe que vestir, porque seu irmão
Mulumbo era dono do porto, porém era a elle, Zunga, que per-
tenciam as canoas.
Os interpretes responderam-llio que nós dormiamos na san-
zalla de Mussengue e que fosse amanhã fallar-nos, que Muene
Puto não se esquecia d 'elle e lá se retirou mais satisfeito.
Veiu grande trovoada e chuva, os pilotos queriam interrom-
per o serviço, dizendo que os donos do porto já haviam reti-
rado, mas mediante uma porção de carne que se lhes deu, conti-
nuaram.
Armaram-se barracas de lona numa e outra margem para
se recolherem as cargas, eram quatro horas. O ajudante seguiu
para o interior cora os carregadores que já estavam com elle,
para irem pernoitar na casa filial de Custodio Machado, ficando
a receber o resto das cargas nessa margem o empregado José
Faustino.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 415
A chuva apertou mais, fízeram-se recolher as cargas nas
barracas, passando para o outro lado os demais soldados e con-
tratados.
Dispunhamo-nos a ficar na barraca da banda de cá e man-
dámos á povoação buscar a cama e alguma cousa que houvesse
de comer, porquanto nSo queríamos deixar as cargas e era
conveniente animar os nossos homens; porém o Mona Mus-
sengue, apparece-nos com alguns rapazes, e disse que vinha bus-
car-nos, ficando aquelles rapazes ao pé da nossa gente para
tomar conta das cargas. Elles traziam de comer para repartir
com 08 nossos, três soldados c três contratados de Loanda, a
quem deixámos cartuchame para as suas armas, por se dizer
ser frequente apparccerem ali cavallos marinhos.
Chegámos á cubata muito encharcados e fatigados, e enten-
demos que o melhor era despir a roupa, embrulharmo-nos numa
manta spbre a cama e mandarmos arranjar um brazeiro.
As cargas que chegaram de tarde estavam bem arrumadas
no largo, á nossa frente, e protegidas com oleados.
O criado António tinha cozido uma gallinha e quatro ovos.
O caldo estava quente, e com vinho confortou-nos e sentimo-
nos muito bem.
Augusto Jayme, que nos acompanhava para vigiar os carre-
gadores apresentados por seu irmão, o soba Ambango, de Ma-
lanje, e que era caçador, servia-nos agora d.e interprete, e a
elle encarregámos de vir de madrugada dar-nos varias infor-
mações que precisávamos e de rondar durante a noite o acam-
pamento. Nós, visto chover bastante e nâo termos luz, tra-
támos de dormir.
As onze horas, pareceu-nos sentir em vez da chuva, uns coros
afinados, ora de homens, ora de mulheres, que nos fazia lem-
brar os cantos religiosos num convento, e que parecia soarem
a grande distancia.
Soubemos que era uma dança, e se não fosse o receio de
adoecer teríamos ido observá-la, porque o cantar, destacava-se
(las toadas ruidosas com que são em geral acompanhadas todas
as danças na Africa.
416 gggpiçlo itHrnKHiiu ao maimÍMfnA
Ãm emeo horas já se Tia, e fevaniáiiia-iiM pan eicicvftf o
£flfÍ0 do dia antaior e apmáiiios qoe a diatancui da TSirtatite
Paiva de Andfada ao Lai, onde o panámos, enm 9 Idkiiio-
tros, e d'este porto iqaeDe em qpe a Ebqpedi^ passam o
Cnaiigo 36 Idlometios, portanto eiaTiagrai qne podíamos haat
t»o regreãão em oito oa nore horas; o qoe nos em bastante
▼antigoso por nlo termos ficado eom eoosa aigmna do têêiAo,
e se nom dia podíamos passar sem esses recursos, já o mesmo
nlo snocederia em dms on três dias socoessíyos.
Augusto Jayme disse-nos qae ainda tinham fieado algmnas
cargas para trás e ficámos ancíosos porqne eDas diegassem a
tempo de passar, pois desejávamos regresssr no dia imme»
díato á Estaçlo.
Soube também Angnsto, qne a expediçio afleml dera dea
peças de faaenda e duas armas, ao Mnhmíbo dono do porto e
a seu írmio Zmiga, e qnatro peças aos pflotos, por ajudarem a
passar cargas, porquanto eUes tinham armado as suas canoas
e que também contemplaram Mussengne, dono d'e8ta povoa^
e o Muèto Angnimbo que se dizia o potentado principal dos
Haris; a quem pertence o rio até aos Bângalas do Songo.
Esta gente mente muito, sobretudo em interesse próprio,
mas foram-noB dizendo que o inguertz, passou dando pouco,
e que Muene Puto que vinha atrás, é quem pagava bem. Pre-
cisávamos pois preparar-nos para grandes exigências.
Mulumbo veio procurar-nos, e arranjámos um pacote para
elle e para o tal irmão, isto é, duplicámos os artigos variados que
desejava, a nSo exceder o valor de dez peças. Pediu mais uma
espingarda e um barril de pólvora, poz-se um objecto igual em
cada monte, pediu uma pouca de missanga para as suas rapa-
rigas, que demos para fecho. Queria mais cousas, mas retirou
sem ellas.
Vieram os pilotos, deram- se oito jardas de riscado a cada
um, e passando que fosse o resto das cargas, dar-se-ia o mata-
bicho. Pediram então para irem as cargas em seguida para o
porto, o que se fez; e o serviço das canoas principiou ás oito
horas.
descuipçao da viagem
417
Pouco depois entrou na cubata o Zuuga, trazendo pela mão o
nosso interprete e veio sentar-se ao nosBO lado.
Com 08 8eu8 modos desabridos que já conheciamos, princi-
piou a sua conversa, contando pelos dedos tudo quanto queria
que se lhe desse. Fazia-nos lembrar um moço das nossas casas
de pasto, dando ao freguez o rol de tudo quanto lia prompto
na cozinha para se comer na occasiSo.
Em altitude de quem prestava a maior attençSo ao inter-
prete, deixámo-lo acabar a
ennumeraçiSo, que era uma
boa lista que aquelle trazia
de cór, edissémos-lheiVeja
lá nSo se esquecesse esse ho-
mem de mais alguma cousa?
O interprete interrogou-o, e
ello pediu mus um gimííto
de igiiardente
NSo quer mais nada? Se
Muene Puto qmzer lembrar
se das suas raparigas, que
lhes de um d eases miabOí>
de missanga grossa, M iri i
n, que tem sobre a cima
Fingindo uos eutJIo enco
lensados, e deitando rápida
mente a mão a um dos mas- ^imu
SOS, movimento este que o
homem e todos os que estavam dentro da cubata, suppozeram
sor para pegar no revólver que estava ao lado, e como nos
levantássemos em seguida e déssemos quatro berros, bradando
que fosse pedir a seu irmílo o que ae havia dado com des-
tino para ellc; sem esperar a iiiterpretaçSo do que eu dizia,
deitou i mm edi atam ente a fugir de gatinhas para o largo, res-
mungando que o interprete nSo era bom e nílo sabia o que
fizera zangar Muene Puto, formando-se logo grande roda em
tnmo d'Glles.
418 BZPEDIÇXO PORT0GUEZÁ AO MUÁTllNVnÁ
Devemos confessar qne a vontade ^e rir foi grande, mas
querendo sustentar o papel até ao fim, saímos atírando com o
masso de missanga ás raparigas, que estavam pouco distantes.
Grande borborinho, porque os homens também querkm
apanhar, tíias as raparigas nSo deixaram.
' EntSo o Zunga, vendo a missanga espalhada, exclamou: b^n
se conhece que é Muene Puto que temos na terra, e eu fiz bem
mal em o incommodar. Depois procurou o interprete e pedin-
Ihe que nos dissesse que era muito nosso amigo e que €»penva
lhe perdoássemos se fizera mal; que estava prompto a prestar
o serviço que lhe ordenássemos.
Fizemo-lo approximar de nós e ao interprete, a quem re*
commendámos lhe dissesse : Que Muene Puto já dera a sen irmio
Mulumbo a parte que lhe pertencia no pagamento da passagem
do rio, roas que fosse elle para o porto activar o serviço das
canoas, que lhe daria ainda uma boa gratificaçSo, e o. honram
para lá foi.
Mulumbo veiu depois perguntar se queríamos pagar a doze
rapazes seus para transportarem as cargas do porto, na outra
banda, para casa de José de Vasconcellos onde pernoitara o
ajudante. Havendo já muitas cargas no outro lado e sendo de
toda a conveniência que se recolhessem, ajustámos por duas
jardas o transporte de cada carga, o qiie correspondeu a uma
jarda por 5 kilometros.
Almoçámos tarde, já depois do meio dia, e no entanto che-
gara o Muêto Anguimbo, que preferiu esperar na sanzalla, a
incommodar-nos.
Tendo á mão o presente que tencionávamos dar a Mussen-
gue, enviámo-lo como signal de amisade ao Muêto e elle veiu
depois agradecer, pedindo para acceitarmos um boi que nos
trazia, e perguntando-lhe eu o que desejava, respondeu que
n?to fazia negocio com Muene Puto.
Isto, lhe dissemos, nâo ó negocio. Como queremos dar-lhe
uma lembrança, desejámos saber o que prefere. O seu macota
respondeu: Elle fica satisfeito com uma espingarda e um barril
de pólvora, o que logo lhe dêmos, por ser uma boa troca, e
DESCBIPÇiCO DA VIAGEM 419
pedimos ao Mussengue para deixar ficar o boi na ena manada
até á nossa volta.
O Muêto Áng^imbo era um velho sympathico, baixo, ma-
gro, fallando muito pausada e acertadamente.
A sua conversaçslo versou sobre a grandeza de Muene Puto,
esperanças que alimentava de que seus filhos europeus viessem
estabelecer-se nestas terras, pois os portos eram muito procu-
rados pelo commercio indigena; que as expediç8es de Muene
Puto tinham vestido seus filhos, e por isso ninguém se atrevia
a marcar-lhes preço de passagem nos portos, etc.
Fallavamos sobre as passagens, quando Zanga, que tinha
chegado do rio, nos interrompeu para cumprimentar Ang^imbo,
e pedír-lhe que intercedesse para lhe darmos alguma cousa
de vestir, porque o irmSo a tudo chamara seu e nada queria
repartir. Muêto riu-se, e nós dissemos que já lhe havíamos
promettido, se elle fosse para o porto fazer passar todas as
cargas, dar-lhe com que se vestir.
Muêto Anguimbo respondeu-lhe que os filhos de Muene
Puto nllo eram como elles, tinham uma palavra só, fosse elle
fazer o que nós queríamos e que teria a sua vestimenta.
O v-elho despediu-se de nós, pedindo quando voltássemos com
o resto da Expedição o fossemos ver e passar um dia com elle
no seu sitio.
Este ficava á margem do Cuango, a norte, segundo as infor-
mações, 12 a 15 kiiometros distante do ponto em que está-
vamos.
As terras da margem direita, pertencem a Mona Mahango,
nos dominios de Capenda-cá-Mulemba, que confinam ao norte
com as terras de Muêto Anguimbo (Hari) e de Muene Puto
Cassongo, súbdito do Muatiânvua. A casa de C. Machado, de
que era empregado José de Vasconcellos, estava a meio cami-
nho do porto para a povoação principal de Mona Muhango, no
sitio de Mona Quinonga que foi o primeiro marido doesta.
As duas horas fomos ao porto acompanhados de Zunga, o qual
não mais nos largou, agora submisso, dizendo-se muito nosso
amigo, e que nos convinha ter a nosso favor por causa da
420
SZFEDIÇXO POBTO0DBU AO WJÁTliVTDA
puiagem da ultima parte da !EKpodiçSo. Àbl encontrámos
«.penas dez cargas do dia anterior, qne ainda ^''Thi^Tn de ficar
mn dia na barraca, por causa do tempo qae já ameaçava chova,
havendo maia dez que ainda podiam passar.
Ia rdtirar-me, quando appareceu Vasconcellos a cnmprimen-
tar-nOB e a pedir para mandarmos nma carta a Custodio.
Acompanhoa-noB até á poroaçto, onde estávamos alojados,
jantando comnosco.
Dísse-Dos qae o qodante
chegara a sua casa ás sos
horas da tarde do dia ante-
rior, e qae podíamos retinr
no dia seguinte descansa-
doB, pois fiiria conduzir as
cargas todas para ali.
Como lá se encontravam
carregadores para as cai;gas
seguirem para Mona Mo-
hango, convencemos os car-
regadores contractadoB para
a Lunda a regressarem com-
nosco a buscar mais.
Oa filhos de Anguvo o
Âmbango nSo quizeram re-
no dia seguinte, o que esti-
mámos, porque animavam a nossa gente a fazerem rapidamente
a viagem. Os oito contractados em Malanje para o Cuango,
também iam comnosco e como estavam costumados ao trans-
porte das redos, auxiliavam os outros com o interesse no mata-
bicbo de aguardente em chegando &a EstaçSes.
Augusto Jayme ficou na povoação com sua mulher e dois
rapazes, para nos tranamíttir qualquer noticia da nova KstaçSo
que se ia construir já, sob o nome de — Costa e Silva. —
Era este uma merecida homenagem que prestávamos ao Di-
rector dos negócios do ultramar a quem deviamos importantes
aoxiíios na orgauisaçSo da nossa Expedição.
tirar, preferiram acompanhar-n
DESCRIPÇ!0 DA VIAGEM 421
Vasconcellos retirou para sua casa e nós entretivemo-nos
durante uma parte da noite conversando com Mussengue, Mu-
lumbOy Zunga e os filhos do Anguvo e do Ambango, que os re-
presentavam junto de nós, tratando-se dos beneficies que a
Expedição fizera ás terras por onde passara e da esperança
que Muene Puto continuaria a protegê-los^ levantando casas
em suas terras.
Assim^ diziam elles : — Muene Puto nos dai*á parte da esper-
teza que o sol leva toda para as suas terras e nós saberemos
então fazer fazendas, pólvora^ armas e missangas^ e já não pre-
cisámos vestir as pelles dos brutos; faremos boas casas e la-
vras; teremos os seus remédios para as nossas doenças e
aprenderemos a escrever e a ler e já não seremos enganados
com os recados.
Este modo de discorrer, dava logar a entrarmos em expli-
cações e a diálogos, d^onde concluiamos que na Europa se apre-
ciam muito mal estes povos, e quando se tratar de os educar
devidamente, pode esperar-se d^elles o mesmo que de qual-
quer povo civilisado.
A passagem do commercio por aqui ha de modificar-lhe os
costumes, porém uma missão bem organisada e como a imagi-
namos, deve dar excellentes resultados, e a influencia dos Por-
tuguezes é tal, que não creio a possam supplantar quaesquer
estrangeiros, que para elles são sempre os inguerises, appella-
tivo pronunciado com um tal ou qual desdém.
E nós, sabemos muito bem, que o único estrangeiro que en-
tre os povos de Africa meridional soube conquistar a estima,
foi Livingstone, e porque ? Porque procurou imitar-nos, esque-
cendo a cor d^aquelles com quem convivia, estendendo-lhes a
mão, sentando-os á sua mesa, visitando-os nas suas habita-
ções. E elle que assim praticava, admirava-se do modo por
que 08 Portuguezes na provincia de Angola tratavam os ho-
mens de côr, mesmo quando eram seus empregados e escra-
vos, e fazendo o parallelo com os seus patrícios, dava relevo
ao contraste, censurando-os.
Stanley e outros exploradores que se lhe seguiram, querendo
422 EZPBDIÇXO POBTOOCRU ÁO ITOATllHTUA
lu Eoropft conrencer-Qos pelo sen modo de foliar iohn os po-
Toi Ȓnoan08, qae como elle pensavam, ilSo foram tio felUea.
£ porque? Faltava-l^ea a aprendlza^m que elle tivera oõm-
QOBCo antes de Be internar no Beio do continente, e depois a
pratíca, em que se adquire, além da resignaplo e pacielida que
fAo indíapensaTeifl, a convicção de que eatea povos bSo ccOxeti-
tuídos por entes de quem dependemos para a nossa existência
no mão em que elles vivem.
Sendo já um pouco tarde, e tendo-sé preparado Qa povoa-
çSo um batuqne do despedida á nossa comitiva, ent«ideiBOS
nJto dever abusar do &vor dos homens que vieram {aaer-Doã
companliía ao principiar da noite, e agradecendo a sua attenjlo
recolhemo-Dos para nos deitar pouco depois.
O ribombar de imponentes trovoadas qne se succediam ad
(^fferentes pontos, despertou-nos já perto das cinoo hora* da
madrugada, e nSo foi poesivel tomar a adormecer. Ma «ap»-
rança que o tempo alliviaria, dispozemos todas as nossas o
para a viagem, inclusive a cama.
DESCIUPV^O OA VLAQEU
EKGKESSO DO CJiEFK A ESTACÃO PAIVA
UE ANDlíADA
Da facto, ás sete horas da
mauliíi, não obatante as inatan-
cifia <los sobas para ficarmos
aiuda eese dia, pois que nos
iríamos molhar eom a chuva
polo camiobo, partimos, e diri-
jíiiido bem os carregadores que
nos haviam de transportai-, con-
seguimos ainda passar o Lui um
I pouco antes das quatro horas
t da tarde c antes das cinco che-
gávamos á Estação Paiva de
Andrsda,
- gMKi, -^ nossa alimentarão durante
o dia consistira apenas de qua-
tro ovos quentes, oh quaes sor-
vemos acm tempero algum ao partir.
Encontrámos já na Estação, o empregado europeu, Augusto
Ccsar e algumas cargas vuidas da Estação Ferreira do ^ima-
ral. Este informou-nos estar de saúde o aub-chefc, e de tudo ter
corrido felizmente aem novidade. O soba Ambango continuava
fazendo as suas visitas de noite á f^stação, na esperança du
beberricar o seu copinho de aguardente, mas a respeito de
apresentar mantimentos para a gente, dizia estar tudo exLausto
pelo pessoal da Expedição que soguira para o Cuango.
^!^^Ty
tít EXFSDIÇXO rORTCGUCZA. AO IBSATtIXWÁ
Emqaaato ae noa arraDJaTa amm canja atnrintos o Ãmlmigo
qne apparecea poaoc d«pob de chiarmos, e á Doaaa pergunta
K a terra já nSo tioba qne nos dar de comer, resprakdea ter
Já dado proridencíu para (joe da oatra banda viesse gado para
qaando Maene Puto chegasse com soa gente, e qtte a cazne
aSo haTta de <ar.
Agradeceu o boni_ tratamento qoe dúpensáinoe na Ttagen
AM aena rapaxea eaperando qae Maeae Puto, sea protector,
M lembrasse d'elles para a outra Tiagem.
Hostrámua a nossa satUía^ pelo bom comportamento e
•erviço de seus rapazes, e como o cnado nos trouxesse o jan-
tar, demoft-lhe uma perna de gallinlia e uma bolacha, que
guardoa para a ceia, e um oc^ de vinho que bebeu, deixando-
aos segundo o mter{wete, com Deus, para dormirmos Bocega-
Jamente.
Comemos, tomámos varias notas e deítámo-noa em seguida,
nXo muito bem dispostos, e durante a noite tiremos accessos
de febre. J
Era nosso intento continuar a viagem no dia seguinte 3 d^B
novembrOj poróm a febre nSo nos lar^u de madrugada e eo-
brevindo-nos outros íucommodos devidos á muita fadiga, ad-
diimos por isso a partida, conservando-nos a caldos de galUnha
durante o día.
Recebemos a nossa correspondentua de Malanje e com ella
uma carta para José de Yasconcelloa, que im mediatamente ex-
pedimos pelo cabo da força que mandávamos apresentar ao aju-
dante e também recebemos communicaçao do sub^efe, qae
nos dava boas notidas sobre os negócios da EstaçSo Ferreira
do Amaral.
Providenciámos relativamente ao nosso regresso áquella Es-
tação, querendo fazer toda a marcha, de treze horas, no dia
4, e por isso mandámos seguir os oito carregadores, que vieram
contractados até o Cuango, para a povoaçlto de Mulolo Qni-
nhangua onde deviam pernoitar, sendo estes os que haviam
de nos transportar d'aht á referida EstaçSo, sendo a viagem
de quatro horas.
D£8CUIPÇA0 DA VIAGEM 425
Entendemos de toda a conveniência o descanso durante o dia
para nao aggravar o nosso mal estar, que durante a noite
mais se accentuâra e não podemos deixar de attribui-lo a can-
çasso, humidade, mau passadio, e á falta de café e quinina, o
que em parte era devido ao noáso descuido.
Conservando-nos na cama durante o dia e procurando cha-
mar a transpiração, próximo da noite sentimo*noB um pouco
melhor e mais animados para fazer a viagem num dia, e co-
meçar depois uma medicação methodica.
A indisposição gastro-intestinal passou, e dormimos bem toda
a noite.
Estávamos no dia 4 ; veiu o soba de madrugada saber como
tínhamos passado a noite, fízemos-lhe as nossas recommenda-
çòes para viver bem com o empregado que ali devia perma-
necer e que tratasse de arranjar mantimentos para quando che-
gássemos.
O soba asseverou-nos que não deixaria de ter na devida at-
tcnção o que lhe recommendavamos e partimos eram seis horas .;
Quando chegámos á povoação de Quinhangua era uma hora
e três quartos e ahi apenas nos demorámos o tempo indispen-
sável para troca de carregadores e para recebermos do poten-
tado o presente de um boi, que mandámos repartir por toda a
gente que nos acompanhava consentindo que ahi pernoitassem.
Chegámos á Estação ás seis horas da tarde, e na occasião
em que o sub-chefe era chamado para jantar.
Vinhamos bastante fatigados, devido á posição forçada na
rede durante doze horas, ao estado febril em que nos conservá-
vamos desde o dia anterior e também á fraqueza porque es-
tivéramos a caldos, e nesse dia de manhã apenas tínhamos
tomado dois ovos quentes e uma chávena de café.
Comemos pouco, a febre augmentou, e por conselho do sub-
chefe, fomos para a cama, oode pouco depois tomámos uma
chávena de chá com pós de Hover para transpirar, o que teve
eífeito; porém sobreveiu uma forte dor de cabeça que não
diminuiu como de costume, com fricções de essência de hortelã
pimenta. Passámos mal toda a noite.
88
426 EXP£D1Ç20 POKTOGOEZA AO MUATIÂNVnA
Logo que a claridade do dia permittia, quizemos principiar
a fazer a communicaçSo para S. Ex.^ o Ministro, o qae nao
nos foi possivel ; a febre prononciou-se com toda a intensidade
e tivemos de voltar para a cama.
Queríamos aproveitar a opportunidade do regresso dos car-
regadores que de Malanje foram ao Cuango, para enviar a
correspondência para a metrópole e a communicação ao Governo
de que a primeira secção da Expedição havia passado aquelle
río em 31 de outubre e estava construindo a Estação Costa e
Silva, em terras de Capenda-ca-Mulemba, em Mona Samba
Mahango, para ahi se reunir toda a Expedição. O nosso estado
não noft permittiu dar a essa communicação o necessário des-
envolvimento limitando-nos por conseguinte a uma singela par-
ticipação.
Pelas boas informações que tinhamos acerca dos povos de
Mona Mahango, e recursos da terra, o que foi corroborado por
José de Vasconcellos que já vivia entre aquelles povos ha
quatro mezes, e tendo nós de nos demorar ahi algum tempo
para se arranjarem carregadores para a Lunda e estudar a re-
giãO; resolveu-se que a Estação devia ser construída com a ne-
cessária capacidade e com as accommodaçoes e segurança in-
dispensáveis para alojamento do pessoal e deposito de todas
as cargas.
Conseguimos despachar os carregadores no dia 6, logo de
manhã, porém em seguida principiámos em tratamento, e até
ao dia 8 nao nos foi possivel fazer trabalho algum, não ces-
sando durante esses três dias as chuvas e as trovoadas.
J^
MUBBOMA
DESCRIPÇAO DA VIÃQEH
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBKE ESTA EEGIAO
E OS SliUS HABITANTES
aub-cliefe da Expedi ç8o du-
rante a. nossa ausência não se
poupara; além das observações
qiKitidiaDns tanto astronoinicas
como raeteorologicaa, prose-
giiiu naa diligencias de activar
o trausporte das cargas para a
Estação Paiva de Andrada, con-
tractando no voa carregadoreB
entre os povos vizinhos com
quem manteve boas retaçSee,
aproveitando todos ob momen-
tos de que podia dispor para
aiigmentar as suae eollecçõe»
da fauna o flora, indo elle
mesmo ao mato examinar ou
tiollicr os exemplares que mais reclamavam a sua attençSo c
estudo.
A media de um bom numero de observações dera já para
coordenadas da noasa EstaçZo em Cafiixi de Sé Quitárí, 9"
O" 10" lat. S. dij Equador, e 16° 42' 1" long. E. de Green-
wich; no que se provava que oa nossos trabalhos pela estima
se approxímavam da verdade.
Nos nossos reconhecimentos a pé, deu-nos a pratica uns des-
contos a fazer, quando a marcha era em terreno ondulado e
U.^jJVr
Affi EXPKDfClo FUKltW.lXA JO TâTTl^TCJL
e
Depois de uma jofnada, en o «mbd prnMÍn> coidado qvando
aaunpsTamo», rednzi-la a mu cn^jw giapUeo, e cono ai
laa mediçiSea eram fintas de cinco em cinco «m^^y^ e
oa noawM paaaoa eslaTam peifeiumente calndadoa, de modo
que 1:420 em raminho poocoondnladodaTam 1 Idlometio e eqm-
raUam a 1:600 em leneno cii)a inclinaçio r^nlara por 30^,
feyrtMJft depoú a« correcções de declinação e inclinaçio da
airnlba e redacções de cotagem nesse primeiro trabaDiOy traçá-
ramos os nossos itinerários, qae depois rerificados doas e ti^s
reses, como sococrdea de Malanje ao Coango e comparados
com os dos collegas que também apresentaram os seus reco-
nhecimentos dos mesmos caminhos^ obtinha-se nm itinerário
médio, qne a determinaçlo astronómica das cooidenadas com-
jnrorara com pequenas difierenças.
Em todo o tempo que nos demorámos nas EsftaçSea, o sub-
chefe Sízenando Marques foi o mais escrapoloso possirel nas
obserraçSes de que estará encarr^ado e sempre qae a occa-
síio lhe era propicia, aproveitara-a para &zer as obserraçSes
astronómica» me&mo a altas horas dâ noite, e como as distan-
cias entre a* EstaçSes nâo sâo grandes, pode considerar-se boa
a determinação das coordenadas das nossas Estações.
A altitude aqui, 8o2 metros, é inferior á de Malanje em
322 metros, - differença que repartida pelo nosso transito^ re-
gula de 3 metros por kiiometro, o que nos prova, nJo haver
grande» difficuldades a vencer quando se procure ainda melhor
caminho, para se fazer proseguir por aqui a linha férrea de pe-
netração, acrescendo as cireumstancias favoráveis de nâo termos
encontraílo necessidade de obras de arte de importância, de
existirem boas madeiras em todo o percurso, de se encontra-
rem pedreiras, e das terras nâo serem soltas, nem tâo pouco
muito resistente».
Pelo perfil que já apresentámos, do nosso transito até ao
Cuango, conhece-se que o planalto de Malanje termina pelas
alturas de Catalã e dahi descem os terrenos para os rios Cuanza
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 429
Cuiji e Cuango, formando uma grande depressão, por isso que
seguimos para o norte; porém a cotação será menos áspera
quanto mais nos approximarmos do rumo de leste.
O que podemos já affiançar, é que a região entre os rumos
indicados até ao Cuango é a melhor que conhecemos em toda
a nossa provincia do Dande ao Cuanza, para a creação de ga-
dos^ e isto é importantissimo só por si, quando se trata de
construir um caminho de ferro e se sabe que Loanda importa
gado e pode passar a exportá-lo em grande escala.
Á agricultura também aqui encontra vasto campo para se
desenvolver. Os productos que' temos visto são magníficos,
o torrão é excellente; existe abundância de aguas e a uma
temperatura elevada corresponde a humidade nos máximos
graus de saturação de 92^ a 98°.
As circumstancias climatéricas da localidade, modificadas
pelos ventos de S. que são das regicHes mais elevadas, pare-
cem-nos favoráveis ao europeu quando se observem as prescri-
pções recommendadas pela sciencia. Desde 15 de agosto que
nesta Estação teem estado europeus de differente compleição,
já na epocha das chuvas e pode dizcr-se sem as commodidades
a que estão habituados. Havendo-se exposto muito ao tempo
e não se poupando ao trabalho, por emquanto, salvo uma ou
outra febre, mais uma excitação devido a fadigas e contrarie-
dades, por não correr tudo como era para desejar, a quem tem
em vista chegar ao termo da sua missão, não se registaram
outras doenças; cumprindo não esquecer que as influencias pa-
lustres se devem ter feito sentir em todos, desde o dia 11
de junho em que chegámos ao rio Cuanza.
Pelo que respeita aos indigenas, é preciso entrar na apre-
ciação dos seus usos e costumes e modo de existência, para se
conhecerem as causas porque não podem luctar com as condi-
ções climatéricas, succumbindo muitos ainda antes de attingi-
rem a maioridade.
Logo que nos achámos restabelecidos dos nossos incommo-
dos, tratámos de aproveitar algumas horas do dia, que nos era
possivel distrahir d^outros serviços, procurando familiarisar-nos
430 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZÁ AO MUATIÂNVnA
com 08 habitantes da povoação, indo ás suas cubatas, assen-
tando-nos ao lado d^clles a fim de colher todas as informaçSes
para formar um juizo seguro sobre o seu modo de viver.
Mucongo, homem já velho, tio do potentado e que deixara o
seu sitio para vir viver na ambanza do sobrinho, foi quem es-
colhemos para nos acompanhar nestas nossas visitas e para
nos ir prestando esclarecimentos, sobre o que mais provocava
a nossa attençSo. E é pelo que vimos e pelas informaçSes co-
lhidas, que somos levados a deduzir, que a falta de vigor e a
depauperação das populações nesta região, é mais uma conse-
quência do aniquilamento de forças, devido a degeneração a
que chegaram seus maiores pela miserável existência que tive-
ram, do que das condições climatéricas da localidade, que não
teem sabido modificar e que sobre elles exerce também a sua
influencia.
Vivendo estes povos tao próximos de nós, havendo o seu
jaga Andala Quissúa estado muitos annos preso em Loanda,
existindo alguns homens que se lembram das guerras de Cas-
sanje e dos o65ciaes e negociantes europeus; é também certo
que na maioria, indivíduos já adultos, sabem só por lhes dize-
rem, que existe o Rei de Portugal (Muene Puto). Conhecem
os seus súbditos, mas nao teem uraa idea precisa do que elle
realmente é, e suppSem que o fabrico de todos os objectos
provenientes da Europa, é obra sobrenatural, custando-lhes a
crer que as mãos dos brancos possam fazer cousas tao perfeitas
ou tão pequenas como, por exemplo, a missanga.
Muene Puto, essa entidade abaixo do Zdmbi (Deus) é pae dos
brancos e dos pretos, dizem elles, porém ensinou os filhos
brancos a trabalharem e não fez caso dos pretos ; os pretos
nascem, vivem, mas não trabalham porque não foram ensina-
dos. Os filhos de Muene Puto, aprenderam a fazer tudo que lhes
era preciso, das boas cousas que o Zambi creou nas suas ter-
ras, e como já teem de mais, lembraram-se de nós para troca-
rem o que trazem pelo marfim, cera e borracha que temos
para d'ahi fazerem cousas boas, mas não nos ensinam para ficar-
mos sempre como os brutos.
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 431
Discreteando assim, fomos levados a uma certa ordem de con-
siderações sobre a sua existência.
Admirando-nos que tivessem abundância de gado e mesmo de
creações e que não matassem os animaes para se alimenta-
rem disseram: — Uma ou outra rez vendesse a algum negocia-
dor que por aqui passa para nos vestirmos e ás nossas mu-
lheres, mas o nosso âm creando o gado é para termos sem-
pre com que pagar os nossos crimes, impostos, presentes e
exigências do jaga.
Sc os mais velhos uma vez ou outra matam uma cabra ou
carneiro ou mesmo uma gallinha e repartem com os seus paren-
tes, é porque tem festa em casa ; procuram afastar os maus es-
piritos ou enterrar bem algum parente para que este nSo venha
persegui-los depois.
O chefe da povoaçSo e os que assim assistiam ás nossas in-
dagações, asseveraram-nos que só depois da existência da nossa
Estação é que se via carne nas cubatas de seu povo. As lavras
iam-se exhaurindo de mandiocas, as raparigas trabalhavam com
gosto a pisar os bombos, para levarem fubá aos nossos carre-
gadores, mas tudo isso era por causa da carne.
Sendo isto uma circumstancia importante de que podiamos
tomar partido para os estimular nos trabalhos de lavoura e a
dar-lhes maior desenvolvimento, respondiam*nos com outros
factos desanimadores.
Para que, diziam elles, cultivar mais do que pode chegar
para a nossa gente?
— Depois de sairem os filhos de Muene Puto, que estSo agora
aqui, quem vem procurar os productos das nossas lavras? Os
moradores de outras povoações todos teem lavras para si ; Ma-
lanje, que é a terra de Muene Puto mais próxima, nâo precisa
dos nossos productos; o preto não mata gado nem creaçSes
para trocar por fubá, todos teem as suas raparigas que lh'a
arranjem. Os negociadores que passam, são poucos e pretos
como nós, se compram gado é para vender em outros pontos
e com uma pouca de missanga sempre arranjam que as raparigas
lhe vendam bambo e trazem as suas mulheres para o pisarem.
432 EXPEDIÇZO POBTUODEZA AO MUATIÍKVUA
— Se Maene Puto mandasse para a sua casa mais brancos,
então sim, todos cuidariam de £Euser lavras maiores^ para terem
ÊEizenda, as raparigas trabalhariam era fazer farinhas e fubá
para trocarem por carne, os homens fariam carretos e iriam
ao negocio da borracha. Se não vierem, sentir-se-ha agora muita
falta, porque não estávamos costumados a passar tXo bem.
£ a propósito do passadio, diziam elles, que antes de chegar-
mos, o usual era comerem o infunde com folhas cozidas, e
muitos dias passavam com mandioca crua e jinguba, e quando
havia milho, com massarocas passadas pelo fogo e nada mais.
Caça era tAo raro apparecer como peixe e mesmo o dissesse
(lagarta de arvores) era preciso ir longe para os arranjar em
troca de bombos.
Kotando-se-lhes que viamos muitas creanças de peito e pencas
em proporção de mais edade: — Morrem muitas, era a res-
posta.
Este facto, diziamos nós, só se pode attribuir ao man ali-
mento das mães e de não as pouparem expondo-as com os
filhos ás intempéries nos trabalhos mais penosos. Talvez seja
por isso, respondiam, mas então quem havia de ir para as la-
vras e pizar-nos o bombo? Nós conhecemos que as mulheres
soífrem e se definham depressa, mas ainda assim temos mais
mulheres na povoação que homens.
— E porque os homens certamente emigram para outras
terras?
— Não senhor, respondia-nos Sé Quitári, esta povoação é feita
por meu tio que morreu. Viemos para aqui, das margens do
Cambo, do outro lado de Andala Quissúa (W). Foi este quem
nos mandou chamar para aqui, porque o nosso sitio era muito
doentio. As emigrações na nossa terra só se dão por causa das
guerras, e nós felizmente não as temos tido ha muitos annos.
Ha de reparar que nSo ha velhos aqui, como existem lá em
cima no Andala Quissúa, mas é porque os nossos velhos não
quizeram deixar o Cambo. Nós viemos e aqui temos vivido em
boa harmonia com os vizinhos e com o jaga, e o nosso gado
augmenta, que é o principal.
DESCRIPÇ20 DA VIAGEH 433
Mas não são atacados aqui de doenças, pergtmtayamos nóS;
que estávamos soffirendo de dores rheumaticas.
— Ha muitas doenças de ventre e dores pelo corpo, mas
no Cambo soffiíamos muito mais. Eram provavelmente devidas
ás péssimas aguas barrentas na epocha em que estávamos, ás
grandes humidades e a uma alimentação miserável.
E quem mais soffre d^essas doenças, os homens ou as mu-
lheres?
— As mulheres e creanças, disseram elles.
O que nós pensámos ser certamente devido nos homens a
elles se ausentarem por algum tempo da localidade, nos seus
pequenos negócios e em procura de caça.
Estas e outras conversas que a miúdo tínhamos com esta
gente, e a que de bom grado se prestavam, mostrava-nos que
elles reflectiam, e se não tinham ideas fixas sobre o modo de
se aproveitarem da sua actividade, não deixavam de reconhe-
cer que é nisso que lhes leva vantagem o homem branco, e que
por isso mesmo gosa elle de commodidades e de um bem estar
que elles poderiam ter, e para que estavam dispostos a traba-
lhar quando houvesse a certeza de os alcançarem também.
Soífrem e vêem definhar-se^ a sua progénie; não é porque
não reconheçam o mal, é por não encontrarem o que os estí-
mulo a debellá-lo.
Que a nossa Estação já estava influindo no seu animo de
modo benéfico, reconhece-se também, e assim como elles en-
contraram melhoria para a sua existência, na mudança do
Cambo para aqui ; já reparavam que haviam de sentir differença
para um estado peor, quando a Estação fosse abandonada. E
note-se que o abandono que elles sentem é dos brancos e não
dos negociadores africanos que por aqui passam á aventura
com as suas pacotilhas, ou que residem provisoriamente entre
elles.
E porque é isto assim? Parece-nos poder explicá-lo.
Os Ambaquistas ou os que os imitam, isto é, os taes Quim-
bares, nao educam esta gente, nem procuram o seu bem estar,
antes se servem dos seus usos e costumes e procuram desper-
434 EXPEDIÇIO PORTOGUEZA AO MUATIÂNVUA
tar-Ihes os seus apetites gentílicos em proveito próprio. Faci-
litam o uso da aguardente e de tudo que mais possa embrutecer
os incautos quando d^ahi lhes resulte engodá-los nas transacçSes
que com elles procuram fazer. Tornam-se adivinhos^ tomam-se
mesinheiroSy havendo-se prevenido antes com o que mais possa
agradar-lhes, e assim os vão entretendo até receberem d'el-
les o pagamento em borracha ou em serviçaes, que é o que
mais desejam e, no entretanto, vão comendo sempre os manti-
mentos.
Espalham-se é certo esses aventureiros por todo o interior,
e alguns chegam mesmo a estabeleçer-se provisoriamente longe,
porém afastam-se uns dos outros por causa da concorrência
nas suas explorações. Um grupo de quatro numa povoação já
é raro encontrar-se.
Alguns ha que trabalham pelos officios de sapateiro e alfaiate
e também na plantação e fabrico rudimentar de tabaco, mas
como o âm seja ainda o mesmo, de obterem alguns serviçaes,
se alguém educam são estes com quem retiram logo que en-
contram opportunidade, e os proventos para os povos são ephe-
meros ; ha localidades em que se não encontra sequer vestígios
da sua passagem.
Em principio este povo mantinha-se, por assim dizer, numa
linha de respeito para cora a Expedição, estudava-nos, como
nós a elles. Aproveitavam das visitas dos potentados para
nos observarem, conhecerem o nosso modo de tratar os ho-
mens velhos e os nossos usos, e d*ahi nasceu a convivência e
uma tal ou qual confiança. Perderam depois o receio pelos
brancos, ouviara-nos e respondiam-nos já sem reserva.
As mulheres principiaram a fazer transacções com os pro-
ductos das suas lavras e mais trabalhos, e os homens apre-
sentaram-se para carretos, serviço que lhes era inteiramente
novo, indo até ao Luí, e encarreirando-se também para Malanje.
O que se ajustava era-lhes pago integralmente, e chegaram mes-
mo a deixarem em deposito os pagamentos de um certo numero
de serviços, para não receberem fracções; por exemplo, de uma
certa peça de fazenda que lhes agradava, cousa que não era vul-
DESCHIP^AO DA VIAGEM
435
gar, porque são muito desconfiados e mesmo os que estíío mais
cm contacto com os brancos querem oa pagamentos adeantadoe.
Sendo supersticiosos, soubemos tirar partido d 'isso respei-
tando as suas crenças e d'ahi uma confiança reciproca.
O fim da missSo era estndar-Ihe a Índole, cathecisá-los, exer-
cer influencia no seu animo, aproveitar a sua actividade e
crear-llie necessidades cm proveito do commercio de Malanje,
attraJiindo-os ao convívio da
província, ao mesmo passo
que os estimulávamos re-
compensando-Ih ea o traba-
lho, ensinando-llics o modo
de poderem satisfazer as
suas ambiçSes, mostrando-
llies emfira os benefícios que
(la nossa protecção podiam
■ advir.
O negociante sertanejo,
cujo fim ó realisar no menor
tempo possivel a transacção
■la sua pacotilha, não pers-
cuta, nfÈo indaga das miou-
dencias a que é preciso des-
eerse para avaliar a índole
dos povos que procura para
o seu commercio. EnfastÍa-o mesmo outra cousa que nSo seja
o seu negocio, lastima ns delongas que se dSo nas transacções
e leva-as A conta de prejuízo, quando para o indígena é uma
questão de íoteresse devido á sua índole que nâo conhecem,
do que resulta uma má apreciação sobre o povo, o desacredi-
tareni-no como selvagem, de quem nada se pode obter em pro-
veito da civilisação.
O que mais estranharam cm mis, era o nosso amor da inves-
tigação, e a nossa perseverança.
Víamos por exemplo, numa povoação, defronte ou ao lado
de uma cubata, uma tosca figura imitando um homem, cortada
436 EXPEDIÇZO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVOA
á faca numa tabuinha, ou gravada num tronco, devidamente
reservada num pequeno telheiro, ou protegida por uma trepa-
deira; víamos uma planta disposta com esmero, que se desta-
cava de outros arbustos ; viamos no caminho um amontoado de
troncos ou formando pyramide ou dispostos em cruzetas ou
quadros ; viamos uma bananeira isolada e umas cubatas em mi-
niatura ao lado, protegendo panellas de barro, umas contendo
agua, outras, matérias pastosas, outras emfim, algumas peque-
nas plantas, etc., e não nos contentávamos em conhecer os
seus nomes : muquixij quissondcj muti, nhangua^ etc.
Para bem podermos interpretar tudo isto, entravamos numa
serie de indagações e assim conseguiamos obter noçSes da
sua grosseira religião.
Apreciavam muito estas nossas investigações e d'ahi desper-
tava-se-lhes a curiosidade em fazer confrontos com o que a tal
respeito poderia existir nas terras de Muene Puto.
O muquixi que figurámos é uma copia do que existia de-
fronte da habitação do velho Mucongo. E o Zâmbi dos pretos,
nos disse este. Muene Puto tem o seu Zâmbi numa cruz, nós
não sabemos fazer mais do que isto para o representar. £u
estava muito doente e mandei chamar um adivinho, e este
depois de consultar os idolos, disse-me que nâo poderia melho-
rar, emquanto nâo mandasse fazer ou restaurar um Zâmbi.
Mandei então fazer este e desde que elle aqui está defronte
da minha porta, estou muito bera.
Sé Quitári, que nos acompanhava na occasiâo, pediu-nos para
irmos também ver o seu. Era uma figura tosca, excavada num
tronco e serapintada de preto, encarnado e branco. E confir-
mou-nos elle, que também gosava saúde desde que ahi o col-
locou com o devido resguardo.
E coratudo nas cubatas de ura ou outro gentio, na parede
do fundo sobre um retalho de baeta encarnada, lá estão os
crucifixos de metal que o nosso commercio lhes leva.
Acreditam elles que o Zârabi dá felicidade ás pessoas que
os mandam figurar e também ás povoações, e por isso se al-
guém o inutilisa, é multado para fazer um novo.
DESCBIPÇlO DA VIAGEM 437
E note-se que se serviam da palavra Zâmbi, nSo porque seja
este o vocábulo usual que é o equivalente muquixi, mas para
que comprehendessemos melhor o valor que para elles tinha.
E insistindo nós em conhecer a idea que tinham do Zâmbi^
responderam : — Nunca o vimos, mas nós vivemos e morremos
quando elle quer.
O seu modo de pensar com respeito á morte, revela-se na
seguinte explicação de Sé Quitári : — Morre o homem, mas a
vida doeste apparece noutro corpo, se os parentes nâo chora-
ram bem a sua perda ou não pagaram as dividas que elle dei-
xou. Este persegue-os até que isto se faça e até que âque sa-
tisfeito por se lhe ter dado boa comida.
Este homem, querendo provar-nos esta sua convicção, e in-
vocando o testemunho dos seus parentes e mais gente que o
ouviam, acrescentou.
— Quando adoece algum dos meus bois, ou tenho infelici-
dade èm casa, mando chamar o melhor curandeiro das terras do
jagado e este faz apparecer o meu pae com outra cabeça; eu
então mando vesti-lo e dar-lhe muita comida d'aquelle boi que
adoeceu ou de outro se a infelicidade é de outro género, e isto
porque meu pae nunca teve gado, e já uma vez estando a
dormir me appareceu, dizendo que eu estava muito rico e nSo
me lembrava d'elle que morrera pobrç, sem nunca ter visto
uma cabeça de gado na sua posse.
E como sabe que é seu pae, lhe perguntámos, o homem que
o curandeiro lhe apresenta? — Porque me conta muitas historias
antigas de seu tempo, das suas caçadas, das suas guerras e
nomeia todas as pessoas da nossa familia.
•Indubitavelmente, o espertalhão do curandeiro tirava par-
tido da credulidade doesta gente, diziamos nós, mas respeite-
mos as suas superstições ao mesnío tempo que lhes vamos
apontando a superioridade da nossa crença, para elles estabe-
lecerem o parallelo e tirarem as suas conclusões.
Comprehendiamos assim o nosso papel de propagandistas do
bem entre estes povos; éramos bem acceites e previramos o
successo do nosso modo de proceder.
438
EXPEDIÇÃO POKTUGUliZA AO MUATIANVUA
Naa nossas commmiicaçSea ao Ministério, ao Govemadoí
geral de Angola e ao negociante Custodio Josú de Sousa Ma- j
chado, lembrámos a. conveniência de nos fazer render nesta
Estação e a este ultimo por uma casa âlial da sua, emfim '
o aproveitar-se de qualquer modo a influencia que chegámos a
adquirir entre os povos em redor.
à efficacia das nossas EgtaçijCB até ao Cuaitgo, quando nito |
fosse por outro motivo, tornou-se bem palpável, porque aua-
tentavH nSo meuos de setenta indivíduos, que eram permanen-
que I
1 troca dos
alimentos que lhes eri
indispensáveis, espalhavam j
diversos artigos do nosso ]
commercio. Era um prin-
cipio devida, porqueliouve ]
iluem amontoasse alguns
desses artigos e dos adqui-
ridos com transportes das j
nossas cargas, parte dos |
quaes trocados depois pOP
sal e este com a outra |
parte, negociados no Pein- '
de e Xinje por borracha,
"^ íiTomo B«uu (uTiRpmiTí) "i" '!*'■*'** ^^ transformaram
ncsfa Estação, já entSo fi-
lial de C, Machado, em fazendas c outras mercadorias, mas ,
em quantidade muito maior.
Tivemos no interior noticia do bom negocio que nesta casa
estava fazendo o empregado de Machado, das hoaa relaçSea qae
mantinha com os povos vizinhos e da animação que entre estes
reinava para fazerem as suas excursSes entre o Cuango e o
Cuengo ; sendo certo que no nosso regresso, entre as EstaçBes
Paiva de Andrada e esta, em sitias até ali desertos, se viam
novas povoa^^Bes e muito gado,
O gado estava dando um bom rendimento para estes poros,
era procurado para negocio além do Cuango e para a nossa ,
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 439
província de Angola nos concelhos a leste do Loanda^ o que
antes da vinda da Expedição só fazia um ou outro, mas em
pequena quantidade e de tempos a tempos.
Uma rez que neste logar poderia importar no valor corres-
pendente a SjJOOO ou 4f5000 réis, no açougue em Malanje pro-
duzia de 15^000 a 20^000 réis, no Dondo mais, e em Loanda
mais ainda. E um bom negocio.
Os povos do«Lui, do Ámbango principalmente, vendo que
os de Andala Quissúa, sem repugnância alguma, andavam no
serviço de transporte das nossas cargas para a EstaçSo no seu
sitio, também já ahi appareceram a pedir cargas e a mudança
fez-se mais rapidamente do que pensávamos.
Para a Mussumba, é que não era possivel angariar carregado-
res, nem com a intervenção do velho jaga Andala Quissúa.
Nós não pudemos deixar de attribuir este facto, ao que se
chama intrigas de Cassanje, intrigas que nos foram comprova-
das com a chegada do interprete António Bezerra, que por
doente só ôntão se apresentou ao nosso serviço, com o famoso
documento a que damos publicidade, e que nos enviou o ne-
gociante Machado, de Malanje, onde se lhe asseverara, que
em Cassanje tudo se preparava para evitar a passagem da
Expedição no Cuango, ou fazer pagar caro essa passagem.
Documento enviado por Custodio Machado ao chefe da Ex-
pedição.
Amigo c sr. António José Pereira :
Rogo-lhe o favor de me dizer ao pé d'e8ta o que o amigo me disse
que havia ouvido referir ao gentio de Cassanje, com referencia á pas-
sagem da Expedição portugueza, de que é chefe o sr. major Henrique de
Carvalho; pois muito me obsequeia, informando-me por escripto para
prevenir consequências e por cujo favor muito grato lhe fica o seu
Attento, amigo e muito obrigado.» Custodio «/. de Sotua Machado,
Resposta.
No dia 28 de outubro cheguei ás margens do Luí, aonde passei o dia.
Ko dia seguinte chegou uma embaixada do banza Quissúa Cá-Ambum-
ba, do Hiongo, chamar o Quiluange-Quiá-Cassanje, para irem impedir a
440 EXPEDIÇXO POBTaOUEZÁ AO muatiínvua
Yiagein ao IlL** Sr. major Carvalho ; disendo mais, que sem €altm com-
parecease para receberem £uenda d*aqaelle senhor, porque se o deixas-
sem passar, ao depois, todos haviam de querer passar de graça.
Sem mais, seu attento amigo e obrigado. -= António Joêé Pereira.
•
Nota. — O mesmo António José Pereira, que acima me deu aqueUa
resposta, me disse pessoalmente que o sr. major estava impedido de pas-
sar, pois que o gentio do Hiongo, por onde o sr. major tinha feito a via-
gem, se oppunbam á sua passagem á viva força, e que, mesmo assim,
lhe haviam de exjgir ama grande quantidade de £uendas. Mais me disse
que ao gentio de Cassanje ouvira dizer, que nSo convinha a passagem do
sr. major para o Muat*Ianvo, visto como ia fiizer amiaade com elle da
parte do Maniputo a fim de os desg^raçar.
Foi isto que elle pessoalmente me disse em casa de Alfiredo, onde se
achava em tratamento de uma biliosa. N2o vejo que o que ^le disse,
viesse modificar cousa alguma do que eu tinha dito naa rninhaa eonver-
sas, e por muitas vezes ao sr. major.
António José Pereira é sócio de Alfiredo José de Barros, na easa de
Cassanje. = Custodio Machado,
A vista d'este docameDto^ felicitava-nos Maclúido, por já me-
tade das cargas da Expedição estarem além Cuango, na Ea-
taçSo Costa e Silva, e sem que tivesse havido difficuldades e
punha-nos de sobreaviso para algumas tramóias no fiitiiro, qne
nos pudessem preparar os Bângalas, a quem não convém qne
08 brancos estabeleçam relações commerciaes directas com os
povos do interior, pois querem elles ser os mediaDeiros, para
nâo perderem nos seus interesses.
DESCRIPÇXO DA TIAOEH
1'ARTIDA DA USTAÇAO FEEREIKA DO AMARAL
' oudo pois de nos sujeitar ao ex-
pediente de caniinliarraos de Es-
tftçílo em EstaçSo, com os carre-
gadores que tivessemoB e fosse
possivel ir obteado pelo tran-
sito naa povoações, para essas
■ pequcmis distancias, e fendo
completado ura mcz de obser-
vações meteorológicas, prepara-
mo-noB para sair d'esta Estaçito
era 23 do novembro, fazendo a
j correspondência para a metró-
pole, aproveitando o correio que
no fim do mez seguiria de Malanje com as malas para o pa-
quete que sala de Loanda em 15 de dezembro.
Annunciada a nossa partida, de novo se apresentaram os po-
tentados conselheiros do jaga o chefes de povoação a visitarem-
noB, trazendo os seus presentes de comida para a viagem, em
retribuição do quê esperavam também presentes de fazendas^
missangas, pólvora, etc. •
As chuvas estavam de volta comnosco e era preciso apro-
veitar os intervalloB em que cessassem; assim no dia 23 e a
4tô KXFEDIÇXO FOBTDSDBU 10 VCATIIhtiU.
differentes horas, B&irani três partidas de carregadores de pro-
Teniencias diversas, vi^riadas por gente nossa, nHo obstante a
eonfusSo de delegados do relho jaga, ambanzos e Bobas, cjne
encliiaiQ a Estaçilo, para se despedirem de nós.
O jaga mandara mna raparigninha de presente para Muene
Pato, pedindo que não saíssemos dn terra zangados com cUe,
por n3o ter apresentado os carregadores que prometera para o
Uuatiãnrua; que furam os seus Cltios qce faltaram, com re-
ceios de Caasanje e do Miiatiãnroa ; que elle era filho de Muene
Puto e quería a sua amizade.
NSo tendo nós já na Estação cousa alguma com que retri-
buir aquella attenção, nem nos convindo lerar a pequena para
u terras da Lunda, pedimos desculpa de não acceitar o prc-
■iCnte, porque as nossas leia Já nSo permittiam que tivéssemos
ftscravos, como elle bem sabia, mas para que não tomasse como
desfeita a recusa, enviámoa-lhe um chapéu armado, como recor-
dação de bons amigos que forumos, e visto elle estar velho,
mandávamos- lhe dizer que nào se esquecesse, para felicidade
de seus povos, de prestar vassallagem a Muene Puto, como
tínhamos combinado.
Todos queriam aguardente por despedida, mas já nSo a ha-
via e por isso lhes dêmos uma caneca do ooaso vinho para dis-
tríbuirem entre si.
Ainda nos appareceu o velho da povoação fronteira com nnoa
boavacca; dissemos que sd a acceitariamos com a condiçSo
d'el!e mandar gente de sua confiança á EstaçSo Paiva de An-
drada, para lhe darmos também um presente de despedida.
Uma das nossas barricas de atum, estava perdida, mas Sé
Quitán lá ficou com ella e teve de a repartir pelos seus coUe-
gas, bem como os garrafões vasios, pois que nos viamoa em
sérios embaraços para satisfazermos os pedidos que tivemos.
Até restos de assucar num assucareiro e jimbolo (pedaços de
de bolacha), a todos chegou para o seu Zãmbi.
É costume entre estes povos, quem tem um crucifixo, pôr
a seu lado embrulhado num retalhiaho de fazenda, uma pitada
que seja de assucar e um pedacito de pilo ou bolacha.
DESCRIPÇlO DÁ VIAGEM 443
Tinham chegado na véspera uns portadores com um officio
do jaga Calandula Muânji, e juntamente um outro de S. Ex/ o
Governador geral da província, recommendando-nos uma pre-
tensão do jaga com os potentados Quissengue e Bungulo, entre
os rios Luachimo e Chicapa e como os macetas a que se referia
esse officiO; de que damos conhecimento, ficaram de vir ter
comnosco e de nos acompanharem, mandámos dizer ao jaga,
que procuraríamos satisfazer as determinações do Sr. Gover-
nador geral quando se apresentasse a occasião e apparecessem
os seus macetas, e aproveitámos ob portadores para levarem
para Malanje a nossa correspondência.
Faltavam dez minutos para uma hora da tarde, quando dei-
xámos a Estação Ferreira do Amaral.
Do Jaga Calandula ao Chefe da Expedição.
«Cumpre-me remetter a V. o officio que lhe veia do governo geral da
província de Angola, onde veia o meu despacho a am requerimento que
eu tenho mostrado o meu sentimento de matar mens filhos e as gentes
e pontas de marfim e borracha pelo filho de Muana Quissengue de noinè
Quissanda, de Mona Mucungo, da naçSo Cahongo, habitante á beira do
Qulcapa a outra banda d'elle que espero V. mandar seu despacho a este
requerimento.
«Deus guarde a V. Quilombo, 17 de outubro de 1884. — 111.»» e Ex.»«
Sr. Chefe da Expedição ao Muata lanvo. == D, António Martins da SUva^
Calandula Muanji.»
De S. Ex.' o Governador Geral ao Chefe da ExpediçSò.
Tendo -se o jaga Calandula Muanji, D. António Martins da Silva^
queixado a S. £x.* o Governador geral, contra os sobas Quissengue e
Bungulo, do sitio Qulcapa, sobre o roubo por estes mandado commetter,
segundo aquelle allega, de uma porção de marfim e cera que o filho do
requerente André Domingos, trazia da Mussumba, terras do Muata
lanvo, onde fora negociar, sendo aprisionado nessa occasiSo o dito seu
filho, e mortos os serviçaes que o acompanhavam; e pedido o mencionado
jaga que V. fosse auctorisado a levar em sua companhia áquellas ter-
ras 08 seus macotas, a fim de lhes servir de medianeiro na reclamação
que vão apresentar aos sobas de Quissengue e Bnngnlo; o mesmo Ex."*
Sr. houve por conveniente dar ao requerimento do supplicante o despa-'
cho seguinte : •Eutenda-se o aupplicoute com o mftjor Carvnlho, e as
ordena que elle sobre o assumpto der, é com» ac fossem por mim dadas*.
O que commanico a V. pam Bca conheciment':) e devidos eSettos.
Deus guarde a V. Secretaria do Governo Geral em iKMUida, 25 de
outubro de 1884. — ...8r, major Henrique Augusto Dins de Carvalho,
chefe (la Expedição ao Muiita Ihhvo. =Aiberta Cario* d'Eça de Queiroz,
■ecreUrío geral.
A S. Ex.* O MÍDÍatro dos Negócios da Marluhft e Ultramar
Dl."' e El."" Sr. — Tendo de mandar uma cftiía com exemplares da
ilora d'estea arredores para Malanje, colhidos e devidamente estudados
pelo meu cotlcga Sizcntuido Marques, aproveito a opportuu idade dos
portadores para maia eircinnstaneiailamcntc prestar a V. Ex.* Ctn addita-
mento k minha ultima com mu nica; ão de (i do corrente, maia alçuna es-
clareci mentos sobre cstca povos, eom oa quaes a Expedição tem mantido
boas rela^SeB, porque se nic afigura que ficaram lançadas as base^ para
eatas se assegurarem firmemente do futuro, com muita vantagem para
o commercio do interior da provipeia, e ^uo portanto nào será Jifficil
conseguir que elles de bom grado venham avoasalar-se á Nação Porlii-
Pcloa croqui* do itinerário j& enviados e pelo que agora rcmetto da
Estaçilo Paiva de Ãndrada ao território dos Xinjea, v£-se que a Expedi-
ç3o pouco se desviou do qui" cm Malanje projeolúra c dn qui' ii V. Ex.*
com muni q uei. Ob desvios que houve, sSo devidos âs ainnosidadea qne
tivemos de percorrer, o que é bem preferível a fazer derrubadas, par» o
que ae carecia de um pessoal habilitado e de tempo que melhor ae deve
aproveitar em trabalhos mais úteis.
Passou a Expedição por povoaçúcs importantes, sujeitas a grandes po-
tentados independentes, entre estas as dos Bondos do Andala Quiasúa,
e as doa Huris de Mucto Anguimbo, com quem entreteve relações de
amliade que podem ser muito aproveitadas peloa Portugueaea que m
procurem ; estabeleceu Estações em localidades, cujas distancias de nmaa
ás outras nâo excedem 63 kilomctros, e que um indígena com carga de
GO a 70 libras vence em trea dias ; e trausilou por caminhos em que oi
riachos e rios que se encontram facilmente se atravessam, sendo o mais
importante d'esteB o Lui, cuja altura de agua onde passámos a vau n2o
attinge 1 metro, mas que na epocha das grandes chuvas se passa em
canoa, como o Cuango, em todo o tempo, e é meamo de^qnena largura,
80 a 90 metros.
Apenas entre o rio Cambo e este sitio Cafúxi, se encontraram no nosso
caminho vallcs mais pronunciados que fatigam os viajantes a pé e os
eanegadorea, mas que nSo s3o difficcis de transpor, pois as múores
DESCRIPÇÂO DA VUGEM 445
dififerenças de nivel chegaram o muito a 90 metros, sendo elles em nu*
mero de cinco, de modo que a dífiferença de altitude entre Malanje e
Cafáxi, depois de se elevar em Catalã a 106 metros, desce gradualmente
464 metros.
O transito é feito mais entre florestas do que em terreno descoberto,
e só de Cafúxi em deante se encontram terras encharcadas e de 7 a 8
kilometros de distancia do porto do Cuango ha um pântano que se es-
tende até lá, mas que enxuga no tempo das seccas.
Quer se saia de Malanje pelo Anjinji, S.-E., quer pelos Bondos, N.
E., pode dizer-se que até ao Chissa e Catalã se caminha em território
sujeito á influencia da civilisação de Malanje, e diremos mesmo, á au-
ctoridade portugueza ; porém 20 kilometros a N.-E. de Catalã, onde se
estabeleceu a nossa primeira Estação, Vinte e Quatro de Julho, a povoação
e todas as mais d'ahi em deante são puramente gentias, sujeitas a au-
ctoridadcs e na obediência do jaga Andala Quissúa, que em tempo foi
nosso vassallo, mas que depois das guerras de Cassanje, se considera como
tal, nunca se lhe exigindo porém que prestasse o devido juramento.
Quando este potentado, que esteve preso na cadeia de Loanda, foi
posto em liberdade, era certamente boa occasiSo, usando de uma diplo-
macia acertada, para definir bem de uma vez a nossa posse ao território
em que elie domina e que é realmente muito grande.
Hoje mesmo nào seria difficil chamá-lo a nós, pois pela sua avançada
idade, respeito pela auctoridade do governo de Sua Magestade, pelas
boas relações que tem procurado que os seus povos mantenham com a
nossa Expedição, e ainda pela ambição de ter em suas terras estabele-
cimentos de brancos, com fazendas, missangas, pólvora, armas, aguar-
dente ; sou levado a crer que está bem disposto, e só espera lhe indiquem
o caminho que tem a seguir para ser bem acceite.
No seu conselho entram os herdeiros que melhor ou peor percebem
o portuguez e o que ha de succeder-lhe no governo, nesta convivência
de três mezes, tem- nos sido bem sympathico. Talvez mais tarde, quando
o conselho mude com a successão, as disposições dos novos conselheiros
nos não sejam tão favoráveis. Pela rivalidade que existe entre este povo
e o de Cassanje, lamenta o jaga, seus filhos e ambanzas, que Muene Puto,
segundo ellc, por tanto tempo desprezasse esta terra e que apesar da re-
bcllião de Cassanje, para lá tivessem continuado a ir feirantes portugue-
zcs ; quando as suas terras são mais saudáveis e os filhos de Muene Puto
aqui seriam mais estimados e poderiam ter auctoridades independentes
que 08 protegessem, sendo elle severo com o seu povo todas as vezes que
não tratasse bem e respeitasse todos os filhos de Muene Puto.
Em outro tempo, me disse o jaga um dia, intrigaram-me com Muene
Puto, e se clle ainda acredita nas intrigas, porque não manda para estas
suas terras soldados e capitães para guardar as suas fazendas? Porque
446 EXPEDIÇZO POBTDOUEZÁ ÀO MUÁTIInVUA
primeiro, Beria necessário, lhe respondi, que o meu amigo preatasae ju-
ramento de bom vassallo.
— Mas eu eston entrevado, bem vô.
— Pois mande seu filho mais velho, com os macotas do eonselbo a
Malanje, se não podem ir a Loanda.
— Hei de fallar neste negocio ao conselho, mas para irem procurar o
sr. governador a Loanda, quero que lhe levem um bom presente, como
fez o jaga de Cassanje, foi a sua ultima resposta.
Todos estes povos em redor das Estações e suas vizinhanças, podem
dizer-se de boa indole, morigerados e com pequenas variantes, apesar
de supersticiosos, adorara o Deus de Muene Puto, posto continuem a ter
o sen. Para elles. Deus, é o que pode haver de maior, porque Muene
Puto é um homem muito grande, mas o Zâmbi é superior e já existia antes
dos homens, é o Sé Culo^ o primeiro entre os entes que pode haver de
mais veneração pela sua antiguidade, velhice, etc. Esta crença tem-se
transmittido de pães a filhos. Acreditam que o Zâmbi existe invisível
mas que ha de ser superior a tudo que conhecem e possam vir a conhecer.
Imaginá-lo é uma questão do adivinho, e acceitam qualquer forma
que se lhe dê, porque acreditam que só os adivinhos é que os podem figu-
rar ; são estes por elle inspirados ao dar-lhe uma forma para sua ima-
gem, seja qual for o material.
Não ha povoação onde estas toscas imagens de formas rudimentares,
não estejam resguardadas. Seja sob pequenos telheiros ou nichos, sobre
o solo, ou um pouco mais acima sobre uma espécie de estrado, vêem-se
essas figuras, umas vezes com pernas outras sem ellas, de pé ou acoco-
radas, mas sempre disformes, com cabeças largas terminando superior-
mente em bico, havendo-as até com chapéu. Aos lados d*ellas, na mesma
linha, vêem-se objectos para ornamentação, que variam segundo as povoa-
ções e os artifíces e representam segundo a phantasia de cada um, cai-
xas, lâmpadas, canecas, etc.
Povoações ha, em que existem dois, três. e mais doestes telheiros.
O que é mais curioso, é a razão da sua existência, é quasi sempre a
mesma em toda a parte onde os tenho visto. Um dos homens da povoa-
ção, geralmente um velho, esteve muito doente, foram infructiferos os
medicamentos applicados, chamou-se um adivinho dos mais afamados,
consultou-se, este achou grave a doença, porque era de idolo, e para se
salvar do mal que este lhe pretendia fazer, devia o doente mandar ar-
ranjar primeiro que tudo um muquixi para o Zâmbi e depois festejar
o idolo e trazê-lo sempre contente.
Em geral todo o muquixi tem uma rasão de existência entre elles e
por isso é um caso de gravidade, por qualquer circumstancia, inutilisar
um, ainda que para isso nâo houvesse propósito.
Também estes povos acreditam que se morre, mas que todos nós te-
DESCRIPÇlO DÁ VIAGEM 447
mos em vida o Catumbl >, e este é imperecedoaro ; entra no corpo de qual-
quer racional ou irracional e persegue os parentes ou amigos, até que
elles satisfaçam os compromissos que o defunto não poderá satisfazer
emquanito por cá andara neste mundo, ou chorem devidamente a sua
perda, pois elle não ficara satisfeito com o ceremonial que lhe fizeram.
As festas de óbito entre estes povos, têem de commum: o chorar e
carpir desde que o doente expirou até que se enterra, fazer tiros de fu-
zilaria, se ha pólvora, e beber de preferencia aguardente, até que os da
festa estejam todos embriagados. Depois do enterro ha fuzilaria ao nascer
e pôr do sol, danças toda a noite, choros, e comes e bebes, a diversas
horas do dia. Estas cerimonias duram de três a oito dias, segundo as
posses. Os parentes durante as ceremonias, que correspondem ao nojo,
passam a andar apenas com as partes pudendas tapadas e rapam me-
tade da cabeça de um lado.
Se ha gado ou posses para o adquirir, a carne faz parte das refeiçÒes.
Estas ceremopias, segundo os povos, são mais ou menos complicadas
dependendo da jerarchia do fallecido.
O Cazumbf geralmente apparece de noite, quando se está recolhido para
dormir, mas também pode mostrar- se de dia aos que são dotados de gé-
nios mais apprehensivos, principalmente quando se caminha sósinho, e
é frequente essa apparição quando se vae buscar agua ao rio e se não
encontra outra pessoa.
Não se sabendo a que attribuir o seu apparecimento, chama-se um
adivinho e esse tira partido do estado exacerbado em que se encontra o
individuo que o consulta, o qual em regra está prompto a dar tudo
quanto possue para se ver livre do Cazumbi que o amofina, lhe tira a von-
tade de comer ou tem sido causa da sua doença.
Que mais simplicidade e mansidão poderá haver do que a doestes
povos !
O homem é tido em geral como indolente por não saber como em-
pregar a sua actividade, não haver encontrado quem o educasse para
esse fim e ter na mulher uma serva que cuida das lavras, fabrica a fari-
nha e a fubá, cozinha o infunde, acarreta as lenhas e agua, etc
Muito débil em geral esta gente, pela sua escassíssima alimentação,
e de modos commedidos, por um pedaço de carne toma-se exigente, dá
o melhor que tenha para o obter em substituição de umas hervas ou fo-
' Ccuumbi interpretam os Ambaquistas por espirito, alma de individno que morre e va-
gueia em procura de outro corpo de racional ou irracional onde se introduz e nunca é para
bem da localidade a que elle pertenceu on dos habitantes que continuam li existindo.
Muitaa vezes vílo perseguir as pessoas de sua família, embora em viagem oa residindo
j á em outra povoação.
Ihaa de mttuàiorax, se é qne as tem para comer. 8e nada tem, eza^-
pera-se, pertie a cabpça i vista do uma rez recentemente morta c bòo
pode cod|i;t se <]iie não puxe da sua faca e cort« nm pedacilo que seja
de carne, se ê que d3i> trax comsigo alguma cousa em que poMl levar
um pouco de sangue, com qne até os mais desprovidos de sorte ee con-
tentam. Por causa de um pedaço de carne temos assistido a lactas de ca-
racter grave, mesmo entre os cootractadoa de I^oanda. Parece que a
fista do sangue lhes perturba o organismo, e que d'abi provem a necca-
■idadc de luctarcm para que essa perturba^io se acalme.
E é notuvel que ainda o maia abastado, a não ser por motivo muito
extraordinário, não mandu matar uma rea da eua manada. O' este ponto até
ao Cuango, vécm-se manadas de bom gado vaccum, mnitos porcos, ca-
íras, carneiros e mesmo galiiulms; pois os povos, SC alguma carac come-
ram durante o tempo qne por ek estamos, obtiveram-na por via de tran-
sacções com o pessoal da nossa Eipedição de quem a conseguiram comu
presente ou por compra.
Ab mullicrcs vão acarretar aguo e lenha para os nossos carregadores.
a6 com a mira cm receberem unia isca de carne como retribuição.
Vendem um ou outro animal pela necessidade que téem de fasendaíi
-e pólvora, mas ainda aasiiu esperam que por aqui apparcça algum Quim •
bare á procura de gado para alcançarem maior preço.
A Expedição tem obtido com facilidade gado por preç«s muito re^u-
IsreB, o que dá as raçúea mais cm conta, porque uma parte d'estas è a
melhor mooii» (jiie os nosson carreiriidrires poiliam obtt-r pura penuutiir
pelos productos das lavras, farinhas, etc.
Naa localidades em que se levantaram as EstaQ^B, anccedeu em
principio o que era de esperar. O povo sem distincção de sexo nem de
idade, rodeava-as para ver os brancos e vê-loa comer, escrever ou faxer
qualquer cousa, ouvi-los fallar, etc.; se porém um de nós chamava al-
guém ou a elle se dirigia, fugiam ; ee passava por algnma cubata e perto
estava o morador, era certo escondcr-Be, e se fosse mulher, fiachar a
porta se para isso tivesse tempo, etc. O branco para cUes era um indi-
viduo que lhes podia faxer mal.
Passados alguns dias, conheceram o sen erro, pois as creançae eram
bem tratadas e recebiam um mimo, nma caricia, o que lhes agradava; o
soba havia recebido presentes, conversava muito socegado ao lado de nm
de nós, estava muito senlior de si, animava a sua gente a approiimar-se ;
alguns alcançavam boa paga pelos brindes que faziam aos brancos, ovos,
• gallinhas, farinhas, cabras, porcos, bombóa,feÍjSo,batatas, bananas, etc,
e esses attrahiam os outros e procuravam também obter bieudas, mis-
sangas, etc. ; d'aqui se originou a approximação, s confiança, a penna-
taçSo, a conversa, as boas relações o emSm divulgarem-se pelas tízí-
nbanças as boas qualidades dos brancos, filhos de Muene Pato.
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 449
Os homens vêem entrar e sair das Estações, cargas ás costas de in-
divíduos de outras povoações, vêem que estes andam melhor vestidos que
elles e que trazem para permutar por alimento fazendas e missangas,
sabem ^e isso é resultado de serem bem pagos os serviços de transportes
e são elles mesmos que se dirigem aos sobas a pedir que se interessem
com Muene Puto para os admittir nestes serviços e a pouco e pouco vâo
conhecendo os bons resultados da sua actividade para o trabalho.
A procura doestes serviços pelos homens e a permutação por parte das
mulheres, de mantimentos por carne, faz- se nas Estações que hoje man-
temos, e aqui tem V. Ex.* como estas estão exercendo grande influencia
nestes povos, concorrem para a sua melhor alimentação, para que se
vista a maior parte da gente com fazendas novas e ataviem seus filhos
e mulheres com missangas e braceletes de latão.
O que nos causa muita impressão é a grande mortalidade das crean-
ças, quando nos convencemos que não é pela insalubridade das terras e
sim pelo fraco leite das mães e da exposição em que andam ao sol ar-
dentíssimo e ás chuvas torrenciacs, ás costas d*ellas emquanto estas tra-
balham. Mas este mal, modifícar-se-ía facilmente, pois o povo aqui é sus-
ceptível de civilisar-se, e basta para isso o contacto comnosco.
Sc se organizassem as Estações de modo a manter-se uma creche em
cada uma d'ella8, com o indispensável pessoal feminino para as crean-
ças, os primeiros resultados serviriam de incentivo para os indígenas
imitarem estas benéficas instituições.
Devemos convenccr-nos de que os indígenas por aqui, não inventam,
não criam, mas imitam tudo que lhes proporcione vantagens. Factos,
exemplos frisantes, que elles comprehendam e com os quaes possam es-
tabelecer comparações é do que elles carecem; convencendo- se que lhe
resulta interesse cm imitar o branco, esquecem o que tinham, e adoptam
a innovação com que procuram logo famílíarizar-se.
Conservando-se estas Estações abertas, podem contribuir para facili-
tar o commercio no interior, a leste de Loanda, e para se angariarem
carregadores para o transporte das suas cargas, de que se sente, prin-
cipalmente cm Malanje, uma grande falta, e a qual, segundo as ultimas
noticias, augmcnta de dia para dia. Mas o que sobretudo mais é para es-
tranhar e com o que a Expedição se gloria, é ter-se conseguido que os
povos da margem do Luí, que nunca pegaram numa carga e alguns nem
saíam das immediações de suas residências, não só transportassem as
nossas cargas ao Cuango, mas ainda as tenham vindo aqui procurar para
a Estação Paiva de Andrada, para terem a preferencia a transportá-las
d'ahí para o Cuango, com receio da concorrência que ahi deve haver. Vem
buscá-las a 65 kilomctros de distancia e assim augmentam os seus inte-
resses. Não será difiícil pois, que elles cheguem até Malaúje e uma vez
aqui, onde encontram em abundância e mais em conta com que satis-
4XO BXPEDIÇSO FOBTDGCEZi. AO HDAtUrTOA
&ier u mu Deoeiâídadea, fuilmeoto ae irSo «ncatrumido n» aorvi^
de transporte entre os coni^clhos viEintos.
Eneetado o csminliD cnmo o foi por nós neste propósito, cumpre pro-
seguir, mu prosegair com DiRlhodo, justiça e ucerto. Seria reatnwiitc àa
gnaàe conTeoíeDciK que ente coetutuo se eetabeleeeBae, não bÒ para ga-
nutÍT ao conunercio uma estrada segura pura as euob transactues alâin
do Cuango, como para eile poder coutar com os uiirregadores que lhe são
indispensavdB entre ae chbus de suae rulatòca. Em Andala Quinguiui^a,
eataMecida a EstaçSo dpade 21 de julho até 4 de outubro, pemiaueceu
aU sempre nm doe europeus da Expedição e depois foi entregue a um
empregado do negociante Narciso Antouio Paschoal. A Eatuçâo Ferreira
do Amaral, eãtA aberta desde 15 de agosto dcTeudo uús deixá-la em 22
do corrente; também aqui estiveram europeus durante três rocies.
- A EetafXo Puva de Aadrada, ou melhor, na, localidade cm que cila
■e levantoo, desde o 1." de setembro que lá tem estado sempre um eu-
ropeu, e como alii nos deinoTorertioa aiuda até aos uieadoa do mez pró-
ximo, excederá de três mezea a piirmauoncia de europeus ali.
Na Eataçio Coata e Silva, já lá cata o ajudaute desde o 1.° do cor-
rente e decerto ainda sM teremos demoro, u3o obstante serem os meus
desejos aetÍTar a partida para o interior. O governo poderia aproveitar
Aqaellft EstaçSo para nlojiinicnto de uma missão europeaque ahi cootíe- .
gnisse attrabir o commeroto e segurar o porto do Cnaugo, no ijne ma em-
penharei, interessando por emqnanto nesse propósito o n^ociante JeaA
Vasconeellog, a quem entrego a Estaçlo.
Nas primeiras três Estações, tem havido pois um contacto directo de
europeus com oa povos gentios vizinhos durante três mexes, o qne exer-
ceu uma influencia benéfica entre estea, e não ha exagero quando asse-
vero que de facto se crearam para ellce certas necessidades e que sa
um ou outro as poderia já conhecer pela passagem das eipediçSes de
S. Machado e da allemã, pois é provável que estas espalhaasem algumas
faiendae, é certo por6m que esse derramamento deveria ser em escala
muito insignificante, poía aó ae poderia dar por alguns presentes aos po-
tentados e por troca de algum alimento para os carregadores, numa
passagem rápida.
Repito, este povo e em geral o gentio, é na verdade indolente; mu
mostrando-lhe o que se lhe dá cm troca de seus serviços, nSo os tllu-
díndo ou ludibriando nos pagamentos, fazendo-lhes ver que náo ha inte-
resse em enganá-los, vero prestar os serricos que se pretendem, em troca
do que ae contrata.
Citarei um exemplo a V. Ei.* Quatro homens de Andala Quingnan-
gna, que tinham trazida para aqui cargas por três vezes, dias depois de
ter fechado a Estação naquelle ponto, vieram aqui pedir cargas para o
Coango. Receberam o pagamento em fazendas, do qual apenaa tiraram.
DESCRIPÇlO DÁ VUGEM 4Õ1
2 jardas para permutar por comida no caminho, e pediram para lhes
guardar o resto. Foram commigo ao Cuango e voltaram.
Como d'aqui continuassem a sair cargas para o Lui, pediram nova-
mente para fazerem serviço e cá deixaram o pagamento. £m voltando,
três ainda voltarão e um irá a Malanje para me levar dob garrafSes de
aguardente ao Cuango e d^ahi ha de trazer a nossa correspondência
para Malanje. Razão tenho eu pois para acreditar, que bom seria que esta
aprendizagem de civilisaçSo iniciada aqui, nSo ficasse nisto por falta
de quem venha residir nas Estações e as aproveite para o commercio.
Nesta data escrevo ao negociante Custodio José de Sousa Machado,
em Malanje, para mim um dos homens mais sensatos e mais dedicados
que ahi conheço, para que mande estabelecer nesta Estaç&o um empre-
gado de sua confiança, tomando- a assim um posto intermédio entre a sua
casa de Malanje e a filial do Cuango.
Confio no patriotismo de Custodio Machado, emquanto o commercio
não vier aqui, pelo menos estabelecer filiaes, e que este posto, ha de con-
correr, para que se nSo percam os trabalhos da Expedição, e evitar que
o commercio, que tende a seguir pelo norte para a costa fuja de todo de
Malanje; confio também que o encarregado continuará a encaminhar
estes povos no serviço de transportes, cuja falta se tem feito sentir nos
últimos annos em Malanje e concelhos próximos; finalmente que elle
alargará o mercado do consumo da aguardente, o qual particularmente
digo a y. Ex.*, é o que faz mover tudo aqui, o que será uma felicidade
para os agricultores de Malanje, que por falta de consumidores em pouco
não tardarão em ver cheios os seus armazéns e depreciada a mercadoria,
pois que para fornecer a costa por emquanto, lá estão as florescentes
propriedades de Alto Dande, Cazengo e Cuanza, com outros recursos
de transportes, com os quaes os proprietários e productores de Malanje
não poderão competir.
O que deixo exposto não se refere só aos povos d'esta localidade,
mas a todos os limitrophes do transito da Expedição até aos Haris. Com
os do Capenda-ca-Mulemba, estou convencido que pouco tardará que a
casa Machado em Mona Samba Mahango, não tenha influído para que
se dediquem ao serviço de carretos, e pelo menos para pequenas distan-
cias, da margem do Cuango ao local da Estação, já nós o alcançámos.
E todos estes povos sabem bem distinguir-nos dos Allemães, a que
chamam inguerêzea. Os Allemães passaram sem deixarem sjmpathias, an-
tes ao contrario, alguns potentados queixam-se d*elles prometterem muito
e faltarem; de acamparem fora das povoações, de terem os seus acam-
pamentos sempre rodeados de gente armada para os afastarem ; nós ao
invez, acceitámos os seus cumprimentos, aproveitámos a sua hospitalidade
emquanto se fabricam as casas e somos bons amigos no dizer dos indíge-
nas; elles são soberbos, inimigos, má gente, não são filhos de Muene Puto*
452 EXPEDIÇÃO PORTUCIUEZA AO MOATIÍNVUA
De feito, o nosBO armamento, por ora, tem estado, como ee áit, na ar-
recadaçlo; as nossas r(!la^'òea com ob indígenas são os melhores possí-
veis e todoB lamentam quu Muciie Puto, depois da nossa eaida, uto
queira mandar mais filhos occupar as casos.
Dizem ellcs, »6 agorn, dejiois de vir Muenc Puto é que os nossos filhos
comem alguma carne, toem veatimoiitas, missangas e pólvora, cti:'.
VenJo-nos escrever, fazer observações, colher plantas, raízes, eto,, c
procurando d'ellea iiifonnaçues sobre as suas terras, povos, línguas, ete.,
HiLbcV. Eií.* como rematam? Que Mueuc Puto dcvta para cu mandar
brascoii para ensinar os açus lilhos a fazerem o que nos fazemos, para
felicidade de suas terras ! Que elles bem sabem que os braneoa tiram dii
terra muita consa para comer e vestir, cmquauto ellcs so sabem tirar
mandioca, alguma jinguba e pouco mais, e essas mesmis tecm de ser
plantadas em lavras longe das povoações porque o gado da labo de tudo.
Quanto poderiamoa aproveitar de tão boas disposições a nosso respeito !
Se os afazeres nos periníttein, i woitiitlia quando os sobas e os
seus nos procuram para conversar, tratámos do esclarecê-los sobre diver-
sas culturas, dixcmos-lbe como se evita que o gado prQJudique as plan-
tações, qual o inconveniente de andar o gado solto nas povoações, etc.
Declaro a V. Ei." que deixo com saudade a Estaçito Ferreira do Ama-
ral, pois chego a couTencer-me (talvei esta boa fé leja demuUda], qne
dentro de um auno, ea teria modificada vantajosamente o modo de Tiver
d'eBta gente, pelo simples &cto de lhe crear necessidades, bcendo-Ihe
conhecer praticamente os resultados de mn pouco do een trabalho devi-
damente dirigido. Demais nos temos demorado nestas Estações, mas
queira Deus, que outros com táo boa vontade como a nossa, se nSo de-
morem em prOBcguir na obra encetada com tjo boDS auspícios.
U meu eollega Sizcnando Marques tem aqui alcançado tuna eollecçSo
de plantas e de fructos, alguns dos quaes inteiramente desconhecidos.
Dois d'esses fructos sSo muito agradáveis pelo seu sueco saboroso e
fozcm lembrar bem, um os mclborcs morangos e o outro as boas passas.
Entre as raízes encontra-se uma que parece o nosso salepo, e outra que
i rica em álcool e amido. Como a maior parte das plantas nSo estSo
lúnda em estado de se guardarem, scguirSo das margens do Luf, com
as que ahí houver que offereçam interesse.
Por ultimo, ainda uma vez afianço a V. Ex.*, que temos trabalhado,
tanto quanto nossas forças e saber permittem, quer de dia quer de Tioite,
e com a tranquilidade que dá a consciência do dever cumprido espera-
mos ir correspondendo á confiança com que V. Ex.* nos honrou.
Deus guarde a V. Ei.'. Estação Ferreira do Amaral, 15 de novembro
de 1884.-111."" e Ei."- Sr. Conselheiro Ministro e Secretario d'Estado
dos Negócios da Marinha e Ultramar. ^ O chefe da ExpediçSo, Henri-
rique Augiuta Diae dt Carvalho.
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 453
A S. Ex/ O Governador Geral da Província de Angola.
Ill.*<* e Ex.^^» Sr. — Pela communicaçâo inclusa, qae respeitosamente
rogo a V. £x.* se digne enviar ao Sr. Conselheiro Ministro dos Negócios
da Marinha e Ultramar, terá V. Ex.* conhecimento de que passou o
Cuango no porto de Mulumbo dos Haris em 31 de outubro, e 1.° do cor-
rente a primeira parte da Expedição, com cento e cincoenta cargas, e no
sitio de Mona Samba, domínios de Capenda-ca-Mulemba, se está con-
struindo com o consentimento d*e11a, que é ahi o potentado, a nossa nova
Estação Costa e Silva.
A esta se está dando maior desenvolvimento que ás anteriores, e isto
porque espero, como já disse a V. £x.*, que com o tempo se crie ali uma
povoação de alguns brancos e Ambaquistas ou. que o commercio ahi
aíHua e haja necessidade de mais armazéns e garantias de força por causa
dos Bângalas.
As maiores dimensões que tem de se dar á casa, é trabalho que se
traduz numa demora de mais alguns dias, mas a Expedição não podendo
estar lá toda reunida senão depois de 15 de dezembro, por isso que tem
de proceder ainda a algumas observações no Luí, não haverá nisso pre-
juízo.
Pela referida communicação, fica V. Ex.* ao facto das boas relações
que temos mantido com estes povos, como se me afigura que ellas podem
ser aproveitados em benefício do commercio da província em toda a
vasta região entre o Cuanza e Dande, custando-me bastante deixar esta
Estação sem ter a certeza de que alguém a vem occupar.
Neste sentido V. Ex.* verá que escrevi ao negociante Machado, pro-
curando convencê-lo das vantagens de fazê-la occupar e se V. Ex.* pela
sua influencia já como governador geral da provinda, já pelas muitas
sjmpathias que felizmente adquiriu na sua viagem ao interior, conse-
guir que esse ou qualquer outro negociante de facto a vá occupar ; creia
V. Ex.* que os resultados hão de ser bons como asseguro ao Ex."° Ministro.
Eu nas minhas considerações a S. Ex.*, podia e devia talvez ir mais
longe e provar-lhc que se o caminho de ferro de Ambaca não continua
sendo uma illusão, se elle de facto se construe o promptamente, a occu-
pação de todas, mas principalmente doesta e da Estação Costa e Silva,
será de uma grande importância para o trafego do mesmo caminho.
V. Ex.* que tanto se tem empenhado pela realisação doeste grande
emprchcndimcnto, conhece bem, que urge se faça uma estrada carreteira,
quando não possa como deve ser logo, um ramal doesse caminho de ferro
a Malanje e outro d'ahi ao Cuango. Num e noutro as dififerenças de al-
titude na extensão, o primeiro de 60 a 6õ kilometros, o no segundo de
250 kilometros, não apresentam grandes difficuldades em remoções de
terras e obras de arte. A estrada, pelo menos muito contribuiria para o au-
454 EXPEDIÇXO POETDGUEZA AO HUATIÂNVUA
gmento da receita dn via rápida projcctadA, e em geral ao desenvolvi-
mento (Ih província e quum sabe se, di-lo-hão os nossos beneméritos
exploradorea Capello e Ivens, por uuia navegação de lanchas a vapor
□o Cuango, do Muliimbo para baixo, se estabeleceria uma boa e se-
gura coininunkaçSo cora o Alto-Zaire, resolvendo-se aasim o grande
problema, em que mais de uma naçSo se empenba por achar uma boa bo-
laçSo e que para Portugal se tornaria muito facil, porque mellior porto
que o de Loanda nSo me parece que haja outro até á embocadura do
Desejaria dar maior desenvolvimento a este assumpto, porem prcci*
sava de socego de espirito c nito ter que me occupar de tantos c tio va-
rladoB afaíerea como aSo aquellca em que me acho envolvido e por isso
apenas aponto aV. Ex.' o que se mo a6gura de conveniência, e V. Ei."
por certo, se lhe merecer algama attençio o que lembro aproveitara a
indicação em favor da causa que tanto e melhor do que ninguém Y. Ei.*
tem sabido advogar, jí na Sociedade de Gcographia de Lisboa, já na
imprenso, ji como governador geral da provineia, á qual mais directa-
mente e de prompto esse mellioramento írA beneficiar.
Deus guarde a V. Ex.*. BiititçSo Ferreira do Amaral, 15 de novembro
de 1884.— II1."° e Ei."" Sr. Conselheiro Governador Geral da província
de Angola. — O clicfe da Expedição, Henrique Augntto Diaa de Car-
Eram taes as nossas preoccupaçSes nos últimos dias, por
deixarmos a Estação Ferreira do Amaral ao abandono, que
ainda A ultima hora aproveitámos a occasiilo de fazer uma
communicaçilo á Sociedade de Gcographia Commercial do
Porto, e tratando de vários assumptos que julgámos de inte*
resse aos fins d'aquella benemérita instituiçSo, dizíamos :
Com tio pequeno pessoal c sobrecarregado como estava, talvez fosse
temeridade, como se dizia em Malanje, avançar; mas creadas as Esta-
ções era necessário que ncUas houvesse alguma permanência por parte
da Expediçio para se conhecer de sua influencia sobre o gentio das im-
mediaçòes e do caminho percorrido e podcr-se garantir ao commercio a
segurança de suas mercadorias, o que muito me foi recommendado pelo
Governo, e se assim não fosse, inúteis seriam os sacrificioH e trabalhos
da Expedição no que respeita á sua missSo commercial.
E certo que consegui dispor as cousas de modo que, sendo nós quatro
europeus, contando com o empregado subalterno que vcin connosco de
DESCRIPÇÃO DÁ VUOEM 455
Lisboa, em todas as três Estações estabelecidas, tem estado sempre nam
período mais ou menos de três mezes, am de nós. Assim na primeira,
24 de Julho, esteve sempre um europeu desde 20 de julho até 4 de ou-
tubro ; nesta o mesmo desde 15 de agosto até agora ; na Estação Paiva
de Andrada, no Luí, esteve o ajudante desde o l.<* de setembro e agora
o empregado, e para lá vamos eu e meu coUega Marques ; d^aqui a mea-
dos de dezembro seguiremos para a margem direita do Cuango onde
e8t4 o ajudante desde 31 de outubro e onde toda a Expedição terá ainda
demora. *
A influencia das Estações fez-se logo sentir na primeira localidade,
porque se em principio, e mesmo em todas, o gentio olhava o branco
como uma curiosidade, procurando vê-lo a todos os momentos, analy-
sando-o ou estudando-o nos seus mais pequenos movimisntos e se d*elle
fugia quando por qualquer circumstancia este ia ao seu encontro, a
ponto de entrarem para as cubatas e taparem as entradas se o branco
para ellas se encaminhava; dias depois, eram elles os primeiros a sau-
dá-lo e trazerem-lhe, segundo as suas posses, algum presente, que sem-
pre retribuíamos bem.
Pagos estes e outros serviços, ainda os mais insignificantes, por risca-
dos, algodão, missangas, pólvora, etc, foi -lhes isto lembrando umas
certas necessidades, fazendo-lhes nascer umas ambições que d*antes nSo
tinham.
Assim, por exemplo, como já disse, só por causas muito extraordiná-
rias se mata numa doestas povoações um boi, um porco, ou uma cabra,
mas como a Expedição tem por costume quando chega a qualquer povoa-
ção, mandar logo um sígnal de amizade, rrmmpo (presente) ao soba, este
vem agradecer também, trazendo uma vitella ou garrote, se tem gado,
maior, quando não um porco ou carneiro, e os menos abastados, gallinhas,
ovos ou qualquer outra cousa.
O nosso pessoal, para ser alimentado já não é pequeno, e por isso,
se o presente não for uma cabeça de gado vaccum, trata-se logo de
procurar quem venda uma, o que em principio não deixou de ter diíBcal-
dades.
Eu tenho sido feliz, porque nunca deixei de arranjar garrotes e mesmo
bois, emqnanto outros viajantes já não dizem o mesmo, pois até aqui, al-
guns que teem passado pelas povoações em que temos acampado, só que-
riam comprar por baixo preço o que me tem custado de 3^^000 a 7)^500
réis, segundo a grandeza do animal.
Este é dividido em rações para dois e três dias e com uma parte d*es-
tas rações obteem os nossos das mulheres, o amido de mandioca, que
feito em massa na agua a ferver constitue o pão. Esta transacção faz -se
facilmente, porque estes povos, vivendo miseravelmente, apreciam muito
o mais insígniflcante pedaço de carne nas suas refeições.
Tanto ae permutaçucs pela cama como pelas miasangu e fasendas,
approiimAram os povos do nosso pessoal e d'ahi as boa« relações que
mantiveram.
As Estações, a contar de Malanje, tcem sido depósitos de cargas e a
remoção d'ella8 de umas para outras, tcm-se realisado sem difficuMade com
os poTOS das immediaçòeB, porque ob pagiutientoa b3o feitos com lodo
O escrúpulo e de modo a serem por ellee observados no acto de toma-
rem conta das cargas que se Ibes destinam.
A lisura, que a Expedição^ embora prejudicada, tem usado o conti-
nnará a manter nos pagamentos, tem-ltie Bttrahido sympathiaB por onde
ella transitou e por isso a procura do carretos por toda a parte.
E devido a istfi que a Expcdiclo, apenas com quarenta carregadores
para a mussumba do MiiatiãuTiia, conta já cento e cincoeota cargas além
do Cuaugo e cento e noventa na Kstaçíto Paiva de Andrada.
Os povos de Arabango, Anguvo e Anguangua, vizinhos dVsta Esta-
ção, já aqui vieram pedir cargas para o Caango e como os d' aqui e de
Andala Quissúa, tauibem as pediram, para contentar a todos, tive de ra-
tear as cargas na conformidado da procura, segundo as povoações.
A populaçio que por aqui vive, apartada da civilisaçSo, é reAtmentc
de boa Índole e de fácil educação, mas se para com ella se proceder de
forma irregular, entSo perdem-na e torna-se como a gente dos arredores
de Malanje, que são na verdade atrevidos e insolentes e procuram en-
ganar e roubar o branco, o que se dove atttibuir Á má edueaçSo que tem
recebido, d'is qii: !i|ifTjas pnieuram interesses sem olhar aos meios, e
os maltratam e espoliam, enganando-os até nos pagamentos peloa ser*
tíçob mais árduos que lhes exigem.
Já escrevi a Custodio Machado, que apesar de ser negociante, se
afiuta muito do modo por que se está procedendo eom o gentio e mesmo
com indígenas do concelho de Malanje, mostrando-lhe a eoavenieni»» de
mandar para aqui um sobrinho ou um empregado da Bua confiança, coa-
tinuar nesta obra de eivilisação que nós encetámos: crear neceasidodes
a estes povos e aproveitá-los para o serviço de transportes.
A elle já e a outros que de futuro venham a estabelecer filiaea no
Cuango, maito convém a segurança d'este logar, como ponto intermédio
entre essas e as suas casas em Malanje, não só para lhes proporcionar
carregadores de que carecem para diversos pontos, mas também como
meio de attrahir e manter o pouco commercio que vem do interior por
este caminho, commercio que os AllemSes procuram chamar para o
Mas a occupaçSo d'estas e de todas as nossas Estações at^ ao Caango
pelo commercio, também ha de influir no florescimento dos propriedades
agricolas que agora principiam a ser mais alguma cousa do qne tenta- -
tivas. Entre estes povos é pronunciadissímo o gosto pela aguardente (ea
DESCRIPÇlO DA VIAGEM • 457
tenho- a dado com dois terços de agua), é o verdadeiro passaporte entre
elles, a mola real que os põe em movimento.
O mercado do consumo da aguardente de Malanje, sendo só para o
concelho é limitadíssimo, porque lá estão Cazengo e o Alto Dande, flo-
rescentes na cultura da canna. Sendo necessário alargar o mercado com
vantagens para as propriedades agrícolas de Malanje, só pode fazer-se
para norte e leste, e de certo as Estações poderão ser os depósitos
d*onde deve irradiar esta mercadoria e outras para as margens do Cuango
e pontos intermédios.
Dizem os humanitários ser a aguardente uma bebida nociva aos indí-
genas africanos ; porém será difficil dizer ao agricultor que abandone a
sua producçâo, e se nós a nSo aproveitarmos para despertar a actividade
do Africano, outros virão aproveitá-la. Haja vista o que tem succedido
com as genebras e outras bebidas alcoólicas por toda a parte e com o
Champagne e ópio introduzidos na China pelos philanthropos.
£u tenho um grande defeito, procurando ser verdadeiro, sou muito
franco e digo tudo quanto sinto, quando se trata do meu paiz, porque
vejo que os estrangeiros nos nâo poupam, attribuindo-nos em theoria os
males da causa africana, quande elles na pratica são os que mais abusam
d^esses males em prol de seus interesses.
O systema de ataque, principalmente dos Inglezes, contra nós, .em
todas as nossas colónias, nSo nos deve illudir por mais tempo, procuram
afastar-nos da concorrência do seu commercio, pela sua imprensa, atri-
buindo-nos tudo que possa imaginar-se de odioso, e sós em campo, nSo
teem duvida em se tornar intermediários do nosso commercio e dos in-
dígenas, seguindo os trilhos que lhes abandonarmos, os mesmos proces-
sos e até aproveitando os productos que condemnaram, porém então do
seu fabrico e ainda mais nocivos.
Poi vezes tcem censurado ao nosso commercio os carregamentos de
pólvora e armas que elle espalha no interior do Continente, e a maior
quantidade de pólvora que por cá se vê é a ingleza, e a grande quan-
tidade de armas de systema moderno que se encontram não entraram
pelas nossas alfandegas.
As aguardentes são más, porém é certo que as pipas de álcool que
tanto mal lhe estão fazendo na concorrência, são de proveniência es-
trangeira.
£ para esta concorrência que está prejudicando altamente a agricul-
tura da província, eu não posso deixar de chamar a attenção da Socie-
dade de Geographia Commercial do Porto, pois embora seja a aguar-
dente um artigo de commercio importante, os maiores beneficios são para
o estrangeiro, porque cada pipa de álcool que o commercio obtém d*elle
fá-la equivaler a três de aguardente do agricultor, quer dizer sendo o
custo doesta 85i^000 réis, aquella attioge o preço de 255^000 réis o que
80
458 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO MUATIÂNVOA
dá uma grande margem de lucros e convida a mandar procurar mais ál-
cool no estrangeiro, emquanto que o desenvolvimento da industria da
aguardente affecta favoravelmente a producçâo de outros artigos do com-
mercio portuguez, como são alambiques, machinas, rodas hjdraulicas^ etc^
em valores importantes que teem ido para Malanje da casa Collares & C.',
e ainda fazendas e artigos de commercio com que os agricultores pagam
ao grande pessoal trabalhador de suas fazendas.
Emquanto houver facilidade na entrada do álcool estrangeiro, todas as
vantagens de lucro da aguardente produzida na localidade revertem em
favor do commercio, porque a lucta é grande na concorrência.
Uma outra ordem de considerações influíram em mim no estabeled-
mento das nossas Estações, de que não trato agora para me nSo tomar
demasiado extenso, porque o meu fim é apenas mostrar que parto d*aqui,
sentindo bastante não ter a certeza que alguém virá occupar esta, e nas
disposições de seguir o trilho por nós encetado. Se ninguém vier, se esta
Estação tem de ser fechada e abandonada, hoje que o povo se alegra
em rodeá-la e prestar-lhe serviços, tomar-se-hão infructiferos e mesmo
baldados os sacrifícios e trabalhos d*esta Expedição.
Confiámos sempre desde a organísação da nossa ExpediçSo,
no estabelecimento das EstaçSes, como um meio proficuo, nSo
só aos diversos fins que se tinha em vista, como também para
a regenerarão dos povos convizinhos, sempre que ellas fossem
dotadas de um pessoal á altura de coniprehender a sua missão.
Podíamos nós pela nossa parte estabelecê-las, e emquanto nel-
las nos demorássemos, iniciar por assim dizer os trabalhos,
preparar o caminho para o pessoal que as devia occupar, e não
podendo ir mais além, recorríamos aos poderes competentes
e até aos particulares, para que nâo fossem inúteis os exfor-
ços empregados.
E na esperança que pelo menos o negociante C. Machado
nos ouvisse, partimos, assegurando áquellcs povos que em breve
viria negocio para a Estação, se elles não consentissem que a
casa se deteriorasse.
E não foram vãs essas esperanças.
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DESCRIPÇZO DA TUOEU
MAECHA DA SEGUNDA SECÇÃO PASA A ESTAÇÃO
PAIVA DE ANDRADA
Logo que passámos o rio
Luhauda, fomos fustigados por
grande chuva e trovoada que
nílo mais nos deixou até & po-
voação de Mulolo Quinhãngua.
A ultima comitiva de cargas
que haviainoB despachado com
o interprete, cozinheiro, baga-
geiros e contractados que nos
acompanharam, logo que a chu-
va começou, recolhera-se a uma
povoaçito á entrada da savana
depois do rio, sem que nós des-
- semos por isso.
Enun cinco horas quando
chegámos e até ás sete nos
eivemos enchugando a uma
nj^eira, que o bom de Mulolo
nos havia feito preparar, junto da cubata que puzera á nossa
disposição, para ali pernoitarmos.
460 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO HUATIÍNVUA
Dera-nos elle um bom porco, que os carregadores das redes
trataram de matar, preparar e dividir, ficando nós com luna
parte, porém faltava-nos o melhor, o cozinheiro e todos os
aprestos indispensáveis, louças, talheres, temperos, e ainda gé-
neros de rancho que ficaram atrás.
Alguém pensou que precisaríamos de comer e de umas pe-
quenas malas que sempre nos acompanhavam, e ás sete horas
o cozinheiro e bagageiros appareceram-nos. Posto que tarde,
pudemos-nos remediar, supprindo a falta de talheres com os
dedos, contentando-nos com pratos do chefe da povoação, mas
como nâo faltasse bolacha e vinho, que com a carne de porco
passada no fogo, compoz o nosso jantar, pouco depois dor-
miamos sobre as tarimbas da cubata, e tão bom somno foi que
só despertámos de madrugada.
Apparecendo o soba a cumprimentar-nos, demos-lhe um
pouco de cognac do nosso cantil, uma peça de chita, outra de
riscado e um bilhete para que o nosso interprete quando pas-
sasse, lhe entregasse duas garrafas de aguardente, com o que
elle ficou muito satisfeito.
As sete horas e meia da manhã estávamos a caminho e só
descansámos ás dez e meia, á sombra de uma arvore num des-
campado fronteiro ás ruínas do acampanjento dos allemâes, de
que falíamos na nossa primeira viagem, e próximo de um ria-
cho. Ahi almoçámos.
Como nao apparecessem os homens que haviam ficado para
trás, á imia hora da tarde continuámos a viagem e ás quatro
chegámos á povoação do sobeta Anguangua.
Esperámos ahi um quarto de hora, e como já nlo appare-
cessem os que nos acompanharam até ao almoço e faltassem
apenas 12 kiiometros para chegarmos á Estação, pareceu-nos
mais acertado proseguir, completando a jornada d^uma vez, e
lá onde nâo nos faltariam recursos, mandaríamos arranjar uma
refeição mais reparadora e camas de campanha onde dormís-
semos com mais commodidade.
Mal podiamos suppor, vinte dias antes quando aqui passá-
ramos, que encontraríamos dois riachos que os nossos homens
DESCRIPÇlO DA VIAGEM 461
mais altos atravessaram com agua pelos hombros. Tivemos de
sair das redes e de ser transportados aos hombros de dois car-
regadores.
Eram os effeitos da chuva; o que entSo tomáramos por um
vallado, transformara- se num affluente do Lui.
Como já fizesse escuro, e menos cuidadosos por duas yezes
nos molhássemos^ occorreu-nos que durante o dia, a perna
direita soflfrêra de nevralgia rheumatismal.
Paciência^ diziamos nós, é avançar e depois trataremos da
cura.
Ainda depois doestes dois riachos, encontrámos «um terceiro,
e a passagem de todos elles demorou-nos a viagem, a ponto
de só chegarmos ás sete horas e meia da tarde e já escuro bas-
tante á nossa EstaçSo.
Emquanto o cozinheiro Marcolino matava uma gallinha e
nos preparava uma excellente canja com todos os temperos
segundo elle disse, tratámos de esfregar as pernas com aguar-
dente, e de vestir roupa enxuta.
A canja addicionou-se um bom bife, bolacha, bananas e vi-
nho. Que mais podíamos desejar?
A esta interrogação que a nós mesmo faziamos, encarrega-
ra-se de responder o Marcolino, com uma fragrante chávena de
café.
Lançámos no diário os nossos apontamentos de viagem, e
deitámo-nos numa das camas que havia em armazém, devi-
damente preparada pelo empregado europeu ; acordando só no
outro dia, muito admirados de não termos tido uma febre va-
lente e de não só não sentirmos dores nas pernas, como ainda
de poder mover muito bem uma e outra.
Tendo de nos demorar aqui algum tempo para contractar os
carregadores que nos eram indispensáveis para o Cuango e os
que fosse possível arranjar para a Lunda, e não havendo con-
fiança no tempo nem tão pouco nos povos que vivem na mar-
gem direita do Lui, pois não estavam satisfeitos por a Estação
se estabelecer neste logar, cumpria-nos aproveitar a demora,
para dispormos os ânimos dos descontentes a nosso favor, evi-
462
EXPEDIÇZO POETDQOEZl AO MUATIÂKVDA
tando que se levuitassem difficuldades na nossa passagem e no
emtanto providenciar, para que i^o faltassem mantimentos
para o pessoal que nos acompanhara.
Era preciso ainda tirar proveito d' esta forçada demora, au-
gmentando os nossos estudos do que houvesse mais aprovei*
tavel com respeito a todos estes povos e localidades, para a
BCÍencia, para o commercio e para a administração provincial.
Não tínhamos aqni um es-
teio forte, como o velho Jaga
Andala Quissúa, a quem to-
dos os povos das immedia-
ç3es da EstaçSo Ferreira
do Amaral obedeciam, e
apoiados ao qual adquiri-
mos o prestigio necessário
para a influencia que che-
gamos a exercer sobre to-
dos os pequenos chefes seus
subordinados.
Ambango, chefe da po-
voação próxima, que se
fizera acreditar á nossa pri-
loeíra secção, como o prin-
y •í.,.frt\ cipal potentado e senhor das
uuLom ouiíiiiíotx terras, entre todos estes po-
vos, já nós conhecíamos
pela nossa viagem o que valia em confronto com Anguvo sito
a 2 kiloraetros de distancia, e a pouca importância que lhe
ligavam mesmo aquellcs que ellc nos apresentara como seus
sobetas áqiiem do Lui.
Além d'Íeto, informando-nos elle e os seus, que solicitara
se construísse a nossa residência perto da sua senzalla, por
serem muito ladrões os povos da margem direita do Luí,
quando se pensava cm montar a Estação cm Qiiibuta Mena,
este facto nào só nos fez crer que não vivia em boas rciaçSes
com elles, mas ainda que os temia.
DESCRIPÇAO DA VIAOEU
463
Não ba, pois nestea sítios um chE^fe, dizíamos niJs; cada
pcquBDtt povoação tom o seu, vivendo em rivalidades uns com
os outros quando se trata du questiles eutre si, mas que se li-
gam, tratando-se porém como estranhos, sobretudo se ba a es-
poliar alfjuna negociadores que por aqui passem.
Assim discorríamos ao alvorecer do primeiro dia nesta Esta-
ção, depois da íncommoda viagem que tinbamos feito, quando
um tiroteio de fuzilaria nos
obrigou a indagar o que o
motivara,
Tratava-se de um óbito
na povoaçSo do Ambango,
ao qual também concorriam,
além de nós, os filhos de Au-
guvo, Matamba e outros ao-
betâs.
Apresentava-se-nos, pois,
um ensejo para principiar a
proceder com a necessária
diplomacia de modo a des-
embara^yir-nos do melhor
modo posei vel do labyrintbo
de senhorios em que caí-
ramos.
E da praxe, sempre que
iniLHu !>■ Biatk (JA.ÍÍ1I Bo chora um óbito, contri-
buirem os parentes e ami-
gos para as cercmoniaa, segundo aa auas posses, inclusívèj
quando mais não tenham, vão com a sua espiugarda carregada
com uma pouca de pólvora e aroía ao logar da ceremoniu, e
depois de permanecerem algum tempo junto dos que choram
e de verem que se conlieceu a sua presença ahi, ao levantar,
descarregarem a espingarda para o lado.
Se algum negociante ou negociantes, de passagem, acampa-
ram próximo, é certo pedir-ae-lhes que contribuam para as ce-
remonias. O que mais se aprecia é a pólvora, e por isso para
%í
464 BZFEDIÇZO P0BTUGUK2A AO MnÁTEiSYUA
evitarmos o pedido, mandámos distribuir pelos sobas
uma porçlo de pólvora e aguardente.
Como era de esperar, véiu logo o Ambango acompanhado
dos principaes, agradecer a lembrança de Muene Puto, a quem
nXo tinham ainda vindo cumprimentar, suppondo que estivesse
recolhido.
— Muene Puto é um bom amigo, lhes dissemos, mas agora é
preciso vossemecês corresponderem á sua amizade. Todos toem
gados e creaçSes, e nós comprámos. Sabem que nós chegá-
mos hontem e temos necessidade de coiher ; fiiça pois o Ambango
prevenir todos os sobas que carecemos de mantimentos.
Pouco depois, mandava Cáhia uma vacca, o Anguvo um
garrote, a mulher do Cáhia veiu com as suas raparigas tracer-
nos fubá e bombos; e já perto da noite partidpou-nos Ambango
que 08 seus filhos tinham ido á outra banda do Lui para tra-
zer uma vacca da sua manada, porém que esta fugira para o
mato e por isso nos pedia para a acceitarmos morta, de ma-
drugada, porque era o único meio de nos poder presentear já.
Acceitámos de boamente, poupando assim as rezes que tínha-
mos no curral.
Com as nossas cargas que chegaram, vieram também carre-
gadores de Andala Qiiissúa, e aproveitando a presença doestes
e dos filhos de Anguvo, obtivemos algumas informações que
nos illueidaram sobre o labyrintho a que já nos referimos.
O monte Ambango divide as terras de Cassanje, de Andala
Quissúa e as do sitio em que estamos, conhecido por Camávu
e a que alguns chamam do Ambango. As terras do Ambango,
começam no Mulolo Quinhângua, onde pernoitámos, que dizem
ser filho de Calandula, e que para ali veiu, sujeitando-so a
Andala Quissúa, e o seu senhorio estende-se pela margem es-
querda do Luí até ao sitio do Anguvo.
As terras doeste, estendem-se até Mona Mussengue, no
Cuango, conhecidas por terras dos Holos, emquanto estas, as
do Ambango, sSo conhecidas pelas dos Bombos ou Cobos.
A leste da nossa EstaçSlo, na margem direita do Lui, sSo
as terras de Cambolo Cambamba que já pertence aos longos,
DESCBIPÇlO DA VIÀOEM 465
e limitam com terras de Cassanje; pelo sueste; seguem até ás
alturas de MussanganO; onde passámos em viagem para o Cuan-
go, confinando ellas com os Cobos entre Luí e Cuango e vSo
unir-se com as dos Haris que começam na altura de 12 kilo-
metros pouco mais ou menos a sul do porto de MulumbO; onde
embarcámos no Cuango, e continuando com este rio, vSo ter-
minar ao sul nos limites de Muene Puto Cassongo e para o
interior a oeste com os lacas.
Em Mussangano reside o sobeta Matamba, e tanto este como
o seu vizinho Angiivo, no caminho pouco antes do Cuango, e
outros para oeste, dizem-se súbditos de Muene Canje, que é
Holo. Os rapazes de Andala Quissúa, dizem serem estas terras
de Camávu, de que Ambango se diz senhor, pertencentes todas
ao jagado de seu pae, porque os limites pelo oeste e norte são
o Lui até aos Holos ; que o Ambango é sobrinho de um Cahun-
da, que fugira das suas terras, e com o consentimento do jaga
Quissúa se estabeleceu mais a oeste doeste logar, encostado á
serra.
Morrendo aquelle e grande parte da populaçSo, viera entSo
Ambango com os que escaparam formar esta nova senzalla,
como herdeiro de tio e não pagara ainda tributos ao jaga. En-
carregados elles de lhe fallarem nisso, desculpára-se por ser
ainda um soba novo, mas logo que tivesse um bom presente
disse que iria cumprimentar o jaga, como era do seu dever,
mesmo porque o Anguvo seu vizinho, se queria apresentar
como mais considerado do que elle, quando era certo que elle
Ambango representava seu tio, a quem Andala Quissúa dera
estas terras e que o Anguvo aqui veiu collocar-se depois, sem
consentimento do jaga.
Como o monte Ambango é considerado limite de senhorios,
com o omnimetro tratámos de o demarcar e conhecer a sua
maior altura em relação á altitude doesta Estação.
Procurámos uma base extensa e o mais desaffrontada possí-
vel, tendo já para confronto a nossa Estação Ferreira do Ama-
ral, a estima do itinerário d'aquella para esta e as coordenadas
doesta.
EXPEDIÇZO FOBTDODEZA AO KUATIÂNTDÂ
Feio Bystema de iiradiaçSes qae adoptámos, reaolnçSo de
triangnloB e trabalhos graphicoB, ficou o monte Ambango de-
marcado de maneira que contraprovando por elle as coorde-
nadas d' esta EstaçSo temos as seguintes differenças: Na lon-
gitude meQOB 3" e na latitude mais 6", do que as obtidas pelas
observaçtles astronómicas que foram, latitude S. do Equador
8" 37' 48", longitude E. de Greenwich 17" 6' 36".
A altitude da EstaçSo é
de 701 metros acima do
nivel do mar.
Para o ponto mais ele-
vado do monte Ambango
deu-nos o omnimetro mais
151 metros, isto é 852 me-
tros, mais 20 metros que a
altitude em que ficou a Es-
tação Ferreira do Amaral.
E na verdade o omni-
metro, um bom instrumen-
to, pois por uma simples
scmelhanva de triângulos
rectângulos nos dá as dis-
tancias e alturas que dese-
jâraoa conhecer sem ser ne-
soMT* lUTiuu cessario medi-las, mas é de
grande inço mm o do o seu
transporte e por emqtianto, como instrumento de viagem para
o interior do Continente, nSo seremos nós a aconselhar a sua
adopção.
Ao nosso reclame, iam apparecendo os sobas com gado e
mantimentos, segundo suas posses, para presentes ou para
venda, o tendo nóa de lhe corresponder, entendemos que visi-
tando-os nas au.is residências lhes seria mais agradável, inte-
resaando-nos era conhecer as suaa povoíiç5es e o seu modo
de vida e hábil itando-nos a poder figurá-las devidamente nos
nossos mappas e estudos.
DESCSIPÇZO DÁ TIAGEM
467
Aseim quando 08 nosBoa afazeres bob permittiam algumaa
folgas, aprove itáni o -las, fazendo as nossas excursSes e visitas.
Tanto as povoaçSes do Anguvo como do Cáhia, são de muito
maior importância que a do Ambango, e ocham-se situadas em
logares muito mais aprazíveis. As hf.bitaçSes foram construidas
com o pensamento de permanência e por isso se conhece serem
mais solidas e bem acabadas que as d'este, que parecem aer
provisórias, mais um d'es-
ses acampamentos de via-
gem que pelo transito temos
encontrado, do que uma
senzalla.
As habitações são sepa-
radas uma das outras por
canteiros cultivados com
aquillo que o morador en-
tende mais essencial ter ao
pé de si. Em alguns vimos
limoeiros, mamoeiros, ba-
naneiras e também nos do
Anguvo, ãguram o pau de
sabSo e o Ocá, que conhe-
cemos na ilha de S. Thomé ;
o tabaco, as pimentinhas,
cebolas, tomates e outras
plantas rasteiras como jinguba, vimo-las representadas numa
e noutra povoaçSo.
As lavras estendem-se além das povoaçSes até ás margens
do Luf.
Estas povoaçíies denotam uma certa antiguidade e vê-se
que preside nellas uma certa ordem no corte das grandes ar-
vores, cuja lenha se aproveita para os brazeiros durante a
noite e para cozinhar.
Pelo lado social, não escapa ao observador o respeito pelo
potentado e o modo lhano como este trata o seu povo. NSo se
nota que entre elles haja disttncçSes de classes, a não ser a
468 EXPEDIÇlO POBTUOUEZA AO MUATIÂNVOA
de povo e chefe, pelo respeito com que este é ouvido e o ce-
remonial de que o rodeiam quando se trata de negócios de
administraç?lo.
Fora d^isto, e como as povoaçSes s3o pequenas, parece que
todos constituem uma única familia.
O soba, quando esmaga tabaco para fumar, distribue pelos
que o rodeiam o que lhe veiu á mão, até ficar só com a parte
que lhe basta e que lança no seu cachimbo. Succede algumas
vezes deixar de ser contemplada uma pessoa em quem n&o
reparara e conhecendo a falta, se tem ainda algum na bolsa,
lá tira um pequeno pedacito ou manda pedir que lh'o tragam
da cubata para o dar. O mesmo succede com qualquer comida
ou bebida que lhe tragam deante de circumstantes.
Reservar qualquer doestas cousas que receba, só para seu
uso, quando sejam vistas por alguém, não é costume entre es-
tes povos, principalmente dos mais idosos para os mais novos,
e embora tudo desappareça num momento, reparte-se até onde
possa chegar.
Interrogando Anguvo, se era filho doestas terras, disse-nos
que viera de Mona Congelo, margem do Quicapa, porque não
quizera sujeitar- se ás imposições do Muatiílnvua nem de An-
dumbo de Têmbue, e passando o Cuango aqui se estabelecera
em boa harmonia com o seu vizinho Muene Canje.
O Cáhia, a quem fizemos a mesma pergunta disse-nos que
sua mae era do Holo e o pae do longo; que este trabalhara
muito no negocio do sal e conseguira estabelecer a sua povoa-
ção na margem direita do Luí. Morrendo o pae, elle herdara
o estado e viera para ali com o seu povo, mas já encontrara lá
o tio do Ambango, senhor de Camávu, e por isso este, tendo
herdado de seu tio, queria ser mais do que elle, mas não tinha
posses nem povo para isso.
Tanto numa como noutra povoação havia muitas creanças,
mas notei que são enfermiças e débeis. Informaram-nos tam-
bém ser aqui grande o contingente da mortalidade nas crean-
ças, e a julgar pelas mães que são umas perfeitas múmias, as
populações não tendem a desenvolver-se e certamente a causa
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 469
aqui é agravada como já notámos em Cafúxí pelas influencias
dos pântanos, pois pode dizer-se ser tudo isto o mesmo d'aqui
até ao Cuango.
As manadas que vimos não estão em proporção com a gran-
deza das povoações, e parece que os sobas e sobetas, sendo na
maioria antigos nas terras, deviam pelos seus cuidados contri*^
buir para que ellas estivessem mais desenvolvidas.
Achando-se disseminadas estas povoações a grande distan-
cia umas das outras na vasta região como é a da Cafúxi, que
atravessámos até ao Cuango, e sendo pouco populosas, occor-
reu-nos, se de facto o nefasto trafico, que por muitos annos
se sustentou na província de Angola, e também a miséria em
que estes povos depois teem vivido, teriam concorrido de al-
gum modo para a depauperação em que as vemos, parecendo
todas populações que aqui se estabeleceram ha pouco tempo
e que estão lactando sem vantagem contra as influencias mór-
bidas da localidade.
Muito satisfeitos com a nossa visita, retirámo-nos, assegu-
rando-nos tanto Anguvo como Cáhia e os seus, á despedida,
que podiamos contar com carregadores para levarem as nossas
cargas para o Cuango e também para a Lunda.
Ainda fizemos outras visitas aos sobas Caputo, Anguângua
e Canzella, e mantivemos relações com Quijica, Quibando,
Cuâso-uá-Meínha, Matamba, Méssu-uá-Catala, e não as quizemos
entabolar com Canguia e Catuta, que nos procuraram, para
fazermos sentir a todos que elles se haviam portado mal com-
nosco; o primeiro, querendo prender umas cabras que nos per-
tenciam, para lhes pagarmos resgate, e o outro, por nos apre-
sentar seis ovos, exigindo nos que lhe déssemos uma vestimenta
igual ás que tinham recebido outros sobas que nos obsequiavam
de vez em quando com uma cabeça de gado.
Depois de melhor informados escreviamos no nosso diário :
«Pelo que temos observado até ao Cuango, todas estas ter-
ras e povoações, como as encontrámos, nada valem; é possí-
vel, passados alguns annos, trabalhando-se constantemente, que
se pudesse fazer alguma cousa em beneficio d'ellas e obter
470 £XPEDIÇ!0 POBTUOUEZA AO HUATllNVnÁ
resultados satísfactorios, mas para isto seriam precisos exfor-
ços combinados do governo e de iniciativa particular. Ha
muito a desbravar, e muito a modiâcar o que é bem peor, e
isto só se consegue sustentando missSes de educaçSo e de tra-
balho, ao mesmo tempo que troços de vias férreas cortem este
território. ^
Os povos estSo na primitiva e parece que o único progresso
entre elles, consiste nas plantações de mandioca, de milho e
de tabaco e na creaçâo de gados; mas antes da mandioca qual
seria a base da sua alimentação?
NSo ha uma pequena cousa, por mais insignificante, que nos
indique antiguidade neste povo. Serão todos elles extranhos
á regiSo?
As terras estão virgens na sua maior parte, e as aguas cor-
rem naturalmente ou estagnam quando por seu pé não podem
achar escoamento.
Se as arvores não se apresentam de secular aspecto, não é
pelo desbaste que tenham soffrido, e sim pelas queimadas que
se fazem ao capim no tempo sêcco, que as ataca e não as deixa
medrar, com o duplo fim de terem caminhos e caça, rareando
esta já por aqui, tal tem sido a sua perseguição.
As povoações mudam-se com muita facilidade, até sob o pre-
texto da morte do seu chefe, e com ellas vão os nomes que
tinham. E d 'aqui provem as divergências que se notam nas
informações que prestam os exploradores, ás vezes sobre a
mesma localidade e seus habitantes diversos, acrescendo va-
riarem ainda essas informações com o tempo, pelos individues
que lh'as prestam, e ainda com os interpretes que interrogam.
O gentio nada ignora, responde a tudo de prompto, e se es-
tiver só, é arriscado, muitas vezes, acceitar a informação que
nos presta. Succede mesmo, entre um grupo que se interroga,
irem recordando uns aos outros um certo numero de circum-
stancias, até que se chega a um convénio sobre a resposta
que deve correr por verdadeira, e todavia muitas vezes, é
esta forjada entre elles ali mesmo, sem razão ou fundamento
seguro.
DESCRIPÇZO DAVIAOEH 471
Toda a, cautela é pouca, o por ísbo mesmo, temos sido em
demasia meticulosos em acceitar como verdadeiras certas infor-
maçSes, e os nossos questionários repetem-se a diversos. É
pelo cotejo depois das respostas que chegamos a obter algumas
conclusSea que nos parecem mais verosímeis e de que pudemos
obter contraprova.
Assim por exemplo, aqui, todos estSo de accordo, que as
povoaçSes desapparecem num ponto para irem estabelecer-se
noutro, mas vindo de N. e E. a intemar-se na nossa proviu-
cia, e que se ligam os homens de umas
com mulheres de outras povoaçSes nSo
havendo vestígios do passado porque
tudo deaapparcco por eflFeito das quei-
madas depois de as abandonarem.
Procuram-se sempre as aguas e nas
regimes em que as nSo ha, nunca houve
povoaçSes.
O gado veiu para a!qui de N.-O. e
d'aquí é que ultimamente ae fornecem
os BuDgalus e conserva-se pelas mes-
mas razões que nos deram ua EstaçSo
Ferreira do Amaral, mas vende-se en-
tro estes povos m^is do que entre os
de Andala Quissúa, por ser aqui mais
procurado e nílo terem outro recurso
para satisfação das necessidades que
conhecem.
Por se acharem mais distantes da civilisaçSo é certamente
entre estes povoa mais pronunciado o desejo de ver e de saber,
do que entre os que deixámos, pelo menos pelo que diz respeito
aos brancos. E as mulheres, porque gosam aqui de mais liber-
dade, nZo nos deixam; passam horas e horas em frente das
nossas portas e janellaa, e a mtúor satisfação que lhes podemos
dar é prestar-Iliea attenção, convidá-las a entrar, deixá-las
analysar os objectos que vêem, mostrar-lhee o préstimo que
tem, e dar-lhc todas as explicaçSes que desejam.
472 BXPEDIÇAO POBTUGUEZA AO MUÁhIkVUÁ
As de melhor comprehensSo, satisfeita a sua curiosidade, se
lograram entrar na Estaç&o e approximar-se do branoO| dlo
provas da sua vaidade ás companheiras, ministrando* lhes logo
esclarecimentos, mesmo do logar em que estSo sobre os obje-
ctos que chamaram mais a sua attençSo e de que tomaram co-
nhecimento.»
O que registámos e que era reéultado de observaçSes de al-
guns dias, convidava-nos a indagaçSes para fixarmos as nossas
ideas sobre estes povos, e darmos aos nossos estudos uma
orientação mais consentânea ao fim que tínhamos em vista — co-
nhecer qual a disposição d* estes povos a nosso respeito e como
aproveitá-la no engrandecimento dos nossos dominios, sem que
fosse necessário recorrer a meios que redundassem em sacrifi-
cios que mais complicassem a sua administração.
Para ò estudo das exploraçSes commerciaes que tanto nos
foi recommendado, íamos nós reunindo elementos que muito
nos desanimavam, ao mesmo tempo que nos esclareciam sobre
as circumstancias mais económicas em que se poderiam fiueer
quaesquer exploraçSes no centro do Contínente e sobre o único
meio de attrahir com vantagem o pouco conmiercio que existe
além do Cuango na região equatorial do sul para a nossa pro-
vincia de Angola.
Depois de estabelecidas as nossas Estações, fizéramos as se-
guintes viagens rápidas em rede : Do Cuango á Estação Paiva
de Andrada 9 horas e meia (um dia); doesta á Estação Ferreira
do Amaral 12 horas e meia (um dia) ; d^ahi para a 24 de Julho
9 horas e meia (um dia); dVsta para Catalã 4 horas (um dia
e descanço); de Catalã pelo Anjínji a Malanje 11 horas e meia
(um dia). Total em cinco dias, quarenta e sete horas úteis,
240 kilometros. Se a viagem for directamente de Malanje ao
Cuango acompanhando cargas, então o minimo tempo que se
gastará, suppondo não haver casos extraordinários, como doen-
ças, paredes, conluios, etc, será: Quatro dias á primeira Es-
tação e um de descanço; três dias á segunda e um de descanço;
quatro dias á terceira e um de descanço, e três dias ao Cuango.
Total: dezesete dias.
DESCRIPÇlO DA VUGEBf 473
A Expedição allemã gastou vinte e dois dias porque todos os
dias foi levantando acampamentos. Saturnino Machado gastou
muito mais tempo por causa de doenças e vários pretextos para
demoras arranjados pelos carregadores.
Podemos, pois, contar vinte dias, como o minimo tempo de
viagem para cargas.
E sabido que o carregador não transporta mais que duas ar-
robas e custa esta viagem cinco peças de fazenda de lei, sendo
uma para ração, o que equivale a 4fJ0(X) réis.
Se este transporte fosse feito em uma via férrea, reduzir-se-ia
a viagem o muito a nove Loras, e se a despeza descesse na pro-
porção, não excederia A 200 réis, mas 500 réis que fosse, te-
riamos grande lucro, e além de muitas outras vantagens, segu-
rança, commodidade, resguardo ao tempo, muitissimos lucros de
beneficio, mesmo sobre a importância, pois não se calcula na
Europa quantos artigos se deitam fora, por inutilisados com-
pletamente, não só pelo modo por que se transportam, como
pelos effeitos das intempéries, que por mais cuidados que haja
se não evitam.
Nós, no calculo que apresentámos, accoitâmos que uma peça
de lei é a ração de um carregador até ao Cuango, o que nunca
se tem dado. E uma illusão mais, com que um negociante ou
explorador parte de Malanje para o interior, bem como para o
carregador que contractou para seu serviço e de que poucos dias
depois sofre as consequências porque este, se não pode re-
sarcir os prejuizos que logo attribue a logro, por meios licites,
procura mil pretextos, faz greves, e por ultimo, os recursos
toma-os elle pelas suas mãos, esburacando, descozendo ou des-
pregando as cargas, e procurando sempre encobrir a abertura
do seu thesouro vae illudindo o patrão, que só tarde reconhece
os prejuizos que teve quando encontra roubada a primeira
carga, que quasi sempre por circumstancias que se não podem
evitar, já tem corrido por mão de diversos carregadores.
Já se vê que o interesse de todos que dirigem uma caravana
de cargas de commercio, é fazer transportar estas com a má-
xima economia possível; e é certo também que o preto, quando
81
474 EXPEDIÇÃO PÒRTUGUEZA AO MUATIÂNVDA
se contracta para o serviço de transportes nfto faz cálculos,
pede uma porção de fazenda ou outros artigos que lhe convém
na occasião e não olha ao futmx), nem pensa no que ha de co-
mer no dia de amanhã.
Para elle pouco importa ao receber um pagamento, que se
lhe diga: tanto é de ordenado ou de jorna; tanto é para comer;
pediu o que lhe lembrou, deram-lh'o, e isso era o que queria
na occasião.
É costume entre elles levarem o que receberam para as
suas povoações, distribuindo-o como entendem, e naturalmente
as pessoas de familia, geralmente das contempladas com as suas
dadivas, arranjam-lhe alguns mantimentos na véspera da par-
tida, que lá vâo amarrando ás suas cargas, e estes duram o
muito, quatro dias.
E é só quando estes deixam de existir que se reúnem aos
grupos por fogos e se decidem a pedir a raça. E se nâo ha a
necessária prudência da parte do director da caravana, come-
çam os conflictos, pode dizer-se ainda, ás portas de Malanje.
De facto, quem sabe que uma peça de lei são oito jardas de
algodão ou de riscado ordinário, e que com uma jarda se não
pode em parte «alguma comprar mantimentos para dois dias,
não pode estranhar que oito não cheguem para vinte dias de
viagem.
Conseguimos estabelecer duas jardas para três dias, o que
equivalia até certa altura da viagem a 65 réis por dia.
Nos primeiros seis dias da nossa residência nesta Estação
tivemos de sustentar sessenta pessoas, e nestes apenas demos
para rações uma vacca e dois garrotes que recebemos de pre-
sentes (o que é mais caro), e nos importou em valor corres-
pondente a 19?5800 réis. Se tivéssemos pago as rações em
artigos de commercio, a importância despendida seria de 23j5k400
réis, isto é, mais 3^000 réis, e a alimentação seria muito in-
ferior.
Esta differcnça é importantíssima, principalmente quando se
trata de uma exploração commorcial, isto é, de andar no cen-
tro de Africa, procurando mercados para transaccionar factu-
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 475
ras^ o que é multo diíferente de se dirigir a caravana a um
mercado de antemão determinado.
Ha necessidade de estabelecer Estações ou acampamentos
provisórios, que entre os povos africanos se nJto pode dizer
por quanto tempo servirão, e portanto quanto haverá a des*
pender com o sustento do pessoal.
Já pois nesta Estação, nos preoccupava muito a questão das
explorações commerciaes, e no nosso diário do dia 1 de de-
zembro escrevemos:
o Quanto não custará uma exploração commercial, quando se
pretende obter o resultado que é de esperar com relação ao
capital que se arrisca e aos sacrificios que se fazem?
Cada vez mais nos convencemos que para commercio será
muito melhor que o gentio ou o Bângala, venha á nossa provin-
da como seu agente, trazer artigos á permutação; porém hoje
este alvitre que seria talvez o melhor e diremos o único que
se devia seguir, já com difficuldade se poderá adoptar comple-
tamente, não só por causa das expedições estrangeiras que dei-
xam por onde passam fazendas e outros objectos de procura,
mas ainda por causa dos Ámbaquistas, que de pacotilha em
pacotilha também lá os vão deixando. Entretendo portanto as
poucas necessidades do gentio por algum tempo, obstam d'este
modo que elles continuem a encaminhar-se para a provincia,
como antes das guerras de Cassanje, e assim se explicam os
queixumes dos negociantes do Dondo, Pungo Andongo, e
Malanje, sobre o pouco commercio que actualmente se faz.
Uns trinta carregadores que chegaram hontem, regressando
do sei'viço de Saturnino Machado, que por aqui passou ha um
anno, mais nos impressionam com as suas informações.
Saturnino Machado está em Cabau. Tem feito algum nego-
cio, de vinte a trinta pontas dizem, sejam trinta e todas de lei,
a que damos o valor de 90^1000 réis ; tem porém ainda muita
demora porque a contaria, armas e pólvora não tem tido a
saida que era de esperar. O que se procura são escravos
O seu sócio Carvalho seguiu com uma grande parte da co-
mitiva para o Cassai. Ainda não obteve noticias sobre o ne-
476 EXPEDIÇZO POSTUOnEZA AO muátiínvuá
gocio que elle tem feito^ mas consta que todoa os carregadorea
estSo descontentes por causa da demora e das fomes por que
teem passado.
Suppondo que Carvalho tenha obtido o mesmo resultado, que
é duvidoso e realisando as transacçSes a preço fiivoravel, tería-
mos 5:400f$000 réis, e que o interesse sobre as mercadorias era
de 50 por cento, lucrava-se 2:700^000 réis.
Abatendo d'esta importância a manutençSo do pessoal du-
rante um anno, que era enorme, e os prejuizos de que já
houve conhecimento, onde estSo os lucros da empresa no pri-
meiro anno?
ÂBsustam-nos os resultados de taes commetímentos e vamo-nos
dar ao trabalho, com os elementos que temos e mais informaçSes
que procuraremos obter, de fazer os nossos cálculos para es-
clarecer na primeira opportunidade o governo e a Sociedade
de Geographia Commercial da Porto, sobre o que ha a esperar
por esta região, de exploraçSes commerciaes, e terminamos por
hoje as nossas consideraçSes a tal respeito dizendo : Rasio, ti-
nha o sertanejo Narciso António Paschoal em duvidar dos lu-
cros da empreza de Saturnino Machado. Elle aguardando que os
Bângalas venham procurá-lo a sua casa, ha de interessar muito
maiS; sem risco e vivendo com todas as commodidades.»
A Expedição allemã dirigida pelo tenente Wissmann, que
tinha a pratica adquirida na sua primeira travessia, tanto co-
nhecia a importância do sustento do pessoal, que fez grande
fornecimento de gado e creaçSes, tendo a sua viagem por ob-
jectivo attingir o mais rapidamente possivel o Muquengue, no
Lubuco.
Isto comprehende-se, porquanto um homem cuida perfeita-
mente de vinte cabeças de gado e este sendo regular, está cal-
culado que uma cabeça dá cento e oitenta raçSes boas e
portanto as vinte, três mil e seiscentas raçSes; emquanto um
carregador apenas transporta em media, uma carga de fazendas
no valor de 65í5000 réis, que se pode dizer equivalem a mil
rações e que aqucllas poderão importar em media em 6i$000
réis por cabeça, ou 120^000 réis valor de duas cargas, porém
DESCRIPÇXO DA VUGEM 477
86 estas forem pólvora, armas ou búzio, o seu valor diminue
de 40ái000 a IS^JOOO réis. Ao que acresce ainda o lucro do pa-
gamento e sustento de um carregador e do individuo que cha-
mámos para o acompanhar, que numa exploração em que ha
valores a guardar tem muita importância.
Se estivéssemos de posse doestes esclarecimentos quando sai-
mos de Malanje, em todas as EstaçSes nos teríamos abastecido
de gado em abundância, não só pelo lado da economia com
respeito a carregadores, mas ainda como mais tarde reconhe-
cemos, por ser este um grande ramo de negocio no interior.
Ao Caungula do Lôvua, por exemplo, algumas comitivas le-
vam por raridade uma ou outra cabeça, e só depois na terra
do seu parente áquem do Luêmbe vimos três cabeças. •
Entravamos no mez de dezembro e as chuvas começavam a
apertar e a incommodar-nos, não só porque de noute, depois
de collocarmos em resguardo os nossos livros e papeis, tinha-
mos de andar a procurar sitio para a nossa cama acabando por
abrirmos o chapéu de chuva para resguardar a cabeça, mas tam-
bém porque nos lembrávamos que os terrenos iam-se enchar-
cando, os rios enchendo, e d'abi maiores difficuldades para a
nossa jornada e se bem que os carregadores estivessem pro-
mettidos, só a pouco e pouco vinham comparecendo para se
contractarem.
ApQsar doestas contrariedades, cada um de nós trabalhava
no que lhe era especial, e com tanta mais vontade quantas eram
as contrariedades que nos appareciam, porque no trabalho en-
contrávamos a distracção que nos era precisa, para não nos
deixarmos dominar pela influencia do tempo e pela nostalgia
que principiava a manifestar-se.
A falta de photographia recorremos ao desenho, para poder-
mos figurar os typos da margem do Lui, que pelos penteados
e ornamentos de que usam differem já da gente que até aqui
conheeiamos, e para bem os comprehendermos perseveráva-
mos no estudo dos seus dialectos e costumes.
Não nos podemos convencer já de ha muito tempo, que na
raça preta, mesmo entre os povos conhecidos como gentios, se
478 BXPEDIÇ!0 PORTUOUEZA AO • MUÁTllNynA
nSo encontram as mesmas percepçSes que entre nós, as mes-
mas sensaçSes de jubilo ou dor. E estamos persuadidos de que
elles comprehendem como nós as impressSes que os sentidos
acceitam ou repellem, como nós demonstram as indinaçSes
ou affectos e denunciam esse sentimento sublime que os move
a amar alguém e essa paixSo d'aima que um e outro sexo mu-
tuamente se inspiram.
Os rapazes antes de se ligarem com uma rapariga reques-
tam-na primeiro, procuram occasiSo de lhe fieillar e de se en-
contrarem com ella, já nos caminhos para as lavras e rios, já
nas danças, e pedem-na aos pães ou parentes mais velhos.
Ha entre elles, pode dizer-se, um contracto de casamento
a seu modo. Um contracto em que se estipulam as condiçSes
de bem viver e além d'isso em que é indispensável o consen-
timento de quem serve de pae á noiya, sendo eUe e ella de-
vidamente presenteados.
Os casos de prevaricação estSo previstos e sSo condenmados^.
Mesmo com as creanças, que nunca souberam o que era um
beijo e arrebatados ás suas mães não mais lhes lembra os ca-
rinhos e affiigos, quando os tiveram ; se as rode&mos como ás
nossas d'essas bellezas da nossa educação, não mais nos dei-
xam, perseguem-nos para as acalentarmos, para corresponder-
mos ás suas meiguices, emíim para lhes satisfazer a necessi-
dade de amor que na alma se lhes desperta.
As que nos acompanharam são exemplos que não podemos
deixar de citar; e que não temos razão para nos arrependermos
por emquanto dos cuidados que nos mereceram, di-lo-hão os
factos que no decorrer doeste nosso trabalho iremos apresen-
tando.
As mulheres também aqui, procuram fazer-se valer, aformo-
seando-se a seu modo, já lustrando a pelle do corpo e os ca-
1 No volume sobre Etbnograpliia, mais desenvolvidan^nte se trata
doeste e de outros assumptos na parte relativa aos usos e costumes does-
tes povos.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 479
bellos com olcos ou outras matérias gordurosas, já pintando
na cara traços vermelhos, negros ou brancos e dando ao penteado
formas mais ou menos complicadas. E trivial verem-se tranças
de diversas larguras, e os penteados ornados com missangas,
contas e metal amarello, em chapas pequenas, rectangulares
e em cruzetas e canudos.
Enfeitam as orelhas e cartilagem do nariz com argolas ou
quaesquer pingentes, e também com pausinhos delgados que
passam por furos feitos de propósito.
Também algumas apresentam a tatuagem nos braços, hom-
bros ou entre os peitos e sobre o ventre, representando obje-
ctos naturaes. Uma vimos, que tinha sobre os hombros imi-
tações de. arvores muito bem feitas.
Usando os peitos nús, consiste a maior elegância em cruza-
los com o maior numero de fios e variedade de missangas pos-
sivel e em ornar braços e pernas com argolas de metal ou de
fios de cobre e mesmo de ferro.
Pelo que respeita a vestuário não differe este do usado entre
os povos de Andala Quissúa.
Os homens também trajam como os d^aquelle povo, porém
como as mulheres, abusam das unturas, tanto no corpo como
na cabeça.
As relações que os nossos carregadores souberam manter
com os povos vizinhos, fazia com que estes viessem ás suas
danças, o que muito apreciaram porque entre a nossa gente
havia quem tocasse harmónica e as danças eram mais variadas,
c se as mulheres não vinham ao nosso acampamento para dan-
çarem, como succedeu em outros povos, apesar da liberdade
que ellas disfructam aqui, é porque os homens em geral e os
potentados em particular, são muito ciosos das suas raparigas.
Por muito tempo cremos que esta gente suppoz que nós nao
saíamos d'aqui ; acostumaram-se a ver-nos todos os dias, es-
tavam satisfeitissimos, porque demais viam interesses na nossa
permanência, isto é, os artigos do commercio que elles dese-
javam saíam da Estação para seu uso em troca do gado e
mantimentos que traziam para a nossa alimentação.
480 EXPEDIÇXO POBTOGUEZA AO MUATliNyUÁ
Convencidos emfim; de que tínhamos de partír, apeUavnin
para o ultimo recurso^ o de contractar rapazes para o transporte
das nossas cargas^ no que interessavam todos os homens, mu-
lheres e creanças e muito principalmente os potentados.
Entre os que se apresentaram, contavam- se cincoenta para
a Mussumba do Muatiftnvua, á rasXo de seis peças cada imi|
o que nfto era caro e para nós já importante, e sobre os pri-
meiros que se pagaram doesta forma, pronunciou se logo o soba
Anguvo contra Ambango, por este consentir que nos enganas-
sem não podendo garantir a segurança nestes contractos.
E certo que nós levámos á conta de inveja, as ásperas cen-
suras de Anguvo a Ambango, nao acreditando na sua sinceri-
dade e na convicção com que eram feitas. NSo podíamos es-
perar que eUe tivesse razão e que mais tarde nos havíamos
de arrepender de não termos querido prestar attenção áquelle
quasi aviso ou conselho que não era para desprezar, taes eram
os nossos desejos e anciedade de proseguirmos com rapidez
na viagem.
Espalhara-se a notícia de que Íamos partír, e por isso de
Muene Canje, no outro lado do Luí, vieram portadores que nos
foram apresentados por Anguvo e Ambango, como do Inde-
mene Mésu, pae d^elles e senhor d^aquellas terras, que nos
mandava cumprimentar.
Agradecendo a visita, respondemos que se nos avistássemos
com Muene Canje saberíamos corresponder devidamente á sua
amabilidade.
Um dos enviados fez-nos seiente, que um sobrinho d'aqucllc
pensara em ir ao nosso encontro quando fomos ao Cuango, e
que o tio não consentira para que nos não persuadíssemos que
se exigia a Muene Puto tributo de passagem ou que nos que-
riam escoltar.
Retorquimos, que nunca tivemos receio dos povos que nos
iam esperar ao caminho, e quanto a presentes os dávamos a
quem queriamos ou a quem prestasse serviços a Muene Puto.
Querendo convencer-nos o enviado, bem como Ambango,
que era da praxe o enviar-se um signal de estima a quem
deschipçao da viaqeh
manda viaitar, respondemos que o faríamos quando entendes-
aemoB e n2o por intimaçSea.
Isto dou logar a um grande discurso do mais velho, qne nos
obrif^ou a responder: que Ambango nos dissera sempre que
estas tçrras eram suas; que todos os sobas vizinhos eram seus
filhos; que Anguvo era seu egual e governava para o norte até
ao Cuango, emquanto que elle governava para sul até Qnt-
lundula; que dÍo conhecia os Coboa
nem os Holos, nem Ambango me fnl-
lára nunca no seu pae Muene Canje;
que todos os sobas que Ambango me
apresentara como seus anhordinados
foram contemplados e portanto neste
logar nada mais dava a pessoa alguma ;
que se ello Ambango tinha agora nm
pae, llie mandasse metade do que lhe
havíamos dado.
Com respeito a escoltar no cami-
nho, podia fiizè-Iú MuL'ne Canje ou
qualquer outro soba; só lhes lembrá-
vamos que o nosso fim era de paz c
de boa amizade, porém que cada uma
das nossas espingardas podiam despe-
dir doze bailas num prompto quando
fosse preciso.
Que a fazenda de Muene Puto nSo
era para se deitar fora, tinha muita
applicação, sendo a principal pagar o sustento dos homens que
DOS transportavam.
Estava pois terminada a nossa entrevista; já sabiam o que
havia a dizer a Muene Canje.
Chegara nesta occasiSo de Malanje a correspondência e tam-
bém um sertanejo, Químbaro, qne ha annos residia no Xinje,
margem direita do Cuango, para onde queria seguir, porém,
vinha pedir-nos protec^'ilo, porque Amliango pretendia fazer-lhe
agora exigências pela sua passagem.
I
tXnmÇAO FOSTCGCEXÂ IO ■TATUSVTXA
I KTtf^-t** qne c«t«Ta em Te»-
pêra d» [MVtídft, aoqaaaBRVO, edaqBEcstebimm>,poriKdne
J«So Amobío Soara Bnp bm mttu, i£xeiB-m> u occorren-
ciaa, ali qoa d'«Oe ww ■eparfaio».
£otn « eofreapondenctt, appaneeo-iK» o Camwttmo Jt Por-
tt^ ie lõ de jolbo, em qae se lia oin ctmmnnjradg dataA»
(Ic lynula e auignado por Jolío PafaDeiriín. «na nSertaãa»
s esta Bxpediçio, e que pela philaaci». phrmsewlo txmlnatâco e
apreeíaçQe» extrara^antes, moilo nos fex rir, alo noa aeado
difficil recoobeccr o oome do TetdadeirT* aoctor.
£u a Dota que lançámoa do nosso diário.
«Ê moa expoeíçio de dontrina moíto superficial baleada em
ínforma^fSea (alsaa do qae por cá te paosa e na tnoita tgnoraD-
eia doa boroena e dai cousas como são na realidade, ãeme-
Uunle oommanicado «stá destinado a nma resposta, maf é pre-
GÍÉO vagar e por isso archira-se por emqoaDto.i
Também recebemos o Economuta de 20 de setembro, em qae
TÍntu traiucripta paile de ama communícaçio aossa ao Minis-
tro do Ultramar, e antes, em artigo prim^ipal sob o título de
Tratup<»it» em Angola, se teciam encooiios «o Govemador de
Angola pela iniciativa que tonUra em renovar a antiga iasti-
tniçSo das Fatrulbas; mas o qae nllo deixava de ter graça
era, qne as coneideraçSes que justificavam as providencias to-
madas, fossem as mesmas, até as próprias palavras da nossa
communicaçlLo, que nilo foram transcriptae, e de qne já de-
mos conhecimento no capitulo anterior, o qne nos fez persua-
dir seria algama d'aquellas trocas de granel, qne tantas vezes
se dão na composição doa nossos jomaes diários.
Mas, á parte a coincidência, foi-nos muito agradável ver que
mais uma vez, o illustrado Governador de Angola, tomara na
devida consideração uma proposta nossa, o que nos obrigava a
agradecer especialmente a S. Es," aquella distincção.
A Sociedade de Geographia Commercial de Porto agrade-
cia-nos o interesse que tinhamos tomado pelos seus encargos,
lazendo-nos scieate do que infelizmente se tinha passado com
DESCHIPÇlO DA VIAGEM 483
respeito aos volumes do commercio da cidade do Porto e da
correspondência que a Sociedade mantivera com a Direcção dos
negócios do ultramar e com o representante da Sociedade em
Lisboa, o dr. Manuel Ferreira Ribeiro.
O Governador Geral de Angola também nos communicava
que tendo chegado no transporte índia os volumes do com-
mercio, immediatamente os fizera transportar para o Dondo, e
que determinara ao chefe do concelho que elles nos fossem
remettidos para Malanje com a brevidade possível.
Agora era muito tarde, sobretudo depois das minhas reflexSes,
que sao justificadas com respeito ao custo do seu transporte
de Malanje em deante e á qualidade de mercadorias que elles
continham.
O negociante Custodio Machado, enviava-nos as cargas pedi-
das e também aguardente, que transportava um novo carrega-
dor que á ultima hora pudera contractar para nosso serviço, e
entre outras dava-nos a agradável noticia de ter mandado seu
sobrinho estabelecer- se na nossa Estação Paiva de Andrada, e
de annuir ao nosso pedido de ser agente da Sociedade de
Geographia Commercial do Porto.
Officiámos a Custodio Machado, considerando-o já como
agente d^aquella benemérita Sociedade, encarregando-o de pro-
mover em Malanje a venda de todas aquellas mercadorias, no
que certamente tinha a lucrar o commercio do Porto, embora
levasse mais tempo a transacção.
E tanto ao Ex."*® Governador, como á illustrada Sociedade
determinámos justificar a resolução que tomámos.
Informando-nos Braga, que Mona Samba e outros potenta-
dos do Capenda nos apresentariam carregadores para a Mus-
sumba ; que a jornada da nossa Estação Costa e Silva para o
Caianvo era de dois dias e para o Anzovo de três ; que este,
de facto, era quilolo do Muatiânvua, que nos havia de pres-
tar todo o auxilio e fornecer- nos guias para seguirmos o cami-
nho que desejávamos, entre Caungula e Anzovo Bunguvo, pouco
nos desviando da latitude em que estávamos, o que era para
nós de interesse ; e acrescentando que em Mona Samba não nos
I
484 EXPEDIçIO PORTUGUEZA AO MOATliUVDA
faltariam mantimentos de lavras e que gente d'alii se e
garia de nos arranjar gado, tomámos a resolução de nos demo-
rar na Eataçio Paiva de Androda o tempo Indispensável para
fazer a correspondência para a metrópole e para a provincia, e
com os carregadores que tinliamos mudarmo-nos depois o mais
rapidamente que fosse posaivel para a Estaçilo aliím do Cuango,
pois que as chuvas o as trovoadas succediam-se com mais forç;».
Acrescua a iato os perigos a que estávamos expostos, pois que
8Ó em pólvora tínhamos mais de treaentos barria, se pode dizer
aervindo-noa de cabeceiras, e quanto maior fosse a demora,
mais se prejudicava a nossa viagem.
Em virtude d'e8ta resolução, mandou-se dizer a todos oa so-
bas, que fizessem apresentar os carregadores contractados, e
que se houvesse quem quizesse vender gados ou quaeaquer ou-
tros mantimentos, os prevenisse d'e que durante quatro dias
estávamos dispostos a comprar tudo que apparecesse, se os
preços nos conviessem.
No emtanto, continuávamos a tomar informaçUea que nos
convinham do sertanejo Braga, e aproveitávamos todos os ele-
mentos com que pudéssemos justificar o que tínhamos a consi-
gnar em toda a nossa correspoodeocia, a qoal foi do teor se-
guinte :
A S. Ex.^ o Ministro da Marinha e Ultramar.
III."> e Ez.*° Sr. — Tendo partido eu e o meu collega Slzenando Mar-
ques em 22 do mez passado com o couce dd E^ediçSo da Eataçio Fer-
reira do Amaral em Andala Quiasúa, acompanhando as nltimae cargas,
aqui chegámos á Estação Paiva de Andrada, margem do Lul, em 2S is
sete horas e meia da noite, onde me tenho demorado ntto só por cansa
das chuvas toirenciaes que teem caido, como pelas difficuldades de pu-
Btgem de rios e ainda porque neste ponto tenho conseguido contractar
directamente paia a Lunda (Mussumba do Mnatiflnvna} cincoenta carre-
gadores, o que sem duvida alguma é devido í influencia da referida
Estação.
Os contractos de pagamento teem sido feitos á razão de seis peçaa
{6Í100 réis) e ração que se nSo pode calcular em menos de 80 réis por
dia a cada homem, e portanto não eicedendo o preço dos contractos em
Halanje.
DESCRIPÇlO DA VUGEH 485
Aqui, como na anterior Estação em Andala Quissúa, tenho encon-
trado da parte dos povos que as cercam muito respeito e veneração pelo
nosso Rei (Mnene Puto) e todos os Portuguezes sob a influencia da enti-
dade com este nome, são por elles bem tratados.
£ certo que esta influencia se mantém á custa de presentes e dadivas
que se fazem, não só aos seus potentados, mas a uns e outros dos seus
familiares mais considerados e se assim não fosse todos elles mais ou
menos colligados, estorvariam a marcha regular das expedições e de
viandantes isolados (geralmente Ambaquistas), que procuram intemar-se
além do Cuango, e mesmo levantariam difficuldades que só á força de ar-
mas se poderiam vencer na occasião, sem que do seu bom êxito resultas-
sem vantagens para os futuros negociantes e para a manutenção dos
nossos bons créditos, porque os caminhos desde esse momento se fecha-
riam como actualmente se encontram os antigos por onde outr^ora se
transitava com muita facilidade.
A Expedição tem encontrado, e certamente quem de futuro a imitar
encontrará, reciprocidade nos presentes e dadivas, pois que muitas vezes,
mesmo antes de se terem feito, já se tem recebido alguma cabeça de
gado, farinha ou outros quaesqner géneros, com que o rancho do pessoal
se tem tornado muito menos dispendioso.
Cito a y. Ex.* alguns exemplos. Tenho acceitado garrotes de presente
a que tenho correspondido com valores de 3^500 réis, e estes teem che-
gado para um dia de rações ao pessoal (sessenta pessoas mantenho eu
aqui) o qual com parte da carne distribuida, obtém farinha, bombos, etc,
com que acompanham a carne que lhes fica. O rancho do pessoal, pago
em fazendas ou por outra forma importaria, diariamente, de 4j|>8(X) a
5^400 réis. Uma vacca pela qual dei o valor de oito peças (6^400 réis)
serviu para três dias ; e assim houve uma economia para a Expedição
de 8i|i000 a lli^OOO réis.
No meu diário estão citados muitos exemplos a demonstrar a ver-
dade da minha asserção : o que se dispende com presentes e dadivas é
(por cmquanto assim tem sido) uma insignificância, e bem compensado
fica pelo socego, tranquillidade e boa harmonia em que se tem encon-
trado a Expedição com estes povos gentílicos e pelas vantagens que se
obteem a favor do pessoal de carregadores.
Estas mesmas dadivas teem contribuído também para que os povos
que nos cercam e seus visinhos, nos procurem para vender gado, crea-
ções, ovos, bananas, bombos, etc.
Pela nota das despezas nesta Estação com respeito a dadivas e com-
pras de gado para rancho do pessoal, de 24 do ultimo a 9 do corrente,
vé'Se que foi ella de 45^000 réis. Se pagasse as rações á razão de 70 réis
por homem diariamente, o menos que posso admittir, montariam estas
naquelles 16 dias, a 67 J2(X) réis, e portanto houve um saldo de 21^400 réis.
48G EXPEDIÇXO POETUGUEZA AO MOATliSVTJA
Estea resultados levaram-mo a concluir, que embora mais fatigante
p&Tft mim, É nixúbi maia ceonomico dar o nmcho em géneros (pãme, sera<
pro que abaja), doqntt pngar &s raçãea em iaze n daí, mi sa migas, pólvora,
etiJ.; l." porque sendo ingiguificantiasiinas bb fracções (70 r^is), de quaes*
quer d'ne5es artiges, nunca ea pode pagar menos de três a qnatro dias
adeantadoe, c easaa poderiam ou iiSo ser dex-idamente empregadas, e
d'abi motivos de dissidenciai) e desordens entre carregadores e pretextos
de fome para nSo avançarem ; 2.° porque assim lhes seria diflicit faze-
rem acquiaiçào de carne de vaoca e mesmo da porco ou cabra c com
uma parte d'estas ra^ues é que ellos v3o comprando farinha, ginguba,
etc.; 3.° porque sendo pagos cm carne e sendo bem alimcntadoB (como
nunea o foram, nem mesmo nas suas habitações, porque ahi sd raramentti
el!a entra], nSo se lembram de pedir a dil&renca do valor das raviJes,
e cumprem-se os seus contratos, que foi de lhes dar de comer todos os
dias e só artigos de commercio em pontos onde nSo haja carne á vendo-
A oceasiSo é opportuna de dizer a Y. Ex.' que para uma expedi^So no
centro da Africa é uma questilo assas importante e de que se não tem
pensado a serio, a do rancho para O pessoal de carregadores.
Tenho pensado maduramente neste assumpto desde qne saí de Ma-
lanje, e cheguei a convenccr-me que é cila que neutralisa todos os ec-
fbrçoB de qualquer expedição cuja mira seja realisar lucros.
Se continuasse a proceder como em Malanje (fazendo o pagamento
de rações a dinheiro), e na primeira EstaçSo (em fazendas e missangas
ao pcf^íoal que ali esteve), o qiio tpi'm adoptado os negociantes serta-
nejoB 6 expedições AUemSs, eu nSo sei a que ponto moutoiiam ji aa
despezas d'csta ExpedicSo, só pelo que respeita iquella verba.
Supponha V. Ei.* duzentos carregadores a receberem 70 raie diarioa
para rancho durante vinte mezes, média de tempo qne se pode calcular
para estas expedições (não contando cora doenças, grévea, ete.) ; só para
isso teria de despender-se 6:40DfOOO réis. Addicionando-lbes agor« o
pagamento (ordenado) de ida e regresso a IGjOOO réis por cada carrega-
dor, aá para a verba de transportes, nio fazendo entrar em conta ex-
traordinários, o total da despeza montaria á importância de 11:600^000
réis. Isto a contar de Malanje. ,
É claro qne quanto maior for o numero de carregadores crescem na
mesma proporção as dcspezas, por serem calculadas por homem.
Se a expedição é apenas commercial, de um só negociante que a acom-
panha, e que leva apenas comsigo ura empregado europeu e om in-
terprete, muito favoravelmente calculadas as despezas com eatea em
45^000 réis mensaes, elevar-se-ha aquella verba de despeças de mais
900J000 réis, isto é a 12:500<000 réis.
NSo leva essa expedição livros, instrumentos, medicamentos, etc,
mas o negociante nSo pode deixar de distrahir do pessoal viifte cam-
DESCBIPÇXO DA VIAGEM 487
gadores para seu serviço especial, como : bagagens, algum rancho, al-
guns medicamentos, cama, e ainda fazendas e outros e£feitos para pre-
sentes e tributos de passagem, etc, o que por certo nâo é muito, mas
que vae reduzir a caravana a cento e oitenta cargas para despezas e
permutação.
Os valores d'essas cargas variam de 364^000 réis a 90j|í000 réis, mas
seja de 80;S000 réis a média (parece-me demasiado). As cento e oitenta
cargas são equivalentes a 14:400^000 réis.
Comparando esta cifra com a das despezas de transporte, ha um saldo
apenas para negocio de 1 :900i^000 réis ! Não entro com os valores des-
pendidos com as cargas que levam os vinte carregadores, porque as faço
equivaler á sua importância o que certamente é muito pouco.
Poderá aquelle saldo em quaesquer permutações no centro da Africa
produzir sequer o capital empregado na Expedição 14:400|I000 réis?
Responde-se certamente que as despezas são diárias e o capital vae sendo
logo empregado nas permutações com grandes lucros e estes podem dar
para as despezas. Mas creia V. £x.* que não é tanto assim, que os géne-
ros procurados quando se encontram é já a grandes distancias do ponto
de partida e por conseguinte muitas teem sido já as despezas feitas, e
quando mais alguns resultados houver, certamente não compensam os
sacrifícios, trabalhos e perigos a que se expõe o negociante.
Ex."*** 8r. — A Europa tem sido illudida com respeito ao commercio
da Africa e nós vamos na onda porque as informações que nos chegam
á metrópole das nossas províncias, são menos exactas. Falla-se e escre-
vesse sem perfeito conhecimento de causa, estabelecem- se hypotheses
sobre bases falsas, deduzem-se argumentos e apresentam-se doutrinas
que realmente enganam os inexperientes, e os que procuram informar-se
devidamente, teem de acceitar como verdadeiras essas hypotheses e de-
ducçõcs ; e como isto possa acarretar mais prejuízos aos negociantes que
na metrópole se teem interessado pelo commercio de Africa, cumpre-me,
já que y. Ex.* me honrou confíando-me a missão de que estou encarre-
gado, ser muito verdadeiro e leal nas minhas informações.
Presentemente dois negociantes sertanejos da provinda de Angola
teem- se afastado mais á aventura indo commerciar no centro de Afri-
ca, refíro-me a Silva Porto, de Benguella, e a Saturnino Machado, de
Malanjc. Se me recordo bem, um e outro ha mais de vinte annos que
teem estado internados no Continente, um no Bié e o outro em Quibun-
do, esperando o dourado manancial de productos do gentio, para na ve-
lhice descansarem e d'elle gosarem, remunerando-se assim de tantos sa-
crifícios, trabalhos e perigos a que se expozeram durante esse longo pe-
riodo da sua vida, isolados no meio do sertão.
Não chegava porém essa fortuna, e impacientes lembraram-se ultima-
mente de se sacrificarem mais uma vez, arriscando o producto de seus
■zniHçIo pfnnnFarau AO kiuiiImtiu.
os Bftcríficios, e prepararvn-se para levarem
k Dic-rcadoê Inngi^nos onde le lhes dizín paderíam
Em I8S1, M a meoKi i:^ me nSo falha, partiu Silva Porto do Bié, di-
rigindo-M para o sorte. 'juanCos eacriScios e despesas nSo Uie cnatftris
dMde logo, o obter que •'.!■ l^.ng^cUaalicfaegaseem cargas para treioiloe
eaiT^iadoTM I Eate é o iiMmero. segundo o interprete qae o acompanhou
da Haaa Congido ft C^bau, e qao á ultima hora se me apresentou para
nu Mompaiiliac i Landa, 0Dd<.' tem estado por varias vezes- Infonaa-mo
ainda «to, aer a impMtincift d'uquella caravana 20:000^000 réis, valor
qna fflra psnnntada fOi trezt^ntiis pontas de marfim.
Ectas nlo fÍR«m a6 encontradas em CabiMi, mas em Tortos pontoa qoe
viaitanun, gaatando-M por isso em tal exploraçSo dezoito a vinte meses.
Num ueripto de SUva Porto & Sociedade de Geographia de Li&boa.
na ma note de deapesos, lembra-me ter visto uma verba approiimada-
mento de 2:00(tf000 léíe, consumida apenas em tribatos, dadivas aos so-
bâi, etc^ o que redtu o valor da caravana a 18:000^000 réis.
Sou informado qne Silva Porto píigava ao seu pessoal as rações eui
misMngaa á raalo de nm macete (340 réis) para quatro diaa, porIBiili>
Kceito (o qne i petm duvidar) que pagou rações á razSo de 60 réis dia-
rloa. Sendo aaaim, despendeu diariauieiilc 18^000 r£ig e por conseguinte
em deioito meus 9:TS0i000 léis.
Calculando qne obteve oquellea euregadoiea pan id» t voUa per
13X000 réis cada nm (o qne nSo é cHvel), SiGOO^OOO r^ serio oe aew
vencimentos. Suppondo que com o empregado enropen e os interprete*
qne levou despendeu em todo o tempo ordenados e raç^ea, 68(4000 ríÒB
(para arredondar coutas) já temos 14:000^000 a abater ao valor empre-
gado, 18:000j000 réis ; resUm portanto 4:000^000 réis. D'e8tea ba'
unda a abater ae importâncias de mesa de Silva Porto, o sen transporte,
eommodidades, armamento, medicamentos, qne se pode reputai em réia
2;000<000, ficando portanto para permutação apenas 2:000^000 réis i ftUs
estes, segundo o informador, deram trezentas pontas de marfim ! Ora, cal-
culando estas em média, valor liquido na metrópole a 90^000 réis cada
ama (o qne é muito), produziu a pennntaçSo 25rO00jO00 réis, abatendo
réis 2:0002000 de entrada. Ha portanto um lucro de 5:000^000 réis !
Na metrópole, este capital empregado apenas em inscripçòea, prodn-
úria sem trabalbo nem perigos nos dezoito mezes 1:800^000 réis, a
diSerença de lucros ê de 3:2002000 réis, nSo chega a 200^000 réis por
mez.
Pergunto, se na metrópole se tentar uma eiploraçio d'esta ordem
aos mesmos pontos onde foi Silva Porto, pois qne do Bié até entre os pa-
rallelos 5 e G (sul do Equador) nSo encontrou marfim, acbaré eaea em-
presa nm empregado de confiança e í altura de dirigir e administrar
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 489
uma tal exploração por 200^000 réis por mez, menos dos lucros obtidos?
£ quando assim seja, a despeza doesse e outros empregados em Wagens
de Lisboa a Loanda e d'ahi ao ponto em que se organise a expedição
d'onde ha de sair ?
Devo agora notar a V. £x.*, que custa a crer que em e£feitos de com-
mercio, fazendas, louças, taxas, missangas, busios, pólvora, quinquilbe-
rias, etc., os valores equivalentes a 20:000JI000 réis, possam ser tran-
sportados só por trezentos carregadores ou antes menos, porque sempre
ha a abater os do serviço pessoal do negociante e ainda os destinados
ao especial da caravana, embora nestes 20:000|>000 réis se comprebendam
já os fretes, direitos, etc, do ponto de partida para o interior.
Saturnino Machado, que ha um anno partiu de Malanje para Cabau,
levou para o transporte dos mesmos valores oitocentos homens. Já vê
pois y. Lx.*. que as informações acima não são muito exactas.
Até ao Cuango jáV. £x.* conhece os contratempos de Saturnino Ma-
chado, não só com relação a despezas extraordinárias, como á sua longa
viagem de Malanje ali, sessenta dias ! Quando o muito devia ser vinte.
£stão aqui passando de regresso, parte dos seus carregadores e elles
informam-me ter Machado acabado o negocio de fazendas e estar agora
negociando as armas e a pólvora. Não dizem o numero de pontas de
marfim alcançadas, mas dizem ser pouco e também nada informam so-
bre o seu companheiro António Lopes de Carvalho, que se separara, a
bem da sociedade, a procurar melhor mercado a N.-£.
Ao favor de Custodio Machado, recebido em 10 doeste mez, devo
o saber que os carregadores haviam abandonado Saturnino nos Bacon-
gos, junto ao Alto-Zaire, e que no ponto em que elle se encontrava,
havia muita borracha. Julga Custodio Machado que Saturnino resolverá
para evitar maiores despezas, descer o Zaire em pirogas.
Quando este regressar, espero que Custodio Machado, me obsequiará
informando-me sobre os resultados da £xpedição; mas já se pode as-
severar que ella custou muitos sacrifícios e trabalhos e que esses resulta-
dos talvez os não compensem, nem por certo animarão futuras explorações
commerciacs. Oxalá eu me engane, pois são cordiaes os votos que faço
pelas prosperidades dos infatigáveis, prestantes e patrióticos irmãos
Machados, de Malanje, dignos por tantos titulos de terem dias tranquil-
los e cheios de felicidades.
O modo por que as mercadorias chegam actualmente oneradas, ao ponto
onde se hão de organisar as expedições; o pagamento que presente-
mente pede um carregador para transportar a carga ; o pequeno peso
doesta; a baixa dos preços nos mercados europeus dos trez únicos géne-
ros que a Africa offerece á permutação : cera, borracha e marfim (refiro-
me ao seio do continente); a escassez que d'esses mesmos se vae
notando do parallelo 7.^ para sul (distancia a que ainda se poderão en-
8S
490 EXPEDIÇIO PORTUGUBZA AO XUÁTllHVnÁ
contrar por emquanto) ; a competência que n*es8a procura nos eatSo fifc-
xendo os estrangeiroe nos portos ao norte até ao Zaire cá do occidente,
e os Árabes em Njangoé e os estrangeiros no Tanganica e Nyaasa, «2o
finalmente, £x."><* Sr., rasòes assas fortes para prejudicar a empresa ou
emprezas, individuos ou associações que tentarem expedições commer-
ciaes ao centro do continente africano.
KSo é preciso ser especialista em assumptos commerciaes para ae co-
nhecer esta verdade ; a simples obseryaçSo durante algum tempo nestas
paragens com o intento de bem informar a quem compete, é o bastanteé
Os centros dos concelhos a leste de Loanda e essa mesma cidade, qiie
digaài nestes últimos tempos quaes os géneros que ahi chegam do een-
tro de Africa, a nSo ser o que lá levam os Bftngalas, que sSo os proprie-
tários das suas cargas !
O Bângala é puramente commerciante e percorre l^^as e le^naa com
a sua carga em busca de quem mais fazendas lhe dô por ella.
Aproveitar pois estas disposições, não levantar conflictos com ^ea^
procurando fazer-lhes concorrência além do Cuango, e o estabelecknento
de agencias commerciaes em todos esses caminhos de Malanje a(té este
rio, pelo menos nos que já hoje garantem segurança e boas diapostçftes
dos povos limitrophes para comnosco, creio ser o mais acertado* Ellea
cá virão trazer-nos á provinda o pouco que já se encontra no centro
de Africa, de bons géneros para permutação, sem que haja necessidade
de mais sacrificios, despezas e mesmo victimas.
Para o futuro viver da provincia de Angola e seu desenvolvimento,
nada se pode esperar já Q^essed productos afamados e em que se fazia
consistir a riqueza do commercio africano.
Outr'ora, essas explorações íizeram-se entre nós e talvez uma ou outra
com vantagens, porque os carregadores eram escravos do dono da cara-
vana que as acompanhava.
O que entre nós foi de ha muito banido, creia V. Ex.* que tem sido e
ainda é, aproveitado pelos estrangeiros que por cá andam e no que nâo
deixam de nos prejudicar mesmo durante a nossa missão, porque os po-
tentados estranham, nao só que lhes nao compremos os escravos que nos
apresentam, mas que não acceitemos os que nos enviam de presente;
já posso fallar assim e ainda estou áquem do Cuango.
Apresso-me a dar estas informações a V. Ex.*, para que no paiz não
haja precipitação em se organisar uma exploração commcrcial ao centro
de Africa, que emquanto a mim terá resultados funestos, se não for at-
tendida a opinião d'esta Expedição, que espero será um dia publicada
juntamente com a relação de todos os seus trabalhos.
Felicito-me hoje, porque os volumes de mercadorias (perto de duzen-
tos) de alguns nogoci antes do Porto, houvessem chegado a Lisboa de-
pois da minha partida para Loanda. A Providencia estava então por
DESCRIPÇÍO DA VIAGEM 491
mim ; se me houvessem acompanhado, emquanto nSo estaria já o seu
transporte ! £ onde e como permutá-las ? £ a pergunta que faço a mim
mesmo muitas vezes.
Pode o Governo querer continuar a provar á £uropa, que também
Portugal com grandes vantagens para estes povos, manda para cá as
suas £xpcdiç(jes civilisadoras ; que nos é facultada a passagem entre
elles, só pela influencia do poder de Mucne Puto, que elles veneram e
respeitam e sem necessidade de disparar um tiro para abrir caminhos ;
que como as demais nações, nos interessámos e sabemos civilisar os
povos por onde passamos, e que finalmente quando díspozermos de ca-
pitães, sempre havemos de conseguir muito mais que as missões estran-
geiras, já pelos nossos costumes brandos, já pelo convívio e antigas
relações no paiz (o que elles recordam sempre), já pelo conhecimento
que mais ou menos toem da nossa lingua (não é raro mesmo entre o
gentio em conversa ouvirem-se palavras portuguezas), e pelo bom trato
e justiça que lhes dispensámos, ainda mesmo contra os nossos interes-
ses. Para taes fins se o Governo o entende e o paiz pode e quer, que ve-
nham outras Expedições em seguida a esta, porque nós os Portuguezes
teremos sempre em tudo superiores vantagens, mas esperar que as em-
prezas commerciaes sustentem expedições com a mira em alargar mer-
cados aos seus productos em troca de outros de maior valia, (a não se
modificarem muito em favor d^essas emprezas os encargos que pesam
sobre os objectos do commercio que entram na provinda de Angola), é
um erro e gravíssimo, sobretudo em concorrência, como actualmente, com
os pontos privilegiados ao norte e com a grande potencia da Internacio-
nal, que só pelos seus milhões empregados em fazendas, força bem ar-
mada, e fenos a subjugar e dominar o gentio, nos pode arrebatar o que
para nós por boa vontade viria.
Preparada a Expedição para partir depois de amanhã para o Cuango,
Estação Costa e Silva, onde eu chegarei no dia immediato para dispor
tudo a fim de se efFectuar a passagem do rio, entendo do meu dever dar
antes da partida algumas informações a V. £x.* sobre esta localidade e
suas vizinhanças.
Esta Estação, rodeada a leste e norte pelo Luí, vindo do sul fica na
altitude media (media de cem observações) de 701 metros, isto é, 4r»l
metros abaixo de Malanje, na latitude S** SI' 48'' sul e longitude 17*» 6/
30''; está cem metros a leste da povoação principal, Ambanza do Am-
bango. E rodeada áqucm do Luí, em todos os quadrantes, seguindo de
norte pelo leste pelas seguintes povoações mais principaes, cujos nomes
são os dos potentados Angiivo, Quibando, Matamba, Cáhia Cassáxi, Ca-
mávu, Cátúta, Cáanzela, Mucanda, Anguanguay Cáputo, Quijica e outros
de menor importância.
492 BXPEDIÇZO POBTCOUBKA AO XUATllwnA
Com todms dias e com os seu potentado» temos mantido aa mèDiona
relações. Amiudadas vezes estes me piocDraram (geralmente de noite,
habito em que os tive de pôr para me deixarem trabalhar dnrante o dim),
a fim de conversarem e saberem do qoe se passa nas terras de lloe&e
Poto, e também receberem o malofb da visita (agnaxdente temperada
como já disse a V. £x.*) e me apresentarem seos filhos (denominaçio em
que comprehendem os homens das soas povoações), para transporte das
minhas cargas ás terras do Mnatiânvna.
A parte a grande humidade, devido a ser nma grande planície e ro-
deada pelo Lai e seos afluentes, a sitoaçio é salubre e soppomo-la
mesmo superior a Cafuzi, que reputamos saudável, certamente por es-
tarmos mais desaffirontados por todos os quadrantes. Aqui entre o pes-
soal, em três semanas apenas foram tratadas duas doençaa ligeiras;
uma febre das ordinárias no empregado europeu e uma simples bron-
chite num dos carregadores, um & outro por dormirem ao relento.
Os povos sio mui soceg^os, mas ciosos das grandesas doa sena po-
tentados, Ambango e Anguvo, e por isso se nota entre ellea nma certa
rivalidade, respeitando-se porém estes chefes mutuamente quando se en-
contram, pelo menos á minha vista. Tanto um como outro conaideram-se
subordinados de Muene Canje, a quem chamam pae, residente em Mns-
sanjísno, 5 kilometros a N.-O., além do Luí, que é o potentado doa Cõbos,
e por isso estes aqui, se deviam considerar como taes ; mas é o que se
nSo dá, porque Ambango que pelo lado paterno é Holo e pelo materno
Côbo, considernndo-se senhor do que herdou do tio, um intruso que veio
eHtabelecer-se mais a oeste do logar em que aquelle fundou a actual
sanzala, (ambauza) diz-se independente, e á similhança do soba Ambango
de Malanje, chama ao seu povo, que faz estender até ao Qnilandula Mu-
lolo Quinhangua, próximo do rio Luhanda, Bambeiro ; querendo assim
distingui -Io dos MHhôlos, Macôbos e Mahundas, povos que o limitam,.
sem se importar que Audala Quissiia pretenda que os limites de suas
terras os comprehendam, porque toma o Luí como fronteira.
Ha pouco aquelle potentado mandou-o avisar, que até agora tem es-
perado pelo seu tributo e a resposta de Ambango na minha presença,
foi, que estava ha pouco tempo no Estado e nâo se achava preparado
ainda para lhe pagar o devido tributo.
O Anguvo, diz ter fugido de Mona Congolo, margem do Chicápa e
ter vindo estabelecer a sua ambanza próximo do Luí, sob o dominio de
Muene Canje, e ser também independente porque é parente dos Hôlos
como dos Bângalas (Cassaujes) e dos Haris (Muêto Anguimbo), e n2o
quer também acceitar para seu povo a denominação de Côbo.
Tenho visitado as principaes ambanzas e nalgumas tenho visto além
de mandioca e jinguba, limoeiros, feijão, bananeiras, milho, papaia (ma-
mão), pau de sabão, mamona, algum tabaco e ocá de S. Thomé.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 493
As povoações mais próximas do Lui teem homens que se dedicam á
pesca e já por três vezes fomos mimoseados com peixe, o bagre e outros
mais pequenos, gostosos mas de muita espinha.
N^esta Estação fez-se em principio acquisiçâo de vinte gallinhas,
quatorze das quaes levamos comnosco, o que tem sido muito apreciado,
por ser raro o dia em qne se nâo guardam cinco a seis ovos para o nosso
rancho. Teem também apparecido ovos á venda na Estação, o que nos
prova haver aqui mais creação que em outras localidades onde temos
pernoitado.
Pelo que respeita a gado vaccum, nao nos tem faltado aqui, como já
disse a V. Ex.*, é este o ponto onde os aviados dos marchantes de Pungo
Andongo e Malanje se abastecem em troca de fazendas, missangas etc.
Mas aqui como em Andala Quissúa, não se mata gado para a povoação,
e a gente d'aqui, se ultimamente tem comido carne, devem-n*o a esta
Expedição pelas permutas por farinha e bombos.
Também é aqui procurando o sal do Luí, tanto d'além do Cuango,
como das povoações até Malanje, do que se tira algum interesse.
A disposição d'e8te povo a nosso respeito e tudo mais que deixo ex-
posto me levam a crer que seria de um grande bem para o futuro, man-
ter-se esta Estação, não só para a conservação doeste bello caminho para
o commercio, como pelo grande numero de carregadores que num mo-
mento lhes pode fornecer, quer para Malanje, quer para o Cuango ; e
ainda porque estas terras pela sua fertilidade e abundância de aguas,
facilmente se agricultavam, podendo em grande parte ser aproveitadas
para creação de grandes manadas de gado, que até se poderia exportar
para fora da província, quando estabelecida a linha férrea de Ambaca.
Que venham para a Estação e suas immediaçoes, pessoas idóneas que
ensinem e civilizem estes povos, que a isso se prestam, e então o com-
mercio da província se não encontra hoje as riquezas imaginarias do cen-
tro da Africa, encontrará sempre lucros rasoaveis mas seguros, porque
os consumidores serão então os povos que civilisam e por certo lucros
maiores dos que realisa actualmente, ou podprá obter de futuro, se as cou-
sas continuarem como d'antes.
A minha proposta ao negociante Custodio Machado foi bem acolhida,
participou-me já que seu sobrinho ia partir com negocio para a Estação
Ferreira do Amaral, e só esperava carregadores para esse fim. Como
sei que em Malanje ha difficuldades actualmente em os arranjar, mandei
um portador a Andala Quissúa para os enviar, e este também já me res-
pondeu que os ia expedir, o que creio fará, porquanto sei quanto elle e
o sobeta da localidade apreciarão o estabelecimento d*aquella agencia ali.
Eu repito hoje a V. Ex.* o que já tenho dito mais de uma vez, encon-
trei em Custodio Machado um grande auxiliar para o bom êxito da mi-
nha missão.
I
Tem wdo elle que em Malnnje, na presença doa eatrnngeiroB (Alle-
uiiltis cm maioria), tem sabido manter o boni uome portiigaee. Hoje mm
eu d'ÍBso uma tealeinuiiha, porque deante de mim se derius nlguns fi»-
etos que o comprovam o por iaso tanto eu novamente tomo a liberdade
de lembrar a V. El.' o recommende á munificência regia em Ponaide-
ração dos auxílios que tem preatado i Expedição snb o meu cominando.
Reata-me fazer oceupar eeta EataçSo, que não tem menos importftn-
cía do que aquellft, pois eatí diatunte do Cuango {portos do MuOtu
Angiiimbo) nove e meia horas de viagem cm rede, e pai-a esae fim de-
claro a V. Ex.' é ainda a Custodio Maehado que mo vou dirigir para ver
BC algnm doa eeua collegas em Jlalsmje ec anima a vir estabelecer aqui
uma agencia a cargo de um empregado de confiança e de reconhecida
prudência, para couacguír cittrahir o commercio d'além do Cuango.
Aguardo uma reaposta favorável.
A inãuencia d'esta Estaçjlo, entre outras cousas aioda ba dias se fei
eentir sobre o eommcrcio. Um pequeno negociante sertanejo, portoguei
ofricauo, ha aunos estabelecido no Xinje (Capénda) regressando de
Malnnje a sua caaa, eutendeu por aqui paasar, seguindo as ptzadie
da Expedição. Chamn-se ello Joilo António Soares Braga.
É certo que o aoba Ambango lhe exigira em relação aos sens fracos
recursos, o que elie entendeu aer uma exorbitância. Mandei chamai o
soba & KstaçSo e apresentei Braga como filho de Muene Puto e por con-
seguinte como meu filho nestas terras (segundo elles), e dcelar«i-lhe
que ro elle queria papiiiiiento, seria pu quem o tinha de fnier. O sob*
desculpou-se allegando que aquelle meu filho nSo invocara o Dome do
major e que n3,o só a elle como a todos os meus filhos que passassem
nada Ihca exigiria e que só receberia o que fosse da vont-ade d'elles e
lhes podeasein dar, pois já muitos benefícios e favores devia ao een rei,
Mn ene Puto.
O negociante Braga presenteou-o depois com uma peça de fasenda,
corre apouden te a 800 réis e o soba fícou muito contente, dando-lhe nina
cubata para hospedagem emquanto aqui estivesse.
Tecm regressado ncatea dias oa carregadores de Saturnino Machado
vindos do Lubuco, e trazem mais ou menos alguma mercadoria e papa-
gaios. Vinham seguidos de uma vez pelo sobeta Matamba, uma espécie
de advogado do Ambango, para lhes exigir alguma cousa, porém sabendo
por ellea que vinham do Quiaséaao (Saturnino Machado), que era filho de
Muene Puto, veiu logo procurar-nie e dizer-me que nSo Ibes tinha ob-
stado á passagem e seguíra-os apenas para me visitar. Fes jus a nma
caneca de aguardente. Mal sabia eu entio, que aquelles carregadores
haviam abandonado Machado, ali&a nSo teria intervindo e elles que 1& SC
arranjassem. Sabe Deus o mal que lhe teriam feito I
Jí vê V. El.* que ha também muita conveniência em se fazer o
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 495
esta Estação, para manter seguro o caminho e não deixar perder a nossa
influencia, pois estes povos estão suppondo que é por ordens de Muene
Puto que se faz por aqui convergir o commercio, o que muito desejam
e apreciam.
O negociante Braga informou-me que encontrarei em Mona Samba,
em seu filho c noutros sobctas do Capênda, vizinhos, o apoio necessário
para contractar os carregadores que me forem ainda precisos para seguir
sem interrupção a marcha directamente ao Muatiânvua, pois tanto os
Xinjes couio os Undas de seu vizinho e parente Anzôvo, apreciarão
muito que esta Expedição se dirija á Mussumba passando por ali, por-
que este é quilôlo do Muatiânvua a quem paga tributos e no que é auxi-
liado muitas vezes por Mona Samba sua parente, sobretudo quando os
enviados do Muáta ali chegam inesperadamente, no que também o au-
xilia o próprio Capeuda que apesar de independente, respeita o Mua-
tiânvua como maior potentado.
O que de certo por algum tempo demorará a Expedição, é acharem-se
os rios cheios por causa das chuvas, as quaes, diz Braga, cessam no
Xinjc até ao Cassai de janeiro a fevereiro, epocha da colheita dos mi-
lhos e d'ahi em deante do Cassai até á Mussumba vão diminuindo, ces-
sando nos mezes de maio, junho e julho ; pelo que calculo, a não se da-
rem circumstancias extraordinárias, que só poderei partir com a Ex-
pedição de fins de fevereiro em deante.
Mais me informa o negociante Braga que os principaes potentados no
Xinge estão actualmente em dissidências politicas por causa do Capên-
da, que deve ser eleito.
O que estava no Estado foi morto, segundo me disseram, por ter en-
tregado a um estrangeiro a machadinha do Estado (symbolo da aucto-
ridade ou governo), e Quilélo tomou conta das malungas, insígnias de
seu fallecido tio, por se julgar legitimo herdeiro da sucessão.
E este, filho da fallccida Mávu Cambo, a mais velha das quatro irmãs,
únicas que podem dar herdeiros ao Estado.
E quasi geral a versão que os filhos das irmãs od dos sobrinhos filhos
doestas, são do mesmo sangue dos potentados ; e por conseguinte os filhos
d'e8ta8 devem ser seus legitimos herdeiros. Mas Quilélo segundo os seus
adversários, nascera fora dos domínios do fallecido, porque sua mãe fora,
logo que se uniu a seu pae, para as terras d'este. Seguiam-se os filhos
de outra irmã tambçm fallccida. Mona Andumba, porém esta, pelo facto
de se unir a um Quiôco e de quem teve os seus filhos, perdera o direito
ao Estado porque para elles o terem é questão essencial que seus pães
sejam fidalgos.
Eestam pois, os filhos das duas irmãs, hoje vivas, Moana Samba e
Moana Cafunfo. Esta é a mais ambiciosa e tem levado os adversários de
Quilélo a guerrearem os partidários de sua irmã, ainda q^ o mesmo
496 EXPEDIÇÃO PORTdQUEÍA AO MOATIÍSVUA
Bobterfugio de que ella vireu sempre maia próxima da capital do Capên-
da, eiiiquanto aquella bc fora estalicleccr mnis ao norte nos confins do
estado d'estR potentado.
ilae cmquanto tucs divergências se auetentitm entre ob differenten
grupos,Quilélo, senhor das nia]ungaH,yae ganhando terreno, cngroseatido
as fi-Ieiraa dos seus amigos e a^ae^'erBm alguns (a maioria), ter este tanto
direito como o tilho de Cafunfo e aer filho da irm3 mais velha do fallti-
cido, e por isso ha todas as probabilidades de se terminar esta questão
sem guerras e de Quilélo tomar couta deliuitiva do Estado, o qaal pelo
faeto de possuir as uialungas, está esereeudo o cargo de Capenda como
se tivesse sido jil eleito.
O referido negociante Braga, por sua conrenieneia, pedin-me para
acompanhar a E)Lpediç£o & Miissumha do Muatiânvua, encarregoudo-ee
de alcançar e dirigir os carregadores Xinges, e eu annuindo ao seu pe-
dido offi:ireci-lhe eoinida do meu rancho.
Herí nm bom servido que elle prestará a esta Expedição e eu julguei
corresponder de ulguma forma, com o que possa dispor.
Termino, Ex,"" Sr., congratulando -me que o Conselheiro Governador
Geral de Angola, tào promptameute houvesse attendido éjt confiderações
por m.im expostas no ofiicio que lhe dirigi de Malanje em 8 de julho, so-
bre a necessidade por mim notada ha muitos annos, de se reinstituírem
na província sob sua aduiaistraçSn as nossas mui antigas Estações hoH-
pitaleiras, a que se dava o nome do Patrulhas, e por ímmcdiatamcute
determinar providencias a tal respeito, que a haver z^lo da parte dos
que teem de executar as suas ordens, será em pouco tempo mus nm me-
lhoramento importante que a provincja contará, devido á benéfica kdmi-
oistraçilo de S. Ei.*
Nunca os meus desejos foram tSo depressa satisfeitos, nnnca uma pro-
posta teve tâo prompta acolhida.
E porque o actual governador da província nSo teve duvida em ac-
ceitá-la e estudá-la apreciando os seus bons resultados, pois que pratíca-
mente conhecia de tal necessidade, sem querer saber d'onde vinha a
lembrança que julgou boa.
É medida que eu particularmente vou agradecer a S. Ez.* porque até
os considerandos com que se justifica, são os próprios de que me servi
para provar a necessidade de sua adopção, como V. Ei.* certamente teve
occasiio de ver uo meu relatório de 30 de julho.
Assim tenho eu, mais uma prova de quanto S. Ex.* o Governador Gre-
ral de Angola tem apreciado os trabalhos da Expedição a meu cargo.
Deus guarde a V. Ex.' Estação Paiva de Andrada, margem do Lof,
15 de dezembro de 1884.— III."" e Ei.""" Sr. Ministro e Secretario d'E8-
tado dos Negócios da Marinha e Ultramar. ^ O cbefe da ExpedíçSo,
Henrique Augtulo Diat de Carvalho.
DESCRIPÇXO DA VUOEM 497
A S. Ex.' o Governador Geral da Província de Angola.
Hl.»*» e Ex.»» Sr. — Passando ás mãos de V. Ex.* a inclusa communi-
cação que dirijo ao Ex."® Ministro dos Negócios da marinha e ultramar,
solicitando de V. Ex.* se digne determinar que ella lhe seja enviada na
mala official, aproveito a opportunidadé para agradecer a V. Ex.* mui
particularmente a attenção que lhe mereceram as minhas considerações
sobre a necessidade de se manter a antiga instituição das Estações hos-
pitaleiras, vulgo. Patrulhas.
Nunca táo promptamente uma proposta, dirigida ás auctoridades com*
petentes, encontrou soluçáo como aquella a que me refiro, o que prova que
V. Ex.* reconheceu os bons resultados práticos que d*ahi devem advir
principalmente ao commercio.
Na sábia administração de V. Ex.' na provinda de Angola, por qual-
quer lado por que se encare ha muito a apreciar, e eu declaro a V. Ex.*
que em mim encontra ella mais do que respeito e apreciação ; encontra
fervorosa sympathia.
y. Ex.*, com a energia que é conhecida como um dos seus dotes
mais caracteristicos, dignou-se bem acolher e fazer executar, o que eu
apenas como trabalhador do progresso colonial podia esboçar em theoria
pela palavra ou pela escripta, demonstrando os resultados que da sua
adopção se podiam colher. Refíro-me: d colónia agrícola penitendaría;
á escola profisríonal de Loanda ; á exposição de productos agrícolas e in-
dmtríacs da vastissima província de Angola; á expedição que me foi con-
fiada, e por ultimo á reinstituição das patni!>has, que mais não são, que
estardes hospitaleiras no sertão da provinda, e que pela sua amplitude se
podem tomar civilisadoras, as quajts seguindo-se as estabelecidas por esta
Expedição, ligam Loanda ao Cuango pelo menos numa determinada di-
recção,
A y. Ex.*, a gloria dos resultados práticos, pelo modo por que taes
medidas teem sido postas em execução, a mim, a satisfação de fazer parte
do numero dos admiradores de y. Ex.* como administrador colonial.
Deus guarde a y. Ex.* Estação Paiva de Andrada na margem es-
querda do Luí, 15 de dezembro de 1884. = O chefe da Expedição, Hen-
ríque Augusto Dias de Carvalho,
Do chefe da Expedição ao negociante Custodio José de Sousa
Machado.
111.""» e Ex."«> Sr. — Da Sociedade de Geographia Commercial do Porto,
recebi ha dias um officio, em que se me communica ter sido acceita a
minha proposta, de se convidar y. Ex.* para agente da mesma sociedade
e do commercio do Porto em Malanje, com que muito folgo. Na mesma
498 EXPEDIÇÃO POETUODEZA AO MCAtUiíVOA
oceasíSo paTtícipa-ne V. Ei.* em carta particular, que fa responder ao
convito que recebera d aqnella beucmerita eoeiedadc para tal fim, di-
■endo que acceitava csae CDcargo, o que me foi bastante agradável saber.
Troune-me ainda o mesmo correio, um oficio do governo geral da
província, que me faz eclcnto do terem partido de Loanda em direccilo ao
Sondo, ao cuidado do chefe do concelho, os volumes do commerclo do
Porto, que me deviam ter acompanhado de Lisboa, e que rierain no tran-
sporte índia para me serem entregues.
Não me ê possível deixar de seguir já para o Cuaugo, c, pelas díffi-
coldades e despezas que teria de novo a fazer para alcançar oa currcga-
dorea precisos para taes volumes, e pela minha opinlSo jA formada con-
tra as explorações commorclacs uo centro de Africa, e dllHcoldade que
hoje reconheço de se encontrarem por cá mercados onde bem collocar as
mercadorias que vieram, sou levado a ofliciar nesta data ao cliefe do
concelho cm Malanje para que quando taes volumes uhi cheguem, sejam
entregues a V. Kx.' como agente dos consignatários c do que tomo iu-
teira responsabilidade.
à Sociedade communico não b6 esta minha resolnçUo, como a de
que auctoriso V. Ei.* como agente, a negociar todas as mercadorias que
conteem os mesmos volumes, sendo eetes portanto, o principio dag tran
MCçòes que deseja Iniciar o commercio do Porto nestas paragens, e
V, Ex.* em vÍBta das mi^rcadorias que se mandaram e do multo que co-
nhece praticamente sobre o commerclo sertaníyo, dirá i Sociedade o que
mais lhe convém sobre preferencia de artigos i consignação e dos que
aio devem fazer parte de novas remessas.
Deus guarde a V. Ei." Estação Paiva de Andrada, 15 de dezembro
de 1884. = O chefe da Espediçâo, BenriíiW. Ãvgutlo Dia* de Carvalho.
Do Chefe da Expedição á Sociedade de Geograpliiíi Com-
mercial do Porto.
IlL"* e El."" Sr. — Participo a V. Ex.' ter sido hontem avisado por
um officio da Secretaria do Governo geral d'esta província, que parti-
ram para o Dondo, aos cuidados do Chefe do concelho, para serem en-
TiadoB a Malanje e a mim entregues, os volumes do commercio do Porto
que chegaram a Loanda vindos no transporte índia.
Estando já preparada a Expedição para seguir para o Cuango, Esta-
ção Costa Silva, onde espero completar o numero de carregadoree pre-
cisos para o Interior, e sendo agora muito dlfficll conseguirem -se carre-
gadores em Malanje, officiei ao negociante Custodio Machado, qn« me
participara acceitar o convite da Sociedade de que V. Ez.' é mui digno
Mcretario, para elle ser em Malanje o agente do commercio do Porto,
mctorisando-o a receber os referidos volumes e negociá-los por couta
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 499^
dos consignatários, ficando elle de instruir V. £z.* sobre o que mais con-
virá na permutação aos interessados.
Eu não posso neste momento ser tão extenso como desejava, não s6
com respeito ás benévolas expressões do officio de V. Ez.* que ba dias
recebi e que muito tenbo a agradecer, mas principalmente com relação a
explorações commerciaes no centro d'este continente e ao modo por que
julgo no meu fraco entender, que o commercio da cidade do Porto poderá
obter vantagens nas relações que deseja estabelecer com as nossas pos-
sessões ultramarinas, e principalmente com a província de Angola.
Que se estabeleçam por emquanto as agencias nesta provinda, mas
eu peço a Y. Ex.* que faça suspender qualquer projecto de explorações
commerciaes ao centro do continente, até que as minhas informaç<)es se-
jam conhecidas, as quaes eu farei toda a diligencia de transmittir a V. Ex.*
o mais brevemente que me seja permittido.
Deus guarde a V. Ex.*, Estação Paiva de Andrada, 15 de novembro
de 1884. = O chefe da Expedição, Henrique Augusto Dias de Car-
valho.
Prompta a correspondência oíBcial e particular para a famí-
lia e amigos, despacharam-se os homens que regressavam a
Malanje e começou o serviço de pagar carregadores e de com-
prar alguns mantimentos. Neste serviço decorreram três dias
suceessivos, porque demais havia uma guerra dos povos d^aqui
com os da outra margem do Lui, por causa de uma porca, de
que resultara a morte de um homem da povoação do Ambango,
o que deu logar na povoação a chorar-se o óbito, havendo os
batuques e as descargas do estylo.
O que mais procurávamos de mantimentos, era gado vaccum
e sal, que é uma raridade apparecer além do Cuango.
Haviamo-nos fornecido de 50 arrobas de sal no Dondo, po-
rém accondicíonado em saccos de palha, estava muito sujeito
a reducçoes pelas elevadas temperaturas, muitas chuvas e pelas
subtracções dos carregadores.
O sal do Luí e dos Bângalas, accondicionado em rolos pro-
tegidos por folhas e revestidos estes depois de palha (capim
secco), transporta-sc e vigia-se e é o que mais convém, apesar
do a nós europeus não satisfazer como o que levávamos.
Trinta a quarenta d^esses rolos, a que chamam muxas, e
que regula por 60 réis cada um, constituo uma carga. São os
500 KXPEDIÇZO FOBTUGUEZA. AO ICUATIÂKVUA
Bftngalas quem mais transportam doeste sal para o interior. O
.valor máximo da cai^a era 2^400 réis.
Supp8e-se que a permutaçSo de uma tal carga deve ser in-
significante, nSo é assim^ como veremos.
O movimepto originado pela partida da ExpediçSo, dá sem-
pre motivo a reunião de ociosos que nos incommodam, prind-
palmente os emprazadores importunos aos quaes tudo desperta
curiosidade.
É preciso em taes casos haver grande prudência de parte de
de todos e principalmente de quem dirige os trabalhos, para evi-
tar conflictosy e infelizmente os empregados menores entre nós
mnda nSo o comprehendiam assim e por isso mesmo tivemos
a registar o primeiro desaguisado, que poderia ter consequên-
cias graves; pois que apesar dos nossos exforços, no que o sub-
chefe da Expedição muito nos coadjuvou, succederam-se ou-
tros conflictos que nos contrariaram e demoraram a partida.
Um dos nossos empregados que estava na faina de coser os
fardos e guardar os objectos que continham, já muito apoquen-
tado pela teimosia dos curiosos, em rodeá-lo e gritarem-lhe
aos ouvidos, afastou um, empurrando-o. Este endireitou-se,
porque considerou oflfensa tocarem-lhe no corpo ; o empregado
suppondo que por meio da ameaça tirava melhor partido, pegou
num pau e voltou-se para elle, querendo indicar que estava
em guarda contra qualquer atrevimento. O sujeito retirando,
arrastou com sigo precipitadamente toda a gente que estava com
elle, a quem dizia que ia tirar a desforra. Em seguida, levan-
tou-se grande alarido, uns incitando- o, outros procurando con-
vencê-lo do seu mau procedimento, e outros emfim querendo
arrastá-lo para a povoação. A final o homem dirigiu-se a um
brazeiro, e tomando um tição, tentou largar fogo ao acampa-
mento em frente da Estação. Os nossos pegaram logo em ar-
mas, pondo os amotinados em alarme a povoação.
Valeu-nos o bom senso dos individues com quem mais convi-
vêramos e que rodeiam sempre, como filhos predilectos o Am-
bango, 08 quaes o convenceram da semrasão do discolo e da
nossa prudência.
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 501
Quando mandámos o interprete procurar o Ambango para
entrarmos em explicações, já elle estava reprehendendo o pro-
motor de todo este alvoroço e pediu que nos tranquilizás-
semos.
Estava elle chorando o óbito do rapaz que morrera na guer-
ra, e para conseguirmos que o incidente nâo viesse perturbar
nos últimos dias as nossas boas relações, mandou-se uma por-
ção de pólvora e aguardente para as ceremonias, e um panno
para o soba vestir, dizendo-se-lhe que íamos acompanhá-lo.
Agradeceu muito e nós fomos pouco depois. O sub-chefe
descarregou a sua arma successivamente, e attrahida pelo es-
trondo e rapidez dos tiros, appareceu pouco depois armada,
a gente de Quindúa, povoaçSlo ao norte, a saber o que se pas-
sava na Ambanza, pois pensavam ser guerra do mahunda, que
vinha atacar a povoação.
Vendo-nos, mostraram-se muito satisfeitos, mas no emtanto
foram pedindo ao soba a cabra, por terem vindo em seu auxi-
lio. Em vez da cabra trouxeram por ordem do soba uma gal-
linha, que se lhes deu retirando-se elles contentes.
Estávamos chegados ao dia 20, depois de três dias de muito
trabalho e de muitas fadigas e de três noites insupportaveis
pelo calor, falta de ar e praga dos mosquitos. Logo de manhã
appareceu-nos Augusto Jayme que haviamos deixado no Cuango,
trazendo-nos uma carta do ajudante, em que nos narrava um
certo numero de incidentes que o haviam collocado em difi-
culdades, e dava-nos noticias bem desagradáveis sobre o ca-
minho, pois que nos tinham ido intrigar com Muene Canje; e que
os filhos de Anguvo receando alguma traição na outra mar-
gem do Luí, pediam ao pae para que não nos desse carrega-
dores doesta vez, pois não queria que Muene Puto pudesse
d'elles queixar-se com rasão.
Os promenores em que entrámos a tal respeito, mostraram-
nos que era necessário contentar de algum modo Muene Canje,
para evitar dificuldades na marcha além do Lui, rio que en-
tão não dava vau. Tendo de nos servir de canoas e estando
a nossa além do Cuango, por isso despachámos o mesmo Au-
502 EXPEDIÇZO POBTUanBSA AO MVATlllirvnA
gasto Jayme levando ao negociante Braga um presente pura
Muene Canje, procurando bem dispd-lo a nosso respeito e
participando-lhe que iamos seguir jornada.
Mas se o dia havia começado pouco antes as provaçSes que
nos estavam destinadas é que ainda nSo tinham acalMido. Pouco
depois appareceu Anzaje^ cabo dos carr^adores do Ámbango, a
pedir-nos para os seus levarem para a ambanza as cai^gas que
lhes destinávamos^ para as amarrarem e estarem promptos de
madrugada a seguir-nos.
Na melhor boa fé caimos, sem o pensar, no laço que este
homem, em quem sempre depositámos confiança, nos preparava,
e ainda hoje acreditámos que elle foi atraiçoado pelos seus, que
sabiam doesta confiança.
O Ambango, que para nós estava de accordo, sem Anzaje o
saber, com meia dúzia de malvados, veiu pouco depois visitar-
nos com exigências e pedidos. Respondemos-lhe ter dado muito,
e na occasião já tudo ter partido.
Deixou-nos, voltando pouco depois com as meaaa^ii^pertí-
nencias, o que nos obrigou a mandá-lo retirar ^ EstaçZa. Saiu
berrando que ia fazer e acontecer. A gente que nos acompa-
nhava começou logo com receios e a pedir polvora,e a gritaria
recrusdeceu na povoação.
Veiu um emissário dizer que se Muene Puto quizesse, man-
dasse buscar as cargas, porque os filhos do Ambango já as
não queriam transportar.
Muene Puto lá irá quando entender, foi a resposta.
Era uma provocação que os nossos queriam immediatamente
castigar, e insistiam pedindo pólvora; mal imaginavam elles,
que o cartuchame de suas armas estava todo para deante.
Era preciso usar de muita prudência.
Aos pedidos de pólvora, respondíamos: que socegassem, pois
só dariamos pólvora quando fosse preciso; deviam lembrar-se
que também nós tinhamos amor á nossa vida.
Havíamos mandado o interprete a perguntar ao Ambango,
que recado nos havia niandado, pois não o entendiamos, e como
este se demorasse, ofiereceu-se o sub-chefe para ir á ambanza.
DESCRIPÇ20 DA VIAGEM 503
visto dizer-se que estava lá tudo armado^ e ser convemente
tomar-se uma deliberação.
O velho immundo, rodeado de todos os seus, queixou-se que
estando nós tanto tempo nas suas terras, nada lhe havíamos
dado; e que se contemplaram muitos sobas (já esquecia que
foram pedidos d'elle). Fallou de vários incidentes que se ti-
nham dado com os nossos e sempre, do seu respeito por Muene
Puto, procurando harmonisar tudo a nao romper as nossas boas
relaçcíes, etc.
Os conselheiros eram os peores.
As exigências do soba reduziam-se a que, visto estar velho
e nâo saber quando poderia tomar a beber aguardente, se
lhe desse ura garrafão cheio, uma peça de algodão e uma ou-
tra de riscado.
Ora na verdade, isto era de miserável e não valia a pena por
tão pequena cousa demorarmos a marcha da Expedição.
Sizenando Marques respondeu-Ihe que, emquanto a fazen-
da, sabia elle muito bem que já havia partido para deante,
mas que se lhe mandaria depois; com respeito a aguardente, já
se lhe tinha destinado um garrafão para a despedida, e por
isso contasse com elle para essa occasião.
Isto que então succedia era de esperar, e nunca se daria se
a Estação fosse occupada por pessoal que nos viesse substituir.
Era .0 resultado da perda de um bem estar, que este povo já
havia encontrado com o estabelecimento da Estação.
Nada d'Í8to nos admirou, nem era motivo para mudarmos a
a opinião favorável, que chegámos a adquirir com respeito a
estes povos, nem tão pouco pode influir no nosso animo para
o depreciarmos e repeli i -lo do nosso convivio.
Mas o dia ainda não terminara e agora que tudo parecia
concluido e estava prestes a dar a meia noite, vieram vultos
correndo para o nosso acampamento e clamando, muzumbo (in-
terprete) e Angann doiitólo.
Eis o caso. Pedia-se para Sizenando Marques ir a toda a
j)ressa á povoação, porque um filho de Ambango estava quasi
a morrer.
504 EXPEDIÇlO POETDQDEZA AO MUATLÍNVCA
Como foi isso, perguntámos? O rapaz encontrou o garmfSo
de aguardente que o pae a pouco e pouco tem enchido com aa
sobras que lhe ficam doa presentes que tem recebido, foz uma
aposta com outro, que d'uiiia vez bebia tudo, e ha pouco a ra-
pariga andando em procura d'eile por já ser tarde e nSo ter
recolhido, foi encontrá-lo no mato, estirado e já muito frio.
Bom, diasemoB ni5s, se o homem morro aíoda temos novas
complicações!
Já estávamos porém no dia 21, e passadas duas horas de
trabalhos cm fricções e de esforços em fazê-lo beber azeite,
voltou o homem a si, tornando-se Sizenando Marques alvo de
ovaçSes enthusiasticas de toda aquella gente que agora se fe-
licitava por nâo havermos partido, aliás o homem teria mor-
rido.
E eate novo incidente veio pOr termo ao alvoroço em que
todos andavam.
Ás sois horas fechávamos as nossas ultimas malas de via-
gem e tudo se apromptava para seguirmos para o rio Lui.
Ambango entendeu vir acompanhar-nos ao porto e facilitar-nos
& passagem do rio.
DESCUIPÇAO UA VIAGEU
VJAGEM i^ARA 1) CUA.NGU
ram nove horat; e meia quando
partimos e chegámog ao rio ás
1 1 , numa marcliu muito vagarosa
por causa dos muitos pântanos
([Ui3 havia pelo caminho. O rio
ia muito iiheio, havendo apenas
uma cnnoa para serviço, mas
depois appareceram mais duas.
Era preciso fallar ao soba,
senhor do porto, que se tomara
muito exigente porque nunca
íizemoB caso d'elle, e jii a pri-
meira parte da Expedição por
Kfje^jfí ali passdra sem que se lhe desse
'"-^ "' cousa alguma.
A conferencia, em que entrou também o Ambango e seus
filhos mais velhos, foi longa, e só á uma hora e moía da tarde,
estando nós em jejum, se conseguiu dar principio á passagem,
íicaudo assente pagur-se doze peças de fazenda, sendo duas
para os pilotos, dois barris de pólvora e diuis garrafas
aguardente.
Ambango retirou, ficando nó» de lhe mandar por um
nossos uma gratiticaçilo, pelo serviço em nos acompanhar e em
intervir na questão da passagem, mostrando-se a nosso favor.
As horas iam decorrendo com um sepíiço multo moroso, a
tarde ia-ao adeíiutaudu e começaram os bois ainda a diffioultar-
nos maiii entn fitãtidíosii passagem. As cinco horas jwucas car-
gas restavam a passar, mas doia bois que corriam por entre o
-capim distrahiram homens paiii os acompanhar. Porém o peor d«
tudo, foi a partida que entenderam fazer-nos os taea pilotos, ai--
nimando as canoas umaa de encontro ás outras, debaixo do
copado do três arvores que orlavam & miirgcm em ííxnte de dób,
como se vê na gravura em que aa figuramos e com todo o
descaramento, eeutaram-se, cruzaram os bi'aç05 gritando de U :
— Não fazemos mais serviço hoje se Angana Majolo noa nJlo
der quatro peças de fazenda atacadas.
Na verdade a nossa vontade, era enviar-Ihe uma boa carga
de chumbo. O alvo era magnifico e a distancia muito ao al-
cance das noasas espingardas, dctnuis a mais a torreira do sol
a que estivéramos todo o dia expo&tos e a falta de idimento, ood-
tribuiam para nos incitar a castigar a chacota, que com vanta-
gem se nos fazia. Mas pensando melhor, e reconhecendo que
a tolerância era o recurso mais cm moda para os opportuuia-
tas, por isso tratámos de acalmar O espirito e faser de conta
que achávamos graça á partida cedendo um pouco, para que
elleB também cedesdem.
ConBeguiu-se assim applacá-los com quatro jardas de íazenda
a cada um, sendo nós cmfim os últimos que púnhamos pé na
outra margem ás sete horas da noite, dirigindo-nos para a po-
voaçSo do nosso conhecido Mulolo, ou Mussolo segundo outros,
onde o cozinheiro nos havia preparado ama boa refeiçSo, prin-
cipiando pela canja que achámos deliciosa.
Muito fatigados, depois de havermos recebido a viúta do
soba e da sua ãlha, que teve a amabilidade de nos trazer nma
porção de fubá, mandioca e milho, e scientes de qifo de ma-
drugada nos mandaria um boi, deitámo-nos. Só acordámos ás
quatro horas da manhã ao estrondo da trovoada e de valentes e
suecessivas bátegas de agua, que noa puzeram em sobresalto
por causa das cargas, que não era possível beneficiar, se d'ÍBso
■carecessem, não só pela hora que era, como pela diat^Tif^ja a
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 507
que estavam de nós^ disseminadas segundo os grupos de cada
acampamento, e difficuldade em nos fazermos obedecidos dos
carregadores; mas também porque seria amscado, irmo-nos
expor ao medonho temporal, quando estávamos transpirando,
devido á elevada temperatura que havia na cubata onde não
podia estabelecer-se a necessária ventilação.
Aguardar a madrugada com resignação, era o único recurso ;
e foi o que fizemos.
Tornou-se impossível a nossa partida porque a chuva só
cessou ás dez horas, e até lá não saimos das habitações. Depois
appareccram alguns sobas vizinhos a cumprimentar-nos, e entre
estes, Canzella, que já conheciamos, e Anzamba, irmão de Muene
Canje, que nos trouxeram os seus presentes de gado a que
correspondemos.
Matou-se um boi para distribuir em rações aos carregadores.
Na sua divisão suscitaram- se grandes altercações e bulhas por
causa das precedências dos sobados a que pertenciam os treze
grupos de carregadores que faziam agora parte da nossa Ex-
pedição, achando-se todos com jus aos quartos trazeiros e al-
guns ao direito.
Em outra qualquer occasião seria tal exigência motivo para
rir, porque elles não queriam saber se o boi tinha só duas per-
nas o levavam o caso muito a serio. FeHzmente já tínhamos
alguns bois no curral e depois de muita bulha e discussão, lá
se convenceram que os contemplados agora com as pernas,
para a outra vez que se matasse uma rez teriam outra cousa,
e que as pernas seriam para elles.
Houve ura gmpo, porém, os últimos do Cáhia que se ajus-
taram para a Lunda, mas que deviam ser pagos no Cuango,
que se entenderam muito lesados na repartição da carne e vie-
ram exigir o pagamento. Respondeu-se-lhes ser do contracto
pagar-se-lhes na Estação do Cuango e não ser agora conve-
niente abrir as cargas.
Eram seis os homens que vieram então entregar as suas
cargas, espingardas e outros volumes da ultima hora, a saber^
utensílios de cozinha, louças, etc, e que logo retiraram.
Ç08 KZPBDIÇXO fOBTOaUESâ AO MUlTliHVnA
Em 8egiiida'á chuva descobriu o sol, mas apresentàva-se ccmi
uma inteondade que se lhe nlo podia resistir. Fora das cubatas
viam-se muito poucas anrores e estas estavam rodeadas de
grupos de carregadores que tratavam de cainhar e que se tor-
naram centros de grande infemeira, gritando uns com os ou-
tros e já com a gente da povoaçlo com quem procuravam &-
zer as suas transacçSes..
Tratava-se de os chamar á ordem, quando repentinamente
adoeceu uma das mulheres que pertencia á Expediçlo e que ae
encarregava da lavagem das nossas roupas.
Era ella muito nutrida, e pelo sol intenso a que estivera ex-
posta, suppozemoB ter sido atacada de uma congestSo. Como a
moléstia nXo cedesse aos mecUcamentos enérgicos que se Uie
applicaram, entendeu Sizenando Marques ser preciso sangri-la,
operaçZo esta para que se offereceu o nosso interprete Lisboa,
nisto muito pratico. Sendo preciso lanceta para a operaçlo,
teve Marques de mandar buscar a sua mala para tirar o estojo.
Abriu-se com dificuldade esta mala, parecendo ceder a
mola, dando a lingueta um salto, o que notámos, mas sem fa-
zermos mais reparo.
Toda a nossa attençSo era para a doente e só depois d'ella
estar mais socegada; quando Sizenando Marques procurou fe-
char a mala^ notou ter sido forçada a fechadura, que era in-
gleza, quebrada a mola, e a lingueta pregada com massa en-
negrecida do ambáfu.
Ao de cima estavam livros e papeis de uso diário e parecia
nSo ter sido mechida ; porém o facto era para fazer desconfiar e
procedendo a um exame, encontrou-se Sizenando Marques rou-
bado em objectos de oiro e prata de valor, e para elle de grande
estimação, por serem recordações, e que por isso mesmo sem-
pre o acompanhavam.
Entre soldados, contractados de Loanda e carregadores de
Malanje, apenas contávamos comnosco vinte e dois homens, que
apesar de se apresentarem armados nâo tinham cartuchame
distribuido, por nos lembrarmos, o que succedeu sempre em
toda a viagem, ainda nas occasiSes mais criticas, que o iriam
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 509
vendendo ou inutilisando a pouco e pouco; os carregadores
estranhos das vizinhanças eram cento e cincoenta.
Mas era preciso não mostrar fraqueza, e arrostar contra tudo
praticando um acto enérgico e que produzisse o eflFeito indis-
pensável. Urgia raostrar-lhes num momento a nossa superiori-
dade, não lhes dando tempo a reconhecer a vantagem que ti-
nham da força bruta e fazer apparecer os objectos roubados,
mas sem que os dispersássemos ou lhe déssemos pretexto a
abandonarem as cargas, perdendo-se os pagamentos que elles
haviam recebido, e sabe Deus quanto tempo e despezas para
depois de ali sairmos.
Chamou-se immediatamente o cabo Anzaje, o tal homem em
quem confiávamos, e ao grupo do qual pertencia o carregador
que transportava a mala.
A nossa gente armada, recebeu ordem para ir buscar amar-
rado o carregador, e a este e ao cabo, já rodeados de toda a
comitiva se lhes mostrou a mala arrombada e se lhes disse o
que nella faltava.
Fez- se conhecer ao cabo a responsabilidade que lhe cabia,
porquanto aquella carga fora uma das que, a seu pedido, tinham
ido para a povoação e o roubo fizera-se lá durante a noite.
Declarámos portanto que não entregávamos aquelle homem,
sem apparecerem todos os objectos roubados e nos ser paga
a despeza que houvesse com a demora do dia immediato em
deante, visto que os outros carregadores, que não tinham culpa
do ladrão que o Ambango nos mandara, precisavam de comer
e não deviamos ser nós os roubados que devíamos ainda por
cima pagar a despeza.
Como é do costume, fallou o branco e todos em silencio
aguardaram que fallasse depois o interprete, estabelecendo-se
logo o babaré, uns a favor e outros contra, porém neste caso,
só encontrou o homem a protegê-lo o grupo da sua povoação
que era insignificante.
Não nos passando despercebido a indignação da maioria, por
serem de povoações rivaes á gente do Ambango, entendemos
dar mais um passo a favor da nossa causa, ordenando que o
510 EXPEDIÇZO FORTaOUEZÁ AO MUÁTllNVnÁ
carregador, amarrado, ficasse próximo da nossa habitação sob
a vigilância de dois soldados e dissemos ao cabo que fosse elle
tratar de fazer as buscas precisas para nos trazer os objectos.
Lamentaram todos o succedído, dizendo ser justo que Muene
Puto castigasse o ladrão^, porém os do Ambango mais se
lamentavam porque o odioso recairia sobre elles, por ter sido
o pae quem pediu para contractar o grupo de que fazia parte
aquelle homem, e contavam que tinham contra si todos os vi-
zinhos, por se suppor que fôra seu pae quem mais beneficies
recebera da nossa Estação.
Anzaje pediu que lhe confiássemos o prezo, porque o ia man-
dar com dois homens seus ao Ambango; que havia de fazer ap-
parecer os objectos roubados e que emquanto nSo viessem se
entregava elle para ficar nas cordas ao pé de Muene Puto.
Convencemo-nos de que o roubo appareceria, porém era pre-
ciso nSo perder o prestigio adquirido e aproveitar a situação,
e por isso dissemos ao cabo : o seu procedimento é de um ho-
mem bom, nSo o amarrámos, vá para o seu acampamento,
trate de fazer todas as diligencias para nos serem entregues
até ámanhS os objectos, que esperámos nos sejam restituídos;
mas se nSo vierem iremos então nós á povoação de seu pae
e contámos que Andala Quissúa e Muene Canje a quem cha-
maremos, saberSo castigar os ladrSes doestas terras.
De facto, ás onze horas do dia seguinte, appareceram os ob-
jectos roubados, pelos menos aquelles de que na occasiao se
lembrava o interessado. O carregador que os apresentou pedia
para não continuar ao serviço da Expedição, porque tinha re-
ceio de ser castigado. Mandámos-lhe dizer que estava perdoado,
se tivesse apresentado tudo o que faltava, porém o medo era
tal que o cabo interveiu para o deixarmos retirar, compromet-
tendo-se elle a fazer seguir a carga e mandar procurar mais
alguns objectos que ainda podesscm faltar.
* Para elles o ladríto nílo tem perdão. Vide vol. de Ethnographia e His-
toria,
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 61 1
NSo podendo na occasiSo asseverar Sizenando Marques, se
alguns objectos de que elle se lembrava e que ali não encon-
trava estariam em outras malas, como o cabo seguia coronosco
até ao Cuango, consentiu-se que o homem retirasse.
Quasi sempre nestes momentos de gravidade se dâo episó-
dios mais ou menos jocosos e mesmo grotescos, que quando
mais acalmados os espiritos, sâo depois assumpto das conversas
e despertam a hilaridade, e o que comnosco se deu ficou-nos
bem gravado na memoria e por isso figurámos a attitude do
nosso cozinheiro Fernando, na occasiâo em que se esperava
uma revolta por se ter amarrado o ladrão.
Annou-se e equipou-se, nunca largando a colher com que
mexia o refogado que estava preparando para o nosso jantar,
nem tão pouco afastando-se da panella que lhe estava mere«
cendo também os mais sérios cuidados!
Não era só por termos de esperar a restituição do roubo,
que fomos obrigados ainda a demorar-nos aqui no dia 23, a
muita chuva era um impedimento serio e como tínhamos de
dar rações antes de matar gado, mandámos chamar os cabos
das treze companhas e fez- se-lhes ver a conveniência de accor-
darem antes, no modo de se fazer a distribuição, para não
haver desordens nem bulhas, como tinha succedido.
Passado algum tempo, davam-nos parte que se podia íhatar
o gado: dois garrotes e umavacca, para esse e dia seguinte,
e de facto a distribuição fez-se em socego, mas de que modo ?
As companhas tiveram de tudo um pedaço e este era ainda
fraccionado por todos que d*elia faziam parte. Assim coube a
cada um a sua porção de miolos, coração, figado, bofe, tri-
pas, etc. Era uma lição que aprendemos, e applicado o sys-
tema, deu-nos sempre o resultado desejado: socego e todos
satisfeitos.
Já se vê, diziamos nós, que querem a igualdade, o caso é
que nós estejamos sempre de pachorra para os levar a obser-
vá-la.
Apesar da doente não poder ainda andar, dispozeram-se as-
cousas para ella seguir numa rede, procurando-se fazer sub-
512
EXFEDfçSo FOBTCOCSZÁ AO MCATllSTCA
atitnir com geate da poroaçiio o« eairegaâorvs que tinliam t«-
tírado, para cantinturmoi a TÍagcm do dia 24 de madmsKdA.
AppBreeeci dcm próximo da onile Angnsln Jajme, que ba-
▼iaaiiM manlado a Miiene Canje, e fez-noe Miiente : que «ate
o twebèia mnílu bem v
^rÂm BsiisfÃto drm o
],r, i..nte qne lhe enviá-
r mtu^, t:; ubendu qtie
■ ^ijiHio» de pernoitar
AnguTo, Lá nos ia
- '.' rur para se avistar
o falliir comnnsco, por-
qne er» muito amigo de
Maene Fnto e não podia
CODBentír qiie bomeiu
glandes, que elle tnan-
daTa passar peiju aiuts
teiraa, o ãzegG«m, sem
elle lhes dar de comer.
Estava muito zan^^o
com o Ambango ])orque
desviou Muene Puto de
fazer a eua L-asa, como
({ueria, no sitio dVlle,
e nuQca Ibe participou
que os ãUios de IMuene
Puto eram seus hospe-
des^ tendo por isso com-
nHUM mettido a grande falta
Coiinhoin ^* '^^^ °^ ter visitado.
Visto dSo podermoB ir
agora ao sitio d'elle, vinha elle ao nosso caminho.
JCra CBse eucotitro, exactamente o que nós queríamos evi-
tar, mas já que as cousas foram mal encaminhadas, agora o
remédio era seguir.
A gente do Ambango que soube d'esta noticia e os taes com-
DESCHIPÇaO da VTAGEK
panbeiros que se lhes aggregarani do Quibiingo, procuraram
logo um pretexto para ae nfio avistarem com Miiene Canje e
por isso pediram para so retirar, allegando que Ambango Ibes
mandara dizer quando foram tratar do roubo, que os fossem
ajudar numa guerra contra um soba vizinho.
A guerra, segundo ellea, era devida a ter sido apprehendido
por aquelle soba o gado e borracha que pertenciam a ura ne-
gociador de PuDgo Andongo, por causa de um filho de Muene
Puto e um filho d'elle, Ambango, terem tido relaç5ea amoro-
sas com uma sua rapariga e a
deixarem aem nada lhe dar. O
tal negociador apresentou a sua
rasão ao Ambango e este queria
obrigar o soba a entregar o se-
questro, porque o referido ne-
gociador nSo tinha culpa de taes
amores.
Podiam os carregadores que
apresentavam o pedido para re-
tirar, fazè-lo sem licença e muito
principalmente durante a noite,
mas como pediam vénia, já se
vê que nSo era sua intençiio fa-
zê-lo, e procuravam conhecer
em n'^s bc haveria resentimento
pelo roubo praticado e se n<Ss címoíuicli!
iríamos queixar-noa a Muene c«rreginior
Canje, Por iaso, respondemos
logo que nílo acreditávamos em semelhante guerra, que de-
-viam seguir comnosco, conforme tinham ajuslado até ao Cuan-
go, e que se n&o o fizessem, entSo dariamos parte ao nosso
amigo Muene Canje, com quem noa avistariamos no dia se-
guinte,
Ficaram entSo, mas de noite retiraram uns cinco que eram
também doa admittidos para serem pagos no Cuango, entre*
gando antes as cargas a um doe nossos soldados.
514 EXFEDIÇXO POBTUGUESA AO HUATllNVnÁ
Era o dia 24, e só depois das sete horas da manhS começa-
ram a partir as companhas para Mussangano.
Ainda a esta hora houve novas diíBcaldades por causa do tran-
sporte da cadeira. Os homens que a transportavam, a pretexto
de que eram baixos e a caiga ia molhar-se nos charcos que se
encontram por caminho, tomaram caibas dos que retiraram
e tivemos de pedir dois homens á povoaçSo para os substituir.
Tudo já ia seguindo e ficámos apenas com Augusto Jayme,
que sempre nos acompanhava, e mais os homens da rede.
Appareceram emfim dois homens, que já estavam preparando
as suas cousas para transportarem a cadeira, quando um su-
jeito mais bezuntSo que qualquer d'elles, reclamou um como seu
escravo, ameaçando-o de o castigar pelo atrevimento em se con-
tractar para aquelle serviço, sem sua auctorísaçSo!
Sem querermos entrar na questfto que se ventilava dos di-
reitos de um sobre o outro, e pelos desejos que tínhamos de
seguir, o£Eerecemos ao que se dizia senhor, dar-lhe também
alguma cousa para deixar seguir o homem, mas elle só o con-
sentia se o comprássemos!
Confessámos que nos surprehendeu a submissão de um e a
susceptibilidade e rigores do outro ! Mas á cautela, — embora
os pedidos do que se dizia escravo para que o resgatássemos,
pois dizia que ia ser castigado, e pensando que elle nos fu-
giria antes de vinte e quatro horas para o seu antigo senhor —
agradecemos a oflferta e tratámos de arranjar outro homem.
Seguimos ás onze horas e meia, e ainda nito tinhamos com-
pletado 1 kilometro de marcha, encontrámos a cadeira no meio
do caminho! Como os carregadores nílo apparecessem, os da
nossa rede encarregaram-se de a transportar.
Fomos a pé, e ao meio dia e meia hora entrámos em Mus-
sangano, onde já todos descançavam, dispostos a acampar.
Veiu Braga, que ahi nos aguardava, prevenir-nos que Muene
Canje estava no Anguvo desde a véspera á nossa espera.
Apresentou-se o soba a pedir para ali ficarmos e dormirmos
a noite descançados, respondemos não ser possivel, porque
Muene Canje nos esperava no Anguvo. Isto foi de grande ef-
DESCRIPÇXO DA VUOEM 515
feito, porque logo se dispoz a acompanhar-nos e só pediu nos
demorássemos para elle mandar amarrar um boi com que
queria presentear-nos e que ia fazer seguir para o acampamento.
Custou-nos a convencer a comitiva para continuar a marcha
e a contractar quatro homens para transportar a cadeira até ao
Cuango, mesmo por uma peça cada um ; mas á uma hora se-
guíamos nós atrás da comitiva e ás três acampávamos.
EfiFecti vãmente Muene Canje estava na povoação do Anguvo
e pouco depois de chegarmos ao acampamento^ mandou cum-
primentar-nos, e dizer, que nâo vinha já por saber que deviamos
estar muito occupados a accommodar a gente e as cargas.
Áo soba de Mussangano e outro sobeta que nos acompanhou
e nos presentearam cada um com um boi, correspondemos
com fazendas e pólvora no valor approximado de 9fJ000 réis
para cada um e compraram-se mais dois bois em valores appro-
xiraados a 163000 réis, com a condição de serem levados ao
Cuango. Eram dos maiores que até ali tínhamos comprado.
O local em que se fez o acampamento era o mesmo, em que
estivemos na outra viagem. Era mau, por ser um covão muito ar-
borisado, acrescendo agora estarmos mais apertados e o solo
muito mais encharcado pelas chuvas dos últimos dias.
Depois de termos feito distribuir as rações ao pessoal e jan-
tado, sentiu-se perto do sol posto grande alarido e assobios.
Era Muene Canje que se approximava.
Vinha numa rede com guisos e campainhas, rodeado de
muita gente que aos saltos, correndo, berrando e assobiando,
afastavam tudo quanto encontravam no nosso acampamento
para darem livre passagem ao potentado.
Muene Canje era homem dos seus sessenta annos, baixo,
robusto, bem conservado, mostrando ter bom passadio, de pa-
recer agradável, olhos pequenos, modo insinuante e fallando
pausadamente; indicava ser intelligente e apresentava-se a seu
modo aceado e bem vestido, trazia camisa limpa e vinha en-
volvido num bom panno de lenço e sobre a cabeça trazia a tal
cajinga que temos figurado nos potentados doestes povos.
Recebemo-lo á porta da nossa barraca, onde lhe offerecemos
516^ EZPBDIÇXO POBTUGUEZÁ AO MUÁTIÂKVnÁ
uma dftdeirà na qual se sentou, e no que se nSo desmandou, ílo
contrario, fez-nos suppor que estava habituado ao seu uso.
Restabelecido o silencio e estando todos em redor de nós,
disse elle que folgava ver ali nas suas terras dois filhos gradua-
dos de seu amigo Muene Puto; que de propósito sairá da soa
ambanza para nos ver, conhecer e agradecer pessoalmente o
signal de amizade que lhe enviáramos ; que certamente Muene
Puto nunca fôra informado que nelle tinha um bom amigo e
dos serviços que elle prestara aos seus filhos nas guerras de
Cassanje ; que a elle, o jaga Ambumba na ultima guerra lhe
o£Eerec^a valores importantes para lhe entregar os filhos de
Muene Puto, que se haviam refiigiado na sua povoaçSo e elle
rejeitara taes o£Eertas declarando-se também filho de Muene
Puto, e que tratara de fazer acompanhar aquelles pela sua
gente até Malanje, através de caminhos nSo trilhados, por de-
traz da serra de Andala Quissúa e já em terras da Jinga; que
se tinha lembrado muita vez que se Muene Puto estivesse ao
facto da sua lealdade, certamente teria mandado para a sua am-
banza uma feira de negociante com chefe e soldados como tem
havido em Cassauje, apesar dos crimes dos Jagas ; que algum
negocio que vinha do Lubuco passava hoje pela sua ambanza e
que por falta de casas ahi, seguia para deante ; que muito es-
timava nos tivéssemos lembrado de passar pela sua terra e
podessemos ter occasiâo de informar Muene Puto doestes factos,
pois estava certo que elle sabendo-os, mandaria aqui fazer uma
casa para os seus filhos brancos ensinarem os d'elle a fazer
boas lavras e bom commercio.
Este foi o assumpto principal a que deu grande desenvolvi-
mento, e quando elle terminou, agradecemos a sua visita e
díssemos-lhe que em verdade não conhecíamos o que nos con-
tava e ignorávamos mesmo, as suas boas disposições para com-
noseo, e se as conhecêssemos, teríamos ido de propósito do
Luí visitá-lo e pedir-lhe até alguns filhos para nos transporta-
rem cargas para a Lunda; mas que quando escrevêssemos a
Muene Puto o informariamos que Muene Canje era seu amigo
e o faríamos sciente dos desejos que acabava de manifestar.
DESCRIPÇlo DA YUGfiH Õ17
A Braga, que estava presente, perguntou, qual a rasSo por-
que nSo tinha dito os serviços que lhe devia seu tio, ao que
este respondeu nSo ter tido occasião, e informou-nos depois, que
seu tio fora um dos officiaes moveis a quem Muene Canje prote-
gera na volta para Malanje depois da derrota de Cassanje.
Interrogou-nos depois sobre differentes cousas relativas a
Muene Puto, seu governo nas terras, o numero de mulheres
que tinha, as suas guerras, ete. Quando retirou já era noite,
ficando de voltar no dia seguinte de manhã, e pediu-nos que nSo-
partíssemos, pois tinha mandado vir do seu sitio duas cabeças de
gado que desejava acceitassemos para alimento da nossa gente.
Sabendo que elle não pode comer nem beber deante de seu
povo, démos-lhe á despedida quatro garrafas de aguardente
para beber quando lhe appetecesse, o que muito agradeceu.
Na véspera do Natal durante toda a noite, foi uma tempestade I
A muita chuva e a noite que era, contribuiu para nos lem-
brarmos do nosso pessoal permanente e para que não houvesse
selecções, a todos se mandou distribuir a título de gratifica-
ção, uma porção de aguardente por companhas. Succedeu, po-
rém, que uns beberam mais que outros, e a certas horas era uma
inferneira que ninguém se entendia ; questões, berrarias, tiros,
assobios, gargalhadas nas cubatas por causa da muita chuva,
e por cima de tudo o ribombar prolongado dos trovões.
Conseguiu-se prohibir os tiros, mas não se obteve socego
completo e ainda assim melhor fora que a bulha continuasse,
porque esta ia cessando á medida que os carregadores iam fu-
gindo por entre as veredas do matto, illuminadas de quando em
quando pelo clarão dos relâmpagos.
Aproveitaram-se do mau tempo e de estarmos todos recolhi-
dos nas barracas, para porem em pratica um plano, certamente
de antemão combinado com os da localidade de Muene Canje,
ou por elles só forjado com receio do povo d^elle, dando em
qualquer dos casos logar a que essa gente os substituísse no
transporte das cargas para obterem alguma fazenda até ao
Cuango ; foi o que suppozemos quando logo de madrugada nos
vieram participar as fugas que se contavam já.
518 EZPEDIÇXO PORTUGUESA AO KUATIÂNVUA
Mal 86 via, 6 ji Anguvo, soba da terra^ nos vinlia visitar e
offerecer-nos os seus serviços para que as cargas nSo fossem
abandonadas e assegarando-nos que contássemos com a sua gente
para as transportar. Agradecendo^ respondemos que esperáva-
mos por Muene Canje e com elle nos entenderíamos a tal res-
peitO; nSo desprezando porém a offerta de seus filhos.
Ás oito horas appareceu Muene Canje, principiando por di-
zer que já sabia tudo, mas que descançassemos que tudo se
arranjava ; que elle era nosso amigo.
Entreteve-se até ás dez horas, vendo as nossas dtfferentes
armas e revolveres, o modo de os armar e desarmar, ouvindo
tocar harmónica, tambor e cometas, quiz que. se lhe mostrasse
a bandeira e os nossos uniformes e estávamos vendo quando
-começariam as exigências, mas enganámo-nos; depois de varias
pex*guntas a que respondemos terminou a sua visita, ao perce-
ber movimentos para almoço, offerecendo-nos duas boas cabe-
ças de gado que chegavam, na occasilo.
Agradecemos o presente, pondo um bom chaile sobre os
seus hombros e convi^ando-o para comer comnosco. Sorriu-se,
dizendo que nós bem sabíamos que elle não podia acceitar por
os seus usos o nâo permittirem, mas que voltaria depois para
tratarmos com socego dos carregadores de que carecíamos.
Estávamos inscrevendo os nomes de alguns carregadores da
povoação de Anguvo, que se apresentaram a pedir serviço,
mas a confusão de cargas que passavam de um para outro
lado e de outros carregadores que iam fugindo era tal, que
mandámos suspender o trabalho para apurarmos o numero de
carregadores que precisávamos. Afinal todos iam na abalada
menos dez do Ambango!
Podíamos mandar dar uma descarga sobre os fugitivos que
ainda vimos seguir por entre o arvoredo, mas isto não me-
lhorava a nossa situação e compromettia de uma vez o pre-
ceito que a nós mesmos havíamos imposto; por isso procurá-
mos socegar, e fizemos reunir e cobrir com oleados todas as
cargas, pois ameaçava chover e a saida neste dia era já im-
possível.
DESCRIPÇAO DA YIAGEH Õ19
Os taes dez do Ambango que restavam^ disseram-nos terem
receio de ficar ao nosso serviço, pois seriam enfeitiçados pelos
que fugiram, ou maltratados pela gente de Muene Canje.
Dissipámos-lhe os terrores e pareceu ficaram mais tranquillos.
Muene Canje e Anguvo vieram já de tarde, com os seus
molhos de palhinhas, representando cada uma um carregador
que apresentavam, e vinham para tomarmos os seus nomes ;
ficaram estes de receber no dia seguinte as cargas, e com ellas,
quatro jardas de algodão cada um, devendo os potentados as-
sistir ao pagamento e fazer seguir as cargas.
Os potentados retiraram, pedindo que socegassemos o resto
do dia, pois elles nunca consentiriam que as cargas ficassem
ali no mato e Muene Canje acrescentou: — aquelles tratantes
que atraiçoaram os filhos de Muene Puto e assim procuram des-
acreditar as minhas terras, hfto de pagá-lo bem pago.
Ágradecemos-lhe o interesse que mostrava por nós, nSo
obstante chegarmos a desconfiar, ser elle a causa voluntária
ou nSo, da partida que nos fizeram e que nos prejudicava
pelo menos em 90íJ000 réis, porque entre os fugidos iam trinta
dos contractados para a Mussumba do Muatiânvua.
Se elle realmente era o auctor da tramóia, de tal modo se
apresentava que nós ainda tínhamos de aparentar que lhe es-
távamos agradecidos!
Entendemos ser mais conveniente para ambas as partes, fa-
zer de conta que nada percebiamos e que muito tínhamos a
agradecer á sua boa amizade, fazendo-nos sahir d^aquí mais
depressa do que conseguiríamos sem o seu auxilio.
Quando retirou, mandámos retribuir o seu presente do gado
nâo como pagamento mas como dadiva de bons amigos.
Depois do jantar, distribuímos aguardente á nossa gente, mas
foram taes as bebedeiras, que protestámos nunca mais o fazer,
e resolvemos acabar a aguardente no Cuango. Felizmente estes
desmandos não produziram outros effeitos senSo gritaria e aa*
sobios, que ainda assim nos incommodaram bastante.
Na madrugada de 26, appareceram Muene Canje, Anguvo
e os carregadores e immediatamente se tratou de dividir a £eí-
520 EXPEDIÇÃO P0BTU6UEZA AO MUATIÂNVUA
zenda em pannos de quatro jardas, e os potentados mesmo,
se encarregaram de entregar cargas e pagamento aos carre-
gadoresy que iam logo seguindo para o Cuango. Sizenando
Marques que nos havia auxiliado nos pagamentos, quando já
contávamos com cargas a caminho, partiu, e nós só o pudemos
fazer ás dez horas e meia, depois de tudo concluido e de ter
dado gratificações a Muene CaDJe e a Anguvo.
Muene Canje, dizia-nos por ultimo: — que façam bem a sua
viagem é o que nós desejámos; emquanto aos meliantes que os
atraiçoaram, vou .dar providencias para que me paguem parte
do que receberam, quando não seja em fazendas, será em gado.
Os meus amigos víto partir, nâo se importam já com o que
se passou, mas eu é que nâo posso admittir que me desa-
creditem as terras, e por isso vou exigir-lhes que me paguem
a mim os seus crimes para com Muene Puto^
A despedida disse-nos ainda: — nada temos pedido ao nosso
bom amigo Angana Majolo, e agora desejava uma recordação
da sua passagem por as minhas terras ; dê-me esse chapellinho
de sol, para eu sempre ter em lembrança o meu amigo.
Era um chapellinho de seda cor de vinho, que dêmos de bom
grado, só para nos vermos livres do sitio e de tantas vicissitu-
des, e partimos eram dez horas e meia.
Durante o trajecto, que fizemos quasi sempre dentro de agua
pelo menos a cobrir-nos os pés, iamos recordando as peripé-
cias doesta viagem a contar do Lui, que tao felizmente fizéramos
duas vezes antes, e occorre-nos o aviso de Custodio Machado,
que teríamos de luctar com dificuldades se conseguíssemos
passar segunda vez o Cuango e que todas as èontrariedades
haviam de ser preparadas pelos Bângalas.
Emfim, diziamos nós, tudo podia ter sido muito peor se nSo
fossemos prudentes e lembravamo-nos que Otto Scliutt, depois
de haver pago bem caro a passagem do Cuango, retirara sem
mesmo a ter tentado.
* De facto, soubemos mais tarde, que recebeu de todos os sobas, ca-
beças de gado, pelo seu atrevimento em enganarem Muene Puto.
DEScaiFç3!o dã tiaqem
i\A MARGEM DO OUANGO
& pasBEva da uma hora da
tarde quando chegávamos ao
acampamento, que o sub-
chefe liavia mandado fazer a
um kilometro de distancia do
porto do Cuango, que ficava
abaixo de nós, e além das po-
voaçSeB do Mussengue, Mu-
lumbo e Zunga.
Immediatamente fizemos
reunir as cargas, e despachá-
mos os U0BSO3 carregadores
para não nos exigirem ra-
çfles.
Vieram vizitar-nos logo, os
três sobas vizinhos e o Zunga;
démos-lhes quatro garrafas de aguardente, dizendo a este que
nHo nos haviamos esquecido da encommenda que havia feito
quando d'aqui retirámos. Mostrou-se muito reconhecido, obser-
vando aos seus companheiros que Muene Puto era um bom
amigo e só tinha uma palavra.
Depois dos cumprimentos do estylo, tratámos de providen-
ciar sobre a melhor disposição do acampamento, e das raçSes
para o pessoal, fazendo matar uma rez e vigiar a sua divisSo,
de modo a nilo haver razSes de queixa.
522 EXPEDIÇZO FOETUGjDiaBA AO aCDATIÂHVUA
Mandámos depois Jayme e Braga tratar oom Zanga e Jfa-
lombo a respeito da passagem do rio, e estes respoodesam-llieft
que o porto já fôra comprado por Muene Puto, que elles agora
nSo eram miMs que escravos para executarem as noasaa or-
dens; que ordenássemos quando queriamos as cousas, que elles
viriam immediatamente para o nosso serviço e que nada tí-
nhamos a pagar.
Era tarde para tratar d'isso na occasilo, e por consequência
deliberámos e£Eectuar a passagem no dia seguinte.
Logo ao principio, dois homens da comitiva de CUUiia paia
a MuBsumba, vieram prevenir-nos que o encarregado de os
vigiar, o seu chefe, se preparava para fiigir durante a noite,
pois nSo queria passar o Cuango, mostrando-se receoso da
gente do Capenda na outra margem.
Mandámos amarrá-lo e coUocar sentinellas á porta da sua
cubata, para o vigiarem. Os nossos estavam já com receios de
um levMitamento, e os que nos avisaram ficaram arrependidos ;
porém nSo fizemos caso nem de uns nem de outros.
NSo fugiram os do Cáhia, porém durante a noite desappa-
receram oito do Quijica, contractádos nas mesmas circumstan-
cias, deixando-nos um prejuízo de 40f$000 réis.
Havíamos escripto a José de VasconcelloS; na margem op-
posta, para que fizesse saber ao ajudante que estávamos ali,
e nos mandasse de madrugada a nossa canoa c Nossa Senhora
dos Martyres», para se abreviar a passagem.
Durante a noite ordenámos rondas pelo acampamento e nSo
houve novidade, mas logo de madrugada os companheiros do
preso pediram a sua soltura, e como não annuissemos, ás dez
horas e meia quando os chamámos para embarcarem com
elle, já nSo foram encontrados, haviam fugido.
Era um prejuízo de mais quinze carregadores, e que rece-
beram em pagamento o valor correspondente a 90f5000 réis.
Quantos contratempos! Uns em seguida aos outros! Mas pro-
sigamos.
Chegou a nossa canoa, e o preso desamarrado, lá foi escoltado
para a estaçSo Costa e Silva, declarando sempre que os seus
DESCRIPÇlO DA VIAGEM Õ23
voltariam ao serviço, pois nSo retiravam sem elle. E possível,
mas por causa das duvidas foi recommendado á policia da
Estação.
Áté ás duas horas da tarde a canoa esteve passando cargas
para o outro lado, e até então não appareceram as do porto.
Vindo procurar-nos a essa hora o Zunga, mostrámo-nos zan-
gados com elle porque as suas canoas não haviam feito serviço
algum, e lá foi com o nosso interprete para o porto para as
chamar. Appareceram ; porém pouco fizeram, pois ás três horas
mandámos dar descanço á nossa gente^ e os das canoas enten-
deram também nao trabalhar mais.
Para acabar de uma vez com as bebedeiras, mandámos dis-
tribuir o resto da aguardente que tinhamos, pelos três sobas,
e como estes depois viessem agradecer e apresentar-nos as suas
mulheres, ainda os contemplámos com uma porção de missanga
para distribuírem por ellas.
Apresentára-se um enviado de Mueto Anguimbo, lembran-
do-nos o nosso compromisso de o visitar. Não nos sendo pos-
sivel lá ir na occasião, desculpámo-nos, ficando de ir vê-lo
depois de estarmos na Estação, e para o não descontentar en-
viámos-lhc um presente.
Vieram presentes dos sobas, consistindo de gado, a que cor-
respondemos, e todos elles pediam para tomarmos os nomes
dos filhos que os acompanhavam, e dar-lhes um pedaço de fa-
zenda, para levarem as nossas cargas do outro lado do rio á
Estação.
Sendo de conveniência entretê-los, emquanto se iam passando
as cargas que estavam no porto para a margem direita, res-
pondemos que só no dia seguinte trataríamos doesse serviço.
Occorreu-nos durante o jantar, que estando o céu limpo de
nuvens o luar devia de ser esplendido, e que trabalhando com
vontade os nossos homens, durante a noite poderíamos passar
todas as cargas para o outro lado, sem que o percebesse a gente
das povoaçSes.
Chamámos os homens de mais confiança e promettemos-lhcs
uma boa gratificação, se levassem a effeito o nosso plano, e coroo
524 EXPEDIÇÃO PORTCGUEZA AO MDATIÂNVUA
todos se dispozessem a isso, e pelo acampamento ainda se en-
contrasse gente estranha, que geralmente se demorava até ás
» sete horas da noite, para que nao houvesse desconfianças, man-
dámos matar um boi e distribuir rações, no que se entreteve
o pessoal.
Quando já eram horas de todos estarem recolhidos, e que
todas as nossas cousas estavam devidamente acondicionadas
para serem transportadas, começou a faina no maior silencio.
Sizenando Marques foi para o porto para dirigir o serviço da
canoa, e nós ficámos com ura grupo até á ultima, fazendo se-
guir as cargas para lá.
Passaram primeiro os bois, depois as mulheres e crianças e
em seguida as cargas, principiando pelas mais pesadas.
É muito difficil conseguir-se que o preto trabalhe de noite,
mas não pode imaginar-se o silencio e boa vontade com que
todos porfiavam em concoiTer para o bom êxito de uma rapazia-
da, cujos eífeitos de madrugada já todos calculavam, por co-
nhecerem bem o Zunga.
Por ultimo abateram-se as nossas barracas e seguimos para o
porto era meia noite. O trabalho tinha corrido animado, e o
empregado europeu surprehende-nos com uma boa chávena de
café.
A carga era muita e por vezes os remadores tinham afrou-
xado, pois n^o estavam acostumados a serviço de noite. Ren-
diam-se porém e faziara-se então duas ou três viagens anima-
damente.
As cinco horas e meia passávamos nós, na supposição de
que a canoa só teria de voltar uraa vez a buscar cinco homens
que mandáramos esperar entre o arvoredo, um pouco mais a
sul do porto, mas enganárao-nos ; porque como suecede numa
expedirão grande, ha sempre uns ralaceiros que se desmandam
e cora quera se nâo pode contar, que se afastam do local em
que se trabalha, para se deitarem de barriga para baixo, a
dorrairera tâo socegados corao era suas casas era tempo de
paz. D*este8 lá estavara, rauito bera descançados, uns três sol-
dados inconscientes da falta que lhes poderia ter sido preju-
DESCRIPÇAO DA VIAOESI 525
dicialy se os povos a quem procurávamos ludibriar fossem tSo
selvagens e maus como elles próprios diziam.
A canoa teve tempo de voltar duas vezes, mas ainda appa-
reciam d'aquelles sujeitos a quem nada dava cuidado.
Até que emíim assomou o Zunga no alto do morro/ onde
chegou ás carreiras, acompanhado de um rapazito.
Estava espantado, dava-lhe entSo o sol de chapa, e nós de
óculo em punho, analysavamos a scena que ia dar-se. Olhou
para um e para outro lado como quem procurava ver onde nós
estávamos, e não nos achando, começou nos saltos e berreiros
do costume, com o pequeno pau na mão direita ameaçando tudo
e todos, e dando comnosco na margem de cá, começou vocife-
rando desesperadamente contra o Belaga que havia enfeitiçado
o seu amigo Muene Puto.
Belaga, era o negociante Braga, que está apparentado com
Zunga porque tem filhos de uma filha d^elle.
Com um grande movimento de braços, fez o seu discurso,
intercallado com gargalhadas e outras vezes com gritos de la-
mentação, e o que se lhe ouvia pode reduzir-se ao seguinte :
— Que se levantara muito cedo para ir cumprimentar o seu amigo
Muene Puto, e apresentar-lhe primeiro que todos os seus rapa-
zes para principiar o serviço das cargas, e que andara por toda
a parte á procura do nosso acampamento e não o achou; que
veiu a correr, lembrando-se que estaríamos no porto e não viu
nada; que isto era um feitiço do malvado Belaga; que elle
era muito amigo de Muene Puto e trazia todos os seus rapazes
para levarem as cargas muito bem a Mona Samba; que ao Belaga
se elle lá voltasse lhe tiraria a pelle, etc.
De cá a hilaridade era grande, e convindo entretê-lo no le-
gar em que estava, emquanto a nossa canoa passava o resto
dos retardatários, começou a troça: — O Zunga, para que dor-
miste tanto, bebeste muita aguardente? Para a outra vez toma
mais cautela. Muene Puto não dorme, não precisa das tuas
canoas, vae para o pé das raparigas, adeus, etc, etc.
O homem de quando em quando lá se ria, e como come-
çasse a vir gente das povoações, que surprehendida pelo nosso
526 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA ÁO MUATIANVUA
desapparecimento, se encaminhava para o porto, ZuDga desceu,
e com o pausinho procurava entre o capim, na praia, a ver cer-
tamente se encontrava alguma carga ou algum objecto que ahi
tivesse caido, e nada encontrando voltou-se para nós em grande
grita: — Que nao éramos amigos d'elle e elle era muito amigo
de Muene Puto.
Como nesta occasião nos entregassem uma chávena de café,
retorquimos-lhe que se era nosso amigo viesse tomar café na
nossa companhia. Grande gargalhada do homem, que despertou
novamente a hilaridade dos nossos.
Um dos soldados que estava entre o arvoredo, appeteceu-lhe
fumar, e nSo tendo fogo, entendeu por bem ir ao logar onde
estivéramos de noite, procurar uma braza, importando-se pouco
com a quantidade de povo que já ali estava á roda de Zunga,
e quando voltou ao seu antigo pouso, já se vê, foi seguido pelos
curiosos e lá foi também Zuuga ver o que se passava para ali^
Entre a nossa gente, estava um rapazito de Braga, de quem
elles queriam lançar mao para o ajuste de contas, porém os
nossos não queriam nisso consentir, e receando houvesse algum
conflicto, Sizenando Marques e o empregado europeu, foram
na canoa para o evitar e fazerem seguir a nossa gente.
Zunga continuava berrando, que fora atraiçoado pelo Belaga,
porém chegando Sizenando Marques calou-se, fez os seus pro-
testos de amizade a Muene Puto e limitou-se a pedir um pouco
de tabaco para o seu cachimbo, e que Muene Puto desse pas-
sagem na canoa a dez rapazes que trouxera para levarem
cargas. Fez-se-lhe a vontade.
Chegados os rapazes á nossa margem, gritou de lá o Zun-
ga: — Levem muito bera as cargas do meu amigo Muene Puto.
O meu amigo trate bem os meus rapazes ; nao acredite na ami-
zade dos Maxinjes; se precisar de alguns serviços mande-me
dizer ; o porto e as minhas canoas são de Muene Puto, e que o
Zâmbi os acompanhe a todos e que cheguem bem, adeus; e
retirou.
As cargas iam seguindo para casa do negociante Custodio
Machado, onde tencionámos pernoitar e ainda nos appareceu
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DESCRIPÇlO DÀ VIAGEM 527
MolumbO; irmiio do Zunga^ pedindo para darmos cargas a oito
rapazes que o acompanhavam^ a que annuimos porque care-
ciamos de carregadores.
Havendo ficado do outro lado um dos bois que na véspera
se haviam comprado, e que fugira de noite, recommendou-se
a Molumbo que o mandasse agarrar e que nós gratificaríamos
quem o trouxesse.
Ainda estavam muitas cargas na praia, mas como se man-
dara pedir a José de Vasconcellos que contractasse Xinjes
vizinhos para as virem buscar, ficou o empregado e dois sol-
dados para as vigiarem, e nós partimos depois das nove horas,
chegando a casa de Vasconcellos ás onze horas e meia, muito
fatigados, já da noite perdida, já da marcha nos primeiros dois
kilometros a pé entre o capim e atravez de charcos.
Os rapazes do Zunga, chegando áquella casa, quizeram lar-
gar as cargas. Lembrámos-lhe que o seu contracto era levarem
as cargas a Mona Samba e nessa conformidade estavam pagos
cinco. Como nâo quizessem seguir, resolvemos que os cinco
dessem metade do seu pagamento aos outros cinco. Elles não
esperavam esta resolução e começaram num berreiro, dizendo
que iam matar o nosso boi e deitaram a fugir.
Como o appetite era grande e o almoço estivesse prompto,
emquanto Vasconcellos pagava aos Xinjes, tratámos só de nos
lavar e fomos para a mesa, onde elle teve também um logar
ao nosso lado.
Depois do almoço deitámo-nos, e este repouso foi-nos muito
benéfico. Havendo transpirado muito e precisando mudar de
roupa, procurou-se a mala da roupa de flanella; estava arrom-
bada. Grande roubo se lhe havia feito e também por gente de
Ambango ; pagámos assim a nossa falta de critério em consentir
que as bagagens ficassem uma noite inteira em poder de gente
que nSo conheciamos.
Estas liçSes que doem, diziamos para nós mesmos, são as
mais proveitosas, seremos d^ora avante mais cautelosos.
Precisávamos de algum descanço e de estarmos tranquillos,
livres por alguns dias de importunos, e mesmo de nos isolarmos
528 EXPSDIÇZO FOBTUOUEZA AO XUáTIÍNVUA ,
para pôr em cUa os nossos diários, e fazer a correspondência
para a metrópole^ e por isso aproveitámos o bom qnarto que
nos offereceu José de Vasconcellos e encarregámos este de ir
íasendo seguir as ciurgas para a EstaçSo; resolvendo demo-
rarmo-nos aqni até ao fim do anno.
Além d'issO; esla viagem tfto cheia de peripécias e contra-
riedades, alterara muito a nossa saúde, e achavamo-nos acha-
cados de indisposiçSes de ventre e febres/ portanto ali e muito
melhor -do que na Estaçfto, onde nos aguardavam, como de
costume, importunos e novidades, nos podíamos medickr con-
venientemente.
O que nSo pudemos foi esquivar-nos a receber o mais im-
portante Muima Angana da povoação próxima, Muana Qui-
nonga, primeiro marido que teve Huana Mahango e que era
pae do faturo Capenda Camulemba, Mona Macanzo, que pouco
depois de chegarmos nos mandou de presente uma vacca, mas
combinámos com José de Vasconcellos, para os dispor áquella
e outras visitas, a que nos procurassem depois de jantar alle-
gando 08 serviços que tínhamos a feuser durante o dia.
Informado de que Muana Mahango dera ordem á sua gente
para nâo irera vender mantimentos á Estação^ apressámo-nos
a escrever-lhe, informando-a da nossa chegada, da demora
que aqui teriamos e pedindo-lhe que revogasse aquella ordem.
Diziam as cartas que ella nos enviou, e que aqui transcre-
vemos, que a ordera nâo era para se prohibir a venda de gé-
neros e sim que fosse gente sua á Estação, porque poderia
faltar alguma cousa aos nossos e Muene Puto desgostar-se.
De Muana Mahango ao chefe da Expedição.
111."" e Ex.""> Sr. Major. — Recebi pelo seu portador José, uma peça
de chita, uma dita de riscado, um barril de porvora que me mandou, mas
isto por lhe informar das ordens que eu publiquei pois, tenho a dizer ao
sr. major, que ordenei que publiquei não é porque desgostei com viagem
que a sua Senhora Rei de Sua Magestade lhe encarrega marchar e por-
que a chigada do sr. Capitão nSo o tratei mal, nem elle, mas havia co-
meço de aver desculpas do ourobo, por parte da minha gente e como vi que
ha muita gente com cargas é por isso, dei ordem da minha gente a não
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 529
ir no acampamento porque no multa confusão é por onde tem havido do
ourobo e não para não os vender de comer como falei-lhes vieçe na sen-
zalla a comprar ; como levam moneas ao sr. major opois vortam os ob-
jectos porque não tem crime para o sr. major pagar-me espero coisas de
offertas, como parente do mesmo Rei do Muatahiamvo, pois o sr. Capitão
não quer que o povo d*elle que viecc na senzalla, o quer é minha gente
ir no acampamento e eu não quero para logo aver dezorde e para invi-
tar as consequências faço o meu asogue para todos e todos compram
ahi, a loba de povora avinha sem ser cheia por isso lhe faço ver para
não desculpar com meu portador.
Sou de y. £x.*, veneradora, Muana Mahango e Mona CandaZla^ seu
d'ellc.
111."° e Ex."« sr. Major Henrique de Carvalho. — Recebi a sua carta
em resposta á minha, onde se dignou dizer que estava passando mal de
saúde e vai já bem.
£u lhe fiz vortar o mimo que me mandou, como ontein já lhe fiz ver,
mas como era de mimo eu recebeu, que isto não ha mais nada.
Melhor era que chegaçe nesta sua digna Banza que a vista faz fé,
mesmo eu que sou amazio delia não estive incaza ontem e que cheguei
encontrei já estas borradas o que meu major extranha ; nós agradecemos
doesta sua viagem ninguém ambiciona visto estar segundo ao nosso Rei,
depois que me trata bem em razão de ser já pertencente do mesmo Rei
lhe peço agradecer, nós tudo o mesmo, e os portadores entregar o mimo
e fico-lhe muito obrigado. Sem mais desejo-lhc saúde, venha depressa cá
o espero que a caza está ás suas ordens.
Sou de V. Ex.*, Mona Quiema^ barrigão de Muana Mahango.
Também Cáhia Cassáxi nos escreveu ,e nos fez apresentar
os rapazes que fugiram, mas com estes nSo contámos mais^
porque não convinham, e elles certamente vieram apenas para
acompanharem o preso, até que podesse evadir-se com elles.
A nossa communicaçSio para o Ministério, limitou-se a dar
conta da viagem da Estação Paiva de Andrada até aqui, e nada
mais era do que a narração exposta.
Do soba Cáhia ao chefe da ExpediçSo.
111."*' e Ex."" Sr. Majolo. — No dia 29 appareceram os meus filhos que
eu redava como serventes de revar a sua carga, os porgundei que os fa-
ria vir, me coutou o seu irmão Quipago foi prezo por isso nos fugimos,
como não roubamos nada e sim nada pois viemos.
5S0 KzraDIÇZo FOBTDOCBA AO MDATIÍNTIU
Ks ewao k» pe— ok de couBidflntr mindd Tortar meorfilIiM lioabo
atru kaj« qn» vio no umbío do Bome Cilra, «i to» rá por 8 dias o 9 dia
lime tom ■■ ir fivar awns filhoa,
Bhu«, si de deMBlm de 1884.-- De T. 8.* ms eito renendor
eteado, emige. — Solie, Comi dt CaiÊêad,
Em 31 de dezembro, ms febres qm tinham BngmeQtado proa*
iráram-noB ns «una danuite o dis, e sd nos permittinun que á
noite nos levantássemos • encerrasaemoa o nosso diário do se-
púnte modo:
•Calcolámos pela estima ter passado o Coaogo a 8** 21' 51"
de lat- S., a 17" 20' 50", ãe long. £. de Gtreenwicb, e i alti-
tiade de 690 metros acima do uivei do mar.
Temos pois caminhado para norte e leste mas descemos para
uma d^urwslo a coutar de Catalã onde termina o planalto de
Malanje nesta dire^So, isto é, baixa o terreno a contar de
Catalã, na altitade 1:260 metros e nom percmrso de 190 kilo-
metroB, 570 metros, oa 3 metros por kilometro.i
Era meia noite em ponto, terminavam os nosM» trabalhos no
aano de 18S4, e ezdamimos : — OxaU que o cpie vem noa sej»
mais propicio para bem da nossa missSo e do nosso pois ; e
agora basta, consagremoa algnnB momentos á família.
CAPITULO IV
O QUE DEVE SEE MALANJE
Naiayako mu isuko, kinimenepe na-
ma; diamaèiko niakokadi ape kua-
buro najipe. «Fui lá no mato nao
vi caça, amanhã vou lá ainda, pode
ser que mate. — Quem porfia mata
caça*.
Orographia do planalto de Malanje; >aa meteorologia comparada com a de Loanda — Sa-
neamento por meio do trabalhador africano — ConilderaçSei sobre o* trabalhadorea
enropeui — Sitnaçlo do indígena, devido ii ambições dos estrangeiros — Aproveita-
mento dos indígenas na administraçilo provincial; facto comprovativo da influencia
que sobre elles exercemos. Necessidade de educar devidamente os povos que nos s2o
sujeitos, como elemeutos indispensáveis para a exploraçAo e aproveitamento das ri-
quezas naturaes nos no«sos domínios — Organlsaç2o do governo do districto de Ma-
lanje— As mlflsSes civilisadoras e de inslrucçio e protecçAo aos naturaes — Methodo
a seguir no ensino; pessoal das missSes; o missionário — AdminiMtraçio da Justiça;
tribunaes eupeciaes para o gentio — Força militar agrícola ; Moveis ou seg^unda linha;
serviços que lhe pertencem ; força policial — Intervençio dos sobas na administraçio
local — Contribuições ; melhoramentos públicos ; pessoal do governo do districto ;
receita — Necessidade da creação do novo governo nos confins da provinda de An-
gola para eficazmente contribuir a dilatar e a assegurar o domínio de Portugal através
do grande continente.
Havendo a nosBU Expedição atra-
vessado A regiSo mais alta da pi-o-
f»"- vincia de Angola, limitada ao sul
pelo rio Cuauzit, chegando a Pungo Andongo, na altitude de
1:070 metros, dirigiu-sc para leste até á Villa de Malanje que
está a 1:154 metros, e se proseguiase pouco mai» ou menos
neste rumo, iria encontrar Cassanje na altitude de 950 metros.
Seguiu porém para nordeste, atravessando as terras occupadas
pelos Bondos, subindo ainda nos primeiros 50 kilometros a
Catalã, na altitude de 1:260 metros, para depois continuar,
descendo, deixando Duqite de Bragança a oeste na altitude de
1:060 metros, encontrando no seu percurso Cafúxí, baixa de
Andala Quissiia a 832 metros, e Camávu, na margem esquerda
do Lui, na altitude de 701 metros.
Descaiu depois um pouco mata a leste, para passar u Cuango
no porto de Mueto Anguirobo, na altitude de 690 metros,
mas se tivesse seguido para o norte, iria encontrar o rio Cugo,
534 EXPcmçXo rosirGCECA jo wcatiímwva.
nu eonfloenria eom o Cungo, mott aWfaie poaeo mierior
a 499 metros.
Em qimlqiier dos cmos datoeria sempre, o qpe modim á eri-
deocia que hsrúuiiM pemado a dÍTÚorm oeddeotely e w» adm-
Tamos nama rertente que olhara a £• e N.-£.
Kio ha daTida pcMs, que hz parte da iinmi pnmncia de
Angola o rerdadeiro phmalto do oeridentr da r^gíio aoslro-
eentral do eontÍDente, d'oode a Ei^edifio aeabáim de múr, c
que nos corria o derer de o determimur topognqpUeameiíte, c
de o oocapar definitÍTamente, aproreitaiido todos os recursos
que elle nos offereee.
Se sapposermos esta regiio coberta por phoos tangentes ás
cotas conbeddas e cortada por ontros planos Terticaes, pas-
sando pelos pontos cotados até tocar no nÍTel do mar, obtere-
mos diversos sólidos imsginarioS| em qne as arestas formadas
pelo encontro dos planos rerticaes com os pfamos.'de tangencia,
nos mostram as altitodes dos legares des^nados, e a juncçlo
dos planos de cobertanii dario arestas e goteirss, cnjas direo-
çSes; embora descaindo de nm modo geral para norte, leste
e oeste, dSo aos planos inclinaçSes, que teem a soa maior queda
para leste, sobre o rio Cuango.
A cobertura imaginaria doeste solido, supp8e-se terminar la-
teralmente nos planos verticaes, que passam pelos pontos que
conhecemos de maior altitude, e caem sobre o plano, que passa
pelo nível do mar, figurado no esboço, pelas linhas de pontos
pretos ; por isso os planos que olham a sul, se fossem transpa-
rentes, deixariam ver a disposição do terreno, que destacámos
com uma côr escura.
Se examinarmos superiormente na disposição da cobertura,
a luz que a illumina, distinguiremos perfeitamente que na re-
gião figurada, e de que nos occupámos nos capitulos anteriores,
a parte mais alta é a que se apresenta formando um quadrilá-
tero, cujos vértices são pela ordem das cotas, Catalã, Pungo
Andongo, Duque de Bragança e Cafúxi, inclinando portanto
para norte e tendo maior queda para Cafúxi. A este quadri-
látero se reúnem os triângulos contiguos, o do, lado do oeste,
DESCRIPÇlO DÀ VIAGEM 535
formado pelos vcrticesi Malanje, Fungo Andongo e Duque de
Bragança^ que inclinado um pouco para oeste descae mais para
norte; o do norte formado pelos vértices Duque^ Cafúxi e
Cugo, que descaindo para norte inclina mais para leste, sendo
portanto a aresta que liga o Duque com o Cugo, a cumieira
d 'esta cobertura, indicando que as terras de nordeste que so-
bem até ella^ começam a descer por diversos planos, como de-
graus de differentes alturas até ao Cuango; o de leste, for-
mado pelos vértices Catalã, Cassanje e Cafuxi, descaindo para
leste inclina mais para noroeste. Mas este ultimo, se tivermos
em attenção que o Duque está mais elevado que Cafúxi, pode
desdobrar-se em um outro plano, o qual se reconhece ter in-
clinação ainda para nordeste.
Todos os outros planos que se seguem para o norte d'este,
inclinando ainda para o norte, descem mais precipitadamente
neste sentido, como rodando pelo norte de Cassanje quasi até
leste sobre o Cuango, illuminando-os por isso a luz.
A Expedição, seguindo o trajecto indicado pela linha car-
mim, como se vê, elevando-se até Catalã, atravessou depois os
valles d*ahi até ao Cuango, na epocha das chuvas, e por isso
já encontrou no seu trajecto, charcos e pântanos, tendo de pas-
sar o rio Lui no fim de dezembro em canoa, quando no mesmo
sitio em fins de outubro o passara a vau.
Comprehende-se bem, pelas proximidades dos rios Cuanza
e Cuiji do itinerário da Expedição até Malanje, e pela direc-
ção das correntes doestes rios, que a queda do terreno para
sul é insignificante, e de mais é sabido que o Cuiji passa abaixo
de Malanje 20 a 30 metros a sul d'este logar. O terreno entre
Malanje e Cassanje vae-se elevando para sul entre o Cuango
e o Cuanza.
Tomámos um ponto do rio Cugo, por conhecermos as suas
coordenadas e altitude, que foram determinadas pelos beneme-»
ritos exploradores Capello e Ivens, e essas pouco podem diffe-
rir das da confluência com o Cuango, vista a pequena distancia
d'este ponto, e por ser o rio Cugo um limite natural ao norte da
região de que nos occupâmos.
 Õ36 EXPEDIÇZO POBTUGUEZA AO MUATIInVUA
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; '• Este ponto, a 498 metros acima do nivel do mar, senriu-nos
^ pois para marcar as maiores inclinaçSes da nossa cobertura
^ imaginaria para o norte.
^ A disposiçSo das montanhas, e bem assim dos affluentes do
Cuango, descaindo para leste ao mesmo tempo que seguem
com as inclinaçSes dos nossos planos para o norte sobre o rio
Cago, e os cursos dos rios Cugo e Lucala passando pelo norte
do Duque de Bragança, indicam onde devemos encontrar a parte
mais elevada d'esta regiSto, e geralmente pela direcçSo das cor-
H, rentes do Lucala, a sul das terras do Duque e pelas do rio
Cuanssa, se reconhece onde ficam as terras mais baixas. Tam-
bém os ramaes do sul dos rios Cuanza e Cuiji, e a direcçSo do
rio Cuango e seus affluentes, Luf e outros mais para sul, in-
dicam haver terras altas para este lado.
Portanto, a região que figur&mos, é a extrema do planalto
Occidental, limitada pelo Cuango a leste, pelo Cugo ao norte,
pelas terras entre este e o Lucala pelo occidente, e tem para
limite sul, em parte, os rios Cuanza e Cuiji.
Nesta região, as terras que se estendem para norte, entre
Malanje e Cafúxi, isto é, as dos Bondos, são as mais altas a
contar de Malanje, e por isso as denominámos — planalto de
Malanje — que é preciso tornar bem conhecido e aproveitar-se,
auxiliando a sua exploração.
No esboço topographico que apresentámos, apenas marcámos
08 traços geraes para evitar confusões; porém nas considera-
ções que faremos, como conclusão sobre o nosso modo de ver,
com respeito a esta parte da província de Angola, olvidada por
estar nos seus confins, e que é a porta para o centro sul equatorial
do continente, reportâmo-nos áo que deixámos exposto nos ca-
pítulos anteriores, com respeito ao estado actual das povoações
indígenas, modo de as aproveitar e de se organisar entre ellas
uma administração local adequada ao meio tropical, tendo-se em
vista interessá-las na administração geral da província.
Antes doesse trabalho, porém, damos noticia do regimen me-
teorológico da região, comparado com o de Loanda, no littoral;
do que é mais indispensável para corroborar uma certa ordem
DESCUIFVAO DA VIAGIJI 537
de consideraçSes que justifiquem a exploração vantajosa de
toda ella.
As observaçSes meteorológicas da Expedição, referem-se ás
Estações: Malanje, oitenta e nove dias^ Cafúxi^ trinta e dois
dias, Camávu, vinte dias, comprehendendo o segundo semestre
de 1884.
Embora estas observações fossem feitas com todo o escrú-
pulo, e com instrimiontos em boas condições, não são ellas em
numero sufficiente para precisar definitivamente o clima das
localidades a que se referem.
Se tivermos em attenção as altitudes, e compararmos as tem-
peraturas nas três estações, vê -se que na região mais elevada,
Malanje, foi menor a temperatura, porém por outro lado, não
devemos esquecer, que as observações foram feitas ahi de 11
de julho a 7 de outubro, emquanto que nas outras Estações o
foram de 20 de outubro a 20 de novembro, e de 1 a 19 de
dezembro. E de suppor que em Malanje nestes últimos mezes^
também a temperatura fosse mais elevada, o que iria influir
na sua media, e não é menos certo que as temperaturas nas
outras Estações, observadas no mesmo período, nos dariam
uma media inferior *.
Como este estudo seja simplesmente comparativo, diremos
que Malanje, estando sujeita a uma variação de temperatura
de 19" a 25", tem um clima quente, mesothermico ; Cafiíxi va-
riando de 22^ a 25^ está no mesmo caso, e Camávu varíando de
23® a 27®, muito mais quente, é hypertherraico.
Não errámos, cremos, classificando todos no limite máximo
de climas hyperthermicos, tendo como modificadores para a
salubridade, as altitudes e ventos predominantes das terras ai*
tas que os restringem, e outros que lhes são consequentes e be-
neficiam a producçao.
1 Só nos occupâmos agora de limites máximos e minimos, e de gene-
ralidades, a que somos levados pelos nossos diagrammas, que fazem parte
de um volume especial com o titulo de Meteorologia e Climatologia.
85
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1 :
1 1
&88 KZPBDIÇXO POBTUODUA AO mrATliHVItâ
E estes modificadores a fiivor da salabridade, to»aiii-8e
tanto mais attendiveis quanto se pronanciani nas qaadiwjá
eâracterisadas pelas eameiradaSf e pela varíola, nos lodyigieiiaa.
Ka maior altitude diminaiu a preasto, sendo em Malanjede
662 a 666 millimetros; ao passo qne em Cafftxí M de 689 a
693; e em Camávu de 700 a 704. Com o augmento da poea*
)| I slo apresentou-se o céu mais carregado de nuvenSi o tempo ea*
eoro, dmvas; trovoadas, e homidades variáveis em Malaaje de
60<'a89*, emCafóxide 7P a 92* e em Camávu de 71* a 88*
de sataraçik>; a tensSo do vapor diminuiu, sendo de 11 a 20
^ ' ' * nuUimetros em Malanje, fi>i de 6 a 9 em Caf&xi e de 7 a 10
i Camávu; e o ozone ao contrario sendo de O a 4 em Malai^ey
regí«trou-se de 1 a 7 em Caf&d e de O a 5 em Camávu.
A temperf^ura na relva, variando em Halanje de 4* a 16*
^ centígrados, elevou-se com a diminuiçSo da altitude, e -á me*
dida que proseguia a quadra quente, foi de 15* a 20* em C^
li f&d, de lõ* a 19* em Camávu, emquanto que na expoaíf^ ao
sol decrescia a temperatura, a qual sendo em Halanje de Sã^
a 54*, em Cafúxi variou de 31* a 47* e em Camávu de 3^
a 48* centígrados.
Pareceria que com as maiores pressões, humidade e chuvas
devia diminuir a temperatura na relva, mas n&o succedeu assim
por effeito dos modificadores, ventos e menos demorada expo-
sição ao sol, nos logares assombrados.
Isto mostra que as terras, que são feracissimas, se conser-
vam frescas, e que ha uma tal ou qual compensação entre as
máximas e minimas temperaturas, que na região considerada
variam de 20^ a 30^, devendo ainda elevar-se e tomando esta
região inhabitavel, se não fossem as altitudes e os outros mo-
dificadores favoráveis.
Vejamos agora o que se passa em Loanda, nos mesmos pe-
ríodos de observações feitas numa altitude de 59°*,25 e á beira
mar, estando numa latitude intermédia as extremas das Esta-
ções, 8*» 48' 45".
Com relação ao periodo de Malanje, variaram: a tenapera*
tura media de 17° a 24^, a pressão de 755 a 759 millimetrosi
DBSCBipçZo Dá viagem 539
' ... ■ ■ ■ ■■ ,11 I ■ I I ^ ■ I I
a humidade de IV a 9P de saturação^ e a tensfto do vapor de
14: a 19 meillimetros. Quer dizer^ Malanje com o mesmo clima
que Loanda^ tem a seu favor pela sua maior altitude : menor
pressão, menos humidade e menor tensSo de vapor, acrescendo
ainda que os ventos que predominam neste período em Loanda
sSo do lado do mar, de norte a oeste, emquanto que em Ma-
lanje são de sul e sudoeste e já no fim, de noroeste, regiSes
de terras mais altas, e além d'isso regista maior quantidade de
chuvas, de que tem havido carência nos últimos annos em
Loanda.
Com respeito ao período de Cafúxi, de 20 de outubro a 20
de novembro, as temperaturas medias de Loanda variaram nos
mesmos limites de 22^ a 25^, e também Cafuxi, embora já com
menos altitude que Malanje, apresenta-se em melhores condi-
ções do que Loanda; tem menor pressão, menor humidade e
menor tensão de vapor, chuvas em maior quantidade, sendo
ainda os ventos predominantes os das regiSes altas, continuando
em Loanda os do lado do mar, variando agora os de noite mais
para sudoeste.
Camávu, ponto mais baixo das nossas observações, 523 me-
tros inferior a Malanje, no mesmo período de 1 a 19 de de-
zembro e com a mesma temperatura media 23^ a 26^,6 do que
Loanda, pois que ali foi de 23^ a 27^, offerece ainda como
vantagem sobre Loanda, o ter menor pressão, menor humida-
de, menor tensão de vapor, chuvas e ainda os ventos que pre-
dominaram do lado do sul, emquanto que em Loanda continua-
ram os do mar.
Vê-se pois, por este resumido quadro de observações, que
a regido planaltica de Malanje entre os rios Cuanza, Lucala,
Cugo e Cuango, sob o mesmo clima que Loanda, tem condi-
ções de habitabilidade e de producção muito superiores a toda
a região que desce para o oeste até ao littoral, e que quando o
caminho de ferro chegar a Malanje, será esta região muito pro-
curada pelos europeus que pretendam beneficiar-se das influen-
cias devidas ás más condições do littoral, sendo ainda assim
indispensável que se subordinem ás prescripções impostas pela
640
[ÇZO FOBTOODEU ao aDATIÍNVDÁ
sciencis, com rekçSo ás formulas climatológicas âas diversas
localidades d'e8ta vasta regilo, nSo inferior a 50K)00 kilome-
troB quadrados, e que oecessariainente os governos hSo de man-
dar determinar por estudos rigonmoB e nBo ioteiroaqiidoe.
SESCRIPÇXO DA VIAOEM
SANEAMENTO
cammh» de ferro, essn emprcza
grftndioaa dos tpmpoa moder-
nos ua nossa Africa, arrostando
comsigo o capital e o pessoal
dirigente, para o proseguimento
de trabalhos agrícolas, cujos
ensaios estilo progredindo nesta
região, tanlo nas pequenas
ponio nus grandes culturas, ha
de desenvolvê-los; e esses tra-
balhos Iião de beneficiar muito
as circumstancias do seu clima,
que, se nSo puderem em prin-
cipio tomar-se logo favoráveis
á vidji do europeu, se modifi-
carão de forma quft lhe permit-
tam até trabalhar ali nn lado do indígena.
E nao se diga que o prosegulmento da einpreza ó para re-
cear, porque, segundo os estudos dos engenheiros do governo
e da companhia iniciadora d'es8e caminho de ferro na provin-
cia, ha toda a conveniência em se prolongar avia até Malanje;
sendo relativamente insigiiific«nte a ilespesa com as remoçSes
de terras, e obras de arte que ha que construir, para atravessar
a região planaltica de Malanje até ao Cuango. Como indica
o nosso esboço, quer se siga o caminho da Expedição, quer se
MS xzFBDiçZo Fosnoinau âo Mnâsiisvnâ
irá mais pelo norte oa pelo siil| nunto prineqpáloieQfte qoado
nos lembranpos qae sendo uma sec^ de ponoo maia de 100
Idlometioa, é esta & que daiá maiores mtexesses 4 enqpiesa. e
xendimentos á provincuu
E nlo nos importe s oonstnio(Ío do caminho de feno do
Baiito-Congo s Stanlej-Pooi, qne db mais nns tantos milliBea
de firancos que se enterram naqndle Estado lodependenie iioaao
TiainliOy sem qne da concorrência qne elle nos procuim fiMor,
redundem maiores pr^nixos, do qne os qne já estamos so&ondo^
pois qne o acréscimo em milhSes qne improdnctÍTameiito ae
tIo dispendendo com tal Estado, seilo cansa do sea mais
prompto sbandonO| e a jnstificaçlo pratica do nosso proeeder
mais canteloso em Afinca.
Siga o nosso caminho de ferro até ao Cnango. Oonâraemoa
s interessar os Bftngalas e os povos mab intionados, como egeu*
tes do nosso commercio; e s horrecha, esse nnico artigo dè
yalor cnjas fontes nlo estio exhanridas de todo, nio deíxacá
ainda de vir para a nossa província, quando os artigos paim a
sna permuta^ cheguem a encontrar os seus mercados a par^^
nos encargos, com os similares que apparecem do norte K
Mas nSo é só por causa da borracha e mesmo algum mar-
fim, que exista no seio do continente, e que agora se sabe exis-
tir nas margens do rio Cuango, que nos pertence e seus
afluentes, entre as linhas de concorrência que se tentam esta-
belecer contra nós, que insistimos pelo prolongamento do nosso
1 Ao tempo em que estamos revendo este nosso trabalho, temos noti-
cias de Malanje, que as comitivas dos concelhos de Malanje e Cassanje
e vizinhos a oeste, que até princípios do anno de 1889 continuavam a
convergir para o Lubuco, não podendo já concorrer com os agentes do
£8tado Independente do Congo, se estAo dirigindo para as margens
do Cuango a norte do 6<* lat S. do Equador, onde os povos começaram
a offerecer borracha e marfim em quantidade, pode dizer-se na nossa
própria casa ; e oxalá esta nossa nota seja motivo, paia que os poderes
públicos tenham em attenç2o o que propomos em resultado das nossas
observações.
DESCRIPÇiCo DA VIAGEM 543
caminho de ferro até ao Cuango. NSo, o nosso fim é outro ; é
mais vasto o campo em que assentámos as bases do plano, para
que julgámos indispensável essa construcção ; nSo imaginámos
porém fontes fabulosas de rendimentos, cuja existência só ga-
rantem os que pretenderam illudir o bondoso rei dos Belgas.
Creâmos as receitas, á medida que essa construcçSo se for
desenvolvendo; uma medida ampara a outra, e para isso con-
támos com o que a natureza nos offerece de bom: feracidade
do solo, abundância de boas aguas, a melhor disposição dos
povos a nosso respeito, e esperemos que em troca de uma edu-
cação bem orientada, elles hão de empregar as forças da sua
actividade em aproveitar os recursos naturaes, até agora não
explorados devidamente.
O commercio, o intermediário das industrias, desempenhará
então o seu papel, firmando-se em bases solidas, sem estar su-
jeito aos perigos e riscos com que tem luctado até agora.
Para a realisação do que se nos afigura lembremo-nos que
querer é poder; e perfilhemos com fervor, com o mesmo
enthusiasmo, com que foi proferida aquella phrase tão coberta
de applausos de António Augusto de Aguiar, que jamais pode
ser esquecida, como elle, do mesmo modo nunca deixará de
ser uma das glorias do nosso paiz: Nós queremos viver.
Vivamos pois.
Mas em Africa, quem quer viver não pode parar, procura
conhecer todos os recursos que a natureza lhe ofi^erece, e trata
de 08 aproveitar devidamente.
A exuberante força vegetativa d*esta região, se por um lado
é utilissima, é por outro o factor mais enérgico da sua insa-
lubridade, e é esta insalubridade, que se deve procurar por todos
os modos neutralisar ou attenuar. £ ella devida á estagnação
das aguas pluviaes, e ás que avolumam os rios na epocha das
grandes chuvas, que não podendo achar escoante nas depres-
sões, se vão nestas depositando.
Convenientemente dirigidas essas aguas, por meio de canaes
ou de rasgamentos no solo, que as afastem, ou as lancem em
reservatórios para depois serem aproveitadas; e nas margens
dos rios, polo levantamento de açudes, bongucs ou outros obras
de arte, de modo que as ngiias d'c!le8 se não extr.iv azem,
08 patitnnriB soccarno, os charcos doixarão de exiatir, e quando
OB raios do got e & veatilaç&o possam livremente exercer a sua
Bcçito benéfica, o que era fncn de infecçíLo, ae nSo for dextruido
ooraplotamenle, neutraliaar-se-lia, e as aguas poderio ser a.pro-
Teitadas nas temui maia altas em coltaraa que Uo de pros-
perar.
Uas flSo precisamente estes trabalhos, qae por emqiuarto ae
nlo podem esperar, e seria mesmo falta de hmiuuiidada pt^nih-
der exigi-los 'do europeu.
Os governos, oa emprezarios, ou emfim quem pense de modo
diverso e pretenda tentá-los com elle, reconhecerá o aeo mo,
pelos grandes sacrifícios de vidas e despesas que fitrib) impro-
ductivamente.
Tentativas d' esta ordem, teem trazido comsigo a timideSr o
afastamento dos capitães, a inacçSo em que, emfim, dnranta
periodos mais ou menos longos temos deixado jaaer trabaDioa
iniciados qoe promettiam bons resultados, continoando » fi- ■
ver inertes, se é que é viver, os povos indígenas, com o aaxilío
dos quaes oa poderiamos ter feito proseguir.
Podem objectar-noB com o trabalho do europeu no littoral
de Angola, referindo-se principalmente aos sentenceados ; mas
a isto respoudemos com oa obituários, e com os vestígios de
ruínas das grandes emprezas tentadas na província pelos nos-
sos antepassados, e que já temos apontado no decorrer d' este
livro, tudo devido á ignorância das condiçSes climatéricas das
localidades em que ellas se tentaram.
Nas suas conclus3es com respeito á provinda de Angola,
dizem muito judiciosamente os exploradores Capello e Ivena,
no seu livro li, De Benguella ás Terras de lacca:
■Conduzir estas (aguas) das nascentes dos rioa, por ^stema
combinado de irrigaçSes nos sitioB eminentes e salubres, apro-
veitando-as como elemento de vida para o reino vegetal e como
poderosa força motora em milhares de industrias; esgotá-las
sem custo, não consentíndo estagnações; em summa, dominar
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 545
e dirigir as aguas do continente, é o que primeiro convém fa-
zer, para o aproveitamento d^aquellas feracissimas terras nos
locaes mais elevados.»
Mas estes trabalhos, sào os indigenas quem os hSo de fazer.
Poderá esperar-se que o europeu possa, quando bem alimen-
tado e rodeado das commodidades indispensáveis, dedicar-se a
certos misteres que nâo demandem grandes esforços que o
debilitem, porém os que demandam despendio de forças, como
em geral requerem os trabalhos preparatórios para o amanho
das terras, os de enchada, picareta e alavanca, e os de remo-
ções de terras, esses, por emquanto só os podem fazer os in-
dígenas das localidades em que se emprehendam, e os immi-
grantes de quaesquer outros pontos do continente de Africa,
mas quando devidamente aclimatados.
Pouco tempo depois de chegarmos á ilha de S. Thomé, em
novembro de 1873, fomos encarregados de fazer parte de uma
commissâo^ que estudando a cidade tal como se encontrava,
propozesse as medidas mais consentâneas com as circumstan-
cias doa cofres da provincia, para o seu saneamento.
Faziam parte doesta commissão um grande numero de func-
cionarios antigos na província, e o pessoal do serviço de saúde.
Debateu-se então uma questão, que nao sendo nova o pa-
recia, a saber: que era mais nocivo o pântano da Roça Ar-
rayal, por detrás da cidade, que o da* ponta junto á fortaleza
de S. Sebastião, em cuja extincção se lidava havia já annos.
Como administrador do concelho também fomos nomeados
para esta commissão, e impressionou -nos bastante o que ouvi-
mos a indivíduos que tinham auctoridade. Tratámos pois de-
ir estudar esse pântano.
Quando ali entrámos deparou-se-nos um monturo, uma grande
superfície abandonada, sobrepujada de palmeiras, e entre estas,
1 Por isso que se tomaram notórios os factos que vamos narrar, os
citámos, para exeraplo do muito que se pode fazer, quando haja boa
vontade^ para se sanearem as localidades que disso careçam.
646 XXPEDIÇXO FOBTUOUBJEA AO mJATIÂHVUA
embaraçando a pasaagemi mna densa e Taiíada vegetaçlo qne
(Nfs necessário dermbar para dar nm passoi rodeada toda eUa-
de accumnlaçSes de lixo.
Se o pé chegava a assentar na terra, encontrava-a pastosa,
mas nSo erà po^sivel fieuser ama idéa real do qne todo aquillo
erA senSo veadoí o que decerto nSo era desconhecido pelos ho<
mens antigos ali, pois que em tempo se pensou em aprovmtar.
as terras mais elevadas na encosta para ahi se construir nm
hospital*
Nlo havendo um pessoal apropriado, com anetorisaçlo do go-
vernador, ntilisei as praças africanas da companhia de polida
quando estavam de folga, e os serviçaes presos a pedido doa
patrSes, para fazer immediatamente uma limpeza em toda
aquella irea^ queimando mesmo durante o trabalho os monti-*
culos de todos os detritos que se iam accumulando em diversos
pontos.
Este pessoal que nós acompanhávamos nos trabalhos, dirí-
gindo-os, tomava quinino como preventivo, antes de para lá ir,
deitava fogo aos monturos que ficavam da véspera, e ao prin-
cipiar e largar o trabalho cada um bebia a sua raçSo de aguar-
dente.
Limpo todo o terreno, vi entSo qne nelle havia uma depres-
sSo, e que esta era um crivo de buracos, par onde saiam enor-
mes caranguejos vermelhos. Pequenos calhaus lançados nesses
buracos, davam a conhecer a existência de agua a pouca pro-
fundidade.
Houve em tempo quem se lembrasse de abrir uma valia,
que contornando o sopé da encosta, ia passar atrás de uma
igreja, pelo norte, para o mar, no intuito de que as aguas das
chuvas que caiam sobre a encosta fossem para aqui desviadas;
mas não se teve em attençSo, nos melhoramentos que se faziam
na cidade á beira mar, obstar á entrada das aguas do mar, e
que estas se aproveitariam das abertas que achassem livres.
Succedeu pois, nas grandes marés, que as aguas do mar
entravam por essa valia, e onde achavam logar trasbordavam
para as depressões.
• DESCRIPÇAO DA VIAGEM 547
Passava o rio Agua Grande a um lado da estrada que limi-
tava esta área, e por isso tratou-se de fazer construir abaixo
d^ella um largo aquedueto, e cortar toda aquella área por lar-
gas valias, combinadas de modo, que as aguas as lavassem e
corressem ora para o rio, ora para o mar, conservando-se o
terreno entre ellas enxuto.
Tratou-se depois de exterminar o caranguejo nas próprias
covas, por meio de cal e agua a ferver, e de cultivar os can-
teiros com productos horticolas de rápido crescimento.
Em menos de um anno, transformava-se o terrivel pântano
numa horta militar, logar aprasivel que convidava os habitan-
tes a ali irem passear todas as tardes. Os corpos militares e
os sentenceados, eram d*ahi fornecidos para o seu rancho, e
por ultimo já doestes europeus, alguns para lá iam trabalhar.
Quando este melhoramento contava já um anno de existência,
tinha-se pago toda a divida á fazenda, sustentava-se o pessoal
que lhe era indispensável, ficando um saldo em deposito, su-
perior a 400f$000 réis, e em dois annos de trabalhos apenas
tinha morrido o sentenceado que lá permanecia como guarda,
de hydropesia no ventre.
Dois annos depois quando ali passei, já a nossa obra estava
um pouco abandonada, porque o governador era outro ; porém
depois houve quem se lembrasse de a levantar da decadência
em que jazia, e ultimamente a Camará Municipal tem tido com
cila toda a attençSo, não sendo infructiferos os seus cuidados.
Quando em Loanda, no dia 7 de dezembro de 1878, fomos
proceder á abertura dos fossos, para os caboucos da Escola
Profissional, cuja construcçSo estava a nosso cargo dirigir,
apesar de já termos uma certa acclimatação nas nossas posses-
sões do littoral, certamente porque o solo nunca f5ra revolvido,
e ha muitos annos nSo chovesse, o facto é, que ás onze horas
quando os trabalhos terminavam, recolhemos a casa com uma
febre, que por quatro dias nos prostrou de cama.
O pessoal com que então trabalhávamos, era apenas de al-
guns jornaleiros africanos que na véspera arranjáramos, è de
um apontador também africano.
548 expsutçSo portuoueza aq iiUATijtiívuA
Muitos mais exemplos que se deram comnoseo poderíamos ]_
citar, provando que os traballios preparatórios de qualquer em- ^^
prehendimento em Africa, principalmente os de saneamento, e
muito eapocialmente oa de remoção do terras, aó devem ser
executidos por emquanto, pelos indígenas.
É dos nossos dias a aaniquilaçâo das colónias Júlio de Vi-
lhena, e a outra umbem do sentenceados europeus, a qne se
deu a denominação de — Esperança.
E nâo foi a boa vontade e recursos que faltaram na institui-
ção de uma e outra. Foram os crassos erros da sua direcçSo,
o desconhecimento completo das localidades onde se pretendeu
crear aquelles estabelecimentos, e ainda a escolha doa indívi-
diios que compunham o seu pessoal de trabalhadores.
Na primeira, que se destinava a ser de sentenceados, deu-se
começo aos trabalhos com uma leva de colonos voluntários que
chegaram a Loanda na occasiílo, e que precipitadamente se
mandaram para lá.
Na segunda, sem que os trabalhos preparatórios estivessem
iniciados, e numa localidade cuja escolha foi feita por um in-
divíduo que lhe era inteiramente estranho, e da província, se
alguma cousa conhecia, era o littoral — e que só teve em vÍBta a
abundância de agua, disposição do terreno e distancia ao cen-
tro mais populoso — para lá se foram enviando levas ãe degre-
dados á medida que iam chegando i provincia, isto devido a
informações enganosas que se ministravam ao chefe da pro-
víncia, com respeito áa commodidadcB que os colonos ahi en-
contrariam.
Esquecen-se numa e noutra que o pessoal de trabalhadores
era europeu, inteiramente novo na provincia, e os poucos da
colónia Esperança que haviam passado por uma acclimataçlo
no littoral, estavam exhaustoa de forças, e na maioria anemicos ;
que todos tinham a vencer uma grande marcha de dias a pé,
com as suas cargas ás costas, e que em seguida tinham de ir
construir abrigos para si c suas familiaa, tendo de proceder
logo' ao corte de madeiras, limpeza do solo e remoçílo de terras.
Segniu-ae a rotina, caiu-ae noa mesmos erros do passado.
DESCKIPÇAO DA YUGEM Õ49
anniquilarain-se boas instituiçSes, retroccdeu-se, o que é bem
peor do que parar; e isto quando se encontrava á testa da
administração provincial, um governador de muito boa vontade
e coragem, e que se empenhava pela instituição d^aquella co-
lónia que tinha esperanças de ver progredir.
Hoje maiores serão as resistências a vencer para se levar
por deante um plano d'esta ordem, que além de útil é moral
e humanitário; e comtudo, nós dispomos de bons recursos para,
saneando uma grande porção de terreno, e imitando os particu-
lares, (homens práticos das regiSes agricolas), crear, manter e
fazer progredir instituições doestas, de que se ha de dotar neces-
sariamente a provincia, na sua região central até aos seus con-
fins, se quizermos que ella se desenvolva, e evitar a decadên-
cia do seu comraercio, que somente, com o caminho de feiTO
que se está construindo se não pode restaurar.
Apesar da ruina d^essas duas colónias agricolas, de que nas
localidades em que se instituiram não ha um único vestígio,
nao obstante ter sido desmoronada a primeira ha seis annos;
nós aiuda insistimos, acreditando nas vantagens da sua crea-
çâo, e para isso chamámos a attenção da iniciativa particular,
hoje que o caminho de ferro é uma verdade, e que reconhece-
mos ser diíKcil ao governo tomar sobre si a responsabilidade
de tudo, na administração das colónias.
Nem o pessoal de estudos do caminho de ferro de Ámbaca,
nem o actual da sua construcção, teria proseguido nos seus tra-
balhos, se não fosse o grande auxilio que encontraram nos in-
dígenas da provincia, que a esses trabalhos affluiram e estão
aítiuindo todos os dias.
Esses homens, cm principio receosos, abandonaram comple-
tamente o transporte das cargas preferindo estes trabalhos. E
este núcleo de trabalhadores a quem se crearam necessidades,
é que toem dado alento a esta parte da provincia, não só porque
estão saneando os terrenos, mas porque ainda o producto dos
seus trabalhos lá tem ido para o commercio supprir a quebra
do rendimento d 'esses productos valiosos, que nunca se pensou
se extinguissem, a cera, o marfim, e a borracha.
650 EXFBDIÇXO POBTUOUBaSA. AO MCâTIINVOA
É notavd, por emqoanto, que o indígena que frabalhs nlo
guarda, nSo accumula. Gasta o que adquire, procurando aém^
pre o mais ousado equiparar-se com o europeu
O caso é elle ter de que dispor, o que dere ser leyado á conta
da novidade dos interesses, e em nSo pensar senio no presente.
Veste roupas de riscado e algodSo, quando as nSo pode ter
de melhores tecidos; usa de diapéu de palha, se nEo pode
obter um de feltro ou de panno; protege os pés com alp^rea^
tos se nlo pode comprar sapatos, e bebe emfim aguardente se
nlo pode beber vinho.
Os nossos contraCtados em Loanda, no regresso, tinham de
receber naqúella cidade todos os seus vencimentos, e ainda um
certo líumero de mezes de raçSes em dinheiro, mas chegando
a Maknje todos elles tinham necessidade de abonos para se
▼estirem, e tSo desordenadamente abusavam do credito, com-
prando cousas boas para seu uso, que houve necessidade de lhe
pftr um termo, fieusendo cessar os créditos que tiiúiam noa di-
versos estabelecimentos* O <&^ além d» palãfta^ partieefar
que distríbuiff Beada^m% teve de dar a um d'elles ainda 20ii|000
réis^ para este poder pagar á Fazenda 30/$000 réis, que dis-
pendêra a mais. Finalmente, em todas as contas de credites
d'eBte8 homens se vêem garrafas de vinho, e só o ultimo, á sua
parte, havia comprado sessenta garrafas ao preço de 300 réis,
o que para elle era importante.
Chegando a Loanda, pouco era o que tinham a receber, se
bem nos recorda, variaram os saldos de 10^000 a lOOfJOOO
réis, pois todos elles ainda assim, reconhecendo que a epocha
do seu fausto, que durava havia seis mezes, estava a terminar, e
não querendo voltar aos antigos tempos de carretos de machillas
ou de transporte de cargas da Alfandega, nSo nos deixaram
emquanto lhes não alcançámos emprego nas officinas das obras
publicas, 6 devido á amabilidade dos Srs. Marquez das Minas
e David Sarmento, lá foram todos admittidos.
Dois d^elles vieram a Lisboa, onde estiveram um mez ; pois
aqui consumiram as suas economias, em bons objectos de uso
que levaram, e também lá estSo trabalhando nas officinas. Com
descripçao da viagem 551
08 carregadores de Malanje, deu-se o mesmo. Tendo de rece-
ber os vencimentos atrasados, tudo consumiram nas casas de
commercio em boas compras, sem pensarem no dia seguinte,
nào obstante os conselhos que lhes dávamos.
— Estivemos para morrer umas poucas de vezes, diziam elles,
e agora queremo-nos desforrar dos trabalhos que passámos.
Vae pois o indígena trabalhar onde auíira lucros para satis-
fazer as suas necessidades immediatas, e procura sempre maio-
res interesses, e poder estar ao pé da familia ou da tribu de
que faz parte. Aproveitemos pois as suas boas disposições e
preparemos as localidades para receberem a colonisaçSo euro-
pea, fazendo-os interessar nessa colonisaçSo.
Tratando de Malanje, dissemos como se poderia extinguir o
seu pântano, e aproveitá-lo na cultura da canna e beterraba,
e servia-nos de exemplo a propriedade de C. Machado, e os
importantes trabalhos que se estavam fazendo nas propriedades
de Narciso Paschoal, no Anjínji e os que estão tendo grande
desenvolvimento, de A. da ConceiçAo Pinto, no Quissole.
São dos indígenas os primeiros trabalhos. Foram estes que
derrubaram' as arvores, limparam o solo e desviaram as aguas.
Não se imprimiu então a esses trabalhos uma boa orientação»
porém fez-se muito; tornaram-se as locaUdades aptas para o
pessoal dirigente, e este, com o tempo, tem modificando a di-
recção primitiva, tem conseguido nas suas propriedades fazer
lidar o europeu ao lado do indígena, se não já a cavar a terra,
em outros serviços que não demandam menos esforço.
Chamo a attenção dos poderes públicos para o facto, que
o sentenceado europeu no serviço de emprezas particulares,
em trabalhos análogos aos que lhe exige o governo resiste,
estima o producto de seu labor, gosa relativamente de boa
saúde, e vê progredir a empreza para que contribue.
Deixou a cazerna, deixou o convívio em que o vicio estava
inveterado, livremente exerce a sua actividade em proveito
próprio e no da sociedade, isenta-se da obrigação do serviço em
commum, e constituo familia, tem amor á vida, e por conse-
quência ao emprego que lhe proporcionou estas vantagens. Nas-
552 KZPBDIÇXO PORTUOUSZÀ AO MUATIÁNVDA
cem-lhe aspiraçSes, procura regenerar-se, e bIo as sua» amln-
çSes qae o patrão, os vizinhos, a auctoridade sob a vigilância
de quem está, possam d'elle informar bem, para se poder soli-
citar da demência regia a commutaçSo da sua pena.
E já que fisdlámos nisto, digamos com sinceridade. Cnata a
crer que havendo todos os annos grande numero de perdSes
para criminosos, e entrando centenas de degredados por «nno
em Ángohi, nSo haja, pelo menos em um certo periodo de tem-
po, motivo para serem contemplados alguns dos que ha mmto
estSo comprindo sentença. Conhecemos trez de uma conducta
írreprehenstvel, sempre sob a vigilância official, trabalhando
nas obras do governo pelo salário que se lhes tem querido dar.
Antes do consorcio de Sua Magestade EKRei D. Carlos, se
um d'esses perdSes chamados da c Semana Santa», chegoa a
algum d'aquelles infelizes, foi caso raro, emquanto que o obti-
veram muitos que ainda para lá haviam de ir cumprir sentença.
Na lei fiazem-se comprehender as commutagSes ou perdSea
como estimules para a regeneraçlo dos condemnados, porém,
parece que esquece a quem cumpre, lembrar os que se tenham
tonuido merecedores da clemência real.
O libérrimo ministro Rebello da Silva, decretando as colónias
penitenciarias, tinha em vista a regeneração dos criminosos, e
passando-os de classe em classe, nSo só lhes promettia a com-
mutaçSo da pena, mas ainda preparava-lhes um futuro honesto,
e proporcionava-lhes os meios para se fixarem na província, ou
em terra da pátria, logo que obtivessem a sua rehabilitação.
Não foi comprehendida aquella alma generosa, e já vinte
annos decorreram, sem que na nossa legislação se tenha precei-
tuado sobre a vida dos sentenceados que se mandam para a
Africa; e comtudo, no mesmo periodo, grande numero de asso-
ciaçSes de caridade e de protecção se tem instituído em Por-
tugal, não esquecendo até a de protecção aos irracionaes.
Mas porque se não p8e em execução a idea das Colónias Pe-
nitenciarias, como as decretara Rebello da Silva? E o que na-
turalmente pergunta quem lê tão luminoso decreto. E a res-
posta é sempre, porque o nosso Código Penal se lhe opp8e !
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 553
Reforme-se pois este código, ao menos nessa parte, de modo
que se torne exequível aquella humanitária lei, que regenera
pelo trabalho o homem que a sociedade repelliu temporaria-
mente do seu seio, e que faz aproveitar a força e actividade
de que elle dispõe e os conhecimentos que possue, em prol
da terra que se lhe tomou uma nova pátria.
Ha opiniões de que se nao devem enviar os criminosos para
as nossas possessões africanas; não é este o logar para tratar
d'este assumpto, mas o que nao offerece duvida, é que devemos
pensar na condição dos que para lá se vão mandando.
São milhares de vidas que seria crime de leso patriotismo,
de lesa humanidade, de lesa sciencia deixar inutilisar. Não abo-
limos a pena de morte directa, para indirectamente a susten-
tarmos, mas de um modo mais horrivel, vendo o sentenceado
deíinhar-se dia a dia, conhecendo que a vida se Ihevae. Não
queremos que os chibatem, não queremos que os torturem a
ferros, não queremos emfim, que os maltratem; mas esquece-
mo-nos de providenciar acerca dos meios da sua rehabilitação,
de obstar a que prosigam na senda do crime, e de evitar a
appllcação d^esses castigos que nos repugnam; esquecemo-nos
emfim de os estimular pelo amor da pátria e da familia, para
que de novo a sociedade os admitta como cidadãos prestantes.
Seria muito profícua ainda uma missão religiosa bem orga-
nisada, que os attrahisse ao trabalho e lhes incutisse a idéa
de crearem familia e de se regenerarem. Esta instituição muito
bons serviços podia prestar á causa doesta desgraçada classe,
ás nossas possessões e ao paiz em geral. E a despesa não seria
superior á que actualmente com elles se faz.
Mas repetimos, quer se entregasse a regeneração d^essa classe
a uma direcção official, ou a qualquer empreza particular, quer
a uma missão religiosa ou especial; essa classe só podia ser
aproveitada com vantagens, em trabalhos que a prendessem á
terra, mas antes de nelles intervirem, a iniciação doestes tra-
balhos deveria estar feita pelos indígenas.
Florescem hoje colónias que foram preparadas pelo esforço
de homens que a sua metrópole degredara, mas ao lado do
SC
554 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÍNVUA
sentenceado lá estava a companheira e os filhos que o incitavam
ao trabalho para a sua manutenção. Esses tiveram a seu favor
uma fácil adaptação ao clima, e crearem industrias que pro-
grediam a olhos vistas, e cujos productos eram então muito
procuradas pela metrópole que assim as estimulavam.
Com o tempo a sciencia tem adquirido grande numero de
factos, e tem-se assenhoreado de recursos que lhe permittem
pôr em acção os meios necessários para fazer adaptar os indi-
vidues aos climas,, e de se proceder ao saneamento das regiSes
em que a agricultura progride ; pois a sciencia tem vasto campo
na enorme regiSo de que nos occupâmos para indicar as loca-
lidades que devem ser já preferidas para esse effeito. E se a
observação não nos engana, devem as investigações começar
nas planuras mais elevadas, e o desbasto da vegetação arbó-
rea, e o desvio de aguas devem ser principiados pelos indíge-
nas, sendo esse o primeiro passo para o saneamento.
Sejam ainda os indígenas que aproveitem as madeiras para
construcçSes de abrigos, adequados ás necessidades da vida
de familia; sejam elles que revolvam a terra, a arroteem e
procedam ás primeiras plantações, e que se sigam então os
degredados europeus distribuídos em casaes, a aperfeiçoar os
trabalhos iniciados e proscguir no seu desenvolvimento explo-
rando-se novos terrenos, no que devem ser auxiliados ainda
pelos indígenas, aos quaes cumpre também fazer interessar na
exploração.
Esses casaes, núcleos de civilisação agrícola, hão de estimu-
lar a iniciativa particular — que o governo pode auxiliar com
iscmçoes de impostos por um certo tempo, com outras conces-
sões, e ainda garantia de juros de empréstimos — a encami-
nhar para a nossa província a emigração da metrópole, que
hoje procura terras de estranhos que progridem á custa do seu
trabalho.
nESCIÍIl%'Xo DA VIAOKM
SITUAÇÃO DO indígena
oa capítulos anteriores mostrá-
mos, não só o que havia a espe-
rar do incremento da agricul-
tura, em toda a rogiSo de que
noB occup&moB, mas ainda o
modo pelo qual devemos con-
siderar os seus povos, o estado
do atraso em que os encontrá-
mos, ii influencia que nelles
exercemos, e como ee podem
aproveitar para beneficio da
civitisaçSo e dos interesses que
ahi formos adquirindo.
Emquanto aoa povos vizi-
nhos, 08 Capendas, que vivem
na margem direita do Cuango, para mostrar como elles nos pro-
curam, como elles solicitam a protecçílo dos Portuguezes, e se
sujeitam .10 seu governo, daremos publicidade ao terceiro officio
que do seu potentado recebemos já depois do noeso regresso.
Este documento, e os dois anteriores a que este se refere,
valem muito mais, faliam mais alto que os tratados arranca-
dos á falsa fé aos indígenas petos estrangeiros, forjados mesmo
por estes sem conhecimento dos interessados. Este documento é
escripto e enviado da localidade, por individuo que embora só
556 EXPEDIÇÍO PORTUGOEZA AO MUATIANVUA
conheçamos de nome, não se atreveria a mandá-lo sem lhe ter
sido ordenado pelos potentados, em nome de quem se nos di-
rigiu.
Sr... Henrique Augusto Dias de Carvalho. — Pungo Andongo (si-
tio de Quiongoa) 30 de novembro de 1888.
Embora de que nâo tenho pleno conhecimento com Y. durante o
tempo que andou no interior da Lunda, em consequência de me ter apa-
nhado ausência na occasiâo quando V. tinha atravessado o Rio Quango
aonde m'achava collocado a meus negócios, porque no mesmo tempo fui
chamado pelo Capenda-Camulemba (do Xinje) para com fins de princi-
piar o negocio que elle tem representado a V. , já duas vezes ; que aos
2õ de junho dirigiu-lhe mais o officio n.^ "2 que foi remettido por minha
intervenção e pedi ao cuidado do meu amigo José António de Yascon-
cellos, quem o remetteu para o correio de Malanje, que o meu portador
lh'o tinha entregue na presença do sr. C. J. de Sousa Machado.
Comtudo já poderá fazer idéa de mim, por meus escriptos que tenho
dirigido a V. por pedido do mesmo Potentado, como verá no mesmo
officio n,° 2, auctorisação que me deu para que suas respostas que ve-
nham remettidas sempre por minha intervenção, antes que nào tenham
algum impedimento, e no caso de não haver por emquanto tempo com-
tudo terá a bondade de mandar publicar segunda vez para que chegue
ao conhecimento de todos o que até aqui ainda V. não cumpriu aquillo.
No mesmo oflicio n." 2, fiz annunciado o sitio por aqui aonde resido
e do tempo de que teria de me retirar lá do Xinje, que seria aos fins de
julho, o que antes de chegar o tempo assignalado, arrebentou logo lá no
interior guerras dos Maquiócos contra o Muata Cumbana, e o Cuangulji
que obrigou o Muáta Cumbana abandonar a Quipanga (cerco, fortaleza)
e foi sonegar-se em Cazele aonde elle tem reunido guerras; e o Ca-
ungula tem combatido com elles, e nunca jamais poderão corre-lo da
Quipangai porém a gente dos subúrbios da terra d'elle foi corrida, al-
guns se refugiaram até para cá do Xinje, como um d'elles o Quifa-mcssu
do porto do Rio Cuillu. Advertindo porém os Maquiócos que estão bra-
vos são os de baixo Caboco ('amuana Mueji e outros Muquiche, menos
os de cima dos que V. já conii)rou a faca em resgate da cabeça do
Muatianvua.
O que pareceu aquillo cousa mui ademiravcl ! O rato papar o gato :
como oMaquióco sendo moleque natural e tributário ao Muatianvua, su-
perior de todos sobas do interior, e hoje todos aquelles subordinados
esmagar a grande posição d'este poderoso soba ! E ao mesmo tempo os
Bangalas de Cassanje também continuam com seus roubos, que já lhe
avizámos tudo no officio n.° 2, que até hoje o commercio por cá em cima
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 557
anda paralisado por esta causa, e foi em vista d'isto que Capenda o po-
tentado, teve de me impedir para o fim d'aquillo, a bem de vir eu an-
nunciar tudo a V. , que de maneiras não cheguei aqui senão aos últi-
mos dias do presente mez.
Para dizer com franqueza, lá a gente da Lunda de Muatianvua e ou-
tros Maxínjes de Capenda-Camulemba andam esperando a pessoa de
y. como o povo de Jerusalém esperou pela vinda de Christo, por saber
que era o Salvador do mundo. No dia. 20 do corrente, appareceram-me
por aqui três individuos de nomes Cacuáta Mutombo Mucoi, Calenga
Caxalapole e Quitamba do Madiamba, aquelles dois são uns dos que vie-
ram com filho do Muatianvua, e este é um dos que seguiram em setem-
bro os quaes pertencem ao Caumgula, vindo saber noticias da vinda de
y. e também á compra de pólvora para as suas guerras. O filho do
Muatianvua encontra obstáculo no caminho por causa dos Bangalas e
Maquiócos que se acharam offendidos pela vinda do mesmo na compa-
nhia de y. porque elles dizem que tiveste caminho de ir, e não has de
ter caminho de regressar, salvo se teu Pae Sua Magestade (Muene Puto)
tiver o poder de o fazer passar, de sorte que está elle parado em Ma-
lanje, os três individuos que acima ficam expostos passaram aqui com
direcção para o Dondo, dizendo que vamos fazer caça de bois silvestres
naquclles matos visinhos ao Dondo, depois iremos até ás lagoas visinhas
caçar cavallos marinhos, isto é, somente para entretermos o tempo da
vinda do sr. major, e logo que nos conste que elle está no Dondo, nós
apresentaremos á presença d 'elle, a fim de seguirmos para cima, e se não
vier, coitados de nós I porque nunca teremos passagem.
Aonde chegou o atrevimento dos Bangalas ! Certos individuos que tem
ido a Loanda e tem encontrado o trabalho para o caminho de ferro, no
regresso ás suas terras, informando o Jaga e seus sobetas, dizem que o
Muene Puto não tem que fazer, por isso se entrega a estes trabalhos, ima-
ginando que com isso nós ficaremos temorisados, pelo contrario é uma
fortuna para nós, porque apenas que nos conste que chegou tal caminho
a Malanje, nós degolaremos e roubaremos tudo quanto existe cá. E com
estas basofías obrigam o Capenda-Camulemba a estar preparado para
quando lhe constar a vinda da força de Muene Puto, poder soccorrê-lo
somente com a pólvora que será de que podemos dispor contra os Ban-
galas, que como costumam em outros tempos hão de querer valer-se de
fugirem para cá nas minhas terras.
Por isso temos pedido a probidade de y. mandar publicar tudo
quanto é acontecimentos que tem passado no interior, isto para maior
satisfação do tal potentado, e melhor conhecimento do publico.
Aqui fico ás suas ordens para aquillo que me julgar prestavel.
De y. , etc., seu humilde venerador e creado. = Diogo Fernandes de
Sousa e Silva,
558 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
N2lo serão pois estes povos que nos contrariarão nos nossos
intentos, antes nos hão de auxiliar, quando mais não seja imi-
tando o que fizermos na margem que lhes fica fronteira.
Suppor-se ainda, que será possivel explorar o preto sem o
recompensar, ó um erro não menos grave do que querer, na
occasião actual, nivelá-lo comnosco, sem que para isso o tenha-
mos preparado, impondo-lhes costumes, hábitos e leis que ad-
quirimos no decurso de séculos. Nivelá-lo comnosco é querer
que elle vença a immensa distancia que o separa do estado de
adeantamento do branco, quando este o alcançou, lenta e pe-
nosamente, é cm summa, querer admitti-lo como superior a nós,
e julgar que é mais susceptível do que outro qualquer de se
approximar da perfectibilidade humana. Explorá-lo sem o recom-
pensar, é querer continuar a deprimi-lo, para dar razão aos que
asseveram que é incapaz de sair da inferioridade em que vive.
Diga-se á criança a quem se ensina a decorar uma oração,
que nos prove que a comprehendeu ; a um individuo de uma
nação estranha que não conhece a nossa lingua, que nos des-
creva nesta uma occorrencia que lhe seja familiar ; pergunte-se
a um dos nossos provincianos que nunca abandonou o torrão
pátrio, e que, regando a terra com o suor do rosto, só tem em
vista a manutenção e felicidade da familia, que idea forma do
seu rei e da corte que o cerca? A muitos individuos, infeliz-
mente ainda numerosos, da classe menos illustrada de Lisboa,
perguntemos-lhe o que pensam sobre a Africa e seus habi-
tantes? Que distincção fazem entre as colónias que ahi pos-
suimos? Mesmo em qualquer capital de primeira ordem, an-
nuncie-se em grandes cartazes e pela imprensa periódica, ou
ainda, sem apparato, sob pretexto de prohibiçao policial, pro-
pale-se em segredo, que num determinado local, a uma certa
hora, e com certas formalidades um homem ou uma mulher
adivinha o nosso futuro, nos diz a sorte que nos espera, e nos
ensina os meios de tornar a vida mais longa, de nos livrar de
males que impendem sobre nós, e veremos correntes de povo
encaminharem-se para essas consultas e pagarem-nas, embora
com sacrifício.
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 559
Muitas outras comparações podíamos apresentar, até das in-
vasões e guerras europeas do nosso tempo, em que as vanta-
gens não são a favor do branco, quando olhámos para o preto
que estudámos, na situaçílo em que se encontra.
Tudo é relativo ao estado de adeantamento dos povos; e-
se quando attentâmos nos males que temos por casa, encará-
mos o futuro com esperança e confiança no progresso, porque
não faremos o mesmo quando nos empenhámos em dar cumpri-
mento á obrigação, de esclarecer a intelligencia do africano que
nasceu, e do que procura vir viver, nos territórios que con-
quistámos naquelle continente?
Desde o momento em que emancipámos o indígena africano,
isto ó, desde que o eximimos á sujeição do senhor, que dis-
punha das suas forças, da sua vida, no próprio interesse, como
de um ser que não passava de um autómato, corria-nos o dever
imperioso de o amparar, e de o encaminhar pelo trabalho livre
e pela transformação de hábitos no convívio comnosco, para
um futuro melhor.
Mas em vez d'isto, contentámo-nos com o generoso acto da
emancipação, e em seguida fizemos que se lhe remunerasse o
trabalho, que regulamentámos a titulo de livre.
Mas, dizíamos nós, em 21 de fevereiro de 1875, numa carta
que correu impressa e que ousámos dirigir da ilha de S. Thomé
ao venerando general marquez de Sá da Bandeira, o vulto be-
nemérito que toda a sua vida trabalhou por libertar os povos
de Africa, e que deixou o seu nome vinculado á regeneração das
nossas colónias pelo trabalho livre: — A liberdade mal enten-
dida pode ter consequências funestas, e a liberdade só pode
existir onde se ama a justiça e se respeitam os direitas.
E durante os doze annos que se teem succedído áquelle acto
expontâneo, que com tanto enthusíasmo applaudimos em bene-
ficio da raça indígena, o que temos feito para tornar efficaz a
liberdade que se concedeu?
Esperar!. . .
A nossa innacção terá sido conveniente ao fim que se teve
em vista?
560 EXPEDIÇIO PORTUGCEZA AO MUATIInVUA
Não; embora neste período tenhamos procedido com mais
lealdade, liberalidade e humanidade do que as demais nações,
que teem procurado alargar os seus mercados no continente
aíricano; fazendo apregoar, que se condoem do estado de atraso
dos naturaes, e que só as move o interesse de fazer extinguir
a escravidão.
Num rápido relance, vejamos o modo de proceder d^essas
nações no campo da sua acção no Continente durante o mesmo
período.
A França no norte, repelle para o interior os povos que já
ali encontrou, e se tomaram rebeldes á sua iniciativa e expan-
são colonial, e conquista pela força das armas, terrenos aos
indígenas, para desenvolvimento do commercio da metrópole,
que se vae alargando; na costa oriental arranca capciosamente
braços na terra firme, para os levar ás ilhas fronteiras que á
custa d^elles vae cultivando, protegendo também os mercados
de escravos.
A Inglaterra, sempre opportunista e estribada no bem da
humanidade, repelle no sul os indígenas que lhe estorvam
unirem as suas colónias cora os lagos, de que se vae apossando,
e porque á nossa tolerância no passado se quer impor com di-
reitos de senhorio, e, pretendendo alargar mercados ao seu com-
mercio, que a compensem do que vae perdendo na Europa,
pela concorrência da Bélgica, França e Allemanha, e na índia
pela sua administração odiada entre os indígenas, tenta desalo-
jar-nos do que é nosso. Elimina povos ou os conduz como pre-
zas, em proveito de outras colónias suas distantes ; e entre os
Árabes, anima de novo a escravatura como meio de salvar as
suas emprezas no Egypto.
A Bélgica, creando o Estado Independente do Congo, pro-
tege tacitamente a sociedade de Stanley com Tippu-Tib, o
mais odioso mercador de escravos que tem apparecido em
Africa; e apossa-se das terras dos Cubas e Lubas sob a deno-
minação de Lubuco do Muquêngue, aproveitando-se das rela-
ções comraerciaes que nós ahi sustentávamos ha vinte annos,
sem o que não teriam lá chegado os seus agentes.
DBSCRIPÇlO DA VUGEM 561
A AUemanha, ultimamente, entendeu que o modo de agra-
decer a protecção que dispensámos aos seus exploradores scien-
tificos, era contribuir para a creação do Estado de Stanley, e
de accordo com os seus influentes, indemnisar-se pelos exfor-
ços que nesse fim empregou, creando sem opposiçao colónias
no occidente e no oriente; e as recentes noticias sobre o blo-
queio no oriente, a sua imprensa, os discursos do principe de
Bismark e as medidas que yae adoptando, dizem bem alto o
seu modo de proceder com respeito aos indígenas.
Portugal, sempre liberal, querendo provar a boa fé dos seus
tratados, perante as grandes naçòes europeas, para pela sua
parte extinguir a escravidão em Africa, abre ahi as suas portas
para o interior do Continente, e dá passagem franca aos explo-
radores d'aquellas naçSes, que vXo arruinar o seu prestigio e
preparar a sua expoliaçâo. Nâo vê que esses exploradores, fora
das vistas de suas auctoridades, lá alimentam como necessidade
o negocio de escravos, que aos Portuguezes não pode convir;
que elles assim vao"exercendo influencia entre os povos que ne-
cessitam do commcrcio que lhes levam, e que apoiados nessa
influencia nos hao de restringir ás faxas do littoral já cercea-
das pelos seus governos.
No jogo em que o governo da Inglaterra anda durante mui-
tos annos com o de Portugal, sobre todos os seus dominios co- '
loniaes, era de esperar ou a partilha do leão, ou que nos for-
çasse a repartirmos com outros. Aflfrontava-o a grandeza do
nosso império colonial, era preciso reduzi-la e enfraquecê-la.
Egoista como sempre, quando conheceu que pertendiamos
dar vida a esses dominios, revelou-se o seu caracter, tal como
o descreveu Montesquieu: «Cuida em triumphar dos seus adver-
sários, e para chegar aos seus fins, venderá não só todos os
povos do mundo mas até a própria Inglaterra*.
A Bélgica e AUemanha, aproveitando-se das delongas d'essas
discussões, sempre férteis em argumentos da parte de Ingla-
terra para nos contestar o dominio no Zaire e nos Lagos,
adquirem portos no littoral do continente, para nos expoliarem
do melhor que havia no centro entre as nossas províncias.
562 EXPEDIÇZO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
A França/ não entrando na contenda^ não se importa nem
mesmo contesta que Portugal se apodere d^essa re^ão cen-
tral, mas fecha-nos num pequeno recinto da Guiné, e para que
nSo encontre embaraços da parte da Inglaterra, que suppSe nos
deve tutelar, entra em accordo com esta, não se intromettendo
nos negócios do Egypto, deis:ando-a também operar sem oppo-
sição no que chama as suas colónias africanas de leste.
A Inglaterra, que sempre duvidou que a Bélgica pudesse
dispor de capitães para manter a empreza de Stanley, e sur-
prehendida pela sua coUigação com o grande colosso da epocha,
a Allemanha, que todos pensavam se não arriscaria a empre-
zas marítimas e coloniaes, e sendo despertada ultimamente
pelos trabalhos no oriente da Africa, emquanto é tempo, pro-
cura apoderar-se da parte doesse interior que íica entre as suas
colónias e os Lagos, empolgando -nos os dominios que sempre
nos reconheceu.
Mas ainda não está tudo perdido, e tratando do occidente,
onde desempenhámos a nossa missão, é oftcasião de dizermos
francamente aos governos que se o acto da emancipação dos
escravos nas nossas colónias, foi um acto generoso que muito
nos honra, e a remuneração imposta ao seu trabalho um acto
de justiça; erro gravissimo tem sido porém, nos doze annos de-
corridos, não educar os indigenas que temos libertado ; nao
aproveitar as correntes de emigraçíto que do interior teem vindo
augmentar as populações dos concelhos sertanejos da nossa
província de Angola, ao norte do Cuanza ; não proporcionar ao
commercio, diminuindo-lhe entraves para que não tivesse a re-
cear das facilidades da concorrência do estrangeiro pelo nosso
norte, que continuasse mantendo as relações iniciadas com os
povos do Lubuco, onde Silva Porto e Machados realisaram
antes transacções importantes ; não ter creado as Estações civi-
lisadoras, com as modificações que se julgassem convenientes,
medida esta de tão grande alcance, que foi logo abraçada até
pelas missões particulares do bispo Taylor, que lá se espalha-
ram mesmo no Lubuco; emfim, mal gravissimo tem sido a
inacção que de nós se apossou e que tende a augmentar^ á me*
DESCRIPÇÃO DA VUOEM 563
dida que vamos vendo os estrangeiros ganhar terreno nessa
lucta, que tem por pretexto a civilisaçâo da Africa.
E mais diremos, ao governo e ao paiz, pelo conhecimento
que temos dos povos do interior, nesta occasião de crise, de
.summa gravidade, em que se debatem as nações mais impor-
tantes com interesses em Africa, sobre os limites que querem
impor aos nossos domínios; que se deve immediatamente pro-
ceder de modo que nos sustentemos com vantagem, agora, ao
menos, na posiçSlo que nos deixou a conferencia de Berlim.
Não é com certeza entre as nações citadas que encontrámos
exemplos a imitar na administração das nossas colónias afri-
canas, porque o seu modo de proceder com respeito aos indí-
genas, não nos convém. Se queremos bons modelos, encontrâ-
mo-Ios na America, que protege a administração da Libéria, e
na Hollanda administrando Java.
Ahi educa-se o indígena em beneficio da terra onde nasceu,
e também aquelles que nella bu^bam uma pátria, e isto, em
vez de os condemnarem ao ostracismo, ou os levarem para
terras estranhas.
£ sabido que entre os indígenas africanos, nesta parte do
continente de que tratámos, o respeito pela auctoridade e o seu
poder residem mais no apparato, nas manifestações ruidosas,
no prestigio, do que na força real de que ella se cerca. E tam-
bém que a grandeza dos povos se afere pela graduação dos
chefes, menor distancia a que vivem d^elles, e maior contacto
que com elles manteem.
Não devemos esquecer ainda, que por menor que seja uma
tribu, ella tem um chefe ; e que as determinações d'este, toma-
das pelos que deliberam e votam no seu conselho, são irrevo*
gaveis e por todos acceites sem hesitação; que as relações
entre populações ou tribus, se entreteem pelos chefes por via
de representantes, quando os negócios dizem respeito á tribu ;
que os chefes de maior graduação não saem da tribu para irem
visitar os que a teem menor; que um certo numero de tribus
constituo o que elles chamam vota (Estado), e que este, sendo
independente na sua administração do vizinho, pode comtudo
?;64 EXPEDIÇÃO POKTUGUEZÂ AO MUATliXVUA
£azer com elle parte, do que também elles chamam domínio
oa senhorio de terras, gerahnente confiado a um individuo,
cuja influencia fora de uma área restrícta é hoje imaginaria, li-
mitando se a sujeição dos estados, apenas a contribuições para
o dominio, e actualmente, se se lhes dá a de gente armada,
para auxilio em alguma guerra, é pelo interesse na parte das
prezas.
As tribus roais perto de nós, áquem do Cuaugo, são am-
banzas ou sobados, grandes ou pequenos, porém os potentados
dentro dos nossos concelhos, já se afastam um pouco das pra-
xes conservadas pelo gentio, pois se avistam e habituaram.-8e
a vir á residência das auctoridades portuguezas e ás casas de
commercio.
Fazem-se também respeitar entre si por graduações, mas
já procuram as nossas auctoridades, como árbitros, para a re-
solução das suas pendências.
Porém, já assim não su^cede com os que se julgam supe-
riores a estes, e que querem conservar uma tal ou qual inde-
pendência, e por isso mesmo, vivem mais afastados da resi-
dência das nossas auctoridades; como succedia com o jaga de
ÂDdala Quissúa, Muene Canje e outros, entre os rios Luí e
CuaDgo, para os quacs ainda a força é o direito.
A derrama das contribuições entre as tribus para o Estado,
faz-se pelos chefes, e estes apenas indicam ás tribus, nas audiên-
cias geraes, o que lhes mandam pedir sem designação nem li-
mite. Pedido simples: — «Que F... me envie tributos, pois já
ha muito tempo se esqueceu de mim, ou porque tenho agora
uma guerra com S... ; ou, pergimtc a F... se elle já é mais
que eu, se é, que quebre a faca ou o pau da bandeira de meu
signal que envio, c então eu lá irei buscar os tributos {\\ie me
pertencera, etc.»
Acto continuo, cada um se levanta, e segimdo as suas posses
vae buscar o que pode dar ao chefe.
Alguns nada dao, por nada terem na occasião ; e outros dâo
cousas que a nós parecem insignificâncias, como uma flecha,
uma cHteira, uma caneca, um prato, algumas pederneiras já
DESCRIPÇÂO DA VIAQEM 565
preparadas para as suas armas lazarinas, etc.^ mas a par d'isto,
alguns apresentam fazendas, espingardas, pólvora, também
creaçSes, gado meudo, gado vaccum, onde o ha, e filhos dos
considerados escravos, rapazes ou raparigas e mesmo adultos
e até os estimados.
Taes contribuiçSes n&o se fazem só por estes motivos, também
teem logar para pagamento de causas que se perderam entre
chefes de tribus, que são consideradas communs ; promovem-se
especialmente em alimentos para se dar uma boa hospedagem
a um viajante, sobretudo quando seja aviado de algum poten-
tado que é considerado em hierarchia, superior ao da tribu.
O chefe, reunindo tudo, se a contribuição é boa, envia só
parte para o Estado; se foi pequena, junta-lhe alguma cousa
de sua casa, geralmente escravos ou gado se o tem, e sempre
uma porção de pólvora como signal de obediência, e de que se
pode contar com elle com auxilio na guerra.
Com os Estados dá-sc o mesmo relativamente ao dominio ou
senhorio das terras.
Este modo de tributar, como se vê, 6 simples e liberal ; cada
um dá o que podo dar c é da sua vontade, e o serviço é feito
de um modo singelo e sem os encargos de fiscaes e outros
empregados.
A applicação dos tributos não é feita em beneficio das ter-
ras, nem tão pouco em interesse de quem manda tributar, e
sim do seu poder, da força que o mantém, que são os conse-
lheiros. Logo que os tributos chegam, repartem-se pelos gran-
des da corte, e se assim não fosse, o potentado que por ultimo
os recebe, seria mal visto, e tratava- se por qualquer modo de o
eliminar, e de collocar outro em seu logar. Em compensação,
são os da corte que dão de comer e de vestir aos potentados.
. A reciprocidade nas dadivas, é o que elles chamam gover-
nar bem, cuja interpretação litteral é: «Comer bem o Estado
com os velhos».
Nos sobados de Malanje, dá-se o mesmo, porém a cobrança
não é tão amiudada nem por pretextos insignificantes, por isso
que é mais valiosa, consistindo em gado grande, fazendas e
566 EXPEDiçXo poirruGUESA ao iiuATiiinnTA
polrora em quantidades que enriquecem os soboSi sempre pre-
parados para a eontríbaiçSo do concellio nas devidas epochas.
Os filhos do sobado (poro), nlo se ausentam para traba-
lhar fora das poYoaçSes, sem o consentimento dos chefes, e
estes recebem uma parte do pagamento pelos serviços qae se
yIo prestar e recebem-na adeantada. Também os sobas teem
poderes para contractarem os serviços d^elles, e responsalnli-
sam-se pelos seus resultados.
NXo só 08 sobas, como os in^viduos mais bem governados
nas sansallas, já possuem curraes de gado. Com os saldos das
ganâncias que accumulam de tempos a tempos, vio até á mar-
gem do Lui para nort^ e mais para noroeste comprar gado,
e já ha quem o venda para o município de Malanje. Aasim se
teem feito pequenos marchantes, e é muito natuial que o in-
teresse que neste ramo de commercio vSo adquirindo, continue
a ser estimulo para desenvolvimento da jcreaçSo de gado vao-
cum, mesmo além do Cuango.
Oxalá se providenciasse, quando o caminho de ferro chegar
a Malanje, a fim de que a ambiçSLo dos marchantes europeus,
que necessariamente hSo de apparecer, nXo seja causa de que
se tome demasiado o estimulo, e não vá isso redundar em im-
previdências nos creadores de gado, e na extincç&o das origens
d^essa fonte de receita para Malanje e para a província, como
succedeu com a borracha e o marfim.
Os sobas nossos vassallos, contribuem de bom grado para o
concelho quando contam com a protecção, que julgam indispen-
sável, para sustentarem a sua auctoridade e nSo serem moles-
tados pelos vizinhos ; e é por isto que elles desejam próximo
de suas sanzallas, uma força de tropas moveis, e os mais dis-
tantes da residência, um chefe de divisSo ou pelo menos um
sargento.
E estas forças moveis, na maior parte compostas de Amba-
quistas, ou de indivíduos que já com elles se confundem pelos
hábitos adquiridos, modo de fallar a língua portugueza e mesmo
de escrevê-la, que nâo são pagos, e a quem se exige serviço
nSo inferior ao da tropa de linha, vivem á custa d^essas sanzal-
DESCRIPÇZO DÀ VUOEM 567
Ias e todos os que fazem parte d^essas forças^ com as íamilias
que adquirem; teem junto ás suas moradias o seu pedaço de
terra, maior ou menor, cultivado, ainda que rudemente, o que
tem servido de incentivo para os povos das sanzallas os imi-
tarem. E estes, se mais não teem desenvolvido as suas lavras,
já dissemos as razões que apresentam: — E porque os seus
productos não são procurados para negócios ; e para o sustento
da população, cada familia cultiva só o que consome.
Aproveitando a boa disposição doestes povos em geral para
a agricultura, creações de gado e para commercio, e de al-
guns individuos para ofiicios e artes, nós, usando da nossa
influencia, podemos pelo ensinamento pratico, dispertar-lhe a ne-
cessidade de se aperfeiçoarem e de se desenvolverem, e esti-
mulá-los por maiores lucros e beneficies immediatos; estas
vantagens redundam na prosperidade das terras que elles ha-
bitam.
Os Bondos de Andala Quissúa, que apresentámos como um
povo dócil e socegado, distinguindo-se já dos vizinhos a norte
e leste, pela creação de gados, asseio das suas povoações, mais
perfeição na construcção das habitações, obediência aos chefes
e respeito pelas nossas auctoridades, são aquelles que mais
interessa civilisar pelo convivio comnosco.
Tendo morrido o velho jaga com quem mantivemos relações,
e que haviamos preparado juntamente com os seus velhos para
se avassalar; foi eleito para lhe succeder, Teca, de quem fal-
íamos a propósito do encontro que com elle tivemos indo a
Cafúxi escolher o local para a Estação Ferreira do Amaral,
e quando elle seguia com gente armada para Quifucussa.
Ao brioso oflScial do nosso exercito Simão Cândido Sarmento,
chefe do concelho de Malanje, cujo pensar com respeito ao
partido que se pode tirar dos povos indígenas na administra-
ção publica, sabendo manter relações com elles, se conforma
muito com o nosso, não foi difficil avassallar o novo jaga.
Este bom homem, que se dizia nosso compadre e amigo,
sabendo que estávamos de regresso da nossa missão, mandou-
nos esperar ao caminho e pedir que não seguíssemos, sem des-
EXrSDlçIO HMROQOBU AO MIUTUvnU
Onade era a reeep^, ao dm do Bcatío^ qae se noa pie.
panm ; nus o que mais ^iredánKM, fai o enriwma^Bft eook q«s
die e oa aau macotaa ium pediram qoe If tinoi o tsmo de
TBtwllagem qne eDe preitáia a Mnene Alto, e a cotiaay-
dencia qne «itirinh^ oom o mo amigo diefe do oaoeelh», e
quando nos mostrou no targo, hasteada á frente da Bna resi-
dência, a bandeira portu^eza '.
As demonstrações de alegria d'este3 povos pelo noaso re-
gresso, a sua bella hospedagem quando já sabiam que sada
■ O que ae pa«sou por esta occiuiio, reservámo-lo para qnando tra-
tamOB do nosao regresgo, e que alúoi de offerecer uma certa, curiosi-
dade, prova que o preto nJo í indiflferente ao bem qne ae lhe fax, como
mnitoB pretendem.
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 569
tínhamos com que corrcsponder-lhe ; a satisfação por Muene
Puto ter reconhecido o seu jaga, o que para elles tem impor-
tado em deveres que teem cumprido ; a boa vontade que nos
manifestaram os povos pelas boas relações que com elles man-
tivemos, e depois de nós o individuo que nos substituiu na
Estação ; são círcumstancias que nos devem levar a aproveitar
o ensejo que se oíFerece no interesse da prosperidade da pro-
víncia, e melhoramento das condições da gente que a povoa.
O novo jaga, sempre que o chefe do concelho lhe coramu-
nica, que entre os seus povos ou nas suas vizinhanças, uma
comitiva de commercio estranha, foi assaltada no caminho e
roubada, ou está impedida de continuar a sua viagem, im-
mediatamente manda sair forças suas, e tem sempre providen-
ciado de modo que os roubos são restituídos, e as comitivas
continuam as suas jornadas nas terras d'elle, protegidas por
essas forças.
£m Cabuiri, nas margens do Lai, o negociante Vasconcellos,
que ahi havia realisado as suas transacções, pretendia retirar
para Malanje, mas fora avisado que nas vésperas da sua retirada,
a sua casa seria assaltada por gente de Songo. Em vista d^sso
immediatamente fez partir com toda a urgência, um dos seus
serviçaes, pedindo ao chefe do concelho auxilio de força militar
para poder retirar, e no emtanto continuou elle a fazer ainda
transacções, convencendo assim os povos vizinhos, de que
mudara de resolução, adiando para mais tarde a sua retirada.
O chefe do concelho de Malanje, reconhecendo que seria ar-
riscado mandar tão distante meia dúzia de soldados, que era o
mais de que podia dispor, officiou ao jaga Andala Quissúa, como
bom vassallo e auctoridade de confiança mais próxima d'aquella
localidade, para que protegesse com as suas forças a retirada
d'aquelle negociante, que era Portuguez.
O Jaga, logo fez marchar para aquella casa, a dois dias de
distancia da sua residência, uma força armada com o seu bastão,
e dois dias depois retirava o negociante José António de Vas-
concellos com todas as suas cargas e poude seguir até ao Lu-
ximbe, sem que tivesse havido novidade.
87
570 EXPEDIÇIO PORTUGUEZA AO MDATIÂNVUA
Dos Ámbanzas a leste da sua casa em Cabuiri, entre os rios
Lui e Cuango, nada tinha a recear aquelle negociante^ por-
quanto dias antes, em 21 de novembro de 1887, escrevia elle
ao chefe da Expedição: « Participo-lhe que passaram os filhos
dos Ámbanzas Anguvo, Zanza e Quissueia que tinham ido
acompanhar a V. até ahi, os quaes levaram em grande es-
tima o tratamento que tiveram durante o tempo que existiram
sob o poder de V. , assim como os presentes que V. mandou
aos pães em agradecimento de o terem mandado acompanhar».
O receio do referido negociante Vasconcellos, era da gente
do Calandula, na margem direita do Lui a nordeste, e tanto os
temia, que também escreveu ao chefe da Expedição, dizendo-
lhe: «Por quem é accuda-me, que fico desgraçado para toda
a minha vida, se o sr. chefe do concelho me não soccorre com
o auxilio que lhe pedi. Se depois de tantos trabalhos e sacri-
ficios me roubam, como hei de pagar os créditos que me for-
neceram? Valha-me empenhando-se para com o sr. chefe».
As acertadas providencias que se tomaram, dispensaram o
chefe da Expedição de seguir immediatamente para aquella
localidade como tencionava, pois era uma necessidade para o
nosso prestigio, salvar-se aquelle negociante, dos perigos de que
estava ameaçado.
Não é pois para desprezar a vassallagem do jaga Audala
Quissúa, e é de toda a conveniência correspondermos aos seus
bons serviços com outros análogos, para lhe garantirmos a pro-
tecção que promettemos d sua auctoridade, entre os povos gen-
tílicos que lhe são adversos.
Não nos devemos importar por agora, com a iudole mais
áspera de alguns povos sujeitos ao Jaga de Cassanje, vulgo
Bângalas, mesmo dos que não reconhecem a auctoridade doeste,
e para os quaes o caminho de ferro em construcçao é um
meio de os chamar á ordem. A situação um tanto ou quanto in-
subraissa, em que ainda se conservam para comnosco, resulta
das ambições desmedidas de alguns dos passados feirantes por-
tuguezes e dos chefes da feira que havia junto do Jaga de
Cassanje, os quaes nos fizeram perder era dias, o que havia-
DESCRIPÇ!0 DA VIAOE&I 571
mos ganho em influeacia durante dois séculos de boas rela-
ções commerciaes. Havendo a necessária prudência, e obser-
vando-se uma politica de conciliação entre os povos que lu-
ctam com pretençíHes ao jagado, podemos sem nos pronunciar-
mos, conseguir aquietar os ânimos irrequietos, ir mantendo
a situação de modo que se nao levantem conflictos com os po-
vos vizinhos, até que o caminho de ferro nos habilite a obrar
de modo decisivo.
Não são também para incommodar os povos da Jinga, cujo
caracter não é tão mau como se supp5e, pois não só, não estor-
varam os reconhecimentos que o pessoal do caminho de ferro
ali emprehendeu nos fins do anno passado, o que era dado
esperar; mas ao contrario, acolheram bem esse pessoal, que
de lá regressou muito satisfeito, declarando não ter motivos
para se queixar d' essa gente, nem sequer de exigências ou
pedidos, tão vulgares entre elles, e que são levados á conta
de extorsões. Podemos pois reservar o seu aproveitamento,
e a consolidação da nossa auctoridade e influencia ali para
quando nos approximemos mais d'elles.
Não tendo nós nada a recear do estado relativamente atra-
sado dos Holos e Cobos, quando tornarmos effectiva a nossa
occupação e dominio entre os Bondos de Andala Quissúa, e
os interessarmos na nossa administração ; e sendo certo que os
Songos já fizeram parte do concelho de Malanje, antes do in-
justificável abandono a que em 1869 os votou o governador
geral, fazendo retirar as suas auctoridades e a força militar
— quando já ali existiam casas de commercio europeas, man-
tendo pelas suas relações a noBsa influencia e dominio que es-
tavam sendo desprestigiados pelos povos de Cassanje — vamos
dizer agora, como se nos afigura que devem ser aproveitados
os recursos de que podemos dispor, e se deve dar á região de
que tratamos, o desenvolvimento de que é susceptível, e a vida
de que carece.
Tratando-se de uma questão doesta ordem, certamente se
pergunta logo: Ha nessa região riquezas a explorar? Como e
com quem as havemos de explorar?
572 EXPEDIÇIO PORTUGUEZA AO HUATIÂNVUA
Actualmente as desillusões teem sido tantas, que os ânimos
não estão dispostos senSo a acceitar ideas muito praticas.
Convictos que as riquezas existem, responderemos que só
pelo trabalho é que ellas se podem utilisar ; mas esse teibalho
que muitos suppdem poder ser feito por europeus que pro-
curassem emigrar da metrópole, depende de circumstancias
locaes que precisam ser estudadas e modificadas sobre o ponto
de vista de acclimataçào, e nSo é portanto com estes que pode-
mos contar neste momento, que consideramos opportuno, tendo
em vista a nossa aprendizagem neste systema que diga-se a
verdade, tem sido fecunda.
Logo é o indigena que ha de trabalhar na exploração d' essas
riquezas.
Besta agora saber se o indigena é susceptível de civilisar-se?
EUe progride e revela aptidões, e nós temos exemplos em Am-
baça e suas vizinhanças, de que não foi infructifero o ensino
pratico, não obstante a orientação d'esse ensino nSo ser a me-
lhor porque os missionários que o ministravam, miravam a fins
de interesse da sua ordem que não eram os do paiz, nem tio
pouco o dos educandos.
Conhecendo os erros do passado, tratemos de os corrigir, e
renovemos a nossa acção benéfica sob a divisa de — Missões
Civilisadoras de Instrucçao e Protecção ao indigena.
A instrucçao a ministrar deve comprehendcr também o en-
sino profissional, e para isso é necessário que façam parte das
missões, indivíduos que tenham aptidões especiaes para o po-
derem proporcionar nessas condições.
A protecção deve consistir principalmente, nos benefícios que
é quasi um dever dispensar aos orphãos desvalidos, ás crian-
ças que teem de acompanhar as suas mães para o trabalho, e
aos individues que adoecem ou se inutilisam pelo trabalho nos
estabelecimentos das missões.
O ensino de noções rudimentares e de conhecimentos geraes,
e o profissional, deve ser o mais pratico possivel, e por isso se
farão acompanhar as lições theoricas, de muitos exemplos, de
objectos figurados e de exercicios, que incitem o animo pela
DESCRIPÇXO DA VIAGEM . 573
curiosidade, e sempre que possa, deve ser estimulado pelo in-
teresse na satisfação de necessidades que, de caso pensado, se
procurará dispertar nos que querem instruir-se, e a ninguém
melhor pode pertencer semelhante ensino, do que ao sacerdote
catholico, quando devidamente habilitado para tal fim, e elle
sem precipitações, irá preparando os tutelados a serem admit-
tidos na nossa communidade religiosa, com alguma consciên-
cia das doutrinas que nella se professam.
Desenganemo-nos; o preto possue como nós a faculdade de
comprehender as cousas, de conhecer e distinguir o verdadeiro
do falso, e o bem do mal.
Possue elle uma percepção clara e fácil, porém o campo
em que a sua reflexão elabora é muito restricto, cinje-se ao
maior horizonte que a sua vista pode abranger, por isso a sua.
razSo é muito mais limitada que a nossa, mas muito mais sã,
e não viciada pelos principies dissolventes que desvirtuam in-
felizmente os progressos da civilisação.
Sujeitos apenas ás exigências que a natureza lhes impSe, e
adstrictos ao espaço d'onde nunca sairam, não sabem o que se
passa mais além, e mesmo a sua linguagem se limita a um pe-
queno pecúlio de vocábulos, apenas significativos do que lhe
é dado ver; podem considerar-se como individues encerrados
num grande recinto não podendo communicar com o exterior,
e por isso mesmo os pretos communicam entre si, por imagens,
phantasiam chimeras e vivem de illusSes; e isso que nos é
obstáculo, que nos enche de tédio, e nos faz recuar quando
tentámos abrir caminho entre as suas povoaçSes para o seio
do continente, são excellentes predicados quando nos propozer-
mos a educá-los devidamente.
Mas esta educação será morosa, porque temos de nos trans-
formar para nos coUocarmos ao seu nivel, sujeitarmo-nos aos
seus usos e costumes e á sua linguagem, para podermos cami-
nhar com elles, guiando-os, levando-os por assim dizer pela
mão, até alcançarmos pelo menos os primeiros resultados de
alguma confiança.
Lembremo-nos dos cuidados com que os povos mais adean-
574 RXPKOIÇXO POKTUOCEZA AO MtUTlANVUA
tados estSò actualmente cercando a edacaçSo da infiuuáa* Se
entre eetes, o ensino está passando para o campo pratico, se
estamos procurando esclarecer e Uluminaras intalligencias figu-
rando tudo que é possivel^ tomando assim real e effieas o eo-
sinO; que até ha pouco tempo se obtinha cançando a imaginaçlo
e a memoria, porque nSo havemos de assim proceder para com
o pretO; que abstraindo do moio em que vive, está quaai nas
mesmas condiçSes do que o branco?
Tratando da evoluçSo das civilisaçSes, é opiniXo de Gkis-
tiive le BoU; que as crianças negras educadas a par das bran-
cas, caminham sem difficuldades até uma phase do seu desen-
volvimento na mesma classe, porém que o cérebro do branco,
depois continua a evolucinar para attín^r o nivel dos seus
.antepassados adultos, emquanto que o do negro, chegando ao
limite a que seus antepassados attingiram, nSo pode ultrapas-
si-lo e fica estacionário.
NSo nos podemos conformar com semelhante opíniBo, d'onde
se pretende concluir o abysmo que existe entre as duas raças,
e que se attríbue a lentas accumuIaçSes hereditárias, conti-
nuadas durante séculos, porque o principio d'onde se parte,
nao & mais que um preconceito vulgar; tanto para uma como
para outr<a criança se admitte que possa evolucionar o seu cé-
rebro at('^ ao nivel a que chegaram seus antepassados, mas
queui pode affirmar que esse nivel, no preto, em igualdade de
eircumstancias, nSo seja superior ao do branco?
Se acceitâmos o preconceito como um lemma, inferioridade
d'onde nào é possivel levantar-se a raça negra, impossibilidade
de u fazer sair do atrophiamento em que jaz, entSo deduz-se
que as vantagens da criança branca sobre a preta, devem ter
logar já na educação da infância, mas não mostra a pratica
que seja assim.
Spcke foi mais restricto, e não deixa de encontrar partidá-
rios, porque diz: — lEm Africa, todos os exforços serão bal-
dados, para tirar o preto da inferioridade em que vive».
A par do branco e no mesmo meio, exemplos brilhantes se
apoiitam na actualidade, pelo menos no nosso paiz, de que o
DESCRIPÇAO DA VIAGEM 575
preto recebe bem a educação mais apurada, e que pode elevar-se
ás mais altas posiçSes sociaes.
Ás nossas escolas superiores; militares, medicas e outras, as
escolas superiores análogas no estrangeiro, fomecem-nos bons
exemplos a citar de filhos das nossas possessões africanas, que
seguiram os seus cursos, sendo algims laureados a par dos seus
condiscipulos europeus. E se no periodo dos últimos vinte e
cinco annos, o seu numero não é tão grande como seria para
desejar, relativamente ao numero de habitantes das nossas pos-
sessões, não é porque não existissem muito mais intelligencias,
que cultivadas não dessem os mesmos brilhantes resultados,
ou superiores; é por causa das circumstancias económicas, e
não ser possivel ao governo attender a todos que teem reclamado
a sua benéfica protecção para lhes proporcionar educação nessas
escolas.
Felizmente, de todas as nossas possessões africanas, até da
ilha do Príncipe, a mais desattendida e menos populosa, conhe-
cemos individues que pela sua intelligencia e cursos que fize-
ram, conseguiram exercer elevados cargos sociais.
Se compararmos em igualdade de circumstancias dois entes
na infância, um branco e outro preto, embora aquelle numa
das primeiras cidades da Europa, e este no limitado recinto
da sua povoação, talvez o primeiro com o lápis não trace no
papel um desenho como o fez o segundo, embora seja absur-
do, monstruoso, e composto de elementos disparatados. Arran-
quemo-lo depois do meio em que vive, ponhamo-lo na mesma
cidade em que reside o primeiro, e passado algum tempo, sem
que mesmo o tivessem ensinado, quando volte a tomar o lapis>
ver-se-ha que elle modifica já a sua composição, somente pelo
que tem visto, desapparecendo o que havia de monstruoso e
de disparatado, e o branco, se primeiro pouco fez, nas mesmas
circumstancias, não melhorou porque todos os dias viu o
mesmo. Falíamos assim por ser um facto que observámos, e
que nos impressionou.
Da mesma sorte, se apresentarmos á criança preta uma ba-
cia com agua, e nesta, com uma porção de barro lhe figurar-
576 EXPEDIÇÃO PORTDGUEZA AO MUATTAnVUA
mos um continente; uma ilha, uma bahia^ um cabo; um pro-
montório, ete., ella comprehenderá tudo tSo bem como a
criança branca. Se a levarmos a um jardim e a instruirmos
sobre as plantas, com os mesmos cuidados que dedicarmos á
outra, se a orientarmos sobre os rumos, e lhes ensinarmos a
marcar distancias a passo, e lhe exigirmos que figure no papel
o caminho percorrido ; se lhe ensinarmos a recortar cuidado-
samente folhas de caKào, e lhe apresentarmos modelos de cai-
xas ou de pequenas casas para construir, a perspicácia e o
espirito de observação nao se pronunciam a favor da criança
branca, porque a curiosidade, embora sem os apparatos de en-
thusiasmo, é natural no preto.
Por isso mesmo que o preto vive num recinto muito limi-
tado, nos convencemos de que é fácil despertar-lhes a curio-
sidade, e tirar o máximo proveito do seu espirito de obser-
vador, quando se queira educá-lo. E é notável que este se re-
conhece tanto mais, quanto mais afastado estiver dos povos
civilisados.
EUes nâo aspiram de continuo a conhecimentos novos, como
succede nas intelligencias cultas; nSlo é porque lhes falte a
penetração de espirito, e sim porque a sua curiosidade está
satisfeita com o que os rodeia. Se um objecto novo lhes appa-
rece, se um facto succede de um modo diverso do que lhe era
dado esperar, no decurso da sua existência, então estudam-no
em todos os seus promenores, procuram esclarecer-se e che-
gam até onde lhes é possivel, sem que d^isso façam alarde ;
porém se as cousas se lhes apresentam complicadas, se re-
conhecem a sua inferioridade para as coraprehender logo e imi-
tá-las, consideram-nas feitos por um ente sobrenatural, e com
a maior ingenuidade demonstram a sua admiração, dizendo
nlio serem feitas pela mão do homem.
Férteis em comparações, chegando a adquirir conhecimentos
positivos da realidade acerca do que os impressiona, notam os
defeitos, os erros e em geral os meios por que se devem emen-
dar as cousas, procuram approximar-se da perfectibilidade cor-
rigindo-se, e nisso alguma cousa temos para imitar.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 577
A evolução hístorico-social doestes povos havia de fazer-se
naturalmente com muita lentidSo, porém era bem melhor isso,
do que lá ter entrado a civilisação para os depauperar em be-
neficio de outras regiSes fora do seu continente, convertendo
os que ficaram, em creaturas que mal se definem.
Hoje, é bem mais difficil concorrermos para apressar essa
evolução, mas confiando que a colligaçSo na cruzada empre-
hendida contra o trafico, ha de ser uma realidade; e que o
systema de colonisar tem variado muito com os tempos, prin-
cipalmente neste século; tratemos pela nossa parte, de pre-
parar o terreno para irmos recebendo as immigrações que do
interior hSo de procurar a nossa provincia, quando lhes faltem
os recursos para se manterem, o que necessariamente se dará,
logo que se extingam as únicas fontes de receita em explora-
ção, marfim, borracha e escravos.
E o terreno prepara-se, educando os povos nos nossos limites
mais sertanejos, sobre a immediata vigilância e protecção de
auctoridades nossas, de confiança.
Talvez pareça* prolixo descermos a tanta minuciosidade, mas
não o é, porque até agora, o que temos lido sobre a educação e
aproveitamento do preto gentio, ou são ideas muito theoricas,
ou então planos muito geraes para géneros de explorações que
se baseiam em esperanças por ora vãs, em que d'elle se pre-
tende trabalho com interesses de momento, e que o não arranca
da situação em que se encontra; quando o nosso fim deveria
ser civilisá-lo pelo estimulo na pratica, e obter que produza
bom trabalho no logar em que vive.
Não precisámos ir ao estrangeiro buscar exemplos, não va-
mos apresentar cousas novas, é tudo de casa. Aproveitámos in-
stituições que já entre nós existem dispersas em differentes
províncias ultramarinas, que são muito nossas, velharias sim,
roas que honram os nossos antepassados, e que, se não teem
dado melhores resultados, é porque o pensamento que a ellas
presidiu, tem sido infelizmente mal apreciado, por nós os moder-
nos, que até para a administração das nossas colónias, quere-
mos importar novidades do estrangeiro, como se fosse uma
678 EXPEDIÇIO P0RTU0UK2A AO in7ATIÍHV0A
questSo de modas. Sabe-se que a AUemanha e a Bélgica prin-
oipiam^ 8Ó agora, a saber o que sSo colónias ; que a Inglaterra
e França, se em algumas teem andado acertadamente com res-
peito á sua administraçSo, teem despendido muitos capitães e
sacrificado muitas vidas perdendo outras colónias que se liber-
taram da sua administraçSo por nefiuta aos natoraes ; e que a
HoUanda, a qual sempre nos tem procurado acompanhar e
usurpar os nossos padrSes de conquistas, comnosco foi apren-
dendo e acertou em Java, fazendo desenvolver o STStema por
nós iniciado, de attrahir o indigenii para o nosso convivio^ in«
teressando-o na administraçSo publica.
O que era a vassallagem dos sobas nos tempos passados , com
obrigaçSo de pagamento de dizimes, e de darem carregadores
para os serviços dos presidies?
O que é, depois, a derrama das contribuiçSes dos povos
avassallados a cargo dos seus sobas?
É o reconhecimento d^essas auctoridades na nossa adminis-
traçSo.
Pois agora, já é tempo de chamar ainda para mais perto de
nós essas auctoridades, garantindo-lhes o prestigio entre os
seus, dando-lhes mais importância^ e concorrendo para o bem
estar dos seus povos, ao passo que lhes vamos preparando o
que elles até agora não teem, nem no que não acreditam — um
melhor futuro.
Garantiudo-se entre estas gentes a instituição dos sobados
independentes, conseguimos auctoridades administrativas, fis-
cães de fazenda, força armada, policia local, juizes de facto,
e pessoal para melhoramentos públicos e para missSes por in-
significante remuneração, que o producto dos trabalhos que
elles hão de prestar, compensará de sobra.
f*-i, ;•'".. 'V,,,-v..(v">\t'i
IfUJIJI
DESCKIP^'X0 UA VUUEX
ORGANISAÇÂO DO GOVERNO 1)0 DISTRICTO
DE MALANJE
epois de todas as considcra-
vfles que liavcmus exposto até
iii^iii sobre esta região, atígiir
sc-noa de necesaidmie a crea-
VMo de um governo, constitui-
do pelos concelhos de Malanje,
Piingo Audongo, Duque de Bra-
gança, Tala Mugongo e pelos
novos territorioB doa Bondoa,
Siingoí, Holos, longos e Jinga,
ficando a occupaçJlo definitiva
d'este3 iiltimoB, rcuerrada para
melhur opportunidade, isto é,
quaniio se proceda A conatruc-
' *' — ' ~^ çiio de ura ramal do caminlio
de ferro que atravesse o pai» para o norte.
NÓB devemos ter aerapre em vistj», que o caminho de {eno
do Zaire c uma cmprcza muito duvidosa; caminho de ferro com
curvas de raio de 50 metros, rampas de 46 metros e vius de
largura de 0",75 é de grandes difficuldades, e a empreza que
se proponha a fazê-Io corre grandes riscos, sobretudo quando
a região que se procura servir, durante o tempo da eonstruc-
çSo ficará exhausta dos productos que se tinha em vista trans-
portar.
580 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
Não nas devemos illudir com as informaçSes dos explorado-
res da. bondade do rei dos Belgas, e tanto o novo Estado In-
dependente do Congo reconhece até que ponto chegou a sua
illusSOy que actualmente abandonou as estaçSes do interior, e
as transacçSes do commercio com o gentio, são feitas nos pró-
prios barcos a vapor que navegam nos affluentes do Zaire e
que chegam até próximo do Luebo, e da antiga estaçSo do
Luluabourg.
Manifesta-se assim o que era realmente verdade^ só para
quem era testemunha dos factos, a saber : que tanto as expe-
dições allemSs como o novo Estado para quem trabalharam,
nSo tinham em vista civilisar o gentio d'aquella regiSo, e ape-
nas explorá-lo do que elle tinha bom, marfim e borracha, em
troca dos productos superabundantes das fabricas europeas que
estavam armazenados sem saida.
Sobre a construcçâo de caminhos de ferro, temos conheci-
mento de duas opiniSes que parecendo em contradicção, sSo
aliás muito sensatas e de que se tem obtido resultados.
E uma que se devem fazer para servir paizes florescentes e
que carecem de facilidade de transportes ; outra, que se devem
estabelecer para crear povoações nas regiões imperfeitamente
ou totalmente inexploradas e que manifestara recursos de vi-
talidade.
O caminho de ferro de penetração que desejámos se pro-
longue até ao Cuango, está neste caso. A região que vae atra-
vessar é essencialmente agrícola, e pode tornar-se industrial,
acrescendo ser ponto onde afflue o commercio que os Bângalas
ainda obteem do interior, e por onde entra a immigraçâo que de
lá corre para a nossa provincia.
Depois dos sacrifícios que se estão fazendo com tSo impor-
tante melhoramento, ó obrigação irapreterivel aproveitar todos
os recursos que oflFerece esta região quando devidamente ex-
plorada, único meio de crear receitas e auxiliar os rendimen-
tos da empreza e da provincia.
Nós não vimos os reconhecimentos já emprehendidos pelo
pessoal do caminho de ferro, mas se um ramal vier atravessar
DE8CBIPç20 DA VIAGEM 581
O Hungo e puder dar çerventía ^ Encpje, acreditámos que
muito commercio que passa actualmente pelas terras do Congo^
se encaminhará para esse ramal.
A iniciativa particular principia agora a ser despertada.
Até aqui, não se conhecia^ diga-se com franqueza, o que
havia a explorar nestes confins da província. Faça o governo
mais alguns sacrifícios em estudos e outros auxilies, que é por
pouco tempo.
Não se colhe com bons resultados sem semear e semear
bem.
E uma necessidade que o camiAho de ferro chegue a Ma-
lanje e se prolongue até ao Cuango, no Zaire, no logar em que
passámos o rio no nosso regresso, ou até qualquer outro embar-
cadouro de mais conveniência, que certamente pouco se afastará
doeste, e assim garantimos não só a vassallagem que nos soUi-
cita Capenda-cá-Mulemba, cujos domínios se estendem para
leste até ao Cuango, como ainda facilmente tomaremos effe-
ctivo o nosso dominio na regifto habitada pelos Quiôcos e
Lundas, como o pretendem os seus maiores potentados.
Fazendo-se um ramal de ISOkilometros, que será pouco mais
ou menos a distancia da villa de Malanje áquelle ponto no
Cuango, que para caminho de ferro é uma distancia que se
vence em horas, não offerece duvida que deve ser Malanje a
capital doeste grande governo no centro do continente, importan-
do-nos pouco o titulo que mais lhe convém; e cujos limites a
leste dependem da expansão que se lhe queira dar, em har-
monia com a que ficou estipulado na conferencia de Berlim,
referi ndo-se por agora as nossas consideraçSes, só até ao
Cuango.
Penso que o governo de que trato, se pode manter nos pri-
meiros tempos da sua existência, como iniciação, por meio de
missSes agrícolas e profissíonaes de que façam parte indivi-
dues de reconhecida competência, e sob a direcção de missio-
nários religiosos que hajam prestado bons serviços em Afiíca.
A direcção superior das missSes de que será presidente o
governador, deve ter a sua residência na capital.
Õ82 BXPKDIÇZO POUTOGUESA AO 1IIUT1ÍNY0A
Devo havor pelo menos jima missio em cada concelho, e o
chefe da missSo exercerá as fimcçSes de administrador do con*
celhoy emqoanto o governo de Sua Ifagestade entenda que
nSo convém fazer preencher esses cargos por outros fonecío-
narioB habilitados; sendo as auctoridades subordinadas entre
as povoaçSes indígenas, os seus sobas, e onde esta entidade
nSo exista, o individuo que o povo eleja para chefe.
As missSes devem estabelecer-se nos concelhos, em lagares
que reunam ás melhores condiçSes de habitabilidadci as de
boa qualidade e quantidade de solo para agricultar e para es-
tabelecimento de officinas de trabalho, as de boas e abundantes
aguas e madeiras, e ainda a de serem pontos centraes.
Cada missão tem de crear quintas r^onaes modelos, onde
a charrua, os moinhos, as bombas e outros recursos mechani-
cos auxiliarSo a força humana no desenvolvimento do traba-
lho, funccionando ellas como meios poderosos para a dlvili-
saçSo dos povos.
Na cultura devem ter preferencia os productos considerados
africanos, e os já conhecidos de fácil acdimataçSo.em Malanje,
como o trigo, arroz, ete., e plantas solaneas e leguminosas,
productos de que demos noticia nas secções respectivas do ca-
pitulo anterior.
Os exemplos dos trabalhos das missSes serão imitados muito
principalmente^ se ao lado d^ellas se instituirem colónias agrí-
colas de indígenas, formadas do pequenas propriedades ou car
saes, protegidas pelas missSes, e ás quaes estas possam com-
prar, ou tenham o encargo de fazer collocar em bons merca-
dos os seus productos.
Um pessoal de iudividuos indígenas, instruídos na direcção
das missSes, ou por ellas examinados para dirigirem um certo
numero de trabalhos nas artes e oiHcíos, em algumas indus-
trias e em geral nos misteres em que se pretende aproveitar-
Ihes as aptidSes, preparados como decuriões, com um certo nu-
mero de noçSes theoricas e praticas, para um determinado
período de trabalho, virão depois para as missSes dos conce-
lhos, instruir a classe dos agremiados na sua profissão.
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 583
Na direcç^ das missSes deve existir o pessoal indispensá-
vel de europeus, com conhecimentos das diversas profissSes,
artes, officios, da agricultura e outras industrias, e ainda com
uma certa ordem de noçSes scientiíicas, e assim todos os es-
tabelecimentos das missões devem ser modelos, estando orga-
nisados quando possivel, com os recursos da localidade, e nelles
deve estar figurado tudo quanto possa elucidar e esclarecer
a instrucçSío que se ministra.
Entregamos a instrucção directa ao indigena como decuriâo,
d'aquillo em que tenha sido examinado pelo pessoal habilitado,
o que nâo é mais do que um aperfeiçoamento do que se passa
entre os Âmbaquistas, que transmittem os conhecimentos que
adquiriram da nossa lingua, e do officio de que teem pratica,
a qualquer gentio, servindo-se do dialecto doeste, e é o mostre
mais económico que podemos manter em Africa.
Quem tem vivido na nossa provincia de Angola, sabe que
em todos os tempos, já pela iniciativa particular, já pela ini-
ciativa official, se fizeram bons mestres de alfaiates, sapatei-
ros, pedreiros, canteiros, carpinteiros, ferreiros, fimileiros, ser-
radores, etc., e o methodo de ensino nâo era outro. Ao lado
do official sempre se vê um rapasito, uma espécie de servente,
a quem elle a pouco e pouco tem ensinado o seu officio, e does-
tes rapazes já conhecemos alguns no nosso regresso a Loanda,
que trabalhavam como officiaes e com aspirações a mestres.
O director das obras publicas Arnaldo de Novaes Kebello,
encarregou um official de pedreiro, indigena, de uma emprei-
tada, e tão satisfeito ficou com o serviço por elle executado, que
do seu bolso Ibe deu uma gratificação de 50;$0(X) réis.
Este rapaz havia entrado para o serviço das obras publicas
cinco annos antes, como servente de pedreiro, e tomára-se ca-
beça de um partido de officiaes, que todos foram serventes por
elle educados. E porque o seu serviço diário nâo era inferior
ao de officiaes europeus, que venciam í^bOO réis, foi elevada
a sua soldiída a 1?$200 réis.
Náo se julgue que a instrucção por decuriões e para deter-
minados periodos, por ser fora das condições normaes, esteja
584 EXPBDIÇlO POBTUGUEZA AO MUATIÂNVUA
longe de satisfazer. O preto não olha a distancias, sobretudo
quando nisso interessa; e emquanto vem instruir-se nnma nova
ordem de noçSes, a classe a seu cargo, continua sob a vigi-
lância da missão, praticando no que fôra ensinada e melhor
recebe a instrucçSo que se seguir.
Habilitada a direcção das miss3es com o pessoal e recursos
que julgámos indispensáveis, tem ella um papel tSo importante
a desempenhar na civilisaçSo dos indígenas gentios, que jul*
gamos de toda a conveniência que os regulamentos especiaes
de ensino e de administração se formulem só depois de um
praso de tirocÍ9Ío, e ouvidos os jagas e os sobas de mais impor-
tância no districto.
Deve ella instruir e dirigir o colpno indigena nas terras onde
afflue a emigração, quer xui agricultura, quer nas industrias, de
modo a tirar partido dos recursos que já existem, ou que se
possam crear, como são : algodão, tabaco, mendoim, borracha,
ficus-elasticus, gommas, papyrus, canna, café, beterraba, salsa
parrilha, urucú, ferro, madeiras, argillas, calcareos, etc. ; deve
animar e mesmo convidar a iniciativa particular europea, a
estabelecer fabricas devidamente montadas, aproveitando-se da
facilidade de transportes para o littoral, pelo caminho de ferro
cuja construcção está iniciada e que não pode deixar de prose-
gair, e pela navegação do Cuango por barcos a vapor, que ha
de necessariamente fazer-se, e dentro em pouco tempo.
Para os trabalhos agrícolas, tendo em vista todas as condições
que lhes são mais indispensáveis, não devemos esquecer que é
de toda a conveniência, aproveitar a affluencia dos indígenas
para o enxugo das terras encharcadas, fazendo a par das plan-
tações de resultados conhecidos, ura certo numero de obras que
muito contribuirão para o saneamento das localidades, e as
quaes não podem ser feitas por europeus.
Tendo as missões de crear oíBcinas e telheiros para traba-
lhos especiaes, e de obter tanto dos seus productos, como dos
estabelecimentos agrícolas as receitas para a sua manutenção,
ao mesmo tempo que tem de estimular os educandos pelo in-
teresse nos trabalhos, resulta de tudo isto que a sua adminis-
DESCRIPÇZO DA VIAGEM 585
traçâo é muito complexa, exigindo um pessoal idóneo e prati-
camente habilitado.
Deve fazer parte de cada missão pelo menos um ecclesias
tico, a cargo de quem ficará a direcção da instrucçâo moral e
litteraria, mas que deve ser um verdadeiro mestre, e nSo um
homem que baptisa por officio e que procure involver o in-
digena num labyrintho de ideas abstractas que elle por em-
quanto nSo pode conceber. Que lhes ensine- primeiro o que
é positivo, o que ha de real na vida, e que não se estabeleça a
confusão num cérebro falto de acção e que se procura modifi-
car, misturando os preceitos sociaes com as leis de Deus. Que
o encaminhe para bem exprimir antes de tudo as suas neces-
sidades, explicando-Ihe como as pode satisfazer. Que se lem-
bre emfím que trata com um povo materialista, e que para
o fazer comprehender um assumpto tem de o preceder da ex-
plicação de outros que o tomem intelligivel. Que finalmente
ponha de parte o mysticismo, geralmente ae eíFeito entre os
povos civilisados, e lhes mostre praticamente com argumentos
sãos e exemplos frisantes, as vantagens da civilisação que se
deseja elles attinjam para o goso de um futuro melhor.
Este 6 o modo de ver dos nossos homens práticos, dos que
teem andado pelos sertScs de África, e não uma opinião exclu-
sivamente nossa. Como os beneméritos exploradores Serpa Pinto,
Capello e Ivens, os illustrados engenheiros Gorjão e Machado,
o esclarecido governador Ferreira do Amaral, o intelligente
viajante africano F. Nogueira e uma plêiade de escriptores
africanistas conhecidos, taes como Luciano Cordeiro, Andrade
Corvo e outros, que teem acolhido bem e como as acertadas opi-
niões dos primeiros, dos que andaram no interior e conhecem
Qs diversos papeis que teem desempenhado os missionários;
como elles, repetimos, indicámos o que deve ser o missio-
nário.
Deve além d^isto, ser elle o verdadeiro interprete dos po-
vos do concelho na sua administração em geral, dos interes-
ses particulares de cada um, e especialmente dos individues
filiados na missão ; e por isso é indispensável que procure ha-
88
686 BXPEDIÇXO POBTUGUEBA AO MUATIÍNVUA
bílitar-se com o conhecimento da lingoa que faliam os indí-
genas.
No estabelecimento de cada missSo haverá, pelo menos, tuna
sala de asylo para os filhos das mulheres que procurem tra-
balho na missSo, e que d'elles se nSo podem afastar pela ne-
cessidade de vigilância e cuidados matemos, e também um hos-
pício para os orphSos desvalidos que a missão recolha e eduque,
e outro para doentes e individues que se inutilisem no serviço
d'ella, ficando a superintendência da sua administraçSo e a
educaçSo dos desvalidos, a cargo do mesmo nússionario, quando
nSo haja mais de um ecclesiastico na missSo.
HJa actualmente um juizado regular em Pungo Andongo, que
se estende até Malanje. Continue-se a manter esta instituiçSo
visto estar creada, mas no novo governo só para europeus e
indígenas considerados cidadãos portuguezes.
Com relação á administração da justiça entre os gentios, é
necessário crear-se um tribunal novo com um código especial,
em que os processos sejam um tanto summarios, e em que a
base da penalidade seja o trabalho em vez de prisão ; lembrámos
uma procuratura de negocies gentilicos como ha em Macau
para os negocies sinicos.
Este tribunal deve compor-se do juiz da comarca como pro-
curador, e de um jury de seis sobas.
A nomeação d*este jury, feita pelo governador para o ser-
viço de um biennio, deve recahir sobre os sobas que forem
eleitos pelos sobas de todo o districto.
Neste tribunal só podem ser julgados os delictos que não con-
stituem crimes previstos na lei penal do paiz para os casos de
deportaçjlo e penas maiores, e por isso as sentenças do pro-
curador, baseadas no voto do jury, terão effeito immediato.
Os administradores dos concelhos ou quem faça as suas ve-
zes, logo que tenham conhecimento pelos chefes de divisão ou
pelos sobas, de delictos praticados na área da sua jurisdicção,
levantarão o respectivo auto, que farão remetter com as teste-
munhas, delinquentes e partes de accusação, se os houver,
para a procuratura dos negócios gentilicos.
DESCRIPÇXO DA VIÁQEH 587
Pertence ao procurador decidir da competência do tribunal
que ha de julgar os delinquentes, e portanto estes, ou são sen-
tenciados no mesmo dia, ou entram na cadeia á disposição da
justiça da comarca.
Lembramos a instituição doeste tribunal especial como o te-
mos em Macau para os Chins, porque entendemos ser ainda
muito cedo para impor aos povos que nos propomos educar, as
nossas leis, e encerrar por consequência numa prisão os delin-
quentes, onde, ou temos de lhes dar de comer e de vestir em
quanto aguardam as resoluçSes do poder judicial, que são sem-
pre morosas, ou de os deixar ahi jazer expostos á fome e nús,
chegando como tem succedido ás vezes, a um estado que se
toma perigoso para a saúde publica.
Ultimamente, o chefe do concelho de Malanje, como presi-
dente da commissão municipal, lembrou-se e bem haja por isso,
de applicar uma parte da verba destinada para limpeza da
villa e outros melhoramentos, a remunerar os trabalhos feitos
por individues presos na cadeia e que elle empregou nesses
serviços.
Até como medida hygienica para a villa mereceu os nossos
louvores esta providencia, porque se limpava e arejava o pe-
queno recinto onde estavam os presos; estes comiam e vestiam-se,
porém trabalhavam regularmente, que é a maior penalidade
que actualmente se pode dar ao preto, sendo certo que este
correctivo fez com que diminuísse o numero de prezos.
Dividem-se actualmente os concelhos em divis8es, que são
guarnecidas de companhias de Moveis e de outras denomi-
nadas da guerra preta, indigenas, com os seus officiaes subal-
ternos e inferiores, sendo os capitães, os chefes d^essas divisSes,
que exercem as funcçSes de auctoridades administrativas na área
que estas comprehendem. As praças doestas divisSes na sua
maioria são indigenas dos sobados, a quem se impSe o dever
do servir o Estado nessa qualidade, por oito ou dez annos.
£ um tributo pesadíssimo, porque demais exijem-se-lhes ser-
viços não inferiores aos das tropas de primeira linha e não se
lhes dá remuneração alguma, e nem de comer, nem de vestir.
588 ' BXPBDIÇXO POBTUOUBEA AO MUATIÍNVUA
E nunca deixam de comparecer ao serviço para que sSo cha-
mados! Mas como? EsfiBurrapados^ quasi nús, tendo alguns por
arma uma das antigas bayonetas encabadas num pau, outros
espingardas antigas de caçoletas, na maior parte tendo seguros
os canos ás coroidias por meio de cordas, e as fecharias man-
tidas no seu logar por um outro qualquer atilho.
Yêem-se muitos d'estes soldados pelos caminhos levando a ti-
racollo um sacco de algodSo em forma de bornal, em que trans-
portam as malas do correio.
A troco de 90 ou 120 réis, fas este homem uma marcha de
30 a 40 kilometros e ás vezes mais, para em dia determinado
as malas que transporta serem entregues na residência do chefe
do concelho vizinho, e conhece-se que é um soldado, pelo bonés.
* E de suppor que a muitos viajantes, principalmente aos que
pela primeira vez deparam com um d'estes individues no ca-
minho, lhes cause desagradável impressão o estado lastimoso
em que o véemy e lance para a conta de mau governo nSo se
substituir aquella entidade por empregados especiaes do cor-
reio, devidamente uniformisados, como estamos acostumados
a ver nos centros civilisados.
A nossa impressão foi porem outra, a de aproveitar o que
está iniciado, melhorar a sorte do soldado Movei, de modo a
tomá-lo um bom soldado, podendo ao mesmo tempo aceiímular
diversos encargos por escala.
A burocracia, tem entre nós exercido uma grande influencia,
generalisou-se mesmo, como instituição a seguir em toda a
parte, pouco nos importando o meio em que a pretendemos
implantar.
Quem manda, entende-se logo com jus a rodear-se do mesmo
numero de auxiliares, que com o tempo, a necessidade obrigou
a crear nas administrações antigas e onde tudo era muito diverso.
Nâo tratámos de preparar os povos para receber essas admi-
nistrações pomposas que se toem crcado e só teem ras&o de
ser nas localidades já civilisadas. Estabelecem-se administra-
ções novas, por exemplo a da Guiné, com uma organisaçSo
pesada e de um machinismo complicadissimo, que nem os po-
DESCRIPÇlO DA VUGEM 589
VOS as comprehendem, nem ellas os fazem progredir, porque
lhes falta a receita indispensável.
Assim também tratando-se da força publica para um novo
governo no ultramar, imaginam-se logo corpos do exercitp orga-
nisados como os principaes da Europa, com um estado maior
e uniformes luxuosos, e assim se procura ir adiando a neces-
sidade instante, porque ainda se n?to comprehendeu bem o al-
cance do pensamento d'aquelles que perfilham a idea de que
o exercito deve ser um único, para serviço de toda a monar-
chia, metrópole e colónias.
O serviço da guarnição das nossas possessões africanas, não
pode deixar de ser feito com praças de pret indigenas, e os
uniformes teem de ser apropriados á condição do individuo e
ao meio tropical em que vive.
A instituição dos corpos de segunda linha, divisSes de tro-
pas moveis c as companhias de guerra preta na provincia de
Angola, denota o bom senso pratico de quem contribuiu para
a sua creaçâo. E uma instituição ou antes são instituiçSes an-
tigas, que provam que se pensava manter devidamente o nosso
prestigio em Africa, sem dependências e sem encargos para
a metrópole.
Se ellas teem perdido muito do seu valor, é isso devido á
indifferença com que as teem deixado vegetar, á pouca impor-
tância que hoje se lhes liga, á falta de estimules que convidem
ao alistamento, omfirn, ás ideas modernas que vogam, de que
a auctoridade só pode manter-se entre o gentio, tendo sob as
suas ordens uma respeitável força de tropas regulares, que-
rendo ató alguns que sejam de europeos-
A pratica mostra-nos que em todos os tempos as tropas Mo-
veis em Angola, quando bem armadas e adestradas, mesmo em
guerra, não prestaram serviços inferiores aos das tropas de
primeira linha; e quanto á adopção de praças europeas para
serviço effectivo no sertão, é para nós uma illusão como a de
Buppor ser possivel em qualquer parte de Africa ainda por
explorar, obter-se do braço europeu, trabalho agrícola com
bons resultados.
690 EXPEDIÇZO POBTUGUEZÀ AO KUATliNyUA
Conta 8Ó o concelho de Maknje mais de quatrocentos Boba-
dos. Ora se estes contribuissem numa dada proporçSo com os
seus habitantes para o tributo de sangue, ainda no caso mais
desfaygrayel, que o sobado de menor populaçSo fosse tomado
como unidade para a comparaçfto, teríamos logo uma força su-
perior a mil homens.
Para o caso do novo governo em que entram além d^aquelle
concelho, os antigos de Pimgo Andongo e Duque de Bragança,
e outros novos, podemos preparar as cousas de modo que te-
nhamos em serviço effectivo mil homens adestrados, e a titulo
de reserva para casos de necessidade mais quatro ou cinco mil.
As forças moveis organisadas em divisões, como actualmen-
te, bem divididas por todos os caminhos do districto, mas de
modo que possam as praças servir de cantoneiros, de portadores
dé malas do correio e de policias, garantindo a conservaçSo dos
caminhos e passagens de aguas, a segurança individual e do com-
mercio, ao mesmo tempo que possam empregar-se na agricul-
tura fazendo-a desenvolver na área da sva divisSo, tomar-se-h8o
incentivos para a educaçSo dos povos vizinhos, principalmente
quando os cargos de chefes e oi&ciaes que commandem forças
destacadas (patrulhas), recaiam em individues que comprehen-
dam as indicações dos chefes das missões do seu concelho,
saibam ensinar a instrucçao primaria e dirigir os trabalhos
agrícolas.
Ao mesmo tempo que creâmos uma força respeitável, que
deve ser bem armada, teremos em cada soldado um trabalha-
dor agrícola, um leitor da lingua portugueza, um chefe de fa-
mília, finalmente um bom cidadão para a communidade a
que pertence,
O batalhão que em 1887 vimos em Inhambane, serve-nos
em parte de modelo para a organisaçSo do serviço agrícola
que lembramos, sem prejuízo do serviço militar.
Uma parte da villa, do lado interior, cortada por amplas
ruas que se cruzavam, abrangia recintos fechados em com-
partimentos, com cercas ou paliçadas, e dentro viam-se boas
habitações altas, de base circular, revestidas de argamassa e
DESCRIPÇXO DA VUGEM 591
caiadas, ao seu lado o inseparável cajueiro, fonte da receita
importante do districto, e terrenos horticultados que perten-
ciam aos soldados e suas familias.
Aos soldados que tinham bom comportamento e estavam de
folga, depois da formatura do recolher, permittia-8e-lli%8 que
fossem pernoitar para suas casas.
Mesmo em Malanje se encontra um inicio do que desejámos
se faça em grande escala. A divisSo movei que está de serviço
na vi lia para a guarda, e as praças de serviço diário, teem um
quartel defronte da fortaleza do outro lado do largo principal,
e atrás doesse quartel, para o interior, todo o terreno está oc-
cupado pelas praças da divisão, que ahi construíram o que
entre nós se chama casaes, habitações, e cercados de terras
cultivadas e também fazem ahi desenvolver creaçoes, tudo
pelo trabalho d'elles e das suas familias. As mulheres d'estas
praças todos os dias v2lo para o mercado negociar os productos
do sen casal.
Em legares determinados existem nos caminhos principaes
do concelho, as patrulhas de que temos fallado, ou quartéis para
as praças das divisões que estão de serviço. Devem pois apro-
veitar-se as que estão em bom estado, augmentando-se-lhes a
capacidade, renovarem-se as que careçam de reparos, e con-
struirem-se outras onde seja conveniente. Em teiTcnos annexos
a estas patrulhas, distribuam-se glebas por cada uma das pra-
ças da divisão e suas familias, mas traçadas devidamente com
boas ruas que devem ser limpas, e bem conservadas na parte
correspondente por cada morador.
Os chefes de divisão bem como os sobas nas suas povoa-
ções, devem ser instruidos de modo, que se lhes torne obriga-
tório dedicarem -se a um certo numero de culturas que não re-
querem grandes cuidados como: algodão, tabaco, mendoim,
ctc, e a da borracha, onde se possa replantar, sob pena de
multas em dias de trabalho.
Pela direcçFio das missões serão indicados os terrenos pró-
prios para as culturas de canna sacharina, café, cacau, be-
terraba e outras consideradas de maior importância, e estes
692 EXFEDIÇZO BOSTUGUBZA AO MUATlÂNVnA
•
pcklem 8èr vendidos em lotes, de modo que também d^elles
possam fazer acquisiçSo as pessoas de pequenos haveres.
Mas antesy teçm as míssSes de proceder ao arrolam^ito das
propriedades, garantindo a posse das terras aos que se encon-
tram iccapando-as, e senSo estiverem cultivadas, que elles se
compromettam a cultivá-las em determinado praso. E garante-se
a propriedade por um imposto lançado sobre o rendimento da
produc^i que poderá ser pago ás missSes em productos da
mesma producçSo, ou em dias de trabalho nas quintas regio-
naes das missSes.
Para o serviço diário em cada patrulha, nomear-se-hSo seis
praças que permanecerSo durante vinte e quatro horas no local,
sendo' uma encarregada de vigiar no quartel, outra no mercado,
ficando quatro sempre promptas para qualquer serviço ex-
traordinário, mas rendendo no serviço as primeiras ; e mais
seis, quatro para o serviço de limpeza e re][»araçSo dos ca-
minhos até 3 kilometros de distancia para cada lado do quartel,
e duas para serviço da arribana e do correio.
Para o caso de reparaçSes de simples passagens de linhas
de aguas, como o sSo os estrados grosseiros de troncos lançados
sobre as suas margens, e tambcm para os de estragos nos cami-
nhos feitos pelas chuvas, como serviço extraordinário se no-
meará por uma escala especial, diariamente, um certo numero
de praças que poderão auxiliar-se de suas familias para accu-
direm immediatamente a esses reparos.
Os portadores das malas do correio, em dias determinados^
montados em bois, levarSo as malas ás estaçSes de mudas e
d'ahi trarão as que devem regressar.
Junto ao quartel haverá uma arribana para dois bois de
monta, um do serviço do correio, outro para serviço do chefe,
quando tenha de percorrer a área da sua jurisdicç2o, ir á mis-
são, á capital do districto, etc.
É de crer que, com o tempo, qualquer particular tome a
iniciativa, ou mesmo a divisão precise de ao lado d'essa arri-
bana, construir outra de maior capacidade, destinado ás mudas
para carros de transporte, tendo de haver, pelo menos, dois
DESCBIPÇXO DA VIAGEM 593
homens encarregados de vigiar o gado e conservar sempre em
deposito agua e alimento para o mesmo.
Ao lado do quartel deve haver também uma casa especial
para aula de instrucçilo primaria, continuando o ensino a ser
dirigido pelos chefes de divisão, ou commandantes das patru-
lhas, como ultimamente se estabeleceu no concelho de Malanje,
mas de modo que esse ensino se tome mais proficuo.
A estas aulas fornecerá o governo livros, e todo o material
necessário, e também para estimulo concederá prémios cons-
tando de vestuário, e outros de reconhecida utilidade para os
alumnos.
SerSo obrigados a frequentarem estas aulas em determina-
das horas do dia, por classes, não só as praças da divisão como
seus filhos, e mesmo as suas mulheres, querendo, o poderão
fazer.
As aulas serão praticas e se em principio, só de rudimentos
da lingua portugueza, poderão mais tarde ampliar o seu en-
sino com noções do agricultura, de artes, de officios, etc.
Nas divisões próximas dos sobados devem comprehender-se
na classe das creanças que pertencem ás mesmas divisões as
creanças dos sobados. Para os adultos dos sobados, a instruo-
ção da aula é voluntária, fazendo-se encorporar estes na classe
correspondente.
Procurarão os chefes que nas suas divisões se desenvolvam
as creações de gado vaccum, concedendo mesmo o governo
prémios, aos que se tornarem distinctos nesta industria, re-
servando-se logares especiaes para os curraes e ainda para
pastos além das áreas cultivadas, mas onde as manadas andem
sempre acompanhadas por guardadores.
O tempo do serviço obrigatório para os Moveis é de cinco
annos effectivos, e de três na reserva, garantindo-se-lhes a pro-
priedade dos productos que adquirirem pela lavoura ou qual-
quer outra industria.
Admitte-se que a praça que serviu os cinco annos com bom
comportamento, se aliste novamente por outros cinco, dando-
se-lhe nova gleba para elle e sua familia cultivarem no logar
OH xzFSDif^ KMmmnKâ ao muatiístda
em que d'dlas se poMs dispor, e ttnibem qae possa sabslifaiir
moa praça noTa, obtendo d'e8ta qualquer mdCTBiiisaçio, sem
que a aoelorídade nhso inter^enlia e ficando sem direito m
nora g^dba.
A praça qne contar três alistamentos ▼ohmtarios socoeasÍToa,
»to é, quinze annos de serviço, poderi ir estd)elecer<ae em
qnalqner localidade do eonodho, sob a protecçlo das missSea,
qnellies fimiecerio sementes, utensílios ou ferrsmentss qae se-
jam indispensayds á profissSo qne exerce, e fica isemplo de
eontribniçSes nos primeiros cinco annos, a contar da data em
qne se estabelecer.
Os nmfi>nnes das praças das dirisSes, serio simples, qne nlo
difiram mnito do Tcstoario a qne estio habituados, qne Ibea
permítta a liberdade de movimentos, e qne sejam bygíeniooa.
A nosso ver satísfiurá a camisola sobre o largo, de flanelia
aanlda, de mangas tenninando em pnnho, e peqn^rn gola di-
reita, tanga côr de cinza, sustentada na cintnra por nm ein-
tnrio do armamento quando em serviço ou por outro, feito por
éUes para uso ordinário, tendo uma pala para o machado, e
as alpercatas que lhe sio usuaes e chapéus feitos de ciq>im em
forma de tampa, terminando superiormente em bico pronun-
ciado como 08 dos Chins.
Os officiaes inferiores, em vez de camisolas usarão casacos
da mesma flanelia, largos, sem costura nas costas e de aba
curta.
Os chefes de divisão e officiaes subalternos usarSo dos actuaes
uniformes, que são os antigos raglans de infanteria, de gola en-
carnada, calças de panno azul, substituindo-se porém o panno
por flanelia, e os antigos kepis por chapéus de palha, lendo-se
em uma fita preta o numero da divisão.
O armamento será bom, e segundo o systema que as cir-
cumstancias aconselhem, tendo-se em vista a sua fácil Umpeza,
reparação, manejo, conservação de munições, etc, o que é con-
veniente estudar.
Os uniformes são fornecidos ás praças pelo governo e o ar-
mamento fica a cargo dos chefes das divisSes.
DESCRIPÇXO DÁ VIAGEM 595
A instrucçSo militar será ministrada por um official de
primeira linha em commissSo para esse serviço, coadjuvado
por três officiaes inferiores em determinados períodos do anno
para cada divisão, e nas epochas em que a lavoura conceda
folgas para essa instrucçSo.
Tanto o official como os inferiores, fora da epocha da in-
strucção, fazem parte do pessoal da secretaria do governo.
Dos rendimentos dos portes do correio, que devem também
abranger encommendas de certas dimensSes e pesos, e dos im-
postos para estradas, se pagará a jornal o serviços das praças
empregadas no transporte das malas e no de cantoneiros.
O cargo de chefe de divis£to deve recair em indígenas que
mais se recommendem pela sua idoneidjide.
Em cada patrulha observar-se-ha a pratica antiga de hos-
pedar os viajantes, havendo para isso a mobilia adequada e
indispensável, a cargo dos commandantes, e os viajantes que
queiram utilisar-se d^cssa hospedagem, pagarão um imposto que
se julgar rasoavel para a conservação e melhoramentos nos
quartos que se destinam para aquelle fim, devendo haver um
livro na patrulha, em que o viajante que nella toma agasalho
inscreva o seu nome, e onde deverá estar escripturada a re-
ceita cobrada por esse imposto.
Isempta-se doeste imposto, qualquer empregado do governo,
em serviço.
Na capital do districto deve existir uma companhia de po-
licia de trinta praças europeas, sob o commando de um offi-
cial subalterno, tendo para o coadjuvar três officiaes inferiores.
Esta companhia é destinada a policiar as ruas e mercados, e
a fazer as rondas e diligencias puramente policiacs. Esta força
será sempre considerada prompta para casos eventuaes, em que
seja indispensável restabelecer a ordem, e dar toda a força á
auctoridade.
O official commandante doesta companhia será o administra-
dor do concelho da capital, e no serviço da secretaria é au-
xiliado por um dos officiaes inferiores, no que for expediente
de policia, e pelo escrivão da administração no que respeite ao
596 EXPEDIÇXO PORTUGUEZA AO MUATIAnVUA
do concelho. E este será um empregado civil, que pode ser in-
digena, quando tenha as precisas habilitações.
E cora os sobas que os governos e as miss3es se devem en-
tender sempre, no relativo aos melhoramentos particulares da
localidade e aos do districto em geral ; e assim conseguiremos
pôr em acção e ntilisar os braços vali 'los e disponíveis em be-
neficio de toda esta região.
Com a intervenção dos sobas na administração publica, ga-
rantindo-lhes a auctoridade que lhes concedermos entre os seus,
conseguiremos que os sobados se convertam em aldeias de bom
aspecto, melhorando as suas construcções, alinhando-as devida-
mente, transformando-as em logares mais salubres, e mesmo
aprazíveis, em que se attenda á hygiene, extinguindo-se os
focos de doença, e derivando as aguas para pontos em que se
não tornem nocivas á população.
As contribuições dos sobados devem ser marcadas em pre-
sença de todos os sobas e sobre os esclarecimentos e informa-
ções obtidas: com respeito ás populações, modo de existir,
estado de desenvolvimento, receita provável a cobrar, etc.,
tomando-se por base do lançamento a quota considerada mais
inferior, e esta deve recair sobre os sobas, tanto no que res-
peita a rendimentos como á apresentação de indivíduos para
o alistamento nas tropas moveis o para trabalhos qne redun-
dem em melhoramentos públicos. O soba fará a derrama entre
os seus, como julgue mais conveniente.
Quando se trate de administração concelhia, devem ter voto
na matéria os três sobas mais graduados e vizinhos da missão ;
a administração formulará com elles o código para o indigena,
que se irá reformando no que for judicioso e conveniente, por
meios suaves, a pouco e pouco, e quando não haja repugnan-
cias da parte dos sobas em acceitar as substituições, ao que
seguem como praxe, ou, a adoptarem preceitos ainda não es-
tabelecidos e que os possam ir preparando para uma transi-
ção que os encaminhe para a sujeição ás nossas leis, as quaes
com o tempo, tendo d'ellas melhor comprehensão, decerto hão
de preferir a muitas das suas usanças.
DESCRIPÇÁO DA VIAGEM 597
ÁS missSes auxiliadas por aquelles sobas, adquirem os re-
ditos municipaes do concelho, e teem voto deliberativo na exe-
cução de medidas approvadas pelo governo do districto.
O chefe da divisão mais próxima faz parte da missSo do
concelho, quando não houver administrador do concelho defi-
nitivo.
Para auxiliar o governador na administração do districto,
lembramos por emquanto três intendentes com a mesma catego-
ria e vantagens, e da mesma forma nomeados como os residentes
do districto do Congo ; um para os antigos concelhos do Duque
e Pungo Andongo, outro, para os novos dos Bondos e Holos,
e o terceiro para o Cuango, comprehendendo o antigo conce-
lho de Tala Mugongo e Songos. Nas localidades em que resi-
direm serão elles os chefes ou presidentes das missões.
 direcção das missões na capital do districto, assume as
funcções das camarás municipaes nos negócios em que possa
haver analogia com as attribuiç8es d^ellas, e resolverá também
todas as duvidas sobre o mesmo assumpto com respeito ás mis-
sões nos concelhos.
Para o serviço das obras publicas o governador terá sob
suas immediatas ordens para o auxiUar, um conductor de tra-
balhos do pessoal das obras publicas da provincia.
Farão parte respectivamente da direcção das missões e das
missões concelhias em que o chefe é um residente, os faculta-
tivos do quadro de serviço de saúde que tem a sua residência
na capital do districto, ou nas localidades dos residentes. E para
o serviço clinico em cada uma das quatro localidades, haverá
uma pharmacia com o respectivo pharmaceutico do quadro, e
em cada missão, alem d'esta, uma ambulância fornecida, por
aquellas pharmacias, a cargo de ajudantes habilitados.
A cargo dos facultativos ficarão os postos meteorológicos que
se devem montar devidamente, sujeitos a instrucções do ob-
servatório de Loanda, e os gabinetes de estudos anthropologicos
com os respectivos apparelhos de anthropometria para os es-
tudos essenciaes sobre os indígenas.
Estabelecer-se-hão communicações telegraphicas entre a ca-
598 KZFKDI^^tfOBTUOOBSÂ AO lOIATIÂNVnÁ
pitai do diatiicto e os reBpectiv4)B concelho8| devendo ligal^«e
a capital com Loanda. ^
As estafBes ficam » cai^ das miasSes, que eduoarlo no
•erviço da telegsaphia os indígenas que mostrem prop^osSo para
este genevo de trabalho*
O govemoi para o terviço do expediente, terá um secreta-
rio de igual categoria ao do governo dO' Congo, que será o
Qkefo da secretaria* do distriotoi e que dirigirá, os trabalhos que
teem de ser impiçessos na tjrpographia do governo*
A tjrpogm{rfua^ por emquantoi ceduair^se-ha ao pessoal e ma^
terial indispensáveis para uma miner^xi, d'onde sO' possa fiísev
tíM9fpm sraiauf daum boletim nlo inferior em formato ao de
lòdás aa provincias: ultramarinas;
E Indi^nsavel esta lypographia para umplificaçSo do exr
pedientei e para se tomacem pubUcos todos os trabalhos em-
prehendidos pelo novo governo.
O governador terá um lyudante de ordens para trabalhos do
eampo e para o representar junto dos sobas, dos chefes de
divisSo, das missSes, ete.
Todo o serviço de expediente da fazenda publica, ficará a
cargo de um delegado da repartição de fazenda da província,
logar de commissSo para dois annos de exercício, o qual terá
para o coadjuvar um escrivão de fazenda, dois amanuenses e
dois contínuos, pessoal que pode ser indígena, tendo as pre-
cisas habilitações.
O governador, o administrador do concelho da capital, e o
referido delegado de fazenda, serão clavícularios do cofre da
fazenda, e responsáveis pela execução do regulamento que
se formular para a administração das receitas do districto.
Tanto as receitas das missSes, como as de cada um dos con*^
celhos a cobrar, e as despezas a fazer com aquellas em vista
dos seus orçamentos especiaes, ficam a cargo das missões, que
mensalmente enviam as contas com os saldos, se os houver,
para a direcção das míssSes, que depois formula a conta geral
e a remetterá para a repartição de fazenda do districto; e
quando os saldos sejam negativos a direcção das missSea os
DESCRIPÇZO DÁ VIAQEH 599
satisfará justificando á repartição de fazenda^ por que verba
satisfez tal pagamento.
E natural que sueceda, e para isso mesmo se devem em-
pregar todos os exforços, que a creaçâo de gado vaccum que
até agora se desenvolvia pouco^ e se mantinha para pagamentos
de multas e de outras contribuições, e ainda a creaçtlo de al-
gum gado que se reservava para negocio, se torne com a forma-
ção do novo governo muito maior, para alimento do pessoal que
se procurará fazer trabalhar. A mira nos lucros, ha de fazer
prosperar e desenvolver essa industria, e esse desenvolvimento
crescerá á medida que o caminho de ferro for rasgando as
florestas através das serras, e for espalhando por toda esta re-
gião, menos onerados e em maior quantidade, os vários artigos
de commercio de que nella se carecer.
Por isto mesmo devem as missSes ter todo o empenho em
crear e fazer crear nos sobados e nas divisões das tropas mo-
veis, gado vaccum em boas condições, mesmo para exportação.
Insistimos, para nós, na importante industria da creação de
gado vaccum, porque receamos que no momento opportuno, ou
quando se organise o novo governo, ou quando o caminho de
ferro chegue a Malanje, por falta de providencias, se extinga
aquella fonte de receita que deve ser perenne para a região
entre Malanje e o Cuango.
Âhi ficam pois lançadas em traços geraes, as bases para
uma organisação adequada do novo governo, cujas vantagens
são de reconhecido alcance para a condição do indígena que
procurámos melhorar, e para o desenvolvimento da província.
Comprehende-se bem, que os primeiros três annos, se pode
dizer, hão de decorrer, não podendo esperar-se fazer mais do
que os trabalhos de installação^ o necessário é que o governo
estipule para elles um subsidio que no primeiro anno não pode
ser inferior a IOiOOOiJOOO réis mensaes, no segundo a 8:000^000
réis e no terceiro a 6:000^J000 réis.
Este subsidio será pedido na proporção do que falte ás re*-
ceitas para a satisfação dos encargos, mas se o governo pro-
vincial tem de contar com este subsidio como encargo por um
DESCRIPÇlO DÁ VUOEM 601
Ha ainda consideraçSes de outra ordem que mostram a ne-
cessidade doeste governo no interior do continente.
O caminho de ferro ha de elevar muito mais a importância
commercial e agrícola que Malanje tem adquirido, e a inicia-
tiva particular ha de necessariamente desenvolver-se, já na
agricultura iniciada, já aproveitando todos os elementos para
a creaçSo de varias industrias, e por isso importa quanto antes
preparar os povos indígenas, e sobretudo o gentio que nos
rodeia, para acompanharem o movimento evolutivo, que ca-
rece dos seus auxilies, evitando-se sacrifícios de vidas europeas
e de despezas infecundas.
A auctorídade de um governador nesta região, dispondo de
duas linhas de viação importantes, a do caminho de ferro para
Loanda e a fluvial do Cuango para o Zaire, e d'uma rede te-
legraphica que o ponha em communicação com todas as aucto-
ridades sob suas ordens e com o governador geral da província,
e robustecida pelo pessoal proposto, embora não seja grande,
já muito influirá não só no animo dos povos áquem do Cuango,
mas ainda sobre os que demoram alem d'elle, pois a prepon-
derância que temos conseguido conservar nas relações que com
elles mantemos, deve ser agora mais que nunca aproveitadas,
para os attrahir ao nosso convívio, despertando-lhes necessi-
dades e proporcionar-lhes os meios de as satisfazerem.
Ainda sob a protecção doeste governo se podem destacar das
suas missões delegados, que se espalhem e fixem em legares
que a experiência aconselhe que devem ter preferencia no seio
do continente para radicar ali a nossa influencia e poderio, e
que aproveitem as linhas fluvíaes que rasgam toda essa região
para o norte, garantindo a segurança da sua navegação até ao
Cuango, onde vão affluír.
Finalmente, só creando-se este governo, nós podemos tomar
eíficaz a protecção de que carecem os diversos povos que ha-
bitam as terras da Lunda, encamínhando-os e governando- os
como súbditos portuguezes que elles dizem ser do coração.
Utilísaremos também todos os trabalhos, sacrifícios e despesas
da nossa Expedição, ali feitos durante três annos, que como
39
DESCRIPÇlO DÁ VUOEM 601
Ha ainda consideraçSes de outra ordem que mostram a ne-
cessidade doeste governo no interior do continente.
O caminho de ferro ha de elevar muito mais a importância
commercial e agricola que Malanje tem adquirido, e a inicia-
tiva particular ha de necessariamente desenvolver-se, já na
agricultura iniciada, já aproveitando todos os elementos para
a creaçSo de varias industrias, e por isso importa quanto antes
preparar os povos indígenas, e sobretudo o gentio que nos
rodeia, para acompanharem o movimento evolutivo, que ca-
rece dos seus auxilies, evitando-se sacrifícios de vidas europeas
e de despezas infecundas.
A auctoridade de um governador nesta região, dispondo de
duas linhas de viação importantes, a do caminho de ferro para
Loanda e a fluvial do Cuango para o Zaire, e d'uma rede te-
legraphica que o ponha em communicação com todas as aucto-
ridades sob suas ordens e com o governador geral da provincia,
e robustecida pelo pessoal proposto, embora não seja grande,
já muito influirá não só no animo dos povos áquem do Cuango,
mas ainda sobre os que demoram alem d^elle, pois a prepon-
derância que temos conseguido conservar nas relações que com
elles mantemos, deve ser agora mais que nunca aproveitadas,
para os attrahir ao nosso convívio, despertando-lhes necessi-
dades e proporcionar-lhes os meios de as satisfazerem.
Ainda sob a protecção doeste governo se podem destacar das
suas missões delegados, que se espalhem e fíxem em logares
que a experiência aconselhe que devem ter preferencia no seio
do continente para radicar ali a nossa influencia e poderio, e
que aproveitem as linhas fluviaes que rasgam toda essa região
para o norte, garantindo a segurança da sua navegação até ao
Cuango, onde vao affluir.
Finalmente, só creando-se este governo, nós podemos tomar
eflicaz a protecção de que carecem os diversos povos que ha-
bitam as terras da Lunda, encaminhando-os e govemando*08
como súbditos portuguezes que elles dizem ser do coração.
Utilisaremos também todos os trabalhos, sacrifícios e despesas
da nossa Expedição, ali feitos durante três annos, que como
89
600 BZPEDIÇXO POBTUGUBSKA AO KUATllNyUA
lado, por outro fica liberto de despeaas que hoje £eíz com um
certo numero de empregados e dom os novos de que carece o
governo projectado.
Num período de cinco annos depois dos três de instaUaçSes,
estarSo os subsidies sòtisfeitos, e se reformará a organisaçSo
do governo d'este novo districto, conforme as circumstandaa
aconselhem e no interesse geral da provinda.
E de suppor que neste período o caminho de ferro de pene-
toiçSo de Loanda^ haja chegado ao Cuango, e que no emtanto
a colonisação europea por iniciativa particular tenha tomado
o desenvolvimento que é para desejar, e que assim as drcum-
standas se modifiquem para melhor e com tal rapidez, que
tttdó aconselhe uma reforma administrativa sobre outras bases.
A necessidade, que desde já se faz sentir, da creaçSo de
um governo districtal em toda esta regiSo imp8e-se, porque
sendo esta a zona das terras altas, e estando em boas condi-
ç3es climatéricas relativamente ao littoral, deve tomar-se um
centro de exploraçSo agrícola, de attracçSo commercial e ainda
de aproveitamento de todos os indígenas que emigram das ter-
ras além do Cuango.
E de necessidade tornar-se este gov^erno a sentmella vigi-
lante que estude todos os movimentos dos que trabalham pelo
Estado Independente do Congo, contrapondo a nossa á influen-
cia que procuram adquirir entre o gentio e mantendo a que
ha séculos sobre elie conseguimos exercer, porque tendo nós
governos no littoral de ha muito estabelecidos, precisámos de
um, pelo menos, no interior, que seja barreira a todas as ten-
dências absorventes que hoje se manifestam, e que em breve
se podem tomar fortes obstáculos á nossa expans&o colonial.
Como é sabido, nesta região muito distante do littoral, um nú-
cleo de colonos europeus e de africanos de outras provindas,
trabalham ha annos sem protecção official e por iniciativa pró-
pria, por firmar o nosso domínio, quer pelo commercio, quer
pela agricultura, e a attençâo do governador ger&l de Loanda
ha de ser sempre distrahida pelos negócios Instantes e que
respeitam ao que d'elle fique mais perto.
DESCRIPÇlO DÁ VUOEM 601
Ha ainda consideraçSes de outra ordem que mostram a ne-
cessidade d'este governo no interior do continente.
O caminho de ferro ha de elevar muito mais a importância
commercial e agricola que Malanje tem adquirido^ e a inicia-
tiva particular ba de necessariamente desenvolver-se, já na
agricultura iniciada^ já aproveitando todos os elementos para
a creaçSo de varias industrias^ e por isso importa quanto antes
preparar os povos indigenas^ e sobretudo o gentio que nos
rodeia, para acompanharem o movimento evolutivo, que ca-
rece dos seus auxilies, evitando-se sacrificios de vidas europeas
e de despezas infecundas.
A auctoridade de um governador nesta região, dispondo de
duas linbas de viação importantes, a do caminho de ferro para
Loanda e a fluvial do Cuango para o Zaire, e d'uma rede te-
legraphica que o ponha em communicação com todas as aucto-
ridades sob suas ordens e com o governador geral da provincia,
e robustecida pelo pessoal proposto, embora não seja grande,
já muito influirá não só no animo dos povos áquem do Cuango,
mas ainda sobre os que demoram alem d^elle, pois a prepon-
derância que temos conseguido conservar nas relações que com
elles mantemos, deve ser agora mais que nunca aproveitadas,
para os attrahir ao nosso convívio, despertando-lhes necessi-
dades e proporcionar-lhes os meios de as satisfazerem.
Ainda sob a protecção d'este governo se podem destacar das
suas missões delegados, que se espalhem e fixem em legares
que a experiência aconselhe que devem ter preferencia no seio
do continente para radicar ali a nossa influencia e poderio, e
que aproveitem as linhas fluviaes que rasgam toda essa região
para o norte, garantindo a segurança da sua navegação até ao
Cuango, onde vão affluir.
Finalmente, só creando-se este governo, nós podemos tomar
eíficaz a protecção de que carecem os diversos povos que ha-
bitam as terras da Lunda, encaminhando-os e govemando-os
como súbditos portuguezes que elles dizem ser do coração.
Utilisaremos também todos os trabalhos^ sacrifícios e despesas
da nossa Expedição, ali feitos durante três annos, que como
89
603 EXPEDIÇÃO POBTOaUEZA AO HUATIÂNVDA
vamos ver noa volumes que se seguem, tem para o nouo pais
uma alta importância, quer sob os pontos de vista humanitaiio
o sciestifico, quer sob oe dos interesses particulares e das in-
dustrias nacionaes, e principalmeate sob o da firmaçSo e flo-
rescimento do nosso império atravez do Continente africano.
APPENDICE
j
m
Já depois de impressa parte do ultimo capitulo doeste vo-
lume, o illustrado Ministro o sr. Frederico Ressano Garcia man-
dou-nos consultar por mais de uma vez, sobre o que podiamos
informar, com respeito á situação politica dos povos da Lunda;
conveniência do estabelecimento de missões religiosas entre
elles com a sede em Malanje; sobre a occupaç&o das EstaçSeS;
que a nossa Expedição havia estabelecido em diíTerentes pon-
tos do seu transito até á Mussuínba do Muatiânvua, e ainda
sobre o seu projecto de enviar uma nova embaixada á Lunda,
de que fariam parte os missionários que deviam já permanecer
com os referidos povos.
Desempenhámos esse honroso encargo, fundados nos conheci-
mentos práticos que adquiríramos pela observação; -mas como
surgissem difficuldades, para a execução immediata dos projectos
de grande alcance politico do estudioso e sensato ministro, por
uma má percepção dos telegrammas da Direcção do Ultramar
por parte do Governo de Angola, ainda que me fosse bastante
penoso na occasião, entendi do meu dever promptificar-me a
ir dar cumprimento ás determinaçSes de S. Ex.* o Ministro,
lembrando então a conveniência de se crear o governo no in-
terior da provincia de Angola, como proponho no final d'este
livro, tendo por emquanto por lapital Malanje ; e como a este
propósito tivesse de prestar diversos esclarecimentos, entendo
opportuno dar d* elles publicidade, antes de proseguir na des-
crípção da viagem da Expedição para além do Cuango.
PLANO E ORÇAMENTO
PARA O NOVO GOVERNO DE MALANJE
Pelo plano que esboçámos, o governo do districto de Malanje, por
emquanto, deve comprehender o concelho da capital e três intendências,
abrangendo cada uma doestas dois concelhos.
O concelho da capital é limitado ao norte pelos rios Cole e Lucala,
até ao 16** de long. £. de Greenwich, a oeste por este meridiano até ao
Cuanza, a sul por este rio até ao parallelo 10® seguindo com elle o li-
mite até ao meridiano IT^*, a leste por este meridiano até á baixa da serra
de Tala Mugongo, lado do oeste, seguindo o limite até ao parallelo que
passando nas terras de Quifucussa vae cortar o rio Ck)le.
A primeira intendência, comprchcnde os antigos concelhos de Pungo
Andongo e Duque de Bragança, sendo a residência neste.
A segunda, comprehende os novos concelhos dos Bondos e Holos, limi-
tados pelos rios Cuango, Luí, Cambo, e seu affluente mais occidental, e
pelo limite norte do concelho da capital, sendo a residência nos Bondos.
A terceira comprehende o antigo concelho de Tala Magongo e o novo
dos Songos, cujos limites são, a sul o parallelo 10® até ao Cuango, a leste
este rio, a norte e oeste os designados para os concelhos com que con-
fina, sendo a residência em Cassanje, o mais próximo possivel de um dos
bons portos do Cuango.
O pessoal de que carece este governo, como projectámos, reduz-se ao
seguinte :
Na capital
Governador do districto.
Ajudante de ordens.
Pessoal da secretaria do governo :
Secretario do governo.
608 EXPEDIÇXO FORTUGUEZA AO MUATliHVnA
1 official sabaltemo, encarregado da inBtmcçio militar.
3 officiaes inferiores, idem.
4 amanuenses, indígenas.
2 contínuos, ideuL
Missão principal :
1 ecclesíastíco, superior das missões.
2 ditos, seus coadjuçtores.
1 agrónomo.
1 telcgraphista.
1 typographo.
. 6 officiaes de officios manuaes.
1 cscripturario.
6 empregados menores ^
Administração do concelho :
Administrador, o commandante da companhia de policia.
1 escrivão, indígena.
2 amanuenses, idem.
2 empregados menores, idem.
Companhia de polícia :
Commandante, 1 official subalterno.
8 officiaes inferiores (1 para secretario).
4 cabos.
26 soldados.
Tribunal de justiça :
1 juiz.
1 delegado do ministério publico.
1 escrivão, indígena.
1 amanuense, idem.
1 official, idem.
1 continuo, idem.
Procuratura dos negócios gentílicos :
1 procurador, o juiz.
1 escrivão, indígena.
1 interprete, idem.
' Podem ser educandos dos collegios das missões, ou indígenas com as necessárias ha-
bilitaçGea.
DESCBIPÇXO DÁ VIAGEM 609
1 amanuense, idem.
1 official, idem.
1 continuo, idem.
Delegação de fazenda :
1 delegado.
1 escrivão, indigena.
2 amanuenses, idem.
1 official, idem.
1 continuo, idem.
Serviço de saúde :
1 facultativo de 1.* classe.
1 pharmaceutico de 1.* classe.
1 enfermeiro, indigena.
4 empregados menores, idem.
Serviço de obras publicas :
1 conductor de trabalhos.
1 apontador, indigena.
1 guarda, idem.
Serviço do correio :
Director, o secretario do governo.
1 escripturario, indigena.
1 fiel, idem.
1 distribuidor, idem.
Posto meteorológico e gabinete anthropologico :
Director, o facultativo de 1.* classe.
1 escripturario, indigena.
1 guarda, idem.
1 servente, idem.
Estação tclcgraphica e typographia :
A cargo da miss2o principal :
4 empregados menores, indigenas.
6 guarda fios.
1 impressor.
6 aprendizes.
Cada concelho será dividido em quatro divisões, e cada divisão terá
uma companhia de Moveis para a guarnecer, na força necessária para se
610 EXPEDIÇXO POBTUGUEZA AO MUATIIkVUA
fraccionar pelo menos em quatro secções, commandadas cada ama por
official, sendo os quartéis nas próprias patrulhas, denominação esta que
se deve conservar.
Fora da capital
3 intendentes (sendo cada um o administrador no sen concellio).
3 administradores do concelho subordinados áquelles, que podem aer
os chefes civis das missões.
3 facultativos de 2.* classe.
3 pharmaceuticos de 2.* classe.
3 ajudantes de pharmacia.
6 chefes ccclesiasticos das missões.
6 irmSos missionários.
6 escrivães de administração e de fazenda, indígenas.
6 amanuenses, idem.
6 contínuos, idem.
N. B. — Na intendência do Cuango, isto é, na terceira, cuja residên-
cia é em Cassanje, ha a contar também com o pessoal europeu e indí-
gena para a navegação dos barcos a vapor.
Em todos 08 sete concelhos ha a contar com uma guarda diária de
Moveis, de commando de official inferior, devendo contar-se pelo menos
com três sentinellas, e que será paga na rasSo de 100 réis cada soldado,
120 réis cada cabo c 240 réis o official inferior. Nos casos ordinários
esta guarda compõe-se : do official inferior, commandante, 3 cabos e 15
soldados.
Despeza mensal com o pessoal proposto
Governador :
Ordenado 420^000
Despczas de representação * 80^000 t^qq íqoq
Secretaria geral :
Secretario, ordenado lOO^^ÍKX)
Official subalterno, instructor militar, sol-
do e gratificação (íOi^OOO
3 officiacs inferiores instructores, 24^000 72ií(X)0
4 amanuenses civis, 18^íXX) réis 724(^KX)
2 continues. lOi^OOO réis 20á000 aoi aooo
— 824^000
' Nestas despczas comprchcudem-so os presentes aos sobas e jagas.
DBSCBIFÇZO DA TUQEII
TVanÊporíe — Et.
MísbIo principal :
Ecciceiastioo eaperior > SOfOOO
2 ditos, coadjuctorea, 45AO0O réis 90^000
1 agrónomo 60*000
1 t,-li-grapl,ii,i,i 501000 .
1 typographo 5OÍ000 .
li officiaes de offitios, 36*000 réU 216*000
1 leacripturarlo 18*000
6 empregados menorcB, 6*000 réis 36*000
Companhia do polícia:
Conunandaotc, oHicLal BubalUruo, eoldo e
gratíficaçao 50*000
3 officiaea inferiores, 24*000 réis 72*000
4 cabos, 18*000 réis 72*000
2G soldadoB, 155000 r£ie 390*000
2 corneteiros indígenas, 9*000 réis 1FI*000
Administração do concelho:
ÃdniiiiiBtrador, commandante de policia,
griitificftí,-ilo 30*000
EucrivBO, <>r<lon.ido 30*000
2 amanuenses, 15*000 réis 30*000
2 empregados menores, 6*000 réis. l'<í*UOO
1 official inferior de policia 6*000
Tribunal âe justiça ;
Juii de direito 120*000
Delegado do procurador da coroa, e fii-
zenda, ordenado 80*000
Como conservador 20*000
Escrivfto, ordenado 45*000
Ajudante privativo 40*000
I amanuense (la conservatória S0*000
1 escriplurario do tribunal de Justiça. . . 18*000
1 oiBcial de diligencias 15*000
1 continuo 9*000
m ODcarp» n> pwocblk.
I
s
I
(
li
I
612 EXPEDIÇIO POBTUGUEZÁ ÀO MUATIÂNVUÀ
TranaporU — Iía. 2:511*000
Procuratura dos negócios gentUicos :
Procurador, juiz, gratificação 5011000
Jury, 6 sobas, gratificação \ 12|!000 réis . 72 iOOO
Escrivão, ordenado 18:^000
1 interprete 15;^000
1 amanuense 124000
1 official de diligencias 9ijl000
1 continuo Gi^OOO I82i000
Delegação de fazenda :
Delegado, ordenado OOj^OOO
Escrivão, dito 45)^000
2 amanuenses, ordenado, 18)^000 réis. . . 36)1000
1 official, ordenado 18ií000
1 continuo 12i^000 201^000
Serviço de saúde :
Facultativo de 1.* classe, ordenado e
gratificação 90JÍ000
1 pharmaceutico de 1.* classe, ordenado
c gratificação 60)^000
1 enfermeiro 30^000
4 empregados menores, OíÍIOOO réis 3(>;í000 21GÍ000
Serviço de obras publicas :
1 conduetor de trabalhos 1001^000
1 apontador 30^^000
1 guarda ._^5^000 145^000
Serviço do correio :
Director, secretario do governo, grati-
ficação 30^000
1 escripturario 24^000
1 fiel 18^000
1 distribuidor 15^000 ST^^OOO
3:342^000
' Esta gratiflcação ó Indispensável para os transportes.
/
DESCRIPçIO DA VIAGEM 613
Transporte— Bê, 3:342ií000
Posto meteorológico e gabinete authropolo-
gico :
Director, facultativo dè 1.* classe, grati-
ficação 30^000
1 escripturario, ordenado 18^000
1 guarda 9ií000
1 servente 6Í000
63^000
Estação telegraphica e typographia :
6 guarda fios, 12^000 réis . , 72|iOOO
1 impressor 30|>000
6 aprendizes, 12^000 réis 7211000
4 empregados menores, 9^000 réis 36^000 oinjcOGO
Secção militar :
Ajudante de ordens, soldo e gratificação 60.11000
Guardas permanentes nos concelhos :
7 commandantcs, ofiiciaes inferiores, réis
7^200 50^400
21 cabos 3^600 réis 75i6tíOO
105 soldados, 3*000 réis 315*000 . . - .^v^
^'*wu 4.11(51000
Fora da capital
•
3 intendentes, ordenado, 150*0000 réis 450*000
3 administradores de concelho, 60*000.. 180*000
3 facultativos de 2.* classe, 60*000 réis 180*000
3 pharmaceuticos de 2.* classe, 40*000. . 120*000
3 ajudantes de pharmacia, 20*000 réis.. 60*000
6 ecclesiasticos chefes de missão, 50*000 300*000
6 irmãos missionários, 30*000 réis. . . . 180*000
6 escrivães de administração e fazenda,
20*000 réis 120*000
6 amanuenses, 12*000 réis 72*000
6 contínuos, 9*000 réis 54^000
Gratificações de direcção do correio a 6
directores e admbiistradores, 10*000 60*000 i.77g^(w) 4.iiaao(X)
614 EXPEDIÇXO PORTUOUSÉli AO MUATIÂNVUA
/!l>afM|k>rte—l?#.l:776)|()0a 4:116*000
3 gratificações para postos meteorologi*
cos e gabinetes, ãOj;000 réis «... 60A000
6 escripturarios, ordenado, 15A00O réis. 90^000
6 empregados menores, 6il000' réis ...... 361000.
Serviço de barcos no Coango (pessoal) . 20QI000.
Gratificações a 18 sobas que fiir2o parte. ...
das missões concelhias, 6J»00Q réis • • • .1081000 ACkAMív^ •
6:386 JOOO
NSo podem pois os encargos .com este pessoal exceder a Yetkm
sal de 6:400*000 réis.
Besta pois no primeiro anno do subsidio pedié» «•'governo, mensal-
mente, a verba de 3:600*000 réis, que .tear fc ser distriboida pelas mis-
sões, patrolhas e uniformes para os-Moveís, colónias agrícolas, acquisiçio^
de instrumentos, utensilioa, ferramentas, etc., e pelo menos a decima
parte para viaç2o e outvo tanto para o estabelecimento das linhas tele-
graphicas.
£ de cter que no fim do primeiro anno n2o só as missões, como as
troftts agrícolas e colónias indígenas agrícolas dêem rendimento, maa
tmbem que esteja feito sobre .boas bases um lançamento, de tributos
directos sobre os estabelecimentos commerciaes e agrícolas existentes, e
portanto que haja rendimentos não só para manter as instituições orça-
das, mas para as fazer progredir.
111."* e Ex.»» Sr. — Descrevendo a viagem da minha Expedição de
Loanda á Mussumba do Muatiânvua, pareceu -me de conveniência ao
terminar a primeira parte — de Loanda ao rio Cuango — que se refere es-
pecialmente á província de Angola, visto que me tornara minucioso dando
conta das minhas observações sobre a região mais a leste, o vasto con-
celho de Malanjc e d'ahi até ao Cuango, região pouco conhecida dos
poderes públicos e mesmo do governo provincial ; parcceu-me de conve-
niência, repito, planear como se me afigurava um governo interior dis-
trictal, que comprehendendo essa grande região e os antigos concelhos,
um em decadência, Pungo Andongo, e o outro que não passou de inicia-
ção, o do Duque de Bragança, pudesse com um pequeno subsidio do go-
verno de Sua Magestade, tomar um tal desenvolvimento que depois dos
trcs annos da sua installação, fosse o que devia ser — o celleiro do go-
verno central da provinda.
Nesse intento, esbocei um projecto de administração para o novo go-
verno, de modo que em menos tempo do que se poderia snppor, se pro-
DESCRÍPÇXO DA VIAGEM 615
moveria a nossa expansão colonial, atravez das terras da Lunda entre o
6® e o 12^ de lat S. do Equador, até chegarmos á provincia de Moçam-
bique, auxiliando-nos voluntariamente nessa expansão as diversas tribus
que as povoam.
Não era o plano projectado com uma iniciativa progressiva, de effeitos
immediatos, e com cujos resultados florescentes se pudesse contar em
curto praso. Para isso era necessário uma completa transformação, e por-
tanto um grande pessoal dirigente, rico em habilitações e por isso mesmo
muito oneroso.
O plano era muito mais modesto, visando aos mesmos fins, mas va-
garosamente, tendo a vantagem de crear receitas ao mesmo tempo que
se procurasse educar os povos para prepararem o terreno para colonisação
europea em todo o seu desenvolvimento, fosse qual fosse o ramo de acti-
vidade humana a que ella se quizesse dedicar.
Levado de consideração em consideração, aproveitando-me de insti-
tuições antigas nas nossas colónias, procurando fazer interessar o indí-
gena pela intervenção directa na administração do novo governo e espa-
lhando missões de ensino pratico profissional e agrícola em toda aquella
vasta região, eu estava satisfeito com o meu projecto; porque além de
me encontrar com uma força indígena respeitável em armas, guarnecendo
todo o districto, devidamente uniformisada e instruída, mantinha com-
municaçoes rápidas por meio de uma rede telegraphica entre todas as
auctoridades e missões do districto e as do governo districtal e com o da
provincia no litoral; nttendia á exploração da via fluvial no Cuango; con-
seguia ter em todo o districto os recursos médicos indispensáveis; creava
um grande numero de empregos públicos — estimulo para o aperfeiçoa-
mento social c litterario do indígena, e finalmente, dispunha de um pes-
soal importante cm numero e intclligencia, e com a auctoridade precisa
para se attender a todos os assumptos, ainda os de mais reconhecida
importância, para uma administração colonial bem orientada, despen-
dendo apenas com ^esse pessoal bem remunerado a verba em números
redondos de 6:500J>000 réis em cada mez ou 78:00OijlO00 réis por anno.
Mas o que eu nunca podia snppor, antes mesmo doeste projecto che-
gar a ter publicidade, é que V. Ex**, havendo acceitado bem a idea das
missões religiosas civilisadoras para o ensino pratico profissional e agrí-
cola dos indígenas, com sede cm Malanje, podendo exercer directa in-
fluencia além -Cuango, entre Lundas e Quiôcos, e tendo como complemento
indispensável para a nossa occupação effectiva sobre a região da Lunda
a instituição de um governo interior com a sua capital por emquanto
em Malanje, se dignasse confiar-me o encargo de ir organisar e installar
esse governo.
Parece-me que nada haverá a desprezar na organisação projectada
anteriormente, porém, attendendo á urgência da occupação das terras
616 EXFEDIÇXO POBTUOUEZA AO MUATllHynA
da Lnnda, é preciso desde já fiizer occupar quatro Eslaçôes : No Ci
f/ula do I/nma, no Qmuenffuey em Mataba na margem esquerda do
Cassai, e na Muuumba^ entre os rios Luiza e CalânhL
O pessoal d*estas Estações deve compor-se, além do priyatÍYO dms
missues, de um delegado do governo do districto de Malanje, um escri-
ptarario e dois escoteiros, qae todos podem ser indigenas do referido
districto, e que teem de se manter assim como a missio, por meio de
transacções commerciaes com os povos vizinhos.
Deve dotar-se a companhia de policia do novo governo, com doas até
quatro metralhadoras, que podem ser do systema KordenQeId, ou talves
tossem preferíveis pelo numero de tiros as de Gatling, com uma bateria
de peças de montanha Armstrong, de pequeno calibre, das que existem
no nosso arsenal já recolhidas em deposito, e com armamento completo
de infanteria, antigo systema Snyder Bumett, para 600 praças.
Devendo aproveitar-se onde seja possível o recurso da navegaçSo doe
rios, e sendo certo que o Cuango, salva a queda D. Luiz i, numa eztensio
linear de 50 kilometros, entre o 4<^ 25' a 5<* de lat S. do Equador, se pode
navegar a contar do 9^ até ao Zaire, por barcos a vapor que demandem
10 pollegadas; toma- se indispensável a acquisiçlo de dois d'esses bar-
cos que se possam transportar por terra sobre rails do systema Decau-
ville, os quaes também servirão para facilitar o transporte de artilheria e
metralhadoras para qualquer ponto do interior.
O official ou oíBciaes competentes que tomarem o commando d^aquelles
barcos, poderão depois estudar quaesquer modificações a introduzir em
outros, para se emprehender a navegação dos affluentes do Cuango ató
onde seja possível, e assim, melhor do que por qualquer outro meio,
attendcndo ás circumstancias económicas, se garantirá ao commercio a
segurança nas suas transacções e para os povos a efiicacia da nossa va- ,
liosa protecção.
A occupação oíHcial da vasta região da Lunda, sem que a iniciativa
particular a acompanhe, dispondo dos meios ao seu» alcance para obter
mercados commerciaes entre os seus povos, desenvolver a agricultura e
todas as industrias de remuneradora exploração, onde desde já o recla-
mem as circumstancias, é de certo neutralisar os esforços do governo ;
e por isso me parece necessário a propaganda, para que se organizem
companhias de exploração agrícola que protejam colónias indigenas e as
estimulem a produzir, embora o governo haja de conceder a essas com-
panhias um certo numero de isenções e privilégios que facultem e con-
videm a afHuencia do capital para emprezas d'csta ordem no centro do
continente, para onde o governo por outro lado procurará, se façam con-
vergir não uma, mas todas as linhas de caminhos de ferro de penetra-
ção em projecto, a partir de diversos pontos no littoral no occidente e no
oriente.
DESCRIPÇXO DA VIAGEM 617
O estabelecimento das linhas telegraphicas, que se faria a pouco e
pouco na área do districto; tem agora, pelo menos a principal ao Cuango,
e d'ahi para as Estações no interior, e de umas para outras, de ser feito
immediatamente, para o caso de providencias urgentes que as Estações
reclamem do governo do districto, e para que este as possa reclamar do
governo provincial caso seja preciso. Portanto a direcção das obras pu-
blicas da província de Angola, que tem hoje um pessoal pratico, e em
parte indígena, quando habilitada com os recursos materiaes de que se
carece, pode em pouco tempo attender ao estabelecimento doestas linhas,
e necessário se torna, que esta direcção se dedique a isso de preferencia
a qualquer outro trabalho, caso não resulte prejuízo quando esse tenha de
ser suspenso temporariamente.
Desde que seja approvado a organisação das companhias moveis como
as projectei, a agricultura, as receitas do correio, as hospedagens nas
patrulhas e o imposto de trabalho para estradas, permittirão ao nosso go-
verno manter uma força armada importante, uao inferior em disciplina
e educação militar a qualquer corpo indígena de primeira linha, porém
muito mais economicamente, porque dispensa um luxuoso estado maior,
sendo mais bem alimentada e melhor aquartelada, visto cada praça viver
com sua familia, e estar vestida de modo mais apropriado ao clima, ser-
viços que se lhe exigem e que mais se coadunam aos seus hábitos.
No emtanto para preparar esta força carece-se de tempo, e sendo ne-
cessário logo de principio estar prevenido para qualquer eventualidade
que se possa dar nas novas intendências, ou além do Cuango, em uma
qualquer das delegações do governo ou das missões que vão crear-se, e
portanto, devendo haver sempre uma força prompta a que recorrer im-
mediatamente, julgo que, não havendo rasão alguma que justifique a
permanência em I^anda de dois corpos de caçadores de primeira linha,
existindo ali uma bateria de artilheria, uma boa companhia de policia
e um batalhão de segunda linha e no porto uma força naval respeitável,
julgo, repito, que seria de conveniência, que um d'csses corpos de ca-
çadores voltasse a residir no interior, podendo agora ser mesmo na villa
de Malanje. Elle forneceria os destacamentos para o Dondo, Dande, £n-
coje, Golungo Alto e Ambaca, de modo que, sempre uma ala estivesse
no seu quartel em Malanje, prompta a prestar qualquer auxilio dentro
do districto ou nas suas dependências para leste.
Logo que as companhias estejam preparadas de modo a inspirar con-
fiança, poderia retirar- se essa ala para novo quartel, que a nosso ver
deveria ser sempre no interior, mas onde mais conviesse ao governo pro-
vincial.
Não me parece facíl fazerem-se reducçocs na verba a despender com o
pessoal proposto para o projectado governo, porém o que é possível em
principio, é reduz ir- se um pouco esse pessoal e applicar a importância
40
Ip'
618 EXPEDIÇÃO POBTOGDEZA AO MUATIÂNVUA
excedente em gratificações pelas accumulaçoes de serviços e manuteiiçâo
das quatro estações no interior além do Cuango ; neste caso o orçamento
seria o seguinte :
Despeza mensal
Governador, ordenado c representação 500^000
Secretaria geral, fazenda e correio :
Secretario, ordenado 100^000
» gratificação pela direcção do
correio 20|!000
» gratificação como delegado da
* fazenda 30|!000 1501000
Ajudante de ordens, ordenado e gratifica-
ção 60J1000
Ajudante, gratificação como instructor e pelo
serviço de secretaria 20j|000 qq^ogO
3 officiaes inferiores, gratificação pela in-
strucção e secretaria, 27í;000 réis 81Í000
4 amanuenses, ordenados 18|i000 réis 72JÍ000
» gratificação pela fazenda e
correio, 6;^000 réis ..... 24^000 95 .OOO
1 oíficinl de deligencias 18JÍ000
1 distribuidor Gi;0OO
2 coutinuos, G^OOO réis 12^000 443 .000
Missão principal '610^000
Companhia de policia :
Cominandaiite, ordenado e gratificação OOíIOOO
2 efticiaes inferiores, 24j^000 réis 48ií000
4 cabos, 18^000 réis 721000
20 soldados, 15^000 réis 300^000
2 corneteiros, 9 MXX) réis ISÍIOOO 433*000
Administração do concelho :
Administrador, commandante de policia, gratifica-
ção 10)2!000
Escrivão, ordenado 30^000
1 official inferior de policia, gratificação GiíOOO
1 amanuense, ordenado lõiíOOO
1 continuo GjlOOO «, ,^^^^
6(^000
2:108^000
DESCRIPÇZO DÀ VUGEM 619
TranspoHe—JRs. 2:108*000
Tribunal de justiça e conservatória (supprimido o aju-
dante privativo) 327|!000
Procuratura dos negócios gentil icos 182JÍ000
Serviço de saúde, posto meteorológico c gabinete an-
thropologico (Rupprimidos os quatro empregados me-
nores) 243í;000
Serviço de obras publicas (a cargo do governo) -if~
Estação tclegrapbica e typograpbia a cargo da missão
principal :
6 guarda fios, 12*000 réis 72|!000
4 empregados menores, 9i|O0íJ réis 36*000 log^/w)
6 guardas militares permanentes (nos concelhos) '. 378*000
3:346*000
Fora da capital
3 intendentes (nas novas intendências) 450*000
3 administradores do concelho, gratificação aos
chefes das missões 30*000
3 ofliciaes de 2.* classe 180*000
3 pharmaceuticos de 2.* classe 180*000
3 ajudantes de pharmacia 60*000
3 ecclesiasticos chefes de missão 300*000
6 irmãos missionários # . 180*000
6 escrivães .- 120*000
6 amanuenses 72*000
6 contínuos 54*000
G gratificações aos chefes das missões, pelo correio. . 30*000
3 gratificações no posto meteorológico e gratificação
aos facultativos de 2.* classe 60*000
6 escripturarios 60*000
6 empregados menores 36*000
Serviço de barcos no Cuango 200*000
Gratificação a 18 sobas 108*000 o.i ooiooo
Somma 5:466*000
Despeza do primeiro projecto 6:400*000
A favor 934*000
620 BXPEDIÇIO POBTUGUEZÁ AO MUATIÂNVUA
D*e8ta forma^ fazendo algamas redacções no pessoal, que em principio
será possível dispensar, dando gratificações aos empregados que aocama-
lem outros serviços, podemos obter o saldo de 934^1000 réis, que chegapara
pagar ao pessoal das quatro Estações, em fazendas e outros artigos de
commercio — a moeda corrente além do Cuango — sendo indispensável
porém que estes artigos sejam remettidos por um fornecedor official em
Lisboa, e isentos de direitos nas alfandegas de Lisboa e de Loanda,
porque sobre elles teem de pezar os fretes de Lisboa até ás Estações,
que hão de sair d*aquella dotação para as referidas Estações.
Logo de principio ha a attender em todos os concelhos, e principal-
mente na capital, aos alojamentos indispensáveis para as diversas re-
partições. Nas villas dos dois antigos concelhos de Malanje e Pongo
Andongo, supprem-se por emquanto as faltas tomando de arrendamento a
particulares o que haja disponível, porém nos outros concelhos ha a fa-
zer logo de principio construcçocs aos usos do paiz, mas em melhores
condições de habitabilidade, e com o tempo, aproveitando os recursos
do districto, podem-se fazer construcções adequadas, seguindo um sys-
tema que garanta solidez e duração.
Do subsidio mensal excedente, d:600j|000 réis no primeiro anuo da
installação do novo governo, uma parte tem logo de ser applicada a estas
construcções.
Como um dos primeiros actos do novo governo tem de ser, necessa-
riamente, o de fazer sair uma embaixada para o Muatiftnvua eleito no
Caungula, e para o Quissengue, príncipe Quiôco, de que façam parte os
missionários que teem de occupar as duas Estações civilisadoras, uma
junta de cada um d^esses potentados ; deve o governo ser auctorisado
para as despezas com essa expedição c Estações, a dispor da verba de um
anno para a dotação das duas Estações, e outro tanto da verba do sub-
sidio para material, no primeiro anno da installação, para o novo governo.
São estes os alvitres que mais de prompto se me offerecem para a
organisação e installação do governo districtal de Malanje e suas de-
pendências alóm do Cuango, occupando-se logo duas Estações civilisa-
(leras e piíssado algum tempo as outras duas mais longínquas, a de Ma-
taba c a da Mussumba.
Lisboa, 3 de janeiro de 1880. =^ Henrique Augusto Dias de Carvalho,
Oflicios
Ill."« e Ex."« Sr. — Passando ás mãos de V. Ex." os inclusos três do-
cumentos referentes: á organisação de um governo districtal no interior
da província de Angola, cm Malanje, até á margem do Cuango, com na-
vegação doeste rio até ao Zaire, e ao pessoal indispensável para a acqui-
sição de receita, e ao ensino e aproveitamento do gentio, de modo que.
DESCRIPÇXO DÀ VIAGEM 621
passados ires annos depois da sua installação. se tomasse possível dis-
pensar a dotação que se pede ao governo de Sua Magestade para a rea-
lisação do referido projecto — dotação que se restringira ao mais es-
sencial — como se vê pelas verbas distribuídas no orçamento, que faz
parte dos referidos documentos e ainda por uma memoria em que, pela
urgência de se occupar as terras da Lunda como dependências do re-
ferido governo, tendo em attençSo a economia com a mesma dotação^
reduzindo ao principio o numero de empregados, se consegue fazer já
quatro Estações em diversos pontos da Lunda, os mais principaes ; devo
ainda dizer a V. £x.* que já depois de elaborados aquelles trabalhos,
tendo conferenciado com V. £x.*, novas considerações me suggeriram os
assumptos que V. £x.* mais fixou então como preferentes desde já, e se
bem me recordo, podem elles synthetisar-se da maneira seguinte :
1.® Organisar uma expedição que acompanhe : a embaixada do Mua-
tiftnvua que está em Malanje, no seu regresso, ao ponto onde se encontra
o Muatiânvua que a enviou, e os missionários do Rev.^<» Campana, para
se estabelecerem nas Estações que de accordo com elle e os potenta-
dos principaes, devam de preferencia occupar-se já.
2,^ Estabelecer, mas para occupar definitivamente, pelo transito, Es-
tações ou Patrulhas, aproveitando as que foram por mim levantadas na
primeira viagem através das terras da Lunda e até onde seja possível, li-
gando as por linhas telegraphicas.
3.<* Estabelecer no Cuango barcos a vapor, apropriados á navegação,
a partir das vizinhanças de Cassanje até o Zaire, tendo de se fazer na
margem esquerda entre o 5° e 4'*,45' S. do Equador, um caminho devida-
mente regularisado que não pode exceder 60 kilometros, para supprir por
terra a interrupção da linha fluvial, devida á queda de agua D. Luiz i.
4.^ Assegurar a occupação, sujeitando os povos de Cassanje, os Bon-
dos, Holos, Songos, Cobos e Haris á nossa auctoridade, sem o que não
fica garantida a segurança da navegação do Cuango, nem tão pouco a
nossa posse das terras dos Capendas, da margem direita, como estes
pedem, nem a occupação das terras da Lunda, habitadas pelos povos
do Muatiânvua e pelos Quiôcos.
5.^ Finalmente, por em evidencia principalmente ao norte, a auctori-
dade de Portugal, entre o Cuango e Lualaba, de modo que os agentes
do Estado Independente do Congo não procurem, enganando os povos,
sair da linha limite que lhe foi fixada na conferencia de Berlim, para
fronteira doesse estado a sul, entre aquelles rios.
Estes fins que me parece serem os principaes, que o governo de Sua
Magestade tem em vista sejam satisfeitos immediatamente, podem sé-lo
quando não faltem os devidos auxílios logo no principio. £ indispensável
que as Estações estabelecidas sejam occupadas e fornecidas de fazendas
e outros objectos para negocio com as povoações, quando mais não seja
622 EXPEDIÇÃO PORTUOUEZÂ AO MUàTIÍKVUA
com alimentos para o pessoal, pois assim transita sem difficuldades o
chefe, ou quem elle mande, de uma para outra Estação.
A maior difficuldade que encontrou sempre a minha Expedição, foi ao
retirar a ultima parte d*elIa,porque os povos vizinhos das Estações ii2o
se podiam conformar com a facto das casas ficarem despejadas, e de as
fazendas seguirem todas com a Expedição para serem negociadas com
outros povos mais para o interior.
Emquanto as Estações estavam occupadas, os povos mesmo se pres-
tavam ao serviço de transportes das cargas de umas para outras, porém
ao deixarem-se as ultimas, levantavam-se sempre questões que era ne*
cessario toda a prudência para resolver, e por isso mesmo eu tive neces-
sidade, depois de marcar as novas Estações, de voltar atrás para retirar
com a ultima parte da Expedição.
Já assim não succederia se a Estação tivesse ficado devidamente oc-
cupada.
Providas as Estações, e obtidos os recursos de umas para as outras,
creia V. £x.* que se consegue ir de costa a costa ou onde se queira che-
gar, sem ser preciso grande pessoal de carregadores ao serviço perma-
nente das Expedições. As próprias povoações nos auxiliam no serviço de
transportes.
Se o commercio particular viesse occupar algumas Estações, muito
auxiliaria na questão económica o governo.
Só por isto, vê já V. £x.* a necessidade que ha de que o chefe de
uma missSo doesta ordem tenha a necessária auctoridade em Malanje,
porque logo os povos vizinhos o reconhecem como pessoa de grande con-
fiança do Governo de Sua Magestade (Muene Puto), e sendo eu o encar-
regado de tal missão, dá-se ainda a circumstancia de terem tido os
principaes Arabanzas com honras de Jagas, com quem estive no interior,
a idea de solicitar de Muene Puto, para eu ser nomeado chefe de Cas-
sanje ; e vendo-me agora feito Guviilo (governador) mais me respeitarão,
e acreditarão que mereço confiança a Muene Puto, vendo-me de mais a
mais com galões de tenente coronel, influindo ainda mais no seu animo
esse augmento de posto.
Eu pedia no projecto do governo a reorganisação das companhias mo-
veis, de modo a serem profícuas e a dispensar-se força de primeira linha;
mas attcndcndo a que preparar essa força como deve ser, levava algum
tempo, lembrei na memoria a vinda de um corpo de caçadores da capi-
tal para Malanje. Agora depois que soube por V. Ex." que o governador
de Angola se queixa de não ter gente para dispor, e que S. Ex.* o sr. Mi-
nistro tinha mandado vir uma força de 400 Zanzibares que eu julgo não
ser conveniente para acompanhar uma expedição á Lunda, que não pre-
cisa forçar uma passagem rápida ; lembro que ella pode ser aproveitada
como força de respeito, distribuída no governo de Malanje até ao Cuango,
DESCRIPÇZO DÀ VIAOEM 623
pelas Estações a fazer para o norte, e recorrer-^se de Estação em Estação
a ella, quando fosse indispensável. A ssim suppria-se a falta do batalhão
pedido para Malanje.
Em todo o caso a companhia de policia pedida na memoria, e que é
pequena, 1 ofHcial subalterno, 3 officiaes inferiores, 4 cabos e 20 solda-
dos, creio ser fácil arranjá-la, e é muito conveniente, sobretudo quando
bem armada e munida pelo menos com 2 metralhadoras e com a pequena
bateria Armstrong de que fallei.
Também é indispensável obter 600 armamentos completos do antigo
sjstema Snyder Burnett, com o respectivo cartuchame.
Os rails do systema Decanville para o transporte de volumes pesados,
do Dondo para deante, creia V. Ex.* ser acquisição de grande alcance,
e nas officinas de obras publicas em Loanda, ciijo director é o enge-
nheiro David Sarmento que está ahi, ha pessoal habilitado para ir ao
Cuango armar barcos a vapor e pô-los a navegar. Também na provincia
ha pessoal habilitado para continuar a linha telegi'aphica até Malanje,
mas para abreviar, e como commissão extraordinária de Malanje cm
deante, é conveniente angariar pessoal habilitado em Lisboa.
São estas as considerações que muito resumidamente julguei necessá-
rio expor a V. Ex.* para acompanharem os documentos juntos que rogo
a V. Ex.* sejam presentes a S. Ex.* o Sr. Ministro.
Por ultimo, eu ainda devo lembrar a Y. Ex.*, que ha toda a conve-
niência que no estrangeiro se ignore o fim da minha missão, porque o
Estado Independente do Congo poderá, prevenido a tempo, antccipar-se
com os seus empregados já no que se projecta, com respeito a occupa-
çues alem do Cuango, já navegando neste rio e introduzindo fazendas e
artigos desonerados de impostos aduaneiros, prejudicando assim muito
os rendimentos da alfandega de Loanda, e o meio será níto se lhe dar
publicidade no reino, o que facilmente se conseguirá dando-se-me uma
carta de prego que conterão as minhas instrucções.
Deus guarde a V. Ex.* — 111."» e Ex.»» Sr. Secretario Geral do Minis-
tério dos Negócios de Marinha e Ultramar. = Htnrúpie Âvguato Dias
de Carvalho,
111."» e Ex."» Sr. — Encarregou -me V. Ex.* por determinação de S. Ex.*
o Sr. Ministro dos Negócios da Marinha e Ultramar, de me dirigir no
Chefe da segunda repartição da Direcção dos Negócios da Marinha, o dis-
tincto oflScial da Armada Real, José Maria Teixeira Guimarães, para me
entender com clle relativamente aos barcos a vapor, que lembrei ser de
conveniência o governo manter no rio Cuango, a fim de entreter por sua
conta a navegação doeste rio entre o 8<* de lat S. do Equador e a sua
confluência no grande Zaire, e que pela conferencia de Berlim ficou com-
prehendido nos domínios portngnezes.
G24 EXPEDIÇÃO PORTUGUEZA AO BIUATlAxVUA
]':
I
•1
.1
I
Pedindo -me o illastrado funccionario vários esclarecimentos sobre oa
referidos barcos e condições do rio, eu passo a dizer a V. £x.* o que é
do meu conhecimento e que posso assegurar, desejando que esses escla-
recimentos sirvam de algum modo para se levar a effeito um projecto,
que poderá evitar graves prcjuizos aos rendimentos aduaneiros da pro-
vincia de Angola na sua região norte, isto é, no vasto paiz que se es-
tende do rio Cuanza ao Zaire.
O barco a vapor Peace, que apresentei como typo para navegar no
baixo Cuango, e que pertence á missão Baptista, no Congo, de que é chefe
o Rev.iio Grenfell, tem de peso seis toneladas, navega em 0",dO de agua,
tem duas macbinas, sendo a sua velocidade de 20 kilometros por lionu
Se uma das macbinas se avariar, pode ainda obter-se de andamento 10
kilometros durante que ella se repara.
Desmonta-se em oitocentas peças, não excedendo cada mna o peso
de 70 libras e que um homem pode transportar em dias successivos de
marcha. Foi despachada da Europa desmontada para a embocadura do
Congo, e 800 homens a transportaram a Stanley-Pool.
O vapor Stanley, feito pelos constructores M. M. Yarrow em Poplar,
por conta da Associação Internacional para navegar no Congo, íbi con- -
struido de modo que facilmente se desmonta e transporta, evitando um
grande pessoal de carregadores.
O systema adoptado foi semelhante ao que se tem applicado para as
canhoneiras desmontáveis do Tonkim.
O vapor é dividido em seis compartimentos que são corpos fluctuan-
tes que se separam, ou compõem um todo conforme convenha, mas como
estes compartimentos são de limitadas dimensões, collocam-se á vontade
sobre montantes de quatro rodas, circulando em terra como carretas.
A embarcação, que foi despachada como carga da Europa, em diver-
sos volumes, para o porto de Banana, foi ahi montada para navegar até
Vivi. Aqui desmontou-se a machina, e como o casco vasio apenas cala
0'",ir), proccdeu-se á desunião dos pedaços que se fixaram a quatro
grandes rodas de aço transformando -se cm verdadeiras carroças.
Assim seguiu o vapor por terra até Isanghila, onde se tornou a mon-
tar para navegar até Manyanga, e d'aqui seguiu do mesmo modo por teiYa
até Stanley-Pool.
O Stanley tem uma velocidade regular de IG kilometros por hora,
muito sufficientc para vencer as correntes do Congo. Governa admira-
velmente, girando quasi no mesmo legar, o que é muito útil naquelle rio.
O vapor é de aço, tem 21 metros de comprimento e 5",40 de largo.
A coberta é de madeira, o que foi exigido por causa do paiz ser quente,
e tem um salão muito arejado e confortável.
Apesar da divisibilidade do casco, para o arrastar por terra de Vivi
a Stanley-Pool, foram ainda assim precisos mais de quinhentos pretos.
debcripçao da rUQEU
Em principioa de dexembro de 1H86 o vapor Peaee foz uma explorn-
ç3o no baíio Cuangn, principiando por ven-cer em trca dias, a distancia
tlc Quimpoco 4 boccn do Ciia.
Entre o Mussuata e esta, o rio em partes Hprceentava uma largura
(Ic 2:000 metros \ entrando no Cua, que é o Cuango, subdivide-se
este em afHaeotcB, Caseai e o mesmo Cuaiigo que vem de S.W.; na af-
fluencta i;om nquelle, o Cuango apresenta uma largura proiima de TOO
metros. A diSerença de nirel na embocadura com o da agua, medida
J
]jelo major Meehow (no S" 5' iat. S, do Equador), sobre os rochas que
dSo logar a queda que interrompeu a sua marcha, £ de 3.1 metros qne se
repartem sobre o grande comprimento que dão ao rio as grandes voltas
qut: elle faz.
O Cuango depois alarga-se atí 2;000 metros, diminuindo muíto em
profundidade, e a i*SS^ Iat '&. do Equador, rhega a ter só 2011 metros.
Foi nesta altura que o vapor Ptarx parou na sua navegação por causa
dos baixos acima (ao aul) do confluente esquerdo, o Fufu, soltrc os qnncs
era difficil navegar.
626 EXPEDIÇXO FORTUGUESBA ÁO lIUÁTliHyUA
Eram estes os mesmos obstáculos que obrigaram o mi^orMechow que
vinha do sul, também a suspender a sua navegação, encontrando-se
ainda o seu barco de aço (movido a remos) abrigado em terra, ii2o em
Quingundiji, mas em Candinga, sitio próximo.
Regressou pois o Peoce' em sete dias d*aquelle ponto a Stanlej-Pool, o
que n2o admira porque a corrente então o auxiliava.
Mechow havia navegado num baroo a remos, de aço, desde a con-
fluência do Cambo, que dle marginara por terra até ao 5* 5^ lat S. do
Equador, e porque os carregadores que o acompanharam de Malanje ti-
vessem receio de continuar a viagem por terra transportando o barco
que também se fraccionava, teve de o deixar na margem do Cuango «n
Candinga.
N2o conheço este barco, mas pode avaliar-se pelo da expediçio Wiss-
mann em 1884, que também era de aço, dividia-se em sete ou nove frac-
ções, sendo cada fracção transportada por dob homens, reguliindo a sua
largura interior de 1",4 a 1",6.
Uma ou duas canoas nestas circumstancias, para um calado de agua
de 10 poUegadas, com uma machina apropriada para a navegaçlo en* •
tre o Cambo e Fttfu, no Cuango, e um vapor da lotaçio do Peaoe, ou
que demandasse menos agua, para entrar nos seus afflnentes, no Cnilo
e nos do Cassai, Lnango, Lulúa e outros, deve por emqpianto satisfri-
cer-nos.
O bispo Tajlor, das missões americanas na província de Ai^pola,
aebando-se em grandes difficuldades nas margens de Stanley-Pool para
fazer transportar cargas para as suas missões, escrevia em 1877 para
a direcção das missões em New- York: «A solução dos successos das
minhas missões é simples. Toma-se-me necessário um vapor. O preço
de uma lancha a vapor como desejo, e o seu transporte aqui no Pool
pode custar 100:000 francos (20:000 dollars), mas preciso um anno de
praso para garantir as estações missionarias que já tenho fundado. É
para esta epocha que eu peço que esteja prompto este vapor.»
Este bispo, missionário de grande persistência e coragem, reconhe-
cendo os grandes obstáculos a vencer para conseguir evangelisar no
Cassai e seus affluentes, não abandonou comtudo a sua idea, confiando
que os seus concidadãos não recuavam deante de qualquer sacrifício pe-
cuniário para o auxiliar na sua missão.
E de suppor que o Rcv.do Bispo e os seus missionários, que na sua
estação em Quimpoco, se occuparam nos mezes de grande fome ali e nos
arredores, a abrir um profundo canal de irrigação e a estabelecer uma
queda de agua da altura de vinte pés, para alcançar uma força motora
de que careciam para utilisar num moinho destinado ao fabrico da fa-
rinha de mandioca, a qual chegaram a vender por preços reduzidíssi-
mos ás missões Baptistas e estações do Entado Independente ; é de sup-
DKSCRIPÇXO DA VIAGE^Í 627
por, repito, que já hoje tenham pelo menos uma lancha a vapor para
seu serviço, e se a tiverem não é para admirar, não só que o referido
Bispo estabeleça novas missões marginando o Cuango e o Cambo a ligar
a rede com a de Malanje, mas ainda que continuasse a estabelecer filiaes
para laste d*este rio entre os Quiôcos e Lundas, idea que predominava
quando cheguei a Malanje em fins de 1887.
O dr. Summers, que fazia parte doestas missões, mezes antes de eu
chegar a Malanje, havendo-se naturalisado portuguez, conseguiu com
auxílios dos negociantes Narciso António Paschoal (africano) e Marcus
Zagury, organisar uma pequena expedição, e seguindo o itinerário ga-
rantido pela nossa Expedição até ao Cuengo, affluente direito do Cuan-
go, e apresentando-se entre os povos dizendo ir ao meu encontro, con-
seguiu caminhar sem difficuldades, dirigindo-se depois para o Lubuco
onde queria estabelecer-se na missão do bispo Taylor. Infelizmente mor-
reu ahi, e quem sabe se moralmente affectado, porque o barão de Maçar,
agente do Estado Independente, e chefe da estação de Luluabourg não
consentiu que elle entrasse em exercicio de suas funcções.
Não desiste o bispo Taylor do seu intento, e já no anno findo elle es-
tava de novo em Malanje, e é de crer que haja obtido muitas informa-
ções da embaixada do Muatiânvua que ali tem estado, porque esta em-
baixada foi sempre muito estimada pelos missionários Samuel Mead, sua
esposa e filhas miss Bertha e miss Aida e por L. Johnson e W. Cordon.
Esta senhora e suas filhas, com a grande bonhomia de que são do-
tadas, sabendo que tanto o sobrinho do Muatiânvua como os seus com-
panheiros se admiravam e mesmo se extasiavam ouvindo- as cantar os
psalmos com acompanhamento de harmonium-flutte, sempre que estes en-
travam na missão ellas de bom grado e promptamente os faziam sentar
a seu lado e dispunham- se a entretê-los, ás vezes horas, com os seus
cantos e musica, obtendo depois a compensação em informações e escla-
recimentos que pretendiam.
Esta agradável forma de catechese ainda para o mais selvagem, toma
muito sympathica entre os povos gentios aquella missão, e suas filiaes,
que podem ir muito longe quando os seus missionários se familiarisem
com todos os dialectos das tribus d*essa grande familia africana, a que
chamo povos Tus, denominação muito mais característica e scientifica
que Bântu, que nada justifica.
Tcndo-me afastado do fim principal que tinha em vista, isto é, apre-
sentar a y. Ex.* as condições mais essenciaes a que devem satisfazer
os barcos para navegação do Cuango, e as condições d*este rio na parte
que se devem aproveitar ; esclarecimentos que podem servir ao dignís-
simo chefe da segunda repartição da Direcção dos Negócios de Ma-
rinha para a acquisição de alguns barcos idênticos ; ainda assim, mais
uma vez demonstrei a V. Ex.*, a necessidade que temos de contrapor aos
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