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Full text of "Expedição portuguêza ao Muatiânvua"

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J« 


(o 


DESCRIPÇÃO 


DA 


VIAGEM  A  MU8SUMBA 


DO 


MUATIANVUA 


EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÁNVUA 


DESGRIPÇÃO 


DA 


VIAGEM  Á  MUSSUMBA 


DO 


MUATIÁNVUA 


PKLO 


CHEFE  DA  EXPEDIÇÃO 

HENRIQUE  AUGUSTO  DIAS  DE  CARVALHO 

Major  do  Estado  Maior  de  Iníanleria 


KDIÇAO  ILLU8TRADA  POB  II.  CASANOVA 


VOL.  I 

DE  LOANDA  AO  CUANCO 


LISBOA 

LMPRENSA  NACIONAL 
1890 


V 

I 


r^*.'a>v/5»  ' 


V 


.1 


A 


NAGÃO  PORTUGUEZA 


e.  9.  Q. 


o  chefe  da  Expediçio 


Ok 


AO  EXCÍLLENTISSIMO  SENHOR  CONSELHEIRO 


MANUEL  PINHEIRO  CHAGAS 


IINISTRO  D'ESTADO  HONORÁRIO 


CONSAGRA  ESTA  PAGINA 


O  cbefe  da  Expedição 


AO  IXCILLKNTISSnO  SKIIBOR  CONSIIBBIRO 


FRANCISCO  JOAQUIM  DA  COSTA  E  SILVA 


Pelf  noilo  qoe  m  interessou  no  bom  êxito  da  Expedição 
e  oa  pnblicaçio  dos  trabalhos  d'ella 


PARA  SEMPRE  GRATO  SE  CONFESSA 


O  chefe  da  Expedição 


AOS  BENEMÉRITOS 


l 


ES 


EZES 


NO 


CONTINENTE  AFRICANO 


Ea  to»tfaulM  de  duração  pelo  seo  extremado  patríotisno  e  acrisolado  esforço 


O  chefe  da  Expedição 


AOS  PiliílCOS  [  ILLOSIRADOS  GRÉMIOS 


SOCIEDADES  DE  GEOGRAPHIA  DE  LISBOA 
DE  GEOGRAPHIA  COMMERCIAL  DO  PORTO 

ASSOCIAÇÃO  COMMERCIAL 
E  ATHENEU  COMMERCIAL  DA  MESMA  CIDADE 


lanifesU  leste  logar  •  sen  profundo  reconhecimento 


O  Chefe  da  Expedlçio 


índice  das  gravuras 


Pa?. 

Agostinho  Sizenando  Marques,  sab-chefe  da  Expediçílo opp.  a    42 

Porto  de  Loanda 46 

Pharol  de  Loanda 49 

Ponta  do  Dande 52 

Mannel  Sertório  de  Almeida  Aguiar,  ajudante  da  £zpediç2o  opp.  a    56 

Malva 60 

Conselheiro  Ferreira  do  Amaral opp.  a    60 

Contractados  em  Loanda opp.  a    66 

Uma  das  encostas  da  cidade  alta  (Loanda) opp.  a    68 

Orphis  do  asjlo  D.  Pedro  V opp.  a    72 

Feira  diária  em  Loanda opp.  a    80 

Vapor  Serpa  Pinto opp.  a    86 

Fóssil  vegetal 88 

Entrada  no  Cuanza 92 

Nossa  Senhora  da  Muxima 93 

Estrella  do  sul % 

Villa  e  fortaleza  de  Massangano opp.  a    96 

Baptisado  no  mato 97 

Ponte  em  Massangano opp.  a    98 

Porto  do  Dondo opp.  a  100 

Uma  ma  na  vilIa  do  Dondo opp.  a  102 

Dr.  Luiz  Collaço 105 

Trepadeira 106 

Typos  do  Libolo opp.  a  110 

Ponte  Pinheiro  Chagas opp.  a  112 

Planta  da  margem  do  Lucala 114 

Fazenda  Proiotypo opp.  a  120 


XVIII  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 


Pag. 

Partida  da  Expedição  para  Ambaca 126 

Rua  das  Palmeiras 129 

FsLzendsL  Santa  Izaòel opp.  a  132 

Icungo  (Gyp8  afrícantis) 136 

Caça  aos  gafanhotos opp.  a  150 

Fabrico  de  uma  tanga 152 

Pungo  (montada  do  ajudante  da  Expedição) 154 

Jangada 156 

Pári-á-CacoIombolo opp.  a  156 

Patrulha  do  Zamba opp.  a  158 

Pedras  de  Pungo  Andongo 161 

Cinatti  Keil 164 

António  (creado  do  chefe),  de  Golungo  Alto 165 

Pungo  Andongo opp.  a  166 

Idem opp.  a  170 

Polycarpo  de  Beça  Teixeira 172 

Pungo  Andongo opp.  a  174 

Idem opp.  a  178 

Cesalpina 182 

Partida  para  Malanje opp.  a  186 

Muquíxi 190 

Entrada  de  Malanje — Ponte  D.  Carlos opp.  a  190 

Secretario 191  ^ 

Mungungo 204 

Imbondeiro opp.  a  210 

Casa  do  negociante  Custodio  José  de  Sousa  Machado 217 

Xaquilembe,  seu  filho  e  o  Muadiata 222 

Custodio  José  de  Sousa  Machado 224 

Amor  perfeito  de  Malanje 228 

Matheus  e  Manuel 229 

Adolpho  (contractado) 232 

Successor  do  soba  Muhieba  (carregador) 233 

Typo  do  Songo  (contractado) 235 

Muquíxi 238 

Estrada  para  Cahombo 239 

Artefactos  de  Malanje 242 

Cacolo  Cahombo opp.  a  244 

Typo  do  Songo  (carregador) 247 

João  Campacala  (idem) 251 

MirahUis  longiflora 253 

Soldados  Moveis opp.  a  256 

Mussengo  ulaje 258 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  XIX 

Pag. 

Fortaleza  de  Malanje 263 

ímctfa — Propriedade  de  Custodio  Machado opp.  a  264 

Convolvulacea 268 

Roa  principal  de  Malanje 269 

Arte£Eketo8  de  Malanje 277 

Domingos  (contractado) 281 

Moende  (jogo) 298 

Urucá 299 

Narciso  António  Paschoal 303 

Flor  e  fructo  do  omcú 306 

Morea 310 

Estrada  para  Qnissole 311 

Cacoata  Tâmbu 314 

Ifanuel  (carregador) 319 

Silphium  tertbinthinaxtettm  (Mulendica) 320 

Povoação  de  Andala  Quinguangua opp.  a  320 

Calei  (bagre) 354 

Stida  de  Malanje 3õ5 

Mapnngo  (insígnia  de  poder) 356 

Propriedade  agricola  de  José  Vaz  no  Qnissole 359 

Estabelecimento  agricola  de  Callado  no  rio  Luiimbe 361 

Estabelecimento  de  Francisco  José  Esteves  em  Catalã 364 

Estação  Vinte  e  Quatro  de  Julho opp.  a  366 

André  (carregador) 369 

HabiUçoes  do  salalé 372 

Casimiro  (carregador) 373 

Constnicçòes  do  salalé opp.  a  374 

Smfularinea 376 

Sé  (iuitári 379 

Estação  Ferreira  do  Amaral opp.  a  380 

Mucango,  tio  de  Sé  Quitári 383 

Panorama  de  Cafuzi opp.  a  384 

Andala  Quissna 386 

Accacia  de  Cafúxi 388 

Estaçio  Paiva  de  Andrada opp.  a  392 

Cáhia  Cassázi 401 

Mossanje. 404 

Catnta 409 

Zanga 417 

Mneto  Anguimbo 420 

Balaio 422 

í^is  soldados  da  Ezpediçâo 423 


XX  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

Pag. 

MusBoma 426 

Muqufxi 435 

António  Bezerra  (interprete) 438 

Chapéu 440 

Povoação  de  Ambango opp.  a  458 

O  cozinheiro  Marcolino  e  sua  mulher 459 

Mulolo  Quinhângua 462 

Mulher  de  Cáhia  Casaáxi 463 

Sobeta  Matamba 466 

Soba  Caputo 467 

Filha  do  soba  Anguvo 471 

Indemene  Méssu 481 

Muquizi 504 

Rio  Lui opp.  a  506 

Fernando  (cozinheiro) 512 

Uangambcle  (carregador) 513 

Passagem  do  Cuango — Zunga  desesperado opp.  a  526 

Citruõ  medica 530 

Camaleão 533 

Flor  do  tabaco 540 

Simão  Cândido  Sarmento 568 

Miyíji 578 

Cogumelo 602 

Vapores  Stanley  e  Peace 625 

Mappas  (trcs). 


índice  dos  capítulos 


CARTA  AU  CONSELHEIRO  MANUEL  PINHEIRO  CHAUA8. 


INTRODUCÇAO 


Em  LiUboa  —  Projecto  da  £xp«diçlo  Portngaesa  ao  Muatiânvua  —  Seaa  fins  —  Conaul- 
taa  —  Trabalho!  preparatórios — NomeaçSes — Organtsaçio  —  Correspondência  com 
diversos  Isstítiitos  e  anetoridades  —  InstmcçSes  do  Ooyemo  pelas  qnaes  se  devia 
regular  o  chefe  na  sua  Missio  ao  Maatiânvua  —  Partida  da  Expcdiçlo. . .  Pag.  1  a    46 


CAPITULO  I 


DE  LOANDA  A  MALANJE 


No  porto  de  Loanda ;  recordações  históricas ;  I^anda  cidade  dos  trópicos ;  seus  melho- 

nunentos  —  Na  cidade  de  Loanda ;  preparaçio  da  expediçSo ;  contraetados ;  efBcax 

avzilio  de  8.  Ex.*  o  Gtoyemador  Qeral ;  os  melhoramentos  feitos  e  os  que  mais 

importa  fuer ;  a  popnlaçio  —  No  rio  Cnanxa  ;  sua  importância  e  bella  posição  ;  in- 

formaç]»es  do  dr.  ICannel  Ferreira  Ribeiro  —  Massangano ;  ontras  povoações  á 

beira-mar  —  A  villa  do  Dondo  —  Viagem  para  Caxengo  —  Concelho  de  Cazengo  — 

Viagem  para  Ambaca  —  Concelho  de  Ambaca  —  De  Ambaca  para  Pnngo  Andon- 

Ko  —  Concelho  de  Fungo  Andongo  —  Viagem  de  Pungo  Andongo  para  Malanje  — 

Entrada  em  Malaoje  — Q  nosso   modo  de   ver  sobre   a   regiilo  que   atravessá- 

™» Pag.  47  a  214 


XXII  EXPEDIÇIO  PORTUGUEZA  AO  MUATIANVUA 

« 

CAPITULO  II 

CONCELHO  DE  MALANJE 


Demora  da  Ezpediçio  em  Malaqje  ;  em  que  ae  emprega  o  poMoal  e  InformaçSea  aobre 
o  melhor  caminho  para  o  interior  —  O  qae  era  Malai^e  antea  de  ser  elevado  á  ca- 
thegoria  de  concelho ;  «eus  actuaea  limites  —  Caminhos  ;  habitações  e  materiaes  de 
constmcçio  —  Pessoal  da  administraçio  do  conselho  e  as  missões  nacional  e  estran- 
geira—  Carência  de  soccorros  médicos  e  serviços  correlativos;  insufSciencia  da 
força  armada  —  Ediflcios  e  melhoramentos  públicos;  causa«  de  insalubridade  e 
condições  de  saneamento  —  Commercio ;  seu  desenvolvimento,  sua»  relações  eom 
os  indígenas,  e  gravíssima  concorrência  dé  estrangeiro  —  Agricultura  e  as  provi- 
dencias que  o  seu  desenvolvimento  mais  altamente  reclama  —  Uma  eleiç&o  em 
Africa  —  Dificuldades  com  os  carregadores ;  podo  de  pagar-lhes ;  exigências  que 
apresentam  —  Protesto  contra  as  informações  do  explorador  Wissmann  a  respeito 
do  commercio  português  —  Despedida  de  Mala^je Pag.  215  a  856 


CAPITULO  III 

DE  MALANJE  AO  CUANGO 


Viagem  para  Catalã.  Em  Catalã.  Partida  para  Andala  QuinguAngua.  Estaçlo  24  de  Ju- 
lho ;  a  povoaçSo  e  seus  moradores.  Viagem  para  Andala  Quiss&a.  Construcções  do 
salalé.  Chuva  e  trovoada.  Incidente  no  caminho  —  Caf&xi.  Estaç-io  Ferreira  do 
Amaral.  Visita  de  8é  Quitári.  Qosto  pela  aguardente.  Cumprimentos  do  Jaga ;  pre- 
sentes ;  dança.  Visita  ao  Jaga  Andala  Quissúa.  Abundância  de  gado  —  Viagem  do 
chefe  para  Camávu.  Os  carregadores  Massongos.  O  sobeta  Angonga.  Ka  Estação 
Paiva  de  Andrada.  Visita  ao  soba  Ambango.  A  Estaçáo.  Ajuste  de  carregadores. 
Intrigas  de  Ambango.  Visita  do  soba  Anguvo.  Discórdias  dos  sobas.  Desagulsado 
com  Câhia  Cassázi  — Viagem  do  chefe  com  ai.*  secçSo  para  o  Cuango.  O  dia  31  do 
Outubro.  Mona  Mussengue,  Mulumbo,  e  Zunga.  Passagem  do  rio  ;  pagamentos  aos 
donos  das  canoas  e  aos  pilotos.  A  avidez  de  Zunga.  Episodio  grotesco.  Visita  do 
potentado  Mueto  Anguimbo.  Ser&o  na  companhia  de  vários  gentios  —  Regresso  do 
chefe  á  Estação  Paiva  de  Andrada  —  Algumas  considerações  sobre  a  região  e  seus 
habitantes ;  crenças,  usos  e  costumes  d^e^tes  —  Partida  da  Estação  Ferreira  do 
Amaral.  Correspondência  acerca  da  passagem  para  o  interior  —  Communicações 
officiaes  relativas  ao  progresso  da  Espedição  e  suas  relações  com  o  gentio  —  Mar- 
cha da  2.*  secção  para  a  Estação  Paiva  de  Andrada.  Na  Estação.  Entrevista  com  os 
sobas.  Situação  dos  povos  e  diversas  informações  sobre  o  estado  do  palz,  e  como  se 
devem  acceitar  as  informações  do  gentio  —  Algumas  palavras  acerca  das  expedi- 
ções commerciaes  para  o  interior  do  continente.  O  negociante  Braga  —  Participa- 
ções officiaes  dando  conta  dos  trabalhos  da  Expedição  e  outra  correspondência  sobre 
o  mesmo  assumpto.  Preparativos  de  partida  e  incidentes  desagradáveis' — Viagem 
para  o  Cuango.  Nas  margens  do  Lui.  Roubo  nas  bagagens;  providencias  enérgicas ; 
encontro  dos  objectos  roubados.  Jornada  para  a  povoaçSo  de  Anguvo ;  acampamento 
Junto  a  esta  povoação.  Entrevista  com  Muene  Canje.  Noite  de  Natal;  tempestade  ; 
fugida  de  carregadores  —  Na  margem  do  rio  Cuango.  Vioitas.  Passagem  do  Cuango. 
Ainda  o  Zunga  —  Na  casa  filial  de  Custodio  Machado Pag.  3ò7  a  530 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  XXIII 


CAPITULO  IV 

O  QUE  DEVE  SER  MALANJE 


Oroir''^b.iA  do  pUiudto  de  Malax^e ;  fua  meteorologia  comparada  com  a  de  Loanda — 
Saneamento  por  meio  do  trabalhador  africano  —  Gonsideraç5es  sobre  oi  traballia- 
doree  europeus  —  Sitoaçio  do  iudigena,  devido  úm  ambições  dos  estrangeiros  — 
Aproreitamento  doe  indigenas  na  administração  provincial ;  facto  comprovativo 
da  inflneneia  que  sobre  eiles  exercemos.  Keêessidade  de  educar  devidamente  os 
povoe  que  nos  sio  sujeitos,  como  elementos  indlq»ensaveis  para  a  ezploraçio  e 
aproveitamento  das  riquesas  naturaes  nos  noMos  domínios  —  Organisaçlo  do  go- 
verno do  districto  de  Malax^e  —  As  missões  civilisadoras  e  de  instrucçio  e  pro- 
tceçio  aos  naturaes — Methodo  a  seguir  no  ensino;  pessoal  das  missões;  o  mis- 
sionário —  Administraçio  da  Justiça ;  tribnnaes  especiaes  para  o  gentio  —  Força 
militar  agrícola ;  Moveis  ou  segunda  linha ;  serviços  que  lhe  pertencem ;  força 
policial  —  Intervenção  dos  sobas  na  administraçio  local  —  Contribuições  ;  melho- 
ramentos públicos ;  pessoal  do  governo  do  districto ;  receita  —  Necessidade  da 
creaçio  do  novo  governo  nos  confins  da  província  de  Angola  para  eficazmente 
eontnbnir  a  dilatar  e  a  assegurar  o  dominio  de  Portugal  através  do  grande  eon- 
tiaente Pag.  531  a  608 


APPENDICE 


PU4NO  E  ORÇAMENTO  PARA  O  NOVO  GOVERNO  DE  MALANJE...  Pag.  GOS  a  G2S 


I1L"°  e  ex-"''  sr. 


Conselheiro  Manuel  Pinheiro  Chagas. 


Meu  respeitável  amigo : 

Deu-me  V.  EJx.*  uma  bem  alta  prova  de  considera- 
ção, confiando-me  a  direcção  da  Expedição  Portugueza 
ás  Terras  da  Lunda,  a  leste  da  provincia  de  Angola, 
na  Africa  austro-central ;  e  eu  faltaria  ao  meu  dever 
86,  no  momento  em  que  venho  apresentar  ao  paiz  o 
resultado  dos  seus  trabalhos,  não  o  fizesse  preceder  de 
uma  pagina  especial,  em  que  ficasse  assignalado  o  meu 
grande  reconhecimento  para  com  V.  Ex.* 

Designou-me  V.  Ex.*  os  trabalhos  a  que  mais  pai'ti- 
cularmente  devia  satisfazer  a  Expedição,  e,  para  melhor 
se  comprehender  todo  o  seu  alcance  politico  e  com- 
mercial,  foram-me  entregues  as  Instruc(^es,  que  sem- 
pre me  serviram  de  norma  em  todos  os  meus  actos, 
ainda  os  mais  insignificantes,  no  meio  das  tribus  com 
quem  tive  de  manter  relações,  procurando  consubstan- 
ciar e  radicar  nas  mais  modernas  a  antiga  influencia 
que  sobre  os  seus  antecessores  os  nossos  conseguiram 
exercer.  Correspondem  a  essas  Instrucções,  os  três  li- 
vros de  que  se  compõe  esta  obra,  que  submetto  á  illus- 
trada  apreciação  de  V.  Ex.^  para  ajuizar  das  questões 


vitaes,  principalmente  para  a  nossa  soberania  e  futuro 
do  nosso  commercio  a  que  tive  de  attender. 

Todas  as  investigações  e  estudos  á  que  procedeu  a 
Expedição  foram  além  do  que  no  seu  inicio  se  podia 
suppor;  excederam  os  limites  que  lhe  foram  marcados, 
porque  também,  por  cii*cumstancias  que  não  era  dado 
prever,  não  só  duplicou  o  tempo  calculado  para  o  des- 
empenho da  sua  tarefa,  mas  ainda  se  alargou  o  campo 
em  que  essas  investigações  e  estudos  deviam  ser  feitos, 
em  territórios  cujos  habitadores  não  tinham  ainda  visto 
o  homem  branco, — o  que  tudo  consta  das  minuciosas 
commupicações  mensaes  e  mais  documentos  que  sem- 
pre enviei  á  Secretaria  dos  Negócios  de  Marinha  e  Ul- 
tramar, e  também,  quando  isso  era  possivel,  a  três  dos 
nossos  principaes  institutos  scientifícos. 

Essas  investigações  e  estudos  constituem  um  volu* 
moso  e  variado  material  que  torna  assaz  conhecida  a 
vasta  região  explorada,  sob  muitos  pontos  de  vista,  quer 
no  interesse  da  sciencia  quer  no  do  paiz,  e  por  isso, 
além  doesta  obra  geral,  foi  organisado  um  álbum  ethno- 


lógico  de  phojkographias,  que.e8cIareGe  todos  os  estudos 
da  Expedição,  e  coordenaram-se  mais  quaíro  volomeei 
parciaes,  referentes:  um,  ás  produc^ks  e  aos  climas; 
dois,  aos  vocabulários  e  á  grammatíca  das  línguas;  e  o 
outro,  á  ethnographia  e  historia  tradidoTud  dos  povos; 
constituindo  o  todo  um  trabalho  baseado  em  factos  es- 
crupulosamente  observados,  e  d.evidamente  elucidados 
por  gravuras,  chtomos,  cartas,  mappas,  schemius  e  dia* 
grammas. 

Mão  posso,  nem  devo  deixar  de  tributar  t^nibem 
aqui  os  meus  sinceros  e  calorosos  agradecimentos  aos 
successores  de  V.  Ex.*  no  Ministério  dos;  Negócios  de 
Marinha  e  Ultramar,  pelos  auxilies  e  protecção  que  se 
dignaram  dispensar-me,  no  propósito  de  que  todo  o 
material  adquirido  pela  Expedição  ficasse  aproveitado, 
auctorisando  não  só  a  respectiva  publicação  com  todo 
o  seu  desenvolvimento,  mas  ainda  facilitando  os  recur- 
sos indispensáveis  para  que  se  pudessem  consultar  e 
cotejar  08  trabalhos  similares  já  publicados  dentro  e 
fora  do  paiz — o  que  permittiu  completarem-se  com 


vantagem  os  estudos  da  Expedição,  e  d^elles  se  tirarem 
conclusões  praticas  em  beneficio  da  sciencia  em  geral 
e  da  África  em  particular. 

Entregues  todos  estes  trabalhos  ao  Governo  de  Sua 
Magestade  seria  occasião  opportuna  de  dar  por  finda 
a  missão  de  que  fora  encarregado ;  mas  faltaria  ao  meu 
dever,  como  militar  e  como  cidadão  portuguez,  se, 
tendo  chegado  do  centro  de  Afi-ica  com  o  mais  com- 
pleto conhecimento  dos  gravissimos  perigos  que  estão 
imminentes  sobre  as  nossas  provincias  de  Angola  e 
Moçambique,  não  indicasse  o  melhor  meio  de  os  con- 
jurar e  de  se  aproveitarem  também  naquelle  continente 
as  terras  a  que  temos  incontestáveis  direitos. 

Já  dei  conta  de  alguns  d'esses  alvitres  a  S.  Ex/  o 
Sr.  Conselheiro  Barros  Gomes,  a  quem  igualmente 
devo  inolvidáveis  provas  de  deferência  e  boa  vontade ; 
mas  não  me  soffre  o  animo  limitar-me  apenas  á  indi- 
cação dos  mais  graves  d'esses  perigos  e  não  tratar  da 
sua  melhor  resolução  no  campo  pratico,  procurando 
fecunda  applicação  a  todas  esses  alvitres,  visto  o  co- 


nhecimento  que  tenho  do  theatro  em  que  se  vSo  succe- 
dendo  precipitadamente  os  acontecimentos  que  nos 
podem  ser  funestos,  e  ter-me  servido  de  lição  tudo  o  que 
vi  e  observei,  tanto  da  parte  dos  estrangeiros  como 
das  tribos  còm  que  mais  em  contacto  me  encontrei. 

Posso,  pois,  dar  informações  seguras,  porque  fiquei 
conhecendo  o  apertado  cerco  que  nos  estão  pondo  as 
prindpaes  nações  da  Europa,  mandando  ás  terras  da 
Africa,  por  um  lado  os  missionários  mais  instruidos, 
08  deanteiros  mais  ousados,  os  exploradores  mais  des- 
temidos, os  investigadores  mais  competentes;  man- 
tendo, por  outro  lado,  na  costa,  bloqueios,  cujo  fim  é 
mais  politico  que  humanitário;  e  de  costa  a  dentro, 
nas  zonas  centraes,  insinuando-se  no  animo  dos  chefes 
indígenas,  arrancando-lhes  contratos  de  que  elles  não 
teem  consciência,  apossandoHse  das  suas  terras  e  £51- 
zendo  convergir  para  os  portos  marítimos  os  seus  pro- 
ductos  commerciaes ;  —  e  nós,  Portuguezes,  que  já  te- 
nnw  o  exemplo  tristemente  eloquente  da  Guiné  e  do 
Zaire,  ficaremos  apenas  com  as  paragens  mais  insalu- 


I 


bres  nas  vertentes  oceânicas,  se  não  procedermos  com 
toda  a  segurança,  actividade  e  energia. 

Travon-se  a  campanha,  sem  que  o  presentissemos; 
porque  a  nossa  attençSo  estava  subdividida  na  appli- 
caçSo  de  providencias  internas  mais  urgentemente  re- 
clamadas nos  logares  aonde  a  nossa  auctoridade  res- 
tringira a  sua  influencia,  esquecendo-nos  que  essas 
providencias  nunca  poderiam  dar  os  resultados  que  se 
pretendiam  quando  nos  fosse  limitado  o  vasto  hori- 
zonte a  que  miravam. 

Previ-o  e  disse-o  por  muitas  vezes,  mas  não  fui  atten- 
dido! 

Estamos  agora  no  mais  vivo  d'essa  campanha,  para 
sustentarmos  a  integridade  das  nossas  possessões  de 
Angola  e  Moçambique,  e  mal  me  ficaria  a  mim  se,  co- 
nhecendo que  ainda  não  é  tarde,  abandonasse  o  meu 
posto,  tendo  perfeito  conhecimento  do  perigo,  e  não 
mostrasse,  por  todos  os  modos  ao  meu  alcance,  qual  a 
maneira  mais  efficaz  de  o  combater;  e  é  isso  o  que  faço 
no  decorrer  doesta  obra,  á  medida  que  os  assmnptos 


m'o  sollicitam,  justificando-se  assim  o  seu  desenvolvi- 
mento. 

Não  são  as  pugnas,  por  emquanto,  á  mão  ai*mada, 
(e  faço  os  mais  ardentes  e  sinceros  votos  para  que  se 
não  chegue  a  tal  extremo),  mas  as  que  visam  á  absor- 
pção  pela  influencia  politica  e  commercial — não  me- 
nos arriscadas  para  a  independência  das  nações;  e 
essas  novas  conquistas,  que  mais  caracterisam  o  ul- 
timo quartel  d'este  século,  fazem-se  por  meio  da  mais 
activa  propaganda  e  vulgarisação,  discutindo-se  qual 
é  a  nação  mais  capaz  e  mais  competente  para  civilisar 
08  povos  africanos,  e  promover  o  seu  progresso  e  bem 
estar. 

Discute-se  mesmo  qual  é  a  naçlão  que  mais  serviços 
tem  feito  em  beneficio  da  raça  negra,  debatendo-se 
exactamente  neste  momento  este  pleito,  de  que  tanto 
se  tem  abusado,  e  em  que  Portugal  deve  sempre  figu- 
rar como  parte  mais  interessada. 

Mas  ainda  não  é  tudo  quanto  deixo  exposto,  como 
muito  bem  o  sabe  V.  Ex.*,  pois  arrojam-se  a  dizer  que 


os  Portuguezes  nada  teem  feito  naa  terras  da  Africa 
para  alargar  o  conhecimento  d'e]las,  e  cbegam  mesmo 
a  pôr  em  duvida  a  nossa  competência  para  esta  ordem 
de  trabalhos. 

É  contra  tào  ousadas  asserções  que  me  cumpre  pro- 
testar perante  o  paiz,  e  oxalá  o  podesse  fazer  perante 
a  Europa,  ou  melhor,  perante  o  mundo  civilisado  — 
embora  como  o  mais  humilde  de  todos  os  trabalha- 
dores que  se  internaram  no  seio  do  continente  africano 
para  o  estudar, —  affirmando  mais  uma  vez  que,  assim 
como  fomos  nós  os  primeiros  a  descobrir,  conquistar  e 
explorar  as  mais  vastas  e  mais  extensas  regiões  iuter- 
tropicaes  —  patenteando  ao  muudo  novos  mundos  e 
novas  gentes, — ninguém  melhor  do  que  nós,  ainda  na 
actualidade,  se  pode  antecipar  no  estudo  e  resolução 
das  mais  importantes  questões  scientificas,  tanto  no 
que  respeita  ás  raças  e  A  acclimataçSo  de  europeus  de 
trópicos  a  dentro,  como  ao  aproveitamento  das  terras 
e  das  condições  favoráveis  á  sua  colonisação  pela  raça 
preta  e  á  transformação  d'esta  raça;  porque,  ninguém 


como  nÔB,  conhece  o  seu  viver  intimo,  a  sua  politica, 
o  8eu  commercio,  as  suas  producçÕes  iudustriaea,  e 
Dieíino  as  suas  liuguas,  onde  se  encontram  assimi- 
lados, e  de  remotos  tempos,  antigos  vocábulos  portu- 
guezeg. 

E  que  assim  é,  provam-no:  a  infinidade  de  roteiros, 
descripçSes,  noticias,  estudos  e  outros  documentos  que 
temos  dispersos  por  vários  arcliivos  das  maia  antigas 
inetitiiições,  na  metrópole  e  repartições  publicas  das 
nwisaa  duas  grandes  provincias  africanas;  as  collec- 
çòea  dos  annaes  ultramarinos  e  dos  bolletins  oíHciaes 
oaquellas  provincias,  e  varias  publicações  e  ainda  ea- 
criptos  inéditos.  Que  se  collijam  todos  esses  trabalhos 
na  devida  ordem,  agrupando-se  pelas  regiões  a  que  se 
referem,  e  ainda  subdividindo  essas  secções  pelos  va- 
noH  assumptos  a  que  respeitam,  e  formaremos  assim 
•ima  coUecção  especial  de  dados  preciosos  acerca  do  con- 
tinente africano,  que,  se  nem  sempre  tiverem  para  a 
íciencia  o  cunho  da  precisão,  que  hoje  lhe  imprimem 
<M  especialistas  armados  dos  instrumentos  mais  moder- 


nos  de  investigação,  nella  se  reconhecerá  que  para  a 
sua  acquisição  presidiu  sempre  o  espirito  da  obser- 
vação e  a  boa  fé,  que  é  bem  melhor  do  que  as  ruidosas 
informações  do  momento,  e  a  falta  de  conhecimento  de 
causa  de  que  se  ressentem  certos  trabalhos  estran- 
geiros. 

E  justificado,  por  certo,  o  nosso  orgulho,  por  ter- 
mos sido  os  primeiros  que  chegámos  ás  terras  intertro- 
picaes,  precedendo  todas  as  demais  nações,  quer  na 
America  e  Oceania,  quer  na  Ásia  e  na  Africa;  mas  de- 
vemos encontrar  ahi  também  o  mais  vivo  estimulo 
para  mostrar  aos  estrangeiros,  que  se  abeiram  cubiço- 
sos  das  nossas  possessões,  que  somos  os  mais  compe- 
tentes para  tratar  com  as  raças  que  as  povoam,  diri- 
gindo a  sua  transformação  e  não  promovendo  a  sua 
extincção  como,  em  geral,  tem  feito  a  Inglateira  e  estão 
fazendo  também  outras  nações  nas  vaiíadas  regiões 
que  occuparam,  quer  num  quer  noutro  hemispherio. 

As  lactas,  porém,  accentuaram-se  e  proseguem  com 
assombrosa  actividade,  e  não  pode  haver  o  menor  tem- 


i 

i 


po  a  perder,  a  minima  dilação/ reclamando  hoje  todas 
as  noêsas  possessões,  mais  do  que  nunca,  o  auxilio  e 
a  attençSo  de  todos  os  que  se  prezam  de  Portuguezes. 
E  dirigi-me  a  V.  Elx.*  nestes  termos,  porque  se  trata 
de  um  assumpto  palpitante  de  interesse  e  verdadeira- 
mente nacional.  E  se,  como  chefe  de  uma  Expedição 
portugueza  que  foi  ao  centro  da  Africa,  eu  me  alegro 
e  ufimo  de  ver  publicados  os  seus  trabalhos,  porque  são 
os  melhores  documentos  e  os  mais  irrefragaveis  para 
comprovar  que  me  esforcei  pôr  corresponder  á  idea 
que  V.  Ex,*  teve  em  vista  enviando-me  ali;  como  Por- 
tQgtlez  não  deixaria  de  lamentar  que  se  não  aprovei- 
tassem as  indicações  fornecidas  pela  Expedição,  per- 
dendo-se  tantos  esforços,  tantas  canseiras,  tantos  sacri- 
ficios  e  tão  boa  opportunidade  para  triumphar  dos 
muitos  obstáculos,  que  se  oppõem  á  nossa  expansão  co- 
lonial e  á  nossa  legitima  liberdade  de  acção  em  todos 
o«  territórios  portuguezes  de  além-mar. 

YSo  os  principaes  alvitres  indicados  nesfiels  traba- 
llios,  lembra-èle  mesmo  o  modo  prática  da  íníia  melhor 


•  * 


« 


applicação;  e  a  V.  Ex.^  venho  impetrar  toda  a  sna  va- 
liosa e  cordial  coadjuvação  na  propaganda  do  que  deve 
ser  hoje  uma  Santa  Cruzada,  a  fim  de  que  unidos  todos 
pelo  mesmo  pensamento  possamos  luctar  com  êxito 
feliz,  e  mostrar  ao  mundo  inteiro,  que  os  Portuguezes 
nSk)  faltaram  nunca  aos  seus  deveres  como  povo  civi- 
lisado  e  colonisador. 

Não  podem  ir  tão  longe  estes  modestos  escritos,  nem 
tenho  nome  nem  auctoridade  para  os  apresentar;  mas 
depondo-os  nas  mãos  de  V.  Ex.^  apello  para  o  seu  for- 
moso talento  e  para  o  seu  acrisolado  patriotismo,  pois 
estou  certo  de  que,  sob  o  seu  alto  patrocinio  e  aquecidos 
á  luz  da  sua  superior  intelligencia,  poderão  elles  me- 
lhor servir  de  estimulo  para  que  novos  labores  se  ini- 
ciem e  novas  expedições  se  preparem,  que  de  uma  vez 
ponham  termo  ás  accusações  que  se  nos  estão  fazendo, 
offerecendo-se  também  simultaneamente  á  justa  e  sen- 
sata apreciação  de  toda  a  gente  de  boa  fé  e  de  inten- 
ções honradas  os  trabalhos  e  serviços  já  emprehendidos, 
e  ainda  os  que  estão  em  via  de  execução,  attestados 


pelos  verdadeiros  monumentos  de  progresso  que  va- 
mos levantando  nas  nossas  possessões  africanas. 

Quando,  porém,  V.  Ex.*  não  encontre  nos  trabalhos 
da  Expedição,  que  tive  a  honra  de^  conduzir  ás  terras 
do  Muatiánvua,  o  merecimento  que  deveriam  ter,  confio 
que  ficará  convicto  de  que  procurei  satisfazer,  até  ao 
extremo  limite  das  forças  próprias  e  com  os  recursos 
de  que  dispunha,  ás  Instnic^ies  que  recebi,  e  á  con- 
fiança que  V.  Ex/  depositou  naquelle  que  com  a  maior 
s&tifi&çSo  se  subscreve 


De  V.  Ex.* 

com  o  mais  subido  respeito  e  consideração 

amigo  muito  dedicado 


Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho. 


DE  LOANDA  AO  CUANGO 


INTRODDCÇÃO 


H  H  larlorldftdei  ^  In«lnicçflo4  da  GQVpmo  pelua  qu 
■  nu>  NIhIo  u  Kuiii&nvui  ~  FanMi  ds  Expedi-lo. 


Em  fevereiro  de  1884  empenhava-se,  com  interesse,  o  Ex."® 
Conselheiro  Manuel  Pinheiro  Chagas,  Ministro  e  Secretario  de 
Estado  dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultramar,  pela  construcçâo 
do  caminho  de  ferro  de  Loanda  a  Ámbaca. 

Este  projecto,  que  havia  mais  de  dez  annos  estava  na  tela 
da  disciissão  e  cujos  estudos  tinham  sido  feitos  por  um  pessoal 
technico  distincto,  por  mais  de  uma  vez,  e  por  Ministros  de 
politica  diversa,  fôra  apresentado  ao  parlamento  afim  de  obter 
a  indispensável  auctorisaçSo  para  tomar-se  realisavel. 

Para  tSo  arrojada  empreza  vacillavam  ainda  os  mais  enthu- 
siastas  por  este  importante  meio  de  desenvolvimento  da  pro- 
víncia de  Angola,  quando  tinham  de  attender  ás  fontes  de 
receita  que,  logo  de  principio,  haviam  de  saldar  os  enormes 
sacríficios  do  seu  custo  e  conservaçílo. 

Contava-se  com  o  commercio  do  centro  do  continente ;  porém, 

a  verdade  era  que,  na  alfandega  de  Loanda,  os  rendimentos 

nos  últimos  annos  haviam  diminuido  muito,  e  os  exploradores 

allemlies,   que  por  lá  tinham  andado  de  1875  a  1882,  nada 

haviam  feito  transpirar  sobre  o  que  viram  com  respeito  a  esse 

commercio. 
Tinhamos,  6  certo,  o  roteiro  da  viagem  de  Rodrigues  Graça 

de  1843  a  1848,  e  informações  doeste  e  de  alguns  negociantes 

wtanejos,  que  se  lhe  seguiram,  de  tempos  a  tempos,  a  devas- 

*w  a  regiSo  central  além  do  Cuango  que,  a  dar-se-lhes  cre- 


4  KXPEDIÇAO  PORTUGUESCA  AO  MUATIInVUÁ 

dito,  nos  aconselhavam  a  procurar  ali  mercados  para  as  nossas 
industrias  em  troca  dos  productos  conhecidos  —  marfim,  borra- 
cha, cera  e  gomraas. 

Havia,  pois,  toda  a  conveniência  em  se  conhecer  das  actuaes 
circumstancias  d*esses  mercados,  e  em  attrahir  os  productos  que 
ahi  se  encontrassem,  ao  menos  para  ir  alimentando  o  caminho 
de  ferro,  que,  por  necessidade  da  província,  ia  construir-se, 
até  que  se  encetassem  em  liarga  escala  a  exploração  agrícola  e 
a  mineira,  na  região  que  elle  ia  beneficiar. 

Assim  o  comprehenderam  o  Ex.™"  Ministro  da  Marinha  Ma- 
nuel Pinheiro  Chagas,  o  Secretario  Geral  do  seu  Ministério, 
Conselheiro  Francisco  Joaquim  da  Costa  e  Silva,  a  Sociedade 
de  Geographia  de  Lisboa  e  todos  quantos  se  empenhavam  pela 
construcção  d'aquellc  caminho  de  ferro. 

Demonstrava  eu,  então,  na  revista  illustrada  As  Colónias 
Portuguezas,  —  de  cuja  fundação  me  ufano,  pois  a  vejo  sustentar 
os  bons  principies  de  propaganda  iniciada, —  as  vantagens,  que 
obteriamos  em  reatar  antigas  relações,  que  principiáramos  a 
manter  com  os  estados  da  Lunda;  e,  ouvido  pelo  Ex."^  Ministro 
Manuel  Pinheiro  Chagas  e  pelo  Conselheiro  Francisco  Joaquim 
da  Costa  e  Silva,  por  intervenção  do  benemérito  explorador 
africano  Paiva  de  Andrada,  fui  convidado  a  apresentar  o  pro- 
jecto da  Expedição  que  tinha  em  vista. 

Delinear  o  projecto  como  cu  o  imaginara,  com  a  maior  bre- 
vidade possível,  era,  por  certo,  trabalho  mui  árduo;  porém, 
como  desejava  satisfazer  ao  honroso  convite  que  recebera,  não 
vacillei,  apresentando  logo  um  trabalho  bem  mais  modesto,  pois 
se  tratava  de  uma  missão  em  Africa,  que  me  parecia  muito 
urgente,  sobre  o  modo  de  fazer  um  estudo  pratico  de  toda  a 
região  a  leste  do  antigo  reino  de  Angola,  que  habilitasse  o 
Governo  a  providenciar  de  sorte  que  se  oppuzesse  um  dique 
ás  intenções  absorventes  que  então  se  manifestavam,  e  que 
tendiam  a  cercear  as  principaes  fontes  de  riqueza  do  nosso 
commercio  colonial  pelo  occidente,  tanto  mais  que  estavam 
estabelecidas  as  bases  para  um  tratado  com  a  Inglaterra,  sobre 
a  nossa  malfadada  questão  do  Zaire. 


INTRODUCÇlO 


Este  planOy  que^  até  então,  eu  não  encontrara,  sequer  esbo- 
çado, em  nenhum  dos  trabalhos  publicados  a  respeito  áA  Africa 
Central,  afigurava-se  improrogavel,  e  para  quem  conhece  pra- 
eticamente  a  vastíssima  província  de  Angola,  sempre  onerada 
com  grandes  encargos,  é  evidente  que  o  melhor  modo  de  lhe 
dar  o  desenvolvimento,  de  que  ella  é  susceptível,  seria  alargar  a 
área  do  seu  commercio,  facilitando-lhe  as  communicaçSes  com 
o  interior. 

Era  manifesto  o  definhamento  do  commercio  da  sua  capital, 
emquanto  que  florescia  o  do  Ambriz  ao  Zaire.  Não  era,  pois,  no 
âmago  da  província  que  devíamos  procurar  as  fontes  que  por 
muito  tempo  o  alimentaram ;  era  preciso  ir  além  dos  seus  limi- 
tes orientaes,  e  ultrapassar  o  rio  Cuango. 

E  este  rio,  que  fora  em  parte  estudado  pelos  beneméritos  ex- 
ploradores Capello  e  Ivens,  e  também  por  Van  Mechow,  até 
certa  altura,  não  seria  navegável  d'ahi  em  deante  até  ao  Zaii*e? 

E  sendo-o,  eram  grandes  os  obstáculos  a  vencer  para  a  união 
d^essa  linha  fluvial  com  a  continuação  do  caminho  de  ferro 
de  Loanda  a  Ambaca,  já  projectado? 

Quando  tudo  isto  fosse  possível,  que  vantagens  nos  podia 
offerecer  a  região  central  limitrophe? 

£  como  se  ha  de  conhecer  bem  esta  região,  sem  conhecer 
o8  productos  do  seu  solo,  os  seus  climas,  as  aptidões  dos  seus 
povos,  08  seus  usos  e  costumes,  a  sua  historia,  a  sua  existên- 
cia politica,  e  antes  de  tudo  a  sua  língua? 

Dominavam-me  estas  ideas,  como  se  prova  pelas  minhas 
communicaçSes  ao  Governo  durante  o  desempenho  da  missão 
que  me  foi  confiada,  mas  abstive-me  de  apresentar  um  projecto 
muito  desenvolvido  e  de  precedê-lo  de  largas  considerações, 
receando  prometter  o  que  eu  talvez  não  pudesse  realisar. 

Tratei  de  fixar,  por  isso,  as  principaes  questões  a  que  deve- 
riamoB  attender  como  mais  instantes,  a  saber:  restabelecer  a 
nossa  antiga  influencia  com  os  povos  do  Estado  do  Muatiãnvua ; 
estreitar  mais  as  nossas  relações  commerciaes  com  esses  povos, 
chamando  de  novo  para  a  província  as  correntes  mercantis 
que  se  procurava  desviar  para  o  norte;  garantir  communicações 


6         £XP£DIÇ20  POKTUQUEZÂ  AO  HUATIÂNVUA 

seguras  ao  nosso  commercío  entre  ellcs^  por  meio  de  EstaçSes 
civilisadoras^  commereiaes  e  hospitaleiras ;  e  ainda  crear-lhes 
necessidades  pelo  contacto  comnosco,  ao  mesmo  tempo  que,  por 
uma  influencia  pacifica  e  benévola,  os  fossemos  preparando  a 
recorrerem  a  nós,  que  retribuindo-lLes  o  trabalho  lhes  propor- 
cionaridmos  meios  do  as  satisfazerem. 

Neste  sentido  fonnulei  o  projecto,  c  S.  Ex.'  o  Ministro  en- 
tendeu conveniente  sobre  elle  consultar  a  Sociedade  de  Geo- 
graphia  de  Lisboa,  que,  reconhecendo-lhe  a  urgência,  nâo  foz 
demorar  o  seu  parecer  sobro  tão  importante  assumpto.  Julgo 
do  meu  dever  reproduzir  aqui  este  documento  para  melhor  se 
avaliarem  as  ideas  da  benemérita  Sociedade  sobre  a  missão 
de  que  eu  era  encarregado. 

Sooiedacle  cio  Geog^apliia  cie  ILiist>on. 

111.""  c  Ex."«  Sr. — Satisfazendo  aos  desejos,  para  nós  muito  honrosoí*, 
que  V.  Ex.*  foi  servido  cominuuicar-noH  por  oAicio.da  Direcção  Geral  do 
Ultramar  de  28  de  janeiro  ultimo,  e  acolh(?ndo  com  particular  agrado  o 
pensamento  e  projecto  a  ({ue  o  mesmo  oifício  allude,  a  Dirccçilo  doesta 
Sociedade  encarregou  a  Commissílo  Nacional  de  Exploração  e  Civilisa- 
çao  Africana,  de  (rstudar  o  assumpto  e  tem  a  honra  de  apresentar,  in- 
cluso, a  V.  Kx.*  o  parecer  da  mesma  ConimissUo. 

A  urgência  e  a  natureza  do  caso  e  a  circunistancia  de  se  acliar  sus- 
penso o  expediente  interno  da  Sociedade,  por  motivo  da  mudança  e  rcin- 
stallaçao  da  sede,  fez -nos  prescindir  de  levar  o  assumpto  pendente  á 
consideração  da  assembléa  geral. 

Cremos,  comtudo,  poder  assegurar  a  V.  Ex."  que  interpretámos  o  sen- 
timento c  a  opiniílo  dos  nossos  consócios,  fazendo  nosso  o  parecer  da 
nossa  ConnnisHÍlo  Africana. 

Parece-nos  até  que  este,  como  outros  assumptos  de  análoga  natureza, 
ganham  muito  sob  o  aspecto  dos  interesses  e  necessidades  da  politica 
nacional,  — nas  presentes  circiunstauciíis, —  em  nslo  serem  extempora- 
neamente submettidos  a  uma  publicidade  que,  sem  trazer  proveito  algum 
ao  estudo  e  á  resolução  competente  d'elles,  pode  ser,  e  tem  sido,  por^•en- 
tura,  mais  de  uma  vez  explorada  contra  o  paiz  e  contra  os  esforços  pa- 
trióticos da  sua  administração. 

Não  ignora  V.  Ex.*  que  particularmente,  em  relaç3o  ás  nossas  cousas 
africanas,  diversos  e  poderosos  interesses  de  politica  e  de  cobiça  estra- 
nha intrigam  o  conspiram  incessantemente  contra  nós. 


INTRODUCÇXO 


NSo  pode  já  duvidar-sc,  e  o  Governo  de  certo  o  sabe  muito  melhor 
do  que  uós,  que  esses  interesses  toem  em  Portugal  agentes  hábeis  e 
dedicados  que  espiam  as  nossas  tentativas,  e  exploram  as  ingenuidades 
e  imprudências  da  nossa  boa  fé  e  da  nossa  indiscrição  habitual. 

Julgámos  escusado  alongar-nos  mais  acerca  doesta  qucstSo  delicada 
e  ingrata,  em  que  apenas  de  leve  tocámos,  para  affirmar  a  Y.  £x.*  que 
por  nossa  parte  temos  entendido  de  ha  muito  dever  acautclar-nos,  ató 
onde  podemos,  e  consoante  o  pensamento  patriótico  e  pratico  que  a 
nossa  Sociedade  representa  e  procura  servir,  contra  a  vulgarlsaçâo  pre- 
matura e  indiscreta  de  certos  negócios  e  tentativas  de  que  nos  parece 
que  n2o  convém  que  os  estranhos  possam  ter,  como  já  tem  succedido, 
mn  conhecimento  antecipado  que  os  habilite  a  preparar-uos  difficulda- 
des  e  mallogros. 

Assim  é  que,  relativamente  á  Missão  ao  Muata-Yanvo,  se  tem  conser- 
vado reservado  para  nós  o  assumpto  desde  as  primeiras  conversações 
de  alguns  dos  nossos  coUegas  com  V.  Ex.*  e  com  o  sr.  Paiva  de  Andrada, 
por  nos  ter  parecido  que  nas  vésperas  de  uma  pova  expedição  allcmã 
áquelle  potentado,  e  na  situação  presento  da  questão  africana,  haveria 
conveniência  em  que  a  Missão  Portugueza  se  organisasse  e  partisse  sem 
rnido,  além  de  tudo  prematuro  e  inútil. 

Infelizmente  também  neste  assumpto  se  não  ponde  manter  a  necessá- 
ria reserva;  a  noticia  da  Expedição  Portugueza,  e.até  do  seu  caracter 
politico,  chegou  já  a  Bruxcllas  e  a  Berlim,  e  estas  circumstancias  bas- 
tarão para  tomarmos  a  liberdade  do  chamar  a  particular  attenção  de 
V.  £x.*  sobre  a  conveniência  manifesta,  que  nos  parece  havor  em  que 
epsa  Expe< lição  se  organise  rapidamente,  de  maneira  que  possa  partir 
no  paquete  de  6  do  próximo  mez,  expedindo-se  desde  já  as  necessárias 
prevençíícB  e  ordens  ao  Governador  Geral.' 

Faça- nos  sempre  V.  Ex.*  a  justiça  de  acreditar  na  boa  e  sincera  von- 
tade da  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa  em  cooperar,  como  possa  o 
lhe  cumpra,  no  serviço  do  Estado. 

Deus  guarde  a  V.  Ex."  Lisboa  4  de  fevereiro  do  1884. — 111."'»  e 
Ex.*<*  Sr.  Ministro  e  Secretario  de  Estado  dos  Negócios  da  Marinha  e  Ul- 
tramar. =  Pela  Direcção,  o  Vice-Presidcntc  em  exercicio,  Francisco  Ma- 
ria da  Cunha  =  O  Secretario  perpetuo,  Luciano  Cordeiro, 


Pareeei*  cia  Commissã.o  AAricana 

Senhores: — A  Commissão  Africana  da  Sociedade  de  Geographia  de 
Lisboa  foi  extremamente  agradável  a  commimicação  que  a  Ex."*  Dircc- 
f«o  lhe  fez  do  officio  do  Ministério  da  Marinha  e  Ultramar,  de  28  do 
corrente,  relativamente  ao  projecto  de  uma  missão  de  estudo  e  de  rela- 


8  EXPEUIÇIO  POBTDGUEZA  AO  MUATIANVUA 

ç5eB  politicas  a  enviar  ao  potentado  africano,  geralmente  conhecido  pelo 
nome  de  Muata-Yanvo  ou  Muatu-ya-nvo, 

Sem  tratar  agora  de  reivindicar  para  a  Sociedade  de  Geograpbia  de 
Lisboa  a  iniciativa  da  idóa  ou  reconhecimento  da  necessidade  económica 
e  politica  de  renovar  as  relações  oíficiaes  com  o  referido  potentado,  c  de 
vigiar  d'aguelle  lado  do  sertão  africano  os  trabalhos  e  esforços,  nem 
sempre  exclusivamente  humanitários  e  civilisadores,  dos  exploradores  e 
aventureiros  estrangeiros, — iniciativa  e  reconhecimento  que  se  acham 
registados  na  correspondência  official  da  Sociedade  e  na  particular  c 
oíficiosa  da  sua  Sjccretaria  gorai, — limitar-se-ha  a  prestar,  em  princi- 
pio, a  sua  sincera  adhesão  ao  pensamento  que  faz  objecto  do  officio  do 
Governo,  e  a  offerecer  á  Direcção  o  seu  parecer  para  que  ella  faça  d^clle 
o  uso  que  tiver  por  mais  conveniente. 

Abstendo-se  igualmente  de  fazer,  por  agora,  a  historia  das  antigas 
relações  portuguezas  com  o  referido  potentado,  crê  também  escusado 
demorar-se  na  fácil  demonstração  das  conveniências  commerciaes  e  po- 
liticas doestas  relações,  conveniências  de  longa  data  reconhecidas  c 
apenas  accrcsccutadas  agora  pela  direcção  e  pelas  circumstancias  pre- 
sentes do  movimento  na  exploração  pratica  geral  do  contuiente  africano. 

E  evidente  que,  se  tivéssemos  proscguido  na  politica  por  vezes  en- 
saiada em  antigas  epochas  — que  chegou  no  Congo  a  radicar-se  por 
uma  forma  notabilisHima —  tcriaraos  fixado  em  condições  seguras  e  van- 
tajosas para  o  nosso  commcrcio  c  para  o  desenvolvimento  civilisador 
do  nosso  domiuio,  o  prestigio  e  a  auctoridade  do  nome  portuguez,  nos 
potentiidos  sertanejos  que  cstanceiam  entre  as  duas  costas  meridionaes 
africanas.  Mas  n^o  é  menos  certo  também  (|ue  podemos  ainda  valorisar 
cousideravelment(;  a  situação  singular  que  a  historia  e  o  espirito  aven- 
tureiro e  ousado  dos  nossoíf  conquistadores,  dos  nossos  missionários  e 
dos  nossos  colonos  nos  crearam  em  Africa,  e  que  estamos  chegados  a 
um  momento  em  que,  se  o  níío  fizermos  de  prompto  por  mn  esforço  decidido 
e  intelligente,  arriscámos  deveras,  com  a  honra  do  nosso  nome,  a  segu- 
rança e  a  prosperidade  das  nossas  possessões  africanas,  contra  as  qnaes 
conspiram,  por  igual,  a  cobiça  e  a  intriga  d'aquellos  a  quem  exacta- 
mente abrimos  o  grande  continente.  Depois  de  mallograda,  e  ainda  as- 
sim gloriosa,  tentiitiva  representada  pela  Kxpediçao  de  Joaquim  Rodri- 
gues Graça,  em  1843,  e  lí  parte  (luaesquer  ])artioulares  commissões  e 
dedicações  patrióticas  de  um  ou  outro  sert^inejo  portuguez,  as  nossas 
relações  oflficiaes  com  o  Muata-ya-nvOy  pode  dizer-se  que  se  acham  in- 
terrompidas e  abandonadas. 

O  esforço,  o  serviço,  e  o  vasto  e  utilissbno  projecto  do  homem  a  quem 
o  Governador  José  Xavier  Bressane  Leite  confiou,  por  instrucções  de  18 
de  março  de  1843,  o  encargo  de  explorar  <«os  territórios  dos  régulos  por 
onde  transitasse,  de  examinar  os  seus  usos  e  costumes,  de  conhecer  da 


INTUODUCÇXO  9 


soa  agricultura,  rios,  minas,  etc.,  para  bem.  dos  interesses  da  NaçSo», 
nSo  teem  sido  apreciados  com  toda  a  justiça  entre  nós,  posto  lograssem 
merecer  a  admiração  e  o  elogio  dos  estranhos,  e  sirvam  ainda  de  illu- 
cidaçâo  c  de  guia  aos  exploradores  que  outros  Estados  teem  ultima* 
mento  enviado  ao  poderoso  potentado  do  sertão  central  do  continente 
negro.  Vem  a  propósito  citar  a  Expedição  de  Graça,  cujo  diário,  nunca 
publicado  na  integra,  esperámos  x)oder  em  breve  oíferecer  ao  publico, 
porque  nos  parece  que  o  projecto  que  agora  o  Governo  nos  commanica, 
se  approxima  naturalmente  d^aquelle  que  a  Expedição  de  1843  repre- 
sentava. 

Essa  Expedição,  infelizmente  desprovida  de  recursos  scientificos,  ti- 
nha o  duplo  caracter  de  commercial  e  politica,  de  particular  e  de  oífi- 
ciai,  na  sua  organisaçâo  e  destino,  e  cremos  que  é  igualmente  este  o 
caracter  da  nova  Expedi ç-âo  projectada,  sendo  pelo  menos,  o  que  nos 
parece  e  que  todas  as  circumstancias  aconselham  que  se  lhe  imprima, 
de»le  o  seu  inicio,  até  aos  ultimes  pormenores  da  sua  organisação. 

O  caminho  ou  caminhos  que  conduzem  ao  Muata-ya-nvo  são  conho- 
ddos,  e  sem  esquecer  a  necessidade  de  aproveitar  todas  as  occasiõcs  que 
Be  offereçam  de  augmentiir  e  de  rectificar  os  nossos  conhecimentos  e 
informações  scientificas  das  regiões  africanas,  considerámos  o  projecto 
eobre  que  temos  de  pronunciar-nos  como  o  de  uma  missão,  principal- 
mente commercial  e  diplomática,  destinada : 

l.*  A  estudar  os  meios  mais  práticos  e  fáceis  de  assegurar  e  dcsen- 
Yoker  as  relações  commerciaes  entre  os  territórios  e  portos  da  nossa 
pTovinvia  de  Angola  e  os  povos  e  territórios  sujeitos  á  dominação  do 
Mwta-ya-nvo  ; 

2.*  Renovar  junto  doeste  a  memoria  e  cordialidade  das  relações  anti- 
gu^  reforçar  no  seu  animo  e  governo  a  estima  o  o  respeito  pelos  portu- 
Rnezes,  vigiar  e  combater  as  influencias  estranhas  e  hostis  que  tendam  a 
iilheal-o  de  nós  e  promover,  emíim,  os  trabalhos  convenientes  no  sentido 
<ie  fixar  n*a((uella8  regiões,  e  junto  d'aquelle  potentado,  o  prestigio  e 
uctoridade  da  civilisação  portugueza  por  meio  do  estabelecimento  do 
lonanÚBsão  religiosa,  de  um  «residente»  politico  ou  de  algumas  feitorias 
i^ontes. 

Qualquer  que  tenha  de  ser  a  solução  da  chamada  questão  do  Zaire, 

^  das  qae  possam  surgir  pelo  estabelecimento  dos  allemãcs  o  dos 

inçlexea  ao  sul  do  Cunene,  é  indispensável  assegurar  e  desenvolver  as 

wUçoc»  (lo  interior  com  os  portos  da  província  de  Angola,  e  evitar  e 

combater  por  meios  práticos  e  promptos  o  desvio  d'cssas  relações  para 

qiiaçaquer  occupações  ou  estabelecimentos  estrangeiros  ao  norte  e  ao 

*4  ou  a  preponderância  politica  de  quaesquer  influencias  estranhas  nas 

wgiòea  n&o  avassalladas  do  interior. 

O  noMo  principal  alliado  em  Africa  foi  sempre,  e  diz  o  mais  rudi- 


10  EXPEDIÇÃO  POBTUGUEZA  AO  MUATIInVUA 

mentar  senso  pratico  que  ha  de  continuar  a  ser,  o  indígena  que  nós  con- 
seguimos attrahir  e  prender  ao  convivio  da  nossa  civilisaçSo,  do  nosso 
protectorado  p*aciíico  e  liberal,  da  nossa  influencia  e  da  nossa  actividade 
mercantil  e  instructiva. 

Pequenos  e  pobres  como  somos,  criam-nos  recursos  singulares  de 
força  e  de  expansão  colonial,  a  indole  c  tendências  de  raça,  uma  exce- 
pcional facilidade  da  adaptação  e  de  assimilação  etbnica  e  climatérica, 
a  larga  affirmaçíio  antiga  da  nossa  actividade  e  do  nosso  dominio.  Cir- 
cumscrevendo,  porém,  as  nossas  considerações  aos  quesitos  que  nos  são 
propostos  110  ofiicio  do  Ministério  da  Marinha,  e  dando  como  perfeita- 
mente dispensável  qualquer  demonstração  das  necessidades  e  das  van- 
tagens determinativas  da  Missão  projectada,  cujo  pensamento  nos  não 
parece  que  possa  soffrer  a  menor  coutestiição  razoável,  passaremos  a  ex- 
por, summariamcnte,  o  nosso  parecer  acerca  da  forma  por  que  enten- 
demos que  esta  Missão  deve  levar  a  cabo  os  seus  trabalhos  e  o  que 
principalmente  lhe  cumpre  fazer. 

1/*  As  lições  da  experiência  própria  e  alheia,  facilmente  explicáveis 
para  quem  conhece  as  condições  a  que  por  emquanto  teem  de  subordi- 
nar-se  as  expedições  sertanejas  em  ^Vfrica,  á  parte  as  rasões  de  econo- 
mia e  de  caracter  especial  indicadas  pelo  Governo,  aconselham  que  a 
Missão  projectada  se  componha,  pelo  que  diz  respeito  ao  seu  pessoal 
brancOf  do  menor  numero  que  for  possível  de  individues. 

Quer  em  rtílaçâo  ao  numero,  quer  á  qualidade,  cargo  ou  profissão 
d'esses  individues,  segundo  a  indicação  do  oiHcio  do  Governo,  mal  po- 
deríamos manifestar  a  nossa  opinião  não  nos  tendo  sido  enviada  a  pro- 
posta a  que  n'elle  se  allude. 

Naturalmente  nessa  proposta  se  terá  determinado  as  rasões  por  que 
se  entende  que  a  missão  se  deve  formar  de  um  chefe,  um  ajudante,  um 
padre  e  um  pharmaceutico. 

Bastará  de  certo  um  chefe,  ofiicial  do  exercito  ou  da  armada,  ou  até 
um  individuo  da  classe  civil,  regularmente  habilitado,  branco,  enten- 
de-se,  para  com  uma  pequena  escolta  e  comitiva  de  serviço  indispensá- 
vel levar  a  cabo  o  projecto. 

E,  porém,  de  evidente  vantagem  que  um  missionário,  branco  e  por- 
tuguez  igualmente,  exeinplarissimo  de  caracter  e  costumes,  acompanhe  a 
Missão,  e  pode  ser  conveniente  que  mais  brancos  lhe  sejam  ad^icionados 
para  os  trabalhos  de  exploração  scientifíca  e  de  representação  official, 
e  muito  particularmente,  se  como  é  para  desejar,  se  conseguir  estabe- 
lecer junto  do  Muata-Yajioo  uma  missão  religiosa  ou  uma  «residência* 
politica  portugueza. 

Parece-nos  escusado  indicar  as  qualidades  e  caracter  de  instrucção 
e  de  confiança  que  devem  determinar  a  escolha  do  chefe. 

É  claro  que  elle  ha  de  ser  um  homem  iutelligente,  de  saúde  vigorosa, 


INTRODUCÇAO  1 1 


enérgico  e  prudente,  soffircdor  e  resoluto,  de  costumes  severos,  conhe- 
cedor, quando  ntU>  experimentado,  nas  cousas  africanas  e  nos  trabalhos 
principaes  d*estcs  reconhecimentos  e  campanhas  de  explbraçâo  de  es- 
tado, dotAdo  de  uma  instrucçâo  scicntiíica,  provada  por  trabalhos  ou 
por  títulos  escolares  que  sufficientementc  garantam  a  sua  capacidade, 
Mibendo  determinar  pelos  processos  mais  rudimentares  e  expeditos, 
quando  mais  nâo  seja,  a  situação  gcographica  de  qualquer  ponto;  fazer 
as  observações  astronómicas  c  meteorológicas,  fundamentaes,  colher  o 
conservar  êpecimens  e  exemplares  geológicos,  zoológicos  e  botânicos, 
otc.  Todo  o  pessoal  deve  ser  escolhido  por  clle,.  e  mantcr-se-lhe  subor- 
dinado na  mais  severa  disciplina. 

N2o  seria  fácil,  nem  parece  que  nos  fosse  pedido,  que  formulássemos 
o  orçamento  doesta  Expedição,  orçamento  que,  além  de  tudo,  terá  de  va- 
riar muito  segundo  as  upplicaçijes  e  fins  do  projecto  inicial. 

Accresce  que  a  Expedição  se  diz  que  será^  auxiliada  por  subscripçáo 
particular,  certamente  no  pensamento,  que  não  podemos  deixar  de  ap- 
provar,  de  que  ella  tenha  também  por  encargo  o  ensaio  de  algumas 
operações  commerciaes. 

£,  pois,  provável  que  na  proposta  se  estabeleçam  as  condições  orça- 
mentaes  que  ficam  á  conta  e  responsabilidade  do  Governo,  e  que  este 
adopte  consequentemente  uma  forma  contraetal  precisa  e  definitiva,  o  que 
igualmente  nos  parece  ser  o  melhor  processo  para  a  formação  da  Mis- 
são, do  seu  pessoal  e  despezas  geraes  d'clla. 

A  Expedição  cremos  poder  fazer-se  sem  largos  dispêndios,  parecen- 
do-uos  igualmente  conveniente  dar  como  determinado  o  processo  de 
accessos,  quando  se  trate  de  individues  militares,  ou  de  futuras  conces- 
sões extraordinárias  não  especificadas  no  contracto  primitivo,  seja  qual 
fòr  a  classe  a  que  esses  indivíduos  pertençam. 

Pode  o  chefe  ser  um  official  do  exercito  ou  da  armada,  com  o  curso 
da  respectiva  anna,  parecendo  haver  realmente  vantagem  em  que  o  seja, 
mas  pode  também  ser  individuo  da  classe  civil  correspondentemente 
habilitado.  O  que  importa,  sobretudo,  é  que  tenha  as  qualidades  moraes 
c  instructivas  necessárias  ao  bom  desempenho  do  cargo. 

2.«  Relativamente  aos  intuitos  principaes  da  Missão,  cremos  te-los 
indicado  já  com  suifíciente  clareza. 

As  instrucçôes  politicas  e  scieutificas  podem  ser  moldadas  pelas  que 
levou  a  Expedição  scientifica  Serpa,  Capello  e  Ivens.  As  instrucçôes  com- 
merciaes terão  naturalmente  de  ser  propostas  pelos  promotores  da  Ex- 
pe<lição,  estudadas,  modificadas  ou  approvadas  pelo  Governo,  ou  por 
quem  elle  encarregar  de  o  fazer. 

£  certo,  porém,  que  determinado  o  pensamento  e  fim  da  Missão,  á 
discrição,  intelligeucia  e  zelo  do  seu  chefe,  tem  de  ficar  a  liberdade  de 
proceder  pela  melhor  forma  que  as  circumstancias  e  os  recursos  lhe  per- 


12        EXPEDIÇZO  POBTUOUEZA  AO  MUATIANVUA 

j  ■  ' 

• 

mittam.  A  elle  também  deve  pertencer  a  indicação  ou  proposta  dos  in- 
stmmentos  e  utensilios  que  tiver  como  indispensáveis,  sem  prejuízo  de 
approvaçSo  superior. 

Neubuma  duvida  terá  comtudo  a  Commiss&o  Africana,  se  o  Governo 
e  a  Direcção  entenderem  por  conveniente,  de  fixar  quaesquer  instmc- 
ções  ou  indicações  fundamentaes,  e  bem  assim  de  accordar  com  o  chefe 
que  for  nomeado,  a  resolução  de  qualquer  assumpto  referente  á  mesma 
Expedição,  desejando  prestar  a  esta,  por  si  e  pela  Sociedade  toda  a  co- 
operação e  parecer  que  for  de  sua  competência.  Aqui,  porém,  cabe  uma 
observação,  que  julgámos  ser  de  particular  importância. 

Como  a  Direcção  da  Sociedade  não  ignora  de  certo,  a  Expedição  scieu- 
tifíca  de  1877  esteve  para  mallograr-se,  quando  apenas  attingira  o  Bibe, 
pela  supcn^eniencia  no  seio  da  extincta  Commissão  Central  permanente 
de  Geograpbia,  de  susceptibilidades  e  suggcstoes  tardias  que,  posto  não 
se  tivessem  reduzido  a  uma  deliberação  e  consulta  regular,  inspiraram 
ordens  que  lançaram  a  confiisão  entre  os  trcs  beneméritos  exploradores. 

Por  outro  lado  facilmente  se  comprebcnde  que  estas  expedições  e 
trabalhos,  pelo  menos  no  que  elles  tecm  de  scientifíco  ou  no  que  im- 
porta ás  necessidades  e  conveniências  do  estudo  geral,  mal  podem  su- 
l>ordinar-se  exclusivamente  ao  expediente  ordinário  das  secretarias  e 
repartições  publicas. 

Ha  resultados  e  noticias  que  exigem  immediata  publicidade,  devida- 
mente fiscalisada  e  dirigida,  e  convém  igualmente  conservar  interessado 
o  publico  nos  diversos  incidentes  e  resultados  do  emprehendimento. 

E  finalmente  necessário  ccntralisar  e  assegurar  a  correspondência,  c 
as  informações  auctorisadas  e  convenientes  da  Expedição.  Comprehende- 
se,  e  faz-se  isto  em  toda  a  part«,  e  ainda  ha  pouco,  em  relação  aos  tra- 
balhos de  Savorgnan  de  Brazza,  o  Governo  Francez  procedeu  por  esta 
forma  estabelecendo  (me  todos  os  serviços  e  correspondência  que  lhes 
dissessem  respeito  se  reunissem  e  centralisassem  numa  estação  especial, 
devidamente  habilitada.  Importa  chamar  a  atteuç4o  do  Governo  sobre 
este  assumpto. 

Existindo  junto  do  Ministério  do  Ultramar,  e  fundida  nesta  Sociedade, 
a  Conunissão  Central  de  Geograpbia,  cujo  Presidente  é  o  projirio  Minis- 
tro, parece-nos  que  nenhuma  duvida  pode  haver  de  que  nessa  Commis- 
são se  concentre  todo  o  expediente  e  correspondência  relativa  á  Expedi- 
ção projectada,  e  das  mais  que  estejam  ou  venham  a  organisar-se  de 
igual  natureza,  começando  por  aquella  que  ha  pouco  partiu  de  Lisboa 
formada  pelos  nossos  illustres  consócios  os  srs.  Capello  e  Ivens. 

Relativamente  ao  itinerário  a  seguir,  mal  pode  determinar-se  ante- 
oipadamente  com  precisão  e  segurança.  Hão  de  determiná-lo,  dia  a  dia, 
nmitas  vezes  as  circumstancias  e  as  necessidades  da  Expedição  por  um 
lado,  por  outro,  o  bom  critério  e  zelo  do  chefe  respectivo. 


INTBODUCÇÃO  13 


N2o  se  tratando  rigorosamente  de  uma  Expedição  de  descoberta  de 
novoB  caminhos  e  regiões,  e  sendo  o  principal  objectivo  o  restabeleci- 
mento das  relações  com  o  Muata-Yanvo,  parece-nos  conveniente  ad- 
optar como  ponto  de  partida  no  sertão  angolense,  Malange,  ponto  qne 
08  exploradores  allemíKcs  teem  escolhido  como  base  habitual  das  suas 
expedições  naquella  mesma  direcção.  Ali,  e  no  Quibundo,  encontrará  a 
Missão,  entre  outros  sertanejos  costumados  a  visitar  as  terras  do  Muata, 
08  conhecidos  irmãos  Machados,  que  tantos  serviços  tecm  prestado  aos 
allemães,  e  tão  acariciados  são  por  elles. 

£  porventura  chegada  a  occasião  de  o  Governo  Portuguez  estimular 
também  a  dedicação  d^aquelles  negociantes  por  qualquer  testemunho  de 
distincçlo  e  de  apreço.  Não  ha  muito  que  elles  projectaram  uma  £x- 
pediç-ão  ao  chamado  paiz  do  Cachcche,  tendente  a  anteceder,  senão  a 
invalidar,  em  grande  parte  os  projectos  de  Stanlej,  em  relação  á  dra- 
gagem commercial  d^aquellas  regiões. 

Vem  também  a  propósito  chamar  a  attenção  do  Governo  para  a  im- 
portância notável  de  Malange,  quer  sob  o  aspecto  politico,  quer  sob  o 
dos  interesses  commerciaes  da  província  de  Angola.  É  necessário  con- 
solidar e  fortalecer  seriamente  d^aqucllc  lado,  c  naquellc  ponto,  o  domí- 
nio portuguez.  Uma  boa  occupação  militar  c  uma  administração  hábil, 
vigilante  e  moral,  parece-nos  que  seria  uma  forte  garantia,  indispensá- 
vel, a  estabelecer  ali  sem  delonga,  para  tranquillidade  e  honra  da  nossa 
soberania  e  da  nossa  influencia  no  sertão. 

São  do  maior  interesse  todas  as  informações  que  a  Missão  possa  co- 
lher acerca  dos  caminhos  commerciaes  mais  fáceis  e  seguidos,  dos  pro- 
cepsos,  necessidade  e  preferencias  do  commercio  indígena,  das  aptidões 
do  solo  e  do  clima,  dos  costumes,  tendências  e  situação  dos  diversos  po- 
vo#,  cm  summa,  de  quanto  importa  ao  melhor  desenvolvimento  das  nos- 
sas ri'laç4ies  mercantis.  Estudar  e  pesquizar  o  procedimento  e  propósi- 
tos dos  exploradores  e  agentes  estrangeiros,  é  necessariamente  um  dos 
fins  da  Missão  portngueza. 

Em  relação  ás  providencias  tendentes  a  evitar  que  o  commercio  seja 
dt^sviado  dos  caminhos  ou  das  relações  -dos  nossos  territórios  e  nego- 
ciantes, «o  assumpto  é  vasto  e  complexo  de  mais  para  que  o  desdobre- 
mos aqui  n*algumas  indicações  summarias  e  incidentaes. 

Resolvida  a  questão  do  Zaire,  um  dos  nossos  immediatos  e  mais  vi- 
gorosos empenhos  deve  ser,  até  onde  for  ainda  possível,  assegurarmos 
os  caminhos  commerciaes  indígenas,  do  interior  para  a  nossa  costa  e 
para  a  margem  sul  do  Baixo-Zaire.  O  desvio  do  commercio  dos  sertões 
ao  sul  do  grande  rio  para  o  nortQ  d*elle,  é  provável  que  continue  a  en- 
contrar difficuldades  e  resistências  consideráveis. 

Ha  annos  instou  a  Sociedade  de  Geographia  pelo  estabelecimento  de 
nma  estação  civilisadora  em  Xoki,  como  inicio  e  preparaçtío  de  uma 


14  EXPEDIÇÃO  PORTUOUEZA  AO  MUATIÂNVOA 

occupaç2o  offectiva.  Stanley  percebeu  dopois  a  importância  d*aqaelle 
ponto,  e  estabeleceu- 80  n*elle. 

Os  caminhos  de  S.  Salvador  para  leste,  c  os  do  mesmo  ponto  para  o 
Ambriz  pelo  Bembe,  que  nunca  devêramos  ter  abandonado,  podem  ter 
para  nós,  muito  em  breve,  uma  importância  decisiva.  Tudo  isso,  porém, 
apenas  por  natural  divagação  nos  vem  á  lembrança,  que  o  qu^  agora 
ha  de  occupar  o  estudo  e  attenção  da  Expedição  projectada  é  o  desen- 
volvimento o  segurança  das  correntes  mercantis,  entre  os  vastos  terri- 
tórios do  Muata  e  os  nossos  estabelecimentos  que  lhe  ficam  mais  pró- 
ximos, ou  os  nossos  portos  de  Loanda  e  Benguella. 

Em  relação  ao  primeiro,  o  caminho  de  Malange  parece-nos  natural- 
mente indicado;  em  relação  ao  segundo  o  caminho  do  Bihé  impõe-se 
necessariamente.  Kecapitulaudo,  respondemos  aos  quesitos  do  ofticio  do 
Ministério  do  Ultramar. 

l.'»  A  Expedição  deve  ser  organisada  com  o  menor  numero  de  indi- 
vidues brancos  que  seja  compatível  com  o  seu  caracter  e  missão,  não 
podendo  a  ComniiBsão  julgar  da  organisação  a  que  o  oflicio  allude,  por 
não  conhecer  a  proposta  respectiva,  em  que  provavelmente  essa  organi- 
sação  se  explica  e  fundamenta.  Parcce-lhe,  comtudo,  que  ha  vantagem 
cm  que  acompanhe  a  Expedição  um  padre  ou  missionário  catholico, 
branco  e  portuguez,  e  que  não  havcnl  inconveniente  em  que  d'ella  fa- 
çam parte  dois  outros  brancos  com  as  qualidades  ou  cargos  indicados 
no  documento  ofticial,  8(!ndo,  porém,  absolutamente  indispensável  que 
ente  pessoal  se  ache  moral  e  instruetivameute  habilitado,  nas  condições 
atniz  expostas  e  consoantes  á  missão  de  que  vne  incumbido. 

2.°  A  Missão  deve  ser  prineipahuento  commeroial  e  politica,  á  ma- 
neira da  de  Eodrigucs  Graça,  mas  suíti cientemente  dotada  dos  requisitos 
e  m(!Íos  indispensáveis  ji  exploração  soientifica,  que  deverá  simultanea- 
mente fazer,  das  regiões  que  atravessar. 

Convirá  que  elhi  se  cmpenlie  no  estabelecimento  de  uma  missão  reli- 
giosa, de  uma  feitoria  eomniercial  ou  de  uma  residência  politica  junto 
do  Muata. 

E  claro  que  a  Missão  deve  apresentar  ao  potentado  africano,  uma 
dadiva  ou  offerta  do  Governo  Portuguez,  e  que  na  resolução  d*estc  ponto, 
que  aliás  não  foi  consignado  ao  nosso  parecer,  deve  haver  toda  a  discri- 
ção o  cuidado,  reflectindo -se  bem  nas  cireurníítancias  em  que  se  acha  o 
poderoso  regulo,  frequente  e  generosamente  presenteado  pelos  allemães. 
A  Commissão  Africana,  approvando  calorosamente,  nos  termos  que 
ficam  expostos,  o  .projecto  díi  Expedição  indicada,  estimará  poder  co- 
operar, na  medida  das  suas  forças,  para  o  melhor  êxito  d'ella. 

Casa  da  Sociedade,  em  3  de  feveníiro  de  1884.  =  Pela  Commissão 
Africana,  o  Presidente,  Vif<conde  de  S.  Januário  —  O  Secretario-relator, 
Luciano  Cordeiro, 


INTEODUCÇlO  15 


Está  largamente  desenvolvido  o  parecer  da  Sociedade  de 
Geographia  de  Lisboa  e  exposto  com  a  proficiência  que  cara- 
cterisa  todos  os  trabalhos  doesta  benemérita  Sociedade.  Não 
mencionava,  porém,  especialmente  estudar  os  diversos  idiomas 
d'aquelle8  povos,  sem  duvida  porque  a  Sociedade  depois  de 
1878  por  diâerentes  vezes  já  tem  manifestado  a  necessidade 
doesse  estudo;  nem  tSo  pouco  se  referia  o  parecer  á  conve- 
niência de  se  proceder  ás  investigaçSes  fimdainentaes  para  se 
examinar  a  vida  social  e  o  modo  mais  fácil  de  ir  civilisando 
cada  um  d'esses  povos,  e  de  activar  as  suas  relações  com  a 
província  de  Angola;  cerUimente,  porque  taes  trabalhos  só 
por  si  demandam,  além  de.  aptidões  especiaes,  o  tempo  indis- 
pensável. 

Mas,  em  todo  o  caso,  esse  parecer,  tXo  notável  sob  muitos 
pontos  de  vista,  mostrava  a  importância  da  missão  que  eu  me 
propunha  a  desempenhar,  c  não  faltavam  já  as  bases  impres- 
cindiveis  para  S.  Ex.*  o  Ministro  resolver. 

A  portaria,  que  em  seguida  transcrevemos  e  que  me  encar- 
rega de  organisar  a  Expedição,  evidencia  que  a  idea  do  Go- 
verno era  que  a  Expedição  se  occupasse  principalmente  de  um 
consciencioso  estudo  commercial,  do  estabelecimento  de  Esta- 
cais e  de  manter  boas  relações  com  todos  os  povos  entre  os 
quaes  tivesse  de  transitar  até  ao  ponto  do  seu  destino,  fazendo 
tratados  de  boa  amizade  e  commercio  com  os  respectivos  po- 
tentados. 

Poirtairia 

Sendo  de  maior  conveniência  attrahir  aos  portos  da  província  de 
AnfToIa  o  commercio  do  sertão  a&icano,  amiudando,  quanto  possivcl,  as 
Tthifies  entre  esta  provincia  e  os  povos  que  demoram  a  leste  d*ella, 
£ivorccendo-no8  excepcionalmente  neste  empenho,  nâo  só  as  relações 
inexistentes,  mas  o  grande  prestigio  que  entre  aquelles  povos  tecm 
linda  o  nome  c  a  língua  portugueza,  o  que  obriga  os  exploradores  es- 
trtng:eiros  que  se  dirigem  áquellas  paragens  e  demorarem -se  em  terri- 
tório portuguez  para  aprenderem  os  rudimentos  da  nossa  lingua  a  fim 
de  poderem  facilmente  ser  entendidos,  e  a  procurarem  as  recommenda- 
Ç^Vit  das  auctoridades  e  negociantes  portuguezes;  e  sendo  inquestio- 


EXPEDIÇÃO  FOBTtJOUEZA  AO  MUATiAnVCA 


navelmente,  no  intuito  indic&do,  um  doe  meio*  m&ia  efficftzes  de  b. 
(darmos  o  nosso  comiuercio  naqiiellc  sertSo  o  eHtabi>Iecer  relu^^eB  fa 
t!  frequentes  com  oa  Heua  regulas  e  povoa  maia  importantes,  demoo 
strando-llicB  que  sabemos  conservar  &  influencia  que  desde  remotaá  ^i 
eras  uji  tvmoa  sempre  mantido ;  lia  Sua  Magestade  El-Rei  por  bem, 
pela  Secretaria  dTstado  dos  Negócios  da  Marinlm  e  Ultramar,  encar- 
regar D  Major  do  exercito  de  Portitgal,  Ilenrique  Augusto  Dias  de  Car- 
valho, de  organisar  uma  expcdifSo  ijue,  tendo  por  fim  especial  ir  em 
missão  ao  Afuutu  lauvo,  procure  ao  mesmo  tempo  realisar  os  seguiut«B 

1.°  Estudar,  especialmente  sob  todos  os  pontos  de  vista  do  interesse 
commcreial,  a  região  que  demora  a  leste  da  prorincia  de  Angola,  exa- 
minando quaes  as  suas  priscipaes  producções,  o  seu  commercio,  os 
caminhos  por  oudo  elle  actualmente  se  dirige  para  os  mercados  de  con- 
sumo, o  os  meios  que  poderiam  emprcgar-se  para  d  attrahir  ás  nossas 
, possessões  de  Angola; 

2.°  Indicar  quacs  os  pontos,  ondn  conviria  fiindanuos  niicloos  de  esta- 
ções commerciaos  ou  estações  eivilisadoras,  procurando  desde  logo  pro- 
mover as  relações  directas  dos  prineipaes  centros  eommerciaes  d'aquella 
regiito  com  o  conimercio  da  província  de  Angola; 

3."  Conciliar  o  respeito  e  amisade  dos  povos  por  onde  passar,  inspi- 
rondo-lhes  confiança  no  nome  portuguez,  ensinando -lhes,  a  par  dos  prin- 
cípios da  religião  christS,  ae  praticas  mais  úteis  qno  os  levem  ao  melhor 
aproveitamentâ  do  solo,  c  de  todas  as  riquezas  naturaes,  e  assegiirando- 
IhcB  que  encontrarão  sempre  nasTclações  com  os  portuguexee  intuitos 
de  pas,  de  protecção  c  de  progresso ;  c  tratando  por  todos  os  meios  de 
propaganda  ao  seu  alcance  de  lhes  tornar  odioso  o  estado  du  escra- 

Para  o  desempenho  tanto  da  missão  ao  Muuta  lanvo,  como  das  indi- 
cações mencionadas,  receberá  o  referi  d»  Major  Henrique  Augusto  Diaa 
de  Carvalho  opportunamente  as  instrucçucs  convenientes,  incnmbindo- 
Ihe  desde  já  propor  ao  GoTemo  o  pessoal  que  deve  compor  a  mencio- 
nada Expedição  e  que  será  constituído,  alem  do  chefe,  por  um  snb-chefe, 
um  missionário  e  nm  ajudante,  convindo  que  todos  elles  tenham  conhe- 
cimento, senão  da  região  qno  vae  ser  percorrida,  pelo  menos  do  interior 
da  província  de  Angola,  o  que  a  um  d'eltes  não  sejam  estranhos  os  co- 
nhecimentos pharmaceuticoB. 

No  intuito  de  mais  completamente  corresponder  aos  fins  da  miesãn 
que  lhe  6  incumbida,  deverá  o  Major  Henrique  Augusto  Diaa  de  Car- 
valho procurar  interessar  nesta  Expedição  o  commercío  das  praças  dr 
Lisboa  e  do  Porto,  que,  segundo  consta  tecm  acolhido  com  favor  a  idía 
que  se  pretende  realisar,  diligenoíando,  se  for  possível,  que  desde  jk  se 
inicie  qualquer  tentAtiva  que  conduza  directa  ou  indirectamente  a  lerar 


J 


INTRODUCÇlO  17 


iqnelle  sertiU)  africano,  em  larga  escala,  os  productos  da  industria  por- 
tugaeza  e  a  abrir-lhes  ali  fáceis  e  abundantes  mercados. 
Paço,  em  24  de  março  de  1884.  =  Manuel  FitUieiro  Chagas, 

Estava;  pois,  dado  o  principal  impulso  e  lixados  official- 
mente  os  problemas  a  que  a  Expedição  mais  devia  attender ;  e 
bem  sabia  eu  a  responsabilidade  que  assumia  para  com  o  paiz, 
para  com  a  Europa  e  para  com  a  sciencia,  que  se  empenha 
com  ardor  em  promover  o  estudo  de  tudo  o  que  diz  respeito 
is  questões  da  Africa  intertropical. 

Nio  havia  tempo  a  perder,  porque  a  Expedição  tinha  de 
partir  de  Lisboa  no  paquete  de  6  de  maio  para  aproveitar  a 
melhor  monção  para  viagens  no  interior  do  continente  africano, 
e  por  isso,  em  3  de  abril,  sob  proposta  minha,  eram  nomea- 
dos: Sub-chefe,  o  phannaceutieo,  reformado  em  Major,  do  qua- 
dro de  saúde  da  provincia  de  S.  Thomé  e  Principe,  Agostinho 
Sizenando  Marques ;  Missionário,  o  sacerdote,  professor  da  es- 
cola principal  de  Loanda,  António  Castanheira  Nunes;  e  Aju- 
dante, o  Tenente  do  exercito  de  Africa  Occidental,  Chefe  do 
concelho  de  Massangano,  Manuel  Sertório  de  Almeida  Aguiar. 

Todos  tinham  largo  tirocinio  em  Africa,  e  as  habilitações 
indispensáveis  para  os  cargos  especiaes  que  lhes  foram  com- 
mettidos. 

O  Sub-chcfe,  além  do  serviço  que  lhe  fora  peculiar  durante 
treze  annos  que  esteve  na  ilha  de  S.  Thomé,  ganhara  credito 
nio  só  na  direcção  do  observatório  me^teorologico  d'aquella 
ilha,  mas  ainda  no  estudo  da  sua  fauna  e  flora,  encarregan- 
do-se  da  organisação  das  variadas  collecçoes  de  productos  co- 
loniaes,  que  durante  o  seu  tempo  se  enviaram  a  differentes 
exposiçSes  nacionaes  e  estrangeiras. 

O  Missionário  havia  já  exercido  este  mesmo  cargo  por  mui- 
tos annos  a  norte,  sul  e  leste  da  provincia  de  Angola,  mais 
ou  menos  internado;  e  no  professorado  grangeara  prestígio 
com  o  indígena,  —  predicado  essencial,  que  só  se  adquire  pelo 
conhecimento  de  seus  usos  e  costumes  e  da  sua  linguagem. 

O  Ajudante  já  contava  quinze  annos  de  serviço  na  Guiné, 
Cabo  Verde  e  em  diversos  pontos  da  provincia  de  Angola, 


18        EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

contando  duas  campanhas  contra  o  gentio,  e  tendo  servido,  como 
Chefe  em  concelhos  internados,  como  Cacongo  e  outros,  accres- 
cendo  o  dedicar- se  ao  estudo  da  photographia,  em  que  adqui- 
rira pratica. 

Nomeado  o  pessoal,  tratou-se  de  organisar  o  material,  em 
que,  se  houve  deficiências,  devidas  a  circumstancias  de  economia 
e  tempo,  houve  demasias  por  falta  de  bases  que  nos  esclareces- 
sem; estes  factores  poderiam  deixar  de  existir  para  análogas 
expedições  regionaes,  quando  se  tenha  em  attenção  o  que  sobre 
tal  assumpto  teremos  a  expor. 

Como  tinha  de  interessar  na  Expedição  o  commercio  das 
praças  de  Lisboa  e  Porto,  e  diligenciar  que  se  iniciassem 
quaesquer  tentativas  para  levar  em  larga  escala,  ao  sertão 
por  onde  tinhamos  de  passar,  os  productos  de  industria  do  paiz, 
dirigi  ás  Direcções  das  Associações  Commerciaes  de  Lisboa  e 
Porto,  Banco  Nacional  Ultramarino  e  Sociedade  de  Geogra- 
phia  Commercial  do  Porto,  o  ofBcio  e  circular  que  seguem, 
circular,  que  directamente  enviei  também  aos  negociantes  mais 
importantes  de  Lisboa,  do  Porto  e  de  outras  praças. 


Officios 

111."'»  e  Ex."®  Sr.  —  Desejando  o  illustrado  Ministro  da  Marinha  e 
Ultramar  aproveitar,  para  o  paiz,  todos  os  vantajosos  elementos  de  que 
ainda  dispõe  o  prestigio  portuguez  na  vasta  região  do  continente  a&icano, 
comprehendida  entre  as  possessões  de  Angola  e  Moçambique,  dignou-sc 
honrar-me  com  o  encargo  de  Chefe  da  Expedição  exploradora  que  para 
ali  se  deve  dirigir  em  6  de  maio  próximo,  tendo  entre  outros  fins  o  es- 
pecial de  procurar  novos  mercados  ao  nosso  commercio  e  industrias,  es- 
tudando tudo  que  possa  interessar  e  garantir  a  propaganda  e  desenvol- 
vimento do  que  reciprocamente  possa  convir  neste  intuito  a  Portugal, 
e  aos  paizes  que  a  Expedição  tenha  de  atravessar. 

O  Governo,  pela  sua  parte,  entendeu  confiar-me  instrucções  para  que 
possam  ter  toda  a  validade  os  tratados  de  amizade  que  a  Missão  tem 
de  celebrar  com  os  cliefes  d'aquelle8  povos,  e  designa  quaes  os  estudos 
de  exploração  a  que  se  deve  dar  preferencia,  tanto  no  interesse  do  paiz 
como  no  da  sciencia  •,  porém,  no  que  respeita  a  iniciar  qualquer  tentativa 
que  conduza  directa  ou  indirectamente  a  levar  áquelle  sertão,  em  larga 


Nwmip  l^n^i 


nrrBODUCçXo  19 


escala,  os  productoB  da  industria  portagueza  e  abrir-lhes  fáceis  e  abun- 
dantes mercados,  incumbe-me  o  mesmo  Governo  de  procurar  interessar 
desde  já  nesta  Expedição  o  commercio  das  praças  de  Lisboa  e  Porto. 
Para  que  possa  bem  desempenhar-me  d'esta  missão,  para  mim  de 
certo  em  demasia  honrosa,  tom^  a  liberdade  de  dirigir  pelo  correio  aos 
principaes  negociantes,  industriaes  e  capitalistas  das  referidas  praças  a 
inclusa  circular. 

Mas  não  é  isto  sufficiente,  como  Y.  £z.*  sabe,  porque  o  nosso  paiz 
náo  está,  como  a  Allemanha,  costumado  a  esta  espécie  de  associações, 
que  teem  sido  ultimamente  o  alimento  das  explorações  allemãs  ao  cen- 
tro da  Africa,  e  que  táo  bons  resultados  práticos  teem  dado.  Agora  mesmo 
segue  o  Tenente  Wissmann,  a  reforçar  a  estação  Luquengo,  onde  está  o 
seu  companheiro  o  Dr.  Pogge,  com  uma  grande  expedição  de  fazendas 
e  artigos  diversos,  obtidos  por  subscripção  em  Berlim,  entre  os  seus  capi- 
talistas, commerciantes  e  industriaes. 

Solicito,  pois,  por  este  meio  o  valiosíssimo  auxilio  da  Direcção  da 
respeitável  Associação  de  que  Y.  £x.*  é  mui  digno  Presidente,  na  pro- 
paganda de  que  — nesta  tentativa  de  experiência —  entrem  já,  pelo  me- 
nos, alguns  artigos  de  commercio,  que  por  quaesquer  circumstancias,  em 
armazéns  ou  depósitos,  estão  sendo  considerados  como  capital  estacio- 
nário, se  náo  perdido. 

A  Expedição,  tendo  o  máximo  empenho  em  se  tornar  útil  aos  inte- 
resses práticos  dessa  e  de  outras  instituições,  muito  deseja  que  Y.  £x.* 
e  a  iUustrada  Associação  se  dignem  dar-lhe  quaesquer  instrucções  neste 
8€otido. 

Deus  guarde  a  Y.  Ex.*  Secretaria  dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultra- 
mar, 29  de  março  de  1884. — Hl.""  e  Ex."»"  Sr.  Presidente  da  Associação 
Commercial  do  Porto.  =  Henrique  Angvsio  Dias  de  CarvcUho,  Major  do 
exercito. 

(Idênticos  para  os  Ex."^**  Srs. :  Presidente  da  Associação  Commercial 
de  Lisboa,  Governador  do  Banco  Nacional  Ultramarino  e  Presidente  da 
Sociedade  de  Greographia  Commercial  do  Porto.) 


Ci]roii.lair  a,  que  se  irefere  o  offl.cio  anteirioi* 

A  Expedição  Portugueza  á  Africa  Central,  encarregada  de  uma  mis- 
são especial  junto  ao  «Muata  lanvo»,  grande  potentado  que  domina  na 
vasta  região  da  Lunda,  entre  as  nossas  possessões  de  Angola  e  Moçam- 
bique, tendo  de  transitar  por  povoados  ricos  em  marfim,  cera  e  outros 
productos  hoje  procurados  nos  principaes  mercados  europeus,  com  a 
devida  auctorisação,  offerece  seus  serviços  ao  commercio  do  paiz,  que 


20        EXPEDIÇÃO  PORTOGUEZA  AO  MUATIANVUA 

poderá  aproveitar,  querendo,  a  opportunidade  de  dar  saida  ás  fazendas 
e  géneros  armazenados,  que  a  concorrência  tenha  afugentado  dos  nos- 
sos mercados. 

Nesta  circular  encontrará  Y.  Ex.*  uma  lista  das  fazendas  e  diversog 
artigos  que  teem  mais  prompta  venda  naquelles  sertões,  e  que  devem  ser 
empacotados  em  volumes  de  fácil  manejo,  e  de  peso  não  superior  a  30 
kilos. 

Dará  Y.  Ex.*  as  suas  ordens  para  que  nos  invólucros  d* esses  volumes 
se  leiam,  numa  das  faces  as  iniciaes  da  firma  de  Y.  £x.*  e  a  respectiva 
numeração,  na  outra  face — E.  P,  A,  C. — Expedição  Portugtieza,  Africa 
Central. 

Os  volumes  devem  ser  acompanhados  da  copia  do  inventario,  em  que 
pela  numeração  se  conheça  o  que  conteem  e  também  os  seus  respectivos 
valores. 

Uma  commissão  nomeada  pelo  Governo  entregará  á  Expedição  os  vo- 
lumes que  Y.  Ex.*  enviar,  e  esta,  sempre  que  houver  opportunidade,  fará 
á  commissão  remessa  do  valor  dos  productos  transaccionados,  e,  effe- 
ctuada  a  devida  liquidação,  fará  a  mesma  dividir  os  interesses  propor- 
cionalmente aos  valores  recebidos. 

Como  a  Expedição  deve  seguir  no  paquete  de  6  de  maio,  pede-se  a 
Y.  Ex.",  caso  queira  aproveitar-se  dos  seus  serviços,  se  digne  ofl5ciar-me 
para  o  Ministério  da  Marinha  e  Ultramar,  e  fazer  preparar  o  que  ten- 
ciona enviar,  até  ao  fim  do  mez  de  abril. 

A  resposta  de  Y.  Ex.*  é  muito  necessária  para  se  proceder  á  nomea- 
ção da  commissão,  e  poderem  calcular-se  os  carregadores,  que  será  neces- 
sário ajustar  com  a  devida  antecedência. 

ÍSerá  Y.  Ex.*  avisado  do  dia  e  local  para  onde  devem  ser  dirigidos 
os  volumes. — De  Y.  ex.*,  muito  attento  venerador  e  creado  =  0  chefe 
da  Expedição,  Major  Henrique  de  Carvalho. — Lisboa,  24  de  março  de  1884. 

Lista. 

Espingardas  diversas;  espadas,  idem;  pólvora;  bacias  de  arame; 
panellas  de  ferro;  espelhos  de  diversas  qualidades  e  tamanhos;  barre- 
tes de  lã,  cores  diversas;  camisolas  de  lã;  facas  de  differentes  qualida- 
des; missanga  de  bordar,  cores  sortidas;  contaria;  almandrilha,  etc; 
coral  fino  e  grosso;  louças  (faiança  e  outros  géneros,  das  nossas  fabricas), 
como  canecas,  tijellas,  pratos,  etc. ;  vidros  differentes  (industria  portu- 
gueza);  machetes;  algodões  crus  differentes;  baeta  amarella,  vermelha  e 
azul,  diversos  tons;  pannos  diversos;  chitas,  idem ;  fardas,  idem;  velludos, 
idem;  zuartes;  tapessarias  de  differentes  qualidades  e  tamanhos;  lenços 
estampados;  sedas  differentes;  louça  de  folha;  relógios;  copos  bronzea- 
dos ;  pannos  da  costa ;  galões  dourados ;  fio  de  ferro,  de  cobre  e  de  latão ; 


DÍTRODDCÇAO  21 


yarios  ntensilios  de  ferro;  chapéus  de  palha  e  outros;  chapéus  de  sol, 
de  cores ;  caixas  de  musica  e  harmónios ;  realejos ;  bonés  bordados,  de 
borla;  fechos  de  porta  e  varias  outras  ferragens,  incluindo  pregaria; 
miudezas  e  todos  os  mais  artigos  de  fácil  consumo  e  permutação  nos 
sertões  de  Africa.  ^^  O  chefe  da  Expedição,  o  Major  Henrique  de  Car- 
valho. 

Procurei  estabelecer,  por  este  meio,  as  relações  indispen- 
sáveis, com  as  associações  e  casas  mais  importantes  do  com- 
mercio  do  paiz;  e  completava  assim  as  bases  fimdamentaes, 
sobre  que  deviam  proseguir  os  trabalhos  da  Expedição  no  que 
dizia  respeito  á  sua  missão  principal. 

Também  julguei  do  meu  dever  communicar  á  Sociedade  de 
Greographia  de  Lisboa  que  fora  eu  encarregado  de  dirigir  a 
Expedição  ao  Muatiânyua,  solicitando  os  seus  bons  officios  para 
o  melhor  desempenho  d'esta  minha  missão ;  o  que  fiz  nos  se- 
guintes termos: 

Officio 

Dl."**  e  Ex."«  Sr. — Sendo  presente  a  S.  Ex.*  o  Sr.  Conselheiro  Ministro 
dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultramar  a  consulta  da  Sociedade  de  Geogra- 
phia  de  Lisboa  sobre  o  projecto  de  exploração  dos  paizes  a  leste  da 
nossa  provincia  de  Angola  até  aos  dominios  do  Muata  lanvo,  honrou-me 
S.  Ex.*  encarregando-me  de  organisar  e  dirigir  a  Expedição  que,  além 
de  uma  missão  especial  junto  áquelle  potentado,  terá  de  satisfazer  a  to- 
dos 08  quesitos  sobre  que  versa  a  consulta  da  nossa  Sociedade ;  nesse 
intuito  prepara-se  a  Expedição  para  chegar  a  Malanje  por  todo  o  mez 
de  julho,  devendo  sair  de  Lisboa  no  paquete  de  6  de  maio  próximo. 

Muito  me  honrará  a  benemérita  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa, 
dignando-se  dispensar  á  Expedição,  dirigida,  por  um  dos  seus  mais  insi- 
gnificantes, mas  dos  não  menos  dedicados  sócios,  os  seus  sábios  conselhos, 
confiando-me  as  instrucções  cujo  desempenho  julgue  conveniente  aos  fíns 
da  mesma  Sociedade  e  do  máximo  interesse  na  occasião  presente  á  pro- 
vincia de  Angola  e  ao  paiz  em  geral. 

Deve-se  á  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa  a  iniciativa  das  nossas 
primeiras  explorações  scientiíicas  no  continente  africano  rcalisadas  de- 
pois da  sua  instituição;  e  se  essas,  pelo  mérito  scientifico  e  airojado 
emprehendimento,  encontraram  desde  a  origem  a  máxima  protecção  que 
lhes  podia  ser  dispensada  pela  Sociedade,  a  esta,  cuja  crfui  :'ff  (To 
mais  modesta,  mas  cujos  fins  não  devem  ser  menos  proveitosos  ao  nosFo 


22  EXPEDIÇZO  PORTUGUEZA  AO  MUATIInTUA 

engrandecimento  colonial  e  commercial,  conto  que  nSo  faltará  o  mesmo 
illustrado  patrocinio.  Falta-lhe  uma  direcção  firme,  sabia  e  já  provada 
como  a  dos  beneméritos  Serpa  Pinto,  Capello  e  Ivens ;  mas  eu  ouso  es- 
perar que,  pela  intervenção  de  V.  £x.*,  não  será  menos  bem  acolhida  e 
considerada  pela  Sociedade,  e  que  esta  se  dignará  dispensar-lhe  a  sua 
benévola  e  mui  valiosa  cooperação. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.«  Lisboa,  1  de  abril  de  1884.  —  111."»  e  Ex.-«  Sr. 
Secretario  perpetuo  da  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa.  ^  O  sócio, 
Henrique  Augwto  Dias  de  Carvalho. 


NSo  me  faltava  boa  vontade^  nem  me  poupava  a  trabalho, 
procurando  dar  as  mais  completas  informações  sobre  os  fins 
da  Expedição,  que  se  preparava  a  seguir  para  o  centro  do  con- 
tinente em  concoiTcncia  com  as  mais  notáveis  expedições  es- 
trangeiras que  a  precederam,  largamente  abastecidas  de  todos 
os  recursos  e  com  mais  largas  aspirações.  Tinha-as  eu  também, 
e  segredava-me  a  consciência  que  nâo  devia  recear  o  confronto 
dos  seus  trabalhos  com  os  que  a  nossa  Expedição  Portugueza 
pudesse  levar  a  cabo. 

Mas  até  onde  poderíamos  chegar  se  não  fossemos  franca- 
mente auxiliados?  Que  recursos  poderia  eu  encontrar,  consul- 
tando todas  as  sociedades,  agremiações  e  as  firmas  commer- 
ciaes  mais  auctorisadas  ? 

Aprecie  a  nação  os  documentos  que  deixo  exarados,  pois  di- 
zem mais  que  todas  as  considerações  que  eu  possa  fazer. 

OflFereço  todos  á  consideração  dos  que  se  intere^am  pelo 
nosso  progresso  em  Africa,  e  assim  se  poderá  fazer  inteira 
justiça  ás  intenções  que  me  dominavam  ao  organisar  em  Lis- 
boa a — Expedição  ao  Muatiânvua. 

Desejava  partir  robustecido  com  os  melhores  conselhos  e 
as  indispensáveis  adhesões  das  Sociedades  e  dos  homens  mais 
competentes  em  questões  coloniaes,  e  a  par  de  todas  estas 
consultas  procurava  habilitar-me  com  o  material  mais  indis- 
pensável. 

Aos  Ex."*®*  Srs.  João  Carlos  de  Brito  Capello,  Dr.  José  Vi- 
cente Barbosa  du  Bocage,  Conde  de  Ficalho,  Dr.  Júlio  A.  Hen- 
riques e  José  Júlio  Rodrigues,  participei  a  nomeação  do  pessoal 


INTRODUCÇlO  23 


da  ExpediçSo,  e  fiz  a  apresentação  do  meu  collega  Sizenando 
Marques,  como  o  encarregado  das  observações  meteorológicas 
e  coUeccionador  dos  exemplares  da  fauna  e  flora,  que  fosse  pos- 
sível adquirir  durante  a  nossa  missão  no  centro  da  Africa; 
solicitando  por  essa  occasião,  de  S.  Ex.",  conselhos  e  instruc- 
ç5es  para  o  melhor  desempenho  de  taes  encargos.  A  benevo- 
lência, com  que  todos  nos  acolheram  e  honraram,  deixou-nos 
penhoradissimos. 

Foram  os  nossos  instrumentos  devidamente  aferidos  no  Ob- 
servatório do  Infante  D.  Luiz,  e  algumas  indicações  se  digna- 
ram dispensar-nos  os  Ex.™®*  Srs.  Conde  de  Ficalho  e  Dr.  Júlio  ^ 
Henriques,  não  podendo  receber  as  que  esperávamos  dos  au- 
ctorisados  professores  os  Ex."*®*  Srs.  Dr.  Bocage  e  José  Júlio 
Rodrigues,  por  motivos  mui  justificados  na  occasião. 

Dando  publicidade  ás  respostas  dos  officios  enviados  a  dif- 
ferentes  institutos,  devemos  declarar  que  muitas  e  anima- 
doras foram  também  as  indicações  particulares,  e  se  não  as 
mencionámos  em  especial  é  pelo  receio  que  temos  de  omittir 
alguma.  Apresentando  em  seguida  a  relação  dos  exportadores 
que  confiaram  volumes  á  Expedição,  aproveito  o  ensejo  para 
lhes  prestar  neste  logar  o  tributo  do  meu  reconhecimento. 

Por  intermédio  da  Sociedade  de  Geographia  Commercial  do 
Porto: 


António  José  Gromes  Samagario  —  riscados  e  lenços. 
António  Marinho — riscados  e  baetas. 
Casa  Buisson  —  lenços. 

Companhia  manufactora  de  artefactos  de  malha — barretes  de  lã. 
Costa  &  Companhia,  fabrica  das  Devesas  —  amostras  de  louça. 
Custodio  Lopes  da  Silva  Guimarães  —  galões  e  sapatos  de  liga. 
Eduardo  Augusto  dos  Santos  Júnior  — 12  caixas  de  vinho  do  Porto. 
Fundição  de  Massarellos — panellas  de  ferro. 
Fundição  do  Ouro  —  uma  bomba, 
(íonçalves  Filhos  &  Companhia  —  chapéus. 
J.  da  Rocha  e  Lima  —  lenços. 
João  Camillo  de  Castro  —  louça. 

Joào  Ferreira  Dias  Guimarães  —  galões,  botões,  sombrinhas,  pentes, 
mantas,  rendas,  emblemas,  etc. 


24  EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUATIANVDA 

José  Carneiro  de  Mello  —  cotins,  sarja,  lona  e  flanella. 

Lino  José  de  Campos — 48  latas  de  azeitonas. 

Manuel  de  Sousa  Loureiro  Castro  —  chapéus  de  sol. 

Manuel  Francisco  da  Costa  —  ferragens. 

Marinho  Irmãos  —  riscados  e  camisolas. 

Manuel  José  Moreira  Monteiro — peças  de  riscado. 

Santos  &.  Nogueira — barretes  de  lâ. 

Sociedade  de  Geographia  Commercial  —  chapéus  de  palha. 

Directamente : 

João  S.  Howarth,  fabrica  de  Sacavém — 4  caixotes  com  louça. 

Doestes  volumes  foram  apenas  os  dos  srs.:  Manuel  Fran- 
cisco da  Costa,  JoSo  Ferreira  Dias  Guimarães,  Lino  José  de 
Campos,  Eduardo  Augusto  dos  Santos  e  Jono  S.  Howarth, 
que  acompanharam  a  Expedição.  Mais  adeante  fallaremos 
minuciosamente  de  todos  elles. 

A^ssooiapeLo  Oomtneiroial  de  IL<isl>ofi, 

. .  .Sr.  —  Foi  presente  k  Direcção  da  Associação  Commercial  de  Lis- 
boa o  officio  com  data  de  29  de  março  ultimo,  que  V.  se  serviu  diri- 
gir-lhe  e  no  qual,  dando  conta  de  se  achar  encarregado,  pelo  Ex."°  Sr. 
Ministro  do  Ultramar,  da  direcção  da  Expedição  africana  que  vae 
brevemente  emprehender  a  exploração  d'aquelle  continente  na  vasta 
região  de  Lunda,  entre  Angola  e  Moçambique,  solicita  da  nossa  As- 
sociação que  o  auxilie  na  tentativa  de  experiência  cm  que  se  acha  em- 
penhado. 

O  pensamento  d'esta  empresa  nSo  pode  deixar  de  ser  altamente  sym- 
pathico  á  corporação  do  commercio  da  nossa  praça,  pois  sâo  obvias  as 
vantagens  que  d'ella  lhe  devem  derivar.  Esta  Direcção,  desejando  cor- 
dialmente o  melhor  êxito  á  Expedição  que  V.  está  encarregado  de  diri- 
gir, mui  gostosamente  deu  conhecimento  aos  seus  associados  da  circular 
impressa,  inclusa  no  officio  de  V.  ,  fazendo-a  patentear  no  gabinete  de 
leitura  da  Associação,  para  assim  chegar  a  noticia  do  seu  conteúdo  a 
algum  dos  seus  associados  que  directamente  a  não  recebesse  de  V. 

Deus  guarde  a  V.  Lisboa,  4  de  abril  de  1884.  — . . .  Sr.  Major  Hen- 
rique Augusto  Dias  de  Carvalho,  . . .  Chefe  da  Expedição  Portugueza 
á  Africa  Central.  =  O  Presidente,  Carlos  Ferreira  dos  Santos  Silva.  =  O 
Secretario,  António  Adriano  da  Costa, 


INTRODUCÇAO  25 


A^ssocia^ão  OommeroiAl  do  Poirto 

...  Sr.  —  O  officio  que  V.  se  dignou  dirigir  a  esta  Associação,  com 
data  de  29  de  março  ultimo,  foi  acolhido  com  a  consideração  e  apreço 
devidos  ao  interessante  assumpto  de  que  o  mesmo  se  occupava,  e  se 
só  hoje  venho  responder-lhe,  é  porque  desejava  participar  a  V.  o  que 
esta  Associação  tinha  procurado  fazer  em  bem  do  patriótico  intento  do 
i Ilustrado  Ministro  da  Marinha,  fervorosamente  secundado  por  V. 

No  dia  immediato  áquelle  em  que  se  recebeu  o  officio  de  V.  a  que 
estou  respondendo,  foi  o  mesmo  publicado  n'um  dos  jomaes  mais  impor- 
tantes doesta  cidade,  e  bém  assim  as  instrucçocs  e  lista  que  o  acompa- 
nhavam. 

1:500  circulares,  das  quaes  remetto  um  exemplar,  foram  enviadas 
aos  fabricantes  e  commerciantes  doesta  praça,  e  os  Directores  doesta 
Associaçáo  obrigaram-se  a  aconselhar  e  a  promover  a  remessa  de  pro- 
dactos,  que,  estando  nas  condições  por  V.  indicadas,  possam  contribuir 
para  tornar  pratica  e  proveitosa  a  promettedora  tentativa,  que  todos 
applaudem  sinceramente. 

Receba  V.  os  votos  fervorosos  que  esta  Associação  faz  para  que  o 
Oovemo  de  Sua  Magestade  e  V.  vejam  coroados  de  prospero  resultado 
Úo  abençoados  esforços,  empenhados  no  engrandecimento  da  pátria. 

Deus  guarde  a  V.  Porto  e  Associação  Commercial,  14  de  abril  de 
1884.  — ...  Sr.  Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho,  . . .  Chefe  da  Expe- 
dição Portugueza  á  Africa  Central.  =  O  Presidente,  Ricardo  Pinto  da 
Coita. 

6ooieda.de  de  GS-eog^apliia,  Oommeiroial 

ú,o  Porto 

.  .Sr.  —  O  Conselho  Geral  d'esta  Sociedade,  tomando  conhecimento 
de  um  officio  que  a  esta  Sociedade  foi  dirigido  pelo  Sr.  Henrique  de  Car- 
valho, Chefe  da  Expedição  Portugveza  á  África  Central,  que  deve  partir 
de  Lisboa  em  6  de  maio  próximo,  resolveu  envidar  todos  os  esforços 
para  conseguir  que  doesta  cidade  sejam  enviados  alguns  volumes,  se- 
^ào  as  indicações  fornecidas  no  referido  officio. 

Para  conseguir  este  resultado,  cuja  utilidade  é  obvia,  além  da  co- 
'^peraçâo  que  espera  obter  de  todos  os  sócios,  o  Conselho  Geral  nomeou 
'"na  conuniosâo  composta  de  nove  membros,  um  dos  quaes  é  o  dignis 
«imo  Secretario  d*essa  Associação,  o  Sr.  Vieira  de  Castro,  com  o  espe- 
cial encargo  de,  por  todos  os  modos  ao  alcance  da  referida  commissSo 
c  da  Sociedade,  angariarem  a  adhesão  de  negociantes  e  industriaes  para 
í  remessa  de  artigos  para  a  Expedição. 


26  EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÍNVUA 

Esta  Sociedade,  e  especialmente  a  commissâo  acima  indicada,  lucta- 
riam  com  grandes  difficuldades  para  attingirem  o  fim  a  que  se  propõem, 
se  não  esperassem  obter  o  valiosissimo  auxilio  e  protecção  da  meritis- 
sima  Associação  Commercial  do  Porto,  a  que  v.  ex.*  tão  dignamente 
preside,  e  por  isso  o  Conselho  Geral  resolveu  que  eu  me  dirigisse  a 
V.  Ex.*,  manifestando  as  intenções  doesta  Sociedade  e  solicitando  o  au- 
xilio e  protecção  de  que  carece,  e  que  em  tão  elevado  grau  lhe  pode  ser 
prestado  pela  meritissima  Associação  Commercial. 

E  o  que  por  esta  forma  cumpro,  expressando  ao  mesmo  tempo  a  espe- 
rança de  que  esta  solicitação  merecerá  a  Y.  Ex.*  e  á  benemérita  Asso- 
ciação Commercial  do  Porto  um  bom  e  favorável  acolhimento. 

Deus  guarde  a  v.  ex.'  Porto  e  Secretaria  da  Sociedade  de  Geogra- 
phia  Commercial,  6  de  abril  de  1884.  — 111."°  e  Ex."*  Sr.  Presidente  da 
Associação  Commercial  do  Porto.  =  7.  P.  de  Oliveira  Martins,  Presi- 
dente. 

A.ssooia,pa.o  Oommeiroia,!  do  Poi^to 

...Sr.  —  Em  resposta  ao  officio  que  V.  se  dignou  enviar- me  com 
data  de  23  de  corrente,  no  qual  me  pede  para  lhe  serem  indicados  os 
nomes  dos  cavalheiros  que  devem  formar  uma  direcção  representante 
dos  expedi tores  de  productos  de  fabricação  nacional,  destinados  á  Expe- 
dição official  á  Africa  Central,  cumpre -me  informar  a  V.  de  que,  ten- 
do-se  esta  Associação  e  a  Sociedade  de  Geographia  d'esta  cidade, 
encarregado  de  promover  a  remessa  dos  productos  já  referidos,  qualquer 
doestas  corporações  acceitará  com  prazer  as  informações  que  V.  tiver 
a  bondade  de  enviar-lhe,  e  igualmente  se  encarregará  de  as  transmittir 
aos  interessados. 

Deus  guarde  a  V.  Porto  e  Associação  Commercial,  28  de  abril  de 
1884. — ...  Sr.  Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho,  ...  Major  Chefe 
da  Expedição  ao  Muata,  lanvo.  =  O  Presidente,  Ricardo  Pinto  da  Costa, 


Sociedade  de  Greojari^npliia,  Oommeireial 

do  I*orto 

...  Sr. — O  Conselho  Geral  d'e8ta  Sociedade,  apreciando  no  devido 
valor  o  officio  que  de  V.  recebeu  com  data  de  29  de  março  findo,  resol- 
veu tomar  a  iniciativa  na  remessa  de  alguns  fardos  para  a  Expedição  do 
. . .  commando  de  V.  Para  esse  fim  nomeou  uma  commissâo  especial 
que  deve  começar  com  a  máxima  urgência  os  seus  trabalhos. 

Aproveito  a  occasião  para  rogar  a  V.  o  obsequio  de  expedir  para 
esta  Sociedade  alguns  exemplares  da  circular  impressa  com  a  compe- 


INTRODUCÇÃO  27 


tente  lista^  qne  Y.    distribuiu,  a  fim  de  poderem  servir  de  guia  aos  di- 
Tersos  membros  da  referida  commissão. 

Deus  guarde  a  V.  Porto  e  Secretaria  doesta  Sociedade,  6  de  abril 
de  1884. — . . .  Sr.  Major  Henrique  de  Carvalho,  . . .  Chefe  da  Expedição 
ao  Muata  lanvo.=0  Primeiro  Secretario,  Fernando  Maya. 


.. .  Sr. — Em  virtude  da  resolução  tomada  no  Conselho  Geral  doesta 
Sociedade,  enviei  hontem  a  Y.  um  telegramma,  em  que  pedia  a  Y.  o 
obsequio  de  indicar,  com  a  máxima  urgência,  qual  a  direcção  a  dar  aos 
volumes  que  d' aqui  sejam  enviados  para  a  Expedição  de  que  Y.  é . . . 
Chefe,  bem  como  o  ultimo  dia  de  sefem  feitas  d*aqui  essas  remessas. 

A  razão  d*este  pedido  que  tive  a  honra  de  dirigir  a  Y.  está  em  que 
um  negociante  doesta  cidade,  solicitado  por  esta  Sociedade,  organisou 
e  fez  entregar  na  estação  dos  caminhos  de  ferro  de  Campanhã  uma 
grande  remessa,  e  tornára-se  necessário  o  esclarecimento  acerca  da  di- 
recção a  dar  a  taes  volumes.  Também  ha  mais  alguns  expedidores  que 
tcem  promptas,  ou  quasi  promptas,  remessas,  e  precisava  esta  Sociedade 
avisal-os  convenientemente  e  a  tempo  acerca  dos  dois  pontos  acima  in- 
dicados. 

Eis  a  razão  do  telegramma  que,  por  ordem  do  Conselho  Geral,  tive  a 
honra  de  enviar  a  Y.  hontem.  Não  tendo  até  á  hora  em  que  escrevo, 
seis  da  tarde,  recebido  resposta  alguma,  rogo  a  Y.  o  obsequio  de,  pelo 
telegrapho,  me  enviar  as  informações  e  esclarecimentos  a  que  atraz  me 
referi. 

Deus  guarde  a  Y.  Porto,  25  de  abril  de  1884. — . . .  Sr.  Major  Hen- 
rique Augusto  Dias  de  Carvalho.  =  O  Primeiro  Secretario,  Fernando 
MaycL 


. , .  Sr. — Inclusos  remetto  a  Y.  os  documentos  relativos  aos  volumes 
que  hontem  enviei  a  Y.    para  a  Expedição  de  que  Y.    é  . . .  chefe. 

A  urgência  de  tempo  e  as  difficuldades  inherentes  a  uma  primeira 
tentativa  impediram  que  os  esforços  empregados  por  esta  Sociedade,  no 
intuito  de  promover  impo^nte  remessa  de  productos  para  a  Expedição, 
w  manifestassem  em  mais  larga  escala.  Accresceu  ainda  o  facto  de  se 
t<*r  ventilado  nesta  occasião  a  questão  da  Exposição  do  Brazil,  o  que 
contribuiu  muito  para  arrefecer  os  ânimos  não  preparados  para  empre- 
gas novas,  como  a  da  Expedição  á  Africa  Central. 

£m  todo  o  caso  procurou  esta  Sociedade  manifestar  a  sua  vitalidade 
tuociando-se  a  uma  empreza  utilíssima,  e  empenhando-se  para  o  bom 


28  EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUATLÍNVDA 

êxito  d*ella.  £  esta  a  sua  missão,  que  pretende  e  procura  cumprir  quanto 
cabe  nas  suas  forças.  Se  bons  desejos  bastassem,  muito  longe  se  iria 
no  empenho  de  que  esta  Sociedade  tomou  a  iniciativa  no  Porto. 

Tenho  toda  a  esperança  no  bom  êxito  da  empreza  commettida  á  há- 
bil direcção  de  Y.  ,  e  a  mesma  confiança  e  esperança  sente  esta  Socie- 
dade, da  qual  neste  momento  me  constituo  interprete,  certo  e  convicto 
de  que  exprimo  os  seus  sentimentos  e  opiniões.  Portanto,  como  necessa- 
riamente esta  Expedição  deve  ser  seguida  de  outra  e  outras  que  vão 
como  que  de  reforço  á  primeira,  creio  poder  assegurar  a  V.  que  esta 
cidade  se  fará  representar  de  uma  forma  mais  avantajada  nas  seguintes. 

Para  insuflar  no  espirito  dos  productores,  principalmente,  idéas  no- 
vas, cumpre  e  é  indispensável  fazer  propaganda  activa  e  quasi  indivi- 
dual, para  o  que  se  tomam  necessários  tempo  e  instrucçoes  especiaes 
e  desenvolvidas  sobre  o  assumpto.  Feito  um  trabalho  longo  e  difficil 
uma  vez,  fica  assente  e  garantido  por  muito  tempo;  mas  é  indispen- 
sável fazer-se,  o  que  não  foi  possível  para  esta  Expedição,  pois  que  o 
tempo  escasseia  sobremaneira. 

Em  todo  o  caso,  creio  que  esta  Sociedade  cumpriu  o  seu  dever  c  sa- 
tisfez a  sua  missão  na  forma  como  procedeu,  e  conquistou  jus  a  ser  con- 
siderada como  interessando-se  pratica  e  positivamente  na  solução  do 
importantíssimo  problema  colonial. 

Esta  Sociedade,  sem  duvida  alguma,  terá  a  maior  satisfação  em  re- 
ceber a  V.  ,  no  caso  que  lhe  seja  possível  vir  ao  Porto  antes  da  partida, 
c  aproveitará  tal  occasião  para  significar  a  V.  toda  a  consideração  que 
tem  e  toda  a  sympathía  que  lhe  merece  a  empreza  que  V.  é  . . .  Chefe, 
o,  ao  mesmo  tempo  manifestar  a  V.  os  seus  sinceros  votos  pela  boa 
viagem  e  feliz  êxito  da  Expedição. 

Deus  guarde  a  V.  Porto  e  Secretaria  da  Sociedade  de  Geographia 
Commercial,  1  de  maio  de  1884.  — . . .  Sr.  Major  Henrique  Angusto  Dias 
do  Carvalho,  . . .  Chefe  da  Expedição  Portugueza  á  Africa  Central.  =  O 
Primeiro  Secretario,  Fernando  Maya. 


Sociedade  de  Greog;ira.pliia  de  IL»ifi»l>oa, 

. . .  Sr.  —  Cumpre-me  agradecer  a  V.  a  communicação  que  se  serviu 
fazer-me  em  seu  officio  de  1  de  abril,  e  o  amável  offerecimento  dos  seus 
serviços  á  Sociedade,  na  honrosa  commissáo  de  que  V.  foi  olficialmente 
incumbido. 

A  Sociedade,  á  qual  opportunamente  communicarei  aquello  documento, 
não  deixará  de  certo  de  congratular- se  pela  resolução  do  Governo  e  pela 
escolha  que  fez  de  V.  ,  que  estimamos  contar  de  ha  muito  no  numero  dos 
nossos  dedicados  consócios. 


INTRODUCÇlO  29 


Ao  Grovemo  de  Sua  Magestade  expoz  já  á  direcção  da  Sociedade, 
adoptando  o  parecer  da  Commissão  respectiva,  aquellas  ideias  e  indica- 
ções que  entendia  dever  apresentar-lhe  sobre  a  Expedição  projectada  ás 
terras  do  Muata  Yanvo,  quando  fomos  convidados  a  exprimir  o  nosso 
voto  e  parecer,  por  S.  £x.*  o  Ministro  da  Marinha  e  Ultramar. 

É  provaTel  que  esses  documentos,  se  tiverem  sido  considerados  como 
ateis  n'alguina  parte  ou  n'algum  sentido  á  referida  Expedição,  tenham 
ádo  commonicados  a  V. 

N2o  tendo  posteriormente  recebido  communicação  alguma  por  parte 
do  Gk)vemo,  devemos  naturalmente  entender  que  elle  resolveu  dispensar 
a  Sodedade  de  qualquer  outro  concurso,  além  da  consulta  alludida,  em 
relação  á  ideia  e  plano  da  Expedição  projectada,  cumprindo-nos  somente 
acatar  essa  resolução,  como  o  temos  feito  por  occasião  de  outras  expe- 
dições análogas. 

Não  deixará  Y.  de  comprehender  perfeitamente  toda  a  delicadeza 
doesta  situação  creada  á  nossa  Sociedade.  Ella  resolverá  o  que  tiver  por 
mais  conveniente  em  relação  ás  amáveis  suggestoes  contidas  no  officio 
de  y.    ,  e  cumprirei  então  o  grato  dever  de  cumprir  as  suas  ordens. 

Agradecendo,  porém,  a  parte  que  me  é  pessoal  na  communicação  de 
V.  ,  tomarei  a  liberdade  de  observar-lhe  que,  como  V.  não  ignora,  a 
commbsão  de  que  foi  encarregado,  á  parte  a  sua  particular  missão  diplo- 
mática e  commercial,  pôde  accrescentar  em  muito  o  pecúlio  de  informa- 
ções e  de  noticias  que  a  sciencia  tem  procurado  reunir,  em  relação  ás 
regiões  e  povos  que  demoram  para  além  da  nossa  occupação  angolense. 
£  o  melhor  conhecimento  da  hydrographia  aMcana  um  dos  pontos 
capitães  da  universal  campanha  emprehendida  de  ha  séculos  para  abrir 
o  continente  negro  á  civilisação  europea. 

Quer  y.  se  dirija  por  Malange,  quer  tenha  de  optar  pelo  caminho 
do  Bihé  para  attingir  a  Limda,  não  ha  de  encontrar  inteiramente  devas- 
sada e  conhecida  a  questão  das  formações  e  communicaçòes  hydrogra- 
phicas  na  vasta  zona  que  terá  de  atravessar,  apesar  dos  notáveis  tra- 
balhos e  esclarecimentos  fornecidos  por  tantas  expedições  nacionaes  e 
estrangeiras,  que  a  teem  percorrido. 

Permittir-me-ha,  porém,  y.  que  desde  já  chame  a  sua  attenção  para 
u  informações  extraordinariamente  deficientes  que  possuímos  acerca  do 
paiz  que  os  nossos  sertanejos  chamam  Cacheche,  ao  qual  projectava 
dirigir-se  em  1882  uma  grande  expedição  planeada  pelos  Srs.  Machados, 
de  Malange. 

Segundo  estes,  o  trajecto  é  desconhecido  do  Quango  para  o  nordeste. 
Ksaa  expedição  propunha-se  a  partir  de  Malange  na  direcção  de  nor- 
deste atravez  da  Jinga,  uma  parte  do  Hungo,  até  ás  fronteiras  septcn- 
trionaes  do  HoUo,  seguindo  directamente  ás  cachoeiras  do  Tembo-alluma, 
Qo  Quango,  para  ali  resolver  se  lhe  conviria  marchar  através  do  paiz  do 


f 

t 


32        EXPEDIÇXO  POBTDGUEZA  AO  MUATIANVUA 

portancia  a  dispender  com  a  dita  Expedição,  pelo  modo  seguinte :  ven- 
cimento do  pessoal  superior  e  guardas,  calculados  para  dois  annos, 
ll:760j^000  réis;  todas  as  despesas  de  material,  instrumentos  ou  quaes- 
quer  outras,  7:560jÍ»000  réis. 

Paço,  em  22  de  abril  de  1884.  =  Manuel  PinJieiro  Chagas, 


Tendo  sido  nomeados,  por  portarias  de  24  de  março  e  3  do  correu  te 
mez,  o  Chefe  e  mais  pessoal  para  a  Missão  ao  potentado  africano  Muata 
lanvo,  e  sendo  conveniente  estabelecer  os  vencimentos  doestes  empre- 
gados durante  o  tempo  da  mencionada  Missão ;  manda  Sua  Magestade 
£1-Rei,  pela  Secretaria  d*Estado  dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultramar, 
que  sejam  abonadas  mensalmente  aos  mesmos  empregados,  além  dos 
soldos  e  ordenados  que,  segundo  as  suas  classes,  lhes  pertencerem,  as 
gratificações  constantes  da  tabeliã  junta,  a  contar  das  datas  nas  mesmas 
declaradas,  e  bem  assim  as  ajudas  de  custo  respectivas  em  todo  o  tempo 
que  permanecerem  no  interior  de  Africa,  devendo  cessar  estes  venci- 
mentos desde  que  os  referidos  empregados  regressarem  a  Lisboa  por 
qualquer  circumstancia.  Pennitte  o  mesmo  augusto  Senhor  que  os  em- 
pregados superiores  da  dita  Missão  recebam  dez  mczes  adiantados  das 
suas  gratificações  para  descontarem  pela  totalidade  de  seus  soldos  ou 
ordenados,  e  que  aos  guardas,  quando  assim  se  julgue  necessário,  atten- 
tas  circumstancias  que  o  Governo  apreciará,  se  paguem  adiantados  dois 
mezcs  de  vencimento. 

Paço,  em  22  de  abril  de  1884.  =  Manuel  Pinheiro  Chagas. 

rL*£tbolla  doN  voncimentois  iiieiiHucs  do  Oheí*e 
e  mais  empregados  da  !M.issâo  ao  potentado  afxdcano 

]\luata  lanvo 

Chefe  (além  do  soldo  da  cffectividade  da  sua  patente),  gra- 
tificação    lãOj^OOO 

Sub-chefe  (além  do  so!do  da  sua  classe),  gratificação 100^000 

Missionário  (alem  do   seu  vencimento  de  professor),  gra- 
tificação    50^000 

Ajudante  (além  do  soldo  da  cffectividade  da  sua  patente), 

gratificação ÒOJIOOO 

Ajudas  de  custo  aos  quatro  ditos  empregados,  a  15;^000  réis  GOSOOO 

4  guardas  europeus,  a  20;í000  réis  mensaes  cada  um SOj^OOO 

4904000 
Em  vinte  e  quatro  mczes  importam  cm 11:760^000 


INTUO  DLCI,' AO 


33 


Os  einpr^^ftrlos  <jue  stúrcin  do  Lisboa  comeram  a  veiicer  as  suasgra- 
I  fifica^-úes  desile  quo  parllrem  para  Africa,  e  ob  que  residem  em  Angola 
I  desiie  que  stiguirem  para  o  interior.  As  ajudas  de  custo  eSo  aboDadaa 
I  cmquaotu  se  eonservarein  e:n  míssilo  no  interior  da  provincia. 

bocrelarta  d'Eatado  dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultramar,  22  de  abril 
de  1681.  =  Jfanuej  FiaJieiro  Chaga». 


í 


Á  desiiesn  foita  com  o  material,  do  7:5605000  réis,  doaen- 
volve-se  em:  mstrtimoiitos,  livros,  mcdicamentus,  armamento 
CHpeciul,  photographia,  presentes  ao  Huatiãavua  o  cGrte,  paa- 
ta^'[n  de  rios  e  expediente. 

N3o  eo  attcndeu  &  construcçSo  de  Estnçílcs,  a  presentes  aos 
potentados  onde  ellas  se  levantassem,  ou  a  presentes  du  tran- 
«li>,  nem  ao  salário  e  raçíios  ilo  pessoal  de  ciin'ega,(lure8,  aoB 
escoteiros,  o  «  outras  despesas  extraordinárias,  diligeucias, 
gratificações,  ctc. 

Na  provineia  de  Angola  contava  a  Expedição  obter  barra- 
ra», %amas,  mesas  e  baiipos  jjortateis,  armamento  Winthestcr 
com  as  respectivas  cargas,  mneliinas  o  outros  auxiiios  para 
phutographía,  bem  como  tipóias  e  muares,  o  que  tudo  havia  per- 
tencido ao  pessoal  dos  estudos  do  cnniiuho  de  ferro  de  Aiu- 
bnca  e  ficara  em  deposito. 
Por  causa  da  epizootia,  a  Expedição  nilo  p3de  obter,  de 

S.  Thiigo  de  Cabo  Verde,  as  muai'UB,  como  havia  solieitado 

in  governo. 
IVocurei  orgauisar  um  material  para  a  Expedição  nas  melbo- 

i«  a  Diais  económicas  condiçSes,  tendo  especialmente  em  at- 

tençb  dar  cumprimento  As  ordens  superiormente  recebidas,  e 

bibilibUla  com  o  ipiu  lhe  cm  indispensável. 
Jicii  tinha  cscripto  em  1877  no  Jornal  dan  Colónias,  quo 

tm  Frsnça  e  Inglaterra  ha  bazai'es  especlaes,  onde  se  forne- 

comoH  vinjunlcs  on  colonos  que  emigram  pai-a  paizes  quentes 

•  ptliiKircs,  de  todos  os  rcctu^os  considerados  tnais  indispensa- 
™'  e  adequados  a  protegê-los  dtt  influencia  dos  climas  e  dos 
pMÍgos  do  sertão,  uiuniudo-Hc  de  ferramentas,  instrumentos, 
■"«luiittí,   livros  e  artigos  particulares  aos  diversos  misteres 

*  lie  desejam  dedicar-se;  e  em  outros  estabelecimentos  ae 


34        EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

adquirem  os  mais  modernos  instrumentos  de  precisSo,  appro- 
priados  já  para  trabalhos  em  Africa,  acompanhados  das  res- 
pectivas instrucçSes  praticas  para  os  diversos  estudos,  que  a 
sciencia  instantemente  reclama  aos  que  se  aventuram  a  in- 
temar-se  naquelle  continente. 

Sabia  cu  também  que  os  fornecimentos,  que  fizesse  em 
qualquer  d'esses  estabelecimentos,  seriam  cm  boas  condições 
de  economia,  qualidade  e  acondicionamento;  porém,  nem  o 
tempo  nem  os  recursos  me  permittiam  lá  ir,  e  era  mesmo  já 
tarde  para  requisições  de  um  ou  outro  objecto  que  conhecesse 
mais  de  perto  c  fosse  julgado  essencial,  como  chronometros  e 
outros  instrumentos  de  meteorologia,  anthropometria,  etc,  ou 
de  consei^vas  e  outros  géneros  de  alimentação,  a  fim  de  que 
num  pequeno  volume  obtivéssemos  o  máximo  de  commodída- 
des  e  de  alimentos. 

E  é  nisto,  sobretudo,  no  preparar  do  material  das  suas  ex- 
pedições para  o  continente  africano,  que  os  estrangeiros  se 
avantajam  a  nós,  logo  ao  saircm  dos  seus  paizes. 

Era,  porém,  muito  tarde,  e  tive  de  me  sujeitar  ao  que  pu- 
desse encontrar  na  cidade  de  Lisboa,  e  por  economia  ao  que 
o  Governo  me  dispensasse  em  Loanda. 

Sabia  que  existiam  em  deposito,  na  direcção  das  obras  pu- 
blicas e  no  ministério  da  guerra,  algumas  armas  antigas  com  o 
competente  cartucliame  e  correame,  barracas  e  artigos  que  lhe 
s3lo  inherentes;  vieram  apenas  algumas  barracas,  e  em  tal  es- 
tado, que  nem  foi  possivel  acondicioná-las  para  embarque.  O 
cartuchame  e  capsulas  estavam  deteriorados,  e  as  armas,  que 
eram  de  systema  Wcstlcy  Richards,  melhor  fora  nâo  as  termos 
levado,  porque  durante  mezes  constituiram  cargas  muito  pe- 
sadas e  desgeitosas  e,  distribuídas  pelos  carregadores,  depressa 
se  inutilisaram. 

Estava  deteiminado  que  a  Expedição  devia  sair  no  paquete 
de  6  de  maio,  e  em  28  de  abril  recebia  eu  as  instrucções  que 
transcrevo. 


INTBODUCÇXO  35 


TxkmtwLCQÒem 

Por  qae  se  dere  regniar  o  mi^or  do  exercito 

Uenrlqae  Áagasto  Dias  de  Carralho 
na  Missão  ao  potentado  africano  Maata  lanro 

Tendo  sido  Y.  encarregado,  em  portaria  de  24  de  março  ultimo, 
de  organisar  e  dirigir  a  Missão  que  o  Governo  de  Sua  Magestade  re- 
solveu enviar  ás  terras  do  potentado  africano  Muata  lanvo,  para  os 
fins  designados  na  mesma  portaria,  e  com  o  intuito  de  renovar  as  re- 
lações commerciaes  e  officiaei^  com  o  mesmo  potentado,  que  a  expedição 
iniciada  por  Joaquim  Rodrigues  Graça,  em  1843,  procurara  estabele- 
cer, por  bem  dos  interesses  da  Nação,  deve  V.  observar  n^aquella 
organisação  e  no  cumprimento  de  tão  importante  incumbência  os  pre- 
ceitos constantes  das  presentes  Instrucçocs,  ás  quaes  vae  junta  a  copia 
da  alludida  portaria. 


A  missão  será  composta  de  V.  ,  como  Cbefc,  do  Pharmaceutico  refor- 
mado em  Major,  Agostinho  Sizenando  Marques,  como  Sub-chefe,  do  Mis- 
sionário António  Castanheira  Nunes,  e  do  Tenente  da  Africa  Occidental, 
Maimel  Sertório  de  Almeida  Aguiar,  como  Ajudante. 

Se  por  qualquer  razão  o  Missionário  nomeado  por  portaria  de  3  do 
corrente  não  puder  fazer  parte  da  Missão,  será  por  Y.  escolhido,  de 
aecordo  com  o  Governador  Geral  da  província  de  Angola,  um  outro  que 
seja  europeu  e  portuguez,  e  se  ache  moral  e  instructivamente  habilitado 
para  desempenhar  as  fimcçÕes  importantes  que  teem  de  lhe  ser  attri- 
buidas. 

II 

Para  o  desempenho  do  que  incumbe  á  Missão  cuja  direcção  lhe  é  cou' 
fiada,  são  entregues  a  Y.  instrumentos,  medicamentos  e  outros  obje- 
ctos enumerados  nas  relações  juntas  a  estas  Instrucções,  e  fomecer-se-ha 
na  província  de  Angola  dos  demais  a  que  se  refere  a  relação  respectiva, 
e  do  pessoal  indigena  que  lhe  for  indispensável  para  seu  transporte. 


III 

Ifflinediatamente  á  sua  chegada  a  Loanda  deverá  Y.    apresentar-sc 
so  Governador  Gkral  da  provincia,  a  fim  de  receber  d'este  magistrado 


36        EXPEDIÇlO  PORTUGUEZA  AO  MUATIANVUA 

as  ordens  o  indicações  que  lhe  parecerem  convenientes  para  o  bom  ezito 
da  Missão,  considerando- as  Y.  como  addicionamento  ás  presentes  in- 
strucções. 

IV 

Beunido  o  pessoal  da  Missão  e  obtidos  os  precisos  meios  para  a  sua 
definitiva  organisação  e  transporte,  seguirá  V.  ao  seu  destino,  de- 
morando-se  em  Malange  somente  o  tempo  necessário  para  obter  os 
carregadores  que  lhe  faltarem  para  a  conducção  do  pessoal  respectivo  e 
material. 


Em  Malange  procurará  que  os  commcrciantes  portuguezes  Machados, 
que  ali  se  acham  estabelecidos,  auxiliem  e  protejam  a  Missão  e  os  fins 
que  se  propõe,  de  modo  que  encontre  o  menor  numero  de  difficuldades 
no  seu  trajecto.  £  de  presumir  que  aquclles  cidadãos,  que  tamanhos  ser- 
viços teem  prestado  a  muitos  exploradores  estrangeiros  que  por  ali  teem 
transitado  para  o  sertão  central  do  continente  negro,  folguem  de  se  lhes 
ofForecer  occasião  de  provar  o  seu  patriotismo,  coadjuvando  uma  Expedi- 
ção Portugueza  de  que  o  Groverno  tem  esperança  de  obter  singulares 
resultados  para  o  commcrcio  em  geral,  e  especialmente  para  os  interes- 
ses políticos  de  Portugal.  O  Governo  acaba  de  reconhecer  a  dedicação 
dos  alludidos  commcrciantes  por  um  testemunho  inequívoco  de  distinc- 
ção  e  apreço,  que  accrescentará  em  valor,  se  também  maior  demonstração 
derem  agora  dos  seus  sentimentos  de  bons  patriotas. 

Deve  ser  cm  Malange  que  Y.  terá  de  planear  o  itinerário  que 
lhe  cumpre  seguir  até  ás  terras  do  potentado  Muata  lauvo,  e  só  ahi  o 
poderá  determinar  com  a  precisão  possível,  contando  que  circumstan- 
eias  imprevistas  se  podem  dar,  que  algumas  vezes  o  obriguem  a  qualquer 
alteração.  O  sertanejo  Graça  tem  marcado  no  seu  itinerário,  dia  a  dia, 
os  pontos  por  onde  transitou,  mas  depois  de  1847  ha  sido  mais  de  uma 
vez  devassado  aquelle  sertão,  e  será  por  certo  fácil  a  Y.  ,  com  cri- 
tério, e  investigando,  regular  o  seu  trajecto  até  o  ponto  do  seu  destino, 
encurtando  sensivelmente  o  itinerário  de  Graça. 


YI 

No  seu  percurso  até  á  Mussumba  deverá  visitar  os  principaes  chefes  das 
tribus  cuja  passagem  marcar  no  seu  itinerário ;  não  se  designando  a  Y. 
quaes  devam  ser  essas  tribus  pela  diiiiculdadc,  que  não  desconhecerá, 
de  lhe  serem  indicadas  n'estas  Instrucções.  Só  o  perfeito  conhecimento 


INTRODUCÇXO  37 


do  estado  em  que  irá  encontrar  as  relações  que  entre  si  possam  ter  os 
poYOS  de  Qoibundo,  Cubango  e  Cassai,  e  do  modo  por  que  actualmente 
costumam  a  tratar  os  exploradores  e  aviados  europeus,  é  que  poderá 
decidir  Y.  a  visitar  aquelles  povos  c  demorar-se  entre  clles  o  tempo 
necessário  para  estreitar  relações  de  amizade  e  commercio,'  se  prever 
que  essa  demora  não  retardará  a  chegada  da  Expedição  á  Mussumba. 
Se  tiver  razoes  que  lhe  assegurem  a  possibilidade  de  não  transtornar  o 
fim  da  Missão  com  a  sua  passagem  por  aquelles  povos,  aproveitará  n^esse 
caso  a  oceasião  para  procurar  conseguir  dos  respectivos  régulos  que 
consintam  e  defendam  abrigos  construidos  pela  Expedição,  que  offercç^m 
aos  visitantes  europeus  ou  commerciantes  dos  sertões  mais  conforto  do 
que  as  cubatas  levantadas  nas  suas  senzalas ;  convencendo  esses  régulos 
de  que,  por  esta  forma  e  com  essas  commodidades,  podem  ter  entre  si  um 
commercio  seguro  e  ininterrompido,  e  auxiliares  valiosos  para  a  sua  ci- 
Tilisação.  Em  todo  o  caso,  deve  ser  empenho  constante  de  Y.  propor- 
cionar principalmente  aos  portuguezes  que  por  ali  forem  a  segurança  de 
que  necessitarem  para  fazerem  a  permutação  de  suas  mercadorias  pelos 
prodactos  do  «paiz,  sem  soffrerem  os  vexames  e  exigências  que  usam 
fiizer-se  naquellcs  sertões  aos  que  a  clles  vão  commerciar. 


YII 

Provida  como  vae  a  Missão  dos  instrumentos  e  recursos  scientiíicos, 
deve  Y.    aproveitar  todas  as  occasioes  que  se  lhe  offereçam  de  au- 
gmentar  e  rectificar  as  informações  que  existem  'das  regiões  africanas 
por  onde  transitar,  estudando  similhantemente  os  meios  práticos  e  mais 
&ceis  de  assegurar  e  desenvolver  as  relações  commerciaes  entre  os  ter- 
ritórios e  portos  da  província  de  Angola  e  os  povos  sujeitos  ao  dominio 
de  Moata  lanvo;  não  perdendo  jamais  de  vista  quanto  importa  evitar, 
por  todos  os  meios,  o  desvio  d'essas  relações  para  quaesquer  occupaçòcs 
oa  estabelecimentos  estrangeiros  ao  norte  e  ao  sul,  e  combater  a  pre- 
pouderancia  politica  de  estranhos  nas  regiões  não  avassaladas  do  inte- 
rior do  paiz. 

YIII 

A  soa  chegada  á  Mussumba  deve  ser  precedida  das  formalidades  e 
wremonias  usadas  especialmente  com  o  Muata  lanvo,  e  de  que  deverá 
lofomuir-se  em  Malange,  devendo  apresentar  a  este  potentado  os  pre- 
lentes  que  lhe  envia  o  Rei  de  Portugal,  em  demonstração  do  apreço 
^  que  é  tido  de  longa  data  por  Sua  Magestade,  principalmente  desde 
<ive  ali  residia  por  algum  tempo  Joaquim  Rodrigues  Graça,  signiíi- 


L 


38        EXPEDIÇXO  POBTUGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

cando-lhe  quanto  é  agradável  a  Portugal  a  renovação  das  cordiaes  re- 
laçòes  iniciadas  pelo  dito  sertanejo ;  inspirando  no  seu  animo  e  no  dos 
seus  conselheiros  a  estima  e  respeito  pelos  portugueses,  que  foram  os 
primeiros  a  trocar  com  olle  as  valiosas  mercadorias  que  levaram  ás  suas 
terras,  engrandecendo  o  seu  commercio  com  o  fornecimento  do  que  care- 
cia para  satisfazer  as  necessidades  do  seu  bem  estar ;  e  convencendo-o 
também  de  que  são  os  Portuguezes  que  ha  séculos  são  tratados  e  respei- 
tados por  todos  os  povos  dos  sertões  visiuhos  pela  sua  liberalidade  e 
actividade  mercantil. 

Logo  que  V.  entenda  que  se  ha  insinuado  no  animo  do  potentado 
por  forma  que  elle  se  ache  bem  disposto  com  respeito  á  Missão,  procu- 
rará persuadil-o  a  celebrar  um  tratado  do  amizade  e  commercio,  em  que 
se  consigne  a  necessária  auctorisação  e  protecção  por  elle  dada  ao  esta- 
belecimento e  fixação,  junto  do  mesmo  potentado,  de  uma  missão  civili- 
sadora,  religiosa  e  commercial  dirigida  por  um  «Kesidente  politico»  per- 
manente, e  de  algumas  feitorias  a  que  elle  igualmente  dê  as  devidas 
garantias  de  segurança,  na  certeza  de  que  assim  concorre  para  o  desen- 
volvimento e  civilisação  dos  territórios  sob  o  seu  domiuio,  que  receberão 
proveitosas  lições  sobre  o  modo  de  fomentar  a  cultura  de  suas  terras  e 
alimentar  empresas  de  permutação  de  géneros  da  sua  producção  pelas 
mercadorias  portuguezas  que  satisfaçam  as  suas  instantes  necessidades. 


IX 

Devem  ser  aproveitadas  pela  Missão  todas  as  occasioes  de  persuadir 
os  régulos  das  regiões  que  percorrer,  e  com  mais  demorada  insistência 
o  potentado  que  vae  visitar,  a  abandonarem  o  antigo  costume  de  escra- 
visar,  fazendo-llies  sentir  que  o  Governo  Portuguez  tem  o  maior  empe- 
nho em  ver  para  sempre  terminada  a  escravidão  nas  terras  de  Africa, 
onde  todos  lograriam  maior  somma  de  bens  se  seguissem  os  hábitos  e 
priucipios  civilisadores  da  Europa;  mas  estas  exhortaçoes  devem  ser 
empregadas  com  critério  e  discrição,  porque  não  pode  espcrar-se  que 
facilmente  se  desarrcigue  do  espirito  de  taes  gentilidades,  sobre  que  não 
temos  dominio,  o  que  consideram  um  direito  e  uma  vantagem. 


Deve  ser  um  dos  cuidados  da  Missão  investigar  do  procedimento, 
propósitos  e  influencia  que  entre  aquelles  povos  vão  tendo  os  explorado- 
res allcmães,  ou  outros  quaesquer  estrangeiros  que  até  elles  teem  che- 
gado, e  registar  particularmente  tanto  essas  informações  como  outras 


INTRODUCÇXO  39 


de  interesse  para  Portugal.  Sempre  que  a  MissSo  verifique  que  algum 
agente  estrangeiro  tem  usado  da  ascendência,  que  por  acaso  possa  ter 
alcançado  sobre  os  indígenas,  para  prejudicar  os  interesses  do  commercio 
naeional  ou  o  Nome  Portuguez,  protestará  contra  esse  facto,  procedendo 
eom  a  perspicácia  e  zelo  que  puder  empregar  para  destruir  quaesquer 
prevenções  ou  malévolas  insidias,  e  fazcndo-lhes  bem  sentir  que  nem 
sempre  sâo  exclusivamente  humanitários  e  civil  isadores  os  trabalhos  e 
tendências  de  alguns  d*esscs  exploradores  ou  agentes. 


XI 

Um  dos  meios  de  captivar  a  sympathia  dos  régulos  dos  scrtues  por 
onde  tem  de  atravessar  a  Missilo,  é  o  de  se  conformar  com  os  usos  e 
estylos  do  paiz,  assignalando  a  sua  passagem,  para  ser  bem  acolhida, 
eom  presentes  e  dadivas,  a  que  se  deve  soccorrer,  não  como  tributo,  mas 
como  espontânea  demonstração  de  amizade  e  boa  disposição  de  manter 
estreitas  relações  com  os  que  dispõem  das  populações  de  taes  paires.  E, 
neste  ponto,  vem  de  molde  recommendar  á  Missão  o  procedimento  dos 
exploradores  portuguezes  por  occasião  das  suas  viagens  pela  Airica  e 
qae  elles  nos  seus  interessantes  livros  relataram,  tratando  das  exigências 
qae  alguns  régulos  ousaram  fazer-lhes,  que  mais  poderiam  denominar  se 
verdadeiras  extorsões.  Um  dos  meios  mais  seguros  de  se  livrarem  dos 
ataques  dos  indígenas  consistia  quasi  sempre  em  ser  por  estes  reconhe- 
cido, que  os  exploradores  se  achavam  bem  preparados  para  resistir  a 
quaesquer  tentativas  de  depredação.  Mas,  ao  passo  que  conservavam  a 
conveniente  firmeza,  esgotavam  também  todos  os  recursos  da  prudência 
e  da  conciliação  com  os  que  peores  instinctos  revelavam. 


XII 

• 
A  quem  conhece  as  necessidades,  tendência  e  superstições  dos  povos 

gentílicos,  não  será  preciso  encarecer  a  influencia  e  preponderância  que 

entre  elles  pode  adquirir  a  Missão,  prestando-lhes  os  soccorros  médicos 

de  que  necessitarem,  e  que  serão  dispensados  pelo  pharmaceutico  da 

mesma  Missão.  £  pois  escusado  inscrever  longas  recommendações  sobre 

este  assumpto. 

XIII 

A  influencia  moral  que  a  Missão  deve  exercer  sobre  o  espirito  dos 
otdigenas  cumpre  que  seja  inalteravelmente  mantida,  dando  o  exemplo 
^  bom  procedimento  a  todos  que  se  reunirem  em  tomo  d'ella  e  dos 


40  EXPEDIÇXO  PORTDGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

seus  estabelecimentos,  tratando  os  povos  com  benevolência,  observando 
e  fazendo  observar  pelos  que  a  compõem,  ou  a  ella  se  juntarem,  a  mais 
estricta  justiça  nos  negócios  que  tenham  relação  com  os  indígenas,  e 
não  consentindo  por  caso  algum  que  qualquer  da  Expedição  illuda, 
insulte  ou  maltrate  os  mesmos  indígenas.  É  da  observância  exacta 
doestes  preceitos  que  depende  o  bom  resultado  da  Missão,  e  especial- 
mente o  credito  do  Nome  Portuguez. 


XIV 

Deve  a  Missão,  desde  a  sua  salda  de  Loanda  até  o  ponto  do  seu  des- 
tino, durante  todo  o  tempo  que  se  achar  constituída,  e  na  sua  volta  a 
Loanda,  fazer  um  diário  exacto  e  completo  de  tudo  quanto  occorrer  e  das 
mais  pequenas  circumstancias  que  interessem  aos  seus  âns.  Sempre  que 
encontre  opportunidade  rcmettcrá  copias  doesse  diário,  acompanhando- as 
de  esboços  dos  caminhos  percorridos,  da  situação  geographica  de  qual- 
quer ponto,  das  observações  astronómicas  e  meteorológicas  fíindamentaes, 
e  fará  constar  ao  Governador  Geral  de  Angola  a  situação  da  Missão. 
Quando  esta  terminar  apresentará  no  Ministério  da  Marinha  e  Ultramar 
o  alludido  diário  e  um  relatório  de  tudo  quanto  possa  interessar  á  scien- 
cia  e  ao  commercio  em  geral,  e  em  especial  ás  relações  com  o  Muata 
lanvo,  assim  como  a  collccção  de  espécimens  e  exemplares  geológicos, 
zoológicos,  botânicos,  etc,  que  deve  ter  colhido  e   conservado. 


XV 

Um  dos  maiores  cuidados  de  V.  deverá  ser  o  de  procurar  assegurar 
a  sua  correspondência  e  relações  entre  Malange  e  quaesquer  pontos  do 
itinerário  que  concertar,  e  entre  estes  e  os  estados  do  Muata  lanvo, 
a  fim  de  poder  fazer,  com  mais  cautelíi,  a  remessa  do  que  lhe  é  recommen- 
dado  no  artigo  14.*»,  e  enviar  para  o  Ministro  e  Secretario  d'£stado  dos 
Negócios  do  Ultramar,  Presidente  da  Commissão  Central  de  Geographia, 
os  resultados  e  noticias  que  exigirem  immediata  publicidade,  que  ha  de 
ser  devidamente  físcalisada  e  dirigida,  para  que  possa  fazer-se  conhecer 
pela  imprensa  o  que  for  politico  publicar;  sendo  certo  que  muito  convein 
conservar  o  publico  interessado  nos  diversos  incidentes  do  emprehendi- 
mento  que  vae  ser  commettido,  na  intelligeneia  de  que  não  6  permittido 
a  V.  dar  informações  do  andamento,  successos  e  resultados  da  Missão  a 
outra  qualquer  pessoa  ou  a  qualquer  jornal,  visto  como  só  o  Ministro 
pode  estar  nas  circumstancias  de  discriminar  e  apreciar  o  que  se  poderá 
publicar  sem  inconveniente,  e  haver  sido  resolvido  que  toda  a  corresiKjn- 


INTR0DUCÇ20  41 


dencia  e  serriços  relativos  á  Missão  se  deverão  reunir  e  centralisar  na 
Commissão  Central  de  Geographia,  cujo  Presidente  é  o  Ministro. 


XVI 

Ser2o  tidas  em  apreço  especial  todas  as  informações  que  a  Missão 
possa  vir  a  colher  com  respeito  aos  caminhos  conmierciaes  mais  fáceis 
e  seguros,  aos  processos,  necessidades  e  preferencias  do  commercio  in- 
dígena, ás  aptidões  do  solo  e  do  clima,  aos  costumes,  tendências  e  situa- 
çlo  das  diversas  populações  que  atravessar,  e,  emfim,  a  tudo  quanto 
importe  ao  maior  desenvolvimento  das  nossas  relações  commerciaes. 


XVII 

Fazendo  parte  da  MissSo  um  Missionário  portuguéz,  e  indo  entre  as 
alfaias  que  ella  conduz  um  altar  portátil,  recommendará  V.  ao  dito  Mis- 
sionário a  installaçSo  do  mesmo  altar  no  local  mais  próprio,  e  que  for 
cedido  pelo  Muata  lanvo  para  se  celebrar  missa,  resguardando-o  de 
qualquer  profanação  que  iniitilise  o  prestigio  que  se  lhe  deve  attribuir, 
ou  macule  o  respeito  com  que  deve  ser  venerado,  sobretudo  entre  gen- 
tios. A  Missão  é  politica  e  commercial,  mas  deve  ser  também  religiosa. 
N^esta  qualidade  pode  fazer  relevantíssimos  serviços  á  civilisação  do 
paiz. 

XVIIl 

Pode  presumir-se  que  a  Missão  de  que  V.  é  incumbido  requeira  dois 
annos  para  satisfazer  aos  âns  a  que  se  destina,  e  que  ficam  designados 
nestas  Instrucçoes.  Não  ficará,  porém,  sendo  obra  de  grande  utilidade 
o  que  fizer,  se  na  sua  retirada  for  deixando  ao  abandono  todos  os  esfor- 
ços, diligencias  e  dispêndios.  E  por  isso  que,  referindo-me  ao  que  fica 
dito  no  artigo  8.',  eu  lhe  rccommendo  que  insista  cm  procurar  conseguir 
do  Muata  lanvo  que  permitta  que  fique  junto  d'elle  um  «Residente»  que 
dirija  a  Missão  civilisadora,  religiosa  e  commercial  que  ali  deve  perma- 
necer. Assim  não  afrouxarão  as  nossas  relações  com  aquclle  potentado, 
que  é  de  crer  estariam  ainda  mantidas  desde  1846,  se  não  fosse  a  impre- 
vidência do  sertanejo  Graça,  que  pode  ser  relevada  pela  necessidade  da 
soa  forçada  retirada. 

XIX 

Os  exemplos  que  os  membros  da  Missão  derem,  de  moralidade,  de 
respeito  pela  boa  fé  dos  contractos,  de  honestidade  nas  transacções,  de 


i 


42        EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

• 

comprimento  exacto  de  seus  deveres  sociaes,  bSo  do  necessária  e  pro- 
veitosamente reflectir-se  nas  outras  partes  componentes  da  Expediçlo, 
e  ser  reconhecidos  pelas  povoações  por  onde  transitarem  e  pelos  povos 
dos  estados  do  Muata  lanvo.  £,  pois,  a  pratica  d'esses  exemplos  que 
muito  rccommendo,  como  essencial  á  Missão,  e  nSo  menos  importanto 
será  que  V.  mantenha  sempre  na  melhor  ordem  e  subordinação  todos 
os  elementos  de  que  ella  se  compozer. 

Tudo  o  mais  que  nestas  Instrucçocs  não  vae  mencionado  e  que  for 
necessário  ter  em  consideração,  será  facilmente  supprido  pelo  zelo  e 
pela  pratica  que  Y.    tem  dos  sertòes  airicanos. 

Secretaria  d^Estado  dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultramar,  em  28  de 
abril  de  1884.  =  Manuel  Pinheiro  Chagas. 

Approxima-sc  o  dia  da  partida,  e  o  serviço  accumula-se  por 
tal  forma  que  .não  dá  tempo  a  descanso.  Era  indispensável 
aproveitarem-se  todos  os  momentos. 

Do  Porto  annunciava-sc-me,  já  pelo  correio,  já  por  tele- 
grammas,  a  remessa  de  eargas,  e  estas  nSo  chegavam. 

O  meu  collega  Sizenando  Marques,  occupado  com  a  aequi- 
siçSLo  de  instrumentos  e  seu  aferimento,  escolha  de  medica- 
mentos e  rancho,  e  outras  minudencias  para  os  serviços  a  seu 
cargo,  e  ainda  vigiando  a  maneira  por  que  tudo  se  acondicio- 
nava em  volumes  de  grandeza  e  peso  determinado,  nSo  podia 
attender  a  outros  trabalhos. 

As  cargas  propriamente  da  Expedição,  bagagens  e  ainda 
uns  setenta  volumes  do  commcrcio  do  Porto,  a  pouco  e  pouco 
iam  entrando  nos  depósitos  do  Arsenal,  para  d'ahi  seguirem 
para  bordo  logo  que  tudo  estivesse  reunido;  mas  em  5  ainda 
&ltavam  perto  de  duzentos  volumes,  que  eu  sabia  terem  já  sido 
expedidos  do  Porto.  Os  telegrammas  a  tal  respeito  succediam- 
se,  mas  as  cargas  estavam  demoradas  no  transito. 

A  alfandega  achava-se  fechada,  e  d'ahi  nova  fadiga  para 
serem  recebidas  a  bordo  as  cargas  que  estavam  no  Arsenal.  A 
custo,  ás  seis  horas  e  meia,  entraram  ellas  no  paquete. 

Era  tempo  de  tratarmos  dos  nossos  preparativos,  e  de  cum- 
prirmos com  os  deveres  que  mais  custam  a  quem  se  ausenta 
do  paiz  por  motivos  análogos — as  despedidas  aos  nossos  pa- 
rentes e  amigos. 


j 


INTRODUCÇlO  43 


Recolhi  tarde  a  casa  neste  ultiipo  dia^  e  parece  que  a  sorte 
me  qaeria  apurar  o  soffirimento.  Horas  depois  de  ter  dado  um 
abraço  de  despedida  em  meu  estimado  tio,  o  General  Comman* 
dante  das  Guardas  Municipaes^  Luiz  de  Almeida  Macedo,  re- 
cebi de  súbito  a  noticia  de  que  se  finara  repentinamente. 

A  familia  banhada  cm  pranto  com  a  dor  cruciante  da  sepa- 
ração e  a  dolorosa  noticia  da  morte  de  um  parente  tão  que- 
rido (dos  poucos  que  me  restavam  ascendentes)  davam  ao  dia 
do  meu  embarque  uma  sombra  de  tristeza  tão  profunda  que  eu 
mal  podia  resistir-lhe ;  e,  digo  bem,  fugi  de  casa  para  bordo, 
convencido  de  que  se  voltavam  contra  mim  todas  as  angustias 
da  vida. 

Tomara,  porém,  sobre  mim  graves  encargos.  Havia-me  col- 
locado  ao  serviço  do  paiz,  e  antepunha-sc  a  tudo  o  cumpri- 
mento do  meu  dever. 

Parti. 

A  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa,  sempre  benévola  e 
sempre  prompta  a  animar  os  que  trabalham,  lá  estava  repre- 
sentada na  ponte  do  Arsenal,  aguardando  o  nosso  embarque. 
  do  Porto,  que  tanto  cooperou  com  o  seu  valioso  auxilio  para 
o  melhor  desempenho  da  nossa  Expedição,  ainda,  á  ultima 

hora,  nos  veiu  animar  com  um  telegramma  de  enthusiasticas 

felicitações. 
Também  no  Arsenal  estavam  os  parentes  e  alguns  amigos 

niaig  dilectos  para  nos  acompanharem,  e  a  todos  eu  procurava 

occultar  a  minha  dor,  fechando   commigo  todas  as  minhas 

A  gineta  de  bordo  dá  o  signal  de  partida.  Ainda  os  abraços 
de  despedida,  e  segue  o  vapor  ^S^.  Thorm,  pelo  Tejo  abaixo, 
no  rumo  em  que  na  sua  ultima  viagem,  quatro  mezes  antes, 
levara  os  notáveis  e  sympathicos  exploradores  portuguezes 
Capello  e  Ivens,  para  essa  rápida  e  audaciosa  viagem  através  de 
Africa — uma  das  grandes  glorias  do  paiz  neste  ultimo  quartel 
ílo  século. 

Ia  comnosco  o  sympathico  Tenente  da  armada  italiana  Af- 
fooso  Maria  Massari,  já  conhecido  pelos  seus  trabalhos  de  ex- 


L. 


44  EXPEDIÇZO  PORTUGUEZA  AO  MX7ATIÂNVUA 

ploraçSo  no  norte  da  Africa^  agora  contratado  para  o  serviço 
da  Internacional,  e  que  mo  fôra  apresentado  pelo  meu  antigo 
amigo  o  explorador  africano  Dr.  Max  Búchnery  que,  estando  de 
passagem  em  Lisboa  com  o  fallecido  Nachtigal,  veiu  a  bordo 
despedir-se  de  mim,  c  recommendar-me  aquelle  sou  amigo. 

Massari  parecia  desanimado  por  uma  idca  triste.  Separava-sc 
da  sua  futura  noiva  e  ia  para  longcs  terras,  entregue  a  uma  sorte 
incerta  e  talvez  contraria  aos  seus  mais  ardentes  desejos.  Tam- 
bém não  recebera  informaçSes  satisfactorias  de  Stanley,  seu 
futuro  chefe,  e  via-se  assim  duplamente  embaraçado. 

As  circumstancias  approximaram-nos,  o  que  foi  para  nós  de 
grande  prazer,  e  muitos  foram  os  assumptos  que  discutimos 
com  respeito  a  explorações. 

Tanto  a  mim  como  a  Sizenando  nos  davam  cuidado  os  tra- 
balhos que  Íamos  emprehender,  mas  não  podiamos  fugir  a  es- 
tas influencias  de  bordo,  que  são  de  todos  conhecidas,  e  de 
que  todos  os  que  tccm  viajado  nos  nossos  paquetes  da  carreira 
de  Africa  se  recordam  sempre  com  saudade. 

O  commandante  A.  de  Oliveira  Fialho,  nosso  antigo  amigo, 
o  que  bem  conheciamos  de  outras  viagens,  procurou  tomar  esta 
o  mais  agradável  possivel. 

O  vapor  era  bom.  Já  conhecia  o  caminho,  como  elle  dizia; 
fazia  onze  a  doze  milhas  por  hora,  e  tudo  promettia  uma  via- 
gem feliz  e  rápida. 

Um  dos  passageiros,  porém,  portuense,  dos  seus  trinta  an- 
noB  e  de  génio  folgazão,  achava  a  vida  a  bordo  monótona,  e 
dizia-me  enthusiasmado : 

€  Tenho  pena  de  o  não  ter  conhecido  cm  Lisboa,  pois  o  não 
deixaria  mais,  e  bons  serviços  lhe  havia  de  prestar. 

€  Gosto  muito  de  commoçSes  fortes,  novas,  nunca  sentidas! 
Imagine,  eu  mettído  numa  cubata  no  meio  de  um  deserto  e 
que  de  repente,  sem  me  ser  dado  prever,  um  leão  de  um  salto 
apparece  ao  pé  de  mim! 

«Fixa-me  com  os  seus  olhos  de  fogo,  mas  não  vacillo  um 
só  momento.  Se  não  tenho  a  espingarda  á  mão  deito  fogo  á 
cubata,  e  elle  enraivecido  lá  vae  para  a  floresta  berrando  como 


INTBODUCÇÍO  45 


nm  possesso^  e  eu  cá  fico  ao  pé  do  fogo  com  os  meus  compa- 
nheiros; cantando  victoria,  emquanto  não  rompe  o  dia. 

cE  d'Í8to  que  eu  gosto!  São  estas  commoç5es  que  eu  pro- 
curo ha  muito  tempo.  Olhe  que  eu  já  percorri  o  Amazonas^  o 
Bio  da  Prata  como  commissario;  e  andei  por  muitas  terras  do 
Brasil,  e  declaro-lhe  que  só  cm  Afirica  poderia  encontrar  o  que 
desejo;  d'estas  scenas  que  ora  nos  assustam,  ora  nos  animam, 
e  muitas  vezes  nos  fazem  suppor  termos  a  nossa  vida  por 
am  fio. 

cSSo  estas  commoçSes  fortes,  que  ha  de  ter  a  cada  momento^ 
que  eu  lhe  invejo!  Pois  ha  nada  mais  bello  que,  depois  de  dias 
de  fome,  disputar-se  a  tiro  com  o  gentio  uma  gallinha,  um 
ovo,  um  firucto  qualquer,  e  ir  saboreá-lo  depois  com  todo  o 
descanso! 

cSão  estes  momentos  felizes  do  que  só  podem  gozar  actual- 
mente os  exploradores!» 

E  é  assim  que  uma  grande  parte  da  gente  pensa  com  res- 
peito a  explorações! 

KSo  eram  essas  commoçBcs  que  eu  procurava,  nSo ;  e,  pela 
minha  parte,  confesso  que  as  muitas  por  que  passei  me  abala- 
ram e  fatigaram  bastante,  e  estou  certo  de  que  aquelle  enthu- 

siasta,  que  por  ellas  tanto  almejava,  pelo  menos  no  fallar,  se 

tiTesse  soffrido  metade,  de  certo  se  daria  por  satisfeito. 
O  que  me  preoccupava  sempre  era  dar  fiel  cumprimento  ás 

«Instrocções»  pelas  quaes  havia  de  guiar-me,  e  que  os  leitores 

já  conhecem;  instrucçSes  de  que  se  deprehende  a  importância 

^  missXo  que  se  nos  encarregara. 
Campria-nos,  pois,  estudar  as  terras,  para  onde  nos  dirigia- 

Di08,  sobre  diversos  pontos  de  vista  politicos,  económicos  e 

«científicos. 
Era,  emfim,  uma  missão  de  paz,  de  civilisaçSo,  e  em  que 

•c  apresentavam  os  mais  importantes  problemas  a  resolver. 

Poder-se-iam  resolver  ao  menos  algims  d^elles? 
Que  raças  habitavam  todas  as  terras  até  á  Mussumba?  Que 

lingaag  fallavam?  Quaes  os  seus  usos  e  costumes?  Quaes  os 

•cítt  caracteristicos  ethnographicos?  Qual  a  influencia  do  meio 


46       EXPEDIÇlO  POBTUQUEZA  AO  MUATIInVUA 

que  os  cercava?  Qual  a  sua  forma  de  governo?  A  sua  poli- 
tica? A  sua  historia?  Em  iim,  como  aproveitá-los  para  o  bem^ 
sem  a  macula  da  escravidão  ? 

Da  maneira  pela  qual  a  Expedição  attendeu  a  todos  estes 
assumptos  se  verá  nas  differentes  monographias  que  vSp  ap- 
parecer  a  publico^  e  que  cm  summula  abrangem :  Descripção 
da  viagem  e  eíicposição  de  todos  os  trabalhos  nos  quatro  annos  que 
durou  a  Expedição,  3  volumes ;  Os  climas  e  as  producçves  das 
terras  de  Malanje  á  Lunda,  1  volume ;  Methodo  practico  para 
fallar  a  língua  da  Lunda,  contendo  najTaçdes  históricas  dos 
diversos  povos,  1  volume ;  Vocabulários  dos  dialectos  dos  povos 
do  occidente  da  região  tropico-austral  da  Africa,  para  portuguez 
e  de  portugucz  para  esses  dialectos,  com  eíxplica^és  dos  vocábu- 
los de  difficil  definição,  2  volumes;  Ethnographia  e  historia 
tradicional  dos  povos  da  Lunda,  corroborada  por  caracteres 
physicos,  linguisticos  e  outros  essenciaes,  1  volume;  Meteorolo- 
gia e  climatologia  das  regiões  visitadas  pela  Expedição,  com- 
paradas com  as  do  littoral  africano  ao  occidente  e  ao  oriente 
1U1S  mesmas  latitudes,  1  volume;  Álbum  ethnographico,  1  vo- 
lume. 


CAPITULO  I 


DE  LOANDA  A  MALANJE 


aèi  uJcúete  úorna,  nalike  kuia  hdutúh 
«se  tens  medo,  não  avances.» 


Ko  porto  de  LoandA ;  recorda^ 5ei  hiitoricas ;  Loanda  cidade  doi  trópicos,  e  aens  molhO' 
ramentos  —  Ka  cidade  de  Loanda;  preparação  da  ezpediçio;  contratados;  efficas 
aaxilio  de  8.  Ex.*  o  Qoyemador  Oeral ;  os  melhoramentos  feitos  e  os  que  mais  importa 
faser ;  a  população  —  No  rio  Cnanza ;  importância ;  soa  bella  posição ;  informaç&es 
do  dr.  Manoel  Ferreira  Ribeiro — Massangano;  outras  povoações  i  beira*rio — A  villa 
do  Dondo  —Viagem  para  Caaengo  —  Concelho  de  Cazengo  —  Viagem  para  Ambaca  — 
Concelho  de  Ambaca  —  De  Ambaca  para  Pungo  Andongo  —  Concelho  de  Pnngo  An- 
dongo  —Viagem  de  Pnngo  Andongo  para  Halai\je  —  Entrada  em  Halai\)e  —  O  nosso 
Biodo  de  Ter  sobre  a  região  que  atravessamos. 


Pouco  se  dorme  n  bordo 
de  um  pnquelc,  qimndo  fim- 
(lendo,  porque,  affeitos  como 
estamos,  npós  nlgims  dins  de 
vingem,  aos  seus  desoncon- 
tradoB  movimentos,  no  niido 
da  mnchinn  e  ao  rodar  do 
leme  boL  o  vaevem  das  pe- 
sadas correntes,  e  'a  todas 
essas  sensações,  emfim,  que 


50        EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÍNVUA 

nos  embalam  e  ao  principio  mesmo  nos  atormentam,  e  contra 
as  quaes  nos  não  é  dado  reagir,  sentimos  então  a  sua  falta  e 
não  podemos  conciliar  o  somno. 

Accresce  a  estas  circumstancias,  justo  é  dizê-lo,  uma  certa 
inquietação,  ou,  ainda,  a  natural  curiosidade  que  nos  desassocega 
e  nos  estimula. 

Não  é,  pois,  para  estranhar  que,  fundeado  o  vapor,  logo  ao 
i*omper  do  dia,  mesmo  antes  da  baldeação,  sobre  a  tolda  se 
encontrem  muitos  passageiros,  uns  com  a  idea  predominante 
de  irem  para  terra  nas  primeiras  embarcações  que  larguem  do 
navio,  outros  ansiosos,  esperando  um  parente  ou  amigo  que 
lhes  venha  dar  noticias  e  proporcionar-lhes  um  bom  transporte ; 
e  ainda  outros,  que  nem  as  bagagens  fecharam,  com  o  único 
fim  de  contemplarem  o  panorama  da  terra  naquellas  horas  em 
que  começa  o  movimento  matinal  e  em  que  o  sol  nascente  dá 
certo  tom  de  novidade  ao  porto  e  á  cidade  que  nos  defronta: 
e  se  isto  succede  em  todos  os  portos  onde,  ainda  que  seja  ape- 
nas de  passagem,  se  entra,  com  muito  mais  razão  se  observa 
quando  se  chega  a  um  porto  tropical,  onde  se  deseja  viver  por 
algum  tempo. 

Fôramos  também  dos  primeiros  a  subir  á  tolda,  onde  nos  en- 
contrávamos mais  uma  vez' com  todos  os  nossos  companheiros 
de  viagem,  de  quem  estávamos  prestes  a  separar- nos. 

«Mas  por  que  nos  vamos  demorando  tanto  tempo  a  bordo?» 
perguntava  um  passageiro,  que  pela  primeira  vez  aqui  che- 
gava. 

Toruou-se  esta  interrogação  o  assumpto  geral  da  conver- 
sa, c,  de  facto,  todos  mais  ou  menos  lamentámos  que,  sendo 
Loanda  uma  cidade  secular  e  de  uma  grande  importância  com- 
mercial,  e  tendo  chegado  um  paquete  na  véspera  á  noite, 
não  estivesse  este  rodeado  de  embarcações  que  se  afretassem 
para  o  transporte  de  passageiros,  bagagens,  etc. 

Attribuiam  uns  esta  grave  falta  a  medidas  preventivas  de 
policia,  outros  a  que  ainda  não  tocara  a  alvorada  em  terra,  mas 
nem  uns  nem  outros  acertavam.  O  navio  havia  sido  visitado 
logo  que  chegou,  e  a  policia  estava  a  bordo.  A  razão  era,  com 


DESCBIPÇZO  DA  VIAGEM  51 

magoa  o  dizemos,  não  haver  em  Loanda  embarcaçSes  d^essa 
ordem.  E  custa  a  crer  que  ninguém  se  lombrasse  ainda  de  pro- 
ver a  tZo  imperiosa  necessidade,  sendo  certo  que  havia  de  au- 
ferir bons  lucros. 

Uma  cidade  de  primeira  ordem  como  Loanda,  puramente 
commercial,  que  tudo  importa  e  que  tudo  paga  com  os  ricos  pro- 
ductos  de  exportação ;  que  vae  ser  dotada  com  um  caminho  de 
ferro  de  penetração  e  imia  linha  telegraphica  que  a  h'ga  á  Eu- 
ropa, e  servida  no  seu  recinto  por  uma  rede  telephonica,  nSo 
ter  no  sen  porto  grande  numero  de  barcos  para  transportes, 
dá  desde  logo  uma  triste  idea  das  suas  commodidades  com- 
mercíaes. 

E  como  pode  explicar-se  que  qualquer  particular,  para  sair 
da  cidade  ou  nella  entrar  com  sua  bagagem  pela  via  marítima, 
esteja  dependente  do  favor  de  transporte  do  Governo  ou  de 
qualquer  amigo?! 

O  movimento  de  navios  no  porto  de  Loanda  é  tal,  que  con- 
viria mesmo  organisar  este  serviço  e  facilitar  assim  ao  indi- 
gena  os  trabalhos  marítimos,  com  o  que  muito  se  aproveitaria. 

Mas  deixemos  este  incidente,  provocado  por  um  passageiro 
que  pela  primeira  vez  aqui  veiu,  e  olhemos  em  derredor,  con- 
templando os  logares  que  viramos  em  outra  epocha,  e  pro- 
curemos descobrir  o  seu  progresso  durante  o  tempo  que  d^elles 
estivemos  ausente.  . 

O  paquete  ancorara  entre  a  ponta  de  Isabel  e  o  morro 
das  Lagostas,  negro  promontório  nSo  mui  saliente,  onde  ter- 
mina a  enseada  do  rio  Bengo,  hoje  coroado  por  um  bom  pha- 
rol  de  luz  de  rotaçSo,  que  se  vê  a  grande  distancia,  proje- 
cto do  illustre  engenheiro  Manuel  Raphael  GorjFHo,  ampliado  e 
levado  a  effeito  sob  a  direcção  do  seu  collega  e  successor  no 
serviço  das  obras  publicas  Arnaldo  de  Novaes. 

Na  nossa  frente,  a  leste,  estamos  vendo,  revestida  de  um 
cinzento  claro,  a  fortaleza  do  Penedo,  que  primeiro  foi  um 
pequeno  forte  que  mal  continha  seis  boccas  de  fogo,  mandado 
eonstmir  por  Luiz  Lobo  da  Silva  no  seu  governo  de  1684  a 
1688*  Nelle  fôra  preso,  por  ordem  do  mesmo  governador,  o 


52        EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

traidor  jaga  de  Caconda,  que  ahi  terminou  ob  seus  dias,  em 
castigo  do  quanto  incommodara  os  povos  de  Benguela. 

Este  forte^  transformado  oitenta  annos  depois  em  fortaleza, 
pelo,  ainda  hoje  n2Lo  olvidado,  Governador  D.  Francisco  Inno- 
cencio  de  Sousa  Coutinho,  apesar  das  interrupções  por  falta  de 
material  e  porque  a  maior  parte  das  novas  construcçSes  era 
feita  onde   chegava  o  mar,  concluiu-se  em  dezesete  mezes. 

Elle  lá  está  ainda  em  bom  estado,  vendo-se  sempre  em 
asseio  e  boa  ordem,  sendo  aproveitados  os  seus  bons  armazéns 
abobadados,  abaixo  do  terrapleno,  para  deposito  de  pólvora  do 
Governo  e  do  commercio. 

Ultimamente,  como  já  não  tenha  a  capacidade  indispensável 
ás  exigências  do  commercio,  sob  um  bem  elaborado  projecto 
do  nobre  Marquez  das  Minas,  está-se  procedendo  um  pouco 
além  do  pharol,  para  o  interior,  no  alto  da  Bella  Vista,  á  con- 
strucçHo  de  um  paiol  em  boas  condições  e  munido  dos  compe- 
tentes pára-raios. 

Para  o  norte  do  logar  em  que  estamos  vae-se  desdobrando 
a  costa  por  largas  curvas  reentrantes,  que  terminam  em  pon- 
tas mais  ou  menos  salientes,  sendo  a  que  divisamos  mais  longe 
a  do  Dande,  que  nos  occulta  as  bellezas  das  margens  do  rio  do 
mesmo  nome. 

O  terreno  sobre  as  praias,  de  uma  areia  esbranquiçada,  ele- 
va-se  quasi  a  prumo,  parecendo-nos  cortado  pela  mão  do  homem 
e  formando  barreiras  dispostas  em  camadas  de  composição  va- 
riada, ora  vermelhas,  ora  pardacentas,  desanimando  pela  falta 
de  vegetação  a  quem  pela  primeira  vez  vae  penetrar  nesta  pro- 
vincia,  sobretudo  quando  tenha  admirado  a  prodigiosissima  ve- 
getação das^nossas  primorosas  ilhas  de  S.  Thomé  e  do  Principe. 

A  impressão  desagradável  que  se  sente  é  tal,  que  estamos 
convencidos  de  que  ainda  não  houve  uma  s4  pessoa  que,  nesse 
momento,  se  não  recordasse  com  saudade  da  pátria  e  de  tudo 
o  que  lá  deixou,  lembrando-se  de  voltar  no  mesmo  paquete 
sem  pôr  os  pés  numa  terra  de  tão  desolada  apparencia! 

E  são  estas  impressões  que,  juntas  á  triste  opinião  que  na 
metrópole  corre  sempre  com  respeito  á  Africa,  muito  teem 


L 


descripçao  da  viagem  53 

contribuído  a  tomar-nos  aventureiros  coloniaes  e  nunca  colonos ; 
isto  éy  procurámos  obter  um  capital  com  a  idea  de  regressar  em 
pouco  tempo  á  pátria! 

£  esta  uma  das  causas  que  mais  teem  concorrido  para  o 
atraso  em  que,  nesta  quadra  do  século  xiX;  ainda  se  encon- 
tram todos  08  nossos  dominios  de  além-mar^  que  tão  facil- 
mente nos  poderiam  elevar  ao  grau  de  prosperidade  a  que  as- 
pirámos, fazendo  de  Portugal  uma  nação  mais  respeitada,  do 
que  o  está  sendo,  pelas  naçSes  colonisadoras.  Mas  não  culpe- 
mos apenas  os  Governos  d'este  atraso,  pois  que  o  mal  é  de- 
vido aos  nossos  costumes  e,  talvez,  a  estar  estabelecida  a  cor- 
rente da  emigração  para  outros  pontos  do  globo,  em  que  temos 
importantes  centros  commerciaes;  não  querendo  referimos  a 
epochas  anteriores  ao  primeiro  quartel  ainda  doeste  século,  onde 
encontramos  a  causa  apparente  àó  seu  estacionamento,  senão 
já  definhamento,  porque  essas  grandezas  tão  falladas  eram  me- 
ras illusòes,  que  todas  se  desfizeram,  e  com  que  a  província  de 
Angola  nada  lucrava. 

Ás  colónias  não  se  fazem  sem  homens  e  sem  capitães,  e  sem 
86  porem  em  pratica  os  grandes  melhoramentos  materiaes  e 
moraes  que  mais  podem  transformar  as  terras  e  as  sociedades. 
A  Gran  Canária,  que  é  de  hontem,  é  um  modelo  que  temos 
*  seguir ;  aliás,  em  menos  tempo  do  que  se  pode  suppor,  as 
noBsaa  ilhas  da  Madeira  e  de  S.  Vicente  decairão  a  par  do 
florescimento  e  desenvolvimento  da  sua  vizinha,  que  se  tomou 
ji  sua  rival. 

As  ultimas  estatísticas  do  movimento  do  seu  porto  já  apre- 
sentam um  numero  de  vapores  entrados  mensalmente  maior 
^ne  08  annuaes  anteriores,  e  muitos  indivíduos  que  este  anno 
Pí^uraram  aquella  ilha  para  estação  de  recreio,  tiveram  de 
íctirar  por  não  haver  já  onde  se  hospedarem! 

Mas  como  levantar  a  opinião  publica  em  favor  das  nossas 
possesaJes? 

Ba,  sem  duvida,  muitos  processos  para  o  fazer;  mas  entre  elles 
deve  prevalecer  sempre  o  de  uma  enérgica  propaganda  por 
meio  de  descripçSes  exactas  e  das  informações  mais  comple- 


54        EXPEDIÇIO  PORTUGUEZÂ  AO  MUATIÂNVUA 

tas  que  sejam  possiveis^  dadas  por  todos  os  expedicionários  e 
por  todos  08  funecionarios  e  negociantes^  que  sâo^  para  assim 
dizer^  os  batedores  que  abrem  e  facilitam  o  caminho  a  uma 
larga  emigração. 

£  nós;  honrados  pelo  Governo  de  Sua  Magestade  com  um 
importante  trabalho  de  exploração  commercial,  diligenciare- 
moS;  tanto  quanto  couber  em  nossas  forças,  dizer  a  verdade 
inteira  sobre  os  factos  que  observámos. 

Conheciamos  a  historia  da  cidade  de  Loanda,  onde  servira- 
moS;  tomando  parte  em  muitos  dos  seus  meAioramentos :  nella 
estávamos  prestes  a  entrar  pela  segunda  vez,  e  não  o  podía- 
mos fazer  com  indifferença. 

E,  obrigados  a  contemplar  de  novo  a  princeza  das  nossas 
colónias,  porque  nSo  lhe  consagraremos  algumas  palavras? 

E  bello  o  seu  porto,  é  grandioso  o  panorama  que  ella  nos 
offerece,  mas  quizeramos  ver-Ihe  mais  animação,  mais  movi- 
mento, mais  vida  e  maior  população. 

Cidade  dos  trópicos,  quizeramos  vê-la  com  toda  a  pujança 
das  cidades  que  lhe  são  congéneres  sob  os  mesmos  parallelos. 

E  porque  não  se  tomará  ella  a  primeira  cidade  do  mundo 
intertropical  africano? 

Vejamo-la  por  um  momento,  no  seu  estado  actual  e  através 
da  sua  heróica  historia. 

Quem  pode  olhar  com  indifferença  para  a  veneranda  forta- 
leza de  S.  Miguel,  que  tantos  feitos  illustres  recorda? 

E  porque  nrio  existe  já  esse  padrão  do  governo  de  Luiz  da 
Motta  Feio,  de  que  ainda  nos  falia  Lopes  de  Lima  nos  seus 
Ensaios  estatísticos,  —  o  esplendido  passeio  publico,  sobrepujado 
de  frondosas  e  fructiferas  arvores,  com  os  seus  obeliscos  e 
assentos  de  pedra? 

Fora  esta  constnicção  attestada  em  1819  como  um  padrão 
do  bom  governo  de  Motta  Feio,  pelo  Juiz,  Vereadores  e  Procu- 
rador do  senado  da  Camará ;  mas  o  tempo,  talvez,  encarregou-se 
de  fazer  desapparecer  todos  os  vestígios  d 'esse  monumento,  e 
lá  rareiam  agora  as  arvores,  que  não  são  de  certo  as  plantadas 
por  aquelle  benemérito  Governador! 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  55 

£  como  tinham  fecunda  iniciativa  os  portuguezes  de  outro 
tempo! 

Lembremo-nos  de  alguns  nomes  laureados  e  prestemos-Ihes 
a  devida  homenagem. 

Francisco  de  Vasconcellos  da  Cunha,  que  governava  os  rei- 
nos de  Angola  e  Benguela  desde  1G35,  mandou  construir  o  forte 
de  S.  Miguel  apenas  de  barro,  taipa  e  adobes,  sendo  a  des- 
pesa paga  com  os  rendimentos  do  dizimo,  além  dos  da  fazenda. 

E  foi  doeste  forte  que  o  valente  general  Salvador  Correia  de  . 
Sá  Benevides,  treze  annos  depois,  no  dia  15  de  agosto,  fez  sair 
hollandezes,  francczes  e  allemaes  em  numero  superior  a  mil, 
e  outros  tantos  pretos  que  o  occupavam,  os  quaes,  ao  passarem 
pelo  pequeno  numero  de  portuguezes  que  os  desalojaram,  quasi 
se  arrependeram  da  precipitaçílo  era  se  renderem ! 

Como  é  agradável  recordar  os  heróicos  feitos  d^es&es  bellos 
tempos,  e  como  esta  velha  cidade  se  foi  desenvolvendo,  já  no 
planalto,  já  á  bcira-mar ! 

£  teem  sido  grandes  na  verdade  os  seus  melhoramentos ;  mas 
o  seu  clima,  o  seu  commercio  e  as  suas  condições  geographicas 
exigem  que  se  rcalisem  muitos  outros,  e  julgamos  do  nosso  de- 
ver lembrá-los  aqui. 

A  cidade  de  S.  Paulo  da  AssumpçHo  de  Loanda  está  dis- 
posta em  dois  taboleiros,  um  superior  e  outro  á  beira-mar ;  pelo 
quê  se  tem  feito  a  distincçSo  de  cidade  alta  e  cidade  baixa. 

A  baixa  estende-se  até  á  encosta,  e  para  o  norte  vae-se  es- 
treitando, limitando-se  a  um  renque  de  casas  distanciadas  umas 
das  outras;  mas  nunca  se  attendeu  á  natureza  dos  terrenos  e 
i  influencia  que  nelles  exercem  as  aguas  pluviaes. 

As  chuvas,  por  exemplo,  como  bem  o  mostra  a  gravura,  en- 
carregam-se  de  arrastar  as  areias,  que  facilmente  se  desaggre- 
gam  da  encosta,  dando  a  esta  a  forma  de  talude,  e  depositam- 
nas  em  monticulos,  que  novas  chuvas  levam  para  o  taboloiro 
inferior,  e  d'aqui  para  o  mar,  augmentando  assim  o  terreno 
Bub-marino  em  prejuizo  da  cidade  alta. 

Não  sabemos  se  ha  elementos  sufficientes  para  se  avaliarem 
estes  phenomcnos  geológicos^  já  calculados  para  a  costa  doBalti- 


56  EXPEDIçXo'PORTUGDEZA  AO  MUATIInVUA 

CO,  delta  do  Egypto,  e  outros  logares  onde  os  problemas  d'esta 
ordem  sâo  estudados  com  affinco ;  mas  esta  profunda  modifica- 
ç^  nas  camadas  superfíciaes  de  terreno  é  assas  intensa,  e  d'isso 
mesmo  se  ressente  o  porto,  cujo  fundo  se  eleva,  e  mostra  que  a 
ilha  fronteira,  ou  antes  o  cordão  littoral  que  tem  este  nome,  é 
de  formação  recente. 

Somos,  pois,  levados  a  crer  que  os  dois  taboleiros  em  que 
assenta  a  cidade  de  Loanda  tendem  a  nivelar-se  com  o  andar 
dos  séculos,  ce  a  mâo  do  homem  não  se  oppuzer  ao  desenvol- 
vimento doeste  phenomeno  de  erosão. 

Como  a  própria  gravura  indica,  as  communicaçSes  entre  a 
baixa  e  a  alta  da  cidade  fazem-se  por  calçadas,  construidas  em 
diffcrentes  epochas,  orladas  com  arvores,  que,  apesar  da  sua  an- 
tiguidade, não  te  era  tido  grande  crescimento. 

Aquém,  no  planalto,  vcem-se  os  cemitérios,  o  do  alto  das 
Cruzes  e  o  protestante,  como  tristes  mansões  dos  mortos;  e 
mais  além,  para  o  interior,  a  obra  mais  monumental  dos  últimos 
tempos — o  hospital  Maria  Pia. 

Um  pouco  mais  para  o  sul,  como  limite  da  parte  mais  ele- 
vada, avista-se  uma  torre,  de  construcçHo  antiga  e  que  fazia 
parte  da  primitiva  igreja  da  sé,  muito  bem  aproveitada  para 
o  observatório  meteorológico,  de  oíide  teem  saido  trabalhos  • 
notabilissimos  depois  de  1877,  e  de  que,  por  certo,  os  médicos 
do  ultramar  não  deixarão  de  deduzir  as  formulas  meteoroló- 
gicas e  dos  climas,  sempre  úteis  aos  que  desejarem  fixar-se 
por  estas  terras. 

Cá  em  baixo,  á  beira-mar,  e  quasi  a  meio  do  contorno  da 
bahia,  distinguem-se  importantes  edifícios,  como  o  mercado,  a 
casa  ingleza,  a  alfandega,  a  capitania  do  porto,  as  officinas  das 
obras  publicas ;  e  mais  além,  quasi  occulto  pelo  theatro,  o  velho 
edifício  do  terreiro  publico,  importante  construcção  do  Capitão 
General  Sousa  Coutinho,  e  que  no  seu  governo,  que  teve  princi- 
pio em  janeiro  de  1764,  já  serviu  para  celleiro  do  diversos  gé- 
neros, que  elle  mandou  distribuir  pelos  mais  necessitados,  na 
triste  quadra  de  uma  cruel  fome,  por  que  passou  a  cidade  du- 
rante vinte  mezcs ;  e  de  tal  modo  se  houve  aquello  benemérito 


DESCRIPÇÁO  DA  VIAGEM  57 

governador,  que  os  effeitoB  d^essa  calamidade  publica  foram 
muitíssimo  atenuados. 

Recordavamo-Dos  com  todo  o  enthusiasmo  doestes  factos, 
quando  a  nossa  attenç&o  foi  despertada  pela  atracação  de  esca- 
leres ao  navio,  e,  entre  alguns  amigos  que  vinham  de  terra, 
apresentava-se  o  nosso  collega,  Ajudante  da  ExpediçSLo,  o  Te- 
nente do  exercito  da  Africa  Occidental  Manuel  Sertório  de  Al- 
meida Aguiar,  que  estava  em  Loanda  havia  poucos  dias,  vindo 
de  Massangano,  onde  exercera  o  cargo  de  Chefe  do  concelho. 

Chegara,  pois,  a  hora  de  desembarque,  e  sendo-nos  offereci- 
das  algumas  casas  particulares  para  nossa  residência  na  cidade, 
muito  gratos  pela  distincçSo,  não  pudemos  acceitar,  mostrando 
a  tão  bons  amigos,  que  assim  nos  queriam  obsequiar,  a  conveniên- 
cia que  tinhamos  de  residir  próximo  da  alfandega,  para  mais  fa- 
cilmente nos  occuparmos  das  cargas  e  do  seu  ac4>ndicionamento, 
até  se  reembarcarem  nos  vapores  da  carreira  do  Cuanza. 

Queriamos  também  isolar-nos  o  mais  possivel  de  todas  as 
distracçSes,  que  sempre  proporciona  a  hospitalidade  de  bons  e 
antigos  amigos,  attento  o  muito  que  havia  a  fazer. 

A  organisaçâo  da  Expedição,  de  que  era  forçoso  occuparmo- 
no8  com  actividade,  para  nos  demorarmos  o  menos  tempo  pos- 
sível no  littoral  e  aproveitarmos  ainda  para  a  viagem  no  inte- 
rior a  quadra  própria,  que  já  ia  muito  adeantada,  era  o  nosso 
principal  cuidado. 

£  uma  regra  já  experimentada,  e  que  nunca  deve  ser  esque- 
cida por  quem  se  destina  ao  interior  do  continente  africano,  — 
o  affiístar-se  bem  depressa  da  costa,  muito  principalmente  se 
tem  de  passar  para  as  regiSes  mais  elevadas. 

A  resistência  orgânica  que  se  adquire  no  littoral  nSò  se  obtém 
em  poucos  dias,  nem  mesmo  em  poucos  mezes,  e  por  consequên- 
cia a  demora  que  houver  aqui  predispSe  o  individuo  para  as 
febres  e  a  não  poder  resistir  ás  longas  marchas  que  tem  de 
fazer,  debaixo  de  um  sol  ardentíssimo,  pelas  regiSes  onde  o 
veneno  miasmatico,  com  os  seus  terriveis  effeitos,  o  pode  sur- 
prehender,  encontrando-o  já  sem  aquelle  vigor  que  tinha  ao 
entrar  em  Afirica. 


L 


58        EXPEDIÇXO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

A  retirada  deve  ser  mais  rápida  quando  se  tenha  contratado 
algum  pessoal  indígena  numa  povoaçSLo  qualquer  da  localidade 
de  onde  tenha  de  partir  uma  expedição^  muito  principalmente 
da  zona  maritima,  porque  as  distracções,  que  elle  procura, 
prejudicam  e  são  causa  de  quebras  de  contractos. 

Não  olvidemos  ainda  um  conselho  da  experiência  que  res- 
peita a  nóS;  europeus^  principalmente,  e  que  adoptámos  desde 
que  fundeámos  na  ilha  do  Príncipe;  é  o 'uso  diarío  do  sulfato 
de  quinina  como  preventivo,  pelo  menos  cinco  grãos  em  jejum. 

Também  se  perde  a  acclimatação  já  adquirida  quando  se 
passa  de  um  clima  quente  para  o  paiz  natal;  e  tiós,  embora 
habituados  ás  terras  da  Africa,  já  estávamos  em  Lisboa  havia 
dois  annos,  e  portanto  iamos  passar  por  uma  nova  adaptação, 
que  a  experiência  tem  provado  não  ser  das  mais  fáceis,  e  por 
isso  mesmo  nos  tomáramos  mais  cautelosos,  apesar  de  nos  encon- 
irarmos  com  mais  forças  do  que  quando  de  lá  regressámos. 

O  preventivo  de  sulfato  de  quinma,  neste  caso,  tanto  ao 
Chefe  como  ao  Sub-chefe,  impoz-se-nos  de  tal  modo,  que  só  pas- 
sados dias,  depois  de  estarmos  em  Lisboa,  deixámos  de  o  usar ; 
e  se  alguma  vez  d 'elle  em  Africa  nos  esqueciamos,  accom- 
mettia-nos  uma  excitação  febril,  e  éramos  obrigados  a  tomá-lo 
em  dose  dobrada  ou  ainda  maior. 

A  falta  de  sulfato  de  quinina  tomou-se  sensivel  e  mesmo 
grave,  pois  o  Chefe  da  Expedição,  deixando  de  o  tomar  por  se 
lhe  ter  acabado,  três  dias  depois,  em  que  se  viu  obrigado  a 
estar  exposto  ao  sol  intenso  de  março,  foi  accommettido  de 
uma  febre  comatosa  que  o  ia  levando  á  sepultura,  tendo  de  se 
sujeitar  ao  tratamento  curiosissimo  do  gentio,  de  que  daremos 
conhecimento  no  logar  competente. 

É  indispensável  recorrer  ás  auctorídades  competentes  para 
sabermos  das  prevenções  de  que  nos  devemos  rodear  para 
resistirmos  ás  doenças  do  continente  africano. 

Os  nossos  médicos  coloniaes,  pela  sua  longa  pratica,  nos  seus 
relatórios,  e  nos  últimos  annos  o  Sr.  Dr.  Manuel  Ferreira  Ri- 
beiro em  todas  as  suas  obras,  que,  com  muita  dedicação,  tem 
escripto  sobre  a  nossa  Africa,  mui  principalmente  nos  seus  estu- 


DESCRIPçlO  DA  VIAGEM  59 

dos  medico-tropicaes,  durante  os  trabalhos  do  campo  para  o  ca- 
minho de  ferro  de  Ambaca,  dSo-nos  valiosos  conselhos  a  seguir. 

Mas  seja-nos  permittido  observar  que  notámos  algumas  de- 
fidencias  nos  trabalhos  que  consultámos,  e  a  que  mais  adeante 
nos  referimos,  trabalhos  aos  quaes  precisam  de  recorrer  os 
individues  que  são  obrigados  a  intemar-se  nos  sertSes  da 
Âfirica  Central  com  o  intuito  de  se  demorarem  no  desempenho 
da  sua  missão — faltando-lhes  umas  vezes  a  alimentaç&o  con- 
veniente; aproveitando-se  outras  dos  alimentos  dos  gentios, 
sofirendo  quasi  sempre  suores  abundantes,  expondo-se  aos 
raios  de  um  sol  ardentíssimo,  atravessando  activos  focos  de 
infecçSo,  e  tendo  nto  poucas  vezes  de  passar  dias  inteiros  sem 
poder  mudar  de  roupas,  que  a  cada  passo  se  encharcam  e 
seccam  sobre  o  corpo. 

A  todas  estas  circumstancias,  a  que  se  expSe  quem  se  in- 
terna nos  sertSes  da  Africa  Central,  ajuntem-se  a  acç2io  depri- 
mente do  clima,  o  trabalho  constante,  os  incommodos  com  os 
indígenas  e  dificuldades  de  toda  a  ordem  que  não  podem  dei- 
xar de  apparecer  entre  povos,  cuja  língua,  usos  e  costumes  se 
igaoram,  e  que  forçosamente  nos  hão  de  servir  de  auxiliares. 

SSo,  poÍ8|  constantes  as  causas  de  desanimo  e  de  graves 
doenças,  que  se  manifestam  após  atormentadoras  febres  e  indis- 
posiçSes  gástricas,  que  nos  inhabilitam  para  o  trabalho  e  para 
as  mais  simples  concepçSes  intellectuaes. 

Haviamos  compulsado  com  vivo  interesse  os  livrps  de  viagens 
de  exploradores  nacionaes  e  estrangeiros,  e  notáramos  quaes 
as  difficuldades  com  que  haviam  luctado,  a  fim  de  nos  aper- 
cebermos e  podermos  luctar  com  vantagem;  e  nos  relató- 
rios do  serviço  de  saúde  do  ultramar  procurámos  as  informa- 
ç3es  mais  indispensáveis  para  nos  fornecermos  de  alimentos, 
abrigos,  roupas,  remédios,  e  mesmo  indicações  praticas  para 
melhor  os  acondicionar  e  aproveitar. 

NIo  haverá  algum  alimento,  perguntávamos  a  nós  mesmo, 
que  seja  anti-dqi>auj}eraHvo  e  de  que  se  faça  boa  provis&o  para 
auxiliar  o  uso  da  alimentação  indigena,  sempre  tSo  monótona 
e  tio  deficiente  para  o  europeu?  N8o  haverá  o  que  possa  sup- 


l 


60  EXPEDIÇÃO  FOBTDGDEZA  AO  KUATIXkVDA 

prir  a  folta  de  sal,  que  se  nSlo  encontra  na  regifto  para  onde  nos 
dirigimoB?  £  que  alimentos  nos  seriam  mais  úteis,  qual  o  me- 
lhor modo  de  os  conservar  e  o  maia  simples  de  os  cozinhar? 

Ka  &lta,  porém,  das  indicações-  que  procurávamos,  gniá- 
mo-noa  pela  pratica  que  haviamos  adquirido  no  littoral  e  pelas 
informaçSes  que  obtivéramos  da  leitura  de  viagens  no  interior 
das  nossas  proviacias  e  centro  do  continente,  jA  publicadas,  e 
fomecemo-nos  do  que  julgámos  mais  indispensável. 

Durante  a  nossa  viagem,  á  medida  que  nos  iamos  inter- 
nando, démo-nos  ao  trabalho  de  ir  registando  n%o  só  os  defei- 
tos da  organisaçâo  da  nossa  ExpediçSo  e  as  difficuldades  com 
que  tivemos  de  luctar,  mas  ainda  o  modo  pratico  de  as  resolver. 

Sobre  todas  estas  ohservaçSes  tizemos  um  trabalho,  compre- 
hendendo  a  maneira  de  acondicionar  todos  os  objectos,  foram 
de  volumes  e  modo  de  os  fechar  e  transportar  mais  facit  e  eco- 
nomicamente ;  qual  a  melhor  alimentação  para  levar  em  redu- 
zido volume,  os  preventivos  indispensáveis  que  nos  devem 
acompanhar  e  meio  de  os  ter  sempre  á  mão ;  emfím,  a  simplifica- 
ção de  todo  o  serviço  com  vantagem  e  mus  alguma  commodidade. 

SSo,  por  certo,  indicaçSes  estas  muito  utcis  aos  qoe  tiverem 
de  se  occupar  de  quaesquer  trabalhos  no  centro  de  Africa,  em- 
quanto  se  nfto  espalharem  por  esse  vasto  sertKo  estaçSes  civi- 
lisadoras,  devidamente  montadas,  c  os  caminhos  de  ferro  nSo 
rasgarem  de  um  a  outro  lado  todo  o  continente,  abrindo  as  flores- 
tas,  e  fazendo  com  que  a  industria  ofFereça  ao  viajante  todos 
os  recursos  de  que  este  carece,  para,  sem  perigo,  se  entregar 
aos  trabalhos  que  lá  o  levarem. 


DESCBIPÇXO  DA  VIAQEH 


NA  CIDADE  DE  LOANDA 


esembarcando  em  Loanda,  im- 
mediatamente  mandámOB  pedir 
a  S,  Ex.'  o  Governador  Geral, 
I  o  ConBellieiro  Joaquim  Fran- 
cisco Ferreira  do  Amaral,  se 
dignasse  marcar  a  hora,  em 
que  DOS  poderia  receber,  e, 
neste  mesmo  dia,  tivemos  a 
honra  de  ser  recebidos  por 
S,  Ex.'  com  a  sua  proverbial 
delicadeza;  e  com  o  senso  pra- 
tico, que  lhe  é  peculiar,  man- 
teve a  conversação  sobre  os 
diversos  fins  da  nossa  missSo, 
ora  interrogando,  ora  aconse- 
lhando sobre  tudo  o  qae  se  lhe  afigurava  melhor  para  se  dimi- 
nnirem  os  attritos  á  marcha  da  Expedição  em  todo  o  território 
da  província  aob  a  feliz  administração  de  S.  Ex.* 

Catavam  feitos  os  comprimentos  officiaes,  e,  na  nossa  resi* 
deocia,  aguardnva-nos  o  velho  amigo  Cunha  Foca,  agente  da 
acreditada  casa  Bcnsaude,  que,  segundo  as  ordens  do  seu  dire- 
ctor em  Lisboa,  vinha  offerecer  os  seus  prestimosos  serviços,  e 
dar-DOs  o  credito  de  que  carecêssemos  aqui  em  Loanda  e  na 
soa  casa  do  Dondo. 


62  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  HUATIInVUA 

Por  varias  vezes  o  occupámos  e  nelle  encontrámos  sempre 
a  melhor  vontade  em  nos  servir,  e  por  isso  aqui  lhe  endereçá- 
mos os  nossos  agradecimentos. 

A  ExpediçSo  aproveitava  todos  os  momentos  na  sua  organi- 
saçSo  pratica,  e  ao  mesmo  tempo  esperava  quaesqner  ordens 
ou  instrucçSes  particulares  do  Governo  provincial,  como  lhe  fôra 
determinado;  e  em  3  de  junho  recebeu  um  officio,  onde  se  con- 
signavam algumas  recommendaç5es  da  mais  alta  conveniência 
com  rclaçSo  aos  potentados  com  que  nos  poderiamos  achar  mais 
em  contacto. 

O  officio  é  do  teor  seguinte: 

...  Sr. — Encarrcga-me  S.  Ex.*  o  Sr.  Governador  Geral  de  dizer 
a  y.  que  nenhumas  instrucçocs  ha  por  parte  doeste  Governo  Geral  a 
accresccntar  ás  que  recebeu  do  Governo  de  Sua  Magestade,  porquanto 
tudo  dependerá  das  decisões  que  as  circumstancias  da  viagem  acon- 
selharem. 

No  emtanto  parece  que  deve  Y.  ser  prudente  no  uso  dos  medicamen- 
tos para  com  os  potentados  mais  fortes,  por  isso  que  poderiam  aquelles 
espirites  rudes  e  ignorantes  attribuir  aos  remédios  qualquer  morte  ine- 
vitável, e  filha  de  causas  naturaes,  e  esta  prudência  é  aconselhada  por 
todos  08  exploradores  da  Africa,  e  na  phrase  do  celebre  Abbadie:  as 
vantagens  da  cura  nSo  correspondem  aos  inconvenientes  de  uma  termi- 
nação fatal  da  doença. 

Pcdem-se  igualmente  a  V.  os  seus  bons  officios  e  esforços  no  cami- 
nho para  augmentarem  as  remosHas  de  productos  para  a  Exposição,  acon- 
selhando os  moradores  a  que  concorram  a  este  ccrtamen  que  muito 
directamente  os  interessa,  e  cujos  resultados  a  ellcs  mais  particular- 
mente aproveitarão. 

Quanto  a  todos  os  meios  necessários  para  seguir  viagem  a  Expedição 
da  q.ual  V.  é  mui  digno  Chefe,  deverão  ser  requisitados  á  £x."**  Junta 
da  Fazenda. 

Por  este  Governo  Geral  vão  dar- se  ordens  aos  Chefes  dos  Concelhos 
que  para  bom  resultado  da  Expedição  sigam  sem  hesitação  as  indicações 
de  V.  ,  e  satisfaçam  as  suas  requisições,  a  fim  de  que  esta  viagem  pela 
qual  S.  Kx.*  o  Sr.  Governador  Geral  se  interessa  muito  pessoalmente, 
possa  fazer-se  e  terminar  com  o  êxito  que  é  de  esperar  da  competência 
de  V.     ,  e  dos  sous  illustrados  companheiros. 

Deus  guarde  a  V.  Secretaria  do  Governo  Geral  em  Loanda,  8  de 
junho  de  1884. —  ...  Sr.  Chefe  da  Expedição  ao  Muata  ItLovo.  ==  Alberto 
Carlos  d' Eça  de  Queiroz,  Secretario  Geral. 


DESCRIPÇAO  DA  VUGEM  63 

Como  nenhumas  ordens  havia  a  esperar  mais  de  S.  Ex.*, 
ao  offieio  acima  transcripto  respondeu  o  Chefe  no  dia  imme- 
diato: 


IlL"»  e  Ex."«  Sr. — Aguardava  as  determinações  de  S.  Ex.»  o  Conse- 
lheiro Governador  Geral  d'csta  província,  não  só  com  respeito  ás  pro- 
videncias indispensáveis  de  que  muito  carece  a  Expedição  a  meu  cargo, 
emquanto  transita  por  territórios  onde  chega  sua  benéfica  influencia, 
mas  muito  principalmente  para  ter  na  devida  consideração  e  dar  cum- 
primento a  quaesquer  encargos  que  o  mesmo  Ex."'^^  Sr.  julgasse  dever 
confiar-me. 

O  offieio  de  y.  Ex.*,  n.®  517,  de  hontem,  communicando-me  as  resolu- 
ções de  S.  Ex.*  dá-me  ensejo  a  deliberar  que  a  Expedição  siga  no  vapor 
que  se  espera  para  o  Doudo,  e  d*ahi,  tão  promptamente  quanto  possível, 
para  Malanje. 

£,  pois,  para  )esta  viagem  que  eu  tomo  a  liberdade  de  solicitar  desde 
já  communicação  á  Alfandega  para  que  a  carga  da  Expedição  possa  dar 
entrada  nos  armazéns  da  Companhia  de  navegação  do  Cuanza,  e  á  di- 
recção da  Companhia  para  á  Expedição  ser  concedido  o  transporte  de 
pessoal  e  carga  no  primeiro  vapor  a  partir,  se  bem  dizem,  Serpa  Pinto, 

Além  das  três  passagens  para  o  pessoal  superior  ha  ainda  a  solicitar 
uma  para  Augusto  César,  empregado  subaltçmo,  que  do  Reino  acom- 
panha a  Expedição,  e  duas  para  dois  indígenas  de  confiança  contratados 
nesta  cidade. 

Para  os  meios  de  transporte  por  terra,  que  S.  Ex.*  o  Governador  se 
dignou  dispensar,  peço  a  V.  Ex.*  se  digne  apresentar  a  S.  Ex.*  as  inclusas 
requisições  que  faço  á  Ex."«  Junta  de  Fazenda. 

Numa  d^essas  pedem-se  oito  bois-cavallos  em  substituição  das  muares 
que  não  puderam  ser  dispensadas,  e  aquelles  podem  ser  adquiridos  em 
Punge  Andongo  ou  em  Malanje,  segundo  as  convefiíencias  que  a  econo- 
mia e  a  qualidade  aconselhem. 

Como  a  Expedição  pode  contar  com  a  protecção  das  auctoridades 
administrativas  nos  concelhos  por  onde  tem  de  transitar,  só  ahí  e  a  essas 
auctoridades  deve  requisitar  os  carregadores  indispensáveis  até  Ma- 
lanje, onde  tem  de  concluir  definitivamente  a  organisação  do  pessoal  de 
carregadores  da  sua  caravana  para  o  interior. 

Sendo  possível,  se  S.  Ex.*  o  Sr.  Conselheiro  Governador  pudesse  con- 
ceder á  Expedição  cincoenta  soldados  indígenas  do  batalhão  de  Ambaca, 
para  vigiarem  pelas  cargas  em  todo  o  tempo  da  sua  missão ;  e  quando 
por  vontade  delles,  seria  isso  muito  para  desejar,  pelo  auxilio  que  lhe 
prestariam,  evitando-se  assim,  que  a  Expedição  tenha  de  instruir  cín- 
eoenta  homens  boçaes,  para  os  quaes  trouxe  o  armamento  indispensável 


64        EXPEDIÇIO  PORTUOUEZA  AO  MUATIÂKVUA 

concedido  pelo  Ministério  da  Guerra,  para  melhor  garantia  dos  valores 
que  o  Governo  de  Sua  Magestade  confiou  á  mesma  Expedição. 

Por  ultimo  devo  dizer  a  V.  Ex.*  que  a  Expedição  se  empenha  por  cor- 
responder á  confiança  que  nella  depositou  o  paiz  e  o  Ministro  que  a  no- 
meou, e  agora,  ao  interesse  que  S.  £x.*  o  Governador  Geral  acaba  de 
patentear  mais  uma  vez  no  citado  officio  de  V.  £x.*  pelo  bom  êxito  de 
sua  missão. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.*  Loanda,  4  de  junho  de  1884.  —  111."»»  c  Ex."»«» 
Sr.  Secretario  Geral  do  Governo  Geral  da  província  de  Angola.=  0  Chefe 
da  Expedição,  Henrique  Âugvsto  Dias  de  Carvalho, 

Activo  como  é,  o  Ex."**  Conselheiro  Ferreira  do  Amaral  nSo 
fez  demorar  a  resposta^  que  é  do  teor  seguinte: 

...  Sr.  —  Tenho  a  honra  de  accusar  a  recepção  do  officio  de  V.  sem 
numero  e  com  data  de  hoje,  o  qual  foi  presente  a  S.  Ex.*  o  Governador 
Geral,  quo  me  encarrega  de  lhe  responder  que  as  requisições  que  ellc 
Incluia  foram  enviadas  á  Ex."*  Junta  de  Fazenda,  para  que  esta  as  tome 
na  devida  consideração. 

Quanto  ao  pedido  feito  por  V.  de  soldados  para  acompanharem  a 
Expedição,  n*esta  data  officiou-se  ao  Commandaute  de  caçadores  n.^  3, 
aquartelado  na  Pamba,  concelho  de  Ambaca,  para  que  forneça  trinta  ho- 
mens que  queiram  voluntariamente  seguir  a  viagem  por  Y.  emprehen- 
dida,  visto  como  não  podem  legalmente  ser  conipellidos  a  prestar  esse 
serviço.  Estou,  porém,  certo  que  essa  força  será  fácil  e  expontaneameute 
recrutada  no  referido  batalhão  de  caçadores  n.°  3,  devendo  ao  mesmo 
tempo  dizer  a  Y.  que  será  bom  evitar  nos  pontos  mais  affastados  os 
apparatos  de  força,  que  são  sempre  motivos  de  desconfiança  e  susto  para 
os  naturacs,  que  attribucm  logo  ás  expedições  compostas  doesta  maneira 
intenções  bellicosas  e  de  conquista,  as  quaes  euraizando-se  podem  tra- 
zer obstáculos  á  realisação  do  pensamento  civilisador  que  Y.    prosegue. 

Finalmente,  cumpre-me  communicar  a  Y.  ,  que  foram  dadas  hoje 
ordens  á  Alfandega  para  lhe  entregar  os  objectos  pertencentes  á  Expe- 
dição e  trazidos  da  Europa. 

Deus  guarde  a  Y.  Secretaria  do  Governo  Geral  em  Loanda,  5  de 
junho  de  1884.  —  ...  Sr.  Chefe  da  Expedição  ao  Muata  lanvo.  =  Alberto 
Carlos  d^Eça  de  Queiroz,  Secretario  Geral. 

Sendo  incerto  obterem-se  as  trinta  praças  concedidas,  por- 
que só  como  voluntários  é  que  se  podiam  aeceitar,  e  como  se 
tivessem  apresentado  alguns  carregadores  que  em  Loanda  se 
empregavam  no  serviço  da  Alfandega  e  de  maxila,  entendi  nSo 
dever  desprezar  a  offerta. 


j 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  65 

Fez-se  entre  estes  a  escolha  dos  indivíduos  conhecidos  do 
Chefe  que  já  haviam  trabalhado  no  serviço  das  obras  publicas, 
e  que  lhe  inspiravam  mais  condança. 

O  contracto  era  vantajoso,  nao  só  pelo  lado  financeiro,  mas 
ainda  pela  garantia  que  offerecia,  sendo  feito  na  Administração 
do  concelho ;  e,  por  isso,  no  dia  7  o  Chefe  dirigiu-se  ao  Secre- 
tario Geral  do  Governo  da  provincia  nos  seguintes  termos: 

Dl.*»  e  Ex."*  Sr. — Procurando-me  nesta  cidade  doze  carregadores 
indígenas,  alguns  filhos  de  Malanjc,  um  das  próprias  terras  da  Lunda, 
e  dois  que  dão  conhecimento  e  informações  de  rios  e  povoados  até  além 
do  Cassai,  que  pouco  differcm  dos  que  são  do  nosso  domínio,  e  quercn> 
do  elles  contractar-se  para  fazer  parte  da  Expedição  em  condições  que 
julgo  de  grande  vantagem,  rogo  a  Y.  Ex.*,  se  digne  de  solicitar  do 
ex."^  Conselheiro  Governador  Geral  a  devida  permissão  para  que  na 
Administração  do  concelho  doesta  cidade  se  lavre  um  termo  de  contracto, 
cm  vista  do  qual  se  possa  providenciar,  caso  algum  d^esses  indivíduos, 
depois  de  ter  recebido  os  adeantamentos,  deixe  de  embarcar,  ou  fuja  de 
qualquer  ponto  para  esta  cidade. 

Se  desejo  contratar  este  pessoal,  é  pór  ter  elle  servido  commigo  nas 
obras  publicas  d*e8ta  cidade,  de  1878  a  1882,  em  diversas  construcçoes, 
e  querer  acompanhar-me.  Alguns  mais  se  apresentaram ;  porém,  por  me 
ser  indispensável  attender  á  economia,  não  posso  contemplar  todos. 

Outrosim,  peço  ainda  a  S.  Ex.*  a  necessária  auctorisação  para  ser 
dada  passagem  de  3.*  classe  a  estes  carregadores  no  vapor  da  Compa- 
nhia de  navegação  do  Cuanza,  em  que  segue  a  Expedição. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.»  Loanda,  7  de  junho  de  1884. — Ill."»«  e  Ex."»» 
Sr.  Secretario  Geral  do  Governo  Geral  da  provincia  de  Angola=  O  Chefe 
da  Expedição,  Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho, 

A  resposta  de  S.  Ex.*  foi  a  seguinte : 

. . .  Sr. — Em  resposta  ao  officio  de  V.  datado  de  7  do  corrente,  in- 
cnmbe-me  S.  Ex."  o  Governador  Geral  de  dizer  a  V.  que  n^esta  data  se 
mandou  abonar  passagem  para  o  Dondo,  n'um  dos  vapores  da  companhia 
do  Cuanza,  aos  doze  carregadores  que  teem  de  o  acompanhar,  assim 
como  se  ordenou  ao  Administrador  d'este  concelho  para  mandar  lavrar 
os  termos  de  contractos  dos  referidos  carregadores. 

Deus  guarde  a  V.  Secretaria  do  Governo  Geral  em  Loanda,  9  de 
junho  de  1884. —  ...  Sr.  Chefe  da  Expedição  ao  Muata  lanvo.  ==  iíZôfrto 
Carlos  d'Eça  de  (iueiroz,  Secretario  Geral. 


66  EXPEDIÇÃO  PORTDGUEZA  AO  MUATIANVUA 

Fazemos  referencia  especial  aos  contractos  que  celebrámos^ 
para  que  se  conheçam  mais  algumas  provas  sobre  o  modo  por 
que  nos  entendemos  com  os  indigenas,  e  acabe  para  sempre  a 
idea  de  que  nas  nossas  possessões  se  tolera  um.  vislumbre  sequer 
de  escravatura. 

Dirigimo-nos  á  Administração  do  concelho  no  mesmo  dia 
em  que  recebemos  o  officio  de  S.  Ex.*,  e^hi,  perante  o  nosso 
antigo  amigo  o  Ex.™^  Sr.  Adnunistrador,  António  Urbano  Mon- 
teiro de  Castro,  e  testemunhas,  se  registou  no  livro  ii  de  termos 
diversos  do  anno  de  1884,  fl.  22  e  23,  o  contracto  feito  com 
doze  dos  carregadores,  que  se  oflfereceram  para  o  serviço  da 
Expedição,  os  quaes  eram:  1.°,  Paulo,  de  Malanje;  2.®,  Ma- 
theus,  do  Libolo;  3.®,  Manuel,  da  Jinga;  4.®,  Paulino,  da 
Quissama;  õ.®,  Roberto,  de  Benguela;  6.®,  Cabuita,  de  Qui- 
bundo;  7.®,  Marcolino,  do  Congo;  8.®,  Narciso,  da  Lunda; 
9.**,  Domingos,  de  Loanda;  10.®,  Francisco  Domingos,  de  Cas- 
sanje;  11.**,  António,  de  Golungo;  12.**,  Adolpho,  do  Congo. 

Contrataram-se  mais:  um  cozinheiro,  José,  do  Libolo,  e 
um  cometoiro  (que  fora  dos  Moveis),  Domingos,  de  Massan- 
gano. 

O  contracto  dos  primeiros  foi  de  100  réis  por  cada  dia  ao 
serviço  da  Expedição,  e  o  equivalente  a  100  réis  diários  para 
raç5es,  recebendo  no  acto  do  contracto  36j5í500  réis  para  prepa- 
rativos de  viagem  e  para  deixarem  alguma  cousa  a  suas  fa- 
mílias ;  o  do  cozinheiro  foi  de  10^000  réis  mensaes,  recebendo 
três  mezes  adeantados,  e  o  do  corneteiro  de  5^000  réis  men- 
saes, recebendo  dois  mezes  adeantados;  e  todos  principiavam 
a  vencer  rações  do  Dondo  em  deante.  Compromettiam-se  elles 
a  acompanharem  a  Expedição  á  mussumba  do  Muatiãnvua, 
vigiando  e  defendendo  as  cargas  e  os  expedicionários,  e  a  fa- 
zerem serviço  de  carregadores  sempre  que  por  falta  de  pes- 
soal assim  se  tornasse  preciso. 

Qualquer  dos  primeiros,  em  Loanda,  ao  serviço  de  maxila 
só  que  seja,  vence,  ordenado  e  ração,  de  5^5000  a  6^(000  réis 
mensaes.  A  vantagem  foi,  pois,  nos  3G/$õ00  réis,  que  logo  dis- 
penderam,  e  em  receberem  todos  os  vencimentos  juntos  no 


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DESCRIPÇ!0  DA  VIAGEM  67 

regresso,  o  que  nSo  compensou  de  certo  os  perigos  a  que  se 
expuzeram  e  trabalhos  por  que  passaram. 

Tendo  chegado  o  vapor  Serpa  Pinto  e  estando  annunciada 
a  partida  para  o  dia  seguinte  á  noite,  nSo  havia  tempo  a  perder 
em  se  cuidar  na  arrumação  e  boa  disposição  das  cargas  e  ba- 
gagens. 

Auctorisada  pelo  Conselheiro  Governador  Geral,  a  Expedição 
cedeu  á  Direcção  das  obras  publicas,  pelo  preço  da  factura, 
sessenta  volumes  de  diversas  ferragens  e  pregaria  que  o  ne- 
gociante da  praça  do  Porto,  o  sr.  Manuel  Francisco  da  Costa, 
enviou  a  tempo  de  acompanharem  a  Expedição,  e  a  sua  im- 
portância foi  applicada  á  compra  de  artigos  próprios  para  o 
interior;  e  assim  esses  sessenta  volumes  reduziram-se  a  qua- 
torze,  onde  se  contavam  esses  artigos  e  os  que  por  conta  do 
Governo  recebemos  na  cidade  de  Loanda,  taes  como :  barracas, 
camas,  mesas  portáteis,  machinas  e  aprestos  de  photographia, 
armas  e  suas  munições,  etc. 

Tinhamos  ainda  algumas  horas  deante  de  nós  e  iamos  deixar 
a  cidade,  onde  se  nos  haviam  dispensado  favores  e  distincçSes, 
e  onde  tantos  e  tão  extraordinários  melhoramentos  estavam  em 
rápido  curso  de  realisação. 

Consagremos,  por  isso,  alguns  momentos  a  todos  estes  me- 
lhoramentos, que  se  estão  fazendo,  prestando  assim  o  nosso 
enthusiastico  preito  a  esta  bella  cidade,  a  altiva  rival  de  todas 
as  cidades  sub-tropicaes  africanas,  que  foi  o  theatro  de  tantos 
heróicos  feitos  dos  nossos  antepassados,  e  que  será,  num  futuro 
próximo,  o  modelo  de  todas  as  nossas  possessões  do  ultramar. 

Não  desejo,  por  ocioso,  repetir  o  que  já  está  dito  nos  bem 
elaborados  relatórios  dos  Governadores,  Chefes  de  serviço  de 
icaude,  Directores  das  obras  publicas,  nas  descripçSes  e  via- 
rren»  dos  exploradores  Serpa  Pinto,  Capello  e  Ivens,  nos  en- 
saios estatísticos  de  Lopes  de  Lima,  nas  memorias  de  Motta 
Feio,  nas  obras  do  Dr.  Ferreira  Ribeiro  e  em  outras  de  diffe- 
rentes  escriptores  que  se  teem  occupado  da  cidade  de  Loanda. 

Em  um  período  que  ainda  não  vae  lougc,  teve  a  cidade  de 
Loanda  os  seus  dias  de  amargura,  e  todos  procuraram  conhecer 


68  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

da  sua  causa.  Attribuiam-Da  uns  á  falta  das  chuvas,  outros  á 
fáltsi  de  transportes  e  de  boa  viação,  muitos  ás  dissidências 
com  o  Banco  Nacional  Ultramarino,  e  alguns,  finalmente  — e 
esta  é  a  razão  mais  plausivel,  quando  não  o  seja  conjuncto  de 
todas —  a  terem  escasseado,  ou  pelo  menos  a  terem-se  des- 
viado, os  principaes  artigos  do  commercio  do  interior,  marfim 
e  borracha,  o  que  obrigou  a  fecharem-se  muitas  casas  filiaes 
nos  concelhos  sertanejos ;  —  symptoma  gravissimo  e  que  mal 
pode  logo  explicar  quem  não  conhece  praticamente  o  com- 
mercio do  sertão,  e  a  preferencia  de  alguns  de  seus  povos  em 
correrem  para  o  norte  e  sul,  affluencia  com  que  teem  lucrado 
as  alfandegas  de  Ambriz  e  Benguela  em  prejuízo  da  de  Loanda. 

E  certo,  porém,  que,  devido  ás  expedições  de  obras  publicas 
e  aos  estudos  do  caminho  de  ferro  de  1877,  e  agora  á  activi- 
dade, intclligencia  e  bons  desejos  do  Director  das  obras  publi- 
cas, o  Major  de  engenheria  João  Ferreira  Maia,  que  accumula 
estas  funcçoes  cora  as  de  Presidente  da  Camará  Municipal, 
para  que  foi  eleito  no  corrente  anno,  e  ainda  á  superior  admi- 
nistração do  bemquisto  Governador  e  distincto  official  da  ar- 
mada. Conselheiro  Ferreira  do  Amaral,  começou  a  desappa- 
recer  a  crise,  que  se  apresentou  medonha,  e  em  toda  a  cidade 
se  vae  já  notando  uma  fecunda  transfoimação,  em  que  é  muito 
grato  attentar. 

O  Ministro  por  um  lado  animando  o  Governador  na  dedi- 
cação e  bons  desejos  que  sempre  tem  manifestado  pelo  engran- 
decimento da  colónia,  e  este  pelo  seu  dando  com  toda  a  energia 
o  seu  apoio  á  Camará  Municipal,  á  Direcção  das  obras  publi- 
cas e  a  outras  distinctas  corporações  que  dispõem  de  recursos, 
todos,  emfim,  se  mostram  empenhados  em  que  Loanda  não 
desmereça  do  logar  que  occupa  entre  as  principaes  cidades  do 
littoral  africano. 

A  singular  distribuição  orographica  do  terreno  em  que  as- 
senta a  cidade  de  Loanda,  a  irregularidade  da  encosta  que 
separa  os  dois  taboleiros  em  que  a  cidade  se  divide,  e  a  que  já 
nos  referimos,  chamam  desJc  logo  a  attenção  dos  engenheiros 
e  dos  hygienistas,  que  procuram  estudar  as  causafi  da  insalu- 


DESCRlPÇlO  DA  VIAGEM  69 


bridado  de  uma  localidade^  em  que^  comquanto  não  haja  super- 
iicies  pantanosas,  são  frequentes  as  febres  palustres. 

Desnudadas  as  terras  de  vegetação  que  as  segure,  o  movi- 
mento das  areias  sob  a  acção  das  chuvas  torrenciaes  é  patente, 
vendo-se,  como  prova  indiscutivel,  as  suas  grandes  accumu- 
lações  nas  ruas  calçadas  da  cidade  baixa,  —  obra  esta  impor- 
tante do  Governador  Ponte  e  Horta,  em  que  se  consumiu 
muito  tempo  e  dinheiro  e  que  jazia  occulta  aos  transeuntes 
por  estar  alguns  decimetros  abaixo  do  nivel  do  solo,  achando-se 
transformadas  as  portas  em  janellas,  apesar  de  dois  e  três 
degraus  que  aquellas  tinham  á  sua  frente. 

Por  outro  lado  o  porto  ia-se  entulhando,  e  de  tal  modo,  que 
nas  baixas  marés  quasi  se  podia  ir  a  vau  ató  á  ilha,  pois  nem 
já  a  corrente  tinha  força  para  repellir  essas  grossas  camadas 
de  areias,  que  se  amontoavam  no  seu  leito. 

As  correntes  maritimas,  para  o  que  concorre  o  Cuanza  em 
grande  parte,  e  as  marés,  por  seu  turno,  teem  influido  na  barra 
da  Corimba;  em  outro  tempo  dava  esta  passagem  a  grandes 
embarcações,  porém  de  um  pequeno  banco  que  era,  se  tomou 
já  num  dique,  o  que  as  obriga  a  tornearem  a  ilha  para  entrarem 
no  porto. 

Era,  pois,  urgente  que  a  mão  do  homem  tratasse  de  obviar 
ao  desmoronamento  de  ediiicios  importantes  da  cidade  alta,  hoje 
á  beira  da  encosta,  e  se  removessem  as  accumulações  de  areias 
que  pejavam  as  ruas  da  baixa,  sendo  dirigidas  essas  obras  de 
modo  que  de  futuro  não  houvesse  de  attender  aos  mesmos 
inconvenientes. 

O  melhoramento  que  immediatamente  lembra  é  o  de  um 
revestimento  de  cantaria,  de  baixo  a  cima,  aproveitando-se  os 
taboleiros,  que  se  fizessem  em  toda  a  altura,  para  habitaçSes, 
jardins,  hortas,  passeios  etc. ;  mas  estas  obras  seriam  dispen- 
diosas, e  Ferreira  Maia,  que  assim  o  comprehendeu,  planeou 
um  projecto  que  ofFerecesse  vantagens  immediatas,  mas  sob  um 
ponto  de  vista  mais  modesto  e  mais  económico. 

£8se  projecto  consistia  em  fazer  proseguir  o  aterro  margi- 
nal, já  encetado  por  imia  das  Camarás  transactas,  e  ligá-lo  á 


70  EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUATIANVUA 

-ponta  de  Isabel ,  e  em  continuar  o  anterior  da  principal  praça 
Pedro  Alexandrino  á  beira-lnar^  até  ao  morro  da  fortaleza  de 
S.  Miguel ;  obra  esta  de  reconhecida  necessidade,  porque,  além 
de  outras  vantagens,  tinha  a  principal  —  fazer  desapparecer  o 
pestilente  lameiro  do  Bengo  e  da  praia  a  sueste. 

Para  desvio  das  aguas  fazia  construir  sobre  a  encosta,  en- 
tão em  barrocas,  ruas  calçadas,  ligandoas  ás  já  existentes  para 
communicação  directa  com  a  cidade  alta,  e  revestindo  os  terre- 
nos que  as  separassem,  e  que  não  pudessem  ser  murados  para 
futuras  habitações,  de  arbustos  e  raizes  que,  engradando-se, 
fossem  estorvos  a  novos  esboroamentos,  quando  menos  tempo- 
rariamente, até  que  fosse  possivel  dispor  de  recursos  para  uma 
mais  segura  consolidação. 

Fen^eira  Maia,  eleito  Presidente  da  Camará,  e  com  o  apoio  do 
Governador  Geral,  principiou  logo  a  executar  o  seu  plano,  e  é 
certo  que  hoje  se  vê  o  empedrado  das  ruas  da  cidade  baixa; 
que  o  aterro  marginal  em  parte  vae  seguindo,  havendo  já  bons 
lanços  devidamente  arborisados ;  que  novas  ruas  muradas,  em- 
pedradas e  com  os  seus  renques  de  arvores,  cortam  a  encosta 
de  onde  vinham  as  maiores  enxurradas;  e  que  está  em  começo 
uma  avenida,  do  aterro  próximo  ao  mercado,  a  seguir  directa- 
mente ao  hirgo  do  hospital  Maria  Pia,  sobre  esses  morros  e  bar- 
rocas, que  ainda  ha  bem  pouco  conhecíamos  escalvados  e  de 
lormas  extravagantes. 

Não  pôde  Ferreira  Maia  ver  o  resultado  do  seu  projecto  em 
execução,  porque  succumbiu  á  fadiga;  e,  infelizmente,  como 
acontece  a  maior  parte  das  vezes  áquelles  que  do  coração  se 
dedicam  a  uma  causa  de  que  só  tira  proveito  o  paiz,  —  morreu, 
legando  apenas  a  seus  filhos  um  nome  honrado. 

Para  Loanda  morreu  aquelle  prestimoso  cidadão,  mas  não  o 
seu  projecto,  pois  encontrou  quem  o  fizesse  proseguir ;  e  asse^ 
gurâmos  que  no  nosso  regresso,  quatro  annos  depois,  a  sua 
execução  tinha  grande  incremento  e  as  ruas  da  cidade  baixa 
estavam  limpas  e  nellas  se  continuava  a  ver  o  empedramento 
tantos  annos  soterrado. 

Acreditamos  que  ainda  serão  arrastadas  algumas  areias  uas 


DESCRirçlO  DA  VIAGKM  71 

grandes  enxurradas;  mas  nSo  se  dê  a  execução  por  concluida; 
contínue-se  o  projecto  de  Feireira  Maia  tal  como  elle  o  deixou 
planeado^  emquanto  não  for  possível,  com  a  protecção  do  Go- 
verno ou  por  meio  de  um  empréstimo,  fazer  a  verdadeira  obra, 
que  é  levantar  differentes  audares  com  paredões  de  supportes, 
que  possam  vender-se  ou  arrendar-se,  com  o  que  a  camará  lu- 
crará bons  rendimentos. 

Que  se  continue,  pois,  a  cavar  na  vinha  do  Senhor,  como 
diz  o  nobre  Visconde  de  S.  Januário,  quando  se  trata  de  bene- 
ficios  para  as  colónias,  e  alguma  cousa  se  conseguirá. 

Um  dos  importantes  e  bem  estudados  projectos  do  enge- 
nheiro Raphael  GorjSo  era  o  aterro  marginal,  ligando  a  ponta 
de  Isabel  com  a  Alfandega,  e  o  estabelecimento  ali  de  uma 
ponte,  á  qual  atracariam  navios  de  alto  bordo  e  d'onde  a  carga 
sairia  para  a  Alfandega  em  carris  assentes  sobre  esse  novo 
aterro. 

Este  projecto  ia  seguir-se,  e  já  lá  vimos  uma  ponto  provisória 
para  mais  prompta  descarga  do  material  do  caminho  de  ferro 
e  da  canalisaçSo  das  aguas  da  cidade. 

Estas  duas  obras,  da  máxima  importância  para  a  cidade,  são 
dois  immorredouros  padrões  de  gloria  para  o  illustrado  Ministro 
que  teve  a  iniciativa  da  sua  execução,  prendendo-se  com  elles 
ainda  um  terceiro,  de  não  menos  vulto  —  o  da  ligação  da  cidade 
com  a  capital  da  metrópole  pelo  cabo  submarino. 

Estas  três  obras,  só  por  si,  bastariam  para  provar  que  a  cidade 
de  Loanda  se  levanta  e  não  desmerece  os  créditos  de  terceira 
praça  commercial  portugueza;  e  se  honram  o  Ministro  que  as 
iniciou,  a  ellas  também  fica  vinculado  o  nome  do  distincto 
Governador  Ferreira  do  Amaral,  que,  pela  sua  pertinaz  insis- 
tência, conseguiu  que  taes  melhoramentos  fossem  começados 
na  SOA  administração. 

Na  cidade  ha  também  uma  rede  telephonica,  devida  á  inicia- 
tiva do  mesmo  Governador.  Simpliliea-se  assim  o  expediente 
tifBcial,  e  muito  tem  a  ganhar  o  commcrcio  e  os  habitantes  em 
liarticular.  Ultimamente,  para  evitar  recados,  sempre  detur- 
pados pelos  servos  indigenas,  havia  necessidade  de  se  escrever 


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72  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

para  a  mais  pequena  cousa,  e  nisso  se  gastava  muito  tempo  c 
papel;  emquanto  que  por  este  meio  de  communicaçSo  — o  tc- 
leplione —  promptamentc  se  resalvam  quaesquer  duvidas. 

A  construcçao  do  hospital  Maria  Pia  levou  tal  impulso  nos 
últimos  tempos,  que  já  o  encontrámos  recebendo  doentes  e  nas 
melhores  condições  possiveis. 

Este  estiibeiccimcnto  colossal,  bellamente  situado  quanto  á 
sua  exposição,  está  sob  a  direcçílo  de  um  distincto  quanto  sym- 
pathicx)  medico,  Dr.  Ramada  Ciurto.  Pela  sua  magnificência, 
pela  distribuição  e  boa  disposição  dos  seus  alojamentos  e  repar- 
tições, com  luxuosas  mobilias,  machinas,  gazometros,  lavan- 
deria, cozinhas,  canalisação  de  aguas,  hortas,  jardins,  emíim 
por  todos  os  recursos  essenciaes  para  a  hygiene,  serviço  clinico 
e  boa  alimentação  d(i  que  dispõe,  rivalisa  com  um  hospital  de 
primeira  ordem  na  Europa,  c  tem  sido  a  admiração  dos  estran- 
geiros que  o  visitam.  E  um  monumento  da  longa  permanência, 
no  Mini»t(TÍo  dos  Negócios  do  Ultramar,  doesse  vulto  que  para 
Portugal  é  uma  gloria  dos  tempos  modernos,  —  o  ConselheiíH) 
João  de  Andrade  Corvo. 

Foi  um  dia  de  regozijo  para  a  cidade  de  Loanda  o  da  inau- 
guração d^'Bte  monumeiítal  ediiicio  do  caridade.  Por  essa 
occasião  não  estiueceu  ao  benemérito  Governador  Ferreira  do 
Amaral  essa  outra  antiga  instituição,  também  de  caridade,  que 
se  tem  mantido,  cm  lucta  cora  muitas  difficuldades,  á  custa  da 
iniciativa  particular,  a  que  se  deve  o  seu  estabelecimento. 
Referimo-nos  ao  Ai^ylo  D.  Pedro  V,  recolhimento  onde  as  or- 
phãs  de  europeus  c  africanos  teem  encontrado  o  indispensável 
agasalho  e  educação,  e  que  mereceu  a  protecção  que,  particu- 
larmente, o  estimado  Governador  e  sua  chorada  esposa  lhe 
puderam  dispensar. 

O  que  officialmente  não  era  permittido  ao  philantropico  ma- 
gistrado fazer  suppria-o  a  magnanimidade  d^esses  dois  boií- 
dosos  corações,  revelando-se  era  muitas  esraolas  e  benefícios. 
A  elles  se  deve  a  feliz  lembrança  de  abrir  naquelle  dia  um 
bazar,  que  produziu  uma  boa  receita  para  a  manutenção  de 
tão  pio  recolhimento. 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  73 

As  orphâs^  com  os  seus  simples  o  asseados  uniformes,  fo- 
ram photographadas;  e  neste  logar  a  gravura  é  um  mudo 
apello  aos  poderes  públicos^  para  que  concedam  áquelle  esta- 
belecimento uma  dotaçFlo.  que  vá  melhorar  as  suas  circum- 
stancias,  permittindo-lhe  dar  á  instrucçHo  que  ali  se  ministra 
um  desenvolvimento  á  altura  das  aspirações  da  cidade  que  o 
instituiu. 

  par  doestes  notáveis  melhoramentos;  não  devemos  esque- 
cer outroS;  não  menos  dignos  de  se  patentearem  á  Europa,  para 
que  se  conheça  o  caracter  progressivo  e  humanit<irio  que  todos 
elles  revelam. 

As  esplendidas  officinas  das  obras  publicas,  a  Escola  profis- 
sional e  o  Observatório  meteorológico,  que  já  mencionámos,  — 
obras  e  instituições  que  honram  a  expedição  do  obras  publicas 
de  1877  —  merecem  sempre  especial  menção. 

As  suas  officinas,  que  de  anno  para  anno  teem  tomado  maior 
desenvolvimento  pela  acquisição  de  grandes  e  aperfeiçoadas 
machinas,  já  teem  feito  reparos  importantes  em  navios  nacio- 
naes  e  estrangeiros,  e  estão  no  caso  de  satisfazer  ás  exigências 
da  agricultura  moderna,  e  em  pouco  tempo  não  deixarão  de 
attender  a  trabalhos  de  maior  vulto. 

Creou-as,  e  tem-nas  visto  medrar,  o  intelligente  e  activo  en- 
genheiro David  Sarmento,  um  dos  beneméritos  d'aquella  expe- 
dição, e  a  quem  foi  entregue  a  execução  do  projecto  por  elle 
elaborado,  bem  como  a  organisação  da  sua  instituição,  que  abrange 
diversos  officios. 

Muito  seria  para  desejar  que  nellas  fossem  aproveitados  dois 
recursos  importantes  da  provincia,  —  ferro  e  carvão. 

Aqui  tem  a  iniciativa  particular  onde  bem  coUocar  capitães, 
e  para  os  trabalhos  não  lhe  faltarão  braços  baratos. 

As  industrias  em  Angola  mais  ou  menos  teem  sido  ensaia- 
das com  proveito,  e  se  uma  ou  outra  apenas  tem  vingado,  c  por- 
que lhe  faltava  então  o  apoio  do  Governo,  com  as  providencias 
que  só  elle  podia  dispensar. 

Poderá,  pois,  exigir-se  ao  Governo  que  cmprehenda  grandes 
trabalhos  de  deseccamento  de  pântanos  e  de  irrigação  em  ex- 


74  EXPEDIÇÃO  P0RTIK5UEZA  AO  MUATIÂNVUA 

tensos  vallesy  nas  regiões  em  que  apenas  se  encpntra  uma  ou 
outra  povoação  indigena  que  pouco  ou  nada  produz? 

Só  08  esforços  combinados  do  Governo  e  da  iniciativa  par- 
ticular poderão  produzir  salutares  effeitos^  porque  também 
não  faltam  provas  de  que  pouco  se  tem  conseguido  com  os 
trabalhos  isolados  de  indivíduos  emprehendedores^  luctadores 
que  teem  succumbido  sem  poderem  vencer  tão  grandes  obsta- 
culos;  como  são :  a  insalubridade  do  clima;  a  falta  de  braços, 
as  estiagens,  as  grandes  cheias,  carência  de  soccorros  médicos 
e  outros. 

Presentemente  não  ha  governo  algum  que  se  recuse  a  au- 
xiliar a  iniciativa  particular  ou  a  encaminhá-la. 

As  minas  de  ferro  e  carvão  não  estão  muito  distantes  da 
linha  fluvial  do  Cuanza,  e  o  systema  de  viação  Decanville, 
aproveitado,  facilitará  os  transportes  até  lá. 

Desenganemo-nos.  O  preto  não  é  um  ente  inútil,  e  bem  diri- 
gido é  um  auxiliar  poderoso  nas  industrias  agrícola,  mineira  e 
fabril ;  e  não  faltando  na  nossa  província  de  Angola  os  recursos 
naturaes  indispensáveis,  é  urgente  aproveitar  esses  mananciaes 
de  riquezas,  sem  os  quaes  não  ha  prosperidade  que  se  possa 
sustentar. 

E  no  homem  que  está  a  principal  força  de  qualquer  paiz. 

Faltam  apenas  capitães,  e  esses  não  se  devem  esperar  dos 
governos. 

Falíamos  com  conhecimento  de  causa,  e  no  decorrer  doeste 
nosso  trabalho  ver-se-ha  que  não  somos  exaggerados. 

Continuemos,  porém,  apreciando  os  melhoramentos  da  cidade 
de  Loanda. 

Como  complemento  á  instituição  das  officinas  foi  lembrada 
a  escola  de  artes  e  officios,  sob  o  titulo  de  Profissional. 

Aproveitaram-se  as  ruínas  da  extincta  igreja  do  CoUegio  dos 
jesuítas  e  terreno  adjacente  para  a  sua  construcção.  A  rica  ca- 
pella  mór  de  mosaico,  que  um  inglez  em  tempo  propoz  comprar 
ao  Governo,  devidamente  restaurada,  serviria  de  capella  para 
a  escola.  Ao  passo  que  tudo  se  preparava  para  se  iniciar  a 


j 


DESCRIPÇSO  DA  VIAGEM  7Õ 

construcçSo,  uma  commissão  competente  estudava  o  projecto 
doesta  tão  útil  instituição. 

Os  alumnos  preparados  ahi  pelas  liçSes  theoricas,  iriam  me- 
lhor comprehendê-las  praticando  nas  officinas  e  nas  obras  em 
construcçSo,  emquanto  que  outros,  nos  casões  dos  corpos  da 
capital^  trabalhariam  em  roupas  e  calçado  para  os  seus  compa- 
nheiros. A  regeneração  da  povoação  indigena  tomava-se  assim 
mais  salutar,  e  proveitosa. 

Este  isdificio  ficou  por  concluir  numa  pequena  parte,  espe- 
rando opportunidade  de  maiores  recursos ;  e,  na  verdade,  im- 
pressiona, não  só  que  se  não  conclua,  mas  ainda  que  se  não 
fíindasse  uma  instituição  tão  útil  para  a  provincia,  em  que  as 
creanças,  recebendo  a  instrucção  primaria  a  par  da  religiosa, 
adquirissem  ao  mesmo  tempo  a  profissional  junto  de  operários 
devidamente  habilitados. 

Alais  onerosa  e  inútil  tem  sido  essa  outra  instituição  supe- 
rior, com  o  pomposo  titulo  de  Escola  principal,  em  que  se  sup- 
poz  poder  ensinar  ao  indigena  economia  politica,  francez, 
inglez,  geographia  e  historia  pátria,  quando,  na  verdade,  elle 
pouco  sabe  de  instrucção  primaria ;  e  o  resultado  tem  sido  des- 
ampararem os  alumnos  a  escola  logo  em  seguida  ás  matriculas. 

Em  geral,  o  indigena  africano  precisa  de  um  estimulo  para 
«air  da  indolência  em  que  o  crearam,  e  esse  estimulo,  encon- 
trado na  instrucção  profissional  tal  como  a  comprehendêra  a 
crommissZo  que  regulamentara  essa  nobre  instituição,  seria  o 
a^nte  mais  efficaz  de  sua  civilisação. 

Ahi  encontraria  elle  boa  alimentação  e  vestuário,  e  só  isto  era 
baifttante  para  o  incitar  ao  trabalho;  emquanto  que  na  Escola 
príncijpal  vê-se  sujeito  ás  circumstancias  da  familia,  se  é  que 
a  tem,  e  como  a  instrucção  o  não  favorece  na  occasião,  fogo 
delia. 

Aasim  o  comprehendeu  o  pratico  Governador  Ferreira  do 
Amaral,  que  mandou  regressar  o  professor  de  economia  politica 
á  metrópole,  e  aproveitou  parte  do  edificio  da  referida  escola 
para  uma  aula  de  instrucção  primaria. 

A  existência  do  Observatório  meteorolo^co  não  é  hoje  apenas 


76  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIInVUA 

uma  formalidade,  como  o  foi  até  1877.  Está  devidamente  mon- 
tado, tendo  como  annexo  um  observatório  magnético. 

A  direcção  d^ellc,  confiada  aos  briosos  e  competentíssimos 
officiaes  da  nossa  armada,  acha-se  em  communicaçUo  com  o 
Director  do  Observatório  meteorológico  do  Infante  D.  Luiz, 
em  Lisboa. 

A  elle  recorrem  já  navios  nacionaes  e  estrangeiros,  para 
confronto  de  suas  observações  e  verificação  de  chronometros. 

As  publicações  das  suas  multiplices  observações  fazem-se 
com  regularidade  ha  dez  annos,  e  d'ellas  se  podem  tirar  resul- 
tados muito  proveitosos. 

A  questão  da  climatologia  de  toda  a  região  a  leste  de  Loanda 
é  importante  e  merece  que  se  estude,  pois  do  seu  conheci- 
mento depende  a  melhor  exploração  doesse  sertão. 

Não  esqueçamos  que  foi  ainda  depois  de  1880  que  o  porto 
de  Loanda  começou  a  ser  illuminado;  e  trata-se  já  de  collocar 
na  ponta  das  Palmeirinhas  um  pharol  de  ferro,  de  luz  não  in- 
ferior ao  do  morro  das  Lagostas,  que  irá  illuminar  pelo  sid  a 
entrada  do  porto. 

A  illimiinaçao  do  porto  tem  sido  de  grande  proveito  á  na- 
vegação e  ao  commercio,  pois  até  os  nossos  paquetes,  acos- 
tumados á  carreira,  muitas  vezes  aguardavam  as  madrugadas 
para  nelle  entrarem. 

A  linha  telegraphica,  também  de  iniciativa  de  Manuel  Ra- 
phael  Gorjão,  e  para  cujo  custeio  o  commercio  concorre  com 
o  rendimento  necessário,  p5e  Loanda  em  contacto  com  diver- 
sos pontos  do  Cuanza  e  concelhos  internados  a  leste.  Deve, 
comtudo,  prolongar-se  e  ramificar-se,  porque  além  de  outras 
muitas  vantagens  servirá  para  ligar  o  observatório  com  os 
postos  meteorológicos,  que  é  indispensável  crear  pelo  interior 
e  dos  quaes,  por  emquanto,  se  encarregariam  de  bom  grado 
os  agricultores  ou  negociantes  europeus,  munidos  de  instruc- 
ções,  e  que  em  seguida  ás  leituras  dos  seus  instrumentos  as 
enviariam  logo  pelo  telegrapho  ao  observatório  central. 

Tocámos  ligeiramente,  é  certo,  nos  melhoramentos  mais  im- 
portantes de  Loanda,  mas  embora,  em  resumo,  devíamos  con- 


DESCRIPÇÃO  DA  VIAGEM  77 

8Ígiiá-los  aquiy  para  mostrarmos  a  injustiça  com  que  nos  tra- 
tam alguns  estrangeiros,  ousando  affirmar  que  nada  temos  feito 
em  prol  das  nossas  terras  de  além-mar! 

Livingstone,  que  numa  das  suas  viagens  através  da  África 
veiu  a  Loanda,  notava  como  digna  de  reparo  a  liberdade  que 
observava  nos  deportados,  a  confiança  que  elles  nos  inspira- 
vam quando  ali  chegavam,  pois  que  lhes  entregávamos  aguarda 
da  fortaleza! 

Receava  que  elles,  senhores  de  armas  e  pólvora,  pudessem 
dar  um  ataque  á  cidade! 

Notava  também  as  restricçOes  da  nossa  Alfandega,  pondo 
peias  ao  commercio  estrangeiro,  e  que  ainda  fosse  interdicto  a 
qualquer  estrangeiro  a  propriedade  do  solo! 

£ra  verdadeiro  Livingstone  nas  notas  que  tomava  na  sua 
interessante  viagem  através  do  continente,  mas  nem  sempre 
as  illaçSes  que  d'ellas  tirou  foram  felizes. 

Com  respeito  aos  deportados  houve  sempre  a  necessária 
vigilância,  sendo  certo  que  até  hoje  nao  ha  notícia  de  se  ter 
dado  o  caso  que  elle  receava. 

Nos  últimos  tempos,  a  deportação  de  sentenciados  para 
Loanda  tem  sido  assumpto  de  muita  attençâo  para  governan- 
tes e  governados,  e  o  illustrado  e  nunca  esquecido  Rebello  da 
Silva,  de  certo  na  esperança  de  que  fosse  reformado  o  nosso  có- 
digo penal,  havia  decretado  o  estabelecimento  das  colónias 
penitenciarias  de  modo  a  aproveitarem-se  as  forças  d'essa  leva 
de  criminosos  que  todos  os  mezes  entravam  em  Loanda,  ao 
mesmo  tempo  que  pelo  trabalho  se  contribuiria  para  regene- 
ração d'elle8. 

Na  pratica  apresentava  diíBculdades  a  sua  execução;  comtudo, 
nos  últimos  annos  algumas  tentativas  se  fizeram  nesse  intuito, 
e  para  a  colónia  Esperançaj  instituida  ultimamente  pelo  bene- 
mérito Governador  Amaral,  vão  sendo  enviados  os  degredados 
qne  da  metrópole  vccm  chegando.  O  mesmo  Governador  tenta 
instituir  no  sul  outra  colónia  d'este  género. 

Quanto  ás  restricçSes,  ó  o  próprio  Livingstone  que  nos  diz 
o  motivo  por  que  em  1845  as  casas  inglezas,  que  mantinham 


!■ 


I » 


78  EXPEDIÇÃO  POETUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

rcIaçSes  commerciaes  em  Loanda,  se  retrahiram.  As  ligaçSes^ 
que  entfto  havia  com  o  Brasil,  se  por  circumstancias  de  força 
maior  foram  prejudiciaes  a  essas  casas,  não  o  foram  menos  ás 
dos  negociantes  portuguezes. 

E  tanto  o  commercio  não  encontrava  ahi  restricçSes,  que 
Livingstone  ficara  surprehendido  de  ver  em  Loanda  só  um 
negociante  inglcz,  emquanto  no  paiz  todas  as  trocas  eram  fei- 
tas com  tecidos  de  algodSo  das  fabricas  inglezas! 

Também  ali,  como  em  todas  as  nossas  colónias,  se  permittiu 
aos  estrangeiros  a  acquisiçâo  de  propriedades,  ou  de  terrenos 
para  as  levantarem,  e  nas  mesmas  condições  que  aos  portugue- 
zes, isto  é,  concessões  gratuitas,  e  em  tempo  sem  confronta- 
.  ções  —  um  dos  males  de  taes  concessões. 

Havia  restricções  para  os  navios?  Mas  qual  é  a  nação  que  as 
nao  tem  tido? 

Leroy  Beaulieu  aponta,  —  perfeitamente  discriminados  em 
cinco  classes,  —  os  processos  adoptados  pela  Inglaterra  para  res- 
tringir os  movimentos  do  commercio  das  suas  colónias,  e  nao 
certamente  com  o  fim  de  prejudicá-las,  mas  sim  de  fazê-las 
prosperar,  e  foi  só  a  pratica  que  mostrou  a  necessidade  de  as 
fazer  cessar. 

Estas  restricções  diziam  respeito: 

1.*  A  exportação  dos  productos  das  colónias  que  só  devia 
fazer-s(í  para  a  metrópole ; 

2.*  A  importação  dos  artigos  de  fabricação  estrangeira  nas 
'  colónias; 

3.*  A  importação  de  productos  provenientes  de  colónias  es- 
trangeiras na  metrópole ; 

4.*  As  que  nâo  permittiam  o  transporte  de  mercadorias,  pro- 
venientes das  colónias  ou  destinadas  para  ellas,  senão  era  na- 
vios nacionaes ; 

f).*  As  que  prohibiam  ás  colónias  fabricarem  os  seus  produ 
ctos  brutos. 

E  todas  estas  restricções  tinham  por  movei  o  favor  aos  inte- 
resses da  nação  liberal  por  excellencia. 

líão  a  Livingstone,  mas  áquelles  que  ainda  hoje  argumen- 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  79 

iam  como  elle  e  professam  os  seus  principios  a  nosso  respeito, 
recordaremos  factos  dos  nossos  dias,  e  digam-nos  depois  onde 
86  encontram  mais  restricçSes  para  estrangeiros. 

Na  verdade,  a  Inglaterra  nem  sempre  foi  nossa  amiga,  prin- 
cipalmente tratando-se  de  questões  coloniaes. 

Durante  o  anno  de  1875  saiam  nos  seus  vapores  de  Acra 
e  portos  próximos  até  ao  da  Serra  Leoa,  indigenas  que  quizes- 
sem  emigrar  para  a  ilha  de  S.  Thomé;  e  vinham  em  tal 
estado  de  nudez,  que  o  Governador  da  provincia  exigiu  ao 
consignatário  portuguez  que  os  vestisse  para  os  poder  desem- 
barcar. 

Nesse  anno  nSo  houve  peias  a  tal  emigração.  No  anno  se- 
guinte habilita-se  um  navio  da  casa  Tarujo  para  o  transporte 
de  emigrantes,  contratados  nas  mesmas  condições  e  localidades ; 
o  navio  é  aprisionado  e  a  emigração  prohibida,  sob  o  pretexto 
de  escravatura! 

Houve  uma  demanda  que  durou  dois  annos,  se  bem  nos  re- 
corda, mas  a  justiça  estava  do  nosso  lado  e  foram  satisfeitas 
as  indemnisações  reclamadas  com  respeito  á  presa. 

Mas  a  ilha  e  os  agricultores,  foi  quem  sofireu  com  a  mal 
entendida  restricção,  ao  mesmo  tempo  que  de  Lourenço  Mar- 
ques einhambane  nós  consentiamos  que  saissem  emigrantes 
para  as  colónias  ínglezas  do  sul.  Natal  e  outras! 

Na  mesma  epocha  deu-se  o  seguinte  facto  em  Macau: 

Governava  a  província  o  Almirante  Sérgio  de  Sousa  (o  falle- 
cido  Visconde  de  Sérgio),  e  a  vizinha  cidade  de  Hong-Kong, 
pela  sua  imprensa,  bradava  contra  a  emigração  chineza  que 
se  fazia,  por  Macau,  para  a  America.  Fazendo-se  ella  também 
por  Hong-Kong,  tratou  aquclle  governador  de  a  regulamentar, 
tendo  em  vista  o  que  se  praticava  ali. 

Ainda  não  ficou  satisfeita  aquella  imprensa,  e  mais  tarde  o 
Governador  Visconde  de  S.  Januário,  fez  mais:  determinou 
que  se  observassem  os  regulamentos  adoptados  em  Hong- 
Kong  ! 

Pois  ainda  isto  não  foi  o  bastante,  por  que  vimos  que  o  nobre 
Visconde  suspendeu  a  saida  dos  colonos  por  Macau! 


! 
1  f    - 


80  EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUAT1ÍNVUA 


A  consequência  foi  os  vapores  da  carreira  de  Cantão  e  ou- 
\ ' »  tros  barcos,  que  faziam  escala  pelo  nosso  porto  para  Hong- 

Kong,  virem  carregados  de  emigrantes,  que  para  lá  seguem,  e 
d'ahi  vSo  então  nos  vapores  da  carreira  da  America,  no  porão 
com  ferros  aos  pés  emquanto  a  terra  está  á  vista! 

E  querem  os  filhos  da  liberal  Inglaterra  maiores  restricçSes 
do  que  as  que  temos  apontado? 

Agora  consideremos  outra  ordem  de  factos. 

As  missSes  do  bispo  americano  Taylor  estão  disseminadas 
pelo  interior  da  nossa  provincia  com  prejuizo  nosso;  as  fabricas 
de  Manchester,  prejudicando  as  nossas,  lá  vão  espalhando  os 
seus  artefactos  até  aos  pontos  mais  longinquos;  os  belgas,  pre- 
judicando a  industria  das  nossas  lazarinas,  mandam-uos  por 
anno  milhares  de  espingardas ;  os  exploradores  scientifícos  en- 
tram nas  nossas  províncias  ultramarinas  como  em  terras  pró- 
prias, e  mais,  isentos  dos  direitos  que  paga  o  nosso  commercio, 
e  com  08  productos  assim  importados,  vão  concorrer  nos  con- 
celhos do  interior;  não  ha  colónia  alguma  nossa  onde  não  se 
vejam  estrangeiros  estabelecidos  nas  mesmas  condiçSes  que  os 
portuguezes,  e  livres  dos  encargos  officiaes  a  que  estes  por  lei 
são  obrigados. 

Encontrarão,  pois,  os  inglezes  nas  nossas  colónias  menos  li- 
berdade de  acção  de  que  nas  suas?  Não  acreditámos. 

Se  ha  quaesquer  restricçoes  para  o  commercio,  tanto  as 
sofFrem  os  estrangeiros  como  os  nacionaes,  e  quanto  á  sua 
existência  é  isso  devido  a  principies  e  tlieorias  económicas, 
sobre  os  quaes  até  hoje  a  sciencia  não  disse  a  ultima  palavra. 

Enganou-se,   pois,   Livingstone,   e  enganar-se-hão   sempre, 
i  por  certo,  todos  os  que   se   metterem  a  descrever  qualquer 

paiz,  sem  ahi  se  demorarem  o  tempo  indispensável  para  o 
estudarem. 

Mudam  as  circumstancias  do  commercio  com  as  localidades, 
com  as  condições  do  clima  e  com  os  usos  e  costumes,  e  como 
se  pode  então  apreciar  um  facto  social  ou  económico  sem  se 
avaliar  cada  um  dos  factores  que  mais  influem  nos  seus  resul- 
tados? 
*  1 


f! 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  81 

Chega,  finalmente,  a  hora  de  deixarmos  a  cidade  de  Loanda, 
a  que  nos  ligam  saudosas  recordações.  E  opportuna  a  occasiâo 
de  darmos  conta  das  cartas  retardadas  que  nesta  cidade  rece- 
bemos do  negociante  Custodio  José  de  Sousa  Machado,  de 
Malanje. 

4  de  abril  de  1884. — Amigo  e  Sr.  Major  Henrique  de  Carvalho. — ^Foi- 
me  muito  agradável  a  prezadíssima  carta  de  V.  datada  de  4  de  fevereiro, 
e  mais  agradável  me  foi  poder  ver  como  Y.  luctou  e  poude  vencer  tanta 
difficoldade.  Muitos  parabéns.  ^ 

Meu  irmão  seguiu  d'aqui  cm  dezembro  com  uma  grande  expedição 
para  a  Africa  equatorial  e  sem  passar  pela  mussumba  do  MuatUanvo,  pois 
que,  se  tal  fizesse,  não  lograria  chegar  aonde  se  deseja,  que  é  a  terra 
dos  Cassungamenos. 

Devido  a  essa  expedição,  ha  aqui  agora  uma  falta  enorme  de  carre- 
gadores para  toda  a  parte,  como  aqui  nunca  se  notou  I  Basta  dizer,  que 
para  a  expedição  allemã,  que  aqui  tenho,  só  pude  arranjar  por  em  quanto 
cem  carregadores  para  o  Lubuco,  c  não  sei  como  se  ha  de  arranjar  o 
resto.  E  verdade  que  para  a  Mussumba,  ponto  já  mais  conhecido,  talvez 
que  seja  mais  fácil  appareccrem ;  no  emtanto,  só  com  a  vinda  de  V.  é 
que  se  ha  de  poder  assentar  no  que  for  melhor. 

Aqui  encontrará  V.  não  o  conforto  que  se  pôde  encontrar  numa  terra 
civilisada,  mas  um  pobre  e  humilde  tecto  para  o  resguardar,  e  aos  seus 
companheiros,  das  intempéries  da  estação ;  mas  pobre  e  humilde  como  é, 
é-lhe  todavia  franca  e  sinceramente  offerecido  com  o  maior  prazer  e 
satisfação. 

Ao  dispor  de  V.  fica  quem  com  a  mais  subida  estima  e  consideração 
é — De  V.    ,  etc.  =  Custodio  J,  de  Sousa  Machado, 

Malanje,  19  de  maio  de  1884.  —  ...  Sr.  Major  Henrique  de  Carvalho. — 
Loanda.  —  Comquanto  não  tenha  noticia  da  chegada  de  Y.  ,  pela  espe- 
rança que  me  deu  na  sua  muito  apreciada  carta  de  4  de  abril,  sou  levado 
a  crer,  pelo  seu  conteúdo,  que  chegou  \  e  que  chegasse  de  perfeita  saúde 
é  o  que  sinceramente  estimo. 

Emquanto  aos  vários  assumptos  de  que  trata  na  sua  citada  carta, 
para  cabalmente  responder  sobre  tão  vasto  plano,  era  mister  que  eu  dis- 
pozesHC  de  grande  intelligcucia  e  de  tempo,  que  não  tenho ;  mas  quando 
Y.  aqui  chegar,  então  teremos  muito  tempo  de  conversar,  não  deixando 
da  minha  parte,  sempre  que  me  for  possivel  e  o  melhor  que  puder,  de 
lhe  fazer  as  indicações  que  mais  convenham  ao  bom  desempenho  da  sua 
espinhosissima  commissão. 

No  entretanto,  pode  Y.    já  ficar  disposto,  se  admitte  a  minha  sincera 


82        EXPEDIÇXO  PORTDGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

franqueza,  que  Quimbundo  é  um  ponto  actualmente  morto,  nSo  tendo 
já  aqucUa  importância  commercial  e  politica  que  já  teve ;  além  d'is80, 
para  se  ir  por  tal  via,  era  dar-se  uma  derrota  ao  sul  para  descair  depois 
para  o  norte,  derrota  a  meu  ver  totalmente  desnecessária,  por  nâo  haver 
razões  e  interesses  que  a  justifiquem.  Passar  por  dentro  de  Cassanje 
é  isso  impossivel,  porque  os  Bangalas  não  consentem  a  passagem  dos  eu- 
ropeus pelo  seu  território  para  o  outro  lado  do  Cuango;  haja  vista  o 
que  fizeram  aos  nossos  illustres  exploradores  Capello  e  Ivens,  para  me 
dispensar  de  dizer  mais.  Para  se  passar  pelo  Loango,  muito  ao  sul  de 
Cassanje,  que  era  o  caminho  que  meu  irmão  levava  para  Quimbundo,  é 
preciso  ir-se  preparado  de  modo  a  perder  metade  do  que  um  commer- 
ciante  leva,  para  pagar  imaginários  crimes,  que  elles  phantasiam,  só  na 
mira  de  roubar  o  viandante.  A  vista,  pois,  do  que  com  toda  a  verdade 
acabo  de  expor  a  Y.    ,  e  que  me  parece  do  seu  interesse  saber,  o  cami- 
nho que  tem  a  seguir  deve  ser  necessariamente  o  que  levou  agora  meu 
irmão  á  frente  da  nossa  expedição  mercantil,  que  é :  ir  d'aqui  direito  a 
Cafuxi  (Bondos),  direito  ao  porto  do  rio  Cuango  entre  os  rios  Luí,  que 
ao  norte  separa  a  fronteira  dos  Bangalas  (Cassanje),  e  o  Luhanda,  que 
ao  sul  separa  a  fronteira  da  nação  do  Holo,  ficando  entre  estes  dois  rios 
um  mixto  de  nações,  todas  independentes  entre  si,  e  a  cuja  região  demar- 
cada entre  esses  dois  indicados  rios  se  dá  o  nome  Mahari  ou  Cahari, 
cujo  chefe,  que  dizem  ser  bastante  poderoso,  se  chama  Mueto-nguimbo, 
dono  do  porto  da  passagem  no  rio  Cuango,  situado  abaixo  alguns  kilo- 
metros  aonde  o  rio  Luí  conflue  no  Cuango.  Este  caminho  é  completa- 
mente novo,  sendo  meu  irmão  e  mais  um  companheiro  que  levou,  os  pri- 
meiros europeus  que  passaram  por  tal  via,  segundo  a  aíhrmativa  dos 
próprios  naturaes.  E  ainda  por  este  caminho  por  onde  convenci  o  Te- 
nente Wissmann  que  devia  seguir  a  expedição  allemã  de  que  é  chefe,  des- 
prezando assim  a  instrucção  que  trazia  de  ir  direito  ao  Tembo-á-Lnma^ 
seguindo  o  trilho  até  ao  Cuango  que  anteriormente  tinha  d'aqui  levado 
o  Major  Mechow. 

O  caminho,  pois,  que  levou  meu  irmão  com  a  nossa  expedição,  é  ma- 
gnifico ;  e  quando  V.  o  queira  seguir  também,  parece-me,  não  terá  que 
arrepender-se.  E  seguindo-o,  terá  do  outro  lado  do  Cuango  a  nação  do 
Xinje,  cujo  povo  é  manso  como  os  cordeiros.  Doesta  nação  tomará  V. 
o  trilho  que  conduz  ao  Caungula,  um  potentado  bastante  poderoso,  mas 
já  subordinado  ao  Muafianvo.  De  Caungula,  seguirá  V.  direito  a  Mus- 
sumba,  capital  da  Lunda,  e  aonde  reside  o  Muat'ianvo. 

O  caminho  &tè  ao  Cuango  é  bastante  fértil  de  mantimentos  para  toda 
a  comitiva,  muito  principalmente  de  gado  vaccmn,  suino,  cabrum,  etc. 

E  preciso  que  V.  saiba,  que  o  Muafianvo  tem  por  uso  e  costume 
receber  tudo  que  o  individuo  leva  para  negocio,  encarregando-se  elle  de 
mandar  comprar  marfim  nos  pontos  aonde  o  ha,  e  como  para  esta  gente 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  83 

O  tempo  nâo  tem  valor,  os  amios  succedem-se  ims  aos  outros,  sem  que 
cUe  preste  contas  do  que  recebe ;  e,  como  elle  é  o  dono  das  suas  terras, 
nâo  havendo  por  isso  a  quem  recorrer,  o  remédio  já  se  vê,  é  esperar. 
Além  d' isto  nâo  consente  que  europeu  nenhimi  passe  além  dos  seus 
Estados. 

Acho  ocioso  encarecer  a  conveniência  politica  que  ha  na  alliança  da 
Lunda  com  Portugal :  eu  já  o  tenho  demonstrado  muitas  vezes  pela  im- 
prensa, e  ainda  ao  próprio  Sr.  Conselheiro  Governador  Geral,  quando  aqui 
esteve  o  anno  passado ;  mas  é  preciso  muita  prudência  e  tacto  da  nossa 
parte,  e  coadjuvá-lo,  estimulando-o  no  seu  valor  (despótico  aliás)  contra 
08  invasores  do  sou  território  — os  Quiocos —  que  lhe  teem  avassal- 
lado  já  uma  grande  parte  dos  seus  melhores  e  mais  poderosos  feuda- 
tarios.  Sobre  tâo  melindroso  assumpto,  só  aqui,  pessoalmente,  teremos 
occasiâo  de  fallar;  e  por  isso,  e  por  falta  de  tempo,  reservo-me  para 
então. 

Emquanto  a  estações  commerciacs  eu  vou  estabelecer  uma  no  porto 
do  Cuango,  mas  na  margem  direita ;  outra,  logo  que  tenha  um  europeu 
de  confiança,  vou  estabelece-la  no  Caungula,  e  outra  no  porto  do  Cassai, 
em  Quicassa,  que  dá  passagem  para  o  Lubuco  (Tu-Chilangues),  para  os 
Ma-cubas  (Luquengo  e  outros  pontos  do  norte  para  o  Lualaba). 

Os  exploradores  allcmâes  é  que  me  teem  impedido  de  ter  mandado 
já  o  individuo  encarregado  da  estação  do  Cuango,  pois  me  pediram  para 
que  o  nâo  despachasse  sem  ser  na  sua  comitiva,  a  que  accedi  por  com- 
prazer. 

Estabelecidas  as  estações  nos  pontos  que  deixo  indicados,  teremos 
sem  difficuldade  communicaçoes  escoteiras,  rápidas  e  sem  difficuldades 
com  a  Africa  Central. 

Mas  aonde  é  que  hei  de  ir  buscar  pessoal  de  confiança  que  possa 
encarregar  de  fazer  negocio,  receber  e  despachar  cargas  e  a  correspon- 
dência de  uns  para  outros  pontos  ?  E  isso  que  me  tolhe  de  maior  desenvol- 
vimento. Lançar  mâo  de  ambaquistas  ?  E  impossível,  por  serem  elles  os 
maiores  ladroes,  ao  ponto  de,  quando  nos  nâo  queremos  deixar  roubar 
por  elles,  seduzirem  o  gentio  para  nos  roubar,  a  pretexto  de  um  nada, 
apparentando  para  comnosco,  e  principalmente  quando  nâo  conhecemos 
a  lingua,  o  maior  interesse  em  defesa  da  nossa  causa.  Creia  Y.  que 
nâo  estou  phantasiando,  cstou-lhe  expondo  com  franqueza  os  males  de 
que  tenho  sido  victima.  Isto  é  uma  gente  que  nâo  precisa  que  os  convi- 
dem a  acompanhar-nos,  porque  elles  sâo  os  próprios  a  encorporarem-se 
nas  nossas  comitivas;  sâo  elles  ainda  os  verdadeiros  ciganos  da  Africa, 
porque  em  toda  a  parte  se  encontram,  nâo  para  nos  auxiliar,  mas  para 
nos  crear  difliculdades.  Mas  também  teem  seu  préstimo.  Emquanto  aos 
carregadores,  já  se  poderiam  ter  pago  alguns,  se  estivesse  auctorisado, 
ou  por  outra,  habilitado  a  fazê-lo,  pois  alguns  teem  apparecido. 


84  EXPEDIÇÃO  POBTUQUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

N2o  acredite  Y.  que  pagando-os  d*aqai  para  um  ponto  qualquer  do 
interior,  que  lhe  é  fácil  poder  depois  obter  os  precisos  para  onde  quizer ; 
é  mister  conservar  os  que  teem  de  o  acompanhar  até  Mussumba,  e  ali 
depois,  fazer  com  elles  novo  ajuste,  quer  para  cá,  quer  para  o  norte, 
quer  para  o  sul,  quando  eUes  queiram  continuar  ao  serviço  de  Y.  É  por 
isso,  que  quero,  além  do  interesse  commercial,  estabelecer  a  estação 
commercial  na  margem  direita  do  Cuango,  porque  sendo  os  Ma-Chinjes 
um  povo  dócil,  desejo  costumal-os  a  transportarem  cargas  de  lá  para 
aqui,  e  de  lá  para  o  Caungula  e  Cassai ;  porque  do  outro  lado  do  Cassai  já 
estão  08  Tu-Chinlangues  que  se  prestam  ao  carreto  de  pequenas  cargas, 
por  ser  gente  muito  fraca,  mas  iguahnente  dócil. 

Muito  mais  longe  me  levaria  o  conteúdo  da  muito  apreciada  carta 
de  Y.  ,  mas  escasseia-me  o  tempo,  e  por  isso  me  reservo  para  quando 
Y.  chegar.  Todavia  ahi  ficam  os  principaes  pontos  que  offereço  á  apre- 
ciação de  Y.  para  d'elles  eolher  o  que  possa  julgar  aproveitável,  se  de 
aproveitável  achar  algimia  cousa. 

O  que  peço  a  Y.  é  que  não  leve  á  conta  de  abuso  da  sua  extrema 
bondade  o  ter-lhe  roubado,  com  tâo  estéril  massada,  o  mais  precioso  do 
seu  tempo.  No  mais,  creia  ao  seu  dispor  quem  com  toda  a  estima  e  con.- 
sideraç&o  se  subscreve — De  Y.    ,  etc.  =  Custodio  <7.  de  Sousa  Machado. 

Repetiam-se  as  visitas  e  os  affectuosos  comprimentos;  dese- 
javam-se  as  mais  felizes  horas  através  de  todo  esse  sertão  que 
Íamos  percorrer,  e,  com  satisfação  o  dizemos  aqui,  todos  mos- 
travam o  mais  vivo  interesse  em  que  obtivéssemos  resultados 
essencialmente  práticos. 

Urgia,  porém,  partir,  mas  não  o  devíamos  fazer  sem  dirigir 
a  S.  Ex.*  o  Ministro,  neste  momento,  um  olficio  por  intermédio 
do  governo  da  província,  dando  conta  de  que  a  Expedição  se- 
guia para  o  seu  destino. 

Esse  officio  é  o  seguinte: 

ni."®  e  Ex."°  Sr.  —  Que  poderei  eu  dizer  a  Y.  Ex.*  com  respeito  á  via- 
gem de  Lisboa  aLoanda,  que  não  seja  muito  conhecido?  No  emtanto,  pelo 
que  respeita  á  Expedição,  é  forçoso  confessar  que,  em  todos  os  portos 
ondiB  o  paquete  fundeou,  foram  bem  lisonjeiras  as  demonstrações  que 
tanto  eu  como  meu  collega  recebemos  das  auctoridades  superiores  e  de 
alguns  dos  seus  habitantes.  Estas  demonstrações,  bem  o  sabemos,  todas 
vão  recair  no  Ministro  que  levou  por  deante  um  projecto  que,  se  estava 
na  mente  de  muitos,  deve  a  elle  a  remoção  das  difficuldades  para  se  em- 
prehender  a  sua  realisação. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  85 

Na  noite  de  30  do  mez  passado  fundeámos  em  frente  doesta  cidade,  e 
pouco  depois,  pelos  cavalheiros  que  foram  a  bordo,  soubemos  ser  espe- 
rada a  Expedição,  sendo-nos  em  três  casas  particulares  offerecida  hos- 
pitalidade, que  nâo  pudemos  acceitar,  por  nos  ser  conveniente  tomar 
quartos  numa  hospedaria  próximo  á  Alfandega,  e  ser  preciso  também 
estarmos  um  pouco  isolados  para  continuarmos  os  trabalhos  prepara- 
tórios encetados  em  Lisboa. 

Desembarcámos  na  manhã  de  31,  e  nesse  dia  fomos  comprimentar, 
como  era  do  nosso  dever,  S.  Ex.»  o  Governador  Geral  da  provincia,  o 
qual  desde  logo  nos  dispensou  toda  a  coadjuvação  official  para  que  a  Ex- 
pedição não  encontrasse  diíficuldade,  nem  o  mais  pequeno  estorvo  nos 
seus  primeiros  passos  ao  dirigir-se  a  Malanje. 

Tendo  conhecimento  que  o  Missionário  A.  Castanheira  Nunes  enten- 
dia dever  propor  condições  para  se  lhe  garantir  um  futuro,  ou  á  sua  fa- 
milia,  caso  morresse  no  serviço  da  Expedição,  convidei-o  a  declarar-me 
qual  era  a  sua  definitiva  resolução.  Allegou :  a  sua  avançada  idade, 
longa  carreira  no  funccionalismo  doesta  provincia,  parte  em  pontos  mais 
ou  menos  internados,  em  que  prestara  serviços  que,  segundo  elle,  não 
tiveram  a  devida  remuneração ;  a  demora  na  confirmação  da  nomeação 
de  professor  da  escola  principal  doesta  cidade,  cargo  em  que  apenas  lhe 
faltavam  três  mezes  de  serviço  para  completar  o  prazo  em  que  por  lei 
lhe  deveria  ser  dada  a  aposentação;  o  receio  de  preterir  os  seus  direitos 
a  essa  aposentação  pelo  facto  de  acceitar  o  penoso  encargo  de  Missio- 
nário da  Expedição,  não  obstante  ser  esta,  por  certo,  commissão  por  elle 
reconhecida  de  máxima  importância  para  o  paiz ;  e  finalmente  o  sacri- 
fício dos  interesses  que  hoje  disfructa  em  Loanda,  onde  vive  com  a  com- 
modidade,  que  a  sua  idade  e  longa  permanência  em  Africa  requerem, 
e  que  não  era  compensado  pela  pequena  gratificação  mensal  que  lhe  fora 
arbitrada.  Foram  estas  as  principaes  razões  que  muito  influíram  no  seu 
animo,  para  ainda  que  a  seu  pesar,  deixar  de  fazer  parte  da  Expedição, 
a  não  ser  que  o  Governo  de  Sua  Magestade  se  dignasse  acceitar  as  con- 
dições que  elle  apresentava. 

Era  tarde — foi  a  minha  resposta.  E  não  devendo  nem  podendo  demorar 
a  Expedição,  que  não  posso  ainda  dizer  a  V.  Ex."  quando  sairá  de  Malanje, 
deliberei  partir  para  o  Dondo  no  vapor  da  companhia,  que  se  diz  deve 
largar  do  porto  amanhã,  aguardando  no  emtanto  quaesquer  determina- 
ções de  S.  Ex."  o  Governador  Geral. 

Pelas  cartas  que  hontem  recebi  do  negociante  Custodio  Machado,  de 
Malanje,  sei  que  a  Expedição  allemã,  sob  a  direcção  do  Tenente  R.  Wiss- 
mann,  tem  encontrado  ali  grandes  difficuldades  para  organisar  o  seu  pes- 
soal de  carregadores.  Verdade  é  que  ha  sempre  taes  difficuldades  quando 
se  trata  de  explorações  para  o  norte ;  e,  no  dizer  do  mesmo  negociante, 
parece  haver  toda  a  probabilidade  de  que  a  nossa  Expedição  seja  mais 


86  EXPEDIÇXO  PORTOGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

feliz,  porque  tanto  os  povos  de  Malanje  como  os  de  Sanza  e  Ambaca,  e 
carregadores  que  regressam  nesta  epocha  do  serviço  de  transporte  de 
Dondo  a  Cazengo,  se  prestam  a  ir  áa  terras  do  Muatiânvua,  onde  este 
e  outros,  seus  immediatos,  lhes  facilitam  a  ligação  com  mulheres  de  seus 
povoados  a  troco  de  presentes.  Essa  região,  na  linguagem  fluente  e  ele- 
gante do  Dr.  Max  BUchner  é  por  esse  facto  o  Eldorado  doestes  povoS)  e 
mui  principalmente  dos  interpretes  e  ambaquistas. 

Mas  nSo  obstante  esta  minha  bem  fundada  esperança,  repito,  nSo  me 
é  dado  por  emquanto  calcular  o  tempo  que  a  Expedição  se  demorará  em 
Malanje ;  e,  como  seja  certo  que  tenha  de  estacionar  antes  do  Cuaxigo, 
não  procurei  nesta  província  quem  quizesse  substituir  o  referido  líissio* 
nario,  aguardando  que  V.  £x.*  resolva  que  á  Expedição  venha  aggre- 
gar-se  o  sacerdote  que  cm  Lisboa  solicitara  de  V.  Ex."  fazer  parte  da 
mesma,  e  que  se  promptiíicava  a  residir  na  Estação  que  lhe  fosse  indi- 
cada, apenas  com  os  vencimentos  designados  pela  lei  que  creou  as  Esta- 
çues  Civilisadoras. 

Se  este  Missionário  já  não  encontrar  a  Expedição  em  Malanje,  tudo 
fica  prevenido  para  se  facilitar  o  seu  transporte  até  encontrá-la. 

Do  que  se  requisitiira  no  paquete  anterior  á  Direcção  das  obras  publi- 
cas d'e8ta  província  para  o  serviço  da  Expedição  apenas  se  conseguiu 
obter,  mandando-se-lhes  fazer  os  devidos  reparos,  barracas,  mesas  por- 
táteis, cinco  carabinas  Winchester  com  três  mil  cargas,  e  alguns  artigos 
para  a  secção  photographica. 

IS.  Ex.*  o  Governador  auctorisou  a  compra  de  camas,  redes,  macas,  can- 
tinas e  ainda  de  oito  bois  de  monta. 

Pelo  orçamento,  approvado  por  V.  Ex.»,  deviam  acompanhar-me  de 
Loanda  para  o  interior  mais  três  empregados  subalternos  europeus,  o 
que  importava  em  60;^000  róis  meusaes,  fora  rações;  porém,  tendo-se-me 
apresentado  aqui,  para  fazerem  parte  da  nossa  Expedição,  uns  trinta  in- 
dígenas, de  mim  conhecidos  por  haverem  trabalhado  sob  a  minha  direc- 
ção nas  construcçõ(ís  a  meu  cargo  quando  fíz  parte  das  obras  publicas 
nesta  cidade,  de  entre  ellcs  escolhi  doze  dos  mais  robustos,  e  com  aucto- 
risação  de  S.  Ex.*  o  Governador  foram  contratados  na  Administração  do 
concelho,  de  modo  que,  para  o  tempo  calculado,  dois  annos,  ha  uma  diffe- 
reuça  a  favor  de  126^5000  réis. 

Estes  homens  teem  famílias  em  Loanda,  estão  já  costumados  aos  usos 
europeus,  e  faliam  mais  ou  menos  portugucz ;  dois  d'elles,  os  mais  velhos, 
foram  carregadores  de  maxilas  durante  perto  de  quatro  annos  que  estive 
em  Loanda,  e  offerecem-nos  garantia  de  que  serão  bons  vigias  das  car- 
gas, que  hão  de  procurar  mais  agradar-nos  que  ao  gentio,  e  finalmente 
que  não  nos  abandonarão  com  receio  de  serem  deportados  para  Moçam- 
bique ou  para  a  Guiné. 

Além  disto,  como  não  é  possível  díspensarem-se  mais  que  trinta  sol- 


DESCBIPÇXO  DA  VUGEM  87 

dados  indígenas,  e  é  incerto  poder  obter- se  este  numero  entre  voluntários, 
aquelles,  armados  como  estes,  augmcntarão  a  nossa  força  policial  armada, 
e  assim  se  infundirá  mais  respeito  ao  gentio. 

Sobre  os  pombos -correios,  devo  dizer  a  V.  Ex."  que  chegaram  bem,  e 
que  deixo  nesta  cidade  quatro  casaes  para  dois  pombaes,  um  no  palácio 
do  Governo  e  outro  a  cargo  do  Director  das  obras  publicas,  a  quem  dei- 
xei as  competentes  instrucções.  Os  restantes  seis  são  para  o  pombal  em 
Malanje,  e  espero  que  o  negociante  Custodio  Machado  d^elle  tome  conta. 

Como  no  próximo  paquete  espero  cheguem  as  cargas  dos  diversos 
volumes  do  commercio  do  Porto,  que  não  chegaram  a  Lisboa  a  tempo  de 
virem  comnosco,  pedi  a  8.  Ex.*  o  Governador  se  dignasse  providenciar 
para  que  me  fossem  remettidos  para  Malanje. 

Nâo  tendo  sido  calculada  a  verba  a  dispender  com  transportes,  e 
variando  estes  de  concelho  para  concelho,  a  S.  Ex."  o  Governador  soli- 
citei que  elles  fossem  fornecidos  pelos  Chefes  e  pagas  as  despesas  pela 
Ex."*  Junta  de  Fazenda;  ao  que  S.  Ex.*  annuiu  promptamente,  estando 
aquella  prevenida  para,  sem  hesitação,  proporcionar  todos  os  meios  de 
que  lhe  é  dado  dispor  para  o  rápido  progresso  da  Expedição. 

A  Expedição,  devendo  partir  amanhã  para  o  interior,  despede-se  de 
y.  Ex.*,  fazendo  votos  para  que  lhe  seja  possível  corresponder  sempre  á 
confiança  que  V.  Ex.»  nella  depositou. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.*  Loanda,  9  de  julho  de  1884. —Hl.»*  e  Ex."®  Sr. 
Conselheiro  Ministro  e  Secretario  d'Estado  do»  Negócios  da  Marinha  e 
Ultramar.  =  O  chefe  da  expedição,  Henrique  Augusto  Dioê  de  Carvalho. 

Chegara  a  hora  de  embarcar  no  vapor  Serpa  Pinto,  que 
estava  atracado  ao  cães  da  companhia^  aguardando  os  passa- 
geiros e  recebendo  ainda  as  ultimas  cargas  da  Expedição. 

Nâo  nos  sendo  possível  acceitar  todos  os  convites  que  tive- 
mos, nem  tão  pouco  o  do  Governador  Ferreira  do  Amaral,  que 
demais  a  mais  era  commemorativo  do  seu  anniversario,  — faltas 
estas  que  só  podem  ser  attribuidas  ao  pouco  tempo  de  que  po- 
diamos  dispor,  —  aqui  consignámos  o  nosso  reconhecimento 
para  com  todos  os  que  nos  deram  tantos  testemunhos  de  defe- 
rência. 

Os  contratados  iam  comparecendo  a  pouco  e  pouco  no  cães, 
todos  mais  ou  menos  alegres,  e  dois  já  muito  embriagados,  o 
que  é  para  desculpar,  pois  entre  elles  e  seus  parentes  e  amigo 
se  travaram  durante  o  dia  acaloradas  discussões,  acerca  das 
probabilidades  do  regresso,   porque  os  perigos  eram  muitos 


88  EXPEDIÇXO  POnTDfiUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

noB  terras  do  gentio  bravo,  em  que  se  cortavam  ns  cabeças 
da  gente  e  se  comia  a  sua  carne.  Diziam-Ihes  também  que  o 
Major  os  fizera  soldados,  e  elles  agora  já  níío  podiam  largar 
a  praça  e  liaviam  de  ir  para  a  Guiné,  para  Moçambique,  oa 
para  onde  ello  qnizesse. 

Um  dos  embriagados  chorava  a  valer,  porque,  eegondn  elle, 
Ibe  haviam  roubado  a  roupa  que  comprara  para  a  TÍagem, 
que  a  tiuham  levado  para  o  Terreiro  Publico  e  este  estava 
agora  fechado ! 

Era  tâo  incomprchensivel  o  que  o  homem  dizia,  que  o  Chefe 
o  conveueeu  a  ir  deitar-se  para  bordo,  ficando  de  dar  provi- 
dencias no  dia  seguinte;   e  elle  foi,  certamente  sem  conscíen-   1 
cia  do  lugar  onde  estava,  e  lá  adormeceu. 

Dados  os  últimos  abraços  aos  amigos  que  nos  acompanha- 
ram,  entrámos  á  meia  noite  no  vapor,  onde  já,  sobre  a  tolda,  ' 
umas  camas  de  campanha  de  bastante  uso  e  cobertas  por  ordi- 
nários mosquiteiros  estavão  promptas ;  uctlas  nos  deitámos  fati-  J 
gados  das  fainas  do  dia,  acordando  de  madrugada  quando  o  I 
vapor  se  fazia  ao  largo  para  dar  volta  á  ilha,  pelo  norte,  ej 
seguir  o  sen  rumo  para  a  bocca  do  Cuanza. 


pesceipçao  da  viagem 


NO  CUANZA 


vapor  Serpa  Pinto,  visto  do 
exterior,  é  um  bonito  barco, 
tem  bom  andamento,  mas  infe- 
lizmente é  só  de  carga  e  sem 
condiçSes  que  o  recommendem 
para  navegar  numa  regiSo  tro- 
pical. 

Quando  se  argumenta  que  em 
cerca  de  quarenta  toras  este  va- 
por chega  ao  terminut  da  sua 
carreira  — Dondo —  e  que  uma 
noite  se  passa  bem,  responde- 
mos que  na  maior  parte  das  via- 
gens nilo  Buccede  assim;  mas 
ainda  que  succeda,  gastam-se 
lOjflOOOréis  por  dia,  o  que  é  carol 
Nos  vapores  da  companbia  do  Cuanza  aò  se  faz  distiacçSo 
de  duas  classes.  Ã  superior  díffere  da  inferior  em  a  primeira 
ter  comida  e  a  outra  nSo;  em  nos  offerecer,  para  nos  deitar- 
mos, as  taes  camas  de  campanha  sobre  o  convez,  emquanto 
que  na  inferior  serve  do  leito  o  próprio  convez;  em  propor- 
cionar uma  bacia  e  uma  toalha  para  os  passageiros  mais  abo- 
nados, e  aos  demais  apenas  uma  celha. 

For  taes  commodidades  paga  o  passageiro  de  primeira  classe 
10,9000  réis,  e  o  da  segunda  5,9000_réis  I 


^m^ 


90        EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÍNVUA 

Ora  devemos  confessar  que  tudo  isto  é  exhorbitante^  e  que 
se  por  qualquer  circumstancia;  o  que  succede  muitas  vezes^  a 
viagem  se  prolonga  até  cinco  ou  mais  diaS;  toma-se  um  mar- 
tyrio  para  os  passageiros  de  1/  classe  pelos  incommodos;  falta 
de  asseio  e  mau  passadio ;  e  para  os  da  inferior  pelo  que  ainda 
é  peor  —  a  fome! 

Commanda  o  vapor  António  de  Sousa  (vulgo,  Carapau)/ um 
d'estes  homens  que  indicam  logo  ser  o  que  nós  chamamos  — 
homem  do  mar,  e  que,  não  obstante  procurar  ser  agradável  aos 
passageiros,  tem  o  seu  feitio  especial —  um  homem  de  mar  com 
todas  as  suas  birras  e  preconceitos! 

NSo  é  d^aquelles  supersticiosos,  como  conhecemos  muitos,  e 
de  uma  devoção  provada  por  qualquer  imagem  em  que  se  re- 
presente uma  das  phases  de  provaçSo  da  mãe  de  Christo ;  mas 
por  isso  mesmo,  talvez,  é  pouco  condescendente,  e  muito  cioso 
no  seu  commando :  o  que  na  nossa  viagem  se  revelou  e  pelo 
que  mais  perdeu  a  Companhia  do  que  interessou,  como  eram 
os  seus  desejos. 

Os  contractados  em  Loanda,  aportando  o  vapor  na  Muxima, 
como  fossem  devotos  da  imagem  de  Nossa  Senhora  que  ahi  se 
venera,  traziam  já  de  Loanda  vassouras,  para  varrer  a  capella 
e  velas  de  cera  e  ainda  outras  cousas  para  depositarem  aos 
pés  d^aquella  tão  afamada  imagem,  implorando- lhe  uma  boa 
viagem  até  á  Mussumba  e  que  os  livrasse  de  perigos  e  grandes 
trabalhos,  e  pcrmittisse  que  regressassem  todos  com  saúde. 

Seria  apenas  uma  questão  de  meia  hora  de  demora,  por- 
que a  igreja  fica  próxima  ao  cães  a  que  o  vapor  atracou. 

Pois  o  capitão  não  annuiu  ao  pedido,  por  que  queria  adeantar 
a  carreira  com  receio  que  lhes  faltasse  agua  no  Dondo. 

A  questão,  repetimos,  era  apenas  de  meia  hora! 

O  vapor  seguiu,  e  meia  hora  depois  encalhou,  e  só  pôde  sa- 
far-se  passadas  três,  tomando  a  encalhar  na  manhã  seguinte, 
para  só  ao  sol  posto,  e  depois  de  muito  fatigada  a  tripulação, 
continuar  a  navegar. 

Mencionámos  este  facto,  porque  mais  tarde  teremos  de  fazer 
allúsão  a  elle. 


DESCBIPÇXO  DA  VIAGEM  91 

Passámos  a  barra  cerca  das  oito  horas  e  sem  que  o  sentís- 
semos, o  que  não  é  vulgar;  e  pouco  depois  entravamos  na 
enseada,  á  nossa  esquerda,  onde  estSo  fundeados  os  velhos 
vaípores  da  companhia. 

O  Cuanza  corre  neste  logar,  fazendo  grandes  curvas,  ora  para 
o  norte,  ora  para  o  sul,  e  perdendo  já  muito  da  sua  velocidade, 
porque  se  vae  estendendo  pelas  margens  entre  essa  prodigiosa 
vegetaçSo,  por  onde  passam  hoje  embarcaçSes  pequenas. 

E  é  assim  que  sobre  as  margens  e  nas  planícies  que  lhes 
ficam  próximas,  nas  epochas  das  seccas  fica  estagnada  muita 
agua,  que  não  pôde  ir  na  corrente,  formando-se  entSo  largas 
Buperfifiies  encharcadas,  d'onde  emanam  os  effluvios  paludosos 
que  tantas  vidas  teem  ceifado,  e  contra  os  quaes  não  se  teem 
empregado  ainda  as  grandes  obras  de  arte,  já  com  o  intuito  de 
melhorar  as  condições  de  salubridade  da  região,  já  com  o  fim 
de  conquistar  para  a  agricultura  muitos  hectares  de  magnifico 
solo  hoje  absolutamente  desaproveitados. 

A  regularisação  das  margens  do  rio  Cuanza  imp8e-se  como 
uma  das  obras  mais  necessárias  e  mais  productivas. 

Os  bongues  ^,  feitos  para  o  resguardo  das  plantaçSes  da  fa- 
zenda Santa  Cruz,  são  d^isto  uma  prova  bem  patente. 

Este  rio,  que  tem  sido  a  admiração  de  nacíonaes  e  estran- 
geiros pela  deslumbrante  vegetação  de  suas  margens  e  limpidez 
das  suas  aguas,  contribuiu  de  um  modo  importantissimo  para 
as  conquistas  em  Angola,  pois  por  elle  se  fazia  a  passagem  para 
Massangano,  sede  heróica  das  operações  militares,  e  onde 
ainda  se  conserva  como  monumento  essa  antiga  fortaleza  que 
domina  o  rio,  e  que  por  isso  mesmo  bem  digna  é  de  ser  con- 
servada para  ensinamento  ás  gerações  futuras. 

O  publicista  Dr.  Manuel  Ferreira  Ribeiro,  que  nos  últimos 
tempos  mais  tem  escripto  sobre  a  nossa  A&ica,  nos  seus  Estu- 
dos medico-tropicaes,  encarando  este  rio  sob  variados  aspectos, 
além   das   impressões  e  considerações  da  sua  especialidade, 


>  Defesas  feitas  de  terra  e  canniço  para  resguardo  dos  terrenos  mar- 
ginaes  onde  se  fizeram  plantações. 


EXPEDIÇÍO  POBTUOnEZA  AO  MUATIÂNVOA 

compendiou  tudo  quanta  d'elle  se  tem  escripto,  nEo  só  pelo 
que  reepeita  á  geographia  e  flora  das  suas  margens  e  á  sus 
navegação,  acompanlmnclo  as  suas  reflexSes  com  factos  histó- 


ricos que  se  acham  espalhados  em  diversas  obras,  roteiros 
deserípçSes  e  docuraentoa  officiaea,  mas  ainda  o  estudou  como 
via  eommercial*. 


1  AoB  que  se  iatereasoin  pelo  que  teinoa  em  Africs 
a  leitura  d'esta  interessante  publicatSo. 


UESCKlP^rAO  DA  VIAGUM 


O  Dr.  Ferreira  Ribeiro  descreve  o  rio  Cuanza  sob  a  impres- 
BHO  de  que  a  Expedição  doa  estudos  do  caminlio  de  ferro  de  Ara- 
baca,  do  que  fez  partL-  ciiuio  medico,  trabalhava  com  o  fito  do 
que  a  via  férrea  devia  partir  de  Oeiras,  com  o  que  a  linha 
fiuvíal  tudo  tinha  a  lucrar. 

Mas  hoje,  que  o  traçado  começou  de  Loauda,  Beguiudo-ae  um 
projecto  diverso  do  que  primitivamente  se  tinha  em  vista,  que 
aiosta  a  via  férrea  de»te  rio,  volveremoã  &  primitiva  navegação 
gentílica  em  canoas  de  um  eij  pau? 

Deixaremos  que  o  rÍo  se  entulhe  e  mais  ae  complique  0  re- 


I  de  Buas  aguas,  ou  que  estas  procurem  novas  saidos? 
1  grande  erro  sob  qualquer  ponto  de  vista,  princí- 
j  politico. 
uta  lembrar  que,  ainda  o  anno  passado,  era  uma  imprete- 
rível necessidade  que  todos  os  passageiros  do  vapor  da  ear- 
I  reira  se  armassem  e  fizessem  fogo  contra  o  gentio  da  margem 
esquerda  para  o  forçar  a  recuar,  arrependido  da  sua  ousadia 
em  atacar  as  embarcações  que  tinham  de  navegar  por  ali. 

Estando  fatalmente  condemnada  a  carreira  do  uavegaçâo 
a  vapor,  nBo  serão  as  pequenas  emliarcaçÕea  do  vela  ou  a 
remoa  que  poderão  resistir  ao  gentio  da  margem  esquerda,  e 


í  • 


94        EXPEDIçlO  POBTUOOEZA  AO  MUATIANVUA 

O  que  succederá  é  ficar  esse  gentio  senhor  do  rio,  e  d'ahi  os  ata- 
ques á  margem  opposta  e  ás  povoações  que  elle  banha. 

Voltaremos,  pois,  aos  antigos  tempos? 

E  quanto  não  nos  custará  depois,  se  quizermos  adquirir  o 
que  hoje  formos  perdendo? 

Nâo  será  só  dos  Quissamas  que  teremos  a  recear  agressões 
e  ataques  á  propriedade.  Os  Libolos  e  Baílundas,  mais  para 
leste,  aproveitarão  da  pilhagem,  porque  teem  contas  a  ajustar 
com  Bângalas  e  Bondos,  e  os  únicos  a  perder  seremos  nós, 
porque  os  indigenas  crêem  que  nas  casas  de  commercio  está 
depositada  maior  porção  de  pólvora,  armas  e  fazendas,  do  que 
na  realidade  ali  existe. 

Os  poderes  públicos,  de  certo,  pensarão  nas  providencias  a 
tomar  desde  já,  a  fim  de  se  evitarem  essas  grandes  e  novas 
complicações  na  futura  administração  da  provincia. 

É  preciso  pois  conservar  para  a  navegação  o  rio  Cuanza, 
melhorando-se-lhe  o  regimen,  e  fazendo  na  sua  barra  as  obras 
que  foram  recommendadas  pelo  distincto  engenheiro  Arnaldo 
de  Novaes. 

O  Dondo,  deixando  de  ser  o  entreposto  commercial  dos  sertões 
de  leste,  não  pode,  só  por  si,  nem  as  povoações  do  littoral,  cus- 
tear as  despesas  de  uma  companhia  de  navegação,  e  assim 
torna-se  indispensável  que  o  Governo  pense  já  em  estabelecer 
policia  naquelle  rio,  preparando  vapores  apropriados  que,  re- 
cebendo algumas  cargas  e  passageiros,  poderão  auferindo  recei- 
tas ao  menos  para  o  custeio  do  carvão,  servir  o  commercio, 
que  não  deixará  de  se  fazer  entre  o  Dondo  e  povos  vizinhos 
do  Libolo,  e  outros  sertanejos  e  os  agricultores  das  margens 
do  Cuanza. 

Deve  mesmo  tratar-se  da  exploração  do  carvão  de  Cambambe, 
e  aproveitar  se,  quando  mais  não  seja,  em  proporção  equi- 
valente ao  que  tenha  de  importar-sc  para  o  consumo  d^esses 
vapores.  E  ainda  mais  se  pode  diminuir  o  custeamento  da 
navegação,  quando  se  colloque  no  leito  do  rio  um  cabo  raetal- 
lico,  como  o  que  se  estabeleceu  no  nosso  Douro,  para  reboque 
dos  vapores,  do  que  resultará  uma  economia  de  25  por  cento 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  95 

na  despesa  do  carvão;  melhoramento  este  de  tão  grande  im- 
portância que,  ha  seis  annos;  houve  quem  pedisse  o  privile- 
gio; quando  pudesse  haver  um  accordo  com  a  actual  companhia 
do  Cuanza. 

Acreditámos  que  não  foi  bem  comprehendido  o  pedido,  por- 
quanto no  Douro  tem  o  referido  cabo  oflFerecido  vantagens  á 
navegação. 

Mas  prosigamos  na  nossa  viagem. 

O  vapor  Serpa  Pinto  não  se  demorou  em  Muxima,  como 
dissemos,  apesar  de  ahi  receber  um  passageiro  para  Massan- 
gano,  e  seguiu  para  o  Cunga,  onde  atracou  ao  cães,  permane- 
cendo ahi  por  algumas  horas. 

Aqui  éramos  esperados  por  João  Rebello,  antigo  agente  da 
casa  ingleza,  a  quem  conveiu  a  farda  de  capitão  de  segunda 
linha  para  incutir  mais  respeito  ao  gentio,  com  o  qual  tem  de 
lidar  diariamente. 

Rebello  tem  creado  nome  pelas  âuas  fructuosas  caçadas  ao 
jacaré,  que  elle  sabe  artisticamente  preparar  para  os  museus, 
devendo  nacionaes  e  estrangeiros  á  sua  amabilidade  os  exem- 
plares que  possuem. 

Os  contractados  de  Loanda,  em  razão  das  boas  e  antigas 
relações  do  chefe  da  Expedição  com  João  Rebello,  a  este 
se  lamentaram  da  contrariedade  que  sentiam  e  da  situação  em 
que  os  coUocára  o  commandante  do  vapor,  não  lhes  permittindo 
que  fossem  a  Muxima  levar  as  suas  offerendas  a  Nossa  Senhora. 
Sempre  de  coração  bondoso,  ouviu  com  attenção  a  queixa  dos 
pobres  rapazes,  e  immediatamente  se  promptiíicou  elle  mesmo 
a  ir  na  manhã  seguinte,  á  outra  banda  do  rio,  satisfazer  esse 
compromisso  religioso,  o  que  os  interessados  com  mostras.de 
intimo  regosijo  muito  agradeceram. 

E  de  passagem  seja-nos  permittido  observar,  posto  que  de 
simples  intuição,  que  entre  todos  os  povos,  mas  mais  espe- 
cialmente com  a  gente  da  raça  negra,  é  da  máxima  impor- 
tância, para  quem  carece  do  seu  auxilio  no  desempenho  de 
qualquer  empreza,  manter-lhe  sempre  o  espirito  num  certo 
grau  de  animação,  e  não  lhe  deixar  perder  a  força  moral  pois 


96  EXPEDIÇÃO  PORTDQUEZA  AO  UITATIINVUA 

que  do  coatrarío,  o  bom  êxito  d'eesa  empreza  pode  ficar  seria-' 
mente  compromettido. 

à  casa  que  Joiío  Rebello  dirige,  no  Ctumza,  é  uma  das  mais 
importauteB  da  companhia  ingleza,  Newton  &  Camigie,  e  todo 
o  seu  negocio  é  feito,  pode  dizer-se,  com  o  gentio. 


DKUCRIPÇAO  DA  VIAGEJl 


EM  MASSANGANO 


Seguindo  vJagDiu  fomoa  fundear  em 
frente  do  porto  de  Maasangano.  Pena- 
liaou-noa  deveras  o  estado  em  que  en- 
contrámoB  o  presidio  e  aqudia  villa  de 
Ijinta  nomeada,  enjoa  fiindamentoa  fo- 
ram lançados  em  1581  por 
Paulo  Dias  de  Novaes. 

Kra  ali  que  os  noasOB  va- 
lentes antepassados  iam  des- 
cansar das  fadigosas  corre- 
rias ao  gentio  e  sustentavam 
tom  as  armaa  na 
mito  a  defesa  de 
tilo     importante 

posto. 

Neate  ponto,  e 
([iiasi  por  favor 
da  administração 
provincial,  man- 
tem-se  um  che- 
fe do  vasto  con- 
celho   d'aquelle 
nome,    o    nove 
\  soldados  de  pri- 
ira  linha,  se 
tanto,   para  ga- 
rantirem a  nossa 
;  iiuctoridade  e  a 
'  nossa  soberania! 
A    curioaidado    e  tiediuuçào   dõ   nosso  collega  Sertório   de 
Aguiar,  se  deve  a  gravura  representando  a  parte  principal  da 


98        EXPEDIÇIO  PORTUOUEZA  AO  MUÁTIÂKynA 


povoaçllo  gentílica  e  um  baptisado  no  mato,  ceremonia  antíga 
em  todo  o  sertSo  onde  chega  a  alçada  dos  sacerdotes  n'elle 
espalhados. 

SSo  esplendidos  os  palmares  que  orlam  todo  o  rio  Lucala, 
principalmente  junto  á  sua  foz^  sendo  os  terrenos  ali  muito 
férteis. 

Uma  bem  dirigida  exploraçSo  das  minas  de  ferro,  que  abun- 
dam em  todos  estes  matos,  dava  a  receita  indispensável  para 
conservar  a  fortaleza,  ao  menos  como  monumento,  melhorar 
as  condiçSes  sanitárias  da  villa  e  o  seu  porto,  d'onde  outr'ora 
saiam  promptas  as  galés  para  a  policia  da  costa. 

Custa  a  crer  que  uma  regifto  tão  productiva  e  bellamente 
situada  entre  a  confluência  do  Cuanza  e  Lucala  chegasse  ao 
abatimento  em  que  hoje  se  vê*. 

De  certo,  os  seus  primeiros  povoadores  europeus  deviam  ter 
ahi  deixado  vestígios  da  sua  passagem !  Onde  estão  estes? 

O  emmaranhado  da  floresta,  onde  ha  em  verdade  arvores 
cujas  madeiras  teem  grande  valor ;  o  estado  lastimoso  da  po- 
voação, que  pouco  difFere  das  mais  selvagens  que  se  vêem 
pelo  sertão ;  a  falta  dos  recursos  mais  indispensáveis ;  a  vaga- 
bundagem do  povo,  tudo,  emfim,  nos  faz  suppor  que,  se  algum 
europeu  aqui  trabalhou,  toda  a  sua  obra,  toda  a  sua  influencia 
se  extinguiu.  E  certo,  comtudo,  que  num  rápido  exame  se  re- 
conhecem as  boas  condiçSes  naturaes  da  região  para  uma  pro- 
mettedora  empresa  extractiva. 

Como  centro  agrícola  e  como  ponto  estratégico  a  villa  de 
Massangano  pode  oíFerecer  as  mais  largas  vantagens  e  prestar 
os  melhores  serviços,  se  a  quizermos  aproveitar. 

Não  se  deve  esquecer,  porém,  que  o  seu  terreno  é  palustre 
e  que  a  natureza  tropical  domina  ali  como  soberana. 

Assim  cogitando,  encostados  á  amurada  do  vapor,  iamos 
vendo  desapparecer  á  nossa  vista  a  bandeira  portugueza,  que 
lá  estava  tremulando  acima  das  ameias  da  fortaleza. 


1  Á  confluência  de  dois  rios  chamam  os  indipenas  massangano  (ma- 
sagano);  é  portanto  d* aqui  que  vciu  o  nome  que  dêmos  ao  concelho. 


DESCIlIPçXo  DA  VIAGEM 


pocha  era  das  penres  para 
navegar  a  vapor  no  Cuanza, 
porque  O  rio  levava  poucas 
a^iias  c  estávamos  arriscadoa  a 
não  aporlar  ao  Doudo.  Ob  en- 
(■alliea  que  se  repetiam  e  ob 
r''eL'ios  de  outros  fizeram  atra- 
car o  andaniontii  do  barco,  e 
pur  isso  a  custo  se  conseguiu 
c-liegar  áquelle  porto  no  dia  IT), 
ik^poia  de  já  estir  de  todo  cer- 
_  ^  rada  a  noite,  quando  com  rae- 
\T^  Ihor  tempo  tor-Be-ia  fimdeado 
no  dia  12. 

Na  madrugada  de  16,  o  representnnte  da  firma  Bensaudo 
&  C*  vciu  a  bordo  buscar-nos  para  sua  casa;  e  pava  os  seus 
esplendidos  urmazc-us  foram  conduzidas  as  caritas  sob  a  vigi- 
^  Uacia  dos  contracCailos. 

A  Expedição  aproveita  o  ensejo  para  declarar  que  encontrou 
I  «empre  o  mais  fraueo  auxilio  nesta  casa,  quer  em  Lisboa,  quer 
I  Loauda  c  no  Dfmdn.  Pelas  recommendaçSefl  do  Sr,  Abra- 
I  hani  Bensaude  foi  tratada  de  uma  forma  que  nunca  poderemos 
r  esquecer,  não  8(5  nos  casos  em  que  foi  prociao  recorrer  no  seu 
*  eredíto,  maa  ainda  quando  cila  se  utilÍBou  da  sua  rasgada  hos- 
f  pitalidade. 


100       EXPEDIçlO  POBTUOUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

A  Expedição  tratou  logo  de  aproveitar  o  tempo  em  relacio- 
nar tudo  que  existia^  e  reduzir  os  volumes  ás  proporções  con- 
venientes para  poderem  ser  transportados  pelos  carregadores ; 
e,  ao  mesmo  tempo,  ia  fazendo  distribuição  de  armamento^  cor- 
reame, muniçSeS;  instrumentos,  utensilios,  e  arejando  as  boas 
roupas  que  levava  para  presentes. 

No  emtanto,  fazia-se  ahi  acquisiçlo  de  contaria,  missangas, 
sal  e  outros  artigos,  julgados  indispensáveis  para  quem  viaja 
entre  o  gentio. 

Havia-nos  encarregado  o  sr.  Eduardo  Augusto  dos  Santos, 
negociante  da  cidade  do  Porto,  de  tornarmos  conhecido  o  seu 
vinho  coníiando-nos,  doze  caixas,  para  ensaio.  A  um  acredi- 
tado negociante  nesta  villa  o  entregámos  para  tal  fim  pelo 
preço  da  factura. 

E  certo  que  saindo  elle  á  razão  de  400  réis  cada  garrafa, 
pouco  mais  ou  menos,  se  vendeu  na  mesma  noite  a  razSo  de 
1^000  réis,  e  quem  o  provava  achava-o  excellente,  afiançan- 
do-nos  alguns  negociantes  que  d^elle  mandariam  vir  maior 
porção. 

Era  mais  imi  encargo  do  commercio  do  Porto  de  que  nos 
desobrigávamos,  e  segundo  nos  pareceu  com  bons  auspicies. 

Não  nos  podia  passar  indifferente  o  movimento  commercial 
do  Dondo  e  por  isso  lhe  prestávamos  toda  a  nossa  attenção. 

Estava  animado  o  commercio,  com  respeito  ás  boas  colhei- 
tas de  café  de  Cazengo,  muito  do  qual  tinha  estado  armaze- 
nado nas  fazendas  dois  e  três  annos,  e  aproveitava-se  a  aíHuencia 
de  carregadores  que  appareeia  nesta  quadra,  sendo  conve- 
nientissimo  manter-se  até  onde  fosse  possivel  essa  affluencia. 
Não  podíamos,  pois,  esperar  o  retorno  d'estes  para  nos  inter- 
narmos. 

Mas  como  a  corrente  principal  era  para  Cazengo,  e  ao  com- 
mercio convinha  aproveitar  os  retornos  para  ali,  cedeu-nos  as 
suas  comitivas  para  não  voltarem  sem  cargas ;  e,  logo  que  d^isto 
nos  inteirámos,  telegraphámos  para  o  nosso  antigo  amigo  e 
camarada,  o  chefe  de  Cazengo  em  Caculo,  actualmente  Major 
em  Loanda,   commandante  de  um  dos  corpos  de  caçadores, 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  101 

Lourenço  Justiniano  Padrel,  perguntando-lhe  se  seria  possível 
angariar  ali  carregadores  para  Malanje^  e  elle  immediatamente 
nos  deu  uma  resposta  favorável  e  ofFereceu-nos  hospitalidade 
em  sua  casa. 

Fácil  foi  encontrarmos  um  negociante  que  se  encarregasse 
de  enviar  todas  as  cargas  para  Cazengo. 

A  este  tempo  appareceu-nos  uma  comitiva  de  trinta  e  um  car- 
regadores, gente  do  Lombe,  que  devia  regressar  a  Malanje  sem 
fretes,  e  por  isso  os  contractámos  para  o  pessoal,  bagagens  e 
cargas  mais  indispensáveis,  devendo-nos  transportar  directa- 
mente a  Caculo  e  d^ahi  a  Ambaca,  Pungo  Andongo  e  Malanje. 

O  seu  contracto  foi  de  duas  peças  de  fazenda  e  500  réis  em 
cada  uma  doestas  localidades  para  rações,  contracto  que  foi 
feito  perante  o  Administrador  do  concelho. 

Devidamente  armados  os  nossos  contractados,  como  os  leito- 
res vêem  na  gravura  que  apresentámos,  e  prompto  para  mar- 
char o  pessoal  superior,  fixou-se  o  dia  21  de  madrugada  para 
a  partida. 

Passávamos  pela  primeira  vez  no  Dondo,  mas  não  nos  era 
estranha  a  historia  da  sua  fundação,  e  as  condições  do  seu  de- 
senvolvimento commercial,  e  por  isso  diremos  agora  algumas 
palavras  a  respeito  da  localidade,  reservando-nos  para  no  re- 
gresso a  examinarmos  mais  detidamente. 

A  villa  do  Dondo  situada  na  margem  direita  do  Cuanza  entre 
9^  4'  de  lat.  S.  do  equador  e  14^  31',  36"  E.  de  Greenwich, 
numa  altitude  de  93™,  7  é  limitada  pelos  rios  Cuanza,  Mucozo 
e  riacho  Capacala.  Tem  contra  si  o  estar  assente  numa  depres- 
são insalubre,  abafada  pelas  serras  que  lhe  impedem  a  neces- 
sária ventilação,  c  principalmente  pelos  elevados  morros,  que 
a  limitam  a  leste;  é  porém  um  empório  do  commercio  do 
interior,  e  se  muitas  victimas  de  abnegação  e  de  trabalho  ja- 
zem no  seu  formoso  cemitério,  é  certo  que  alguns  mais  felizes 
nella  fizeram  as  suas  fortunas. 

A  qucstiío  principal  para  quem  tem  de  ali  viver  é  manter 
um  bom  regimen,  melhorando-se  também  as  condições  sani- 
tárias da  povoação ;  e  a  estas  de  ha  muito  que  se  está  atten- 


102       EXPEDIÇÃO  POETUGUEZA  AO  MUATIÍNVUA 

dendo,  devido  aos  esforços  do  hábil  facultativo  Laiz  Fernando 
Collaço^  que  todos  aqui  reputam  como  benemérito. 

E  tão  importante  o  numero  de  casas  commerciaeS;  que  hoje 
aqui  existe,  que  as  antigas  filiaes  do  commercio  de  Loanda  teem 
retirado.  Se  bem  nos  recorda,  actualmente  continuam  .apenas 
a  casa  ingleza  e  duas  portuguezas. 

As  actuaes  casas  commerciaes  fomecem-se  directamente  da 
metrópole,  sendo  certo  que  os  seus  géneros,  apesar  das  des- 
pesas com  que  relativamente  estão  onerados,  se  vendem  ao 
publico  por  preços  muito  mais  razoáveis,  e  ha,  por  isso,  toda 
a  vantagem  para  o  commercio  do  sertão  em  fornecer-se  d'esta 
praça,  de  preferencia  á  de  Loanda. 

A  povoação  do  Dondo  é  um  mixto  de  gente,  vinda  de  diver- 
sos pontos  da  província,  e  de  fora  d'ella,  que  teem  constituido 
senzalas  nas  proximidades  dá  villa,  seguindo  a  affluencia  do 
commercio,  uns  na  idéa  de  participarem  d'e8sa  affluencia  pelo 
trabalho,  q  outros  unicamente  com  o  fim  de  se  approximarem 
das  estradas  que  conduzem  para  o  interior,  c  de  se  locuple- 
tarem  pelos  roubos  que  com  qualquer  pretexto  possam  fazer. 

Além  do  europeu  de  differentes  proveniências  portuguezas, 
de  mais  ou  menos  longa  residência  aqui  e  por  isso  mesmo  mais 
ou  menos  pallido  e  enfezado  pela  acção  mórbida  do  clima,  en- 
contra-se  o  africano  com  todos  os  tons  da  côr  negra,  desde  o 
preto  retinto  até  ao  menos  carregado,  e  ainda  os  mestiços 
até  ao  pardo  mais  claro.  A  aeçao  deletéria  do  clima  tem  influen- 
cia igualmente  em  todos  e  até  nos  próprios  indigenas,  porque 
as  vidas  são  de  curta  duração,  e  as  creanças  dão  imi  contin- 
gente importante  para  a  mortalidade,  podendo  calcular-se  em 
60  por  cento! 

Este  facto  registámos  nós  em  diversos  pontos  da  região  que 
atravessámos. 

Mas  como  não  ha  de  ser  assim? 

A  alimentação  das  mães  é  o  mais  parca  que  é  possivel,  co- 
mendo somente  em  dias  successivos  infunde,  que  embebem  em 
agua  fervida  cora  sal,  pimentinhas,  ou  com  um  pouco  de  azeite 
de  palma  e  folhas  de  plantas  esculentas,  se  as  teem;  chegam 


DESCRIPÇXO  DA  VUGEH  103 

mesmo  a  passar  dias,  chuchando  apenas  pedaços  de  canna 
saccharina,  comendo  jinguba  crua  ou  mandioca  fervida  em 
agua  e  sal,  ou  uma  maçaroca  de  milho  assada! 

São  dias  de  festa  aquelles  em  que  alcançam  um  bocado  de 
peixe  seco,  de  carne  podre,  ou  mesmo  lagartas  das  arvores! 

E,  com  tao  escassa  alimentaçíCo,  ellas  ahi  vão  para  o  ser- 
viço das  lavras  ou  de  transportes,  ou  de  cortes  de  lenha,  (tendo 
este  de  ser  diário,  embora  se  hajam  empregado  naquelles), 
com  as  creanças  escarranchadas  na  cintura,  seguras  por  uma 
tira  de  panno  que  amarram  á  frente,  expostas  ao  sol,  andando- 
Ihes  a  cabeça  num  vaevem  continuado. 

O  leite  da  raile  resente-se  de  tudo  isto.  É  uma  aguadilha, 
sem  qualidades  nutritivas  e  em  tão  pequena  quantidade  as 
mais  das  vezes,  que  ella  tem  necessidade  de  o  supprir  suffo- 
eando  a  creança,  de  quando  em  quando,  com  bolas  de  infunde! 

Se  juntarmos  a  isso  a  vivenda,  essa  palhoça  immunda  que 
geralmente  construem,  se  não  á  beira  de  rios  ou  riachos,  junto 
a  poças  de  agua  fétida,  de  que  bebem,  não  é  para  estranhar 
que  os  que  escapam  na  infância  com  muita  difficuldade  pos- 
sam exceder  os  quarenta  annos,  e  que  nelles  predomine  a  in- 
dolência, que  é  um  predicado  do  indigena  africano,  porque 
a  ereançii  até  quatro  e  cinco  annos  dorme  no  solo  junto  i  fo- 
gueira, passando  d^ahi  para  as  costas  da  mãe;  e  a  sua  ali- 
mentação, durante  esse  tempo,  é  insufficientissima  e  sempre  a 
mesma. 

Em  todo  o  nosso  percurso  notámos  que  apenas  se  destacam 
d'esta  educação  primitiva  as  mães  que  servem  desde  creanças 
algum  europeu,  ou  serviram  em  outro  tempo  como  escravas. 

Quando  tratarmos  dos  usos  e  costumes  dos  povos  com  quem 
convivemos  no  interior,  encontraremos  tudo  quanto  se  nota 
entre  esta  mistura  de  povos  que  rodeia  o  Dondo,  e  que  o  con- 
tacto durante  grande  numero  de  annos  com  uma  população 
europea  já  importante  não  tem  sido  suíiiciente  para  modificar. 

O  augmento  da  população  indigena  no  Dondo  é  devido,  por- 
tanto, ás  correntes  de  immigrantes  que  para  aqui  vêem  e  não  á 
soa  propagação,  e  são  estas  correntes  que  nos  trazem  diale- 


104  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

ctos  diversos  que  mais  difficultam  a  lingua^  que  se  denomina 
ambunda,  e  que  depois  soffre  alterações  devidas  ao  contacto 
com  os  europeus. 

Predomina,  é  verdade,  o  dialecto  mais  do  interior,  e  é  indu- 
bitável que  a  sua  grammatica  tem  soffrido  pequenas  modifica- 
ções. 

São  os  vocábulos  novos,  que  de  lá  vêem,  que  vão  fazendo 
esquecer  os  de  antigo  uso,  e  por  isso  ninguém  como  os  portu- 
guezes,  que  teem  residido  em  Angola,  poderá  hoje  fazer  um 
estudo  comparativo  da  lingua  ambunda,  que  se  fallava  nos  sé- 
culos xvn  e  xvni,  com  a  actual,  de  onde  concluiremos  que  a 
lingua  que  se  falia  no  litoral  até  ao  Dondo  é  já  mixta. 

A  facilidade,  com  que  o  indígena  africano  —  a  que  propria- 
mente chamámos  gentio  —  muda  de  uma  para  outra  localidade, 
tem  por  causas  principaes  a  falta  de  culturas  que  o  prendam  á 
terra  e  o  desconhecimento  de  todos  os  deveres  sociaes.  Estas 
mudanças,  se  por  um  lado  augmeutam  a  população  de  uma 
determinada  localidade,  também  lhes  dão  decréscimos  em  ou- 
tras, e  por  isso  os  recenseamentos  no  sertSo  só  se  podem  fazer 
com  alguma  probabilidade  na  população  das  sedes  dos  con- 
celhos. 

Ainda  assim  havia  uma  população  ambulante,  principalmente 
na  villa,  devida  á  epocha  de  maior  affluencia  do  commercio, 
que  muito  altera  os  algarismos  em  que  se  fixam  os  habitantes, 
quando  podem  ser  apurados. 

Nesta  occasião  calculou-se  haver  4:000  pessoas  na  sede  do 
concelho;  mas  pelo  que  observámos,  pareceu-nos  muito  maior 
o  seu  numero.  Acreditando,  porém,  no  calculo,  e  sendo  a  média 
da  mortalidade  por  anno,  em  circumstancias  normaes,  de  20 
por  cento,  é  este  um  quadro  desanimador  e  que  reclama  muita 
attenção  tanto  no  que  respeita  ao  saneamento  como  ao  cum- 
primento das  medidas  de  hygieue  publica. 

Para  nós  a  existência  de  um  foco  insalubre,  como  o  Dondo, 
representa  a  desigualdade  da  lucta,  que  se  sustenta  em  toda  a 
parte  entre  as  influencias  mórbidas  locaes  e  as  condições  de 
resistência  da  população. 


DESCKIPÇXo  DA  VIAGEM  105 

No  empenho  de  preservar  a  povoação  das  influencias  miaBma- 
ticas,  tem-se  toraado  diatincto  o  honrado  Dr.  Luiz  CoUaço,  que 
á  pratica  de  um  bom  medico  reúne  o  poderoso  auxilio  da  Ca- 
mará Municipal,  de  que  faz  parte. 

O  impulso  dado  ás  obras  publicas  pela  fecunda  ExpediçiLo 
de  1877  chegara  até  aqui,  c  no  seu  segundo  anno,  encontraram 
que  fazer,  no  primeiro  lanço  da  estrada  d'eBta  villa  para  Ca- 
zcngo,  mais  de  60(1  trabalhadores  indígenas.  Por  uma  economia 


mal  entendida  foi  rcduEÍda  a  dotaçlo  para  obras  publicas,  e 
tiveram  de  ser  suspensos  este  e  outros  melhoramentos  em 
execução, 

O  Dr,  Luiz  Collaço,  eleito  Presidente  da  Camará,  aproveitou 
a  occastUo,  chamando  a  si  os  iodigenas  já  habituados  a  este 
serviço,  c  quo  se  acostumaram  a  occorrer  a  necessidades  crea- 
das  pelo  lucro  do  trabalho  voluntário,  e,  auxiliando-se  de  dois 
artistas  europeus,  cmprehendeu  melhoramentos  de  grande  im- 
portância para  a  villa,  que  è  a  sua  scguúda  pátria. 


106 


BXPBDIÇZO  FOBTUQCSSA  AO  HUATIÂItVUA 


Deixemos  o  prestante  cidadão  dedicando-se  a  estes  melho- 
ramentos, de  que  teremos  de  fallar  mais  tarde,  e,  a^ra  que 
vamos  partir  para  o  interior,  aproveitemos  a  occaaiSo  de  consi- 
gnar  quanto  reconhecida  lhe  fícou  a  Expedição  pela  imponente 
despedida  que  lhe  preparou. 

Enthasiastaa  todoa  pelos  resultados  da  nossa  missão,  oxalá 
elles  encontrem  motivos  para  applaudlr  os  dobsos  esforços. 

Nesta  festa,  a  que  assistiram  amigos  selectos,  nSo  podemos 
deixar  de  mencionar  a  presença  de  um  joven  mas  já  acredi- 
tado negociante,  o  Sr.  Marcus  Zagury,  sócio  da  firma  Lara  & 
C.*,  que  nos  offereceu  hospitalidade  na  casa  da  mesma  6rnu 
em  Pungo  Andongo. 


VIAGEM  PARA  CAZENGO 


ova  ordem  de  cuidados  c  du 

responiabilidadea  se  nos  npre- 

Heiita\a  agora;  c  por  isso  nSo 

admira  que    aiuda  de  noite  já 

n  i  xjjed  Ç  i    esttvease  em  mo- 

1  viURiito    disjtondo-sc  tudo  de 

,  iiindo   a  pndE,r-8c  encontrar  á 

luSo,    e   devidamente   acondi- 

^  Lionado    u  que  fosse  indispcn- 

bavel  durante  a  viagem. 

Rimptu    )  dia  21  de  junho, 
e  unt(  8  daa  sete  honis  da  ma- 
n)i?ljá  as  Ljnietas  e  tambores 
estjtvam  no  largo  da  villa  dando 
o  situai  de  marcha. 
das  cargas  vae  formando,  e  no  emtanto  vem 
chegando  o  Chefe  do  concelho,  e  alguus  amigos  que  nos  querem 
honrar  com  a  sua  companhia  até  tora  da  villa. 
E  a  hora. 

O  porta-bandcira  lá  vae  para  a  frente,  e  seguem-no  os  cor- 
netas e  tambores  que,  tocando  uma  marcha  em  ordinário,  in- 
fluem tanto  no  animo  dos  carregadores,  que  estes  vão  levan- 
tando as  cargas  e  seguindo,  sem  que  seja  preciso  dizer-lliea  que 


1 10  EXPEDIÇÃO  POBTDGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

tiras  tNlgadas  de  um  palmo  de  compridO;  de  que  filemos,  nk^am 
fornecimento  por  xuxm  macuta,  30  réis  ca^A  uma,'^  tiunimi  a 
troco  de  feijão. 

Examinando  a  casa  por  dentrO;  vimos  estirado  no  solo  um 
europeu  esfarrapado,  magro,  de  cor  macillenta,  com  os.  pés  em 
miserável  estado,  cheios  de  feridas,  resultado  do  m abundo, 
PtUex  penetrans.  Surprehendeu-nos  e  confrangeu-npç  p  seu 
estado,  sobretudo  quando  nos  disse  que  era  soldado  do  bata- 
lh?Ío  de  caçadores  de  Ambaca,  de  onde  partira,  bavia  cinco 
dias,  para  recolher  ao  hospital  em  Loanda! 

A  ignorância,  ou  antes  o  modo  brutal  de  extrahir  aquelle 
parasita,  e  "b  falta  de  asseio  teem  sido  causa  de  que  muitos 
estejam  hoje  sem  dedos  nos  pés,  sendo  este  desgraçado  um 
triste  exemplo  de  tal  desleixo.  Desde  o  dia  16  que  estava  em 
marcha  e  sem  recursos  alimentícios,  e  ia  colhendo  aqui  e 
acolá  o  que  lhe  dessem  ou  o  que  podia  furtar. 

São  duas  horas  e  meia  da  tarde.  O  sol  queima,  mas  é  for- 
çoso seguir  a  ver  se  conseguimos  passar  o  Lucala  ainda  de  dia. 

Alcgra-nos  ver  um  caminho  largo  e  direito  deante  de  nós, 
de  bom  piso  e  limpo  de  capim,  e  por  isso  caminhámos  a  pé. 

Os  carregadores  vão  contentes,  porque  se  animaram  com 
uma  porção  de  aguardente,  que  se  comprou  a  titulo  de  mata- 
bicho  —  o  único  estimulo,  que  por  cmquanto  nos  dá  a  conhecer 
a  actividade  doesta  gente ! 

Apesar  de  ter  sido  rápida  a  marcha,  só  ao  sol  posto  chegá- 
mos á  margem  do  Mucozo,  e  por  isso  achámos  mais  prudente 
não  passar  este  rio  de  noite.  Além  d'isso,  ao  lado  da  estrada 
encontrámos,  acampadas,  comitivas  de  cargas  que  chegavam 
de  diversos  pontos,  e  seria  arriscar-nos  a  uma  desobediência 
querer  obrigar  a  nossa  gente  a  seguir. 

E  sempre  bom  evitar  desobediências,  principalmente  no  pri- 
meiro dia  de  jornada;  e,  depois,  diga-se  a  verdade,  tinhamos 
já  andado  bastante. 

Acampámos  á  beira  da  estrada,  afastados  das  outras  comi- 
tivas, ficando  uma  grande  praça  entre  nós  e  a  casa  dos  Móveis, 
e  outras  que  constituem  aqui  uma  pequena  povoação. 


*  t 

'•A 

». 


,* 


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'i 


DESCRIPÇJO  DA  VIAGEM  111 

Chegou  a  nossa  gente  ainda  a  tempo  de  encontrar  nessa 
praça  algumas  mulheres  feirando  garapas^  peixe  seceo,  fari- 
nhas^ jinguba  e  outros  mantimentos^  de  que  fez  acquisiçSo 
para  a  ceia. 

E  este  um  ponto  de  muita  passagem  do  commercio;  e^ 
por  isso  se  justifica  a  escolha  do  local^  ao  pé  de  um  rio,  para 
descanso  das  caravanas  e  incentivo  áquella  feira  diária. 

Como  não  trouxéssemos  as  barracas,  porque  contávamos  dor- 
mir naquelle  dia  em  Caculo,  mandámos  armar  as  nossas  camas 
junto  a  duas  grandes  e  frondosas  arvores  e  protegemo-las  com 
os  tampos  das  redes. 

Estávamos  dispondo  as  nossas  cousas,  porque  a  claridade  do 
dia  ia  desapparecendo,  quando  se  avizinhou  de  nós  um  amba- 
quista,  soldado  movei,  offerecendo-nos  os  seus  serviços — cer- 
tamente dar -nos  um  quarto  na  patrulha;  mas  querendo  mos- 
trar que  sabia  portuguez  ás  direitas,  a  tudo  nos  respondia :  pois 
não!  é  verdade!  e  nSio  houve  meio  de  obtermos  outra  resposta 
ás  nossas  interrogações! 

Agradecemos  a  sua  attençílo,  e  tratámos  de  jantar  ao  clarSo 
das  fogueiras  do  acampamento.  A  sopa  foi  o  ultimo  prato, 
porque  levou  mais  tempo  a  arranjar;  o  que  nílo  foi  fora  de 
propósito,  porque  nos  aqueceu  o  estômago,  do  que  bem  preci- 
sávamos, e  deixou-nos  aptos  a  resistir  á  cacimba  da  noite, 
que  era  espessa,  e  através  da  qual,  em  redor  e  a  grandes  dis- 
tancias, víamos  ainda  assim  sobre  as  abas  e  cumes  das  serras 
os  enormes  clarões  das  queimadas. 

Era  a  primeira  noite  que  iamos  dormir  ao  ar  livre,  em  logar 
para  nós  inteiramente  desconhecido,  e  rodeados  de  indigenas 
que  nos  serviam  apenas  durante  uma  marcha,  e  mais  além  de 
um  grande  numero  d^elles  que  nos  eram  absolutamente  es- 
tranhos. 

Cada  um  tratou  de  embrulhar-se  numa  manta,  deitando-se 
sobre  a  sua  cama,  de  carabina  ao  lado,  alumiado  pelas  fogueiras 
dos  diversos  acampamentos,  e  pouco  e  pouco  se  deixou  apo- 
derar de  somno,  sob  a  impressão  estranha  e  desagradável  da 
vozearia  d'essa  gente  que  o  rodeava. 


:   ♦ 
>  i 


-f. 


I  ,  112       EXPEDIÇXO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÁNVUA 

íi  

\  \  Ao  romper  da  madrugada  é  a  corneta  qae  nos  desperta,  e 

V   *  num  prompto,  emquanto  se  enrolam  camas  e  tudo  se  dispõe 

para  a  marcha,  o  cozinheiro  arranja-nos  uma  chávena  de  café 
que,  com  a  respectiva  dose  de  sulphato  de  quinina,  faz  parte 
dos  nossos  preservativos  nessas  longas  e  fatigantes  marchas. 
Arrancar  os  carregadores  do  conchego  da  fogueira  nas  ma- 
drugadas de  maio  a  agosto  é  uma  lucta,  e  por  isso  nào  é  para 
H  estranhar  que  em  junho  as  marchas  se  principiem  ás  sete  horas 

e  quasi  sempre  depois,  quando  o  sol  já  é  insupportavel. 

O  rio  Mucozo,  que  na  epocha  das  grandes  chuvas  é  de  cor- 
rente bastante  caudalosa,  seguindo  com  uma  velocidade  su- 
*.  perior  a  10  milhas  por  hora  e  interrompendo  por  vezes  a 

.  tt    r  communicação  para  Massangano  e  Cazengo,  é  nesta  quadra  va- 

I  ^    w  diavel,  porque  traz  pouca  agua. 

(  As  bordas  d'este  rio  são  escarpadas,  e  cobertas  de  densas 

florestas  de  arvores  de  grande  porte.  Parece  que  a  natureza 
se  encarregou  de  dispor  as  cousas  de  modo  que  as  aguas  do 
rio,  nas  grandes  cheias,  se  não  disseminassem  e  fossem  formar 
largos  pântanos,  o  que  está  lembrando  ao  homem  que  lance 
m2Lo  dos  recursos  que  ella  lhe  proporciona  para  estabelecer 
|1  sobre  as  suas  margens  uma  ponte  de  passagem. 

Y'  Custa  a  crer  que,  sendo  este  o  caminho  mais  importante  pela 

affluencia  do  commercio  para  os  concelhos  agrícolas,  nao  se 
tenha  attendido  á  satisfação  de  tão  impreterível  necessidade,  já 
de  ha  muitos  annos  reconhecida. 

Provámos  da  agua,  que  na  occasiâo  era  boa,  o  que  de 
certo  não  succederá  na  epocha  das  chuvas,  por  causa  da  quan- 
tidade de  barro  que  an^asta  na  sua  corrente. 

Effectuámos  a  passagem  mais  depressa  do  que  esperáva- 
mos, e  seguimos  para  o  Lucala. 

A  descida  para  este  rio  é  feita  também  á  custa  do  trabalho 
das  aguas  phiviaes,  as  quaes,  denudando  as  encostas  alcanti- 
ladas, deixaram  a  descoberto  bancadas  de  rocha,  em  que  se 
p  distinguem  indicies  de  minérios  de  ferro  e  de  cobre ;  e  torna-se 

difficultoso  descer  em  razão  das  quebradas  e  barrancos  que 
vão  augmentando  de  anno  para  anno. 


1 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  113 

Mais  a  8uly  sob  a  direcção  do  antigo  conductor  das  obras 
publicas  Romano,  trabalhava  uma  secção,  preparando  o  ter- 
reno em  que  se  devia  lançar  a  ponte  projjectada;  e  esperava- 
se  pelo  Governador  Ferreira  do  Amaral  para  a  collocação  da 
primeira  pedra  *. 

Effectuámos  a  passagem  do  rio  em  uma  canoa  gentilica, 
escavação  rudimentar  feita  num  bom  tronco  de  mafumeira, 
trabalho  em  que  também  se  utilisam  outras  arvores  que  tcem 
as  condições  apropriadas. 

São  uns  berços  que  se  desequilibram  ao  mais  pequeno  movi- 
mento e  se  voltam  com  muita  facilidade. 

Com  muita  gritaria  e  trambolhão,  e  mesmo  com  alguns  so- 
papos e  mergulhos  á  mistura,  se  effectuou  a  passagem  sem  que^ 
felizmente,  se  molhassem  as  cargas,  o  que  de  veras  receávamos. 

Desde  que  um  honrado  Governador,  José  Maria  da  Ponte  e 
Horta,  extinguiu  os  dizimes  para  pôr  cobro  ás  extorsões  e  vio- 
lências a  que  davam  azo,  o  porto  foi  considerado  pertença  do 
soba  Cabouco,  que  impropriamente  d'elle  se  apoderou  para 
cobrar  tributos  de  passagem,  pondo  ao  serviço  das  comitivas 
e  de  qualquer  viajante  as  suas  canoas. 

A  Expedição  era  de  Sua  Majestade,  e  por  isso  este  poten- 
tado, coronel  honorário  e  cavalleiro  da  ordem  militar  de  Nossa 
Senhora  da  Conceição  de  Villa  Viçosa,  não  exigiu  tributos  de 
passagem ;  apenas  os  pilotos  da  canoa  receberam  de  gratificação 
o  seu  mata-bicho. 

E  não  se  julgue  que  por  ser  em  serviço  do  Estado  deixa- 
mos de  ficar  obrigados  ao  soba,  porque  é  doesse  tributo  que 


1  De  facto,  dias  depois,  com  toda  a  solemnidade,  procedeu  o  Gk)ver- 
nador  Geral  á  cerimonia,  dando  á  ponte  o  nome  de  Pinheiro  Chagas. 
Por  muitos  motivos  se  tomou  esta  ponte  bem  conhecida,  ficando  a  ella 
vinculados  os  nomes  de  todos  quantos  concorreram  para  a  sua  construc- 
ção.  Quando  regressámos  já  ella  estava  concluída,  e  porque  seja  impor- 
tante como  obra  de  arte,  e  pelo  serviço  que  presta  á  agricultura,  do  con- 
celho de  Cazengo  muito  principalmente,  entendemos  opportuno  repre- 
sentá-la em  gravura. 

8 


■i 


114  EXPKDIÇXO  ^KTOGUEZA  AO  HDATIÍNVUÃ 

elle  vire  com  toda  a  grandeza,  tendo  já  sido  computado  o  een 
rendimento  anntial  em  5:000iKI00  ou  6:000i!1000  réis,  o  que 
mostra  a  importância  do  trafico  que  por  aqui  transita. 

Perto  das  dez  horae  poz-se  a  Expedição  em  marcha,  passando 
a  serra  em  direcçSo  a  Caculo,  onde  entrou  na  melhor  ordem. 

  região  que  atraTessamos  tem  já  outro  aspecto.  SSo  mon- 
tanhas cobertas  de  grandes  florestas  e,  mais  inaccessiTeis  por 
causa  dos  barrocaes  e  linhas  de  agua  que  as  cortam.  É  a  região, 
por  ezceliencia,  do  café,  e  onde  também  se  dá  a  canna  sac- 
charina.  Parece  que  neste  ponto  se  estabelece  a  traunçSo 
d'esta  para  aquella  cultura.  Pelos  indicies  que  observamos  é 
de  presumir  que  existam  ali  jazigos  de  minérios  aprOTeitareis. 

à contar  da  villa  do  Donde,  haviamoB  feito  om  percurso  de 
56  kilometros  approzimadamente,  e,  na  verdade,  é  eó  depois  do 
Lucala  que  nos  impressionam  mais  notavebnente  os  nnmeroBOi 
e  gigantescos  exemplares  da  flora,  que  nem  nos  deixam  desco- 
brir a  disposição  do  terreno  que  sombreiam. 

Sobrepujados  de  fortes  e  grossas  trepadeiras  que  se  cniBUii 
e  enlaçam,  tonuun-se  estes  macíssos  silvestres  recintos  impe- 
netráveis ao  homem,  e  fazem  que  supponhamos  estar  ntima 
floresta  primitiva,  em  que  se  abrigam  as  feras. 


DESCEIPÇAO   DA  VIAQEM 


CO.NCELHO  DE  CAZENCO 


mico  passava  do  meio  dia,  quan- 
do chegámos  ao  principal  largo 
(Ia  villíi  de  Caculo.  Ahi  nos 
iig^ardava  o  Chefe,  CapitSo 
1'jidrel,  que  jA  na  véspera  tioha 
ido  ató  A  ponte  do  Lucala, 
siipjjondo  que  ali  tivesaemoB 
(■licgado. 

Com  a  actividade  que  lhe  é 
li:iljitual,    deu    ordem  para  aa 
I  ai-gas  seguirem  para  oa  arma- 
zena que  lhes  havia  destioado, 
e   logo   DOS  conduziu  para  o 
bello  alojamento  que  nos  tinha 
preparado  em  aua  casa. 
Feitos  os  devidoa  cumprimentos,  im  medi  atam  ente  se  expe- 
diram  telegramraaa   para   o   Governador  Geral  em   Loanda, 
participando  a  chegada  aqui  da  Expedição,  e  para  o  Dondo 
pedindo  brevidade  na  remessa  das  cargas. 

A  recepçSo  que  nos  faz  Padrel  e  sua  excellente  família  foi, 

como  para  todos  os  compatriotas  que  aqui  vêem,  inexcedivel; 

e  é  por  intervençilo  d'elle   que   temos  de  confeasar  o  nosso 

<  reconhecimeato  a  todos  oa  fuaccionarios,  agricultores  e  nego- 


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116  EXPEDIÇIO  F0BTU6UEZA  AO  MUáTIIkVUA 

ciantes,  a  quem  nos  apresentou,  assim  como  lhe  devemos  ( 
que  sabemos  com  respeito  ao  concelho  de  que  vamos  fidlar 
e  que  tanto  interesse  merece,  como  região  puramente  agri 
cola,  para  a  prosperidade  da  província. 

As  £sicilidades  e  boa  recepção  que  em  toda  a  parte  tivemoi 
pre&taram-nos  ensejo  de  Êizermos  as  investigações  de  que  care 
ciamos  para  formar  um  juizo  mais  seguro  sobre  as  difficul 
dades  que  existem  para  o  desenvolvimento  da  agricultura. 

Neste  mesmo  dia,  emquanto  se  experimentavam  carabinas 
armas  e  revólveres,  se  distribuiam  raçSes,  etc.,  puzeram  se  en 
ordem  os  diários  da  viagem,  e  receberam-se  visitas. 

Entre  estas,  appareceunos  Vieira  Carneiro,  negociante  ser 
tanejo  de  Além-Cuango,  afiícano  dos  seus  cincoenta  ou  maii 
annos,  agora  empregado  como  escripturario  de  commercic 
nesta  viUa,  e  que  se  propunha  a  acompanhar  a  Expedição,  se  ( 
Governo  lhe  garantisse  uma  pensão  para  a  familiai  caso  mor 
resse  na  viagem. 

Quando  um  angolense,  conhecedor  do  sertão  para  onde  va 
mos,  nos  fez  uma  proposta  de  tal  ordem,  forçoso  é  confessai 
que  ficámos  desanimados.  Ou  aquillo  por  lá  é  muito  insalubre, 
ou  muito  nos  vamos  arriscar  no  meio  do  gentio. 

Mas,  reparando  nelle,  dissemos  depois  para  os  nossos  com 
panheiros :  talvez  o  homem  receie  que  pela  sua  idade  já  nãc 
resista  ás  fadigas  por  que  terá  de  passar,  e  a  que  resistii 
quando  mais  moço. 

Contou-nos  elle  que  a  sua  ultima  viagem  fora  em  1874, 
Levava  muito  negocio  e  roubaram-lhe  quasi  tudo  o  que  trou- 
xera, resultado  de  uma  boa  permutação ;  sendo  forçado  a  en- 
terrar o  resto  do  marfim,  antes  de  chegar  ao  Cuango,  con 
receio  de  que  os  Bângalas  Ih^o  roubassem  também. 

Era  este  o  motivo  principal  por  que  se  propunha  a  ir  com 
nosco,  embora  com  pequeno  salário.  Queria  aproveitar  a  pas 
sagem  da  Expedição  no  regresso,  para  á  sombra  delia  trazer  í 
sua  pequena  fortuna. 

Disse-nos  que  numa  das  suas  viagens  fora  longe,  para  além 
do  Cazembe,  e  descobrira  o  rio  Luengue,  o  lago  Calumbo  e  ai- 


DESCRTPÇAO  DA  VIAGEM  117 

gumas  salinas,  de  qne  o  gentio  que  o  acompanhava  nSo  tinha 
conhecimento.' 

Interrogado,  porém,  com  respeito  a  Cazembe,  fez-nos  con- 
vencer de  que  nSo  era  do  Muata  Cazembe  que  tratava,  e  sim 
de  um  outro  próximo  do  rio  Liba,  de  que  nos  falia  Living- 
stone,  —  rio  de  que  também  os  Lundas,  com  quem  convivemos 
depois,  mostraram  ignorar  a  existência,  nSo  obstante  fatiarem 
muito  do  rio  Liambéji. 

Disse  que  jiroximo  do  tal  rio  Luengue,  que  descobriu,  se  en- 
contra uma  região  em  que  ha  muito  marfim.  Será  o  Caiuco,  ou 
Caiunco,  de  que  nos  fallou  Livingstone,  e  a  que  também  se  re- 
feriu o  nosso  benemérito  explorador  Serpa  Pinto?  Será  o 
Samba,  que,  por  má  interpretação,  Cameron  na  sua  travessia 
para  Benguela  denominou  Ussamba  ?  Ou  finalmente  ^  será  Ca- 
nhiuca,  dependência  do  Muatiânvua,  a  que  os  exploradores 
aliem ^es  deram  o  pomposo  titulo  de  reino? 

Foram  estas  as  interrogações  que  fizemos  a  Vieira,  e  a  que 
elle  nâo  pôde  responder. 

Promptificava-se  Vieira  a  encaminhar-nos  por  onde  elle  fôra, 
a  Moçambique,  segundo  os  seus  cálculos  em  trinta  e  cinco  dias 
de  viagem ! 

Na  verdade,  custava-nos  a  crer  nas  suas  informações,  por- 
que seria  sua  conveniência,  neste  caso,  sair  era  Moçambique, 
e  elle  mostrava  querer  ir  comnosco  para  voltar  com  o  negocio 
que  deixara  enterrado. 

Que  se  lhe  havia  de  responder? 

Só  podíamos  offerecer-lhe  transporte,  mesa,  barraca  e  uma 
mensalidade  de  18/5000  réis. 

Mas,  como  elle  ficasse  de  nos  apresentar  umas  cartas,  que 
provavam  nSo  só  a  sua  probidade,  como  os  serviços  que  pres- 
tara a  negociantes  portuguezes  no  interior,  nada  resolvemos 
nesse  dia. 

Vieira  era  de  opiniSo  que  a  ExpediçSo,  dirigindo-se  ao 
Muatiânvua,  prestaria  um  excellente  serviço  ao  commercio 
da  provincia,  porque  ha  annos  a  esta  parte,  tanto  os  Quiôcos 
como  os  Bângalas  o  estSo  prejudicando  grandemente  com  as 


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118  EXPEDIÇXO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

amarraçSeB^.  E  estava  persuadido  de  que  a  Expediçto 
tinha  de  luctar  com  difficuldades  por  causa  dos  carregadores 
da  comitiva,  mas  que  convenceria  o  gentio  a  receber  bem  os 
negociadores  e  a  acabar  com  os  roubos.  <cO  que  é  preciso,  dizia 
ellc;  é  muita  paciência  para  o  negocio,  porque,  em  geral,  todos 
os  povos,  do  Cuango  para  lá,  sSo  muito  desconfiados ;  e  nSo 
consentir  que  os  carregadores  se  mettam  com  as  mulheres 
d'elles,  porque  isso  dá  logar  a  demandas  que  levam  muitos 
dias  a  decidir,  levantadas  de  propósito  para  obrigar  as  cara- 
vanas a  fazerem  despesas  nos  seus  sitios,  além  do  que  teem  a 
pagar  pelo  crime.» 

Estas  advertências  confessámos  hoje  que  não  sSo  para  des- 
prezar, e  que  nunca  as  olvidámos. 

Chegavam  as  primeiras  cargas  do  Dondo,  e  fomos  com  o 
chefe  fazê-las  accommodar  em  casa  do  negociante  Soares 
Romeu,  que  se  encarregou  de  as  ir  enviando  para  Malanje, 
com  excepção  de  seis,  de  que  precisávamos  para  Fungo  An- 
dongo,  e  de  outras  que  nos  deviam  acompanhar  d'aqui  para 
Ambaca. 

Impressionava-nos,  sempre  que  saiamos,  um  constante  ne- 
voeiro sobre  a  povoação,  parecendo  cortar  a  certa  altura  as 
montanhas  que  a  cercam  e  impedir-lhe  a  ventilação,  ao  passo 
que  grandes  e  copadas  arvores  nos  limitavam  o  horizonte. 

Estávamos  como  que  debaixo  de  uma  grande  pressão,  abafa- 
dos, a  respiração  tomava-se  diffieultosa,  e  tudo  e  todos  apre- 
sentavam aspecto  triste  e  acabrunhado. 

Disse-nos  Padrel  que  isto  é  sempre  assim  emquanto  o  sol 
não  consegue  desfazer  o  nevoeiro,  e  que  dias  ha  em  que  as 
camadas  são  tão  espessas  que  o  não  consegue;  e  é  então  que 
essa  tristeza,  que  notámos,  se  toma  mais  sensivel. 

A  regular  pelo  que  observámos,  o  sol  só  apparece  á  vista 
do  observador  depois  das  nove  horas  da  manhã,  não  se  tor- 
nando a  ver  mais  depois  das  quatro  da  tarde. 


1  Extorsões  feitas  em  todo  o  sertão  aos  negociantes  pelo  gentio. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  119 

Deve  ser  bem  desagradável  a  vida  aqui^  onde  fisiltam  as  mais 
pequenas  distracções! 

Padrel  aproveitou  a  occasiSo;  de  nos  mostrar  as  obras  que 
estava  dirigindo  por  conta  dos  rendimentos  do  concelho  e  com 
auxilio  dos  agricultores.  Regularisa-se  o  largo  em  frente  da  re- 
sidência, em  que  estSo  plantando  arvores  na  devida  ordem,  e 
também  se  melhora  a  praça  principal,  que  está  rodeada  por 
cajsas  de  commercio.  A  rua  principal,  da  entrada  da  villa  ao 
largo  da  residência,  também  está  merecendo  a  sua  attençSo, 
e  uns  pequenos  aqueductos  nas  linhas  de  agua  estSo  sendo 
cobertos  de  madeira. 

Faz  o  que  pode.  Mas  o  que  é  isto  numa  povoaçSo  que  de 
tudo  carece,  e  de  que  já  ha  quarenta  annos  se  fallava  pela  fer- 
tilidade das  terras  que  a  limitam,  pela  abundância  da  borra- 
cha e  desenvolvimento  do  seu  café  silvestre? 

Era  isto  o  que  pensávamos  ao  regressar  á  residência  para 
jantar,  quando  Padrel  se  lembrou  de  nos  convidar  a  visitarmos 
algumas  fazendas,  emquanto  não  appareciam  os  carregadores 
que  nos  eram  indispensáveis.  Escusado  será  dizer  que  accei- 
támos  de  bom  grado,  porque  desejávamos  fazer  uma  idéa  do 
que  era  a  agricultura  neste  concelho,  já  tão  afamado. 

A  importância  de  Cazengo,  escreviamos  nós  á  noite  no  nosso 
diário,  é  devida  a  umas  dezoito  propriedades,  em  que  a  me- 
nor, só  em  café,  tem  um  rendimento  annual  superior  a  22:000 
kilos  ,  e  as  maiores  para  cima  de  150:000.  A  Prototypo  já 
produziu  225:000  kilos.  Nesta  e  noutra  fabrica-se  também  boa 
aguardente. 

Se  o  caminho  de  ferro  for  uma  realidade,  Cazengo  terá  um 
logar  proeminente  na  contribuição  para  os  cofres  provinciaeSi 
porque  a  fertilidade  dos  seus  terrenos,  quando  devidamente  cul- 
tivados, a  augmentará  extraordinariamente. 

A  vegetação,  que  se  observa  é  prodigiosissima;  as  aguas  cor- 
rem em  abundância  e  são  das  mais  puras  que  se  conhecem. 

A  canna  saccharina  e  o  café,  de  rápido  desenvolvimento, 
pedem  machinas  para  seu  tratamento  em  substituição  de  bra- 
ços humanos,  o  que  já  se  realisa  em  duas  ou  três  proprieda- 


120  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

des;  mas  falta  o  principal  factor  de  todo  o  progresso — estra- 
das e  transportes  rápidos. 

Lucta-se  nestas  propriedades,  ha  annos,  com  moita  coragemi 
e  se  alguns  agricultores  teem  sido  vencidos,  outros  teem  trium- 
phado  na  lucta;  e  todos  vão  cobrando  alento,  esperando  essa 
via  férrea  tão  desejada  e  cuja  influencia  já  se  conhece  nos  no* 
vos  emprehendimentos  em  diversas  propriedades,  e  em  alguns 
melhoramentos  públicos  em  via  de  execuçSo. 

Acabávamos  de  escrever  estas  notas,  quando  os  foguetes, 
que  no  ar  estalavam,  nos  recordaram  que  estavan^os  na  noite 
de  S.  João.  Também  o  popular  santo  aqui  é  festejado  pelos 
metropolitanos,  que  por  cá  vivem,  e  que  nâo  esqueceram  as 
alegres  folias  de  taes  noites  nas  terras  da  sua  naturalidade. 

Aproveitámos  esta  distracção,  que  nos  apparecia,  e  fomos  dar 
uma  volta  pelo  largo,  onde  untadas  de  petróleo,  se  queimavam 
em  fogueiras  as  barricas  que  serviram  a  alcatrão,  cantando  e 
dançando  os  indigenas  em  roda  d'ellas. 

Estas  danças,  como  todas  as  que  já  nSo  teem  o  cunho  da 
nacionalidade,  apesar  de  animadas  pelos  que  nellas  tomam 
parte,  mais  ou  menos  electrisados  pela  aguardente,  sfto  em 
geral  monótonas,  e  para  nós  perdem  muito  no  interesse. 

Apesar  porém  da  sua  monotonia,  é  certo  que,  longe  das  dis- 
tracções que  nos  proporcionara  os  centros  civilisados,  o  nosso 
espirito  se  influe  com  a  descompassada  gritaria  e  movimentos 
desordenados  com  que  são  acompanhadas  estas  danças. 

E  conversando  ora  com  uns  ora  com  outros,  as  horas  foram 
decorrendo  despercebidamente  e  recolhemos  já  tarde,  compro- 
mettidos  a  ir  almoçar,  no  dia  seguinte,  á  fazenda  Santa  Isabel, 
com  o  seu  digno  administrador  Carmo  Ferreira  e  o  seu  com- 
mensal  Dr.  Abel  Augusto  Correia  de  Pinho,  juiz  de  direito 
da  comarca. 

A  difetancia  da  villa  a  essa  bonita  propriedade  agrícola  ven- 
ce-se  em  duas  horas  e  meia  de  boa  marcha,  mas  como  para  lá 
caminhámos  antes  de  se  descobrir  o  sol,  fomos  subindo,  sem 
grande  fadiga,  para  o  logar  em  que  estão  o  terreiro,  as  casas 
de  habitação  e  os  armazéns. 


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DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  121 

Tintamos  tomado  chá  á  moda  de  Padrel,  isto  é,  carne 
fria,  boas  torradas  e  um  bom  copo  de  vinho;  podiamos,  por- 
tanto, esperar  pelo  almoço^  e  com  todo  o  vagar  fomos  fazendo 
as  nossas  investigações. 

Deixáramos  em  baixo  uma  esplendida  plantaçSo  de  óptima 
canna  de  assucar^  para  entrarmos  logo  nas  plantaçSes  de  pés 
de  café  que,  apesar  do  seu  grande  desenvolvimento,  sSo  de 
acanhada  apparencia  á  vista  dos  colossos  vegetaes  que  os  som- 
breiam. 

Ainda  não  tínhamos  chegado  ao  fim  da  rampa  quando  nos 
appareceu  Carmo  Ferreira,  com  o  seu  costumado  bom  humor,  e 
disposto  a  auxiliar  as  nossas  investigações,  emquanto  se  prepa- 
ravam as  chapas  para  se  obterem  algumas  photographias  e  o 
almoço  nSo  ia  para  a  mesa. 

Esta  propriedade  pertence  hoje  a  uma  sociedade  de  que  faz 
parte  Carmo  Ferreira,  que  ha  três  annos  aqui  permanece,  dan- 
do-lhe  o  maior  desenvolvimento,  como  já  se  observa. 

As  habitações  estão  bem  dispostas,  numr  plano  de  antemSo 
preparado  e  muito  arejado,  pelo  que  se  nos  afigurou  dever  attri- 
buir-se  —  assim  como  aos  cuidados  de  uma  alimentação  apro- 
])riada  —  a  saúde  que  relativamente  disfructam  os  europeus 
nqui  residentes. 

É  certo,  porém,  que  o  nosso  horizonte  está  muito  limitado 
pelo  frondoso  arvoredo  que  sobrepuja  os  arredores  do  terreiro, 
embora  em  rampa,  que  vão  descendo  até  formarem  os  valles 
([ue  se  aproveitaram  para  a  plantação  da  canna. 

E  de  tal  modo  se  enti*elaçam  os  ramos  de  umas  arvores  com 
os  de  outras,  que  interceptam  a  penetração  dos  raios  solares, 
ou  lhes  quebram  a  intensidade. 

O  solo  conserva-se  sempre  húmido,  e  essa  humidade  deve 
ser  bastante  prejudicial;  e  as  plantações  de  canna,  que  na 
baixa  tiram  d'ella  grande  proveito,  são  outros  tantos  males  que 
se  accumulam  contra  a  salubridade  do  logar. 

Esta  impressão  desagradável,  que  sente  quem  pela  primeira 
vez  visita  estas  regiões,  parece,  sobretudo  a  quem  não  des- 
conhece o  trabalho  das  roças  na  ilha  de  S.  Thomé,  que  pode« 


122       EXPEDIÇXO  POBTUOUEZA  AO  MUÁTllNVnÁ 

ria  deixar  de  se  experimentar  fazendo-se  um  desbaste  bem 
ordenado,  quando  nSo  uma  roçada,  deixando  ficar  apenas  as 
arvores  indispensáveis  para  protegerem  os  pés  do  café  nos 
seus  primeiros  annos. 

Diz-se  que  Jofto  Guilherme  Pereira  Barbosa,  que  conhecia 
praticamente  a  cultura  do  café  no  Brasil,  chegando  a  Cazengo 
em  1837,  e  vendo  desenvolvidos  os  pés  de  café  silvestre,  se 
propoz  a  arrotear  uma  plantação,  e,  devido  aos  seus  cuidados, 
tomara  ella  um  tal  desenvolvimento,  que  os  indígenas  da  loca- 
lidade o  imitaram. 

As  plantações  dos  indígenas  attingiram  o  numero  de  duzen- 
tas, e  ainda  hoje  se  calcula  que  a  sua  producçSo  era.  de 
1.500:000  kilogrammas.  E  possível  que  haja  algum  exagero 
nesta  informação.  Teria  sido  muito  acertado  se  se  tivesse  dado 
toda  a  protecção  aos  indígenas,  porque,  dedicando-se  elles  ao 
amanho  das  suas  terras,  não  ha,  por  todos  os  motivos,  nas 
circumstancias  actuaes  europeus  que  possam  com  elles  com- 
petir. 

Os  europeus,  que  se  seguiram  a  Barbosa,  depois  de  1845, 
iniciaram  com  felicidade  as  suas  plantações ;  porém  a  baixa  do 
preço  do  café  na  Europa,  e  outras  causas,  como  a  falta  de  bra- 
ços, difficuldades  de  transporte,  e  ainda  a  carência  da  protecção 
official,  de  capitães,  e  os  erros  em  afastar  o  pequeno  proprie- 
tário, foram  causas  de  que  este  as  abandonasse,  com  quanto 
a  producção  não  haja  diminuído. 

Desenganemo-nos :  as  nossas  colónias  africanas  não  poderão 
desenvolver-se  —  e  não  ha  outro  rumo  a  seguir  emquanto  as 
influencias  climatéricas  forem  tão  nocivas  ao  europeu — senão 
civilisando  o  indígena  pelo  trabalho. 

A  educação  do  indígena  em  trabalhos  niraes  nas  regiões 
agrícolas,  transformando-o  em  pequeno  proprietário,  é  o  expe- 
diente que  conhecemos  mais  fecundo  para  se  attingir  a  má- 
xima riqueza  agrícola  de  que  estas  terras  são  susceptiveis. 

Argumenta-se  aqui  com  o  facto  de  que  os  primeiros  indí- 
genas plantadores  de  café  alcançaram  em  pouco  tempo  um 
rendimento  razoável,  e  que  os  íilhos,  em  vez  de  proseguírem 


descripçao  da  viagem  123 

no  caminho  trilhado  por  sens  pães,  se  suppuzeram  ricoS;  e  se 
entregaram  á  indolência,  contraindo  empréstimos  ruinosos,  de 
qne  resultou  serem  espoliados  do  que  tinham. 

Este  facto  não  se  deu  só  aqui.  Em  S.  Thomé  registam-se 
factos  análogos,  e  de  alguns  sabemos  nós  que  se  deram  com  os 
naturaes ! 

Mas  de  quem  é  a  culpa? 

Da  falta  da  necessária  educaçSo  e  das  ambiçSes  dos  que  pre- 
tenderam espoliá-los. 

£nriqueceu-se  o  aventureiro  á  custa  dos  incautos,  com  o  pre- 
juizo  das  locaUdades,  que  definharam,  é  das  populaçSes,  que 
fugiram  I 

E  isto  deu-se  aqui,  quando  Barbosa,  doze  annos  depois  de 
começar  a  sua  plantação,  dizia:  cÉ  injusto  quem  julgar  esta 
gente  incapaz  de  progresso  na  civilisação  e  na  industriai. 

Nesse  tempo  já  as  plantações  de  café  tinham  grande  desen- 
volvimento, e  faziam-se  ali  também  tecidos  de  algodllo,  e  fabri- 
cava-se  o  ferro  para  negocio  com  o  gentio  da  Quissama  em  troca 
de  sal,  e  com  o  de  leste  em  troca  de  cera. 

Se  a  administração  publica  tivesse  intervindo  na  educaçSo 
d'este  povo,  que  tendia  a  civilisar-se,  se  fossem  aproveitadas  as 
líçSes  praticas  de  Pereira  Barbosa  e  aqui  fosse  creada  uma  es- 
cola de  agricultura,  que  com  o  tempo  teria  muito  desenvolvi- 
mento, de  certo  não  tínhamos  hoje  a  lamentar  que  esta  regiSo, 
tão  fértil,  tivesse  passado  por  um  período  de  retrocesso. 

Vieram  e  aqui  se  estabeleceram  alguns  europeus  ignorando 
o  que  era  a  agricultura  africana,  inteiramente  diversa  da  que 
se  estuda  em  Portugal.  Desconhecendo  todos  os  perigos  que  oa 
rodeavam  e  contra  os  quaes  se  não  teem  tomado  as  devidas 
providencias;  prescindindo  do  seu  bem  estar;  supportando 
toda  a  casta  de  sacrificios;  abnegando  da  sua  própria  vida  pelo 
amor  á  causa  a  que  se  dedicaram  e  de  que  só  pensavam  obter 
immediatos  fructos,  esqueciam  que  na  véspera,  a  seu  lado, 
sucumbiam  um  e  outro  patricio,  victimas  sempre  das  illusSes 
em  que  se  embalavam! 

E,   cousa  singular,  os  agricultores  vão  morrendo,  dizendo 


124       EXPEDIÇXO  POBTUGUEZA  AO  MUATIANVUA 

sempre  os  que  ficam  que  o  clima  da  terra  é  benigno,  e  con- 
fiados em  que  na  colheita  seguinte  ficarSo  mais  desaffirontados, 
e  com  mais  duas  terão  uma  fortuna  que  lhes  permitta  ir  gozar 
nas  terras  da  sua  naturalidade  o  fructo  de  tanto  sacrificio  I 

E  quem  protege  estes  heroes  do  trabalho? 

Onde  estSo  as  escolas  que  lhes  ministrem  conhecimentos  de 
agricultura  nos  paizes  tropicaes,  e  as  indbpensaveis  regras 
para  nelles  viverem? 

Onde  hSo  de  procurar  os  livros  de  vulgarisaçSo  que  lhes 
sirvam  ao  menos  de  guia  nessas  empresas  a  que  se  aventuram? 

Como  se  illudem !  E  como  illudem  os  seus  parentes  e  amigos 
na  metrópole! 

Foi  Alberto  da  Fonseca,  esse  enthusiasta  pela  riqueza  agrí- 
cola de  Cazengo,  essa  victíma  da  sua  dedicaçSo,  e  que  succum- 
biu  na  lucta  pelo  trabalho,  que  sem  o  pensar  talvez,  insistindo 
pela  construcçSo  do  caminho  de  ferro  de  Ambaca,  fez  conhe- 
cer Cazengo  como  uma  das  regiSes  mais  insalubres  a  leste  de 
Loanda ;  região,  repetimos,  que  requer  desde  já  medidas  sani- 
tárias de  grande  alcance  para  se  aproveitarem  os  recursos  que 
a  natureza  lhe  prodigalisou. 

Até  então,  se  houve  no  concelho  um  delegado  do  serviço  de 
saúde,  foi  apenas  de  passagem ;  e  os  agricultores,  negociantes  e 
funccionarios  do  Estado,  apenas  para  consultas  medicas  tinham 
o  inseparável  Chemoviz,  que  para  alguns  é  um  flagello,  pois 
imaginam  soffrer  de  todas  as  doenças  que  nelle  se  apontam. 

Mas  se  os  estudos  do  caminho  de  ferro  de  Ambaca  nos  for- 
necem  argumentos  e  documentos  importantes  da  situação  de 
Cazengo,  com  respeito  a  insalubridade ;  se  está  reconhecido  que 
a  exhuberancia  da  vegetação  é  a  causa  primordial  da  maligni- 
dade do  clima;  se  é  certo  que  a  construcção  do  caminho  de 
ferro  se  vae  fazer  e  ha  de  servir  esta  região ;  como  é  que  seis 
annos  depois  d^aquelles  estudos  ainda  encontramos  este  con- 
celho no  abandono  já  conderanado  ? ! 

Ha  effectivamente  uma  grande  falta  de  propaganda,  e,  o  que 
é  mais,  de  propaganda  official  que  anime  a  iniciativa  particular 
a  constituir  empresas! 


DESCRIPÇZO  DA  VUGEM  125 

Para  nós,  acceitâmos  como  principio  que  grandes  empresas 
europeas  hão  de  crear  pequenos  proprietários  indígenas,  e  que 
8Ó  assim  se  transformarão  as  regiSes  agrícolas  -  hoje  focos  de 
infecção  —  em  legares  aprazíveis  pela  modificação  do  clima. 

Será  crivei  que,  tentando  o  Governo  uma  arrojada  empresa 
para  facilitar  os  transportes  de  productos  de  Cazengo,  esqueça 
ainda  por  mais  tempo  as  providencias  de  que  carece  esse  núcleo 
de  colónia  europea,  que  vae  sendo  dizimado. 

Se  esses  agricultores,  que,  na  verdade,  são  os  nossos  benemé- 
ritos exploradores  coloniaes,  os  deanteiros  da  civilisação  que  se 
hão  disseminado  pelos  sertões  das  nossas  provindas  africanas, 
não  merecem  essa  attenção  dos  poderes  públicos;  deixarão 
estes  então  sacrificar  os  seus  funccionarios,  quando  não  a  uma 
morte  certa,  a  um  estado  sempre  precário  de  saúde? 

Não  o  acreditámos. 

Um  dos  grandes  defeitos  da  nossa  vida  colonial  tem  sido  a 
nossa  disposição  para  acceitarmos  como  verdadeiro  o  princi- 
pio— que  as  colónias  são  terras  em  que  qualquer  que  para  lá 
vá  encontra  sempre  melhor  aproveitadas  as  suas  forças  do 
que  nas  terras  da  sua  naturalidade. 

Um  mau  filho  vae  para  as  colónias ;  o  que  não  tem  habilita- 
ções para  se  empregar  na  metrópole  vae  para  as  colónias ;  em- 
fim,  tudo  o  que  não  é  bom  manda  se  para  as  colónias  I  Basta 
uma  carta  de  recommendação  e  o  seu  futuro  está  feito  I 

E  estes  erros  de  tal  modo  se  arraigaram,  que  se  patenteiam 
dias  depois  de  entrarmos  em  qualquer  das  nossas  possessões ! 
Uludimo-nos  quando  suppomos  que  de  tudo  entendemos,  que 
de  tudo  podemos  fallar,  que  tudo  podemos  fazer  sempre, 
com  melhores  resultados  do  que  os  obtidos  pelos  que  nos 
antecederam,  e  assim  esquecemos  que  nas  nossas  terras  nem 
mesmo  prestámos  a  devida  attenção  ao  que  pretendiam  ensi- 
nar-nos  I 

Mas  se  estes  defeitos,  devidos  a  uma  falta  de  orientação  se- 
gura sobro  as  nossas  colónias,  teem  passado  despercebidos,  por- 
que alguns  individues  foram  felizes,  é  certo  que  teem  sido  um 
mal  para  o  desenvolvimento  d^ellas.  E  este  mal  toroa-se  tanto 


126 


KXPEOIÇÍO  FOUTUGDBZA  AO  HUATIÂNVUA 


mais  grave  por  ser  implicitamente  auctonaado  pelo  Bystema 
que  ainda  hoje  se  segue  na  sua  administra^  So. 

Ãsaim  noiueiara-se  para  os  differcntes  cargos  do  fuiicciona- 
hemo  indivíduos  que  só  O^crani  conhecimento  da  existência  de 
taes  cargos  pela  sua  nomeaçilo ' 

Um  primeiro  sargento,  que  pode  ter  sido  um  bom  offici&l 
mfenor  no  exercito,  pelo  lacto  da  sua  promoçUo  a  official  su- 
balterno para  o  ultramar,  está  hoje  apto  para  dirigir  todos  ou 


cargos  da  administraçíto  publica,  o  caso  é  que  lhe  conveiiliu 
acceitar  a  vida  attríbulada  do  sertão  com  todas  as  suas  conse- 
quências! Mas  a  accumulaçâo  de  funcçSes  vae  muito  mais  longe. 
Êntrega-ae  á  sua  responsabilidade  uma  ambulância  de  medica- 
mentos, e  ha  de  tomar-se  também  medico  e  pharmaceutíco  I 
£  digamos  de  passagem,  que  conhecemos  alguns  chefes, 
certamente  intelligcucias  privilegiadas,  que  lá  se  arranjam  com 
as  drogas  e  as  teem  applicado  ás  vezes  com  tal  felicidade,  qae 
debellaram  doenças  consideradas  de  gravidade. 


â 


DESCRIPÇÂO  DA  VIAGEM  127 

Mas  isto  ainda  não  é  tudo.  Recentemente  o  chefe,  só  por 
ser  chefe,  é  iim  sábio!! 

EUe,  que  tem  um  expediente  que  não  lhe  permitte  sair  da 
residência  official,  tem  de  conhecer  os  limites  do  seu  concelho, 
e  nestes  as  nascentes  dos  rios  e  o  cnrso  que  seguem,  as  mon- 
tanhas, serras,  cordilheiras,  a  sua  geologia  e  mineralogia,  a 
meteorologia  e  climatologia,  as  doenças  predominantes,  a  fauna 
e  flora,  a  população,  usos  e  costumes  das  diversas  tribus  que 
a  compSem,  as  producçSes,  industrias'  e  commercio,  e  tudo 
isto  como  se  fosse  a  cousa  mais  simples  do  mundo ! 

NSo  exaggerâmoB,  e  o  documento  em  que  se  interrogam  os 
chefes  dos  concelhos  sobre  todos  estes  assumptos  acba-se  pu- 
blicado num  dos  números  do  Boletim  ojfficial  da  província,  fim 
do  anno  de  1887,  e  é  sobre  as  suas  respostas  que  se  pretende 
fazer  a  nova  carta  geographica! 

De  que  teem  servido  então  os  pareceres  dos  homens  techni- 
coB  que  teem  visitado  em  differentes  epochas  os  concelhos  da 
província? 

Com  respeito  á  agricultura  crearam-se  legares  de  agrónomos, 
é  verdade,  mas  onde  praticaram? 

Se  o  pensamento  é  ir  implantar  ali  as  nossas  culturas  de 
Portugal,  commettemos  um  grande  erro ! 

Em  tempo,  ouvimos  que  era  conveniente  fazerem-se  em 
S.  Thomé,  antes  de  tudo,  viveiros  de  café,  quando  junto  a  cada 
pé  ha  um  viveiro  natural !  E  já  houve  quem  se  lembrasse  de 
destruir,  em  Malanje,  o  salalé  pela  djnamite! 

É  tempo 'de  pensarmos  a  serio  nas  nossas  colónias. 

Que  se  crie  uma  corporação  de  agrónomos  coloniaes  no  nosso 
paiz,  mas  que  vão  dois  ou  três  annos  para  a  America  ver  o 
que  lá  se  passa,  com  respeito  ás  culturas  próprias — café,  cacau, 
canna,  algodão,  tabaco,  etc. ;  que  sejam  depois  distribuidos  es- 
ses funccionarios  pelas  diversas  regiões  agrícolas  das  nossas 
provincias,  onde  devem  estabelecer-se  quintas  modelos,  em  que 
aprendam  os  indígenas,  ao  mesmo  tempo  que  sirvam  de  exem- 
plares aos  europeus  que  se  querem  dedicar  á  agricultura;  e, 
finalmente,  que  ao  lado  do  agrónomo  se  coUoque  o  engenheiro 


128       KKPEDIÇIO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÁNVUA 

mechanico,  o  medico  e  o  pharmaceutico ;  e  assim  já  teremos 
alguma  cousa  que  preste  em  beneficio  da  agricultura. 

As  despesas  que  se  fizessem  com  estes  funccionarioS;  eram 
bem  pagas  pelo  desenvolvimento  da  producçSo. 

Estamos  convencidos  do  que  tanto  o  governo  da  metrópole 
como  o  provincial  continuam  ainda  suppondo  benigno  o  dima 
doeste  concelho,  e  que  os  portuguezes  que  dirigem  essas  dezoito 
fazendas,  que  constituem  a  parte  mais  importante  da  agriculr 
tura  de  Cazengo^  vivem  na  abundância  e  com  todas  as  com- 
modidades  e  só  precisam  de  lun  caminho  de  ferro,  que  a  seti 
tempo  lá  chegará. 

A  não  ser  assim^  já  aqui  teriam  enviado  uma  missSo  de  in- 
dividues competentemente  habilitada  com  conhecimentos  prar 
ticos  das  regiSes  tropicaes,  que  devidamente  os  elucidassem 
sobre  as  providencias  necessárias  para  se  não  desacreditar 
esta  região  a  ponto  de  ficar  despovoada. 

Sobre  o  que  vimos  e  ouvimos,  foram  estas  em  resumo  as 
considerações  a  que  fomos  levados;  e  que  se  nos  desculpe  a 
franqueza  com  que  as  expomos,  porque,  acima  de  tudo,  a  ver- 
dade é  para  nós  um  dever  dizer-se,  quando,  em  consequência 
da  nossa  missão,  nos  dirigimos  ao  Governo  e  ao  paiz,  para  que 
se  remedeiem  os  males  que  apontámos. 

Fixára-se  a  nossa  partida  para  25,  ás  onze  horas  da  manhã, 
por  isso  que  iamos  jantar  e  pernoitar  na  fazenda  Prototypo  a 
convite  do  seu  administrador. 

Tudo  estava  preparado  para  este  fim,  e  logo  na  madrugada 
doesse  dia  se  fez  partir  a  caravana  das  cargas;  e  nós,  depois 
de  almoçarmos  com  Padrcl,  seguimos  cora  elle. 

E,  mais  uma  vez  ainda,  temos  de  consignar  quanto  iamos 
penhorados  pela  aíFabilidade  e  demonstrações  de  sympathia  de 
que  foi  alvo  a  Expedição,  tanto  da  parte  do  Chefe  do  concelho 
e  sua  familia,  como  de  todas  as  pessoas  com  quem  mantive- 
mos relações. 

Não  citamos   nomes,  nem   fazemos   referencias    especiaes, 
porque  podemos  deixar  de  memorar  algum,  e  todos  tiveram 
igual  jus  ao  nosso  reconhecimento. 


niíSCItlPl.^AO  DA  VIAOEW 


—       ;    YUGEM  PAIU'AMBAUA 


Tiubamos  andado  10  kilome- 
tfíis  e  chegUmoa  ao  rio  Quí 
cuia,  onde  parilmoa  para  ver  a 
líilla  ponte  em  coriBfrucçSo,  di- 
iij;ida  por  Padrel,  sob  a  fiscali- 
s:i.;ào  de  F.  Lopea  da  Costa  o 
Silva,  cominandante  da  divisão 
de  Moveis,  que  perto  d'ali  tem 
A  Bua  patrulha. 


130       EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂKVUA 

Aè  obras  de  alvenaria  estavam  completas^  e  feitas  com  moita 
solidez;  faltava  apenas  o  taboleiro,  cujas  madeiras,  já  appare- 
Ihadas,  foram  offerecidas  pelo  administrador  da  Prototypo,  J. 
Augusto  da  Silva. 

Esta  ponte  devia  ser  posta  brevemente  á  disposição  do  pu- 
blicOy  e  esperava-se  a  vinda  do  Grovemador  Ferreira  do  Amaral 
para  se  fazer  a  inauguração. 

£  obra  de  reconhecida  utilidade  para  o  transito  de  cargas^ 
cuja  affluencia  por  aqui  é  muita,  e  deve-se  á  dedicaçSo  do 
Chefe  e  bom  auxilio  dos  fazendeiros. 

E  é  geralmente  assim !  Fora  das  vistas  das  auctoridades  prin- 
cipaes  das  nossas  colónias,  os  melhoramentos  públicos  que 
existem  são  resultado  da  iniciativa  particular.  Referindo-nos 
especialmente  a  Angola,  o  que  se  encontra  bom  pelo  interior 
deve-se  á  dedicação  dos  chefes  de  concelhos,  mas  com  o  auxilio 
dos  agricultores  e  negociantes. 

Quanto  não  custam,  porém,  esses  melhoramentos?! 

Só  a  muita  necessidade  d'estes  pode  fazer  esquecer  aos  que 
mais  contribuem  para  os  melhoramentos  que  se  fazem  nas  ca- 
pitães o  oous  que  acarretam  á  agricultura  e  ao  commercio. 

Houve  já  um  governo,  que  se  lembrou  ser  indispensável 
acudir  de  prompto  ás  necessidades  da  producção  e  do  commer- 
cio das  nossas  possessões  em  Africa,  e  tentou  emprehender,  em 
larga  escala,  as  obras  publicas  no  ultramar ;  mas,  infelizmentCi 
o  seu  pensamento  foi  mal  apreciado,  e  uma  economia  mal  enten- 
dida fez  com  que  se  interrompessem  muitos  trabalhos  já  em 
via  de  execução,  e  outros  devidamente  estudados  para  serem 
iniciados  na  primeira  opportunidade,  e  este  concelho,  que  era 
contemplado,  mais  uma  vez  ficou  esquecido! 

Que  os  que  se  preoccuparam  cora  as  despesas  em  estudos  re- 
conheçam o  seu  erro,  e  vamos  nós  proseguindo  na  nossa  tarefa. 

Esta  ponte  marca,  por  assim  dizer,  a  entrada,  por  este  lado, 
na  fazenda  Prototypo,  para  onde  nos  dirigimos.  Esta  fazenda 
pertence  á  viuva  e  filhos  de  Albino  José  Soares — outro  mar- 
tyr  da  sua  dedicação  pela  agricultura,  que  elle  fez  desenvolver, 
sendo  esta  a  propriedade  mais  importante  do  concelho. 


DESCRIPÇZO  DÁ  VUGEH  131 

Seguimos  subindo  suavemente  pela  já  afamada  Rua  das  Poí" 
meiroê,  que  se  pôde  dizer  é  uma  boa  estrada  de  serventia 
publica  com  mais  de  5  kilometros  de  extensão,  tendo  uns  20 
metros  de  largo,  orlada  de  altas  palmeiras  symetricamente 
dispostas. 

Percorremos  os  dois  primeiros  kilometros,  admirando  a  afluên- 
cia de  carregadores,  em  numero  de  quatrocentos,  sendo  grande 
a  actividade  no  serviço  dos  armazéns. 

O  administrador,  a  quem  já  nos  referimos,  esperava-nos,  e 
mostrava- se  satisfeito  com  a  nossa  chegada,  pois  é  sempre 
motivo  de  satisfação,  para  quem  vive  tão  longe  da  pátria  e 
tão  isolado  de  distracções,  encontrar  com  quem  fallar  e  quem 
mostre  interesse  por  estas  terras.  É  mesmo  um  pretexto  para 
se  descansar  do  aturado  trabalho  quotidiano. 

Encontrámo-lo  muito  satisfeito  por  ter  conseguido,  durante 
o  mez,  enviar  para  o  Dondo  grande  quantidade  de  café,  ainda 
restos  das  colheitas  de  1880  e  1881,  que  até  agora  estavam 
armazenados  por  falta  de  carregadores. 

Os  pilões,  nesta  fazenda,  são  movidos  por  uma  machina  a  va- 
por da  força  de  cinco  cavallos;  esta  porém  carecia  agora  de 
alguns  reparos,  que  o  administrador  esperava  poderem  ser 
feitos  pelo  engenheiro  Sarmento  nas  officinas  em  Loanda. 

Até  agora,  quatro  horas  da  tarde,  a  machina,  ainda  assim, 
limpara  e  lustrara  desde  a  manhã  trinta  e  uma  saccas  de  café 
de  setenta  e  cinco  kilos  cada  uma. 

Quantos  braços  não  se  poupam  neste  serviço,  e  com  que  ra- 
pidez elle  se  faz? 

Visitámos  os  armazéns,  e  muito  é  o  café  nelles  arrecadado, 
mais  do  dobro  do  que  tem  saido  nesta  quadra! 

J.  Augusto  da  Silva  veiu  da  metrópole  para  esta  provincia 
em  1851,  e  vive  nesta  fazenda  ha  dez  annos!  Na  verdade 
está  bem  conservado,  revelando  assim  a  sua  boa  organisação 
para  resistir  á  influencia  do  clima  de  Cazengo. 

Vimos  o  lago  artificial  para  creação  de  peixes;  e  provámos 
das  magnificas  uvas,  tão  afamadas  no  concelho  e  seus  arre- 
dores. 


132  EXPEDIÇlO  POBTUOUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

Toda  a  fazenda  é  cortada  por  largas  ruas,  e  entre  ellas  so- 
bresaem  os  enormes  eantSes  de  arvores  de  café  dispostas  em 
quincnnce,  o  que  permitte  á  arvore  maior  desenvolvimento,  e 
'toma  mais  fácil  a  limpeza  entre  ellas,  quando,  como  aqui,  as 
parallelas  estão  distanciadas  dois  metros. 

Ainda  ha  densas  florestas  de  boas  e  ricas  madeiras  por 
explorar  nestas  encostas  dos  quadrantes  do  norte,  o  que  não 
admira,  porque  esta  propriedade,  ainda  hoje  conhecida  pelos 
indígenas  com  o  nome  de  Cahonda,  é  nova.  Foi  principiada  por 
Albino  Soares,  em  1855,  e  não  foi  só  para  o  café  que  ellc  a 
trabalhou.  A  cultura  do  algodão  mereceu-lhe  também  muito  in- 
teresse, chegando  a  remetter  para  a  metrópole  2:500  kilogram- 
mas,  de  que  obteve  bom  resultado. 

Albino,  que  não  fôra  estabelecer-se  ali  como  aventureiro, 
mas  sim  como  colono,  estava  fazendo  uma  propriedade  para 
seus  filhos,  e  com  esse  fito  não  attendia  só  ao  presente. 

Procurava  o  bem  estar  dos  seus  trabalhadores;  estabelecera- 
Ihes  senzalas  em  logares  apropriados,  acasalava-os,  dava-lhes 
terrenos  para  cultivo  próprio,  e  proporcionava-lhes  distracçSes, 
chegando  mesmo  a  organisar  uma  banda  de  musica,  cujas  des- 
pesas com  instrumentos  e  professores  corriam  por  sua  conta. 

Chegou  mesmo  a  ter  agentes  no  interior  do  continente  para 
resgatar  indivíduos  de  ambos  os  eexos,  proporcionando  a  estes 
vantagens  e  concessões,  que  os  libertavam  do  estado  de  escravi- 
dão a  que  estavam  sujeitos. 

Para  toda  a  parte  para  onde  nos  voltamos,  se  encontram  si- 
gnaes  de  que  a  civilisação  aqui  não  tem  sido  uma  palavra  vã, 
e  tem  encontrado  proselytos. 

E  esta  uma  fazenda  agrícola  modelo,  e  lastimámos  que  o  seu 
iniciador  succumbisse  na  epocha  em  que  ella  florescia,  e  podia 
ser  incentivo  para  que  outros  o  imitassem. 

Chamados  para  a  mesa  do  jantar,  á  sua  vista  ficámos  surpre- 
hendidos. 

Não  estávamos  em  Cazengo,  estávamos  na  casa  do  mais  rico 
lavrador  da  melhor  das  nossas  províncias  de  Portugal!  Foi  o 
que  se  nos  afigurou,  para  em  seguida  exclamarmos:  —  não  é 


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DESGBIPçlO  DA  VIÁGEH  133 

para  estranhar  que,  com  taes  condiçSes  de  alimentação^  de  com- 
modidades  de  casa,  e  boa  disposição  e  exposição  da  fazenda,  se 
resista  ás  influencias  do  clima! 

Mas  quantas  victimas  não  houve  para  se  poder  aqui  viver 
hoje  em  taes  condiçSes! 

£  o  que  agora  nos  está  causando  admiração  é  mais  um  ai*- 
gumento  em  abono  do  que  dissemos  com  respeito  ás  necessi- 
dades da  agricultura  do  concelho  em  geral. 

Entrámos  nos  aposentos  que  nos  eram  destinados,  e,  ainda 
aqui,  tivemos  que  admirar  a  grandeza  com  que  foram  mobilados. 
Com  quantas  difficuldades  não  teve  que  luctar  Albino  Soares 
para  fazer  transportar  estas  mobilias  de  Lisboa  até  aqui! 

E  foi  pensando  nisto  que  adormecemos! 

Rompeu  o  dia;  e  depois  de  tomarmos  o  genuino  café,  fizemos 
seguir  as  cargas  para  Caringa,  limite  do  concelho  com  o  de 
Ambaca,  e  fomos  admirar  os  bellos  productos  da  horta  que 
fica  próxima  da  residência. 

Silva  presenteou-nos  com  um  bonito  boi  preto,  ainda  novo, 
mas  que  já  dava  cavallaria,  e  com  um  garrafão  de  azeite  de 
palma  purificado. 

Para  recordação  tiraram-se  algumas  photographias  da  notável 
vivenda  em  que  estivemos  hospedados. 

São  horas  de  partir,  e  seguimos  por  essa  bella  estrada  or- 
lada de  palmeiras,  deixando  á  nossa  direita  as  senzalas  Qui- 
lombo e  Príncipe. 

Silva  e  outros  acompanharam-nos  até  ao  fim  da  estrada  ex- 
trema da  fazenda,  que  são  mais  uns  4  kilometros,  e  dirígimo- 
nos  para  casa  do  negociante  Luiz  António  Pereira  em  Andala- 
tando,  onde  Padrel  havia  mandado  preparar  hospedagem  para 
ali  dormirmos. 

Aqui  chegámos  já  perto  do  sol  posto,  depois  de  um  percurso 
de  mais  7  kilometros. 

Encontrámos  em  Andalatando  uma  pequena  colónia  de  nego- 
ciantes, que  confessam  terem  obtido  este  anno  bons  lucros,  por- 
que o  indígena  lhes  traz  muito  café  para  comprarem,  e  não 
lhes  faltam  carregadores  para  o  levarem  ao  Dondo. 


134       EXPEDIÇlO  PORTUOnEZA  AO  MUÁTIÃNVUA 

TodoB  estSo  muito  animados,  porque  se  está  construindo  a 
ponte  sobre  o  Lucala.  O  que  será  quando  se  principiar  a  con- 
struir o  caminho  de  ferro? 

E  são  estas  esperanças  que  vão  dando  alento  aos  europeus 
com  quem  temos  conversado  neste  concelho! 
*  Se,  a  par  dos  melhoramentos  materiaes  de  reconhecida  utili- 
dadc;  se  forem  adoptando  medidas  sanitárias  essencialmente 
praticas,  os  resultados  serão  muito  mais  profícuos,  não  só  para 
os  europeus  como  para  os  indigenas  e  por  conseguinte  para 
esta  productiva  regiJto. 

Aqui,  onde  a  corrupção  atmospherica  é  principalmente  de- 
vida á  infecção  tellurica,  só  a  cultura  do  solo,  o  desbrava- 
mento das  florestas,  e  o  desvio  conveniente  das  aguas,  poderão 
a  pouco  e  pouco  melhorar  as  condições  de  salubridade. 

E  isto  conseguir-se-ha  cora  o  tempo,  como  já  dissemos,  creando 
uma  escola  agricola,  aproveitando  as  boas  disposiçSes  do  in- 
digena  d'e8te  concelho  para  a  agricultura,  e  procedendo  ao 
desbravamento  das  florestas,  a  começar  de  baixo  para  cima, 
sobre  essas  abas  de  serra  onde  a  exposição  seja  melhor  em  re- 
lação aos  ventos  predominantes  e  ao  sol,  para  o  desenvolvi- 
mento do  café  e  cacau.  Assim  se  crearão  pequenas  proprieda- 
des, que  com  o  tempo  se  desenvolverão  até  á  maior  altura; 
e  é  ceno  que  a  salubridade  da  localidade  ha  de  logo  augmentar 
consideravelmente,  porque  os  pequenos  proprietários  se  irão 
encarregando  de  outros  melhoramentos  ao  seu  alcance,  que 
hoje  lhes  não  occorrem  por  falta  de  incentivo  e  não  porque  os 
não  apreciem. 

Isto  que  já  foi  ensaiado  e  que,  por  desmedidas  ambições, 
não  fecundou  nem  se  desenvolveu,  é  o  que  ha  a  fazer  com 
respeito  a  Cazengo. 

Apesar  de  ser  já  bastante  tarde,  ainda  antes  de  jantar  fomos 
visitar  uma  olaria  em  que  se  fabrica,  por  processos  rudimenta- 
res, boa  telha,  que  dizem  ter  consumo  nos  concelhos  próximos. 

E  esta  uma  industria  que  era  da  máxima  conveniência  que 
se  desenvolvesse,  porquanto,  nestes  concelhos  sertanejos,  as 
coberturas  das  casas  dos  europeus  e  até  mesmo  as  de  resi- 


DESGBIPÇXO  DA  VUOEH  135 

dencias  officiaes,  ainda  bSo  em  geral  feitas  ao  nso  primitivo, 
como  a  choupana  do  gentio — de  capim  Becco,  o  que  é  um  pe- 
rigOy  sobre  tudo  na  epocha  das  queimadas! 

Ora,  onde  não  faltam  os  recursos  indispensáveis,  como  boas 
madeiras  e  barros,  isto  só  mostra  da  nossa  parte  uma  grande 
incúria,  e  faz  crer  que  o  progresso  e  a  civilisaçSo  nos  teem  sido 
indifferentes.  E  é  por  este  indifferentismo  que  somos  mal  con- 
siderados pelos  estrangeiros. 

José  António  Pereira,  Commandante  da  primeira  companhia 
de  Móveis  do  concelho,  encarregado  da  casa  de  negocio  de  Luiz 
António  Pereira,  onde  fomos  hospedados,  ínformou-nos  de  que 
esta  casa  tem  mantido  ha  dois  raezes,  em  constante  movimento 
para  o  Dondo,  cento  e  cincoenta  carregadores  em  transporte  de 
cargas  de  commercio — o  que  não  succedia  ha  muitos  annos. 

Se  o  café  nos  mercados  da  Europa  subir  de  preço  e  se  man- 
tiver por  algum  tempo,  de  certo  que  os  agricultores  e  nego- 
ciantes sertanejos  se  libertarão  de  uma  grande  parte  do  ónus 
com  que  teem  luctado  nos  últimos  annos. 

O  Chefe  Padrel  ainda  nos  quiz  acompanhar  até  Caringa,  li- 
mite do  seu  concelho  com  o  de  Ambaca,  e  fez  expedir  um  es- 
coteiro ao  Coronel  Victor,  como  este  lhe  pedira,  participando 
a  nossa  entrada  no  dia  seguinte  no  concelho  que  administra 
muito  a  contento  das  povoações  aiuda  de  gentios,  para  quem 
a  vassallagem  é  ainda  incomprehensivel. 

Custou-nos  a  separação  de  tão  bom  companheiro  e  camarada, 
que  pretendia  adivinhar  o  que  mais  desejássemos  para  nos 
ser  agradável,  e  procurou  sempre  proporcionar-nos  todas  as 
commodidades.  Aqui  lhe  renovámos  os  nossos  sinceros  agra- 
decimentos. 

Em  Caringa  esperavam-nos  os  carregadores,  que  fizemos 
seguir  para  Caméxi,  onde,  junto  ao  rio,  descansámos  para  re- 
gistarmos algumas  informações  emquanto  nos  preparavam  o 
almoço  para  o  qual  nos  chamaram  ás  duas  horas. 

Deviamos  ter  chegado  aqui  muito  mais  cedo;  porém,  o  boi 
que  alguns  montaram  para  experiência,  entreteve-nos  pela 
serie  de  trambolhões  por  que  os  fez  passar,  e  de  uma  das 


13 


EJCPEDIV^lO  PORTDQUEZA  AO  MUATIÂNVUA 


vezes  Gscapu1íu-se  da  mjto  de  um  dos  c&valleiros,  e  elle  alii 
foi  de  batida  por  entre  o  capim  secco,  obrigaBdo-noe  a  fazer-lhe 
cerco,  e  perdendo-ae  mais  de  uma  hora  para  o  agarrar  durante 
a  qual  se  deram  episódios  que  provocaram  a  gargalhada. 

A  noBBa  marcha  até  aqui  foÍ  de  18  kilometros. 

Ab  três  horas  da  tarde  continuámos  a  viagem,  e  pouco  de-  1 
jwis  apre  sentou -se -nos  um  soldado,  do  batalhão  do  commando  i 
do  bravo  corouel  do  nosso  exercito  de  Africa  occidental,  Anta-  I 
nio  (ieraldo  Victor,  hoje  reformado  em  general  de  brigada,  I 
com  uma  guia  para  ficar  ao  nosso  serviço,  c  com  os  bilhetes-l 
de  visita  d 'esto  nosso  amigo,  oíFc  recendo -noa  hospitalidade  om  1 
sua  casa  e  dos  seus  offíciaes  felicitando -nos  pela  chegada  aa-M 
concelho. 


líKSCRIl-vSo  DAVJAUKM 


CONCELHO  m  AMBACA 


uando  is  a  esconder-sc  o  sol 
no  horizonte,  cbegámoa  a  Pam- 
ba,  onde  está  aquartelado  o  ba- 
lallião  de  caçadores  n."  3,  po- 
ilendo  calcular-so  o  percurso  de 
IJaculo  até  aqui — -em  57  ktlome- 
iroa — marcha  que  bons  escotei- 
103  teem  feito  num  dia. 

O  Commandante  e  seus  offi- 
i'ines,  mal  sentiram,  ao  longe,  o 
iiique  das  cornetas  da  Expedi- 
vílo,  vieram  ao  nosso  encontro. 
TivemoB  a  satísfaçSo  de  en- 
Lontrar  antigna  camaradas  e  ami- 
gos, o  que  nos  alegi-ou;  e,  emquauto  os  carregadores  com  as 
cargas  se  dirigiam  para  o  local  que  lhes  fôra  destinado,  o  Com- 
mandante convida va-noB  a  ir  ver  o  quartel  — a  obra  de  maior 
importância  nos  últimos  tempos  em  Ambaco —  começada  ha 
pouco  sob  a  sua  direcçSo,  apenas  com  os  recursos  materiaes 
da  localidade  e  com  o  trabalho  das  praças  do  batalhão. 

A  exposição  do  quartel  é  boa,  e  o  seu  plano  foí  subordinado 
ÔA  recommendaçiSes  mais  modernas  para  este  género  de  edi- 
ficaçSes.  Tem  um  bò  pavimento  raso,  sendo  isoladas  as  caser- 
nas, arrecadasses  e  demais  dependências  por  largas  mas  e 


138  EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUAHInVUA 

patcos^  estes  com  cultura  horticola^  o  que  é  de  bom  effeito, 
e  de  que  tiram  o  máximo  proveito  as  praças  indigenas^  que, 
dispensando  rancho  de  caldeiro,  teem  melhor  alimentaçXo. 

Os  officiaes  estão  bem  alojados.  As  repartiçSes  da  secretaria 
e  casa  do  commandante  sâo  amplas  e  bem  ventiladas. 

As  edificações,  comprehendendo  o  quartel  e  todas  as  suas 
dependências,  com  paredes  de  adobes,  caiadas  exteriormente, 
faziam-nos  lembrar  uma  bonita  aldeia  onde  entrara  a  aniroaçSo. 

r 

E  um  contraste  com  as  senzalas  de  palhoças,  que  consti- 
tuem a  povoaçSo  em  redor  e  a  d'ali  afastada. 

ff  Se  nSo  fosse  esta  sua  obra,  dissemos  nós  ao  Coronel,  passa- 
ríamos por  aqui  na  supposiçSo  de  que  isto  era  um  deserto, 
pois  o  alto  capim  nSo  só  encobre  a  povoação,  como  não  deixa 
ver  o  trilho  para  aqui  se  entrar!» 

Fomos  depois  ver  a  ponte  que  o  Coronel  está  fazendo  con- 
struir sobre  o  Lucala,  que  neste  logar  é  muito  estreito. 

A  ponte  é  feita  por  conta  da  Camará,  que  já  na  sua  acta  con- 
signou o  nome  que  ha  de  ter:  —  Ferreira  do  Amaral. 

Nada  mais  justo,  porque  ao  benemérito  Governador  geral  se 
deve  o  novo  impulso  para  levantar  Ambaca  do  marasmo  a 
que  chegara. 

Estão  proniptos  os  pilares  de  alvenaria  e  prepara-se  a  ma- 
deira para  o  seu  taboleiro,  e  tudo  espera  o  Coronel  se  conclua 
com  brevidade,  pois  deseja  aproveitar  a  passagem  do  Conse- 
lheiro Ferreira  do  Amaral,  que  tenciona  ir  a  Malanje,  para  se 
fazer  a  inauguração. 

Principiava  a  noite,  e  o  nosso  hospedeiro  convidou-nos  a  re- 
colher para  jantar. 

Esta  rápida  inspecção  a  duas  construcçSes  novas,  confessá- 
mos que  nos  impressionou  agradavelmente,  porque  nada  mais 
viamos,  e  faziamos  uma  outra  idéa  de  tudo  isto! 

Não  pensávamos  que  a  capital  do  mais  importante  concelho 
do  interior  tivesse  caído  num  tal  esquecimento ! 

Será  realmente  este  o  logar,  diziamos  nós,  para  onde  se  mu- 
dou, em  1606,  a  sede  do  presidio  fundado  dois  annos  antes  pelo 
Gk)vernador  Cardoso,  nesse  logar  a  que  chamam  Praça  Velha, 


DESCRIPÇlO  DÁ  VIAGEM  1 39 

e  onde  existem  as  minas  do  forte,  ou  antes  redueto,  que  os 
valentes  portuguezes  de  outrora  foram,  construir  á  vista  dos 
inimigos? 

Será  aqui,  onde  os  jesuitas  vieram  collocar  o  berço  da  civi- 
lisaçSo,  e  de  onde  dimana  esse  vislumbre  de  instrucçSo  que  se 
encontra  disseminada  por  toda  esta  parte  do  continente?! 

Seria  nesta  vasta  planicie,  que  acabávamos  de  ver,  que  por 
vezes  se  reuniram  forças  de  milhares  de  homens  armados,  para 
repeliir  o  gentio  que  nos  hostilizava?! 

Mas  onde  estão  os  vestígios  de  factos  tSo  importantes,  que 
aqui  se  deram  e  a  historia  nos  aponta? 

Na  verdade,  tudo  isto  é  triste;  e  se  nSo  fossem  alguns^  docu- 
mentos que  escaparam  ao  devorador  salalé,  e  os  cuidados  de 
homens  dedicados  que  lhes  deram  publicidade,  parecél*ia  que 
tudo  que  se  diz  de  Ambaca  era  uma  fabula! 

Entre  os  commensaes  tomaram  assento  alguns  amigo^  do  Co- 
ronel que  vinham  ver-nos;  e  sobre  o  assumpto  ouvimos  um 
homem  velho  da  localidade,  que,  se  bem  nos  recordamos  se 
chamava  Balthazar,  e  outros ;  e  reunindo  as  notas,  que  entSo 
tomámos,  e  as  investigações  a  que  procedemos,  concluímos: 

Que  f5ra  neste  local  que  se  reuniram,  em  1740,  vinte  mil 
homens  armados  por  ordem  do  Governador  Magalhães,  dos  quaes 
apenas  soldados  eram  duzentos  e  sessenta  de  infanteria  e  trinta 
de  cavai  lana; 

Que  todos  os  presidies  contribuíram  para  aquella  força, 
sendo  a  isso  obrigados  todos  os  brancos,  e  pretos  calçados ; 

Que  a  guerra  era  contra  a  rainha  Jinga,  por  ter  sido  assas- 
sinado nos  seus  estados  um  negociante  branco,  a  quem  rouba- 
ram todo  o  seu  commercio; 

Que  esta  guerra  fôra  feita  por  proposta  do  Governador,  com 
o  assentimento  de  todas  as  auctoridades  que  tinham  voto. 

A  rainha  estava  então  no  recinto  que  as  pedras  de  Pungo 
Andongo  limitam,  e  entre  os  penedos  na  parte  mais  recôndita. 
Os  nossos,  com  receio  de  que  ella  fugisse  para  as  suas  ilhas  no 
Cuanza,  como  era  uso  de  seus  antecessores,  trataram  pri- 
meiro que  tudo  de  tomar  posse  das  ilhas,  e  depois,  de  perse- 


140  EXPEDIÇIO  PORTUGUEZÁ  ÀO  IfUÁTIÂNYaA 

guirem  aquelles  que  em  debandada  procuraram  refugiar-se 
entre  os  penedos. 

Pedia  á  Jinga  que  se  lhe  concedesse  a  paz^  sujeitando-se 
ás  condiçSes  que  lhe  fossem  impostas,  porquanto  nSo  fora  ella 
que  ordenara  se  praticasse  tal  attentado  na  pessoa  de  um  bran- 
co; que  o  crime  era  grande,  mas  fôra  obra  de  seus  vassallos, 
a  quem  ia  mandar  castigar. 

Ha  quem  diga  que  £5ra  um  dos  ascendentes  de  Calandula, 
potentado  nas  terras  d'este  concelho,  que,  combatendo  ao  nosso 
lado,  perseguira  a  rainha,  e,  apaixonando-se  por  ella,  a  protegera 
escondendo-a  entre  as  pedras,  emquanto  elle  nSo  obteve  as 
pazes  em  que  interveiu. 

Balthazar  diz  que  não  fôra  Calandula,  e  sim  o  homem  com 
quem  ella  viveu  depois,  e  que  era  também  soba  aqui  do  conce- 
lho. Fôra  este  encarregado  pelo  chefe  de  descer  ao  covil  onde 
ella  estava,  e  vendo-a,  de  tal  modo  ficara  encantado  da  sua 
belleza,  que  ella  tirou  d'Í8so  partido,  conseguindo  que  prote- 
gesse a  sua  fuga  para  o  Songo,  promettendo-lhe  que  ficaria 
sendo  sua  mulher  se  obtivesse  as  pazes  que  desejava,  o  que 
conseguira;  e  depois  d^isso  foram  estabelecer-se  mais  para 
leste. 

Foi  depois  doesta  guerra  que  a  feira  da  Lucamba  passou  para 
aqui,  pois  a  Lucamba  ficou  despovoada  por  não  serem  ahi  as 
terras  boas  para  a  cultura. 

Muitas  são  as  causas  que  teem  contribuido  para  que  Âmbaca 
não  indique  hoje  o  que  foi;  porém,  de  facto,  os  jesuítas  minis- 
traram aos  filhos  doesta  ten^a  os  rudimentos  da  lingua  portu- 
gueza,  a  par  de  uma  instrucção  em  ofiicios  e  no  cultivo  dos 
campos ;  ensino  este  que  se  tem  transmittido  de  pães  para  filhos, 
porém  já  viciado.  Os  mais  espertos,  como  deixasse  de  vir 
cpmmercio  para  aqui,  vão  hoje  procurar  fortuna  noutras  terras. 

Com  respeito  a  Calandula,  continuou  Balthazar,  é  ainda  agora 
um  potentado  importante,  porque  tem  muito  povo  e  subordi- 
nados até  ao  Cuango.  E  a  importância  deve-a  á  parte  activa 
que  um  dos  seus  antepassados  tomou  a  nosso  lado,  numa  das 
guerras  contra  o  rei  do  Congo. 


.      DESCREPÇÀO  DA  VIAGEM  141 

Contam  ainda  hoje  os  seuB;  que  Calandola  tinha  acoíise- 
Ihado  o  chefe  da  expedição  militar,  que  fora  de  Loanda  com 
ellc;  sobre  o  melhor  modo  de  combater  as  forças  do  rei;  e 
como  o  referido  chefe  rejeitasse  os  seus  conselhos^  tendo  receio 
de  que  o  julgassem  traidor,  mandara  prevenir  a  feunilia  de  que 
os  portuguezes  iam  mon*er;  e  elle  havia  de  morrer  ao  pé  d'elles, 
portanto  tratassem  já  de  quem  lhe  havia  de  succeder  no  estado. 

De  facto  assim  aconteceu,  e  os  seus  vieram  entfto  estabele- 
cer-se  aqui  nas  vizinhanças  do  presidio  com  o  consentimento 
do  nosso  Governo,  e  sempre  teem  auxiliado  as  nossas  forças 
contra  o  gentio,  principalmente  da  Jinga ! 

Convinha  ao  Governo  garantir  a  segurança  doeste  posto 
avançado  no  interior,  e  por  isso  a  auctoridade  local  tem  sem- 
pre fechado  os  olhos  aos  abusos  que  o  seu  povo  mais  ou  menos 
tem  praticado,  expoliando  os  viajantes  indigenas. 

O  antecessor  do  actual  Calandula  adquiriu  fama  de  valente 
por  taes  abusos,  e  foi  destacando  para  o  interior  representan- 
tes seus,  com  a  imposição  de  lhe  serem  tributários ;  e  estes  fo- 
ram-se  estabelecendo  próximo  dos  caminhos  do  commercio  en- 
tre os  Bondos,  e  nos  Holos  e  Bongos,  próximo  do  Cuango. 

O  actual  segue  as  pisadas  d'aquelle,  e  a  preponderância  que 
elle  e  os  seus  sobas  vão  tendo  já  prejudica  o  commercio,  por- 
que se  tomaram  os  seus  estabelecimentos  coutos  de  ladrSes  e 
vadios,  filhos  d^aqui  e  de  outros  concelhos,  que  demais  fiallam 
portuguez ;  e  são  elles  os  que  os  incitam  a  roubarem  seus  pa- 
tricios  e  Bângalas,  mostrando-lhes  que  nada  teem  a  recear 
porque  pouca  força  militar  temos  no  interior. 

Depois  que  o  batalhão  veiu  para  cá,  esses  salteadores,  que 
infestavam  os  caminhos  para  o  interior,  já  não  dão  tanto  que 
fallar. 

Houve  ultimamente  um  governador  que  pensou  em  mandar 
ao  Calandula  uma  embaixada  com  presentes,  procurando  por 
meios  suasórios  chamá-lo  á  ordem ;  e  isto  era  um  passo  muito 
acertado. 

O  actual  queixa-se  de  que  o  Governo  não  tem  feito  caso  d'elle, 
nem  nunca  teve  em  attenção  os  serviços  de  seus  avós,  em- 


142       £XPEDIÇZ0  PORTaGUEZÁ  AO  MUÁTIÂNVUÁ 

quanto  que  Cabouco  e  Cassanje,  constantemente  sSo  lembrados^ 
tendo-se  revoltado  varias  vezes  contra  as  nossas  auctoridades. 

Esta  conversação  era  realmente  interessante  para  nós,  e  pena 
foi  que,  cortada  por  varias  interrupçSes,  se  generalisasse  e  viesse 
cair  nas  questSes  da  actualidade,  que  já  conheciamos. 

Comtudo,  não  foi  em  vão  que  a  registámos,  porque  a  ella, 
mais  tarde  pela  tradição  de  outros  povos,  conseguimos  juntar  fa- 
ctos, que  nos  permittem  marcar  muito  approximadamente  quando 
principia  a  formar-se  o  estado  doesse  tão  afamado  e  temido  po- 
tentado no  centro  do  continente,  e  a  que  menos  correctamente 
se  tem  chamado  Muata  lanvo. 

O  Coronel  Victor  também  é  de  opinião  que  se  devia  trazer 
sempre  contente  o  Calandula,  porque  dispõe  de  muita  gente 
atrevida  e  mesmo  aguerrida,  e  que  nos  pode  auxiliar  para  con- 
ter sujeitos  os  Dembos,  Bondos  e  Hungos,  não  avassalados  e 
vizinhos,  e  garantir,  não  só  a  segurança  do  commercio  e  agri- 
cultura em  Encoje,  Duque,  Fungo  e  Malanje,  como  também 
do  caminho  para  o  Dondo. 

Mesmo  para  a  exploração  das  minas  de  oiro  do  Lombije,  e 
aproveitando  esse  pretexto,  diz  o  Coronel,  é  de  toda  a  conve- 
niência a  intervenção  do  Calandula,  porque  tem  influencia  bas- 
tante para  remover  quaesquer  difficuldades  que  apresentem  os 
povos  limitrophes,  difficuldades  que  se  devem  esperar,  por- 
que ninguém  ignora  que  o  gentio  nf\o  acceita  bem  que  lhe  ex- 
plorem a  terra. 

Para  quem  conhece  o  Coronel  Victor  —  que  passou  a  sua  vida 
como  subalterno  em  combates  com  o  gentio,  que  foi  o  chefe 
das  ultimas  operaçSes  militares  em  toda  a  região  do  Duque  de 
Bragança,  que  por  muito  tempo  tem  vivido  em  todos  estes  ser- 
tões como  chefe  dos  seus  concelhos,  onde  se  soube  impor  pelo 
terror,  e,  finalmente,  que  das  guerras  da  Guiné  chegou  ha  pouco 
tempo  agraciado  com  a  commenda  da  Torre  e  Espada,  o  que 
entro  estes  povos  mais  veiu  confirmar  a  fama  que  já  tinha,  de 
Quijando  ainvencivel» — a  sua  opinião  não  é  para  desprezar. 

Muitas  vezes  ouvimos  fallar,  mesmo  além  Cuango,  do  Qui- 
jando, doeste  camarada  africano,  chegando  a  attribuir-se-lhe 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  143 

O  costume  de :  — antes  de  entrar  em  fogo^  esfregar  a  farda  com 
um  remédio  que  só  elle  conhecC;  para  que  as  balas  do  inimigo 
lhe    não  toquem. 

Esta  é  a  lenda  que  se  tem  propalado  entre  o  gentio,  e  que 
é  para  nós  muito  aproveitável;  pois  basta  muitas  vezes  a  pre- 
sença d'este  chefe,  para  evitar  conflictos,  de  que  se  podem  ori- 
ginar graves  consequências  para  a  provincia. 

Acabáramos  de  jantar  tarde,  e  a  conversa  ainda  nos  reteve 
por  muito  tempo  á  mesa.  As  visitas  querem  retirar,  e  o  Coronel 
pede-nos  que  ainda  passemos  o  dia  seguinte  com  elle,  para  com 
descanso  se  preparar  a  força  que  uqs  quizer  acompanhar;  e  nós 
aproveitámos  o  ensejo  pedindo  a  Balthazar  para  nos  guiar  num 
passeio  ao  romper  do  sol,  pois  desejávamos  obter  ainda  mais 
algumas  informações,  ao  que  elle  de  bom  grado  annuiu. 

Pouco  dormimos,  porque  tivemos  uns  maus  vizinhos — umas 
ratazanas  que  entre  os  forros  das  divisórias  do  nosso  aloja- 
mento nos  faziam  uma  impressão  desagradável  com  os  ruídos 
das  suas  ascensões  e  cambalhotas;  e  outras  mais  aventurosas 
que  conseguiam  sair  e  davam  saltos  por  cima  da  nossa  ca- 
beça. 

Por  isso,  logo  de  madrugada  viemos  para  o  largo  a  esperar 
o  nosso  companheiro. 

Um  grande  silencio  que  reinava  para  o  lado  do  quartel  pro- 
vava-nos  que  era  ainda  muito  cedo,  e  para  ahi  nos  dirigimos 
para  conhecer  dos  seus  arredores. 

Completa  desillusão! 

Estende-so  a  planura  para  norte,  rareando  já  o  capim,  e  ele- 
va-se  depois  o  terreno  em  morros,  uns  seguidos  aos  outros, 
mais  ou  menos  elevados,  despidos  de  vegetação,  apresentando 
aqui  e  acolá  manchas  esbranquiçadas  e  avermelhadas! 

Para  elles  estivemos  olhando  algum  tempo  e  diziamos  vol- 
tando:—  antes  de  se  construir  este  quartel,  o  que  haveria  aqui 
para  mencionar?  Uma  rua  com  algumas  moradias  de  adobe,  e 
uma  porção  de  palhoças  dispostas  a  esmo? 

Onde  estará  a  igreja  de  Nossa  Senhora  da  Conceição  de 
Ambaca? 


144  EXPEDIÇlO  PORTUGUEZA  AO  HUATIÂNVnA 

Por  que  razSo  se  escolheu  este  logar  para  terminus  da  linha 
férrea  de  Loanda,  pela  qual  tantos  se  empenham? 

Será  certo  que  foi  aqui  a  capital  do  grande  districto  organi- 
sado  em  1838;  que  contava  oitenta  mil  habitantes  e  centena- 
res de  sobados;  dos  quaes  cento  e  trinta  eram  feudatarios  da 
coroa? 

Mas  durante  o  meio  século  que  se  lhe  seguiu  qual  é  a  evo- 
lução que  se  tem  dado?  Augmentou  ou  diminuiu  a  populaçZo? 
Essa  agricultura,  que  existia,  e  que  chegara  mesmo  a  expor- 
tar para  Loanda  os  seus  productos,  porque  definhou?  Porque 
se  não  desenvolveram  essa^i  grandes  manadas  de  gado  vaccum? 
A  populaçSo  industriosa,  esses  ferreiros,  carpinteiros,  alfaiates, 
sapateiros  que  destino  tiveram? 

Como  tudo  aqui  é  desolador! 

E  estará  o  Governo  ao  facto  de  tudo  isto?  Conhecerá  das 
causas  doesta  desolação?  Ou  vamos  construir  um  caminho  de 
ferro  sem  conhecer  de  taes  causas,  e  sem  ter  a  convicção  de 
que  elle  poderá  attrahir  os  restos  d^esses  elementos  civilisadores 
dispersos,  e  que  Ambaca  ainda  lhes  poderá  offerecer  vanta- 
gens, superiores  a  outras  terras,  pela  agricultura  e  outras  in- 
dustrias que  tiveram  já  aqui  nomeada? 

É  possivel,  e  aqui  temos  mais  uma  d^essas  fecundas  liçSes, 
escriptas  nas  terras  intertropicaes,  e  onde  o  clima  se  patenteia 
assombrosamente  nivelador! 

Desappareceram  as  culturas  de  Ambaca  e  fugiu  a  sua  popu- 
lação; desappareceram  as  obras  collossaes  de  Oeiras  e  desap- 
parecerá  tudo  o  que  se  fizer,  se  não  se  tomarem  em  linha  de 
conta  os  vivos  coeficientes  de  correcção  que  mais  caracterisam 
as  localidades  tropicaes. 

Faziamos  estas  reflexões,  quando  nos  appareceu  o  bravo  Coro- 
nel, com  Balthazar,  convidando-nos  para  tomarmos  café  e  irmos 
em  seguida  todos  dar  o  nosso  passeio,  emquanto  o  ajudante  do 
batalhão  ia  apurando  das  praças  voluntárias  as  de  melhor 
comportamento,  para  passarem  ao  serviço  da  Expedição. 

No  passeio  apresentou-nos  o  Coronel  vários  sobas  vizinhos 
que,  uniformisados  a  capricho,  vinham  címiprimentar  os  seus 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  145 

hospedes.  Todos,  mais  ou  menos,  se  faziam  perceber  em  porta- 
guez,  e  d^elles  obtivemos  também  algumas  informaçSes. 

E,  cousa  notável,  o  ambaquista,  o  afamado  ambaquista,  esse 
vulto  com  quem  se  topa  a  cada  passo  no  centro  do  continente, 
diz-se,  e  é  conhecido  por  branco;  e  todos  os  que  nos  outros 
nossos  concelhos  sertanejos  procuram  imitá-los  no  seu  modo  de 
trajar,  e  nos  seus  usos  e  costumes,  dizem-se  filhos  de  amba- 
quistas!  £,  a  avaliar  por  aqui,  a  população  de  Ambaca  deve 
ser  na  verdade  muito  grande. 

O  ambaquista,  para  mostrar  a  sua  importância  sobre  estes, 
ao  seu  nome  de  baptismo  junta  um  appellido  portuguez  cuja 
fama  lhe  é  vulgar;  e  assim,  de  envolta  com  os  heroes  da  pri- 
mitiva, Salvador  Correia,  Paulo  Dias  de  Novaes,  Sousa  Cou- 
tinho, de  que  tiram  um  e  dois  appellidos,  lá  se  encontram  já, 
modernos  Sá  da  Bandeira,  Lopes  Calheiros,  Ferreira  do  Ama- 
ral, etc. 

Alguns  querem,  ainda,  destacar-se  de  seus  parentes  por  as- 
cendência distincta,  como,  por  exemplo,  o  primeiro  interprete 
da  Expedição,  que  entendeu  por  melhor  aggregar  ao  appellido 
Bezerra,  de  seu  pae,  o  de  Lisboa,  para  que  todos  soubessem, 
dizia  elle,  que  seu  bisavô  viera  do  reino! 

As  missões  de  jesuitas  que  por  aqui  estiveram  muito  tempo, 
tendo  a  sua  sede  no  Ambango-á-Quitambo,  e  as  minas  de  cujo 
convento,  Santo  Hilarião,  ainda  lá  existem,  deixaram  vestígios 
de  sua  passagem  na  educação  dos  povos  que  os  rodeavam.  A 
parte  os  interesses  da  companhia  que  os  moviam,  e  davam  le- 
gar ao  que  hoje  se  censura  como  escândalos,  é  certo  que  a  elles 
se  deve  a  transformação  de  Ambaca  em  berço  da  civilisação 
E  d'aqui  que  partem  esses  rudimentares  conhecimentos  da  nossa 
lingua,  quer  fallada,  quer  escrípta,  as  noções  de  agricultura  e 
de  officios  manuaes  e  de  outras  profissões. 

O  que  elles  não  puderam  destruir,  infelizmente,  foi  essa  mal- 
dita crença  nos  encantos  e  feitiços,  e  qu6  faz  mais  mal  aos  que 
se  aventuram  a  internar- se  no  continente  do  que  as  crenças  dos 
gentios. 

É  porque  naquelle  ensino  havia  factos,  havia  exemplos,  e 

10 


146  EXPEDIÇIO  POBTUaUEZA  AO  MUATIÂNVUÁ 

no  de  hoje  ha  eloquência^  e  como  muito  bem  diz  o  sr.  A.  F. 
Nogueira  no  seu  excellente  livro  A  nuja,  negra:  cOs  indígenas 
acreditam  mais  nos  factos  do  que  na  eloquência;  por  mais  su- 
blime que  seja,  e  quer  seja  profana  ou  sagradai. 

A  este  respeito,  quem  conhece  hoje  o  ambaquista  ou  indivi- 
duo por  elle  educado—  qu#<todos  sSo  baptisados  os  que  andam 
por  estes  sertSes — pôde  dizer  como  o  bispo  de  Angola  em 
1772:  cque  do  baptismo  só  aproveitam  as  creanças  que  mor- 
rem em  tempo  conveniente^  porque  as  que  chegam  á  puber- 
dade e  d'ahi  para  cima,  ficam  reincidindo  em  suas  ^perstiçSes 
e  leis  barbaras  em  que  vivem  os  outros  i. 

E  ainda  é  verdade  o  que  então  affirmava  o  referido  bispo: 
t  mesmo  em  velhos  perseveram  nas  suas  superstições/ em  que 
crêeni;  e  na  multiplicidade  de  mancebas,  que  nSo  querem  lar- 
gar, e  outros  mais  abusos  gentílicos  e  diabólicos  em  que  vivem 
sem  remédio». 

O  ensino  religioso  era  extemporâneo ;  e  como  muito  bem  diz 
o  nosso  ousado  explorador  Serpa  Pinto:  c façamos  primeiro  do 
preto  um  homem,  e  temos  tempo  para  d'esse  homem  fazermos 
um  christâo». 

Mas,  se  o  ensino  religioso  nada  produziu,  é  certo  que  o  ou- 
tro, apesar  de  muito  incompleto,  deixou  fructos,  e  são  elles  que 
mostram  a  protecção  que  Portugal  sempre  dispensou  aos  povos 
das  suas  colónias. 

Raro  é  o  ambaquista,  descendente  dos  educados  n^aquellas 
missões,  que  não  se  dedique  a  algum  dos  officios  manuaes, 
sapateiro,  alfaiate,  carpinteiro,  pedreiro;  e  todos  elles  mais 
ou  menos  sabem  ler  e  escrever,  sendo  mesmo  peritos  em  cal- 
ligraphia. 

Depois  dos  missionários,  são  os  pães  que  se  teem  encarregado 
da  educação  dos  filhos ;  e  pena  é  que  esse  ensino  vá  sendo  in- 
conscientemente tão  deturpado,  tomando  se  quasi  inintelligiveis 
as  cartas  que  elles  hoje  nos  enviam,  algumas  das  quaes  teremos 
occasião  de  publicar. 

Todos  trajam  á  europea;  mas,  entre  elles,  distinguem-se  os 
que  estão  em  melhores  circumstancias  pelo  chapéu  alto  e  sobre- 


DESCRBPÇXO  DA  VIAGEM  147 

casaca  preta,  e  logo  abaixo  os  que  fazem  o  seu  fato  de  orleft 
preta ;  e  todos  calyam,  ^oje,  ou  sapato  de  liga,  ou  sapatos  por 
elles  feitos  de  couro  ou  de  panno  de  algodão,  que  fabricam  e  tin- 
gem,  e  que  teem,  em  logar  de  sola,  madeira. 

A  maior  ambiçSlo  do  ambaquista  que  se  preza  é  ser  isento 
de  praça,  e  possuir  muitas  mulheres;  e  são  estes  os  dois  moti- 
vos fortes  por  que  larga  o  domicilio  paterno,  logo  que  chega 
aos  seus  vinte  annos. 

Toma-se  negociante  sertanejo,  porque  encontra  sempre  guem 
lhe  forneça* uma  pacotilha  a  credito;  e  lá  vae  para  o  interior 
com  dois  ou  três  discipulos,  que  lhe  confiam  sob  condição  de  elle 
lhes  ensinar  as  prendas  de  que  é  dotado. 

O  vidro  da  tinta,  pennas  e  papel  acompanham-no  para  toda 
a  parte  no  seu  rolo  de  folha  que  usa  a  tiracollo ;  e  mesmo  so- 
bre o  joelho,  sentado  no  solo,  elle  escreve  uma  carta. 

Ás  duas  primeiras  viagens  são  geralmente  pequenas;  perde 
sempre  para  os  credores,  mas  traz  a  familia  que  procurava, 
mulheres  e  rapazes  que  resgatou,  e  estabelece-se  no  seu  sitio. 

Fabrica  uma  casa  de  adobe,  coberta  de  capim,  e  faz  lavrar 
a  terra  de  que  se  apossou. 

É  ainda  ás  lições  praticas  dos  missionários,  que  se  deve  o 
pequeno  cultivo  das  terras  que  por  aqui  se  encontra.  A  sua 
producção  hoje  reduz-se  a  arroz,  feijão,  batatas  do  reino  e 
indigenas,  milho,  cebolas,  alhos,  bananas,  mangas,  jinguba  e 
tabaco. 

Do  trigo  já  não  tratam,  mas  affiança-nos  Balthazar  e  tam- 
bém o  Coronel,  que  se  colhera  muito  bom  trigo  em  Ambaca. 

Os  velhos  é  que  vão  dando  noç3es  agricolas  aos  rapazes  e 
mulheres.  Vimos  boas  tangas  de  algodão,  e  fumámos  excellen- 
tes  charutos  aqui  fabricados. 

Feita  a  sementeira,  o  que  tem  queda  para  o  negocio  recorre 
de  novo  ao  seu  credor  a  titulo  de  lhe  pagar  o  augmentado  cre- 
dito, e  parte  para  uma  nova  exploração;  e,  em  vista  da  produc- 
ção que  calcula,  determina  á  familia  que  deixa,  geralmente  só 
mulheres,  a  quantidade  de  dinheiro  que  quer  encontrar  no  mea- 
lheiro, que  é  o  solo  onde  o  enterra. 


.■* 


« 

148  EXPEDIÇIO  PORTUGUEZA  AO  MUATLÍNVUA 

E  assim  se  explica,  em  parte,  nSo  só  o  desenvolvimento  da 
populaçSo  que  teve  Ambaca,  como  o  da  sua  producçSo,  e  ainda 
o  apparecimento  recente  de  moedas  de  cobre  e  peças  de  oiro 
antigas,  que  se  conbece  terem  estado  muito  tempo  debaixo  da 
terra. 

Os  impostos  e  a  decadência  de  Ambaca  é  que  teem  feito 
apparecer  essas  moedas. 

Mas  a  que  devemos  attribuir  esta  decadência?  Dizem-nos 
que  ^  abuso  da  supremacia  eleitoral  a  que  fôra  guindado  o 
commendador  Manuel  Mendes  da  ConceiçSo  Machado,  filho 
da  localidade,  e  que  pelas  suas  prepotências  a  auctoridade 
superior  da  provincia  mandou  prender  em  1876  e  remetter  para 
Loanda,  onde  morreu  pouco  depois. 

No  que  este  celebre  commendador  mais  ferira  a  populaçSo, 
fôra  em  amarrar  seus  filhos  a  cordel  para  sentarem  praça  no 
exercto,  e  as  eleições  para  deputados  fomeciam-lhe  o  ensejo. 

A  sombra  das  suas  influencias,  elle,  o  homem  dos  códigos, 
sugava  o  povo  defi*audando-o  nos  seus  interesses,  fazendo 
justiça  de  Ambaca,  como  ainda  hoje  se  diz;  e  por  isso  a 
gente  mais  aproveitável  emigrara  para  outros  concelhos,  e 
alguns  sem  pouso  certo  por  lá  andam  pelo  interior,  lembrando- 
Ihe  Ambaca,  apenas  como  recordação  da  grandeza  de  seus 
pães. 

NSo  acreditámos  que  seja  só  este  o  motivo;  este  é  dos  nos- 
sos dias,  e  a  decadência  vem  de  epochas  muito  anteriores. 

Pelo  que  temos  lido,  acreditámos  que  Ambaca,  ao  fundar-se 
o  nosso  presidio  na  latit.  9®  15'  S.  do  Equador  e  longit.  15®  2(y 
E.  de  Greenwich,  se  tornou  um  centro  de  sobados  avassalla- 
dos,  e  que  fugiam  ao  despotismo  dos  Jingas,  govemando-se 
independentemente,  embora  submettidos  á  nossa  bandeira,  e 
contribuindo  com  impostos  para  de  nós  terem  uma  protecção 
efficaz. 

A  estes  povos  reuniram-se  outros,  fiigidos  mais  de  leste,  tam- 
bém com  o  seu  governo  independente,  avassallando-se  uns  e 
outros  não,  mas  correspondendo  ao  mesmo  por  se  avassalla- 
ram  aos  sobas  já  vassallos. 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  149 

Entre  elleS;  uma  leva  de  gente  da  Lunda^  como  veremos 
mais  adeante;  capitaneada  por  um  príncipe,  com  auctorísação 
de  um  dos  governadores  D.  Manuel,  certamente  D.  Manuel  P. 
Forjaz,  foi-se  estabelecer  em  Lucamba,  de  onde  retirou  pou- 
cos annos  depois  por  as  terras  nada  produzirem  e^  seguindo 
atrás  da  caça,  internou- se  até  ao  Cuango. 

Começou,  depois,  o  commercio  de  marfim  e  escravos  entre 
estes  e  os  aviados  do  nosso  commercio,  que  já  então  chegavam 
ate  aqui,  a  despeito  das  prohibiçSes  de  auctorídade  superior  em 
mercadejarem,  no  sertão,  brancos,  mulatos  e  negros  calçados. 

Os  jesuítas,  com  a  mira  neste  commercio,  conseguiram  ro- 
dear-se  de  povos  que  catechisavam,  animando-os  ao  mesmo 
tempo  que  lhes  dispensavam  o  ensino  incompleto  de  que  já 
falíamos. 

Por  muitos  annos  as  guerras  da  Jinga,  e  outras  a  leste  d'este 
povo,  eram  as  barreiras  ao  nosso  ingresso  para  o  interior,  e 
todo  o  commercio  se  fazia  em  Ambaca,  seguindo  para  Loanda 
pelo  caminho  protegido  pelos  jesuitas  até  S.  António  do  Bengo. 

Já  se  vê,  pois,  que  essa  grandeza  baseada  no  commercio  de 
Ambaca  era  ephemera,  desde  o  momento  em  que  nos  inter- 
návamos e  a  viação  era  outra,  isto  é,  logo  que  o  gentio  foi 
repellido  das  margens  do  Cuanza  e  se  conseguiu  um  caminho 
mais  directo  para  Loanda;  e  sendo  os  povos  avassallados  que 
procuravam  as  casas  do  commercio  do  litoral,  Ambaca  princi- 
piou a  perder  em  importância  pelo  lado  commercial. 

Restavam  a  agricultura  e  a  industria  fabril;  estas,  porém,  com 
a  retirada  das  missões,  foram  também  afirouxando  pela  falta  de 
estimulo  e  protecção  official,  e  sobretudo  de  trfmsportes  fáceis. 

Vieram  depois  as  exigências  e  extorsões  dos  chefes;  esque- 
cemo-nos  de  aproveitar  os  sobas  na  administração  publica;  e, 
por  ultimo,  deixámos  imperar  a  tal  potencia  do  commendador, 
e  por  isso  necessariamente  devia  succeder  o  que  presencia* 
mos — Ambaca  ficar  exânime. 

Quanto  a  nós,  é  á  accumulação  e  successão  de  todos  essas 
causas  que  se  deve  attribuir  a  decadência  de  Ambaca^  e,  por 
conseguinte,  a  emigração  de  seus  filhos  mais  prestáveis. 


150       EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATLÍNVUA 

Os  ambaquistasy  espalhando-Be^  teem  servido  de  núcleos  em 
outros  pontos  do  sertão,  de  onde  dimanam  usos  e  costumes 
nossoS;  embora  envolvidos  nos  gentílicos  da  localidade  em  que 
elles  residem ;  mal  que  temos  de  lastimar,  porque  tem  servido 
de  argumento  para  os  estrangeiros  nos  desacreditarem,  pois  só 
querem  ver  nelles  um  portuguez  que  está  explorando  o  com- 
mercio  do  gentio ;  e  mal  contra  que,  na  verdade,  tem  de  reagir 
todo  e  qualquer  europeu  que  se  embrenha  por  esses  sertSes, 
no  intento  de  ser  útil  ao  seu  paiz  e  á  sciencia. 

Teve  Ámbaca  fama  pelos  seus  bois-cavallos,  e  houve  em  tempo 
quem  aifirmasse  que  ahi  abundava  o  gado  bovino. 

Para  os  informadores  onde  terminaria  então  o  concelho  de 
Ambaca? 

Quanto  aos  bois-cavallos  acreditámos  que  se  vissem  bastantes, 
porque,  sendo  aqui  que  o  indígena  começou  a.adaptar-se  aos 
nossos  usos  e  costumes,  reconhecendo  as  vantagens  que  tiráva- 
mos do  cavallo,  nos  procurou  imitar,  domesticando  os  bois 
novos  que  por  negocio  adquiria  de  leste;  porém,  é  certo  que 
nem  a  abundância,  nem  a  qualidade  de  pastos  indicam,  pelo 
menos  agora,  que  a  região  que  temos  percorrido  até  aqui,  seja 
a  preferível  para  esse  gado,  e  sobretudo  quando  se  conhece, 
como  nós  conhecemos,  a  região  que  se  segue,  já  fora  d'este 
concelho,  até  ao  Cuango,  onde  os  pastos  são  excel  lentes  e  o 
gado  se  tem  desenvolvido  de  modo,  que  surprehende  a  quem 
percorre  todo  esse  sertão. 

Ahi  é  unicamente  o  pasto  que  sustenta  o  gado,  emquanto 
que  aqui  e  noutros  pontos  é  necessário  cuidar  da  sua  alimen- 
tação. 

Ê  possível  que  se  haja  sustentado  aqui  alguma  manada,  e 
òomo  consequência  o  exaggero  da  fama.  Talvez  succeda  o  mes- 
mo que  se  dá  com  os  papagaios  de  pennas  carmezins  ou  ro- 
sadas, que  muitos  suppoem  oriundos  de  Malanje  e  Cassanje, 
quando  elles  a  final  nem  da  Lunda  são.  Os  que  apparecem  vem 
do  norte,  trazidos  pelas  comitivas  de  commercio  que  lá  vão ;  e 
os  Lundas,  se  os  tivessem,  não  os  cediam,  porque  as  pennas 
da  cauda  doestas  aves  são  muito  apreciadas  pela  nobreza,  e 


DESOKIPÇZO  DÁ  YUGEM  151 

copstituem  um  dos  ornamentos  de  distíncçSo  entre  os  potenta- 
dos e  pessoas  da  sua  corte. 

Para  o  potentado  lunda,  hoje,  um  papagaio  doestes  é  um 
presente  de  valor,  porque  ha  grande  falta  das  taes  pennas  e  já 
recorrem  ás  de  aves  menos  raras. 

Com  respeito  á  caça,  fomos  informados  de  que  se  nSo  en- 
contra com  facilidade  em  Ambaca;  o  que  não  admira,  porque 
tendo  sido  este  um  dos  pontos  mais  povoados  do  sertão,  com 
certeza  a  que  escapou  foi  corrida  para  o  interior. 

É  talvez  por  isso,  que  faz  parte  da  alimentação  do  povo 
a  grande  abundância  e  variedade  de  gafanhotos,  sendo  o  meio 
de  os  apanhar  mais  facilmente  o  largar  fogo  ao  capim  depois  de 
se  conhecer  a  direcção  do  vento,  a  fim  de  sem  risco  se  fazer 
uma  boa  colheita.  Este  meio  poderá  ser  bom,  mas  ia-nos  sendo 
fatal  no  meio  de  um  deserto,  e  por  isso  o  prohibimos  d^ahi 
em  deante.  O  outro  meio  de  os  apanhar  é  mais  moroso  e  re- 
quero muita  gente :  juntam-se  raparigas  e  rapazes,  com  ramos 
de  folhas  e  vão  batendo  o  capim. 

O  ambaquista,  bem  como  as  suas  mulheres,  quer  em  passeio, 
quer  conversando,  aproveita  as  horas  do  dia  fiando  algodão, 
de  antemão  preparado  por  elles  para  tal  fim. 

O  processo  é  o  mais  rudimentar  possivel.  Ajeitam  as  pastas, 
em  redor  de  uma  pequena  vara  rija,  e  o  fio  vae  sendo  enro- 
lado a  uma  outra,  delgadinha  e  mais  pequena  que  fazem  girar, 
descrevendo  espiraes,  entro  os  dedos  pollegar  e  index  da  mão 
direita,  tendo  por  peso  na  parte  inferior  um  firucto  redondo, 
que  faz  lembrar,  pela  forma  e  côr,  um  limão  pequeno  ainda 
rijo. 

Livingstone,  que  viu  este  m,odo  de  fiar  o  algodão  por  estas 
regiões,  não  achou  differença  do  que  adoptavam  os  egypcios  nos 
primitivos  tempos. 

O  ambaquista,  á  falta  de  recursos  para  obter  fazendas  do 
nosso  commercio,  faz  bons  lençoes  de  algodão  pelo  systema 
das  tangas  de  mabela,  batendo  os  fios  transversaes  com  uma 
régua  abahulada  por  entre  os  fios  collocados  ao  alto,  trabalho 
este  que  a  Expedição  melhor  estudou  numa  colónia  de  am- 


152  EXPEDIÇÃO  PORTDODEZA  AO  MUATliSVUA 

baquístae  que  encontrou  na  mussumba  de  Luambata,  e  de  que 
dará  conhecimento  mais  desenvolvidamente. 

£  com  estes  tecidos  qite  elles  se  vestem  e  calçam,  e  também 
teem  vestido  oa  povos  do  interior,  entre  os  quaea  residem  por 
algum  tempo. 


Acreditámos  também  que  este  trabalho  é  devido  ao  ensino  j 
dos  jesuítas,  a  quem,  devemos  confessar,  é  justo  o  reconheci- 
mento que  ainda  existe  nestes  povos  pela  educaoSo  que  elles 
lhes  ministraram. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  1 53 

Lastima-se  que  elles  quizessem  intrometter-se  na  administra- 
ção da  província;  mas  é  certo  que  os  padres^  que  depois  dos 
jesuitas  para  lá  foram,  nSo  deram  os  resultados  que  a  posteri- 
dade tem  ido  herdando  destes,  e  que  seriam  hoje  muito  mais 
profícuos  se  o  ensino  que  elles  deram  tivesse  continuadores. 

Agora  Ambaca  apenas  exporta  para  os  concelhos  mais  a  leste 
algum  arroz  e  batata;  e  cremos  que  a  attençSo  que  está  mere- 
cendo aos  poderes  públicos  a  construcção  do  caminho  de  ferro 
de  penetração  a  partir  de  Loanda,  influiu  no  animo  do  actual 
Governador  para  mandar  aquartellar  aqui  um  batalhSo  de  caça- 
dores, sob  o  commando  do  Coronel  Victor,  de  onde  se  desta- 
cam forças  para  guarnição  dos  concelhos  próximos. 

Era  o  Coronel  o  individuo  que  mais  convinha,  não  só  para 
o  commando  do  batalhão  como  para  Chefe  do  concelho,  por 
ser  africano  e  muito  sympathico  á  soldadesca,  e  respeitado  pelo 
gentio. 

Durante  o  dia  tivemos  occasião  de  conhecer  que  assim  era, 
não  só  pelo  que  ouvimos  aos  sobas  e  aos  filhos  da  localida- 
de, como  pelo  que  presenciámos  entre  as  praças  do  seu  com- 
mando, que  de  muito  boa  mente  lhe  obedecem. 

Estavam  apuradas  doze  praças,  que  por  sua  vontade  passa- 
ram ao  serviço  da  Expedição,  e  contrataram-se  quatorze  carre- 
gadores para  transportarem  arroz,  batatas  e  feijão  até  Pungo 
Andongo. 

Promptos  para  seguirmos  viagem  de  madrugada,  fez-se  a  cor- 
respondência para  o  Governo  e  depois  fomos  jantar. 

O  Coronel  Victor,  sempre  cortez,  surprehendeu-nos  com  um 
jantar  de  dezoito  talheres,  a  que  assistiram  os  seus  officiaes, 
funccionarios  e  principaes  pessoas  da  localidade. 

Terminou  tarde,  como  era  natural,  o  jantar,  brindando-se  por 
Sua  Majestade  El-Rei,  Ministro  da  Marinha,  Governador  Ama- 
ral, e  fazendo-se  os  mais  ardentes  votos  pelos  bons  resultados 
da  Expedição. 

O  reverendo  parocho  convidou-nos  a  assistir  a  uma  missa 
que  elle  tencionava  rezar  por  nossa  intenção  no  dia  seguinte^ 
e  á  qual  todos  prometteram  comparecer. 


154 


EXPEDIÇÃO  POBTUODEZA  AO  HDATIXhVDA 


A  offerta  era  de  tal  ordem  que  se  nSo  podia  recusar. 

Na  madrugada  de  29,  já  amarradas  as  cargas  e  tudo  dis- 
posto para  a  marcha,  seguiu  a  Expedição  para  a  capella,  e  foi 
auuunclada  a  ceremouia,  a  que  ia  proceder-se,  por  uma  g^ran- 
dola  de  foguetes. 

Fiado  o  acto  religioso,  cuja  intençSo  muito  temos  a  agrade- 
cer ao  celebrante  e  a  todos  que  a  elle  concorreram,  despedimo- 
DOs  do  Corouel  Victor  e  de  todos  os  nossos  amigos,  e  partimos 
seguindo  a  nossa  bandeira,  que  j&  ia  na  frente. 


IH 


DESCBIPÇXO  DA  VIAGEM 


m  AMBACA  PARA  PUNao  ANDONGO 


omo  o  Coronel  Victor  estivesse 
já  soffrenílii  dt-  uma  enforini- 
ilude  c[iie  nmi»  tardo  ae  aggra- 
vou  tí  o  obri}j;oii  a  regressar  a. 
Luanda,  mandoii-nos  acompa- 
nhiir  poio  Alferes  Cândido  e  por 
outros  íiinccionarios  até  ao  porto 
do  Lucala. 

Entes,  moutados  em  magnifí- 
coa  boia-cavallos,  chegaram  é, 
margem  do  rio  muito  antes  de 
nós,  e  sob  a  sua  vigilância  já 
quasi  todaa  as  cargas  e  carre- 
gadores tinham  passado  para  o  outro  lado. 

Pela  primeira  vez  vimos  as  jangadas  —  um  amontoado  de 
palhas  ligadas,  com  uma  similhança  de  popa  e  proa,  e  gover- 
nadas por  dois  homens  que  aa  empurram  nadando. 

Ao  pormos  pé  em  um  tâo  caprichoso  transporte  fluvial,  falta- 
ríamos á  verdade  se  níto  confessássemos  que  receámos  que  essa 
j'6*j°6*  *'*  virasse,  e  nós,  de  mistura  com  as  bagagens,  lá  fos- 
semos levados  peia  corrente,  sabe  Deus  para  onde. 

Emfim  tudo  paasou  bem,  e  já  perto  do  meio  dia  seguimos 
em  direcç3o  á  Praça  Velha. 


156 


EXPEDIRÃO  FOKTUOCEZA  AO  HUATIAnVUA 


Ao  defrontarmos  com  eaaea  vestigios  do  redacto,  recordámo- 
uoa  da  Biia  historia,  e  pensámoB  quanto  não  custou  esta  liber- 
dade, qut-  hoje  se  dísfructa,  de  por  aqui  transitarmoa  aem  re- 
ceio do  gentio  traiçoeiro!  Quantaavictimaa  por  cata hberdade? 

O»  carregadores  haviam  rodeado  o  rio  Camuéji,  e  seguiram; 
por  isso  nós  contimiámOB  e  fomos  acampar,  eram  seis  horas,  no 
Cacusso,  um  pouco  adeante  do  Ala,  ao  p/;  de  umas  pedras  que 


se  eleram  em  pequeno  numero  acima  do  solo  1   a  2  metros. 
Tínhamos  feito  um  perciu-so  de  20  kilomotros. 

Estas  pedras,  n3o  sei  porquê,  lembraram-noa,  e  nBo  sem  pena, 
que  nem  sequer  perguntáramos  em  Ambaca  pelo  denominado 
Púri-á-CaeoIombolo,  adiniravet  subterrâneo,  no  dizer  do  nego- 
ciante Pereira,  de  Andalatando,  e  que  tentámos  esboçar  á  sua 
vista  pelas  indicações  qua  nos  ia  dando,  com  o  fím  de  corrigir 
o  desenho  se  lográssemos  visitá-lo. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  157 


E  uma  grande  rocha  de  grés  schistoso^  cuja  extensSo  se  cal- 
cula em  mais  de  400  metros,  com  duas  entradas  quasi  em 
sentido  opposto  para  imia  espécie  de  tunnel  que  a  atravessa^ 
tendo  diversas  alturas  interiores. 

Para  a  chamada  entrada  principal,  a  descida,  porque  é  bas- 
tante Íngreme,  torna-se  tão  incommoda  que  muitos  teem  desis- 
tido de  ir  até  lá  abaixo. 

Tendo  ahi  chegado,  encontra-se  ao  lado  direito  um  lago  que 
segue  para  o  interior,  e  continuando  em  frente  penetra-se  logo 
na  caverna,  afigurando-se  ter  ahi  uma  altura  superior  a  lõ 
metros,  altura  que  diminuo  para  dentro.  A  rocha,  tanto  dos 
lados  como  superiormente,  é  esbranquiçada;  porém,  inferior- 
mente está  revestida  de  uma  camada  de  limos  até  uma  certa 
altura,  e  o  piso  é  da  mesma  rocha,  devendo  andar-se  com  cau- 
tela para  se  não  escorregar,  porque  está  sempre  molhado. 

A  entrada  é  espaçosa,  e  quasi  ao  centro,  formando  o  fundo,  se 
unem  a  parte  superior  e  inferior  da  caverna,  ficando  dos  lados 
aberturas  menores  para  galerias,  que  se  tomam  tanto  mais 
escuras  quanto  mais  nellas  se  penetra. 

Nesse  paredão  ao  fundo,  chama  a  attençSo  do  menos  curioso 
explorador  luna  cavidade  em  forma  de  capella,  no  meio  da 
qual  uma  pequena  pedra  em  bruto  tem  uma  tal  configuração, 
que  faz  lembrar  uma  imagem  de  Nossa  Senhora:  os  amba- 
quistas  chamam-lhe  Nossa  Senhora  da  Pedra  Preta,  e  para 
elles  tomou-se  oráculo,  que  consultam  e  ao  qual  fazem  suas 
promessas.  Ao  lado  da  imagem  encontram-se  cartas  que  lhe 
dirigem,  e  garrafas  com  azeite,  vinho  e  outras  offerendas. 

Pereira  diz  que  tentou  penetrar  pela  galeria  da  direita,  po- 
rém as  luzes  dos  que  o  acompanhavam  apagaram-se;  e  sen- 
tindo correr  um  riacho  próximo  retirou-se  com  os  amigos  com 
quem  ali  fora,  deixando  ir  os  pretos  mais  ousados  para  deante. 

Vieram  então  esperar  os  pretos  no  lado  opposto,  e  elles  de 
facto  appareceram,  molhados  até  para  cima  do  joelho^  e  disse- 
ram não  ter  encontrado  caminho  enxuto.  Certamente  esta  agua 
é  continuação  d'aquella  que  se  viu  á  entrada  e  a  que  chamam 
lago. 


■í* 


/4  168  EXPEDIÇZO  POBTUOUEZA  AO  MUATllKVnA 

A  largura  da  entrada  aqui  é  superior  á  da  primeira,  mas  é 
muito  mais  baixa  do  que  ella.  Nesta  parte  da  rocha  sae  agua 
como  -de  um  filtro. 

E  de  suppor  que  os  jesuitas,  ou  os  antigos  chefes  d'este  con- 
celho;  como  Lourenço  José  Marques^  um  dos  homens  mais  ver- 
sados em  curiosidades  e  factos  históricos  da  provincia,  e  que 
muitos  manuscriptos,  segundo  é  voz  publica,  deixou  do  seu 
espolio,  tenham  já  dado  conhecimento  doesta  importante  obra 
natural,  que  a  terra  esconde  á  vista  do  viajante;  porém,  con- 
fessámos que,  apesar  de  termos  residido  em  Loanda  perto  de 
quatro  annos,  foi  a  primeira  vez  que  d'ella  ouvimos  fallar,  e 
sentimos  de  veras  o  esquecimento  imperdoável  de  nSo  irmos 
verificar  os  apontamentos  que  haviamos  tomado  no  nosso  diário 
em  Andalatando,  sobre  os  quaes  é  baseada  a  gravura  que  apre- 
sentámos. 

Pela  primeira  vez  se  armam  as  barracas  de  lona.  O  tempo 
está  bom  e.os  carregadores  não  fazem  abrigos,  e  dormem  ao  ar 
livre  junto  de  fogueiras,  que  já  se  vêem  espalhadas  pelo  acam- 
pamento. As  cargas  estão  entre  as  nossas  barracas  e  distan- 
tes d'essas  fogueiras. 

Jantámos  muito  tarde,  e  logo  em  seguida  cada  um  tratou  de 
se  recolher,  tomar  as  suas  notas  e  deitar-se. 

Aproveitando  a  boa  vontade  dos  carregadores,  conseguimos 
partir  no  dia  seguinte  ás  seis  horas  e  meia  da  manhã,  e  ás  dez 
haviamos  chegado  ao  Zamba,  tendo  feito  um  percurso  de  12 
kilometros. 

Até  aqui  a  vegetação  é  muito  semelhante,  e  as  queimadas 
produzem  os  seus  effeitos  devastadores,  que  nesta  epocha  sSo 
bem  visíveis. 

Logo  que  saimos  das  redes,  apresentou-se-nos  o  Comman- 
dante  da  divisão  dos  Moveis,  um  ambaquista  de  seus  cincoenta 
annos,  asseado,  de  altura  regular,  grosso,  bem  parecido,  vestido 
de  preto,  sobrecasaca  e  chapéu  de  palha :  bello  typo  de  homem, 
que  nos  ofiereceu  o  seu  bom  quartel,  com  um  grande  quarto 
para  hospedes,  na  supposiçSo  de  que  quizessemos  ahi  pernoitar, 
e  um  boi  da  sua  manada  para  darmos  de  comer  á  nossa  gente. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  159 

£ra  uma  novidade  grande^  para  esta  terra^  a  nossa  Expe- 
dição, de  que  já  se  fallava  nas  vésperas,  e  por  isso  fomos  logo 
rodeados  de  muito  povo. 

A  offerta  do  boi  ainda  mais  despeii;ára  a  curiosidade,  por- 
que se  ia  conhecer  da  valia  do  atirador  que  o  abatesse,  míssSo 
de  que  se  encarregou  Sertório  de  Aguiar,  que  logo  ao  primeiro 
tiro,  fazendo  passar  a  bala  por  entre  a  manada,  atirou  com  o 
sentenciado  por  terra.  Este,  depois  de  ter  rodado  um  pouco 
para  o  lado  e  como  quem  sacode  uma  mosca  que  o  magoa, 
caiu  esperneando,  em  meio  da  gritaria  e  palmas  do  popula- 
cho; e  assim  Aguiar,  não  perdendo  os  bons  créditos  que  dis- 
fructava  entre  nós  de  bom  atirador,  tinha  d'ora  avante  a  sua 
fama  estabelecida. 

Esfolar  um  boi,  esquartejá-lo,  e  fraccioná-lo  depois  em  ra- 
ções é  uma  faina  que  acaba  sempre  ao  bofetão,  quando  não 
acaba  em  facadas;  e  se  a  primeira  vez  entretém,  nas  outras 
enfastia,  e  nos  excita  contra  tudo  e  contra  todos  que  nos  ro- 
deiam. 

A  pratica  foi-nos  mostrando  as  providencias  que  tínhamos  de 
adoptar  em  taes  occasiSes ;  e  o  certo  é,  que  por  fim  se  faziam 
todos  esses  serviços  como  se  estivéssemos  num  açougue  em 
qualquer  cidade  civilisada,  no  maior  silencio  e  ordem  possí- 
veis, sem  contendas,  recebendo  cada  um  a  ração  que  lhe  era 
destinada. 

Esperemos  por  occasião  mais  opportuna  para  fazer  a  des- 
cripção  completa  d'esses  serviços,  e  quaes  as  providencias  que 
por  ultimo  se  adoptaram  para  evitar  contendas  sempre  desa- 
gradáveis; pois  é  um  bom  aviso  que  damos  aos  que  se  acharem 
em  circumstancias  análogas  ás  nossas,  convencidos,  como  esta- 
mos, de  que,  em  qualquer  ponto  do  continente,  a  contar  da 
costa,  o  preto  rude  perde  a  cabeça  ao  ver  correr  o  sangue  de 
qualquer  animal. 

O  que  estávamos  vendo  dá  a  justa  medida  do  estado  de 
atraso  em  que  se  acham  estes  povos. 

Terminou  aquella  operação  como  de  costume :  uma  porção 
do  interior  do  boi  não  se  reparte ;  os  que  trabalharam  na  sua 


«. 


160       EXPEDIÇÃO  PORTCGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

diyisSo  deitam  a  mão  a  um  grande  pedaço^  e  cada  um  pu- 
xando para  seu  lado  vae  sendo  arrastado  pelo  mais  forte^  até 
que  caem  todos  sem  querer  largar  a  presa.  EntSO;  os  mais 
fatigados^  e  já  pisados^  vão  desistindo  a  pouco  e  pouco^  des- 
compondo os  outroS;  até  que  dois  ou  três  que  ficam^  servin- 
do-se  por  fim  das  facas^  lá  se  retiram  com  o  seu  quinhão. 

Nesta  barulhada^  não  se  estranha  que  tomem  parte  um  ou 
outro  morador  das  povoações^  e  também  os  cães. 

A  Expedição  encontrou  neste  logar  uma  secção  com  as  nossas 
cargas^  vindas  de  Cazengo  para  Fungo  AndongO;  a  qual  tam- 
bém tomou  parte  na  festa  da  carne. 

A  população  aproveitou  do  festim;  mandando  os  seus  vendi- 
lhões com  fuba^  farinha^  cebollas^  e  outros  géneros  que  se  per- 
mutam por  carne. 

Emquanto  se  tirava  uma  photographia  da  localidade^  pre- 
parava-se  o  nosso  almoço,  no  qual  tomou  parte  o  Chefe  da  di- 
visão. 

A  sombra  da  casa  collocou-se  a  mesa,  e  d^ali  estivemos  dis- 
fructando;  na  nossa  frente,  uma  esplendida  floresta,  já  descri- 
pta  por  Welwitsch. 

Bartholomeu  Pedro  Brandão,  que  está  satisfeito  com  os  seus 
hospedes,  come  pouco,  mas  bebe-lhe  bem;  e  diz-nos:  «O  vinho 
é  muito  bom,  e  peço  licença  para  o  dar  a  provar  ás  minhas  ra- 
parigas»; e  cada  uma  por  seu  turno  vem  molhar  os  beiços  no 
precioso  liquido,  que  o  nosso  amigo  lhes  dá  por  conta. 

Principia  o  homem  a  alegrar-se,  e  ahi  começam  os  presen- 
tes :  agora  gallinha,  depois  fubá,  farinha,  ovos,  e,  por  ultimo, 
quer  que  levemos  um  porco! 

Isso  não  pode  ser,  lhe  diz  um  de  nós,  não  temos  carregado- 
res para  tanta  cousa ! 

Tudo  se  arranja,  retorquiu;  e  elle  ahi  vae  ás  curvas,  gri- 
tando por  fulana  e  sicrana  para  lhe  trazerem  dois  rapazes,  que 
levem  as  cargas  dos  seus  amigos  a  Pungo  Andongo,  e  elles 
apparecem. 

Fomos  então  mais  exigentes:  comprámos  alguma  cousa  do 
que  precisávamos,  mas  pagando  o  porco. 


DESCRIPÇÍO  DA  VIAGEM 


161 


Isto  dea  logor  a  uma  diecusa^o,  em  que  elle,  aos  abraços,  nos 
queria  provar  que  era  muito  uobbo  amigo,  e  que  uSo  parecia 
bem  fazer  negocio  com  pessoas  grandes  de  Mueiie  Puto;  mas 
cedeu,  por  fim,  com  a  condição  de  nos  acompanhar  até  ao 
Lutete,  A  margem  do  qual  queriamoa  pernoitar,  e  assim  fize- 
mos alguns  forneci men toe. 


^\vt 


;';'^''%;;3s_-  ^^^^n. 


Mandou  apparelhar  o  seu  boi,  mas  como  a  alegria  já  fúase 
grande,  e  aa  peruas  fraquejassem,  tudo  eram  pretextos  para 
passarmos  a  noite  ali. 

Ás  três  horas,  cmfim,  estava  o  homem  convencido  de  que 
nós  éramos  maia  teimosos  do  que  elle,  e  resolveu-se  a  montar  o 
boi.  Os  carregadores  segnem  e  nós  vamos  para  as  rédea. 

Rodeado  dos  seus,  quer  mostrar  que  ainda  é  agil  e  nSo  está 
em  tal  estado  quo  nSo  pos^a  montar  o  bm' ;  mas,  ao  fazô-lo, 
vae  cair  do  outro  lado,  rolando^pelo  cIi.1o. 


162  EXPEDIÇSO  POBTUGUEZA  AO  MUATllNVnA 

Um  de  nósy  que  ficou  atrás,  fez  coro  com  as  suas  mulheres 
para  que  ficasse  e  fosse  descansar  um  pouco,  e  elle  cedeu  abra* 
çando-o,  e  lá  ficou  sobre  um  pequeno  morro,  agitando  um  len- 
ço, e  em  grande  gritaria,  dando  vivas  á  ExpediçSk).  . 

As  seis  horas  haviamos  percorrido  4  kilometros.  Parámos  junto 
ao  rio  Lutete,  onde  depressa  os  carregadores  improvisaram  um 
acampamento,  e  os  contratados  armaram  as  nossas  barracas, 
para  onde  fomos  escrever  as  impressões  do  dia,  aguardando  o 
jantar,  para  o  qual  todos  tínhamos  appetite. 

Arranjam-se  fogueiras  como  de  costume.  Os  carregadores 
com  a  barriga  cheia  estSo  satisfeitos,  e  tratam  de  cantar  e  dan- 
çar; e  nós,  com  esta  bulha  infernal  a  que  nos  vamos  acostu- 
mando, adormecemos,  lembrando-nos  da  bebedeira  do  nosso 
Bartbolomeu  e  da  sua  boa  gente. 

Bartholomeu,  chefe  da  divisão,  é  uma  potencia  aqui:  tem 
bastantes  mulheres,  boa  manada,  bellos  porcos,  cabras,  galli- 
nhãs,  lavras  bem  tratadas,  e  além  d'isto  boas  propinas  pela 
resoluçSo  das  questões  dos  povos  que  constituem  a  divisSo !  Que 
mais  quer  elle? 

Parece  á  primeira  vista,  que  estas  entidades,  chefes  ou  com- 
mandantes  de  divisão  —  auctoridades  gratuitas  do  governo  da 
provincia  espalhadas  por  todo  este  sertão  —  são  o  fiagello  dos 
povos  e  um  estorvo  ao  desenvolvimento  das  localidades. 

Impressionados  pelo  que  se  tem  dito  e  escripto  sobre  taes 
auctoridades,  confessámos  que  vinhamos  predispostos  contra 
ellas;  porém,  o  que  fomos  vendo  depois,  mostrou-nos  que  essas 
entidades,  quando  bem  aproveitadas,  sao  um  grande  auxilio 
á  boa  administração  da  provincia,  como  esperamos  provar  de- 
pois da  nossa  rápida  viagem  por  estes  concelhos  sertanejos. 

Começava  o  mez  de  julho  e  começava  bem.  Logo  ao  rom- 
per do  dia,  o  maioral  do  povoado  próximo  traz-nos  um  cabrito 
de  presente,  e  pouco  depois,  um  homem  d^ahi  pede  providencias 
contra  um  dos  soldados  que  nos  acompanha. 

Eis  a  questão: 

Um  soldado  na  véspera  á  noite  roubára-lhe  uma  rapariga 
e  trouxera-a  amarrada  para  o  acampamento. 


descbipçao  da  vuqeh  163 

Chamoa-se  o  soldado  e  o  seu  cabO;  e  todos  os  cabos  de  car- 
regadores^ ao  mesmo  tempo  que  se  deram  ordens  para  a  Expe- 
dição amarrar  cargas. 

O  soldado  confessou  que  roubara  a  rapariga^  porque  um  tio 
d'ella  em  Ambaca  lhe  devia  6^000  réis. 

O  homem  que  se  diz  pae  pede  justiça  de  Mendes  Machado; 
isto  é :  que  o  soldado  lhe  dê  fazenda  e  dinheiro^  e  leve  a  ra- 
pariga. 

O  soldado  diz:  «Já  estou  privado  do  meu  dinheiro;  minha 
irmã  esta  amigada  com  o  irmSo  do  queixoso^  tio  da  rapariga; 
fique  elle  com  o  dinheiro  e  minha  irmS^  e  eu  levo  a  rapariga 
para  cozinhar  a  minha  comida  na  viagem.» 

A  rapariga  nSo  quer  ficar  com  o  soldado,  porque  se  nSo  por- 
tou bem  com  ella,  deixando-a  ficar  amarrada  toda  a  noite. 

O  soldado  insiste  que  só  a  foi  buscar  para  cozinheira. 

ResoluçSo :  A  rapariga  fica  com  seu  pae. 

O  corneta  toca  a  avançar;  cada  um  se  dirige  para  as  suas 
secçSesy  e  seguimoç. 

Vamos  subindo  suavemente.  Já  aqui  se  nota  outra  qualidade 
de  terra;  já  a  vegetação  é  mais  forte^  e  o  capim  mesmo  é  di- 
verso. 

Tinhamos  andado  13  kilometros  e  começámos  a  atravessar 
uma  extensa  mata,  de  que  também  falia  Welwitsch,  finda  a 
qual  entrámos  em  Cazela,  pouco  depois  das  dez  horas,  sendo  o 
percurso,  do  Lutete  até  aqui,  16  kilometros. 

Descansámos  para  alnioçar,  e  fizemos  seguir  o  cabo  da  força 
com  a  carta  de  recommendaçSo  de  M.  Zagury  ao  gerente  da 
casa  Lara  &  C,  em  Pungo  Andongo. 

Passava  já  do  meio  dia  quando  proseguimos  a  nossa  jorna- 
da, e  pouco  depois  começávamos  a  descobrir  os  cabeços  das 
celebres  e  tSo  afamadas  pedras. 

Com  verdadeiro  enthusiasmo  iamos  vendo  apparecer  esses 
ennegrecidos  monolithos  naturaes,  de  que  se  falia  com  admira- 
ção ha  dois  séculos. 

Conhecíamos  o  que  se  tem  escrlpto  a  respeito  d'esta  mara- 
vilha da  natureza,  e  já  em  tempo  escrevêramos  alguns  ar- 


J64 


EXPEDIÇXO  PORTUODEZA  AO  MUATIXnvcA 


tigOB,  mofltrando  muito  especialmente  as  vantagens  de  aqui 
se  estabelecer  uma  colónia  europea;  e  mesmo,  quando  fomos 
conaultadoa,  na  commÍBsSo  da  reorgnnisa^o  do  exercito  do  Ul- 
tramar, preferimos  esta  localidade  a  Ambaca  para  se  aquarte- 
lar um  batalhSo,  baseando-nos  nasínforaiaçScs  que  então  ha- 
viamoa  colhido. 

ChegámoB,  cmfim,  ao  pó  d' este  monumento  natural,  ás  trea 
horas  e  um  quarto  da  tarde  do  dia  1."  de  julho  de  1884;  tendo 
feito  de  Ambaca  até   arjui,  no   rumo  quaai   aeinpre  sul,   um   ' 
percurso  de  6Í.1  kilometro8  — viagem  que  um  bom  escoteiro  tem 
feito  em  dia  e  meio.  i 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM 


CONCKI.HO  DK  PUNGO  AKDONGO 


NÓB,  que  noB  sentira- 
inoa  impressionadus,  at- 
tcntnndoiios  monumentos 
de  Lo  anda,  observando 
as  bdla^  margens  do 
Cuauza,  descobrindo-nos 
respeitosos  em  presença 
das  heróicas  fortalezas 
de  Muxima  e  de  Mau 
sangauo,  estudando  o 
uotavel  movimento  com- 
mercial  do  Dondo,  per- 
correndo as  plantaçcies  de 
Cazengo  e  atravessando 
OB  dcBcampados  da  lea- 
(riioi.  ■!•  Eiprdiçio)  daria  Ambaca,  nSo  pu- 

demos dominar  a  nossa  confusão  e  o  nosso  assombro  quando 
noa  acbámoB  em  prc8eo;;a  das  majestosas  pedras  de  Fungo 
ÃDdongo  I 


1 66       EXPEDIÇIO  POBTUGUEZA  AO  MUATIInVUâ 

Ey  com  franqueza  o  confessámos^  nSo  nos  sentíamos  com 
animo  de  caminhar  avante  sem  as  contemplarmos  por  largo 
espaço. 

Approximámo-nos  depois  para  fazer  uma  idea  da  sua  altu- 
ra, e  recuámos  em  seguida,  como  que  receiando  ficar  esmaga- 
dos por  um  d'esses  penedos,  que  parece  quebrado,  e  cuja  parte 
superior  se  mantém  em  equilibrio,  ameaçando  despenhar-se ! 

Afastámo-nos  ainda  para  mais  longe  a  fim  de  melhor  abran- 
ger com  a  vista  esses  monstros  de  formas  diversas,  ligados 
até  meia  altura  a  constituirem  uma  muralha  ondulada,  termi- 
nando superiormente  em  figuras  phantasticas  mais  ou  menos 
arredondadas,  mais  ou  menos  agudas,  que  se  destacam  em  in- 
tervallos  como  ameias  de  antigas  fortalezas.  E  assim  se  esten- 
dem por  kilometros  para  noroeste  estes  penedos,  interrompeu- 
do-se  a  sua  continuidade  para  depois  nos  apparecerem  de 
distancia  em  distancia,  como  se  fossem  as  cristas  da  mesma 
muralha  que  affloram  á  superficie  e  que  diminuem  de  altura 
até  desapparecerem  no  terreno  que  vae  subindo. 

Como  isto  é  soberbo! 

Quizeramos,  antes  de  penetrar  nas  entranhas  d'esta  enorme 
estructura,  que  a  natureza  se  encarregou  de  levantar  para  des- 
afiar a  audácia  do  poder  humano,  e  onde  os  Portuguezes  foram 
esconder  as  suas  habitações,  avaliar-lhe  as  diversas  alturas, 
conhecer- lhe  o  aspecto  e  attentar  na  côr  que  a  reveste,  que  só 
de  per  si  reptesenta  um  phenomeno  interessante. 

E,  na  verdade,  como  são  grandiosos  estes  problemas  da  na- 
tureza, que  se  revelam  ao  homem  investigador! 

E  quem  dirá  que  a  côr  negra  doestes  penedos  é  devida  a  uma 
simples  alga  do  género  Sdtonema,  a  qual  não  só  imprime 
caracter  a  esta  região  pedragosa,  mas  também,  o  que  não  é 
menos  interessante,  serve  para  proteger  toda  a  vegetação  contra 
os  raios  do  rei  dos  trópicos  —  o  dominador  implacável  de  todas 
estas  terras! 

Apresentaram-se  essas  pedras  como  uma  maravilha  geológica 
e  como  uma  curiosidade  botânica,  e  em  verdade  tudo  aqui  para 
nós  é  admirável,  surprehendente ! 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  167 

E  que  de  recordações  históricas^  politicas,  coloniaes  nos  iam 
acudindo  á  mente,  memorando-nos  da  conquista  doestas  pedras 
e  dos  heróicos  feitos  dos  Portuguezes  em  toda  esta  vastíssima 
provincial 

Mas  o  território  das  Pedras  Negras  não  era  o  objectivo  da 
nossa  viagem,  e  por  isso,  assim  pensando,  naturalmente  iamos 
penetrando  nos  dominios  d'aquelles  soberbos  gigantes  da  natu- 
reza, seguindo  por  vezes  em  estreita  vereda  que  dá  acesso  á 
povoação. 

Chegámos,  emfím,  eram  quatro  horas  da  tarde,  a  este  exce- 
pcional logar  habitado,  onde  já  nos  estava  esperando  o  sympa- 
thíco  negociante  Philippe  da  Silva  Leonor,  cavalheiro  que  nos 
captivou  pelas  suas  maneiras  distinctas  e  modos  insinuantes. 
Havendo  embarcado  muito  novo  para  o  Brasil,  percorreu  o 
Amazonas  e  o  Pará,  de  onde  veiu  para  esta  província,  fixando 
ultimamente  aqui  a  sua  residência  como  negociante  e  sócio  da 
acreditada  firma  Lara  &  C* 

Recebeu-nos  com  verdadeira  aflPabilidade,  e  tinha-nos  prepa- 
rado um  bom  aposento. 

Tratámos  de  aproveitar  o  pouco  que  tínhamos  da  claridade 
do  dia,  pois  bem  sabíamos  que  das  pedras  a  dentro  anoitecia 
muito  mais  cedo. 

E  este,  por  certo,  um  phenomeno  de  fácil  explicação ;  mas 
que  influencia  podo  elle  ter  nos  habitantes  e  na  vegetação,  se 
inquestionavelmente  recebem  uma  somma  de  luz  e  de  calor 
muito  menor  do  que  se  estivessem  a  horizonte  descoberto? 
São  questões  de  pequena  monta  á  primeira  vista,  mas  não  o 
podem  ser  quando  se  deseja  conhecer  a  influencia  de  uma  lo- 
calidade na  vida  dos  seus  habitantes. 

E  a  nós,  que  haviamos  recommendado  as  terras  de  Pungo 
Andongo  como  logar  adequado  para  uma  colónia  europea,  cum- 
pria-nos  reconhecer  a  verdade  do  que  haviamos  affirmado,  em- 
bora para  isso  tivéssemos  pouco  tempo  de  que  dispor;  e,  por- 
tanto,  tratámos  logo  do  que  era  indispensável  providenciar  com 
respeito  á  Expedição,  para  nos  dedicarmos  depois  com  mais 
cuidado  ás  nossas  investigações. 


lè8  fiXPEDIçXo  POBfUOtTEZA  ÀO  HUÀTIInVUA 

No  grande  quintal  da  casa  que  o  gerente  poz  á  nossa  dispo- 
sição fizeram-se  acampar  os  carregadores,  arrumando-se  as 
caibas  num  armazém,  e  armando-se  uma  das  nossas  barracas 
de  lona  para  os  doentes,  que,  por  infelicidade,  já  havia,  cer- 
tamente em  razão  das  fatigantes  marchas  que  ultimamente  fi- 
zéramos, por  termos  ainda  de  nos  demorar  em  Malanje  e  ir  já 
muito  adeantada  a  quadra  do  melhor  tempo  para  nos  inter- 
narmos. 

Da  parte  de  fora  do  quintal  armou-se  outra  barraca  para  as 
doze  praças,  que  davam  uma  sentinella  para  as  cargas,  ao  mes- 
mo tempo  que  vigiavam  pela  ordem  entre  os  nossos  carrega^ 
dores,  pois  que  estavam  aqui  comitivas  de  diversas  prove- 
niências ao  serviço  da  casa. 

A  bandeira  da  Expedição  foi  arvorada  junto  da  barraca  dos 
soldados,  porque  os  nossos  desejaram  sempre  destacar-se  das  ou- 
tras comitivas  particulares  com  que  se  encontram;  e  é  certo 
que  a  bandeira  portugueza  os  anima  e  infunde  respeito. 

Fomos,  em  seguida,  procurar  o  chefe  para  sabermos  se  tinha 
já  feito  acquisiçâo  dos  bois  de  monta,  como  lhe  fora  recommen- 
dado  pelo  Governador  geral  da  provincia.  O  chefe,  que  não 
passava  de  ser  um  bom  homem,  e  desejava  viver  sem  incom- 
modos,  disse-nos  que  era  cousa  difficil  o  alcançarem-se  de 
prompto  oito  bois  em  boas  condições,  e  que  por  isso  nos  espe- 
rava para  nós  os  escolhermos. 

Voltámos  a  Philippe  Leonor,  que  se  encarregou  de  os  apre- 
sentar no  outro  dia  de  manhã,  aifiançando-nos  que  já  podíamos 
dispor  de  três. 

Despediram-se  os  carregadores  que  terminaram  os  seus  con- 
tractos, e  aproveitou-se  o  retomo  de  oito  para  Malanje,  que  fica- 
ram logo  a  nosso  serviço  e  se  encarregaram  de  obter  mais,  de- 
vendo os  contractos  de  todos  ser  feitos  no  dia  seguinte. 

Nestes  serviços  se  passou  o  resto  da  tarde,  até  nos  chamarem 
para  o  jantar. 

Vieram  procurar-nos  algumas  pessoas  da  localidade  as  quaes 
o  dono  da  casa,  com  a  boa  vontade  de  se  nos  ser  agradável, 
convidara  para  nos  fazerem  companhia. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  169 

GeDeralisou-se  a  conversaçSO;  e  largamente  se  apreciou  a 
importância  doesta  região^  e  se  fallou  da  sua  opulência  passada 
e  sua  presente  decadência. 

Tratando-se  da  opulência,  já  se  vê  que  falíamos  do  coronel 
Manuel  António  Pires,  cujas  filhas  e  netas  nós  conhecemos. 
Recordáram-nos  o^modo  principesco  como  elle  em  sua  casa  rece- 
bera Livingstone,  que  também  no  seu  livro  lhe  consagra  pa- 
lavras de  muito  louvor. 

O  coronel,  como  se  sabe,  era  negociante;  dispunha  de  grande 
força  de  gente  armada  e  havia-se  tomado  o  sustentáculo  do 
prestigio  portuguez  por  estes  sertSes  mais  próximos. 

As  suas  comitivas  de  negocio,  passando  através  dos  Libelos, 
iam  até  o  Bié  e  regiões  ao  norte,  alargando  cada  vez  mais  a 
fama  do  seu  nome.  Na  verdade,  chegou  a  possuir  riquezas  fa- 
bulosas. Tinha  boas  propriedades  agrícolas,  boas  manadas  de 
gado,  e  offerecia  aos  seus  hospedes  pSo  fabricado  com  o  trigo 
que  colhia  das  suas  fazendas,  e  excellentes  queijos,  a  que  Li- 
vingstone  se  refere  como  verdadeiro  apreciador. 

As  hortaliças  mais  perfeitas,  e  as  carnes  mais  saborosas,  que 
não  eram  excedidas  pelas  melhores  da  Europa,  os  fiructos  mais 
finos,  mais  mimosos  e  mais  delicados,  e  os  doces  que  d'elles 
mandava  fabricar,  constituiam  as  refeiç3es  doesse  homem  tSo 
singular,  como  as  pedras  a  cuja  sombra  se  acolhera. 

Das  hortaliças,  carnes,  fimctas  e  doces,  tivemos  occasiSo  de 
provar  magnificos  exemplares. 

Na  sua  residência,  nesta  villa,  viam-se  mobilias  luxuosas 
mandadas  vir  da  metrópole;  os  tectos  e  paredes  dos  quartos 
eram  primorosamente  pintados  por  artistas  de  mais  subido  mé- 
rito, que  para  tal  fim  mandou  chamar. 

Era  extraordinária,  na  verdade,  esta  narração,  e  tem  tanto 
mais  de  real,  quanto  é  confirmada  com  sinceridade  pelo  celebre 
Livingstone. 

Como  o  coronel,  lembra-nos  Rodrigues  Graça,  nas  suas  pro- 
priedades do  Golungo  Alto,  e  mais  tarde  o  mallbgrado  Borges; 
e  ainda  em  Moçambique  e  em  S.  Thomé,  ha  memoria  de  outros 
Portuguezes  que  deixaram  nome  pela  opulência  em  que  vive- 


170      EXPEDIÇlO  POBTUGUEZA  AO  MUATIIkVUA 

ram^  oa  pelos  vestígios  que  ainda  d^ella  se  vêem  nas  proprie- 
dades que  administraram. 

SSo  importantes^  é  certo;  os  factos  que  apontámos,  e  nSo 
menos  notáveis,  annos  antes,  os  que  se  contam  de  Fortunato  de 
Mello. 

Advogara  este  com  enthusiasmo  a  idea  de' aqui  se.  estabele- 
cer uma  colónia  europea;  e  seu  pae,  medico  e  naturalista  dis- 
tincto,  diz-nos  Lopes  de  Lima,  havia  escolhido  esta  regiSo  de 
preferencia  a  todas  as  outras  para  aqui  passar  os  últimos  dias 
da  sua  vida. 

Tudo  isto,  porém,  não  foi  sufficiente  para  salvar  esta  loca- 
lidade do  abatimento  em  que  hoje  a  encontrámos,  e  de  que 
nos  é  fácil  dar  a  explicação. 

Como  quasi  sempre  succede,  e  ainda  hoje,  a  respeito  dos  mais 
vivos  assumptos  coloniaes,  procede-se  por  informações  menos 
auctorísadas,  e  assim  vimos  que  as  pedras  de  Fungo  Andongo 
foram  consideradas  como  insalubres  e  tSo  más,  certamente  por 
causa  da  côr  negra  por  que  são  conhecidas,  que  foi  este  por 
muitos  annos  o  logar  escolhido  para  onde  se  enviavam  degre- 
dados os  facínoras  mais  perigosos! 

Também  para  aqui  veiu  desterrado  o  preso  politico  José  de 
Seabra  da  Silva,  que  fôra  ministro,  e  a  quem  por  commiseraç&o 
sustentara  um  dos  ascendentes  do  indígena  Polycarpo  de  Beça 
Teixeira,  cujo  retrato  apresentamos. 

Prolongou-se  a  conversa  até  alta  noite,  e  bem  profunda  foi 
a  in^pressão  que  ella  nos  deixou. 

Os  tempos  áureos  de  Pungo  Andongo  tiveram,  como  os  de 
Ambaca,  uma  causa  exterior,  a  qual  foi  o  largo  commercio  de 
marfim,  escravos,  borracha  e  cera,  e  com  o  seu  desappareci- 
mento  foram-se  todas  as  riquezas.  O  tempo  encarregou-se  de 
apagar  tudo  o  que  era  obra  dos  homens,  e  que  elles  não  sou- 
beram tornar  duradouro. 

Logo  de  madrugada  puzcmo-nos  a  caminho  para  o  logar  da 
habitação  de  José  de  Seabra  da  Silva,  e  já  não  a  encontrámos. 
No  sitio  em  que  essa  casa  existiu,  quasi  no  fim  da  rua  princi- 
pal da  villa,  ao  lado  esquerdo,  foi  construida  uma  outra  mais 


>      .      V 


DESCBIPÇXO  DA  VIAGEM  171 

pequena;  onde  a  Expedição  se  alojou  no  regresso,  devendo 
esse  £Etvor  ao  negociante  A.  Coimbra;  no  seu  quintal  ainda 
vimos  restos  das  ruinas  da  antiga  casa. 

E  o  que  restava  da  habitação  principal  do  coronel  Pires? 

Que  influencia  tiveram  estes  homens  nos  habitantes? 

Custa  a  attentar  no  poder  nivelador  que  impera  nestas  ter- 
ras;  pois  tudo  desappareeeu  sem  haver  reliquias  á  vista  das 
quaes  se  preste  homenagem  aos  que  maíe  se  distinguiram! 
Mas,  o  que  não  podemos  deixar  de  reconhecer  é  a  singular 
disposição  das  habitações  e  hortas  que  vemos  nos  recôncavos 
doestas  muralhas,  de  um  e  outro  lado,  fazendo-noa  esquecer 
o  seu  ligamento  que  nos  serve  de  piso. 

Os  moradores  internados  neste  profundo  covão,  aproveita- 
ram 08  espaços  entre  as  saliências  doestas  moles  gigantes,  e  ahi 
fizeram  as  moradias  com  os  recursos  materiaes  da  localidade, 
sem  ordem  ou  alinhamento. 

A  maior  parte  doestas  edificações  teem  terrenos  annexos, 
onde  se  vêem  laranjeiras  e  bananeiras,  sempre  regadas  pelas 
linhas  de  agua  que  saem  da  penedia  e  descem  de  alturas 
diversas,  sendo  depois  convenientemente  dirigidas  para  as 
regas  d^outros  pomares,  hortas  e  jardins. 

A  população  não  tem  augmentado  e  a  raça  branca  não  tem 
tido  aqui  a  devida  propagação ;  e  diz-se  que  são  firequentes  o 
escorbuto,  as  pneumonias  e  doenças  dos  órgãos  respiratórios, 
e  ainda  outras,  provenientes  da  suppressão  da  transpiração. 

Attribuem-se  algumas  doenças  ao  uso  da  carne  de  gado  suino 
e  á  qualidade  das  aguas,  que  não  obstante,  são  das  mais  lím- 
pidas e  frescas. 

Será  de  facto  a  população  victima  d'essas  causas? 

E  urgente  que  os  médicos  façam  estudos  a  tal  respeito,  por 
ser  este  um  dos  assumptos  que  mais  interessa  á  sciencia. 

A  par  da  influencia  da  localidade  nos  habitantes,  levantam-se 
outras  questões  não  menos  dignas  de  estudo. 

Tinhamos  lido  o  que  a  respeito  doestas  pedras  escreveram 
Livingstone,  os  beneméritos  exploradores  Capello  e  Ivens,  e, 
antes  doestes,  Welwitsch. 


172  EZFEDIÇZO  POBTtIQDEZA  AO  MUATiXnVCA 

Ãb  pedras  apresentam-se  realmente  em  tórma  de  maralha, 
tendo  kilometros  de  extensSo,  e  com  salienciaB  e  reintranciaa 
mais  ou  menoB  agudas  ou  arredondadas,  o  que  para  o  geólogo 
nâo  pôde  ser  indifferente. 

As  formas,  como  bem  se  vê  nas  gravuras  qne  apresenta- 
mos, sito  em  geral,  tSo  variadas  quanto  ptiantasticos ;  erguem-ae 


umas  pedras  a  m^s  de  60  metros,  e  encastellam-se  outras,  lem- 
brando  um  enorme  castello  medieval,  ou,  antes,  esses  monu- 
mentos gigantescos  do  Egypto,  que  nos  asBorabrara  sendo  obras 
dos  homens,  como  estas  nos  deixara  estupefactos  sendo  obra 
da  natureza. 

Destas  pedras  nos  diz  Livingstone ' :  tCea  rochers  sont for- 
mes d'un  conglomerai  de  fragments  arrondls  de  nature  diverso, 
renfermés  dans  une  matríce  de  grés  d'un  rouge  sombre,  et 


1  ExphralioTU  daTit  1'intíriair  de  fA/rique  auttrale,  1840-1856,  pag. 
463,  tiad.  Loreau. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  173 

reposent  sur  une  couche  puissante  de  grés  semblable,  ou  sont 
contenusy  en  três  petite  quantité,  quelques-nns  des  galets,  qui 
entrent  dans  la  composition  des  colonnes 

cLes  {ragments  dont  le  conglomérat  de  ces  piliers  est  fbrmé 
sont  des  morceaux  de  gneiss;  de  scbiste  argileux,  de  mica  et 
de  grés  schisteux,  de  trapp  et  de  porphjre,  dont  la  plupart 
sont  assez  gros  pour  faire  supposer  que  ces  rochers  sont  les 
demiers  vestiges  de  banes  enormes  de  galets  primitifs.i 

Sobre  este  mesmo  ponto  escreveram  os  nossos  exploradores 
Brito  Capello  e  Roberto  Ivens*,  o  seguinte: 

cDa  analyse  que  fizemos,  concluimos  que  sSo  as  penedias  de 
Pungo  Andongo  exclusivamente  constituídas  por  um  conglome- 
rado duro  e  resistente,  em  que  figuram  schistos  argillosos,  de 
envolta  com  o  gneiss,  porpbyro,  alguma  mica  e  a  alludida  es- 
pécie de  basalto,  para  o  qual,  porém,  deve  haver  toda  a  reserva, 
pela  duvida  em  que  estamos,  t 

E  como  se  formariam  estas  penedias? 

A  este  respeito  escreve  Livingstone*: 

iLes  piliers  gigantesques  de  Pungo  Andongo,  doivent  avoir 
été  formos  par  un  courant  maritime  venant  du  sud-sud-est;  il 
est  facile  de  voir,  en  les  considérant  d'un  point  élevé,  qu^ils 
suivent  cette  direction,  et  leur  origine  remonte  à  Tâge  ob  les 
rapports  de  TOcéan  et  de  la  terre  différaient  complètement  de 
ce  qu'ils  sont  aujourdlmi,  bien  avant  Tépoque  ou  le  globe  ter- 
restre fut  prêt  à  devenir  la  demeure  de  Thommci 

A  idéa  de  uma  corrente  oceânica,  vinda  do  sul  e  formando 
estes  pilares,  nito  foi  acceita  pelos  nossos  exploradores,  que 
explicam  doeste  modo  o  phenomeno: 

c  A  primeira  idéa  suscitada  a  quem  faz  a  ascençSo  de  qualquer 
dos  penedos  (porquanto  quasi  todos  sâo  accessiveis),  e  que,  re- 
conhecendo a  sua  disposição,  tenta  explicar,  pela  existência  em 


*  Dt  Benguella  áa  Terras  de  lacca,  vol.  ir,  pag.  190. 

*  Op.  cit.j  pag.  463. 


174  EXPEDIÇÃO  POBTUGUEZA  AO  mJATIÂNVUA 

todo  O  conglomerado  de  calhaus  perfeitamente  roliços^  a  aoçSo 
indubitável  da  agua,  é  que  outrora  o  leito  do  rio  Cuanasa  des- 
lisava  pelas  pedras,  e  um  effeito  vulcânico,  elevando-as,  desli- 
sou  o  curso  do  mesmo  rio  umas  poucas  de  milhas  para  o  sul.  ^» 

Parece-nos  mais  consoante  aos  &ctos  observados  a  explicação 
de  Livingstone.  do  que  a  dos  nossos  exploradores  Capello 
e  Ivens. 

A  lucta  do  Oceano  com  o  continente,  mais  poderosa  e  mais 
accentuada  outr'ora,  poderia  suggerir  aquella  explicação  na- 
tural quando  se  attenta,  mesmo  em  nossos  dias,  nos  phenome- 
nos  de  levantamento  e  abaixamento  da  costa  marítima. 

Refere-se  Livingstone  a  um  facto  que  relembrámos  pelas 
suas  mesmas  palavras.  Sáo  as  seguintes: 

cOn  nous  a  fait  voir  sur  Tun  de  ces  rochers  Tempreinte  d'un 
pied,  qui  passe  pour  être  d*une  reine  célebre  dont  tout  le  pays 
reconnaissait  Tautorité*. 

Os  nossos^  exploradores,  porém,  faliam  da  existência:  cDe 
pegadas  humanas  á  mistura  com  as  de  quadrúpedes,  certa- 
mente câo,  que  existem,  que  nós  as  vimos  e  as  desenhámos 
por  serem  authenticas.t^ 

Também  vimos  essa  pegada  muito  visivel  e  a  respeito  da 
qual  08  habitantes  se  chegam  a  convencer  seja  artificial.  EUa 
aprescnta-se  de  forma  que  pareceria,  se  fosse  autentica,  ter 
havido  um  escorregamento  de  quem  descesse;  porém,  é  só  de 
um  pé,  e  nem  para  a  frente  nem  para  trás  ha  outros  vestígios. 

O  nosso  amigo  Francisco  Salles  Ferreira,  na  sua  visita  de 
inspecçâlo  das  contribuições  aos  concelhos,  como  neste  tivesse 
de  demorar-se,  conseguiu  obter  um  molde  d'esta  pegada,  e 
promette  apresentá-lo  num  interessante  trabalho  que  tenciona 
publicar  sobre  a  provincia,  e  fazer  sobre  elle  algumas  consi- 
derações. 


1  De  Bcnguella  às  Terras  de  lacca^  vol.  ii,  pag.  196. 

*  Explorations  dans  Viniéritur  de  V Afrique  australe,  pag.  464. 

3  De  BengueUa  ás  Tertas  de  lacca,  vol.  ii,  pag.  191. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  175 

Julgámos^  pela  nossa  parte^  que  a  linha  de  Cachoeiras  que 
se  estende  quasi  parallela  á  costa  atlântica,  levantando-se  os 
terrenos  d'essa  linha  até  aos  planaltos  centraes,  e  havendo  nou- 
tros legares  pedras  assim  postas  a  descoberto,  como  as  do  Congo 
e  de  Encoje  para  norte,  está  demonstrando  que  as  correntes 
oceânicas  chegavam  não  longe  doeste  limite,  cobrindo  toda  a 
zona  baixa  da  costa  occidental  da  Africa,  que  é  de  formação  re- 
lativamente moderna. 

As  aguas  diluviaes,  que  nessas  epochas  cairam  e  abriram  val- 
les,  reduziram  as  alturas  de  montes  e  escavaram  estes  terre- 
nos, deixando  as  pedras  a  descoberto,  e  enchendo  de  detritos 
de  toda  a  espécie,  os  terrenos  que  o  mar  ia  deixando  livres. 

E  bem  sabido  que  as  coordenadas  geographicas  são  os  pri- 
meiros factores  que  servem  á  determinação  de  um  clima.  As 
doeste  já  ha  muito  se  acham  calculadas,  e  são  as  seguintes: 

Latitude  9«  42'  14"  sul. 

Longitude  15®  e  30',  E.  Greenwich. 

Altitude,  1071  metros. 

É,  pois,  evidente  que  o  território  de  Pungo  Andongo  está 
muito  mais  próximo  da  linha  equinoccial  do  que  dos  trópicos,  e, 
por  isso  mesmo,  a  sua  posição  não  é  das  melhores,  dando-se 
além  d'isto  a  circumstancia  da  sua  baixa  altitude,  em  relação 
ás  exigências  dos  modificadores  do  clima. 

Nem  a  latitude  nem  a  altitude  são,  pois,  favoráveis  a  esta 
região;  mas  a  disposição  do  terreno,  só  de  per  si,  neste  caso, 
tem  grande  influencia,  e  dá  ao  clima  caracter  mais  benigno  do 
que  o  de  outras  localidades  sob  o  mesmo  parallelo. 

O  sol,  passando  aqui  duas  vezes  no  zenith,  faz  também  com 
que  o  calor  domine ;  e  é  grande,  por  certo,  a  correcção  da  tem- 
peratura dada  pela  disposição  que  offerecem  as  pedras. 

Mas  qual  será  a  influencia  de  simiHiante  localidade,  especial- 
mente na  acelimataçao  da  raça  branca? 

Apresentou-se-nos  um  caso.  que  a  todos  impressionou,  e  não 
se  sabe  como  explicá-lo! 

E  o  de  uma  lindíssima  creança  de  sete  annos,  em  segunda 
geração.  De  pelle  finissima  e  de  uma  grande  alvura,  olhos  gran- 


176       EXPEDIÇXO  POBTUGUEZA  AO  KDATIInVUA 


des,  cabellos  louros,  caindo-lhe  em  graciosos  anneis  sobre  as 
costas,  bdca  pequena  e  beiços  rosados;  era  o  enlevo  dos  pães. 

Tinha,  porém,  um  defeito,  e  grave,  que  causava  pena  en- 
contrar em  rosto  tfto  formoso  —  os  dentes  eram  completamente 
podres! 

£8te  mesmo  phenomeno  se  dava  numa  sua  irm2  mais  pe- 
quena, e  que  com  ella  muito  se  parecia. 

Estas  duas  creanças  são  netas  do  velho  Tavira,  que  ha  mui- 
tos annos  aqui  se  estabeleceu,  tendo  sido  primeiramente  capi- 
tão de  navios  mercantes. 

SSo  filhas  estas  creanças  de  uma  filha  d'elle  e  de  um  seu 
sobrinho — rapaz  activo  e  que  seu  tio  chamou  para  a  direcçSo 
da  sua  bella  propriedade  agrícola,  situada  a  uns  6  kilometros 
fora  da  villa. 

Também  conhecemos  os  netos  do  coronel  Pires,  de  que  Li- 
vingstone  nos  falia  com  tanto  enthusiasmo.  E  estes,  filhos  de 
sua  filha  e  de  um  europeu,  nasceram  em  Malanje  e  também 
Boffrem  do  mesmo  mal,  sendo  a  mãe  natufal  de  Pungo  Ân- 
dongo. 

Poderiamos  suppor  o  mal  hereditário,  se  não  soubéssemos 
que  no  Peru  e  n^outros  paizes  se  dSo  factos  análogos. 

Deve  attribuir-se  esta  doença,  aqui,  ás  aguas,  aos  alimentos 
ou  antes  ao  clima? 

E  o  que  cumpre  averiguar. 

Causava-nos  enthusiasmo  fallar  com  os  habitantes  e  recordar 
factos  históricos,  que  tanto  ennobreceram  os  nossos  maiores. 

Foi  o  invicto  capitão  Luiz  António  de  Sequeira  que,  em 
1671,  conquistara  esta  maravilha  para  a  coroa  de  Portugal  ao 
atrevido  D.  João,  ultimo  rei  dos  Dongos. 

Eram  arrojados  e  persistentes  os  portuguezes,  que  abne- 
gando de  tudo  que  individualmente  lhes  era  caro,  se  expunham 
aos  maiores  perigos,  somente  estimulados  pelo  amor  e  engran- 
decimento da  sua  pátria! 

Bebellára-se  aquelle  vassallo  ingrato  contra  a  soberania  de 
F^ortugal,  que  por  vezes  libertara  o  seu  reino  do  jugo  dos  Jingas, 
animado  pela  derrota  que  as  nossas  forçius  haviam  sofirido 


DESCRIPÇXO  DA  VUGEM  177 

contra  o  Sonho,  sabe  Deus  86  pela  imprudência  de  se  não  atten- 
derem  os  conselhos  do  leal  e  dedicado  Calandula,  de  que  já  £eJ- 
lámos. 

Custa  a  crer  que  Luiz  António  de  Sequeira  e  os  seus  compa- 
nheirosy  durante  onze  mezes;  tivessem  a  constância  de  se 
sustentarem  entrincheirados  defronte  d'este  grandioso  blocaus 
natural  e  que  se  suppunha  inconquistavel;  esperando  a  oppor- 
tunidade  de  lhe  dar  assalto. 

Em  diversos  pontos,  arcando  com  as  difficuldades  das  aspe- 
rezas  das  rochas  e  falta  de  rampas  accessiveis^  elles  trepam^ 
debaixo  da  resistência  de  um  inimigo  forte,  aos  cumes  d'essa 
penedia,  de  onde  o  desalojam  e  perseguem.  É  tal  o  terror  que 
d'elle  se  apossa  pela  bravura  dos  nossos,  que  muitos  se  des- 
penham de  differentes  alturas  perecendo  assim  muitos  d^elles. 

Pagaram  bem  cara  a  ousadia  de  irem  atacar  os  nossos  nos 
entrincheiramentos  I 

E  com  actos  de  tal  heroicidade  occorre-nos  o  triste  fim  que 
teve  esse  valoroso  capitão  I  Alguns  annos  depois,  é  ainda  um 
traidor  doesse  povo  dos  Háris  que,  combatendo  a  seu  lado  contra 
as  hordes  aguerridas  de  D.  Francisco,  successor  da  Jinga,  apro- 
veitando-se  da  desordem  e  confusão  da  nossa  victoría,  cobarde 
e  traiçoeiramente  o  mata  á  queima  roupa! 

AquoUe  Portuguez,  que  foi  o  terror  de  todos  estes  sertSes, 
morreu  vencendo,  como  muito  bem  disse  um  dos  nossos  histo- 
riadores modernos  t 

A  conquista  das  Pedras  Negras  representa,  pois,  um  dos  mais 
^andiosos  feitos  que  os  nossos  praticaram  por  estas  terras;  e 
é  preciso  que  se  divulguem  bem  todos  os  factos  que  ennobre- 
cem  o  nome  portuguez  em  Africa,  visto  que  a  Europa  é  tão 
injusta  para  comnosco,  e  tenta  absorver  por  tantos  modos  as 
nossas  melhores  conquistas !         ^ 

Luiz  António  de  Sequeira  bem  mereceu  da  pátria  que  tanto 

honrou ;  e  o  melhor  monumento  para  coroar  os  seus  feitos,  con- 

quistou-o  elle.  A  nós  cumpre  saber  aproveitá-lo  para  gloria  di^ 

nação,  arroteando  devidamente  as  terras  a  que  está  vinculado 

o  seu  nome! 

u 


178  EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  HUATllNynA 

E  esta  a  homenagem  que  desejáramos  se  prestasse  aos  he- 
roes  que  tanto  se  sacrificaram,  e  alguns  dos  quaes  quasi  s2o 
desconhecidos  dos  Portuguezes  1 

Noutro  tempoy  pela  sua  bella  situaçSo,  affluia  aqui  o  com- 
mercio  de  Jinga  e  Cassanjc;  vindo  do  interior;  do  libolO;  de 
todo  o  sertSo  bailundo  e  ainda  do  Bié ;  hoje,  porém,  restringe-se 
ao  de  leste,  transportado  por  B&ngalas  e  Calandulas,  e  a  muito 
pouco  da  outra  margem  do  Cuanza,  e  por  este  motivo  muitas 
das  casas  commerciaes,  que  aqui  floresceram,  já  retiraram,  e 
mais  algumas  pensam  em  fazer  o  mesmo. 

Benguela  attrahiu  a  si  todo  o  conmiercio  mais  a  sul;  Ma- 
lanje  e  Dondo  o  que  passa  por  Cassanje  e  Songo.  Hoje  Pungo 
Andongo  é  apenas  um  ponto  de  passagem  de  comitivas. 

O  gentio,  sempre  desconfiado  de  que  o  enganam,  embora  afre- 
guezado  numa  casa,  em  sabendo  que  noutro  logar  lhe  dão  mais 
alguma  cousa  pelo  seu  género,  ainda  que  seja  uma  gratificação, 
sem  olhar  a  distancias,  vae  lá  com  as  suas  cargas. 

E  sabido  que  o  commercio  no  Dondo  está  menos  onerado 
que  o  de  Pungo  Andongo,  e,  portanto,  pôde  offerecer  mais  van- 
tagens ao  gentio.  E  preciso  que  se  dê  certo  numero  de  cir- 
cumstancias  para  haver  compensações,  e  poder  o  negociante  em 
Pungo  Andongo  competir  com  o  do  Dondo.  Ora  essas  circum- 
stancias  dâo-se  com  as  casas  filiaes,  e  são  estas  que  fazem  con- 
corrência. 

Aos  gentios  não  passa  este  jogo  indifferente  e  tratam  tam- 
bém de  fazer  o  seu,  de  que  se  aiTcpendem  muitas  vezes,  por- 
que teem  vendido  o  género  por  mais  baixo  preço  do  que  lhes¥ 
fora  offerecido  anteriormente. 

Reconheceu  o  nosso  commercio  não  haver  grandes  vanta- 
gens em  ter  espalhadas  casas  filiaes,  e  deu  preferencia  aos 
aviados;  limitando-se,  pois,  o  seu  numero  em  Pungo  Andongo. 

Todos  estes  factos,  sendo  o  primordial  o  augmento  de  casas 
commerciaes  em  Malanje,  motivaram  a  decadência  commercial,  e 
atrás  d'ella  a  ruina  de  muitos  prédios  urbanos,  e  o  desappa- 
recimento  de  todos  os  vestigios  d^essa  opulência  de  que  só  os 
homens  antigos  se  recordam. 


f 


DESCRIPÇSO  DA  VIAGEM  179 


Todo  O  commercio  por  estes  territórios  se  tem  feito  sempre 
ao  acaso ;  e  a  povoação  era  mais  uma  guarda  avançada  para 
uma  exploração  do  commercio  exterior,  do  que  uma  localidade 
em  que  se  fixasse  a  população^  para  constituir  mna  sociedade 
regular. 

Bastariam  estes  factos  para  se  explicar  toda  a  insciencia  com 
que  aqui  se  fazia  o  commercio. 

E  que  poderemos  dizer  das  explorações  agrícola,  industrial 
c  mineral? 

Como  os  europeus,  arrastados  pela  idéa  do  commercio  indi- 
gena,  não  pensavam  senão  em  lhe  ir  ao  encontro,  esqueciam 
tudo  que  a  terra  IIkís  podia  offerecer  como  fonte  de  riqueza 
publica;  a  sua  passagem  não  era  assignalada,  em  geral,  por 
serviço  algum  feito  á  localidade,  e  a  sua  retirada  significava  o 
aniquilamento  completo. 

Houve,  é  verdade,  os  ensaios  agrícolas  de  Fortimato  de 
Mello  e  do  coronel  Manuel  António  Pires,  e  estes  deram  al- 
guns resultados  benéficos  á  população  indigena  que  por  aqui 
se  encontra,  mas  que  está  mui  limitada  pelas  emigrações,  por 
já  não  poder  satisfazer  ás  necessidades  que  creou.  E  esta  bella 
região  será  um  ponto  morto,  se  lhe  não  acudirem  com  as  pro- 
videncias mais  urgentemente  reclamadas. 

Tenta-se  a  plantação  da  canna  saccharina  já  com  algumas 
vantagens,  e  parece  que  a  agricultura  se  ensaia  pela  prímeira 
vez!  Acuda-se,  pois,  a  esta  região  com  todas  as  providencias 
que  possam  aproveitar  a  estes  pequenos  núcleos  de  cultura. 

Não  oflferece  duvida  que  estas  terras  são  m&gnifícas  para 
diversas  culturas  europeas  e  para  as  que  são  próprias  do  clima, 
e  nellas  também  se  dao  bem,  melhor  que  em  toda  a  região 
que  percorremos,  os  bons  pastos,  e  o  gado  aqui  desenvolve-se 
e  vive  bem. 

E  assim  deve  de  succeder  attenta  a  boa  qualidade  do  capim 
que  é  differente  d'aquelle  que  havíamos  encontrado  antes  do 
Lutete,  ainda  na  região  de  Ambaca.  Aqui  sim,  dissemos  nós, 
aqui  por  certo  que  o  gado  bovino  encontrará  muito  melhor 
sustento,  o  que  deve  ser  de  grande  vantagem  para  os  colonos 


180       EXPEDIÇZO  POBTDOUEZÁ  AO  MUÁTIÂNynA 

que  procurem  esta  regiSo  para  se  estabelecerem  permanente- 
mente^  e  queiram  entregar-se  a  trabalhos  agrícolas  e  á  valiosa 
industria  da  creaçSo  e  engorda  do  gado^  que  estabelecida  a 
linha  férrea^  encontraria  por  certo  fácil  saida  para  o  melhor 
mercado  do  littoral. 

Também  é  certo  que  o  europeU|  sejam  quaes  forem  as  cir- 
cumstancias  que  se  dêem,  resiste  ás  influencias  do  clima,  e  pro- 
paga pelo  menos  até  á  terceira  geraçSo. 

Devemos  acreditar  que  o  caminho  de  ferro  de  penetraçSo, 
de  Loanda,  mais  mez  menos  mez;  ha  de  atravessar  esta  regiSo 
para  Malanje.  E;  portanto,  occasiSo  de  pensarmos  seriamente 
em  aproveitar  os  recursos  com  que  a  natureza  dotou  esta  loca- 
lidade, e  a  £Eicilidade  de  transportes  que  os  poderes  públicos 
lhe  proporcionam. 

A  iniciativa  particular  é  por  emquanto  muito  restricta  no 
nosso  paiz,  e  por  isso  aos  poderes  públicos  ainda  solicitámos 
mais  um  sacrificio,  de  que  ao  cabo  de  certo  tempo  resultarXo 
vantagens  importantes,  principalmente  no  desenvolvimento  da 
agricultura^  e  do  commercio  com  a  metrópole;  porque  este  pe- 
queno mercado,  que  hoje  aqui  existe,  tomará  grandes  proporçSes 
e  terá  uma  outra  ordem  de  necessidades. 

Uma  colónia  penitenciaria  e  um  batalbSo  agricola  podem  ser- 
vir ao  Governo,  não  para  ensaio,  porque  este  está  feito  de  ha 
muito,  mas  para  despertar  a  attençSo  e  estimular  a  iniciativa 
particular. 

Mas  que  uma  e  outro  se  estabeleçam  devidamente,  proce- 
dendo-se  aos  trabalhos  preparatórios  indispensáveis,  sob  a  di- 
recção de  individues  competentes,  cujos  planos  deverão  ser 
apreciados  na  metrópole,  depois  de  ouvidas  as  auctoridades 
sobre  o  assumpto. 

Convençamo-nos.  A  nossa  província  de  Angola  ha  de  pros- 
perar quando  os  seus  produetos  poderem  entrar,  em  concor- 
rência, nos  mercados  europeus,  com  os  similares  de  outras  pro- 
veniências. 

É  tal  o  interesse  que  tomamos  por  esta  região,  sobre  a 
qual  já  publicámos  pela  imprensa  periódica  alguns  estudos. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  181 

que  nos  iamos  esquecendo  de  que  estayamos  em  yespera  de 
partída;  mas  sejam  também  estas  nossas  resumidas  conside- 
raçSes  tomadas  como  tributo  de  reconhecimento  a  todas  as 
pessoas  que  em  Pungo  Ândongo  nos  prestaram  informaçSes, 
e  mais  ou  menos  manifestaram  sjmpathia  pelos  bons  resul- 
tados da  nossa  missSlo. 

Fizemos  varias  experiências  para  carregar  os  bois ;  a  von- 
tade era  grande,  porém  o  trabalho  baldado,  apesar  dos  diversos 
modos  como  pretendemos  segurar  as  cargas.  Se  conseguiamos 
o  nosso  intento  com  alguns  bois,  lá  iam  elles  de  encontro  a 
uma  arvore,  ou  esquina  de  alguma  casa,  e  a  carga  logo  caia 
por  terra;  outros  entravam  pela  primeira  porta  aberta,  e  fa- 
ziam dentro  das  casas  grandes  distúrbios,  arrastando  as  cargas 
até  as  largar. 

Com  o  tempo  e  com  um  ensino  persistente  seria  possivel 
conseguir  alguma  cousa,  mas  em  caminhos  estreitos ;  agora  nSo 
era  possivel.  Não  havia,  pois,  outro  remédio  senSo  contratar 
mais  carregadores,  porque,  além  das  faltas  que  já  tinhamoS; 
eram  precisos  mais  alguns  para  o  transporte  dos  fornecimentos^ 
que  aqui  fizemos,  de  pólvora,  armas  e  lençaria  grande^  por  nos 
terem  avisado  de  que  a  expedição  allemã  comprara  todos  os 
artigos  d'esta  qualidade  que  existiam  em  Malanje.  Os  carre- 
gadores fomeceram-se  de  camisas  e  bonés  de  velludilho. 

Como  a  Expedição  partisse  no  dia  seguinte  e  Sertório  de 
Aguiar  estivesse  preparado  para  tirar  algumas  vistas  photogra- 
phicas,  aproveitou-se  a  ocoasiSo  para  photographar  em  grupo 
a  Expedição,  em  frente  da  casa  onde  estivemos  hospedados^ 
obtcndo-se  assim  a  gravura  que  apresentamos. 

Não  obstante  haver  ainda  Êdta  de  alguns  carregadores,  deu-se 
ordem  para  a  expedição  partir  na  madrugada  seguinte,  divi- 
dida em  secções ;  e  todo  o  dia  se  levou  no  preparativo  de  car- 
gas, trabalhos  sempre  fastidiosos  por  causa  dos  pesos,  distri- 
buição de  rações  para  a  viagem,  etc. 

Para  o  serviço  dos  nove  bois  de  monta  nomeou-se  um  dos 
contratados  em  Loanda  acostumado  a  elle ;  porém  até  Malanje 
nenhum  de  nós  quiz  ir  montado. 


182 


EXPEDIÇÃO  PORTOOtlEZA  AO  HDATIÂNVDA 


À  pedido  de  Fhilippe  Leonor,  e  como  não  podesBemoB  ir  d'aqui 
pernoitar  a  Calundo,  âcámoa  ainda  em  sua  casa,  e  oa  carre- 
gadores marcharam  durante  o  dia  por  BecçSes  e  foram  per- 
noitar a  Cacolo,  para  seguirem  de  madrugada  para  ali. 

Foi  assim  melhor,  porque  tudo  se  fez  com  mais  descanso,  e 
tivemos  o  prazer  de  mais  uma  vez  jantarmos  na  companhia 
de  hons  amigos. 


descripçjÍo  da  tiageu 


VIAGEM  DE  PUNGO  ANDONGO  PARA  MALANJE 


udo     estava     prompto     para 
partir  ás  sete  horas  e  meia  do 
dia  4,  e  emquanto  esperamos 
por  alguns  amigos  que  querem 
acompanliar-uos,  teimam  trea 
doa   coatractados  de  Loanda, 
já  alegretes  pelo  mata-bicho, 
em  carregar  os  bois;  teimosia 
quo  dá  ensejo  a  bons  trambo- 
IbSea  e  correspondente  galhofa, 
e   a  fazerem-se  arrecadar  as 
cargas  para,  na  primeira  occa- 
siSo,'nos  serem  enviadas. 
Seguimos  até  ao   lim   da  yilla,   acompanhados   pelas   pes- 
soas da  localidade  a  quem  já  agradecemos  essa  attenção;  e 
ás  dez  horas  e  meia  estávamos  fóra  das  Pedras,  e  á  uma 
e  meia  chegámos  a  Cacolo,  onde  almoçámos. 

Fóra  do  recinto  da  villa  deixámos  já,  numa  baixa,  uma  po- 
voação indígena  com  bastantes  palhoças.  O  terreno  desce  sua- 
vemente d'ahi  para  o  Lutete,  affluente  do  Cuanza;  para  sueste 
ficavam  as  pedras  chamadas  Jingas. 


184       EXPEDIÇXO  PORTUQUEZA  AO  MDATIÍNVUA 

Alegra-nos  a  viagem  pelo  grande  horizonte  que  descobrímoSi 
parecendo-nos  ter  saido  de  uma  prisão,  e  a  nossa  yontade  é 
andar  e  ver,  mas  ver  longe ;  e  de  quando  em  quando  deitámos 
um  olhar  fiirtivo  para  essa  penedia,  que  vao  desapparecendo, 
e  se  nos  afígnora  afirora  muito  mais  sombria. 

Em  Cari,^  povoação  que  passámos,  apresentou-se-nos  um 
homem  com  um  bilhete  e  um  boi-cavallo.  O  bilhete  era  de  um 
dos  nossos  soldados  que  nos  mandava  mostrar  aquelle  boi  para 
o  comprarmos,  como  cousa  muito  boa,  por  sete  libras !  Isto  deu 
occasião  a  uma  conversa,  de  que  resultou  comprarmo-lo  por 
lôjSOOO  réis. 

Apresentaram-nos  outro  boi-cavallo  pouco  depois,  mas  ar- 
reado, que  também  foi  comprado  pelo  mesmo  preço;  lembran- 
do-nos  então  o  conselho  do  Governadora  provinda,  de  que 
era  preferível  este  meio  de  transporte  a  outro  qualquer,  por- 
que^ em  cásoi^  eittremos,  nos  proporcionava  alimentação  para 
alguns  dias. 

Ainda  depois  apresentaram-nos  mais,  talvez  uns  seis ;  e  cus- 
ta-nos  a  crer  que  os  allemães  que  mandaram  escoteiros  a  Am- 
baca  procurando  até  quarenta  bois,  se  não  lembrassem  de  os 
mandar  aqui! 

Òccorreu-nos  também  o  que  nos  dissera  o  pachorrento  chefe 
de  divisão  em  Pungo  Andongo  que  haveria  alguma  difficuldade 
em  arranjal-os! 

As  quatro  horas  seguimos  para  o  Lutete,  a  cuja  margem 
foníos  acampar,  admirando-nos  da  volta  que  este  rio  dá,  sendo 
já  a  segunda  vez  que  dormimos  próximo  d'elle  e  nos  servimos 
da  sua  agua. 

Effectivamente,  não  nos  enganaram  com  as  informações 
acerca  das  distancias:  são  15  kilometros  das  pedras  a  Cacolo, 
fe  10  de  Cacolo  até  aqui. 

A  nossa  refeição  teve  de  ser  muito  parca;  mas  o  peor  de 
iudó  foi  que  tivemos  de  passar  a  noite  nas  redes,  sobre  o 
capim,  porque  as  camas  ficaram  para  trás,  certamente  porque 
os  carregadores  vinham  entretidos  com  os  outros  que  beberam 
de  mais. 


DESCRIPÇSO  DA  VIAGEM  185 

Ab  secções  que  tinham  partido  de  yespera  estavam  á  nossa 
espera  em  Calundo ;  mas  era  já  tarde  para  ali  irmos,  e  ao  me- 
nos aqui  tínhamos  a  casa  da  patrulha  para  abrigo. 

Logo  de  madrugada  estávamos  de  volta  com  os  nossos  carre- 
gadores para  seguirmos  viagem,  e  depois  de  10  kilometros  de 
marcha  chegámos  a  Calundo,  de  onde  queríamos  fsLzer  seguir 
comnosco  as  secçSes  que  já  ali  estavam  acampadas ;  porém,  o 
negociante  Moreira,  gerente  naquella  localidade  da  casa  Oli- 
veira &  IrmSos  de  Loanda,  teve  a  amabilidade  de  vir  ao  nosso 
encontro  a  dizer-nos  que  o  almoço  estava  na  mesa  á  nossa 
espera. 

Fizeram-se  seguir  as  cargas  para  Matete.  Contractaram-se 
mais  uns  oito  carregadores,  que  ahi  estavam  devoluto  que 
eram  de  Malanje,  e  mandaram-se  a  Pungo  Ândongo  para  nos 
trazerem  as  cargas  que  lá  haviam  ficado,  e  ao  mesmo  tempo 
dizer  aos  carregadores  retardados  no  caminho  que  avançassem 
a  encontrar-nos. 

Paulino,  o  encarregado  dos  bois-cavallos,  lembrou  que  havia 
conveniência  em  serem  estes  montados  tomando-se  assim  mais 
fácil  a  marcha.  Era  razoável  o  conselho,  e,  por  isso,  elle  e 
os  soldados  lá  os  montaram  e  acompanharam  as  cargas. 

O  inesperado  almoço  vinha  de  molde,  porque  nos  permittia 
ter  menos  demora  em  Calundo,  pois  os  nossos  desejos  eram 
vencer  a  distancia  que  nos  separava  de  Andala  Samba;  além 
d'is80,  Moreira,  que  tem  fama  de  ser  um  bom  negociante  do 
sertão,  porque  sabe  viver  com  o  indigena,  prestar-nos-hia  • 
valiosos  esclarecimentos. 

Notámos  á  sua  mesa,  como  já  o  havíamos  feito  em  Pungo 
Andongo,  que  as  louças  e  talheres  eram  productos  de  indus- 
tria alIemS,  e,  a  tal  propósito,  soubemos  que  por  estes  sertSes 
ha  também  carabinas,  revólveres,  facas  de  mato,  e  variedade  - 
de  capacetes  de  metal,  tudo  de  proveniência  allemS,  que  os 
exploradores  d'esta  nacionalidade  para  cá  trouxeram  e  por 
aqui  teem  ido  negociando. 

Registámos  estes  factos,  porque  foi  por  uma  concessão  gra- 
ciosa  do  Governo  portuguez,  em  beneficio  da  sciencia,  que  se 


186       EXPEDIÇIO  POBTUGUEZÁ  AO  HUATIÂNVUA 

lhes  facilitou  o  serem  despachadas  as  suas  cargas  nas  alfan- 
degas da  provinda^  com  isenção  de  direitos^  e  é  bom  que  isto 
conste. 

Moreira^  este  amável  rapaz^  tSo  digno  de  melhor  sorte,  é  um 
mau  exemplar  para  animar  a  immigraçSo  europea.  Mortificado 
com  feridas  incuráveis  nas  pernas,  apresenta-se-nos  maciUento, 
com  falta  de  sangue,  senta-se  e  falia  sempre  como  quem  está 
muitíssimo  fatigado ;  e  o  que  também  concorre  para  augmentar 
a  impressão  penosa  que  sentimos  ao  vê-lo  é  o  facto  de  ser  a 
sua  pelle  de  uma  alvura  lymphatíca,  os  olhos  claros,  e  o  cabello 
louro  claro. 

Pede  licença  para  vegetar;  e,  comtudo,  a  sua  residência  está 
num  planalto  elevado,  completamente  desassombrado,  e  elle 
lá  tem  o  Chemoviz  para  consulta! 

Como  isto  é  triste! 

Reconhecidos  o  deixámos,  e  seguimos  para  Matete,  a  õ  ki- 
lometros  de  distancia,  que  se  vencem  nimia  hora,  e,  com  peque- 
nas differenças,  no  rumo  de  leste. 

Aqui  encontrámos,  definhando-se  também  em  lucta  com  o 
clima,  á  testa  de  uma  casa  filial  de  Moreira,  um  pobre  rapaz. 
Ferreira,  que  nos  convidou  para  jantar,  dizendo-nos  logo  que 
tinha  apenas  uma  gallinha,  porque  não  quizeram  vender-lhe 
mais ;  porém  empenhava-se  em  que  o  nosso  coUega  Sizenando 
Marques  visse  um  doente,  amigo  d^elle,  indígena,  sobrinho  de 
Narciso  Pasclioal,  de  Malanje. 

Causou-nos  dó  tudo  isto,  e  resolvemos  ficar.  Sizenando  Mar- 
ques foi  ver  o  doente  emquanto  se  comprou,  matou  e  distribuiu 
lun  boi ;  e,  da  parte  que  tirámos  para  nós,  da  melhor  vontade 
repartimos  com  Ferreira,  e  com  o  que  levávamos  do  nosso 
rancho  se  fez  um  excellente  jantar,  em  que  tomou  parte, 
e  que  estamos  convencidos  foi  para  elle  um  jantar  de  festa. 

A  nossa  gente  aproveitou  também  do  descanso  para  prepa- 
rar o  fogo  e  cozinhar  parte  das  suas  raçScs  de  carne  e  fiiba, 
que  se  lhe  havia  distribuído;  não  tendo  deixado  de  haver, 
como  sempre,  a  infallível  bulha  e  as  rixas  por  occasião  da 
repartição  da  carne. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  187 


Apresentaram- se  ainda  mais  alguns  bois-cavallos  á  yenda^ 
mas  não  os  acceitámos  por  entendermos  que  já  tínhamos  os 
que  nos  eram  necessários.  . 

O  commandante  da  divisão  dos  Moveis  veiu  comprimentar- 
nos,  e  pedir  licença  para  mandar  prevenir  o  chefe  do  concelho 
de  Malanje  da  nossa  chegada  a  este  ponto,  conforme  elle  lhe 
ordenara  de  véspera ;  e  por  isso  se  aproveitou  o  portador,  es- 
crevendo-se  um  bilhete  para  elle,  e  outro  para  o  negociante 
Custodio  Machado. 

A  nossa  gente  seguiu,  com  ordem  de  acampar  em  Andala 
Samba,  e  nós  partimos  ás  quatro  horas,  depois  de  Sizenando 
Marques  voltar  de  ver  o  doente,  e  de  lhe  deixar  as  prescripçBes 
para  o  tratamento  a  seguir  com  os  preparados  por  elle  mesmo 
manipulados. 

Continuámos  no  rumo  leste  ^4  les-sueste,  e  ainda  não  com- 
pletos 4  kilometros,  novamente  passámos  o  Lutete,  pela  ter- 
ceira vez,  e  deparou-s^-nos  uma  boa  senzala  num  planalto  á 
direita,  e  á  beira  do  caminho  um  bom  quartel  (patrulha),  em 
vista  do  que  a  nossa  gente  já  havia  acampado  eram  cinco 
horas  e  três  quartos  da  tarde. 

Custando-nos  a  crer,  pelas  informações  que  tínhamos  colhi- 
do, que  fosse  ali  Andala  Samba,  onde  a  gente  recebera  ordem 
de  acampar,  chamámos  o  commandante  da  divisão  que  nos 
disse  ficar  esse  ponto  a  uma  hora  de  distancia;  e,  não  sem 
custo,  fizemos  seguir  para  ahi  os  carregadores,  só  com  o  fim 
de  acostumá-los  á  obediência. 

Havia  luar,  e  ás  sete  horas  e  meia  lá  chegámos,  tendo  per- 
corrido 7  kilometros,  pouco  mais  ou  menos,  sempre  no  rumo 
de  leste. 

Ahi  encontrámos  também  estabelecida  uma  divisão  de  Mo- 
veis, e  o  seu  commandante  apresentou-se  immediatamente^ 
pondo  á  nossa  disposição  um  bom  quarto  na  patrulha,  em  que 
havia  umas  tarimbas  feitas  de  mabú,  para  servirem  de  leito,  o 
que  nos  foi  bem  pouco  commodo,  porque  julgámos  poder  pres- 
cindir das  nossas  camas,  que  deviamos  ter  collocado  em  cima 
d^ellas. 


188       EXPEDIÇÃO  POBTUGUBZA  AO  MUATIÂNVUA 

Os  carregadores,  na  sna  maioria,  acamparam  ao  ar  livre, 
entre  fogueiras,  entretendo-se  primeiro  a  cozinharem  o  man- 
timento que  tinham,  e  depois  de  terem  a  barriga  cheia  come- 
çaram cantando  e  dansando ;  e  nós,  já  affeitos  a  estas  berrarias 
infemaes,  adormecemos. 

O  Lutete,  com  todas  as  suas  ramificações,  cortando  a  regilo 
em  que  temos  andado  depois  de  Pungo  Andongo,  rega  muitos 
▼alies,  que  podiam  ser  excellentemente  aproveitados  para  va- 
rias culturas  remuneradoras;  os  indígenas,  porém,  apenas  os 
aproveitam  parcialmente  para  mandioca  — base  principal  da 
sua  alimentaçSo  e  que  nSo  requero  cuidados —  para  milho, 
feijSo,  alguma  batata  doce,  abóbora,  ainda  algumas  bananeiras 
e  ananazes,  e  no  todo,  mais  ou  menos  para  tabaco. 

Também  pelo  transito  se  tem  encontrado,  aqui  e  acolá,  bons 
pés  de  algodoeiro. 

Quando  chegará  o  dia  em  que  a  iniciativa  particular  se 
convencerá  de  que  o  algodão  é  uma  fohte  de  riqueza  que  vale 
muito  a  pena  de  explorar,  com  o  auxilio  do  indigena,  e  que 
poderá  ainda  entrar  na  concorrência  com  o  algodSo  da  Ame- 
rica, muito  principalmente  agora,  que  se  acredita  que  o  cami- 
nho de  ferro  ha  de  servir  esta  região? 

As  explorações  commerciaes  são  boas  nos  centros  em  que 
haja  vida,  e  esta,  aqui,  só  lh'a  pôde  dar  a  viação  accelerada 
e  a  agricultura,  quando  queira  aproveitar-se  judiciosamente 
a  excellencia  do  torrão  e  a  abundância  das  aguas. 

A  affluencia  do  commercio,  por  todo  este  sertão,  se  por  um 
lado  teve  vantagens,  por  outro,  trouxe  o  grande  inconveniente 
de  fazer  desapparecer  um  produeto  rico,  que,  desenvolvido  de- 
vidamente, era  a  grande  fortuna  da  província.  Referimo-nos 
á  borracha,  de  que  ainda  se  encontram  vestigios  nessas  flo- 
restas por  onde  temos  passado.  A  mira  no  lucro  immediato 
arrastou  o  indigena  á  imprevidência  e,  diga-se  mesmo  á  bar- 
baridade, de  destruir  as  fontes  de  todo  esse  produeto,  pela 
maneira  porque  o  colheu. 


DESCBIPÇlO  DA  VUGEIC^  189 

Estávamos  no  dia  6^  e  logo  de  madrugada  nos  puzemos  a 
caminho  com  o  firme  propósito  de  entrarmos  nesse  meslno  dia 
em  Malanje.     "    , 

Eram  quasi  dez  horas  quando  acampámos  junto  á  patrulha 
do  Lombe^  tendo  feito  um  percurso  de  13  kilometroS|  descaindo 
para  les-noroeste. 

O  chefe  da  divisão  dos  Moveis  veiu  offerecer-nos  de  ahnoçar, 
e  por  consequência  fizemos  seguir  os  carregadores  para  Cula- 
muxitOy  que  verificámos  depois  ficar  distante  lõ  kilometros 
de  Malanje. 

Deixámos  um  caminho  para  leste,  que  vae  para  o  Duque,  e 
seguimos  o  de  noroeste. 

Neste  percurso  encontrámos  um  soldado  do  destacamento  de 
Malanje,  que  se  nos  apresentou  com  uma  guia  do  chefe  doeste 
concelho  para  ficar  ás  ordens  da  Expedição;  era  também  por- 
tador de  uma  carta  do  negociante  Machado,  que  dizia  esperar- 
nos  para  jantar. 

Tivemos  apenas  um  curto  descanso  de  talvez  meia  hora, 
em  Culamuxito,  para  se  reunirem  os  carregadores  que  haviam 
ficado  para  trás. 

Culamuxito  é  um  logar  aprazivel,  devido  ao  esplendido 
desenvolvimento  das  arvores  que  povoam  a  sua  grande  flores- 
ta, que  lhe  deu  o  nome  indigena;  é  considerado  vantajoso  por 
ahi  affluir  o  commercio  do  interior,  e  também  pela  fertili- 
dade da  terra,  que  alguns  cultivadores  aproveitam  para  plan- 
tações de  canna  saccharína. 

Foi  aqui  iniciada  a  cultura  da  cana  saccharína  pelos  irmSos 
Machados,  e  foram  elles  os  primeiros  a  fabricar  aguardente  no 
concelho,  o  que  lhes  custou  bastantes  dissabores  pela  concor- 
rência do  álcool  do  commercio. 

Estão  estabelecidas  neste  logar  algumas  casas  de  coçamercio, 
na  stia  maior  parte  filiaes  das  firmas  de  Pungo  Andongo  e 
Malanje. 

As  quatro  horas  e  meia  saiu  d'aqui  a  Expedição,  na  melhor 
ordem  possivel,  indo  os  cavaiUeiros  na  frente,  seguindo-se-lhes 
a  bandeira,  depois  as  cargas  e  por  ultimo  nós. 


190  EXPEDIpSto  POBTUGUBZA  AO  MUATIÂNVIIA 

O  cometa^  que  vae  moDtado^  toca  com  toda  a  inJentiai 
porque  só  assim  os  bois  se  dispSem  a  correr,  e  elle  dép^V  ^^ 
algona  exercícios  de  equilíbrio  cae,  o  que  é  iqptivp  para  grande 
risota.  Tudo  isto  disfiructámos  bem,  porque  lamoll  subindo  mra 
uma  soberba  plaDÍcie  verdejante,  que  mais  n2o  deixámqpR^lM 
Malanje,  chegando  ao  rio,  que  limita  a  vílla  pelos  quadrantes 
de  noroeste  para  o  norte,  ao  sol  posto,  e  tendo  feito  um  per- 
curso de  õ  kilometros,  pouco  mais  ou  menos. 

Todos  estes  valles,  ou  melhor,  o  conjuncto  de  valles  entre  o 
Lombe,  Cuanza  e  Cuije,  tendo  de  permeio  o  rio  de  Habúnje 
com  os  seus  affluentes  que,  juntos  com  os  d^aquellea  rodeiam 
a  vílla  situada  num  planalto,  surprehendem  pela  variedade 
de  arvoredo,  e  pela  sua  vegetação,  em  geral  superabundante. 

O  solo  de  toda  esta  regiSo,  desde  Pungo  Andongo,  pôde  di- 
zer-se  que  é  composto  de  uma  espessa  camada  de  grés  micaceo 
vermelho,  em  que  o  grSo  vae  diminuindo  de  tamanho  á  me- 
dida que  noa  afastámos  d'ali,  assentando  sobre  outras  rochas 
sedimentares. 


MUQUIJE   (ídolo) 


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descrifçao  da  viaoeu 


ENTBADA  EM  MALANJE 


Não  faUaremos  da  rece* 
pçSo  do  Dfigociante  Casto- 
dio  José  de  SausaMachado, 
por  quem  fomos  hospeda- 
dos, porque  nesta  casa  é 
proverbial  captivarem-seoB 
hospedes,  que  a  miado  a 
frequentam,    com   o    aco- 
lhimento o  mais  hixftrro: 
nem  do  jantar,  pois  a  sna 
esplendida  mesa  tem  fama, 
e  nella  se  nSo  íazem  alte- 
fnij  raçSes  quando  elles  faltem. 
^^    ^~-      Custodio  Machado  á  me- 
sa é  considerado  hospede, 
--  e  D.  Rosa  procura  sempre 
ser-lbe  agradável:  dizendo 
isto,  está  dito  tudo. 
Principiávamos  a  refeiçSo,  quaudo  nos  foi  entregue  um  cartSo 
da  expediçSo  allemS,  felícitando-nos  pela   nossa  chegada;   e 
poaco  depois  appareceu  a  comprimentar-nos   o  seu  chefe,  o 


192  EXPEDIÇZO  P0BTU6UEZA  AO  IfUATllNVUA 

sjmpathico  Tenente  H.  Wissmann^  que  tomou  am  logar  á  mesa, 
qae  lhe  fôra  offerecido  pelo  seu  amigo  o  dono  da  casa. 

Como  era  de  sappor,  o  assumpto  da  conversa  foi  o  que  mais 
nos  interessava — exageros  dos  exploradores,  falta  de  carrega- 
dores e  de  bons  interpretes,  necessidade  do  estudo  das  linguas, 
dificuldades  da  pronuncia,  morte  do  Dr.  Paul  Pogge,  as  via- 
gens de  Shut  e  Btlchuer,  etc.,  etc. 

O  jantar  terminou  com  brindes  (Prosit) — muito  agradáveis 
para  as  duas  expediçSes. 

Recolhemos,  nSo  para  descansar,  mas  para  pormos  em  or- 
dem as  notas  que  tomáramos,  baseadas  nas  informaçSes  que  nos 
haviam  dado,  e  impressSes  que  recebêramos. 

E  estas  melhor  se  apreciam  percorrendo  os  seguintes  officios, 
que  nessa  mesma  noite  principiámos  a  escrever. 

A  S.  Ex.*  o  Governador  Geral: 

m.^  e  Ex.*<*  Sr. — Chegámos  a  esta  villa  ás  seis  horas  da  tarde  de 
hontem^  e  devendo  aproveitar  a  opportimidade  do  correio  que  parte 
ámanhS  para  essa  cidade,  principio  por  commimicar  a  Y.  Ez.*  que  a  Expe- 
dição saiu  de  Fungo  Andongo  em  4,  ás  dez  e  meia  horas  da  manha. 

Pernoitámos  nas  patrulhas  do  Lutete  e  Andala  Samba,  sendo  a  mar- 
cha do  primeiro  dia  de  cinco  horas,  a  do  segundo  de  seis,  e  a  de  hontem 
de  sete,  ao  todo  dezoito  horas ;  o  que  nos  convence  de  que  a  distancia  é 
pouco  mais  ou  menos  de  85  kilometros,  como  pelas  cartas  se  nos  afi- 
gurou. 

O  caminho  é  realmente  bom,  e  em  algumas  partes,  próximo  ás  resi- 
dências dos  commandantes  de  divisões  de  Moveis,  estava  limpo,  e  para 
sentir  é  a  falta  de  pontes  e  de  algumas  obras  de  arte  sobre  riachos  e  li- 
nhas de  agua,  que  occasionam  os  charcos  e  pântanos  que  ha  a  atravessar. 

Permitta  Y.  Ex.*  que  diga  agora  o  que  tenciono  dizer  a  S.  Ex.*  o  Biinis- 
tro,  é  que  esta  viagem  do  Dondo  a  Malanje  mais  me  convenceu  da 
necessidade  que  eu  já  de  ha  niuito  sustentava :  de  se  conservar,  e  reno- 
var-se  mesmo  em  alguns  pontos,  a  antiga  instituição  das  patrulhas. 

No  tempo  em  que  governava  o  districto  de  Golungo-alto  o  distincto 
major  de  artilheria,  hoje  general,  Yisconde  de  Ovar,  as  patrulhas  d*68te 
districto  foram  até  fornecidas  com  leitos,  lavatórios  e  mais  mobília. 

De  certo  para  quem  não  pôde  fazer-se  acompanhar  de  barracas  e  ca- 
mas de  campanha,  são  tão  apreciáveis  estes  agasalhos,  que  bem  se  pode- 
riam fornecer  as  patrulhas  com  uma  ou  duas  camas  de  campanha,  um  can- 


DESCalPÇAO  DATIAGEU 


193 


dieiro,  ama  mesa,  duas  cadeiras,  e  um  lavatório  completo,  objectos  que, 
ficando  a  cargo  doe  comoiandantcs  de  divisSo,  e  devidamente  reserva- 
□B,  BÓ  seriam  facultados  a  indivíduos  de  uma  certa  educação. 

V.  El.',  que  já  viajou  por  este  sertSo,  e  conhece  bem  estes  caminhos, 

f  certamente  terá  reconhecido  esta  necessidade,  e  envidará  todos  oa  seus 

esforços  para  que  se  sustentem  as  patrulhas  que  existem,  se  reedifiquem 

•8  que  estio  em  minas,  e  se  levantem  outras  onde  se  sinta  a  sua  falta. 

Os  exploradores  allemies  que  pernoitaram  nas  que  encontraram  no 
sen  transito  apreciam-nas,  e  confessam  a  ellas  deverem  alguns  eommo- 
dos  que  nSo  esperavam  do  Dondo  até  Malanje. 

Em  tempo  propoi  o  actual  director  das  obras  publicas  d'estii  provín- 
cia, o  Major  de  cngenheria  José  António  Ferreira  Maia,  que  oa  soldados 
d'estHS  patrulbae,  pagos  de  rações  pelo  serviço  das  obraa  publicas,  tivea- 
sem  a  seu  cargo  conservar  sempre  limpos  oa  caminhos,  atè  2  kilome- 
troB  para  cada  lado  do  quartel. 

Isto  seria  muito  útil;  e  quando  aecumulassem  esse  serviço  com  o 
de  vigilância  pelos  tabotetroa  de  simples  passagem  sobre  as  lluIiHS  de 
D  substituir  as  madeiras  que  estivessem  cm 


agua,  poderii 
mau  estado, 

V.  El.*  bem  sabe,  e  asaii 
graphia  de  Lisboa:  «que  a 
as  férreas,  tudo  mais  seria  i 


a  o  demonstrou  na  nossa  Sociedade  de  Geo- 
s  verdadeiras  estradas  na  provincia  seriam 
in&uclifcro  e  pôde  rcduzir-ae  a  caminhos 
limpos  de  vegetaçSo,  com  passagens  ligeiras  sobre  hb  linhas  de  aguQy. 

Sendo  isto  asaim,  o  projecto  do  illustrado  Ferreira  Maia  tem  agoru 
todo  o  cabimento,  e,  devidamente  ampliado,  páde  ainda  offorccer  mnia 
vantagens. 

Emquanto  n  proviíicia  iilo  pÚdo  aproveitar  um  pessoal  próprio, 
poderiam  ligar-se  as  patrulhas  d'esta  regiSo,  em  que  se  tocum  os  con- 
celhos centraes,  por  uma  linha  tclegraphica',  e  indígenas  habilitados 
poderiam  habituar-se  k  leitura  de  simples  iDstrumentos  meteorológicos, 
a  horas  determinadas,  cujo  registo  communicariam  para  Lounda,  ao 
passo  que  teriam  a  seu  cargo  uma  pequena  ambulância  de  medicam  entoa 
com  umas  prescripç<3es  geraes,  pnrn  servirem  aos  viajantes  que  de  mo- 
mento d 'elles  carecessem. 

Ainda  mais.  Se  ás  patrulhas  fossem  agg-rcgadaa  arribanas  para  dois 
ou  tres  bois  de  monta,  e  se  aproveitassem  os  Moveia  para,  a  cavallo,  le- 
varem de  umas  ds  outras  aa  malas  da  correspondência,  creio  que  muito 
melhoraria  o  serviço  do  correio,  e  eom  pequena  despesa. 

Com  estetf  limitados  recursos  das  obras  publicas,  telegraplio  e  cor- 
reio, transformar  Íamos  as  patrulhas  em  modestas  estaçiSes  hospitaleiras 
e  uívilisadoros,  e  certamente,  bem  educados  us  Moveis,  cujos  serviços  boje 
nZo  sSo  remunerados,  constituiriam  centroa,  quando  mais  nSo  fosse,  de 
pequena  agricultura. 


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194  BXPEDIÇIO  POBTUGUEZA  AO  IRTAitlliVDA    '*\       .  *'^ 


y.  Ex.*,  melhor  que  eu,  pelo  sen  modo  pratico  dever,  podeii  Jd|{i|p^. 
do  bom  resultado  a  obter  do  que  0U80  lembrar.  *  -     '\*. 

ia 

• %*••;; 

Sobre  a  expedição  allemS,  devo  dizer  a  Y.  Ex.*  que  se  me  ^^jj^ii 
não  obstante  o  seu  chefe  negá-lo,  que  o  seu  fim  é  inteiramente  conuMQdMk'^ 
e  de  procurar  caminho  da  estaçSo  estabelecida  pelo  fidlecido  Dr.  PcMê, 
no  Muquengue,  para  o  Zaire  pelo  Cassai  ou  Lulúa  e  que,  bem  organi« 
sada,  se  dispÒe  a  demorar-se  alguns  annos  para  a  realisaçSo  da  tentativa 
(qualquer  que  ella  seja);  porque,  além  de  levar  quinhentas  carabinas  mo- 
dernas com  o  respectivo  cartuchame,  que  parecem  destinadas  a  exer- 
citar os  indigenas  que  consiga  catechisar,  se  forneceu  de  muito  gado 
vaccum  e  cabrum,  alem  do  ovelhum  da  casta  que  trouxeram,  e  de  muita 
criaçSo. 

Já  no  Dondo  e  Fungo  Andongo  fomos  informados  que  esta  expedi- 
ção se  fornecera  de  fazendas  e  de  outros  artigos,  no  valor  de  7:OOOJiOOO 
réis  e  aqui  também  teem  feito  grande  fornecimento. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.*  —  Hl."®  e  Ex.»®  Sr.  Conselheiro  (Governador 
geral  da  província  de  Angola. — Malanje,  7  de  julho  de  1884.= O  Chefe 
da  Expedição,  Henrique  de  Carvalho, 


A  S.  Ex.'  O  Ministro  da  Marinha  e  Ultramar. 


Ill."«  e  Ex."«  Sr. 


Pelo  que  respeita  ao  transito  na  nossa  viagem  do  Dondo  a  Malanje, 
passando  por  Cazengo,  Ambaca  e  Fungo  Andongo,  vou  repetir  a  V.  Ex.* 
o  que  já  disse  ao  mui  digno  Grovemador  d'esta  província. 

E  de  toda  a  conveniência  que  se  mantenha  a  antiquíssima  institui- 
ção das  patrulhas,  conservando-se  as  que  já  existem,  reedifícando-se  as 
que  estão  em  ruínas,  e  ainda  edificando-se  outras  em  pontos  de  reconhe- 
cida necessidade. 

Fará  quem  não  pôde  contratar  grande  numero  de  carregadores,  ou 
mesmo  para  quem  não  pôde  fazer-se  acompanhar  de  barracas  e  de  um 
certo  numero  de  objectos  de  commodidade  indispensáveis,  os  quartéis 
das  patrulhas,  quando  em  boas  condições,  são  um  beneficio ;  pois  assim 
se  evita  que  o  viajante  se  exponha  á  cacimba  da  noite,  e  nellas  irá 
encontrar  um  tal  ou  qual  conforto  depois  de  uma  fatigante  marcha  em 
rede,  ou  montado  num  boi,  o  que  é  realmente  bastante  incommodo  em 
dias  successivos. 


'      l>ESCaiPç20  DA  VIAGEM  195 

.  k.  ezh^lo  do  qne  já  houve  no  vasto  districto  do  Golungo  Alto,  no 
gQiverqD  dk>  actual  Visconde  de  Ovar,  em  que  se  encontravam  essas  pa- 
troUuui  á  distancia  umas  das  outras  de  10  a  15  kilometros  e  guameci- 
4iijl*de  camas  e  de  outros  artigos,  ousei  lembrar  ao  referido  Governador 
Aítel-as  do  mesmo  modo,  ficando  esses  artigos  a  cargo  dos  commandan- 
tei^das  divisões. 

Digne-se  V.  Ex.*  attender-me. 

A  patrulha,  propriamente  dita,  não  é  mais  que  um  pequeno  destaca- 
mento de  Moveis,  um  cabo  e  alguns  soldados,  havendo  em  algumas 
também  um  sargento. 

Este  destacamento,  que  nâo  tem  a  menor  remuneração,  está  ás  ordens 
do  commandante  de  divisão  —  entidade  que  também  nâo  é  paga,  nâo  ob- 
stante ter  bastante  serviço  e  ser  indispensável  aos  chefes  dos  concelhos. 

Casos  se  teem  dado  dos  Moveis  abusarem  das  fardas  qne  vestem,  exi- 
gindo, e  mesmo  roubando,  ás  povoações  com  que  se  alimentarem,  do  que 
se  originam  questões,  que  se  tomariam  conflictos  sérios,  se  nâo  fosse  a 
prudência  dos  chefes  dos  concelhos  em  attender  ás  reclamações  e  fazer 
castigar  os  deliquentes,  mudando-os  de  divisão. 

Ninguém  deixa  de  reconhecer  que  tal  castigo  é  pequeno,  porém  que 
mais  se  pôde  fazer?  Prendê-los  na  cadeia?  Nâo  ha  verba  para  os  sus- 
tentar. Demitti-los?  Isso  sâo  sempre  os  seus  sonhos  dourados. 

E  depois,  como  exigir-lhes  subordinação  e  disciplina  convenientes, 
se  lhes  exigem  serviço  aturado  como  á  tropa  de  linha,  com  o  excesso  das 
diligencias  pelo  sertão,  e  nada  se  lhes  paga,  nem  para  comer  nem  para 
se  fardarem? 

Também  nâo  ignora  Y.  Ex.*  as  dificuldades  que  ha  nesta  vasta  pro- 
víncia, já  nâo  digo  para  construir  e  conservar  estradas,  mas  para  regu- 
larisar  os  leitos  dos  caminhos  que  existem,  conservando-os  sempre  li- 
vres de  vegetação  numa  dada  largura. 

Do  Dondo  até  Malanje  fizemos  um  percurso  approximado  de  270 
kilometros,  e;  com  franqueza  devo  dizer,  que  grandes  extensões  de  ca- 
minho percorrido,  devido  aos  cuidados  dos  commandantes  das  divisões, 
se  encontravam  limpos  de  vegetação,  numa  largura  approximada  de 
4  metros ;  e,  salvo  uma  ou  outra  depressão,  se  houvesse  passagens  nas 
linhas  de  agua,  ribeiros,  riachos  ou  como  lhes  queiram  chamar,  isto  é, 
singellas  pontes  em  que  fosse  fácil  a  qualquer  substituir  a  peça  de 
madeira  que  estivesse  em  mau  estado  por  outra,  certamente  que  por 
ahi  podiam  muito  bem  passar  os  carros  ordinários  para  transportes. 

Mas,  Ex."*°  Sr.,  isto  que  nós  agora  vemos,  nâo  se  dá  sempre.  O  bom 
estado  em  que  encontrámos  os  caminhos  é  devido  á  passagem  do  Gover- 
nador geral  pelo  sertão ;  e  é  tal  a  influencia  de  S.  Ex.*  entxt  estes  povos, 
que,  esperando-o  novamente,  continuam  a  conservar,  e  mesmo  a  melho- 
rar, o  estado  em  que  se  achavam  os  referidos  caminhos  no  seu  regresso* 


196       EXPEDIVZO  POBTUOUEZA  AO  XUATIÍKVUA 

Ha  toda  a  conveniência  em  se  aproveitarem  os  destacamentos  aas 
patrulhas  para  vigiarem  pela  conservação  das  pontes,  qae,  segando  o 
voto  do  actual  Director  das  obras  publicas,  se  deviam  construir  em  to- 
dos os  caminhos,  pelo  menos  nos  de  maior  transito  commercial,  de  pie- 
férencia  a  qaaesquer  outros  melhoramentos  na  provinda. 

Se  a  esses  homens  se  desse  um  salário  diário  de  60  a  100  réis,  daado- 
Ihes  o  encargo  de  cantoneiros,  cujo  serviço  se  podia  estender  até  meia 
distancia  de  outras  patrulhas,  teríamos  uma  boa  rede  de  caminhos  sem- 
pre transitáveis. 

Junto  aos  quartéis  fiicilmente  se  levantariam  telheiros  (alguns  já  oa 
teem),  ou  estações  onde  se  recolhesse  o  gado  e  onde  houvesse  deposito 
de  agua  e  capim,  e  assim  se  montaria  um  serviço  de  mudas  para  trana- 
porte  e  para  correios,  serviço  que  podia  ser  feito  por  escala  pelos  sol- 
dados-cantoneiros. 

No  quarto  destinado  a  pousada  para  os  viajantes,  em  recinto  apro- 
priado, e  sob  a  vigilância  do  commandante  da  patrulha,  podia  haver 
uma  pequena  ambulância  de  medicamentos,  d^esses  que,  por  triviaes, 
nada  ha  a  recear  da  sua  applicaç2o;  e  também  simples  instrumentos  de 
meteorologia,  thermometros  e  barómetros,  que  todo  o  viajante  civilisado 
sabe  ler.  Com  algumas  noçòes  que  lhe  dessem  e  pelo  uso  os  commandan- 
tes  poderiam  registar  diariamente  as  suas  leituras,  isto  nas  patrulhas 
que  nâo  pudessem  ser  aproveitadas  para  postos  telegraphicos,  porque 
aos  cuidados  do  telegraphista  deviam  ficar  taes  registos. 

Nâo  se  admire,  pois,  V.  Ex.*  que  eu  diga  — o  Cabo  lê — ,  porque, 
em  geral,  esse  posto  nos  Moveis  recae  em  Ambaquistas,  e  pôde  dizer-se, 
que  é  uma  raridade  encontrar  um  que  não  saiba  ler  e  escrever.  £  tam- 
bém não  estranhe  V.  Ex.*  que  se  encontrem  Ambaquistas  por  toda  a 
parte,  pois  que,  pelo  facto  de  terem  alguma  instrucçio,  hoje,  logo  que 
chegam  a  uma  certa  idade,  deixam  as  suas  casas  e  terras  para  obterem 
collocaçSo. 

De  todos  08  povos  d*esta  provincia,  são  elles  os  que  mais  se  aventu- 
ram, expatriando-se.  Fogem  á  praça  de  primeira  linha  e  buscam  mulhe- 
res ;  nesse  intuito,  lá  vão  com  a  sua  pacotilha,  mesmo  para  o  centro  do 
continente,  até  que  satisfaçam  essas  ambições;  e  mais  tarde  buscam 
empenhos  para  serem  cabos  ou  sargentos,  e,  os  mais  habilitados,  com- 
mandantes  das  divisões  de  Moveis,  nos  pontos  que  mais  lhes  conveem. 
Os  conmiandantes  de  divisão  poderiam  ser  muito  aproveitados,  quando 
esse  cargo  recaissc  em  gente  idónea,  pois  se  podiam  interessar  na  admi- 
nistração dos  concelhos. 

Chefes  de  centros  agricolas,  com  encargo  de  ensinarem  a  ler  e  a 
escrever  a  gente  sob  o  seu  commando,  e  deixando-os  perceber  emolu- 
mentos pela  cobrança  de  contribuições  para  o  concelho,  ao  mesmo  tem- 
po que  assumissem  cargos  de  juizes  de  paz  entre  os  sobados,  mas  de- 


DESCBIPÇlO  DÀ  VIAGEM  197 

baixo  de  umas  instnicçoes  que  não  lhes  permittissem  exorbitar,  tomar- 
se-iam  anctoridades  prestantes. 

Que  nos  servisse  a  administração  de  Java,  entre  os  indigenas,  de  mo- 
delo, e  teriamos  reconhecidas  vantagens  para  o  desenvolvimento  agrí- 
cola da  provincia. 

Desculpe-me  Y.  £x.*  esta  divagação,  resultado  das  minhas  impressões 
durante  o  transito  que  fizemos,  e  seja-me  permittido  ainda  fallar  acerca 
do  serviço  do  correio  no  interior  de  Angola,  que  em  verdade  precisa  ser 
reformado. 

Succedeu  agora  ter  partido  de  Loanda,  em  6,  um  escoteiro  com  a 
mala  da  Europa  e  s6  aqui  chegou  em  22 ! 

Os  negociantes,  aqui  e  em  Pungo  Andongo,  contribuem  para  no  fim 
do  mez  mandarem  um  escoteiro  especial,  com  as  suas  correspondências, 
para  chegarem  a  tempo  a  Loanda  e  serem  enviadas  no  paquete ;  pois  já 
tem  succedido  sair  d*aqui  o  correio  em  24,  e  ficarem  demoradas  as  cor- 
respondências um  mez  em  Loanda,  tendo  o  paquete  seguido  no  dia  da 
escala! 

A  receita  do  correio  da  provincia  t^ai  augmentado  de  anno  para  anno, 
e  é  muito  justo  applicá-la  bem  em  favor  de  quem  para  ella  concorre,  c 
talvez  o  alvitre,  que  me  occorreu,  com  respeito  ás  patrulhas,  possa  ser 
aproveitado. 

Um  dos  Moveis  d*esses  destacamentos  teria  este  encargo  especial  até 
á  próxima  patrulha,  com  um  vencimento  pago  pelo  correio,  recebendo 
as  correspondências  (malas)  em  dias  determinados,  de  modo  que  dei- 
xava umas  e  trazia  outras,  e  em  prazos  que,  ultrapassados,  dariam  log^r 
a  multas.  Havendo  bois  de  monta  nas  estações,  até  se  podia  organisar 
economicamente  um  pessoal  especial  para  este  serviço  que  muito  im- 
porta ao  commercio. 

Mas  tudo  isto  que  lembro,  deixaria  de  ser  reclamado  certamente,  se 
a  construcção  da  linha  férrea,  pela  qual  V.  £x.*  tanto  se  empenha,  for 
uma  realidade. 

Encarecer  as  vantagens  doesse  importante  beneficio,  mesmo  em  rela- 
ção aos  melhoramentos  de  que  fallo,  é  ocioso ;  mas  tenho  a  ousadia  de 
dizer  a  Y.  Ex.*,  que  o  terminus  d'essa  linha  não  pôde  nem  deve  por 
forma  alguma  ser  Ambaca. 

Estando  o  paiz  disposto  a  tal  sacrificio,  o  que  importa  mais  70  a  80 
kilometros  de  linha,  que  tanta  será  a  distancia  de  Ambaca  a  Malanje, 
em  uma  região  que  não  offerece  dificuldade  pelos  accidentes  de  terreno 
ou  pelas  obras  d^arte  ? 

Creia  Y.  Ex.*  que  esse  augmento  de  despesa  paga-o  bem  o  concelho 
de  Malanje,  tanto  pelo  que  ha  de  produzir,  como  pelo  commercio  que 
aqui  aflue  da  Lunda,  Lubuco,  e  outros  pontos  intermédios,  e  que  a  faci- 
lidade de  communicações  viria  augmentar. 


198  EXPEDIçlo  POBTUOUEZA  ÀO  MUÀTIÂKynÀ 

O  Zaire,  pôde  Y.  Ez.*  estar  certo,  feita  a  constmcçSo  doesta  linlia,  pou- 
co nos  pôde  appetecer,  e  mesmo  os  estrangeiros  só  d*elle  se  servirlo, 
quando  não  o  abandonem  extenuados  de  recursos  e  sacrifidos,  pelo  que 
possam  adquirir  do  norte  d*elle,  e  apenas  até  ao  meridiano  de  Niftngué. 

Malanje,  logo  que  se  consiga,  como  é  de  esperar,  remover  as  difi- 
culdades de  passagem  em  todo  o  Cuango,  suscitadas  em  parte  pelos 
Bftngalas  e  Quiôcos,  (o  que  mais  facilmente  se  poderá  obter  com  essa  li- 
nha férrea),  ha  de  ser  sempre  o  natural  entreposto  do  commercio  para 
o  centro  do  continente,  e  d'elle  os  Bângalas  serio  os  agentes. 

Malanje,  pela  sua  altitude  (1:154  metros)  e  exposição,  aproveitadas 
convenientemente  as  margens  do  seu  rio,  que  limita  a  principal  povoa- 
çSo  pelo  noroeste,  é  relativamente  salubre,  e  aqui  encontra  o  europeu,  para 
sua  alimentação,  o  que  lhe  é  usual :  trigo,  arroz,  milho,  fava,  ervilha, 
grão,  feijão  de  todas  as  qualidades,  batata,  boas  carnes  e  agua,  fiructos 
da  Europa  e  africanos.  Aqui  se  dá  a  vinha,  a  pêra,  a  maçã,  a  laranja,  o 
ananaz,  a  banana,  a  manga,  a  annona,  a  pitanga  e  o  jambo.  Cá  temos  a 
figueira,  o  café,  o  urucú,  o  eucaljpto,  a  borracha,  etc.,  e  todos  os  produ- 
ctos  hortícolas,  com  um  desenvolvimento  de  admirar,  como  cebolla,  cou- 
ves, rábanos,  etc. 

Já  vê  pois,  y.  Ez.*,  que  podem  viver  aqui  colónias  europeas  agrícolas 
muito  bem,  e  reproduzir;  observando- se,  comtudo,  as  leis  de*  um  regi- 
men apropriado.  Este  clima,  como  o  de  todo  o  paiz,  a  leste,  differe  muito 
vantajosamente  do  do  littoraL 

Todo  o  clima  em  geral  é  perigoso,  principalmente  o  dos  trópicos,  quan- 
do se  desprezam  as  precauções  necessárias;  porém,  qualquer  europeu 
bem  constituido  vive  aqui  bem,  podendo  fazer  mesmo  trabalhos  manuaes 
durante  muitas  horas  no  dia,  sem  prejudicar  a  saúde. 

As  condições  principacs  para  se  ter  saúde  são,  sem  duvida,  habita- 
ções confortáveis,  um  trabalho  regular,  alimentação  reparadora  e  mode- 
ração nos  gozos  da  vida. 

O  negociante  Custodio  Machado  está  nesta  localidade  ha  vinte  an- 
nos,  e  só  uma  vez  foi  a  Loanda  para  tratar  de  negócios,  e  é  um  bellissi- 
mo  exemplar  de  acclimatação ;  quem  o  vê  suppõc  que  elle  habita  na  me- 
lhor região  do  nosso  Portugal — está  robusto,  de  bellissima  cor  e  forte. 
Tem  quarenta  annos ;  mas  todos  o  fazem  com  dez  annos  de  menos,  prin- 
cipalmente quando  estamos  juntos.  Aqui  e  nos  arredores  ha  outros  nas 
mesmas  condições. 

Nota-se  aqui  a  longevidade,  tanto  nos  europeus  como  nos  indígenas, 
o  que  não  é  proverbial  no  sertão  que  percorremos. 

A  falta  de  rápidas  communicações  com  o  bom  porto  de  Loanda,  e  de 
segurança  e  economia  de  transporte,  tem  sido  até  hoje  o  estorvo  para 
attrahir  aqui  o  commercio  e  a  agricultura. 

Os  terrenos  são  esplendidos  e  disso  ha  boas  provas,  e  os  recursos 


DESCBIPÇÃO  DÀ  VUOEM  199 

natoraes  para  cons tracções  nâo  faltam ;  ha,  porém,  falta  de  quem  dirija, 
de  quem  encaminhe,  e  de  quem  se  anime,  emfim,  a  sacrificar  algum  capi- 
tal, porque  vê  deante  de  si  as  dificuldades  que  só  os  governos  podem 
faser  desapparecer. 

Não  sei  porque  este  concelho  estava  esquecido  pelos  poderes  públi- 
cos, até  á  entrada  do  actual  Governador  na  administração  da  provinda. 
Lembrado  para  centro  das  operações  militares  nas  guerras  que  se  de- 
ram em  Cassanje,  foi  depois  abandonado  a  ponto  de  ser  retalhado  por  ou- 
tros concelhos ! 

O  serviço  de  saúde  da  província  não  se  conhece ;  aqui  não  ha  um  me- 
dico, não  ha  um  pharmaceutico. , 

A  benéfica  acção  do  serviço  de  obras  publicas  nunca  se  estendeu  até 
aqui;  e,  com  tudo,  não  faltam  na  região  recursos  materiaes  para  se  faze- 
rem 08  melhoramentos  que  tanto  se  reclamam,  e  para  o  que  contribuiriam 
os  sobados  com  a  gente  precisa. 

Aqui  o  chefe  é  tudo ;  e  na  verdade  o  administrativo  e  judicial  são 
ramos  de  governação  que  requerem  magistrados  especiaes. 

Pôde  dizer- se  que  Malanje  é  melhor  conhecido  da  Allemanha  que  de 
Portugal,  e  comtudo  Malanje  faz  parte  de  uma  província  portugueza! 

£  uma  necessidade  impreterível  que  o  paiz  conheça  bem  esta  parte 
da  provinda  de  Angola,  e  por  isso  começam  aqui  as  investigaçÒes  mi- 
nuciosas da  nossa  Expedição ;  e  tudo  se  prepara  para  esse  fim,  emquanto 
não  chegam  as  cargas,  que  a  pouco  e  pouco  teem  ido  para  Cazengo,  e  se 
organisa  o  pessoal  que  ha  de  transportá-las  para  o  interior. 

£,  devo  já  fazer  sciente  a  V.  £z.*  de  que  ha  cinco  ou  seis  annos  se 
encontravam  carregadores  para  a  Mussumba,  para  transportes  de  cargas 
de  60  a  70  libras,  por  quatro  peças  de  fazenda. 

£ste  preço  tem  subido  a  pouco  e  pouco,  a  ponto  de  se  exigirem  á  ex- 
pedição allemã,  que  ainda  aqui  está,  oito  peças  e  ração  diária  de  uma 
jarda  de  fazenda  ou  o  seu  equivalente.  A  nós  já  pedem  dez  peças  e 
ração  igual,  embora  reconheçam  que  o  preço  dos  géneros  marfim  e  borra- 
cha (os  únicos  do  interior)  teem  tido  grande  baixa  nos  mercados  da  Eu- 
ropa, e  que  com  taes  gastos  de  transporte  não  ha  lucros  para  o  nego- 
ciante. 

Pelas  informações  que  já  obtive,  a  elevação  dos  preços  de  transporte 
faz-se  sentir  em  todos  os  concelhos  sertanejos,  mesmo  de  uns  para  ou- 
tros, e  isto  tem  dado  logar  a  um  grande  desanimo  da  parte  do  commer- 
cio  pelas  tendências  que  teem  para  subir,  sob  qualquer  pretexto, — agora 
as  expedições  para  o  interior,  amanhã  a  varíola,  depois  a  epocha  das 
sementeiras,  mais  tarde  as  chuvas,  etc.,  —  ao  mesmo  tempo  que  os  pro- 
ductos  no  mercado  da  Europa  tendem  sempre  a  baixar. 

Muitos  exemplos  eu  posso  citar  já  a  Y.  Ex.*  de  que  tal  é  o  ónus  sobre 
certos  artigos  que  a  sua  exploração  não  convida.  Qualquer  mercadoria 


200  EXPBDIÇXO  PORTUGUESA  AO  MUATIÂHVUA 

d'aqiii  despachada  para  o  Dondo,  e  vice-Yena,  importa,  por  cada  100 
libras,  frete  e  raç5es,  em  3^000  réis,  addicionando-lhe  o  transporte  pelo 
Caanza  (5  réis  por  libra)  e  de  Loanda  a  Lisboa  500  réis  (10  léiB  por 
kilogramma),  chega  á  alfiundega  onerada  em  4J000  réis.  Nio  entro  em 
linha  de  eonta  com  direitos,  despadios,  sellos  e  entras  mimideneiaa  qae 
mtÁB  oneram  esse  prodncto. 

Trata-se,  por  exemplo,  do  omcú,  qne  se  teatoa  eqilorar  (prodoeto 
este  qne  por  muito  tempo  constitoia  nma  ríqaesa  no  Pará).  Si^pondo 
que  para  a  colheita  e  preparo  d*e88as  100  libras  se  empregoa  nm  homem 
por  dez  dias  á  raz2o  de  60  réis  por  dia,  tal  producto  nio  se  poderia 
vender  por  menos  de  i^800  réis,  já  com  prejniao  do  exportador ;  pois 
no  mercado  pagou-se  a  1^500  réis  por  arroba,  isto  é,  4^685  réis  por  as 
100  Ubras! 

O  agricultor  n2o  continuou  a  exploração,  e  os  arbustos  que  se  teem 
desenvolvido  e  estáo  carregados  de  fructos,  y2o  largando  estes  no  Boh 
e  elles  para  ahi  ficam  até  que  se  queimem  com  o  capim  no  tempo  das 
seccas. 

Para  a  Expedição  comprei,  em  Ambaca,  arroz  da  terra  a  120  réis  a  li- 
bra, e  o  transporte  de  3  arrobas  até  aqui  importou  em  l^õOO  réis,  o  qne 
elevou  o  preço  da  libra  a  136  réis ! 

Apesar  de  todos  os  encargos,  vindo  de  fóra  da  província  seria  supe- 
rior e  mais  barato ! 

Por  estes  dois  exemplos  notará  já  Y.  £x.*  as  dificuldades  que  ha 
para  a  iniciativa  particular  animar  e  proteger  a  agricultura. 

O  chefe  de  Cazengo,  mandando-me  apenas  doze  cargas,  pede-me  lhe 
mande  d 'aqui  carregadores,  porquanto  nio  é  conveniente  desinquietar 
os  que  no  seu  concelho  estáo  em  serviço  dos  agricultores.  Uma  pequena 
elevação  de  preço  seria  má  na  occasiâo,  porque  iria  logo  sobrecarregar 
o  preço  do  café. 

Com  muita  dificuldade  lhe  mandei  trinta. 

Esta  questão  de  carregadores,  pelo  que  vejo  de  dia  para  dia,  ha  de 
me  ser  difficil  de  resolver,  porquanto  os  sobados  das  proximidades  de 
Malanje  estão  exhaustos.  Mais  de  quinhentos  carregadores  foram  em 
dezembro  ultimo  com  Saturnino  Machado,  e  esses  acarretaram  outros 
tantos  indivíduos  para  negocio.  A  expedição  allemá  está  aqui  ha  seis 
mezes  para  completar  o  numero  de  trezentos,  e  ainda  lhe  faltam  vinte. 

Por  este  motivo,  já  escrevi  a  todos  os  negociantes  que  teem  influen- 
cias nos  sobados  e  nisso  interessam,  pedindo-lhes  para  me  obterem  to- 
dos 08  carregadores  que  possam,  e  aguardo  as  respostas  para  tomar 
uma  resolução  definitiva ;  certo  de  que  me  nào  resigno  a  demorar-me 
tanto  tempo  aqui,  como  os  exploradores  allemães. 

A  expedição  allemà  compõe -se  de :  chefe,  Tenente  H.  Wissmann ;  me- 
dico, Dr.  Capitão  L.  Wolf ;  observador.  Tenente  Von  François ;  photogra- 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  201 

pho,  Tenente  Franz  Milller;  caçador  Hans  MtUler;  carpinteiro  de  navios 
Bugslag,  e  armeiro  Schneider. 

O  modo  por  que  esta  expedição  se  está  preparando  hz  acreditar 
que  segue  com  o  intento  de  se  demorar  no  Lubuco,  procurando  d^ahi 
caminho  para  Canhica  ou  Canhioca,  como  elles  lhe  chamam,  regifto  que 
desejaram  visitar  o  fedlecido  Paul  Fogge  e  Max  Bachner,  mas  nSo  lh*o 
consentiu  o  Muatiânvua,  porque  iam  estragar  o  seu  negocio  de  marfim. 
O  chefe  Wissmann  seguirá  para  o  oriente. 

Tentam  explorar  o  Cassai,  ou  qualquer  outro  rio,  para  alcançarem  uma 
via  fluvial  que  lhes  dô  communicaçâo  com  o  Zaire,  segurando  a  sua  pri- 
meira estação,  ou  melhor,  o  estabelecimento  commercial  creado  pelo  Dr. 
Pogge  no  Muquengue. 

Todos  estes  trabalhos  sSo  subordinados  ao  plano  da  Internacional, 
sob  a  protecção  do  Bei  da  Bélgica,  com  quem  Wbsmann,  antes  de  or- 
ganisada  a  sua  expedição,  se  havia  entendido. 

Antes  que  queira,  sobre  Malanje  pouco  mais  posso  dizer  a  Y.  Ex.*, 
por  isso  que  chegámos  ha  quatro  dias ;  e  com  respeito  ao  itinerário  a 
seguir,  preciso  obter  ainda  alguns  esclarecimentos  sobre  o  que  estava 
delineado,  porque  me  faz  vacillar  a  carta  que  Saturnino  Machado  es- 
creveu a  seu  irmão,  da  qual,  por  obsequio  d*este,  tirei  copia  para  en- 
viar a  y.  £x.*,  e  que  junta  com  esta  remetto. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.«  Malanje,  10  de  julho  de  1884— Ill."^e  Ex.»» 
Sr.  Ministro  e  Secretario  d^Estado  dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultra- 
mar.=  O  Chefe  da  Expedição,  Major  Henrique  de  Carvalho. 


Por  nos  parecer  summamente  interessante,  e  com  a  devida 
vénia,  transcrevemos  neste  legar  a  carta  a  que  no  precedente 
officio  nos  referimos,  e  de  que  com  toda  a  franqueza  o  nego- 
ciante Custodio  Machado  nos  facultou  a  copia. 

De  Saturnino  Machado  a  Custodio  Machado: 


Cuango,  29  de  janeiro  de  1884. — Hontem  acabámos  de  passar  o  Cuan- 
go,  ao  norte  dos  Bângalas  (Cassanje)  no  paiz  dos  Cá-Harís.  Felizmente, 
em  todo  o  caminho  por  nós  percorrido  os  indígenas  não  procuravam 
pôr-nos  impedimentos,  não  obstante  sermos  os  primeiros  brancos  que 
transitam  por  este  paiz.  De  Cafuxi  procurámos  um  trilho  entre  o  rio 


202  EXFEDIÇIO  FORTUOUBaBA  AO  MUATIÂHVUA 

Lai  e  Lnbtnda,  que  correm  parallelos  para  o  norte,  aerrindo  o  primeiro 
de  fronteira  aos  Bângalaa  do  Songo  e  o  segando  ao  Hòlo. 

Na  beira  doestes  rios  ha  am  districto  povoado  por  diversas  raças, 
sendo  a  mais  numerosa  a  dos  Cá-Hondas,  governados  por  diffèrentes  re- 
galos independentes  nns  dos  ootros. 

Foi  neste  paiz  qae  atravessámos  o  Loí  para  a  margem  direita,  gas- 
tando cinco  dias  para  o  passar,  em  rasZo  do  rio  ter  aqai  mais  de  70  me- 
tros de  largo,  4  de  profundidade  e  nma  velocidade  superior  a  4  kilo- 
metros,  gastando  as  canoas,  trajecto  de  ida  e  volta,  33  minutos. 

As  margens  d*este  rio  sio  povoadas  de  uma  vegetaçio  esplendida, 
ao  c<mtrario  das  superfícies  horíxontaes,  onde  n2o  vimos  senio  exten- 
sas planícies  cobertas  de  capim,  aqui  e  além  algumas  rachiticas  acá- 
cias, que  mal  davam  madeira  para  as  nossas  cubatas.  Porém,  sio  terre- 
nos excellentes  para  a  criação  de  gado  vaccum,  de  que  o  indigena  pos- 
suo grandes  manadas,  sendo  quasi  todo  o  que  vimos  bem  desenvolvido 
e  regularmente  nutrido,  muito  superior  ao  gado  que  existe  por  Malan- 
je.  Dos  Bondos  até  ao  ponto  em  que  estamos  vimos  mais  de  três  mil  ca- 
beças no  nosso  transito.  O  preço  por  que  o  vendem  n2o  é  caro,  porque 
comprámos  vitellas  de  quatro  e  seis  mezes  a  dezoito  jardas  de  algodSo 
cru. 

A  direcção  que  temos  trazido  de  Cafuxi  até  aqui  tem  sido  quasi 
sempre  noroeste.  D*aqui  queriamos  seguir  para  o  norte ;  porém  os  car- 
regadores, adevinhando  as  nossas  intenções,  recusaram  levar  tal  direcçSo, 
por  08  indígenas  lhes  terem  dito  que  o  caminho  era  mau.  Assim,  temos 
agora  que  fazer  a  travessia  pelo  paiz  do  Xinje,  privando-nos  de  ir  ao 
Anzovo,  atravessar  as  terras  de  Maata  Cumbana. 

NSo  pôde  haver  nada  peor  que  os  carregadores  de  Malanje.  Procuram 
ao  viajante  todas  as  difficuldades  possíveis,  chegando  mesmo  a  seduzir 
o  gentio  para  o  nâo  deixar  passar !  Só  o  que  querem  é  comer,  como  es- 
tes teem  feito,  que  em  sessenta  dias  que  hontem  fizeram,  desde  Malan- 
je até  aqui,  apenas  se  tem  marchado  duzentas  e  cíncoenta  horas  e  elles 
já  comeram  três  peças  de  ração  cada  um. 

Por  aqui  se  vê  a  quadrilha  que  é,  e  o  que  d^elles  temos  a  esperar. 
Se  marchássemos  regularmente,  já  hoje  estaríamos  além  do  Cassai ;  as- 
sim, náo  sabemos  nem  é  fácil  calcular  o  tempo  que  gastaremos  nesta 
viagem.  O  que  é  certo,  é  que  tudo  quanto  nós  levámos  é  só  para  elles 
comerem  e  roubarem,  e  quando  chegarmos  ao  nosso  destino  já  nada  levá- 
mos para  vender. 

Estáo  neste  sitio  ha  dez  diaB  e  náo  ha  forças  que  os  arranquem 
d'aqui,  dando  por  desculpas  as  enfermidades,  o  que  é  menos  verdade.  A 
enfermidade  que  elles  allegam  é  fundada  na  razáo  de  terem  aqui  en- 
contrado muito  gado  vaccimi,  aonde  já  immolaram  quatro  cabeças,  afora 
cabras,  gallinhas,  porcos,  etc. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  203 

Depois  de  passar  os  Bondos  o  paiz  é  fértil,  o  gentio  de  trato  regular, 
e  nnnca  me  persuadi  que  fosse  caminho  tão  direito  para  uma  travessia 
pelo  Continente  negro  como  é  este  que  passámos  até  aqui.  Porém,  nem 
tudo  pôde  correr  á  medida  dos  nossos  desejos :  se  procurámos  um  cami- 
nho para  transitar  sem  obstáculos,  e  felizmente  o  encontrámos,  temos  o 
carregador  para  destruir  num  momento  todos  os  nossos  planos  forma- 
dos, e  quasi  realisados,  não  lhes  importando  o  prejuízo  do  viajante. 

Não  cai  por  inexperiente,  não ;  porque  desgraçadamente  conhecia  o 
que  havia  de  acontecer,  pois  que  a  10  kilometros  de  Catalã  quiz  obri- 
gar 08  carregadores  a  voltar  com  as  cargas  para  Malanje  por  ver  logo 
ali  o  seu  mau  proceder,  constituindo- se  em  greve,  fazendo  um  charivari 
infernal,  brandindo  as  suas  armas,  fazendo  esgares,  e  ameaçando  de 
abandonar  as  cargas  se  lhes  não  desse  ali  mesmo  nova  ração.  £u  oppuz- 
me  energicamente  para  que  se  não  desse  nada  aos  carregadores,  optan- 
do para  que  voltassem  com  as  cargas  jpara  Malanje,  e  obrigarem- se  os 
fiadores  a  pagar  as  despesas  feitas,  mas  o  António  não  annuiu^  satisfez 
as  exigências  dos  carregadores,  e  agora  as  consequências. 

Ainda  não  tinham  marchado  quarenta  horas  em  Cafuxi,  e  nova  gre- 
ve, e  esta  mais  desaforada  do  que  a  primeira.  Nesta  não  me  pouparam, 
fui  alvo  de  grandes  descomposturas.  Ainda  me  oppuz,  e  resolvido  a  vol- 
tar, abandonando  tudo,  porém  o  António  não  quiz ;  o  mal  já  tinha  sido 
feito  em  Andala  Quinguangua,  agora  aguentar  e  cara  alegre.  Fiz  como 
Pilatos :  lavei  d*ahi  as  minhas  mãos. 

Assim  temos  vindo,  de  greve  em  greve,  com  os  carregadores,  gastando 
sessenta  dias  até  ao  Cuango,  que  não  são  mais  do  que  quinze  marchas 
de  carregadores,  gastando  oitocentas  peças  de  fazenda,  independente- 
mente da  ração  que  já  tinham  recebido  em  Malanje. 

Assim  temos  andado  e  andaremos,  até  acabar  esta  viagem,  pedindo 
unicamente  ao  AJtíssimo  para  que  nos  deixe  chegar  ao  nosso  destino,  e 
para  que  possamos  regressar  com  saúde  e  sem  maiores  prejuízos.  São 
estes  os  meus  desejos. 

Amanhã  vamos  deixar  o  Cuango  e  tomar  a  direcção  de  leste,  deixando 
este  rio,  que  poucas  saudades  nos  deixa,  por  causa  também  das  picar- 
dias que  soaremos  dos  pilotos  das  canoas.  Posto  que  pagássemos  unica- 
mente vinte  peças  pela  nossa  passagem,  quantia  muito  diminuta  em  re- 
lação á  numerosa  caravana  que  levámos — o  rio  aqui  tem  mais  de  100 
metros  de  largo,  8  de  profundidade  e  uma  grande  velocidade, — não  era 
todavia  motivo  bastante  para  nos  reter  seis  dias,  havendo  três  canoas 
empregadas  no  nosso  transporte;  queixâmo-nos  unicamente  da  insolên- 
cia e  velhacaria  dos  pilotos. 

Aqui  o  Cuango  não  tem  aquella  vegetação  luxuriante  que  tem  o  Luf, 
não  obstante  termos  passado  a  poucos  kilometros  de  distancia  da  con- 
fluência d'este  naquelle. 


204 


EXPEDIÇSO  POETDGDEZA  AO  MUATliUVUA 


O  regulo  d'aqni  é  o  Mocto  Ãngoimbo,  que  tem  s  sna  residência  iia 
margem  esquerda  do  Cuango  ;  â  o  chefe  doa  Cá-Haris,  e  dizem  ser  baa- 
tonte  poderOBO.  NSo  tivemos  a,  honra  de  ver  uva  altrza,  nSo  obstante  eu 
ter  ido  á  sua  residência ;  como  estava  doente,  não  appareceu.  Comtudo 
dizem  ser  bom  e  tratavel,  obsequiando- nos  coro  nmaeicellentevitella,« 
eilorquindo-nos  primeiro  doze  pe^^as  de  fazenda  a  titulo  de  quíbanda.^'= 
Saturnino  Machado. 


DE8CBIPÇA0  DA  VIAGEM 


O  NOSSO  MODO  DE  VER  SOBRE  A  REGIÃO 
QUE  ATRAVESSÁMOS 


atamos,  (iDalmente,  na  povoação 
principal  de  Malanje,  logar  ou- 
Je  teinos  de  completar  a  organi- 
saçSo  da  Dosaa  ExpcdiçSo,  e  onde 
começam  os  nossos  trabalhos 
de  exploração,  por  ser  este  um 
dos  concelhos  mais  afastados  do 
littoraL  e  pouco  conhecido. 

For^m,  antes  de  dar  conta 
dos  nosKOB  c-studoa,  relembremos 
08  factos  roais  salientes  e  mala 
característicos  do  nosso  per- 
curso, de  mais  (le  200  kitome- 
trna  do  Dondo  até  aqui,  su- 
bindo sempre  e  passando  por 
terrenos  de  differentcs  aptidSee,  e  a  que  correspondem  povoa- 
çSes  mais  ou  menos  importantes. 

Estamos,  pois,  numa  d'aquellaB  regiSes  elevadas  tSo  cara- 
cterísticas do  continente  afiícano,  mas  não  de  tão  grande  alti- 
tude qne  o  clima  ae  modifique  por  esse  motivo  e  possa  corrigir 


206 


EXPEDIÇIO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂNVnA 


a  insalubridade^  modificai  a  infecçXo  palustre,  e  dar  novo  ca- 
racter á  vida  vegetal  e  animal. 

A  bacia  hydrographica  do  rio  Cuanza,  cuja  exploraçSo  na 
sua  parte  mais  alta  se  está  impondo  como  uma  extrema  ne- 
cessidade, é  menos  desenvolvida  do  lado  em  que  fica  Malanje. 
Esta  parte  da  bacia  ó,  por  assim  dizer,  um  terminas  da  se- 
gunda zona  do  valle  do  Cuanza,  a  partir  da  costa,  e  as  suas 
margens  vSo-se  elevando  gradualmente,  destacando-se  aos  la- 
dos e  a  differentes  distancias  collinas,  morros  e  montanhas  que 
lhe  servem  de  limite  e  lhe  circumscrevem  a  alimentação  sendo 
as  suas  aguas  inteiramente  pluviaes  sem  o  menor  contingente 
das  aguas  provenientes  das  regiSes  altas  e  das  lacustres,  que 
neste  mesmo  continente  tantas  vias  fluviaes  alimentam. 

Consideremos,  porém,  na  linha  que  percorremos,  sempre  sob 
a  influencia  do  Cuanza  na  sua  margem  direita,  o  que  se  nos  of- 
ferece  em  relaçSo  á  composição  do  solo,  aos  vegetaes  e  aos 
animacs  que  ahi  vivem,  ás  povoações  que  por  ahi  se  teem  des- 
envolvido, e  condições  em  que  tudo  se  encontra  na  actualidade. 

Suppondo  reduzidas  aos  differentes  rumos  astronómicos  as 
distancias  percorridas,  a  contar  de  Loanda,  constituimos  o  se- 
guinte quadro,  que,  auxiliado  pelo  desenho  graphico,  muito  es- 
clarece acerca  dos  desnivelamentos  em  todo  o  nosso  percurso. 


Designaçlo 

Rumos 
approxiinados 

Distancias 

em 
kilometros 

InelínaçSei 

por 
kilometro 

De  Loanda  Dará  o  Dondo 

ESE. 
ESE. 
NE. 

E. 

E. 

S. 
ESE. 
ENE. 

E. 

140 
140 
90 

120 

42 

38 

92 

88 

135 

6".6 

Do  Dondo  para  Catende  (Cazengo) 

Do  Dondo  para  Pamba  (Ambaca) . . 

Do  Dondo  para  as  Pedras  (Pungo 

AndonfiTO^ 

0-,67 
7» 

8» 

Do  Pamba  para  Catende  (Cazengo) 
De  Pamba  para  as  Pedras  (Pungo) 
De  Pamba  para  Malanje  (Villa) . . . 
Das  Pedras  para  Malanje  (Villa) . . 
De  Catende  para  Malanje  (Villa) . . 

1",7 

8",8 

4",5 

0«,94 

2-,5 

descbipçaÒ  da  viagem  207 


Mas,  como  esses  percursos  são  sobre  montanhas,  cortadas  de 
valles  e  alguns  bastante  profundos  e  sinuosos,  podem  imagi- 
nar-se  os  grandes  represamentos  d'aguas  no  tempo  das  grandes 
chuvas,  de  novembro  a  maio,  e  como  consequência  a  natureza 
miasmatica  de  toda  esta  região. 

Constituem  todos  os  terrenos  que  atravessámos,  quatro  zo- 
nas distinctas,  ás  quaes  correspondem  também  centros  de 
producção  muito  variados. 

A  primeira  zona  deve  contar-se  desde  a  costa  até  á  altura  do 
Dondo,  sendo  estes  terrenos,  de  littoral  ou  recentes,  e  outros 
de  formação  relativamente  moderna,  sujeitos  a  elevaçSes  e  abai- 
xamento pouco  sensiveis  no  presente  mas  que  deveriam  ter 
sido  importantes  em  épocas  passadas. 

Desappareceraro  as  ilhas  da  foz  do  rio  Cuanza ;  formou-se  a 
que  limita  o  porto  de  Loanda ;  e  vae-se  tapando  a  barra  da  Co- 
rimba,  por  onde  não  ha  muitos  annos,  como  já  se  disse,  saiam 
e  entravam  embarcações  de  alto  bordo. 

Partindo  d*esta  região  baixa,  entrámos  na  da  linha  das  Ca- 
choeiras e  depararam-se-nos  alterosos  contrafortes  e  terrenos 
mais  elevados;  é  esta  a  segimda  zona — aquella  em  que  predo- 
mina o  ferro. 

A  passagem  d*esta  zona  para  a  terceira,  a  que  correspondem 
as  terras  de  Ambaca,  não  é  tão  saliente,  e  por  isso  muitos  fazem 
estender  a  segunda  até  Malanje. 

Os  que  considerai^  as  terras  de  Cazengo  e  Malanje  como 
uma  só  região,  esquecem-se  de  que  não  é  só  o  accidentado  dos 
terrenos  que  serve  para  fazer  estas  distincçSes. 

Ambaca,  por  exemplo,  que  fica  entre  Cazengo  e  Malanje  e 
forma,  por  assim  dizer,  os  contrafortes  de  Cazengo  pelo  nascen- 
te, está  mais  baixa  e  tem  outras  condições  de  clima  e  até  de 
força  vegetativa;  e,  quando  se  pense  em  fazer  a  sua  explora- 
ção agrícola,  não  se  pode  contar  com  as  mesmas  vantagens 
que  ofi^erece  Cazengo. 

São  estas  as  differenças  que  sempre  se  desconheceram,  e  por 
isso  se  fizeram  tentativas,  quasi  sempre  infructiferas,  e  se  viu 


í       « 


!l 


208  BXPEDIÇXO  POBTUGUEZÀ  AO  MUÀTIÂNVUÀ 


despovoar  Ambaca^  emqaanto  Cazengo   tem  podido  snsten- 
M  *  tar-se. 

Julgámos,  poisy  que  a  segunda  zona,  sob  os  parallelos  em 

que  passámos,  deve  subdividir-se,  tomando  bem  distinctas  as 

^  regíSes  de  CaÁengo,  Ambaca  e  Pungo  Andongo,  ás  quaes  cor- 

I  respondem  climas,  culturas,  producçSes  e  populaçSo  muito  dif- 

ferentes. 

O  homem  de  Ambaca  distingue-se  do  de  Cazengo  e  do  de 
Pungo  Andongo,  não  só  pela  natureza  do  trabalho  a  que  se 
dedica,  mas  ainda  pelos  seus  costumes,  industrias,  dialectos  e 
até  pela  seu  aspecto  physico. 

Quanto  á  regiSo  de  Ambaca,  somos  mesmo  levados  a  acre- 
ditar, pelas  investigações  e  estudos  ethnographicos  e  historico- 
tradicionaes  a  que  procedemos,  que  uma  parte  d'ella  foi  man- 
dada habitar  por  um  dos  primitivos  governadores  geraes,  que 
tudo  nos  leva  a  acreditar  fosse  Manuel  Cerveira  Pereira ;  e  que 
<  para  ahi  fôra  uma  colónia  da  Lunda  e  do  Libolo,  que  passado 

f  algum  tempo  abandonou  a  regiSo  a  que  puzeram  o  nome  de 

Lucamba,  como  já  dissemos,  por  ser  improductiva,  e  a  gente 
'  lá  foi  atrás  da  caça,  e  mais  tarde  são  esses  povos  os  que  cons- 

tituiram  o  jagado  de  Cassanje,  de  que  mais  adeante  fallaremos. 
Assim  como  esses,  outros  fugiram,  por  não  julgarem  bons  os 
terrenos  para  culturas. 

Era  bom  que  se  conhecessem  as  terras  de  cada  região  agrí- 
cola, para  que  se  prestassem  os  devidos  esclarecimentos  a  quem 
nellas  se  quizesse  fixar. 
I  Em  Portugal,  teem-se  feito  estudos  especiaes ;  e  ha  mesmo 

I    ^  mappas  minuciosos,  mostrando  quaes  as  regiões  vinicolas,  as 

dos  sobreiros  e  carvalhos,  as  dos  pinheiros,  as  dos  milhos,  as 
dos  trigos,  etc. 

E,  se  num  paiz  de  tão  fácil  aproveitamento,  ha  indicações 
agrícolas,  florestaes,  zoológicas  e  mineralógicas,  quanto  mais 
precisas  não  são  ellas  aqui,  onde,  além  do  calor  sempre  per- 
sistente, ba  o  miasma,  contra  o  qual  não  se  toma  uma  única 
providencia ! 


DESCRU^XO  DÁ  VUGEM  209 

A  nossa  dassificaçSo  de  zonas,  até  Malanje,  é  pois  a  seguinte : 

Terras  baixas  ou  marítimas; 

Terras  em  socalcos,  em  que  predomina  o  ferro  (Casengo  e 
terras  a  norte); 

Planaras  de  Ambaca; 

Penedias  de  Fungo  Andongo  (rochas  schistosas,  gneises  e 
grossos  conglomerados  na  base)  e  terrenos  adjacentes. 

NSo  sSo,  todos  estea  terrenos,  essencialmente  distinctos  uns 
dos  outros,  especialmente  a  contar  do  primeiro  socalco  ou  das 
Cachoeiras ;  mas  é  certo  que  a  sua  configuraçSo,  de  per  si,  nos 
faz  ver  distincçSes,  embora  nós  aqui  e  acolá  vejamos  apparecer 
o  schisto,  o  granito,  o  ferre  e  o  grés  vermelho. 

O  que  registámos,  por  ser  um  facto  bem  observado,  é  que 
existe  ferro  e  cobre,  e  no  Dondo  mostraram-nos  carvSo  e  cal 
que  vem  de  Cambambe,  na  direcçSo  das  Cachoeiras;  e  nós  as- 
phaltámos  os  corredores  do  hospital  Maria  Pia,  de  Loauda,  com 
bitume  do  Libongo,  na  foz  do  Dande — o  que  faz  pensar  na  exis- 
tência de  carvfto  nas  proximidades. 

Também  tivemos  occasiSo  de  ver  palhetas  de  oiro,  recente- 
mente obtidas  do  Lombije,  e  de  que  viramos  em  tempo  uns 
frascos  pertencentes  a  José  Maria  de  Prado  e  da  exploraçfto  de 
Flores;  e  aqui,, em  Malanje,  nos  foi  mostrada  uma  pequena  bala 
de  prata,  que  uma  das  filhas  do  celebre  coronel  Pires,  de  que 
falíamos,  possuia  como  reliquia,  porque  com  estas  balas  car- 
regava seu  pae  as  espingardas  de  caça,  á  falta  de  chumbo  ou 
de  balas  de  ferro,  e  diz-se  ser  da  prata  que  os  Jingas  lhe  leva- 
vam de  presente  para  este  fim,  desconhecendo  o  sôu  valor. 

Mas  porque  não  vingou  a  fabrica  de  ferro  de  Oeiras,  e  ape- 
nas apparece  uma  ou  outra  tentativa  de  exploração  mineira,  e 
de  ferro  indigena  até  na  região  mais  a  oeste  aonde  fomos? 

Kão  valeria  a  peoa,  ao  menos  na  segunda  zona  fazer  estudos 
geológicos,  não  isolados,  mas  como  complemento  do  estudo  dos 
climas,  das  producçSes  e  das  aptidões  do  solo  agricultavel  ? 

Todos  os  terrenos  que  se  estendem,  seguindo  a  faxa  em 

que  attentámos,  sustentam  também  centros  de  vegetação  bem 

distinctos  de  umas  para  outras  zonas. 

u 


210  EXPEDIÇZO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

•  Os  grandes  palmares  em  toda  a  zona  baixa;  as  plantaçSes 
de  café  na  segunda  zona;  o  amendoim,  o  tabaco  e  arroz  em 
Ambaca;  as  boas  pastagens,  os  trigos  e  outras  cultoras  dos  cli- 
mas menos  quentes  em  Fungo  Andongo;  e  as  florestas  d'alii 
para  deante  mostram  que  ha  efifectivamente  condiçSes  geoló- 
gicas e  climatéricas  que  correspondem  a  cada  zona,  e  se  dis- 
tinguem por  alguns  productos  vegetaes. 

Ha  mesmo  alguns  factos  isolados,  assas  curiosos,  que  im- 
pressionam o  observador. 

O  imbondeiro,  por  exemplo,  apparece  indifferentemente  por 
todas  as  três  primeiras  regiSes,  isto  é,  desde  a  costa  até  aos 
confins  de  Ambaca ;  mas,  doesta  longitude  até  ao  Cuango  pre- 
domina a  acácia  de  bonitas  flores  de  cor  amarella  e  vermelha. 

E  certo  que  nem  toda  a  região  que  atravessámos  tem  uma 
população  assas  densa,  o  que  nos  causou  a  mais  profunda  im- 
pressão, porque  apesar  doeste  facto  se  apresentar  logo  á  pri- 
meira vista,  não  sabemos  de  quaesquer  providencias  que  se  te- 
nham tomado  no  sentido  de  favorecer  o  seu  desenvolvimento^ 
ou  seja  pela  immigração,  ou  pela  protecção  directa  ás  famílias. 

Limitam-se  também  os  trabalhos  agrícolas  a  meros  ensaios^ 
e  poucas  toem  sido  as  explorações  mineiras  e  industi*iaes! 

Na  região  entre  o  Dande  e  o  Cuanza,  de  facto,  pôde  dizer- 
se  que  tudo  se  tem  experimentado.  Houve  ensaios  de  diversas 
culturas,  mesmo  europeas,  e  também  das  dos  climas  quentes: 
trigo,  arroz,  batatas,  etc,  e  fruetas  da  Europa;  algodão,  tabaco^ 
café,  canna  saccharina,  mandioca,  milho,  etc,  dando  excel- 
lentes  resultados.  Houve  uma  candelária  no  Dande,  que  che- 
gou a  ter  grande  desenvolvimento;  houve  uma  fabrica  de  fun- 
dição de  ferro,  em  Oeiras,  e  os  indigenas  obteem,  por  pro- 
cessos rudimentares,  bom  ferro,  de  que  se  aproveitam  para  os 
seus  usos  ordinários;  conhecemos  asphalto  do  Libongo,  cobro 
do  Bembe  e  outros  pontos,  carvão  do  Cambambe,  oiro  do  Lom- 
bije  e  de  outras  partes,  prata  das  terras  do  Jinga.  Aprovei- 
taram-se  as  magnificas  madeiras  á  beira  do  Cuanza  e  con- 
struiu-se  até  uma  fragata  e  outras  embarcações  grandes,  em 
Massangano  e  em  Loanda,  para  serviço  da  nossa  costa. 


DESCBIPÇZO  DA  VIAGEM  211 

As  tentatívasy  porém,  foram  feitas  de  modo  que  muitos  dos 
emprehendedores,  e  dos  que  com  elles  trabalharam;  succumbiram 
yictimas  da  sua  ousadia  a  par  da  sua  ignorância,  e  d'ahi  se 
originou  a  descrença,  causa  principal  do  abandono  em  que 
encontrámos  estes  férteis  torrSes,  beneficiados  por  aguas  em 
abundância,  e  d^ahi  esses  vestigios  e  ruinas  do  trabalho  de 
nossos  maiores! 

Da  incerteza  nascem  as  vacillaçSes! 

Mal  da  Guyana  franceza,  que  presenciou  mesmo  nas  suas 
praias,  derrocadas  successivas  de  grandes  expedições  metropo- 
litanas, se  a  França  não  tivesse  procurado,  com  insistência,  co- 
nhecer da  causa  de  tSo  grandes  desastres  de  vidas  e  de  capi- 
tães! 

E,  entre  nós,  já  se  procurou,  de  facto,  a  causa  de  todas  estas 
incertezas  e  vacillaçSes? 

Como  possuir  perfeito  conhecimento  dos  recursos  provinciaes, 
sem  que  se  façam  estes  estudos? 

Impressionãmo-nos  com  as  despesas  cm  estudos,  porque  o 
publico  não  os  conhece,  e  esquecemo-nos  que  d^elles,  e  só  d'el- 
les,  depende  a  civilisação  e  a  riqueza  doesta  importante  parte 
da  naçSo. 

Diz  o  sr.  João  de  Andrade  Corvo,  nos  seus  valiosissimos 
trabalhos  sobre  as  provindas  ultramarinas: 

cA  triste  verdade-  é,  que  em  Portugal  ha  muita  ambição  de 
território;  muito  moh'ndre  phantasista;  uma  voz  sempre  dis- 
posta a  queixar-se  dos  outros;  uma  tendência  a  accusar  usur- 
pações e  expoliações. 

cÉ  bom  e  justo  que  assim  seja;  mas  é  pouco. 

cE  preciso  ter  coragem  para  trabalhar;  espirito  ousado  para 
melhorar  o  que  é  nosso ;  força  para  comprehender  que  a  situa- 
ção de  Portugal  lhe  impõe  o  dever  de  melhorar  a  sorte  dos 
povos  que  lhe  estão  sujeitos,  civilisando-os. » 

Não  desprezemos  o  conselho  de  uma  das  primeiras  auctori- 
dades  na  nossa  causa  africana,  e  mãos  á  obra.  Estudemos;  e 
que  esses  estudos  se  façam  desde  já,  a  par  da  construcção  da 
via  férrea,  que  está  em  andamento. 


212      EXPEDIÇXO  PORTUOUEZA  AO  MUATIÂNVnÀ 

Pois  nSo  é  para  estranhar  que,  ainda  hoje,  a  entrarmos  na 
ultima  década  do  século  xix,  esta  vastíssima  provincia  de  An- 
gola esteja  importando  productos  que  já  ha  muito  devia  ex- 
portar,  e  sem  que  fizesse  mal  ás  nossas  industrias  da  metrópole, 
como  sSo  o  álcool,  o  assucar,  o  algodSo  e  o  tabaco,  e  outros 
propriamente  hortícolas,  como:  feijão,  batata,  arroz,  cebollas, 
etc? 

A  administração  provincial  nSo  tem  aCçSo  própria.  Está  ma- 
niatada, e  sujeita  ás  deliberações  e  consultas  de  gabinete  da 
metrópole,  e  ahi  vêem-se  as  cousas  por  prismas  muito  diversos, 
sempre  na  descrença  de  que  as  colónias  progridam,  e  tendo  em 
vista  a  economia,  porque  ellas  estão  sendo  um  encargo  muito 
pesado  á  metrópole. 

Que  se  faça  a  luz;  que  se  estude  devidamente  o  que  pelo 
menos  é  mais  urgente;  e  veremos  o  engano  em  que  se  labora 
e  os  erros  que  se  teem  commettido! 

Apresentem-se  estatísticas  dos  rendimentos  das  alfandegas 
da  metrópole  e  da  nossa  provincia  de  Angola,  resultados  de 
importações  e  exportações  que  se  fazem  reciprocamente ;  atten- 
da-se  á  quantidade  de  famílias  que,  na  metrópole,  se  sustentam 
á  custa  dos  interesses  obtidos  em  Angola;  lembrerao-nos  das 
empresas,  propriedades  e  industrias  para  que  contribuo  esta 
provincia  e  cujos  impostos  entrara  nos  cofres  da  metrópole; 
continuemos  assim  perscrutando  todas  as  fontes  de  receita  da 
nação,  e  veremos  que  para  ella  provem  uma  contribuição  im- 
portante, principalmente  de  Angola  e  de  S.  Thomé. 

Outrora  acreditaram- se  os  governadores  doestas  províncias 
pelas  conquistas,  pelos  seus  feitos  heróicos,  e  mais  tarde,  pelos 
melhoramentos  públicos  que  se  eraprehendiam  sob  a  sua  direc- 
ção; porém,  depois  que  a  administração  se  centralisou  na  me- 
trópole, a  não  ser  o  actual  c  honra  lhe  seja,  por  actos  de  ad- 
ministraçflo  rasgadamente  progressista,  e  exceptuando  um  ou 
outro  de  tempos  a  tempos,  poucos  deixaram  vistigios  da  sua 
administração? 

Em  uma  das  sessões  da  camará  alta,  dizia  o  nobre  Visconde 
de  S.  Januário,  pouco  depois  de  chegar  do  seu  ultimo  governo 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  213 

do  ultramar:  cE  preciso  dar  mais  latitude  á  acçSo  dos  gover- 
nadores das  nossas  colónias,  se  querem  que  ellas  progridam». 

E  assim  é. 

A  acçSo  dos  governadores  reduz-se,  hoje,  a  reformar  leis 
provinciaeSy  já  muitas  vezes  corrigidas ;  a  mandar  applicar  cas- 
tí^tí  a  militares  e  a  degredados ;  a  mudar  constantemente  os 
òliefdà  dos  concelhos,  o  a  entreter  com  estes  e  com  os  govema- 
ãorés  subalternos  o  outras  auctoridades,  um  volumoso  expe- 
diente ! 

Nisto  se  oocupa  um  período  de  três  annos.  Algumas  vezes 
visitam  as  povoaçSes  do  littoral;  e  raro  é  o  que  conhece  o  interior 
da  provincia,  e  se  informa  alguma  vez  das  suas  necessidades 
mais  instantes. 

O  illustre  Governador  Ferreira  do  Amaral  é  uma  das  exce- 
pções de  que  acima  falíamos;  e  é  realmente  para  lastimar  que, 
pouco  tempo  depois  de  conhecer  bem  o  que  valiam  os  dominios 
sob  a  sua  administração  e  o  proveito  que  d^elles  se  podia  obter^ 
se  não  collocassem  a  seu  lado  os  auxiliares  e  recursos  indis- 
pensáveis, e  ao  mesmo  tempo  se  lhe  âSo  oíFerecessem  vanta- 
gens para  elle  continuar  adininístrando  esta  província  tanto 
tempo,  quanto  o  necessário  para  que  visse  os  resultados  das 
providencias  que  adoptasse. 

Infelizmente,  não  succedeu  assim ;  e,  o  que  é  mais,  por  cir- 
cumstancias  de  certo  alheias  á  boa  vontade  dos  poderes  pú- 
blicos, não  foram  ainda  impressos  os  relatórios  da  sua  admi- 
nistração, em  que  de  certo  haverá  informações  preciosas ;  e  as 
pessoas  menos  illustradas,  bem  como  os  estrangeiros,  continuam 
na  rotina  de  ignorarem  o  que  está  estudado,  e  o  que  ha  de 
bom  na  nossa  província  de  Angola. 

Os  chefes  de  concelhos  estão  para  com  o  Governador  como 
este  para  com  o  Ministro ;  o  que  sabem  na  maior  parte  das  ve- 
zes é  por  informações,  e  estas  de  pouca  confiança  por  falta  de 
authenticidade. 

Gastam  todos  muito  papel;  mas  resultados  profícuos  não  se 
vêem,  pela  falta  de  indispensáveis  estudos  práticos,  e  boa  orien- 
tação de  quem  dirige. 


214 


BXPEDIÇZO  PORTOOtlEZA  AO  HDATIÂHVnA 


£m  camprimeato  das  iiiBtracçSee  que  noB  foram  dadas,  en- 
tendemoB  ser  um  dever.ezpor,  com  toda  a  franqueza,  as  nossas 
impressdes  e  os  resultados  práticos  a  que  chegámos.  O  assum- 
pto porém  é  de  sua  natureza  complexo,  e  em  alguns  pontos 
inteiramente  novo,  por  ieeo  teremos  de  lhe  dar  maior  desen- 
volvimento nos  capitnloB  que  se  segnem;  e  mais  largos  esta- 
dos e  mais  completas  aprecia^See  teremos  de  fazer,  tanto  no 
qne  respeita  á  riqueza  como  á  administraçSo  da  província  de 
Angola. 


CAPITULO  II 


CONCELHO  DE  MALANJE 


úeãa  kaJnepe,  úeJa  kaãi 
canda  pouco,  mas  anda  sempre.» 


Demora  da  Ezpediçio  em  Malai^je;  em  que  te  emprega  o  pessoal  e  informaçSei  sobre  o 
melhor  caminho  para  o  interior  —  O  que  era  Malai^e  antes  de  aer  elevado  i  cathegoria 
do  concelho ;  seus  actnaes  limites  —  Caminhos ;  babitaç&es  e  materiaes  de  construe- 
ç2o  —  Pessoal  da  administraçio  do  concelho  e  as  missSes  nacional  e  estrangeira  — 
Carência  de  soccorros  médicos  e  serviços  correlativos;  insuíBciencia  da  força  armada — 
£dificios  e  melhoramentos  públicos ;  cansas  de  insalubridade  e  condições  de  sanea- 
mento —  Commercio ;  seu  desenvolvimento,  suas  relações  com  os  indígenas,  e  gravis- 
sima  concorrência  do  estrangeiro  —  Agricultura  e  as  providencias  que  o  sen  desen- 
volvimento mais  altamente  reclama  —  Uma  eleição  em  Africa  —  DUBculdades  com  os 
carregadores ;  modo  de  pagar-lhes ;  exigências  que  apresentam  —  Protesto  contra  as 
informações  do  explorador  Wissmann  a  respeito  do  commercio  português — Despedida 
deMalai^je. 


DEMOEA  EM  MALANJE 


Ao  chefe  do  coocellio,  e  a  todoa  os  ncgodantes  que  mais  ou 
menoB  mantinham  rekçSes  com  os  sobas  vizinhos,  pedimos 
desde  iogo  o  aeu  auxilio  para  se  contractarcm  carregadores  para 
o  serviço  da  Expediçiio  até  ao  numero  de  trezentos;  e  man- 
duram-ee  para  os  sobas  mais  distiintes  individuos  acostumados 
a  taeH  diligencias,  com  alguns  presentes  a  Jím  do  os  animar 
a  enviarem  os  carregadores  de  que  pudessem  dispor,  para  os 
contractarmoa. 

Nos  Bobados  maia  próximos  da  villa  poucos  se  podiam  en- 
contrar, porque  a  expediçiio  do  Machados  &  Carvalho  que 
d*aqtii  sairá  em  novembro  do  anno  passado,  e  depois  a  dos 
allem&cs  que  estava  em  vésperas  de  partida,  tomaram  todos  os 
que  haviam  diaponiveis,  e  os  poucos  que  ficaram  contractámo-Ios 


218  EXFEDIÇZO  POBTUOUEZA  AO  KUATliirvnÀ 

para  serviço  das  nossas  cargas  de  Cazengo  para  aqui,  pis- 
que o  chefe  d'aquelle  concellio  que  esperaya  o  regresso  das 
comitivas  do  interior  que  andavam  no  serviço  dos  transportes 
do  caféy  nos  commnnicou  que  ellas  se  tinliam  qnstado  para 
mna  outra  serie  de  viagens  não  convindo  por  motivo  algum 
desvii-Ias  d'aquelle  trabalho,  o  que  seria  prejudicial  A  agri- 
cultura. 

Forçados  pois  a  reconhecer  que  a  nossa  Expediçlo  tinha  de 
se  demorar  algum  tempo  em  Malanje^  angariando  os  carrega- 
dores que  lhe  eram  indispensáveis  para  se  internar^  e  esperando 
todas  as  cargas  que  estavam  em  Cazengo,  entendemos  de  ex- 
trema necessidade  aproveitar  o  tempo,  entretendo  o  pessoal  que 
já  vencia  pela  ExpediçSo  no  que  nos  f&ra  mais  recommendado 
com  respeito  aos  trabalhos  a  emprehender. 

É  Malange,  actualmente,  um  concelho  da  província,  onde 
existe  ha  mais  de  vinte  cinco  annos  um  núcleo  de  europeus 
dedicado  ao  commercio,  mas  onde  a  agricultura  só  é  conheci- 
da, pode  dizer-se,  pelo  seu  nome. 

Ainda  nílo  ha  muito,  num  dos  mais  bem  elaborados  traba- 
lhos publicados  em  Portugal  sobre  as  nossas  possessões  ultra- 
marinas, 80  transcreve  a  respeito  de  Malanje  apenas  uma 
informação  de  Rodrigues  Graça  de  1843:  cO  soba  chama-se 
Enihanfjana  c  é  tributário  de  Ambaca;  o  terreno  é  fértil,  pro- 
duz milho,  feijrio  e  creaçoes:  poucas  vantagens  commerciaes 
offerece,  a  não  ser  cera  e  escravos.  Os  indígenas  cobrem -se 
com  coiros  de  feras,  usam  de  lanças  e  frexas,  sao  de  má  ín- 
dole e  ladroes,  a  sua  religião  é  a  idolatria». 

Esta  citação  é  feita  pelo  ex."®  sr.  conselheiro  João  de  An- 
drade Corvo  *,  um  dos  ministros  que,  modernamente,  por  mais 
tempo  dirigiu  os  negócios  das  colónias  e  que  tem  vinculado  o 
seu  nome  a  grande  numero  de  reformas  e  melhoramentos  que 
lhes  respeitam.  De  certo  elle  mais  diria  do  concelho  de  Ma- 
lanje, se  tivesse  dados  mais  amplos. 


í  EshtdoB  sobre,  as  Províncias  Ultramarinas,  vol.  nr,  pag.  241, 1884. 


DESCRIPÇXO  BA  VIAGEtf  219 

Convencemo-noS;  poiS;  'que  nos  archivoB  do  Ministério  dos 
negócios  do  ultramar,  não  havia  até  1884  outras  informaçSes 
ou  esclarecimentos  acerca  doeste  concelho,  e  por  isso  seremos 
o  mais  minuciosos  que  nos  for  possível  em  relatar  o  que  d'elle 
conhecemos. 

Já  ficou  dito,  e  deve  repetir-sC;  que  na  Allemanha  depois 
de  1876  conhece-se  Malanje  melhor  do  que  em  Portugal,  peU 
fifidta  de  publicidade  e  necessária  propaganda  que  ha  entre  nós. 
E  sentimos  deveras  que  o  illustrado  pessoal  de  engenheiros  in- 
cumbido do  estudo  do  caminho  de  ferro  de  Âmbaca,  não  ti- 
vesse tido  opportunidade  de  fazer  um  reconhecimento  até  ali. 
Havia  nelle  individues  que  pelas  suas  informações  auctorisa- 
das  esclareceriam  o  governo  e  o  paiz,  acerca  das  boas  condi- 
ç8es  doeste  importante  e  vastíssimo  concelho  e  das  modificaçSes 
pelas  quaes  tem  passado  com  vantagens  depois  de  1843,  uni- 
camente devido  aos  sacrifícios  d^alguns  Fortuguezes  que  ahi 
se  estabeleceram  e  que  tem  ultimamente  attrahido  ali  o  eom- 
mercio  do  interior,  numa  escala  niuito  desenvolvida. 

Resolvemos,  pois,  que  uma  secçSo  da  Expedição,  sob  o  com- 
mando  do  ajudante,  fosse  estabelecer  uma  estação,  já  fora  da 
alçada  da  nossa  auctoridade,  na  qual  se  armazenassem  as  car- 
gas que  fossem  chegando  de  Cazengo,  e  ao  mesmo  tempo  que 
o  pessoal  procurasse  insinuar-se  no  animo  dos  povos  vizinhos^ 
attrahindo-os  ao  nosso  convivio  no  interesse  da  agricultura  e 
do  commercio  de  Malanje  e  também  no  interesse  da  Expedição. 
Obter-se-íam  assim  carregadores  para  o  seu  serviço,  garantin- 
do-se  ao  mesmo  tempo  coramunicações  seguras  para  o  interior 
e  para  a  villa. 

O  resto  da  Expedição  ficava  na  sede  do  concelho  activando 
o  movimento  das  cargas,  angariando  carregadores,  providen- 
ciando para  manter  em  boas  condições  a  secção  destacada,  e  es- 
tudando o  cojicelho  sob  os  pontos  de  vista  scientificos  e  com- 
merciaes  que  mais  interessassem  em  geral  ao  paiz. 

O  sub-chefe  estabeleceu  logo,  nas  melhores  condições  que 
lhe  foi  possível,  os  instrumentos  de  meteorologia,  e  iniciou  os 
seus  trabalhos  não  só  de  observações  meteorológicas  e  astro- 


220  EXPEDIÇ!0  POBTUGUBà  AO  MUATTInVUA 

nomicas  como  de  exploraçSes  no  campo^  tendo  a  attender  aii 
ao  tratamento  de  doentes  ^. 

Era  preciso  pensar  no  melhor  caminho  a  seguir  para  que  a 
primeira  secçSo  partisse  a  cumprir  a  missSo  que  já  lhe  fôra 
destinada.  Sendo  ouvidos  os  negociantes  práticos  do  sertSo  da 
Lunda,  Narciso  António  Paschoal,  o  velho  Lourenço  Bezerra 
que  de  lá  chegara  havia  pouco  tempo  quasi  cego,  Gomes,  An- 
drade e  outros  e  também  a  opiniSo  sensata  do.  negociante 
Custodio  Machado,  muito  valiosa  pelas  boas  informaçSes  que 
possuia  do  que  se  passava  além  Cuango  e  junto  ao  que  nos  con- 
stava das  conversas  com  o  Tenente  Wissmann,  chefe  da  expe- 
dição allemS  sobre  o  que  a  pratica  lhe- demonstrara  na  sua 
primeira  travessia;  tudo  nos  convenceu  de  que  Quimbundo, 
nada  valia  actualmente  como  ponto  commercial,  pois  que 
tendo-se  os  Quiôeos  estabelecido  já  em  terras  mais  ao  norte 
difficultavam  as  marchas  das  comitivas  de  commercio  para 
a  Mussumba,  quando  as  não  expoliavam,  tendo  já  invadido 
mesmo  as  terras  de  Muansansa^  grande  quUolo  do  Muatiftn- 
vua,  a  quem  o  Dr.  Max  Buchner  ainda  ha  dois  annos  visitara. 
Mais  para  oeste,  as  luctas  de  Bângalas  e  Quiôeos  tinham  sido 
também  estorvo  ás  remessas  de  marfim,  cera  e  borracha  que 
vinham  de  Quimbundo  para  Malanje. 

O  sertanejo  Saturnino  Machado,  homem  bastante  pratico  e 
que  mais  de  metade  da  sua  vida  a  passara  ali,  tomando-se 
popular  entre  os  vizinhos^  deixara  a  sua  casa  com  os  armazéns 
cheios  de  borracha  á  guarda  de  seus  pombeiros  para  lh'a  en- 
viarem quando  houvesse  opportunidade  e  carregadores,  e  fora 
procurar  por  novos  caminhos,  ao  norte,  outros  mercados  que 
offerecessem  melhor  resultado  nas  suas  transacções. 

A  vantagem  da  marcha  para  a  Mussumba  por  Quimbundo, 
consistia  apenas  na  existência  ali  do  estabelecimento  de  Sa- 


^  Todos  08  trabalhos  do  sr.  Agostinho  Sczinando  Marques,  tanto  em 
Malanje  como  nas  outras  estações  cm  que  a  Expedição  se  demorou,  são 
publicados  num  volume  separado,  o  quarto  dos  trabalhos  da  mesma, 
sob  o  titulo :  Os  climas  b  as  pboducçoes  das  tebbas  de  Malanje  i  Lunda. 


DESCBIFÇXO  PA  VIAGEM  221 

tomino  Machado,  o  qual  foi  um  grande  recurso  para  as  ex- 
pediçSes  alIemSs  que  ahi  faziam  a  sua  estação,  se  forneciam 
de  novos  snpprimentos,  obtinham  carregadores  e  eram  guiados 
de  potentado  em,  potentado  por  delegados  d*estes,  e  por  pom- 
beiros  e  interpretes  do  mesmo  Saturnino  Machado ;  o  que  dava 
garantias  de  segurança  e  tomava  mais  rápidas  as  viagens  ^. 

Por  ultimo,  não  tendo  agora  este  caminho  importância  com- 
mercial  e  estando  já  estudado,  a  escolha  de  qualquer  outro,  se 
nos  acarretava  attrictos,  ofiferecia-nos  campo  menos  conhecido 
para  as  nossas  investigações  e  vantagens  para  o  nosso  com- 
mercio. 

A  expedição  Machados  &  Carvalho,  á  parte  as  difficuldades 
sempre  levantadas  pelos  próprios  carregadores,  seguira  bem 
pelo  caminho  de  NE.  para  o  Cuango  que  passa  nos  Haris  a 
norte  do  longo  e  dos  Bângalas;  e  a  expedição  allemã  ia  se- 
guir pouco  mais  ou  menos  aquelle  itinerário  e  com  ella  ia  uma 
comitiva  de  Custodio  Machado  para  uma  casa  filial  a  esta- 
belecer-80  na  margem  direita  do  Cuango  em  território  dos  Xin- 
jes,  súbditos  de  Capenda-cá-Mulemba,  sobre  que  Saturnino 
Machado  informava  bem. 

Era,  pois,  de  toda  a  conveniência,  procurar  garantir  este 
novo  caminho  ao  commercio  e  tirar  o  máximo  partido  dos  po- 
vos de  suas  immediaçSes  em  nosso  favor,  radicando  nelles  o 
mais  que  fosse  possivel  a  nossa  antiga  influencia  agora  reno- 
vada pela  grande  expedição  dos  irmãos  Machados. 

Não  nos  convinha  a  nós  Portuguezes,  trabalhar  isolada- 
mente nesta  importante  questão  de  exploração  commercial^ 
sobretudo  partindo  d 'um  mesmo  ponto  para  o  centro  do  conti- 
nente, quando  entre  nós  seguia  uma  expedição  estrangeira  — 
também  commercial  — ,  e  que  pela  forma  por  que  estava  orga- 


1  Todos  08  exploradores  estrangeiros  que  atravessaram  a  região  da 
Lunda  de  uma  a  outra  costa  e  do  Limpopo  ao  Zaire,  foram  sempre  au- 
xiliados pelos  Portuguezes,  devendo  especialisar-se  Livingstone,  Came- 
ron,  Young,  Stanley  e  todos  os  outros,  mesmo  os  regionaes  que  conse- 
guiram fazer  alguns  estudos. 


222 


EXPEDIÇÍO  POBTDOHKÍA  AO  MUATIÂNVDA 


nisadn,  tinha  de  certo  intuito  de  permanência  e  fina  políticoí  j 
que  não  poderiam  sor  senSo  contrários  A  nossn  influencia. 

Pcnsnva-se  no  accordo  a  que  devíamos  chegar  com  o  ne-  J 
gociante  Custodio  Machado,  quando  appareceu  em  Malu^e  A I 


cumprimentar  a  expedição,  Xaquilembe,  Cacuata  da  Lunda 
com  um  rapazito  seu  filho  e  um  companheiro  com  o  titulo  de 
Muit<!iata. 

Estes  homens  tinham  vindo  com  negocio  a  Cassanje  e  sa- 
bendo que  Be  organisara  uma  expedição  para  ir  visitar  o  seu 


DESCRIPçXa  DA  VIAGEM  223 

Muatiânvaa,  entenderam  dever  oumprimentíUla  e  dar  noticias 
do  estado  em  que  se  encontravam  os  caminhos. 

I^omos  informados  de  que  Xanama,  o  Muatiânvua  que  o  Dr. 
Buchner  visitara;  já  não  existia  nem  tão  pouco  o  que  lhe  suc- 
cedeu;  que  Xanama  receando  que  o  illustrado  explorador  pai^- 
ticipasse  a  Muene  Puto  que  fôra  roubado  nas  terras  do  seu 
grande  quilolo  Anguvo,  próximo  do  Cassai;  despachara  uma  em- 
baixada para  o  Ânguvulo;  governador  em  Loanda,  a  quem 
mandava  um  grande  presente  e  dizer-Ihe: — que  elle  não  man- 
dara fazer  tal  roubo,  apesar  de  não  ter  gostado  d'aquelle  inguerês, 
porque  dizia  mal  de  seu  amo  Muene  Puto;  que  elle  desejava 
que  Muene  Puto  lhe  mandasse  filhos  seus,  brancos,  mas  não 
inguerês,  para  ensinar  seus  filhos  a  fazer  as  bonitas  cousas  que 
dos  suas  terras  tem  visto,  etc.,  etc. 

A  embaixada  era  composta  dos  Cacuatas — Toca  Muvumo, 
Muzuóli,  CarungongO;  Ludui^o  com  grande  comitiva  que  guar- 
dava o  presente,  que  se  compunha  de  cincoenta  dentes  gran- 
des de  marfim,  um  anSo,  uma  onça  viva,  escravos  e  as  cargas 
de  borracha  que  estes  transportavam. 

A  embaixada  gastou  mais  de  um  anno  em  viagem  porque 
tivera  conflictos  com  os  Qmôcos  nas  margens  do  Chicapa,  e  xú- 
timamente  estava  demorada  nas  ambanzas  dos  sobrinhos  dos 
fallecidos  Muhungo  e  Cambolo  que  se  julgavam  com  direito 
ao  jagado  de  Cassanje,  na  margem  direita  do  Cuango. 

Os  Bângalas  não  consentiam  qu6  elles  fossem  com  os  pre- 
sentes para  o  governador,  porque  diziam:  só  o  seu  jaga  é  que 
pode  fazer  taes  presentes  e  elles  estavam-se  preparando  para 
fazer  uma  guerra  ao  que  está  na  posse  do  estado. 

Tiveram  ahi  os  Cacuatas  noticia  que  fôra  morto  Xanama,  e 
por  isso  díspuzeram  do  presente  a  favor  dos  Bângalas,  sup- 
pondo  que  estes  os  auxiliariam  a  fazer  uma  guerra  aos  Quiôcos 
que  lhes  quizeram  impedir  a  passagem. 

Os  Bângalas  receberam  os  presentes,  e  não  se  tinham  decidido 
a  fazer  tal  guerra  de  modo  que  os  Cacuatas  agora  temiam  vir 
dar  o  recado  do  Muatiânvua  ao  Anguvulo  por  não  terem  o  pre- 
sente de  que  esperavam  a  compensação .  e  temiam  volver  á 


224  EXPEDIÇÃO  POKTDOUHZA  AO  HUATIINVOA 

MuGBumba  porque  o  novo  Muatiãnvna  ee  ellee  appareceBsem 
sein  cousa  alguma  lhes  mandara  decepar  ae  cabeças. 

Os  QuiScoB  Babiatu  do  convite  que  os  Cacuataa  fizeram  aos 
fiãn^las  para  os  guerrear  e  agora  os  caminLos  estavam  cbeioa 
de  QuiôcoB  e  todos  ob  negociadores  que  por  ali  passavam  eram 
victimas  da  sua  selvageria. 

Depois  de  semelhante  communicaçao  que  noa  foi~traQsmit- 
tida  pelo   liomem  que   servira  de   interprete  ao   explorador  J 


Biíchner  e  que  era  ami^  d'elles  e  no-los  apresentjira,  tratámos  ] 
de  oa  interrogar  sobre  o  que  era  conveniente  conhecer  para  quem  ' 
se  dirige  para  as  suas  terras  e  quaes  os  caminhos  que  elles  po- 
diam garantir  como  de  mais  segurança  para  uma  grande  expe- 
dição. 


Do  que  ouvimos  concluimos  —  que  o  caminho  já 
)  melhor  a  seguir,  e  que  as  casas  commerciaes 


projectado    ^^^ 
I  que  Cus-    ^H 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  225 

todio  Machado  tencionava  estabelecer  e  as  estaçSes  que  a  Ex- 
pedição tinha  de  levantar,  deviam  obedecer  a  um  plano  de 
modo  que  se  protegessem  reciprocamente;  garantindo  sempre 
as  communicaçSes  entre  si  e  com  Malanje. 

O  negociante  Custodio  Machado,  como  homem  pratico  e  de 
espirito  patriótico,  do  melhor  grado  annuiu  a  cooperar  para  o 
bom  êxito  d'este  plano  e  no  dia  seguinte  entregava-nos  a  co- 
pia das  instrucçSes  que  confiava  ao  gerente  da  primeira  casa 
que  ia  estabelecer  na  margem  direita  do  Cuango,  as  quaes  sSo 
do  teor  seguinte: 


InstmcçOes  do  negroclante  Cnstodlo  Hachado 

acerca  do  estabeleéimento  da  sna  estação  comineroial 

na  margem  direita  do  Caango 

1.*  O  fim  único  e  exclusivo  do  estabelecimento  d'esta  casa  ou  estação  é 
paramente  o  de  exercer  o  commercio  licito  com  todos  os  povos  que  a  ella 
accorrerem  com  cera,  borracha  e  marfim,  para  permutarem  por  mercado- 
rias da  Europa;  mas  muito  principalmente  para  fazer  o  inicio  em  grande 
escala  do  commercio  da  gomma  copal,  o  qual  tem  sido  até  &oje  desco- 
nhecido neste  concelho. 

2.*  Deverá,  logo  que  chegue  ao  ponto  indicado,  construir  uma  casa  de 
pau  a  pique,  que  tenha  50  pés  de  comprimento  por  15  de  largo  e  10  de  al- 
tura de  paredes,  perfeitamente  segura  e  aterrada,  destinando-se  25  pés 
para  armazém  de  mercadorias  e  deposito  dos  já  indicados  géneros  colo- 
niaes,  e  os  25  restantes  serão  divididos  em  dois  quartos  iguaes,  desti- 
nando um  para  dar  hospedagem  a  qualquer  passageiro  civilisado  que  por 
ali  passe. 

3.*  Os  géneros  coloniaes  são  acreditados  pelo  mesmo  preço  por  que 
correm  neste  mercado  no  acto  da  sua  recepção ;  como,  porém,  para  a  co- 
tação da  gomma  copal  não  haja  ainda  preço  estabelecido,  eu  coto-a  desde 
já,  sendo  ella  igual  á  amostra  que  entrego  com  estas  instrucções  ao  sr. 
Vasconcellos,  em  4if500  réis  a  arroba,  quando  seja  bem  limpa  de  toda 
a  terra  ou  barro  e  que  não  contenha  corpos  estranhos;  deverá  pois  com- 
prar doeste  artigo  a  maior  quantidade  possivel  a  preços  animadores,  a 
fim  de  que  o  gentio  se  possa  dedicar  á  sua  procura,  sem  todavia  deixar- 
mos de  tirar  a  vantagem  em  nosso  interesse  na  exploração  que  nos  pro- 
porciona este  novo  ramo  de  commercio. 

4.*  Deverá  empregar  todos  os  esforços  possiveis  para  animar  sem  vio- 
lência o  povo  do  Xinje  a  empregar- se  na  conducção  das  cargas  do  com- 


226  EXPEDIÇ20  PORTUOCEZA  AO  mJATIÂNVUA 

mercio,  n2o  b6  para  Malanje,  como  para  o  Caiíngala,  Miasmábai  Im- 
buço  ou  outro  qualquer  ponto;  fazendo-lhe  sempre  com  religiosa  pontua- 
lidade 08  pagamentos  ajustados,  para  n2o  dar  motivo  a  que  em  seu  animo 
se  possa  incutir  a  menor  sombra  de  desconfiança  contra  os  Portugueses. 
No  caso  de  poder  conseguir  que  venham  carregadores  a  Malanje,  deyerá^ 
sempre  que  seja  possível,  mandá-los  acompanhados  de  pessoa  eerta,  a 
fim  de  lhes  inspirar  confiança  e  animaç&o,  a  qual  os  deverá  acompanhar 
ainda  no  seu  regresso,  pagando-sé-lhe  o  que  se  ajustar  por  tal  serviço. 
£  conseguindo-se,  como  espero,  que  venham  a  Malanje  sem  repugnância 
e  com  carga,  empregará  boas  diligencias  para  os  convencer  a  receberem 
aqui  o  pagamento  do  seu  Credito,  n2o  s6  porque  acho  isto  mais  vantajoso 
ao  meu  interesse,  mas  ainda  por  ser  assim  melhor  para  elles  poderem  no 
meu  estabelecimento,  e  á  sua  vontade,  escolher  o  artigo  que  mais  possa 
ser  do  seu  agrado,  para  lhes  satis&zer  o  pagamento  ajustado. 

Desejo,  emfim,  para  coroar  de  bom  êxito  e  florescimento  este  meu  ar- 
riscado emprehendimento,  que  se  mantenha  sempre  a  boa  paz  e  a  boa 
harmonia  com  todos  os  povos  gentios,  não  só  com  os  que  residem  no  per- 
curso do  trajecto,  como  com  aquelles  do  logar  aonde  a  casa  vae  ser  esta- 
belecida, e  ainda  com  todos  aquelles  povos  das  circumvizinbanças;  é  este 
um  especialíssimo  assumpto  que  eu  muito  recommendo  á  sua  attençâo, 
para  que  seja  religiosamente  observado,  a  fim  de  podermos  manter  sem- 
pre as  melhores  relações  com  esses  povos,  sem  que  nunca  possam  ter  mo- 
tivo a  pôr  embaraços  a  quem  quer  que  seja  que  por  essas  paragens  possa 
transitar. 

5.*  Os  sacos  em  que  me  fizer  remessa  de  borracha,  que  comprar,  de- 
verão ser  feitos  de  mabella,  por  ser  mais  consisteute  e  duradoura  que  nSo 
é  a  linhagem.  A  gomma  copal  deverá  ser  acondicionada  em  uma  espécie 
de  caixote  feito  de  hastes  de  bordáo  cortadas  em  troços  conveniente- 
mente desbastados,  de  modo  que  o  seu  transporte  seja  fácil  e  commodo 
ao  carregador,  sem  que  a  gomma  possa  aqui  chegar  esmigalhada.  A  cera 
deverá,  como  é  costume,  ser  fundida  em  gamellas. 

6.*  £  de  toda  a  conveniência  que  ao  porto  de  Muêto  Anguimbo  afflua 
o  máximo  movimento,  sendo  necessário  como  o  do  maior  e  mais  seguro 
transito  do  caminho  que  meu  irmão  abriu  quando  á  frente  da  nossa  Ex- 
pedição Commercial  se  dirigiu  á  Africa  central  e  equatorial;  e  para  se 
evitar  quanto  possível  a  falta  de  canoas  que  facilitem  promptai^ente  a 
passagem  do  porto  no  Cuango,  deverá  comprar  até  três  canoas  grandes 
e  boas,  que  sirvam  a  dar  com  segurança  transportes  a  cargas  e  pessoas 
de  uma  a  outra  margem,  podendo,  para  as  ter  sempre  promptas  para 
tal  fim,  engajar  o  máximo  numero  de  pilotos  que  forem  precisos. 

7.*  Fica  auctorisado  o  sr.VasconcelIos  a  comprar  até  quatrocentas  pelles 
de  lontras  finas  e  boas,  bem  como  algumas  de  onças  grandes,  sendo  umas 
e  outras  sem  defeitos.  Também  me  comprará  algumas  quitecas,  differen- 


DESCRIPÇXO  DA  YUGEU  227 

tes  armas  e  arcos  gentílicos,  mulcmgueê-çuingundoõ  e  outras  mais  curio- 
sidades que  o  gentio  costuma  fazer,  e  que  veja  podem  ter  algum  mereci- 
mento na  estima  dos  europeus.  Comprará  igualmente  até  mil  mabellas, 
mas  que  sejam  das  mais  largas  e  mais  compridas  que  possam  ser,  rejei- 
tando todas  as  que  forem  curtas  e  estreitas. 

Finalmente,  tudo  o  que  vir  que  inspire  interesse  e  curiosidade,  quer 
sejam  trabalhos  feitos  pelo  gentio  em  madeira,  ferro,  osso  ou  marfim, 
quer  mesmo  animaes  vivos  que  se  possam  possuir,  sem  lhes  sacrificar  a 
vida  e  que  por  cá  não  haja  ou  nem  sequer  tenham  sido  ainda  vistos, 
poderá  comprar,  não  sendo  caros. 

8.*  Não  poderá  fazer  vendas  fiadas,  devendo  todas  que  realisar  ser 
feitas  com  o  pagamento  á  vista. 

9.*  Náo  poderá  o  sr.  José  António  de  Yasconcellos  ter  negócios  particu- 
larmente seus,  porque  sendo,  como  é,  meu  empregado,  recebendo  como  tal 
o  ordenado  de  15JÍ000  réis  mensaes  a  seco,  a  contar  da  data  em  que  le- 
vantar para  o  seu  destino,  e  mais  õ  por  cento  do  valor  dos  géneros  que 
permutar  e  me  despachar  para  Malanje,  náo  é  justo  que  distraia  a  sua 
attençáo,  em  prejuízo  dbs  meus  interesses;  além  d^isso,  se  os  seus  bons 
serviços,  zelo,  cuidado  e  honradez  recommendarem  uma  qualquer  grati- 
ficação, ha  de  lhe  ser  dada  sem  repugnância. 

10.*  Em  caso  nenhum  poderá  despedir-se  do  meu  serviço  sem  que  pre- 
viamente me  avise  de  tal  resolução,  a  fim  de  poder  com  antecedência  pro- 
curar outro  empregado,  a  quem  então  fará  entrega,  por  balanço,  do  que 
houver  cm  casa,  devendo  esse  balanço  ser  por  ambos  assignado. 

11.*  De  seis  cm  seis  mezes  prestará  um  balanço  exacto  do  movimento 
da  casa,  para  o  qual  deverão  ser  descriptas  todas  as  compras  e  outras 
despezas  que  se  fizerem. 

12.*  Fará  quanto  possível  para  todos  os  mezes  me  remetter  os  géne- 
ros coloníacs  que  tiver  permutado,  quer  por  carregadores  Bondos,  que 
mandará  engajar,  quando  não  for  possível  fazer  o  despacho  por  Mazio- 
jes,  quer  por  outros  de  confiança  e  pontualidade. 

Nos  dias  14  e  15  de  julho  prcparou-se  devidamente  a  sec- 
ção que  partiu  na  madrugada  de  16.  Foi  estabelecer-se  em 
And^la  Quínguângua  uns  17  kilometros  a  NE.  de  Catalã,  ulti- 
mo ponto  onde  a  nossa  auetoridade  estava  exercendo  de  facto 
a  sua  jurisdicção,  e  a  58  kilometros  da  villa  de  Malanje. 

Este  sobado  já  pertence  ao  jaga  Andala  Quissúa  e  tanto 
d'este  como  dos  povos  visinhos  nos  occuparemos  em  occasiSo 
competente. 

Por  agora  diremos  que  em  24  de  julho  já  o  ajudante  da 


228  BXFKDIÇZO  POBTOGDEZA.  AO  HCATliVTOi. 

Expediç3o  hospedava  o  melhor  que  era  possivel  o  chefe  da 
expediçfto  allemS  que  seguira  ao  couce  da  mesma. 

Ob  sobas  das  immedíaçSes  da  villa,  Muhieba,  Âmbango  e 
Ãngonga  apresentaram  alguns  carregadores  para  o  transporte 
de  cargas  de  Gazengo  para  Malanje  e  d*aqui  para  aquella  es- 
taçSo,  que  se  denominou — 24  de  Julho — e  apesar  da  poucos 
a  mudança  ia-se  fazendo,  emquanto  continuávamos  nas  diligen- 
cias de  obtel?  carregadores  para  a  Mussumba,  o  que  deu  logar 
a  visitarmoe  e  entretermos  relaçSes  com  diversos  sobas  do  con- 
celho, colherem-se  boas  informaçRea  e  fazerem-se  trabalhos  de 
reconheúda  necessidade  e  de  ntto  menor  importância. 


DSaCBIFçXo  DA  VIAGEM 


O  QUE  ERA  MALANJE 


No  atmo  de  18&7,  ainda 
as  terraB  d'e8te  concelho, 
que  é  Tastiasimo,  estavam 
repartidas  por  diversos  so- 
bas já  avassalladoB,  muitos 
d'elles,  aoB  presídios  de 
Ambaca  e  Duque  de  Bra- 
gança. 

Os  Songos  tiveram  aqui 
três  sobados  importantes 
sendo  o  superior,  o  do 
lembe,  da  &milia  de  Qui- 
binda  que  se  estabeleceu 
no  Bul  junto  ao  Cuanza, 
quasi  na  confluência  do 
CuJji,  indo  elle  depois  oc- 
cupar  aa  terras  do  Quesao, 
sujeitando-se  aos  dízimos 
e  serviço  forçado  no  presí- 
dio de  Ãmbaca  até  ao  anno 
de  1850. 
O  Sonna,  que  já  em  1828  se  suppSe  residia  no  Lombe, 
como  o  seu  povo  deixasse  de  lhe  obedecer  com  a  mesma  hu- 
mildade depois  que  elle  se  avaseallou  ao  presidio  de  Ambaca, 


230  EXPEDIÇZO  PORTUGCEZA  AO  MUATllNVnA 

mandou  uma  embaixada  ao  chefe  declarando,  que  estava  prom- 
pto  a  pagar  o  dizimo  á  Nação  e  apresentar  gente  para  o  ser- 
viço do  presidio ;  mas  que  determinasse  que  um  delegado  seu, 
fosse  residir  junto  d'elle  com  a  necessária  força  para  chamar  á 
ordem  os  seus  súbditos  que  estavam  procedendo  onuito  mal 
depois  que  as  suas  terras  passaram  ao  dominio  da  Coroa. 

Franòisco  Gomes,  sobêta  que  viera  de  Cassanje  e  f8ra  mo- 
cota  do  Calandula  de  Ambaca,  D.  JoSo  Damião,  foi  estabelecer- 
se,  com  o  titulo  de  Calandula,  mais  para  leste  do  presidio  e 
d'elle  um  pouco  distante  no  Jungo,  terras  do  gentio  Quiluanje- 
quiá-Samba.  Teve  questSes  com  este  e  foi  expulso  do  sitio  pe- 
lo povo. 

Em  1838  sendo  occupado  o  Duque  de  Bragança  pela  nossa 
auctoridívie,  Francisco  Gomes  e  os  seus  fugiram  com  receio  de 
serem  castigados  e  espalharam-se  por  Ambaca,  Pire  e  terras  de 
Bondos  de  Andala  Quissúa;  indo  Gomes  primeiro  para  Cahon- 
go  e  pouco  depois  para  Camueia,  Lombe  de  cima^  onde  se 
conservou  até  1840.  É  depois  doesta  data  que  foi  a  Loanda, 
pedir  ao  governador  da  provincia  para  se  estabelecer  em 
Angola  Luije,  terras  do  soba  Quifucussa  (Bondo),  declarando  ser 
elle  o  Calandula  de  Ambaca,  de  quem  se  não  conhecia  o  pa- 
radeiro havia  muito  tempo,  e  que  gosára  de  umas  certas  isen- 
ções do  nosso  governo  pelos  bons  serviços  prestados  por  um  an- 
tepassado nas  guerras  contra  o  Sonho,  a  que  já  nos  referimos. 

Foi  elle  recommendado  pelo  governador  ao  chefe  do  presi- 
dio do  Duque  de  Bragança,  José  Vicente  Duarte,  que  o  acom- 
panhou até  ao  quartel  da  divisão  do  Lombe  e  lhe  cedeu  terras 
no  Matete  além  do  Lombe  limitadas  pelo  riacho  Quingungo, 
próximo  da  residência  do  soba  tambera  Bondo,  Quicunzo-quiá- 
Bembe,  onde  se  estabeleceu  com  os  seus,  e  onde  estava  uma 
divisão  de  Moveis  a  quem  Quifucussa,  visto  ser  considerado 
gentio,  tinha  de  pagar  os  dizimos,  emquanto  elle  Calandula  era 
dispensado  de  tal  pagamento. 

Esta  concessão  fora  feita,  não  podendo  elle  passar  o  Lombe 
nem  tão  pouco  o  Quesso,  e  como  acceitasse,  foi  d'ahi  em  deante 
considerado  Jaga. 


DESCRIPÇZO  DÁ  VUGEH  231 

Morreu  Gomes  em  1848,  tendo  sempre  vivido  bem  com  as 
anctorídades  portnguezas. 

Snccedeu-lhe  D.  Gonga  Catalã  que  em  1849  foi  castigado 
pelo  chefe  do  presidio  do  Duque,  por  abusos  e  faltas  de  res- 
peito ao  chefe  da  divis&o  do  Lombe,  Joaquim  José  da  Motta ; 
e  os  seus  macetas  temendo  que  se  perdesse  aquelle  estado 
pelos  atrevimentos  de  Calandula,  destituiram-no  e  elegeram 
para  o  substituir  a  D.  António  Agury  que  continuou  no  mes- 
mo sitio. 

A  este  ainda  succederam  Paulo  Muânji  e  Bartholomeu  Gar- 
cianno,  que  sempre  andaram  em  boa  harmonia  com  as  nossas 
anctorídades. 

Actualmente  existem  Muânji  e  Camuiri  no  concelho  de  Ma- 
lanje  residindo  não  mui  distantes  ao  norte  da  villa,  sendo  o 
primeiro  competidor  do  outro  e  ambos  se  teem  acceitado  como 
Calandulas  por  conveniência  da  tranquilidade  publica  e  para 
evitar  conflictos  entre  elles,  pois  dispõem  de  muito  povo. 

Um  e  outro  se  tomaram  protectores  e  acoutadores  de  Am- 
baquistas  e  serviçaes  que  teem  fugido,  os  primeiros  ao  alista- 
mento militar  e  os  últimos  ao  trabalho  que  a  lei  lhes  imp5e. 

Os  Calandulas  hoje  apparecem  por  toda  a  parte,  porque 
adoptaram  o  uso  gentílico,  do  representante  usar  o  titulo  de 
representado ;  é  este  um  meio  de  se  attríbuirem  ao  verdadeiro 
as  faltas  e  mesmo  crimes,  praticados  por  individues  que  se 
servem  de  taes  títulos. 

O  verdadeiro. Calandula  reside  no  Songue,  próximo  das  ter- 
ras do  Congo,  é  descendente  da  Lunda,  vive  em  boa  harmonia 
com  o  rei  do  Congo  e  diz-se  súbdito  do  rei  de  Portugal. 

É  dos  seus  dissidentes  e  que  contra  elle  se  rebellaram,  que 
partiram  os  actuaes  que  teem  residência  no  Duque,  no  Jongo 
á  margem  do  Cuango,  e  os  dois  em  Malanje :  o  Muânji  entre  o 
rio  Lombe  e  morro  de  Ambango,  já  no  seu  extremo  a  leste  pró- 
ximo á  villa,  e  o  Camuiri  a  norte  do  mesmo  morro  na  margem 
direita  do  Lombe  próximo  da  confluência  com  o  Lutenga. 

Qualquer  d'elles  está  abusando  hoje  muito  das  consideraçSes 
com  que  por  necessidade,  teem  sido  tratados  pelos  chefes  dos 


BXFEDIÇZO  POBTCGUEZÁ  AO  HCrATUNVIlÁ 


conoellios,  e  muitas  tSa  as  repreeentaçSes  qae  vSo  ^parecendo 
contra  o  sen  mau  procedimento  e  mesmo  roaboa  que  os  mos 
snbordinadoa  estão  faseado  ás  comitÍTas  de  commeicto  que 
teem  de  transitar  por  aquelles  legares. 

O  soba  Quifucusaa,  pertencia  ao  sobado  Bambe-iá-CaTÚnji 
de   além   do   rio  Cnaozs  e  veiu   com   os   sons  subordinados 
Quenzs,  Cambambe  e  Quissama-quiá-Bambe,  occupar  as  terras 
em  que  hoje  estilo,  limitadas  pelo  rio  Angola  Luijt  e  que  se  es- 
tendem  até  Angola  Bole,  por  conoes- 
bSo  de  Ãadala  Qoiasúa,  a  quem  Qni- 
fucussn  se  avassallou,  sendo  a  popa- 
laçilo  angmcntoda  pelas  relações  qae 
os  seus  povos  estreitaram  com  os  Bon- 
des, com  os  quaes  se  aparentaram 
ainda  por  condescendência  do  mesmo 
'  Andala  Quissúa.  Estes  povos  foram-se 
espalhando  para  as  bandas  do  norte 
entre  o  rÍo  Cambo  e  seus  affluentes 
occidentaes. 

O  Andala  Samba  é  de  descendência 
da  Jinga.  A  ello  concedeu  o  chefe 
Juatino  Feltro  de  Andrade  terras  do 
(,'aiiiirc  até  ao  Buizo  com  a  condiçSo, 
de  vigiar  pela  segurança  dos  cami- 
nhos, por  serem  ji  muitas  as  queixas 
que  tinha  do  commercio  contra  sal- 
teadores que  atacavam  as  comitivas 

de  Calimdo  até  Cabanza,  e  também 

de  construir  e  conservar  as  passagens 
sobre  riachos  e  outras  linhas  d'aguas. 

Já  depois  de  estabelecidos  todos  estes  sobas,  vieram  do  Cod- 
go-Ambango,  Angondo,  Mungongo,  Momo,  Caiongo,  Cam- 
buuje  e  Malenga,  que  estão  próximos  á  villa  a  norte  d'e8ta, 
estendendo-se  para  leatc. 

Próximos  a  estes  e  mais  visinhos  da  villa,  residem  o  Muhie- 
ba  e  Angonga,  parentes  que  vieram  já  de  Quiríma  entre  o 


DE8CRIPÇS0  DA  VIAGEM 


233 


Soiigo  e  Tala  MugODgo  e  sSo  de  descendência  do  Libolo,  e  tam- 
bém Caliitanga  que  usa  malunga  *. 

Tanto  estea  como  oa  anteriores  consideram  o  Ambango  do 
cathegoria  superior,  e  dizem  ser  a  um  dos  seus  antepassados  que 
se  deve  o  estado  dos  Bambciros  o  que  tal  ora  a  sua  fama  que 
deu  o  seu  nome  Ambango  ao  morro  que  limita  a  villa  pelo 
norte,  do  alto  do  qual,  der 
poia  de  uma  ascenção  de 
800  ou  900  pés,  os  dossob 
infatigáveis  e  ousados  ex- 
ploradores Capello  e  Ivens, 
avistaram  as  penedias  de 
Pungo  Andongo,  os  montes 
de  Ambaca,  a  sen^a  Mu- 
liuugo  ao  norte  e  o  Cuanza 
serpeando  entre  verdejan- 
tes planuras  ao  sudoeste*. 

Também  de  descendên- 
cia da  JingH,  se  estabele- 
ceram junto  ao  Cuanza  e 
Cuiji  de  um  c  outro  lado, 
limitando  o  concelLo  pelo 
sudoeste  os  sobadoB  —  Qui- 
táxÍ,Cabila,  Andungo,  Am- 
bumba,  Ambila,  Cumassa 
e  Quissonde ;  e  maia  tarde 
passaram  a  ser  denominados  povos  Masmelaa. 

Foi  depois  de  1857  que  todos  ostee  povos  se  r 
formar  o  concelho  de  Malanje,  até  abi  um  c abado' 
BB  aggregaram  também  outros  povos,  mais  a  leste  do  Cuanza 


para 


'  Bracelete  de  metal,  digtinctivo  Lonurifico  eutre  os  súbditos  do  rol 
do  Congo. 

B  Btnffutlla  át  ttrra»  de  laeca,  Tol.  tt,  cap.  xt,  pag.  41. 
pendência  do  presidio  do  Ambaca,  de  que  era  auctoridade  um 


234  EZPEDIÇIo  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

para  o  norte;  contando-se  entre  estes  os  dos  sobas — Anjinji, 
AnjiO;  Calunda;  Camulemba;  Quiombo,  Fila  Cassanje,  CiingEi 
lanza  Páti,  a  sueste;  e  mais  os  Songos — Sáti,  Quitamba,  Ca- 
hombo,  Quimbamba,  Capuco  e  outros  marginando  o  Coiji  até 
á  sua  confluência  com  o  Cuanza;  e  ainda  Quipacassa,  Cam- 
bondo;  Muquixi;  Catalã,  Andala  Samba,  Ânzáji,  etc.,  pelo 
lado  do  norte. 

A  constituição  d'este  concelho  era'  de  reconhecida  necessi- 
dade depois  de  1850,  anno  em  que  o  fallecido  Major  Salles 
Ferreira  por  determinação  do  Governo  teve  de  ir  com  uma 
expedição  bater  os  Bondos,  depor  e  mais  tarde  prender  o  jaga 
Andala  Quissúa ;  collocando  em  seu  logar  o  Quissúa  Camuáxi, 
e  mezes  depois,  bater  o  jaga  Ambumba,  de  Cassanje,  que  fu- 
giu para  a  margem  direita  do  Cuango,  collocando  também  em 
seu  logar  o  jaga  que  o  povo  elegeu. 

Alguns  sobas  de  Malanje  por  essa  occasião  tiveram  de  ser 
castigados  e  entre  elles  se  menciona  o  Muhieba,  antecessor  do 
actual,  que  apesar  de  avassallado  fazia  causa  commimi  com  os 
rebeldes,  atraiçoando -nos. 

Os  castigos  que  soffreram  Muhieba  e  Andala  Quissúa  foram 
na  verdade  terríveis,  mas  de  grande  effcito,  porque  ainda  hoje 
se  falia  nelles  e  com  respeito  pelas  nossas  armas.  Um  dos  so- 
bas foi  amarrado  a  uma  boca  de  fogo  que  se  fez  disparar  em 
seguida  ficando  o  padecente  surdo  durante  o  resto  da  sua  vida. 

Dizem  os  descendentes  de  Muhieba  que  fora  este  o  castigado, 
porém  Andala  Quissúa,  com  quem  estivemos  e  que  era  tão 
surdo  como  velho,  contou-noH  ter  sido  elle  quem  soffrêra  tal 
castigo  e  que  depois  jazera  muitos  ânuos  preso  numa  masmor- 
ra em  Loanda,  mas  injustamente. 

Fosse  qual  fosse  o  castigado,  é  certo  que  o  castigo  impoz  a 
todos  os  sobas  vizinhos  a  sujeição  ás  nossas  auctoridades , 
ainda  as  de  menor  graduação;  e  os  sobas  do  Lombe,  Calan- 
dula  e  outros  mais-  obstinados,  foram  modificando  os  seus  cos- 
tumes gentilicos  e  toniando-se  mais  obedientes. 

Nas  ultimas  guerras  de  Cassanje,  de  1857  a  1862,  é  certo 
que  as  nossas  forças  encontraram  ja  nestes  povos  grandes  au- 


DESCBIPÇXO  DA  TUGEM 


xíliares,  e  alguns  como  o  Ambango  e  vizinhoa,  e  ainda  ob  do 
Lombe  e  os  do  sut  prestaram  importantes  serviços  nas  con- 
BtrucçSes  passageiras  com  que  se  julgou  dever  fortificar  a  vílla 
pelos  quadrantes  de  leste,  e  todos  concorreram  para  a  mana- 
tenção  da  tropa  que  aqui  se  reuniu  em  avultado  numero. 

É  depois  d'iato,  infelizmente,  quando  tudo  estava  bem  dÍB- 
posto  para  se  dar  um  ataque  a  Cassanje  que  veiu  a  ordem  para 
se  suspenderem  as  hostilidades  e  retirar  toda  a  força,  o  que  no 
animo  d'aquelle  povo  nos  desprestigiou  bastante,  tomando-o 
até  insolente  e  atrevido  para  com  os  negociantes  europeus; 
porque  a  este  facto  acres- 
ceu voltar  o  concelho  de 
Malanje  a  ser  dividido  no- 
vamente em  cabados,  aban- 
donando-se  o  que  já  tínha- 
mos dominado  a  leste. 

Ao  gentio  nSo  passam 
despercebidos  factos  d'eBta 
ordem,  e  nós  ouvimos  muita 
vez  dizer  A  gcraçito  mo- 
derna, que  Muenc  Puto  & 
amigo  de  Cassanjo,  porque 
sabendo  que  as  guerras  que 
houve  com  Cassanje  foram  Ci. 
motivadas  pelos  seus  filhos 
negociadores,  mandou  reti- 
rar todas  as  suas  forças,  e  nHo  quiz  que  ellcs  pagassem  as 
mortes  que  fizeram. 

Se  elles  teem  a  esperteza  para  com  taes  palavras  se  mos- 
trarem amáveis,  é  para  acreditar  que  aos  indigenaa  da  pro- 
víncia, e  mesmo  ao  gentio  seu  vizinho,  digam — nada  temos  a 
receiar  dos  soldados  de  Muene  Puto,  porque  já  lhe  matámos 
muita  gente  e  elle  nSto  teve  coragem  para  fazer  vingar  essas 
mortes.  Miiene  Puto  bem  sabe  que  somos  valentes  e  os  seus 
soldados,  quando  cú  chegarem,  já  não  teem  força  para  nos 
guerrearem. 


236  EXPEDIÇÃO  POKTUGUEZÀ  AO  MaATIÂNVUA 


Oa  CassanjeSy  ou,  como  é  mais  vulgar,  os  Bângalas,  estXo 
abusando  muito  da  indiffercnça  com  que  temos  olhado  para  o 
seu  procedimento  depois  das  ultimas  guerras.  E  o  peor  é  que 
os  mais  ousados  dos  nossos  aventureiros  africanos,  que  acom- 
panham comitivas  de  negocio  no  sertào,  onde  elles  cstSo  disse- 
minados, tendo  de  proceder  na  resolução  de  pendências  com 
08  povos  indígenas  conforme  lhes  lembra  e  segundo  os  recursos 
de  força  de  que  podem  dispor,  díio  causa  ás  expoliaçSes  e  se* 
questros  das  comitivas,  feitos  pelos  Bâugalas  cujos  prejuizos 
vão  recahir  sobre  as  casas  cí>mmcrciaes  que  as  abonaram. 

Houve  eiíifim  um  governador  que  reconheceu  a  necessidade 
de  se  constituir  de  novo  o  concelho  de  Malanje  e  de  ahi  collo- 
car  uma  auctoridade  idónea  com  um  destacamento  da  primeira 
linha  para  poder  sustentar  a  sua  auctoridade;  porém  ainda 
d'esta  vez  os  limites  doeste  concelho  foram  marcados  cm  vir- 
tude de  informações  pouco  fidedignas,  informações  segundo 
a  memoria  dos  indígenas,  no  que  sSUo  pouco  felizes.  Muitas  vc-. 
zes,  se  não  deturpam,  inventam  nomes,  principalmente  os  Am- 
baquistas,  porque  consideram  desairoso  mostrar  que  ignoram 
o  que  se  lhes  pergunta. 

Para  elles,  distinguc-se  o  homem  do  bruto  em  que  este  é 
um  ignorante  e  nHo  falia,  só  para  não  se  dar  a  conhecer. 

Xâo  havendo  hoje  melhores  eschirecimentos  do  que  aquclles 
que  obtivemos  sobre  as  confrontações  do  concelho,  apresentá- 
mos, em  presença  da  carta  dos  nossos  beneméritos  exploradores 
Ca})ello  e  Ivcns,  os  limites  por  aecidi^utes  naturaes  que  mais  se 
approximam  d'aquell(is  como  verdadeiros;  mas  o  que  não  offe- 
rece  duvida  ó  que  se  devem  acceitar  de  preferencia  os  accidentes 
naturaes,  ou  entrio  proceder-se  desde  já  ao  levantamento  geodé- 
sico e  topograpliico  de  toda  a  província  de  Angola  por  pessoal 
competente,  e  sobre  essa  nova  carta  fazercm-se  as  demarcações 
dos  concelhos  de  modo  a  ficarem  bem  definidos  os  seus  limites. 

A  serra  Tala  Miigurigo  limita  o  concelho  pelo  lado  de  leste, 
a  começar  pelos  Songos,  e  seguindo  com  esta,  esse  limite  vae 
até  ao  extremo  norte  do  monte  Ambango,  que  fica  approxi- 
madamente  na  altura  do  porto  Audala  Maquita,  no  rio  Luí. 


^^*Hr~^ 


DESCRIPÇXO  DA  VUOEM  237 

D'aquí  faz-se  a  demarcação  norte,  cortando  o  rio  Cambo  até 
á  serra  da  Jinga,  separando  as  terras  doesta  dos  Bondos  de 
Andala  Quissúa.  O  limite  de  oeste  comprehende  as  monta^ 
nhãs  do  Duque  de  Bragança^  rio  Lucala  e  segue  pelo  seu  con 
fluente  Muquixe  até  Calundo,  no  Lutete,  para  continuar  com 
este  e  passar  ao  Lombe  até  á  sua  confluência  com  o  Cuanza; 
sendo  o  Lombe  e  o  Lutete  que  separam  este  concelho  do  de 
Pungo  Andongo.  O  limite  ao  sul  é  a  parte  do  Cuanza,  entre 
o  Lombe  e  o  Cuíji,  seguindo  depois  este  ao  Songo. 

As  demarcações  que  nos  apresentaram  comprehendem  nomes 
de  riachos  e  de  sobas,  que  pela  sua  pouca  importância,  carta 
alguma  por  emquanto  pode  d^elles  dar  noticia.  Seria  muito 
necessário  uma  carta  regional  para  se  marcarem  devidamente. 

Os  limites  que  acceitâmos  e  que  se  não  afastam  muito  dos 
que  se  consideram  oíBciaes,  abrangem  um  território  com  uma 
área  muito  approximada  de  vinte  e  um  mil  e  seiscentos  kilo- 
metros  quadrados. 

Uma  zona  de  tanta  vastidSlo,  que  abrange  a  maior  parte  da 
região  altoplana  da  nossa  provincia,  a  norte  do  Cuanza,  consi- 
derada phytogeographicamente,  distingue-se  da  zona  littoral 
e  intermédia  pela  immensa  variedade  da  sua  grande  vegetação, 
multidão  de  plantas  aromáticas  e  bulbosas,  luxuriante  verdura 
de  seus  extensos  descampados  e  particular  elegância  de  mui- 
tos vegotaes,  tanto  herbáceos  como  arborescentes ;  considerada 
ethnographicamente,  é  a  mais  complexa  pela  grande  variedade 
de  povos  que  hoje  a  habitam,  de  procedências  mui  diversas, 
mas  que  pelos  seus  usos,  costumes,  artefactos  e  dialectos  mos- 
tram que  tiveram  uma  origem  commum,  de  que  se  foram  des- 
prendendo em  dififerentes  epochas,  para  aqui  muito  mais  tarde 
e  depois  de  terem  experimentado  varia  fortuna  se  tomarem  a 
reunir,  sob  o  nosso  dorainio,  em  condições  mais  favoráveis  para 
a  sua  civilisação. 

Offerece  esta  região  notáveis  vantagens,  porque  o  relevo  do 
seu  terreno  e  a  sua  abundante  rede  fluvial  torna-a  o  mais  apta 
possível  para  se  estabelecerem  colónias  agrícolas,  tanto  de  in- 
dígenas como  de  europeus. 


238  EXFEDlÇlO  POBTDGDEZA  AO  MCATIÍNVUA 

Numa  regiílo  como  esta,  ha,  pois,  muito  que  estudar,  tanto 
sob  o  pODtO  de  viata  scientlfíco  como  no  de  sua  administração, 
e  eo  o  camiulio  de  ferro  aqui  chegar,  mais  urgentes  se  tornam 
estes  estudos  para  se  conhecerem  todas  as  aptidííes  do  seu  solo 
e  as  snaa  condíçfíes  de  salubridade.  Pode  mesmo  prever-ee  que 
80  devem  fundar  aqui  quintas  de  recreio  dos  negociantes  quo 
vivendo  no  littoral,  d'ali  se  retirem  na  epocba  daa  chuvas,  que 
£  8  mais  doentia. 


^^C^                                               DBSCRIPgXO  DA  VIAGEM                                  230                       ^^^H 

CAMINHOS                   ^H 

^^^^^B^^^^^H^a^H 

^H 

A  s<;de  do  con-                   -^^^ 

'^^^H^HjH 

celho,  a  que  temos  ^^^H 
chamado  villa,  es-                       ^^H 

tá  situada  entre  O"                        ^H 

'^^HB^pHwB 

Ití'  10"  de  lat.  S.                        ^H 

<lo  Equador  e  IG"                        ^H 

15'  0"  de  long.  E.                        ^H 

,rgájí   -  "^■HhI 

XA<i     é     innita                      ^^H 

Be           ^^^^^^H 

1  ^jtt^H 

[jola  sua  plan-  a^^^^^^f 
t^i,  i' assenta  snbrt)         ^^^^^^^^h 

<uii  planalto                    ^^^^^H 

metros   acima  do                   ^^^| 

nível  do  mar,  mé-                       ^^M 

y^ÊÊ^^^S^^~~^^^^^B^^^^^^^^^ 

dia  da  rigorosas  ^^^| 
observaçcles  hyp~  ^^^M 
Bometricas  e  baro-                      ^^^H 

^^Ê^^^Ís^^^^^M 

A  9iia  maior  ex-  ^^M 
lens;1o    é    de    W.                           ^^H 

^^^^^^^B^s^-          ^ 

pnra  E.,  tendo  a  ^^M 
•'ntrada   a  NE.  e                          ^^H 

Mt^M 

sahidas  pelo  SE.,  -^^Ê 
E.  e  íiW.  por  ca-  ^^M 
njinhos  deiínidos,  ^^M 
([tie  se  dirigem,  o                       ^^^H 

KT  '*  ^'^  Pk^^SH^^^^^^^I 

primeiro,  através*  ^^H 
sando  uma  exten-                     ^^^^^H 

1 

240  EXPEDIÇZO  POttTUOUESA  AO  miATllHVUA 


^mm*A- 


sa  floresta  das  mais  ralas  e  buzas,  em  que  abundam  as  aca- 
cias,  a  Quipacassa,  e  segue  d'ahi  passando  sobre  o  Luzimbe, 
afluente  do  Cuíji,  para  Catalã,  logar  em  que  se  estabelece- 
ram, e  em  suas  vizinhaiiças,  casas  filiaes  do  commercio  de 
Malanje;  o  segundo,  seguindo  até  certa  altura  com  o  rio  Ma- 
lanje,  diríge-se  para  Cahombo,  logar  onde  ha  pouco  tempo  se 
fundou  a  colónia  penitenciaria  Esperança,  instituição  do  Oo- 
vemador  Ferreira  do  Amaral,  e  estende-se  até  ao  Cuiji,  pró- 
ximo da  sua  confluência  com  o  Cuanza;  o  terceiro  a  conver- 
^r  para  o  Cuiji,  acompanha-o  depois  até  Anjínje-á-Cabári, 
Quissole  e  Angio,  d'onde  partem  ainda  outros  caminhos,  indo 
um  pelo  Anzáji-á  Catalã,  outro  pelo  Chissa,  Andala  Samba, 
etc.,  e  um  que  se  pode  dizer  o  prolongamento  do  que  parte 
da  villa,  passando  o  rio  Cuiji  vae  para  o  Sanza,  Songos,  etc. 

Só  este  caminho  de  Malanjè  ao  Quissole  é  que  se  pode  dizer 
mereceu  a  attençSo  da  auctoridade,  pois  lembra  uma  estrada 
de  ordem  inferior  para  vehiculos,  e  que  certamente  foi  devida 
ao  estabelecimento  de  casas  de  commercio  no  Anjinji  e  Quis- 
sole. Tem  14  kilometros  de  extensSo. 

O  caminho  do  leste,  que  se  dirige  para  a  colónia  Esperança, 
tem  de  extensSo  22  kilometros  e  é  muito  accidentado,  ficando 
a  colónia  numa  altitude  um  pouco  inferior  á  da  villa.  Neces- 
sariamente, se  a  colónia  tiver  o  desenvolvimento  que  se  espera, 
este  caminho  em  pouco  tempo  se  transformará  numa  estrada 
nSo  inferior  á  do  Quissole. 

Pelo  que  respeito  ao  caminho  de  Quipacassa,  só  mais  tarde 
se  pensará  eertameute  em  melhorar  as  suas  condições  de  viaçSo, 
porque  quem  mais  o  frequenta  hoje  é  o  gentio.  É  este  cami- 
nho o  que  oífcrece  menos  diíHcuIdades  quanto  aos  accidentes 
do  terreno. 

Os  sobas  prestam- se  de  boa  vontade  a  dar  a  gente  que  for 
necessária  para  os  trabalhos,  e  ha  grande  vantagem  de  se  eu* 
curtar  a  distancia  para  a  regiSLo  dos  Bondos  de  Andala  Quis- 
súa,  hoje  vassallo  de  importância,  e  com  o  qual  convém  manter 
estreitas  relaç(!le3. 

A  maior  parte  das  habitações  eram  de  construcçFto  rudimen- 


descripçao  da  vugek  241 


tiar,  com  as  paredes  de  adobe,  coberturas  de  capim  e  piso  de 
terra  batida  ou  piloada,  ou  de  pedra  mal  britada.  As  que  td- 
timamente  se  estSo  construindo  merecem  muito  mais  atten^ 
da  parte  dos  proprietários,  que  teem  em  vista  os  commodos  de 
que  elles  e  suas  familias  precisam,  pois  as  fazem  para  sua  ha- 
bitação e  para  nellas  arrecadarem  os  valores  que  teem  de  ne- 
gociar. 

Outr'ora  consideravam- se  as  habitaçSes  apenas  como  aloja- 
mentos provisórios,  que  durassem  o  tempo  indispensável  para 
o  negocio  de  uma  factura,  pois  na  terra  faltavam  ao  europeu 
todas  as  condições  de  habitabilidade  e  os  recursos  que  a  ci- 
vilisaçSo  reclama ;  e  os  governos,  diga-se  em  verdade,  nem  pen- 
savam em' semelhante  localidade  senão  para  censurarem  impli- 
citamente os  que  se  expunham  a  vir  fazer  negocio  entre  o 
gentio,  declarando  sempre  que  não  podiam  dispor  de  forças 
militares  indispensáveis  para  aqui  manter  a  nossa  auctoridade 
e  prestigio. 

Hoje,  quem  faz  uma  casa  é  já  pensando  que  nella  tem  de 
permanecer  por  alguns  annos,  porque  as  illusSes  com  respeito 
ás  rápidas  fortuna»  desvaneceram-se,  e  quando  possa  retirar, 
o  custo  da  casa  já  está  reembolsado,  e  vendendo-a,  qualquer 
preço  que  alcance  é  sempre  bom  lucro. 

As  coberturas  de  capim,  sobre  dispendiosas,  offerecem  pe- 
rigos em  caso  de  incêndio,  e  são  incommodas  por  deixarem 
passar  as.  aguas.  Com  grandes  diíBcúldades  luctaram  os  que 
primeiro  tentaram  substitui-Ins  por  telhas  ou  feltro,  o  que  além 
de  exigir  despezas  de  transporte,  requeria  um  madeiramento 
nas  devidais  condiçSes. 

Tendo  cm  attenção  estas  necessidades  pensou-se,  e  bem,  que 
nos  arredores  da  villa  existiam,  em  grande  quantidade,  boas 
madeiras  e  barros  e  que  também  havia  a* alguma  distancia  boa 
pedra  calcarea,  e  portanto  empregar  um  pessoal  de  modo  a 
aproveitarem-se  estes  recursos  era  o  verdadeiro  caminho  a  se- 
guir e  assim  se  fez. 

Com  respeito  a"  carpinteria  e  mesmo  marcenaria  vimos  já 
obras  de  alguma  importância  como  —  portas,  janellas,  armações 


242 


EXPEDIÇZO  POBTDQCEZA  AO  miATllNTUA 


de  lojas  e  de  coberturas  em  boas  condições,  e  com  uma  tal  ow 
qual  perfeição;  cadeiras  de  assento  de  palba  entrançada,  mesas 
e  commodas,  tudo  envernizado,  o  que  nos  causou  admiraçSo; 
calhas,  curvas  para  rodas  e  diffcrcntes  peças  de  madeira  para 
machinas  e  carros  completos  próprios  para  bois. 


De  serralheria  também  vimos  ferragens,  fechaduras,  cha- 
ves, enxadas,  picaretas,  estribos,  etc,  e  se  nlo  perfeitas,  aa- 
tísfazendo  aos  fins  a  que  s3o  deatinadas. 

Quanto  a  otária,  já  se  fabricam  tijolos,  ladrilhos  e  telhaa, 
industria  iniciada  ha  pouco,  mas  que  a  pratica  ha  de  muito 


DESCBIPÇAO  DA  VIAGEM  243 

melhorar;  panellas,  bilhas  e  outros  ntensilios  caseiros  já  o  gen- 
tio os  fabricava. 

Com  respeito  a  cal,  obtivemos  mna  pequena  amostra  de  uma 
experiência  que  se  fizera  ultimamente  com  pedra  calcareai 
que  se  diz  fôra  trazida  das  bancadas  de  rocha  onde  estSo  aber- 
tas as  fumas  do  Caeolo  Calombo.  Estas  bancadas  pelo  fiEu^to 
de  estarem  um  pouco  distantes  da  villa,  nSo  teem  merecido 
ainda  a  attençSo  da  iniciativa  particular  que  certamente  tira- 
ria proveito  da  sua  exploração,  contribuindo  para  melhorar 
consideravelmente  as  condições  de  solidez,  aceio  e  bem  estar 
nas  habitações  onde  este  material  fosse  utilisado. 

Por  mais  de  uma  vez  estivemos  para  ir  ver  estas  fumas  tSo 
afamadas,  e  que  sâo  visitadas  quasi  sempre  pelos  forasteiros, 
que  confirmam  nellas  existir  calcareo  em  abundância  e  de  boa 
qualidade,  porém  circumstancias  imprevistas  nos  desviaram 
sempre  d'este  nosso  intento.  Foram  todavia  tSo  minuciosas  as 
informações  que  d^ellas  nos  deram,  que  não  duvidámos  repro- 
duzi-las. 

Caeolo  é  uma  montanha  que  fica  próxima  do  rio  Lombe  e 
a  oeste  de  Malanje  uns  26  kilometros. 

Passado  o  rio  sobe-se  facilmente  ao  planalto,  e  uma  vez  ahi, 
percorrendo  algumas  ondulações,  encontra-se  no  terreno  uma 
abertura  de  forma  circular,  que  dá  entrada  para  uma  depres- 
são natural,  ao  fundo  da  qual  se  chega  por  uma  rampa,  que 
a  certa  altura  é  cortada  quasi  verticalmente,  obrigando  o  visi- 
tante a  um  salto  de  mais  de  metro  e  meio. 

Âpresentam-se  então  na  frente  as  referidas  fumas,  cuja  en- 
trada espaçosa  faz  lembrar  as  cryptas  abobadadas  dos  antigos 
templos.  Consistem  estas  num  grande  recinto  dividido  á  frente 
por  dois  grossos  pilares  ou  esteios,  que  supportam  o  tecto,  o 
qual  arremeda  na  forma  um  barrete  de  clérigo.  Este  recinto 
mostra-se  dividido  em  três  lanços,  um  central  e  dois  lateraes. 
Uma  outra  parte  da  abobada,  partindo  dos  pilares  para  dentro, 
está  ligada  a  \un.  grande  macisso  central,  o  qual  se  prolonga 
para  o  interior,  formando  com  as  paredes  lateraes  da  grata 
duas  escuras  galerias  abobadadas. 


244  EXPEDIÇÃO  PORTUOUEZÀ  AO  MUATllNVnA 

Calcula-se  que  a  distancia  entre  os  dois  pilares  da  entrada 
será  de  mais  de  dois  metros,  e  d'e8tes  ao  macisso  ha  pouco 
mais  ou  menos  um  espaço  igual,  sendo  a  largura  das  galerias 
de  pouco  mais  de  um  metro.  Estas  no  principio  recebem  luz 
por  umas  aberturas  de  forma  irregular,  que  existem  superior- 
mente, e  que  por  certo  sSo  já  trabalho  intencional,  devido  a 
explorador  mais  curioso  que  tentou  conhecer  como  acabavam 
essas  galerias. 

A  altura  doesta  gruta  natural  calcula-se  que  seja  na  entrada 
de  seis  metros,  e  assim  se  conserva  pouco  mais  ou  menos  até 
onde  teem  penetrado  os  visitantes  mais  audaciosos,  isto  é,  uns 
vinte  metros ;  e  affirma-se  que  as  paredes  sSo  muito  secas,  es- 
branquiçadas e  sem  uma  fenda.  O  piso,  e  ainda  a  mesma  ro- 
cha, sSio  de  superfície*  desigual.  As  luzes,  devido  provavel- 
mente á  presença  do  gaz  acido  carbónico,  apagam-se  á  medida 
que  se  penetra  para  o  interior,  por  já  não  haverem  abertu- 
ras no  tecto  das  galerias  que  facilitem  a  sua  ventilaçSo,  e  os 
visitantes  recuara  sempre  com  receio  de  animaes  ferozes,  sendo 
os  primeiros  a  retroceder  os  indígenas,  logo  que  as  luzes  que 
elles  levam  para  alumiar  o  caminho  se  apagam. 

Vêem-se  indicies  de  ahi  penetrarem  animaes,  e  ha  quem  diga 
ter  lá  visto  cacos  de  louça  de  barro  e  cascas  de  diversos  fructos, 
o  que  n2to  pode  deixar  de  attribuir-se  á  reuniSio  de  alguns  in- 
digenas,  que  escolheram  aquelle  logar  como  refugio  ou  abrigo. 

Todos  são  unanimes  em  que  a  certa  distancia  da  entrada  se 
ouve  um  rumor  surdo,  que  se  attribue  á  presença  de  animaes  no 
interior  da  caverna.  Por  cima  existe  alguma  vegetação,  e  rareiam 
as  arvores,  sendo  delgada  a  camada  de  terra.  Aqui  e  acolá 
veera-se  montículos  de  pedra  calearea  de  aspecto  esponjoso  *. 


1  O  ultimo  chefe  da  colónia  penitenciaria  resolveu-se  a  cxpbrar  o  fa- 
brico da  cal,  e  chegara  mesmo  a  fazer  alguns  fornos  ligeiros  á  america- 
na ;  e  foi  por  essa  occasiao  que  recebeu  ordem  para  retirar,  porque  a  co- 
lónia ia  ser  extincta.  E  isto  foi  um  grande  mal,  porque  os  habitantes  de 
Malanje  teem  de  continuar  ainda  a  obter  uma  barrica  de  cal  do  Dondo 
por  um  preço  fabuloso. 


DESOBIPÇXO  DA  VIAGEU 


PESSOAL  DE  ADMINISTRAÇÃO  E  AS  MISSOES 


inúta-se  a  um  official  militar, 
sob  o  titulo  de  chefe,  o  funccio- 
nalismo  Da  administraçSo  de  tSo 
vasto  concelho.  Keune  elle  en- 
cargos diversos  taes  como :  admi- 
nistrador do  concelho, juiz,  com- 
mandante  militar,  delegado  do 
correio,  superintendente  de  con* 
tribuiçSes,  oíBcial  do  re^sto  ci- 
vil, âacal  da  fazenda,  etc.  Ha  um 
sacerdote,  qae  além  de  parocho 
na  sede,  era  professor  de  in- 
'  strucçtto  primaria,  com  o  titulo 
de  missionário,  estendendo-se  a 
Bua  jurisdicçSo  ecclesiastica  a 
todo  o  concelho  do  Duque,  e, 
se  hem  nos  recordamos,  chegando  mesmo  até  Pungo  Andongo. 
O  chefe  é  coadjuvado  na  administraçSo,  cobrança  de  rendi- 
mentos, correio  e  julgado,  por  um  escrivão,  um  amanuense, 
ura  ou  dois  of&ciaca  de  diligencias,  e  no  serviço  militar  por  um 
cabo,  nove  soldados  e  uns  seis  cornetas  I 

O  parocho  tem  por  auxiliares  oa  rapazes  de  maior  idade  que 
frequentam  a  aua  escola. 

Presente  mento,  a  comarca  de  Pungo  Andongo  alai^u-se  ató 
aqui,  e  constituiu-se  um  jnizo  ordinário  gratuito  com  as  suas 
entidades:  e  mais  confusa  e  demorada  se  tornou  a  administra- 


246  EXPEDIÇXO  PORTUGUESA  AO  HUATliHynA 

çSo  da  juBtíça  entre  o  grande  numero  de  povos  gentílicos  do 
concelho  costumados  aos  processos  summariosy  e  ás  decisSea 
dos  sobas,  nas  suas  questSes  e  que  hoje  mais  se  prendem  com 
o  administrativo. 

Foi  demasiado  cedo  a  applicaçSo  das  nossas  leis  vigentes, 
no  que  respeita  á  administração  da  justiça  aos  povos  gentili- 
cos,  que  nSo  estSo  preparados  para  a  acceitarem. 

E  depois  a  nomeação  dos  legares  da  magistratura  para  este 
novo  tribunal,  sendo  gratuitos,  sobre  quem  foi  recahir? 

Em  negociantes  ou  agricultores,  que  pelas  suas  muitas  oc- 
cupaçSes,  se  não  podem  entreter  com  os  fatigantes  trabalhos, 
estudos  e  discussões  inherentès  a  esses  cargos,  ou  então  em 
homens  inconscientes,  ainda  mais  fanáticos  pelo  feiticismo  do 
que  os  próprios  gentios,  cujas  causas  crimes  lhes  são  entregues 
para  as  apreciarem  e  julgarem,  e  que  mais  complicam  as  ques- 
tões, quando  as  não  p3em  de  parte,  adiando-as  sob  qualquer 
pretexto,  não  se  esquecendo  nunca  de  expoliarem  as  partes,  á 
falta  de  interesses,  porque  pela  lei  poucos  são  os  que  podem 
auferir. 

Temos  registados  alguns  casos,  que  provam  ter  havido  pre- 
cipitação em  implantarmos  a  administração  da  justiça  neste 
concelho  como  a  temos  na  metrópole. 

Legisla-se  e  com  as  melhores  intenções  para  povos  de  que  se 
não  tem  conhecimento,  esquecendo-se  os  graves  conflictos  a  que 
pode  na  pratica  dar  logar  a  applicação  de  leis  que  elles  nlo 
comprehendem. 

Entre  os  povos  de  um  sobado  julga-se  um  caso  de  feitice- 
ria.  Morre  um,  morrem  dois  ou  três  indivíduos,  arrebentados 
mesmo,  com  as  drogas  venenosas  que  os  obrigaram  a  ingerir. 
Os  cadáveres  jazem  insepultos  nas  estradas  ou  nas  proximida- 
des, a  auetoridade  administrativa  teve  conhecimento  do  facto, 
levanta  auto  de  corpo  de  delicto  e  dá-se  d*elle  conhecimento  ao 
sub-delegado  do  ministério  publico. 

Instaura-se  processo,  sabe-se  quem  preparou  as  bebidas,  sa- 
be-se  quem  obrigou  as  victimas  a  bebê-las  e  sabe-se  porque 
tudo  isto  se  fez.  Eram  feiticeiros  os  que  morreram. 


DESCBIPÇXO  DA  TIÃGEH 


247 


O  8ub-de legado,  sendo  d'ar|ue]lea  africanos  que  acredita  pia- 
Oiente  que  o  podem  enfeitiçar,  p8e  termo  na  queatJo  nSo  tendo 
quem  inculpar;  se  o  sub-delegado  porém  é  zeloso  e  insiste 
cumprir  com  os  aeus  deveres,  requer  que  entre  immediata- 
mente  na  cadela  o  potentado  e  os  do  seu  conselho,  que  ordena- 
ram ás  victimas  que  bebessem  as  drogas  venenosas,  e  os  que 
as  prepararam. 

à auctoridade  administrativa  quer  cumprir  os  seus  deveres, 
e  embora  com  pequena  força,  lá  segue  para  o  sobado. 

Kecua,  porém,  a  maior  píirte  das  vezes,  porque  o  povo  em 
maasa  apresenta-se  a  defender 
os  usos  estabelecidos,  que  para 
ellee  silo  leis,  e  os  que  as  man- 
daram applicar. 

Se  o  representante  da  aucto- 
ridade é  firme  e  resoluto,  levan- 
ta-sc  um  cnnflicto,  em  que  esta 
é  desprestigiada,  se  ó  que  nilo 
p5e  em  risco  as  vidas  e  baveres 
dos  habitantes  europeus  na  sede 
do  concelho. 

Na  maior  parte  das  vezes, 
pois,  os  criminosos  nilo  entram 
na  cadeia,  e  continuam  incólu- 
mes B  mesmo  mantendo  as  rela- 

çSoB  que  tinham  com  ns  aucto- 

. ,    ,  1     -    .  .  •    it  TIPO  no  toxao 

ridades  administrativas  ejudi-  j^.^^^^^,  ^^^^ 

ciaes. 

Estes  casos  s3o  frequentes;  cheg:lmos  mesmo  a  ver  na  ca- 
deia criminosos  d'esta  ordem,  por  mandado  da  auctoridade 
administrativa,  que  foram  soltos  por  determina^  do  sub-dele- 
gado  á  falta  de  provas,  quando  estas  existiam  em  abundância  I 

Foi  assim  melhor. 

à  prudência  ou  o  medo  do  feitiço  salvaram  o  concelho  de 
um  estado  timtidtuoso,  que  poderia  ser  muito  prejudicial  ao 
commercio  e  i.  agricultura. 


248  EXPSDIÇXO  POBTUOUEZA  AO  MUATIÍHVUA 


Desenganemo-nos — é  ainda  muito  cedo  para  impormos  a 
poTOSy  que  teem  usos  e  costumes  muito  diversqa  dos  nossos,  as 
leis  que  nos  regem.  Em  Malanje^  nas  proximidades  da  villa 
mesmo,  adopta-se  ainda  com  mais  frequência^  do  que  além  do 
Cuango,  a  antiga  praxe  do  juramento,  para  se  conhecer  da  in- 
nocencia  do  individuo  ou  dos  individues  sobre  quem  recahem 
suspeitas  de  terem  praticado,  segundo  o  modo  de  ver  do  gen- 
tio, o  que  chamam  crime;  suspeitas  fundadas  apenas  nas  adi- 
vinhações de  um  homem,  a  quem  recorrem  como  auctorídade 
infallivel  em  tacs  casos. 

Estes  juramentos,  para  os  mais  crédulos,  consiste  cm  tomar 
uma  beberagem,  que  ás  vezes  no  mesmo  dia  lhe  p5e  termo  á 
existência.  Dizemos  para  os  mais  crédulos,  porque  hoje  mui- 
tos só  o  acceitam  fazendo-se  substituir  por  cães  ou  mesmo  por 
gallinhas.  E  uma  questão  de  sorte  a  que  se  sujeitam,  prefe- 
rindo ter  de  pagar,  quando  esta  lhe  seja  adversa,  tudo  quanto 
possuam,  antes  do  que  perderem  a  vida. 

Temos  de  ser  mais  explicites  sobre  este  assumpto  em  outro 
capitulo,  e  por  isso  nos  limitámos  a  registar  que  neste  conce- 
lho e  em  outros  mais  próximos  de  Loanda,  e  até  mesmo 
naquella  cidade,  ainda  que  ás  occultas  das  auctoridades,  tal 
juramento  se  usa  entre  os  indígenas. 

Os  chefes  aqui  nâo  teem  força  para  fazer  cessar  semelhante 
uso,  e  um  houve  que  d'ellc  se  aproveitava  quando  tinha  de 
proceder  a  averiguações,  entregando  os  individues  a  quem  ti- 
nha de  interrogar,  ao  soba  que  cllc  mais  considerava. 

Para  os  mais  timoratos  ó  certo  que  este  systema  dava  resul- 
tados, porque  preferiam  confessar  a  verdade  a  sujei tarem-se  á 
prova  do  juramento,  e  as  partes,  como  dizem  vulgarmente, 
acommodavam-se  com  os  sobas,  a  quem  pagavam  os  respecti- 
vos medicamentos  (emolumentos)  por  ter  sido  arbitro. 

O  indígena,  mesmo  o  que  está  mais  em  contacto  comnosco, 
prefere  as  suas  penalidades,  por  mais  árduas  que  sejam,  a  pra- 
tica d^esses  juramentos,  que  para  muitos  equivale  á  pena  de 
morte  entre  nós,  aos  nossos  castigos  de  prisão,  deportação  e  alis- 
tamento nos  corpos  do  primeira  linha  da  província,  e  por  isso 


« 


•  • 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  249 

O  chefe^  que  os  entregava  aos  sobas  para  elles  decidirem  nas 
soas  questSes^  era  o  melhor  chefe  que  elles  conheceraâi,  e 
ainda  hoje  é  chorado! 

Por  aqui  se  vê  que  uma  legislação  especial,  em  que  se  inte- 
ressassem os  sobas  e  se  tomassem  os  processos  mais  summa- 
rios^  nSo  só  simplificava  a  administração,*  mas  tomava-a  mais 
económica  e  menos  apparatosa. 

Assim  prepararíamos  estes  povos  para  mais  tarde  acceita- 
rem  bem  as  nossas  leis.  Que  elles  primeiro  conheçam  as  van- 
tagens e  protecção  que  d^ellas  podem  advir,  e  sujeitar-se-hão 
a  todas  as  suas  disposições. 

Também  no  ultimo  anno  se  dotou  o  concelho  com  uma  com- 
missão  municipal  e  imia  junta  de  parochia,  por  isso  que  se  re- 
conheceu a  necessidade  de  adquirir  receita  em  beneficio  do 
mesmo  municipio,  recolhendo  em  Malanje  os  impostos  que  o 
commercio  estava  pagando  no  Dondo  e  creando  outros  sobre 
a  aguardente,  industria  apenas  iniciada,  promettendo  grande 
futuro,  e  sobre  a  qual  mais  adeante  teremos  de  chamar  a  at- 
tençSo  dos  poderes  públicos. 

Não  teem  dado  os  resultados,  que  era  de  esperar,  as  mis- 
sBes  a  cargo  do  sacerdote,  e  sem  intenção  de  offender  quem 
está  incumbido  doeste  serviço,  e  com  quem  mantivemos  boas 
relações,  devemos  dizer  a  verdade:  não  os  podem  dar,  porque 
elle  não  comprehende  o  seu  ministério,  e  d'esta  sua  ignorân- 
cia tira  partido  a  missão  americana  do  bispo  Taylor,  que  na 
villa  se  foi  estabelecer. 

Como  parocho,  reduzem-se  as  suas  funcçBes  a  um  officio  de 
baptisar  creanças  è  adultos  aos  molhos,  a  tanto  por  cabeça, 
sendo  o  minimo  10  macutas  (300  réis),  na  casa  que  serve  de 
capella  da  freguezia.  Se  tem  de  sahir  da  sede,  quem  o  convida 
para  ir  fazer  um  baptisado,  além  do  transporte  paga  lOjSOOO 
réis  fortes.  Como  é  natural,  preparam-se-lhe  boas  refeições  e 
permitte-se  que  os  povos  vizinhos  aproveitem  a  occasião  da 
ceremonia  e  o  local,  para  se  fazer  a  colheita  das  10  macutas, 
que  se  repete  ás  vezes  com  três  ou  quatro  turmas  de  tantos 
neophytos  quantos  o  recinto  escolhido  comportar. 

IT 


250  EXPEDIÇXO  POBTUOUEZÁ  AO  HUATTIhVUA 

ComnOBCO  deu-se  um  caso,  que  nSo  podemos  deixar  de  re- 
giste. Quando  regressámos  do  interior  vieram  em  nossa  compa- 
nhia ÍEunilias  de  Ambaquistas,  que  ha  quinze  annos  estavam  reti- 
das na  mussumba  do  MuatiânYua^  e  traziaiu  creanças,  e  adultos 
que  desejaram  baptisar-se  logo  que  chegaran^.a  Malanje.  Vi- 
nham também  creanças,  filhas  de  carregadores  da  ExpediçSo, 
que  nasceram  durante  o  tempo  da  nossa  missão,  e  ainda  outiw 
que  tomáramos  sob  a  nossa  protecçSo,  a  maior  parte  dos  quaes 
nSo  conheciam  pae  nem  mãe,  e  que  na  occasiZo  competente 
mostraremos  com  documentos  officiaes  os  destinos  que  tiveram. 

Baptisaram-se ;  mas  qual  nSo  foi  o  nosso  espanto  quando, 
tempo  depois,  se  nos  apresenta  a  couta  d'esses  baptisados  em 
numero  de  quarenta  e  tantos,  a  rasSo  de  500  réis  por  cada  um ! 
Verdade  é  que  depois  pedimos  certidão  de  cinco,  e  apesar  de 
ter  ao  lado  averbada  a  sua  importância  (500  réis),  tinha  por 
baixo  —  grátis. 

Foi  um  generoso  obsequio,  mas  preferiríamos,  e  era  mesmo 
mais  curial  pagar  as  certidSes  e  nSo  os  baptisados. 

Três  mezes  em  cada  anno,  e  geralmente  antes  das  festas  da 
semana  santa,  faz-se  a  prodigiosa  colheita  pelo  concelho  do 
Duque  de  Bragança,  e  o  officio  exerce-se  mesmo  em  viagem, 
no  caminho  onde  o  sacerdote  passa  de  rede,  em  que  tudo  vae 
devidamente  preparado,  e  ahi  mesmo  se  baptisam  os  que  recla- 
mam o  sacramento. 

Para  o  gentio  o  baptisado  é  uma  ceremonia  que  lhes  agrada 
e  a  que  acorrem  pressurosos,  porque  cada  um  espera  do  seu 
padrinho  um  bom  presente,  pelo  menos  que  o  vista;  e  a  este 
propósito  se  diz  que  ha  gentios  que  se  teem  baptisado  por  mais 
de  uma  vez,  o  que  engrossa  a  fonte  de  receita  para  o  parocho. 

Com  respeito  a  casamentos,  se  bem  nos  recorda,  ha  apenas 
um  registado  nos  livros  da  parochia,  e  a  regular  pela  espórtula 
dos  baptisados,  acreditámos  que  se  façam,  como  fomos  infor- 
mados, exigências  de  cabeças  de  gado  para  que  o  acto  reli- 
gioso se  verifique  na  capella ! 

Com  respeito  á  missão  do  professorado,  nSo  caminham  as 
cousas  melhor,  não  obstante  aos  domingos  apparecerem  três 


desceipqSo  da  viagem 


251 


alas  de  rapazes,  qae  durante  a  missa  berram  despropositada- 
mente umas  oraçScs,  e  que  se  admittern  como  exploodidoa  cân- 
ticos. 

Alguns  rapazes  vâo  para  a  aula  todos  os  dias,  porém  a  de- 
mora ahi  nâo  ó  grande,  e  um  d'elle8  que  melhor  comprehen- 
deu  o  professor  é  o  mestre  dos  outros.  O  ensino  doa  Ãmbaquis- 
tas  produz  melhores  resultados. 

Ora  tudo  isto  é  muito  grave,  e  para  o  que  nSo  podemos  dei- 
xar de  chamar  a  attcnçSo  de  quem  compete,  porque  na  mesma 
rua  da  vllla,  a  duzentos  pas- 
sos da  capei  la  e  escola  esta- 
beleceu-se  a  miasSo  america- 
na, que  DOS  está  ensinando 
como  ae  educa  o  gentio. 

Um  dos  missionários  tra- 
tou logo  de  aprender  a  lín- 
gua portuguesa  cora  o  tim 
exclusivo  de  estudar  a  lin- 
gua  do  gentio,  e  a  pouco  e 
pouco,  senhoreando-Bc  de 
smlias,  foi  escrevendo  na 
vocábulos  d 'esta  e  dando- 
Ihes  a  verdadeira  interpre- 
tação em  portuguez. 

Na  missKo  existem  senho-    '■^ 
ras  e  crcauças,  que  se  p3em  cnrr-Bfl.i«r 

ao  lado  dos  neophytoa  e  os 

acompanham  na  instrucçito,  e  n£o  só  estes  são  catechisados 
pela  aiTabilidade  c  mesmo  cai'Ínho  com  que  sSo  tratados,  mas 
também  porque  os  estimulam  com  prémios  de  registos  colo- 
ridos e  diversos  chromos.  que  elles  muito  apreciam. 

Em  alguns  dias  da  semana,  depois  do  sol  posto,  e  nos  domin- 
gos, ás  dez  horas  da  manhil,  as  portas  da  casa  da  missão  estão 
abertas  e  pai'a  lá  entram  adultos  e  creauçaa  de  ambos  os  se- 
xos para  assistirem  ás  cerimonias  religiosas  que  ahi  se  cele- 
bram com  todo  o  decoro  c  dcvoçSo,  em  que  os  psalmos  sSo 


252  EXPEDIÇXO  POBTUGUEZA  AO  MUÁTTÍKVUÁ 

cantados  ao  som  de  uma  orcheslra  em  que  entra  o  harmonium" 
flúte  como  parte  principal^  sendo  os  coros  feitos  por  todos  os 
circumstantes. 

Nos  intervallos  as  meninas  da  Missão  e  os  missionários  fa- 
zem a  explicação  do  cathecismo  em  portuguez  e  na  lÍDgua  am- 
bunda,  e  obrigam  as  creanças;  pelas  continuadas  repetiçSes,  a 
conservarem  na  memoria  o  que  se  lhes  vae  ensinando. 

Assistimos  a  muitos  doestes  actos  e  ás  aulas,  e  nunca  aqui 
vimos  menor  affluencia  de  gente  do  que  a  máxima  concorrên- 
cia á  nossa  capella  e  escola  official. 

O  ensino  da  Missão  não  se  limita  apenas  a  instruir  as  pes- 
soas que  a  ella  concorrem  nos  mysterios  da  religião  e  nas  le- 
tras, mas  tem  também  por  fim  o  guiá-las  pelo  exemplo  nas  ar- 
tes e  officios,  e  no  cultivo  da  terra^  e  na  sobriedade^  resigna- 
ção, abnegação  e  paciência  em  supportar  as  contrariedades  da 
vida. 

Os  recursos  do  estabelecimento  são,  em  verdade^  muito  es- 
cassos; reduzem-se  ao  fructo  dos  trabalhos  agricolas  e  a  uma 
insignificante  mesada  em  moeda,  da  receita  de  esmolas  adqui- 
rida pelo  bispo  Taylor. 

O  missionário  Chatelaine  que  de  lá  retirara  de  regresso  á 
terra  de  sua  naturalidade  na  Suissa,  enviou  depois  para  aquella 
missão  uma  cartilha  já  impressa  para  os  seus  alumnos,  escri- 
pta  na  língua  d'este8  com  as  equivalências  em  portuguez.  Foi 
sem  duvida  um  bom  serviço  que  nos  prestou,  mas  oxalá  que  a 
propaganda  da  Missão  que  principia  a  partir  do  Dondo  e  se 
estende  até  ao  Lubuco,  debaixo  da  nossa  protecção,  não  seja 
num  futuro  mais  ou  menos  remoto  causa  de  grandes  desgos- 
tos e  de  prejuizos  para  o  nosso  domínio. 

O  dr.  Summers  que  por  auxílios  portuguezes,  de  que  temos 
bons  documentos,  que  a  seu  tempo  apresentaremos,  conseguiu 
chegar  ao  Luluabourg  do  Estado  Independente  do  Congo,  lu- 
ctou  cora  grandes  dífficuldades,  para  ahi  proseguir  na  propa- 
ganda da  sua  missão;  e  isso  nos  prova,  que  a  nossa  tolerância 
se  tem  tornado  demasiada  e  é  origem  da  complicação  das  nossas 
cousas  no  continente  africano. 


DESCKIPÇJÍO  UA  VIAOEK 


ífCORROS  MÉDICOS.  FOHÇA  I'UBLICA 


Não  havia,  nem  ainda  lioje 
ha,  um  facultativo  e  um  phor- 
maceutico  officiaes  em  toda  a 
!  vaetissima  regíSo  do  concelho; 
entidades  estas  indispensáveis 
'  quando  SC  truta  de  uma  colónia 
curope-a  cm  uma  rcgiSo  cujas 
condi ç3 es  climatéricas  e  de  ha- 
bitabilidade para  indivíduos  es- 
tranhos sao  inteiramente  des- 
(.■onhecidas. 

Esta  gravíssima  falta  toma- 
ra-Bc  raais  Bonsivel,  porque  vo- 
íjava  entre  o  publico  ainda  o 
pânico  duma  mortandade  que 
houvera,  dois  mezes  antes  de 
aqui  chegarmos,  quer  de  euro- 
peus, quer  de  africanos,  como 
ha  muitos  annos  nílo  couetava, 
icndo  as  pneumonias  duplas  a 
doença  que  se  tomou  predomi* 
I  natite  e  que  ainda  continuava  n  fazer  victimas. 

O  terror  fora  tal,  que  aínda  se  faziam  preces  e  prociasBes 

Ipara  que  tiudasac  semelhante  calamidade.  Muito  respeitamos 

leatee  actos  pela  devoção  de  que  sâo  revestidos,  porém  estes 

M>r  si  fló  não  podem  satisfazer,  porque  nilo  devemos  esquecer 


jjmj> 


• 


254  EXPEDIÇlO  PORTUGUESA.  AO  MUATIÂNVUA 

também  a  máxima  evangélica — Faze  da  toa  parte  que  en  te 
ajndarei. 

Era  por  isto  mesmo  que  o  chefe  da  Expedição  dizia  a  S.  Ex.^ 
o  Ministro  dos  negócios  da  marinha  e  ultramar  na  sua  coni- 
municaçâo  de  30  de  setembro  de  1884: 

«Os  processos  de  trabalho  da  MissSo  americana  sSo  muito  mais  fecun- 
dos que  os  que  estão  em  uso  na  parochia  do  concelho,  e  urge  que  se  pre- 
parem 08  elementos  indispensáveis  para  se  estabelecerem  boas  Missões 
portuguesas,  aqui  e  mais  para  o  interior,  que  devem  encarregar-se  da 
educação  do  indígena, — o  verdadeiro  auxiliar  com  que  podemos  contar 
para  a  transformação  das  terras  da  Africa  intertropicaL 

Tem  sido  este  assumpto  tSo  bem  tratado  nas  nossas  regiões  officiaes, 
temos  tSo  bons  exemplos  a  citar  na  historia  da  provinda  de  Angola 
desde  os  primitivos  tempos  até  hoje,  do  bom  resultado  das  missões 
quando  devidamente  organisadas,  e  do  que  na  pratica  ellas  o£forecem 
de  mais  vantajoso,  que  talvez  pareçam  prolixas  quaesquer  considerações 
que  eu  tenha  a  fazer  sobre  este  ponto. 

Mas  creio  que  assim  não  é,  e  se  insisto  no  assumpto,  é  porque  receio 
muito  que  vamos  adiando  indefinidamente  a  importante  questSo  das  mis- 
sões, e  nos  limitemos  a  cruzar  os  braços  e  a  admirar  os  pro^gios  das 
da  Huilla  e  do  Congo  sob  a  direcção  dos  beneméritos  sacerdotes  Antu- 
nes e  Barroso. 

Muitas  missões,  e  capacidades  para  as  dirigir  como  aquellas  que  aca- 
bámos de  citar,  e  que  teem  bem  merecido  do  paiz,  é  do  que  carecemos 
com  muita  urgência,  porque  as  do  bispo  Taylor  tendem  a  estender-se 
para  o  interior. 

Projectavam  ultimamente  destacar  missionários  para  os  Quiôcos,  povo 
este  da  Lunda  que,  se  conseguem  catechisar,  o  que  creio  fácil,  muito 
aproveitará  com  isso  a  causa  da  civilisação  e  da  humanidade  no  centro 
da  Africa  austral. 

£  preciso  que  nas  missões  haja  homens  práticos  com  conhecimentos 
de  agricultura,  desenho,  e  em  geral  das  artes  manuaes  para  se  imporem 
pelo  exemplo  e  adquirirem  influencia  e  prestigio  entre  os  gentios. 

As  missões  taes  como  se  devem  comprehcnder,  são  as  verdadeiras  es- 
tações civilisadoras.» 

«Pela  iusufficiencia  d  opessoal  medico  e  pharmaceutico  para  as  exi- 
gências doesta  vastíssima  província,  não  poude  o  Governador  geral  con- 
seguir que  o  serviço  de  saúde  mandasse  para  aqui  entidades  competentes 
para  beneficio  dos  povos  do  concelho,  que  é  muito  grande  e  do  pessoal 
da  colónia  Esperança  que  ia  sendo  já  numeroso. 


DESCBIPÇlO  DÁ  VIAGEM  255 

Dá-se  infelizmente  o  caso  de  ha  três  mezes  ter  havido  aqui  entre  en- 
ropeuB  e  indígenas  uma  mortandade  que  a  todos  surprehendeu  como 
cousa  extraordinária,  e  para  a  qual  mais  contribuíram  as  pneumonias 
duplas,  doença  que  ainda  hoje  está  &zendo  muitas  yictimas.  £  questSc 
de  quadra,  a  que  os  antigos  denominam  de  epidemia,  e  por  causa  da  qual 
se  estão  fazendo  preces  e  procissões. 

O  meu  coUega  Sizenando  Marques  foi  chamado  para  acudir  a  yanos 
doentes,  e  sem  fazer  distincçâo  de  classe  ou  de  côr  tem  ido  em  seu  auxi- 
lio; porém,  infelizmente  os  doentes  ou  os  seus  familiares  quasi  sempre 
o  chamam  nas  ultimas  circumstancias  e  depois  da  applicaçSo  insciente 
de  remédios  enérgicos.  No  emtanto  o  chefe  da  colónia  Esperança,  já 
em  extremos  desesperados  a  elle  recorrendo,  ou  porque  fosse  moço  e 
robusto  ou  por  que  mais  desveladamente  fôra  tratado  pelos  que  o  cer- 
cavam, o  certo  é  que  já  entrou  em  periodo  de  convalescença  e  está  quasi 
restabelecido. 

Commigo  havia  combinado  em  13  do  corrente  nesta  villa,  o  nego- 
ciante Luciano  Elísio  da  Cunha  estabelecido  no  Chissa,  ir  esperar-me  em 
sua  casa  para  me  acompanhar  a  escolher  um  bom  porto  no  Cuango  para 
a  passagem  da  Expedição;  e  oito  dias  depois  aqui  regressou  a  casi^  de 
seu  socío  e  em  tal  estado,  que  sendo  chamado  o  meu  coUega  no  dia  se- 
guinte, já  cousa,  alguma  poude  £azer  em  seu  beneficio.  Os  dois  pulmões 
estavam  completamente  perdidos.  Todas  as  diligencias  foram  infructi- 
feras. 

Ha  aqui  um  sentenciado,  homem  que  teve  alguma  pratica  de  enfer- 
meiro num  dos  hospítaes  do  reino  e  está  empregado  na  casa  de  conmier- 
cío  de  Alfredo  José  de  Barros,  que  soccorre  os  doentes  que  o  chamam, 
com  remédios  por  elle  preparados  numa  pharmacía  que  em  casa  tem  o 
seu  patrão. 

Mas  isto  se  alguma  cousa  tem  de  vantajoso  quando  fiútem  absoluta- 
mente todos  08  recursos  médicos,  bem  considerado  é  um  perigo  e  para  o 
qual  concorre  a  auctoridade  implicitamente,  porque  se  vê  na  extrema  ne- 
cessidade de  aproveitar  os  serviços  d'aquelle  individuo  quando  as  cir- 
cumstancias mais  urgentemente  o  reclamam;  mas  o  Gk)vemo  de  Sua  Ma- 
gestade,  nSo  deixará  por  certo  de  ter  na  devida  consideração  as  provi- 
dencias que  urge  adoptar  desde  já  com  respeito  ao  assumpto,  e  por  isso 
entendi  do  meu  dever  não  occultar  o  que  nesta  localidade  se  está  pas- 
sando. 

O  chefe  da  colónia,  jovem  official,  bastante  intelligente  e  dedicado  ao 
estudo,  lá  se  tem  ido  familiarisando  com  o  Manual  de  Chertwviãf  e  obser- 
vando as  suas  formulas  prepara  medicamentos  servindo-se  de  uma  am- 
bulância que  lhe  foi  confiada,  tendo-os  applicado  aos  sentenciados  e 
áquellas  pessoas  que  o  procuram  e  o  consultam.  Mas  se,  até  certo  ponto, 
esta  sua  forma  de  proceder  se  pode  considerar  humanitária  e  tem  sido 


256  EXPEDIÇÃO  POBTUOUEZA  AO  MUATIÂNYUA 

atil  e  yantajoBa  para  os  que  teem  aproveitado  da  sua  consulta,  acar- 
reta-lhe  sem  a  menor  duvida  graves  responsabilidades,  que  elle  nem 
pode  nem  deve  assumir. 

S.  Ez.*  o  Governador  geral  da  provinda,  que  pode  fazer  em  taes  dr- 
onmstancias,  se  lhe  faltam  os  recursos  indispensáveis? 

A  S.  £z.*  nada  digo  nesta  occasiâo  sobre  tSo  momentoso  e  importante 
assumpto,  limitando-me  apenas  a  pedir-lhe  a  leitura  d'esta  commnnica- 
çSo  nSo  fEusendo  mais  considerações;  a  intelligencia  e  boa  vontade  de 
S.  Ez.*  supprirSo  todas  as  que  poderia  feizer,  e  é  de  esperar  que  se  ado* 
ptem  as  providencias  necessárias  a  fim  de  occorrer  a  uma  falta  cuja 
continuação  se  toma  altamente  prejudicial  a  estes  povos,  e  que  terá  sido 
sem  duvida  notada  e  commentada  desfavoravelmente  pelos  ezpediciona- 
rios  allemâes  que  aqui  residem  ha  seis  mezes. 

Da  çossa  pharmacia  teem-se  cedido  os  medicamentos  indispensáveis 
ao  tratamento  de  doentes  europeus  e  indígenas  que  tem  recorrido  ao 
meu  coUega.» 

Provavelmente  S.  Ex/  o  Ministro  da  marinha  e  ultramar  a 
quem  foi  enviada  esta  commuicaçSo,  nSo  teve  d'ella  eonheci- 
mento,  sendo  certo  que  ainda  no  nosso  regresso  o  sub-chefe 
teve  de  supprír  a  falta  de  medico  e  pharmaceutico,  tomando- 
se  por  ultimo  tão  indispensável  a  sua  assistência  ás  doenças  da 
quadra,  que  a  commissSo  municipal  e  os  habitantes,  deram 
d'is80  testemunhos  públicos. 

.  Malanje  como  já  vamos  provar,  tornou-se  um  centro  impor- 
tante de  commercio  e  da  agricultura  na  província  de  Angola 
e  oflFerece  grandes  recursos  para  o  desenvolvimento  d'esta  e 
de  todas  as  industrias  que  no  concelho  se  ensaiem  e  por  isso 
merece  hoje  toda  a  consideração  dos  governos  não  podendo  con- 
tinuar a  manter-se  uma  administração  tão  acanhada  como  tem 
tido  até  aqui. 

A  necessidadade  de  se  estabelecer  em  Malanje  uma  delega- 
ção de  saúde,  está  na  verdade  bem  comprovada;  mas  quería- 
mos imia  delegação,  onde  a  par  dos  soccorros  médicos,  se  fi- 
zessem as  competentes  observações  meteorológicas,  o  que  era 
de  grandes  vantagens  para  o  estudo  do  clima  e  sua  compara- 
ção com  o  do  littoral. 

As  delegações  de  saúde  como  tivemos  occasião  de  observar, 
precisam  de  ser  remodeladas  segundo  as  exigências  da  mo- 


DESCRIPÇAO  DA  VUGEM  2Õ7 

dema  scíencia  para  se  habilitarem  a  concorrer  com  trabalhos 
eguaes  áquelles  que  os  médicos  estrangeiros  apresentam  e 
qne  temos  visto  publicados  em  revistas  scientifícas  de  primeira 
ordem. 

Ainda  ha  pouco  tempo,  podia  acceitar-se  o  que  hoje  ôe  man-^ 
tem;  o  concelho  retalhado  em  divisões  sob  o  commando  de 
officiaes  moveis  e  que  administravam  em  nome  do  chefe  como 
podiam  e  sabiam  os  povos  vizinhos  do  quartel  ou  patrulhas, 
govemando-se  os  sobas  mais  distantes  independentemente,  sa- 
tisfazendo apenas  a  uns  tributos  mesquinhos  ou  nominaes  a 
pretexto  de  vassallagem,  e  o  chefe  na  sede  procedendo  de  modo 
limitado  ou  unicamente  exercendo  a  sua  alçada  de  facto  na  co- 
lónia europea  espalhada  aqui  pelas  povoações  próximas  de  Cu- 
lamuxito,  Anjinji,  Quissole,  Anjio,  Chissa,  Anzaje,  Catalã  e 
Andala  Samba. 

Seria  absurdo  exigir  que  as  quatro  divisões  de  Moveis  que 
tem  o  concelho  e  ás  quaes  está  confiada  a  segurança  publica, 
a  guarda  dos  valores  do  commercio  e  o  prestigio  da  nossa 
auctoridade,  sem  que  por  isso  recebam  um  ceitil,  fossem  a  ex- 
pressão do  que  se  deseja  e  que  preeuchessem  os  fins  para  que 
foram  creadas.  São  ellas  constituidas  por  um  certo  numero  de 
homens  esfarrapados,  esfomeados,  com  um  boné  militar  na 
cabeça  e  munidos  de  bayonetas  sem  bainhas,  ou  com  cacetes 
em  que  se  arma  uma  bayoneta,  ou  com  espingardas  sem  fechos 
ou  com  estes  amarrados  por  barbantes;  emfim  homens  que  só 
servem  para  transportar  as  mallas  do  correio  ou  uma  carta  a 
qualquer  commandante  de  divisão. 

O  facto  do  concelho  estar  confiado  a  semelhante  força,  se 
por  um  lado  manifesta  que  é  grande  o  nosso  prestigio  entre  os 
povos  indígenas  que  o  constituem,  deve  fazer  também  lembrar 
que  ahi  mesmo  vivem  outros  não  avassallados  e  nos  seus  con- 
fins gentio  bravo,  e  que  o  concelho  confronta  com  o  de  Cassanje 
cujos  povos  ainda  recordam  as  suas  proezas  e  feitos  nas  ulti- 
mas guerras  em  que  repelliram  as  nossas  forças  regulares. 

Estes  povos  posto  que  não  tenham  forças  regulares  tem  sido 
fornecidos  a  interesse  de  commercio  da  metrópole  de  armas 


258 


EXPEDIÇXO  POBTUOUEZA  ÁO  MUÁTTIhVUA 


lazarínas  .e  granadeiras  e  de  bastante  pólvora^  e  o  esqueci- 
mento a  que  temos  yotado  a  sua  ousadia  foi  mais  prejudicial 
á  nossa  causa  do  que  se  tivéssemos  castigado  os  rebeldes  com 
a  devida  severidade,  posto  isto  nos  custasse  sacrificios  de  gente 
e  de  dinheiro. 


MUSSRNOO  UIUJK 


DEBCRIFÇXO  DA  TUGEM 


edifícios  pubucos.  saneamento 


reside  o  chefe  do  concelho  num 
t  barracSo  dividido  em  duas  alas, 
cada  tuna  com  dois  comparti- 
mentos, sendo  a  da  esquerda 
destinada  á  administração  e  a 
(la  direita  para  moradia  d'eUe 
3  de  sua  família. 
à  construcçSo  foi  feita  no 
,  terrapleno  de  um  reducto,  Koje 
(^m  ruinas,   a  qne  impropria- 
mente se  cliama  fortaleza,  obra 
.  passageira  que  ae  levantara  em 
tempo  para  defender  os  habi- 
tantos  da  villa  dos  ataques  do 
gentio.  Tem  80  metros  de  lado 
c  observaram-se  as  devidas  proporçiJes  no  seu  plano. 

Actualmente  o  denominado  fosBO  dSo  é  mais  do  que  uma 
depressUo  no  terreno,  porque  as  aguas  plavíaes  teem  arrastado 
as  terras  do  parapeito  para  o  fundo,  onde  se  teem  accnmn* 
lado,  de  mistura  com  detritos  vegetaes  e  lixo,  que  para  ali  fo- 
ram lançados. 

Ao  fundo  do  terrapleno  ha  pequenas  casas  construídas  como 
o  barracão  de  que  falíamos,  com  paredes  de  adobe  e  cobertura 
de  capim;  eram  destinadas  para  o  paiol,  arrecadação  de  arma- 


V--^i-^tf^ 


260       EXPEDIÇIO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÍNVUÁ 

mento,  cozinhas  e  casa  de  guarda,  mas  tudo  está  em  tal  estado 
de  ruína,  que  o  chefe  ultimamente  teve  de  aproveitar-se  da 
offerta  do  paiol  particular  do  commercio  para  nelle  arrecadar 
a  pólvora  do  governo  e  o  armamento.  O  que  ha  na  arrecada- 
ção está  tudo  arrumado  a  um  lado,  porque  parte  da  cobertura 
do  mesmo  abateu.  E  que  armamento !  Uma  carga  inútil,  cuja 
madeira  está  a  pedir  fogo,  e  as  ferragens  que  as  vendam  a 
peso. 

Já  não  é  uma  fortaleza,  é  antes  um  acervo  de  escombros, 
de  que  o  rapazio,  e  as  cabras  e  carneiros  fizeram  logradouro 
commum. 

Isto  tudo  forma  um  verdadeiro  contraste  com  os  melhora- 
mentos a  que  os  particulares  estão  procedendo  para  embelleza- 
mento  da  villa;  e  depois  o  que  representa  este  recinto  nas  cir- 
cumstancias  em  que  se  acha  actualmente,  quando  nada  temos  a 
recear  dos  povos  gentílicos  que  o  rodeiam? 

Era  bem  melhor  para  a  hygiene  que  se  arrazasse  de  uma 
vez  o  parapeito  para  se  entulhar  completamente  o  fosso,  que 
hoje  é  um  deposito  de  immundicia  e  um  foco  de  emanaçSes 
deletérias,  e  se  fizesse  um  bonito  largo  central,  continuando-se 
o  pomar  das  laranjeiras  que  ha  no  terrapleno,  que  contém  ex- 
plendidos  exemplares,  e  cuja  plantação  é  devida  a  um  dos  pri- 
meiros chefes  d'este  concelho. 

Em  frente  doestes  tristes  destroços,  que  só  denotam  miséria, 
e  a  nossa  muita  indifferença,  e  sobre  os  quaes  fiuctua  a  bandeira 
nacional,  está  o  largo  principal  da  villa,  de  grande  área,  e  que 
dá  mais  um  attestado  da  nossa  incúria. 

Não  devemos  esquecer  um  grande  edificio  que  existe  em 
paredes,  até  certa  altura,  começado  á  custa  de  uma  subscripção 
particular,  e  destinado  á  igreja  da  sede  do  concelho,  mas  onde 
junto  á  entrada  para  a  capella-mór,  se  desenvolveu  uma  ar- 
vore de  grande  porte.  Este  local  tornou-se  também  um  verda- 
deiro esterquilinio ! 

Era  realmente  reconhecida  por  todos  a  grande  e  inadiável 
necessidade  de  proceder  a  esta  construcçSlo,  que  como  se  vê, 
está  por  concluir,  porque  a  sórdida  cubata  onde  se  celebram 


DESCBIPÇlO  DA  YUaEH  261 

08  actos  mais  solemnes  da  nossa  religião^  nSo  nos  acreditava 
como  bons  catholicos^  e  muito  menos  como  povo  culto  e  civí- 
lisador,  perante  os  indígenas  que  pretendemos  catechisar  e  ar- 
rancar á  pratica  dos  seus  preceitos  feiticistas. 

Mas  nâo  é  isto  só  que  provocou  os  nossos  reparos  e  nos  con- 
tristou. 

A  pocilga  em  que  se  encontram  os  presos,  situada  na  rua 
principal  da  villa,  e  a  que  impropriamente  se  chama  cadeia,  é 
um  foco  de  infecção  em  que  jazem  os  miseros,  flagellados  pelos 
Pulex  penetrans,  carraças,  e  outros  parasitas,  acrescendo  a  tudo 
isto  ter  o  preso  de  pagar  á  entrada  e  saida  uma  tXo  magnifica 
hospedagem.  Para  lenitivo  de  tanto  mal  ainda  ha  quem  se 
condoa  da  sua  desgraça  e  lhes  dá  alguma  cousa  para  comer. 

Sentimos  ter  de  descer  a  estas  minuciosidades,  porém  de- 
vemos dizer  a  verdade  inteira  ao  Governo,  que  desconhece  este 
estado  de  cousas  que  nos  está  desconceituando  nos  confins 
doesta  vastissima  provincia  aos  olhos  do  gentio  que  pretende- 
mos avassallar  e  educar,  e  mostrar-lhe  como  aqui  se  mantém  a 
auctoridade  que  o  representa.  * 

Tanto  a  fortaleza  como  o  recinto  da  igreja  em  construcçSo, 
o  quartel  vizinho  e  a  cadeia  publica  são  focos  de  infecção  mais 
prejudiciaes  que  o  grande  pântano  a  que  nos  vamos  agora  re- 
ferir. 

O  pântano  corre  pelo  norte  da  povoação  de  um  e  outro  lado 
do  rio  Malanje  e  vae  terminar  em  Quipacassa,  tendo  cerca  de 
dez  kilometros  de  extensão  para  esse  lado.  Alguns  denomi- 
nam-no  quizanga,  nome  impropriamente  empregado,  pois  este 
vocábulo  é  somente  applicado  ao  pântano,  quando  elle  é  pesti- 
lento, aliás  deve  ser  màlona,  e  este  faz  menos  mal  que  qual- 
quer dos  focos  que  apontamos,  porque  os  ventos  mais  impe- 
tuosos, que  são  os  dos  quadrantes  de  sul  e  leste,  impellem  os 
seus  effluvios  para  além  da  villa,  que  situada  em  tmi  ponto  alto, 
lhe  fica  muito  superior. 

Ainda  assim  este  pântano  de  ha  muito  estaria  saneado,  se 
tivesse  sido  aproveitado  na  cultura  da  canna  saccharina;  mas 
isto,  que  seria  uma  empreza  indubitavelmente  remuneradora, 


262       EXPEDIÇXO  PORTUOUEZÁ  AO  MUATllNVnÁ 

dadas  certas  circumstancias^  demanda  de  prompto  capitães 
para  grandes  despezas,  a  que  se  nSo  animam  mesmo  os  mais 
ousados  habitantes  da  sede  do  conselho  e  arredores. 

E  quem  se  atreverá  a  um  tal  commettimento^  quando  o  com- 
mercio,  pelo  modo  por  que  os  impostos  estSo  estabelecidos,  vê 
que  com  uma  pipa  de  álcool  se  podem  fazer  três  de  aguar- 
dente? 

Como  pode  concorrer  entSo  a  industria  da  canna  saccharína 
com  os  seus  productos,  embora  obtidos  em  condiçSes  econó- 
micas? 

Concorre,  mas  com  que  vantagem ! 

NSo  ha  agricultura  que  possa  luctar  com  bom  êxito,  quando 
as  pautas  aduaneiras  nfto  sSto  reorganisadas  segundo  as  exi- 
gências da  industria^  da  agricultura  e  do  commercio,  do  seu 
estado  de  actividade  e  de  progresso,  das  suas  condiçSes  eoono- 
micas  e  segundo  as  suas  relações  com  os  mercados,  tanto  inte- 
riores como  exteriores. 

NSo  se  podendo  sanear  este  pântano  por  meio  dos  processos 
agrícolas,  não  será  fácil  encontrar  outro  que  o  possa  substi- 
tuir com  vantagem. 

Pensou-se,  e  chegou  mesmo  a  tentar-se,  regularisar  a  cor- 
rente do  rio,  profundando-se  o  seu  leito  em  algumas  partes  e 
fazendo  excavaçòes  novas  na  sua  continuação  para  as  aguas 
serem  desviadas  em  condições  de  desapparecerera  as  estagna- 
ções das  represas  por  falta  de  declives,  mas  todas  as  despezas 
que  se  fizeram  foram  infruetiferas,  como  era  de  prever,  porque 
o  mal  é  da  própria  quizanga,  ou  terras  baixas  e  alagadas  ao 
sopé  da  montanha  Ambango,  numa  grande  extensão  e  sem  es- 
coante  para  lado  algum. 

Attenta  a  disposição  dos  terrenos,  o  que  nos  parece  mais  fá- 
cil e  proveitoso  seria  dividi-lo  em  talhões  por  valias,  culti- 
vando nelles  a  canna  de  assacar,  a  partir  da  base  da  monta- 
nha, defendendo  as  margens  do  rio  de  modo  que  as  aguas  não 
saissem  do  leito  ainda  nas  enchentes  mais  altas. 

r 

Faculte  o  governo  da  província  capital  a  emprehendedores, 
sob  condições  que  garantam  lucro  certo,  e  a  obra  ha  de  fazer-se 


DESCfilPÇ2o  DA  VUGEU 


aproveitando  com  isao  a  saliibrídade  da  principal  povoaçiío 
do  concelho  e  euae  immediaçSes,  o  emprehendedor  e  os  ren- 
dimentos provi  nciacB. 

Em  queatScB  d'esta  ordem  devemos  também  ter  em  atteo- 
ção  08  lucros  que  por  viaa  indirectas  derivam  de  uma  determi- 
nada origem  e  que  vío  entrar,  como  os  rendimentos  dírectOB, 
noo  cofres  da  província. 


E  para  demonstrar  que  os  interesses  são  certos  não  é  ne- 
cessário irmoa  muito  longe.  Encontrámos  bons  exemplos  nos 
terrenos  que  marginam  o  rio  para  lesto  cm  continuaçílo  áquel- 
les  de  que  tratamos,  ondo  se  creou  o,  propriedade  agrícola  e 
de  recreio  de  Custodio  José  de  Sousa  Machado,  —  a  Inveja — 
G  nos  terrenos  que  marginam  o  Cuiji,  no  Anjfnji  e  Quissole,  e 
ainda  noutros. 


264  EXPEDIÇlo  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂKVnA 

A  Inyieja  pode  chamar-8e  um  jardim  agrícola;  de  pequena 
fazenda  de  recreio  que  era  em  principio,  a  pouco  e  pouco  foí-se 
desenvolvendo,  transformando-se  num  estabelecimento  que  pôde 
hoje  servir  como  modelo.  Diversos  exemplares  da  flora  euro- 
pea,  americana  e  africana,  ao  lado  dos  indigenas,  convenien- 
temente tratados  e  mesmo  guiados  no  seu  crescimento,  devido 
ao  esmero  do  seu  proprietário,  o  benemérito  negociante  e  in- 
dustrial acima  mencionado,  attingiram  um  tSo  elevado  grau  de 
desenvolvimento,  que  incitam  ainda  os  mais  incrédulos  nas 
aptidões  agricolas  doesta  região,  a  fazerem  ensaios  nas  terras 
vizinhas  das  suas  residências  até  aqui  abandonadas  e  servindo 
de  monturos  de  lixo  ou  de  immundícias. 

Esta  propriedade,  que  está  no  extremo  da  villa,  a  leste,  é 
cortada  pelo  rio  Malanje,  e  tem  na  sua  frente,  marginando-a, 
o  caminho  que  segue  para  Cahombo,  onde  se  estabeleceu  a 
colónia  Esperança,  colónia  de  sentenceados,  devida  á  iniciativa 
do  actual  governador,  o  conselheiro  Ferreira  do  Amaral.  Estava 
ainda  em  trabalhos  de  installação  e  preparatórios  de  cultivo, 
que  infelizmente  se  retardaram  por  causa  de  um  incêndio  que 
ali  se  manifestou,  o  qual  apesar  de  atalhado  a  tempo,  fez  ainda 
assim  bastantes  estragos. 

A  Inveja  está  dividida  em  grandes  talhões  por  largas  ruas 
de  piso  regularisado ;  na  parte  destinada  ao  jardim,  onde  se 
construiu  um  grande  tanque,  veem-se  as  mais  delicadas  plantas 
de  sementes  da  Europa:  variedade  de  rosas,  dhalias,  amores 
perfeitos,  verbenas,  malvas,  cravos,  cravinas,  lyrios,  estrellas 
do  sul,  alecrim,  maiijoricrjo,  etc. ;  na  horta  encontram-se,  e 
muito  desenvolvidos,  (?á  melhores  exemplares  de  hortaliças  do 
reino,  como,  diversas  espécies  de  couves,  nabos,  rábãos,  ra- 
banetes, cebolas,  alfaces,  ervilhas,  etc.;  grandes  talhões  em 
que  cresce  o  trigo,  noutros  o  centeio,  e  os  que  nSo  sSo  apro- 
veitados p!\ra  plantas  consideradas  de  mimo,  s2o-o  para  o  mi- 
11 10,  que  é  de  cresoimonto  e  producçâo  prodigiosa,  batata  eu- 
ropea  e  imligena,  grão,  feijão,  etc. 

Alii  se  encontra  já  o  pinheiro,  o  cedro,  o  urucú,  a  macieira, 
bcllissimas  laranjeiras  e  figueiras,  a  pitangueira,  a  mangueira, 


DESCRIPy20  DA  VIAQEH  265 

a  toranja,  a  fructa  conde,  a  anona,  as  goyabeiras,  diversas  es- 
pécies de  bananeiras  e  varias  outras  arvores  que  dSo  fioictos 
indígenas. 

Todos  os  talhSes  são  rodeados  de  esplendidos  ananazes,  e 
próximo  ao  rio  a  rua  que  coiTe  no  mesmo  sentido  é  orlada  de 
beilos  eucalyptos. 

Uma  parte  doeste  jardim,  que  pode  chamar-se  de  acciima- 
tacão,  a  que  ãca  do  lado  do  nascente,  é  destinada  também  a 
culturas  para  alimentação  do  pessoal  indígena,  como  ginguba, 
inhame,  batata,  feijSo,  milho,  etc. 

As  margens  do  rio  que  eram  sobrepujadas  de  mabá  (jpopy- 
rus)  ainda  ha  dois  annos,  foram  plantadas  de  canna  saccharina, 
c  d'ella  se  estava  vendendo  já  na  villa  uma  boa  aguardente, 
distillação  que  se  faz  na  mesma  propriedade  com  a  machina 
especial  do  systema  CoUares,  e  com  o  competente  moinho,  para 
ser  movida  por  agua  ou  por  bois. 

A  plantação  que  estava  feita  quando  regressámos,  era  calcu- 
lada pelos  práticos  para  uma  producção  de  cem  pipas  de  aguar- 
dente, numa  extensão,  seguindo  o  rio,  de  mais  de  1  kilometro, 
tendo  sido  este  devidamente  encanado,  e  foi  com  este  trabalho 
e  com  o  canna vial  que  se  enxugou  grande  parte  do  pântano. 

E,  pois,  este  um  exemplo  comprovativo  de  que  a  quizanga 
que  resta  á  frente  da  villa  pode  desapparecer,  logo  que  ahi 
se  façam  trabalhos  análogos. 

Custodio  Machado  pensava  em  aproveitar  convenientemente 
a  grande  queda  de  agua  do  rio,  que  existe  nesta  sua  proprie- 
dade, como  motores  hydraulicos  que  tencionava  applicar  a  al- 
gumas industrias,  caso  o  caminho  de  ferro  ali  chegasse.  É  de 
certo  um  plano  de  grande  alcance,  porque  a  estação  que  venha 
a  fazer-se  não  pode  deixar  de  ser  na  villa,  com  a  qual  confina 
a  propriedade. 

O  urucú,  que  até  agora,  para  a  propriedade,  era  apenas  ar- 
busto de  ornamentação,  quando  devidamente  preparado  pode 
ser  uma  grande  fonte  de  receita. 

Como  se  vê  pela  sua  planta,  a  villa,  povoação  principal  do 
concelho,  não  é  grande ;  consiste  em  uma  longa  rua  principal 

18 


266       EXPEDIÇZO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

correndo  proximamente  de  leste  a  oeste,  e  da  largo,  onde  está 
a  fortaleza,  parte  uma  outra  de  menor  exten&So,  também  es- 
paçosa, pouco  mais  ou  menos  para  norte,  onde  ha  luna  ponte 
de  madeira  sobre  o  rio,  construida  ha  pouco  tempo,  e  ^ue  dá 
entrada  á  villa  por  esse  lado. 

Âtraz  doestas  ruas,  e  dispostas  sem  ordem,  ha  pequenas  ha- 
bitações, construidas  ainda  ao  uso  gentílico,  algumas  barrea- 
das, formando  por  conseguinte  viellas  irregulares  e  mais  ou 
menos  tortuosas. 

Fora  da  villa  e  além  do  rio,  um  pouco  para  noroeste,  pro- 
ximamente á  distancia  de  imi  kilometro,  na  encosta  de  uma 
montanha,  estabeleceu-se  um  pequeno  mas  asseado  cemitério, 
convenientemente  murado,  em  que  as  sepulturas  estão  res- 
guardadas. 

Alguns  negociantes  ultimamente  quotisaram-se  entre  si  e 
£zeram  levantar  uma  casa  para  paiol  da  sua  pólvora,  forÀ  da 
villa  na  montanha  adjacente,  e  offereceram-na  ao  Gbvemo 
para  nelle  recolher  também  a  sua  e  tomar  co&ta  do  edificio 
como  propriedade  do  Estado,  logo  que  pelas  taxas  de  saida 
de  barris,  por  elles  estipuladas,  estivessem  embolsados  da 
despeza  da  construcção,  o  que  de  certo  terá  logar  cm  pouco 
tempo. 

Os  principaes  estabelecimentos  eominerciaes  que  encontrá- 
mos na  villa  pertenciam  a  Alfredo  José  de  Barros,  A.  Simões 
da  Cruz,  Eduardo  Ferreira  Campos,  Custodio  José  de  Sousa 
Machado,  Lara  &  C.*,  Oliveira  &  Irmãos;  em  Culamixito  a 
António  José  Coimbra  e  Vieira  Dias;  no  Anjinji-á-Cabari  & 
Narciso  António  Paschoal. 

No  nosso  regresso  contavam-se  os  antigos  pertencentes  a 
Cruz,  Campos,  Machado  e  Paschoal,  e  mais  os  de  Manacás, 
Neves  &  Zagury,  Costa  &  Coimbra,  Zafrany  &  Neves,  José  dos 
Santos  Caria,  Freitas  Irmãos,  Pinto  &  Ferreira,  Victorino  José 
(la  Ilosa,  Macedo  e  outros  menos  importantes,  e  as  casas  ãliacs 
(los  primeiros,  que  se  estendiam  até  ao  Chissa,  Catalã,  Anzáji, 
Samba  e  ainda  na  baixa  de  Tala  Mugongo,  e  mesmo  na  feira 
de  Cassanje. 


DESCKIPÇAO  DA  VIAGEM  267 


Com  algumas  excepçSes,  todos  estes  estabelecimentos  apre- 
sentavam ainda  as  paredes  e  coberturas  feitas  ao  uso  do  paisi^ 
a  que  nos  referimos  anteriormente;  as  casas  que  se  iam  tefor^ 
mando  ou  construindo  de  novo  já  o  eram  em  outras  condições. 
NSo  obstante  serem  todas  ainda  de  um  só  piso^  tinham  cober- 
tura de  feltro  ou  telha,  paredes  de  adobes  em  forma  de  ti- 
jolo, e  algumas  de  tijolo  ou  alvenaria,  caiadas  interiormente, 
e  já  algumas  exteriormente,  com  pavimentos  ladrilhados  ou  ba- 
tidos a  cimento,  e  as  obras  de  madeira  em  melhores  condições 
de  fabrico. 

As  ruas  da  villa,  em  asseio  e  regularisaç2o  do  pavimento, 
e  por  estarem  devidamente  illuminadas  a  petróleo,  mostravam 
ultimamente,  que  tinham  merecido  a  attenção  da  commissSo 
municipal  e  do  novo  chefe  do  concelho. 

Em  consequência  das  ultimas  guerras  de  Cassanje  foi  limi- 
tada a  villa  pelos  quadrantes  de  leste  por  uma  Hnha  de  for- 
tiãcaçâo  passageira,  accommodada  ao  terreno  e  a  que  chamam 
teíialhas,  certamente  pela  disposição  da  sua  frente,  que  olha 
para  a  banda  do  sul. 

Esta  construcçâo,  feita  apenas  para  servir  na  occasiSo,  e 
que  está  presentemente  nas  mesmas  condições  da  fortaleza — 
umas  ruinas  que  facilmente  se  devassam,  encravadas  já  entre 
povoações  indigenas  —  melhor  seria  arrazá-la,  ou  então  reedi- 
£cá-la  em  boas  condições  de  defeza  fazendo  d^ahi  remover 
essas  povoações,  que  consistem  em  algumas  dezenas  de  cuba- 
tas de  capim,  dispostas  sem  ordem  ou  alinhamento,  unidas  al- 
gumas a  porções  de  terra  cercadas,  que  são  cultivadas  ao  uso 
do  paiz. 

Do  que  deixámos  exposto  se  concluo,  que  os  edificios  públi- 
cos não  são  os  mais  apropriados  a  tornar  este  logar  um  bom 
centro  de  immigração,  e  urge  por  isso  que  se  adoptem  na 
provincia  as  medidas  mais  urgentes  e  se  obtenham  as  indis- 
pensáveis dotações,  para  que  nas  povoações  çxistentes,  e  que 
promettam  florescer,  se  construam  edificios  em  condições  sa- 
lubres. Para  modelo,  lembrámos  os  que  conhecemos  na  colónia 
franceza  de  Argel,  alguns  dos  qiiaeft  0  iUastrado  engenheiro 


268  EXPEDIRÃO  PORTCGUEZA  AO  MUATIAnvUA 

Rapliael  GorjSo  se  propunlia  a  constniir  em  differentea  conce- 
itos da  província,  que  eram  aliik  bem  económicos  e  que  li 
ficaram   em  projecto  no   archivo  da  direcçfio  do  aerviço  das  4 

obras  publicas  de  Loaada. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM 


COMMEIÍCIO  E  SEU  DESEKTOLVIMKNTO 


O  commercio  lifito  de  Malanje  prÍDcipinti  a  Jeaonvolver-se 
depois  de  1860,  por  ter  sido  quaeí  eomplftiiinentc  abando- 
nada, pelo  menos  par  negociantes  do  importância,  a  feira  de 
Casaiinje  em  consequência  das  desastrosas  guerras  doa  annos 
anteriores  j  e  affroiixou  relativítmente,  já  na  década  seguinte, 
porque  nSo  obstante  principiar  a  affiuencia  de  borracha  e  cera, 
escasseava  o  marfim.  ' 

Ha  cincoenta  annoa  vinha  o  marfim  daa  terras  da  Lunda,  e 
compensava  o  sacrifício  de  ir  procurá-lo,  pela  barnteza  dos 
i  de  transporte,  que  já  eram  por  si  só,  uma  boa  mercado- 
ria de  permutação  —  os  escravos ;  vinha  o  marfim  e  pelo  tran- 
sito obtinha-se  a  borracha  e  a  cera. 

O  marfim,  díga-se  a  verdade,  nunca  veiu  em  quantidade  l: 
raro  era  o  quo  entíto  se  comprava.  Os  potentados  posauiam-no 
como  pagamento  de  tributos  das  auctoridades  suas  subordina- 


270       EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÁNVUA 

das,  ou,  como  estas^  em  resultado  da  caça,  porque  o  caçador 
geralmente,  e  ainda  hoje  pode  dizer-se  como  synonimo,  —  o 
Quiôco — podia  caçar  em  terras  de  qualquer,  pertencendo  me- 
tade da  caça  ao  dono  do. sitio  onde  o  animal  cai^e  morto.  Só 
a  parte  que  pertencia  ao  caçador  é  que  tinha  venda. 

Ás  comitivas  do  nosso  commercio  que  se  internavam  no 
continente,  nSo  procuravam  então  mai-fim,  procuravam  escira- 
vos,  mas  como  tinham  de  fazer  presentes  e  valiosos  aos  po- 
tentados por  onde  passavam,  estes  retribuiam-os  com  escravos 
e  «alguns  com  uma  ou  duas  pontas  de  mai*fim. 

O  marfim  foi  sempre  mais  procurado  pelo  lado  do  oriente, 
e  ainda  hoje  ha  quem  se  recorde,  em  Quilimane  a  Tete  do 
arriscado  negocio  que  ali  se  fazia,  abonando-se  a  credito  fa- 
cturas, aos  próprios  caçadores  que  vinham  do  interior  para 
serem  retribuidas  com  marfim. 

Veiu  a  lei  prohibindo  a  procura  de  escravos  no  centro  de 
África,  e  os  sertanejos  abstiveram-se  de  lá  ir,  já  porque  os 
transportes  tinham  de  ser  pagos  e  o  valor  do  marfim  era  pouco 
convidativo,  já  porque  os  potentados  não  lhes  sendo  acceite  a 
sua  mercadoria — escravos, —  que  possuíam  em  quantidade  como 
tributos  recebidos,  recusavam-se  formalmente  a  permittir  aos 
seus  povos,  inclusive,  que  permutassem  alimentos  cora  as  co- 
mitivas, e  conseguiam  demorá-las  para  pela  fome  se  irem  ren- 
dendo e  perdendo  as  suas  fazendas.  Finalmente  como  em  ver- 
dade, nunca  houvesse  abundância  de  marfim,  esperava- se  pelo 
resultado  da  caça  na  occasião,  e  o  negocio  soffria  grandes  de- 
longas para  se  fechar  o  que  era  devido  também  em  parte  aos 
incidentes,  como  pretextos  de  crimes  de  carregadores  e  outros 
que  ainda  mais  o  demoravam.  Concluido  o  negocio,  nâo  para- 
vam aqui  os  transtornos,  porque  no  regresso,  principalmente 
nos  primeiros  dias,  muitos  eram  os  ataques  de  salteadores  contra 
08  quaes  tinham  de  se  precaver  os  negociantes,  havendo  sem- 
pre mais  ou  menos  prejuizos. 

Houve  até  quem,  para  se  salvar,  cedesse  a  permutar  alguma 
fazenda  por  um  ou  outro  escravo,  —  mercadoria  perdida  no  ter- 
ritório portuguez  —  e  esse,  quasi  exhausto  de  recursos,  deses- 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  271 

perado,  se  obtinha  no  fim  de  mezes,  direi  meamo  annos^  uma 
ou  duas  pontas  de  marfim  era  o  muito  que  conseguia. 

Estes  exemplos^  que  se  repetiram,  foram  afastando  os  eu- 
ropeus d*es8as  aventuras  e  dando  logar  aos  aviados  com  forne- 
cimentos a  credito  que  nunca  se  pagaram  na  totalidade,  e  por 
ultimo  aos  Ambaquistas,  alguns  dos  quaes,  ainda  por  lá  andam 
e  como  os  aviados,  nunca  chegam  a  liquidar  com  os  seus  cre- 
dores. 

Ainda  em  1859  se  caçava  o  elephante  entre  o  Cuílo  e  o  Lu- 
lúa  do  9®  de  latitude  S.  do  Equador  para  o  norte.  No  Cabembe 
de  Bungulo,  dava-se  ao  caçador  quiôco  Quirauanga  Matala: 
três  barris  de  pólvora,  duas  armas  lazarinas  e  seis  peças  de  fa- 
zendas e  nq  Luele  matava  elle  poucos  dias  depois  um  elephante, 
do  qual  uma  ponta  ficou  para  o  caçador  e  a  outra  para  o  abo- 
nador,  tendo  esta  setenta  e  oito  libras  de  peso.  Um  outro 
Quiôco,  Mona  Congolo,  quando  precisava  de  fazenda  ia  a  casa 
de  Saturnino  Machado,  recebia  pela  firma  Machado  &  Carneiro 
um  abono  e  seguia  para  as  suas  caçadas,  dias  depois  pagava 
com  grandes  lucros  o  seu  credito. 

Em  1868  já  se  nâo  encontravam  elephantes,  senSo  do  Chi- 
capa  para  lá  e  nas  terras  de  Mussenvo  e  pouco  mais,  na  altura 
de  8®  para  norte  e  em  1878  só  próximo  de  7**;  para  o  sul  já  nSo 
havia  elephantes.  Os  Quiôcos  depois  d*esta  epocha  consegui- 
ram insinuar-se  no  animo  dos  de  Muquengue  e  continuam 
perseguindo  a  caça  para  o  norte. 

Diz-se  presentemente  que  entre  o  Chicapa  e  Cuango,  a  con- 
tar do  7**  para  norte  tem  apparecido  elephantes  em  quantidade ; 
é  possivel,  porque  esta  região  não  tem  sido  explorada. 

No  oriente  os  Árabes,  em  raz2to  de  alimentarem  o  commer- 
cio  de  escravos  ainda  encontram  marfim  no  Nyangué  em  boas 
condições  e  no  occidente  succedia  o  mesmo  para  o  commercio 
do  Zaire. 

No  periodo  de  1870  para  cá,  os  Bângalas,  povos  de  Cas- 
sanje,  que  vivem  nas  margens  do  Cuango,  notando  o  retrahi- 
mento  das  casas  de  commercio  portuguezas,  tomaram-se  ne- 
gociantes e  com  grande  vantagem,  pois  são  elles  os  carrega- 


272  EXPEDIÇÃO  FOBTUGUEZÁ  AO  MUATTInVUA 

dores  de  suas  mercadorias.  Intemam-se,  ySo  em  busca  de  cera 
e  borracha  e  também  de  escravos  para  augmento  de  suas  co- 
mitivas. Sendo  da  mesma  familia,  digamos  ainda  com  os  mes- 
mos  usos  e  costumes  e  vivendo  quasi  sob  o  mesmo  clima,  que 
08  povos  com  quem  váo  negociar,  costumados  como  elles  á  mes- 
ma parcimonia  de  alimentação  e  yestuariO|  com  pouco  se  sa- 
tisfazem as  suas  ambiçSes,  de  modo  que,  caravanas  de  cin- 
coenta  a  sessenta  pessoas  que  vêem  á  feira  de  Cassanje,  a  Ma- 
lanje,  e  algumas  até  ao  Dondo  e  Loanda,  o  muito  que  trariam, 
era  uma  até  três  pontas  de  marfim. 

E  certo  que  na  Landa,  no  Canhiuca,  no  Samba,  ao  norte  de 
Lulúa  e  outros  pontos  a  SE.  ha  ainda  algum  marfim,  mas  toda 
essa  região  é  muito  grande,  e  o  que  existe,  é  pertença  ainda 
dos  potentados,  que  a  custo  o  obteem,  não  para  negocio,  mas 
para  apresentar  ao  Muatiânvua,  quando  este  ordena  o  paga- 
mento de  tributos. 

Nenhuma  comitiva  ahi  logra  chegar  sem  que  tenha  feito 
transacções  por  escravos,  mesmo  porque  estes  constituem  a 
moeda  mais  corrente  para  se  obter  o  marfim. 

Depois  do  abandono  da  feira  de  Cassanje,  appareceu  aqui 
Arsénio  Pompilio  Pompeu  com  uma  factura  importante  de 
Loanda,  e  que  aguardava  e  animava  as  comitivas  de  Bânga- 
las  a  internarem- se  com  commercio  fiado  para  o  interior.  E 
d^ahi  que  data  a  procura  da  borracha  e  cera  e  tal  era  a  in- 
fluencia por  estes  productos  que  ás  suas  fontes  succedeu  o 
mesmo  que  á  do  marfim,  foram-se  esgotando,  porque  o  gentio 
tratou  de  colher  sem  se  importar  com  o  futuro.  E  tal  foi  a 
abundância  nessa  epocha  que  já  Arsénio  e  alguns  pequenos 
negociantes  que  d'elle  se  avizinharam  com  mira  no  lucro,  não 
satisfaziam  as  offertas  e  as  caravanas  encaminharam-se  para 
Malanje. 

Então  e  depois,  e  pode-se  afiançar  até  agora,  tomou-se  Ma- 
lanje o  verdadeiro  entreposto  commerci^^l  do  centro  do  conti- 
nente para  Loanda,  sendo  em  principio  os  portos  do  Cuango 
por  onde  elle  affluia:  Cambamba-cá-Quipungo,  Anjínji-cá- 
Quingúri,   Quitamba-cá-Quipungo,   Muanha-á-Cassanje,  Quis- 


DESCBIPÇlO  DA  VIAGEM  273 

sueiarcá-Quipungò  (vulgo  Caquema)^  Cassanje-cá-CamboIo,  Cas- 
sanje-cá-Calunga,  Ambanza  Ilunda,  Camassa-cá-Quibomba, 
Ambanza  Badiacola  e  Ambanza  Cuenda. 

Ultimamente  pode  dizer-se  que  estes  portos  estavam  fecha- 
dos ao  commercio^  ou  pelo  menos  que  os  Bângalas^  receosos 
que  mesmo  pequenas  comitivas  de  Quimbares,  Calandulas, 
Bondos  e  outros  da  nossa  província  fossem  por  conta  própria 
ou  de  algum  estabelecimento  commercial  fazer-lhes  concor- 
rência no  interior  e  estragar  o  negocio  como  elles  dizem,  taes 
dificuldades  e  taes  exigências  apresentavam  á  passagem  das 
comitivas,  que  afastaram  estas  e  se  algumas  conseguiam  passar 
satisfeitas  as  exigências,  ainda  tinham  de  se  sujeitar  a  encor- 
porar-se  nas  comitivas  d^elles,  o  que  as  obrigava  a  grandes 
demoras  nas  suas  terras,  emquanto  estas  se  preparavam  im- 
pondo-lbe  de  mais  a  mais  os  Bângalas  que  todas  as  despezas 
de  portos  e  presentes  a  potentados  de  toda  a  grande  comitiva 
corressem  por  conta  d^ellas. 

Depois  até  1882  as  comitivas  que  sairam  das  terras  de 
Angola,  procuravam  no  Cuango  o  porto  chamado  do  Caminho 
Grande,  o  de  Quimbundo,  também  conhecido  pelo  de  Muene 
Quissesso,  Senhor  Machado  (Saturnino);  e  havia  também  um 
outro  mais  ao  norte,  o  de  Quitamba-cá-Quimpungo  do  Am- 
banza Imbua,  por  onde  passavam  algumas  comitivas  do  conhe- 
cimento do  Ambanza  sem  dificuldades . 

Era  aqui,  que  o  europeu  L.  Elisio  da  Cunha  tinha  a  sua 
casa  de  commercio  desde  1877.' 

Os  Drs.  Pogge  e  Lux,  por  influencia  dos  irmSos  Machados 
passaram  sem  dificuldade  no  primeiro  porto,  porém  o  explo- 
rador allemâo  Otto  Schiitt  que  quiz  passar  ao  norte,  depois  de 
ter  pago  imia  verba  importante,  contrariado  ainda  por  novos 
entraves,  retirou,  pensando  já  regressar  a  Malanje.  Porém  no 
transito  encontrando-o  Saturnino  Machado,  que  ia  com  a  sua 
comitiva  para  o  interior,  este  não  só  o  acompanhou  para  lhe 
facilitar  a  passagem  no  Cuango  pelo  seu  caminho,  mas  ainda 
foi  a  Cassanje  buscar-lhe  mais  recursos  por  Schiitt  já  estar 
muito  desfalcado. 


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274       EXPEDIÇÃO  POBTUQUEZA  AO  MUATIAKVUA 

Este  caminho  de  Quimbundo  tem  sido  a  ponco  e  pouco  ában* 
donado;  porque  logo  nas  terras  dos  Songos  e  Minungos,  efetes 
povoS;  sob  qualquer  pretexto^  fazem  exigências  ás  comitivas 
de  quituxi  (crime),  o  que  origina  uma  demanda  que  leva  tempo 
a  decidir,  além  das  despezas  a  fazer,  que  nfto  sSo  só  as  do 
crime,  s8o  ainda  as  da  alimentação  do  pessoal. 

Tudo  isto  pois,  tem  concorrido  desde  1868,  para  que  os 
Bângalas  se  tornassem  os  agentes  do  nosso  commereio  no  in- 
terior;  com  vantagem  para  elles  e  também  para  os  concelhos 
do  sertão  do  Dondo  a  Malanje,  começando  a  affluir  estabele- 
cimentos commerciaes  de  maior  importância  &  villa  de  Malanje 
e  seus  arredores. 

Desenvolve-se  Malanje  no  seu  commercio  com  prejuizo  do 
Pungo  Andongo  e  também  do  Dondo,  porém  este  concelho 
sente  menos  a  differença  porque  ahi  afflue  o  café  de  Cazengo 
e  azeite  e  outros  productos  da  margem  esquerda  do  Cuanza. 

Está  calculado  desde  1881  que  as  três  casas  principaes  de 
Malanje,  Alfredo  José  de  Barros,  Lara  &  C/  e  Machado  e  as 
duas  mais  a  SE.  de  Narciso  António  Pascoal  e  Oliveira  IrmSos, 
permutam  annualmente  mercadorias  no  valor  de  25OKX)0í00O 
réis  e  isto  quando  a  borracha  e  a  cera  teem  tido  grande  baixa 
nos  mercados  da  Europa. 

Esta  baixa,  tem-so  feito  sentir  muito,  porquanto  o  Bângala, 
que  como  já  disse  é  o  carregador  dos  seus  productos,  muitas 
vezes  aqui  chega  para  fazer  negocio  e,  como  se  lhes  falia  nessa 
baixa  e  se  pretende  dar-lhe  o  desconto  ao  preço  do  costume, 
suppSe  que  o  pretendem  enganar  e  volta  com  a  carga  para  a 
sua  terra  tendo  ás  vezes  dez  e  quinze  dias  de  viagem  a  fazer, 
mas  prefere  isso  e  esperar  por  melhor  preço.  E  se  trouxer 
uma  ou  mesmo  mais  pontas  de  marfim,  também  não  o  vende, 
embora  se  lhe  dê  mais  alguma  cousa  que  o  usual  por  este 
artigo. 

Algumas  comitivas,  porém,  mais  ousadas,  seguiam  por  Ma- 
lanje para  oeste  e  era-lhes  mais  fácil  encontrar  melhor  coUo- 
cação  aos  seus  géneros  quanto  mais  se  aproximassem  do  lit- 
toral  e  consideravam  isto  melhor  negocio,  o  que  se  não  estra- 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  275 

nha,  desde  que  se  reconheça  que  os  Bângalas  não  attendem 
ás  distancias  que  teem  de  percorrer  a  pé  com  as  cargas  aos 
hombros;  o  que  é  pouco  o  que  dispendem  com  a  sua  alimen- 
taç?(o. 

E  esta  é  a  razão  porque  algumas  comitivas  ultimamente  ap- 
pareciam  em  Loanda  e  também  no  Ambriz,  quando  noutro 
tempo  não  iam  mais  longe  do  que  ao  Dondo. 

Considerando  os  negociantes  de  Malanje,  que^  as  comitivas 
que  passavam  para  Loanda  e  para  o  Ambriz  iam  encontrar 
vantagens  nas  suas  permutações,  porque  os  artigos  do  nosso 
commcrcio  eram  muito  menos  onerados  em  Loanda  com  fre- 
tes, e  no  Ambriz  ainda  menos  pelas  differenças  de  pautas,  e 
que  dentro  em  pouco,  Malanje,  seria  como  outr'ora  apenas  um 
ponto  de  passagem;  reconheceram  por  isso  que  havia  neces- 
sidade de  hictarem  com  alguns  sacrifícios  para  se  não  desviar 
a  corrente  de  commercio  que  ahi  tinha  affluido.  Reviveu  por- 
tanto o  antigo  systema  das  cambolaçSes,  condemnado  desde  a 
primitiva,  porque  os  encarregados  doeste  serviço,  diz-se,  abu- 
saram da  liberdade  do  commercio. 

E  isto  uma  questão  de  theoria  sobre  que  diversificam  as  opi- 
nidcs,  principalmente  dos  interessados;  e  bom  ou  mau  é  certo 
que  o  systema,  reviveu  no  concelho  de  Malanje,  não  obstante 
a  auctoridade,  que  não  tinha  nem  tem  força  para  o  combater, 
o  não  apoiar. 

Saem  agentes  da  cambolação  das  diversas  casas  com  uma 
pacotilha  na  epocha  própria,  e  vão  esperar  ao  caminho,  a  dias 
do  distancia,  as  comitivas  de  negocio  procurando  catechisá- 
las,  com  dadivas  aos  chefes  e  a  um  ou  outro  mais  influente, 
e  mostrando-lhe  as  vantagens  que  encontrarão  se  permutarem 
o  seu  negocio  nas  casas  que  representam. 

A  mesma  comitiva  podem  appareccr  outros  agentes  ou  na 
própria  occasiao,  ou  já  depois  no  transito  e  isto  que  acontece 
uma  ou  outra  vez  e  quando  os  agentes  não  sejam  conhecidos 
ou  mesmo  amigos,  (t  que  tem  dado  logar  a  conflictos. 

As  comitivas  em  geral,  acceitando  bem  o  primeiro  cambo- 
lador  que  lhe  apparecc,  sobre  tudo  quando  conhecem  a  casa, 


27G 


EXPEDIÇIO  POBTUQDBZA  AO  MliATIÂNVtlA 


O  que  é  natural,  conaideram  o  facto  como  lembrança  de  amisa( 
de  seu  antigo  freguez  e  deixa-se  guiar  pelo  agente. 

Isto  não  é  mais  que  um  reclame  a  que  estamos  cOBtumadt 
na  Europa. 

Um  viajante  chega  a  qualquer  cidade  por  mar  ou  por  ten 
c  meamo  Raten  de  dar  um  passo  nessa  cidade,  encontra  lo( 
uma  alluvião  de  cambpUidorea  com  cartSes  e  anuuncios  para  tf 
conduEÍrem  ao  melhor  hotel,  ao  melhor  alfaiate,  chapelleir( 
retratista,  etc,  etc. 

No  commercio  sertanejo  em  Afiica,  o  mau  é  serem  indigi 
nas  09  agentes  da  cambolação,  e  ainda  assim  não  sHo  o 
casas  de  maior  vulto  que  estabelecem  os  conllictos.  Sfio  o 
pequenas  casas  âliaes  destacados  mais  para  o  interior  e  os  avi 
dos,  que  também  por  lá  andam  com  as  suas  pacotilhas  c  as  pn 
tendem  negociar  a  todo  o  transe ;  e  se  essas  pequenas  casas  o 
aviados  dispõem  de  força  que  poaaa  impor-se  às  comitivas,  aléi 
da  força  moral  que  os  anima  por  estarem  cm  terras  que  i 
estas  são  extrauhas,  quando  a  bem  não  queiram  permutar  ^ 
seu  negocio,  chegam  a  fazer-lhes  sequestros  em  parte  ou  mesi 
no  todo  da  carga  que  transportam,  a  pretexto  de  que  a  parei 
tes,  amigos  ou  mesmo  patrícios  seus,  chefes  d  outras  comiti 
vas  em  tal  anuo  ae  fizera  o  mesmo. 

Perdeu  a  comitiva  na  occasiSo,  porque  o  theatro  d'estae  s 
nas  é  fora  da  alçada  das  nossas  auctoridadcs  e  n^  teeui  i 
quem  recorrer;  porém  ella,  maia  tarde,  obteve  a  compensaç^ 
com  gi-andes  lucros,  porque  nas  margens  do  Cuango  ou  i 
suas  proximidades,  comitivas  que  sejam  estranhas,  isto  é,  qql 
sejam  das  terras  da  província  portugueza,  vâo  pagando  até  ó 
Bãngulas  estarem  saciados ! 

E  este  mal  tomou  taes  raizcs  entre  os  Bãngalas,  que  s 
reproduzindo  no  centro  do  continente,  com  toda  a  vanta 
para  as  localidades  onde  se  pratica. 

A  eambolaçào  das  casas  de  Malanje,  no  intento  com  qoa  ^ 
fizeram  reviver,  surtiu  o  effeito  que  se  desejava — a  corraite  í 
commercio  nSo  foi  desviada,   seguiam  apenas  para  oeatej  as 
comitivas  já  afreguezadas  em  Fungo  Andongo  e  no  Dondo,  e 


DESCBIFÇZO  DA  VIAGEM 


277 


uma  ou  outra,  coin  a  ídoa  de  especular;  mas  estas,  como  as 
vantagens  nSo  compensassem  as  distancias  a  percorrer,  so  uma 
vez  chegavam  ao  Dfindo,  nSo  deixaram  por  isso  duas  o  três  ve- 
zes de  permutarem  o  seu  negocio  em  Malaitje. 

Abusando  porém  os  indígenas,  que  procuram  negociar  por 


sua  conta  nas  proximidades  dos  llmiteB  officiacs  da  província, 

da  cambolaçito,  as  casas  de  Malanje  nunca  mais  alimentai-am 

^^^     tal  sjstcmaj  substituiram-no  pelo  das  famorosas,  novo  me- 

^bi     thoda  de  róclamc  usailo  só  entre  as  casas  commerciaea  que  olú 

^^r    £ucm  a  coQCorrcncia. 


278      EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÍNVUA 

Consiste  este  sjstema  em  lançar  ás  comitiTaB  que  passam 
á  frente  doestas  casas  imi  certo  numero  de  artigos  de  oommer- 
cio — camisas^  camisolas^  lenços,  barretes,  talheres,  espelhos, 
novidades  em  missangas  o  contarias,  etc.,  para  as  convidar  a 
parar  e  fazerem  ahi  negocio.  Essas  comitivas  naturalmente 
param,  distribuem  os  artigos  entre  si,  emquanto  os  chefes  en- 
tram em  convénios  com  os  donos  ou  empregados  da  casa  que 
os  representam,  e  raro  é  aquelle  que  nSo  toma  logo  ahi  o  aga- 
zalho  da  praxe. 

£  muito  singular  o  modo  de  fazer  commercio  com  o  indígena 
no  sertSo,  e  muito  especialmente  com  o  gentio. 

Quem  pela  primeira  vez  procura  conhecê-io,  nSo  lhe  agrada 
o  que  vê,  sente-se  mesmo  mal  ao  descrevê-lo,  parece-lhe  tudo 
muito  irregular,  e  mesmo  illicito  o  que  se  pratica,  e  o  que  a 
tal  respeito  pode  pensar  redunda  em  descrédito  pai^a  os  ne- 
gociantes que  ahi  representam  o  conmiercio  portuguez.  Po- 
rém observando  com  toda  a  attenção  o  que  se  passa  durante 
os  transacções,  o  modo  por  que  o  gentio  as  encaminha,  e  co- 
nhecendo o  valor  dos  ai*tigos  permutados,  e  principalmente 
dos  que  se  recebem,  o  ónus  com  que  teem  de  ser  sobrecar- 
regados até  chegarem  aos  mercados  para  onde  se  remettem, 
e  as  alternativas  de  preços  a  que  ahi  estão  sujeitos,  nSo  pode 
deixar  do  conformar-se  com  os  usos,  e  só  lhe  resta  louvar  a 
muita  paciência  dos  negociantes  europeus  e  admirar  o  espi- 
rito inventivo  que  revelam,  c  que  a  pratica  lhes  tem  apurado, 
para  se  sairem  bem  do  labyrintho  de  antemSo  preparado,  em 

que  os  envolvem,  muito  particularmente  as  comitivas  de  Bân- 
galas. 

Chegando  uma  comitiva  a  qualquer  estabelecimento  commer- 
cial  é  hospedada,  pelo  menos  durante  ti^es  dias,  e  a  nSo  ser  o 
chefe  e  um  ou  outro  que  o  acompanha,  que  entram  no  esta- 
belecimento para  ver  diversos  artigos  e  conversar  com  o  dono 
a  respeito  do  negocio,  e  observar  o  modo  por  que  este  se  faz 
com  outros  freguezes,  os  mais  só  pensam  em  comer  e  beber 
bem  por  conta  da  casa,  dansar  c  folgar  até  altas  horas  da 
noite. 


DESCBIPÇZO  DA  VIAGEM  279 

As  combinaçSes  sobre  preços  sSo  feitas  pelo  chefe  da  comi- 
tiva de  accordo  com  os  mais  velhos,  sendo  a  imidade  a  peça 
de  fazenda  de  lei,  cujo  valor  se  pode  reputar  em  850  réis. 

A  unidade  da  pesagem  é  a  libra,  e,  segundo  O  accordo  a 
que  chegarem,  em  cima  do  balcSo  se  collocam  as  peças  de  fa- 
zenda de  lei  que  correspondem  ás  libras  pesadas. 

Antes  de  principiar  esta  operação,  é  sabido  que  tem  de  se  sa- 
tisfazer á  exigência  do  mata-bicho  com  aguardente^  exigência 
que  se  repete  varias  vezes  de  dia  e  de  noite  até  se  fechar 
o  negocio. 

As  pesagens  são  sempre  acompanhadas  de  amiudadas  obser- 
vações e  comparações  com  as  que  se  tiverem  já  feito  nesse  e 
em  dias  anteriores,  e  até  em  viagens  precedentes ;  e  de  muitos 
commentarios  e  exigências  que  aborrecem.  Cada  um  que  pe- 
sou o  seu  negocio  procede  depois  á  contagem  das  peças  e  re- 
cebe a  sua  nota,  alguns  já  em  papelinhos,  mas  a  maior  parte 
ainda  em  pausinhoa,  a  um  por  peça. 

Vío  depois  conferenciar  todos  juntos  sobre  o  numero  de  pe- 
ças que  rendeu  o  negocio  de  cada  um  e  se  àttinge  o  producto 
que  com  antecipação  já  haviam  calculado  pelo  numero  de  bo- 
las de  borracha,  se  se  trata  doesse  producto,  o  que  é  mais  tri- 
vial, ou  pelo  peso  do  dente  de  marfim,  calculado  a  olho,  como 
costuma  dizer-se. 

Não  é  raro,  depois  doestas  conferencias,  voltarem  aos  esta- 
belecimentos a  fazerem  reclamações  e  procederem  a  novas  pe- 
sagens, addicionando  ao  monte  mais  algumas  bolas  de  borra- 
cha que  tinham  ainda  guardadas,  as  quaes,  na  maior  parte  das 
vezes,  estiveram  de  molho  durante  a  noite;  muitas  vezes  á  pe-. 
sagem  feita  addicionam  papagaios  ou  mesmo  curiosidades. 

Tudo  isto  leva  muito  tempo,  procurando  sempre  o  gentio  a 
favor  dos  seus  interesses  pretextos  para  ludibriar  o  comprador 
e  conseguir  augmentar  as  pesagens;  pela  sua  parte  o  compra- 
dor que  os  percebe,  tendo  já  a  pratica  necessária  e  tendo  feito  os 
devidos  descontos  nas  balanças  e  medidas  de  fazendas,  discute 
com  elles,  analysa  os  seus  artigos,  propõe  abatimentos  pelas 
depreciações  que  lhes  laz  notar,  ao  mesmo  tempo  que  por  ou- 


»i 


280  EXPEDIÇIO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂKVUÁ 

tro  lado  os  amacia^  dando-Ihe  mais  um  copo  de  aguardente^ 
lun  pequeno  presente,  do  que  mais  lhe  está  attraindo  a  atten- 
çSo  emquanto  duram  as  òperaçSes  e  discussSes  do  negocio. 

Ha  alguns  annos  parecia  haver  mais  franqueza  da  parte  dos 
nossos  estabelecimentos^  porque  as  peças  de  fazenda  já  vinham 
preparadas  das  fabricas  para  negocio  com  o  gentio.  As  peças 
apresentavam  maior  numero  de  dobras  que  jardas,  e  conta- 
vam-se  as  dobras  por  jardas.  Assim  uma  peça  de  fazenda  que 
se  dava  ao  gentio  por  24  jardas,  e  que  equivalia  a  três  peças 
de  fazenda  de  lei,  reputada  em  2}$550  réis,  nKo  tinha  mais 
que  18,  isto  é,  valia  1}$910  réis.  Havia,  portanto,  uma  larga 
margem  para  compensar  as  exigências,  a  hoi^pedagem,  os  ma- 
ta-bichos,  os  presentes,  os  enganos,  as  delongas  das  transac- 
ções e  malufo  de  quitanda  final,  faltando  o  qual  se  pode 
desmanchar  o  negocio,  e  que  de  anno  para  anno  se  vae  tor- 
nando mais  oneroso,  usos  estes  com  que  todos  se  conformam, 
para  não  perderem  a  freguezia,  porque  o  gentio  sempre  en- 
contra imia  ou  outra  casa,  que  mais  bem  precavida  melhor  o 
pode  servir. 

A  questão  das  dobras  durou  alguns  annos;  porém  este  pro- 
cesso tornou-se  conhecido,  e  se  um  ou  outro  negociante  tirou 
d*elle  proveito,  de  certo  não  foram  os  que  tinham  casas  filiaes 
ou  aviados  pelo  sertão,  nem  tão  pouco  fornecimentos  a  credito 
aos  indígenas,  porque  esses  tiveram  os  prejuizos  de  ficarem 
com  saldos  a  haver,  devidos  ao  mesmo  processo. 

Nas  primeiras  transacções  acreditou  o  gentio  que  as  dobras 
eram  jardas,  porém  quando  as  peças  eram  abertas  em  suas 
casas  ou  no  interior  reconheceram  o  logro,  d^ahi  em  deante, 
nas  equivalências  de  peças  de  fazenda,  o  que  antes  acceitavam 
aos  estabelecimentos  commerciaes  por  três  peças,  só  tomavam 
por  duas  e  meia,  e  as  de  quatro  (geralmeote  chitas),  por  três. 
E  no  sertão  tornaram-se  então  mais  exigentes :  as  fazendas  que- 
rem-nas  medidas,  importando-se  pouco  com  a  denominação  de 
jarda,  fazendo  elles  a  sua  unidade,  que,  conforme  os  povos, 
varia  de  0™,90  até  l'",20,  e  mais  adeante  teremos  occasiSo 
de  citar  até  de  1°*,80  e  mais. 


desckipçao  da  viagem 


281 


I 


Se  o  DOSBO  commercio  tem  de  recorrer  a  artificios  é  para 
poder  competir  cora  o  gentio,  que  niaso  não  llic  i  inferior.  Tem 
ellee  a  pacliorra  de  dar  jIs  bolas  de  borraclm  volume  e  grandeza 
Riaior  do  que  a  que  tinham  quando  as  obtiveram,  já  pondo-as 
de  inõlho,  já  encheado-as  do  terra  e  paus ;  e  ás  pontas  de  marfim 
díLo  maior  peso,  conseguin- 
do atacá-las  na  extremidade 
com  calhaus  de  modo  tal,  que 
é  difficil  perceber-se '. 

Em  geral  o  Bângala  cstl 
t2o  pratico  nas  pesageníi, 
que,  embora  as  bolas  de  bor- 
racha teuham  passado  por 
differentcs  grandezas,  en- 
fiam-nas  logo  cm  pausinhos 
em  duas  ordens,  tautas  por 
ordem  (ultimamente  cinco), 
e  tem  a  sua  unidade  —  miitd- 
rí  —  que  regula  por  meia 
libra.  Obsenámos  muitas 
vezes  que  as  vinte  bolaa  que 
traziam  dispostas  em  dois 
mutáris,  se  não  tinham  o 
peso  da  libra,  pouco  d'ella 
diffcriam. 

Calcula,  pois,  o  Bãngala,  actualmente,  que  seiscentas  o  c;n- 
coenta  bolas,  pouco  mais  ou  monos,  toem  o  peso  de  uma  arroba, 


■  Em  T.isboa,  ainda  não  ha  muito,  soubcmoB  ter-se  vendido  mna ponta 
de  marfim  para  obra,  em  cuja  extremitlade  encurvada  se  encontrou  per- 
feitamente ajustado  um  taco  de  madeiro,  sendo  para  admirar  como  foi 
pOBBÍvel  ali  cotlo(?á-lo,  o  que  bi5  se  conheceu  quando  foi  cortada  a  ponta. 
Escosado  será  dizer  quo  o  comprador,  dando  parte  d' esta  fraude,  fòi  im- 
mediatamente  indcmuisado  pelo  vendedor,  pessoa  muito  acreditada  uc^ta 

^  Morreu  em  Malanjc  dois  mezcB  depnia  do  TcgrcBso. 


282       EXPEDIÇXO  PORTUOUEZA  AO  MUÁTIInVUÁ 

e  sem  se  importar  com  o  preço  que  a  borracha  possa  ter  no 
mercadO;  pela  pratica  reputa-a  em  tantas  peças  de  fazenda^  e 
com  isso  conta. 

Depois  de  estas  peças  estarem  sobre  o  balcâO;  procura  elle 
reduzi-las  ás  equivalências,  de  modo  a  obter  o  máximo  dos  ar* 
tigos  que  pretende  e  estes  da  melhor  qualidade. 

Devemos  notar  que  outr'ora  também  o  nosso  commercio  lu- 
crava com  as  fazendas  de  boa  apparencia  mas  com  desfalque 
nos  fios,  porque  eram  estas  as  que  se  levavam  para  o  interior, 
porém  actualmente  as  fazendas  doesta  qualidade  sào  ahi  rejei- 
tadas e  os  Bângalas  tornaram-se  exigentes,  e  o  peor  é  que  as 
pretendem  boas  pelo  mesmo  preço  das  inferiores,  exigência 
esta  a  que  é  impossivel  satisfazer. 

Viu-se  portanto  o  commercio  na  necessidade  de  dar  ás  pe- 
ças uma  nova  forma  e  medição.  Como  para  elles  uma  divunga 
regula  de  3'°,40  a  3™, 60,  as  fazendas  são  cortadas  já  em  uma 
e  em  duas  divungas,  isto  é,  em  um  ou  dois  pannos.  Dois  pan- 
nos,  equivalendo  ainda  para  o  Bângala  a  uma  peça  de  lei,  já 
em  réis  dá  preço  mais  favorável,  e  por  conseguinte  na  equiva- 
lência de  artigos  muito  mais. 

E  isto  é  indispensável,  principalmente  tratando-se  de  espin- 
gardas. Quem  conhece  a  pauta  de  Loanda,  e  os  encargos  com 
que  este  artigo  é  onerado  até  Malanje,  custa-lhe  a  acreditar  que 
elle  se  possa  vender  ao  gentio  pelos  preços  por  que  se  vende. 
Uma  espingarda  é  reputada  cm  quatro  peças  de  ftizenda  de  lei 
(3j54(X)  réis),  pois  além  de  Malanje  vendem-se  por  três  e  por 
duas  e  meia! 

r 

E  pelas  equivalências  e  pela  balança  que  o  nosso  commercio 
consegue  satisfazer  a  todas  as  exigências  do  gentio,  tendo  em 
attençao  sempre  o  preço  mais  baixo  que  obtiveram  os  artigos  que 
permutaram  nas  remessas  anteriores,  e  succede  muitas  vezes, 
apesar  das  cautelas  precisas,  não  terem  lucro  algum  na  venda 
d'esse8  artigos,  quando  ntio  coutara  prejuizos. 

O  lucro  da  permutação  geral,  se  o  houve,  é  devido  aos  pre- 
ços com  que  foram  tomadas  as  fazendas,  com  os  quaes  se  sal- 
vam as  baixas  das  remessas,  já  é  uma  compensação  nas  tran- 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  283 

sacySes  do  anaO;  mas  conta-se  mais  um  anno  de  sacrifícios  in- 
fructiferos. 

Nos  últimos  annos,  porém,  a  sorte  bafejou  o  commercio  de 
Malanje,  com  a  subida  da  borracha  e  com  a  affluencia  das  comiti- 
vas que,  depois  de  1884,  foi  devido  em  parte  á  influencia  da  nossa 
Expedição  no  interior,  o  que  é  comprovado  pelos  redditos  da 
alfandega  de  Loanda,  provenientes  dos  concelhos  de  leste.  O 
augmento  e  desenvolvimento  dos  estabelecimentos  commerciaes 
neste  concelho  é  ainda,  ao  que  asseveram  as  próprias  comiti- 
vas de  Bângalas :  emquanto  a  Expedição  de  Muene 
Puto  está  no  interior;  vamos  para  lá  mais  afou- 
tes porque  não  nos  roubam. 

E  note-se  que  neste  período,  e  dois  annos  antes,  poucas  fo- 
ram as  comitivas  de  Bângalas  que  passaram  além  do  Quicapa 
á  procura  de  marfim  ou  borracha  em  terras  do  Muatiânvua,  e 
se  uma  ou  outra  passou,  de  lá  vieram  sem  cousa  alguma,  e  os 
que  escaparam  diziam: — Trazemos  a  nossa  vida,  e 
já    foi    uma    grande   cousa! 

E  estas  comitivas  o  que  iam  lá  buscar  eram  escravos,  não 
só  para  fazerem  parte  das  suas  comitivas  futuras  para  o  Lu- 
buco,  mas  ainda  para  ahi  trocarem  alguns  por  marfim. 

A  occasião  é  opportuna  para  repellirmos  a  insinuação  do 
Dr.  Wolf,  companheiro  do  Tenente  Wissmann,  o  qual  na  sua 
conferencia  em  Manchester,  affirmou  que  se  vendiam  no  Mu- 
quêngue  milhares  de  escravos  por  anno  aos  Bângalas  e  aos 
Quiôcos  em  troca  de  armas  e  pólvora,  insinuação  que  mais 
tarde  redunda  em  censura  para  os  negociantes  portuguezes,  que 
tão  bem  o  receberam  e  a  todos  os  seus  companheiros  durante 
seis  mezes  que  estiveram  em. Malanje,  e  onde  não  viram  en- 
trar esses  milhares  de  escravos  em  troca  d'essas  armas  e  pól- 
vora, sendo  certo  que  Bângalas  e  Quiôcos  só  doestes  negocian- 
tes as  recebem,  pelo  menos  na  sua  maior  parte. 

E  repellimos  essa  insinuação,  porque  na  verdade,  se  ha  trans- 
acções de  escravos  é  exactamente  na  região  além  do  Cuango, 
e  seguem  da  Lunda  para  as  terras  em  que  os  illustrados  ex- 
ploradores andaram. 


284      SXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÍNVUA 

Os  Bftngalas  e  Quiõcos,  e  ainda  ob  Angombes  e  Bienos^  que 
se  Quiôcos  nSo  são,  siU)  da  mesma  fiEunilia,  para  lá  os  levam  da 
Lunda,  e  seguem  com  elles  para  o  norte  para  o  alliado  do 
Estado  Livre  Tippa-  Tib,  no  Nyangué,  e  para  outros  negociantes 
de  escravos. 

Nós  sabemos  que  os  exploradores  allemSeS;  desde  que  se 
lembraram  de  viajar  no  centro  da  Africa,  de  1878  até  agora, 
se  conformaram  com  os  usos  e  costumes  dos  povos  que  visi- 
taram, e  mesmo  nSo  podiam,  nem  podem  por  emquanto  reagir 
contra  elles,  e  nSo  só  acceitavam  os  escravos  como  moeda 
corrente,  mas  até  com  elles  fizeram  pagamentos  aos  seus  car- 
regadores, que  eram  filhos  dos  arredores  de  Malanje,  perten- 
centes aos  sobas  avassallados,  mas  que  teem  governo  indepen- 
dente; e  também  sabem  os  exploradores  que  esses  individues 
de  escravos  só  teem  o  nome,  que  nós  lhe  damos  pelo  &cto  de 
ser  esse  o  vocábulo  com  que  classificámos,  nSo  o  ente  propria- 
mente, mas  a  individualidade,  que  passa  constantemente  de 
mSo  em  mSo  ^. 


1  É  preciso  conhecer  bem  o  significado  dos  vocábulos  para  se  apre- 
ciar o  modo  de  ser  social  do  indigena  gentio,  e  nâo  cairmos  em  erros  que 
prejudicam  as  descripções  de  factos  e  do  que  se  passa  naturalmente  na 
vida  real  doestes  povos.  Mutu  (mutu)  é  o  vocábulo  singular,  que  significa 
«pessoa,  ente»  *,  e  o  seu  plural  é  antu  (atu),  Elles  teem  vocábulos  para 
distinguir  a  pessoa  homem  da  pessoa  mulher,  e  também  os  vocábulos 
para  as  distinguir  segundo  as  idades,  e  ainda  para  a  pessoa  homem  os 
que  a  distinguem  segundo  a  sua  cathegoria  social. 

Na  classe  inferior  encontra-se  o  mururo  («o  servo»  da  familia,da  tribo, 
do  estado  emfím),  que  os  nossos  Ambaquistas  interpretaram  como, tnubica 
(mubika)^  e  que  na  província  de  Angola  os  nossos  antigos  consideraram 
escravo.  NSo  ha  equivalência  entre  mururo  e  mubica  senão  no  facto  da 
dependência  de  um  senhor  que  o  pode  passar  a  outrem — é  a  moeda  nas 
suas  transacções. 

O  mururo,  nas  terras  do  Muatiânvua,  é  o  abandonado,  aquelle  que  se 
encontra  no  mato,  entre  o  capim,  nos  caminhos,  e  que  nSo  tem  ou  se  lhe 
nao  conhece  familia,  ou  um  parente  qualquer.  Quem  o  encontra  leva-o 
cm  sua  companhia,  e  diz  mururo  á  hunona  («abandonado  para  quem  o 
apanhar»). 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  285 


E  feliz  d'aquelle  que  chegou  a  terras  portuguezas,  porque 
ahi  termina  o  seu  fadario;  constituiu  familia  e  trabalha  para  si 
e  para  a  sua  descendência,  a  que  d 'antes  não  tinha  direito. 

Mas  temos  agora  mais  do  que  informações  indigenas,  temos 
noticias  muito  recentes  das  localidades  em  que  teem  estado 
ultimamente  os  exploradores,  fornecidas  por  europeus,  e  para 
as  quaes  não  podemos  deixar  de  chamar  não  só  a  attenção 
do  nosso  governo  e  do  nosso  paiz,  mas  ainda  a  de  todas  as  na- 
ções que  se  interessam  pela  causa  africana,  e  d'essa  nova  as- 
sociação humanitária  fundada  para  pôr  termo  á  escravidão  em 
Africa. 


Como  é  natural,  o  abandonado  que  encontrou  então  um  abrigo,  o  sus- 
tento, uma  familia  emfim,  trabalha  para  esta  e  considera-se  d'ella  o  mais 
inferior,  e  por  esse  facto  é  sempre  o  mururo.  Como  reconhecimento  mesmo 
d*C8se  benefício,  quando  o  chefe  da  familia  tem  alguma  condemnação  a 
pagar,  elle  próprio  se  apresenta  para  o  pagamento  ou  para  fazer  parte 
d*elle.  Registámos  alguns  casos  d'estes,  em  que  o  senhor  e  mais  pessoas 
de  famílias  só  a  muito  custo  e  nos  últimos  extremos  lançavam  mão  do 
mururo,  a  quem  se  haviam  affeiçoado. 

O  mururo  acarreta  agua  do  rio,  corta  e  transporta  as  lenhas  para  as 
cubatas,  faz  o  fogo,  vae  procurar  nas  lavras,  e  mesmo  nos  matos  e  nos  rios, 
alimentos  para  a  familia,  sae  em  diligencias  para  pontos  distantes,  para 
todos  os  effeitos  faz  parte  da  familia  e  com  consentimento  dos  chefes 
pode  ter  as  suas  relações  amorosas,  porém  dos  fructos  d*essas  relações, 
isto  é,  dos  filhos  é  que  não  pode  dispor ;  qualquer  doestes  herda  do  pae 
o  ser  mururo  da  familia  que  o  abrigou. 

Os  prisioneiros  de  guerra,  os  tomados  nos  sequestros,  ou  que  não  po- 
dem pagar  condemuaçoes,  são  considerados  abandonados  —  mururo. 

Se  apparecem  parentes  do  mururo,  seja  em  que  grau  for,  mas  reco- 
nhecidos, o  mururo  ó  resgatado  e  deixou  de  ser  considerado  como  tal.  , 

O  mururo  é  um  modo  de  ser  no  estado  do  Muatiânvua,  porém  nunca 
vi  este,  nem  os  potentados  chefes  de  território,  fazer  distincção  entre  elle 
e  os  considerados  fidalgos  e  mesmo  fílhos  do  Muatiânvua.  Aquelle  vo- 
cábulo mesmo,  ouvi -o  isolado,  como  designando  o  serviçal  da  familia, 
e  entre  as  mais  indigentes,  porque,  para  os  que  estão  em  melhores  cir- 
cumstancias  já  o  vocábulo  é  outro  e  faz  perder  a  idea  do  abandono  — 
caxalapoli  (kaxaíapoli) ^  cuja  interpretação  é  «vigia»  (o  que  toma  conta 
do  que  pertence  ao  individuo  que  faz  as  vezes  de  seu  pae). 


286  EXPEDIÇZO  FOBTUGUEZA  AO  MUATliWUA 

Estas  noticias  yeem  a  propósito  e  completam  os  nossoa  co- 
nhecimentos sobre  a  RegiSo  Portagaeza,  que  os  illostrados  ex- 
ploradores que  ali  foram  sob  nossa  protecç&o,  offisreceram  ao 
Estado  de  H.  Stanley  e  seus  consócios;  mas  nós^  que  sabe- 
mos qoanto  os  nossos  compatriotas;  filhos  de  Angolai  trabalhai 
ram  para  a  regeneração  dos  povos  que  a  occapam^  protesta- 
mos bem  alto  contra  mais  esta  usurpaçSO;  feita  sem  qae  o  nosso 
paiz  tivesse  conhecimento  de  tal  facto,  ou  pelo  menos  ignorando 
as  condiçSes  em  que  se  encontravam  estes  povos  e  as  estreitas 
relaçSes  que  ha  vinte  annos  elles  mantinham  constantemente 
com  os  filhos  de  Angola. 


£m  geral  todas  as  pessoas  que  constitaem  a  fitmilia,  a  tríbu  ou  o  es- 
tado, sfto  denominadas  pelos  próprios  chefes  aníu  ámi  {alu  dfnt)  ou  ano 
âmi,  cnja  interpretação  é :  «mca  povo»  ou  «meus  filhos». 

O  mururo  só  tem  paridade  com  o  muinea  de  Angola,  em  infelitmente 
passar  como  moeda  nas  transacções  como  aquelle  passou,  porque  as 
circnmstancias  da  vida  social  rudimentar  do  centro  do  continente  assim 
o  exigem,  e  para  as  quaes  as  nações  civilisadas,  sem  o  pensar,  contribui- 
ram,  como  demonstraremos  em  outros  logares ;  porém  o  que  lembra  de 
odioso  no  mubica  foi  devido  aos  povos  que  avançaram  na  civilisaçâo  e  é 
inteiramente  desconhecido  no  caso  do  mururo. 

Entre  os  povos  do  centro  do  continente,  os  ferros,  os  cepos,  o  chicote, 
que  alguns  exploradores  dizem  lá  ter  visto  como  instrumentos  de  repres- 
são e  castigo  para  os  escravos,  não  sâo  de  fabrico  indígena.  Esses  arte- 
factos saem  das  fabricas  estrangeiras,  geralmente  inglezas,  que  já  annos 
antes  os  exportavam  para  outros  pontos  do  continente  africano  e  para 
outras  regiões  do  globo. 

Infelizmente  também  nós  importámos  os  modelos  e  os  imitámos;  po- 
rém entre  os  indígenas,  os  próprios  prisioneiros  de  guerra,  sSo  conduzi- 
dos apenas  seguros  uns  aos  outros  com  cordas  feitas  de  vergonteas  de 
trepadeiras,  amarrando-se-lhes  os  pulsos  atraz  das  costas,  como  se  faz 
aos  macacos. 

Mas  os  illustres  exploradores  allemâes  que  me  obrigaram  a  fazer  esta 
explicação  do  que  elles  de  certo  não  ignoram,  sabem  bem  que  nas  terras 
do  centro  de  Africa,  entre  as  tribus  indígenas,  não  ha  o  serviço  remn- 
hcrado,  que  o  mururo  é  uma  necessidade,  aliás  não  teriam  quem  os  ser- 
visse e  teriam  de  retirar  por  lhes  ser  impossível  penetrar  no  campo  das 
suas  operações  commerciaes. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  287 

Depois  da  chegada  da  expedição  Wissmann  ao  Lubueo  tra- 
tou-se  e  conseguiu-se  a  navegação,  em  parte,  do  Cassai  e  Luiúa 
até  ao  Zaire,  e  fez-se  logo  oceupar  o  paiz  pelos  agentes  do 
Estado  Independente  do  Congo,  e  em  dezembro  de  1887  dizem 
as  nossas  noticias: 

«O  paiz  mudou  inteiramente;  subiram  de  valor  todos  os  artigos,  tanto 
de  negocio  como  viveres;  a  fazenda  espalhou-se  por  toda  a  parte  com 
profusão ;  a  borracha,  que  se  vendia  por  preços  extremamente  baratos, 
hoje  está  pelo  triplo,  e  presentemente  apparece  pouca ;  o  marfim  tor- 
nou-se  raridade  e  o  que  apparece  vende-se  por  preços  elevados  e  nâo 
convém  em  qualquer  mercado  da  província  de  Angola. 

As  caravanas  de  Quiôcos,  Bângalas  e  Malanjes  são  quasi  diárias. 
Hoje  estão  neste  paiz  para  cima  de  duas  mil  pessoas  d'esta8  procedên- 
cias, que  são  verdadeiros  enxames  que  invadem  todo  o  território  do  Lu- 
bueo, não  deixando  uma  bola  de  borracha,  nem  um  escravo.  Devemos, 
porém,  concordar  que  não  são  estas  caravanas  que  fazem  damno  ao  com- 
mercio  licito;  compram  e  mal,  fazendo  negócios  sem  calculo  nem  me- 
dida, porém  levam  a  borracha  para  os  mercados  da  província  e  os  escra- 
vos ficam  com  elles  para  os  seus  trabalhos. 

O  que  é  summamente  mau,  damnoso  e  terrível,  são  as  caravanas  de 
Bicnos,  que  dcsem])ocam  em  Cabau  vindos  pelo  oriente.  Estas,  sim,  são 
uma  praga,  emfim  um  verdadeiro  flagello.  É  devido  a  ellas  que  estamos 
fazendo  conhecimento  com  a  miséria,  e  soffrendo  gravíssimos  prejuízos. 
.  Temos  feito  diversas  viagens  a  Cabau,  a  ultima  em  maio,  e  de  todas 
temos  tido  a  desgraça  de  encontrar  este  flagello,  obrígando-nos  a  reti- 
rar com  as  mercadorias  por  ser  impossível  fazer  negocio  em  concorrên- 
cia com  traflcaiitcs  de  carne  humana. 

Estes  bandidos  não  levam  para  Cabau  um  búzio,  nem  um  bago  de 
missanga ;  o  único  artigo  que  levam  para  a  troca  por  marfim  são  nume- 
rosas levas  de  escravos,  que  vendem  aos  Bacubas  por  preços 
desgraçados. 

Para  fazer  idea  d 'este  péssimo  negocio  é  sufficiente  dizer  que  dão 
por  uma  pequena  ponta  de  quatro  libras  de  peso,  um  escravo;  de  dez, 
dois ;  de  vinte,  seis ;  de  trinta,  dez ;  por  uma  de  cincoenta  a  sessenta, 
vinte ;  e  finalmente  deram  quarenta  e  cinco  escravos  por  um 
dente  que  pesava  noventa  e  duas  libras !!! 

A  primeira  vista  parece  incrível  que  isto  se  faça;  porém,  com  mágua 
o  digo,  é  uma  triste  verdade ! 

Os  Bacubas,  eniquanto  teem  negócios  doestes,  nâo  vendem  o  seu  mar- 
fim por  artigos  de  nef^^ocio  licito,  e  quando  o  vendem,  exigem  em  búzio 
o  equivalente  ao  valor  de  escravos. 


288  EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

Ora  em  Cabau  o  preço  de  um  escravo  sfto  emoo  mil  bagos  âe  bmios, 
preço  fixo  em  todo  o  paiz,  de  forma  que  quem  qnizer  comprar  a  ponta 
egual  á  vendida  por  quarenta  e  cinco  escravos  temdedardu- 
sentos  e  vinte  cinco  mil  búzios,  que  equivale  a  225  kilogrammas !  O  preço 
d*este  artigo,  vindo  de  Malanje,  fica  em  Cabau  a  700  réis  o  kilogrammay 
e  a  compra  da  ponta  seria  em  réis  por  157JÍ500. 

Por  aqui  se  vê  como  está  hoje  o  negocio  do  marfim,  devido  aos  tra- 
ficantes da  carne  humana ! 

DirSo  agora,  como  é  possivd  que  os  Bienos  possam  dar  um  numero 
tflo  avultado  de  escravos  por  uma  ponta  de  marfim  ? 

A  rasSo  é  muito  simples,  e  vou  eipIicÀ-la  porque  fui  testemmilia  oea« 
lar  de  uma  d*e88as  transacções  na  viagem  que  fis  ás  bacias  de  Sanooro 
e  LumAmi,  aonde  encontrei  uma  cáfila  de  Angombes.  Esta  g^te  saia 
do  Bié  e  veiu  a  Catema,  no  Dilolo,  d'ahi  atravessaram  o  pais  entre 
Samba  e  o  Muatiânvua  até  ao  Canbiuca.  Atravessaram  depois  o  Lubi« 
lázi  para  a  margem  direita,  no  paiz  dos  Balongos,  onde  principiaram  a 
comprar  escravos.  Percorrem  o  extenso  paiz  dos  cannibaes,  entre  o  La- 
bilázi  e  o  Lumámi,  comprando  escravos  ao  Lupungo,  Sàpo-8apo  e  outros 
potentados,  vendendo  um  barril  com  um  kllogramma  de  pólvora  on  uma 
arma  lazarina  por  cinco  escravos,  quatro  jardas  de  fiuenda  por  um,  ete. 
Descem  com  o  curso  do  Sancoro  até  aos  Bassongos,  passando  o  rio  para 
a  margem  esquerda,  entrando  em  Cabau,  onde  fazem  substituir  o  nego- 
cio licito  pelo  seu  de  escravos,  que  compram  baratíssimos. 

Foi  cm  novembro  de  1886  que  encontrei  no  Sapo-Sapo  três  carava- 
nas de  taes  cáfilas  que  seguiam  para  Cabau,  levando  um  numero  superior 
a  oitocentos  escravos!!  Escravos  vendidos  por  marfim,  pelos 
preços  que  lhe  custaram,  deiza-lhes  um  lucro  espantoso ! 

Fiz  ver  isto  ao  Sr.  Barão  de  Maçar,  chefe  politico  do  districto,  e  dis- 
se-lhe  nâo  ser  possivel  estarmos  perdendo  os  nossos  interesses,  n2o  po- 
dendo fazer  negocio  licito  ao  pé  de  taes  concorrentes,  e  se  não  podia  por 
cobro  a  esse  estado  de  cousas,  reprimindo  energicamente  os  vendilhões 
de  carne  humana,  collocava-me  na  dura  necessidade  de  arranjar  forç:is 
para  cu  mesmo  destruir  os  escravistas. 

Cavalheiro,  como  é,  mostrou- se  muito  seutido,  mas  nada  ponde  fiucr, 
porque  a  estação  do  Luluaburg  não  tem  um  único  homem  que  sirva 
para  pegar  numa  arma,  e  a  estação  do  Luebo,  que  está  a  20  kilome- 
tros  de  Cabau,  tem  apenas  seis  Zanzibaritas,  que  são  impotentes  para 
castigar  uma  caravana  de  Bienos,  formidavelmente  armados  e  bem  mu- 
niciados. 

Faz -se  commcrcio  de  escravos,  vcndcndo-se  ás  centenas,  a  quatro 
horas  de  marcha  da  estação  do  Luebo,  não  podendo  obstar  a  este 
commcrcio  o  pessoal  do  Estado  Independente  que  se  assenhoreou  d*este 
paiz?» 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  289 

Acreditamos,  pois,  á  vista  doestas  noticias,  que  se  referem 
á  regiSo  que  os  exploradores  allemSes,  valendo-se  da  nossa 
influencia  e  protecção,  foram  dar  de  presente  como  terras  por 
si  exploradas,  ao  Estado  Independente  do  Congo,  que  é  ver- 
dade qae  ahi  se  negoceia  em  escravos,  mas  que  não  são  os 
Portuguezes  os  agentes  d'esse  negocio,  nem  tão 
pouco  é  elle  para  as  terras  portuguezas,  e  sim 
para  o  norte  e  oriente,  e  os  que  não  ficam  no  norte,  lá  irão 
também  para  o  oriente. 

Por  diversos  individues  tivemos  conhecimento  no  interior, 
que  nas  estações  que  se  levantaram  próximo  do  Muquengue, 
Muanzagoma,  Lulua,  Luebo,  etc,  se  esperava  desviar  o  com- 
mercio  que  ia  para  Malanje,  fazendo-se  offertas  ás  comitivas 
até  de  dinheiro,  llá^OOO  réis  por  cada  arroba  de  borracha  ou 
de  artigos  de  melhor  qualidade,  e  em  maior  quantidade  do  que 
ellas  podiam  obter  das  casas  de  Malanje  e  mesmo  em  Loanda. 

Em  principio  suppozemos  que  seriam  os  próprios  Bângalas 
que  pretendiam  encarecer  agora  a  sua  mercadoria  e  tentavam 
armar  ao  effeito  para  maiores  ganâncias  sob  tal  pretexto. 

Pelo  que  depois  soubemos  de  melhor  fonte,  pelo  conheci- 
mento do  que  se  passa  no  littoral  com  respeito  a  fretes  e  im- 
postos, pela  conferencia  que  lemos  do  Dr.  Wolf,  em  Manchester, 
e  ainda  pelas  ultimas  noticias  do  Lubuco,  afigura-se-nos  que 
corre  grande  risco  o  commercio  de  Malanje  e  todo  o  sertanejo 
d'ahi  até  á  costa,  se  desde  já  se  não  adoptarem  im mediatas  e 
acertadas  providencias  contra  a  propaganda  que  se  faz  a  favor 
do  Estado  Independente  do  Congo,  em  prejuizo  dos  interesses 
da  nossa  provincia  de  Angola. 

Os  artigos  de  permutação  facturados  em  Malanje,  á  rasão 
de  2^1000  réis,  vendem-se  no  Luebo  a  225  réisl 

Os  búzios,  que  são  o  principal  artigo  para  o  negocio  de  mar- 
fim com  os  Bacubas  (quando  não  se  ofierecem  escravos),  e  que 
em  Malanje  se  vendem  a  6f5õOO  réis  a  arroba,  e  chegam  ao 
Luebo  oneradas  de  modo  a  não  poderem  vender- se  por  menos 
de  ISjJOOO  réis,  estão-se  vendendo  no  Estado  do  Congo  a  4<J500 
réis  por  dez  mil  bagos,  que  é  mais  de  uma  arrobai 


290      BXPEDIÇZO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂHVUA 

Isto  é  devido  nSo  bó  á  facilidade  de  transportes,  como  á  dif* 
ferença  de  fretes  marítimos  e  impostos  aduaneiros. 

Que  vantagens  podem  ter  pelo  negocio  licito  as  caravanas  de 
commercio  que  da  nossa  provincia  nos  últimos  quinze  annos 
concorriam  aos  mercados  do  Lubuco,  principalmente  de  Ma- 
lanje  e  proximidades,  se  vSo  lá  encontrar  melhores  mercado- 
rias do  que  podem  levar,  ou  as  similares,  por  preços  quasi 
50  por  cento  mais  baratos,  quando  o  nSo  for  ainda  mais  do  que 
aquelles  por  que  as  obtiveram  em  Malanje. 

É  para  nos  convencermos  que  em  pouco  tempo  essas  comi- 
tivas, que  para  lá  levavam  commercio,  agora  irSo  como  immi- 
grantes  para  se  assoldadarôm  por  algum  tempo  ao  serviço  das 
casas  de  commercio  estrangeiro.  Os  resultados  ser-lhe-hlo  de 
certo  mais  favoráveis. 

Disse  o  Dr.WoIf  na  sua  conferencia  em  Manchester:  cExiste 
tanto  marfim  nos  paizes  não  conhecidos,  além  do  Estado  Inde- 
pendente, que  nem  se  pode  pensar  quando  elle  acabará...  Se 
o  caminho  de  ferro  do  Congo  for  uma  realidade,  nSo  ha  du- 
vida alguma  que  todo  o  commercio  da  borracha,  que  vae  agora 
para  Malanje,  descerá  pelo  Cassai  e  se  juntará  no  Congoi. 

Estava,  pois,  a  propaganda  iniciada  para  nos  despojarem  do 
commercio  além  do  Cuango. 

Vejamos  agora  pelas  noticias,  ainda  de  dezembro  de  1887, 
como  se  trabalhava  nesta  empreza: 

«A  casa  Sanford,  da  companhia  americana  que  se  propõe  constniir  o 
caminho  de  ferro  de  Vivi  a  Leopoldville,  para  se  certificar  se  haverá  mo- 
vimente sufficiente  de  commercio  que  alimente  esse  caminho,  estabele- 
ceu nas  estações  do  Estado,  mediante  certas  condições,  artigos  de  com- 
mercio para  a  compra  de  marfim  c  borracha,  e  o  Sr.  Legat  no  Lnebo, 
nos  mezes  de  junho  e  agosto,  comprou  para  cima  de  1:000  kilogrammas 
de  marfim  e  4:000  de  borracha ;  sendo  esta  vendida  por  portugueses  de 
Angola,  que  por  aqui  estão  fazendo  os  seus  reviro».  Os  preços  dos  arti- 
gos da  troca  são  pelos  do  custo  e  despezas;  os  preços  da  borracha  3 
pence  por  libra  (peso),  e  o  do  marfim,  qualquer  que  seja  a  sua  lotaçilo, 
2  shillinga  por  libra. 

«Como  o  fim  doesta  companhia  é  conhecer  do  movimento  commercial, 
não  admira  que  faça  taes  negócios.  Mas  vamos  lá  competir  com  ella ! 


descripçao  da  vugeh  291 


O  percurso  d^aqui  até  Leopoldville  é  de  mais  de  600  milhas,  e  o  lucro 
é  de  1  ptnny  por  2  kilogrammas  de  marfim.  Por  quanto  irão  estes  ho- 
mens vender  o  seu  marfim  nos  mercados  europeus  ? 

Agora  uma  nova  companhia,  denominada  Compagnie  du  Congo  pour 
le  commerce  et  l^induatrie,  propoe-se  a  navegar  em  todos  os  affluentes  do 
Cuango  onde  vae  fazer  negocio.  Nâo  estabelece  feitorias,  o  commercio  é 
feito  a  bordo  dos  seus  vapores  especiaes. 

Em  vista  dos  projectos  d' esta  companhia,  o  que  pode  esperar  no  fu- 
turo o  commercio  de  leste  de  Loanda  ? 

A  embocadura  do  Cassai  calcula-se  estar  no  3*  14'  4"  de  lat.  S.  do 
Equador,  e  entre  esta  e  a  foz  dizem  existir  um  afiluente,  que  vem  da  nossa 
provincia  e  que  é  navegável  até  certa  altura.  O  Cuango  é  navegável  até 
quasi  ás  portas  de  Malanje ,  e  o  Cuílo  e  Luangue  pensa-se  que  tam- 
bém se  prestam  á  navegação  para  lanchas  a  vapor.  O  Cassai  é  navegá- 
vel desde  a  foz  até  ao  Peínde.  E  tudo  isto  aproveitado  pelo  Estado 
Independente,  nâo  redunda  cm  prejuizo  da  região  norte  de  toda  a  nossa 
provincia  de  Angola?» 

São  estAs  considerações  de  um  negociante  do  sertão,  homem 
bastante  pratico,  que  ha  trinta  annos  se  estabeleceu  em  Ma- 
lanje e  conhece  todas  as  phases  por  que  tem  passado  o  com- 
mercio do  centro  do  Continente.  E  a  ellas  ainda  acrescenta 
muito  judiciosamente : 

»A  lingua  que  se  falia  nas  estações  é  a  Portugueza;  outra  qualquer 
difficilmeiíte  seria  entendida,  por  terem  sido  os  Portuguezes  que  desbra- 
varam este  paiz  ha  mais  de  vinte  annos,  onde  o  seu  elemento  se  encontra 
espalhado  por  toda  esta  região. 

Devido  a  esta  feliz  circumstancia  é  que  Wissmann  e  os  seus  com- 
panheiros se  apossaram  do  Lubuco  sem  a  menor  opposiçâo. 

Para  se  conhecer  o  elemento  portuguez  neste  paiz  é  bastante  dizer 
que  as  caravanas  de  pequenos  commerciantes  que  vem  de  Angola,  che- 
gam aqui  quasi  semanalmente.  Toda  a  borracha  que  presentemente  se 
exporta  por  Loanda,  sae  d'aqui  levada  por  Quiôcos,  Bângalas  e  gente 
de  Malanje  e  Pungo  Andongo,  e  também  pelos  Angombes  vae  muita 
para  Benguella.  Isto  pode  dizer-se  durante  os  últimos  dez  annos,  por- 
que da  região  da  Lunda  pouca  borracha  tem  apparecido  neste  periodo. 

Porém  no  Lubuco  succcde  o  mesmo  que  á  Lunda —  as  suas  florestas 
estão  quasi  completamente  extinctas.  As  comitivas  que  ultimamente  teem 
chegado  estão  vendendo  as  suas  mercadorias  por  menos  de  metade  dos 
preços  aqui  estabelecidos,  e  ainda  assim  muitos  nâo  logram  vender  os 
seus  artigos  por  causa  das  Estações. 


292  SXPBDIÇZO  FOBTUGUBZA  AO  MUAUÍNVUA 

Ainda  antes  da  chegada  da  expediç2o  do  Tenente  Wissmann  uma 
anna  ou  um  barril  de  kUogramma  de  pólvora  equivalia  a  mil  bolaa  de 
borracha ;  actualmente  uma  arma  vale  quatrocentas,  e  o  barril  tresen- 
tas;  um  boi  ou  vacca,  que  se  vendia  por  dose  mil  bolas,  presentemente 
s6  o  acceitam  por  quatro  mil.  Ainda  ha  pouco  mil  bolas  pesavam,  pouco 
mais  ou  menos,  40  kilogprammas,  agora  nem  chegam  ao  peso  de  dO. 

Se  vierem,  como  se  diz,  para  aqui  estabelecer-se  filiaes  das  casas 
hollandeza  e  firanceza  do  Zaire,  as  numerosas  caravanas  que  aqui  vinham 
annuslmente  da  nossa  provinda  escusam  de  cá  voltar,  por  lhes  ser  im- 
possível luctar  com  taes  casas. 

«Um  dos  agentes  da  casa  hollandeza  com  quem  aqui  íall^  chagado 
no  vapor  Peace,  afiirma  vir  para  aqui  luna  filial  da  casa  hoUaadeaa,  e 
admira-se  que  os  Portugueses  se  n2o  hajam  importado  com  esta  rQgiXo, 
pois  sem  ella,  por  emquanto,  de  nada  vale  a  grande  provinda  de  Angola 
com  respdto  a  commerdo.» 

Todas  estas  considerações  vêem,  quatro  annos  depois,  con- 
firmar o  que  a  nossa  ExpediçSo  previu  logo  de  principio  em 
Malanjc;  e  fez  constar  á  Associação  e  Sociedade  de  Geographia 
Commercial  do  Porto  nestes  termos: 

«Malai^e  é,  e  continuará  a  ser,  principalmente  se  a  construcçlo  da 
linha  férrea  a  Ambaca  for  uma  realidade,  o  verdadeiro  e  único  centro  de 
commerdo  europeu  para  o  seio  do  Continente ;  segundo  o  meu  fraco  modo 
de  ver,  deverá  Malanje  ser  no  futuro  o  centro  de  um  governo,  governo 
de  leste  da  provinda,  para  cujo  limite  mais  no  interior  está  reservado 
o  Cuango. 

. . .  Pelo  que  respeita  a  liberdade  de  navegaçáo  e  reforma  de  pau- 
tas, com  taes  medidas  muito  teem  a  ganhar  os  interesses  do  paiz,  esta 
provinda  em  especial  e  muito  particularmente  o  commercio  portuense, 
quando  queira  alargar  os  seus  mercados  consumidores  para  aqui,  fiEusendo 
derivar  parte  dos  productos  que  ora  se  encaminham  em  concorrência  com 
os  estrangeiros  para  outros  pontos. 

Pois  é  crivei  que  se  mantenha  por  mais  alguns  annos  a  distincçfto  de 
pautas  para  as  mesmas  mercadorias  nesta  mesma  provinda  ? 

O  Ambriz,  com  uma  pauta  mais  favorável,  já  convida  o  gentio  da 
Lunda,  ao  norte,  á  permutação,  quanto  mais  n&o  se  fsrá  nos  portos  do 
norte,  que  se  pretendem  conservar  livres  de  direitos  aduaneiros. 

O  Cuango  é  muito  grande  na  verdade,  porém  o  preto  nâo  conhece  dis- 
tancias para  grangear  lucros,  embora  pequenos.  Nas  margens  doesta 
grande  artéria  fluvial,  que  já  ha  muito  nos  devia  fazer  communicar  ra- 
pidamente com  o  Zaire,  é  onde  mais  se  faz  sentir  o  odioso  dos  gravames 
das  di£férenças  pautaes. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  293 

Não  é  raro  encontrarem- se  gentios  nestas  margens  com  a  mesma  qua- 
lidade de  mercadorias,  obtidas  com  grande  differença  de  preços,  o  que 
elles  levam  á  conta  de  bom  ou  mau  negocio,  ou,  melhor  direi,  de  que  fo- 
ram roubados.  Isto  não  é  exagero,  e  a  mesma  impressão  recebeu  o  es- 
trangeiro Yon  Mechow,  que  um  pouco  ao  norte  da  sua  exploração  no 
Cuan!<o,  encontrou  fazendas  mais  baratas  do  que  as  similares  de  que 
elle  dispunha  para  seus  gastos. 

Se  á  Sociedade  de  Geographia  Commercial  do  Porto  está  reservada 
a  importante  missão  de  conseguir  a  reforma  das  pautas  da  provinda  de 
Angola,  que  as  unifique  e  torne  mais  liberaes,  muito  terão  a  agradecer- 
Ihe  os  interessados,  e  o  seu  nome  ficará  vinculado  aos  melhoramentos 
que  necessariamente  d'ahi  hão  de  provir  para  esta  vasta  colónia. 

Somos  d^aquelles  que  não  apreciam  o  Zaire  como  vantagem  princi- 
pal; temos  muito  para  onde  nos  alargarmos  e  com  interesses  certos.  O 
commercio  pelo  grande  rio  é  um  pretexto,  ha  de  fazer- se  pelo  Cnango 
para  a  nossa  provincia  quando  tiver  um  termo  a  nossa  boa  fé  e  com  an- 
tecedência nos  formos  precavendo  contra  os  successivos  logros  em  que 
caimos  a  cada  passo  com  os  aventureiros  que  de  tudo  nos  querem  des- 
pojar. Bem  sabem  os  estrangeiros  o  que  querem,  mas  por  emquanto  a 
evolução  dos  seus  mysteriosos  desígnios  prosegue  na  penumbra;  nin- 
guém quer  ver  no  nosso  paiz  ! » 

Quando  isto  escrevíamos;  em  1884,  mal  podíamos  imaginar  que 
logo  um  anno  depois  o  mysterio  se  desvendaria,  organisando-se 
o  Estado  Independente,  e  que  já  os  exploradores  allemSes  esti- 
vessem trabalhando  por  conta  do  futuro  Estado,  fazendo-lhe  doa- 
ç5o  de  um  território,  cujos  povos  só  comnosco  mantinham  re- 
lações e  d'onde  provinha  nos  últimos  annos  todo  o  commercio 
indigena  que  affluia  a  Loanda  e  ao  Ambriz.  O  Sr.  BarSo  de 
Maçar,  primeiro  chefe  do  districto,  que  o  Estado  chama  seu, 
tratou  logo  de  repellir  os  Portuguezes  que  lá  encontrou,  e  se 
podesse  vedaria  a  entrada  a  todas  as  caravanas  que  da  nossa 
provincia  para  lá  se  encaminham  ainda.  A  julgarmos  pelo  que 
succedeu  a  um  empregado  africano  chamado  Santos,  que  o  Te- 
nente Wissmann  para  ali  levara  de  Malanje,  nenhum  súbdito 
portuguez  poderia  esperar  d'aquelle  funccionario  o  mínimo  si- 
gnal  de  sympathia. 

Este  pobre  rapaz,  amarrado,  espancado  e  ferido  pelos  indí- 
genas, esteve  preso  numa  cadeia  três  dias,  sendo  depois  por 
fraqueza  entregue  aos  seus  verdugos,  que  o  queimaram  vivo ! 


294  EXPEDIÇXO  POBTUaUBSA  AO  XUATIÂNVIU 

O  dr.  Summers,  da  missSo  do  bispo  Taylor,  que  se  nata- 
turalisára  portuguez  e  entrara  no  Lubuco  com  a  bandeira  por- 
tugueza  á  frente  da  sua  caravana,  fôra  altamente  censurado  por 
tal  fiicto,  nSo  consentindo  o  Sr.  de  Maçar  que  elle  entrasse  no 
exercício  das  suas  funcçSes.  Entre  outras  amabilidades  d'aquelle 
cavalheiro,  ao  illustrado  missionário,  registámos  esta  —  que 
nSo  gostou  de  o  ver  com  a  bandeira  portugueza,  porque  todos 
os  Portuguezes  eram  uns  bichos  e  uns  ladrSes. 

Em  occasiSo  opportuna  mostraremos  ao  súbdito  belga  quem 
sSo  os  ladrSes  que  ao  bondoso  Rei  Leopoldo  11  extorquiram  a 
fortuna,  se  é  que  Sua  Magestade  nSo  os  tenha  jA  apontado 
antes  de  entrarmos  nesse  assumpto. 

«Tanto  08  Qniôcos  como  ou  Bftngalas  —  dizíamos  nós  á  Sociedade  de 
Geographia  do  Porto  — ,  teem  descido  ultimamente  em  busca  de  marfim  e 
borracha  até  ao  5^  lat.  S.  do  Equador ;  o  regresso  com  as  mercadorias 
ás  costas  toma-se-lhes  penoso  quando  elles,  a  menor  distancia,  do  Am- 
briz  ao  Zaire,  encontram  melhores  fazendas  em  qualidade,  mais  varie- 
dade, menor  preço,  e  isto  por  causa  do  pequeno  frete  e  nenhuns  impostos 
aduaneiros.  Encaminham-se  portanto  para  ali  os  que  n2o  estiverem  mus 
próximos  dos  Chilangues,  pois  que  nesse  caso  largam  a  estes  as  merca- 
dorias para  as  permutarem  no  Nyangué  por  escravos,  os  quaes  s2o  enca- 
minhados d'ahi  para  a  região  dos  lagos. 

Mas  se  o  caminho  de  ferro  de  Ambaca  não  é  mais  uma  esperança  vS, 
se  realmente  se  faz,  são  bem  empregados  os  sacrifícios  e  trabalhos  da 
nossa  Expedição  e  as  despezas  que  com  ella  está  fazendo  o  Governo. 
As  Estações  que  vamos  construindo  serão  muito  aproveitadas,  tomar-se- 
hão  núcleos  de  civilisação,  centros  riquissimos  de  agricultura,  em  que 
não  faltam  os  braços  livres  e  indispensáveis ;  o  commercio  procurará  es- 
tes centros,  de  uma  salubridade  incontestável  em  relação  ás  zonas  ma- 
rítimas ;  e  muito  é  para  sentir  que  não  venha  immediatamente  alguém 
aproveitar-se  das  boas  disposições  cm  que  deixámos  os  povos  que  as  ro- 
deam. 

Fazendo -se  um  ramal  doesse  caminho  de  ferro  a  Malanje  (65  kilome- 
tros),  e  d'ahi  um  outro  seguindo  a  sua  directriz,  mais  ou  menos  pelo 
nosso  itinerário  ao  porto  Molumbo,  no  Cuango,  na  extensão  de  20  kilo- 
metros,  teríamos  com  isso  grandíssima  vantagem.  As  remoções  de  terras 
não  offerecem  grandes  difficuldades  á  construcção,  porque  as  differenças 
de  altitude  não  são  grandes  e  de  nada  valem  as  linhas  de  aguas  a  pas- 
sar, sendo  a  mais  larga  o  rio  Lui,  que  na  peoi  epocha  do  anno,  numa 
largura  pouco  mais  de  40  metros,  tem  profundidade  não  superior  a  3  me- 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  295 

tros,  sendo  inferiores  o  Cambo  e  o  Luximbe,  e  sendo  o  porto  Molambo 
um  bom  porto,  assim  ficará  ligado  a  Loanda,  o  melhor  da  costa  em  toda 
a  nossa  provincia  de  Angola.  Assim,  não  só  se  aproveitariam  as  férteis 
terras  que  esse  caminho  de  ferro  atravessasse,  as  melhores  que  se  conhe- 
cem em  toda  a  região,  a  partir  do  Dondo,  pois  é  a  da  maior  altitude, 
regada  por  boas  aguas,  fadada  para  todas  as  culturas,  mas  ainda  se  re- 
solveria o  grande  problema,  cuja  solução  nos  últimos  annos  tantos  se 
empenham  em  encontrar :  unir  por  fácil  communicação  o  alto  Zaire  com 
um  bom  porto  da  costa,  que  certamente,  depois  de  pequenos  trabalhos, 
não  se  encontrará  nenhum  como  Loanda. 

O  Cuango,  do  Molumbo  á  confluência  com  o  Zaire,  pode  tomar-se  na- 
vegável em  principio  por  lanchas,  e  mais  abaixo  por  barcos,  uns  e  ou- 
tros a  vapor. 

Se  alguma  cousa  fizéssemos  neste  sentido,  podíamos  explorar  com  van- 
tagem esses  restos  de  productos  naturaes,  que  ainda  provocam  a  ambi- 
ção do  commercio  em  Africa,  e  certamente  por  uma  direcção  prudente  se 
conseguiria  preservar  as  suas  fontes  do  vandalismo  e  dar-lhes  longo  pe- 
ríodo de  extracção ;  aprovcitar-se-iam  ao  mesmo  tempo  as  riquezas  que 
o  solo,  aguas  c  braços  nos  oÔ*erecem,  creando  grandes  propriedades  agrí- 
colas e  centros  populosos,  onde  então  o  commercio  encontraria  bons  mer- 
cados para  as  suas  transacções;  crear-se-iam  as  receitas  indispensáveis 
a  sustentar  a  linha  fluvial  no  Cuango  e  a  férrea  até  Loanda,  pouco  nos 
devendo  importar  a  mal  fadada  e  mal  encaminhada  questão  do  Zaire;  cn- 
grandeciamos  a  nossa  vastíssima  provincia  de  Angola,  e  finalmente,  pelos 
domínios  do  Muatíãnvua,  manteríamos  a  ligação  com  a  outra  não  menos 
vasta,  não  menos  rica  província  de  Moçambique  que  estrangeiros  cubi- 
çosos  parecem  accordes  em  querer  para  sempre  separar. 

A  nós,  e  só  a  nós,  Portuguezes,  pertencia  de  direito  e  de  facto  um 
quadrilátero  no  centro  da  Africa,  cujos  lados  exteriores  são  formados  pelo 
líttoral  das  nossas  vastas  e  riquíssimas  províncias  de  Angola  e  Moçam- 
bique. 

A  Expedição  pensou  ainda  por  al^um  tempo  cm  descer  o  Cuango,  mas 
crente  que  aos  arrojados  exploradores  Capello  e  Ivens  estava  destinado, 
depois  de  explorarem  o  Cunene,  o  continuarem  a  exploração  já  por  elles 
iniciada  d'aquelle  rio,  para  o  seguirem  até  ao  Zaire,  e  sendo  mui  diversa 
a  nossa  missão,  com  bastante  reluctancia  desistimos  d'este  intento,  que 
podia  e  de  certo  seria  mal  recebido  no  paiz,  se  de  facto  os  nossos  bene- 
méritos exploradores  tivessem  pensado  ou  lhes  fosse  determinada  a  re- 
solução do  importiiute  problema.  E  com  magua  repetimos,  desistimos 
doesse  intento,  po~que  conhecendo  os  trabalhos  de  V.  Mechow,  estávamos 
crentes  de  que  o  Cuango,  salva  a  queda  de  agua  que  o  fez  recuar  no  seu 
projecto,  era  navegável,  e  d'essas  supposiçoes  bem  fundadas  dêmos  co- 
nhecimento ao  nosso  Governo «. 


296      EZPEDIÇXO  POBTUGUEBA  AO  MUATXÍHVUA 

O  que  entSo  se  podia  imagiDar  ser  uma  ilIusSo,  tomoa-se 
numa  realidade  pouco  tempo  depois.  Em  fins  de  1866  o  Bev.^ 
Grenfell  e  o  Dr.  Mense  no  vapor  Peace,  pertencente  á  estaçlo 
dos  missionários  Baptistas,  estabelecida  no  Stanley  Pool,  fize- 
ram essa  navegação  indo  depois  até  ao  Lulúa,  como  vimos 
pelas  noticias  de  que  já  demos  conhecimento. 

Mas  se  não  nos  antecipámos  na  resolução  do  problema,  to- 
davia não  ha  rasão  para  desistirmos  de  tratar  desde  já  do  es- 
tabelecimento de  barcos  a  vapor  especiaes  no  Cuango  e  seus 
afluentes  da  margem  direita,  e  ao  norte  se  for  verdade  o  que 
se  suppSe  com  respeito  a  um  affluente  da  esquerda,  até  onde 
a  navegação  seja  possivel,  pois  que  esta  linha  fluvial  ainda  não 
nos  foi  contestada. 

Emquanto  uma  plêiade  de  homens  ousados,  que  se  estabe- 
leceram em  Malanje  e  mais  para  deante,  teem  luctado  por 
desenvolver  o  seu  commercio  muito  onerado,  como  vimos,  e 
sem  terem  o  apoio  dos  governos,  que  tudo  ahi  até  agora  in- 
dicava terem  esquecido  que  este  vastissimo  coácelho  era  de  facto 
occupado  por  Portuguezes,  que  contribuem  annualmente  com 
uma  importante  receita  para  os  cofres  centraes  da  provinda; 
os  aventureiros  estrangeiros  que  depois  de  1878,  pela  nossa 
costumada  tolerância,  estudaram  esta  região  e  procuraram  in- 
dagar das  origens  do  commercio  indígena,  que  se  effectuava 
com  excellentes  resultados  em  Malanje,  porfiavam  por  se  apo- 
derarem d^elle. 

Não  era  da  Lunda,  além  do  Cassai,  o  reconheceram  três 
expediçSes  successivas,  que  e^se  commercio  provinha,  e  por 
isso  seguiu  a  quarta  expedição  para  o  norte,  d'onde  tinha  re- 
gressado o  nosso  velho  sertanejo  Silva  Porto  depois  de  uma 
aventurosa  viagem  e  onde  em  o  período  de  1876-1884  afflui- 
ram  numerosas  caravanas  de  commercio  da  nossa  provincia  de 
Angola. 

Era,  pois,  ali  no  norte,  que  se  devia  estabelecer  o  thea- 
tro  das  operaçSes,  para  se  dar  o  golpe  de  mestre. 

Continuando  a  apparentar  na  Europa  que  se  tratava  apenas 
de  explorações  seientificas  e  arrojadas  travessias,  saia  apenas 


DESCRIPÇAO  DA  VUGEM  297 

pelo  oriente  o  Tenente  Wissmann,  emquanto  o  fallecido  Dr. 
Pogge  ali  permanecia  vigiando  pela  presa. 

Fi«erara-se  os  accordos  da  Allemanha  com  a  Inglaterra  (nossa 
antiga  e  boa  alliada),  e  o  Rei  Leopoldo;  e  voltou  Wissmann  con^ 
a  quinta  expediçílo,  ainda  ao  abrigo  da  nossa  protecção,  abu- 
sando da  nossa  tolerância,  a  dar  o  cheqne-mate  aos  Portuguezes 
que  o  auxiliaram  a  colher  os  louros  das  suas  glorias,  e  obser- 
vando o  plano  de  antemão  forjado,  entregou  ao  Estado,  que 
H.  Stanley  havia  preparado  para  si,  a  região  onde  primeiro 
tinhamos  entrado  e  onde  nós  inmos  buscar  o  commercio  indí- 
gena, que  alimentava  a  prosperidade  dos  concelhos  de  Malanje 
até  ao  Dondo. 

Depois,  a  concorrência,  fácil  pelos  transportes,  isençSes  de 
direitos  e  impostos  e  o  dominio  absoluto  sobre  os  povos  su- 
jeitos ao  poder  discrecionario  dos  potentados  gentílicos  —  de 
que  forçosamente  hâo  de  fugir  as  nossas  caravanas  e  as  dos 
povos  vizinhos,  que  se  consideravam  intermediários  ou  agen- 
tes do  nosso  commercio  —  mais  aggravou  a  situação  penosa 
que  a  cubica  do  estrangeiro  nos  creou. 

Vê-se,  pois,  que  o  commercio  de  Malanje  ha  de  decair,  e 
está  já  em  crise.  E  podem  os  poderes  públicos  ser  índifFeren- 
tes  a  tal  situação,  quando  o  concelho,  que  é  vastíssimo,  tem 
recursos  que  se  podem  aproveitar  para  suavisar  por  emquanto 
essa  crise  e  fazer  prosperar  outras  industrias. 

Fizemos  a  descripção  do  commercio  de  Malanje  nas  suas 
relações  com  os  indígenas,  e  mostrámos  os  graves  e  immínen- 
tes  perigos  que  está  correndo  por  causa  dos  exploradores  que 
trabalham  em  favor  do  Estado  Livre  do  Congo,  e  cumpre- nos 
insistir  para  que  se  tomem  as  mais  indispensáveis  providen- 
cias e  se  salve  uma  das  melhores  fontes  de  receita  da  provín- 
cia de  Angola  e  uma  das  mais  bem  fadadas  regiões  para  pro- 
porcionar legares  de  refugio  contra  as  dtnomiuadas  cameira- 
das  das  regiões  baixas. 

Não  se  trata  de  cousa  nova,  de  fazer  qualquer  tentativa  de 
exploração  commercial.  Trata- se  positivamente  de  factos  con- 
summados  e  de  que  ninguém  poderá  duvidar. 


298 


EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 


.  Se  Dia  actualidade  nada  se  fizer  em  &Tor  de  Malanje,  pre- 
cipit&mos  a  mina  de  Angola  e  annollfimos  todoe  os  esforços 
e  sacrificioB  que  se  estSo  fazendo  com  o  caminho  de  feivo  de 
penetraçSo. 


MUEKDB  (JOOO) 


DESCHIPçXO  DA  TIAaEH 


AGRICULTURA 

Está  iniciada  a  agricultura 
no  concelho,  noa  arredores  da 
villa,  em  grande  escala  e  com 
bons  residtadne,  e  é  para  abi 
que  se  deve  dirigir  a  nossa  at- 
tençiio  &  medida  que  com  todo 
o  impulso  ae  deve  continuar  a 
conatrucçJlo  do  caminho  de  ferro 
de  Loanda  a  um  doa  portos  do 
Cuango,  que  offereça  maisvan- 


300  EZPEDIÇZO  PORTUGUESA  AO  MUATIÂNYUA 

tageos  para  o  aproveitamento  doeste  rio  como  yU  de  commu- 
nicaçlo^ 

Dizem  08  filhos  do  Landa:  aci  utuma,  kaiaUpe  mufUa  cse 
mandas,  nSo  olhes  no  caminho  (nSo  esperes,  segue)  t^.  É  ama 
verdade  esta,  e  qae  devemos  ter  em  vista,  para  nSo  perder- 
mos os  bens  qae  ainda  nos  restam. 

A  agricultura  do  concelho,  a  grande  agricultora,  pode  di- 
zer-se  começou  ha  poucos  annos  em  Culamuchito  pelas  plan- 
taçSes  de  canna  saccharina,  feitas  pelo  fisdlecido  irmio  de  Cus- 
todio e  de  Saturnino  Machado,  e  por  outros. 

Depois  seguiram-se  as  plantaçSes  a  £.  e  SE.  da  vílla,  a 
contar  de  Catepa  pelo  Anjínji  e  de  Qui^sole  até  ao  Luzimbe, 
onde  se  estabeleceu  o  velho  Callado,  que  tem  sempre  luctado 
com  grandes  difficuldades  e  casos  de  força  maior,  como  ainda 
ha  dois  annos  um  incêndio  devastador. 

Nos  últimos  cinco  annos  é  que  teve  maior  incremento  essa 
promettedora  industria,  e  neste  período  o  agricultor  José  Vass, 
que  constituíra  uma  propriedade  com  diversas  fazendas  de  Am- 
baquistas  e  de  indigenos,  que  por  compra  conseguiu  reunir, 
pasBOu-a  por  22:000|$000  réis  a  um  infatigável  trabalhador, 
António  da  Conceição  Pinto,  que  desejava  abandonar  o  com- 
mercio,  onde  não  fôra  infeliz,  para  se  dedicar  á  agricultura. 
Em  três  annos  este  proprietário  desenvolveu-a  consideravel- 
mente, tendo  cedido  a  parte  que  lhe  ficava  mais  distante  da 
residência  a  um  outro,  também  arrojado  trabalhador  de  ap- 
pellido  Ferreira,  que  tratou  logo  de  fazer  uma  grande  derru- 
bada, encontrando  por  esta  occasião,  segundo  elle  disse,  alguns 
pés  de  café. 

Narciso  António  Paschoal,  que  tinha  uma  pequena  proprie- 
dade para  recreio,  junto  do  seu  importante  estabelecimento 
commercial,  que  era  regada  pelo  rio  Cuiji,  tratou  de  a  au- 
gmentar,  fazendo  acquisição  da  que  pertencia  ao  seu  vizinho 


1  O  que  equivale  ao  nosso  proloquio :  «Quem  quer  vae,  quem  n2o  quer 
manda». 


DEÔCRIPylO  DA  VIAGEM  301 

Andrade,  e  ainda  de  outros  terrenos  comprados  á  Fazenda,  e 
logo  em  seguida  tratou  de  desenvolver  as  plantações. 

Custodio  Machado,  porque  Culaniuchito  lhe  ficava  um  pouco 
distante,  não  abandonando  a  propriedade  que  ali  tem,  tratou 
de  aproveitar  a  denominada  Inveja,  nas  margens  do  rio  de  Ma- 
lanje,  de  que  já  falíamos,  plantando  ahi  a  canna  saccharina. 

No  Lombe  desenvolveram-se  também  as  propriedades  agrí- 
colas de  diversos  indígenas,  destaeando-se  já  entre  ellas  a  de 
Macedo. 

A  constituição  doeste  núcleo  de  maiores  proprietários  agri- 
colas  do  concelho  é,  pode  dizer-se,  de  recente  data,  e  elles 
não  se  poupam  a  cancciras  nem  a  despêzas,  e  lá  teem  já  in- 
stallado  os  engenhos  indispensáveis  e  outras  machinas  de  grande 
valor. 

Todos  elles  ainda  o  anno  passado,  com  grande  custo,  esta- 
vam fazendo  transportar  do  Dondo  para  Malanje,  as  pesadas 
peças  de  novas  machinas,  que  da  metrópole  tinham  chegado! 

Progrediram  os  trabalhos  agrícolas  de  todas  estas  proprie- 
dades á  custa  dos  maiores  sacrificios  que  é  possivel  imaginar, 
e  a  colónia  Esperança,  com  os  grandes  auxilies  do  governo 
provincial,  extinguiu-se  passados  três  annos  da  sua  instituição! 

E  o  que  é  mais,  todas  as  plantações  que  ahi  se  fizeram, 
vingaram ! 

A  extiucçâo  da  colónia  Esperança  foi  um  passo  precipitado, 
e  não  deve  entrar  em  linha  de  conta  para  desacreditar  a  agri- 
cultura nesta  região. 

As  causas  da  sua  extincção  são  as  mesmas  que  já  temos 
apontado  por  varias  vezes:  falta  de  conhecimentos  da  loca- 
lidade em  que  se  estabeleceu  a  colónia,  e  não  estar  ella  devi- 
damente preparada  para  receber  europeus,  embora  fossem  sen- 
tenceados ! 

Devia  ella  mudar  talvez  de  local,  pois  não  faltam  no  con- 
celho muitas  outros  em  melhores  condições  de  salubrídade  e 
de  mais  fáceis  communicações  com  a  sua  capital,  mas  nunca* 
extinguir-se,   como  se  fez,  com  grande  prejuizo  dos  valores 
que  nella  estavam  empregados. 


302  EXPEDIÇXO  FOBTDGUESA  AO  MUAHÂHVUA 

NÓ8,  que  tomámos  a  liberdade  de  apresentar  ao  faDecido 
Gh>vemador  Eleuterio  Dantas  o  projecto  de  orna  colónia  pe- 
nitenciaria agrícola,  que  mereceu  a  honra  de  ser  mandado 
estudar  por  uma  commissSo  e  se  chegou  a  iniciar;  nós,  que 
solicitámos  do  Ex.°^  Conselheiro  Júlio  de  Vilhena,  no  Jíít- 
nai  das  Colaniaê,  a  sua  sabia  apreciaçSo  para  um  outro  proje- 
cto mais  desenvolvido,  o  qual  era  de  dar  execuçlo  ao  deter- 
minado pelo  finado  estadista  Rebello  da  Silva  sobre  colónias 
penitenciarias  no  ultramar;  nós,  emfim,  que  louvámos  a  ini- 
ciativa do  benemérito  Governador  Ferreira  do  Amaral,  nlo 
podemos  deixar  de  lamentar  que  S.  £x/  nSo  fosse  compre- 
hendido  e  nSo  tivesse  encontrado  os  auxiliares  que  lhe  eram 
indispensáveis  para  o  proseguimento  da  empreza  — o  aprovei- 
tamento da  actividade  d 'essas  numerosas  levas  de  sentenceados, 
que  todos  os  annos  entram  na  provincia,  em  próprio  beneficio 
d'elles,  regenerando-os  pelo  trabalho; — e  a  do  desenvolvimento 
da  agricultura  nas  férteis  regiões  a  leste  de  Malanje,  que  além 
dos  proventos  immediatos  para  estas  em  particular,  e  para  a 
provincia  em  geral,  serviria  de  incentivo  paia  a  agricultura 
do  gentio  vizinho  se  tomar  productiva,  o  que  tudo  redundaria 
em  beneficio  de  Angola. 

O  concelho  de  Malanje  produz  já,  e  quando  se  queira  pro- 
duzirá em  abundância,  mandioca,  o  principal  alimento  do  in- 
digena;  d'ella  se  obtém  tapioca,  fíiba  (amidon),  pós  para  gom- 
ma  e  farinha;  ginguba  e  gergelim,  que  também  os  indigenas 
comem  e  ofierecem  ao  commercio  para  exportação;  algodão, 
que  os  indigenas  fiam  e  tecem  para  redes,  cintas,  tangas,  etc., 
e  que  sendo  devidamente  explorado,  pode  o  commercio  expor- 
tar, emquanto  se  não  estabelecem  fabricas  de  fiaçSLo,  etc.; 
taho/co,  que  os  indigenas  remettem  para  o  sertão  e  que  o  nosso 
commercio  poderá  exportar,  quando  se  trate  a  serio  do  seu 
cultivo;  canna  sa^xharina,  de  que  já  se  fabrica  muito  boa 
aguardente;  arroz,  de  uma  qualidade  especial  e  que  se  pro- 
duz em  terrenos  secos ;  mamona  e  purgueira,  que  se  não  pen- 
sou em  exportar,  por  ser  caro  o  seu  transporte;  emfim,  café,  mi- 
lhos, urticú,  batatas,  todas  as  qualidades  àe  feijão,  grão,  trigo. 


DESClílPÇAO   DA   VIAQKM 


3o;í 


cevada  e  aveia,  todos  as  variedades  de  hortaliças,  e  cebolas, 
melancias,  melSes,  laranjas,  limões,  cidras,  mangas,  goiabas, 
jambos,  netperas,  maçãs,  etc. 

£,  fínalmeate,  ha  do  concelho  belliesimos  pastos  para  gado, 
o  qual  está  bem  desenvolvido,  e  também  nâo  ha  falta  de  sal  para 
commercio  eum  o  interior,  e  quando  bera  explorado,  pode  prea- 
cindir-se  do  que  é  importado  da  metrópole. 


À  Sociedade  de  Geographia  Commercial  do  Porto  dizia  a 
nossa  Expedição,  depois  de  conhecer  a  fertilidade  de  toda  esta 
região  até  ao  Cuango : 

•  Em  todft  eets,  kodu,  de  Mutanje  ao  Cuango,  vive  e  pode  trabalhar  o 
europeu,  tendo  algumas  commcdidades  de  que  pode  facilmente  rodear-Bo; 
venham  ellee,  não  como  aventureiros,  mas  como  colonos,  com  algum  ca- 
pital buBCondo  uma  nova  pátria,  e  coustruindo  antes  o  Governo  o  cami- 
nho de  ferro  projectado,  veremoB  se  uão  se  fazem  boas  e  ricas  pro- 
priedades. 

Á  agricultura  é  que  pertence  clvllisar  e  cugraudecer  a  Africa.  Em- 
quanto  se  peusar  de  modo  diverso,  havemos  de  continuar  a  ver  dissipar 
valiosos  capitães,  e  nSo  passará  nunca  do  que  tem  sido.» 


304       EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

Quatro  annos  depois,  quando  nós  vimos  o  estado  florescente 
das  propriedades  que  dâo  canna  saecharina,  as  qiiaes  já  produ- 
zem para  o  consumo  ann  uai  mente  mil  pipas  de  aguardente  ou 
mais,  e  que  o  caminho  de  ferro  se  está  construindo,  nâo  podemos 
deixar  de  pedir  aos  poderes  públicos  —  que  protejam  já,  com 
as  providencias  que  lhes  é  dado  adoptar,  o  desenvolvimento 
da  industria  agricola,  activando  aquella  construcção  através 
d'esta  região  até  ao  Cuaníro  e  dotando  este  rio  com  barcos  a 
vapor  especiaes  que  difficultem  a  entrada  dos  álcoois  estran- 
geiros que  lhe  fazem  concorrência,  libertando  de  impostos  por 
um  certo  numero  de  annos  tudo  o  que  possa  beneficiá-lo,  como 
sâo  instrumentos,  utensílios,  materiaes,  machinas,  etc. ;  final- 
mente que  promova  francamente  a  colonisaçFio  com  indigenas 
de  além  do  Cuango,  para  sanearem  e  prepararem  as  localida- 
des á  melhor  adaptação  de  colónias  europeas  agricolas,  conve- 
nientemente dirigidas  por  indivíduos  technicns  e  de  confiança, 
pois  só  assim  sé  poderá  tirar  proveito  das  boas  condições  de 
solo  e  da  abundância  de  agua  que  o  rega. 

E  isto  sFio  remédios  a  applicar  de  prompto,  mas  nXo  é  o  suffi- 
ciente.  O  plano  de  providencias  a  adoptar  deve  ser  muito  mais 
lato,  e  deve  ter  em  vista  alimentar  essa  via  forrea,  cujos  encar- 
gos sào  de  elevada  importância,  para  salvar  a  província  de 
Angola,  pelo  menos  nesta  regirio,  que  se  estende  4  graus  para 
norte,  da  derrocada  que  lhe  está  inimincnte,  preparada  pelas 
nações  estrangeiras  que  mais  temos  beneficiado  em  Africa. 

Deve  esse  plano  abranger.  As  formulas  de  administração  mais 
consentâneas  com  a  Índole  e  costumes  dos  diversos  povos  in- 
.dígonas  que  constituem  a  populaçFio  do  concelho,  interessando 
nella  quanto  possível  os  chefes  d'estes  povos  segando  os  seus 
usos,  e  nào  indo  de  encontro  a  elles,  na  regeneração  que  se 
tenha  em  vista;  o  modo  pratico  de  se  utilísar  o  elemento  in- 
dígena hoje  despiezado,  no  aproveitamento  do  solo,  com  cul- 
turas de  que  tirem  ímmediatos  lucros  na  locíilidade ;  o  ensino 
profissional  mais  conveniente  á  aptidão  dos  indígenas  que  nelle 
se  alistem  de  modo  a  estimulá-los  na  pratica  e  creando-Ihes 
necessidades ;  compenetrá-los  da  necessidade  de  contribuir  para 


desckipçao  da  viagem  305 

o  estado,  mas  de  modo  a  fazer-lhes  ver,  com  melhoramentos 
palpáveis,  que  estes  são  applicadas  com  vantagens  para  todos 
isto  é,  ligando  as  suas  povoações  entre  si  por  caminhos  re- 
gulares,  dirigindo-os  na  construcçào  e  disposições  das  suas 
habitações,  embora  com  os  recursos  de  que  ainda  hoje  dispõem, 
a  fim  de  pela  sua  forma  e  capacidade  fazer  mudar  de  aspecto 
as  povoações,  approximando-as  do  grau  de  aperfeiçoamento  que 
podem  ter;  o  estabelecimento  era  logar  que,  á  condição  de  ser 
central,  reúna  as  de  maior  salubridade,  boa  agua,  fertilidade 
de  solo  e  abundância  de  boas  madeiras,  —  o  que  se  dá  nas 
proximidades  da  villa,  —  de  imia  quinta  regional  modelo,  ex- 
plorada por  europeus;  e,  finalmente,  a  creaçâo  de  companhias 
militares  agrícolas  em  differentes  pontos  do  concelho,  devida- 
mente dotadas  de  aulas  regimentaes,  e  a  cargo  das  quaes 
ficaria  a  policia  das  estradas,  o  serviço  de  escoteiros,  as  dili- 
gencias do  serviço  publico  nos  limites  dos  seus  districtos, 
etc,  etc. 

O  plano  mais  conducente,  e  de  resultados  práticos  immedia- 
tos,  ao  aproveitamento  d'e8ta  vastissima  regiào  e  dos  seus  po- 
vos deve  ser  desenvolvido  em  relação  ao  que  conhecemos  de 
Malanje  ao  Cuango,  assumpto  este  de  um  novo  capitulo.  Tal 
como  elle  se  nos  afigura,  apresentá-lo-hemos  ainda  neste  pri- 
meiro volume  da  DescripçaO  da  viagem  —  que  realisámos  de 
Loanda  á  mussumba  do  Muatiânvua. 

Julgamos  ter  dito  o  sufficiente  para  que  se  conheça  o  que 
era  Malanje,  o  que  tem  sido  depois  de  1843,  o  que  é  na  actua- 
lidade, e  o  imminente  perigo  que  corre  de  decair  depois  do 
desenvolvimento  que  attingiu,  como  succedeu  a  Ambaca  e 
Pungo  Andongo,  porque  o  coramercio,  confiando  nos  productos 
(marfim  e  borracha)  que  vinham  do  centro  do  continente,  con- 
fiou demasiadamente  numa  base  falsa  e  instável.  Essas  fontes 
dos  dois  únicos  productos,  embora  valiosos,  já  estão,  e  mais  cedo 
do  que  podia  prever-se  (aparte  as  blagues  de  mananciaes  que 
esperam  encontrar  os  que  trabalham  por  i Iludir  os  protectores 
do  novo  Estado  Independente  do  Congo),  beneficiando  as  cor- 
rentes do  commercio  com  as  quaes  já  não  podem  competir  as 


806  EZFEDIÇfo  FOBTDODEEÁ  ÁO  HtÁTUHTIU 

de  Mabmje,  pelas  muitas  facilidades  que  aqoellas  desfroctam. 
Eatas  perennes  fontes  em  breve  desapparecerlo,  como  pri- 
meiro resultado  das  grandes  emprezas  das  beneméritas  asso- 
(úaçSes  humanitárias  dos  £ns  do  século  zn,  qoe  por  ultimo 
parece  querem  completar  a  sua  obra  aniquilando  a  raça  afri- 
cana a  pretexto  de  regenerá-la;  nem  que  o  grande  continente, 
onde  ella  se  tem  ãesenvolvido,  possa  ser  desbravado  somente 
pelas  raças  que  superabundam  nos  outros  e  de  onde  diari*- 
mente  se  expatriam  os  seus  filhos  a  procurar  noras  ternu  onde 
melhor  possam  aproveitar  a  sua  actividade. 


DESCRIPÇXO  DA  V1A0F,M 


UMA  ELEIÇÃO  EM  AFRICA 


nu  fatiar  agora  de  uma  eleíçSo 
de  deputado  para  as  cortes  con- 
stituintes que  haviam  de  refor- 
mar o  código  fundamental  do 
paiz,  outorgado  pelo  Imperador- 
soldado,  e  de  onde  dimana  o  con- 
juDcto  de  franquias  que  disfru- 
ctâmos. 

São  convidadoa  ob  eleitores  a 
lançarem  o  seu  voto  na  uma  que 
ost-i  »obre  uma  mesa  na  secre- 
taria da  admioistração  do  con- 
celho de  Malanje,  no  domingo 
17  de  agosto  de  18lr!4.  Feliz- 
mente a  expedição  allemSl  já  eatá  longe  e  não  assiste  ao  es- 
pectáculo. 

O  corredor  que  dá  accesso  para  a  sala  onde  se  vae  consum- 
mar  o  acto  está  bem  guoi-necída  de  garrafas  e  garrafões  de 
aguardente,  mas  como  ellea  se  despejavam  com  facilidade,  a 
multidão,  que  se  estende  até  ao  largo  em  frente  da  fortaleza, 
de  quando  em  quando  tem  de  abrir  passagem  aos  portadores, 
que  continuadamente  vSo  e  vem  a  substituir  as  vasilhas  esgo- 
tadas pelas  que  voltam  já  cheias  do  fornecedor. 


k 


308  EXPEDIÇÃO  POKTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

Logo  de  manhã  a  concorrência  de  eleitores  para  a  forta- 
leza onde  fluctua  a  bandeira  bicolor,  aíHue  de  todos  os  lados. 
Os  eleitores  ostentam  nesse  dia  as  suas  melhores  roupas;  os 
que  estão  mais  em  contacto  com  o  elemento  civilisado,  trajam 
ou  sobrecasaca  ou  fraque  preto,  e  os  que  nSo  trazem  chapéus 
altos  de  antigas  eras  vem  com  os  de  panno  ou  de  palha  que 
se  usam  só  em  dias  festivos.  Os  sobas  vestem  saias  de  chita^ 
farda  e  as  suas  cajingas  por  elles  mesmos  tecidas  e  de  diver- 
sas formas;  outros^  emfim,  de  menos  posses,  trajam  á  europea, 
apresentando-se  com  as  suas  calças  e  casacos  de  riscados,  ou 
se  ainda  andam  ao  uso  gentílico,  com  os  seus  pannos  de  varia- 
das cores. 

Todos  trazem  na  mão  um  papelinho,  que  supporemos  ser 
antes  um  valle  de  aguardente,  que  uma  lista  para  a  eleição, 
porque  o  portador  á  entrada  do  mencionado  corredor,  apresen- 
tando-o,  é  logo  contemplado  com  a  competente  medida  cheia, 
que  elle  sorve  de  um  trago,  passando  para  a  sala,  onde  o  seu 
nome  é  descarregado,  e  o  presidente  da  mesa  eleitoral  faz  en- 
trar mais  um  voto  na  uma. 

São  tantos  os  eleitores,  que  esta  cerimonia,  repetindo-se  para 
cada  um,  faz  com  que  a  votação  se  prolongue  por  dois  e  três 
dias,  e  portanto,  depois  de  fechadas  as  portas  da  secretaria  do 
concelho,  o  chefe  vê-se  tão  apoquentado  com  as  exigências 
dos  eleitores  famintos  pedindo  de  comer,  que  manda  abater 
uma  porção  de  gado  vaccum  para  elles  dividirem  a  carne  entre 
si,  e  distribuir  algumas  cargas  de  fubá  e  mais  garrafões  da  in- 
dispensável aguardente. 

Trata,  pois,  cada  um  de  escolher  local  apropriado  para  os 
seus  agazalhos  e  onde  fazer  as  fogueiras,  e  depois  de  cozi- 
nharem a  comida,  comem,  dançara  e  folgam,  até  altas  horas 
da  noite,  cantando  sempre  e  fazendo  alIusSes  ao  acto  e  á  bon- 
dade e  liberalidade  do  chefe  do  concelho  que  os  encheu  a 
fartar. 

Isto  repete-se  dia  e  noite  emquanto  se  não  encerra  o  acto 
eleitoral.  Mas  depois  de  todas  estas  operações,  o  que  tem  mais 
graça  é  que  suppondo-se  que  não  ha  um  voto  discordante  da 


DESCBIPÇlo  DA  VUGEM  309 

vontade  da  mesa,  nSo  saccede  assim.  Apparecem  nomes  de 
dois  e  três  candidatos  votados,  entre  os  quaes  o  que  tem  me- 
nor numero  de  votos  tem-nos  ainda  assim  em  numero  supe- 
rior ao  dos  concorrentes  á  uma;  e  ainda  mais,  as  listas  lá 
existem  para  o  provar.  Numa  das  eleiçSes  anteriores,  dizia- se, 
que  havendo  a  mesa  deliberado  servir  um  amigo  eleitor,  com- 
promettido  com  um  candidato  a  quem  nSo  podia  deixar  de  sa- 
tisfazer, lhe  acceitou  de  pancada  um  rolo  com  trezentas  listas, 
muito  bem  acondicionadas  e  amarradas,  mas  receando  que  esse 
numero  de  votos  fosse  fazer  mal  ao  candidato  recommendado 
pela  auctoridade,  augmentou  a  esse  candidato  outros  trezentos. 

Quando  algum  dos  europeus  ahi  residentes  pretende  intervir 
nas  eleições,  ainda  que  nâo  tenha  poder  para  vencer  as  aucto- 
ridades,  a  lucta  trava-se,  e  já  tem  tido  consequências  graves; 
por  isso  hoje  absteem-se  mesmo  de  lançarem  o  seu  voto  na 
urna. 

E  fazem  bem,  porque  o  que  se  está  praticando  com  o  maior 
desassombro  desacredita-nos  énao  civilisa  os  povos  que  preten- 
demos attrahir  ao  nosso  convivio.  Elles  não  imaginam  o  que 
representa  o  acto  a  que  sSo  chamados,  e  bom  é  que  continuem 
a  ignorá-lo. 

Dos  poderes  públicos  solicitámos,  porém,  que  se  acabe  com 
taes  phantasmagorias;  restrinjam-se  os  circules  eleitoraes  ás  lo- 
calidades em  que  ha  camarás  municipaes  eleitas,  e  seja  só  con- 
cedido o  direito  de  votar  áquelles  que  melhor  podem  compre- 
hender  essa  regalia. 

Façamos  primeiro  dos  indígenas  cidadSos,  e  depois  convide- 
mol-os  a  gosar  dos  seus  direitos  logo  que  tenham  a  compre- 
hensâo  do  que  elles  valem. 

E  chamámos-Ihe  festa  indigena,  porque  assim  sSo  todas  as 
que  vimos  entre  estes  povos  do  concelho  de  Malanje.  SSo  reu- 
niões de  homens  e  mulheres,  pulando,  dançando,  berrando, 
com  acompanhamento  de  instrumentos  de  pancadaria,  marim- 
bas e  também  de  algumas  harmónicas,  subindo  de  ponto  a  fes- 
tança e  a  alegria  se  teem  bastante  carne  de  vacca  e  abundân- 
cia de  aguardente. 


310 


EXPBDIÇZO  FOBTCTOtlEU  JU>  HDA-niHTUA 


SSo  frequentes  fe«taa  ígnaes  por  occanSo  de  obitoa,  oa  qnando 
promoTid&B  por  comitivu  de  negocio,  e  ornas  e  outras  sio  fora 
do  recinto  da  rills  e  aononciadas  por  descargas  continuadas 
de  fuzilaria. 


DESCRIPÇAO   DA   VIAGEM 


DIFFICULDADES  COM  CAKREGADORES 


312  EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂKVUA 

mai^em  do  Luf,  onde  se  devia  montar  a  terceira.  Havia,  pois, 
toda  a  conveniência  em  não  aecumular  mais  cargas  na  segun- 
da. Era  preciso  avançar,  ainda  que  fosse  a  pouco  e  pouco,  e 
sendo  assim  estudava-se  toda  a  região  e  os  povos  no  nosso 
percurso,  como  se  tinha  feito  em  Malanje  e  seus  arredores. 

Pela  serie  de  documentos  que  reproduzimos  se  fará  idea, 
não  só  dos  trabalhos  já  emprehendidos  e  cujo  resultado  foi 
enviado  ao  Ministério  dos  negócios  da  marinha  e  ultramar, 
mas  ainda  dos  esforços  em  vão  empregados,  para  0]*ganÍ8ar  um 
pessoal  de  carregadores  para  trezentas  e  vinte  cargas,  sendo 
mais  de  vinte  para  dois  homens,  devendo  notar- se  que  a  maior 
parte  das  cargas  tiveram  de  ser  reduzidas  no  Dondo  e  em  Ma- 
lanje, a  menor  peso  e  volume. 

As  difficuldades  de  arranjar  carregadores  e  de  modificar  as 
cargas  são  assumptos  já  tão  conhecidos  e  bem  descriptos  pe- 
los exploradores  africanos,  que  entrar  nelles  seria  repetir,  com 
differenças  insignificantes,  o  mesmo  que  está  dito,  e  por  isso 
julgámos  ser  sufficiente  transcrever  parte  da  nossa  correspon- 
dência com  as  diversas  auctoridades,  e  com  os  negociantes  que 
procuraram  auxiliar-nos. 

Com  respeito  a  pagamentos  ao  pessoal  é  que  julgámos  con- 
veniente prestar  esclarecimentos  nesta  occasião,  porque  é  mui 
diverso  o  modo  de  o  fazer  á  medida  que  nos  vamos  internando 
no  seio  do  continente. 

O  commercio,  a  partir  do  Dondo,  tem  conseguido  manter 
uma  taxa  invariável  de  pagamento  para  o  transporte  de  uma 
carga,  cujo  peso  em  media  regula  por  100  libras;  porém,  sub- 
entende-se  que  essa  carga  é  divisivel,  e  se  o  não  for,  que  pode 
ser  transportada  por  dois  e  ás  vezes  mais  homens. 

Ora  isto  pode  fazer-  se  de  concelho  para  concelho,  porque  os 
caminhos  são  regulares  e  teem  a  largura  sufficiente,  mas  já  não 
se  dá  o  mesmo  além  de  Malanje,  em  que  os  caminhos  são  tri- 
lhos e  mais  ou  menos  entre  florestas. 

Se  as  cargas  são  divisíveis,  como  fardos,  barris  de  pólvora, 
espingardas,  etc,  escusado  é  o  negociante  acondicionar  estes 
objectos  em  uma  carga  devidamente  enfardada  e  protegida  con- 


DESCKIPÇlO  DA  VIAGEM  313 

• 

tra  as  intempéries  que  teem  de  sofirer  nas  jornadas,  porque 
passando  para  as  mãos  dos  carregadores  e  fora  das  vistas  de 
quem  lh'a  confiou,  é  logo  a  carga  dividida  por  diversos  e  acon- 
dicionada a  seu  U90  nas  suas  muhambas  ou  canastras  juntamente 
com  os  artigos  que  lhes  são  indispensáveis,  como  pannos,  es- 
teiraSy  panellas,  etc.,  e  também  carne,  peixe,  mandioca,  milho, 
bananas  e  outros  géneros  para  a  sua  alimentação. 

Mas  o  pagamento  no  interior  da  provincia  não  variou,  sendo 
certo  que  os  carregadores  inculcados  pelo  soba  que  é  freguez 
de  uma  casa,  raras  vezes  deixam  de  apresentar  os  objectos  con- 
stantes das  cargas  que  lhes  foram  confiados. 

O  pagamento  é  feito  por  peças  de  fazenda,  e  estas  podem 
ser  trocadas  na  equivalência  já  estabelecida  pelos  artigos  de 
negocio  que  mais  lhes  convenha.  A  peça  actualmente  tem  um 
certo  numero  de  dobras,  uma  imidade  inferior  á  jarda  e  o  car- 
regador da  provincia,  nos  seus  fretes  dentro  d'ella,  acceita  essa 
unidade,  porém  os  que  se  destinam  para  além  de  Malanje  já 
nSo  a  acceitam,  e  a  pratica  mostrou-nos  que  nfto  podem  nem 
devem  já  acceitá-la. 

A  unidade  de  medida  que  aquelles  exigem,  é  inferior  ainda 
assim,  á  que  pretendem  os  Bângalas  e  Lundas,  e  principal- 
mente os  Quiôcos.  E  igual  á  adoptada  pelos  povos  do  Lui  e 
margens  do  Cuango,  vizinhos  ao  norte  de  Tala  Mugongo.  £ 
medida  que  varia  segundo  o  comprimento  do  braço  do  indiví- 
duo  que  mede,  e  que  ha  de  ser  igual  á  extensão  contada  do 
meio  do  peito  até  ao  extremo  da  mão,  tendo  o  braço  direito 
estendido  para  o  lado.  Duas  medidas  d'estas  fazem  um  heirame, 
quatro  uma  divunga  (um  panno)  e  dois  pannos  uma  peça. 

Esta  peça,  que  teiQ,  portanto  oito  d^aquellas  unidades,  é  su- 
perior á  do  commercio  na  provincia  de  1™,60  ou  mais,  proxi- 
mamente três  das  suas  dobras. 

Ora  se  o  explorador,  viajante  ou  negociante  apenas  tem  o 
trabalho  de  formular  uma  tabeliã  de  novas  unidades  no  local 
em  que  faz  o  seu  fornecimento,  e  pagar  nessa  conformidade, 
tem  depois  de  calcular  o  seu  fornecimento,  partindo  doestas  ba- 
ses, não  como  o  commercio  as  proporciona,  mas  contando  sem- 


314 


KXPEOrçÀO  POKTDOUKK^   AO  MITATIÍNVrA 


pre  com  um  excesso  de  fazenda  para  as  differenças  que  vae  en- 
contrar á  medida  que  se  afasta  para  o  centro  do  cootiiiente,  e 
muito  principalmente  se  for  negociar.  Destas  variantes  resulta 
a  necessidade  de  maior  numero  de  cargas  e  por  eonseguiate 
de  bocas,  c  cada  uuia  come,  não  o  que  ee  pensa  equivalente 
a  duas  das  tacs  dobras  ein  três  dias,  mas,  pelo  menos,  uma  em 
cada  d)i\,  diíFcrença  qne  numa  viagem  longa  é  importante. 

E  fique-ae  certo  que  a 
raçSo  de  uma  dobra  por 
dia  é  muito  pouco,  como 
provaremos  por  vezes  no 
decurso  da  nossa  uarra- 
ç&o,  e  o  resultado  são  os 
furtos  que  se  fazem  aos 
fardos,  cargas  de  missanga 
e  pólvora,  em  quitntidadea 
insignificantes,  que  se  co- 
nhece ser  para  comprar 
de  comer,  mas  que  feitoa 
por  varias  vezes  e  por  di- 
versos, avolumam  oe  dos-  , 
falques. 

Ha v Íamos  estabelecido 
em  Matanje  para  os  nossos 
pagamentos  as  seguintes 
equivalências,  adoptando 
pai-a  base  o  bando,  a  uni- 
dade da  medida  de  fazenda,  já  indicada  pelos  carregadores 
contratados : 

8  batidos  (peça)  de  algodSo 1 :000  taxas  amarellaa 

6  ditOK  de  riscado  de  segunda  qualidade 1*>  biindoB  de  algodão 

8  ditos  de  riscada  de  priDieirUi  qualidade 2i 

8  ditOB  de  chita  de  segunda  qualidade 'H 

8  ditus  de  cLita  de  primeira  qualidade -I^ 

1  espingarda  lazarina '2ii 

1  barril  de  pólvora  (peso,  1  lli.) 12 

1  chapelUnho  de  sol 6 


DESCRIPÇZO  DA  VIAOEH  315 

4  canecas  ou  pratos  ordinários 8  bandos  de  algodão 

3  macetes  de  Cassungo 8 

1  macete  de  missanga  Maria  II 8       »        » 

1  braça  de  baeta 4 

4  lenços  grandes 8 

6  ditos  pequenos 8 


»  m  » 

m 
»  »  » 

»  B  9 


»  »  m 


Com  respeito  aos  outros  artigos,  era  pelos  preços  da  factura 
que  se  regulava  a  equivalência. 

Também  estabelecemos  a  equivalência  dos  nossos  artigos 
com  os  productos — marfim,  cera  e  borracha,  calculando  estes 
pelos  seus  últimos  preços  nos  mercados  da  Europa,  assim,  con- 
tando com  fretes,  impostos,  etc,  tinhamos: 

Borracha  (peso,  3  Ib.) 8  bandos  de  algodfto 

Cera  (peso,  10  Ib.) 8       »         »         • 

Marfim  de  lei  (peso,  1  Ib.) 12       »        »        » 

Dito  meão  (peso,  1  Ib.) 10 

Dito  inferior  (peso,  1  Ib.) 6       »        » 


» 


Mas  esta  tabeliã,  que  até  ao  Cuango  foi  bem  acceite,  teve 
de  ser  muito  modificada  depois  entre  os  diversos  povos  com 
que  estivemos  em  contacto,  havendo  differenças  para  mais  e 
para  menos. 

Em  Malanje  mesmo,  salvo  o  que  já  está  dito  com  respeito 
a  dobras,  innovaçâo  de  ha  dez  annos  a  esta  parte,  as  equiva- 
lências diíFerem  segundo  as  casas  commerciaes  e  os  emprega- 
dos das  mesmas  casas,  e  isto  é  tão  conhecido  pelo  negociador, 
mesmo  gentio,  que  se  toma  curiosa  a  exigência  doestes,  em  só 
fazerem  o  seu  negocio  com  o  dono  ou  quem  representa  de  dono 
do  estabelecimento,  e  mui  principalmente  se  é  europeu,  em- 
bora os  empregados  de  balcão  também  o  sejam. 

Entre  elles  supp3e-se  que  o  primeiro,  o  mais  velho,  como 
elles  dizem,  aquelle  a  quem  todos  obedecem,  é  sempre  mais 
benigno,  mais  resignado,  dotado  de  mais  perspicácia  e  que 
lhes  fará  mais  concessões  e  os  tratará  m*hor,  predicados  es- 
tes que  crêem  os  seus  potentados  possuem,  e  por  isso  pre- 


316  BZPBDIÇZO  POBT0OUB8A  AO  MUnlHVUA 

fisrem  tratar  com  os  donos.  Ainda  mais^  o  negodadorgentío  at-' 
tribae  a  si  uma  qualidade  que  o  distingue  entre  os  seus,  e  na 
própria  comitiva  de  que  fiiça  parte  é  mais  considerado  o  que 
tnuB  maior  commercio.  Costumados  ao  estado  de  humilhaçSo  em 
que  vivemi  quando  chegam  i  posiçSo  de  negociar  por  sua  conta, 
fora  de  suas  terras,  procuram  sempre  relaçSes  com  os  indivi- 
dues de  mais  elevada  posiçSo  ni^f  terras  por  onde  passam,  e 
isto  explica  também  em  terras  portuguesas  a  consideraçXo  que 
desejam  de  egual  para  egual,  com  os  proprietários  dos  esta- 
belecimentos commerciaes. 

^  Esta  praxe  mantem-se  da  parte  do  nosso  commercio^  pela 
conveniência  em  se  nSo  perder  a  fregueziai  e  muitas  veses 
succede  estar  o  proprietário,  ou  quem  o  representa,  entretido 
com  serviços  que  lhe  sSo  especiaes,  inclusive  fazendo  a  cor- 
respondência ou  mesmo  escripturaçSo  da  casa,  e  deixar  tudo 
para  ir  attender  ao  negociador  que  reclama  a  sua  presença. 

E  d'Í8to  se  tira  um  bom  partido,  porque  estabelecida  uma 
larga  margem  para  descontos  nas  transacções,  ás  vezes  por 
uma  troca  de  artigos,  umas  certas  concessSes,  se  compensam 
os  beneficios  que  lhe  proporcionava  o  empregado  de  balcSo,  e 
com  que  o  negociador  se  não  conformava. 

A  casa  lucrou  e  o  freguèz  ficou  satisfeito,  na  supposiçSo  que 
ia  muito  mais  bem  servido,  por  ter  feito  o  negocio  com  o  dono 
do  estabelecimento  a  quem  se  dirigia,  e  do  que  se  ufana  entre 
os  seus,  dizendo:  —  Fiz  o  negocio  com  o  meu  amigo. 

Comnosco  deu-se  este  caso: 

Indo  a  caminho  da  Estação  24  de  Julho,  veiu  ao  nosso  en- 
contro o  chefe  de  uma  comitiva  de  Lundas  que  seguia  para 
Malanje,  com  negocio,  e  apresentou-nos  um  bilhete  do  chefe 
da  expedição  allemã,  que  no-lo  recommendava  como  Cacuata 
do  Muatiânvua.  Pedia  o  protegêssemos  no  negocio  que  pre- 
tendia fazer,  ficando  á  nossa  disposição  para  nos  acompanhar 
á  mussumba,  podendo  os  seus  rapazes  transportar  alguma  carga. 
O  Cacuata,  de  queni  teremos  ainda  de  fallar,  porque  repre- 
senta um  papel  no  decRrer  da  nossa  missão,  chamava-se  Tambu 
(Leão),  e  repetiu-nos  o  que  o  bilhete  dizia. 


DESCRIPÇAO  DA  VUOEM  317 

Recommendámo-lo  para  Malanje,  porém  elle  nSo  quiz  fazer 
negocio  emquanto  ahi  nSLo  chegámos. 

Procurou-nos  depois  para  intervirmos  em  seu  favor,  dizen- 
do-nos:  —Vós  representaes  Muene  Piíto,  eu  represento  Mua- 
tiânvua;  nas  nossas  terras,  quando  um  filho  de  Muene  Puto 
quer  fazer  negocio^  o  Muatiânvua  assiste  para  elle  não  ser  rou- 
bado; venho  pois  rogar-vos  para  assistirdes  ao  negocio  que  es- 
tou fazendo  da  ponta  de  marfim  que  trouxe;  eu  vim  recom^- 
mendado  a  Muene  Puto  pelo  seu  filho  inguerês,  e  por  isso,  sem 
a  presença  de  Muene  Puto  nâo  faço  negocio,  vou-me  embora. 

Lembrando-nos  que  a  Expedição,  protegendo  esta  comitiva, 
tinha  a  lucrar,  pelo  menos  podia  o  Cacuata  aplanar  alguma 
difficuldade  com  carregadores,  e  mesmo  ser-nos  útil  no  tran- 
sito, falíamos  ao  negociante  na  casa  de  quem  elle  estava  alo- 
jado e  que  sabia  da  insistência  do  Cacuata,  em  fazer  negocio 
com  a  Expedição  e  depois  em  que  interviessemos,  protegen- 
do-o,  na  casa  em  que  se  resolvera  fazê-lo,  o  qual  nos  disse 
ficar  satisfeito  com  a  ponta,  acceitando  o  dono  três  peças  de 
lei  por  cada  libra  de  peso  (peça  equivalente  a  8  jardas  de  al- 
godão). 

Tratei,  pois,  do  ajuste  com  o  Cacuata,  offerecendo-lhe  duas 
peças  por  cada  libra  de  peso  que  tivesse  o  dente.  Os  empre- 
gados da  casa  todo  o  dia  levaram  em  discussão  com  elle,  não 
obstante  a  resolução  do  patrão,  e  acabou-se  por  nesse  dia  lhe 
darem  sessenta  e  oito  búzios,  que  representavam  o  peso  em  li- 
bras a  que  tinham  chegado. 

No  dia  immediato  a  toda  a  pressa  chamou-nos  o  Cacuata,  par- 
ticipando que  só  lhe  queriam  dar  trinta  e  quatro  peças! 

De  facto  sobre  o  balcão  é  o  que  estava,  porém  como  o  em- 
pregado realmente  dizia  que  a  pesagem  tinha  sido  de  68  li- 
bras, e  estávamos  auctorisados  pelo  patrão  a  dar-lhe  três  peças 
por  cada  libra,  e  havíamos  contratado  por  duas,  entendemos 
conveniente  evitar  polemicas,  e  apenas  dissemos  ao  empregado 
do  pagamento: — Vejo  que  o  Sr.  se  enganou,  porque  em  vez 
de  multiplicar  por  2  o  numero  de  libras,  que  são  os  búzios  que 
hontem  lhe  deu,  dividiu,  e  por  isso  o  homem  se  queixou  com 


318  EXPEDIÇIO  PORtUOUEZÁ  ÁO  MUÁTIÂNVUÁ 

rasSo !  — O  empregado  mostrou- se  surprehendido,  e  sorriu-se,  di- 
zendo:—  É  verdade,  onde  eu  tinba  a  cabeça!  —  E  á  minha 
vista  se  fez  o  pagamento  integral. 

Pediu  o  homem  o  molufo  de  quitanda,  e  como  o  pagamento 
auctorisado  era  de  mais  68  peças^  conseguimos  se  lhe  dessem 
mais  6  peças,  e  ainda  houve  um  lucro  real,  para  o  que  o  ne- 
gociante offerecia,  de  62  peças,  fora  o  que  elle  já  entendia  lu- 
crar pelo  preço  por  que  fazia  sair  do  estabelecimento  a  sua  fa- 
zenda. 

O  Cacuata  ficou  satisfeito,  o  negociante  lucrou  e  o  empregado 
na  balança  e  nas  equivalências  também  não  deixou  de  ganhar! 

O  interprete  de  que  nos  servimos  para  nos  entendermos  com 
o  Cacuata,  e  que  estava  em  ajuste  comnosco  para  fazer  parte 
da  Expedição  á  Lunda,  e  a  quem  no  ajuste  das  equivalências 
tivemos  de  mandar  indagar  por  ultimo,  de  uma  nova  queixa 
do  Cacuata,  disse-nos: — A  diflFerença  era  de  uma  peça,  que  o 
empregado  também  pagou ;  porém  estes  rapazes  de  Malanje 
n&o  sabem  fazer  negocio  com  o  gentio,  elle  hontem  só  devia 
ter  accusado  metade  do  peso  que  lhe  dava  a  balança  e  dar-lhe 
os  68  búzios  como  peças  a  receber,  e  nXo  como  libras  de  pe- 
sagem. 

E  assim  que  nós  fazemos  no  mato,  porque  a  outra  metade 
é  para  folga  de  presentes,  mata-bichos  e  outros  prejuizos. 

Ouvindo  tal  declaração  desesperámo-nos,  e  dissemos-lhe :  — 
E  por  isso  que  se  diz  que  o  commercio  foge  da  província ;  já 
sabiamos  de  três  modos  de  defraudarem  esta  pobre  gente,  e 
vocemecê  ensina-nos  agora  mais  um.  Fez  vocemecê  parte  de 
uma  exploração  allemã,  e  é  por  isto  que  Portugal  é  accusado 
pelos  estrangeiros.  Que  culpa  tem  a  nação  que  vocemecês  se 
vangloriem  de  explorar  os  seus  semelhantes,  roubando-lhes  o 
melhor  do  seu  trabalho.  Quando  elles  se  dirigirem  para  os 
estabelecimentos  estrangeiros,  que  na  provincia  se  vão  intro- 
duzindo, queixem-se  então  que  isto  está  abandonado,  que  seus 
patr5es  já  não  fazem  commercio  e  que  só  o  caminho  de  ferro 
pode  salvar  a  provincia !  Os  senhores  indigenas  afastam  d'aqui 
o  commercio,  e  para  que  querem  o  caminho  de  ferro?  Se  ten- 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM 


319 


cioDava  ir  na  nossa  companhia  para  a  Lunda,  nessa  dísposiçiSo 
escusa  de  ir,  porque  negócios  que  \á  bc  íaçam  liSo  do  ser 
pagos  religiosamente.  Estiveram  aqui  seis  mezes  os  allemSes, 
e  ainda  aqui  ficou  um  negociante  vendo  as  falcatruas  que  vo- 
cemecês  fazem,  e  nas  notas  d'elle  não  é  o  nome  de  seus  pa- 
trícios que  se  encontra,  v  sim  o  docommercio  portuguez  de 
Malanje. 

—  Diga-me,  que  culpa 
tem  o  dono  d'aquel]a  casa, 
que  o  empregado  seu  patrí- 
cio tenha  procurado  arran- 
car ao  Cacuata  um  certo 
numero  de  peças?  Nuo  era 
para  o  patrSo  que  elle  que- 
ria aquelle  lucro,  e,  ámanhS 
o  nome  do  patrilo  é  que 
apparecia  na  bocca  de  to- 
doa. 

Tem  rasSo, — nos  diz 
elle  — ;  nós  somos  una  igno- 
rantes e  devemos  ser  dea- 
culpadoB. 

—  PoiB      como    VOCemecê  m*«iu.  im  QUiuavEDol 

entra  no  numero  doa  igno-  con-^gador 

rantes,    trato   de    procurar 

outra  vida,  que  cumnosco  já  nilo  vae. 

A  propósito  d'eate  caso  dizíamos  nds  ao  Qovcrno: 

nE  tuilo  falaidutle,  tudo  fingioientoa,  tudo  leviandades,  para  Ibe  nSo 
darmoEioutroDome.de  que  estão  usando  os  iudigenas  que  bc  intitulam  em- 
pregados do  comini-rcio,  e  meemo  os  ouropcus  de  rupiitação  duvidosa,  de 
quem  oa  estabeleoimeutos  commerciaes  d  aíjiti  tepm  do  laoçar  mSo  para  ob 
Buaa  casas  filiaea,  e  mesmo  para  o  baleio  das  próprios  estabelecimentos, 
i  falta  de  melhor.  É  já  liabito  inveterado  cá  nestes  contíns  da  provín- 
cia, e  por  isso  nilo  se  estranhe  que  úinanhS  se  diga  qiic  o  commercio  é 
nma  burla,  um  que  todos  os  seus  agentes  poiRam  em  se  tornar  mais  dis- 
tincloH,  comprometendo  asaim  aa  firmas  que  nellea  tcem  de  confiar,  por- 
que já  se  assevera  que  o  pouco  negocio  que  o  gentio  traz,  segue  de  prefe- 


k 


320 


EXFEDIÇXO  POBTUODEU  AO  MUATIÍHTDA 


renda  pára  ontroi  concelhoa;  tendo  certo  que  m  eomitivu  de  Bingalaa 
e  Lundu  qne  por  aqniveem,  por  ímo  memo  leram  diaa,  e  atá  aomaiua, 
antea  de  começarem  a  &2er  transacções. 

Acha-M  agora  neata  villa  nm  eommtseionado  de  orna  caaa  de  Uan- 
clieater,  com  o  propósito  de  conhecer  como  se  &b  aqoí  o  oommerdo ;  e 
é  de  crer  qne  este  individao,  qaando  regresse,  e  em  Tirtnde  do  que  fica 
exposto,  nem  ponpe  mesmo  a  casa  em  qne,  dmrante  meses,  tem  tido  unta 
franca  hospitalidade ;  e  assim  como  Cameron  fei  recair  na  Naçio  Por- 
tagneia  o  qna  achon  de  repngnante  e  odioso  no  preto  Ctúmbra,  porqne 
eate  preto  se  lhe  apresenton  coroo  cidadSo  portugnei,  aesún  se  piocu* 
lari  desacreditar  o  commercío  portognes,  tomando-se  os  empregadoa  on 
serrentea  pelo  patrSes.* 


DESCftlFÇAO  DA  VUOEM 


PROTESTO  CONTRA  AS  INFOEMAÇÕBS  DE  WISSMANN 


«maÍB  poderiamos  saj^r  es- 
crevendo o  qae  deiz&mos  ex- 
posto, que  seria  o  tenente 
WiftBmann,  quatro  auDOS  de- 
pois, qoe  no  livro  em  que  dá 
conta  da  sua  exploração,  fi- 
zesse a,  mais  injosta  censura 
aos  negociantes  portuguezes 
de  Malanje,  que  sem  a  mais 
pequena  garantia  por  vezes 
lhe  honraram  OB  seus  saques, 
icerca  dos  quaes  sempre  se 
estabeleceram  duvidas  e  de- 
longas noB  pagamentos, 

O  arrojado  explorador,  que 
pela  segunda  vez  entrava  no 
coraçlo  da  Africa  por  Malanje,  onde  se  demorou  eutSo  seis  me- 
zes,  mantendo  as  mais  estreitas  relaçSes  com  os  negociantes 
portuguezes,  bem  sabe  que  ha  a  distinguir  no  commercio  os 
agentes  ou  aviados  e  caixeiros,  dos  negociantes  ou  seus  repre- 
sentantes á  testa  dos  estabelecimentos  que  ahi  conheceu;  e 
também,  as  medidas  lineares  e  de  peso  estabelecidas  por  essas 
casas  commerciaes  em  relaçílo  ás  exigências  dos  negociantes 
gentios,  d'aquillo  que  se  deve  considerar  buria  ou  logros  usa- 
dos por  aquellcs  agentes. 


322  £XPEDIÇ!0  PORTUOUEZA  ÁO  MUÁTIINVUÁ 

Que  importa  ao  gentio  a  denominaçSo  de  jarda  dada  a  uma 
medida  que  varia  de  O^^GO  a  1™,30,  e  de  arroba  a  um  peso  que 
varia  de  30  a  50  e  mesmo  GO  libras,  se  tudo  é  uma  convea- 
çSo  de  interesses  reciprocos?  • 

Comprehende  o  gentio  que  uma  chita  de  superior  qualidade, 
de  200,  300  ou  400  réis  o  metro  se  não  pode  transaccionar 
pela  mesma  quantidade  de  borracba  que  uma  outra  de  infe- 
rior qualidade,  de  70  a  150  réis  o  metro?  E  da  mesma  sorte 
08  algodSes  e  riscados?  Conhece  elle  que  a  qualidade  é  melhor, 
que  a  largura  é  maior,  que  as  cores  e  os  padrões  lhe  agradam 
mais  á  vista,  mas  ignora  o  seu  custo  e  os  impostos  aduanei- 
ros que  sobre  esses  artigos  pesara;  cobiçou-os  e  não  quer  pa- 
gar mais  do  que  sempre  pagou  por  igual  quantidade  de  fa- 
zenda. 

O  illustrado  explorador,  que  conhece  perfeitamente  o  modo 
de  negociar  do  gentio,  ignora  porventura  que  as  bolas  de  bor- 
racha apresentadas  actualmente  por  elles,  tendo  diminuido  de 
volume,  não  diminuiram  de  peso,  pelas  impurezas  com  que  as 
enchem  ? 

E  depois  não  devemos  esquecer  que  não  tratamos  de  igual 
para  igual,  entre  indivíduos  civilisados,  em  que  se  fixa  e  se 
observa  uma  tabeliã  de  equivalências  para  a  transacção  de  pro- 
ductos;  aqui  tudo  é  muito  variável.  Para  o  commerciante  ci- 
vilisado  ha  a  attender  nas  transacções,  em  relação  aos  seus 
artigos — ás  variações  de  fretes  mari timos,  dos  transportes  ter- 
restres, ainda  ás  costas  dos  homens,  impostos  aduaneiros,  cama- 
rários e  outros;  nos  productos  naturaes  a  negociar — aos  preços 
nos  mercados  da  Europa,  e  para  lá  chegarem,  aos  mesmos  ónus 
que  tiveram  os  primeiros,  e  ainda  o  que  é  peor,  a  attender  á 
qualidade  d'esses  géneros  e  exigências  do  gentio  que  os  vende. 
O  gentio  porém  só  tem  a  attender  á  sua  cobiça,  porque  imagi- 
nou que  a  sua  carga  lhe  ha  de  dar  um  certo  numero  de  arti- 
gos, e  tudo  quanto  obtenha  a  mais  sao  favores  do  seu  amigo. 
Mas  é  preciso  que  se  saiba  que  elle  regula-se  pelo  numero  de 
bolas  de  borracha  e  dimensSes  do  marfim,  e  serve-se  de  arti- 
manhas para  augmentar  o  seu  peso. 


DESCRIPv!0  DA  VIAGEM  323 

Como  dissemoB,  também  em  principio  nos  impressionou  des- 
agradavelmente  o  modo  por  que  se  fazia  negocio  em  Malanje; 
tudo  nos  parecia  muito  irregular,  e  o  que  considerámos  burla 
e  expoliações  dos  aviados  e  casas  destacadas  pelos  caminhos 
no  sertão,  já  fora  das  vistas  das  nossas  auctoridades,  por  algum 
tempo  suppozemos  ter  a  approvação  do  commercio ;  mas  nSo 
é  assim,  vá  a  censura  a  quem  a  merece.  Estes  aviados  e  casas 
trabalham  para  interesse  próprio;  de  commum  com  os  estabele- 
cimentos de  Malanje  só  teem  o  serem  seus  devedores,  e  mesmo 
se  alguma  d^essas  casas  gira  sob  firma  associada  com  a  de  um 
capitalista,  este  nada  tem  com  a  gerência  dos  negócios. 

Que  as  levas  de  gentio  ou  comitivas  que  trazem  negocio  do 
interior  fujam  doestes  aviados  ou  casas  e  venham  a  Malanje, 
perfeitamente  de  accordo  com  o  explorador  Wissmann,  mas 
que  fujam  de  Malanje,  pelo  mesmo  motivo,  para  os  concelhos 
mais  a  oeste,  é  um  engano,  foi  mal  informado,  é  desconhecer 
08  usos  antigos.  As  que  seguem  são  geralmente  as  antigas  co- 
mitivas, já  afreguezadas  em  estabelecimentos  de  outros  conce- 
lhos, ou  pelos  motivos  que  já  expozemos,  tratando  do  com- 
mercio de  Malanje. 

O  illustre  explorador  devia  dizer-nos  a  que  chama  commer- 
cio portuguez,  para  não  confundir  no  seu  embroglio  os  homens 
que  lhe  franquearam  os  seus  estabelecimentos  a  toda  a  hora,  e 
que  sempre  encontrou  dispostos  a  auxiliarem  no  nas  duas  epo- 
chás  que  foi  a  Malanje  organisar  as  suas  expediçSes  para  o  seio 
do  continente  e  lhe  forneceram  os  créditos  que  levantou,  sem 
garantias  nem  limites.  De  certo  esses  fornecimentos  nem  esti- 
veram sujeitos  á  pesagem  das  taes  balanças  mancas,  nem  a 
medidas  diversas  das  indicadas  nas  marcas. 

O  modo  de  pensar  do  arrojado  viajante  é  que  variou;  en- 
tão era  o  explorador  scientifico  que  ia  continuar  a  obra 
encetada  na  sua  primeira  e  gloriosa  travessia,  e  assim  que  che- 
gou ao  seu  amigo  Muquengue,  como  teve  a  noticia  que  o  ima- 
ginário estado  de  Stanley  se  tomara  uma  realidade,  olfere- 
ceu-lhe  pela  sua  parte  as  terras  doeste  potentado,  que  bem  o 
recebia;  era  preciso  também  agradar-lhe  dizendo  mal  do  com- 


324  EXPEDiçXo  portuguezá  ao  muáttânvuá 

mercio  portuguez  de  Malanje,  sem  o  qual  nunca  teria  chegado 
ao  Muquengue,  nem  a  fazer  ao  Estado  a  cessão  de  territórios, 
como  se  fosse  cousa  sua,  cessão  de  que  os  proprietários  não 
teem  conbecimento,  pois  continuam  vivendo  na  idea  de  què 
Muene  Puto  manda  para  lá  seus  filhos  para  negociarem,  e  que 
os  barcos  a  vapor,  que  navegam  nos  seus  rios,  chegam  das  ter- 
ras do  Muene  Puto  para  serviço  d^elles. 

Se  os  filhos  de  Angola  que  estão  nas  terras  de  Muquengue 
retirarem,  quando  as  fontes  de  marfim  e  borracha  se  extingui- 
rem, o  que  não  tardará  muito,  então  reconhecerá  o  Muquengue 
e  os  seus  como  foram  illudidos  com  a  administração  benéfica 
do  Estado  Independente! 

O  modesto  e  mui  esclarecido  explorador,  Dr.  Max  Bôchner, 
calculou  que  o  lucrativo  commercio  de  marfim  e  caoutchouc 
não  podia  durar  mais  que  cincoenta  annos,  e  que  seria  muito 
mais  proficuo  fazer  trabalhar  os  indigenas  nas  plantações  de 
baunilha,  cacau,  quina,  etc.  E  nós  vamos  mais  longe;  os  de- 
voradores do  Estado  Independente,  que  já  nem  se  dão  ao  tra- 
balho de  construir  casas,  e  fazem  o  negocio  mesmo  a  bordo 
dos  seus  vapores,  consumirão  estes  productos  em  cinco  annos, 
e  com  essa  extincção  cessará  o  seu  philanthropico  afan  pelo 
aproveitamento  das  forças  activas,  que  até  então  reconheciam 
no  preto. 

Depois  repetirão  o  mesmo  que  muitos  beneméritos  explora- 
dores africanos  já  disseram,  que  os  pretos  não  são  suscepti- 
veis  de  passar  o  nivel  da  vida  de  tribu,  e  deixá-los-hão  em 
uma  situação  muito  mais  desgraçada  do  que  aquella  em  que  os 
encontraram.  Mas,  quem  sobreviver  a  esse  abandono,  verá  o 
resto.  A  região  central  de  Africa  tem  necessariamente  de  pas- 
sar por  uma  grande  transformação,  e  nós,  Portuguezes,  que 
assistimos  impassiveis  ao  rápido  caminhar  para  essa  transfor- 
mação, e  que  primeiro  sentiremos  o  seu  embate  no  oriente  e 
no  occidente,  nao  contemos  com  o  auxilio  estranho  para  resis- 
tirmos ás  incursões  d 'esses  povos.  Se  taes  incursões  se  rea- 
lisarem,  teremos  de  confiar  nos  próprios  recursos,  e  com  elles 
nos  devemos  ir  preparando. 


DESCRIPÇlO  DÁ  VIAGEM  325 

■       ^— — ^^^—         -^^^^  — ^,^.^^■^■1^^— ^^^— ^i»^^— ^—^«^ 

Mas  deixemos  este  incidente,  a  que  fomos  levados  pelo  livro 
recente  do  explorador  Wissmann,  e  nSo  nos  precipitemos  em 
considerações  que  nos  suggerem  os  acontecimentos  além  do 
Cuango.  E  como  os  documentos  que  em  seguida  transcrevemos 
dizem  o  bastante  sobre  os  trabalhos  da  Expedição  em  Malanje, 
que  possam  não  ter  sido  sufficientemente  esclarecidos  no  texto, 
ó  tempo  de  encerrarmos  este  capitulo. 

Officio  do  Chefe  ao  Ajudante  da  Expedição. 

IH."*'*  sr. — Participando-me  V.  S.*  na  sua  commanicação  recebida  hon- 
tem  23,  que  em  30  do  corrente,  se  achará  prompto  a  partir  com  a  pri- 
meira parte  da  Expedição  para  Quibutamêna,  margem  direita  do  Luí, 
onde  projectei  estabelecer  a  Estação  Paiva  de  Andrada;  e  sendo 
certo  que  são  o  mais  amigáveis  possiveis  as  relações  dos  povos  visinhos 
com  a  nossa  Estação  Ferreira  do  Amaral,  e  estando  essa  Estação  con- 
cloida  e  preparada  a  receber  o  resto  das  cargas,  e  considerando  sobre- 
tudo que  é  da  máxima  conveniência  transportar  todas  as  nossas  cargas 
o  mais  breve  possivel  e  com  a  segurança  com  que  o  temos  feito,  até  ao 
Cuango ;  realizei  hontem  mesmo  os  contractos  com  o  pessoal  indispen- 
sável para  transporte  das  ultimas  cargas  que  chegaram  de  Cazengo  e 
que  seguem  hoje  com  o  empregado  Augusto.  Pelos  contratos  deve  esta 
comitiva  abi  cbegar  na  manhã  de  30,  o  mais  tardar. 

O  empregado  se,  porventura,  ainda  encontrar  algumas  cargas  na  Esta- 
ção 24  de  Julho,  leva  instrucções  para  obter  do  Andala  Quinguangua  os 
carregadores  necessários  para  se  fazer  também  acompanhar  d^essa  car- 
gas e  o  empregado  Machado  que  ali  está,  depois  de  entregue  a  Estação 
á  pessoa  por  mim  indicada,  seguirá  já  para  a  que  se  vae  construir  na 
margem  do  Lui. 

As  cargas  que  d*aqui  vão  são  trinta  e  seis,  e  entre  ellas,  achará  Y.  S.* 
quatro  barracas  de  campanha  que  certamente  lhe  serão  precisas. 

A  passagem  do  rio  Lui,  é  de  pequena  importância  e  fíii  informado  que 
n'este  tempo  se  atravessa  muito  bem  a  vau  e  por  isso  não  Ih^  fará  fdta 
por  ora  o  nosso  barco,  que  irá  na  viagem  seguinte. 

Na  Estação  Paiva  de  Andrada  aguardará  o  Sr.  Ajudante  a  minha  che- 
gada, que  espero  não  excederá  quinze  dias  depois  da  sua  entrada  em 
Quibutamêna,  porque  acompanhando-me  o  Cacuata  Tambu  do  Muatiân- 
Yua,  parece-me  já  conveniente  ir  reconhecer  o  porto  onde  elle  passou  o 
Cuango,  que  diz  ser  alguns  kilometros  mais  a  sul  do  porto  de  Muêto 
Anguinbo  do  nosso  primeiro  projecto. 

O  empregado  leva  os  medicamentos  que  o  Sr.  Ajudante  requisitou  e 


326  EXPEDIÇXO  PORTUGUBZA  ÁO  MUÁTIÂNVnÁ 

também  sal  para  os  nossos  contratados,  mas  por  esta  occasiSo  lembro- 
lhe  que  este  sal  é  das  margens  do  Luí  para  onde  vão,  e  esses  homens 
têem  direito  ao  pagamento  das  rações  na  espécie  corrente  e  nio  em  gé- 
neros, e  se  estes  lhes  tem  sido  fornecidos,  foi  na  supposição  de  que  os 
povos  por  onde  têem  transitado  se  recusavam  a  vender- lhe  géneros  por 
não  gostarem  da  nossa  occupaçSo  como  os  novelleiros  aqui  fizeram  apre- 
goar sem  fundamento,  como  hoje  podemos  affirmar,  e  ainda  por  suppor- 
mos  que  em  alguns  pontos  não  existiriam  géneros ;  porém  agora  o  Sr. 
Ajudante,  bem  como  eu,  conhece  que  todas  as  nossas  apprehensòes  estão 
completamente  desvanecidas  pela  pratica,  e  que  é  mesmo  bom  que  a 
nossa  gente  se  costume  a  comprar  sal  aos  vendilhões  do  Lui  e  com  elles 
estabeleça  mesmo  relações  de  amisade  para  não  nos  temerem,  e  que 
saiba  dar  ao  sal  o  devido  valor  para  o  pouparem  alem  do  Cuango  pois 
que  só  ás  rações  e  mui  escassas  o  poderão  ter. 

Os  carregadores  que  d'aqui  partem,  vão  pagos  de  vencimentos  e  ra- 
ções até  ao  Luí,  e  por  isso,  caso  não  tenha  podido  arranjar  todos  os  car- 
regadores que  lhe  são  indispensáveis,  para  a  conducção  das  suas  baga- 
gens, rancho  e  outros  artigos  que  tem  de  o  acompanhar,  fará  substituir 
as  cargas  que  levam  pelas  que  julgar  de  mais  urgente  necessidade  fazer 
já  transportar. 

O  Sr.  Ajudante  não  deixará  de  conhecer,  quanto  tem  sido  útil  o  modo 
por  que  vamos  avançando,  ainda  que  lentamente ;  pois  que  alem  dos  po- 
vos já  nos  estimarem  e  se  congratularem  quando  qualquer  individuo  da 
Expedição  passa  pelas  suas  povoações,  tem  havido  a  vantagem  de  não 
estarmos  inactivos  e  de  podermos  dar  cumprimento  a  uma  parte  impor- 
tante da  nossa  missão,  fazendo  estudos  que  vão  sendo  remettidos  ao  Mi- 
nistério da  Marinha  e  Ultramar,  estabelecendo  estações,  como  nos  foi 
muito  particularmente  recommendado,  nos  pontos  onde  o  commercio  se 
não  fazia  senão  entre  indígenas,  tornando- se  as  vizinhanças  d'essas  es- 
tações povoadas  de  gentios  que  vem  do  interior  com  negocio,  consti- 
tuindo ellas  verdadeiros  centros  das  suas  transações.  E  de  esperar  que 
os  gentios  quando  se  convençam  que  não  ha  pensamento  reservado  de 
os  hostilisar  foimem  ahi  centros  de  população  importantes,  o  que  por 
certo,  será  agradável  ao  governo  de  Sua  Magestade. 

Cumprimos  o  que  nos  fora  prescripto  e  os  que  depois  de  nós  vierem, 
por  certo  nos  imitarão. 

Por  ultimo  só  me  resta  mais  uma  vez  lembrar  ao  Sr.  Ajudante  que  o 
nosso  empenho  deve  ser  seguirmos  sempre  as  instrucções  que  recebemos ; 
e  que  bem  com  a  nossa  consciência,  o  governo  e  o  paiz  jamais  olvidarão 
os  serviços  que  vamos  prestando. 

Malanje,  24  de  julho  de  1884.  —  III."*»  sr.  capitão  M.  S.  d' Almeida 
Aguiar,  ajudante  da  Expedição.  =  O  chefe  da  Expedição,  Henrique  de 
Carvalho. 


DERCKIPÇXO  DA  VTAOEM  327 

Ao  Secretario  da  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa. 

111."»  e  Ex.™o  Sr.—  Ao  favor  do  nosso  estimado  consócio  Castodio  José 
de  Sousa  Machado,  devo  a  inclusa  copia  de  uma  carta  que  sen  irmão  Sa- 
turnino lhe  dirigiu  das  margens  do  Cuango  e  que  me  pareceu  de  todo  o 
interesse  para  o  archivo  da  nossa  Sociedade ;  sendo  de  nâo  menos  im- 
portância para  a  minha  Expedição,  pois  que  de  algum  modo  influiu  para 
alterar  o  itinerário  que  havia  projectado  seguir  d'aqui  para  o  interior 
do  Continente. 

Não  me  sendo  possivel  ser  táo  extenso  quanto  desejava,  porque  preciso 
terminar  a  minha  correspondência  que  deve  ser  expedida  hoje  mesmo 
para  Loanda  a  fim  de  seguir  para  a  metrópole  no  paquete  de  lõ  do  pró- 
ximo mez,  limito-me  a  dizer  a  Y.  Ex.*  e  á  Sociedade,  que  a  S.  Ex.*  o  mi- 
nistro, justifico  as  rasoes  por  que  abandono  o  itinerário  por  Quimbundo, 
e  faço  seguir  a  nossa  ExpediçAo  para  o  rio  Cuango,  pelo  caminho  per- 
corrido pela  expedição  dos  irmãos  Machados  &  Lopes  de  Carvalho,  no 
intuito  de  o  assegurar  ao  commercio  pelo  menos  emquanto  os  Bangftlas 
subordinados  ao  Jaga  de  Cassanje  não  entrem  na  ordem  e  se  sujeitem  á 
obediência  que  devem  á  auctoridade  por  nós  reconhecida. 

De  accordo  com  o  referido  consócio  Custodio  José  de  Sousa  Machado, 
estamos  estabelecendo  n*esse  caminho  estações  commerciaei^  e  hospi- 
taleiras. 

Nós  já  montámos  a  primeira — 24  de  Julho  —  em  Andála  Quinguangua 
a  uns  60  kilometros  a  ENE.  de  Malanje  e  passados  poucos  dias  espero 
se  montará  a  segunda  em  Cafuxi  junto  ao  rio  Luhanda  na  vizinhança 
de  Andála  Quissúa,  e  uma  comitiva  de  Machado,  já  seguiu  com  um  seu 
delegado,  a  montar  uma  casa  filial  na  margem  direita  do  Cuango.  As 
instrucçoes  que  o  negociante  Machado  confiou  ao  gerente  doesse  estabe- 
lecimento foram  por  mim  enviadas  por  copia  a  S.  Ex.*  o  ministro  e  estão 
elaboradas  em  harmonia  com  o  que  se  recommenda  nas  minhas  instruc- 
çoes. 

A  Expedição  allemã  com  a  qual  durante  quinze  dias,  mantivemos  aqui 
as  mais  cordiaes  relações,  e  que  chegara  a  Malanje  ha  seis  mezes,  foi 
recebida  na  nossa  primeira  Estação,  onde  viu  já  sessenta  cargas  em 
preparativo  de  marcha  para  o  interior. 

Vamos  devagar,  é  verdade,  mas  parece-me  ser  este  o  systema  mais 
seguro  aproveitando- se  bem  os  poucos  carregadores  que  nos  tem  sido 
possivel  arranjar. 

Rogo  a  y.  Ex.*,  se  digne  apresentar  os  meus  sinceros  protestos  de 
dedicação,  á  nossa  Sociedade. 

Deus  Guarde  a  V.  Ex.«  Malanje,  29  de  julho  de  1884.— 111.»»  e  Ex.»*» 
Sr.  secretario  da  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa.  =  O  chefe  da  Ex- 
pedição, Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho, 


328       EXPEDIÇZO  PORTUOUEZA  AO  MUÁTIÂNVUA 

A  S.  Ex.^  o  Qovemador  Geral  da  provinda  de  Angola. 


£m  24  de  julho,  fluctuava  a  nossa  bandeira  no  logar  em  que  se  estava 
construindo  a  nossa  primeira  EstaçSo  em  Andala  Quinguangna  e  n^esse 
mesmo  dia  eu  e  o  meu  collega  S.  Marques  fomos  acompanhar  o  chefe  da 
Expedição  allemâ  o  tenente  Wissmann  e  o  seu  companheiro  tenente  Mol- 
ler  a  Quipacassa,  12  kilometros  distante  de  Malanje,  onde  o  negociante 
Custodio  Machado  lhes  offerecia  um  almoço  de  despedida. 

Antes  de  partir,  o  tenente  Wissmann  repetiu  com  insistência  o  pedido 
que  já  na  véspera  me  havia  feito  de  o  desculpar  para  com  Y.  £z.*  pela 
falta  que  commettêra  em  não  ter  particularmente  e  em  nome  da  Expe- 
dição, agradecido  a  Y.  Ex.*  os  muitos  obséquios  que  lhe  foram  dispen- 
sados n*esta  província  por  todas  as  auctoridades  e  habitantes  com  quem 
mantivera  relações,  rogando  não  me  esquecesse  de  mencionar  particu- 
larmente o  nome  de  Y.  Ex.*  e  também  o  do  chefe  d'este  concelho  o  capitão 
N.  Y.  Breyner  pois  que  á  efficaz  protecção  e  auxílios  que  encontrara, 
devia  o  bom  acolhimento  da  sua  expedição  e  á  sua  muita  influencia  o 
poder  partir  sem  encontrar  outras  diffictddades  que  não  fossem  as  já  por 
elle  conhecidas  da  indolência  dos  trezentos  carregadores  que  conseguira 
contratar. 

Permitta  pois  Y.  £x.*  que,  aproveitando  a  opportunidade  do  correio, 
antes  de  tudo  procure  desobrigar-me  doeste  compromisso,  com  que  me 
congratulo  por  ser  testemunha,  que  uma  vez  os  estrangeiros  se  mostram 
reconhecidos  aos  favores  recebidos  das  auctoridades  portuguezas  nas 
nossas  colónias. 

Na  Estação  portugueza  em  Andála  Quinguangua,  que  se  denomina 
24  de  Julho,  almoçou  e  jantou  no  dia  30  o  chefe  da  Expedição  allemã,  e  a 
sua  opinião  com  respeito  á  construcção  conhece-a  Y.  Ex.*  pela  copia  do  bi- 
lhete que  elle  me  escreveu. 

N*esta  data  já  ali  estão  depositadas  60  cargas  que  devem  seguir  para 
o  interior,  alem  do  rancho  para  consumo  do  pessoal  e  fornecimentos  para 
um  empregado  interino. 

Espero  no  dia  8  seguir  para  ali  para  acompanhar  a  secção  do  com- 
mando  do  Ajudante  a  Cafuxi  em  terras  de  Andála  Quissúa  para,  junto  á 
margem  do  rio  Luhanda,  se  estabelecer  a  segunda  nova  estação  que  se 
denominará  —  Ferreira  do  Amaral.  Desculpe  Y.  Ex.*  que  a  Expedição  ao 
deixar  a  primeira  sob  o  seu  benéfico  governo,  para  se  internar  no  Conti- 
nente, preste  assim  homenagem  e  um  tributo  de  reconhecimento  ao  be- 
nemérito governador,  que  exerceu  toda  a  sua  influencia  para  que  nos 
concelhos  por  onde  a  Expedição  transitou,  os  seus  chefes  não  hesitassem 
um  só  momento,  em  lhe  prestar  todo  o  auxilio  necessário  para  ella  se- 
guir ao  seu  destino. 


DESCRIPgXo  DA  VIAGEM  320 

Removidas  todas  as  cargas  para  a  nova  Estação,  será  entregae  a  de- 
nominada 24  de  Julho  á  pessoa  idónea  que  a  queira  aproveitar  para  esta- 
belecimento commercial  avançando  o  ajudante  a  estabelecer  uma  ter- 
ceira na  margem  do  Lui,  e  durante  este  tempo  de  certo  na  margem  do 
Cuango,  um  empregado  do  negociante  C.  Machado,  terá  já  construida 
mna  casa  para  o  seu  estabelecimento,  com  um  quarto  destinado  a  receber 
viajantes. 

£  já,  na  margem  direita  do  Cuango,  em  terras  do  Capenda  Camulem- 
ba  que  será  construida  a  nossa  quarta  Estação,  muito  mais  espaçosa  que 
as  anteriores,  porque  ahi  se  ha  de  reunir  toda  a  Expedição  durante  al- 
gum tempo,  não  só  para  fazer  estudos  que  lhe  são  indispensáveis,  como 
modificar  as  cargas  em  relação  ao  seu  peso,  arranjar  carregadores  para 
seguir  pelo  menos  até  terras  já  occupadas  por  povos  do  Muatiânvua,  tendo 
porém  em  attenção  a  epocha  das  chuvas. 

Estabelecida  esta  linha  de  estações  e  sendo  ellas  occupadas  devida- 
mente, teremos  segura  a  nossa  communicação  com  Malanje  e  garantido 
ao  commercio  um  porto  no  Cuango,  o  que  era  uma  necessidade  impreterí- 
vel que  V.  Ex.*  não  desconhece. 

Até  hoje,  não  sei  se  da  metrópole  vieram  para  a  Expedição  alguns  vo- 
lumes do  commercio  do  Porto  e  encommendas  que  se  fizeram  para  o  seu 
serviço. 

Em  todo  o  caso  o  que  possa  vir,  ser-nos-ha  remettido  pelo  negociante 
Machado  até  ao  Cuango. 

Está  concluido  o  pombal  e  os  pombos  já  têem  tido  alguns  ensaios  no 
serviço  de  correios,  mas  por  emquanto  a  pequenas  distancias. 

Ainda  me  não  foi  possivel  visitar  a  Colónia  Esperança,  mas  tenciono 
lá  ir  brevemente  por  serem  esses  os  desejos  do  chefe  e  então  farei  um 
croquis  do  meu  reconhecimento  e  a  V.  Ex.*  darei  conta  das  minhas  im- 
pressões sobre  tão  util  estabelecimento. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.*  Malanje,  3  de  agosto  de  1884. —  111."»  e  Ex.™» 
Sr.  conselheiro  governador  geral  de  Angola.  =  O  Chefe  da  ExpediçãO| 
Henrique  Auguéto  Dias  de  Carvalho, 

Ao  Secretario  da  Sociedade  de  Geographia  Commercial  do 
Porto. 

111."*  e  Ex."*>  Sr. —  Em  vésperas  de  partida,  julgo  do  meu  dever  apro- 
veitar a  opportunidade  do  correio  para  enviar  mais  alguns  esdarecimen 
tos  a  y.  Ex.*  com  respeito  ao  commercio  n^estas  paragens,  que,  na  verdade, 
tem  muito  a  estudar  por  ser  especial  o  que  tenho  observado  e  que  se  não 
coaduna  com  o  meu  modo  de  pensar. 

As  fazendas  que  vogam  são  o  riscado  azul  em  branco  de  1.*,  2.*  e  3.* 
qualidade;  sendo  aqui  vendido  a  3^000,  2il»õ00  e  l/õOO  réis  a  peça.  Vem 


330       EXPEDIÇÃO  PORTUGUBZA  AO  MUATIÂHVUA 

já  ÚBs  fiibrícas,  pelos  pedidos  que  se  fazem,  dobrmdas  de  modo  que  as 
dobras  (beirames)  nâo  correspondem  ás  medidas  qae  se  indicam.  Aa«m^ 
diz-se  qoe  ama  peça  (2.*)  tem  9  beirames,  cada  beirame  2  jardas;  de- 
via, portanto,  ter  18  jardas,  mas  apenas  tem,  quando  tem,  12  jardas. 

Os  algodões  sâo  também  de  I  .*,  2.*  e  3.*  qualidade  e  ainda  n^estes  ha 
distiiicçâo  de  largo  e  estreito,  e  o  seu  preço  varia  de  l^dOliad^õOO  réis. 
N^estes,  lia  peças  (a  maior  parte)  que  indicam  ter  40  jardas;  muitas  nem 
têem  30.  Ua-as  também  de  IS  dobradas  em  24. 

As  chitas  sào  classificadas  em  finas  e  de  negocio,  adamascadas  e  ris- 
cadas com  cores  vivas,  que  variam  em  preço,  por  peça,  de  2^250  a  õ^OOO 
réis. 

Vende-se  também  riscado  anilado  (de  que  os  pretos  gostam)  a  ^iOOO 
réis  a  peça. 

Doestas  fazendas,  em  geral,  raras  sâo  as  que  se  podem  chamar  boas, 
e  o  mau  tecido  sustenta-se  por  algumas  semanas,  devido  a  uma  espécie 
de  gomma,  que  cáe  em  pó.  Se  a  fazenda  vae  a  lavar,  fica  uma  rodilha, 
se  não  uma  rede,  o  que  o  gentio  já  reconhece  e  por  isso  rejeita-a. 

Um  commissionado  ou  agente  de  uma  associação  ou  nova  casa,  que 
viesse  informar-se  do  negocio,  qualidade  de  fazendas  que  se  adoptam, 
e  procurasse  reformar  este  systcma  e  nAo  illudir  o  comprador,  prestaria 
um  bom  serviço  ao  nopso  conimercio  e  industria,  que  parecem  inclinados 
a  querer  alargar  as  suas  transacções  em  Africa. 

O  que  se  está  praticando  actualmente  afugenta  o  negocio  do  interior, 
e  ainda  ha  dias  tive  eu  de  intervir  em  favor  de  mn  Caquata  do  Muata- 
iâiivua,  que  segue  na  minha  companhia  para  n  Luiida,  a  fim  de  o  nâo  en- 
ganarem, como  já  se  eatava  fazendo,  tanto  nos  pesos  e  balanças,  como 
nos  pagamentos. 

Com  a  exploração  allemà  aqui  esteve  um  commir^sionado  de  commer- 
cio,  também  allemào,  Burgmabtter,  por  conta  de  uma  casa  de  Manches- 
ter, a  informar-se  do  negocio,  e  quasi  posso  afiiançar,  que  depois  de  di- 
zerem mal  de  nós,  em  breve  para  aqui  mandarão  uma  ou  mais  agencias 
d'e8ta  casa. 

Eu  informo  devidamente  o  governo  sobre  este  assumpto,  mas  os  ho- 
mens de  patriotismo  podem,  emquanto  é  tempo,  antecedel-os  e  evitarem 
a  concorrência,  que  mais  tarde  nos  ha  de  ser  prejudicial. 

O  gentio  foge  já  de  quem  o  engana  e  prefere  augmentar  a  sua  viagem 
(!om  a  carga  ás  costas,  percorrendo  mais  GO  léguas  até  Loanda,  onde  en- 
contra melhoras  fazendas  e  mais  equidade,  a  transaccionar  o  negocio 
aqui. 

Isto  é  bem  mau. 

As  armas  lazarinas,  de  pau  pintado  a  vermelho,  de  pederneira,  que 
abi  custam  600  réis,  vendem-se  a  3^500  e  nas  equivalências  por  fazenda 
dá-se-lhes  sempre  um  valor  superior. 


descripçâO  da  viagem  33 1 

Os  barretes  de  lâ,  cintas  vermelhas,  chapellinhos  de  sol  de  panninho 
carmezim,  espelhos,  guisos,  tachos,  facas,  etc.,  são  para  presentes  a  quem 
faz  negocio,  porém  no  ajuste  de  contas  ficam  mais  que  pagos. 

Os  barris  de  pólvora,  feitos  à  propôs,  de  madeira  grossa,  nSo  tendo  mna 
libra  de  pólvora  custam  aqui  900  réis  e  são  passados  por  duas  libras  por 
causa  do  peso  da  madeira. 

Mas  para  que  todos  estes  embustes,  estes  enganos,  e  estes  presentes 
que  o  gentio  paga  sem  o  saber.  Os  mais  experimentados  hoje  exigem 
sempre  mais,  por  desconfiarem  (e  com  rasão)  que  sSo  elles  os  prejudi- 
cados? 

Ha  pouco  disse-me  um  interprete,  que  tem  viajado  muito  na  Lunda, 
que  os  negócios  com  o  gentio  são  feitos  de  modo  a  dar-se  metade  do  que 
se  offerece  por  qualquer  género,  para  que  a  outra  dê  bastante  folga  aos 
pedidos  que  elle  faz,  fechado  o  negocio  I  Já  vê  pois,  V.  £x.*,  que  alem 
de  todos  os  enganos,  ainda  ha  depois  este  recurso  final  para  que  o  gé- 
nero comprado  fique  pelo  menos  50  por  cento  mais  barato  do  que  o  preço 
pelo  qual  se  ha  de  vender  na  £uropa. 

As  equivalências  nas  permutações  de  fazendas  por  quaesquer  artigos 
do  mesmo  estabelecimento,  fal-as  o  commercio  pelo  preço  das  facturas  e 
o  mais  que  pôde  alcançar-se  na  occasião  da  permutação.  É  mais  esperta 
o  que  mais  interessa  na  permutação. 

Parece-me,  pois,  que  havendo  melhor  qualidade  de  fazendas,  medidas 
e  fracções  exactas,  variedade  e  novidade  de  artigos  e  até  novos  padrões 
nas  fazendas,  tudo  deve  ser  muito  apreciado  pelo  gentio  e  attrahir  o 
commercio  do  interior  que,  repito,  já  nos  vae  fugindo. 

Devo,  porém,  fazer  sciente  a  V.  Ex.*  que,  se  o  Porto  quizer  para  aqui 
dirigir  o  seu  negocio,  ao  primitivo  custo  dos  artigos,  tem  de  aug^entar, 
alem  de  direitos  e  fretes  em  Loanda,  mais  10  réis  por  kilo  no  frete  até 
ao  Dondo  e  d'ahi  em  diante  20  réis  por  kilometro  em  cada  80  a  90  li- 
bras  de  carga.  E  a  media  dos  preços  por  que  tem  ficado  os  transportes 
das  cargas  da  Expedição. 

Os  transportes  realmente  oneram  muito  o  custo  dos  artigos,  mas,  re- 
pare V.  Ex.*,  não  é  tanto  como  se  diz  e  queira  comparar  com  o  que  se  dá 
na  Europa. 

D*aqui  á  Mussumba  de  Muatiânvua,  regula  a  distancia  por  pouco  mais 
de  1 :000  kilometros  e  o  custo  de  uma  carga  d'aquellas  está  ajustada  por 
17j^õOO  réis,  e  isto  porque  os  pagamentos  são  feitos  em  fazendas  aqui 
compradas.  P6de-se,  pois,  dizer  que  é  caro?  Eu  nSo  sei  por  quanto  lá 
se  levaria  uma  carga  igual  empregando  uma  besta  muar,  se  isso  fosse 
possível. 

Emfim,  a  Associação  Commercial  do  Porto  reflectirá  sobre  estes  escla- 
recimentos e  resolverá  com  respeito  ao  assumpto  como  entender,  certa  de 
que  muito  folgarei  que  possa  aproveitar- se  o  que  lhe  communico  para'  o 


332  EZPKDIÇZO  POBTDGUSZA  AO  MUATIIHYUA 

deieiiToHrimeiílo  das  taamãçòe»  do  eonmiereio  da  cidade  do  Porto 


Deus  guarde  aV.  Ejl*  Malange,  3  de  agoato  de  1884.— ID."*  e  Ex.»» 
Sr.  Secretario  da  Sociedade  de  Geographia  Comiiiernal  do  Porto.  =  0 
Cbefe  da  Ezpediçio,  Henr-gwe  AmguMo  Díoê  de  CarvalktK 


A  S.  Ex/  O  Ministro  doe  Negócios  da  Marinha  e  Ultramar. 

IIL"*  e  Ez."*  Sr. —  Já  tire  a  satisíaçio  de  eornininiicar  a  V.  Ez.%  qae 
estava  montada  em  Andala  Qmngnangna,  a  nossa  primeira  estaçio  eom- 
mercial  e  hospitaleira  e  que  esta,  se  denominou :  24  de  Jolho,  pela  eoiíi- 
eidencia  feliz  de  ser  n'este  dia  qne,  no  logar  que  para  ella  fôra  designado 
pelo  potentado  da  localidade,  se  arroron  pela  primeira  yes  e  com  geral 
aprazimento  dos  povos  indígenas,  a  bandeira  portogneza. 

Informado  pelo  meu  ajudante,  que  a  Estaçio  estava  prompta  a  fone- 
cionar  e  que  havia  toda  a  conveniência  em  occupal-a,  ^roveitando-ae  aa 
boas  relações  que  a  secç2o  sob  seu  commando,  tinha  mantido  eom  os  po- 
vos vizinhos  e  também  de  que  por  ali  passavam  comitivas  de  eonmier- 
do,  consegui  que  o  negociante  Narciso  António  Paschoal  para  lá  en- 
viasse um  empregado  com  commercio,  logo  que  a  Ezpediçáo  tivesse  feito 
remover  todas  as  suas  cargas  para  a  nova  Estação  que  ia  estabelecer  na 
vizinhança  do  Jaga  Andala  Quissúa. 

A  Expedição  já  tinha  entretido  com  este  Jaga,  correspondência  so- 
bre esse  intento  e  náo  se  offereciam  duvidas  sobre  tal  estabelecimento ; 
por  isso  se  contrataram  carregadores  para  o  transporte  das  cargas  e  como 
náo  fosse  posei vel  arranjar  todos  os  necessários,  lembrou-me  que  talvez 
o  Jaga  que  dispõe  de  muitos  povos,  nao  só  os  conseguisse  para  esta 
mudança  mas  ainda  para  a  Mussumba  de  Muatianvua,  porque  pelos  boa- 
tos que  correm,  de  que  os  Bângalaê  pretendem  oppor-se  á  passcLgem  da  Ex- 
pedição e  do  Muatianvua  mandar  matar  os  carregadores  que  commetterem 
alguma  falta — vejo  que  não  me  ser  possível,  aqui,  obter  mais  do  que  os 
vinte  que  já  estáo  contratados. 

O  ajudante,  com  os  carregadores  de  que  lhe  era  possivel  dispor,  pre- 
parára-se  com  o  que  lhe  era  mais  indispensável,  e  eu  segui  d^aqui  ao 
seu  encontro  com  trinta  cargas  para  a  nova  Estação,  e  um  empregado 
africano  que  tinha  mandado  para  á  Estação  24  de  Julho,  ficou  ahi  to- 
mando conta  das  cargas  que  náo  podiam  seguir. 

Em  três  dias  conseguimos  vencer  a  distancia  que  os  allemáes  trans- 
pozeram  em  seis,  mas  no  ultimo  dia  apesar  de  menor  marcha,  foi  esta 
muito  mais  fatigante  e  fastidiosa  por  termos  de  descer  a  valles  de  algu- 
ma profundidade. 


DBSCRIPÇZO  DÁ  VIAGEM  333 

Chegados  á  planície  de  Cafoxi  que  é  rodeada  de  bellas  e  elevadas 
montanhas  e  serras  todas  cobertas  de  copados  arvoredos,  apparece-nos 
Andala  Maguita,  potentado  nas  povoações  a  NE.  e  da  parte  do  Jaga 
nos  disse  que  estavam  preparadas  três  boas  cubatas  para  nos  hospedar- 
mos. 

Como  estas  povoações  ficassem  distantes  do  rio  e  da  residência  do 
Jaga^  preferimos  ficar  a  NO.  no  extremo  de  uma  povoação  pequena  que 
pertence  a  um  potentado  de  menor  graduação,  Séquitari,  á  margem  do  rio 
Luhanda. 

£8te  potentado  não  obstante  não  estar  prevenido  por  Àndala  Quissúa, 
mandou  limpar  immediatamente  duas  boas  cubatas  para  descansarmos, 
emquanto  nAo  combinávamos  com  o  Jaga  onde  queriamos  fabricar  a  nossa 
casa. 

Mandei  participar  ao  Jaga  que  tinhamos  ali  chegado,  que  agradecíamos 
a  boa  hospitalidade  que  nos  mandara  dar  na  povoação  Andála  Maquita 
mas  preferíamos  ficar  na  de  Séquitari  por  estar-mos  mais  próximo  d'eUe 
e  do  rio,  e  que  esperava  elle  desse  as  suas  ordens  n'este  sentido. 

Immediatamente  apparece  o  seu  muzumbo  (interprete),  dando-me  co- 
nhecimento que  o  Jaga  já  havia  escrípto  ao  meu  ajudante,  mostran- 
do-lhe  que  não  podia  sair  da  sua  residência  por  estar  velho  e  muito 
doente  das  pernas,  sendo  o  motivo  porque  não  vinha  elle  próprio  com- 
prímentar-me ;  que  os  filhos  de  Sua  Magestade  eram  sempre  bem  vindos 
ás  suas  terras  e  dava  ordem  a  Séquitari  para  que  fossem  satisfeitos  os 
meus  desejos.  Agradeci,  dizendo  que  de  tarde  iria  visital-o. 

As  três  horas  da  tarde,  eu  e  o  ajudante,  fomos  até  lá,  fazendo-nos  acom- 
panhar de  homens  que  levavam  os  presentes  que  lhe  destiláramos. 

Passámos  o  rio  e  á  medida  que  nos  approximâmos  da  serra,  que  ficava 
distante  da  povoação  uns  400  metros,  surprehendeu-nos  a  ascensão  que 
tinhamos  a  tentar  pela  aspereza  do  declive  e  irregularidades  do  piso 
esburacado  e  embaraçado  por  raizes  de  arvores  a  descoberto,  chegado 
a  convencer-nos  que  devia  haver  outro  caminho,  apesar  do  guia  nos  di- 
zer ser  este  o  único. 

Era  uma  subida  por  vezes  quasi  na  prumada,  mas  ainda  assim  a  nossa 
surpreza  foi  excedida  quando  vencida  a  primeira  altura  apoz  um  trajecto 
de  200  metros  n*nm  planalto,  vimos  uma  outra  para  vencermos  e  ainda 
uma  terceira  e  quarta,  posto  que,  estas  com  inclinações  muito  mais  ra- 
scáveis. Calculo  que  nos  elevámos  a  mais  de  200  metros.  O  panorama 
com  que  deparámos  nos  quadrantes  de  N.  a  S.  pelo  leste  era  realmente 
soberbo,  o  horizonte  é  immenso  e  d^aqui  se  vêem  as  campinas  e  serras 
que  se  desenvolvem  alem  do  Cuango  e  descortina- se  parte  das  povoações 
de  Cassanje.  Terei  occasião  d'aqui  voltar  e  farei  o  croquiê  d'este  pano- 
rama digno  de  descripção,  mas  que  V.  £x.*  decerto  me  dispensa  de  fazer 
n*esta  occasião. 


334  EXPEDIÇZO  PORTUGUEZÁ  AO  MUATIIkVUA 

Chegados  á  residência  do  Jaga,  mandou  este  logo  collocar  daas  ca- 
deiras á  sombra  de  uma  grande  arvore  na  frente  da  sua  porta,  onde  tam- 
bém o  foram  sentar  entre  almofadòes  sobre  um  certo  numero  de  estei- 
ras, que  ahi  coUocaram  os  seus  serros  ao  chegarmos,  dizendo  elle  logo 
quando  appareceu,  que  nos  recebia  aqui,  para  nos  poupar  o  descalçar- 
mo-nos  ao  entrar  na  sua  habitação,  como  é  o  uso  no  paiz. 

£8te  velho  Jaga  é  o  que  foi  preso  em  1850  pela  expedição  militar 
do  commando  do  major  Francisco  Salles  Ferreira,  em  consequência  de 
ter  sido  assassinado  em  suas  terras  o  capitão  dos  Moveis,  chefe  de  divi- 
são, Simão  Rodrigues  da  Cruz. 

£lle,  como  se  provou  mais  tarde,  em  cousa  alguma  concorrera  para 
tal  assassinato,  porém  fiigira,  quando  aquella  expedição  se  approximava 
da  sua  residência  e  isso  deu  logar  a  que  o  referido  major  o  considerasse 
rebelde  e  deposto  e  nomeasse  logo  outro  para  o  substituir. 

No  mesmo  anno,  quando  o  major  Salles  voltou  com  nova  expedição 
para  então  castigar  o  Jaga  rebelde  Anbumba  de  Cassanje,  foram  enoon- 
tral-o  no  seu  exilio  e  não  obstante  elle  pedir  que  o  deixassem  viver  so- 
cegado  o  resto  de  seus  dias  e  na  obdiencia  do  Jaga,  que  estava  occu 
pando  o  seu  logar;  o  major  desconfiado  de  tanta  humildade,  por  qtianto 
estava  informado  que  elle  tinha  um  grande  partido  e  mais  tarde  se  esta- 
beleceriam conflictos  com  o  Jaga  por  elle  confirmado ;  fel-o  prender  e  á 
comitiva  que  o  acompanhava  e  a  ferros  o  conduziram  para  a  cadeia  de 
Loanda,  onde  o  velho  jazeu  alguns  annos. 

Ura  dos  nossos  governadores,  creio  que  o  fallecido  visconde  de  Sérgio, 
dias  depois  de  tomar  posse  do  governo,  condoeu- se  do  pobre  velho  que 
ali  estava  sem  processo  e  mandou  pol-o  em  liberdade,  certamente  acon- 
selhando-o  para  que  vivesse  bem  comnosco,  porém  não  lhe  occorrendo  a 
conveniência  de  o  avassallar  provavelmente  por  não  suppor  que  elle  vol- 
tasse a  occupar  o  seu  antigo  cargo. 

Mas  não  succedeu  assim,  os  velhos  macotas  entenderam  ter  o  velho 
Jaga  soffrido  muito,  estando  innocente  e  de  novo  o  elegeram,  e  elle  cer- 
tamente, á  cautella,  veiu  estabelecer-se  no  alto  da  serra  a  que  com  tanta 
difficuldade  trepámos. 

Não  será  muito  fácil  a  tropas  regulares,  dar  um  assalto  e  aprisionar 
a  sua  povoação;  primeiro,  porque  de  longe  a  previniriam  por  meio  de  in- 
strumentos de  pancada  de  que  darei  conhecimento  e,  feita  a  prevenção, 
com  facilidade  resistiria  a  sua  gente  pois  não  lhe  faltam  recursos  para 
se  manterem  por  muito  tempo  e  no  emtanto  talvez  repellissem  os  ata- 
cantes ;  era  segundo  logar  porque  conseguindo  estes  approximar-se,  as  dif- 
ficuldades  do  terreno  lhes  dariam  tempo  a  refugiarem-se  pelas  terras  não 
avassalladas  de  noroeste. 

A  recepção  que  nos  fez  o  Jaga  e  os  seus  macotas  que  o  foram  ro- 
deando não  deixava  de  nos  interessar  pela  novidade,  mas  limito-me  por 


descrtpçao  da  viagem  335 

agora  ao  essencial.  O  velho  Andala  Quissúa  depois  de  nos  apertar  a  mSo 
•6  puchar-nos  a  si  para  nos  abraçar,  agradeceu-nos  a  visita  e  muito  mais 
o  presente  que  lhe  demos,  como  signal  de  boa  amisade  que  constava  de^ 
2  peças  de  chita,  1  de  zuarte,  2  barris  de  pólvora,  1  garrafiU)  de  Mguar- 
dente  e  uma  bandeira  portugueza;  narrou  a  sua  historia  e  o  castigo  que 
soffrêra  por  um  filho  seu,  malvado,  o  ter  compromettido ;  e  terminou 
aconselhando  os  que  o  cercavam  a  que  vivessem  sempre  em  harmonia 
com  os  filhos  de  Muene  Puto,  que  nâo  consentissem  que  os  seus  povos 
levantassem  confiictos  com  elles,  e  que  soubessem  aproveitar  esta  occa- 
sião  em  fazerem  bons  negócios,  com  a  casa  de  Muene  Puto  que  se  ia 
estabelecer  nas  suas  terras,  para  que  viessem  outras  e  fossem  então  fe- 
lizes. £lle  já  estava  velho,  não  podia  gosar  d^essa  felicidade,  mas  lem- 
brava-lhes  a  desgraça  que  caiu  sobre  as  terras,  por  causa  do  Cassanje 
que  se  quiz  revoltar  contra  os  soldados  de  Muene  Puto,  etc. 

Disse-lhe  eu  que  lhe  dava  aquella  bandeira,  que  elle  bem  conhecia, 
porque  tendo  de  collocar  uma  num  grande  mastro  em  frente  da  casa  que  ia 
fazer,  também  elle  devia  estimar  ter  uma  na  sua  residência,  porque  era 
amigo  e  um  bom  vassallo  de  Muene  Puto;  mas  a  casa  que  ia  fazer-se, 
precisava  ter  paredes  barreadas  para  durar  mais  tempo  que  as  de  capim. 

De  certo,  responde  o  velho,  quero  a  bandeira  de  Muene  Puto  na  minha 
habitação,  porque  é  signal  que  me  quer  bem ;  e  emquanto  á  sua  casa,  os 
senhores  sâo  brancos  e  eu  sei  os  costumes,  podem  barrear  as  paredes, 
nós  é  que  nâo  podemos. 

Havia-me  prevenido  com  a  bandeira,  porque  tive  o  presentimento  que 
em  elle  vendo  a  nossa  havia  de  ambicionar  uma,  e  isto  porque  no  meu 
trajecto  em  Quíssúh,  encontrei  dois  sobas  do  Jaga,  que  eram  acompa^ 
nhados  de  força  armada  para  uma  guerra  em  Angola  Luiji  e  a  ultima 
levava  uma  bandeira  de  chita  de  rnmagem. 

Estes  sobas,  por  mim  interrogados  sobre  aquelle  apparato  bellico, 
responderam :  que  tendo  morrido  Quifucussa,  o  seu  povo  por  suggestoes  de 
um  tal  Ambumba,  elegera  para  seu  logar  um  protegido  doeste,  e  Andala 
Quissúa,  que  não  desiste  de  seus  direitos  de  nomeação,  mandava-os  guer- 
rear e  dar  o  Estado  a  quem  pertencia. 

Tanto  este  Ambumba  como  Anganga  Anzamba  e  outros,  conside- 
ram-se  portuguezes  e  desligados  de  Andala  Quissiia  e  por  isso  pouco  se 
importam  com  taes  guerras,  e  é  certo  que  um  chefe  de  divisão  com  10 
soldados  Moveis  foi  o  sufficiente  para  convencer  as  taes  forças  que  de- 
viam retirar,  porque  o  novo  Quifucussa  já  estava  confirmado  pela  auc to- 
ridade  portugueza  em  Malange. 

Quando  desenrolei  a  bandeira  para  elle  ver,  inclinou-se  todo  para 
deante,  tocando  com  as  mãos  na  terra,  levou-as  ao  peito  e  bateu  em  se- 
guida três  vezes  uma  na  outra,  o  que  obrigou  a  todos  os  presentes  a  ro- 
jarem-se  no  chão  e  a  imitá-lo. 


336  EXPEDIÇXO  PORTUGDKZA  AO  BIUATIANVUA 

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Despedindo-nos  d*elle  pediu-me  se-lhe  mandava  um  remédio  bom 
para  lhe  tirar  as  dores  que  estava  soffrendo  nas  pernas,  e  na  snpposiçSo 
de  que  seria  rheumatismo  fiquei  de  lh'o  mandar  de  Malange. 

N*e8se  mesmo  dia  com  o  meu  ajudante,  se  escolheu  o  local  para  a 
Estação,  a  que  se  deu  principio  na  manhS  seguinte,  e  tendo  logo  ahi  col- 
locado  um  mastro  com  a  nossa  bandeira,  deu-se  á  futura  estaçio  o  nome 
de  —  Ferreira  do  Amaral. 

Estávamos  a  lõ  de  agosto,  e  em  Loanda  nesse  dia,  todos  prestam 
homenagem  á  memoria  do  grande  feito  do  valoroso  general  Salvador  Cor- 
reia que  libertou  a  cidade  do  jugo  dos  HoUandezes ;  também  nós  aqui, 
lembrando- nos  das  grandes  festas  em  Loanda,  estávamos  prestando  a 
nossa  homenagem  em  nome  da  Expedição  portuguesa,  ao  actual  gover- 
nador de  Angola. 

Aq^  nos  confins  do  dominio,  a  leste  da  provinda  sob  a  feliz  admi- 
nistrado do  conselheiro  Ferreira  do  Amaral,  era  justo  que  a  Expedi- 
ção, deixando  um  monumento  de  sua  passagem  para  o  interior,  con- 
signasse nelle  o  reconhecimento  que  devia  ao  benemérito  governador. 

Neste  mesmo  dia  Andala  Quissúa,  mandou  avisar  todos  os  seus  sobas 
que  eu  contratava  carregadores  para  a  Musumba  do  Muatiftnvua  até  a 
numero  de  duzentos  e  cincoenta,  e  além  d'isso  carregadores  para  irem  a 
Malanje  e  Andala  Quinguangua,  buscar  cargas  para  a  casa  que  ia  fa- 
zer-se  em  Cafuxi ;  e  mandando  me  parte  doesta  resolução  lembrava-me  o 
seu  pedido  de  milingo  (remédio)  para  as  pernas. 

O  meu  regresso  a  Malanje  foi  o  mais  rápido  possível;  partindo  ás  sete 
horas  da  manhã,  ás  quatro  da  tarde  chegava  á  Estação  24  de  Julho, 
depois  de  um  percurso  de  48  kilometros  em  rede,  e  no  dia  seguinte  16, 
ent]'ava  em  Malanje  ás  seis  horas  da  tarde,  tendo  ido  de  Catála  ao  An- 
zaje,  Chissa,  Ângio,  Quissole  e  Aujinji,  onde  me  demorei  hora  e  meia 
em  casa  de  Narcizo  Antouio  Paschoal. 

Em  Malanje,  encontrei  bastante  doente  o  meu  collega  S.  Marques,  sof- 
frendo já  havia  três  dias  em  resultado  de  excesso  de  trabalho  que  tivera 
no  matto,  exposto  ao  sol  ardentíssimo  colleccionando  exemplares  da  flora 
que  lhe  pareceram  de  mais  interesse  para  a  sciencia. 

Animado  pela  companhia  e  medicando-se  devidamente,  foi-se  res- 
tabelecendo felizmente,  e  três  dias  depois  era  eu  atacado  de  uma  gastro- 
enterite,  com  febre  e  rheumatismo,  que  me  obrigou  a  estar  de  cama  al- 
guns dias  e  ainda  hoje  me  sinto  bastante  debilitado. 

Apesar  doestes  meus  incommodos,  o  que  mais  me  tem  contrariado,  é 
não  apparecerem  carregadores  para  a  Mussumba,  no  emtanto  vou  empre- 
gando todos  08  meus  esforços  para  fazer  seguir  todas  as  cargas  para  a 
Estação  Ferreira  do  Amaral  com  gente  de  diversas  proveniências,  pois 
para  esse  serviço  já  os  de  Andala  Quinguangua,  de  Andala  Quissúa,  do 
Lombe  e  do  Sanza,  apparecem. 


DESCRIPÇ20  DA  VIAGEM  337 

Envio  nesta  data,  dirigidos  ao  Ministério  do  ultramar,  alguns  caixotes 
com  collecçòes  sendo  um  d'elles  destinado  para  o  Museu  Ck>lonial,  onde 
vâo  productos  d*esta  região,  como  trigo,  arroz,  café  silvestre  e  outros, 
tudo  de  excellente  qualidade. 

A  cultora  do  trigo,  foi  apenas  um  ensaio  de  C.  Machado ;  lançara  na 
terra  uma  onça  de  semente  doeste  cereal  e  fez  uma  colheita  de  80  kilo- 
grammas  de  esplendida  qualidade. 

Também  vão  dois  volumes  especiaes  de  plantas  devidamente  etique- 
tadas, um  dirigido  ao  Ex."®  Sr.  conde  de  Ficalho  e  outro  ao  sr.  Dr.  Júlio 
Henriques,  de  Coimbra,  segundo  as  suas  indicações  e  conselhos. 

A  respeito  da  dedicação  do  meu  coUega  para  este  género  de  traba- 
lhos, eu  tive  occasião  de  informar  Y.  Ex.*  da  sua  valia  e  por  isso  limito-me 
agora  a  solicitar  a  Y.  Ex.*  se  digne  dar  as  suas  ordens  para  que  os  vo- 
lumes de  collecçòes  e  correspondentes  catálogos  que  as  acompanham, 
bem  como  os  mappas  das  observações  meteorológicas  sejam  enviados  aos 
directores  dos  estabelecimentos  scientifícos  a  que  se  destinam. 

Deus  guarde  a  Y.  Ex.",  Malanje,  22  de  agosto  de  1884.— 111.»»  e  Ex.»» 
Sr.  conselheiro  ministro  e  secretario  doestado  dos  negócios  da  marinha 
e  ultramar.  =  O  chefe  da  Expedição,  Henrique  Augusto  Dia»  de  Carvalho. 

A  S.  Ex.*  O  Governador  Geral  de  Angola. 

Ill."<*  e  Ex."'^*  sr. — Regressando  a  Malanje,  depois  de  ter  visitado  os 
sobas  que  se  comprometteram  a  apresentar  carregadores  para  eu  os  con- 
tratar para  a  Lunda,  e  logo  que  se  me  offereceu  ensejo,  diriji-me  á  co- 
lónia Esperança  e  não  o  partecipei  logo  a  Y.  Ex.*  por  ter  de  enviar  a 
inclusa  communicação  ao  Ministério,  pela  leitura  da  qual  Y.  Ex.*  ficará 
sciente  do  meu  modo  de  pensar  sobre  tão  útil  instituição,  escolha  da  lo- 
calidade para  seu  estabelecimento  e  forma  por  que  se  encontram  aloja- 
dos os  colonos. 

Ahi  deixo  eu  bem  consignado  o  meu  modo  de  ver  sobre  o  estabeleci- 
mento e  sobre  os  trabalhos  iniciados ;  porém  a  Y.  Ex.*  devo  dizer  agora,  que 
o  chefe  da  colónia  de  bom  grado  se  prestou  a  acompanhar-me  a  todos  os 
pontos  onde  se  faz  sentir  já  o  trabalho  dos  colonos,  e  levou  a  sua  deli- 
cadeza a  pedir  a  minha  opinião  sobre  o  projecto,  em  vista  de  preferir 
para  as  novas  culturas  as  terras  baixas  juntas  ao  rio  Cuiji  entre  os  rios 
Yula  Angonbe  e  Sunza,  o  que  me  parece  acertado.  Junto  ao  rio  Cuiji 
para  plantações  de  canna  e  áquem  para  trigo  e  centeio. 

N'estas,  a  dois  metros  de  profundidade,  encontra-se  sempre  agua  e 
uma  bomba  artesiana  indicará  onde  devem  abrir-se  poços  a  determina- 
das distancias. 


338  EXPEDIÇXO  PORTUOtJEZÁ  40  M0ATIÍnVUÁ 

_B^_a^^^^BsaBMKHa^>^^^^— ia^i^^i^i>n__^^^— ^— aiB^i— >~>~^^^->»^^B^^Bi^ii— aaaiaia*»»i*a-^ã<U^>-B-i ^iaa«kAM..M_<Mb.«M^ 

Também  o  chefe  me  desejou  ouvir  sobre  a  canalisaçfto  do  Cuiji  para 
o  centro  das  habitações,  e  como  me  tivesse  feito  acompanhar  de  um  ane  • 
roide,  fácil  me  foi  satis&zer  ao  seu  pedido. 

Das  habitações  ao  Çuiji  e  no  rumo  S.  já  está  feita  uma  larga  estrada 
de  1:500  metros  de  extensão,  accessivel  a  carros  tirados  por  bois,  onde 
se  faz  a  conducção  de  barris  de  agu^  A  differença  de  uivei  é  de  21"',õO. 

Ora,  para  tal  differença  e  n*esta  pequena  extensão,'  creia  V.  £x.*  que 
os  motores  Halliday  para  moinhos  de  vento,  importam,  com  a  tubagem 
precisa,  em  quantia  inferior  á  despeza  a  fazer  com  a  canalisação  que 
nunca  pode  ser  obra  boa,  como  V.  £x.*  não  desconhece. 

Um  deposito  de  ferro  no  centro  da  povoação,  que  se  diz  provisória,  e 
os  tubos,  mesmo  á  superfície  do  solo,  ao  lado  da  estrada,  seria  o  bastan- 
te ;  havendo  a  vantagem  de  se  mudarem  quando  se  queira  e  leval-os  mesmo 
a  irrigar  os  terrenos  que  se  pretenda,  por  meio  de  mangueiras. 

Os  rios  Vula  Angonbe  e  o  Sunza,  nas  proximidades  da  colónia,  en- 
contrei-os  já  seccos  e  por  isso  verá  V.  £x.*,  que  o  que  proponho  é  vanta- 
joso e  económico. 

Quando  regressei  da  colónia,  participaram-me  ter  aqui  passado  uma 
embaixada  de  Cassanje,  recommendada  ao  chefe  e  que  se  dirigia  a 
Loanda  a  comprimentar  V.  £x.*,  e  logo  se  espalhou  que  ella  tinha  por 
fim  pedir  a  V.  £x.*  para  impedir  que  a  nossa  £xpedição  fosse  á  Lunda, 
pois  receavam  os  de  Cassanje,  que  ella  tivesse  em  vista  promover  uma 
guerra  dos  povos  do  Muatiânvua  contra  os  Bângalas.  Procurei  logo  o 
chefe  do  concelho,  que  teve  a  attenção  de  me  mostrar  as  correspondên- 
cias do  chefe  do  Cassanje  a  tal  respeito  e  de  que  V.  Ex.*  terá  conheci- 
mento, e  esta  minha  noticia  apenas  serve  para  prevenir  a  V.  Ex.*  sobre 
boatos  menos  verdadeiros  que  venham  a  propalar-se. 

Do  chefe  do  concelho  solicitei  se  dignasse  enviar  a  V.  Ex.*  os  volu- 
mes das  colleçòes  que  a  Expedição  remette  para  o  Ministério  do  ultra- 
mar. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.«  Malanje,  30  de  agosto  de  1884. —  111.*"®  e  £x."° 
Sr.  conselheiro,  governador  geral  da  província  de  Angola.-^  O  Chefe  da 
Expedição,  Henrique  Auyn^to  Dias  de  Carvalho, 

Da  Secretaria  do  Governo  de  Angola  ao  Chefe  da  Expe- 
dição. 

...Sr. —  Em  resposta  ao  officio  de  V.  datado  de  4  do  corrente,  in- 
cumbe-me  S.  Ex.*  o  governador  geral,  de  dizer  a  V.  que  é  com  muitís- 
simo prazer  que  vê  a  maneira  hábil  por  que  vae  a  Expedição  satisfa- 
zendo aos  preceitos  que  constam  das  instriieções  recebidas  do  governo 
de  Sua  Magestade  e  que  muito  agradece  a  consideração  havida  com  o  seu 
nome,  no  baptismo  de  uma  das  estações  fundadas  pela  missão,  a  qual 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  339 

representa  por  parte  de  Y.  uma  generosa  attenção  que  se  esforçará  por 
merecer,  prestando  á  missão  ainda  de  longe,  todo  o  auxilio  que  em  suas 
forças  caiba  como  é  do  seu  dever  e  sâo  as  instrucções  do  referido  go- 
verno. 

O  mesmo  £x."°  Sr.  mais  me  incumbe  de  dizer  a  Y.  que  seria  conve- 
niente que  o  tenente  Wissemann  escrevesse  o  agradecimento  a  que  Y.  se 
refere  no  citado  ofiicio,  para  poder  documentar  para  a  metrópole,  que 
tendo  recebido  instrucções  para  auxiliar  a  expedição  allemã,  as  tinha 
comprido  a  contento  doesta.  8e  não  for  porém  possivcl  obter  esta  decla- 
ração escripta,  ficará  o  testemunho  da  missão  portugueza  para  certificá-lo, 
comprehendendo-se  todo  o  alcance  do  escripto  a  que  me  refiro. 

Deus  guarde  a  Y.  Secretaria  do  Governo  geral  em  Loanda,  22  de 
agosto  de  1884. —  Ao. . .  Sr.  Chefe  da  Expedição  ao  Muati&nvua  =  ^Z- 
berto  Carlos  d^Eça  de  Queiroz^  Secretario  Geral. 

Carta  do  negociante  Custodio  José  de  Sousa  Machado  ao 
Chefe  da  Expedição. 

Tendo-me  Y.  demonstrado  os  bons  desejos  que  a  benemérita  Socie- 
dade de  Geographia  Commercial  do  Porto  tem  em  desenvolver  o  com- 
mercio  d*aquella  cidade  por  estas  paragens,  verdadeiros  centros  de  pro- 
ducção  e  de  consumo,  venho  satisfazer,  ainda  que  imperfeitamente,  ma» 
tanto  quanto  o  permittcm  as  minhas  acanhadas  forças,  ao  pedido  de 
Y.  Ex.*  remettendo-lhe  as  amostras  com  as  indicações  que  deseja.  Eu,  pa- 
triota humilde  e  sem  voz  auctorisada  para  poder  emittir  a  minha  opinião 
sobre  tão  importante  assumpto,  mas  fundado  na  experiência  com  que  me 
auetorisa  a  hagatdla  de  vinte  annos  de  residência  effectiva  nestas  para- 
gens, estimaria  muito  que  o  commercio  e  a  industria  portuense  viessem 
com  os  seus  productos  concorrer  vantajosamente  com  os  da  industria  es- 
trangeira, que  nós  importamos  por  intermédio  de  alguns  monopolistas 
do  commercio  e  -da  navegação  colonial,  parecendo-me  ser  isto  bem  fácil 
ao  génio  laborioso  e  activo  dos  habitantes  da  cidade  invicta  e,  sobre- 1 
tudo  no  que  respeita  á  industria  algodoeira,  fabricando  tecidos  iguaes  aos 
que  importamos  de  Manchester  e  com  os  quaes  fazemos  a  permutação 
por  géneros  coloniaes  com  o  gentio ;  porque,  tendo  a  metrópole,  como 
tem,  a  matéria  prima  que  importa  das  colónias,  de  desejar  era  que  muito 
mais  de  3.000 lOOOJiOOO  réis  que  Angola  importa  annualmente  de  taes 
tecidos,  ficassem  no  paiz,  alimentando  a  nossa  população  industrial,  evi- 
tando d'est'arte  que,  milhares  de  nossos  compatriotas  fossem  obrigados  a 
abandonar  a  sua  pátria,  levando  para  o  estrangeiro  a  sua  intelligente 
actividade  por  falta  de  applicação  d'ella  no  seu  paiz.  Ora  isto  é  profun- 
damente triste,  mas  verdadeiro. 


340  EXFEDIÇlO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂNynÁ 

Maa  o  que  eu  acabo  de  expor,  agora  mais  do  que  nunca  se  juBtifica- 
ría,  se  a  esses  monopolistas  que  tanto  teem  enriquecido  á  custa  dos  pe- 
sados sacrificios  a  que  tem  subordinado  o  commercio  e  a  navegação  co- 
lonial, lhes  girasse  nas  veias  o  puro  sangue  português.  Mas  nlo  succede 
assim,  e,  em  vez  de  educar  e  alimentar  a  nossa  populaçio  com  industrias, 
cujos  productos  teem  neste  illimitado  paiz  tio  largo  consumo,  preferem 
antes  animar  a  industria  e  o  commercio  estrangeiro,  servindo  apenas 
de  'seus  intermediários,  para  nos  venderem  essas  mercadorias  depois 
de  haverem  tirado  d'ellas  um  fabuloso  lucro,  alem  da  commissSo,  que  se 
lhes  paga  por  tal  serviço !  £  o  estrangeiro,  ao  contrario  do  que  faz  qual- 
quer commerciante,  que  deseja  vender  as  mercadorias  que  tem  no  esta- 
belecimento, fazendo  todas  as  vontades  e  acarinhando  quanto  possível 
o  fireguez  e  muito  especialmente  quando  elle  é  certo  e  nos  paga  pontual 
e  honradamente  o  que  nos  compra,  elles,  os  estrangeiros,  desdenhando 
e  ridiculisando  a  tolice  portugueza — por  lhe  irmos  comprar  o  que  nós 
podíamos  ter  tâo  bom  ou  melhor  em  nossa  casa, — manifestam  a  sua 
gratidão  para  comnosco,  insultando-nos  e  injuriando-nos,  oppondo-se  com 
tenacidade  infrene  á  occupaçâo  do  que  é  nosso — como  o  fizeram  as  ca- 
marás de  commercio,  os  Brights  e  quejandos  em  pleno  parlamento  in- 
glez !  £  nem  com  tudo  isto  os  inimigos  da  pátria  e  das  colónias,  que  nSo 
slo  outros  senão  os  monopolistas  do  commercio  e  da  navegação  colonial, 
longe  de  se  sentirem,  pelo  amor  da  pátria,  de  taes  infiunias,  continuam 
a  procurar-lhes  —  e  talvez  ainda  em  maior  escala,  —  os  productos  da  sua 
industria,  em  vez  de  tirarem  uma  desforra  pacifica  e  muito  honrosa, 
como  era  a  de  fundarem  estabelecimentos  fabris  no  paiz ! 

£u,  em  face  d^isto,  até  creio,  meu  bom  amigo,  que  já  os  estrangeiros 
nos  olham  com  o  máximo  desprezo  pela  pobreza  de  sentimentos  patrió- 
ticos que  os  portuguezes  lhes  patenteam. 

Desculpe,  meu  bom  amigo,  a  rude  linguagem  com  que  me  exprimo, 
e,  se  ella  provocou  em  V.  £x.*  o  seu  desagrado,  espero  que  se  dignará 
relevar-me  d^essa  falta,  se  falta  commette  quem  tem  a  consciência  de 
somente  dizer  a  verdade. 

De  V.     ,  etc.  =  Custodio  J,  de  Sousa  Machado. 


Lista  das  mercadorias  que  mais  convém  para  os  mercados  do  interior  doesta 
parte  da  Africa,  por  ser  com  ellas  que  se  fazem  as  permutações  de  cera,  bor- 
racha e  marfim,  com  os  povos  gentilicos. 

Tecidos 

N.°  1  —  É  o  riscado  americano  chamado  de  2.*  D'ante8,  eram  as  peças 
d*este  riscado  de  18  jardas  e  de  24  pollegadas  de  largura ;  porém  a  am- 


DBSCRIPÇXO  DA  VIAOEM  341 

biçSo  mercantil,  estabelecendo  a  competência  entre  collegas,  diligen- 
ciando cada  um  permutar  mais,  vendendo  mais  barato,  levou-os  a  faze- 
rem encommendas  para  as  fabricas  com  menos  jardas  e  menos  largara, 
vindo  a  peça  dobrada  no  mesmo  numero  de  dobras  que  tinha  quando 
trazia  a  medida  de  18  jardas.  Escusado  será  dizer  que  o  primeiro  que 
fez  uso  doesta  esperteza  d*ella  tirou  a  máxima  vantagem.  Hoje  vem  já 
d*esse  riscado  com  12  jardas  e  18  ou  20  poUegadas  de  largura. 

N*esta  qualidade  de  riscado  ha  um  variado  numero  de  padrões.  Eu 
simplesmente  apresento  essa  amostra  para  por  ella  se  fazer  idéa  do  seu 
tecido  e  preparo.  Ha  n^esse  género  um  outro  riscado  chamado  de  3.*, 
muito  mais  ralo  de  tecido  e  com  o  mesmo  numero  de  jardas  e  poUega- 
das. Mas  para  estes  sertões  não  convém  que  o  mesmo  de  2.*  traga  me- 
nos de  14  jardas  dobradas  em  18  dobras. 

K.<»  2  —  Este  é  o  riscado  tafachis  estreito  de  1.*,  de  14  jardas  dobrado 
em  18  dobras.  E  também  bastante  procurado. 

N.®  3  —  E  o  riscado  tafachis  de  1.*  largo,  também  bastante  procurado. 
Doeste  costuma  vir  de  14  jardas  e  ainda  também  de  18  jardas  e  18  dobras. 

N.®  4 — Sâo  maclussos  estreitos  de  14  jardas  dobrado  em  18  dobras. 

N.<*  õ  —  São  os  mesmos  maclussos,  mas  de  1.*  e  largos.  Costuma  vir 
de  14  e  também  18  jardas,  mas  sempre  dobrado  em  18  dobras. 

N.®  5  —  Chitas  estampadas  de  24  jardas  dobradas  em  24  dobras. 
K^este  artigo  ha  superior,  médio,  inferior  e  o  ordinário  com  mais  ou 
menos  preparo. 

K.<*  6  —  Lenços  de  chita  estampados  de  12  em  peça,  de  diflEerentes  gos- 
tos, mas  de  cores  muito  vivas  e  de  tamanho  regular,  não  convindo  que 
sejam  muito  pequenos. 

N.<*  7 — Baeta  azul  e  encarnada  em  peça  de  60  jardas. 

N.»  8  —  Algodão  ou  panno  cru.  N'este  género  a  variedade  é  enorme 
com  muito  preparo,  conforme  é  mais  ou  menos  ralo.  Costuma  vir  o  mais 
vulgar,  com  20  jardas  dobrado  em  40  dobras  e  com  20,  24  e  30  poUega- 
das. E  também  costuma  vir  com  essas  mesmas  larguras,  mas  com  24,  28 
e  30  jardas,  mas  sempre  dobrado  em  40  dobras. 

Estes  é  que  são  os  tecidos  de  mais  fácil  venda  e  os  mais  usuaes  e 
conhecidos,  o  que  não  obsta  a  que  se  introduzam  outros  para  melhor, 
mas  em  quantidades  moderadas  até  que  o  gosto  se  desenvolva. 


Varies  artigos  de  differentes  industrias 

Cassungos  grossos  (avelorio)  das  cores  azul,  branca  e  encarnada.  Mis- 
sanga  Mana  2.*  grossa,  almandrilha  fina  e  grossa,  missanga  gimbo  grossa, 
missanga  branca  grossa,  coral  apipado  grossa,  alguma  roncalha,  muito 
pouca,  azul  e  branca  e  outras. 


342  EKPEDIÇZO  PORTUQUEZA  AO  MUATIInvuA 

-    Ai  taxas  amarellas  de  nomeros  6  a  8  que  já  modernamente  se  man- 
dam vir  da  Inglaterra. 
'  Os  chapéus  ou  guarda-soes  ordinários. 

As  facas  ordinárias  de  ponta  e  cabo  de  osso,  de  6  poUegadas.para 
cima. 

Arame  amarello  cortado  em  jardas  de  n.<**  4  a  6  (redondo). 

Barretes  de  lâ  e  algodão,  encarnados. 

Cintas  (faxas)  de  lã  e  algodão,  encarnadas. 

Linhas  de  algodão  de  n.<*  20  para  cima. 

Agulhas  (poucas). 

Espelhos  com  capa  de  zinco  redondos  e  com  capa  de  papel. 

Papel  almaço  pautado  e  fino  pautado. 

Armas  lazarinas,  de  coronha  encarnada  e  que  se  fabricam  em  Liége, 
cuja  perfeição  não  se  precisa  admirar. 

Pratos  covos  e  rasos  de  louça  imitando  as  que  fazem  os  inglezes,  que 
tem  grande  consumo. 

Canecas  brancas  e  pintadas  de  bico  e  lízas,  imitando  louça  ingleza 
(idem). 

Canecas  bronzendas  de  melo  litro  e  2  litros,  com  relevos,  e  em  forma 
de  jarros  ou  das  que  no  Porto  se  chamam  infutas. 

Jarros  e  bacias  de  louça,  imitando  louça  fina  ingleza. 

Fechaduras,  á  imitação  das  inglezas,  dobradiças,  pregos,  louça  de 
ferro,  pratos  de  folha  de  Flandres. 

Jarros  e  bacias  de  folha  de  Flandres  pintada. 

Vinho  do  Porto  engarrafado  e  de  pasto. 

Azeite  de  oliveira,  sal,  arroz  e  outros  artigos  de  rancho  e  conservas. 

Galões  de  oiro  falso  de*  differentes  larguras. 

Machetes   (ou  catanas),  enchaiias  de  1  a  2  kilogrammas,  machados 
bem  calçados  de  n.*'  4  a  6. 

Cobertores  de  algodão  com  relevos  estampados. 

Chapéus  de  palha  (ordinários),  bonés  de  borla,  de  panuo  e  de  veludo, 
cores  differentes  —  e  bordados  a  soutache. 

Bijuterias,  anneis,  brincos,  pulseiras,  ete. 

A  S.  Ex.*  o  Ministro  da  Marinha  e  Ultramar. 


Com  respeito  ao  commercio,  continuo  informando  V.  Ex.*  que  a  Expe- 
dição tem-se  visto  na  necessidade  de  comprar  a  fazenda  a  jardas  para 
pagamento  aos  carregadores  na  conformidade  do  ajuste,  e  é  certo  que 
num  total  de  dez  peças  teve  de  dar  proximamente  mais  duas,  por  este 
motivo  exijo  as  contas  dos  fornecimentos  em  jardas  e  não  em  peças. 


DESCRIPÇZO  DÁ  YlÁQEK  343 

Também  nas  transacções  a  pesos,  a  aactoridade  tem  de  intervir  por- 
que é  um  logro  o  que  se  está  praticando.  Nas  pesagens  de  borracha  ha 
arrobas  de  quarenta  e  de  cincoeiíta  libras,  e  isto  muito  contrbue  para  nos 
desacreditar,  quando  taes  operações  sâo  do  dominio  dos  estrangeiros,  não 
porque  elles  os  nào  façam  ainda  peiores,  mas  porque  teem  o  bom  senso 
de  as  fazer  fora  do  alcance  das  nossas  vistas. 

Na  presenle  occasião  está  aqui  um  negociante  allemflo,  Burgmastter, 
por  conta  de  uma  casa  de  Manchester  a  estudar  o  modo  por  que  se  tran- 
sacciona com  o  gentio  e  quaes  os  artigos  de  conunercio  que  este  mais 
procura,  e  por  isso  é  natui*al  que  em  muito  pouco  tempo  comecem  a  sair 
dos  prelos  estrangeiros  as  diatribes  contra  o  commercio  dos  portuguezes 
em  Africa,  e  por  isso  me  anticipo  fazendo  sciente  a  V.  £x.*  do  que  pode 
motivar  tacs  censuras. 

£  tal  ^  a  certeza  que  teem  os  Ambaquistas  que  assim  procedem,  de 
ficarem  incólumes,  que  fazendo  parte  das  comitivas  que  vào  para  o  in- 
terior, ou  mesmo  servindo  de  guias  ou  interpretes  ás  expedições  allemás 
que  desde  1878  aqui  se  organisaram  para  o  centro  do  continente,  para  au- 
ferirem maiores  lucros,  vâo  sempre  preparados  com  novos  embustes  e 
falcatruas,  o  que  tem  motivado  complicações  a  essas  expedições. 

Muito  seria  para  desejar  que  isto  acabasse  e  se  ficasse  sabendo  de 
uma  vez  para  sempre  quaes  as  medidas  legues  e  as  equivalências  entre 
os  artigos  do  commercio  com  o  gentio,  visto  nao  correr  entre  elle  uma 
moeda  com  curso  ofiicial. 

Como  V.  £x.*  verá,  pelas  coutas  que  lhe  forem  presentes,  as  despezas 
com  os  transportes  de  cargas  de  setenta  a  oitenta  libras  dentro  da  pro- 
víncia, regulam  a  20  réis  por  kilometro  e  fora  de  16  a  17  réis,  o  que  na 
verdade  é  muito  barato  attendendo  á  falta  que  ha  de  carregadores  como 
provam  os  documentos  que  juuto. 

Se  o  commercio  tivesse  contribuído,  como  sempre  esperei,  para  auxi- 
liar o  governo  n^esta  £xpediçâo  que  o  interessava,  as  verbas  orçadas 
seriam  suíEcientes,  pois  os  transportes  seriam  pagos  pelos  lucros  das 
transacções,  mas  desde  o  momento  que,  mesmo  o  pouco  que  á  ultima  hora 
os  negociantes  do  i^orto  accusam  enviar,  não  foi  recebido,  a  £xpedição 
para  dar  cumprimento  ás  suas  instrucvoes  tem  de  recorrer  ao  credito  em' 
maior  escala  do  que  era  dado  suppor,  porque  alem  das  despezas  de  trans- 
portes, tem  de  construir  as  £staçòes  e  fornecê-las  pwra  o  tempo  em  que 
a  £xpedição  tem  de  ahi  mantcr-be  ao  menos  para  fazer  os  estudos  que 
lhe  sâo  recommendados  e  satisfazer  a  outros  fins  da  sua  missão. 

A  falta  de  carregadores  tornou-se  tão  geral,  não  obstante  os  muitos 
esforços  que  se  teem  empregado,  que  resolvi  definitivamente,  visto 
achar-me  um  pouco  melhor,  seguir  para  o  Cuango  no  dia  6  do  próximo 
mez  com  o  meu  collega  Marques  e  um  pequeno  pessoal  de  carregadores 
de  que  dispomos. 


344  EXPEDIÇIO  PORTUQUBZA  AO  MUATIÂNVnÁ 

8e  Andala  Quissúa  me  apresentar  os  carregadores  que  me  prometteu 
e  com  os  que  possa  já  ter  eucontrado  o  nosso  outro  coUega  S.  de  Aguiar, 
parece-me  melhor  seguir  já  directamente  para  a  Mussumba  ou  descer  o 
Cuango  até  ao  Zaire  e  subir  depois  com  o  Lulúa  ou  o  Cassai  e  entrar  na 
Mussumba. 

Só  as  circumstancias  e  recursos  ahi  me  poderão  suggerir  o  seguimento 
do  meu  itinerário,  de  que  darei  na  primeira  opportunidade  conhecimento 
a  y.  Ez.*,  certo  que  s&o  os  meus  desejos  descer  o  Cuango,  porque  melhor 
seria  aproveitada  a  despeza  com  triplíce  vantagem  de,  satisfazendo  ás 
nossas  instrucções,  conhecer  da  navegabilidade  dos  rios  mencionados,  da 
influencia  estrangeira  sobre  os  povos  a  norte  e  do  que  ha  a  esperar  do 
commercio  d^essa  região,  quanto  a  mim  já  preferível  ao  da  Lunda. 

Tive  já  occasiáo  de  dizer  a  V.  £x.*,  que  conheci  a  necessidade  de  es- 
tudar as  linguas  doestes  povos,  e  revestindo-me  de  toda  a  paciência,  já 
tenho  um  importante  trabalho,  e  com  o  que  possa  ir  adquirindo  no  campo 
pratico  espero  fazer-me  acompanhar  de  elementos  que  as  auctorídades 
competentes  em  Lisboa  poderão  converter  em  livros  muito  aproveitá- 
veis de  estudo,  como  grammatica,  diccionario  e  mesmo  uma  guia  de  con- 
versação. 

Apesar  de  náo  me  ter  sido  encarregada  tal  tarefa,  creio  náo  será  in- 
fructifera,  náo  só  porque  com  o  tempo  podem  fazer- se-lhe  as  devidas  cor- 
recções e  preparar  um  bom  trabalho  para  estudo  dos  europeus  emprega- 
dos em  Africa,  mas  ainda  para  se  habilitarem  devidamente  os  futuros 
exploradores  a  dispensar  interpretes,  em  geral  sempre  maus,  porque  nem 
dizem  tudo  que  queremos,  nem  nos  previnem  de  tudo  o  que  devem ;  mas 
também,  o  que  julgo  de  muita  vantagem,  poderá  servir  aos  Ambaquistas 
sobretudo  para  se  aperfeiçoarem  na  lingua  portugueza,  a  qual  muito  teem 
transtornado,  transformando  os  nossos  em  vocábulos  ambundos.  £  para 
exemplo  eu  transcrevo  a  interessante  carta  que  um  Ambaquista  dirigiu 
como  secretario  de  um  soba  ao  meu  ajudante  na  estação  Ferreira  do 
Amaral. 

111.""»  sr.  Tenente.  —  Em  primeiro  desculpa  sem  saber  o  honrado  nome 
de  V.  S.'  e  peço  perdão  a  V.  S.'  por  parte  de  Deus  Nosso  Senhor,  a  con- 
fiança de  lhe  dirigir  similhante  esta;  e  como  minha  necessidade  tão  me 
exige  por  isso  humildemente  dirigio-lhc  esta ;  Estou  informado  de  varíos 
meus  patrícios  d'aqui,  em  como  V.  S.*  tem  a  Gulha  de  olhar  para  uma 
pessoa  que  está  muito  distante  de  4  léguas  e  pode  ser  conduzido  por  um 
emzollo  e  por  este  motivo  quero  ver  também  com  meus  olhos ;  e  para  o 
que  no  caso  de  ser  assim,  rogo  a  sua  bondade  comparecer  nesta  minha 
Banza,  resposabilizo  da  jornada  do  meu  senhor  õO:000  que  são  duas 
vaccas  e  um  garrote  que  é  o  nosso  dinheiro  d'aqui.  —  Deus  guarde  a 
V.  S.»  Canbonbo,  29  de  agosto  de  1884.  =  Soba,  Cuigana  Mogongo, 


DESCRIPÇlO  DA  VU6EM  345 

QuerV.  £x.*  saber  do  que  se  trato? 

Pede  o  homem  ao  meu  ajudante  para  ir  á  sua  residência  com  a  ma- 
china  photographica  tirar«lhe  o  retrato,  responsabilisando-se  elle  pelas 
despezas  da  viagem. 

Também  junto  á  copia  de  uma  carta  recebida  ha  dias  por  C.  Machado, 
e  que  lhe  foi  dirigida  pelo  sócio  d'elle  e  de  seu  irmSo,  António  Lopes  de 
Carvalho,  escrípta  da  margem  do  Cassai  e  por  onde  V.  £x.*  verá  o  que 
posso  esperar  dos  carregadores  das  immediaçâes  de  Malanje. 

SSo  sempre  as  chuvas,  as  desculpas  que  os  sobas  dSo  por  nâo  apre- 
sentarem os  carregadores,  mas  realmente  é  verdade  nSo  os  haver. 

Apenas  consegui  vinte  para  a  Mussumba  e  quarenta  até  ao  Cuango, 
mas  estou  cansado  de  esperar  e  sem  probabilidades  que  elles  appare- 
içam;  completam  se  aqui  os  três  mezes  no  dia  6  do  próximo  mez,  de  ob- 
servações meteorológicas  e  seguimos  para  a  estação  Ferreira  do  Amaral, 
pois  talvez  ali  possa  arranjar  mais  alguns  carregadores. 

As  differentes  cartas  que  junto,  provam  bem  que  continuar  aqui,  'é 

tempo  perdido. 

Deus  guarde  a  V.  Ex."  Malange,  30  de  setembro'  de  1884.  —  111."®  e 
£x."<^  Sr.  Conselheiro  Ministro  e  secretario  doestado  dos  negócios  da  ma- 
rinha e  ultramar.  =  O  chefe  da  Expedição,  Henrique  Augusto  Dias  de 
Carvalho, 

Carta  de  António  Lopes  de  Carvalho  a  Custodio  Machado. 

Cula-Muchito,  3  de  maio  de  1884,  ás  10  horas  da  noite. —  Compadre 
amigo  e  sr.  Custodio : 

Estamos  próximos  do  Quicápa,  distantes  do  Cassai  oito  dias  de  jor- 
nada I !  A  malvadez  dos  carregadores  tem  sido  tanta,  que  nos  obrigou  a 
retroceder  para  a  nenzala  de  uns  Qniôcos,  a  fím  de  tomarmos  cont?  do 
resto  das  cargas,  porque  com  gente  tão  péssima  e  perversa  não  se  pode 
terminar  a  viagem.  Os  roubos  teem  sid»  tantos  e  com  tal  descaramento, 
que  alguns  carregadores  tcem  roubado  um  terço  da  carga  que  se  lhes  con- 
fiou para  conduzir.  Para  que  o  amigo  faça  idéa,  limito-me  a  dizer-lhe, 
que  08  onze  carregadores  do  Quanza,  roubaram  perto  de  trinta  peças  de 
riscado  inteiras,  quasi  dev;  de  chitas,  trinta  tangas  e  duas  armas  I  Por 
aqui  já  pode  calcular  quanto  devemos  ganhar. 

Por  tudo  o  caminho,  temos  colhido  informações  do  Cabau,  porém  teem 
ellas  sido  taes,  que  não  sabemos  o  que  havemos  de  fazer  em  tão  triste 
situação.  Todos  dizem  que  os  Biénos  arrasaram  aquolle  ponto  de  tal  for- 
ma, que  para  se  comprar  uma  ponta  de  marfim  são  precisos  cem  mil  ba- 
gos de  búzio  (12-A)  independente  de  almandrilha  que  já  não  acceitam 
aos  fios  mas  sim  aos  massos  e  outro  sortimento.  Ora,  sendo  doesta  forma, 
não  podemos  salvar  metside  do  capital  com  que  d*ahi  saimos. 

83 


346  EXPEDIÇZO  POBTOGUESA  AO  KDATIÍKVIIA 

Os  carregadores  do  Bondo,  tem-se  distíngnido  no  roubo  por  todo  o 
minlio ;  a  almandrilha,  biuio  e  missanga  tem  andado  numa  poeira.  Do  sal 
já  nio  existe  metade. 

Nio  tem  sido  a  necessidade  qne  os  tem  obrigado  a  roubar,  mas  sim 
a  malvados,  porque  s6  de  raç2o  já  nos  teem  comido  5  peças  e  meia  cada  nm. 

Estamos  pois  no  sitio  dos  Qoiôcos,  aos  qnaes  eomprámos  dnas  pontas 
de  marfim  com  120  kilogrammas. 

Colhendo  informações  dos  Qoiôcos,  indicaram-nos  on  ponto  onde  ba 
mnito  marfim  a  troco  de  bnâo  e  contaria. 

Aqaelles  promptificavam-se  a  levar>nos  á  tal  regilo  mediante  a  grati- 
ficaçio  de  oito  mil  bagos  de  bosio,  quatrocentos  de  almandrilha,  dnas 
campainhas  e  algnma  fazenda  para  vestir. 

A  regiio  a  qne  me  refiro  é  talvez  no  2*  de  latitnde  entre  o  Loango  e 
Cassai,  acima  da  confluência  do  primeiro,  dois  dias  mus  para  o  norte  e  i 
embocadura  do  Lulua,  onde  está  o  mysterioso  Lucuengo. 

Besolvemos  pois  seguir  para  o  norte,  e  chamando  os  patrões  dos  car- 
regadores fizemos-lhe  ver  a  nossa  nova  resoluçlo  e  os  motivos  que  nos 
obrigou  a  tal ;  elles,  porém,  acceitaram  i^>parentemente,  mas  combinan- 
do-se  todos  para  nos'  exigirem  dez  peças  de  fazenda  cada  um,  que  vinha 
a  ser  o  mesmo  que  recusar,  de  forma  que  náo  temos  o  direito  de  escolher 
o  ponto  que  nos  convenha ;  aqui  quem  manda  s2o  os  carregadores  e  te- 
mos de  andar  ao  capricho  d^elles. 

Considerflmo-nos  pois  desgraçados,  a  única  taboa  de  salvaçlo  era  a 
viagem  para  o  norte,  porém  estes  infames  privam -nos  de  nos  salvarmos, 
dizem  que  os  mandaram  para  o  Labuco,  nâo  querem  saber  se  ha  negocio 
ou  se  deixa  de  o  haver. 

O  Quiluange  então,  todo  o  seu  empenho  é  presentear  o  Muquengue 
com  as  nossas  pessoas  c  tudo  quanto  levámos,  contando  receber  d*aquelle 
potentado,  grande  gratificação  por  tal  presente. 

£  á  vista  d*isto,  tratámos  de  ver  se  pod  amos  convencer  alguns  carre- 
gadores para  seguirem  para  o  norte  com  um  de  nós  e  o  outro  continuar 
para  o  Lubuco  com  o  restante. 

Apenas  podótnos  convencer  os  Ma-Songos  e  os  do  Bango,  mediante 
três  peças  de  pagamento  a  cada  um. 

Ficámos  pois  tratando  d'cstc  negocio  c,  tendo  muito  que  fazer,  n&o 
podemos  ser  mais  extensos.  Desejo- lhe  saúde,  e  até  outra  occasiâo. 

Seu  compadre,  amigo,  obrigado  c  criado,  António  Lopes  de  Carvalho. 

Cartas  do  negociante  Narciso  António  Paschoal  ao  Chefe  da 
Expedição. 

. .  .8r. —  Presente  da  estimada  carta  do  v.  ,  datada  de  hoje ;  vou  em 
primeiro  logar  agradecer  os  seus  cumprimentos  que  retribuo,  desejando- 


DESCRIPÇXO  DA  VIAOEM  347 

lhe  a  continuação  da  sua  saúde;  eu  continuo  encommodado,  sendo  este  o 
motivo  de  ainda  não  poder  dar  aki  uma  chegada. 

Aos  seus  criados  dei  o  recado  para  se  dirigirem  aos  sobas  a  fim  de  ar- 
ranjarem os  carregadores ;  eu  já  providenciei  para  me  trazerem  todos 
que  podessem  ajuntar;  mas  ainda  não  me  appareceram  e  apenas  pude 
agora  arranjar  o  homem  portador  doesta,  para  contratar  com  V.  a  fim 
de  seguir  com  elle  na  sua  missão,  este  homem  esteve  muitos  annos  em 
Loanda,  e  tem  bastante  pratica  da  gente  e  costumes  do  sertão. 

Quando  despachar  os  portadores  para  Cassanje  devem  elles  passar 
aqui  para  receberem  a  carta  para  o  chefe  de  Cassanje,  assim  como  re- 
commendar  ao  pessoal  a  maneira  por  que  devem  entrar  naquelle  concelho. 

O  homem  que  remetto  tem  conhecimento  com  os  sobas  que,  como  do 
costume  abonam  os  carregadores ;  por  isso  com  grande  facilidade  pode 
ir  engajando  os  carregadores,  dirigindo-se  aos  sobas. 

Sem  assumpto  para  mais,  subscrevo-me  com  toda  a  consideração 

De  V.  ,  etc.  Angingi  Acabari,  18  de  julho  de  1884.  — ...  Sr.  major 
Henrique  de  Carvalho.  =  Narciso  António  Paschoal, 

. .  .Sr. —  E  portador  doesta  o  seu  criado  que  tinha  vindo  ao  engaje  de 
carregadores  que  não  pôde  obter  nessa,  disse-me  que  alguns  sobas  pediam 
que  lhes  adiantasse  alguma  vestimenta,  mas  é  uma  desculpa  simples,  e 
como  08  conheço,  querem  enganar  a  V.  ,  porque  sei  que  alguns  sobas 
estão  compromettidos  com  carregadores  para  diversos  negociantes. 

O  homem  que  eu  mandei  no  outro  dia  para  guia  de  V.  ,  passou 
aqui  hontem  tcndo-lhe  recommendado  para  hoje  seguir  para  o  Sanza, 
a  fim  de  engajar  os  carregadores  que  lhe  foram  recommendados  por 
V.  ,  e  vendo  a  vontade  da  parte  d^elle,  creio  que  o  ha  de  conseguir 
muito  breve. 

Sube  do  mesmo  homem  que  V.  tencionava  mandar  uma  offerta  ao  jaga 
de  Cassanje  por  uns  Caquatas  que  me  consta  estarem  ahi  no  concelho 
os  quaes  já  estão  naturalisados  Bângalas,  por  terem  gasto  todas  as  impor- 
tâncias que  traziam  do  Muatiânvua  a  seus  negócios,  não  podendo  por 
este  motivo  voltarem  para  a  Lunda,  e  cresce  mais  que  elles  não  podiam 
entregar  pessoalmente  a  offerta  para  o  jaga,  por  não  se  corresponde- 
rem com  o  referido  jaga  dl  Cassanje,  e  mesmo  acho  desnecessário  fa- 
zer similhante  offerta,  visto  V.  não  tencionar  passar  nas  terras  de  Cas- 
sanje. 

Eu  acho-me  um  pouco  melhor  mas  muito  fraco ;  tenciono  fazer  uma 
visita  a  V.    mesmo  para  fatiarmos  sobre  certos  assumptos  da  sua  missão. 

Desejo  que  continue  de  perfeita  saúde,  e  sou  com  estima  e  conside- 
ração. 

De  V.  ,  etc.  Angingi  Acabari,  20  de  julho  de  1884. — . . .  Sr  major. 
Henrique  de  Carvalho.  =  Narciso  António  Paschoal, 


348  EXPEDIÇÃO  PORTUOUESA.  AO  MUATIÂNVUA 

Carta  de  Lourenço  Gt>nçalyes  dos  Santos  ao  Chefe  da  Ex- 
pedição. 

. .  .Sr. —  Começando  desde  Ngio,  aonde  sou  residente  e  seguindo  para 
Loximbi,  Ndala-Samba,  Xiça,  e  até  neste  ponto  aonde  cheguei  hontem 
no  Lngaj  amento  de  carregadores,  conforme  as  ordens  de  v.  ,  n2o  me  foi 
possível  conseguir  nenhuns  em  todos  os  sitíos  a  que  me  refiro,  para  pe- 
garem em  cargas  para  Lunda,  por  a  maior  parte  dos  pretos  ter  sido  en- 
gajados pela  Expedição  allemã,  e  outros  aproveitando  esta  comitiva,  se- 
guiram para  o  interior  a  seus  negócios,  não  obstante  que  empreguei 
todos  os  meios  ao  meu  alcance  n^este  serviço,  para  satisfAzer  as  respei- 
táveis ordens  de  v.  O  resto  de  alguns  pretos  que  encontrei  em  algumas 
sanzallas  dizem  que  só  se  prestam  a  transportarem  cargas  do  Dondo 
para  este  concelho  e  vice-versa,  por  isso  a  este  respeito  espero  segundas 
ordens  de  y.  ,  e  no  cazo  de  ser  preciso  engajar  carregadores  para  este 
fim,  mandar-mc  um  garrafão  de  aguardente  e  um  barril  de  pólvora,  tudo 
para  prezentiar  os  sobas  que  devem  afiançar  os  carregadores,  porque 
com  feizenda  vejo  que  nada  posso  fazer,  tanto  que  a  que  V.  me  deu  ainda 
existe,  bem  como  um  bocado  de  sal  para  tempero. 

Aguardo  a  resposta  de  V.  por  este  portador  e  subscrevo-me  com  a 
maior  veneração 

De  V.  Servo  respeitador.  Sanza,  26  de  julho  de  1884. — . .  .Sr.  Major 
Henrique  de  Carvalho.  ^  Lourenço  Gonçalves  dos  Santos. 

N.  B. —  Alguma  cousa  que  sobrar  nas  despezas  que  eu  fizer  com  os 
carregadores,  voltará. 

...Sr. —  HoDtem  chegxiei  neste  sitio  vindo  de  Cafuxi.  Nao  podendo 
aprcsentar-me  a  V.  por  ter  viudo  incominodado  na  saúde,  cumpre-me 
participar  a  V.  ,  que  tendo  percorrido  diverças  sanzallas  dos  Bandos, 
no  ingaj amento  de  carregadores,  foram  baldadas  todas  as  minhas  dele- 
gencias  por  os  pretos  de  aquelles  sitios  nào  lhes  convir  pegarem  em  car- 
gas para  Muatiauvo. 

Esta  difficuldade  que  se  tem  oÔereeido  neste  serviço,  tem-me  desani- 
mado inteiramente,  de  continuar  a  ser  empreçado,  e  desde  já  despeço-me 
das  suas  ordens,  com  grande  sentimento  de  Y.  ,  simples-ment»*  por  nào 
ter  a  felicidade  de  colher  a  estima  dos  meus  patrões  por  me  faltar  a  oc- 
caziáo  de  boni  ezito  dos  meus  serviços  e  da  comissão  a  que  tenho  sido 
ordenado,  por  que  nào  obstante  que  de  minha  parte  nao  tem  havido  a 
mínima  nipligencia  de  empregar  os  esforços  para  engajar  carregadores, 
porém,  prende-me  a  consciência  por  nào  poder  satisfazer-se  inteiramente 
aos  dezejos  de  V.  Dos  carregadores  de  Talla  Mungongo  que  ha  dias  fiii 
engajar,  hontem  apresentaram-se-me  os  cabos,  dizindo  que  concordaram 


DESCBIPÇAO  DA  VIAGEM  349 


pelo  pagamento  que  V.  lhes  havia  offerecido  para  a  viagem  a  Landa  com 
cargas,  e  que  deixaram  os  outros  em  viagem  para  cá ;  estou  á  espera 
delies,  e  quando  chegarem,  irei  com  elles  á  prezença  de  V.  para  eflTei- 
tuar-se  o  pagamento  do  carreto,  e  por  aquelle  serviço  V.  determinará  a 
minha  gratificação. 

Com  toda  a  consideração  subscrevo-me 

De  V.  venerador  servo  e  obrigado,  Angiò,  4  de  setembro  de  1884. — 
...Sr.  major  Henrique  de  Carvalho.  =  Z^ourenço  Gonçalves  dos  Santos. 

Carta  dx)  Soba  Andala  Qiiissúa  Andombo  ao  Tenente  Aguiar. 

II."**  Sr. —  Recebi  a  honrada  carta  de  V.  S.'  com  data  de  20  do  corrente, 
que  acompanhou  uma  peça  de  chita,  um  barril  de  pólvora,  e  (3)  três  bo- 
tijas de  agua  ardente,  que  por  sua  generosidade  mandou-me  offerecer,  e 
mil  vezes  muito  obrigadissimo  Fico  certo  da  chegada  de  V.  neste  sitio, 
de  meu  filho  Ndala  QuinguanguH,  assim  o  trabalho  que  tem  ahi  de  mandar 
fazer  a  pousada  (fundo),  para  qualquer  nep:ociador  que  por  ahi  transitar, 
conforme  as  ordens  de  Sua  Magestade  Fidelíssima,  a  quem  Deus  guar- 
de, e  estimarei  que  cumpra  os  ditas  ordens,  para  ganhar  a  victoria.  De- 
pois de  concluir  o  trabalho  de  ahi,  aqui  m'achará  ás  ordens,  para  esco- 
lher o  sitio  que  quizer,  para  fazer  outra  casa  como  aquella.  A  respeito 
dos  carregadores,  até  quando  chegar  aqui  o  ...  Sr.  major,  que  die  ter 
ficado  em  Malange,  e  por  consequência  V.  S.*  pode  fallar  a  meus  filhos,  que 
estão  vizinhos  com  o  dito  Andala  Quinguangua,  para  ver  se  arranjão  ahi 
alguns  carregadores  para  irem  em  Malanje.  Estimei  as  medidas  que  Sua 
Ma<;estade  Fidelíssima  tomou,  de  mandar  a  Expedição  portugueza  para 
o  Matianvo. 

Chegando  aqui  V.  e  o  ...  Sr.  major,  poderão  fallar  bem  com  os  carre- 
gadores que  quizcrem  ganhar,  para  levarem  as  cargas. 

Concluo,  desejando  a  Y.  S.'  a  mais  perfeitíssima  saúde  e  ventura,  e  eu 
fico  de  saúde,  e  assentado  em  um  logar  por  causa  da  minha  idade  avan- 
çada, e  sou  por  ser  com  respeito 

De  V.  S/  seu  súbdito  muito  obrigado  e  criado.  Banza,  28  de  julho  de 
1884.  — . . .  Sr.  tenente  ajudante  Aguiar.  —  Sobba,  Ndala  QuisstM  Ndombo, 

P,  S. —  Sciente  do  bom  tratamento  que  lhe  está  fazendo  o  meu  sobor- 
dinado  filho  Ndala  Quinguangua,  conforme  V.  mandou-me  dizer  na  sua 
estimada  carta,  e  muito  estimarei  que  elle  continue,  como  subordinado 
portuguez. 

Carta  de  Custodio  Machado  ao  Chefe  da  ExpediçSo. 

Sr. —  Em  resposta  ao  estimadíssimo  officio  que  V.  se  dignou  dirigir-me 

com  a  data  de  hoje,  cumpre-me  franca  e  lealmente,  dizer-lhe  o  seguinte: 

O  que  mais  tem  concorrido  para  se  não  obter  o  numero  de  carrega- 


350       EXPEDIÇXO  PORTCGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

dores  que  V.  deseja  para  a  Lunda,  é  a  extrema  falta  que  presentemente 
ha  d^elles  para  toda  a  parte,  depois  que  a  nossa  expedição  mercantil  le- 
vantou para  a  A&ica  equatorial,  seguindo-se-lhe  depois  a  expedição 
seientifica  allemâ,  que  V.  ainda  veio  aqui  encontrar,  e  a  qual,  primeiro 
que  se  lhe  engajasse  o  numero  que  precisava,  levou  seis  mezes,  tempo 
este  que  tiveram  de  residência  na  minha  casa.  Todavia  eu,  ainda  assim, 
não  me  tenho  poupado  a  diligencias  nem  a  esforços  por  toda  a  parte  e 
já  mesmo  antes  de  V.  checar  a  esta  terra,  para  lhe  engajar  o  maior  nu  • 
mero  possível,  mas  tudo  inutilmente. 

Não  sei  a  quem  V.  se  quer  referir  na  ultima  parte  do  seu  citado  of- 
ficio.  Da  minha  parte  cumpre-me  confíimar  aqui  o  que  disse  na  minha 
carta  particular  que  V.  recebeu,  quando  chegou  a  Loanda,  que  vinha 
luctar  com  a  grande  escassez  de  carregedores,  pois  que  também  cá  se 
achava  estacionada  a  expedição  allemã  por  essa  causa. 

Mais  me  cumpre  informar  a  V.  ,  que  para  a  Lunda,  não  ha  hoje 
aquella  influencia  de  negocio  que  já  houve  noutros  tempos,  dando  o  preto 
carregador  preferencia,  em  ir  antes  para  o  Lubuco  (Tu-Chilangues), 
aonde  encontram  quem  lhes  forneça  mulheres  para  os  servir,  por  todo  o 
tempo  que  lá  residirem  e  aonde  se  lhes  dá  de  comer,  gosando  assim  e  a 
seu  modo  e  em  larga  escala  e  sem  lhes  ser  preciso  pagar  a  mais  insigni- 
ficante despeza,  o  que  já  lhes  não  succede  na  Lunda. 

Eis  tudo  que  me  cumpre  responder  a  V. 

Deus  guarde  a  V.  etc.  Malanje,  25  de  setembro  de  1884. — - .  .Sr.  ma- 
jor Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho,  chefe  da  expedição  á  Lunda.  s= 
Custodio  J,  de  Sousa  Machado, 

Carta  da  firma  Sousa  Lara  &  C.*,  ao  Chefe  da  Expedição. 

. . .  Sr. — Com  a  approximação  das  chuvas,  os  carregadores  recusam-se 
formalmente  ao  ganho  de  cargas,  tanto  para  o  interior  como  para  o  Dondo- 

Temos  empregado  todos  os  meios  ao  nosso  alcance  para  conseguirmos 
o  cumprimento  do  pedido  feito  por  W.  ,  porém  tudo  tom  sido  baldado, 
embora  mesmo  tenhamos  feito  avultadas  promessas  aos's<)bas  pelo  enga- 
jamento de  carreguílores,  e  tenhamos  também  ofterecido  avantajados  pa- 
gamentos para  assim  animar  os  pretos  a  fazerem  parte  da  Expedição  de 
que  V.     é  mui  digno  chefe. 

V.  pode  crer  que  iiao  é  por  negligencia  nossa  que  temos  deixado  de 
dar  cumprimento  a  seu  pedido,  porém  está  conhecido  ser  esta  a  peior 
quadra  para  o  engajamento  de  carregadores,  e  profundamente  sentimos 
não  podermos  sor  úteis  a  V. 

Deus  guarde  a  V.  ,  etc.  Malanje,  25  de  setembro  de  1884. — ..  .Sr. 
Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho.=  p.  p.  de  Sousa  Lara  &  C.*, «/.  M, 
de  Freitas, 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  351 

Do  Chefe  do  concelho  de  Malanje  ao  Chefe  da  Expedição. 

. . .  Sr. — Em  resposta  ao  officio  que  v.  hontem  me  dirigiu,  cumpre-me 
dizer  que  effectivamcnte  tem  solicitado  de  mim,  varias  vezes,  para,  pelos 
sobas  do  concelho  sob  minha  administração,  se  alcançarem  os  carregado- 
res indispensáveis  á  Expedição  de  que  v.  é  mui  digno  chefe,  e  sei  per- 
feitamente que  V.  tem  animado  os  sobas  com  presentes  de  valor,  oflfe- 
rccendo  o  pagamento  de  dez  peças  de  fazenda  aos  carregadores  que  se 
promptiíicassem  a  marchar  para  o  ponto  destinado,  mas  é  certo,  que  além 
dos  presentes,  e  pagamento  aos  mesmos  carregadores  v.  nâo  tem  podido 
engajar  o  numero  de  carregadores  precisos,  e  nem  eu  tenho  conseguido 
que  os  sobas  apresentem  esses  carregadores,  porque  os  mesmos  sobas  di- 
zem-me  sempre  que  a  maior  parte  dos  seus  filhos  seguiram  para  o  Lu- 
buco,  levando  cargas  da  expedição  mercantil  dos  irmãos  Machados  e  da 
Expedição  allemã,  e  outros  a  seus  negócios  naquelle  sertão,  e  ainda  ou- 
tros empregados  no  transporte  de  cargas  do  commercio,  que  elles  prefe- 
rem, d*aqiii  ao  Dondo  e  vice-versa,  por  não  lhes  convir  irem  com  cargas 
a  tão  grande  distancia  como  é  a  Luuda,  aonde  se  destina  a  Expedição. 

E  esta  a  rasão  da  contrariedade  que  tem  havido  no  engajamento  dos 
carregadores,  e  a  desculpa  que  os  sobas  me  teem  dado. 

Deus  guarde  av.  etc.  Malanje,  26  de  setembro  de  1884. — ...Sr. 
chefe  da  Expedição  Portugueza  ao  Muatiânvua.=  O  chefe  do  concelho, 
Nicolau  Victor  Edmgçs  Braf/ner,  capitão. 

De  Alfredo  José  de  Barros  ao  Chefe  da  Expedição. 

. . .  Sr. —  Respondendo  ao  officio  de  24  do  corrente  mez,  devo  dizer  a 
V.  ,  que  me  tem  sido  difficil  o  engajamento  de  carregadores  como  em 
tempo  asseverei  a  v. 

Tenho  empregado  estas  diligencias,  despachando  empregados  meus 
(musumbos)  aos  sobas,  não  tem  sido  possivel  convencê-los,  mesmo  ofie- 
recendo-lhes  um  pagamento  avultado,  allegando  que  em  virtude  de  esta- 
rem próximas  as  chuvas  vão  empregar-sc  na  cultura. 

Como  V.  deve  saber,  o  concelho  está  completamente  esgotado  de  car- 
regadores, porque  quasi  todos  foram  para  o  interior  da  Lunda  e  Quiôco, 
engajados  pelos  Srs.  Saturnino,  e  tenente  Wissemann,  chefe  da  expedição 
allemã,  além  de  outros  que  preferiram  dedicar-se  ao  seu  commercio  ali, 
prescindindo  o  carreto. 

Em  consequência  do  que  levo  dito,  já  v.  vê  que  nada  posso  conseguir 
dos  ditos  carregadores,  sentindo  não  ter  o  gosto  de  satisfazer  o  seu  pedido. 

Deus  guarde  a  v.  etc.  Malanje,  27  de  setembro  de  1884. — . .  .Sr.  ma- 
jor Henrique  de  Carvalho,  chefe  da  Expedição  Portugueza.=  Alfredo 
José  de  Barros, 


S62  sxpKDiçXo  FonraouEiâ  lo  mdâtiíhviia 

De  Francisco  José  Esteves  ao  Chefe  d*  Ezpediçlo. 

. .  .Sr. — Em  resposta  ao  oficio  de  ▼•  de  85  do  proiimo  passado, que 
s6  liontem  recebi,  cnmpre-me  dixer-Ihe :  É  verdade  qae  v.  me  pedia  ha 
já  tempo  paim  contratar  carregadores  para  o  serviço  da  Eipediçio  Por- 
tngnesa  4  Landa,  da  qaal  y.  ó  digno  chefe,  ainda  qàe  pagando-oa  a 
des  peças  de  fiuenda,  pagamento  saperior  ao  qae  ó  de  eostame  para 
a  capital  do  sertão  da  Landa;  fis  porém  todos  os  esforços  ao  mea  alcance 
para  os  obter,  mas  infelizmente  nÍo  me  íbi  isso  possiyeL  Por  nltimo  pe- 
dia-me  v.  para  lhe  engajar  alguns  psra  o  Caango,  visto  os  nio  poder 
engajar  para  a  Landa,  o  qp»  ea  promettí,  por  me  parecer  isso  mrài  fiuil 
visto  a  distancia  ao  Caango  ser  mais  carta  e  por  isso  de  menos  demMm» 
Se  V.  nio  tem  consegoido  obter  carregadores  para  a  Landa  é  eerta- 
mente  isso  devido  a  qae  o  carregador  na  presente  estaçlo,  dedicasse 
mais  4  coitara  do  qae  ao  carreto,  para  aproveitar  as  primeiras  elra« 
vas;  é  esta  ama  contrariedade  a  qae  também  o  connnereio  do  interior 
est4  sujeito  todos  os  annos  nesta  epocha,  e,  qae  só  de  fevereiro  em 
deante  melhora. 

Algans  sobas  a  qaem  ea  fallei  para  procararem  carregadores  para  a 
Landa,  apresentaram-me  idéas  assustadoras  sobre  o  Maata  lanvo^  qae  se 
14  fossem  lhes  custaria  as  cabeças,  etc,  etc,  e  qae  Aisíb  fiusilmente  se 
arranjariam  para  o  Lubuco,  parece-me,  porém,  qae  estas  idéas  se  lhes 
desvaneceriam,  se  como  já  disse  o  tempo  fosse  propicio. 

Deus  guarde  a  v.  ,  etc.  Catalã,  1  de  outubro  de  1884. — . .  .Sr. major 
Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho,  chefe  da  Expedição  Portuguesa  4 
Lunda.  s=  Francisco  Joêé  Eêteves. 

Do  Secretario  da  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa  ao 
Chefe  da  EzpediçSo. 

. .  .Sr. — Accuso  a  recepção  do  officio  de  v.  ,  de  29  de  jalho,  e  dos 
documentos  que  o  acompanham.  Na  próxima  sessSo  terei  o  gosto  de  com- 
municá-los  á  nossa  Sociedade  que  não  deixará  de  congratular- se  pelas 
noticias  auspiciosas  da  expedição  que  v.  dignamente  dirige  e  de  fuer 
os  mais  calorosos  votos  pelo  seu  melhor  êxito. 

São  interessantes  as  informações  que  v.  nos  communica  acerca  da 
expedição  Machado  e  do  bom  acolhimento  feito  pelos  beneméritos  con- 
cidadãos doeste  nome  av.    e  á  sua  missão  utilissima. 

O  desvio  imposto  por  circumstancias  supervenientes  ao  itinerário  que 
V.  contava  poder  seguir,  não  me  parece  diminuir  o  interesse  scientifico 
e  commercial  da  expedição  que  v.  dirige,  sendo  de  esperar  que  sob 
aquelles  dois  aspectos,  possa  v.  com  a  sua  boa  vontade  e  dedicação 
prestar  ao  paiz  informações  e  serviços  de  considerável  importância. 


DESCRIPÇZO  DA  VIÂOBM  353 

Para  nós,  hoje  mais  do  que  nunca,  o  interesse  nacional  da  consolida- 
ção e  segurança  da  nossa  influencia  e  das  nossas  relações  prestigiosas 
no  sertão  africano,  impõe*  se  como  o  primeiro  objectivo  das  expedições 
portuguezas. 

Promover  a  communicaçSo  e  o  trafico  licito  entre  os  nossos  portos  e 
territórios  occupados  e  as  regiões  do  interior;  assegurar  que  os  cami- 
nhos se  conservam  abertos,  e  firmar  as  sympathias  e  o  prestigio  da  ac- 
ção portugueza  como  acção  de  paz  e  civilisação  respeitadora  dos  direitos 
e  dos  poderes  constituídos,  aproveitar  prudentemente  todas  as  occasiÕes 
que  se  offereçam  para  convidar  os  potentados  indígenas  ao  commercio 
licito  com  08  portuguezes,  ao  abandono  do  trafico  escravista  e  ao  bom 
acolhimento  dos  nossos  missionários  e  negociantes,  fazer  neste  sentido  as 
convenções  que  pareçam  convenientes  a  exercer  directamente  ama  inter- 
venção amiga  e  justa  nas  questões  e  nos  antagonismos  sertanejos ;  final- 
mente, vigiar  e  desarmar  por  todor  os  meios  a  intriga  com  que  os  explo- 
radores e  missionários  estrangeiros  manifestamente  teem  procurado  e 
procuram  alheiar  de  nós  o  respeito  e  a  affeição  dos  naturaes  e  deslum- 
brá-los com  promessas  e  ameaças  do  poder  dos  seus  respectivos  paizes : 
são  propósitos  que  não  podem  deixar  de  ter  merecido  e  de  continuar  a 
merecer  ao  esclarecido  esforço  e  critério  de  v.  uma  particular  attenção, 
e  cuja  feliz  e  habíl  realisação  temos  como  certo  que  fará  a  gloria  da 
expedição  commandada  por  v 

Reiterando  os  votos  que  faço  pela  prosperidade  d'ella  e  de  v.  ,  cum- 
pre-me  assegurar-lhe  que  a  Sociedade  de  Gkographia  estima  continuar 
a  receber  as  commuuicações  que  v.    entenda  dever  fazer-lhe. 

Deus  guarde  av.  —  Casa  da  Sociedade,  4  de  outubro  ne  1884. — ... 
Sr.  Henrique  de  Carvalho,  sócio  da  Sociedade  e  chefe  da  Expedição  ao 
Muatiftnvua. »-  O  secretario  perpetuo,  Luciano  Cordeiro, 

A  S.  Ex.^  O  Ministro  e  Secretario  d^Estado  dos  Negócios  da 
Marinha  e  Ultramar. 

111.""  e  Ex."»  Sr. —  Já  um  pouco  restabelecido  dos  meus  padecimentos, 
e  havendo  sido  infruetiferas  todas  as  diligencias|para  alcançar  aqui  mais 
carregadores,  parte  amanhã  o  resto  da  Expedição  para  a  Estação  Fer- 
reira do  Amaral,  na  esperança  de  se  demorar  ahi  pouco  tempo. 

Avançando  a  Expedição,  julgou- se  conveniente  fazer  acondicionar  de- 
vidamente as  novas  collecções  adquiridas  até  esta  data,  e  tanto  dos  seus 
catálogos  como  dos  mappas  das  observações  meteorológicas  feitas  até 
agora,  envio  copias  com  este  officio,  para  serem  remettidas  ás  estações 
competentes. 

A  Expedição,  pela  boa  recepção  e  acolhimento  que  teve  na  provinda 
de  Angola,  consigna  no  seu  diário,  ao  deixar  Malanje,  o  seu  muito  reco- 


354 


XZPBDIÇXO  POKTOmneU  JU>  MDAnlBVUÁ 


abetíncoto  ao  Couselheifo  gOTenudor  gval  «  »  todaa  m  wetaridioJc» 
Mmedbiâa  qa«  lhes  «So  rabordiíudaa,  e  minda  aos  ludntntM  dM  povo»- 
ç9m  oode  por  algnm  tempo  teve  de  demcwv-M,  pois  todas  á  poitiK, 
M^nndo  M  meioa  e  reeorsos  de  qne  di^mnlum,  dencoetnnB  fuato 
IbeB  cift  BTinpftthícft  esta  Ex^ediçlo. 

llani&itBçSea  bSo  estma,  a  qne  a  Espediçio  i-nteiide  corres pondi-r  em- 
pngaado  todo*  oe  meios  ao  sen  alcance  para  snlÍBlazcr  durante  a  suii 
Buuio  aoa  desejos  de  V.  £x.%  qne  sSo  também  o^  iir>  aigntttario. 

HaUi^e,  10  de  ontobro  de  18B4.— HL-*  e  Ez."  Sr.  Oraeelhciro  Mi- 
idatro  e  Mcretario  d'eBtado  dos  negócios  da  marinha  e  ultrunar.^O 
l&efe  da  Expedíçio,  Btnnq»Êe  ÂMgtuto  Díoê  d;  Carvalho. 


Ao  Chefe  do  concelho  de  Cambambe. 

XSL"  e  Ex."*  Sr. — Aos  enidados  de  V.  Ex.%  kÃo  rrracttidoa  com  des- 
tino ao/Ex.""  GoremadoT  da  provincia,  luna  mala,  sete  caixotes,  seis 
guolaa,  nm  fardo  o  nm  Toinme  gradeado,  para  que  ^.  Ei.*  dé  as  snaa  or- 
dens para  serem  euTÍados  ao  Ministério  da  marlnhiL  e  nltramar. 

Os  anímaes  precisam  ser  sustentados  do  Domio  ein  dcaiite,  c  en  soli- 
cito de  T.  Es.*  a  sua  attenclo  para  que  Ibes  oíIij  falte  o  ilpvido  alimeuto 
até  Loanda,  certo  de  que  a  Jnnta  de  Faxenda  hmi  f-i-  ri.'<'ii''iir^i  a  Batisfazcr 
a  respectiva  despesa,  por  conta  da  Expedição  a  meu  cargo. 

Deus  gnorde  aV.  Ex.*  Ualonje,  19  de  outubro  de  1881. — Ill."*eEx."* 
Sr.  Cbefé  do  concelho  de  Cambambe.  =  O  chefe  da  Expediçlo,  fimrigw 
Augvíto  DitiÊ  de  Carvailto. 


DESCHIPÇXO  DA  VIAGEM  355 


DESPEDIDA  DE  MALANJE 


Estávamos  em  principio  de  outubro^  haviara-se  completado 
trCB  mezes  de  observaç^ea  meteorológicas,  remettcram-se  ao 
Governo  toilas  as  colIecçíJes  que  se  adquiriram,  as  nossas  car- 
gas seguiram  avante,  fícando  comnosco  dos  bagagens  apenas 
o  que  era  absolutamente  indispensável.  Estavam  jil  carregado- 
res contratadiis  para  noa  levarem  de  rede  para  a  cstaçSo  Fer- 
reira do  Amuriil,  e  n.^o  obritante  os  homens  mais  sensatos 
dizerem,  ser  arriscado  partirmos  apenas  com  vinte  e  seis  car- 
regadores contructados  para  a  Mussuniba,  e  que  o  chefe  da 
Expedíçílo  corriíi  grande  risco,  por  estar  doente,  alquebrado 
e  avelhantado,  designou-se  o  dia  1 1  para  a  partida. 

A  Expedição  nSo  pode  deixar  de  consignar  neste  logar  o  seu 
reconhecimento  pelas  benévolas  domonstraçSea  de  sympathia  de 


S6(r  MznDi^^  KwrwjnuMA  âa  nrâxilavu. 


■WPl 


que  fiâ  alvo,  ao  ddxar  a  Tilla^  e  de  eqpedaliaar  o  nome  do 
bemqaiato  negociante  Cnatadio  José  de  Sousa  Madiadoy  qne 
além  doa  TalioaoB  aerriçoe  de  que  a  meama  ji  Bie  en  dere- 
dora,  promovea  as  manifestaçBes  de  deqpedMa,  qne  eomèçan- 
doíMi^dialO  só  ierminanun  naTÍlla  íb  qnalro  Imaa  da  tarde 
do  *dia  lly  com  o  almoço  em  seguida  á  missa,  qiie  em  intm^ 
Ipela  nossa  felis  viagem  entendeu  lesar,  e  paim  a  qual  noa  eon* 
vidoí^  o  Bev.^  paiodiOy  indo  todos  os  que  tomaram  pade  nestas 
«anifartagges  aoompanliar-nos  até  á  casa  do  pn^etario  José 
Van,  no  Qnissoley  que  nos  onerava  para  o  janteTi  que  só  ponde 
ter  logar  depois  das  ii6¥e  horas  da  ncnte. 

â  no  dia  1^  que  tère  logar  o  esplendido  almoço  de  despe» 
em  casa  doeste  Inaano  agrieultor,  almoço  em  quê  iíe  tte- 
caram  os  brindes  mais  àffectnosos,  e  em  qué  o  nomedo  ittns- 
tre  Ministro  da  Marinha,  conselheiro  Mannel  Fbdimo  ClJisgaSy 
fin  muitas  Teses  lembrado.  '/'*  . 

Meio  dia  era  a  hora  marcada  para  a  partida}  éi^^ioíáSte 
oorreios  já  tinham  levado  a  notieia  i  villa,  o  pessoal  dá  Àr 
senda  descarregava  as  suas^espíogatdas,  a  bandeira  portugueBa 
s^uiu  á  firente,  e  nós  despedimo-nos  saudosos  dos  nossos  bons 
amigosy  que  continuaram,  emqaanto  nos  viam,  soltando  enthu- 
siastícos  vivas  á  KzpediçSo. 


Murtnteo  (omaxiA  dk  podbb) 


CAPITULO  III 


DE  MALANJE  AO  CUANGO 


usotaf  nuta  été  tnúén*  éí;  aèi  uhmío^ 
kaudipe  hUala  mu  Jila  c queres? 
vae  tu  próprio ;  se  mandas  não  es- 
tejas a  olhar  no  caminho.  (Quem 
quer  vae,  quem  não  quer  manda)». 


Viagem  para  Catalã.  Em  Catalã.  Partida  para  Andala  Quingruângua.  Eitaçlo  24  de  Julho; 
a  povoação  e  seus  moradores.  Viagem  para  Andala  QuiMÚa.  ConitracçSei  do  salalé. 
Chuva  e  trovoada.  Incidente  no  caminho  —  Caf&xi.  Estaçio  Ferreira  do  Amaral.  Vi- 
sita de  Sé  Quitári.  Gosto  pela  aguardente.  Cumprimentos  do  Jaga ;  presentes  ;daaça. 
Visita  ao  Jaga  Andala  Quissúa.  Abundância  de  gado  — Viagem  do  chefe  para  Camivu. 
Os  carregadores  Massongos.  O  sobeta  Angonga.  Na  Estaçio  Paira  de  Andrada.  Vi- 
sita ao  soba  Ambango.  A  Estaçio.  Ajuste  de  carregadores.  Intrigas  de  Ambango. 
Visita  do  soba  Anguvo.  Discórdias  dos  sobas.  Desaguisado  com  Cáhia  Cassixi  — Via- 
gem do  chefe  com  ai.*  secção  para  o  Cuango.  O  dia  81  de  Outubro.  Mona  Muaaen- 
gue,  Mulumbo,  e  Zunga.  Passagem  do  rio;  pagamentos  aos  donos  das  canoas  e  aos 
pilotos.  A  avidez  de  Zunga.  Episodio  grotesco.  Visita  do  potentado  Mueto  Angnimbo. 
Serão  na  companhia  de  vários  gentios  —  Regresso  do  chefe  á  Estação  Paira  de  An- 
drada —  Algumas  considerações  sobre  a  região  e  seus  habitantes ;  crenças,  usos  e  cos- 
tumes d^estcH  —  Partida  da  Estação  Ferreira  do  Amaral.  Correspondência  acerca  da 
paoitagem  para  o  interior  —  Communicações  offlciaes  relativas  ao  progresso  da  Expe- 
dição o  Ruas  relaçSes  com  o  gentio  —  Marcha  da  2.'  secção  para  a  Estação  Paira  de 
Andrada.  Na  Estação.  Entrevista  com  os  sobas.  Situação  dos  poros  e  dirersas  infor- 
mações sobre  o  estado  do  paiz,  e  como  se  devem  acceitar  as  informações  do  gentio  — 
Algumas  palavras  acerca  das  expedições  commerciaes  para  o  interior  do  continente. 
O  negociante  Braga.  —  Participações  offlciaes  dando  conta  dos  trabalhos  da  Expedi- 
ção e  outra  correspondência  sobre  o  mesmo  assumpto.  Preparativos  de  partida  e  inci- 
dentes desagradáveis  — Viagem  para  o  Cuango.  Nas  margens  do  Lui.  Roubo  nas  baga- 
gens ;  providencias  enérgicas ;  encontro  dos  objectos  roubados.  Jornada  para  a  povoação 
de  Anguvo ;  acampamento  Junto  a  esta  povoação.  Entrevista  com  Muene  Ca^Je.  Noite 
de  Natal ;  tempestade  ;  fugida  de  carregadores  —  Na  margem  do  rio  Cuango.  Viaitaa. 
I*a8sagem  do  Cuango.  Ainda  o  Zunga  —  Na  casa  filial  de  Custodio  Machado. 


VIAGEM  PARA  CATALÃ 

N3o  nos  era  deaconhecido  o  caminho  que  tínhamos  a  seguir, 
pois  já  o  h.ivianioa  percorrido  no  nosso  regrcseo  do  And  ai  a 
Quissua  a  Malanje,  tendo  feito  o  respectivo  reconhecimento  que 
noa  deu  um  bum  croquis.  O  que  nós  porém  desconheciam  o  8 
eram  os  carregadores  que  nos  transportavam,  contratados  pelos 
negociantes  do  Quiaaole  para  a  viagem  até  á  estação  Ferreira 
do  Amaral,  cora  a  condigíío  de  pernoitar  em  Catalã,  onde  ea- 
peravamos  encontrai'  o  pesaoal  das  cargas  e  bagagens  que  ha- 
viam partido  para  ahi  do  Malanje  no  dia  10,  pelo  caminho  das 
senzallas  dos  Bambeiros. 

Eate  caminho  para  Catalã,  faz-se  no  rumo  pouco  mais  ou 
menos  de  NE.,  e  regula  a  sua  exteu&ão,  por  causa  dos  zig- 


k 


360  BXPEDIÇZO  PORTUGUESA  AO  muauínvua 

zags  a  que  nos  obrigam  as  ondulaçSes  do  terreno^  entre  flores- 
tasy  e  passagens  das  linhas  de  agua,  de  29  a  30  kllometros, 
mas  sendo  bons  os  carregadores^  faz-se  esta  yiagem  de  rede 
em  seis  e  meia  ou  sete  horas,  e  montado  num  boi,  em  menos 
uma  hora. 

Em  Catalã  esperava-nos  para  jantar  o  negociante  Francisco 
José  Esteyes,  sócio  do  abastado  proprietário  Narciso  António 
Paschoal,  de  quem  já  temos  fallado,  e  era  preciso  portanto 
fazer  apressar  a  marcha,  porque  demais  tínhamos  contra  nós 
o  have-la  principiado  tarde  e  quando  já  não  havia  luar. 

Até  ao  rio  Luximbe,  viam-se  algumas  plantaçSes  de  canna, 
trabalho  de  Ambaquistas  e  de  alguns  indígenas,  e  uma  boa  pro- 
priedade, cuja  situaç&o  é  das  melhores,  porque  fica  entre  este 
rio  e  o  Cuiji.  Pertence  a  um  velho  europeu  por  nome  Calado, 
antigo  residente  nesta  parte  da  província,  um  verdadeiro  co- 
lono, que  fez  doesta  terra  a  sua  pátria  adoptiva. 

Proseguimos  contornando  esta  grande  propriedade  e  de  novo 
nos  embrenhámos  numa  floresta,  ora  descendo,  ora  subindo. 
A  claridade  do  dia  ia  desapparecendo,  de  modo  que  ao  en- 
trarmos no  povoado  Anzaje  onde  ha  algumas  casas  filiaes 
do  commercio  de  Malanje,  era  já  escuro  bastante  e  os  carre- 
gadores não  queriam  passar  avante. 

A  distancia  d'ahi  a  Catalã  é  pequena,  pouco  mais  de  3  ki- 
lometros,  e  por  isso  insistimos  com  os  carregadores,  por  nSo 
ser  possível  ficarmos  ali,  e  terem-se  elles  obrigado  a  leva- 
rem-nos  a  Catalã.  Allegavam  que  já  por  vezes  tinham  escor- 
regado sobre  a  crusta  da  pedreira,  sobre  a  qual  em  parte  se 
levantou  a  povoação,  que  havia  buracos  e  paus  pelo  caminho, 
que  estava  muito  escuro,  finalmente  tinham  receio  de  marchar 
de  noite. 

Resolvemos  fazer  o  resto  da  marcha  a  pé,  entre  o  capim  todo 
molhado. 

Fomos  informados  de  que  a  este  sitio  se  dera  o  nome  de 
Anzaje  (raio),  porque  são  frequentes  aqui  as  descargas  da  ele- 
ctricidade atmospherica,  o  que  não  é  para  estranhar  attenta  a 
abundância  de  ferro  contido  no  solo. 


■ 

DESCIÍIPÇXO  nA  VIACEM                                  3fi] 

^W 

■ 

ChegámoB  a  Catalã  ás  novo  horas,   ser  vindo -nos  de  guia 
ara  o  estabelecimento  do  negociante  Esteves,  as  luzes,  que 
e  quando  em  quando  descnbriainoa  atravez  do  capim. 

A  mesa  estava  posta  e  elle  aguardava-noa  para  jantar.  De 
nais  havia  sido  a  sua  coudescendencia  para  que  o  demoratí 
emos  nindn,  e  por  ísbo  tratámos  logo  de  nos  alliviar  dos  ape 
rechos  que  nos  sobrecarregavam,  como;  revólver,  faca,  bolsa 
ustrumentos,  etc.,  que  tudo  amontoado  arrumámos  a  um  lado 
i  depois  de  lavar  cara  e  mãos  fbmoB  tomar  ob  nOBsos  logaree 

^^^^H 

i  mesa,  emquanto  que  dois  contratados  de  Loanda  que  no 
acompanhavam,  iam  recebendo  dos  carregadores  e  guardando 
iB  malas  de  viagem  e  outros  volumes  que  nSo  podiam  deixar  de 
indar  comnoaco. 

ÃB  cargas  ainda  nilo  tínhatn  chegado,  e  diase-nos  Esteves  que 
erramente  os  carregadores  não  eaiam  das  senzallas  dos  pa 
rentes  de  quem  se  foram  despedir,  sem  terem  a  noticia  de  ha 
permoB  aqui  chegado,  como  é  de  costume.  A  demora,  porém 
[iSo  noa  prejudicava  porque  tencionávamos  ficar  em  Catalã  \an 
)u  dois  dias,  fazendo  todas  as  diligencias  para  contratar  algune 

1 

] 

362  EXPEDIÇZO  POBTUOUEZÁ  AO  IfUATIÂKYUÁ 

carregadores,  quando  mais  nfto  fosse  para  o  Cuango,  porque 
diga-se  a  verdade,  tínhamos  partido  de  Malanje  com  muito 
poucos. 

Esteves,  de  madrugada,  despachou  os  seus  pombeiros  para 
o  Sanza,  a  fim  de  ver  se  d'a]i  vinham  os  que  lhe  tinham  pro- 
mettido  e  que  já  estavam  pagos,  e  nós  mandámos  um  soldado 
ao  soba  Andala  Quinguangua  recommendando-lhe  que  arran- 
jasse os  que  pudesse  para,  quando  chegássemos  á  EstaçSo  Vinte 
e  Quatro  de  Julho,  os  contractarmos. 

Apesar  de  ser  tarde  e  estarmos  fatigados  da  marcha,  con- 
versámos muito  com  o  nosso  hospede,  alegrando-nos  o  encon- 
tro do  único  europeu  que  vive  neste  ermo,  e  que  nos  propor- 
cionou uma  tSo  boa  e  tão  franca  hospitalidade. 

Versou  principalmente  a  no86a  conversa  sobre  exploraçSes 
commerciaes  além  do  Cuango,  e  Esteves,  que  aspirava  a  aven- 
turar-se  a  uma  empreza  doestas,  mostrou-se  penalisado  porque 
o  seu  sócio  não  tem  querido  annuir  á  realisaçSo  de  um  pro- 
jecto que  elle  lhe  apresentara. 

O  negociante  Paschoal,  seu  sócio,  é  um  homem  pratico,  e 
apesar  de  ter  adquirido  uma  fortuna,  negociando  as  suas  fa- 
cturas na  feira  de  Cassanje  e  nas  margens  do  Cuango,  conhece 
bem  todos  os  prós  e  contras  doestas  aventiiras  e  quando  se  lhe 
falia  numa  exploraçílo  ao  Lubuco,  responde  sempre:  deixem 
vir  Saturnino  Machado  e  depois  veremos. 

Tendo  muitas  relações  com  os  Bângalas  de  maior  importân- 
cia, que  certamente  o  terão  informado  acerca  de  commercio  do 
Lubuco  e  de  todo  o  interior,  acreditâraos  ser  prudente  o  seu 
modo  de  proceder.  Mesmo  pelo  que  respeita  a  Cassanje,  que 
elle  conhece  bem  e  onde  sustenta  ainda  algumas  relações  com- 
merciaes, tem  suas  duvidas  sobre  o  futuro. 

Crê  agora  mais  nos  resultados  da  agricultura  que  nos  do 
commercio,  e  pensa  empregar  parte  da  fortuna,  que  com  tantos 
sacrificios  e  riscos  alcançou  em  melhores  tempos  com  o  com- 
mercio no  sertão,  na  plantação  da  canna  saccharina,  sem  com- 
tudo  abandonar  os  estabelecimentos  commerciaes  que  hoje 
possue. 


DESCRIPÇZO  DA  VUGEM  363 

Ávida  de  cangalheiro — disse-nos  elle  —  é  boa  para  rapa- 
zes; os  meus  antigos  freguezes  sabem  onde  eu  tenho  as  casas,- 
se  quizerem  continuar  negócios  commigo  que  as  procurem. 

Filho  da  provincia,  muito  cordato,  possuindo  uma  fortuna 
solida',  e  tendo  apenas  três  filhos  que  mandou  educar  em  Lis- 
boa, faz  bem  em  não  arriscar  os  seus  capitães;  e  para  entreter 
a  sua  actividade,  basta-lhe  dirigir  como  o  está  fazendo,  a  sua 
propriedade  agricola  ao  pé  da  casa  principal  que  tem  no  An- 
jinji-á-Cabari  e  manter  os  seus  estabelecimentos  commerciaes. 

Esteves,  porém,  ainda  novo,  que  ambiciona  voltar  á  terra  da 
sua  naturalidade,  de  onde  saiu  muito  moço,  e  com  fortuna  pafa 
ahi  se  estabelecer,  não  lhe  agrada  o  retrahimento  do  seu  sócio, 
e  nao  será  para  estranhar  se  algum  dia  nos  chegar  a  noticia 
de  que  elle  se  aventurou  numa  viagem  ao  interior. 

Foram  estas  as  impressões  com  que  adormecemos,  e  de  tal 
modo,  que  só  com  dia  claro  despertámos,  para  logo  pormos  em 
movimento  a  nossa  gente,  mandando  uns  a  chamar  os  sobas 
próximos,  outros  ás  senzallas  dos  Bambeiros,  dando  parte  aos 
nossos  carregadores  de  que  já  aqui  estávamos  e  despachando 
também  os  que  de  véspera  já  tinham  diligencias  destinadas 
para  o  Sanza  e  Ándala  Quinguangua. 

£m  seguida  tomámos  uma  boa  chávena  de  café  e  fomos  dar 
um  passeio  com  o  nosso  hospede. 

Agradou-nos  ver  a  horta,  junto  ao  rio  Catalã,  bem  como  os 
arredores  do  estabelecimento  commercial  do  nosso  amigo. 

Já  não  nos  admirámos  de  que  elle  vivesse  bem  ali,  preve- 
niu-se  para  passar  commodamente,  longe  dos  recursos  que  offe- 
recera  os  centros  civilisados. 

Na  horta,  encontram  se  os  melhores  exemplares  das  nossas 
hortaliças  e  alguns  de  desenvolvimento  superior  ao  que  é  mais 
trivial  em  Lisboa. 

Com  respeito  a  gado  bovino  e  suino  é  elle  muito  superior  ao 
que  temos  visto  na  provincia.  Apresentou-nos  um  casal  de 
porcos  que  nos  maravilhou  pela  corpulência  e  gordura.  Con- 
serva-o  para  a  procreação  apenas  e  por  alguns  exemplares  que 
vimos,  prova-se  que  nâo  degeneram. 


n 

364               EXPEDIÇZO  POBTUGUEZÁ  AO  MCATIÂNVUA                       ^^Ê 

[ 

0  gado  ovelhum  e  catrura,  era  ainda  muito  mais  deBenv<d<^^| 
vido  que  0  de  Fungo  Andongo,  o  meUior  que  conheciamos.     ^H 

Quauto  ás  aves  domesticas  nSo  as  ha  superiores  na  provÍB^^H 
cia,  gallinhas,  patos,  perue  e  pombos,  distinguem -se  pela  eal^^| 
^andeza  e  bom  peso.                                                                      ^^H 

Também  possue  c^es  de  caça,  que  se  desenvolvem  bem  «^H 
mesmo  oa  cruzados  com  indigenns  nào  são  mauB.  Fomos  mimo-^H 
seadns  com  um  casal  que  muito  apreciámos.                                    ^^M 

ft 

Os  pastos  sl\o  magníficos,  as  aguas  exccUentes  e  nSo  deye^^| 
nos  deixar  de  citar  uma  uasoente  de  agua  férrea.  A  altitudO^^H 
le  Catalã  é  a  mais  elevada  que  conhecemos,  1;260  metroa^^^J 
sto  é,  mais  106  metros  que  a  de  Malanje.  Os  peores  ventD«i^^| 
:iB  de  oeste,  não  sào  os  que  predominam.  Tudo  emfim  coDcorr&^^l 
para  neste  logar  se  crearem  bem  os  animaes  de  que  o  homem^H 
arece  para  sua  aUmentaçSo  ou  como  seus  auxiliares.            | .  ^^| 

DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  365 

Asseverou-nos  Esteves,  que  passava  aqui  muito  bem  attri- 
buindo  isso  á  salubridade  do  logar,  ainda  assim  disse  ter  tido 
algumas  febritas,  e  com  franqueza  a  cor  macillenta  da  sua  pelle 
não  nos  agradou  e  pareceu-nos  que  elle  resistia  com  vantagem, 
em  consequência  do  bom  passadio. 

E  não  admira  o  nosso  reparo,  porque  depois  vimos  que  o 
mal  a  que  tem  podido  resistir,  as  infecções  paludosas,  existe 
próximo,  mais  para  norte,  sendo  o  clima  muito  húmido. 

O  passeio  foi  largo  e  por  isso  almoçámos  já  depois  do  meio 
dia,  aproveitando  parte  da  tarde  e  noite  na  correspondência 
para  a  metrópole,  emquanto  o  pessoal  menor,  satisfeito  com 
um  garrote,  fubá  e  aguardente  que  lhes  dera  o  dono  da  casa, 
preparava  a  refeição  para  a  noite. 

Tivemos  depois  do  jantar  noticia  que  as  nossas  cargas  ti- 
nhani  ficado  nesse  dia  no  Muquixi,  e  por  isso  era  de  suppor 
que  chegassem  só  no  dia  immediato,  porém  ainda  não  vinham 
as  que  deixáramos  em  Malanje,  por  não  terem  apparecido  al- 
guns carregadores  contratados,  que  affirmaram  vir  ter  com- 
nosco. 

Appareceram  alguns  sobas  vizinhos,  dizendo  que  seus  filhos 
não  queriam  ir  á  mussumba  com  receio  de  que  o  Muatiânvua 
lhes  mandasse  cortar  o  pescoço  e  não  se  ajustavam  também 
para  o  Cuango  por  temerem  que  depois  os  fiizessem  seguir 
amarrados  para  lá. 

Era  esta  uma  contrariedade  que  não  sabíamos  como  expli- 
car, mas  sobre  que  julgámos  conveniente  não  fazer  maiores 
indagações,  para  que  não  se  propalasse  o  boato  de  que  quería- 
mos obrigá-los  a  tal  serviço. 

Mais  tarde,  soube-se  que  eram  os  de  Cassanje  que  andaram 
a  atemorisar  os  povos  com  estas  e  outras  noticias  para  que  a 
Expedição  não  fosse  para  o  interior  fazer  mal  ao  seu  negocio. 

No  dia  14  e  logo  de  manhã,  chegaram  12  carregadores  do 
Sanza  para  se  contratarem,  mas  só  até  á  estação  Ferreira  do 
Amaral,  por  preço  muito  em  conta. 

Andala  Quinguangua,  respondera-nos  que  arranjaria  20  car- 
regadores, mas  estes  de  certo  também  não  iriam  ao  Cuango. 


366  EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  MUATliKVnA 

Tendo  chegado  as  caixas,  alguns  carregadores  queixaram-Be 
das  que  continham  a  pharmacia  e  não  houve  remédio  senlo 
fazer  transportar  algumas  por  dois.  F)ra  um  mau  precedente  já 
nestas  alturas,  mas  não  havia  remédio.  Na  EstaçSo  onde  nos 
Íamos  demorar  algum  tempo,  providenciámos  a  este  respeito. 

Mandaram-se  quatro  dos  antigos  carregadores  a  Malanje 
buscar  as  cargas  que  lá  tinham  ficado,  sendo  entregues  as  que 
estes  trouxeram  a  quatro  novos,  chegados  do  Sanza. 

O  dia  15  foi  destinado  para  descanso  de  todos,  a  fim  de  no 
dia  seguinte  de  madrugada  partirem  para  a  EstaçSo  Vinte  e 
Quatro  de  Julho.  < 

De  facto  em  16  poz-se  a  caminho  a  commitiva  das  cargas  para 
Andala  Quinguangua  onde  ficava  a  Estação  Vinte  e  Quatro  de 
Julho,  acompanhada  por  dois  soldados  e  com  ordem  de  irem 
avançando  todos  os  dias  para  a  Estação  Ferreira  do  Amaral^  e 
mandámos  prevenir  o  empregado  nesta  ultima  de  que  estáva- 
mos em  marcha  e  que  recommendasse  ao  soba  da  povoaçIO| 
que  fosse  arranjando  carregadores  para  transportarem  cargas 
d'ahi  para  a  Estação  Paiva  de  Andrada,  no  Lui. 

O  velho  Calado  e  sua  filha  jantaram  comnosco,  e  esse  homem 
recordando-se  da  pátria,  de  que  nos  havia  de  fallar?  Dos  homens 
de  mais  nomeada  de  seu  tempo  e  das  questões  que  então  eram 
mais  palpitantes:  guerra  da  Maria  da  Fonte,  da  Patuleia,  do 
marechal  Saldanha,  conde  da  Povoa,  barão  de  Catanea,  Passos 
Manuel,  etc,  e  terminou  com  o  que  o  preoccupava  mais  na 
occasião,  o  fabrico  da  aguardente,  machinas  de  distillação,  etc, 
e  de  quanto  fora  infeliz  no  commercio. 

A  filha,  essa,  nem  luna  palavra,  e  para  muita  gente,  soube- 
mos depois,  que  passa  por  muda. 

Tinhamos  resolvido  que  partiríamos  no  dia  immediato,  e  por 
isso  deixámos  a  familia  Calado  com  o  dono  da  casa  e  fomos 
terminar  e  fechar  a  nossa  correspondência  para  ser  enviada 
para  Malanje. 

Por  emquanto  iamos  aproveitando  os  recursos  que  tinhamos 
para  dar  mensalmente  noticias  nossas  ao  governo  e  ás  nossas 
famílias. 


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DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  367 

O  nosso  hospede  entendeu  nSo  só  dar-nos  um  lauto  almoço 
de  despedida,  como  ainda  preparar-nos  alguns  assados,  ovos, 
queijo,  pão,  vinho  e  café  para  o  caminho. 

Como  a  distancia  d^aqui  para  a  Estação,  onde  queríamos  ir 
pernoitar,  não  era  grande,  20  kilometros,  que  de  rede  se  vence 
em  três  e  meia  ou  quatro  horas,  acceitámos  o  seu  convite  e  % 

ficámos  ainda  para  almoçar,  no  que  fomos  acompanhados  pelo 
velho  Calado  e  só  partimos  á  uma  hora  da  tarde  depois  de      » . 
expedido  o  nosso  correio  para  Malanje. 

Despedindo-nos  do  nosso  excellente  amigo  o  sr.  Francisco 
José  Esteves  cumprimos  um  grato  dever  significando-lhe  neste 
logar  o  nosso  reconhecimento. 

Seguimos  o  rumo,  quasi  sempre  para  E.  entre  arvoredo,  por 
terras  húmidas  em  parte  encharcadas  e  com  linhas  de  agua  que 
de  certo  desappareceriam,  se  a  intensidade  dos  raios  solares  nào 
fosse  modificada  pela  ramagem  do  arvoredo  sobre  que  incide. 
Chegámos  á  Estação  eram  cinco  horas  e  appareceu-nos  logo 
o  soba,  pedindo  que  não  fossemos  para  aquella  casa  e  sim  para 
uma  que  elle  mandara  preparar  próximo  da  sua,  porque  como 
estava  fechada  por  algum  tempo,  pululava  ahi  o  inahundo 
(JPtãex  penetrans). 

Suppondo  que  seria  exagero  da  parte  do  soba  para  nos  at- 
trahir  para  a  povoação,  tentámos  entrar,  porém  os  dois  pri- 
meiros carregadores  que  iam  na  frente,  logo  aos  primeiros 
passos,  deitaram  a  fugir  batendo  nas  pernas  e  gritando  que  não 
entrássemos. 

Não  havia  pois  que  hesidar,  acceitámos  o  offereciípento. 
O  soba  em  seguida,  presenteou-nos  com  um  grande  porco 
para  a  commitiva  o  que  se  retribuiu  com  uma  peça  de  chita  de 
primeira  qualidade,  que  elle  muito  agradeceu;  nós  porém,  rela- 
tivamente não  ficámos  de  peoi*  partido. 

Coin  respeito  a  carregadores,  disse-nos  que  na  occasião  só 
pudera  alcançá-los  para  Andala  Quissúa,  mas  que  passados  mais 
dias  os  apresentaria  para  o  Cuango. 

Neste  caso  resolvemos  logo,  com  grande  magua  do  soba, 
partir  de  madrugada  para  a  Estação  Ferreira  do  Amaral,  a  fim 


1 


308  KXPBDTçXo  POBTamnosA  ao  «UAirÂKvnA 

^ m — — 


de  li'  irmos' dormir  e  dÍ8semo»-Ihe  que  mandasse  li  os  carre- 
gadores quando  os  tivesse.  ^ 

Maton-se  o  porco,  ficando  un  pedaço  para  arraigarmos  lam- 
bem a  nossa  refei^^  e  o  resto  dividia  se  pekè  carregadores, 
que  trocando  parte  por  fiiba  tiveram  mna  boa  ceia. 

Ji  de  noite,  Andala  Qaingaangna  mandou  arranjar  uma  beUa 
fogueira,  a  qual  attrahiu  dançadores  e  musica,  e  veiu  sentar-se 
perto  de  nós,  para  gosar  das  nossas  impresaSes  sobre  o  entre- 
tenimento que  preparara  para  celebrar  a  nossa  cbegada. 
*  Tintamos  assistido  a  muitas  danças  afiricanas,  tanto  nesta 
província,  como  na  costa  oriental  e  na  ilha  de  S.  Thomé, 
tínhamos  lido  algumas  descripçSes  de  viajantes  e  eiploradores, 
porém  confessámos  que  mids  primitivo,  mais  gentílico,  nada 
vimos,  como  o  que  se  estava  passando  deante  de  nós. 

As  raparigas  e  os  rapazes  estavam  formados  em  duas  linhas, 
distantes  uma  da  outra  uns  3  metros.  A  toada  dos  instrumen- 
tos de  pancada,  sae  uma  das  mulheres  dançando  em  passinhos 
curtos  e  vae  direita  ao  homem  que  mais  lhe  agrada  ç  dançf»"  em 
firente  d'eUe  até  lhe  tocar  e  recuando  nos  mesmos  passos  de 
dança,  este  como  attrahido,  procura  também  dançando  unir-se 
a  ella  que  procura  sempre  fuglr-Ihe  com  o  corpo.  Assim  andam 
no  terreiro  ora  avançando,  ora  recuando,  até  que  a  rapariga  que 
o  fora  desafiar  se  deixa  vencer  e  então  tocam-se  por  três  vezes 
no  ventre  e  na  ultima,  ficam  assim  por  segundos  dançando,  in- 
clinando o  tronco  para  traz  e  um  pouco  para  a  direita  e  ter- 
minam de  Bubito,  indireitando-se,  batendo  os  pés  com  força  e 
recuando  cada  um  aos  seus  logares,  no  meio  dos  applausos  dos 
espectadores,  expressos  por  grande  vosearia,  assobios  e  palmas. 

Segue-se  outra  rapariga  a  conquistar  o  seu  rapaz,  e  assim 
Buccessivamente. 

Quando  as  linhas  dos  bailadores  eram  grandes,  viam-se  dois 
e  três  pares  no  terreiro.  Algumas  raparigas  por  mais  envergo- 
nhadas ou  por  mais  coquetes  tapavam  parte  da  cara  com  len- 
ços, mas  pelos  requebros  que  davam  ao  corpo  e  pelos  sorrisos 
que  se  lhes  podiam  descobrir,  mostravam  a  sua  satisfação  por 
este  passatempo. 


DESCRIPÇAO  UA   VIAGEM 


369 


Quando  eram  horaa  de  nos  acconimodurmoB  recolhemos,  porém 
as  tarimbas  eram  curtas  por  falta  de  espaço  na  cubata,  e  por 
isso,  pelo  calor  ineupportavel  que  fazia  c  por  causa  dos  mos- 
quitos, poucos  foram  os  momentos  de  repouso  que  tivemos. 

Principiava  a  aclarar  o  dia,  ainda  tudo  estava  em  socego  na 
povoaçSo,  e  já  a  nossa  pequena  commí  tiva  estava  em  movimento 
de  partida. 

É  occasião  de  fallarmos  na  Estação  Vinte  c  Quatro  de  Jullio, 
e  de  dar  as  informaçSes  que  temos  sobre  a  povoação. 

A  Estação  foi  construída  à 
saida  da  povoação  para  norte, 
e  Hcou  um  pouco  distante  d'ella. 
Oecupava  uma  área  ile  ll^X 
4", 8  tendo  as  paredes  a  altura 
de  3  metros. 

Foi  dividida  cm  dois  com- 
partimentos, sendo  o  do  cen- 
tríjj  o  mais  espaçoso,  com  6  me- 
tros de  comprimento  destinado 
a  armazém  das  cargas,  tendo 
esteduas  janellas.  Os  compar- 
timentos latcraes  cada  um  com 
sua  porta,  destinaram-se,  um 
independente  do  armazém, 
para  hospedes,  e  o  outro  que 
com  este  communica  para  o 
encarrregado    do    estabeleci-  ciuTtg»iior 

mento. 

Deu-se  á  cobertura  bastante  elevação,  para  offerecer  bom 
escoamento  à,  iigaA  das  chuvas. 

NSo  se  deu  maior  desenvolvimento  a  esta  EstaçSo,  por  ficar 
a  um  dia  de  marcha  de  bons  estabelecimentos  commerciaes  e 
não  ser  provável  que  tão  pequena  distancia  fosse  sufficiente 
incentivo  para  attrabir  as  commitivas  do  commercio  do  interior 
já  encarreiradas  para  aquellos. 

Fundando  esta  Estação,  teve-se  em  vista,  facilitar  as  com- 


370  BXFBDIÇXO  POBTUGinUÁ  AO  mJATlÂJKVUA 


mimicaçSes  i  Expediçlo,  dispor  ob  poros  visiiihos  a  Ma  &Tor, 
manter  alii  uma  reserva  de  recursos,  e  fteilitar  a  mudança  dos 
cargas  para  deante,  attenta  a  grande  fidta  de  carregadorea  que 
havia  em  Maknje. 

A  poYoaçSo  é  disposta,  como  em  geral,  as  que  temos  yisto, 
^        numa  baixa,  assombrada  pelo  lado  de  leste  e  próximo  de  agua 
i4^       corrente,  havendo  depressSes  aqui  e  ali  onde  se  estagnam  por 
algum  tempo  as  agoas  pluviaes.  As  habitaçSes  slo  baixas,  re- 
^'^^    Yestidas  de  capim  mas  regularmente  acabadas,  e  destaoam-se 
as  dos  indivíduos  que  teem  mais  posses  pela  grandesa,  maia 
divisSes  e  pela  omamentaçto,  feita  com  o  mesmo  capim,  nas  en- 
tradas e  no  fecho  das  cúpulas. 

Entre  as  habitaçSes  vêem-se  curraes  e  chiqueiros,  e  os  ani- 
mães  também  aqui  parece  darem-se  bem. 

SSo  as  mulheres  quem  cuidam  das  lavras  e  estás  limitam-se 
a  plantaçSes  de  mandioca,  milho,  jinguba  e  nalgumas  também 
ha  feijSo  miúdo. 

Os  homens  no  tempo  próprio  caçam,  cortam  madeiraa  no 
mato,  alguns  ji  procuram  o  serviço  de  carretos,  mas  na  maio- 
ria slo  indolentes  e  os  que  se  encontram  pela  povoaçSo  passam 
a  maior  parte  do  tempo  nas  habitaçSes,  junto  aos  brazeiros  e 
bebendo  d'alguma  bebida  fermentada,  sendo  aqui  a  principal 
o  hydromel. 

As  mulheres  entrançam  os  cabellos  a  capricho,  mas  só  os 
penteiam  de  tempos  a  tempos,  e  untam-nos  com  varias  sub- 
stancias, a  pohto  de  nalgumas  apenas  se  perceberem  as  di- 
visSes  das  tranças  que  mais  parecem  IS  do  que  cabellos  en- 
crespados. As  tranças  sSo  apertadas  com  pedaços  de  metal 
ou  enfeitadas  com  contaria,  preferindo-se  a  vermelha.  Algumas, 
porém,  mais  pretenciosas  e  por  isso  mesmo  menos  descuidadas 
e  que  se  penteiam  a  miúdo,  arranjam  alguns  penteados  artís- 
ticos e  que  agradam  á  vista. 

Os  rapazes  até  uma  certa  idade,  geralmente,  quando  fezem 
gosto  pelas  tranças  augmentam-nas  com  crescentes  que  dis- 
ferçam  enfeitando-os  com  contaria  diversa  na  côr  e  grandeza. 
Presentemente  os  homens,  pelo  contacto  com  os  Ambaquistas  e 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  371 

mesmo  com  os  Bambeiros  ',  já  usam  como  estes,  de  barretes  e 
chapéus  de  qualquer  cor,  feitio  e  espécie;  o  caso  é  cobrirem  a 
cabeça. 

Vêem-se  homens  de  barba  cerrada  e  alguns  têem-na  es- 
pessa. 

Como  vestuário  trazem  as  pelles  de  qualquer  animal,  sus- 
pensas á  cinta  atraz  e  adeante,  porém  sobre  estas,  se  os  têem, 
usam  pannos  de  fazenda  que  em  geral  só  os  tapa  até  aos  joelhos 
ou  um  pouco  mais  abaixo.  Os  mais  abastados  cobrem-se  com 
um  grande  panno  de  algodão  ou  de  chita  que  a  um  terço  do 
seu  comprimento  amarram  na  cintura,  ficando  o  resto  para  cima 
com  que  tapam  as  costas  envolvendo  os  braços  na  parte  que 
lhes  cae  adeante,  se  teem  frio,  e  sempre  quando  estio  senta- 
dos ou  conversando.  As  mulheres  amarram  sobre  os  peitos  um 
cordão  ou  fita  delgada  e  entallado  neste  é  que  seguram  os  pan- 
nos, ficando  com  os  braços  livres  para  poderem  trabalhar  á 
sua  vontade,  pizar  o  bombo,  cozinhar,  cavar,  transportar  agua, 
etc.  As  mais  indigentes  usam  apenas  um  trapo  a  cobrir  as  par- 
tes pudendas  mas  se  teem  mais  algum  retalho  de  fazenda,  so- 
bre o  referido  cordSo  com  que  sempre  apertam  superiormente 
os  peitos  de  modo  a  fazer  ahi  uma  quebra,  prendem-no  para 
tapar  o  seio. 

Os  pannos  melhores  são  debruados  com  outros,  o  mais  geral 
é  debruarem-nos  com  ganga  azul. 

Com  respeito  ao  seu  dialecto,  notou  o  capitSo  Aguiar  que 
era  um  mixto  do  de  Loanda  com  o  dos  Bailundos,  encontrando- 
Ihe  comtudo  vocábulos  especiaes.  E  convencia-se  de  que  se 
havia  adulteração  era  no  que  se  chama  dialecto  de  Loanda, 
pelo  contacto  com  os  europeus. 

Conhece  o  referido  capitão  e  mesmo  falia  os  dialectos  de 
Loanda  até  Massangano  e  alguns  do  sul,  do  sertão  de  Ben- 
guella,  e  no  seu  diário  registou,  a  respeito  do  dialecto  que  falia 
este  povo  com  quem  conviveu  algum  tempo:  cQue  a  maioria 


1  Vizinhos  da  sede  do  concelho  de  Malanje. 


372  EXFKDIÇXO  POBTUanSEA  AO  mUTIÂHTm 

dos  termos  sSo  ignaes,  porém  a  pronnncU  i  dífferente  e  con- 
corre em  grande  parte  para  que  quem,  como  en,  nlo  conhece  a 
ftmdo  nem  este  nem  ontros  dialectos,  os  nlo  possa  compreheai- 
der  a  primeira  vex  qae  os  oave.  ^«dso  de  olmgar  esta  gente 
a  repetir  duas  ou  três  vezes  o  qtie  me  dizem  para  entio  os 
perceber». 

■De  fiicto  asum  é,  mas  nKo  é  só  a  pronuncia  qae  difficolta  a 
percepção,  é  a  questZo  de  onvidOf  a  Cslta  de  Tocabnlos  nos  poro* 
qno  mais  s»  afastam  da  actÍTidade  que  se  vae  aooentaaudo 
entre  as  tribos  mais  adeantadas,  e  principalmente  o  modo  di- 


▼erao  da  juxtaposiçSo  d'ea8eB  vocábulos.  As  línguas  rSo  pas* 
Bando  por  modificações  com  o  correr  dos  tempos  e  as  de  Afirica, 
em  alguns  povoa,  estão  num  periodo  de  transição  e  mais  se 
seute  esta  quando  nos  encontramos  entre  tribus  relativamente 
mais  atrazadas  *. 

Este  povo  em  geral  é  docit  e  a  Expedição  manteve  com  elle 
as  mtús  cordeaee  relaçSes,  e  como  laça  parte  dos  povos  de 


1  Vide  OB  volumes -eapeciaes  sobre  linguística,  publicados  pela  Expe- 
dição. 


DESCaiPÇAO  DA  VIAGEM 


373 


Andala  Quissúa,  entre  os  quaes  íamos  viver  por  algum  tempo, 
basta  por  emquanto  o  que  deixâmoa  dito  aobre  aa  nossas  im- 
pressBes  geraes  a  seu  respeito,  nSo  devendo  comtudo  deixar 
de  consignar  por  ultimo  que  apre  sentando -se  em  principio 
muito  desconãado  sobre  as  nossas  intençSes,  não  foi,  sem  se 
mostrarem  conti-isfados,  e  sobretudo  o  potentado,  que  nos  dei- 
xaram partir  antes  do  sol  t 

Seguimos  o  rumo  N.-E, 
e  depois  de  passarmos  a 
povonçíío  de  Caco  lo  Bela, 
embrenhámo-uos  numa 
floresta  de  arvores  corpu- 
lentas e  onde  o  aalalé  en- 
controu vasto  campo  para 
as  suas  imponentes  coii 
strucçSes;  algumas  real 
mente  s?ío  prodigiowa.-, 
deixando-nos  em  duvidii 
á  primeira  vista,  se  síík 
eltas  que  sustentam  as  ar-  . 
vores  de  elevado  porte, 
ou  80  estas  lhes  sorvem  ^      , 

de    apoio.  CABCHIKIUDIII     lUUUBl 

E  certo  que   além  da  riuTíiriuiot 

arvoro    principal   que   se 

apresenta  inleriormente  rendilhada,  envolvendo  com  as  raizes 
essas  construcçIlSefl,  partem  d'estaB  trcs  ou  quatro  mais  pe- 
quenas que  nellas  parecem  ímpIantadaB.  Ha  outras  construçfles 
já  cobertas  superiormente  de  vegetação  variada  e  luxuosa  como 
siços  de  jardim,  do  centro  dos  quaes  se  elevam  as  arvores 
que  as  sombreiam. 

N3o  é  raro  do  tronco  do  uma  d'cstas  arvores  levantar-se 
uma  outra  como  enxerto,  de  folha  muito  differente. 

Algnmas  d'e3tad  obras  da  natureza,  de  tal  modo  captivaram 
a  nossa  attenyão,  que  insensivelmente  com  o  lápis  as  fomos 
copiando  o  melhor  que  nos  foi  possível,  para  a  nossa  carteira. 


374       EXPEDIÇZO  PORTUOUEZÁ  AO  MUATIÂHVUA 

Continuando  a  marcha^  ás  nove  horas  e  três  quartos^  pas- 
sámos o  rio  Cambo,  sobre  o  tronco  de  uma  arvore^  tendo  feito 
um  percurso  de  lõ  kilometros. 

Este  rio  vem  de  S.-E,  parece  partir  da  elevada  serra  de  Tala 
Mugongo  é  descaindo  para  o  W.,  seguir  depois  paraN.  na  baixa 
Occidental  das  montanhas  do  jaga  Andala  Quissáa. 

Começámos  a  subir,  sendo  ali  a  floresta  mais  densa,  vendo- 
nos  forçados  por  isso  a  caminhar  a  pé,  porque  na  rede  o  nosso 
corpo  era  molestado  com  as  pancadas  nas  arvores.  O  caminho 
ainda  estava  liberto  do  capim  pelas  ultimas  queimadas  e  por 
isso  nfto  nos  custou  a  marcha. 

Passámos  algumas  linhas  de  agua,  e  ora  descendo  mais  que 
subindo,  parámos  ao  meio  dia  na  margem  do  rio  Quindúa,  onde 
encontrámos  bellas  arvores,  á  sombra  das  quaes  descansámos 
e  comemos  alguma  cousa,  tendo  feito  um  percurso  de  11  kilo- 
metros ou  mais,  e  sempre  no  mesmo  rumo. 

A  nossa  gente  precisava  também  de  comer^  e  por  isso  o  des- 
canso foi  de  uma  hora. 

Um  pedaço  de  carne  de  porco  e  pSLo  da  véspera,  ovos  assa- 
dos e  queijo,  foi  a  nossa  refeição.  O  leitão  inteiro  que  o  nosso 
amigo  Esteves  havia  mandado  arranjar  apodrecera,  mas  os 
carregadores  é  que  não  consentiram  que  se  deitasse  fora,  co- 
raeram-no  todo. 

Continuando  a  nossa  marcha,  depois  de  descermos  a  um 
grande  valie,  subimos  a  um  planalto,  onde  passámos  ao  lado 
da  senzalla  de  Cambaquela  e  num  acampamento  provisório  mais 
adeante  encontrámos  em  descanço  a  commitíva  das  nossas 
cargas  que  partira  antes  de  nós  de  Catalã. 

Eram  três  horas  e  três  quartos  e  haviam  ahi  recolhido  por- 
que principiara  a  chover.  Contávamos  mais  10  kilometros  de 
marcha,  sendo  esta  num  rumo  um  pouco  mais  para  norte. 

Nilo  nos  convindo  por  forma  alguma  ficar  ali,  pois  numa 
marcha  de  três  horas  podiamos  vencer  a  distancia  que  nos  fal- 
tava para  chegar  á  EstaçUo,  apesar  da  forte  trovoada  que  es- 
tava sobre  nós,  e  suppondo  que  a  chuva,  pelo  caminho  que  tí- 
nhamos a  seguir,  pouco  mal  nos  faria,  mandámos  distribuir  uma 


DESCRIPÇZO  DA  VUOEM  375 

raçSo  de  aguardente  á  gente  para  a  animar  a  prosegnir,  e  de- 
terminámos que  as  cargas  que  encontrámos  fossem  immediáta- 
mente  recolhidas^  devendo  os  carregadores  continuar  a  viagem 
no  dia  seguinte. 

Já  tinhamos  avançado  2  kilometros  e  na  descida  para^>o 
valle  maior  que  se  encontra  neste  trajecto,  que  por  ser  pro- 
fundo chamam  Muhamba,  a  trovoada  augmentou  e  a  chuva 
apertou  comnosco  cada  vez  mais.  Os  carregadores,  que  já  iam 
alegrotes,  acossados  por  ella,  seguiam  numa  carreira  vertigi- 
nosa e  lá  fomos  de  cambolhada  na  rede  com  elles  por  uma  ri- 
banceira Íngreme. 

Felizmente  elles  sabem  cair;  porém  um  de  nós,  que  ia  na 
frente,  assentou  com  os  costados  no  solo,  e  sem  dar  um  ai,  es- 
perou que  o  levantassem  do  charco  em  que  o  deixaram,  em- 
quanto  que  aquelle  que  vinha  atraz,  e  que  o  ia  atropellando, 
sentindo  o  alarido  dos  carregadores  e  sendo  obrigado  a  des- 
viar-se,  saltou  fora  da  rede  suppondo  que  teriam  partido  a 
cabeça  ao  seu  companheiro  que  jazia  immovel. 

SSo  accidentes  estes  que  succedem  muitas  vezes  a  quem 
tem  de  transitar  no  interior  de  Africa,  e  sobretudo  onde  hou- 
ver aguardente  ou  qualquer  bebida  dos  mesmos  effeitos  hila- 
riantes. 

Já  fatigados,  fomos  como  pudemos  até  á  sehzalla  do  soba 
mais  próximo  e  como  o  tempo  tendesse  a  alliviar,  tratámos  de 
aproveitar  a  bonança. 

Descíamos  novamente  pela  Quicassa,  mas  a  chuva  e  trovoada 
augmentaram. 

Faltavam  2  kilometros  para  chegar  á  EstaçSo,  mas  já  es- 
tava escuro  bastante  e  o  caminho  era  perigoso  por  ser  em  ri- 
banceiras, na  aba  de  uma  serra. 

Aproveitámos  todavia  a  claridade  dos  grandes  relâmpagos 
para  adeantar  ainda  alguma  cousa  no  caminho  e  chegámos  a 
um  acampamento  provisório,  dos  que  por  ali  se  encontram, 
prestando-se  alguns  dos  homens  que  ahi  se  achavam,  a  virem 
com  fogachos  que  fizeram  de  capim  guiar  os  nossos  carrega- 
dores. 


376 


EXPEDIÇZO  FOKTDQDEZA  AO  MDATtiHVUA 


Chegámos  á  Estação  eram  sete  horas  e  um  qnarto,  mttito 
moidos,  muito  encharcados  c  com  bastante  apetite,  tendo  sempre 
seguido  pouco  mais  ou  menos  o  rumo  N.-E.  num  percurso 
de  48  kilometroa,  a  contar  de  Ãndala  Quinguangua. 


DESCBIPÇÍO  DA  VIAGEM 


CAFLfXI -ESTAÇÃO  FERREIRA  DO  AMARAL 


ivcndo  o  empregado  que  pstiiva 
tomando  conta  da  Estavílo  dis- 
posto jil  as  cousas  em  dejRisito 
11   doa  quartos,   e  dado  as 
IH  ordens  ao  cozinlieiro  para 
lazer   uma  canja  de  galliuha, 
tratámos  nós  de  mudar  de  roupa 
i  fomos  tomando  café  para  nos 
'  confortar. 

Da  Estii^So  Paiva  de  Andra- 
da  tinham  chegado  na  véspera 
três  contratados  de  Loanda  a 
-'<.  dcram-nos  noticias  circurastan- 
*  ciadas  do  que  por  lií  ao  passava. 
Como  lodos  ali  estivessem  bera,  cuidámos  de  ir  pondo  os  vo- 
lumes que  trazíamos  nos  devidos  logores. 

Veiu  a  canja  por  quo  suspirávamos  e  uma  refei^jílo  repara- 
dora e  que  o  estômago  recebia  bem,  dispoz-nos  a  ouvir  as  íii- 
formaçfies  de  uns  o  outros  acerca :  das  relaçSes  <iije  se  haviam 
mantido  com  os  povos  vizinhos,  recursos  alimenticios,  prefe- 
rencia da  missanga  á  fazenda  para  a  compra  de  géneros  a  re- 
talho, gosto  pronunciado  dos  potentados  pela  aguardente,  ne- 
gocio de  gado  bovino,  esperanças  de  carregadores  para  a 


378  EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  HUATllNVnA 

Mussumba,  offertas  de  algiins  para  transportarem  cargas  para  a 
Estação  Paiva  de  Andrada,  etc.,  etc. 

E  depois  de  tudo  isto,  deitámo-nos  e  dormimos  até  de  ma- 
drugada, sentindo-se  já  então  grande  movimento  na  povoação. 

Pouco  depois  de  terminadas  as  nossas  abluções  matutinas  e 
feitos  os  arranjos  do  costimie,  recebemos  a  visita  de  Sé  Qui- 
tári,  soba  da  povoação.  Como  tomávamos  café,  também  lhe 
apeteceu  provar,  mas  não  gostou,  preferindo  um  copo  de  aguar- 
dente que  sorveu  com  delicia. 

Já  sabiamos  que  toda  esta  gente  até  ao  Cuango  dá  grande 
apreço  a  um  copo  de  aguardente.  E  o  melhor  mimo  que  se 
lhes  pode  fazer,  porque  elles  ainda  não  encontraram  a  moeda 
com  que  a  possam  adquirir. 

Se  alguém  se  lembrar  de  vir  para  aqui  vender  cálices  de 
aguardente  por  boUas  de  borracha,  não  lhe  faltarão  freguezes, 
porém  será  um  grande  mal  para  esta  terra. 

Tirar  uma  porção  de  borracha  dos  seus  pequenos  depósitos 
para  comprar  um  garrafão  ou  mesmo  algumas  garrafas,  não  o 
farão  porque  geralmente  esses  depósitos,  que  a  pouco  c  pouco 
vão  accumulando,  constituem  as  suas  fortunas,  que  destinam 
parte  para  compra  de  cabeças  de  gado  e  uma  outra  para  fa- 
zendas e  missangas  com  que  se  vestem.  Mas  tirarem  luna  boUa 
de  quando  em  quando  para  irem  saborear  o  seu  copinho,  por 
certo  que  o  fariam  *. 

Nós  levámos  até  ao  Cuango  alguns  garrafòes  de  aguardente 
destinados  a  presentes,  por  serem  estes  os  mais  económicos 
e  para  gratificarmos  os  carregadores ;  porém  como  o  nosso  fim 
era  mantermo-nos  nas  boas  graças  d'estes  povos  e  não  nego- 
ciá-la, de  um  garrafão  faziamos  três  e  ás  vezes  mais,  tempe- 
rando-a  com  a  agua  do  rio,  filtrada,  e  sem  que  elles  tivessem 
conhecimento  de  semelhante  operação. 


1  No  nosso  regresso,  já  nas  margens  do  Cuango  e  também  aqui,  se 
negociava  em  aguardente  a  retalho,  e  os  agricultores  de  Malanje,  de 
certo  terâo  reconhecido  o  augmento  de  procura  d'este  bom  producto  da 
Bua  industria,  depois  que  a  Expedição  se  foi  internando  no  Continente. 


DESCKIPÇAO  DA  VIAGEM 


379 


O  soba  terminou  a  sua  viaita,  participando- nos  que  espe- 
rava que  seu  pae  ',  o  jaga  Andala  Quisaúa,  raandnsao  cum- 
primentar-nos  c  dar-nos  de  comer,  para  elle  então  também  nos 
trazer  alguma  couaa  e  dar  ordem  á  sua  g^nte  para  vir  á  Ea- 
taçSo  vender  mantimentos  á  nossa  comitiva. 

É  a  praxe  que  encontramos  ora  todos  os  povos  com  quem 
tivemos  de  entreter  relações ;  ninguém  de  uma  povoação  se 
apresenta  a  vender  ou  offerecer  qualquer  cousa  a  um  hosj 
sem  que  o  potentado  tenha 
primeiro  enviado  o  seu  pre- 
sente. 

De  facto,  depois  de  ter 
retirado  Sé  Quitári,  appa- 
receu-noa  um  representante 
do  velho  Jaga  felicitando- 
noB  pela  nossa  chegada  á 
EstaçSo,  sentindo  elle  mio 
poder  vir  pessoalmente  por 
estar  quaai  entrevado,  como 
era  sabido.  Havia  mandado 
buscar  um  boi  á  sua  ma- 
nada para  nosso  alimento, 
como  porém  este  sei-viço  ti- 
vesse demora,  pedia  accei- 
tossemos  as  duas  gallinhas  ' 
c  a  porca  que  enviava,  para 
n&a  e  a  nossa  gente  podermot 
sem  o  boi. 

Agradecemos  oa  comprimentos  e  &  lembrança  do  Jaga,  e 
compromettemo-nos  a  ir  vê-lo  logo  que  ttveasemoa  tudo  na  de- 
vida ordem,  manifestando  a  necessidade  que  tínhamos  de  car- 
regadores para  fazermos  seguir  jA  &s  cargas  para  o  Cuango, 


1  esperar  até  que  nos  trouxes- 


1  K  uao  d'eBtes  povos  cliamarero  pac  nos  poteotados,  polo  menos  o 
cabulo  que  empregam  para  oa  deaignarem,  è  eate. 


S80      BXPEDIÇZO  POBTUGUEZÁ  AO  XUATIÂHTnA 

TÍ8to  estannos  muito  apertados  na  EstaçSo.  Como  aignal  de 
amizade  e  de  termos  recebido  o  seu  presente,  mandámos-Ihe 
pelos  seus  portadores  um  garrafto  de  aguardente,  acrescen- 
tando que  esperávamos  desse  ordem  ás  suas  sensallas  para 
Tenderem  mantimentos  á  gente  da  nossa  comitiva. 

Foi  depois  de  se  retirarem  estas  visitas,  que  tivemos  oppor»^ 
tunidade  de  passar  uma  visita  á  EstaçSo. 

Ficara  esta  construída  com  toda  a  solides,  occupando  o  edi- 
fício uma  área  de  12^X4  dividido  em  três  compartimentos, 
sendo  o  do  meio  mais  avançado  e  por  isso  mais  largo  1  metxo. 
Derarse  ás  paredes  d'este  ultimo,  maior  altura  e  portanto  a  sua 
cobertura  era  também  mais  elevada  projectando-se  sobre  as  la- 
teraes.  Ao  pavimento  deu-sé  um  nivel  superior  ao  do  solo  em 
redor,  ficando  á  frente  da  porta  de  entrada  um  pequeno  alpen- 
dre, dispondo-se  o  solo  ahi  em  degrau,  entre  o  nivel  do  ter- 
reno e  o  da  casa. 

Os  lados  d'este  alpendre  foram  fechados  por  bancos  de  arga- 
massa igual  á  das  paredes  da  construcçSo,  onde  se  sentavam  os 
que  nos  vinham  visitar,  evitando-se  assim  a  accumulaçlo  de 
gente  na  casa  central  onde  trabalhávamos  e  onde  estavamí  ar- 
recadadas fazendas  e  outros  artigos  de  commercio,  instrumen- 
tos, armamento  e  utensílios  que  era  indispensável  ter  mais  á  * 
mao. 

O  alojamento  da  esquerda  destinámo-lo  para  quarto  de  dor- 
mir, e  o  da  direita  para  armazenar  as  cargas,  dispostas  na  de- 
vida ordem,  em  prateleiras  fixas  nas  paredes  do  alto  a  baixo. 

As  paredes  tinham  de  altura  2",20,  porém  como  as  asnas  ti- 
vessem grande  altura,  havia  no  interior  uma  cubagem  de  ar 
muito  sufficíente. 

Tanto  as  mestras  como  os  tabiques  foram  feitos  em  duas 
ordens  de  gradeamento  de  troncos  devidamente  preparados,  e 
entre  elles  metteram-se  pequenos  calhaus  e  pedaços  de  barro 
endurecido  sendo  tudo  depois  revestido  por  ambos  os  lados  de 
barro  amassado. 

O  soba  tinha  cedido  um  espaço  ao  fundo  para  curral  e 
horta,  que  devia  ser  fechado  por  um  tosco  gradeamento,  o  qual 


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,    1  -v  .-■» 


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7 


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descripçao  da  vugem  381 

circumdaria  a  Estaçíto  até  á  sua  linha  de  frente;  porém  esse 
serviço  só  poderia  fazer-se,  caso  tivéssemos  muita  demora,  o  que 
nâo  desejávamos. 

A  frente  da  Estação  havia  um  largo  que  nSo  convinha  em- 
pachar e  por  isso  o  acampamento  dos  carregadores  foi  disposto 
aos  lados,  ficando  as  suas  habitações  afastadas  umas  das  outras 
por  causa  dos  fogos. 

Estávamos  na  extrema  norte  do  planalto  da  povoação  a  que 
denominam  Cafuxi  *  do  Sé  Quitári,  d^onde  seguem  as  ram- 
pas para  os  valles,  as  quaes  terminam  junto  ao  rio  Luhanda 
que  se  desenvolve  em  curvas  pronunciadas  do  nosso  oeste  pelo 
norte  para  confluir  no  Luí.  E  pelo  valle  da  nossa  frente  que 
se  faz  o  caminho  para  NE.  para  Holo,  longo,  etc. 

No  planalto  que  nos  ficava  fronteiro,  distanciadas  imias  das 
outras,  destacavam-se,  sombreadas  por  frondoso  arvoredo,  três 
povoações  que  constituem  Cafúxi,  tendo  cada  uma  o  nome  do 
seu  soba. 

O  nosso  horizonte  limitado  a  oeste  pela  grande  serra  de  An- 
dala  Quissúa  e  que  se  estende  para  noroeste,  é  mui  desaffron- 
tado  d'ahi  para  leste,  principiando  a  restringir-se  depois  para 
o  sul,  apresentando-se-nos  ahi,  a  limitar  o  recinto  das  aldeias 
dois  elevados  montes  de  formas  semelhantes,  quasi  da  mesma 
altura  vistos  da  Estação;  e  mais,  parece  que  a  natureza  se 
encarregou  de  os  rasgar  a  meio,  em  forma  da  projecção  de 
um  vaso,  para  dar  accesso  por  este  lado  á  região  de  além. 

Durante  as  madrugadas,  emquanto  o  sol  nos  permittia,  ti- 
vemos occasião  de  desenhar  os  panoramas  que  do  largo  da 
Estação  disfructavamos  para  todos  os  lados,  e  por  isso  os  re- 
produzimos para  dar  d'elles  melhor  idea  do  que  por  uma  simples 
descripçao. 

Tendo  nós  presenteado  o  Jaga  pela  nossa  chegada,  era  justo 
não  esquecermos  o  soba  Sé  Quitári  e  o  seu  velho  tio,  que  pres- 


1  Segundo  os  Ambaquistas,  fmd  («sitio»),  kafaxi  («pequeno  sitio»). 
Parece-noa  a  interpretação  —  aldeia,  pequena  povoação. 


SB2  BXPEDiçZt)  ^HUtstíuisàk  âo  iiuÃiilHVtr 

-         ■  '  *  "  -    -.. 

tara  ao  empregado  da  EstaçSo  o  importante  serviço  de  lhe 
ranjar.  crea^,  cabritos,  ovos  e  mantimentos  das  lavras  de 
que  elle  carecia  para  seu  sustento. 

Tatnbem  os  figurámos  a  mn  e  a  outro,  assim  como  o  toUio 
Jaga,  segundo  um  croquis  que  nos  foi  possivel  obt^  durante  os 
poucos  dias  ein  que  mantivemos  com  eUes  relaçSes. 

Os  homens  vieram  agradecer  a  lembrança  e  entSo  trouxe» 
ram  cestos  de  fubá  ^  para  a  nossa  gente.  Esta,  que  além  da 
porca  teve  também  um  garrote,  enviado  por  Andala  Quissáay 
terminou  o  dia  com  um  festivo  sarau,  e  nós  fomos  obrigados 
a  acompanhar  o  soba  e  a  sua  primeira  mulher  assistindo  a  mum 
dança  improvisada  pela  nossa  gente,  á  qual  nXo  resistiram  aa 
raparigas  da  povoaçSo,  attrahidas  pelos  sons  de  uma  harmónica 
tocada  por  Adolpho,  rua  dos  nossos  contratados  de  Loanda* 

Fizeram  grandes  fogueiras,  assobiada  e  alarido,  com  a  proTÍa 
licença  do  soba. 

As  raparigas,  já  de  tarde  tinham  vindo  acompanhar  o  soba 
para  ver  os  brancos,  de  quem  pareciam  temer-se,  porém  uma  . 
porção  de  missanga  a  granel,  que  se  lhes  atirou,  fez-lhes  per* 
der  o  aoanhamento  e  d'elles  se  approximaram.  Por  isso  á 
noite,  ouvindo  a  musica,  não  poderam  parar  nas  habitaçSes, 
e  o  soba,  que  conheceu  o  que  ellas  queriam,  disse-lhes  que 
fossem  dançar  com  os  filhos  de  Muene  Puto. 

O  nosso  cozinheiro  Marcolino  estava  alegrete  e  entreteve 
a  sociedade,  cozinhando  os  mocotós  ^  para  o  nosso  almoço  do 
dia  seguinte. 

Para  animar  a  dança,  que  era  dirigida  pelos  rapazes  de 
Loanda  e  a  que  as  raparigas  e  rapazes  da  povoação  facilmente 
SC  affeiçoaram,  deu-se  um  cálice  de  aguardente  temperada  a 
cada  um. 

As  dez  horas  levantou-se  um  rijo  pé  de  vento  de  N.-E.  sendo 
preciso  fazer  apagar  as  fogueiras  por  causa  das  fagulhas  nSo 


1  O  amido  da  mandioca. 

2  Mãos  de  vacca. 


DBSCSIPÇZO  DA  VIAOEH 


383 


irem  causar  algum  BÍniatro,  terminando  portanto  a  festa  e  reti- 
rando cada  um  para  suas  casas. 

Seria  meia  noite,  grossa  cbuva  nos  obrigou  a  mudar  de  camas 
6  de  logares,  porque  a  cobertura  do  nosso  alojamento,  sujeita 
a  uma  grande  prova,  indicava-nos  os  reparos  de  que  carecia. 
Destinámos  o  dia  para  fazermos  a  aaccnsSo  á  residência  do 
Joga,  e  por  iaso  se  tratou  do  presente  que  lhe  deviamoa  levar, 
porém  antes,  Sizenando  Marques  dispoz  os  seus  inslnimentoa 
de  observação  e  preparou  me- 
dicamentos para  alguns  doentes 
por  quem  o  soba  se  interessava 
e  que  lhe  apresentara.  Contra- 
taram-se  e  pagaram-se  dois  car- 
regadores para  a  Mussumba; 
despacharam -a  e  com  pagamento 
dois  dos  nossos,  que  contrata- 
ram mais  dois  seus  parentes  para 
o  serviço  das  targas  Uimbtm 
para  a  Mussumba  mdí  buacJÍ 
los  iÍB  sen^atlas  que  diziam  a 
um  dia  de  distancia  da  povoa 
çSo,  recebeu  se  a  viaita  de  St 
Quitan  e  de  seu  tio,  que  noa  ^ 
trmxorara  mais  uma  porca  de 
prcaontL    que  foi  di\  idida  pelo  ^  ^^^^^  t  o  be  «á  aniTiiti 

pessoal,   o    distribuíram  se   de 

zesete  cargas  que  haMam  de  seguir  no  dia  immediat    para  t 
Estaçlo  Pa  va  de  Andrnda 

Perto  daa  três  horas  partimos  para  Andala  Qiiíssúa,  e  en- 
contrámos, ]>ouco  depois  de  ter  passado  o  Luhanda  ás  costas 
doa  carregadores,  uma  comitiva  do  Jnga,  que  vinha  cimipri- 
mentar-nos;  dissemoa-ILc  qual  o  nosso  destino  e  portanto  que 
os  quo  quizessem  fossem  mais  depressa  preveni-lo.  Alguns 
retrocederam  e  outros  entenderam  dever  guiar-nos  e  auxiliar-nos 
ua  Íngreme  subida,  em  cujo  primeiro  lanço  o  aneróide  accusou 
uma  differença  de  nivol  do  246  metros. 


384       £XP£DIÇAO  PÒRTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

Como  tinha  havido  prevençSo,  fomos  recebidos  ao  som  de 
marimbas  de  cabaças  e  de  cantigas  indígenas  allusivas  á  nossa 
boa  amizade  com  o  Jaga. 

O  velho  estava  já  sentado  sobre  esteiras,  entre  dois  grandes 
almofadòes,  ao  lado  da  entrada  da  sua  residência  e  á  sombra 
da  mesma  grande  arvore  sob  a  qual  o  vimos  a  primeira  vez. 
Vestia  camisa  de  algodão  e  estava  envolvido  em  um  grande 
panno. 

Logo  que  nos  approximámos  estende-nos  as  mãos  e  de  tal 
modo  nos  puxou  a  si,  que  iamos  perdendo  o  equilibrio ;  abra- 
çámo-lo, ao  que  elle  e  os  seus  mostraram  grande  satisfação. 
Queixou-se  logo  das  suas  grandes  dores  nas  pernas.  S.  Mar- 
ques observou-o  e  receitou,  prohibindo-lhe  o  uso  da  aguardente 
com  o  que  elle  ficou  muito  contristado.  Felicitou-se  e  a  terra 
pela  vinda  da  Expedição.  Recommendou  aos  seus  que  conti- 
nuassem a  mostrar  boa  amizade  pelos  filhos  do  Muene  Puto. 
Examinou  uma  a  uma  as  differentes  peças  que  compunham  o 
presente,  e  disse  aos  do  seu  conselho  que  mandassem  apresen- 
tar-nos  os  carregadores  que  já  se  tivessem  arranjado. 

Emquanto  os  interpretes  transmittiam  os  cumprimentos  de 
parte  a  parte,  não  poude  o  velho  resistir  á  tentação  de  pedir  um 
cantil  para  ver,  c  em  seguida  de  no-lo  pedir  como  presente 
para  seu  uso. 

Como  havia  sobresalentes,  e  como  as  visitas  áquellas  alturas 
fazem-se  uma  vez  na  vida,  lá  o  deixámos,  para  não  contrariar  o 
2)obre  Jaga  na  esperança  que  nos  livrasse  de  mais  embaraços 
com  carregadores. 

Despedimo-nos  d'elle,  dizendo-lhc  que  iamos  ver  a  povoa- 
ção e  elle  pediu-nos  veuia  para  presentear  o  soldado  que  nos 
servia  de  interprete,  com  um  bode,  e  que  o  presente  para  nós, 
o  mandaria  á  Estação. 
Agradecemos  e  partimos. 

A  povoação  ó  boa,  grande  e  as  habitações  mais  importan- 
tes são  cercadas,  sendo  revestidos  os  paus  das  cercas  de  es- 
teiras com  desenhos  agradáveis  á  vista. 

Algumas  habitíiçòes  indicam  idea  de  persistência,  pela  so- 


DESC&IPÇAO  DA  VIAGEM  385 

lídez  e  mesmo  gosto  artístico  que  revela  a  sua  construcçSo; 
sendo  as  suas  cúpulas  bastante  elevadas. 

Também  visitámos  uma  povoaçSlo  de  Ambaquistas^  em  boa 
ordem  e  onde  fizemos  acquisição  de  cebolas^  alhos^  azeite  de 
ginguba  ^  e  de  palma  por  elles  fabricado  e  de  boas  bananas. 
Vimos  as  suas  lavras  e  creações  e  tudo  nos  agradou. 

As  mulheres  e  rapazio  seguiam-nos  neste  passeio^  e  o  que 
mais  lhes  causava  admiração  eram  os  cabellos  finos  e  compri- 
dos de  Sizenando  Marques,  a  quem  tomavam  por  filho  do  chefe. 

A  ascensão  e  o  calor,  fez-nos  transpirar  copiosamente  e  des- 
pertou-nos  o  appetite,  e  por  isso  ao  chegarmos  á  Estação  mu- 
dámos logo  de  roupa,  tomámos  uma  dose  de  sulfato  de  qui- 
nino^, e  pouco  depois  estávamos  á  mesa,  fazendo  as  devidas 
honras  ao  jantar  com  que  o  cozinheiro  se  esmerara,  dizendo- 
nos  que  se  o  achávamos  bom,  era  porque  agora  tinha  temperos 
em  abundância. 

A  noite  passou-se  como  a  anterior,  assistindo  á  dança  e 
despedida  dos  rapazes,  que  de  madrugada  tinham  de  seguir 
para  o  Luí ;  emfim,  um  pretexto  para  molharem  a  palavra  antes 
de  se  deitarem. 

Logo  de  madrugada,  sabendo-se  na  povoação  que  ia  partir 
uma  comitiva  de  cargas  para  a  Estação  Paiva  de  Andrada, 
vieram  alguns  rapazes  pedir  se  lhes  dávamos  também  cargas 
para  ganharem  alguma  cousa.  Contrataram-se  dez,  por  oito  jar- 
das de  fazenda  cada  um,  e  seguiram  na  comitiva  que  partiu  ás 
oito  horas. 

Chegaram  pouco  depois  os  quatro  carregadores  que  de  Ca- 
talã se  mandaram  a  Malanje  para  transportarem  as  cargas  que 
lá  deixáramos,  aos  quaes  se  mandou  dar  carne  e  fuba^  que 
sobrara  das  rações  do  dia  anterior. 


1  Cuata  a  crer  que  uma  garrafa  doeste  azeite  se  venda  em  Lisboa  por 
preço  inferior  ao  que  aqui  nos  pediram. 

2  Prevenção  que  muito  recommendâmos  a  quem  tem  de  viver  em 
Africa. 


EXPEDItÃO  PoaTOGDEZA  AO  MDAtUsITJA 


O  soba  da  povoação  fronteira  veiuviaitar-noB  e  fez-Be  acom- 
panhar de  uma  manada  para  escolhermos  uma  vaeca,  presente 
a  que  se  correspondeu  em  valor  ura  pouco  superior.  Appare- 
ceudepois  Angola  Ambolcj  um  doa  grandes  do  jagado  de  Andala 
Quissua,  que  já  conhecíamos  por  o  termos  encontrado  á  frente 
do  uma  força  armada  que  ia  fazer  guerra  a  Quifucussa,  quando 
viemos  aqui  marcar  o  logar  para  a  Estação.  Vinha  felicitar- 
nos  pela  nossa  chegada,  apresentar-nos  a  sua  primeira  mulher 
e  trazer-nos  também  uma  grande  porca  de  presente,  ao  que 
correspondemos  como  é  do  estylo,  num  valor  superior. 

Os  presentes  de  gado,  a 
abundância  d'e!le  que  vi- 
mos pelas  immedíaçSes,  e 
o  seu  custo  muito  rasoavel, 
motivaram  a  nossa  resolu- 
ção de  fazer  o  pagamento 
de  raçSes  ate  ao  Cuango  em 
carne. 
Nilopodendodeixarde  ac- 
'  ceitar  presentes  e  por  con- 
seguinte de  lhes  correspon- 
der, liavia  um  grande  saldo 
K  a  favor  da  Expedição,  pa- 
gando em  carne  as  raçõoa 
a  toda  a  gente  da  comi- 
tiva,  porque  o  valor  com 
que  se  retribuia  com  arti- 
gos de  commercio  o  gado  recebido  era  inferior  ao  que  teríamos 
de  pagar  em  raçííes. 

As  maiores  cabeças  de  gado  que  nos  tinham  sido  offerecidaa 
davam  para  três  días  de  ração ;  sendo  sessenta  o  numero  de 
boccas,  equivaliam  a  180  raçSes.  Se  tivéssemos  de  pagar  em 
fazenda,  o  mais  favorável  e  que  nunca  se  pode  dar,  seriam 
noventa  jardas,  pouco  mais  de  onze  peças,  e  o  valor  do  pre- 
sente com  que  se  retribuíra  cada  vez  variara  entre 
nove  peças. 


I 


DESCBIPÇÃO  DA  VUOEH  387 

O  pessoal  ficou  mais  satisfeito,  porque  eram  avultadas  as  ra- 
ções de  carne,  e  uma  parte  doestas  facilmente  se  trocava  na 
povoação  por  productos  das  lavras  e  mesmo  por  farinhas, 
fubá,  etc. 

Comprando,  ainda  o  custo  seria  menor  e  portanto  tomava-se 
mais  vantajoso. 

Tendo  participado  o  ajudante  da  ExpediçSo  em  21,  que  a 
Estação  não  comportava  mais  cargas  e  que  elle  estava  prompto 
a  caminhar  para  deante,  ficou  resolvido  que  o  chefe  seguiria 
no  dia  23  direito  ao  Cuango,  com  todos  os  carregadores  de 
que  fosse  possível  dispor,  e  também  com  os  que  se  podes- 
sem  arranjar  nas  povoações  vizinhas,  havendo  demora  naquella 
Estação  apenas  dos  dias  indispensáveis  para  ahi  se  contra- 
ctarem  os  carregadores  que  faltassem,  para  não  deixar  ahi 
carga  alguma  e  neste  sentido  se  procedeu  ás  diligencias  ne- 
cessárias. 

Um  rapaz,  que  se  dizia  filho  do  velho  Jaga  e  que  em  Ándala 
Quinguangua  mantivera  boas  relações  com  o  ajudante  da  Expe- 
dição e  a  quem  dêmos,  não  sei  porque,  o  nome  de  João  Quis- 
súa,  apresentou  uns  oito  carregadores  para  transportarem  a 
rede  do  chefe  até  á  Estação  Paiva  de  Andrade,  vindo  elle 
também  de  companhia. 

O  Sé  Quitári  e  sua  mulher  appareceram  ao  sol  posto  para 
conversar  um  pouco,  recebemo-los  com  a  nossa  habitual  cor- 
dialidade e  também  se  comprometteram  da  melhor  vontade  a 
apresentar  alguns  carregadores  para  o  transporte  de  cargas 
para  aquella  Estação. 

Tudo  estava  disposto  para  a  partida  do  chefe  no  dia  seguin- 
te, e  como  não  era  possivel  vencer  a  distancia  que  tínhamos 
a  percorrer  num  dia  só,  o  cozinheiro  arranjou  uns  assados  para 
a  viagem. 

Despacharam-se  também  cargas,  tendo  sido  primeiro  pagos 
os  carregadores  que  se  contractaram. 

O  nosso  collega  Sizenando  Marques,  que  continuava  com  a 
maior  sollicitude  a  dedicar-se  aos  seus  estudos  e  observações, 
encarregou-se  de  proseguir  nas  diligencias  de  contractar  mais 


886  BXFBDIÇZO  POKTDCniEU  AO  HDAIIIhVOA 

eatre^ãon»  e  de  &3ser  seguir  ao  sea  destino  as  cazgas  sob  « 
TÍ^laneia  de  algtuu  soldados  e  serriçaes  de  Loanda,  doa  ponooa 
^oe  ficavam  ao  serviço  da  Estaçto  Ferrwrs  do  Amaral^  par. 
tindo  d'ahi  o  chefe  da  madragsda  do  dia  23. 


DESCIilPÇAO  DA  VIAGEM 


VIAGEM  DO  CHEFE  PARA  CAMAVU 


oscemos  ao  valle  em  frente  da 
EstaçSo,  e  passando  duas  vo- 
zes o  rio  Luhanda,  cntrámOB 
iiuraa  larga  savana,  limitada  por 
arvoredo,  onde  encontrámos  as 
terras  já  bastante  encharcadas, 
posto  estivéssemos  ainda  no 
principio  da  estaçSo  das  chuvas. 
Tendo  descido  ao  valle  para  pas- 
íannoa  o  Luhanda  a  primeira 
vez,  inclinámos  para  N.-E.  se- 
guindo depois  quasi  sempre  com 
o  rumo  E.,  deixando  algumas 
povoaçiíea  e  lavras  para  traz. 
Logo  á  entrada  na  savana, 
ao  sul,  e  contando  os  primeiros  8  kilometros  de  percurso,  fica 
a  povoação  do  potentado  Hunda,  a  quem  pertencia  uma  boa 
manada  que  ali  vimos  espalliada.  Nesta  povoaçíto  encontrámos 
acampados  oito  dos  carregadores  contratados  em  Mnlanje  para 
o  Cuango,  e  que  haviam  marchado  de  Catalã  no  dia  immediato 
Á  partida  da  comitiva  dos  Masongos  contratados  pelo  nego- 
ciante-Esteves. 

Surprehendidoa,  porque  contávamos  que  oa  quarenta  car- 
regadores que  tínhamos  contratado  para  o  Cuango  nos  espe- 
rassem na  Estação  Paiva  de  Andrada,  como  era  do  ajuste  e 


890  EXPEDIÇZO  PORTOOUEZÂ  AO  XUÁTIÂirVUÁ 

■III ■  ■— ^—— ^—^.^—11—^—^-^1^^— ^■^——^—^—^— ^——^^——— —1^—^-^^^—^^ 

nSo  havendo  nós  excedido  o  praso  da  demora,  fomos  interro- 
gá-los. 

Mais  nos  surprehenderam,  dizendo: — ^^Que  visto  a  Expedi^ 
n&o  poder  passar  para  o  Cnango,  haviam  deliberado  procnrar- 
nos  para  lhes  darmos  novas  cargas  para  a  Estaçlo  Paiva  da 
Andnida  e  com  esta  nova  viagem  satisfazerem  o  seu  compro- 
misso para  o  Cuango. 

E  porque  se  nSo  passa?  Perguntámos. 

Porque  o  soba  Ambango  está  descontente  com  a  EstaçXo. 

Desconfiando  que  o  motivo  nSo  era  este,  determinámos-lhe 
que  seguissem  comnosco  e  tendo  nós  andado  2  kilometros,  en- 
contrámos um  dos  nossos  soldados,  que  nos  apresentou  uma 
communicaçSo  do  ajudante,  participando  que  todos  os  carre- 
gadores contratados  para  o  Cuango  haviam  retirado. 

Novamente  interrogámos  os  homens,  para  que  n2o  occultas- 
sem  a  verdade  pois  iamos  sabê-la  pelos  potentados  das  imme- 
diaçSes  da  EstaçZo.  Apresentaram-nos  um  novo  pretexto:  — 
Que  na  Estação  não  lhe  queriam  pagar  raçSes. 

Só  nós,  lhe  dissemos,  podiamos  pagar  raçSes  e  na  occaailo 
de  partirem,  e  portanto  não  deviam  ter  retirado.  Sigam  pois 
adeante  e  participem  a  todos  os  seus  companheiros  que  nós 
amanhã  lá  chegaremos  e  hão  de  ter  as  suas  raçSes  para  mar- 
charmos no  outro  dia  para  o  Cuango.  Foram. 

Nós,  continuando  pouco  mais  ou  menos  no  mesmo  rumo  E. 
chegámos  á  povoação  do  Mona  Quinhangua,  completando  até 
ahi  20  kilometros,  onde  descançámos  um  pouco  á  sombra  de 
três  grandes  arvores  para  comermos  alguma  cousa,  eram  dez 
horas  e  meia. 

O  potentado,  homem  serio  e  sjmpathico  appareceu  a  cum- 
primentar-nos  com  as  suas  mulheres  e  creanças,  e  pediu-nos 
licença  para  mandar  dar  aos  carregadores  um  bom  porco  e 
fubá,  o  que  acceitámos  com  a  condição  de  elle  comer  do  al- 
moço que  traziamos,  porque  não  podiamos  retribuir  na  occasião 
a  sua  lembrança  e  não  nos  era  possível  pernoitar  ali. 

O  potentado  de  bom  grado  acceitou,  provou  do  cognac  do 
nosso  cantil,  que  multo  apreciou,  e  deu-o  a  provar  ás  suas  mu- 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  391 


IhereS;  emquanto  nós  afagávamos  as  creanças  e  lhes  distri- 
buíamos alguns  fios  de  missanga^  que  sempre  levávamos  na  bolsa 
de  viagem^  mimos  que  as  mães  muito  agradeceram. 

Depois  fomos  dar  um  passeio  pela  povoaçSo,  que  nos  agra- 
dou pela  boa  ordem  em  que  estava;  vimos  a  manada  que  era 
esplendida  e  offerecendo-nos  o  soba  duas  rezes,  pedimos  para 
estas  ficarem  ainda  até  o  nosso  regresso. 

Despedimo-nos,  deixando-lhe  imi  bilhete  para  um  cabo  de 
carregadores,  que  devia  ahi  chegar  no  dia  seguinte  ou  depois, 
ordenando-lhe  desse  áquelle  potentado  um  garrafão  pequeno 
de  aguardente. 

Seguimos  3  kilometros  no  rumo  ESE.  para  percorrermos 
depois  2,  descendo  para  uma  linha  de  agua,  o  Caquiango,  no 
rumo  ENE.  Vimos  ao  norte  uma  boa  lavra  de  mandioca  e  á  beira 
do  caminho  uma  pousada  de  carregadores,  onde  encontrámos 
a  comitiva  que  havia  três  dias  tinhamos  despachado. 

Sendo  apenas  meio  dia  e  tendo  elles  acabado  de  comer,  cal- 
culámos que  naquelle  dia  não  tinham  marchado  e  interrogan- 
do-os  disseram :  — Que  não  tinham  ido  avante  por  lhes  haverem 
dito  que  os  potentados  d'ahi  em  deante  não  deixavam  passar 
cargas,  sem  primeiro  se  lhes  dar  um  garrafão  de  aguar- 
dente. 

Certamente  os  Massongos  que  elles  nos  informaram  terem 
fugido,  foram  propalando  este  boato  pelo  caminho. 

Bem  diziam  os  Allemães,  que  os  Massongos  eram  os  peores 
carregadores  que  havia  em  Malanje  e  não  os  quizeram  levar. 
Kós  acceitámos  este  recurso  para  o  Cuango,  porque  Esteves  nos 
aíBrmou  ter  confiança  no  soba  que  os  apresentava,  aliás  recu- 
saríamos, como  recusámos  os  que  nos  apresentaram  em  Ma- 
lanje da  mesma  proveniência. 

Conseguimos  que  a  comitiva  levantasse  e  seguisse  comnosco, 
porém  duas  horas  e  meia  depois,  já  pediam  por  cansados  para 
acampar.  Ficaram  nos  fundos  que  deixaram  os  Allemães  ao  norte 
do  caminho  que  tinhamos  seguido,  depois  da  referida  linha 
de  agua  por  nove  kilometros,  direcção  pouco  mais  ou  menos 
E.  Yi  ENE.  sempre  em  subida,  e  num  descampado. 


392  EXPEDIÇZO  PORTUGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

Não  vendo  rio  algum  e  só  poças  de  agua  estagnada^  quize- 
mos  convencê-los  que  ficavam  ali  mal^  porém  como  fosse  tarde 
e  elles  podiam  vencer  no  dia  seguinte  a  distancia  d'ali  á  Es- 
tação, não  insistimos. 

Logo  que  começámos  a  subir  do  Caquiango,  approximámo- 
nos  da  grande  serra  Ambango,  que  se  avista  a  N.-E.  da  Estação 
Ferreira  do  Amaral,  em  forma  de  chapéu  armado,  e  depois 
seguindo  os  zig-zags  do  caminho  sempre  sombreado  por  esta 
extensa  serra  e  que  parecia  não  ter  fim,  voltámos  para  N.-E, 
e  caminhando  parallelamente  á  serra  mais  10  kilometros  dei- 
xámo-la a  final  para  entrarmos  num  vasto  descampado  para 
o  lado  do  N.  seguindo  ao  longo  do  arvoredo  que  ficava  á  nossa 
direita  marginando  o  rio  Lui,  affiuente  do  Cuango. 

Tinhamos  caminhado  mais  10  kilometros  no  mesmo  rumo, 
quando  chegámos  á  povoação  do  sobeta  Angonga,  súbdito  do 
Ambango,  no  sitio  do  qual  entrou  a  comitiva  eram  seis  horas  e 
meia  e  já  escuro  bastante. 

A  marcha  de  54  kilometros  tinha  sido  fatigante,  todos  tinham 
vontade  de  comer  e  de  descansar,  e  já  muitos  dos  que  nos 
acompanhavam  ficavam  atrás  na  senzalla  do  Bahulo,  por  isso, 
eonvidando-nos  o  sobeta  a  tomar  agasalho  numa  habitação  que 
cUe  havia  já  feito  preparar  para  tal  fim,  dêmos  por  terminada 
a  nossa  viagem  naquelle  dia. 

A  cubata  que  nos  apresentaram  era  espaçosa  e  bem  con- 
struida. 

Arranjou-se  uma  grande  fogueira  á  sua  frente  e  recebemos  a 
familia  do  sobeta  e  toda  a  gente  que  quiz  ir  ver-nos.  Trouxeram- 
nos  um  bode  de  presente  que  demos -aos  carregadores  para  divi- 
direm entre  si,  retribuindo  a  dadiva  com  uma  sobrecasaca 
preta  e  8  jardas  de  chita. 

Depois  de  termos  comido  ura  pedaço  de  cabrito  assado,  bo- 
lachas e  uma  banana  que  trazíamos,  deitámo-nos,  e  apesar  das 
dores  rheumaticas  na  perna  direita  e  de  uma  bolha  debaixo  do 
pollegar  do  pé  direito  que  nos  mortificara  durante  a  tarde,  ce- 
demos á  fadiga  e  adormecemos,  acordando  só  ás  cinco  horas 
da  manhã,  já  dia  claro. 


I 


\ 


í'-; 


DESCBIPÇXO  DA  VIAGEM  393 

Tratámos  dos  preparativos  da  viagem^  fizemos  as  nossas 
despedidas  e  ás  cinco  horas  e  meia  partimos  no  rumo  N-E. 

Tinhamos  andado  2  kilometros  e  passámos  por  uma  povoa- 
ção d^onde  a  gente  saia  correndo  das  cubatas  para  verem  pas- 
sar o  filho  de  Muene  PutO;  fazendo  grande  alarido  e  batendo  as 
palmas. 

Alguns  rapazes  quizeram  substituir  os  carregadores  que  nos 
transportavam  na  rede  e  conduziram-nos  por  2  kilometros, 
vindo  as  raparigas  sempre  aos  lados  gritando :  Muene  Puto  ueza! 
Muene  Pvio  uaxica!  («Muene  Puto,  veiu !  Muene  Puto  chegou»)! 

Chegando  a  uma  outra  povoação  os  rapazes  d'esta  recebe- 
ram a  rede  dos  que  nos  transportavam  e  de  quem  nos  despe- 
dimos recommendando-lhe  que  fossem  á  Estação  para  terem 
o  seu  mata  bicho.  Também  as  raparigas  quizeram  acompanhar- 
nos  á  povoação  por  onde  tinhamos  de  passar,  gritando  como 
as  outras  e  andando  distancia  igual. 

Nesta  repetiu-se  o  mesmo  que  na  anterior  sendo  os  idtimos 
que  chegaram  á  Estação,  tendo  andado  um  pouco  mais  de  3 
kilometros. 

Veiu  logo  fazer  os  seus  comprimentos  o  soba  Ámbango, 
acompanhado  dos  seus  rapazes  por  elle  mais  considerados, 
cada  um  com  a  sua  espingarda  lazarina. 

Esta  visita  que  devia  ser  de  meros  cumprimentos,  tomou-se 
demorada  por  causa  dos  queixumes  do  soba  e  da  sua  gente 
contra  o  pessoal  da  Estação. 

Não  contaram  tudo,  porque  terminaram  os  seus  discursos  di- 
zendo :  —  O  sr.  major  precisa  descansar  agora,  voltaremos  depois 
para  fallarmos  com  mais  vagar. 

Augusto  Jayme,  irmão  do  soba  de  Malanje,  que  nos  acom- 
panhava para  vigiar  pelos  seus  carregadores,  e  que  mandámos 
para  deante  a  fim  de  ir  fallar  a  Mueto  Anguimbo,  no  Cuango, 
e  preparar-nos  a  passagem,  disse  não  ter  seguido,  em  conse- 
quência da  indisposição  dos  carregadores,  sobre  o  que  nos  pre- 
cisava fallar. 

Já  se  vê  que  tinham  havido  por  aqui  novidades  sobre  o  que 
era  indispensável  providenciar,  e  portanto  chegáramos  a  tempo. 


Eitev»  elle  acatado  mtmÊt  eadenm  ab  de  eovo,  o  qae 
bem  me  edammiy  poiqoe  eté  e^  oe  eobee  qee  liiilleeMiB 
fado  enta^ram-ee  aobre  esteíias  no  dilo,  oa  em  peqaemie  htm- 
qnhilioe> 

A  casa  eetaTa  cheia  de  gente,  reeebea-noa  mmfto  bem  n 
fieaiam  todos  aatisfeitoe  com  o  presente  qne  dêmos  ao  aen 
pae. 

Sobre  a  partida  paia  o  Coango  da  primem  parte  da  Sqpe- 
diçSo,  disse  que  nlo  a  teria  consentido  s^n  a  nossa'  diegada, 
porquanto  n2o  havia  fallado  comnosco  e  n2o  conhecia  a  nossa 
vontade,  que  era  a  de  Muene  Puto;  e  se  houvesse  alguma  no- 
vidade desagradável  com  os  povos  para  deante,  com  razSo  nos 
poderíamos  queixar  d'elle,  porém  agora,  como  nós  já  tínhamos 
chegado,  tratar-se-ia  d'is80. 

Fallando-lhe  com  respeito  á  necessidade  que  tínhamos  de 
mantimentos,  respondeu  que  se  prohibiram  ás  mulheres  de  irem 
vendê-los  ao  nosso  acampamento  com  receio  nao  dessem  ellas 
motivo  a  conflictos  entre  os  carregadores  e  a  gente  das  povoa- 
ç8es,  o  que  nos  desgostaria;  porém,  estando  nós  lá,  nSo  deixa- 
riam de  apparecer  todos  os  mantimentos  que  desejássemos. 

De  facto,  pouco  depois,  mandou-nos  Ambango  um  boi  magni- 
fico e  uma  porção  de  fíiba,  como  signal  de  boa  amizade. 

O  boi  foi  logo  morto,  limpo  e  esquartejado  em  raç^s,  en- 
viando-se,  como  é  da  praxe,  uma  perna  ao  dono  da  povoação. 

Durante  o  dia  os  homens  vieram  á  Estação,  mas  quando 
acompanhavam  o  soba ;  porém  as  mulheres  e  creanças  nao  nos 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  395 

deíxaraiDy  constantemente  om  magotes  em  frente  da  janella  e 
das  portas  para  nos  admirarem  e  verem  os  nossos  mais  peque- 
nos movimentos. 

Revestimo-nos  da  máxima  paciência,  aturando-os  em  prin- 
cipio, respondendo  a  todas  as  suas  perguntas,  e  deixando-os 
depois  em  contemplação,  pedindo-Ilies  apenas  que  se  sentas- 
sem, para  que  pudéssemos  ver  o  que  tinhamos  a  fazer  e  para 
não  obstarem  á  livre  circulação  do  ar.  Pedido  a  que  acquiesce- 
ram  de  bom  grado,  porque  era  o  que  desejavam — ver  o  que 
fazia  o  branco. 

Voltou  o  soba  ao  escurecer  do  dia,  para  conversar  e  pedir- 
nos  um  pouco  de  aguardente.  Como  precisávamos  de  carrega- 
dores, estimámos  mesmo  que  viesse,  e  escusado  será  dizer  que 
destemperámos  todas  os  garrafões  já  encetados. 

Como  o  soba  ficasse  de  nos  apresentar  no  dia  seguinte  todos 
os  sobetas  da  sua  jurisdicção  e  nos  pedisse  para  lhes  darmos 
alguma  cousa,  a  fim  d'elles  o  auxiliarem  a  apresentar  com  prom- 
ptidão  os  carregadores  que  necessitávamos  para  o  Cuango,  tra- 
támos de  preparar  doze  presentes  iguaes,  oito  jardas  de  ris- 
cado e  quatro  de  chita,  que  tantos  eram  os  sobetas  indicados, 
e  recolhemo-nos  por  necessidade  de  repouso. 

A  sós  informou-nos  o  ajudante :  das  exigências  do  Ambango 
e  das  rivalidades  entre  elle  e  um  outro  potentado  Anguvo,  a 
2  kilometros  da  Estação  e  já  na  margem  do  Luí,  dispondo 
este  de  muito  mais  povo  que  o  primeiro;  que  havia  sobetas, 
os  que  residiam  nas  immediações  da  Estação,  que  diziam  reco- 
nhecer Ambango  por  chefe  e  outros  mais  distantes  ao  N.  que 
reconheciam  Anguvo ;  que  ambos  se  queriam  impor  como  donos 
da  terra,  a  que  dão  o  nome  de  Camávu,  mas  um  e  outro  pa- 
reciam intrusos,  forasteiros  que  se  estabeleceram  ali,  vindos  do 
interior,  dizendo-se  umas  vezes  do  Holo,  outras  do  longo, 
sendo  certo  que  a  proveniência  era  diversa ;  que  havia  porém 
sobetas,  que  pela  sua  pequena  importância  em  população  e  por 
que  se  estabeleceram  por  ali  depois,  reconheciam  um  e  outro 
como  mais  velhos  na  terra  mas  apesar  de  lhes  obedecerem,  di- 
ziam-se  subordinados  do  jaga  de  Cassanje^  de  quem  se  afasta- 


396  KXPEDiçXo  POBTuauEEA  AO  muatiAnvua 

ram  para  86  esquivarem  aos  tributos  e  procurarem  os  cami* 
nbos  dos  negociantes  de  gado. 

Observou  ainda  o  ajudante,  que  era  de  suppor  que  no  dia 
immediato  apparecesse  por  ali  muita  gente  e  que  nXo  nos  dei- 
xariam fazer  cousa  ^guma,  porque  se  nSo  contentariam  em 
nos  ver  de  longCi  baviam  de  querer  estar  muito  perto  de  nós, 
tomando-se  impertinente  a  sua  curiosidade. 

Como  o  nosso  fim  principal  era  arranjar  carregadores  e  nlo 
menos  de  noventai  assentámos  em  que  o  ajudante  trataria  de 
providenciar  para  que  se  fossem  pondo  em  ordem  todas  as 
cargas  e  bagagens  para  a  viagem,  emquanto  nós  attendiamos 
ás  visitas  e  procurávamos  contratar  carregadores. 

Era  tarde  quando  adormecemos,  mas  como  estávamos  in- 
quietos, resolvemos  logo  de  madrugada  passar  vistoria  á  Esta- 
çSo  e  dar  balanço  ás  cargas  existentes. 

A  EstaçSo  tinba  por  base  um  rectângulo  10^x5"',  e  ape- 
nas se  fez  nélla  um  compartimento  reservado  de  3  metros  do 
frente  para  o  nosso  alojamento  e  casa  de  trabalho,  ficando  o 
resto  para  arinazem  das  cargas,  onde  também  dormia  um  em- 
pregado incumbido  de  as  vigiar. 

As  paredes  tinham  de  altura  3  metros,  e  na  da  frente  uma 
porta  ao  centro  e  uma  janella  de  cada  lado.. 

A  altura  da  cobertura  era  grande,  porque  a  largura  da  casa 
também  não  era  pequena. 

Não  sendo  possivel  barrar  as  paredes,  foram  revestidas  de 
capim,  exterior  e  interiormente. 

A  frente  da  Estação  estava  virada  a  SSW.  e  nessa  linha 
via-se  a  alterosa  serra  do  Ambango,  destacando-se  de  tudo 
que  a  rodeava,  pela  forma  como  se  nos  projectava,  idêntica 
no  aspecto  ao  desenho  que  d'ella  obtivéramos  na  Estação  Fer- 
reira do  Amaral.  Esta  serra  havia  de  servimos  de  ponto  de 
referencia  para  uma  boa  determinação,  depois  de  termos  as 
coordenadas  de  ambas  as  EstaçSes. 

Pelo  balanço  dado  ás  cargas,  e  attendendo  á  fugida  dos 
Massongos  e  ás  cargas  que  deviam  chegar  no  dia  seguinte  ou 
depois,  transportadas  pelos  rapazes  de  Andala  Quissúa,  que 


DfiSCRIPÇAO  DÁ  VIAQEM  39? 

de  certo  não  quereriam  ir  para  deante,  calcolou-se  não  ser  pos- 
sível fazer  se  o  transporte  com  menos  de  noventa  carregado- 
res, alem  dos  que  estavam  ao  nosso  serviço;  não  havia  por- 
tanto tempo  a  perder.  % 

Quatro  dias!  Quatro  dias  sem  tréguas  consumimos  numa 
lucta  continuada  com  as  exigências  e  impertinências  de  todos 
os  sobas,  sobetas,  mulheres,  carregadores  antigos  e  carrega- 
dores que  se  contratavam !  Foi  esta  uma  boa  prova  que  elles 
tiveram  de  quanto  sabiamos  ser  pacientes,  e  da  resignação  de 
que  dispúnhamos  para  os  aturar  e  de  também  os  levarmos 
sempre  de  vencida  em  todos  os  nossos  intentos  e  bem  assim 
chamá-los  á  razão  e  os  domarmos  quando  fosse  preciso ! 

Nestas  luctas,  em  que  os  interpretes  ainda  mais  nos  enfa- 
davam, porque  tudo  atrapalhavam  e  confimdiam,  ou  por  não 
nos  comprehenderem,  ou  por  se  temerem  d'elles  só  pelo  facto 
de  os  considerarem  como  gentios  e  nos  supporem  sempre  mais 
fracos  e  estarmos  á  mercê  d 'elles,  deram-se  episódios  que,  se 
uns  eram  risíveis,  outros  nos  revelavam  o  atrazo  doestes  povos, 
a  avidez  e  cubica  desmedidas  de  que  são  dotados,  e  também 
que  nelles  se  encontra  sempre  um  lado  vulnerável  por  onde 
é  possivel  despertar-lhe  os  bons  instinctos.  No  seu  animo  de 
tal  modo  se  incutiu  a  prestigiosa  influencia  de  Muene  Puto, 
que  para  muitos  essa  entidade  é  ainda  hoje  um  mytho  vene- 
rando. Acreditam  que  só  nós  os  Portuguezes,  é  que  somos  os  eu- 
ropeus, e  que  temos  o  condão  especial  de  os  attrahir,  cathe- 
chisar  e  educar  devidamente  para  conviverem  com  gente  culta. 

Os  primeiros  sobetas  que  nos  apresentou  o  Ambango,  foram 
Hunda,  Ambualo  e  Cáhia  Cassaxi,  e  como  estes  dissessem 
quando  lhes  falíamos  em  carregadores,  ter  recebido  ordem  de 
Cassanje  para  não  deixarem  passar  os  brancos  para  o  Cuango, 
que  se  fosse  preciso  obtivéssemos  de  lá  licença,  replicámos-lhe 
que  Cassanje  era  um  jagado  de  Muene  Puto,  e  ninguém  nos 
impediria  de  passar  por  lá ;  que  o  nosso  caminho  era  pelo  norte 
e  se  elles  não  quizessem  dar  carregadores  os  mandaríamos 
buscar  ao  Anguvo  e  se  este  não  tivesse  todos  que  precisásse- 
mos o  Andala  Quissúa  apresentaria  o  resto;  que  se  contavam 


398  BXPBDIçto  POHTDGUSZA  AO  mjATllNVUA 

oom  as  soas  annas  para  se  opt^orem  á  nossa  saída,  só  uma  das 
nossas  mais  pequenas  lhes  provaria  que  nada  tínhamos  d^ellas 
a  recear. 

Disparámos  um  bom  revólver,  que  traiamos,  de  seis  tiros,  e 
isso  foi  o  bastante  para  começar  entte  elles  um  tiroteio  de  re- 
criminaçSes  e  ásperas  censurasi  por  nos  terem  fallado  mal  e 
feito  siangar.  E  como  nós  nos  retirássemos  em  seguida  para  a 
EstaçSo,  deixando-os  no  largo  á  frente  da  casa  onde  os  rece- 
bêramos, nSo  descançaram  emquanto  nSo  cedemos  a  que  uma 
deputaçSo  d'elles  entrasse,  para  nos  assegurarem  que  todos  obe- 
deciam a  Muene  Puto  e  pediam  que  nSo  ficássemos  agasta- 
dos com  elles  pelas  más  palavras  de  um  homem  que  nSo  sabia 
fallar  bem. 

Era  verdade  que  gente  de  Cassanje  os  ameaçara  se  elles  nos 
deixassem  partir  pelo  norte,  porque  queriam  que  nós  passás- 
semos nas  suas  terras  para  lhes  darmos  alguma  cousa;  mas 
elles  eram  filhos  de  Andala  Quissúa,  de  quem  nós  éramos  bons 
amigos  e  não  se  importavam  com  Cassanje  e  haviam  de  apre- 
sentar 08  carregadores. 

Um  copo  de  aguardente  foi  o  signal  de  que  a  satisfaçSo  nos 
aplacara.  O  Ambango,  nojenta  creatura,  que  preparara  a  scena, 
suppondo  que  nos  demorava  ali  mais  algum  tempo,  tendo  ape- 
nas em  vista  a  aguardente  que  lhe  fugia  e  que  nSo  se  apres- 
sara a  desculpar  os  mais,  foi  corrido  para  a  povoação,  ouvindo 
depois  ásperas  censuras. 

Os  filhos  do  Anguvo,  que  estavam  presentes,  asseguráram- 
nos  que  seu  pae  nos  apresentaria  todos  os  carregadores  de  que 
precisássemos  para  o  Cuango,  e  se  não  tinha  vindo  já  compri- 
mentar-nos,  fora  porque  o  Ambango  o  não  avisara  da  nossa 
chegada,  certamente  com  receio  de  que  nós  déssemos  a  An- 
guvo, melhor  presente  que  a  elle. 

Sendo  vantajoso  aproveitar  a  rivalidade  entre  estes  dois  po- 
tentados, dêmos  ao  mais  velho  dos  rapazes  que  nos  fallou,  uma 
farda  encarnada  do  commercio  e  oito  jardas  de  chita  para  le- 
varem a  seu  pae  como  signal  da  nossa  chegada  e  dissemos- 
Ihes  que  tinhamos  muito  gosto  em  vê-lo. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  399 

Os  sobetas  Matamba  e  Cáhia  Cassáxi  que  appareceram  de- 
pois^ vinham  dizer-nos  que  eram  estranhos  ao  desgosto  que 
nos  causaram  os  sobetas  do  Ambango ;  que  elles  estavam  para 
vir  visitar-nos  no  outro  dia  porque  queriam  trazer-nos  de  co- 
mer,  mas  que  sabendo  o  que  se  havia  passado  com  aquelles 
sobetas,  nâo  esperaram  pela  comida  que  haviam  mandado  ar- 
ranjar e  vieram  logo,  só  para  nos  assegurar  que  elles  eram 
filhos  de  Muene  Puto  e  que  contasse  com  os  rapazes  d 'elles 
para  levarem  as  nossas  cargas  ao  Cuango. 

Foram  bem  recebidos  e  levaram  presentes  para  elles  e  suas 
mulheres. 

O  Anguvo  correspondeu  ao  presente  mandando-nos  uma 
vacca  e  annunciou  a  sua  visita  para  o  dia  seguinte. 

Nesse  dia,  logo  de  manhã,  constando  a  Ambango  que  o  outro 
soba  vinha,  pediu  que  lhe  fosse  fallar  um  dos  nossos  interpre- 
tes. Estava  afilicto,  nos  disse  este,  porque  o  Anguvo,  o  amea- 
çara com  uma  guerra,  logo  que  Muene  Puto  deixasse  esta  terra, 
por  nao  lhe  ter  participado  a  nossa  chegada,  para  elle  poder 
comer  só  a  nossa  fazenda;  que  se  lembrou  de  nos  apresentar 
os  sobas  pequenos  e  se  esquecera  d'elle  que  era  mais  velho ; 
que  fora  preciso  Muene  Puto  lembrar-se  d'elle  para  saber 
que  tinha  chegado  e  poder  vê-lo  etc,  etc.  , 

Respondemos  que  Ambango  acompanhasse  a  Anguvo,  que 
nós  haviamos  de  conseguir  que  elles  fizessem  as  pazes. 

Como  Anguvo  vinha  de  rede,  entendeu  o  Ambango  vir  es- 
carranchado aos  hombros  de  um  dos  seus  rapazes  mais  fortes. 

E  da  praxe  entre  estes  povos,  dar-se  uma  gratificação  aos 
individues  que  transportam  os  potentados  nestas  visitas  gran- 
des, e  por  isso  dêmos  uma  porção  de  missanga  aos  carrega- 
dores da  rede,  logo  que  estes  chegaram  á  porta  da  Estação, 
e  depois  ao  que  servia  de  cavallo,  quando  se  approximou  com 
o  cavalleiro. 

Não  poude  conter  a  sua  avidez  o  Ambango,  que  ia  dando 
um  bom  trambulhão,  pelos  esforços  que  fazia  para  arrancar  a 
missanga  das  mãos  do  rapaz  que  lhe  servia  de  cavalgadura. 

Foi  preciso  ampará-lo  para  se  apear,  e  protejê-lo  para  entrar 


ÍOÒ  EXPEOIÇÍO  tomÚQUÉÍA  10  HdÀTlllIVtlA 

na  EstaçSo,  Uvrando-o  das  vuas  e  motejos  da  pcqpulaça,  na 
▼erdade  bem  merecidos;  sendo  curioso  ver  os  seus  tregeitoa 
e  carantonhas  ao  ser  apupado  sem  piedade  pelos  que  o  rode»- 
▼am. 

Queixou-se  Anguvo  com  azedume  da  maroteira  do  Am-" 
bango  em  o  afiístar  de  Muene  PutO|  quando  elle  lhe  era  muito 
inferior  èm  categoria  e  um  intruzo  na  terra,  e  que  ji  estírera 
para  o  castigar  pelo  atrevimento  de  nSo  deixar  ir  flizer  a  casa 
onde  Muene  Puto.  queria,  pois  Ibe  dissera  que  os  povos  do 
Lui  eram  ladrSes ;  que  mais  ladrXo  e  bêbado  era  elle,  porque 
queria  comer  só  e  nSo  repartir  com  ninguém  os  benefidos  que 
tinba  recebido  de  Muene  Puto  e  por  isso  agora  nem  os  seus 
filhos  lhe  queriam  dar  carregadores  para  apresentar  a  Muene 
Puto ;  que  elle  vinha  visitar-nos,  traser-nos  de  comer  e  diser- 
nos  que  marcássemos  o  dia  da  partida  para  antecipadamente 
poder  mandar  apresentar  os  carregadores  de  que  carecêssemos. 

Procurámos  antes  de  tudo  harmonisA-los,  e  dêmos  a  Anguvo 
um  presente  igual  ao  que  se  tinha  dado  a  Ambango,  e  agra- 
decemos o  segundo  garrote  com  que  nos  obsequiou.  Pedimos- 
lhe  que  mandasse  até  sessenta  carregadores,  durante  o  dia  se- 
guinte, para  lhe  pagarmos  e  sairmos  no  dia  immediato  a  esse. 

O  homem  apresentou-nos  dois  de  seus  filhos,  um,  o  que 
fôra  portador  do  presente  que  lhe  enviáramos,  para  nos  acom- 
panhar e  guiar  por  um  bom  caminho  ao  porto  de  Mueto  An- 
gaimbo,  e  despediu-se  de  nós,  dizendo  que  nSo  fazia  caso  de 
um  miserável  como  era  Ambango,  para  nSo  nos  desgostar, 
mas  elle  que  tomasse  muito  sentido,  que  Muene  Puto  nem 
sempre  estaria  ao  lado  d'elle  para  intervir  a  seu  favor. 

Demos-lhe  entSo  um  pequeno  garrafto  de  aguardente,  com 
o  que  se  metteu  na  rede  e  partiu. 

Depois  saiu  Ambango,  que  não  deu  sequer  uma  palavra, 
mas  doesta  vez  a  pé,  acompanhado  do  seu  povo. 

No  dia  seguinte,  estava-se  juntando  gente  na  povoaçSo  do 
Ambango,  para  nos  ser  apresentada  para  o  transporte  de  car- 
gas, quando  ao  longe  se  sentiu  toque  de  marimbas  e  ^e  in- 
strumentos de  pancada. 


DESCIilrçXo  DA  VIAGIÍM 


401 


Soiibe-se  que  era  C:ihÍa-Cassfixi  que  vinha  de  rede  com  cam- 
painhas e  todo  o  seu  povo,  comprimentar  Mueoe  Puto. 

Nda  almoçaTamos,  omquaiito  elles  marcliavam  com  todo  o 
seu  vagar,  saboreando  as  honrai  com  que  se  apresentava  o  seu 
sobn.  Vinham-se  appruxímando  da  Estaçíto,  quando  de  súbito  ae 
aentio  grande  borborinho  e  logo  em  seguida  nos  participaram 
uma  grande  guerra  da  gente  do  Ambargo  com  a  do-Ca^sáxi. 

Eia  o  caso,  O  Ambango,  considerando  que  era  uma  grande 
offensa  á  sua  dignidade,  aprosen- 
tar-se  um  soba  inferior,  de  rede 
e  cora  musica,  na  sua  terra,  or- 
denou aos  seus  que  o  fossem 
obrigar  a  apear-se,  lhe  quebras- 
sem a  rede  e  oa  instrumentos,  e 
tratou  de  ae  safar,  passando  o  , 
Luí,  que  distava  pouco  mais  di* 
2  kilometros  para  leste  de  nós. 

O  povo  do  Ambango  armada 
com  espingardas  mas  sem  pól- 
vora, e  com  paus  fez  a  intimaçSo 
á  gente  de  Cassilxi  para  que  reti- 
rasse ou  se  apeasse  o  soba,  e 
d'ahi  o  conflicto,  de  que  resultou 
atirarem  com  o  homem  por  terra, 
quebrarem  o  pau  á  rede  fazendo 
em  cavacos  os  instrumentos.  O 
mulherio    e   creanças   gritavam, 

os  homens  principiaram  a  lucta  pelo  arremesso  de  paus  que 
encontravam  á  mSo  e  que  enim  despedidos  a  grandes  distan- 
cias, batidos  com  os  canos  das  espingardas  ou  com  outros  paus 
de  maiores  dimens3es. 

No  emtanto,  nós  aaimns  para  ver  o  que  se  passava,  nSo 
obstante  estarmos  em  chinellos,  e  como  o  homem  fosse  p«- 
chado  por  outros  e  andasse  acocorado,  suppondo  que  elle  es- 
tava ferido,  expozemo-nos  aos  taes  projecteis,  conseguindo  com 
o  ausilio  de  trcs  soldados,  dispersar  os  magotes  c  trazermos 


JiÉ 


402  SZPEDIÇZO  POBTUGUEZÁ  AO  1ÍUATIÍHVUÁ 

, , ; 

pela  mSo  o  soba^  que  fizemos  sentar  em  uma  cadeira,  i  firente 
da  nossa  casa. 

Vinham  os  homens  da  povoaçSo  em  chusma,  para  nos  darem 
esqplicaçlo  do  que  se  havia  passado  e  certificar-nos  que  nSo  era 
nada  com  Muene  PutO|  mas  nós,  antes  que  elles  fatiassem,  e 
suppondo  viriam  atacar  o  soba,  mandámos  o  interprete  dizer- 
Ihes,  que  se  alguém  se  atrevesse  a  vir  ali  fazer  desordens,  &r 
riamos  arrear  a  bandeira  de  Muene  Puta  e  rompiamos  fogo 
contni  a  povoação. 

Retiraram  todos,  mandando  nós  depois  chamar  o  Ambango, 
e  como  este  nXo  estivesse,  veio  um  dos  homens  velhos  da  po- 
voaçSo, que  disse  nSo  approvar  as  ordens  que  dera  o  Am- 
baogo,  pois  se  devia  lembrar  que  estavam  aqui  os  filhos  de 
Muene  Puto;  mas  também  que  o  soba  Oassáxi  fizera  mal  em 
se  apresentar  nestas  terras  de  rede,  o  que  era  uma  £alta  de 
respeito  para  o  dono  d'ellas,  que  nSo  tinha  posses  para  andar 
assim,  e  que  era  melhor  elle  retirar  já,  porque  na  povoaçSo 
os  ânimos  estavam  exaltados,  e  se  mais  tarde  o  encontrassem 
ainda  ahi,  podiam  fazer-lhe  maior  desfeita. 

Como  o  soba  Cassáxi  entendesse  ser  mais  conveniente  re- 
tirar,  fizemo-lo  acompanhar  por  três  soldados,  a  quem  elle 
deu  uma  cabra  de  gratificação,  e  a  nós  mandou-nos  uma  grande 
vacca. 

Apparecendo  o  Ambango  ao  sol  posto,  fazendo-se  estranho 
ás  occorrencias,  por  ter  passado  o  dia  na  outra  banda  do  rio, 
onde  fôra  escolher  gado  para  nos  mandar,  exprobámos  lhe  o 
seu  modo  de  proceder  e  fizemos-Ihe  sentir  a  má  situação  em 
que  elle  se  estava  coUocando  com  os  povos  vizinhos  quando 
nós  deixássemos  o  sitio. 

Estes  povos  sem  um  chefe  que  os  estimulasse  para  o  bem, 
eram  de  certo  os  mais  difiSceis  de  domar  e  convencemo-nos  que 
levantando-se  conflictos  com  o  Ambango  e  conseguindo-se  provar 
deante  dos  seus  que  elle  era  incapaz  pelas  suas  más  qualida- 
des de  dirigir  os  negócios  que  mais  interessam  ao  que  elles  cha- 
mam Estado,  seria  fácil  fazêlo  destituir  das  honras  e  contri- 
buir para  que  de  entre  elles  se  elegesse  um  chefe  que  modificasse 


DESCRIPÇAO  DÁ  VIAQEM  403 

■^  '    '  ■  ■ 

OS  maus  hábitos  que  tornavam  aquella  gente  odiada  dos  ou- 
tros povos. 

A  final,  no  dia  27,  logo  de  madrugada,  principiaram  a  appa- 
recer  carregadores  para  o  Cuango,  ao  preço  de  oito  bandos  * 
de  riscado,  e  como  tivéssemos  gado,  mandou-se  matar  uma 
vacca  para  distribuir  rações  á  gente  para  o  caminho,  e  depois 
do  nosso  almoço,  ás  onze  horas  do  dia  28,  partiu  o  ajudante 
com  a  primeira  comitiva  de  cargas,  tudo  gente  antiga. 

Durante  o  dia,  pagámos  a  sessenta  e  três  carregadores,  todos 
apresentados  por  Anguvo,  e  a  mais  pagariamos  se  não  fosse  já 
muito  tarde  e  se  nSo  estivéssemos  fatigados  de  medir  e  cortar 
fazenda. 

Chegaram  cargas  da  Estação  Ferreira  do  Amaral,  transpor- 
tadas por  gente  de  Andala  Quissáa,  que  preferiam  ir  buscar 
novas  cargas  para  aqui  a  irem  para  deante  com  as  que  trou- 
xeram, como  lhe  propúnhamos;  por  isso  tomavam-se  precisos 
dezescte  carregadores  a  mais  dos  que  haviamos  calculado. 

O  que  nos  admirou,  foram  quatro  rapazes  de  Andala  Quis- 
sáa, que  trouxeram  cargas  para  a  Estação  Ferreira  do  Ama- 
ral, e  que  para  aqui  vieram  comnosco,  não  terem  querido  rece- 
ber pagamento  e  ajustarem-se  para  seguirem  ainda  com  as 
cargas  comnosco  até  ao  Cuango. 

Queriam  regressar  no  nosso  serviço  da  rede  até  Cafúxi  e 
receberem  então  os  seus  pagamentos  juntos  para  irem  para  suas 
casas. 

Se  estes  servissem  de  exemplo  a  outros,  não  faltariam  car- 
regadores em  Malanje,  não  só  para  diversos  pontos  da  província 
a  oeste,  como  ainda  até  ao  Cuango. 

Oxalá  esta  experiência  aqui,  estimulasse  também  estes  po- 
vos para  não  haver  dificuldades  quando  o  resto  da  Expedi- 
ção tivesse  de  seguir  para  o  interior. 


1  O  bando,  aqui,  medc-se  de  meio  do  peito  ao  extremo  da  mão  direita 
estando  o  braço  estendido  na  linha  do  corpo;  verificámos  que  correspon- 
dia a  0",80. 


404 


EXPEDIÇÃO  POIITUQUEZA  AO  MUATUNVOA 


Ambango,  apparece-nos  quando  eatavamoa  a  acabar  de  jan- 
tar, e  mostrou-se  penalisado  por  nóa  11S.0  termos  querido  con- 
templar os  aeus  rapazes  com  cargas,  ao  que  lhe  reapondemos  ! 
que  ellea  nSo  tinham  de  que  se  queixar,  porquanto  hai 
ajustado  como  oa  do  Anguvo,  fazerem  o  transporte  por  uma  < 
peça  (oito  bandos)  e  quando  fomos  a  pagar-lhes  exigiram  duas; 
se  queriam  receber  como  os  outroa,  que  viessem  de  manbS 
cedo  tomar  cargas,  e  cada  um  receberia  uma  peça  e  seguiría- 
mos logo. 

Tendo  despachado  os  cairegadores  do  Anguvo  com  um  dos  1 
interpretes  e  contratados,  fomos  pagar  aos  que  appareceram  e  j 
estes  pouco  depois  seguiam  para  a  margem  direita  do  Lul,  J 
ficando  de  noa  esperar  na  povoação  do  Mulolo,  onde  iamosj 
dormir. 

Escrevemos  ao  sub-chefe  para  nos  mandar  o  empregado  euro- 
peu com  o  cozinheiro  Marcolino,  e  qiie  continuasse  a  activar  I 
o  transporte  das  cargas   para  a   EstaçSo,    onde   doixavamoa  I 
apenas  o  cabo  do  destacamento  e  um  contraetado  de  Loanda.  I 

Almoçámos  áa  dez  horas,  e  com  grande  surpreza  nossa,  ap- 
pareceu  Ambango  e  Matamba  para  nos  acompanharem  ai 
Luí,  o  que  só  conseutinioB  até  ás  primeiras  povoaçSes  para  ob  1 
nilo  obrigar  a  andarem  a  pé. 


DESCRII\AO  DA  VIAGEM 


TIAGEM  DO  CIIKFI:  COM  A  PRIMEIRA  SECÇÃO 
1'AEA  O  CUAXGO 


cndo  o  caminho  a  seguir  em 
zig-zaga,  predominou  o  rumo 
para  N.-E.  Depois  de  alraves- 
'  sarmos  o  planalto  c  a  um  pouco 
.  maia  de  1  kilometro,  conieçá- 
raoB  a  descer  para  o  valle  em 
;  que  enconti'ámos  as  terras  en- 
charcadas por  causa  daa  chu- 
i  vas  e  dae  lavras,  e  da  um  e 
outro  lado  até  ao  rio  Lui  vi- 
I  mos  povoaçSes  de  diversos  so- 
I  bas,  parecendo-nos  todas  pe- 
'  quenas,  tendo,  porém,  mais  ou 
menos  gado.  Cestas,  registâ- 
moa  á  beira  do  caminho,  as  dos 
aobetas  Calabundo,  Buudungo,  Luianha,  Canzundo,  Canpun- 
dundo,  Matamba  o  a  de  MissOnhi,  que  era  a  maior. 

Tintiamos  andado  9  kilometros,  e  chegámos  á  beira  de  um 
talude  de  onde  se  descobria  atravez  do  arvoredo  o  rio  Lul, 
que  nessa  occasião  ainda  corria  baixo,  o  que  nos  permittiu  fa- 
zer a  sua  passagem  a  vau. 

à descida  era  disposta  em  degraus  pelos  indigenae,  seguindo 
as  onduIaç3c8  do  terreno,  ora  para  um  ora  para  outro  lado, 
descida  que  calculámos  ser  de  8  metros. 


406       EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIInVUA 

Pelo  que  observámos  á  beira  do  rio,  tanto  numa  como  noutra 
margem,  as  aguas  pluviaes  se  não  agora,  em  outros  tempos, 
já  caindo  directamente  sobre  as  margens,  já  engrossando  as 
das  correntes,  deviam  ter  dado  causa  á  formação  doestes  talu- 
des, e  se  nas  maiores  enchentes  as  aguas  não  attingem  hoje  a 
altura  de  onde  descemos,  pouco  lhes  faltará.  Os  pés  de  milho 
que  vimos  a  meio  talude,  quando  aqui  voltámos  um  mez  depois, 
estavam  debaixo  d'agua. 

Eram  quasi  duas  horas  quando  effectuámos  a  passagem, 
que  se  fez  com  vagar  e  cautela,  não  só  porque  o  rio  tem  a 
largura  de  60  metros,  e  a  agua  dava  pela  cintura  dos  homens 
mais  altos,  mas  ainda  porque  a  força  da  corrente  era  muita, 
0"*,9  por  segundo,  o  que  verificámos  de  tarde. 

Passado  o  rio,  subimos,  e  ainda  no  mesmo  rumo  fomos  en- 
contrar uma  povoaçSlo  a  1  kilometro  de  distancia. 

Mulolo,  soba  da  povoação,  veiu  logo  ofiFerecer-nos  uma  boa 
cubata  para  descansarmos,  dizendo-nos  que  fôra  aqui  que  per- 
noitara o  sr.  capitão,  que  nessa  madrugada  seguira  para  Mus- 
sangano,  onde  devia  ficar.  Agradecemos  a  attençSto  que  teve  a 
sua  recompensa  como  era  do  estylo.  dando-se-lhe  um  panno  de 
algodão  (4  jardas). 

Informando-nos  da  distancia  d'aqui  a  Mussangano,  e  sabendo 
que  levaria  duas  horas  a  vencer,  e  não  sendo  ainda  três  da  tarde, 
lembrámo-nos  de  seguir  para  lá;  porém  os  carregadores,  tanto 
de  Anguvo  como  de  Ambango,  constando-lhe  que  o  soba  man- 
dara vir  a  sua  manada  para  nos  presentear  com  um  boi,  e  con- 
tando já  que  o  dividíssemos  por  elles,  pediram-nos  para  que 
ficássemos  e  que  no  dia  seguinte  adeantariam  até  encontrar  o  sr. 
capitão.  Cora  grande  satisfação  de  todos,  annuimos  ao  pedido. 

As  impressões  da  pequena  jornada  d'aquelle  dia  foram  real- 
mente muito  agradáveis.  Os  habitantes  das  differentes  sen- 
zallas  por  onde  passámos  fizeram -nos  uma  ovação,  o  que  é  para 
agradecer  entre  povos  gentios,  e  sobretudo  nao  estando  preveni- 
dos. Foi  bastante  a  guarda  avançada,  que  eram  os  filhos  de 
Anguvo,  dizer  quem  transportavam,  para  todos  virem  para  o 
caminho  esperar-nos. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  407 

Cada  vez  nos  convencemos  mais  de  que  esta  gente,  sendo 
bem  tratada^  se  toma  dócil;  e  não  se  diga  que  é  pelas  dadivas^ 
porque  elles  pelo  caminho  nada  tinham  a  esperar.  Aqui  não 
succedia  como  nos  arrebaldes  de  Lisboa  e  outros  pontos  do 
paizy  em  que  creanças  e  mesmo  os  adultos;  correm  aos  lados 
dos  viajantes  que  passam  pelas  suas  terras  a  cavallo  ou  em 
carruagens,  com  o  sentido  que  estes  lhes  dêem  alguma  moeda 
de  cobre. 

Emquanto  nos  preparavam  o  jantar,  fomos  dar  um  passeio 
pela  povoação,  que  cercada  de  grande  arvoredo  apresenta  agra- 
dável aspecto,  e  descemos  depois  ao  rio  e  entretivemo-nos, 
com  o  auxilio  de  pontos  de  referencia  que  marcámos,  a  medir 
a  velocidade  dos  corpos  que  boiavam,  folhas,  pedaços  de  pau 
que  homens  por  nós  ensinados  iam  lançando  á  agua,  emquanto 
nós  mediamos  o  tempo,  e  da  media  de  muitas  observações  cal- 
culámos assim  com  sufficiente  approximação  a  velocidade  da 
corrente. 

A  agua  pareceu-nos  um  pouco  salobra  e  desagi'adavel,  e 
lembrámo-nos  que  talvez  as  salinas  próximas  de  um  e  outro 
lado  pudessem  ter  alguma  influencia  para  esse  resultado. 

Também  nos  entretivemos  a  fazer  croquis  do  rio  e  do  pa- 
norama que  se  disfructava  da  nossa  pousada  para  a  margem  de 
onde  viemos,  um  amphitheatro  onde  se  ostentavam  diversos 
exemplares  da  flora  africana,  que  dão  realce  á  paizagem  e  que 
decerto  são  modificadores  importantes,  pois  se  assim  não  fosse, 
estando  o  sol  já  na  sua  grande  declinação,  mais  insupportavel 
se  tornaria. 

Jantámos  ás  cinco  horas,  e  com  appetite,  porém  a  agua^  não 
obstante  ter  passado  pelo  nosso  filtro  de  carvão,  era  detestável. 

Mulolo  veiu-nos  pedir  para  mandarmos  matar  um  boi  para 
a  nossa  comitiva,  pelo  que  tivemos  de  lhe  dar  duas  peças  de 
riscado,  36  jardas,  que  correspondem  a  4  Ya  de  lei,  equiva- 
lentes a  3^600  réis. 

Foi  morto  o  animal,  e  conhecendo  nós  quanto  era  difficil  con- 
tentar o  gentio  com  a  repartição  da  carne,  e  sendo  a  grande 
maioria  dos  carregadores  do  Anguvo,  encarregámos  seu  filho 


"k^^ 


406  KKPEDiçZo  rasTuonaA  âo  waãTítmwwL 


de  Cuor  ft  dGstiiliiiielo^  vío 
fjÊo^  e  00  dose  bomens  ao  homo 

NIo  ddzoa  de  lisfer  giiiaiia  e 
pffflliHfl  mes  oomo  s  covse  em  enlie  eOei^  lá  ae 
poeeedo  elgom  iaomoy  lenrindo  isfo  de  diatiaedb  eoe  urireg  da 
poToa^  e  90  wea  tízíiiIio  Catata,  da  margam  fmgmwàiÊ^  qao 
Tieia  Tieitar-noa. 

Eete  soba  diese,  qoe  eqiefáim  paonaBenioa  pda  eaa  teoa 
para  eamprír  com  oe  eeos  dererae,  poíe  aio  eetata  eaa  beae 
idaçSeo  oom  o  Ambango. 

CooTenoa  algom  tanpo,  e  oomo  priaeqpiaira  a  eaematjai" 
pedia  lieeaça  paia  retirar,  admirando-ee  aniilo  çm  lhe  ido 
dcmcBioe  am  pedaço  de  carne  e  a]gama  i^;aaidenle. 

Betpcmdemos  entio,  qae  nós  é  qoe  estranhávaiaoiy  eilaBdo 
eDe  em  soa  casa,  se  nXo  tiyesse  lembrado  qae  tinbaaioe  anila 
gente  a  qaem  dar  de  comer,  e  qae  moa  peqpena  lembaama» 
am  ovo  de  gallinha  que  foese,  ama  por  nós  mnilo  i^piaeiada. 

Ifololo  spmou-me,  e  o  soba  lá  fioi,  8^;ando  disseram  oa  IW^ 
regadores,  moito  envergooluido. 

Mnlolo  ainda  se  demorou  um  pouco,  bebeu  am  copo  de 
aguardente  e  retirou.  E  nós  fomos  escrever  o  nosso  diário  e 
em  seguida  atirámo-nos  para  cima  da  cama  de  campanha  ves- 
tidos como  estávamos,  e  adormecemos. 

Caiu  uma  forte  bátega  de  agua  de  madrugada,  porém  as 
cargas  estavam  protegidas  pelo  capim,  e  como  ás  cinco  horas 
e  meia  já  o  sol  estivesse  a  descoberto,  tudo  se  poz  em  movi- 
mento para  a  marcha. 

Despedimo-nos  do  soba,  e  perto  das  seis  horas  seguimos  na 
rectaguarda  da  comitiva,  no  rumo  de  N.-E.  Y^  N. 

A  marcha  fez-se  sempre  em  terreno  bastante  ondulado,  entre 
arvoredo,  descendo  mais  que  subindo  e  passando  sobre  muitos 
charcos,  chegando  a  Catandangala  Mussangano,  depois  de  uma 
marcha  de  14  kilometros,  eram  oito  horas  e  três  quartos. 

O  soba  e  a  gente  da  povoaçSo,  pediam  para  que  descançasse- 
mos,  pois  desejavam  dar  de  comer  ao  seu  protector  Muene 
Puto.  Mostrámos  a  necessidade  que  tinhamos  de  ir  acampar 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM 


409 


junto  da  comitiva  do  noaso  ajudante  e  qiio  para  a  outra 
voz  ali  peraoitariamoa.  Algima  carregadores  pediram  para 
se  demorarem  e  que  iriam  maia  tarde  ter  comnoBco,  o  que 
consentimos^  porque  se  o  nílo  iizeasemoa,  elles  deíxar-se-iam 
ficar. 

Continuámos  a  jornada,  ainda  mais  ou  menos  no  mesmo 
rumo  por  maia  8,5  kilometros,  primeiro  descendo  a  um  pro- 
fundo valle  em  que  nSo  era  poasivcl  andar  de  rede  pela  dou- 
sidade  da  vegetaçUo  e  depois  aubimos  pela  encosta  de  um  pla- 
nalto e  sobrt  elle  passilmos  á 
frente  da  povoação  de  Mona 
Anguvo,  Bubdito  de  Muene 
Canje,  giande  potentado  na 
margem  direita  do  Lul,  a 
oeste  de  Mussangano.  Des- 
cendo 500  metros  se  tanto, 
encontrámos  no  valle  a  co- 
mitiva do  ajudante  fazendo 
o  acampamento,  a  qual  pouco 
antes  ali  havia  cbegado. 

Grandes  e  copadas  arvo- 
res, muito  próximas  umas 
daa  outras,  apropriavam  o 
local  para  se  transformar 
com  rapidez  num  acampa- 
mento provisório,  porém, 
com  respeito  a  eondiçSes 
de  salubridade,  aio  podiam 
ser  peorea  na  occasião,  porque  chovia,  e  o  solo  mantinba-so 
encharcado,  por  não  experimentar  a  acção  dos  raios  solares. 
O  rheumati«mo  nas  pernas  fez-nos  conhecer  pouco  depois  de 
sbi  estarmos,  que  não  nos  enganávamos. 

Havíamos  chegado  em  boa  hora,  porque  o  ajudante  prepara- 
va-se  para  ir  almoçar,  o  ao  seu  convite  nSo  resistimos. 

Tinha  o  ajudante  já  a  sua  barraca  de  lona  armada,  de  modo 
que  nella  so  accommodou  a  nossa  cama  de  campanha,  e  por 


410       BXPKDIÇZO  POBTUQUEZÀ  AO  HUAtllNVUA 

Í880  em  seguida  ao  almoço,  mudámos  de  roupa  e  dormimos 
umas  duas  horas. 

Os  carregadores  que  ficaram  para  trás  foram  chegando  a  pouco 
e  pouco  e  a  tempo  de  também  partilharem  da  carne  de  um 
boiy  com  que  nos  presenteara  Mona  Anguvo.  Este  depois  do 
meio  dia  veiu  comprimentar-nos.  Em  seguida  saimos  com  o 
interprete  a  explorar  caminho  para  deante^  vindo  dar  a  um 
vaDe  orlado  de  grande  arvoredo,  com  terras  encharcadas  no 
fundo,  e  que  se  prolonga  até  ao  Cuango,  d^onde  concluímos 
que  as  aguas  d'este  rio  na  epocha  das  cheias  chegam  aqui, 
e  durante  mezes  este  valle  é  um  extenso  pântano. 

As  quatro  horas  e  meia  estávamos  de  volta  no  acampamento, 
e  viemos  a  propósito,  porque  os  últimos  carregadores  que 
tinham  chegado,  já  gritavam  por  nSo  serem  contemplados  com 
carne,  e  que  iam  retirar,  porque  eram  tanto  filhos  de  Muene 
Puto  como  os  que  tinham  vindo  primeiro. 

Comprou-se  um  gaiTOte  e  todos  ficaram  satisfeitos,  o  que 
convinha,  pois  tínhamos  de  attender  á  viagem  da  outra  parte 
da  Expedição. 

Recolhemos  cedo,  mas  a  chuva  que  caiu  durante  toda  a 
noite,  mal  nos  deixou  socegar,  pois  que  a  barraca  se  tomou 
um  verdadeiro  filtro. 

De  madrugada  melhorou  o  tempo,  e  deu-se  ordem  para 
avançar. 

Era  um  dia  solemne  o  de  31  de  outubro,  e  muito  desejáva- 
mos commemorá-lo,  fazendo  passar  a  primeira  parte  da  Expe- 
dição o  rio  Cuango,  com  a  bandeira  portugueza  desfraldada. 

Quizemos  pagar  o  garrote  ao  soba,  este  porém  não  quiz 
acceitar  remuneração.  Era  um  presente,  e  que  Muene  Puto 
desse  o  que  fosse  da  sua  vontade.  Promettemos  então  no  nosso 
regresso,  dar-lhe  uma  vestimenta  como  lembrança  também  da 
nossa  passagem  pela  sua  terra. 

Como  os  carregadores  do  Anguvo  tinham  ido  dormir  na  povoa- 
ção, só  conseguimos  partir  ás  sete  horas  e  meia;  o  rumo  va- 
riava entre  E.  e  N.-E.  por  causa  das  sinuosidades  do  caminho, 
que  se  faz  quasi  sempre  por  terreno  pantanoso  e  á  beira  da 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  411 

aba  de  uma  montanha  que  se  estende  do  sul  acompanhando  o 
rio  Cuango,  sobrepujada  de  arvoredo  que  nesta  parte  está  ra- 
chitico,  certamente  devido  ás  queimadas. 

Passados  9  kilometros;  entrámos  numa  clareira  a  ESE.  que 
nào  era  mais  de  que  uma  grande  depressão  na  montanha,  já 
escavada  pelas  aguas  pluviaes,  e  começámos  depois  a  descer  sua- 
vemente para  ENE.  2  kilometros,  entrando  na  povoação  de 
Mona  Mussengue,  d'onde  já  se  viam  as  aguas  do  Cuango  que 
correm  em  curvas  de  grande  raio  em  sentidos  diversos  mas 
inclinando  para  N.-E. 

O  ajudante  e  as  cargas  iam  seguindo  aos  zig-zags  para  o 
porto,  3  kilometros  mais  adeante,  inclinando  para  E.,  e  nós, 
encontrando  Mussengue,  dissemos-lhe  que  os  filhos  de  Anguvo, 
seus  netos,  vinham  atrás  com  as  nossas  cargas  e  nos  pediram 
para  os  esperarmos  na  sua  povoaçFio,  porém  que  desejávamos 
que  as  cargas  que  já  tinham  chegado,  fossem  passando  nas 
canoas  para  o  outro  lado,  ficando  nós  com  elie  para  nos  enten- 
dermos sobre  os  pagamentos  que  tinhamos  a  fazer  e  portanto 
que  nos  mandasse  arranjar  quartel  para  pernoitar. 

O  soba  recebeu-nos  muito  bem  e  disse-nos  que  MuenePuto  era 
o  senhor  das  terras  e  que  ninguém  se  opporia  aos  nossos  de- 
sejos. 

íamos  já  a  caminho  para  o  porto,  quando  nos  appareceu  um 
homem  embrulhado  num  grande  panno  a  chamar-nos  —  Oh 
senhor,  sou  Mulumbo!  e  vociferando  que  era  elle  o  dono  do 
porto,  porém  que  era  preciso  participar  ao  seu  chefe  Muêto 
Anguimbo  a  nossa  chegada,  para  elle  nos  fazer  passar  o  Cuango 
muito  bem.  Coraprehendendo  o  que  queria,  dissemos-lhe  qué, 
devia  esperar  que  nós  o  gratificássemos  e  aos  pilotos  que  tra- 
balhassem nas  canoas,  passando  as  nossas  cargas.  O  homem 
abrandou,  mas  ainda  pediu  para  nos  demorarmos  um  pouco, 
porque  o  portador  iria  depressa  dar  parte  a  Muêto  Anguimbo. 
Como  não  tivéssemos  almoçado  ainda  e  pensámos  que  a  ques- 
tão era  de  pagar,  promptamente  annuimos  ao  que  elle  queria 
e  convidámo-lo  para  comer  alguma  cousa  comnosco. 

O  ajudante  voltou  do  porto,  e  mesmo  onde  estávamos^  á  som- 


412  EXPEDIÇXO  POBTUGUBSA  AO  HUÁTIÂSrvnÁ 

bra  de  uma  grande  arvore,  dispozemoB  as  coasas  para  o  almoço, 
e  em  quanto  este  se  arranjava,  ordenámos  que  fossem  indo  as 
cargas  por  grupos  para  o  porto,  entretendo-nos  a  conversar  com 
o  homem,  que  nos  deu  noticias  das  expedições  de  Saturnino 
Machado  e  dos  AllemSes. 

Queixou-se  que  estes  lhe  deram  fazenda  de  má  qualidade; 
mostrámos  a  nossa,  que  lhe  agradou.  Provou  do  cognac  do 
nosso  cantil  de  que  gostou  muito  e  principiou  logo  fSEdlando  das 
grandezas  de  Muene  Puto. 

O  povo  ia-se  agglomerando  em  tomo  de  nós,  e  elle  tudo  era 
dizer  aos  seus  que  se  a£BU9tassem  porque  nós  éramos  pessoas 
muito  grandes.  Nós  procediamos  ao  contrario,  diziamos-lhes  que 
podiam  sentar-se,  mostravamos-lhes  as  bússolas,  o  relógio,  o 
conta-passos,  as  facas,  os  revólveres,  faziamos  as  nossas  ez- 
plicaçSes,  dávamos  uns  fios  de  missangas  ás  creanças,  lenços  ás 
raparigas,  etc.  £  elles  iam  dizendo  uns  para  os  outros,  slo 
bons  brancos,  sSo  verdadeiros  filhos  de  Muene  Puto. 

Veiu  o  almoço,  o  soba  comeu  d'elle,  distribuiu-se  bolacha  ás 
creanças,  dêmos  a  provar  um  pouco  do  nosso  vinho,  e  tudo 
ficou  muito  satisfefto. 

Mona  Mussengue,  a  quem  fizeram  constar  o  que  se  estava 
passando  e  que  pertencia  a  uma  outra  sanzalla,  appareceu-nos 
dizendo  que  elle  era  o  dono  'da  terra.  Arranjámos-lhe  um  logar 
para  se  sentar  ao  pé  de  nós,  e  apesar  de  já  vir  tarde,  também 
provou  um  pouco  do  nosso  bife  com  bolacha  e  um  cálice  de 
vinho. 

Aproveitámos  então  a  oceasião  de  dizer:  — Nós  estamos  prom- 
ptos  a  pagar  a  passagem  do  rio,  mas  é  preciso  saber  a  quem. 
Mulumbo  diz  que  é  dono  do  portO;  que  são  suas  as  canoas,  e 
vossemecê  MussenguO;  diz  que  é  dono  da  terra;  além  d'Í8so 
os  pilotos,  que  teem  trabalho,  também  querem  pagamento,  e 
Mulumbo  também  diz  que  é  preciso  uma  ordem  de  Muêto 
Anguimbo.  Ora  Muene  Puto  quer  todos  contentes  e  quer  pagar 
a  quem  for  devido. 

— Como  nós  não  passámos  hoje,  e  temos  de  ir  ao  Luí  buscar  o 
resto  das  cargas,  vossemecês  chamam  os  pilotos  para  passarem 


DESCBIPÇZO  DÁ  VUGEM  413 

O  sr.  ajudante  e  as  cargas  que  estSo  chegando  e  nós  cá  com- 
binaremos o  que  temos  a  pagar. 

Mulumbo  pediu  vinte  peças  e  como  nos  ríssemos  desceu  a 
dezesseis.  Ainda  é  muitO;  lhe  dissemos,  porque  o  amigo  sabe 
que  nós  temos  uma  boa  canoa  e  podemos  passar  sem  as  suas. 
Para  não  termos  trabalho  de  a  armar,  vamos  pagar  aos  seus 
pilotos  mas  ha  de  ser  menos. 

—  Muene  Puto  pode  mandar  passar  e  pagará  o  que  for  da 
vontade  do  seu  coração. 

Uma  faisca  eléctrica  que  ali  caisse  não  produzia  mais  effeito 
entre  a  nossa  gente.  Tudo  partiu  para  o  porto  e  nós  despedimo- 
nos  dos  sobas  até  á  noitinha,  recommendando  a  Mussengue  que 
mandasse  arranjar  a  cubata  e  desse  ao  meu  criado  alguns  ovos 
e  uma  gallinha. 

No  porto  houve  alguma  demora  para  apparecerem  as  canoas 
e  já  se  tratava  de  armar  a  nossa,  quando  ellas  chegaram.  As 
novas  exigências  e  conversa  dos  pilotos,  sobre  o  pagamento 
dos  seus  serviços,  seguiram-se  as  nossas  ameaças  de  que  já  não 
careciamos  dos  seus  serviços,  porque  iamos  armar  a  nossa  ca- 
noa. Por  fim  cedA*am,  e  passaram  o  ajudante  e  duas  cargas. 

Eram  duas  horas  e  meia  da  tarde,  ãuctuava  a  bandeira  por- 
tugueza  no  outro  lado  do  Cuango.  Os  tiros  de  fuzilaria  e  os 
vivas  a  Sua  Magestade  El-Rei  D.  Luiz,  rompiam  de  um  e 
outro  lado,  e  as  cargas  iam-se  reunindo  a  pouco  e  pouco  em 
volta  da  bandeira. 

A  esta  hora  certamente,  diziamos  nós,  está  o  nosso  monar- 
cha  recebendo  as  felicitações  de  seu  povo,  e  por  maior  festa 
que  lhe  preparassem  neste  anno,  por  certo  que  não  deixaria 
de  lhe  ser  sympathica  e  ao  paiz  em  geral,  a  que  naquella  hora 
celebravam  dois  dos  seus  mais  humildes  servidores  rodeados 
de  africanos,  na  margem  d'aquelle  soberbo  rio. 

As  canoas  eram  pequenas  e  viravam-se  com  muita  facilida- 
de, por  isso  não  podiam  transportar  mais  que  duas  cargas  por 
cada  viagem.  Já  umas  dez  estavam  no  lado  opposto,  quando  nos 
appareceu  descendo  a  ladeira  para  a  praia,  aos  saltos,  embru- 
lhado num  panno,  com  um  pequeno  pau  na  mão,  que  mane- 


414  EXFEDIÇZO  POKTUGUEZA  ikO  MUATliKVnÁ 

java  rapidamente  um  fignrSo  baixo,  de  feia  catadnray  e  que 
mais  parecia  nm  macaco  que  um  homem,  berrando  como  um 
possesso,  com  a  cajinga  na  cabeça,  espécie  de  cbapen  armado 
com  os  bicos  revirados  para  baixo,  que  fora  oatr'ora  de  palha 
xdara,  mas  que  agora  estava  negra  e  gordurosa. 

Entrando  no  circulo  das  cargas,  veio  direito  a  nós  na  mesma 
faria,  mas  a  esse  tempo  já  sabiamos  o  que  elle  queria  e  nSo 
nos  arredámos,  elle  entSo  virou-se  para  os  carregadores,  voci- 
ferando, que  eram  elles  os  culpados  em  nSo  prevenirem  Mnene 
Puto  dos  costumes  da  terra,  que  elle  era  o  dono  das  canoas 
e  ninguém  lhe  fallára;  que  elle  ia  fazer  retirar  as  canoas. 
Prevenidos  pelo  interprete,  assentámos-lhe  uma  palmada  nas 
costas,  o  quando  elle  se  virou  dissemos-lhe  apresentando-lhe 
o  nosso  cantil: — O  que  tu  queres  sabemos  nós,  vaes  provar 
aguardente. 

NSo  foi  preciso  interprete,  limpou  logo  os  beiços,  sorriu-se 
e  bateu  as  palmas  emquanto  via  com  os  olhos  a  luzirem-lhe, 
correr  no  copinho  o  liquido  do  nosso  cantil.  O  movimento  das 
cargas  continuou. 

EntSo  já  manso,  fallou  aos  interpretes^  para  que  Muene 
Puto  o  nâo  esquecesse  dando-lhe  que  vestir,  porque  seu  irmão 
Mulumbo  era  dono  do  porto,  porém  era  a  elle,  Zunga,  que  per- 
tenciam as  canoas. 

Os  interpretes  responderam-llio  que  nós  dormiamos  na  san- 
zalla  de  Mussengue  e  que  fosse  amanhã  fallar-nos,  que  Muene 
Puto  não  se  esquecia  d 'elle  e  lá  se  retirou  mais  satisfeito. 

Veiu  grande  trovoada  e  chuva,  os  pilotos  queriam  interrom- 
per o  serviço,  dizendo  que  os  donos  do  porto  já  haviam  reti- 
rado, mas  mediante  uma  porção  de  carne  que  se  lhes  deu,  conti- 
nuaram. 

Armaram-se  barracas  de  lona  numa  e  outra  margem  para 
se  recolherem  as  cargas,  eram  quatro  horas.  O  ajudante  seguiu 
para  o  interior  cora  os  carregadores  que  já  estavam  com  elle, 
para  irem  pernoitar  na  casa  filial  de  Custodio  Machado,  ficando 
a  receber  o  resto  das  cargas  nessa  margem  o  empregado  José 
Faustino. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  415 

A  chuva  apertou  mais,  fízeram-se  recolher  as  cargas  nas 
barracas,  passando  para  o  outro  lado  os  demais  soldados  e  con- 
tratados. 

Dispunhamo-nos  a  ficar  na  barraca  da  banda  de  cá  e  man- 
dámos á  povoação  buscar  a  cama  e  alguma  cousa  que  houvesse 
de  comer,  porquanto  nSo  queríamos  deixar  as  cargas  e  era 
conveniente  animar  os  nossos  homens;  porém  o  Mona  Mus- 
sengue,  apparece-nos  com  alguns  rapazes,  e  disse  que  vinha  bus- 
car-nos,  ficando  aquelles  rapazes  ao  pé  da  nossa  gente  para 
tomar  conta  das  cargas.  Elles  traziam  de  comer  para  repartir 
com  08  nossos,  três  soldados  c  três  contratados  de  Loanda,  a 
quem  deixámos  cartuchame  para  as  suas  armas,  por  se  dizer 
ser  frequente  apparccerem  ali  cavallos  marinhos. 

Chegámos  á  cubata  muito  encharcados  e  fatigados,  e  enten- 
demos que  o  melhor  era  despir  a  roupa,  embrulharmo-nos  numa 
manta  spbre  a  cama  e  mandarmos  arranjar  um  brazeiro. 

As  cargas  que  chegaram  de  tarde  estavam  bem  arrumadas 
no  largo,  á  nossa  frente,  e  protegidas  com  oleados. 

O  criado  António  tinha  cozido  uma  gallinha  e  quatro  ovos. 
O  caldo  estava  quente,  e  com  vinho  confortou-nos  e  sentimo- 
nos  muito  bem. 

Augusto  Jayme,  que  nos  acompanhava  para  vigiar  os  carre- 
gadores apresentados  por  seu  irmão,  o  soba  Ambango,  de  Ma- 
lanje,  e  que  era  caçador,  servia-nos  agora  d.e  interprete,  e  a 
elle  encarregámos  de  vir  de  madrugada  dar-nos  varias  infor- 
mações que  precisávamos  e  de  rondar  durante  a  noite  o  acam- 
pamento. Nós,  visto  chover  bastante  e  nâo  termos  luz,  tra- 
támos de  dormir. 

As  onze  horas,  pareceu-nos  sentir  em  vez  da  chuva,  uns  coros 
afinados,  ora  de  homens,  ora  de  mulheres,  que  nos  fazia  lem- 
brar os  cantos  religiosos  num  convento,  e  que  parecia  soarem 
a  grande  distancia. 

Soubemos  que  era  uma  dança,  e  se  não  fosse  o  receio  de 
adoecer  teríamos  ido  observá-la,  porque  o  cantar,  destacava-se 
(las  toadas  ruidosas  com  que  são  em  geral  acompanhadas  todas 
as  danças  na  Africa. 


416  gggpiçlo  itHrnKHiiu  ao  maimÍMfnA 

Ãm  emeo  horas  já  se  Tia,  e  fevaniáiiia-iiM  pan  eicicvftf  o 
£flfÍ0  do  dia  antaior  e  apmáiiios  qoe  a  diatancui  da  TSirtatite 
Paiva  de  Andfada  ao  Lai,  onde  o  panámos,  enm  9  Idkiiio- 
tros,  e  d'este  porto  iqaeDe  em  qpe  a  Ebqpedi^  passam  o 
Cnaiigo  36  Idlometios,  portanto  eiaTiagrai  qne  podíamos  haat 
t»o  regreãão  em  oito  oa  nore  horas;  o  qoe  nos  em  bastante 
▼antigoso  por  nlo  termos  ficado  eom  eoosa  aigmna  do  têêiAo, 
e  se  nom  dia  podíamos  passar  sem  esses  recursos,  já  o  mesmo 
nlo  snocederia  em  dms  on  três  dias  socoessíyos. 

Augusto  Jayme  disse-nos  qae  ainda  tinham  fieado  algmnas 
cargas  para  trás  e  ficámos  ancíosos  porqne  eDas  diegassem  a 
tempo  de  passar,  pois  desejávamos  regresssr  no  dia  imme» 
díato  á  Estaçlo. 

Soube  também  Angnsto,  qne  a  expediçio  afleml  dera  dea 
peças  de  faaenda  e  duas  armas,  ao  Mnhmíbo  dono  do  porto  e 
a  seu  írmio  Zmiga,  e  qnatro  peças  aos  pflotos,  por  ajudarem  a 
passar  cargas,  porquanto  eUes  tinham  armado  as  suas  canoas 
e  que  também  contemplaram  Mussengne,  dono  d'e8ta  povoa^ 
e  o  Muèto  Angnimbo  que  se  dizia  o  potentado  principal  dos 
Haris;  a  quem  pertence  o  rio  até  aos  Bângalas  do  Songo. 

Esta  gente  mente  muito,  sobretudo  em  interesse  próprio, 
mas  foram-noB  dizendo  que  o  inguertz,  passou  dando  pouco, 
e  que  Muene  Puto  que  vinha  atrás,  é  quem  pagava  bem.  Pre- 
cisávamos pois  preparar-nos  para  grandes  exigências. 

Mulumbo  veio  procurar-nos,  e  arranjámos  um  pacote  para 
elle  e  para  o  tal  irmão,  isto  é,  duplicámos  os  artigos  variados  que 
desejava,  a  nSo  exceder  o  valor  de  dez  peças.  Pediu  mais  uma 
espingarda  e  um  barril  de  pólvora,  poz-se  um  objecto  igual  em 
cada  monte,  pediu  uma  pouca  de  missanga  para  as  suas  rapa- 
rigas, que  demos  para  fecho.  Queria  mais  cousas,  mas  retirou 
sem  ellas. 

Vieram  os  pilotos,  deram- se  oito  jardas  de  riscado  a  cada 
um,  e  passando  que  fosse  o  resto  das  cargas,  dar-se-ia  o  mata- 
bicho.  Pediram  então  para  irem  as  cargas  em  seguida  para  o 
porto,  o  que  se  fez;  e  o  serviço  das  canoas  principiou  ás  oito 
horas. 


descuipçao  da  viagem 


417 


Pouco  depois  entrou  na  cubata  o  Zuuga,  trazendo  pela  mão  o 
nosso  interprete  e  veio  sentar-se  ao  nosBO  lado. 

Com  08  8eu8  modos  desabridos  que  já  conheciamos,  princi- 
piou a  sua  conversa,  contando  pelos  dedos  tudo  quanto  queria 
que  se  lhe  desse.  Fazia-nos  lembrar  um  moço  das  nossas  casas 
de  pasto,  dando  ao  freguez  o  rol  de  tudo  quanto  lia  prompto 
na  cozinha  para  se  comer  na  occasiSo. 

Em  altitude  de  quem  prestava  a  maior  attençSo  ao  inter- 
prete, deixámo-lo  acabar  a 
ennumeraçiSo,  que  era  uma 
boa  lista  que  aquelle  trazia 
de  cór,  edissémos-lheiVeja 
lá  nSo  se  esquecesse  esse  ho- 
mem de  mais  alguma  cousa? 
O  interprete  interrogou-o,  e 
ello  pediu  mus  um  gimííto 
de  igiiardente 

NSo  quer  mais  nada?  Se 
Muene  Puto  qmzer  lembrar 
se  das  suas  raparigas,  que 
lhes  de  um  d  eases  miabOí> 
de  missanga  grossa,  M  iri  i 
n,  que  tem  sobre  a  cima 

Fingindo  uos  eutJIo  enco 
lensados,  e  deitando  rápida 
mente  a  mão  a  um  dos  mas-  ^imu 

SOS,  movimento  este  que  o 

homem  e  todos  os  que  estavam  dentro  da  cubata,  suppozeram 
sor  para  pegar  no  revólver  que  estava  ao  lado,  e  como  nos 
levantássemos  em  seguida  e  déssemos  quatro  berros,  bradando 
que  fosse  pedir  a  seu  irmílo  o  que  ae  havia  dado  com  des- 
tino para  ellc;  sem  esperar  a  iiiterpretaçSo  do  que  eu  dizia, 
deitou  i  mm  edi  atam  ente  a  fugir  de  gatinhas  para  o  largo,  res- 
mungando que  o  interprete  nSo  era  bom  e  nílo  sabia  o  que 
fizera  zangar  Muene  Puto,  formando-se  logo  grande  roda  em 
tnmo  d'Glles. 


418      BZPEDIÇXO  PORT0GUEZÁ  AO  MUÁTllNVnÁ 

Devemos  confessar  qne  a  vontade  ^e  rir  foi  grande,  mas 
querendo  sustentar  o  papel  até  ao  fim,  saímos  atírando  com  o 
masso  de  missanga  ás  raparigas,  que  estavam  pouco  distantes. 

Grande  borborinho,  porque  os  homens  também  querkm 
apanhar,  tíias  as  raparigas  nSo  deixaram. 
'  EntSo  o  Zunga,  vendo  a  missanga  espalhada,  exclamou:  b^n 
se  conhece  que  é  Muene  Puto  que  temos  na  terra,  e  eu  fiz  bem 
mal  em  o  incommodar.  Depois  procurou  o  interprete  e  pedin- 
Ihe  que  nos  dissesse  que  era  muito  nosso  amigo  e  que  €»penva 
lhe  perdoássemos  se  fizera  mal;  que  estava  prompto  a  prestar 
o  serviço  que  lhe  ordenássemos. 

Fizemo-lo  approximar  de  nós  e  ao  interprete,  a  quem  re* 
commendámos  lhe  dissesse :  Que  Muene  Puto  já  dera  a  sen  irmio 
Mulumbo  a  parte  que  lhe  pertencia  no  pagamento  da  passagem 
do  rio,  roas  que  fosse  elle  para  o  porto  activar  o  serviço  das 
canoas,  que  lhe  daria  ainda  uma  boa  gratificaçSo,  e  o.  honram 
para  lá  foi. 

Mulumbo  veiu  depois  perguntar  se  queríamos  pagar  a  doze 
rapazes  seus  para  transportarem  as  cargas  do  porto,  na  outra 
banda,  para  casa  de  José  de  Vasconcellos  onde  pernoitara  o 
ajudante.  Havendo  já  muitas  cargas  no  outro  lado  e  sendo  de 
toda  a  conveniência  que  se  recolhessem,  ajustámos  por  duas 
jardas  o  transporte  de  cada  carga,  o  qiie  correspondeu  a  uma 
jarda  por  5  kilometros. 

Almoçámos  tarde,  já  depois  do  meio  dia,  e  no  entanto  che- 
gara o  Muêto  Anguimbo,  que  preferiu  esperar  na  sanzalla,  a 
incommodar-nos. 

Tendo  á  mão  o  presente  que  tencionávamos  dar  a  Mussen- 
gue,  enviámo-lo  como  signal  de  amisade  ao  Muêto  e  elle  veiu 
depois  agradecer,  pedindo  para  acceitarmos  um  boi  que  nos 
trazia,  e  perguntando-lhe  eu  o  que  desejava,  respondeu  que 
n?to  fazia  negocio  com  Muene  Puto. 

Isto,  lhe  dissemos,  nâo  ó  negocio.  Como  queremos  dar-lhe 
uma  lembrança,  desejámos  saber  o  que  prefere.  O  seu  macota 
respondeu:  Elle  fica  satisfeito  com  uma  espingarda  e  um  barril 
de  pólvora,  o  que  logo  lhe  dêmos,  por  ser  uma  boa  troca,  e 


DESCBIPÇiCO  DA  VIAGEM  419 

pedimos  ao  Mussengue  para  deixar  ficar  o  boi  na  ena  manada 
até  á  nossa  volta. 

O  Muêto  Áng^imbo  era  um  velho  sympathico,  baixo,  ma- 
gro, fallando  muito  pausada  e  acertadamente. 

A  sua  conversaçslo  versou  sobre  a  grandeza  de  Muene  Puto, 
esperanças  que  alimentava  de  que  seus  filhos  europeus  viessem 
estabelecer-se  nestas  terras,  pois  os  portos  eram  muito  procu- 
rados pelo  commercio  indigena;  que  as  expediç8es  de  Muene 
Puto  tinham  vestido  seus  filhos,  e  por  isso  ninguém  se  atrevia 
a  marcar-lhes  preço  de  passagem  nos  portos,  etc. 

Fallavamos  sobre  as  passagens,  quando  Zanga,  que  tinha 
chegado  do  rio,  nos  interrompeu  para  cumprimentar  Ang^imbo, 
e  pedír-lhe  que  intercedesse  para  lhe  darmos  alguma  cousa 
de  vestir,  porque  o  irmSo  a  tudo  chamara  seu  e  nada  queria 
repartir.  Muêto  riu-se,  e  nós  dissemos  que  já  lhe  havíamos 
promettido,  se  elle  fosse  para  o  porto  fazer  passar  todas  as 
cargas,  dar-lhe  com  que  se  vestir. 

Muêto  Anguimbo  respondeu-lhe  que  os  filhos  de  Muene 
Puto  nllo  eram  como  elles,  tinham  uma  palavra  só,  fosse  elle 
fazer  o  que  nós  queríamos  e  que  teria  a  sua  vestimenta. 

O  v-elho  despediu-se  de  nós,  pedindo  quando  voltássemos  com 
o  resto  da  Expedição  o  fossemos  ver  e  passar  um  dia  com  elle 
no  seu  sitio. 

Este  ficava  á  margem  do  Cuango,  a  norte,  segundo  as  infor- 
mações, 12  a  15  kiiometros  distante  do  ponto  em  que  está- 
vamos. 

As  terras  da  margem  direita,  pertencem  a  Mona  Mahango, 
nos  dominios  de  Capenda-cá-Mulemba,  que  confinam  ao  norte 
com  as  terras  de  Muêto  Anguimbo  (Hari)  e  de  Muene  Puto 
Cassongo,  súbdito  do  Muatiânvua.  A  casa  de  C.  Machado,  de 
que  era  empregado  José  de  Vasconcellos,  estava  a  meio  cami- 
nho do  porto  para  a  povoação  principal  de  Mona  Muhango,  no 
sitio  de  Mona  Quinonga  que  foi  o  primeiro  marido  doesta. 

As  duas  horas  fomos  ao  porto  acompanhados  de  Zunga,  o  qual 
não  mais  nos  largou,  agora  submisso,  dizendo-se  muito  nosso 
amigo,  e  que  nos  convinha  ter  a  nosso  favor  por  causa  da 


420 


SZFEDIÇXO  POBTO0DBU  AO  WJÁTliVTDA 


puiagem  da  ultima  parte  da  !EKpodiçSo.  Àbl  encontrámos 
«.penas  dez  cargas  do  dia  anterior,  qne  ainda  ^''Thi^Tn  de  ficar 
mn  dia  na  barraca,  por  causa  do  tempo  qae  já  ameaçava  chova, 
havendo  maia  dez  que  ainda  podiam  passar. 

Ia  rdtirar-me,  quando  appareceu  Vasconcellos  a  cnmprimen- 
tar-nOB  e  a  pedir  para  mandarmos  nma  carta  a  Custodio. 

Acompanhoa-noB  até  á  poroaçto,  onde  estávamos  alojados, 
jantando  comnosco. 

Dísse-Dos  qae  o  qodante 
chegara  a  sua  casa  ás  sos 
horas  da  tarde  do  dia  ante- 
rior, e  qae  podíamos  retinr 
no  dia  seguinte  descansa- 
doB,  pois  fiiria  conduzir  as 
cargas  todas  para  ali. 

Como  lá  se  encontravam 
carregadores  para  as  cai;gas 
seguirem  para  Mona  Mo- 
hango,  convencemos  os  car- 
regadores contractadoB  para 
a  Lunda  a  regressarem  com- 
nosco a  buscar  mais. 

Oa  filhos  de  Anguvo  o 
Âmbango  nSo  quizeram  re- 
no  dia  seguinte,  o  que  esti- 
mámos, porque  animavam  a  nossa  gente  a  fazerem  rapidamente 
a  viagem.  Os  oito  contractados  em  Malanje  para  o  Cuango, 
também  iam  comnosco  e  como  estavam  costumados  ao  trans- 
porte das  redos,  auxiliavam  os  outros  com  o  interesse  no  mata- 
bicbo  de  aguardente  em  chegando  &a  EstaçSes. 

Augusto  Jayme  ficou  na  povoação  com  sua  mulher  e  dois 
rapazes,  para  nos  tranamíttir  qualquer  noticia  da  nova  KstaçSo 
que  se  ia  construir  já,  sob  o  nome  de  — Costa  e  Silva. — 

Era  este  uma  merecida  homenagem  que  prestávamos  ao  Di- 
rector dos  negócios  do  ultramar  a  quem  deviamos  importantes 
aoxiíios  na  orgauisaçSo  da  nossa  Expedição. 


tirar,  preferiram  acompanhar-n 


DESCRIPÇ!0  DA  VIAGEM  421 

Vasconcellos  retirou  para  sua  casa  e  nós  entretivemo-nos 
durante  uma  parte  da  noite  conversando  com  Mussengue,  Mu- 
lumbOy  Zunga  e  os  filhos  do  Anguvo  e  do  Ambango,  que  os  re- 
presentavam junto  de  nós,  tratando-se  dos  beneficies  que  a 
Expedição  fizera  ás  terras  por  onde  passara  e  da  esperança 
que  Muene  Puto  continuaria  a  protegê-los^  levantando  casas 
em  suas  terras. 

Assim^  diziam  elles :  — Muene  Puto  nos  dai*á  parte  da  esper- 
teza que  o  sol  leva  toda  para  as  suas  terras  e  nós  saberemos 
então  fazer  fazendas,  pólvora^  armas  e  missangas^  e  já  não  pre- 
cisámos vestir  as  pelles  dos  brutos;  faremos  boas  casas  e  la- 
vras;  teremos  os  seus  remédios  para  as  nossas  doenças  e 
aprenderemos  a  escrever  e  a  ler  e  já  não  seremos  enganados 
com  os  recados. 

Este  modo  de  discorrer,  dava  logar  a  entrarmos  em  expli- 
cações e  a  diálogos,  d^onde  concluiamos  que  na  Europa  se  apre- 
ciam muito  mal  estes  povos,  e  quando  se  tratar  de  os  educar 
devidamente,  pode  esperar-se  d^elles  o  mesmo  que  de  qual- 
quer povo  civilisado. 

A  passagem  do  commercio  por  aqui  ha  de  modificar-lhe  os 
costumes,  porém  uma  missão  bem  organisada  e  como  a  imagi- 
namos, deve  dar  excellentes  resultados,  e  a  influencia  dos  Por- 
tuguezes  é  tal,  que  não  creio  a  possam  supplantar  quaesquer 
estrangeiros,  que  para  elles  são  sempre  os  inguerises,  appella- 
tivo  pronunciado  com  um  tal  ou  qual  desdém. 

E  nós,  sabemos  muito  bem,  que  o  único  estrangeiro  que  en- 
tre os  povos  de  Africa  meridional  soube  conquistar  a  estima, 
foi  Livingstone,  e  porque  ?  Porque  procurou  imitar-nos,  esque- 
cendo a  cor  d^aquelles  com  quem  convivia,  estendendo-lhes  a 
mão,  sentando-os  á  sua  mesa,  visitando-os  nas  suas  habita- 
ções. E  elle  que  assim  praticava,  admirava-se  do  modo  por 
que  08  Portuguezes  na  provincia  de  Angola  tratavam  os  ho- 
mens de  côr,  mesmo  quando  eram  seus  empregados  e  escra- 
vos, e  fazendo  o  parallelo  com  os  seus  patrícios,  dava  relevo 
ao  contraste,  censurando-os. 

Stanley  e  outros  exploradores  que  se  lhe  seguiram,  querendo 


422  EZPBDIÇXO  POBTOOCRU  ÁO  ITOATllHTUA 

lu  Eoropft  conrencer-Qos  pelo  sen  modo  de  foliar  iohn  os  po- 
Toi  Ȓnoan08,  qae  como  elle  pensavam,  ilSo  foram  tio  felUea. 
£  porque?  Faltava-l^ea  a  aprendlza^m  que  elle  tivera  oõm- 
QOBCo  antes  de  Be  internar  no  Beio  do  continente,  e  depois  a 
pratíca,  em  que  se  adquire,  além  da  resignaplo  e  pacielida  que 
fAo  indíapensaTeifl,  a  convicção  de  que  eatea  povos  bSo  ccOxeti- 
tuídos  por  entes  de  quem  dependemos  para  a  nossa  existência 
no  mão  em  que  elles  vivem. 

Sendo  já  um  pouco  tarde,  e  tendo-sé  preparado  Qa  povoa- 
çSo  um  batuqne  do  despedida  á  nossa  comitiva,  ent«ideiBOS 
nJto  dever  abusar  do  &vor  dos  homens  que  vieram  {aaer-Doã 
companliía  ao  principiar  da  noite,  e  agradecendo  a  sua  attenjlo 
recolhemo-Dos  para  nos  deitar  pouco  depois. 

O  ribombar  de  imponentes  trovoadas  qne  se  succediam  ad 
(^fferentes  pontos,  despertou-nos  já  perto  das  cinoo  hora*  da 
madrugada,  e  nSo  foi  poesivel  tomar  a  adormecer.  Ma  «ap»- 
rança  que  o  tempo  alliviaria,  dispozemos  todas  as  nossas  o 
para  a  viagem,  inclusive  a  cama. 


DESCIUPV^O  OA  VLAQEU 


EKGKESSO  DO  CJiEFK  A  ESTACÃO  PAIVA 
UE  ANDlíADA 


Da  facto,  ás  sete  horas  da 
mauliíi,  não  obatante  as  inatan- 
cifia  <los  sobas  para   ficarmos 
aiuda  eese  dia,  pois  que  nos 
iríamos  molhar  eom   a  chuva 
polo  camiobo,  partimos,  e  diri- 
jíiiido  bem  os  carregadores  que 
nos  haviam  de  transportai-,  con- 
seguimos ainda  passar  o  Lui  um 
I  pouco  antes  das  quatro  horas 
t  da  tarde  c  antes  das  cinco  che- 
gávamos á  Estação  Paiva  de 
Andrsda, 
-  gMKi,     -^  nossa  alimentarão  durante 
o  dia  consistira  apenas  de  qua- 
tro ovos  quentes,  oh  quaes  sor- 
vemos acm  tempero  algum  ao  partir. 

Encontrámos  já  na  Estação,  o  empregado  europeu,  Augusto 
Ccsar  e  algumas  cargas  vuidas  da  Estação  Ferreira  do  ^ima- 
ral.  Este  informou-nos  estar  de  saúde  o  aub-chefc,  e  de  tudo  ter 
corrido  felizmente  aem  novidade.  O  soba  Ambango  continuava 
fazendo  as  suas  visitas  de  noite  á  f^stação,  na  esperança  du 
beberricar  o  seu  copinho  de  aguardente,  mas  a  respeito  de 
apresentar  mantimentos  para  a  gente,  dizia  estar  tudo  exLausto 
pelo  pessoal  da  Expedição  que  soguira  para  o  Cuango. 


^!^^Ty 


tít  EXFSDIÇXO  rORTCGUCZA.  AO  IBSATtIXWÁ 

Emqaaato  ae  noa  arraDJaTa  amm  canja  atnrintos  o  Ãmlmigo 
qne  apparecea  poaoc  d«pob  de  chiarmos,  e  á  Doaaa  pergunta 
K  a  terra  já  nSo  tioba  qne  nos  dar  de  comer,  resprakdea  ter 
Já  dado  proridencíu  para  (joe  da  oatra  banda  viesse  gado  para 
qaando  Maene  Puto  chegasse  com  soa  gente,  e  qtte  a  cazne 
aSo  haTta  de  &ltar. 

Agradeceu  o  boni_  tratamento  qoe  dúpensáinoe  na  Ttagen 
AM  aena  rapaxea  eaperando  qae  Maeae  Puto,  sea  protector, 
M  lembrasse  d'elles  para  a  outra  Tiagem. 

Hostrámua  a  nossa  satUía^  pelo  bom  comportamento  e 
•erviço  de  seus  rapazes,  e  como  o  cnado  nos  trouxesse  o  jan- 
tar, demoft-lhe  uma  perna  de  gallinlia  e  uma  bolacha,  que 
guardoa  para  a  ceia,  e  um  oc^  de  vinho  que  bebeu,  deixando- 
aos  segundo  o  mter{wete,  com  Deus,  para  dormirmos  Bocega- 
Jamente. 

Comemos,  tomámos  varias  notas  e  deítámo-noa  em  seguida, 
nXo  muito  bem  dispostos,  e  durante  a  noite  tiremos  accessos 
de  febre.  J 

Era  nosso  intento  continuar  a  viagem  no  dia  seguinte  3  d^B 
novembrOj  poróm  a  febre  nSo  nos  lar^u  de  madrugada  e  eo- 
brevindo-nos  outros  íucommodos  devidos  á  muita  fadiga,  ad- 
diimos  por  isso  a  partida,  conservando-nos  a  caldos  de  galUnha 
durante  o  día. 

Recebemos  a  nossa  correspondentua  de  Malanje  e  com  ella 
uma  carta  para  José  de  Yasconcelloa,  que  im mediatamente  ex- 
pedimos pelo  cabo  da  força  que  mandávamos  apresentar  ao  aju- 
dante e  também  recebemos  communicaçao  do  sub^efe,  qae 
nos  dava  boas  notidas  sobre  os  negócios  da  EstaçSo  Ferreira 
do  Amaral. 

Providenciámos  relativamente  ao  nosso  regresso  áquella  Es- 
tação, querendo  fazer  toda  a  marcha,  de  treze  horas,  no  dia 
4,  e  por  isso  mandámos  seguir  os  oito  carregadores,  que  vieram 
contractados  até  o  Cuango,  para  a  povoaçlto  de  Mulolo  Qni- 
nhangua  onde  deviam  pernoitar,  sendo  estes  os  que  haviam 
de  nos  transportar  d'aht  á  referida  EstaçSo,  sendo  a  viagem 
de  quatro  horas. 


D£8CUIPÇA0  DA  VIAGEM  425 

Entendemos  de  toda  a  conveniência  o  descanso  durante  o  dia 
para  nao  aggravar  o  nosso  mal  estar,  que  durante  a  noite 
mais  se  accentuâra  e  não  podemos  deixar  de  attribui-lo  a  can- 
çasso,  humidade,  mau  passadio,  e  á  falta  de  café  e  quinina,  o 
que  em  parte  era  devido  ao  noáso  descuido. 

Conservando-nos  na  cama  durante  o  dia  e  procurando  cha- 
mar a  transpiração,  próximo  da  noite  sentimo*noB  um  pouco 
melhor  e  mais  animados  para  fazer  a  viagem  num  dia,  e  co- 
meçar depois  uma  medicação  methodica. 

A  indisposição  gastro-intestinal  passou,  e  dormimos  bem  toda 
a  noite. 

Estávamos  no  dia  4 ;  veiu  o  soba  de  madrugada  saber  como 
tínhamos  passado  a  noite,  fízemos-lhe  as  nossas  recommenda- 
çòes  para  viver  bem  com  o  empregado  que  ali  devia  perma- 
necer e  que  tratasse  de  arranjar  mantimentos  para  quando  che- 
gássemos. 

O  soba  asseverou-nos  que  não  deixaria  de  ter  na  devida  at- 
tcnção  o  que  lhe  recommendavamos  e  partimos  eram  seis  horas  .; 

Quando  chegámos  á  povoação  de  Quinhangua  era  uma  hora 
e  três  quartos  e  ahi  apenas  nos  demorámos  o  tempo  indispen- 
sável para  troca  de  carregadores  e  para  recebermos  do  poten- 
tado o  presente  de  um  boi,  que  mandámos  repartir  por  toda  a 
gente  que  nos  acompanhava  consentindo  que  ahi  pernoitassem. 

Chegámos  á  Estação  ás  seis  horas  da  tarde,  e  na  occasião 
em  que  o  sub-chefe  era  chamado  para  jantar. 

Vinhamos  bastante  fatigados,  devido  á  posição  forçada  na 
rede  durante  doze  horas,  ao  estado  febril  em  que  nos  conservá- 
vamos desde  o  dia  anterior  e  também  á  fraqueza  porque  es- 
tivéramos a  caldos,  e  nesse  dia  de  manhã  apenas  tínhamos 
tomado  dois  ovos  quentes  e  uma  chávena  de  café. 

Comemos  pouco,  a  febre  augmentou,  e  por  conselho  do  sub- 
chefe, fomos  para  a  cama,  oode  pouco  depois  tomámos  uma 
chávena  de  chá  com  pós  de  Hover  para  transpirar,  o  que  teve 
eífeito;  porém  sobreveiu  uma  forte  dor  de  cabeça  que  não 
diminuiu  como  de  costume,  com  fricções  de  essência  de  hortelã 
pimenta.  Passámos  mal  toda  a  noite. 

88 


426  EXP£D1Ç20  POKTOGOEZA  AO  MUATIÂNVnA 

Logo  que  a  claridade  do  dia  permittia,  quizemos  principiar 
a  fazer  a  communicaçSo  para  S.  Ex.^  o  Ministro,  o  qae  nao 
nos  foi  possivel ;  a  febre  prononciou-se  com  toda  a  intensidade 
e  tivemos  de  voltar  para  a  cama. 

Queríamos  aproveitar  a  opportunidade  do  regresso  dos  car- 
regadores que  de  Malanje  foram  ao  Cuango,  para  enviar  a 
correspondência  para  a  metrópole  e  a  communicação  ao  Governo 
de  que  a  primeira  secção  da  Expedição  havia  passado  aquelle 
río  em  31  de  outubre  e  estava  construindo  a  Estação  Costa  e 
Silva,  em  terras  de  Capenda-ca-Mulemba,  em  Mona  Samba 
Mahango,  para  ahi  se  reunir  toda  a  Expedição.  O  nosso  estado 
não  noft  permittiu  dar  a  essa  communicação  o  necessário  des- 
envolvimento limitando-nos  por  conseguinte  a  uma  singela  par- 
ticipação. 

Pelas  boas  informações  que  tinhamos  acerca  dos  povos  de 
Mona  Mahango,  e  recursos  da  terra,  o  que  foi  corroborado  por 
José  de  Vasconcellos  que  já  vivia  entre  aquelles  povos  ha 
quatro  mezes,  e  tendo  nós  de  nos  demorar  ahi  algum  tempo 
para  se  arranjarem  carregadores  para  a  Lunda  e  estudar  a  re- 
giãO;  resolveu-se  que  a  Estação  devia  ser  construída  com  a  ne- 
cessária capacidade  e  com  as  accommodaçoes  e  segurança  in- 
dispensáveis para  alojamento  do  pessoal  e  deposito  de  todas 
as  cargas. 

Conseguimos  despachar  os  carregadores  no  dia  6,  logo  de 
manhã,  porém  em  seguida  principiámos  em  tratamento,  e  até 
ao  dia  8  nao  nos  foi  possivel  fazer  trabalho  algum,  não  ces- 
sando durante  esses  três  dias  as  chuvas  e  as  trovoadas. 


J^ 


MUBBOMA 


DESCRIPÇAO  DA  VIÃQEH 


ALGUMAS  CONSIDERAÇÕES  SOBKE  ESTA  EEGIAO 
E  OS  SliUS  HABITANTES 


aub-cliefe  da  Expedi  ç8o  du- 
rante a.  nossa  ausência  não  se 
poupara;  além  das  observações 
qiKitidiaDns  tanto  astronoinicas 
como  raeteorologicaa,  prose- 
giiiu  naa  diligencias  de  activar 
o  trausporte  das  cargas  para  a 
Estação  Paiva  de  Andrada,  con- 
tractando  no  voa  carregadoreB 
entre  os  povos  vizinhos  com 
quem  manteve  boas  retaçSee, 
aproveitando  todos  ob  momen- 
tos de  que  podia  dispor  para 
aiigmentar  as  suae  eollecçõe» 
da  fauna  o  flora,  indo  elle 
mesmo  ao  mato  examinar  ou 
tiollicr  os  exemplares  que  mais  reclamavam  a  sua  attençSo  c 
estudo. 

A  media  de  um  bom  numero  de  observações  dera  já  para 
coordenadas  da  noasa  EstaçZo  em  Cafiixi  de  Sé  Quitárí,  9" 
O"  10"  lat.  S.  dij  Equador,  e  16°  42'  1"  long.  E.  de  Green- 
wich; no  que  se  provava  que  oa  nossos  trabalhos  pela  estima 
se  approxímavam  da  verdade. 

Nos  nossos  reconhecimentos  a  pé,  deu-nos  a  pratica  uns  des- 
contos a  fazer,  quando  a  marcha  era  em  terreno  ondulado  e 


U.^jJVr 


Affi  EXPKDfClo  FUKltW.lXA  JO  TâTTl^TCJL 


e 

Depois  de  uma  jofnada,  en  o  «mbd  prnMÍn>  coidado  qvando 
aaunpsTamo»,  rednzi-la  a  mu  cn^jw  giapUeo,  e  cono  ai 
laa  mediçiSea  eram  fintas  de  cinco  em  cinco  «m^^y^  e 
oa  noawM  paaaoa  eslaTam  peifeiumente  calndadoa,  de  modo 
que  1:420  em  raminho  poocoondnladodaTam  1  Idlometio  e  eqm- 
raUam  a  1:600  em  leneno  cii)a  inclinaçio  r^nlara  por  30^, 
feyrtMJft  depoú  a«  correcções  de  declinação  e  inclinaçio  da 
airnlba  e  redacções  de  cotagem  nesse  primeiro  trabaDiOy  traçá- 
ramos os  nossos  itinerários,  qae  depois  rerificados  doas  e  ti^s 
reses,  como  sococrdea  de  Malanje  ao  Coango  e  comparados 
com  os  dos  collegas  que  também  apresentaram  os  seus  reco- 
nhecimentos dos  mesmos  caminhos^  obtinha-se  nm  itinerário 
médio,  qne  a  determinaçlo  astronómica  das  cooidenadas  com- 
jnrorara  com  pequenas  difierenças. 

Em  todo  o  tempo  que  nos  demorámos  nas  EsftaçSea,  o  sub- 
chefe Sízenando  Marques  foi  o  mais  escrapoloso  possirel  nas 
obserraçSes  de  que  estará  encarr^ado  e  sempre  qae  a  occa- 
síio  lhe  era  propicia,  aproveitara-a  para  &zer  as  obserraçSes 
astronómica»  me&mo  a  altas  horas  dâ  noite,  e  como  as  distan- 
cias entre  a*  EstaçSes  nâo  sâo  grandes,  pode  considerar-se  boa 
a  determinação  das  coordenadas  das  nossas  Estações. 

A  altitude  aqui,  8o2  metros,  é  inferior  á  de  Malanje  em 
322  metros,  -  differença  que  repartida  pelo  nosso  transito^  re- 
gula de  3  metros  por  kiiometro,  o  que  nos  prova,  nJo  haver 
grande»  difficuldades  a  vencer  quando  se  procure  ainda  melhor 
caminho,  para  se  fazer  proseguir  por  aqui  a  linha  férrea  de  pe- 
netração, acrescendo  as  cireumstancias  favoráveis  de  nâo  termos 
encontraílo  necessidade  de  obras  de  arte  de  importância,  de 
existirem  boas  madeiras  em  todo  o  percurso,  de  se  encontra- 
rem pedreiras,  e  das  terras  nâo  serem  soltas,  nem  tâo  pouco 
muito  resistente». 

Pelo  perfil  que  já  apresentámos,  do  nosso  transito  até  ao 
Cuango,  conhece-se  que  o  planalto  de  Malanje  termina  pelas 
alturas  de  Catalã  e  dahi  descem  os  terrenos  para  os  rios  Cuanza 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  429 

Cuiji  e  Cuango,  formando  uma  grande  depressão,  por  isso  que 
seguimos  para  o  norte;  porém  a  cotação  será  menos  áspera 
quanto  mais  nos  approximarmos  do  rumo  de  leste. 

O  que  podemos  já  affiançar,  é  que  a  região  entre  os  rumos 
indicados  até  ao  Cuango  é  a  melhor  que  conhecemos  em  toda 
a  nossa  provincia  do  Dande  ao  Cuanza,  para  a  creação  de  ga- 
dos^ e  isto  é  importantissimo  só  por  si,  quando  se  trata  de 
construir  um  caminho  de  ferro  e  se  sabe  que  Loanda  importa 
gado  e  pode  passar  a  exportá-lo  em  grande  escala. 

Á  agricultura  também  aqui  encontra  vasto  campo  para  se 
desenvolver.  Os  productos  que'  temos  visto  são  magníficos, 
o  torrão  é  excellente;  existe  abundância  de  aguas  e  a  uma 
temperatura  elevada  corresponde  a  humidade  nos  máximos 
graus  de  saturação  de  92^  a  98°. 

As  circumstancias  climatéricas  da  localidade,  modificadas 
pelos  ventos  de  S.  que  são  das  regicHes  mais  elevadas,  pare- 
cem-nos  favoráveis  ao  europeu  quando  se  observem  as  prescri- 
pções  recommendadas  pela  sciencia.  Desde  15  de  agosto  que 
nesta  Estação  teem  estado  europeus  de  differente  compleição, 
já  na  epocha  das  chuvas  e  pode  dizcr-se  sem  as  commodidades 
a  que  estão  habituados.  Havendo-se  exposto  muito  ao  tempo 
e  não  se  poupando  ao  trabalho,  por  emquanto,  salvo  uma  ou 
outra  febre,  mais  uma  excitação  devido  a  fadigas  e  contrarie- 
dades, por  não  correr  tudo  como  era  para  desejar,  a  quem  tem 
em  vista  chegar  ao  termo  da  sua  missão,  não  se  registaram 
outras  doenças;  cumprindo  não  esquecer  que  as  influencias  pa- 
lustres se  devem  ter  feito  sentir  em  todos,  desde  o  dia  11 
de  junho  em  que  chegámos  ao  rio  Cuanza. 

Pelo  que  respeita  aos  indigenas,  é  preciso  entrar  na  apre- 
ciação dos  seus  usos  e  costumes  e  modo  de  existência,  para  se 
conhecerem  as  causas  porque  não  podem  luctar  com  as  condi- 
ções climatéricas,  succumbindo  muitos  ainda  antes  de  attingi- 
rem  a  maioridade. 

Logo  que  nos  achámos  restabelecidos  dos  nossos  incommo- 
dos,  tratámos  de  aproveitar  algumas  horas  do  dia,  que  nos  era 
possivel  distrahir  d^outros  serviços,  procurando  familiarisar-nos 


430  EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZÁ  AO  MUATIÂNVnA 

com  08  habitantes  da  povoação,  indo  ás  suas  cubatas,  assen- 
tando-nos  ao  lado  d^clles  a  fim  de  colher  todas  as  informaçSes 
para  formar  um  juizo  seguro  sobre  o  seu  modo  de  viver. 

Mucongo,  homem  já  velho,  tio  do  potentado  e  que  deixara  o 
seu  sitio  para  vir  viver  na  ambanza  do  sobrinho,  foi  quem  es- 
colhemos para  nos  acompanhar  nestas  nossas  visitas  e  para 
nos  ir  prestando  esclarecimentos,  sobre  o  que  mais  provocava 
a  nossa  attençSo.  E  é  pelo  que  vimos  e  pelas  informaçSes  co- 
lhidas, que  somos  levados  a  deduzir,  que  a  falta  de  vigor  e  a 
depauperação  das  populações  nesta  região,  é  mais  uma  conse- 
quência do  aniquilamento  de  forças,  devido  a  degeneração  a 
que  chegaram  seus  maiores  pela  miserável  existência  que  tive- 
ram, do  que  das  condições  climatéricas  da  localidade,  que  não 
teem  sabido  modificar  e  que  sobre  elles  exerce  também  a  sua 
influencia. 

Vivendo  estes  povos  tao  próximos  de  nós,  havendo  o  seu 
jaga  Andala  Quissúa  estado  muitos  annos  preso  em  Loanda, 
existindo  alguns  homens  que  se  lembram  das  guerras  de  Cas- 
sanje  e  dos  o65ciaes  e  negociantes  europeus;  é  também  certo 
que  na  maioria,  indivíduos  já  adultos,  sabem  só  por  lhes  dize- 
rem, que  existe  o  Rei  de  Portugal  (Muene  Puto).  Conhecem 
os  seus  súbditos,  mas  nao  teem  uraa  idea  precisa  do  que  elle 
realmente  é,  e  suppSem  que  o  fabrico  de  todos  os  objectos 
provenientes  da  Europa,  é  obra  sobrenatural,  custando-lhes  a 
crer  que  as  mãos  dos  brancos  possam  fazer  cousas  tao  perfeitas 
ou  tão  pequenas  como,  por  exemplo,  a  missanga. 

Muene  Puto,  essa  entidade  abaixo  do  Zdmbi  (Deus)  é  pae  dos 
brancos  e  dos  pretos,  dizem  elles,  porém  ensinou  os  filhos 
brancos  a  trabalharem  e  não  fez  caso  dos  pretos ;  os  pretos 
nascem,  vivem,  mas  não  trabalham  porque  não  foram  ensina- 
dos. Os  filhos  de  Muene  Puto,  aprenderam  a  fazer  tudo  que  lhes 
era  preciso,  das  boas  cousas  que  o  Zambi  creou  nas  suas  ter- 
ras, e  como  já  teem  de  mais,  lembraram-se  de  nós  para  troca- 
rem o  que  trazem  pelo  marfim,  cera  e  borracha  que  temos 
para  d'ahi  fazerem  cousas  boas,  mas  não  nos  ensinam  para  ficar- 
mos sempre  como  os  brutos. 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  431 


Discreteando  assim,  fomos  levados  a  uma  certa  ordem  de  con- 
siderações sobre  a  sua  existência. 

Admirando-nos  que  tivessem  abundância  de  gado  e  mesmo  de 
creações  e  que  não  matassem  os  animaes  para  se  alimenta- 
rem disseram: — Uma  ou  outra  rez  vendesse  a  algum  negocia- 
dor que  por  aqui  passa  para  nos  vestirmos  e  ás  nossas  mu- 
lheres, mas  o  nosso  âm  creando  o  gado  é  para  termos  sem- 
pre com  que  pagar  os  nossos  crimes,  impostos,  presentes  e 
exigências  do  jaga. 

Sc  os  mais  velhos  uma  vez  ou  outra  matam  uma  cabra  ou 
carneiro  ou  mesmo  uma  gallinha  e  repartem  com  os  seus  paren- 
tes, é  porque  tem  festa  em  casa ;  procuram  afastar  os  maus  es- 
piritos  ou  enterrar  bem  algum  parente  para  que  este  nSo  venha 
persegui-los  depois. 

O  chefe  da  povoaçSo  e  os  que  assim  assistiam  ás  nossas  in- 
dagações, asseveraram-nos  que  só  depois  da  existência  da  nossa 
Estação  é  que  se  via  carne  nas  cubatas  de  seu  povo.  As  lavras 
iam-se  exhaurindo  de  mandiocas,  as  raparigas  trabalhavam  com 
gosto  a  pisar  os  bombos,  para  levarem  fubá  aos  nossos  carre- 
gadores, mas  tudo  isso  era  por  causa  da  carne. 

Sendo  isto  uma  circumstancia  importante  de  que  podiamos 
tomar  partido  para  os  estimular  nos  trabalhos  de  lavoura  e  a 
dar-lhes  maior  desenvolvimento,  respondiam*nos  com  outros 
factos  desanimadores. 

Para  que,  diziam  elles,  cultivar  mais  do  que  pode  chegar 
para  a  nossa  gente? 

—  Depois  de  sairem  os  filhos  de  Muene  Puto,  que  estSo  agora 
aqui,  quem  vem  procurar  os  productos  das  nossas  lavras?  Os 
moradores  de  outras  povoações  todos  teem  lavras  para  si ;  Ma- 
lanje,  que  é  a  terra  de  Muene  Puto  mais  próxima,  nâo  precisa 
dos  nossos  productos;  o  preto  não  mata  gado  nem  creaçSes 
para  trocar  por  fubá,  todos  teem  as  suas  raparigas  que  lh'a 
arranjem.  Os  negociadores  que  passam,  são  poucos  e  pretos 
como  nós,  se  compram  gado  é  para  vender  em  outros  pontos 
e  com  uma  pouca  de  missanga  sempre  arranjam  que  as  raparigas 
lhe  vendam  bambo  e  trazem  as  suas  mulheres  para  o  pisarem. 


432       EXPEDIÇZO  POBTUODEZA  AO  MUATIÍKVUA 

—  Se  Maene  Puto  mandasse  para  a  sua  casa  mais  brancos, 
então  sim,  todos  cuidariam  de  £Euser  lavras  maiores^  para  terem 
ÊEizenda,  as  raparigas  trabalhariam  era  fazer  farinhas  e  fubá 
para  trocarem  por  carne,  os  homens  fariam  carretos  e  iriam 
ao  negocio  da  borracha.  Se  não  vierem,  sentir-se-ha  agora  muita 
falta,  porque  não  estávamos  costumados  a  passar  tXo  bem. 

£  a  propósito  do  passadio,  diziam  elles,  que  antes  de  chegar- 
mos, o  usual  era  comerem  o  infunde  com  folhas  cozidas,  e 
muitos  dias  passavam  com  mandioca  crua  e  jinguba,  e  quando 
havia  milho,  com  massarocas  passadas  pelo  fogo  e  nada  mais. 

Caça  era  tAo  raro  apparecer  como  peixe  e  mesmo  o  dissesse 
(lagarta  de  arvores)  era  preciso  ir  longe  para  os  arranjar  em 
troca  de  bombos. 

Kotando-se-lhes  que  viamos  muitas  creanças  de  peito  e  pencas 
em  proporção  de  mais  edade:  —  Morrem  muitas,  era  a  res- 
posta. 

Este  facto,  diziamos  nós,  só  se  pode  attribuir  ao  man  ali- 
mento das  mães  e  de  não  as  pouparem  expondo-as  com  os 
filhos  ás  intempéries  nos  trabalhos  mais  penosos.  Talvez  seja 
por  isso,  respondiam,  mas  então  quem  havia  de  ir  para  as  la- 
vras  e  pizar-nos  o  bombo?  Nós  conhecemos  que  as  mulheres 
soífrem  e  se  definham  depressa,  mas  ainda  assim  temos  mais 
mulheres  na  povoação  que  homens. 

—  E  porque  os  homens  certamente  emigram  para  outras 
terras? 

—  Não  senhor,  respondia-nos  Sé  Quitári,  esta  povoação  é  feita 
por  meu  tio  que  morreu.  Viemos  para  aqui,  das  margens  do 
Cambo,  do  outro  lado  de  Andala  Quissúa  (W).  Foi  este  quem 
nos  mandou  chamar  para  aqui,  porque  o  nosso  sitio  era  muito 
doentio.  As  emigrações  na  nossa  terra  só  se  dão  por  causa  das 
guerras,  e  nós  felizmente  não  as  temos  tido  ha  muitos  annos. 
Ha  de  reparar  que  nSo  ha  velhos  aqui,  como  existem  lá  em 
cima  no  Andala  Quissúa,  mas  é  porque  os  nossos  velhos  não 
quizeram  deixar  o  Cambo.  Nós  viemos  e  aqui  temos  vivido  em 
boa  harmonia  com  os  vizinhos  e  com  o  jaga,  e  o  nosso  gado 
augmenta,  que  é  o  principal. 


DESCRIPÇ20  DA  VIAGEH  433 


Mas  não  são  atacados  aqui  de  doenças,  pergtmtayamos  nóS; 
que  estávamos  soffirendo  de  dores  rheumaticas. 

— Ha  muitas  doenças  de  ventre  e  dores  pelo  corpo,  mas 
no  Cambo  soffiíamos  muito  mais.  Eram  provavelmente  devidas 
ás  péssimas  aguas  barrentas  na  epocha  em  que  estávamos,  ás 
grandes  humidades  e  a  uma  alimentação  miserável. 

E  quem  mais  soffre  d^essas  doenças,  os  homens  ou  as  mu- 
lheres? 

—  As  mulheres  e  creanças,  disseram  elles. 

O  que  nós  pensámos  ser  certamente  devido  nos  homens  a 
elles  se  ausentarem  por  algum  tempo  da  localidade,  nos  seus 
pequenos  negócios  e  em  procura  de  caça. 

Estas  e  outras  conversas  que  a  miúdo  tínhamos  com  esta 
gente,  e  a  que  de  bom  grado  se  prestavam,  mostrava-nos  que 
elles  reflectiam,  e  se  não  tinham  ideas  fixas  sobre  o  modo  de 
se  aproveitarem  da  sua  actividade,  não  deixavam  de  reconhe- 
cer que  é  nisso  que  lhes  leva  vantagem  o  homem  branco,  e  que 
por  isso  mesmo  gosa  elle  de  commodidades  e  de  um  bem  estar 
que  elles  poderiam  ter,  e  para  que  estavam  dispostos  a  traba- 
lhar quando  houvesse  a  certeza  de  os  alcançarem  também. 

Soífrem  e  vêem  definhar-se^  a  sua  progénie;  não  é  porque 
não  reconheçam  o  mal,  é  por  não  encontrarem  o  que  os  estí- 
mulo a  debellá-lo. 

Que  a  nossa  Estação  já  estava  influindo  no  seu  animo  de 
modo  benéfico,  reconhece-se  também,  e  assim  como  elles  en- 
contraram melhoria  para  a  sua  existência,  na  mudança  do 
Cambo  para  aqui ;  já  reparavam  que  haviam  de  sentir  differença 
para  um  estado  peor,  quando  a  Estação  fosse  abandonada.  E 
note-se  que  o  abandono  que  elles  sentem  é  dos  brancos  e  não 
dos  negociadores  africanos  que  por  aqui  passam  á  aventura 
com  as  suas  pacotilhas,  ou  que  residem  provisoriamente  entre 
elles. 

E  porque  é  isto  assim?  Parece-nos  poder  explicá-lo. 

Os  Ambaquistas  ou  os  que  os  imitam,  isto  é,  os  taes  Quim- 
bares,  nao  educam  esta  gente,  nem  procuram  o  seu  bem  estar, 
antes  se  servem  dos  seus  usos  e  costumes  e  procuram  desper- 


434       EXPEDIÇIO  PORTOGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

tar-Ihes  os  seus  apetites  gentílicos  em  proveito  próprio.  Faci- 
litam o  uso  da  aguardente  e  de  tudo  que  mais  possa  embrutecer 
os  incautos  quando  d^ahi  lhes  resulte  engodá-los  nas  transacçSes 
que  com  elles  procuram  fazer.  Tornam-se  adivinhos^  tomam-se 
mesinheiroSy  havendo-se  prevenido  antes  com  o  que  mais  possa 
agradar-lhes,  e  assim  os  vão  entretendo  até  receberem  d'el- 
les  o  pagamento  em  borracha  ou  em  serviçaes,  que  é  o  que 
mais  desejam  e,  no  entretanto,  vão  comendo  sempre  os  manti- 
mentos. 

Espalham-se  é  certo  esses  aventureiros  por  todo  o  interior, 
e  alguns  chegam  mesmo  a  estabeleçer-se  provisoriamente  longe, 
porém  afastam-se  uns  dos  outros  por  causa  da  concorrência 
nas  suas  explorações.  Um  grupo  de  quatro  numa  povoação  já 
é  raro  encontrar-se. 

Alguns  ha  que  trabalham  pelos  officios  de  sapateiro  e  alfaiate 
e  também  na  plantação  e  fabrico  rudimentar  de  tabaco,  mas 
como  o  âm  seja  ainda  o  mesmo,  de  obterem  alguns  serviçaes, 
se  alguém  educam  são  estes  com  quem  retiram  logo  que  en- 
contram opportunidade,  e  os  proventos  para  os  povos  são  ephe- 
meros ;  ha  localidades  em  que  se  não  encontra  sequer  vestígios 
da  sua  passagem. 

Em  principio  este  povo  mantinha-se,  por  assim  dizer,  numa 
linha  de  respeito  para  cora  a  Expedição,  estudava-nos,  como 
nós  a  elles.  Aproveitavam  das  visitas  dos  potentados  para 
nos  observarem,  conhecerem  o  nosso  modo  de  tratar  os  ho- 
mens velhos  e  os  nossos  usos,  e  d*ahi  nasceu  a  convivência  e 
uma  tal  ou  qual  confiança.  Perderam  depois  o  receio  pelos 
brancos,  ouviara-nos  e  respondiam-nos  já  sem  reserva. 

As  mulheres  principiaram  a  fazer  transacções  com  os  pro- 
ductos  das  suas  lavras  e  mais  trabalhos,  e  os  homens  apre- 
sentaram-se  para  carretos,  serviço  que  lhes  era  inteiramente 
novo,  indo  até  ao  Luí,  e  encarreirando-se  também  para  Malanje. 
O  que  se  ajustava  era-lhes  pago  integralmente,  e  chegaram  mes- 
mo a  deixarem  em  deposito  os  pagamentos  de  um  certo  numero 
de  serviços,  para  não  receberem  fracções;  por  exemplo,  de  uma 
certa  peça  de  fazenda  que  lhes  agradava,  cousa  que  não  era  vul- 


DESCHIP^AO  DA  VIAGEM 


435 


gar,  porque  são  muito  desconfiados  e  mesmo  os  que  estíío  mais 
cm  contacto  com  os  brancos  querem  oa  pagamentos  adeantadoe. 

Sendo  supersticiosos,  soubemos  tirar  partido  d 'isso  respei- 
tando as  suas  crenças  e  d'ahi  uma  confiança  reciproca. 

O  fim  da  missSo  era  estndar-Ihe  a  Índole,  cathecisá-los,  exer- 
cer influencia  no  seu  animo,  aproveitar  a  sua  actividade  e 
crear-llie  necessidades  cm  proveito  do  commercio  de  Malanje, 
attraJiindo-os  ao  convívio  da 


província,  ao  mesmo  passo 
que  os  estimulávamos  re- 
compensando-Ih  ea  o  traba- 
lho, ensinando-llics  o  modo 
de  poderem  satisfazer  as 
suas  ambiçSes,  mostrando- 
llies  emfira  os  benefícios  que 
(la  nossa  protecção  podiam 
■   advir. 

O  negociante  sertanejo, 
cujo  fim  ó  realisar  no  menor 
tempo  possivel  a  transacção 
■la  sua  pacotilha,  não  pers- 
cuta,  nfÈo  indaga  das  miou- 
dencias  a  que  é  preciso  des- 
eerse  para  avaliar  a  índole 
dos  povos  que  procura  para 
o  seu  commercio.  EnfastÍa-o  mesmo  outra  cousa  que  nSo  seja 
o  seu  negocio,  lastima  ns  delongas  que  se  dSo  nas  transacções 
e  leva-as  A  conta  de  prejuízo,  quando  para  o  indígena  é  uma 
questão  de  íoteresse  devido  á  sua  índole  que  nâo  conhecem, 
do  que  resulta  uma  má  apreciação  sobre  o  povo,  o  desacredi- 
tareni-no  como  selvagem,  de  quem  nada  se  pode  obter  em  pro- 
veito da  civilisação. 

O  que  mais  estranharam  cm  mis,  era  o  nosso  amor  da  inves- 
tigação, e  a  nossa  perseverança. 

Víamos  por  exemplo,  numa  povoação,  defronte  ou  ao  lado 
de  uma  cubata,  uma  tosca  figura  imitando  um  homem,  cortada 


436  EXPEDIÇZO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVOA 

á  faca  numa  tabuinha,  ou  gravada  num  tronco,  devidamente 
reservada  num  pequeno  telheiro,  ou  protegida  por  uma  trepa- 
deira; víamos  uma  planta  disposta  com  esmero,  que  se  desta- 
cava de  outros  arbustos ;  viamos  no  caminho  um  amontoado  de 
troncos  ou  formando  pyramide  ou  dispostos  em  cruzetas  ou 
quadros ;  viamos  uma  bananeira  isolada  e  umas  cubatas  em  mi- 
niatura ao  lado,  protegendo  panellas  de  barro,  umas  contendo 
agua,  outras,  matérias  pastosas,  outras  emfim,  algumas  peque- 
nas plantas,  etc.,  e  não  nos  contentávamos  em  conhecer  os 
seus  nomes :  muquixij  quissondcj  muti,  nhangua^  etc. 

Para  bem  podermos  interpretar  tudo  isto,  entravamos  numa 
serie  de  indagações  e  assim  conseguiamos  obter  noçSes  da 
sua  grosseira  religião. 

Apreciavam  muito  estas  nossas  investigações  e  d'ahi  desper- 
tava-se-lhes  a  curiosidade  em  fazer  confrontos  com  o  que  a  tal 
respeito  poderia  existir  nas  terras  de  Muene  Puto. 

O  muquixi  que  figurámos  é  uma  copia  do  que  existia  de- 
fronte da  habitação  do  velho  Mucongo.  E  o  Zâmbi  dos  pretos, 
nos  disse  este.  Muene  Puto  tem  o  seu  Zâmbi  numa  cruz,  nós 
não  sabemos  fazer  mais  do  que  isto  para  o  representar.  £u 
estava  muito  doente  e  mandei  chamar  um  adivinho,  e  este 
depois  de  consultar  os  idolos,  disse-me  que  nâo  poderia  melho- 
rar, emquanto  nâo  mandasse  fazer  ou  restaurar  um  Zâmbi. 
Mandei  então  fazer  este  e  desde  que  elle  aqui  está  defronte 
da  minha  porta,  estou  muito  bera. 

Sé  Quitári,  que  nos  acompanhava  na  occasiâo,  pediu-nos  para 
irmos  também  ver  o  seu.  Era  uma  figura  tosca,  excavada  num 
tronco  e  serapintada  de  preto,  encarnado  e  branco.  E  confir- 
mou-nos  elle,  que  também  gosava  saúde  desde  que  ahi  o  col- 
locou  com  o  devido  resguardo. 

E  coratudo  nas  cubatas  de  ura  ou  outro  gentio,  na  parede 
do  fundo  sobre  um  retalho  de  baeta  encarnada,  lá  estão  os 
crucifixos  de  metal  que  o  nosso  commercio  lhes  leva. 

Acreditam  elles  que  o  Zârabi  dá  felicidade  ás  pessoas  que 
os  mandam  figurar  e  também  ás  povoações,  e  por  isso  se  al- 
guém o  inutilisa,  é  multado  para  fazer  um  novo. 


DESCBIPÇlO  DA  VIAGEM  437 

E  note-se  que  se  serviam  da  palavra  Zâmbi,  nSo  porque  seja 
este  o  vocábulo  usual  que  é  o  equivalente  muquixi,  mas  para 
que  comprehendessemos  melhor  o  valor  que  para  elles  tinha. 

E  insistindo  nós  em  conhecer  a  idea  que  tinham  do  Zâmbi^ 
responderam :  —  Nunca  o  vimos,  mas  nós  vivemos  e  morremos 
quando  elle  quer. 

O  seu  modo  de  pensar  com  respeito  á  morte,  revela-se  na 
seguinte  explicação  de  Sé  Quitári :  —  Morre  o  homem,  mas  a 
vida  doeste  apparece  noutro  corpo,  se  os  parentes  nâo  chora- 
ram bem  a  sua  perda  ou  não  pagaram  as  dividas  que  elle  dei- 
xou. Este  persegue-os  até  que  isto  se  faça  e  até  que  âque  sa- 
tisfeito por  se  lhe  ter  dado  boa  comida. 

Este  homem,  querendo  provar-nos  esta  sua  convicção,  e  in- 
vocando o  testemunho  dos  seus  parentes  e  mais  gente  que  o 
ouviam,  acrescentou. 

—  Quando  adoece  algum  dos  meus  bois,  ou  tenho  infelici- 
dade èm  casa,  mando  chamar  o  melhor  curandeiro  das  terras  do 
jagado  e  este  faz  apparecer  o  meu  pae  com  outra  cabeça;  eu 
então  mando  vesti-lo  e  dar-lhe  muita  comida  d'aquelle  boi  que 
adoeceu  ou  de  outro  se  a  infelicidade  é  de  outro  género,  e  isto 
porque  meu  pae  nunca  teve  gado,  e  já  uma  vez  estando  a 
dormir  me  appareceu,  dizendo  que  eu  estava  muito  rico  e  nSo 
me  lembrava  d'elle  que  morrera  pobrç,  sem  nunca  ter  visto 
uma  cabeça  de  gado  na  sua  posse. 

E  como  sabe  que  é  seu  pae,  lhe  perguntámos,  o  homem  que 
o  curandeiro  lhe  apresenta?  — Porque  me  conta  muitas  historias 
antigas  de  seu  tempo,  das  suas  caçadas,  das  suas  guerras  e 
nomeia  todas  as  pessoas  da  nossa  familia. 

•Indubitavelmente,  o  espertalhão  do  curandeiro  tirava  par- 
tido da  credulidade  doesta  gente,  diziamos  nós,  mas  respeite- 
mos as  suas  superstições  ao  mesnío  tempo  que  lhes  vamos 
apontando  a  superioridade  da  nossa  crença,  para  elles  estabe- 
lecerem o  parallelo  e  tirarem  as  suas  conclusões. 

Comprehendiamos  assim  o  nosso  papel  de  propagandistas  do 
bem  entre  estes  povos;  éramos  bem  acceites  e  previramos  o 
successo  do  nosso  modo  de  proceder. 


438 


EXPEDIÇÃO  POKTUGUliZA  AO  MUATIANVUA 


Naa  nossas   commmiicaçSea  ao  Ministério,  ao  Govemadoí 
geral  de  Angola  e  ao  negociante  Custodio  Josú  de  Sousa  Ma-  j 
chado,  lembrámos  a.  conveniência  de  nos  fazer  render  nesta 
Estação  e  a  este  ultimo  por  uma  casa  âlial  da  sua,   emfim  ' 
o  aproveitar-se  de  qualquer  modo  a  influencia  que  chegámos  a 
adquirir  entre  os  povos  em  redor. 

à  efficacia  das  nossas  EgtaçijCB  até  ao  Cuaitgo,  quando  nito  | 
fosse  por  outro  motivo,  tornou-se  bem  palpável,  porque  aua- 
tentavH  nSo  meuos  de  setenta  indivíduos,  que  eram  permanen- 


que  I 


1  troca  dos 


alimentos    que    lhes    eri 
indispensáveis,  espalhavam  j 
diversos  artigos  do  nosso  ] 
commercio.  Era  um  prin- 
cipio devida,  porqueliouve  ] 
iluem   amontoasse    alguns 
desses  artigos  e  dos  adqui- 
ridos com  transportes  das  j 
nossas   cargas,   parte   dos   | 
quaes  trocados   depois  pOP 
sal    e    este    com   a   outra   | 
parte,  negociados  no  Pein-   ' 
de  e  Xinje  por  borracha, 
"^       íiTomo  B«uu  (uTiRpmiTí)  "i"  '!*'■*'**  ^^  transformaram 

ncsfa  Estação,  já  entSo  fi- 
lial de  C,  Machado,  em  fazendas  c  outras  mercadorias,  mas   , 
em  quantidade  muito  maior. 

Tivemos  no  interior  noticia  do  bom  negocio  que  nesta  casa 
estava  fazendo  o  empregado  de  Machado,  das  hoaa  relaçSea  qae 
mantinha  com  os  povos  vizinhos  e  da  animação  que  entre  estes 
reinava  para  fazerem  as  suas  excursSes  entre  o  Cuango  e  o 
Cuengo ;  sendo  certo  que  no  nosso  regresso,  entre  as  EstaçBes 
Paiva  de  Andrada  e  esta,  em  sitias  até  ali  desertos,  se  viam 
novas  povoa^^Bes  e  muito  gado, 

O  gado  estava  dando  um  bom  rendimento  para  estes  poros, 
era  procurado  para  negocio  além  do  Cuango  e  para  a  nossa   , 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  439 

província  de  Angola  nos  concelhos  a  leste  do  Loanda^  o  que 
antes  da  vinda  da  Expedição  só  fazia  um  ou  outro,  mas  em 
pequena  quantidade  e  de  tempos  a  tempos. 

Uma  rez  que  neste  logar  poderia  importar  no  valor  corres- 
pendente  a  SjJOOO  ou  4f5000  réis,  no  açougue  em  Malanje  pro- 
duzia de  15^000  a  20^000  réis,  no  Dondo  mais,  e  em  Loanda 
mais  ainda.  E  um  bom  negocio. 

Os  povos  do«Lui,  do  Ámbango  principalmente,  vendo  que 
os  de  Andala  Quissúa,  sem  repugnância  alguma,  andavam  no 
serviço  de  transporte  das  nossas  cargas  para  a  EstaçSo  no  seu 
sitio,  também  já  ahi  appareceram  a  pedir  cargas  e  a  mudança 
fez-se  mais  rapidamente  do  que  pensávamos. 

Para  a  Mussumba,  é  que  não  era  possivel  angariar  carregado- 
res, nem  com  a  intervenção  do  velho  jaga  Andala  Quissúa. 
Nós  não  pudemos  deixar  de  attribuir  este  facto,  ao  que  se 
chama  intrigas  de  Cassanje,  intrigas  que  nos  foram  comprova- 
das com  a  chegada  do  interprete  António  Bezerra,  que  por 
doente  só  ôntão  se  apresentou  ao  nosso  serviço,  com  o  famoso 
documento  a  que  damos  publicidade,  e  que  nos  enviou  o  ne- 
gociante Machado,  de  Malanje,  onde  se  lhe  asseverara,  que 
em  Cassanje  tudo  se  preparava  para  evitar  a  passagem  da 
Expedição  no  Cuango,  ou  fazer  pagar  caro  essa  passagem. 

Documento  enviado  por  Custodio  Machado  ao  chefe  da  Ex- 
pedição. 

Amigo  c  sr.  António  José  Pereira : 

Rogo-lhe  o  favor  de  me  dizer  ao  pé  d'e8ta  o  que  o  amigo  me  disse 
que  havia  ouvido  referir  ao  gentio  de  Cassanje,  com  referencia  á  pas- 
sagem da  Expedição  portugueza,  de  que  é  chefe  o  sr.  major  Henrique  de 
Carvalho;  pois  muito  me  obsequeia,  informando-me  por  escripto  para 
prevenir  consequências  e  por  cujo  favor  muito  grato  lhe  fica  o  seu 

Attento,  amigo  e  muito  obrigado.»  Custodio  «/.  de  Sotua  Machado, 

Resposta. 

No  dia  28  de  outubro  cheguei  ás  margens  do  Luí,  aonde  passei  o  dia. 
Ko  dia  seguinte  chegou  uma  embaixada  do  banza  Quissúa  Cá-Ambum- 
ba,  do  Hiongo,  chamar  o  Quiluange-Quiá-Cassanje,  para  irem  impedir  a 


440  EXPEDIÇXO  POBTaOUEZÁ  AO  muatiínvua 

Yiagein  ao  IlL**  Sr.  major  Carvalho ;  disendo  mais,  que  sem  €altm  com- 
parecease  para  receberem  £uenda  d*aqaelle  senhor,  porque  se  o  deixas- 
sem passar,  ao  depois,  todos  haviam  de  querer  passar  de  graça. 

Sem  mais,  seu  attento  amigo  e  obrigado.  -=  António  Joêé  Pereira. 

• 

Nota.  —  O  mesmo  António  José  Pereira,  que  acima  me  deu  aqueUa 
resposta,  me  disse  pessoalmente  que  o  sr.  major  estava  impedido  de  pas- 
sar, pois  que  o  gentio  do  Hiongo,  por  onde  o  sr.  major  tinha  feito  a  via- 
gem, se  oppunbam  á  sua  passagem  á  viva  força,  e  que,  mesmo  assim, 
lhe  haviam  de  exjgir  ama  grande  quantidade  de  £uendas.  Mais  me  disse 
que  ao  gentio  de  Cassanje  ouvira  dizer,  que  nSo  convinha  a  passagem  do 
sr.  major  para  o  Muat*Ianvo,  visto  como  ia  fiizer  amiaade  com  elle  da 
parte  do  Maniputo  a  fim  de  os  desg^raçar. 

Foi  isto  que  elle  pessoalmente  me  disse  em  casa  de  Alfiredo,  onde  se 
achava  em  tratamento  de  uma  biliosa.  N2o  vejo  que  o  que  ^le  disse, 
viesse  modificar  cousa  alguma  do  que  eu  tinha  dito  naa  rninhaa  eonver- 
sas,  e  por  muitas  vezes  ao  sr.  major. 

António  José  Pereira  é  sócio  de  Alfiredo  José  de  Barros,  na  easa  de 
Cassanje.  =  Custodio  Machado, 

A  vista  d'este  docameDto^  felicitava-nos  Maclúido,  por  já  me- 
tade  das  cargas  da  Expedição  estarem  além  Cuango,  na  Ea- 
taçSo  Costa  e  Silva,  e  sem  que  tivesse  havido  difficuldades  e 
punha-nos  de  sobreaviso  para  algumas  tramóias  no  fiitiiro,  qne 
nos  pudessem  preparar  os  Bângalas,  a  quem  não  convém  qne 
08  brancos  estabeleçam  relações  commerciaes  directas  com  os 
povos  do  interior,  pois  querem  elles  ser  os  mediaDeiros,  para 
nâo  perderem  nos  seus  interesses. 


DESCRIPÇXO  DA  TIAOEH 


1'ARTIDA  DA  USTAÇAO  FEEREIKA  DO  AMARAL 


'  oudo  pois  de  nos  sujeitar  ao  ex- 
pediente de  caniinliarraos  de  Es- 
tftçílo  em  EstaçSo,  com  os  carre- 
gadores que  tivessemoB  e  fosse 
possivel  ir  obteado  pelo  tran- 
sito naa  povoações,  para  essas 
■  pequcmis  distancias,  e  fendo 
completado  ura  mcz  de  obser- 
vações meteorológicas,  prepara- 
mo-noB  para  sair  d'esta  Estaçito 
era  23  do  novembro,  fazendo  a 
j  correspondência  para  a  metró- 
pole, aproveitando  o  correio  que 
no  fim  do  mez  seguiria  de  Malanje  com  as  malas  para  o  pa- 
quete que  sala  de  Loanda  em  15  de  dezembro. 

Annunciada  a  nossa  partida,  de  novo  se  apresentaram  os  po- 
tentados conselheiros  do  jaga  o  chefes  de  povoação  a  visitarem- 
noB,  trazendo  os  seus  presentes  de  comida  para  a  viagem,  em 
retribuição  do  quê  esperavam  também  presentes  de  fazendas^ 
missangas,  pólvora,  etc.  • 

As  chuvas  estavam  de  volta  comnosco  e  era  preciso  apro- 
veitar os  intervalloB  em  que  cessassem;  assim  no  dia  23  e  a 


4tô  KXFEDIÇXO  FOBTDSDBU  10  VCATIIhtiU. 

differentes  horas,  B&irani  três  partidas  de  carregadores  de  pro- 
Teniencias  diversas,  vi^riadas  por  gente  nossa,  nHo  obstante  a 
eonfusSo  de  delegados  do  relho  jaga,  ambanzos  e  Bobas,  cjne 
encliiaiQ  a  Estaçilo,  para  se  despedirem  de  nós. 

O  jaga  mandara  mna  raparigninha  de  presente  para  Muene 
Pato,  pedindo  que  não  saíssemos  dn  terra  zangados  com  cUe, 
por  n3o  ter  apresentado  os  carregadores  que  prometera  para  o 
Uuatiãnrua;  que  furam  os  seus  Cltios  qce  faltaram,  com  re- 
ceios de  Caasanje  e  do  Miiatiãnroa ;  que  elle  era  filho  de  Muene 
Puto  e  quería  a  sua  amizade. 

NSo  tendo  nós  já  na  Estação  cousa  alguma  com  que  retri- 
buir aquella  attenção,  nem  nos  convindo  lerar  a  pequena  para 
u  terras  da  Lunda,  pedimos  desculpa  de  não  acceitar  o  prc- 
■iCnte,  porque  as  nossas  leia  Já  nSo  permittiam  que  tivéssemos 
ftscravos,  como  elle  bem  sabia,  mas  para  que  não  tomasse  como 
desfeita  a  recusa,  enviámoa-lhe  um  chapéu  armado,  como  recor- 
dação de  bons  amigos  que  forumos,  e  visto  elle  estar  velho, 
mandávamos- lhe  dizer  que  nào  se  esquecesse,  para  felicidade 
de  seus  povos,  de  prestar  vassallagem  a  Muene  Puto,  como 
tínhamos  combinado. 

Todos  queriam  aguardente  por  despedida,  mas  já  nSo  a  ha- 
via e  por  isso  lhes  dêmos  uma  caneca  do  ooaso  vinho  para  dis- 
tríbuirem  entre  si. 

Ainda  nos  appareceu  o  velho  da  povoação  fronteira  com  nnoa 
boavacca;  dissemos  que  sd  a  acceitariamos  com  a  condiçSo 
d'el!e  mandar  gente  de  sua  confiança  á  EstaçSo  Paiva  de  An- 
drada,  para  lhe  darmos  também  um  presente  de  despedida. 

Uma  das  nossas  barricas  de  atum,  estava  perdida,  mas  Sé 
Quitán  lá  ficou  com  ella  e  teve  de  a  repartir  pelos  seus  coUe- 
gas,  bem  como  os  garrafões  vasios,  pois  que  nos  viamoa  em 
sérios  embaraços  para  satisfazermos  os  pedidos  que  tivemos. 
Até  restos  de  assucar  num  assucareiro  e  jimbolo  (pedaços  de 
de  bolacha),  a  todos  chegou  para  o  seu  Zãmbi. 

É  costume  entre  estes  povos,  quem  tem  um  crucifixo,  pôr 
a  seu  lado  embrulhado  num  retalhiaho  de  fazenda,  uma  pitada 
que  seja  de  assucar  e  um  pedacito  de  pilo  ou  bolacha. 


DESCRIPÇlO  DÁ  VIAGEM  443 

Tinham  chegado  na  véspera  uns  portadores  com  um  officio 
do  jaga  Calandula  Muânji,  e  juntamente  um  outro  de  S.  Ex/  o 
Governador  geral  da  província,  recommendando-nos  uma  pre- 
tensão do  jaga  com  os  potentados  Quissengue  e  Bungulo,  entre 
os  rios  Luachimo  e  Chicapa  e  como  os  macetas  a  que  se  referia 
esse  officiO;  de  que  damos  conhecimento,  ficaram  de  vir  ter 
comnosco  e  de  nos  acompanharem,  mandámos  dizer  ao  jaga, 
que  procuraríamos  satisfazer  as  determinações  do  Sr.  Gover- 
nador geral  quando  se  apresentasse  a  occasião  e  apparecessem 
os  seus  macetas,  e  aproveitámos  ob  portadores  para  levarem 
para  Malanje  a  nossa  correspondência. 

Faltavam  dez  minutos  para  uma  hora  da  tarde,  quando  dei- 
xámos a  Estação  Ferreira  do  Amaral. 

Do  Jaga  Calandula  ao  Chefe  da  Expedição. 

«Cumpre-me  remetter  a  V.  o  officio  que  lhe  veia  do  governo  geral  da 
província  de  Angola,  onde  veia  o  meu  despacho  a  am  requerimento  que 
eu  tenho  mostrado  o  meu  sentimento  de  matar  mens  filhos  e  as  gentes 
e  pontas  de  marfim  e  borracha  pelo  filho  de  Muana  Quissengue  de  noinè 
Quissanda,  de  Mona  Mucungo,  da  naçSo  Cahongo,  habitante  á  beira  do 
Qulcapa  a  outra  banda  d'elle  que  espero  V.  mandar  seu  despacho  a  este 
requerimento. 

«Deus  guarde  a  V.  Quilombo,  17  de  outubro  de  1884.  — 111.»»  e  Ex.»« 
Sr.  Chefe  da  Expedição  ao  Muata  lanvo.  ==  D,  António  Martins  da  SUva^ 
Calandula  Muanji.» 


De  S.  Ex.'  o  Governador  Geral  ao  Chefe  da  ExpediçSò. 

Tendo -se  o  jaga  Calandula  Muanji,  D.  António  Martins  da  Silva^ 
queixado  a  S.  £x.*  o  Governador  geral,  contra  os  sobas  Quissengue  e 
Bungulo,  do  sitio  Qulcapa,  sobre  o  roubo  por  estes  mandado  commetter, 
segundo  aquelle  allega,  de  uma  porção  de  marfim  e  cera  que  o  filho  do 
requerente  André  Domingos,  trazia  da  Mussumba,  terras  do  Muata 
lanvo,  onde  fora  negociar,  sendo  aprisionado  nessa  occasiSo  o  dito  seu 
filho,  e  mortos  os  serviçaes  que  o  acompanhavam;  e  pedido  o  mencionado 
jaga  que  V.  fosse  auctorisado  a  levar  em  sua  companhia  áquellas  ter- 
ras 08  seus  macotas,  a  fim  de  lhes  servir  de  medianeiro  na  reclamação 
que  vão  apresentar  aos  sobas  de  Quissengue  e  Bnngnlo;  o  mesmo  Ex."* 
Sr.  houve  por  conveniente  dar  ao  requerimento  do  supplicante  o  despa-' 


cho  seguinte  :  •Eutenda-se  o  aupplicoute  com  o  mftjor  Carvnlho,  e  as 
ordena  que  elle  sobre  o  assumpto  der,  é  com»  ac  fossem  por  mim  dadas*. 

O  que  commanico  a  V.     pam  Bca  conheciment':)  e  devidos  eSettos. 

Deus  guarde  a  V.  Secretaria  do  Governo  Geral  em  iKMUida,  25  de 
outubro  de  1884. — ...8r,  major  Henrique  Augusto  Dins  de  Carvalho, 
chefe  (la  Expedição  ao  Muiita  Ihhvo.  =Aiberta  Cario*  d'Eça  de  Queiroz, 
■ecreUrío  geral. 

A  S.  Ex.*  O  MÍDÍatro  dos  Negócios  da  Marluhft  e  Ultramar 

Dl."'  e  El.""  Sr. —  Tendo  de  mandar  uma  cftiía  com  exemplares  da 
ilora  d'estea  arredores  para  Malanje,  colhidos  e  devidamente  estudados 
pelo  meu  cotlcga  Sizcntuido  Marques,  aproveito  a  opportuu idade  dos 
portadores  para  maia  eircinnstaneiailamcntc  prestar  a  V.  Ex.*  Ctn  addita- 
mento  k  minha  ultima  com  mu  nica;  ão  de  (i  do  corrente,  maia  alçuna  es- 
clareci mentos  sobre  cstca  povos,  eom  oa  quaes  a  Expedição  tem  mantido 
boas  rela^SeB,  porque  se  nic  afigura  que  ficaram  lançadas  as  base^  para 
eatas  se  assegurarem  firmemente  do  futuro,  com  muita  vantagem  para 
o  commercio  do  interior  da  provipeia,  e  ^uo  portanto  nào  será  Jifficil 
conseguir  que  elles  de  bom  grado  venham  avoasalar-se  á  Nação  Porlii- 

Pcloa  croqui*  do  itinerário  j&  enviados  e  pelo  que  agora  rcmetto  da 
Estaçilo  Paiva  de  Ãndrada  ao  território  dos  Xinjea,  v£-se  que  a  Expedi- 
ç3o  pouco  se  desviou  do  qui"  cm  Malanje  projeolúra  c  dn  qui'  ii  V.  Ex.* 
com  muni  q  uei.  Ob  desvios  que  houve,  sSo  devidos  âs  ainnosidadea  qne 
tivemos  de  percorrer,  o  que  é  bem  preferível  a  fazer  derrubadas,  par»  o 
que  ae  carecia  de  um  pessoal  habilitado  e  de  tempo  que  melhor  ae  deve 
aproveitar  em  trabalhos  mais  úteis. 

Passou  a  Expedição  por  povoaçúcs  importantes,  sujeitas  a  grandes  po- 
tentados independentes,  entre  estas  as  dos  Bondos  do  Andala  Quiasúa, 
e  as  doa  Huris  de  Mucto  Anguimbo,  com  quem  entreteve  relações  de 
amliade  que  podem  ser  muito  aproveitadas  peloa  Portugueaea  que  m 
procurem ;  estabeleceu  Estações  em  localidades,  cujas  distancias  de  nmaa 
ás  outras  nâo  excedem  63  kilomctros,  e  que  um  indígena  com  carga  de 
GO  a  70  libras  vence  em  trea  dias ;  e  trausilou  por  caminhos  em  que  oi 
riachos  e  rios  que  se  encontram  facilmente  se  atravessam,  sendo  o  mais 
importante  d'esteB  o  Lui,  cuja  altura  de  agua  onde  passámos  a  vau  n2o 
attinge  1  metro,  mas  que  na  epocha  das  grandes  chuvas  se  passa  em 
canoa,  como  o  Cuango,  em  todo  o  tempo,  e  é  meamo  de^qnena  largura, 
80  a  90  metros. 

Apenas  entre  o  rio  Cambo  e  este  sitio  Cafúxi,  se  encontraram  no  nosso 
caminho  vallcs  mais  pronunciados  que  fatigam  os  viajantes  a  pé  e  os 
eanegadorea,  mas  que  nSo  s3o  difficcis  de  transpor,  pois  as  múores 


DESCRIPÇÂO  DA  VUGEM  445 

dififerenças  de  nivel  chegaram  o  muito  a  90  metros,  sendo  elles  em  nu* 
mero  de  cinco,  de  modo  que  a  dífiferença  de  altitude  entre  Malanje  e 
Cafáxi,  depois  de  se  elevar  em  Catalã  a  106  metros,  desce  gradualmente 
464  metros. 

O  transito  é  feito  mais  entre  florestas  do  que  em  terreno  descoberto, 
e  só  de  Cafúxi  em  deante  se  encontram  terras  encharcadas  e  de  7  a  8 
kilometros  de  distancia  do  porto  do  Cuango  ha  um  pântano  que  se  es- 
tende até  lá,  mas  que  enxuga  no  tempo  das  seccas. 

Quer  se  saia  de  Malanje  pelo  Anjinji,  S.-E.,  quer  pelos  Bondos,  N. 
E.,  pode  dizer-se  que  até  ao  Chissa  e  Catalã  se  caminha  em  território 
sujeito  á  influencia  da  civilisação  de  Malanje,  e  diremos  mesmo,  á  au- 
ctoridade  portugueza ;  porém  20  kilometros  a  N.-E.  de  Catalã,  onde  se 
estabeleceu  a  nossa  primeira  Estação,  Vinte  e  Quatro  de  Julho,  a  povoação 
e  todas  as  mais  d'ahi  em  deante  são  puramente  gentias,  sujeitas  a  au- 
ctoridadcs  e  na  obediência  do  jaga  Andala  Quissúa,  que  em  tempo  foi 
nosso  vassallo,  mas  que  depois  das  guerras  de  Cassanje,  se  considera  como 
tal,  nunca  se  lhe  exigindo  porém  que  prestasse  o  devido  juramento. 

Quando  este  potentado,  que  esteve  preso  na  cadeia  de  Loanda,  foi 
posto  em  liberdade,  era  certamente  boa  occasiSo,  usando  de  uma  diplo- 
macia acertada,  para  definir  bem  de  uma  vez  a  nossa  posse  ao  território 
em  que  elie  domina  e  que  é  realmente  muito  grande. 

Hoje  mesmo  nào  seria  difficil  chamá-lo  a  nós,  pois  pela  sua  avançada 
idade,  respeito  pela  auctoridade  do  governo  de  Sua  Magestade,  pelas 
boas  relações  que  tem  procurado  que  os  seus  povos  mantenham  com  a 
nossa  Expedição,  e  ainda  pela  ambição  de  ter  em  suas  terras  estabele- 
cimentos de  brancos,  com  fazendas,  missangas,  pólvora,  armas,  aguar- 
dente ;  sou  levado  a  crer  que  está  bem  disposto,  e  só  espera  lhe  indiquem 
o  caminho  que  tem  a  seguir  para  ser  bem  acceite. 

No  seu  conselho  entram  os  herdeiros  que  melhor  ou  peor  percebem 
o  portuguez  e  o  que  ha  de  succeder-lhe  no  governo,  nesta  convivência 
de  três  mezes,  tem- nos  sido  bem  sympathico.  Talvez  mais  tarde,  quando 
o  conselho  mude  com  a  successão,  as  disposições  dos  novos  conselheiros 
nos  não  sejam  tão  favoráveis.  Pela  rivalidade  que  existe  entre  este  povo 
e  o  de  Cassanje,  lamenta  o  jaga,  seus  filhos  e  ambanzas,  que  Muene  Puto, 
segundo  ellc,  por  tanto  tempo  desprezasse  esta  terra  e  que  apesar  da  re- 
bcllião  de  Cassanje,  para  lá  tivessem  continuado  a  ir  feirantes  portugue- 
zcs  ;  quando  as  suas  terras  são  mais  saudáveis  e  os  filhos  de  Muene  Puto 
aqui  seriam  mais  estimados  e  poderiam  ter  auctoridades  independentes 
que  08  protegessem,  sendo  elle  severo  com  o  seu  povo  todas  as  vezes  que 
não  tratasse  bem  e  respeitasse  todos  os  filhos  de  Muene  Puto. 

Em  outro  tempo,  me  disse  o  jaga  um  dia,  intrigaram-me  com  Muene 
Puto,  e  se  clle  ainda  acredita  nas  intrigas,  porque  não  manda  para  estas 
suas  terras  soldados  e  capitães  para  guardar  as  suas  fazendas?  Porque 


446      EXPEDIÇZO  POBTDOUEZÁ  ÀO  MUÁTIInVUA 

primeiro,  Beria  necessário,  lhe  respondi,  que  o  meu  amigo  preatasae  ju- 
ramento de  bom  vassallo. 

—  Mas  eu  eston  entrevado,  bem  vô. 

—  Pois  mande  seu  filho  mais  velho,  com  os  macotas  do  eonselbo  a 
Malanje,  se  não  podem  ir  a  Loanda. 

—  Hei  de  fallar  neste  negocio  ao  conselho,  mas  para  irem  procurar  o 
sr.  governador  a  Loanda,  quero  que  lhe  levem  um  bom  presente,  como 
fez  o  jaga  de  Cassanje,  foi  a  sua  ultima  resposta. 

Todos  estes  povos  em  redor  das  Estações  e  suas  vizinhanças,  podem 
dizer-se  de  boa  indole,  morigerados  e  com  pequenas  variantes,  apesar 
de  supersticiosos,  adorara  o  Deus  de  Muene  Puto,  posto  continuem  a  ter 
o  sen.  Para  elles.  Deus,  é  o  que  pode  haver  de  maior,  porque  Muene 
Puto  é  um  homem  muito  grande,  mas  o  Zâmbi  é  superior  e  já  existia  antes 
dos  homens,  é  o  Sé  Culo^  o  primeiro  entre  os  entes  que  pode  haver  de 
mais  veneração  pela  sua  antiguidade,  velhice,  etc.  Esta  crença  tem-se 
transmittido  de  pães  a  filhos.  Acreditam  que  o  Zâmbi  existe  invisível 
mas  que  ha  de  ser  superior  a  tudo  que  conhecem  e  possam  vir  a  conhecer. 
Imaginá-lo  é  uma  questão  do  adivinho,  e  acceitam  qualquer  forma 
que  se  lhe  dê,  porque  acreditam  que  só  os  adivinhos  é  que  os  podem  figu- 
rar ;  são  estes  por  elle  inspirados  ao  dar-lhe  uma  forma  para  sua  ima- 
gem, seja  qual  for  o  material. 

Não  ha  povoação  onde  estas  toscas  imagens  de  formas  rudimentares, 
não  estejam  resguardadas.  Seja  sob  pequenos  telheiros  ou  nichos,  sobre 
o  solo,  ou  um  pouco  mais  acima  sobre  uma  espécie  de  estrado,  vêem-se 
essas  figuras,  umas  vezes  com  pernas  outras  sem  ellas,  de  pé  ou  acoco- 
radas, mas  sempre  disformes,  com  cabeças  largas  terminando  superior- 
mente em  bico,  havendo-as  até  com  chapéu.  Aos  lados  d*ellas,  na  mesma 
linha,  vêem-se  objectos  para  ornamentação,  que  variam  segundo  as  povoa- 
ções e  os  artifíces  e  representam  segundo  a  phantasia  de  cada  um,  cai- 
xas, lâmpadas,  canecas,  etc. 

Povoações  ha,  em  que  existem  dois,  três.  e  mais  doestes  telheiros. 
O  que  é  mais  curioso,  é  a  razão  da  sua  existência,  é  quasi  sempre  a 
mesma  em  toda  a  parte  onde  os  tenho  visto.  Um  dos  homens  da  povoa- 
ção, geralmente  um  velho,  esteve  muito  doente,  foram  infructiferos  os 
medicamentos  applicados,  chamou-se  um  adivinho  dos  mais  afamados, 
consultou-se,  este  achou  grave  a  doença,  porque  era  de  idolo,  e  para  se 
salvar  do  mal  que  este  lhe  pretendia  fazer,  devia  o  doente  mandar  ar- 
ranjar primeiro  que  tudo  um  muquixi  para  o  Zâmbi  e  depois  festejar 
o  idolo  e  trazê-lo  sempre  contente. 

Em  geral  todo  o  muquixi  tem  uma  rasão  de  existência  entre  elles  e 
por  isso  é  um  caso  de  gravidade,  por  qualquer  circumstancia,  inutilisar 
um,  ainda  que  para  isso  nâo  houvesse  propósito. 

Também  estes  povos  acreditam  que  se  morre,  mas  que  todos  nós  te- 


DESCRIPÇlO  DÁ  VIAGEM  447 

mos  em  vida  o  Catumbl  >,  e  este  é  imperecedoaro ;  entra  no  corpo  de  qual- 
quer racional  ou  irracional  e  persegue  os  parentes  ou  amigos,  até  que 
elles  satisfaçam  os  compromissos  que  o  defunto  não  poderá  satisfazer 
emquanito  por  cá  andara  neste  mundo,  ou  chorem  devidamente  a  sua 
perda,  pois  elle  não  ficara  satisfeito  com  o  ceremonial  que  lhe  fizeram. 
As  festas  de  óbito  entre  estes  povos,  têem  de  commum:  o  chorar  e 
carpir  desde  que  o  doente  expirou  até  que  se  enterra,  fazer  tiros  de  fu- 
zilaria, se  ha  pólvora,  e  beber  de  preferencia  aguardente,  até  que  os  da 
festa  estejam  todos  embriagados.  Depois  do  enterro  ha  fuzilaria  ao  nascer 
e  pôr  do  sol,  danças  toda  a  noite,  choros,  e  comes  e  bebes,  a  diversas 
horas  do  dia.  Estas  cerimonias  duram  de  três  a  oito  dias,  segundo  as 
posses.  Os  parentes  durante  as  ceremonias,  que  correspondem  ao  nojo, 
passam  a  andar  apenas  com  as  partes  pudendas  tapadas  e  rapam  me- 
tade da  cabeça  de  um  lado. 

Se  ha  gado  ou  posses  para  o  adquirir,  a  carne  faz  parte  das  refeiçÒes. 

Estas  ceremopias,  segundo  os  povos,  são  mais  ou  menos  complicadas 
dependendo  da  jerarchia  do  fallecido. 

O  Cazumbf  geralmente  apparece  de  noite,  quando  se  está  recolhido  para 
dormir,  mas  também  pode  mostrar- se  de  dia  aos  que  são  dotados  de  gé- 
nios mais  apprehensivos,  principalmente  quando  se  caminha  sósinho,  e 
é  frequente  essa  apparição  quando  se  vae  buscar  agua  ao  rio  e  se  não 
encontra  outra  pessoa. 

Não  se  sabendo  a  que  attribuir  o  seu  apparecimento,  chama-se  um 
adivinho  e  esse  tira  partido  do  estado  exacerbado  em  que  se  encontra  o 
individuo  que  o  consulta,  o  qual  em  regra  está  prompto  a  dar  tudo 
quanto  possue  para  se  ver  livre  do  Cazumbi  que  o  amofina,  lhe  tira  a  von- 
tade de  comer  ou  tem  sido  causa  da  sua  doença. 

Que  mais  simplicidade  e  mansidão  poderá  haver  do  que  a  doestes 
povos ! 

O  homem  é  tido  em  geral  como  indolente  por  não  saber  como  em- 
pregar a  sua  actividade,  não  haver  encontrado  quem  o  educasse  para 
esse  fim  e  ter  na  mulher  uma  serva  que  cuida  das  lavras,  fabrica  a  fari- 
nha e  a  fubá,  cozinha  o  infunde,  acarreta  as  lenhas  e  agua,  etc 

Muito  débil  em  geral  esta  gente,  pela  sua  escassíssima  alimentação, 
e  de  modos  commedidos,  por  um  pedaço  de  carne  toma-se  exigente,  dá 
o  melhor  que  tenha  para  o  obter  em  substituição  de  umas  hervas  ou  fo- 


'  Ccuumbi  interpretam  os  Ambaquistas  por  espirito,  alma  de  individno  que  morre  e  va- 
gueia em  procura  de  outro  corpo  de  racional  ou  irracional  onde  se  introduz  e  nunca  é  para 
bem  da  localidade  a  que  elle  pertenceu  on  dos  habitantes  que  continuam  li  existindo. 
Muitaa  vezes  vílo  perseguir  as  pessoas  de  sua  família,  embora  em  viagem  oa  residindo 
j  á  em  outra  povoação. 


Ihaa  de  mttuàiorax,  se  é  qne  as  tem  para  comer.  8e  nada  tem,  eza^- 
pera-se,  pertie  a  cabpça  i  vista  do  uma  rez  recentemente  morta  c  bòo 
pode  cod|i;t  se  <]iie  não  puxe  da  sua  faca  e  cort«  nm  pedacilo  que  seja 
de  carne,  se  ê  que  d3i>  trax  comsigo  alguma  cousa  em  que  poMl  levar 
um  pouco  de  sangue,  com  qne  até  os  mais  desprovidos  de  sorte  ee  con- 
tentam. Por  causa  de  um  pedaço  de  carne  temos  assistido  a  lactas  de  ca- 
racter grave,  mesmo  entre  os  cootractadoa  de  I^oanda.  Parece  que  a 
fista  do  sangue  lhes  perturba  o  organismo,  e  que  d'abi  provem  a  necca- 
■idadc  de  luctarcm  para  que  essa  perturba^io  se  acalme. 

E  é  notuvel  que  ainda  o  maia  abastado,  a  não  ser  por  motivo  muito 
extraordinário,  não  mandu  matar  uma  rea  da  eua  manada.  O' este  ponto  até 
ao  Cuango,  vécm-se  manadas  de  bom  gado  vaccum,  mnitos  porcos,  ca- 
íras, carneiros  e  mesmo  galiiulms;  pois  os  povos,  SC  alguma  carac  come- 
ram durante  o  tempo  qne  por  ek  estamos,  obtiveram-na  por  via  de  tran- 
sacções com  o  pessoal  da  nossa  Eipedição  de  quem  a  conseguiram  comu 
presente  ou  por  compra. 

Ab  mullicrcs  vão  acarretar  aguo  e  lenha  para  os  nossos  carregadores. 
a6  com  a  mira  cm  receberem  unia  isca  de  carne  como  retribuição. 

Vendem  um  ou  outro  animal  pela  necessidade  que  téem  de  fasendaíi 
-e  pólvora,  mas  ainda  aasiiu  esperam  que  por  aqui  apparcça  algum  Quim  • 
bare  á  procura  de  gado  para  alcançarem  maior  preço. 

A  Expedição  tem  obtido  com  facilidade  gado  por  preç«s  muito  re^u- 
IsreB,  o  que  dá  as  raçúea  mais  cm  conta,  porque  uma  parte  d'estas  è  a 
melhor  mooii»  (jiie  os  nosson  carreiriidrires  poiliam  obtt-r  pura  penuutiir 
pelos  productos  das  lavras,  farinhas,  etc. 

Naa  localidades  em  que  se  levantaram  as  EstaQ^B,  anccedeu  em 
principio  o  que  era  de  esperar.  O  povo  sem  distincção  de  sexo  nem  de 
idade,  rodeava-as  para  ver  os  brancos  e  vê-loa  comer,  escrever  ou  faxer 
qualquer  cousa,  ouvi-los  fallar,  etc.;  se  porém  um  de  nós  chamava  al- 
guém ou  a  elle  se  dirigia,  fugiam ;  ee  passava  por  algnma  cubata  e  perto 
estava  o  morador,  era  certo  escondcr-Be,  e  se  fosse  mulher,  fiachar  a 
porta  se  para  isso  tivesse  tempo,  etc.  O  branco  para  cUes  era  um  indi- 
viduo que  lhes  podia  faxer  mal. 

Passados  alguns  dias,  conheceram  o  sen  erro,  pois  as  creançae  eram 
bem  tratadas  e  recebiam  um  mimo,  nma  caricia,  o  que  lhes  agradava;  o 
soba  havia  recebido  presentes,  conversava  muito  socegado  ao  lado  de  nm 
de  nós,  estava  muito  senlior  de  si,  animava  a  sua  gente  a  approiimar-se ; 
alguns  alcançavam  boa  paga  pelos  brindes  que  faziam  aos  brancos,  ovos, 
•  gallinhas,  farinhas,  cabras,  porcos,  bombóa,feÍjSo,batatas,  bananas,  etc, 
e  esses  attrahiam  os  outros  e  procuravam  também  obter  bieudas,  mis- 
sangas, etc. ;  d'aqui  se  originou  a  approximação,  s  confiança,  a  penna- 
taçSo,  a  conversa,  as  boas  relações  o  emSm  divulgarem-se  pelas  tízí- 
nbanças  as  boas  qualidades  dos  brancos,  filhos  de  Muene  Pato. 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  449 

Os  homens  vêem  entrar  e  sair  das  Estações,  cargas  ás  costas  de  in- 
divíduos de  outras  povoações,  vêem  que  estes  andam  melhor  vestidos  que 
elles  e  que  trazem  para  permutar  por  alimento  fazendas  e  missangas, 
sabem  ^e  isso  é  resultado  de  serem  bem  pagos  os  serviços  de  transportes 
e  são  elles  mesmos  que  se  dirigem  aos  sobas  a  pedir  que  se  interessem 
com  Muene  Puto  para  os  admittir  nestes  serviços  e  a  pouco  e  pouco  vâo 
conhecendo  os  bons  resultados  da  sua  actividade  para  o  trabalho. 

A  procura  doestes  serviços  pelos  homens  e  a  permutação  por  parte  das 
mulheres,  de  mantimentos  por  carne,  faz- se  nas  Estações  que  hoje  man- 
temos, e  aqui  tem  V.  Ex.*  como  estas  estão  exercendo  grande  influencia 
nestes  povos,  concorrem  para  a  sua  melhor  alimentação,  para  que  se 
vista  a  maior  parte  da  gente  com  fazendas  novas  e  ataviem  seus  filhos 
e  mulheres  com  missangas  e  braceletes  de  latão. 

O  que  nos  causa  muita  impressão  é  a  grande  mortalidade  das  crean- 
ças,  quando  nos  convencemos  que  não  é  pela  insalubridade  das  terras  e 
sim  pelo  fraco  leite  das  mães  e  da  exposição  em  que  andam  ao  sol  ar- 
dentíssimo e  ás  chuvas  torrenciacs,  ás  costas  d*ellas  emquanto  estas  tra- 
balham. Mas  este  mal,  modifícar-se-ía  facilmente,  pois  o  povo  aqui  é  sus- 
ceptível de  civilisar-se,  e  basta  para  isso  o  contacto  comnosco. 

Sc  se  organizassem  as  Estações  de  modo  a  manter-se  uma  creche  em 
cada  uma  d'ella8,  com  o  indispensável  pessoal  feminino  para  as  crean- 
ças,  os  primeiros  resultados  serviriam  de  incentivo  para  os  indígenas 
imitarem  estas  benéficas  instituições. 

Devemos  convenccr-nos  de  que  os  indígenas  por  aqui,  não  inventam, 
não  criam,  mas  imitam  tudo  que  lhes  proporcione  vantagens.  Factos, 
exemplos  frisantes,  que  elles  comprehendam  e  com  os  quaes  possam  es- 
tabelecer comparações  é  do  que  elles  carecem;  convencendo- se  que  lhe 
resulta  interesse  cm  imitar  o  branco,  esquecem  o  que  tinham,  e  adoptam 
a  innovação  com  que  procuram  logo  famílíarizar-se. 

Conservando-se  estas  Estações  abertas,  podem  contribuir  para  facili- 
tar o  commercio  no  interior,  a  leste  de  Loanda,  e  para  se  angariarem 
carregadores  para  o  transporte  das  suas  cargas,  de  que  se  sente,  prin- 
cipalmente cm  Malanje,  uma  grande  falta,  e  a  qual,  segundo  as  ultimas 
noticias,  augmcnta  de  dia  para  dia.  Mas  o  que  sobretudo  mais  é  para  es- 
tranhar e  com  o  que  a  Expedição  se  gloria,  é  ter-se  conseguido  que  os 
povos  da  margem  do  Luí,  que  nunca  pegaram  numa  carga  e  alguns  nem 
saíam  das  immediações  de  suas  residências,  não  só  transportassem  as 
nossas  cargas  ao  Cuango,  mas  ainda  as  tenham  vindo  aqui  procurar  para 
a  Estação  Paiva  de  Andrada,  para  terem  a  preferencia  a  transportá-las 
d'ahí  para  o  Cuango,  com  receio  da  concorrência  que  ahi  deve  haver.  Vem 
buscá-las  a  65  kilomctros  de  distancia  e  assim  augmentam  os  seus  inte- 
resses. Não  será  difiícil  pois,  que  elles  cheguem  até  Malaúje  e  uma  vez 
aqui,  onde  encontram  em  abundância  e  mais  em  conta  com  que  satis- 


4XO  BXPEDIÇSO  FOBTDGCEZi.  AO  HDAtUrTOA 

&ier  u  mu  Deoeiâídadea,  fuilmeoto  ae  irSo  «ncatrumido  n»  aorvi^ 
de  transporte  entre  os  coni^clhos  viEintos. 

Eneetado  o  csminliD  cnmo  o  foi  por  nós  neste  propósito,  cumpre  pro- 
seguir,  mu  prosegair  com  DiRlhodo,  justiça  e  ucerto.  Seria  reatnwiitc  àa 
gnaàe  conTeoíeDciK  que  ente  coetutuo  se  eetabeleeeBae,  não  bÒ  para  ga- 
nutÍT  ao  conunercio  uma  estrada  segura  pura  as  euob  transactues  alâin 
do  Cuango,  como  para  eile  poder  coutar  com  os  uiirregadores  que  lhe  são 
indispensavdB  entre  ae  chbus  de  suae  rulatòca.  Em  Andala  Quinguiui^a, 
eataMecida  a  EstaçSo  dpade  21  de  julho  até  4  de  outubro,  pemiaueceu 
aU  sempre  nm  doe  europeus  da  Expedição  e  depois  foi  entregue  a  um 
empregado  do  negociante  Narciso  Antouio  Paschoal.  A  Eatuçâo  Ferreira 
do  Amaral,  eãtA  aberta  desde  15  de  agosto  dcTeudo  uús  deixá-la  em  22 
do  corrente;  também  aqui  estiveram  europeus  durante  três  rocies. 
-  A  EetafXo  Puva  de  Aadrada,  ou  melhor,  na,  localidade  cm  que  cila 
■e  levantoo,  desde  o  1."  de  setembro  que  lá  tem  estado  sempre  um  eu- 
ropeu, e  como  alii  nos  deinoTorertioa  aiuda  até  aos  uieadoa  do  mez  pró- 
ximo, excederá  de  três  mezea  a  piirmauoncia  de  europeus  ali. 

Na  Eataçio  Coata  e  Silva,  já  lá  cata  o  ajudaute  desde  o  1.°  do  cor- 
rente e  decerto  ainda  sM  teremos  demoro,  u3o  obstante  serem  os  meus 
desejos  aetÍTar  a  partida  para  o  interior.  O  governo  poderia  aproveitar 
Aqaellft  EstaçSo  para  nlojiinicnto  de  uma  missão  europeaque  ahi  cootíe-  . 
gnisse  attrabir  o  commeroto  e  segurar  o  porto  do  Cnaugo,  no  ijne  ma  em- 
penharei, interessando  por  emqnanto  nesse  propósito  o  n^ociante  JeaA 
Vasconeellog,  a  quem  entrego  a  Estaçlo. 

Nas  primeiras  três  Estações,  tem  havido  pois  um  contacto  directo  de 
europeus  com  oa  povos  gentios  vizinhos  durante  três  mexes,  o  qne  exer- 
ceu uma  influencia  benéfica  entre  estea,  e  não  ha  exagero  quando  asse- 
vero que  de  facto  se  crearam  para  ellce  certas  necessidades  e  que  sa 
um  ou  outro  as  poderia  já  conhecer  pela  passagem  das  eipediçSes  de 
S.  Machado  e  da  allemã,  pois  é  provável  que  estas  espalhaasem  algumas 
faiendae,  é  certo  por6m  que  esse  derramamento  deveria  ser  em  escala 
muito  insignificante,  poía  aó  ae  poderia  dar  por  alguns  presentes  aos  po- 
tentados e  por  troca  de  algum  alimento  para  os  carregadores,  numa 
passagem  rápida. 

Repito,  este  povo  e  em  geral  o  gentio,  é  na  verdade  indolente;  mu 
mostrando-lhe  o  que  se  lhe  dá  cm  troca  de  seus  serviços,  nSo  os  tllu- 
díndo  ou  ludibriando  nos  pagamentos,  fazendo-lhes  ver  que  náo  ha  inte- 
resse em  enganá-los,  vero  prestar  os  serricos  que  se  pretendem,  em  troca 
do  que  ae  contrata. 

Citarei  um  exemplo  a  V.  Ei.*  Quatro  homens  de  Andala  Quingnan- 
gna,  que  tinham  trazida  para  aqui  cargas  por  três  vezes,  dias  depois  de 
ter  fechado  a  Estação  naquelle  ponto,  vieram  aqui  pedir  cargas  para  o 
Coango.  Receberam  o  pagamento  em  fazendas,  do  qual  apenaa  tiraram. 


DESCRIPÇlO  DÁ  VUGEM  4Õ1 

2  jardas  para  permutar  por  comida  no  caminho,  e  pediram  para  lhes 
guardar  o  resto.  Foram  commigo  ao  Cuango  e  voltaram. 

Como  d'aqui  continuassem  a  sair  cargas  para  o  Lui,  pediram  nova- 
mente para  fazerem  serviço  e  cá  deixaram  o  pagamento.  £m  voltando, 
três  ainda  voltarão  e  um  irá  a  Malanje  para  me  levar  dob  garrafSes  de 
aguardente  ao  Cuango  e  d^ahi  ha  de  trazer  a  nossa  correspondência 
para  Malanje.  Razão  tenho  eu  pois  para  acreditar,  que  bom  seria  que  esta 
aprendizagem  de  civilisaçSo  iniciada  aqui,  nSo  ficasse  nisto  por  falta 
de  quem  venha  residir  nas  Estações  e  as  aproveite  para  o  commercio. 

Nesta  data  escrevo  ao  negociante  Custodio  José  de  Sousa  Machado, 
em  Malanje,  para  mim  um  dos  homens  mais  sensatos  e  mais  dedicados 
que  ahi  conheço,  para  que  mande  estabelecer  nesta  Estaç&o  um  empre- 
gado de  sua  confiança,  tomando- a  assim  um  posto  intermédio  entre  a  sua 
casa  de  Malanje  e  a  filial  do  Cuango. 

Confio  no  patriotismo  de  Custodio  Machado,  emquanto  o  commercio 
não  vier  aqui,  pelo  menos  estabelecer  filiaes,  e  que  este  posto,  ha  de  con- 
correr, para  que  se  nSo  percam  os  trabalhos  da  Expedição,  e  evitar  que 
o  commercio,  que  tende  a  seguir  pelo  norte  para  a  costa  fuja  de  todo  de 
Malanje;  confio  também  que  o  encarregado  continuará  a  encaminhar 
estes  povos  no  serviço  de  transportes,  cuja  falta  se  tem  feito  sentir  nos 
últimos  annos  em  Malanje  e  concelhos  próximos;  finalmente  que  elle 
alargará  o  mercado  do  consumo  da  aguardente,  o  qual  particularmente 
digo  a  y.  Ex.*,  é  o  que  faz  mover  tudo  aqui,  o  que  será  uma  felicidade 
para  os  agricultores  de  Malanje,  que  por  falta  de  consumidores  em  pouco 
não  tardarão  em  ver  cheios  os  seus  armazéns  e  depreciada  a  mercadoria, 
pois  que  para  fornecer  a  costa  por  emquanto,  lá  estão  as  florescentes 
propriedades  de  Alto  Dande,  Cazengo  e  Cuanza,  com  outros  recursos 
de  transportes,  com  os  quaes  os  proprietários  e  productores  de  Malanje 
não  poderão  competir. 

O  que  deixo  exposto  não  se  refere  só  aos  povos  d'esta  localidade, 
mas  a  todos  os  limitrophes  do  transito  da  Expedição  até  aos  Haris.  Com 
os  do  Capenda-ca-Mulemba,  estou  convencido  que  pouco  tardará  que  a 
casa  Machado  em  Mona  Samba  Mahango,  não  tenha  influído  para  que 
se  dediquem  ao  serviço  de  carretos,  e  pelo  menos  para  pequenas  distan- 
cias, da  margem  do  Cuango  ao  local  da  Estação,  já  nós  o  alcançámos. 

E  todos  estes  povos  sabem  bem  distinguir-nos  dos  Allemães,  a  que 
chamam  inguerêzea.  Os  Allemães  passaram  sem  deixarem  sjmpathias,  an- 
tes ao  contrario,  alguns  potentados  queixam-se  d*elles  prometterem  muito 
e  faltarem;  de  acamparem  fora  das  povoações,  de  terem  os  seus  acam- 
pamentos sempre  rodeados  de  gente  armada  para  os  afastarem ;  nós  ao 
invez,  acceitámos  os  seus  cumprimentos,  aproveitámos  a  sua  hospitalidade 
emquanto  se  fabricam  as  casas  e  somos  bons  amigos  no  dizer  dos  indíge- 
nas; elles  são  soberbos,  inimigos,  má  gente,  não  são  filhos  de  Muene  Puto* 


452  EXPEDIÇÃO  PORTUCIUEZA  AO  MOATIÍNVUA 

De  feito,  o  nosBO  armamento,  por  ora,  tem  estado,  como  ee  áit,  na  ar- 
recadaçlo;  as  nossas  r(!la^'òea  com  ob  indígenas  são  os  melhores  possí- 
veis e  todoB  lamentam  quu  Muciie  Puto,  depois  da  nossa  eaida,  uto 
queira  mandar  mais  filhos  occupar  as  casos. 

Dizem  ellcs,  »6  agorn,  dejiois  de  vir  Muenc  Puto  é  que  os  nossos  filhos 
comem  alguma  carne,  toem  veatimoiitas,  missangas  e  pólvora,  cti:'. 

VenJo-nos  escrever,  fazer  observações,  colher  plantas,  raízes,  eto,,  c 
procurando  d'ellea  iiifonnaçues  sobre  as  suas  terras,  povos,  línguas,  ete., 
HiLbcV.  Eií.*  como  rematam?  Que  Mueuc  Puto  dcvta  para  cu  mandar 
brascoii  para  ensinar  os  açus  lilhos  a  fazerem  o  que  nos  fazemos,  para 
felicidade  de  suas  terras  !  Que  elles  bem  sabem  que  os  braneoa  tiram  dii 
terra  muita  consa  para  comer  e  vestir,  cmquauto  ellcs  so  sabem  tirar 
mandioca,  alguma  jinguba  e  pouco  mais,  e  essas  mesmis  tecm  de  ser 
plantadas  em  lavras  longe  das  povoações  porque  o  gado  da  labo  de  tudo. 

Quanto  poderiamoa  aproveitar  de  tão  boas  disposições  a  nosso  respeito ! 

Se  os  afazeres  nos  periníttein,  i  woitiitlia  quando  os  sobas  e  os 
seus  nos  procuram  para  conversar,  tratámos  do  esclarecê-los  sobre  diver- 
sas culturas,  dixcmos-lbe  como  se  evita  que  o  gado  prQJudique  as  plan- 
tações, qual  o  inconveniente  de  andar  o  gado  solto  nas  povoações,  etc. 

Declaro  a  V.  Ei."  que  deixo  com  saudade  a  Estaçito  Ferreira  do  Ama- 
ral, pois  chego  a  couTencer-me  (talvei  esta  boa  fé  leja  demuUda],  qne 
dentro  de  um  auno,  ea  teria  modificada  vantajosamente  o  modo  de  Tiver 
d'eBta  gente,  pelo  simples  &cto  de  lhe  crear  necessidades,  bcendo-Ihe 
conhecer  praticamente  os  resultados  de  mn  pouco  do  een  trabalho  devi- 
damente dirigido.  Demais  nos  temos  demorado  nestas  Estações,  mas 
queira  Deus,  que  outros  com  táo  boa  vontade  como  a  nossa,  se  nSo  de- 
morem em  prOBcguir  na  obra  encetada  com  tjo  boDS  auspícios. 

U  meu  eollega  Sizcnando  Marques  tem  aqui  alcançado  tuna  eollecçSo 
de  plantas  e  de  fructos,  alguns  dos  quaes  inteiramente  desconhecidos. 

Dois  d'esses  fructos  sSo  muito  agradáveis  pelo  seu  sueco  saboroso  e 
fozcm  lembrar  bem,  um  os  mclborcs  morangos  e  o  outro  as  boas  passas. 
Entre  as  raízes  encontra-se  uma  que  parece  o  nosso  salepo,  e  outra  que 
i  rica  em  álcool  e  amido.  Como  a  maior  parte  das  plantas  nSo  estSo 
lúnda  em  estado  de  se  guardarem,  scguirSo  das  margens  do  Luf,  com 
as  que  ahí  houver  que  offereçam  interesse. 

Por  ultimo,  ainda  uma  vez  afianço  a  V.  Ex.*,  que  temos  trabalhado, 
tanto  quanto  nossas  forças  e  saber  permittem,  quer  de  dia  quer  de  Tioite, 
e  com  a  tranquilidade  que  dá  a  consciência  do  dever  cumprido  espera- 
mos ir  correspondendo  á  confiança  com  que  V.  Ex.*  nos  honrou. 

Deus  guarde  a  V.  Ei.'.  Estação  Ferreira  do  Amaral,  15  de  novembro 
de  1884.-111.""  e  Ei."-  Sr.  Conselheiro  Ministro  e  Secretario  d'Estado 
dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultramar.  ^  O  chefe  da  ExpediçSo,  Henri- 
rique  Augiuta  Diae  dt  Carvalho. 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  453 

A  S.  Ex/  O  Governador  Geral  da  Província  de  Angola. 

Ill.*<*  e  Ex.^^»  Sr. —  Pela  communicaçâo  inclusa,  qae  respeitosamente 
rogo  a  V.  £x.*  se  digne  enviar  ao  Sr.  Conselheiro  Ministro  dos  Negócios 
da  Marinha  e  Ultramar,  terá  V.  Ex.*  conhecimento  de  que  passou  o 
Cuango  no  porto  de  Mulumbo  dos  Haris  em  31  de  outubro,  e  1.°  do  cor- 
rente a  primeira  parte  da  Expedição,  com  cento  e  cincoenta  cargas,  e  no 
sitio  de  Mona  Samba,  domínios  de  Capenda-ca-Mulemba,  se  está  con- 
struindo com  o  consentimento  d*e11a,  que  é  ahi  o  potentado,  a  nossa  nova 
Estação  Costa  e  Silva. 

A  esta  se  está  dando  maior  desenvolvimento  que  ás  anteriores,  e  isto 
porque  espero,  como  já  disse  a  V.  £x.*,  que  com  o  tempo  se  crie  ali  uma 
povoação  de  alguns  brancos  e  Ambaquistas  ou. que  o  commercio  ahi 
aíHua  e  haja  necessidade  de  mais  armazéns  e  garantias  de  força  por  causa 
dos  Bângalas. 

As  maiores  dimensões  que  tem  de  se  dar  á  casa,  é  trabalho  que  se 
traduz  numa  demora  de  mais  alguns  dias,  mas  a  Expedição  não  podendo 
estar  lá  toda  reunida  senão  depois  de  15  de  dezembro,  por  isso  que  tem 
de  proceder  ainda  a  algumas  observações  no  Luí,  não  haverá  nisso  pre- 
juízo. 

Pela  referida  communicação,  fica  V.  Ex.*  ao  facto  das  boas  relações 
que  temos  mantido  com  estes  povos,  como  se  me  afigura  que  ellas  podem 
ser  aproveitados  em  benefício  do  commercio  da  província  em  toda  a 
vasta  região  entre  o  Cuanza  e  Dande,  custando-me  bastante  deixar  esta 
Estação  sem  ter  a  certeza  de  que  alguém  a  vem  occupar. 

Neste  sentido  V.  Ex.*  verá  que  escrevi  ao  negociante  Machado,  pro- 
curando convencê-lo  das  vantagens  de  fazê-la  occupar  e  se  V.  Ex.*  pela 
sua  influencia  já  como  governador  geral  da  provinda,  já  pelas  muitas 
sjmpathias  que  felizmente  adquiriu  na  sua  viagem  ao  interior,  conse- 
guir que  esse  ou  qualquer  outro  negociante  de  facto  a  vá  occupar ;  creia 
V.  Ex.*  que  os  resultados  hão  de  ser  bons  como  asseguro  ao  Ex."°  Ministro. 

Eu  nas  minhas  considerações  a  S.  Ex.*,  podia  e  devia  talvez  ir  mais 
longe  e  provar-lhc  que  se  o  caminho  de  ferro  de  Ambaca  não  continua 
sendo  uma  illusão,  se  elle  de  facto  se  construe  o  promptamente,  a  occu- 
pação  de  todas,  mas  principalmente  doesta  e  da  Estação  Costa  e  Silva, 
será  de  uma  grande  importância  para  o  trafego  do  mesmo  caminho. 

V.  Ex.*  que  tanto  se  tem  empenhado  pela  realisação  doeste  grande 
emprchcndimcnto,  conhece  bem,  que  urge  se  faça  uma  estrada  carreteira, 
quando  não  possa  como  deve  ser  logo,  um  ramal  doesse  caminho  de  ferro 
a  Malanje  e  outro  d'ahi  ao  Cuango.  Num  e  noutro  as  dififerenças  de  al- 
titude na  extensão,  o  primeiro  de  60  a  6õ  kilometros,  o  no  segundo  de 
250  kilometros,  não  apresentam  grandes  difficuldades  em  remoções  de 
terras  e  obras  de  arte.  A  estrada,  pelo  menos  muito  contribuiria  para  o  au- 


454       EXPEDIÇXO  POETDGUEZA  AO  HUATIÂNVUA 

gmento  da  receita  dn  via  rápida  projcctadA,  e  em  geral  ao  desenvolvi- 
mento (Ih  província  e  quum  sabe  se,  di-lo-hão  os  nossos  beneméritos 
exploradorea  Capello  e  Ivens,  por  uuia  navegação  de  lanchas  a  vapor 
□o  Cuango,  do  Muliimbo  para  baixo,  se  estabeleceria  uma  boa  e  se- 
gura coininunkaçSo  cora  o  Alto-Zaire,  resolvendo-se  aasim  o  grande 
problema,  em  que  mais  de  uma  naçSo  se  empenba  por  achar  uma  boa  bo- 
laçSo  e  que  para  Portugal  se  tornaria  muito  facil,  porque  mellior  porto 
que  o  de  Loanda  nSo  me  parece  que  haja  outro  até  á  embocadura  do 

Desejaria  dar  maior  desenvolvimento  a  este  assumpto,  porem  prcci* 
sava  de  socego  de  espirito  c  nito  ter  que  me  occupar  de  tantos  c  tio  va- 
rladoB  afaíerea  como  aSo  aquellca  em  que  me  acho  envolvido  e  por  isso 
apenas  aponto  aV.  Ex.'  o  que  se  mo  a6gura  de  conveniência,  e  V.  Ei." 
por  certo,  se  lhe  merecer  algama  attençio  o  que  lembro  aproveitara  a 
indicação  em  favor  da  causa  que  tanto  e  melhor  do  que  ninguém  Y.  Ei.* 
tem  sabido  advogar,  jí  na  Sociedade  de  Gcographia  de  Lisboa,  já  na 
imprenso,  ji  como  governador  geral  da  provineia,  á  qual  mais  directa- 
mente e  de  prompto  esse  mellioramento  írA  beneficiar. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.*.  BiititçSo  Ferreira  do  Amaral,  15  de  novembro 
de  1884.—  II1."°  e  Ei.""  Sr.  Conselheiro  Governador  Geral  da  província 
de  Angola.  —  O  clicfe  da  Expedição,  Henrique  Augntto  Diaa  de   Car- 

Eram  taes  as  nossas  preoccupaçSes  nos  últimos  dias,  por 
deixarmos  a  Estação  Ferreira  do  Amaral  ao  abandono,  que 
ainda  A  ultima  hora  aproveitámos  a  occasiilo  de  fazer  uma 
communicaçilo  á  Sociedade  de  Gcographia  Commercial  do 
Porto,  e  tratando  de  vários  assumptos  que  julgámos  de  inte* 
resse  aos  fins  d'aquella  benemérita  instituiçSo,  dizíamos : 


Com  tio  pequeno  pessoal  c  sobrecarregado  como  estava,  talvez  fosse 
temeridade,  como  se  dizia  em  Malanje,  avançar;  mas  creadas  as  Esta- 
ções era  necessário  que  ncUas  houvesse  alguma  permanência  por  parte 
da  Expediçio  para  se  conhecer  de  sua  influencia  sobre  o  gentio  das  im- 
mediaçòes  e  do  caminho  percorrido  e  podcr-se  garantir  ao  commercio  a 
segurança  de  suas  mercadorias,  o  que  muito  me  foi  recommendado  pelo 
Governo,  e  se  assim  não  fosse,  inúteis  seriam  os  sacrificioH  e  trabalhos 
da  Expedição  no  que  respeita  á  sua  missSo  commercial. 

E  certo  que  consegui  dispor  as  cousas  de  modo  que,  sendo  nós  quatro 
europeus,  contando  com  o  empregado  subalterno  que  vcin  connosco  de 


DESCRIPÇÃO  DÁ  VUOEM  455 

Lisboa,  em  todas  as  três  Estações  estabelecidas,  tem  estado  sempre  nam 
período  mais  ou  menos  de  três  mezes,  am  de  nós.  Assim  na  primeira, 
24  de  Julho,  esteve  sempre  um  europeu  desde  20  de  julho  até  4  de  ou- 
tubro ;  nesta  o  mesmo  desde  15  de  agosto  até  agora ;  na  Estação  Paiva 
de  Andrada,  no  Luí,  esteve  o  ajudante  desde  o  l.<*  de  setembro  e  agora 
o  empregado,  e  para  lá  vamos  eu  e  meu  coUega  Marques ;  d^aqui  a  mea- 
dos de  dezembro  seguiremos  para  a  margem  direita  do  Cuango  onde 
e8t4  o  ajudante  desde  31  de  outubro  e  onde  toda  a  Expedição  terá  ainda 
demora.  * 

A  influencia  das  Estações  fez-se  logo  sentir  na  primeira  localidade, 
porque  se  em  principio,  e  mesmo  em  todas,  o  gentio  olhava  o  branco 
como  uma  curiosidade,  procurando  vê-lo  a  todos  os  momentos,  analy- 
sando-o  ou  estudando-o  nos  seus  mais  pequenos  movimisntos  e  se  d*elle 
fugia  quando  por  qualquer  circumstancia  este  ia  ao  seu  encontro,  a 
ponto  de  entrarem  para  as  cubatas  e  taparem  as  entradas  se  o  branco 
para  ellas  se  encaminhava;  dias  depois,  eram  elles  os  primeiros  a  sau- 
dá-lo e  trazerem-lhe,  segundo  as  suas  posses,  algum  presente,  que  sem- 
pre retribuíamos  bem. 

Pagos  estes  e  outros  serviços,  ainda  os  mais  insignificantes,  por  risca- 
dos, algodão,  missangas,  pólvora,  etc,  foi -lhes  isto  lembrando  umas 
certas  necessidades,  fazendo-lhes  nascer  umas  ambições  que  d*antes  nSo 
tinham. 

Assim,  por  exemplo,  como  já  disse,  só  por  causas  muito  extraordiná- 
rias se  mata  numa  doestas  povoações  um  boi,  um  porco,  ou  uma  cabra, 
mas  como  a  Expedição  tem  por  costume  quando  chega  a  qualquer  povoa- 
ção, mandar  logo  um  sígnal  de  amizade,  rrmmpo  (presente)  ao  soba,  este 
vem  agradecer  também,  trazendo  uma  vitella  ou  garrote,  se  tem  gado, 
maior,  quando  não  um  porco  ou  carneiro,  e  os  menos  abastados,  gallinhas, 
ovos  ou  qualquer  outra  cousa. 

O  nosso  pessoal,  para  ser  alimentado  já  não  é  pequeno,  e  por  isso, 
se  o  presente  não  for  uma  cabeça  de  gado  vaccum,  trata-se  logo  de 
procurar  quem  venda  uma,  o  que  em  principio  não  deixou  de  ter  diíBcal- 
dades. 

Eu  tenho  sido  feliz,  porque  nunca  deixei  de  arranjar  garrotes  e  mesmo 
bois,  emqnanto  outros  viajantes  já  não  dizem  o  mesmo,  pois  até  aqui,  al- 
guns que  teem  passado  pelas  povoações  em  que  temos  acampado,  só  que- 
riam comprar  por  baixo  preço  o  que  me  tem  custado  de  3^^000  a  7)^500 
réis,  segundo  a  grandeza  do  animal. 

Este  é  dividido  em  rações  para  dois  e  três  dias  e  com  uma  parte  d*es- 
tas  rações  obteem  os  nossos  das  mulheres,  o  amido  de  mandioca,  que 
feito  em  massa  na  agua  a  ferver  constitue  o  pão.  Esta  transacção  faz -se 
facilmente,  porque  estes  povos,  vivendo  miseravelmente,  apreciam  muito 
o  mais  insígniflcante  pedaço  de  carne  nas  suas  refeições. 


Tanto  ae  permutaçucs  pela  cama  como  pelas  miasangu  e  fasendas, 
approiimAram  os  povos  do  nosso  pessoal  e  d'ahi  as  boa«  relações  que 
mantiveram. 

As  Estações,  a  contar  de  Malanje,  tcem  sido  depósitos  de  cargas  e  a 
remoção  d'ella8  de  umas  para  outras,  tcm-se  realisado  sem  difficuMade  com 
os  poTOS  das  immediaçòeB,  porque  ob  pagiutientoa  b3o  feitos  com  lodo 
O  escrúpulo  e  de  modo  a  serem  por  ellee  observados  no  acto  de  toma- 
rem conta  das  cargas  que  se  Ibes  destinam. 

A  lisura,  que  a  Expedição^  embora  prejudicada,  tem  usado  o  conti- 
nnará  a  manter  nos  pagamentos,  tem-ltie  Bttrahido  sympathiaB  por  onde 
ella  transitou  e  por  isso  a  procura  do  carretos  por  toda  a  parte. 

E  devido  a  istfi  que  a  Expcdiclo,  apenas  com  quarenta  carregadores 
para  a  mussumba  do  MiiatiãuTiia,  conta  já  cento  e  cincoeota  cargas  além 
do  Cuaugo  e  cento  e  noventa  na  Kstaçíto  Paiva  de  Andrada. 

Os  povos  de  Arabango,  Anguvo  e  Anguangua,  vizinhos  dVsta  Esta- 
ção, já  aqui  vieram  pedir  cargas  para  o  Caango  e  como  os  d' aqui  e  de 
Andala  Quissúa,  tauibem  as  pediram,  para  contentar  a  todos,  tive  de  ra- 
tear as  cargas  na  conformidado  da  procura,  segundo  as  povoações. 

A  populaçio  que  por  aqui  vive,  apartada  da  civilisaçSo,  é  reAtmentc 
de  boa  Índole  e  de  fácil  educação,  mas  se  para  com  ella  se  proceder  de 
forma  irregular,  entSo  perdem-na  e  torna-se  como  a  gente  dos  arredores 
de  Malanje,  que  são  na  verdade  atrevidos  e  insolentes  e  procuram  en- 
ganar e  roubar  o  branco,  o  que  se  dove  atttibuir  Á  má  edueaçSo  que  tem 
recebido,  d'is  qii:  !i|ifTjas  pnieuram  interesses  sem  olhar  aos  meios,  e 
os  maltratam  e  espoliam,  enganando-os  até  nos  pagamentos  peloa  ser* 
tíçob  mais  árduos  que  lhes  exigem. 

Já  escrevi  a  Custodio  Machado,  que  apesar  de  ser  negociante,  se 
afiuta  muito  do  modo  por  que  se  está  procedendo  eom  o  gentio  e  mesmo 
com  indígenas  do  concelho  de  Malanje,  mostrando-lhe  a  eoavenieni»»  de 
mandar  para  aqui  um  sobrinho  ou  um  empregado  da  Bua  confiança,  coa- 
tinuar  nesta  obra  de  eivilisação  que  nós  encetámos:  crear  neceasidodes 
a  estes  povos  e  aproveitá-los  para  o  serviço  de  transportes. 

A  elle  já  e  a  outros  que  de  futuro  venham  a  estabelecer  filiaea  no 
Cuango,  maito  convém  a  segurança  d'este  logar,  como  ponto  intermédio 
entre  essas  e  as  suas  casas  em  Malanje,  não  só  para  lhes  proporcionar 
carregadores  de  que  carecem  para  diversos  pontos,  mas  também  como 
meio  de  attrahir  e  manter  o  pouco  commercio  que  vem  do  interior  por 
este  caminho,   commercio  que   os  AllemSes  procuram  chamar  para   o 

Mas  a  occupaçSo  d'estas  e  de  todas  as  nossas  Estações  at^  ao  Caango 
pelo  commercio,  também  ha  de  influir  no  florescimento  dos  propriedades 
agricolas  que  agora  principiam  a  ser  mais  alguma  cousa  do  qne  tenta-   - 
tivas.  Entre  estes  povos  é  pronunciadissímo  o  gosto  pela  aguardente  (ea 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  •         457 

tenho- a  dado  com  dois  terços  de  agua),  é  o  verdadeiro  passaporte  entre 
elles,  a  mola  real  que  os  põe  em  movimento. 

O  mercado  do  consumo  da  aguardente  de  Malanje,  sendo  só  para  o 
concelho  é  limitadíssimo,  porque  lá  estão  Cazengo  e  o  Alto  Dande,  flo- 
rescentes na  cultura  da  canna.  Sendo  necessário  alargar  o  mercado  com 
vantagens  para  as  propriedades  agrícolas  de  Malanje,  só  pode  fazer-se 
para  norte  e  leste,  e  de  certo  as  Estações  poderão  ser  os  depósitos 
d*onde  deve  irradiar  esta  mercadoria  e  outras  para  as  margens  do  Cuango 
e  pontos  intermédios. 

Dizem  os  humanitários  ser  a  aguardente  uma  bebida  nociva  aos  indí- 
genas africanos ;  porém  será  difficil  dizer  ao  agricultor  que  abandone  a 
sua  producçâo,  e  se  nós  a  nSo  aproveitarmos  para  despertar  a  actividade 
do  Africano,  outros  virão  aproveitá-la.  Haja  vista  o  que  tem  succedido 
com  as  genebras  e  outras  bebidas  alcoólicas  por  toda  a  parte  e  com  o 
Champagne  e  ópio  introduzidos  na  China  pelos  philanthropos. 

£u  tenho  um  grande  defeito,  procurando  ser  verdadeiro,  sou  muito 
franco  e  digo  tudo  quanto  sinto,  quando  se  trata  do  meu  paiz,  porque 
vejo  que  os  estrangeiros  nos  nâo  poupam,  attribuindo-nos  em  theoria  os 
males  da  causa  africana,  quande  elles  na  pratica  são  os  que  mais  abusam 
d^esses  males  em  prol  de  seus  interesses. 

O  systema  de  ataque,  principalmente  dos  Inglezes,  contra  nós,  .em 
todas  as  nossas  colónias,  nSo  nos  deve  illudir  por  mais  tempo,  procuram 
afastar-nos  da  concorrência  do  seu  commercio,  pela  sua  imprensa,  atri- 
buindo-nos  tudo  que  possa  imaginar-se  de  odioso,  e  sós  em  campo,  nSo 
teem  duvida  em  se  tornar  intermediários  do  nosso  commercio  e  dos  in- 
dígenas, seguindo  os  trilhos  que  lhes  abandonarmos,  os  mesmos  proces- 
sos e  até  aproveitando  os  productos  que  condemnaram,  porém  então  do 
seu  fabrico  e  ainda  mais  nocivos. 

Poi  vezes  tcem  censurado  ao  nosso  commercio  os  carregamentos  de 
pólvora  e  armas  que  elle  espalha  no  interior  do  Continente,  e  a  maior 
quantidade  de  pólvora  que  por  cá  se  vê  é  a  ingleza,  e  a  grande  quan- 
tidade de  armas  de  systema  moderno  que  se  encontram  não  entraram 
pelas  nossas  alfandegas. 

As  aguardentes  são  más,  porém  é  certo  que  as  pipas  de  álcool  que 
tanto  mal  lhe  estão  fazendo  na  concorrência,  são  de  proveniência  es- 
trangeira. 

£  para  esta  concorrência  que  está  prejudicando  altamente  a  agricul- 
tura da  província,  eu  não  posso  deixar  de  chamar  a  attenção  da  Socie- 
dade de  Geographia  Commercial  do  Porto,  pois  embora  seja  a  aguar- 
dente um  artigo  de  commercio  importante,  os  maiores  beneficios  são  para 
o  estrangeiro,  porque  cada  pipa  de  álcool  que  o  commercio  obtém  d*elle 
fá-la  equivaler  a  três  de  aguardente  do  agricultor,  quer  dizer  sendo  o 
custo  doesta  85i^000  réis,  aquella  attioge  o  preço  de  255^000  réis  o  que 

80 


458  EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂNVOA 

dá  uma  grande  margem  de  lucros  e  convida  a  mandar  procurar  mais  ál- 
cool no  estrangeiro,  emquanto  que  o  desenvolvimento  da  industria  da 
aguardente  affecta  favoravelmente  a  producçâo  de  outros  artigos  do  com- 
mercio  portuguez,  como  são  alambiques,  machinas,  rodas  hjdraulicas^  etc^ 
em  valores  importantes  que  teem  ido  para  Malanje  da  casa  Collares  &  C.', 
e  ainda  fazendas  e  artigos  de  commercio  com  que  os  agricultores  pagam 
ao  grande  pessoal  trabalhador  de  suas  fazendas. 

Emquanto  houver  facilidade  na  entrada  do  álcool  estrangeiro,  todas  as 
vantagens  de  lucro  da  aguardente  produzida  na  localidade  revertem  em 
favor  do  commercio,  porque  a  lucta  é  grande  na  concorrência. 

Uma  outra  ordem  de  considerações  influíram  em  mim  no  estabeled- 
mento  das  nossas  Estações,  de  que  não  trato  agora  para  me  nSo  tomar 
demasiado  extenso,  porque  o  meu  fim  é  apenas  mostrar  que  parto  d*aqui, 
sentindo  bastante  não  ter  a  certeza  que  alguém  virá  occupar  esta,  e  nas 
disposições  de  seguir  o  trilho  por  nós  encetado.  Se  ninguém  vier,  se  esta 
Estação  tem  de  ser  fechada  e  abandonada,  hoje  que  o  povo  se  alegra 
em  rodeá-la  e  prestar-lhe  serviços,  tomar-se-hão  infructiferos  e  mesmo 
baldados  os  sacrifícios  e  trabalhos  d*esta  Expedição. 


Confiámos  sempre  desde  a  organísação  da  nossa  ExpediçSo, 
no  estabelecimento  das  EstaçSes,  como  um  meio  proficuo,  nSo 
só  aos  diversos  fins  que  se  tinha  em  vista,  como  também  para 
a  regenerarão  dos  povos  convizinhos,  sempre  que  ellas  fossem 
dotadas  de  um  pessoal  á  altura  de  coniprehender  a  sua  missão. 
Podíamos  nós  pela  nossa  parte  estabelecê-las,  e  emquanto  nel- 
las  nos  demorássemos,  iniciar  por  assim  dizer  os  trabalhos, 
preparar  o  caminho  para  o  pessoal  que  as  devia  occupar,  e  não 
podendo  ir  mais  além,  recorríamos  aos  poderes  competentes 
e  até  aos  particulares,  para  que  nâo  fossem  inúteis  os  exfor- 
ços  empregados. 

E  na  esperança  que  pelo  menos  o  negociante  C.  Machado 
nos  ouvisse,  partimos,  assegurando  áquellcs  povos  que  em  breve 
viria  negocio  para  a  Estação,  se  elles  não  consentissem  que  a 
casa  se  deteriorasse. 

E  não  foram  vãs  essas  esperanças. 


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DESCRIPÇZO  DA  TUOEU 


MAECHA  DA  SEGUNDA  SECÇÃO  PASA  A  ESTAÇÃO 
PAIVA  DE  ANDRADA 


Logo  que  passámos  o  rio 
Luhauda,  fomos  fustigados  por 
grande  chuva  e  trovoada  que 
nílo  mais  nos  deixou  até  &  po- 
voação de  Mulolo  Quinhãngua. 
A  ultima  comitiva  de  cargas 
que  haviainoB  despachado  com 
o  interprete,  cozinheiro,  baga- 
geiros e  contractados  que  nos 
acompanharam,  logo  que  a  chu- 
va começou,  recolhera-se  a  uma 
povoaçito  á  entrada  da  savana 
depois  do  rio,  sem  que  nós  des- 
-  semos  por  isso. 

Enun  cinco  horas  quando 
chegámos  e  até  ás  sete  nos 
eivemos  enchugando  a  uma 
nj^eira,  que  o  bom  de  Mulolo 

nos  havia  feito  preparar,  junto  da  cubata  que  puzera  á  nossa 

disposição,  para  ali  pernoitarmos. 


460  EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  HUATIÍNVUA 

Dera-nos  elle  um  bom  porco,  que  os  carregadores  das  redes 
trataram  de  matar,  preparar  e  dividir,  ficando  nós  com  luna 
parte,  porém  faltava-nos  o  melhor,  o  cozinheiro  e  todos  os 
aprestos  indispensáveis,  louças,  talheres,  temperos,  e  ainda  gé- 
neros de  rancho  que  ficaram  atrás. 

Alguém  pensou  que  precisaríamos  de  comer  e  de  umas  pe- 
quenas malas  que  sempre  nos  acompanhavam,  e  ás  sete  horas 
o  cozinheiro  e  bagageiros  appareceram-nos.  Posto  que  tarde, 
pudemos-nos  remediar,  supprindo  a  falta  de  talheres  com  os 
dedos,  contentando-nos  com  pratos  do  chefe  da  povoação,  mas 
como  nâo  faltasse  bolacha  e  vinho,  que  com  a  carne  de  porco 
passada  no  fogo,  compoz  o  nosso  jantar,  pouco  depois  dor- 
miamos  sobre  as  tarimbas  da  cubata,  e  tão  bom  somno  foi  que 
só  despertámos  de  madrugada. 

Apparecendo  o  soba  a  cumprimentar-nos,  demos-lhe  um 
pouco  de  cognac  do  nosso  cantil,  uma  peça  de  chita,  outra  de 
riscado  e  um  bilhete  para  que  o  nosso  interprete  quando  pas- 
sasse, lhe  entregasse  duas  garrafas  de  aguardente,  com  o  que 
elle  ficou  muito  satisfeito. 

As  sete  horas  e  meia  da  manhã  estávamos  a  caminho  e  só 
descansámos  ás  dez  e  meia,  á  sombra  de  uma  arvore  num  des- 
campado fronteiro  ás  ruínas  do  acampanjento  dos  allemâes,  de 
que  falíamos  na  nossa  primeira  viagem,  e  próximo  de  um  ria- 
cho. Ahi  almoçámos. 

Como  nao  apparecessem  os  homens  que  haviam  ficado  para 
trás,  á  imia  hora  da  tarde  continuámos  a  viagem  e  ás  quatro 
chegámos  á  povoação  do  sobeta  Anguangua. 

Esperámos  ahi  um  quarto  de  hora,  e  como  já  nlo  appare- 
cessem os  que  nos  acompanharam  até  ao  almoço  e  faltassem 
apenas  12  kiiometros  para  chegarmos  á  Estação,  pareceu-nos 
mais  acertado  proseguir,  completando  a  jornada  d^uma  vez,  e 
lá  onde  nâo  nos  faltariam  recursos,  mandaríamos  arranjar  uma 
refeição  mais  reparadora  e  camas  de  campanha  onde  dormís- 
semos com  mais  commodidade. 

Mal  podiamos  suppor,  vinte  dias  antes  quando  aqui  passá- 
ramos, que  encontraríamos  dois  riachos  que  os  nossos  homens 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  461 

mais  altos  atravessaram  com  agua  pelos  hombros.  Tivemos  de 
sair  das  redes  e  de  ser  transportados  aos  hombros  de  dois  car- 
regadores. 

Eram  os  effeitos  da  chuva;  o  que  entSo  tomáramos  por  um 
vallado,  transformara- se  num  affluente  do  Lui. 

Como  já  fizesse  escuro,  e  menos  cuidadosos  por  duas  yezes 
nos  molhássemos^  occorreu-nos  que  durante  o  dia,  a  perna 
direita  soflfrêra  de  nevralgia  rheumatismal. 

Paciência^  diziamos  nós,  é  avançar  e  depois  trataremos  da 
cura. 

Ainda  depois  doestes  dois  riachos,  encontrámos  «um  terceiro, 
e  a  passagem  de  todos  elles  demorou-nos  a  viagem,  a  ponto 
de  só  chegarmos  ás  sete  horas  e  meia  da  tarde  e  já  escuro  bas- 
tante á  nossa  EstaçSo. 

Emquanto  o  cozinheiro  Marcolino  matava  uma  gallinha  e 
nos  preparava  uma  excellente  canja  com  todos  os  temperos 
segundo  elle  disse,  tratámos  de  esfregar  as  pernas  com  aguar- 
dente, e  de  vestir  roupa  enxuta. 

A  canja  addicionou-se  um  bom  bife,  bolacha,  bananas  e  vi- 
nho. Que  mais  podíamos  desejar? 

A  esta  interrogação  que  a  nós  mesmo  faziamos,  encarrega- 
ra-se  de  responder  o  Marcolino,  com  uma  fragrante  chávena  de 
café. 

Lançámos  no  diário  os  nossos  apontamentos  de  viagem,  e 
deitámo-nos  numa  das  camas  que  havia  em  armazém,  devi- 
damente preparada  pelo  empregado  europeu ;  acordando  só  no 
outro  dia,  muito  admirados  de  não  termos  tido  uma  febre  va- 
lente e  de  não  só  não  sentirmos  dores  nas  pernas,  como  ainda 
de  poder  mover  muito  bem  uma  e  outra. 

Tendo  de  nos  demorar  aqui  algum  tempo  para  contractar  os 
carregadores  que  nos  eram  indispensáveis  para  o  Cuango  e  os 
que  fosse  possível  arranjar  para  a  Lunda,  e  não  havendo  con- 
fiança no  tempo  nem  tão  pouco  nos  povos  que  vivem  na  mar- 
gem direita  do  Lui,  pois  não  estavam  satisfeitos  por  a  Estação 
se  estabelecer  neste  logar,  cumpria-nos  aproveitar  a  demora, 
para  dispormos  os  ânimos  dos  descontentes  a  nosso  favor,  evi- 


462 


EXPEDIÇZO  POETDQOEZl  AO  MUATIÂKVDA 


tando  que  se  levuitassem  difficuldades  na  nossa  passagem  e  no 
emtanto  providenciar,  para  que  i^o  faltassem  mantimentos 
para  o  pessoal  que  nos  acompanhara. 

Era  preciso  ainda  tirar  proveito  d' esta  forçada  demora,  au- 
gmentando  os  nossos  estudos  do  que  houvesse  mais  aprovei* 
tavel  com  respeito  a  todos  estes  povos  e  localidades,  para  a 
BCÍencia,  para  o  commercio  e  para  a  administração  provincial. 
Não  tínhamos  aqni  um  es- 
teio forte,  como  o  velho  Jaga 
Andala  Quissúa,  a  quem  to- 
dos os  povos  das  immedia- 
ç3es  da  EstaçSo  Ferreira 
do  Amaral  obedeciam,  e 
apoiados  ao  qual  adquiri- 
mos o  prestigio  necessário 
para  a  influencia  que  che- 
gamos  a  exercer  sobre  to- 
dos os  pequenos  chefes  seus 
subordinados. 

Ambango,  chefe  da  po- 
voação   próxima,    que    se 
fizera  acreditar  á  nossa  pri- 
loeíra  secção,  como  o  prin- 
y  •í.,.frt\  cipal  potentado  e  senhor  das 

uuLom  ouiíiiiíotx  terras,  entre  todos  estes  po- 

vos, já  nós  conhecíamos 
pela  nossa  viagem  o  que  valia  em  confronto  com  Anguvo  sito 
a  2  kiloraetros  de  distancia,  e  a  pouca  importância  que  lhe 
ligavam  mesmo  aquellcs  que  ellc  nos  apresentara  como  seus 
sobetas  áqiiem  do  Lui. 

Além  d'Íeto,  informando-nos  elle  e  os  seus,  que  solicitara 
se  construísse  a  nossa  residência  perto  da  sua  senzalla,  por 
serem  muito  ladrões  os  povos  da  margem  direita  do  Luí, 
quando  se  pensava  cm  montar  a  Estação  cm  Qiiibuta  Mena, 
este  facto  nào  só  nos  fez  crer  que  não  vivia  em  boas  rciaçSes 
com  elles,  mas  ainda  que  os  temia. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAOEU 


463 


Não  ba,  pois  nestea  sítios  um  chE^fe,  dizíamos  niJs;  cada 
pcquBDtt  povoação  tom  o  seu,  vivendo  em  rivalidades  uns  com 
os  outros  quando  se  trata  du  questiles  eutre  si,  mas  que  se  li- 
gam, tratando-se  porém  como  estranhos,  sobretudo  se  ba  a  es- 
poliar alfjuna  negociadores  que  por  aqui  passem. 

Assim  discorríamos  ao  alvorecer  do  primeiro  dia  nesta  Esta- 
ção, depois  da  íncommoda  viagem  que  tinbamos  feito,  quando 
um  tiroteio  de  fuzilaria  nos 
obrigou  a  indagar  o  que  o 
motivara, 

Tratava-se  de  um  óbito 
na  povoaçSo  do  Ambango, 
ao  qual  também  concorriam, 
além  de  nós,  os  filhos  de  Au- 
guvo,  Matamba  e  outros  ao- 
betâs. 

Apresentava-se-nos,  pois, 
um  ensejo  para  principiar  a 
proceder  com  a  necessária 
diplomacia  de  modo  a  des- 
embara^yir-nos  do  melhor 
modo  posei vel  do  labyrintbo 
de  senhorios  em  que  caí- 
ramos. 

E  da  praxe,  sempre  que 
iniLHu  !>■  Biatk  (JA.ÍÍ1I  Bo   chora  um  óbito,  contri- 

buirem  os  parentes  e  ami- 
gos para  as  cercmoniaa,  segundo  aa  auas  posses,  inclusívèj 
quando  mais  não  tenham,  vão  com  a  sua  espiugarda  carregada 
com  uma  pouca  de  pólvora  e  aroía  ao  logar  da  ceremoniu,  e 
depois  de  permanecerem  algum  tempo  junto  dos  que  choram 
e  de  verem  que  se  conlieceu  a  sua  presença  ahi,  ao  levantar, 
descarregarem  a  espingarda  para  o  lado. 

Se  algum  negociante  ou  negociantes,  de  passagem,  acampa- 
ram próximo,  é  certo  pedir-ae-lhes  que  contribuam  para  as  ce- 
remonias.  O  que  mais  se  aprecia  é  a  pólvora,  e  por  isso  para 


%í 


464  BZFEDIÇZO  P0BTUGUK2A  AO  MnÁTEiSYUA 

evitarmos  o  pedido,  mandámos  distribuir  pelos  sobas 
uma  porçlo  de  pólvora  e  aguardente. 

Como  era  de  esperar,  véiu  logo  o  Ambango  acompanhado 
dos  principaes,  agradecer  a  lembrança  de  Muene  Puto,  a  quem 
nXo  tinham  ainda  vindo  cumprimentar,  suppondo  que  estivesse 
recolhido. 

— Muene  Puto  é  um  bom  amigo,  lhes  dissemos,  mas  agora  é 
preciso  vossemecês  corresponderem  á  sua  amizade.  Todos  toem 
gados  e  creaçSes,  e  nós  comprámos.  Sabem  que  nós  chegá- 
mos hontem  e  temos  necessidade  de  coiher ;  fiiça  pois  o  Ambango 
prevenir  todos  os  sobas  que  carecemos  de  mantimentos. 

Pouco  depois,  mandava  Cáhia  uma  vacca,  o  Anguvo  um 
garrote,  a  mulher  do  Cáhia  veiu  com  as  suas  raparigas  tracer- 
nos  fubá  e  bombos;  e  já  perto  da  noite  partidpou-nos  Ambango 
que  08  seus  filhos  tinham  ido  á  outra  banda  do  Lui  para  tra- 
zer uma  vacca  da  sua  manada,  porém  que  esta  fugira  para  o 
mato  e  por  isso  nos  pedia  para  a  acceitarmos  morta,  de  ma- 
drugada, porque  era  o  único  meio  de  nos  poder  presentear  já. 
Acceitámos  de  boamente,  poupando  assim  as  rezes  que  tínha- 
mos no  curral. 

Com  as  nossas  cargas  que  chegaram,  vieram  também  carre- 
gadores de  Andala  Qiiissúa,  e  aproveitando  a  presença  doestes 
e  dos  filhos  de  Anguvo,  obtivemos  algumas  informações  que 
nos  illueidaram  sobre  o  labyrintho  a  que  já  nos  referimos. 

O  monte  Ambango  divide  as  terras  de  Cassanje,  de  Andala 
Quissúa  e  as  do  sitio  em  que  estamos,  conhecido  por  Camávu 
e  a  que  alguns  chamam  do  Ambango.  As  terras  do  Ambango, 
começam  no  Mulolo  Quinhângua,  onde  pernoitámos,  que  dizem 
ser  filho  de  Calandula,  e  que  para  ali  veiu,  sujeitando-so  a 
Andala  Quissúa,  e  o  seu  senhorio  estende-se  pela  margem  es- 
querda do  Luí  até  ao  sitio  do  Anguvo. 

As  terras  doeste,  estendem-se  até  Mona  Mussengue,  no 
Cuango,  conhecidas  por  terras  dos  Holos,  emquanto  estas,  as 
do  Ambango,  sSo  conhecidas  pelas  dos  Bombos  ou  Cobos. 

A  leste  da  nossa  EstaçSlo,  na  margem  direita  do  Lui,  sSo 
as  terras  de  Cambolo  Cambamba  que  já  pertence  aos  longos, 


DESCBIPÇlO  DA  VIÀOEM  465 


e  limitam  com  terras  de  Cassanje;  pelo  sueste;  seguem  até  ás 
alturas  de  MussanganO;  onde  passámos  em  viagem  para  o  Cuan- 
go,  confinando  ellas  com  os  Cobos  entre  Luí  e  Cuango  e  vSo 
unir-se  com  as  dos  Haris  que  começam  na  altura  de  12  kilo- 
metros  pouco  mais  ou  menos  a  sul  do  porto  de  MulumbO;  onde 
embarcámos  no  Cuango,  e  continuando  com  este  rio,  vSo  ter- 
minar ao  sul  nos  limites  de  Muene  Puto  Cassongo  e  para  o 
interior  a  oeste  com  os  lacas. 

Em  Mussangano  reside  o  sobeta  Matamba,  e  tanto  este  como 
o  seu  vizinho  Angiivo,  no  caminho  pouco  antes  do  Cuango,  e 
outros  para  oeste,  dizem-se  súbditos  de  Muene  Canje,  que  é 
Holo.  Os  rapazes  de  Andala  Quissúa,  dizem  serem  estas  terras 
de  Camávu,  de  que  Ambango  se  diz  senhor,  pertencentes  todas 
ao  jagado  de  seu  pae,  porque  os  limites  pelo  oeste  e  norte  são 
o  Lui  até  aos  Holos ;  que  o  Ambango  é  sobrinho  de  um  Cahun- 
da,  que  fugira  das  suas  terras,  e  com  o  consentimento  do  jaga 
Quissúa  se  estabeleceu  mais  a  oeste  doeste  logar,  encostado  á 
serra. 

Morrendo  aquelle  e  grande  parte  da  populaçSo,  viera  entSo 
Ambango  com  os  que  escaparam  formar  esta  nova  senzalla, 
como  herdeiro  de  tio  e  não  pagara  ainda  tributos  ao  jaga.  En- 
carregados elles  de  lhe  fallarem  nisso,  desculpára-se  por  ser 
ainda  um  soba  novo,  mas  logo  que  tivesse  um  bom  presente 
disse  que  iria  cumprimentar  o  jaga,  como  era  do  seu  dever, 
mesmo  porque  o  Anguvo  seu  vizinho,  se  queria  apresentar 
como  mais  considerado  do  que  elle,  quando  era  certo  que  elle 
Ambango  representava  seu  tio,  a  quem  Andala  Quissúa  dera 
estas  terras  e  que  o  Anguvo  aqui  veiu  collocar-se  depois,  sem 
consentimento  do  jaga. 

Como  o  monte  Ambango  é  considerado  limite  de  senhorios, 
com  o  omnimetro  tratámos  de  o  demarcar  e  conhecer  a  sua 
maior  altura  em  relação  á  altitude  doesta  Estação. 

Procurámos  uma  base  extensa  e  o  mais  desaffrontada  possí- 
vel, tendo  já  para  confronto  a  nossa  Estação  Ferreira  do  Ama- 
ral, a  estima  do  itinerário  d'aquella  para  esta  e  as  coordenadas 
doesta. 


EXPEDIÇZO  FOBTDODEZA  AO  KUATIÂNTDÂ 


Feio  Bystema  de  iiradiaçSes  qae  adoptámos,  reaolnçSo  de 
triangnloB  e  trabalhos  graphicoB,  ficou  o  monte  Ambango  de- 
marcado de  maneira  que  contraprovando  por  elle  as  coorde- 
nadas d' esta  EstaçSo  temos  as  seguintes  differenças:  Na  lon- 
gitude meQOB  3"  e  na  latitude  mais  6",  do  que  as  obtidas  pelas 
observaçtles  astronómicas  que  foram,  latitude  S.  do  Equador 
8"  37'  48",  longitude  E.  de  Greenwich  17"  6'  36". 

A  altitude  da  EstaçSo  é 
de  701  metros  acima  do 
nivel  do  mar. 

Para  o  ponto  mais  ele- 
vado do  monte  Ambango 
deu-nos  o  omnimetro  mais 
151  metros,  isto  é  852  me- 
tros, mais  20  metros  que  a 
altitude  em  que  ficou  a  Es- 
tação Ferreira  do  Amaral. 
E  na  verdade  o  omni- 
metro, um  bom  instrumen- 
to, pois  por  uma  simples 
scmelhanva  de  triângulos 
rectângulos  nos  dá  as  dis- 
tancias e  alturas  que  dese- 
jâraoa  conhecer  sem  ser  ne- 
soMT*  lUTiuu  cessario  medi-las,  mas  é  de 

grande  inço  mm  o  do  o  seu 
transporte  e  por  emqtianto,  como  instrumento  de  viagem  para 
o  interior  do  Continente,  nSo  seremos  nós  a  aconselhar  a  sua 
adopção. 

Ao  nosso  reclame,  iam  apparecendo  os  sobas  com  gado  e 
mantimentos,  segundo  suas  posses,  para  presentes  ou  para 
venda,  o  tendo  nóa  de  lhe  corresponder,  entendemos  que  visi- 
tando-os  nas  au.is  residências  lhes  seria  mais  agradável,  inte- 
resaando-nos  era  conhecer  as  suaa  povoíiç5es  e  o  seu  modo 
de  vida  e  hábil  itando-nos  a  poder  figurá-las  devidamente  nos 
nossos  mappas  e  estudos. 


DESCSIPÇZO  DÁ  TIAGEM 


467 


Aseim  quando  08  nosBoa  afazeres  bob  permittiam  algumaa 
folgas,  aprove  itáni  o -las,  fazendo  as  nossas  excursSes  e  visitas. 

Tanto  as  povoaçSes  do  Anguvo  como  do  Cáhia,  são  de  muito 
maior  importância  que  a  do  Ambango,  e  ocham-se  situadas  em 
logares  muito  mais  aprazíveis.  As  hf.bitaçSes  foram  construidas 
com  o  pensamento  de  permanência  e  por  isso  se  conhece  serem 
mais  solidas  e  bem  acabadas  que  as  d'este,  que  parecem  aer 
provisórias,  mais  um  d'es- 
ses  acampamentos  de  via- 
gem que  pelo  transito  temos 
encontrado,  do  que  uma 
senzalla. 

As  habitações  são  sepa- 
radas uma  das  outras  por 
canteiros  cultivados  com 
aquillo  que  o  morador  en- 
tende mais  essencial  ter  ao 
pé  de  si.  Em  alguns  vimos 
limoeiros,  mamoeiros,  ba- 
naneiras e  também  nos  do 
Anguvo,  ãguram  o  pau  de 
sabSo  e  o  Ocá,  que  conhe- 
cemos na  ilha  de  S.  Thomé ; 
o  tabaco,  as  pimentinhas, 
cebolas,  tomates  e   outras 

plantas  rasteiras  como  jinguba,  vimo-las  representadas  numa 
e  noutra  povoaçSo. 

As  lavras  estendem-se  além  das  povoaçSes  até  ás  margens 
do  Luf. 

Estas  povoaçíies  denotam  uma  certa  antiguidade  e  vê-se 
que  preside  nellas  uma  certa  ordem  no  corte  das  grandes  ar- 
vores, cuja  lenha  se  aproveita  para  os  brazeiros  durante  a 
noite  e  para  cozinhar. 

Pelo  lado  social,  não  escapa  ao  observador  o  respeito  pelo 
potentado  e  o  modo  lhano  como  este  trata  o  seu  povo.  NSo  se 
nota  que  entre  elles  haja  disttncçSes  de  classes,  a  não  ser  a 


468  EXPEDIÇlO  POBTUOUEZA  AO  MUATIÂNVOA 

de  povo  e  chefe,  pelo  respeito  com  que  este  é  ouvido  e  o  ce- 
remonial  de  que  o  rodeiam  quando  se  trata  de  negócios  de 
administraç?lo. 

Fora  d^isto,  e  como  as  povoaçSes  s3o  pequenas,  parece  que 
todos  constituem  uma  única  familia. 

O  soba,  quando  esmaga  tabaco  para  fumar,  distribue  pelos 
que  o  rodeiam  o  que  lhe  veiu  á  mão,  até  ficar  só  com  a  parte 
que  lhe  basta  e  que  lança  no  seu  cachimbo.  Succede  algumas 
vezes  deixar  de  ser  contemplada  uma  pessoa  em  quem  n&o 
reparara  e  conhecendo  a  falta,  se  tem  ainda  algum  na  bolsa, 
lá  tira  um  pequeno  pedacito  ou  manda  pedir  que  lh'o  tragam 
da  cubata  para  o  dar.  O  mesmo  succede  com  qualquer  comida 
ou  bebida  que  lhe  tragam  deante  de  circumstantes. 

Reservar  qualquer  doestas  cousas  que  receba,  só  para  seu 
uso,  quando  sejam  vistas  por  alguém,  não  é  costume  entre  es- 
tes povos,  principalmente  dos  mais  idosos  para  os  mais  novos, 
e  embora  tudo  desappareça  num  momento,  reparte-se  até  onde 
possa  chegar. 

Interrogando  Anguvo,  se  era  filho  doestas  terras,  disse-nos 
que  viera  de  Mona  Congelo,  margem  do  Quicapa,  porque  não 
quizera  sujeitar- se  ás  imposições  do  Muatiílnvua  nem  de  An- 
dumbo  de  Têmbue,  e  passando  o  Cuango  aqui  se  estabelecera 
em  boa  harmonia  com  o  seu  vizinho  Muene  Canje. 

O  Cáhia,  a  quem  fizemos  a  mesma  pergunta  disse-nos  que 
sua  mae  era  do  Holo  e  o  pae  do  longo;  que  este  trabalhara 
muito  no  negocio  do  sal  e  conseguira  estabelecer  a  sua  povoa- 
ção na  margem  direita  do  Luí.  Morrendo  o  pae,  elle  herdara 
o  estado  e  viera  para  ali  com  o  seu  povo,  mas  já  encontrara  lá 
o  tio  do  Ambango,  senhor  de  Camávu,  e  por  isso  este,  tendo 
herdado  de  seu  tio,  queria  ser  mais  do  que  elle,  mas  não  tinha 
posses  nem  povo  para  isso. 

Tanto  numa  como  noutra  povoação  havia  muitas  creanças, 
mas  notei  que  são  enfermiças  e  débeis.  Informaram-nos  tam- 
bém ser  aqui  grande  o  contingente  da  mortalidade  nas  crean- 
ças, e  a  julgar  pelas  mães  que  são  umas  perfeitas  múmias,  as 
populações  não  tendem  a  desenvolver-se  e  certamente  a  causa 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  469 

aqui  é  agravada  como  já  notámos  em  Cafúxí  pelas  influencias 
dos  pântanos,  pois  pode  dizer-se  ser  tudo  isto  o  mesmo  d'aqui 
até  ao  Cuango. 

As  manadas  que  vimos  não  estão  em  proporção  com  a  gran- 
deza das  povoações,  e  parece  que  os  sobas  e  sobetas,  sendo  na 
maioria  antigos  nas  terras,  deviam  pelos  seus  cuidados  contri*^ 
buir  para  que  ellas  estivessem  mais  desenvolvidas. 

Achando-se  disseminadas  estas  povoações  a  grande  distan- 
cia umas  das  outras  na  vasta  região  como  é  a  da  Cafúxi,  que 
atravessámos  até  ao  Cuango,  e  sendo  pouco  populosas,  occor- 
reu-nos,  se  de  facto  o  nefasto  trafico,  que  por  muitos  annos 
se  sustentou  na  província  de  Angola,  e  também  a  miséria  em 
que  estes  povos  depois  teem  vivido,  teriam  concorrido  de  al- 
gum modo  para  a  depauperação  em  que  as  vemos,  parecendo 
todas  populações  que  aqui  se  estabeleceram  ha  pouco  tempo 
e  que  estão  lactando  sem  vantagem  contra  as  influencias  mór- 
bidas da  localidade. 

Muito  satisfeitos  com  a  nossa  visita,  retirámo-nos,  assegu- 
rando-nos  tanto  Anguvo  como  Cáhia  e  os  seus,  á  despedida, 
que  podiamos  contar  com  carregadores  para  levarem  as  nossas 
cargas  para  o  Cuango  e  também  para  a  Lunda. 

Ainda  fizemos  outras  visitas  aos  sobas  Caputo,  Anguângua 
e  Canzella,  e  mantivemos  relações  com  Quijica,  Quibando, 
Cuâso-uá-Meínha,  Matamba,  Méssu-uá-Catala,  e  não  as  quizemos 
entabolar  com  Canguia  e  Catuta,  que  nos  procuraram,  para 
fazermos  sentir  a  todos  que  elles  se  haviam  portado  mal  com- 
nosco;  o  primeiro,  querendo  prender  umas  cabras  que  nos  per- 
tenciam, para  lhes  pagarmos  resgate,  e  o  outro,  por  nos  apre- 
sentar seis  ovos,  exigindo  nos  que  lhe  déssemos  uma  vestimenta 
igual  ás  que  tinham  recebido  outros  sobas  que  nos  obsequiavam 
de  vez  em  quando  com  uma  cabeça  de  gado. 

Depois  de  melhor  informados  escreviamos  no  nosso  diário : 

«Pelo  que  temos  observado  até  ao  Cuango,  todas  estas  ter- 
ras e  povoações,  como  as  encontrámos,  nada  valem;  é  possí- 
vel, passados  alguns  annos,  trabalhando-se  constantemente,  que 
se  pudesse  fazer  alguma  cousa  em  beneficio  d'ellas  e  obter 


470  £XPEDIÇ!0  POBTUOUEZA  AO  HUATllNVnÁ 

resultados  satísfactorios,  mas  para  isto  seriam  precisos  exfor- 
ços  combinados  do  governo  e  de  iniciativa  particular.  Ha 
muito  a  desbravar,  e  muito  a  modiâcar  o  que  é  bem  peor,  e 
isto  só  se  consegue  sustentando  missSes  de  educaçSo  e  de  tra- 
balho, ao  mesmo  tempo  que  troços  de  vias  férreas  cortem  este 
território.  ^ 

Os  povos  estSo  na  primitiva  e  parece  que  o  único  progresso 
entre  elles,  consiste  nas  plantações  de  mandioca,  de  milho  e 
de  tabaco  e  na  creaçâo  de  gados;  mas  antes  da  mandioca  qual 
seria  a  base  da  sua  alimentação? 

NSo  ha  uma  pequena  cousa,  por  mais  insignificante,  que  nos 
indique  antiguidade  neste  povo.  Serão  todos  elles  extranhos 
á  regiSo? 

As  terras  estão  virgens  na  sua  maior  parte,  e  as  aguas  cor- 
rem naturalmente  ou  estagnam  quando  por  seu  pé  não  podem 
achar  escoamento. 

Se  as  arvores  não  se  apresentam  de  secular  aspecto,  não  é 
pelo  desbaste  que  tenham  soffrido,  e  sim  pelas  queimadas  que 
se  fazem  ao  capim  no  tempo  sêcco,  que  as  ataca  e  não  as  deixa 
medrar,  com  o  duplo  fim  de  terem  caminhos  e  caça,  rareando 
esta  já  por  aqui,  tal  tem  sido  a  sua  perseguição. 

As  povoações  mudam-se  com  muita  facilidade,  até  sob  o  pre- 
texto da  morte  do  seu  chefe,  e  com  ellas  vão  os  nomes  que 
tinham.  E  d 'aqui  provem  as  divergências  que  se  notam  nas 
informações  que  prestam  os  exploradores,  ás  vezes  sobre  a 
mesma  localidade  e  seus  habitantes  diversos,  acrescendo  va- 
riarem ainda  essas  informações  com  o  tempo,  pelos  individues 
que  lh'as  prestam,  e  ainda  com  os  interpretes  que  interrogam. 

O  gentio  nada  ignora,  responde  a  tudo  de  prompto,  e  se  es- 
tiver só,  é  arriscado,  muitas  vezes,  acceitar  a  informação  que 
nos  presta.  Succede  mesmo,  entre  um  grupo  que  se  interroga, 
irem  recordando  uns  aos  outros  um  certo  numero  de  circum- 
stancias,  até  que  se  chega  a  um  convénio  sobre  a  resposta 
que  deve  correr  por  verdadeira,  e  todavia  muitas  vezes,  é 
esta  forjada  entre  elles  ali  mesmo,  sem  razão  ou  fundamento 
seguro. 


DESCRIPÇZO  DAVIAOEH  471 

Toda  a,  cautela  é  pouca,  o  por  ísbo  mesmo,  temos  sido  em 
demasia  meticulosos  em  acceitar  como  verdadeiras  certas  infor- 
maçSes,  e  os  nossos  questionários  repetem-se  a  diversos.  É 
pelo  cotejo  depois  das  respostas  que  chegamos  a  obter  algumas 
conclusSea  que  nos  parecem  mais  verosímeis  e  de  que  pudemos 
obter  contraprova. 

Assim  por  exemplo,  aqui,  todos  estSo  de  accordo,  que  as 
povoaçSes  desapparecem  num  ponto  para  irem  estabelecer-se 
noutro,  mas  vindo  de  N.  e  E.  a  intemar-se  na  nossa  proviu- 
cia,  e  que  se  ligam  os  homens  de  umas 
com  mulheres  de  outras  povoaçSes  nSo 
havendo  vestígios  do  passado  porque 
tudo  deaapparcco  por  eflFeito  das  quei- 
madas depois  de  as  abandonarem. 

Procuram-se  sempre  as  aguas  e  nas 
regimes  em  que  as  nSo  ha,  nunca  houve 
povoaçSes. 

O  gado  veiu  para  a!qui  de  N.-O.  e 
d'aquí  é  que  ultimamente  ae  fornecem 
os  BuDgalus  e  conserva-se  pelas  mes- 
mas razões  que  nos  deram  ua  EstaçSo 
Ferreira  do  Amaral,  mas  vende-se  en- 
tro estes  povos  m^is  do  que  entre  os 
de  Andala  Quissúa,  por  ser  aqui  mais 
procurado  e  nílo  terem  outro  recurso 
para  satisfação  das  necessidades  que 
conhecem. 

Por  se  acharem  mais  distantes  da  civilisaçSo  é  certamente 
entre  estes  povoa  mais  pronunciado  o  desejo  de  ver  e  de  saber, 
do  que  entre  os  que  deixámos,  pelo  menos  pelo  que  diz  respeito 
aos  brancos.  E  as  mulheres,  porque  gosam  aqui  de  mais  liber- 
dade, nZo  nos  deixam;  passam  horas  e  horas  em  frente  das 
nossas  portas  e  janellaa,  e  a  mtúor  satisfação  que  lhes  podemos 
dar  é  prestar-Iliea  attenção,  convidá-las  a  entrar,  deixá-las 
analysar  os  objectos  que  vêem,  mostrar-lhee  o  préstimo  que 
tem,  e  dar-lhc  todas  as  explicaçSes  que  desejam. 


472  BXPEDIÇAO  POBTUGUEZA  AO  MUÁhIkVUÁ 

As  de  melhor  comprehensSo,  satisfeita  a  sua  curiosidade,  se 
lograram  entrar  na  Estaç&o  e  approximar-se  do  branoO|  dlo 
provas  da  sua  vaidade  ás  companheiras,  ministrando* lhes  logo 
esclarecimentos,  mesmo  do  logar  em  que  estSo  sobre  os  obje- 
ctos que  chamaram  mais  a  sua  attençSo  e  de  que  tomaram  co- 
nhecimento.» 

O  que  registámos  e  que  era  reéultado  de  observaçSes  de  al- 
guns dias,  convidava-nos  a  indagaçSes  para  fixarmos  as  nossas 
ideas  sobre  estes  povos,  e  darmos  aos  nossos  estudos  uma 
orientação  mais  consentânea  ao  fim  que  tínhamos  em  vista — co- 
nhecer qual  a  disposição  d* estes  povos  a  nosso  respeito  e  como 
aproveitá-la  no  engrandecimento  dos  nossos  dominios,  sem  que 
fosse  necessário  recorrer  a  meios  que  redundassem  em  sacrifi- 
cios  que  mais  complicassem  a  sua  administração. 

Para  ò  estudo  das  exploraçSes  commerciaes  que  tanto  nos 
foi  recommendado,  íamos  nós  reunindo  elementos  que  muito 
nos  desanimavam,  ao  mesmo  tempo  que  nos  esclareciam  sobre 
as  circumstancias  mais  económicas  em  que  se  poderiam  fiueer 
quaesquer  exploraçSes  no  centro  do  Contínente  e  sobre  o  único 
meio  de  attrahir  com  vantagem  o  pouco  conmiercio  que  existe 
além  do  Cuango  na  região  equatorial  do  sul  para  a  nossa  pro- 
vincia  de  Angola. 

Depois  de  estabelecidas  as  nossas  Estações,  fizéramos  as  se- 
guintes viagens  rápidas  em  rede :  Do  Cuango  á  Estação  Paiva 
de  Andrada  9  horas  e  meia  (um  dia);  doesta  á  Estação  Ferreira 
do  Amaral  12  horas  e  meia  (um  dia) ;  d^ahi  para  a  24  de  Julho 
9  horas  e  meia  (um  dia);  dVsta  para  Catalã  4  horas  (um  dia 
e  descanço);  de  Catalã  pelo  Anjínji  a  Malanje  11  horas  e  meia 
(um  dia).  Total  em  cinco  dias,  quarenta  e  sete  horas  úteis, 
240  kilometros.  Se  a  viagem  for  directamente  de  Malanje  ao 
Cuango  acompanhando  cargas,  então  o  minimo  tempo  que  se 
gastará,  suppondo  não  haver  casos  extraordinários,  como  doen- 
ças, paredes,  conluios,  etc,  será:  Quatro  dias  á  primeira  Es- 
tação e  um  de  descanço;  três  dias  á  segunda  e  um  de  descanço; 
quatro  dias  á  terceira  e  um  de  descanço,  e  três  dias  ao  Cuango. 
Total:  dezesete  dias. 


DESCRIPÇlO  DA  VUGEBf  473 

A  Expedição  allemã  gastou  vinte  e  dois  dias  porque  todos  os 
dias  foi  levantando  acampamentos.  Saturnino  Machado  gastou 
muito  mais  tempo  por  causa  de  doenças  e  vários  pretextos  para 
demoras  arranjados  pelos  carregadores. 

Podemos,  pois,  contar  vinte  dias,  como  o  minimo  tempo  de 
viagem  para  cargas. 

E  sabido  que  o  carregador  não  transporta  mais  que  duas  ar- 
robas e  custa  esta  viagem  cinco  peças  de  fazenda  de  lei,  sendo 
uma  para  ração,  o  que  equivale  a  4fJ0(X)  réis. 

Se  este  transporte  fosse  feito  em  uma  via  férrea,  reduzir-se-ia 
a  viagem  o  muito  a  nove  Loras,  e  se  a  despeza  descesse  na  pro- 
porção, não  excederia  A  200  réis,  mas  500  réis  que  fosse,  te- 
riamos  grande  lucro,  e  além  de  muitas  outras  vantagens,  segu- 
rança, commodidade,  resguardo  ao  tempo,  muitissimos  lucros  de 
beneficio,  mesmo  sobre  a  importância,  pois  não  se  calcula  na 
Europa  quantos  artigos  se  deitam  fora,  por  inutilisados  com- 
pletamente, não  só  pelo  modo  por  que  se  transportam,  como 
pelos  effeitos  das  intempéries,  que  por  mais  cuidados  que  haja 
se  não  evitam. 

Nós,  no  calculo  que  apresentámos,  accoitâmos  que  uma  peça 
de  lei  é  a  ração  de  um  carregador  até  ao  Cuango,  o  que  nunca 
se  tem  dado.  E  uma  illusão  mais,  com  que  um  negociante  ou 
explorador  parte  de  Malanje  para  o  interior,  bem  como  para  o 
carregador  que  contractou  para  seu  serviço  e  de  que  poucos  dias 
depois  sofre  as  consequências  porque  este,  se  não  pode  re- 
sarcir  os  prejuizos  que  logo  attribue  a  logro,  por  meios  licites, 
procura  mil  pretextos,  faz  greves,  e  por  ultimo,  os  recursos 
toma-os  elle  pelas  suas  mãos,  esburacando,  descozendo  ou  des- 
pregando as  cargas,  e  procurando  sempre  encobrir  a  abertura 
do  seu  thesouro  vae  illudindo  o  patrão,  que  só  tarde  reconhece 
os  prejuizos  que  teve  quando  encontra  roubada  a  primeira 
carga,  que  quasi  sempre  por  circumstancias  que  se  não  podem 
evitar,  já  tem  corrido  por  mão  de  diversos  carregadores. 

Já  se  vê  que  o  interesse  de  todos  que  dirigem  uma  caravana 
de  cargas  de  commercio,  é  fazer  transportar  estas  com  a  má- 
xima economia  possível;  e  é  certo  também  que  o  preto,  quando 

81 


474       EXPEDIÇÃO  PÒRTUGUEZA  AO  MUATIÂNVDA 

se  contracta  para  o  serviço  de  transportes  nfto  faz  cálculos, 
pede  uma  porção  de  fazenda  ou  outros  artigos  que  lhe  convém 
na  occasião  e  não  olha  ao  futmx),  nem  pensa  no  que  ha  de  co- 
mer no  dia  de  amanhã. 

Para  elle  pouco  importa  ao  receber  um  pagamento,  que  se 
lhe  diga:  tanto  é  de  ordenado  ou  de  jorna;  tanto  é  para  comer; 
pediu  o  que  lhe  lembrou,  deram-lh'o,  e  isso  era  o  que  queria 
na  occasião. 

É  costume  entre  elles  levarem  o  que  receberam  para  as 
suas  povoações,  distribuindo-o  como  entendem,  e  naturalmente 
as  pessoas  de  familia,  geralmente  das  contempladas  com  as  suas 
dadivas,  arranjam-lhe  alguns  mantimentos  na  véspera  da  par- 
tida, que  lá  vâo  amarrando  ás  suas  cargas,  e  estes  duram  o 
muito,  quatro  dias. 

E  é  só  quando  estes  deixam  de  existir  que  se  reúnem  aos 
grupos  por  fogos  e  se  decidem  a  pedir  a  raça.  E  se  nâo  ha  a 
necessária  prudência  da  parte  do  director  da  caravana,  come- 
çam os  conflictos,  pode  dizer-se  ainda,  ás  portas  de  Malanje. 
De  facto,  quem  sabe  que  uma  peça  de  lei  são  oito  jardas  de 
algodão  ou  de  riscado  ordinário,  e  que  com  uma  jarda  se  não 
pode  em  parte  «alguma  comprar  mantimentos  para  dois  dias, 
não  pode  estranhar  que  oito  não  cheguem  para  vinte  dias  de 
viagem. 

Conseguimos  estabelecer  duas  jardas  para  três  dias,  o  que 
equivalia  até  certa  altura  da  viagem  a  65  réis  por  dia. 

Nos  primeiros  seis  dias  da  nossa  residência  nesta  Estação 
tivemos  de  sustentar  sessenta  pessoas,  e  nestes  apenas  demos 
para  rações  uma  vacca  e  dois  garrotes  que  recebemos  de  pre- 
sentes (o  que  é  mais  caro),  e  nos  importou  em  valor  corres- 
pondente a  19?5800  réis.  Se  tivéssemos  pago  as  rações  em 
artigos  de  commercio,  a  importância  despendida  seria  de  23j5k400 
réis,  isto  é,  mais  3^000  réis,  e  a  alimentação  seria  muito  in- 
ferior. 

Esta  differcnça  é  importantíssima,  principalmente  quando  se 
trata  de  uma  exploração  commorcial,  isto  é,  de  andar  no  cen- 
tro de  Africa,  procurando  mercados  para  transaccionar  factu- 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  475 

ras^  o  que  é  multo  diíferente  de  se  dirigir  a  caravana  a  um 
mercado  de  antemão  determinado. 

Ha  necessidade  de  estabelecer  Estações  ou  acampamentos 
provisórios,  que  entre  os  povos  africanos  se  nJto  pode  dizer 
por  quanto  tempo  servirão,  e  portanto  quanto  haverá  a  des* 
pender  com  o  sustento  do  pessoal. 

Já  pois  nesta  Estação,  nos  preoccupava  muito  a  questão  das 
explorações  commerciaes,  e  no  nosso  diário  do  dia  1  de  de- 
zembro escrevemos: 

o  Quanto  não  custará  uma  exploração  commercial,  quando  se 
pretende  obter  o  resultado  que  é  de  esperar  com  relação  ao 
capital  que  se  arrisca  e  aos  sacrificios  que  se  fazem? 

Cada  vez  mais  nos  convencemos  que  para  commercio  será 
muito  melhor  que  o  gentio  ou  o  Bângala,  venha  á  nossa  provin- 
da como  seu  agente,  trazer  artigos  á  permutação;  porém  hoje 
este  alvitre  que  seria  talvez  o  melhor  e  diremos  o  único  que 
se  devia  seguir,  já  com  difficuldade  se  poderá  adoptar  comple- 
tamente, não  só  por  causa  das  expedições  estrangeiras  que  dei- 
xam por  onde  passam  fazendas  e  outros  objectos  de  procura, 
mas  ainda  por  causa  dos  Ámbaquistas,  que  de  pacotilha  em 
pacotilha  também  lá  os  vão  deixando.  Entretendo  portanto  as 
poucas  necessidades  do  gentio  por  algum  tempo,  obstam  d'este 
modo  que  elles  continuem  a  encaminhar-se  para  a  provincia, 
como  antes  das  guerras  de  Cassanje,  e  assim  se  explicam  os 
queixumes  dos  negociantes  do  Dondo,  Pungo  Andongo,  e 
Malanje,  sobre  o  pouco  commercio  que  actualmente  se  faz. 

Uns  trinta  carregadores  que  chegaram  hontem,  regressando 
do  sei'viço  de  Saturnino  Machado,  que  por  aqui  passou  ha  um 
anno,  mais  nos  impressionam  com  as  suas  informações. 

Saturnino  Machado  está  em  Cabau.  Tem  feito  algum  nego- 
cio, de  vinte  a  trinta  pontas  dizem,  sejam  trinta  e  todas  de  lei, 
a  que  damos  o  valor  de  90^1000  réis ;  tem  porém  ainda  muita 
demora  porque  a  contaria,  armas  e  pólvora  não  tem  tido  a 
saida  que  era  de  esperar.  O  que  se  procura  são  escravos 

O  seu  sócio  Carvalho  seguiu  com  uma  grande  parte  da  co- 
mitiva para  o  Cassai.  Ainda  não  obteve  noticias  sobre  o  ne- 


476  EXPEDIÇZO  POSTUOnEZA  AO  muátiínvuá 

gocio  que  elle  tem  feito^  mas  consta  que  todoa  os  carregadorea 
estSo  descontentes  por  causa  da  demora  e  das  fomes  por  que 
teem  passado. 

Suppondo  que  Carvalho  tenha  obtido  o  mesmo  resultado,  que 
é  duvidoso  e  realisando  as  transacçSes  a  preço  fiivoravel,  tería- 
mos 5:400f$000  réis,  e  que  o  interesse  sobre  as  mercadorias  era 
de  50  por  cento,  lucrava-se  2:700^000  réis. 

Abatendo  d'esta  importância  a  manutençSo  do  pessoal  du- 
rante um  anno,  que  era  enorme,  e  os  prejuizos  de  que  já 
houve  conhecimento,  onde  estSo  os  lucros  da  empresa  no  pri- 
meiro anno? 

ÂBsustam-nos  os  resultados  de  taes  commetímentos  e  vamo-nos 
dar  ao  trabalho,  com  os  elementos  que  temos  e  mais  informaçSes 
que  procuraremos  obter,  de  fazer  os  nossos  cálculos  para  es- 
clarecer na  primeira  opportunidade  o  governo  e  a  Sociedade 
de  Geographia  Commercial  da  Porto,  sobre  o  que  ha  a  esperar 
por  esta  região,  de  exploraçSes  commerciaes,  e  terminamos  por 
hoje  as  nossas  consideraçSes  a  tal  respeito  dizendo :  Rasio,  ti- 
nha o  sertanejo  Narciso  António  Paschoal  em  duvidar  dos  lu- 
cros da  empreza  de  Saturnino  Machado.  Elle  aguardando  que  os 
Bângalas  venham  procurá-lo  a  sua  casa,  ha  de  interessar  muito 
maiS;  sem  risco  e  vivendo  com  todas  as  commodidades.» 

A  Expedição  allemã  dirigida  pelo  tenente  Wissmann,  que 
tinha  a  pratica  adquirida  na  sua  primeira  travessia,  tanto  co- 
nhecia a  importância  do  sustento  do  pessoal,  que  fez  grande 
fornecimento  de  gado  e  creaçSes,  tendo  a  sua  viagem  por  ob- 
jectivo attingir  o  mais  rapidamente  possivel  o  Muquengue,  no 
Lubuco. 

Isto  comprehende-se,  porquanto  um  homem  cuida  perfeita- 
mente de  vinte  cabeças  de  gado  e  este  sendo  regular,  está  cal- 
culado que  uma  cabeça  dá  cento  e  oitenta  raçSes  boas  e 
portanto  as  vinte,  três  mil  e  seiscentas  raçSes;  emquanto  um 
carregador  apenas  transporta  em  media,  uma  carga  de  fazendas 
no  valor  de  65í5000  réis,  que  se  pode  dizer  equivalem  a  mil 
rações  e  que  aqucllas  poderão  importar  em  media  em  6i$000 
réis  por  cabeça,  ou  120^000  réis  valor  de  duas  cargas,  porém 


DESCRIPÇXO  DA  VUGEM  477 

86  estas  forem  pólvora,  armas  ou  búzio,  o  seu  valor  diminue 
de  40ái000  a  IS^JOOO  réis.  Ao  que  acresce  ainda  o  lucro  do  pa- 
gamento e  sustento  de  um  carregador  e  do  individuo  que  cha- 
mámos para  o  acompanhar,  que  numa  exploração  em  que  ha 
valores  a  guardar  tem  muita  importância. 

Se  estivéssemos  de  posse  doestes  esclarecimentos  quando  sai- 
mos  de  Malanje,  em  todas  as  EstaçSes  nos  teríamos  abastecido 
de  gado  em  abundância,  não  só  pelo  lado  da  economia  com 
respeito  a  carregadores,  mas  ainda  como  mais  tarde  reconhe- 
cemos, por  ser  este  um  grande  ramo  de  negocio  no  interior. 
Ao  Caungula  do  Lôvua,  por  exemplo,  algumas  comitivas  le- 
vam por  raridade  uma  ou  outra  cabeça,  e  só  depois  na  terra 
do  seu  parente  áquem  do  Luêmbe  vimos  três  cabeças. • 

Entravamos  no  mez  de  dezembro  e  as  chuvas  começavam  a 
apertar  e  a  incommodar-nos,  não  só  porque  de  noute,  depois 
de  collocarmos  em  resguardo  os  nossos  livros  e  papeis,  tinha- 
mos  de  andar  a  procurar  sitio  para  a  nossa  cama  acabando  por 
abrirmos  o  chapéu  de  chuva  para  resguardar  a  cabeça,  mas  tam- 
bém porque  nos  lembrávamos  que  os  terrenos  iam-se  enchar- 
cando, os  rios  enchendo,  e  d'abi  maiores  difficuldades  para  a 
nossa  jornada  e  se  bem  que  os  carregadores  estivessem  pro- 
mettidos,  só  a  pouco  e  pouco  vinham  comparecendo  para  se 
contractarem. 

ApQsar  doestas  contrariedades,  cada  um  de  nós  trabalhava 
no  que  lhe  era  especial,  e  com  tanta  mais  vontade  quantas  eram 
as  contrariedades  que  nos  appareciam,  porque  no  trabalho  en- 
contrávamos a  distracção  que  nos  era  precisa,  para  não  nos 
deixarmos  dominar  pela  influencia  do  tempo  e  pela  nostalgia 
que  principiava  a  manifestar-se. 

A  falta  de  photographia  recorremos  ao  desenho,  para  poder- 
mos figurar  os  typos  da  margem  do  Lui,  que  pelos  penteados 
e  ornamentos  de  que  usam  differem  já  da  gente  que  até  aqui 
conheeiamos,  e  para  bem  os  comprehendermos  perseveráva- 
mos no  estudo  dos  seus  dialectos  e  costumes. 

Não  nos  podemos  convencer  já  de  ha  muito  tempo,  que  na 
raça  preta,  mesmo  entre  os  povos  conhecidos  como  gentios,  se 


478  BXPEDIÇ!0  PORTUOUEZA  AO  •  MUÁTllNynA 

nSo  encontram  as  mesmas  percepçSes  que  entre  nós,  as  mes- 
mas sensaçSes  de  jubilo  ou  dor.  E  estamos  persuadidos  de  que 
elles  comprehendem  como  nós  as  impressSes  que  os  sentidos 
acceitam  ou  repellem,  como  nós  demonstram  as  indinaçSes 
ou  affectos  e  denunciam  esse  sentimento  sublime  que  os  move 
a  amar  alguém  e  essa  paixSo  d'aima  que  um  e  outro  sexo  mu- 
tuamente se  inspiram. 

Os  rapazes  antes  de  se  ligarem  com  uma  rapariga  reques- 
tam-na  primeiro,  procuram  occasiSo  de  lhe  fieillar  e  de  se  en- 
contrarem com  ella,  já  nos  caminhos  para  as  lavras  e  rios,  já 
nas  danças,  e  pedem-na  aos  pães  ou  parentes  mais  velhos. 

Ha  entre  elles,  pode  dizer-se,  um  contracto  de  casamento 
a  seu  modo.  Um  contracto  em  que  se  estipulam  as  condiçSes 
de  bem  viver  e  além  d'isso  em  que  é  indispensável  o  consen- 
timento de  quem  serve  de  pae  á  noiya,  sendo  eUe  e  ella  de- 
vidamente presenteados. 

Os  casos  de  prevaricação  estSo  previstos  e  sSo  condenmados^. 

Mesmo  com  as  creanças,  que  nunca  souberam  o  que  era  um 
beijo  e  arrebatados  ás  suas  mães  não  mais  lhes  lembra  os  ca- 
rinhos e  affiigos,  quando  os  tiveram ;  se  as  rode&mos  como  ás 
nossas  d'essas  bellezas  da  nossa  educação,  não  mais  nos  dei- 
xam, perseguem-nos  para  as  acalentarmos,  para  corresponder- 
mos ás  suas  meiguices,  emíim  para  lhes  satisfazer  a  necessi- 
dade de  amor  que  na  alma  se  lhes  desperta. 

As  que  nos  acompanharam  são  exemplos  que  não  podemos 
deixar  de  citar;  e  que  não  temos  razão  para  nos  arrependermos 
por  emquanto  dos  cuidados  que  nos  mereceram,  di-lo-hão  os 
factos  que  no  decorrer  doeste  nosso  trabalho  iremos  apresen- 
tando. 

As  mulheres  também  aqui,  procuram  fazer-se  valer,  aformo- 
seando-se  a  seu  modo,  já  lustrando  a  pelle  do  corpo  e  os  ca- 


1  No  volume  sobre  Etbnograpliia,  mais  desenvolvidan^nte  se  trata 
doeste  e  de  outros  assumptos  na  parte  relativa  aos  usos  e  costumes  does- 
tes povos. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  479 

bellos  com  olcos  ou  outras  matérias  gordurosas,  já  pintando 
na  cara  traços  vermelhos,  negros  ou  brancos  e  dando  ao  penteado 
formas  mais  ou  menos  complicadas.  E  trivial  verem-se  tranças 
de  diversas  larguras,  e  os  penteados  ornados  com  missangas, 
contas  e  metal  amarello,  em  chapas  pequenas,  rectangulares 
e  em  cruzetas  e  canudos. 

Enfeitam  as  orelhas  e  cartilagem  do  nariz  com  argolas  ou 
quaesquer  pingentes,  e  também  com  pausinhos  delgados  que 
passam  por  furos  feitos  de  propósito. 

Também  algumas  apresentam  a  tatuagem  nos  braços,  hom- 
bros  ou  entre  os  peitos  e  sobre  o  ventre,  representando  obje- 
ctos naturaes.  Uma  vimos,  que  tinha  sobre  os  hombros  imi- 
tações de. arvores  muito  bem  feitas. 

Usando  os  peitos  nús,  consiste  a  maior  elegância  em  cruza- 
los  com  o  maior  numero  de  fios  e  variedade  de  missangas  pos- 
sivel  e  em  ornar  braços  e  pernas  com  argolas  de  metal  ou  de 
fios  de  cobre  e  mesmo  de  ferro. 

Pelo  que  respeita  a  vestuário  não  differe  este  do  usado  entre 
os  povos  de  Andala  Quissúa. 

Os  homens  também  trajam  como  os  d^aquelle  povo,  porém 
como  as  mulheres,  abusam  das  unturas,  tanto  no  corpo  como 
na  cabeça. 

As  relações  que  os  nossos  carregadores  souberam  manter 
com  os  povos  vizinhos,  fazia  com  que  estes  viessem  ás  suas 
danças,  o  que  muito  apreciaram  porque  entre  a  nossa  gente 
havia  quem  tocasse  harmónica  e  as  danças  eram  mais  variadas, 
c  se  as  mulheres  não  vinham  ao  nosso  acampamento  para  dan- 
çarem, como  succedeu  em  outros  povos,  apesar  da  liberdade 
que  ellas  disfructam  aqui,  é  porque  os  homens  em  geral  e  os 
potentados  em  particular,  são  muito  ciosos  das  suas  raparigas. 
Por  muito  tempo  cremos  que  esta  gente  suppoz  que  nós  nao 
saíamos  d'aqui ;  acostumaram-se  a  ver-nos  todos  os  dias,  es- 
tavam satisfeitissimos,  porque  demais  viam  interesses  na  nossa 
permanência,  isto  é,  os  artigos  do  commercio  que  elles  dese- 
javam saíam  da  Estação  para  seu  uso  em  troca  do  gado  e 
mantimentos  que  traziam  para  a  nossa  alimentação. 


480  EXPEDIÇXO  POBTOGUEZA  AO  MUATliNyUÁ 

Convencidos  emfim;  de  que  tínhamos  de  partír,  apeUavnin 
para  o  ultimo  recurso^  o  de  contractar  rapazes  para  o  transporte 
das  nossas  cargas^  no  que  interessavam  todos  os  homens,  mu- 
lheres e  creanças  e  muito  principalmente  os  potentados. 

Entre  os  que  se  apresentaram,  contavam- se  cincoenta  para 
a  Mussumba  do  Muatiftnvua,  á  rasXo  de  seis  peças  cada  imi| 
o  que  nfto  era  caro  e  para  nós  já  importante,  e  sobre  os  pri- 
meiros que  se  pagaram  doesta  forma,  pronunciou  se  logo  o  soba 
Anguvo  contra  Ambango,  por  este  consentir  que  nos  enganas- 
sem não  podendo  garantir  a  segurança  nestes  contractos. 

E  certo  que  nós  levámos  á  conta  de  inveja,  as  ásperas  cen- 
suras de  Anguvo  a  Ambango,  nao  acreditando  na  sua  sinceri- 
dade e  na  convicção  com  que  eram  feitas.  NSo  podíamos  es- 
perar que  eUe  tivesse  razão  e  que  mais  tarde  nos  havíamos 
de  arrepender  de  não  termos  querido  prestar  attenção  áquelle 
quasi  aviso  ou  conselho  que  não  era  para  desprezar,  taes  eram 
os  nossos  desejos  e  anciedade  de  proseguirmos  com  rapidez 
na  viagem. 

Espalhara-se  a  notícia  de  que  Íamos  partír,  e  por  isso  de 
Muene  Canje,  no  outro  lado  do  Luí,  vieram  portadores  que  nos 
foram  apresentados  por  Anguvo  e  Ambango,  como  do  Inde- 
mene  Mésu,  pae  d^elles  e  senhor  d^aquellas  terras,  que  nos 
mandava  cumprimentar. 

Agradecendo  a  visita,  respondemos  que  se  nos  avistássemos 
com  Muene  Canje  saberíamos  corresponder  devidamente  á  sua 
amabilidade. 

Um  dos  enviados  fez-nos  seiente,  que  um  sobrinho  d'aqucllc 
pensara  em  ir  ao  nosso  encontro  quando  fomos  ao  Cuango,  e 
que  o  tio  não  consentira  para  que  nos  não  persuadíssemos  que 
se  exigia  a  Muene  Puto  tributo  de  passagem  ou  que  nos  que- 
riam escoltar. 

Retorquimos,  que  nunca  tivemos  receio  dos  povos  que  nos 
iam  esperar  ao  caminho,  e  quanto  a  presentes  os  dávamos  a 
quem  queriamos  ou  a  quem  prestasse  serviços  a  Muene  Puto. 

Querendo  convencer-nos  o  enviado,  bem  como  Ambango, 
que  era  da  praxe  o  enviar-se  um  signal  de  estima  a  quem 


deschipçao  da  viaqeh 

manda  viaitar,  respondemos  que  o  faríamos  quando  entendes- 
aemoB  e  n2o  por  intimaçSea. 

Isto  dou  logar  a  um  grande  discurso  do  mais  velho,  qne  nos 
obrif^ou  a  responder:  que  Ambango  nos  dissera  sempre  que 
estas  tçrras  eram  suas;  que  todos  os  sobas  vizinhos  eram  seus 
filhos;  que  Anguvo  era  seu  egual  e  governava  para  o  norte  até 
ao  Cuango,  emquanto  que  elle  governava  para  sul  até  Qnt- 
lundula;  que  dÍo  conhecia  os  Coboa 
nem  os  Holos,  nem  Ambango  me  fnl- 
lára  nunca  no  seu  pae  Muene  Canje; 
que  todos  os  sobas  que  Ambango  me 
apresentara  como  seus  anhordinados 
foram  contemplados  e  portanto  neste 
logar  nada  mais  dava  a  pessoa  alguma ; 
que  se  ello  Ambango  tinha  agora  nm 
pae,  llie  mandasse  metade  do  que  lhe 
havíamos  dado. 

Com  respeito  a  escoltar  no  cami- 
nho, podia  fiizè-Iú  MuL'ne  Canje  ou 
qualquer  outro  soba;  só  lhes  lembrá- 
vamos que  o  nosso  fim  era  de  paz  c 
de  boa  amizade,  porém  que  cada  uma 
das  nossas  espingardas  podiam  despe- 
dir doze  bailas  num  prompto  quando 
fosse  preciso. 

Que  a  fazenda  de  Muene  Puto  nSo 
era  para  se  deitar  fora,  tinha  muita 

applicação,  sendo  a  principal  pagar  o  sustento  dos  homens  que 
DOS  transportavam. 

Estava  pois  terminada  a  nossa  entrevista;  já  sabiam  o  que 
havia  a  dizer  a  Muene  Canje. 

Chegara  nesta  occasiSo  de  Malanje  a  correspondência  e  tam- 
bém um  sertanejo,  Químbaro,  qne  ha  annos  residia  no  Xinje, 
margem  direita  do  Cuango,  para  onde  queria  seguir,  porém, 
vinha  pedir-nos  protec^'ilo,  porque  Amliango  pretendia  fazer-lhe 
agora  exigências  pela  sua  passagem. 


I 


tXnmÇAO  FOSTCGCEXÂ  IO  ■TATUSVTXA 

I  KTtf^-t**  qne  c«t«Ta  em  Te»- 
pêra  d»  [MVtídft,  aoqaaaBRVO,  edaqBEcstebimm>,poriKdne 
J«So  Amobío  Soara  Bnp  bm  mttu,  i£xeiB-m>  u  occorren- 
ciaa,  ali  qoa  d'«Oe  ww  ■eparfaio». 

£otn  «  eofreapondenctt,  appaneeo-iK»  o  Camwttmo  Jt  Por- 
tt^  ie  lõ  de  jolbo,  em  qae  se  lia  oin  ctmmnnjradg  dataA» 
(Ic  lynula  e  auignado  por  Jolío  PafaDeiriín.  «na  nSertaãa» 
s  esta  Bxpediçio,  e  que  pela  philaaci».  phrmsewlo  txmlnatâco  e 
apreeíaçQe»  extrara^antes,  moilo  nos  fex  rir,  alo  noa  aeado 
difficil  recoobeccr  o  oome  do  TetdadeirT*  aoctor. 

£u  a  Dota  que  lançámoa  do  nosso  diário. 

«Ê  moa  expoeíçio  de  dontrina  moíto  superficial  baleada  em 
ínforma^fSea  (alsaa  do  qae  por  cá  te  paosa  e  na  tnoita  tgnoraD- 
eia  doa  boroena  e  dai  cousas  como  são  na  realidade,  ãeme- 
Uunle  oommanicado  «stá  destinado  a  nma  resposta,  maf  é  pre- 
GÍÉO  vagar  e  por  isso  archira-se  por  emqoaDto.i 

Também  recebemos  o  Economuta  de  20  de  setembro,  em  qae 
TÍntu  traiucripta  paile  de  ama  communícaçio  aossa  ao  Minis- 
tro do  Ultramar,  e  antes,  em  artigo  prim^ipal  sob  o  título  de 
Tratup<»it»  em  Angola,  se  teciam  encooiios  «o  Govemador  de 
Angola  pela  iniciativa  que  tonUra  em  renovar  a  antiga  iasti- 
tniçSo  das  Fatrulbas;  mas  o  qae  nllo  deixava  de  ter  graça 
era,  qne  as  coneideraçSes  que  justificavam  as  providencias  to- 
madas, fossem  as  mesmas,  até  as  próprias  palavras  da  nossa 
communicaçlLo,  que  nilo  foram  transcriptae,  e  de  qne  já  de- 
mos conhecimento  no  capitulo  anterior,  o  qne  nos  fez  persua- 
dir seria  algama  d'aquellas  trocas  de  granel,  qne  tantas  vezes 
se  dão  na  composição  doa  nossos  jomaes  diários. 

Mas,  á  parte  a  coincidência,  foi-nos  muito  agradável  ver  que 
mais  uma  vez,  o  illustrado  Governador  de  Angola,  tomara  na 
devida  consideração  uma  proposta  nossa,  o  que  nos  obrigava  a 
agradecer  especialmente  a  S.  Es,"  aquella  distincção. 

A  Sociedade  de  Geographia  Commercial  de  Porto  agrade- 
cia-nos  o  interesse  que  tinhamos  tomado  pelos  seus  encargos, 
lazendo-nos  scieate  do  que  infelizmente  se  tinha  passado  com 


DESCHIPÇlO  DA  VIAGEM  483 

respeito  aos  volumes  do  commercio  da  cidade  do  Porto  e  da 
correspondência  que  a  Sociedade  mantivera  com  a  Direcção  dos 
negócios  do  ultramar  e  com  o  representante  da  Sociedade  em 
Lisboa,  o  dr.  Manuel  Ferreira  Ribeiro. 

O  Governador  Geral  de  Angola  também  nos  communicava 
que  tendo  chegado  no  transporte  índia  os  volumes  do  com- 
mercio, immediatamente  os  fizera  transportar  para  o  Dondo,  e 
que  determinara  ao  chefe  do  concelho  que  elles  nos  fossem 
remettidos  para  Malanje  com  a  brevidade  possível. 

Agora  era  muito  tarde,  sobretudo  depois  das  minhas  reflexSes, 
que  sao  justificadas  com  respeito  ao  custo  do  seu  transporte 
de  Malanje  em  deante  e  á  qualidade  de  mercadorias  que  elles 
continham. 

O  negociante  Custodio  Machado,  enviava-nos  as  cargas  pedi- 
das e  também  aguardente,  que  transportava  um  novo  carrega- 
dor que  á  ultima  hora  pudera  contractar  para  nosso  serviço,  e 
entre  outras  dava-nos  a  agradável  noticia  de  ter  mandado  seu 
sobrinho  estabelecer- se  na  nossa  Estação  Paiva  de  Andrada,  e 
de  annuir  ao  nosso  pedido  de  ser  agente  da  Sociedade  de 
Geographia  Commercial  do  Porto. 

Officiámos  a  Custodio  Machado,  considerando-o  já  como 
agente  d^aquella  benemérita  Sociedade,  encarregando-o  de  pro- 
mover em  Malanje  a  venda  de  todas  aquellas  mercadorias,  no 
que  certamente  tinha  a  lucrar  o  commercio  do  Porto,  embora 
levasse  mais  tempo  a  transacção. 

E  tanto  ao  Ex."*®  Governador,  como  á  illustrada  Sociedade 
determinámos  justificar  a  resolução  que  tomámos. 

Informando-nos  Braga,  que  Mona  Samba  e  outros  potenta- 
dos do  Capenda  nos  apresentariam  carregadores  para  a  Mus- 
sumba ;  que  a  jornada  da  nossa  Estação  Costa  e  Silva  para  o 
Caianvo  era  de  dois  dias  e  para  o  Anzovo  de  três ;  que  este, 
de  facto,  era  quilolo  do  Muatiânvua,  que  nos  havia  de  pres- 
tar todo  o  auxilio  e  fornecer- nos  guias  para  seguirmos  o  cami- 
nho que  desejávamos,  entre  Caungula  e  Anzovo  Bunguvo,  pouco 
nos  desviando  da  latitude  em  que  estávamos,  o  que  era  para 
nós  de  interesse ;  e  acrescentando  que  em  Mona  Samba  não  nos 


I 


484  EXPEDIçIO  PORTUGUEZA  AO  MOATliUVDA 

faltariam  mantimentos  de  lavras  e  que  gente  d'alii  se  e 
garia  de  nos  arranjar  gado,  tomámos  a  resolução  de  nos  demo- 
rar na  Eataçio  Paiva  de  Androda  o  tempo  Indispensável  para 
fazer  a  correspondência  para  a  metrópole  e  para  a  provincia,  e 
com  os  carregadores  que  tinliamos  mudarmo-nos  depois  o  mais 
rapidamente  que  fosse  posaivel  para  a  Estaçilo  aliím  do  Cuango, 
pois  que  as  chuvas  o  as  trovoadas  succediam-se  com  mais  forç;». 
Acrescua  a  iato  os  perigos  a  que  estávamos  expostos,  pois  que 
8Ó  em  pólvora  tínhamos  mais  de  treaentos  barria,  se  pode  dizer 
aervindo-noa  de  cabeceiras,  e  quanto  maior  fosse  a  demora, 
mais  se  prejudicava  a  nossa  viagem. 

Em  virtude  d'e8ta  resolução,  mandou-se  dizer  a  todos  oa  so- 
bas, que  fizessem  apresentar  os  carregadores  contractados,  e 
que  se  houvesse  quem  quizesse  vender  gados  ou  quaeaquer  ou- 
tros mantimentos,  os  prevenisse  d'e  que  durante  quatro  dias 
estávamos  dispostos  a  comprar  tudo  que  apparecesse,  se  os 
preços  nos  conviessem. 

No  emtanto,  continuávamos  a  tomar  informaçUea  que  nos 
convinham  do  sertanejo  Braga,  e  aproveitávamos  todos  os  ele- 
mentos com  que  pudéssemos  justificar  o  que  tínhamos  a  consi- 
gnar em  toda  a  nossa  correspoodeocia,  a  qoal  foi  do  teor  se- 
guinte : 

A  S.  Ex.^  o  Ministro  da  Marinha  e  Ultramar. 

III.">  e  Ez.*°  Sr. — Tendo  partido  eu  e  o  meu  collega  Slzenando  Mar- 
ques em  22  do  mez  passado  com  o  couce  dd  E^ediçSo  da  Eataçio  Fer- 
reira do  Amaral  em  Andala  Quiasúa,  acompanhando  as  nltimae  cargas, 
aqui  chegámos  á  Estação  Paiva  de  Andrada,  margem  do  Lul,  em  2S  is 
sete  horas  e  meia  da  noite,  onde  me  tenho  demorado  ntto  só  por  cansa 
das  chuvas  toirenciaes  que  teem  caido,  como  pelas  difficuldades  de  pu- 
Btgem  de  rios  e  ainda  porque  neste  ponto  tenho  conseguido  contractar 
directamente  paia  a  Lunda  (Mussumba  do  Mnatiflnvna}  cincoenta  carre- 
gadores, o  que  sem  duvida  alguma  é  devido  í  influencia  da  referida 
Estação. 

Os  contractos  de  pagamento  teem  sido  feitos  á  razão  de  seis  peçaa 
{6Í100  réis)  e  ração  que  se  nSo  pode  calcular  em  menos  de  80  réis  por 
dia  a  cada  homem,  e  portanto  não  eicedendo  o  preço  dos  contractos  em 
Halanje. 


DESCRIPÇlO  DA  VUGEH  485 

Aqui,  como  na  anterior  Estação  em  Andala  Quissúa,  tenho  encon- 
trado da  parte  dos  povos  que  as  cercam  muito  respeito  e  veneração  pelo 
nosso  Rei  (Mnene  Puto)  e  todos  os  Portuguezes  sob  a  influencia  da  enti- 
dade com  este  nome,  são  por  elles  bem  tratados. 

£  certo  que  esta  influencia  se  mantém  á  custa  de  presentes  e  dadivas 
que  se  fazem,  não  só  aos  seus  potentados,  mas  a  uns  e  outros  dos  seus 
familiares  mais  considerados  e  se  assim  não  fosse  todos  elles  mais  ou 
menos  colligados,  estorvariam  a  marcha  regular  das  expedições  e  de 
viandantes  isolados  (geralmente  Ambaquistas),  que  procuram  intemar-se 
além  do  Cuango,  e  mesmo  levantariam  difficuldades  que  só  á  força  de  ar- 
mas se  poderiam  vencer  na  occasião,  sem  que  do  seu  bom  êxito  resultas- 
sem vantagens  para  os  futuros  negociantes  e  para  a  manutenção  dos 
nossos  bons  créditos,  porque  os  caminhos  desde  esse  momento  se  fecha- 
riam como  actualmente  se  encontram  os  antigos  por  onde  outr^ora  se 
transitava  com  muita  facilidade. 

A  Expedição  tem  encontrado,  e  certamente  quem  de  futuro  a  imitar 
encontrará,  reciprocidade  nos  presentes  e  dadivas,  pois  que  muitas  vezes, 
mesmo  antes  de  se  terem  feito,  já  se  tem  recebido  alguma  cabeça  de 
gado,  farinha  ou  outros  quaesqner  géneros,  com  que  o  rancho  do  pessoal 
se  tem  tornado  muito  menos  dispendioso. 

Cito  a  y.  Ex.*  alguns  exemplos.  Tenho  acceitado  garrotes  de  presente 
a  que  tenho  correspondido  com  valores  de  3^500  réis,  e  estes  teem  che- 
gado para  um  dia  de  rações  ao  pessoal  (sessenta  pessoas  mantenho  eu 
aqui)  o  qual  com  parte  da  carne  distribuida,  obtém  farinha,  bombos,  etc, 
com  que  acompanham  a  carne  que  lhes  fica.  O  rancho  do  pessoal,  pago 
em  fazendas  ou  por  outra  forma  importaria,  diariamente,  de  4j|>8(X)  a 
5^400  réis.  Uma  vacca  pela  qual  dei  o  valor  de  oito  peças  (6^400  réis) 
serviu  para  três  dias ;  e  assim  houve  uma  economia  para  a  Expedição 
de  8i|i000  a  lli^OOO  réis. 

No  meu  diário  estão  citados  muitos  exemplos  a  demonstrar  a  ver- 
dade da  minha  asserção :  o  que  se  dispende  com  presentes  e  dadivas  é 
(por  cmquanto  assim  tem  sido)  uma  insignificância,  e  bem  compensado 
fica  pelo  socego,  tranquillidade  e  boa  harmonia  em  que  se  tem  encon- 
trado a  Expedição  com  estes  povos  gentílicos  e  pelas  vantagens  que  se 
obteem  a  favor  do  pessoal  de  carregadores. 

Estas  mesmas  dadivas  teem  contribuído  também  para  que  os  povos 
que  nos  cercam  e  seus  visinhos,  nos  procurem  para  vender  gado,  crea- 
ções,  ovos,  bananas,  bombos,  etc. 

Pela  nota  das  despezas  nesta  Estação  com  respeito  a  dadivas  e  com- 
pras de  gado  para  rancho  do  pessoal,  de  24  do  ultimo  a  9  do  corrente, 
vé'Se  que  foi  ella  de  45^000  réis.  Se  pagasse  as  rações  á  razão  de  70  réis 
por  homem  diariamente,  o  menos  que  posso  admittir,  montariam  estas 
naquelles  16  dias,  a  67  J2(X)  réis,  e  portanto  houve  um  saldo  de  21^400  réis. 


48G  EXPEDIÇXO  POETUGUEZA  AO  MOATliSVTJA 

Estea  resultados  levaram-mo  a  concluir,  que  embora  mais  fatigante 
p&Tft  mim,  É  nixúbi  maia  ceonomico  dar  o  nmcho  em  géneros  (pãme,  sera< 
pro  que  abaja),  doqntt  pngar  &s  raçãea  em  iaze n daí,  mi sa migas,  pólvora, 
etiJ.;  l."  porque  sendo  ingiguificantiasiinas  bb  fracções  (70  r^is),  de  quaes* 
quer  d'ne5es  artiges,  nunca  ea  pode  pagar  menos  de  três  a  qnatro  dias 
adeantadoe,  c  easaa  poderiam  ou  iiSo  ser  dex-idamente  empregadas,  e 
d'abi  motivos  de  dissidenciai)  e  desordens  entre  carregadores  e  pretextos 
de  fome  para  nSo  avançarem  ;  2.°  porque  assim  lhes  seria  diflicit  faze- 
rem acquiaiçào  de  carne  de  vaoca  e  mesmo  da  porco  ou  cabra  c  com 
uma  parte  d'estas  ra^ues  é  que  ellos  v3o  comprando  farinha,  ginguba, 
etc.;  3.°  porque  sendo  pagos  cm  carne  e  sendo  bem  alimcntadoB  (como 
nunea  o  foram,  nem  mesmo  nas  suas  habitações,  porque  ahi  sd  raramentti 
el!a  entra],  nSo  se  lembram  de  pedir  a  dil&renca  do  valor  das  raviJes, 
e  cumprem-se  os  seus  contratos,  que  foi  de  lhes  dar  de  comer  todos  os 
dias  e  só  artigos  de  commercio  em  pontos  onde  nSo  haja  carne  á  vendo- 

A  oceasiSo  é  opportuna  de  dizer  a  Y.  Ex.'  que  para  uma  expedi^So  no 
centro  da  Africa  é  uma  questilo  assas  importante  e  de  que  se  não  tem 
pensado  a  serio,  a  do  rancho  para  O  pessoal  de  carregadores. 

Tenho  pensado  maduramente  neste  assumpto  desde  qne  saí  de  Ma- 
lanje,  e  cheguei  a  convenccr-me  que  é  cila  que  neutralisa  todos  os  ec- 
fbrçoB  de  qualquer  expedição  cuja  mira  seja  realisar  lucros. 

Se  continuasse  a  proceder  como  em  Malanje  (fazendo  o  pagamento 
de  rações  a  dinheiro),  e  na  primeira  EstaçSo  (em  fazendas  e  missangas 
ao  pcf^íoal  que  ali  esteve),  o  qiio  tpi'm  adoptado  os  negociantes  serta- 
nejoB  6  expedições  AUemSs,  eu  nSo  sei  a  que  ponto  moutoiiam  ji  aa 
despezas  d'csta  ExpedicSo,  só  pelo  que  respeita  iquella  verba. 

Supponha  V.  Ei.*  duzentos  carregadores  a  receberem  70  raie  diarioa 
para  rancho  durante  vinte  mezes,  média  de  tempo  qne  se  pode  calcular 
para  estas  expedições  (não  contando  cora  doenças,  grévea,  ete.) ;  só  para 
isso  teria  de  despender-se  6:40DfOOO  réis.  Addicionando-lbes  agor«  o 
pagamento  (ordenado)  de  ida  e  regresso  a  IGjOOO  réis  por  cada  carrega- 
dor, aá  para  a  verba  de  transportes,  nio  fazendo  entrar  em  conta  ex- 
traordinários, o  total  da  despeza  montaria  á  importância  de  11:600^000 
réis.  Isto  a  contar  de  Malanje.  , 

É  claro  qne  quanto  maior  for  o  numero  de  carregadores  crescem  na 
mesma  proporção  as  dcspezas,  por  serem  calculadas  por  homem. 

Se  a  expedição  é  apenas  commercial,  de  um  só  negociante  que  a  acom- 
panha, e  que  leva  apenas  comsigo  ura  empregado  europeu  e  om  in- 
terprete, muito  favoravelmente  calculadas  as  despezas  com  eatea  em 
45^000  réis  mensaes,  elevar-se-ha  aquella  verba  de  despeças  de  mais 
900J000  réis,  isto  é  a  12:500<000  réis. 

NSo  leva  essa  expedição  livros,  instrumentos,  medicamentos,  etc, 
mas  o  negociante  nSo  pode  deixar  de  distrahir  do  pessoal  viifte  cam- 


DESCBIPÇXO  DA  VIAGEM  487 

gadores  para  seu  serviço  especial,  como :  bagagens,  algum  rancho,  al- 
guns medicamentos,  cama,  e  ainda  fazendas  e  outros  e£feitos  para  pre- 
sentes e  tributos  de  passagem,  etc,  o  que  por  certo  nâo  é  muito,  mas 
que  vae  reduzir  a  caravana  a  cento  e  oitenta  cargas  para  despezas  e 
permutação. 

Os  valores  d'essas  cargas  variam  de  364^000  réis  a  90j|í000  réis,  mas 
seja  de  80;S000  réis  a  média  (parece-me  demasiado).  As  cento  e  oitenta 
cargas  são  equivalentes  a  14:400^000  réis. 

Comparando  esta  cifra  com  a  das  despezas  de  transporte,  ha  um  saldo 
apenas  para  negocio  de  1 :900i^000  réis !  Não  entro  com  os  valores  des- 
pendidos com  as  cargas  que  levam  os  vinte  carregadores,  porque  as  faço 
equivaler  á  sua  importância  o  que  certamente  é  muito  pouco. 

Poderá  aquelle  saldo  em  quaesquer  permutações  no  centro  da  Africa 
produzir  sequer  o  capital  empregado  na  Expedição  14:400|I000  réis? 
Responde-se  certamente  que  as  despezas  são  diárias  e  o  capital  vae  sendo 
logo  empregado  nas  permutações  com  grandes  lucros  e  estes  podem  dar 
para  as  despezas.  Mas  creia  V.  £x.*  que  não  é  tanto  assim,  que  os  géne- 
ros procurados  quando  se  encontram  é  já  a  grandes  distancias  do  ponto 
de  partida  e  por  conseguinte  muitas  teem  sido  já  as  despezas  feitas,  e 
quando  mais  alguns  resultados  houver,  certamente  não  compensam  os 
sacrifícios,  trabalhos  e  perigos  a  que  se  expõe  o  negociante. 

Ex."***  8r.  —  A  Europa  tem  sido  illudida  com  respeito  ao  commercio 
da  Africa  e  nós  vamos  na  onda  porque  as  informações  que  nos  chegam 
á  metrópole  das  nossas  províncias,  são  menos  exactas.  Falla-se  e  escre- 
vesse sem  perfeito  conhecimento  de  causa,  estabelecem- se  hypotheses 
sobre  bases  falsas,  deduzem-se  argumentos  e  apresentam-se  doutrinas 
que  realmente  enganam  os  inexperientes,  e  os  que  procuram  informar-se 
devidamente,  teem  de  acceitar  como  verdadeiras  essas  hypotheses  e  de- 
ducçõcs ;  e  como  isto  possa  acarretar  mais  prejuízos  aos  negociantes  que 
na  metrópole  se  teem  interessado  pelo  commercio  de  Africa,  cumpre-me, 
já  que  y.  Ex.*  me  honrou  confíando-me  a  missão  de  que  estou  encarre- 
gado, ser  muito  verdadeiro  e  leal  nas  minhas  informações. 

Presentemente  dois  negociantes  sertanejos  da  provinda  de  Angola 
teem- se  afastado  mais  á  aventura  indo  commerciar  no  centro  de  Afri- 
ca, refíro-me  a  Silva  Porto,  de  Benguella,  e  a  Saturnino  Machado,  de 
Malanjc.  Se  me  recordo  bem,  um  e  outro  ha  mais  de  vinte  annos  que 
teem  estado  internados  no  Continente,  um  no  Bié  e  o  outro  em  Quibun- 
do,  esperando  o  dourado  manancial  de  productos  do  gentio,  para  na  ve- 
lhice descansarem  e  d'elle  gosarem,  remunerando-se  assim  de  tantos  sa- 
crifícios, trabalhos  e  perigos  a  que  se  expozeram  durante  esse  longo  pe- 
riodo  da  sua  vida,  isolados  no  meio  do  sertão. 

Não  chegava  porém  essa  fortuna,  e  impacientes  lembraram-se  ultima- 
mente de  se  sacrificarem  mais  uma  vez,  arriscando  o  producto  de  seus 


■zniHçIo  pfnnnFarau  AO  kiuiiImtiu. 

os  Bftcríficios,  e  prepararvn-se  para  levarem 
k  Dic-rcadoê  Inngi^nos  onde  le  lhes  dizín  paderíam 

Em  I8S1,  M  a  meoKi  i:^  me  nSo  falha,  partiu  Silva  Porto  do  Bié,  di- 
rigindo-M  para  o  sorte.  'juanCos  eacriScios  e  despesas  nSo  Uie  cnatftris 
dMde  logo,  o  obter  que  •'.!■  l^.ng^cUaalicfaegaseem  cargas  para  treioiloe 
eaiT^iadoTM  I  Eate  é  o  iiMmero.  segundo  o  interprete  qae  o  acompanhou 
da  Haaa  Congido  ft  C^bau,  e  qao  á  ultima  hora  se  me  apresentou  para 
nu  Mompaiiliac  i  Landa,  0Dd<.'  tem  estado  por  varias  vezes-  Infonaa-mo 
ainda  «to,  aer  a  impMtincift  d'uquella  caravana  20:000^000  réis,  valor 
qna  fflra  psnnntada  fOi  trezt^ntiis  pontas  de  marfim. 

Ectas  nlo  fÍR«m  a6  encontradas  em  CabiMi,  mas  em  Tortos  pontoa  qoe 
viaitanun,  gaatando-M  por  isso  em  tal  exploraçSo  dezoito  a  vinte  meses. 
Num  ueripto  de  SUva  Porto  &  Sociedade  de  Geographia  de  Li&boa. 
na  ma  note  de  deapesos,  lembra-me  ter  visto  uma  verba  approiimada- 
mento  de  2:00(tf000  léíe,  consumida  apenas  em  tribatos,  dadivas  aos  so- 
bâi,  etc^  o  que  redtu  o  valor  da  caravana  a  18:000^000  réis. 

Sou  informado  qne  Silva  Porto  píigava  ao  seu  pessoal  as  rações  eui 
misMngaa  á  raalo  de  nm  macete  (340  réis)  para  quatro  diaa,  porIBiili> 
Kceito  (o  qne  i  petm  duvidar)  que  pagou  rações  á  razSo  de  60  réis  dia- 
rloa.  Sendo  aaaim,  despendeu  diariauieiilc  18^000  r£ig  e  por  conseguinte 
em  deioito  meus  9:TS0i000  léis. 

Calculando  qne  obteve  oquellea  euregadoiea  pan  id»  t  voUa  per 
13X000  réis  cada  nm  (o  qne  nSo  é  cHvel),  SiGOO^OOO  r^  serio  oe  aew 
vencimentos.  Suppondo  que  com  o  empregado  enropen  e  os  interprete* 
qne  levou  despendeu  em  todo  o  tempo  ordenados  e  raç^ea,  68(4000  ríÒB 
(para  arredondar  coutas)  já  temos  14:000^000  a  abater  ao  valor  empre- 
gado, 18:000j000  réis ;  resUm  portanto  4:000^000  réis.  D'e8tea  ba' 
unda  a  abater  ae  importâncias  de  mesa  de  Silva  Porto,  o  sen  transporte, 
eommodidades,  armamento,  medicamentos,  qne  se  pode  reputai  em  réia 
2;000<000,  ficando  portanto  para  permutação  apenas  2:000^000  réis  i  ftUs 
estes,  segundo  o  informador,  deram  trezentas  pontas  de  marfim !  Ora,  cal- 
culando estas  em  média,  valor  liquido  na  metrópole  a  90^000  réis  cada 
ama  (o  qne  é  muito),  produziu  a  pennntaçSo  25rO00jO00  réis,  abatendo 
réis  2:0002000  de  entrada.  Ha  portanto  um  lucro  de  5:000^000  réis ! 

Na  metrópole,  este  capital  empregado  apenas  em  inscripçòea,  prodn- 
úria  sem  trabalbo  nem  perigos  nos  dezoito  mezes  1:800^000  réis,  a 
diSerença  de  lucros  ê  de  3:2002000  réis,  nSo  chega  a  200^000  réis  por 
mez. 

Pergunto,  se  na  metrópole  se  tentar  uma  eiploraçio  d'esta  ordem 
aos  mesmos  pontos  onde  foi  Silva  Porto,  pois  qne  do  Bié  até  entre  os  pa- 
rallelos  5  e  G  (sul  do  Equador)  nSo  encontrou  marfim,  acbaré  eaea  em- 
presa nm  empregado  de  confiança  e  í  altura  de  dirigir  e  administrar 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  489 

uma  tal  exploração  por  200^000  réis  por  mez,  menos  dos  lucros  obtidos? 
£  quando  assim  seja,  a  despeza  doesse  e  outros  empregados  em  Wagens 
de  Lisboa  a  Loanda  e  d'ahi  ao  ponto  em  que  se  organise  a  expedição 
d'onde  ha  de  sair  ? 

Devo  agora  notar  a  V.  £x.*,  que  custa  a  crer  que  em  e£feitos  de  com- 
mercio,  fazendas,  louças,  taxas,  missangas,  busios,  pólvora,  quinquilbe- 
rias,  etc.,  os  valores  equivalentes  a  20:000JI000  réis,  possam  ser  tran- 
sportados só  por  trezentos  carregadores  ou  antes  menos,  porque  sempre 
ha  a  abater  os  do  serviço  pessoal  do  negociante  e  ainda  os  destinados 
ao  especial  da  caravana,  embora  nestes  20:000|>000  réis  se  comprebendam 
já  os  fretes,  direitos,  etc,  do  ponto  de  partida  para  o  interior. 

Saturnino  Machado,  que  ha  um  anno  partiu  de  Malanje  para  Cabau, 
levou  para  o  transporte  dos  mesmos  valores  oitocentos  homens.  Já  vê 
pois  y.  Lx.*.  que  as  informações  acima  não  são  muito  exactas. 

Até  ao  Cuango  jáV.  £x.*  conhece  os  contratempos  de  Saturnino  Ma- 
chado, não  só  com  relação  a  despezas  extraordinárias,  como  á  sua  longa 
viagem  de  Malanje  ali,  sessenta  dias !  Quando  o  muito  devia  ser  vinte. 

£stão  aqui  passando  de  regresso,  parte  dos  seus  carregadores  e  elles 
informam-me  ter  Machado  acabado  o  negocio  de  fazendas  e  estar  agora 
negociando  as  armas  e  a  pólvora.  Não  dizem  o  numero  de  pontas  de 
marfim  alcançadas,  mas  dizem  ser  pouco  e  também  nada  informam  so- 
bre o  seu  companheiro  António  Lopes  de  Carvalho,  que  se  separara,  a 
bem  da  sociedade,  a  procurar  melhor  mercado  a  N.-£. 

Ao  favor  de  Custodio  Machado,  recebido  em  10  doeste  mez,  devo 
o  saber  que  os  carregadores  haviam  abandonado  Saturnino  nos  Bacon- 
gos,  junto  ao  Alto-Zaire,  e  que  no  ponto  em  que  elle  se  encontrava, 
havia  muita  borracha.  Julga  Custodio  Machado  que  Saturnino  resolverá 
para  evitar  maiores  despezas,  descer  o  Zaire  em  pirogas. 

Quando  este  regressar,  espero  que  Custodio  Machado,  me  obsequiará 
informando-me  sobre  os  resultados  da  £xpedição;  mas  já  se  pode  as- 
severar que  ella  custou  muitos  sacrifícios  e  trabalhos  e  que  esses  resulta- 
dos talvez  os  não  compensem,  nem  por  certo  animarão  futuras  explorações 
commerciacs.  Oxalá  eu  me  engane,  pois  são  cordiaes  os  votos  que  faço 
pelas  prosperidades  dos  infatigáveis,  prestantes  e  patrióticos  irmãos 
Machados,  de  Malanje,  dignos  por  tantos  titulos  de  terem  dias  tranquil- 
los  e  cheios  de  felicidades. 

O  modo  por  que  as  mercadorias  chegam  actualmente  oneradas,  ao  ponto 
onde  se  hão  de  organisar  as  expedições;  o  pagamento  que  presente- 
mente pede  um  carregador  para  transportar  a  carga ;  o  pequeno  peso 
doesta;  a  baixa  dos  preços  nos  mercados  europeus  dos  trez  únicos  géne- 
ros que  a  Africa  offerece  á  permutação :  cera,  borracha  e  marfim  (refiro- 
me  ao  seio  do  continente);  a  escassez  que  d'esses  mesmos  se  vae 
notando  do  parallelo  7.^  para  sul  (distancia  a  que  ainda  se  poderão  en- 

8S 


490  EXPEDIÇIO  PORTUGUBZA  AO  XUÁTllHVnÁ 

contrar  por  emquanto) ;  a  competência  que  n*es8a  procura  nos  eatSo  fifc- 
xendo  os  estrangeiroe  nos  portos  ao  norte  até  ao  Zaire  cá  do  occidente, 
e  os  Árabes  em  Njangoé  e  os  estrangeiros  no  Tanganica  e  Nyaasa,  «2o 
finalmente,  £x."><*  Sr.,  rasòes  assas  fortes  para  prejudicar  a  empresa  ou 
emprezas,  individuos  ou  associações  que  tentarem  expedições  commer- 
ciaes  ao  centro  do  continente  africano. 

KSo  é  preciso  ser  especialista  em  assumptos  commerciaes  para  ae  co- 
nhecer esta  verdade ;  a  simples  obseryaçSo  durante  algum  tempo  nestas 
paragens  com  o  intento  de  bem  informar  a  quem  compete,  é  o  bastanteé 

Os  centros  dos  concelhos  a  leste  de  Loanda  e  essa  mesma  cidade,  qiie 
digaài  nestes  últimos  tempos  quaes  os  géneros  que  ahi  chegam  do  een- 
tro  de  Africa,  a  nSo  ser  o  que  lá  levam  os  Bftngalas,  que  sSo  os  proprie- 
tários das  suas  cargas ! 

O  Bângala  é  puramente  commerciante  e  percorre  l^^as  e  le^naa  com 
a  sua  carga  em  busca  de  quem  mais  fazendas  lhe  dô  por  ella. 

Aproveitar  pois  estas  disposições,  não  levantar  conflictos  com  ^ea^ 
procurando  fazer-lhes  concorrência  além  do  Cuango,  e  o  estabelecknento 
de  agencias  commerciaes  em  todos  esses  caminhos  de  Malanje  a(té  este 
rio,  pelo  menos  nos  que  já  hoje  garantem  segurança  e  boas  diapostçftes 
dos  povos  limitrophes  para  comnosco,  creio  ser  o  mais  acertado*  Ellea 
cá  virão  trazer-nos  á  provinda  o  pouco  que  já  se  encontra  no  centro 
de  Africa,  de  bons  géneros  para  permutação,  sem  que  haja  necessidade 
de  mais  sacrificios,  despezas  e  mesmo  victimas. 

Para  o  futuro  viver  da  provincia  de  Angola  e  seu  desenvolvimento, 
nada  se  pode  esperar  já  Q^essed  productos  afamados  e  em  que  se  fazia 
consistir  a  riqueza  do  commercio  africano. 

Outr'ora,  essas  explorações  íizeram-se  entre  nós  e  talvez  uma  ou  outra 
com  vantagens,  porque  os  carregadores  eram  escravos  do  dono  da  cara- 
vana que  as  acompanhava. 

O  que  entre  nós  foi  de  ha  muito  banido,  creia  V.  Ex.*  que  tem  sido  e 
ainda  é,  aproveitado  pelos  estrangeiros  que  por  cá  andam  e  no  que  nâo 
deixam  de  nos  prejudicar  mesmo  durante  a  nossa  missão,  porque  os  po- 
tentados estranham,  nao  só  que  lhes  nao  compremos  os  escravos  que  nos 
apresentam,  mas  que  não  acceitemos  os  que  nos  enviam  de  presente; 
já  posso  fallar  assim  e  ainda  estou  áquem  do  Cuango. 

Apresso-me  a  dar  estas  informações  a  V.  Ex.*,  para  que  no  paiz  não 
haja  precipitação  em  se  organisar  uma  exploração  commcrcial  ao  centro 
de  Africa,  que  emquanto  a  mim  terá  resultados  funestos,  se  não  for  at- 
tendida  a  opinião  d'esta  Expedição,  que  espero  será  um  dia  publicada 
juntamente  com  a  relação  de  todos  os  seus  trabalhos. 

Felicito-me  hoje,  porque  os  volumes  de  mercadorias  (perto  de  duzen- 
tos) de  alguns  nogoci antes  do  Porto,  houvessem  chegado  a  Lisboa  de- 
pois da  minha  partida  para  Loanda.  A  Providencia  estava  então  por 


DESCRIPÇÍO  DA  VIAGEM  491 

mim ;  se  me  houvessem  acompanhado,  emquanto  nSo  estaria  já  o  seu 
transporte  !  £  onde  e  como  permutá-las  ?  £  a  pergunta  que  faço  a  mim 
mesmo  muitas  vezes. 

Pode  o  Governo  querer  continuar  a  provar  á  £uropa,  que  também 
Portugal  com  grandes  vantagens  para  estes  povos,  manda  para  cá  as 
suas  £xpcdiç(jes  civilisadoras ;  que  nos  é  facultada  a  passagem  entre 
elles,  só  pela  influencia  do  poder  de  Mucne  Puto,  que  elles  veneram  e 
respeitam  e  sem  necessidade  de  disparar  um  tiro  para  abrir  caminhos ; 
que  como  as  demais  nações,  nos  interessámos  e  sabemos  civilisar  os 
povos  por  onde  passamos,  e  que  finalmente  quando  díspozermos  de  ca- 
pitães, sempre  havemos  de  conseguir  muito  mais  que  as  missões  estran- 
geiras, já  pelos  nossos  costumes  brandos,  já  pelo  convívio  e  antigas 
relações  no  paiz  (o  que  elles  recordam  sempre),  já  pelo  conhecimento 
que  mais  ou  menos  toem  da  nossa  lingua  (não  é  raro  mesmo  entre  o 
gentio  em  conversa  ouvirem-se  palavras  portuguezas),  e  pelo  bom  trato 
e  justiça  que  lhes  dispensámos,  ainda  mesmo  contra  os  nossos  interes- 
ses. Para  taes  fins  se  o  Governo  o  entende  e  o  paiz  pode  e  quer,  que  ve- 
nham outras  Expedições  em  seguida  a  esta,  porque  nós  os  Portuguezes 
teremos  sempre  em  tudo  superiores  vantagens,  mas  esperar  que  as  em- 
prezas  commerciaes  sustentem  expedições  com  a  mira  em  alargar  mer- 
cados aos  seus  productos  em  troca  de  outros  de  maior  valia,  (a  não  se 
modificarem  muito  em  favor  d^essas  emprezas  os  encargos  que  pesam 
sobre  os  objectos  do  commercio  que  entram  na  provinda  de  Angola),  é 
um  erro  e  gravíssimo,  sobretudo  em  concorrência,  como  actualmente,  com 
os  pontos  privilegiados  ao  norte  e  com  a  grande  potencia  da  Internacio- 
nal, que  só  pelos  seus  milhões  empregados  em  fazendas,  força  bem  ar- 
mada, e  fenos  a  subjugar  e  dominar  o  gentio,  nos  pode  arrebatar  o  que 
para  nós  por  boa  vontade  viria. 

Preparada  a  Expedição  para  partir  depois  de  amanhã  para  o  Cuango, 
Estação  Costa  e  Silva,  onde  eu  chegarei  no  dia  immediato  para  dispor 
tudo  a  fim  de  se  efFectuar  a  passagem  do  rio,  entendo  do  meu  dever  dar 
antes  da  partida  algumas  informações  a  V.  £x.*  sobre  esta  localidade  e 
suas  vizinhanças. 

Esta  Estação,  rodeada  a  leste  e  norte  pelo  Luí,  vindo  do  sul  fica  na 
altitude  media  (media  de  cem  observações)  de  701  metros,  isto  é,  4r»l 
metros  abaixo  de  Malanje,  na  latitude  S**  SI'  48''  sul  e  longitude  17*»  6/ 
30'';  está  cem  metros  a  leste  da  povoação  principal,  Ambanza  do  Am- 
bango.  E  rodeada  áqucm  do  Luí,  em  todos  os  quadrantes,  seguindo  de 
norte  pelo  leste  pelas  seguintes  povoações  mais  principaes,  cujos  nomes 
são  os  dos  potentados  Angiivo,  Quibando,  Matamba,  Cáhia  Cassáxi,  Ca- 
mávu,  Cátúta,  Cáanzela,  Mucanda,  Anguanguay  Cáputo,  Quijica  e  outros 
de  menor  importância. 


492  BXPEDIÇZO  POBTCOUBKA  AO  XUATllwnA 

Com  todms  dias  e  com  os  seu  potentado»  temos  mantido  aa  mèDiona 
relações.  Amiudadas  vezes  estes  me  piocDraram  (geralmente  de  noite, 
habito  em  que  os  tive  de  pôr  para  me  deixarem  trabalhar  dnrante  o  dim), 
a  fim  de  conversarem  e  saberem  do  qoe  se  passa  nas  terras  de  lloe&e 
Poto,  e  também  receberem  o  malofb  da  visita  (agnaxdente  temperada 
como  já  disse  a  V.  £x.*)  e  me  apresentarem  seos  filhos  (denominaçio  em 
que  comprehendem  os  homens  das  soas  povoações),  para  transporte  das 
minhas  cargas  ás  terras  do  Mnatiânvna. 

A  parte  a  grande  humidade,  devido  a  ser  nma  grande  planície  e  ro- 
deada pelo  Lai  e  seos  afluentes,  a  sitoaçio  é  salubre  e  soppomo-la 
mesmo  superior  a  Cafuzi,  que  reputamos  saudável,  certamente  por  es- 
tarmos mais  desaffirontados  por  todos  os  quadrantes.  Aqui  entre  o  pes- 
soal, em  três  semanas  apenas  foram  tratadas  duas  doençaa  ligeiras; 
uma  febre  das  ordinárias  no  empregado  europeu  e  uma  simples  bron- 
chite  num  dos  carregadores,  um  &  outro  por  dormirem  ao  relento. 

Os  povos  sio  mui  soceg^os,  mas  ciosos  das  grandesas  doa  sena  po- 
tentados, Ambango  e  Anguvo,  e  por  isso  se  nota  entre  ellea  nma  certa 
rivalidade,  respeitando-se  porém  estes  chefes  mutuamente  quando  se  en- 
contram, pelo  menos  á  minha  vista.  Tanto  um  como  outro  conaideram-se 
subordinados  de  Muene  Canje,  a  quem  chamam  pae,  residente  em  Mns- 
sanjísno,  5  kilometros  a  N.-O.,  além  do  Luí,  que  é  o  potentado  doa  Cõbos, 
e  por  isso  estes  aqui,  se  deviam  considerar  como  taes ;  mas  é  o  que  se 
nSo  dá,  porque  Ambango  que  pelo  lado  paterno  é  Holo  e  pelo  materno 
Côbo,  considernndo-se  senhor  do  que  herdou  do  tio,  um  intruso  que  veio 
eHtabelecer-se  mais  a  oeste  do  logar  em  que  aquelle  fundou  a  actual 
sanzala,  (ambauza)  diz-se  independente,  e  á  similhança  do  soba  Ambango 
de  Malanje,  chama  ao  seu  povo,  que  faz  estender  até  ao  Qnilandula  Mu- 
lolo  Quinhangua,  próximo  do  rio  Luhanda,  Bambeiro ;  querendo  assim 
distingui -Io  dos  MHhôlos,  Macôbos  e  Mahundas,  povos  que  o  limitam,. 
sem  se  importar  que  Audala  Quissiia  pretenda  que  os  limites  de  suas 
terras  os  comprehendam,  porque  toma  o  Luí  como  fronteira. 

Ha  pouco  aquelle  potentado  mandou-o  avisar,  que  até  agora  tem  es- 
perado pelo  seu  tributo  e  a  resposta  de  Ambango  na  minha  presença, 
foi,  que  estava  ha  pouco  tempo  no  Estado  e  nâo  se  achava  preparado 
ainda  para  lhe  pagar  o  devido  tributo. 

O  Anguvo,  diz  ter  fugido  de  Mona  Congolo,  margem  do  Chicápa  e 
ter  vindo  estabelecer  a  sua  ambanza  próximo  do  Luí,  sob  o  dominio  de 
Muene  Canje,  e  ser  também  independente  porque  é  parente  dos  Hôlos 
como  dos  Bângalas  (Cassaujes)  e  dos  Haris  (Muêto  Anguimbo),  e  n2o 
quer  também  acceitar  para  seu  povo  a  denominação  de  Côbo. 

Tenho  visitado  as  principaes  ambanzas  e  nalgumas  tenho  visto  além 
de  mandioca  e  jinguba,  limoeiros,  feijão,  bananeiras,  milho,  papaia  (ma- 
mão), pau  de  sabão,  mamona,  algum  tabaco  e  ocá  de  S.  Thomé. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  493 

As  povoações  mais  próximas  do  Lui  teem  homens  que  se  dedicam  á 
pesca  e  já  por  três  vezes  fomos  mimoseados  com  peixe,  o  bagre  e  outros 
mais  pequenos,  gostosos  mas  de  muita  espinha. 

N^esta  Estação  fez-se  em  principio  acquisiçâo  de  vinte  gallinhas, 
quatorze  das  quaes  levamos  comnosco,  o  que  tem  sido  muito  apreciado, 
por  ser  raro  o  dia  em  qne  se  nâo  guardam  cinco  a  seis  ovos  para  o  nosso 
rancho.  Teem  também  apparecido  ovos  á  venda  na  Estação,  o  que  nos 
prova  haver  aqui  mais  creação  que  em  outras  localidades  onde  temos 
pernoitado. 

Pelo  que  respeita  a  gado  vaccum,  nao  nos  tem  faltado  aqui,  como  já 
disse  a  V.  Ex.*,  é  este  o  ponto  onde  os  aviados  dos  marchantes  de  Pungo 
Andongo  e  Malanje  se  abastecem  em  troca  de  fazendas,  missangas  etc. 
Mas  aqui  como  em  Andala  Quissúa,  não  se  mata  gado  para  a  povoação, 
e  a  gente  d'aqui,  se  ultimamente  tem  comido  carne,  devem-n*o  a  esta 
Expedição  pelas  permutas  por  farinha  e  bombos. 

Também  é  aqui  procurando  o  sal  do  Luí,  tanto  d'além  do  Cuango, 
como  das  povoações  até  Malanje,  do  que  se  tira  algum  interesse. 

A  disposição  d'e8te  povo  a  nosso  respeito  e  tudo  mais  que  deixo  ex- 
posto me  levam  a  crer  que  seria  de  um  grande  bem  para  o  futuro,  man- 
ter-se  esta  Estação,  não  só  para  a  conservação  doeste  bello  caminho  para 
o  commercio,  como  pelo  grande  numero  de  carregadores  que  num  mo- 
mento lhes  pode  fornecer,  quer  para  Malanje,  quer  para  o  Cuango ;  e 
ainda  porque  estas  terras  pela  sua  fertilidade  e  abundância  de  aguas, 
facilmente  se  agricultavam,  podendo  em  grande  parte  ser  aproveitadas 
para  creação  de  grandes  manadas  de  gado,  que  até  se  poderia  exportar 
para  fora  da  província,  quando  estabelecida  a  linha  férrea  de  Ambaca. 

Que  venham  para  a  Estação  e  suas  immediaçoes,  pessoas  idóneas  que 
ensinem  e  civilizem  estes  povos,  que  a  isso  se  prestam,  e  então  o  com- 
mercio da  província  se  não  encontra  hoje  as  riquezas  imaginarias  do  cen- 
tro da  Africa,  encontrará  sempre  lucros  rasoaveis  mas  seguros,  porque 
os  consumidores  serão  então  os  povos  que  civilisam  e  por  certo  lucros 
maiores  dos  que  realisa  actualmente,  ou  podprá  obter  de  futuro,  se  as  cou- 
sas continuarem  como  d'antes. 

A  minha  proposta  ao  negociante  Custodio  Machado  foi  bem  acolhida, 
participou-me  já  que  seu  sobrinho  ia  partir  com  negocio  para  a  Estação 
Ferreira  do  Amaral,  e  só  esperava  carregadores  para  esse  fim.  Como 
sei  que  em  Malanje  ha  difficuldades  actualmente  em  os  arranjar,  mandei 
um  portador  a  Andala  Quissúa  para  os  enviar,  e  este  também  já  me  res- 
pondeu que  os  ia  expedir,  o  que  creio  fará,  porquanto  sei  quanto  elle  e 
o  sobeta  da  localidade  apreciarão  o  estabelecimento  d*aquella  agencia  ali. 

Eu  repito  hoje  a  V.  Ex.*  o  que  já  tenho  dito  mais  de  uma  vez,  encon- 
trei em  Custodio  Machado  um  grande  auxiliar  para  o  bom  êxito  da  mi- 
nha missão. 


I 


Tem  wdo  elle  que  em  Malnnje,  na  presença  doa  eatrnngeiroB  (Alle- 
uiiltis  cm  maioria),  tem  sabido  manter  o  boni  uome  portiigaee.  Hoje  mm 
eu  d'ÍBso  uma  tealeinuiiha,  porque  deante  de  mim  se  derius  nlguns  fi»- 
etos  que  o  comprovam  o  por  iaso  tanto  eu  novamente  tomo  a  liberdade 
de  lembrar  a  V.  El.'  o  recommende  á  munificência  regia  em  Ponaide- 
ração  dos  auxílios  que  tem  preatado  i  Expedição  snb  o  meu  cominando. 

Reata-me  fazer  oceupar  eeta  EataçSo,  que  não  tem  menos  importftn- 
cía  do  que  aquellft,  pois  eatí  diatunte  do  Cuango  {portos  do  MuOtu 
Angiiimbo)  nove  e  meia  horas  de  viagem  cm  rede,  e  pai-a  esae  fim  de- 
claro a  V.  Ex.'  é  ainda  a  Custodio  Maehado  que  mo  vou  dirigir  para  ver 
BC  algnm  doa  eeua  collegas  em  Jlalsmje  ec  anima  a  vir  estabelecer  aqui 
uma  agencia  a  cargo  de  um  empregado  de  confiança  e  de  reconhecida 
prudência,  para  couacguír  cittrahir  o  commercio  d'além  do  Cuango. 
Aguardo  uma  reaposta  favorável. 

A  inãuencia  d'esta  Estaçjlo,  entre  outras  cousas  aioda  ba  dias  se  fei 
eentir  sobre  o  eommcrcio.  Um  pequeno  negociante  sertanejo,  portoguei 
ofricauo,  ha  aunos  estabelecido  no  Xinje  (Capénda)  regressando  de 
Malnnje  a  sua  caaa,  eutendeu  por  aqui  paasar,  seguindo  as  ptzadie 
da  Expedição.  Chamn-se  ello  Joilo  António  Soares  Braga. 

É  certo  que  o  aoba  Ambango  lhe  exigira  em  relação  aos  sens  fracos 
recursos,  o  que  elie  entendeu  aer  uma  exorbitância.  Mandei  chamai  o 
soba  &  KstaçSo  e  apresentei  Braga  como  filho  de  Muene  Puto  e  por  con- 
seguinte como  meu  filho  nestas  terras  (segundo  elles),  e  dcelar«i-lhe 
que  ro  elle  queria  papiiiiiento,  seria  pu  quem  o  tinha  de  fnier.  O  sob* 
desculpou-se  allegando  que  aquelle  meu  filho  nSo  invocara  o  Dome  do 
major  e  que  n3,o  só  a  elle  como  a  todos  os  meus  filhos  que  passassem 
nada  Ihca  exigiria  e  que  só  receberia  o  que  fosse  da  vont-ade  d'elles  e 
lhes  podeasein  dar,  pois  já  muitos  benefícios  e  favores  devia  ao  een  rei, 
Mn  ene  Puto. 

O  negociante  Braga  presenteou-o  depois  com  uma  peça  de  fasenda, 
corre apouden te  a  800  réis  e  o  soba  fícou  muito  contente,  dando-lhe  nina 
cubata  para  hospedagem  emquanto  aqui  estivesse. 

Tecm  regressado  ncatea  dias  oa  carregadores  de  Saturnino  Machado 
vindos  do  Lubuco,  e  trazem  mais  ou  menos  alguma  mercadoria  e  papa- 
gaios. Vinham  seguidos  de  uma  vez  pelo  sobeta  Matamba,  uma  espécie 
de  advogado  do  Ambango,  para  lhes  exigir  alguma  cousa,  porém  sabendo 
por  ellea  que  vinham  do  Quiaséaao  (Saturnino  Machado),  que  era  filho  de 
Muene  Puto,  veiu  logo  procurar-nie  e  dizer-me  que  nSo  Ibes  tinha  ob- 
stado á  passagem  e  seguíra-os  apenas  para  me  visitar.  Fes  jus  a  nma 
caneca  de  aguardente.  Mal  sabia  eu  entio,  que  aquelles  carregadores 
haviam  abandonado  Machado,  ali&a  nSo  teria  intervindo  e  elles  que  1&  SC 
arranjassem.  Sabe  Deus  o  mal  que  lhe  teriam  feito  I 

Jí  vê  V.  El.*  que  ha  também  muita  conveniência  em  se  fazer  o 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  495 

esta  Estação,  para  manter  seguro  o  caminho  e  não  deixar  perder  a  nossa 
influencia,  pois  estes  povos  estão  suppondo  que  é  por  ordens  de  Muene 
Puto  que  se  faz  por  aqui  convergir  o  commercio,  o  que  muito  desejam 
e  apreciam. 

O  negociante  Braga  informou-me  que  encontrarei  em  Mona  Samba, 
em  seu  filho  c  noutros  sobctas  do  Capênda,  vizinhos,  o  apoio  necessário 
para  contractar  os  carregadores  que  me  forem  ainda  precisos  para  seguir 
sem  interrupção  a  marcha  directamente  ao  Muatiânvua,  pois  tanto  os 
Xinjes  couio  os  Undas  de  seu  vizinho  e  parente  Anzôvo,  apreciarão 
muito  que  esta  Expedição  se  dirija  á  Mussumba  passando  por  ali,  por- 
que este  é  quilôlo  do  Muatiânvua  a  quem  paga  tributos  e  no  que  é  auxi- 
liado muitas  vezes  por  Mona  Samba  sua  parente,  sobretudo  quando  os 
enviados  do  Muáta  ali  chegam  inesperadamente,  no  que  também  o  au- 
xilia o  próprio  Capeuda  que  apesar  de  independente,  respeita  o  Mua- 
tiânvua como  maior  potentado. 

O  que  de  certo  por  algum  tempo  demorará  a  Expedição,  é  acharem-se 
os  rios  cheios  por  causa  das  chuvas,  as  quaes,  diz  Braga,  cessam  no 
Xinjc  até  ao  Cassai  de  janeiro  a  fevereiro,  epocha  da  colheita  dos  mi- 
lhos e  d'ahi  em  deante  do  Cassai  até  á  Mussumba  vão  diminuindo,  ces- 
sando nos  mezes  de  maio,  junho  e  julho ;  pelo  que  calculo,  a  não  se  da- 
rem circumstancias  extraordinárias,  que  só  poderei  partir  com  a  Ex- 
pedição de  fins  de  fevereiro  em  deante. 

Mais  me  informa  o  negociante  Braga  que  os  principaes  potentados  no 
Xinge  estão  actualmente  em  dissidências  politicas  por  causa  do  Capên- 
da, que  deve  ser  eleito. 

O  que  estava  no  Estado  foi  morto,  segundo  me  disseram,  por  ter  en- 
tregado a  um  estrangeiro  a  machadinha  do  Estado  (symbolo  da  aucto- 
ridade  ou  governo),  e  Quilélo  tomou  conta  das  malungas,  insígnias  de 
seu  fallecido  tio,  por  se  julgar  legitimo  herdeiro  da  sucessão. 

E  este,  filho  da  fallccida  Mávu  Cambo,  a  mais  velha  das  quatro  irmãs, 
únicas  que  podem  dar  herdeiros  ao  Estado. 

E  quasi  geral  a  versão  que  os  filhos  das  irmãs  od  dos  sobrinhos  filhos 
doestas,  são  do  mesmo  sangue  dos  potentados ;  e  por  conseguinte  os  filhos 
d'e8ta8  devem  ser  seus  legitimos  herdeiros.  Mas  Quilélo  segundo  os  seus 
adversários,  nascera  fora  dos  domínios  do  fallecido,  porque  sua  mãe  fora, 
logo  que  se  uniu  a  seu  pae,  para  as  terras  d'este.  Seguiam-se  os  filhos 
de  outra  irmã  tambçm  fallccida.  Mona  Andumba,  porém  esta,  pelo  facto 
de  se  unir  a  um  Quiôco  e  de  quem  teve  os  seus  filhos,  perdera  o  direito 
ao  Estado  porque  para  elles  o  terem  é  questão  essencial  que  seus  pães 
sejam  fidalgos. 

Eestam  pois,  os  filhos  das  duas  irmãs,  hoje  vivas,  Moana  Samba  e 
Moana  Cafunfo.  Esta  é  a  mais  ambiciosa  e  tem  levado  os  adversários  de 
Quilélo  a  guerrearem  os  partidários  de  sua  irmã,  ainda  q^  o  mesmo 


496  EXPEDIÇÃO  PORTdQUEÍA  AO  MOATIÍSVUA 

Bobterfugio  de  que  ella  vireu  sempre  maia  próxima  da  capital  do  Capên- 
da,  eiiiquanto  aquella  bc  fora  estalicleccr  mnis  ao  norte  nos  confins  do 
estado  d'estR  potentado. 

ilae  cmquanto  tucs  divergências  se  auetentitm  entre  ob  differenten 
grupos,Quilélo,  senhor  das  nia]ungaH,yae  ganhando  terreno,  cngroseatido 
as  fi-Ieiraa  dos  seus  amigos  e  a^ae^'erBm  alguns  (a  maioria),  ter  este  tanto 
direito  como  o  tilho  de  Cafunfo  e  aer  filho  da  irm3  mais  velha  do  fallti- 
cido,  e  por  isso  ha  todas  as  probabilidades  de  se  terminar  esta  questão 
sem  guerras  e  de  Quilélo  tomar  couta  deliuitiva  do  Estado,  o  qaal  pelo 
faeto  de  possuir  as  uialungas,  está  esereeudo  o  cargo  de  Capenda  como 
se  tivesse  sido  jil  eleito. 

O  referido  negociante  Braga,  por  sua  conrenieneia,  pedin-me  para 
acompanhar  a  E)Lpediç£o  &  Miissumha  do  Muatiânvua,  encarregoudo-ee 
de  alcançar  e  dirigir  os  carregadores  Xinges,  e  eu  annuindo  ao  seu  pe- 
dido offi:ireci-lhe  eoinida  do  meu  rancho. 

Herí  nm  bom  servido  que  elle  prestará  a  esta  Expedição  e  eu  julguei 
corresponder  de  ulguma  forma,  com  o  que  possa  dispor. 

Termino,  Ex,""  Sr.,  congratulando -me  que  o  Conselheiro  Governador 
Geral  de  Angola,  tào  promptameute  houvesse  attendido  éjt  confiderações 
por  m.im  expostas  no  ofiicio  que  lhe  dirigi  de  Malanje  em  8  de  julho,  so- 
bre a  necessidade  por  mim  notada  ha  muitos  annos,  de  se  reinstituírem 
na  província  sob  sua  aduiaistraçSn  as  nossas  mui  antigas  Estações  hoH- 
pitaleiras,  a  que  se  dava  o  nome  do  Patrulhas,  e  por  ímmcdiatamcute 
determinar  providencias  a  tal  respeito,  que  a  haver  z^lo  da  parte  dos 
que  teem  de  executar  as  suas  ordens,  será  em  pouco  tempo  mus  nm  me- 
lhoramento importante  que  a  provincja  contará,  devido  á  benéfica  kdmi- 
oistraçilo  de  S.  Ei.* 

Nunca  os  meus  desejos  foram  tSo  depressa  satisfeitos,  nnnca  uma  pro- 
posta teve  tâo  prompta  acolhida. 

E  porque  o  actual  governador  da  província  nSo  teve  duvida  em  ac- 
ceitá-la  e  estudá-la  apreciando  os  seus  bons  resultados,  pois  que  pratíca- 
mente  conhecia  de  tal  necessidade,  sem  querer  saber  d'onde  vinha  a 
lembrança  que  julgou  boa. 

É  medida  que  eu  particularmente  vou  agradecer  a  S.  Ez.*  porque  até 
os  considerandos  com  que  se  justifica,  são  os  próprios  de  que  me  servi 
para  provar  a  necessidade  de  sua  adopção,  como  V.  Ei.*  certamente  teve 
occasiio  de  ver  uo  meu  relatório  de  30  de  julho. 

Assim  tenho  eu,  mais  uma  prova  de  quanto  S.  Ex.*  o  Governador  Gre- 
ral  de  Angola  tem  apreciado  os  trabalhos  da  Expedição  a  meu  cargo. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.'  Estação  Paiva  de  Andrada,  margem  do  Lof, 
15  de  dezembro  de  1884.— III.""  e  Ei."""  Sr.  Ministro  e  Secretario  d'E8- 
tado  dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultramar.  ^  O  cbefe  da  ExpedíçSo, 
Henrique  Augtulo  Diat  de  Carvalho. 


DESCRIPÇXO  DA  VUOEM  497 

A  S.  Ex.'  o  Governador  Geral  da  Província  de  Angola. 

Hl.»*»  e  Ex.»»  Sr. —  Passando  ás  mãos  de  V.  Ex.*  a  inclusa  communi- 
cação  que  dirijo  ao  Ex."®  Ministro  dos  Negócios  da  marinha  e  ultramar, 
solicitando  de  V.  Ex.*  se  digne  determinar  que  ella  lhe  seja  enviada  na 
mala  official,  aproveito  a  opportunidadé  para  agradecer  a  V.  Ex.*  mui 
particularmente  a  attenção  que  lhe  mereceram  as  minhas  considerações 
sobre  a  necessidade  de  se  manter  a  antiga  instituição  das  Estações  hos- 
pitaleiras, vulgo.  Patrulhas. 

Nunca  táo  promptamente  uma  proposta,  dirigida  ás  auctoridades  com* 
petentes,  encontrou  soluçáo  como  aquella  a  que  me  refiro,  o  que  prova  que 
V.  Ex.*  reconheceu  os  bons  resultados  práticos  que  d*ahi  devem  advir 
principalmente  ao  commercio. 

Na  sábia  administração  de  V.  Ex.'  na  provinda  de  Angola,  por  qual- 
quer lado  por  que  se  encare  ha  muito  a  apreciar,  e  eu  declaro  a  V.  Ex.* 
que  em  mim  encontra  ella  mais  do  que  respeito  e  apreciação ;  encontra 
fervorosa  sympathia. 

y.  Ex.*,  com  a  energia  que  é  conhecida  como  um  dos  seus  dotes 
mais  caracteristicos,  dignou-se  bem  acolher  e  fazer  executar,  o  que  eu 
apenas  como  trabalhador  do  progresso  colonial  podia  esboçar  em  theoria 
pela  palavra  ou  pela  escripta,  demonstrando  os  resultados  que  da  sua 
adopção  se  podiam  colher.  Refíro-me:  d  colónia  agrícola  penitendaría; 
á  escola  profisríonal  de  Loanda ;  á  exposição  de  productos  agrícolas  e  in- 
dmtríacs  da  vastissima  província  de  Angola;  á  expedição  que  me  foi  con- 
fiada,  e  por  ultimo  á  reinstituição  das  patni!>has,  que  mais  não  são,  que 
estardes  hospitaleiras  no  sertão  da  provinda,  e  que  pela  sua  amplitude  se 
podem  tomar  civilisadoras,  as  quajts  seguindo-se  as  estabelecidas  por  esta 
Expedição,  ligam  Loanda  ao  Cuango  pelo  menos  numa  determinada  di- 
recção, 

A  y.  Ex.*,  a  gloria  dos  resultados  práticos,  pelo  modo  por  que  taes 
medidas  teem  sido  postas  em  execução,  a  mim,  a  satisfação  de  fazer  parte 
do  numero  dos  admiradores  de  y.  Ex.*  como  administrador  colonial. 

Deus  guarde  a  y.  Ex.*  Estação  Paiva  de  Andrada  na  margem  es- 
querda do  Luí,  15  de  dezembro  de  1884.  =  O  chefe  da  Expedição,  Hen- 
ríque  Augusto  Dias  de  Carvalho, 

Do  chefe  da  Expedição  ao  negociante  Custodio  José  de  Sousa 
Machado. 

111.""»  e  Ex."«>  Sr. — Da  Sociedade  de  Geographia  Commercial  do  Porto, 
recebi  ha  dias  um  officio,  em  que  se  me  communica  ter  sido  acceita  a 
minha  proposta,  de  se  convidar  y.  Ex.*  para  agente  da  mesma  sociedade 
e  do  commercio  do  Porto  em  Malanje,  com  que  muito  folgo.  Na  mesma 


498  EXPEDIÇÃO  POETUODEZA  AO  MCAtUiíVOA 

oceasíSo  paTtícipa-ne  V.  Ei.*  em  carta  particular,  que  fa  responder  ao 
convito  que  recebera  d  aqnella  beucmerita  eoeiedadc  para  tal  fim,  di- 
■endo  que  acceitava  csae  CDcargo,  o  que  me  foi  bastante  agradável  saber. 

Troune-me  ainda  o  mesmo  correio,  um  oficio  do  governo  geral  da 
província,  que  me  faz  eclcnto  do  terem  partido  de  Loanda  em  direccilo  ao 
Sondo,  ao  cuidado  do  chefe  do  concelho,  os  volumes  do  commerclo  do 
Porto,  que  me  deviam  ter  acompanhado  de  Lisboa,  e  que  rierain  no  tran- 
sporte índia  para  me  serem  entregues. 

Não  me  ê  possível  deixar  de  seguir  já  para  o  Cuaugo,  c,  pelas  díffi- 
coldades  e  despezas  que  teria  de  novo  a  fazer  para  alcançar  oa  currcga- 
dorea  precisos  para  taes  volumes,  e  pela  minha  opinlSo  jA  formada  con- 
tra as  explorações  commorclacs  uo  centro  de  Africa,  e  dllHcoldade  que 
hoje  reconheço  de  se  encontrarem  por  cá  mercados  onde  bem  collocar  as 
mercadorias  que  vieram,  sou  levado  a  ofliciar  nesta  data  ao  cliefe  do 
concelho  cm  Malanje  para  que  quando  taes  volumes  uhi  cheguem,  sejam 
entregues  a  V.  Kx.'  como  agente  dos  consignatários  c  do  que  tomo  iu- 
teira  responsabilidade. 

à  Sociedade  communico  não  b6  esta  minha  resolnçUo,  como  a  de 
que  auctoriso  V.  Ei.*  como  agente,  a  negociar  todas  as  mercadorias  que 
conteem  os  mesmos  volumes,  sendo  eetes  portanto,  o  principio  dag  tran 
MCçòes  que  deseja  Iniciar  o  commercio  do  Porto  nestas  paragens,  e 
V,  Ex.*  em  vÍBta  das  mi^rcadorias  que  se  mandaram  e  do  multo  que  co- 
nhece praticamente  sobre  o  commerclo  sertaníyo,  dirá  i  Sociedade  o  que 
mais  lhe  convém  sobre  preferencia  de  artigos  i  consignação  e  dos  que 
aio  devem  fazer  parte  de  novas  remessas. 

Deus  guarde  a  V.  Ei."  Estação  Paiva  de  Andrada,  15  de  dezembro 
de  1884.  =  O  chefe  da  Espediçâo,  BenriíiW.  Ãvgutlo  Dia*  de  Carvalho. 

Do  Chefe  da  Expedição  á  Sociedade  de  Geograpliiíi  Com- 
mercial  do  Porto. 

IlL"*  e  El.""  Sr. —  Participo  a  V.  Ex.'  ter  sido  hontem  avisado  por 
um  officio  da  Secretaria  do  Governo  geral  d'esta  província,  que  parti- 
ram para  o  Dondo,  aos  cuidados  do  Chefe  do  concelho,  para  serem  en- 
TiadoB  a  Malanje  e  a  mim  entregues,  os  volumes  do  commercio  do  Porto 
que  chegaram  a  Loanda  vindos  no  transporte  índia. 

Estando  já  preparada  a  Expedição  para  seguir  para  o  Cuango,  Esta- 
ção Costa  Silva,  onde  espero  completar  o  numero  de  carregadoree  pre- 
cisos para  o  Interior,  e  sendo  agora  muito  dlfficll  conseguirem -se  carre- 
gadores em  Malanje,  officiei  ao  negociante  Custodio  Machado,  qn«  me 
participara  acceitar  o  convite  da  Sociedade  de  que  V.  Ez.'  é  mui  digno 
Mcretario,  para  elle  ser  em  Malanje  o  agente  do  commercio  do  Porto, 
mctorisando-o  a  receber  os  referidos  volumes  e  negociá-los  por  couta 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  499^ 

dos  consignatários,  ficando  elle  de  instruir  V.  £z.*  sobre  o  que  mais  con- 
virá na  permutação  aos  interessados. 

Eu  não  posso  neste  momento  ser  tão  extenso  como  desejava,  não  s6 
com  respeito  ás  benévolas  expressões  do  officio  de  V.  Ez.*  que  ba  dias 
recebi  e  que  muito  tenbo  a  agradecer,  mas  principalmente  com  relação  a 
explorações  commerciaes  no  centro  d'este  continente  e  ao  modo  por  que 
julgo  no  meu  fraco  entender,  que  o  commercio  da  cidade  do  Porto  poderá 
obter  vantagens  nas  relações  que  deseja  estabelecer  com  as  nossas  pos- 
sessões ultramarinas,  e  principalmente  com  a  província  de  Angola. 

Que  se  estabeleçam  por  emquanto  as  agencias  nesta  provinda,  mas 
eu  peço  a  Y.  Ex.*  que  faça  suspender  qualquer  projecto  de  explorações 
commerciaes  ao  centro  do  continente,  até  que  as  minhas  informaç<)es  se- 
jam conhecidas,  as  quaes  eu  farei  toda  a  diligencia  de  transmittir  a  V.  Ex.* 
o  mais  brevemente  que  me  seja  permittido. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.*,  Estação  Paiva  de  Andrada,  15  de  novembro 
de  1884.  =  O  chefe  da  Expedição,  Henrique  Augusto  Dias  de  Car- 
valho. 

Prompta  a  correspondência  oíBcial  e  particular  para  a  famí- 
lia e  amigos,  despacharam-se  os  homens  que  regressavam  a 
Malanje  e  começou  o  serviço  de  pagar  carregadores  e  de  com- 
prar alguns  mantimentos.  Neste  serviço  decorreram  três  dias 
suceessivos,  porque  demais  havia  uma  guerra  dos  povos  d^aqui 
com  os  da  outra  margem  do  Lui,  por  causa  de  uma  porca,  de 
que  resultara  a  morte  de  um  homem  da  povoação  do  Ambango, 
o  que  deu  logar  na  povoação  a  chorar-se  o  óbito,  havendo  os 
batuques  e  as  descargas  do  estylo. 

O  que  mais  procurávamos  de  mantimentos,  era  gado  vaccum 
e  sal,  que  é  uma  raridade  apparecer  além  do  Cuango. 

Haviamo-nos  fornecido  de  50  arrobas  de  sal  no  Dondo,  po- 
rém accondicíonado  em  saccos  de  palha,  estava  muito  sujeito 
a  reducçoes  pelas  elevadas  temperaturas,  muitas  chuvas  e  pelas 
subtracções  dos  carregadores. 

O  sal  do  Luí  e  dos  Bângalas,  accondicionado  em  rolos  pro- 
tegidos por  folhas  e  revestidos  estes  depois  de  palha  (capim 
secco),  transporta-sc  e  vigia-se  e  é  o  que  mais  convém,  apesar 
do  a  nós  europeus  não  satisfazer  como  o  que  levávamos. 

Trinta  a  quarenta  d^esses  rolos,  a  que  chamam  muxas,  e 
que  regula  por  60  réis  cada  um,  constituo  uma  carga.  São  os 


500  KXPEDIÇZO  FOBTUGUEZA.  AO  ICUATIÂKVUA 

Bftngalas  quem  mais  transportam  doeste  sal  para  o  interior.  O 
.valor  máximo  da  cai^a  era  2^400  réis. 

Supp8e-se  que  a  permutaçSo  de  uma  tal  carga  deve  ser  in- 
significante,  nSo  é  assim^  como  veremos. 

O  movimepto  originado  pela  partida  da  ExpediçSo,  dá  sem- 
pre motivo  a  reunião  de  ociosos  que  nos  incommodam,  prind- 
palmente  os  emprazadores  importunos  aos  quaes  tudo  desperta 
curiosidade. 

É  preciso  em  taes  casos  haver  grande  prudência  de  parte  de 
de  todos  e  principalmente  de  quem  dirige  os  trabalhos,  para  evi- 
tar conflictosy  e  infelizmente  os  empregados  menores  entre  nós 
mnda  nSo  o  comprehendiam  assim  e  por  isso  mesmo  tivemos 
a  registar  o  primeiro  desaguisado,  que  poderia  ter  consequên- 
cias graves;  pois  que  apesar  dos  nossos  exforços,  no  que  o  sub- 
chefe da  Expedição  muito  nos  coadjuvou,  succederam-se  ou- 
tros conflictos  que  nos  contrariaram  e  demoraram  a  partida. 

Um  dos  nossos  empregados  que  estava  na  faina  de  coser  os 
fardos  e  guardar  os  objectos  que  continham,  já  muito  apoquen- 
tado pela  teimosia  dos  curiosos,  em  rodeá-lo  e  gritarem-lhe 
aos  ouvidos,  afastou  um,  empurrando-o.  Este  endireitou-se, 
porque  considerou  oflfensa  tocarem-lhe  no  corpo ;  o  empregado 
suppondo  que  por  meio  da  ameaça  tirava  melhor  partido,  pegou 
num  pau  e  voltou-se  para  elle,  querendo  indicar  que  estava 
em  guarda  contra  qualquer  atrevimento.  O  sujeito  retirando, 
arrastou  com  sigo  precipitadamente  toda  a  gente  que  estava  com 
elle,  a  quem  dizia  que  ia  tirar  a  desforra.  Em  seguida,  levan- 
tou-se  grande  alarido,  uns  incitando- o,  outros  procurando  con- 
vencê-lo do  seu  mau  procedimento,  e  outros  emfim  querendo 
arrastá-lo  para  a  povoação.  A  final  o  homem  dirigiu-se  a  um 
brazeiro,  e  tomando  um  tição,  tentou  largar  fogo  ao  acampa- 
mento em  frente  da  Estação.  Os  nossos  pegaram  logo  em  ar- 
mas, pondo  os  amotinados  em  alarme  a  povoação. 

Valeu-nos  o  bom  senso  dos  individues  com  quem  mais  convi- 
vêramos e  que  rodeiam  sempre,  como  filhos  predilectos  o  Am- 
bango,  08  quaes  o  convenceram  da  semrasão  do  discolo  e  da 
nossa  prudência. 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  501 

Quando  mandámos  o  interprete  procurar  o  Ambango  para 
entrarmos  em  explicações,  já  elle  estava  reprehendendo  o  pro- 
motor de  todo  este  alvoroço  e  pediu  que  nos  tranquilizás- 
semos. 

Estava  elle  chorando  o  óbito  do  rapaz  que  morrera  na  guer- 
ra, e  para  conseguirmos  que  o  incidente  nâo  viesse  perturbar 
nos  últimos  dias  as  nossas  boas  relações,  mandou-se  uma  por- 
ção de  pólvora  e  aguardente  para  as  ceremonias,  e  um  panno 
para  o   soba  vestir,   dizendo-se-lhe  que  íamos  acompanhá-lo. 

Agradeceu  muito  e  nós  fomos  pouco  depois.  O  sub-chefe 
descarregou  a  sua  arma  successivamente,  e  attrahida  pelo  es- 
trondo e  rapidez  dos  tiros,  appareceu  pouco  depois  armada, 
a  gente  de  Quindúa,  povoaçSlo  ao  norte,  a  saber  o  que  se  pas- 
sava na  Ambanza,  pois  pensavam  ser  guerra  do  mahunda,  que 
vinha  atacar  a  povoação. 

Vendo-nos,  mostraram-se  muito  satisfeitos,  mas  no  emtanto 
foram  pedindo  ao  soba  a  cabra,  por  terem  vindo  em  seu  auxi- 
lio. Em  vez  da  cabra  trouxeram  por  ordem  do  soba  uma  gal- 
linha,  que  se  lhes  deu  retirando-se  elles  contentes. 

Estávamos  chegados  ao  dia  20,  depois  de  três  dias  de  muito 
trabalho  e  de  muitas  fadigas  e  de  três  noites  insupportaveis 
pelo  calor,  falta  de  ar  e  praga  dos  mosquitos.  Logo  de  manhã 
appareceu-nos  Augusto  Jayme  que  haviamos  deixado  no  Cuango, 
trazendo-nos  uma  carta  do  ajudante,  em  que  nos  narrava  um 
certo  numero  de  incidentes  que  o  haviam  collocado  em  difi- 
culdades, e  dava-nos  noticias  bem  desagradáveis  sobre  o  ca- 
minho, pois  que  nos  tinham  ido  intrigar  com  Muene  Canje;  e  que 
os  filhos  de  Anguvo  receando  alguma  traição  na  outra  mar- 
gem do  Luí,  pediam  ao  pae  para  que  não  nos  desse  carrega- 
dores doesta  vez,  pois  não  queria  que  Muene  Puto  pudesse 
d'elles  queixar-se  com  rasão. 

Os  promenores  em  que  entrámos  a  tal  respeito,  mostraram- 
nos  que  era  necessário  contentar  de  algum  modo  Muene  Canje, 
para  evitar  dificuldades  na  marcha  além  do  Lui,  rio  que  en- 
tão não  dava  vau.  Tendo  de  nos  servir  de  canoas  e  estando 
a  nossa  além  do  Cuango,  por  isso  despachámos  o  mesmo  Au- 


502  EXPEDIÇZO  POBTUanBSA  AO  MVATlllirvnA 

gasto  Jayme  levando  ao  negociante  Braga  um  presente  pura 
Muene  Canje,  procurando  bem  dispd-lo  a  nosso  respeito  e 
participando-lhe  que  iamos  seguir  jornada. 

Mas  se  o  dia  havia  começado  pouco  antes  as  provaçSes  que 
nos  estavam  destinadas  é  que  ainda  nSo  tinham  acalMido.  Pouco 
depois  appareceu  Anzaje^  cabo  dos  carr^adores  do  Ámbango,  a 
pedir-nos  para  os  seus  levarem  para  a  ambanza  as  cai^gas  que 
lhes  destinávamos^  para  as  amarrarem  e  estarem  promptos  de 
madrugada  a  seguir-nos. 

Na  melhor  boa  fé  caimos,  sem  o  pensar,  no  laço  que  este 
homem,  em  quem  sempre  depositámos  confiança,  nos  preparava, 
e  ainda  hoje  acreditámos  que  elle  foi  atraiçoado  pelos  seus,  que 
sabiam  doesta  confiança. 

O  Ambango,  que  para  nós  estava  de  accordo,  sem  Anzaje  o 
saber,  com  meia  dúzia  de  malvados,  veiu  pouco  depois  visitar- 
nos  com  exigências  e  pedidos.  Respondemos-lhe  ter  dado  muito, 
e  na  occasião  já  tudo  ter  partido. 

Deixou-nos,  voltando  pouco  depois  com  as  meaaa^ii^pertí- 
nencias,  o  que  nos  obrigou  a  mandá-lo  retirar  ^  EstaçZa.  Saiu 
berrando  que  ia  fazer  e  acontecer.  A  gente  que  nos  acompa- 
nhava começou  logo  com  receios  e  a  pedir  polvora,e  a  gritaria 
recrusdeceu  na  povoação. 

Veiu  um  emissário  dizer  que  se  Muene  Puto  quizesse,  man- 
dasse buscar  as  cargas,  porque  os  filhos  do  Ambango  já  as 
não  queriam  transportar. 

Muene  Puto  lá  irá  quando  entender,  foi  a  resposta. 

Era  uma  provocação  que  os  nossos  queriam  immediatamente 
castigar,  e  insistiam  pedindo  pólvora;  mal  imaginavam  elles, 
que  o  cartuchame  de  suas  armas  estava  todo  para  deante. 
Era  preciso  usar  de  muita  prudência. 

Aos  pedidos  de  pólvora,  respondíamos:  que  socegassem,  pois 
só  dariamos  pólvora  quando  fosse  preciso;  deviam  lembrar-se 
que  também  nós  tinhamos  amor  á  nossa  vida. 

Havíamos  mandado  o  interprete  a  perguntar  ao  Ambango, 
que  recado  nos  havia  niandado,  pois  não  o  entendiamos,  e  como 
este  se  demorasse,  ofiereceu-se  o  sub-chefe  para  ir  á  ambanza. 


DESCRIPÇ20  DA  VIAGEM  503 

visto  dizer-se  que  estava  lá  tudo  armado^  e  ser  convemente 
tomar-se  uma  deliberação. 

O  velho  immundo,  rodeado  de  todos  os  seus,  queixou-se  que 
estando  nós  tanto  tempo  nas  suas  terras,  nada  lhe  havíamos 
dado;  e  que  se  contemplaram  muitos  sobas  (já  esquecia  que 
foram  pedidos  d'elle).  Fallou  de  vários  incidentes  que  se  ti- 
nham dado  com  os  nossos  e  sempre,  do  seu  respeito  por  Muene 
Puto,  procurando  harmonisar  tudo  a  nao  romper  as  nossas  boas 
relaçcíes,  etc. 

Os  conselheiros  eram  os  peores. 

As  exigências  do  soba  reduziam-se  a  que,  visto  estar  velho 
e  nâo  saber  quando  poderia  tomar  a  beber  aguardente,  se 
lhe  desse  ura  garrafão  cheio,  uma  peça  de  algodão  e  uma  ou- 
tra de  riscado. 

Ora  na  verdade,  isto  era  de  miserável  e  não  valia  a  pena  por 
tão  pequena  cousa  demorarmos  a  marcha  da  Expedição. 

Sizenando  Marques  respondeu-Ihe  que,  emquanto  a  fazen- 
da, sabia  elle  muito  bem  que  já  havia  partido  para  deante, 
mas  que  se  lhe  mandaria  depois;  com  respeito  a  aguardente,  já 
se  lhe  tinha  destinado  um  garrafão  para  a  despedida,  e  por 
isso  contasse  com  elle  para  essa  occasião. 

Isto  que  então  succedia  era  de  esperar,  e  nunca  se  daria  se 
a  Estação  fosse  occupada  por  pessoal  que  nos  viesse  substituir. 
Era  .0  resultado  da  perda  de  um  bem  estar,  que  este  povo  já 
havia  encontrado  com  o  estabelecimento  da  Estação. 

Nada  d'Í8to  nos  admirou,  nem  era  motivo  para  mudarmos  a 
a  opinião  favorável,  que  chegámos  a  adquirir  com  respeito  a 
estes  povos,  nem  tão  pouco  pode  influir  no  nosso  animo  para 
o  depreciarmos  e  repeli i -lo  do  nosso  convivio. 

Mas  o  dia  ainda  não  terminara  e  agora  que  tudo  parecia 
concluido  e  estava  prestes  a  dar  a  meia  noite,  vieram  vultos 
correndo  para  o  nosso  acampamento  e  clamando,  muzumbo  (in- 
terprete) e  Angann  doiitólo. 

Eis  o  caso.  Pedia-se  para  Sizenando  Marques  ir  a  toda  a 
j)ressa  á  povoação,  porque  um  filho  de  Ambango  estava  quasi 
a  morrer. 


504  EXPEDIÇlO  POETDQDEZA  AO  MUATLÍNVCA 

Como  foi  isso,  perguntámos?  O  rapaz  encontrou  o  garmfSo 
de  aguardente  que  o  pae  a  pouco  e  pouco  tem  enchido  com  aa 
sobras  que  lhe  ficam  doa  presentes  que  tem  recebido,  foz  uma 
aposta  com  outro,  que  d'uiiia  vez  bebia  tudo,  e  ha  pouco  a  ra- 
pariga andando  em  procura  d'eile  por  já  ser  tarde  e  nSo  ter 
recolhido,  foi  encontrá-lo  no  mato,  estirado  e  já  muito  frio. 

Bom,  diasemoB  ni5s,  se  o  homem  morro  aíoda  temos  novas 
complicações! 

Já  estávamos  porém  no  dia  21,  e  passadas  duas  horas  de 
trabalhos  cm  fricções  e  de  esforços  em  fazê-lo  beber  azeite, 
voltou  o  homem  a  si,  tornando-se  Sizenando  Marques  alvo  de 
ovaçSes  enthusiasticas  de  toda  aquella  gente  que  agora  se  fe- 
licitava por  nâo  havermos  partido,  aliás  o  homem  teria  mor- 
rido. 

E  eate  novo  incidente  veio  pOr  termo  ao  alvoroço  em  que 
todos  andavam. 

Ás  sois  horas  fechávamos  as  nossas  ultimas  malas  de  via- 
gem e  tudo  se  apromptava  para  seguirmos  para  o  rio  Lui. 
Ambango  entendeu  vir  acompanhar-nos  ao  porto  e  facilitar-nos 
&  passagem  do  rio. 


DESCUIPÇAO  UA  VIAGEU 


VJAGEM  i^ARA  1)  CUA.NGU 


ram  nove  horat;  e  meia  quando 
partimos  e  chegámog  ao  rio  ás 
1 1 ,  numa  marcliu  muito  vagarosa 
por  causa  dos  muitos  pântanos 
([Ui3  havia  pelo  caminho.  O  rio 
ia  muito  iiheio,  havendo  apenas 
uma  cnnoa  para  serviço,  mas 
depois  appareceram  mais  duas. 
Era  preciso  fallar  ao  soba, 
senhor  do  porto,  que  se  tomara 
muito  exigente  porque  nunca 
íizemoB  caso  d'elle,  e  jii  a  pri- 
meira parte  da  Expedição  por 
Kfje^jfí  ali  passdra  sem  que  se  lhe  desse 
'"-^  "'  cousa  alguma. 
A  conferencia,  em  que  entrou  também  o  Ambango  e  seus 
filhos  mais  velhos,  foi  longa,  e  só  á  uma  hora  e  moía  da  tarde, 
estando  nós  em  jejum,  se  conseguiu  dar  principio  á  passagem, 
íicaudo  assente  pagur-se  doze  peças  de  fazenda,  sendo  duas 
para  os  pilotos,  dois  barris  de  pólvora  e  diuis  garrafas 
aguardente. 

Ambango  retirou,  ficando  nó»  de  lhe  mandar  por  um 
nossos  uma  gratiticaçilo,  pelo  serviço  em  nos  acompanhar  e  em 
intervir  na  questão  da  passagem,  mostrando-se  a  nosso  favor. 


As  horas  iam  decorrendo  com  um  sepíiço  multo  moroso,  a 
tarde  ia-ao  adeíiutaudu  e  começaram  os  bois  ainda  a  diffioultar- 
nos  maiii  entn  fitãtidíosii  passagem.  As  cinco  horas  jwucas  car- 
gas restavam  a  passar,  mas  doia  bois  que  corriam  por  entre  o 
-capim  distrahiram  homens  paiii  os  acompanhar.  Porém  o  peor  d« 
tudo,  foi  a  partida  que  entenderam  fazer-nos  os  taea  pilotos,  ai-- 
nimando  as  canoas  umaa  de  encontro  ás  outras,  debaixo  do 
copado  do  três  arvores  que  orlavam  &  miirgcm  em  ííxnte  de  dób, 
como  se  vê  na  gravura  em  que  aa  figuramos  e  com  todo  o 
descaramento,  eeutaram-se,  cruzaram  os  bi'aç05  gritando  de  U : 
— Não  fazemos  mais  serviço  hoje  se  Angana  Majolo  noa  nJlo 
der  quatro  peças  de  fazenda  atacadas. 

Na  verdade  a  nossa  vontade,  era  enviar-Ihe  uma  boa  carga 
de  chumbo.  O  alvo  era  magnifico  e  a  distancia  muito  ao  al- 
cance das  noasas  espingardas,  dctnuis  a  mais  a  torreira  do  sol 
a  que  estivéramos  todo  o  dia  expo&tos  e  a  falta  de  idimento,  ood- 
tribuiam  para  nos  incitar  a  castigar  a  chacota,  que  com  vanta- 
gem se  nos  fazia.  Mas  pensando  melhor,  e  reconhecendo  que 
a  tolerância  era  o  recurso  mais  cm  moda  para  os  opportuuia- 
tas,  por  isso  tratámos  de  acalmar  O  espirito  e  faser  de  conta 
que  achávamos  graça  á  partida  cedendo  um  pouco,  para  que 
elleB  também  cedesdem. 

ConBeguiu-se  assim  applacá-los  com  quatro  jardas  de  íazenda 
a  cada  um,  sendo  nós  cmfim  os  últimos  que  púnhamos  pé  na 
outra  margem  ás  sete  horas  da  noite,  dirigindo-nos  para  a  po- 
voaçSo  do  nosso  conhecido  Mulolo,  ou  Mussolo  segundo  outros, 
onde  o  cozinheiro  nos  havia  preparado  ama  boa  refeiçSo,  prin- 
cipiando pela  canja  que  achámos  deliciosa. 

Muito  fatigados,  depois  de  havermos  recebido  a  viúta  do 
soba  e  da  sua  ãlha,  que  teve  a  amabilidade  de  nos  trazer  nma 
porção  de  fubá,  mandioca  e  milho,  e  scientes  de  qifo  de  ma- 
drugada nos  mandaria  um  boi,  deitámo-nos.  Só  acordámos  ás 
quatro  horas  da  manhã  ao  estrondo  da  trovoada  e  de  valentes  e 
suecessivas  bátegas  de  agua,  que  noa  puzeram  em  sobresalto 
por  causa  das  cargas,  que  não  era  possível  beneficiar,  se  d'ÍBso 
■carecessem,  não  só  pela  hora  que  era,  como  pela  diat^Tif^ja  a 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  507 

que  estavam  de  nós^  disseminadas  segundo  os  grupos  de  cada 
acampamento,  e  difficuldade  em  nos  fazermos  obedecidos  dos 
carregadores;  mas  também  porque  seria  amscado,  irmo-nos 
expor  ao  medonho  temporal,  quando  estávamos  transpirando, 
devido  á  elevada  temperatura  que  havia  na  cubata  onde  não 
podia  estabelecer-se  a  necessária  ventilação. 

Aguardar  a  madrugada  com  resignação,  era  o  único  recurso ; 
e  foi  o  que  fizemos. 

Tornou-se  impossível  a  nossa  partida  porque  a  chuva  só 
cessou  ás  dez  horas,  e  até  lá  não  saimos  das  habitações.  Depois 
appareccram  alguns  sobas  vizinhos  a  cumprimentar-nos,  e  entre 
estes,  Canzella,  que  já  conheciamos,  e  Anzamba,  irmão  de  Muene 
Canje,  que  nos  trouxeram  os  seus  presentes  de  gado  a  que 
correspondemos. 

Matou-se  um  boi  para  distribuir  em  rações  aos  carregadores. 
Na  sua  divisão  suscitaram- se  grandes  altercações  e  bulhas  por 
causa  das  precedências  dos  sobados  a  que  pertenciam  os  treze 
grupos  de  carregadores  que  faziam  agora  parte  da  nossa  Ex- 
pedição, achando-se  todos  com  jus  aos  quartos  trazeiros  e  al- 
guns ao  direito. 

Em  outra  qualquer  occasião  seria  tal  exigência  motivo  para 
rir,  porque  elles  não  queriam  saber  se  o  boi  tinha  só  duas  per- 
nas o  levavam  o  caso  muito  a  serio.  FeHzmente  já  tínhamos 
alguns  bois  no  curral  e  depois  de  muita  bulha  e  discussão,  lá 
se  convenceram  que  os  contemplados  agora  com  as  pernas, 
para  a  outra  vez  que  se  matasse  uma  rez  teriam  outra  cousa, 
e  que  as  pernas  seriam  para  elles. 

Houve  ura  gmpo,  porém,  os  últimos  do  Cáhia  que  se  ajus- 
taram para  a  Lunda,  mas  que  deviam  ser  pagos  no  Cuango, 
que  se  entenderam  muito  lesados  na  repartição  da  carne  e  vie- 
ram exigir  o  pagamento.  Respondeu-se-lhes  ser  do  contracto 
pagar-se-lhes  na  Estação  do  Cuango  e  não  ser  agora  conve- 
niente abrir  as  cargas. 

Eram  seis  os  homens  que  vieram  então  entregar  as  suas 
cargas,  espingardas  e  outros  volumes  da  ultima  hora,  a  saber^ 
utensílios  de  cozinha,  louças,  etc,  e  que  logo  retiraram. 


Ç08  KZPBDIÇXO  fOBTOaUESâ  AO  MUlTliHVnA 

Em  8egiiida'á  chuva  descobriu  o  sol,  mas  apresentàva-se  ccmi 
uma  inteondade  que  se  lhe  nlo  podia  resistir.  Fora  das  cubatas 
viam-se  muito  poucas  anrores  e  estas  estavam  rodeadas  de 
grupos  de  carregadores  que  tratavam  de  cainhar  e  que  se  tor- 
naram centros  de  grande  infemeira,  gritando  uns  com  os  ou- 
tros e  já  com  a  gente  da  povoaçlo  com  quem  procuravam  &- 
zer  as  suas  transacçSes.. 

Tratava-se  de  os  chamar  á  ordem,  quando  repentinamente 
adoeceu  uma  das  mulheres  que  pertencia  á  Expediçlo  e  que  ae 
encarregava  da  lavagem  das  nossas  roupas. 

Era  ella  muito  nutrida,  e  pelo  sol  intenso  a  que  estivera  ex- 
posta, suppozemoB  ter  sido  atacada  de  uma  congestSo.  Como  a 
moléstia  nXo  cedesse  aos  mecUcamentos  enérgicos  que  se  Uie 
applicaram,  entendeu  Sizenando  Marques  ser  preciso  sangri-la, 
operaçZo  esta  para  que  se  offereceu  o  nosso  interprete  Lisboa, 
nisto  muito  pratico.  Sendo  preciso  lanceta  para  a  operaçlo, 
teve  Marques  de  mandar  buscar  a  sua  mala  para  tirar  o  estojo. 

Abriu-se  com  dificuldade  esta  mala,  parecendo  ceder  a 
mola,  dando  a  lingueta  um  salto,  o  que  notámos,  mas  sem  fa- 
zermos mais  reparo. 

Toda  a  nossa  attençSo  era  para  a  doente  e  só  depois  d'ella 
estar  mais  socegada;  quando  Sizenando  Marques  procurou  fe- 
char a  mala^  notou  ter  sido  forçada  a  fechadura,  que  era  in- 
gleza,  quebrada  a  mola,  e  a  lingueta  pregada  com  massa  en- 
negrecida  do  ambáfu. 

Ao  de  cima  estavam  livros  e  papeis  de  uso  diário  e  parecia 
nSo  ter  sido  mechida ;  porém  o  facto  era  para  fazer  desconfiar  e 
procedendo  a  um  exame,  encontrou-se  Sizenando  Marques  rou- 
bado em  objectos  de  oiro  e  prata  de  valor,  e  para  elle  de  grande 
estimação,  por  serem  recordações,  e  que  por  isso  mesmo  sem- 
pre o  acompanhavam. 

Entre  soldados,  contractados  de  Loanda  e  carregadores  de 
Malanje,  apenas  contávamos  comnosco  vinte  e  dois  homens,  que 
apesar  de  se  apresentarem  armados  nâo  tinham  cartuchame 
distribuido,  por  nos  lembrarmos,  o  que  succedeu  sempre  em 
toda  a  viagem,  ainda  nas  occasiSes  mais  criticas,  que  o  iriam 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  509 

vendendo  ou  inutilisando  a  pouco  e  pouco;  os  carregadores 
estranhos  das  vizinhanças  eram  cento  e  cincoenta. 

Mas  era  preciso  não  mostrar  fraqueza,  e  arrostar  contra  tudo 
praticando  um  acto  enérgico  e  que  produzisse  o  eflFeito  indis- 
pensável. Urgia  raostrar-lhes  num  momento  a  nossa  superiori- 
dade, não  lhes  dando  tempo  a  reconhecer  a  vantagem  que  ti- 
nham da  força  bruta  e  fazer  apparecer  os  objectos  roubados, 
mas  sem  que  os  dispersássemos  ou  lhe  déssemos  pretexto  a 
abandonarem  as  cargas,  perdendo-se  os  pagamentos  que  elles 
haviam  recebido,  e  sabe  Deus  quanto  tempo  e  despezas  para 
depois  de  ali  sairmos. 

Chamou-se  immediatamente  o  cabo  Anzaje,  o  tal  homem  em 
quem  confiávamos,  e  ao  grupo  do  qual  pertencia  o  carregador 
que  transportava  a  mala. 

A  nossa  gente  armada,  recebeu  ordem  para  ir  buscar  amar- 
rado o  carregador,  e  a  este  e  ao  cabo,  já  rodeados  de  toda  a 
comitiva  se  lhes  mostrou  a  mala  arrombada  e  se  lhes  disse  o 
que  nella  faltava. 

Fez- se  conhecer  ao  cabo  a  responsabilidade  que  lhe  cabia, 
porquanto  aquella  carga  fora  uma  das  que,  a  seu  pedido,  tinham 
ido  para  a  povoação  e  o  roubo  fizera-se  lá  durante  a  noite. 
Declarámos  portanto  que  não  entregávamos  aquelle  homem, 
sem  apparecerem  todos  os  objectos  roubados  e  nos  ser  paga 
a  despeza  que  houvesse  com  a  demora  do  dia  immediato  em 
deante,  visto  que  os  outros  carregadores,  que  não  tinham  culpa 
do  ladrão  que  o  Ambango  nos  mandara,  precisavam  de  comer 
e  não  deviamos  ser  nós  os  roubados  que  devíamos  ainda  por 
cima  pagar  a  despeza. 

Como  é  do  costume,  fallou  o  branco  e  todos  em  silencio 
aguardaram  que  fallasse  depois  o  interprete,  estabelecendo-se 
logo  o  babaré,  uns  a  favor  e  outros  contra,  porém  neste  caso, 
só  encontrou  o  homem  a  protegê-lo  o  grupo  da  sua  povoação 
que  era  insignificante. 

Não  nos  passando  despercebido  a  indignação  da  maioria,  por 
serem  de  povoações  rivaes  á  gente  do  Ambango,  entendemos 
dar  mais  um  passo  a  favor  da  nossa  causa,  ordenando  que  o 


510  EXPEDIÇZO  FORTaOUEZÁ  AO  MUÁTllNVnÁ 

carregador,  amarrado,  ficasse  próximo  da  nossa  habitação  sob 
a  vigilância  de  dois  soldados  e  dissemos  ao  cabo  que  fosse  elle 
tratar  de  fazer  as  buscas  precisas  para  nos  trazer  os  objectos. 

Lamentaram  todos  o  succedído,  dizendo  ser  justo  que  Muene 
Puto  castigasse  o  ladrão^,  porém  os  do  Ambango  mais  se 
lamentavam  porque  o  odioso  recairia  sobre  elles,  por  ter  sido 
o  pae  quem  pediu  para  contractar  o  grupo  de  que  fazia  parte 
aquelle  homem,  e  contavam  que  tinham  contra  si  todos  os  vi- 
zinhos, por  se  suppor  que  fôra  seu  pae  quem  mais  beneficies 
recebera  da  nossa  Estação. 

Anzaje  pediu  que  lhe  confiássemos  o  prezo,  porque  o  ia  man- 
dar com  dois  homens  seus  ao  Ambango;  que  havia  de  fazer  ap- 
parecer  os  objectos  roubados  e  que  emquanto  nSo  viessem  se 
entregava  elle  para  ficar  nas  cordas  ao  pé  de  Muene  Puto. 

Convencemo-nos  de  que  o  roubo  appareceria,  porém  era  pre- 
ciso nSo  perder  o  prestigio  adquirido  e  aproveitar  a  situação, 
e  por  isso  dissemos  ao  cabo :  o  seu  procedimento  é  de  um  ho- 
mem bom,  nSo  o  amarrámos,  vá  para  o  seu  acampamento, 
trate  de  fazer  todas  as  diligencias  para  nos  serem  entregues 
até  ámanhS  os  objectos,  que  esperámos  nos  sejam  restituídos; 
mas  se  nSo  vierem  iremos  então  nós  á  povoação  de  seu  pae 
e  contámos  que  Andala  Quissúa  e  Muene  Canje  a  quem  cha- 
maremos, saberSo  castigar  os  ladrSes  doestas  terras. 

De  facto,  ás  onze  horas  do  dia  seguinte,  appareceram  os  ob- 
jectos roubados,  pelos  menos  aquelles  de  que  na  occasiao  se 
lembrava  o  interessado.  O  carregador  que  os  apresentou  pedia 
para  não  continuar  ao  serviço  da  Expedição,  porque  tinha  re- 
ceio de  ser  castigado.  Mandámos-lhe  dizer  que  estava  perdoado, 
se  tivesse  apresentado  tudo  o  que  faltava,  porém  o  medo  era 
tal  que  o  cabo  interveiu  para  o  deixarmos  retirar,  compromet- 
tendo-se  elle  a  fazer  seguir  a  carga  e  mandar  procurar  mais 
alguns  objectos  que  ainda  podesscm  faltar. 


*  Para  elles  o  ladríto  nílo  tem  perdão.  Vide  vol.  de  Ethnographia  e  His- 
toria, 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  61 1 

NSo  podendo  na  occasiSo  asseverar  Sizenando  Marques,  se 
alguns  objectos  de  que  elle  se  lembrava  e  que  ali  não  encon- 
trava estariam  em  outras  malas,  como  o  cabo  seguia  coronosco 
até  ao  Cuango,  consentiu-se  que  o  homem  retirasse. 

Quasi  sempre  nestes  momentos  de  gravidade  se  dâo  episó- 
dios mais  ou  menos  jocosos  e  mesmo  grotescos,  que  quando 
mais  acalmados  os  espiritos,  sâo  depois  assumpto  das  conversas 
e  despertam  a  hilaridade,  e  o  que  comnosco  se  deu  ficou-nos 
bem  gravado  na  memoria  e  por  isso  figurámos  a  attitude  do 
nosso  cozinheiro  Fernando,  na  occasiâo  em  que  se  esperava 
uma  revolta  por  se  ter  amarrado  o  ladrão. 

Annou-se  e  equipou-se,  nunca  largando  a  colher  com  que 
mexia  o  refogado  que  estava  preparando  para  o  nosso  jantar, 
nem  tão  pouco  afastando-se  da  panella  que  lhe  estava  mere« 
cendo  também  os  mais  sérios  cuidados! 

Não  era  só  por  termos  de  esperar  a  restituição  do  roubo, 
que  fomos  obrigados  ainda  a  demorar-nos  aqui  no  dia  23,  a 
muita  chuva  era  um  impedimento  serio  e  como  tínhamos  de 
dar  rações  antes  de  matar  gado,  mandámos  chamar  os  cabos 
das  treze  companhas  e  fez- se-lhes  ver  a  conveniência  de  accor- 
darem  antes,  no  modo  de  se  fazer  a  distribuição,  para  não 
haver  desordens  nem  bulhas,  como  tinha  succedido. 

Passado  algum  tempo,  davam-nos  parte  que  se  podia  íhatar 
o  gado:  dois  garrotes  e  umavacca,  para  esse  e  dia  seguinte, 
e  de  facto  a  distribuição  fez-se  em  socego,  mas  de  que  modo  ? 

As  companhas  tiveram  de  tudo  um  pedaço  e  este  era  ainda 
fraccionado  por  todos  que  d*elia  faziam  parte.  Assim  coube  a 
cada  um  a  sua  porção  de  miolos,  coração,  figado,  bofe,  tri- 
pas, etc.  Era  uma  lição  que  aprendemos,  e  applicado  o  sys- 
tema,  deu-nos  sempre  o  resultado  desejado:  socego  e  todos 
satisfeitos. 

Já  se  vê,  diziamos  nós,  que  querem  a  igualdade,  o  caso  é 
que  nós  estejamos  sempre  de  pachorra  para  os  levar  a  obser- 
vá-la. 

Apesar  da  doente  não  poder  ainda  andar,  dispozeram-se  as- 
cousas  para  ella  seguir  numa  rede,  procurando-se  fazer  sub- 


512 


EXFEDfçSo  FOBTCOCSZÁ  AO  MCATllSTCA 


atitnir  com  geate  da  poroaçiio  o«  eairegaâorvs  que  tinliam  t«- 
tírado,  para  cantinturmoi  a  TÍagcm  do  dia  24  de  madmsKdA. 
AppBreeeci  dcm  próximo  da  onile  Angnsln  Jajme,  que  ba- 
▼iaaiiM  manlado  a  Miiene  Canje,  e  fez-noe  Miiente :  que  «ate 
o  twebèia  mnílu  bem  v 
^rÂm   BsiisfÃto  drm    o 
],r,  i..nte  qne  lhe  enviá- 
r  mtu^,   t:;    ubendu   qtie 
■    ^ijiHio»   de  pernoitar 
AnguTo,    Lá    nos    ia 
-    '.'  rur  para  se  avistar 
o  falliir  comnnsco,  por- 
qne  er»  muito  amigo  de 
Maene  Fnto  e  não  podia 
CODBentír    qiie    bomeiu 
glandes,  que  elle  tnan- 
daTa  passar  peiju  aiuts 
teiraa,  o  ãzegG«m,  sem 
elle  lhes  dar  de  comer. 
Estava    muito    zan^^o 
com  o  Ambango  ])orque 
desviou  Muene  Puto  de 
fazer  a  eua  L-asa,  como 
({ueria,  no  sitio  dVlle, 
e  nuQca  Ibe  participou 
que  os  ãUios  de  IMuene 
Puto  eram  seus  hospe- 
des^ tendo  por  isso  com- 
nHUM  mettido  a  grande  falta 

Coiinhoin  ^*  '^^^  °^  ter  visitado. 

Visto  dSo  podermoB  ir 
agora  ao  sitio  d'elle,  vinha  elle  ao  nosso  caminho. 

JCra  CBse  eucotitro,  exactamente  o  que  nós  queríamos  evi- 
tar, mas  já  que  as  cousas  foram  mal  encaminhadas,  agora  o 
remédio  era  seguir. 

A  gente  do  Ambango  que  soube  d'esta  noticia  e  os  taes  com- 


DESCHIPÇaO  da  VTAGEK 


panbeiros  que  se  lhes  aggregarani  do  Quibiingo,  procuraram 
logo  um  pretexto  para  ae  nfio  avistarem  com  Miiene  Canje  e 
por  isso  pediram  para  so  retirar,  allegando  que  Ambango  Ibes 
mandara  dizer  quando  foram  tratar  do  roubo,  que  os  fossem 
ajudar  numa  guerra  contra  um  soba  vizinho. 

A  guerra,  segundo  ellea,  era  devida  a  ter  sido  apprehendido 
por  aquelle  soba  o  gado  e  borracha  que  pertenciam  a  ura  ne- 
gociador de  PuDgo  Andongo,  por  causa  de  um  filho  de  Muene 
Puto  e  um  filho  d'elle,  Ambango,  terem  tido  relaç5ea  amoro- 
sas com  uma  sua  rapariga  e  a 
deixarem  aem  nada  lhe  dar.  O 
tal  negociador  apresentou  a  sua 
rasão  ao  Ambango  e  este  queria 
obrigar  o  soba  a  entregar  o  se- 
questro, porque  o  referido  ne- 
gociador nSo  tinha  culpa  de  taes 
amores. 

Podiam  os  carregadores  que 
apresentavam  o  pedido  para  re- 
tirar, fazè-lo  sem  licença  e  muito 
principalmente  durante  a  noite, 
mas  como  pediam  vénia,  já  se 
vê  que  nSo  era  sua  intençiio  fa- 
zê-lo,  e  procuravam  conhecer 
em  n'^s  bc  haveria  resentimento 
pelo  roubo  praticado  e  se  n<Ss  címoíuicli! 

iríamos    queixar-noa    a    Muene  c«rreginior 

Canje,  Por  iaso,   respondemos 

logo  que  nílo  acreditávamos  em  semelhante  guerra,  que  de- 
-viam  seguir  comnosco,  conforme  tinham  ajuslado  até  ao  Cuan- 
go,  e  que  se  n&o  o  fizessem,  entSo  dariamos  parte  ao  nosso 
amigo  Muene  Canje,  com  quem  noa  avistariamos  no  dia  se- 
guinte, 

Ficaram  entSo,  mas  de  noite  retiraram  uns  cinco  que  eram 
também  doa  admittidos  para  serem  pagos  no  Cuango,  entre* 
gando  antes  as  cargas  a  um  doe  nossos  soldados. 


514  EXFEDIÇXO  POBTUGUESA  AO  HUATllNVnÁ 

Era  o  dia  24,  e  só  depois  das  sete  horas  da  manhS  começa- 
ram a  partir  as  companhas  para  Mussangano. 

Ainda  a  esta  hora  houve  novas  diíBcaldades  por  causa  do  tran- 
sporte da  cadeira.  Os  homens  que  a  transportavam,  a  pretexto 
de  que  eram  baixos  e  a  caiga  ia  molhar-se  nos  charcos  que  se 
encontram  por  caminho,  tomaram  caibas  dos  que  retiraram 
e  tivemos  de  pedir  dois  homens  á  povoaçSo  para  os  substituir. 

Tudo  já  ia  seguindo  e  ficámos  apenas  com  Augusto  Jayme, 
que  sempre  nos  acompanhava,  e  mais  os  homens  da  rede. 

Appareceram  emfim  dois  homens,  que  já  estavam  preparando 
as  suas  cousas  para  transportarem  a  cadeira,  quando  um  su- 
jeito mais  bezuntSo  que  qualquer  d'elles,  reclamou  um  como  seu 
escravo,  ameaçando-o  de  o  castigar  pelo  atrevimento  em  se  con- 
tractar  para  aquelle  serviço,  sem  sua  auctorísaçSo! 

Sem  querermos  entrar  na  questfto  que  se  ventilava  dos  di- 
reitos de  um  sobre  o  outro,  e  pelos  desejos  que  tínhamos  de 
seguir,  o£Eerecemos  ao  que  se  dizia  senhor,  dar-lhe  também 
alguma  cousa  para  deixar  seguir  o  homem,  mas  elle  só  o  con- 
sentia se  o  comprássemos! 

Confessámos  que  nos  surprehendeu  a  submissão  de  um  e  a 
susceptibilidade  e  rigores  do  outro !  Mas  á  cautela,  —  embora 
os  pedidos  do  que  se  dizia  escravo  para  que  o  resgatássemos, 
pois  dizia  que  ia  ser  castigado,  e  pensando  que  elle  nos  fu- 
giria antes  de  vinte  e  quatro  horas  para  o  seu  antigo  senhor — 
agradecemos  a  oflferta  e  tratámos  de  arranjar  outro  homem. 

Seguimos  ás  onze  horas  e  meia,  e  ainda  nito  tinhamos  com- 
pletado 1  kilometro  de  marcha,  encontrámos  a  cadeira  no  meio 
do  caminho!  Como  os  carregadores  nílo  apparecessem,  os  da 
nossa  rede  encarregaram-se  de  a  transportar. 

Fomos  a  pé,  e  ao  meio  dia  e  meia  hora  entrámos  em  Mus- 
sangano, onde  já  todos  descançavam,  dispostos  a  acampar. 

Veiu  Braga,  que  ahi  nos  aguardava,  prevenir-nos  que  Muene 
Canje  estava  no  Anguvo  desde  a  véspera  á  nossa  espera. 

Apresentou-se  o  soba  a  pedir  para  ali  ficarmos  e  dormirmos 
a  noite  descançados,  respondemos  não  ser  possivel,  porque 
Muene  Canje  nos  esperava  no  Anguvo.  Isto  foi  de  grande  ef- 


DESCRIPÇXO  DA  VUOEM  515 

feito,  porque  logo  se  dispoz  a  acompanhar-nos  e  só  pediu  nos 
demorássemos  para  elle  mandar  amarrar  um  boi  com  que 
queria  presentear-nos  e  que  ia  fazer  seguir  para  o  acampamento. 

Custou-nos  a  convencer  a  comitiva  para  continuar  a  marcha 
e  a  contractar  quatro  homens  para  transportar  a  cadeira  até  ao 
Cuango,  mesmo  por  uma  peça  cada  um ;  mas  á  uma  hora  se- 
guíamos nós  atrás  da  comitiva  e  ás  três  acampávamos. 

EfiFecti vãmente  Muene  Canje  estava  na  povoação  do  Anguvo 
e  pouco  depois  de  chegarmos  ao  acampamento^  mandou  cum- 
primentar-nos,  e  dizer,  que  nâo  vinha  já  por  saber  que  deviamos 
estar  muito  occupados  a  accommodar  a  gente  e  as  cargas. 

Áo  soba  de  Mussangano  e  outro  sobeta  que  nos  acompanhou 
e  nos  presentearam  cada  um  com  um  boi,  correspondemos 
com  fazendas  e  pólvora  no  valor  approximado  de  9fJ000  réis 
para  cada  um  e  compraram-se  mais  dois  bois  em  valores  appro- 
xiraados  a  163000  réis,  com  a  condição  de  serem  levados  ao 
Cuango.  Eram  dos  maiores  que  até  ali  tínhamos  comprado. 

O  local  em  que  se  fez  o  acampamento  era  o  mesmo,  em  que 
estivemos  na  outra  viagem.  Era  mau,  por  ser  um  covão  muito  ar- 
borisado,  acrescendo  agora  estarmos  mais  apertados  e  o  solo 
muito  mais  encharcado  pelas  chuvas  dos  últimos  dias. 

Depois  de  termos  feito  distribuir  as  rações  ao  pessoal  e  jan- 
tado, sentiu-se  perto  do  sol  posto  grande  alarido  e  assobios. 
Era  Muene  Canje  que  se  approximava. 

Vinha  numa  rede  com  guisos  e  campainhas,  rodeado  de 
muita  gente  que  aos  saltos,  correndo,  berrando  e  assobiando, 
afastavam  tudo  quanto  encontravam  no  nosso  acampamento 
para  darem  livre  passagem  ao  potentado. 

Muene  Canje  era  homem  dos  seus  sessenta  annos,  baixo, 
robusto,  bem  conservado,  mostrando  ter  bom  passadio,  de  pa- 
recer agradável,  olhos  pequenos,  modo  insinuante  e  fallando 
pausadamente;  indicava  ser  intelligente  e  apresentava-se  a  seu 
modo  aceado  e  bem  vestido,  trazia  camisa  limpa  e  vinha  en- 
volvido num  bom  panno  de  lenço  e  sobre  a  cabeça  trazia  a  tal 
cajinga  que  temos  figurado  nos  potentados  doestes  povos. 

Recebemo-lo  á  porta  da  nossa  barraca,  onde  lhe  offerecemos 


516^  EZPBDIÇXO  POBTUGUEZÁ  AO  MUÁTIÂKVnÁ 


uma  dftdeirà  na  qual  se  sentou,  e  no  que  se  nSo  desmandou,  ílo 
contrario,  fez-nos  suppor  que  estava  habituado  ao  seu  uso. 

Restabelecido  o  silencio  e  estando  todos  em  redor  de  nós, 
disse  elle  que  folgava  ver  ali  nas  suas  terras  dois  filhos  gradua- 
dos de  seu  amigo  Muene  Puto;  que  de  propósito  sairá  da  soa 
ambanza  para  nos  ver,  conhecer  e  agradecer  pessoalmente  o 
signal  de  amizade  que  lhe  enviáramos ;  que  certamente  Muene 
Puto  nunca  fôra  informado  que  nelle  tinha  um  bom  amigo  e 
dos  serviços  que  elle  prestara  aos  seus  filhos  nas  guerras  de 
Cassanje ;  que  a  elle,  o  jaga  Ambumba  na  ultima  guerra  lhe 
o£Eerec^a  valores  importantes  para  lhe  entregar  os  filhos  de 
Muene  Puto,  que  se  haviam  refiigiado  na  sua  povoaçSo  e  elle 
rejeitara  taes  o£Eertas  declarando-se  também  filho  de  Muene 
Puto,  e  que  tratara  de  fazer  acompanhar  aquelles  pela  sua 
gente  até  Malanje,  através  de  caminhos  nSo  trilhados,  por  de- 
traz  da  serra  de  Andala  Quissúa  e  já  em  terras  da  Jinga;  que 
se  tinha  lembrado  muita  vez  que  se  Muene  Puto  estivesse  ao 
facto  da  sua  lealdade,  certamente  teria  mandado  para  a  sua  am- 
banza uma  feira  de  negociante  com  chefe  e  soldados  como  tem 
havido  em  Cassauje,  apesar  dos  crimes  dos  Jagas ;  que  algum 
negocio  que  vinha  do  Lubuco  passava  hoje  pela  sua  ambanza  e 
que  por  falta  de  casas  ahi,  seguia  para  deante ;  que  muito  es- 
timava nos  tivéssemos  lembrado  de  passar  pela  sua  terra  e 
podessemos  ter  occasiâo  de  informar  Muene  Puto  doestes  factos, 
pois  estava  certo  que  elle  sabendo-os,  mandaria  aqui  fazer  uma 
casa  para  os  seus  filhos  brancos  ensinarem  os  d'elle  a  fazer 
boas  lavras  e  bom  commercio. 

Este  foi  o  assumpto  principal  a  que  deu  grande  desenvolvi- 
mento, e  quando  elle  terminou,  agradecemos  a  sua  visita  e 
díssemos-lhe  que  em  verdade  não  conhecíamos  o  que  nos  con- 
tava e  ignorávamos  mesmo,  as  suas  boas  disposições  para  com- 
noseo,  e  se  as  conhecêssemos,  teríamos  ido  de  propósito  do 
Luí  visitá-lo  e  pedir-lhe  até  alguns  filhos  para  nos  transporta- 
rem cargas  para  a  Lunda;  mas  que  quando  escrevêssemos  a 
Muene  Puto  o  informariamos  que  Muene  Canje  era  seu  amigo 
e  o  faríamos  sciente  dos  desejos  que  acabava  de  manifestar. 


DESCRIPÇlo  DA  YUGfiH  Õ17 

A  Braga,  que  estava  presente,  perguntou,  qual  a  rasSo  por- 
que nSo  tinha  dito  os  serviços  que  lhe  devia  seu  tio,  ao  que 
este  respondeu  nSo  ter  tido  occasião,  e  informou-nos  depois,  que 
seu  tio  fora  um  dos  officiaes  moveis  a  quem  Muene  Canje  prote- 
gera  na  volta  para  Malanje  depois  da  derrota  de  Cassanje. 

Interrogou-nos  depois  sobre  differentes  cousas  relativas  a 
Muene  Puto,  seu  governo  nas  terras,  o  numero  de  mulheres 
que  tinha,  as  suas  guerras,  ete.  Quando  retirou  já  era  noite, 
ficando  de  voltar  no  dia  seguinte  de  manhã,  e  pediu-nos  que  nSo- 
partíssemos,  pois  tinha  mandado  vir  do  seu  sitio  duas  cabeças  de 
gado  que  desejava  acceitassemos  para  alimento  da  nossa  gente. 

Sabendo  que  elle  não  pode  comer  nem  beber  deante  de  seu 
povo,  démos-lhe  á  despedida  quatro  garrafas  de  aguardente 
para  beber  quando  lhe  appetecesse,  o  que  muito  agradeceu. 

Na  véspera  do  Natal  durante  toda  a  noite,  foi  uma  tempestade  I 

A  muita  chuva  e  a  noite  que  era,  contribuiu  para  nos  lem- 
brarmos do  nosso  pessoal  permanente  e  para  que  não  houvesse 
selecções,  a  todos  se  mandou  distribuir  a  título  de  gratifica- 
ção, uma  porção  de  aguardente  por  companhas.  Succedeu,  po- 
rém, que  uns  beberam  mais  que  outros,  e  a  certas  horas  era  uma 
inferneira  que  ninguém  se  entendia ;  questões,  berrarias,  tiros, 
assobios,  gargalhadas  nas  cubatas  por  causa  da  muita  chuva, 
e  por  cima  de  tudo  o  ribombar  prolongado  dos  trovões. 

Conseguiu-se  prohibir  os  tiros,  mas  não  se  obteve  socego 
completo  e  ainda  assim  melhor  fora  que  a  bulha  continuasse, 
porque  esta  ia  cessando  á  medida  que  os  carregadores  iam  fu- 
gindo por  entre  as  veredas  do  matto,  illuminadas  de  quando  em 
quando  pelo  clarão  dos  relâmpagos. 

Aproveitaram-se  do  mau  tempo  e  de  estarmos  todos  recolhi- 
dos nas  barracas,  para  porem  em  pratica  um  plano,  certamente 
de  antemão  combinado  com  os  da  localidade  de  Muene  Canje, 
ou  por  elles  só  forjado  com  receio  do  povo  d^elle,  dando  em 
qualquer  dos  casos  logar  a  que  essa  gente  os  substituísse  no 
transporte  das  cargas  para  obterem  alguma  fazenda  até  ao 
Cuango ;  foi  o  que  suppozemos  quando  logo  de  madrugada  nos 
vieram  participar  as  fugas  que  se  contavam  já. 


518      EZPEDIÇXO  PORTUGUESA  AO  KUATIÂNVUA 

Mal  86  via,  6  ji  Anguvo,  soba  da  terra^  nos  vinlia  visitar  e 
offerecer-nos  os  seus  serviços  para  que  as  cargas  nSo  fossem 
abandonadas  e  assegarando-nos  que  contássemos  com  a  sua  gente 
para  as  transportar.  Agradecendo^  respondemos  que  esperáva- 
mos por  Muene  Canje  e  com  elle  nos  entenderíamos  a  tal  res- 
peitO;  nSo  desprezando  porém  a  offerta  de  seus  filhos. 

Ás  oito  horas  appareceu  Muene  Canje,  principiando  por  di- 
zer que  já  sabia  tudo,  mas  que  descançassemos  que  tudo  se 
arranjava ;  que  elle  era  nosso  amigo. 

Entreteve-se  até  ás  dez  horas,  vendo  as  nossas  dtfferentes 
armas  e  revolveres,  o  modo  de  os  armar  e  desarmar,  ouvindo 
tocar  harmónica,  tambor  e  cometas,  quiz  que.  se  lhe  mostrasse 
a  bandeira  e  os  nossos  uniformes  e  estávamos  vendo  quando 
-começariam  as  exigências,  mas  enganámo-nos;  depois  de  varias 
pex*guntas  a  que  respondemos  terminou  a  sua  visita,  ao  perce- 
ber movimentos  para  almoço,  offerecendo-nos  duas  boas  cabe- 
ças de  gado  que  chegavam,  na  occasilo. 

Agradecemos  o  presente,  pondo  um  bom  chaile  sobre  os 
seus  hombros  e  convi^ando-o  para  comer  comnosco.  Sorriu-se, 
dizendo  que  nós  bem  sabíamos  que  elle  não  podia  acceitar  por 
os  seus  usos  o  nâo  permittirem,  mas  que  voltaria  depois  para 
tratarmos  com  socego  dos  carregadores  de  que  carecíamos. 

Estávamos  inscrevendo  os  nomes  de  alguns  carregadores  da 
povoação  de  Anguvo,  que  se  apresentaram  a  pedir  serviço, 
mas  a  confusão  de  cargas  que  passavam  de  um  para  outro 
lado  e  de  outros  carregadores  que  iam  fugindo  era  tal,  que 
mandámos  suspender  o  trabalho  para  apurarmos  o  numero  de 
carregadores  que  precisávamos.  Afinal  todos  iam  na  abalada 
menos  dez  do  Ambango! 

Podíamos  mandar  dar  uma  descarga  sobre  os  fugitivos  que 
ainda  vimos  seguir  por  entre  o  arvoredo,  mas  isto  não  me- 
lhorava a  nossa  situação  e  compromettia  de  uma  vez  o  pre- 
ceito que  a  nós  mesmos  havíamos  imposto;  por  isso  procurá- 
mos socegar,  e  fizemos  reunir  e  cobrir  com  oleados  todas  as 
cargas,  pois  ameaçava  chover  e  a  saida  neste  dia  era  já  im- 
possível. 


DESCRIPÇAO  DA  YIAGEH  Õ19 

Os  taes  dez  do  Ambango  que  restavam^  disseram-nos  terem 
receio  de  ficar  ao  nosso  serviço,  pois  seriam  enfeitiçados  pelos 
que  fugiram,  ou  maltratados  pela  gente  de  Muene  Canje. 

Dissipámos-lhe  os  terrores  e  pareceu  ficaram  mais  tranquillos. 

Muene  Canje  e  Anguvo  vieram  já  de  tarde,  com  os  seus 
molhos  de  palhinhas,  representando  cada  uma  um  carregador 
que  apresentavam,  e  vinham  para  tomarmos  os  seus  nomes ; 
ficaram  estes  de  receber  no  dia  seguinte  as  cargas,  e  com  ellas, 
quatro  jardas  de  algodão  cada  um,  devendo  os  potentados  as- 
sistir ao  pagamento  e  fazer  seguir  as  cargas. 

Os  potentados  retiraram,  pedindo  que  socegassemos  o  resto 
do  dia,  pois  elles  nunca  consentiriam  que  as  cargas  ficassem 
ali  no  mato  e  Muene  Canje  acrescentou:  —  aquelles  tratantes 
que  atraiçoaram  os  filhos  de  Muene  Puto  e  assim  procuram  des- 
acreditar as  minhas  terras,  hfto  de  pagá-lo  bem  pago. 

Ágradecemos-lhe  o  interesse  que  mostrava  por  nós,  nSo 
obstante  chegarmos  a  desconfiar,  ser  elle  a  causa  voluntária 
ou  nSo,  da  partida  que  nos  fizeram  e  que  nos  prejudicava 
pelo  menos  em  90íJ000  réis,  porque  entre  os  fugidos  iam  trinta 
dos  contractados  para  a  Mussumba  do  Muatiânvua. 

Se  elle  realmente  era  o  auctor  da  tramóia,  de  tal  modo  se 
apresentava  que  nós  ainda  tínhamos  de  aparentar  que  lhe  es- 
távamos agradecidos! 

Entendemos  ser  mais  conveniente  para  ambas  as  partes,  fa- 
zer de  conta  que  nada  percebiamos  e  que  muito  tínhamos  a 
agradecer  á  sua  boa  amizade,  fazendo-nos  sahir  d^aquí  mais 
depressa  do  que  conseguiríamos  sem  o  seu  auxilio. 

Quando  retirou,  mandámos  retribuir  o  seu  presente  do  gado 
nâo  como  pagamento  mas  como  dadiva  de  bons  amigos. 

Depois  do  jantar,  distribuímos  aguardente  á  nossa  gente,  mas 
foram  taes  as  bebedeiras,  que  protestámos  nunca  mais  o  fazer, 
e  resolvemos  acabar  a  aguardente  no  Cuango.  Felizmente  estes 
desmandos  não  produziram  outros  effeitos  senSo  gritaria  e  aa* 
sobios,  que  ainda  assim  nos  incommodaram  bastante. 

Na  madrugada  de  26,  appareceram  Muene  Canje,  Anguvo 
e  os  carregadores  e  immediatamente  se  tratou  de  dividir  a  £eí- 


520       EXPEDIÇÃO  P0BTU6UEZA  AO  MUATIÂNVUA 

zenda  em  pannos  de  quatro  jardas,  e  os  potentados  mesmo, 
se  encarregaram  de  entregar  cargas  e  pagamento  aos  carre- 
gadoresy  que  iam  logo  seguindo  para  o  Cuango.  Sizenando 
Marques  que  nos  havia  auxiliado  nos  pagamentos,  quando  já 
contávamos  com  cargas  a  caminho,  partiu,  e  nós  só  o  pudemos 
fazer  ás  dez  horas  e  meia,  depois  de  tudo  concluido  e  de  ter 
dado  gratificações  a  Muene  CaDJe  e  a  Anguvo. 

Muene  Canje,  dizia-nos  por  ultimo:  — que  façam  bem  a  sua 
viagem  é  o  que  nós  desejámos;  emquanto  aos  meliantes  que  os 
atraiçoaram,  vou  .dar  providencias  para  que  me  paguem  parte 
do  que  receberam,  quando  não  seja  em  fazendas,  será  em  gado. 

Os  meus  amigos  víto  partir,  nâo  se  importam  já  com  o  que 
se  passou,  mas  eu  é  que  nâo  posso  admittir  que  me  desa- 
creditem as  terras,  e  por  isso  vou  exigir-lhes  que  me  paguem 
a  mim  os  seus  crimes  para  com  Muene  Puto^ 

A  despedida  disse-nos  ainda: — nada  temos  pedido  ao  nosso 
bom  amigo  Angana  Majolo,  e  agora  desejava  uma  recordação 
da  sua  passagem  por  as  minhas  terras ;  dê-me  esse  chapellinho 
de  sol,  para  eu  sempre  ter  em  lembrança  o  meu  amigo. 

Era  um  chapellinho  de  seda  cor  de  vinho,  que  dêmos  de  bom 
grado,  só  para  nos  vermos  livres  do  sitio  e  de  tantas  vicissitu- 
des, e  partimos  eram  dez  horas  e  meia. 

Durante  o  trajecto,  que  fizemos  quasi  sempre  dentro  de  agua 
pelo  menos  a  cobrir-nos  os  pés,  iamos  recordando  as  peripé- 
cias doesta  viagem  a  contar  do  Lui,  que  tao  felizmente  fizéramos 
duas  vezes  antes,  e  occorre-nos  o  aviso  de  Custodio  Machado, 
que  teríamos  de  luctar  com  dificuldades  se  conseguíssemos 
passar  segunda  vez  o  Cuango  e  que  todas  as  èontrariedades 
haviam  de  ser  preparadas  pelos  Bângalas. 

Emfim,  diziamos  nós,  tudo  podia  ter  sido  muito  peor  se  nSo 
fossemos  prudentes  e  lembravamo-nos  que  Otto  Scliutt,  depois 
de  haver  pago  bem  caro  a  passagem  do  Cuango,  retirara  sem 
mesmo  a  ter  tentado. 


*  De  facto,  soubemos  mais  tarde,  que  recebeu  de  todos  os  sobas,  ca- 
beças de  gado,  pelo  seu  atrevimento  em  enganarem  Muene  Puto. 


DEScaiFç3!o  dã  tiaqem 


i\A  MARGEM  DO  OUANGO 


&  pasBEva  da  uma  hora  da 
tarde  quando  chegávamos  ao 
acampamento,  que  o  sub- 
chefe liavia  mandado  fazer  a 
um  kilometro  de  distancia  do 
porto  do  Cuango,  que  ficava 
abaixo  de  nós,  e  além  das  po- 
voaçSeB  do  Mussengue,  Mu- 
lumbo  e  Zunga. 

Immediatamente  fizemos 
reunir  as  cargas,  e  despachá- 
mos os  U0BSO3  carregadores 
para  não  nos  exigirem  ra- 
çfles. 

Vieram  vizitar-nos  logo,  os 
três  sobas  vizinhos  e  o  Zunga; 
démos-lhes  quatro  garrafas  de  aguardente,  dizendo  a  este  que 
nHo  nos  haviamos  esquecido  da  encommenda  que  havia  feito 
quando  d'aqui  retirámos.  Mostrou-se  muito  reconhecido,  obser- 
vando aos  seus  companheiros  que  Muene  Puto  era  um  bom 
amigo  e  só  tinha  uma  palavra. 

Depois  dos  cumprimentos  do  estylo,  tratámos  de  providen- 
ciar sobre  a  melhor  disposição  do  acampamento,  e  das  raçSes 
para  o  pessoal,  fazendo  matar  uma  rez  e  vigiar  a  sua  divisSo, 
de  modo  a  nilo  haver  razSes  de  queixa. 


522  EXPEDIÇZO  FOETUGjDiaBA  AO  aCDATIÂHVUA 


Mandámos  depois  Jayme  e  Braga  tratar  oom  Zanga  e  Jfa- 
lombo  a  respeito  da  passagem  do  rio,  e  estes  respoodesam-llieft 
que  o  porto  já  fôra  comprado  por  Muene  Puto,  que  elles  agora 
nSo  eram  miMs  que  escravos  para  executarem  as  noasaa  or- 
dens; que  ordenássemos  quando  queriamos  as  cousas,  que  elles 
viriam  immediatamente  para  o  nosso  serviço  e  que  nada  tí- 
nhamos a  pagar. 

Era  tarde  para  tratar  d'isso  na  occasilo,  e  por  consequência 
deliberámos  e£Eectuar  a  passagem  no  dia  seguinte. 

Logo  ao  principio,  dois  homens  da  comitiva  de  CUUiia  paia 
a  MuBsumba,  vieram  prevenir-nos  que  o  encarregado  de  os 
vigiar,  o  seu  chefe,  se  preparava  para  fiigir  durante  a  noite, 
pois  nSo  queria  passar  o  Cuango,  mostrando-se  receoso  da 
gente  do  Capenda  na  outra  margem. 

Mandámos  amarrá-lo  e  coUocar  sentinellas  á  porta  da  sua 
cubata,  para  o  vigiarem.  Os  nossos  estavam  já  com  receios  de 
um  levMitamento,  e  os  que  nos  avisaram  ficaram  arrependidos ; 
porém  nSo  fizemos  caso  nem  de  uns  nem  de  outros. 

NSo  fugiram  os  do  Cáhia,  porém  durante  a  noite  desappa- 
receram  oito  do  Quijica,  contractádos  nas  mesmas  circumstan- 
cias,  deixando-nos  um  prejuízo  de  40f$000  réis. 

Havíamos  escripto  a  José  de  VasconcelloS;  na  margem  op- 
posta,  para  que  fizesse  saber  ao  ajudante  que  estávamos  ali, 
e  nos  mandasse  de  madrugada  a  nossa  canoa  c  Nossa  Senhora 
dos  Martyres»,  para  se  abreviar  a  passagem. 

Durante  a  noite  ordenámos  rondas  pelo  acampamento  e  nSo 
houve  novidade,  mas  logo  de  madrugada  os  companheiros  do 
preso  pediram  a  sua  soltura,  e  como  não  annuissemos,  ás  dez 
horas  e  meia  quando  os  chamámos  para  embarcarem  com 
elle,  já  nSo  foram  encontrados,  haviam  fugido. 

Era  um  prejuízo  de  mais  quinze  carregadores,  e  que  rece- 
beram  em  pagamento  o  valor  correspondente  a  90f5000  réis. 

Quantos  contratempos!  Uns  em  seguida  aos  outros!  Mas  pro- 
sigamos. 

Chegou  a  nossa  canoa,  e  o  preso  desamarrado,  lá  foi  escoltado 
para  a  estaçSo  Costa  e  Silva,  declarando  sempre  que  os  seus 


DESCRIPÇlO  DA  VIAGEM  Õ23 

voltariam  ao  serviço,  pois  nSo  retiravam  sem  elle.  E  possível, 
mas  por  causa  das  duvidas  foi  recommendado  á  policia  da 
Estação. 

Áté  ás  duas  horas  da  tarde  a  canoa  esteve  passando  cargas 
para  o  outro  lado,  e  até  então  não  appareceram  as  do  porto. 

Vindo  procurar-nos  a  essa  hora  o  Zunga,  mostrámo-nos  zan- 
gados com  elle  porque  as  suas  canoas  não  haviam  feito  serviço 
algum,  e  lá  foi  com  o  nosso  interprete  para  o  porto  para  as 
chamar.  Appareceram ;  porém  pouco  fizeram,  pois  ás  três  horas 
mandámos  dar  descanço  á  nossa  gente^  e  os  das  canoas  enten- 
deram também  nao  trabalhar  mais. 

Para  acabar  de  uma  vez  com  as  bebedeiras,  mandámos  dis- 
tribuir o  resto  da  aguardente  que  tinhamos,  pelos  três  sobas, 
e  como  estes  depois  viessem  agradecer  e  apresentar-nos  as  suas 
mulheres,  ainda  os  contemplámos  com  uma  porção  de  missanga 
para  distribuírem  por  ellas. 

Apresentára-se  um  enviado  de  Mueto  Anguimbo,  lembran- 
do-nos  o  nosso  compromisso  de  o  visitar.  Não  nos  sendo  pos- 
sivel  lá  ir  na  occasião,  desculpámo-nos,  ficando  de  ir  vê-lo 
depois  de  estarmos  na  Estação,  e  para  o  não  descontentar  en- 
viámos-lhc  um  presente. 

Vieram  presentes  dos  sobas,  consistindo  de  gado,  a  que  cor- 
respondemos, e  todos  elles  pediam  para  tomarmos  os  nomes 
dos  filhos  que  os  acompanhavam,  e  dar-lhes  um  pedaço  de  fa- 
zenda, para  levarem  as  nossas  cargas  do  outro  lado  do  rio  á 
Estação. 

Sendo  de  conveniência  entretê-los,  emquanto  se  iam  passando 
as  cargas  que  estavam  no  porto  para  a  margem  direita,  res- 
pondemos que  só  no  dia  seguinte  trataríamos  doesse  serviço. 

Occorreu-nos  durante  o  jantar,  que  estando  o  céu  limpo  de 
nuvens  o  luar  devia  de  ser  esplendido,  e  que  trabalhando  com 
vontade  os  nossos  homens,  durante  a  noite  poderíamos  passar 
todas  as  cargas  para  o  outro  lado,  sem  que  o  percebesse  a  gente 
das  povoaçSes. 

Chamámos  os  homens  de  mais  confiança  e  promettemos-lhcs 
uma  boa  gratificação,  se  levassem  a  effeito  o  nosso  plano,  e  coroo 


524       EXPEDIÇÃO  PORTCGUEZA  AO  MDATIÂNVUA 


todos  se  dispozessem  a  isso,  e  pelo  acampamento  ainda  se  en- 
contrasse gente  estranha,  que  geralmente  se  demorava  até  ás 
»  sete  horas  da  noite,  para  que  nao  houvesse  desconfianças,  man- 
dámos matar  um  boi  e  distribuir  rações,  no  que  se  entreteve 
o  pessoal. 

Quando  já  eram  horas  de  todos  estarem  recolhidos,  e  que 
todas  as  nossas  cousas  estavam  devidamente  acondicionadas 
para  serem  transportadas,  começou  a  faina  no  maior  silencio. 
Sizenando  Marques  foi  para  o  porto  para  dirigir  o  serviço  da 
canoa,  e  nós  ficámos  com  ura  grupo  até  á  ultima,  fazendo  se- 
guir as  cargas  para  lá. 

Passaram  primeiro  os  bois,  depois  as  mulheres  e  crianças  e 
em  seguida  as  cargas,  principiando  pelas  mais  pesadas. 

É  muito  difficil  conseguir-se  que  o  preto  trabalhe  de  noite, 
mas  não  pode  imaginar-se  o  silencio  e  boa  vontade  com  que 
todos  porfiavam  em  concoiTer  para  o  bom  êxito  de  uma  rapazia- 
da, cujos  eífeitos  de  madrugada  já  todos  calculavam,  por  co- 
nhecerem bem  o  Zunga. 

Por  ultimo  abateram-se  as  nossas  barracas  e  seguimos  para  o 
porto  era  meia  noite.  O  trabalho  tinha  corrido  animado,  e  o 
empregado  europeu  surprehende-nos  com  uma  boa  chávena  de 
café. 

A  carga  era  muita  e  por  vezes  os  remadores  tinham  afrou- 
xado, pois  n^o  estavam  acostumados  a  serviço  de  noite.  Ren- 
diam-se  porém  e  faziara-se  então  duas  ou  três  viagens  anima- 
damente. 

As  cinco  horas  e  meia  passávamos  nós,  na  supposição  de 
que  a  canoa  só  teria  de  voltar  uraa  vez  a  buscar  cinco  homens 
que  mandáramos  esperar  entre  o  arvoredo,  um  pouco  mais  a 
sul  do  porto,  mas  enganárao-nos ;  porque  como  suecede  numa 
expedirão  grande,  ha  sempre  uns  ralaceiros  que  se  desmandam 
e  cora  quera  se  nâo  pode  contar,  que  se  afastam  do  local  em 
que  se  trabalha,  para  se  deitarem  de  barriga  para  baixo,  a 
dorrairera  tâo  socegados  corao  era  suas  casas  era  tempo  de 
paz.  D*este8  lá  estavara,  rauito  bera  descançados,  uns  três  sol- 
dados inconscientes  da  falta  que  lhes  poderia  ter  sido  preju- 


DESCRIPÇAO  DA  VIAOESI  525 

dicialy  se  os  povos  a  quem  procurávamos  ludibriar  fossem  tSo 
selvagens  e  maus  como  elles  próprios  diziam. 

A  canoa  teve  tempo  de  voltar  duas  vezes,  mas  ainda  appa- 
reciam  d'aquelles  sujeitos  a  quem  nada  dava  cuidado. 

Até  que  emíim  assomou  o  Zunga  no  alto  do  morro/  onde 
chegou  ás  carreiras,  acompanhado  de  um  rapazito. 

Estava  espantado,  dava-lhe  entSo  o  sol  de  chapa,  e  nós  de 
óculo  em  punho,  analysavamos  a  scena  que  ia  dar-se.  Olhou 
para  um  e  para  outro  lado  como  quem  procurava  ver  onde  nós 
estávamos,  e  não  nos  achando,  começou  nos  saltos  e  berreiros 
do  costume,  com  o  pequeno  pau  na  mão  direita  ameaçando  tudo 
e  todos,  e  dando  comnosco  na  margem  de  cá,  começou  vocife- 
rando desesperadamente  contra  o  Belaga  que  havia  enfeitiçado 
o  seu  amigo  Muene  Puto. 

Belaga,  era  o  negociante  Braga,  que  está  apparentado  com 
Zunga  porque  tem  filhos  de  uma  filha  d^elle. 

Com  um  grande  movimento  de  braços,  fez  o  seu  discurso, 
intercallado  com  gargalhadas  e  outras  vezes  com  gritos  de  la- 
mentação, e  o  que  se  lhe  ouvia  pode  reduzir-se  ao  seguinte : 
—  Que  se  levantara  muito  cedo  para  ir  cumprimentar  o  seu  amigo 
Muene  Puto,  e  apresentar-lhe  primeiro  que  todos  os  seus  rapa- 
zes para  principiar  o  serviço  das  cargas,  e  que  andara  por  toda 
a  parte  á  procura  do  nosso  acampamento  e  não  o  achou;  que 
veiu  a  correr,  lembrando-se  que  estaríamos  no  porto  e  não  viu 
nada;  que  isto  era  um  feitiço  do  malvado  Belaga;  que  elle 
era  muito  amigo  de  Muene  Puto  e  trazia  todos  os  seus  rapazes 
para  levarem  as  cargas  muito  bem  a  Mona  Samba;  que  ao  Belaga 
se  elle  lá  voltasse  lhe  tiraria  a  pelle,  etc. 

De  cá  a  hilaridade  era  grande,  e  convindo  entretê-lo  no  le- 
gar em  que  estava,  emquanto  a  nossa  canoa  passava  o  resto 
dos  retardatários,  começou  a  troça:  —  O  Zunga,  para  que  dor- 
miste tanto,  bebeste  muita  aguardente?  Para  a  outra  vez  toma 
mais  cautela.  Muene  Puto  não  dorme,  não  precisa  das  tuas 
canoas,  vae  para  o  pé  das  raparigas,  adeus,  etc,  etc. 

O  homem  de  quando  em  quando  lá  se  ria,  e  como  come- 
çasse a  vir  gente  das  povoações,  que  surprehendida  pelo  nosso 


526  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  ÁO  MUATIANVUA 

desapparecimento,  se  encaminhava  para  o  porto,  ZuDga  desceu, 
e  com  o  pausinho  procurava  entre  o  capim,  na  praia,  a  ver  cer- 
tamente se  encontrava  alguma  carga  ou  algum  objecto  que  ahi 
tivesse  caido,  e  nada  encontrando  voltou-se  para  nós  em  grande 
grita:  —  Que  nao  éramos  amigos  d'elle  e  elle  era  muito  amigo 
de  Muene  Puto. 

Como  nesta  occasião  nos  entregassem  uma  chávena  de  café, 
retorquimos-lhe  que  se  era  nosso  amigo  viesse  tomar  café  na 
nossa  companhia.  Grande  gargalhada  do  homem,  que  despertou 
novamente  a  hilaridade  dos  nossos. 

Um  dos  soldados  que  estava  entre  o  arvoredo,  appeteceu-lhe 
fumar,  e  nSo  tendo  fogo,  entendeu  por  bem  ir  ao  logar  onde 
estivéramos  de  noite,  procurar  uma  braza,  importando-se  pouco 
com  a  quantidade  de  povo  que  já  ali  estava  á  roda  de  Zunga, 
e  quando  voltou  ao  seu  antigo  pouso,  já  se  vê,  foi  seguido  pelos 
curiosos  e  lá  foi  também  Zuuga  ver  o  que  se  passava  para  ali^ 

Entre  a  nossa  gente,  estava  um  rapazito  de  Braga,  de  quem 
elles  queriam  lançar  mao  para  o  ajuste  de  contas,  porém  os 
nossos  não  queriam  nisso  consentir,  e  receando  houvesse  algum 
conflicto,  Sizenando  Marques  e  o  empregado  europeu,  foram 
na  canoa  para  o  evitar  e  fazerem  seguir  a  nossa  gente. 

Zunga  continuava  berrando,  que  fora  atraiçoado  pelo  Belaga, 
porém  chegando  Sizenando  Marques  calou-se,  fez  os  seus  pro- 
testos de  amizade  a  Muene  Puto  e  limitou-se  a  pedir  um  pouco 
de  tabaco  para  o  seu  cachimbo,  e  que  Muene  Puto  desse  pas- 
sagem na  canoa  a  dez  rapazes  que  trouxera  para  levarem 
cargas.  Fez-se-lhe  a  vontade. 

Chegados  os  rapazes  á  nossa  margem,  gritou  de  lá  o  Zun- 
ga: —  Levem  muito  bera  as  cargas  do  meu  amigo  Muene  Puto. 
O  meu  amigo  trate  bem  os  meus  rapazes ;  nao  acredite  na  ami- 
zade dos  Maxinjes;  se  precisar  de  alguns  serviços  mande-me 
dizer ;  o  porto  e  as  minhas  canoas  são  de  Muene  Puto,  e  que  o 
Zâmbi  os  acompanhe  a  todos  e  que  cheguem  bem,  adeus;  e 
retirou. 

As  cargas  iam  seguindo  para  casa  do  negociante  Custodio 
Machado,  onde  tencionámos  pernoitar  e  ainda  nos  appareceu 


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DESCRIPÇlO  DÀ  VIAGEM  527 

MolumbO;  irmiio  do  Zunga^  pedindo  para  darmos  cargas  a  oito 
rapazes  que  o  acompanhavam^  a  que  annuimos  porque  care- 
ciamos  de  carregadores. 

Havendo  ficado  do  outro  lado  um  dos  bois  que  na  véspera 
se  haviam  comprado,  e  que  fugira  de  noite,  recommendou-se 
a  Molumbo  que  o  mandasse  agarrar  e  que  nós  gratificaríamos 
quem  o  trouxesse. 

Ainda  estavam  muitas  cargas  na  praia,  mas  como  se  man- 
dara pedir  a  José  de  Vasconcellos  que  contractasse  Xinjes 
vizinhos  para  as  virem  buscar,  ficou  o  empregado  e  dois  sol- 
dados para  as  vigiarem,  e  nós  partimos  depois  das  nove  horas, 
chegando  a  casa  de  Vasconcellos  ás  onze  horas  e  meia,  muito 
fatigados,  já  da  noite  perdida,  já  da  marcha  nos  primeiros  dois 
kilometros  a  pé  entre  o  capim  e  atravez  de  charcos. 

Os  rapazes  do  Zunga,  chegando  áquella  casa,  quizeram  lar- 
gar as  cargas.  Lembrámos-lhe  que  o  seu  contracto  era  levarem 
as  cargas  a  Mona  Samba  e  nessa  conformidade  estavam  pagos 
cinco.  Como  nâo  quizessem  seguir,  resolvemos  que  os  cinco 
dessem  metade  do  seu  pagamento  aos  outros  cinco.  Elles  não 
esperavam  esta  resolução  e  começaram  num  berreiro,  dizendo 
que  iam  matar  o  nosso  boi  e  deitaram  a  fugir. 

Como  o  appetite  era  grande  e  o  almoço  estivesse  prompto, 
emquanto  Vasconcellos  pagava  aos  Xinjes,  tratámos  só  de  nos 
lavar  e  fomos  para  a  mesa,  onde  elle  teve  também  um  logar 
ao  nosso  lado. 

Depois  do  almoço  deitámo-nos,  e  este  repouso  foi-nos  muito 
benéfico.  Havendo  transpirado  muito  e  precisando  mudar  de 
roupa,  procurou-se  a  mala  da  roupa  de  flanella;  estava  arrom- 
bada. Grande  roubo  se  lhe  havia  feito  e  também  por  gente  de 
Ambango ;  pagámos  assim  a  nossa  falta  de  critério  em  consentir 
que  as  bagagens  ficassem  uma  noite  inteira  em  poder  de  gente 
que  nSo  conheciamos. 

Estas  liçSes  que  doem,  diziamos  para  nós  mesmos,  são  as 
mais  proveitosas,  seremos  d^ora  avante  mais  cautelosos. 

Precisávamos  de  algum  descanço  e  de  estarmos  tranquillos, 
livres  por  alguns  dias  de  importunos,  e  mesmo  de  nos  isolarmos 


528  EXPSDIÇZO  FOBTUOUEZA  AO  XUáTIÍNVUA  , 

para  pôr  em  cUa  os  nossos  diários,  e  fazer  a  correspondência 
para  a  metrópole^  e  por  isso  aproveitámos  o  bom  qnarto  que 
nos  offereceu  José  de  Vasconcellos  e  encarregámos  este  de  ir 
íasendo  seguir  as  ciurgas  para  a  EstaçSo;  resolvendo  demo- 
rarmo-nos  aqni  até  ao  fim  do  anno. 

Além  d'issO;  esla  viagem  tfto  cheia  de  peripécias  e  contra- 
riedades, alterara  muito  a  nossa  saúde,  e  achavamo-nos  acha- 
cados de  indisposiçSes  de  ventre  e  febres/  portanto  ali  e  muito 
melhor -do  que  na  Estaçfto,  onde  nos  aguardavam,  como  de 
costume,  importunos  e  novidades,  nos  podíamos  medickr  con- 
venientemente. 

O  que  nSo  pudemos  foi  esquivar-nos  a  receber  o  mais  im- 
portante Muima  Angana  da  povoação  próxima,  Muana  Qui- 
nonga,  primeiro  marido  que  teve  Huana  Mahango  e  que  era 
pae  do  faturo  Capenda  Camulemba,  Mona  Macanzo,  que  pouco 
depois  de  chegarmos  nos  mandou  de  presente  uma  vacca,  mas 
combinámos  com  José  de  Vasconcellos,  para  os  dispor  áquella 
e  outras  visitas,  a  que  nos  procurassem  depois  de  jantar  alle- 
gando  08  serviços  que  tínhamos  a  feuser  durante  o  dia. 

Informado  de  que  Muana  Mahango  dera  ordem  á  sua  gente 
para  nâo  irera  vender  mantimentos  á  Estação^  apressámo-nos 
a  escrever-lhe,  informando-a  da  nossa  chegada,  da  demora 
que  aqui  teriamos  e  pedindo-lhe  que  revogasse  aquella  ordem. 

Diziam  as  cartas  que  ella  nos  enviou,  e  que  aqui  transcre- 
vemos, que  a  ordera  nâo  era  para  se  prohibir  a  venda  de  gé- 
neros e  sim  que  fosse  gente  sua  á  Estação,  porque  poderia 
faltar  alguma  cousa  aos  nossos  e  Muene  Puto  desgostar-se. 

De  Muana  Mahango  ao  chefe  da  Expedição. 

111.""  e  Ex."">  Sr.  Major. —  Recebi  pelo  seu  portador  José,  uma  peça 
de  chita,  uma  dita  de  riscado,  um  barril  de  porvora  que  me  mandou,  mas 
isto  por  lhe  informar  das  ordens  que  eu  publiquei  pois,  tenho  a  dizer  ao 
sr.  major,  que  ordenei  que  publiquei  não  é  porque  desgostei  com  viagem 
que  a  sua  Senhora  Rei  de  Sua  Magestade  lhe  encarrega  marchar  e  por- 
que a  chigada  do  sr.  Capitão  nSo  o  tratei  mal,  nem  elle,  mas  havia  co- 
meço de  aver  desculpas  do  ourobo,  por  parte  da  minha  gente  e  como  vi  que 
ha  muita  gente  com  cargas  é  por  isso,  dei  ordem  da  minha  gente  a  não 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  529 

ir  no  acampamento  porque  no  multa  confusão  é  por  onde  tem  havido  do 
ourobo  e  não  para  não  os  vender  de  comer  como  falei-lhes  vieçe  na  sen- 
zalla  a  comprar ;  como  levam  moneas  ao  sr.  major  opois  vortam  os  ob- 
jectos porque  não  tem  crime  para  o  sr.  major  pagar-me  espero  coisas  de 
offertas,  como  parente  do  mesmo  Rei  do  Muatahiamvo,  pois  o  sr.  Capitão 
não  quer  que  o  povo  d*elle  que  viecc  na  senzalla,  o  quer  é  minha  gente 
ir  no  acampamento  e  eu  não  quero  para  logo  aver  dezorde  e  para  invi- 
tar  as  consequências  faço  o  meu  asogue  para  todos  e  todos  compram 
ahi,  a  loba  de  povora  avinha  sem  ser  cheia  por  isso  lhe  faço  ver  para 
não  desculpar  com  meu  portador. 

Sou  de  y.  £x.*,  veneradora,  Muana  Mahango  e  Mona  CandaZla^  seu 
d'ellc. 

111."°  e  Ex."«  sr.  Major  Henrique  de  Carvalho. — Recebi  a  sua  carta 
em  resposta  á  minha,  onde  se  dignou  dizer  que  estava  passando  mal  de 
saúde  e  vai  já  bem. 

£u  lhe  fiz  vortar  o  mimo  que  me  mandou,  como  ontein  já  lhe  fiz  ver, 
mas  como  era  de  mimo  eu  recebeu,  que  isto  não  ha  mais  nada. 

Melhor  era  que  chegaçe  nesta  sua  digna  Banza  que  a  vista  faz  fé, 
mesmo  eu  que  sou  amazio  delia  não  estive  incaza  ontem  e  que  cheguei 
encontrei  já  estas  borradas  o  que  meu  major  extranha ;  nós  agradecemos 
doesta  sua  viagem  ninguém  ambiciona  visto  estar  segundo  ao  nosso  Rei, 
depois  que  me  trata  bem  em  razão  de  ser  já  pertencente  do  mesmo  Rei 
lhe  peço  agradecer,  nós  tudo  o  mesmo,  e  os  portadores  entregar  o  mimo 
e  fico-lhe  muito  obrigado.  Sem  mais  desejo-lhc  saúde,  venha  depressa  cá 
o  espero  que  a  caza  está  ás  suas  ordens. 

Sou  de  V.  Ex.*,  Mona  Quiema^  barrigão  de  Muana  Mahango. 

Também  Cáhia  Cassáxi  nos  escreveu  ,e  nos  fez  apresentar 
os  rapazes  que  fugiram,  mas  com  estes  nSo  contámos  mais^ 
porque  não  convinham,  e  elles  certamente  vieram  apenas  para 
acompanharem  o  preso,  até  que  podesse  evadir-se  com  elles. 

A  nossa  communicaçSio  para  o  Ministério,  limitou-se  a  dar 
conta  da  viagem  da  Estação  Paiva  de  Andrada  até  aqui,  e  nada 
mais  era  do  que  a  narração  exposta. 

Do  soba  Cáhia  ao  chefe  da  ExpediçSo. 

111."*'  e  Ex.""  Sr.  Majolo. — No  dia  29  appareceram  os  meus  filhos  que 
eu  redava  como  serventes  de  revar  a  sua  carga,  os  porgundei  que  os  fa- 
ria vir,  me  coutou  o  seu  irmão  Quipago  foi  prezo  por  isso  nos  fugimos, 
como  não  roubamos  nada  e  sim  nada  pois  viemos. 


5S0  KzraDIÇZo  FOBTDOCBA  AO  MDATIÍNTIU 

Ks  ewao  k»  pe— ok  de  couBidflntr  mindd  Tortar  meorfilIiM  lioabo 
atru  kaj«  qn»  vio  no  umbío  do  Bome  Cilra,  «i  to»  rá  por  8  dias  o  9  dia 
lime  tom  ■■  ir  fivar  awns  filhoa, 

Bhu«,  si  de  deMBlm  de  1884.-- De  T.  8.*  ms  eito  renendor 
eteado,  emige.  —  Solie,  Comi  dt  CaiÊêad, 

Em  31  de  dezembro,  ms  febres  qm  tinham  BngmeQtado  proa* 
iráram-noB  ns  «una  danuite  o  dis,  e  sd  nos  permittinun  que  á 
noite  nos  levantássemos  •  encerrasaemoa  o  nosso  diário  do  se- 
púnte  modo: 

•Calcolámos  pela  estima  ter  passado  o  Coaogo  a  8**  21'  51" 
de  lat-  S.,  a  17"  20'  50",  ãe  long.  £.  de  Gtreenwicb,  e  i  alti- 
tiade  de  690  metros  acima  do  uivei  do  mar. 

Temos  pois  caminhado  para  norte  e  leste  mas  descemos  para 
uma  d^urwslo  a  coutar  de  Catalã  onde  termina  o  planalto  de 
Malanje  nesta  dire^So,  isto  é,  baixa  o  terreno  a  contar  de 
Catalã,  na  altitade  1:260  metros  e  nom  percmrso  de  190  kilo- 
metroB,  570  metros,  oa  3  metros  por  kilometro.i 

Era  meia  noite  em  ponto,  terminavam  os  nosM»  trabalhos  no 
aano  de  18S4,  e  ezdamimos :  —  OxaU  que  o  cpie  vem  noa  sej» 
mais  propicio  para  bem  da  nossa  missSo  e  do  nosso  pois ;  e 
agora  basta,  consagremoa  algnnB  momentos  á  família. 


CAPITULO  IV 


O  QUE  DEVE  SEE  MALANJE 


Naiayako  mu  isuko,  kinimenepe  na- 
ma;  diamaèiko  niakokadi  ape  kua- 
buro  najipe.  «Fui  lá  no  mato  nao 
vi  caça,  amanhã  vou  lá  ainda,  pode 
ser  que  mate.  —  Quem  porfia  mata 
caça*. 


Orographia  do  planalto  de  Malanje;  >aa  meteorologia  comparada  com  a  de  Loanda — Sa- 
neamento por  meio  do  trabalhador  africano  —  ConilderaçSei  sobre  o*  trabalhadorea 
enropeui  —  Sitnaçlo  do  indígena,  devido  ii  ambições  dos  estrangeiros  —  Aproveita- 
mento dos  indígenas  na  administraçilo  provincial;  facto  comprovativo  da  influencia 
que  sobre  elles  exercemos.  Necessidade  de  educar  devidamente  os  povos  que  nos  s2o 
sujeitos,  como  elemeutos  indispensáveis  para  a  exploraçAo  e  aproveitamento  das  ri- 
quezas naturaes  nos  no«sos  domínios  —  Organlsaç2o  do  governo  do  districto  de  Ma- 
lanje—  As  mlflsSes  civilisadoras  e  de  inslrucçio  e  protecçAo  aos  naturaes — Methodo 
a  seguir  no  ensino;  pessoal  das  missSes;  o  missionário  —  AdminiMtraçio  da  Justiça; 
tribunaes  eupeciaes  para  o  gentio  —  Força  militar  agrícola  ;  Moveis  ou  seg^unda  linha; 
serviços  que  lhe  pertencem  ;  força  policial  —  Intervençio  dos  sobas  na  administraçio 
local  —  Contribuições ;  melhoramentos  públicos ;  pessoal  do  governo  do  districto ; 
receita  —  Necessidade  da  creação  do  novo  governo  nos  confins  da  provinda  de  An- 
gola para  eficazmente  contribuir  a  dilatar  e  a  assegurar  o  domínio  de  Portugal  através 
do  grande  continente. 


Havendo  a  nosBU  Expedição  atra- 
vessado A  regiSo  mais  alta  da  pi-o- 
f»"-  vincia  de  Angola,  limitada  ao  sul 
pelo  rio  Cuauzit,  chegando  a  Pungo  Andongo,  na  altitude  de 
1:070  metros,  dirigiu-sc  para  leste  até  á  Villa  de  Malanje  que 
está  a  1:154  metros,  e  se  proseguiase  pouco  mai»  ou  menos 
neste  rumo,  iria  encontrar  Cassanje  na  altitude  de  950  metros. 
Seguiu  porém  para  nordeste,  atravessando  as  terras  occupadas 
pelos  Bondos,  subindo  ainda  nos  primeiros  50  kilometros  a 
Catalã,  na  altitude  de  1:260  metros,  para  depois  continuar, 
descendo,  deixando  Duqite  de  Bragança  a  oeste  na  altitude  de 
1:060  metros,  encontrando  no  seu  percurso  Cafúxí,  baixa  de 
Andala  Quissiia  a  832  metros,  e  Camávu,  na  margem  esquerda 
do  Lui,  na  altitude  de  701  metros. 

Descaiu  depois  um  pouco  mata  a  leste,  para  passar  u  Cuango 
no  porto  de  Mueto  Anguirobo,  na  altitude  de  690  metros, 
mas  se  tivesse  seguido  para  o  norte,  iria  encontrar  o  rio  Cugo, 


534  EXPcmçXo  rosirGCECA  jo  wcatiímwva. 


nu  eonfloenria  eom  o  Cungo,  mott  aWfaie  poaeo  mierior 
a  499  metros. 

Em  qimlqiier  dos  cmos  datoeria  sempre,  o  qpe  modim  á  eri- 
deocia  que  hsrúuiiM  pemado  a  dÍTÚorm  oeddeotely  e  w»  adm- 
Tamos  nama  rertente  que  olhara  a  £•  e  N.-£. 

Kio  ha  daTida  pcMs,  que  hz  parte  da  iinmi  pnmncia  de 
Angola  o  rerdadeiro  phmalto  do  oeridentr  da  r^gíio  aoslro- 
eentral  do  eontÍDente,  d'oode  a  Ei^edifio  aeabáim  de  múr,  c 
que  nos  corria  o  derer  de  o  determimur  topognqpUeameiíte,  c 
de  o  oocapar  definitÍTamente,  aproreitaiido  todos  os  recursos 
que  elle  nos  offereee. 

Se  sapposermos  esta  regiio  coberta  por  phoos  tangentes  ás 
cotas  conbeddas  e  cortada  por  ontros  planos  Terticaes,  pas- 
sando pelos  pontos  cotados  até  tocar  no  nÍTel  do  mar,  obtere- 
mos diversos  sólidos  imsginarioS|  em  qne  as  arestas  formadas 
pelo  encontro  dos  planos  rerticaes  com  os  pfamos.'de  tangencia, 
nos  mostram  as  altitodes  dos  legares  des^nados,  e  a  juncçlo 
dos  planos  de  cobertanii  dario  arestas  e  goteirss,  cnjas  direo- 
çSes;  embora  descaindo  de  nm  modo  geral  para  norte,  leste 
e  oeste,  dSo  aos  planos  inclinaçSes,  que  teem  a  soa  maior  queda 
para  leste,  sobre  o  rio  Cuango. 

A  cobertura  imaginaria  doeste  solido,  supp8e-se  terminar  la- 
teralmente nos  planos  verticaes,  que  passam  pelos  pontos  que 
conhecemos  de  maior  altitude,  e  caem  sobre  o  plano,  que  passa 
pelo  nível  do  mar,  figurado  no  esboço,  pelas  linhas  de  pontos 
pretos ;  por  isso  os  planos  que  olham  a  sul,  se  fossem  transpa- 
rentes, deixariam  ver  a  disposição  do  terreno,  que  destacámos 
com  uma  côr  escura. 

Se  examinarmos  superiormente  na  disposição  da  cobertura, 
a  luz  que  a  illumina,  distinguiremos  perfeitamente  que  na  re- 
gião figurada,  e  de  que  nos  occupámos  nos  capitulos  anteriores, 
a  parte  mais  alta  é  a  que  se  apresenta  formando  um  quadrilá- 
tero, cujos  vértices  são  pela  ordem  das  cotas,  Catalã,  Pungo 
Andongo,  Duque  de  Bragança  e  Cafúxi,  inclinando  portanto 
para  norte  e  tendo  maior  queda  para  Cafúxi.  A  este  quadri- 
látero se  reúnem  os  triângulos  contiguos,  o  do, lado  do  oeste, 


DESCRIPÇlO  DÀ  VIAGEM  535 

formado  pelos  vcrticesi  Malanje,  Fungo  Andongo  e  Duque  de 
Bragança^  que  inclinado  um  pouco  para  oeste  descae  mais  para 
norte;  o  do  norte  formado  pelos  vértices  Duque^  Cafúxi  e 
Cugo,  que  descaindo  para  norte  inclina  mais  para  leste,  sendo 
portanto  a  aresta  que  liga  o  Duque  com  o  Cugo,  a  cumieira 
d 'esta  cobertura,  indicando  que  as  terras  de  nordeste  que  so- 
bem até  ella^  começam  a  descer  por  diversos  planos,  como  de- 
graus de  differentes  alturas  até  ao  Cuango;  o  de  leste,  for- 
mado pelos  vértices  Catalã,  Cassanje  e  Cafuxi,  descaindo  para 
leste  inclina  mais  para  noroeste.  Mas  este  ultimo,  se  tivermos 
em  attenção  que  o  Duque  está  mais  elevado  que  Cafúxi,  pode 
desdobrar-se  em  um  outro  plano,  o  qual  se  reconhece  ter  in- 
clinação ainda  para  nordeste. 

Todos  os  outros  planos  que  se  seguem  para  o  norte  d'este, 
inclinando  ainda  para  o  norte,  descem  mais  precipitadamente 
neste  sentido,  como  rodando  pelo  norte  de  Cassanje  quasi  até 
leste  sobre  o  Cuango,  illuminando-os  por  isso  a  luz. 

A  Expedição,  seguindo  o  trajecto  indicado  pela  linha  car- 
mim, como  se  vê,  elevando-se  até  Catalã,  atravessou  depois  os 
valles  d*ahi  até  ao  Cuango,  na  epocha  das  chuvas,  e  por  isso 
já  encontrou  no  seu  trajecto,  charcos  e  pântanos,  tendo  de  pas- 
sar o  rio  Lui  no  fim  de  dezembro  em  canoa,  quando  no  mesmo 
sitio  em  fins  de  outubro  o  passara  a  vau. 

Comprehende-se  bem,  pelas  proximidades  dos  rios  Cuanza 
e  Cuiji  do  itinerário  da  Expedição  até  Malanje,  e  pela  direc- 
ção das  correntes  doestes  rios,  que  a  queda  do  terreno  para 
sul  é  insignificante,  e  de  mais  é  sabido  que  o  Cuiji  passa  abaixo 
de  Malanje  20  a  30  metros  a  sul  d'este  logar.  O  terreno  entre 
Malanje  e  Cassanje  vae-se  elevando  para  sul  entre  o  Cuango 
e  o  Cuanza. 

Tomámos  um  ponto  do  rio  Cugo,  por  conhecermos  as  suas 
coordenadas  e  altitude,  que  foram  determinadas  pelos  beneme-» 
ritos  exploradores  Capello  e  Ivens,  e  essas  pouco  podem  diffe- 
rir  das  da  confluência  com  o  Cuango,  vista  a  pequena  distancia 
d'este  ponto,  e  por  ser  o  rio  Cugo  um  limite  natural  ao  norte  da 
região  de  que  nos  occupâmos. 


  Õ36  EXPEDIÇZO  POBTUGUEZA  AO  MUATIInVUA 


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;  '•    Este  ponto,  a  498  metros  acima  do  nivel  do  mar,  senriu-nos 

^  pois  para  marcar  as  maiores  inclinaçSes  da  nossa  cobertura 

^  imaginaria  para  o  norte. 

^  A  disposiçSo  das  montanhas,  e  bem  assim  dos  affluentes  do 

Cuango,  descaindo  para  leste  ao  mesmo  tempo  que  seguem 
com  as  inclinaçSes  dos  nossos  planos  para  o  norte  sobre  o  rio 
Cago,  e  os  cursos  dos  rios  Cugo  e  Lucala  passando  pelo  norte 
do  Duque  de  Bragança,  indicam  onde  devemos  encontrar  a  parte 
mais  elevada  d'esta  regiSto,  e  geralmente  pela  direcçSo  das  cor- 

H,  rentes  do  Lucala,  a  sul  das  terras  do  Duque  e  pelas  do  rio 

Cuanssa,  se  reconhece  onde  ficam  as  terras  mais  baixas.  Tam- 
bém os  ramaes  do  sul  dos  rios  Cuanza  e  Cuiji,  e  a  direcçSo  do 
rio  Cuango  e  seus  affluentes,  Luf  e  outros  mais  para  sul,  in- 
dicam haver  terras  altas  para  este  lado. 

Portanto,  a  região  que  figur&mos,  é  a  extrema  do  planalto 
Occidental,  limitada  pelo  Cuango  a  leste,  pelo  Cugo  ao  norte, 
pelas  terras  entre  este  e  o  Lucala  pelo  occidente,  e  tem  para 
limite  sul,  em  parte,  os  rios  Cuanza  e  Cuiji. 

Nesta  região,  as  terras  que  se  estendem  para  norte,  entre 
Malanje  e  Cafúxi,  isto  é,  as  dos  Bondos,  são  as  mais  altas  a 
contar  de  Malanje,  e  por  isso  as  denominámos — planalto  de 
Malanje  —  que  é  preciso  tornar  bem  conhecido  e  aproveitar-se, 
auxiliando  a  sua  exploração. 

No  esboço  topographico  que  apresentámos,  apenas  marcámos 
08  traços  geraes  para  evitar  confusões;  porém  nas  considera- 
ções que  faremos,  como  conclusão  sobre  o  nosso  modo  de  ver, 
com  respeito  a  esta  parte  da  província  de  Angola,  olvidada  por 
estar  nos  seus  confins,  e  que  é  a  porta  para  o  centro  sul  equatorial 
do  continente,  reportâmo-nos  áo  que  deixámos  exposto  nos  ca- 
pítulos anteriores,  com  respeito  ao  estado  actual  das  povoações 
indígenas,  modo  de  as  aproveitar  e  de  se  organisar  entre  ellas 
uma  administração  local  adequada  ao  meio  tropical,  tendo-se  em 
vista  interessá-las  na  administração  geral  da  província. 

Antes  doesse  trabalho,  porém,  damos  noticia  do  regimen  me- 
teorológico da  região,  comparado  com  o  de  Loanda,  no  littoral; 
do  que  é  mais  indispensável  para  corroborar  uma  certa  ordem 


DESCUIFVAO  DA  VIAGIJI  537 

de  consideraçSes  que  justifiquem  a  exploração  vantajosa  de 
toda  ella. 

As  observaçSes  meteorológicas  da  Expedição,  referem-se  ás 
Estações:  Malanje,  oitenta  e  nove  dias^  Cafúxi^  trinta  e  dois 
dias,  Camávu,  vinte  dias,  comprehendendo  o  segundo  semestre 
de  1884. 

Embora  estas  observações  fossem  feitas  com  todo  o  escrú- 
pulo, e  com  instrimiontos  em  boas  condições,  não  são  ellas  em 
numero  sufficiente  para  precisar  definitivamente  o  clima  das 
localidades  a  que  se  referem. 

Se  tivermos  em  attenção  as  altitudes,  e  compararmos  as  tem- 
peraturas nas  três  estações,  vê -se  que  na  região  mais  elevada, 
Malanje,  foi  menor  a  temperatura,  porém  por  outro  lado,  não 
devemos  esquecer,  que  as  observações  foram  feitas  ahi  de  11 
de  julho  a  7  de  outubro,  emquanto  que  nas  outras  Estações  o 
foram  de  20  de  outubro  a  20  de  novembro,  e  de  1  a  19  de 
dezembro.  E  de  suppor  que  em  Malanje  nestes  últimos  mezes^ 
também  a  temperatura  fosse  mais  elevada,  o  que  iria  influir 
na  sua  media,  e  não  é  menos  certo  que  as  temperaturas  nas 
outras  Estações,  observadas  no  mesmo  período,  nos  dariam 
uma  media  inferior  *. 

Como  este  estudo  seja  simplesmente  comparativo,  diremos 
que  Malanje,  estando  sujeita  a  uma  variação  de  temperatura 
de  19"  a  25",  tem  um  clima  quente,  mesothermico ;  Cafiíxi  va- 
riando de  22^  a  25^  está  no  mesmo  caso,  e  Camávu  varíando  de 
23®  a  27®,  muito  mais  quente,  é  hypertherraico. 

Não  errámos,  cremos,  classificando  todos  no  limite  máximo 
de  climas  hyperthermicos,  tendo  como  modificadores  para  a 
salubridade,  as  altitudes  e  ventos  predominantes  das  terras  ai* 
tas  que  os  restringem,  e  outros  que  lhes  são  consequentes  e  be- 
neficiam a  producçao. 


1  Só  nos  occupâmos  agora  de  limites  máximos  e  minimos,  e  de  gene- 
ralidades, a  que  somos  levados  pelos  nossos  diagrammas,  que  fazem  parte 
de  um  volume  especial  com  o  titulo  de  Meteorologia  e  Climatologia. 

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&88  KZPBDIÇXO  POBTUODUA  AO  mrATliHVItâ 


E  estes  modificadores  a  fiivor  da  salabridade,  to»aiii-8e 
tanto  mais  attendiveis  quanto  se  pronanciani  nas  qaadiwjá 
eâracterisadas  pelas  eameiradaSf  e  pela  varíola,  nos  lodyigieiiaa. 

Ka  maior  altitude  diminaiu  a  preasto,  sendo  em  Malanjede 

662  a  666  millimetros;  ao  passo  qne  em  Cafftxí  M  de  689  a 

693;  e  em  Camávu  de  700  a  704.  Com  o  augmento  da  poea* 

)|  I  slo  apresentou-se  o  céu  mais  carregado  de  nuvenSi  o  tempo  ea* 

eoro,  dmvas;  trovoadas,  e  homidades  variáveis  em  Malaaje  de 

60<'a89*,  emCafóxide  7P  a  92*  e  em  Camávu  de  71*  a  88* 

de  sataraçik>;  a  tensSo  do  vapor  diminuiu,  sendo  de  11  a  20 

^ '      '  *  nuUimetros  em  Malanje,  fi>i  de  6  a  9  em  Caf&xi  e  de  7  a  10 

i  Camávu;  e  o  ozone  ao  contrario  sendo  de  O  a  4  em  Malai^ey 

regí«trou-se  de  1  a  7  em  Caf&d  e  de  O  a  5  em  Camávu. 

A  temperf^ura  na  relva,  variando  em  Halanje  de  4*  a  16* 

^       centígrados,  elevou-se  com  a  diminuiçSo  da  altitude,  e  -á  me* 

dida  que  proseguia  a  quadra  quente,  foi  de  15*  a  20*  em  C^ 

li  f&d,  de  lõ*  a  19*  em  Camávu,  emquanto  que  na expoaíf^  ao 

sol  decrescia  a  temperatura,  a  qual  sendo  em  Halanje  de  Sã^ 
a  54*,  em  Cafúxi  variou  de  31*  a  47*  e  em  Camávu  de  3^ 
a  48*  centígrados. 

Pareceria  que  com  as  maiores  pressões,  humidade  e  chuvas 
devia  diminuir  a  temperatura  na  relva,  mas  n&o  succedeu  assim 
por  effeito  dos  modificadores,  ventos  e  menos  demorada  expo- 
sição ao  sol,  nos  logares  assombrados. 

Isto  mostra  que  as  terras,  que  são  feracissimas,  se  conser- 
vam frescas,  e  que  ha  uma  tal  ou  qual  compensação  entre  as 
máximas  e  minimas  temperaturas,  que  na  região  considerada 
variam  de  20^  a  30^,  devendo  ainda  elevar-se  e  tomando  esta 
região  inhabitavel,  se  não  fossem  as  altitudes  e  os  outros  mo- 
dificadores favoráveis. 

Vejamos  agora  o  que  se  passa  em  Loanda,  nos  mesmos  pe- 
ríodos de  observações  feitas  numa  altitude  de  59°*,25  e  á  beira 
mar,  estando  numa  latitude  intermédia  as  extremas  das  Esta- 
ções, 8*»  48'  45". 

Com  relação  ao  periodo  de  Malanje,  variaram:  a  tenapera* 
tura  media  de  17°  a  24^,  a  pressão  de  755  a  759  millimetrosi 


DBSCBipçZo  Dá  viagem  539 

'  ...  ■  ■  ■  ■■  ,11  I  ■  I  I  ^     ■         I  I 

a  humidade  de  IV  a  9P  de  saturação^  e  a  tensfto  do  vapor  de 
14:  a  19  meillimetros.  Quer  dizer^  Malanje  com  o  mesmo  clima 
que  Loanda^  tem  a  seu  favor  pela  sua  maior  altitude :  menor 
pressão,  menos  humidade  e  menor  tensSo  de  vapor,  acrescendo 
ainda  que  os  ventos  que  predominam  neste  período  em  Loanda 
sSo  do  lado  do  mar,  de  norte  a  oeste,  emquanto  que  em  Ma- 
lanje são  de  sul  e  sudoeste  e  já  no  fim,  de  noroeste,  regiSes 
de  terras  mais  altas,  e  além  d'isso  regista  maior  quantidade  de 
chuvas,  de  que  tem  havido  carência  nos  últimos  annos  em 
Loanda. 

Com  respeito  ao  período  de  Cafúxi,  de  20  de  outubro  a  20 
de  novembro,  as  temperaturas  medias  de  Loanda  variaram  nos 
mesmos  limites  de  22^  a  25^,  e  também  Cafuxi,  embora  já  com 
menos  altitude  que  Malanje,  apresenta-se  em  melhores  condi- 
ções do  que  Loanda;  tem  menor  pressão,  menor  humidade  e 
menor  tensão  de  vapor,  chuvas  em  maior  quantidade,  sendo 
ainda  os  ventos  predominantes  os  das  regiSes  altas,  continuando 
em  Loanda  os  do  lado  do  mar,  variando  agora  os  de  noite  mais 
para  sudoeste. 

Camávu,  ponto  mais  baixo  das  nossas  observações,  523  me- 
tros inferior  a  Malanje,  no  mesmo  período  de  1  a  19  de  de- 
zembro e  com  a  mesma  temperatura  media  23^  a  26^,6  do  que 
Loanda,  pois  que  ali  foi  de  23^  a  27^,  offerece  ainda  como 
vantagem  sobre  Loanda,  o  ter  menor  pressão,  menor  humida- 
de, menor  tensão  de  vapor,  chuvas  e  ainda  os  ventos  que  pre- 
dominaram do  lado  do  sul,  emquanto  que  em  Loanda  continua- 
ram os  do  mar. 

Vê-se  pois,  por  este  resumido  quadro  de  observações,  que 
a  regido  planaltica  de  Malanje  entre  os  rios  Cuanza,  Lucala, 
Cugo  e  Cuango,  sob  o  mesmo  clima  que  Loanda,  tem  condi- 
ções de  habitabilidade  e  de  producção  muito  superiores  a  toda 
a  região  que  desce  para  o  oeste  até  ao  littoral,  e  que  quando  o 
caminho  de  ferro  chegar  a  Malanje,  será  esta  região  muito  pro- 
curada pelos  europeus  que  pretendam  beneficiar-se  das  influen- 
cias devidas  ás  más  condições  do  littoral,  sendo  ainda  assim 
indispensável  que  se  subordinem  ás  prescripções  impostas  pela 


640 


[ÇZO  FOBTOODEU  ao  aDATIÍNVDÁ 


sciencis,  com  rekçSo  ás  formulas  climatológicas  âas  diversas 
localidades  d'e8ta  vasta  regilo,  nSo  inferior  a  50K)00  kilome- 
troB  quadrados,  e  que  oecessariainente  os  governos  hSo  de  man- 
dar determinar  por  estudos  rigonmoB  e  nBo  ioteiroaqiidoe. 


SESCRIPÇXO  DA  VIAOEM 


SANEAMENTO 


cammh»  de  ferro,  essn  emprcza 
grftndioaa  dos  tpmpoa  moder- 
nos ua  nossa  Africa,  arrostando 
comsigo  o  capital  e  o  pessoal 
dirigente,  para  o  proseguimento 
de  trabalhos  agrícolas,  cujos 
ensaios  estilo  progredindo  nesta 
região,  tanlo  nas  pequenas 
ponio  nus  grandes  culturas,  ha 
de  desenvolvê-los;  e  esses  tra- 
balhos Iião  de  beneficiar  muito 
as  circumstancias  do  seu  clima, 
que,  se  nSo  puderem  em  prin- 
cipio tomar-se  logo  favoráveis 
á  vidji  do  europeu,  se  modifi- 
carão de  forma  quft  lhe  permit- 
tam  até  trabalhar  ali  nn  lado  do  indígena. 

E  nao  se  diga  que  o  prosegulmento  da  einpreza  ó  para  re- 
cear, porque,  segundo  os  estudos  dos  engenheiros  do  governo 
e  da  companhia  iniciadora  d'es8e  caminho  de  ferro  na  provin- 
cia,  ha  toda  a  conveniência  em  se  prolongar  avia  até  Malanje; 
sendo  relativamente  insigiiific«nte  a  ilespesa  com  as  remoçSes 
de  terras,  e  obras  de  arte  que  ha  que  construir,  para  atravessar 
a  região  planaltica  de  Malanje  até  ao  Cuango.  Como  indica 
o  nosso  esboço,  quer  se  siga  o  caminho  da  Expedição,  quer  se 


MS  xzFBDiçZo  Fosnoinau  âo  Mnâsiisvnâ 

irá  mais  pelo  norte  oa  pelo  siil|  nunto  prineqpáloieQfte  qoado 
nos  lembranpos  qae  sendo  uma  sec^  de  ponoo  maia  de  100 
Idlometioa,  é  esta  &  que  daiá  maiores  mtexesses  4  enqpiesa.  e 
xendimentos  á  provincuu 

E  nlo  nos  importe  s  oonstnio(Ío  do  caminho  de  feno  do 
Baiito-Congo  s  Stanlej-Pooi,  qne  db  mais  nns  tantos  milliBea 
de  firancos  que  se  enterram  naqndle  Estado  lodependenie  iioaao 
TiainliOy  sem  qne  da  concorrência  qne  elle  nos  procuim  fiMor, 
redundem  maiores  pr^nixos,  do  qne  os  qne  já  estamos  so&ondo^ 
pois  qne  o  acréscimo  em  milhSes  qne  improdnctÍTameiito  ae 
tIo  dispendendo  com  tal  Estado,  seilo  cansa  do  sea  mais 
prompto  sbandonO|  e  a  jnstificaçlo  pratica  do  nosso  proeeder 
mais  canteloso  em  Afinca. 

Siga  o  nosso  caminho  de  ferro  até  ao  Cnango.  Oonâraemoa 
s  interessar  os  Bftngalas  e  os  povos  mab  intionados,  como  egeu* 
tes  do  nosso  commercio;  e  s  horrecha,  esse  nnico  artigo  dè 
yalor  cnjas  fontes  nlo  estio  exhanridas  de  todo,  nio  deíxacá 
ainda  de  vir  para  a  nossa  província,  quando  os  artigos  paim  a 
sna  permuta^  cheguem  a  encontrar  os  seus  mercados  a  par^^ 
nos  encargos,  com  os  similares  que  apparecem  do  norte  K 

Mas  nSo  é  só  por  causa  da  borracha  e  mesmo  algum  mar- 
fim, que  exista  no  seio  do  continente,  e  que  agora  se  sabe  exis- 
tir nas  margens  do  rio  Cuango,  que  nos  pertence  e  seus 
afluentes,  entre  as  linhas  de  concorrência  que  se  tentam  esta- 
belecer contra  nós,  que  insistimos  pelo  prolongamento  do  nosso 


1  Ao  tempo  em  que  estamos  revendo  este  nosso  trabalho,  temos  noti- 
cias de  Malanje,  que  as  comitivas  dos  concelhos  de  Malanje  e  Cassanje 
e  vizinhos  a  oeste,  que  até  princípios  do  anno  de  1889  continuavam  a 
convergir  para  o  Lubuco,  não  podendo  já  concorrer  com  os  agentes  do 
£8tado  Independente  do  Congo,  se  estAo  dirigindo  para  as  margens 
do  Cuango  a  norte  do  6<*  lat  S.  do  Equador,  onde  os  povos  começaram 
a  offerecer  borracha  e  marfim  em  quantidade,  pode  dizer-se  na  nossa 
própria  casa ;  e  oxalá  esta  nossa  nota  seja  motivo,  paia  que  os  poderes 
públicos  tenham  em  attenç2o  o  que  propomos  em  resultado  das  nossas 
observações. 


DESCRIPÇiCo  DA  VIAGEM  543 

caminho  de  ferro  até  ao  Cuango.  NSo,  o  nosso  fim  é  outro ;  é 
mais  vasto  o  campo  em  que  assentámos  as  bases  do  plano,  para 
que  julgámos  indispensável  essa  construcção ;  nSo  imaginámos 
porém  fontes  fabulosas  de  rendimentos,  cuja  existência  só  ga- 
rantem os  que  pretenderam  illudir  o  bondoso  rei  dos  Belgas. 

Creâmos  as  receitas,  á  medida  que  essa  construcçSo  se  for 
desenvolvendo;  uma  medida  ampara  a  outra,  e  para  isso  con- 
támos com  o  que  a  natureza  nos  offerece  de  bom:  feracidade 
do  solo,  abundância  de  boas  aguas,  a  melhor  disposição  dos 
povos  a  nosso  respeito,  e  esperemos  que  em  troca  de  uma  edu- 
cação bem  orientada,  elles  hão  de  empregar  as  forças  da  sua 
actividade  em  aproveitar  os  recursos  naturaes,  até  agora  não 
explorados  devidamente. 

O  commercio,  o  intermediário  das  industrias,  desempenhará 
então  o  seu  papel,  firmando-se  em  bases  solidas,  sem  estar  su- 
jeito aos  perigos  e  riscos  com  que  tem  luctado  até  agora. 

Para  a  realisação  do  que  se  nos  afigura  lembremo-nos  que 
querer  é  poder;  e  perfilhemos  com  fervor,  com  o  mesmo 
enthusiasmo,  com  que  foi  proferida  aquella  phrase  tão  coberta 
de  applausos  de  António  Augusto  de  Aguiar,  que  jamais  pode 
ser  esquecida,  como  elle,  do  mesmo  modo  nunca  deixará  de 
ser  uma  das  glorias  do  nosso  paiz:   Nós  queremos  viver. 

Vivamos  pois. 

Mas  em  Africa,  quem  quer  viver  não  pode  parar,  procura 
conhecer  todos  os  recursos  que  a  natureza  lhe  ofi^erece,  e  trata 
de  08  aproveitar  devidamente. 

A  exuberante  força  vegetativa  d*esta  região,  se  por  um  lado 
é  utilissima,  é  por  outro  o  factor  mais  enérgico  da  sua  insa- 
lubridade, e  é  esta  insalubridade,  que  se  deve  procurar  por  todos 
os  modos  neutralisar  ou  attenuar.  £  ella  devida  á  estagnação 
das  aguas  pluviaes,  e  ás  que  avolumam  os  rios  na  epocha  das 
grandes  chuvas,  que  não  podendo  achar  escoante  nas  depres- 
sões, se  vão  nestas  depositando. 

Convenientemente  dirigidas  essas  aguas,  por  meio  de  canaes 
ou  de  rasgamentos  no  solo,  que  as  afastem,  ou  as  lancem  em 
reservatórios  para  depois  serem  aproveitadas;  e  nas  margens 


dos  rios,  polo  levantamento  de  açudes,  bongucs  ou  outros  obras 
de  arte,  de  modo  que  as  ngiias  d'c!le8  se  não  extr.iv azem, 
08  patitnnriB  soccarno,  os  charcos  doixarão  de  exiatir,  e  quando 
OB  raios  do  got  e  &  veatilaç&o  possam  livremente  exercer  a  sua 
Bcçito  benéfica,  o  que  era  fncn  de  infecçíLo,  ae  nSo  for  dextruido 
ooraplotamenle,  neutraliaar-se-lia,  e  as  aguas  poderio  ser  a.pro- 
Teitadas  nas  temui  maia  altas  em  coltaraa  que  Uo  de  pros- 
perar. 

Uas  flSo  precisamente  estes  trabalhos,  qae  por  emqiuarto  ae 
nlo  podem  esperar,  e  seria  mesmo  falta  de  hmiuuiidada  pt^nih- 
der  exigi-los 'do  europeu. 

Os  governos,  oa  emprezarios,  ou  emfim  quem  pense  de  modo 
diverso  e  pretenda  tentá-los  com  elle,  reconhecerá  o  aeo  mo, 
pelos  grandes  sacrifícios  de  vidas  e  despesas  que  fitrib)  impro- 
ductivamente. 

Tentativas  d' esta  ordem,  teem  trazido  comsigo  a  timideSr  o 
afastamento  dos  capitães,  a  inacçSo  em  que,  emfim,  dnranta 
periodos  mais  ou  menos  longos  temos  deixado  jaaer  trabaDioa 
iniciados  qoe  promettiam  bons  resultados,  continoando  »  fi-  ■ 
ver  inertes,  se  é  que  é  viver,  os  povos  indígenas,  com  o  aaxilío 
dos  quaes  oa  poderiamos  ter  feito  proseguir. 

Podem  objectar-noB  com  o  trabalho  do  europeu  no  littoral 
de  Angola,  referindo-se  principalmente  aos  sentenceados ;  mas 
a  isto  respoudemos  com  oa  obituários,  e  com  os  vestígios  de 
ruínas  das  grandes  emprezas  tentadas  na  província  pelos  nos- 
sos antepassados,  e  que  já  temos  apontado  no  decorrer  d' este 
livro,  tudo  devido  á  ignorância  das  condiçSes  climatéricas  das 
localidades  em  que  ellas  se  tentaram. 

Nas  suas  conclus3es  com  respeito  á  provinda  de  Angola, 
dizem  muito  judiciosamente  os  exploradores  Capello  e  Ivena, 
no  seu  livro  li,  De  Benguella  ás  Terras  de  lacca: 

■Conduzir  estas  (aguas)  das  nascentes  dos  rioa,  por  ^stema 
combinado  de  irrigaçSes  nos  sitioB  eminentes  e  salubres,  apro- 
veitando-as  como  elemento  de  vida  para  o  reino  vegetal  e  como 
poderosa  força  motora  em  milhares  de  industrias;  esgotá-las 
sem  custo,  não  consentíndo  estagnações;  em  summa,  dominar 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  545 


e  dirigir  as  aguas  do  continente,  é  o  que  primeiro  convém  fa- 
zer, para  o  aproveitamento  d^aquellas  feracissimas  terras  nos 
locaes  mais  elevados.» 

Mas  estes  trabalhos,  sào  os  indigenas  quem  os  hSo  de  fazer. 
Poderá  esperar-se  que  o  europeu  possa,  quando  bem  alimen- 
tado e  rodeado  das  commodidades  indispensáveis,  dedicar-se  a 
certos  misteres  que  nâo  demandem  grandes  esforços  que  o 
debilitem,  porém  os  que  demandam  despendio  de  forças,  como 
em  geral  requerem  os  trabalhos  preparatórios  para  o  amanho 
das  terras,  os  de  enchada,  picareta  e  alavanca,  e  os  de  remo- 
ções de  terras,  esses,  por  emquanto  só  os  podem  fazer  os  in- 
dígenas das  localidades  em  que  se  emprehendam,  e  os  immi- 
grantes  de  quaesquer  outros  pontos  do  continente  de  Africa, 
mas  quando  devidamente  aclimatados. 

Pouco  tempo  depois  de  chegarmos  á  ilha  de  S.  Thomé,  em 
novembro  de  1873,  fomos  encarregados  de  fazer  parte  de  uma 
commissâo^  que  estudando  a  cidade  tal  como  se  encontrava, 
propozesse  as  medidas  mais  consentâneas  com  as  circumstan- 
cias  doa  cofres  da  provincia,  para  o  seu  saneamento. 

Faziam  parte  doesta  commissão  um  grande  numero  de  func- 
cionarios  antigos  na  província,  e  o  pessoal  do  serviço  de  saúde. 

Debateu-se  então  uma  questão,  que  nao  sendo  nova  o  pa- 
recia, a  saber:  que  era  mais  nocivo  o  pântano  da  Roça  Ar- 
rayal,  por  detrás  da  cidade,  que  o  da*  ponta  junto  á  fortaleza 
de  S.  Sebastião,  em  cuja  extincção  se  lidava  havia  já  annos. 

Como  administrador  do  concelho  também  fomos  nomeados 
para  esta  commissão,  e  impressionou -nos  bastante  o  que  ouvi- 
mos a  indivíduos  que  tinham  auctoridade.  Tratámos  pois  de- 
ir  estudar  esse  pântano. 

Quando  ali  entrámos  deparou-se-nos  um  monturo,  uma  grande 
superfície  abandonada,  sobrepujada  de  palmeiras,  e  entre  estas, 


1  Por  isso  que  se  tomaram  notórios  os  factos  que  vamos  narrar,  os 
citámos,  para  exeraplo  do  muito  que  se  pode  fazer,  quando  haja  boa 
vontade^  para  se  sanearem  as  localidades  que  disso  careçam. 


646  XXPEDIÇXO  FOBTUOUBJEA  AO  mJATIÂHVUA 

embaraçando  a  pasaagemi  mna  densa  e  Taiíada  vegetaçlo  qne 
(Nfs  necessário  dermbar  para  dar  nm  passoi  rodeada  toda  eUa- 
de  accumnlaçSes  de  lixo. 

Se  o  pé  chegava  a  assentar  na  terra,  encontrava-a  pastosa, 
mas  nSo  erà  po^sivel  fieuser  ama  idéa  real  do  qne  todo  aquillo 
erA  senSo  veadoí  o  que  decerto  nSo  era  desconhecido  pelos  ho< 
mens  antigos  ali,  pois  que  em  tempo  se  pensou  em  aprovmtar. 
as  terras  mais  elevadas  na  encosta  para  ahi  se  construir  nm 
hospital* 

Nlo  havendo  um  pessoal  apropriado,  com  anetorisaçlo  do  go- 
vernador, ntilisei  as  praças  africanas  da  companhia  de  polida 
quando  estavam  de  folga,  e  os  serviçaes  presos  a  pedido  doa 
patrSes,  para  fazer  immediatamente  uma  limpeza  em  toda 
aquella  irea^  queimando  mesmo  durante  o  trabalho  os  monti-* 
culos  de  todos  os  detritos  que  se  iam  accumulando  em  diversos 
pontos. 

Este  pessoal  que  nós  acompanhávamos  nos  trabalhos,  dirí- 
gindo-os,  tomava  quinino  como  preventivo,  antes  de  para  lá  ir, 
deitava  fogo  aos  monturos  que  ficavam  da  véspera,  e  ao  prin- 
cipiar e  largar  o  trabalho  cada  um  bebia  a  sua  raçSo  de  aguar- 
dente. 

Limpo  todo  o  terreno,  vi  entSo  qne  nelle  havia  uma  depres- 
sSo,  e  que  esta  era  um  crivo  de  buracos,  par  onde  saiam  enor- 
mes caranguejos  vermelhos.  Pequenos  calhaus  lançados  nesses 
buracos,  davam  a  conhecer  a  existência  de  agua  a  pouca  pro- 
fundidade. 

Houve  em  tempo  quem  se  lembrasse  de  abrir  uma  valia, 
que  contornando  o  sopé  da  encosta,  ia  passar  atrás  de  uma 
igreja,  pelo  norte,  para  o  mar,  no  intuito  de  que  as  aguas  das 
chuvas  que  caiam  sobre  a  encosta  fossem  para  aqui  desviadas; 
mas  não  se  teve  em  attençSo,  nos  melhoramentos  que  se  faziam 
na  cidade  á  beira  mar,  obstar  á  entrada  das  aguas  do  mar,  e 
que  estas  se  aproveitariam  das  abertas  que  achassem  livres. 

Succedeu  pois,  nas  grandes  marés,  que  as  aguas  do  mar 
entravam  por  essa  valia,  e  onde  achavam  logar  trasbordavam 
para  as  depressões. 


•  DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  547 

Passava  o  rio  Agua  Grande  a  um  lado  da  estrada  que  limi- 
tava esta  área,  e  por  isso  tratou-se  de  fazer  construir  abaixo 
d^ella  um  largo  aquedueto,  e  cortar  toda  aquella  área  por  lar- 
gas valias,  combinadas  de  modo,  que  as  aguas  as  lavassem  e 
corressem  ora  para  o  rio,  ora  para  o  mar,  conservando-se  o 
terreno  entre  ellas  enxuto. 

Tratou-se  depois  de  exterminar  o  caranguejo  nas  próprias 
covas,  por  meio  de  cal  e  agua  a  ferver,  e  de  cultivar  os  can- 
teiros com  productos  horticolas  de  rápido  crescimento. 

Em  menos  de  um  anno,  transformava-se  o  terrivel  pântano 
numa  horta  militar,  logar  aprasivel  que  convidava  os  habitan- 
tes a  ali  irem  passear  todas  as  tardes.  Os  corpos  militares  e 
os  sentenceados,  eram  d*ahi  fornecidos  para  o  seu  rancho,  e 
por  ultimo  já  doestes  europeus,  alguns  para  lá  iam  trabalhar. 

Quando  este  melhoramento  contava  já  um  anno  de  existência, 
tinha-se  pago  toda  a  divida  á  fazenda,  sustentava-se  o  pessoal 
que  lhe  era  indispensável,  ficando  um  saldo  em  deposito,  su- 
perior a  400f$000  réis,  e  em  dois  annos  de  trabalhos  apenas 
tinha  morrido  o  sentenceado  que  lá  permanecia  como  guarda, 
de  hydropesia  no  ventre. 

Dois  annos  depois  quando  ali  passei,  já  a  nossa  obra  estava 
um  pouco  abandonada,  porque  o  governador  era  outro ;  porém 
depois  houve  quem  se  lembrasse  de  a  levantar  da  decadência 
em  que  jazia,  e  ultimamente  a  Camará  Municipal  tem  tido  com 
cila  toda  a  attençSo,  não  sendo  infructiferos  os  seus  cuidados. 

Quando  em  Loanda,  no  dia  7  de  dezembro  de  1878,  fomos 
proceder  á  abertura  dos  fossos,  para  os  caboucos  da  Escola 
Profissional,  cuja  construcçSo  estava  a  nosso  cargo  dirigir, 
apesar  de  já  termos  uma  certa  acclimatação  nas  nossas  posses- 
sões do  littoral,  certamente  porque  o  solo  nunca  f5ra  revolvido, 
e  ha  muitos  annos  nSo  chovesse,  o  facto  é,  que  ás  onze  horas 
quando  os  trabalhos  terminavam,  recolhemos  a  casa  com  uma 
febre,  que  por  quatro  dias  nos  prostrou  de  cama. 

O  pessoal  com  que  então  trabalhávamos,  era  apenas  de  al- 
guns jornaleiros  africanos  que  na  véspera  arranjáramos,  è  de 
um  apontador  também  africano. 


548  expsutçSo  portuoueza  aq  iiUATijtiívuA 


Muitos  mais  exemplos  que  se  deram  comnoseo  poderíamos  ]_ 
citar,  provando  que  os  traballios  preparatórios  de  qualquer  em-   ^^ 
prehendimento  em  Africa,  principalmente  os  de  saneamento,  e 
muito  eapocialmente  oa  de  remoção  do  terras,  aó  devem  ser 
executidos  por  emquanto,  pelos  indígenas. 

É  dos  nossos  dias  a  aaniquilaçâo  das  colónias  Júlio  de  Vi- 
lhena, e  a  outra  umbem  do  sentenceados  europeus,  a  qne  se 
deu  a  denominação  de  —  Esperança. 

E  nâo  foi  a  boa  vontade  e  recursos  que  faltaram  na  institui- 
ção de  uma  e  outra.  Foram  os  crassos  erros  da  sua  direcçSo, 
o  desconhecimento  completo  das  localidades  onde  se  pretendeu 
crear  aquelles  estabelecimentos,  e  ainda  a  escolha  doa  indívi- 
diios  que  compunham  o  seu  pessoal  de  trabalhadores. 

Na  primeira,  que  se  destinava  a  ser  de  sentenceados,  deu-se 
começo  aos  trabalhos  com  uma  leva  de  colonos  voluntários  que 
chegaram  a  Loanda  na  occasiílo,  e  que  precipitadamente  se 
mandaram  para  lá. 

Na  segunda,  sem  que  os  trabalhos  preparatórios  estivessem 
iniciados,  e  numa  localidade  cuja  escolha  foi  feita  por  um  in- 
divíduo que  lhe  era  inteiramente  estranho,  e  da  província,  se 
alguma  cousa  conhecia,  era  o  littoral  —  e  que  só  teve  em  vÍBta  a 
abundância  de  agua,  disposição  do  terreno  e  distancia  ao  cen- 
tro mais  populoso  —  para  lá  se  foram  enviando  levas  ãe  degre- 
dados á  medida  que  iam  chegando  i  provincia,  isto  devido  a 
informações  enganosas  que  se  ministravam  ao  chefe  da  pro- 
víncia, com  respeito  áa  commodidadcB  que  os  colonos  ahi  en- 
contrariam. 

Esquecen-se  numa  e  noutra  que  o  pessoal  de  trabalhadores 
era  europeu,  inteiramente  novo  na  provincia,  e  os  poucos  da 
colónia  Esperança  que  haviam  passado  por  uma  acclimataçlo 
no  littoral,  estavam  exhaustoa  de  forças,  e  na  maioria  anemicos ; 
que  todos  tinham  a  vencer  uma  grande  marcha  de  dias  a  pé, 
com  as  suas  cargas  ás  costas,  e  que  em  seguida  tinham  de  ir 
construir  abrigos  para  si  c  suas  familiaa,  tendo  de  proceder 
logo' ao  corte  de  madeiras,  limpeza  do  solo  e  remoçílo  de  terras. 

Segniu-ae  a  rotina,  caiu-ae  noa  mesmos  erros  do  passado. 


DESCKIPÇAO  DA  YUGEM  Õ49 


anniquilarain-se  boas  instituiçSes,  retroccdeu-se,  o  que  é  bem 
peor  do  que  parar;  e  isto  quando  se  encontrava  á  testa  da 
administração  provincial,  um  governador  de  muito  boa  vontade 
e  coragem,  e  que  se  empenhava  pela  instituição  d^aquella  co- 
lónia que  tinha  esperanças  de  ver  progredir. 

Hoje  maiores  serão  as  resistências  a  vencer  para  se  levar 
por  deante  um  plano  d'esta  ordem,  que  além  de  útil  é  moral 
e  humanitário;  e  comtudo,  nós  dispomos  de  bons  recursos  para, 
saneando  uma  grande  porção  de  terreno,  e  imitando  os  particu- 
lares, (homens  práticos  das  regiSes  agricolas),  crear,  manter  e 
fazer  progredir  instituições  doestas,  de  que  se  ha  de  dotar  neces- 
sariamente a  provincia,  na  sua  região  central  até  aos  seus  con- 
fins, se  quizermos  que  ella  se  desenvolva,  e  evitar  a  decadên- 
cia do  seu  comraercio,  que  somente,  com  o  caminho  de  feiTO 
que  se  está  construindo  se  não  pode  restaurar. 

Apesar  da  ruina  d^essas  duas  colónias  agricolas,  de  que  nas 
localidades  em  que  se  instituiram  não  ha  um  único  vestígio, 
nao  obstante  ter  sido  desmoronada  a  primeira  ha  seis  annos; 
nós  aiuda  insistimos,  acreditando  nas  vantagens  da  sua  crea- 
çâo,  e  para  isso  chamámos  a  attenção  da  iniciativa  particular, 
hoje  que  o  caminho  de  ferro  é  uma  verdade,  e  que  reconhece- 
mos ser  diíKcil  ao  governo  tomar  sobre  si  a  responsabilidade 
de  tudo,  na  administração  das  colónias. 

Nem  o  pessoal  de  estudos  do  caminho  de  ferro  de  Ámbaca, 
nem  o  actual  da  sua  construcção,  teria  proseguido  nos  seus  tra- 
balhos, se  não  fosse  o  grande  auxilio  que  encontraram  nos  in- 
dígenas da  provincia,  que  a  esses  trabalhos  affluiram  e  estão 
aítiuindo  todos  os  dias. 

Esses  homens,  cm  principio  receosos,  abandonaram  comple- 
tamente o  transporte  das  cargas  preferindo  estes  trabalhos.  E 
este  núcleo  de  trabalhadores  a  quem  se  crearam  necessidades, 
é  que  toem  dado  alento  a  esta  parte  da  provincia,  não  só  porque 
estão  saneando  os  terrenos,  mas  porque  ainda  o  producto  dos 
seus  trabalhos  lá  tem  ido  para  o  commercio  supprir  a  quebra 
do  rendimento  d 'esses  productos  valiosos,  que  nunca  se  pensou 
se  extinguissem,  a  cera,  o  marfim,  e  a  borracha. 


650  EXFBDIÇXO  POBTUOUBaSA.  AO  MCâTIINVOA 

É  notavd,  por  emqoanto,  que  o  indígena  que  frabalhs  nlo 
guarda,  nSo  accumula.  Gasta  o  que  adquire,  procurando  aém^ 
pre  o  mais  ousado  equiparar-se  com  o  europeu 

O  caso  é  elle  ter  de  que  dispor,  o  que  dere  ser  leyado  á  conta 
da  novidade  dos  interesses,  e  em  nSo  pensar  senio  no  presente. 

Veste  roupas  de  riscado  e  algodSo,  quando  as  nSo  pode  ter 
de  melhores  tecidos;  usa  de  diapéu  de  palha,  se  nEo  pode 
obter  um  de  feltro  ou  de  panno;  protege  os  pés  com  alp^rea^ 
tos  se  nlo  pode  comprar  sapatos,  e  bebe  emfim  aguardente  se 
nlo  pode  beber  vinho. 

Os  nossos  contraCtados  em  Loanda,  no  regresso,  tinham  de 
receber  naqúella  cidade  todos  os  seus  vencimentos,  e  ainda  um 
certo  líumero  de  mezes  de  raçSes  em  dinheiro,  mas  chegando 
a  Maknje  todos  elles  tinham  necessidade  de  abonos  para  se 
▼estirem,  e  tSo  desordenadamente  abusavam  do  credito,  com- 
prando cousas  boas  para  seu  uso,  que  houve  necessidade  de  lhe 
pftr  um  termo,  fieusendo  cessar  os  créditos  que  tiiúiam  noa  di- 
versos estabelecimentos*  O  <&^  além  d»  palãfta^  partieefar 
que  distríbuiff  Beada^m%  teve  de  dar  a  um  d'elles  ainda  20ii|000 
réis^  para  este  poder  pagar  á  Fazenda  30/$000  réis,  que  dis- 
pendêra  a  mais.  Finalmente,  em  todas  as  contas  de  credites 
d'eBte8  homens  se  vêem  garrafas  de  vinho,  e  só  o  ultimo,  á  sua 
parte,  havia  comprado  sessenta  garrafas  ao  preço  de  300  réis, 
o  que  para  elle  era  importante. 

Chegando  a  Loanda,  pouco  era  o  que  tinham  a  receber,  se 
bem  nos  recorda,  variaram  os  saldos  de  10^000  a  lOOfJOOO 
réis,  pois  todos  elles  ainda  assim,  reconhecendo  que  a  epocha 
do  seu  fausto,  que  durava  havia  seis  mezes,  estava  a  terminar,  e 
não  querendo  voltar  aos  antigos  tempos  de  carretos  de  machillas 
ou  de  transporte  de  cargas  da  Alfandega,  nSo  nos  deixaram 
emquanto  lhes  não  alcançámos  emprego  nas  officinas  das  obras 
publicas,  6  devido  á  amabilidade  dos  Srs.  Marquez  das  Minas 
e  David  Sarmento,  lá  foram  todos  admittidos. 

Dois  d^elles  vieram  a  Lisboa,  onde  estiveram  um  mez ;  pois 
aqui  consumiram  as  suas  economias,  em  bons  objectos  de  uso 
que  levaram,  e  também  lá  estSo  trabalhando  nas  officinas.  Com 


descripçao  da  viagem  551 

08  carregadores  de  Malanje,  deu-se  o  mesmo.  Tendo  de  rece- 
ber os  vencimentos  atrasados,  tudo  consumiram  nas  casas  de 
commercio  em  boas  compras,  sem  pensarem  no  dia  seguinte, 
nào  obstante  os  conselhos  que  lhes  dávamos. 

— Estivemos  para  morrer  umas  poucas  de  vezes,  diziam  elles, 
e  agora  queremo-nos  desforrar  dos  trabalhos  que  passámos. 

Vae  pois  o  indígena  trabalhar  onde  auíira  lucros  para  satis- 
fazer as  suas  necessidades  immediatas,  e  procura  sempre  maio- 
res interesses,  e  poder  estar  ao  pé  da  familia  ou  da  tribu  de 
que  faz  parte.  Aproveitemos  pois  as  suas  boas  disposições  e 
preparemos  as  localidades  para  receberem  a  colonisaçSo  euro- 
pea,  fazendo-os  interessar  nessa  colonisaçSo. 

Tratando  de  Malanje,  dissemos  como  se  poderia  extinguir  o 
seu  pântano,  e  aproveitá-lo  na  cultura  da  canna  e  beterraba, 
e  servia-nos  de  exemplo  a  propriedade  de  C.  Machado,  e  os 
importantes  trabalhos  que  se  estavam  fazendo  nas  propriedades 
de  Narciso  Paschoal,  no  Anjínji  e  os  que  estão  tendo  grande 
desenvolvimento,  de  A.  da  ConceiçAo  Pinto,  no  Quissole. 

São  dos  indígenas  os  primeiros  trabalhos.  Foram  estes  que 
derrubaram' as  arvores,  limparam  o  solo  e  desviaram  as  aguas. 
Não  se  imprimiu  então  a  esses  trabalhos  uma  boa  orientação» 
porém  fez-se  muito;  tornaram-se  as  locaUdades  aptas  para  o 
pessoal  dirigente,  e  este,  com  o  tempo,  tem  modificando  a  di- 
recção primitiva,  tem  conseguido  nas  suas  propriedades  fazer 
lidar  o  europeu  ao  lado  do  indígena,  se  não  já  a  cavar  a  terra, 
em  outros  serviços  que  não  demandam  menos  esforço. 

Chamo  a  attenção  dos  poderes  públicos  para  o  facto,  que 
o  sentenceado  europeu  no  serviço  de  emprezas  particulares, 
em  trabalhos  análogos  aos  que  lhe  exige  o  governo  resiste, 
estima  o  producto  de  seu  labor,  gosa  relativamente  de  boa 
saúde,  e  vê  progredir  a  empreza  para  que  contribue. 

Deixou  a  cazerna,  deixou  o  convívio  em  que  o  vicio  estava 
inveterado,  livremente  exerce  a  sua  actividade  em  proveito 
próprio  e  no  da  sociedade,  isenta-se  da  obrigação  do  serviço  em 
commum,  e  constituo  familia,  tem  amor  á  vida,  e  por  conse- 
quência ao  emprego  que  lhe  proporcionou  estas  vantagens.  Nas- 


552  KZPBDIÇXO  PORTUOUSZÀ  AO  MUATIÁNVDA 

cem-lhe  aspiraçSes,  procura  regenerar-se,  e  bIo  as  sua»  amln- 
çSes  qae  o  patrão,  os  vizinhos,  a  auctoridade  sob  a  vigilância 
de  quem  está,  possam  d'elle  informar  bem,  para  se  poder  soli- 
citar da  demência  regia  a  commutaçSo  da  sua  pena. 

E  já  que  fisdlámos  nisto,  digamos  com  sinceridade.  Cnata  a 
crer  que  havendo  todos  os  annos  grande  numero  de  perdSes 
para  criminosos,  e  entrando  centenas  de  degredados  por  «nno 
em  Ángohi,  nSo  haja,  pelo  menos  em  um  certo  periodo  de  tem- 
po, motivo  para  serem  contemplados  alguns  dos  que  ha  mmto 
estSo  comprindo  sentença.  Conhecemos  trez  de  uma  conducta 
írreprehenstvel,  sempre  sob  a  vigilância  official,  trabalhando 
nas  obras  do  governo  pelo  salário  que  se  lhes  tem  querido  dar. 
Antes  do  consorcio  de  Sua  Magestade  EKRei  D.  Carlos,  se 
um  d'esses  perdSes  chamados  da  c Semana  Santa»,  chegoa  a 
algum  d'aquelles  infelizes,  foi  caso  raro,  emquanto  que  o  obti- 
veram muitos  que  ainda  para  lá  haviam  de  ir  cumprir  sentença. 
Na  lei  fiazem-se  comprehender  as  commutagSes  ou  perdSea 
como  estimules  para  a  regeneraçlo  dos  condemnados,  porém, 
parece  que  esquece  a  quem  cumpre,  lembrar  os  que  se  tenham 
tonuido  merecedores  da  clemência  real. 

O  libérrimo  ministro  Rebello  da  Silva,  decretando  as  colónias 
penitenciarias,  tinha  em  vista  a  regeneração  dos  criminosos,  e 
passando-os  de  classe  em  classe,  nSo  só  lhes  promettia  a  com- 
mutaçSo da  pena,  mas  ainda  preparava-lhes  um  futuro  honesto, 
e  proporcionava-lhes  os  meios  para  se  fixarem  na  província,  ou 
em  terra  da  pátria,  logo  que  obtivessem  a  sua  rehabilitação. 
Não  foi  comprehendida  aquella  alma  generosa,  e  já  vinte 
annos  decorreram,  sem  que  na  nossa  legislação  se  tenha  precei- 
tuado sobre  a  vida  dos  sentenceados  que  se  mandam  para  a 
Africa;  e  comtudo,  no  mesmo  periodo,  grande  numero  de  asso- 
ciaçSes  de  caridade  e  de  protecção  se  tem  instituído  em  Por- 
tugal, não  esquecendo  até  a  de  protecção  aos  irracionaes. 

Mas  porque  se  não  p8e  em  execução  a  idea  das  Colónias  Pe- 
nitenciarias, como  as  decretara  Rebello  da  Silva?  E  o  que  na- 
turalmente pergunta  quem  lê  tão  luminoso  decreto.  E  a  res- 
posta é  sempre,  porque  o  nosso  Código  Penal  se  lhe  opp8e ! 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  553 

Reforme-se  pois  este  código,  ao  menos  nessa  parte,  de  modo 
que  se  torne  exequível  aquella  humanitária  lei,  que  regenera 
pelo  trabalho  o  homem  que  a  sociedade  repelliu  temporaria- 
mente do  seu  seio,  e  que  faz  aproveitar  a  força  e  actividade 
de  que  elle  dispõe  e  os  conhecimentos  que  possue,  em  prol 
da  terra  que  se  lhe  tomou  uma  nova  pátria. 

Ha  opiniões  de  que  se  nao  devem  enviar  os  criminosos  para 
as  nossas  possessões  africanas;  não  é  este  o  logar  para  tratar 
d'este  assumpto,  mas  o  que  nao  offerece  duvida,  é  que  devemos 
pensar  na  condição  dos  que  para  lá  se  vão  mandando. 

São  milhares  de  vidas  que  seria  crime  de  leso  patriotismo, 
de  lesa  humanidade,  de  lesa  sciencia  deixar  inutilisar.  Não  abo- 
limos a  pena  de  morte  directa,  para  indirectamente  a  susten- 
tarmos, mas  de  um  modo  mais  horrivel,  vendo  o  sentenceado 
deíinhar-se  dia  a  dia,  conhecendo  que  a  vida  se  Ihevae.  Não 
queremos  que  os  chibatem,  não  queremos  que  os  torturem  a 
ferros,  não  queremos  emfim,  que  os  maltratem;  mas  esquece- 
mo-nos  de  providenciar  acerca  dos  meios  da  sua  rehabilitação, 
de  obstar  a  que  prosigam  na  senda  do  crime,  e  de  evitar  a 
appllcação  d^esses  castigos  que  nos  repugnam;  esquecemo-nos 
emfim  de  os  estimular  pelo  amor  da  pátria  e  da  familia,  para 
que  de  novo  a  sociedade  os  admitta  como  cidadãos  prestantes. 

Seria  muito  profícua  ainda  uma  missão  religiosa  bem  orga- 
nisada,  que  os  attrahisse  ao  trabalho  e  lhes  incutisse  a  idéa 
de  crearem  familia  e  de  se  regenerarem.  Esta  instituição  muito 
bons  serviços  podia  prestar  á  causa  doesta  desgraçada  classe, 
ás  nossas  possessões  e  ao  paiz  em  geral.  E  a  despesa  não  seria 
superior  á  que  actualmente  com  elles  se  faz. 

Mas  repetimos,  quer  se  entregasse  a  regeneração  d^essa  classe 
a  uma  direcção  official,  ou  a  qualquer  empreza  particular,  quer 
a  uma  missão  religiosa  ou  especial;  essa  classe  só  podia  ser 
aproveitada  com  vantagens,  em  trabalhos  que  a  prendessem  á 
terra,  mas  antes  de  nelles  intervirem,  a  iniciação  doestes  tra- 
balhos deveria  estar  feita  pelos  indígenas. 

Florescem  hoje  colónias  que  foram  preparadas  pelo  esforço 
de  homens  que  a  sua  metrópole  degredara,  mas  ao  lado  do 

SC 


554       EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÍNVUA 


sentenceado  lá  estava  a  companheira  e  os  filhos  que  o  incitavam 
ao  trabalho  para  a  sua  manutenção.  Esses  tiveram  a  seu  favor 
uma  fácil  adaptação  ao  clima,  e  crearem  industrias  que  pro- 
grediam a  olhos  vistas,  e  cujos  productos  eram  então  muito 
procuradas  pela  metrópole  que  assim  as  estimulavam. 

Com  o  tempo  a  sciencia  tem  adquirido  grande  numero  de 
factos,  e  tem-se  assenhoreado  de  recursos  que  lhe  permittem 
pôr  em  acção  os  meios  necessários  para  fazer  adaptar  os  indi- 
vidues aos  climas,,  e  de  se  proceder  ao  saneamento  das  regiSes 
em  que  a  agricultura  progride ;  pois  a  sciencia  tem  vasto  campo 
na  enorme  regiSo  de  que  nos  occupâmos  para  indicar  as  loca- 
lidades que  devem  ser  já  preferidas  para  esse  effeito.  E  se  a 
observação  não  nos  engana,  devem  as  investigações  começar 
nas  planuras  mais  elevadas,  e  o  desbasto  da  vegetação  arbó- 
rea, e  o  desvio  de  aguas  devem  ser  principiados  pelos  indíge- 
nas, sendo  esse  o  primeiro  passo  para  o  saneamento. 

Sejam  ainda  os  indígenas  que  aproveitem  as  madeiras  para 
construcçSes  de  abrigos,  adequados  ás  necessidades  da  vida 
de  familia;  sejam  elles  que  revolvam  a  terra,  a  arroteem  e 
procedam  ás  primeiras  plantações,  e  que  se  sigam  então  os 
degredados  europeus  distribuídos  em  casaes,  a  aperfeiçoar  os 
trabalhos  iniciados  e  proscguir  no  seu  desenvolvimento  explo- 
rando-se  novos  terrenos,  no  que  devem  ser  auxiliados  ainda 
pelos  indígenas,  aos  quaes  cumpre  também  fazer  interessar  na 
exploração. 

Esses  casaes,  núcleos  de  civilisação  agrícola,  hão  de  estimu- 
lar a  iniciativa  particular  —  que  o  governo  pode  auxiliar  com 
iscmçoes  de  impostos  por  um  certo  tempo,  com  outras  conces- 
sões, e  ainda  garantia  de  juros  de  empréstimos  —  a  encami- 
nhar para  a  nossa  província  a  emigração  da  metrópole,  que 
hoje  procura  terras  de  estranhos  que  progridem  á  custa  do  seu 
trabalho. 


nESCIÍIl%'Xo  DA  VIAOKM 


SITUAÇÃO  DO  indígena 


oa  capítulos  anteriores  mostrá- 
mos, não  só  o  que  havia  a  espe- 
rar do  incremento  da  agricul- 
tura, em  toda  a  rogiSo  de  que 
noB  occup&moB,  mas  ainda  o 
modo  pelo  qual  devemos  con- 
siderar os  seus  povos,  o  estado 
do  atraso  em  que  os  encontrá- 
mos, ii  influencia  que  nelles 
exercemos,  e  como  ee  podem 
aproveitar  para  beneficio  da 
civitisaçSo  e  dos  interesses  que 
ahi  formos  adquirindo. 

Emquanto  aoa  povos  vizi- 
nhos, 08  Capendas,  que  vivem 
na  margem  direita  do  Cuango,  para  mostrar  como  elles  nos  pro- 
curam, como  elles  solicitam  a  protecçílo  dos  Portuguezes,  e  se 
sujeitam  .10  seu  governo,  daremos  publicidade  ao  terceiro  officio 
que  do  seu  potentado  recebemos  já  depois  do  noeso  regresso. 
Este  documento,  e  os  dois  anteriores  a  que  este  se  refere, 
valem  muito  mais,  faliam  mais  alto  que  os  tratados  arranca- 
dos á  falsa  fé  aos  indígenas  petos  estrangeiros,  forjados  mesmo 
por  estes  sem  conhecimento  dos  interessados.  Este  documento  é 
escripto  e  enviado  da  localidade,  por  individuo  que  embora  só 


556       EXPEDIÇÍO  PORTUGOEZA  AO  MUATIANVUA 

conheçamos  de  nome,  não  se  atreveria  a  mandá-lo  sem  lhe  ter 
sido  ordenado  pelos  potentados,  em  nome  de  quem  se  nos  di- 
rigiu. 


Sr...  Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho.  —  Pungo  Andongo  (si- 
tio de  Quiongoa)  30  de  novembro  de  1888. 

Embora  de  que  nâo  tenho  pleno  conhecimento  com  Y.  durante  o 
tempo  que  andou  no  interior  da  Lunda,  em  consequência  de  me  ter  apa- 
nhado ausência  na  occasiâo  quando  V.  tinha  atravessado  o  Rio  Quango 
aonde  m'achava  collocado  a  meus  negócios,  porque  no  mesmo  tempo  fui 
chamado  pelo  Capenda-Camulemba  (do  Xinje)  para  com  fins  de  princi- 
piar o  negocio  que  elle  tem  representado  a  V.  ,  já  duas  vezes ;  que  aos 
2õ  de  junho  dirigiu-lhe  mais  o  officio  n.^  "2  que  foi  remettido  por  minha 
intervenção  e  pedi  ao  cuidado  do  meu  amigo  José  António  de  Yascon- 
cellos,  quem  o  remetteu  para  o  correio  de  Malanje,  que  o  meu  portador 
lh'o  tinha  entregue  na  presença  do  sr.  C.  J.  de  Sousa  Machado. 

Comtudo  já  poderá  fazer  idéa  de  mim,  por  meus  escriptos  que  tenho 
dirigido  a  V.  por  pedido  do  mesmo  Potentado,  como  verá  no  mesmo 
officio  n,°  2,  auctorisação  que  me  deu  para  que  suas  respostas  que  ve- 
nham remettidas  sempre  por  minha  intervenção,  antes  que  nào  tenham 
algum  impedimento,  e  no  caso  de  não  haver  por  emquanto  tempo  com- 
tudo terá  a  bondade  de  mandar  publicar  segunda  vez  para  que  chegue 
ao  conhecimento  de  todos  o  que  até  aqui  ainda  V.     não  cumpriu  aquillo. 

No  mesmo  oflicio  n."  2,  fiz  annunciado  o  sitio  por  aqui  aonde  resido 
e  do  tempo  de  que  teria  de  me  retirar  lá  do  Xinje,  que  seria  aos  fins  de 
julho,  o  que  antes  de  chegar  o  tempo  assignalado,  arrebentou  logo  lá  no 
interior  guerras  dos  Maquiócos  contra  o  Muata  Cumbana,  e  o  Cuangulji 
que  obrigou  o  Muáta  Cumbana  abandonar  a  Quipanga  (cerco,  fortaleza) 
e  foi  sonegar-se  em  Cazele  aonde  elle  tem  reunido  guerras;  e  o  Ca- 
ungula  tem  combatido  com  elles,  e  nunca  jamais  poderão  corre-lo  da 
Quipangai  porém  a  gente  dos  subúrbios  da  terra  d'elle  foi  corrida,  al- 
guns se  refugiaram  até  para  cá  do  Xinje,  como  um  d'elles  o  Quifa-mcssu 
do  porto  do  Rio  Cuillu.  Advertindo  porém  os  Maquiócos  que  estão  bra- 
vos são  os  de  baixo  Caboco  ('amuana  Mueji  e  outros  Muquiche,  menos 
os  de  cima  dos  que  V.  já  conii)rou  a  faca  em  resgate  da  cabeça  do 
Muatianvua. 

O  que  pareceu  aquillo  cousa  mui  ademiravcl !  O  rato  papar  o  gato  : 
como  oMaquióco  sendo  moleque  natural  e  tributário  ao  Muatianvua,  su- 
perior de  todos  sobas  do  interior,  e  hoje  todos  aquelles  subordinados 
esmagar  a  grande  posição  d'este  poderoso  soba !  E  ao  mesmo  tempo  os 
Bangalas  de  Cassanje  também  continuam  com  seus  roubos,  que  já  lhe 
avizámos  tudo  no  officio  n.°  2,  que  até  hoje  o  commercio  por  cá  em  cima 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  557 


anda  paralisado  por  esta  causa,  e  foi  em  vista  d'isto  que  Capenda  o  po- 
tentado, teve  de  me  impedir  para  o  fim  d'aquillo,  a  bem  de  vir  eu  an- 
nunciar  tudo  a  V.  ,  que  de  maneiras  não  cheguei  aqui  senão  aos  últi- 
mos dias  do  presente  mez. 

Para  dizer  com  franqueza,  lá  a  gente  da  Lunda  de  Muatianvua  e  ou- 
tros Maxínjes  de  Capenda-Camulemba  andam  esperando  a  pessoa  de 
y.  como  o  povo  de  Jerusalém  esperou  pela  vinda  de  Christo,  por  saber 
que  era  o  Salvador  do  mundo.  No  dia.  20  do  corrente,  appareceram-me 
por  aqui  três  individuos  de  nomes  Cacuáta  Mutombo  Mucoi,  Calenga 
Caxalapole  e  Quitamba  do  Madiamba,  aquelles  dois  são  uns  dos  que  vie- 
ram com  filho  do  Muatianvua,  e  este  é  um  dos  que  seguiram  em  setem- 
bro os  quaes  pertencem  ao  Caumgula,  vindo  saber  noticias  da  vinda  de 
y.  e  também  á  compra  de  pólvora  para  as  suas  guerras.  O  filho  do 
Muatianvua  encontra  obstáculo  no  caminho  por  causa  dos  Bangalas  e 
Maquiócos  que  se  acharam  offendidos  pela  vinda  do  mesmo  na  compa- 
nhia de  y.  porque  elles  dizem  que  tiveste  caminho  de  ir,  e  não  has  de 
ter  caminho  de  regressar,  salvo  se  teu  Pae  Sua  Magestade  (Muene  Puto) 
tiver  o  poder  de  o  fazer  passar,  de  sorte  que  está  elle  parado  em  Ma- 
lanje,  os  três  individuos  que  acima  ficam  expostos  passaram  aqui  com 
direcção  para  o  Dondo,  dizendo  que  vamos  fazer  caça  de  bois  silvestres 
naquclles  matos  visinhos  ao  Dondo,  depois  iremos  até  ás  lagoas  visinhas 
caçar  cavallos  marinhos,  isto  é,  somente  para  entretermos  o  tempo  da 
vinda  do  sr.  major,  e  logo  que  nos  conste  que  elle  está  no  Dondo,  nós 
apresentaremos  á  presença  d 'elle,  a  fim  de  seguirmos  para  cima,  e  se  não 
vier,  coitados  de  nós  I  porque  nunca  teremos  passagem. 

Aonde  chegou  o  atrevimento  dos  Bangalas  !  Certos  individuos  que  tem 
ido  a  Loanda  e  tem  encontrado  o  trabalho  para  o  caminho  de  ferro,  no 
regresso  ás  suas  terras,  informando  o  Jaga  e  seus  sobetas,  dizem  que  o 
Muene  Puto  não  tem  que  fazer,  por  isso  se  entrega  a  estes  trabalhos,  ima- 
ginando que  com  isso  nós  ficaremos  temorisados,  pelo  contrario  é  uma 
fortuna  para  nós,  porque  apenas  que  nos  conste  que  chegou  tal  caminho 
a  Malanje,  nós  degolaremos  e  roubaremos  tudo  quanto  existe  cá.  E  com 
estas  basofías  obrigam  o  Capenda-Camulemba  a  estar  preparado  para 
quando  lhe  constar  a  vinda  da  força  de  Muene  Puto,  poder  soccorrê-lo 
somente  com  a  pólvora  que  será  de  que  podemos  dispor  contra  os  Ban- 
galas, que  como  costumam  em  outros  tempos  hão  de  querer  valer-se  de 
fugirem  para  cá  nas  minhas  terras. 

Por  isso  temos  pedido  a  probidade  de  y.  mandar  publicar  tudo 
quanto  é  acontecimentos  que  tem  passado  no  interior,  isto  para  maior 
satisfação  do  tal  potentado,  e  melhor  conhecimento  do  publico. 

Aqui  fico  ás  suas  ordens  para  aquillo  que  me  julgar  prestavel. 

De  y.  ,  etc.,  seu  humilde  venerador  e  creado.  =  Diogo  Fernandes  de 
Sousa  e  Silva, 


558  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

N2lo  serão  pois  estes  povos  que  nos  contrariarão  nos  nossos 
intentos,  antes  nos  hão  de  auxiliar,  quando  mais  não  seja  imi- 
tando o  que  fizermos  na  margem  que  lhes  fica  fronteira. 

Suppor-se  ainda,  que  será  possivel  explorar  o  preto  sem  o 
recompensar,  ó  um  erro  não  menos  grave  do  que  querer,  na 
occasião  actual,  nivelá-lo  comnosco,  sem  que  para  isso  o  tenha- 
mos preparado,  impondo-lhes  costumes,  hábitos  e  leis  que  ad- 
quirimos no  decurso  de  séculos.  Nivelá-lo  comnosco  é  querer 
que  elle  vença  a  immensa  distancia  que  o  separa  do  estado  de 
adeantamento  do  branco,  quando  este  o  alcançou,  lenta  e  pe- 
nosamente, é  cm  summa,  querer  admitti-lo  como  superior  a  nós, 
e  julgar  que  é  mais  susceptível  do  que  outro  qualquer  de  se 
approximar  da  perfectibilidade  humana.  Explorá-lo  sem  o  recom- 
pensar, é  querer  continuar  a  deprimi-lo,  para  dar  razão  aos  que 
asseveram  que  é  incapaz  de  sair  da  inferioridade  em  que  vive. 

Diga-se  á  criança  a  quem  se  ensina  a  decorar  uma  oração, 
que  nos  prove  que  a  comprehendeu ;  a  um  individuo  de  uma 
nação  estranha  que  não  conhece  a  nossa  lingua,  que  nos  des- 
creva nesta  uma  occorrencia  que  lhe  seja  familiar ;  pergunte-se 
a  um  dos  nossos  provincianos  que  nunca  abandonou  o  torrão 
pátrio,  e  que,  regando  a  terra  com  o  suor  do  rosto,  só  tem  em 
vista  a  manutenção  e  felicidade  da  familia,  que  idea  forma  do 
seu  rei  e  da  corte  que  o  cerca?  A  muitos  individuos,  infeliz- 
mente ainda  numerosos,  da  classe  menos  illustrada  de  Lisboa, 
perguntemos-lhe  o  que  pensam  sobre  a  Africa  e  seus  habi- 
tantes? Que  distincção  fazem  entre  as  colónias  que  ahi  pos- 
suimos?  Mesmo  em  qualquer  capital  de  primeira  ordem,  an- 
nuncie-se  em  grandes  cartazes  e  pela  imprensa  periódica,  ou 
ainda,  sem  apparato,  sob  pretexto  de  prohibiçao  policial,  pro- 
pale-se  em  segredo,  que  num  determinado  local,  a  uma  certa 
hora,  e  com  certas  formalidades  um  homem  ou  uma  mulher 
adivinha  o  nosso  futuro,  nos  diz  a  sorte  que  nos  espera,  e  nos 
ensina  os  meios  de  tornar  a  vida  mais  longa,  de  nos  livrar  de 
males  que  impendem  sobre  nós,  e  veremos  correntes  de  povo 
encaminharem-se  para  essas  consultas  e  pagarem-nas,  embora 
com  sacrifício. 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  559 

Muitas  outras  comparações  podíamos  apresentar,  até  das  in- 
vasões e  guerras  europeas  do  nosso  tempo,  em  que  as  vanta- 
gens não  são  a  favor  do  branco,  quando  olhámos  para  o  preto 
que  estudámos,  na  situaçílo  em  que  se  encontra. 

Tudo  é  relativo  ao  estado  de  adeantamento  dos  povos;  e- 
se  quando  attentâmos  nos  males  que  temos  por  casa,  encará- 
mos o  futuro  com  esperança  e  confiança  no  progresso,  porque 
não  faremos  o  mesmo  quando  nos  empenhámos  em  dar  cumpri- 
mento á  obrigação,  de  esclarecer  a  intelligencia  do  africano  que 
nasceu,  e  do  que  procura  vir  viver,  nos  territórios  que  con- 
quistámos naquelle  continente? 

Desde  o  momento  em  que  emancipámos  o  indígena  africano, 
isto  ó,  desde  que  o  eximimos  á  sujeição  do  senhor,  que  dis- 
punha das  suas  forças,  da  sua  vida,  no  próprio  interesse,  como 
de  um  ser  que  não  passava  de  um  autómato,  corria-nos  o  dever 
imperioso  de  o  amparar,  e  de  o  encaminhar  pelo  trabalho  livre 
e  pela  transformação  de  hábitos  no  convívio  comnosco,  para 
um  futuro  melhor. 

Mas  em  vez  d'isto,  contentámo-nos  com  o  generoso  acto  da 
emancipação,  e  em  seguida  fizemos  que  se  lhe  remunerasse  o 
trabalho,  que  regulamentámos  a  titulo  de  livre. 

Mas,  dizíamos  nós,  em  21  de  fevereiro  de  1875,  numa  carta 
que  correu  impressa  e  que  ousámos  dirigir  da  ilha  de  S.  Thomé 
ao  venerando  general  marquez  de  Sá  da  Bandeira,  o  vulto  be- 
nemérito que  toda  a  sua  vida  trabalhou  por  libertar  os  povos 
de  Africa,  e  que  deixou  o  seu  nome  vinculado  á  regeneração  das 
nossas  colónias  pelo  trabalho  livre: — A  liberdade  mal  enten- 
dida pode  ter  consequências  funestas,  e  a  liberdade  só  pode 
existir  onde  se  ama  a  justiça  e  se  respeitam  os  direitas. 

E  durante  os  doze  annos  que  se  teem  succedído  áquelle  acto 
expontâneo,  que  com  tanto  enthusíasmo  applaudimos  em  bene- 
ficio da  raça  indígena,  o  que  temos  feito  para  tornar  efficaz  a 
liberdade  que  se  concedeu? 

Esperar!. . . 

A  nossa  innacção  terá  sido  conveniente  ao  fim  que  se  teve 
em  vista? 


560  EXPEDIÇIO  PORTUGCEZA  AO  MUATIInVUA 

Não;  embora  neste  período  tenhamos  procedido  com  mais 
lealdade,  liberalidade  e  humanidade  do  que  as  demais  nações, 
que  teem  procurado  alargar  os  seus  mercados  no  continente 
aíricano;  fazendo  apregoar,  que  se  condoem  do  estado  de  atraso 
dos  naturaes,  e  que  só  as  move  o  interesse  de  fazer  extinguir 
a  escravidão. 

Num  rápido  relance,  vejamos  o  modo  de  proceder  d^essas 
nações  no  campo  da  sua  acção  no  Continente  durante  o  mesmo 
período. 

A  França  no  norte,  repelle  para  o  interior  os  povos  que  já 
ali  encontrou,  e  se  tomaram  rebeldes  á  sua  iniciativa  e  expan- 
são colonial,  e  conquista  pela  força  das  armas,  terrenos  aos 
indígenas,  para  desenvolvimento  do  commercio  da  metrópole, 
que  se  vae  alargando;  na  costa  oriental  arranca  capciosamente 
braços  na  terra  firme,  para  os  levar  ás  ilhas  fronteiras  que  á 
custa  d^elles  vae  cultivando,  protegendo  também  os  mercados 
de  escravos. 

A  Inglaterra,  sempre  opportunista  e  estribada  no  bem  da 
humanidade,  repelle  no  sul  os  indígenas  que  lhe  estorvam 
unirem  as  suas  colónias  cora  os  lagos,  de  que  se  vae  apossando, 
e  porque  á  nossa  tolerância  no  passado  se  quer  impor  com  di- 
reitos de  senhorio,  e,  pretendendo  alargar  mercados  ao  seu  com- 
mercio, que  a  compensem  do  que  vae  perdendo  na  Europa, 
pela  concorrência  da  Bélgica,  França  e  Allemanha,  e  na  índia 
pela  sua  administração  odiada  entre  os  indígenas,  tenta  desalo- 
jar-nos  do  que  é  nosso.  Elimina  povos  ou  os  conduz  como  pre- 
zas, em  proveito  de  outras  colónias  suas  distantes ;  e  entre  os 
Árabes,  anima  de  novo  a  escravatura  como  meio  de  salvar  as 
suas  emprezas  no  Egypto. 

A  Bélgica,  creando  o  Estado  Independente  do  Congo,  pro- 
tege tacitamente  a  sociedade  de  Stanley  com  Tippu-Tib,  o 
mais  odioso  mercador  de  escravos  que  tem  apparecido  em 
Africa;  e  apossa-se  das  terras  dos  Cubas  e  Lubas  sob  a  deno- 
minação de  Lubuco  do  Muquêngue,  aproveitando-se  das  rela- 
ções comraerciaes  que  nós  ahi  sustentávamos  ha  vinte  annos, 
sem  o  que  não  teriam  lá  chegado  os  seus  agentes. 


DBSCRIPÇlO  DA  VUGEM  561 


A  AUemanha,  ultimamente,  entendeu  que  o  modo  de  agra- 
decer a  protecção  que  dispensámos  aos  seus  exploradores  scien- 
tificos,  era  contribuir  para  a  creação  do  Estado  de  Stanley,  e 
de  accordo  com  os  seus  influentes,  indemnisar-se  pelos  exfor- 
ços  que  nesse  fim  empregou,  creando  sem  opposiçao  colónias 
no  occidente  e  no  oriente;  e  as  recentes  noticias  sobre  o  blo- 
queio no  oriente,  a  sua  imprensa,  os  discursos  do  principe  de 
Bismark  e  as  medidas  que  yae  adoptando,  dizem  bem  alto  o 
seu  modo  de  proceder  com  respeito  aos  indígenas. 

Portugal,  sempre  liberal,  querendo  provar  a  boa  fé  dos  seus 
tratados,  perante  as  grandes  naçòes  europeas,  para  pela  sua 
parte  extinguir  a  escravidão  em  Africa,  abre  ahi  as  suas  portas 
para  o  interior  do  Continente,  e  dá  passagem  franca  aos  explo- 
radores d'aquellas  naçSes,  que  vXo  arruinar  o  seu  prestigio  e 
preparar  a  sua  expoliaçâo.  Nâo  vê  que  esses  exploradores,  fora 
das  vistas  de  suas  auctoridades,  lá  alimentam  como  necessidade 
o  negocio  de  escravos,  que  aos  Portuguezes  não  pode  convir; 
que  elles  assim  vao"exercendo  influencia  entre  os  povos  que  ne- 
cessitam do  commcrcio  que  lhes  levam,  e  que  apoiados  nessa 
influencia  nos  hao  de  restringir  ás  faxas  do  littoral  já  cercea- 
das pelos  seus  governos. 

No  jogo  em  que  o  governo  da  Inglaterra  anda  durante  mui- 
tos annos  com  o  de  Portugal,  sobre  todos  os  seus  dominios  co- ' 
loniaes,  era  de  esperar  ou  a  partilha  do  leão,  ou  que  nos  for- 
çasse a  repartirmos  com  outros.  Aflfrontava-o  a  grandeza  do 
nosso  império  colonial,  era  preciso  reduzi-la  e  enfraquecê-la. 

Egoista  como  sempre,  quando  conheceu  que  pertendiamos 
dar  vida  a  esses  dominios,  revelou-se  o  seu  caracter,  tal  como 
o  descreveu  Montesquieu:  «Cuida  em  triumphar  dos  seus  adver- 
sários, e  para  chegar  aos  seus  fins,  venderá  não  só  todos  os 
povos  do  mundo  mas  até  a  própria  Inglaterra*. 

A  Bélgica  e  AUemanha,  aproveitando-se  das  delongas  d'essas 
discussões,  sempre  férteis  em  argumentos  da  parte  de  Ingla- 
terra para  nos  contestar  o  dominio  no  Zaire  e  nos  Lagos, 
adquirem  portos  no  littoral  do  continente,  para  nos  expoliarem 
do  melhor  que  havia  no  centro  entre  as  nossas  províncias. 


562  EXPEDIÇZO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

A  França/  não  entrando  na  contenda^  não  se  importa  nem 
mesmo  contesta  que  Portugal  se  apodere  d^essa  re^ão  cen- 
tral, mas  fecha-nos  num  pequeno  recinto  da  Guiné,  e  para  que 
nSo  encontre  embaraços  da  parte  da  Inglaterra,  que  suppSe  nos 
deve  tutelar,  entra  em  accordo  com  esta,  não  se  intromettendo 
nos  negócios  do  Egypto,  deis:ando-a  também  operar  sem  oppo- 
sição  no  que  chama  as  suas  colónias  africanas  de  leste. 

A  Inglaterra,  que  sempre  duvidou  que  a  Bélgica  pudesse 
dispor  de  capitães  para  manter  a  empreza  de  Stanley,  e  sur- 
prehendida  pela  sua  coUigação  com  o  grande  colosso  da  epocha, 
a  Allemanha,  que  todos  pensavam  se  não  arriscaria  a  empre- 
zas  marítimas  e  coloniaes,  e  sendo  despertada  ultimamente 
pelos  trabalhos  no  oriente  da  Africa,  emquanto  é  tempo,  pro- 
cura apoderar-se  da  parte  doesse  interior  que  íica  entre  as  suas 
colónias  e  os  Lagos,  empolgando -nos  os  dominios  que  sempre 
nos  reconheceu. 

Mas  ainda  não  está  tudo  perdido,  e  tratando  do  occidente, 
onde  desempenhámos  a  nossa  missão,  é  oftcasião  de  dizermos 
francamente  aos  governos  que  se  o  acto  da  emancipação  dos 
escravos  nas  nossas  colónias,  foi  um  acto  generoso  que  muito 
nos  honra,  e  a  remuneração  imposta  ao  seu  trabalho  um  acto 
de  justiça;  erro  gravissimo  tem  sido  porém,  nos  doze  annos  de- 
corridos, não  educar  os  indigenas  que  temos  libertado ;  nao 
aproveitar  as  correntes  de  emigraçíto  que  do  interior  teem  vindo 
augmentar  as  populações  dos  concelhos  sertanejos  da  nossa 
província  de  Angola,  ao  norte  do  Cuanza ;  não  proporcionar  ao 
commercio,  diminuindo-lhe  entraves  para  que  não  tivesse  a  re- 
cear das  facilidades  da  concorrência  do  estrangeiro  pelo  nosso 
norte,  que  continuasse  mantendo  as  relações  iniciadas  com  os 
povos  do  Lubuco,  onde  Silva  Porto  e  Machados  realisaram 
antes  transacções  importantes ;  não  ter  creado  as  Estações  civi- 
lisadoras,  com  as  modificações  que  se  julgassem  convenientes, 
medida  esta  de  tão  grande  alcance,  que  foi  logo  abraçada  até 
pelas  missões  particulares  do  bispo  Taylor,  que  lá  se  espalha- 
ram mesmo  no  Lubuco;  emfim,  mal  gravissimo  tem  sido  a 
inacção  que  de  nós  se  apossou  e  que  tende  a  augmentar^  á  me* 


DESCRIPÇÃO  DA  VUOEM  563 


dida  que  vamos  vendo  os  estrangeiros  ganhar  terreno  nessa 
lucta,  que  tem  por  pretexto  a  civilisaçâo  da  Africa. 

E  mais  diremos,  ao  governo  e  ao  paiz,  pelo  conhecimento 
que  temos  dos  povos  do  interior,  nesta  occasião  de  crise,  de 
.summa  gravidade,  em  que  se  debatem  as  nações  mais  impor- 
tantes com  interesses  em  Africa,  sobre  os  limites  que  querem 
impor  aos  nossos  domínios;  que  se  deve  immediatamente  pro- 
ceder de  modo  que  nos  sustentemos  com  vantagem,  agora,  ao 
menos,  na  posiçSlo  que  nos  deixou  a  conferencia  de  Berlim. 

Não  é  com  certeza  entre  as  nações  citadas  que  encontrámos 
exemplos  a  imitar  na  administração  das  nossas  colónias  afri- 
canas, porque  o  seu  modo  de  proceder  com  respeito  aos  indí- 
genas, não  nos  convém.  Se  queremos  bons  modelos,  encontrâ- 
mo-Ios  na  America,  que  protege  a  administração  da  Libéria,  e 
na  Hollanda  administrando  Java. 

Ahi  educa-se  o  indígena  em  beneficio  da  terra  onde  nasceu, 
e  também  aquelles  que  nella  bu^bam  uma  pátria,  e  isto,  em 
vez  de  os  condemnarem  ao  ostracismo,  ou  os  levarem  para 
terras  estranhas. 

£  sabido  que  entre  os  indígenas  africanos,  nesta  parte  do 
continente  de  que  tratámos,  o  respeito  pela  auctoridade  e  o  seu 
poder  residem  mais  no  apparato,  nas  manifestações  ruidosas, 
no  prestigio,  do  que  na  força  real  de  que  ella  se  cerca.  E  tam- 
bém que  a  grandeza  dos  povos  se  afere  pela  graduação  dos 
chefes,  menor  distancia  a  que  vivem  d^elles,  e  maior  contacto 
que  com  elles  manteem. 

Não  devemos  esquecer  ainda,  que  por  menor  que  seja  uma 
tribu,  ella  tem  um  chefe ;  e  que  as  determinações  d'este,  toma- 
das pelos  que  deliberam  e  votam  no  seu  conselho,  são  irrevo* 
gaveis  e  por  todos  acceites  sem  hesitação;  que  as  relações 
entre  populações  ou  tribus,  se  entreteem  pelos  chefes  por  via 
de  representantes,  quando  os  negócios  dizem  respeito  á  tribu ; 
que  os  chefes  de  maior  graduação  não  saem  da  tribu  para  irem 
visitar  os  que  a  teem  menor;  que  um  certo  numero  de  tribus 
constituo  o  que  elles  chamam  vota  (Estado),  e  que  este,  sendo 
independente  na  sua  administração  do  vizinho,  pode  comtudo 


?;64       EXPEDIÇÃO  POKTUGUEZÂ  AO  MUATliXVUA 


£azer  com  elle  parte,  do  que  também  elles  chamam  domínio 
oa  senhorio  de  terras,  gerahnente  confiado  a  um  individuo, 
cuja  influencia  fora  de  uma  área  restrícta  é  hoje  imaginaria,  li- 
mitando se  a  sujeição  dos  estados,  apenas  a  contribuições  para 
o  dominio,  e  actualmente,  se  se  lhes  dá  a  de  gente  armada, 
para  auxilio  em  alguma  guerra,  é  pelo  interesse  na  parte  das 
prezas. 

As  tribus  roais  perto  de  nós,  áquem  do  Cuaugo,  são  am- 
banzas  ou  sobados,  grandes  ou  pequenos,  porém  os  potentados 
dentro  dos  nossos  concelhos,  já  se  afastam  um  pouco  das  pra- 
xes conservadas  pelo  gentio,  pois  se  avistam  e  habituaram.-8e 
a  vir  á  residência  das  auctoridades  portuguezas  e  ás  casas  de 
commercio. 

Fazem-se  também  respeitar  entre  si  por  graduações,  mas 
já  procuram  as  nossas  auctoridades,  como  árbitros,  para  a  re- 
solução das  suas  pendências. 

Porém,  já  assim  não  su^cede  com  os  que  se  julgam  supe- 
riores a  estes,  e  que  querem  conservar  uma  tal  ou  qual  inde- 
pendência, e  por  isso  mesmo,  vivem  mais  afastados  da  resi- 
dência das  nossas  auctoridades;  como  succedia  com  o  jaga  de 
ÂDdala  Quissúa,  Muene  Canje  e  outros,  entre  os  rios  Luí  e 
CuaDgo,  para  os  quacs  ainda  a  força  é  o  direito. 

A  derrama  das  contribuições  entre  as  tribus  para  o  Estado, 
faz-se  pelos  chefes,  e  estes  apenas  indicam  ás  tribus,  nas  audiên- 
cias geraes,  o  que  lhes  mandam  pedir  sem  designação  nem  li- 
mite. Pedido  simples: — «Que  F...  me  envie  tributos,  pois  já 
ha  muito  tempo  se  esqueceu  de  mim,  ou  porque  tenho  agora 
uma  guerra  com  S...  ;  ou,  pergimtc  a  F...  se  elle  já  é  mais 
que  eu,  se  é,  que  quebre  a  faca  ou  o  pau  da  bandeira  de  meu 
signal  que  envio,  c  então  eu  lá  irei  buscar  os  tributos  {\\ie  me 
pertencera,  etc.» 

Acto  continuo,  cada  um  se  levanta,  e  segimdo  as  suas  posses 
vae  buscar  o  que  pode  dar  ao  chefe. 

Alguns  nada  dao,  por  nada  terem  na  occasião ;  e  outros  dâo 
cousas  que  a  nós  parecem  insignificâncias,  como  uma  flecha, 
uma  cHteira,   uma  caneca,   um  prato,  algumas  pederneiras  já 


DESCRIPÇÂO  DA  VIAQEM  565 


preparadas  para  as  suas  armas  lazarinas,  etc.^  mas  a  par  d'isto, 
alguns  apresentam  fazendas,  espingardas,  pólvora,  também 
creaçSes,  gado  meudo,  gado  vaccum,  onde  o  ha,  e  filhos  dos 
considerados  escravos,  rapazes  ou  raparigas  e  mesmo  adultos 
e  até  os  estimados. 

Taes  contribuiçSes  n&o  se  fazem  só  por  estes  motivos,  também 
teem  logar  para  pagamento  de  causas  que  se  perderam  entre 
chefes  de  tribus,  que  são  consideradas  communs ;  promovem-se 
especialmente  em  alimentos  para  se  dar  uma  boa  hospedagem 
a  um  viajante,  sobretudo  quando  seja  aviado  de  algum  poten- 
tado que  é  considerado  em  hierarchia,  superior  ao  da  tribu. 

O  chefe,  reunindo  tudo,  se  a  contribuição  é  boa,  envia  só 
parte  para  o  Estado;  se  foi  pequena,  junta-lhe  alguma  cousa 
de  sua  casa,  geralmente  escravos  ou  gado  se  o  tem,  e  sempre 
uma  porção  de  pólvora  como  signal  de  obediência,  e  de  que  se 
pode  contar  com  elle  com  auxilio  na  guerra. 

Com  os  Estados  dá-sc  o  mesmo  relativamente  ao  dominio  ou 
senhorio  das  terras. 

Este  modo  de  tributar,  como  se  vê,  6  simples  e  liberal ;  cada 
um  dá  o  que  podo  dar  c  é  da  sua  vontade,  e  o  serviço  é  feito 
de  um  modo  singelo  e  sem  os  encargos  de  fiscaes  e  outros 
empregados. 

A  applicação  dos  tributos  não  é  feita  em  beneficio  das  ter- 
ras, nem  tão  pouco  em  interesse  de  quem  manda  tributar,  e 
sim  do  seu  poder,  da  força  que  o  mantém,  que  são  os  conse- 
lheiros. Logo  que  os  tributos  chegam,  repartem-se  pelos  gran- 
des da  corte,  e  se  assim  não  fosse,  o  potentado  que  por  ultimo 
os  recebe,  seria  mal  visto,  e  tratava- se  por  qualquer  modo  de  o 
eliminar,  e  de  collocar  outro  em  seu  logar.  Em  compensação, 
são  os  da  corte  que  dão  de  comer  e  de  vestir  aos  potentados. 
.  A  reciprocidade  nas  dadivas,  é  o  que  elles  chamam  gover- 
nar bem,  cuja  interpretação  litteral  é:  «Comer  bem  o  Estado 
com  os  velhos». 

Nos  sobados  de  Malanje,  dá-se  o  mesmo,  porém  a  cobrança 
não  é  tão  amiudada  nem  por  pretextos  insignificantes,  por  isso 
que  é  mais  valiosa,  consistindo  em  gado  grande,  fazendas  e 


566  EXPEDiçXo  poirruGUESA  ao  iiuATiiinnTA 

polrora  em  quantidades  que  enriquecem  os  soboSi  sempre  pre- 
parados para  a  eontríbaiçSo  do  concellio  nas  devidas  epochas. 

Os  filhos  do  sobado  (poro),  nlo  se  ausentam  para  traba- 
lhar fora  das  poYoaçSes,  sem  o  consentimento  dos  chefes,  e 
estes  recebem  uma  parte  do  pagamento  pelos  serviços  qae  se 
yIo  prestar  e  recebem-na  adeantada.  Também  os  sobas  teem 
poderes  para  contractarem  os  serviços  d^elles,  e  responsalnli- 
sam-se  pelos  seus  resultados. 

NXo  só  08  sobas,  como  os  in^viduos  mais  bem  governados 
nas  sansallas,  já  possuem  curraes  de  gado.  Com  os  saldos  das 
ganâncias  que  accumulam  de  tempos  a  tempos,  vio  até  á  mar- 
gem do  Lui  para  nort^  e  mais  para  noroeste  comprar  gado, 
e  já  ha  quem  o  venda  para  o  município  de  Malanje.  Aasim  se 
teem  feito  pequenos  marchantes,  e  é  muito  natuial  que  o  in- 
teresse que  neste  ramo  de  commercio  vSo  adquirindo,  continue 
a  ser  estimulo  para  desenvolvimento  da  jcreaçSo  de  gado  vao- 
cum,  mesmo  além  do  Cuango. 

Oxalá  se  providenciasse,  quando  o  caminho  de  ferro  chegar 
a  Malanje,  a  fim  de  que  a  ambiçSLo  dos  marchantes  europeus, 
que  necessariamente  hSo  de  apparecer,  nXo  seja  causa  de  que 
se  tome  demasiado  o  estimulo,  e  não  vá  isso  redundar  em  im- 
previdências  nos  creadores  de  gado,  e  na  extincç&o  das  origens 
d^essa  fonte  de  receita  para  Malanje  e  para  a  província,  como 
succedeu  com  a  borracha  e  o  marfim. 

Os  sobas  nossos  vassallos,  contribuem  de  bom  grado  para  o 
concelho  quando  contam  com  a  protecção,  que  julgam  indispen- 
sável, para  sustentarem  a  sua  auctoridade  e  nSo  serem  moles- 
tados pelos  vizinhos ;  e  é  por  isto  que  elles  desejam  próximo 
de  suas  sanzallas,  uma  força  de  tropas  moveis,  e  os  mais  dis- 
tantes da  residência,  um  chefe  de  divisSo  ou  pelo  menos  um 
sargento. 

E  estas  forças  moveis,  na  maior  parte  compostas  de  Amba- 
quistas,  ou  de  indivíduos  que  já  com  elles  se  confundem  pelos 
hábitos  adquiridos,  modo  de  fallar  a  língua  portugueza  e  mesmo 
de  escrevê-la,  que  nâo  são  pagos,  e  a  quem  se  exige  serviço 
nSo  inferior  ao  da  tropa  de  linha,  vivem  á  custa  d^essas  sanzal- 


DESCRIPÇZO  DÀ  VUOEM  567 

Ias  e  todos  os  que  fazem  parte  d^essas  forças^  com  as  íamilias 
que  adquirem;  teem  junto  ás  suas  moradias  o  seu  pedaço  de 
terra,  maior  ou  menor,  cultivado,  ainda  que  rudemente,  o  que 
tem  servido  de  incentivo  para  os  povos  das  sanzallas  os  imi- 
tarem. E  estes,  se  mais  não  teem  desenvolvido  as  suas  lavras, 
já  dissemos  as  razões  que  apresentam:  —  E  porque  os  seus 
productos  não  são  procurados  para  negócios ;  e  para  o  sustento 
da  população,  cada  familia  cultiva  só  o  que  consome. 

Aproveitando  a  boa  disposição  doestes  povos  em  geral  para 
a  agricultura,  creações  de  gado  e  para  commercio,  e  de  al- 
guns individuos  para  ofiicios  e  artes,  nós,  usando  da  nossa 
influencia,  podemos  pelo  ensinamento  pratico,  dispertar-lhe  a  ne- 
cessidade de  se  aperfeiçoarem  e  de  se  desenvolverem,  e  esti- 
mulá-los por  maiores  lucros  e  beneficies  immediatos;  estas 
vantagens  redundam  na  prosperidade  das  terras  que  elles  ha- 
bitam. 

Os  Bondos  de  Andala  Quissúa,  que  apresentámos  como  um 
povo  dócil  e  socegado,  distinguindo-se  já  dos  vizinhos  a  norte 
e  leste,  pela  creação  de  gados,  asseio  das  suas  povoações,  mais 
perfeição  na  construcção  das  habitações,  obediência  aos  chefes 
e  respeito  pelas  nossas  auctoridades,  são  aquelles  que  mais 
interessa  civilisar  pelo  convivio  comnosco. 

Tendo  morrido  o  velho  jaga  com  quem  mantivemos  relações, 
e  que  haviamos  preparado  juntamente  com  os  seus  velhos  para 
se  avassalar;  foi  eleito  para  lhe  succeder,  Teca,  de  quem  fal- 
íamos a  propósito  do  encontro  que  com  elle  tivemos  indo  a 
Cafúxi  escolher  o  local  para  a  Estação  Ferreira  do  Amaral, 
e  quando  elle  seguia  com  gente  armada  para  Quifucussa. 

Ao  brioso  oflScial  do  nosso  exercito  Simão  Cândido  Sarmento, 
chefe  do  concelho  de  Malanje,  cujo  pensar  com  respeito  ao 
partido  que  se  pode  tirar  dos  povos  indígenas  na  administra- 
ção publica,  sabendo  manter  relações  com  elles,  se  conforma 
muito  com  o  nosso,  não  foi  difficil  avassallar  o  novo  jaga. 

Este  bom  homem,  que  se  dizia  nosso  compadre  e  amigo, 
sabendo  que  estávamos  de  regresso  da  nossa  missão,  mandou- 
nos  esperar  ao  caminho  e  pedir  que  não  seguíssemos,  sem  des- 


EXrSDlçIO  HMROQOBU  AO  MIUTUvnU 


Onade  era  a  reeep^,  ao  dm  do  Bcatío^  qae  se  noa  pie. 
panm ;  nus  o  que  mais  ^iredánKM,  fai  o  enriwma^Bft  eook  q«s 
die  e  oa  aau  macotaa  ium  pediram  qoe  If  tinoi  o  tsmo  de 
TBtwllagem  qne  eDe  preitáia  a  Mnene  Alto,  e  a  cotiaay- 
dencia  qne  «itirinh^  oom  o  mo  amigo  diefe  do  oaoeelh»,  e 


quando  nos  mostrou  no  targo,  hasteada  á  frente  da  Bna  resi- 
dência, a  bandeira  portu^eza  '. 

As  demonstrações  de  alegria  d'este3  povos  pelo  noaso  re- 
gresso, a  sua  bella  hospedagem  quando  já  sabiam  que  sada 


■  O  que  ae  pa«sou  por  esta  occiuiio,  reservámo-lo  para  qnando  tra- 
tamOB  do  nosao  regresgo,  e  que  alúoi  de  offerecer  uma  certa,  curiosi- 
dade, prova  que  o  preto  nJo  í  indiflferente  ao  bem  qne  ae  lhe  fax,  como 
mnitoB  pretendem. 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  569 

tínhamos  com  que  corrcsponder-lhe ;  a  satisfação  por  Muene 
Puto  ter  reconhecido  o  seu  jaga,  o  que  para  elles  tem  impor- 
tado em  deveres  que  teem  cumprido ;  a  boa  vontade  que  nos 
manifestaram  os  povos  pelas  boas  relações  que  com  elles  man- 
tivemos, e  depois  de  nós  o  individuo  que  nos  substituiu  na 
Estação ;  são  círcumstancias  que  nos  devem  levar  a  aproveitar 
o  ensejo  que  se  oíFerece  no  interesse  da  prosperidade  da  pro- 
víncia, e  melhoramento  das  condições  da  gente  que  a  povoa. 

O  novo  jaga,  sempre  que  o  chefe  do  concelho  lhe  coramu- 
nica,  que  entre  os  seus  povos  ou  nas  suas  vizinhanças,  uma 
comitiva  de  commercio  estranha,  foi  assaltada  no  caminho  e 
roubada,  ou  está  impedida  de  continuar  a  sua  viagem,  im- 
mediatamente  manda  sair  forças  suas,  e  tem  sempre  providen- 
ciado de  modo  que  os  roubos  são  restituídos,  e  as  comitivas 
continuam  as  suas  jornadas  nas  terras  d'elle,  protegidas  por 
essas  forças. 

£m  Cabuiri,  nas  margens  do  Lai,  o  negociante  Vasconcellos, 
que  ahi  havia  realisado  as  suas  transacções,  pretendia  retirar 
para  Malanje,  mas  fora  avisado  que  nas  vésperas  da  sua  retirada, 
a  sua  casa  seria  assaltada  por  gente  de  Songo.  Em  vista  d^sso 
immediatamente  fez  partir  com  toda  a  urgência,  um  dos  seus 
serviçaes,  pedindo  ao  chefe  do  concelho  auxilio  de  força  militar 
para  poder  retirar,  e  no  emtanto  continuou  elle  a  fazer  ainda 
transacções,  convencendo  assim  os  povos  vizinhos,  de  que 
mudara  de  resolução,  adiando  para  mais  tarde  a  sua  retirada. 

O  chefe  do  concelho  de  Malanje,  reconhecendo  que  seria  ar- 
riscado mandar  tão  distante  meia  dúzia  de  soldados,  que  era  o 
mais  de  que  podia  dispor,  officiou  ao  jaga  Andala  Quissúa,  como 
bom  vassallo  e  auctoridade  de  confiança  mais  próxima  d'aquella 
localidade,  para  que  protegesse  com  as  suas  forças  a  retirada 
d'aquelle  negociante,  que  era  Portuguez. 

O  Jaga,  logo  fez  marchar  para  aquella  casa,  a  dois  dias  de 
distancia  da  sua  residência,  uma  força  armada  com  o  seu  bastão, 
e  dois  dias  depois  retirava  o  negociante  José  António  de  Vas- 
concellos  com  todas  as  suas  cargas  e  poude  seguir  até  ao  Lu- 
ximbe,  sem  que  tivesse  havido  novidade. 

87 


570       EXPEDIÇIO  PORTUGUEZA  AO  MDATIÂNVUA 

Dos  Ámbanzas  a  leste  da  sua  casa  em  Cabuiri,  entre  os  rios 
Lui  e  Cuango,  nada  tinha  a  recear  aquelle  negociante^  por- 
quanto dias  antes,  em  21  de  novembro  de  1887,  escrevia  elle 
ao  chefe  da  Expedição:  « Participo-lhe  que  passaram  os  filhos 
dos  Ámbanzas  Anguvo,  Zanza  e  Quissueia  que  tinham  ido 
acompanhar  a  V.  até  ahi,  os  quaes  levaram  em  grande  es- 
tima o  tratamento  que  tiveram  durante  o  tempo  que  existiram 
sob  o  poder  de  V.  ,  assim  como  os  presentes  que  V.  mandou 
aos  pães  em  agradecimento  de  o  terem  mandado  acompanhar». 

O  receio  do  referido  negociante  Vasconcellos,  era  da  gente 
do  Calandula,  na  margem  direita  do  Lui  a  nordeste,  e  tanto  os 
temia,  que  também  escreveu  ao  chefe  da  Expedição,  dizendo- 
lhe:  «Por  quem  é  accuda-me,  que  fico  desgraçado  para  toda 
a  minha  vida,  se  o  sr.  chefe  do  concelho  me  não  soccorre  com 
o  auxilio  que  lhe  pedi.  Se  depois  de  tantos  trabalhos  e  sacri- 
ficios  me  roubam,  como  hei  de  pagar  os  créditos  que  me  for- 
neceram? Valha-me  empenhando-se  para  com  o  sr.  chefe». 

As  acertadas  providencias  que  se  tomaram,  dispensaram  o 
chefe  da  Expedição  de  seguir  immediatamente  para  aquella 
localidade  como  tencionava,  pois  era  uma  necessidade  para  o 
nosso  prestigio,  salvar-se  aquelle  negociante,  dos  perigos  de  que 
estava  ameaçado. 

Não  é  pois  para  desprezar  a  vassallagem  do  jaga  Audala 
Quissúa,  e  é  de  toda  a  conveniência  correspondermos  aos  seus 
bons  serviços  com  outros  análogos,  para  lhe  garantirmos  a  pro- 
tecção que  promettemos  d  sua  auctoridade,  entre  os  povos  gen- 
tílicos que  lhe  são  adversos. 

Não  nos  devemos  importar  por  agora,  com  a  iudole  mais 
áspera  de  alguns  povos  sujeitos  ao  Jaga  de  Cassanje,  vulgo 
Bângalas,  mesmo  dos  que  não  reconhecem  a  auctoridade  doeste, 
e  para  os  quaes  o  caminho  de  ferro  em  construcçao  é  um 
meio  de  os  chamar  á  ordem.  A  situação  um  tanto  ou  quanto  in- 
subraissa,  em  que  ainda  se  conservam  para  comnosco,  resulta 
das  ambições  desmedidas  de  alguns  dos  passados  feirantes  por- 
tuguezes  e  dos  chefes  da  feira  que  havia  junto  do  Jaga  de 
Cassanje,  os  quaes  nos  fizeram  perder  era  dias,  o  que  havia- 


DESCRIPÇ!0  DA  VIAOE&I  571 


mos  ganho  em  influeacia  durante  dois  séculos  de  boas  rela- 
ções commerciaes.  Havendo  a  necessária  prudência,  e  obser- 
vando-se  uma  politica  de  conciliação  entre  os  povos  que  lu- 
ctam  com  pretençíHes  ao  jagado,  podemos  sem  nos  pronunciar- 
mos, conseguir  aquietar  os  ânimos  irrequietos,  ir  mantendo 
a  situação  de  modo  que  se  nao  levantem  conflictos  com  os  po- 
vos vizinhos,  até  que  o  caminho  de  ferro  nos  habilite  a  obrar 
de  modo  decisivo. 

Não  são  também  para  incommodar  os  povos  da  Jinga,  cujo 
caracter  não  é  tão  mau  como  se  supp5e,  pois  não  só,  não  estor- 
varam os  reconhecimentos  que  o  pessoal  do  caminho  de  ferro 
ali  emprehendeu  nos  fins  do  anno  passado,  o  que  era  dado 
esperar;  mas  ao  contrario,  acolheram  bem  esse  pessoal,  que 
de  lá  regressou  muito  satisfeito,  declarando  não  ter  motivos 
para  se  queixar  d' essa  gente,  nem  sequer  de  exigências  ou 
pedidos,  tão  vulgares  entre  elles,  e  que  são  levados  á  conta 
de  extorsões.  Podemos  pois  reservar  o  seu  aproveitamento, 
e  a  consolidação  da  nossa  auctoridade  e  influencia  ali  para 
quando  nos  approximemos  mais  d'elles. 

Não  tendo  nós  nada  a  recear  do  estado  relativamente  atra- 
sado dos  Holos  e  Cobos,  quando  tornarmos  effectiva  a  nossa 
occupação  e  dominio  entre  os  Bondos  de  Andala  Quissúa,  e 
os  interessarmos  na  nossa  administração ;  e  sendo  certo  que  os 
Songos  já  fizeram  parte  do  concelho  de  Malanje,  antes  do  in- 
justificável abandono  a  que  em  1869  os  votou  o  governador 
geral,  fazendo  retirar  as  suas  auctoridades  e  a  força  militar 
—  quando  já  ali  existiam  casas  de  commercio  europeas,  man- 
tendo pelas  suas  relações  a  noBsa  influencia  e  dominio  que  es- 
tavam sendo  desprestigiados  pelos  povos  de  Cassanje  —  vamos 
dizer  agora,  como  se  nos  afigura  que  devem  ser  aproveitados 
os  recursos  de  que  podemos  dispor,  e  se  deve  dar  á  região  de 
que  tratamos,  o  desenvolvimento  de  que  é  susceptível,  e  a  vida 
de  que  carece. 

Tratando-se  de  uma  questão  doesta  ordem,  certamente  se 
pergunta  logo:  Ha  nessa  região  riquezas  a  explorar?  Como  e 
com  quem  as  havemos  de  explorar? 


572  EXPEDIÇIO  PORTUGUEZA  AO  HUATIÂNVUA 

Actualmente  as  desillusões  teem  sido  tantas,  que  os  ânimos 
não  estão  dispostos  senSo  a  acceitar  ideas  muito  praticas. 

Convictos  que  as  riquezas  existem,  responderemos  que  só 
pelo  trabalho  é  que  ellas  se  podem  utilisar ;  mas  esse  teibalho 
que  muitos  suppdem  poder  ser  feito  por  europeus  que  pro- 
curassem emigrar  da  metrópole,  depende  de  circumstancias 
locaes  que  precisam  ser  estudadas  e  modificadas  sobre  o  ponto 
de  vista  de  acclimataçào,  e  nSo  é  portanto  com  estes  que  pode- 
mos contar  neste  momento,  que  consideramos  opportuno,  tendo 
em  vista  a  nossa  aprendizagem  neste  systema  que  diga-se  a 
verdade,  tem  sido  fecunda. 

Logo  é  o  indigena  que  ha  de  trabalhar  na  exploração  d' essas 
riquezas. 

Besta  agora  saber  se  o  indigena  é  susceptível  de  civilisar-se? 
EUe  progride  e  revela  aptidões,  e  nós  temos  exemplos  em  Am- 
baça  e  suas  vizinhanças,  de  que  não  foi  infructifero  o  ensino 
pratico,  não  obstante  a  orientação  d'esse  ensino  nSo  ser  a  me- 
lhor porque  os  missionários  que  o  ministravam,  miravam  a  fins 
de  interesse  da  sua  ordem  que  não  eram  os  do  paiz,  nem  tio 
pouco  o  dos  educandos. 

Conhecendo  os  erros  do  passado,  tratemos  de  os  corrigir,  e 
renovemos  a  nossa  acção  benéfica  sob  a  divisa  de  —  Missões 
Civilisadoras  de  Instrucçao  e  Protecção  ao  indigena. 

A  instrucçao  a  ministrar  deve  comprehendcr  também  o  en- 
sino profissional,  e  para  isso  é  necessário  que  façam  parte  das 
missões,  indivíduos  que  tenham  aptidões  especiaes  para  o  po- 
derem proporcionar  nessas  condições. 

A  protecção  deve  consistir  principalmente,  nos  benefícios  que 
é  quasi  um  dever  dispensar  aos  orphãos  desvalidos,  ás  crian- 
ças que  teem  de  acompanhar  as  suas  mães  para  o  trabalho,  e 
aos  individues  que  adoecem  ou  se  inutilisam  pelo  trabalho  nos 
estabelecimentos  das  missões. 

O  ensino  de  noções  rudimentares  e  de  conhecimentos  geraes, 
e  o  profissional,  deve  ser  o  mais  pratico  possivel,  e  por  isso  se 
farão  acompanhar  as  lições  theoricas,  de  muitos  exemplos,  de 
objectos  figurados  e  de  exercicios,  que  incitem  o  animo  pela 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  .  573 

curiosidade,  e  sempre  que  possa,  deve  ser  estimulado  pelo  in- 
teresse na  satisfação  de  necessidades  que,  de  caso  pensado,  se 
procurará  dispertar  nos  que  querem  instruir-se,  e  a  ninguém 
melhor  pode  pertencer  semelhante  ensino,  do  que  ao  sacerdote 
catholico,  quando  devidamente  habilitado  para  tal  fim,  e  elle 
sem  precipitações,  irá  preparando  os  tutelados  a  serem  admit- 
tidos  na  nossa  communidade  religiosa,  com  alguma  consciên- 
cia das  doutrinas  que  nella  se  professam. 

Desenganemo-nos;  o  preto  possue  como  nós  a  faculdade  de 
comprehender  as  cousas,  de  conhecer  e  distinguir  o  verdadeiro 
do  falso,  e  o  bem  do  mal. 

Possue  elle  uma  percepção  clara  e  fácil,  porém  o  campo 
em  que  a  sua  reflexão  elabora  é  muito  restricto,  cinje-se  ao 
maior  horizonte  que  a  sua  vista  pode  abranger,  por  isso  a  sua. 
razSo  é  muito  mais  limitada  que  a  nossa,  mas  muito  mais  sã, 
e  não  viciada  pelos  principies  dissolventes  que  desvirtuam  in- 
felizmente os  progressos  da  civilisação. 

Sujeitos  apenas  ás  exigências  que  a  natureza  lhes  impSe,  e 
adstrictos  ao  espaço  d'onde  nunca  sairam,  não  sabem  o  que  se 
passa  mais  além,  e  mesmo  a  sua  linguagem  se  limita  a  um  pe- 
queno pecúlio  de  vocábulos,  apenas  significativos  do  que  lhe 
é  dado  ver;  podem  considerar-se  como  individues  encerrados 
num  grande  recinto  não  podendo  communicar  com  o  exterior, 
e  por  isso  mesmo  os  pretos  communicam  entre  si,  por  imagens, 
phantasiam  chimeras  e  vivem  de  illusSes;  e  isso  que  nos  é 
obstáculo,  que  nos  enche  de  tédio,  e  nos  faz  recuar  quando 
tentámos  abrir  caminho  entre  as  suas  povoaçSes  para  o  seio 
do  continente,  são  excellentes  predicados  quando  nos  propozer- 
mos  a  educá-los  devidamente. 

Mas  esta  educação  será  morosa,  porque  temos  de  nos  trans- 
formar para  nos  coUocarmos  ao  seu  nivel,  sujeitarmo-nos  aos 
seus  usos  e  costumes  e  á  sua  linguagem,  para  podermos  cami- 
nhar com  elles,  guiando-os,  levando-os  por  assim  dizer  pela 
mão,  até  alcançarmos  pelo  menos  os  primeiros  resultados  de 
alguma  confiança. 

Lembremo-nos  dos  cuidados  com  que  os  povos  mais  adean- 


574  RXPKOIÇXO  POKTUOCEZA  AO  MtUTlANVUA 

tados  estSò  actualmente  cercando  a  edacaçSo  da  infiuuáa*  Se 
entre  eetes,  o  ensino  está  passando  para  o  campo  pratico,  se 
estamos  procurando  esclarecer  e  Uluminaras  intalligencias  figu- 
rando tudo  que  é  possivel^  tomando  assim  real  e  effieas  o  eo- 
sinO;  que  até  ha  pouco  tempo  se  obtinha  cançando  a  imaginaçlo 
e  a  memoria,  porque  nSo  havemos  de  assim  proceder  para  com 
o  pretO;  que  abstraindo  do  moio  em  que  vive,  está  quaai  nas 
mesmas  condiçSes  do  que  o  branco? 

Tratando  da  evoluçSo  das  civilisaçSes,  é  opiniXo  de  Gkis- 
tiive  le  BoU;  que  as  crianças  negras  educadas  a  par  das  bran- 
cas, caminham  sem  difficuldades  até  uma  phase  do  seu  desen- 
volvimento na  mesma  classe,  porém  que  o  cérebro  do  branco, 
depois  continua  a  evolucinar  para  attín^r  o  nivel  dos  seus 
.antepassados  adultos,  emquanto  que  o  do  negro,  chegando  ao 
limite  a  que  seus  antepassados  attingiram,  nSo  pode  ultrapas- 
si-lo  e  fica  estacionário. 

NSo  nos  podemos  conformar  com  semelhante  opíniBo,  d'onde 
se  pretende  concluir  o  abysmo  que  existe  entre  as  duas  raças, 
e  que  se  attríbue  a  lentas  accumuIaçSes  hereditárias,  conti- 
nuadas durante  séculos,  porque  o  principio  d'onde  se  parte, 
nao  &  mais  que  um  preconceito  vulgar;  tanto  para  uma  como 
para  outr<a  criança  se  admitte  que  possa  evolucionar  o  seu  cé- 
rebro at('^  ao  nivel  a  que  chegaram  seus  antepassados,  mas 
queui  pode  affirmar  que  esse  nivel,  no  preto,  em  igualdade  de 
eircumstancias,  nSo  seja  superior  ao  do  branco? 

Se  acceitâmos  o  preconceito  como  um  lemma,  inferioridade 
d'onde  nào  é  possivel  levantar-se  a  raça  negra,  impossibilidade 
de  u  fazer  sair  do  atrophiamento  em  que  jaz,  entSo  deduz-se 
que  as  vantagens  da  criança  branca  sobre  a  preta,  devem  ter 
logar  já  na  educação  da  infância,  mas  não  mostra  a  pratica 
que  seja  assim. 

Spcke  foi  mais  restricto,  e  não  deixa  de  encontrar  partidá- 
rios, porque  diz: — lEm  Africa,  todos  os  exforços  serão  bal- 
dados, para  tirar  o  preto  da  inferioridade  em  que  vive». 

A  par  do  branco  e  no  mesmo  meio,  exemplos  brilhantes  se 
apoiitam  na  actualidade,  pelo  menos  no  nosso  paiz,  de  que  o 


DESCRIPÇAO  DA  VIAGEM  575 


preto  recebe  bem  a  educação  mais  apurada,  e  que  pode  elevar-se 
ás  mais  altas  posiçSes  sociaes. 

Ás  nossas  escolas  superiores;  militares,  medicas  e  outras,  as 
escolas  superiores  análogas  no  estrangeiro,  fomecem-nos  bons 
exemplos  a  citar  de  filhos  das  nossas  possessões  africanas,  que 
seguiram  os  seus  cursos,  sendo  algims  laureados  a  par  dos  seus 
condiscipulos  europeus.  E  se  no  periodo  dos  últimos  vinte  e 
cinco  annos,  o  seu  numero  não  é  tão  grande  como  seria  para 
desejar,  relativamente  ao  numero  de  habitantes  das  nossas  pos- 
sessões, não  é  porque  não  existissem  muito  mais  intelligencias, 
que  cultivadas  não  dessem  os  mesmos  brilhantes  resultados, 
ou  superiores;  é  por  causa  das  circumstancias  económicas,  e 
não  ser  possivel  ao  governo  attender  a  todos  que  teem  reclamado 
a  sua  benéfica  protecção  para  lhes  proporcionar  educação  nessas 
escolas. 

Felizmente,  de  todas  as  nossas  possessões  africanas,  até  da 
ilha  do  Príncipe,  a  mais  desattendida  e  menos  populosa,  conhe- 
cemos individues  que  pela  sua  intelligencia  e  cursos  que  fize- 
ram, conseguiram  exercer  elevados  cargos  sociais. 

Se  compararmos  em  igualdade  de  circumstancias  dois  entes 
na  infância,  um  branco  e  outro  preto,  embora  aquelle  numa 
das  primeiras  cidades  da  Europa,  e  este  no  limitado  recinto 
da  sua  povoação,  talvez  o  primeiro  com  o  lápis  não  trace  no 
papel  um  desenho  como  o  fez  o  segundo,  embora  seja  absur- 
do, monstruoso,  e  composto  de  elementos  disparatados.  Arran- 
quemo-lo depois  do  meio  em  que  vive,  ponhamo-lo  na  mesma 
cidade  em  que  reside  o  primeiro,  e  passado  algum  tempo,  sem 
que  mesmo  o  tivessem  ensinado,  quando  volte  a  tomar  o  lapis> 
ver-se-ha  que  elle  modifica  já  a  sua  composição,  somente  pelo 
que  tem  visto,  desapparecendo  o  que  havia  de  monstruoso  e 
de  disparatado,  e  o  branco,  se  primeiro  pouco  fez,  nas  mesmas 
circumstancias,  não  melhorou  porque  todos  os  dias  viu  o 
mesmo.  Falíamos  assim  por  ser  um  facto  que  observámos,  e 
que  nos  impressionou. 

Da  mesma  sorte,  se  apresentarmos  á  criança  preta  uma  ba- 
cia com  agua,  e  nesta,  com  uma  porção  de  barro  lhe  figurar- 


576  EXPEDIÇÃO  PORTDGUEZA  AO  MUATTAnVUA 

mos  um  continente;  uma  ilha,  uma  bahia^  um  cabo;  um  pro- 
montório, ete.,  ella  comprehenderá  tudo  tSo  bem  como  a 
criança  branca.  Se  a  levarmos  a  um  jardim  e  a  instruirmos 
sobre  as  plantas,  com  os  mesmos  cuidados  que  dedicarmos  á 
outra,  se  a  orientarmos  sobre  os  rumos,  e  lhes  ensinarmos  a 
marcar  distancias  a  passo,  e  lhe  exigirmos  que  figure  no  papel 
o  caminho  percorrido ;  se  lhe  ensinarmos  a  recortar  cuidado- 
samente folhas  de  caKào,  e  lhe  apresentarmos  modelos  de  cai- 
xas ou  de  pequenas  casas  para  construir,  a  perspicácia  e  o 
espirito  de  observação  nao  se  pronunciam  a  favor  da  criança 
branca,  porque  a  curiosidade,  embora  sem  os  apparatos  de  en- 
thusiasmo,  é  natural  no  preto. 

Por  isso  mesmo  que  o  preto  vive  num  recinto  muito  limi- 
tado, nos  convencemos  de  que  é  fácil  despertar-lhes  a  curio- 
sidade, e  tirar  o  máximo  proveito  do  seu  espirito  de  obser- 
vador, quando  se  queira  educá-lo.  E  é  notável  que  este  se  re- 
conhece tanto  mais,  quanto  mais  afastado  estiver  dos  povos 
civilisados. 

EUes  nâo  aspiram  de  continuo  a  conhecimentos  novos,  como 
succede  nas  intelligencias  cultas;  nSlo  é  porque  lhes  falte  a 
penetração  de  espirito,  e  sim  porque  a  sua  curiosidade  está 
satisfeita  com  o  que  os  rodeia.  Se  um  objecto  novo  lhes  appa- 
rece,  se  um  facto  succede  de  um  modo  diverso  do  que  lhe  era 
dado  esperar,  no  decurso  da  sua  existência,  então  estudam-no 
em  todos  os  seus  promenores,  procuram  esclarecer-se  e  che- 
gam até  onde  lhes  é  possivel,  sem  que  d^isso  façam  alarde ; 
porém  se  as  cousas  se  lhes  apresentam  complicadas,  se  re- 
conhecem a  sua  inferioridade  para  as  coraprehender  logo  e  imi- 
tá-las, consideram-nas  feitos  por  um  ente  sobrenatural,  e  com 
a  maior  ingenuidade  demonstram  a  sua  admiração,  dizendo 
nlio  serem  feitas  pela  mão  do  homem. 

Férteis  em  comparações,  chegando  a  adquirir  conhecimentos 
positivos  da  realidade  acerca  do  que  os  impressiona,  notam  os 
defeitos,  os  erros  e  em  geral  os  meios  por  que  se  devem  emen- 
dar as  cousas,  procuram  approximar-se  da  perfectibilidade  cor- 
rigindo-se,  e  nisso  alguma  cousa  temos  para  imitar. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  577 

A  evolução  hístorico-social  doestes  povos  havia  de  fazer-se 
naturalmente  com  muita  lentidSo,  porém  era  bem  melhor  isso, 
do  que  lá  ter  entrado  a  civilisação  para  os  depauperar  em  be- 
neficio de  outras  regiSes  fora  do  seu  continente,  convertendo 
os  que  ficaram,  em  creaturas  que  mal  se  definem. 

Hoje,  é  bem  mais  difficil  concorrermos  para  apressar  essa 
evolução,  mas  confiando  que  a  colligaçSo  na  cruzada  empre- 
hendida  contra  o  trafico,  ha  de  ser  uma  realidade;  e  que  o 
systema  de  colonisar  tem  variado  muito  com  os  tempos,  prin- 
cipalmente neste  século;  tratemos  pela  nossa  parte,  de  pre- 
parar o  terreno  para  irmos  recebendo  as  immigrações  que  do 
interior  hSo  de  procurar  a  nossa  provincia,  quando  lhes  faltem 
os  recursos  para  se  manterem,  o  que  necessariamente  se  dará, 
logo  que  se  extingam  as  únicas  fontes  de  receita  em  explora- 
ção, marfim,  borracha  e  escravos. 

E  o  terreno  prepara-se,  educando  os  povos  nos  nossos  limites 
mais  sertanejos,  sobre  a  immediata  vigilância  e  protecção  de 
auctoridades  nossas,  de  confiança. 

Talvez  pareça*  prolixo  descermos  a  tanta  minuciosidade,  mas 
não  o  é,  porque  até  agora,  o  que  temos  lido  sobre  a  educação  e 
aproveitamento  do  preto  gentio,  ou  são  ideas  muito  theoricas, 
ou  então  planos  muito  geraes  para  géneros  de  explorações  que 
se  baseiam  em  esperanças  por  ora  vãs,  em  que  d'elle  se  pre- 
tende trabalho  com  interesses  de  momento,  e  que  o  não  arranca 
da  situação  em  que  se  encontra;  quando  o  nosso  fim  deveria 
ser  civilisá-lo  pelo  estimulo  na  pratica,  e  obter  que  produza 
bom  trabalho  no  logar  em  que  vive. 

Não  precisámos  ir  ao  estrangeiro  buscar  exemplos,  não  va- 
mos apresentar  cousas  novas,  é  tudo  de  casa.  Aproveitámos  in- 
stituições que  já  entre  nós  existem  dispersas  em  differentes 
províncias  ultramarinas,  que  são  muito  nossas,  velharias  sim, 
roas  que  honram  os  nossos  antepassados,  e  que,  se  não  teem 
dado  melhores  resultados,  é  porque  o  pensamento  que  a  ellas 
presidiu,  tem  sido  infelizmente  mal  apreciado,  por  nós  os  moder- 
nos, que  até  para  a  administração  das  nossas  colónias,  quere- 
mos importar  novidades  do  estrangeiro,  como  se  fosse  uma 


678  EXPEDIÇIO  P0RTU0UK2A  AO  in7ATIÍHV0A 



questSo  de  modas.  Sabe-se  que  a  AUemanha  e  a  Bélgica  prin- 
oipiam^  8Ó  agora,  a  saber  o  que  sSo  colónias ;  que  a  Inglaterra 
e  França,  se  em  algumas  teem  andado  acertadamente  com  res- 
peito á  sua  administraçSo,  teem  despendido  muitos  capitães  e 
sacrificado  muitas  vidas  perdendo  outras  colónias  que  se  liber- 
taram da  sua  administraçSo  por  nefiuta  aos  natoraes ;  e  que  a 
HoUanda,  a  qual  sempre  nos  tem  procurado  acompanhar  e 
usurpar  os  nossos  padrSes  de  conquistas,  comnosco  foi  apren- 
dendo e  acertou  em  Java,  fazendo  desenvolver  o  STStema  por 
nós  iniciado,  de  attrahir  o  indigenii  para  o  nosso  convivio^  in« 
teressando-o  na  administraçSo  publica. 

O  que  era  a  vassallagem  dos  sobas  nos  tempos  passados ,  com 
obrigaçSo  de  pagamento  de  dizimes,  e  de  darem  carregadores 
para  os  serviços  dos  presidies? 

O  que  é,  depois,  a  derrama  das  contribuiçSes  dos  povos 
avassallados  a  cargo  dos  seus  sobas? 

É  o  reconhecimento  d^essas  auctoridades  na  nossa  adminis- 
traçSo. 

Pois  agora,  já  é  tempo  de  chamar  ainda  para  mais  perto  de 
nós  essas  auctoridades,  garantindo-lhes  o  prestigio  entre  os 
seus,  dando-lhes  mais  importância^  e  concorrendo  para  o  bem 
estar  dos  seus  povos,  ao  passo  que  lhes  vamos  preparando  o 
que  elles  até  agora  não  teem,  nem  no  que  não  acreditam — um 
melhor  futuro. 

Garantiudo-se  entre  estas  gentes  a  instituição  dos  sobados 
independentes,  conseguimos  auctoridades  administrativas,  fis- 
cães  de  fazenda,  força  armada,  policia  local,  juizes  de  facto, 
e  pessoal  para  melhoramentos  públicos  e  para  missSes  por  in- 
significante remuneração,  que  o  producto  dos  trabalhos  que 
elles  hão  de  prestar,  compensará  de  sobra. 


f*-i, ;•'".. 'V,,,-v..(v">\t'i 


IfUJIJI 


DESCKIP^'X0  UA  VUUEX 


ORGANISAÇÂO  DO  GOVERNO  1)0  DISTRICTO 
DE  MALANJE 


epois  de  todas  as  considcra- 
vfles  que  liavcmus  exposto  até 
iii^iii  sobre  esta  região,  atígiir 
sc-noa  de  necesaidmie  a  crea- 
VMo  de  um  governo,  constitui- 
do  pelos  concelhos  de  Malanje, 
Piingo  Audongo,  Duque  de  Bra- 
gança, Tala  Mugongo  e  pelos 
novos  territorioB  doa  Bondoa, 
Siingoí,  Holos,  longos  e  Jinga, 
ficando  a  occupaçJlo  definitiva 
d'este3  iiltimoB,  rcuerrada  para 
melhur  opportunidade,  isto  é, 
quaniio  se  proceda  A  conatruc- 
'  *' —  '  ~^  çiio  de  ura  ramal  do  caminlio 
de  ferro  que  atravesse  o  pai»  para  o  norte. 

NÓB  devemos  ter  aerapre  em  vistj»,  que  o  caminho  de  {eno 
do  Zaire  c  uma  cmprcza  muito  duvidosa;  caminho  de  ferro  com 
curvas  de  raio  de  50  metros,  rampas  de  46  metros  e  vius  de 
largura  de  0",75  é  de  grandes  difficuldades,  e  a  empreza  que 
se  proponha  a  fazê-Io  corre  grandes  riscos,  sobretudo  quando 
a  região  que  se  procura  servir,  durante  o  tempo  da  eonstruc- 
çSo  ficará  exhausta  dos  productos  que  se  tinha  em  vista  trans- 
portar. 


580  EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

Não  nas  devemos  illudir  com  as  informaçSes  dos  explorado- 
res da.  bondade  do  rei  dos  Belgas,  e  tanto  o  novo  Estado  In- 
dependente do  Congo  reconhece  até  que  ponto  chegou  a  sua 
illusSOy  que  actualmente  abandonou  as  estaçSes  do  interior,  e 
as  transacçSes  do  commercio  com  o  gentio,  são  feitas  nos  pró- 
prios barcos  a  vapor  que  navegam  nos  affluentes  do  Zaire  e 
que  chegam  até  próximo  do  Luebo,  e  da  antiga  estaçSo  do 
Luluabourg. 

Manifesta-se  assim  o  que  era  realmente  verdade^  só  para 
quem  era  testemunha  dos  factos,  a  saber :  que  tanto  as  expe- 
dições allemSs  como  o  novo  Estado  para  quem  trabalharam, 
nSo  tinham  em  vista  civilisar  o  gentio  d'aquella  regiSo,  e  ape- 
nas explorá-lo  do  que  elle  tinha  bom,  marfim  e  borracha,  em 
troca  dos  productos  superabundantes  das  fabricas  europeas  que 
estavam  armazenados  sem  saida. 

Sobre  a  construcçâo  de  caminhos  de  ferro,  temos  conheci- 
mento de  duas  opiniSes  que  parecendo  em  contradicção,  sSo 
aliás  muito  sensatas  e  de  que  se  tem  obtido  resultados. 

E  uma  que  se  devem  fazer  para  servir  paizes  florescentes  e 
que  carecem  de  facilidade  de  transportes ;  outra,  que  se  devem 
estabelecer  para  crear  povoações  nas  regiões  imperfeitamente 
ou  totalmente  inexploradas  e  que  manifestara  recursos  de  vi- 
talidade. 

O  caminho  de  ferro  de  penetração  que  desejámos  se  pro- 
longue até  ao  Cuango,  está  neste  caso.  A  região  que  vae  atra- 
vessar é  essencialmente  agrícola,  e  pode  tornar-se  industrial, 
acrescendo  ser  ponto  onde  afflue  o  commercio  que  os  Bângalas 
ainda  obteem  do  interior,  e  por  onde  entra  a  immigraçâo  que  de 
lá  corre  para  a  nossa  provincia. 

Depois  dos  sacrifícios  que  se  estão  fazendo  com  tSo  impor- 
tante melhoramento,  ó  obrigação  irapreterivel  aproveitar  todos 
os  recursos  que  oflFerece  esta  região  quando  devidamente  ex- 
plorada, único  meio  de  crear  receitas  e  auxiliar  os  rendimen- 
tos da  empreza  e  da  provincia. 

Nós  não  vimos  os  reconhecimentos  já  emprehendidos  pelo 
pessoal  do  caminho  de  ferro,  mas  se  um  ramal  vier  atravessar 


DE8CBIPç20  DA  VIAGEM  581 

O  Hungo  e  puder  dar  çerventía  ^  Encpje,  acreditámos  que 
muito  commercio  que  passa  actualmente  pelas  terras  do  Congo^ 
se  encaminhará  para  esse  ramal. 

A  iniciativa  particular  principia  agora  a  ser  despertada. 

Até  aqui,  não  se  conhecia^  diga-se  com  franqueza,  o  que 
havia  a  explorar  nestes  confins  da  província.  Faça  o  governo 
mais  alguns  sacrifícios  em  estudos  e  outros  auxilies,  que  é  por 
pouco  tempo. 

Não  se  colhe  com  bons  resultados  sem  semear  e  semear 
bem. 

E  uma  necessidade  que  o  camiAho  de  ferro  chegue  a  Ma- 
lanje  e  se  prolongue  até  ao  Cuango,  no  Zaire,  no  logar  em  que 
passámos  o  rio  no  nosso  regresso,  ou  até  qualquer  outro  embar- 
cadouro de  mais  conveniência,  que  certamente  pouco  se  afastará 
doeste,  e  assim  garantimos  não  só  a  vassallagem  que  nos  soUi- 
cita  Capenda-cá-Mulemba,  cujos  domínios  se  estendem  para 
leste  até  ao  Cuango,  como  ainda  facilmente  tomaremos  effe- 
ctivo  o  nosso  dominio  na  regifto  habitada  pelos  Quiôcos  e 
Lundas,  como  o  pretendem  os  seus  maiores  potentados. 

Fazendo-se  um  ramal  de  ISOkilometros,  que  será  pouco  mais 
ou  menos  a  distancia  da  villa  de  Malanje  áquelle  ponto  no 
Cuango,  que  para  caminho  de  ferro  é  uma  distancia  que  se 
vence  em  horas,  não  offerece  duvida  que  deve  ser  Malanje  a 
capital  doeste  grande  governo  no  centro  do  continente,  importan- 
do-nos  pouco  o  titulo  que  mais  lhe  convém;  e  cujos  limites  a 
leste  dependem  da  expansão  que  se  lhe  queira  dar,  em  har- 
monia com  a  que  ficou  estipulado  na  conferencia  de  Berlim, 
referi  ndo-se  por  agora  as  nossas  consideraçSes,  só  até  ao 
Cuango. 

Penso  que  o  governo  de  que  trato,  se  pode  manter  nos  pri- 
meiros tempos  da  sua  existência,  como  iniciação,  por  meio  de 
missSes  agrícolas  e  profissíonaes  de  que  façam  parte  indivi- 
dues de  reconhecida  competência,  e  sob  a  direcção  de  missio- 
nários religiosos  que  hajam  prestado  bons  serviços  em  Afiíca. 

A  direcção  superior  das  missSes  de  que  será  presidente  o 
governador,  deve  ter  a  sua  residência  na  capital. 


Õ82  BXPKDIÇZO  POUTOGUESA  AO  1IIUT1ÍNY0A 


Devo  havor  pelo  menos  jima  missio  em  cada  concelho,  e  o 
chefe  da  missSo  exercerá  as  fimcçSes  de  administrador  do  con* 
celhoy  emqoanto  o  governo  de  Sua  Ifagestade  entenda  que 
nSo  convém  fazer  preencher  esses  cargos  por  outros  fonecío- 
narioB  habilitados;  sendo  as  auctoridades  subordinadas  entre 
as  povoaçSes  indígenas,  os  seus  sobas,  e  onde  esta  entidade 
nSo  exista,  o  individuo  que  o  povo  eleja  para  chefe. 

As  missSes  devem  estabelecer-se  nos  concelhos,  em  lagares 
que  reunam  ás  melhores  condiçSes  de  habitabilidadci  as  de 
boa  qualidade  e  quantidade  de  solo  para  agricultar  e  para  es- 
tabelecimento de  officinas  de  trabalho,  as  de  boas  e  abundantes 
aguas  e  madeiras,  e  ainda  a  de  serem  pontos  centraes. 

Cada  missão  tem  de  crear  quintas  r^onaes  modelos,  onde 
a  charrua,  os  moinhos,  as  bombas  e  outros  recursos  mechani- 
cos  auxiliarSo  a  força  humana  no  desenvolvimento  do  traba- 
lho, funccionando  ellas  como  meios  poderosos  para  a  dlvili- 
saçSo  dos  povos. 

Na  cultura  devem  ter  preferencia  os  productos  considerados 
africanos,  e  os  já  conhecidos  de  fácil  acdimataçSo.em  Malanje, 
como  o  trigo,  arroz,  ete.,  e  plantas  solaneas  e  leguminosas, 
productos  de  que  demos  noticia  nas  secções  respectivas  do  ca- 
pitulo anterior. 

Os  exemplos  dos  trabalhos  das  missSes  serão  imitados  muito 
principalmente^  se  ao  lado  d^ellas  se  instituirem  colónias  agrí- 
colas de  indígenas,  formadas  do  pequenas  propriedades  ou  car 
saes,  protegidas  pelas  missSes,  e  ás  quaes  estas  possam  com- 
prar, ou  tenham  o  encargo  de  fazer  collocar  em  bons  merca- 
dos os  seus  productos. 

Um  pessoal  de  iudividuos  indígenas,  instruídos  na  direcção 
das  missSes,  ou  por  ellas  examinados  para  dirigirem  um  certo 
numero  de  trabalhos  nas  artes  e  oiHcíos,  em  algumas  indus- 
trias e  em  geral  nos  misteres  em  que  se  pretende  aproveitar- 
Ihes  as  aptidSes,  preparados  como  decuriões,  com  um  certo  nu- 
mero de  noçSes  theoricas  e  praticas,  para  um  determinado 
período  de  trabalho,  virão  depois  para  as  missSes  dos  conce- 
lhos, instruir  a  classe  dos  agremiados  na  sua  profissão. 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  583 

Na  direcç^  das  missSes  deve  existir  o  pessoal  indispensá- 
vel de  europeus,  com  conhecimentos  das  diversas  profissSes, 
artes,  officios,  da  agricultura  e  outras  industrias,  e  ainda  com 
uma  certa  ordem  de  noçSes  scientiíicas,  e  assim  todos  os  es- 
tabelecimentos das  missões  devem  ser  modelos,  estando  orga- 
nisados  quando  possivel,  com  os  recursos  da  localidade,  e  nelles 
deve  estar  figurado  tudo  quanto  possa  elucidar  e  esclarecer 
a  instrucçSío  que  se  ministra. 

Entregamos  a  instrucção  directa  ao  indigena  como  decuriâo, 
d'aquillo  em  que  tenha  sido  examinado  pelo  pessoal  habilitado, 
o  que  nâo  é  mais  do  que  um  aperfeiçoamento  do  que  se  passa 
entre  os  Âmbaquistas,  que  transmittem  os  conhecimentos  que 
adquiriram  da  nossa  lingua,  e  do  officio  de  que  teem  pratica, 
a  qualquer  gentio,  servindo-se  do  dialecto  doeste,  e  é  o  mostre 
mais  económico  que  podemos  manter  em  Africa. 

Quem  tem  vivido  na  nossa  provincia  de  Angola,  sabe  que 
em  todos  os  tempos,  já  pela  iniciativa  particular,  já  pela  ini- 
ciativa official,  se  fizeram  bons  mestres  de  alfaiates,  sapatei- 
ros, pedreiros,  canteiros,  carpinteiros,  ferreiros,  fimileiros,  ser- 
radores, etc.,  e  o  methodo  de  ensino  nâo  era  outro.  Ao  lado 
do  official  sempre  se  vê  um  rapasito,  uma  espécie  de  servente, 
a  quem  elle  a  pouco  e  pouco  tem  ensinado  o  seu  officio,  e  does- 
tes rapazes  já  conhecemos  alguns  no  nosso  regresso  a  Loanda, 
que  trabalhavam  como  officiaes  e  com  aspirações  a  mestres. 

O  director  das  obras  publicas  Arnaldo  de  Novaes  Kebello, 
encarregou  um  official  de  pedreiro,  indigena,  de  uma  emprei- 
tada, e  tão  satisfeito  ficou  com  o  serviço  por  elle  executado,  que 
do  seu  bolso  Ibe  deu  uma  gratificação  de  50;$0(X)  réis. 

Este  rapaz  havia  entrado  para  o  serviço  das  obras  publicas 
cinco  annos  antes,  como  servente  de  pedreiro,  e  tomára-se  ca- 
beça de  um  partido  de  officiaes,  que  todos  foram  serventes  por 
elle  educados.  E  porque  o  seu  serviço  diário  nâo  era  inferior 
ao  de  officiaes  europeus,  que  venciam  í^bOO  réis,  foi  elevada 
a  sua  soldiída  a  1?$200  réis. 

Náo  se  julgue  que  a  instrucção  por  decuriões  e  para  deter- 
minados periodos,  por  ser  fora  das  condições  normaes,  esteja 


584       EXPBDIÇlO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÂNVUA 

longe  de  satisfazer.  O  preto  não  olha  a  distancias,  sobretudo 
quando  nisso  interessa;  e  emquanto  vem  instruir-se  nnma  nova 
ordem  de  noçSes,  a  classe  a  seu  cargo,  continua  sob  a  vigi- 
lância da  missão,  praticando  no  que  fôra  ensinada  e  melhor 
recebe  a  instrucçSo  que  se  seguir. 

Habilitada  a  direcção  das  miss3es  com  o  pessoal  e  recursos 
que  julgámos  indispensáveis,  tem  ella  um  papel  tSo  importante 
a  desempenhar  na  civilisaçSo  dos  indígenas  gentios,  que  jul* 
gamos  de  toda  a  conveniência  que  os  regulamentos  especiaes 
de  ensino  e  de  administração  se  formulem  só  depois  de  um 
praso  de  tirocÍ9Ío,  e  ouvidos  os  jagas  e  os  sobas  de  mais  impor- 
tância no  districto. 

Deve  ella  instruir  e  dirigir  o  colpno  indigena  nas  terras  onde 
afflue  a  emigração,  quer  xui  agricultura,  quer  nas  industrias,  de 
modo  a  tirar  partido  dos  recursos  que  já  existem,  ou  que  se 
possam  crear,  como  são :  algodão,  tabaco,  mendoim,  borracha, 
ficus-elasticus,  gommas,  papyrus,  canna,  café,  beterraba,  salsa 
parrilha,  urucú,  ferro,  madeiras,  argillas,  calcareos,  etc. ;  deve 
animar  e  mesmo  convidar  a  iniciativa  particular  europea,  a 
estabelecer  fabricas  devidamente  montadas,  aproveitando-se  da 
facilidade  de  transportes  para  o  littoral,  pelo  caminho  de  ferro 
cuja  construcção  está  iniciada  e  que  não  pode  deixar  de  prose- 
gair,  e  pela  navegação  do  Cuango  por  barcos  a  vapor,  que  ha 
de  necessariamente  fazer-se,  e  dentro  em  pouco  tempo. 

Para  os  trabalhos  agrícolas,  tendo  em  vista  todas  as  condições 
que  lhes  são  mais  indispensáveis,  não  devemos  esquecer  que  é 
de  toda  a  conveniência,  aproveitar  a  affluencia  dos  indígenas 
para  o  enxugo  das  terras  encharcadas,  fazendo  a  par  das  plan- 
tações de  resultados  conhecidos,  ura  certo  numero  de  obras  que 
muito  contribuirão  para  o  saneamento  das  localidades,  e  as 
quaes  não  podem  ser  feitas  por  europeus. 

Tendo  as  missões  de  crear  oíBcinas  e  telheiros  para  traba- 
lhos especiaes,  e  de  obter  tanto  dos  seus  productos,  como  dos 
estabelecimentos  agrícolas  as  receitas  para  a  sua  manutenção, 
ao  mesmo  tempo  que  tem  de  estimular  os  educandos  pelo  in- 
teresse nos  trabalhos,  resulta  de  tudo  isto  que  a  sua  adminis- 


DESCRIPÇZO  DA  VIAGEM  585 

traçâo  é  muito  complexa,  exigindo  um  pessoal  idóneo  e  prati- 
camente habilitado. 

Deve  fazer  parte  de  cada  missão  pelo  menos  um  ecclesias 
tico,  a  cargo  de  quem  ficará  a  direcção  da  instrucçâo  moral  e 
litteraria,  mas  que  deve  ser  um  verdadeiro  mestre,  e  nSo  um 
homem  que  baptisa  por  officio  e  que  procure  involver  o  in- 
digena  num  labyrintho  de  ideas  abstractas  que  elle  por  em- 
quanto  nSo  pode  conceber.  Que  lhes  ensine-  primeiro  o  que 
é  positivo,  o  que  ha  de  real  na  vida,  e  que  não  se  estabeleça  a 
confusão  num  cérebro  falto  de  acção  e  que  se  procura  modifi- 
car, misturando  os  preceitos  sociaes  com  as  leis  de  Deus.  Que 
o  encaminhe  para  bem  exprimir  antes  de  tudo  as  suas  neces- 
sidades, explicando-Ihe  como  as  pode  satisfazer.  Que  se  lem- 
bre emfím  que  trata  com  um  povo  materialista,  e  que  para 
o  fazer  comprehender  um  assumpto  tem  de  o  preceder  da  ex- 
plicação de  outros  que  o  tomem  intelligivel.  Que  finalmente 
ponha  de  parte  o  mysticismo,  geralmente  ae  eíFeito  entre  os 
povos  civilisados,  e  lhes  mostre  praticamente  com  argumentos 
sãos  e  exemplos  frisantes,  as  vantagens  da  civilisação  que  se 
deseja  elles  attinjam  para  o  goso  de  um  futuro  melhor. 

Este  6  o  modo  de  ver  dos  nossos  homens  práticos,  dos  que 
teem  andado  pelos  sertScs  de  África,  e  não  uma  opinião  exclu- 
sivamente nossa.  Como  os  beneméritos  exploradores  Serpa  Pinto, 
Capello  e  Ivens,  os  illustrados  engenheiros  Gorjão  e  Machado, 
o  esclarecido  governador  Ferreira  do  Amaral,  o  intelligente 
viajante  africano  F.  Nogueira  e  uma  plêiade  de  escriptores 
africanistas  conhecidos,  taes  como  Luciano  Cordeiro,  Andrade 
Corvo  e  outros,  que  teem  acolhido  bem  e  como  as  acertadas  opi- 
niões dos  primeiros,  dos  que  andaram  no  interior  e  conhecem 
Qs  diversos  papeis  que  teem  desempenhado  os  missionários; 
como  elles,  repetimos,  indicámos  o  que  deve  ser  o  missio- 
nário. 

Deve  além  d^isto,  ser  elle  o  verdadeiro  interprete  dos  po- 
vos do  concelho  na  sua  administração  em  geral,  dos  interes- 
ses particulares  de  cada  um,  e  especialmente  dos  individues 
filiados  na  missão ;  e  por  isso  é  indispensável  que  procure  ha- 

88 


686  BXPEDIÇXO  POBTUGUEBA  AO  MUATIÍNVUA 

bílitar-se  com  o  conhecimento  da  lingoa  que  faliam  os  indí- 
genas. 

No  estabelecimento  de  cada  missSo  haverá,  pelo  menos,  tuna 
sala  de  asylo  para  os  filhos  das  mulheres  que  procurem  tra- 
balho na  missSo,  e  que  d'elles  se  nSo  podem  afastar  pela  ne- 
cessidade de  vigilância  e  cuidados  matemos,  e  também  um  hos- 
pício para  os  orphSos  desvalidos  que  a  missão  recolha  e  eduque, 
e  outro  para  doentes  e  individues  que  se  inutilisem  no  serviço 
d'ella,  ficando  a  superintendência  da  sua  administraçSo  e  a 
educaçSo  dos  desvalidos,  a  cargo  do  mesmo  nússionario,  quando 
nSo  haja  mais  de  um  ecclesiastico  na  missSo. 

HJa  actualmente  um  juizado  regular  em  Pungo  Andongo,  que 
se  estende  até  Malanje.  Continue-se  a  manter  esta  instituiçSo 
visto  estar  creada,  mas  no  novo  governo  só  para  europeus  e 
indígenas  considerados  cidadãos  portuguezes. 

Com  relação  á  administração  da  justiça  entre  os  gentios,  é 
necessário  crear-se  um  tribunal  novo  com  um  código  especial, 
em  que  os  processos  sejam  um  tanto  summarios,  e  em  que  a 
base  da  penalidade  seja  o  trabalho  em  vez  de  prisão ;  lembrámos 
uma  procuratura  de  negocies  gentilicos  como  ha  em  Macau 
para  os  negocies  sinicos. 

Este  tribunal  deve  compor-se  do  juiz  da  comarca  como  pro- 
curador, e  de  um  jury  de  seis  sobas. 

A  nomeação  d*este  jury,  feita  pelo  governador  para  o  ser- 
viço de  um  biennio,  deve  recahir  sobre  os  sobas  que  forem 
eleitos  pelos  sobas  de  todo  o  districto. 

Neste  tribunal  só  podem  ser  julgados  os  delictos  que  não  con- 
stituem crimes  previstos  na  lei  penal  do  paiz  para  os  casos  de 
deportaçjlo  e  penas  maiores,  e  por  isso  as  sentenças  do  pro- 
curador, baseadas  no  voto  do  jury,  terão  effeito  immediato. 

Os  administradores  dos  concelhos  ou  quem  faça  as  suas  ve- 
zes, logo  que  tenham  conhecimento  pelos  chefes  de  divisão  ou 
pelos  sobas,  de  delictos  praticados  na  área  da  sua  jurisdicção, 
levantarão  o  respectivo  auto,  que  farão  remetter  com  as  teste- 
munhas, delinquentes  e  partes  de  accusação,  se  os  houver, 
para  a  procuratura  dos  negócios  gentilicos. 


DESCRIPÇXO  DA  VIÁQEH  587 

Pertence  ao  procurador  decidir  da  competência  do  tribunal 
que  ha  de  julgar  os  delinquentes,  e  portanto  estes,  ou  são  sen- 
tenciados no  mesmo  dia,  ou  entram  na  cadeia  á  disposição  da 
justiça  da  comarca. 

Lembramos  a  instituição  doeste  tribunal  especial  como  o  te- 
mos em  Macau  para  os  Chins,  porque  entendemos  ser  ainda 
muito  cedo  para  impor  aos  povos  que  nos  propomos  educar,  as 
nossas  leis,  e  encerrar  por  consequência  numa  prisão  os  delin- 
quentes, onde,  ou  temos  de  lhes  dar  de  comer  e  de  vestir  em 
quanto  aguardam  as  resoluçSes  do  poder  judicial,  que  são  sem- 
pre morosas,  ou  de  os  deixar  ahi  jazer  expostos  á  fome  e  nús, 
chegando  como  tem  succedido  ás  vezes,  a  um  estado  que  se 
toma  perigoso  para  a  saúde  publica. 

Ultimamente,  o  chefe  do  concelho  de  Malanje,  como  presi- 
dente da  commissão  municipal,  lembrou-se  e  bem  haja  por  isso, 
de  applicar  uma  parte  da  verba  destinada  para  limpeza  da 
villa  e  outros  melhoramentos,  a  remunerar  os  trabalhos  feitos 
por  individues  presos  na  cadeia  e  que  elle  empregou  nesses 
serviços. 

Até  como  medida  hygienica  para  a  villa  mereceu  os  nossos 
louvores  esta  providencia,  porque  se  limpava  e  arejava  o  pe- 
queno recinto  onde  estavam  os  presos;  estes  comiam  e  vestiam-se, 
porém  trabalhavam  regularmente,  que  é  a  maior  penalidade 
que  actualmente  se  pode  dar  ao  preto,  sendo  certo  que  este 
correctivo  fez  com  que  diminuísse  o  numero  de  prezos. 

Dividem-se  actualmente  os  concelhos  em  divis8es,  que  são 
guarnecidas  de  companhias  de  Moveis  e  de  outras  denomi- 
nadas da  guerra  preta,  indigenas,  com  os  seus  officiaes  subal- 
ternos e  inferiores,  sendo  os  capitães,  os  chefes  d^essas  divisSes, 
que  exercem  as  funcçSes  de  auctoridades  administrativas  na  área 
que  estas  comprehendem.  As  praças  doestas  divisSes  na  sua 
maioria  são  indigenas  dos  sobados,  a  quem  se  impSe  o  dever 
do  servir  o  Estado  nessa  qualidade,  por  oito  ou  dez  annos. 
£  um  tributo  pesadíssimo,  porque  demais  exijem-se-lhes  ser- 
viços não  inferiores  aos  das  tropas  de  primeira  linha  e  não  se 
lhes  dá  remuneração  alguma,  e  nem  de  comer,  nem  de  vestir. 


588  '    BXPBDIÇXO  POBTUOUBEA  AO  MUATIÍNVUA 

E  nunca  deixam  de  comparecer  ao  serviço  para  que  sSo  cha- 
mados! Mas  como?  EsfiBurrapados^  quasi  nús,  tendo  alguns  por 
arma  uma  das  antigas  bayonetas  encabadas  num  pau,  outros 
espingardas  antigas  de  caçoletas,  na  maior  parte  tendo  seguros 
os  canos  ás  coroidias  por  meio  de  cordas,  e  as  fecharias  man- 
tidas no  seu  logar  por  um  outro  qualquer  atilho. 

Yêem-se  muitos  d'estes  soldados  pelos  caminhos  levando  a  ti- 
racollo  um  sacco  de  algodSo  em  forma  de  bornal,  em  que  trans- 
portam as  malas  do  correio. 

A  troco  de  90  ou  120  réis,  fas  este  homem  uma  marcha  de 
30  a  40  kilometros  e  ás  vezes  mais,  para  em  dia  determinado 
as  malas  que  transporta  serem  entregues  na  residência  do  chefe 
do  concelho  vizinho,  e  conhece-se  que  é  um  soldado,  pelo  bonés. 
*  E  de  suppor  que  a  muitos  viajantes,  principalmente  aos  que 
pela  primeira  vez  deparam  com  um  d'estes  individues  no  ca- 
minho, lhes  cause  desagradável  impressão  o  estado  lastimoso 
em  que  o  véemy  e  lance  para  a  conta  de  mau  governo  nSo  se 
substituir  aquella  entidade  por  empregados  especiaes  do  cor- 
reio, devidamente  uniformisados,  como  estamos  acostumados 
a  ver  nos  centros  civilisados. 

A  nossa  impressão  foi  porem  outra,  a  de  aproveitar  o  que 
está  iniciado,  melhorar  a  sorte  do  soldado  Movei,  de  modo  a 
tomá-lo  um  bom  soldado,  podendo  ao  mesmo  tempo  aceiímular 
diversos  encargos  por  escala. 

A  burocracia,  tem  entre  nós  exercido  uma  grande  influencia, 
generalisou-se  mesmo,  como  instituição  a  seguir  em  toda  a 
parte,  pouco  nos  importando  o  meio  em  que  a  pretendemos 
implantar. 

Quem  manda,  entende-se  logo  com  jus  a  rodear-se  do  mesmo 
numero  de  auxiliares,  que  com  o  tempo,  a  necessidade  obrigou 
a  crear  nas  administrações  antigas  e  onde  tudo  era  muito  diverso. 
Nâo  tratámos  de  preparar  os  povos  para  receber  essas  admi- 
nistrações pomposas  que  se  toem  crcado  e  só  teem  ras&o  de 
ser  nas  localidades  já  civilisadas.  Estabelecem-se  administra- 
ções novas,  por  exemplo  a  da  Guiné,  com  uma  organisaçSo 
pesada  e  de  um  machinismo  complicadissimo,  que  nem  os  po- 


DESCRIPÇlO  DA  VUGEM  589 

VOS  as  comprehendem,  nem  ellas  os  fazem  progredir,  porque 
lhes  falta  a  receita  indispensável. 

Assim  também  tratando-se  da  força  publica  para  um  novo 
governo  no  ultramar,  imaginam-se  logo  corpos  do  exercitp  orga- 
nisados  como  os  principaes  da  Europa,  com  um  estado  maior 
e  uniformes  luxuosos,  e  assim  se  procura  ir  adiando  a  neces- 
sidade instante,  porque  ainda  se  n?to  comprehendeu  bem  o  al- 
cance do  pensamento  d'aquelles  que  perfilham  a  idea  de  que 
o  exercito  deve  ser  um  único,  para  serviço  de  toda  a  monar- 
chia,  metrópole  e  colónias. 

O  serviço  da  guarnição  das  nossas  possessões  africanas,  não 
pode  deixar  de  ser  feito  com  praças  de  pret  indigenas,  e  os 
uniformes  teem  de  ser  apropriados  á  condição  do  individuo  e 
ao  meio  tropical  em  que  vive. 

A  instituição  dos  corpos  de  segunda  linha,  divisSes  de  tro- 
pas moveis  c  as  companhias  de  guerra  preta  na  provincia  de 
Angola,  denota  o  bom  senso  pratico  de  quem  contribuiu  para 
a  sua  creaçâo.  E  uma  instituição  ou  antes  são  instituiçSes  an- 
tigas, que  provam  que  se  pensava  manter  devidamente  o  nosso 
prestigio  em  Africa,  sem  dependências  e  sem  encargos  para 
a  metrópole. 

Se  ellas  teem  perdido  muito  do  seu  valor,  é  isso  devido  á 
indifferença  com  que  as  teem  deixado  vegetar,  á  pouca  impor- 
tância que  hoje  se  lhes  liga,  á  falta  de  estimules  que  convidem 
ao  alistamento,  omfirn,  ás  ideas  modernas  que  vogam,  de  que 
a  auctoridade  só  pode  manter-se  entre  o  gentio,  tendo  sob  as 
suas  ordens  uma  respeitável  força  de  tropas  regulares,  que- 
rendo ató  alguns  que  sejam  de  europeos- 

A  pratica  mostra-nos  que  em  todos  os  tempos  as  tropas  Mo- 
veis em  Angola,  quando  bem  armadas  e  adestradas,  mesmo  em 
guerra,  não  prestaram  serviços  inferiores  aos  das  tropas  de 
primeira  linha;  e  quanto  á  adopção  de  praças  europeas  para 
serviço  effectivo  no  sertão,  é  para  nós  uma  illusão  como  a  de 
Buppor  ser  possivel  em  qualquer  parte  de  Africa  ainda  por 
explorar,  obter-se  do  braço  europeu,  trabalho  agrícola  com 
bons  resultados. 


690      EXPEDIÇZO  POBTUGUEZÀ  AO  KUATliNyUA 

Conta  8Ó  o  concelho  de  Maknje  mais  de  quatrocentos  Boba- 
dos. Ora  se  estes  contribuissem  numa  dada  proporçSo  com  os 
seus  habitantes  para  o  tributo  de  sangue,  ainda  no  caso  mais 
desfaygrayel,  que  o  sobado  de  menor  populaçSo  fosse  tomado 
como  unidade  para  a  comparaçfto,  teríamos  logo  uma  força  su- 
perior a  mil  homens. 

Para  o  caso  do  novo  governo  em  que  entram  além  d^aquelle 
concelho,  os  antigos  de  Pimgo  Andongo  e  Duque  de  Bragança, 
e  outros  novos,  podemos  preparar  as  cousas  de  modo  que  te- 
nhamos em  serviço  effectivo  mil  homens  adestrados,  e  a  titulo 
de  reserva  para  casos  de  necessidade  mais  quatro  ou  cinco  mil. 

As  forças  moveis  organisadas  em  divisões,  como  actualmen- 
te, bem  divididas  por  todos  os  caminhos  do  districto,  mas  de 
modo  que  possam  as  praças  servir  de  cantoneiros,  de  portadores 
dé  malas  do  correio  e  de  policias,  garantindo  a  conservaçSo  dos 
caminhos  e  passagens  de  aguas,  a  segurança  individual  e  do  com- 
mercio,  ao  mesmo  tempo  que  possam  empregar-se  na  agricul- 
tura fazendo-a  desenvolver  na  área  da  sva  divisSo,  tomar-se-h8o 
incentivos  para  a  educaçSo  dos  povos  vizinhos,  principalmente 
quando  os  cargos  de  chefes  e  oi&ciaes  que  commandem  forças 
destacadas  (patrulhas),  recaiam  em  individues  que  comprehen- 
dam  as  indicações  dos  chefes  das  missões  do  seu  concelho, 
saibam  ensinar  a  instrucçao  primaria  e  dirigir  os  trabalhos 
agrícolas. 

Ao  mesmo  tempo  que  creâmos  uma  força  respeitável,  que 
deve  ser  bem  armada,  teremos  em  cada  soldado  um  trabalha- 
dor agrícola,  um  leitor  da  lingua  portugueza,  um  chefe  de  fa- 
mília, finalmente  um  bom  cidadão  para  a  communidade  a 
que  pertence, 

O  batalhão  que  em  1887  vimos  em  Inhambane,  serve-nos 
em  parte  de  modelo  para  a  organisaçSo  do  serviço  agrícola 
que  lembramos,  sem  prejuízo  do  serviço  militar. 

Uma  parte  da  villa,  do  lado  interior,  cortada  por  amplas 
ruas  que  se  cruzavam,  abrangia  recintos  fechados  em  com- 
partimentos, com  cercas  ou  paliçadas,  e  dentro  viam-se  boas 
habitações  altas,  de  base  circular,  revestidas  de  argamassa  e 


DESCRIPÇXO  DA  VUGEM  591 

caiadas,  ao  seu  lado  o  inseparável  cajueiro,  fonte  da  receita 
importante  do  districto,  e  terrenos  horticultados  que  perten- 
ciam aos  soldados  e  suas  familias. 

Aos  soldados  que  tinham  bom  comportamento  e  estavam  de 
folga,  depois  da  formatura  do  recolher,  permittia-8e-lli%8  que 
fossem  pernoitar  para  suas  casas. 

Mesmo  em  Malanje  se  encontra  um  inicio  do  que  desejámos 
se  faça  em  grande  escala.  A  divisSo  movei  que  está  de  serviço 
na  vi  lia  para  a  guarda,  e  as  praças  de  serviço  diário,  teem  um 
quartel  defronte  da  fortaleza  do  outro  lado  do  largo  principal, 
e  atrás  doesse  quartel,  para  o  interior,  todo  o  terreno  está  oc- 
cupado  pelas  praças  da  divisão,  que  ahi  construíram  o  que 
entre  nós  se  chama  casaes,  habitações,  e  cercados  de  terras 
cultivadas  e  também  fazem  ahi  desenvolver  creaçoes,  tudo 
pelo  trabalho  d'elles  e  das  suas  familias.  As  mulheres  d'estas 
praças  todos  os  dias  v2lo  para  o  mercado  negociar  os  productos 
do  sen  casal. 

Em  legares  determinados  existem  nos  caminhos  principaes 
do  concelho,  as  patrulhas  de  que  temos  fallado,  ou  quartéis  para 
as  praças  das  divisões  que  estão  de  serviço.  Devem  pois  apro- 
veitar-se  as  que  estão  em  bom  estado,  augmentando-se-lhes  a 
capacidade,  renovarem-se  as  que  careçam  de  reparos,  e  con- 
struirem-se  outras  onde  seja  conveniente.  Em  teiTcnos  annexos 
a  estas  patrulhas,  distribuam-se  glebas  por  cada  uma  das  pra- 
ças da  divisão  e  suas  familias,  mas  traçadas  devidamente  com 
boas  ruas  que  devem  ser  limpas,  e  bem  conservadas  na  parte 
correspondente  por  cada  morador. 

Os  chefes  de  divisão  bem  como  os  sobas  nas  suas  povoa- 
ções, devem  ser  instruidos  de  modo,  que  se  lhes  torne  obriga- 
tório dedicarem -se  a  um  certo  numero  de  culturas  que  não  re- 
querem grandes  cuidados  como:  algodão,  tabaco,  mendoim, 
ctc,  e  a  da  borracha,  onde  se  possa  replantar,  sob  pena  de 
multas  em  dias  de  trabalho. 

Pela  direcçFio  das  missões  serão  indicados  os  terrenos  pró- 
prios para  as  culturas  de  canna  sacharina,  café,  cacau,  be- 
terraba e  outras  consideradas  de  maior  importância,  e  estes 


692  EXFEDIÇZO  BOSTUGUBZA  AO  MUATlÂNVnA 

• 

pcklem  8èr  vendidos  em  lotes,  de  modo  que  também  d^elles 
possam  fazer  acquisiçSo  as  pessoas  de  pequenos  haveres. 

Mas  antesy  teçm  as  míssSes  de  proceder  ao  arrolam^ito  das 
propriedades,  garantindo  a  posse  das  terras  aos  que  se  encon- 
tram iccapando-as,  e  senSo  estiverem  cultivadas,  que  elles  se 
compromettam  a  cultivá-las  em  determinado  praso.  E  garante-se 
a  propriedade  por  um  imposto  lançado  sobre  o  rendimento  da 
produc^i  que  poderá  ser  pago  ás  missSes  em  productos  da 
mesma  producçSo,  ou  em  dias  de  trabalho  nas  quintas  regio- 
naes  das  missSes. 

Para  o  serviço  diário  em  cada  patrulha,  nomear-se-hSo  seis 
praças  que  permanecerSo  durante  vinte  e  quatro  horas  no  local, 
sendo' uma  encarregada  de  vigiar  no  quartel,  outra  no  mercado, 
ficando  quatro  sempre  promptas  para  qualquer  serviço  ex- 
traordinário, mas  rendendo  no  serviço  as  primeiras ;  e  mais 
seis,  quatro  para  o  serviço  de  limpeza  e  re][»araçSo  dos  ca- 
minhos até  3  kilometros  de  distancia  para  cada  lado  do  quartel, 
e  duas  para  serviço  da  arribana  e  do  correio. 

Para  o  caso  de  reparaçSes  de  simples  passagens  de  linhas 
de  aguas,  como  o  sSo  os  estrados  grosseiros  de  troncos  lançados 
sobre  as  suas  margens,  e  tambcm  para  os  de  estragos  nos  cami- 
nhos feitos  pelas  chuvas,  como  serviço  extraordinário  se  no- 
meará por  uma  escala  especial,  diariamente,  um  certo  numero 
de  praças  que  poderão  auxiliar-se  de  suas  familias  para  accu- 
direm  immediatamente  a  esses  reparos. 

Os  portadores  das  malas  do  correio,  em  dias  determinados^ 
montados  em  bois,  levarSo  as  malas  ás  estaçSes  de  mudas  e 
d'ahi  trarão  as  que  devem  regressar. 

Junto  ao  quartel  haverá  uma  arribana  para  dois  bois  de 
monta,  um  do  serviço  do  correio,  outro  para  serviço  do  chefe, 
quando  tenha  de  percorrer  a  área  da  sua  jurisdicç2o,  ir  á  mis- 
são, á  capital  do  districto,  etc. 

É  de  crer  que,  com  o  tempo,  qualquer  particular  tome  a 
iniciativa,  ou  mesmo  a  divisão  precise  de  ao  lado  d'essa  arri- 
bana, construir  outra  de  maior  capacidade,  destinado  ás  mudas 
para  carros  de  transporte,  tendo  de  haver,  pelo  menos,  dois 


DESCBIPÇXO  DA  VIAGEM  593 

homens  encarregados  de  vigiar  o  gado  e  conservar  sempre  em 
deposito  agua  e  alimento  para  o  mesmo. 

Ao  lado  do  quartel  deve  haver  também  uma  casa  especial 
para  aula  de  instrucçilo  primaria,  continuando  o  ensino  a  ser 
dirigido  pelos  chefes  de  divisão,  ou  commandantes  das  patru- 
lhas, como  ultimamente  se  estabeleceu  no  concelho  de  Malanje, 
mas  de  modo  que  esse  ensino  se  tome  mais  proficuo. 

A  estas  aulas  fornecerá  o  governo  livros,  e  todo  o  material 
necessário,  e  também  para  estimulo  concederá  prémios  cons- 
tando de  vestuário,  e  outros  de  reconhecida  utilidade  para  os 
alumnos. 

SerSo  obrigados  a  frequentarem  estas  aulas  em  determina- 
das horas  do  dia,  por  classes,  não  só  as  praças  da  divisão  como 
seus  filhos,  e  mesmo  as  suas  mulheres,  querendo,  o  poderão 
fazer. 

As  aulas  serão  praticas  e  se  em  principio,  só  de  rudimentos 
da  lingua  portugueza,  poderão  mais  tarde  ampliar  o  seu  en- 
sino com  noções  do  agricultura,  de  artes,  de  officios,  etc. 

Nas  divisões  próximas  dos  sobados  devem  comprehender-se 
na  classe  das  creanças  que  pertencem  ás  mesmas  divisões  as 
creanças  dos  sobados.  Para  os  adultos  dos  sobados,  a  instruo- 
ção  da  aula  é  voluntária,  fazendo-se  encorporar  estes  na  classe 
correspondente. 

Procurarão  os  chefes  que  nas  suas  divisões  se  desenvolvam 
as  creações  de  gado  vaccum,  concedendo  mesmo  o  governo 
prémios,  aos  que  se  tornarem  distinctos  nesta  industria,  re- 
servando-se  logares  especiaes  para  os  curraes  e  ainda  para 
pastos  além  das  áreas  cultivadas,  mas  onde  as  manadas  andem 
sempre  acompanhadas  por  guardadores. 

O  tempo  do  serviço  obrigatório  para  os  Moveis  é  de  cinco 
annos  effectivos,  e  de  três  na  reserva,  garantindo-se-lhes  a  pro- 
priedade dos  productos  que  adquirirem  pela  lavoura  ou  qual- 
quer outra  industria. 

Admitte-se  que  a  praça  que  serviu  os  cinco  annos  com  bom 
comportamento,  se  aliste  novamente  por  outros  cinco,  dando- 
se-lhe  nova  gleba  para  elle  e  sua  familia  cultivarem  no  logar 


OH  xzFSDif^  KMmmnKâ  ao  muatiístda 

em  que  d'dlas  se  poMs  dispor,  e  ttnibem  qae  possa  sabslifaiir 
moa  praça  noTa,  obtendo  d'e8ta  qualquer  mdCTBiiisaçio,  sem 
que  a  aoelorídade  nhso  inter^enlia  e  ficando  sem  direito  m 
nora  g^dba. 

A  praça  qne  contar  três  alistamentos  ▼ohmtarios  socoeasÍToa, 
»to  é,  quinze  annos  de  serviço,  poderi  ir  estd)elecer<ae  em 
qnalqner  localidade  do  eonodho,  sob  a  protecçlo  das  missSea, 
qnellies  fimiecerio  sementes,  utensílios  ou  ferrsmentss  qae  se- 
jam indispensayds  á  profissSo  qne  exerce,  e  fica  isemplo  de 
eontribniçSes  nos  primeiros  cinco  annos,  a  contar  da  data  em 
qne  se  estabelecer. 

Os  nmfi>nnes  das  praças  das  dirisSes,  serio  simples,  qne  nlo 
difiram  mnito  do  Tcstoario  a  qne  estio  habituados,  qne  Ibea 
permítta  a  liberdade  de  movimentos,  e  qne  sejam  bygíeniooa. 

A  nosso  ver  satísfiurá  a  camisola  sobre  o  largo,  de  flanelia 
aanlda,  de  mangas  tenninando  em  pnnho,  e  peqn^rn  gola  di- 
reita, tanga  côr  de  cinza,  sustentada  na  cintnra  por  nm  ein- 
tnrio  do  armamento  quando  em  serviço  ou  por  outro,  feito  por 
éUes  para  uso  ordinário,  tendo  uma  pala  para  o  machado,  e 
as  alpercatas  que  lhe  sio  usuaes  e  chapéus  feitos  de  ciq>im  em 
forma  de  tampa,  terminando  superiormente  em  bico  pronun- 
ciado como  08  dos  Chins. 

Os  officiaes  inferiores,  em  vez  de  camisolas  usarão  casacos 
da  mesma  flanelia,  largos,  sem  costura  nas  costas  e  de  aba 
curta. 

Os  chefes  de  divisão  e  officiaes  subalternos  usarSo  dos  actuaes 
uniformes,  que  são  os  antigos  raglans  de  infanteria,  de  gola  en- 
carnada, calças  de  panno  azul,  substituindo-se  porém  o  panno 
por  flanelia,  e  os  antigos  kepis  por  chapéus  de  palha,  lendo-se 
em  uma  fita  preta  o  numero  da  divisão. 

O  armamento  será  bom,  e  segundo  o  systema  que  as  cir- 
cumstancias  aconselhem,  tendo-se  em  vista  a  sua  fácil  Umpeza, 
reparação,  manejo,  conservação  de  munições,  etc,  o  que  é  con- 
veniente estudar. 

Os  uniformes  são  fornecidos  ás  praças  pelo  governo  e  o  ar- 
mamento fica  a  cargo  dos  chefes  das  divisSes. 


DESCRIPÇXO  DÁ  VIAGEM  595 

A  instrucçSo  militar  será  ministrada  por  um  official  de 
primeira  linha  em  commissSo  para  esse  serviço,  coadjuvado 
por  três  officiaes  inferiores  em  determinados  períodos  do  anno 
para  cada  divisão,  e  nas  epochas  em  que  a  lavoura  conceda 
folgas  para  essa  instrucçSo. 

Tanto  o  official  como  os  inferiores,  fora  da  epocha  da  in- 
strucção,  fazem  parte  do  pessoal  da  secretaria  do  governo. 

Dos  rendimentos  dos  portes  do  correio,  que  devem  também 
abranger  encommendas  de  certas  dimensSes  e  pesos,  e  dos  im- 
postos para  estradas,  se  pagará  a  jornal  o  serviços  das  praças 
empregadas  no  transporte  das  malas  e  no  de  cantoneiros. 

O  cargo  de  chefe  de  divis£to  deve  recair  em  indígenas  que 
mais  se  recommendem  pela  sua  idoneidjide. 

Em  cada  patrulha  observar-se-ha  a  pratica  antiga  de  hos- 
pedar os  viajantes,  havendo  para  isso  a  mobilia  adequada  e 
indispensável,  a  cargo  dos  commandantes,  e  os  viajantes  que 
queiram  utilisar-se  d^cssa  hospedagem,  pagarão  um  imposto  que 
se  julgar  rasoavel  para  a  conservação  e  melhoramentos  nos 
quartos  que  se  destinam  para  aquelle  fim,  devendo  haver  um 
livro  na  patrulha,  em  que  o  viajante  que  nella  toma  agasalho 
inscreva  o  seu  nome,  e  onde  deverá  estar  escripturada  a  re- 
ceita cobrada  por  esse  imposto. 

Isempta-se  doeste  imposto,  qualquer  empregado  do  governo, 
em  serviço. 

Na  capital  do  districto  deve  existir  uma  companhia  de  po- 
licia de  trinta  praças  europeas,  sob  o  commando  de  um  offi- 
cial subalterno,  tendo  para  o  coadjuvar  três  officiaes  inferiores. 

Esta  companhia  é  destinada  a  policiar  as  ruas  e  mercados,  e 
a  fazer  as  rondas  e  diligencias  puramente  policiacs.  Esta  força 
será  sempre  considerada  prompta  para  casos  eventuaes,  em  que 
seja  indispensável  restabelecer  a  ordem,  e  dar  toda  a  força  á 
auctoridade. 

O  official  commandante  doesta  companhia  será  o  administra- 
dor do  concelho  da  capital,  e  no  serviço  da  secretaria  é  au- 
xiliado por  um  dos  officiaes  inferiores,  no  que  for  expediente 
de  policia,  e  pelo  escrivão  da  administração  no  que  respeite  ao 


596  EXPEDIÇXO  PORTUGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

do  concelho.  E  este  será  um  empregado  civil,  que  pode  ser  in- 
digena,  quando  tenha  as  precisas  habilitações. 

E  cora  os  sobas  que  os  governos  e  as  miss3es  se  devem  en- 
tender sempre,  no  relativo  aos  melhoramentos  particulares  da 
localidade  e  aos  do  districto  em  geral ;  e  assim  conseguiremos 
pôr  em  acção  e  ntilisar  os  braços  vali 'los  e  disponíveis  em  be- 
neficio de  toda  esta  região. 

Com  a  intervenção  dos  sobas  na  administração  publica,  ga- 
rantindo-lhes  a  auctoridade  que  lhes  concedermos  entre  os  seus, 
conseguiremos  que  os  sobados  se  convertam  em  aldeias  de  bom 
aspecto,  melhorando  as  suas  construcções,  alinhando-as  devida- 
mente, transformando-as  em  logares  mais  salubres,  e  mesmo 
aprazíveis,  em  que  se  attenda  á  hygiene,  extinguindo-se  os 
focos  de  doença,  e  derivando  as  aguas  para  pontos  em  que  se 
não  tornem  nocivas  á  população. 

As  contribuições  dos  sobados  devem  ser  marcadas  em  pre- 
sença de  todos  os  sobas  e  sobre  os  esclarecimentos  e  informa- 
ções obtidas:  com  respeito  ás  populações,  modo  de  existir, 
estado  de  desenvolvimento,  receita  provável  a  cobrar,  etc., 
tomando-se  por  base  do  lançamento  a  quota  considerada  mais 
inferior,  e  esta  deve  recair  sobre  os  sobas,  tanto  no  que  res- 
peita a  rendimentos  como  á  apresentação  de  indivíduos  para 
o  alistamento  nas  tropas  moveis  o  para  trabalhos  qne  redun- 
dem em  melhoramentos  públicos.  O  soba  fará  a  derrama  entre 
os  seus,  como  julgue  mais  conveniente. 

Quando  se  trate  de  administração  concelhia,  devem  ter  voto 
na  matéria  os  três  sobas  mais  graduados  e  vizinhos  da  missão  ; 
a  administração  formulará  com  elles  o  código  para  o  indigena, 
que  se  irá  reformando  no  que  for  judicioso  e  conveniente,  por 
meios  suaves,  a  pouco  e  pouco,  e  quando  não  haja  repugnan- 
cias  da  parte  dos  sobas  em  acceitar  as  substituições,  ao  que 
seguem  como  praxe,  ou,  a  adoptarem  preceitos  ainda  não  es- 
tabelecidos e  que  os  possam  ir  preparando  para  uma  transi- 
ção que  os  encaminhe  para  a  sujeição  ás  nossas  leis,  as  quaes 
com  o  tempo,  tendo  d'ellas  melhor  comprehensão,  decerto  hão 
de  preferir  a  muitas  das  suas  usanças. 


DESCRIPÇÁO  DA  VIAGEM  597 

ÁS  missSes  auxiliadas  por  aquelles  sobas,  adquirem  os  re- 
ditos municipaes  do  concelho,  e  teem  voto  deliberativo  na  exe- 
cução de  medidas  approvadas  pelo  governo  do  districto. 

O  chefe  da  divisão  mais  próxima  faz  parte  da  missSo  do 
concelho,  quando  não  houver  administrador  do  concelho  defi- 
nitivo. 

Para  auxiliar  o  governador  na  administração  do  districto, 
lembramos  por  emquanto  três  intendentes  com  a  mesma  catego- 
ria e  vantagens,  e  da  mesma  forma  nomeados  como  os  residentes 
do  districto  do  Congo ;  um  para  os  antigos  concelhos  do  Duque 
e  Pungo  Andongo,  outro,  para  os  novos  dos  Bondos  e  Holos, 
e  o  terceiro  para  o  Cuango,  comprehendendo  o  antigo  conce- 
lho de  Tala  Mugongo  e  Songos.  Nas  localidades  em  que  resi- 
direm serão  elles  os  chefes  ou  presidentes  das  missões. 

  direcção  das  missões  na  capital  do  districto,  assume  as 
funcções  das  camarás  municipaes  nos  negócios  em  que  possa 
haver  analogia  com  as  attribuiç8es  d^ellas,  e  resolverá  também 
todas  as  duvidas  sobre  o  mesmo  assumpto  com  respeito  ás  mis- 
sões nos  concelhos. 

Para  o  serviço  das  obras  publicas  o  governador  terá  sob 
suas  immediatas  ordens  para  o  auxiUar,  um  conductor  de  tra- 
balhos do  pessoal  das  obras  publicas  da  provincia. 

Farão  parte  respectivamente  da  direcção  das  missões  e  das 
missões  concelhias  em  que  o  chefe  é  um  residente,  os  faculta- 
tivos do  quadro  de  serviço  de  saúde  que  tem  a  sua  residência 
na  capital  do  districto,  ou  nas  localidades  dos  residentes.  E  para 
o  serviço  clinico  em  cada  uma  das  quatro  localidades,  haverá 
uma  pharmacia  com  o  respectivo  pharmaceutico  do  quadro,  e 
em  cada  missão,  alem  d'esta,  uma  ambulância  fornecida,  por 
aquellas  pharmacias,  a  cargo  de  ajudantes  habilitados. 

A  cargo  dos  facultativos  ficarão  os  postos  meteorológicos  que 
se  devem  montar  devidamente,  sujeitos  a  instrucções  do  ob- 
servatório de  Loanda,  e  os  gabinetes  de  estudos  anthropologicos 
com  os  respectivos  apparelhos  de  anthropometria  para  os  es- 
tudos essenciaes  sobre  os  indígenas. 

Estabelecer-se-hão  communicações  telegraphicas  entre  a  ca- 


598  KZFKDI^^tfOBTUOOBSÂ  AO  lOIATIÂNVnÁ 

pitai  do  diatiicto  e  os  reBpectiv4)B  concelho8|  devendo  ligal^«e 
a  capital  com  Loanda.         ^ 

As  estafBes  ficam  »  cai^  das  miasSes,  que  eduoarlo  no 
•erviço  da  telegsaphia  os  indígenas  que  mostrem  prop^osSo  para 
este  genevo  de  trabalho* 

O  govemoi  para  o  terviço  do  expediente,  terá  um  secreta- 
rio de  igual  categoria  ao  do  governo  dO' Congo,  que  será  o 
Qkefo  da  secretaria*  do  distriotoi  e  que  dirigirá,  os  trabalhos  que 
teem  de  ser  impiçessos  na  tjrpographia  do  governo* 

A  tjrpogm{rfua^  por  emquantoi  ceduair^se-ha  ao  pessoal  e  ma^ 
terial  indispensáveis  para  uma  miner^xi,  d'onde  sO'  possa  fiísev 
tíM9fpm  sraiauf  daum  boletim  nlo  inferior  em  formato  ao  de 
lòdás  aa  provincias:  ultramarinas; 

E  Indi^nsavel  esta  lypographia  para  umplificaçSo  do  exr 
pedientei  e  para  se  tomacem  pubUcos  todos  os  trabalhos  em- 
prehendidos  pelo  novo  governo. 

O  governador  terá  um  lyudante  de  ordens  para  trabalhos  do 
eampo  e  para  o  representar  junto  dos  sobas,  dos  chefes  de 
divisSo,  das  missSes,  ete. 

Todo  o  serviço  de  expediente  da  fazenda  publica,  ficará  a 
cargo  de  um  delegado  da  repartição  de  fazenda  da  província, 
logar  de  commissSo  para  dois  annos  de  exercício,  o  qual  terá 
para  o  coadjuvar  um  escrivão  de  fazenda,  dois  amanuenses  e 
dois  contínuos,  pessoal  que  pode  ser  indígena,  tendo  as  pre- 
cisas habilitações. 

O  governador,  o  administrador  do  concelho  da  capital,  e  o 
referido  delegado  de  fazenda,  serão  clavícularios  do  cofre  da 
fazenda,  e  responsáveis  pela  execução  do  regulamento  que 
se  formular  para  a  administração  das  receitas  do  districto. 

Tanto  as  receitas  das  missSes,  como  as  de  cada  um  dos  con*^ 
celhos  a  cobrar,  e  as  despezas  a  fazer  com  aquellas  em  vista 
dos  seus  orçamentos  especiaes,  ficam  a  cargo  das  missões,  que 
mensalmente  enviam  as  contas  com  os  saldos,  se  os  houver, 
para  a  direcção  das  míssSes,  que  depois  formula  a  conta  geral 
e  a  remetterá  para  a  repartição  de  fazenda  do  districto;  e 
quando  os  saldos  sejam  negativos  a  direcção  das  missSea  os 


DESCRIPÇZO  DÁ  VIAQEH  599 

satisfará  justificando  á  repartição  de  fazenda^  por  que  verba 
satisfez  tal  pagamento. 

E  natural  que  sueceda,  e  para  isso  mesmo  se  devem  em- 
pregar todos  os  exforços,  que  a  creaçâo  de  gado  vaccum  que 
até  agora  se  desenvolvia  pouco^  e  se  mantinha  para  pagamentos 
de  multas  e  de  outras  contribuições,  e  ainda  a  creaçtlo  de  al- 
gum gado  que  se  reservava  para  negocio,  se  torne  com  a  forma- 
ção do  novo  governo  muito  maior,  para  alimento  do  pessoal  que 
se  procurará  fazer  trabalhar.  A  mira  nos  lucros,  ha  de  fazer 
prosperar  e  desenvolver  essa  industria,  e  esse  desenvolvimento 
crescerá  á  medida  que  o  caminho  de  ferro  for  rasgando  as 
florestas  através  das  serras,  e  for  espalhando  por  toda  esta  re- 
gião, menos  onerados  e  em  maior  quantidade,  os  vários  artigos 
de  commercio  de  que  nella  se  carecer. 

Por  isto  mesmo  devem  as  missSes  ter  todo  o  empenho  em 
crear  e  fazer  crear  nos  sobados  e  nas  divisões  das  tropas  mo- 
veis, gado  vaccum  em  boas  condições,  mesmo  para  exportação. 

Insistimos,  para  nós,  na  importante  industria  da  creação  de 
gado  vaccum,  porque  receamos  que  no  momento  opportuno,  ou 
quando  se  organise  o  novo  governo,  ou  quando  o  caminho  de 
ferro  chegue  a  Malanje,  por  falta  de  providencias,  se  extinga 
aquella  fonte  de  receita  que  deve  ser  perenne  para  a  região 
entre  Malanje  e  o  Cuango. 

Âhi  ficam  pois  lançadas  em  traços  geraes,  as  bases  para 
uma  organisação  adequada  do  novo  governo,  cujas  vantagens 
são  de  reconhecido  alcance  para  a  condição  do  indígena  que 
procurámos  melhorar,  e  para  o  desenvolvimento  da  província. 

Comprehende-se  bem,  que  os  primeiros  três  annos,  se  pode 
dizer,  hão  de  decorrer,  não  podendo  esperar-se  fazer  mais  do 
que  os  trabalhos  de  installação^  o  necessário  é  que  o  governo 
estipule  para  elles  um  subsidio  que  no  primeiro  anno  não  pode 
ser  inferior  a  IOiOOOiJOOO  réis  mensaes,  no  segundo  a  8:000^000 
réis  e  no  terceiro  a  6:000^J000  réis. 

Este  subsidio  será  pedido  na  proporção  do  que  falte  ás  re*- 
ceitas  para  a  satisfação  dos  encargos,  mas  se  o  governo  pro- 
vincial tem  de  contar  com  este  subsidio  como  encargo  por  um 


DESCRIPÇlO  DÁ  VUOEM  601 

Ha  ainda  consideraçSes  de  outra  ordem  que  mostram  a  ne- 
cessidade doeste  governo  no  interior  do  continente. 

O  caminho  de  ferro  ha  de  elevar  muito  mais  a  importância 
commercial  e  agrícola  que  Malanje  tem  adquirido,  e  a  inicia- 
tiva particular  ha  de  necessariamente  desenvolver-se,  já  na 
agricultura  iniciada,  já  aproveitando  todos  os  elementos  para 
a  creaçSo  de  varias  industrias,  e  por  isso  importa  quanto  antes 
preparar  os  povos  indígenas,  e  sobretudo  o  gentio  que  nos 
rodeia,  para  acompanharem  o  movimento  evolutivo,  que  ca- 
rece dos  seus  auxilies,  evitando-se  sacrifícios  de  vidas  europeas 
e  de  despezas  infecundas. 

A  auctorídade  de  um  governador  nesta  região,  dispondo  de 
duas  linhas  de  viação  importantes,  a  do  caminho  de  ferro  para 
Loanda  e  a  fluvial  do  Cuango  para  o  Zaire,  e  d'uma  rede  te- 
legraphica  que  o  ponha  em  communicação  com  todas  as  aucto- 
ridades  sob  suas  ordens  e  com  o  governador  geral  da  província, 
e  robustecida  pelo  pessoal  proposto,  embora  não  seja  grande, 
já  muito  influirá  não  só  no  animo  dos  povos  áquem  do  Cuango, 
mas  ainda  sobre  os  que  demoram  alem  d'elle,  pois  a  prepon- 
derância que  temos  conseguido  conservar  nas  relações  que  com 
elles  mantemos,  deve  ser  agora  mais  que  nunca  aproveitadas, 
para  os  attrahir  ao  nosso  convívio,  despertando-lhes  necessi- 
dades e  proporcionar-lhes  os  meios  de  as  satisfazerem. 

Ainda  sob  a  protecção  doeste  governo  se  podem  destacar  das 
suas  missões  delegados,  que  se  espalhem  e  fixem  em  legares 
que  a  experiência  aconselhe  que  devem  ter  preferencia  no  seio 
do  continente  para  radicar  ali  a  nossa  influencia  e  poderio,  e 
que  aproveitem  as  linhas  fluvíaes  que  rasgam  toda  essa  região 
para  o  norte,  garantindo  a  segurança  da  sua  navegação  até  ao 
Cuango,  onde  vão  affluír. 

Finalmente,  só  creando-se  este  governo,  nós  podemos  tomar 
eíficaz  a  protecção  de  que  carecem  os  diversos  povos  que  ha- 
bitam as  terras  da  Lunda,  encamínhando-os  e  governando- os 
como  súbditos  portuguezes  que  elles  dizem  ser  do  coração. 
Utilísaremos  também  todos  os  trabalhos,  sacrifícios  e  despesas 
da  nossa  Expedição,  ali  feitos  durante  três  annos,  que  como 

39 


DESCRIPÇlO  DÁ  VUOEM  601 

Ha  ainda  consideraçSes  de  outra  ordem  que  mostram  a  ne- 
cessidade doeste  governo  no  interior  do  continente. 

O  caminho  de  ferro  ha  de  elevar  muito  mais  a  importância 
commercial  e  agricola  que  Malanje  tem  adquirido,  e  a  inicia- 
tiva particular  ha  de  necessariamente  desenvolver-se,  já  na 
agricultura  iniciada,  já  aproveitando  todos  os  elementos  para 
a  creaçSo  de  varias  industrias,  e  por  isso  importa  quanto  antes 
preparar  os  povos  indígenas,  e  sobretudo  o  gentio  que  nos 
rodeia,  para  acompanharem  o  movimento  evolutivo,  que  ca- 
rece dos  seus  auxilies,  evitando-se  sacrifícios  de  vidas  europeas 
e  de  despezas  infecundas. 

A  auctoridade  de  um  governador  nesta  região,  dispondo  de 
duas  linhas  de  viação  importantes,  a  do  caminho  de  ferro  para 
Loanda  e  a  fluvial  do  Cuango  para  o  Zaire,  e  d'uma  rede  te- 
legraphica  que  o  ponha  em  communicação  com  todas  as  aucto- 
ridades  sob  suas  ordens  e  com  o  governador  geral  da  provincia, 
e  robustecida  pelo  pessoal  proposto,  embora  não  seja  grande, 
já  muito  influirá  não  só  no  animo  dos  povos  áquem  do  Cuango, 
mas  ainda  sobre  os  que  demoram  alem  d^elle,  pois  a  prepon- 
derância que  temos  conseguido  conservar  nas  relações  que  com 
elles  mantemos,  deve  ser  agora  mais  que  nunca  aproveitadas, 
para  os  attrahir  ao  nosso  convívio,  despertando-lhes  necessi- 
dades e  proporcionar-lhes  os  meios  de  as  satisfazerem. 

Ainda  sob  a  protecção  doeste  governo  se  podem  destacar  das 
suas  missões  delegados,  que  se  espalhem  e  fíxem  em  logares 
que  a  experiência  aconselhe  que  devem  ter  preferencia  no  seio 
do  continente  para  radicar  ali  a  nossa  influencia  e  poderio,  e 
que  aproveitem  as  linhas  fluviaes  que  rasgam  toda  essa  região 
para  o  norte,  garantindo  a  segurança  da  sua  navegação  até  ao 
Cuango,  onde  vao  affluir. 

Finalmente,  só  creando-se  este  governo,  nós  podemos  tomar 
eflicaz  a  protecção  de  que  carecem  os  diversos  povos  que  ha- 
bitam as  terras  da  Lunda,  encaminhando-os  e  govemando*08 
como  súbditos  portuguezes  que  elles  dizem  ser  do  coração. 
Utilisaremos  também  todos  os  trabalhos,  sacrifícios  e  despesas 
da  nossa  Expedição,  ali  feitos  durante  três  annos,  que  como 

89 


600  BZPEDIÇXO  POBTUGUBSKA  AO  KUATllNyUA 

lado,  por  outro  fica  liberto  de  despeaas  que  hoje  £eíz  com  um 
certo  numero  de  empregados  e  dom  os  novos  de  que  carece  o 
governo  projectado. 

Num  período  de  cinco  annos  depois  dos  três  de  instaUaçSes, 
estarSo  os  subsidies  sòtisfeitos,  e  se  reformará  a  organisaçSo 
do  governo  d'este  novo  districto,  conforme  as  circumstandaa 
aconselhem  e  no  interesse  geral  da  provinda. 

E  de  suppor  que  neste  período  o  caminho  de  ferro  de  pene- 
toiçSo  de  Loanda^  haja  chegado  ao  Cuango,  e  que  no  emtanto 
a  colonisação  europea  por  iniciativa  particular  tenha  tomado 
o  desenvolvimento  que  é  para  desejar,  e  que  assim  as  drcum- 
standas  se  modifiquem  para  melhor  e  com  tal  rapidez,  que 
tttdó  aconselhe  uma  reforma  administrativa  sobre  outras  bases. 

A  necessidade,  que  desde  já  se  faz  sentir,  da  creaçSo  de 
um  governo  districtal  em  toda  esta  regiSo  imp8e-se,  porque 
sendo  esta  a  zona  das  terras  altas,  e  estando  em  boas  condi- 
ç3es  climatéricas  relativamente  ao  littoral,  deve  tomar-se  um 
centro  de  exploraçSo  agrícola,  de  attracçSo  commercial  e  ainda 
de  aproveitamento  de  todos  os  indígenas  que  emigram  das  ter- 
ras além  do  Cuango. 

E  de  necessidade  tornar-se  este  gov^erno  a  sentmella  vigi- 
lante que  estude  todos  os  movimentos  dos  que  trabalham  pelo 
Estado  Independente  do  Congo,  contrapondo  a  nossa  á  influen- 
cia que  procuram  adquirir  entre  o  gentio  e  mantendo  a  que 
ha  séculos  sobre  elie  conseguimos  exercer,  porque  tendo  nós 
governos  no  littoral  de  ha  muito  estabelecidos,  precisámos  de 
um,  pelo  menos,  no  interior,  que  seja  barreira  a  todas  as  ten- 
dências absorventes  que  hoje  se  manifestam,  e  que  em  breve 
se  podem  tomar  fortes  obstáculos  á  nossa  expans&o  colonial. 
Como  é  sabido,  nesta  região  muito  distante  do  littoral,  um  nú- 
cleo de  colonos  europeus  e  de  africanos  de  outras  provindas, 
trabalham  ha  annos  sem  protecção  official  e  por  iniciativa  pró- 
pria, por  firmar  o  nosso  domínio,  quer  pelo  commercio,  quer 
pela  agricultura,  e  a  attençâo  do  governador  ger&l  de  Loanda 
ha  de  ser  sempre  distrahida  pelos  negócios  Instantes  e  que 
respeitam  ao  que  d'elle  fique  mais  perto. 


DESCRIPÇlO  DÁ  VUOEM  601 

Ha  ainda  consideraçSes  de  outra  ordem  que  mostram  a  ne- 
cessidade d'este  governo  no  interior  do  continente. 

O  caminho  de  ferro  ha  de  elevar  muito  mais  a  importância 
commercial  e  agricola  que  Malanje  tem  adquirido^  e  a  inicia- 
tiva particular  ba  de  necessariamente  desenvolver-se,  já  na 
agricultura  iniciada^  já  aproveitando  todos  os  elementos  para 
a  creaçSo  de  varias  industrias^  e  por  isso  importa  quanto  antes 
preparar  os  povos  indigenas^  e  sobretudo  o  gentio  que  nos 
rodeia,  para  acompanharem  o  movimento  evolutivo,  que  ca- 
rece dos  seus  auxilies,  evitando-se  sacrificios  de  vidas  europeas 
e  de  despezas  infecundas. 

A  auctoridade  de  um  governador  nesta  região,  dispondo  de 
duas  linbas  de  viação  importantes,  a  do  caminho  de  ferro  para 
Loanda  e  a  fluvial  do  Cuango  para  o  Zaire,  e  d'uma  rede  te- 
legraphica  que  o  ponha  em  communicação  com  todas  as  aucto- 
ridades  sob  suas  ordens  e  com  o  governador  geral  da  provincia, 
e  robustecida  pelo  pessoal  proposto,  embora  não  seja  grande, 
já  muito  influirá  não  só  no  animo  dos  povos  áquem  do  Cuango, 
mas  ainda  sobre  os  que  demoram  alem  d^elle,  pois  a  prepon- 
derância que  temos  conseguido  conservar  nas  relações  que  com 
elles  mantemos,  deve  ser  agora  mais  que  nunca  aproveitadas, 
para  os  attrahir  ao  nosso  convívio,  despertando-lhes  necessi- 
dades e  proporcionar-lhes  os  meios  de  as  satisfazerem. 

Ainda  sob  a  protecção  d'este  governo  se  podem  destacar  das 
suas  missões  delegados,  que  se  espalhem  e  fixem  em  legares 
que  a  experiência  aconselhe  que  devem  ter  preferencia  no  seio 
do  continente  para  radicar  ali  a  nossa  influencia  e  poderio,  e 
que  aproveitem  as  linhas  fluviaes  que  rasgam  toda  essa  região 
para  o  norte,  garantindo  a  segurança  da  sua  navegação  até  ao 
Cuango,  onde  vão  affluir. 

Finalmente,  só  creando-se  este  governo,  nós  podemos  tomar 
eíficaz  a  protecção  de  que  carecem  os  diversos  povos  que  ha- 
bitam as  terras  da  Lunda,  encaminhando-os  e  govemando-os 
como  súbditos  portuguezes  que  elles  dizem  ser  do  coração. 
Utilisaremos  também  todos  os  trabalhos^  sacrifícios  e  despesas 
da  nossa  Expedição,  ali  feitos  durante  três  annos,  que  como 

89 


603  EXPEDIÇÃO  POBTOaUEZA  AO  HUATIÂNVDA 

vamos  ver  noa  volumes  que  se  seguem,  tem  para  o  nouo  pais 
uma  alta  importância,  quer  sob  os  pontos  de  vista  humanitaiio 
o  sciestifico,  quer  sob  oe  dos  interesses  particulares  e  das  in- 
dustrias nacionaes,  e  principalmeate  sob  o  da  firmaçSo  e  flo- 
rescimento do  nosso  império  atravez  do  Continente  africano. 


APPENDICE 


j 


m 


Já  depois  de  impressa  parte  do  ultimo  capitulo  doeste  vo- 
lume,  o  illustrado  Ministro  o  sr.  Frederico  Ressano  Garcia  man- 
dou-nos  consultar  por  mais  de  uma  vez,  sobre  o  que  podiamos 
informar,  com  respeito  á  situação  politica  dos  povos  da  Lunda; 
conveniência  do  estabelecimento  de  missões  religiosas  entre 
elles  com  a  sede  em  Malanje;  sobre  a  occupaç&o  das  EstaçSeS; 
que  a  nossa  Expedição  havia  estabelecido  em  diíTerentes  pon- 
tos do  seu  transito  até  á  Mussuínba  do  Muatiânvua,  e  ainda 
sobre  o  seu  projecto  de  enviar  uma  nova  embaixada  á  Lunda, 
de  que  fariam  parte  os  missionários  que  deviam  já  permanecer 
com  os  referidos  povos. 

Desempenhámos  esse  honroso  encargo,  fundados  nos  conheci- 
mentos práticos  que  adquiríramos  pela  observação; -mas  como 
surgissem  difficuldades,  para  a  execução  immediata  dos  projectos 
de  grande  alcance  politico  do  estudioso  e  sensato  ministro,  por 
uma  má  percepção  dos  telegrammas  da  Direcção  do  Ultramar 
por  parte  do  Governo  de  Angola,  ainda  que  me  fosse  bastante 
penoso  na  occasião,  entendi  do  meu  dever  promptificar-me  a 
ir  dar  cumprimento  ás  determinaçSes  de  S.  Ex.*  o  Ministro, 
lembrando  então  a  conveniência  de  se  crear  o  governo  no  in- 
terior da  provincia  de  Angola,  como  proponho  no  final  d'este 
livro,  tendo  por  emquanto  por  lapital  Malanje ;  e  como  a  este 
propósito  tivesse  de  prestar  diversos  esclarecimentos,  entendo 
opportuno  dar  d* elles  publicidade,  antes  de  proseguir  na  des- 
crípção  da  viagem  da  Expedição  para  além  do  Cuango. 


PLANO  E  ORÇAMENTO 
PARA  O  NOVO  GOVERNO  DE  MALANJE 


Pelo  plano  que  esboçámos,  o  governo  do  districto  de  Malanje,  por 
emquanto,  deve  comprehender  o  concelho  da  capital  e  três  intendências, 
abrangendo  cada  uma  doestas  dois  concelhos. 

O  concelho  da  capital  é  limitado  ao  norte  pelos  rios  Cole  e  Lucala, 
até  ao  16**  de  long.  £.  de  Greenwich,  a  oeste  por  este  meridiano  até  ao 
Cuanza,  a  sul  por  este  rio  até  ao  parallelo  10®  seguindo  com  elle  o  li- 
mite até  ao  meridiano  IT^*,  a  leste  por  este  meridiano  até  á  baixa  da  serra 
de  Tala  Mugongo,  lado  do  oeste,  seguindo  o  limite  até  ao  parallelo  que 
passando  nas  terras  de  Quifucussa  vae  cortar  o  rio  Ck)le. 

A  primeira  intendência,  comprchcnde  os  antigos  concelhos  de  Pungo 
Andongo  e  Duque  de  Bragança,  sendo  a  residência  neste. 

A  segunda,  comprehende  os  novos  concelhos  dos  Bondos  e  Holos,  limi- 
tados pelos  rios  Cuango,  Luí,  Cambo,  e  seu  affluente  mais  occidental,  e 
pelo  limite  norte  do  concelho  da  capital,  sendo  a  residência  nos  Bondos. 

A  terceira  comprehende  o  antigo  concelho  de  Tala  Magongo  e  o  novo 
dos  Songos,  cujos  limites  são,  a  sul  o  parallelo  10®  até  ao  Cuango,  a  leste 
este  rio,  a  norte  e  oeste  os  designados  para  os  concelhos  com  que  con- 
fina, sendo  a  residência  em  Cassanje,  o  mais  próximo  possivel  de  um  dos 
bons  portos  do  Cuango. 

O  pessoal  de  que  carece  este  governo,  como  projectámos,  reduz-se  ao 
seguinte : 

Na  capital 

Governador  do  districto. 
Ajudante  de  ordens. 

Pessoal  da  secretaria  do  governo : 
Secretario  do  governo. 


608  EXPEDIÇXO  FORTUGUEZA  AO  MUATliHVnA 

1  official  sabaltemo,  encarregado  da  inBtmcçio  militar. 

3  officiaes  inferiores,  idem. 

4  amanuenses,  indígenas. 

2  contínuos,  ideuL 

Missão  principal : 

1  ecclesíastíco,  superior  das  missões. 

2  ditos,  seus  coadjuçtores. 
1  agrónomo. 

1  telcgraphista. 
1  typographo. 
.  6  officiaes  de  officios  manuaes. 
1  cscripturario. 
6  empregados  menores  ^ 

Administração  do  concelho : 
Administrador,  o  commandante  da  companhia  de  policia. 

1  escrivão,  indígena. 

2  amanuenses,  idem. 

2  empregados  menores,  idem. 

Companhia  de  polícia : 
Commandante,  1  official  subalterno. 
8  officiaes  inferiores  (1  para  secretario). 
4  cabos. 
26  soldados. 

Tribunal  de  justiça : 
1  juiz. 

1  delegado  do  ministério  publico. 
1  escrivão,  indígena. 
1  amanuense,  idem. 
1  official,  idem. 
1  continuo,  idem. 


Procuratura  dos  negócios  gentílicos  : 
1  procurador,  o  juiz. 
1  escrivão,  indígena. 
1  interprete,  idem. 


'  Podem  ser  educandos  dos  collegios  das  missões,  ou  indígenas  com  as  necessárias  ha- 
bilitaçGea. 


DESCBIPÇXO  DÁ  VIAGEM  609 


1  amanuense,  idem. 
1  official,  idem. 
1  continuo,  idem. 

Delegação  de  fazenda : 
1  delegado. 

1  escrivão,  indigena. 

2  amanuenses,  idem. 
1  official,  idem. 

1  continuo,  idem. 

Serviço  de  saúde : 
1  facultativo  de  1.*  classe. 
1  pharmaceutico  de  1.*  classe. 
1  enfermeiro,  indigena. 
4  empregados  menores,  idem. 

Serviço  de  obras  publicas : 
1  conductor  de  trabalhos. 
1  apontador,  indigena. 
1  guarda,  idem. 

Serviço  do  correio : 
Director,  o  secretario  do  governo. 
1  escripturario,  indigena. 
1  fiel,  idem. 
1  distribuidor,  idem. 

Posto  meteorológico  e  gabinete  anthropologico  : 
Director,  o  facultativo  de  1.*  classe. 
1  escripturario,  indigena. 
1  guarda,  idem. 
1  servente,  idem. 

Estação  tclcgraphica  e  typographia : 
A  cargo  da  miss2o  principal : 
4  empregados  menores,  indigenas. 
6  guarda  fios. 
1  impressor. 
6  aprendizes. 

Cada  concelho  será  dividido  em  quatro  divisões,  e  cada  divisão  terá 
uma  companhia  de  Moveis  para  a  guarnecer,  na  força  necessária  para  se 


610  EXPEDIÇXO  POBTUGUEZA  AO  MUATIIkVUA 

fraccionar  pelo  menos  em  quatro  secções,  commandadas  cada  ama  por 
official,  sendo  os  quartéis  nas  próprias  patrulhas,  denominação  esta  que 
se  deve  conservar. 

Fora  da  capital 

3  intendentes  (sendo  cada  um  o  administrador  no  sen  concellio). 
3  administradores  do  concelho  subordinados  áquelles,  que  podem  aer 
os  chefes  civis  das  missões. 
3  facultativos  de  2.*  classe. 
3  pharmaceuticos  de  2.*  classe. 
3  ajudantes  de  pharmacia. 
6  chefes  ccclesiasticos  das  missões. 
6  irmSos  missionários. 

6  escrivães  de  administração  e  de  fazenda,  indígenas. 
6  amanuenses,  idem. 
6  contínuos,  idem. 

N.  B. —  Na  intendência  do  Cuango,  isto  é,  na  terceira,  cuja  residên- 
cia é  em  Cassanje,  ha  a  contar  também  com  o  pessoal  europeu  e  indí- 
gena para  a  navegação  dos  barcos  a  vapor. 

Em  todos  08  sete  concelhos  ha  a  contar  com  uma  guarda  diária  de 
Moveis,  de  commando  de  official  inferior,  devendo  contar-se  pelo  menos 
com  três  sentinellas,  e  que  será  paga  na  rasSo  de  100  réis  cada  soldado, 
120  réis  cada  cabo  c  240  réis  o  official  inferior.  Nos  casos  ordinários 
esta  guarda  compõe-se :  do  official  inferior,  commandante,  3  cabos  e  15 
soldados. 

Despeza  mensal  com  o  pessoal  proposto 

Governador : 

Ordenado 420^000 

Despczas  de  representação  * 80^000      t^qq  íqoq 

Secretaria  geral : 

Secretario,  ordenado lOO^^ÍKX) 

Official  subalterno,  instructor  militar,  sol- 
do e  gratificação (íOi^OOO 

3  officiacs  inferiores  instructores,  24^000    72ií(X)0 

4  amanuenses  civis,  18^íXX)  réis 724(^KX) 

2  continues.  lOi^OOO  réis 20á000      aoi aooo 

—  824^000 

'  Nestas  despczas  comprchcudem-so  os  presentes  aos  sobas  e  jagas. 


DBSCBIFÇZO  DA  TUQEII 


TVanÊporíe  — Et. 
MísbIo  principal : 

Ecciceiastioo  eaperior  > SOfOOO 

2  ditos,  coadjuctorea,  45AO0O  réis 90^000 

1  agrónomo 60*000 

1  t,-li-grapl,ii,i,i 501000  . 

1  typographo 5OÍ000  . 

li  officiaes  de  offitios,  36*000  réU 216*000 

1  leacripturarlo 18*000 

6  empregados  menorcB,  6*000  réis 36*000 

Companhia  do  polícia: 
Conunandaotc,  oHicLal  BubalUruo,  eoldo  e 

gratíficaçao    50*000 

3  officiaea  inferiores,  24*000  réis 72*000 

4  cabos,  18*000  réis 72*000 

2G  soldadoB,  155000  r£ie 390*000 

2  corneteiros  indígenas,  9*000  réis 1FI*000 

Administração  do  concelho: 
ÃdniiiiiBtrador,  commandante  de  policia, 

griitificftí,-ilo    30*000 

EucrivBO,  <>r<lon.ido 30*000 

2  amanuenses,  15*000  réis 30*000 

2  empregados  menores,  6*000  réis. l'<í*UOO 

1  official  inferior  de  policia 6*000 

Tribunal  âe  justiça ; 

Juii  de  direito 120*000 

Delegado  do  procurador  da  coroa,  e  fii- 

zenda,  ordenado 80*000 

Como  conservador 20*000 

Escrivfto,  ordenado 45*000 

Ajudante  privativo 40*000 

I  amanuense  (la  conservatória S0*000 

1  escriplurario  do  tribunal  de  Justiça. . .  18*000 

1  oiBcial  de  diligencias 15*000 

1  continuo 9*000 


m  ODcarp»  n>  pwocblk. 


I 

s 

I 

( 


li 


I 

612  EXPEDIÇIO  POBTUGUEZÁ  ÀO  MUATIÂNVUÀ 

TranaporU  —  Iía.  2:511*000 

Procuratura  dos  negócios  gentUicos : 

Procurador,  juiz,  gratificação 5011000 

Jury,  6  sobas,  gratificação  \  12|!000  réis .  72  iOOO 

Escrivão,  ordenado 18:^000 

1  interprete 15;^000 

1  amanuense 124000 

1  official  de  diligencias 9ijl000 

1  continuo Gi^OOO      I82i000 

Delegação  de  fazenda : 

Delegado,  ordenado OOj^OOO 

Escrivão,  dito 45)^000 

2  amanuenses,  ordenado,  18)^000  réis. . .  36)1000 
1  official,  ordenado 18ií000 

1  continuo 12i^000     201^000 

Serviço  de  saúde : 
Facultativo  de    1.*  classe,  ordenado   e 

gratificação 90JÍ000 

1  pharmaceutico  de  1.*  classe,  ordenado 

c  gratificação 60)^000 

1  enfermeiro 30^000 

4  empregados  menores,  OíÍIOOO  réis 3(>;í000      21GÍ000 

Serviço  de  obras  publicas  : 

1  conduetor  de  trabalhos 1001^000 

1  apontador 30^^000 

1  guarda ._^5^000      145^000 

Serviço  do  correio : 
Director,  secretario  do  governo,  grati- 
ficação   30^000 

1  escripturario 24^000 

1  fiel 18^000 

1  distribuidor 15^000        ST^^OOO 

3:342^000 


'  Esta  gratiflcação  ó  Indispensável  para  os  transportes. 


/ 


DESCRIPçIO  DA  VIAGEM  613 


Transporte— Bê,  3:342ií000 


Posto  meteorológico  e  gabinete  authropolo- 
gico : 
Director,  facultativo  dè  1.*  classe,  grati- 
ficação   30^000 

1  escripturario,  ordenado 18^000 

1  guarda 9ií000 

1  servente 6Í000 


63^000 


Estação  telegraphica  e  typographia : 

6  guarda  fios,  12^000  réis . , 72|iOOO 

1  impressor 30|>000 

6  aprendizes,  12^000  réis 7211000 

4  empregados  menores,  9^000  réis 36^000      oinjcOGO 

Secção  militar : 
Ajudante  de  ordens,  soldo  e  gratificação 60.11000 

Guardas  permanentes  nos  concelhos : 

7  commandantcs,  ofiiciaes  inferiores,  réis 

7^200 50^400 

21  cabos  3^600  réis 75i6tíOO 

105  soldados,  3*000  réis 315*000      . .  -  .^v^ 

^'*wu  4.11(51000 

Fora  da  capital 

• 

3  intendentes,  ordenado,  150*0000  réis  450*000 
3  administradores  de  concelho,  60*000..  180*000 
3  facultativos  de  2.*  classe,  60*000  réis  180*000 
3  pharmaceuticos  de  2.*  classe,  40*000. .  120*000 
3  ajudantes  de  pharmacia,  20*000  réis..  60*000 
6  ecclesiasticos  chefes  de  missão,  50*000  300*000 
6  irmãos  missionários,  30*000  réis. .  . .  180*000 
6  escrivães  de  administração  e  fazenda, 

20*000  réis 120*000 

6  amanuenses,  12*000  réis 72*000 

6  contínuos,  9*000  réis 54^000 

Gratificações  de  direcção  do  correio  a  6 

directores  e  admbiistradores,  10*000    60*000  i.77g^(w)  4.iiaao(X) 


614  EXPEDIÇXO  PORTUOUSÉli  AO  MUATIÂNVUA 

/!l>afM|k>rte—l?#.l:776)|()0a  4:116*000 
3  gratificações  para  postos  meteorologi* 

cos  e  gabinetes, ãOj;000  réis «...    60A000 

6  escripturarios,  ordenado,  15A00O  réis.    90^000 
6  empregados  menores,  6il000' réis ......    361000. 

Serviço  de  barcos  no  Coango  (pessoal) .  20QI000. 
Gratificações  a  18  sobas  que  fiir2o  parte.    ... 

das  missões  concelhias,  6J»00Q  réis  •  •  •  .1081000     ACkAMív^  • 


6:386  JOOO 


NSo  podem  pois  os  encargos  .com  este  pessoal  exceder  a  Yetkm 
sal  de  6:400*000  réis. 

Besta  pois  no  primeiro  anno  do  subsidio  pedié»  «•'governo,  mensal- 
mente, a  verba  de  3:600*000  réis,  que  .tear  fc  ser  distriboida  pelas  mis- 
sões, patrolhas  e  uniformes  para  os-Moveís,  colónias  agrícolas,  acquisiçio^ 
de  instrumentos,  utensilioa,  ferramentas,  etc.,  e  pelo  menos  a  decima 
parte  para  viaç2o  e  outvo  tanto  para  o  estabelecimento  das  linhas  tele- 
graphicas. 

£  de  cter  que  no  fim  do  primeiro  anno  n2o  só  as  missões,  como  as 
troftts  agrícolas  e  colónias  indígenas  agrícolas  dêem  rendimento,  maa 
tmbem  que  esteja  feito  sobre  .boas  bases  um  lançamento,  de  tributos 
directos  sobre  os  estabelecimentos  commerciaes  e  agrícolas  existentes,  e 
portanto  que  haja  rendimentos  não  só  para  manter  as  instituições  orça- 
das, mas  para  as  fazer  progredir. 

111."*  e  Ex.»»  Sr.  —  Descrevendo  a  viagem  da  minha  Expedição  de 
Loanda  á  Mussumba  do  Muatiânvua,  pareceu -me  de  conveniência  ao 
terminar  a  primeira  parte  —  de  Loanda  ao  rio  Cuango  —  que  se  refere  es- 
pecialmente á  província  de  Angola,  visto  que  me  tornara  minucioso  dando 
conta  das  minhas  observações  sobre  a  região  mais  a  leste,  o  vasto  con- 
celho de  Malanjc  e  d'ahi  até  ao  Cuango,  região  pouco  conhecida  dos 
poderes  públicos  e  mesmo  do  governo  provincial ;  parcceu-me  de  conve- 
niência, repito,  planear  como  se  me  afigurava  um  governo  interior  dis- 
trictal,  que  comprehendendo  essa  grande  região  e  os  antigos  concelhos, 
um  em  decadência,  Pungo  Andongo,  e  o  outro  que  não  passou  de  inicia- 
ção, o  do  Duque  de  Bragança,  pudesse  com  um  pequeno  subsidio  do  go- 
verno de  Sua  Magestade,  tomar  um  tal  desenvolvimento  que  depois  dos 
trcs  annos  da  sua  installação,  fosse  o  que  devia  ser  —  o  celleiro  do  go- 
verno central  da  provinda. 

Nesse  intento,  esbocei  um  projecto  de  administração  para  o  novo  go- 
verno, de  modo  que  em  menos  tempo  do  que  se  poderia  snppor,  se  pro- 


DESCRÍPÇXO  DA  VIAGEM  615 


moveria  a  nossa  expansão  colonial,  atravez  das  terras  da  Lunda  entre  o 
6®  e  o  12^  de  lat  S.  do  Equador,  até  chegarmos  á  provincia  de  Moçam- 
bique, auxiliando-nos  voluntariamente  nessa  expansão  as  diversas  tribus 
que  as  povoam. 

Não  era  o  plano  projectado  com  uma  iniciativa  progressiva,  de  effeitos 
immediatos,  e  com  cujos  resultados  florescentes  se  pudesse  contar  em 
curto  praso.  Para  isso  era  necessário  uma  completa  transformação,  e  por- 
tanto um  grande  pessoal  dirigente,  rico  em  habilitações  e  por  isso  mesmo 
muito  oneroso. 

O  plano  era  muito  mais  modesto,  visando  aos  mesmos  fins,  mas  va- 
garosamente, tendo  a  vantagem  de  crear  receitas  ao  mesmo  tempo  que 
se  procurasse  educar  os  povos  para  prepararem  o  terreno  para  colonisação 
europea  em  todo  o  seu  desenvolvimento,  fosse  qual  fosse  o  ramo  de  acti- 
vidade humana  a  que  ella  se  quizesse  dedicar. 

Levado  de  consideração  em  consideração,  aproveitando-me  de  insti- 
tuições antigas  nas  nossas  colónias,  procurando  fazer  interessar  o  indí- 
gena pela  intervenção  directa  na  administração  do  novo  governo  e  espa- 
lhando missões  de  ensino  pratico  profissional  e  agrícola  em  toda  aquella 
vasta  região,  eu  estava  satisfeito  com  o  meu  projecto;  porque  além  de 
me  encontrar  com  uma  força  indígena  respeitável  em  armas,  guarnecendo 
todo  o  districto,  devidamente  uniformisada  e  instruída,  mantinha  com- 
municaçoes  rápidas  por  meio  de  uma  rede  telegraphica  entre  todas  as 
auctoridades  e  missões  do  districto  e  as  do  governo  districtal  e  com  o  da 
provincia  no  litoral;  nttendia  á  exploração  da  via  fluvial  no  Cuango;  con- 
seguia ter  em  todo  o  districto  os  recursos  médicos  indispensáveis;  creava 
um  grande  numero  de  empregos  públicos — estimulo  para  o  aperfeiçoa- 
mento social  c  litterario  do  indígena,  e  finalmente,  dispunha  de  um  pes- 
soal importante  cm  numero  e  intclligencia,  e  com  a  auctoridade  precisa 
para  se  attender  a  todos  os  assumptos,  ainda  os  de  mais  reconhecida 
importância,  para  uma  administração  colonial  bem  orientada,  despen- 
dendo apenas  com  ^esse  pessoal  bem  remunerado  a  verba  em  números 
redondos  de  6:500J>000  réis  em  cada  mez  ou  78:00OijlO00  réis  por  anno. 

Mas  o  que  eu  nunca  podia  snppor,  antes  mesmo  doeste  projecto  che- 
gar a  ter  publicidade,  é  que  V.  Ex**,  havendo  acceitado  bem  a  idea  das 
missões  religiosas  civilisadoras  para  o  ensino  pratico  profissional  e  agrí- 
cola dos  indígenas,  com  sede  cm  Malanje,  podendo  exercer  directa  in- 
fluencia além -Cuango,  entre  Lundas  e  Quiôcos,  e  tendo  como  complemento 
indispensável  para  a  nossa  occupação  effectiva  sobre  a  região  da  Lunda 
a  instituição  de  um  governo  interior  com  a  sua  capital  por  emquanto 
em  Malanje,  se  dignasse  confiar-me  o  encargo  de  ir  organisar  e  installar 
esse  governo. 

Parece-me  que  nada  haverá  a  desprezar  na  organisação  projectada 
anteriormente,  porém,  attendendo  á  urgência  da  occupação  das  terras 


616       EXFEDIÇXO  POBTUOUEZA  AO  MUATllHynA 


da  Lnnda,  é  preciso  desde  já  fiizer  occupar  quatro  Eslaçôes :  No  Ci 
f/ula  do  I/nma,  no  Qmuenffuey  em  Mataba  na  margem  esquerda  do 
Cassai,  e  na  Muuumba^  entre  os  rios  Luiza  e  CalânhL 

O  pessoal  d*estas  Estações  deve  compor-se,  além  do  priyatÍYO  dms 
missues,  de  um  delegado  do  governo  do  districto  de  Malanje,  um  escri- 
ptarario  e  dois  escoteiros,  qae  todos  podem  ser  indigenas  do  referido 
districto,  e  que  teem  de  se  manter  assim  como  a  missio,  por  meio  de 
transacções  commerciaes  com  os  povos  vizinhos. 

Deve  dotar-se  a  companhia  de  policia  do  novo  governo,  com  doas  até 
quatro  metralhadoras,  que  podem  ser  do  systema  KordenQeId,  ou  talves 
tossem  preferíveis  pelo  numero  de  tiros  as  de  Gatling,  com  uma  bateria 
de  peças  de  montanha  Armstrong,  de  pequeno  calibre,  das  que  existem 
no  nosso  arsenal  já  recolhidas  em  deposito,  e  com  armamento  completo 
de  infanteria,  antigo  systema  Snyder  Bumett,  para  600  praças. 

Devendo  aproveitar-se  onde  seja  possível  o  recurso  da  navegaçSo  doe 
rios,  e  sendo  certo  que  o  Cuango,  salva  a  queda  D.  Luiz  i,  numa  eztensio 
linear  de  50  kilometros,  entre  o  4<^  25'  a  5<*  de  lat  S.  do  Equador,  se  pode 
navegar  a  contar  do  9^  até  ao  Zaire,  por  barcos  a  vapor  que  demandem 
10  pollegadas;  toma- se  indispensável  a  acquisiçlo  de  dois  d'esses  bar- 
cos que  se  possam  transportar  por  terra  sobre  rails  do  systema  Decau- 
ville,  os  quaes  também  servirão  para  facilitar  o  transporte  de  artilheria  e 
metralhadoras  para  qualquer  ponto  do  interior. 

O  official  ou  oíBciaes  competentes  que  tomarem  o  commando  d^aquelles 
barcos,  poderão  depois  estudar  quaesquer  modificações  a  introduzir  em 
outros,  para  se  emprehender  a  navegação  dos  affluentes  do  Cuango  ató 
onde  seja  possível,  e  assim,  melhor  do  que  por  qualquer  outro  meio, 
attendcndo  ás  circumstancias  económicas,  se  garantirá  ao  commercio  a 
segurança  nas  suas  transacções  e  para  os  povos  a  efiicacia  da  nossa  va-  , 
liosa  protecção. 

A  occupação  oíHcial  da  vasta  região  da  Lunda,  sem  que  a  iniciativa 
particular  a  acompanhe,  dispondo  dos  meios  ao  seu»  alcance  para  obter 
mercados  commerciaes  entre  os  seus  povos,  desenvolver  a  agricultura  e 
todas  as  industrias  de  remuneradora  exploração,  onde  desde  já  o  recla- 
mem as  circumstancias,  é  de  certo  neutralisar  os  esforços  do  governo ; 
e  por  isso  me  parece  necessário  a  propaganda,  para  que  se  organizem 
companhias  de  exploração  agrícola  que  protejam  colónias  indigenas  e  as 
estimulem  a  produzir,  embora  o  governo  haja  de  conceder  a  essas  com- 
panhias um  certo  numero  de  isenções  e  privilégios  que  facultem  e  con- 
videm a  afHuencia  do  capital  para  emprezas  d'csta  ordem  no  centro  do 
continente,  para  onde  o  governo  por  outro  lado  procurará,  se  façam  con- 
vergir não  uma,  mas  todas  as  linhas  de  caminhos  de  ferro  de  penetra- 
ção em  projecto,  a  partir  de  diversos  pontos  no  littoral  no  occidente  e  no 
oriente. 


DESCRIPÇXO  DA  VIAGEM  617 

O  estabelecimento  das  linhas  telegraphicas,  que  se  faria  a  pouco  e 
pouco  na  área  do  districto;  tem  agora,  pelo  menos  a  principal  ao  Cuango, 
e  d'ahi  para  as  Estações  no  interior,  e  de  umas  para  outras,  de  ser  feito 
immediatamente,  para  o  caso  de  providencias  urgentes  que  as  Estações 
reclamem  do  governo  do  districto,  e  para  que  este  as  possa  reclamar  do 
governo  provincial  caso  seja  preciso.  Portanto  a  direcção  das  obras  pu- 
blicas da  província  de  Angola,  que  tem  hoje  um  pessoal  pratico,  e  em 
parte  indígena,  quando  habilitada  com  os  recursos  materiaes  de  que  se 
carece,  pode  em  pouco  tempo  attender  ao  estabelecimento  doestas  linhas, 
e  necessário  se  torna,  que  esta  direcção  se  dedique  a  isso  de  preferencia 
a  qualquer  outro  trabalho,  caso  não  resulte  prejuízo  quando  esse  tenha  de 
ser  suspenso  temporariamente. 

Desde  que  seja  approvado  a  organisação  das  companhias  moveis  como 
as  projectei,  a  agricultura,  as  receitas  do  correio,  as  hospedagens  nas 
patrulhas  e  o  imposto  de  trabalho  para  estradas,  permittirão  ao  nosso  go- 
verno manter  uma  força  armada  importante,  uao  inferior  em  disciplina 
e  educação  militar  a  qualquer  corpo  indígena  de  primeira  linha,  porém 
muito  mais  economicamente,  porque  dispensa  um  luxuoso  estado  maior, 
sendo  mais  bem  alimentada  e  melhor  aquartelada,  visto  cada  praça  viver 
com  sua  familia,  e  estar  vestida  de  modo  mais  apropriado  ao  clima,  ser- 
viços que  se  lhe  exigem  e  que  mais  se  coadunam  aos  seus  hábitos. 

No  emtanto  para  preparar  esta  força  carece-se  de  tempo,  e  sendo  ne- 
cessário logo  de  principio  estar  prevenido  para  qualquer  eventualidade 
que  se  possa  dar  nas  novas  intendências,  ou  além  do  Cuango,  em  uma 
qualquer  das  delegações  do  governo  ou  das  missões  que  vão  crear-se,  e 
portanto,  devendo  haver  sempre  uma  força  prompta  a  que  recorrer  im- 
mediatamente,  julgo  que,  não  havendo  rasão  alguma  que  justifique  a 
permanência  em  I^anda  de  dois  corpos  de  caçadores  de  primeira  linha, 
existindo  ali  uma  bateria  de  artilheria,  uma  boa  companhia  de  policia 
e  um  batalhão  de  segunda  linha  e  no  porto  uma  força  naval  respeitável, 
julgo,  repito,  que  seria  de  conveniência,  que  um  d'csses  corpos  de  ca- 
çadores voltasse  a  residir  no  interior,  podendo  agora  ser  mesmo  na  villa 
de  Malanje.  Elle  forneceria  os  destacamentos  para  o  Dondo,  Dande,  £n- 
coje,  Golungo  Alto  e  Ambaca,  de  modo  que,  sempre  uma  ala  estivesse 
no  seu  quartel  em  Malanje,  prompta  a  prestar  qualquer  auxilio  dentro 
do  districto  ou  nas  suas  dependências  para  leste. 

Logo  que  as  companhias  estejam  preparadas  de  modo  a  inspirar  con- 
fiança, poderia  retirar- se  essa  ala  para  novo  quartel,  que  a  nosso  ver 
deveria  ser  sempre  no  interior,  mas  onde  mais  conviesse  ao  governo  pro- 
vincial. 

Não  me  parece  facíl  fazerem-se  reducçocs  na  verba  a  despender  com  o 
pessoal  proposto  para  o  projectado  governo,  porém  o  que  é  possível  em 
principio,  é  reduz  ir- se  um  pouco  esse  pessoal  e  applicar  a  importância 

40 


Ip' 


618      EXPEDIÇÃO  POBTOGDEZA  AO  MUATIÂNVUA 

excedente  em  gratificações  pelas  accumulaçoes  de  serviços  e  manuteiiçâo 
das  quatro  estações  no  interior  além  do  Cuango ;  neste  caso  o  orçamento 
seria  o  seguinte : 

Despeza  mensal 

Governador,  ordenado  c  representação 500^000 

Secretaria  geral,  fazenda  e  correio : 
Secretario,  ordenado 100^000 

»         gratificação  pela   direcção   do 

correio 20|!000 

»         gratificação  como  delegado  da 
*  fazenda 30|!000  1501000 

Ajudante  de  ordens,  ordenado  e  gratifica- 
ção     60J1000 

Ajudante,  gratificação  como  instructor  e  pelo 

serviço  de  secretaria 20j|000    qq^ogO 

3  officiaes  inferiores,  gratificação  pela  in- 

strucção  e  secretaria,  27í;000  réis 81Í000 

4  amanuenses,  ordenados  18|i000  réis 72JÍ000 

»  gratificação  pela  fazenda  e 

correio,  6;^000  réis .....      24^000    95  .OOO 

1  oíficinl  de  deligencias 18JÍ000 

1  distribuidor Gi;0OO 

2  coutinuos,  G^OOO  réis 12^000      443  .000 

Missão  principal   '610^000 

Companhia  de  policia : 

Cominandaiite,  ordenado  e  gratificação OOíIOOO 

2  efticiaes  inferiores,  24j^000  réis 48ií000 

4  cabos,  18^000  réis 721000 

20  soldados,  15^000  réis 300^000 

2  corneteiros,  9 MXX)  réis ISÍIOOO      433*000 

Administração  do  concelho  : 
Administrador,  commandante  de  policia,  gratifica- 
ção   10)2!000 

Escrivão,  ordenado 30^000 

1  official  inferior  de  policia,  gratificação GiíOOO 

1  amanuense,  ordenado lõiíOOO 

1  continuo GjlOOO         «,  ,^^^^ 

6(^000 

2:108^000 


DESCRIPÇZO  DÀ  VUGEM  619 

TranspoHe—JRs.  2:108*000 

Tribunal  de  justiça  e  conservatória  (supprimido  o  aju- 
dante privativo) 327|!000 

Procuratura  dos  negócios  gentil icos 182JÍ000 

Serviço  de  saúde,  posto  meteorológico  c  gabinete  an- 
thropologico  (Rupprimidos  os  quatro  empregados  me- 
nores)       243í;000 

Serviço  de  obras  publicas  (a  cargo  do  governo) -if~ 

Estação  tclegrapbica  e  typograpbia  a  cargo  da  missão 
principal : 

6  guarda  fios,  12*000  réis 72|!000 

4  empregados  menores,  9i|O0íJ  réis 36*000      log^/w) 

6  guardas  militares  permanentes  (nos  concelhos) '. 378*000 

3:346*000 
Fora  da  capital 

3  intendentes  (nas  novas  intendências) 450*000 

3  administradores  do  concelho,  gratificação  aos 

chefes  das  missões 30*000 

3  ofliciaes  de  2.*  classe 180*000 

3  pharmaceuticos  de  2.*  classe 180*000 

3  ajudantes  de  pharmacia 60*000 

3  ecclesiasticos  chefes  de  missão 300*000 

6  irmãos  missionários # .  180*000 

6  escrivães .- 120*000 

6  amanuenses 72*000 

6  contínuos 54*000 

G  gratificações  aos  chefes  das  missões,  pelo  correio. .  30*000 
3  gratificações  no  posto  meteorológico  e  gratificação 

aos  facultativos  de  2.*  classe 60*000 

6  escripturarios 60*000 

6  empregados  menores 36*000 

Serviço  de  barcos  no  Cuango 200*000 

Gratificação  a  18  sobas 108*000  o.i  ooiooo 

Somma 5:466*000 

Despeza  do  primeiro  projecto 6:400*000 

A  favor 934*000 


620       BXPEDIÇIO  POBTUGUEZÁ  AO  MUATIÂNVUA 

D*e8ta  forma^  fazendo  algamas  redacções  no  pessoal,  que  em  principio 
será  possível  dispensar,  dando  gratificações  aos  empregados  que  aocama- 
lem  outros  serviços,  podemos  obter  o  saldo  de  934^1000  réis,  que  chegapara 
pagar  ao  pessoal  das  quatro  Estações,  em  fazendas  e  outros  artigos  de 
commercio  —  a  moeda  corrente  além  do  Cuango  —  sendo  indispensável 
porém  que  estes  artigos  sejam  remettidos  por  um  fornecedor  official  em 
Lisboa,  e  isentos  de  direitos  nas  alfandegas  de  Lisboa  e  de  Loanda, 
porque  sobre  elles  teem  de  pezar  os  fretes  de  Lisboa  até  ás  Estações, 
que  hão  de  sair  d*aquella  dotação  para  as  referidas  Estações. 

Logo  de  principio  ha  a  attender  em  todos  os  concelhos,  e  principal- 
mente na  capital,  aos  alojamentos  indispensáveis  para  as  diversas  re- 
partições. Nas  villas  dos  dois  antigos  concelhos  de  Malanje  e  Pongo 
Andongo,  supprem-se  por  emquanto  as  faltas  tomando  de  arrendamento  a 
particulares  o  que  haja  disponível,  porém  nos  outros  concelhos  ha  a  fa- 
zer logo  de  principio  construcçocs  aos  usos  do  paiz,  mas  em  melhores 
condições  de  habitabilidade,  e  com  o  tempo,  aproveitando  os  recursos 
do  districto,  podem-se  fazer  construcções  adequadas,  seguindo  um  sys- 
tema  que  garanta  solidez  e  duração. 

Do  subsidio  mensal  excedente,  d:600j|000  réis  no  primeiro  anuo  da 
installação  do  novo  governo,  uma  parte  tem  logo  de  ser  applicada  a  estas 
construcções. 

Como  um  dos  primeiros  actos  do  novo  governo  tem  de  ser,  necessa- 
riamente, o  de  fazer  sair  uma  embaixada  para  o  Muatiftnvua  eleito  no 
Caungula,  e  para  o  Quissengue,  príncipe  Quiôco,  de  que  façam  parte  os 
missionários  que  teem  de  occupar  as  duas  Estações  civilisadoras,  uma 
junta  de  cada  um  d^esses  potentados ;  deve  o  governo  ser  auctorisado 
para  as  despezas  com  essa  expedição  c  Estações,  a  dispor  da  verba  de  um 
anno  para  a  dotação  das  duas  Estações,  e  outro  tanto  da  verba  do  sub- 
sidio para  material,  no  primeiro  anno  da  installação,  para  o  novo  governo. 

São  estes  os  alvitres  que  mais  de  prompto  se  me  offerecem  para  a 
organisação  e  installação  do  governo  districtal  de  Malanje  e  suas  de- 
pendências alóm  do  Cuango,  occupando-se  logo  duas  Estações  civilisa- 
(leras  e  piíssado  algum  tempo  as  outras  duas  mais  longínquas,  a  de  Ma- 
taba  c  a  da  Mussumba. 

Lisboa,  3  de  janeiro  de  1880.  =^  Henrique  Augusto  Dias  de  Carvalho, 

Oflicios 

Ill."«  e  Ex."«  Sr. — Passando  ás  mãos  de  V.  Ex."  os  inclusos  três  do- 
cumentos referentes:  á  organisação  de  um  governo  districtal  no  interior 
da  província  de  Angola,  cm  Malanje,  até  á  margem  do  Cuango,  com  na- 
vegação doeste  rio  até  ao  Zaire,  e  ao  pessoal  indispensável  para  a  acqui- 
sição  de  receita,  e  ao  ensino  e  aproveitamento  do  gentio,  de  modo  que. 


DESCRIPÇXO  DÀ  VIAGEM  621 


passados  ires  annos  depois  da  sua  installação.  se  tomasse  possível  dis- 
pensar a  dotação  que  se  pede  ao  governo  de  Sua  Magestade  para  a  rea- 
lisação  do  referido  projecto  —  dotação  que  se  restringira  ao  mais  es- 
sencial —  como  se  vê  pelas  verbas  distribuídas  no  orçamento,  que  faz 
parte  dos  referidos  documentos  e  ainda  por  uma  memoria  em  que,  pela 
urgência  de  se  occupar  as  terras  da  Lunda  como  dependências  do  re- 
ferido governo,  tendo  em  attençSo  a  economia  com  a  mesma  dotação^ 
reduzindo  ao  principio  o  numero  de  empregados,  se  consegue  fazer  já 
quatro  Estações  em  diversos  pontos  da  Lunda,  os  mais  principaes ;  devo 
ainda  dizer  a  V.  £x.*  que  já  depois  de  elaborados  aquelles  trabalhos, 
tendo  conferenciado  com  V.  £x.*,  novas  considerações  me  suggeriram  os 
assumptos  que  V.  £x.*  mais  fixou  então  como  preferentes  desde  já,  e  se 
bem  me  recordo,  podem  elles  synthetisar-se  da  maneira  seguinte : 

1.®  Organisar  uma  expedição  que  acompanhe :  a  embaixada  do  Mua- 
tiftnvua  que  está  em  Malanje,  no  seu  regresso,  ao  ponto  onde  se  encontra 
o  Muatiânvua  que  a  enviou,  e  os  missionários  do  Rev.^<»  Campana,  para 
se  estabelecerem  nas  Estações  que  de  accordo  com  elle  e  os  potenta- 
dos principaes,  devam  de  preferencia  occupar-se  já. 

2,^  Estabelecer,  mas  para  occupar  definitivamente,  pelo  transito,  Es- 
tações ou  Patrulhas,  aproveitando  as  que  foram  por  mim  levantadas  na 
primeira  viagem  através  das  terras  da  Lunda  e  até  onde  seja  possível,  li- 
gando as  por  linhas  telegraphicas. 

3.<*  Estabelecer  no  Cuango  barcos  a  vapor,  apropriados  á  navegação, 
a  partir  das  vizinhanças  de  Cassanje  até  o  Zaire,  tendo  de  se  fazer  na 
margem  esquerda  entre  o  5°  e  4'*,45'  S.  do  Equador,  um  caminho  devida- 
mente regularisado  que  não  pode  exceder  60  kilometros,  para  supprir  por 
terra  a  interrupção  da  linha  fluvial,  devida  á  queda  de  agua  D.  Luiz  i. 

4.^  Assegurar  a  occupação,  sujeitando  os  povos  de  Cassanje,  os  Bon- 
dos,  Holos,  Songos,  Cobos  e  Haris  á  nossa  auctoridade,  sem  o  que  não 
fica  garantida  a  segurança  da  navegação  do  Cuango,  nem  tão  pouco  a 
nossa  posse  das  terras  dos  Capendas,  da  margem  direita,  como  estes 
pedem,  nem  a  occupação  das  terras  da  Lunda,  habitadas  pelos  povos 
do  Muatiânvua  e  pelos  Quiôcos. 

5.^  Finalmente,  por  em  evidencia  principalmente  ao  norte,  a  auctori- 
dade de  Portugal,  entre  o  Cuango  e  Lualaba,  de  modo  que  os  agentes 
do  Estado  Independente  do  Congo  não  procurem,  enganando  os  povos, 
sair  da  linha  limite  que  lhe  foi  fixada  na  conferencia  de  Berlim,  para 
fronteira  doesse  estado  a  sul,  entre  aquelles  rios. 

Estes  fins  que  me  parece  serem  os  principaes,  que  o  governo  de  Sua 
Magestade  tem  em  vista  sejam  satisfeitos  immediatamente,  podem  sé-lo 
quando  não  faltem  os  devidos  auxílios  logo  no  principio.  £  indispensável 
que  as  Estações  estabelecidas  sejam  occupadas  e  fornecidas  de  fazendas 
e  outros  objectos  para  negocio  com  as  povoações,  quando  mais  não  seja 


622       EXPEDIÇÃO  PORTUOUEZÂ  AO  MUàTIÍKVUA 

com  alimentos  para  o  pessoal,  pois  assim  transita  sem  difficuldades  o 
chefe,  ou  quem  elle  mande,  de  uma  para  outra  Estação. 

A  maior  difficuldade  que  encontrou  sempre  a  minha  Expedição,  foi  ao 
retirar  a  ultima  parte  d*elIa,porque  os  povos  vizinhos  das  Estações  ii2o 
se  podiam  conformar  com  a  facto  das  casas  ficarem  despejadas,  e  de  as 
fazendas  seguirem  todas  com  a  Expedição  para  serem  negociadas  com 
outros  povos  mais  para  o  interior. 

Emquanto  as  Estações  estavam  occupadas,  os  povos  mesmo  se  pres- 
tavam ao  serviço  de  transportes  das  cargas  de  umas  para  outras,  porém 
ao  deixarem-se  as  ultimas,  levantavam-se  sempre  questões  que  era  ne* 
cessario  toda  a  prudência  para  resolver,  e  por  isso  mesmo  eu  tive  neces- 
sidade, depois  de  marcar  as  novas  Estações,  de  voltar  atrás  para  retirar 
com  a  ultima  parte  da  Expedição. 

Já  assim  não  succederia  se  a  Estação  tivesse  ficado  devidamente  oc- 
cupada. 

Providas  as  Estações,  e  obtidos  os  recursos  de  umas  para  as  outras, 
creia  V.  £x.*  que  se  consegue  ir  de  costa  a  costa  ou  onde  se  queira  che- 
gar, sem  ser  preciso  grande  pessoal  de  carregadores  ao  serviço  perma- 
nente das  Expedições.  As  próprias  povoações  nos  auxiliam  no  serviço  de 
transportes. 

Se  o  commercio  particular  viesse  occupar  algumas  Estações,  muito 
auxiliaria  na  questão  económica  o  governo. 

Só  por  isto,  vê  já  V.  £x.*  a  necessidade  que  ha  de  que  o  chefe  de 
uma  missSo  doesta  ordem  tenha  a  necessária  auctoridade  em  Malanje, 
porque  logo  os  povos  vizinhos  o  reconhecem  como  pessoa  de  grande  con- 
fiança do  Governo  de  Sua  Magestade  (Muene  Puto),  e  sendo  eu  o  encar- 
regado de  tal  missão,  dá-se  ainda  a  circumstancia  de  terem  tido  os 
principaes  Arabanzas  com  honras  de  Jagas,  com  quem  estive  no  interior, 
a  idea  de  solicitar  de  Muene  Puto,  para  eu  ser  nomeado  chefe  de  Cas- 
sanje ;  e  vendo-me  agora  feito  Guviilo  (governador)  mais  me  respeitarão, 
e  acreditarão  que  mereço  confiança  a  Muene  Puto,  vendo-me  de  mais  a 
mais  com  galões  de  tenente  coronel,  influindo  ainda  mais  no  seu  animo 
esse  augmento  de  posto. 

Eu  pedia  no  projecto  do  governo  a  reorganisação  das  companhias  mo- 
veis, de  modo  a  serem  profícuas  e  a  dispensar-se  força  de  primeira  linha; 
mas  attcndcndo  a  que  preparar  essa  força  como  deve  ser,  levava  algum 
tempo,  lembrei  na  memoria  a  vinda  de  um  corpo  de  caçadores  da  capi- 
tal para  Malanje.  Agora  depois  que  soube  por  V.  Ex."  que  o  governador 
de  Angola  se  queixa  de  não  ter  gente  para  dispor,  e  que  S.  Ex.*  o  sr.  Mi- 
nistro tinha  mandado  vir  uma  força  de  400  Zanzibares  que  eu  julgo  não 
ser  conveniente  para  acompanhar  uma  expedição  á  Lunda,  que  não  pre- 
cisa forçar  uma  passagem  rápida ;  lembro  que  ella  pode  ser  aproveitada 
como  força  de  respeito,  distribuída  no  governo  de  Malanje  até  ao  Cuango, 


DESCRIPÇZO  DÀ  VIAOEM  623 

pelas  Estações  a  fazer  para  o  norte,  e  recorrer-^se  de  Estação  em  Estação 
a  ella,  quando  fosse  indispensável.  A  ssim  suppria-se  a  falta  do  batalhão 
pedido  para  Malanje. 

Em  todo  o  caso  a  companhia  de  policia  pedida  na  memoria,  e  que  é 
pequena,  1  ofHcial  subalterno,  3  officiaes  inferiores,  4  cabos  e  20  solda- 
dos, creio  ser  fácil  arranjá-la,  e  é  muito  conveniente,  sobretudo  quando 
bem  armada  e  munida  pelo  menos  com  2  metralhadoras  e  com  a  pequena 
bateria  Armstrong  de  que  fallei. 

Também  é  indispensável  obter  600  armamentos  completos  do  antigo 
sjstema  Snyder  Burnett,  com  o  respectivo  cartuchame. 

Os  rails  do  systema  Decanville  para  o  transporte  de  volumes  pesados, 
do  Dondo  para  deante,  creia  V.  Ex.*  ser  acquisição  de  grande  alcance, 
e  nas  officinas  de  obras  publicas  em  Loanda,  ciijo  director  é  o  enge- 
nheiro David  Sarmento  que  está  ahi,  ha  pessoal  habilitado  para  ir  ao 
Cuango  armar  barcos  a  vapor  e  pô-los  a  navegar.  Também  na  provincia 
ha  pessoal  habilitado  para  continuar  a  linha  telegi'aphica  até  Malanje, 
mas  para  abreviar,  e  como  commissão  extraordinária  de  Malanje  cm 
deante,  é  conveniente  angariar  pessoal  habilitado  em  Lisboa. 

São  estas  as  considerações  que  muito  resumidamente  julguei  necessá- 
rio expor  a  V.  Ex.*  para  acompanharem  os  documentos  juntos  que  rogo 
a  V.  Ex.*  sejam  presentes  a  S.  Ex.*  o  Sr.  Ministro. 

Por  ultimo,  eu  ainda  devo  lembrar  a  Y.  Ex.*,  que  ha  toda  a  conve- 
niência que  no  estrangeiro  se  ignore  o  fim  da  minha  missão,  porque  o 
Estado  Independente  do  Congo  poderá,  prevenido  a  tempo,  antccipar-se 
com  os  seus  empregados  já  no  que  se  projecta,  com  respeito  a  occupa- 
çues  alem  do  Cuango,  já  navegando  neste  rio  e  introduzindo  fazendas  e 
artigos  desonerados  de  impostos  aduaneiros,  prejudicando  assim  muito 
os  rendimentos  da  alfandega  de  Loanda,  e  o  meio  será  níto  se  lhe  dar 
publicidade  no  reino,  o  que  facilmente  se  conseguirá  dando-se-me  uma 
carta  de  prego  que  conterão  as  minhas  instrucções. 

Deus  guarde  a  V.  Ex.*  —  111."»  e  Ex.»»  Sr.  Secretario  Geral  do  Minis- 
tério dos  Negócios  de  Marinha  e  Ultramar.  =  Htnrúpie  Âvguato  Dias 
de  Carvalho, 

111."»  e  Ex."»  Sr. —  Encarregou -me  V.  Ex.*  por  determinação  de  S.  Ex.* 
o  Sr.  Ministro  dos  Negócios  da  Marinha  e  Ultramar,  de  me  dirigir  no 
Chefe  da  segunda  repartição  da  Direcção  dos  Negócios  da  Marinha,  o  dis- 
tincto  oflScial  da  Armada  Real,  José  Maria  Teixeira  Guimarães,  para  me 
entender  com  clle  relativamente  aos  barcos  a  vapor,  que  lembrei  ser  de 
conveniência  o  governo  manter  no  rio  Cuango,  a  fim  de  entreter  por  sua 
conta  a  navegação  doeste  rio  entre  o  8<*  de  lat  S.  do  Equador  e  a  sua 
confluência  no  grande  Zaire,  e  que  pela  conferencia  de  Berlim  ficou  com- 
prehendido  nos  domínios  portngnezes. 


G24  EXPEDIÇÃO  PORTUGUEZA  AO  BIUATlAxVUA 


]': 


I 

•1 


.1 


I 


Pedindo -me  o  illastrado  funccionario  vários  esclarecimentos  sobre  oa 
referidos  barcos  e  condições  do  rio,  eu  passo  a  dizer  a  V.  £x.*  o  que  é 
do  meu  conhecimento  e  que  posso  assegurar,  desejando  que  esses  escla- 
recimentos sirvam  de  algum  modo  para  se  levar  a  effeito  um  projecto, 
que  poderá  evitar  graves  prcjuizos  aos  rendimentos  aduaneiros  da  pro- 
vincia  de  Angola  na  sua  região  norte,  isto  é,  no  vasto  paiz  que  se  es- 
tende do  rio  Cuanza  ao  Zaire. 

O  barco  a  vapor  Peace,  que  apresentei  como  typo  para  navegar  no 
baixo  Cuango,  e  que  pertence  á  missão  Baptista,  no  Congo,  de  que  é  chefe 
o  Rev.iio  Grenfell,  tem  de  peso  seis  toneladas,  navega  em  0",dO  de  agua, 
tem  duas  macbinas,  sendo  a  sua  velocidade  de  20  kilometros  por  lionu 
Se  uma  das  macbinas  se  avariar,  pode  ainda  obter-se  de  andamento  10 
kilometros  durante  que  ella  se  repara. 

Desmonta-se  em  oitocentas  peças,  não  excedendo  cada  mna  o  peso 
de  70  libras  e  que  um  homem  pode  transportar  em  dias  successivos  de 
marcha.  Foi  despachada  da  Europa  desmontada  para  a  embocadura  do 
Congo,  e  800  homens  a  transportaram  a  Stanley-Pool. 

O  vapor  Stanley,  feito  pelos  constructores  M.  M.  Yarrow  em  Poplar, 
por  conta  da  Associação  Internacional  para  navegar  no  Congo,  íbi  con-  - 
struido  de  modo  que  facilmente  se  desmonta  e  transporta,  evitando  um 
grande  pessoal  de  carregadores. 

O  systema  adoptado  foi  semelhante  ao  que  se  tem  applicado  para  as 
canhoneiras  desmontáveis  do  Tonkim. 

O  vapor  é  dividido  em  seis  compartimentos  que  são  corpos  fluctuan- 
tes  que  se  separam,  ou  compõem  um  todo  conforme  convenha,  mas  como 
estes  compartimentos  são  de  limitadas  dimensões,  collocam-se  á  vontade 
sobre  montantes  de  quatro  rodas,  circulando  em  terra  como  carretas. 

A  embarcação,  que  foi  despachada  como  carga  da  Europa,  em  diver- 
sos volumes,  para  o  porto  de  Banana,  foi  ahi  montada  para  navegar  até 
Vivi.  Aqui  desmontou-se  a  machina,  e  como  o  casco  vasio  apenas  cala 
0'",ir),  proccdeu-se  á  desunião  dos  pedaços  que  se  fixaram  a  quatro 
grandes  rodas  de  aço  transformando -se  cm  verdadeiras  carroças. 

Assim  seguiu  o  vapor  por  terra  até  Isanghila,  onde  se  tornou  a  mon- 
tar para  navegar  até  Manyanga,  e  d'aqui  seguiu  do  mesmo  modo  por  teiYa 
até  Stanley-Pool. 

O  Stanley  tem  uma  velocidade  regular  de  IG  kilometros  por  hora, 
muito  sufficientc  para  vencer  as  correntes  do  Congo.  Governa  admira- 
velmente, girando  quasi  no  mesmo  legar,  o  que  é  muito  útil  naquelle  rio. 

O  vapor  é  de  aço,  tem  21  metros  de  comprimento  e  5",40  de  largo. 
A  coberta  é  de  madeira,  o  que  foi  exigido  por  causa  do  paiz  ser  quente, 
e  tem  um  salão  muito  arejado  e  confortável. 

Apesar  da  divisibilidade  do  casco,  para  o  arrastar  por  terra  de  Vivi 
a  Stanley-Pool,  foram  ainda  assim  precisos  mais  de  quinhentos  pretos. 


debcripçao  da  rUQEU 


Em  principioa  de  dexembro  de  1H86  o  vapor  Peaee  foz  uma  explorn- 
ç3o  no  baíio  Cuangn,  principiando  por  ven-cer  em  trca  dias,  a  distancia 
tlc  Quimpoco  4  boccn  do  Ciia. 

Entre  o  Mussuata  e  esta,  o  rio  em  partes  Hprceentava  uma  largura 
(Ic  2:000  metros  \  entrando  no  Cua,  que  é  o  Cuango,  subdivide-se 
este  em  afHaeotcB,  Caseai  e  o  mesmo  Cuaiigo  que  vem  de  S.W.;  na  af- 
fluencta  i;om  nquelle,  o  Cuango  apresenta  uma  largura  proiima  de  TOO 
metros.  A  diSerença  de  nirel  na  embocadura  com  o  da  agua,  medida 


J 


]jelo  major  Meehow  (no  S"  5'  iat.  S,  do  Equador),  sobre  os  rochas  que 
dSo  logar  a  queda  que  interrompeu  a  sua  marcha,  £  de  3.1  metros  qne  se 
repartem  sobre  o  grande  comprimento  que  dão  ao  rio  as  grandes  voltas 
qut:  elle  faz. 

O  Cuango  depois  alarga-se  atí  2;000  metros,  diminuindo  muíto  em 
profundidade,  e  a  i*SS^  Iat  '&.  do  Equador,  rhega  a  ter  só  2011  metros. 

Foi  nesta  altura  que  o  vapor  Ptarx  parou  na  sua  navegação  por  causa 
dos  baixos  acima  (ao  aul)  do  confluente  esquerdo,  o  Fufu,  soltrc  os  qnncs 
era  difficil  navegar. 


626  EXPEDIÇXO  FORTUGUESBA  ÁO  lIUÁTliHyUA 

Eram  estes  os  mesmos  obstáculos  que  obrigaram  o  mi^orMechow  que 
vinha  do  sul,  também  a  suspender  a  sua  navegação,  encontrando-se 
ainda  o  seu  barco  de  aço  (movido  a  remos)  abrigado  em  terra,  ii2o  em 
Quingundiji,  mas  em  Candinga,  sitio  próximo. 

Regressou  pois  o  Peoce'  em  sete  dias  d*aquelle  ponto  a  Stanlej-Pool,  o 
que  n2o  admira  porque  a  corrente  então  o  auxiliava. 

Mechow  havia  navegado  num  baroo  a  remos,  de  aço,  desde  a  con- 
fluência do  Cambo,  que  dle  marginara  por  terra  até  ao  5*  5^  lat  S.  do 
Equador,  e  porque  os  carregadores  que  o  acompanharam  de  Malanje  ti- 
vessem receio  de  continuar  a  viagem  por  terra  transportando  o  barco 
que  também  se  fraccionava,  teve  de  o  deixar  na  margem  do  Cuango  «n 
Candinga. 

N2o  conheço  este  barco,  mas  pode  avaliar-se  pelo  da  expediçio  Wiss- 
mann  em  1884,  que  também  era  de  aço,  dividia-se  em  sete  ou  nove  frac- 
ções, sendo  cada  fracção  transportada  por  dob  homens,  reguliindo  a  sua 
largura  interior  de  1",4  a  1",6. 

Uma  ou  duas  canoas  nestas  circumstancias,  para  um  calado  de  agua 
de  10  poUegadas,  com  uma  machina  apropriada  para  a  navegaçlo  en*  • 
tre  o  Cambo  e  Fttfu,  no  Cuango,  e  um  vapor  da  lotaçio  do  Peaoe,  ou 
que  demandasse  menos  agua,  para  entrar  nos  seus  afflnentes,  no  Cnilo 
e  nos  do  Cassai,  Lnango,  Lulúa  e  outros,  deve  por  emqpianto  satisfri- 
cer-nos. 

O  bispo  Tajlor,  das  missões  americanas  na  província  de  Ai^pola, 
aebando-se  em  grandes  difficuldades  nas  margens  de  Stanley-Pool  para 
fazer  transportar  cargas  para  as  suas  missões,  escrevia  em  1877  para 
a  direcção  das  missões  em  New- York:  «A  solução  dos  successos  das 
minhas  missões  é  simples.  Toma-se-me  necessário  um  vapor.  O  preço 
de  uma  lancha  a  vapor  como  desejo,  e  o  seu  transporte  aqui  no  Pool 
pode  custar  100:000  francos  (20:000  dollars),  mas  preciso  um  anno  de 
praso  para  garantir  as  estações  missionarias  que  já  tenho  fundado.  É 
para  esta  epocha  que  eu  peço  que  esteja  prompto  este  vapor.» 

Este  bispo,  missionário  de  grande  persistência  e  coragem,  reconhe- 
cendo os  grandes  obstáculos  a  vencer  para  conseguir  evangelisar  no 
Cassai  e  seus  affluentes,  não  abandonou  comtudo  a  sua  idea,  confiando 
que  os  seus  concidadãos  não  recuavam  deante  de  qualquer  sacrifício  pe- 
cuniário para  o  auxiliar  na  sua  missão. 

E  de  suppor  que  o  Rcv.do  Bispo  e  os  seus  missionários,  que  na  sua 
estação  em  Quimpoco,  se  occuparam  nos  mezes  de  grande  fome  ali  e  nos 
arredores,  a  abrir  um  profundo  canal  de  irrigação  e  a  estabelecer  uma 
queda  de  agua  da  altura  de  vinte  pés,  para  alcançar  uma  força  motora 
de  que  careciam  para  utilisar  num  moinho  destinado  ao  fabrico  da  fa- 
rinha de  mandioca,  a  qual  chegaram  a  vender  por  preços  reduzidíssi- 
mos ás  missões  Baptistas  e  estações  do  Entado  Independente ;  é  de  sup- 


DKSCRIPÇXO  DA  VIAGE^Í  627 


por,  repito,  que  já  hoje  tenham  pelo  menos  uma  lancha  a  vapor  para 
seu  serviço,  e  se  a  tiverem  não  é  para  admirar,  não  só  que  o  referido 
Bispo  estabeleça  novas  missões  marginando  o  Cuango  e  o  Cambo  a  ligar 
a  rede  com  a  de  Malanje,  mas  ainda  que  continuasse  a  estabelecer  filiaes 
para  laste  d*este  rio  entre  os  Quiôcos  e  Lundas,  idea  que  predominava 
quando  cheguei  a  Malanje  em  fins  de  1887. 

O  dr.  Summers,  que  fazia  parte  doestas  missões,  mezes  antes  de  eu 
chegar  a  Malanje,  havendo-se  naturalisado  portuguez,  conseguiu  com 
auxílios  dos  negociantes  Narciso  António  Paschoal  (africano)  e  Marcus 
Zagury,  organisar  uma  pequena  expedição,  e  seguindo  o  itinerário  ga- 
rantido pela  nossa  Expedição  até  ao  Cuengo,  affluente  direito  do  Cuan- 
go, e  apresentando-se  entre  os  povos  dizendo  ir  ao  meu  encontro,  con- 
seguiu caminhar  sem  difficuldades,  dirigindo-se  depois  para  o  Lubuco 
onde  queria  estabelecer-se  na  missão  do  bispo  Taylor.  Infelizmente  mor- 
reu ahi,  e  quem  sabe  se  moralmente  affectado,  porque  o  barão  de  Maçar, 
agente  do  Estado  Independente,  e  chefe  da  estação  de  Luluabourg  não 
consentiu  que  elle  entrasse  em  exercicio  de  suas  funcções. 

Não  desiste  o  bispo  Taylor  do  seu  intento,  e  já  no  anno  findo  elle  es- 
tava de  novo  em  Malanje,  e  é  de  crer  que  haja  obtido  muitas  informa- 
ções da  embaixada  do  Muatiânvua  que  ali  tem  estado,  porque  esta  em- 
baixada foi  sempre  muito  estimada  pelos  missionários  Samuel  Mead,  sua 
esposa  e  filhas  miss  Bertha  e  miss  Aida  e  por  L.  Johnson  e  W.  Cordon. 

Esta  senhora  e  suas  filhas,  com  a  grande  bonhomia  de  que  são  do- 
tadas, sabendo  que  tanto  o  sobrinho  do  Muatiânvua  como  os  seus  com- 
panheiros se  admiravam  e  mesmo  se  extasiavam  ouvindo- as  cantar  os 
psalmos  com  acompanhamento  de  harmonium-flutte,  sempre  que  estes  en- 
travam na  missão  ellas  de  bom  grado  e  promptamente  os  faziam  sentar 
a  seu  lado  e  dispunham- se  a  entretê-los,  ás  vezes  horas,  com  os  seus 
cantos  e  musica,  obtendo  depois  a  compensação  em  informações  e  escla- 
recimentos que  pretendiam. 

Esta  agradável  forma  de  catechese  ainda  para  o  mais  selvagem,  toma 
muito  sympathica  entre  os  povos  gentios  aquella  missão,  e  suas  filiaes, 
que  podem  ir  muito  longe  quando  os  seus  missionários  se  familiarisem 
com  todos  os  dialectos  das  tribus  d*essa  grande  familia  africana,  a  que 
chamo  povos  Tus,  denominação  muito  mais  característica  e  scientifica 
que  Bântu,  que  nada  justifica. 

Tcndo-me  afastado  do  fim  principal  que  tinha  em  vista,  isto  é,  apre- 
sentar a  y.  Ex.*  as  condições  mais  essenciaes  a  que  devem  satisfazer 
os  barcos  para  navegação  do  Cuango,  e  as  condições  d*este  rio  na  parte 
que  se  devem  aproveitar ;  esclarecimentos  que  podem  servir  ao  dignís- 
simo chefe  da  segunda  repartição  da  Direcção  dos  Negócios  de  Ma- 
rinha para  a  acquisição  de  alguns  barcos  idênticos ;  ainda  assim,  mais 
uma  vez  demonstrei  a  V.  Ex.*,  a  necessidade  que  temos  de  contrapor  aos 


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