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Full text of "Henriqueida : poema heroico, com advertencias preliminares das regras da poesia epica, argumentos, e notas"

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Presented  to  the 

LIBRAR  Yí./r/z€ 

UNIVERSITY  OF  TORONTO 

by 

Professor 

Ralph  G.  Stanton 


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Digitized  by  the  Internet  Archive 

in  2009  with  funding  from 

University  of  Toronto 


http://www.archive.org/details/henriqueidapoemaOOeric 


HENRIQUEÍDA 


COM  ADVERTÊNCIAS  PRELIMINARES 

das  regras  da  Poeíia  Épica  ,  Argumentos, 
e  Noras. 

C0MP0S70FEL0 

ILLUSTRISS.  E  EXCELLENT.  CONDE  DA  ERICEIRA 

D.  FRANCISCO  XAVIER 

DE  MENEZES, 

DO  CONSELHO    BE   GUERRA  DE  SUÂ  MAGESTADE  , 

Mefire  de  Campo  General  dos  jeus  Exércitos,  e  Deputado  da. 

Junta,  dos  Três  Eflados  ,  Dtreãor ,  e  Cenfor  da  Acadtmia 

Real  da  Hifioria  Portuguez,a  ,  Secretario  ,  e  Proteãor 

da  Academia  Portugueza  ,  Académico  dos  Árcades 

de  Roma  ,  e  da  Sociedade  Real  de  Londres. 


LISBOA  OCCIDENTAL: 

NA  OFFICINA   DE  ANTÓNIO  ISIDORO  DA  FONSECA, 
Com  todas  as  licenças  necejfarias. 

Anno  de  1741. 

Vende -fe  na  mefma  oficina,  e  na  Logea  de  Manoel  da  Conceição  morador, 
na  Rua  dirt  ita  do  Loreto. 


\à. 


LICENÇAS 

DA   ACADEMIA    REAL. 

CENSURA    DO    CONDE    DO    VIMIOSO    DO  CONSELHO 
de  Sua  Magejlade  ,   e  Académico  Real. 

EXCELLENTISSIMOS  SENHORES. 

MAndaõ-meVV.  Excellencias  dizer  o  meu  parecer  fo- 
bre  o  Poema  do  Conde  D.  Henrique  ,  efcrito  pelo 
Excelientiílimo  Senhor  Conde  da  Ericeira  D.  Fran- 
cifco  Xavier  de  Menezes,  e  fe  neíle  preceito  naó  ti- 
veífe  tanca  parte  o  melmo  Autor  da  obra  ,  como  companheiro  de 
VV.  Excellencias  no  emprego  de  Ceníbr  da  noíía  Academia  ,  obe- 
decera eu  fempre  com  a  mefma  fogeiçaó  aos  Icus  acenes,  mas  naõ 
com  a  nieíma  liberdade  no  meu  voto. 

Pois  que  coufa  pode  haver  mais  elevada  ,  e  mais  laboriofaj 
que  efcrever  naõ  digo  j a  com  perfeição, mas  ainda  com  mediania 
hum  Poema  Épico  ,  ou  Heróico?  E  que  coufa  também  mais  diffi- 
cil,  e  arrifcada  ,  que  fazer  hum  juizo,  e  hum  exame  a  eíla  mcima 
obra,  que  tanto  intimida  naõ  fó  a  quem  a  compõem,  mas  a  quem 
a  pondera,  e  que  tanto  honra  naõ  fó  a  quem  a  medita,  mas  a  quem 
a  comprehende? 

Digo  pois  que  he  hum  Poema  inteiramente  acertado  ,  e  con- 
forme a  todas  as  luas  regras,  e  preceitos,  os  quaes  nos  cníinaõ  que 
o  aíTumpto  nem  ha  de  fer  fummamente  antigo  ,  para  que  naõ  fe;a 
impoílivela  memoria  do  fucceflb  ,  nem  demafiadamente  moder- 
no, para  que  naõ  feja  viva  a  lembrança  delle. 

Que  a  acçaó  ha  de  fer  heroicamente  grande,  e  taó  digna,  co- 
mo difiícultofa  de  imitarfe. 

Que  ha  de  (er  huma  fó  em  hum  fó  Heròe,o  qual  em  virtude 
delia  configa  huma  nova  gloria  ,  e  immortal. 

Que  efta  meímaacçaó  naõ  ha  de  fer  continuada  como  hiílo- 
ria,  mas  dividida  com  artificioía  idcya  ,  principiando  pelo  meyo 
da  em  preza. 

Que  le  ha  de  acompanhar  de  epifodios  ,  encher  de  figuras,  e 
ornar  com  todos  aquelles  primores  da  arteqafaçaõ  mais  formofa. 

Que  o  eftyio  ha  de  íer  naó  ío  elegante  ,  mas  fublime  ,  porem 
com  tal  medida,  <juc  naõ  «mbarace  o  fácil ,  ç  o  natural, 

a  ii  C^ic 


Que  o  Poeta  fe  hadereveftir  do  carader  das  peíToas  que  in- 
troduz, ulando  da  melma  propriedade  nas  matérias  que  trata. 

Eftas  faõ  as  circunftancias  mais  eíTenciaes  que  devem  concor- 
rer em  hum  perfeito  Poema,  as  quaes  eu  naõ  devo  demonftrar  no 
que  examincy  ,  por  naõ  parecer  que  fupponho  que  he  neceíTaria 
efta  demonftiaçaõ,  quando  todos  confeíTaõ  fem  competência,  ad-. 
mirjõ  fem  inveja,  ou  invejaõ  fem  dor,  o  engenho  raro  ,  a  difcri- 
çaó  incomparável,  a  memoria  feliz,  o  eftudo  immenfo,a  fciencia 
profunda  ,  e  finalmente  o  génio  efpecial,  o  elpirito  elevado,  o  en- 
thufiaímOje  furor  divino  que  tem  na  poefia  o  Senhor  Conde  da  E- 
riceira  fendo  aquella  huma  arte  ,  cujo  nome  ,  e  excrcicio  diz  M. 
TuUio  que  fora  fempre  refpeitado  ate  das  naçoens  mais  barbaras,  e 
incultas:  e  que  naõ  ha  homem  raõ  contrario,  e  inimigo  das  Mu- 
las, que  fe  naõ  lizongee  facilmente  de  que  a  voz  canora  do  verfo 
íeja  o  eterno  pregaó  das  fuás  acçoens. 

Se  ifto  diííe  o  meímo  pay  da  eloquência  em  beneficio  de  Ar- 
chia  poeta,  que  naõ  chegou  a  fazer  o  mayor  esforço  da  íua  arte, 
qual  he  hum  poema  Épico  ,  íó  porque  tinha  concorrido  para  al- 
gum louvor ,  e  gloria  do  povo  Romano ;  que  elogios  naõ  faria  ao 
grande  Virgilio,  fe  ehegafle  a  ver  a  fua  famofa  Eneida j  a  qual  naõ 
deixou  menos  memorável  o  feculo  de  Auguílo  ,  nem  menos  i\- 
luftre  a  gloria  de  Roma  ,  do  que  fez  immortal  o  nome  do  Autor? 

Logo  fe  efta  obra  he  taó  excellente,  ou  taõ  divina,  que  Pro- 
percio  naõ  duvidou  aííirmarque  ella  havia  de  fer  mais  celebre  que 
a  Iliade  de  Homero  :  que  applaufos,  e  acclamaçoens  naõ  merece 
outra  ,  que  naõ  lhe  fendo  inferior  em  nenhuma  circunftancia,  a 
excede  muito  em  muitas? 

Primeiramente  a  matéria  de  Virgilio  là  tem  alguma  parte  do 
aíTumpto  de  Homero:  hum  ,  e  outro  defcreve  o  íitio  de  Troys, 
hum,e  outro  refere  as  acçoens  dcquelles  Capitães;  oalTumptodo 
ienhor  Conde  da  Ericeira  he  inteiramente  diverfo  de  ambos. 

O  Heròe  de  Virgilio  era  incerto  ,  e  duvidofo  aícendente  da 
familia  de  Augufto,  a  quem  o  poeta  queria  lizongear:  o  Heròe  do 
Senhor  Conde  he  certo,  e  infallivel  progenitor  da  Cafa  Real  Por- 
Cugueza,  que  elle  procura,  e  confegue  engrandecer. 

Virgilio  deixou  taõ  imperfeita  a  fua  Eneida  ,  que  intentou 
que  naõ  ficaíTe  memoria  da  obra  ,  fendo  ella  fublime,  fe  naõ  do 
Autor ,  que  a  mandava  queimar  por  íer  dcfeituoía ,  o  Senhor  Con- 
de tem  emendado  tanto  a  fua  Enriqueida,  que  ja  parece  mais  ef- 
feito  da  niodeftia  ,  que  amor  à  perfeição. 

Finalmente  Virgilio  naõ  teve  com  quem  competir  dentro  da 
fua  mefina  naçaõ  :  oS?nhor  Conde  podia  fçr  çraulo,  mas  fòy  ven- 
cedor 


cedor  do  noílb  inhgne  Camoens  ;  taõ  iníígne  que  fempre  ilhiílra- 
ria  a  pátria  com  o  leu  engenho,  ainda  que  o  naõ  tivefle  emprega- 
do em  ferviço  delia. 

Naõ  fallo  na  exceíTíva  diíTerença  da  esfera  do  poeta  Latino  ao 
Lufitano  ,  fendo  aquelle  taõ  humilde  pelo  naícimcnto,  como  dif- 
tinto  pelas  obras  ,  c  fendo  efte  fó  taõ  illuílre  nas  compoliçoens  , 
como  na  origem  :  de  cuja  grande  Ca/a  foy  lempre  o  melhor  pa- 
trimónio o  amor  ds  todas  as  fcicncias  ,  c  o  patrocínio  de  todos  os 
fabios ,  fendo  efta  nobre  virtude  naõ  fey  fe  de  menos  merecimen- 
to por  ler  herdada  ,  íe  de  mayor  louvor  por  fer  perpetua.  Mas  naõ 
devo  paifar  em  filencio  o  grande  ,  e  notório  exceíTo  que  o  Senhor 
Conde  faz  a  Virgílio  na  extençaõ,  e  generalidade  do  mefmo  en- 
genho. 

De  Virgílio  fe  conta  que  orara  huma  ío  vez,  e  que  fe  por  a- 
quella  orsq-iõ  le  jiilgaííea  fua  capacidade,  feria  reputado  por  hum 
homem  indifcreco  ,  e  totalmente inhabil  para  as  letras;  o  Senhor 
Conde  hs  igual  na  poética  ,  e  na  oratória  ;  taõ  egrégio  quando 
executa  as  regras  da  poeíia  ,  como  quando  ob/erva  os  preceitos  da 
eloquência  ;  e  he  mayor  aíTombro  para  nos  a  igualdade  que  tem 
comíigo,  qne  a  ventagem  que  leva  aos  outros  deftas  profiflbens. 

E  aílim  me  parece  que  VV.  Excellencias  devem  agradecer  ao 
Senhor  Conde  da  Ericeira  querer  eftampar  o  feu  livro,  e  ufarnel- 
le  do  titulo  de  Sócio  da  Academia  Real;  para  que  os  que  e.O-aõ  den- 
tro, e  fora  da  meíma  Academia  incitados  da  gloria  de  o  cerem  por 
companheiro  ,  e  diredlor  ,  huns  trabalhem  por  confeguir  taõ  ex- 
ceíliva  honra  ,  e  os  outros  procurem  moftrar  que  naõ  faõ  indig- 
nos deila.  Lisboa  Occidental,  14.  de  Abril  de  1737. 

O  Conde  de  Vimiojo- 

CENSURA    D  E  J  LBXJNDRE    B  E  GUSMAM 
Académico  da,  Academia  Real. 

EXCELLENTISSIMOS  SENHORES. 

LI  com  igual  exacçaõ  ,  e  gofto  o  Poema  da  Henriqueida  com- 
porto pelo  Excellentiíllmo  Senhor  Conde  da  Ericeira  D.  Fran- 
cifco  Xavier  de  Menezes  ,  e  íendo  obrigado  pelo  preceito  de  VV. 
Excellencias  a  interpor  íobre  efta  Obra  huma  çenfura  ,  que  reco- 
nheço mui  fuperior  ao  meu  humilde  juizo  ,  naõ  achey  nella  mais 
que  motivos  fcequentiíiimos  para  a  minha  admiração  japelo  uzo 

naõ 


n.iõ  Jeveriaô  câiifalla  as  engenhozas  producções  defte  por  todos 
os  títulos  nobiliíTímo  Autor  ;  íaõ  com  tudo  tantas  as  fingiilarida- 
des  que  neftc  Poema  fe  encontrão,  que  o  Leitor,  por  mais  que  en- 
tre prevenido  da  rara  capacidade  de  quem  o  compoz  ,  naõ  pode 
deixar  de  ficar  a  cada  paíTo  íorprendido.  O  aflunco  ,  e  parte  hil- 
torica  dellc  incerefla  fummamente  a  acençaõ  ,  ao  mefmo  tempo 
que  realça  a  gloria  do  Reyno ,  e  da  mayor  parte  das  Familias  conl- 
picuas  delle  ;  a  invenção,  c enredo  íaó  dos  mais  agradáveis  ,  e  bem 
feguidos  quefe  achaó  em  outro  algum  Poema;  os  epiíodios  chc- 
yos  de  aprazivel  novidade  5  os  caraóleres  íuftentidos  até  o  fim 
Tem  le  definentirem  ,  nem  degeneratem  ;  as  defcripções,  e  com- 
paraçoens  uzadas  com  parcimonia  que  naõ  enfaftia  ,  mas  taiiibem 
aíTazonadas  com  variedade  ,  e  viveza  de  imagens,  que  fazem  hum 
verdadeiro  retrato  da  natureza;  as  Deidades  ,  e  fabulas  (que  fo- 
raó  o  leite  com  que  fe  criou  a  Poefia.eíem  a  qual  nos  parece  fem- 
pre  débil  ,  e  enervada)  introduzidas  com  o  mais  feliz  artificio 
que  ocorreo  a  nenhum  dos  Poetas  Chriltáos,  fervindo  íe  o  Autor 
delias  com  toda  a  liberdade  que  lhe  he  neceíTaria  para  ornamento 
da  fua  Obra  ,  fem  o  menor  prejuízo  da  fua  piedade  ;  finalmente 
todas  as  regras  do  Poema  Épico  febre  a  unidade  da  acçaó  ,  dura- 
ção delia,  e  repartição  dos  fucceíTos,  e  dos  Cantos,  &c  execu- 
tadas taõ  pontual  ,  e  naturalmente,  que  parecem  obíervadas  pe- 
lo Aut  »r,  mais  por  foiça  de  habito,  que  de  eítudo. 

Sendo  elie  Poitma  taõ  exuberante  para  adquirirlhe  gloria,  naó 
fe  contentou  o  feu  fecundiííimo  génio  com  a  producçaó  delle, 
mas  offerece  juntamente  outro  thefouro  bem  eftimavel  nas  Ad- 
vertências Preliminares  ,  onde  com  o  pretexto  de  anticipar  a  apo- 
logia a  hutna  Obra,  que  ninguém  fe  atreverá  a  criticar,  explica 
as  regras  que  feguio,  e  as  obfervações  porque  fe  governou,  com- 
pondo deíla  íbrte  hnma  efpccie  de  Arre  da  Poefia  Épica  ,  que  fer- 
vira  ao.  diante  de  farol  ,e  guia  para  todos  os  que  quizerem  acer- 
tar neíla  dekitavel  ,  ainda  que  laboriofiíTíma,  e  arriícadiílimaoç- 
cupaçaó. 

Com  o  mefmo  efpirito  incanfavel  fez  a  todos  os  lugares  do 
Poema,  que  receou  poderem  fer  menos  bem  enttndidos  pelos  lei- 
tores medíocres  ,  notas  clarifllmas  ,  cheyas  de  vaíta  erudição,  e 
de  noticias  mui  particulares  ,  fegurando  aífim  a  lua  Obra  do  pe- 
rigo de  fer  desfigurada  ,  e  violentada  pelas  ideas  etcrogencas  de 
algum  commentador  indifcreto,  e  prevenindo  ao  Leitora  fatisfa- 
içaõ  de  achar  o  verdadeiro  lentido  com  huma  abundância  de  no- 
ticias, que  nem  com  muito  trabalho  poderia  fubminiftrariiie  qual- 
■^er  oAjtro  que  depois  emprçndeife  o  cojumenco. 

lílo 


Tilo  he  em  breve  o  qne  me  occorre  do  muico  que  poderia 
dizer  em  louvor  do  volume  que  Vv.  Excellencias  me  mandarão 
examinar  ;  e  íc  o  Ceo  arendeík  aos  noílos  dezejos  ,  em  cumpri- 
mento de  hum  que  he  geral  em  todos  os  que  conhecem  ao  Excel- 
leniiílimo  .Senhor  Conde  da  Eiiceira  ,lhe  prolongaria  por  muitos 
íeculos  huma  vida  indeteíTa  em  produzir  continuamenre  obras 
gloriofas  ao  feu  nome,  eà  fua  Pátria  ,  huma  vida  illuííiada  com 
os  alentos  do  coração  mais  cândido  ,  e  generoíb  ,  e  do  engenho, 
mais  difcreco  ,  e  ornado,  que  ja  mais  ie  hajaó  viítos  unidos  com 
taõ  eíclarecido  Tangue  ,  huma  vida  ,  em  fim  ,  que  fera  memorá- 
vel em  todo  o  Orbe  Literário  ,  naõ  fó  a  titulo  de  Autor ,  e  Poeta 
infigne  ,  mas  também  de  Mecenas  humaniíTImo.  Lisboa  Orien- 
tal 24  de  Julho  de  1757- 

Alexandre  de  Gufmao. 


ODireítor  ,  e  Cenlores  da  Academia  Real  da  Hiftoria  Portu» 
gueza  daó  licença  ao  Conde  da  Ericeira  para  ufar  do  titulo 
de  Académico  do  numero  no  livro  intitulado  Poema  de  Conde  D. 
Henrique  ^  viftas  as  approvaçoens  dos  dous  Académicos,  a  ouc  le 
cometeo  o  íeu  exame.  Lisboa  Occidental,  1 1 .  de  Agofto  de  1737. 

Conde  de  Ajfumar. 

António  dos  Reys. 

Marquez,  de  Valença, 

D,  Vtogtí  Fernandes  de  Almeida, 

Nuno  da  Sj/lva  Telles, 


LICEN- 


b 
DO  SANTO  OFFICIO. 


CENSURA  DO  Aí.  R.  P.  Al.  Fr.    BERNARDO  DO  DESTERROf 
Relígiojo  dít  Ordem  de  S.  Domingos  Prefentado  na  Sagrada  Theologia. 

eminentíssimo,  e  reverendíssimo  senhor. 

Brigado  do  preceito  de  V.  Eminência  a  dar  o  meu  pa- 
recer fobie  eíla  Obra  ,  intitulada  i  Henriqueida  Poema 
hcrcico  com  adrvertencias  ,  &c.  compoíla  pelo  Excellen- 
_  ^_  tiílimo  Conde  da  Ericeira  D.  Francifco  Xaxier  de  Me- 
nezes ,  ró  poflo  ,  e  devoídizer ,' que  nem  acho,  nem  podia  achar 
ncila  coufa,  em  queleotíenda  a'pareza  de  noíTaSantaFé,  ou  bons 
coftumcs.  V.  Eminência  mandará  o  que  for  fervido.  Convento  de 
S.  Domingos  de  Lisboa  Occidental  i.  de  Julho  de  1758' 

Fr.  Bernardo  do  Defterro. 

CENSURA   DO   Aí.  R.  P.  M  Fr.   JOZE'    PEREIRA  DE  SANTA    ANNA, 

Relígiojo  da  Ohfervancta  do  Carmo  ,  Doutor  ,   e  Lente  jubilado  na 

Sagrada  Tlieologia  ,  e  chronijia  da  fua  Ordem. 

eminentíssimo  senhor. 

LI  o  avultado  Livro,  que  contem  a  bem  formada  Henrtqueida 
com  as  Advertências  preliminares  ,  e  Notas  ,  de  que  he  Au- 
tor o  Excellentiílímo  Conde  da  Ericeira  D.  Fran^iíco  Xavier  de 
Menezes  do  Coníelho  de  Guerra  de  Sua  Mageíiade,  &c.  Vaiaó, 
alèm  de  famofo  em  virtudes  moraes,  e  politicas,  de  modo  con- 
fumado  nas  fciencias  relevantes,  que  os  menos  íabios  o  numeraó 
entre  os  mayores ,  e  os  mais  intelligentes  conhecem,  que  he  pela 
fua  quafi  incompreheníivel  univerfalidade,  atè  dos  Príncipes  das 
Artes  liberaes  o  Corifeo.  Logo  nas  fuás  Advertências  preliminares, 
no  titulo  da  Imitação  exprime  hum  modefto  dezejo  de  Icguir  a  Ho- 
mero, parecendolhe,  que  ío  o  iguala  na  falta  de  vifta,  que  julga 
defeito  ,  e  naó  nas  obfervadas  perfeições  de  íèu  Poema.  Clara- 
HPiçnie  iuoftra  ,  que  o  naõ  cega  o  amor  próprio  3  porque  a  ter  ca- 
pacidade 


I 


pacldad«  (íe  exercitar  efte  affe(5to  ,  poderia  crer  a  conftante  voz  Je 
muitos  árbitros ,  que  em  alguma  parte  condenaõ  a  Obra  de  Ho- 
mero, e  em  tudo  louvaõ  a  proporção,  emais  parriciilaridíi.des  dei- 
te Poema  Heróico.  Mas  ainda  ,  que  o  ExceJlcntiíIimo  Autor  ,  por 
naõ  abonar  o  applaufo  próprio,  ou  defconiieça  ,  ou  defprcze  as 
ventagens,  que  leva  àquelle  ,  e  a  femelhaiues  poetas  ,  baila  para 
fuperabundantemente  eftabelecer  efta  verdade  a  bem  recebida,  e 
nunca  impugnada  opinião  de  1'eus  cultores.  Em  Homero  íèria  de- 
feito a  referida  falta  de  vifta :  mas  no  Excellentiíiimo  Conde  foy 
alta  providencia  .  por  tal  vez  nos  perfuadirmos ,  que  todo  he  in- 
telligencia  ;  porquanto  atè  depois  de  lhe  faltar  o  exercício  dos 
oliios  corpóreos,  incanfavelmen te  trabalha  com  os  d'alma,e  quan- 
to he  poíiivel ,  vé  com  o  feu  claro  entendimento.  Para  fer  infig- 
ne  poeta  ,  lhe  baftaria  haver  herdado  de  leu  Excellentifllmo  pay 
efta  nativa  qualidade  j  mas  para  nefta  eiiimabiliífima  aite  exceder 
aos  feus  melmos  originários  predeceíTores  ,  atè  de  fua  Excellentif- 
fima  Máy  participou  poéticas  affliiencias  Ambos  os  feus  gene- 
rantes  foraõ  inlignes  i  porém  no  filho  avulta  mais  do  que  em  ca- 
da hum  dos  pays  a  poezia,  porque  à  maneira  de  hum  rio,  femprc 
efte  he  caudalofo  depois  que  nells  entraõ,  e  íe  unem  muitas  aguas. 
As  que  da  perenne  fonte  do  Parnazo  para  o  enrendimento  do  Ex- 
ceilentiíínno  Autor  da  Enriqueida  manàraó  ,  faô  as  mais  criftali- 
nas:  bem  que  por  nenlium  outro  principio  fe  reconhecem  mais 
puras,  que  por  naó  haver  em  toda  efta  grande  Obra  couía  que 
ofFenda  a  nofTa  Santa  Fe  ,  e  bons  coftumes.  Por  tanto  a  julgo  dig- 
nilíima  de  fe  eftampar.  Real  Convento  do  Carmo  de  Lisboa  ii, 
de  Julho  de  1758. 

Doutor  Vr*  Joú  Pereira  de  Santa  Ãnna. 


VIftas  as  informaqoens ,  pòde-fe  imprimir  o  livro  de  que  fe 
trata,  e  depois  de  imprelfo  tornará  para  fe  conferir  ,  e  dar 
licença  que  corra,  l::m  a  qual  naõ  coirerd.  Lisboa  Occidental,  1 1. 
de  Julho  de  173  b'. 


Fr.  Rodrigo  de  Alencafire.  Sylva,  Soares.  Abreu, 


B  DO 


DO  ORDINÁRIO. 

CENSURA  DO  M.    R.   P.   D.  JOZE'   BARBOSA  CR, 

Chronifta  da  SeremJJima  Cafa  de  Bragança  ,  Académico  da 

Academia  Real  da  Hífioria  Rortugueza  ,  e  Examinadcr 

SynoUal  do   Patriarcado  de  Lisboa. 

EMINENTÍSSIMO     SENHOR. 

HE  V.  Eminência  fervido ,  que  dé o  meu  parecer  fobre  o  Poe- 
ma intitulado  Henriqueida  ,  que  compoz  o  Excellentiífimo 
Conde  da  Ericeira  D.  Francifco  Xavier  de  Menezes  ,  caó  benemé- 
rito da  fua  fama,  que  de  juftiça  fe'lhe  deve  a  univerfal  acclaroaça6- 
a  todas  as  fuás  obras.  Naó  fe  fatisFaz  o  Autor  com  moftrar  nefte 
Poema  a  elevação  do  feu  juizo  na  mageftade  da  acçaõ,  a  delicadc- 
íã  do  leu  difcurfo  na  diftdbuiçaó  das  paitss ,  a  verofnniiidade  na 
idea  das  ficções  ,  e  a  natureza  dos  Epiíodios ;  mas  fez  por  força 
da  natural  cadencia,  que  em  taó  grande  numero  de  Oitavas  (e  ad- 
mire femprc  a  fuavidade  ,  e  a  conftancia  do  metro.  Nada  difto  mé 
faz  novidade,porque  aífim  como  dos  valerofos  nafcem  valerofos, 
também  dos  difcretos  nafcem  difcretos.  Seria  injuria  da  nature- 
za, que  degeneraífem  feamente  os  filhos  da  condição  dos  Pays, 
porque  naó  coftuma  o  valor  das  Águias  produzir  a  pufilanimida- 
de  das  Pombas. 

Da  Cafa  do  Autor  fe  deve  dizer,  que  he  a  Cafa  da  Sabedoria, 
porque  naó  fallando  nos  defcendentes  do  Autor  ,  que  com  o  ef- 
piendor  do  íangue  receberão  a  viveza  do  entendimento,e  os  tefou- 
ros  da  erudição,  naó  vejo  por  toda  a  fua  Excellentiflima  aícenden- 
cia  íe  naó  profeíloies  de  todo  o  geneio  de  lecias ,  de  íorte  que  atè 
difpoz  a  Providencia,  que  efta  grande  Cafa  vieífe  a  fer  herdeira  de 
algumas  ,  cujos  poííuidores  foraõ  refpeitados  no  íe.i  tempo  por 
morgados  das  fciencias.  E  fallando  neftes ,  que  por  ferem  de  fora 
fe  lhes  deves  deattençaõo  primeiro  lugar, quem  naõ  fabe  que  Dio- 
go de  Paiva  de  Andrada  foy  hum  Theologo,  que  entre  os  muitos, 
e  grandes,  que  ibra5  mandados  por  ditferentes  Príncipes  ao  Con- 
cilio de  Trento  ,  mcreceo,  e  coníeguio  (  que  he  mais)  entie  todos 
a  primeifi  diíliiuçaò  pelas  fuás  letras  ,  de  que  daõ  gloriofo  tef- 
tcmunho  os  Efciicotes  daquelle  Sagrado  Congreífo.  Deo  1  luz  a 
defenfa  da  Fé  novamente  iliuftrada  no  mefmo  Concilio  em  hum 
volume  de  qiiaito^  cílarapou  outro,  com  o  titulo  Qithodox^fidei 

'  "  Conful-, 


Ccnfítlt  At  tones ,  e  três  tomos  de  Serwoens ,  naõ  fazenáo  agora  meii-- 
çaô  de  muitas  Oraçoens  UtinaSyqus  diíTe  na  prefença  daqnelles  dou- 
tiíllmos,  e  graviflimos  Padies.  Seu  Irma5  o  V.  P.  Fr.  Thomc  de 
Jefus  ,  que  honrou  as  mafmorras  de  Africa  cora  a  fua  prizaó,  e  a 
Religião  dos  Eremitas  de  S.  Agoftínho,  de  que  fcy  profeíTo  ,  com 
as  fuás  virtudes ,  entre  muitos  livros  que  imprimio  ,  he  mais  cele- 
brado (  e  com  razaõ )  o  que  tem  por  úziúo  Trabalhos  de  Jefit  ,  que 
depois  de  traduzido  em  varias  línguas,  modernamente  fe  impri- 
mio com  a  íua  Vida  cfcrita  por  D.  Fr.  Aleixo  de  Menezes  Primaz 
do  Oriente,  e  das  Hefpanlias,  Governador  da  índia,  e  Vifo-Rey 
de  Portugal.  Francifco  de  Andrada  Coramendador  de  S.  Payodas 
Fragoas,  e  Irmjó  de  ambos  efcreveo  a  única  Ckromca  que  temos, 
d'  ElRey  D.  J^oao  o  III-  Traduzio  em  Portuguez  a  Vida  de  Jorge  Caf- 
TTtoto  compofta  em  Latim  por  Marino  Bariecio  Scutarino :  o  Toe- 
ma  do  Cerco  de  Dio ,  que  he  rariííimo  ,  e  outros  muitos  impreífos,  e 
manufcritos.  Seu  tilho  ,  e  lucceífor  na  mefma  Commenda  Diogo 
de  Paiva  de  Andrada  atém  de  muitas  Cartas  Latinas,  e  Portt<guez.iís, 
de  muitas  Poefias ,  t'  Enigmas  nas  línguas  natural ,  Italiana  ,  e  Efpanbo' 
la ,  de  três  Tragedias ,  e  de  alguns  Panegyricos ,  deu  á  luz  o  Exame  de  An-' 
tigmdades ,  o  Cafam:nto  perfeito,  e  ofamofo  Poema  Chauleidos,  em  que 
teve  a  felicidade  de  fer  igual  a  fineza  dos  conceitos  á  elevação  do 
metro. 

Mas  voltando  agora  para  os  Senhores  deftaCafa  pela  Baronia 
dos  Menezes  ,  o  primeiro  Conde  da  Ericeira  D  Diogo  de  Mene- 
zes efcreveo  ,  e  imprimio  a  Vida  de  D.  Henrique  de  hlemz.es  Governa- 
dor da  Indta.  Deixou  correr  mais  liberalmente  a  penna   o  fegundo 
Conde  D   Fernando  de  Menezes,  e  entre  grande  numero  de  ma- 
nufcriptos ,  que  fe  confervaó  feus,  vemos  na  luz  publica  a  Hiftoria 
de  Tangere,  e  a  da  RefiauraçaÕ  de  Portugal,  clcrita  em  dous  volumes 
na  lingua  Latina  com  tanta  elegância  ,  como  na  Portugueza  a  de 
ElRey  D.  'Joaõ  o  I.  Seu  Irmaõ,  e  genro  o  terceiro  Conde  D.  Luiz 
de  Menezes, quem  ignora  que  efcreveo  a  Hiftoria  de  Portugal  Ref- 
uurado  em  dous  grandes  volumes ,  a  Vida  de  Jorge  Cafirioto  ,  eo 
Compendio  da  Vida  do  Marquez,  de  Távora  ,   e  que   deixou   grande 
quantidade  de  manufcricob,  políticos,  militares,  e  poéticos,  e  en- 
tre elles  hum  certamente  digno  de  toda  a  eftims^aó  ,  qual  he  a 
repofta  pelos  mefmos  confoantes  a  todos  os  Sonetos  de  D.  Luiz 
de  Ulhoa?  Nefta  Cala  eruditiífima  ate  as  Senhoras  fe  fizeraó  mila- 
gres dadifcriçaó,  como  fe  vio  na  Excellentiííima  CondeíTa  Dona 
Joanna  de  Menezes  ,  filha  ,  mulher  ,  e  Mãy  do  II.  III.  e  IV.  Condes 
da  Ericeira,  que  compõdo  em  proza,  e  verfo  muitas,  e  eiegantif- 
fimas  obras ,  íe  excedeo  a  fi  mefma  nas  300.  Oitavas  do  Defperta-* 

ha  doí 


^oV  ád  Aiwa  alfueno  de  U  Vida,  que  corre  impreíTo  com  6  Tupoí-' 
to  nome  de  Jpollinario  de  Almada.  Naó  efcreveo  a  Excellentiflima 
Condefla  com  penna  de  Águia  ,  porque  ha  muitas  ,  efcreveo  com 
pena  da  Fénix  ,  porque  he  única. 

De  todos  eftes  eruditiíITmos  Cavalheros  he  neto  ,  fobrinhò  ,  eí 
filho  o  Excellentiífimo  Auror  deíle  Poema,  em  quem  entendo  que 
fçz  â  natureza  o  mayor  esforço,  pois  parecendo  muito  diííiculio- 
ía  a  femelhança  ,  ou  a  igualdade  ,  naó  fó  veneramos ,  e  reípeita- 
inos  o  exceífo  na  agudeza  ,  e  facilidade  ,  em  todo  o  género  de 
.compoíjçaõ  ,  mas  também  na  fecundidade  ,  porque  trinta,  e  fe- 
te  volumes  fe  compõem  de  obras  fuás.  A  muitos  engenhos  fez  ef- 
tereis  o  tempo  com  a  fecundidade  ;  a  eíle  o  faz  o  tempo  cada  vez 
mais  fecundo.  Canfaõ  as  arvores  com  a  producçaõ  dos  frutos ;  ca- 
da dia  he  mais  copiofa  a  fanteíia  do  Autor.  Houve  terras  ,  que  en- 
riquecendo o  mundo  com  as  fu^s  minas ,  vieraó  a  naó  ter  eftima- 
çaó ,  pela  falta  do  ouroj  efta  mina  Excellentiííima  he  mais  rica, 
quanto  mais  produz ,  e  nelle  fe  vè  o  como  o  entendimento  hti- 
mano  he  ímma  participação  do  divino  ,  porque  nunca  íe  exhau- 
le.  Ifto  prognoitjcaraó  os  rariífimos  principios  da  fua  idade,  por- 
que chegou  nelles  aonde  naó  chegarão  outros  em  annos  mais  prove- 
&0S..,  e  baft^ria  dizer  que  fazendo  os  eícritos  dos  feus  Afcenden- 
tes  trinta  ,  e  feie  volumes  ,  elle  fò  igualou  a  todos  cora  o  mefmo- 
numero  de  tomos. 

Aiéagora  quiz  dizer  alguma  coufa  do  Autor  da  Henriqueidàj 
líorque  a  matéria  he  taó  vafta,  eao  mefmo  tempo  taó  elevada, que- 
|3or  muito  que  fe  diga,    nunca  fe  pode  paíTar  do  principio  :  ago- 
lã  me  he  precifo  informar  a  V.  Eminência  acerca  do  Poema.  A 
Epopèa,  Eminentiííimo  Senhor ,  he  huma  narração  em  verfo  he- 
róico das  acções  illuftres  de  alguns  Heròes.  NaÕ  direy  agora  toa- 
das as  partes.,  de  que  fe  deve  formar,  as  quaes  todas  defcreveo  em' 
breve,   mas  elegante  eftiio  o  Padre  Lejay,  fazendo-as  fumma-- 
mente    perceptiveis  no  concifo  ,  c  claro  modo   de  dizer,   por-- 
que  naó  entro  a  dar  documentos,  quando  lómenre  íe  me  pede  in- 
/orma(^5  defte  livro.  He  certo  pelo  que  dizem  os  Autores  ,  que 
iium  Poema  que  mereça  verdadeiramente  o  nome  de  Poema  naó 
o  ha  pelas  condiçóes  que  fe  lhe  fuppoem    neceíTarias  ,  e  preciíàs.- 
Deve  de  ter  huma  fo  acçaó  ,  que  naó  ha  de  fer  nem  muito  anti- 
gna  ,  nem  muito  moderna  ;  deve  de  ter  hum  fóHeroe,  mas  tao- 
eminente  aos  íeus  companheiros,  que  pareça  fempre  mayor  ,  nunn 
cu  Igual,  dclcnido  de  que  he  notado  Torqiiato  Taíío  ,  que  tudo. 
quanto  houve  de  grande,  e  de  illullre  no  fitio  de  Jcrufalem  attri- 
bii^.a  Reginaldo  ,  aT^ACfedo,  ea  Raymundo.,  deixando  a  Go» 

dpfredo, , 


cJofredo,  que  he  o  feii  Heròe,  fó  com  a  fatísfaçaó  de  fei-  tefte  mu- 
nha  de  tudo,  e  de  cooperar  como  particular,  e  naô  como  íiipe- 
rior :  o  que  melhor  fe  prova  que  refolvendo  Godofredo  na  au- 
fencia  de  Reginaldo  levancar  o  cerco  da  Cidade  Santa  ,  e  voltan- 
do depois  Reginaldo  ,  mudou  de  lorte  de  opinião  ,  que  aos  Tolda- 
dos íe  lhes  infundio  tal  valor  ,  qne  íe  lhes  rendeo  a  Cidade  íkia-, 
da,  demaneira  ,  que  pelas  leys  ,  que  fe  daõ  pnra  a  bondade  de 
hum  Poenia,  o  Poema  Heróico  lie  Chimera  ,  que  naó  pode  ex- 
iítir. 

Com  tudo  eu  creyo  que  efte  quaíi  impofiivti  o  confeguio  o 
Autor  nefte  Poema,  porque  o  Conde  D.  Henrique,  que  he  o  íeu 
Heròe,  hc  taô  fuperior  a  todos  os  companheiros  das  íuas  acçúes', 
que  íempre  íè  lhe  conhece  a  differença  ,  que  fe  dà  entre  Príncipe 
e  Vaífallos.  A  acçaõ  he  huma,  qual  he  a  tundaqaõ  do  feu  Império. 
A  verofimilidade  que  he  huma  das  partes  da  acçaõ,  íevé  aqui  com 
toda  a  decência,  e  propriedade,porque  tudo  o  que  finge  à  fecun- 
dilfima ,  e  difcreciííima  idea  do  Autor ,  poderia  íer,  ainda  que  naõ 
foy.  Naõ  le  vè  aqui  o  que  com  rifo,  e  indignidade  fe  vc  em  Ho- 
mero, e  em  Virgílio,  Meftres  ,  e  Lentes  de  Prima  mais  que  jubi- 
lados da  Poefia  Grega,  e  Latina.  Eu  naõ  duvido  que  a  antiguida- 
de lhes  conciliou  toda  efta  grandeza  ,  mas  íendoeu  grande  vene- 
jador  àã  antiguidade,  naõ  palia  o  meu  reípeito  a  buma  obftina- 
da  cegueira.  Se  bafta  a  antiguidade  para  violentar  ,  e  arraftrar  a 
razaõ,  taõ  antiga  he  a  idolatria  ,  que  muitos  lhe  daõ  o  feu  infeliz 
principio  nos  filhos  de  Seth  ,  e  ninguém  haverá  que  affirme  que 
a  idolatria  merece  eftimaçaõ  por  haver  muiços  feçulos,  que  leiníi 
troduzio.  :; 

Que  importa  que  Homero ,  eque  Virgílio  fejaõ  antigos  para  < 
defculpa  do  que  elcreveraó  ?  Pode  parecer  bem  ainda  ao  mayor 
idolatra  da  antiguidade  efcrever  Homero  que  Achilles  converfa- 
va  com  os  feus  eavallos  ,  e  que  elles  diícorriaó  com  o  íeu  Heròe 
íobre  o  eftado  futuro  dos  feus  llicceííos  ?  Eu  creyo  qtie  quando 
Horraero  efcreveo  efte  difparate  ,  efrava  raõ  cego  nojuizo,  como 
nos  olhos  Qiie  haja  ,  c  que  houveíTe  homens  ,  que  foíTem  capazes 
de  tratarem  com  cavailos  ,  naõ  o  duvixdo  ;  mas  que  os  cavailos 
pcrcebeflem  os  conceitos  humanos  ,  e  que  refpondelTem-,  como 
íê  foflem  racionaes,  ifto  devia  de  íer  em  Grécia  ,  e  foy  generoíi- 
dade  de  Homero ,  que  quiz  dar  juizo ,  a  quem  a  natureza  naõ  deO' 
mais  do  que  inftincio.  Tudo  podia  dizer  ,  quem-  naõ  conhecia  a 
indignidade  do  que  imaginava. 

Parece  que  foy  pena  da  imitação  de  Homero  o  que  diífe  Vir- 
gílio ,   qi|e  huma  arvore -natural.  produTia  ■  hum  raino  de  ouro, 

que 


que  Tem  duvida  fe  deve  de  rer  por  benefirio  da  Chfyfopeya  poe-> 
tica,  que  do  cadáver  de  Polidoio  nalceraó  varas  íViióliferas,  eque 
os  navios  de  Eneas  íe  transformarão  eai  Ninfas.  Qiic  direy  das 
lagrimas  que  diz  Homero  dos  cavallos  de  Achilles?  Pareceo  tam- 
bém ao  mefmo  Virgílio  aquella  corrente  de  lagrimas  deftes  caval- 
los ,  que  a  Ethon  ,  que  o  havia  fido  de  Pallanre  ,  quando  repre- 
lenca  a  fua  pompa  funeral  ,  o  defcreve  chorando  na  marcha  j  in- 
verofímilidade  que  o  Padre  la  Cerda  commentando  efte  lugar  cor- 
robora com  a  autoridade  de  muitos  Poetas,  e  Hiftoriadores,  por- 
que he  vicio  geralmente  introdufido  nos  Commentadoies  quere- 
rem defender  tudo  quanto  diííe  ocommentado,  luppondo  como 
infalliveis  as  fuás  opinioens,  felicidade  que  naõ  teve  o  noffo  gran- 
de Camões, porque  alguns  dos  que  o  explicarão,  naõ  tiveraõ  com 
elle  efta  attençaó.  Eftas  lagrimas  nos  brutos  naõ  íó  foy  afierçaó 
de  Poetas,  mas  também  de  alguns  Hiftoiiadores,como  Suetonio,  e 
Piinio  ,  e  ainda  que  Aldrovando  quaíi  entendeo  que  eraõ  encare- 
cimentos poéticos  ,  juftifica  efta  opinião  allegando  vários  Auto- 
res. Eu  naõ  duvido  que  houveíTe  demonftraçaõ  como  de  agrade- 
cimento nos  brutos  para  com  os  feus  bemfeitores,  que  na  fua  fal- 
ta fe  deixarão  morrer  ;  e  fe  elles  tivellem  o  fegredo  de  chorarem, 
naõ  fatiaó  a  fineza  de  morrerem.  Entendo  que  íaõ  exaggeraçóes 
inverofimeis  ,  porque  as  lagrimas  faó  filhas  do  diícurfo,  o  difcur- 
fo  he  effeito  da  razaó  ,  e  aonde  naõ  ha  as  premiíTas,  naõ  fe  pôde 
íe^^uir  a  çonfequencia. 

Se  quem  os  efcrevia  dava  credito  a  eftes  ímpoíliveís  ,  naõ  fey 
o  que  diga  ;  e  fe  era  para  divertir  a  quem  ouvia  contar  eftes  ar- 
monicos  deíconcertos ,  bem  lhes  podia  lifonjear  os  ouvidos  cora 
acções  mais  verofimeis.  Que  direy  da  facilidade,  com  que  o  mef- 
mo Poeta  introduz  nos  Campos  Elifios  ao  feu  piedofo  Eneas  pa- 
ia fazer  huma  vifita  a  feu  Pay  Anchifes  para  ouvir  da  fua  boca  a 
futura  grandez-a  da  Republica  Romana,  quando  era  mais  natural 
que  o  foubeíTedaSibillaCumea,  a  quem  fe  attribuhia  o  efpirito  de 
profecia,  e  que  na  entrada  da  infernal  caverna  ja  lhe  tinha  dado 
argumentos  do  mefmo  dote. 

O  Heroe  ,  como  todos  aíTentaõjdeve  fer  de  tal  forte  conftan- 
te,  que  ha  de  fer  íuperior  a  todo  o  género  de  adveríidade,  e  naõ 
ha  de  haver  acçaõ  por  árdua  que  feja,  que  naõ  ceda  ao  feu  valor, 
que  para  ilfo  fe  fuppoecn  Heroe.  E  como  le  compadece  ifto  quan- 
do vemos  a  Eneas  todas  as  vezes  que  ouviado  algum  trovaójC  todas 
as  vezes  que  o  vento  paliava  de  Favonío,  ou  de  Galerno  ,  ja  poí- 
to  de  joelhos ,  chorando  como  o  mais  tímido  homem  do  mundo, 
c  pedindo  foccortp.  ao  Ceo  naqueiies  perigos.  Eílas  acções  mais 

pare- 


parecem  de  carpidor,  que  de  Herce.  Qiie  faria  Eneas  Te  lhe  fucce- 
dera  o  marimoto ,  qiie  experimentou  D.  Vafco  da  Gama?  Naõ  te- 
riamos  os  Reys  de  Albânia  ,  porque  morreria  de  fiifto,  e  naõ  di- 
ria o  que  diliè  o  lUuftre  Gama  aos  (eus  companheiros ,  que  aqael- 
la  extraordinário  movimento  era  medo  do  mar ,  íentindo  fobre 
íi  o  pezo  de  taõ  vakrofos  loldados  ,  como  cantou  o  iníígne  Ca- 
mões na  Ertancia  47  do  Canto  II. 

O'  gente  forte  ,  e  de  altos  penfamentos 
Qíie  tambcm  delia  hao  medo  os  elementosl 
Ifto  he  íer  Heroe. 

Qiie  lagrimas  tau  indignamente  derramadas, como  as  do  pie- 
dofo  Eneas  na  morte  de  Palinuro  ,  que  era  hum  miferavel  Piloto? 
Naõ  podia  fentir  mais  a  morte  deíeu  Pay  Anchifes,  que  na  de  Tua 
mulher  Creufa  naõ  fallo  ,   porque  naõ  faltaõ  autores  ,   que  affir- 
maó  que  elle  mefmo  a  matara  em  obfervançia  do  paóto  que  fizera 
com  os  Gregos  de  naõ  ficar  com  vida  filho  algum  do  infeliciílimo 
Priamo,  porque  efte  Heroe  fundava  a  mayor  parte  da  fua  gran- 
deza em  acqões,  de  que  ou  íe  naõ  devia  de  fazer  cafo,  ou  que  naõ 
mereciaó  eítimaçaõ.  Que  acçaó  mais  heróica   que  ver  a  hum  ho- 
mem taõ  infigne  ,  como  o  piedoíò  Eneas,  deftinado  para  funda- 
dor do  império  Romano,  occupado  com  toda  a  fua  geiUe  em  cor- 
tar ramos  de  arvores  para  compor  ,  e  adornar  com  elles  a  fepultu- 
ra  de  Mifeno,  que  podendonos  períuadir  que  leria  algum  homem 
digno  da  mayor  eílimaçaõ  ,  pois  íe  lhe  faziaõ  na  morte  taõ  publi- 
cas demonftrações  de  fentimenro  ,  /abemos  qué  o  íeu  minifíerio 
era  no  mar  empunhar  hum    rerno  ,    e  tocar  ha  terra  Kuma  trom- 
beta. Qiie  compaílívo  patrono  perderão  os  Algaravíos ,  eosTrom- 
beteiros  negros  em  naõ  alcançarem  os  tempos  do  piedoíò  Eneas! 

Huma  das  partes  ,  de  que  reíulta  a  perfeita  Epopèa,  he  a  àos 
coílumes ,  que  deve  ter  o  Heiòe  cm  gráo  peifcito,  poiquenaõ  fe- 
ra jufto  que  hum  Varaó,  que  ha  de  fer  o  extmplar  de  todos,  achem 
CTS  que  delle  dependem  ,  vícios  ,  que  imitem  huns  ,  e  que  efçanda- 
lizem  a  outros.  Ela  de  fer  pio  ,  magnanin.o,  genetolo,  affavel  ,  e 
independente  :  ha  de  receber  os  tributos  ,  como  obrigação  dos 
vencidos  ,  naõ  como  fatisf.nçoõ  da  cobiça.  Todas  as  (uas  accoens 
haõ  de  refpirar  valor,  e  ms^eí^ade,  e  de  nenhum  medo  ha  de  dar 
mào  exemplo  pelo  perigo  da  imitaçaõ„ 

Naõ  o  praticou  aíiim  Virgílio  com  o  feu  piedofo  Eneas  nós 
divertimenros  ,  que  lhe  fingio  com  a  Rainha  Dido  (Princeza  mo- 
deíti-ífima  ,  e  que  para  naõ  ccntrahir  o  legundo  caíamento  com  hií 
Rey,  que  a  pretendia  ,  fe  queimou  viva  5  infâmia  de  que  a  refgatoii 
a  diicreta  pena  de  Aufomo  no  Epigramma  1 1  g. }  e  aTendec  ao  a- 

mor 


mor  de  hnm  homem  defconhecidoje  peregrino.  Anachronlímo 
verdadeiramente  atrevido  íobre  fallo  ,  porque  tendo  vindo  Eneas 
a  Itália  3  50,  antes  da  fundação  de  Roma ,  fetenta  annos  depois  de 
íe  fundar  ac|4.]ella  Senhora  de  todas  as  naçoens,  deo  principio  a 
Rainha  Didoà  Cidade  de  Carchago.  Bem  ley  que  os  Poetas  tem 
algumas  vezes  os  privilégios  de  Piofetas,  por  onde  fe  lhes  dá  o  no- 
me de  Vates,  que  he  perturbarem  artificiofamente  a  ordem  dos 
tempos  :  porém  naõ  ha  de  íer  pelos  fins  indecentes, como  efte,  que 
fingio  Virgílio,  para  infamar  huma  Prijn1f*za,  que  naõ  merecia  ef- 
ta  injuria  pelas  accoens  prudentiíTlmas  da  fua  vida. 

Como  íe  pôde  perfuadir  quefoííe  magnânimo  Eneas,  vendo- 
o  matar  a  Turno,  que  lhe  pedia  a  vida  com  todas  as  demonftra- 
çoens  de  rendido?  Nem  parece  que  bafta  a  defculpa  que  fe  ailega 
para  efta  vileza,  o  verlhe  pendente  dos  hombros  ainfignia  militar, 
de  que  tinha  defpojado  a  Pallanre  ,  porque  eííe  motivo  na  opinião 
de  muitos  foy  prererao  paia  disfarçar  a  própria  vingança  com  a 
fineza  da  amizade. 

Nenhum  deftes  ou  defcuidos,  ou  erros  verá  o  mais  efcrupu- 
lofo  Leitor  nefie  Poema,  porque  além  de  fcr  comporto  depois  dei- 
tas, e  de  outras  Cenfuras  aos  Poemas  de  Homero,  e  de  Vírgilio, 
todos  fabem  que  a  mefma  gsneroíidade  do  illuftre  fangue  de  feu 
-Autor  Excellentiííimo  paílou  a  animar  a  fua  pena,  e  que  naõ  podia 
haver  fenielhante  nota  em  hum  entendimento,  que  medita fempic 
aççoens  heróicas,  o  que  provara  com  evidencia,  feo  juizo  ,  que 
faço  das  letras  ,  pudeíle  paíTar  ao  das  armas  fem  a  nota  de  aíFeóta- 
jçaó.  Tudo  nefte  Poema  he  igual,  porque  a  íentença  que  he  outra 
parte  da  Epopèa  ,  he  fummamence  delicada  ,   e  taó  própria  ,  que 
parece  que  fe  naõ  podia  dizer  de  outra  forte,  e  adicçaõ  finalmen- 
te he  taó  elevada,  taõ  clara,  e  raó  conftante,  que  tira  as  eíperanças 
de  fer  imitada.  Entendo  que  efte  Poema  ,  em  que  fenaõ  vè   pala- 
vra contra  a  Fé,  ou  bons  coftumes,íe  deve  de  imprimir  para  que 
íirva  a  todos  de  exemplar, e  de  admiração.  A  outros  Autores   de- 
ve-fe  dar  a  licença  para  imprimir  ,  para  que  por  beneficio  da  im- 
preílaõ  mereçaó  a  fama:  porém  no  Excellentiííimo  Autor  deílePoe» 
rca  naõ  he  allim ,  porque  tem  chegado  a  raó  alto  ponto  de  gloria, 
que  nnó  pode  ter  augmento,  porque  a  fua  vafliíTlma  erudição  he 
taõ  coniieoida  por  toda  Europa,  comoo  dizem  as  íuas  doutiílimas 
correfpondencias  em  Itália  com  os  Cardeaes  Conti,  depois  Inno- 
cencioXlII.  e  Cienfuegos,   com  Muratori,   Bianchini,  Creícim- 
beni,  e  o  illuftre  CongrelTo  dos  Árcades  com  a  íua  Excellentiííima 
Sociedade  fatisfizeraõ  a  louvável  ambição  de  aggregarem   ao  feu 
Gprpo  hum  dos  mayorss  homens  do  mundo:  em  Alemanha  com. 

d  II 


du  Mont,  e  Garclll ,  em  Olanda  com  le  Clerc  ;  e  Bayle:  em  Ingla- 
teiTB  com  Sylveftre  ,  c  outros  da  Saciedade  Real  em  que  ja  feacha 
introdufidoiem  França  com  Boileau,Renaudot,Bignon, la  Roque, 
Ncufuille,e  outros  muitos  em  que  entra  o  grande  Marechal  de 
Schomberg  ,  de  cuja  heróica  hoca  aprendeo  pelo  efpaço  de  hum 
anno  a  Arte  militar  :  em  Eípanha  com  Salazar  ,  que  foy  o  Con- 
de D.  Pedro  da  fua  idade,  Mayans,  c  Feijó,  vendo,  e  ouvindo 
celebrado  o  leu  nome  ,  com  mais  de  trinta  Dedicatórias ,  entre 
as  quaes  merece  particul^f^memoria  a  da  Critica  de  D.  Salvador 
Jozè  Maííer.  Naõ  pôde  haver  cfcrupulo  de  lizonja  nos  louvores 
defte  Autor  Excellentiífimo,  pois  Tabemos  que  de  tal  forte  concor- 
reo  a  naturefa  para  o  fazer  grande,  que  na  idade  de  oito  annos  ja 
era  Académico  Inftantaneo,ede  poucos  mais,  Académico  dosGc- 
nerofos,  aonde,  quando  fe  renovou,  foy  Preíidente  fendo  de  vin- 
te annos  ,  Secretario  ,  e  Protedor  da  Academia  Portugueza  ,  e 
Cenlor,  e  Diredor  da  Real,  e  pela  fua  rara  viveza,  grande  enge- 
nho, e  mayores  noticias  naõ  houve  Certame  poético  no  feu  tem» 
po ,  de  que  naõ  foíTe  Juiz ,  e  de  taõ  virtuofa  hydropeíía  em  jun- 
tar livros,  que  acreícentou  à  Livraria  que  herdara,  mais  de  vin- 
te mil  volumes  efcolhidos  ,  e  íeis  centos  manufcritos  de  muita  ef- 
timaçaõ  ,  e  naõ  podendo  fer  mayor  a  fama  defte  Autor  Excellen- 
tiífimo, fahindo  agora  a  Henriqueida  á  luz  publica,  dará  mais  hum 
Hovo  argumento  ,  e  hum  illuftre  teftemunho  do  que  todo  o  mun- 
do venera.  Efte  he  o  meu  parecer.  V.  Eminência  mandará  o  que 
for  fervido.  Lisboa  Occidental  nefta  Cafa  de  N.  Senhora  da  Di- 
vina Providencia  de  Clérigos  Regulares  14.  de  Setembro  de  1738. 

D.  Joz,e  Barbozjt  C,  R, 


Vlíla  a  informação  pòde-fe  imprimir  o  livro  de  que  fe  trata, 
e  depois  de  impreíTo  tornará  para  fe  conferir  ,  e  dar  licença 
para  que  corra.  Lisboa  Occidental ,  í;.  de  Setembro  de  1738» 

Gouvea, 


DO 


DO    PAQO. 

CENSURA  DO  M,  R.  P.  M.   PAULO  AMARO  DA   COMPA- 
ííhia  de  Jefu ,  ^c» 

SENHOR. 

SE  a  obeHieiíciâ  por  goftofa  perdeíTe  o  íer  meritória  ,  nada  me- 
receria o  meu  rendimento  ao  preceito ,  com  que  V.Mageftade 
me  ordena  veja  a  Henriqiieida  compofta  peio  Conde  da  Ericeira 
D.  Francifco  Xavier  de  Menezes  ;  pois  o  gofto  ,  com  que  a  vi ,  i- 
gual  à  expeótaçaõjCom  que  acompanhava  os  dezejos  de  toda  a  Re- 
publica Literária,  foy  taõ  grande,  que  antes  devo  dar,  como  dou, 
a  V.  Mageftade  as  gra<^as,  pela  anticipaçaó,  com  que  fatisfez  aos 
meos  dezejos ,  do  que  publicarme  obediente  ao  Teu  preceito  com 
a  devida  execução  delle,pofl:o  que  árdua  para  a  tenuidade  do  meu 
juizo  ,  havendo  de  interpor,  como  íbu  mandado  ,  o  meu  parecer 
em  obra  taó  heróica  :  porque  ainda  que  a  obediência  ,  que  para 
fer  perfeita,  ha  de  fer  cega ,  atropelalíe,  como  tal,  o  conheci- 
mento próprio  ,  parece  me  fazia  menos  apto  para  Cenlor  a  ex- 
cepção de  foípeito  ,  aíTim  pela  veneração  peflfoal ,  com  que  íem- 
pre  refpeitey  os  incomparáveis  talentos  do  Autor  ,  como  pela  o- 
brigaçaó  commua  da  Religião  ,  que  profeflTo,  â  fua  Excellendílirna 
PeíToa  ,  e  Cafa  ,  jufta  ,  ainda  que  fempre  diminuta  retribuição  ao 
amor,  e  empenho,  com  que  favorece  efta  minima  Companhia. 

E  íem  fer  neceííario  mendigar  teftemunhos  da  antiguida- 
de, nos  noíTos  tempos  fe  me  oftereciaõ  os  motivos,  que  no  nof- 
fo  agradecimento  (e  poderiaó  julgar  calificada  prova  dafofpeiçaõ. 
Tal  foy  o  mageftofo  apparato  ,  com  que  o  Author  fe  empenhou 
igualmente  em  honrar  os  vivos  ,  e  em  celebrar  as  honras  fúne- 
bres de  hum  Jefuita  morto  ,  o  grande  P.  António  Vieyra  j  procu- 
rando com  vozes  mudas  ,  e  eloquência  viva  eternizar  a  vida  da- 
quelle  heroe,  que  lhe  roubara  a  morte,  e  gravando  com  os  mel- 
mos  caracteres  no  mauíoleo,  que  lhe  erigia,  o  Ní>«  />/í/í  uIua  da 
Ina  magnificência,  e  o  da  noíTa  obrigação  pelas  demonftraçoens 
de  amor,  que  confagrava  à  memoria  de  Vieyra,  a  qual  com  fua 
vener-qaõ  fazia  mais  iaacloía.  Tal  he(na5  fallando  em  quem  her- 
dando do  Autor  com  íí  (angue,e  virtudes  o  aífedo,  chegou  a  pu- 
blicar por  í^hn-ia  ^  r;Mfura  de  Amigo  da  Companhia)  tal  he  a  íín- 
gyhr  benevoienciíí  >  com  que  repetidas  vezes  a  f^a  nativa  eloquen- 
C'  :    :-■  cia 


cia  animada  com  o  amor ,  c  zelo  ou  refreou  a  protervia  dos  noí- 
fos  emulos  ,  ou  fez  callar  convencida  a  loquacidade  dos  iiial- 
dizentes.  E  para  naõ  hir  mais  longe  nefta  meíiTia  cbia  no  Canto 
8.  outava  9.  ainda  que  em  rermoj.  conciíos,  expoz  o  Autor  hum 
largo  teftemunho  ào  leu  afleclo,  e  hnm  novo  motivo  p".ra  a  roí- 
fa  obrigação  ,  tal  ,  que  a  haver  nefte  Poema  coula  digna  de  cen- 
fura,  luíbmente  fe  poderia  temer,  que  o  aífeólo,  pintor  deftriííi- 
mojde  tal  forte  temperaífeas  cores, que  reaiçaííe  luzes  das  mefma-s 
jòmbras.  Porém  he  tal  a  excellencia  delia  obra,  e  de  leu  Author, 
raõ  grandes  os  créditos  ,  que  com  íeus  eruditiííimos  eRriros  tem 
conleguido  na  Republica  Literária  ,  que  chegou  a  fazer  impolE- 
vel  a  fofpeiçaó ,  ainda  cm  quem  tiveíTe  motivos  paia  íet  o  mais 
apaixonado.  Eíta  a  eaufa,  porque  pofto  de  parte  todo  o  efcrupulo, 
que  em  tal  cafo  por  falta  de  matéria  rodo  he  impertinente  ,  me  re- 
iolvo  mais  como  interlocutor  da  voz  publica,  que  como  Ceníor, 
a  dizer  a  V.  ivlageftade  o  que  finto. 

Se  nefte  Poema  verdadeiramente  heróico  fe  attender  o  feu 
Autor,  no  melmo  titulo,  que  o  publica,  traz  a  mais  calificada 
approvaçió;  pois  naõ  ha  quem  ignore,  que  fendo  a  Cafa  da  Ericei- 
la  fecundiíUma  de  Varoens  doutos  ,  e  de  Efcritores  eruditiííimos, 
como  teftemunhaõ  tantas  obras  ,  com  que  tem  eternizado  o  feu 
nome,  c  enriquecido  a  Pátria,  no  Author  deíla  le  preverteo  a  re- 
gular ordem  da  natureza  ,  que  por  limitada  parece  fe  canfa  nas 
producçóes,  hindo  fempre  em  diminuiçaõj  porque  depois  de  tan- 
tos Herocs,  e  taó  granties,  fahio  á  luz  com  efte,  que  fe  naõ  teve 
a  gloria  de  primeiro  ,  pode  ter  a  jadtancia  de  único  ,  e  de  que  a 
repetida  producçaõ  de  tantos  Varoens  infignes  ,  quantos  venera- 
mos em  feus  Alcendentes  ,  foy  cníayo  ,  para  que  o  mundo  lo- 
graílè  no  Author  hum  máximo  ,  em  quem  fe  admiraíTe  compen- 
diada toda  a  erudição  ,  e  fabedoria  ,  que  repartida  pelos  outros 
bailava  a  fazer  cada  hum  grande.  Naõ  he  encarecimento  meu;  he 
confiílàõ  de  rigorofa  juftiça;  pois  tem  comporto  íb  o  Author  dei- 
la  obra  igual  numero  de  volumes  ao  de  todos  léus  Afcendentes: 
fendo  tanto  mais  para  admirar  ,  íe  fe  attende  á  diverfaõ  dos  ne- 
gócios políticos ,  e  militares  foiçozos  aos  feus  empregos,  que, 
occupando  o  tempo  ,  coftumaõ  perturbar  as  efpecies ,  e  interrom- 
per o  focego,  que  Ovidio  julgava  taó  precizo  para  a  eulrura  das 
muzas,  e  o  naõ  he  menos  para  o  eíludo  das  fciencias.  Mas  para 
em  tudo  fer  grande  o  Author ,  até  nifto  fe  havia  de  aíTemelhar 
a  Cezar,  a  quem  nem  o  governo  politico  da  Republica  embara- 
çava a  applicaçaõ  aos  livros ,  nem  o  manejo  da  e/pada  retardava 
os  voos  da  pena:  e   fempre  com  ventagem  ,  naõ  fó  peia  multidão, 

c  ii  e  va- 


e  variedade  de  obras  ,  mas  pela  circnnftancía  doí  annos  ,  é  efla- 
do  prefente  ;  pois  ainda  quando  ja  cego  naó  ceíTa  de  illuftrar  a 
Pátria  ,  e  diftundir  as  luzes  da  infinita  erudição,  que  entezourou 
feu  incançavel  eftudo. 

Sey  que  Demócrito  grangeou  os  créditos  de  mayor  filofofo 
à  cufta  da  vifta,  deque  fe  privou  ,  para  que  mais  applicado,  por- 
que menos  divirtido ,  pudeífe  contemplar  os  Cegredos  da  nature- 
za ,  donde  nafceo  dizer  delle  Cicero  vio  mais  Deimocrito  cego, 
que  roda  Grécia  com  vifta:  íey  que  Homero  Principe  dos  Poetas 
Gregos  padeceo  a  faka  de  vifta,  c  que  Ennio  Aufidio  ,  íèndo  ce- 
go ,  naó  íó  íe  occupava  no  emprego  publico  de  Senador,  mas  em 
particular  na  compoííçaó  da  hiftoria  Grega:  com  tudo  na  ceguei- 
ra do  Author  defcubro  eu  mayoies  luzes;  pois  naó  fó  ferve  ao  pu- 
blico ,  como  Aufidio  ,  nos  Coníeihos ,  e  Juntas ,  de  que  hc  Minif- 
tro  mcritiíiimo,  fe  naó  que  o  vence  ,  naó  fe  occupando  ,  como 
clle,  em  huma  ló  hiftoria,  nem  ,  como  Homero  ló  em  dous Poe- 
mas ,  mas  em  cantas  ,  e  taõ  diverfas  matérias  ,  como  labemos  ,  c 
dezejamos  íayba  o  mundo  todo  por  benehcio  da  eftampa. 

E  fe  a  cegueira  de  Demócrito  ,  padecendo  o  dezar  de  ambi- 
ção ,  e  impiedade ,  o  fez  Oráculo  entre  os  Filofofos ,  a  do  Authoc 
o  faz  digno  da  mayor  admiração  ,  porque  mais  incompatível  com 
os  feus  eftudos  ,  e  efcritos.  Que  diícorra  com  mais  acerto  ,  e  agu- 
deza nas  matérias  Filofoficas  hum  cego  ,  bem  le  entende;  porque, 
fuppoftos  os  princípios,  e  atalhada  com  a  falta  de  vifta  a  divcrfaõ, 
que  caufaõ  os  fentídos  externos  ,  fe  avivaó  mais  os  internos  ,  e  fe 
emprega  toda  a  alma  nos  difcurfos  ,  fendo  poriífo  eftes  mais  acer- 
tados, e  as  conclufoens  mais  concludentes.  Mas  que  hum  cego, 
como  o  Author  ,difcorra,  eefcreva  cora  tanto  acerto  em  matérias 
taõ  vaftas,  juntando  em  hum  tantos  eftudos ,  como  os  da  Hifto- 
ria,  Poezia,  Mathematíca,  Chronologia,  Politica,  Genealogia, 
Militar ,  Filologia ,  Erudição  ,  e  os  mais  ,  com  que  illuftra  (uas  o- 
bras ,  e  em  cada  hum  com  tal  magifterio  ,  como  fe  fó  aquelle 
profeíTaííe,  he  (em  duvida  aílombro  da  facilidade  ,  pafmo  da  eru- 
dição, etfeíto  raro  do  eftudo,  portento  da  memoria,  e  para  dizer 
tudo  ,  monftrozidade  de  engenho.  E  hum  tal  Autor  mal  podia 
dar  ao  publico  obra,  que  naó  foífe  parto  legitimo  de  feu  raro  ta- 
lento, e  poriífo  naó  íó  acrcdor  da  approvaçaó  ,  mas  da  veneração 
comua. 

Tal  he,  Senhor,  efte  Poema  ;  porque  ,  fc  le  atténde  à  for- 
ma ,  nelle  fe  vem  religioílílimamente  obfervadas  as  leys  da  Epo- 
peia por  raõ  poucos  praticadas  ,  quando  o  pedia  à  obrigação,  qu« 
íc  impunhaó  ,  no  alfumpto,  que  toraavaó :  donde  fc  fegue  poífo 

dizer 


Jizer  fem  aflrcfVaçaõ  ,  qije  à  vifta  defte  Poema  heróico  naõ  tem 
Portugal  que  envtfjar  a  Grécia  o  feu  Homero,  a  Itália  os  Viigilios, 
Eítacios  ,  Taílbs,  e  Arioftos  ,  a  França  o  Brebeuf,  a  Inglaterra  o 
,  fcu  Milron  ,  a  Hefpaniia  o  feu  Gongora ,  Jiern  ainda  íèntir  de  fau- 
dolo  a  falta  do  grande  Luiz  de  Camões  ,  e  de  íeu  fiel  imitador 
Gabriel  Pereira  de  Caftro  ;  pois  logra  de  prezcnre  no  Author  hum 
Poeta,  que  fe  naõ  foy  primeiro  na  ordem  dos  annos  ,  naó  he  fe- 
guudo  no  fácil ,  luave ,  claro  ,  e  conftante  do  eftillo  ,  no  delica- 
do ,  e  próprio  da  fcntença  ,  no  agudo  ,  e  grave  dos  conceitos, 
no  agradável  dos  epifodios  ,  no  vario  ,  e  deleitofo  da  textara;  e 
para  dizer  tudo  ,  cm  todas  as  qualidades  ,  que  fe  requerem  para 
hum  confuinado  Meftre  da  Poeíia. 

E  aíTentando  efta  forma  Ibbre  huma  matéria  taó  heróica, 
qual  he  a  Acçaõ ,  com  que  o  Senhor  Conde  D.  Henrique  tronco 
da  Auguftiflima  ,  e  Real  Caía  de  V.  Mageftade  lançou    os  funda- 
mentos á  grande  maquina  do  Império  Portuguez  ,  naõ  podia  dei- 
xar de  refultar  hum  compofto  taó  admirável ,  como  confeflarà 
o  mundo    todo  ,  quando  por  meyo  do  prelo  fe  veja  enriquecido 
com  efte  thezouro  de  eloqucncia,e  erudição, a  cujo  applaufo  ío  po- 
derá faltar  o  da  enveja  pela  que  pode  caular  a  obra  por  inimitá- 
vel ?  E  porque  nem  ao  publico  fe  retarde  eíle  gofto,  nem  ao  Au- 
thor cila  gloria  ,  digo  que  fendo  V.  Mageftade  taó  eftimadoc  da 
Peífoa  do  Author,  taõ  zelofo  do  credito  daNaçaõ,taõ  amante  das 
boas  letras  (  coníequencia  quaíi  forçoza  da  alta  intelligencia,  que 
delias  tem  )  e  juftiííimamente  acclamado  no  feu  Reyno  ,   e  nos  ef- 
tranhos  por  Mecenas  das  Artes  liberaes,   naõ  fó  julgo  convenien- 
te conceda  a  licenqa  ,    que  fe  pede  para  a  eftampa  defte  volume, 
mas  que  com  efficacia  igual  ao  zelo  do  bem  publico  ,  que  em  V. 
Mageftade  reyna,  ordene  ao  Author  naõ  roube  com  furto  taõ  ma- 
nifefto  afia  gloria  jC  a  nòs  o  proveito,  que  a  todos  ha  de  rezul- 
tar  de  dar  á  luz  os  trinta  e  féis  volumes  ,  que  ainda  lhe  reftaói 
porque  fendo  por  filhos  do  mefmo  Pay  Irmãos  de  fte  ,  he  mais 
que  jufto  o  acompanhem  no  prelo  ,  e  corraó  o  mundo,  multipli- 
cando ,  lè  naõ  a  gloria  de  íeu  Author  ,   porque  naõ  pode  Ibbir  a 
mais,  os  tiuilos  paraa  veneração  de  íeu  notne  fempie  immortal. 
Efte  o  meu  parecer  ,  que  em  tudo  logeito  ao  mais  acertado  de  V. 
Mageftade.  Collegio  de  S.  Antaõ  da  Companhia  de  Jefa  ,   i  6.  de 
Novembro  de  1738. 

Paulo  Amar  tf  ^ 

Que 


aUe  fe  poffa  imprimir,  viflas  as  licenças  cio  Santo  Ofíício  >  é 
Ordinário  ,  e  depois  de  impreflo  tornara  a  efta   Meia  para 
íe  taixar  ,  e  dar  licença  que  corra  ,  fem  a  qual  naõ  correra, 
Lisboa  Ocjidcntal ,  1 7.  às  Novímbro  de  1738. 


Pereira,  Ttixeira,  V/(x,  de  Carvalhç.  Coelho.  CoJím» 


LICEN- 


LICENÇAS. 

•  Do  Santo  Oíficlo. 

Sú  conforme  com  o  íeu  Original ,  Lisboa  Occidental ,  lo. 
de  Junlio  de  1741. 

Fr,  Bernardo  do  Defterro. 

VIfto  eftar  conforme  com  o  Original,   pode  correr ,  Lisboa 
Occidental ,  lo.  de  Junho  de  1741 , 

Fr.  Rodrigo  de  Alemaflre.  Sjflva.  Sodres.  Abreu, 

Do  Ordinário. 

T)  0'de  correr ,  Lisboa  Occidental,   ii.  de  Junho  de   1741? 

D.  V.  A.  de  Lacedemonia. 

Do  Paço. 

TAixaó  efte  livro  em  papel  em  800.  reis,  para  que  poflfa  cor- 
rer. Lisboa  Occidental ,  21.  de  Junho  de  1741. 

PeretrA.  Teixeira.  Vaz  de  Carvalha. 


ADVER^ 


ADVERTÊNCIAS  PRELIMINARES 

ao  Poema  Heróico  da  Hcnricjueida, 

NA6  he  o  prologo  ,  que  íe  lé  ante§  de  princi- 
piarle  hnma  obra  ,  quem  juftifica  os  feus  de- 
feitos j  porque  eíles  fó  fc  julgaõ  depois  que  aquel- 
Ia  acaba  de  lerfe.  Pode  Ter ,  que  por  efta  cauía  naõ 
uzaííem  os  efcritores  antigos  defta  prevenção  j  pois 
fe  o  autor  reconheceo  alguns  erros  na  íua  obra, 
mais  útil  lhe  feria  a  emenda,  do  que  a  difculpa.  A- 
té  o  nome  ,  ou  a  fignificaçaõ  alterarão  os  moder- 
nos,dando-Ihe  o  que  fó  fe  acha  antes  das  Tragedias," 
e  Comedias )  e  como  aquellas  tem  leys  taõ  íeme- 
Ihantes  às  dos  Poemas  Heróicos ,  o  que  fe  juftifica 
na  Arte  Poética  do  Grande  Ariftoteles  ,  bem  po- 
dia eu  por  efta  razaõ  dar  aquelle  titulo  a  eftas  ad- 
vertências preliminares ,  fe  foíle  o  meu  fim  preve- 
nir a  atenção  dos  Leitores ,  ou  ganhar  com  humil- 
de adulação  a  fua  benevolência ,  por  temer  com 
indigno  receyo  a  fua  critica.  Em  feculos  mais  mo- 
dernos chamarão  os  Latinos,  e  denominao  asou* 
trás  naçoens  ao  prologo  Prefacio  ,  e  os  Portugue- 
zes  antigos  lhe  chamarão  Prefação ,  mudando-lhe 
depois  com  os  Heípanhoes  efte  titulo ,  que  lhe  era 
mais  próprio ,  no  de  Prologo ,  de  que  também  al- 
guns efcritores  tinha 5  ufado  nas  obras  em  proíà 
com  autoridade  de  Sao  Jeronymo  no  feu  Prologo 
Galiato  da  Eiblia.  Proemio  le  acha  em  Cicero ,,.  e 
Quintiliano  com  o  mefmo  uzo ;  que  fc  continuou 

d  em 


ém  tndo  o  que  precede  a  qualquer  obra ,  como  diz 
a  fua  Ethimologia ,  fendo  eíle  nome  mais  comum 
que  o  de  preludio  ,  apparato ,  e  outros,  de  que  naõ 
ha  exemplos  nos  Efcritores  Antigos ,  que  os  naô 
íêparavaõ  da  .introducçao  das  hiílorias  ,  do  exór- 
dio das  orações ,  e  da  propofiçaõ  dos  Poemas  he- 
róicos. Porém  como  o  meu  intento  he  fó  demonf 
trar  as  regras  ,  que  fegui  para  hum  Poema  Épico, 
que  he  o  ultimo  esforço  da  Poefia ,  e  dos  engenhos 
humanos,  me  pareceo  intitular  Advertências  Pre- 
liminares as  que  haviaô  de  preceder  a  Henriquei- 
da,  fogindo  da  oftentaçao  de  allegar  os  lugares  de 
muitos  autores  y  que  efcreveraõ  regras  para  os  Poe- 
mas Heróicos ,  que  faõ  mais  do  que  aquelles ,  que 
com  perfeição  as  feguirao  j  e  em  quanto  as  notas, 
com  que  determino  aclarar  algumas  alufoens  defte 
Poema  ,  fenaõ  lem  no  fim  delle  ,  fupriraÕ  de  al- 
gum modo  eílas  advertências  aquelle  commento  , 
que  naõ  hey  de  efcrever  por  vaidade  de  que  a  mi- 
nha obra  o  mereça  como  illuftraçaõ  ,  mas  como 
defeito  ,  pois  o  he  grande  hum  eftilo  efcuro  ,  que 
neceíTita  de  aclararfe  com  as  notas ,  fe  de  algum 
modo  nos  Poemas  naõ  foíle  obrigação  procurar  o 
eftilo  fublime  ,  e  a  menos  vulgar  erudição. 
IMITAÇAM. 
Reíblvime ,  naõ  íey  íe  com  demafiada  ouía- 
dia  j  a  exporme  ao  perigo  ,  em  que  naufragarão 
por  mais  de  vintq  e  íète  feculos  mais  de  quatrocen- 
tos Poetas  de  todas  as  nacoens  ,  que  efcreveraõ 

Poemas 


Poemas  Heróicos ;  e  naõ  íêy,  fe  concordarão  to- 
dos em  que  dous  de  cada  cento  ficarão  izentos  da 
critica  juíla  ;  e  ainda  entre  eftes  naõ  fó  íe  acharão 
Zoilos ,  que  indignamente  os  fatirifaraõ ,  mas  A- 
riftarcos ,  que  com  rígida  ,  e  naõ  fempre  imprópria 
cenfura  ,  pretenderão  defcubrirlhe  alguns  deícui- 
dos ,  de  que  naõ  podem  livraríè  nem  ainda  os  mor- 
taes,  que  prefumem  dar  immortalidade  aos  íeus  He- 
roes  j  e  com  elles  aos  íeus  efcritos.  Homero  fó  deo 
à  lingoa  Grega  os  dous  Poemas  perfeitos  da  Iliada 
que  he  o  mais  elevado ,  e  da  Odiflèa  que  he  o  mais 
engenhofo.  Oh  !  íe  eu  pudera  íeguilo  nas  idéas, 
como  hoje  a  minha  falta  de  viíla  o  iguala  neíle  de- 
feito !  He  o  iluílre  Melefigenes  o  mais  antigo  au- 
tor profòno  ,  que  exifte  ,  íendo  a  idade  ,  em  que 
floreceo ,  taõ  incerta ,  como  afua  pátria  ,  de  que 
agloriofa  difputa  ,  dizem  ,  caufou  a  guerra  entre 
fete  Cidades  :  naÕ  determino  agora  defendelo  das 
deílnerecidas  calunias  dos  que  naõíabem  tranfpor- 
taríe  aos  íeculos  antigos  para  conhecerem  o  génio 
dos  tempos ,  o  caracler  dos  homens ,  a  inclinação 
das  naçoens ,  e  o  eftilo  das  Lingoas :  alguma  noti- 
cia ,  que  tenho  da  Grega,  na5  me baílou  para  en- 
tendelo  bem ,  mas  procurey  ler  as  fuás  melhores 
Traducçoens  ,  e  comentos ,  fervindo-me  mais  que 
todos  o  da  eruditiíTima  Anna  Tanaquil  filha  do 
doutiíTimo  Fabro,  e  eípofa  do  igualmente  grande 
Mr.  Dacicr ,  que  na  mefma  traducçaõ,  e  notas  dos 
dous  Poemas ,  e  nos  Livros ,  que  efcreveo  contra 

d  2  aigno- 


a  ignorância  moderna ,  confervou  a  antiga  pofíè  a 
éfte,  quefoy  em  tudo  o  primeiro  dos  Poetas :  de- 
íèjey  imitalo  nas  fuás  principaes  partes ,  e  fegiiilo 
jnfos  combates  da  íliada  ,  e  nos  amores  ,  e  enredo 
da  Gdiflea.  Virgilio  entre  os  Latinos  nos  dá  quáfi 
-ô  único  Poema  perfeito  ,  e  o  tenho  pela  obra  hu- 
mana ,  em  que  íc  achaõ  menos  imperfeiçoens :  de 
longe  fep-ui ,  e  adorey  os  feus  veíligios ,  como  diz 
StaciOj*a  quem  dou  por  cfta  modeftia  ,mais  do  que 
lhe  arguo  pela  ília  efcura  elevação  ,  o  fegundo  lu- 
gar entre  os  Poetas  Latinos ,  e  como  os  vulgares  , 
de  que  logo  falarey ,  ainda  naõ  conhecerão ,  prin- 
-eipalmente  em  Hefpanha  ,  e  Portugal,  por  fubli- 
me  o  que  he  natural ,  e  claro  ,  leguindo  o  génio  da 
nação,  imiteyem  Stacio  algumas  figuras  mais  atre- 
vidas ,  como  também  os  jogos,  em  que  fe  dilata 
mais  que  outros  Poetas.  Jà  que  as  Muías  concede- 
rão apenas  mais  de  dous  Poemas  perfeitos  a  cada 
naçaõ  ,  direy  por  credito  da  Portugueza  ,  que  os 
feus  efcritores  derao  à  Lingoa  Latina  dos  moder- 
nos os  melhores  dous  Poemas ,  de  que  hum  hè  o 
Chauleidos  de  Diogo  de  Paiva  de  Andrade  ,  que 
naõ  cede  a  Stacio  no  efpirito ,  e  o  excede  na  clare- 
za j  e  o  outro  o  Paciecidos  do  P.  Bartolomeu  Pe- 
reira ,  que  pode  no  eílilo  compararfe  melhor  que 
todos  os  modernos  a  Virgilio,  ainda  que  a  matéria 
do  íeu  Poema  feja  mais  pia  que  heróica.  Da  mefma 
íbrte  deo  Portugal  a  Hefpanha  as  melhores  duas 
compofiçoens ,  que  tem  a  fua  Epopéa:  lea-fe  para 

juftifi- 


jiiftlfícíir  efta  propofiçaõ  ,  o  Alfonfo ,  ou  Lisboa 
Conquiftada  de  Francifco  Botelho  de  Vafconcel- 
los ,  a  quem  louvo  na  Oitava  185.  do  Canto  12.  e 
que  muitas  vezes  tem  impreííb  ,  e  emendado-, 
quando  na  primeira  ediçaõ  parecia  a  todos,  que 
naõ  havia  nelJe  que  emendar:  deixo  ao  juizo  publi- 
co a  deciíliõ  da  duvida,  que  pode  excitaríè  entre  o 
feu ,  e  o  meu  Poema  ,  naõ  fòbrc  a  excellencia  ,que 
lhe  naõ  difputo ,  mas  fobre  qual  dos  dous  efcolheo 
a  acçaõ  fiuidamental  do  Império  Lufitano,  pois 
eu  a  buíquey  no  principio  com  o  feu  fundador ,  e 
elle  na  Conquifta  de  Lisboa  com  o  íeu  primeiro 
Rey.  Miguel  da  Sylveira  também  Portuguez  deo 
no  Macabeo  outro  excellente  Poema  á  Lingoa 
Caílelhana  ,  a  quem  naò  figo  tanto  na  dicção  que 
a  lima  gaílou  pelo  muito  que  a  quiz  polir ,  ficando 
com  a  imperfeição  de  íer  exceííi vãmente  perfeita. 
Dando  Portugal  taõ  excellentes  quatro  Poemas  a 
duas  Lingoas  ,  naõ  havia  de  ficar  íem  outros  dous 
na  fua :  o  incomparável  Luis  de  Camoens  nos  Lu- 
fiadas  foy  o  modelo  ,  que  mais  intentey  copiar ,  íe 
me  atrevefle  a  fazello  j  pois  a  fiaa  erudita  claridade 
me  cegou  defde  logo  ,  e  muitas  vezes  me  defani- 
mou  do  meu  oufado  intento  j  e  por  efta  cauía  me 
apartey  algum  tanto  da  ordem  inteiramente  hifto- 
rica ,  que  obfervou  ,  e  dos  Deofes  Gentílicos ,  que 
nobremente  introduzio  ,  e  a  que  eu  buíquey  o 
meyo ,  que  em  feu  lugar  fe  verá.  Naõ  me  fervirao 
menos  as  fuás  Rimas,  em  que  fe  folie poffivel^  he 

mayor 


niayor  que  no  feu  Poema,  para  o  que  no  meuíe 
acha  de  erótico ,  ou  amorofo.  Gabriel  Pereyra  de 
Caftro  na  fua  Uliflea  fó  a  Camoens  naõ  difputa  o 
primeiro  lugar :  naõ  íey  fe  na  Matilde  da  Henri- 
queida  fe  defcobre  igualdade  com  a  Calypfo  da  U- 
liíTea  ,  mas  fey  que  naô  a  compito ,  porque  naõ  ha- 
ja de  fucederme  o  mefmo  que  ao  autor  da  Uliffipo: 
aquelle  Poema  veremos  com  as  notas  do  grande 
iluftrador  dar0hi*as  de  Camoens  Manoel  de  Faria, 
e  Soufa ,  que  naõ  faberiamos  haver  também  com- 
mentado  a  UiiíTéa,  fe  o  R.  P.  Pedro  Alvares  da 
Congregação  do  Oratório  nos  naõ  trouxeíle  de 
Madrid  efte  ,  e  outros  tefouros  literários  \  mere- 
cendo mais  efte  titulo  de  tefouro  a  fua  fciencia  ,  e 
erudição.    A  Lin^oa  Tofcana  deo  a  Itália  hum 
grande  numero  de  Poemas  Heróicos  5  e  entre  elles 
tem  o  primeiro  lugar  fem  competendi'a  ajerufalem 
Libertada  de  Torquato  Taflb ,  queéritre  os  de  to- 
das he  também  hum  dos  primeiros :  imitey-o  quan- 
to pude ,  na  ordem ,  em  que  poucos  o  igualaõ ,  na 
religião  ,  nos  epifodios ,  e  no  amorofo,  como  tarrí- 
bem  na  liberdade  da  Fabula  Heróica, confervando 
'OS  nomes  de  alguns  Heróes  ,  mudando  outros ,  e  as 
circunftancias ,  efcrevendo  de  hum  Heróe  eftran- 
geiro  com  mais  de  féis  feculos  de  antiguidade  ,  e 
acabando  a  acçaÕ  depois  de  muitos  íitios  ,  e  bata- 
lhas ,  infpiraçoens  celeftes ,  e  cafos  miíagrofos  na 
Conquifta  da  Cidade  deJeruílJem  ,  em  que  livrou 
dos  facrilegios  dos  infiéis  o  Sepulchro  de  Chrifto. 
-o-;'Ví  Tam« 


Também  eu  hia  imitando  a  Tafib  ,  que  pela  dema-; 
fiada  critica  ,  a  que  expoz  a  fua  Gienijakmme  Li- 
herata  ,  perdeo  aa  Concjuiftata  as  mayores  bellezas 
poéticas  da  fua  primeira  obra  j  porque  naô  falta 
quem  entenda  ,  que  a  jufta  docilidade  ,  com  que 
emendey  o  de  que  me  advertirão  os  meus  ceníbres, 
diminuio  alguma  parte  do  primeiro  fogo  poético  , 
com  que  compuz  a  Henriqueida.  Defegundo  Poe- 
ta Italiano  me  naõ  atrevo  a  tirar  o  lugar  a  Ludovi- 
co Arioílo  ,  porque  ainda  que  a  alguns  pareça,  que 
o  feu  Orlando  Furiofo  fe  chega  mais  aos  livros  dos 
Caualeiros  andantes  do  que  aos  tempos  heróicos  , 
íendo  huns ,  e  outros  muito  cheyos  de  hiílorias  fa- 
bulofas  ,  e  o  tempo  de  Orlando  muito  próprio  pa- 
ra as  aventuras  da  errante  Cavalaria,  naô  pode  ne- 
garfe  quanto  intereíTa  a  fua  agradável  narração  ,  e 
os  feus  incidentes ,  e  quanto  admira  a  fecundidade 
do  íeu  génio  poético  :  huma ,  e  outra  coufa  eftima- 
ria  eu  íaber  copiar  ,  e  o  procurey  fazer  no  enredo 
do  meu  Poema  com  a  diferença  de  que  em  Orlan- 
do predominava  a  loucura  ,  e  em  Henrique  a  ge- 
nerofidade.  Os  Francezes  ,  que  melhor  que  mui- 
tas naçoens  ,  deraõ  os  preceitos  para  o  Poema  E- 
pico  ,  confeflaõ  ,  que  ainda  o  nao  tem  perfeito. 
Pode  fer  ,  que  fe  exceptue  defta  regra  M.  de  Vol- 
taire na  fua  Henriade,  ou  Henriquiada,  com  quem 
o  meu  Poema  fe  parece  mais  no  titulo ,  que  na  for- 
ma ,  naõ  deixando  de  eftimar  ,  quanto  merece  ,  a 
fua  fublime,  e  natural  poefia,que  eu  quizera  imitar 

antes 


antes  que  outras  ideas  muito  diferetttes  das  do  meu 
aíTumpto.  Deixo  aos  Criticos  Francezes  a  efcolha 
do  fegundo  lugar  ,  que  naÕ  fey  fe  he  devido  ao  P. 
le  Moine  no  feu  S.  Luiz  ,  ou  a  Scudery  no  feu  A- 
larico.  A  Lin^oa  InHeza  tem  o  Parai fo  Perdido 
de  Joaõ  Milton  hum  dos  mais  admiráveis  Poemas, 
que  fe  cfcreveraõ  j  porque  de  huma  idéa  Theolo- 
gica  5  e  verdadeira  ,  qual  foy  a  rebelião  de  Lúcifer, 
introduzío  de  forte  o  mais  fublime  da  Poefia  ,  que 
naÕ  fazem  falta  os  faiíbs  Deofes  da  Gentilidade,  os 
quaes  também  eraõ  génios  infernaes  aos  que  lem  o 
triunfo  de  Deos  pelo  primeiro  Génio  xontra  o  íeu 
ílicrilego  inimigo.  Nem  o  melmo  autor ,  que  imi- : 
tando  a  Homero ,  fez  legundo  Poema  ,  o  pode 
igualar  ao  feu  primeiro  no  do  Paraiíb  Reftaurado. 
que  ainda  affim  entendo  nao  o  excedem  outros , 
que  aquella  naçaõ  eílima  ,  e  de  que  eu  com  o  me- 
diano conhecimento  ,  que  tenho  da  Lingoa  Ingle- 
za  ,  naõ  poílo  julgar  a  preferencia.  Porém  a  tradu- 
ção em  veríb  Latino ,  e  proía  Franceza ,  com  o 
juizo  ,  que  fez  Adiííbn  ,  me  perfuadiraõ  mais  do 
que  a  rigoroíà  cenfura  ,  que  fez  hum  anonymo 
nas  cartas  criticas  impreíTas  em  Pariz  no  anno  de 
175 1.  fobre  os  dous  Poemas  de  Milton.  Efta  he  no 
todo  a  imitação  ,  que  procure y  bufcar  nos  mayo- 
res  Poetas  Épicos  ;  mas  como  ha  tantos  outros  , 
d.e  que  as  partes  faõ  excellentes ,  naõ  deixcy  de  ler 
com  admiração  as  fícçoens  de  ApoUonio  Ilhodio 
na  fuá  Argonautica ,  e  de  outros  Poemas  Gregosj 

os 


os  penílimentos  de  Liicano  com  os  encantos  da 
fiia  Ericlo  ,  e  difpofiçaõ  de  Titios  ,  e  batalhas ,  fe- 
guindo  nas  do  Conde  D.  Henrique  as  regras  da 
Milicia  ,  que  íê  conhecia  no  íèu  íeculo  com  pou- 
ca diferença  da  Romana,  em  que  me  vali  muito 
de  Vegecio  ;  a  fabula  hiftorica  de  Silio  Itálico  na 
fua  Guerra  Púnica  ,  e  a  Arte  rude  ,  mas  engenho 

o 

grande  ,  nos  fragmentos  deíle  aíTumpto  dos  doze 
Livros  de  Ennio  ^  dividindo  o  meu  Poemia  ,  como 
eile-jj')  como  Virgilio  na  Eneida  ,  como  Stacio  na 
-Thebaida ,  e  como  outros ,  também  em  doze.  Can- 
tos a  Henriqueida.  Valério  Flaco  na  fua  Argonau- 
tica  Latina  tem  idéas  nobres,  e  Ovidio  nos  léus 
Metamorpliofis  contextura  admirável,  dando-me 
com  Hefiodo  na  fua  Theogonia  ,  tudo  o  que  trato 
de  Mithologico  ,  e  Manilio  as  fabulas  Aftronomi- 
cas.  Dos  Latinos  modernos ,  íeria  eu  feliz  ,  fe  imi- 
taíTe  na  parte  facra ,  que  naõ  hc  a  mais  pequena  do 
meu  Poema  ,  a  do  De  Partu  Virginis  de  Sanazaro^ 
o  P.  Buífiers  no  Scanderbegius  me  deo  para  a  guer- 
ra dos  bárbaros,  e  para  o  perfeito  caracter  do  Heróe 
hum  bom  exemplar.  Os  muitos  Poemas  Heróicos 
de  autores  Caílelhanos  fao  difíceis  degraduarj  mas 
ainda  affim  direy ,  que  o  da  Cruz  de  Zarate  he  dos 
melhores  na  difpofiçaõ ,  noeftilo ,  e  na  elevação  :  a 
Farfalia  de  Xauregui  naõ  he  inferior  a  Lucano. Naõ 
defeftimey  pelo  efcilo  pouco  levantado  aoPrincipe 
de  Sguilace  na  fua  Nápoles  Recuperada  ,  Poema 
digno  de  eftimaçaõ  pelo  feu  illuílre  autor,  e  pela 

e  pu- 


pureza  da  fua  fraze  ;  e  pelas  mefmas  cauflis  naõ  ex- 
duhi  a  Sevilha  Conquiftada  do  Conde  de  Ia  Roca 
pela  impropriedade  de  efcrever  hum  aíTumpto  he- 
róico em  verfos ,  que  naô  p  fao.  O  Polifemo  de 
Gongora  procurey  ,  que  me  deílc  aefpirito  fubli- 
me  ,  com  que  fez  voar ,  íem  precipitaríe ,  as  Mufas 
Hefpanholas  j  e  nem  efta fabula ,  nem  a  de  Andro- 
meda,  e  Perfeo,  que  compoz  em  féis  Cantos  a  Con- 
deça  da  Ericeyra  D.  Joanna  de  Menefes  minha 
Mãy  com  taõ  alto,  e  próprio  eílilo  ,  que  merece 
melhor  que  outras  fer  chamada  decima  Mufa ,  co- 
mo acreditou  entre  outras  miuitas  obras  no  De/per- 
tador  dei  kA  Ima  aljiieno  de  Ia  vida ,  que  com  o  no- 
me fupofto  de  Apollinario  de  Almada  corre  impref- 
íbjnem  o  Orfeo,que  o  Conde  da  Ericeyra  D.Luiz 
de  Meneies  meu  Pay  compoz  à  competência  do 
que  fe  imprimio  com  pouca  mudança  nas  Obras 
pofthumas  de  D.  Agoftinho  de  Salazar  ;  reílituin- 
do-íe  depois  ao  feu  verdadeiro  autor  D.Joaõde 
Xaureguy  )  nem  a  Conquifta  de  Oran  ,  que  com 
elegante ,  e  polida  penna  defcreveo  D.  Eugénio 
Gerardo  Lobo,  o  qual  fupondo  melhor  fim  ao  fitio 
de  Campomayor,  naÔ  quiz  fazer  trágico  o  Poema, 
que  principiou  defla  empreza,  de  que  devia  fer  o 
Heróe  D.  Luiz  Manoel  da  Camará  Conde  da  Ri- 
beira ^  nem  D,  António  de  Mendoça ,  que  com  diP- 
creto  decoro  ,  e  devota  decência ,  reduzio  a  hum 
Romanceavida  de  Noííli  Senhora,  aíTumpto,  que 
com  elevação  tratou  Júlio  de  Mello  de  Caftro  ,  e 

ainda 


ainda  naõ  fal  jo  a  luz  ,  con^so  merecia  j  nem  outras 
obras ,  que  pelo  aíTumpto ,  pela  hre\  idade,  ou  pelo 
metro  ,  naõ  merecerão  o  ncme  de  Poemas  Herói- 
cos ,  deixarão  de  fer  emprego  em  muitas  partes  da 
minha  dellgual  imitação:  devame  entre  todas  lugar 
íêparado  a  Filis  de  António  da  Fonfeca  Soares,  quê 
lifongeando  o  efpirito  Apoftolico  ,  com  que  o  feu 
difcreto  autor  mudou  o  nome  ,  e  a  vida ,  também 
fe  occultou  no  retiro  dos  gabinetes.  Na  Lingoa 
PortUG;ueza  ha  igualmente  manufcritos,  e  correm 
impreíibs  outros  Poemas,  em  que  Bocarro  he  efti- 
mado  no  fcientifico  na  fua  Anacephaleofis ,  de  que 
fó  fahio  a  luz  huma  pequena  parte  j  e  na5  deixey  de 
imitalos  no  filofofico  de  alguns  dos  meus  epifodios. 
O  Affbnfo  Africano  de  Moifinho  gravemente  eC 
crito  me  fervio  para  a  forma  da  guerra  dos  Portu- 
guezes ,  e  Mouros :  o  Condeftavel ,  claro  em  no- 
bre eílilo  compoílo  por  Francifco  Rodrigues  Lo- 
bo igualmente  fublime  que  fuave,  me  obrigou  a  íè- 
guilo  depois  de  o  examinar  ^  e  o  íègundo  cerco  de 
Diu  de  Franciíco  de  Andrade  me  naõ  pareceo  me- 
nos eftimavel  j  como  também  os  dous  Poemas  de 
Jeronymo  Cortereal ,  ainda  que  em  verfo  folto :  it 
to  mefmo  digo  da  Malaca  Conquiftada  de  Francif 
CO  de  Sà  de  Menefes  j  da  Lisboa  Conquiftada ,  de 
que  o  Conde  da  Ericeyra  D.  Fernando  de  Mene- 
ies meu  Avo ,  efcreveo  os  primeiros  cinco  Cantos 
com  tanto  acerto,  que  poderia  competir  com  quem 
depois  illuftrou  eftc  aíTumpto  5  e  naõhe  menos  fin- 

e  2  guiar 


guiar  o  Poema  da  Alfonfeida  de  Fr.  Jeronymo  Va- 
hia,que  vi  nos  meus  primeiros  annosj  e  certamente 
que  a  Vida  de  NoíTIi  Senhora  efcrita  em  hum  g^ran- 
de  Poema  por  Manoel  Alvares  de  Barbuda  faria 
contar  eíle  autor  entre  os  grandes  poetas ,  fe  o  ti- 
veíle  emendado,  tirando-lheaiguns  equívocos  pue- 
ris ,  que  forao  no  Teu  íeculo  o  contagio  ,  que  infi- 
cionou o  ar  do  Parnaíío  ,  e  corrompeo  a  agoa  de 
Hypocrene.  Na5  me  íèrá  fácil  reduzir  a  numero 
os  poetas  heróicos  Italianos  ,  que  eíludey  para  ad- 
-tnirar  algumas  das  fuás  partes :  teria  o  primeiro  lu- 
gar ,  fenaò  o  defmereceíle  pela  impureza  j  o  Adó- 
nis do  Marini,  e  íe  foíle  Poema  Épico  ta5  perfeito., 
como  Mr.  Chapelain  quiz  provar  mais  erudita  que 
folidamenteno  difcurfo ,  que  fe  lè  na  impreííaô  dei- 
te Poema  feita  em  Pariz  j  mas  aquelle  douto  Fran- 
.cez,  que  fabia  as  regras  da  Epopèa  ,  nao  fe  acredi- 
tou nefte  paradoxo  ,  e  menos  no  Poema  da  Pucel* 
le,  que  mereceo  juftamente  a  critica  quafi  univer- 
fal  pela  dureza  do  feu  eílilo  ,  quando  podia  fer  efti- 
mado  pela  ordem  ,  e  pelo  aíTumpto.  As  imagens 
poéticas ,  os  muitos  conceitos ,  a  afluência ,  e  os 
epítetos ;  com  que  Marino  colorio  o  feu  Adónis , 
lhe  fazem  condemnar  hoje  pela  fua  naçaÔ  a  fua  ef- 
teril  abundância,  que  os  modernos  achaõ  muito  di- 
verfa  da  antiga  ,  e  natural  fimplicidade  de  Dante  , 
ç  de  Petrarca ,  que  com  outros  autores  dos  primei- 
ros litterarios  de  Itália  ,  feguem  como  exemplares  : 
4em  efta  opinião  por  juizes  competentes  osnacio- 

naes, 


naes ,  e  por  mais  redos  os  Francezes.  Em  Heípa- 
nha,  e  Portugal  ainda  fenau  apagou  a  verdadeira, 
ou  apparente  luz  brilhante  ,  de  que  fe  adornao  as 
JU040.  Outavas  defte  Poema  mais  amoroíb  ,  que 
heróico  ,  executando  o  feu  autor  regras  mais  íegu- 
ras  na  que  he  obra  mayor^  f^ndo  mr.i?  pequena ,  cm 
que  delcreveo  a  làgrada  tragedia  doEíirago  dos  In- 
nocentes.  A  conquiíla  de  Granada  de  Gratiani  me 
deveo  a  aplicação  pela  fua  ordem ,  e nobreza:  o  A- 
madiz  de  Bernardo  TaíTo  pela  diverfidade  das 
aventuras  j  e  as  Avarchides  de  Alamanní  nao  me 
forao  diíTonantes  pelo  metro.  Como  na  Lingoa 
Franceza  achey  tao  poucos  Poetas  Épicos ,  que  fe 
livraflcm  da  engenhofa ,  e  íabia  critica  do  meu  iluP- 
tre  amigo  Nicoláo  Boyleau  Deipreaux  ,  confeíía- 
rey.  5  ainda  com  receyo  de  alguma  fatira  poílhuma, 
que  li  com  utilidade  na  parte  ,  em  que  íao  menos 
perfeitos  ,  a  Brebeuf  no  íliblime  da  fua  Farfalia ,  e 
aos  autores  do  Clóvis  ,  e  de  S.  Paulino.  Outros 
Poemas  mais  breves ,  mas  nem  por  iílb  menos  ex- 
cellentes  pela  difcriçao  ,  li ,  e  adniirey  5  e  tem  en- 
tre eíles  o  primeiro  lugar  o  Roubo  de  Proferpina 
de  Claudiano  ,  e  a  Raquel  de  D.  Luiz  de  Ulhoa , 
o  Faetonte  do  Conde  de  Villamediana  ,  e  a  Santa 
Urfula  de  Diogo  Bernardes ,  ou  de  Camoens  •,  co- 
mo Manoel  de  Faria  pertende :  e  como  fempre  fo- 
gi  de  tudo  ,  o  que  parece  furto  ,  até  na  Poefia  5 
pode  íèr,  que  ainda  que  íegui  a  Horácio ;  que  cha- 
ma rebanho  de  efcravos  aos  imitadores ,  de^^ene- 
(''■■  ralTe 


raííe  o  meu  Foema  em  ter  poucas  imitaçoens  ^  pois 
fó  íêrviraô  aí  idéas ,  que  confervey  com  tenaz  me- 
moria de  deixar  na  minha  as  eípecies  do  que  li ,  pa- 
ra que  iníeníivelmente  fem  cativarme  a  liberdade,  j 
me  illiiftraíTem  a  imaj^inativa ,  que  os  inimip-os  dos 
Poetas  depois  do  autor  do  Exame  de  ingenios  o  fú- 
til João  Huarte  digno  deflorecer  em  tempo  de  me- 
lhor Filofofia  5  acliou  nos  Poetas  por  parte  íuperior 
do  feu  difcuiTo  ,  acreditando  mais  o  feu  furor  divi- 
no, do  que  o  feu  juizo  folido.  Se  a  Henriqueida 
mereceíle  achar  por  commentadores  alguns  (como 
Boyleau  lhe  chama )  Salmafios  futuros ,  a  quem  eu 
applicaíle  o  tormento  de  explicarme  ,  por  mais  que 
procurey  feauir  o  eftilo  claro  ^  pode  fer  que  elles 
defcobriílem  roubos,  de  que  me  nao  acuía  a  con- 
ciencia,  como  entre  outros  achou  até  no  grande 
Camoens  o  feu  vaílo ,  e  erudito  commentador  Ma- 
noel de  Faria  ,  e  Soufi :  mas  continuarey  em  fazer 
hum  breve  juizo  de  outros  Poetas  Heróicos,  valen- 
do-me  dos  que  ajuntou  Bayllet  no  kwjiigement  des 
ScavantSj  e  do  que  outros  criticos  obíèrvaraõ  mais 
do  que  eu  ponderev  na  liçaÕ  de  muitos. 
TKECEITOS, 
Sempre  me  perfuadi  pelo  difcuríb ,  e  pela  ex- 
periência ,  que  eraõ  maispoderoíbs  os  exemplos  do 
que  os  preceitos  j  e  por  iílb  dey  o  primeiro  lugar 
neílas  Advertências  Preliminares  aos  autores  dos 
Poemas,  queme  animey  aimitar  ,  do  que  aos  da 
Arte  Poética ,  que  procurey  feguir.  Seja  o  primei- 
ro 


ro  o  incomparável  Arifloteles  ,  pois  íêguindo  na 
faa  Arte  Poética  fó  a  Homero  ,  fe  ,  como  alguns 
com  menos  fundamento  difcorrem  ,  os  Poemas 
defte  cego  illuminado  foraô  efcritos  fem  ordem , 
unindo-fe  depois  as  rapfodias ,  que  elle  compunha 
acafo  ,  e  cantava  por  intereíle,  mais  fe  acredita  o 
engenho  de  Arifloteles ,  reduzindo  a  arte  o  que  a 
na5  tinha  ;  mas  naô  fey  fe  he  atheifmo  poético , 
como  no  Poeta  Lucrécio  ,  ou  Filolofico ,  atribuir 
aos  acafos  ,  como  aos  átomos ,  a  primeira  creaçaõ 
de  obras  taÕ  perfeitas :  depois  defta  Arte ,  e  de  feus 
Commentadores ,  me  appliquey  a  de  Horácio ,  pe- 
queno Livro  ,  que  no  feu  breve  corpo  he  todo  al- 
ma ,  e  de  que  os  documentos  faô  os  mais  feguros 
para  os  que  naõ  querem  perderíe  nas  veredas  do 
Parnaíb.  Os  que  traduzirão ,  e  illuftraraõ  efte  Li- 
vro em  quafi  todas  as  lingoas  me  naõ  foraô  defco- 
nhecidos  ,  nem  inúteis.  Jefonymo  Vida  foy  hum 
dos  que  no  verfo  melhor  feguiraõ  a  Horácio ;  mas 
em  tudo  o  excedeo  nos  feus  quatro  Livros  da  Arte 
Poética  Franceza  o  admirável ,  e  já  allegado  Boy- 
leau ,  a  quem  nos  meus  primeiros  annos  traduzi  fiel- 
mente em  Oitavas  PortUG[uezas  mais  com  o  inte- 
refle  de  aprender  os  feus  preceitos  do  que  com  o  in- 
tento de  merecer  os  elogios ,  que  elle  me  concedeo 
ta5  liberalmente  ,  como  fe  le  em  huma  das  fuás 
cartas  ,  que  corre  imprefla  ,  e  fe  lerá  em  outras , 
que  com  as  minhas  em  profò,  e  verfo  Francez, 
com  o  texto  do  fcu  Poema ,  e  asfuasjudiciofas  an- 

notaçoens, 


notaçoens ,  e  com  a  minha  traducçaõ  fahiráa  Inz 
-depois  defte  Poema,  juntamente  com  as  minhas 
obras  poéticas ,  que  comprehendem  cinco  volumes 
em  cinco  Lingoas.  Naõ  lo  efte  illuftre  Critico  me 
enfinou  com  alua  Arte  Poética,  masotinhajàfei- 
^to  na  fua  traduccao  ,  e  obíervacoens  do  Tratado 
Greg;o  do  eftilo  fublíme  ,  que  efcreveo  Longino, 
e  o  que  he  mais ,  dando-me  exemplos  para  o  Poe- 
ma Heróico  no  fcu  Lutrin  ,  em  que  as  obfervou 
em  hum  afiumpto  tao  diftanre  da  Epopea  j  o  que 
também  fizeraõ  Homero  na  fua  Batrachomiomã' 
chia  ,  ou  Guerra  dos  E.atos ,  e  das  Kans,  Taílb- 
ni  ud.dmSechia  Kapitãj  Lope  de  Vega  na  fua  Ga- 
tomachia  ,  e  modernamente  D.  Pedro  Sylveftre  no 
íeu  Roubo  burlefco  de  Proícrpina  ,  fenaõ  he  que 
o  feu  autor  da  primeira  grandeza  de  Hefpanha  íe 
nos  occulta  em  alguma  gruta  ,  ou  (  o  que  he  mais 
próprio  no  feu  idioma  ,  e  no  feu  apellido)  em  algu- 
ma cova  ,  ou  Cueva  do  monte  Pierio  ,  fendo  o 
Marquez  de  Cuellarhoje  Duque  de  Albuquerque, 
a  quem  o  Livro  fe  dedica.  Deixo  de  tratar  das  Ar- 
tes Poéticas  de  Yoíllo  ,  e  dojuizo,  queellefezdos 
Poetas  antií)^os,  da  de  ScalÍ2:ero  ,  e  deoutrasmui- 
tas,  porque  podem  verfe  ncftes  autores .  que  tra- 
tao  dos  léus  preceitos  fazendo  menção  dos  que  íe 
apartarão  delles  nos  Poemas  Heróicos ,  que  com- 
puzerao  j  o  que  com  a  meím^a  erudição  recopi- 
lou Bayllet ,  e  o  feu  Commentador  Mr.  de  la Mon- 
noye  no  feu  Juizo  fobre  os  homens  fcientes.  Sódi- 

rey 


rey  que  o  P.  leBoflíi  Cónego  Regular  de  Santa'j 
Genovéfa  no  feu  completo  Tratado  do  Poema  E-^ 
pico  he  o  autor  ,  que  mais  eíludey ,  por  achar  nel- 
le  unidas  as  fuás  verdadeiras  regras ,  e  nao  menos , 
poílo  que  nem  em  tudo  conformes  ,  na  compara- 
ção de  Homero  com  Virgílio  ,  e  nas  reflexoensío- 
bre  a  Arte  Poética  do  P.  Rapin ,  que  fe  efcreveíle 
hum  Poema  Heróico ,  na5  fey  fe  imitaria  tao  feliC; 
mente  a  Eneida  ,  como  imitou  as  fuás  Geotgicas- 
na  fua  incomparável  obra  De  Hortorum  cultura, 
Nao  he  vingança  eíla  minha  ruppofiçaõ,  ainda  que. 
o  podia  ler  de  que  efte  difcreto  Jefuita  nao  enten- 
dendo a  Lingoa  Portugueza ,  e  naõ  fey ,  fe  tendo: 
vifto  as  traducçoens  pouco  fieis  de  Camoens,lhe  ar- 
gue  lem  caufa  defeitos  grandes ,  e  injuftamente  dà 
o  nome  de  Mercadores  Fortuguezes  a  Vaíco  da 
Gama  taõ  illuílre  no  íangue  ,  como  nas  acçoens, 
e  aos  feus  nobres  companheiros  ,  fegundos  Argo- 
nautas,  que  defcobrirao  ,  e  navegarão  pormayo^ 
res ,  e  mais  tormentofos  mares ,  conquiftando  pa- 
ra o  feu  Deos  ,  e  para  o  íeu  Rey ,  vaftiíTimas  Pro- 
víncias 5  e  novos  mundos.  Com  mais  moderada, 
e  eno^enhofa  critica  faz  o  autor  da  Hiíloria  Poética 
da  orucrra  do  Parnaílb  entre  os  antiíros  ,  e  moder- 
nos  combater  fò  com  o  íeu  ardente  efpiritoo  bata'^ 
Ihaõ  dos  Lufiadas  contra  os  da  Illiada ,  e  OdiíTéa  j 
mas  ainda  queconfeíTà ,  que  Camoens  desbaratou 
no  principio  com  o  íeu  vigor  a  Homero ,  reconhet 
ce  depois ,  que  efte  venceo  ao  primeiro,  refa^ehr 
.li  f  do-f-, 


âó-ky  portermelhororíem  ;  mas  com  tao  nobre  í 
triunfo,  que  compara  Homero  a  Aquilles ,  e  Ca^* 
moens  a  Heitor ,  íêndo  efte  Heróe  na  opinião  de 
alguns  cenfores  de  Homero ,  a  pezar  do  feu  trágico 
íim,  de  hum  carader  mais  heróico,  e  na  defcripçaõ, 
do  Poeta,mais  digno  de  admiraça6,que  o  Heróe  do; 
íeu  Poema;  eaííimoreconhece  a  tradição, que  con- 
ta a  Heitor  ,  e  naÕ  a  Aquilles ,  entre  os  nove  da  fa- 
ma. He  certo  ,  que  faltando  a  Homero  ambos  os 
olhos ,  e  a  Camoens  hum  fó  ,  aquelle  fe  perdeo  mui- 
to de  vifta  entre  as  efcuras  fombras  da  antiguidade, 
e  de  huma  lingoa  morta  j  efte  dá ,  como  o  Sol ,  luz 
aos  modernos  ,  fem  que  Uliílès ,  nem  Eneaspoflaõ 
tirar  a  vifta,  oudar  a  morte  aefteCiclope,  quefó 
na  grandeza ,  e  vigor  he  Polifemo.  Bem  juftificaõ 
a  Camoens  Manoel  Corrêa,  Manoel  de  Faria,  João 
Soares  de  Brito  ,  Diogo  do  Couto  nas  íuas  obras 
manufcritas ,  de  que  fe  conferva  o  original  na  gran^ 
de  livraria  do  Duque  de  Lafoens  ,  e  ultimamente 
M.  de  Par  Duperron  de  Cafterá  na  excellente  tra- 
ducçaõ  em  profa  Franceza ,  e  reflexoens  ,  que  fez 
fobre  efte  Poema  :  o  Árcade  Ignacio  Garcez  Fer- 
reyra  na  correda  edição  dos  Lufiadas  com  as  no^- 
tas  ,  a  que  chama  ligeiras ,  e  naõ  o  faõ  muitas  vezes 
ao  Poeta,  e  aos  feus  Commentadores,  que  fem 
parcialidade  ,  e  com  erudição  ,  ou  combate  ,  ou 
defende.  Veremos  em  8U800.  Verfos  Latinos , 
que  faõ  tantos  como  os  que  tem  Camoens  nas  fuás 
lUioo.  Oitavas ,  que  traduzio  o  Ciíhe  Portuguez 

Fr. 


Fr.  Francifco  de  Santo  Agoflinho  Macedo ,  €  que 
nos  dà  correctos  nos  feiís  vinte  volumes  das  vidas, 
e  obras  dos  Poetas  Portiiguezes ,  que  efcreveraõ 
nalingoa Latina  o  R.P.  António  dos  ReysdaCon- 
gregaçaõ  do  Oratório  igual  aos  mayores ,  e  igual- 
mente grandeHiíloriador  no  mefmo  douto  idioma, 
em  que  reílaura  huns,  e  outros  eícritores  da  fua  na- 
ção, que  melhoro  cultivarão.  Outros  Authores  Co- 
bre o  Poema  Épico  pudera  allegar ,  e  as  criticas ,  e 
defenílis  de  Homero ,  e  de  Taílb  ;  mas  nao  fey  fc 
me  accufo,  ou  me  defendo,  quando  em  referir ,  que 
vi  tanto ,  naõ  poíTo  allegar  ignorância ,  fe  os  leito- 
res defcobrirem  ,  que  conhecendo  eu  os  exemplos, 
nao  os  imiteyjC  fabendoos  preceitos,  naõ  os  fegui. 
^5  5  17  MPT  O. 
O  AíTumpto  que  efcolhi ,  na5  me  parece  que 
neceíTita  de  defenfa.  He  a  acçaõ  o  principio  da  Mo-» 
narchia  Portugueza,  ampliando  ainda  que  íemo 
titulo  de  Rey ,  o  Conde  D.  Henrique  da  Cafa  Re-^ 
ai  de  França  pela  linha  Regia ,  e  Varonia  dos  Du- 
ques de  Borgonha  ,  o  pequeno  Dominio ,  que  feu 
Sogro  ElRey  D.  AíFonfo  VI.  havia  dado  em  dote 
à  Rainha  D.  Thereza  fua  filha  com  o  direito  de 
acrecentar  com  as  conquiftas,  que  fizeíle  aos  Alou-» 
ros,  o  Condado  de  Portugal,  como  logo  direy^ 
quando  tratar  da  acçaõ  do  Poema.  Achey  como 
Virgilio ,  e  como  Taííb  hum  Heróe  eílrangeiro^  e 
iiaõ  de  nacimento  pouco  duvidoíb  na  origem, ain- 
da que  conílantemente  illuílre  na  nobreza :  achey 

f  2  hum 


hum  Príncipe  generoíb ,  como  logo  moftrarey  nó 
feu  caracter ,  e  inimigo  dos  infiéis ,  a  quem  com  va- 
lor heróico  dizem  que  venceo  em  17.  baralhas: 
achey  que  era  afcendente  do  Sábio  ReyD.Joaô 
o  V.  de  quem  he  por  varonia  decimo  fettimo  Avo 
com  canta  certeza  ,  como  era  duvidoía  a  defcen- 
dencia  ,  que  a  adulação  de  VirgiHo  deixou  de  E- 
neas  a  Augufto  ,  e  a  lifonja  de  Taííb  de  Gofi'edo 
de  Bullon  a  AíFoníb  de  Efte  Duque  de  Ferrara ,  a 
quem  dedicarão  os  íèus  Poemas.  Taílb  tinha  af 
fumpto  com  perto  de  féis  feculos  de  antiguidade  ^e 
he  o  meu  aíTumpto  de  pouco  mais  de  íeis  íeculos :  o 
de  Virgilio  tinha  mais  de  doze  :  o  de  Sylveira  no 
íèu  Macabeo  era  de  mais  de  dezefette  :  incerto , 
mas  na5  muito  antigo  ,  he  o  tempo  da  ruina  de 
Troya  até  o  de  Homero :  com  pouca  diferença  da 
minha  ,  e  pouca  he  a  da  conquiíla  de  Lisboa  em 
Vaíconcellos:  antiquiííimapara  Valério  Flaccohe 
a  Argonautica,  mas  muito  moderna  para  Lucano, 
que  floreceo  no  tempo  de  Nero ,  a  batalha  de  Far- 
falia  5  e  ainda  mais  a  conquifta  da  índia  para  Ca- 
moens ,  que  havia  fó  75.  annosque  tinha  principia- 
do no  de  1497.  quando  elleimprimio  a  primeira  vez 
G  íèu  Poema  no  de  1572.  tendo-oefcrito  alguns  an- 
nos  antes ,  de  que  fe  fegue,  que  o  meu  aíTumpto 
he  hum  meyo  termo  do  que  feguiraõ  os  mayores 
Poetas,  naõ  tendo  eíla  eleição  tempo  determinado. 
N  inguem  havia  até  agora  celebrado  em  Veríb 
o  Conde  D.  Henrique  5  eofeculo,  emqueviveo 
íníiíl  he 


hé  próprio  das  aventuras  de  tornèos,  ejuflas,  que 
como  elle  bufcavao  os  Campeoens  valerofos  )  as 
quaes  principiarão  a  aperfeiçoarfe  com  o  Empera» 
dor  Federico  Barbaroxa ,  que  floreceo  40.  annos 
depois  da  morte  do  Conde  D.  Henrique  ,  tempo 
em  que  como  prova  o  P.  Meneftrier  tiverao  a  ver- 
dadeira orio^em  as  Armas ,  e  Brazoens  das  Familias, 
o  quemenaõ  fervio  pouco  para  as  dos  Heróes  Por- 
tuguezes  de  que  faço  mençaõ  :  em  fim  pareceme 
que  defcobri  hum  dos  aíTumptos  mais  próprios  pa- 
ra hum  Poema  Épico. 

ACÇAM. 
A  acçaõ  da  Henriqueida  he  única,  porque 
toda  fe  dirige  por  meyos  proporcionados  a  hum  fó 
fim  ,  que  he  aflegurar  a  conquifta  de  Portugal,  li- 
bertando as  quatro  Provincias  átíát  o  Minho  até 
o  Tejo,  e  fundando  o  Reyno  na  protecção  do 
melhor  Palladio  em  NoíTa  Senhora  com  a  invoca- 
ção de  Carquere  ,  que  milagroíamente  livrou  o 
Principe  D.  Affonfo  da  prizaõ,  que  defde  o  íeu  na- 
cimento  lhe  embaraçava  ospaílbs  j  e  ultimamente 
havendo  fundado  à  Virgem  hum  Templo  ,  acaba 
a  acção  matando  a  Hali-Aben-Jofef ,  que  era  o 
Rey  feu  emulo ,  de  que  foy  o  premio  a  conquifta 
de  Lisboa ,  em  que  acaba  a  acçaõ.  Efte  Poema  nao 
principia  pelo  meyo  ,  como  fizeraõ  com  Virgílio 
alguns  dos  mayores  Poetas ,  nem  rigoroíamente 
pelo  principio  ,  como,  naõ  fem  cenfura ,  o  execu- 
tarão outros.  Sendo  a  acçaõ  o  eftabelecimento  do 

domínio 


domínio  do  Heróe  ,  o  coloquey  na  trente  do  feú 
fexereito ,  a  que  os  infiéis  difputavaõ  o  Rio  Douro 
jUiito  ao  Porto  ,  que  com  o  Callello  de  Gaya  de- 
raô  por  aquelles  tempos  a  parte  de  Lufitania  o  no- 
me de  Portugalj  digo  que  Henrique  matando  a  Al- 
mançor  paflbu  aquelle  Rio  ^e os  princípios  de  Por- 
tugal vaõ  porEpifodio  no  Ganto  lo. 

Naò  íe  aparta  o  Heróe  da  acção  mais  que  o 
tempo  do  fitio  de  Coimbra  ,'  e  prefo  em  Leyria  pa^ 
ra  foccorrer  a  Praça  por  caufa  das  cheyas  do  Mon- 
dego ,  de  outros  Rios ,  e  do  Mar  ^  mas  naõ  ocio- 
íb  ,  pois  dou  a  entender,  que  poz  em  contribuição 
parte  da  Beyra,  e  daEftremadura,  exercitandoas 
ílias  poucas  tropas ,  e  dando  eu  affim  tempo  a  que, 
fem  fer  contra  o  verofimil ,  poflaõ  chegar  a  ElRey 
Hall  os  foccorros  com  os  três  Reys  de  Córdova, 
Granada ,  e  Sevilha  para  fazer  mais  illuftre  o  triun- 
fo da  ultima  batalha  j  confeflando  ingenuamente  , 
que  o  amor  próprio  me  fez  dar  a  gloria  da  defenía 
de  Coimbra  a  D.  Pedro  Bernardo  de  S.  Fagundo 
tronco  dos  Menezes ,  e  meu  decimoquinto  Avo 
'}X)r  varonia  ,  que  era  vivo  pelos  annos  de  lUioo. 
e  alcançou  grandes  vitorias  contra  os  Mouros,  a 
quem  ganhou  na  terra  de  Campos  vefmha  a  Portu- 
^gal  muitas  batalhas ,  e  Viilas. 

DURAÇAM: 

Grande  queftaõ  excitao  os  eruditos  fobre  a 
dciraçaÕ  ,  que  ha  de  ter  a  acção  de  hum  Poema 
'Heroi-CG ,  e  fendo  Virgílio  hum  dos  que  melhor  af 
^     -  -.  finalao 


finalaõ  os  tempos ,  ainJa  affimlia  diflertaçoens  da 
tempo  ,  que  durou  a  acçaO  da  Eneida,  défde  a pri# 
meira  tempeílade  ,  em  que  Enéas  foy  bufcar  Cai'- 
tago  até  a  morte  de  Turno  5  alargando-a  huns  até 
fette  annos ,  como  logo  direy ,  e  ertreitando-a  ou- 
tros a  hum  anno  ,  e  a  menos.  O  mefmo  íiiccede 
em  Homero  dilatando  fe  a  OdiíTéa  até  outo  annos,- 
e  reftringindo-fe  a  Illiada  a  quarenta  ,  e  fette  dias 
fomente.  A  Jerufalem  de  Taílb  naõ  he  pouco  dila- 
tada ,  eos  Lufiadas  dçGamoens  contém  humaac-. 
çaò  de  mais  de  dous  annos  defde  a  partida  de  Vaf- 
CO  da  Gama  até  a  fua  volta ,  ou  de  três ,  principian- 
do do  tempo ,  em  que  ElRey  D.  Manoel  o  nome* 
ou ,  como  Garcez  quer  provar :  e  léndo-fe  o  meu 
Poema  com  attençao  fe  verá ,  que  principia  na  Oi- 
tava 68.  do  Canto  I.  em  21.  de  Julho,  quando  q 
Sol  entra  em  Leão ,  e  profegue  no  Canto  5.  Oita-. 
va  56.  no  Canto  8.  Oitava  28.  no  Equinócio  de  Se- 
tembro j  no  Canto  9.  Oitava  65,  a  22.  de  Outubro; 
no  Canto  lo.  Oitava '49.  em  Abril,  que  he  quafi 
hum  anno  defde  Julho  antecedente :  no  mefmo 
Canto  Oitava  61.  em  22.  de  Novembro  ,  quando, 
entra  o  Sol  em  Sagitário  j  no  Canto  11.  Oitava 
50.  a  20.  de  Dezembro  ,  quando  o  Sol  domina  no 
Trópico  de  Capricórnio,  e  na  Oitava  120.  no  prin- 
cipio de  Janeiro ,  em  que  digo  que  Henrique  mar* 
chou  de  Leyria  ao  foccorro  de  Coimbra  ,  e  na  Oi- 
tava 121.  em  que  fe  diz  ,  que  Henrique  fahio  fem 
eíperar  o  mez  de  Marco  j  e  ultimamente  fç  termi- 
na 


na  no  Canto  12.  Oitava  159.  em  que  íe  executa  a 
Conquiíla  de  Lisboa,  quando  o  Sol  efta  no  Signo 
doEfcorpiaõ,  em  que  entra  a  25.  de  Outubro  j  e 
aífim  a  acçaõ  deíle  Poema  vem  a  ter  dous  annos ,  e 
três  mezes  de  duração,  os  quaes  acabaô  na  entra- 
da ,  que  o  Conde  D.  Henrique  fez  em  Lisboa ,  que 
foy  no  anno  de  1U106.  como  prova  Fr.  António 
Brandão  p.  3.  da  Monarchia  Lufitana  foi.  49.  que 
nos  dá  com  a  Hiftoria  dos  Godos  a  única  noticia^ 
que  temos  defta  empreza  j'  ignorando-íe  o  como 
Lisboa  depois  fe  perdeo.  E  naõ  admitindo  os  Poe» 
tas  taõ  exadlia  Chronologia,  ainda  me  naõ  atrevera 
a  hum  Anacroniílno  taô  eftranhocomo  o  de  Virgí- 
lio contra  a  virtude  de  Dido  ,  a  quem  o  Poeta  fu- 
poem  contemporânea  de  Enéas  ( por  mais  que  Sal- 
mafio  ,  e  outros  eícritores  queiraõ  defender  efta 
contrariedade  ta5  condemnada  por  Santo  Agofti- 
nho )  <]U€  viveo  5  00 .  annos  antes  daquella  Rainha 
dos  Cartagineíes. 

TITULO. 
Deo-me  o  Titulo  o  mefmonome  do  Heróe, 
como  a  Virgílio,  a  Homero  ,  a  Stacio  na  Aqui- 
leida  ,  a  Sylveira  ,  e  a  Vafconcellos :  ourros  o  to- 
marão da  acçaõ  ,  como  Hornero  na  Illiada  ,  Sta- 
cio na  Thebaida,  Silio  Itálico,  Lucano,  eos  au- 
tores da  Arp"onautica :  Camoens  deo  ao  íeu  Poema 
o  titulo  de  Lufiadas ,  de  que  a  acção  he  fóo  defco- 
brimento  da  índia  ,  tirando-o  do  nome  commum 
-dos  Lufitanos ,  a  quem  na  fua  primeira  impreíTà 6 
nrt  chama 


chama  os  Lufiadas,  e  parece,  que  por  efla  razão 
cantou  Armas ,  e  Varocns  affinalados  ,  e  naõ  diílè 
Armas ,  e  Varaõ.  Em  outras  impreflbens  íe  lè  As 
Lii/íãdaSj  attendendo  maisà  naçaõ  Lufitana  na 
fua  terminação  feminina  ,  do  que  aos  Heróes.  Eu 
íet^uindo  os  primeiros  exemplos  fem  duplicar  o.  tir 
tuío  ,  como  primeiro  fez  TaíFo  ,  chamando  ao  fcu 
Poema  fem  exemplo  antigo  o  Gofredo  ,  ou  Jeru- 
Júlem  hibertada  ,  duvidey  fó  gramaticalmente, fe 
"havia  de  dar-lhe  o  titulo  de  Henriquiada  ,  que  era 
mais  fonoro  ,  ou  o  de  Henricjueida  ,  que  era  mais 
•conforme  a  eufonía ,  e  a  derivação  ,  que  fe  faz  do 
nome  de  Henrique  em  Portuguez  )  mas  bufquey 
antes  os  nomes,  que  tem  femelhante  aílbnancia  na 
Lingoa  Grega ,  como  de  Aquiles  fe  formou  Aquil- 
leida ,  e  do  de  Enéas  Eneida  j  pois  lendo  Henrique 
ilome  Gótico ,  podia  valerme  da  terminação ,  que 
me  parecefle  mais  própria  no  cafo  ,  em  que  otranlr 
portafle  à  Lingoa  de  Grécia  j  e  aíFim  ficou  menos 
parecido  com  a  Henriáde  de  Voltaire ,  que  ou  fe- 
guio  diferente  opinião  da  minha ,  ou  naõ  achou  em 
Francez  outra  terminação  ,  pois  fendo  o  nome  de 
Henrique  naquelle  idioma  fó  Henry ,  naõ  podia 
formar  delle  outro  titulo  para  o  feu  Poema.  ;r.:.  A 
RELIGIAM.  n 

o  Com  mais  efcrupulo  do  que  coftumaõ  ter  os 
Poetas  na  permitida  liberdade  da  religião  nos  feus 
Poemas,  entro  a  tratar  huma  queftaõ,- que. tem 
fido  aíTumpto  de  difcurfos  eruditiffimos .,  mas  r.edia- 

g  zirey 


zirey  a  poucas  regras  as  que  fegui  eni  ponto  taÕ  de- 
licado. He  certo  ,  que  os  Gregos ,  e  Latinos  dou-r 
tos  tinhaÕ  por  alegorias  muitas  das  fuás  fabulas, 
mas  também  he  certo  ,  que  efta  era  a  religião  ,  em 
que  vivia5 ,  ou  que  alguns  Filoíbfos ,  e  Rey s  faziaõ 
crer  aos  povos  ,  e  affim  quando  Homero ,  Virgilio, 
e  os  outros  Poetas  do  Paganifmo  contaÕ  os  mila- 
gres, as  appariçoes,  os  combates,  os  amores  ,  e 
as  inípiraçoens ,  e  praticas  dos  feus  falíbs  Deofes, 
trata  o  íeu  engano  como  verdadeiros  eíles  prodi- 
gios ,  ainda  que  mentirofos  ,  com  a  meíma  credu- 
lidade com  que  osChriftãosjuftamente  o  crem  pe- 
lo infalivel  da  fé ,  nas  Efcrituras ,  nas  tradiçoens 
da  Igreja ,  e  nas  fuás  decifoens ,  e  hiftorias  Eccie* 
fiafticas ,  e  outras  vezes  com  fé  pia ,  os  milagres ,  e 
fucceííbs  verdadeiros  j  porém  como  apermiílaõ  da 
Igreja  deixou  aos  Poetas  a  liberdade  de  que  com 
huma  proteílaçaô  no  fim  da  obra  pudeflem  chamar 
Deofes,  Fado,  Fortuna,  Deftino  ,  e  outras  ai- 
lulbens  ,  e  fabulas  poéticas  ^  fendo  Urbano  VIII. 
quem  declarou  mais  efta  favorável  faculdade  ,  por 
fer  Poeta  iníigne  ,  e  que  imprimio  em  íeu  nome  as 
fuás  excèllentes  obras;  da  meírnalbrtequeno Ceo 
fe  confervaraÕ  os  Planetas ,  e  Conftellaçoens  com 
nomes  fabulofos ,  de  que  alguns  fe  achaõ  na  Efcrit- 
tura.  Em  cinco  dos  fette  dias  da  Semana ,  excepto 
na  piedade  da  Lingoa  Portugueza,coníèrvaõ  tam- 
bem  as  outras  naçoens  os  nomes  de  cinco  Planetas, 
eíicaraÔ  ps  ouvidos  delicados  dos  que  compõem, 
yc'-it2  -'.♦  ou 


ou  lem  veríbs  ]  mais  coftumados  a  ouvir  os  nomeí 
profanos  dos  Deoíès ,  do  que  os  fiigrados  de  Deo5/ 
da  Virgem  Maria  ,  dos  Anjos ,  e  dos  Santos.  Fazí 
Boyleau  huma  exccllente  diftinçao  entre  eílas duas 
opinioens,  e  inclina  mais  à  parte  de  naõ  degradar  os 
Deofes  dos  Poemas ,  naõ  querendo  tirar  a  Neptu- 
no o  governo  dos  mares  com  o  tridente ,  nem  a 
Themis  a  venda  ,  e  a  balança  ,  nem  querendo  ren- 
derle  a  authoridade  de  Taílb ,  a  quem  diz ,  que  na  6 
faz  o  proceflb  nefta  parte ,  tendo  por  certo ,  que  íe 
oíèu  Heróe  fó  gaftaíle  o  tempo  em  combater  pela 
oraçaõ  ao  Demónio  :  íeria  infipido  o  feu  Poema  , 
fe  com  Reynaldo  ,  Argante,  Tancredo,  Clorin- 
da ,  e  Erminia  ,  naÕ  alegraíle  a  devota  trifteza  do 
íeu  aíTumpto :  he  verdade  ,  que  o  grande  Taflb ,  e 
alguns ,  a  quem  feguio ,  e  quaíí  todos  os  Poetas 
Chriílãos ,  que  depois  efcreveraõ  Poemas  Herói- 
cos ,  fupriraò  com  os  encantos  caufados  pela  per- 
mifllio ,  que  Deos  muitas  vezes  concede  aos  máos 
génios  ;  as  fabulas  gentilicas ,  porque  fendo  os  pro- 
digios  os  mefmos ,  e  ainda  mayores  fem  oíFenía  da 
religião ,  pretendem  com  o  extraordinário  forpren- 
der ,  e  agradar,  veftindo-fe  a  poefia  deftes  adornos 
para  deleitar  enfinando,  que  he  oíèu  objedo.  O  in- 
comparável Luiz  de  Camoens  zelofo  obfervante 
dos  ritos  poéticos  antigos  introduzio  alegorica- 
menteos  mefmos  Deofes  no  feu  Poema  3  e  naõ  cuf- 
tou  pouco  a  Manoel  de  Faria  defcobrir ,  e  preten- 
der approvar  nos  feus  Comnientos ,  e  melhor  na 
^ZQnp.i^mo:  g  2  fua 


fua  Apologia  ,  as  vezes  com  mais  erudição  do  que 
certeza,  o  fim  alegórico,  com  que  Camoens  en- 
tr^  os  Católicos,  que  adorao  o  verdadeiro  Deos,  e 
veneraõ  os  feus  Santos,  intruduzio  os  mefmos  falfos 
Deofes  da  Idolatria ,  que  hiaõ  a  deftruir  na  índia  , 
fupofto  que  transformada  em  mais  groíTeiros  fimu- 
lacros.  Bem  fey  que  me  bailava  o  exemplo  de  Ca- 
moens ,  ainda  que  tao  combatido  dos  eílrangeiros 
íiefta  parte  j  porém  o  de  TaíTo  he  também  muito 
digno  de  feguiríè-,  e  mais  conforme  aos  principios 
de  hum  Poeta  Chriftao,  e  bem  fe  ve,  que  os  feguio 
com  felicidade  ,    igualmente  J^oaõ  Milton  no  feu 
Paraifo  Perdido  com  a  admiração ,  que  jà  ppnde- 
rey.  Bufquey  hum meyo  termo,  que  pelanovida-, 
de  poderá  naõ  deíligradar  ;  pois  deixey  aos  Mou- 
ros a  fua  falfa  feita ,  e  ainda  que  inimiga  da  idolatria, 
como  os  Mouros  Hefpanhoes  eraõ  doutos  naLin- 
goa  Arábiga ,  e  muitos  entendiao  a  Latina ,  ou  ro- 
mance ,  naõ  os  fupuz  ignorantes  das  fabulas ,  como 
naõ  o  foy  Averroes ,  Avicena ,  e  outros  muitos  ^  e 
poriíTo  nao  he  inyerofimil ,  que  a  Rainha  de  La- 
rriego  AxaAnçures,  que  he  a  Heroína,  que  com- 
bate a  Henrique ,  como  Camilla  a  Enéas ,  e  que 
foy  varonil ,  e  valeroíli ,  como  provarey  tratando 
da,hiftoria,  fe  inclinaílè  com  hunia  loucura  taõ  im- 
poíTivel  a  renovar  no  mundo  qs  falfos  Deofes  Gen- 
íilicos  ,  a  que  podia  haverfe  inclinado  pelos  Livros 
Arábigos ,  e  Latinos  ,  que  trataíTem  da  My tholo- 
gia ,  fendo  certo ,  que  havia  Poetas  entre  os  Ma- 
.  .-  -:  bonaetanos, 


hometanos^e  obras  de  teatro ,  e  canções,  de  que  os 
primeirosRomanceiros  confervaraõ  na  antigaLin- 
goaHelpanhola  hiílorias  confuíàs  entre  fabulas: aC 
fim  me  fervio  efta  ficção  de  que  o  que  haviaÕ  de  fer 
encantos,  e  conjuros  com  os  nomes  impios,e  bárba- 
ros dos  demónios ,  foílem  invocaçoens  dos  léus  fal- 
íbs  Deofes  ,  que  trouxe  com  efle  disfarce  ao  Poe- 
ma fem  oíFenfa  da  religião ,  nem  da  poefia.  Con- 
íèrvey  ao  Heróe  toda  a  piedade, que  teve  hum  pro^, 
genitor  de  tantos  Principes ,  que  defenderão,  e 
propagarão  a  religião  verdadeija ,  e  que  bufcaraÕ 
como  protedlora  a  Rainha  dos  Anjos ,  a  quem  fiz 
tutelar  do  Conde  D.  Henrique  ,  e  do  Reyno  ,  fen- 
do todo  o  Poema  dirigido  a  efta  milagroía  protec-- 
tora  dèfcuberta  pela  infpiraçaÕ  de  Sibilla  ,  que  he 
o  nome  da  May  do  Conde  D.  Henrique  ,  que  me 
deo  agradavelmente  na  alegoria  de  que  era  o  feu 
efpirito  a  imagem  da  antiga  Sibilla  ,  de  que  produ- 
zem os  nolTos  autores  numa  infcripçaõ  naõ  muito 
certa  5  que  dizem  íe  deícobrio  em  Cintra  ao  mef- 
mo  tempo  que  a  índia ,  e  dizem ,  que  nella  íe  liaõ; 
huns  verfos  com  erros  tam^bem  na  Arte ,  e  na  clari- 
dade pouco  própria  das  Profecias ,  os  quaes  tradu- 
zi no  meu  2.  Canto  ,  e  podem  verfe  nos  AuthoreSj 
que  OS  copiarão  ,  ou  os  fingirão.  E  fendo  S.  Giy 
raldo  Arcebiípo  de  Braga  contemporâneo  do  Con- 
de D.  Henrique ,  naturalmente  o  bufquey  para  in- 
terceífor  ,  e  interprete  dos  milagres ,  epara  difilpar 
as.illufoens,  encantos,  efalfidades;  concorrendo 
•'*"-'  para 


para  a  converfaô  dos  Reys  de  Lamego,  e  dç  Mu- 
ley ,  e  Abdara  filhos  legítimos ,  mas  ignorados  de 
Henrique. 

HISTORIA, 

Ainda  que  obfervey  tratando  da  religião ,  que 
os  Poetas  Gentios  naÕ  contavao  todas  as  fabulas- 
como  mentirofcis  ,  mas  fim  como  principios  tole- 
rados dos  feus  flilfos  ritos  ,  nao  confeflarey  ,  que  as 
outras  ficçoens  por  elles  inventadas ,  o  foraõ  como 
novos  dogmas ,  com  que  accrefcentaraÕ  a  antiga 
Mv thologia  j  e  por  eílà  razaõ  muitas  naõ  foraÕ  fe- 
guidas  dos  Poetas  mais  modernos  :feja  exemplo  en- 
tre muitos  a  engenhoía  transformação  ,  queinven-. 
tou  Virgilio ,  dasNáos  de  Enéas  em  Ninfas  maritir 
mas ,  a  qual  eu  imitey  transformando  os  animaes, 
que  os  Navios  dos  Mouros  tinhao  nas  poppas  ,  em 
mSílros  marinhos  ,  porém  naõ  fe  tira  daqui  a  con- 
fequencia  de  que  tinhaÔ  por  verdadeiro,  ou  ao  me- 
nos  por  tradição  provável  tudo  o  que  Homero  ,  e 
Virgilio  referem  antes,  e  depois  de  Troyaabraza- 
da  j  j3orque  quafi  tudo  he  huma  fabula  heróica  fun- 
dada fobre  poucos  fados  verdadeiros  para  illuftrar 
a  acçaõ  ,  que  he  o  único  emprego  de  hum  Poema 
Épico.  Tenho  difcorrido ,  que  os  Poetas  ,  que  ti- 
veraõ  aíTumptos  antigos  de  mais  de  quatro ,  ou  cin- 
co feculos ,  fe  animarão  mais  a  alterar  as  circunf 
tancias  das  hiftorias  j  e  que  ainda  que  Homero  nao 
floreceíTe  tanto  tempo  depois  da  Guerra  de  Troya,. 
o  feculo  mythico,  e  o  geiíio  da  mentirofa  Gre-. 
i.i;.]  cia 


cia  lhe  facilltariaõ  mais  os  fingimentos. 

Virgílio  eftava  mais  longe  da  incerta  expedi- 
ção de  Enéas  a  Itália  ,  e  fabia  muito  bem ,  como 
tao  douto  ,  que  quafi  tudo  o  que  efcrevia  ,  era  fal- 
fo  :  por  eíla  razaõ  Stacio  efcreveo  com  mais  liber- 
dade o  ódio  dos  dous  irmãos  Etheocles ,  e  Polyni- 
ce  na  fua  Thebaida  \  e  muito  mais  íinj^io  Valério 
FJacco  por  ler  mais  antiga  a  acçaõda  fuaArgonau- 
tica.  Torquato  Taííb  tirou  alguns  nomes,  e  fuc- 
ceílbs  da  Conquifta  dejerufalem ,  e  muitos  nomes 
próprios  das  hiftorias  de  Guilherme  Arcebifpo  de 
Tiro  ,  onde  naõ  ha  poucas  ficçoens ,  e  do  Livro 
intitulado  :  Gcfia  Dei  per  Francos  -,  mas  acerei^ 
centou  na  mefma  hiftoria  naõ  fó  circunftanciasj 
mas  acçoens ,  que  nao  houve ,  e  peflbas ,  que  nun- 
ca exiftirao.  Silio  Itálico, como  eícreveo  da  íegun- 
da  guerra  Púnica,  que  Tito  Livio,  e  outros  hií 
toriadores  tinhaõ  delcrito  ,  naõ  íendo  as  vittorias 
de  Scipiaõ  Africano  ,  e  aruina  de  Cartago  ignora- 
das de  algum  dos  Romanos,  que  viviaÕ  no  íeculo 
ilefte  Poeta ,  naõ  muito  diftante  do  aflumpto  ,  que 
tratou ,  já  íingio  menos  ,  mas  ainda  affim  os  íeus 
poucos  commentadores  moftraõ  os  Reys  ,  e  os 
Capitaens,  que  inventou,  principalmente  em  HeP 
panha  por  mais  que  no  aparato  da  fua  Hiftoria  per* 
tendefle  D.  Jozé  Pellicer  inferir  ,  que  eraõ  verdar 
deiros  com  a  authoridade  defte ,  e  de  outros  Poe- 
tas ,  aquelles  meímos  Reys ,  que  naÕ  foraÕ  menos 
fabulofos  do  que  outros ,  que  como  taõ  erudito, 
'  defler- 


clefteiTOii-  das  falfas  hiftorias  attribiiidas  por  Joaõ 
Anilio  de  Viterbo  a  Berofo  Caideo  ,  a  Manethon 
Egípcio  ,  e  a  outros  autores,  de  que  fó  exiftem 
-verdadeiros  alguns  fragmentos.  Lucano  ,  que  vií- 
\?e6  noí-tempo  de  Nero  pouco  mais  de  cem  annos 
■  Tilais  111  oiierno  que  a  batalha  de  Farfalia ,  iiaôíeat- 
treveo  a  fingir  tanto ,  parecendo-lhe  que  a  memo- 
ria ye  a  tradição ,  as  hiftorias ,  as  infcripçpens, .  as 
medalhas,  e  até  aséftatuas ,  eftav-a6  ainda  muito 
vivas  para  defmentirem  a  acçaÕ  do  feu  Poema  ,  íe 
aninioíamente  desfiguraíTe  com  a  poefia  a  verdade  . 
da  hiftoria ,  naõ  ficando  affim  a  fi.ia  Farfldia  taÕ  eí^ 
timada  j  e  como  já  no  feu  feculo  principiava  a  cor- 
romperfe  o  bom  gofto,  que  no  eftiloy  e  nas  regras 
da  poefia,  e  eloquência  florecèra  no  de  Augufto, 
para  contemporifar  com  os  declamadores ,  e  com 
o  génio  de  hum  EmperadorTiranno,  e  máo Poe- 
ta j  pode  fer  também  que  induzido  por  fua  efpoía 
Polia  Argentaria ,  para  agradar  as  Matronas  Ro- 
manas menos  inílruidas  nos  preceitos  da  Arte  Poé- 
tica ,  affim  como  fe  lhe  attribuem  os  conceitos ,  e 
Vêrfos  languidos  yque  adoptou  entre  os  feus  o  amor 
de  Lucano  ,  produziíTem  todas  eftas  caufas  o  eíFei- 
to ,  de  que  os  criticos  de  melhor  gofto  tiraflem  por 
verdadeiro  a  efte  Poeta  Hefpanhol  o  lugar,  que 
podia  merecer  por  judiciõfo.  Efte  exemplo  parece 
que  fervio  ao  infigne  LuizdeCamoens  taõ  vefinho 
como  já  adverti,  ao  defçobrimentodalndia,  que 
foy  o  aíTumpto  do  fèvi  Poema  j  porém  tantosjepi- 
iua^iii  fodios 


fodios  fabulofos ,  e  huma  inimitável  narração  ,  me 
naõ  deo  lugar  a  íeguir  na  ordem  hiftorica  taô  ex- 
cellente  exemplar  ,  quando  por  eílas  reflexoens  ef 
tava  taõ  longe  do  meu  tempo  o  do  Conde  D.Hen- 
rique com  mais  de  íeis  íèculos  de  diftancia  ;  o  que 
me  obris^ava  a  imitar  mais  a  Taflb  ,  e  Vafconcel- 
los ,  que  no  íeu  Altbnfo  elevou  tanto  o  fucceflo 
verdadeiro  da  conquifta  de  Lisboa ,  que  veyo  a  co- 
nhecer a  fobula  heróica  ignorada  dos  génios  vulsfa- 
res.  Voltaire  por  efte  motivo  alterou  pouco  a  hif 
toria  da  Liga  na  fua  Henriade  em  que  confervou 
os  nomes  verdacfeiros ,  de  que  alguns  deviaÕ  con- 
dennarfe  ao  efquecimentoj  e  dá  a  razão  dos  fuccef 
fos  ,  que  finge  ,  em  huma  obíervaçao ,  que  fe  acha 
no  íeu  Canto  i.  na  edição  de  Genebra  de  1725.  in- 
titulando ainda  entaõ  o  feu  Poema  :  A  Liga  ,  ou 
Henriíjue  o  Grande ,  refpondendo  já ,  em  que  naõ 
diífere  muito  da  minha  opinião  fobre  a  diíferença 
de  alterar  nos  Poemas  as  hiftorias  modernas  menos 
que  as  antigas ,  pois  faziaõ  já  a  efte  autor  as  meí^ 
mas  objecçoens,  principalmente  fobre  a  jornada, 
que  finge  de  Henrique  IV.  para  conferir  em  Lon- 
dres com  a  Rainha  Ifabel  de  Inglaterra.  Naõ  íey 
fe  por  eftes  princípios  devo  diículparme  mais  das 
muitas  verdades  ,  que  confervey  na  minha  Henri- 
queida  ,  íe  por  temor  dos  menos  exercitados  na  E- 
popéa,eftou  obrigado  a  juflificarme  do  nuiito  que 
alterey  a  hiftoria  dos  fucceflos  ,  que  omiti ,  e  dos 
que  inteiramente  imaginey,pois  osparciaes  da  me- 

h  nos 


nos  bem  fundada  opinião  de  que  bum  Poema  ba  de 
jfèr  huma  biíloria  verdadeira ,  e  bem  feguida  ,  ador- 
nada porém  com  frafe  ,  e  figuras  poéticas ,  fendo 
fó  fabulofos  os  Epifodios  ,  naõ  admitirão  a  muita 
Kberdade  ,  que  com  os  melbores  preceitos  tomey 
na  minba  ftibula  biftorica.  Advertirey  nefte  lugar, 
que  be  verdade  o  que  digo  do  Conde  D.  Henri- 
que, aííim  arefpeito  do  feu  nacimento,  como  acer- 
ca do  feu  cafamento ,  ■  e  cofiquifta»:  que  faô  certos 
òs  ínomes  da  mayor  parte  dos  Heróes ,  e  das  fuás 
famiHas  :  que  Henrique  fendo  Senbor  da  Cidade 
do  Porto  ,  e  das  terras ,  que  teve  em  dote  j  dila- 
tou as  fuás  conquiftas  pelas  Provincias  de  Entre 
Douro  ,  e  Minbo  ,  Beira  ,  e  Trás  os  montes ,  e 
até  pela  Eftremadura  ganbando  Lisboa  ,  e  Cintra. 
Podem  lerfe  as  noticias  mais  verdadeiras  ,  que  per- 
manecem defte  prloriofo  fundador  do  Reyno  de 
Portugal  5-  a  quem  deo  nome,  e  fama  o  exado 
Gbroniíla  Fr.  António  Brandão  na  5 .  Part.  da  Mo- 
narcbia  Lufitana  ,  em  quanto  com  melbor  eftilo  , 
e  naõ  menos  diligente  averiguação  naõ  fabem 
a  luz  as  Memorias   do   meu  Heróe  admirável* 
mente  efcritas  pelo  Padre  D.  Jozé  Barboza  Clé- 
rigo Regular   da  Divina  Providencia  ,  e  digno 
alumno  da  Academia  Real  da  Hiftoria  Portu- 
eueza.    Também  be  verdade  no  meu   Poema> 
como  prova  o  mefmo  Brandão  ,  que  em  Lamego 
houve  bum  Rey  tributário  do  Conde  D.  Henri- 
<}0e  ebamado  Hecba  Martin  ,  e  que  a  Rainha  A- 

xa 


xa  Ançiires  fiui  efpoía  era  muito  guerreira  ,  e  que 
fe  rebelarão  camra  o  Conde  ,  perdendo  huma  ba« 
talha  junco  ao  Rio  Alardo  ,  e  ao  Alonte  Fuíle  na 
ferra  feca  nao  diftante  de  Lamego  para  a  parte  de 
Arouca  ,  e  que  eíles  Reys  vencidos  fe  bautilliraõ. 
He  certo  ,  que  a  Imagem  de  Noíía  Senhora  de 
Carquere  foy  a  quem  recorreo  o  Conde  D.  Henri- 
que ,  para  que  a  interceíTaõ  da  Virgem  Mariacon- 
feguiíFe  o  milagre ,  que  Deos  obrou  livrando  ao 
Infante  D.  Aíronfo  feu  primogénito,  e  depois  Rey 
D.  Affonfo  Henriques ,  do  im.pedimento ,  que  até 
a  idade  de  cinco  annos  lhe  embaraçava  os  paíTos;  e 
dizem  ,  que  aquella  Imagem  fe  achou  dentro  de 
hum  pequeno  fino  prefervada  dos  facrilegios  dos 
Aloiiros  no  concavo  do  tronco  de  hum  antigo  caC 
tanheiro  ,  ,como  refere  o  devoto  autor  do  Santua^ 
rio  Mariano,e  que  efta  Igreja  foy  de  Cónegos  Re^ 
grantes ,  como  he  hoje  dos  Padres  da  Companhia 
de  JESUS.  He  verdadeiro  o  largo  fitio  de  Coim- 
bra ,  e  que  depois  delle  levantado  foy  Hali-Aben- 
Jofef  o  mais  poderofo  Rey  Mouro  de  Hefpanha,  e 
Africa,  derrotado  com  outros  Reys  pelo  meuHe- 
róe,  que  dizem  vencera  os  Mouros  em  17.  bata- 
lhas, de  que,  comojádiííe,  ha  pouca  noticia,  e 
poriíTo  fingi  algumas  com  as  conquiílas  de  Cida- 
des, e  Villas,  nao  fiibendo  de  outras  particulari- 
dades. He  certo,  que  D.  Pedro  AfFonfo  foy  filho 
illegitimo  do  Conde  D.  Henrique  ,  e  que  obrou 
muitas  acçoens  heróicas  ,  mas  pouco  fabidas ,  fa- 

h  2  hindo 


hindo  do  Reyno ,  e  voltando  a  elle  ,  onde  ,  con- 
forme a  alguns  foy  Meftre  de  Aviz  ,  e  acabou  fan- 
tamente  na  Religião  de  Saõ  Bernardo ,  ainda  que 
outros  o  confundem  em  parte  defta.s  circunftancias 
com  outro  D.  Pedro  AíFonfo  filho  também  natu- 
ral delRey  D.  Aífonfo  Henriques.  A  Infenta 
Dona  Urraca ,  que  cafou  com  D.  Bermudo  Peres 
de  Trava  ,  atribuo  o  nome  de  Urania  j  e  pouco 
mais  do  que  deixo  referido  tem  de  verdadeiro  o 
Poema  ^  mas  tudo  veílido  poeticamente  ,  para  fa- 
zer agradável  a  contextura  ,  e  útil  o  documento. 
Deixey  para  a  ultima  reflexão  ácA^s  Advertências 
que  a  liberdade  de  fe  apartarem  da  Hiftoria  os  Poe- 
tas heróicos  até  chegou  ao  inalterável  da  verdade 
da  Efcrittura  j  pois  o  autor  do  Poema  do  Maca- 
beo  introduzio  nelle  Epifodios ,  e  fucceílos  falfos, 
e  entre  elles  a  eftranheza  de  ver  naõ  fó  em  profecia 
os  Reys  de  Portugal ,  e  muitas  das  Familias  Illuf 
três  defte  Reyno  ,  mas  a  de  Gufman  ,  de  que  era 
o  Duque  de  Medina  de  las  Torres  ,  o  que  também 
obferva  António  Henriques  Gomes  noíeu  Samfam 
Nazireno  ,  e  outros  muitos  com  Sannazaro. 
INVOCAÇ  AM  DAS  MUSAS, 
e-  Epifodios. 
-lI  í  -Como  os  efcrupulofos  da  verdade  hiftorica 
dos  Poemas  naõ  o  faõ  tanto  no  fabulofo  dos  Epi- 
fodios ,  que  naõ  fomente  faõ  a  fua  melhor  parte  , 
jrnas  a  mayor ,  e  a  mais  delicioía ,  fem  fazer  a  mi- 
nha apologia ,  tratarey  brevemente  dos  que  intro- 
u;.  :  duzi 


dnzi  na  minha  acçaõ,  pcrfuadindo-me  aquenao 
hao  de  parecer  taõ  efiranhos  delia,  como  outros 
nos  Poemas  mais  eftimados,de  que  fe  exceptua  en- 
tre muy  poucos  o  de  Luiz  de  Camocns,  porque  os 
íèus  Epifodios  fao  felizmente  deduzidos  do  feu  af 
fumpto  ,e  applicados  a  gloria  dos  íèus  Heroes.  No 
Canto  I.  delcie  a  Oitava  lò.principiaoEpifodioda 
entrada  de  Henrique  na  Gruta ,  donde  fahe  a  ven- 
cer a  batalha  junto  a  Gaya  5  e  refervey  para  todo  o 
Canto  2.  referir  o  Heróe  aos  Generaes  os  mifterio- 
fos  prodígios ,  que  vio  nos  fucceflbs  futuros ,  e  nos 
documentos  da  Sibilla ,  de  que  a  alegoria ,  como 
jádifle,  he  o  efpirito  da  Mãy  de  Henrique  ,  que 
tinha  o  meímo  nome  :  algumas  deftas  profecias 
deixey  muito  efcuras ,  por  me  parecer  mais  próprio 
do  eftilo  dos  vaticinios  declarar  pouco  os  nomes  , 
ainda  que  Virgilio  com  o  Tii  Marcelliis  eris ,  e 
com  elíe  quafi  todos  os  Poetas  me  deraõ  exemplo 
para  os  que  nomeyo.  He  efte  Epiíbdio  o  que  dá  ao 
Heróe  a  primeira  infpiraçaõ  de  bufcar  na  Imagem 
de  Carquere  o  Numen  tutelar  do  Reyno,  que  fun- 
tlava  ,  aludindo  à  hiftoria  cos  três  Livros  da  Sibil- 
la no  tempo  de  Tarquino  foberbo  P^ey  de  Roma; 
No  Canto  3.  Oitava  50.  entra  com  a  batalha  dos 
Reys  de  Lamego  ,  que  he  parte  da  acçaõ  ,  o  Epi- 
fodio  da  defcripçaõ  do  jardim  marcial  da  Heroína 
Axa  ,  e  da  fua  idolatria ,  o  que  faço  motivo  princi- 
pal de  todo  o  íèu  caracler.  Já  defde  o  i .  Canto  prin- 
piciou  Aldara  o  Epifodio  ^  que  corre  em  todo  o 

Poema, 


Poema  ,  acerca  do  feii  amor  para  çorn  Muley  ,  e 
da  fua  repugnância  as  finezas  de  Peiayo  Amado  j 
porém  no  Canto  5 .  conta  Henrique  os  feus  amores 
corn  Matilde  ,  por  onde  no  fim  do  Poema  vem  a 
conhecerfe  ,  que  Muley  ,  e  Aldara  eraõ  filhos  de 
Henrique.  No  4.  Canto  depois  do  pequeno  Epifo- 
dio  ,  que  fiiço  incidente  do  filio  de  Lamego  com  a 
morte  de  Lucidio  ,  e  crueldade  de  Brunaferro,  en- 
tra hum  dos  Epifodios ,  que  me  defagrada  menos, 
que  he  o  do  Palácio  da  Gloria,  onde  por  huma  vaa 
curiofidade  ,  que  logo  moíírarey  tratando  do  ca- 
rader  de  Henrique ,  fer  hum  dos  defeitos ,  que  o  fa- 
zem verofimel ,  moftro  as  atracções  da  fingida  Ma- 
tilde ,  com  que  foy  incitado  ,  e  os  principios  de  al- 
gumas fciencias ,  e  artes,  que  íe  conhecerão  nos 
feculos  futuros ,  imitando  a  Arioílo ,  que  affim 
defcrevo,como  elle  profeticamente,feis  feculos  an- 
tes a  invenção  da  pólvora  ,  e  dos  feus  furioíbs  ins- 
trumentos. No  Canto  j.  principia  hum  largo  Epi- 
fodio  ,  que  corre  até  o  Canto  7.  onde  naõ  he  eflra- 
nho  do  afiimipto  defcrever  os  jogos ,  e  torneyos  , 
aíFim  porque  Homero  ,  e  Virgilio  defcreverao  eiP 
tes  efpedaculos  largamente ,  e  Stacio  muito  mais, 
como  porque  aífim  naõ  fó  faço  a  narração  mais 
plaufivel ,  mas  porque  me  fervem  muito  para  def 
cobrir  fem  a  violência  da  guerra ,  em  que  faõ  im- 
próprias as  reflexoens ,  o  caradler  do  meu  Heróe 
principal ,  e  dos  outros ,  que  tem  lugar  inferior.  A- 
qai  t4"ato  das  Famílias ,  e  dos  feus  Brazoens :  aqui 
r  n    M  figo 


íl^o  o  crenio  daquelle  feculo  ,  em  qne  era 8  tnÕ  cô- 
niuns  os  torneyos ,  e  biifcar  aventuras  :  aqui  áef- 
crevo  o  Templo  de  Carquere  ,  e  os  futuros :  aqui 
moftro  a  piedade  generoía  do  Heróe  no  triunfo, 
com  que  conduz  a  Imagem ;  e  os  jogos ,  e  tor- 
neyos ,  que  devoto  lhe  dedica ,  e  tudo  faô  diípofi- 
çoens ,  para  merecer  a  protecção  celefte  ,  e  o  fim 
da  acçaÕ  ,  que  he  fundar  o  Império.  No  Canto  8. 
be  também  o  canto  de  Aldara  hum  Epifodio  pre- 
cifo  para  inveftigar  em  hum  foliloquio,  como  ella 
entendia ,  por  naõ  faber  que  Pelayo  Amado  a  efcu- 
tava ,  as  duvidas  do  feu  nacimento  j  e  logo  fe  fegue 
^à  caça  em  diverfas  formas ,  para  o  que  me  nao  vali 
pouco  do  que  Oppiano ,  Graciano,  e  Olimpo  Ne- 
mefiano  efcreveraõ  das  efpecies  da  Arte  Venato- 
ria  ,  que  conhecerão,  e  entre  os  modernos  do  Poe- 
ma de  Venationc ,  que  cfcreveo  com  elegância 
Natal  Comes,  e  também  de  outros  Poetas,  que 
tratarão  da  Volateria  ,  quafi  defconhecida  até  o 
undécimo  feculo.  As  appariçoens  dosDeofes  Gen- 
tílicos de  Axa  no  Canto  9.  fortificao  a  fua  illufao, 
e  defcobrem  ,  imitando  eu  a  Camoens ,  muitas 
elorias  futuras  de  Portugal.  No  Canto  10.  introdu- 
zi  hum  Epifodio  hiftoricojaffim  porque  naõ  foflem 
todos  vaticínios  ,  como  para  imitar  a  Virgilio  ,  e 
Camoens ,  naõ  deixando  os  Leitores  fem  noticia 
do  principio ,  e  fucceíTos ,  que  precederão  a  acçaÕ 
do  Heróe  na  fua  vida  ,  e  na  hiftoria  de  Portugal.  A 
liiftoria-,  qu^  conta  Tancredo  no  Canto  12.  em 
i^i  que 


que  defcobre  ,  que  Muley  ,  e  Aldara  fiiõ  irmãos , 
e  filhos  do  Conde  D.  Henrique  he  o  ukimo  Epiío- 
dio  ,  que  me  deixa  livre  a  concluíIi5  do  Poema  , 
fendo  a  conquiíla  de  Lisboa  Capital  do  Reyno  o 
preço  da  morte  ,  que  deo  Henrique  a  ElPv.ey  Hali 
íèu  contrario ,  acabando  com  hum  fó  golpe  toda 
a  fua  barbara  tirannia ,  e  com  o  exemplo  de  Virgi- 
]io  ,  em  que  Enéas  matando  a  Turno  repete  o  ver- 
fo: 

V Iraque  ciim  gemitiifitgit  indignatajiihiimbras, 
Nao  fe  achando  menos  eílabelecido  o  Reyno  de 
Alba  por  Enéas  pelo  feu  cafamento  com  Lavinia;e 
aífim  entendeo  mal  Mafeo  Vegio ,  como  moder- 
no ,  ainda  que  grande  Poeta ,  que  efta  fora  huma 
das  imperfeiçoens  de  Virgílio ,  por  na5  ter  emen- 
dado ó  feu  Poema  ,  como  fe  vè  de  alguns  verfos, 
que  deixou  por  acabar ,  e  da  difpofiçao  ,  que  di- 
zem .fizera  antes  de  morrer  ,  de  que  a  fua  obra  íe 
queimaííe  ;  o  que  evitou  Tucca : 

'Ne  Trojaforet  tota  cremata  rogo, 
E  por  efte  antigo  conceito  fe  reconhece  ,  e  ainda 
mais  pela  Eneida,  que  o  fuplemento  de  Mafeo  Ve- 
gio he  inútil ,  pois  quer  acabar  hum  Poema ,  como 
huma  Comedia  ,  nao  deixando  a  quem  o  le  aquel- 
la  fublime  fufpenílio  ,  que  da  a  nobreza  da  acçaõ 
heróica:  o  que  bem  conheceo  Ariofto  ,  e  os  que 
melhor  feguiraõ  a  Virgílio.  Entre  a  hiftoria ,  e  os 
Epífodios  nao  poíTo  deixar  de  advertir  outra  vez 
com:  os  Meftres  da  Arte  Poética  o  erro  de  Stacio 


na 


na  Aquileida ,  em  que  naõ  emprehendia  menos, 
que defcrever toda  a  vida  de  Aquiles,  de  quemhu* 
ma  acçaõ  colérica ,  que  durou  fó  quarenta  e  íete 
dias ,  deu  matéria  a  toda  a  Illiada  de  Homero.  Já 
Horácio  tinha  deixado  a  Stacio  efte  preceito  repre- 
hendendo  o  Poeta ,  que  intentava  reduzir  a  hum 
fó  Poema  toda  a  fortuna  de  Priamo ,  e  Guerra  de 
Troya ,  que  foy  o  aíTumpto  dos  três  mayores  Poe- 
mas da  antiguidade : 

Fort  unam  Friami  cantai  o ,  C?*  nobile  helliim. 
Mas  qual  foy  o  fucceflb  defta  ignorante  vaidade? 
O  mefmo  Horácio  o  diz  com  o  apologo  de  Eíbpo 
taõ  fabido : 

Parturient  montes ,  nafcetur  ridicuhis  mus, 
Naõ  eílava  melhor  informado  Stacio  do  principio 
da  fua  acção ,  pois  refere  antes  que  o  reciproco  fra- 
tricidio ,  que  he  o  aííumpto  da  Thebaida  ,  a  fun- 
dação de  Thebas  com  huma  larga  defcripçaõ,  naõ 
íèguindo  a  Virgilio ,  que  reduzio  a  íeis  veríòs  de- 
pois de  propor,  e  invocar ,  a  deícripçaõ  de  Carta- 
go ,  que  era  precifo  dar  a  conhecer ,  pois  Eneas 
hia  bufcala  ,  prevenindo  já  a  cólera  de  Juno,  e'a 
protecção  de  Vénus.  Deixey  de  fazer  memoria 
do  Epifodio  amorofo  ,  e  trágico  de  Licio,  e  Li- 
fis ,  e  Alcino  no  fitio  de  Coimbra  Canto  1 1.  naõ 
por  entender  que  era  o  menos  digno  de  attençaÕ, 
mas  porque  com  o  exemplo  de  Taílb  no  fucceflò 
de  Olindo  ,  e  Sofronia  no  fitio  de  Jerufalem  fica- 
va juftificado  ,  ainda  que  o  emendaílè  Taflb  na  fua 

i  Jeru- 


Jeruíalem  Conquíftada  ,  que,  como  já  apontey  , 
mõ  foy  bem  recebida  do  publico.  No  que  digo 
neftas  Advertências  íobre  alteraiTe  a  verdade  da 
hiíloria,  e  fobre  a  Acçaõ,  e  Epifodios ,  naõ  ale- 
guey  muitos  exemplos ,  e  lugares  em  termos ,  por- 
que podem  lerfe  no  já  louvado  Tratado  do  Poema 
Épico  do  P.  le  BoíTu,  de  quem  defejey  feguir  as  li- 
çoens  em  toda  a  Henriqueida. 
CARACTER    DE   HENRIQUE, 
e  dos  Jegíindos  Herdes  do  Poema. 
Melhor  fe  verá,  como  tudo  o  mais ,  pela  li- 
ção do  Poema  do  que  por  eftas  Advertências  Pre~ 
liminares  ,  íe  o  carader  do  Heróe  ,  e  os  de  todos 
os  adores,  que  entraõ  na  Henriqueida  ,  fe  confer- 
va  fem  mudança  em  toda  a  obra.  Achey  Aquiles 
colérico,  Uliílesaíluto,  Enéaspio,  Cefar  ambi- 
ciofo,  Gofredo  devoto,  VafcodaGamaouíado,, 
D..  AíFonfo  Henriques  intrépido ,  e  affim  outros , 
que  me  deixarão  para  o  meu  Heróe  o  carader  de 
generofo  :  nelle  cabem  todas  as  acçoens  heróicas, 
e  nobres  ,  porque  conforme  a  melhor  etimologia 
he  generolb,  quem  naõ  degenera  da  fua  natureza  ; 
e  aíTim  parece  que  moftra  fer  Henrique  querendo 
dar  liberdade  a  Aldára ,  e  dando-a  a  Muley  ,  fendo 
ella  filha  única  ,  e  herdeira  ,  como  elle  fupunha  , 
do  feu  mayor  inimigo  ,  e  o  mais  preciofo  penhor 
para  a  fua  confervaçao  5  e  Muley  o  mais  valerofo 
dos  feus  contrários  ,  em  que  brilhavaõ  as  virtudes, 
que  podiaõ  recear  osPortuguezes ,  quanto  mais  as 

admi- 


admiravaô.  Deo  também  liberdade  aos  Cativo§, 
e  exercitou  a  magnificência  ,  e  a  piedade  em  todas 
as  fuás  acçoens.  Mas  porque  naõ  me  efqueci  dos 
preceitos ,  que  dera5  os  Meftres  da  Poética  ,  e 
ainda  melhor  dos  exemplos  ,  fogindo  ,  como  ad- 
verte Boyleau  ,  da  affedaçaõ  inverofimil ,  de  que 
o  Heróe  de  hum  Poema  fe  pinte  fem  defeito  ,  co- 
mo fe  finge  ,  no  heróe  de  huma  novella  5  deixey 
que  Henrique  nos  amores  occultos  de  Matilde 
fufpendeíle  por  hum  anno  o  impulfo  ;  que  o  con- 
duzia para  a  guerra  de  Hefpanha  ,  que  toleraíTe  o 
zelofo  ardor ,  com  que  quafi  tumultuariamente  fe 
oppuferao  osfeusGeneraes,  e  Confelheiros  à  liber- 
dade de  Aldára  ,  e  que  com  huma  exceffiva ,  e 
crédula  curiofidade  entra  fie  a  examinar  na  efcuri- 
daÕ  da  noute  os  encantos  do  Palácio  da  Gloria.  A 
Rainha  D.  Thereza  fempre  he  prudente  ,  e  coní^ 
tante  ;  a  Infanta  Urania  amante  ,  mas  advertida : 
Egas  Moniz ,  que  he  o  Patroclo  Menefiades  def- 
te  Aquiles  ,  e  o  Achates  defte  Eneas,  permanece 
fempre  devoto  ,  fiel  ,  evalerofo,  fendo  hum  dos 
principaes  inftrumentos  ,  que  confervou  a  vida  ao 
Infante  D.  Affbnfo  ,  de  quem  era  Ayo  ,  e  o  pri- 
meiro ,  depois  de  Henrique  nas  vittorias.  D.  Pe- 
dro Bernardo  igualmente  íabio,  e  animofo  ,  nao 
defmente  em  muitas  acçoens  o  feu  carader.  Pe- 
layo  Amado  Heróe  amorofo ,  mas  nem  poriflx) 
menos  guerreiro  ,  padece  os  infortúnios  dehurti 
amante  naõ  correfpondido  ,  e  algumas  vezes  o  caP 

i  2  tigo 


tígo  dos  exceíTos ,  a  que  o  obrigou  a  paixão  ;  e  as 
^iiezas,  que  fó  mereeeraõ  ao  principio  aellimaçaõ 
de  Aldára  ,  ultimamente  lhe  confeguem  o  premio 
de  que  fe  fez  digno.  Cunha  prudente,  Távora  adi- 
Vo  5  Pereira  confiante.  Hercules  de  Ruhan  trouxe 
eu  de  Bretanha  a  Portugaljporque  já  naquella  Pro- 
víncia deFrança  erao  Soberanos  de  muitas  terras  os 
deíla  Familia ,  em  que  me  intereíley  por  huma  ali- 
ança ,  e  o  fiz  ,  como  faõ  os  Francezes  ,  ardente  , 
e  luzido.  A  Muley  revefti  de  acçoens  taõ  nobres  ^ 
que  algumas  vezes  temi  fazelo  mais  amável  do  que 
o  meu  primeiro  Heróe  ,  como  arguem  a  Homero 
a  refpeito  de  Heitor  ,  e  a  Taílb  a  refpeito  de  Rei- 
naldo j  porém  como  era  filho  de  Henrique  ,  ainda 
que  defconhecido  ,  fó  nelle  podia  ter  o  Heróe 
hum  digno  contrario ,  a  quem  fempre  refpeitou 
Muley  por  occulta  fimpatia  ,  e  a  quem  fempre 
venceo  Henrique  no  valor  ,  e  generofidade.  A 
paixão  violenta  que  teve  para  com  Aldára,  o  obri- 
gou a  algum  nobre  furor ,  que  o  deixa  defigual  ao 
generofo  Heròe.  A  Hali-Aben-Jofef ,  que  he  o 
Turno  do  meu  Enéas ,  e  o  Argante  do  meu  Go- 
fredo  ,  naõ  fiz  taõ  odiofo  ,  que  ficaífe  indigno  de 
combater  a  Henrique  ,  porém  a  tirannia ,  e  a  im- 
piedade deíluzem  algumas  virtudes  heróicas  mais 
do  que  moraes  ,  que  lhe  confervey  para  ennobrc- 
cer  o  ultimo  triunfo  do  Heròe.  Muftafa  teve  o 
çaftigo  da  fua  perfídia  ,  e  nelle  predomina  fempre 
a  aftucia  ao  valor  j  nos  outros  Mouros  faço  variar 

quanto 


quanto  poílb  os  intereííès,  e  as  inclinaçoens ,  fi- 
cando de  algum  modo  premiadas  com  os  Reynos 
de  Africa  as  virtudes ,  e  juftiça  de  Lucidoro.  A 
diíciplina  militar  de  Roberto  tem  exercício  na  de- 
fenfa  de  Gaya ,  e  Coimbra  ,  e  em  outras  occa- 
fiocns  5  naõ  lhe  fendo  defigual  Eividio.  A  mode- 
ração delRey  de  Lamego  he  huma  diípofiçaõ 
para  o  bautifmo  ,  que  pretendeo ,  e  coníeguio  ,  e 
efte  caracter  oppoílo  ao  furor  da  Rainha  naò  me 
parece  que  faz  máo  effèito  :  he  efta  Heroína  Axa 
Ançures  ,  comojá  ponderey  ,  a  Camiilla  do  meu 
Eneas,  ou  aPentefilea,  Hipolita  ,  eClorindade 
outros  Heróes.  Depois  das  cauías  ,  a  que  attribui 
a  fua  idolatria,  deixey  livres  todas  as  illuíbens ,  que 
fe  repreíentaraõ  na  fua  idéa  para  animar  a  fua  furio- 
fa  paixão  ,  que  até  o  fim  do  Poema  foy  fempre  ohf- 
tinada ,  e  fó  por  hum  milagre  entendi  que  podia 
íer  convertida ,  como  os  antigos  uíàvao  nas  que 
chamavaõ  maquinas  5  pois  huma  loucura  fomenta- 
da pelo  máo  génio,  hum  valor  intrépido ,  e  huma 
íbberba  indomável ,  com  a  vaidade ,  que  dà  a  fer- 
mofura  ,  e  a  difcriçaõ  ,  nao  podiaõ  fer  fuperadas 
menos  que  por  hum  prodigio  Divino.  Aldara  taõ 
pouco  belicofa,  e  taõ  fina  amante,  he  hum  carac- 
ter oppoílo  ao  de  Axa  ,  em  que  também  traílu- 
zem  as  virtudes  de  filha  de  Henrique,  que  interior- 
mente moderavao  a  violência  da  fua  aíFeftuofa  in- 
clinação a  Muley  ,  e  que  fó  davao  lugar  a  jufia  et 
timaçaõ ,  que  fazia  de  Pelayo  Amado :  e  no  fim 

do 


do  Poema  com  a  generofa  refoluçao  de  D.  Pedro 
Affonfo ,  que  jà  naõ  era  Miiley ,  lhe  tirey  dos  olhos 
hum  obje£lo  ,  que  podia  recearfe  ,  ainda  que  in- 
juílamente,  criminofo.  S.  Giraldo  he  fempre  San- 
to ,  fiel  ao  feu  Principe  ,  e  livre  da  lifonja  :  e  nao 
tratando  de  outros  caracleres  inferiores ,  direy  lo  , 
que  com  o  exemplo  de  Camoens  coníervey  em 
quafi  todos  os  nomes  Portuguezes ,  pois  naõ  fey  , 
que  íeja  diífonante  : 

O  caro  meu  irmão  Paulo  da  Gama, 
E  em  outras  partes : 

MartimLopesJe  chama  oCavaleíro.  Can.S .  8 .2  3 . 

Maisfe  lhe  ajunta  Nicoláo  Coelho.    Can. 

V endoV ajco da  Gama  (jue  t a^ perto,C'à\\.6 .% ,%o: 
E  no  Cant.  4.  Oitav.  24.  para  dizer  hum  nome  in- 
teiro ,  o  partio  com  huma  hyperbaton  com  efte 
veríb  :  ,  /.  u  ■  ■     . 

Mem  'Kodrlguesfe  diz  de  Vajconcellos, 
Na  mefma  Oitav. 

Anta'õ  Vajíjues  de  Almada  he  Capitães, 
No  Cant.  8.  Oitav.  27.     : 

Que  Gonçalo  Ribeiro  fe  nomea* 
No  Cant.  8.  Oitav.  54. 

Gil  Fernandes  he  de  Elvas  quem  o  ejlraga. 
>:iaA(]uí  de  D.  Filippe  de  Menezes. 
E  aíTlm  em  quafi  todo  o  Poema ,  fem  que  o  emba- 
racem o  humilde  ,  ou  o  duro  de  alguns  nomes  pa- 
ra lhe  dar  a  gloria  ,  que  adquirirão  com  as  fuás  ac^ 
çoens,  e  pode  íer  Camoens  em  tudo  excelente 

i  exem- 


exemplar.  Também  o  podem  Ter  Homero  com  os 
armoniofos  nomes  da  fiia  elec^ante  Linooa  ;  Yiriirii- 
lio  latinifando  alguns  da  Frigia ,  e  Grega ,  e  a  ma- 
yor  parte  dos  Poetas ,  naõ  ignorando  a  difcreta 
advertência  de  Boyleau  de  que  pela  afpereza  de 
hum  nome  próprio  fe  perdia  toda  a  confonancia  de 
hum  Poema ,  para  o  que  traz  o  exemplo  de  Mr.  de 
Sainte  Garde  ,  que  efcolheo  por  Heròe  a  Cbilde- 
brand,  quando  a  armonia  dos  nomes  de  UiiíTes  , 
Agamennon  ,  Idomeneo  ,  Paris  ,  Enéas  ,  e  ou- 
tros já  ennobrecem  as  idéas  com  a  melodia,que  lhe 
dá  o  idioma  ;  porém  ainda  que  hum  illuftre  exem- 
plo moderno  com  delicadeza  mudaíTe  os  nomes 
Portuguezes,  fio  tanto  da  confonancia  da  Lingoa, 
em  que  efcrevo,que  antes  quiz  íèguir  tantos  exem- 
plos ,  e  coníervar  os  verdadeiros  nomes  aos  Va- 
roens  infignes ,  que  com  as  fuás  acçoens  deraõ  im- 
mortal  gloria  às  ílias  Familias,  e  à  naçaõ  Portugue- 
za ,  do  que  bufcar  o  que  os  Gregos  chamarão  Eu- 
fonia ,  que  naõ  fò  deve  de  fer  agradável ,  mas  pró- 
pria da  Lingoa,  em  que  fe  efcreve. 
LINGOA. 
Tenho  tratado  do  todo  do  meu  Poema  :  fal- 
tame  agora  difcorrer  fobre  as  fuás  partes  j  ou  por 
explicarme  melhor ,  tenho  dado  huma  idéa  da  Ar- 
t^,  que  íegui  j  e  agora  difcorrerey  do  modo  ,  por- 
que procurey  executalo.  Deixo  de  dizer,  que  a 
propofiçaõ  foy  breve  ,  reduzindo  a  três  Oitavas  o 
carader  do  Heròe  ,  a  gloria  do  feu  nome  ,  a-futu- 

ra 


ra  do  íeu  Reyno  ,  e  a  acçaõ  de  todo  o  Poema.  A 
invocação  he  Chriftãa  ,  como  a  de  Taílb  com  ale- 
•  goria  poética :  a  dedicatória  ao  SereniíTimo  Senhor 
Infante  D.  António  reduzi  com  grande  repugnân- 
cia minha  a  tao  poucos  verfos,  alTim  porque  as  fuás 
muitas  virtudes  podem  fer  aíTumpto  do  mais  largo 
pancgirico ,  como  porque  nao  achey  nos  Gregos, 
e  Latinos  eftes  exemplos  ,  íendo  breves  os  que  me 
derao  Camoens ,  Taílb  ,  e  outros  modernos  para 
poder  feguilos  j  mas  primeiro  que  trate  do  eftilo 
poético  da  Henriqueida  ,  me  defculparey  dos  que 
entendendo  ,  que  eu  podia  eícrevelo  em  outras 
Lingoas  mais  univerílies ,  me  condennaõ  ,  porque 
o  efcrevi  na  própria  ,  dizendo  huns  ,  que  nao  era  a 
mais  armonioía,  nem  a  mais  abundante;  outros 
com  maií  razaõ  ,  que  íe  a  gloria  da  naçaõ  Portu- 
gueza  ,  e  a  minha  própria  erao  o  motivo  de  com- 
por hum  Poema  ,  huma  e  outra  coufa  ficava  redu- 
zida fò  ao  Reyno  de  Portugal ,  e  fuasConquiflas^ 
on Je  todos  conheciao ,  e  admiravao  as  acçoens  do 
Conde  D.  Henrique  feu  primeiro  Fundador,  e  on- 
de poucos  liao ,  e  menos  louvavaÔ  as  obras  dos  au- 
tores vivos ,  e  muito  menos  as  dos  nacionaes ,  nao 
íendo  menos  difícil  íer  poeta ,  do  que  fer  profeta  na       í 
fua  pátria  ;  e  que  fe  Homero ,  e  Virgilio ,  e  outros 
antigos  eícreverao  na  Lingoa  materna ,  fora  por- 
que como  dominantes  erao  univerfaes ,  e  ainda  A- 
rioílo,  TaíTo,  outros  Italianos,  e  muitos  Heípa- 
nhoés  ,  compuzeraõ  em  Lingoa  ,  que  íe  entende 
'  '^  em 


em  muitas  Cortes  de  Europa ,  e  com  mayor  razão 
o  fizeraõ  os  Francezes  por  efta  caufa ,  e  concluiaõ, 
que  havendo  Claudiano  efcrito  em  Latim  o  íêu 
Poema  de  Raptu  Froferpnue^  principiou  em  Gre- 
go o  da  Gigantomaclna,  que  também  havia  come- 
çado em  Latim  ,  e  que  ao  mefmo  aflumpto  tendo 
Manoel  de  Galhegos  compoílo  em  Portuguez  o 
Templo  da  Memoria  ,  imprimi  o  em  Heípanhol 
com  muito  acerto  outra  Gigantomaclúa  ,  íendo 
efte  autor  taõ  douto  nas  regras  do  Poema  Herói- 
co ;  como  moftrou  no  Dijcurjo  Pr e liminar ,  que 
fez  àquella  obra ,  e  no  que  nas  melhores  ediçoens 
fe  le  antes  da  Uliflea  de  Gabriel  Pereira  de  Caftro. 
Mais  claramente  me  combatiaô  com  os  exemplos 
de  tantos  modernos  ;  em  que  naõ  tem  inferior  lu- 
gar os  Portuguezes ,  que  fizeraô  Poemas  na  Lin- 
goa  Latina  ,  e  na  Caftelhana ,  a  qual  preferio  Fran- 
cifco  Botelho  de  Vafconcellos  em  todas  as  impreP 
íbens  do  feu  Alfonfo  à  Portugueza,  coníèrvando-o 
nefta  manuícrito  com  igual  elegância. 

Naõ  reípondo  à  primeira  parte  defta  ceníiira^ 
porque  me  parece ,  e  cuido  ,  que  fem  /er  por  en- 
gano próprio  ,  que  he  a  Lingoa  Portugueza  huma 
das  mais  graves ,  e  armonicas  para  o  heróico  ,  e 
para  o  amorofo  de  hum  Poema  Épico  :  bafte-me 
para  exemplo  Luiz  de  Camoens  ,  que  he  certo  ia- 
bia  muito  bem  outras  Lingoas  ,  e  illuftrando  ,  e 
polindo  a  própria ,  que  nos  Lufiadas  fe  conferva  ha 
mais  de  i6o.  annos  quafi  fem  alteração  confidera- 

k  vel, 


Vel  5  mereceo  fer  admirado ,  e  traduzido  quatro 
vezes  em  Latim,  huma  em  Italiano,  duas  em  Fraii- 
eez ,  huma  em  Inglez  ,  e  quatro  em  Hefpanhol. 
Na  fua  abundância  naõ  achey  falta  ,  e  affim  me  vali 
pouco  de  palavras ,  efrazes  de  outras  Lingoas,na5 
feo;uindo  muitos  autores  modernos  ,  que  fendo 
2;randes  em  outro  fentido,  fe  disfiguraõ,  e  cor- 
rompem o  idioma  ,  tomando  muitas  licenças, 
quando  eu  com  menos  efcrupulo  ,  por  fer  Poeta, 
podia,  como  fez  Camoens,  uíar  de  algumas;  o  que 
imitey  com  tanta  mais  moderação  ,  quanto  tenho 
de  menos  autoridade  ;  pois  até  à  difpotica  de  Ti- 
bério naõ  permitio  o  Senado  introduzir  huma  pala- 
vra nova ;  e  as  que  cita  eílranhas ,  quando  as  julga 
precifas ,  efcreve  em  Grego  o  mefmo  Cicero ,  naõ 
fe  atrevendo  a  latinifalas. 

A^cerca  do  eftilo  diz' Horácio  na  Arte  Poéti- 
ca verf  56.  e  57.  onde  faz  o  mefmo  elogio  de  in? 
troduzir  palavras  novas  naõ  menos  que  a  Catão, 
que  Ennio  merece  grande  louvor ,  por  enriquecer 
a  Lingoa  Latina  com  palavras  nobres ,  como  íe 
pode  ver  dos  verfos  feguintes : 

Si  po^um,  invídeov^cum  língua  Catonls,  ^  Enni 
Sermonem  patrium  ditavevit ,  ^  nova  renmi 
Nominaprotu/erit :  Ucuit  ^Jempercjue  licehit^ 
Que  Lucano  naõ  mereça  o  nome  de  Poeta  a  pezar 
do  feu  bom  eftilo ,  verfificaçaõ  ,  e  máximas ,  em 
que  convém  muitos  doutos ,  moftra  Petronio  Ar- 
bitro ,  que  o  pode  fer  neftas  matérias ,  no  Satyri- 

con, 


con ,  eera  contemporâneo  de  Lucano.  E  efla  op-, 
piniaÕ  he  feguida  de  Sérvio  no  Commento  de  Vir- 
gílio ,  e  naõ  menos  de  Santo  Ifidòro  no  Liv.  8.  das 
Origens,  como  também  de  outros  muitos ,  con- 
ciliando engenhofamente  Gafpar  Barleo  eíla  opi- 
nião ,  e  a  contraria  no  diftico  feguinte : 

Qiii  minits  Iijjloriciis  credor  miniis  efe  Poeta : 
Me  minor  eji  vates  ,  C/  minor  hijioriciis, 
Júlio  Cefar  Scaligero  no  Hypercriticon  Lib.  d.' 
Poet.  pag.  841 .  e  842.  dá  o  fegundo  lugar  a  Stacio 
depois  de  Virgilio ,  ainda  que  muitos  o  contradi- 
zem 5  e  nefta  parte  o  goílo  de  cada  hum  julgará  o 
que  lhe  parecer  dando  a  preferencia  a  Lucano ,  ou 
Silio  Itálico. 

Os  que  negaÕ  ao  ultimo  o  conhecimento  da 
Arte  Poética,  fundaõ-fe  em  que  fegue  hiftorica- 
mente  a  Polibio ,  e  Tito  Livio  ,  e  em  que  naõ  co- 
nheceo  a  Fabula  Heróica  j  e  dizem  que  naõ  era 
Poeta  por  natureza ,  mas  fim  por  arte.  A  Valério 
Flacco  naõ  valeo  o  elogio  de  Quintiliano,  porque 
também  delle  íe  tira  a  coníequencia  de  que  a  fua 
obra  naõ  ficou  muy  correda ;  nem  o  de  Gafpar 
Barthio  nos  feus  adverfarios ,  que  o  louvaõ  com 
grande  diftincçaõ,  nem  o  do  P.  Filippe  Briete  no 
Liv.  2.  dos  Poetas  Latinos ,  que  naõ  fendo  taÕ 
parcial  de  Valério  Flacco ,  como  Barthio ,  lhe  dá 
preferencia  a  Stacio ,  e  a  Lucano  5  porém  entre  os 
Criticos  defte  autor ,  de  que  he  o  principal  o  P. 
ILapin  ,  naõ  lhe  he  concedido  taÕ  fuperior  lugar 

k  2  no 


no  Parnaílb  ,*  concluindo-fe  em  Bayllet  tom.  4.  da 
edição  de  4.  do  Jugement  áes  Scavans ,  que  efco- 
Ihendo  hiima  acçaô  própria  para  bum  Poema,  por 
íer  fabuloíli ,  e  heróica,  naõ  a  tratou  bem ,  por 
encher  a  fua  compofiçaõ  de  acçoens  particulares 
dos  Argonautas,  fendo  ainda  affim  melhor  o  que 
intentou  do  que  o  que  copiou  de  Apollonio  Rho- 
dio  ,  que  como  já  diíle ,  efcreveo  do  mefmo  aC- 
fumpto.  No  juizo  da  Dionifiaca  de  Nonniis  con- 
cordao  os  mais  doutos ,  que  a  vaftidao  da  matéria, 
que  abraça  ,  e  outros  defeitos  impedem  que  mere- 
ça os  elogios  de  alguns ,  em  que  entraÔ  com  gran- 
de autoridade  Policiano  ,  e  Mureto  ,  a  que  íe  op- 
poem  Daniel  Heinfio  dizendo  que  íe  enganarão. 
JoaÕ  Tzetzes  nas  Chilradas ,  que  compoz ,  ain- 
da que  tenha  erudição,  eboas  máximas  politicas, 
como  a  fua  obra  he  de  hiftoria  miícellanea ,  nao 
merece  fer  imitada  por  autor  de  Poema  Épico. 
JoaÕ  Gunthero  quaíi  contemporâneo  do  Conde 
D.  Henrique ,  pois  efcreveo  as  acçoens  de  Fede- 
rico   Barbarroxa    mereceo   a   pezar    da   grofla- 
ria  do  feu  feculo  repetidos  elogios  dos  melhores 
Criticos ,  como  foraÕ  Janu  Douza  in  Praefat.  alte- 
ra Annal.  Batav.  carmine  fcript.  idem  lib.  de  Poet.' 
Latin.  pag.  74.   Gafpar  Barthius  in  adverfariis: 
JoaÕ  de  Antvvild  em  todas  as  naçoens  teve  dig- 
no louvor  dos  mais  eruditos  eícritores  ^  mas  co- 
mo o  afliimpto  do  íeu  Poema  do  Archithoemo 
he  moral  ,  e  naõ  heróico  ,  pois  trata  das  mife- 

rias 


rias  dos  homens ,  naõ  entra  nefle  meu  exame. 

João  deiske  Inglez  conhecido  por  Devonio,  e 
por  lícano  ,  que  floreceo  no  fim  do  feculo  XII.  e 
principio  do  feguinte ,  lendo  difcreto,  e  erudito  na 
Lingoa  Grega  ,  e  Latina  ,  em  lugar  de  imitar  ,  co- 
mo devia  ,  a  Homero  ,  e  Virgilio  ,  pois  eícreveo. 
6.  Livros  da  Guerra  de  Trova,  cahio  no  erro  co- 
mum de  querer  tirar  todas  as  fabulas  daquelles Poe- 
tas ,  para  efcrever  fó  a  verdade ,  que  fuppoz  ti- 
nha achado  na  hiftoria  da  meíma  guerra ,  que  cor- 
re com  o  nome  de  Darete  Fhrygio,  Guilherme 
Breton  fez  hum  Poema  intitulado  Fhllippidos  das 
acçoens  de  Filippe  Auguflo  Rey  de  França,  a  que 
naS  falta  génio  ,  e  arte  5  mas  com  a  paixaõ  hiftori- 
ca  entra  na  collecçao  dos  hifloriadores  de  França 
de  Pithou  impreíla  em  1596.  Felippe  Gualther 
naõ  executou  bem  o  grande  aííumpto  ,  que  efco- 
Iheo  no  feu  Poema  do  Alexandreidos ,  pois  fe  lhe 
achaõ  muitos  defeitos ,  lendo  ao  meujuizo,  oma- 
yor  querer  tratar  de  todas  as  acçoens  grandes  de 
hum  Heròe ,  de  quem  fo  ha  de  efcolherfe  huma  pa- 
ra o  Poema  Épico.  Quem  naõ  havia  de  defani- 
maríe  de  fazer  hum  Poema  Heróico  ,  quando  Pe- 
trarca o  melhor  Poeta  Italiano  ,  e  hum  dos 
reftauradores  da  Lingoa  Latina  no  íeu  Poema  de 
Africa  ,  ou  da  fegunda  Guerra  Púnica  naquella 
Lingoa ,  naõ  fó  he  condennado  por  erros  de  quan- 
tidade ,  mas  pela  ordem ;  e  naa  fendo  apparecido 
ainda  Silio  Itálico ,  lhe  deo  Voffio ,  e  outros  Cri- 

ticoí 


ticos  hum  lugar  inferior  a  eíle  Poeta  ?  A  Thefei- 
da  de  Joaõ  Bocacio  he  mais  agradável  pela  contex- 
tura, do  que  pela  dicção  Poética,  naõ  íè  ifentando 
eíle  grande  autor  do  vicio  moderno  de  efcrever  to- 
das as  acçoens  dofeuHeròe.  O  Morgante  de  Luiz 
Puley  ainda  hoje  engana  aos  que  fò  eftimaÕ  os  in- 
cidentes agradáveis ,  e  os  conceitos  exquifitos  com 
a  pureza  da  Lingoa ,  fem  condennar  a  eíle  autor 
pela  barbara  idéa  épica  de  matar  o  feu  Herôe 
antes  de  acabar  o  feu  Poema  pelo  haver  mor- 
dido na  extremidade  de  hum  pé  hum  Caranguejo 
marinho  ,  como  fe  foííe  por  qualquer  outra  parte 
invulnerável ,  como  Aquiles  ,  ou  aquelle  Cancro 
o  mefmo  ,  que  he  Signo  celeíle,  por  morder  em  íe* 
melhante  lugar  a  Hercules.  Ricardo  Bartolino 
fez  a  fua  Auílriada  com  pouco  melhor  íucceílb  do 
que  Bautifta  deCantalicio  a  fuaGonçalvia  aoGraõ 
Capitão  Gonçalo  Fernandes  de  Córdova,  aíFump- 
to ,  que  tratou  mais  poeticamente  Bautiíla  Man- 
tuano  fò  na  pátria  igual  a  Virgilio  j  e  pouco  exce- 
deo  a  eíles  dous  Pedro  Gravina,qne  louvou  o  mef 
mo  Heròe  na  cònquiíla  de  Nápoles  j  mas  eíle  Poe- 
ma naõ  exiíle.  Como  trato  pouco  dos  Poemas  i 
que  tem  aíTumpto  facro,  naõ  fallarey  na  grande  eí^ 
timaçaõ ,  que  mereceo  Joaõ  Peres ,  ou  Petrejus  no 
feu  Poema  Latino  da  Magdalena,  que  o  celebre 
Audré  Navagerio ,  fendo  Embaxador  de  Veneza 
em  Heípanha ,  preferia  ,pela  fua  elevação ,  a  todos 
os  Poetas  modernos  de  ItaUa  3  nem  na  Vida  de  S» 

Jozé, 


Jozé  5  e  outros  Poemas  Sacros  puramente  efcritos 
pelo  Alellre  Jozé  de  Valdiviezo  em  HeípanhoJ, 
nem  em  outros  muitos  de  femelhantes  aíTumptos 
nas  duas  Lingoas ,  Caftelhana,  e  Portugueza  ,  em 
que  íe  diftinguem  o  Cartuxano  tao  louvado  por 
Manoel  de  Faria  ,  Vita  Chrifti  de  António  das 
Povoas ,  a  de  Saô  Joaõ  Evangelifta  de  Nuno  Bar- 
reto ,  e  a  de  Santa  Qiiiteria  de  Jozé  do  Couto 
Peftana. 

Nao  fazendo  tanta  eftimaçaÕ  do  Poema  dos 
Amores  de  Orlando  ,  e  Angélica  de  Matheus  Bo- 
jardo  Conde  de  Scandiano  ,  como  elle  teve  antes 
de  apparecer  o  de  Arioílo ,  tornarey  a  obíervar 
neíle ,  que  como  eftas  Advertências  Preliminares 
tratao  da  ordem  dos  Poemas  Épicos ,  e  das  íuas 
partes  ,  admiro  muito  as  que  obfervou  Arioílo , 
mas  a  pezar  da  Crufca ,  e  de  grande  parte  da  Itá- 
lia 5  comparando-o  com  Taííb  ,  entendo  que  o  ul* 
timo  fez  melhor  Poema  ,  ainda  que  o  primeiro  me 
parece  mayor  Poeta  ,  e  que  na5  feria  igual  ao  F//- 
riofo  o  leu  Orlando  Innamor ato  ^  íe  o  acabafle.  O 
Poema  do  Vellocino  de  ouro  efcrito  em  Latim 
pelo  Helpanhol  Álvaro  Gomes  he  univeríalmente 
eftimado  ,  como  outros  Poemas  Sacros  domeímo 
autor.  Joaõjorge  Triffino  foy  dos  primeiros  ,  que 
fe  animarão  a  livraríe  da  efcravidaÕ  das  Rimas  ,6^ 
crevendo  em  verfo  folto,  em  que  foy  muito  legui- 
do  dos  Italianos ,  e  ainda  hoje  o  he  dos  modernos 
da  mefma  naçaõ ,  mas  fenaÕ  attendermos  à  confo- 

nancia, 


nancla,  feguio  eíle  Poeta ,  como  muito  poucos, 
as  regras  de  Ariftoteles  no  feu  Poema  de  ^elijario^ 
ou  Itália  Libertada,  Os  dous  Poemas  de  Ludo- 
vico Dolce  ,  que  íaõ  dos  principios  de  Orlando ,  e 
o  de  Sacripante  moftraÕ  o  engenho  deíle  autor, 
mas  fao  do  meímo  génio  dos  que  efcreveraõ  ac- 
çoens  de  Cavaleiros  andantes,  que  poucas  vezes 
acertarão  com  a  Fabula  heróica  fazendo  cómica 
a  ficção.  Tomando  a  parte  oppofta  condenna  oP. 
Rapin  íempre  digno  de  allegaríè  ao  Poema Heípa- 
nhol  do  Cid,  que  compoz  Diogo  Ximenes  de  Ay- 
lon ,  porque  efcreveo  ignorando  o  Epifodio  ,  e  a 
Fabula  ,  as  acçoens  do  Graõ  Campeador  com 
exada  Cronologia.  Melhor  fubedeo  a  JoaÕ  Rufo 
com  a  fua  bem  efcrita  Auílriada :  a  Franciada  de 
Ronzard  naõ  merece  reflexão  ,  pois  a  íua  erudi- 
ção Grega  naõ  lhe  deo  a  conhecer  a  ordem  de  hum 
Poema  Épico  ,  did;ando-lhe  fó  a  dureza  do  eftilo, 
em  que  às  vezes  he  culpado  o  mefmo  cxceílb  de 
erudição  j  e  Des  Preaux  lhe  chama  Francez  Gre- 
go Latino.  O  Poema  intitulado  Semana ,  que  al- 
gum tempo  teve  mal  merecida  eftimaçaõ,  de  que 
íby  autor  em  Francez  Guilherme  Saluftio  du  Ber- 
tâs ,  naõ  fó  naõ  he  dos  daquelle  género ,  de  que  eu 
faço  particular  memoria  ,  mas  o  Cardeal  du  Per- 
ron  o  exclue  da  clafle  dos  Poemas  Heróicos ,  por- 
que naõ  miftura  as  hiftorias  com  as  fabulas,  det 
cre vendo  em  7.  Livros  os  íètte  dias  da  primeira  fê- 
mana  do  mundo.  Panagio  Salio  adquirio  mais  re- 
putação 


putaçaõ  depois  da  ília  morte  em  dous  Poemas  La- 
tinos :  oprimeiro  da  Gallia  Chriftiana ,  que  trata 
da  Vida  de  Saõ  Vafto  ,  e  outro  intitulado  Te/an- 
thropia  ,  ou  do  fim  do  homem ,  ambos  de  aíTump- 
tos  menos  próprios  da  ordem  heróica,  de  que  trata. 
Devo  acrecentar  ao  que  difle  de  Taílb ,  que 
procurey  evitar  algum  dos  defeitos,  queoscriti- 
cos  rigorofos  lhe  arguem ,  e  podem  verfe  na  ulti- 
ma edição  das  fuás  obras,  em  Bayllet  Tom.  5.  da 
edição  de  4.  e  em  muitos  autores.  O  mefmo  Taf 
íb  parece  que  o  reconheceo  ,  mas  he  certo  ,  que, 
como  já  obfervey ,  conferva  o  feu  primeiro  Poema 
a  devida  eftimaçaõ ,  que  o  feu  fegundo  perdeo , 
moftrando,  que  nem  lempre  na  poefia  ,  como  na 
mufica  he  o  mais  exado ,  o  mais  perfeito ;  no  Ri- 
naldo  tinha  elle  já  moílrado  nos  feus  poucos  annos 
aquclle  mefmo  fogo ,  que  fempre  o  animou ,  e  nos 
últimos  acreditou  ,  que  fabia  moderarle ,  propor- 
cionando à  idade  o  aífumpto  nas  jornadas  da  crea- 
çaõ  do  mundo  ,  que  efcreveo  em  veríbs  foltos  ,  de- 
clarando ,  que  fentia  naõ  o  ter  eícolhido  para  os 
outros  Poemas ,  porque  nelles  podia  obfervar  me- 
lhor a  regularidade ,  e  a  ordem ,  naõ  interrompen- 
do a  narração  em  cada  Oitava,  nem  augmentando 
mayor  aperto  às  prizoens  poéticas  com  as  Rimas, 
que  nem  fempre  íe  fugeitaô  a  razaõ,  a  quem  os 
coníbantes  devem  íervir  como  efcravos  ,  o  que 
bem  obíervou ,  e  executou  melhor  o  meftre  da  Ar- 
te Poética  Franceza. 

1  Deíles, 


'  Déftes,  e  outros  Poetas  íe  pode  ver  o  juizo, 
que  fa^  Manoel  de  Fana ,  e  Souía  nos  apparatos ,  c 
contexto  dos  feus  commentos  a  Luiz  de  Camões. 
O  mefmo  aíTumpto  de  Taííb  feguio  na  Lingoa  La- 
tina Pedro  Angelo  Bargeo  na  fua  Cyriada  em  on- 
ze Livros  louvada  univerfalmente  pela  fua  pureza, 
e  elegância.  Joaõ  Bautifta  Lalli  fe  diftinguio ,  co- 
mo Scarron  em  Francez ,  transformando  em  Ita- 
liano a  Virgílio,  e  a  Taílb  no  eftilo  burlefco:  com- 
poz  também  hiirn  Poema  ferio  da  deftruiçao  deje- 
ruíalem  por  Vefpafiano  j  mas  naÕ  foy  taõ  celebre 
no  eftilo  heróico ,  como  no Jocofo. 

NaÕ  baftou  oexcellentejuizo  de  D.  Nicoláo 
António  para  fazer  renacer  do  efquecimento ,  em 
que  eftá,  o  Poema  de  Bernardo,  ou  Vidoria  de 
Roncefvalles  eícrito  por  Bernardo  de  Valbuena  , 
donde  louva  muito  as  comparaçoens ,  e  imagens 
poéticas ,  e  a  invenção ,  e  boa  efcolha ,  por  fer  de 
huma  acçaõ  entre  fabulofa ,  e  verdadeira  ,  e  de 
hum  íeculo,  que  admite  todas  as  fícçoens,  com  que 
os  modernos  fízeraõ  fucceder  ao  tempo  mithico  ou 
fabuloíb  dos  antigos,  as  acçoens  pouco  verdadei- 
ras dos  Heròes  transformados  em  cavalleiros  an- 
dantes ,  de  que  naõ  fe  izentou  a  virtude ,  e  o  valor 
do  mefmo  Carlos  Magno. 
/v     Ainda  que  a  Florença  defendida  dos  Godos 
Poema  Italiano  de  Nicoláo  Villani  naõ  fe  acabou, 
nem  limou  pelo  íeu  autor,  fuftenta  a  reputação , 
que  as  fuás  Poefias  Italianas ,  e  Latinas  lhe  adqui- 
'•"'-'  riraõ, 


riraÔ ,  como  reconhecem  Lauro  in  Orchefta ,  João 
Meurfio  in  Epift.  adDom.Molin.e  outros  autores^ 
Alonfo  de  Erzilla  na  fua  Araucana  foy  hum  dos 
primeiros  Hefpanhoes ,  que  confervou  em  todo  o 
Poema  hum  eftilo  puro  ,  ainda  que  naõ  fublime  :  a 
fua  melhor  impreflàô  he  a  de  Lisboa  dedicada  ao 
Conde  de  Lemos  j  e  Manoel  de  Faria  diz  na  fua 
primeira  Centúria  dos  Sonetos  de  Camoens ,  que  o 
fez  celebre  o  Soneto  de  D.  Ifabel  de  Caftro ,  que 
principia: 

Araucana  naçai  mais  Venturofa. 
Lope  de  Vega  na  Jerufalem  Conquiftada ,  Belle- 
za  de  Angélica,  Dragontéa,  ou  Expediçoens  do 
Almirante  Iríglez  Francifco  Drak ,  e  outros ,  que 
podem  paflar  por  Poemas  Épicos ,  moftraõ  mais  a 
fua  clareza  ,  e  affluencia ,  que  a  fua  regularidade. 

Gabriel  de  Chiabrera  mereceo  de  Urbano 
Vin.  magníficos  elogios  j  mas  entre  hum  grande 
numero  de  poefias  ,  naõ  faõ  os  íeus  Poemas  He- 
róicos os  que  merecem  eíles  grandes  louvores.  En- 
tre os  defeitos  ,  que  o  P.  Rapin  acha  na  ília  Ame- 
deida ,  ou  Coiiqui/ia  de  Khodes ,  naÕ  he  o  menor 
durar  a  acçaõ  fomente  por  quatro  dias  j  enaÕtem 
mais  regularidade  os  outros  Poemas ,  de  que  o  prin- 
cipal he  o  da  Gothiada.  Luiz  Groto  Cego  de  A- 
dria  mais  conhecido  por  efte  defeito  foy  muito  ef- 
timado  ,  e  naõ  he  o  íeu  Poema  de  Mambrino  o 
que  lhe  deo  o  màyor  nome,por  fer  de  hunf^ âflljmp- 
to^mteirameníe de^oavalleirosan^^^tieiST  :  jr.  r-^. 
fiílc  1  2  Fran- 


Francifco  Bracioliní  pode  fer  que  fofle  o  Poe- 
ta que  efcreveo  mais  Poemas  Heróicos ,  pois  íe 
contaõ  onze  com  hum  grande  numero  de  Cantos, 
e  Oitavas  :  mas  entre  todos  o  mais  eftimado  he  o 
da  Reílauraçao  da  Cruz  com  trinta  e  cinco  Can- 
tos; e  os  outros  podem  verfe  em  Lourenço  Craf 
íb  ,  e  em  Leaõ  Allatio  de  Apibus  Urbanis ,  onde 
efte  Poeta  entrou  com  mais  cauía  ,  pois  Urbano 
VIII.  permitio  por  honrallo  ,  que  trouxefle  as  luas 
abelhas  por  Armas, e  elle  accrecentou  o  feu  nome 
chamando-íe  BracioHni  de  Apio  :  querem  com  tu- 
do alguns  deftes  autores ,  que  o  Poema  da  Cruz 
tenha  o  terceiro  lugar  depois  de  Taflb,  e  Ariofto. 

Thomaz  Stigliani  Cavalleiro  de  Malta  no  feú 
Poema  do  Novo  Mundo  em  54.  Cantos ,  teve  co- 
mo todos,  defenfores,  e  inimigos  j  mas  naõ  po- 
de negarfe,que  he  dos  que  merecem  efiimaçaõ.  Do 
mefmo  aííumpto,  mas  com  o  titulo  de  Colomheida^ 
ou  Expediçoens  de  Chriftovaõ  Cólon ,  compoz 
hum  Poema  Latino  Júlio  Cefar  Stella  ,  que  fendo 
de  poucos  annos  poderia  melhorar,  fcnaõ  deixaflè 
os  eftudos  por  outros  divertimentos. 

Alexandre  Donato  Jefuita  efcreveo  com  acei- 
tação em  Latim  o  Poema  de  Conftantino  Liber- 
tador de  Roma ,  e  à  fua  competência  efcolheo  o 
Hiefmo  aíllimpto  com  pouca  diferença  ,  e  com 
emulação  o  P.  Mombrun  da  mefma  Companhia. 

Joaô  Argolo  filho  de  André  bem  conhecido 
pelas  fuás  obras  Aftronomicas ,  parece  que  feguio 
*íii  iU  -  oíeu 


o  feu  génio  em  efcolherEndimion  ,  o  qnal  porque 
obíèrvou  a  Lua  fingio  a  fabula  ,  que  fora  amante 
de  Diana  ,  para  aíTumpto  de  hum  Poema  Heróico 
efcrito  em  idade  de  íette  annos ,  e  íette  mezes  j  e 
íiihio  a  luz  com  efte  Poema  à  competência  do  A- 
donis  do  Cavalleiro  Marino ,  fendo  univerfalmen- 
te  louvado  depois  que  íê  reconheceo  fer  obra  pro- 
priamente fua  feita  em  taõ  pouco  tempo  ,  e  de  taô 
poucos  annos. 

O  P.  António  Milieu  Jeíiiita  Francez  facrifí- 
cou  em  huma  doença  vinte  mil  veríbs  Latinos  à 
fua  mortificação  ,  ou  deíengano  ,  mas  houve  quem 
como  a  Virgilio ,  livrafle  do  fogo  o  feu  Poema  La- 
tino intitulado  Mofes  Viator  j  e  ainda  que  naõ  pa- 
rece aíTumpto  de  Poema  Heróico ,  o  P.  Buffieres 
no  prologo  do  Scanderbegius  ,  de  que  já  tratey  ,  o 
reconhece  por  hum  taõ  grande  Poeta ,  que  foube 
adornar  hum  aflumpto  Sacro  com  as  melhores  flo- 
res do  Parnaílb  Chriftaõ.  Júlio  Strozzi  autor  do 
Poema  Italiano  Venetia  Edificata  deíempenhou 
hum  aflumpto  próprio  de  hum  Poema  Épico  com 
acerto.  Ao  P.  Pedro  de  Mombrun ,  de  que  já  tra- 
tey, devo  accrecentar  5  que  naõ  havendo  autor, 
que  melhor  conhecefl^  as  regras  da  Poefia  Herói- 
ca ,  como  moftrou  nas  fuás  Diflertaçoens  ,  e  ten- 
do todas  as  outras  qualidades  de  grande  Poetajnâõ 
confeguio  ,  que  o  feu  Conftantino  agradafle  a  to- 
dos 5  por  onde  íe  ve,  que  nao  bafta  a  regularidade 
para  fazer  agradável  hum  Poema.  Bom  feria ,  que 

o  Def- 


o  Deímarets  íatisfizeílè  tanlo  aos  outrem  ,  como  a 
fi  meímo  no  feu  Poema  de  Clóvis  j  ainda  aíTim  naõ 
deixey  de  fervirme  de  alguma  das  fuás  reflexoens 
fobre  a  introducçaõ  das  fabulas  do  Paganifmo  dos 
Poemas  Chriftaõs.        uííí/jl  i^ji-^  i 

-  ^  Na 5  poíTo  negar  ao  P.  Fedro  de  Moyne  no  feu 
Poema  de  S.  Luiz  parte  dos  louvores  ^  que  lhe  deo 
a  difcreta  critica  de  Mr.  Coftar  j  e  com  mais  mo- 
deração íendo  também  Jefuita  o  P.  Rapin:  muitos 
lhe  condennao  a  dem afiada  oufadia  Poética ,'  que 
outras  naçoens  naô  eftranhaõ  tanto:  alguns  que- 
rem que  o  íeu  Poema,  e  o  da  Henriade  de  Voltai- 
re íejaõ  os  dous  melhores ,  que  até  agora  tem  aLin- 
goa  Franceza  ;  como  já  difle.  Por  mais  que  de- 
íejey ,  que  os  conlbantes  naõ  fe  repctiílem  em  Oi- 
tavas fuceíTivas ,  porque  a  variedade  das  Rimas  he 
lempre  agradável  aos  ouvidos,  naõ  imitey  a  pue- 
rilidade ,  a  que  íe  fugeitou  o  autor  da  ^(jiii/eja 
Perdida ,  de  quem  obíervou  Menage ,  que  em  vin- 
te Cantos  quafi  naÕ  repetio  confoante  algum  ,  fa- 
zendo eíla  violência  ainda  mais  duras,  como  pon- 
derey ,  as  leys  poéticas  5  o  que  íe  ve  nos  acroílicos, 
onde  as  Nenias  de  Faria  foraõ  facrificio  dagracioía 
íàtira  de  D.  Gabriel  dei  Corral  Abbade  de  Touro, 
•e  em  outros  laberintos  ,  e  anagramas ,  a  que  íati- 
riza  o  Epigrama  Francez ,  fendo  o  conceito ,  que 
os  que  voltaõ  os  nomes  tem  já  voltado  o  miolo 
ainda  mais  que  por  Poetas  por  Anagramaticos. 
Supofto  que  tenho  conhecimento  de  algumas 

■--  Lingoas, 


Lingoas ,  nenluima  iey ,  como  g  proprisr ,  e  omcfi 
mo  cuido  confeflarao  todos  os  que  forem  verdadei^ 
ros  ,  e  modeftos ,  e  fe  o  negarem  ,  appello  para  os 
nacionaes ,  que  conhecem  os  idiotifmos ,  de  que 
nacem  os  barbarifÍTios  ,e  folecifmos,  vicios  os  mais 
intoleráveis  da  Gramática :  algumas  excepçoens 
haverá  na  profa  ,  menos  no  verfo ,  em  que  os  no- 
mes próprios ,  e  apellidos  Portuguezes ,  ou  haviaõ 
de  confundiríe  com  a  mudança ,  ou  haviaõ  de  pa- 
recer eícabroíbs  confervando-íe  nas  íuas  termina- 
çoens.  No  Canto  8 .  procurey  moftrar  a  doçura  da 
noíTà  Lingoa  nas  queixas  de  Aldara ,  e  igualmente 
achey  a  Lingoa  Portugueza  própria  para  o  herói- 
co ,  e  para  o  amorofo  :  no  eftilo  médio  parece  a 
alguns  mais  difficil,  mas  ifto  he  defeito  dos  que  na5 
^dmitem  mediania,  nem  eílimao  íenaõ  o  que  he 
eílranho  ,  e  íe  na  profa  naõ  tem  as  outras  naçoens 
efcritor  que  exceda  ,  e  tal  vez  nem  que  iguale  ao 
Infigne  P.  António  Vieyra,  JoaÕ  de  Barros,  Fr. 
Luiz  de  Soufa  ,  Jacinto  Freyre ,  e  aos  dous  Con- 
des da  Ericeyra  ,  como  também  nos  verfos  aos 
que  tenho  referido,  nao  contando  em  ambos  os 
eftilos  os  que  ainda  vivem  ,  que  muito  que  eu  me 
contentafle  com  taõ  grandes  exemplos  para  naõ  de- 
íèftimar  aquella  Lingoa  ,  de  que  diz  Camoens, 
que  com  pouca  corrupção  íe  perfuadiraõosDeofes 
que  era  a  Latina? 

ESTILO  POÉTICO. 
Em  todas  eftas  largas  Advertências  Trelimh 

nares 


nares  le  terão  viílo  as  dificuldades ,  que  encontrey 
para  me  refolver  no  eftilo  poético  ,  que  devia  íe- 
guir.  Aílèntey,  que  nefta  parte  liavia  de  imitar 
pouco ;  pois  violentando  o  meu  eftilo  natural,  fe- 
ri a  affèdtado  j  e  voltando  os  olhos  para  a  nobre  fim- 
plicidade  de  Homero  ,  naõ  deixando  de  eftimalla, 
como  merece,  e  de  reconhecer,  que  o  que  hoje 
parece  mais  humilde  ,  era  grande  no  íèculo ,  em 
que  efcreveo  ,  e  na  lingoa  ,  que  em  todos  os  léus 
cinco  dialectos  com  tanta  elegância  uíou,  íe  me 
fez  inimitável.  NaÒ  fou  taô  defvanecido ,  nem  ta5 
ditoíb ,  que  me  perfuada  que  íegui  a  admirável 
clareza,  e  elevação  deVirgilio,  mas  defej anda 
imitallo,  e  naô  menos  a  Taílb ,  eaCamoens,  en- 
contrey bipartido  o  Parnaílb  moderno.  Decidem 
os  Francezes  ,  que  tem  bom  voto  nas  matérias  lit- 
terarias ,  contra  os  Poetas  de  voo  mais  rápido  ,  e  de 
expreflbens  menos  intelligiveisje  fuppofto  que  tem 
dado  excellentes  preceitos  para  o  Poema  Heróico, 
elles  mefmos  confeílao ,  como  já  adverti,  que  até 
agora  naõ  produzirão  iguaes  exemplos :  com  os  dos 
Gregos ,  e  com  os  dos  Latinos  do  íeculo  de  Auguf- 
to  ,  querem  provar  com  razão  ,  que  a  poefia  hade 
íèr  alta ,  e  clara ,  como  o  faô  as  Eftrellas.  Nas  fuás 
tragedias ,  principalmente  nas  de  Corneille  ,  Ra* 
cine  ,  e  alguns  outros ,  e  nas  Comedias  de  Molie- 
re  ,  e  poucos  mais  puferaõ  o  feu  theatro  na  mayor 
perfeição  ,  e  regularidade  ,  exprimindo  as  paixões 
inais  heróicas  ,  e  mais  finas  com  huma  natural  ex- 
^/iv*;;  plicaçaõ 


plicaçaõ  dos  movimentos  da  alma,'  contido  que 
chama5  brilhante  falíb  ,  com  que  diminuirão  o 
preço  a  muitos  Poetas  modernos  ,  e  a  alguns  anti- 
gos da  fua,  e  de  outras  naçoens.  Os  Italianos,  co- 
mo já  infinuey  ,  tiveraõ  três  tempos :  no  de  Dante 
até  Petrarca ,  e  feus  imitadores,  floreceo  a  poefia 
pura,  e  clara,  fubindo  mais  que  Dédalo,  porque 
lhe  naõ  bafla  a  mediania  ,  nem  fe  verifica  nella  o 
]\íedio  tiitUfunus  ihis  j  e  menos  que  ícaro ,  pornaÕ 
dar  ás  agoas  de  Aganipe  com  o  íêu  naufrágio  o  trá- 
gico nome  de  Içarias.  No  íegundo  tempo  ,  ou  ida- 
de da  Poefia  Tofcana  dizem  os  feus  modernos  pro- 
feílbres,  quefe  eícureceraõ  as  idéas  de  que  naõ  po- 
diaõ  nacer  claros  os  conceitos,  parecendo-lhe ,  que 
o  que  fe  entendia  fiicilmiCnte  era  difícil  que  íeadmi- 
raíle  j  e  daqui  dizem  que  fe  originou  fazer  confiP 
tir  toda  a  poefia  em  frafes ,  e  epiteólos ,  que  deviao 
mais  ao  artifício  de  falfos  adornos ,  do  que  à  fermo- 
fura  de  verdadeiras  perfeiçoens ;  e  quafi  reduzidos 
fó  a  palavras  cuidavao  mais  em  equivocos,  para- 
nomafias ,  e  outras  figuras ,  que  devem  uíarfe  com 
moderação,  do  que  na  íblida  eloquência  poética 
do  eílilo  fublime  ,  e  dos  conceitos ,  que  perfuadem 
mais  eficazmente  ,  quando  íao  naturaes ,  do  que 
ferem  por  íer  demafiadamente  agudos.  Os  da  ulti- 
ma idade  deíejaõ  na  Arcádia ,  de  que  tenho  a  hon- 
ra de  íêr  Académico,  com  o  nome  de  Ormauro  Pa- 
liíeo  ,  que  fe  cultive  no  nobre  edifício,  que  le fun- 
dou pelo  feu  Protector  ElRey  D.  João  V.  dignam 

m  dorfe, 


do-íe,  como  fabio  de  admitir  o  nome  do  Paílor 
Albano,  a  pacifica  ,  e  naõ  rullica  fimplicidade  da 
Grega  Arcádia  ,  de  que  tem  fehido  a  luz  taõ  excel- 
lentes  obras  fobre  o  modello  das  antigas.  A  Graõ 
Bretanha ,  e  outras  naçoens  Setentrionaes  fogeita- 
rao  a  íiia  poefia  a  efta  reforma  5  mas  a  ninfa  Pirene 
ainda  prefume  que  os  Pirineos  faõ  mais  altos  que  o 
Parnaflb,  e  defende  com  ardente  vigor Hefpanhol 
a  entrada  de  Hefpanha,  e  Portugal  a  eflesrigidos 
eftatutos  dos  novos  criticos.  Principiou  Joaô  de 
Mena  nas  fuás  Treíentas ,  e  em  outras  obras  de 
veríb  de  doze  fyllabas  a  tirar  a  poefia  da  fua  abati- 
da groflaria.  Em  Portugal  o  Infante  D.  Pedro  o 
igualou  ,  e  excedeo  :  Garcilaflb  de  la  Vega  lhe 
reftituio  a  ternura  ,  e  íliavidade  dos  antigos  Lati- 
nos :  Boícan  naõ  a  perdeo  5  os  dous  Lupercios  ti- 
veraõ  toda  a  heróica  gravidade  :  Gongora  a  fez 
voar  mais  alto  ,  e  perderaÕ-íe  muitos  dos  que  o  íe- 
guirao :  D.  António  de  Solis  apurou  de  forte  a  fra- 
ze,  e  animou  os  conceitos  de  modo,  que  naõ  o  ex- 
cedeo a  defcripçaõ  de  D.  António  de  Mendoça, 
nem  os  penfamentos  de  D.  Luiz  de  Ulloa.  O  ef 
tilo  das  Comedias  de  Calderon  ainda  coníervou 
elevação,  e  conceituofa  clareza j  mas eftes,e  mui- 
tos outros ,  que  antes ,  e  depois  floreceraõ ,  e  hoje 
dignamente  fe  eílimaõ ,  foraõ  cada  vez  mais  enco- 
brindo os  conceitos  nas  frazes,  e  nas  allufoens  ,  e 
termos  quafi  inintelligiveis  aos  Eftrangeiros ,  deí^ 
prezando  tudo  o  que  naõ  participa  defta  agudexa , 

com 


com  que  o  eílilo  Hefpanhol  he  o  que  tem  fido  mais 
diverfo  nos  últimos  três  feculos ,  parecendo-lhe , 
que  declaravfe  he  abaterfe.  Qiiafi  o  meímo  tem 
fucedido  a  Portugal ,  e  como  já  tratey  dos  auto- 
res dos  feus  Poemas  Heróicos ,  direy  fó  em  com- 
mum  do  génio  poético  da  minha  naçaõ  ,  que  per- 
dendo de  vifta  a  Camoens ,  foraõ  poucos  os  que  o 
imitarão  :  António  Barbofa  Bacellar  tenho  por 
hum  dos  melhores :  António  da  Foníeca  Soares 
tem  muitos  por  igual :  Bernardim  Ribeiro  ,  Dio- 
go Bernardes ,  e  Francifco  Rodrigues  Lobo  com 
outros  mais  modernos  ,  ainda  coníervaô  a  antiga 
clareza.  Eu  com  tudo  fluduey  entre  o  gofto  da 
naçaõ  ,  que  entende  bem  a  Lingoa  Portugueza  , 
como  própria  ,  e  da  Caftelhana ,  que  de  todonaõ 
a  ignora  ,  com.o  vefinha  para  combater  com  as  na- 
çoens ,  que  me  entendem  menos ,  ainda  que  da 
poefia  pôde  íer  que  entendaô  mais  ,  e  coníervey , 
quanto  me  foy  poííível ,  hum  eílilo  alto ,  mas  que 
procurey  naõ  foííe  eícuro  ,  huns  conceitos ,  que 
íê  percebeflèm  ,  e  humas  figuras ,  que  fogiflem  da 
declamação  ,  que  naõ  íe  dilataflem  nas  metáforas, 
nem  fizeflem  frequentes  hipérboles ,  porque  íe  Ía5 
commuas ,  admiraõ-fe  menos ,  e  a  hyperbaton , 
ou  tranípofiçaõ ,  naõ  he  na  nofla  Lingoa  taõ  tole- 
rada ,  fenaõ  quando  he  menos  commua.  O  eftilo 
íâcro  defejey  que  fofle  com  o  devido  decoro ,  e  de- 
cência ;  o  heróico  com  gravidade ,  o  ícientifico 
fem  oílentaçaõ  ,  e  o  médio  fempre  em  frafe  poe- 

m  1  *       tica, 


tica  ,  e  nau  profaica.  Obfervey  com  muitos  don^ 
tos  modernos ,  que  o  génio  do  feculo  naÕ  admite- 
tanto ,  ainda  que  he  de  ferro  ,  os  combates  ílingui- 
nolentos ,  e  as  acçoens  tirannicas ,  como  os  anti- 
gos ,  e  que  a  parte  erótica  prefere  à  heróica  ,  o  A- 
mor  a  Marte  ,  e  Vénus  a  Palias :  aíTim  vay  o  Poe- 
ma com  a  mayor  ternura ,  e  pureza  ,  com  que  pu- 
de explicarme  ,  todo  cheyo  de  lances ;  e  affeólos 
amorofos ,  que  faço  fervir  à  principal  acção  fem 
interromper  a  parte  feria  do  Poema ,  fervindo  fó 
no  defcanfo  das  operaçoens  militares. 

COMPARAÇOENS. 
Confeílò  que  achey  quafi  apuradas  as  compa- 
raçoens ,  que  faõ  huns  dos  mais  bellos  adornos  da 
poefia  heróica  :  fó  na  Eneida  de  Virgílio  achey 
107.  e  algumas  repetidas :  Camoens  nao  tem  tan- 
tas como  o  meu  Poema  ,  ainda  comparando  o 
mayor  numero  das  minhas  Oitavas  com  o  das  fuás, 
porque  nao  chegaõ  a  50.  e  as  minhas  faõ  mais  de 
jo.  Entre  os  Gregos  depois  de  Homero  he  Oppia- 
no  mais  felice  ,  e  abundante  nellas  ,  e  entre  os  La- 
tinos modernos  Jeronymo  Vida  na  fua  admirável 
Chriftiada  ,  Poema  que  depois  de  Sanazaro  he  dos 
que  melhor  unirão  a  poefia  com  a  religião ,  por 
mais  que  naõ  íatisfaça  em  tudo  ao  P.  Rapin:  O  P, 
Frifon  na5  menos  illuftrejefuita  condenna  neíle 
Poema  os  dous  largos  difcuríbs  ,  que  Saõ  Joaõ  ,  e 
SaÕ  Jozé  fizeraõ  a  Pilatos  em  quanto  condennava 
aGhriílo  à  morte ^  porque,  como  Mr.  Bayle  tam- 
'  bem 


bem  repara,  naõ  eftava  aquellc  juiz  minto  para  ou- 
vir íemelhantes  dcclamaçoens  ,  a  que  eu  acrecen- 
to  ,  que  até  a  hiftoria  Evangélica  alterou  em  bum 
Poema  taõ  catholico  hum  Poeta  taõ  pio  nefiu  ,  e 
em  outras  cu'cunftancias ,  e-naõ  entendo  ,  que  ha 
autor  digno  de  credito,  que  dilate  a  Vida  de  SaÕ 
Jozé  até  a  Paixa5  de  Chriílo. 

DESCRIPÇOENS, 
Com  razaõ  íe  condennao  as  defcripçoens  mui- 
to largas  ,  e  naõ  julgo  que  deve  chamarfe  aííim  a 
relação  de  hum  combate  ,  ou  hum  Epifodioj  e  tu- 
do o  que  naõ  he  defcrever  miudamente  as  partes 
do  adorno  ,  que  he  eftranho  ao  Poema ,  por  often- 
tar  huma  vãa  erudição  ,  naò  íe  condennará,  co- 
mo faz  Boyleau  no  Vocm^x  do  A/arico-,  e  os  que 
querem  ,  que  Lope  de  Vega  naõ  íe  acreditaílè 
muito  na  fua  Jerufalem ,  ainda  que  naõ  he  para  deí^ 
prezar  nas  fuás  partes ,  naõ  negaõ  ferem  muito  di- 
fuías  as  fua^  defcripçoens.  Com  tudo  he  permitido 
deterfe  mais  tempo  em  comtemplar  huma  pintura, 
que  agradavelmente  com  as  ílias  imagens  vivas  li- 
íbngea  os  olhes ,  e  a  faculdade  chamada  imagina- 
tiva j  poriílb  me  dilatey  mais  no  jardim  militar  de 
Axa  no  Canto  5.  no  Palácio  da  Gloria  Canto  4.  na 
gruta  do  i .  e  2. Canto ,  e  nelles  defere vo  as  paixões 
do  fufto,  egofto  de  Tliereza.  O  bofque  ,  e  a  nou- 
te  do  Canto  4.  as  conftellaçoens  confufas,  e  os  orá- 
culos nodurnos  do  3 .  a  agricultura  do  9.  o  inverno 
do  10.  a  aurora  ,  e  outras  partes  do  dia  ,  e  do  an- 

no, 


no ,  com  outras  muitas  mais  breves  faõ  as  defcrip- 
çoens  principaes  da  Henriqueida. 
COMBATES. 

Nas  monomaquias ,  ou  combates  particulares, 
variey  ,  quanto  pude,  as  circunftancias ,  íegundo 
o  carader  dos  combatentes ,  e  diverfificando-os 
quanto  me  foy  poíTivel  dos  muitos,  que  íè  achao 
em  Homero,  Virgílio,  e  outros  Poetas.  He  feros 
o  combate  de  D.  Payo  da  Cunha  ,  e  Almançor  no 
primeiro  Canto j  breve  o  do  mefmo  Principe  Mou- 
ro com  Henrique  dentro  do  Kio  Douro  ;  genero- 
íb  o  que  o  Heróe  refere  que  tivera  com  Muley  no 
Canto  2.  Eftranho  o  de  Egas  Moniz  com  Palias , 
que  tomou  a  forma  de  Zaida  ,  como  Homero  diz 
fizera  Minerva  à  de  Mentor.  Furioíb  o  de  Pelayo, 
e  Muley  no  Canto  5.  e  mayor  o  de  Egas  Moniz 
coin  Axa  defendendo  a  tenda  do  Infante. 

Igual  o  de  Muley  com  Pelayo  no  fim  do  tor- 
neyo  :  e  mayor  de  todos  o  do  Conde  Dom 
Henrique  com  ElRey  Hali,em  que  fe  acaba  o  Poe- 
ma. Intentey  reduzir  quafi  todas  as  operaçoens 
militares  ao  eílilo  da  guerra  daquelles  tempos  ,  co- 
mo já  diíle,  mas  que  naõ  ficaflem  inúteis  aosnof 
{os  as  fuás  regras.  No  primeiro  Canto  fe  rebate  o 
aflàltode  Gaya,  queima  fe  aponte,  atea-íè  hum 
incêndio  no  campo ,  vence-fe  huma  batalha :  no  5 . 
íe  vence  outra  em  huma  íerra  ,  a  qual  fe  deo  com 
aftucia  ,  e  rebelliaõ  :  no  4.  fe  ganha  Lamego  por 
aP^alto.  No  5.  fe  ataca  o  exercito  de  Henrique  de 

noute 


nonte  pelu  treiçaõ  dos-  cattivos ,  e  fe  execútaÕ  on- 
trás  operaçoens.  No  6.  feda  a  batalha  no  monte 
da  Nazaré  ,  e  fe  ganhão  Leyria  ,  Pombal  por  en- 
terpreza.  No  fitio  de  Coimbra  ,  que  fe  acha  no 
Canto  IO.  íe  ufa  de  todas  as  maquinas  para  a  ex- 
puornaçaõ  ,  e  defenfa  das  Praças  j  peleja-íe  nas 
contraminas  ,  nas  fortidas,  e  nos  aflaltos ,  até  que 
os  Mouros  levantaõ  o  fitio,  tendo  vifto  o  naufrá- 
gio da  fua  armada.  No  Canto  1 2.  íe  defcreve  a  ul- 
tima batalha ,  em  que  foraõ  mortos  três  Reys ,  re- 
tirando-fe  a  Lisboa  ElRey  Halí ,  além  de  outros 
combates  de  diverfos  modos. 

VERSIFICAÇAM, 
Variey  a  confonancia  das  Rimas  da  Henri- 
queida  de  forte  queficaílèm  o  mais  longe ,  que  fof 
fe  poíTivel  ,  e  cuido  que  nefla  parte  naõ  fe  achará 
em  muitos  Poetas  tanta  diverfidade  ,  e  naõ  tomey 
para  os  confoantes  mais  licenças  que  as  que  autori- 
íaõ  os  exemplos ,  como  v.  g.  digno ,  efcrevendo-o 
fem  g ,  com  divino  ,  como  ufou  Gongora  5  rito, 
e  afflito ,  e  outros  femelhantes-  Tendo  exemplo 
em  todos  os  Poetas  ,  fogi  na  meíma  Oitava  de  af- 
foantes  ,  e  naõ  íèy  íe  em  alguma  ficariaõ  por  deí^ 
cuido :  também  me  naõ  atrevi  a  introduzir  alguns 
efdruxulos ,  como  fez  Camoens ,  e  agudos ,  co- 
mo ufou  o  meímo Poeta ,  e  outros  muitos ,  e  naõ 
fey  fe  com  razaÕ  íe  tirou  à  poefia  heróica  eíla  li- 
berdade ,  que  fe  deixou  aos  verfos  menores  ,  naõ 
fazendo  falta  na  mufica  efta  ultima  fyllaba ,  que 

lhe 


lhe  diminue  hiima  nota ,  efconiendo  íempre  por 
mais  harmoniofos  os  finaes  agudos  para  o  fim  das 
Árias.  Ulb  mais  de  fazer  o  hemiííicjuio  no  aílento 
da  íexta  dos  veríbs  hendecallylabos  do  que  na 
quarta,  e  às  vezes  o  fiiço  em  ambas ;  como  he 
permitido.  As  finalefas  faço  quantas  vezes  poflb 
£em  otFenla  da  pronuncm,  que  nos  antigos  era  mais. 
vagarofa,  fazendo,  por  exemplo,  a  palavra  ^/í?- 
i^iofo  de  quatro  fyilabas ,  que  agora  fe  reduz  a  três 
fóaiente  ,  mas  algumas  vezes  tomo  a  licença  de 
naõ  as  fazer  feguindo  o  ufo,e  pronuncia  dà  Lingoa 
Portugueza.Fogi  taobem  quato  pude  das  finalefiis 
das  palavras ,  que  acabaÕ  em  m  ,  por  me  parece- 
rem afperas ,  ainda  que  algum  Poetíi  grande  quer, 
que  íeja  obrigação  fazellas  ,  quando  terminaõ  por 
E  j  e  M  ,  emendando-me  eíle  verfo  ; 
V  Sabendo  cjiierenacem  efper ancas. 
Com  outro  verfo  ,  que  tem  por  mais  conílaníe  : 

Sabendo  (jiie  rena  cem  as  efpjeranças. 
Porém  nefte ,  e  em  alguns  femelhantes  naõ  mudey 
de  opinião  ,  porque  a  Lingoa  Latina,  que  faz  fi- 
nalefa  no  M ,  nem  fempre  dá  regras  ao  ufo  da  Por- 
tugueza  ,  onde  o  efcrever ,  como  fe  pronuncia,  he 
a  melhor  norma  ,  e  propriedade.  Na  palavra  He- 
ròe  quiz  também  o  coílume  ,  que  fe  pronunciaílè 
mais  vezes  com  duas  fyilabas ,  como  fe  foíTe  heroy^ 
porém  muitas ,  como  eu  também  faço ,  he  de  três 
fyilabas  com  aíTento  na  primeira ,  como  fe  foíTe  lie* 
roe^  e  pode  fer  que  o  mais  próprio  foflè ,  como 
->ríi  niais 


mais  chegado  à  origem ,  fer  também  de  três  fylla- 
bas  com  o  aílènto  na  penúltima  heròe  ,  e  no  plural 
o  vfaraõ  affim  os  Hefpanhoes ,  ainda  que  prevale- 
ceo  o  aíTento  na  primeira  dizendo  hèroe ,  ehèrces. 
Eílas  ,  e  outras  duvidas  fobre  a  teórica ,  e  pra- 
tica dos  verfos  vulgares  tem  fácil  emenda  ;  porque 
íè  quem  os  lè ,  for  Poeta  ,  ou  ao  menos  tiver  bom 
ouvido  ,  elle  mefmo  lhe  dará  a  fua  natural  caden- 
cia y  e  fenaõ  o  for  ,  na5  lhe  conhecera  o  defeito 
do  veríb  :  e  muitas  vezes  obfervey,  quando  duvi- 
dava fe  algumas  obras  métricas ,  que  me  moílra- 
vaõ ,  eraõ  de  quem  o  dizia  ,  o  experimentava  eu 
lendo  alguns  verfos  errados ,  a  que  naó  acodiaõ , 
fenaõ  os  tinhaõ  compoílo  j  o  que  melhor  fe  exami- 
na na  mufica.  Porque  naÕ  pareça  vaidade  ,  deixo 
de  apontar  alguns  verfos  ,  de  que  com  admirável 
arte  fe  valeo  Virgilio,  exprimindo  na  compofiçao 
do  mefmo  veríb  a  mefma  acça5  ,que  defcreve.  No 
Canto  I .    digo  : 

Correo ,  cahio  precipitadamente. 
E  no  mefmo  Canto 

Alfanges  br ilhao  j  e  tambores  foaÍ. 

NUMERO  DE  VERSOS. 
Nas  notas  da  Arte  Poética  de  Ariftoteles  faz 
o  erudito  Mr.  Dacier  huma  jufta  reflexão,  pois  en- 
tendendo contra  muitas  opinioens ,  que  a  Eneida 
de  Virgilio  conta  huma  acção,  que  durou  quaíi 
fette  annos,  quando  muitos  commentadores  a  re- 
duzem a  hum  fó  ,  e  amenos  j  e  que  a  OdiíTea,  co- 

n  mo 


mo he  mais  provável,  dura  8.  annos ,  e  a  Illiada  fó 
47.  dias  5  porque  fendo  a  cólera  de  Aquiles  a  cau- 
ía ,  naõ  era  verofimil ,  que  durafle  muito  mais  o  íèu 
eíFelto  ,  como  já  dey  a  entender  tratando  do  tem- 
po ,  que  dura  a  acção  do  meu  Heróe.  Pafla  Mr. 
Dacier  depois  de  concluir  que  a  duração  da  fabula 
heróica  do  Poema  nao  tem  tempo  determinado ,  a 
preguntar  o  numero  de  verfos ,  de  que  bade  com- 
poríe  ,  e  interpretando  hum  lugar  de  Ariftoteles, 
em  que  louva  os  Athenienfes ,  porque  em  hum  fó 
dia  ouviao muitas  tragedias, ficando-lhe  na  memo- 
ria ,  julga  que  hum  Poema  ha  de  poder  lerfe  tam- 
bém em  hum  fó  dia  para  que  fenaÕ  perca  o  fio,  nem 
a  memoria  do  principio  até  o  fim  da  acção  j  e  dei- 
xando eu  outros  exemplos ,  me  parece  que  o  nume- 
ro de  1600.  Oitavas,  que  comprehendem  12800. 
veríbs ,  era  o  que  mais  fe  conformava  com  efta  re- 
gra j  pois  fe  Virgilio  nos  doze  Livros  da  íiia  Enei- 
da ,  que  he  o  meímo  numero  de  Cantos ,  em  que 
reparti  a  minha  Henriqueida,  fez  10880.  verfos, 
quando  os  meus  a  onze  íyllabas  fazem  140800.  fyl- 
labas  ,  arbitrando  os  verfos  exametros  do  meíino 
Virgilio  a  quinze  fyllabas  cada  hum  ,  que  he  o  nu- 
mero ,  que  comprehende  a  mayor  parte  delles  pela 
alternativa  de  três Dady los,  e  três  Spondeos,  ain- 
da que  haja  muitos  dequatorze  fyllabas ,  mas  pou- 
cos de  dezefeis ,  alguns  de  treze ,  e  rariííimos  de  dez- 
eíette ,  e  ainda  mais  raros  os  Spondaicos ,  que  po- 
dem ter  fó  doze,  fica  jufto  o  arbítrio  de  quinze, 

com 


com  que  tem  Virgílio  por  efta  conta  ciiriofa 
165200.  fyllabas,  que  íl\5  22400.  mais  do  que  o 
meu  Poema  ,  em  que  a  88,  fyllabas  cada  Oitava , 
fariaõ  21  j.  Oitavas  mais  com  pouca  diferença;  po« 
rém  nem  nefta  parte  afpiro  a  igualar  a  Virgílio  ;  e 
porque  fó  na  quantidade  dos  verfos ,  e  naõ  na  qua- 
lidade poílo  competir  com  Camoens  para  affirmar 
com  verdade  ,  e  fem  oftenfa  da  modeftia  ,  que  he 
mayor  aHenriqueida,  do  vue  os  Lufiadas ,  com- 
prehende  aquella  500.  Oitavas  mais,  porque  o  Poe- 
ma de  Camoens  nos  feiís  10.  Cantos  tem  fó  1 100. 
Oitavas  ,  e  a  Jerufalem  libertada  de  Taífo  2196. 
Stanças  ,  ou  Oitavas ,  que  fazem  16788.  verfos,  e 
596.  Oitavas  mais  do  que  íe  achaÔ  na  Henriquei- 
da  ;  com  que  pela  primeira  conta  tem  mais  exten- 
faÕ  o  Poema  de  Taílb  do  que  o  de  Virgílio.  Dei- 
xo o  exemplo  de  Marino  ,  de  que  o  ultimo  Canto 
fo  dos  vinte,  emquedividio  o  Adónis,  tem  mais  de 
joo.  Oitavas ,  que  he  quafi  a  terceira  parte  do  meu 
Poema,  efcrevendo  a  fua  affluencia  5040.  como  já 
diíle  ,  a  aífumpto  taô  pouco  heróico.  Também  na 
diveríà  grandeza  dos  Cantos  ha  tanta  variedae, 
que  em  Camoens  fe  acha  hum  ,  e  vem  a  íêr  o  7. 
com  %j.  Oitavas  ,  e  outro  ,  que  he  o  10.  com  156, 
fendo  o  mayor  elogio  defte  Poeta  o  que  1  ef  reMa- 
noel  de  Faria  dizendo  hum  homem  douto  do  íeu 
tempo ,  que  aquelle  Poema  havia  de  fer  taô  breve, 
que  logo  fe  tomaíle  de  memoria ,  ou  taô  largo  , 
que  nunca  fe  acabaílè  de  ler. 

n  2  ALE' 


ALEGORIA, 

o  ~  Naõ  ley  fe  he  paradoxa  a  opinião  ,  que  figo  , 
de  que  a  mayor  parte  dos  Poetas  naõ  cuidarão  na 
allqgoria  ,  que  o  feu  engenho ,  ou  o  dos  feus  com- 
mentadores  lhe  defcobrio  depois  de  acabados  ,  o 
que  nao  he  difícil ,  pois  encaminhando-fe  fempre 
toda  a  Poefia  Heróica,  e  Trágica  ,  e  ainda  a  de 
outras  efpecies  a  unir  o  íliave  com  o  útil,  fazendo- 
fe  triunfante  a  virtude  ,  e  caílig^ado  o  vicio  ,  fen- 
do  as  máximas  ,  os  preceitos ,  e  as  acçoens  verda- 
deiras ,  ainda  que  fabulofos  os  exemplos  ,  todo  o 
Poema  pode  ter  fem  outra  applicaça5  a  fua  allego- 

ria. 

"^^  Naõ  cuido  eu  que  Marino  no  feu  Adónis  teve 
as  idéas,  que  lhe  attribue  D.  Lourenço Scoto,  que 
fez  a  Allegoria  daquelle  Poema  j  porque  fe  Marino 
procuraífe  perfuadir  tanto  as  virtudes  ,  naõ  pin- 
taria com  taõ  lifongeiras  cores  os  vícios :  bem  íey 
que  nas  fabulas  antigas  fe  pertendem'^char  as  me- 
lhores máximas  da  Filofofia  Moral  j  mas  no  meu 
Poema  procurey  combater  em  poucas  palavras  eí^ 
ta  opinião,  como  pode  verfe  em  huma  Oitava  do 
Canto  I .  que  he  a  feguinte : 

Tinha  eu  lido ,  (jue  a  Deofa  caçadora 
Emfon/ios  a  Endimion  favorecera  j 
Oh  cjuem  de  tantos  males  preciirjora 
Ta'6  danqfos  exemplos  nunca  lera ! 
AJfimJe  infama  o  numen ,  (jueje  adora , 
Qiie  nelle  a  me/ma  culpa  fe  venera  ? 

Faljo 


'  Falfú  rito ,  (jiie  tem  cego ,  e  inculto , 
O  vicio  claro ,  o  documento  oc culto ! 
O  que  tenho  por  mais  certo  he ,  que  as  fabulas  ti- 
verao  a  fua  origem  em  algumas  hiftorias  verdadei- 
ras ,  que  a  mentirofa  Grécia  ( como  diz  o  Poeta  ) 
íe  atreveo  a  alterar  na  fuahiíloria ,  e  na  fua  poefia, 
e  taõ  oufadamente ,  que  fendo  infaliveis  as  hiftorias 
das  Efcripturas  ,  desfigurarão  elles  a  verdade ,  e 
naõ  duvido  que  a  applicaçao  allegorica  ,  e  m.oral, 
foíle  feita  depois  j  porque  fenaõ  entendeíle  que  o 
exemplo  dos  Deofes  autorifava  os  mais  enormes 
delidos  j  e  aíTim  verifico  efte  fiftema  com  mais  ra- 
zão nos  Poemas ,  do  que  a  conjeâ:ura ,  que  faço 
nâs  fíibulas  j  pois  he  certo  ,  que  os  apologos ,  de 
quem  fazem  autor  Efopo ,  e  alguns  a  Sócrates ,  co- 
mo os  Orientaes  a  Locman,  naõ  pode  negaríe , 
que  fao  inteiramente  moraes ,  e  allegoricos :  e  por- 
illb  confeífo  finceramente  ,  que  fó  efcolhi  a  acçaõ 
pela  gloria  de  Portugal  no  principio  da  fua  funda- 
ção ,  como  Eílado  livre  ,  e  o  Heróe  ,  como  hum 
Principe  generofo,  e  adornado  de  virtudes  catho- 
licas,  moraes ,  militares ,  e  politicas ,  e  que  com 
o  favor  Divino  merecido  pela  fua  ardente  piedade, 
livrou  os  feus  Eftados  dos  bárbaros  facrilegios  Ma- 
hometanos  j  e  todos  os  outros  caraderes  concor- 
rem para  eíle  fim ,  que  tive  por  tao  natural ,  que 
naõ  multipliquey  tanto  as  máximas,  e  dogmas  mo- 
raes ,  e  politicos,  que  quafi  íempre  faÕ  lugares  co- 
muns ,  e  entendi ,  que  baftavaÕ  as  reflexoens  poéti- 
cas, 


cas,qiie  augmentey  paraliíbngear  o  godo  moderno 
de  Hefpanha  5  porque  algum  he  ta5  difícil ,  que 
naõ  admite  Oitava fem  conceito ,  quando  eíles,  fe 
Íà6  comuns ,  nao  fe  eftimaõ ,  e  interrompem  a  nar- 
ração 5  o  que  naÕ  faz  o  eftilo ,  e  fraíe  poética ,  quan- 
do nao  íàlie  do  aflumpto ,  a  que  deve  proporcio- 
naríe. 

IMPRESSAM. 
Principiey  a  efcrever  efte  Poema  em  Julho  de 
1720.  eílando  em  Coimbra,  e  em  pouco  mais  de 
hum  mez  acabey  os  primeiros  quatro  Cantos.  Al- 
guns dos  homens  doutos  daquella  Univerfidademe 
animarão  a  feguir  efta  empreza  ,  e  me  fez  refolver 
o  K.  P.  Fr,  Caetano  deS.Jozé  Carmelita  Defcal- 
ço,  dequeojuizo  ,  a  erudição,  e  a  verdade  faz  juf 
tamente  opinião  fegura  na  Pcepublica  Literária : 
continuey  algum  tempo  depois  o  quinto  Canto,  e 
com  huma  fufpenfaô  de  onze  annos  fiquey  culti- 
vando na  Academia  Real  da  Hiftoria  Portugueza 
em  mufas  mais  feveras  todos  os  meus  eftudos.  Na 
Academia  Portugueza ,  que  renovando  a  Genero- 
íà,  fe  continuava  naquelle  tempo  em  minha Cafa,  li 
os  cinco  Cantos ,  e  recebi  as  correcçoens  dos  Aca- 
démicos. Depois  emendey  tudo  o  que  doutamen- 
te me  advertio  Martinho  de  Mendoça  de  Pina ,  e 
de  Proença ,  de  quem  o  nome  baila  para  o  elogio: 
o  mefmo  digo  de  Alexandre  de  Guímaõ,  que  fez 
hum  judiciofo  exame  da  Henriqueida  ,  eera  hum 
dos  Cenlores  deíla  obra  j  o  R.  P.  D.  Manoel  Cae- 
tano 


tano  de  Souíli ,  que  iinio  fempre  as  mais  fublímeí? 
faculdades  k Filologia  j  o  InquifidorFilippe  Maciel 
interrompeoasfuas  nobres  occupaçÕes  para  emen- 
dar efte  Poema  j  o  Doutor  Francifco  Xavier  Lei- 
tão ,  e  outros  Académicos  acharão  em  mim  a  de- 
vida docilidade  as  fuás  juftas  reflexoens ,  e  fenti  que 
a  diftancia  em  que  vive ,  com  grande  dano  das  boas 
letras  da  Corte ,  Francifco  Botelho  de  Vafconcel- 
los  me  naõ  deixafle  comunicarlhe  mais  que  os  pri- 
meiros Cantos,  e  íenaõ  foy  effeito  dafua  corteza- 
nia,  naõ  os  achou  indignos  de  continuaríe,  o  que 
eu  faria  felizmente,  fe  foubeíle  imitar  o  feu  Alffonfo: 
e  íe  os  íliperiores  empregos  poli  ticos,  e  militares, 
que  para  illuftrar  outras  Cortes  exercitava  o  Senhor 
Conde  de  Tarouca ,  o  naõ  tivefíèm  roubado  à  nojP 
fa  ácídc  o  anno  de  1709.  íeria  elle  o  primeiro  ,  a 
quem  eu  confultaílè ,  e  a  quem  feguiílè ,  como  fiz 
defde  os  meus  primeiros  annos ,  porque  o  reconhe- 
ço por  hum  dos  primeiros  Poetas  do  noílb  feculo, 
a  quem  o  roubou  ha   pouco  tempo  a  morte : 
aos  eruditos  Marquezes  de  Alegrete  devi  fabiasad- 
moeftaçoens :  outros  Cenfores  me  haõ  de  dar  os 
Tribunaes ,  que  mandaõ  examinar  a  Henriqueida, 
e  já  fe  antecipou  a  approvala  antes  de  a  ler  (  porque 
depois  feria  mais  efcrupulofa  a  cenfura  )  o  Senhor 
Conde  de  Vimiofo  ,  que  com  o  Senhor  Marquez 
de  Valença  feu  Pay,  ouvirão  algumas  partes  defte 
Poema ;  e  a  fua  erudição  ,  finceridade ,  e  bom  goí^ 
to  unidos  à  fua  benevolência,  me  tirarão  da  duvi- 
da, 


da ,  em  que  eftava  de  que  paflaflè  de  manufcrito  a 
impreílb.  Agora  íahe  a  luz  pelo  muito  que  me  in- 
citaô  os  curiofos ,  fem  me  dar  tempo  para  algumas 
eftampas ,  e  ornatos  ,  que  fó  opodiao  fazer  plaufi- 
vel.  Pode  fer,  que  íe  for  digno  de  fegunda  edição, 
feja  mais  polido  ,  emendando  o  que  judiciofamente 
me  advertirem  os  que  o  lerem ,  e  acrefcentando  ás 
ligeiras  notas,  que  agora  le  acharão  no  fim  da  Hen- 
riqueida ,  as  de  que  elles  entenderem  neceíTita ,  ad- 
vertíndo-me  efta  falta  os  Leitores  judicioíbs,renaô 
íe  entenderem  alguns  verfos  ,  o  que  íb  íèrá,  porque 
eu  naõ  declarafle  bem  o  feu  fentido. 

PROTESTARAM. 

OS  Decretos  Pontificios  permitem  ,  como  já 
referi ,  que  os  Poetas  fallem  em  Deofes , 
deofas  ,  deidades,  fado,  deílino  ,  fortuna  ,  e  ou- 
tros termos  da  antiga ,  e  falia  idolatria ,  e  também 
que  fe  refirao  alguns  fucceílbs ,  que  parecem  mila- 
grofos  ,  e  virtudes  extraordinárias  fó  com  a  fé  pia, 
que  fe  lhe  dá  em  quanto  a  Igreja  Catholica  os  naõ 
autorifa.  Com  ambas  eftas  decifoens  proteRocon- 
formarme  neíle  Poema  ,  e  em  todas  as  minhas 
obras  ,  como  filho  obedientiffimo  da  Santa  Igreja 
Catholica  Romana  ,  e  affim  o  firmo  com  o  meu 
nome.  Lisboa  15.  de  Fevereiro  de  1740- 

O  CONDE  DA  ERICETRA. 

HENRI- 


Pag.  I 

HENRIQUEIDA 

CANTO     I. 

Argumento. 


ENtra  Henrique  na.  gruta  mifieriofa  , 
Temem  ,  que  nellx  acabe  o  varão  forlt : 
Gaya  faz,  refiflencia  valcrofa  , 
Na  batalha  acha  o  Mouro  oppojla  a  forte  : 
Sahe  o  Hcroe  da  cova  tenehrofa  , 
Tem  Almançor  no  Bouro  a  dura  morte  : 
De  Mu  lei  [ente  Al  dar  a  o  fado  efquivo  , 
E  a  quem  a  cativou  deixou  cativo. 

I. 
Eu  canto  as  Armas  ,  eo  Varaô  famoío  ,  ^°^^   ^* 

Que  deo  a  Portugal  principio  Régio, 
Confeguindo  por  forte  ,  e   generoío, 
Em  guerra ,  e  paz  o  nome  mais  egrégio  j 
E  animado  de  eípirito  glorioío 
Calliíjou  dos  infiéis  o  facrileciio 
Deixando  por  prudente ,  e  por  oufado  , 
Nas  virtudes  o  Império  eternizado. 

2. 

Europa  foy  Ò2  eípada  fulminante 
Teatro  iiiuUre  ,  viaima  glorio fa  , 
Aíia  vio  no  íeu   braço  a  Cruz  brilhante , 
E  ficou  do  íeu   nome  temerofa  : 
De  Africa  agente  barbara,  e  tr;umf:nte 
Selhe  poQrou  rendida,  e  rcceoía 
Para  íer  fundador  de  hum  quinto  Império 
Que  do  Mundo  domine  outro  Emisferio. 

A  2. 


z  Henricjueida 

3- 
Nota   2.  DIrey,  como  depois  da  alta  aliança 

Conquiiioa  valerofo  em  dura  guerra 
Qaanto  paiz  em  Portugal  alcança 
Do  Douro   ao  Tejo   a  dilatada  terra: 
Ou  morre  o  Mouro  à  Ínclita  vingança, 
Ou  cobarde  do  Reyno  fe  derterra  ; 
Porque  no  juílo   Império  íinta  aflido 
Duas  penas  a  hum  bárbaro  delido. 

4- 
Nota  3.  Naõ  Caliope  heróica  agora  mvoco. 

Tu  me  infpira  ò  Deidade ,  que  celeí^e 

Para  a  épica  tuba  ,  que  hoje  toco  , 

Teu  iníilamado  eípirito  me  défte : 

Pois  fe  por  ti  meus  números  provoco  , 

E  fe  infl^iencia   eterna  concedefte , 

Voarey  fuperior  â  mefma   Vrania 

Até  cantar  o  Herôe  de  Lufítania. 

Excelfo  defcendente  António  Auguílo 
^^^  '^'     Naõ  fó  do  meímo  fangue  derivado , 
Mas  que   no  próprio  coração  robufto 
Moitrais  igual  eípirito  esforçado  : 
Se  tenho  no  refpeito  hum  nobre   fuílo 
Para  temer  hum  Nume  taõ  fagrado ; 
Vós  fareis ,  que  a  Real  benignidade 
Modere    do   refpeito  a  auíieridade. 

6. 

Se  achar  em  Vòs  o  claro    patrocínio , 
Ttalia ,  e  Grécia  haô  de  admirar    meu  canto  ; 
E  já  outro  gloriofo    vaticínio 
A  idea  me  arrebata  em  fuvor  íanto  , 
Pronofticando  que  em  feliz  domínio 
FL\  de  em  Vós  outro  Império  alcançar  tanto, 
Qje  eu  a  voTa  conquiíla    ain  ia  publique, 
Para  que  iguale  António  ao  mefmo  Henrique. 

7. 


Canto  L  3 

7- 
Voe  a  penna  por  Vôs  à  íacra  esfera 

Do  Excelío  íucceíor  do  claro  Império 

Fundado  por   Henrique,    aquém  venera 

Com  mais   durável  gloria  outro  emisferio  : 

Que  íe  Vós  a  guiais,  íeconíidera 

Di-ç^na  de  defcrever  tanto  miiterio: 

Nada  rema  ,  íè  a  forte  quiz  que  achaíTe 

Hum  Mecenas,  que  a  Auguilo  ainda  igualaíTe, 

8. 

Henrique  de  Borgonha,  que  eterniza 

Para  a  poiteridade  a  rara  empreza 

Já  do  Luío  paiz  a  terra  piza , 

Que  Afonlo  de  Leaõ  deo  a  Tereza  \ 

O  premio  do  valor  fe  immortaliza 

Ao  confeguir  taò  Ínclita  belleza  , 

Naò  no  Reyno ,  que  aceita  fem  ganhalo , 

Mas  na  occaíiaó  ,  que  tem  de  conquilialo. 

9- 
Em  dote   o  Grande  Afonfo  eíle  direito, 

Na5  fô  o  que  poíTue    lhe  offerece. 
Que  a  efperança  fundada  em  forte  peito 
Por  conquifta  fegura  fe  conhece: 
Darlhe  o  que  o  Mouro  occupa,  he  hum  eíFeito 
Da  opinião  ,    com  que  a  dadiva  ennobrece  ;      ^ 
Porque  hum  largo  paiz   por  pouco  adínita  , 
Que  o  que  ha  de  conquillar  naò  fe  limita. 

10 
Grande,  em  esforço,  em  numero, peqneno 
Exercito  íeguia  ao  Varaõ  forte , 
E  a  multidão  immenía  do  Agareno 
Julga  emprego  a  cem  braços  cada  morte:  .NÍota  5'. 

Nada  perturba  o  animo  íereno, 
Nada  recea  da  inconíiante  forte , 
Quem  ou  a  encontre  oppofla,  ou  opportuna, 
Tem  na  virtude  o  império  da  Fortuna. 

A  z  II. 


4  Henriqueida 

1 1. 
Ao  Douro  prateado   a  margem  de  ouro 
Bordava  ainda  acampado  em  brancas  tendas 
O  exercito  invencível ,  fendo  o    Douro 
Q^iem   rápido  fepara  ertas  contendas  ; 
Teine  que  ainda  naò  barte  ,    ó  feroz  Mouro  , 
O  rio  para  foíTo,  em  que    defendas 
O  teu  Paiz  da  Luíitana  fúria 
Que  há  de  vingar  da  pátria  a  antigua  injuria. 

12. 

Defde  o  Porto  a  conquifta  principiando 
Do  novo  Reyno  ,    que  fundar  procura  , 
Já  com  feliz  auípicio  hia  forinando 
O  claro  nome,   que  nos  evos  dura: 
Ao  exercito  o  empório  fuítentando 
A  íuSíiilencia  às  tropas  aíTegura , 
Porém  ao  Mar  a  Mahometana  armada 
Opprime  numeroía ,  corre  ouzada. 

A  idea  vacilante  nos  projetos 
De  vadear  o  turnido  embaraço  , 
Dos  perigos  creciaó  nos  objetos 
M.iyor^s  glorias  ao  invidlo  braço: 
Nova  guerra,  e  mais    dura  nos  aferos 
T^mia  de  huma  auzencia  no  ameaço  , 
Se  no   Porto  deixaífe  mal  fegura 
Da  Regia  efpoía  a  amada  fermofura. 

14. 
PafTando  à  parte  auliral  o  caudeloío 
Rio,  que  03   inimigos   diíputavaõ  , 
Se  eviraíTem   íeu  braço  valeroío  , 
Outro  danno  mayor  ameaçavaô, 
Pois  da  noite  no  azilo  tenebrofo  , 
Se    do  Douro  a  paíTagem  lhe  deixavaõ , 
A    entrepreza  do  Porto  inrentariaò, 
Ou  por  bioqueo  a  Praça  ganhariaô. 


Canto  L  j 

Conduzido  do  próprio  penfamento , 
Naò  podia  ter  guia  mais  iiluOre, 
Prevenindo  prudente    o  vario  intento, 
Teme  valente  que  a  cccaíiaõ  fe  íruiire, 
Expõem  o  que  maio  ama   a  algum   violento 
Succeíío ,  que  o  triunfo  lhe  debluftre  , 
E  a  fi  fe  expõem,  fe  na  inacção  fuípende 
A  gloria  ,  a  que  o  íccego  femore  ofíende. 

i6. 

AíTim    paíTou  de  toaos  feparado 
De  Gaya  às  antiquiíTimas  ruinas ,  ^oi^   6. 

Que  tinha  com  raíaõ  fortificado 
Da  parte  aurtral  das  agoas  crilialinas: 
De  huma  gruta   bufcou  centro  ignorado , 
E   merecendo   infpiraçoens    divinas, 
Hum  Angélico    efpirito ,    a  que  invoca , 
Quer  que  ouça  as  vozes  deíia  muda  boca. 

17-  ... 

Da  horrenda  gruta  a  entrada  defendiaõ 

Agudas  folhas  da  arvore   do  Aveino  , 

E  enlaçadas  raizes ,  que  íe  uniaò. 

Mais  que  de  Gordio   no  embaraço  eterno  :         Nota   7. 

Penhaícos  óe(de  a  terra  ao  Ceo  fobiaõ 

Lúbricos  os  fez  tanto  o  frio  inverno, 

Que  Henrique  vio»    fubindo  reíolutos, 

Precipitarie  os  mais  veJozes  brutos. 

i§.  ^ 

O  mnr,  e   a  terra  cm   hórrida  diíputa 

Gritavaô  com  clamores   deírredicos  -, 

Que  naõ  entraíTem  na  funefla  gruta 

Os  que  aíiim  o  intentavaõ  preíumidos: 

A  confiancia  mais  forte ,  e  refcluta , 

De  ondas,  e  rochas  trágicos    brairidos, 

Tem-ia  verdo  vnirfe  em  dura    guerra 

Contra  hum  sò  coração  o  Mar,  ea  Terra,' 

19. 


Henriqueida 


19. 

Na6  fingidos  dragoens  de  hum  falfo  encanto 
Com  fantaitica  idea  íabulofa 
Intentarão  formar  trágico  efpanto 
A  quem  vence  a  conltancia   valerofa : 

Nota  s.    Mas  o  bruto   Neméo ,  eo  deErymantho, 
Multiplicou  a  ferra  prodigiofa, 
E  o  varaõ  fempre  invicto  naò  recea 

Notai).      Incêndios  de  Deyanira,  nem  de  Althea. 

20. 

Nota   10  Africos  faõ  os  ventos  mais  íuaves, 

*  Cicutas  faõ  as  plantas  mais  amenas  , 
Fúnebres  Corvos  as  mais  doces  aves, 
Inundaçoens  as  agoas  mais  ferenas : 

Nota  II.  -j^^-  ^g  achem  de  Trofonio  os  fonhos  graves,' 
Que  aqui  fe  encontrão  verdadeiras  penas, 
Mas  por  mais  que  os  horrores  multiplique, 
A  todos  vença  hum  coração   de  Henrique. 

21. 
Aves ,    penhascos ,  feras ,  troncos  ,  ramas , 
O  Heroe  venceo  ,  eos  mefmos elementos, 
Pois  fez  o  coração  com  viyas  chamas 
Secar  as  ondas,   e  acender  os  ventos: 
Tu,  diz  Henrique,  ó  Génio,  que  me  inflamas, 
De facrilegos livra  os  meus  intentos; 
Deixarey  hum  perigo ,  que  fe  encobre , 
Venerando  ao  ía^rado  hum  medo  nobre. 

22. 

Se  o  Ceo  referva  algum  fegredo  oculto 
Na  ignorada  regiaô  deíle   emisferio, 
Mas  que  o  julguera  temor  ,  feja  o  meu  culto 
Quem  deyxe  impenetrável  o  mil^erio : 
Naô  quero  íQ  preço  do  mais  leve  infulto 
Comprar  a  gtoria  do  mais  alto  império: 
E  aíTim  íegurarey  por  vários  modos  ; 
Que  fe  eu  temo  emprendelo ,  o  temaõ  todos. 

^3' 


Nota 


Canto  1.  j 

Pôde  fer  que  o  meu  bárbaro  contrario 
DefprezaíTe  o  mifterio   tenebrofo  , 
Que  fempre  he  contra  o  Ceo  mais    temerário 
Quem   mais  vezes  no  mundo  he  temeroío : 
Ninguém  me  vé  no  fitio  íolitario, 
Deixar  pudera  hum  riíco    ncô  forcofo  , 
Mas  fe  o  Ceo  me  aíTegura  da  impiedade , 
Busco  a  victoria  livre  da  vaidade. 

24. 

Se ,  como  a  fama  conta ,  foy  ao  Mouro 
Util  huma  imprudência   de    Rodrigo,  Nota   li. 

Deíprezando  em  Toledo  o  triíle  agouro  , 
Que  fempre  refpeitára  o  tempo  antigo  , 
E  o  que  efperava  nitido  teíouro , 
Se  transformou  em  vozes  do  cartigo  , 
E  neíte  vaõ,  e  occulto  cenotafio 
Leo  do  Gótico  Império  o  epitáfio. 

Eu  de  mais  alia  cauza  commovido, 
Naô  de  humana  ambição  hoje    incitado, 
Em  lugar  deíTe  Reyno  defiruido, 
Outro  efpero  ,  e  m.ayor,  deixar  fundado  : 
Na  efpada  a  Cruz  me  faz  mais  atrevido  , 
No  eícudo  a  Cruz   me    faz   mais  animado  :  Nota    14, 

O  Inferno  tema  ella  fagrada  oflenfa , 
Que  eu  n ao  o  temo,  rendoa  por  defenfa, 

26. 

DiíTe:  e  fubindo  a  in^cccfljvel  penha, 
Qual  bizarro  Falcão,  que  da  eícabrofa 
Alcantilada  rocha  fe  ciefpenha 
Para  opprimir  a  Garça  receofa: 
Dece  apreíTado  à  gruta,  em  que  fe  empenha 
A  inveftigar  a  entrada  tenebrofa; 
E  ailluminou  o  eípirito  brilhante 
Aos  reflexos  da  efpada  rutilante.  ' 

^7- 


8  Henriqueida 

Nota  1$.  Como  o  Douro  divide  a  antigua  Gaya 

Do  fegundo   Ramiro  deítruida, 
Da  moderna  Cidade ,  que  na  praya 
Fe^  a  naçaõ  Sacva  prevenida  ; 
Nadante  ponte  a  criiialina  raya 
Deixava  dominada,  e  opprimida; 

Nota  i6.  E  a  guarnição  mandava  o  forte    Helvidio 
Do  caftello  arruinado  no  preíídio. 

28. 
Vio  ,  que  Henrique  cahia  do  rochedo , 
E  o  naô  vio  mais ,  mas  capitão  prudente , 
Por  naõ  dar  aos  foidados   juílo  medo, 
Nâõ  fia  à  voz  o  trifte  mal ,  que  fente : 
Subir  pretende  ao  aípero  penedo: 
Correo ,  cahio  precipitadamente  ; 
E  hum  íoldado ,  que  o  fegue  com    acordo  , 
No  retiro  aproveyta   o  deíacordo. 

29. 
Mas  como  também  vio  do  Grande  Henrique 
O  inefperado  trágico    íucceíTo , 
A  dor  íem  prevenção  faz  que  publique 
A  mayor  perda  com  mayor  exceíTo ; 
E  a  Fama,  porque  os  males  multiplique. 
Voando  com  triifiílimo  progreíTo , 
Leva  a  noticia  da  funefta  emprefa 
Ao  exercito ,  à  Prac^.  ■  Princefa- 

No  campo  os  Generaes  correm    velozes 
Nota  17.  A  Egas  Monis  com  apreiTados  gritos  j 

He  morto  Henrique  dizem  triíles  vozes, 
E  muitos  de  a3  ouvir  paí.Daó  aflitoj  ; 
Golpes  taò  repentinos ,  como   atrozes , 
Cauzaõ  da  dor  eíTeytos  infinitos , 
Que  o  amor  com  impulfos  taó  terríveis 
Vcnceo  os  coraçoens  fempre  invenciveis. 

13- 


I 


Crnto  L  g 

31- 
No  Porto  as  mefmas  pedras  das   muralhas 

Pareciaó  íeníiveis  aos  clamores, 

E  quaíi  defcobriraõ  as  medalhas, 

Que  enterrarão  os  claros  fundadores: 

Os  povos  ja  taõ  deiíros  nas  batalhas , 

Que  igualaó  os  Soldados  vencedores, 

Ao  pronto  fufto  de  pezar  taô  alto 

Se  rendem  à  entrepreza  defte  aíTalto. 

32-.. 
Eco  contra  os  amantes    vingativa  Nota  i$. 

Das  antiguas  injurias  deNarcifo, 

Das  noticias  mais  triftes  expreíTiva 

Multiplica  no  ar  o  infaufto  avizo  : 

Mas  da  bella  Tereía  compalíiva, 

Lhe  deyxa  ouvir  confufo  hum  mal  precifo; 

Que  fizera  a  duriíTima  certeza , 

Se  quaíi  mata  a  duvida   a   Tereza  ? 

33- 
Se  naô  morre  ao  aílalto   repentino , 

He  porque  o  coração  fiel,  ejufto 

Guarda  na  vida  hum  íentimento  fino , 

Que  com  o  alento  immortalize  o  íiifto  : 

Rogando  eftava  ao  Protedor  Divino. 

Pelas  victorias  do  Varaó  auguilo  j 

E  com  taô  bem  nacida    confiança 

Mais  crè,  que  ao  defengano,   a  cfta  efperançi 

34.  . 
Kennque  he  vivo:  diíTe ,    e  íe  o  contago 

Do  contrario  rumor  perverte  os  ares, 

Primeiro  mo  diiTera  algum  prefacio, 

Que  faõ  muy  prevenidos    os    pefares  : 

E  primeiro  eu  morrera  no    naufrágio 

Dos  olhos  delatados  em  dous   mares , 

Do  que  ninguém  foubeiTe  a   dura  forte 

Da  vida,  em  que  ainda  vive  a  minha  morte; 

B  35. 


jo  Henriqueida 

.    Buicay  melhor,  ó  Generaes  valentes , 
O  centro  rcfervado  ,  o  ílrio    inculto  , 
E  trazeyine  as  relíquias  excellentes , 
Porque  eu  crea  o  meu  mal ,  e  eile  o  meu  cult  o; 
Entaõlerá  das  cinzas  ainda  ardentes 
Ncra  19.   ;^eu  peyto  o  maufoléo  ,  vivendo  occulto. 
No  mefmo  coração ,  em  que  arde  activo 
O  incêndio  morto  em  holocaufto  vivo. 

X.  ,  Neíre  tempo  de  infame  intelligencia 

Inrormado  o  terrível  límaehta, 
Aífaítou  Gaya  ,  e  com  feroz    violência 
Arroja  a  ponte  maquina  exquiííta  : 
Ferido  Helvidio  fez  tal  reíiílencia 
Contra  a  barbara  turba,  e    infinita, 
Que  a  pena  fó  lhe  íerve  no   perigo 
De  animalo  á   vingança,  e  ao    calíigo. 

37- 

O    Africano  Gigante  Alcidemonte 

Sem  arrimar  efcada  ao   alto  muro  , 
O  excedeo  taato  com  a  horrenda  fronte , 
Que  ficoa  indefefo ,  e    mal    féguro : 
Nou  21    ^^"^  monte  pareceo  íobre  outro  monte, 
'  Ou  que  Tifeo  íacrilego  ,  e  impuro 
Intentou  com  a    barbara   ouzadia 
Apagar  com  hum  aíTopro  a  luz  do  dia. 

Nota  22.  3^- 

Porem  Dom  Mendo  Portuguez  galhardo 

Veloz  arroja  em  golpe  penetrante 

A  hum  dos  olhos  hum  tiro,  efez  o   dardo, 

Nota  23.   Qtje  Ciclope  acabaíTe  eíle  Gigante: 

Os  Mouros ,  que  o  feguiaó  fem   refguardo , 

Debaxo  do  ColoíTo  fulminante, 

Quando  cahio  a  eftatua  horrenda    e  dura  , 

Juntas  acharam  morte  ,  e   íepultura. 


Canto  L  ii 

39- 
A  o  meímo  tempo  pela    oppoíta   parte 

AíTalta  o  muro    Muliafà  valente  , 

Que  tem  torça  inferior ,  mas  tem  mais    arte, 

E  he  na  Guerra  mais  forte  o    mais  prudente: 

No  militar  ofíicio  ao   mefmo   Marte 

Cuida  que  excede  com  valor  fciente ; 

E  no  eícudo  gravara  mil    emprefas 

De  expugnaçoens ,  aíTedios ,  e  entrepreías. 

40. 

Com  quinhentos  Numidas   efcolhidos  Nora  24. 

Huma  portátil  fabrica  guiava  , 
Que  até  nos  tardos  paíTos ,  e   medidos , 
O  vagarofo  Amphibio    retratava:  j^t^j.^  ^^_ 

Eraõ  de  aço  os  reparos  taõ  luzidos. 
Que  aos  defeníores  o  fulgor  cegava: 
Como  feria  adtiva  a  fua    offenfa  , 
Se  era  ainda  ofleníiva  na  defenfa  / 

4t. 

Ao  chegar  à  muralha ,  de    repente 
A  concha  fuperior,  que  fe  levanta  , 
Iguala  o  parapeito,  e  prontamente 
A  milicia   íe  anima  a  emprefa    tanta : 
Com  as  efcadas  a  Africana  gente 
Sobe  cuberta  ,  e  tanto  íe  adianta, 
Que  ja  fobre  as  ameas ,  que  coroaõ  , 
Alfanges  brilhaõ ,  e  tambores  íoaó . 

42. 

Acode  a  tanto  danno  o  Graõ  Roberto , 
Francézillurire,  em  armas   invencível, 
Em  defender  as  Praças  taõ  experto. 
Como  em  ganhalas  Muílafá  terrível : 
Tinha  ali  de  penedos    encuberto 
Hum  numero  taõ  grande,  e  taõ   horrível, 
E  os  fez  cahir  com  tal   deíembaraço , 
Que  a  pô  fereduzio  o  monte  de   a^o. 

B  2  43- 


Nota   16, 


r^  .          Henriqueida 

:Ficara5  os  Numídas  íepultados 
Na  volúvel  de  mármore  montanha, 
E  taõ  profundamente  foterrados, 
Q^e  inficionar    naõ  podem  a    campanha : 
Sô  iVíuftafá  mais  deliro  que  os  foldados 
Livroj  a  vida  com  fortuna   eftranha: 
Fiado  de  Roberto  na    piedade, 
Perde  dentro  da  Praça  a  liberdade. 

44. 

Na5  tem  melhor  fucceífo  outra    nadante 
Maquina  ardente,  que  a  queimara    ponte 
Também  mandava  o  bárbaro  arrogante, 
Que  íobre  asagoasrayos  brote  hum    monte/ 
Nota  27.  Corrêa  vendo  o  Ethna  fulminante. 

Que  as  chamas  efpalhava  no  Orizonte, 
E  a  ponte  ,  que  de  barcas  he  formada  , 
Da  inflamada  matéria  ameaçada: 

AS- 
Como  valente,  e  defiro  prevenira 

Nadando  ni  corrente  alguns  madeiros , 

De  hum  batel  os  conduz ,  e  ouzado    gira 

Entre  os  tiros  dos  bárbaros    guerreiros: 

Com  a  violência  a  maquina  retira, 

Que  retrocede  os  Ímpetos  primeiros, 

E  encalhando   outra    vez  na  própria  arêa  i 

Nas  tendas  Mahometanas  fogo  atêa. 

46. 

Todo  o  campo  Agareno  em  chamas  arde , 

E  aos  Luíítanos  favorável  vento. 

Porque  o  feu  pronto  eflrago  naô  retarde, 

O  incêndio  leva  rápido  ,  e  violento  : 

Em  terra ,    e  agoa  o  pérfido  cobarde , 

Em  fogo,  e  ar  ,  naõ  acha  hum  elemento  , 

Para  donde    fogir  de  hum  tal  caftigo  , 

Kou  i§.  £  aÇê  naç-Câb^  o  medo  no  perigo. 


Canto  1.  13 

Como  de  hum  boíque  os  troncos  elevados 
Ao  impulfo  veloz  de  hum  forte  vento 
Cahem  da  pronta  fúria  deflrocados , 
Perdendo  humildes  o  dominio  izento  ; 
Aíllm  foraò  do  fogo  devorados 
Pavilhoens ,  que  lobindo  ao  Firmamento 
Sobre  troncos  altiífimos  de  Pinho, 
Eraô  mudáveis  arvores  de  linho. 

48. 

Qual  das  abelhas  o  eíquadraõ  volante , 
Sentindo  na  colmea  ardente  efirago , 
Foge  ligeiro  com  fufurro  errante , 
Para  que  o  ar  lhe  dé  o  azilo  vago  ; 
Affim  já  deixa  o  campo  vacilante 
O  exercito  Agareno ,  que  prefago 
Pudera  exporíe  a  ardores  taó  adlivos  , 
Antes  do  que  íofrer  outros  mais  vivos. 

49- 
De  Gaya  os  valeroíos  defenfores 
De  novos  batalhoens  ja  focorridos  'Hoia,  iç^: 

Saltaõ  os  muros  com  marciaes  ardores 
Por  Dom  Payo  da  Cunha  conduzidos ; 
E  os  Mouros ,  que  os  eíiragos ,  e  os  terrores 
Viaõ  por  tantos  modos  repartidos  , 
Ainda  aíTim  à  fortidafe  oppuferaô  , 
E  com  numero  inmenfo  a  combaterão. 

O  Príncipe  Almançor  fero  Africano 
De  Annibal  era  o  emulo  ambiciofo  , 
E  hum  fonho  cré  ,  que  lhe  aíTegura  ufano , 
Que  Henrique  he  morto  ,  e  elle  vidorioío  ; 
No  campo  ouvindo  logo  o  caio  iniano 
Do  imaginado  fim  do  Heroe  famozo  , 
Ja  tem  por  infalível  a  vidoria  , 
Faltando  tal  contrario ,  he  pouca  a  gloria.^ 


Nota  32, 


14  Henriqueida 

$1- 
Fieis  fequazes  do  niayor  Profeta  ] 
Clama  o  impio  com  voz  alta ,  e  fonora  ^ 

>Jota  30.  Ainda  algum  terror  pânico  inquieta 

Quem  vencedor  já  vè  o  Deos ,  que  adora  ? 
Da  omnipotente  maó  a  aguda  feta 
Matou  a  Henrique ,  e  já  no  inferno  mora  , 
Quem  por  decreto  iniquo ,  mas  profundo , 
A  Mahometana  Ley  tirara  ao  Mundo. 

5:2. 

Nota  3 1.  Vivo  a  gruta  fatidica  o  encerra , 

Sacrilego  em  buícala  ao  Ceo  provoca , 
Ambiciofo  da  pena  entrou  na  terra  , 
Por  donde  abrio  o  Abiímo  a  horrível  boca  : 
Já  do  noíTo  emisferio  Alá  defterra 
Quem  faífa  religião  impuro  invoca  j 
Eíle  terror  nos  íèus  corre  difufo  , 
E  deixa  o  íeu  exercito  confuío. 

Na5  queimarmos  a  ponte  he  providencia , 
Pois  por  ella  com  ultima  ouzadia 
Vaõ  desfilando  ,  e  faltos  de  íciencia 
Nos  moftraõ  a  ignorância  na  porfia : 
Ja  do  íeu  General  a  experiência 
Acharão  menos  ?  e  hontem  ,  que  vivia , 
Naô  quiz  paíTar  o  rio  temerário, 
Refpeitando  o  valor  de  hum  tal  contrario. 

.54- 
Na5  pode  no  brevifíimo  recinto 

De  Gaya  ainda  caber  baftante  força , 

Qae  em  terreno  cortado ,  e  taõ  fuccinto  , 

Forme  em  batalha  o  corpo  ,  que  a  reforça  : 

Vereis  o  rio  do  íeu  fangae  tinto  , 

Se  efte  pequeno  exercito  fe  esforça 

A  oífereceríe  vidlima  da  efpada 

Da  noíTa  multidão  bem  ordenada. 


Canto  L  Ij 

Ouvindo  eftes  acentos  emcazes , 
Correm  cruéis ,  avançaõ-íe  ligeiros 
Oò  Mouros ,  como  os  Lobos  mais  vorazes 
A  tragar  íem  paftor  poucos  cordeiros  : 
A  Mafoma,  que  feguem  contumazes, 
Invocaó  com  clamores  lifongeiros  , 
Almançor ,  que  os  incita ,  e  que  os  ordena  , 
Na  meíma  culpa  lhes  fomenta  a  pena. 

Cahe  ferido  o  Luzo  Leovigildo  Nota   53^ 

A'  lança  de  Almançor  irreíiftivel , 
Vay  locorrelo  o  Godo  Hermenegildo , 
E  o  mata  o  meímo  ferro  em  golpe  horrível ; 
Do  Leonez,  e  valente  Atanagildo, 
Que  fempre  prezumira  de  invencível , 
Ainda  que  a  maó  direita  o  Mouro  offende, 
Com  o  Alfange  na  efquerda  íe  defende. 

57. 
Cobrando  força  o  fere  com  tal  fúria , 
Que  fe  ao  veríe  íem  rédeas  o  cavallo , 
Lhe  naò  fizeíTe  a  involuntária  injuria , 
De  que  a  primeira  vez  viíTe  voltallo  , 
Sentira  o  Africano  a  ouzada  incúria 
De  atreverfe  fem  armas  a  atacallo  ; 
Com  que  aqui  fez  o  bruto  inadvertido 
Que  o  vencedor  fugiíTe  do  vencido. 

Gritava  Cunha  ,  ó  claros  Luíitanos  ] 
Porque  Henrique  morreo  ,  morreres  todos  ? 
Vidorias  quereis  dar  aos  Mauritanos  ? 
Ja  naô  vingais  aos  afcendentes  Godos  ? 
Vereis  íegunda  vez  ritos  profanos 
Triunfar  da  Fé,  da  Pátria  por  dois  modos  ^ 
E  fogeitar  às  crueldades  fuás 
Todo  o  Sol  da  Juftiça  ás  meyas  Luas. 

59* 


I  (J  Henriqueida 

Almançor ,    que  o  ouvio  j  valente  o  biifca  j 
E  achando  o  prevenido  os  doisfe  enveftem , 
De  hum  a  cândida  cor ,  de  outro  a  cor  fufca 
Da  fanguinha  os  femblantes  jà  reveftem  j 
A  efpada  do  graó  Cunha  ao  Mouro  offufca , 
E  taõ  luzidas  armas  ambos  vellem  , 
Que  as  nações ,  que  o  combate  ponderavaõ  , 
Quando  o  queriaó  ver ,  logo  cegavaõ, 

6o. 

/;  De  Cunha  o  branco  roftro  rubricado 

Com  íangue  illuílre  mais  lhe  acende  a  ira  ; 
O  braço  de  Almançor  quaíi  cortado 
Na  divifaó  das  armas  fe  retira: 
Porem  de  novo  efpirito  incitado 
Entre  os  que  perde ,  fúria  tal  lhe  infpíra , 
Que  o  fangue ,  que  aos  impulfos  fe  e[^imú!a 

Nota  34.  No  braço ,  que  naõ  acha,  ainda  circula. 

61 
Socorreo  a  Almançor  turba  infinita, 
E  por  mais  que  com  animo  valente  , 
Que  o  deixem  pelejar  altivo  grita , 
Lhe  naõ  obedecerão  juilamente, 
Porque  ainda  que  o  efpirito  o  incita  , 
E  a  falta  de  outro  efpirito  naõ  fente  , 
Ambos  era  precizo  íe  perdeífem  , 
Se  dentro  da  ferida  os  naõ  prendeíTem 

62 
Mas  brevemente  volta ,  e  focorrido 

Nota    5  j.  De  toda  a  Tingitana  Mauritânia , 
Sevio  quaíi  acabado,  edeíunido 
O  pequeno  eíquadraõ  de  Luíitania: 
Em  vaõ  paíTou  o  Douro  prevenido  ^ 

Nota   56.  Carlos  com  cem  cavallos   de  Aquitania, 

Que  nos  golpes  das  agoas  íe  perderão, 

E  nas  ondas  das  fetas  le  eíconderaõ. 

<^5 


Canto  L  ij 

63. 

Amparado  da  Praça  ainda  fuflenta 
O  Cunha  a  fúria  do  inimigo  forte; 
Helvidio  de  huma  bcllica  tormenta 

Arroja  fetas ,  que  temeo  Mavorte :  ^^^^  ^^ 

No  débil  eíquadraõ  ,  que  affim  fomenta  , 
Dos  Portuguefes  fó  dilata  a  morte ; 
Que  fe  invido  aos  alfanges  permanece, 
Ao  numero  das  flechas  ia  perece. 

Vidoria  o  Mahometano  alegre  clama , 
E  o  braço  rende  a  Alá  por  facrificio 
O  valente  Almançor ,  que  certo  aclama 
De  Henrique  morto  o  mais  feliz  aufpicio  : 
Mas  pouco  goza  da  inconl^ante  fama , 
E  pouco  tempo  o  fado  achou  propicio  ; 
Porque  íó  pela  ferra  vence  tudo 
Campeão  com  Cruz  azul  no  branco  efcudo. 

6;. 
Hum  cavallo  tomou  de  hum  dos  contraries  ^ 
E  rompendo  eíquadroens  com  golpes  duros  , 
A  reíirtir  impulíos  temerários 
Nem  baítaò  armas ,  nem  baflàraõ  muros  : 
Effeitos  de  valor  extraordinários 
Deixaó  os  vencedores  mal  fegnros ; 
E  na  tefla  le  põem  o  aventureiro 
Do  efquadraó  quaíí  extinto  ainda  guerreiro. 

66. 
E  calando  a  vifeira  ,  fem  que  explique 
Com  mais  palavras  o  fucceíío  raro , 
Naõ  deixa  duvidar  que  íeia  Henrique 
Quem  jà  o  moílrára  no  valor  preclaro: 
A  huma  fô  voz  o  applaufo  fe  publique , 
Treme  o  rnefmo  Ahnançor  ,  e  com  reparo 
Vé  no  feu  roftro  ardor ,  que  faz  adivo 
Creio  refufcitado  mais  aue  vivo. 

'  C  67. 


1 8  Hénriqueida 

Como  na  montark  os  caçadores 
Vencendo  fortes  ,  fuperando  aitiilos, 
Seguros  fs  luppoem  ,  e  vencedores , 
Do  vulgo  immenfo  de  ferozes  brutos  ; 
Mas  faindo  hum  Leaõ  ,  jà  com    temores 
Sò  cuidaõ  em  fogir    irreíolutos , 
Aílim   dos  Mouros  a  confufa  idea^ 
A'  vifta  de  hum  fô  homem  titubea. 

68. 
Era  o  tempo  ,  em  que  o  Sol  no  ardente  Eílio 

Nota  38.  A'quartaà  do  Leaò  mais  febre  infime  , 

E  obfervou  ,  que  alguns  váos  permite  o  rio  , 

Nota  35?.  Com  que  a  falta  das  pontes  fubftitiie  .* 

O  exercito  a  que  o  Douro  impede  o  brio, 

Nota  40.  Logo  em  quatro  colunas  diíiribue  , 

E  fobre  outras  de  jaípe  em  raro  exemplo 
A  gloria  lhe  fabrica  hum  firme  templo. 

Da  ponte  ,  e  dos  caminhos  criftalinos  . 
Da  batalha ,  e  da  nova  alegre  a  gente 
Pronta  íoccorre  os  companheiros  dinos  , 
Que  fuílentou  o  Cunha  mais  valente. 
Henrique  tendo  impulfos  taô  divinos 
Com  todos  repartio  o  animo  ardente, 
Sem  fe  eíquecer  quando  o  furor  renova , 
Demandar  aTereza  a  alegre  nova, 

70- 
Nota  41.'  Teve efl:a commiíTaõ  Pelayo  Amado, 

Naõ  replicou ,  mas  com  defconfiança 
De  deixar  o  combate  principiado) 
Deixou  padecer  mais  huma  efperança  : 
Prontamente,  ó  Tereza,   o  teu  cuidado 
Afíligio  trifte  nova ,  e  tarde  alcança 
O  íufpirado  alivio  o  fino  peito; 
Oh  dos  pefares  infelice  eíTeito ! 

7'^ 


Canto  1.  1^ 

71. 
Tcdos  correm  âs  armas ,  ninguém  corre 

A  vencer  os  contrários  de  Tereza  , 

Que  da  omenagemna  mais  alta  torre 

Via  o  fucceíTo  da  mais  alta  emprefa  : 

Pela  campanha  ,  e  rio  ,  em  que  difcorre 

A  vifta  com  as  lagrimas  mais  prefa  , 

Acrecentava  em  duvidas  ,  e  em   magoas , 

Efperanças  ao  campo  ,  ao  rio  as  agoas. 

72. 

Mas  como  vè ,  que  o  Mouro  tiíubea , 
E  da  vidoria  timido  deíille. 
Logo  difcurfa  na  difcreta  idéa  , 
Que  razaô  já  na5  tem  para  eílar  triíle  : 
Que  feja  morto  Henrique  naó  recea , 
Vendo  hum  braço  ,  a  que  o  Mouro  na5  reíííle: 
Suprir  ninguém  podia  tanta  g'oria  ; 
O  que  afama  calou,  diíTe  aVidoria.  Nota  4*» 

73«. 
Já  paíTára  o  exercito  a  ribeira , 

E  defprezando  fetas,  e  penedos, 

Occupou  com  três  linhas  a  ladeira 

Da  colina  inferior  entre  os  rochedos : 

Almançorcom  a  gente  mais  ligeira 

Querendo  introduzir    pânicos  medos, 

Fingio  que  pela  frente  os  atacava , 

Quando  o  flanco  direito  lhes  ganhava 

74- 
Egas  Moniz  com  Brácaros  famofos  Nota  45- 

Cobria  o  lado  deefquadroens  luzidos, 

Supre  o  valor  fer  pouco  numerofos , 

E  efpera  forte  os  Mouros  atrevidos: 

Doisbatalhoens  do  Lethes   vigorofos  Nota  44; 

Naó  podem  fer  dos  tempos  efquecidos  , 

E  eternizaõ  taô  celebre  vicloria 

No  templo  perdurável  da  memoria, 

C  2.  75-, 


to  Henriqueida 

IS- 
Do  mais  afpero  íitio  ,  em  que  os  formava  , 

Ao  Cabo  os  entregou  ,  que  mais  tílima  , 
Era  D.  Fafes  Luz  ,  que  o  nome  dava 
Com  o  próprio  efplendor  ao  pátrio  Lima : 
Re/i;tencia  Almançor  achou  taõ  brava 
Neile  lado  ,  que  trifte  fe  laftima 
De  Tcr  muitas  mil  vidas  trofeos  breves 
De  efpadas  graves ,  e  de  íetas  leves. 

76. 
O  lado  eíquerdo  ataca  o  fero  Acmete  , 
Que  groíTo,  e  corpulento  era  o  mais  tardo. 
Mas  mais  ligeiro  foge,  que   acomete. 
Nota  45'.  Do  famofo  Leonês  Pedro  Bernardo  : 

Por  tronco  dos  Menefes  lhe  compete 
Ser  ja  dos  Mouros  vencedor  galhardo , 
Moftrando   no  valor ,  e  na  cautela , 
Ser  legitima  prole  de  Fruela. 

77-  .     .^ 

Com  tal  força  o  carrega  o  Cabo  invicto^ 

Que  o  cavallo  do  Mouro  ao  grave  peio 
Na  terra  o  lança  ,  e  blasfemando  afflito, 
O  pifa  ,  e  deixa  Pedro  com    deíprezo : 
Puxando  os  efquadroens  para  o  conflito  , 
Em  furor  generofo  o  roftro  aceío , 
Os  que  fogem  da  eípada  fulminante, 
Se  deímayaò  ás  iras  do  femblante. 

78. 
Vendo  Henrique  as  façanhas  de  Pelayo , 
Que  com  ejle  no  centro  pelejava, 
E  vibrando  na  eípada  hum  fatal  rayo  , 
A  's  cabeças  dos  Mouros  fulminava , 
Lhe  preguntou  ,  fe  do  mortal  defmayo 
ATereza  livrou,  como  o  mandava? 
Na5  (  lhe  diz  )  fora  medo  o  meu  deívio , 
E  mais  do  que  a  obediência  pode  o  brio. 


Canto  L  zr 

79- 
Henrique  fentio  tanto  eíla  impiedade, 

Que  Pelayotemeo  do  rolho  a  ira  : 

Naó  temas,  diz  Henrique,  foi  crueldade 

Hum  peito  defprezar,  que  naó  reípira ; 

Sj  Tereza  do  íulio  ,  cu  da  faudade 

Morreife  ,  íe  he  que  vive  quem  íoíbira , 

Ainda  que  eu  acabaffe  da  violência , 

Louvaria  taõ  nobre  inobediencia. 

8o. 

Mas  porque  naô  mandafle  algum  foldado  ? 

Porque  faz  hum  íoldado  muita  falta  , 

Lhe  diz  o  Almeida  bem  nacido  Amado  , 

E  nenhum  quiz  perder  gloria  taõ  alta  : 

O  ultimio  esforço  faz  o  Mouro  iraco, 

Que  a  fortuna ,  e  vaior  de  Henrique  exalta  , 

Pois  Silva  com  as  tropas  de  referva 

Desbaratou   a  multidão    proterva. 

8i. 

Como   no  canrpo  azul  aves  vorazes 

De  fangue  ,  e  penoas  em  diluvio  vago , 

Com  o  ódio  nativo  contumazes 

A  terra  inundaõ  no  funello  ef^rago , 

Mas  vendo  da  Águia  os  voos  efficazes , 

Fogem  do  feu  valor  régio  ,  e  prefago  : 

AflTim  vendo  de  Henrique  o  braço  forte  j 

Fogem  os  Mouros  dainfalivel  morte. 

82. 

Almançor  pelo  rio  corre  ,  e  nada  , 

Até  beber  a  morte  no  Oceano  , 

De  Henrique  o  penetrou  a  ardente  efpada  , 

Efeabrazou  nas  ondas  o  tirano: 

Jà  toda  a  turba  infiel  defordenada 

Pede  a  vida  ao  Heroe  ,  que  fempre  humano  y 

Lha  concede  piedozo  aos  feus  gemidos , 

Que  he  vaior  ter  piedade  dos  rendidos^ 


l't  Henriojueida 

Tantos  deípojos  nos  quartéis  íe  acbara5 , 
Que  os  Soldados  no  exceíTo  da  riqueza 
Aromas ,  e  delicias  defprezaraõ , 
Por  naõ  vencer  o  luxo  à  fortaleza : 
Bandeiras ,  e  Eilendartes  refervaraõ 
Os  Generaes  por  credito  da  empreza  ; 
E  os  colocou  Henrique  para  exemplo 
Do  verdadeiro  Deos  no  mayor  Templo. 

84. 

No  meímo  campo  bárbaro  aquartela 
O  viclorioío  exercito  ,  e  da  Lua 
Tardou  muito  a  riodlurna  fentinela  , 
Por  naô  ver  arraíirada  a  forma  íua  ; 
O  rio  paíía  Henrique ,  e  íe  defvela  , 
Por  livrar  íe  da  pena  ,  em  que  fiuâ:ua , 
A  bufcar  já  íem  tantos  embaraços 
O  amado  premio  nos  amantes  braços. 

Taõ  depreíTa  chegou ,  taô  de  repente 
Appareceo  Henrique  á  bella  efpoía , 
Qiie  o  julga  fombra  do  feu  bem  auzente, 
EUe  a  fegue ,  ella  foge  temerofa  ; 
Mas  vendo  ,  que  eftá  vivo ,  hum  accidente 
Dos  feus  olhos  offufca  a  luz  fermofa , 
E  qual  foy  mais  cruel  dizer  naô  poíTo , 
Se  o  exceífo  do  pezar ,  fe  o  do  alvoroço. 

86. 
Com  lagrimas  a  pena  fe  alivia  , 
No  coração  o  gofio  íe  reprime , 
Hum  mata ,  fe  naô  cabe  na  alegria , 
Outra  alenta  em  fufpiros  quanto  exprime  : 
Efl:a  do  tempo  o  íeu  remédio  fia , 
Sem  tempo  nqueile  acaba  quanto  opprime  ; 
E  aífim  foy  em  Tereza  mais  injul^o  , 
Pronto  o  golpe  do  goíio,  que  o  do  íuílo. 

87. 


Canto  I  ij 

S7.. 
De  inadvertido  Henrique  íe  condena  , 

A  Pelayo  o  perdaò  quaíl  revoga  , 

Rompe  em  íofpiros  huma  amante  pena, 

Qae  em  affedo  interior  naõ  deíàfoga  j 

Mas  o  Amor  lafíimado  logo  ordena 

Que  Tereza  do  extremo  ,  em  que  íe  afoga, 

Se  rertitua  ,  fendo  no  exceíTivo 

O  gofto  íò  do  goíto  o  corredivo- 

Contar  queria  Henrique  da  vidoria 
As  raras ,  e  admiráveis  circunftanciâs , 
Dos  Lufitanos  a  fublime  gloria , 
Dos  Mouros  as  infauftas  arrogâncias  ; 
Porque  neílas  liíònjas  da  memoria 
Soaõ  as  Hiilitares  confonancias ; 
E  quem  ama  ,  tem  fempre  prevenidos 
Aos  trofeos  de  hum  amante  os  feus  ouvidos. 

89.  . 

Mas  advertida  naõ  permite  agora 
A  relação  Tereza  ,  e  íó  confegue , 
Que  elle  defcanfe  até  que  a  bella  Aurora 
Ao  Sol ,  que  há  de  nacer  ,  o  dia  entregue  : 
E  porque  a  Corte  faiba  quanto  ignora 
Da  gruta  eftranha  ,  em  que  os  prodígios  fegue , 
A  convocou  para  a  manhaá  íutura 
Curiolà  darariílima  aventura. 

90. 

Conformcuíe  o  Heroe ,  mas  quer  que  íeja 
Primeiro  que  o  delcanío ,  o  cuitagrato  ; 
Ao  templo,  humilde  vay,  porque  dezeja  , 
QueoCeo  ,  e  o  Mundo  naõ  o  julgaíTe  ingrato: 
Vota  hum  novo  e  dificio ,  em  que  fe  veja 
Taô  pio  o  funtuoíiílimo  apparato, 
Que  nelle  caiba  tanto  facrificio  , 
E  acredite  no  voto  o  beneficio; 

$1.  . 


%^  Henriqueida 

91. 

Os  Generaes  em  tanto  aos  que  fogiaõ 
Com  eíquadroens  volantes  alcançavaõ  , 
Peios  rayos  da  Lua  descobriaõ 
Os  que  entre  os  verdes  ramos  fe  occultavaõ  : 
Pelayo  ouvio  huns  ecos,  que  feriaõ 
Os  montes,    em  que  treoiulos  foavaõ: 
De  acento  feminil  as  vozes  eraõ , 
E  com  mayor  razaô  o  enternecerão. 

92. 
Nota  àtC.  Cruel  amor,  dizia,  aílim   quizeíle 

Pagarme  ,  quando  cri  os  teus  enganos  ? 
Se  naô  he  que  o  caftigo  hoje  me  delie 
De  baverte  reíIlHdo  tantos  annos : 
Noca  47-  Aigum  dia  julgou,  que  eras  celefte^ 
A  cega  idolatria  dos  humanos: 
Mas  como  poderia  huma  deidade 
Tratar  tantos  rendidos  com  crueldade  ? 

93' 

Das  aves ,    e  dos  brutos  fuy  tirana , 

Ou  na  esfera  cerúlea  ,  ou  na  frondofa , 

E  a  alguma  fonte ,  em  que  me  via  ufana, 

Só  confentia  ouvir  ,  que  era    fermofa: 

De  nenhum  caçador  a  voz  profana 

Ou  fácil  atendi ,  ou    vangloriofa  ; 

Pois  fempre  as  caiiiguey  por  mais  groíTeiras , 

Quando  mais  me  adulavaò  lifongeiras. 

94. 
Defprezey  tantos  votos ,  tantos  cultos , 

Que  bem  podem  contar  os  meus  rigores , 

Quantos  de  amor  difculpaô  os  iníultos 

Só  porque  chamaõ  puros  os  ardores : 

Se  alTim  íoraõ  ,  viverão  íempre  occultos  , 

Eos  aíTeclosextiríílos  no?  temores 

Naõ  ufaraõ  do  íalfo  privilegio 

De  chamar  íacriíácio  ao  facriicgio. 

95- 


Canto  I.  Zf 

Conte  a  Poeíia  que  por  força  ,  ou  arte , 
Nunca  encontraíle  hum  animo  invencível , 
E  que  rendeííe  a  Júpiter,  e  Marte ,  ^^^^  4S«; 

Para  que  a  todo  o  Cco  foíTes  terrível  ; 
Que  em  quanto  quiz  vencerte ,  em  toda  a  parte 
Vi  que  ao  meu  alvedrio  era  poíTivel , 
Mas  le  em  meu  peito  introduzi rte  deixo  , 
Naõ  de  ti ,  fero  amor,  de  mim  me  queixo. 

9Ó. 

ViaMuley,  que  hum  Javali  íeguia  Nota  45>, 

Com  tal  dezembaraço  ,  e  gentileza, 
Que  conheci ,  que  ao  meu  rigor  vencia , 
E  don.inava  em  mim  mayor fereza: 
Débil  meu  coracaõ  fe  defendia 
De  outras  occultas  letas  à  dtftreza: 
Se  o  pronto  ertrago  fez  mayor  a  culpa, 
Taô  activa  violência  me  diiculpa. 

97- 

Contra  Muley  íe  volta  o  feroz  bruto  , 

E  vibrando  agudiíTimas  offenfas  , 
Muley  airofo  ,  dertro ,  e  refoluto 
Lhe  fez  inúteis  golpes,  e  defenfas  : 
E  vivo  mo  offerece  por  tributo  , 
Dizendo  que  naó  quer  mais  recompenfas  , 
Qmc  ver  aceira  a  viclima  profana  „ 

Deíie  bofque  à  belliflima  Diana.  ^°^*  ^^- 

98. 
Tinha  eu  lido  ,  que  a  Deofa  caçadora 

Em  íonhos  a  Endimion  favorecera  j  Nota  n« 

Oh  quem  de  tantos  males  precurfora 

Taõ  danofos  exemplos  nunca  lera  / 

Aíllm  fe  infama  o  Numen  ,  que  fe  adora  , 

Que  nelle  a  mefma  cuba  fe  venera  /* 

Falfo  rito  ,  que  tem  cego ,  e  inculto  , 

O  vicio  claro ,  o  documento  occulto,  ^oí^  i^? 


26  Henriqueida 

Sempre  muteis ,  e  váos  os  eícairmentos. 
Chegai  deoois  de  conhecerfe  os  danos  , 
Fazendo  icflcxaô  nos  documentos  , 
Quando  naõ  faô  remédio  os  deíenganos ; 
Em  iim  vi  em  Muley  puros  intentos, 
Nota  5'3.   Qae  de  Himineo  nos  ritos  naò  profanos 
Moiirarme  prometia  com  firmeza 
AMuz  da  nupcial  téahuma  fineza. 

ICO. 

Era  Muley  ( que  o  nome  repetido , 
Para  que  o  fira  mais ,  quer  o  meu  peito  ) 
Nota  5' 4.  Da  clara  eftirpe  de  Tarif  temido, 

O  que  paíTou  primeiro  o  Hercúleo  Eftreito, 
Qje  deu  a  Calpe  o  nome  eíclarecido , 
E  niie  o  Gótico  Império  vio  fogeito; 
Eíeo  naó  excedeo  no  valerofo, 
O  venceo  no  galhardo  ,  e  generofo. 

lOI. 

Que  era  ,  digo  ,  Muley,  quando  difcorro , 
Que  foy,  e  ja  naô  he  ,  eefta  violência 
Naõ  me  mata  ao  lembrarme  ?  E  naó  me  corro 
De  caber  tanta  pena  na  eloquência  ? 
Naó  chama  o  tempo  a  morte  em  meuíocorro, 
E  dura  a  vida  na  immortal  auíencia? 
PaíTou  ja  eíle  bem  f  Como  ameaça 
Com  que  paíTou  ,  e  o  peito  me  naó  paíTa  l 

102. 
Mas  fe  eu  vi  o  feu  peito  trefpaíTado 
Nefta  batalha  ,  e  deixo  o  peito    illefo. 
Porque  me  queixo  do  tyrano  fado  , 
Quando  o  meu  braço  me  naó  deixa  prefo  ? 
Oh  que  cobarde  ,  e  débil  tem  eílado 
Vida,  que  nem  merece  o  meu  defpreío  í 
Anticipe  hum  punhal  o  duro  corte  ; 
Serey  taó  infeliz ,  que  fuja  a  morte  ? 


toj; 


Canto  L  27 

Ja  eftava  o  nobre  Amado  taõ  vizinho 
Da  triíie  Aldara ,   que  do  íatal  erro , 
Que  preparava  o  trágico  carinho , 
Sulpendc  o  golpe  ,  e  arrebata  o  ferro  : 
Em  líquidos  rubis  cândido  arminho 
A  alma  mais  beila  em  fúnebre  deílerro  , 
Sem  prontidão  taõ  pia ,  e  taõ  íincera, 
Hum  íè  inundara ,  e  outra  fe  perdera, 

104. 
Quem  es  ,  lhe  diz  Aldara,  única  filha 
Del-Rey  de  Fez ,  como  fe  foube  logo  , 
Deos ,  ou  demónio  ,  monftruo ,  ou  maravilha  ; 
Que  nem  me  deixas  efte  defafogo  .? 
Meu  valor  invencível  naô  fe  humilha  , 
Nem  fe  apaga  o  ardor  de  tanto  fogo; 
Arroja-íe  ao  punhal ,  que  tem  Pehyo , 
Que  evita  cuidadofo  o  trifte  enfayo. 

lOC. 

Mas  na  ma5  fente  huma  ferida  leve 
Amado  ,  e  tem  no  peito  outra  mais  grave  , 
Como  naô  fente  a  que  fentir  mais  deve , 
Só  a  que  o  mata ,  julga  por  fuave  : 
As  iras  fuípendeo  da  maõ  de  neve  , 
Mas  quantas  vezes  innocente  a  ave, 
Por  livrar  da  prizaõ  a  que  eftà  viva  , 
Fica  no  próprio  laço  mais  cativa  / 

106. 

AíTlm  fuccedeao  vencedor  amante, 
Que  em  cortez  ,  e  piedofa  tyrania. 
Prende  a  bella  Africana  ,  que  triunfante 
Naõ  íoubeque  venceo,  quem  a  vencia: 
Sem  engano  lhe  aífirma  que  hum  inrtante 
Ainda  naõ  ha,  que  o  feu  Muley  vivia  ,  V^ox.'^  Cí, 

Que  as  feridas  lhe  atou  com  huma  venda, 
E  que  o  mandou  curar  na  própria  tenda, 

D  ii  107? 


28  Hennquúdà 

107. 
Na5  me  enganes,! he  diz,  Chrifl:a6,fe  es  nobre. 
Como  conheço ,  vendo-te  piedoíb, 
Todo  o  meu  mal  íincero  me  deícobre  , 
Ou  deixame  morrer  ,  fe  es  generofo  : 
E  le  lhe  aíTegurou  ,  que  naô  lhe  encobre 
Nada  do  íeu  íucceiro  ialUmofo  , 
E  com  decoro  digno  a  tal  beileza 
A  conduz  ao  Palácio  da  Princeza. 

108. 
Quando  chegou  ,  o  Sol  com  luz  mais  clara 
Illuminava  o caudaloío  Douro  , 
E  lhe  parece ,  que  deveo  a  Aldara 
O  meímo  Febo,  novos  rayos  de  ouro : 
Moílroulhe  a  Aurora  efta  beileza  rara , 
Quando  a  Lua  huma  parte  do  thefouro 
Occultava  entre  asfombras  efcondida, 
Naó  íey  fe  de  envejoía ,  ou  prevenida. 

109. 
Terefa  alegre  a  recebeo  benigna, 
Nota  ^C>,  Perdoando  a  Pelayo  o  mal  paíTado 

Por  preço  da  cativa  ,  que  achou  digna 
De  acollocar  no  mefmo  Régio  eftrado  .• 
Que  nunca  a  fermofura  foy  indigna 
Deeftimaçaõ  ,  e  no  abatido  eílado, 
Na  laftima  o  agrado  fe  acrefcenta  , 
Com  que  at€  na  deígraca  a  lorte  augmenta, 


FIM   DO   CANTO   I 


HEíí^: 


HENRiaUEIDA 

CANTOU. 

Argumento. 

QJJanto  fia  gruta  vío.,  refere  Henriqne^^ 
E  as  acçoens  dos  feus  Régios  deícendentes^ 
Donde  a  SibilU ,  forque  tudo  explique  , 
Lhe  deu  avijos  fantos  ,  e  excellentes : 
O  /eu  valor  no  campo  fe  publique  ; 
Vef}ce  a  Muley  ,  e  a  muitos  combatentes  y 
E  quanto  executara  valerojo 
A  creditou  no  pi$ ,  e  género fo, 

I. 
Exaltando  o  valor  j  e  a  fermofura  .^ 

Em  deus  tronos  os  Príncipes  fentados  >  ^^' 

Na  fala  da  mais  rara  arquitetura 
Os  Generaes  efperaõ  convocados : 
A  ouvir  da  gruta  a  incógnita  aventura 
Alegres  fe  apreíTaraõ  ,  e  adornados 
De  plumas ,  que  elevando  aos  Ceos  as  glorias , 
Efcreveraõ  fem  letras  as  vidorias. 

1. 
Mais  que  huma  acçaõ  de  Henrique ,  o  feu  ref- 
Attençaõ,  e  íiiencio  ja  lhe  impunha;  (peito 

A  voz  fahia  do  esforçado  peito 
Acentos,  e  palavras  naô  compunha; 
Do  artifício  oratório  o  alto  conceito 
Naô  afFedava  nas  razoens,  que  expunha ; 
Pois  da  fua  verdade  na  experiência 
Se  animava  a  çfficacia  da  eloquência» 


^O  Henriqueida 

3- 
lUuftres ,  e  glorioíos  companheiros  ^ 
( Diz  o  benigno  Heròe  )  a  quem  acclama 
Por  fabios ,  por  fieis ,  e  por  guerreiros , 
No  templo  da  memoria  a  voz  da  fama  : 
Se  hontem  vencendo  iioftes  os  primeiros 
Em  molhar ,  que  alto  alento  vos  inflama  , 
E  ainda  íuppondo  a  morte  ,  que  chorattes  ; 
Sem  mim  a  fúria  barbara  domalies. 

4- 
He  jufto  que  comvofco  participe  , 

Porque  aííim  mo  ordenou  alto  decreto, 

De  toda  a  gloria  ,  e  que  hoje  meanticipe 

Em  reveiar  myilerio  taôfecreto: 

Da  mudável  fortuna  íe  diílipe 

Qualquer  receyo  de  animo  inquieto  , 

Porque  piedofo  oráculo  divino 

Feliz  memoílra  oPortuguez  deftino. 

Arrebatado  de  hunia  força  eílranha 
AtraveíTey  o  Douro  arrebatado, 
Das  guardas  ívíahometanas  da  campanha 
Entre  as  lòmbras  naò  fuy  bem  obfervado  j 
Da  fatal  penha ,  da  afpera  montanha , 
Como  fabeis  ,  cahi  precipitado. 
Mas  permitio  o  Ceo  ,  com  raro  aufpicio  , 
FoíTe  defcanfo ,  o  que  era  precipicio. 

6. 

De  hum.a  intrincada  gruta  a  entrada  eílreita. 
Vencendo  alguns  diííiceis  embaraços, 
Penetrey ,  e  primeiro  vi  desfeita 
Huma   horrível  ferpente  entre  os  meus  braços ; 
Outra  que  mais  cruel  m.e  naõ  reípeita  , 
Venci ,  quando  à  garganta  em  duros  laços 
Ao  arque  eureípirava,  reprimia 
O  aperto,  cu  o  veneno ,  que  temia, 

7' 


Canto  11.  3  r 

7-   -  . 

Quando  o  fado  he  propicio,  ate  no  berço 
Hercules  deftes  monftruos  le  defende ,  ^^^^ 

Defpedacey  tanto  animal  perverío ,  ^  ^  * 

Ehum  TJgre  efcarmentado  naó  me  oíTende; 
A  corrupção  com  quantos  no  univerfo 
Infedos  viz  produz  ,  aqui  pretende 
Avilia  perturbar,  e  animo  aflito 

Com  mais  caftigos ,  que  fofreo  o  Egito.  jSfota  c^ 

8. 
Bramidos  triftes  fe  eícutavaõ  dentro 

Da  eícura  entrada  da  f uneíla  cova  , 

E  quanto  nella  mais  me  reconcentro  , 

Se  augmenta  à  admiração  matéria  nova : 

Examinar  o  perigoío  centro 

O  horror  duvida  ,  e  o  valor  approva ; 

S"go  a  brilhante  luz  ,  que  aiiime  influe, 

E  huma  porção  do  Sol  me  reílitue. 

9- 
Huma  abobeda  vejo  levantada, 

Que  furtentavaò  rui^icas  colunas , 

E  huma  infcripçaô  em  mármore  gravada, 

Que  promete  enigmáticas  fortunas  j 

De  Egypcios  geroglificos  formada  ^°^^  ^^*. 

Deixa  entenderme  imagens  opportunas 

Da  Mahometana  Ley  em  vitupério, 

E  em  gloria  ímmenfa  ao  Luíitano  Império. 

IO. 

OPorto,e  Gayaem  miíiicas  figuras 
Dando  as  maõs  fobreo  Douro  o  nome  formão  o^aór. 

De  Portugal ,  que  em  claufulas  futuras, 
Mais  que  alteraõ  as  letras,  as  reformaõ: 
Nas  paredes  eftatuas ,  e  pinturas , 
Com  mais  clareza  a  íufpeníaõ  meinformaõ, 
Humas  nos  mefmos  fimbolos  fe  cifrão ) 
Outras  aos  gerogliíicos  deícifraõ. 


'h  í  Henrimeida 


II. 


Nota  6^.  ^^  bronze  Eílatuas  vi  íeis  vezes  quatro; 

E  todas  com  íemblante  heróico ,  e  régio 
Adornavaõ  o  Ínclito  teatro 
Deíígualmente  na  igualdade  egrégio: 
Mas  ao  reconhecer  quanto  idolatro 
Me  eivava  prevenindo  o  facrilegio 
Infcripçaô ,  qae  na  pedra  admiro  impreíTa , 
E  no  Latino  idioma  bem  expreíTa. 

12. 

O^  vinte  e  quatro  Heroes  teus  defcendentes, 
O'  tu  mortal,  que  aqui  chegarte  ouíado, 
Reys  haõ  de  íer  illulires  ,  e  excellentes 
Do  Império  ,  que  por  ti  íerà  fundado  j 
Celeftes  glorias  às  remotas  gentes 
Pelo  Oceano  nunca  navegado 
Haõ  de  levar,  e  a  Religião  ,  e  a  guerra 
Vencendo  o  mar ,  e  dominando  a  terra. 

Mais  com  admirações  do  que  com  íuíios  , 
Vejo  as  Eftatuas ,  mas  o  fado  avaro 
Sô  me  deixa  de  filhos  taò  augultos 
Que  encontre  eícuro  tanto  i.ome  claro : 
Os  decretos  do  Ceo  íempre  faõ  juftos, 
Penetrar  o  futuro  be  favor  raro  ; 
E  o  tempo  ,  que  de  longe  o  roilro  encobre  , 
Das  profecias  véo  íutil  defcobre. 

NotaíÍ3.  Conquiftador  no  Rey  primeiro  ha, 

E  ainda  íendo  meu  filho ,  quaíi  envejo 
Ver,  Que  a  Cidade  ha  de  ganhar  hum  dia  , 
A  quem  tributo  de  ouro  paga  o  Tej  o. 

Nota  64;   Povoador  o  outro  Rey,  que  fe  íegaia  , 
Díze-n  as  letras ,  qae  na  Eilatua  vejo  , 
Feliz  íerà  politica  taò  rara  , 
De  que  hum  povoe,  o  que  outro  conquiftara. 


Canto  II  33 

15- 

Robuflo  outro  fe  chama ,  e  na  cttatura  Nota  66. 

Apenas  cabe  eípirito  taõ  fero : 

De  outro  o  nome  no  trage  fe  aíTegura ,  Nota  67. 

E  epiteto  fó  tinha  de  íincero  : 

Hum  irmaõ  feu  de  condiçaj  mais  dura  Nota  68. 

O  trono  ocupa  Grande ,  mas  levero : 
A  outro  de  Lavrador  a  gloria  applica  ,  Nota  69. 

Porque  o  Reyno  ennobrece  ,  e  frutifica. 

16. 
De  Bravo  aquelle  o  nome  bem  merece ,  Nota  'jo, 

E  produzio  o  Grande  Jurticeiro  :  Nota  71. 

Fermofo  o  que  fucceáe  fó  parece  ,  Nota  72." 

E  da  Boa  memoria  outro  Guerreiro  ;  Nota  75. 

O  Conftante  em  feu  Filho  reconhece  ^  Nota  74. 

De  quem  he  o  Africano  claro  herdeiro  ,  I^o^a  75. 

Em  dois  a  antonomaíia  acha  opportuna 
De  Perfeito ,  e  de  Filho  da  Fortuna.  ^°^*  76. 

^7»  .  . 

Segue-fe  o  que  fe  chama  Religiofo ;  Nota  77, 

Perdefe  hnm  grande  Rey  por  temerário ,  Nota   7S. 

O  ultimo  denomina  Virtuofo  ^°^^  79« 

O  occulto  vaticínio  extraordinário : 

Mas  comprindo  hum  decreto  rigorofo  ,^  ^^^  ^^* 

O  povo  eftranho  ao  Reyno  mais  contrario  y 
Três  Reys  lhe  deu  ,  aquém  a  Fama  c^ara 
Prudente,  Bom,  e Grande appellidara.  Nof*  8i." 

18. 

Outro  o  Reílaurador  fe  reftitue  Nota   8i. 

Com  gloria  rara  do  ufurpado  Império  \ 
O  nome  de  Feliz  bem  fe  atribue  Nota  85. 

Ao  filho ,  mas  o  altera  hum  vitupério : 
O  irmaõ  ,  que  nova  luz  ao  Reyno  influe  ,  N^"^*  ^^•• 

De  Pacifico  acclama  o  emistcrio ; 

De  Sábio  o  nome  nas  esferas  foa  Nota  %^{ 

Do  que  eíla  Augufta  ferie  aqui  coroa, 


34  Henriqueidá 

A  Academia  Real  vejo  felice , 
Que  inftitue  do  Rey  alta  a  Sciencia 
Porque  a  hiíioria  ííel  rertituiffe 
Dos  tempos  contra  a  rápida  violência  : 
Livrando  a  Itália  a  Armada  quiz  que  viíTe 
No  mar  Egeo  a  Sacra  intelligencia 
Furtado ,  Cunha,  e  Souza  ao  Luzitano 
Fazem  triunfar  do  bárbaro  Otomano. 

20. 

Incógnitas  eQatuas  coroadas , 
Que  haõ  de  igualar  a  duração  do  mundo  ^ 
Dos  Régios  íucceíTores  derivadas 
Me  efcondeo  o  mitierio  mais  profundo  : 
Nota  8  7-  Da  primeyra  fó  vejo  as  animadas 

Virtudes  doconforcio  mais  fecundo  , 
Qae  o  valor ,  e  a  belleza  lhe  deftina 
Filho  de  hum  Semideos,  e  huma  Heroina. 

21. 

De  Infantes  claros ,  de  Princefas  bellas , 
Nota  88.  Cem  pinturas  admiro  mifteriofas, 
Que  augmentaraò  figuras  às  eftrellas 
Com  virtudes ,  eacçoensfempre  gloriofas: 
Se  em  copiar  as  Rainhas  te  desvellas  > 
Dequeadorafte  Eftatuas  taô  fermofas  ," 
Alto  eípirito  meu  arrebatado , 
Ficarás  aos  feus  rayos  fulminado. 

22. 

Nota  89:         Mais  huma  parte  vejo  defcuberta 

Do  que  as  três ,  que  no  mundo  conhecemos , 
E  a  Zona  ardente ,  que  julgais  deíerta  , 
Vi  penetrar  aos  últimos  extremos : 
Mil  incertos  Heròes  com  gloria  certa 
Deícubro  ,  e  quantos  hoje  aqui  vencemos, 
Conheci  ,  já  cingido  o  verde  louro, 

Nota   jo.PaíTando  os  vàos ,  que  lá  mofírava  o  Douro. 

^5. 


Canto  IL  3  $ 

Deftes ,  e  outros  fegredos ,  que  contemplo , 
Rendida   fe  defmaya  a  minha  idèa , 
Guardando  na  memoria  para  exemplo 
O  aíTombro ,  que  a  illuítra  ,   e  que  a  enlea: 
Mas  ao  íahir  do  fubterraneo  teniplo 
A  grande  luz  de  huma  brilhante  téa 
No  ardor  inextinguível ,  que  ícintilla , 
Me  defcobre  a  fatidica  Sibilla.  Nota  1 9. 

Poílrada  eftava  a  Sabia  Profetifa 
No  altar ,  que  erige  hum  Sábio  a  hum  Deos  ignoto ,   ^^^^  ^^^ 
E  o  Soberano  efpirito  a  eterniía 

Contra  Lacheíis ,  Atropos,  eCloto:  l<[oi^  o-, 

O  venerando  geíío  íe  divifa 
Do  pueril ,  e  decrépito  remoto  ; 
E  a  roupa  azul ,  que  com  eftrellas  vefte , 
Até  na  cor  a  inculca  por  celefte, 

Cortez  fe  levantou  ;  e  hum  Santo  rifo 
Vinculando  o  agrado  ,  e  o  refpeito  , 
Me  reíiitue  do  temor  precifo  , 
De  que  reconheceo  em  mim  o  effeito : 
Qje  ôre  primeyro  a  Deos  me  faz  avifo 
No  ado  mais  puro  do  interior  do  peito ; 
E  a  que  me  aíTente  logo  ali  me  empenha 
Em  commodo  lugar,  que  forma  a  penha. 

26. 
Sobre  a  Tripode  de  ouro  ella  fentada  ^^ota  5>4. 

Três  livros,  que  a  hum  volume  unio,  revolve,     ^ota  9;. 
E  aos  Séculos  a  íerie  embaraçada 
Com  a  graça  profética  diíTolve : 

A  lira  triangular  toca  infpirada  ,  Nota  ^C, 

E  quando  as  minhas  duvidas  refolvej 
Com  voz ,  que  até  nas  pedras  tem  domínio ,' 
Cantou  efte  fonoro  vaticínio. 

£  ii  27s 


36  Henricjneida 

Felice  Capitão ,  de  que  a  piedade  ,' 
E  o  propagar  a  Fé  com  jufto  zelo , 
Fez  ouvir  a  Profética  verdade 
Taô  dezejada  do  mortal  defvelo  : 
Efta  por  mim  o  Ceo  te  perfuade , 
Attende  o  graõ  mifterio ,  que  revelo : 
Publica  aos  teus  razoens  taõ  mifteriofas  ] 
Para  animar  fe  a  empreías  mais  famofas. 

28. 

Nota  97.  Herofile  de  Troya  he  quem  te  fala  , 

A  quem  fuperrticiofa  a  falfa  hiftoria  , 

Nota  5)8,  Sendo  huma  íó  ,  dez  nomes  me  aíTinala, 
Repartindo  entre  tantas  humagloria  : 
Erythrea  me  ouvio  ,  Cumas  a  iguala  , 
Delfos  tem  no  feu  templo  efta  memoria , 
A  Períia  ,  Frigia ,  e  Libia  os  cafos  conto  y 
Tibur ,  e  Sardis ,  Samos ,  e  Heleíponto. 

29. 

Nota  99.  Também  de  Colofónia  ,  e  de  TeíTalia ,' 

Troya ,  e  Egipto  o  nome  multiplicaõ , 
E  de  outra  Cumas  me  apellida  Itália 
Em  quantas  cegas  fabulas  publicaô  : 
Os  que  melhor  beberão  da  Caíialia 
Mais  termos  allegoricos  me  applicaõ, 
Tranformando  o  meu  nome  no  leu  canto 

Nota  100,  EmLampuíia,  CaíTandra,  Dafne,   e  MantOk 

^^'      .     .     . 
Nota  loi.  E  o  que  he  maib*,  as  horríveis  Pithonifas 

Nota  102.  Os  dois  ,  os  dez  ,  e  os  quinze  Sacerdotes 3 
Em  oráculos  vãos ,  torpes  divifas  ) 
Desfigurarão  meus  divinos  dotes  ; 
Por  mais  que  a  idolatria  immortalizas , 
Por  mais  que  ,  ô  Génio  impuro  ,  injurias  brotes, 
Naõ  podes  defmentir  com  falíidades  , 

NtMio3.  Que  eu  conheci  prii^ciro  altas  verdades. 

5í. 


Canto  IL  37 

31. 

Por  três  livros  pedi  imirenfa  foma,  Nota  104. 

E  porque  ma  negou  ,  dey  ao  incêndio 
Logo  o  primeyro  ,  pois  que  avara  Roma 
Naõ  quiz  fazer  do  Erário  efte  diípendio  : 
No  mefmo  preço  os  dois  eíiimo  ,  e  toma 
Igual  partido,  crendo,  que  o  compendio 
Dos  três  volumes ,  que  eu  vendia  unidos , 
Valeriaõ  ja  menos  divididos. 


;2. 


Promptamente  o  fegundo  arrojo  ao  fogo , 
E  tendo  eíte  terceiro  ,  o  próprio  preço 
Lhe  pedi  com  eftranho  defafogo  , 
Que  admirou  a  Tarquino  pel^o  exceíTo  : 
Os  três  talentos  me  entregarão  logo , 
Sem  com  prender  no  raro  do  fuceiro 
A  mifterioía  luz  de  huma  verdade  , 
Que  em  três ,  e  em  hum  refíde  a  Divindade. 

33- 
Da  Lira  triangular  fuy  inventora  , 
E  ignora  o  vulgo  o  mifteriofo  terno  ; 
Pela  Tripode  de  Ouro  a  Febo  adora  , 
Sem  que  lhe  explique  eile  fegredo  eterno  :  Notaior. 

Em  poeíía  divina  a  voz  canora 
Do  numero  ternário  fempiterno 
Naõ  podem  entender ,  porque  íe  emprega 
A  raíaõ  em  dar  luz  à  íé ,  que  he  cega. 

54..  .  ' 

Mais  do  Ceo  me  permite  a  graça  infuía, 
Pois  nas  primeyras  letras   dos  meus  veríos 
Quiz  infpirarme  no  entuíiafmo  a  Mufa 
DehumDeos  humano  acroOicos  diverfos  5  Nora  10(3. 

Mas  vendo  ,  que  a  cegueira  caõ  conluia 
Sentidos  ao  meu  Livro  dà  perveríos ; 
Quando  os  Maríos  difputaó  o  feu  íoiio,  Ivi^ta  j^-,^ 

O  volume  roubey  do  Capitólio. 

Í5^ 


38. 


Henrimeida 


55- 
Diífiniuley  no  incêndio  do  edifício 
A  perda  que  chorarão  do  volume  ; 
Nota  ros.  Em  vraõ  de  Au^uilo  aurallo  facrifício 
Reiiaaralo  outra  vez  cego  preíume: 
Porque  de  tradiçoens  o  incerto  indicio 
Em  corrupto  exemplar  guarda,  erefume^ 
E  o  originai  veraó  os  Luíitanos  , 
Que  haó  de  exceder  as  glorias  dos  Romanos. 

36. 
Para  teu  filho  o  meímo  Deos  referva 
A  explicação  defte  feltz  milierio , 
O  meu  íilsncio  as  fuás  Leys  obferva, 
E  tu  feras  quem  funde  o  grande  Império : 
Ouve  agora  a  infcripçaò  ,  que  fe  conferva 
Eícondida  do  tempo  ao  vitupério  , 
Nota  109.  ísía5  QQ  rnonte  Sagra io  a  Berecintia  , 
Nota  1 10.  Mas  no  que  o  nome  pouco  altera  a  Cinthia. 

37. 
Notai  ri.         Naõ  ha  de  revolveríè  efte  penedo, 

Nem  as  letras  com  ordem  redlamente  , 
Sem  que  faça  ,  perdido  o  antigo  medo  , 
Do  Oca/o  tributário  o  Oriente  : 
O  Ganges ,  Indo  ,  e  Tejo  ,  alto  íegredo  / 
Que  os  frutos  troquem  já  o  Ceo  coníente  ; 
E  eiie  decreto  aqui  fe  relVitua 
Ao  Sol  eterno  ,  e  à  divina  Lua. 

38. 
Aíli-Ti  fera  ,  que  quando  defcubertos 
Caradleres  ao  diaapparecerem  , 
M  indo5 ,  e  mares  antes  encubertos 

Nora  III.  Veraõ  os  Argonautas ,  que  os  venerem  : 

Prudentes  em  governo,  em  guerra  expertos, 
Etn  quinto  os  vicios  de  Aíia  os  naõ  vencerem  , 
Haò  de  fazer  que  efqueça  ao  nome  Lifio 

Nota  113.  Alexandre,  Sefoílris,  eDioniíIo. 

39» 


Canto  77.  39 

3  9- 

Da  índia  há  de  cantar  com  melhor  pledro 

Eliíío  Homero  ,  Portuguez  Virgílio  ;  j^o^a  ,  ^^^ 

Quem  há  de  confagrarte  Épico  metro 
Para  acertar,  hà  de  pedirlhe  auxilio  : 
Aquelle  hà  de  empunhar  o  heróico  Scetro , 
E  Ode  ,  Elegia  ,  Egloga ,  ou  Idilio , 

Naõ  inípirou  melhor  pura  Caftalia  Nota  1 1 5. 

Em  Sicília  ,  e  em  Ponto ,  em  Grécia  ,  e  Itália.        Nota  1 1 6. 

40. 
Defles  teus  Capitaens  os  defcendentes 
De  Africa  íaô  terror,  medo  deHelpanha, 
E  de  Pereyra  os  ramos  florecentes  Nota  1 1 7. 

Se  enlaçarão  nos  louros  da  campanha : 
Quarenta  Luíitanos  excellentes  jvjota  1 1  s. 

Com  valor  raro ,  e  com  cautela  eílranba , 
Faraó  deixando  a  Monarquia  izenta 
Também  felice  hum  anno  de  quarenta.  Nota  119. 

41- 
A  primeira  batalha  duvidofa  Notanoí 

A  infantaria  vence  com  conftancia  , 
Outra  em  hum  Forte  triunfa  vigoroía , 
Outra  rompe  das  Linhas  a  arrogância  ; 
No  Cano  morre  a  Grifa  temerola  , 
Na  Beira  naõ  reíifte  huma  inconPfancia  , 
E  vejo  em  outra  com  auípicios  raros 
Moftrar  longes  efcuros  Montes  claros. 

Innumeraveis  ídbios  Luíitanos 
A's  artes,  que  inventarão,  daràó  luftre ,  Nota  iit. 

Oh  quantos  cofn  íeus  dotes  Soberanos 
Nos  milagres  faraó  a  Pátria  illuiire  .'  Nota  hí. 

Apurando  a  impiedade  dos  tiranos , 
Porque  a  mefma  crueldade  fe  desluftre , 
Triunfaráó  os  vencidos  nefta  guerra, 
Regando  o  íangue  puro  a  toda  a  terra. 

45. 


40  Henríqueida 

.   43- 
Mas  porque  te  intereire  a  própria  hiíloria  j 

Hoje  paíTando  o  rio  os  teus  Soldados 
Alcançarão  coaipleta  huma  vitoria , 
E  o  verte  os  deixará  mais  animados : 
Sabe  uzar  da  fortuna ,  porque  a  gloria 
Naõ  dá  deícanío  aos  ânimos  ouzados ; 
Nota  n  3.  E  terás  neíTe  exercito  hum  cativo  , 

Q^Q  há  de  fer  teu  contrario  o  mais  adivo. 

44. 
Ferido  eftá ,  mas  a  mayor  ferida 
He  do  amor  ,  que  fe  alenta  na  vingança  ; 
Só  quer  viver  ,  porque  te  cufte  a  vida 
Que  lhe  tires  a  vida  da  eíperança  : 
Se  lhe  moítras  vontade  agradecida , 
Será  teu  mayor  mal  o  bem  que  alcança ; 
Teme  que  por  livrar  hum  bem  auzente  y 
Rebelioens ,  e  inimigos  te  fomente. 

45- 
Mas  teu  confiante  peito  na5  deíífta 

De  aíTegurar  o  bem  ,  que  principiafte , 

Se  naõ  deixas  íegura  eíta  conquirta , 

Favoráveis  decretos  malograííe  ; 

E  ainda  que  o  Mouro  bárbaro  reíifta , 

Fortifica  o  Império ,  que  fundafte  ; 

Pois  naõ  he  o  deícuido  a  hum  froxo  peito 

Cauza  fó  do  caíligo ,  mas  eíFeito. 

Ji  contra  ti  a  Magica  inficiona 
Nota  1 14.  Os  ares ,  e  renova  os  feus  preftigios : 
Nota  125.  Filhos  de  Marte ,  alumnos  deBellona 

Dos  teus  contrários  feguem  os  veíligios : 
Nota  ii6.  Valerofa ,  e  belliíljma  Amazona 

Tem  fermofa  outros  mágicos  prodígios  -, 
Teme  mais  atraeçoens  fortes ,  e  amáveis,' 
Do  que  de  Africa  os  monftruos  formidáveis. 

47' 


Canto  11.  41 

Emprende ,  porque  alcança  quem  fe  anima , 
Trabalha ,  porque  o  ócio  he  jà  fraqueza  , 
Premea ,  que  a  virtude  a  gloria  eilima , 
Tolera ,  que  he  heróica  etía  firmeza ; 
Cartiga ,  porque  ao  vicio  a  pena  opprima  ; 
Previne  ,   e  a  cautela  naõ  deípreza  ; 
Coníulta,  que  o  ouvir  he  fabio  eftudo  ; 
Refolve ,  que  a  omiíTaò  faz  perder  tudo. 

48. 

O  canto  fufpendeo ,  e  eu  mais  fufpenío 
Eítatua  já  da  gruta  parecia  ; 
E  agradecer  o  feu  favor  inmenío 
Deípertarme  doaíTombro  fó  podia: 
Jà  que  por  ti  penetro  o  veo  mais  denfo, 
Com  que  o  tempo  futuro  fe  encobria , 
E  fabes ,  porque  em  tudo  o  acerto  iguales , 
Moftrar-me  Ob  bens ,  e  prevenir-me  os  males ; 

49- 
Com  que  pôde  hum  mortal  moftrar-íe  grato , 
Se  quando  íe  offerece  agradecido  , 
Se  te  naõ  íatisfaz ,    parece  ingrato  , 
Se  o  intenta ,  fe  julga  prefumido  .? 

Em  aceitar ,  reíponde ,   para  ornato  Nota  127. 

De  hum  templo  de  Maria  o  prevenido 
Preço  ,  que  do  meu  livro  guardo  occulto  , 
Para  que  o  fantiíiques  nefte  culto. 

Três  talentos  me  entrega,  e  lhe  aíTeguro  , 
Confagralos  à  Virgem  mais  divina  , 
Sayo  do  mirteriofo  centro  eícuro 
Que  já  prefiro  à  esfera  crilklina  ; 
Quando  vi  ao  Sol  claro  ,  e  ao  Ceo  puro  , 
Tanto  me  ecoa,  quanto  meiihjniina; 
Saudoío  da  Sibiiia  ,  e  do  feu  canto  , 
Mais  do  que  a  luz  ,  me  tira  a  vifta  o  pranto, 

F  51. 


4Z  Henriqueida 

Se  quando  entrey  na  gruta  pintar  vifles 
As  ervas ,  e  as  íerpentes  venenofas  , 
Se  aorriveis  feras  deícrever  meoaviftes, 
Aves  nodlarnas ,  penhas  horrorofas  ; 
Quando  fahi,  as  pcrfpedivas  trilles 
Mudando  a  fcena  ,  eíiavaó  ja  fermofas  ; 
Qje  q  iando  o  bem  fe  bufca  na  aípereía , 
Coníe^mldo  he  auc^mento  da  belleza. 

Em  hum  verde  Loureiro  fe  enlaçava 
A  Hera  ,  e  me  teciaô  a  coroa  , 
Nem  Filomena  trifte  fe  queixava  , 
E  íó  himnos  armonicos  entoa  : 
O  mar  bramia,  o  rio  murmurava  ,  .  ^ ...  ,.^ 

Hum  corre  brando,  outro  fereno  íóa^OLíp  qioD 
E  os  Tigres  taõ  vorazes,  e  manchados  ,  H 

Saò  jà  manfos  cordeiros  matizados. 

5'5- 
Plantas  íaudaveis ,  e  cheirofas  flores , 

Reveílem  a  efcabrofa  ,  e  dura  penha ,  u/p  'SI 

Criíial  para  apagar  os  meus  ardores.  ;  í.>l  ti?, 

Apreííado  a  fervirme  fe  deípenha  ; 

ao  ►  ,  «    Pomona  com  fuaviíTimos  primores 
Nota  Ii5).«,  r  •    r  i. 

A  rellaurarme  as  torças  mais  le  empenha  , 

Rubicundos  ,e  cândidos  tributos 

Colherme  deixa  em  fafonados  fruros. 

Mas  temi  defie  íitio  na  delicia  , 
Qne  em  mar  de  flores  com  ociofo  encanto 
Nota  128.  Foife  Serea  com  mortal  caricia 

A  amável  Filomena  em  doce  canto : 
Bellicos  iniirumentos  da  milicia 
Eraò  dos  montes  generofo  efpanto  > 
Para  bufcarvos  os  íeus  ecos  íigo  , 
E  me  diíputa  o  paíTo  o  inimigo. 

55- 


>  .; :: 


\,Canto  IL  43 

Cercado  eílava  já  de  cem  turbantes  , 
E  a  hum  Mouro  ,  que  matey  com  reíiitencia , 
Ainda    morto   com  brios   arrogantes 
Me  cedeo  o  cavallo    com   violência: 
Acabara    a  mil   golpes    fulminantes 
Na   multidão   da  barbara   inclemência, 
Se   naõ   me  dera  hum   Africano  forte 
Galhardo    a   vida    para    darlhe    a  .morte. 

Viz  Soldados  ,  lhe  diz  ,  fe  fois  Soldados, 
Quando  intentais   vencer   deíigualmente  , 
E  elíimàreis  ,    a  fer   mais  esforçados    , 
A  vida  de   hum  contrario    taô  valente  ; 
Eu   ferey  quem    vos  livre  dos  cuidados  '  '  '^'^'^ 

Do  feu    valor    por  meyo    mais   decerte ; 
Se  me  vencer   ,  deixay  o  livre,    e   vivo, 
Se   eu  o  render  ,   o  quero  por  cativo. 

^      .  ^7- 

Trazia    o   Mouro   na    luzida  adarga 

De  hum    javali  cravadas    as  defenfas  ,  m   ^ 

_  -  u  1  1  •  ,  Nota  1 50 

No  turbante    hum  a    branca    cmta    larga ,  .^ 

E  outras   de  alguma    Dama   recompeníàs :  ^^'' 

Comigo   hum    pouco   do  efquadraô  fe  alarga, 

E  as  atençoens  de  todo  eflaò    fufpenfas  ; 

E  com    razaõ    de  ver    a  galhardia 

Só  igual  do  Africano   à  bizarria. 

5-8- 
Se  eu  pudera  ,  lhe  diíTe    agradecido 
Evitar  o  combate  ,  eu  te  prometo  ,  ^°^^  ^^^ 

Que  te  pagara  ,  ô  Mouro   comedido  , 
A  vida  ,  que  me  deixas  indiícreto  : 
Temo  tanio  vencerte ,  que  fentido 
Do  mal ,  que  hey  de  fazerte  ,  eílou  inquieto 
De  laber  qual  injuria  o  peito  guarde, 
Se  parecer  ingrato  ,  íe  cobarde. 

Fij  19. 


44  Henriqueída 

Ainda  (refponde)  naó  conheces  tudo. 
Quanto  me  deves ,  mas  porque  me  explique  , 
A  Cruz  ceruiea  do  argentado  eícudo  , 
E  o  teu  valor  me  dizem  ,  que  és  Henrique: 
Logo  ponderarás  íem  muito  eftudo 
O  que  arrifco  em  que  hum  nome    naó  publique, 
Qcie  deixara,  ao  atarfe  em  prifoens  duras , 
A  Religião  ,  e  a  Pátria  mais  íeguras. 

6o. 

Q  le  íó  a  mim  o  feu  trofeo  me  devaõ 
Intento  ,  e  íó  por  meyos  generofos , 
E  fem  que  tantos  íem  vaior  fe  atrevaõ, 
Hum  te  ha  de  dar  cuidados   mais  gloriofos : 
l\otai3  5,  Qg  Ceíar  as  vi£torias,  que  íe  elevaô 
Nota  154.  \  eternizalo  entre   aí^ros  luminofos  , 
Notai  35.  Poy  por  vencer  a  Luíitania  ,  e  França  , 
E  em  ti  íó  a  ambas  vença  a  minha  lança. 

61. 
E  porque  faibas ,  que  naó  fou  indigno 
De  concederme  a  gloria  de  adveríario, 
Hum  neto  de  Tarif  ja  fe  faz  digno 
A  Henrique  de  Borgonha  por  contrario: 
Temo  dizertemais,  quando  benigno 
Te  fallo,  porque  fey  ,  que  temerário 
Nem  todo  o  teu  efforço  me  esperara  9 
Se  foubeíTes ,  que  amante  fou  de  Aldara, 

62. 
Henrique  fou  espoío  de  Terefa, 
Refpondo,  e  fique  igual  elle  combate. 
Se  cada  qual  invoca  huma  belleza  , 
Que  milagroía  a  vida  lhe  dilate  j 
Mas  ventajofa  defta  Cruz  a  emprefa 
Será  qucin  o?  teus  brios  defbarate : 
E  eu  depuzera  o  íacro  Privilegio, 


Se  o  valor  naò  trocaíTe  em  facrilegio. 


^h 


Canto  IL  45 

Mais  que  por  publicar  próprias  jadlanclas, 
Contarey  com  violência  do  modelto 
Det^e  ellranho  combate  as  circunftancias  , 
Que  Marte  fez  feliz  ,  o  Amor  funeito : 
Partido  o  íol  ,  medidas  as  dilbncias, 
O  roítro  occulto  ,  o  nome  manifefto , 
Rompi  a  dura  lança  com  eípanto 
Entre  as  ebúrneas  armas  de  Erimanto. 

64. 

Nem  a  tocar  a  Cruz  a  fua  chega , 
Quando  no  ar  voou  em  mil  pedaços  , 
Como  o  meu  golpe  toda  a  força  emprega, 
Da  fella  o  fiz  perder  os  duros  laços: 
Outra  vez  fe  afirmou ,    com  fúria  cega 
Fia  o  triumfo  dos  robuftos  braços ; 
Mais  de  ardor  nobre  ferem  inflamadas 
Fogo  j  do  que  nas  armas  as  elpadas. 

No  inverno  naô  combate  Aufiro  furiofo 
Tanto  do  Louro  as  folhas  agitadas , 
Nem  o  incorrupto  Cedro  ,  que  frondoío 
Supera  excelío  as  nuvens  elevadas  j 
Quanto  hum  ,  e  outro  ferro  vigorofo 
Quer  romper  as  defenfas  duplicadas  , 
Abatendo-fe  as  armas  rutilantes 
Mais  que  as  folhas  das  arvores  triunfantes^ 

66. 

Ao  darme  hum  fatal  golpe  na  cabeça , 
Que  fem  duvida  o  elmo  me  cortara  , 
A  branca  cinta  tanto  o  intereíTa  , 
Qne  em  ver  ,  que  eu  a  cortey  ,  fino  repara : 
CeíTa  ,  me  diz,  hum  pouco,  Henrique  ceíTa  , 
Que  leva  o  vento  eífe  favor  de  Aldàra  : 
Comoeunaõ  perca  taôfublime  gloria, 
Perca  fe  a  vida  ,  e  perca-fe  a  vidoria. 

^7' 


46  Henriqueida 

67. 
O  cândido  trofeo  outra  vez  ata, 
Mas  com  o  intempelHvo  movimento 
O  peito ,  que  o  defende ,  fe  defata , 

Nota  136.  -^Q  peito,  que  o  offende ,  acha  o  tormento  5 
Se  eu  vira ,  que  elle  acafo  defbarata 
Armas ,  que  vefte  o  íeu  bizarro  aiento , 
Reparar  o  deixara  o  fatal  cafo  , 
Que  naõ  quero  a  vidloria  pelo  acafo. 

68. 

Nota  137.  O  Sol  me  foccorreo  da  mefma  esfera , 

Pois  dando  em  meu  efcudo  prateado , 
Nas  armas  do  contrario  reverbera  , 
E  me  naô  deixa  vello  defarmado: 
A  luz  ,  que  me  ofluícara  ,  e  o  offendera  , 
Foy  caufa  do  fucceíTo  defgraçado,  i 

Porque  eu  naõ  vi ,  que  o  peito  ihe  faltava  ,       / 
E  elle  naô  vio  também  ,  que  eu  o  bufcava. 

Ao  galhardo  Africano  o  forte  peito 
TrefpaíTou  o  meu  ferro  mais  felice  , 
Guardando  à  fatal  venda  tal  refpeito , 
Que  naô  quiz  que  o  curaíTe  ,  fe  o  feriíTe  : 
Ainda  fentindo  taõ  mortal  effeito  , 
Naõ  perdeo  o  bizarro  ,  porque  diíTe 
Aos  íeus ,  que  me  deixaíTem  livre  o  paffo , 
Quando  já  me  í^ziaõ  embaraço. 

70. 

Ao  retirarme  às  vezes  combatendo , 
Outras  íempre  o  terreno  melhorando  , 
Me  encorporey  com  o  efquadraõ  de  Mendo , 
Que  eivava  valcrofo  pelejando  : 
Examinay  os  mortos ,  que  pretendo  , 
Na  íepultura  ao  meu  contrario  honrando  ) 
Fazer  que  o  tempo  reconheça  unido 
Aclle  bizarro  ,  a  num  agradecido, 
•y^  71. 


Canto  11.  47 

71- 
Eíeacafo  viveíTe,  ainda  que  creyo, 

Qae  com  elie  aSibilla  me  ameaça, 

Heyde  mollrar  que  os  males  naò  receyo , 

Para  que  os  beneíicios  íatisfaça  : 

Elie  me  deu  a  vida ,   eu  íó  premeyo 

O  deverlhe  a  fortuna  na  deígraça  ; 

Se  o  Ceo  me  caitigar  por  ferlhe  grato , 

Mais  me  cal^igaria  o  íer  ingrato. 

7i. 

E  já  que  Hecha  Martim  Rey  de  Lamego  Nota  138. 

Temos  por  aliado  ,  e  tributário  , 

E  Coimbra  nos  deixa  do  Mondego  Nota  135), 

Seguro  o  paíío  ao  paiz  contrario  ; 

Seja  o  dourado  Tejo  iiluftre  emprego 

Do  valor  que  caftigue  o  temerário 

Ali  Aben Jofeph  ,  aquém  coroa  Nora  140. 

Africa  em  Fez  ,  e  Europa  hoje  em  Lisboa. 

73- 
Calioufe  Henrique  ,  e  todos  fe  admirarão 

De  ouvir  os  íeus  rariíTimos  íucceíTos  , 

E  unidos  novamente  aííeguraraõ 

Concorrer  para  o  fim  dos  íeus  progreíTos : 

Nem  do  grande  projedo  duvidarão, 

Vendo  do  Ceo  favores  taô  expreíTos ; 

Sô  dilatar  o  feu  valor  temia 

Gloria  de  tantos  íeculos  hum  dia.  Nota  141. 

74- 
Amado ,  que  era  atenta  fentinela 
Das  mudanças ,  que  via  no  femblante 
De  Aldara  com  as  lagrimas  mais  bella  ,. 
Eelle  com  os  pefares  mais  amante  : 
Vendo ,  que  Henrique  tanto  íe  deívela 
Na  vida   de  Muley,  e  vacilante 
Receya  da  Sibilla  o  vaticínio, 
E  ainda  mais  dos  ciúmes  o  dominlo. 

7;. 


Henriqueida 

Nota  1 4i .         Também  fentia  o  ha v er  dito  a^ ATaara ,*  ^.L^  «^ 
Que  VIVO  ainda  Muley  reconhecera,        .  .  ^^ 

E  eípera  íó  por  ver  fe  el!a  declara 
O  caio,  que  por  elle  íô  foubera: 
Das  duvidas  o  livra  ,   efe  prepara 
AbelIa.Aldara  a  publicar  quem  era  i  i 

j3i,,      E?  em  revelar  milierio  taÓíecreto  ]^ 

Ó  amor  taõ  fino  foy ,  como  indiícreto. 

-  Imaginou  que  Henriíque  geneíofeyíí    ,  t 

,|j      :  Dizendo  que  Muiey  ellava  ybiQ^yMxâ^É^-im^  u':i 

E  que  o  tinha  eícolhido  por  efpoi^s^  '^a   iíiÉi*cí*ftCi 

Ambos  logo  liviaífe  compaílivo  ; 

Já  fe  via  no  roítro  mais  fermofo 

Eloquente  hum  rubor  taõ  expreilivo^  i'k 

.r  íiX^ijííí^Qae  até  com  voz  mais  tremula  yérí^ifl^  ^  ê^í^ 

Pudera  perfuadir  huma  injulliçaí ,  ^,,.. .    ,    . 

77.         ■  -■-•'■.  "  .  .-, 

Já  que  amor  conheceis ,  PrinèipeAugufto,^^  ' 

Ejàque  amada  íois,  alta  Princéfa]^^   ' 

Diz  Aldara  entre  as  lagrimas ,  é'o  ftiM^  \  , 

Augmentando  os  extremos  da  beíleza ,'    "  ;^ 

Concedeyme  atençàô,  que  fera  jufto^  ■ 

Que  fe  a  voz  no  refpeito  tenho  prefa ,  l 

Me  diículpeis  affedos  femelhantes,               -  "        ' 

Naõ  por  Princip^íi  fó ,  mas  por  amanteSj^.?:  ^ 

,  .  ■; .  ■   ■    .  78.- ■:    ,-,  .  ■  -.-<v^'-^í'^-.-^^4 
Nora  145.  Aldara  fou ,  meu  Pay  heeíTe  iHuítre  -^ 

Joíeph  ,  que  ameaçais  com  fúria  tanta  ^ 
E  porque  a  fua  fama  o  naò  desluílre,.  ;:       ^  ^ 

Em  ter  hum  tai  contrafio  íe  adianta í.^/^s^/j^-  ^  ^O 
He  de  Euroná  terror ,  de  Africa  i:hvi%^4#í  nèi^^^fÒ 
Vcléz  de  ouvirfeu  nome  aipda  íe  ;eípafi,Êa  %*«;?fj-«^  Vjí 
Donde  moftrou  com  brios  foberanos, 
QnQ  ainda  labem  vencer  os  Mahometanos. 

79' 


Canto  11.  49 

79. 

Da  Lufitania,  e  Becica  domina  Nota  144. 

As  terras  que  dominaó  os  dous  mares. 
Seus  baixeis  na  campanha  criílalina 
Daó  aos  Hifpanos  trágicos  pefares : 
De  Africa  a  mayor  parte  humilde  inclina 
Nobre  culto  aos  feus  incUtos  altares ; 
Tremem  as  Praças ,   quando  o  vem ,  e  inquietas 
Lhe  poupaõ  as  Baliftas  as  Trombetas.  Nota  i45« 

Almançor  meu  irmaó ,  que  hoje  no  rio 
Morreo,  me  faz  herdeira  de  hum  Império, 
Em  que  da  adufta  Libia  o  Senhorio  Nota  i4(J* 

O  avifmha  ao  antartico  emisferio: 
A  caíligar  de  Argante  o  defvario, 
Que  Tanger  lhe  ufurpou  com  vitupério, 
PaíTou  ElKey,  emeu  Irmaó  me  ordena. 
Que  o  Tejo  deixe  pelo  Lis,  e  o  Lena.-  Nota  147- 

81. 

Como  em  Leiria  exercito   formava , 
Com  que  efta  Praça  conquiftar   queria, 
Sem  reparar  que  expofta  me  deixava 
Ao  corpo ,  que  a  Coimbra  guarnecia , 
£  como  a  fua  aufencia  o  animava 
A  que  quizefíe  entreprender  Leiria  i 
Seguy  o  feu  exercito  curiofa, 
E  o  receyo  me  fez  fer  animofa. 

De  Amor  faô  m'fteriofos  os  acaíos , 
'A  alguns  deveo  Muley,  que  eu  o  atendeíTe, 
E  de  dar  à  efperança  breves  prafos 
Em  vinculo  feliz  lhe  prometeííe : 
Nefta  batalha  por  dive^fos  cafos 
Quiz  ã  envejoía  forte,  que  o  perdeíTe^ 
E  por  fer  mais  cruel  o  duro  efteito , 
No  campo  crefpaííadQ  vi  feu  peito, 

.  G  85. 


Jí3>  Henriofueiíh. 

Quiz  anlmallo,  è  hum  Tarai  acfíiiVOw  ,  -j? 
Fez  que  me  reciraíTem  íem  alento  :''''^^^:^ 

Os  que  vinhaõ  fugindo  de  Pelayo, 
Deixando-me  no  mefmo  defalento; 
Da  vida  quiz  fazer  o  uicimo  enfayo, 
Quando  pôde  fencir  meu  fentimenco-j 
Pelayo  o  ferro  ufurpa  com  piedade. 
Se  pôde  fer  piedofa  huma  crueldade. 

84. 
Naõ  fey  fe  com  verdade,  ou  com  engano, 
Que  Muley  eftà  vivo  meaíTegura, 
Se  ifto  foy  dilacar-me  hum  defengano , 
Pouco  efte  bem  a  huma  infelice  dura ; 
Mas  como  o  pofib  defcobrir  fem  danno. 
Ou  porque  tenha  illuftrt*  fepukura. 
Donde  eu  também  me  enterre,  ou  porque  vivo 
<jraco  vos  reconheça,  e  compaíTjvo. 

si3;v:.,;í  :,:„  .85.  , 

Examineyvó  Príncipes  famofos,  '^> 

Se  vive  por  quem  vivo,  ou  fe  na  forte 

Mais  infeliz  os  aftros  rigorofos 

Propicies  faõ  em  permitir-me  a  morte, 

Caliou-fe  ,  porque  alíedos  impetuofos 

A  lingoa  embargaõ  com  prifaõ  <aó  force. 

Que  fe  abraza,  e/e  afoga  a  fua  inagoa 

^m  dilúvios  defogoi  £3^.^rai&  díe  agon.    ; 

Pefàyo  diz  a  Henrique ,  qxít  fegirinád  ^ 
Os  fugitivos,  hum  ferido  vira,  'Í'- 

Que  os  últimos  acentos  proferindo  ,^  < 

De  amor,  e  Aldara  ds  nomes   rcpcrira;  -^ 

Que  admirando  a  fíncza,  que  cílà  ouvindo  V  'i:"  . 
Piedofo  o  cura-,  e  vende  que  refpira.,  ...  "7"' 
O  manda  retirar,  e  que  intentava  "t      ri   * 

Já  referir  a  Henrique  o  que  paífava,^  ^ '('^/^í^..?^: 

87, 


QuêoaffGâio  de  Aldara  o  infçrrompe,., 
Em  que  a  yiolcncia  deixa  defcifrado 
O  occulto  amor,  cm  que  o  pefar  prorompe 
Quanto  fegiedo  o  peito   tem  guaj'dado: 
Que  a  ferida  tem  cura,  e  que  oaõ  rampíÇ 
Por  donde  empenhe  tanto  o  íe^^  c\\id^dOr 
E  que  Cu-pijdo  ávida  Haedecrec^x 
Para  triunfo  da  dourada  féta, 

S.8. 

Que  dos  golpes  de  Henrique   huiri  e^cceUente  Nota  148. 
Da  efçola  de  Chiron  jdeftro,  feàario 
Balfamo  lhe  aplicara,  que  vehemente 
Fora  do  dahno  hum  eííicaz  contrario: 
Mas  vendo  que  fogira  a  fua  gente, 
Julgando  a  Aldara  prefa  do  adverfario, 
As  vendas  deíatara,  e  na  contenda 
O  vingara  huma  venda  de  outra  ven4a*  Nota  149; 

E  que  ao  chegar  Aldara  nz,5  poderá 
Com  o  alvoroço  mais  ferido  o  peito. 
Nem  pronunciar  o  que  depois  diflera 
De  Amor,  e  de  Aldara  ontro  mortal  effeico, 
Mas  que  quando  piedofo  hoje  entendera, 
Que  eftava  livre  a  vida ,  e  o  refpeito 
Da  que  amava ,  efta  nova  appctecida 
Matara  a  morte»  edera  vida  ávida. 

90. 

Henrique  o  mais  magnânimo,  e  benigno 
Príncipe  que  vio  nunca  a  vaga  fama, 
E  tendo  efta  virtude  por  mais  digno 
De  fundar  tanto  Império  o  Ceo  aclama, 
Ir  viíitar  Muley  naó  acha  indigno 
De  hum  taõ  Ínclito  Heróe,  antes  feinfaniíi 
A  gratidão,  fc  o  beneficio  efquece 
De  quem  por  infeliz  mais  a  merece, 

G  ii  91; 


f%  HenricfueUa 


91. 

Pareceo-lhe  aTerefa,  que  agradava 
A  Henrique,  fe  a  Mnley  cambem  aíTifte, 
Que  Aldara  a  figa  quer,    mas  naõ  oufava; 
Pois  o  decoro  ao  mefmo  amor  reíifte: 
Mas  vendo  que  a  Princeza  tanto  inftava, 
Corc€z  em  difculpar-fe  «aõ  períiílej 
E  fez,  ou  com  vontade,  ou  com  violenciaj^:-  fi;.( 
Decente  a  repugnância,  iia  obediência.       :  í;  3.^  l 

Que  naõ  :t^nh,^Muley  ^outros  favores 
Mais  q'ue  a  cinca,  lhe  diz,  com  tal  tormento. 
Que  lhe  moftraõ  pretagios,  e  temores, 
Que  a  corta  o  ferro ,  e  que  a  arrebata  o  vento.* 
Por  ella  tem   dos  golpes  os  rigores, 
Por  ella  perde  heróico  vencimenco , 
Eaquifera  cobrar,  porque  recea, 
Que  íirva  de  laço,  edecadea. 

9  5-        ~ 

Naõ  fe  efquece  Muley,  por  ver  a  dama. 
De  proílrar  fe  a  Tereza,  e  dar  a  Henrique, 
Moderando  o  afFedo  ,  que  o  inflama. 
Quanta  expreíTaõ   feu  rendimenco  explique." 
Naõ  me  admira,   lhe  diz,   que   cerra  afara^-^^ 
VcíTas  gío  ias ,  ò  Principcs  ,  publique, 
É  fó  me  admira  ver,  que  em  ambos  fe ua^^  - 
Tanto   o  merccimenco ,  e  a  fortuna.         ->  <^  - 

94. 
Naõ  podia.  Senhor,  efta  ferida 
Ser  morcal,  porque  fendo  de  hum  tal  braço, 
5e  por  mais  force  me  ciraíTe  ávida, 
Por  gcnerofa  lhe  apertara  o  laço: 
E  vós  alta  Princefa  eíclarecida ; 
Defculpay  no  refpeico  hum  embaraço  ^  • 

Que  hoje  o  filencio  por  azilo  coma , 
forque  naõ  pode  errar  eílc  idioma,.  ,: 


;y: 


9>. 


Canto 


n 


95 


Cf 


Logo  Henrique,  eTereza  lhe  permitem 
Que  àdama,  aquém  finiíTiTua  reípeita, 
As  finezas  nas  vozes  fe  acreditem , 
E  fique  tanca  pena  fâtisfeica: 
Mas  ella  refpondeoi  que   naó   fe  admitem 
Por  quem  ao  cativeiro  efta  fugeita 
ExpreíToens ,  que  offendendo  a  Mageftade 
Naó  deixaõ  o  alvedrio  à  liberdade. 

9<-"  . . 

Henrique  lhe  propõem,  que  Muley  íeja 
Livre-,  ^  poíTa  voltar  donde  reípire 
Na  liberdade,  bem  qiíe  fe  dezeja 
Mais  do  que  á  quantos  a  ambicaó  afpire: 
Que  convaleça ,  e  que  aíTiftido  feja 
De  forte  que  contente  fe  retire, 
E  que  lhe  dà  fua  preciofa  efpada, 
Que  fó  porque  o  ferio,  lhe  defagrada>---   "'' 

97- 
ObTequiofo  refponde,  mas  licença 
Lhe  pede  ae  faber ,  fe  acçaõ  taõ  rara 
Lhe  acreccnta  a  mais  alta  recompenfa. 
Levando  aEIRey  Jozé  a  illuftre  Aldara? 
Diz  Henrique,  eu  bem  (ty  que  fora  ofienía 
Negar,  mas  hum  rumor  jà  fe  prepara, 
Qiie  Amado  excita,  e  que  a  promefla  rompe 
De  Henrique,  eniaiszelozo  ò  interrompe. 

Pcrmitime  Sehnor,  queKoje  fc^oppònha  .7:, 

A  tanta  -generofa  bizarria                  '  ? 

Que  naõ  pode  deixar  que  íedírponha  ; 
A  favor  de  hum  infiel,  da  Monarquia: 

Aldara  he  o  penhor,  que  fo   componha  . ^:. 

DelRey  feu  Pay  a  barbara  oufadia  ,          ^^    .5  ^  ^> 
Jozé  ,    aquelle  mefmo   que  arrog^a  mre^.^  Wç^r-":- 

Sabeis,  matou  deHcfpãDha  hum  claro  Infante.  Moux^} 


/■ 


Nota  X  50, 


14  H^^nqueida 

99. 

^\m.^  di?  l^gas  Moniz,  fe  uniça  filha. ^  | 
Nota  15 2.  He  do  Rey  líhjaelica  Aldára  bella,^  .^^q 

E  no  feu  emisFerio  hoje  fó  brilha  v.^^^ir,ms:3ti!i 
Para  influiilo  efta  benigna  eftrella:  'r^ 

De  canc(xsJl.çKnos,  quQ  triunfante  í^i\En|l}T^^^  _.^g 
Mandar  lhe  a  fticceíÍQra  fem  cautela,.\r;  íijigjif^j  ^^ 
He  arrifcar  apacria,  ç  com  pefares   ,  dhsiuà'^ 

Ver  erigir  íacrilçgos  ahares..,^,^^^  .^  a  ,3.^^5.^;g^ 

100. 
Mendo  acrecenta;  o  voíTo  patrocinio 
Que  honre,  e  livre  a  Muley,  ^^õ  (qi)í^  }^j^Qi.g:j^  , 
Se  arrifca  da  Sibilla  o  vaticinio,      t  ^^iVa^s  aiaí^iiP^^ 
-  Concede  ao  beneficio  premio  juftQ^^  3#.:i-|."íocfí  óB' 
Mas  da  Princefa  de  Africa  o  (Jomínio  ,      ,í'ío5íí?3íT> 
Sò  vos  deixa  feguro  o  trono  augultq,  -.     ->        \: 
Q^uem  pôde  duvidallof  Infta  Roberto,  i? 

No  confelho  fiel,,  na  guerra  j;xper-^p.^pQ^^l  ,^s^ 

lOI. 

E  diz  Pedro  Bernardo ;  qtJ€  os  Leorrefes , 
Que  ao  feu  foldo  ali  tem  da  própria  terra  j         7 
Logo  ha  de  feparar  dos  Portuguezes,  [1 

E  fará  fó  aos  Mouros  dura  guerra,  £» 

Por  deftruir  os  bárbaros  arnefes,  i 

Se  vir  livrar  a  Aldara,  fc  defterra,,4^rjii<?ísi»ri*aw*;: 
Deixando  Portugal  aos  pátrios  lares 
Do  Tormes,  doPifllierga,  c  Man^anares. 


102. 


Henrique  a  todos  refpondeo  feverOt,{|í.,i 
Que  o  zelofo  lhe  agradece,  mas  que  airatmoO  , 
Reprime  íò  por  ver,  que  he  taõ  fmcero  r  iifiO!  nMO 
OaíFecto,  que  nos  ânimos  reípira  :  -j  y9c€;' 

E  a  Muley  diz;  bem  ves,  que  naõ  efpero ";  -ís'??  ■ 
Ver  que  hoje  alcances  quanta  o  anjQt:  i;^,> iftjííirsl ; 
Por  libertar  a  Aldara  deze^ada,  :<ãííVS3.  íoiíH»^^ 

-  Que  aqui  âca  íegura,  ti^íj^áididm^m..>7^m^  qQí'-- 
■>'      ^  '^  105. 


Canto  IK  j)" 

105. 

Impulfo  eílranlio  obedecer  me  obriga,  Nota  15 5. 

Diz  ©Africano,  e  eíTes  confelheiros 
Em  mim  vos  deixa"  faria,  que  inimiga 
Pôde  fer  que  desfolhe  os  íeils  lonreiíos: 
Hoje  me  augmencaõ  a  arrogância  antiga 
Renovando-me  os  impecos  primeiros; 
E  fendo   Aldára  o  claro  facrificio, 
Mcprevertem  na  injuria  o  beneficio.  cV 

.j:«\    j'.'.\.Y        104.  vittA   ■jvjií.Sis «  1;^  I 

Se  com  ficar  esfera V O  reftauràra       -  -*'      ji 
A  liberdade  a  fua  fermofura , 
Toda  a  minha  ambição  facrifícàra, 
Sò  por  fervilla  na  prizaõ  mais  dura;  . 
Jà  vou  livre,  ò  Henrique,   que  o  declara 
A  vofla  heróica  voz,  e  a  intenção  pura; 
E  o  fangue,  que  perdi,  em  mim  fe  augtnenca 
Nas  iras ,  em  que  agora  fe  alimenta. 

105. 

Tu,  belHífimo  affombro  dos  humanos^ 
Vidima  da  politica  cobarde^ 
Has  de  ver  que  aos  teus  olhos  foberanos 
Se  leftitue  quem   fó  ncUes  arde; 
Efperem  os  ingratos   Luíitanos, 
Que  hum  amante  impaciente  aqui  naõ  tarde, 
E  veraõ  fe  irritar  hum  poderofo 
He  melhor  que  obrigallo  generofo. 

105. 

Duas  vidas,  Pdayo,  te  devia, 
Com  húma  voz  de  hum  golpe  asufurpaftej 
Na  campanha  veremos  algum  dia^  ?oa  ^, 

Se  as  reftituifte,  t)u  fe  asToubafte:  •     v  :         : 

Com  fufpiros   Aldara  o  Geo  feria,  ^ 

E  fem  que  Henrique  a  fufpendello  bafte , 
Hum  cavalle  lhe  «deu,  que  o  vento  alcança^ 
Do  amor  eftimuJado,.  c. 4a  vingança. 


y6 

HENRIQUEIDA 

CANTO    III. 

Argumento. 

Promete  hum  feliz,  fonho  ao  Lufo  Imperit 
AfrmezAi  e  da  Infante  a  melhoria  1 
Muda  ElRey  de  Lamego  em  vitupério 
O  tributo  y  que  ao  Principe  devia ; 
jixa  convoca  as  Deofas  ào  Emisferio , 
JB  no  jardim  renova  a  idolatria  , 
Lembra  Henrique  hum  perdido  amor  fâfTadi,', 
Delsa  MO  Rebelde  prefo ,  e  cajligado. 

r. 

Com  nuvens  de  rubi ,  rayos  de  prata 
Se  rompe  a  névoa,  que  formava  o  Douro; 
Foge  a  fombra  da  luz,  que  íe  dilata, 
Ve  fe  no  Oriente  o  nitido  tefouro  : 
Corre  a  Aurora  a  cortina  de  efcarlata, 
Apparece  deFcbo  o  berço   de  ouro, 
E  fahindo   do  mar ,  quando  madruga 
Ao  feu  incêndio  próprio  o  Sol  fe  enxuga. 

t. 

De  Muley  com  faudade ,  e  fimpatia  , 
Henrique  cuidadofo  naõ  defcança ; 
Aldara  nos  affedos ,  que  fentia , 
Morre  da  pena,  evive  de  eCperança : 
Egas  Moniz,  que  a  todos  preferia 
Em  celebrar  o  bem   que  Henrique  alcança. 
Conduz  de  Guimarães  o  Infante  amado 
Dando  à  faudade  o  premio  defejado. 


4 


v4í 


^Cànto  IlL  ff 

Ceàc  Adónis  ao  ínclito  mancebo 
Dcftinado  a  imperar  aos  Portuguefes, 

E  que  o  brilhante  circulo  de  Febo  Notai 54* 

Na  >  vira  no  principio  cinco  vezes  •, 
Erte  he  o  mayor  premio  ,   que  recebo  > 
A  Henrique  diz  com  expreflbens  cortezes 
Moniz,    a  quem  fiara  vigilante 
A  regia  educação  do  claro  Infante 

'     ■        '  4.'  .   ^ 

Eíle  he  o  premio  mayor,  que  efperar  poíTo 

Da  firme  confiança  generofa , 

Que  podia  fó  dai  o  favor  voífa 

A  huma  fidelidade  iafFeítuofa.- 

Livre  o  vereis  com  gloria,  e  alvoroço,  '[ 

Na  protecção  '^a  Virgem  prodigiofa  : 

Efte  portento  a  minlia  voz  coníagre , 

Juftifique  hum  milagre  outro  milagre^ 

5- 

Até  o  primeiro  Itfftro  Affonfo  illuíltê  , ^v 

Tem  achado  mvencivtH^  etnbaraçòs.  J 

No  incurável  actiaque,  porque  fruílre 

Os  que  ha  de  dar  á  gloria  largos  pàtTos,:     ^     ,  ,,-Notaijr/? 

De  Chiron  a  fciéncíà  Tií  desluftrc'      "^*  **  ^   /*    '     ^: 

Ao  querer  defatâr  raõ  fortes  laçòs  j 

E  eu  cri ,  que  me  deixafie  o  tnú  grofíeiro 

Em  vez  de  Ay o  fiel,  pio  enfermeiror 

Tibià  ate,  tti!fê  à  Corte  ,  ihudo  o  goftb* 
Vendo  no  primogénito  excéllente , 
Em  que  toda  aelperahça  tinha  poftó  , 
Da  piizaõ  dura  a  pena  mais  vèheménte  i 
Até  da  mefma  vifla  era  defgofto       ' 
Ver  a  belléza  íquèm  ò  achaque  fen te  .• 
Porque  por  mayor  hial  òfado  déií:a V 
C^ue  augmente  a  geliúícza  a  dor  da  queisa. 


58  Henriqueiàa, 

7- 

A  vofía  diligencia  ,  e  o  meu  zelo  „^  ;^ 
Nptaijíí.  Tinhaõ  de  Apollo  os  filhos  apurado,  alcímoD 
Naõ  podia  dormir  o  meu  difvelo  i,  -r^f.  4-j  *^}q 
Sem  fazer  juíla  oífenfa  ao  meu  cuidado  ;  ^^^^H  ^  ^ 
Mas  ainda  que  rcGílo ,  ainda  que  appello ,  '/  .  4 
Ao  fuave  veneno  eítou  proftrado  j  .q 

Nota  157.  Com  que  Mòrfeo  ,   que  a  todos  adormec^i^  ^  ^H^^ 
Nos  olhos  Teu  encanto  eftabèieçe.  ofco^ 


Naõ  foy  o  feu  império  mais  fuave  , 
Naõ  foy  o  feu  dominio  mais  violento , 
Nota  158.  Quando  de  Juno  o  doce  império  grave 
De  Lemnos  o  mudou  ao  firmamento: 
E  de  Cymindis  transformado  em  ave  b*Bfiíí*Sâ 

Se  atreveo  receofo  ao  grande  intento  "^  .,.f,-^^cj 

De  introduzir   do  ópio  a  eíficacia  o'^!^^ 

Da  Providencia  na  alta  perípiçaciafc.4^^  ^:,,^l^r-^^^'°j 

9- 

Ncra  fâbulofi  intereíTada  Juno  ^ 

Lhe  prometeo  a  bella  Pafithea  mcs"^ 

Mares  de  Ceies ,  campos  de  Neptuno  |.^  ^^ 

Naõ  paíTou  enganando  a  facra  idea :  ^  ^  ,r  ^^.q 

Nem  de  Vénus  o  adorno  ,  que  opportun9^  oííioD 
Tanto  o  feu  peito  efmalta,  como  enleai/|'^^\,^.^ 
Nem  para  fomentar  a  Troya  eftragos,^^^^  "^*f 
Converteo   em  cantos  os  afagos.  :   íntsiq  aU 

10. 

Mas  Deidade  de  eíFeito  mais  piedoTo 
O  fono  me  infpirou  ,  porque  admiraíTe  >  .^^^yj 

Que  coníeguio  do  Filho,  Pay ,  e  efpofo  ,        .-^:;| 
O  bem  que  AíFonfo  do  feu  mal  livraíTe:  ,    ,.c| 

AíTmaloume  o  fitio  prodigiofo  ,  .,^   oaio3 

Em  que  a  Imagem  divina  occulta  achaíf^ji.jf|  ^uO 
E  que  o  Infante  livre  logo  feja ,  .  *?  ^^  ,?;   p^ 

Quando  fe  edificar  famofa  Igreja,  gj 


ti. 


Canto  III  59 

II. 

E  que  referva  ao  Príncipe  odeftino, 
Como  fe  vé  do  aflombro,  que  contemplo  , 
Para  triunfar  do  Mahometano  indino  , 
Para  fcr  das  virtudes  alto  exemplo  .• 
Naó  falteis  a  hum  preceito  taó  divino , 
De  Carqucre  fc  forme  o  facro  Templo  ; 
Nelle  a  Deos  entregay  com  Fé  tranqmlla 
Todos  os  três  talentos  da  Sibilla. 

12. 

No  bclliíTimo  roftro  de  Maria," 
Porque  naó  fegue  aos  olhos  a  brancura^í 
Breve  porçaõ  da  noite  atrahe  o  dia. 
Que  augmenta  com  a  graça  a  fermofura ; 
Eu  naõ  dormia  nad  ,  mas  fe  dormia  > 
Porque  efta  vifta  celeftial ,  e  pura 
Perco  por  ver  hum  Sol  menos  luzente; 
E  naõ  ,dura  efte  fonho  eternamente? 

O  Heróe  alegre  corre ,  e  à  conforte 
Com  Affonfo  nos  braços  participa 
Do  digno  fiiho  a  mais  felice  forte, 
Que  a  Fé  fem  evidencia  fe  anticipa  : 
Como  da  íombra  a  oppoíiçaó  mais  forte  3 
Que  ecíipfa  a  Lua,  a  fua  luz  diíTipa  r 
Quando  para  encerralla  cm  dura  guerra 
He  pirâmide  ,  e  pira  a  opaca  terra, 

14- 
AtFim  o  rrifte  horror  fe  defvanece  , 
Com  que  o  mal  ofFufcava  ao  bello  Infante  ; 
E  para  o  novo  templo  eftabelece 
Preciofo  material,   que  ao  mundo  efpante: 
Como   cm  Laracg©   o  lítio  fe  cfcurece, 
Que  he  nuvem  negra  ao  aftro  mais  brilhante, 
A    aqucUa  parte  a  marcha  fc  promulga, 
E  bufca  ao  Rey  ,  que  ainda  obediente  julga. 

H  ii  i^' 


'5- 
Teréza,  que  (km  guerra  fe.  peííuade 
O  milag^roíb  íicia  fe  d;eícubFa:,  '  '4 

Com  x'\fFonro.  alivia  Imma  faudade, 
Que  o  vèo  da  devoção  alegre  cubra  ; 
Porém  Aldara  incrédula  á  verdade 
De  canto  vaticin.io  he  bem  que  encubra 
No  arcificipíj({>, ,   e  fino  peito   occulco 
O  fiel  do  dezejo  ,  o  in;fiel  do  cuico. 

Henrique  diz  aparte  ao  nobre  Cunha , 
Que  com  o  defafogo  fe  meliiora 
Hum  pefar  ,  que  lhe  fia,  ç  ncr  que  expunha,  -i 

Bem  diíTimula  as  lagrimas,  que  chora,  -^ 

E  diz  que  favo  sável  íè  difpunha 
A  forte  ,  mas  que  bem  jerU  agorn  , 
Se   nao  fe  pervertejfe  no  prefagio 

Do  antiga  õccuÍPo  3  e  infeliz,  naufrágio.  y 

17-. 
Rota  IÇO  ^^y  de  França  Matilde  illuftre  adorna, 

Nota  160.  E  o  Loire,  o  Sena,  o  Rhodano,  e  o  Carona 

Nunca  viraô  belleza  em  feu  contorno., 
Notar(ji.Qpe    igualaíTe  e(Va  Deofa  deBayona: 

Cupido  quiz  por  forç^  ,   ou  por  foborno 
Vencer  o  coração  ,   que  mais  blafona, 
Pois  Henrique  cuidava  em  toda  a  parte 
Que  o  naõ  feriíie  Amor  ferindo  a  Marte. 

18. 
Livrou-fe  das  belliífimas  Francefas 
Sem  faltar  a  huma  atenta  cortefia, 
E  o  valor  com  primores,  e  finezas , 
De  hum  verdadeiro  amante  parecia  : 
No  Templo  das  mais  celebres  bellezas  ' 

Naõ  abrazava ,  porque  fo  luzia,  i 

Mas  naõ  baftaõ  de  amor  nos  fcus  rigores  i 

Luzes,  que  naõ  £e  iíiflajai£m  nos  aidoroSj.  4  pur^ 

«9. 


Canto  111.  6i 

19. 

Qiiafi  tocava  nos  confins  de  Hefpa;nha 
Atè  do  mar  feu  animo  triunfante»  ^" 

Vencedor  nos  perigos  da  campanha  > 
E  naõ  vencido  às  acracçoens  de  amante: 
Na  própria  pacria  a  pena  mais  ellranha 
Executou,  o  cego  fuiminancc  -, 
Moftrou  Matilde  a  Henriqiue,  c  fendo  inquietas, 
Entaó  deixou  na  aljava  as  duras.  íetas. 

20,. 

Soberbo  as  guarda  ,   quando  as  poupa  avaro; 
Vendo  que  o  precioíííllrao  thcfouro 
Lhe  fobeja  ,  pois  tem  o   roftro  raro 
Nos  olhos  Tetas,  nos  cabellos   ouro: 
Naõ  foy  do  amor  efte  trofeo  preclaro, 
E  eítima  ter  Cupido  efl:e  deídouro , 
Porque  a  gloria  de  Heróe  fempre  publique, 
Qiie  nem  o  amoc  pôde  vencer  a.  Hei^rique, 

2.  r. 

Que  Matilde  o  vehceffe  he  mayor  gloria,' 
Pois  naõ  cedendo  a  hum  Deos ,  cede  a  huma  Damaj 
E  render  à  belleza  huma  victoria 
Sò  no  decoro  immortaliza  a  fama  ; 
Mas  como  eíVa  tragedia  na  memoria 
Do  alto  varaõ  a  todo  o  aíFeClo  inflama, 
Como  jà  com  o  exercito  marchaíTe  , 
Cunha  a  Henrique  rogou,  que  a  tecitaíTe- 

21.. 

Obra  o  teu  rogo  em  mim,,  como  preceito , 
Diz  Henrique,  vencendo  a  refiilencia , 
Que  a  taõ  triíle  memoria  faz  meu  peito, 
Renovando  na  laíiima  a  violência  : 
Se  do  prefente  eílado   faiisfcito  , 
E  do  futuro  o  Ceo  me  dco  fciencia  j 
Bem  Cq}'  que  he  melancólico  cklirio- 
Só  no  p^ada  mal  bufear  marcinia.. 


^^  Henriqueida. 

Na  gruta  de  hum  marítimo  rochedo 
Dehuma  Dama  ouço  a  voz   triíle,  ecanoraVP^^^ 
Que  levou  a  atenção ,  femcaufar  medo,"    ^Í'»*ãoP 
Sendo  defconhecida,  mas  fonora:  '  '^ 

Nadivifaõ,  que  deixa  eíle  penedo, 
Vifta,  e  ouvido  a  hum  tempo  íe  melhora,  /^ 

E  fc  deícobre  maravilha  tanta  -^  jbk:í^ 

Vendo  quem  canta,  ouvindo  quem  encanta."^  ^^^^ 

Notaz^i.  De  azul  veftia,  comoGalatea, 

E  por  Deofa  do  Mar  o  Mar  a  invoca >  c  -       '^^ 

Ou  delle  naíce  agora  Cicerea  ,  ^^^  ^"i^ 

Ou  o  Sol  no  Oriente  as  ondas  toca*  ^^^"^^^^^  ^4P 
Na  neve  a  luz  dos  olhos  o  fogo  área,  ^ 

Pérolas,  e  coraes  refume  a  boca  j  1 

E  ao  retratalla  foge  temerofo  ■''^^. 

Hum  criílal  de  hum  criftal  por  envejofo;;  '-^**i  ^}^^^ 

^      D.ospe„harcos.fArpe.os„aceaes,.  '^ 

Para  romper  as  minhas  triftes  vozes ,  -^ 

E  quando  em  voíTo  centro  as  recebeftes,  ^ 

Vos  deixarão  mais  ruflricos  ,  e  atrozes?  ,^  i| 
Aqur  venho  cobrar  quantos  perdeíles  ^  oi^^ils  0O 
EcLos  amantes  ,  finos,  e  velozes  ;              1  ysm  0 

Porque  dos  meos  mifterios  nos  prodígios    '  p 

Naõ  quero,  nem  nos  eccos ,  os  veftigios.  * 

^3-         Naõ  digais ,  que  a  Princefa  de  Champanha     ,,. 
Entre  os  voiTos  horrores  fe  íepulta,  "^"^^ 

Notai(?4.  Que  naõ  admire  o  crono  de  Bretanha,  j^ 

Notai6;.E  que  em  Guienna  incógnita  fe  occu-kaV  -■■^' _^-^^--:>-l 
Sabeis  cailar  a  caufa  mais  eftranha,  '  1;'  •'■•:*  oi^^.^í^ 
Que  a  faz  fugir  para  efta  pvívya  incuIta^^Y  '-^^'^^f^ 
Laílima  deva  amor   taõ  infinito  '  '^^-íi^^^'  «^ 

No  peito  ;  mas  na  voz  fempre  he  delicol  *-^^^  ^^ 


•5 


27. 


Canto  111  \  6f 

Muitas  vezes  te  difle,  ò  muda  penha, ^^; 
Porque  o  meu  epitáfio   fe  componha ,  í 

Quando  o  racu  defengano  me  defpenha , 
Para  que  em  ti  meu  tumulo  diíponha. 
Que  a  taó  ditoía  morte  (6  me  empenha 
O  occulto  amor  de  Henrique  de  Borgonha, 
AlTim  cantou  Matilde,  e  o  íeu  pranto 
Me  fez  trocar  a  magoa  pelo  encanto.  Nota  166: 

28. 

Mas  por  fazer  mais  rara  eíla  aventura , 
Lhe  digo  pela  penha  mal  unida, 
Qiic  naõ  pôde  matar-fe  a  fermofura, 
Que  immortal ,    quando  mata,  dá  mais   vida: 
E   quem  pôde  dar  Juz  à  fombra  efcura , 
Vera  a  liberdade  mais  rendida 
De  hum  coraçac) ,  que  permanece  inteiro, 
Para  naõ  dividir  o  cativeiro. 

iÇf. 

Sobrefaltada  quer  fugir  Matilde  , 
E  mais  fe  admira  quando  me  conhece, 

E  a  filha  de  Rogero ,  e  de  Clotilde  Nora^Sy:  ^ 

A  minha  fufpenfaõ  já  reconhece; 
Do  affecto  ouzado  o  facrificio  humilde 
O  meu  amante  peito  lhe  oíferece,  i 

E  me  refere  timida  a  finefa. 
Que  devi  de  Champanha  à  Gran  Princcfa, 

30. 

Quando  em  Troyes ,  que  he  Corte  de  Rogero  ? 
No  publico  torneyo  appareceíles , 
E  ao  Duque  de  Bretanha  em  golpe  fero , 
Que  era  o  mantenedor ,  logo  venceftes , 
Entaõ  vos  vi  no  campo  taõ  fevero  , 
Como  ayrofo  na  dança  o  excedeftes  j 
E  fazendo  do  engenho  claro  exame , 
Os  prémios  Jhe  levaítes  no  certame, 

5»- 


64  Hènriqueida 

Da  praça  na  diftancia  fó  me  viftes , 
E  eu  a  Mafcara  fuy ,  com  quem  dançaáes; 
E  por  deixarme  eftas  memorias  triíles, 
Para  Borgonha  alegre  vos  volçaftes , 
E  canto  que  innocente  vos  partiftes 
Do  incêndio  inextinguivel ,  queaceaftcs. 
Por  ter  o  de  Bietanha  fempre  unido  , 
Me  deílinaõ  por  premio  do  vencido. 

Obfêrvey  ,  que  naó  éreis  infenfivel , 
Pôde  fer  que  o  cauzaflTe  hum  novo  objedo  ; 
Ou  que  jà  diftinguiíTeis  o  invencível 
Do  meu  occulco ,  mas  vehcmente  aíFeólo: 
Naó  foy  efte  ao  decoro  irreílftivcl , 
E  efcondeo  o  recato  o  meu  projeâio  i 
Porém  fe  conheceíleis  fè  caó  pura, 
Dilatarieis  huma  aufencia  dura. 

Entendi,    què  era  jufto  ,  que  em  meu  peito 
Vos  alcançaríeis  mais  outra  vitoria, 
Vi  cambem  quê  a  violência  do  preceito 
Naó  tirava  a  viokncia  da  memoria ; 
E  em  huma  cfcura  noicè  íem  r^ípeito 
De  expor  a  vida  >  ,  o  Reyfio  ,  a  fama  ,  a  gloria. 
De  Tancredo  fiel  acompanhada, 
Vivo  em  Baybna  òècuica,  e  retirada. 

Co^mio.  feube ,  qâé  a  Hèfj>anhâ  vos  Fèvavit. 
O  generoío  efpiritò  da  ^úetrá, 
Por  Tancredo  de  tòdò^  me  i'nfeniávav 
Nota  i(Js.  Quanios  pâ'ffâva'0  de  Pircne  â  Seitas 
Já  dous  di?.s  havia  (!|uc  tardavli, 
E  efta  gruta  mà^itimà  me  encerra. 
Donde  devi  pot  hum  eílránho  cãíb  , 
Mais  do  que  a  d'ilíg€Hcía ,  a  kum  fô  acaíc^, 
*^i  Pi' 


Canto  UL^  65 

DiíTe,  e  no  roftro  das  purpúreas  rofas 
A  cor  jà  fe  dcfmaya ,  e  jà  fe  aviva,  "^  r 

E  as  luzes  dos  Teus  olhos  mais  fermofas 
Ferem  meu  peico  com  a  força  acliva  .- 
Com  exprelibens  corteíes,  e  amorofas. 
Que  huma  jnorca  eíperança  eftà  jà  viva, 
Llie  explico  ,  e  bem  ouvido  eQe  meu  rogo  , 
De  Anccros  fe  inflamou  no  puro  togo. 

56. 

He  precifo  cambem,  que  te  repica,  Nota  1(39. 

Qiie  dç  occulco  himeneo  licicos  laços 
Do  fino  ardor,  que  o  coração  me  incita. 
Tive  o  mais  feliz  premio  nos  feus  braços  .- 
E  o  naõ  quiz  publicar,  pois  fe  íe  irrita 
Brecanha,  tem  Champanha  os  embaraços 
De  que  à  guerra  cruel  logo  fe  exponha , 
IncerelTando  a  França,  e  a  Borgonha. 

E  quando  a  reftaurar  a  Paleftina  °^^  ^''°* 

Os  Principes  Chriftãos  fevem  uuidos, 
E  bufcàraó  na  iníignia  mais  divina 
Aufpicios  facrofantos,  e  luíidos; 
Naó  quero,  nem  por  caufa  jufta,  e  digna, 
Ser  caufa  de  que  fiquem  defunidos  : 
Católico  o  meu  zelo  aíím  difcorre, 
Em  quanto  Febo  os  doze  íignos  corre. 

T^Otâ  I  71 ' 

Jà  neíte  jtermo  hum  duplicado  fruto , 
Quando  illumina  '\  Geminis  com  rayos 

O  claro  Apollo ,  davaÕ  por  tributo  Nota  17^. 

De  outro  Sol  fecundiílimos  enfayos: 
Em  ma,:,oa  troca  o  goílo,  a  gala  cm  luto 
Hum  mortal  accidente,  que  em  defmayos 
Rouba  à  bella  Matilde  em  hum  inftante, 
E  me  deixa  huma  Infanta ,  e  hum  Infante, 
t  1  35. 


66  Henricfueida 

39- 
Qual  foy  a  minha  pena,  eíTa  naõ  digo, 
Nem  o  encerro  encuberco,  mas  decente, 
Pois  tenho  em  cada  acento  hum  inimigo  , 
Nota  1 73.  Que  a  memoria  me  fere  mortalmente ' 

Sò  lembrarey ,  que  o  Hefpanhol  Rodrigo 
Dos  Mouros  era  o  rayo  mais  ardente. 
Emulo  fuy  do  feu  bizarro  alento  , 
E  encubri  no  valor  o  fentimento. 

40. 
A  Tancredo  fieitieios  dous  Infantes, 
Nota  174.  E  hum  Navio  emBayona  bem  armado 
A  Galiza  conduz  os  Navegantes 
No  furiofo  Oceano  arrebatado  : 
Os  meus  olhos  os  íeguem  fempre  amantes ; 
Mas  quando  fe  conjura  iniquo  o  fado, 
Na  íorce  inexorável  ,  c  importuna» 
Naõ  muda  hum  elemento  huma  fortuna. 

E  vendo-fe  abordar  pelo  pirata  , 
Queima  o  próprio  baxei  barbaramente  j 
Morrer  matando  he  gloria  de  quem  mata? 
E  naõ  manda  o  valor  fer  imprudente  ; 
Por  mais  que  a  minha  vifta  fe  dilata  , 
Cobre  o  fumo  os  Navios  de  repente  ; 
Com  que  aos  meus  olhos  os  efcondem  logo 
Ou  cativeiro,  ou  ferro,  ou  agoa,  ou  fogo. 

Disfarçado  ,  e  fiel  mando  Roberto 
Correr  todos  os  Reynos  Mahometanos , 
Sem  faber  do  combate  o  termo  certo  , 
Nem  de  Tancredo  os  infelices  dannos : 
Occulto  efte  íuccefTo  por  incerto, 
Haõ  de  contallo  o.  íeculos,  e  os  annos. 
Are  que  pelos  evos  fucceíTivos 
Nota  175.  5g  encontre  do  Parnafo  nos  archivos. 


45' 


Canto  II L  6y 

45- 

Callou-fe  Henrique,  e Cunha  lhe  refponde 
Admirado  do  trágico  fucccílb, 
Que  o  Ceo  com  itiayor  gloria  correfponde 
Ao  tim  do  feu  magnânimo  progreíTo ; 
E  aíFim  lhe  diz  ••  alço  mifterio  elconde 
Os  dous  Infantes,  que  com  tanto  cxceíTo, 
E  com  tanta  razaõ  chorais  perdidos, 
E  pode  íer  vejaes  reftituidos. 

44. 

Rompey  deíTas  memorias  as  cadeas, 
E  à  fundação  do  Império  Lufitano 
Applicay  as  magnânimas  idèas, 
Defcubri  o  teíouro  foberano  : 

A  Portugal  trazeis  melhor  Eneas  Nota  \j6. 

Mais  verdadeiro  culto ,  que  o  Troyano  j 
E  porque  em  vos  feu  fado  fe  reduza, 

Ganhais  Lavinia  por  perder  Creufa.  ^otd^  1 77. 

45. 

Henrique  entre  a  ternura,  e  a  inteireza, 

Diz  ao  Cunha  :  efte  cafo  que  defcubro 
Sò  a  ti  por  refpeito  de  Tereza , 
Com  triftes  cinzas  de  Matilde  cubro; 
Nem  dos  filhos  o  amor,  nem  a  fineza 
De  huma  eípofa  infeliz,  que  agora  encubro  , 
Me  afligem  ,  pois  fó  temo  que  cativos 
Os  innocences  eícapaíTem  vivos. 

46. 
Bem  fabes  a  razaõ,  porque  íe  a  morte 
Lhes  deOe  a  tumba  femelhante  ao  berço. 

Hoje  os  coioa  mais  eterna  forte , 

Que  o  Império  mais  vafto  do  univerfo  ; 

Mas  fe  a  Parca  cruel  preferva  o  corte 

Ncíle  fucceílo  trágico,  e  adverfo, 

Mudada  a  Religião  ,  e  pervertida , 

Sò  para  ter  mais  morte  ,  tem  mais  vida. 

lii  47. 


68  Henriqueida 

47. 
Eíles,  e  outfos  diícurfos  do  paíTado 
Occupavaõ  a  Henrique  ,  que  marchava» 
Como  em  paiz  amigo,  fem  cuidado 
A  Lamego ,  donde  Egas  o  levava : 
Aqui  cancã,  ali  canfa  outro  Toldado, 
Hum  General  ao  oucro  convidava, 
Muitos  contaõ  da  guerra  a  própria  gloria, 
Huns  com  modeília ,  e  outros  com  vangloria. 

48. 
Nota  1 78.  Amado  aborrecido  fe  prezume, 

E  engcnhofa  a  memoria  no  marcirio, 
Da  faudade,  do  amor,  e  do  ciúme. 
Tem  a  fede,  o  letargo,  e  o  delirio : 
Todos  os  males  no  Teu  mal  refume, 
E  quando  tem  na  fé  débil  colirio. 
Reconhece,  que  intenta  lifongeira. 
Que  cure  huma  cegueira  outra  cegueira. 

49. 
Também  de  ódio,  e  de  amor  corria  cego 

Muley  j  e  das  paixoens ,  em  que  fe  anima , 
Quer  que  feja  o  Chriftaõ  trágico  emprego. 
Que  todos  aborrece,  e  Henrique  eítima: 
Introdux-fe  na  Corte  de  Lamego, 
E  a  Rainha  fó  bufca ,  porque  exprima 
Ao  varonil  efpirito  que  encerra. 
Rebelião,  a  que  chama  jufta  guerra. 

50. 
Acha  Anzures  imagem  de  Bellona 
O  Rey ,  e  o  Reyno  forte  dominava  , 
Naõ  da  belleza,  do  valor  blazona, 
Que  aquella  dava  vida ,  efte  matava : 

Nota  170    ^""^^  fe  vio  taõ  rigida  Amazona-, 

Porque  o  paiz,  que  o  Termodonte  lava  , 
A  achara  digna  de  imperar  em  Scitia 

Nota  1 80.  jyjgis  que  Pancafilea ,  e  mais  que  Oritia. 


í»» 


Canto  IIL  69 

51- 

Armas  ligeiras  vefte,  naó  que  o  pefo 
OfFenda  o  varonil  talhe  robufto  ; 
Mas  porque  lhe  parece  com  defprefo 

O  menos  defcnfivo  mais  auguíto  :  ^ 

Inverno  congelado,  eftio  acelo, 
Frio  ameace,  ou  intimide  adufto, 
Vencido  a  competir  nenhum  fe  atreve 
O  ardor  dos  olhos ,  e  do  roílro  a  neve. 

Solto  o  cabello  dava  ao  foi  defmayos , 
E  Semiramis  nova  nunca  o  prende,  Nota.  i$i: 

Por  entender ,  que  fulminando  rayos , . 
Multiplica  outras  armas,  com  que  oífende, 
De  alfange,  lança,  e  feta  nos  enfayos. 
Ou  de  perto ,  ou  de  longe  a  todos  rende; 
E  ninguém  fabe  quem  morreo  primeiro, 
Se  o  deílro ,  fe  o  robufto ,  fe  o  ligeiro. 

53- 
Da  breve ,  e  veloz  planta  fó  fe  izenta 
A  humilde  flor  ,  naó  a  foberba  efpiga, 
Nem  hum  inflante  a  área  reprefenta. 
Pouco  veftigio  a  quem  feus  paíTos  figa; 
Dos  Hefperides  pomos  avarenta 
Corra  Atalanta,  fe  a  ambição  a  obriga, 
Que  naó  fera  vencida  por  tal  erro  L 

Quem  o  ouro  defpreza  mais  que  o  ferro. 

54. 
Impaciente  do  jugo ,  que  impufera 
Henrique  ao  Rey,  em  quanto  o  naó  facode, 
Naõ  vefte  as  armas,  porque  naõ  impera, 
Se  de  hum  eftranho  arbitrio  às  leys  acode: 
Com  profunda  politica  pondera 
Como  livrarfe  do  tributo  pode  ; 
Mas  quaíi  as  efperanças  tem  perdido 
Nd  triftc  nova  de  Almancor  vencido. 


Jo  Henriquetda 

55- 
A  feita  de  Mahometo  aborrecia 
E  aos  Gregos ,  e  Romanos  fe  inclinava , 
No  Palácio  em  occulta  idolatria 
As  guerreiras  deidades  adorava  : 
Também  às  Heroinas  erigia 
Edatuas ,  que  devota  refpeicava  j 
E  nos  feus  facrificios  mais  reparte 
Nota  i8i.  Com  Palias,  e  Bellona,  que  com  Marte. 

De  hum  jardim  diíllmula  como  adorno 
De  mármore  os  divinos  íimulacros , 
L  as  flores  do  odorifero  contorno 
Eraó  perfumes  dos  feus  ritos  facros: 
As  fontes  com  mais  liquido  foborno 
Nota  183.   S^i*viaõ  de  expiaçoens ,  e  de  lavacros , 
E  os  animaes  dos  prados  florecentes 
Eraó  victimas  puras,  e  innocentes. 

57. 
Por  Numen  tutelar  Palias  fe  eleva 
Nota  1 84-  S<^t)re  hum  lago  3  que  he  copia  do  Tritonio  , 

E  porque  nafce  armada  mais  lhe  deva 
^sJ^^, ,  or    E)o  que  deveo  ao  Reyno  de  Eridonio : 

Dornido  eícudo  em  porndo  íe  atreva 
Nota  1 8<3.  ^  exceder  o  criftal  terror  Gorgonio , 
Nota  187.   Q}íc  o  Égide  no  duro  à  pedra  cede , 

E  o  efpelho  no  brilhante  naó  a  excede, 

f8. 
A  eftatua  de  Bellona  tem  dominio 
JNota  188.  jyj^  verde  templo  mais  que  teve  em  Roma 
Na  Porta  Carmental ,  Circo  Flaminio , 
Ondeefcudos  pendentes  pifa,  e  doma: 
Em  bellica  coluna  hum  vaticinio 
Axa  naquelle  dia  alegre  toma  , 
Fecial  do  feu  Reyno  fem  refgnardo 
Nota  189.  p^j-a  a  parte  do  Douro  arroja  hum  dardo. 


59' 


Canto'  UL  yi 

59- 

Em  buftos  femideofas  valerofas, 
Nos  pedcftaes  alças  acçoens  gravadas ,  ota  190. 

Incitando  as  ideas  gcnerofas 
As  iras  encreccm  dilTimuladas. 
Tomiris  vence  a  Cyro ,  c  primorofas 

Na  efcultura  as  viclorias  debuxadas.  Nota  15)1; 

A  cabeça  fe  vè  fria,  e  exangue. 

Em  agoa  infaciavcl ,  como  em  Tangue.  -^^^^ 

60. 

Camiíla  contra  Eneas  taõ  adiva 
De  Turno  o  Reyno  armigera  defende  ,  ^^^  ^^^' 

Que  ainda,  a  pefar  de  ApoHo,  a  cerne  viva 
Aruncio ,  que  facrilego  a  offende  : 
Harpalice  valente,  e  compalTiva  ^^ 

A  todo  o  furor  Getico  fufpende; 
E  efta  filial  piedade  hoje  admirando , 
Foy  ao  fincel  o  mármore  mais  brando. 

61. 

O  Filho  de  Peleo  invulnerável  Nota  195; 

Só  podia  vencer  Pancafilea 
Inventora  do  ferro  inexorável, 
De  que  o  mefmo  Vulcano  fe  recea ; 

Clelia  na  ertatua  equeílre,  e  admirável,  Notaioí. 

Como  no  Tibre  hum  rio  aqui  vadèa  , 
As  agoas  defprezando ,  e  os  perigos , 
Fez  naufragar  em  terra  os  inimigos. 

6i. 

Semiramis  deixando  o  arteficio,  Nota  197. 

Qiie  era  inútil  a  tanta  fermofura. 
Por  triunfante  no  bellico  exercicio 
Melhor  Penfil ,  que  em  Babilouia ,  apura  : 
Só  em  oppor-fe  a  Alcides  deo  indicio  jsfota  19S. 

Hipolita  de  force  ,  infigne ,  e  dura , 
De  exemplo  ferve  a  AxageneroCà, 
Pois  cambem  de  Tefeo  quiz  fer  efpofa. 

53. 


72^  Henriqueida 

63. 

Os  quadros  enfinavaó  nos  debuvos 

Da  arquiceótuia  militar  preceitos,  ,    \' 

A  murta  ameas,  torrioens  os  buxos 

Fabricaó  fem  na  arte  ter  defeitos : 

Porque  até  na  delicia  tenha  influxos 

A  virtude  marcial  nos  fortes  peitos, 

Com  as  plantas  fe  formão  nunca  incultas 
Nota  195?.  Arietes ,  Balidas ,  Catapultas. 

64. 
As  arvores,  que  admite,  fao  loureiros, 

E  o  Mirto ,  ou  o  Carvalho  ,  que  apregoa 

Para  gloriofo  premio  dos  guerreiros 
Nota  200.  A  criunfal ,  ou  a  Civica  coroa : 

Das  aves,  que  tem  cantos  lifongeiros, 
Nota 201.  A  Cromática  muíica  naó  foa,  ; 

E  o  Gallo  viojiíante  fe  conferva 
Nota 2 02.  Por  confagrado  a  Palias,  e  a  Minerva  .  .^ 

As  fontes  com  as  agoas  inquietas 
Do  ar  com  artificio  comprimido 
Imitaõ  bem  as  vozes  das  trombetas  ^^|.| 

Nas  que  em  bronze  formou  buril  pulido  :  ^  '^ 

De  agoa  difpara  criftalinas  fetas 
Palias  contra  huma  imagem  de  Cupido, 
E  como  à  guerra  em  tudo  correfponde, 
O  amor  nas  agoas  timido  fe  efconde. 

Vem-fe  oppoftas  também  nas  partes  quatro 

As  feras ,  que  tem  mais  antipatia , 
Nota  205.  E  que  foraó  de  Roma  no  teatro 

Lifonja  da  triunfante  tirania : 
Nota  204-  Junto  ao  jardim  hum  grande  anfiteatro 

O  animo  ainda  mais  fero  divertia, 

E  condufio  da  parte  mais  diftante 
Nota205  i  Contra  o  Rhinoceronce  o  Eieíantc. 

<57y 


Canto  111.  f% 

67. 

Nefte  jardim  da  Palias   Africana 
Entrou  Muley  ,  e  ao  vello ,  fó  o  adula 
A  imagem  da  vingança ,    que  tirana 
O  amante  peito  incita  ,  e  eftimula  i 
A*  galharda  Amazona  foberana , 
Que  taó  alcos  efpiritos  vincula  , 
O  ardor   fó  mitigado   na  decência 
Afllm  falia  com  bcliica  eloquência; 

68. 

Que  pouco  hey  de  valermc  da  Oratória  , 
Bellicoía  bclleza,   a  quem  aclama 
Mais  que  Zenobia  naó  vencida  a  gloria. 
Mais  que  Bellona  verdadeira  a  fama.* 
Se  a  cada  paflTo  encontro  hyma  viótoría ," 
E  hum  retrato  do  ardor,  que  vos  inflama; 
Mais  do  que  eu  neftes  verdes  orizontes 
Guerra  dizem  eílatuas )  plantas ,  fontes. 

69.^ 

As  eftatuas  heróicas  faõ  equeftres , 
Para  levar  ao  campo  as  heroinas ; 
Saó  as  plantas  pentágonos  cerreftres, 
Sa6  as  fontes  trombetas  criftalinas : 

Voflb  efpofo  Alexandre,  evos  Taleftres  ;  Nota  205. 

Naõ  fofraõ  nas  cadeas  mais  indinas, 
Porque  a  forte  huma  vez  lhe  foy  contraria; 
A  Regia  Dignidade  tributaria. 

70. 
Ainda  que  Henrique  fe  acha  viótoriofo , 
Defcuidado  o  vereis  nefta  comajfca, 
Seu  exercito  pouco  numerofo 
Também  deu  na  batalha  o  feudo  à  Parca : 
Ver  em  Lamego  efpera  vangloriofo  ■ 

De  hum  Conde  fer  vaíTallo  hum  graõ  Monarca; 
E  o  que  he  mais ,    vòs  Magnânima  Princcza , 
Ir  poftrar-vos  no  falio  de  Tereza. 

k  71, 


74  Henriqueida 

71. 

Mais  vem  difpoílo   agora  ( que  huma  efpia 
Do  Teu  campo  me  aviza  )  que  ao  combate,      ; 
A  defcobrir  a  imagem  de  Maria  A 

Perfuadido  de  hum  cego  desbarate: 
Nota  106.  Por  donde  o  monte  Fufte  fedefvia 
Do  Rio  Alarda,  e  tem  o  feu  remate 
A  Serra,  que  do  íitio  a  origem  tome, 
Porque  de  Seca  bem  merece  o  nome. 

72. 
.  Hà  de  paíTar  o  campo  fem  receyo , 
E  íè  efte  porto  occupa  a  gente  nofla. 
Ainda  que  voltar  queira,  o  que  naõ  creyOj 
Defta  afpereza,  he  crivei,  que  naõ  poíía:         ^d 
E  fe  de  pejejar  elege^  o  meyo , 
/  Toda  a  victoria.  ha  de  ficar  porvofla,  ^ 

Porque  de  íorte  haveis    de  eftar  campada,        K| 
Que  a  tudo  corte  a  voffa  invída  efpada.  ,  7 

75- 
Muita^  vezes   marchey  nefte  terreno, 
Que  he  de  pedras,  e  matos  taõ  coítado,  7 

Que  naõ  tem  campo  plano,  ou  fitio  ameno 
Para  hum  corpo  de  tropas  bem  formado; 
Verá  por  vòs  o  Império  do  Agareno. 
Seu  abatido  nome  reftaurado>  «j  ^'Riif  òeiVi.^epr 
E  eflas,  eftácuasj,  que   admirais  taõ  raras, 
Kaõ  de  dar-vos  as  pedras  para  asaras.  ^. 

74- 


EfeElRey  duvidar  dojuramentoí 


fiUi, 


:  X 


Que  excorquio  a.violencia  Tem  vontadeí,  ^ .;.  /] 
O  medo  odeo,  c  o  rompe  em  nobre  yi tento  ^,^^ 
O  valor j  rN^)igiaõ^,.,e:liber4'ade(i(  5ít\'-jS  m^AnièX 
A  ElRey  Jozé  do  voflb  vencimento  nttJi  msti^ 
A  i)9iit:ia  darcy  com  brevidade,  •         -     " 

Evos  focprrerà  com  prefla  rara. 
Que  cftà  cativa. jTua  ^Iha  Aldara,,,.  ;,ov  . 


Canto  Ilt  jf 

75- 
Ao  pronunciar  o  nome  a  voz  retira. 

Porque  traidor  ao  peito  o  feu  fcmblance 
A  defcobrir  taõ  fino  amor  confpira  ;.j 

Desluzindo   o  zelofo  com  o  amante;  Nota  107^ 

Só  deixa  em  fúrias  defatada  a  ira, 
E  contra  os  Luíitanos  fulminante 
Tira  ao  Cco  hunia  feta  temerário, 

E  entre  as  fuás  aguarda  o  Sagitário.  Notatog, 

76. 
A  Rainha   refponde:  fe  aícendente 
Naõ  fora  teu  o  vencedor  de  Hefpanha, 
NeíTe  efpirito    heróico  o  mais  ardente 
Eu  conhecera  a  gloria  mais  eílranha: 
Mas  porque  em  ti  Muley  heróico  augmente 
Eíía  traní migração  tanta   façanha,  Notaiojf^ 

Naó  tedeo  o  valor  eíTa  alma  fua, 
Veyo  bufcar  efpiritos  na  tua. 

77. 
Quanto  propoens,  propunha  o  meu  diícurfo; 
E  a  vontade  delRey  eu  a  domino , 
Mas  tenha  na  cautela  o  feu  recurfo 
A  aftucia  mihtar,  que  hoje  imagino: 

Dos  meus  Alcaides  o  marcial  concurfo  Nota2JOjj 

Convocar  com  as  tropas  determino ,  nO 

E  lu fidos  os  quero,  enumerofos,  ' 

Para  que  a  Henrique  efperem  caucelofos* 

78. 
Retirou-fe  Muley  com  alegria 
Dever  a  fua  maquina  ajudada, 
E  foube  que  Jozé  fe  recolhia, 
Deixando  a  rebelião  bem  caftigada; 
Jà  a  nodurna  emulação  do  dia 
Dava  á  fombra  a  vicloria  coftumada, 
E  Axa  alegre  augmentando  as  luzes  bellas 
Brilhante  emulação  foy  das  eftreilas. 

K.  ii  79; 


y&  Renriqueiãa 

79- 
Só  no  jardim  ficou  ,   e  porque  aceite 
Notam.  Palias  a  libação,  que  lhe  prepara,  -'í^^^'  .^  '^ 

Nota 2 II.  De  Jo  a  copa  bebeo  de  puro  leite, 
,■    •        "■  Que  a  via  ladea  naó  fc  vé  mais  clara, 

E  porque  o  refto  em  culto  fe  aproveite, 
Regou  a  terra,  donde  erige  a  ara , 
E  invocando  três  vezes  a  Tritonia  A 

..  Purificou  no  affedo  a  ceremonia.  -o d 

8o. 
Deidade  vidoriofa,  a  quem  renovo 
(  Tremula  pronunciou)  o  culto  antigo,  ^  ^ 

Quando  outros  ritos  bárbaros  reprovo  ,  ^'^ 

E  a  Religião  mais  fabia  fina  ílgo;=^'  '^^  ^■-' 

Aquelle  fanto  oráculo,  que  approvo , 
»^:í..      ;!  Me  diga,  fe  vencendo  efte  inimiga, 

Coliocarey  no  trono  Luíitano  -  U 

O  voflb  rito  eterno  ,  e  foberancvr^^^t  M4í.d|a1êQ,í^ 

A  penas  proferio  o  ultimo  acento  v     ^ 
Nota  2XÍ,  Quando  (  oh  prodígio  ! )  o  mármore  fe  anima  ,    3 
Deo  lhe  o  genro  de  Averno   o  fentimento  ,  í 

Com  que  equivocas  clauíulas  exprima  •• 
Ou  lhe  perturba  o  Ceo  o  entendimento , 
Ou  como  fempre  as  fabulas  eftima  ,  v^fjli% 

Naõ  pode  a  conjctiktira ,  com  que  afíbrabra  , 
Ver  a  futura  liiz  mais  que  na  fombra. 

82. 

Nota  II  ^^  ^*^'  ^^  ^^^  triunfes  coroada 

No  templo  dos  CKrifláos  com  teu  efpoío  ,  "' 

De  Henrique,  e  de  Terefa  a  íey  proftrada  ' 

Te  ha  de  íervii:  com  culto    Gbfequioío : 

Por  ti  fercy  das  gemes  adorada, 

E  os  mais  Dcofes  com  culto  rdÍGriofo  . 

E  bey  de  aíliftirtc  fó  a  ti  viílvei , 

Para  que  fempre  íejas  invencivei. 

83. 


Canto  111  77 

Tanto  que  o  ar  ferio  a  voz  guerreira, 
A  paz  dos  elementos  fe  perturba, 
Foge  a  Lua  entre  os  aftros  a  primeira , 
Enfia  Marte  ,  e  Hercules   fe  turba  : 

Perfeo   monca  no  Pégafo  ,  a  carreira  Notanj. 

Lhe  imterompe  a  Balea,  corre  a  turba,  Notaii^. 

A  que  o  nome,    ò  Zodiaco,   deveftes  Nota z  17. 

Dos  agitados  animaes  celeftes. 

84. 

Morre  oCifce,  e  naó  canta  o  bruto  HefpcrioNotaiií. 
A   Alcides  outra  vez  no  Ceo  infulta , 
Sem  que  fe  mude  o  árctico  emisferio , 
Neptuno  a  Urfa  temerofa  occulca  : 
Argos  naufraga  no  celefte  Império  , 
Antinóo  na  urna  fefepulta; 
E  ao  Giganre  Orion  morde  raivofa 
A  Canicula  ardente  ,  e  venenofa. 

Os  ventos  ameaçaõ ,  ou  fufpira^ , 
De  Aves  noóturnas  gritos  naõ  canoros 
Confagradas  a  Palias  medo  infpiraó 
Até  aos  inflamados  Meteoros : 
Paraõ  exhalaçoens ,  cometas  giraõ  , 
E  fe  pudera  nos  Sagrados  Coros 
Alterar-fe  a  immuravel  confonancia , 
Lá  chegaria  a  horrível  diífonancia. 

86.         _ 

Tudo  temeo  ,   fó  Axa  naõ  temia  > 
E  hum:i  illufaõ,  ou  foíle  novo  encanto  > 
Reprefenta  na  vaga  fantafia 
Mayor  admiração  ,  mayor  efpanto  : 
Qualquer  das  heroinas  parecia  , 
Que  armas  lhe  dava  para  emprender  tanto : 
Os  cavallos  maneja  mais  roboftos , 
Corpos  inteiros  faõ  os  mçímos  buftos. 

87« 


78  Henriqueida. 

87. 

Notaiip.  Correm  eftatuas  cm  marcial  corneyo 

E  as  futuras  vidorias  aíTeguraõ, 
A  codas  jà  confulta  fem  reccyo 
As  militares  máximas,   que  apuraó: 
Tanto  os  fentidos  ncfte  vago  enleyo 
Da  enganada  Africana  prefos  duraó, 
Qiic  ecernamence  nelles  fe  empregara, 
Se  o  Sol,  por  lhe  dar  luz,  naõ  madrugara. 

^-^^ 
;<  Zaida  favorecida  da  Rainha, 

E  coftumada  ao  beilico  exercício, 
Com  mortal  accidente  à  Parca  tinha 
Feito  naquella  noite  facrificio.- 

Nota  220,  A  animar  o  cadáver  fe  encaminha 
Palias  com  taõ  occulto  malefício, 
Que  como  a  Zaida  jà  ninguém  aeftranha, 
E  a  Axa  como  Palias  acompanha. 

88. 
Veyo  ElRey  ao  jard  m,  e  cuidadofo 
Se  informa ,  porque  tanto  fe  defvela  ? 
Refponde  que  obfe  vou  no  Ceo  fermofo 

Kotatii.  O  Heliaco  occafo   de  huma  eílrella; 
Que  vio  hum  Meteoro  luminofo, 
Que  em  Lamego  moftrava  a  luz  mais  beila, 
E  transformando  o  feu  benigno  enfayo, 
Ao  Douro  fulminava,  como  rayo. 

Esforçou  as  razoens  com  eloquência 
^ííicaz  nasacçocns,  e  nos  acentos, 
Moftrou  da  liberdade  alta  excellencia, 
Referio   de  Muley  dignos  intentos : 
Da  liga  de  Jozé  a  conveniência, 
Da  Mahometana  Ley  claros  augmentos, 
Chorou  em  fim,  c  o  Rey  crédulo,  e  trifte 
A*s  razoens,  naó  às  lagrimas  refifte. 


91. 


Ca}?to  ilL  '^%. 

Zai  l;i  avi/a   aMuley,  e  com  fingido 
Obrequio  a  Henrique  os  Mouros  convocados, 
Porque  Foife  o  exercito  luzido, 
Vem  com  mil  vezes  trinta  bem  armados: 
Vay  em  paílor  Muley  defconhecido, 
Como  fe  foíTe  guia  dos  Soldados; 
Porque  Henrique   mandando  hum  menfageiro 
Naó  foípeite  o  intento  verdadeiro. 

Bem  prevenio,  que  hum  Távora  galhardo    Notaiiij 
Do  nome,  e  Real  Sangue  de  Ramiro 
As  agoas  vadeou  do  rio  Alardo, 
E  ao  campo  jà  chegara  em  largo  giro: 
Bufca  ElRey,  e  examina  com  refguardo 
Primeiro  de  huma  mata  no  retiro, 
Se  percebe  final,  em  que  defcubra, 
C^ue  algum   traidor  intento  encubra, 

95- 
A  Rainha,  que  a  Zaida  fempre  obferva. 
Em  que  Palias  aos  outros  vive  occulta, 
Como  em  Mentor  fis  transformou  Minerva»  Nota  115. 

A  que  o  Príncipe  de  ítaca  confiilta, 
Segue  o  fagaz  avizo,  que  a  preferva, 
E  ao  Távora  a  deílreza  diíiiculra: 
Fingindo  que  o  naó  vé  teve  advertida 
Com  elia  aíluta  pratica,  e  fingida. 

94. 
Diz  a  Rainha  a  Zaida  o  grande  gofto,.J 
Com  que  efpera  ao  Senhor,  a  que  obedece,"'  ^' 
Pois  nelle  o  Ceo  os  louros  jà  lem  pofto. 
Que  incomparável  feu  valor  merece; 
Zaida  rcfponde,   que  jà  eftà  difpofto 
O  exercito  fefiivo,  que  apparece. 
De  fieis,  e  valentes    tributário?. 
Com  que  Henrique   combata  os  feus  contrários. 


8o  Jlenriqueida, 

Sem  cemor  íahe  o  Távora ,   e  agora 
NaÕ  tem  medo  a  cautela  ,  e  nunca  à  fúria, 
Que  género fo  efpirito  naõ  fora, 
Se  imaginara  taó  rebelde  injuria: 
Quem  naó  cuida  no  mal  ,  e  ao  mal  ignora, 
E  fe  fuppor  o  melhor  he  nobre  incúria  , 
Ainda  que  o  fer  ííncero  he  certo  dano 
Depois  que  foy  politica  o  engano. 

Ao  Re7,q  enconcra,diz,que  o  Grande  Henriqíft 
Depois  que  vencedor  ficou  no  Douro, 
Sitio  vay   defcobrir,  queíantifique 
Hum  milagrofo  celeftial  refouro ; 
Que  o  tributo  lhe  pede,  porque  appliquç 
Ao  Rey  mayor  o  certo  feudo  de  ouio  , 
Fingindo  ElKey  refponde  que  em  pcíToa 
Leva  a  Henrique  o  erário ,  e  a  coroa. 

97- 

E  que  como  efta  honra  Ihecoíicede, 
No  rio  Alardo  os  dois  melhor  campados 
Seaviftaraó,  matando  em  tanto  a  fede, 
Que  lhe  mata  osCavallos,  e  os  Soldados; 
E  que  aceite  também  «èenigno  pede 
O  Príncipe  huns  riquiíTimos  traçados 
Cheyos  de  taõ  brilhante  pedraria, 
Que  tanta  luz  receya  o  mefmo  dia. 

98. 
Nota  114.  Deo  ao  Embaxador  da  Hermínia  ferra 

Hum  veloz  bruto,  e  huma  preciofa  joya, 
Porém  no  cngajio,    e  cautelofa  guerra, 
Bem  prevenia  o  que  fe  finge  em  Troya: 
E  porque  aftucias  o  treidor  encerra  , 
Manda  á  lufida  efcolta  ,  que  o  comboya. 
Que  em  ferra  ,  e  rio  obfervem  os  primeiros 
PóftofS,  caimnJios,  váoi,  desfil£\deir€>s, 

9?- 


Canto  IIL  8k 

99- 
O  prudente  Gazuí ,  que  manda  a  efcelta. 
Também  fabe  o  fegredo  deita  emprefa , 
E  pontual  refere,  quando  volta. 
Do  ficio  a  impenetrável  afpereza  : 
Que  quem  nella  fc  enreda  naõ  fe  folta, 
Que  deixe  entrar  Henrique ,  e  com  prefteza, 
Baftaõ,  fedo  alto  lançaõ  pedras  duras, 
As  mefmas  armas  para  íepulturas. 

lOO. 

A  Rainha ,  a  quem  Palias  femprc  Influc, 
Três  batalhoens  conduz  às  eminências, 
Aos  deftros  fetas ,  e  arcos  diftribue , 
Aos  robuftos,  dos  Teixos  às  violências. 
Com  numero  dobrado  contribue 
A  guarnecer  com  prontas  diligencias 
Portos  ,  e  vãos  aos  que  com  vários  giros 
Daõ  de  mais  longe  impulfo  aos  fortes  tiros. 

lOI. 

Ou  na  fâ'da  do  Fufte,  ou  nos  caminhos, 
Que  a  Serra  feca  ali  permite  eílreitos , 
Vinte  efquadroens  fe  formão  niuy  viíinhos 
Com  durOi  coraçoens ,  e  duros  peitos  : 
Por  donde  corre  em  liquidos  arminhos. 
O  Alarda ,  eílaó  das  agoas  taó  desfeitos 
Outros  desfiladeiros,  que  diftantes 
Nelles  fo:mar  naõ  pode  mil  infantes. 

101. 

Huma  planicie,  donde  a  Serra  alarga. 
Elege  com  as  tropas  ,  que  diíiina  , 
Para  as  levar  com  mais  vigor  à  carga 
A  idolatrada  idolatra  heroína  ; 
ElRcy  íe  forma  em  terra  menos  larga, 
Qiie  a  marcha  aos  Portuguezes  mais  domina, 
E  como  ao  refto  o  mato  a  Serra  encobre, 
Para  acrahilios  fah^o  fe  defcobre. 


82r  Henriqueida 

105. 

Também  monftruo  Africano  o  Crocodiito 

Em  mayor  rio  engana  com  afagos  ^ 
E  as  torrentes  benéficas  do  Nilo 
Malquifta  com  feus  trágicos  eftragos  j 

Notaz4  5.  Também  no  mar ,  fingindo-íe  tranquilo 
Immoveis  faz  feus  movimentos  vagos 
Aos  que  bufcaõ  incautos,  e  Tem  medo 
EíTe  vivente  hipócrita  rochedo. 

104, 
Henrique  o  Rey  dcfcobre^  ínadvercida 
Com  poucos  fe  avançou  f<5  por  honrallo, 
O  exercito  formara  prevenido 
Moniz ,  e  naõ  permite  feparallo  •' 
Por  fubir  ao  penhafco  mais  erguido 
Infatigável  dece  do  eavallo  : 
Záida  ,  que  vé ,  que  o  alço  ficio  bufct , 

Notaii-é.  Com  névoa  eípefla  toda  a  Serra  oíFuíca. 

lOf. 

Mas  o  génio ,  que  a  Henrique  gdivo  guarda, 
A.o  Herôe  faz  a  fombra  favorável» 
"~orque  o  Mouro ^  que  alegre  a  prefa  a  guarda? 
Deíencontra  ao  Varaõ  incomparável : 
Defcuberco  fe  julga ,  e  fe  acobarda , 
Sem  leaibrar-fe  do  fitio  inexpugnável  ; 
E  nem  dos  defcuidados  na  imprudência 
Pode  mais  que  o  valor  huma  violência. 

Oíinal  do  combate  intempeílivo 
Fez  tocar,  com  que  Henrique  fe  ençorpora 
Com  Moniz ,  que  he  prudente  quanto  a(^ivo> 
E  a  ordem  da  batalha  fe  melhora : 
A  faifa  Palas  contra  o  fumo  efquivo  1 
Comq  a  noufç  illumina  a  bella  Aurora 
Efpalha  a  efcyridaõ  fo  a  hum  alento, 
E  fez  fogir  do  vento  o  niefiiiQ  vento. 


Canto  II L  83 

107. 

No  rio  hum  bacalhaó  feprecipica 
Dos  Mouros  com  o  impulfo  repentino: 
A  valente  Amazona  entaõ  fe  incita 
Na  eíperanca  do  Oráculo  divino  ; 
Os  batalhoens,  que  manda,  pronta  excita, 
E  encontra  com  Moniz  o  Teu  dcflino , 
Que  com  os  efquadroens ,  que  manda  Muça , 
Atacava  huma  torte  cfcaramuça, 

108 

Com  ella  ao  inimigo  diíTimula 
A  marcha  occulta ,  que  com  arte  eftranha 
A  toda  a  infantaria,  que  regula, 
Avançava  cuberta  na  montanha: 
Záida ,  que  outros  encantos  accumula  j 
E  à  Rainha  finiâlraa  acompanha, 

Com  efquadraõ  fantaftico,  eHgeiro,  Nota  127. 

Occupa  a  entrada  dc>  desfiladeiro. 

109. 

Porém  Pe)ayO' Amado,  que defp reza 
Todas  as  iras ,  qiue  naõ  faõ  de  Aldara , 
Ataca  as  fombras,  admirando  a  illefa 

Incorpórea  fubftancia,  que  encontrara/  JNoraiig. 

Mas  na  planície  a  gente  Portugueía 
Depois  deAe  prodigio  bem  formara , 
Quando  vio  hum  Campeão,  que  o  apellida, 
Com  o  roítro  cuberto ,  a  voz  fingida. 

1 10. 

Negra  bruto  montava ,  que  animado 
Carvaó  com  fogo  occuko  parecia , 
E  nas  armas  o  aço  envernizado 
A'  fombra,  que  o  oííufcava ,  a  luz  devia: 
Tem  de  chamas  de  fogo  femeado 
O  peito ,  que  outras  chamas  encobria , 
Negro  ,  e  vermelho  ayraõ,  com  que  prezumo. 
Que  à  região  do  fogo  leva  o  fumo. 

L\i  III. 


84  Henriqueida 

1 1 1. 

A  pezar  do  efcabrozo  do  terreno 
JNota2  2  9.  Livre  dos  rayos,  a  quefcgueClicie, 

Hum  bofque  havia  occulno ,  e  fempre  ameno. 
Que  uíurpou  à  montanha  hiaua  planície: 
Na  verde  relva ,  no  calcado  feno  , 
Igual  fe  dilatava  a  fuperficie, 
Adonde  as  pedras  nas  equeftres  voltas 
Nem  fe  encontravaó  lúbricas,  nem  íblcas. 

II 1. 

Para  eíle  fitio  os  contendores  forces 
Refervaõ  o  galhardo  defafio  , 
Eccos  horríveis  de  funeftas  mortes 
Soaõ  no  monte ,  efpalhaó-fe  no  rio  .• 
Iras ,  e  fúrias  por  diverfas  fortes 
Todas  fogindo  ao  bofque  mais  fombrio. 
Acharão  tantos  ao  furor  eftreitos 
Para  caber  no  esforço  de  dous  peitos. 

113. 

Quem  es  ,  lhe  diz  Amado ,  que  deftinas 
Contra  mim  tanta  cólera  encuberta , 
E  em  dano  teu  provocas  as  ruínas 
Em  parte  taó  occulta,  e  ta5  deferta  ^ 
Nas  cores  deíTas  armas  peregrinas 
Vejo  de  algum  amante  a  pena  certa, 
forque  o  trifte,  e  o  ardente  he  hum  compendio 
De  hum  pefar  firme,  de  hum  voraz  incêndio. 

114. 

Eu  fou  Muley,  lhe  diz  ,  traidor  Pelayo  , 
Qiie  por  tirar-me  a  alma  me  das  vida , 
Porque  me  livras  de  hum  mortal  defmayo. 
Por  fazer-me  immortal  outra  ferida  ? 
Deixaíle  o  menos  nobre ,  como  o  rayo  , 
E  f 6  a  parte  folida  offendida  -, 
E  cuidas ,  qne  naõ  fey  o  novo  infulto , 
Que  me  fulmina  o  teu  amor  occulto  > 


Canto  III.  Sy 

o  Amor  que  encubro  ,  o  Porcuguez  replica, 
Nem  de  mim  niefmo  o  fio ,  e  trõ  íecreco  - 

Vive  no  pcico ,  que  acc  m.il  explica 
Ao  meOiio  pcnraíncnco  u  íino  atTero; 
Algum  génio  envejoío  he  quem  publica 
Mal ,  que  me  maca  occulto  ,  e  inquieto  : 
Hum  génio  j  diz  Mulcy,  mo  dille  agora 
Por  Zaida,  a  quem  o  Abiímo  humilde  adora. 

ii6. 

Záida,  que  diftinguindo-fe  na  guerra, 
Sc2;ue  os  veíligios  de  Axa  bellicofa, 
Que  magica  domina  o  Ceo ,  e  a  terra , 
E  governa  a  regiaõ  mais  tenebroía  .- 
Quanto  fegredo  a  Nigromancia  encerra 
Poílue,  fem  que  tema  na  horroroza 
Arte,  que  aos  elementos  faz  injurias. 
Do  Ceo  os  rayos,  nem  do  Abifmo  as  fúrias. 

117. 

Ella  as  armas  me  deu,  naõ  as  forjadas. 
Que  a  fabula  defcreve ,  por  Vulcano ,  Nota  2  50» 

Mas  para  o  combater  bem  fabricadas 
A*  prova  ainda  de  hum  braço  foberano  : 
Se  as  pudera  defpir,  jà  defpojadas, 
Igualara  o  combate,  mas  tirano 
O  feu  preceito  as  deu  com  execravel 
Juramento  mais  que  eu  invulnerável. 

118. 

Agora,  diz  Amado,  te  perdoo 
EíTe  encanto ,  fe  deixas  eíTa  banda ; 
E  fe  a  cobro,  e  com  ella  me  coroo, 
A  bufcar  outro  encanto  o  génio  manda: 
Vou  a  bufcarte,  ou  a  encontrarce  voo , 
Mas  o  cavallo  tanto  fe  defmanda , 
Que  a  penas  a  Muley  ligeiro  encontra , 
Hum  movimento  faz,  que  o  defcnconcra. 


>86  Henrto^uéiia 

119. 

Foy  caufa  a  venda  defte  movimenco, 
Nota  251.  Pois  querendo-a  roubar  Zéfiro  amante , 

A  arrebatara  à  fua  esfera  o  vento  , 
Nora 2 32.  Se  a  naõ  prendeíTc  a  arvore  triunfante: 

Cahio  Pelayo  ;  mas  Muley  atento 

Se  apea  a  focorrelo  vigilante  } 

E  vendo-o  fem  acordo ,  contribue 

Para  a  vida,  que  aífim  lhe  reftitue. 

110. 

Porem  como  na  queda  ambos  os  braços 
Maltratou  com  o  grande  precipício , 
Cobra  a  venda,  e  vencendo  os  embaraços. 
Ao  inimigo  augmenta  o  beneficio  : 
O  freyo  lhe  concerta,  que  em  pedaços 
Deixava  ao  bruto  indómito  exercício; 
E  porque  o  feu  valor  fe  naõ  dilate, 
Volta  a  animar  dos  Mouros  o  combate. 

121. 

Moniz  a  infantaria  pela  Serra 
Conduzia  bufcando  o  mais  fragofo , 
Henrique  fobre  o  rio  era  dura  guerra 
Desbarata  poder  mais  numerofo  .• 
Com  tal  valor  ao  Rey  rebelde  encerra 
No  pofto  inacceírivel,  que  furioío 
O  Mouro,  quedo  impulfo  fe  acobarda  j 
Se  precipita  na  ribeira  Alarda. 

122. 

Henrique  o  íègue ,  e  Z'^ida  huma  torrente 
Arroja  com  violência  da  montanha, 
Com  que  creceo  o  rio  de  repente 
De  agoa,  e  do  gelo  rápida  campanha: 
Qual  a  Balea  em  corpo  taõ  ingenre 
Sente  a  ferida,  com  que  a  farpa  eftranha 
Veloz  a  offende,:e  treme  o  orizonte 
Vendo  que  fobre  as  ondas  foge  hum  monte. 


Canto  IIL  87 

115. 

AíTim  o  Mouro ,  o  roílro  enfanguencado 
Pela  efpada  de  Henrique ,  às  agoas  corre , 
O  vencedor  também  peleja  a  nado, 
E  pelo  campo  liquido  dilcorre : 
Arrojarfe  naó  ouza  algum  Soldado  , 
Com  que  ninguém  aos  Príncipes  focorre; 
Porém  a  rebelião  ficou  vencida  , 
Perdida  a  liberdade,  falva  a  vida. 

114. 
O  Herôe  a  terra  com  o  Rey  cativo 
Entre  nuvens  de  íetas  dos  contrários 
Illefo  fahe ;  o  grande  Cunha  adivo 
Aproveita  o  temor  dos  adverfarios, 
E  o  graó  Pedro  Bernardo  executivo 
Se  opõem  aos  baralhoens,  que  temerários 
Ao  favor  da  torrente,  que  os  defende, 
Refazer-fe  outra  vez  qualquer  pretende. 

115. 
As  ondas  com  o  Távora  atraveíía,  Notai}?, 

Que  outro  Delfim  na  feu  brazaó  merece f 
Hum ,  e  outro  com  fúria  fc  arremeíTa, 
E  o  efquadraó,  que  os  fegue ,  em  força  creçe  t 
Porque  de  todo  o  bárbaro  pereça, 
Gazul  contra  Bernardo  fe  ofFereceí 
Mas  efte  com  juftiça  refoluta, 
A  pena  dos  rebeldes  lhe  executa. 

126. 
A  cabeça  do  tronco  jà  troncada 
Na  partida  blasfémia ,  que  profere  , 

Vay  de  Acheronte  à  margem  inflamada  ?e/^.. , , . 

Acabar  as  mjurias ,  que  rerere : 
Em  fim  a  turba  infiel  desbaratada 
Nem  na  fogida  o  feu  remédio  efpere  , 
Achando  no  terreno  os  embaraços, 
Que  a  fizera õ  prender  entre  os  feus  laços. 

Í27. 


88  Henricjueida 

IZJ. 

Axa ,  e  a  fua  Palas  enganofa 
Com  o  reílo  coroa  o  mais  fublime 
Da  ferra  feca ,  que  afpera ,  e  fragofa , 
Acè  as  penhas  com  o  feu  pefo  opprime : 
Ali  do  íeu  jardim  a  numerofa 
Cohorce  de  heroinas  fe  lhe  imprime 
Na  falfa  fé,  que  vem  a  focorrela  , 
E  a  Palias  tutelar  tudo  revela., 

iz8. 

He  certo ,  alta  Deidade ,  a  quem  venero, 
Que  Semiramis  vem  a  focorrer-me  ? 
E  que  Tomiris  com  feu  braço  fero 
A  Henrique,  como  a  Gyrp  ,  ha  de  trazer-me? 
Bellona  a  do  femblahtç  maif  fevero 
Com  outras  deofas  vem  aqui  vâler-me  ? 
He  illufaõ ,  que  finge  a  mihha  gloria. 
Ou  he  deftes  infiéis  certa  a  vitoria  ? 

1Z-9. 

Záida  (  que  o  mào  efpirito  fomenta 
Sempre  os  noílbs  enganos )  lhe  aíTegura, 
Que  o  triunfo  gtoriofo  o  Ceo  lhe  augrhènta, 
Quando  a  efperança  contra  a  fé  murmlira : 
E  que  hum  pequeno  corpo  feaprefenta      ' 
A  combatella  dentro  na  efpeíTura , 
E  que  os  mais  Portuguezcs  deftruidos 
Ficaràõ  a  mcy  poucos  reduzidos. 

130. 

Foy  o  cafo  ,  que  o  deftro ,  e  refoluto 
Egas  Moniz  vencendo  o  mais  rerrivel. 
Com  encuberca  marcha  era  abfoluco 
Senhor  jà  da  eminência  inacceiTivel  : 
Nota  13  5.  Dom  Fafes  Luz  Signifero  ,  que  alluto 
Unia  com  o  fabio  o  invencível, 
Do  batalhão,  que  Amado  condulira, 
O  primeiro  lugar  fubfticuira. 


131. 


I 


'Canto  III  ^9 

151. 

Axâ  a  eíle  com  fúria  defafia, 
'Qualquer  pelo  terreno  impraticável 
Aos  cavallos  da  própria  força  fia 
O  ultimo  esforço  do  valor  notável. 

Quanto  a  deftreza  deu  na  Geometria  JNota2  3  6= 

Douto  preceito  á  cólera  implacável , 
Se  executou  -,  comque  eíla  acçaõ  tremenda 
Maisliçaõ  parecia  que  contenda. 

Mais  o  Sol  duplicado  ,  que  partido , 

Tinha  nos  olhos  a  belleza  fera ; 

Teme  mais  o  contrario  comedido 

Que  o  fogo  ,  que  arde  ,  a  luz  ,  que  reverbera : 

Só  os  golpes  repara  prevenido, 

Mas  o  publico  dano  confidera  , 

Se  deixa  aqui  vencer  com  vitupetio 

A  inimiga  mayor  doLuío  Império. 

1-33. 
Como  o  filho  de  Tetis ,  e  o  de  Alcmena  Nota  257. 

Se  empenhaó  em  triunfar  de  huma  Amafona, 

Esforça  as  iras ,  mas  o  Fado  ordena, 

Que  fcja  mais  feliz  efta  Bellona : 

Ou  he  que  Amor  o  feu  valor  condena, 

Porque  com  indccencia  o  inficiona, 

De  naó  dar  à  belleza  o  vencimento , 

Donde  (6  he  vitoria  o  rendimento. 

Naõ  vio  mais  dura  luta  em  Grécia  o  Ifthmo; 
Mas  nos  braços  mais  belios  ,  e  robuítos,  *      .  oai,   . 

Quafi  chegou  ao    triftc  paracilmo 
Em  que  pagaíTe  intentos  taõ  injuflos: 
Lançou-o  em  terra  ,  e  cria  ja  o  Abifmo 
Ver  acabar  alentos  taó  auguftos  ; 
Porque  ferido  eftava  ,  e  tu  o  de /armas, 
{Vénus  mais  bdla ,  a  quem  deu  Marte  as  armas. 

M  15  5- 


90  Henricjueida 

155-  ^ 
Mas  ruípendeo-fe  a  acção  ,    vendo  o  prodígio^; 
Que  fez  em  Palias  o  Moniz  valente, 
Nota  259.   Pois  contra  a  fúria  do  infernal  Eftigio 

Teve  poder  o  heròe  preeminente: 
Nota  240.  Ainda  tem  de  Diomedes  hum  veftigio , 

Qiie  ao  Deos  da  guerra  forte  ,   e  excellente 
Ferio  ,  e  ainda  morrera  da  violência  ^ 
Notaz4i.  Se  de  Peon  naó  fora  alta  a  fciencia. 

Por  mais  que,   ò  vil  efpirito  ,  provocas 
O  incorrupto  cadáver  cora  furores , 
£1  das  tuas  legioens  o  ardor  invocas. 
Para  inflamar  os  frigidos  horrores ; 
Llie  abrio  o  General  mais  de  mil  bocas, 
Por  donde  fe  exhalaraõ  íeus  ardores, 
E  deftruido  o  material  comporto,  ; 

Nota  24*'   A.' triíle  corrupção  fe  achou  expoflio. 

137. 

Tal  foy  o  horrendo  grito  ,  tal  o  eftrondOj- 

Que  a  Raynha  ,  que  cré  fuperfticiofa  , 

Que  a  deíampara  Palias  ,    vay  difpondo 

Retirarfe  na  naute  tenebrofa  , 

Quando  os  feus  efquadroen    hia  compondo  ? 

,  T  Do  Graõ  Moniz  a  efpada  vitoriofa , 

Nota 245.-    .  ,-  .  ^  ,  , 

Antes  que  ruja  o  que  ama  Leucothoe, 

Rende  Axa  ,  os  feus  ordena  ,  os  mias  deílroe^ 

138. 

Entretanto  Muley  também  queria 

Difputar  na  montanha  huma  vereda. 

Vendo  que  a  gente  barbara  fogia, 

Naó  quer  que  outra  defgraça  lhe  fucceda  : 

Vay  por  caminho  incógnito  a  Leiria, 

Até  ver  fe  a  fortuna  ao  valor  ceda , 

Convocar  de  Lisboa  o  graó  Monarca, 

iLivrar  Aldara ,    ou  dar  tribuco  á  Parca. 

HENRU 


9' 

HENRIQUEIDA 

CANTO     IV. 

Argumento. 

O  Cruel  Br  una  ferro  acha  em  Lamego 
O  ca(ligo  da,  barbara  crueldade  : 
Na  mais  forte  Hlufao  deu  leve  emprego 
O  Grande  Henrique  a  enganos  da  vaidade'- 
No  palácio  da  Gloria  quaji  cego 
Ejleve  de  hum  a  vaa  curiojidade ; 
A  maquina  no  ar  fe  defvanece , 
Ciraldo  avifos  fantos  lhe  offerece. 


I . 


Henrique  entre  os  defp^jos  defcaníara. 
Se  hum  prudente  Varaó  nos  feus  progreííos 
Sò  no  prefentc  alegre  imaginara  , 
Sem  prever  o  futuro  dos  fucceíTos : 
Via  a  grande  vitoria  ,   que  alcançara 
Do  valor  Portuguez  novos  cxceflbs , 
Debcllado  o  rebelde  ,  e  vè  no  aufpicio 
Favorável  a  forte,  o  Ceo  propicio. 

Vè  do  Avcno  os  horrores  diíTipados , 
Os  Reys ,   e  os  NJouros  principaes  cativos , 
E  que  a  poucos  os  nofTos  irritados 
Da  rebelde  tieiçaó  deixarão  vivos  : 
Julga  da  Beira  os  povos  dominados 
Depois  dl  ultima  acçaõ  menos  aòtivos ; 
E  o  que  o  alegra  mais  ,  dcffe  encuberto 
Milagrofo  tefouro  eílà  mais  perto. 

M  ii 


^%\  Henriqueiãd' 

3- 
Mas  também  prevenido  confidera  , 
Qiie  ainda  que  perca  fempre  pouca  gente  l 
No  exercito  pequeno  ,   que  numera, 
A  pouca  ,  que  lhe  falta  ,  mais  fe  fente': 
Nota  144.  (^ue  Hydra  renace  o  monftro  ,  que  fupera  ," 
£  ao  cortallo  fe  gaíla  o  ferro  ardente, 
E  quanto  temer  deve  os  feus  infultos. 
Sendo  os  paiciaes  contrários  mais  occukos; , 

Irritado  o  Monarca  poderofoj  , 

Que  de  Africa  fabia  ,  que, voltava. 

Conduzindo  na  Armada  hum  numerofo  • 

Exercito  ,   que  a  Hefpanha  ameaçava  • 

Por  Pclayo  s  a  que  búfca  generofo  , 

Pela  queda  cruel  ,   que  o  maltratava. 

Soube  o  que  fofpeitava  ,  que  a  Lamego  v 

Sublevara, Muley  amante  ,  e  cego. 

5-' 
Naõ  duvida  ,  que  incite  ao  feroz  Mourov  . 

Gomo  lho. contaria  a  vaga  fama  , 
Vendo  ao  filho  Almançor  morto  no  Doura, 
No  Porco  prefa  a  iilha  ,  a  quem  fó  ama: 
Mandalla  livre  ao  Pay  fera  defdouro  , 
Donde  a  attençaõ  com  o  temor  fe  infama: 
E  cm  luíiar  de  íoccorro  dos  Leonezes 
Teme  outra  nova  guerra  aos  Portuguezes. 

6. 
Nota  245.  Q"^»-  ^  Grande  Imperador  AfFonfo  Auguôo 

Progenitor  da.  fua  Regia  efpofa 
Sete  vezes  ja  vira  em  laço  juílo 
De  Himineo  puro  a  tocha  luminofa  ; 
Mas  íem  varonil  prole  o  fado  injuílo 
A  fucceíTaõ  deixava  duvidofa ; 
As  praças  ,  que  em  Leam  fe  coníervavaõ, 
D,e  Tereza  o  direyto  fuílentavaõ. 

21- 


Canto  IV,  93 

7.    _ 

Vivia  ,  mas  decrépito  vivia 
O  mais  pródigo  ,  e  forte  dos  Monarcas, 
Se  morrede  ,   do  Abyfmo  fc  veria 
A  Diicordia  invocar  fúrias ,  e  parcas : 
Se  as  fuás  poucas  tropas  dividia, 
Naó  pódc  defender  tantas  comarcas ; 
Sendo  às  fuás  conquiftas  vafto  emprego 
Qtianto  corre  do  Tormes  ao  Mondego.  Nota 24^5 

8. 

Teme  que  a  liberdade  ,  que  concede 
A  Muley  ,  mas  que  foíTe  generofa , 
Paixão  particular  feja  ,  que  excede 
O  que  a  Sibilla  manda  prodigiofaj 
Quando  ao  Cco  graças  dâ ,  foccorros  pede, 
E  do  Oriente  na  corte  luminofa 
GroíTeyro  Febo  huma  fineza  fruftra , 
Se  á  bella  Aurora  ,   que  a  illuílrou ,  desluílra. 

9- 

Chegou  Moniz  ,  e  o  Héroe  nos  íeus  braços 
Das  acções  raras  o  valor  premêa 
Modeílo  quer  romper  os  nobres  laços 
Da  heróica  precioíiíTima  cadéa. 
Com  elkrcoafultou  os  embaraços. 
Que  prevenia  na  prudente  idêâ; 
Porem  hum  ,  e  outro  dano  eftà  remoto, 
E  todos  pertos  ,    naõ  comprifido  o  voto. 

10. 

Nos  três  dias  a  Deos  graças  dirigem  , 
Naõ  como  Grécia ,  e  Roma  em  falfos  ritos 
Trofeos  nos  troncos  com  vaidade  erigem 
Aos  Deofes  ,  de  que  adoraó  os  delitos  • 
E  como  tem  na  Fé  mais  certa  origem  ^ 
Sendo  a  Cruz  vencedora  nos  conflitos, 
Aos  que  na  leligiaõ  f©  foraõ  broncos, 
Moílra  o  trofeo  de  hum  tronco  am«icos  troncos.^  Nota34K 

11^ 


94  Henriqueida 

I  r. 

Amado  ,  e  os  feridos  com  efcolta 
Ao  Porto  mandaõ  ,    donde  a  Fama  grita 
A  vitoria  de  Henrique  ,  e  pronta  volta 
Com  o  alvoroço  ,   que  em  Tereza  incita  : 
Preío  ElRey  de  Lamego  ,  mas  vay  foka 
Axa  com  os  cativos  ,  a  que  excita 
Occultamente  com  fegunda  fúria 
A'  vingança  mayor  de  ranta  injuria. 

12. 

Nota  148.  ^^  quem  do  efpaço  a  éreo  convocaíTc 

Os  génios  infernaes ,  que  giraõ  vagos , 

Nota249.  ^  P°^  Mufa  a  Tefifone  mvocaíTe, 
Por  herôes  os  efpiritos  prefagos  j 
Explicaria  bem  fe  o  explicaíTe  ; 
Os  effeitos ,  que  os  trágicos  eftragos 
Do  fuceflb  infeliz  do  rio  Alarda 
Produzem  na  Africana  mais  galharda. 

15. 
Nem  a  Morfeo  feu  animo  fe  rende, 
E  a  Palias  increpando  o  falfo  engano, 
AíTlm  lhe  diz  ,  e  ainda  adorar  pretende 
Quem  reconhece  caufa  do  feu  dano  : 
Deidade  injufta  ,  dizeme  ,  em  queolíende 
Huma  mortal  a  hum  Numen  foberano  j 
Que  todo  o  culto  fina  lhe  dedica  , 
A  alma  lhe  entrega  ,  a  fé  lhe  facrifica? 

14. 
Nota  150.  Naõ  ignoro  ,  que  ha  leys ,  a.que  o  deílino 

Os  mais  fupremos  Deoíes  tem  atado: 
Nota  z  51.  Sofre  o  fiiho  de  Vénus  peregrino, 
:k.  Morre  o  filho  de  Tetis  deíl^racado  ; 

Que  nao  tcn  a  poder  o  que  lie  aivmo , 
Quando  a  outro  Deos  fe  vé  íubordinado  , 
J^uro  he  de  crer  ;  mas  nada  me  peifuade 
A  que.poila  mentir  huma  deidade. 

15. 


I 


Canto  IV.  95 

Naõ  julguey  fofle  oráculo  confufo  , 
Que  receber  pudeílc  dois  fentidos, 
O  que  ouvi  no  jardim  ,  ficando  illufo 
Meu  diicurío  em  aflbmbros  repetidos.* 
Mas  a  ti  mefma  ,  Palias  ,  he  que  accufo. 
Que  em  acentos  por  mim  mal  entendidos 
Me  prometefte  ,  ou  falfa  ,  ou  inconftante 
Ver  fervirme  a  quem  íirvo  hoje  triunfante. 

i6. 

Se  impiedade  naõ  fofle,  ou  atheifmo  ,  Nota 2 j^; 

Tc  negara  o  fer  deofa  ,  mas  ja  fente , 
Seja  fonno  ,  ou  encanta  ,  ou  paracifmo, 
Hum  letargo  ,  que  a  occupa  de  repente.- 
Efcuro  fonho  la  do  efeuro  abyfmo  Nota  2:54; 

Faz  que  a  Palias  a  idèa  reprefente, 
Que  lhe  promete  a  liberdade  ,  e  gloria 
No  templo  ,  em  que  ha  de  ter  mayor  vitoria 

17- 

Ordem  de  Henrique  para  a  marcha  aviza, 
E  elle  fc  dcfviou  de  a  ver  ,  pois  foge 
De  ver  huma  afflicçaó  ,   que  naõ  fuaviza. 
Nem  permite  â  cobiça  ,  queadefpoje; 
Ao  ^Qy  chama  ,  e  lhe  diz  .•  por  ley  precifa 
Te  dera  a  pena  ,  que  mereces  hoje, 
E  cm  que  incorreo  quem  bárbaro  deflerra 
A  Ley  da  religião  ,  as  leys  da  guerra. 

18. 

Mas  quando  te  rendi  participafte 
Da  gloria  de  que  eu  feja  quem  te  vença  , 
E  pode  fer  que  efta  piedade  baile , 
Para  que  a  Fè,    que  íígo  ,  te  convença.* 
Tu  faltando  ao  tributo  )  quejurafte, 
A'  tua  me{ma  ley  fizefte  oíenía  : 
Eu  naõ  te  dou,  podendo,  mais  cafl:igos>, 
C^ue  a  ii;inha  ley  perdoa  aos  inimigos. 


96  Henriqueíâa 

19 

Confufo  o.Mouro  os  olhos  naõ  levanta, 
E  com  lagrymas  rega  os  pés  de  Henrique  j 
Elle  o  confola  com  piedade  canta  , 
Que  faz  que  o  gofto  o  pranto  multiplique.- 
Em  quanto  para  o  Porto  fe  adianta 
O  efquadraõ  ,  faz  que  a  ordem  fe  publique , 
Que  haja  defer  o  feu  primeiro  emprego 
De  aíTegurar ,  e  guarnecer  Lamego. 

•  ZOo 

Marchou  aíegre  ,  o  campo  vi  tório  fo 
No  fecundo  paiz  ,  e  na  riqueza 
Dos  rebeldes  fe  algum  foy  cobiçofo 
Jâ  fatisfez  a  fede  da  avareza  : 
A  Cidade  deííende  hum  valerofo 
Eciopc  ,  a  quem  deu  tanta  fereza 
Mais  por  definição  do  que  por  erro 
O  nome  ,  e  a  dureza  ,  e  cor  do.  ferro. 

Nota x<^^.  Chama-fe Brunaferro  o  Troglodita 

Nota  256.  Criado  com  Ceraftes ,  e  o  cabello 

Nota 257.  ^Q  retorcido  cada  ferpe  imita. 

Com  que  a  Gorgona  hum  tempo  quiz  prendello/ 
Como  em  noute  malévola  fe  irrita 
Saturno  contra  o  mundo  ,   que  quer  vclio , 
,E  cada  obícrvaçaó  ,  a  que  fe  exponha, 
Introduz  pelos  olhos  a  peçonha. 

22. 
AíTim  o 'bruto  Ciclope  caftiga 
Quem  da  luz  ,  que  fo  tem  ,  o  horror  obfervaj 
Fogindo  delle  o  feu  narís  fe  abriga , 
E  da  boca  igualmente   fe  preferva  : 
^Cova  aboca,    em  que  fétido  periga 
•Do  alento  ,  que  refpira  ,  ou  que  referva  , 
Hum  dente  que  dos  mais  vive  diftante 
:Naó  muito  defigyal  ao  do  EJefanre. 

:2j. 


'Canto  IV.  97 

Pagem  de  Henrique  era  o  Francez  Lucidio ,        Nota'2  5  8. 
Que  ainda  do  quarto  luftro  longe  eftava, 
E  com  bandeira  branca  a  efte  preíidio 
Seguro  na  Fé  publica  o  mandava  ; 
O  Eciope,  aquém  era  iium  homicídio, 
E  huma  creicaõ  quem  (6  lifongeava, 
■  Gutro  branco  final  raoítra  no  muro  , 
Que  nas  immundas  mãos  tingio  de  efcuro. 

Erailíuftre,  e  gentil ,  forte,  e  difcreto 
O  galhardo  Francez ,  e  o  feu  retrato 
Antípoda  deixava  otriíle  objeto 
De  Brunaferro  bárbaro,  e ingrato: 
A  Filis  confagrava  o  puto  afFeto 
Do  Paço  deTereza  bello  ornato 
Taó  fino,   taõ  atento  ,  e  taõ  occultOj 
Que  transformou  coda  a^efperanca  em  culto. 

Cortez  lhe  diz,  Tem  perturbalo  o  horrendo 
D^.qucUa  monftruoííffima  figura , 
Qu  >:  Henrique  tem  por  certo  ,  que  vencendo 
Ao  ^ca  Re}' ,  cfta  praça  tem  fegura  ; 
Que  fc  logo  lha  entrega  obedecendo, 
Scn  juílo  império  a  todos  alTegura 
Coiii  a  iuá  firmifírma  verdade 
Os  privilégios,  vida,  e  liberdade. 

Abrindo  a  boca  com  mortal  forrifo 
Lhe  diz,  queda  muralha,  donde  oveja 
Seu  vil  fenhor  lhe  pagara  o  avizo 
De  tal  forte  ,  que  nunca  trifte  efleja  ; 
Porem  fc  quer  viver ,  fera  precifo 
Ter  com  clle  a  piedade  ,  quedezeja, 

E  L^metello  ao  Rey  de  Babilónia  ,  Nota  259 

'Se  deixa  dos  ChriíUosa  ceremonia, 

N  27. 


5r8'  Henriqueida 

Todo  o  cândido  roftro  hum  rubicundo 
De  ira ,  e  de  pejo  generoA)  indicio 
Revertio  de  Lucidio  ;  e  ao  Mouro  immundo 
Reíponde  da  conflancia  em  beneficio  : 
Se  do  Abiímo  o  tormento  mais  profundo 
'  Me  ameaçaílè  em  hórrido  exercicio  ; 
Se  cm  dehcias  de  premio  nunca  incerto 
Nota2<ío.  Teufalfo  parajzo  fora  certo. 

28. . 

Nada  me  pertubara,  ou  me  vencera  $  . 
E  cuido  zombas  dos  meus  poucos  annos : 
Ve  que  refolves ,  porque  Henrique  efpera 
Ou  capitulaçoens ,  ou  defenganos : 
O  direito  das  gentes,  que  venera 
A  inculta  fé  dos  povos  inhumanos , 
Me  defende  ,  e te  peço  naó  conjures, 
E  o  Cep ,  e  o  Mando  contra  ti  procures. 

29. 

Muito  eloquente eftàs,  diz  Brunaferro,  . 
E  unindo  a  negra  tinta  à  branca  neve, 
O  ata  cm  grilhão  mais  rigido  que  o  ferro, 
E  a  chamar  por  Henrique  ainda  fe  atreve  t 
A  huma  amea  o  conduz ,  e  o  mayor  erro 
Intenta  ,  mas  feo  credito  fe  deve 
A  tal  acçaõ,  naó  julgo  faó  enganos 
Ter  coraçoens  de.feras  os  humanos. 

30. 

Do  Embaixador,  que  agora  me  mandaftes  . 
Era  única  no  mundo  a  gentileza  ; 
Quatro  recebe  iguaes ,  que  hum ,  que  enviaíleV 
Naó  tra  comitiva  a  tal  grandeza.- 
Huma  infâmia  em  renderme  aconfclhafte, 
Rcbclliaó  ,  falfidade  com  fraqueza ; 
Se  em  quatro  parces  dividiíle  a  injuria , 
Ejn  outras  quatro  fatisfa^o  a  fúria. 

Ih 


Canto  IV.  .99 

DiíTe  •  e  feliz  Lucidio  na  defgraça 
A  Deos  invoca  alegre  no  fcmblante , 
Brunafcrro  fem  ferro  o  defpcdaça , 
E  voa  ao  Ceo  o  efpirito  conftantc: 
Chcyo  de  horror  Henrique  aíTalta  a  Praça, 
E  ainda  que  fe  reíifte,  em  hum  inftance 
Por  quatro  partes  entra  nella,  e  logo 
Lhe  deu  igual  caftigo  a  ferro,  e  fogo» 

Ao  Troglodita  infame,  oh  grão  pof tento  i 
Indo  a  ferir  Henrique,  fe  abre  a  terra , 
E  refpirando  em  infernal  alento  , 
Eternamente  ao  infcliee encerra ; 
Foy  de  Lucidio  hum  nobre  monumento 
Quem  as  reliquias  entre  jafpes  cerra  , 
E  aFilis,  quando  o  foube,  em  fé  mais  pura 
-Também  a  fepultou  outra  claufura. 

35. 
Guarnecido  Lamego,  Henrique  irado 
.Jura  naó  ter  com  Mouros  aliança  , 
Juftamente  dezeja  exafperado 
Tomar  cm  todos  a  fatal  vingança : 
ívíanda  a  Pedro,  que  hum  corpo  deftacado 
Sobre  o  Mondego  deixe  ern  fegurança 
Nos  três  já  dominados  orizontes 
Bcii^,  entre  Douro,  e  Minho,  e  Traz  os  montes. 

Mas  que  fe  vir  Jozé  com  formidável 
Exercito  nas  margens  do  Mondego, 
Com  a  fua  pefloa  inexpugnável 
Será  Coimbra  à  fúria  muito  emprego : 
Com  forte  guarnição  mais  defenfavel 
Serás  do  injufto  Rey  a  intento  cego 
Cidade,  tu  que  a  gloria  em  luz  penetras 

Ance^  nas  armas,  e  depois  nas  letras.   ^  NotaKji: 

N  ij  3  5'' 


'too  HenricjUei^à 

55- 
Avíza  abella  efpofa  ,   que  conduzi 

A  Cone  ,  e  que  em  Larnep^o  entaõ  rcíida  j 

Que  ja  o  amor  a  Taudade  rrcir'?  , 

E  a  cíperança  na  auzencia  lhe  dá  vida  .•  - 

Com  Moniz  íahe  a  ver  adondeluza 

A  eílrell^  hoje  na  cerra  efclarecida  , 

DeíTa  ,  que  refplandece  pura  ,  e  bella 

Do  Ceo  ,  e  Mar  benigna  ,   e.clara  eLtreUa.> 

Defçanfava  o  exercito  entre  a  gloria  §  . 
E  de  tantos  triunfos  alcançados 
Quaíi  deíeftimavaõ  a  vitoria, 
Porque  eíla3  a  veucer  taô  coílumados : 
O  herôe  ,  que  lhe  interrompaõ  amemoria  ■ 
Naõ  permitio  hum  dia  aos  íeus  foldados  f . 
£  entre  aSícHatuas  do  jardim  paíTea 
Entregue  fó  à  fua  illuftre  idêa.. . 

5  7.- ■. 
Hotai^i,  No  plenilúnio  Cintia  ao  Sol  oppofta 

Bem  fubrtitue  ao  ApoUineo  plauftro, 
Mas  aos  mágicos  cânticos  expofta  , 
De  outro  circulo  aprende  o  horrível  clauftro:: 
Pequena  opaca  nuvem  ,    que  interpofta 
Por  vencer  ao  Favonio  trouxe  o  Auftro, 
Se  a  luz  naõ  rouba  ,  a  infiel  tençaõ  publica. 
Com  que  a  argentada  imagem  falfifica. 

Notai^a.  O  herôe  admira  ,  quedcGreeia,   c  Roma 

Apenas  dure  huma  infcripça-õ  ,  ou  cipo  , 
E  que  o  tempo  cruel ,  que  tudo  doma  , 

Nota  z(S4.  Refpeite  tantas:  obras  de  Lifipo  : 

Se  algum  encanto  ,  diz  ,  o  império  toma 
Deílejardim,  e  eu  delle  participo, 
Se  naõ  me  prevenir  juílo  receyo, 
A  efpiritos  impuros  lifongeo. 

39* 


Canto  IV.  ici 

59- 

Porem  ,  como  ha  facceíTos  mifteriofos  >. 
Qiie excedem  o  difcuifo  dos  humanos , 
Vcrey  ,   fcm  ccr  rcccy  s  tcmcroros , 
DilTipada  a-illufaõ  dcí^.cs  enganos  : 
Da  virtude  os  impuh^os  gciierofos 
Efpero  qvie  me  dcin  os  deíenganos  : 
Naõ  iccca  encontrai-  trágico  Ciieico 
Ycílido  de  taes  armas,  o  meu  peito. 

40. 

Hum  largo  bofque  de  immortalverdura  . 
Impenetrável  ao  rigor  de  Eólo  Notaiíj. 

Contra  os  rayos  de  Apollo  fe  conjura; 
Com  as  rebeldes  arvores  de  Apollo  : 
Anoute  nelle  aprende  a  fer  eícura, 
E  a  Triforme  deidade  deixa  o  Polo  ,  . 
E  de  fombras ,  e  plantas  foberana 
He  a  hum  tempo  Proferpina  ,    e  Diana. 

41. 

De  cfmeraldas  a  immenfa  galeria 
Das  verdes  folhas  do  Loureiro  eterno 
Henrique,  a  que  o  difcurío  conduzia , 
Penetrava  no  efpaço  mais  interno: 
Renovoufe  na  amante  fancafia. 
Ou  foíle  fugeílaõ  da  meínio  inferno  , 
Porque  o  valor  humano  fem  efpanto, 
^Temendo  o  encanto  ,  defprezou  o  encanto, 

41. 

De  Matilde ,  que  ioy  primeiro  affeto, 
A  tragedia  fe  aviva  na  memoria , 
Da  perda  de  hum  ,  e  de  outro  amado  objeto 
Se  recita  a  íi  meímo  a  trifte  hiftoria  : 

Plutaõ  creo  ,   que  lograíle  o  feu  projeto  Notaiíjí?. 

Alcançando  do  herôe  certa  vitoria,  ^^      ^ 

E  os  fequazes  convocaõ  do  Deos  Pithio 
Anoute,  afolidaõ,  o  amorj.eo  íitio, 

45-- 


a  02  Henriqueiãa 

4?. 

Criizava-fe  intrincado  labirinto, 
TNota  1^8.  Qpc  na5  foy  mais  diíiieil  o  de  Creta  , 
E  dentro  do  odorifero  recinto 
Levou  a  Henrique  a  vaga  idêa  inquieta  : 
Nota2(>5).  Ja^pe  3  e  metal  de  Paros ,    e  Corinto  , 
A  arquitectura  em  parte  taó  fecreta 
Proporcionou  izentos  fempre  aos  danos 
Da  indifcricaócurioía  dos  humanos, 

tf 

44. 
A  fuípenfaõ  ,  e  a  fombra  naõ  permite 
Que  do  Palácio  o  frontifpicio  obferve , 
Patente  a  porta  ,  porque  a  entrar  o  incite , 
Lhe  moílra  que  os  myfterios  naõ  referve.* 
Ainda  que  efte  portento  facilite 
O  exame ,  deixa  ,  ò  Henrique ,  íè  eonferve 
O  teu  animo  igual ,  e  generoío,, 
E  recea  o  caftigo  de  curiofo. 

45- 
Pergunta  â  guarda  ,  que  encontrou  luzida 
Mais  que  os  farôes  brilhantes  ,  que  da  entrada 
Lhe  moftraõ  a  efcultura  enriquecida. 
De  Jónicas  colunas  adornada  : 
Nota 270.  Qpe  Principe  ,  ou  Princeza  efclarecidas 
Vive  dos  Mahometanos  retiiada, 
E  fe  he  iíio  milagre  ,  ou  fe  he  preíligio, 
Sonho  ,  encanto  ,  illufaõ  ,  íombra  ,    ou  prodígio* 

_  ^G, 
Cortez  o  Capitão  lhe  correfponde 
Dizendo  que  ordem  tem  de  conduzilo  , 
E  he  Francéz  o  idioma  ,  em  que  refponde, 
E  que  o  Ceo  ja  aos  feus  males  deu  o  azilo  : 
Que  hereal  quanto  vé  ,  e  o  ííga  donde 
Vive  quem  quer  fó  velo  ,   e  adinicilo  , 
E  coroalo  no  mais  digno  Império, 
;Que  ainda  caber  aaõ  pode  no  myíterio. 

47. 


t 


Canto  IV.  03. 

47. 

Tinibales  de  ouro  ,  cimpanos  de  prata , 
Frautas  ,   que  Ía6  guerreiras  ,  e  harmoniofas  , 
Toca  a  guarda  ,  em  que  argento  ,  e  efcarlata 
A  Aurora  ufurpa  as  cores  mais  fermofas : 
Sobe  a  efcada  ,  em  que  o  porndo  dilata 
Eílatuas  ,  e  outras  obras  primorofas , 
E  penetra  admirado  os  infinitos 
Apofentos  de  adornos  exquiíitos. 

.48' 
No  ultimo  gabinete  a  comitiva 

O  deixa  fó  ,  e  as  luzes  duplicadas 

Na  copia  dos  cfpelhos  expreíUva 

As  pinturas  lhe  moílraó  eftimadas : 

Da  mão  de  Apelles  vé  Campafpe  viva  ,  NotaiTi; 

E  as  bellas  duas  Vénus  celebradas ,  Nota  272, 

E  porque  a  Anadiomene  naô  efcondas^  Nota  2 73. 

Elle  a  reftaura  ,  ômar,  das  tuas  ondas. 

49- 

Mil  compaíTivas  expreíTocns  amantes 
Explicou  hum  pincel  douto  ,    e  egrégio 
Da  enternecida  Grécia  nos  femblantes 

Vendo  a  Ifígenia  em  íacrificio  Régio  j  •  jSJota  2743 

Mas  naõ  quiz  a  deftreza  de  Timantes 
Equivocar  na  magoa  o  facrilegio, 
Deixando  hum  veo  do  pay  no  roítro  ignoto 
Sem  oftenía  do  amor  bemquifto  o  voto. 

50- 
Vem  fe  de  Zeuzis  os  copiados  frutos  >  jvjota  ^yj; , 

Que  exprimir  Baco  crédulo  intentara, 

Porque  da  arte  feliz  nos  atributos 

Naõ  fó  aves ,  mas  fabios  enganava. 

Contra  o  rigor  dos  evos  abfolutos  Nota  27^. 

Protogenes  as  cores  duplicava.  Nota 277,  - 

Porque  Jalyfo  de  caçar  naõ  canfe, 

E  ainda  ao  tempo  veloz  no  voo  alcance, . 

51». 


-IÓ4  Henriv[ueida 

Nota  278.  No  frifo  de  Parrafio  fc  conhece 

O  atrevido  pincel ,  que  exprime  ouzado 
Quanto  do  amor  conftance  permanece 
>Ja  memoria  fiel  vivo  traslado : 
Mas  fó  o  coirjugal  puro  apparece, 

Nota  279.  Pqj;  Euridice  Orfeo  do  inferno  irado 
Penetra  o  centro  ,  e  com  a  doce  lira 
Na  diílbnancia  a  melodia  infpira. 

Nota  280.  Os  cabellos  cortava  Hypílcratèâ 

Para  feguir  na  guerra  feu  conforte ; 
IJnceo  por  Hipermneftra  naõ  recea, 
Como  os  triíles  irmãos , ,  a  crifl:^  forte  : 
Protefilào  ,  que  na  Troyana  arêa 
Quiz  fer  primeiro  ,  e  ter  primeiro  a  morte , 
De  que  o  vingou  o  amante  de  Deidamia  ,  - 
Reconhece  a  fineza  de  Laudaraia. 

55- 
Nota  z8i.  Na  parte  fuperior  ApoUodoro 

Pintou  do  Grego  amante  nos  fuccelTos 
Quanto  do  Meleíigenes  canoro 
Explica  a  Mufa  Grega  nos  progreííos  : 
E  naó  he  no  Poeta  mais  fonoro  , 
Que  no  Pintor  ,  Uliíles  ,  porque  expreíTos 
No  feu  roílro  os  aííeclos  com  mais  anciã 
•  Confervava  a  Penélope  a  conftancia. 

54; 

NotaiSio  Atraccoens  de  Calipfo  ,  amor  de  Girce 

Naõ  apartarão  de  Itaca  ao  amanre, 
Delicias  deíprefou  fó  por  uniiíe 
Ao  primeiro  himineo  firme  ,  e  conOante  : 
Lico  ao  longe  pintou  ,  e  em  fonce  a  Dirce  , 
Só  porque  foy  a  Antiope  inconiiante , 
Sencio  5  defconhecendo  o  feu  perigo, 
Dos  dois  primeiros  filhos  o  caíligOo 


I 


55- 


5  Canto  IV.  loj 

55- 
Sobre  a  mais  fina  Purpura  de  Tyro 

Diamancc? ,  e  efmcraldas ,    que  bordavaõ 

Magnifico  hum  docel ,  cm  largo  giro 

Dois  quadros  com  hum  veo  diíTimulavaò  : 

Henrique  os  deícobrio  ;  mas  fe  refiro 

De  quem  eraó  os  roftros ,  que  copia vaõ, 

Seraõeílas  memorias  infalíveis 

Por  menos  verolimeis  mais  incríveis, 

Vio  Henrique  no  quadro  o  feu  retrato  , 
E  logo  o  de  Matilde  ,  que  vcftia 
No  crage  azul  o  íèu  primeiro  ornato  , 
Com  que  no  m^r  a  Tecis  oiíendia  : 
Mas  porque  fe  convença  mais  de  ingrato , 
Tancredo  aos  feus  dois  filhos  conduzia, 
De  que  os  roftros  naõ  via  ,   e  com  dcfdouro 
Ambos  moftravaó  o  veftido  Mouro 

Que  he  ifto  ,  diz  o  Hcrôe  ,  fera  polTivel , 
Que  vivaõ  entre  os  feros  Mahometanos 
Pedro  ,  e  Sibilla  P  E  naõ  he  cafo  incrível, 
C^ue  façaõ  guerra  aos  próprios  Lufitanos ! 
Vivos  íaó  ,  Grande  Henrique  ,  heinfalivei, 
Que  os  lefervaó  miftciios  fobcranos, 
Diz  huma  voz  ,  fe  me  quer  dar  a  vida 
A  tua  fé  hum  dia  agrad  .cida 

58. 

Sim  darey  ,  diz  o  Heiôc ,  porque  a  piedade 
Se  vincula  ao  valor  ;  quando  ,   6  p  rtento  / 
Sane  Matilde  j  e  nunca  houve  deidade,  ^^ 

Que  mais  bella  illuílraílc  o  Firmamento  :  '" 

Henrique  hum  pouco  teme  a  raridade, 
Mas  invocando  o  feu  bizairo  alento, 
Quem  na  guerra  triunfou  mais  fea  ,  e  dura , 
Teve  medo  efta  vez  da  fermoiura,  , 

O  59. 


i  06  Henrtqueida 

59. 

Rio  ,  que  corre  em  rápido  defvelo 
Parando  ao  forte  impulfo  do  Auftro  frio 
Nao  muda  o  vago  argente  em  duro  gelo  , 
Que  fo  rompe  a  prifaó  no  ardente  eílio  : 
Com.o  Henrique  ,  que  em  nobre  paralelo 
He  de  virtudes  caudelofo  rio  , 
A  hum  perigo  ,  a  que  heróico  naõ  fe  atreve , 
Ellatua  ali  fe  vio  de  fogo  ,   e  neve. 

Go. 

Naõ  temas ,  diz  Matilde  ,  fe  o  receyo 
Naõ  he  ,  porque  o  teu  erro  te  amedrenta. 
Mas  naõ  fera  ,  que  em  peito  ingrato  eu  creyo. 
Que  nem  hum  temor  nobre  fe  alimenta: 
Viva  eftou .    que  hum  defmayo  em  trifte  enleyo 
Me  occupou  o  fentido  ,  e  taó  violenta 
Perturbação  pedia  mais  exame  ; 
Mas  quem  depois  da  morte  achou  quem  ame? 

61. 

Meus  fofpiros  as  pedras  penetrarão, 
Nj5  o  teu  peito  ,  e  quem  primeiro  ao  templo 
Vcyo  ,  aos  outros  chamou  ,  que  levantarão 
As  que  naõ  tomaõ  o  teu  duro  exemplo  ; 
Como  fabes  as  caufas  ,   qne  occultaraõ 
Meu  nome  ,  no  perigo  ,  que  contemplo , 
Sem  declararme  ,  illuftre  huma  matrona 
Me  curou  ainda  incógnita  em  Bayona. 

Por  ti  pergunto  ,  quando  fallo  apenas , 
E  naõ  fey  porque  caufa  o  cafo  ignoras , 
Pois  occupou  nas  vozes  ,   e  nas  penas 
Em  Bayona  os  difcurfos  muitas  horas 
Mas  vendo  que  a  naõ  verte  me  condenas , 
E  ouvindo  cm  França  ,   que  a  Tereza  adoras, 
Oa  porque  mais  fermofa  a  confideras. 
Ou  que  pelo  feu  dote  hum  reyno  efperas 


^5. 


Canto  IV,  107 

65. 

Me  embarco  logo  em  craje  de  Soldado , 
No  Porco  defembarco  ,  e  a  tempo  chego, 
Que  ouço  de  Gaya  o  c^^jj^dcígraçado, 
Em  que  te  fuppôz  morto  o  vulgo  cego; 
Da  gruta  de  Sybilla  ao  ignorado 
Centro  remoto  bufco  em  fino  emprego 
De  fofrer  certa  morte  menos  dura. 
Que  contigo  me  delíc  a  fepulcura. 

64. 

Herofile  piedofa  me  revela  , 
Que  os  dois  filhos  viviaõ  ,  que  a  Tancredo 
Cruel  Jofeph  guardava  com  cautela 
Sobre  o  mar  de  Lisboa  em  iium  rochedo , 
Donde  huma  Torre  fez  ,  c  hum  fentinela 
A'  viíla  o  guarda  fcmpre  por  ter  medo 
De  o  matar  ,  qne  hum  Profeta  o  dificulta  , 
Porque  hum  myfterio  o  Ceo  com  elle  occulta. 

E  que  quando  julgaras  ,  que  abrazados 
Ficarão  no  combate  do  pirata  , 
Entrarão  no  navio  os  feus  Soldados, 
E  o  fogo  amda  apagarão  ,  que  o  maltrata  j 
E  dos  tenros  infantes  laífimados, 
A  quem  a  vida  o  Ceo  tanto  dilata  , 
Ao  Rey  os  levaõ  ,   que  o  fucceílb  encobre , 
E  nunca  a  fua  origem  lhes  dcfcobre. 

66. 

Que  ha  de  fer  Pedro  do  teu  Reyno  herdeiro, 
E  que  em  Borgonha  fua  irm.ta  fucccde  , 
Que  no  filho  illegitimo  pimeiro 
Bem  vez  o  mal ,  que  o  movimento  impede; 
E  porque  o  Ceo  piedofo  ao  verdadeiro 
Amor  attende  ,  a  gloria  me  concede 
De  viver  nefte  íitio  occulto  a  todos. 
Em  que  fubíifto  por  eftranhos  modos» 

O  ii  Ó7. 


I  o  8  Henricjueida 

67. 

De  Herofile  fe  eílende  a  eftranha  gruta 
Com  fiibterranea  fabrica  infinita 
Ate  efte  Palácio  ,   a  que^j^ributa 
Deliciofa  opulência  ,    e  exquifita  .- 
A  guarda  ,  que  aqui  vez  ,  com  abfolura 
Força  aqui  conduzia,  e  prefa  habita 
No  cárcere  magnifico ,  em  que  vivo  , 
Que  julga  eftreito  quem  eftá  cativo. 

Foy  o  cafo  ,  que  dando  em  hum  naufraglG 
No  Douro  á  cofia  grande  náo  Franceza, 
Que  de  Rohaó  fogindo  de  hum  contagio  j 
Nunca  pode  tomar  a  terra  Ingleza  , 
Tendo  por  infallivel  o  prcfagio 
De  que  eu  fó  do  Palácio  na  grandeza 
Entre  as  tuas  memorias  morreria  ^ 
Pela  gruta  me  deu  tal  companhia.. 

Também  vinhaõ  illufires  Damas  bellas>. 
Qiie  logo  haó  de  fervirte  coidadofas , 
E  eíle  Palácio  encobre  com  cautelas. 
Alças,  incríveis,  raras,  mifteriofas; 
Porque  Te  em  fair  delle  te  defvelas , 
„Tacs  feriõ  tuas  iras  rigorofas  / 
Veris  do  feu  cuidado  dando  indícios  ^ 
Labiryntos  ,   penhafcos,.  precipícios.. 

JÍDta  2.H-  Acho  fempre  que  â  gruta  bufco  a  boca 

Qiianto  pede  a  delicia  infaciavel , 
E  fe  a  Sybilla  a  minha  voz  invoca, 
Tudo  dcfcobre  pronta  ,  e  admirável.- 
Se  eíiá  o  mundo  em  paz  ,    ou  fe  o  provoca 
De  qualquer  guerra- o  monílruo  formidável  5 
}:.  quanto  na  politica  reíume, 
Cada  dia  me  moílra  o  feu  volume, 

7^ 


Canto  IV.  109 

71. 

Nclle  vejo  os  problemas  ,    que  fe  julgaa  NotaiS^; 

IrapoíTiveis  nas  fciencia^ ,  c  nas  artes , 
Que  todos  nos  feus  livros  fe  divulgae  ; 
E  de  novos  fiílemas  novas  partes : 
Todos  por  ti  ao  mundo  fe  promulgao 
Com  tanto  que  de  mim  nunca  te  apartes. 
Em  quauto  dos  dois  filhos,  que  perdemos ,. 
A  defejada  converfaõ  naó  vemos. 

7Z. 

Saberás  delTa  pedra ,   a  que  a  ignorância  Nota  2.8^.' 

AíTim  chama  ,  julgandoa  fabulofa, 
Que  he  perfeito  Elixir  ,  pura  fubílancia 
Da  celeáe  matéria  luminofa: 
E  depois  que  o  Mercúrio  tem  conftancia 
Do  primeiro  metal  caufa  preciofa. 
Quando  aos  outros  a  eífencia  lhe  permuta  ^ 
Como  c  Sol  cora  feus  rayos  os  tranfmuta. 

Na  vitrifícacaô  he  fino  efma'te  Nota^87^ 

Ouro  no  firme  ,  e  na  brandura  cera, 

E  porque  a  tudo  com  virtude  exalte  , 

Nas  regiocns  naturaes  fublime  impera  ^ 

Nunca  o  remédio  ,  a  quem  a  teve  falte >. 

Pois  fc  a  harmonia  univerfal  fe  altera, 

Quem  eíla  Fanacca  bem  conhece,  NotaigI, 

A  confonancia  a  tudo  eílabelcce. 

74. 
Mas  nãõ  fey  fc  vencer  o  humana  tédio  ^ 
Que  tens  da  Parca  aos  trágicos  poderes, 
Me  ha  de  bailar ,  pois  naó  farey  remédio , 
Em  que  empregue  culpáveis  filaderes :  Nota  iS5» 

Has  de  deixar  morrermc  em  duro  afíedioj 
Sem  que  eu  uze  de  indignos  caracteres  y 
Com  que  do  Abyfmo  faz  a  vãa  fciencia 
O  Amor  filho  do  ciimc  j  eda  viokncia»  Notaa^o;. 

7X. 


lio  Henriqueida, 

75- 
Também  importa  pouco  ,    que  eu  compicnda 
A  projecção  ,   que  dos  meraes  impuros 
Sucilmentc  íè  infunda  ,  e  fem  contenda 
Logo  os  reduza  aos  feus  principios  puros : 
Pois  quando  a  ingratidão  em  ti  me  oíFenda, 
Ficaó  tantos  fegredos  mal  feguros, 
E  naõ  transformarey  por  meu  defdouro 
Nota  291.  Huma  féta  de  chumbo  em  féta  de  ouro  ? 

Aqui  verás  do  orbe  o  Magnetifmo, 

Nota  292.  E  a  pedra  ,   que  bufcar  íó  fabe  o  Polo  , 

Notaz9  5-  E  que  o  fogo  central  ,   que  vem  do  Abyfmo  , 
Mais  no  mundo  produz  que  o  meímo  Apolo  : 

iNota294.  Verás  a  terra  ,  queem  paralelifmo 

Se  agita  ,  e  da  regiaõ  ,  que  altera  Eôlo, 
Leva  configo  o  mais  vizinho  ambiente, 
Com  que  o  coftume  faz  ,  que  íè  naõ  fente. 

77. 

Notaz95.  Verás  que  com  o  cubo  duplicado 

Saõ  ja  as  diagonaes  comenfuraveis 

Nota 29(5.  E  também  com  o  circulo  quadrado 
Periferia  ,  e  diâmetro  tratáveis  : 

lNota297.  E  (lo  moto  perenne  ainda  ignorado  , 
Da  Mecânica  as  regras  admiráveis  , 
Com  que  da  gravidade  o  centro  encontra  , 

Nota  298.  Se  o  pêndulo  ,   que  vibra  ,  o  defenconcra. 

78. 

Nota 299.  Também  aqui  anticipar  prcfume 

Dos  feculos  rariílimos  inventos , 
Mulciplicar  mil  copias  de  hum  volume, 
Com  que  os  fabios  dos  tempos  faó  izentos  j 
E  quanto  a  natureza  em  fi  refume , 
Ou  efcondem  os  vaftos  elementos , 

Nota  500.  o  naó  viíivel  ver  o  Microfcopio , 

Nota  501.  Q  immenfo  defcobrir  o  Telefcopio. 

79' 


Canto  IV.  III 

79- 
Contar  do  tempo  os  mínimos  minutos  Nora  502. 

Sofrendo  os  golpes  de  quem  mede  os  annos , 
Com  dentes  de  mecal  mordendo  aftutos 
Os  que  furdos  ja  faõ  aos  defenganos  : 
Mas  porque  mais  guerreiros  atcributos 
Eftimas  que  outras  glorias  dos  humanos, 
Mais  do  que  a  Scipiaó  dilTe  Panecio,  >  Notado?; 

Te  enlinarey  melhor  do  que  Vegecio.   '  Nota  504. 

80. 
Em  íím  para  lograrmos  o  dcfinio 
De  que  de  Agar  a  geração  malina 
Nem  conferve  em  Hefpanha  o  feu  dominio. 
Nem  fc  atreva  á  fagrada  Paleílina , 
Eu  te  defcubrirey  o  vaticínio  , 
Com  que  a  íciente  Herófile  examina 
O  que  tu  moftrarás  á  Luzitania 

Antes  que  ao  mundo  a  bellica  germania.  Noia  505; 

81. 
Dois  mineraes  a  hum  material  unidos 
Compõem  hum  negro  pó  voraz,  e  forte, 
Fazendo  em  bronze  ,  ou  ferro  reprimidos 
Em  globos  de  metal  voar  a  morte  : 
Os  muros  ficaõ  todos  abatidos , 
Pode  o  valor  com  arte  mais  que  a  forre , 
Rompendo  a  muitos  bárbaros  arnezes 
Com  prontos  rayos  poucos  Portuguezes. 

81. 
A  Henrique  tentou  mais  efta  promeíTa 
Que  as  maravihas  ,   que  admirou  fufpenfo, 
Que  na  gloria  ,  e  virtude  fe  interefla, 
E  delias  faz  o  feu  tefouro  immenfo : 
Matilde  ,  diz  ,  que  nova  fciencia  he  eíla  > 
Que  em  fi  poder  encerra  taó  incenfo  ? 
Que  aíllm  me  facilita  dar  caftigo 
Da  Religião  ,  e  Reyno  ao  inimigo  ? 

85. 


112  Henriqueida 

85. 
Facil  fera ,  Matilde  lhe  refponde  , 
Saber  efte  fegredo  ,  e  quantos  guardo  , 
Se  o  teu  amor  raais  fino  correfponde 
Ao  que  te  adoro  ,  e  como  amante  aguardo  : 
Mais  efficaz  ardor  meu  peito  efconde 
Com  tal  violência  ,  ó  Principe  galhardo  , 
Que  quanto  eftrago  horrendo  veras  logo 
Na  artificiofa  maquina  de  fogo, 

84. 
Conduz  a  Henrique  adonde  veja  a  praça  j 
Que  outra  fortificada  reprefenca » 
E  com  fingido  fítio  a  ameaça, 
Feita  ,  que  por  marcial  o  goílo  augmetita  ; 
O  ruido  da  pólvora  embaraça 
Com  novo  horror  ao  ar  ,  de  que  alimenta 
No  falitre  animada  ,  ou  opprimida 
Para  exhalar  em  fogo  a  ingrata  vida. 

85. 
-,_  O  Capitão  da  guarda  o  fitio  forma , 

idiota  307.  ^proches  fe  encaminhaó  com  cautelas , 
Ali  ja  íè  difpoem  a  plataforma  , 
Aqui  ja  fe  avizinhaõ  paralelas , 
De  dentro  aquella  face  fe  reforma, 
Guardas  fe  poílaõ  ,  poem-fe  fencinelas. 
As  contrabatarias  jogaõ  duras , 
Difpoem-íe  no  baluarte  as  cortaduras. 

8<í. 
Confervas  ,  revelins ,  e  m  as  luas  , 
Coroas  ,  hornaveques ,  e  tenalhas 
Todas  fervem  com  traças  naó  commuas 
Aos  que  amèas  fó  tinhaò  nas  muralhas: 
Eílas  vitorias  ,  diz  ,  das  armas  tuas 
Ao  ganhar  Praças ,  e  ao  vencer  batalhas, 
Veras  ,  Henrique  ,  para  os  teus  projetos , 
Se  deixares  triunfar  os  meus  aífctos. 


Canto  IV,  113 

87. 

Exbalaçocns  nos  ares  fugitivas  Notajos. 

Eftrcllas  correm  caó  arcifíciofas, 
Que  os  ardores  ,  que  moftraó  por  feílivas 
Os  incêndios  lhe  aplacaõ  de  horrorofas  .• 
Arvores  brocaó  com  as  chamas  vivas 
Para  levar  ao  Cco  plancas  frondofas  , 
£  os  frutos  ainda  brilhaõ  no  emisferio 
Mais  que  os  que  produzio  jardim  Hefperio, 

Ao  rccolher-íc  Henrique  ,  e  a  Princeza, 
Ao  ar ,   á  terra  ,  e  agua  o  fogo  apura, 
E  no  circulo  inclue  de  huma  mefa 
Quanto  do  mundo  o  circulo  procura  : 
A  abundância,   primor,  delicadeza, 
A'  tentação  do  gofto  aqui  conjura 
Matilde  ,  e  da  bebidas  mais  divinas 
Kecbar  ,  e  ambroíla  em  copas  criftalinas. 

S9. 

Com  diverfo  exercício  as  Damas  bellas 
Servem  humas  com  pronta  bizarria. 
Outras ,  como  fuaves  Filomelas 
Cantaõ  ,   como  da  Aurora  nace  o  dia.* 
Humas  na  luz  excedem  as  Eftrcllas , 
Outras  vencem  dos  Ccos  a  melodia  , 
Planetas  faõ  de  errante  luzimento, 
Porém  Matilde  he  Sol ,  e  he  Firmamento. 

90. 

A  fantaftica  forma  da  Sybilla 
A  todas  enfinava  o  doce  canto, 
Henrique,  quando  a  vé  fabia  ,  etranquilla, 
Quafi  fe  rende  ja  ao  doce  encanto  : 
EUa  lhe  diz  ,   que  ali  fe  recopila 
Da  humana  gloria  o  templo  illuftre  ,  e  fanto  j 
Que  fe  aproveite  ,  e  que  venere  humilde  ., 

O  afFecto  da  Bemaima  Matilde.  iNcca  30^^^ 

P  pr. 


114  Henriquéida 

Que  eftc  nupcial  primeiro  ,  e  caílo  laço 
A  Tereza  prefere  na  aliança  , 
E  que  nefte  invencível  embaraço 
Para  o  divorcio  jufta  caufa  alcança  ; 
Que  dos  tempos  ja  vio  no  largo  efpaço 
Dos  claros  fuccefíbres  a  efperança  , 
E  que  cm  quantas  vitorias  diftribue 
Nota  5  'O  A  Aífonfo  inútil  Pedro  fubftitue. 

92. 
Unindo  a  clara  voz  á  doce  lira 
Nota  511.  Q^ial  filha  de  Aclóo  ,  aíTim  cantava  * 

Mas  como  vio  ao  génio  ,  que  a  inípira. 
Da  harmonia  os  acentos  imitava  ; 
Verfos  mágicos  faó  ,  com  que  confpira 
Triunfar  da  firmeza  ,  que  encontrava  , 
Pode  mais  das  virtudes  o  preíidio 
Nota  5 li.  Que  a  Cromática  uniaõ  do  canto  Lidio. 

5)5. 
Nota  515.  Amor  alma  do  mundo  ao  mundo  inflama» 

Que  o  mundo  fem  amor  fe  defanima  , 
Quem  naõ  fomenta  efta  celeíle  chama, 
O  ardor ,  que  vivifica  ,   defeílima  : 
Mas  o  primeiro  amor  he  fó  quem  ama. 
Nunca  a  inconftancia  a  natureza  anima  : 
O  Graô  Motor ,   que  fez  o  Firmanjento  , 
Deu  aos  orbes  no  amor  o  movimento. 

94- 
Aos  abraços  do  Sol  fogindo  a  Aurora, 
Elle  confiante  os  feus  rigores  fegue  > 
E  ella  quer  fó  da  luz  fer  precurfora  , 
Nota  51^.  Porque  no  antigo  efpofo  o  amor  empregue: 
Diana  ,   a  que  Endimion  fonhando  adora. 
Ainda  que  o  feu  amor  nunca  coníegue , 
Por  fer  do  amor  primeiro  o  privilegio. 
Nota  3^5-  De  Adeon  calligou  o  facrilegio. 


9r. 


Canto  IV.  1  í  5 

Amando  a  Tetis  os  velozes  rios 
Correm  bufcando  a  morte  entre  os  ícus  braços, 
E  aos  labyrintos  verdes ,  e  fombrios 
Rompem  as  efmeraldas  dos  íeus  laços : 
Nem  dos  montes  os  ásperos  defvios. 
Nem  dos  penedos  duros  embaraços , 
Interrompem  no  bofque  ,  nem  no  monte 
O  amor  que  bebem  na  nativa  fonte. 

96. 
Sabem  ,  que  haõ  de  acabar  as  tenras  flores 
Do  Sol  que  adoraó  aos  ardentes  rayos , 
E  ances  querem  morrer  entre  os  ardores, 
Que  deixar  de  nafcer  entre  os  defmayos: 
Clicie  ,  que  fegue  os  Delficos  fulgores , 
Naó  muda  dos  íeus  giros  os  eníayos  , 
Sabendo  ,  que  do  eftrago  fulminante 

Será  primeiro  emprego  amor  gigante.  Nota  5 16. 

97. 
Da  vibora  os  matizes  enganofos  j^^^^  ,  ^  ^ 

Bufca  o  amante  ,  e  fabc  que  os  afagos 
Haó  de  fer  em  carinhos  venenofos 
Do  Teu  trágico  amor  doces  eftragos  : 
E  ella  concebe  os  filhos  horrorofos 
Dcípreíando  os  aviíos ,  que  prefagos 
Lhe  moftraó  que  ao  naícer  he  matricida 
O  ingrato  bruto  da  tirana  vida. 

98. 
Abraça  a  vide  ao  infecundo  Olmeiro, 
Sem  mudar  feus  terniflimos  abraços. 
Vendo  junto  dos  rayos  ao  Loureiro  , 
Qiie  para  a  coroar  lhe  eftende  os  braços : 
E  antes  fe  expõem  ao  impero  groíTeiro 
Da  fulminante  féta  ,  que  em  pedaços 
Aos  pâmpanos  frutíferos  maltrata, 
Q^uerendo  antes  morrer  que  fer  ingrata. 

Pii  99. 


1 1 6  Henriqueida 

Kaõ  quer  fegundo  efpofo  trifte  a  Ave, 
Exprimindo  em  gemidos  íínas  anilas  , 
E  culpa  a  Filomena  ,   que  fuave 
Encre  as  queixas  apura  as  confonancias , 
Do  vòo  leve  ,  nem  do  acento  grave 
Se  vai  nas  folitarias  diílbnancias, 
Efpera  immovel ,  fem  feguir  feu  giro. 
Da  feca  ambiciofa  o  fatal  tiro. 

100. 

Pois  fe  cendo  a  certeza  da  ruina 
Conferva  o  fenlitivo  ,  e  vegetante 
O  ícu  prim.eiro  affedo  ,   que  o  inclina 3. 
Na  íimpatia  do  feu  peiro  amante: 
Como  tu  da  belleza  mais  divina 
Foges  pérfido  ,  ingrato  ,  e  inconílanre  > 
Ouando  promete  em  feu  amor  caricias , 
Tezouros ,  goílos  j  bens,  glorias,  delicias.^ 

lOÍ. 

Vé  ,   que  queixofos  os  feus  olhos  bellos. 
Mudos  eftaó  culpando  os  teus  defvios,. 
E  íe  os  naõ  enxugaííem  feus  cabellos , 
Naufragarão  de  aljôfares  em  rios : 
E  fe  aos  fofpiros  queres  ente  idellos  j 
Vencerão  teus  ingratos  defvarios ; 
Mudos  os  íeus  efpiritos  velozes 
Mais  haõ  de  convcnccrte  do  que  as  vozes. 

102. 

Com  amoroíos  licitos  afagos 
Em  pofles  trocarás  as  efperanças ; 
Fixa  os  affedos  ,  que  girando  vagos 
Do  teu  génio  aprenderão  as  mudanças  .- 
n-eixa  da  guerra  os  bárbaros,  eftragos , 
QvlQ  no  templo  da  gloria  a  gloria  alcanças ;        • 
O  Amor  na  fiia  Corte  te  eterniza  , 
E  o  teu  merecimento  diviniza. 

lOJ. 


Canto  IV.  II j 


103. 

Refpire  o  ecco  amor  ;  amor  refpondem 
Mil  amor  s  ,  que  voaó  pelos  ares, 
Amor  as  bellas  ninfas  correfpondem 
Em  bofques  ,  plantas  ,  fontes ,   rios ,  mares  j 
Os  goílos  apparecem  ,  fó  fecrcondem 
As  magoas ,  fuftos ,  anciãs ,  e  pefares : 
Ama  a  Matilde  ,   Henrique,  continua j 
Mas  a  razaõ  no  engano  naó  fludua. 

104. 

Matilde  a  interrompeo  ,  Gran  Profecifa  , 
A  cuja  voz  as  penhas  faõ  velozes , 
Detém  ao  rio  a  voz  ,   queofuaviza, 
Domeílicaó-fe  os  brutos  mais  ferozes  : 
Deixa  quem  nos  rigores  fe  eterniza 
Tanto  que  até  refifte  as  tuas  vozes  ; 
Que  as  penhas  vence  duras ,  e  feveras  5 
No  frio  as  aguas ,  no  tirano  as  feras. 

105. 

Permiteme  qne  em  lagrimas  me  afogue, 
E  que  com  mais  razaõ  qne  a  amante  Dido 
Da  trifte  vida  as  duras  leys  revogue , 
Acabe  hum  fentimento  em  hum  fentido  , 
Antes  do  que  a  hum  ingrato  tanto  rogue,  . 
E  fcm  que  efpere  vello  enternecido, 
Profane  fem  remédio  amor  infaufto  , 
E  apague  a  agua  do  pranto  eíle  holocaufto. 

106. 

O  Varaõ  fabio  ,  a  quem  o  amor  ferira , 
Quando  a  belleza  as  lagrimas  prepara  , 
Se  da  virtude  as  armas  naó  veíHra  , 
E  fe  as  vozes  do  Ceo  naó  invocara  , 
Diz  á  Sibiila  ,   que  elle  mais  fe  admira  , 
Vendo  a  fua  fciencia  fempre  rara , 
Que  embarace  os  piiíTimos  intentos 

De  dedicar  á  Virgem  nes  talentos.  Nota5ía. 

107. 


1 1 8  Henricjueida 

I07. 

Q_iie  nas  fuás  acções  íempre  dedica 
A  Dcos  primeiro  o  reverente  culto, 
E  queaquelle  Palácio  multiplica 
Ao  luxo  ,  e  á  vaidade  amado  infulto  .- 
Que  quer  ver  o  lugar  ,    que  fantiíica  , 
Ou  em  publico  templo  ,  ou  ainda  occukoj 
As  aras ,  em  que  renda  a  vaíTalagera 
Da  Divina  Maria  á  Sacra  Imagem. 

Io8. 

Naó  deu  o  alto  Motor  á  vil  ferpente 
Mais  permiíTaó  no  artificiofo  rifco  ; 
No  efpelho  da  virtude  transparente 
Morreo  ^  porque  íe  vio  ,  qual  Baíilifco. 
Tudo  defapparece  de  repente , 
Pirâmide  ,  coluna  ,  ou  obeliíco 
Naó  fubííftio  neíte  edifício  vago  , 
Nem  para  fer  padraó  do  mefmo  eftrago. 

109. 

Venccfte ,  Henrique  ,  fó  fe  ouvio  nos  ares. 
Ou  por  dizer  melhor  ,  venceo  Maria  , 
Teus  filhos  vivem  ;  digo-o  com  pefares , 
Tudo  o  mais  erro  foy  da  fantaíía; 
Por  favores  do  Ceo  taõ  fingulares 
O  Varaó  fe  confirma  na  fé  pia  , 
De  que  há  de  achar  a  imagem  dezejada  , 
Qiie  eíla  ventura  naó  fera  íonhada. 

110. 

Moniz  ,  a  quem  defpcrta  o  terremoro  , 
Bufca  Henrique  no  bofque  dos  Loureiros, 
Que  como  ao  mayor  Ímpeto  do  Noto 
Foraõ  fáceis  defpojos ,  e  ligeiros  : 
O  Ídolo  de  Palias  cahio  roto  , 
E  os  fimulacros  falfos  ,  e  grolíeiros  , 
Que  eraó  da  idolatria  falíos  laços. 
Tem  inteira  ruína  em  mil  pedaços. 

II I. 


Canto  IV.  119 

III. 

Mais  que  a  aurora  vulgar  Divina  Aurora  jsíota  319. 

Aos  dois  Varões  devotos  amanhece, 
Que  he  da  fermofa  Lua  vencedora  , 
E  eleica  como  o  Sol ,  naõ  o  eícurece  : 
E  também  das  vitorias  precurforas 
Ao  Abyfmo  terrivel  fó  parece  , 
E  he  contra  ellc  o  Teu  rigor  armado 
Invencível  exercito  ordenado. 

1 1 2. 

Contou  Henrique  ao  General  valente, 
Fiel  miniftro  ,  fabio  Confelheiro  , 
O  íucceíTo  admirável ,  e  prudente 
Encobre  aos  mais  o  cafo  verdadeiro.- 
Ambos  bufcaó  feguindo  a  luz  do  Oriente 
O  efcuro  occafo  do  melhor  luzeiro  : 

Giraldo  entaó  chegou  Prelado  illuftre  Noca  320. 

Das  Hefpanhas  Primas  ,    de  Braga  luftre. 

113. 

Vinha  o  Santo  Pontífice  com  zelo 
Corroborar  a  Henrique  na  fadiga 
Do  feu  Chriftaõ,   e  militar  defvelo. 
Com  que  fabe  vencer  fúria  inimiga  ; 
Das  virtudes  protótipo  ,  e  modelo  , 
Os  vícios  ,  que  naõ  tem  ,  em  fí  caftiga. 
Que  a  naõ  fet  fó  do  Ceo  efla  violência  , 
Fora  nelle  injuíliça  a  penitencia. 

O  Herôe  o  faudou  ,  e  elle  com  rifo 
Grave,  e  benigno,  fácil,  emodeílo. 
Lhe  diz  ,  que  também  teve  certo  avizo  , 
Que  o  tefouro  feria  manifeílo; 
Que  o  milagre  fera  premio  precifo 
Do  voto  ardente  ,  e  do  dezejo  honeílo, 
E  porque  a  Corte  juntos  efperafiem  , 
Na  Quinta  de  Refende  defcanfaíTem.  í^^ta  321. 


120  Henriqueida 

Naõ  fubia  a  fer  emulo  dos  aftros. 
Nem  moftrava  em  inútil  froncifpicio 
Mármores  envejados  de  alabaftros , 
O  nobre  ,  mas  To  commodo  edifício  : 
Dos  Rèfendes  encaõ  ,   hoje  dos  Caftros  , 
Moftra  de  antiguidade  hum  claro  indicio; 
E  Giraldo  ao  entrar  com  alegria 
A  Henrique  eílas  pa'avras  proferia. 

Donde  vereis ,  Senhor  ,  outra  cohorcc 
De  purpura  ,  e  de  prata  bem  veítida , 
As  Damas  bellas  ,  e  luzida  Corte  , 
E  a  Princeza  mais  bella  ,  e  mais  luzida : 
Exercicios  de  Apoilo  ,  e  de  Mavorte, 
Mefa  a  mais  abundante  ,  e  mais  polida ; 
Donde  Liíipo  ,  que  fez  vivo  ao  jafpe, 
E  Apelles  o  retrato  de  Campafpe  ? 

117. 

Admirays*vos  de  ouvir  quanto  eu  exponho, 
E  naõ  vos  admirais  de  que  a  vaidade, 
Como  era  fonho  ,  fe  tornaíTe  em  fonho  , 
Calligando  huma  vãa  curiofidade? 
Mais  certas  profecias  interponho  : 
Que  a  mefma  voz  eterna  da  verdade 
Permicio  tentaçoens  taõ  importunas , 
Para  darvos ,  vencendo  as  mais  fortunas. 

118- 

Morrco  Matilde  ,  e  os  filhos  ,  que  julgáveis 
Perdidos,  ainda  hoje  eílafj  perdidos, 
Mas  por  fegredos  altos  ,  e  admiráveis 
De  todo  vos  feraõ  reílituidos. 
Diffe  ,  e  nos  documentos  faudaveis 
Do  zelo  ,  e  da  verdade  bem  nafcidos , 
Henrique,   a  quem  anima  feliz  aura  , 
Da  pena  ,  naõ  do  affombro  fe  reftaura. 

1 19. 


Canto  IV.  izi 

119. 

Era  Santo  ,  era  fabio  ,  e  era  velho 
O  Varaõ  ,  que  o  infpira ,   enfina  ,  adverte, 
Naõ  traz  malignidade  o  íeu  confelho , 
A  ignorância  ,  e  lifonja  o  naõ  perverte  : 
Como  em  claro  j  em  fiel ,  em  puro  erpelho, 
Nelle  vé  a  verdade  ,  e  porque  acerte, 
Lhe  naõ  referva  quanto  o  peito  encerra 
Do  que  difpoem  na  paz  ,  e  obra  na  guerra. 

110. 
Explica  da  Sybilla  algum  myílerio. 
Que  o  Herôe  penetrado  naõ  tivcíTe , 
E  as  máximas  politicas  do  Império 
Com  folidos  avizos  lhe  offerece  ; 
Gloria  á  virtude ,  ao  vicio  vitupério  , 

Saõ  os  dois  poios ,  em  que  permanece , 

Ao  amigo  fiel ,    forte  ao  contrario , 

Firmeza  em  religião  ,    ordem  no  erário. 

121. 
Seis  vezes  vio  o  Sol  nos  mais  Planetas 

Correr  os  dias ,  e  paíTar  as  horas , 

Outras  tantas  do  mar  ondas  inquietas, 

Vendo-fe  nos  criftàes  tantas  auroras ; 

Qiie  os  três  Varoens  em  praticas  fecrecas 

Formara;?  as  idéas  precurforas 

De  ter  o  novo  Império  eternidade 

Ka  reflexão  ,  no  acerto  ,  e  na  verdade. 


HEN- 


IZ2 

HENRIQUEIDA 

CANTO    V. 

Argumento. 

D  Entro  de  hum  Cajlanheiro  a  Imagem  SantA 
Se  de fc obre  ,  Terez^a  efta.  ciofa , 
u4xa  cruel  tretçao  fera  adianta , 
Trepara  Henrique  a  obrafuntuofa , 
Do  anfiteatro  fe  executa  a  planta  , 
De  jogos  varonis  fefta  famofa  , 
DaÕ  braz-oens  da  Nobreza  as  varias  cores , 
Bermudo  a  Vrania  expõem  puros  amores, 

I. 
Nota  3ii.  Ja  no  dia  do  Sol  o  Sol  ao  dia 

Na  fecima  manhãa  a  luz  moftrava, 
E  o  defcanío  ,  que  ao  mundo  concedia  , 
Aos  três  fabios  Varoens  naó  grangeava: 
O  Tanto  zelo  ,  em  que  qualquer  ardia. 
Mais  que  os  rayos  de  Febo  os  inflamava  , 
Rompendo  de  víorfeo  doces  cadeas, 
Lhe  illuílra  aftro  melhor  puras  idcas. 


i. 


Nota  315.  Contava  a  tradição  ,  que  a  imagem  Santa 

Roubada  ao  Mahometano  facrilegio 
Tinha  por  templo  o  tronco  de  huma  planta» 
Que  guardava  fiel  tal  privilegio  , 
A  cxaminallas  todas  fe  adianta 
O  cuidado  devoro  ,   ardente  ,  e  Régio  , 
Q^ue  a  arvore  ,   que  occulta  tanta  gloria. 
Os  Séculos  ufurpaõ  á  memoria, 


Canto  V.  123 

Arde  o  dczcjo  ,  e  quando  adiva  a  calmt 

Os  campos  queima  ,  os  ruílicos  fulmina , 

Em  amorofo  fogo  acéa  a  alma , 

Por  bufcar  de  Maria  a  luz  Divina: 

Cedro  ,  Oliveira  ,  Placano  ,  nem  Palma 

A  fé  deixa  nas  plantas ,  que  examina , 

Até  que  vio  da  Roza  o  atributo 

Na  que  entre  efpinhos  fimboliza  hum  fr^co, 

4- 
Aos  troncos  dominava  hum  Caftanheiro 

Nan  fó  por  mais  antigo  venerado 

Pois  do  Mundo  no  Século  primeiro 

Fora  do  Paraízo  transplantado  , 

E  do  Ímpeto  do  Africo  groííeiro 

Nas  implacáveis  fúrias  relpeitado  , 

Porém  por  mais  excelfo  ,  e  mais  frondofo , 

Se  coroava  fempre  vitoriofo. 

5- 

Eterna  enveja  do  Loureiro  eterno 
Sobre  as  nuvens  eleva  a  verde  fronte. 
Deixando  innuteis  do  profundo  Averno 
As  fadigas -de  Efterope,  edeEionce;  Nora324. 

Celcíle  inundação  do  húmido  inverno 
Diverte  antes  qr.e  a  forme  aérea  fom  e , 
E  he  fcm  temer  injurias ,   nem  defmayos , 
Izento  ás  aguas ,  fuperior  aos  rayos. 

G. 

Era  taõ  vaílo  o  concavo  profundo  , 
Qiienelle  as  Hamadriadas  occukas  ^ 

Grécia  julgara  j  e  que  ao  fronde  fo  mundo  °    ^   ^* 

Eiclávaó  da  cu  tura  as  leys  mais  culras  : 
Sacio  metal  fonoro  em  fom  jucundo  Nota  52Í. 

Mal  fe  ouvia  entre  as  partes  íempre  incultas, 
E  a  ignorância  fem  fé  a  aíTombro  tanto 
Naó  vé  milagre  ,  e  quer  fuppor  encanto. 

CLii    *  r 


124  Henriqueida 

7- 

Os  Oráculos  verdes ,  e  frondofos 
Nota  527.  Oe  Dodòna  nos  ritos  florecentes 

Naó  tiveraõ  meraes  caó  harmoniofos 
A^s  fuás  efmeraldas  eloquentes  : 
Os  Varoens  a  eíles  eccos  mifteriofos 
Defpertaó  nos  aíFectos  mais  ardentes, 
A  planta  cede  ao  ferro  com  violência» 
Eera  ambiçaõ  devota  a  reíiílencia. 

8. 
Breve  templo  de  bronze  refonante 
Por  largo  tempo  encobre  as  claras  vozes 
Naó  permitindo  o  Ceo  que  as  fie  amante 
Do  ecco  ligeiro  aos  círculos  velozes  : 
Dos  facrilegios  fcmpre  triunfante 
E  de  injurias  dos  Séculos  atrozes , 
Fiel  guarda  o  depoíito  divino 
Da  tutelar  do  Portuguez  deftino, 

9- 
Cedro  incorrupto  á  celeftiai  Imageni 

Naó  Çqy  fe  reverente  ,  fe  atrevido 
Formou,  e  á  bella  copia  deu  ventagera  , 
Que  foíTe  efte  retrato  parecido  : 
Pois  quem  naó  deu  á  culpa  outra  omenagem  , 
Original  naó  teve  ,  nem  fingido  , 
E  ró  fora  o  modelo  taõ  perfeito 
Da  foberana  idéa  no  conceito. 

10. 
Na  mão  direita  hum  fruto  rubicundo 
Prende  ,  porque  outra  vez  fe  naõ  atreva, 
Se  em  breve  esfera  retratava  o  mundo  , 
A  pervertelo  nos  enganos  de  Eva  : 
Ao  bello  Infante  plácido  ,  e  jucundo. 
Porque  eterno  carinho  fó  lhe  deva  , 
Do  coração  no  lado  pós  amante 
A  maõ  ,  do  melhor  Ceo  mais  cerco  Atlante. 

Ill 


J 


Canto  V.  125* 

1 1. 

o  Prelado  ,  o  Heroc ,  o  Confelheiro  , 
Devoto  ,   reverente ,    e  obrequiofo  , 
Vinculaõ  a  hum  fó  Culto  verdadeiro 
O  Santo  ,  o  agradecido  ,  e  o  piedofo. 

Sedo  falfo  Palladio  outro  madeiro  Nota328. 

Foy  em  Troya  depofito  enganofo  , 
Efte  ,   que  tanto  anima  ,  quanto  inflama, 
No  peito  acende  mais  benigna  chama. 

12. 

Giraldo  da  Deidade  illuminado 
A  Henrique  altas  fortunas  profetiza, 
De  que  fera  o  Reyno  eternizado  , 
Pois  de  Maria  os  cultos  eterniza  .- 

De  Affonfo  a  Claraval  vé  venerado  ,  Nota  519; 

E  hum  Joaó  eíTc  culto  immortaliza ,  Nota  530, 

De  eílranho  jugo  ao  libertar  o  Império 
No  feudo  de  hum  puriíTimo  myfterio. 

Naõ  verde  jafpe  do  fíncel  polido 
A's  difcretas  fadigas  obediente 
Ainda  forma  o  altar  enriquecido 
Do  generofo  afFeto  em  culto  ardente  * 
Mas  de  folhas  hum  templo  bem  tecido 
He  da  efperança  íymbolo  excellente  , 
Que  occultaó  entre  o  verde  com  primores 
Os  affetos  em  frutos  ,  como  em  flores. 

14. 

A  faudar  Maria  vem  as  Aves , 
E  achaõ  fó  hoje  unidos  Sol ,  e  Aurora  , 
E  as  facrifica  victimas  fuaves 
De  inftrumentos  ebúrneos  voz  canora; 
Nos  acentos  agudos ,  e  nos  graves 
Sc  matizava  a  mufica  fonora  , 
E  a  cor  das  pennas ,  que  mudou  no  pletro. 
Iguala  as  varias  ^laufulas  do  metro.  o 

15- 


126  Henricjueida 

A'  que  Fenis  renace  pura ,  e  bella 
Celebraõ  com  a  doce  confonancia^ 
E  em  Coros  a  fuaviffima  Capella 
Se  transforma  em  Angélica  íuítancia : 
Da  Canicula  emenda  a  impura  eftrella 
No  Orbe  inferior  a  ardente  diffonancia  ; 
E  de  mil  Filomenas  nos  acentos 
Ajuftaõ  a  harmonia  os  elementos. 

Naõ  menos  agradável  melodia 
A  mufica  de  Marte  ao  longe  entoa  , 
E  entre  os  Clarins  a  bellica  alegria 
Paciíicos  triunfos  apregoa: 
Que  vem  do  Porto  a  Regia  companhia 
Na  trombeta  da  Fama  ao  Mundo  foa  ; 
E  ainda  quando  de  perto  os  ares  rompe, 
Devotas  íufpenfoens  naõ  interrompe. 

Ja  accufa  o  carinho  da  Princesa 
No  fino  coração  do  amado  efpoío 
De  defcuidada  ,  e  tarda  huma  fineza , 
Que  deixava  hum  affeco  receofo  .* 
Qiierendo  convencello  de  tibieza 
Se  adianta  ao  concurfo  num  rofo  , 
E  fó  ,  trirte  ,  e  íolicita  fe  perde 
Entre  o  frondofo  labyrinto  verde. 

18. 

Da  harmonia  das  Aves  acrahida 
Vio  de  folhas  breviíTlmo  edifício  : 
Ouvio  de  Henrique  a  voz  bem  conhecida. 
Que  deu  ao  feu  ciúme  hum  novo  indicio  -, 
Pois  com  ternura  amante  ,  e  bem  nafcida  , 
AíTim  dizia  :  O  raro  beneficio  / 
O^  felice  ocaííaõ  ,  forte  oportuna  , 
„  Que  hoje  ,  fem  merecer  devo  á  fortuna  ! 

19. 


Canto  V.  127 

19. 

Belliffima  Deidade  ,   que  cxcedeftcs 
Das  Humanas  a  frágil  ferniofura  , 
E  que  nefte  retiro  concedeíles , 
Que  vos  adore  com  a  fé  mais  pura  .* 
A  Corte  deixarey  pelos  agreftes 
Deftritos ,  que  illuftraes ,  que  afllm  fe  apura  , 
Do  favor ,  que  vos  devo  ,    alta  excellencia  , 
Nem  de  Tereza  fentirey  a  aufencia. 

iO. 

Voz  Tereis  quem  governe ,  e  quem  domine 
Quanto  poíTuo  ,  e  vença  em  voíTo  nome, 
Mas  que  o  mundo  a  fervirme  íe  deftine  , 
Mas  que  efta  efpada  novos  orbes  dome  : 
Voflb  preceito  as  leys  me  determine , 
E  fô  do  voíTo  acerto  as  ordens  tome; 
Porque  o  naõ  admitirme  fora  aggravo 
Com  Tereza  ,  e  AíFonfo  por  efcravo. 

II. 

Ceííou  a  voz  ,  mas  naõ  ceifava  o  pranto , 
E  Tereza  em  receyo  fempre  injufto 
Bufcava  do  retiro  Sacrofanto 
A  entrada  que  cerrou  o  amor  mais  jufto : 
Abre ,  lhe  diz  ,  ingrato  efpofo  ,    em  quanto 
Com  dano  a  gloria  ,  e  o  amor  com  fufto  , 
Viver  me  dcixaó  vendo  huma  violência 
Que  a  inconílancia  occafiona  em  larga  aufencia. 

11. 

Bem  pode  fer  ,  que  toleraíTe  o  peito 
A  ofFenfa  intolerável  da  ciúme, 
Mas  naõ  pode  ultrajado  o  meu  refpeito 
Sofrer  liuma  vileza  ,  que  prefume  , 
Eu  ,  e  Altonfo  cativos  ?  trifle  eíFeito 
He  das  loucuras ,  que  o  amor  reíume  , 
O  mais  atroz  ,  o  mais  fatal  motivo 
De  quem  de  indigno  amor  cila  cativo, 

23* 


1 2  8  Henriqueida 

25. 
Abre  de  folhas  a  enlaçada  porca 
Henrique  alegre ,  eo  Paftor  fevero  , 
Que  no  femblance  a  Regia  Efpofa  exhorca  , 
Unindo  o  rerpeicofo  com  o  auftero  ; 
Mas  a  Princeza  do  prodigio  abforca 
Com  voto  humilde  ,    com  ardor  íincero, 
Também  quer  que  a  illuftre  a  facra  Imagem, 
Fazendo  eícravidaõ  da  vaíTalagem. 

Henrique  da  perdida  confiança 
Sejuftifica  amance  ,  e  queixa  fino, 
E  logo  lhe  refere  o  bem  ,  que  alcança 
Defcobrindo  cefouro  taó  Divino  : 
Ja  he  certeza  atimida  efperança 
De  ver  o  Infante  fem  o  mal  indino  > 
Com  que  fez  efte  acafo  íoberano 
O  ciúme  cortês ,  feliz  o  engano. 

25. 
Ja  pelo  bofque  a  numerofa  Corte 
A  ver  tanto  milagre  fe  apreflava  j 
E  a  Deofa  tutelar  da  Lufa  forte 
A  Lamego  o  Pontiíice  levava  : 
Affonfo  ,  que  de  Adónis  ,  e  Mavorte 
Moítrava  a  forma  ,    e  o  valor  guardava  , 
Maria  adora  tendo  em  dote  infuío 
Pelo  affeto  a  rafa  . ,  primeiro  o  ufo. 

26. 
Incrédulas  as  bellas  Africanas 
Diíllmulaõ  nos  roítros  as  idéas , 
E  vendo  as  fermofuras  foberanas , 
Poucos  Ía6  os  ifentos  das  cadcas : 
Ambas  galhaidas  ,  ambas  inhumanas  , 
Nota  357.  <,efj,  encantos  de  Circes ,  e  Medsas ,  v 

Fazem  temer  no  amante  parafifmo 
Mais  do  Ceo  a  violência  que  a  do  Abyfmo 

17- 


'Canto  Vi  11^ 

Seguia  â  Aldára  o  infeliz  Pelayo  5^ 
Que  ao  lilencio  o  Teu  mal  acento  cncrega  * 
Convalecido  do  mortal  dcfmayo , 
De  que  a  ignorada  caufa  a  todos  nega:  ; 

Serve ,  e  rofpira ,  e  fe  algum  triíla  enfayo 
De  hum  peito ,  que  com  magoas  naó  focega ,' 
Algum  indicio  do  feu  mal  defcobre. 
Multiplicando  a  cinza,  o  fogo  encobre. 

Axa ,  que  até  triunfa  na  defgraça  >  , 
Domina   hum  negro  bruto  ,    e  refoluta 
Iras  fulmina  ,  fúrias  ameaça  , 
E   eftá  entre  as  prifoens  mais  abfoluta : 
O  varonil  naõ   diminue  a  graça 
Do  bello,  e  por  vencer  forte,  e  aftuca^ 
Quem  do  valor  fe  livra  com  violência, 
Naõ  acha  à  fermofura  refiftencia. 

O  Rey  ,  a  quem  já  move  afFecto  pio 
Da  Religião  Chriftâa  ,  e  o  diíTimula , 
Defcobre  da  heroína   no  defvio  , 
Que   o  temor  da  mudança  a  eftímula : 
Porém   Axa,  que  o   Mouro   defvario 
Defprefa  ,  novos  erros  acumula. 
Seguindo  os  Deofes  falfos ,   que  a  poefia 
Só  conferva  da  antiga  idolatria. 

30. 
A  maquina  ,  que  armava  ,  dcí^ruira 
Do  efpofo  a  converçaô  ,  que  já  íoípeita , 
E  fem  fiarlhe  o  que  infiel  conípira  , 
Finge,  que  delle  vive  fatisfeita; 
Ao  valor ,  e  ambição  ,  cauuela  ,  c  ira  ,' 
A  fua  altiva'  idea  efta  foi;eica  ; 
Com  Muftafá ,  que  foy  cativo  em  Gaya , 
Os  projedos  belligeros  enfaya. 

R  '3.. 


1 3  o  Henriqueida 

Do  camínfio  apartada  aíTim  lhe  diíTc  : 
Galhardo  Capitão,  deftro  ,  e  valente,  ^'  ■ 

E  que  até  na  defgraça  eftás  felice , 
Pois  confiante  a  toleras,  e  prudente; 
O  teu  conrer-^o  infpire  huma  infelice, 
Que  hoje  fia  de  ti  o  mal,  que  fentej  .^J 

Ivlas  vé,  que  naó  admite  huma  arrogância,'      vv 
Prudência,  que  pareça  tolerância. 

52. 

Eftes  Chriftãos  fe  vem  hoje  elevados 
Em  illufaó  taó  nova  ,  e  agradável , 
Que  efquecidos  do  génio  de  Soldados  '"/t. 

Se  enganaõ  com  deícuido  mais  culpável;         "^  ^ 
Sem  cautela  nos  levaó  confiados 
A' Corte,  donde  a  forte  fempre  inftavel 
Nos  vio  no  Trono ,  e  com  diverfo  eífeito 
Hoje  nos  vé  com  laftima ,  e  refpeito. 

55. 
Nella  tenho  parciaes  bem  encubertos; 

Animey   entre  oS  ferros  os  cativos, 
Sty  que  fe  movem  por  avifos  certos , 
Já  de  Leiria  os  Mouros  mais  altivos : 
Numerofos,  intrépidos,  e  expertos 
Já  correm  taõ  velozes  ,  como  adivos , 
E  Muley,  ou  por  força,  ou  por  fobornos 
Ganhou  muitos  Caftellos  dos  contornos. 

Inquietando  O  paiz  com  correrias 
Excita  os  feus ,  e  na  inimiga  terra 
Os  entretém  nas  fortes  ouzadias, 
E  os  exercita  na  pequena  guerra-, 
Como  fempre  em  finiíTimas  porfias 
O  amor  de  Aldára  no  feu  peito  encerra ,  '^^  ^^ 
Rouballa  intenta,  e  de  taõ  nobre  infulco        ' 
Só  de  mim  fia  efte  fegredo  occulto,  ' 


Canto  V,  ijí 

Celebrar  quer  Henrique  hum  íímulacro> 
Que  da  Mãy  do  feu  Deos  hoje  deícobre, 
Jogos  publicará  com  rico  facro 
Do  culto  vaõ  em  exercício  nobre; 
E  que  íerá  fe  ElRcy  no  feu  lavacro 
Se  manchar,  porque  ainda  que  mo  encobre, 
Mal  diíTmiula  o  cego  paraíifmo 
De  naufragar  nas  aguas  do  Bautirmo? 

Antes  que  abacimenco  caõ  infame 
Se  faiba  de  quem  teve  o  louro   Régio, 
E  que  ao  meu  coração  a  fúria  inflame 
A  caftigar  já  cerco  ofacrilegio; 
He  jufto  que  a  hum  cobarde  mais  naõ  ame,' 
Pois  fe  efqueceo  do  raro  privilegio 
De  que  admicillo  amante  era  impoíTivel 
Sem  o  heróico  carader  de  invenciveL 

57. 
Pois  o  favor  alcanças  de  Roberto,  Notaníj 

Naõ  porque  em  ti  venere  a  antigua  gloria, 
Mas  porque  em  teu  triunfo  moftra  certo 
Em  ti  vivo  o  Padraõ  de  huma  vitoria; 
Sahirás  de  Lamego  hoje  encuberto. 
Que  a  tua  falta  naõ  fera  notória , 
Em  quanto  occupaõ  todos  de  outra  forte 
Feftas  da  Imagem ,  c  atracções  da  Corte. 

58. 
Pratico  és  do  paiz ;  do  frio  Hermínio  Nota  3  3  ii 

Bufca  com  largo  giro  o  mais  fragofo, 
E  fe  paíTas  o  Tejo  ,  no  dominio 
Entrarás  do  Africano  poderofo  , 
E  te  affeguro  certo  o  vaticinio 
De  que  fe  te  fingires  cautelofo 
Em  caçar  pelos  bofques  empenhado, 
Confeguirás  o  intento  dezejado. 
->i  R  ii  lii 


i^i  HenriqueMà. 

3  9- 
Pois  falias  no  idioma,  e  dialeílo 

Í\'0£a554.  Gallcgo,  e  Portuguez  novo,  eancigo, 
Precifo  eftudo  a  hum  General  provedo 
Saber  apropria  língua  do  inimigo , 
Veremos  bem  logrado  o  graõ  projeâros 
E  íc  por  ti  o  mayor  bem  coníigo, 
Verás,  nos  meus   intentos  fempre  gratos. 
Que  ÍÓ  peitos  cobardes  faõ  ingratos. 

40. 
NeíiC  occulto  lugar  pronta  equipagem 
Terás  de  caçador,  porque  Ermeíínda, 
Que  a  amar  de  Palias  a  valente  imagem 

Nota  3 3  5-.  ^^y  educada  em  Perfía  por  Clorinda, 
E  que  me  fegue  em  fina  vaíTalagem 
Fiel,   difcreta,  valerofa,  c  linda-, 
Mas  naó  pinto  o  que  fey,    que  nao  ignorasí 
Pois  com  decente  amor  feliz  a  adoras. 

Tanto  que  a  luz  em  trágico  naufrágio 
Morrer  no  Occafo  por  nafcer  no  Oriente, 
Quando  a  ave  de  Marte  com  prefagio 
/  °^^'5  'Do  oppofto  meridiano  as  glorias  fente, 
E  quando  no  fuaviíTimo  contagio. 
Que  cauía  o  foporifero  aceidente, 
Quem  fe  julga  immortal,  invido,  e  forte 
Se  rende  nciíe  enfayo  ás  leys  da  mort-e. 

Há  de  encregarte,  ò  Muftafá  galhardo.. 
A  inftrucçaõ,  que  retenho  prometido, 
E  as  cartas  a  Muley  com  tal  refguardo, 
KT^í-n.,^  Q^e  o  que  lhe  avifo  vay  defconhccido : 

Com  letas,  earco,  com  aliava,  e  clarão,    '  ' 
Irás  diííimulado,  e  defendido,  ' 

Para  encobrir  pclla   inimiga  terra 
Nota  338.  Qqxíx  a  imagem  da  guerra  amefma  guerra.' 

43.4 


Canto  V.  133 

43- 

Mudafá  obediência  lhe  aílcgura; 
Impaciente  no  boíqiie  a  noite  crpcra, 
E  eftá  ceito  que  nunca  fcja  efcura. 
Se  Ermcínida  illuílrar  a  verde  esfera: 
Sempre  amanhece  a  fua  tcrmoíura, 
E  mais  que  a  fombra  a  fua  luz  impera; 
O  amor  o  anima,  o  medo  naõ  o  aíTombra; 
E  para  ver  a  luz  dezeja  a  fombra. 

Aneicipou  fe  a  noite  compaíllva, 
Como  parcial  do  amor,  c  do  delito  i 
Veyo  a  bella  Africana,  e  atractiva 
Difpenfa  huma  efperança  ao  peito  aflito  jí 
Das  ordens  da  Rainha  executiva 
Elle  íe  alenta  mais  para  o  conflito. 
Que  das  armas ,  que  vefte  em  taes  enfayos ; 
Nas  fécas  com  que  mataò  os  feus  rayos. 

45- 
Quando  lhe  diz,    belliíTima  tirana; 

Me  naó  crouxefle  as  mais  atrozes  fétas? 

E  quando  aos  meus  afleótos  inhumana 

Menaõ  mudafte  os  aflros  em  cometas? 

Mas  como  me  dominas  foberana, 

A  executar  as  ordens,  que  interpretas,^ 

Taô  veloz  voltarey  que  em  fino  incencd 

Dè  azas  o  dezejo  ao  penfamento. 

46. 

Refponde-lhe  Ermefinda,  que  premiado 

O  feu  amor  fera,  fe  coníeguido 

Se  vir  efle  projedo  dezejado 

Em  que   fe  veja  Henrique  deftruido  ; 

Que  teme,  elle  lhe  diz,  ver  malogrado 

Tanto  bem,  pois  do  fado  perfeguido 

5)  Fora  ,  mas  teme  que  ainda  mais  o  íejá 

?i  De  canto    bem  na  bem  naícida  enveja. 


134  Henriqueida. 

47, 

Separaõ-fe  os  amantes ,  porque  as  vozes 
Dos  Porcuguezes  já  vizinhas  íoaó, 
E  da  aufencia  os  tormentos  mais  atrozes 
Nos  dois  peitos  asirss    apregoaõ; 
..i,   .        Muílafá  guia  os  paílbs  mais  veÍQzes ; 

Por  donde  os  moiitcs   ao  paiz  coroaó  ; 
-,.  ^ .  ^-.«..^ Eniietinda  a  Lamego  volta  occulta , 
'  ^  '  ^  "  "  De  i\xa  naó  tanto  a  forte  dificulta. 

48. 
í<Iotaj55i.  Sahio  mais  claro  o  Sol,  quando   da  Lua 

O  mundo  conta  o  agradável  dia, 
Pois  aftro  mais  brilhante  à  gloria  fua 
Novam.ente  no  mundo   apparecia; 
Deftro  arquitedo  a  traça  naó  comua 
A  Henrique  delineada   entaõ  trafia , 
Dando  da  devoção  o  pio  exemplo 
Efcolhe  ameno  íitio  ao  novo  templo. 

49- 
Eminente ,  frutífero  ,  e  frondofo 
O  lugar,   que  elegerão,  íè  dilata 
Naõ  longe  donde  o  Douro   caudalofo 
Engafta  em  ouro  a  precioía  prata; 
Nota  540.  p^fjj  donde  fe  exalta  luminofo 

O  pólo,  em  que  Caliílo  fe  retrata. 
Se  aparca  de  Lamego,   e  nos  efpaços 
Nota  541.  Nove  mil  vezes  naó  numera  os  paíTos. 

50. 
Fermofa  a  variedade  dos  objedos 
Diverfifica  a  bella  perfpediva, 
Augmentando   os  piiífimos   aífedos 
A  muda  folidaõ  mais  expreíTiva;  .  „, 

Apreífa  dos  magnânimos  projedos  mii^sJ 

O  Heróe  a  execução  pronta,  e  aâ:iva^;o  aRíOBiip 
E  a  pedra  quer  ja  por  fiel ,  c  ufano  -b  m^jpo? 
Fundamental  do  Império  Lufitano.       "  ^-ô-n^^/- 

5^' 


Canto   Vé  i\^ 

Em  quanto  ao  ferro  naõ  rcTifte  a  terra, 
;,  Nas  largas  profundifllmas  feridas, 
Feftivo  cníayo  de  agradável  guerra 
Leva  a  Fama  às  naçoens  defconhecidas; 
Qiianco  nas  leys  Olympicas  fe  encerra ,  Nota54z; 

E  nas  feílas  antigas  ri  ais  luzidas 

De  lílhmo,  ou  Nemeo,    e  ainda  o  grande  Pitio  ,  j^q^^  ^^^^j 
Quer  que  fe  exceda  Henrique  nefte  íicio. 

52. 

Mufa  ,   que  o  entuííafmo,    e  vaticínio  Nota  344; 

De  Patroclo  nos  jogos  dèfte  a  Homero, 

E  nos  do  Pay  do  fundador  Lavinio ,  Notag4í? 

Achou  Virgílio  o  numen  teu  íincero , 

Ou  menos  o  influxo  ,  que  Papinio  Nota  54^* 

Cantou  com  alto  efpírito  ,  e  fevero ; 

Ncfta  occafiaó  teu  fogo  naõ  me  occultes 

Ainda  que  em  outro  aílumpto  o  dííficulces; 

Fabrica-íe  hum  luzido  anfiteatro 
Com  milhares  de  aíTentos  divididos, 
O  ovado  fc  cortou  com  lados  quatro 
Que  eraó  dos  olhos  todos  comprehendidos; 
Na  área  do  magnifico  teatro 
Os  jogos   varonis   mais  aplaudidos 
Seriaõ  da  deftreza  dezempenho 
Antes  que  em  outros  combateíTe  o  engenho; 

54' 

Abatidos  dos  bofques  mais  vizinhos 

Os  triftes  CipariíTos  fe  lembravaõ, 

Que  occupando  poftrados  os  caminhos  j^^j^  .  .^^, 

Suas  próprias  exéquias  celebravaó : 

Lagrimas  eraó  nos  feridos  Pinhos 

Quantas  com  a  refina  dellilavaé  ; 

Sentem  do  ferro  os  golpes  mais  groííeiros. 

Se  antes  livres  dos  rayos  j  os  Loureiros. 


r  3  5  HenrifJeida 

Nota  348.  O  inílrumento  de  Ceres  nas  efpigas 

Naõ  fez  no  Eílio  mais  fatal  eílrago , 

Nota  349.  Nem  de  Vuíciírno   as  rápidas   fadigas 

Daõ  no  Outono  mais   folhas   ao  ar  vago; 
Mas  naó  cemaõ  crueldades  inimigas, 
Se  o  verde  coracaõ  he  já  preíairo 
De  que  celebraõ  com  feliz  exemplo 
Ser  confagradas  para  o  Régio  templo. 

Inteiro  a  Lua  hum  circulo    defcreve, 
^^^^  3 50- Em  quanto  o  vafto  circulo  fe  prepara, 
E  a  Fama  grita,  canta,  diz,  eefcreve 
Nas  vizinhas  regioens  feíla  táõ  rara: 
AsLeys,  que  Henrique  provido  prefcreve 
Naõ   prohibiaõ  ,    que  encuberto  entrara 
Qualquer  aventureiro  ,  que  o  intentaíie,- 
E  a  robufta  deftreza  exercitaíle  , 

57- 
E  gofaria    de  íeguro  aziío  , 
Mas  que  inimigo  foQe  ,  em  quanto  a  fcfta 
Influxo  dava  ao  mundo  taõ  tranquilo. 
Que  a  pia  caufa  eílava  manifeíla : 
Corteíia  ,  primor  ,   decência  ,  eftiío 
Da  Corce  íó  fe  achava  na  íiorefba, 
E  os  feculos  aqui  fe  renovarão  , 
Nota 551.  Que  a  Artur,  e  Carlos  Magno  eternifarao. 

58. 
As  Princezas  ,  e  as  Damas  illuílravaõ 
NotaMz.  A  ecliptica  brilhante  defta  esfera, 

E  os  que  com  fino  culto  as  adoravaõ, 

A  luz  obfervaõ ,   que  em  feu  peiro  impera  : 

Incimidaõ  ao  tempo  que  animavaõ 

Em  tanto   coração ,  que  ama  ,  e  venera  , 

Quanto  o  refpeito  apaga  ,  o  amor  arde  , 

Au2;mcni;ando  o  ouíado  no  cobarde. 


59. 


Canto  V,  137 

59. 

Premio  qualquer  das  Damas  ja  deílina 
A  quem  vença  cm  feii  nome  algum  combate  : 
E  fufpcndendo  as  iras  ,  que  fulmina  , 
Permite  ,   que  o  rigor  o  naó  maltrate  : 
Nobre  ambicaõ  incita  a  e;loria  fina 
De  que  o  affeto  em  laminas  retrate 
Do  mais  puro  decoro  em  novo  exceíTo 
O  ineftimavei  ,  e  preciofo  preço. 

uO. 

Henrique  há  de  julgar  fciente  ,  e  red;o 
Quem  ficar  vencedor  por  força  ,  ou  arte. 
Livre  a  juftiça  eftá  de  ódio  ,  ou  affeto  , 
Qj^ie  igual  a  todos  a  razaõ  reparte  : 
Deaflento  fuperior  qualquer  objeto 
Defcobre  ,  e  fe  difpoem  o  amor ,  e  Marte , 
Hum  fazendo  ao  mais  fino  mais  felice, 
Outro  a  livrar  o  forte  de  infelicc. 

61. 

Dois  a  dois  efquadroens  em  quatro  entradas  ^ 
(Qualquer  comporto  de  outo  Cavallciros  , 
De  ouro  ,  e  de  prata  as  cores  matizadas 
Fazem  da  guerra  enfayos  verdadeiros  ; 

As  producçoens  ,  que  Pan  vé  tra  formadas  1^014355. 

Da  amada  Ninfa  em  troncos  mais  ligeiros , 
Parecem  preciofas ,  e  luzidas , 
Que  primeiro  as  tocara  a  mão  de  Midas.  Nota  5  54. 

Do  opulento  metal ,  que  o  Sol  influe,  jr 

A  auguíla  cor  no  traje,  e  nos  arnezes , 
Illuftra  ,  como  a  forre  a  diílribue  , 
A  quadri  I13  galharda  dos  Menefes : 
Sem  divifa  no  efcudo  fe  arribue 
Pedro  Bernardo  gloria  dos  Leonezes  , 
E  por  timbre  huma  Torre  ,  em  que  eftá  prefa  , 
Como  fempre  infelicc  huma  belleza. 

S  /J5. 


138  HenricjHeida 

65. 

Nora  5^6.  Em  campo  de  ouro  as  ondas  azuladas 

Retratando  do  Távora  a  corrente; 
Sem  vozes  de  Arion  articuladas , 
Outro  Delfim  cortava  velozmente  .• 
Para  empref  s  heróicas  animadas 
Lanças  de  tanto  Távora  valente 
Seguem  em  Dom  Ramiro  hum  novo  Marte 
Sempre  cm  valor ,  agora  em  forca  ,  c  arte. 

Nora  3  5  7.  Claro  metal ,  que  a  Lua  íimbolifa 

Veílindo  a  Regia  cor  o  Rey  dos  brutos , 
Como  íigno  do  Ceo  trás  a  divifa 
Na  quadrilha  dos  Sylvas  refolutos  ; 
Com  Alderete  o  nome  immortaliza 
Dos  Leonezes  Monarcas  abfolutos , 
Donde  os  Varoens  infignes  refplandecem 
Nos  Sylvas ,  que  em  dez  Séculos  fiorecem. 

65- 

Nota  5  5  S.  Se  o  Ceo  grava  em  azul  aftros  dourados  y 

Tem  nove  aftros  azues  outro  Ceo  de  ouro 
Cs  Cunhas  fempre  illuftres,  eeftimados 
Do  Lufitano  gloria  ,  horror  do  Mouro  , 
Pelo  invicVo  Dom  Payo  hoje  guiados 
Neíle  feítivo  enfayo  fem  derdouro, 
Até  por  leves  tiros  naõ  tem  erro 
Das  firmes  Cunhas  o  cerúleo  ferro. 

66. 

Neta  3  5 5).  Com  claro  argento  no  purpúreo  efcudo 

Quatro  vezes  oh  Cynthia  reverberas 
Com  que  o  Conde  Dom  Mendo  claro  em  tudo 
Gravou  de  Soufa  o  nome  nas  esferas  ; 
Naõ  efcureças  tempo  eícuro  ,  e  mudo, 
Que  as  glorias  immortaes  cruel  alteras , 
Na  clara  defcendencia  as  efperanças 
De  triplicadas  Regias  alianças. 

67. 


Canto  V.  139 

Egas  Moniz  com  feu  brafaó  luzido  .Notftíío, 

De  Tccis  no  matiz  bandas  de  prata 
Debuxa  ,  e  de  Ataíde  efclarecido 
Ja  pronoftica  as  glorias  ,  que  dilata  : 
Será  no  Oriente  o  feu  valor  temido, 
Se  hoje  no  Occafo  os  Mouros  desbarata  , 
Pois  taõ  fino  fefteja  no  Occidente 
Da  mais  brilhante  luz  o  facro  Oriente. 

6g. 

Pelayo  Amado  valerofo  ,    e  fino  ,  Notaj^i. 

Do  ouro  ,  que  produz  a  amante  feta 
Seis  circulos  formou  ,  que  ao  feu  deftino 
Cada  hum  pena  eterna  íè  interpreta  .* 
E  nos  rubis  do  efcudo  diamantino 
Em  dobre  Cruz  tem  hum  fatal  cometa  , 
Que  a  invcncivel  ardor  do  peito  exangue 
Verteo  do  coração  no  eícudo  o  Tangue. 

69 

Outra  Cruz  ,  <:[ue  entre  prata  apura  as  flores ,     Kota  5^2, 
E  em  cauipo  carmefim  mais  refplandcce 
Das  Pereiras  nos  ramos  vencedores 
Dos  que  cinlí3  o  Loureiro  a  gloria  efquece.- 
Dotn  Rodngi)  Forjas  altos  ardores 
Infliie  nas  coroas  ,  que  ja  tece 
A  gencrofa  eftirpe  de  Bragança 
Com  a  cor  do  triunfo  ,  e  da  eíperança. 

70. 

De  outras  Regias  Familias  fe  occultavao  Nota  353. 

Os  nomes  nas  coroas  ,  a  que  uniaó 
Os  nomes  ,  que  depois  defcnlaçavaõ  , 
E  em  novas  alianças  repetiaõ  •* 
Outras  a  Portugal  ainda  naõ  davaõ 
Glori  s  j  que  em  outros  Reynos  repartiaó^ 
E  muitas  naó  refere  a  brcvid^^de, 
Ou  ufurpou  a  iniqua  antiguidade^ 

S  ii  7^» 


'  140  Henriqueida 

7». 
-  Paraõ  nos  Ccos  os  rápidos  Planetas 

Vendo  no  Mundo  eílrellas  mais  brilhantes, 
Deixando  fixas  luzes  inquiccas , 
Para  admirar  eftrellas  mais  errantes  : 
Tem  as  haíles  vibradas  por  começas , 
QLie  á  mcíma  esfera  voaõ  fulminantes  .- 
Luz  ,  gloria  ,  arte  ,  e  valor  perdem  no  Polí> 
Nota  56+.  ^^icutio  ,  Marte,  Júpiter,  e  Apollo. 

Parece  ,  que  temendo  as  flores  bellas 
Ser  dos  velozes  brutos  ultrajadas , 

Nota  565.  5ej^^  ^^yg  Flora  fe  atreva  hoje  a  prendellas? 
Correm  de  tantas  cores  matizadas  i 

Nota  366.  Ou  he  íris ,   que  dece  das  eftrellas , 

E  concorrendo  ás  feílas  celebradas  , 

Reparte  a  huma  quadrilha  ,  e  outra  quadrilha 

O  pacifico  efmalte ,  com  que  brilha. 

75- 
Nota  567.  Os  brutos  de  huma  efquadra  ruços  eraõ  , 

De  outra  morzelos  fempre  formidáveis  , 
Os  ala^oens  ligeiros  fe  efcolheraó  , 
Bufcaraõ-feroíilhos  agradáveis  : 
Os  malhados  por  vários  fe  atenderão  , 
Os  caítanhos  comuns  ,  mas  eftimaveis  y 
Correm  ruços  queimados  ,  como  rayos  , 
E  naõ  lhe  cedem  os  viílofos  bayos. 

74. 
Como  imitaõ  ao  trage  Mahometano 
Nas  trunfas ,  capelhares ,  e  marlotas  , 
Baflou  a  falfa  imagem  do  Africano  , 
iVIenefcs ,  a  inflamar  o  ardor ,  que  brotas : 
Forao  lanças  as  canas  ,  com  que  ufano 
Traípaflaífe  as  sdargas  mais  remotas , 
E  houve  alguma  ,  que  ao  golpe  fero  ,  e  rudo 
Tingio  com  fanguc  algum  fanguinho  efcudo. 


7S' 


Canto  V.  141 


7>. 

O  Távora  fc  unio  ao  graõ  Menezes, 
E  Alfagrano  ,  que  em  artios  cem  dominio  ,  Nota  3Í8» 

Aillm  gritou  :  valentes  Porcuguezes  , 
Ouvi  hum  infalivel  vacicinio  ; 
Ceíles  Heróes  unidos  os  Arnezes 
Só  derta  alegre  guerra  no  definio 
Seis  Séculos  depois  ,  aflbmbros  raros  : 

Hum  diahaõ  de  fubir  por  Moncefclaros.  Uoi^iG^. 

76. 

Ao  nome  de  Luiz  daraõ  mais  nome  , 
E  da  amizade  unindo  o  laço  eftreito  , 
Sem  que  o  furor  de  Hefpanha  os  vença  ,    ou  dome. 
Dois  grandes  coraçoens  guarda  hum  fó  peito  ; 
Menezes  ou  efpada  ,  ou  pena  tome  ,  Nota  570. 

Vencido  Apollo  vé  ,   Marte  fogeito  , 
Canta  a  Reftauraçaõ  ,   que  admira  o  Mundo  > 
Porque  as  ácçoens  celebre  do  fegundo. 

77. 

Naõ  terás  ó  Menezes  invencível 
Da  eflirpe  Varonil  na  defcendencia 
Quem  na  guerra  naó  folie  o  mais  terrível  > 
Fiel  á  Pacria  ,  illulhe  na  eloquência  : 

Duas  vezes  a  Aíia  achou  pofllvel  Nota  571; 

Ver  prudência  ,  e  valor  na  adolefcencia 
De  Henrique  ,    e  de  Luiz  a  força  fabia 
Refpeica  Malabar ,  recea  a  Arábia. 

78- 
Quatro  vezes  o  nome  de  Fernanda  >  Nota  572; 

Duas  vezes  o  nome  de  Dioso 

o 

Africa  ardente  vejo  refpeicando. 

Que  he  feu  ardor  mais  forte  ,  que  o  feu  fogo  : 

Ka  America  outro  Henrique  eílá  moflrando 

Da  idade  juvenil  o  defafogo  ; 

Segue  hum  Francifco  os  bellicos  veftigios , 

E  ha  de  cantar ,  ó  Henrique  ,  os  céus  prodígios. 

7^ 


1 42  Henriqueida 

79- 

Nota  375.  Fillio  fera  de  hnma  divina  Mufa  , 

Qiic  dos  Heróes  herdando  alça  grandeza 
Unio  Aonia  na  Hipocrene  Lufa 
Virtude  ,  defcriçaõ  ,  fciencia  belleza  ? 

Nota  374.  CeleíVe  graça  em  peifeiçoens  infufa 

De  outra  Joanna  admiro  ,  e  na  fineza 
Do  amante  efpofo  que  a  adorava  tanto 
Primeiro  fera  gloria  depois  pranto. 

80. 
O  tronco  ,  que  produz  o  verde  ramo  ,  \ 
A  quem  azul  tributo  paga  Erice , 
,j  Com  o  de  Cantanhede ,  a  que  hoje  aclamo 
Generofo  ,  fiel,  grande  ,  e  felice, 
António  vejo  ,  e  de  taõ  longe  o  amo  , 
Porque  á  I.ifia  tirou  jugo  infelice, 
Que  o  moftro  nos  futuros  ,  donde  vença 

Nora  375.  Em  Elvas ,  Montefclaros  ,  e  Valença. 


I. 


Nota  i>76.  ^"^  ^"^^  ^0"^^  ^  eílirpe  de  Tarouca 

Segue  em  Africa  a  Pedro  ,  e  a  Duarte  , 
E  a  trombeta  da  Fama  nunca  rouca 
Cante  em  Joaõ  Mercúrio,  Apollo  ,  e  Marte. 
•  Nota  3 77.  Se  os  Menezes  concaíTe  ,  fora  pouca 
A  voz  mais  elevada  ,  e  melhor  ai  te  , 
Pois  deu  o  Ceo  por  timbre  dos  Menezes  , 
Vencer  os  Mahometicos  Arnezes. 

81. 
Vendo  Alfragan  ao  Soufa  ,  e  ao  Pereyra , 
Que  guiavaõ  as  indicas  quadrilhas , 
Alfim  continuou  na  verdadeira  , 
Pintura  das  futuras  maravilhas  ; 
Nota  378.  Souía  feUz  ,   que  tanto  na  groíTeira 

Efcuridaõ  do  tempo  em  glorias  brilhas, 
Três  vezes ,  ja  o  ouvifte,   o  privilegio 
Terás  de  ver  teu  tronco  outra  vez  Régio. 

85 


Canto  V.  143 

85. 

Tefouro  de  valor  tira  das  Minas  Nota  57<); 

Huma  proíaiMa  gcncrofa  ,  e  forte  , 
E  António  tez  voar  as  Lufas  Quinas 
Até  as  collocar  na  Hefpcria  Corte  : 

Sc  cu  merecefle  infpiraçoens  divinas  ,  Nota;  80' 

Dcfcrevera  u  valor  ,  pintara  a  forte, 
„  Com  que  o  progenitor  admira  ,  e  doma 
Invencivel  Galiza  ,  fabio  Roma. 

84; 

Do  mefmo  grande  Aífonfo  Rey  terceiro  Nota  3  8 r. 

Outra  familia  excelfa  fe  deriva 
Ja  elevada  ao  titulo  primeiro 
Com  Real  aliança  fucceíTiva : 

De  UliíTes  a  Cidade  ,  a  que  hum  guerreiro  Nota  382, 

Teu  defcendente  outavo  em  força  adtiva 
Do  Hifpano  hà  de  livrar ,  veja  hum  Prelado  , 
Que  á  purpura  illuftrou  o  ardor  íagrado. 

85. 

Única,  bella  ,  fabia  fucceíTorâ  Nota  5  8  5. 

De  Lufitania  ,  e  Belgia  ao  fangue  augufto 
Luiza  foy  da  idade  ainda  na  Aurora 
No  Oriente  gofto .   no  Occidentc  fufto  .• 
Morreo  ,  porque  morreo  o  bem  ,  que  adora  , 
De  trágico  fucceíío  ,  6  cafo  injuílo  i 
Do  amor ,   da  morte  em  fetas  penetrantes 
Matafte  em  hum  fó  golpe  dois  amantes ! 

86. 
Miguel  filho  de  Pedro  alto  Monarca  ,  j,^        _   , 

E  que  ainda  naó  tocava  o  luítro  quinto  , 
Paliará  do  Aqueronte  a  fatal  Barca  , 
De  que  outra  Barca  he  fimbolo  diftinto  : 
Conjurando-fe  a  Enveja  ,  invoca  a  Parca  , 
E  no  mar ,  como  o  Sol  ,  o  deixa  extinto  , 
Naõ  para  renacer  mais  que  na  gloria , 
Na  fama  ,  na  faudade  ,  c  na  memoria  ; 

87. 


144  Henriqueiãa 

87. 

Será  galhardo  ,   amável ,  e  erudito  , 
Ágil,  fcience,    varonil,    conftante, 
O  animo  generofo  ,  o  peito  invico  , 
Dócil,  cortes,  magniíico  ,  elegante  : 
Naõ  falte  ao  Tejo  eternamente  aflito  , 
Vendo-o  nas  fuás  ondas  naufragante. 
Para  expiar  tal  culpa  em  triftes  agoas 
O  immortal  pranto  das  funeítas  maogas. 

88. 
Eu  na5  faria  trágica  efta  fcena  , 
Mas  o  génio  fatal  ,  que  em  mim  domina , 
Nota  585-   Que  eternife  a  Miguel  aíTim  me  ordena  , 

Sem  poder  reíiftir  força  divina : 
Nota  58^.  Tu  ,  Pereira  feliz  ,  a  tanta  pena 
Modera  na  fortuna  ,  que  deftina 
A  Fortuna  mayor  ,   que  fobre  os  aftros 
Forma  eílatuas  de  bronfes ,  e  alabaílros, 

89- 
Nas  eílrellas  naõ  vez  ?  pois  eu  o  vejo, 
O  efpirito  mayor ,  que  o  mundo  admira  , 
Nuno  ,  que  defempenha  ao  teu  dezejo 
j,  Quanta  nobre  ambição  gloriofo  aípira: 
Por  quanto  abraça  o  Louro  ,    lava  o  Tejo  , 
O  Minho  rega  ,  eo  Guadiana  gira, 
Vença  ,  e  chorem  de  Kcfpanha  a  gente  rota 
Nota '87    Atoleiros  ,  Valverde,    Aljubarrota. 
'   ''  50. 

Santa  origem  fera  ,  e  tronco  egrégio 
De  tanto  Heróe  Real  ,  que  de  Bragança 
Naõ  fó  produz  o  facro  Louro  Rcgio  , 
Mas  roda  Europa  em  Ínclita  aliança  : 
Coroado  o  nativo  privilegio 
.    Vio  fatisfeica  aníiofa  huma  efperança  , 
O  tronco  Portuguez  tendo  opportuna 
A  Juftiça  ,  a  conftancia  ,  e  a  fortuna. 

91. 


Canto  V,  145 

91. 

Sylvas  j  e  Cunhas  nobre  paralelo  Nota  58?. 

Do  SoIio  de  LeaÕ  reproduzido  , 
Da  guerra  ,  e  da  politica  o  modelo 
Tem  em  canco  Varaó  eíclarecido  : 
Se  em  individualos  me  dcfvelo , 
Naó  cabe  tanta  gloria  em  hum  íêntido  , 
Ambas  fagrada  purpura  adornava. 
Ambas  coroa  bellica  illuftrava. 
^      9i. 

De  Sylva  ao  grão  NJiguel  Roma  refpeica  ,  Noca  589. 

E  a  difcriçaõ  admira  generola  ; 

De  Cunha  Iníigne  Nuno  fatisfeica 

Deixa  de  Europa  a  expectação  anííofa; 

Tanto  ao  Mayor  Monarca  bem  aceita  _  ^  ^^^  ^^^' 

Será  fua  virtude  prodigiofa  , 

Que  brilhando  a  modeftia  mais  que  a  forte  , 

Terá  coluna  a  Fé  ,  defenfa  a  Corte. 

95- 
No  nome  igual ,  na  profiflaÕ  diverfo  Neta  391. 

Outro  Cunha  terror  do  Gentilifmo 
O  Império  Luíitano  no  univerfo 
Dilatou  por  vencer  até  o  Abifmo  : 

Aires  também  venceo  rito  perverfo  ,  ^ota,  591. 

Deixando  ao  Mahometano  em  paraíifmo  ; 
As  fabias  producçoens  vejo  illuílradas 

Conduzindo  Heroinas  coroadas.  Nota? 9;, 

94. 
De  Ataides ,  e  Almeidas  igualmente  ^ 

De  donde  nafce  o  Sol  adonde  morre  °^^  ^^^* 

Em  Luiz  ,  e  Jcronymo  íèaugmente 
A  fama  ,  que  em  dois  mundos  canta  ,  e  corre  : 
Hum,  e  outro  Ataide  ,  que  excellente , 
Vencendo  varonil  fabio  difcorre  , 
E  em  defcendentes  feus  reproduzidos  *, 

Se  regeneraó  doies  taõ  luzidos,  ofa  3954 

T  55- 


1 46  Henriqueida 

Nota  396.  FranciTco  entre  os  Almeydas  fubflitue 

Ao  Rey  ,  que  dcícobrio  o  Eoo  Império  > 
Com  o  feu  appiíido  deílribue 

Nota  597,  Joaó  prudente  aceito  ao  Rey  no  Iberio: 
Do  feu  Principe  a  gloria  concribue 
Qiie  lhe  fia  o  politico  mifterio 
Pedro  qne  o  fegue  inrrepido  fe  expunha 

Nota  ^9S.  Em  Valença,  Aragaõ  ,  e  Catalunha 

96. 
Em  quanto  a  Mahometana  aítrologia. 
Da  luz  os  caracteres  defcifrava, 
E  com  furor  da  occulta  profecia 
Muito  mais  claramente  os  explicava  , 
Hum  ,  e  outro  efquadraó  igual  corria, 
E  de  Lifia  o  triunfo  feílejava  .* 
O  luzimento  alternao  no  teatro 
Hum  a  hum ,  dois  a  dois ,  e  quatro  a  quatro^» 

97. 
Sem  defar  ,  fem  perigo ,  fem  acafo 
Da  Gineta  exercitaõ  os  primores, 

^,  Cada  filho  do  Zéfiro  he  Pesafo , 

Que  de  Etonte  íe  alenta  nos  aidores: 
Veíligios  naõ  fe  vem  no  campo  rafo 
Dos  velozes  ,  e  prontos  voadores ; 
Ja  unidas  quadrilhas  faõ  contrarias , 
As  cores  por  mais  bellas  íaõ  fô  varias, 

98. 
Guiou  Moniz  a  efcararruça  airofa  ? 
Que  de  muitos  tecendo-fe  hum  fó  fio  , 
C  laufula  foy  da  fefta  mais  viftofa  , 
Termo  do  mais  galhardo  defafio  : 
O  ouro  na  opulência  generofa  , 
Que  aos  Cavalleiros  enriquece  o  brio  ^ 
Nos  laicos  lhe  fervio  embaraçados 
De  fio  aos  labyrintos  intrincados. 


Canto  V.  147 

Madrugou  mais  a  Aurora  fucccfliva 
Para  avizar  ao  Sol ,  que  fem  defmayos 
Se  quizeíTe  adornar  da  luz  mais  viva. 
Que  a  matéria  fucil  dà  aos  feus  rayos ; 
Vefte  ao  dia  de  gala  taó  feftiva 
Para  admirar  os  bellicos  cnfayos  , 
Que  perguncaõ  os  aftros  ao  orizonte , 

„  Se  Jove  refufcica  ao  feu  Faeconce.  Nota  400- 

100 

A  Praça  do  Romano  anfiteatro , 
Imitando  a  perfeita  arquicetura  , 
Formou  em  íemicirculo  o  teatro 
Do  Crco  na  vaíliíTima  figura  : 
Na  porçaó  ,   que  cortou  ângulos  quatro 
No  commodo  ,  e  na  vifta  ,  que  procura  , 
Facilita  os  dezejos ,  e  os  ardores 
A  muitas  vezes  mil  expecladores. 

lOI. 

Com  Henrique  ,  e  Tereza  Affonfo  eftava  » 
E  na  infância  animado  o  tenro  affeto 
„  Mais  ao  Numen  de  Carquere  invocava , 
Que  o  divertia  o  majeftofo  objeto 
Celefte  génio  o  facro  ardor  lhe  dava 
Com  certo  aufpicio  ,   com  feliz  projeto 
De  que  fizefle  culco  taõ  devoto 
Taó  grande  o  beneficio  ,  como  o  voto. 

lOl. 

De  Tereza,  e  de  Henrique  amada  filha 
Três  luftros  naõ  cocava  a  belia  Urania  , 
Que  para  fer  do  Mundo  maravilha 
Nafceo  no  Occafo  Sol  de  Lufitania : 
Tanto  em  retratos  íeus  a  Fama  brilha  , 
Que  em  França,Hefpanha,  Itália,  Anglia,  e  Germânia, 
Seus  rayos  ainda  em  fombras  exprimidos 
Deixaó  todos  os  Principes  feridos. 

Tii  103, 


1 48  Henric[í4eidà 

103. 
Nota4oi.  Dom  Bermudo  de  Trava  mais  ditofo 

Foy  no  amorofoâíFedo  ,  que  o  defvella  , 
No  obfequiQ  fino  ,  e  culto  decorofo  , 
Sua  eílrclla  lhe  deu  taó  clara  eftrella  ; 
Foy  deftinado  ao  tálamo  gloriofo 
No  Real  himineo  de  Urania  bella  : 
Urariia  digo  .•  o  tempo  irreverente 
Urraca  lhe  chamou  groíTeiíraraente. 

104. 
Em  nome  da  Princeza  o  Cavalleíro 
Dos  Limas  varoniz  tronco  preclaro 
Se  ofíereceo  bizarro  aventureiro 
A  fazer  efte  dia  único  ,  e  raro  : 
E  como  na  arte  equeftre  era  o  primeiro  > 
Como  he  hum  fó  na  esfera  Apollo  claro  > 
Também  fó  com  fuás  luzes  reverbera  , 
Que  Sol  foy  ,  que  brilhou  na  Lufa  esfera. 

105. 
Nota  402.  De  Ftiopes  cativos  a  cohorte 

Piendeo  dourada  nitida  cadea 
Com  tal  arte  enlaçada  ,  e  de  tal  forte  5 
Que  a  mão  o  fufil  ultimo  encadca  : 
Todos  eíles  efcravos  defiro  ,    e  forre 
Na  guerra  Mahometana  ao  ferro  enlea, 
E  ao  ver  de  Urania  a  fuperior  deidade , 
Lhes  deu  ,  e  elie  a  naõ  tem  >  a  liberdade. 

106. 
Montava  airofcv  em  hum  Cavallo  andrino? 
Qiie  pela  cor  cuidava ,  que  gozaffe 
Do  alvedrio  ,  mas  nega-lhe  o  deíVino  , 
Que  ao  racional  feguiíle  ,  ou  ímitaíTe  j 
Antes  mais  prefo  ao  freyo  ferve  fino 
Ao  aceno  mais  leve  ,  porque  achaíTe 
DonK.do  o  fogo  ,    que  feros  fahia 
Do  vivente  carvaõ  ,  que  o  efcondia» 

107. 


y  Canto  V.  149 

107. 

De  pedras  os  matizes  preciofos 
A  fella  guaineciaõ  ,  c  os  jaezes , 
Brancos  airoens  de  paíTaros  airofos 
O  coroaó  voando  muitas  vezes , 
Os  Teus  intentos  vagos ,  e  pompofos 
Prende  o  chapeo  ,  mas  naõ  veftindo  arnefes, 
Bermudo  em  negro  trage  acha  motivo 
De  que  ainda  o  cortefaó  vença  o  feílivo. 

Regulando  ajudados  movimentos 
Entrou  no  Circo  o  bruto  ,  e  ao  compafíb 
De  acordes  militares  inftrumentos 
Concordava  o  veloz  defembaraíTo: 
Parece  que  aprendeo  os  documentos 
Da  dança  ,  que  exercita  paíío  a  paífo  , 
Das  liçoens ,  que  com  mortes  infinitas- 
Foraõ  fatal  eftrago  aos  Sibaricas.  Nota403. 

109. 

Ao  chegar  ao  balcaó  tanto  a  prefença 
De  Urania  o  vay  com  rayos  perturbando  , 
Que  o  temor  naó  fe  occulta  na  detença  , 
Com  que  vay  ao  Bucefalo  guiando  : 
E  a  naó  achar  nos  olhos  recompenfa  , 
Com  que  a  Princeza  moftra  o  gefto  brando  3  ^ 

Teria  a  tanta  luz  nefte  orifonte  '  Nota 404» 

Duas  vezes  o  eílrago  de  FaetontCé. 

1 10. 

O  negro  bruto  as  lanças  Africanas 
Rompeo  fo  de  Bermudo  dominado  , 
Mas  defpedindo  as  fetas  inhumanas 
Hoje  temeo  fer  de  outras  fulminado  r 
Por  iíTo  obedeceo  às  leys  tiranas 
De  Bermudo  ,  e  três  vezes  retirado 
Confeguio  nefte  obfequio  acreditarfe , 
Pois  nunca  o  enfmára  a  retirarfe. 


1^0  tJenriqueida, 

1 1 1. 
Nota4Õ5.  ^  Touro  ,   a  quem  a  magica  Medéa 

Em  Colcos  com  encanto  o  fogo  apaga , 
Nota40(>'  o  em  que  Jove  occulcou  a  amante  idéa, 

E  com  Europa  em  ondas  naõ  naufraga  ; 
Nota4o7.  O  que  Febo  em  Abril  com  luz  rodea, 

E  com  eftrella  ardente  nos  Ceos  vaga  , 
Nota 408.  Nem  o  que  cenfurou  Momo  importuno  , 

Na  producçaõ  perfeita  de  Neptuno. 

IIZ. 

Iguala  ou  ja  na  fúria  ,  ou  ja  na  forma, 
Nota  409.  o  Touro  ,  que  ao  Zodíaco  da  praça  , 
Como  em  terreftre  figno  íè  transforma  , 
Com  influencia  trágica  ameaça  : 
A  vifta  apenas  a  Bermudo  informa  , 
Que  com  valor ,   defembaraço  ,  e  graça  , 
Com  rumor  leve  de  hum  trovão  enfayo 
Relâmpago  brilhou  ,  e  ferio  rayo. 

115. 

Enveíle  o  Touro  ,  e  com  tal  fúria  enveíle , 
Que  eftando  ja  ferido  deu  hum  falto  , 
Em  que  quafi  igualando-fe  ao  celefte  , 
Parece  quiz  fubir  ainda  mais  alto  : 
Firme  o  braço  ,  ò  Bermudo  entaó  tiveíle, 
E  elle  de  alento  ,  naõ  de  fúria  falto 
Morto  bramío  ,  e  em  bronze  parecia 
Nora  4 10.  Que  o  do  tirano  artifice  fingia. 

114. 

Foge  aos  applaufos  o  galhardo  Lima  , 
Que  a  modeflia  ao  valor  fempre  fe  iguala  , 
Entra  em  outro  Cavallo  ,  em  que  feeftima 
A  deftra  força  mais  que  a  airofa  gala  : 
Era  da  cor  madura  ,  que  fublima 
O  fruto  ,  em  que  a  Provincia  fe  aíTmala  ; 
Porem  no  alto  ,  no  forte ,  e  no  groíTeiro  , 
Só  o  excedia  o  mefmo  Caílanheiro. 

115. 


Canto  V.  iji 

115. 

Outro  animal  manchado  achou  no  Corro  , 
Que  a  naõ  nafcer  na  ardente  Lufitania  , 
Entre  os  Tigres  carnivoros  difcorro 

O  adoptara  por  filho  a  adufta  Hircania  s  Nota4i2< 

Pouco  fez  em  vencello  ,  que  foccorro 
Achou  nos  olhos  da  divina  Urania , 
Que  ou  eftando  parciaes ,  ou  inimigos  , 
Nelles  tem  os  remédios  ,  e  os  perigos. 

116. 

Porem  ruípenfo  na  bellcza  rara 
Se  deícuidou  da  defatada  fúria, 
E  fe  pronto  o  Cavallo  naõ  voltara  , 
Padecera  o  caftigo  a  amante  incúria  : 
O  bruto  ,  a  que  a  traição  fó  amparara. 
Pagou  deprefla  a  imaginada  injuria  , 
Porque  caindo  o  lenço  ao  Varaó  forte , 
Satisfez  ao  defar  do  Touro  a  morte. 

117. 

Branco  final  de  paz  julgava  o  bruto 
O  lenço  que  cahio  ao  Cavalleiro  , 
E  ja  cuidava  cm  retirarfe  aftuto 
O  inftinto  irracional  rudo  ,  egrofíeiro  > 
Mas  logo  defmayou  ao  refoluto 
Impulfo  de  inftrumento  mais  guerreiro  » 
Que  aos  golpes  o  caftiga  inevitáveis 
Até  fendo  os  defares  inculpáveis. 

118. 

No  aâiivo  impulfo  ,  e  claro  luzimento 
A  efpada  de  Bermudo  em  golpes  duros 
Em  cada  giro  a  anima  hum  elemento  > 
Rompe  da  meya  Lua  os  fortes  muros: 

DameyaLua,  que  em  furor  violento,  Nora4ii, 

Vendo  os  feus  flancos  curvos  mal  feguros. 
Perdendo  os  feus  reparos  defeníivos, 
Arieces  fe  fazem  ofFenfivos> 


1 J  2  HenriêjUelda 

119. 
Rendidas  as  defenfas  exteriores , 
E  aberta  a  brecha  na  vivente  praça  , 
De  Tangue  lium  fofib  em  liquidos  furores 
Por  algum  tempo  os  golpes  embaraça: 
A  efpada  nos  íeus  rápidos  ardores        f 
Até  fabe vencer  quando  ameaça; 
Sobre  o  Touro  o  Cavallo  parecia 
Nota 41 5.  Que  o  Pelion  fobrc  o  Oíla  ao  Ceos  fubia. 

1 20. 
Nota  4 14.  Terceira  vez  hum  rayo  Tranílagano  , 

Que  unio  a  cor  fanguinha  ,  e  a  cor  fufca, 
Ao  que  9  efpera  Alcides  Luíitano, 
Sahindo  da  prifaõ  ,  ligeiro  bufca, 
E  naò  abate  o  ímpeto  tirano, 
Vendo  o  ferro  da  lança  ,  que  o  offufca ; 
Cerra  os  olhos  ,  ás  iras  dando  emprego, 
A'  luz  ,  e  á  fúria  duas  vezes  cego. 

iií. 
Mas  apenas  fentio  a  aguda  lança , 
Qiiando  golpe  mayor  aftuto  evita, 
Em  pedaços  a  haftea  aos  Ceos  alcança  , 
E  ao  próprio  Marte  algum  receyo  excita: 
Como  de  viver  mais  teve  eíperança 
O  Touro  ,  naõ  fe  atreve  a  quem  o  incita  , 
Bermudo  por  cobarde  ja  o  defprefa  , 
Sufpende  a  força  ,   uzando  da  deftreza. 

1 22. 
Tanto  o  perfegueem  fim  ,  tanto  o  provoca, 
Qtie  irritado  cavando  a  terra  dura  , 
Pede  o  bruto  por  huma  ,  e  outra  boca, 
Que  ainda  vivo  lhe  dem  a  fepultura; 
Mas  taõ  leve  o  rejaó  fempre  lhe  toca, 
Que  tormento  mais  laigo  lhe  alTcgura  : 
Mil  fortes  executa  a  cada  pafib 
Com  deftreza  ,  primor,  defembaraíTo. 

1 1 5s 


Canto  V,  IJ3- 

DeíTangrada  cahio  vicima  indina 
Do  invencível  valor  ,    bruto  cobarde  , 
Outros  o  feguem  ,  donde  achou  mais  dina 
Refíílencia  o  feu  braço  aquella  tarde  .- 
Até  qne  hum  Touro  de  intenfaõ  malina. 
Que  das  três  Fúrias  entre  as  chamas  arde. 
Vendo  hum  bruto  que  a  neve  em  cor  compecey 
Ardente  o  feros  Touro  o  acommete. 

124. 

Vio  Urania  a  malévola  Megera  Nota 4 15. 

Incitar  com  açoute  ferpentino 
Do  Touro  a  fúria  ,    e  ainda  foy  mais  fera 
Com  o  infernal  efpirito  malino  ; 
Fere  o  Cavallo  ,  Urania  coníidera 
Perigo  ta(5  mortal  no  amante  fino  , 
Que  eclipfadas  as  luzes  dos  feus  rayos, 
Deixou  do  prado  as  rofas  em  defmayos. 

115. 

Os  Princepes  acodem  cuidadofos 

Ao  fuílo  da  Princefa  ,  mas  tirando 

Bermudo  a  efpada  ,  os  golpes  pavorofos 

Em  hum  fó  golpe  foy  multiplicando: 

Foge  a  Fúria  aos  impulfos  valerofos , 

E  o  Touro  ,  quando  a  aréa  eftá  pifando  , 

Vé  que  lhe  falta  ,  e  com  a  horrenda  guia 

Ainda  vivo  ao  Trifauce  defafia.  -m  .      ^ 

Nota  41  ^• 
126. 

Bermudo  corre  a  ver  de  Urania  bella 

Dcfmayada  a  fineza  compaíTiva  , 

Do  Amor  fc  queixa  ,  e  dcfejara  vella 

Antes  fer  mais  cruel ,   que  menos  viva  : 

Renace,  e  rcnaccndo  a  minha  Eftrella 

Ainda  que  refufcices  fempre  efquiva  , 

Naõ  íó  farey  por  tanto  beneficio 

Da  vida  ,  mas  de  Amor  o  facrifício. 

V  117. 


I  j  4  Henriqueida 

izy. 
Abre  os  olhos  Urania  ,  e  reftitue 
A  luz ,   que  ao  mundo  rouba  outro  emisferio  , 
Com  faycr  vivifica  quanto  iníiue, 
Nota 4 17.  Y^j^,  Q  Oriente  dois  Soes  no  Lufo  Império.- 

Das  três  graças  nas  leys  que  conftitue 
Nota 4 18.  Dcfpreza  do  defmayo  o  vitupério 

Julgavaõ-íe  as  trcs  Deofas  vitoriofas 
Mas  ja  fogem  rendidas ,  e  invejofas. 

128. 
Tornao  ao  roftro  as  nacaradas  flores  , 
Naõ  fó  porque  o  feu  mal  fe  defvanece  , 
Mas  porque  mais  fe  avivaõ  nos  rubores 
Do  motivo,  que  a  todos  apparece. 
Bermudo  ao  puro  affedo  nos  ardores 
Sacrifícios  prepara,  louros  tece; 
Mas  a  Murta  prefere ,  pois  retrata 
Nota4I5^.  Vénus  propicia  antes  que  Dafne  ingrata* 

1 1^\ 
No  dia  fucceííivo  fe  prepara 
Toda  a  equeílre  deftreza  em  bum  torneyo  > 
E  como  Henrique  o  campo  aíTegurara, 
Os  Mouros  concorrerão  fem  receyo. 
Deixame ,  Mufa  ,  hum  pouco  ,  em  quanto  avata 
Guarda  a  noute  o  primor ,  garbo  ,  e  aííeyo  , 
Com  que  Henrique  magnifico  deftina 
Militar  culto  á  imagem  mais  divina. 


HEN- 


^55 

HENRIQUEIDA 

CANTO    VI. 

Argumento. 

Mantenedor  oc culto  applaude  Aldara , 
A  quem  combate  Lucidoro  amante 
Muitos  campeoens  amor  também  prepara. , 
Muley  no  defafio  entra  arrogante  : 
Henrique  viõ  o  templo  ,  que  fundara  ^ 
E  nos  futuros  vio  a  Fé  triunfante  ; 
Fejiivo  culto  ccnduzio  Maria  : 
Aldára  em  triles  duvidas  temia, 

I. 

Antes  que  em  doces  vozes  Filomena 
Explique  os  íeus  luaviíTimos  pefares , 
E  na  harmonia  equivocando  a  pena 
Alegre  os  campos ,  e  entrifteça  os  ares  } 
Do  famofo  corneyo  ,  que  íe  ordena  > 
Recumbaõ  inrtrumencos  militares  , 
Para  que  em  terra  ,  e  Ceo  fe  unaõ  canoras 
Vozes  fuaves ,  claufulas  fonoras. 

2. 

Quando  a  primeira  luz  o  Sol  moftrava> 
Na  Praça  hum  valerofo  Cavalleiro 
Seu  luzimenco  tanto  acreditava, 
Q)ie  por  illb  em  luzir  era  o  primeiro  : 
Pe  ouro  ,  e  de  azul  as  armas  matizava 
L  ando  do  p  iro  indicio  verdadeiro 
Ko  ouro  das  Tetas  ,  com  que  amor  o  rende, 
E  no  azul  do  ciúme  ,  que  o  offendc. 

Y  ii  J. 


I  j  6  Henriqueida 

5- 

Sobe  no  elmo  huma  cerúlea  pluma 
Para  avivar  a  cor  do  Ceo  ,   que  iguala  , 
Porque  ao  ciúme  hum  fimbolo  reíuma  , 
Em  hum  Camaleão  bem  o  aíllnala  : 
E  por  mais  que  do  ar  viver  prefuma 
Nem  neíia  propriedade  o  defiguala 
E  ambos  cambem  recebem  com  cemores 
Inipreílbens  falfas  das  primeiras  cores. 

4. 
A  azulada  vifeira  ao  roílro  cobre  > 
Porque  nella  fe  occulcem  os  affetos , 
Que  nas  vcas  azues  a  alma  defcobre , 
Quando  pinta  o  receyo  os  vãos  objetos  : 
ATpide  de  Zafiras  fe  defcobre 
Sobre  o  peico  de  ferro  ,  e  nos  projecos 
De  inficionar  o  amor  mais  receofo 
£ntre  flores  fe  efconde  venenofo. 

S- 

Sobre  argentado  efcudo  o  mar  íe  efmalta  > 

Que  a  hum  Cto  nublado  as  cores  equivoca  , 
Põem  na  divifa  a  alma  ,   que  lhe  falta  , 
Para  explicar  a  pena  ,  que  o  provoca  : 
Deidade  de  huma  esfera  ainda  mais  alta 
Adora  amante  ,  e  temerofo  invoca. 
Diz  a  letra  >  explicando  aníias  violentas , 
Inconftancias  naõ  pinto  ,  mas  tormentas. 

6. 
Brandindo  a  lança  ao  mundo  defafia 
Hoje  o  mantenedor  com  garbo  tanto , 
Que  por  ver  taõ  galharda  bizarria 
Mais  cedo  tira  a  noute  o  negro  manto  ; 
De  Sol  a  Sol  no  circulo  de  hum  dia 
Quer  fer  de  Africa  horror  ,  de  Hefpanhá  efpanto  > 
E  com  edito  publico  declara , 
Que  fó  elle  merece  a  bella  Aidára. 

7- 


Canto  VI.  157 


7- 

Até  Henrique  o  certo  nome  ignora 
do  illuílre  Cavalíeiro  do  ciumc  j 
Dcfperca  Aldàra  ao  defpertar  da  Aurora  , 
E  quem  feja  efte  amante  naõ  prefume  ; 
Naõ  pode  fer  Muley  ,  que  fino  a  adora  , 
E  que  em  feu  coração  o  amor  refume  ; 
Nem  fora  defenfor  dos  Luficanos 
Para  íer  agreílor  dos  Mahometanos. 

8. 

Naõ  defconhece  os  trágicos  eífeitoSj 
Que  vc  repreíentar  íua  belleza 
No  teatro  infeliz  de  tantos  peitos. 
Que  fe  abrafaõ  nas  aras  da  fineza  .* 
Mas  quantos  alvedrios  fatisfeitos 
Da  eícravidaõ  adoraó  a  fereza, 
Ainda  quando  prefumem  dos  infultos 
Temem  a  pena  no  filencio  occultos. 

Taõ  ofFendida  eftá  de  que  appareça 
O  Cartel  do  galan  defvanecido  , 
Que  publica  o  haver  quem  a  mereça 
No  feu  contexto  breve,  e  prefumido  j 
Que  naõ  hc  muito  tanto  fe  enfureça 
O  feu  rigor  nas  anfias  opprimido  , 
Que  acendendo  do  roílro  as  bellas  rofas 
Até  fizeíle  as  iras  mais  fer  mofas. 

10. 

A  téa  ,  que  brilhante  apparecia  ^ 
E  do  ouro  do  Tejo  fe  enriquece  , 
Em  largo  eípaço  o  Campo  dividia  , 
E  de  ricos  brocados  fe  guarnece  : 
De  mil  Clarins  de  prata  na  harmonia 
Eco  tanto  fe  alegra  ,  e  defvanece , 
Que  refpeitando  os  nobres  inítrumentoSo^ 
fíaó  fe  atreve  a  partir  doces  acentos^ 


t£. 


158  Henriqueida 

1 1. 

Incógnito  hum  ayrofo  Cavalleiro 
Occupa  a  Praça  em  hum  manchado  Econte  ; 
Verde  penacho  traz  o  aventureiro  , 
Porque  a  fua  efperança  íê  remonte  .• 
Nas  armas  de  efmeralda  hum  verdadeiro 
Retrato  deu  o  prado  ao  orifonte  : 
No  efcudo  hum  rayo  a  hum  louro  desbarata  , 
E  a  letra  ;  o  Ceo  fe  vinga  de  huma  ingrata. 

12. 

Ao  verde  campeão  o  azul  oppoílo 
Correrão  deííguaes  as  duas  lanças  ; 
Cahe  o  primeiro  ,  c  moftra  ao  ferro  expofto, 
Que  o  ciúme  he  quem  mata  as  efperanças  .• 
O  defengano  no  ciúme  he  gofto, 
E  he  pena  da  efperança  nas  mudanças : 
AíTim  ao  Louro  ,  ó  Africo  ,    desfolhas , 
Levando-lhe  a  efperança  as  verdes  folhas  / 

13- 
Nao  foy  mortal  o  golpe  ,  e  defcobrindo 
O  roftro  ao  Cavalleiro  defgraçado  , 
Todos  conhecem  o  infeíiz  Galindo 
Da  bella  Aldára  amante  defprefado  : 
Como  mais  que  o  robufto  eftima  o  lindo  , 
Deu  ao  mantenedor  pouco  cuidado  ; 
AíTim  vifte  ,  6  Adoniz  ,  ultrajarte 
Nota  4io.  Do  ebúrneo  dente  do  animal  de  Marte  / 

14- 
Mais  atenção  levou  fero  Alcabruno, 
(  Todos  eraó  da  Corte  Mahometana  ) 
Ama  Aldára  ,  e  condcna-o  de  importuno 
O  rigor  da  belliíTima  Africana  : 
Mas  de  vingarfe  o  tempo  acha  oportuno 
No  que  a  offende  no  nome  ,  que  profana  ; 
Para  que  quando  a  ninfa  em  varia  forte 
O  aborrece  rendido  ,   o  eftime  forte. 


ij- 


Canto  VI.  1S9 

Fora  definição  anticipada 
O  nome,  que  a  Altabruno  fe  pufera, 
Que  na  grande  cftacura  ,  e  cor  toftada 
As  duas  propriedades  merecera.- 
Mas  a  eftatura  taõ  proporcionada  > 
Porém  a  cor  taõ  agradável  era, 
Que  nem  como  gigante  a  vifta  âfíbmbra. 
Nem  deixa  de  ter  iuz  na  viva  fombra. 

16. 

Muito  íe  aíTmalou  na  Perfia  ,    e  Lídia  ,  Nota4ií.' 

Naó  fó  de  Marte  em  militar  paleftra  , 

Porém  na  efcola  equeftre,  em  queNumidia 

Aos  ferofes  Cavallos  fabia  adeftra  í 

Naõ  tem  de  Africa  a  barbara  perfídia  , 

Mas  taõ  ágil  valor  ,  força  taõ  deftra , 

Q_ae  galhardo  em  torneyos ,  e  terrível  > 

Sc  nomea  Altabruno  o  invencível. 

17. 
Tinha  em  nome  de  Aldára  fuftentado 

Em  Fez  do  Circo  os  jogos  com  tal  gloria, 
Que  fó  de  hum  coração  por  dcfgraçado 
Nunca  pode  alcançar  huma  vitoria  : 
Mas  agora  ,  que  a  vé ,  de  novo  armado 
Dos  rayos ,  que  illuftrando-lhe  a  memoria  > 
Lhe  davaõ  clara  luz  na  trifte  aufencia, 
Augmenta  o  feu  valor  doce  violência. 

18. 
Monta  hum  ruço  queimado  alto  ,  e  fogoro> 
Que  o  Campo  Tingitano  gera  ,  e  cria  , 
E  no  grande,  no  ardente,   e  no  fumofo 
Vivo  monte  de  cinfa  parecia  : 
Armas  da  mefma  cor  vefte  animofo  , 
E  também  feu  incêndio  defcobria 
Sobre  o  Ethna  com  neve  efte  compendio  : 
Naõ  ha  neve  ,  que  encubra  o  meu  incêndio* 


1 6o  Hmriqueida 

Corre  a  primeira  lança  com  cal  fúria , 
Que  cego  defenconcra  o  íeu  contrario , 
Cobardia  naõ  foy  ,  nem  foy  incúria  , 
Mas  eíFeito  do  aíFeco  extraordinário  .* 
Interpretando  o  erro  como  injuria 
Defte  accafo  ,  ou  prefagio  crifte ,  e  vario  , 
Retira  a  lança  ,  que  da  mão  naõ  folca, 
Bufca  o  mantenedor  em  outra  volta, 

20. 

NeíTa  região  etérea  fludaante 
AíTim  fe  encontra  na  celefte  guerra 
A  cólera  de  Jove  fulminante , 
Que  em  duas  nuvens  rápida  fe  encerra : 
Nota  412.  E  á  horrifona  voz  do  graó  Tonante 

Clama  o  Ceo  ,  foge  o  mar  ,  e  treme  a  terra, 
Porque  o  mundo  padeça  entre  defmayos 
Os  trovoens  j  os  relâmpagos ,  e  os  rayos. 

21. 

AíTlm  foy  o  rumor  dos  golpes  rudos , 
Aífim  o  fogo  ,  que  ferirão  logo 
As  lanças ,  que  quebradas  nos  efcudos 
Rayos  foraõ  de  luz  ,  rayos  de  fogo  ; 
Naó  penetrarão  ferros  taó  agudos 
Nem  a  defenfa  ,  nem  o  defafogo  > 
Com  que  os  dois  eampeoens  novos  Mavortes 
Os  vibraó  feros ,  e  os  recebem  forces. 

22. 

As  primeiras  três  haíleas  foraõ  rotas , 
Sem  que  nenhum  dos  dois  perdeíle  a  felia  , 
Defprefaõ  ambos  armas  taó  remoças, 
E  á  maça  de  armas  cada  qual  apella. 
As  deílrezas  da  arte  mais  ignotas 
Excrcicou  a  forca  ,  e  a  caucella  ; 
Cego  Alcabruno  dos  feus  forces  braços 
Menos  os  golpcí  faõ  ,  que  os  ameaços. 


Canto  VI.  l6t 

2-3- 

Aproveita-fe  o  illuftre  Lufiuano  , 
Que  naó  perde  o  acordo  ,  nem  na  iia, 
Da  fui  ia  ,  com  que  fere  o  Mahomecano, 
E  inteiro  o  cimo  de  Altabruno  tira  : 
Sencc  o  deiar  ;  arroja-fc  inhumano, 
Como  fc  hum  alço  monce  cntaó  cahira  , 
De  hum  falco  ao  Luficano  fobre  os  hombros, 
Que  ao  Mouro  lança  em  cerra  com  aflbmbros. 

14. 

Ainda  que  cobre  ao  campo  a  branda  arca, 
Como  era  de  íi  próprio  o  precipicio  , 
Tal  golpe  o  Mouro  deu  ,  que  fe  recea , 
Que  fofle  efte  da  vida  ultimo  indicio  : 
Henrique  ,  a  que  a  piedade  lifongea, 
O  fez  curar  benévolo  ,   e  propicio  ; 
Mas  elle  ,  que  a  morrer  fe  perfuadc  , 
Tem  por  mayor  caftigo  efta  piedade. 

Hum  Caftanho  do  Betis ,  pés  calçados  ,  Nota4tj. 

(  Cuido  pelo  veloz  ,  que  de  Talares ) 
Monta  o  mantenedor  ja  defcaníados 
Os  alentos  em  tendas  militares  : 
Elle  ,  e  feu  efcudeiro  disfarçados 
Naõ  deixaó  ver  os  roílros  com  peíares 
De  quantos  tal  valor  atentos  viaõ  , 
E  o  mais  forte  campeão  defconheciaõ. 

Galhardo  aventureiro  agora  vejo  , 
A  quem  armas  cor  de  fogo  diftinguiraó 
Em  dourado  Ginete  ,   a  quem  do  Tejo 
As  douradas  aréas  produzirão: 
Objedo  foy  Aldára  ao  feu  defejo  , 
'E  defde  que  nafceo  ,  logo  influirão 
Nelle  as  luzes  fataes  deíla  deidade 
Iguaes  ambos  no  fangue  ,  iguaes  na  idade, 

X  27. 


i6i  Henriqueida 

Defcendia  da  eílirpe  de  Alidoro, 
Que  cm  l  ez  tinha  reinado  em  tempo  antigo  •, 
A  Coroa  perdeo  ,   naõ  o  decoro 
No  (Q[^  injullo  fado  ,  e  inimigo  •• 
Era  infeliz  o  illuftre  Lucidoro  , 
Tendo  de  benemer'to  o  cafligo. 
Oh  cruel  ,  varia  ,  barbara  ,  importuna  , 
Falík  3  infiel ,  malévola  fortuna  ! 

28. 

Gentil,  fabio  ,  valente,  e  generofo. 
Fazem  a  Lucidoro  taõ  amável , 
Que  ao  Rey  ,  ou  prevenido  ,  ou  envejofo  , 
Tanta  virtude  o  fez  dcfagradavel  ; 
Porém  diíTimulando  cautelofo  , 
Temendo  o  Teu  direyto  incontraftavel , 
A'  Coroa  Africana  ,  que  ufurpara  , 
Efpcranças  lhe  deu  da  bella  Aldára. 

29. 

A  tirana ,  adorada  ,  única  filha 
A  Politica  diz  ;  mas  como  ignora 
Que  ella  a  Muley  o  altivo  peito  humilha  $ 
E  que  elle  fino  ,  e  miíteriofo  adora; 
Vendo  que  Lucidoro  tanto  brilha 
Dos  verdes  annos  na  primeira  aurora  , 
Teme  que  Aldára  ,   quando  o  favorece , 
Com  mui  pouca  violência  lhe  obedece. 

50. 

E  ainda  que  he  illufaó  efte  ciúme  , 
Detinha  a  Lucidoro  ,  e  fugitivo 
Veyo  a  Lamego  ,    pois  fervir  prefume 
A  Ninfa  amada  em  cativeiro  efquivo  •* 
Vendo  o  cartel ,    que  occulto  amor  refume 
De  vaidade  em  caracter  exceíllvo  , 
Corre  a  vingar  a  incógnita  ouzadia  , 
E  em  ira  nobre  acefo  aíTun  dizia. 


Canto  VL  163 


51. 

Fclice  Cavalleiro  ,    fe  he  fel  ice 
Quem  fe  quer  oftentar  defvanecido, 
Acaba  de  acabar  a  hum  infelice  , 
Que  vem  a  combater  hum  prefumido  : 
Nada  o  mantenedor  entaó  lhe  diíTe, 
Evitando  na  voz  fer  conhecido  , 
Moftra-lhc  outro  cartel ,  donde  fe  lera. 
Que  por  mais  fino  amante  a  merecera. 

31. 

Agora  ,  ó  Cavalleiro  ,  mais  me  offendes, 
Pois  antes  te  cedera  effa  beleza, 
Que  fem  a  merecer  muy  vaó  pretendes , 
Por  mais  fortuna  ,  que  por  mais  fineza; 
E  em  quanto  hoje  de  inim  te  naõ  defendes , 
Vé  ,  e  lé  nefie  efcudo  a  minha  emprefa  : 
De  noute  hum  Girafol  traz  Lucidoro  , 
E  a  letra  ,  fcm  ver  figo  a  luz, ,  que  adoro, 

33. 
Nas  armas  de  Rubi  o  Sol  ferindo, 
Retratando  fe  o  Ceo  nas  de  Zafiras , 
Vaó  os  dois  contendores  ja  brandindo 
Nas  duas  lanças  as  ciofas  iras  : 
Vc  Lucidoro  ,    que  lhe  vay  fogindo 
O  Cavallo  ,    e  lhe  diz.-  tu  te  retiras 
Bruto  infiel ,  que  fempre  ao  meu  preceito 
Foíle  dócil,  domeílico,  efogeitor*  Nota424. 

34- 
Queres  irracional  ,  que  ncfle  acafo 
A  gloria  ,  a  vid.i ,  o  picmio  ,  o  nome  exponha  ? 
E  logo|o  biuco  ,   oh  prodigioro  c?/o/ 
Moilra  ter  compaixão  ,  ou  ter  vergonha: 
O  mais  rápido  voo  do  Pegafo, 
Mas  que  entre  o  Ceo  ,  c  a  Terra  fe  interponha , 
Quando  deflePerfeo  do  Firmamento, 
Naó  igualou  taõ  pronto  movimento. 

Xii  35. 


I  ^4  Henriqueida. 

Na  meya  volta  as  lanças  fe  encontrarão, 

E  ambas  errando  os  fulgidos  efcudos 

Na  terra  até  o  enriftre  íe  cravarão  ,  * 

Nota 42 5'  Quafi  temeo  Plutão  os  golpes  rudos  !  j 

Vigorofos  os  dois  defenlaçaraõ 

Os  ferros ,  que  ja  faõ  menos  agudos  , 

Embotados  nas  pedras ,  que  eftaó  dentro 

Da  molle  aréa  no  profundo  centro, 

56. 
Das  fendas  ,  que  abre  a  terra ,  ó  maravilha/ 

Sahe  chama  ,  que  as  lanças  logo  atéa , 

Ou  he  que  forma  o  ferro  ardor  ,  que  brilh» 

De  pederneiras  na  efcondida  véa  , 
Nota4i6.  Ou  que  Ceres  bufcando  a  amada  filha 

Duas  vezes  inflama  a  facra  téa  , 

Refgatando-a  do  Abyfmo  os  feus  carinhos 

Pelos  dois  profundiflimos  caminhos. 

Queimaõ-fe  as  haíleas  no  fatal  incêndio  3 
Rompem-íe  as  maças  íobre  as  armas  fortes  , 
As  cípadas  com  hórrido  difpendio 
Ameaçavaô  fúrias ,  iras  ,  mortes  ; 
Mas  como  fó  da  guerra  era  compendio 
O  feftivo  torneyo  ,  aos  duros  cortes 
Deftes  rayos  de  Marte  defatados 
Os  fios  naõ  eftavaõ  afiados. 

38. 

Ainda  aíTim  fupre  a  força  defmedida 
A  fabia  prevenção  nos  contendores  , 
Todo  o  Circo  atroou  qualquer  ferida  , 
Os  golpes  foaó  mais  do  que  os  clamores  ; 
Do  que  os  clamores  ,    que  huma  voz  unida 
Rompe  para  aplaudir  os  contendores  i 
Mas  cahio  Lucidoro  ;  6  mal  terrivel  i 
E  o  dcfarma  o  campeão  íempre  invencível. 

39- 


Canto  VI.  165 

59- 

Hum  ay  !  fe  ouvio  de  Aldára  ;    naõ  que  amaíTe 
Ao  amante  infeliz  ,  mas  compaíTiva 
Teme  que  a  trifte  vida  lhe  cuftaffe 
Fineza  caõ  eftranha  ,     c  excelíiva  : 
Baftou  cfta  piedade  a  que  ceíTaíTe 
De  Lucidoro  a  dor ,  que  tanto  aviva  , 
Eo  Cavalleiro  occuko  com  acordo 
O  reftaura  do  eílranho  defacordo. 

40. 

Hum  fiel  efcudeiro  ,   que  o  feguira , 
Lhe  rega  o  roílro  com  o  fino  pranto  , 
Morto  o  julga  ,  e  no  elmo  ,  que  lhe  tira  , 
Vè  ,  que  o  partira  hum  golpe  com  eípanto : 
E  grica  :  Oh  fabia  ,  ó  Maga  Rofemira  , 
Que  armas  falfas  forjou  teu  cego  encanto  I 
Eftas  com  juramentos  execráveis 
Tu  me  afirmaíle  fer  impenetráveis. 

41. 
O'  flor  dos  Cavalleiros  Mauritanos , 
O*  dos  Califas  fucceflor  illuftre  ,  Nota427« 

Príncipe  deftinado  aos  Africanos , 
De  Europa  admiração  ,  de  Africa  lufire  I 
Se  hiima  batalha  aos  ferros  Luíitanos 
Vos  mataíTe  ,  naõ  fora  vil  desluftre  ; 
Mas  quem  vos  trouxe  ,    ó  Lucidoro  fino  , 
A  fer  de  huns  jogos  facrificio  indino  / 

4i- 
Aflim  clamava  o  mifero  efcudeiro  ; 
Mas  vendo  que  ainda  o  Principe  rcfpira  , 
Nos  feus  braços  o  leva  do  Terreiro, 
E  para  as  Regias  tendas  o  retira  : 
Dos  golpes  convalece  o  Cavalleiro  , 
'  Mas  o  amor  ,  o  ciúme  ,   a  dor ,  e  a  ira  > 
O  fazem  a  Lisboa  retirarfe , 
E  nas  armas  buf^ar ,  com  que  vingarfe. 

41. 


1 66  Henriqueida 

45- 

Ofman  O  groíTo  cambem  foy  vencido  , 
Orcane  o  forte  volta  maltratado, 
Hall  o  negro  ííca  mal  ferido  , 
Ofmin  o  largo  cahe  deílroçado  : 
Elche  o  deítro  confeffa-fe  rendido  , 
Hazin  ò  branco  em  Tangue  eíhi  banhado, 
Zaide  o  ditoíb  perde  a  antonomafia  , 
Vence  hum  fo  Europeo  Africa  ,  e  Aíia. 

44. 

Teme  o  Sol  o  valor  do  Heróe  occulco  > 
E  intenta  ja  fogir  para  o  Oriente  , 
Mas  ao  longe  apparece  hum  negro  vulto, 
Qiie  corre  á  Praça  atropelando  a  gente  : 
Antes  que  acabe  o  foberano  indulto  , 
Que  aos  Africanos  hoje  aqui  confence. 
Quer  dar  do  feu  valor  inteira  copia 
O  amante  Cavalleiro  de  Etiópia. 

4r. 

Mas  como  agora  chega  a  eftc  deílrito, 
E  o  cartel  lé  do  amante  mais  ditofo. 
Que  a  publicar  íe  atreve  em  hum  edito, 
Que  mereceo  a  Aldára  vangloriofo  , 
Julga  que  em  íbu  amor  fora  delito 
O  naó  concradizcllo  valerofo  , 
Naó  hoje,   porque  o  dia  cila  acabado  , 
E  naò  buícava  hum  contendor  canfado. 

46. 

Mas  naõ  vos  pede  ,  Soberano  Henrique, 
Que  àmannaa  concedaes  a  tanto  brio  , 
Qlíc  outra  vez  o  torncyo  fe  publique  , 
Pois  pede  campo  para  o  dcfafio  : 
Permiti ,   que  o  feu  nome  naõ  explique , 
Nem  de  vos  ,   Grande  Principe  ,  confio  , 
Quem  hc  o  nobre  Etíope  encuherto  , 
Sem  cilar  íeu  contrario  defçub-crto. 

47. 


Canto  VI.  167 

47- 
Fingindo  a  voz  o  vencedor  galhardo 

Diflc  acticava  no  ícguince  dia 
O  defafio  achando  o  cempo  cardo  , 
E  que  cilas  condiçoens  ló  adniitia  : 
Sem  arnias  ,   que  íeiviflem  de  rcfguardo  , 
Eípadas  ,   c  punhaes  lo  elcolhia  , 
A  pé  ,  cuberco  o  roftro  ,  e  naõ  fe  achafle 
Ko  Campo  quem  com  vida  os  íeparafle. 

48. 
Muito  fentio  o  Principe  excellentc  , 
De  que  jogos  a  aíluncos  fuperiores 
Se  vilícm  cranstormados  brevemente 
Na  Icena  dos  antigos  gladiatores  :  *t 

Mas  ainda  que  violento  ,  às  leys  confence, 
Que  propunhaõ  os  fortes  contendores  : 
Sahe  do  Campo  o  Embaxador  do  Nilo, 
A  luz  acha  na  íombra  o  trifte  azilo. 

49. 

Girava  a  Corte  entre  os  difcurfos  vários , 
Que  caufaó  os  rariíTimos  fuccefibs , 
Todos  fem  conhecer  os  dois  contrai  ios, 
De  hum  no  troneyo  admiraõ  os  progreíTos.* 
Em  Aldára  naõ  foraõ  temerários 
Os  juizos  j  que  formaõ  Teus  exceíTos  j 
O  co^^acaõ  acerta  fenfitivo  , 
E  mais  prefago  foy  que  difcuríivo. 

50. 

Que  culpa  tem  ,  ó  Fado  ,  a  fermofura, 
(  Diz  Aldára  ao  feu  próprio  penfamento  ) 
Que  expoíla  ás  fem  razoens  da  forte  dura 
Em  cada  perfeição  acha  hum  tormento >! 
Devo  de  fer  fer mofa  ,   que  a  ventura 
•  Aífim  me  deixa  entregue  ao  fentimento, 
E  fe  o  fou  de  mim  foges  mal  nafcida  f 
Quando  foy  a  fealdade  apetecida  ? 

51- 


1 6  8  Henricfueida 

51- 
Qiic  de  Africa  ,  e  de  Hefpanha  o  claro  império 
Perca  no  cativeiro  dilacado  ! 
Que  por  iiuin  íolio  encontre  hum  vitupério  i 
Que  matalle  a  Almançor  Henrique  ouíado  / 
Que  a  Lua  eclipfe  a  luz  nefte  emisferio  / 
Que  me  deixe  meu  Pay  no  duro  eftado  / 
Tudo  liey  de  tolerar  na  trifte  queixa  , 
Mas  que  farey  quando  Muley  me  deixa  ? 

Mas  ay  :    que  há  mayor  mal  do  que  deixarme, 
E  he  fe  foíle  Muley  ,  como  fofpeito  , 
Quem  corre  disfarçado  por  vingarme 
De  quem  vive  de  i\  caó  fatisfeito  : 
Em  trofeos  repetidos  quiz  moftrarme 
A  fortuna  ,  que  tema  o  duro  effeito 
Do  defaíio  ,  que  hoje  fe  prepara  , 
E  fe  morrer  Muley  ,  naõ  viva  Aldára. 

Forjou  Pelayo  Amado  eftas  cadeas , 
E  por  mais  que  ignorados  feus  affecos. 
Até  agora  encobrio  loucas  idéas , 
Bera  Çqy  ,  que  faõ  meus  olhos  os  objetos  : 
Também  (^y  ,   ó  Muley  ,  que  naó  rcceas  , 
Que  rendaõ  ao  meu  peito  os  feus  projetos  ; 
Nem  que  por  fer  mais  forte  ,  ou  mais  dicoío  , 
O  teme  o  teu  alento  generofo. 

54- 

£u  fim  o  temo  quando  te  ameaça  , 
(  Se  he  o  mantenedor  ,  como  imagino  ) 
Pois  tu  tens  contra  ti  minha  defgraça, 
E  elle  tem  ja  por  fi  o  teu  deílino  :     , 
Porque  vive  quem  tantos  embaraça  ? 
Porque  a  morte  outra  vez  naó  determino 
De  huma  infeliz  ,  que  ainda  que  innocente; 
Se  faz  por  defgraçada  delinquente  l 

S5' 


Canto  VI.  1 6^ 

55. 

A  Ley  cruel  hoje  a  aUlftir  me  obriga 
Ao  tirano  efpccbaculo  funcfto  , 
E  que  o  que  vence  hum  favor  meu  configa 
Do  feu  valor  por  premio  manifcfto  : 
Eftá  depoficada  a  fatal  liga 
Para  hum  fim  taõ  impróprio  ,  e  taõ  moleílo  : 
Zéfiro  efte  crofco  naõ  íe  atribue  , 
E  outra  vez  hum  accafo  a  reílituc. 

Afllm  voaõ  os  vagos  penfamencos 
Da  infelice  bellillima  Princeza  , 
Enternecendo  aos  meímos  elementos 
Dor  que  perturba  o  Cco  de  huma  belleza  : 
Do  Sol  ,   que  nafce  ,  os  puros  luzimentos 
Nunca  a  chama  moftraraõ  taõ  acefa  ; 
Pois  do  roftro  de  Aldára  as  vivas  cores 
Com  purpura  inflamarão  feus  ardores. 

57., 

Vem  Tereza  bufcala  ,  e  conduzila  , 
O  refpcito  aos  íeus  olhos  foy  colírio  , 
As  pérolas  enxuga  ,  que  deílila  , 
Encubrindo  em  obfequio  o  íeu  delirio  : 
Na  janela  apparece  taó  tranquila, 
Que  occultando  a  violência  do  martírio  , 
Quando  com  mais  crueldade  a  eíiimula. 
Para  augmentarlhe  a  força  ,  o  diiamula. 

58. 

Ao  mefmo  tempo  a  monomaquia  fera  Nota425>. 

Para  objecto  fatal  íe  prevenira , 
E  a  tantos  coraçoens  move  ,  e  altera  , 
A  huns  a  compaixão  ,  a  outros  a  ira  : 
Nunca  de  Grécia  a  idade  mais  fcve.a  , 
Que  erpédcculos  trágicos  admira, 

Movco  a  íimpatia  da  paleílra  Nota 4 50  ; 

Na  mufica  cromática  da  Orqueílra.  Nou^ji 

Y  ^9. 


'  I  yo  Henriquèida 

59. 

Nunca  os  Heroes  mudados  em  adores 
Nota45  2.  OeSofocIes  ,  e  Euripidcs  no  pledro 
Com  affectos ,  e  acciícos  fupcrioies 
Se  viraõ  auinijr  do  aclivo   mecro  : 
Nota45  3.  Nem  de  crille  catafíroíc  os  furores  , 

Qiiando  dcípoja  aos  Reys  devida,  e  Scecro, 
Applica  as  arençoens  com  íimpacia, 
L'0  que  a  trágica  ícena  aqui  movia. 

60. 
Entrarão  os  dois  ernulos  amantes 
No  Campo  a  paílb  igual  por  parce  oppofta  > 
Os  vertidos  decentes  ,   naõ  brilhantes 
Até  donde  huma  raya  eftava  poíla  : 
Quiz  Henrique  dos  ferros  penetrantes 
Dos  dois  punhaes  a  fúria  ver  deporta  , 
Alfanges  curtos ,  e  no  pcfo  certos  , 
Cuberto  o  roftro  ,   os  peitos  defcubertos. 

61. 
Egas  Moniz  á  Praça  fe  transfere  ■  / 

Da  Regia  autoridade  revertido  , 
Do  deíafio  as  leys  aos  dois  referes 
E  em  tom  grave  fallou  nerte  íentido  : 
Henrique  digno  de  que  no  orbe  impere. 
Parte  ao  vorto  furor  tem  remetido  ; 
Porque  de  alguma  forte  fe  deshonra 
Quem  na  barbara  fúria  pós  a  honra. 

62. 
Por  ilfo  dos  punhaes  a  morte  breve, 
Ainda  que  a  efcolherteis ,  naõ  permite  , 
Só  da  efpada  ,  e  dos  braços  fiar  deve 
Qualquer  de  vòs  a  ira  ,  que  o  incite  ; 
Nota434.  Divide  linha  reda  a  área  leve, 
Que  do  vortb  furor  fera  limite : 
Ambos  na  cfpada  day  os  juramentos 
De  eftar  de  impuro  amor ,  c  de  ódio  izentos. 

^3- 


Canto  VI.  171 

Juráy  ,  que  naõ  trazeis  fuperfticioíos 
Caraòléres ,  e  cfpiricos  indinos , 
E  que  ambos  fois  por  fangue  gcRcrofos, 
E  de  afpirar  á  illulhe  Aldára  dignos  : 
Mas  para  que  huns  alcncos  caõ  briofos 
Já  poflaó  eíperar  prémios  condinos , 
Terá  o  vencedor  a  branca  venda  , 
Do  amado  bem  a  ineftimavel  prenda. 

64. 

Naõ  quer  faber  quem  fois ,    porque  o  vencido 
Aos  feus  olhos  naõ  fique  com  defaies  j 
Porém  o  vicoriofo  conhecido 
Trofeos  no  Campo  erija  militares  : 
O  Sol  também  por  mim  cílá  partido  ; 
Naõ  haja  voz  ouzada  ,  que  dos  ares 
Soe ,  intentando  barbara  incitarvos , 
Ou  pretenda  facrilega  animarvos. 

Naõ  vio  Roma  no  feculo  triunfante 
Contra  o  Pvhinocerontc  do  Oriente 
Enveílir  formidável  o  Elefante, 
Qiie  no  irado  fe  efquece  do  prudente  : 
Nem  aquelle  com  fúria  fulminante 
O  corno  afia  contra  a  tromba  ingente  , 
E  efpcrando  o  fmal  com  impaciência, 
Ancicipar  furor  ,  moftrar  violência. 

G6. 

Como  aos  eccos  das  caixas  ,  e  trombetas 
Correrão  os  contrários  taõ  velozes , 
Que  ao  fahir  de  dois  arcos  duas  fetas 
Nem  mais  ligeiras  faõ  ,    nem  mais  atrozes : 
Dentro  dos  coraçoens  clamaõ  inquietas 
Prefas  do  d  aro  edito  muitas  vozes  ; 
'E  fe  todas  gricaflem  animadas , 
O  rumor  fõ  fe  ouvira  das  efpadas,  . 

Yii  Ó7. 


lyi  Henriquetda 

67. 
O  Eciopc  bufcava  o  peito  forte 
Do  Luzicano  pela  oppofta  parte, 
E  (ç^m  o  feu  reparo  pronta  morte  , 
Ainda  ícnao  imnjortal  ,   tivera  ívíarte; 
Mas  efte  le  avih'nha  de  tal  forte  , 
Que  a  fúria  confervando  as  leys  da  arte, 
MoíVra  em  dois  contendores  taó  preclaros, 
Qiic  faõ  iguaes  os  golpes ,    e  os  reparos. 

Pafiou  o  Lufo  a  afimalada  raya  , 
Egas  o  adverte,   occnpa  logo  o  pofto 
Do  angulo  recaio  ,  cada  qual  fe  eníaya 
A  medir  a  diílanciaao  ferro  oppofto  ; 
E  porque  naõ  pareça  ,  que  defmaya 
O  valor  á  dcPcrcza  agora  expoílo  , 
Se  empcnliaõ  vigorofos  fo  na  oífenfa 
Mais  do  que  fe  apurarão  na  deffenfa. 

Ambos  no  lado  efquerdo  cílaó  feridos. 
As  mafcaras  de  fanguecílaó  banhadas , 
Correndo  das  cabeças  repetidos 
Rios  de  fangueem  duas  cotiladas  : 
Os  golpes  taó  iguaes  fe  vem  medidos 
Entre  os  dois  ,   que  falcando-lhe  as  efpadas 
Ao  Fneímo  tempo  ,  fó  entaõ  fe  vira, 
Que  a  maij  direita  cadaqual  ferira. 

70. 

Apertaraõ-fe  em  laços  taõ  eílreitos , 
Que  amizade  parece  o  que  he  ló  ira  , 
Tanto  fe  uniraò  os  valentes  peitos , 
Que  com  o  alento  de  hum  o  outro  refpira  .- 
Sc  do  vigor  perderão  os  effeitos, 
A  fuprilos  o  efpirito  confpira, 
Ncnlium  fe  defmayou  eflando  exangue, 
•Porque  a  alma  immortal  naõ  perde  o  íangue. 


71. 


Canto  VL  ly^ 

71. 

Ambos  Anteos  na  terra  a  hum  tempo  cahcm, 
E  delia  com  mais  forca  íc  levancaõ, 
Ambos  Alcides ,  po?*que  nau  dcfmayem  , 
No  ar  com  muis  vigor  ao  mundo  efpancaó; 
Vias  cm  rios  purpúreos  tantos  íahem 
Eípiritos ,   que  efpiritos  quebrantaó, 
Qiie  em  hum  ponto  os  contrários  esforçados 
Cahiraó  ,  naó  rendidos  ,  mas  poftrados. 

7'-- 

Egas  corre  piedofo  ,  exclama  Henrique, 

Urania  chora  ,  mas  Tereza  adverte  , 

Que  os  roítros  lhes  defcubraó  ,  e  fe  applique 

Pedra  ,  que  eílanque  o  íangue  ,   que  fe  verte  : 

Mas  que  Mufa  haverá  ,   que  a  pena  exphque 

Da  triíle  x^ldára  ,   a  quem  a  dor  perverte 

Vendo  como  o  temia  o  feu  deímavo, 

Que  hum  he  o  feu  Muley  ,   outro  he  Pelayo. 

75. 
Antes  que  as  luzes  dos  feus  olhos  bellos 

Em  dois  fatacs  defmayos  fe  eclipfaflcm  , 

Os  rayos  dos  feus  nítidos  cabelos 

Arrancou  ,  porque  ao  mundo  fulminaflem  j 

Delinquentes  feus  braços  quiz  prendellos 

Urania  ,  porque  nunca  a  maitratafibm  , 

Por  piedade  caftigo  applicar  deve 

A  culpas  de  criftal  prizoens  de  neve. 

74- 

Todo  erâ  gelo  o  roftro  ,    todo  gelo 
Era  o  Tangue  ,  que  em  purpura  o  tingia  , 
Taõ  congelado  eftava  o  corpo  bello  , 
Que  huma  eftatua  de  neve  parecia  ; 
Cloto  em  defmayo  eterno  quiz  deteilo 
No  circulo  ,  em  que  o  rápido  corria  , 
Mas  da  Parca  o  Amor  vence  os  furores, 
E  criunfaõ  dos  gelos  os  ardores. 

75' 


174  Henricjuetda 

75- 
No  dcfmayo  Cupido  reprefenta 
Ao  coração  ,   que  o  leu  idioma  entende, 
Que  Pclayo  ,  e  Muley  a  hum  tempo  alenta 
Nota45<í.  Com  erva  vulneraria  ,   que  os  detende  ; 

Aíilm  foy  ,  porque  a  vida  aos  dois  izenca 
De  tanto  mortal  golpe  ,   que  os  ofende  ; 
Alquife  em  Medicina  taõ  profundo  , 
Que  os  fegredos  de  Apollo  explica  ao  mundc, 

Também  deu  vida  a  Aldára  nefta  cura, 
E  Henrique  generofo  remunera 
A  Aídára  o  fabio  ,  que  tal  bem  procura, 
Com  huma  copa  deouro  ,  e  huma  esfera: 
Nota4;7.  Efta  ,  abreviado  o  Ceo  ,  a  luz  lhe  apura 

Nos  aftros  rutilantes ,  que  numera  ; 
Nota 4 3  8.  Grava  a  copa  Chiron  docbo  Centauro  , 
Nota  4  2  9.  ^  ^  Numen  Serpentino  de  Epidauro. 

^  _  77. 

Moniz  tao  igual  julga  o  defafio. 
Que  o  premio  aos  dois  amantes  jufto  nega  , 
Valor  ,  dcftreza  ,  gala,   amor,  ébrio, 
Sem  difFerença  a  admiração  emprega.- 
Entrou  o  ardente  Deos  no  império  frio , 
E  na  Corte  o  efpanto  naõ  focega. 
Por  ver  fó  defcuberto  em  hum  defmayo 
O  miíleriofo  afiecto  de  Pelayo. 

78. 

Condenaõ  os  políticos  afturos 
Que  o  coração  Pelayo  aífim  rcndefie, 
E  tendo  taõ  illulhes  atributos , 
A  huma  infiel  ,  a  huma  inimiga  o  dcííe; 
Quem  de  Amor  os  decretos  abfolutos 
Por  certa  experiência  reconheííe, 
Naó  fe  admire  ,  que  unidas  na  defgraça 
O  vença  difcriçaó  ,  bellcza  ,  e  graça. 


79- 


Canto  VI.  175 

79. 

Ja  pródiga  efpalliava  a  branca  Aurora 
Pcrolas ,  com  que  enfeita  as  lindas  flores , 
Quando  Gialdo  chega,   que  acégora 
Airiilia  de  Carquerc  aos  primores  .- 
Diz  a  Henrique  :  a  puriflima  Senhora 
DcO.e  mundo  inferior,  e  dos  fuperiores, 
Qi.ie  há  pouco  amanheceo  neQe  cniisferio  , 
Deidade  he  tutelar  do  Luzo  Império. 

So. 

Primeiro  das  Gentilicas  deidades, 
Depois  íervindo  aos  Mahometanos  ritos. 
Edifício  cxiília  ,  a  que  as  idades 
Reípeitaraõ  por  tempos  infinitos  : 
Os  muros  confervey  ,  e  as  impiedades 
Purifiquey  dos  bárbaros  delitos , 
E  fem  perdera  antiga  arquitetura, 
Supre  ao  jafpe  a  madeira  ,  e  a  pintura. 

81. 

Maria  tem  por  Vos  decente  hum  templo 
Milagre  da  incanfavel  diligencia  , 
Se  naõ  o  mais  magnifico  o  contemplo  , 
Tem  proporção  ,  riqueza,   ordem,  decência* 
O  Ceo  vos  diz  ,   que  com  taô  fanto  exemplo 
Régios  Heroes  da  voíTa  defcendencia 
Faraõ  mais  fumptuofos  edifícios 
Coníagrados  de  Deos  aos  facrifícios. 

82. 

AfFonfo  à  alta  deidade  agradecido  , 
Que  em  Carquere  a  faude  lhe  promete. 
Aos  filhos  do  Mellifiuo  efclarecido 
As  dadivas  magnificas  repete: 
Vafi-o  edifício  cerca  o  templo  erguido  , 
Do  Mundo  as  maravilhas  foraó  íete: 
Maria  em  Alcobaça  Soberana      . 

Deixa  envejofo  o  templo  de  Diana.  ota44i. 

83. 


1 7  5  Henriqueida 

Outro  naõ  deíigual  devoto  erige 

iNota442.  jyjjj.Q  ^(j  Mondego  ao  lenho  Sacroíanro, 
E  aos  filhos  da  Águia  de  Africa  dirige 
A  vida  ícguiar  ,  e  o  Culco  Sanuo  : 

Nota 44 5.  Da  gloria  de  Gufníaó  bem  fe  colhge. 
Pois  na  Regia  Tereza  brilha  canto, 
Qiie  à  1j atalha  dará  marmóreos  muros 
Rayos  de  eitrella  .íaò  ,  claros ,    e  efcuros. 

84. 

Nota  444.  Dciempenho  fera  do  ardente  voto 

Da  outava  geracaó  ,  que  fe  eterniza  : 
Com  nome  igual  hum  Rey  de  Hefpanha  roto 
De  outro  de  Liiia  o  nome  immorcaliza : 

Nota445.  Hum  defcendente  feu  grande,  e  devoto. 
Undécimo  Varaó  ,   que  fe  divifa, 
Outro  Belém  formando  no  Occidente 
Leva  de  hum  Deos  o  oriciuc  ao  aiefmo  Oriente. 

85. 

Nota44í?.  Filhos  do  do6to  interprete  divino, 

Que  em  Belém  explicou  Sagrado  Texto, 
E  expôs  com  raro  etludo  ,  e  peregrino 
Da  lingua  Santa  incógnito  contexto  ; 
Servirão  a  efte  templo  augurto  ,  e  dino  , 
Cauía  da  devoção  ,   e  naó  pretexto  , 
Fazendo  Deos  ao  Rey  ,  e  aos  íeus  erários 

Nota 447.  í^ais  de  três  Rcys  do  Oriente  tributários. 

^  „  O  evo  decimo  outavo  conte  o  mundo, 

44  •  £  ^^^  j.^^j  decimo  outavo  defcendente 
De  animo  heróico  ,  de  friber  profundo. 
Sacro  edificio  faz  mais  eminente  .- 

Nora  44 9.  Oa  Cidade  ,  a  que  o  khaco  facundo 
A  gloria  deu  ,   e  o  nome  eternamente. 
Pouco  Mafri  fe  aparta  ,   para  donde 

Nota  450.    Calixto  fe  levanta  ,  o  Sol  fe  eícondc 


í 


Canto  VL  177 

87. 

Monres  fc  abatem  ,  valles  fc  fubiimaó, 
Formaõ-fc  vias  Apias  militares ,  Nota4ii. 

Com  prémios  os  artífices  íc  animaõ 
A  abreviar  as  obras  lingulares  .- 
Precioías  pedras ,  ainda  que  as  opiimaõ 
Priíbens  da  terra ,  fobemaos  alçares; 
E  ainda  que  fe  refiftem  importunai) , 
Voaó  aos  obelifcos  ,  e  colunas. 

88. 

Robufla  ,  e  delicada  arquicedura 
Da  geometria  as  proporçoens  obferva, 
Dos  marmóreos  matizes  à  Pintura 
Aqui  a  natureza  naõ  referva  •• 
Nos  íeus  vivos  primores  a  Efculcura 
Heròes  tantos  ao  tempo  aíTim  preferva , 
Que  as  cores ,  que  empregava  o  deftro  Apelies, 
Servem  nas  producçoens  de  Praxiceles,  Nota 45 2,' 

Os  pincéis  dos  finceis  nada  envejofos 
Eternizaó  também  facras  hiílorias, 
Sem  ouro  os  ornamentos  íumptuofos 
No  r.rtificio  enriquecem  novas  glorias  ; 
Pir.imidcs  nos  bronzes  luminofos 
Da  devoção  trofeos,  da  Fé  vitorias  : 
Aidem  com  feus  incêndios  nunca  exhauftos 
Da  piedade  abrazados  holocauftos. 

90. 
Do  Serafim  de  AíTiz  o  humilde  rico  Nota  4; 3. 

Numerofo  eíquadraõ,  e  penitente. 
Guarda  com  regra  cal  nerte  deftrito  , 
Que  a  difciplina  obferva  fantamenae:  ^ 

De  Maria  o  dedica  ao  infinito  ota4y4. 

Patrocinio,  e  ao  Santo  ,  que  excellence 
•  Terá  vencendo  o  tempo,  a  forte,  ocafo, 
Em  Lisboa  Oriente,  em  Pádua  Occaío. 


1 7  8  Henrique  ida 

91- 
Com  língoas  de  metal  mil  prodigiofos 

Voaó  viventes  bronzes  animados , 

Que  em  alta  confonancia  harmoniofos 

Chegaõ  aos  Ceos  com  feus  canoros  brados  : 

Gig.intcs  faõ  pelados  ,   que  animofos 

Sobre  montes  de  mármore  elevados 

Nas  torres  vigilantes  fentinelas 

Nota455.Sem  impiedade  aQalcaõ  as  Efttellas. 

91. 

Nota45(5.  Será  do  Sacro  voto  defcmpenho 

Hum  Príncipe  galhardo,  ei  admirável. 
Donde  as  virtudes ,  o  faber  ,  o  engeniio 
Seraó  do  Rcyno  gloria  perdurável  : 
Bellifllma  Princeza  fino  empenho 
Da  prizaõ  de  Himeneo  no  laço  amável , 
De  Hefpanha  ,  e  Portugal  na  alta  aliança 

'  Satisfazem  reciproca  efperança. 

95.  _   . 

Em  Carquere  fe  apure  o  vaticinio, 
CeíTem  agora  os  jogos  ,  que  profanos. 
Se  íatisfazem  pios  o  definio, 
Saó  por  fanguinolentos  inhumanos  : 
Algum  dia  fera  voíío  dominio 
Izento  de  efpectaculos  tiranos  ; 
Ley  contra  os  defaffos  juíla  alcança, 
E  o  brio  naó  dependa  da  vingança. 

94. 
Vinde  famofo  Heróe  ,  vinde  Senhores , 
Ceda  à  Imagem  Divina  o  íimulacro , 
Multipliquem-fe  em  luzes  os  ardores. 
Com  que  hoje  há  de  brilhar  hum  rito  Sacro  •' 
As  lagrimas  dos  vicios  aos  horrores 
Expiem  com  puritTimo  lavacro  , 
Por  que  fó  as  que  naccm  da  alegria 
Nas  clatazulas  íe  enxuguem  da  harmonia. 


í?5' 


Canto  Vi,  179 

Do  generofo  Henrique  o  peito  adivo 
Ordena,   que  ao  criunío  de  Maria 
Apparcça  no  dia  íucccírivo 
Quanto  ao  feu  culto  há  muiros  prevenia  ; 
A  Muley  viíltou  ,  e  compallivo 
Poftos,  riquezas,  glorias  prometia  , 
Se  apartado  do  erro  Maliometano 
Goncorrelíe  ao  triunfo  Soberano. 

Elle  esforçando  a  voz  debilitada 
Pelos  rios  de  Tangue,  que  perdera  , 
Lhe  diz  :  naó  {c^y ,  Senhor ,  com  que  animada 
Violência  em  mim  voíTo  preceito  impera  •• 
A  vida  ,  a  liberdade  fogeitara 
Com  facrificio  fino  ,  ,e  Fé  fmcera, 
A  feguir  quanto  explica  cíTe  projeto 
A  minha  obrigação  ,  e  o  meu  aíFeto. 

97- 

Mas  a  honra  me  prende  na  homenagem 
Do  grande  Rey  de  Fez,  que  fírvo  ha  tanto, 
E  he  mais  indiíToluvel  vaffalagem 
A  que  profeíTo  ao  meu  Profeta  Santo  : 
Mas  fe  hc  taó  poderofa  nefla  imagem 

A  pura  May  de  hum  filho  facrofanto  ,  Nota-4.?7 

Se  he  certa  a  voíTa  ley  ,  para  que  a  admire  , 
Com  inftancia,  lhe  peço  ,   que  ma  infpire. 

9^8. 

Henrique  alegre  o  toma  nos  feus  braços, 
Elle  lhe  diz  ,  que  logo  ha  de  auzcntarfe , 
Que  das  feridas  os  violentos  laços 
Permicaõ  fem  perigo  o  retirarfe:  vjg  -j^ 

Que  Aldara  poíTa  ver  fem  embaraços,  '        ■ 

Lhe  pede  com  inftancia  ao  apartaríe: 
'Henrique  naô  lhe  nega  efta  licença  , 
Que  aceica  por  mais  alta  recompenfa, 

Z  ii  Pi?, 


1 8o  Henrlqueida 

99. 

Bufca  logo  o  Heroe  ao  feu  Pelayo  , 
E  ao  vello  com  temor  ,  e  com  refpeico, 
Transformou  o  obfeqiiio  em  hum  defmayo  , 
E  o  fuílciícou  o  Príncipe  em  feu  pcico  : 
Logo  refpira  em  caõ  picdofo  enfayo  , 
E  Henrique  receando  o  criíie  eíFeico  ; 
Só  lhe  diz  que  huma  vida  caõ  illuftre 
Perderfe  em  vãos  combates  he  defluílre. 

lOO. 

Diz  Pelayo  animando  o  defalento , 
VoíTas  vozes  ,  Senhor  ,  fe  contradizem  , 
Pois  por  naó  augmcntar  meu  íêntimento  , 
Me  dizem  mais  em  quanto  me  naó  dizem  : 
Bem  (cy  vos  encubri  o  amante  intento  , 
Sem  merecer  que  a  pena  me  fuavizem  , 
Naõ  me  dando  efta  vez  raayor  caftigo  j 
Se  amo  a  filha  de  hum  K^y  voiTo  inimigo. 

101. 

Como  fer  feu  efpofo  me  impedia. 
Seu  rigor ,  minha  Fé  ,  voffo  intercfle  , 
Para  explicar  as  anfias ,   que  fentia 
Julguey  que  a  permifiaõ  naó  fe   me  dcíTe: 
Augmentavafe  a  publica  alegria  , 
Com  que  o  mantenedoí  naõ   fe   foubeíTe  -, 
Bem  podeis  perdoar  hum  nobre  eífeito 
Do  decoro  y  do  amor,  e  do  refpeito. 


102. 


Trocar  fe  em  defafio  efte  torneyo 
Naõ  foy  minha  eleição  ,   pois  fó  me  obriga 
A  que  o  admita  naõ  moftrar  receyo 
A'  gente  Mahometana,  e  inimiga. 
Mas  he  dos  meus  fentidos  trífte  cnleyo 
Ver  que  a  pia  Deidade  me  caftiga  , 
Pois  celebrando  o  Numen  Soberano 
Confundo  o  amor  facro  no  profano- 

i®5 


Canto  VI.  i8i 

105. 

É  O  Varaó  gcnerofo  o  admocfta 

Com  lagrimas  diícretas ,  e  benignas , 
A  que  modere  a  pena  ,  que  o  nioleíla  , 
E  a  vida  exponha  em  occaíioens  mais  dignas :       "'■ 
Pelayo  lhe  aííegura  ;  e  manifcfta. 
Que  hum  nobre  amor  tím  faz  acçoens  indignas , 
E  fará  quanto  Henrique  de  crecára  j 
Excepto  ,   fe  mandar  naõ  ame  Aldara, 

104. 

Já  do  triunfo  facro  os  ecos  foaõ. 
As  tochas  fe  repartem  rutilantes. 
Os  clarins  fuavizaõ  quanto  atroaó, 
Enriquecem-fe  os  carros  triunfantes  : 
Os  eftendartes  pelos  ares  voaó; 
Adornaõ-fe  as  figuras  mais  brilhantes  : 
Virtudes  faõ  ,  e  o  mundo  aqui  fe  mude. 
Porque  vio  efta  vez  rica  aviítude. 

105. 

Em  quanto  alegremente  fe  previnem. 
Seis  vezes  nace  o  Sol,   féis  vezes  morre, 
Em  todos  varias  feftas  fedeftinem. 
Que  engenhoza  alegria  entaõ  difcorre.' 
Para  que  os  mais  velozes  fe  examinem , 
Premio  terá  quem  mais  ligeiro  corre  : 
Jà  fe  vê  levantada  por  divtfa 
Em  dois  eíladios  cândida  balifa. 

106. 

Silvio  Paftor  da  Beira  foy  primeiro 
Em  correr  coiu  Montano  o  Tranfmontano, 
Efte  mais  forte,  o  outro  mais  ligeiro  , 
Hum  parte  confiado  ,  o  outro  ufano; 
Silvio  fe  adiantou  ao  mais  groííeiro; 
Melhor  o  alento  confervou  Montano, 
,  E  qual  fahe  do  arco  a  veloz  feta , 
Montano  alcança  o  premio ,  e  chega  a  meta, 

107. 


1 8  2  Henriqueida. 

107. 

Foy  o  preço  hum  Ncbli  de  prata  fina , 
Que  aos  vivos  igualando  na  grandeza  , 
Moncano  ,  a  quem  o  premio  íc  deílina, 
Eilima  os  naõ  iguale  em  ligeireza  : 
Deufe  a  Silvio  huma  Garça  ,  que  feimclina 
Ao  Nebli ,   que  voou  com  maispreíleza, 
Ainda  que  eia  interior,    naõ  foy  delprezo 
Ter  o  menos  veloz  o  menor  pcfo. 

108. 

Coração  (ó  formado  de  hum  diamante 
Foy  alvo  ,  e  premio  à  mais  ditoía  feca  , 
Que  acertaíle  voando  em  hum  inílante 
A  breve  ,  dura,  epreciofa  meta; 
Era  Adónis  do  Tejo  Liíidante 
Hum  caçador,   que  a  ave  mais  inquieta, 
Por  mais  que  gire  ,  e  voe  em  vago  arrojo, 
He  dofeu  tiro  trágico  defpojo . 

109. 

Ama  Amarilis  Ninfa,  que  no  Douro 
(Que  a  fua  formoíara  bem  retrata ) 
Tem  nos  cabellos  as  áreas  de  ouro, 
Moftra  no  roftro  a  preciofa  prata : 
Tirfo  paftor  da  Beira  efte  tefou-ro 
Pretende  ,  mas  a  Ninfa  ambos  maltrata , 
Porque  he  feu  coração  incontraílavel 
Mais  que  o  diamante  duro  ,  e  invulnerável. 

1 10. 
O  Amor  invocaõ>  e  as  douradas  íetas 
Os  dois  de  longe  deftramente  tiraó , 
Voaó  exhalacoens ,  correm  cometas , 
Fulminaó  rayos ,  e  planetas  giraó  ; 
Giraó  ,  porém  malévolos  Planetas 
Taes  rigores  influem  ,  taes  infpiraõ 
Defdcns  na  bella  Ninfa,   que  adorarão j 
Que  o  duro  coração  naó  acertaiaõ.  , 


III. 


Canto  VL  183 

III. 

Mayor  mal ,  que  o  defar  hoje  padecem  , 
Porque  no  infeliciírinio  naufrágio 
Outro  favorecido  reconhecem 
Do  ciúme  em  malévolo  contagio  ; 

Hum  galhardo  Francez,   que  dcfconhccem,  Nota485. 

Difpara  aícta,  e  com  feliz  prefagio 
Acerta  o  coração ,  e  o  rende  fino , 
E  de  hum ,  e  de  outro  premio   fe  faz  dino. 

1  IX. 

Hercules  de  Rohan  era ,  e  valente 
Hercules  no  valor  ,  e  força  eftranha. 
Que  Amarilis  amava  occultamente, 
E  encuberco  faira  de  Bretanha  ; 
De  Bretanha,  em  que  reyna  ilíuftremente, 
Epor  fervir  a  Henrique  na  campanha, 
Eexporfe  voluntário  aventureiro. 
Encobre  o  Soberano  no  guerreiro. 

m- 

Neíles  ,   e  em  outros  jogos  bellicofos 
Os  heroes  mais  infignes  fe  entretinhaõ , 
Em  quanto  os  apparatos  maisfamofos 
Apelar  dos  dezejos  fe  detinhaó : 
Já  Pelayo  ,  eMuIey  ambiciofos 
De  nova  gloria  novo  alento  tinhaõ  : 
Bufca  Muley  a  Aldara  ao  defpedirfe, 
E  aíTim  lhe  diz  donde  naõ  poíTa  ouvirfe. 

114. 
Já  que  naõ  permitio  ,  beíla  homicida, 
O  fado  ,   que  ao  meu  bem  nunca  he  propicio  j^ 
Que  perdendo   por  ti  a  triftc  vida , 
Fizeíle  mais  completo  o  facrificio; 
De  todo  morrerey  neíla  partida 
Tendo  nas  faudadcs  exercício 
O  pranto  em  finas  lagrimas  desfeito  , 
Qne o  fangue ,  que  ainda  tem ,  veica  o  meu  peito.     > 

115. 


1 84  HerjricjUeida 

Eu  parco,  mas  de  ti  fó  me  apartara 
Voltar  taõ  prontamente  alibertartc. 
Que  (c  a  Vénus  excede  a  bella  Aldara , 
Quando  a  adora  Muley  j  naõ  cede  a  Marte: 
hlRcy  teu  Pay  o  exercito  prepara, 
E  feguem  ao  feu  bellico  eííandarte 
Quantos  Toldados  tem  de  Africa  a  terra  , 
E  deu  Lifia  vencida  em  dura  guerra  . 

iió. 
Nota 45 9'  ^  Eílreito  Hercúleo  ,  o  Gaditano  pego 

AtraveíTou  armada  numerofa , 
De  huma  batalha  bufcará  o  emprego, 
Logo  a  Coimbra  fendera  famofa  : 
Coimbra,  que  he  a  chave  do  Mondego, 
Com  que  íe  fecha  a  Beira  bellicofa , 
E  fe  oufado  o  focorro  intenta  Henrique  , 
Força  fera,  que  derrotado  fique. 

117. 

Por  ti  avifa,  que  Axa  tem  tramado 
Huma  confpiraçaõ  muy  bem  ordida , 
Enella  Affonfo,  que  ha  de  íer  roubado  , 
Será  penhor,  que  te  aíTegure  a  vida; 
Axa  com  feu  esforço  denodado 
Também  hade  livrarte  ,  e  defendida 
Por  mim,  que  heide  voltar  para  fervirtô, 
A  té  o  Mondego  pode  conduzirte  . 

iiS. 

Muftafá ,  que  em  aftucia  he  novo  UliíTes , 
Te  dará  ainftrucçaõ,  anoute,  a  hora: 
Faça  amor  meus  projeros  mais  felices. 
Do  que  os  outros  fe  viraõ  ateagora  .• 
Algum  dia  naõ  fcjaõ  infelices 
Os  votos  dehum  amante,  quete adora; 
E  acenda  mais  Cupido  as  duras  fragoas 
Com  o  animado  ardor  das  mirdias  magoas. 

115. 


Canto  VL  185 

119. 

Naõ  fofrc  o  teu  refpeico  ,cmeu  decoro, 
Qj-ie  finca  de  Pcla3'o  os  vãos  excdibs. 
Pois  do  ciuinc  o  vil  affeclo  ignoro  , 
E  no  meu  coração  nau   tez  progrcílos  : 
Sabes  o  bella  Aldara  ,  que  te  adoro  , 
E  em  meus  infeliciírimos   íucceiros 
Como  firme  hcy  de  achar  tua  conílancia, 
Naó  temo  datorcuna  outra  inconílancia . 

120. 
Seguro  eílás ,  Aldara  lhe  refponde  , 
De  quem  tuas  finezas  reconhece, 
Segura  a  ElRey  meu  pay  ,  que  cor  refponde 
As  fuás  leys  quem  fina  lhe  obedece: 
Mais  quifera  dizer,  que  o  peito  efconde 
Aííecto,  que  fe  tanto  o  naõ  prcndeíle 
O  decoro  ,  o  concurfo  ,  que  chegara, 
Pode  fer  que  aprendelo  naõ  bailara. 

121. 
A  Muílafá  carta  dei  Rey  entrega  , 
E  he  certo  que  ignorava  o  que  continha, 
Que  a  boa  ley  ,  e  a  obediência  cega 
Fez  que  ignoraíTe  o  mal ,  que  nella  vinha: 
Náo  ^  que  com  vento  profpero  navega, 
Ave  que  voa,  Cerva  que  caminha, 
Naõ  igualaõ  Muley ,  que  fe  defpcde  , 
Que  ao  penfainenco  iguala,  ao  vento  excede, 

I  Z2. 

Duas  cartas  o  Mouro  achou  inclufas, 
Huma  Hali  Rey  de  Fez  lhe  remetia  , 
Na  fua  as  inftrucçoens  vinhaõ  diííufas 
Do  roubo  ,  que  do  Infante  pretendia : 
Ade  Aldara  expreíToens  faz  taõ  confufas , 
Que  fó  dos  feus  mistérios  fe  entendia 
^Oque  bailava  para  o  fentimento, 
Com  que  lhe  deu  feu  Pay  niayor  tormento  l 

Aa  li  3» 


l86  Henricjuetãa 

123. 

Em  quanto  Axa  outra  carta  Ic  contente, 
Porque  ElRey  lhe  promete  libertala  , 
E  lifongea  a  fua  cliania  ardente 
Na  ocaziao  ,  que  lhe  dá  para  incitala ; 
Aldara  fe  retira   occultamente 
A  ler-,  mas  hum  prefagio  lhe  aíTinala 
Hum  tremor,  que  a  fufpende,  e  a  eílimula, 
E  muda  í6  feus  males  articula. 

124. 

Filha,  Iheefcreuc,   quando  a  tua  auzencia 
Naõ  pode  confeguir  cirarrae  a  vida  , 
A  mayor  guerra,  e  a  mayor  violência 
S^Y  que  nunca  hcf  deter  por  homicida: 
Na6  cuides  que  aconftancÍJ  ,ou  que  a  prudência 
Curarão   com  o  tempo  efta  ferida; 
Quem  a  mitiga  he  (6  huma  efperança 
De  pronta,  certa,  e  afpera  vingança. 

I25- 

Subjuguey  aos  rebeldes  Tingitanos , 
Conquiftey  de  Numidia  o  varto  Império, 
Dilatey  os  limites  Africanos 
Muito  dentro  do  tórrido  emisferio  ; 
De  poucos  colligados  Lu/icanos 
Recebi  duplicado  vitupério  ; 
A  Almançor  fepultou  rápido  o  Douro, 
E  em   ti  perdi  meu  víiico  tefouro, 

\i6'. 
Aftuto  Muftafá,  Muley  valente 
Com  Axa  incomparável  Heroina 
Vnem  o  forte,  o  heróico,  eo  prudente 
Para  caufar  a  Portugal  ruina: 
Hum  roubará   Atfoníb  defcramente , 
O  outro  a  libernrte  íc  dcllma, 
E  Axa  com  íeus  parciaes  hade  ampararte, 
E  te  cx)nduzirá  para  livrarte. 


t  Canto   VI.  187 

1Z7. 
,  Muley  de  Muftafó  trará  noticias 

Do  íkio  para  o  campo  ailínalado, 
Das   horas  para  a  cmprcía  mais  propicias. 
Da  lugar  para  a  Corte  deciCtado  r 
E   porque  naó  defpcrtem  as  malicias  , 
Vendo  huma  copia  os  três  dcfte  tratado, 
A  todos  inflruccao  vav  diíbrcntc, 
E  â  dilTimulacaõ  fcmpic  he  prudente» 

118. 
Na  noite,  em  que  chegar  ao  novo  Templo 
O  triunfo,  que  ha  tanto  íe  previne. 
Por  própria  aos  meus  intentos  eu  contemplo , 
Que  a  huma  empreza  raõ  árdua  fe  deftine; 
Da  fua  Religião  o  falfo  exempla 
Com  eftc  máo  fucceíTo  íc  arruine. 
Vendo  quando  Maria  eftá  triunfante, 
QjAC  eu  levo  por  cativo  o  feu  Infante, 

l-LÇ). 

Pella  parte  de  Arouca  diffílaraa 
Valerofos  Toldados  efcolhidos , 
Em  trage  de  paifanos  diffarçaraõ 
Os  varonis  impulfos  prevenidos: 
Nos  carros  entre  frutos  ocultarão 
Os    arnefes  mais  fortes,  que  luzidos  j 
E  no  campo  acharam  para  montallos 
Dos  mefmos  inimigos  os  cavallos. 

150. 

Faltame  fó  fazerte  huma  advertência. 
Em  que  huma  alta  politica  fe  encobre, 
E  hc  faber  que  Muley  com  mais  violência 
Os  feus  nobres  aíFeclos  te  defcobre : 
E  te  ordeno  ,  que  moftres  na  apparencia. 
Que  ao  feu  igual  ardor  teu  peito  cobre ; 
,Mas  tudo  fem  perigo  do  decoro, 
forque  efpoía  has  de  íer  ^^  Lucidoro, 


i88  Henriqueida 

Minha   idade  avançada  naõ  permite , 
Que  o  deixe,  e  íeus  parciaes  com  tal  diíeito  , 
Sem  que  Taiba  de  certo  ,   que  o  admite  , 
Como  o   mais  digno  império  ,  hoje  o   teu  peito  : 
Huma  guerra  civil   naõ  tem  limite  , 
Que  naó  produza  perigofo  eíteico  •, 
Em  fim  por  caufa  occulta  ,  e  muy  forçofa, 
Nora  460.  Tu  de  Muley  naó  podes  fer  efpofa. 

O  efpirito   fútil  ,   que  iníiama  o  rayo  , 
A  que  a  frágil  matéria   naó  refilie, 
Porque  penetre  em  fulminante  enfayo 
Duro  metal,   que  no   feu  centro  exifte  , 
Naõ  produz  dano  igual,  igual  defmayo , 
Qiie   o  coraça"i  fentio  de   Aldara  trifte  , 
Qiiando  fem  que  oífendeíTe  os   olhos  logo 
Abiaza  ao   firme  peito  o  leve  fogo» 

AlTim  fe  queixa  ;  ò  timida  efperança  , 
Que  com  fingidas  glorias  lifongeas , 
Para  eniíanar  huma  infeliz  lembrança 
A  ambiciofa  illufaó   de  outras  idéas  : 
Se  nos  meus   males  há  de  haver  mudança  , 
Porque  cm  ecerna   duvida  os  enleasr* 
E  fe  a  naõ  ha  de  haver,   porque  em  meu  dano 
Prcndclle  com  o  engano  o  defengano  ? 

154. 

Nos  npparcntes  longes  da  alegria 
Gaílaílc  o  cabedal  do  fofrimento , 
E  augmentas  o  dilirio  da  oufadia, 
Preferindo  á  verdade  o   fingimento? 
Só  com  a  fem  rezaó  de  huma  porfia 
Jnfamafle  arazaj  de  hum  fentimento  ; 
E  a  hum  golpe  atroz  meu  coração  ferido 
He  mais  cruel  por  menos   prevenido. 


Canto  VI.  189 

'35. 

Ingrato  Pay,  que  hoje  o  meu  mal  pretendes, 
Naó  baila  que  em  defcuido  taõ  grofleiro  , 
Quando  da  ercarvidaõ  me  naõ  defendes  j 
Mc  deixes  cm  taõ  longo  cativeiro.^* 
Se  me  queres  livrar,  porque  me  ofendes  ? 
Tiras-mc  do  alvediio  o  Ter  prim.eiroí* 
E  da  tormenta  em  huma  breve  calma 
Livrafme  o  corpo  por  prenderme  a  alma  ? 

136. 

Tu  naõ  me  deíle  o  fer ,  pois   fe  mo  [deras , 
Hum  -benefício  tal  naõ  deílruiras , 
Ou  o  amor ,  que  gerafte  conheceras  , 
Ou  o  feu  fino  ardor  naõ  me  arguiras  : 
Se  a  ti  de  Africa  os  afpides  ,  e  as   feras , 
Te  infpiraraõ  venenos,  deraó  iras, 
Naõ  tenho  eu   ptodudor  de  tanta  injuria  , 
Quem  vio  o  Amor  fer  filho  de  huma  fúria? 

157. 

Se  eíTa  razaõ ,  ou  fcm  razaõ  de  eftado 
Der  eíTe  vafto  Império  a  Lucidoro  , 
Outro  Império  mayor  tenho  ganhado 
No  coração  ,  que  eternamente  adoro  : 
Outro  enigma  occultaíle  ao  meu  cuidado, 
Tiras-me  a  vida,  arrifcas-me  odecoro. 
Pois  conclues  dizendome  terrivel, 
Que  fer  eu  de  Muley  he  impoíTivel. 

158. 

Nao  he  elle  de  eílirpe  tao  gloriofa, 
Que  primeiro  que  a   tua  vence  Hefpanha  ? 
Naó  conta  a  fua  eípada  valerofa 
Em  cada  golpe  feu  huma  façanha? 
Alma  heróica,  fubliíTie,  gencrofa  , 
£  de  amor  a  fineza  méis  elhanha, 
JSciencia  ,  difcriçaõ  ,   garbo,  deftreza. 
Pontualidade,  agrado,  c  gentileza. <* 


1 9  o  Hemiquéídá 

Pois  fe  iílo  naõ  defculpa  a  fimparia  , 
Q}ie  cu  luermo  em  meu  Peito  fom^ncafte, 
E  quancio  a  Lucidoro    o  preferia , 
Que  em  tudo  me  igualava  me  aíirmaíle  ; 
Qtie  noticia,   que  caufa ,  ou  que  porfia 
Faz  que  revogues  quanto  decretafte? 
Quem  te  dille  com  falfo  vaticinio, 
Que  ás  almas  fe  eíteadia  o  tea  dominio  l 

140. 

Muley  naõ  fabera  taõ  novo  intento. 
Porque  quero-  evitarte  hum  inimigo  , 
Que  tem  para  o  ingrato,  e  o  violento 
No  feu  valor  prontiiTimo  caítigo  : 
Nem  faberá  meu  roftro  o  meu  tormento  \ 
Eu  bufco  a  Muftafà ,  e  a  Axa  Ggo  : 
Ainda  con  vida  quero,  que  me  vejas. 
Para  verme  morrer,  como  defecas. 

14L. 

Seguindo  as  inftrucóes  os  conjurados  , 
(Que  de  Aldara  03  difcurfos  interrompem) 
Buícaõ  entre  os  cativos  os  Toldados , 
'Que  por  ver  o  triunfo  as  prizoens   rompem 
Pelo  indulto  de  Henrique  libertados 
A  os  benefícios  com  treiçoens  corrompem  5 
E  a  noite  fucceíTiva  ao  fanto  rito 
Querem  inAeis  que  firva  ao  feu  delito. 


HêN, 


19 1 


CANTO    VIL 

Argumento. 


Deu  Henrique  aos  cativos  liberdade^ 
Axa  a  huma  rebelião  falfa  os  convoca , 
Magnifico  triunfo  da  Deidade , 
Valias  novas  rreiçoens  dura.  -provoca  : 
Nocturno  ajfalto  em  barbara  impiedade 
A'-  luz,  do  e feudo  magico  ,  a  que  invoca , 
Axa,  o   Infante  expondo  a  grão  perigo^ 
No  N-umen  tuteUr  acha  o  caftigo. 

1- 
A  o  excelío  triunfo  de  iViaria 

Concorrerão  do  Ceo  as  luzes  bcUas  , 

Na  mefma  noke  fe  anticipa  o  dia, 

Suprem  ao  To! ,  a  lua ,  e  as  etlrelias: 

A  Imagem  mifteriofa  enraò  fe  via, 

Servindolhe  as  celeíles  fcncinellas. 

Nas  cílrcllas,  na  lua,  e  foi  luzido  , 

De  coroa,  de  trono,  e  de  veílido.  oa4 

2. 

Simholo  feu   íê  anticipou  a  Aurora 
Das  fombras  defendida,  e  preservada, 
E  do  foi  da  juftiça  precuiíora 
Dos  rayos  lhe  modera  a  força  irada  : 
Delia  o  afiro  nafceo,  que  o   Mundo  adora 
Sem  que  rompefle  a  nuvem  illufirada 
,E  apuraó  as  celefies  filomenas 
Canoros  voos,  harmonioías  penas. 

li 


Tudo  êmííofthòs  admira  o  pi^  Henrfque, 
E  deípeicandí)Vi<Ji  campo  dei  perca  va^  i  íúA 

Faz  que  a  todo  o  cativo  fe  publiques*  «lOi  fiííH 
Liberdade,  que  tanto    dczejava  ;  ':         ^  :íJiH 

Que  eíle  indulto   geral  fe  notifique  ,  \  K 

'^'^■mM      Ordena,  e-'que  fó  delle  reícrvava,  abaaV 

Pelo  obrigar  politica  cautela ,  >«  oZ 

Com  os  Reys  de  Lamego  Aldára  bella.  *  ^ 

4. 
-^Naõ  quero,  diz,   ó  triíles  Mahomeranos , 
Ver  nos  votlos  íemblantes  as  ideas,  a):4.i^-ií-.. 

^^i^ên'.;      Qiie  a   alegria  dos  ânimos  vfanos  va  ^up'  . 

Malencolicas  turbetii ,  manchem  feast^jÊosMâCI; 
Nota 46 i.  Se  imitaíTe  os  triunfos  dos  Romanos ,  O  , 

Bem  pudeta  levar  vos  nas  cadeas  >  ■■  ;-  .-'Ay\  v'J. 
Atando  ao  carro  a  barbara  vaidade  ^ioVaíri  ?iO^ 
No  triunfo  mayor  de-humâ  DH^idadev^P  pk^SiM^ 

"'^^^'^■^%Ias  como  ella  concede  !0^''íeÉRSf^auípicÍQS 
Para  o  mundo  fahir  do  cativeiro  i>,^«ííS?íí^i=SiíP'Jie^> 
Participay  de  tantos  beíieíicios^»'     ^f  = 
E  deixay  de  humà  vez  rito  groífeirõ  : 
Achareis  Teus  influxos  caõ  propícios, 
Se  hoje  feguisò  citito  verdadeiro  ,?    "3i  ^ 
Que  tereis ,  efquecidos  os   iníultos  , 
Eternos  bens ,  benévolos  indultoSi 

6. 
Alguns  ouvindo  a  Henrique  íô  convertem 
Rendidos  aos  aficdos   gencrofos, 
Outros ,  que  com  favores  fe  pervertem  , 
A  treiçaõ  diirimulaó   cautelofos  :  < 

Em  ElRey  de  Lamego  então  fe   adverfem-  : v. 

Sinais  enternecidos  ,  e  piedoíbs  ,  "      ^.:>7   ^>-. j  .^ 
De  que   ja  com  as  luzes  da  verdade  ia  d  mi-^Q  .1-   , 
Mais  que  a  prifaô  íeíicira  a  liberdade*-.  .'-  :-:i  -"^ 


Canto  VIL  193 

7. 

Axà  a  confpiraçaõ  lhe  communica, 
Mas  ElKey  lhe  refponde  a  naõ  approva; 
Ella  com  razoens  fortes  lhe  replica, 
Elle  com  caufas  juftas  as  reprova: 
A  Rainha  os  motivos  juftifica 

Vendo  que  Henrique  na  amniftía  nova  Nota 4^3 

Só  aos  dois  rigorofo  exceptuara, 
E  a  infelicí" ,  e  foberana  Aldara. 

8. 

Que  aos  três  mais  oífendeo  neíla  referva  ; 
E  aíTim  romper  deviaõ  a  omenagem, 

Que  em  fonhos  vira  a  Palias,  e  Minerva  Nota4(j4í 

De  Maria  roubar  a  nova  imagem  ; 
Que  a  imprudência   de  Henrique  hoje  os  pcrícrva 
De  fofrer  taõ  indigna  vaíTalagem ; 
Pois  em  feus  incereíTes  naõ  difcorre. 
Quando  com  fuás  armas  os  focorre. 

9- 

Naõ  tens ,  refponde  o  Rey ,  que  perfuadirme  > 
Porque  fempre  imprudentes  teus  proje6tos 
Confeguiraõ  perderme  ,  e  deftruirme  , 
Dominaihio  tirana  os  meus  afíedos  • 
Que  fonhos ,  que  vifoens  queres  fíngirme 
Da  cega  idolatria  em  vãos  objectos  ? 
Multiplicando  infiel  o  fer  Divino , 
Quando  negas  hum  Deos  ,  que  he  Una,  c  Triao? 

10. 

Renovas  dos  Romanos ,  e  dos  Gregos 
Superftiçoens  no  mundo  ha  tanto  extintas , 
Quando  aos  que  eraó  mais  fabios,  menos  cegos 
Foraó  allegorias  indiftintas  ? 
Fabulas,  que  aos  Poetas  faõ  empregos^, 
Como  verdades  foHdas  me  pinças , 
,  E  nem  bufcas  defculpa  em  taes  horrores 
De  fer  a  religião  dos  teus  mayores? 


154  Henriqueiãa. 

11. 

Naõ  eftranliaràs  muito ,  dando  o  exemplo , 
Que  eu  cambem  deixe  o  Mahometano  rico  .•        v? 
Que  abominável  eu  cambem  contemplo 
Nota4(j7.  No  bárbaro  Alcorão  com  ferro  efcrito.* 
Segueme,  amada  efpofaj  bufca  o  templo 
Dos  Chriftãos  ,    reconhece  o  teu  delito  j 
E  Tece  deixo,  e  tua  idolatria, 
He  fó  por  Ter  efcravo  de  Maiia. 

12. 

Eu ,    a  Rainha  diz ,  em  ti  refpeico 
Hum  efpofo,  ainda  fendo  taõ  indino. 
Porém  já  obra  em   ti  magico  eíi-eico  ^ 

'    '  De  algum  encanto  períido  ,  e  malino  : 

Efte  punhal  do  teu   cobarde  peito 
Vertera  o  Tangue  por  caíligo  dino  ; 
Mas  fique  impune  taõ  horrendo  infultoj 
Porque  de  que  te  amey  gozas  o  indulto. 

15- 
Se  a  Religião,  que  figo,  e  cu  declaras, 
NeíTa  tua  ignorância  conheceras , 
Nem  a  dos  Mahometanos  adoraras, 
Nem  a  vaã  dos  Ghriftâos  cego  atenderas; 
Eu  vou   facrificar  nas  facras  aras 
De  Palias ,  e  te  deixo  entre  quimeras; 
Mas  fe  naõ  queres  quererme  por  matarme  , 
Ao  menos  o  fegredo  has  de  guardarme. 

14. 
Parte  mais  que  em  amor  acefa  em  ira  j 
Cede  no  Rey  o  efcandalo  à  piedade, 
E  do  grande  concurfo  fe  retira. 
Sentindo  mais  o  engano,  que  a  faudade  .• 
Naõ  lhe  fia  a  Rainha ,  que  confpira 
Por  tirar  ao  Infante  a  liberdade,  p 

Que  pode  fer ,  que  o  dano  prevenifle,  -^<| 

Sem  que  a  efpoía,  e  fegredo  deflruiífe.  s^q 


''Cdntò  VIL  ^9$ 

■  Tntré  tanto  o  exercito  devoto 
Em  ordem  diffciente  eftá  formado 
Da  sntigaj  com  que  fempre  deixou  roto 
Do  Ifmac^ica  feroz  o  ardor  ouzado; 
Fará  dciempcnhar  o  pio  voto  , 
Em  que  o  Rcyno  de  Henrique  eftâ  fundado ; 
Tochas  tomaõ  em  dia  taõ  feftivo, 
E  he  cada  peito  hum  holocaufto  vivo, 

1(5. 

Quantas  naçoens  às  feílas  concorrerão. 
Se  unirão  aos  foldados   generofos , 

E  das  azas  de  Dédalo  lhe  deraõ  Nota  461; 

Com  que  inflamar  ardores  luminofos - 
Neftes  cândidos  voos,  em  que  arderão > 
Naô  temem  precipicios  perigofos, 
Qpe  humildes  fem  impulfo  temerário 
Naó  daó  trágico  nome  ao  mar  Icario» 

17- 

Ainda  que  fc  civeíTem  dcfcuberco 
Os  perfpicazes  tubos  criílalinos  , 

Com  que  depois  o  Florentino  experta  Nota4(j5>V 

Penetrou  os  cípaços  diamantinos , 
E  no  cerúleo  liquido  deferto 

Tantos  pode  indagar  aftros  divinos,  r 

Que  vencendo  a  diílancia  incomparável  > 
Numero  numerou  innuraeravel.  Nota  470; 

Naa  excedera  as  luzes  inquietas. 
Que  errantes  fobre  a  terra  entaõ  giravaõ;^  ■. 

Para  Henrique  benéficos  Planetas, 
A  que  as   fuás  virtudes  illuftiavao ; 
Para  os  Mouros  malévolos  Coinetas ,  ; 

Que  ruina  fatal  amcírçâvai"  , 
Para  a  Deidade  efpiricos  brilhantes. 
Que    adoravaô  feus  rayos  ruuiaiices. 
*  Bb  u  íg* 


^r 


196  Henriqueida 

19- 

Move-fe  o  Firmamento  luminofo 
Nota 471.  Também   tardo,  e  com  ordem,  cfcccgo, 
Nota 47Z.  Por  trinta  e  cinco  cíladios   vagarofo, 
(Tantos  difta  de  Carquere  Lamego) 
Defcrever  o  triunfo  fuinptuoro 
Será  da  Mufa  taõ  ccleíle  emprego , 
Que  temo  que  ás  esferas  fe  remonte, 
Porque  efqueça  a  tragedia  de  Faetonte. 

20. 
De  caixas ,  e  clarins  dez  vezes  cento , 
De  inftrumentos  alegres ,  e  fonoros , 
De  Citaras  de  acorde. ,  e  doce  acento. 
De  Archilaudes  brandos,  e  canoros. 
Das  Tiorbas  o  rápido  inftrumento  , 
Das  flautas  Paftorís  amantes  coros , 
Com  a  Viola  a  Harpa  na  armonia 
]Nota475.  Vencem  dos  Ceos  a  acorde  melodia. 

21. 
Quanto   o  ar  em  neumacico  artificio 
Nota 474  lí^a  fuave  prifaõ   fahe  animado, 

E  quanto  pelo  encordio  beneficio 
He  das  tremulas  cordas  agitado. 
Quanto  em  fim  no  pulfatil  exercicio 
Soa  batido,  e  fica  moderado, 
Temperando  a  difcordia  aos  mefmos  ventos  , 
Impera  o  ar  nos  outros  elementos. 

22. 
Nove  carros,  que  ás  nuvens  imitavaó. 
Com  emplumadas  raras  melodias 
Por  celebrar  a  Deofa ,    que  adoravaô 
Conduzem  as  celeftes  Gerarquias : 
Os  Serafins ,  c  os  Querubins  guiavaó 
Tronos,    Dominações   com  harmonias, 
Virtudes,  Poteítades ,  Principados 
Aos  Arcanjos ,  e  aos  Anjos  imitados. 


i3' 


9? 


Canto,  VIL- 

Logo  apparGcera  mifticas  figuras^       «v       • 
Que  dos  ancigos  tragcs  ic  revéftcm  j'"^  ^\  ol-9voM 
Qiie  cm  cllaciias ,  medalhas,  c  pincurás^''^*'^  ^"^^^^^T  ,i-(;^^gjci]4' 
Se  relevaõ  ,  fc  ^ravaõ^,  c  íe  vcttcm:  ^  3Gnj  lo^í  ..ít^kÊSoV^i 

Cubercas  de  ouro,  e  prata  as  veftiduras  ,  •'••''  2oaniiJ  ) 
Que  oclaro  Henrique  ordena  fe  lhe  apreft#m^r^'^pbQ 
As  rcprcfencaó  Damas  caó  Tcrmofas ,  -■'^'h^XihvàZ 
Que  as  fuás  joyas  faõ  menos  preciofas-^í-^p  oam.âup 

24.  ':  ^  "■ 

A  Religião  do  Império  fundamento, 
A  Fé  cjanto  mais  cega  mais  bem  virta  , 
Que  ceraõ  nefle  Reyno  illuftrc  aumento  ,  'l 

l.he  alTcguraõ  do  Bárbaro  a   conquifta: 
A  Devoção  encobre  o  luzimcnco 
Porque  modeíla  no  triunfo  alllíla  *, 
Reíplaiidece  magnifica  a  Piedade , 
Mas  acada  aos  íeus  pés  traz  a  Vaidade, 

A  Prudência  modera  a  Fortaleza , 
Com  a  Julliça  fe  vne  a  Temperança, 
Em  cor  de  fogo  a  Caridade  acefa 
Florecc  pelo  verde  da  Efperança: 
Rende  á  Deidade  cultos  a  Grandeza, 
Duas  colunas  tem  a  Segurança  ; 
E  da  Magnificência  o  nobre  indulto 
Com  a  Modeftia-Víiio  decência,  e  culto, 

26. 

Veya  a  Feftividade  fumptuofa, 
E  alegra  aO  Mundo  com  feliz  femblante;,gy^^;^^ 
A  Pureza  fe  admira  mais  fermofa  • 

Com  preço,    cor,  firmefa  de  Diamante; 
PalTa  a  l  elicidade  ,  mas  dicofa 
A  Eternidade  a  fez  parar  conftance;*  2»:.j2|v0^|í- 
Que  a  vaã  Felicidííde  fó  fe  firma .,       --    n  ,  ,  ..^,j.  ■.  - 
Quando  na  Eternidade  fe  confirma,  •?  ^..<^.p/ 


> 


T^SiioKi 


198  Henriqueida. 

S6  da  Deidade  vejo  os  atributos. 
Que  adoinaõ  o  triunfo  foberano, 
Porque  fervem  por  altos  eflacutos 
A'  firmcía  do  Irnperio  Luíicano  : 

Nota  476  Na  Caía  de  ouro  pintaó-fe  os  tributos  , 

Qiie  haó  de  pagar  Gentio»  e  Mauritano  , 
Na  E^burnea  Torre  a  fuperior  defenía, 
Que  ao  Rcyno.  ha  de  livrar  da  eítranha  oífenfa. 

i8- 
Na  Arca  de  Afiança  \  paz  fegura- 
Da  reciproca  vniaõ  dos  dois  Impérios,. 
Do  Ceo  na  Porca  a  religião  que  pura; 
Abre  o  Ceo  aos  r-emotos  emisferios  .• 
Na  Matutina  Eílrella  o  culto  apura , 
Que  deixa  a  Conceição  fem  vitupérios  : 

Nota477  Com,  que  hum  Reftaurador  do  feu  conrrario» 
Se  izenta,  fendo  x  Virgem  tributário. 

Nao  íe  quebrando  o  Efpelho  da  Joílica,, 
Naõ  dcce  da  cad-eira  a  Sapiência, 
Nem  da  Alegria  a  Caufa  eftá  remifla  , 

••1  • 

Nem,  a  Miftica  Roía  perde  a  effencia : 
A  Torre  de  David  contra  a  in  juftiea 
Nas  conquiftas  fe  erija  íem  violência  , 
Para  que  fe  confolem  os  Aflitos, 
Bem  dos  males.   Refugio  dos  dilitos-. 

Movei  docel  em  ouro ,  e  em  Diamantes 
Bordou  Vrania  ,  e  enriqueceo  Tcreza  j 
Nelle  exprimem  lavores  elegantes 
A  vida  da  mais  inciita  Princefa; 
Cândidas    Afucenas ,  e  brilhantes 
Da  fua  origem  moscraõ  a  pureza: 
A  flor  de  Jericó  pinta  fermofa  , 
Que  também  fem  efpinhos  nace  a  Rofa. 

51» 


Canto  VIL  199 

51. 

Da  Imagem  trono  fez  os  íamos  braços 
Ciiraldo  ricamente  revertido  , 
Prendendo  ao  peito  o  peio  cm  fortes  laços 
Mais  o  leva  adornado,  que  opprimido  : 
Do  caminho  as  diílancias,  e  embaraços 
Vence  Henrique  zelofo  ,  e  efcolhido, 
Dá  por  forte  quem  leve  as  varas  de  ouro 
Do  portátil  docel   defte  tefouro. 

Cahio  ,  naó  foy  a  cafo,   a  feliz  forte 

Em  Bermudo  ,  e  nos  fete ,  que  nas  canas 

Acreditando  o  ágil  com  o  forte , 

Se  illuílraó  com  deftrezas  taó  vfanas: 

Moniz  glorias  de  Febo ,  e  de  Mavorte, 

Nobres  occupaçoens ,  porem  profanas 

O  izentaõ  de  ter  parte  neíle  voto, 

Mortificando  o  feu  ardor  devoto.        ' 

35. 
Nos  braços  leva  o  Príncipe  innocente 

Dcftinado  ao  amante  faciificio, 
E  antes  do  que  a  razac)  feu  vzo  aumente , 
Com  Fé  implora  Afonfo  o  beneficio  : 
O  impedimento  mais  que  nunca  fente, 
Por  naó  dat  na  diílancia  outro  exercício, 
Com  o  exemplo  dos  mais  o  ícu  deívclo, 
Mais  do  que  a  idade  lhe  madruga  o  zelo. 

54. 
Erao  doze  as  fublimes  hafteas  de  ouro 
Do  Zodiaco  movei  claros  ílt^nos , 
Faltaó  rres  que  a  ter  parte  no  tefouro 
A  miíleriofa  forte  fez  mais  dignos : 
Dom  Pedro  Fermaríz  terror  do  Mouro , 
E  o  Conde  fJom  Oíorio  nunca  indignos 
Foraò  de  fer  eleitos,  hum  dosMellos,  M^í^"^^^' 

Outro  he  Progenitor  dos  Va.concelios. 

3í' 


Nota  4;;;. 


2oa  Henrtqueida 

35- 
Quiz  Henrique ,  que  a  force  fe  tiraíTe 

Entre  os  Avencureiros ,  e  efcolhido 

Hercules  deRohan  foy  nefta  claflc  , 

1    fó  encaõ  de  Menrique  conhecido  : 

Henrique  fe  queixou  de   que  falcafle 

Por  ignorado  a  obfequio   taõ  devidoi 

Mas  que  as  fuás  acçoens    aílmaladas 

Naó  ^oy  poíTivel  ferem  ignoradas. 

Em  hum  carro  dourado  acompanhavaõ 
/•xa  e  Aldara  a  Vrania  ,  e  a  Tcreza, 
Porque  na  eícravidaó    aíllm  honravaó 
A  huma  Raynha ,  a  huma  infeliz  Princefa: 
No  roftro  os  coiaçoens  fcdivifavaõ, 
Em  Axa  varonil  era  a  triíieza  , 
E  Aldara  que  fó  fenre  outra  ferida, 
Mais  defma^ada  eílá ,  mais  abatida^ 

37. 

Dos  cativos  hum  numero  cxccíTivo 
Cantavaõ  a  dicofa  1. herdade, 
E  coroavaõ  triunfo  taõ  feftivo 
Luzidos  eíquadroes  com  igualdade; 
Ja  Febo  paia  o  dia  fucceílivo 
Aos  Antipodas  leva   a  claridade  , 
C^Liando  ao  Templo  de  Carquerc  famoío 
Chegou  todo  o  concurfo  numcrofo. 

38. 

A  Imagem  fobrc  hum  crono  fe  coloca 
Preciofo  na  matéria,  e  no  artificio, 
Ao  original ,  que  reprefenta  ,  invoca 
Giraldo  em  fervoroío  facriíicio  : 
Ao  bello  Infante  a  parte  enferma  toca 
Pedindo  a  Deos  o  novo  beneficio  i 
Ficar  em  oraçaõ  de  noite  efcolhe, 
E  todo  o  campo  às  tendas  fe  recolhe. 

3~í?« 


Canto  VIL  2ai 

Donde  hum  desfiladeiro  mais  fe  eflreita, 
E  em  planície  mais  larga  fe  termina , 
Oue  a  hum  monre  inacceíllvel  fe  Togeica  > 
De  quem  dece  huma  fonte  criftalina, 
Moniz  que  ao  feu  infante  ama,  e  rerpcica  "^ 

Para  fcgíuro  cómodo  deftina'; 
Ali  fe  armou  o  J3avelhaõ  brilhante, 
Qu^  guarda  forte  ,  *c  ronda,  vigilante. 

_    40.   ^ 

Soldados  efcolhidos  pós  na  entrada,-. 
Na  montanha   dobradas  fentinelas  >? 

Inútil    fora  a  força  a  maõ  armada  *"  /, 

Se  derprezafíe   barbara  as  cautelas : 
O  dia  auzente ,  a  noite  ennevoada, 
Gcculta  a  Lua,  efcuras  aseílrellas, 
E  hum  fileneio,   que  a  guerra  tem  prefcrico,. 
Tudo  era.  favorável  ao  dehto,. 


4-I, 


Para  ficar  ao  templo  mais  vizinHo^, 
E  prevenir  as  feftas  fumptuofas. 
Da  Cidade  o  Heroe  deixa  o  caminho  •    . 

Campando  com    as  tropas  bellicofas  : 
Tcreza  infeparavel  no  carinho 
O  íesTue  com  as  Damas  mais  fcrmofas,. 
E  o  campo  em  tantas  luzes  fe  reparte. 
Que  parece,  que  Vénus  bufca  a  Marte. 

4Z. 

A  diílancia  do  exercito   Agareno        ,    *    • 
Os  cativos   ja  livres   deíarmados, 
Áspero  ,  e  impraticável  o  terreno  , 
Todos  da  marcha  alegres,  mas  can fados : 
G  tempo  ainda  que  efcuro  ,  era  fereno , 
Serra  Morfeo  os  olhos  aos  foldados; 
,  Sc  huma  vez  o  defcuido  achoxi  defculpa^ 
A  tivera,  mas  jiaõ-,que  fempre  be  culpa^ 


:2t)2  .'Hemqtieiãa 

43- 
Moniz  a  Henrique  adverte  ,  que  a  piedade 
Que  benigno  exercica  nos  cativos , 
Dandolhe  generofo  a  liberdade 
Dà  aos  rebeldes  pérfidos  motivos  ; 
Porem  oVaraõ  forte  o  diííuade 
Dizendolhe  ,  que  em   dias  taó   feftivos , 
Mas  que  o  culpem  de  pouco  acautelado, 
Nota48o.  Qper  íer  por  generofo  acreditado, 

44. 
Que  armas  refguardàra  a  vigilância 
Dos  Toldados,  e  cabos  mais  expertos, 
Com  que  feria  inútil   a  arrogância 
Dos  feus  inipulfos'  bárbaros,  e  incertos.} 
E  pode  fer  perdeflem  a  jadancia, 
Ou  deixaílem  os  ódios   encubertos. 
Vendo  que  a  confiança   bem  nacida 
Llies  dava  liberdade  ,  gofto  ,  e  vida. 

Toma  hum  cavallo  a  intrépida  Amazona 
Das  armas  que  occultou,  fortificada  , 
E  ainda  que  do  valor  menos  blafona, 
O   mcfmo  fez  Aldara  delicada  : 
Quando  fe  vniraõ  Vénus  ,  e  Bellona  ? 
Quando  a  belleía  quer  vencer  armada  ? 
Anima  o  tenro  ,  irrita  o  bellicoío  , 
O  preceito  do  Pay  ,  a  ley  ào  efpofo. 

46. 

Qèiando ,  ó  prodígio  incrível/  viraõ  logo, 
Que  fobre  hum  negro  ,  e  formidável   bruro  , 
De  Axa  ao  conjuro,  ao  voto,  ao  culto,   ao  rogo, 
Vem  de  Palias  o  Numen  refoluto :  ^ 

Como  íahe  das  armas  vivo   fogo , 
No  efcudo  reconhecem  o  atributo, 
Com  que  mancha  do  efpelho  a  luz  confufa 
^oia4Si.  A  fcrpcuEína  cefta  de  Medufa. 

47- 


Canto  VIL  203" 

47. 

Aldara  quer  fogir,  mas  a  Raynha 
Quaíi  por  forca  faz  ,   que  fe  detenha , 
Lembralhe  ,  que  a  Muley  no  empenho  tinha , 
E  aiiun  efpere  que  a  bufcala  venha; 
Que  já  retroceder  lhe  naó  convinha , 
E  tanto  diz  ,  que  Aldara  fó  fe  empenha  ; 
Do  feu  grave  temor  entaõ  fé  eíquece. 
Para  que  arrifque  a  vida,  que  aborrece. 

48. 
Naõ  temas ,  diz,  o  pavoroío  vulto  , 
Eu  te  guio,  eu  te  levo  adonde  eftejas 
Sobre  o  trono  de  Fez  livre  de  infulto, 
E  efpofa  de  Muley  como  dezejas; 
Só  deti  efpero  religiofo  culto, 
E  aqui  te  naõ  obiigo  porque  vejas, 
Que  fem  mais  ceremonia  alcança  tanto 
Neíte  implicito  pado  o  íabio  encanto. 

49. 
Eu  voey  pelo  campo  ,  e  ao  mefmo  inftante 
Que  vio  nos  ares  a  Gorgonea  fronte, 
O  que  antes  eia  exercito  triunfante 
Ficou  de  pedras  infeníivel  monte: 
Mortífero  \eneno  fulminante 
Deu  eíie  balihf-co  ao  orifonte  ; 
E  cítaó  petrificados,  e  opprimidos. 

Em  pei feitas  eítatuas  convertidos.  Nota 452^ 

50. 
Izentey  Muftafá  da  horrenda  vifta  , 
Que  com  os  mais  cativos   que  fomenta  , 
Forma  dez  batalhoens,  que  pronto  alifta  , 
Com  armas  dos  Chriíláos  o  ardor  o  alenta.» 
Giraldo  vela  fò  para  que  aíTifta 
A'  Imagem,  que  huma  Virgem  reprefenta  j 
Moniz  também  vigia,  que  ao  efpanto 
Sò  dois  morcaes  refiílem  defte  encanto. 

Çcii  p.- 


2Q4  Henrit 

EíFeiço  foy  da  emulação  de  Marte, 
Que  tem  a  protecção  dos  Luíitanos, 
E  diz  que  ha  de  levar  íeu  eílendarce 
Mais  longe  que  o  dos  Gregos,  e  Romanos; 
Enveja  meu  valor ,  esforço  ,   e  arte  , 
E  até  agora  iè  oppoz  aos  Maliometanos  j 
E  porque  Deoía  fou  ,  me  julga  indigna 
Da  guerra,  de  homens  fó  paleftra  digna. 

.52. 

EíTa  blasfémia  diz  ?  Axa  refponde.. 
Pois  eu  lhe  moftrarey  em  defafio, 
Se  a  tua  protecção  me  correfponde , 
Q.ue  naõ  Í6  Vénus  lhe  domina  o  brio  : 
Aílim  chegaõ  as  três  vnidas ,  donde , 
Seguindo  a  luz  do  efcuro  no  fombrio  , 
Encontrão  Muílafá  mais  refoluto 
Do  que  pelo  valente ,  pelo  aíluto^ 

líota483ò  A  que  he  Fátima  Palias  fe  períuade , 

A  quem  do  Ceo  mandara  o  feu  Profeta  •, 
Affinij  íeguindo  a  irracional  vontade. 
Cada  hum  fcus  dezejos  interpreta  ; 
Prevenido  aconcelha,  que  amecaJe 
Dos  batalhocns  o  exercito  acometa, 
E  que  os  guie  Abdalá  deftro,  e  adivo, 
Que  feguindo  Almançor  ficou  cativo. 

54. 
Que  as  trombetas  roubadas  par  mil  partes 

A  rebate  tocando  falfamenre, 

Inúteis  deixem  militares  artes, 

Porque  no  efcuro  cégafe  o  fcience : 

Que  elle  arvorando  os  Mouros  eílendartes. 

Que  tirará  do  templo  facilmente  , 

O  incêndio  ha  de  atear  no  lugar  facro.> 

£  roubar  o  tefouro,  e  íimulacro. 

5;. 


Canto  VIL  20J 

Só  quer  dois  bacalhoens  para  os  progreflfos.. 
Que  no  ccncro  do  exercito  medica, 
E  que  aos  vlcimos  três  deixa  os  fuceíTos  , 
Que  canta  divcrfaõ  lhes  facilita  : 
De  arce,  e  valor  as  glorias,   c  os  exceflbs 
Nas  grandes  heroinas  depofita  : 
Prender  Henrique  fero ,  e  arrogance  , 
Matar  Egas  Moniz,  roubar  o  Infance. 

Approvou  Palias  quanto  o  Mouro  intenca , 
Porque  ella  mefma  o  cinha  fugerido  , 
E  já  a  cenda  do  Heróe  fereprefenca 
Muy  de  perco  no  efcudo  mais  luzido  : 
Como  a  guarda  he  dobrada,  o  corpo  augmenca 
De  hum  bacalhaõ  com  numero  efcolhido 
De  ofiiciaes  aítucos ,  e  valences  , 
Que  inítruio  com  palavras  eloquentes. 

57. 

O  efcudo  ,  quehedchumphosforo  compoílo,  Nota484. 
Eflava  com  tal  arte  fabricado, 
Que  o  Português ,  que  á  vifta  o  teve  expoílo  , 
Ou  cegou,  ou  ficou  petrificado.- 
Seguem  no  os  Mouros  pelo   lado  oppoílo  , 
E  ficando  o  objecto  illuminado  , 
Produz  os  dois  effeitos  de  maneira  , 
Que  de  huns  he  luz ,  e  de  outros  he  cegueira. 

58. 
Axa ,  a  quem  fempre  fegue  a  bella  Aldara, 
Marcha  ao  quartel  de  Affonío  prontamente , 
E  Palias ,   quando  delia  fe  fepara , 
Lhe  moQra  ali  Bellona  de  repente.- 
Valor  invido  ,  fermofura  rara 
Tinha  a  Deofa,  e  o  efcudo  refulgente 
Ao  de  Palias  copiava  nos  enfayos , 
Pois  dando  luzes,  fulminava  rayos. 

59. 


206'  Henriojuetda 

Todos  levavaó  ordem  ,   que  logrando 
Oiialqucr  dos  crcs  o  medicado  efFeito, 
Ou    Henrique,  ou  Affonfo  cativando. 
Ou   a  Imagem  levando  fem  refpeico  ? 
Do   campo  fe  fahifle  retirando 
Da  prcfa  ,   que  fizera  fatisfeico, 
E  a  Muley  a  encregaíle  valeroíb, 
QiíC  da  ferra  eípcrava  no  fVagofo, 

6  o. 
E  do  deflacamento  ,  que  mandava, 
Huma  partida,  pronta  remeteíle , 
Q^^-e  na  forte  Leyria  aílegurava 
Qualquer  dos  tres^  defpojos  ;  que  tiouxeíTe  -, 
Porque  fe  Aldara  naó  fc  libertava, 
Ou  entre  a  confufaõ  a  Axa  perdeíie  ; 
Penhor  havia  para  o  troco  dino 
No  tenro,  no  Real,  e  no  divino, 

6i. 
Também  fendo  de  Vrania  ,  ou  de  Tereza.. 
A  efcravidaõ  ,  aíllm  fe  afiegurava 
O   principal  motivo  deila  emprefa? 
Que  era  ter  liberdade  a  vnica  Aldara, 
Ah  Muley,  que  malogras  a  finefa,, 
E  o  castigo  fatal  fe  cc  prepara  ; 
Porque  o  F.ey  jà  defcobre  os  embaraços 
De  que  já  mais  te  vejas  nos   feus  braços. 

Primeiro  que  Selim  dé   o  rebate, 
E  antes  que  Muilafá  com  fúria  infana 
Nota 485.  £j.Qfj-j.jjj-o  infeliz  queime,  e  maltrate 

O  templo,  a  quem  cedera  o  de  Diana; 

Fiando  do  fílcncio  o  feu  combate 

Axa  fegunda    Palias   Africana 

Bufca  de  Affonfo  o  pavclhaõ  guerreiro, 

E  hc  feu  farol  o  magico   luzeiro. 


Canto  Vil  207 


Ó5. 

Fofic  o  dcfcuido  ,  011  foflc  já  o  encanto. 
Ninguém  no  campo,   como  deve,   vela, 
Efcurcceo  a  noice  o  negro  manco  , 
Nem  fc  divifa  a  mais  pequena  eftrela  ; 

PaíVaó  do   íono  a  ver  .1  Radamanto  Nota4S<í. 

Degolada  huma  e  outra  fentinela, 
Nenhuma,  fe  viveíTe,  fe  queixara. 
Que  a  Heroina    as  deixou  ,  como  as  achara.  Nota487' 

í^4- 
Todo  o  disíiladeiro  tem  paflado 
Axa  com  toda-a  gente,  que  governa , 
E  quaíi  o  feu  proiecbo  tem  logrado. 
Pois  fó  lhe  falta  a  parte  mais  interna: 
Porem  no  vitimo  extremo  eílava  armado 
Egas  Moniz,  que  alcança  gloria  eterna, 
Naó  fó  por  forte  exemplo  da  conftancia^ 
Mas  por  alto  exemplar  da  vigilância. 

65. 
Relâmpago  o  cegou  o  ardente  efcudo  , 
\Ias  qual  Touro  ,  que  o  dano  nunca  obferva.        Nota 488. 
Cerra  os  olhos  no  golpe  fero,  e  rudo, 
E  aíllm  faz  íua  fúria  mais  proterva: 
Com  a  ponta  da  efpada  rompe  tudo, 
E  o  phosforo  do  Ãverno  naó  preferva 
O  efcudo,  e  a  fantaftica  Bellona  , 
Que  deíempara  a  rígida  Amazona, 

66. 

A  caufa  de  vencer  falfa  deidade 

Foy  a  Imagem  da  Oeofa  verdadeira  , 

Que  no  peito  trazia ,  e  com  piedade 

V:oniz  invoca  a  tanta  acçaõ  g;ierreira.' 

Também  por  ella  a  magica  crueldade 

Naó  a  oííendjo  na  vniverfal  cegueira, 

.Sendo  em  tudo   Maria  vencedora 

Contra  a  noite  .do  Averno  bella  Aurora, 

6r. 


2  Q  8  Henricjueida 

Naõ  impoi-ta ,  diz  Axa  ,  naõ'  impottar 
Qlic  BeUona  me  deixe  na  contenda , 
Arices  ao  meu  valor  a  Dcofa  exhorta 
A  que  fem  hum  milagre  tudo  offenda  ; 
Deixa,  deixa,  o  Moniz  a  eí^reita  porta, 
E  naõ  defendas  fó  de  Affonfo  a  tenda, 
Vé  que  tens  contra  ti  muitos  contrários  ^ 
E  naó  íaõ  os  valentes   temerários,. 

•  .■68::' 

A  vida,   c  liberdade  te  concedo  , 
Ou  fe  queres  íèguir  o  amado  I-nfante , 
Vem  para  o  cativeiro,   que  o  íegredo 
Da  noite  occulta  intento  íemelhantc. 
Moniz  refponde:  vé  ,  fé  de  hum  rocl^edo 
Podes   mover  a  maquina-  arrogante  ; 
E  pode  fer  ainda,  íe  o  moveres, 
Que  daqui  me  naõ  niovaó  teus  poderes^. 

Como   foíle  rebelde ,  és  já  cobarde  , 
Nem  do  antigo  valor  tens  os   veiligios , 
E  bufcas,  porque  o  medo  fe  refguarde,. 
As  vcntagcns,  aílucias,  e  preltigios.. 
Com  o  dcfprezo  em  novas  iras  arde 
Axa,  e  faó.taõ,  incriveis  o^  prodigios 
Do  feu  braço,  e  taõ  fortes  golpes  tira, 
Que  o  que  antes  deíprezava  j.  mais  admira» 

Como  naxJ  cabem  mais  no  íitio  eílreito. 
Corpo  a  corpo  combatem,  e  as  efpadas 
Soando  em  cada  efcudo  ,  em  cada  peito 
A  compaílb  parecem  alternadas :     «: : '. 
Qiaal  da  harmonia  õ  primeiro  eííeito  t  • 
Defcobriraõ  cadencias  ajudadas 
Os  que  obfervaraó  rithmo  foberano    . 
ío.ta48?.  'Çpçrc  os  golpes  '4a  forja  de  Vulc^Oj 

.    ^"    "  ' £Ji 


I 


Canto  VII.  209 

71. 

AíTim  aqui  também  de  fogo  fragoa 
Se  diftinguc  entre  os  rayos  melodia  ; 
Quiz  o  Cco  desfazendo  nuvens  de  agoa 
Apagar  tanto  ardor,  mas  naó  podia:  ^ 

Aldara  com  temor,  laftima ,  e  magoa. 
Convocar  feus  foldados  pretendia  í 
Mas  por  mais  que  em  chamalos  fe  defvela, 
Naò  permite  a  eftreiteza  íocorrela. 

De  Axa  ao  efcudo  huma  eftocada  oííendc 
Com  taó  rigido  impulfo,  que  quebrando 
O  ferro,  que  o  braçal  ao  hombro  prende> 
Foy  ao  efquerdo  braço  maltratando: 
Axa  defpreza  o  aço ,  que  a  defende , 
No  contrario  efte  acafo  vay  vingando, 
Dalhe  no  elmo  hum  golpe  taó  terrivel , 
Que  o  venccrB  a  naõ  fer  elle  invencivel. 

75- 

Bellicofa,  e  belliíTima  Bellona,  Nota4^02 

Clélia  melhor ,  melhor  Pantaíilea , 
Com  jufta  caufa  o  teu  valor  blafona 
Sem  encantos  da  Magica  Medea.- 
Naõ  te  empenhes  armigera  Amafona , 
Que  naó  has  de  lograr  a  tua  idea: 
Vé,  que  por  defender  o  Infante  Régio., 
Me  he  prccifo  fazerte  hum  facrilegio. 

74. 

Eu  te  perdoo ,  diz,  mas  naó  difcorra 
Teu  valor  cortefaõ  ,  quando  peleja, 
Se  naó  queres  dar  tempo  te  locorra 
A  guarda,  quando  te  ouça,  e  naó  te  veja: 
E  ainda  que  da  heroína  o  Tangue  corra , 
E  que  np  braço  muy  ferida  efteja. 
Continua  o  combate  de  tal  forte , 
Que  dos  fcu«  golpes  foge  a  mefma  mo  ice.  «018491. 


2 1 0  Hmríqfmda 

7.5 

Também  Moniz  no  roílrojeílà  feiído} 
Oue  luima  poaca  riicJ  rompe  a  vifeira  , 
Osmin  ,  que  Axa  acompanha,   tem  fubido 
©     A   inaccíllvcl  afpera  ladeira  : 

Para  o  paíío  cortar  ílm  fer  fencido  , 
Leva  dos  Mouros  mukidaõ  guerreira ; 
Na  tenda  quer  entrar  do  auguílo  Infante, 
A  quem  defende  auxilio  o  mais  criunfance. 

76. 
O  que  efperava  prefo  ao  duro  laço, 
Que  qualquer  movimento  dificulta,   . 
Vé  com  pequena  efpada  em  tenro  braço 
Com  íuperior  alento ,  e  força  occuka : 
De  rifo  lhe  fervira  efte  embaraço, 
Mas  o  procligio  com  mais  corpo  avulta  ; 
Guarda  ao  Infante  Infante  mais  divino, 
E  a  Deidade,  que  ampara  o  feu  deílino, 

77. 
De  huma  donzela  vio  o  roftro  bello 
Ali  temido,  porem  fempre  amado  ; 
He  hum  rayo  de  luz  cada  cabello  , 
Com  feus  olhos  o  foi  fica  eclipfado: 
Ofmin  vendo  o  prodigio,  julga  ao  velo. 
Que  huma  falfa  illufaó  o  tem  formado  j 
Hum  menino  nos  braços  da  Deidade 
O  cega  com  divina  claridade. 

Com  o  braço  direito  o  ferro  anima 

De  Affonfo  que  promete  nefte  eníayo 

Ser  com  eíta  Deidade  que  o  fublima , 

No  feu  oriente  aos  Mahometanos  rayo; 

Que  muito  que  ao  milagre  fe  reprima 

Oímin ,  e  os  que  o  feguiraõ  com  defmayo ! 

Se  os  que  ficarão  vivos  afíirmaraõ , 

Qtie  a  imagem  de  Carquere  admirarão,. 

,\{  i^^--  7^^ 

\ 


Canto  VIL    '  2  r  i 

79' 

Axa,  que  vé  o  impenetrável  muro, 
Que  em  Moniz  combatia  inutilmente, 
E  que  o  Tangue  perdido  ao  ferro  duro 
Se  fentia  animar  menos  vehemente  ; 
E  que  Aldara  lhe  diz,  que  mal  feguro 
O  corpo  que  mandava,  ja  íe  Tente, 
E  que  OTmin  por  Forjaz  defbaratado 
Se  retira  ferido  ,  e  derrotado. 

80. 

Diz  a  Moniz:  vencefte ,  Varaó  TortCr 
E  me  venceíle  a  mim  com  nova  gloria: 
Parece  que  te  deu  ou  fado  ,  ou  forte. 
De  todos  meus  combates  a  vitoria.- 
Contigo  a  Palias  fuperou  Mavorte, 
E  Terá  com  aíTombro  da  memoria, 
Egas  Moniz  quem  vence  o  impoíTivel 
De  que  Axa  naõ  blafone  de  invencível. 

Pronta  voltou  Tem  eTperar  reTpofta; 
E  curando  a  ferida  as  máos  de  Aldara, 
Se  vaó  ençorpotar  na  parte  oppofta 
Com  a  gente  que  Palias  refervara : 
De  Henrique  eftava  a  tenda   mais  expofta. 
Que  dcTperta  do  encanto,  e  Te  prepara. 
Ainda  que  defarmado  ,   a  opporTe  a  tudo 
Com  forte  efpada ,  e  com  ligeito  efcudo, 

8z. 
A  Cruz  cerúlea  Tobre  a  prata  fina^. 
Que  eterniza  os  triunfos ,  que  tivera 
Ka  Sacra  expedição  de  Paleflina 
Aftro  brilhava  na  argentada  esfera  : 
Palias,  que  a  luz  lhe  medra  repentina 
Do  efpelho  claro,  ej  de  Meduía  fera, 
Como  da  Cruz  armado  Henrique  a  buTc2<, 
A  verdadeira  «luz  a  falTa  offufca, 
^-  Ddu  83- 


212  Henrtcjfdeida. 

85. 

Cliocaõ  os  dois  cfcudos,  e  o  de  Palias 
Com  cal  rumor ,   que  excede  a  hum  terremoto  > 
Oli  iníjgne  Varaõ,  cm  fumo  exhalas, 
E  o  encanto  do  Abifmo  ficou  roto: 
Com  Altamor,  e  os   feus  mais  te  aíinalas  , 
Milagres  do  valor,  glorias  do  voto, 
Com  que  hoje  aileguraíte  ao  teu  domínio 
Da  Deidade  mayor  o  patrocínio. 

84. 

Palias  íe  transformou  em  cavaleiro , 
E  retirando  a  Axa  do  combate , 
Voa  em  fegundo  Pegafo  ligeiro, 
Porque  a  vida  a  outros  fins  mais  lhe  dilate  r 
Mayor  Perfeo  Henrique  que  o  primeiro 
Vença  Medufas,  monftros  defbarate, 
Nota 492.  E  ^^  ^^^^  Athlante  converteo  em  monte, 
Nota49  5.  Outro  do  mefmo  Athlante  opprime  a  fronte. 

85. 

Como  ceflaõ  do  phosforo  os  encantos , 
Defpertaó  do  letargo  os  Portuguezes  , 
Henrique  fó  defende  a  tenda  a  quantos 
A  quiíeraó  entrar  por  muytas  vezes  v 
Mas  defprezando  os  mágicos  efpantos 
O  grande  Lima,  o  indico  Menezes, 
Tereza  aílro  mayor  de  Luíitania 
Efte  defende,  aquelle  a  bella  Vrania. 

86. 

Porque  as  duas  Princefas  acordando 
Das  armas  ao  rumor  fobrefaltadas , 
Mas  da  decência  naó  fe  defcuidando , 
Fogiaõ  do  feu  medo  fó  guiadas , 
Aos  furibundos  Mouros  encontrando , 
Ja  aos  primeiros  dois  eftaó   proítradas  ; 
Orcane  o  bravo  cativou  Terefa, 
Rende  o  fero  Gailan  a  oucra  Priuceza; 


Canto  VIL  1 1 ; 

87- 

Akamor,  que  hc  de  Palias  fub  ai  terno , 
Roílro  feroz  ,  alciíTima  eílacura  , 
A  cor,  que  To  agrada  ao  negro  Averno, 
Eftranha  forca  ,  horrenda  catadura 
Sc  oppunha  a  Henrique,  aquém  domefmo  inferno 
Vencer  naó  pode  a  Piromancia  cfcura  ,  Noca4<í4. 

A  luta  corpo  a  corpo  lhe  oííerece, 
As  armas  deixa,  a  terra  fe  eílremecc. 

88. 

Entendo,  que  aífim  fó  tempo  daria 
Para  roubar  das  tendas  as  Princefas 
A  Orcane  ,  e  a  Gailan  ,   que  bem  íabia , 
Que  podia  fiarlhe  altas  emprefas ; 
Sobre  o  Heroe  taõ  rápido  cahia , 
Qiie  naõ  baílavaõ  forças ,  nem  deftrezas 
Para  o  Hvrar  dos  dentes  do  MeloíTo  ,  Nota  49 5. 

Nem  do  pefo  do  ruítico  coloíTo.  Nou49(í. 

89. 
Mas  pegou  com  cal  força  nas  colunas 
Henrique,  que  eftaímaquina  fuítentaó. 
Que  contra  as  refiílencias  importunas 
Precipitaõ  a  fabrica  ,que  aumentaó  : 

Novo  Sanfaõ  com  glorias  opportunas  j  Nota497i 

Pois  fe  áquelle  as  ruinas  defalentaõ, 
Efte  ja  livre  de  oppreíTóes  indinas 
Eternizou  a  vida  nas  ruinas. 

5)  o. 
Como  na  terra  Anteo  acha  o  Gigante  Nota49«. 

Outro  vigor  ,  e  fe  levanta  forte, 
Mas  de  Henrique  no  braço  fulminante 
Tem  de  hum  fó  golpe  a  merecida  morte  j 
Pois  antes  que  de  todo  fe  levante. 
Entre  os  olhos  o  oíFende  de  tal  forte ,  ;• 
.  Que  amaõ,  que  dcfarmada  o  ameaça^ 
Pe  Hercules  pareceo  a  ingente  ma^a^ 

W 


2 1 4  Henricjuelda 

91. 

Ja  o  Menefcs  rinha  libertado 
Do  invencivcl  Varaõ  a  bella  eípofa , 
Ja  Bermudo  com  animo  esforçado 
-Livra  Vrania  da  force  pcrisíofa  : 
A  Orcane,  ea   Gailan  tinha  cuftado 
A  vida  execução  taó   horrorofa  : 
Correm  outros  foldados  ,  que  fe  armarão 
Com  ef^adas ,  que  os  Mouros  lhes  roubarão. 

Em  quanta  iílo  pairava,  tinha  fido 
Abdalá  mais  íúicc  na  entreprefa , 
Porque  no  fonno  havia  deftruido 
Toda  a  primeira  guarda  Portugueza  : 
E  ainda  depois  do  encairto  eílar  vencido, 
A  gente,  que  acodio  ou  morta,  ou  prefâj 
Ficara  fem  o  esforço  ja  notório 
De  Cunha,  Silva,  Távora,  e  Ofcrio. 

95. 
Soavaõ  as  trombetas  cento  a  cento 
Com  rumor  falfo  por  diverfas  partes , 
Mas  Rodrigo  Forjáz,  com  nobre  alento 
Em  hum  fó  Marte  inclue  muitos  Marres , 
£  ouvindo  tanto  bellico  inílrumento  , 
Do  eftracagema  reconhece  as  artes. 
Grita  na  efcuridaõj  e  na  fadiga, 
Qiie  ninguém  das  trombetas  o  eco  figa. 

Que  todos  fe  vnao ,  e  que  façaõ  alto, 
E  obrigando  a  montar  os  que  encontrava, 
Acodindo  ao  primeiro  fobrefalto, 
Sò  com  três  efquadroens  groíTos  fe  achava.' 
Nem  de  valor ,  nem  de  experiência  falto 
Abdalá  com  infantes  fo  eftaua , 
E  em  batalhoens  quadrados  dirigia 
Das  lanças  a  duriílima  porfia. 


Carito  VIL  '\  íij 

95' 
Outros  vaó  com  os  alfanges,  e  rodelas 

Pelas  tendas  ferindo  os  defcuidados , 

Ou:ros  guardas  matando,  e  fencinelas, 

E  a  todos  os  que  encontrão  defarmados: 

Sahem  outros  do  campo  com  cautelas , 

E  aos  fugitivos  deíxaõ  degolados.- 

Só  eites  naõ  cometem  injuíliça, 

Pois  caíligau   cobardes  he  juíliça. 

Tudo  era  confufaó,  mortes,  e  horrores 
Em  quanto  Muílafá ,  e  os  que  o  feguiaó  , 
No  templo  com  facrilegos  furores 
Os  roubos,  c  os  incêndios  emprendiaõ; 
Mas  de  Giraldo  os  votos,   e  os  ardores 
As  ímpias  inten^oens   desvaneciaó  ; 
Do  amor  divino  o  peito  era  compendio, 
E  hum  incêndio  apagou  com  outro  incêndio, 

97- 
Deftc  holocaufto  que  fahio  prefúmo 

Para  offu^car  dos  cegos  os  intentos 

Eluma  delgada  névoa  ,  hum  fútil  fumo  ,Nora499^ 

Que  de  íombras  r^vefte  os  elementos : 
A  noite  de  prodígios  foy  refumo  , 
Vencem  os  milagrofos  os  violentos; 

Se  Plutaõ  a  Proferpina  roubara,  Nota4;oí 

No  Ceo,  eterno  Jove  a  colocara. 

98.. 
Mas  naõ  chegou  a  fer  arrebatada 
A  Deidade,  que  ao  Abifmo  predomina. 
Pois  foy  fem  ver  as  fombras  prefervada ; 
Do  mundo  efcravo  na  fatal  ruina,-       o  r.ib  mo:'  -^ 
Eftava  a  íituacaó  bem  demarcada 
Por  Muftaf i  ao  templo  ,  que  domina ; 
.De  alta   magnificência  dando  indícios 
Kaõ  fó  tendas ,  palácios,  c  edifícios.  r.i  .>hj^ 


11 6  Henriqueida 

Qual  matizado  infedlo ,  que  rodei 
Com  os  voos  a  luz ,  que  buíca  cego , 
E  com  as  azas ,  que  no  fogo  atéa  > 
Naó  he  alguma  vez  do  ardor  emprego : 
AíTim  o  Mouro ,  que  fe  liíongea 
De  achar  o  templo  ,  o  bufca  fem  focego ; 
E  como  cm  negro  veo  o  Ceo  o  encobre , 
Quanto  mais  perto  ,  menos  o  defcobre. 

loo. 

Que  hc  ifto ,  diz,  he  illufaõ  Mie  fonho. 
Soldados  o  que  a  todos  nos  fucede  ? . 
O  ordenado  projedo ,  que  difponho , 
O  Ceo  deftroe,  ou  o  inferno  impede; 
De  toda  a  minha  aftucia  me  envergonho  > 
Vede  o  lugar  do  templo,  vede,  vede, 
Sc  o  podeis  encontrat,  ou  fe  tirano 
He  fò  da  minha  vifta  o  cego  engano. 

lOI. 

Eíla  tenda,  lhe  diz  Zaide  previílo, 
E  de  arrayaes  no  exame  confumado , 
Efta  tenda, que  eu  hontem  tinha  vifto; 
He  de  Giraldo ,  aqui  o  achey  campado.- 
£  o  templo  dedicado  a  May  de  Chriílo 
Taõ  perto  delia  citava  ÍJtuad), 
Que  por  hum  breve  tranfito ,  que  aplica , 
I>o  templo  ao  interior  fe  comunica. 

102. 
Pois  a  tenda  fe  queime,  aíTim  íervindo 
(Refponde  Muftafá)  nos  fica ,  quando 
O  templo  aqui  defcobrirá  luzindo, 
E  com  ella  o  iremos  abrazando  r/firj^o  obiiun 
Occulta  pederneira  entaõ  ferindo  .:  ííVíí/k 

NerÀ.^í.O  demento  fútil  ,  que  eftá  guardando. 
Broca  pequenas  luzes  taó  brilhantes. 
Que  faltaõ  mil  eftrelias  fcintilautcs, 
^^9  '  AOiá 


\ 


I 


Canto  VIL  217 

105. 

A  inflamável  matéria,  que  difpunhà 
De  alcatrão  ,  pez  ,  enxofre  ,  breu,  betume, 
E  outros  ingredientes,  que  compunha 
Do  artifice  infernal  o  eterno  lume, 
Da  tenda  à  lona  frágil  logo  punha  , 
Porem  perdendo  o   fcu  voraz  coílume, 
Sem  que  ninguém  taó  rara  caufa  entenda , 
Fez  luzir  fem  arder  a  fútil  tenda. 

104. 

Qual  fahe  o  Amianto  incombuílivel  Nota  joi; 

Rara  compoíiçaõ  do  linho  Asbefto, 
De  que  arda  a  lucerna  inextinguível 
Da  occuíta  esfera  luminar  funeflo  : 
Prefervado   ao  incêndio  irreíiftivel, 
E  nella  o  maculado,  o  indigefto. 
Sem  beneficio  da  agoa  taó  precifo, 
Fica  ao  fogo  mais  puro  ,  eftá  mais  lifo. 

105. 

AíTim  o  pavelhaõ  farol  luzente 
Reduzindo  a  liuma  luz  mil  luminárias. 
Se  vé  brilhante,  e  naõ  fe  encontra  ardente 
Para  terror  das  gentes  adverfarias  .• 
Já  nenhum  defcobrir  o  templo  intente  > 
Pois  lhe  aíTeguraó  experiências  varias , 
Que  ainda  que  Muftafá  com  iras  ferve, 
Só  de  ver  que  naõ  vé  a  luz  lhe  íerve. 

10(j. 

Se  efta  arvore  da  vida  o  Ceo  refguardaí  Notajojí 

Da  Deidade  iiLmortal,  que  ao  mundo  aviva, 
Do  novo  templo  o  paraifo  guarda 
De  humano  Querubim  a  efpada  adiva : 
Ao  Mouro  a  luz  em  defcobrir  naõ  tarda, 
Só  arde  no   quartel  a  guerra  viva.* 
•Toma  hum  cavallo  Muftafá,  e  na  fombra 
Viver  efpera ,  quando  a  luz  o  aíTombra. 
7  Ec  107? 

í  ■         ■ 


2 1 8  Henriqueida 

107. 

Sahe  do  campo,  ena  intrincada  brenli|i 
Antes  que  aluz  da  Autora  apparecefle,        ?ofs  è£ 
Dois  Cavalleiros  vé,  e  mais  fe  empenha,     ^(sioM- 
Por  ver  fe  a  cada  hum  bem]  reconhece;        bariiT 

Quem  he,  pregunta,  e  hum  fe  defempenha 

Quando  ao  perder  a  voz  fedefvanece, 
Dizendo:  ay  trifte  Ald^raí  e  em  hum  defmayo 
Qiiaíi  da  vida  achou  o  ultimo  enfayov  ^u^á^  ^yuG- 

io8. 

Naõ  examina  o  outro  fatisfeito 
De  que  huma    prefa  tal  deva  ao  acaro>h>rntH  bM 
Nos  braços  a  fuftenta  com  refpeito  ,  '     '' 

Dezeja  ao  bruto  as  azas  do  Pegáío  : 
Do  defmayo  lhe  dura  o  triíle  eflFeito 
Occultando  dois  foes  no  efcuro  ocafo  -, 
Chega  adonde  Muley,  e  a  gente  eftava> 
Que  algum  dos  priíxoneiros   efperava. 

109. 

Axa  achou  )á  de  Palias  conduzida. 
Que  em  ar  pouco  defpois  fedefvanece, 
Diz  Muílafá,  que  a  emprefa  eftá  perdida^ 
Que  a  magica  mayor  tudo  efcurece;  ub  i&Q 

Mas   que  a  gloria  mais  alta,  e  mais  luzida^      1  O 
Que  o  peito  de  Muley  fino  appetece,  -  Tf 

E  ao  Reyno  a  fegurança  conftituc, 
Toda  em  Aldara  aqui  lhe  reítitue. 

1 10. 

Apeoufe  Muley  dizendo  ao  Mouro; 
Como  affirmas,   ó  illuftre  companheiro, 
Que  tudo  fe  perdeo ,  tendo   hum  tefouro , 
De  que  naõ  fera  premio  o  mundo  inteiro  r 
Nota504-Seo  Cca  fe  defataíle  em  chuva  de  ouro  ^ 

Ao  querello  pagar,  fora  grofleiro  j  mútí  zeívÍí 

Nem  Jove  merecera  tanta  gloria, 
Como  em  Danae  íingio  a  falfa  hiíloíia. 


Canto  VIL  219 

III. 

Axa  anima  aErmefinda,  quando'  o  dia 
Tá  nos  braços  da  Aurora  anima  as  flores;  ^^ 

Muley  o  amado  roftro  defcobria, 
Tirando  hum  veo,  que  rouba  os  feus  primores: 
Se  queres,  que  ce  dure  eíla  alegria, 
Que  alcnca  teus  puriíllmos  ardores, 
Naó  examines  mais,  vive  no  engano, 
Que  hade  cuftarce  a  vida  o  deíengano. 

I  12. 

Vio,  quem  cuidara  tal  i  Qiie   o  encuberco 
Era  Ermefinda.   e  livre  do  accidence 
Explica  a  caufa  do  fuceíío  incerto , 
Que   todos  comprehendem  facilmente: 
Quando  Axa  com  Moniz  forte,  e  experto 
Combateo  com  o  esforço  mais  valente, 
Me  ordenou,  que  a  Aldara  acompanhaíTe, 
Fiel  fervifle,  e  pratico  guiaíTe. 

Deixou  Axa  o  combate  com  violência, 
De  Palias  por  hum  voo  arrebatada, 
Quer  Aldara  feguilla,  a  experiência 
Das  armas  delia  foy  íempre  ignorada.- 
O  trabalho,   o  temor  fem  advertência 
Deixarão  a  Princefa  delicada; 
Do  cavallo  entre  as  brenhas  a  défmonto, 
Para  lhe  adminiílrar  remédio  pronto. 

114. 

Mas  vendo-fe  já  foltos  os  cavallos,- 
Correm  á  dczejada  libei  dade, 
O  defcuido  foy  caufa  de  íolcallos, 
O  perigo  de  Aldara  ,  e  a  piedade: 

Ligeiro  me  apreíley  para   robrallos,  -'d'i< 

Mas  hum  me  fez  na  tefla  com  crueldade-^i^p  Ori. 
•A  contufaó  que  vedes.,  e  a  ferida,     '       -^"^^    r^-r/l 

/om  que  em  cerra  cahi  quafi  fem  vida.  :  ^ .' . 

Ee  ii  115. 


220 


Henricjueida. 


"5- 


Cobrando  alguma  parte  do  fentido; 
'A  Princefa  bufquey ,  que  antes  deixara,      ^  .  ;.  o^ 
Hum   Cavalleiro  vi  deíconhecido  ,      '-n^  ío  3i/r>  aQ 
E  a  penas  dizer  pude  /  ay  trifte  Aldara  /    lass 
FoíTe  Mouro,  ou  Chriftaô  compadecido. 
Ou  vida,  ou  liberdade  lhe  deixara,  ...  .<  ..«lA 

E  logo  a  dor ,  e  o  fuílo  de  repente         ií\q  £i£q  E 
Me  fazem  repetir  novo  accidente.  Yfi3G33bi3A 

il6. 

Muftafá  fabe  o  bofqne ,  quando  cheguem 
Os  Chriftáos,  que  entre  os  matos  a  defcubraõ, 
E  a  prifaõ  nova  bárbaros  a  entreguem , 
Huma  partida  vofla  as  brenhas  cubraõ.* 
Poucos  na  expedição  he  bem  fe  empreguem. 
Porque  no  menor  numero  fe  encubraõ.* 
Afllm  diífe  Ermefinda  ,  e  Muley  logo 
Do  coração  na  lingua  exhala  o  fogo. 

N26  por  injufto ,  o  Muftafá  ,  me  tenhas  l 
Pois  naõ  te  accufarey  ,    Muley  lhe  diíTe, 
De  que  por  Ermefinda  mcis  te  empenhas , 
Sendo  em  livralla  o  teu  amor  felíce.'         shbJ  ni3. 
A  ci  te  culpo,  ó  forte ,  que  defpenhas 
Do  mais  alco  da  gloria  hum  infelice, 
O  engano  reconheço  ,  e  tanto  fio 
De  ti  ,    que  o  mayor  bem  de  ti  confio? 

Axa  mande  eíías  tropas,   e  da  cura    ??  *3 
Se  trate  de  ErmelTnda  prontamente  -,  ^ ;  ?  eO 

Eu  vou  com  Muftafá  peia  erpefiura , 
Poucos  foldados  Icvarey  fomente.  • 

Nunca  cecançarás,  eftreiia  dura, 
De  atormentar  hum  animo  innoccnte^sdtí^a?  uXhVl 
Parte  com  Muftafá  fem  que  a  inftancia  -  "* 

De  Axa  poffa  deter  tanta  arrogância. 


Canto  VIL  221  ^ 

119. 

Chega  ao  lugar,  que  Muftafá  conhece, 
Naô  acha  Aldara,  ao  longe  ouve  humas  vozes 
De  que  os  ecos  no  pcico  reconhece, 
Para  fazer  feus  males  mais  atrozes: 
Muley  adonde  eftás?  vé ,  que  padece 
Aldara,   dizem  clauzulas  velozes; 
E  para  o  ferir  mais  o  fatal  rayo, 
Acrefcentavaõ,  levame  Pelayo. 

liO. 

Voemos,  diz  Muley,  que  tal  injuria 
Só  vos  me  vingareis,  fieis  amigos. 
Os  cavallos  correndo  a  toda  a  fúria, 
Deíprezaõ  embaraços,  e  perigos: 
O  ciúme  o  guiou  com  tanta  incúria. 
Que  o  campo  vendo  já  dos  inimigos, 
O  decem  Muftafá,  que  com  vehemencia 
Reduz  a  breves,  termos  a  eloquência. 

121. 

Se  te  perdes ,  fenhor  ,  defefperado  l 
Perdes  contigo  os  meyos  da  vingança:  ^^ç 

O  exercito   de  ElRey,  que  eftá  formado 
Em  Leiria  ,  fomente  efta  efperança  : 
Dizes  bem,  lhe  refponde,  e  moderado 
O  primeiro  furor  ,  que  nada  alcança  , 
Volta  ,    e  com  Axa  para  o  novo  emprego 
Vay  bufcar  a  paílagem  do  Mondego. 

111. 

Entre  tanto  a  manhaã  clara  ,   e  brilhante 
Os  triunfos  illuftra  aos  Luficanos, 
Abdalá  confervava    ainda  arrogante 

Mais  de  três  mil  valentes  Mahometanos  :  Nota  505» 

Huma  falange  forma,  e  raó  confiante 
Kella  recebe  os  golpes  inhumanos ,  .^xí 

'  Que  para  o  acabar  juntos  concorrem , 

^ue  elle,  e  os  feus  no  campo  oufados  ^orçem. 

121. 


-/ 


22  2  Henriqueida. 

123. 

Alegre  Henrique  a  todos  agradece  ^í 
Milagres  do  valor,  que  a  noite  encobre, oífiieM A 
Dos  Mouros  abomina ,  €  aborrece    m  Ò3B^  fisaisT 
A  ingratidão  infame,  e  o  trato  dobrei^     t^  èh  o'l 
De  curar  os  feridos  naõ  fe  efqucce,  :>i  A 

O  numero  dos  mortos  fedefcobre,  í-jH 

Que  eraõ  quafi  dois  mil ,  que  em  nova  gloria 
Vivem  no  Empireo  ,  e  duraó  na  memoria.    «í^*vj^^ 

114. 

Naõ  morreo   Capitão  afllnalado, 
Mas  tal  era  o  valor  da  gente  bravaii  s  aM^isVIjxíJ 
Qiie  vai  hum  Capitão  cada  foldado^íip  ínsl    ''^' 
E  a  perda  com  trabalho  reílaurava :  i  sh-Xíion 
Neíle  tempo  chegou  Peiayo  Amado^3m£ 
Que  contra   os  fugitivos  fe  avançava  5 
Na  fella  hum   Cavalleiro  conduzia. 
Cândida  touca  o  roftro  lhe  cobria. 

A' teridà  aífim  o  leva  de  Tereza, 
Aquém  diz:  outra  vez,  forte  opportunai 
Quer  vos  entregue,  ó  Ínclita  Princeíà 
Hum  preciofo  depofito  a  fortuna  .-^ol*  õ^i^ufcí^  ííÍ^I 
Acafo  penetrando  huma  afpereza,  ^    ^'"  .íuí»<|fi'*  't^ 
Rendida  ao  trifte  mal,  anciã  importunai  :'o  t) 
Achey   Aldara  bclla,  e  quer  aforre. 
Que  eu  lhe  dé  vida,  para  darme  a  morte. 

116. 

Procuro  que  fe  anime,  e  fó  configo,   ít 
Que  hum  pouco  convaleça  do  aecidenteí^.^jiiBí       ' 
Cede  ao  pranto,  aodefmayo,  e  ao  perigo, 
Que  evito,  vendo  ao  longe  a  Moura  gente: 
Com  rogos  eííicazes  fó  a  obrigo  /aaatjA 

A  que  volte  a  bufcarvos  deligente  ;    ««"^  ^âupníi^H 
Mas  ella,  que  a  Muley  na  idea   tinha,        r—   -    y^ . 
Cré,  que  para  livralla  fe  encaminha. 


Canto  VIL  2.^3 


127. 

Vrania  o  loQro  lhe  deícobre  aíFavel, 
Aldara  íó  com  lagrimas   fc  explica,  ;'í 

Tereza  acé  nas  queixas  fendo  amável. 
Só  da  fua  Taudade  a  dor  publica: 
A  fermoía  Africana  inconlolavel 
Hiins  Íntimos  fufpiros  multiplica» 
E  por  vingarfe.  os  olhos  pocm  em  terra, 
Fazendo  aos  que  os  naõ  vem  a  mayor  guerrâj 

128. 

Com  ElRey  de  Lamego  veyo  Henrique 
Louvando  a  fidclifíima  lealdade, 
Mas  fem  querer,  que  a  Axa  juftifíque. 
Lhe  concede  benigno  a  liberdade;  7 

(E  naõ  a  aceita  oRey,  porque  publique^ 
Que  à  verdadeira  Fé  feperfuade; 
Alegre  o  He^òe  o  aperta  cm  doces  laços     , 
Naprifaõ  nobre  dos  invictos  braços,   .'oí^hibn.O 

129. 
A  bufe  ar  vay  Giraldo,  que  oinftrua. 
Ao  templo,  donde  os  Príncipes  concorrem» 
*Para  que  hum  novo  culto   reflicua 
Na  gratidão  dos  votos,  que  difcorrem: 
O  Império  mais  feliz  fe  conflitua 
1^     Entre  osprodigios,    que  a  dilúvios  correm: 
Bufcao  no  íJbu  quartel   ao  claro  Infante, 
Quando  a  Moniz  encontrão  vacillante. 

130. 
Sem  armas,  e  com  negra  veftidura:  Nota 506; 

Em  fangue  oroílro,  e  em  lagrimas  banhado  j 
No  matiz  defta  trágica  pintura 
Ornais  fino  pefar  tem  retratado: 
Apenas  reconhece  efta   figura 
Henrique  em  tanta  dor   fobrefaltado, 
•De  todo  açor,  e  a  voz  perdeo  Tereza, 
Choraó  todos,  defmaya-fe  a  Princeza.. 


2;24  Henriqueida. 

131. 

Senhor,  Moniz  exclama,  feocaíligo, 
Que  hoje  merece  hum  guarda  negligente > 
Dajuftiça,   que  tendes,  eu  coníígo, 
Peçovos  fe  execute  prontamente: 
Naó   me  pode  matar  tanto  inimigo, 
Porque  viva  infelice,  e  delinquente  ; 
Só  me  achey  ,  hum  lugar  defendo  eftreito , 
Foy  muro  impenetrável  o  meu  peito. 

152. 

Com  Axa  combati,  voltou  ferida, 
O  roftro  me  deixou  em  fangue  tinto , 
Era  immortal  ,  porque  me  tire  a  vida 
A  infâmia  ,  que  no  ardor  me  deixa  extinto  : 
A  pérfida  naçaõ  introduzida 
Por  naó  (^y  que  intrincado  labirinto 
Vi  na  que  antes  julguey  fegura  tenda. 
Quando  voltey  da  rigida  contenda. 

135- 

Cahi  em  Mouros  mortos  tropeçando, 
EHufmim,  e  outros,  que  vejo  mal  feridos 
Com  juramento  eftavaõ  affirmando, 
Que  huma  Mulher ,  e  Affonfo  os  tem  vencidos 
Tudo  cré   minha  Fé  do  venerando 
Objedo  dos  meus  votos   repetidos; 
Porem   quando  julguey  vello  t  iunfante, 
Na  tenda  naó  encontro  ao  bello  infante. 

154. 

Entre  as  fombras  fataes  da  noite  horrível 
Clamando  por  AfFonío  em  vaó   íufpiro, 
Defcobrillo,  Senhor,  he  impofllvel, 
Examiney   o  ultimo  retiro: 
Eu  tenho  feiro  deligencia  incrivel 
Do  largo  campo  no  efpaçofo  giro, 
Naõ  apparece  Affonfo,  o  Ceo  o  ordena, 
Matay-me ,  que  fera  menor  a  pena. 


i55k 


Canto  VIL  225 

135- 
Nos  braços  a  Moniz  Henrique  enlaça, 

E  fendo  Teu  o   mal,  pio  oconíola, 
Tem  cal  conformidade  na  defgraça  , 
Que  a  Fé  entre  a  conftancia  Te  acrifola, 
Urania  anima,  e  a  Tereza  abraça ; 
E  fe  a  pena  interior  o  defconfola, 
Naó  fe  fia  a  evidencias  do  femblantc 
O  peito  firme,  o  animo  conftante. 

156, 
Vamos  ao  templo ,  diz ,  vamos  ao  templo 
Dar  graças  de  vencer  ferozes  Mouros; 
A  Fé  triumfe,  e  fervirá  de  exemplo 
Ver  que  ao  Numen  íe  rendaó  verdes  louros » 
Para  perder  hum  filho  em  mim  contemplo 
De  repetidas  culpas  os  defdouros : 
Coimbra  fe  guarneça,  e  fortifique, 
O  Mouro  tema,  porque  o  bufca  Henrique, 


Ff  HEN, 


226 

HENRIQUEIDA 

CANTO    VIIL 

Argumento 

Livra  Ajfonfo  hum  milagre  de  Mayííl  ^ 
O  Templo  fe  defcreve ;  ^  o  Prelado , 
Fortunas  pronojltca ,  efuando  ouvia. 
O  fuceffo ,  que  Affortfo  tem  contado : 
Canta  Aldara  de  amor  a  forte  impia , 
Occulto  ouve  o  mtflerio  ofno  Amado  , 
Na  Regia  caça  vem  os  oriz^ontes 
Tiranizar  os  Ceos ,  vencer  os  montes, 

I. 

Como  depois  de  hum  hórrido  naufrágio 
No  porco  acha  o  abrigo  hum  baixel  roço. 
No  cemplo  vay  bufcar  ao  feu  fufragio 
Divino  afilo  o  Príncipe  devoco  ; 
Jâ  reconhece  por  feliz  prefagio 
De  que  a  Deidade  acende  ao  puro  voco^ 
Ver  que  Giraldo  alegre  o  recebia, 
E  que  ao  fupremo  alçar  os  conduzia. 

2. 

Adornado  das  facras  veftiduras 
Na  maó  o  Bago ,  a  Micra  na  cabeça  , 
Mais  do  que  as  pedras,  que  ailluminaõ,  puras, 
A  brilhance  vircude  refplandeça  ; 
Principe  com  vicorias  taõ  íeguras , 
Que  o  Ceo  vos  di ,  o  nome  íe  efcureça , 
(Di^  o  Paftor}  dos  nove,  aquém  aclama. 
Ou  com  juftiça ,  oa  com  Ufonja  a  fama. 


Canto  VIIL  227 


A  David  igualaes  jufto,  e  glorioío,  Nota  507. 

Jofuc  pára  o  Sol,  evos  a  Lua, 
Macabeo  reftauraes  templo  famofo, 
Heitor  por  entre  fabulas  fludlua  : 
Sois  fem  vicio  Alexandre  gencrofo, 
Ate  Cezar  vos  cede  a  gloria  fua; 
Outro  Artur,   Carlos  Magno  mais  guerreiro, 
Emulo  de  Gofredo,  e  companheiro. 

4. 

Dos  Mouros,  cdo  Abifmo  hoje  adquiriíles 
Dois  triunfos ,  que  celebre  alcançaftes , 
Taõ  confiante  de  Atlonfo  a  perda  ouviftes. 
Que  agora  outro  mayor  em  vos  ganhaftes; 
Ceflem  em  fim  as  fombras  vans ,  e  triíles , 
Pois  das  virtudes  o  alto  premio  achaftes : 
Vinde  às  pedras  das  aras  no  miílerio, 
Pedras  fundamentaes  do  Lufo  Império. 

5- 
O  templo  de  madeira  hoje  formado  ^Tq-;.^  .q» 

Se  hà  de  adornar  de  Mármores  preciofosj 
Será  o  Santuário  edificado 
Sobre  quatro  Gigantes  efpanrofos  ; 
Para  o  voffo  triunfo  eternizado 
Se  haõ  de  ver  quatro  arcos  mais  gloriofos; 
He  Simbolo  o  primeiro  da  vitoria, 
Hum  da  paz,  hum  do  amor,  outro  da  gloria: 

6. 
Sobre  o  pórtico  excelfo  ha  de  efcrever-fc 
Breve  infcripçaõ  de  eftilo  lapidario. 

Para  a  poíleridade,  em  que  há  de  ler-fe  Nota 50?; 

Feliz  prodígio,   raro,  e  extraordinário: 
Neflc  efpaçofo  coro  ha  de  fazer-fc 
Guerra  a  Plutão  do  harmónico  contrario , 
Cantando  ao  Numen  facro  cm  tons  diverfos 
Salmos,  himnos,  li^oens,  cânticos,    verfos. 

Ffu  g 


228  Henriqueida, 

7- 
De  fnarraores  vertido  o  largo  Clauílro, 
Com  apraílvel  viíla  frefcos  ares, 
A  Epifcopal  Cidade  tem  ao  Auftro, 
Nota  f  IO.  E  perto  o  Douro  enveja  de  outros  mares ; 
Nota 5 II.  Antes  que  corra  muito  o  Cmciíio  plauílro  , 
Cónegos  de  Agoftinho  Regulares, 
Q^ue  o  mundo  deixaõ  com  feliz  repudio,. 
^  De  outro  templo  mayGrferaõ  preludio. 

j^  ,  Terá  de  Parroquial  o  privilegio  j 

'    '' E  hum  voílb  pio,  e  claro  dcfcendente,  .>  i 

Que  he  o  decimo  fexro  ao  Trono  Régio > 
Ha  de  dar-lne  outra  forma  nobremente: 
Inrtituto  Apoftolico,  e  egrégio, 
Q^uc  ha  de  levar  a  luz  ao  mefmo  Oriente, 
O  há  de  occupar,  e  tu,  ó  Ceo  ordenas. 
Que  em  Coimbra  fuliente  nova  Atenas. 

9- 
Neófitos ,  que  a  nova  Companhia 
Com  Tangue,  e  fanco  ardor  produz  ,  erega, 
Daraõ  tal  luz,  que  a  cega  idolatria 
Só  pela  luz  da  Fé  ficará  cega : 
Terá  nella  oflagello  a  hereíia , 
Nas  letras,  e  virtudes  fó  fe  emprega; 
Leys  mais  fabias  formou  que  as  de  Licurgo, 
Dando  à  Afia  hum  fegundo  Taumaturgo. 

IO. 

Nota  5 14.  Em  quanto  defcrevia  o  tempo  ,  e  templo 

O  Primas  a  quem  todos  veneravaó, 
E  ao  trono  de  Maria  em  pio  exemplo 
Humildes,  c  devotos  fe  proftravaõ  , 
A  rara  maravilha  ainda  contemplo 
Qiie  alegres  viaõ  ,  finos  admiravaõ  ; 
Naõ  apagou  a  idade  eftes  veftigios , 
Tudo  porcentos  faõ,    tudo  prodigios. 

II. 


Canto  VIIL  229 

1 1. 

Examinava  Henrique  o  crono  augufto 
Da  Deidade,  ein  que  ao  preço  excede  a  arte. 
Que  no  interior  inlpira  ao  peico  jullo , 
Qiie  hum  grande  beneficio  lhe  reparte: 
Ceifem  em  fim  a  dor,  a  pena  ,  o  íufto, 
Que  em  Cupido  abbreviado  o  mefmo  Marte 
Só  com  cândida  túnica   apparece. 
Pequena  efpada  a  breve  maó  guarnece. 


11. 


Em  fanguc  Mahometano  tinto  eílava 
Do  leve  Alfange  o  aço  rutilante, 
Graciofo  o  efgrimia ,  e  levantava 

O  bello  AíFoníb ,  o  fofpirado  Infante :  js^ota  5 1 5, 

Com  fínsido  furor  ameaçava 
Ao  Mouro  que  já  o  teme  fulminante: 
A  admiração,  e  o  gofto  em  finos  laços 
O  aprifionaraó  nos  amantes  braços. 

13* 
No  colo  o  traz  do  occulto  Santuário , 
E  primeiro  a  Moniz  do  que  a  Tereza 
O  mofirou  ,  como  premio  neceíTario 

Do  que  ao  fiel  defenfor  deve  a  fineza :  Nota  ní. 

Timantes  com  pincel  incerto ,  e  varioj 
De  Agamenon  a  hum  vèo  fia  a  triftezaj 
E  aqui  com  mais  razaõ  encobriria 
O  afeto  inimitável  da  alegria. 

Dospays,  dairmáa,    terniíTImo  o  afago, 
DoAyo,  e  dos  mais  finiffimo  o  refpeíto  , 
A  os  ofculos  lugar  naõ  deixaõ  vago, 
Nospes,  nasmaõs,  na  fronte,  face,   e  peito.* 
A  efcura  fombra,   que  com  negro  eftrago 
Cobrio  aos  coraçoens  com  crifte  eííeito, 
S6  íirva  quando  occulto  fe  confagre, 
'  De  brilharem  as  luzes  do  milagre. 


230  Henriquelda 

15- 

No  lindiíílmo  roftro  do  Menino 
O  branco  j,  e  rubicundo  eftà  confufo  , 
Brilha  nos  oliios  refplandor  Divino, 
Que  oífurca  o  Mouro ,  e  illumina  o  Lufo.- 
Abrio  a  breve  boca ,  em  que  o  deftino 
Quiz  que  a  razaõ  anticipafle  o  uío , 
Para  exprimir  com  pueril  cadencia 
Sem  artificio  a  harmónica  eloquência. 

16. 

Dormindo  eftava  diz,  e  encomendado 
Me  tinha,  como  fempre  meeníinaftes, 
>í  A  protedora,  de  que  o  peito  ornado 
»  A  imagem  trago  de  ouro  entre  os  engaftes  ; 
As  razoes  defpertey  de  hum  Mouro  irado , 
Eíla  Imagem  naõ  fey  feali  levaítes ; 
Ella,  e  feu  filho  entaó  me  defenderão  ; 
Naõ  fogi,  porem  elles  me  crouxeraó. 

Deume  a  Deidade  a  maó ,  para  que  eu  ande , 
E  dormi  focegado  aos  pes  do  trono, 
Dos  Mouros  vi  o  eítrago  pronto ,  e  grande. 
Achando  a  morte  ao  vir  tirarme  o  fono : 
Que  me  ponha  no  chaõ  meu  Pay  me  mande, 
Porque  efte  he  do  milagre  certo  abono  : 
Diíle,  íalcou  do  colo,  e  prontamente 
Se  portra  ao  facro  trono  revereríte. 

18. 

Aqui  foraõ  os  gritos,  e  os  clamores. 
Aqui  dos  olhos  lagrimas  amantes. 
Aqui  da  devoção  vivos  ardores, 
Aqui  da  Fé,    e  Amor  votos  conftantes.- 
Giraldo  impoz  íilencio,  e  fupcnores 
Infpiraçoens  coin  frazes  elegantes 
Em  Sagrada  eloquência  doíto  exprime 
Collocado  na  Cátedra  fublime. 


I9« 


Canto  VIU.  231 

Naõ  de  Tullio  ,  ou  Demoílenes  imita  ^ 

Retórica  diícrecaarcificiofa,  iNota5i7« 

Mas  otaçaõ  pathctica  acredita 
A  prorecçaõ  da  Virgem  prodigiofa; 
A  que  a  mcreçaõ  fervorofo  incita, 
Porque  a  virtude  fique  vitoriofa  ; 
Qiic  ha  de  fer  Rey  AíFonfo ,  diz  a  Henrique, 
E  que  vifaõ  mais  rara  moílra  Ourique.  Nota  j i^ 

iO. 

A  noute  fuccedeo  clara,  eferena. 
Harmónico  metal  informa  os  ares, 
De  fíores  fe  defpio  a  felva  amena. 
Para  reverdecerem  nos  altares: 
Que  o  campo  fe  illumine  Henrique  ordena, 
E  foem  inftrumcntos  militares: 
O  fílcncio  da  noute  he  melodia , 
E  com  mais  luzes  naõ  enveja  o  dia. 

21. 

A  hum  triduo  de  exceíTivo  luzimento 
Já  fem  ter  embaraço  Affonfo  aíTifte, 
Todos  vem  o  Teu  ágil  movimento, 
E  nenhum  impio  à  admiração  refifte; 
Mas  entre  o  univerfal  contentamento 
S6  ElRey  de  Lamego  eftava  trifte. 
Por  ver  a  efpofa  em  taõ  profundo  abifmo,. 
E  por  tardar-lhe  a  graça  do  Bautifmo. 

2Z. 

AíTim  o  Gatecumeno  zelofo 
Diz  ao  Paílor,  que  com  amor  oinftrue: 
Quando  fera  c  dia  venturofo, 
Qiie  a  efperança  do  Ceo  me  reílitue.^ 
Hoje  admirey  o  cafomilagrofo, 
Que  à  minha  converfaõ  naó  contribue? 
Mas  finto,  que  em  prodígios  fe  confagrc^ 
tara  dever  a  Fé  mais  que  ao  milagre, 

23. 


232  Henrtquetda 

23. 

Ouando  fera  que  a  agoa  regenere 
O  fogo,  que  im  mortal  nunca  Te  apague, 
E  que  nas  ílias  ondas  firme  cfpere^ 
QiJc  o  meu  deliro  já  feliz  naufrague? 
De  Axa  naõ  he  razaò,  que  defefpere, 
Ainda  que  cega  em  tantos  erros  vague: 
Intercede  por  ella  varaó  jufto. 
Que  a  ama  afecto  puro,  e  naõ  injuílo. 

Que  hà  três  Bautifmos  fabio  lhe  refponde, 
O  da  agoa,  que  he  da  Fé  claro    colírio, 
O  de  fogo  ao  dezejo  correfponde. 
Ode  Sangue  fe  apura  no  martírio: 
O  primeiro  veras  ó  Rey  adonde 
Vencendo  o  Mahometico  delírio. 
Do  teu  peito  ha  de  ver  a  ardente  fragoa 
Nota^ic).  O  efpíríto  Divino  fobre  a  agoa. 

25. 
O  Bautiímo  de  fangue  te  comuta 
O  Ceo  que  por  pagarte  tal  mudança. 
Com  auxilio  eiiicaz,  graça  abfoluta , 
De  que  Axa  fe  converta,  da  efperança.* 
Comigo  has  de  ficar,  pois  refoluta 
De  Henrique  contra  o  Mouro   a  dura  Lança 
O  quer  ir  caíiigar  com  digno  emprego 
Kas  criftalinas  margens  do  Mondego, 

iG. 
Aqui  feras  por  mim  bem  inftruido 
Da  minha  Religião  no  alto  mifterio, 
E  verás  com  firmeza  conftruido 
Ocdificio  immortal  do  Lufo  Império : 
A^fonfo  aílro  brilhante  taõ  luzido 
No  feu  oriente  illuftra  efte  emisferio : 
Moniz  o  quer  fiar  do  meu  cuidado. 
Que  mais  que  cortczaõ  vay  fer  Soldado; 

*7s 


I 


Canto  VI IL  233 

Também  ncfte  deftrito  toda  a  Corte, 
Que  pode  embaraçar  a  dura  Guerra, 
Fica  fegura  com  a  guarda  force. 
Que  obíerve  o  rio  ,  e  que  examine  a  Serra*: 
Lamego  a  allcgurava  de  outra  forte, 
Porem  de  Henrique  a  pia  Fé  naõ  erra. 

Pois  íe  a  Cidade  Deos  naõ  defendia,  Nota5'io. 

Debalde  o  mundo  a  guarda,  ou  a  vigia. 

28. 

Neíles  dias  do  goílo  ,  e  do  defcanfo 
O  Sol  no  Velocino  imica  Aftrea, 
E  no  juílo  equilibrio  o  tempo  manfo , 
O  dia  igual  á  noute  Tiaõrecea: 
De  hum  breve  rio  ao  plácido  remanfo 
Aldara  as  fuás  penas  lifongea  j 
Naõ  fabe  que  Pelayo  occulto  eftava, 
E  entre  a  efpefla  verdura  a  efcutava. 

2.9. 
Só  poderey ,  6  Ninfas  deíle  Rio 
Fiar  de  vos  as  mais  fenfiveis  magoas  j 
Se  o  fcgrcdo  guardais,   que  vos  confio. 
Aumentarão  meus  olhos  voíTas  agoas, 
E  aíTim  tu  nunca  íinuas  o  deívio, 
Deos  que  no  Douro  rápido  defagoas 

Deíía  tua  belIilTima  Napéa,  Nota5ii5 

Com  algum  bem  meus  males  lifongea. 

30. 
Fugitivos  Criílàes,  firmes  penedos, 
Efcuras  Serranias ,  claras  fontes , 
Tenras  flores ,  robuO^os  arvoredos. 
Humildes  valles,  e  foberbos  montes. 
Amantes  aves ,  rigidos  rochedos  , 
Verdes  prados,  cerúleos  orizontes, 
.Grutas    horrendas,  e  planícies  belias. 
Opacas  nuvens,  lúcidas  eílrellas, 

Gg  '  lii 


234  Henriqueida 

51. 
Se  no  infenfivel,  Seno  vegctavel 
O  amor  de  quem  o  mundo  fó  fe  anima, 
Confeguio,  que  hum  caratí^-er  caõ  amável. 
Nos  duros  coraçoens  fiel  fe  imprima  \ 
Confolay  hum  pefar  inconfolavel 
Antes  que  a  auzencia  com  a  dor  me  opprima , 
Pois  me  acabaõ  com  fino  fcncimento 
A  magoa,  afaudade,  eo  defalenco. 

Fugitivos  criílàes ,  que  a  huma  efperança 
Bem  imitais  no  movimento  leve, 
Que  em  tanto  giro  inquieto  cega  alcança 
Urna  de  prata,  tumulo  de  neve: 
De  hum  verde  labirinro  na  mudança 
O  mefmo  fim  minha  efperança  teve; 
Pois  correo  fem  parar  no  doce  engano , 
Até  morrer  no  mar  do  defení^ano. 

53- 

Firmes  penedos  fempre  combatidos 
Do  mayor  vento  aos  rápidos  horrores , 
Que  imutáveis  eílais,   que  eftais  erguidos 
Do  tempo  contra  os  trágicos  rigores ! 
Vede  que  hoje  por  mim  fois  excedidos. 
Porque  a  minha  conílancia  nos  amores 
Naó  fe  move ,  ou  abate  na  importuna 
Tormentofa  inconftancia  da  fortuna. 

34. 
Efcuras,  Serranias  que  cortendo 
O  mundo,  naõ  mudaes  de  natureza. 
Pois  oi  bofques  cortando  ,  os  prados  vendo 
Confervais  eíTa  ruftica  afpereza; 
Coníolayvos  comigo,   porque  entendo. 
Que  vos  fabe  exceder  minha  trifteza , 
Pois  naó  produzo  plantas,  nem  boninas 
Em  dilatadas  trágicas  ruinas. 


3^ 


Canto  VI  11.  235 

35. 

Claras  fontes,  que  em  liquidas  correntes 
Movendo  brandamente  os  criílàes  puros, 
Vedes  ao  doce  impulío  obedientes 

A  conílancia  dos  mármores  mais  duros?  ' 

Sabey,  que  faõ  em  mim  taõ  inclementes 
Os  deílinos  fataes ,  e  aftros  efcuros, 
Que  os  naõ  abranda,  quando  corre  ha  tanto, 
A  amargofa  torrente  do  meu  pranto. 

Tenras  flores,  que  efimeras  da  Aurora, 

Ainda  que  vos  infpira  alma  taó  pura , 

No  dia,  em  que  naceis  mimos  de  Flora, 

Exemplares  morreis  da  fermofura  i 

Vofla  fragrante  forte  fe melhora. 

Se  a  comparais  com  minha  forte  dura; 

Sempre  quifera ,  para  fer  felice, 

Naó  ver  fegunda  aurora  huma  infelice. 

5  7- 
Robuftos  arvoredos,  que  com  folhas 

Veílís  na  Primavera  verde  adorno, 
E  fe  no  Inverno ,  ó  Africo  ,  os  desfolhas , 
Renacem  no  odorifero  contorno  ; 
Tu  meu  pcfar  jufto  fera  que  efcolhas, 
Q|ieeu  me  trasformc  em  tronco  por  foborno, 
Pois  fofrerey  tormentas,  e  mudanças, 
Porque  haõ  de  renacer  as  efperanças. 

38. 
Humildes  valles,  que  as  torrentes  frias 
Inundaó,  quando  decem  das  montanhas, 
Veas  que  deixa  pouco  edar  vazias  ., 

O  circulo  das  húmidas  entranhas  j  ^ 

Mais  que  em  vòs  abatidas  oufadias 
Vejo  em  mim  por  defgraças  taó  eftranhas , 
Pois  a  altivez  ,  que  me  elevou,  meinfulca, 
E  a  inun<ía^oens  de  males  me  fepulca. 


236  Henriquetda 

59- 

Soberbos  montes,  que  aílalcando  a  Esfera, 
Sois  dos  Gigantes  túmidos  enfayos, 
E  por  reconhecer  hum  Deos ,  que  impera  , 
Ardeis  primeiro  à  fúria  dos  feus  rayos, 
Eu  que  fó  me  elevey  com  Eé  fincera 
Ao  Ceo  de  hum  puro  amor,   finto  os  defmayos. 
Com  que  o  deílino  contra  mim  confpira.* 
Euhiiina  a  hum  amor  jufto  injufta  a  irai 

40. 

Amantes  aves,   que  cantando  finas 
De  amor  correfpondido  anfias  fuaves, 
Sempre  voais  aos  goítos  peregrinas 
Com  vozes  brandas ,  com  acfentos  graves  ^ 
Se  unidas  tendes  glorias  taõ  divinas  , 
Sem  caufa  vos  queixais  ingratas  aves  ; 
Ay  de  quem  trifte,  amor,  taó  longe  deixas. 
Que  fe  perdem  no  ar  inúteis  queixas! 

41. 

Vos  rígidos  rochedos,  quando  intento 
Invocarvos,  eftais  furdos,  e  mudos  ? 
Eu  cuidey,  que  pudeíTe  o  m.eu  lamento 
tazervos  com  feus  ecos  menos  rudos : 
Mas  ay/  que  fe  fentis  meu  fentimento  , 
He  para  fer  durilEmios  eícudos  , 
E  revelando  penas  taó  íecretas , 
Me  voltais  os  meus  ecos  como  fetas/ 

42.. 

Verdes  prados,  que  em  ervas  poderofas 
Produzis  os  remédios  das  feridas , 
E  até  curando  as  fetas  venenofas. 
Em  vòs  renacem  immortaes  as  vidas  ; 
Se  de  Amor  contra  as  frechas  vigorofas 
Ainda  guardais  virtudes  efcondidas , 
A  outros  as  applicay ,  ó  prado  ameno, 
Deixaynie  o  meij  fuaviíTimo  veneno. 


Canto  VIII.  237 

43- 
Cerúleos  horizonccs ,  que  encobrindo 
De  cfpiricos  amantes  os  miílerios, 
Os  triunifos  cio  Amor  cfiais  ouvindo, 
E  das  ingracidoens  os  vitupérios, 
Dizcyme  fe  eftes  ays ,  que  vaó  fobindo , 
Tem  alterado  a  paz  dos  emisferiosf 
Porque  eu  pretendo  ,   que  efta  amante  guerra 
Perturbe  o  Ceo  ,  como  perturba  a  terra. 

44- 

Grutas  horrendas,  vos,  que  a  íuz  naõ  viftes, 

E  fó  porque  a  naó  viftes,  naõ  a  amafies, 

Dicofas  íois,  pois  entre  as  fombras  trifles 

O  bem  nunca  perdePces,  que  adoraftes  ; 

Sc  la  no  volTo  centro  arora  ouviíles 

Eílas  vozes  j  que  inteiras  coníervaftes, 

Levay-asi  e  contay  no  Reyno  efcuro , 

Que  ainda  há  febre  a  terra  hum  amor  puro. 

45- 
Planicies  bellas ,  que  de  longe  vejO> 

E  que  abrindo  de  Ceres  o  tefouro 
do  avaro  agricultor  dais  ao  dezejo 
Pródigo  premio  nas  efpigas  de  ouro, 
Dcixay,  que  com  meus  olhos  chegue  ao  Tejo, 
Donde  hoje  chega  o  bem ,  que  tinha  o  Douro > 
Aíllm  naõ  vos  deílruaõ  vivas  guerras, 
E  vos  naó  interrompaõ  altas  Serras. 

46. 
Opacas  nuvens ,  que  com  negror  giros 
Voais  ameaçanco  tempellades, 
E  que  nos  voílbs  húmidos  retiros 
Refervais  tormentofas  impiedades ; 
Logo  o  vento  vorás  de  nieus  fofpiros 
Ou  vos  há  de  romper  as  deníidades, 
Ou  fazervos  correr,  fe  em  meus  defmayos 
"Do  Sol,  que  adoro,  me  encobris  os  layos, 

47- 


238  Henriqmida 

4  7- 
Ali  lúcidas  eílrellas  mcntirofas! 
Como  vendo  de  perco  a  minha  eítrella , 
E  as  íuas  influencias  rigorofas. 
Publicais,  que he  benigna,  clara,  ebella? 
Ou  apagay  ascochas  luminoías 
Para  naò  ver  o  mal ,  que  me  defvela , 
Ou  defterray  deíle  fublime  aíTenco 
Huma  eftrella,  que  infama  o  Firmamento. 

48. 

Mas  já  que  ó  compafllva  Filomena , 
Só  vòs  correípondeis  as  minhas  vozes , 
Pois  ró  quem  fente  huma  amorofa  pena 
Se  íaítima  de  effeitos  taõ  atrozes  ; 
Que  vos  confie,  Amor  aqui  me  ordena , 
Com  fofpiros  anciofos,  e  velozes 
Todo  o  meu  mal ,  por  ver  fe  em  voflb  canto 
Se  adoça  a  amarga  caufa  do  meu  pranto. 

49. 

Naõ  quero  fó  de  amor  dizer  as  magoas , 
Poirfabeis,   que  Muley  por  forma  occulca 
Dentro  em  meu  coração  aviva  as  fragoas , 
E  que  o  pranto  efte  ardor  naõ  diíTiculta; 
Mas  já  que  ao  fom  eanoro  deftas  agoas, 
E  às  verdes  fombras  deíla  felva  inculta , 
Cantais  raras  tragedias,  vaõs  amores, 
Contay  taó  rara  hiíloria  às  mudas  flores. 

50- 
Notajij.  Por  mais  que  me  aííeguraõ,  que  fou  filha 

De  Ali  Aben  Jozef  Rey  poderoío, 

Qjie  em  Africa  ,   e  Europa  impera,  e  brilha 

Sábio,  prudente,  illuftre,  cvalercfo, 

E  por  mais  qne  o  meu  gcnio  naõ  íe  humilhe 

A  ter  pi  incipio  menos  generofo  ; 

Se  naò  achar  noticias  mais  feguras , 

Mo  encontrão  reflexões,  e  conjecturas. 


íit 


Canto  VII L  239 

Na  Corte  naõ  naci  de  Mauritânia, 
Nem  nos  Palácios  me  criey  antigos, 

Qiie  fez  Anteo  na  grande  Tingitania  Nota  524. 

Antes  de  ter  de  Alcides  os  cafliíius; 
Dizem-me  que  naci  na  Lufitania, 
E  que  meu  Pay  temendo  os  inimigos, 
Que  o  direito  lhe  da  de  Lucidoro  , 
Aílegura  em  Lisboa  o  meu  decoro. 

Mas  fe  efte  importa  tanto,  que  imprudência 

Permitio,   que  paiVando-me  a  Leiria, 

Arriícando-me  a  vida,  e  a  decência, 

Foííe  bufcar  a  guerra,  que  fogia? 

Quando  a  penas  da  guerra  huma  apparencia 

Na  caça,  que  bufcava ,  conhecia, 

Donde  dava  Muley  com  duro  effeito 

A  lança  a  hum  bruto,  as  fetas  ao  meu  peito? 

55. 
Ao  Príncipe  Almançor  único  filho 

De  ElRey  continuamente  perguntava 
Qjem  era  miuha  MAy»    pois  naó  me  humilho 
A  entender,  que  ella  foííe  vil  efcrava: 
Entaõ  ,  e  agora  mais  me  maravilho 
De  me  dizerem  todos ,  fe  occultava 
Por  caufas  importantes  defte  Império; 
Que  encobrio  hum  politico  mifterio. 

54. 
Artelinda  de  rara  fermofura 
Nos  primeiros  annos  meaffirmava. 
Que  cu  era  filha  fua  ,  o  que  aííegura, 
Mas  carinho  afíectado  memoftrava: 
Em  vaõ  diirimular  entaõ  procura 
O  affeclo ,   que  o  feu  peito  me  negava, 
£  alguma  vez  lhe  ouvi,   fem  que  me  vifíe, 
Que  de  taó  alto  íer  naó  preíuniifíe. 

S5' 


240  Henriqueida 

55- 
Ter  meu  Pay  o  Africano,  e  vaõ  ciúme, 

E  intcreflar-íe  pouco  em  que  eu  amaíle 

A  Muley,  pois  o  affeclo,  eo  cofcume 

Fex  que  nunca  a  Almançor  eu  o  negaíTej 

E  quando  a  Lucidoro  ardente  lume 

Abrazai  naó  temer,   que  fe  abrazaíTe 

3,  Meu  peito  em  outro  ardor,  a  quem  vlolenco 

Temer  fazia  o  feu  merecimento. 

E  quando  a  inimizade  hereditária , 
Juftiça,  e  emulação  de  Lncidoro, 
E  a  enveja  de  meu  Pay  tem  por  contraria , 
Arrifcar-fe  o  império  ,  eo  decoro  ; 
E  com  injufta  ley  taó  nova,  e  varia, 
Querer  que  eu  facrifique  o  bem ,  que  adoro , 
E  que  era  vil  politica  fingida 
Ser  hum  mal  certo,   que  me  cuíle  a  vida. 

5  7- 
Deixar-me  a  fua  cólera  ambiciofa 
Defde  a  batalha,   que  ainda  chora  o  Douro, 
Em  humaefcravidaó  taó  vergonhoía  , 
Que  he  hum  infame  eftrago  ao  nome  Mouro , 
Sem  que  prometa  íoma.  taó  copioía. 
Que  até  a  Henrique  tente  o  feu  teíouro , 
Ou  naó  marchar  com  tanta  gente  armada. 
Que  toda  Europa  veja  fubjugada. 

Imporme  em  fim  o  rigido  preceito 
De  abandonar  Muley  eternamente, 
E  dizer  ofíendendo  o  meu  reípeito , 
O  qiíe  faz  efta  ley  menos  decente; 
Pois  de  ma  promulgar  naó  fatisfeito 
Indica  ,  e  naó  declara  hum  indecente 
Motivo  miftcriofo,  einvifivel, 
Qu^e  condena  a  aliança  a  hum  impoíTivd. 
•a  "  59' 


Canto  VI IL  241 

Ter  eu  no  cfquerdo  braço  azul  eftrel!a  Nora  515. 

Com  Cruz  de  igual  matiz,  que  bem  gravada, 
Por  mais  qne  a  arte  deftra  fe  defvela, 
Nunca  fe  confeguio  fer  apagada, 
E  ou  fcffe  a  natureza,  ou  a  cautela, 
Naõ  he  acafo  ver-fe  debuxada 
Cruz,   que  a  ley  dos  Chriftaós  mefignifica, 
E  eílrella ,  que  05  meus  males  prognoítica. 

60. 
Ter  Muley  outra  cifra  femelhantc 
Como  lhe  ouvi,  fem  fe  faber  a  origem, 
»  E  quando  ferve  a  pátria  taõ  confiante. 
Ver  que  tantas  iníidias  lhe  dirigem , 
„  E  quando  ao  feu  efpirito  arrogante 
Trofeos   oexaltaõ,  e  padroens  lhe  erigem. 
Do  furor  de  hum  amante  naó  ter  medo , 
Sc  acafo  fe  rompefle  eíle  fegredo, 

61. 
Conhecer  eu  em  mim  :  agora  fio 
De  vos  mayor  mifterio,  ó  Filomena, 
E  excede  efte  5  que  fina  vos  confio  , 

Ao  que  fiou  da  agulha  a  vofla  pena  :  Nota  510» 

Se  de  Thereo  o  torpe  defvario 
A  eíTa  farpada  lingoa  fe  condena , 
5,  Se  efte  romperdes ,  com  mais  crifte  forte 
„  Nènias  podeis  cantar  da  voíTa  morte.  Nota  127. 

6z. 
Conhecer ,  digo ,  em  mim  ,  que  a  Muley  amo , 
Porem  com  taõ  rariffima  eftranheía, 
Qiic quanto  ardor  na  fua  auzencia  inflamo, 
Quando  eftou  perto  ^  troca-fe  em  til ieza ; 
E  le  por  lhe  fallar  com  anfia  o  chamo  ; 
Huma  occulca  prifaõ  ata  a  fineza, 
O  que  ca  inclinação  transforma  em  trato, 
£  à  violência  do  amor  cede  o  recato.  Nota  51  j; 

Hh  *j. 


z^X  Henriqmida.. 

Indicios  faó  de  que  eurnaó  fou  quem  dizem, 
Equc,  morto  Almançor,  feu.Pay  publica, 
Queeu  Tua  herdeira  fou,  porque  fuavizem 
Eftes  remédios ,   que  ao  Teu  povo  applica : 
Pois  como  aos  íeus  preceitos  contradizem, 
E  a  Lucidoro  he  raro  quem  replica. 
Finge  huma  filha-,  e  a  Lucidoro  engana. 
Quando  a; mim  caõ  cruel  me  defengana. 

64. 

N^ata^ic?;.  Pelayo  Amado,  aborrecido  digçH 

Se  eíTe  nome  feliz  te  lifongea, 
Como  o  queres  perder,  pois.  inimigo 
Duas  vezes  me  forjas  a  cadea? 
Mas  naõ  me  julgues  taõ  cruel  contigo. 
Que  naõ  tenhaó  lugar  na  minha  idea 
Tuas  raras  virtudes ,  e  eftimaveis , 
Queforaõ,  fem  Muley,  incomparáveis,.. 

65. 
Antes  tudo  ao  contrario  me  íucedc,. 
Que  com  Muley,  pois  quando  te  aborreço^ 
Eftando  auzente,  a  tua  vifta, impede, 
E  até  do  meu  rigor  quaíí  me  efqueço  j 
Mas  quando  vejo  huma  violenta  fede, 
Com  que  fem  conhecer  o  raro  preço 
Do  fanguedè  Muley ,  te  vejo  exangue 

Íií0ta  550.  Só  por  beber  meu  íangue  no  feu  fangue. 

66. 

Com  cal  Horror  teu  forte  braço  vejo, 
Que  mais  te  temo,  quanto  mais  te  admiro^ 
E  até  da  tua  fombra  cenho  pejo 
Ncftea  meus  males  ultimo  retiro: 
Crcyo  que  aprifionando  o  meu  dezejo. 
Também  queres  roubarme  o  que  refpiro  ^ 
Mas  ainda  aíTim  poíTo  afirmar-te  agora, 
Que  a  naõ  fer  de  Muley,  fó  tua  fora. 


<í7. 


Canto  VIU  M3 

67. 

CcíTou  de  Aldara  o  dilatado  canto , 
Que  Filomena  atenta  lhe  aprendia  ; 
Mas  vendo  hum  Cervo ,  que  com  cego  efpanco, 
Por  naõ  fer  Acteon  veloz  corria,  l^cni  ^yi. 

Lhe  difpara  huma  feta ,  mas  foy  tanto 
O  incêndio  ,  que  no  ferro  fe  encobria , 
Que  agradece  da  morte  o  beneficio  , 
£  he  vidima ,  holocaufto ,  e  facrificio. 

68. 
Novo ,  e  leve  rumor  fentc  nas  ramas, 
Embraça  o  arco,  e  quando  appiica  a  vifta. 
Antes  das  fetas  vio  arder  as  chamas 
Em  mais  illuftre,  e  racional  conquiíla.- 
Pelayo,  eufou,  lhe  diz,  aquém  inflamas, 
E  aquém  feres  deidade,  e  bem  previfta 
Tinhas  já  minha  morte ,  e  minha  offenfa, 
Ao  promulgar-me  a  trágica  fentença, 

69. 
Nao  te  aííuftes ,  belliíBma  homicida. 
De  que  l*c  me  occultey  fó  para  verte. 
Quando  os  fuceflos  ͣy  da  tua  vida. 
Os  poflTa  divulgar  para  ofFender  te: 
Se  tens  huma  payxaô  raóbem  nacida , 
Que  em  mifterios  puriíTimos  fe  adverte , 
Pois  fazes  refpirar  minha  efperança , 
Permite  que  eu  de  mim  tome  vingança, 

70. 
Se  acafo  defíe  Rey  naõ  foífes  filha, 
Como  tal  vez  fuppocm  teu  fentimento, 
Quem  no  mundo  nafc^o  por  maravilha, 
A  fi  f c  deve  o  alto  nacinento  ; 
Sempre  he  única  Aldara ,  fempre  brilha 
Taõ  fingular  íeu  claro  luzimcnto, 
Que  huma  deidade  em  Ínclita  vidoria 
.Se  deve  a  fi  p  fer,  credito,  e gloria, 

KJiií  7li 


244  Henriqueida 

7». 

Naõ  fe  diga ,  que  eu  canto  defejar a , 
Forque  a  nenhum  dos  dois  mal  cftivcra, 
A  mim ,    qu€  eu  em  Aldara  amava  Aldara ,' 
E  naõ  o  Império,  que  a  engrandecera; 
A  ti,   porque  em  ci  meíma  íè  formara 
Outro  império,    que  mais  te  ennobrecera, 
Sendo  caõ  akos  dotes  eftiniados 
Por  adquiridos  mais ,  que  por  herdados^ 

Quanto  mais  que  a  adopção  de  hum  Rey  illufíre 
Suppoem  hum  naciínenco  foberano. 
Nem  quererá,  que  efta  eleição  fe  fruftre 
Defcobrindo-re  indigno  neíie  engano  : 
Naó  he  poíTivel  naõ  que  te  defluftre 
Tanto  raro  atributo  mais  que  humano, 
Reíplandecendo  em  ti  claros  veftigios 
DeaíTombros:  de  milagres,  de  prodígios.. 

75. 

Como  he  certa  do  amor  a  aftrologia, 
NeíTa  cerúlea  Cruz ,  azul  eftrella , 
Quero  prognofticar,  que  em  ci  fevia 
Celeíle  religião ,  e  force  bella : 
Já  com  eíTes  íinaes  o  Ceo  queria 
Prevenir  eom  altiflima  cautela , 
Que  elles  fejaõ  ,  cirando  o  vitupério , 
Quem  decifre  o  rariífrmo  mifterio. 

74. 

He  certo,  einfelice  o  meu  deftino> 
Qiic  he  até  nas  venturas  infelice , 
Emacafos,  que  cego  naó  preuina. 
Duas  vezes  me  fez  por  ci  felicc  r 
Mas  fe  prendi  o  numen  mais  divitio, 
Ainda  que  eu  adorallo  confeguiífe. 
Como  pode  efperar  o  privilegio 
Outro ,  que  fe  equivoca  em  ía^rilegio  .* 
■  7í. 


Canto  VlIL  245 

Vejo  em  teu  coração,  quegencrofo 
DcfcLilpa  a  obrigação ,  paga  a  finefa, 
E  fó  naõ  vence  influxo  poderofa 
De  mais  ancigo  afFedo  na  firmeza  : 
Eu  rc  juro  (  oli  que  cíicito  prodigiofo- 
De  quem  fabc  adorar  tua  belleza/ 
Eu  te  juro  por  efies  olhos  bellos, 
Pelo  teu  roiUo,  pelos  teus  cabelos 

7ÍÍ.      . 

Que  a  efia  \ty ,  que  tens  por  opportuna 
De  amar  Muley  meu  peito  naó  fe  opponha,. 
Que  o  naõ  oilenda  cípada,  que  importuna 
Tanto  à  tua  averíaõ  a  mim  me  exponha: 
Goze  feliz  taó  profpera  fortuna, 
Sem  que  eu  era  canta  gloria  lhe  interponha 
Hum  ferro ,  que  até  teme  o  duro  efeito 
De  arrancar  teu  retrato  do  feu  peito. 

77. 

Já  faltou  a  Mufey  hum  inimigo , 
,^  Que  lhe  podia  dar  algum  cuidado , 
E  íou  cu  ;  mas  naõ  julgues  o  que  digo 
„  Ou  de  defvanecido ,  ou  de  affedado  % 
Porque  arrifcando  eftava  fó  comigo 
„  Quem  te  adora  mais  fino ,  e  neíTe  eftrado-- 
Quem  da  divina  Aldara  tem  favores. 
Temeria  quem  terae  os  feus  rigores. 

78. 

Nfas  no  dia  ,  em  que  eu  vir  ,  que  elle  poífue: 
( Oh  nunca  o  Ceo  permita  ,  que  eu  o  veja/) 
G  bem  que  a  fua  forte  lhe  atribue, 
Caufa  immortal  de  bem  nacida  enveja, 
E  que  huma  eílrella,   que  feliz  lhe  influe, 
A  mim  me  deixa  a  cruz  para  que  feja 
Martiryo  ao  meu  eterno  fentimento, 
'  £  íimbolo  fatal  do  meu  tormento. 

7» 


-IJ^S  ÍJenrícjmiãa  . 

Fogirey  de  tal  forte  dos  humanos , 
'Que  as  feras  me  teraõ  por  companheiro, 
E  viviraõ  comigo  os  defenganos  , 
De  que  o  exemplar  fercy  mais  verdadeiro : 
Já  mais  A^eraõ  teus  olhos  íoheranos 
Do  teu  rigor  o  objedo  ,  mas  primeiro 
Que  eu  fobreviva  a  tanta  indignidade, 
$Da  Parca  efpero  o  golpe  por  piedade. 

.    8  o. 

E  fe  a  fidelidade  o  permitiííe, 
'Mas  que  a  morrer  faudofo  me  artifcaífe. 
Eu  feria  quem  fó  te  conduzifle, 
E  a  EiRey  teu  Pay  fegura  te  levafle : 
E  íe  quando  morrefle  hum  infelice , 
Hum  refto  de  piedade  em  ti  fe  açhafle. 
Aceitarias  minha  trifte  vida 
Por  premio  da  fineza  bem  nacida. 

81. 

Vegctante,  infenfivel,  e  animado 
Pára  ouvirem  teus  males  convocafte ; 
Naquelle  cronco  fe  verá  gravado 
Quanto  duro  pefar  lhe  confiafte : 
Nos  ecos  grita  o  monte  o  teu  cuidado-, 
E  a  ave  conta  a  dor ,  que  lhe  fiafte ; 
Serey  do  que  te  ouvi  mudo  rochedo , 
Eternizando  amor  com  o  fegredo. 

8z. 

Callou-fe,  ou  fufpendeo-fe  o  fino  amante, 
E  fe  eu  pintar  quizera  as  vivas  cores, 
Que  de  Aldara  animarão  o  femblance , 
Luzes  ao  prado  ,  ao  Ceo  tirara  as  flores : 
O  efpirito  movendo  vacillance 
Iras,  piedades,  confufoens ,  temores, 
Moftraõ  que  he  caos  a  alma  inditferente 
2^1)  combate  do  frigido ,  e  do  ardente. 


Canto  VIU.  247 

85. 

Sempre  as  payxoens  mais  nobres  prevalecem 
Nos  afFectos  de  hum  peito  generofo, 
E  aíTim  rerpondo  aos  que  C€  naó  conhecem, 
Pelayo  illuílre,  fabio,  evalerofo, 
Pode  fcr ,  que  os  PoUticos  cemeQem. 
Romper  canco  fegredo  miftcriofo  , 
E  entic  illurtres  contrários  difputado 
O  interellc  do  Amor  mais  que  o  do  Eftado» 

Mas  em  quem ,  como  eu  admiro ,  e  vejo* 
De  hum  magnânimo  peito  as  circunftancias  ? 
GeíTa  o  receyo ,  a  dor,  a  ira,  o  pejo 
Do  dehrio  infehz  das  minhas  aníias  : 
Deva-te  compaixão  o  meu  dezcjo, 
E  da  minha  fortuna  as  difíbnancias  j 
Da  minha  eftimaçaõ  te  fazes  dino, 
Sogeica-te  aos  decretos  do  deftino,- 

Nefte  tempo  hum  avifo  lhe  chegara^ 
De  que  a  benignidade  das  Princefas 
Por  divertir  feus  males  lhe  ordenara 
Vcnatorias  magnificas  grandefas ; 
No  ar ,  ena  terra  a  guerra'  fe  prepara , 
Igualando  os  acertos,  easdefttezas, 
E  aves,  e  brutos  temem  ameaços 
De  lanças,  caens,  falcoens,  íetas,  e laços ^ 

86. 
Ja  voava  dé  Henrique  hum  Gerifalte  Notâ??^ 

Cerúlea  producçaó  do  Boreas  frio , 
E  dando  ao  ar  azul  purpúreo  efmalte. 
Vence  huma  Garça  cm  alto  defafio  : 
Mas  hum  Nebli,  fem  que  o  vigor  lhe  falte  j 
De  outra  conhece  o  generofo  briOj 
Sendo  ao  cahir  febre  o  contrario  ouzado 
.  Dos  volantes  punhaes  atravefíado, 


248  Henriqueida 

87. 

Ja  tira  o  caçador  o  capirote , 
Que  com  impulfo  cego  facodia 
j,  Ao  veloz  Africano  Tagarote, 
Que  na  maõ,  e  no  Ceo  a  hum  cerapo  via*- 
Faz  que  no  mar  aéreo  hoje  íe  note 
Quanco  a  aquática  esfera  deícobria , 
Quando  ganhaõ  o  vento  azas  de  hnho 
De  outros  Falcoens  marítimos  de  Pinho 

88. 

Daquelía  parte  fahe  das  piofes 
Contra  outra  Garça  íium  Cipriote  Sacre, 
A  quem  naó  valem  voos  taõ  velozes 
Para  naõ  ver  correr  purpúreo  lacre.- 
Cahe  rendida  aos  golpes  fempre  atrozes 
Do  inimigo  voraz,   lapido  ,  c  acre. 
Sem  que  a  izentaíTe  do  tirano  eftillo 
A  immunidade  do  celcfte  azillo. 

S9. 
Outro  Leonês  Borni  dcfanparece 
Lá  remontado  aos  últimos  íafiros:? 
Mas  já  precipitado  à  terra  dece, 
E  de  ave  mais  valente  foge  os  giros : 
Nota  5  5  5,  Águia  Real  as  luzes  efcurece 

Dos  orbes  fuperiores  nos  retiros  -, 
Naó  (qv  fe  o  aílro  foy  ,  que  a  eíte  intento 
A  opprimillo  baixou  do  Firmamento. 

90. 
De  Alcotaens ,  Bafarís ,  e  de  Montanos, 
De  Alfanequcs,  e  Alietos  rigorofos 
■Sentem  os  ares  impecos  tiranos, 
Vem  os  campos  eftragos  rigoroíos; 
Mas  outra  Águia  em  voos  foberanos 
Se  remonta  cm  alentos  gcnerofos ; 
E  já  recea  os  íeus  impuUos  graves 
N©ta5  54.Q  exercito  carnívoro  das  aves. 


Canto  VIIL  249 

9». 

Da  parte  occidental  os  ventos  cruza , 
E  as  aves,  que  do  Oriente  fc  elevavaó. 
Nenhuma  o  feu  Império  já  recuza 
Nem  as  que  ao  Auftro  as  azas  cfpalhavaõi 
Simbolo  heroyco  foy  da  gloria  Lufa, 
Que  todos  taõ  alegres  obfcrvavaó, 
Como  fe  eftes  prognofticos  propicios 

RecordaíTcm  de  Roma  os  vaós  aufpicios.  Nota  5  5  u 

91. 

A  Icgiaó  dos  domefticos  Açores  Nota  5  5<?» 

De  Dédalo  parciaes  hoje  confeguem 
Exercitar  feus  trágicos  rigores 
Nos  filhos  de  Perdicas ,  qne  perfegucm  .• 
Como  fe  rodos  foíTem  inventores 
Dos  inftrumentos ,  a  que  as  artes  feguera ; 
Hum  os  rufticos  mármores  partindo. 
Outro  ângulos  geométricos  medindo. 

Oh  da  enveja  fatal  bárbaro  eíieito 
Do  próprio  fangue  hidropica  inimiga. 
Que  à  virtude,  efciencia  fem  refpeito 
A  deftruir  o  bem  ao  mundo  obriga: 
Naõ  de  oppor-fe  à  Fortuna  fatisfeico 
Efte  affecto  infetnal ,   quer  fe  perííga 
A  mefma  gloria  eterna,  que  efcurecc 
EíTa  mefma  virtude,  que  aborrece. 

94. 
O  bofque  efcarmentando  nos  eílragos. 
Que  via  executar  na  azul  esfera, 
Já  fente  os  giros  rápidos ,  e  vagos , 
Do  veloz  bruto,  e  da  robufta  fera  : 
Torcidos  inftrumentos ,  que  prefagos 
Com  o  foni ,   que  nos  montes  reverbeta, 
Profetifaó  do  bofque  a  trifte  inópia, 
*  Já  foraó  de  Anwitéa  feliz  copia.  NotajrJT*: 

ii  95« 


ZjQ  Henricjueida 

95- 
Quantos  Adónis  vejo ,  quantos  Martcs , 

Nota5'5  8.  Mélcagros,  c  Alcides  repetidos, 

Que  os  matos  rompem  por  diverfas  partes 
A  hum  tempo  rigorofos ,  e  advertidos! 

Nota  555.  Huns  na  batida  exercitando  as  artes  • 
Dos  projedos  da  caça  prevenidos 
Fazem  fahir  os  brutos  com  injuria 
Huns  pelo  medo,  e  outros  pela  fúria. 

Da  parte  efquerda  fácil  o  terreno 
Permite  na  calcada  outro  exercício , 
Entre  o  pungente  tojo  o  mole  feno 
Deixa  ver  dos  veftigios  leve  indicio : 
Vem  as  bellezas  pelo  prado  ameno 
Fazer  das  feras  o  furor  propicio. 
Oh  quanta  ninfa  vejo  foberana  , 
Enveja  de  Atalanta,  e  de  Diana ! 

97. 
Humas  nas  portas  com  mayor  paciência 

De  hum  Cervo  efperaõ  o  improviío  falto , 
Outras  ao  Javali,  que  com  violência 
Fere  o  humilde  ,  oííende  o  menos  alto  : 
De  taõ  raras  bellezas  a  excellencia 
Agora  nos  meus  rithmos  naó  exalto, 
Porque  tanta  deidade,  e  taó  luzida, 
Jà  nao  vejo  entre  as  ramas  efcondida, 

98. 
A  mufica  horrorofa  dos  latidos 
Nota  ?4o. Dos  Melanipos,  Barcinos,  eAltimores, 
Nota  541.  De  Hecuba  pareciaó  os  gemidos 

Vendo  abrazar-fe  Troya  entre  os  ardores : 
Nora  54i.  Pois ,  como  Mera ,  foraó  convertidos 
Nos  caninos  famélicos  horrores 
Os  que  antes  com  divinos  privilégios 
•"^-"^^^^^^   Eraó  brilhantes  cfplendores  Régios       ^  o&v. 

íi  99« 


Canto  VUL  2yi 

99- 

Inftigados  da  ardente  antipatia 
Saliem  dos  propugnaculos  frondofos 
Ao  compaíTo  da  beilica  harmonia 
Os  brutos  com  os  gritos  mais  furiofos  ; 
Ao  venablo  de  Henrique  refiília 
Hum  Javali ,  que  he  Rey  dos  monftruoíos- 
Habitadores  da  afpcra  colónia 
Do  povo  irracional  de  Calidonia.  Nota|4v 

100. 

Túmido  monte  de  carvaõ  ardente 
Se  move  o  novo  aíTombro  de  Erimanto  ,  Nota  544. 

E  pareceo  ,   que  a  mouta  de  repente 
Se  animou  para   íer  ao  mundo  efpanto :  1 

Sahe  aos  colmilhos  cada  ebúrneo  dente,  >  u^i  ^y 
E  o  punhal  mais  agudo  o  naõ  foy  tanto  ;.q  ''^^  ^ 
Sendo  aos  Teus  golpes  hórridos,  e  broncos^  '  '  "^ 
Débil  defenfa  os  mais  robuílos  troncos. 

101. 

Armando-fe  do  efcuto  húmido  lodo  y-'' ? 
Do   foi  aos  rayos  endurece  a  malha. 
Do  ferro  á  prova  fe  defende  todo 
Para  entrar  mais  feguro  na  batalha : 
Temo   que  a  prevenção  de  qualquer  modo 
A*  fua  aftucia  irracional  naó  valha  ? 
E  que  fendo  de  Henrique  o  ameaço  , 
Rcfiíla  ao  ferro,  e  naõ  refiíla  ao  braço ^ 

lOZ. 

Temerão  os  fieis  exploradores 
O  monftruo  ,  que  em  latidos  dcfcobriraó , 
Huns  morrerão  dos  dentes  aos  rigores ,  ■ 
Outros  viverão  fó  porque  fogiraõ : 
A  alguns  matarão  os  cruéis  horrores. 
Outros  feridos  trémulos  cahiraõ  ; 
De  dois  julgo  no  alto,   que  faltarão, 
,  Que  nos  dois.  Caens  celeftes  fe  abrafaraõ,    mi  s:  -  Nota  545^ 

liii  105. 


ZSZ  Henricjueída 

105. 

Efpantoufe  huma  cândida  Hacanea  / 
Nota 546?  Qiie  a  belliirima  Aldaia  dominava, 
E  ella  no  precipício,  querccea, 
Largando  a  rédea ,  o  rifco  fe  augmentava : 
Derta  amável  prifaô  rompe  a  cadca 
O  bruto,  que  as  fortunas  ignorava. 
Como  Te  confeguiflc  em  tal  defvio 
Kota547'^  maquina,  ou  inítinto ,  ou  alvedrio. 

104. 
Levou  Aldara  ao  alto  da  montanha    •  :" 
j^.  Para  augmentar  a  força  do  defpenho. 

Mas  Pelayo  em  tragedia  taó  eftranha 
Bufca  de  outra  fineza  o  defempenho  : 
O  feu  cav.allo  deixa  na  campanha,  ..3  •mi' 

E  no  perigo  acrecentando  o  empenho  ' 

Faz  com  a  eípada  o  bruto  em  mil  pedaços» 
Recebe  a  amada  Deofa  nos  feus  braços.obb  i        : 

105. 
Eftç  he  o  primeiro  bem,  que  devo  à  fortci 
Diz  Pelayo,  ;nas  foy  a  tanto  cuílo,     :«>    ioí   oG 
Que  eu  dera  a  vida  com  felice  morte,         vS\  o'  • 
Porque  da  tua  naó  tivcíTe  o  fuílo  ;  ' 

Naõ  perdeo  o  acordo  em  mal  taó  forte 
Aldara  ,  e  concedendo  o  premio  jufto , 
A  Pelayo  ,  com  roftro  mais  propicio 
Lhe  agradeceo  benigna  o  beneficio.  ' 

106. 
Voltou  o  Javali,  donde  Tereza 
Se  aíTuftara  a  naõ  ver  que  o  fegue  Henrique, 
Mas  ao  perigo  próprio  huma  fineza 
Naõ  permitio  que  as  atençocns  apliqne : 
Tudo  fia  da  heróica  fortaleza 
Do  Heróe ,  porque  os  triunfos  multiplique? 
Tudo  teme ,   que  nunca  nefta  parte 
'f\H  è!'      iig  hum  cobarde  amor  filho  de  Marte. 

,     r  .. ,.  107. 


Canto  VIII.  2J3 

J07. 

Henrique  prevenindo  o  facrilegio  , 
Vibrando  a  lança  as  duras  armas  rompe, 
Naó  pode  refiftir  ao  braço  régio  , 
Que  as  hórridas  defenías  incerrompc : 
Vcrteo  o  immundo  Tangue  o  golpe  egrégio  j 
Que  inficionando  a  terra  o  ar  corrompe  j  / 

Mas  a  falta  o  furor  naõ  debilita, 
Quando  a  ferocidade  mais  fe  irrita. 

ICg. 

Naõ  refiílio  a  lança  ao  novo  impulfo , 
Mas  da  caça  fentio  no  ferro  breve 
O  bruto  tal  vigor  do  forte  pulfo ,  i 

Que^  agora  Tente  o  muito  ,  a  que  fe  atreve  5 
Mas  fe  no  arrojo  fe  julgava  infulío , 
Opinião  de  fagáz  na  morte  teve ; 
Pois  fe  rendeo  a  Henrique  a  bruta  vida , 
Ficou  na  illuílre  morte  ennobrecida. 

log. 
Vingou  Pelayo ,  vendo  livre  Aldara , 
Em  tantos  Javaliz  o  feu  perigo , 

Que  quafi  huma  hecatombc  lhe  prepara  ,  Nota  549» 

Fazendo  facrifício  do  caíligo. 
Bcrmudo  hum  taó  feroz  ali  matara , 
Que  a  Vrania  renovando  o  cafo  antigo  , 
Difle:  hum  trofeo  na  caça  te  confagro 
Melhor  do  que  á  Atlanta  Meleagro. 

1 10. 
Mil  foraõ  os  despojos ,  que  hoje  as  feras 
Aos  nobres  caçadores  entregarão  , 
E  os  Caens,  que  as  descobrirão,   nas  esferas 
Entre  os  aftros  fcu  nome  eternizarão  ; 

Oribafo  nos  montes  fempre  imperas  ,  jsjQjg  ^,çy 

Dorceo  na  aguda  vifta  te  chamarão  , 
^  Leucon  pela  cor  branca  conhecido  , 
Theron  até  tjo  nome  enfurecido. 


a  5  4  Henncjueida 

i    III. 

Là  vay  correnao  cândida  huma  Cerva ; 
Neve  parece  a  quem  o  Sol  defaca 
Da  corrence  ,  que  rigida   a  referva  , 
Para  a  deixar  correr  liquida  prata  : 
Mas  apefar  de  Cinda ,  e  de  Minerva 
Volance  goJpe  a  cor  lhe  desbarata  ;n.::íroi' 
E  veftindo  de  púrpura  a  brancura, 
Tem  no  criftal  do  rio  a  fepultura. 

III. 
De  Uraniji  foy  a  venturofa  feta  ,ji  iSeM 
Qiie  ferio  eíla  Cerva  venturofa, 
Em  criftalino  Ceo  vago  cometa 
Com  bella  morte  a  quis  fazer  ditofa  ; 
Tanto  o  medo  te  cega ,  e  te  inquieta  , 
Difíe  Bermudo  à  Cerva  temerofa  , 
Que  as  flores  deixas ,  bufcas  os  abrolhos  > 
Sentes  as  fe tas ,  por  fogir  dos  olhos  í 

Deve  darte  por  eulpa  tao  grofleira 
Caftigo  taõ  felis ,  que  o  naõ  mereces , 
Devendo  fer  cruel,  foy  lifongeira 
EíTa  immortal  ferida  ,  que  padeces ; 
Se  a  hiftoria  fe  tiver  por  verdadeira 
De  outra  Cerva,  com  ella  te  pareces 
Nota     1   ^^^^^  ^  ^^^^  *  líigenia  fobctana  , 
'  Como  agradável  vidima  a  Diana. 

114. 
Naõ  julgues ,  que  te  imito  no  cobarde» 
Pois  fem  fogir  as  fetas  homicidas , 
Tanto  o  meu  peito  aos  bellos  olhos  arde, 
Que  para  os  rayos  multiplico  as  vidas: 
E  para  que  os  incêndios  naõ  retarde 
Ambiciofo  do  amável  das  fétidas , 
Bufco  de  perto  o  deliciofo  encanto  , 
E  avivo  o  fogo  fufpendendo  o  pranto. 

115. 


Carito  VI  11  255 

De  Licaon  retratos  infinitos  Notaífu 

Confervando  a  tenaz  voracidade, 
Moílravaó  caftigados  os  delitos  , 

Que  caufaraõ  de  Pirrha  a  tempeftade  :         •  Nota  753. 

Quando  os  mortaes  na  inundação  aflitos, 
Por  ter  do  Ceo  mais  próxima  a  piedade. 
Abandonando  humildes  orifontes , 
Naó  tem  aíilo  nos  fublimes  montes. 

116. 

Exterminar  a  efpecie  furibunda 
A  grande  montaria  procurava, 
E  dos  Lobos  cruéis  a  plebe  immunda 
Por  todas  as  veredas  íitiava  ; 
O  tirânico  exercito ,  que  inunda 
O  gado  manfo  com  torrente  brava, 
Vé  defpojar  feus  Ímpetos  groíTeiros 
Para  izençoens  eternas  dos  cordeiros. 

117. 

Tal  houve,  que  aílaltando  a  Doriménc 
Devorara  a  HndiíTima  paftora. 

Se  Dorfino  das  Serras  de  Pirene  Nota  554. 

Naó  oppufeíTe  a  efpada  vencedora; 
Dorfino  ,  a  quem  o  amor  nunca  condene , 
Porque  menos  atento,  ou  fino  adora, 
Dando  em  feu  coracaõ  feliz  dominio 

A*  Vénus,   que  o  Erice  achou  no  Erminio.  NotaíH* 

1 18. 

Mas  o  Lobo  fobindo  pela  efpada , 
Foy  na  maó  do  paftor  vingar  a  morte, 
E  devorou  com  fúria  arrebatada 
Com  aboca  criiel  o  braço  forte; 
A  paftora  das  anciãs  animada 
Vay  focorrello,  mas  a  iniqua  forte 
.Fez  cair  aos  feus  pés  com  trifte indicio 
.  A  fera  >  .€  o  paílor  por  facrificio. 


1^6  Henriqueiãa. 

119. 

Ao  Heróe  Leonez  Pedro  Bernardo 
Outro  Lobo  feros  ouzado  aíTalca, 
Mas  igualmence  pronto  que  galhardo 
No  ar  o  maca  a  íança  quando  falta; 
onero  >   que  em  atreverfe  foy  mais  tardo 
Com  o  golpe  do  alfange  o  campo  eímalta> 
Donde  inficiona  o  verde,  e  o  florido 
Com  venenofo  fangue  denegrido. 


1 20. 


Ruftico  hum  caçador  com  força  deftra, 
Ea  quem  faltou  da  caça  o  valor  nobre. 
Temendo  hum  Lobo  foge  da  paleftra  , 
E  dos  bofques  no  intimo  fe  encobre : 
Nota  5  5 6.  O  perfpicàs  efpofo  de  Hipermneílra 
No  centro  impenetrável  odefcobre, 
E  o  cobarde  fentio  ,  íem  que  o  reíifta^ 
Mais  agudas  as  unhas ,  do  que  a  vifta.  j 


IZ  I. 


Nao  valeo  a  deílreza  ao  fagàs  bruto  í..  . 
Com  que  à  morte  fogio  fogindo  a  morte;«íPií'^f  f 
Porque  Vulpeyo  hum  caõ  pronto ,  e  aftuco 
O  defpcdaça  com  impulfo   forte : 
Salta  hum  Lobo  cerval  taõ  refoluto  , 
Quedas  lanças  rompeo  circulo  forte, 
E  acometendo  a  todos  com  fereza  , 
De  todos  fe  livrou  com  ligeireza.  , 

122.  \ 

Naõ  amando  exercicios  taõ  ferozes , 
Fazem  outros ,  que  fe  ouçaõ  na  campanha , 
De  alegres  gritos  vcnatorias  vozes , 
Com  que  a  caça  das  lebres  fe  acompanha  : 
Com  a  zas  do  temor  voaó  velozes  , 
Porém,   ou  dos  Falcoens  a  cautela  eftranha  , 
Ou  dos  ligeiros  Galgos  dura  guerra  , 
Unem  contra  hum  fó,  bruto  o  ar,  e  a  terra. 

ii3- 


Canto  VIIL  2J7 

Da  trela  com  vigor  fahio  Centelha 
Dos  campos  Lauricenos  veloz  filha  °  *í)7' 

Na  matizada  cor  branca ,  e  vermelha 
Canicula  tcrreftre  ardente  brilha  : 
Nunca  para  correr  fofrco  parelha, 
Porque  a  competidoras  naõ  fe  humilha 
Naó  Cem  no  vivo  os  olhos  paralello  , 
Delgado  o  talhe ,  e  mais  delgado  o  pello. 

114. 

DeUrania  no  favor  deívanccida 
Naõ  le  foltàra  da  prizaõ  dourada  , 
Nem  rompera  a  cadea  appetecida, 
Se  naó  dos  feus  preceitos  obrigada : 
Pelo  Ceo  dcefmeraldas  impellida 
Terreftre  exhalaçaõ  corre  animada , 
Centelha  iguala ,  e  toca  levemente 
Prompta  faifca  a  exhalaçaõ  ardente, 

125. 

A  vida  lhe  dilata  cm  largos  giros, 
E  embaraçando  os  Ímpetos  ligeiros, 
Naõ  lhe  deixa  valerfe  dos  retiros , 
Em  que  fó  tinha  afilos  verdadeiros ; 
Até  que  exhaia  os  últimos  fufpiros 
A  lebre  em  defalentos  naó  groíTeiros, 
Porque  ou  maquina  foíTe,  ou  feníitiva  , 

I-    Foy  por  Urania  racional ,  e  viva. 
Ao  mefmo  tempo  os  ares  fe  povoaô 
De  cruéis  fettas ,  de  aves  innocentes, 
Aquellas  mataõ  mais,  que  as  outras  voaõ  , 
E  vemfe  unidas  penas  diferentes ; 
I    As  que  doces  cantavaó ,  triftes  foaõ  , 
'    As  que  animaõ  o  amor  ,  ferem  ardentes. 
Sobem  a  hum  tempo ,  e  defcem  inquietas , 
Mortaes  as  aves,  immortaes  as  fettas. 

Kk  X27, 


258  Henriqueida 

117. 

Neíle  enfayo  da  arte  venatoria ,         Sr* '^'.ft^ 
Na  diverfaó  inucil ,  mas  augufta 
Da  virtude  Marcial  á  heróica  gloria  , 
O  Herôe  as  máximas  bellicas  ajufta : 
Nota  558.  Para  alcançar  das  feras  a  vicloria 
O  Principe  exercita  guerra  juíla  -, 
Edeftruindo  os  Lobos  carniceiros , 
Patrocina  os  paciíicos  cordeiros. 

Ii8. 
Aqui  o  ardente  Sol ,  e  a  fria  bruma 
Aos  corpos  delicados  endurece, 
A  força  de  fer  ágil  fó  prefuma. 
Para  evitar  o  rifco  ,  que  conhece  ; 
De  eftratagemas  a  arte  fe  refuma 
A'  caça ,  que  taõ  deftra  fe  conhece  , 
Para  attrahir  incautos  inimigos  y 
Nobres  enganos ,  Ínclitos  caftigos. 

129. 
Aqui  fabecortarfea  retirada. 
Seguir ,  eaprizionar  os  fogitivos,  .a90Bi£ 

Exercitar  da  fetta  j  lança  ,  e  efpada  , 
Os  acertos ,  e  os  golpes  mais  activos  t 
A  arte  equeílre  taó  útil ,  e  eftimada 
Exercita  primores  exceíTivos ,    < 
Que  no  dezembaraço  ,  e  na.  deftreza , 
Adquirem  o  vigor ,  e  a  fortaleza. 

150. 
Acui  claras  as  ordens  deftribucni 
Os  que  formaó  projcdos  venatorios , 
E  os  inftrumentos  bellicos  ínftuein  , 
E  fem  voz  os  preceitos  raónotoriosí:2í>bini 
Nas  memorias ,  que  os  brutos  íc  attribuem 
Kota  559.  De  Alcides,  Meleagros  ,e  Sertorios, 
No  Lcaõ ,  Javali ,  e  aftuta  Cerva, 
Vivem  Beiionay  Palias ,  e Minerva. 


{ 


Canto  VIIL  259 

151. 

Em  fim  enfina  a  caça  a  Geografia 
Com  o  conhecimento  do  terreno , 
E  o  General  já  nella  conhecia 
Bofque  inculto ,  alto  monte  ,  e  prado  ameno  : 
O  campo  de  batalha  defcobria 
Mais  eftreito ,  mais  largo  ,  ou  mais  pequeno  * 
Reduzindo  o  paiz  a  breve  ponto 
A  vifta  aguda ,  e  o  juizo  pronto. 

151. 

Aíllm  difcorrco  Cyro  com  Crifanto , 
Quando  ganhou  de  Arménia  a  vafta  terra , 
E  ao  fer  de  Azia  terror  ,  do  mundo  efpanto, 
Louvava  a  caça  ,  exercitava  a  guerra » 

AíTim  o  fez  quanto  Rey  grande ,  e  quanto  I^ota  f  6o. 

Da  fama  o  templo  gcnio  illuftre  encerra , 
Quando  huma  artctaó  nobre  em  feu  progreíTo 
Naõ  degenera  em  viciofo  cxceíTo. 

IH- 
Ontravez  te  invoquey,  claro  Mecenas,  j^ota  561 

Mais  do  que  António  Augufto  Luzitano , 
E  outra  vez  meinfpiraraó  as  Camenas, 
Quanto  admirey  no  campo  Tranftagano  : 
Naõ  frágeis  fettas  com  ligeiras  pennas 
Difparava  o  teu  braço  foberano, 
Ardentes  rayos  fim  de  impulfo  certo , 
A  quem  Joveenvcjou  poder,  e  acerto. 

154- 
Ou  de  hum  fó  tiro  os  animaes  ferozes 
De  hum  globo  de  metal  faõ  lignos  vagos, 
E  humilhando  os  fcus  Ímpetos  atrozes , 
Te  devem  na  atenção  nobres  eftragos  : 

Ou  de  Saturno  breves ,  e  velozes ,  Nota  j(>xj 

Plúmbeas  esferas ,  circulos  prefagos , 
Fazem  do  fogo  a  empenho  taõ  violento 
Ser  o  metal  mais  leve  do  que  o  vento. 


26o  Henriqueida 

De  Iium  Adónis  a  lança  vingadora 
Sacisfaz  outro  Adónis,  vence  Marte  , 
E  outras  vezes  do  Touro  vencedora  > 
Efcuía  de  Medca  a  infeliz  arte/ 
Eu  vi  fogir  a  Cerva  voadora, 
Naó  lhe  valendo  amais  diftante  parte. 
Pata  livrarfe  a  taõ  fatal  eíFeito  , 
Porque  azas  do  temor  corta  o  refpeito. 

Nota  5<j5.  Teus  Irmãos  ,  Pay  ,  e  Avo  no  Régio'  exemplo 

Do  venatorio  bellico  exercicio 

Ja  deraõ  de  Diana  ao  facro  templo 

Em  mil  feras  heróico  facrificio  .• 
Nota  564.  Em  novo  augufto  Principe  contemplo  , 

Que  hoje  he  demonftraçaó  o  antigo  indicio» 

De  que  triunfando  na  arte  venatoria>  * 

Antecipa  os  enfayos  da  vidoria. 

«57. 

Notai^^.  Francifco ,  que  he  no  ágil,  no  robufto; 

Do  ar ,  da  terra ,  e  mar  com  cal  dominio 

Abíoluto  Senhor,  Principe  augufto. 

Logra  em  continuo  acerto  alto  definio  : 

De  aves ,  brutos  ,  e  peixes ,  prompto  fufto 

Deveo  da  Mufa  ao  claro  vaticinio  , 

Que  deixe  o  grande  nome  celebrado 

No  canto  venatorio  eternizado. 

138- 
NorajóíJ.  Manoel  dos  magnânimos  enfayos 

Sahio  a  merecer  glorias  divinas. 

Empregando  os  impulfos  dos  feus  rayos 

Nas  indómitas  feras  Bifantinas :  » 

Vendo  a  Lua  Otomana  com  defmayos 

Eclipfarfe  nas  luzes ,  que  fulminas  , 

Por  ti  a  Águia  do  Açor  vence  a  protervia^ 

Aiíegura  Pannonia  >  doma  Servia, 

1}9' 


Canto  VIII.  i6i 

Carlos,  c  Pedro  nos  floridos  annos 
Igualaó  os  mais  deflros  caçadores , 
Três  Dcofas  com  acertos  íbberanos 
Vencem  de  Cincia  as  luzes ,  e  os  primores.- 
Oucra  nos  campos,  Beticos ,  eHifpanos, 
Dcfpoja  os  louros ,  e  produz  as  flores , 
E  a  ennobrecem  com  altos  privilégios 
Hum  Regio  efpofo,  dous  Monarcas  Régios.' 

140. 

Com  cem  trombetas  interrompe  a  Fama 
Da  caça  os  inftrumentos  retorcidos , 
A  grande  empreza  os  ânimos  inflama, 
E  os  feitos  vaticina  efclarecidos  : 
Diana  cede  a  Palias,  arde  a  chamma 
Do  ardor  Marcial  nos  coraçoens  luzidos; 
Retiraõ-fe  as  Princezas  a  Lamego, 
Marcha  Henrique ,  e  as  tropas  ao  Mondego; 

ofi  3 


HEN- 


i6i 

HENRIQUEIDA 

C  A  N  T  o    IX. 

Argumento 


c 


Oimbra  fortifica ^  o  Grande  Henrique , 
E  a  Pomhal ,  e  Leiria  conqutfiando  , 
Forque  ejiragos  aos  Mouros  multiplique , 
Vay  toda  a  Ejiremadura  devaftanio : 
£  para  que  o  projeóío  fe  publique , 
Aos  Gencraes  'valentes  confultando  , 
Ao  Mouro  bufcÃy  que  o  feu  campo  formai 
E  de  ejlranhas  vifoens  Axa  o  informa, 

I. 
Antes  que  as  aves  com  clarins  fonoros 
Dcfpercaílem  o  exercito  das  flores, 
E  aos  harmónicos  ecos,  e  canoros, 
Se  avivaíTem  da  Aurora  as  bellas  cores, 
xT^-  rro  E  que  actrahindo  a  Febo  os  doces  coros, 
Delle  aprendeflem  muíicos  primores  , 
E  com  tanta  celefte  melodia 
Se  ajuftaíle  dos  orbes  a  iiarmonia. 

2. 

As  trombetas ,  e  as  caixas  retumbavaõ 
No  campo  dos  heróicos  Portuguezes, 
Os  Toldados  equeftres  já  marchavaõ 
Dando  mais  luz  que  o  dia  os  feus  arnezes; 
As  pedeftres  milicias  fe  formavaõ  , 
Henrique  corre  as  linhas  muitas  vezes , 
Sem  perdoar  levilfima  defordem  , 
Faz  a  aliança  do  valor ,  e  a  ordem. 


Canto  IX.  263 

3' 
No  paiz  ,  que  lhe  rende  a  vaíTallagem  , 
Toda  a  terceira  linha  fe  rcfguarda  , 
E  as  maquinas  de  guerra,  e  a  bagagem 
Marchavaó  na  fcgura  retaguarda  : 
Nas  maõs  lhe  renovara  a  homenagem 
Quanto  cabo  fiel  as  praças  guarda  i 
E  porque  a  diverfaó  na(5  aconteça  , 
Hum  corpo  deixa,  que  o  paiz  guarneça. 

4- 
Dom  Garcia  Rodrigues  fempre  illuftre  ,  Nota5(?9. 

De  que  o  Tangue  Coutinho  fe  deriva, 
Que  deo  a  Africa  honra  ,  a  Europa  iuftre  , 
Governa  a  valeroía  comitiva  : 
E  porque  a  devoção  nunca  fcfruftre, 
Bufcaõ  todos  no  templo  com  fé  viva, 
E  com  pios  aííedlos ,  e  devotos , 
O  defempenho  dos  ardentes  votos. 

5- 

Naõ  fe  arrifcou  Amado  a  ver  Aldara, 
Porque  temendo  a  fua  fermofura, 
Se  a  faudadc  ao  fcmblante  perturbara,  \ 

O  valor  malquiftára  na  ternura: 
E  quando  para  eftragos  fe  prepara  , 
E  contra  o  que  ella  adora  fe  conjura  , 
Ou  pelo  amor  o  brio  feefqueceraj 
Ou  grofiaria  a  honra  fe  fizera.  ) 

6. 

De  Terefa,  e  de  Affonfo  o  Grande  Henrique 
Fino,  porém  conftante  fedefpede, 
Porque  ao  darlhe  hum  Império  juftifique 
Apromefía,   que  o  Numen  lhe  concede: 
As  lagrimas  Urania  multiplique, 
Quando  Bermudo  a  permiflaõ  lhe  pede 
De  naó  morrer  das  armas  á  violência^ 
Se  naõ  aos  golpes  de  huma  criíte  auzencia. 

7. 


264  Henriqueida 

NaÕ  chegava  ainda  o  Sol  da  bella  Aftrea 
Ao  equilíbrio  com  que  o  mundo  alcança'. 
Hum  bem  ,   que  a  injulliça  naó  recea 
Pondo  igual   o  feu  ouro  na  balança.- 
Como  oíviondego  fácil  fe  vadea, 
Em  quanto  com  a  frigida  mudança 
Naõ  fe  engrolTa  com  rápida  torrente , 
As  fuás  margens  bufca  promptamente. 

8. 
Cinco  vezes  no  Ceo  nafceo  a  Aurora » 
E  outras  tantas  no  mar  Apollo  morre , 
Quando  Henrique  nas  marchas,  que  melhora 
Pelo  campo  Colimbrico  d/fcorre  : 
Campou  junto  á  Cidade  ,  porque  agora 
Primeiro  a  fortifica,   eafoccorre. 
Do  que  paíTar  o  rio  forte  emprcnda, 
Sem  fegurar  a  ponte  ,  que  o  defenda. 

9. 
Nota  5'7o.         Quanto  na  Poliorcetica  o  experto 

Grego  ,  e  Romano  contra  as  praças  ufa, 
Prevenira  o  deftriíTimo  Roberto  Ãbií^l  £  :»»: 

NotafTi  Novo  Archimedes  de  outra  Siracufa  :       '   •   '  -   ' 
'  Com  brevidade  ,  método  ,  e  acerto , 
Faz  que  a  difpofiçao,  fem  fer  confufa. 
Vença  com  prevençoens,  e  com  porfias, 
Obta  de  largo  tempo  em  poucos  dias. 

10. 
'     Dos  torrioens  os  ângulos  flanquea  , 
Os  terraplenos  enche  ,  e  fortifica , 
Alli  repara  de  huma  ,  e  de  outra  amèa 
Asruinas,  e  offenfas  multiplica: 
Ao  foíTo  ,  que  em  graõ  circulo  rodea 
A  forte  praça,  tal  cuidado  aplica, 
Que  nelle  por  conduto  occulto  ,  e  cego 
Sangria  de  criftal  deu  ao  Mondego. 

II. 


Canto  IX.  16$ 

II. 

Saperava  eminente  Cidadela 
A  aHtiva  ficuaçaó  da  forte  praça  , 
Prevenido  Roberto  guarda  nella 
Maquinas ,  com  que  os  Mouros  ameaça : 
Soteraneos  encobre  com  cautela, 
Com  que  o  íitio  ,  ou  malogra,  ou  embaraça, 
Que  enlinou  bruto  timido  ,  e  aftuto  , 
E  imita  o  homem  lábio  ,  e  refoiuto. 

12. 

Da  ponte  reparou  a  Fortaleza,  ,  > 

Que  os  primeiros  impulíos  desbarata,' 

Da  ponte,  em  que  do  mármore  a  riqueza 

Nos  mais  excelfos  arcos  fe  deíata  ; 

De  Coimbra  a  alegria,  e  a  belleza 

Pinta  o  Mondego  em  lamina  de  prata  > 

E  enriquecido  com  o  objeto  grato 

yay  levar  a  Neptuno  o  íeu  retrato. 

15. 
Guarnição  numerofa  he  o  prefidio,' 

Com  que  a  Coimbra  Henrique  aíTegurava, 

Ao  fciente  Roberto ,  ao  forte  Helvidio 

O  graó  Pedro  Bernardo  governava : 

De  armas ,  e  muniçoens  largo  fubfidio 

Com  abundantes  viveres  deixava. 

Para  que   nem  do  largo  do  bloqueyo. 

Nem  do  pronto  do  aíTalto  haja  receyo. 

'4. 
O  Mondego  a  paffagem  facilita 
Pelos  liquidos  circulos  de  argento 
Ao  Luíitano  exercito,  a  que  incita 
Da  pátria,  e  religião  gloria,  e  augmento: 
Ainda  em  paiz  dos  Mouros  íe  exercita 
Da  exada  difciplina  o  documento. 
Sendo  de  Henrique  o  animo  picdofo 
/Até  com  feus  contrários  generofo. 

y  tsr 


266  Hennojueida  ^ 

Com  ouro,  e  efmeraldas  das  efpigas 
Enriquece  aos  mortaes  pródiga  Ceres , 
Com  que,  ò  Agricultura,  das  fadigas 
Largamente  o  trabalho  recuperes , 
E  com  que  das  torrentes  inimigas 
No  fértil  anno  as  perdas  remuneres , 
Multiplicando  os  nitidos  tributos 
No  áureo  tefouro  dos  opímos  frutos. 

i6. 

Campando  no  paiz  dos  inimigos,        '"  ' 
De  que  ao  longe  íó  vio  poucos  foldados,        ^*lP 
Se  aviílaõ  de  Pombal  muros  antigos ,  '  '' 

Que  fe  acharão  de  novo  reparados  : 
Henrique  refolveo  darlhe  os  caftigos, 
Qi-ie  por  fer  temerários  mais  que  oufados 
Pelas  leys  militares  merecerão 
Cs  que   as  pequenas  praças  defenderão. 

Defpreza  Ofman  os  feros  ameaços , 
£  refponde  que  efpeia  feja  eterna 
Pela  força  invencível  dos  feus  braços 
A  defenfa  da  praça  ,   que  governa  : 
Jàas  Maquiíias  fazem  em  pedaços 
Dos  velhos  muros  toda  a  linha  externa  ; 
Por  dentro  fabricou  fortes ,  e  duras 
Com  largo  fòíTo  largas  cortaduras. 

i8. 

Hercules  de  Rohan  ,  e  os  feus  Francezcs , 
Para  fegar  o  foílo ,  e  dar  o  alíalto. 
Com  juíla  emulação  dos  Portuguezes 
Tudo  rendeo  a  hum  animo  taó  alto  : 
Alano  feu  irmaõ ,  que  feni  arnezes 
PaíTon  o  foílo  de  hum   ligeiro  falto. 
Morto  cahio  de  huma  fatal  ferida 
Da  guarnição  ,  que  faz  huma  fortida.' 


Canto  IXl  ZóJ 

19. 

O  Príncipe  galhardo  de  Bretanha 
Eftimulado  do  infehz  fucceflb , 
E  de  que  o  Régio  Tangue  na  campanha 
Animaíle  outro  bárbaro  progreílb  : 
Incitado  o  valor  da  pena  eftranha  ■  ' 

Tanto  augmentou  do  impulfo  o  raro  exccílhy 
Que  pela  mcrma  porta,  a  que  embaraça, 
A  fortida  que  fahe,  entra  na  praça. 

IO. 

Primeiro  com  os  feus  vencera  o  foíTo, 
E  as  Tetas,  que  tiravaó  das  ameas. 
Da  guarnição  rompera  todo  o  groíTo  , 
E  das  bocas  das  ruas  as  cadeas ; 
O  eftrago  univerTal  contar  naõ  poflb 
Sem  manchar  com  o  horror  nobres  idéas  j 
Porque  o  rio  purpúreo,  que  corria. 
De  que  era  o  Tangue  bárbaro  eTquecia. 

2.1. 

Naõ  teve  entre  o  furor  uTo  a  piedade; 
E  tudo  foy  de  Alànò  Tacrificio,ír,jlíj(J 
FermoTura,  valor,  Texo ,   ou  idade, 
Nem  com  o  pranto  achou  o  ardor  propicio.* 
Oh  permitida  ,  mas  infiel  crueldade 
De  animo  generoTo  eftranho  indicio  ! 
Porque  perde  ao  vencer  Tem  refiítencia 
A  jnagnanimidade  na  violência  i 

11. 

Henrique  Te  laftima  da  deTordem  , 
Louva  o  valor,  mas  o  furor  condenna, 
Prefidia  a  Pombal,  publica  a  ordem 
Da  marcha,  adonde  o   Liz  Te  junta  ao  Lena: 
Mas  porque  os  Generaes  todos  concordem 
No  militar  projcdo  ,  logo  ordena 
Hum  conTelho  ,  a  que  Tejaõ  convocados 
Os  principaes  Yaroens  aillnalados. 

il  ii  13; 


l68  Henriqueida 

Heroes  invidos ,  diz,  já  que  a  fortuna; 
Que  cede  à  providencia  o  vago  império , 
He  para  Portugal  fempre  opporcuna  , 
E  para  Mauritânia  vitupério  ; 
Porque  o  valor  à  difciplina   íe  una, 
E  gloria  fó  refpire  efte  emisferio  , 
E  do  Numen  no  aufpicio  foberano 
Tenha  principio  o  Reyno  Luíitano. 

24. 

Com  marcial ,  com  illuílre  liberdade 
Efpero  huma  magnânima  repofta  , 
Porqne  nella  o  acerto  me  perfuade 
Toda  a  refoluçaõ  defta  propofta.- 
Zelo,  valor,  fciencia,  amor,  verdade 
Na  voffa  reflexão  verey  expofta. 
Que  eftes  cinco  axiomas  verdadeiros 
Confticuem  os  fabios  confelheiros. 

25. 

Todos  íabeis,  que"  a  Corte  de  Borgonha 
Deixey  para  bufcar  na  terra  Hrfpana  H 

Nobres  perigos,  a  que  a  vida  exponha 
Com  pura  fé  fem  ambição  profana: 
Sem  que  eftranhos  aíTumptos  interponha, 
Callarey  quanto  fiz  contra  a  tirana 
Barbara  infiel  naçaó  dos  Mahometanos 
Servindo  ao  Graó  Monarca  dos  Hifpanos. 

Também  naõ  contarey,  que  interrompendo 
O  projedo  ,  que  o  Ceo  me  determina,  . 

Tomey  a  Cruz  cerúlea,  que  eílais  vendo,  ] 

E  à  conquifta  paíTey  de  Paleftina , 
Donde  Gofredo  com  cftrago  horrendo 
Dos  filhos  de  Ifmael  fatal  ruina 
Com  valor  pio,  e  zelo  nunca  vifio 
Notaj7i.  Q  Qj.^^  Sepulcro  libertou  d^  Chrifto; 

17. 


Canto  IX.  16^ 

O  Empeiador  Leonez  Affonfo  Sexto 
Me  concedco  huma  indica  Princeza, 
Naó  por  algum  politico  pretexto  , 
Mas  por  premio  felice  da  fineza  : 
Kaõ  pelo  cronológico  contexto 
Hey  de  contarvos  huma  ,  e  outra  empreza  , 
Com  que  em  vollb  valor  augmento  teve 
Da  terra  Portugueza  a  porçaó  breve. 

Quanto  encerra  a  Provinda  Interamnenfe        Notajjjç 
Do  fértil  Minho  ao  Douro  caudalofo. 
Donde  o  nome  formou  Portugaleníe 
Em  Porto  ,  e  Gaya  Portugal  gloriofo  ; 
Quanto  aíTaltando  os  Ceos  as  nuvens  vence  Nota574J 

De  outra  provincia  o  ficio  montuofo , 
E  quanto  ainda  em  Leaó  Affonfo  o  torga  Nota.  575' 

No  dominio  feliz  da  forte  Aílorga. 

29. 

Quanto  vaílo  paiz  inclue  a  Beira , 
E  rega  o  Douro,  o  Daõ ,  o   Alva,  e  Mondego,    Notaç?^; 
E  quanto  de  Caminha  até  a  Figueira 
O  Occeano   combate  fem  íocego  •, 
Ou  como  dote  da  merc£  primeira  , 
Ou  como  da  conquifta  jufto  emprego  , 
Como  Conde  fcgura  ao   meu  dominio 
Alto  valor,  celeíle  patrocinio. 

50. 

Nos  primeiros  progreílbs  da  campanha 
Paliando  o  Douro  ,  e  defendendo  o  Porto , 
Do  feroz  Almançor  a  fúria  eílranha 
No  mefmo  rio  o  precipita  morto  : 
Cbrou  qualquer  de  vos  tanta  façanha. 
Que  fe  hoje  em  referillas  me  reporto  j 
^  He  porque  vendo  eílou  nefies  ardores, 
•    Que  haveis  dee  xecutar  outras  mayores. 

31» 


1-70  Henrlcjueída 

51. 

Derrotado  o  exercito  Agareno, 
Todo  o  paiz  foy  premio  da  vitoria  ; 
Mancha-fe  o  rio  ,  inunda-fe  o  terreno 
Com  Tangue,  que  rubrica  a  fua  hiíloria: 
Duplicado  o  Teu  Rey  bebe  o  veneno, 
Quando  fabe ,  que  perde  a  fama ,  a  gloria 
No  exercito,  a  que  o  noílb  derrotara 
E  em  fer  morto  Almançor,  e  preza  Aldara. 

Em  Africa  Joíef  então   fe  achava 
Domando  a  rebelião  do  povo  infame,' 
Armada  prcvenio  com  fúria  brava , 
Pa^ar^jue  Porcugal  feu  nome  aclamei 
Em  quanto  hum  novo  exercito  formava,' 
Que  a  troféos  mais  heróicos  nos  inflame. 
Vi  da  gruca  facidica  huns  veftigios 
De  futuros  certiílunos  prodigios. 

55. 

Em  Axa  Ançures  fufcitou  o  Abifmo 
Huma  guerreira  ,  e  indomável  fúria ,  - 

Qiie  renovando  o  falfo  paganifmo, 
A*   fua  própria  feita  fez  injuria  : 
Em  Lamego  com  cego  parafifmo 
Incita  em  vil  caucela,  em  corpe  incúria, 
Para  os  aílacos  fins ,  e  temerários! 
Contra  mim  aos  VaíTallos  tributários. 

34- 

Padroens  faõ  os  penhafcos  levantados 
Da  Serra  feca  no  afpero  deílrito  , 
Em  que  o  tempo  ha  de  ver  melhor  gravados 
Os  caftigos  facaes  do  feu  delito ; 
Os  Reys  do  trono  aos  ferros  trasladados 
Dcfpojos  faõ  do  voíío  braço  invico  ; 
E  para  fer  mais  claro  o  feu  defdouro 
Vaõ  no  triunfo  com  cadeas  de  ouro. 


Canto  /X  27 1' 

Na  cxpugnaçaõ  furioía  de  Lamego  Nota 577, 

Se  queima  à  hydra  a  ulcima  cabeça , 
A  Imagem  tucclar  foy  nobre  emprego 
Do  culto,   que  em  feus  votos  fe  intereça.* 
Nova  confpiraçaõ  de  impulfo  cego 
Nem  da  noure  encre  as  íombras  hoje  eíqueça, 
Para  que   à  ecernidade  fe  confagre 
Entre  as  luzes  divinas  do  milagre. 

56. 

Do  milagre,  que  a  Affbnfo  capacita 
Aos  trabalhos  do  bellico  exercício  > 
E  a  quem  Moniz  intrépido  habilita 
Da  ilJuftre  educação  ao  benefício; 
He  Aldara  hum  penhor ,   que  facilita 
Da  defejada  paz  o  bem  propicio; 
Mas  ha  de  fer  depois  que  efte  emisferio 
Veja  fundado  o  Luíitano  Império. 

5  7- 
He  Muley  hum  contrario  valerofo, 
A  quem  fó  entre  os  bárbaros  refpeito  ; 
Nunca  vi  tanto  affecto  generofo 
No  efpaço  infiel  de  hum  Mahometano  peito : 
O  amor  de  Aldara  o  faz  mais  animofo, 
E  fe  ha  de  prevenir  o  activo  effeito, 
Que  hum  coração  produz  ,  fc  a  hum  rempo  encerra 
Entre   íetas   do  Amor  rayos  da  Guerra. 

3  b'. 
Já  de  Jofef  as  tropas  encaminha. 
Que  a  Leyria  marchavaõ  de  Lisboa  , 
ElRey  de  Fez  com  ellas  fe  aviíinha  , 
Cobre  a  planicie,    o  monte  fe  coroa: 
Com   marchas  apreífadas  já  caminha 
Para  a  pronta  vitoria,   que  apregoa, 
Seu  falfo  coração  naó  diz  prefago  , 
.  Que  os  faz  correr  para  o  feu  próprio  eítrago. 

3?' 


iql  Henriâjueida. 

3S>. 
Conílame  por  fiel  incelligencia. 

Que  as  maquinas  de  guerra,  que  conduzem 

Ao  ficio  de  Coimbra  com  violência, 

Vigorofos  projedios  introduzem  .• 

Haò  de  encontrar  taõ  force  reliftcncia , 

Por  mais  que  iras,  e  fúrias  reproduzem. 

Que  cm  D.  Pedro  Bernardo  fe  aíTegura 

Qiianto  a  conlUncia  no  valor  fe  apura. 

40. 

Mas  porque  naõ  pareça  que  receyo      .» -i 
De  Europa  ,  Africa,  e  Afia  o  Povo  imundo ^^^i  rc  A. 
Quando  por  mar  a  focorrelo  veyo 
Barbara  multidão  ,  que  infama  o  mundo  : 
Naõ  de  efperanças  vans  me  lifongeo , 
Kaõ  em  ligeiras  máximas  me  fundo ; 
Naó   podem  apagar  claros  veftigios 
Do  Ceo  milagres ,  do  valor  prodigios- 

41. 

Se  houvermos  de  feguir  o  impulfo  ardente 
Do  efpirico  marcial,  que  nos  anima,  ■ 

Na  mefma  marcha  a  Mahometana  gente  " 

Achará  quem  feus  Ímpetos  opprima  : 
Mas  fe  algum  com  avifo  mais  prudente 
Contrario  voto  com  razoens  exprima  , 
Livremente  o  expUque  de  outra  forte , 
Porque  nos  aíTegure  hum  campo  forte. 

4i. 

Se  paíTar  o  Mondego  o  Rey  tirano , 
Cortando-lhe  os  combois  da  própria  terra , 
Também  lhe  caufaremos  mayor  dano 
Em  menos  nobre,   e  mais  fegura  guerra: 
Ko  fitio  de  Coimbra  o  defengano 
Ha  de  encontrar  pelo  valor,  que  encerra, 
A  praça  o  debilita,  o  campo  eu  corro, 
htà  ter  occafiâõ  para  o  íoccofio, 

43. 


Canto  /X.|j  273 


45. 

E  em  quanto  a  praça  bate  com  poifia , 
Também  a  diverfaõ  facilitada 
Ganhara  com  ventagens  a  Leiria, 
Ou  deixará  Coimbra  aíícgurada  ; 
Se  deftes  três  projedos  fe  defvia 
A  voíTa  difciplina   confumada, 
PaíTará  efte  exercito  ao  emprego 
De  difputar  o  paílb  do  Mondego. 

44. 

Mas  afllm  ficará  taõ  pouco  activa 
A  conquifta  total  do  Mouro  Império  , 
Que  reduzindo  a  guerra  à  defenfiva. 
Será,  quanto  era  gloria,  vitupério; 
No  feu  paiz  faremos  a  ofFeníiva , 
E  já  vejo  gravadas  no  cmisferio 
VoíTas  acçoens ,  que  faó  com  nova  eíTencia, 
De  fí  próprias  o  aftro ,  e  a  influencia. 

45. 
Naõ  cabe,  Heròes,  em  vòs  defconfíança; 
Se  hum  valor  refpiraes  fempre  admirável. 
Modere  à  Fortaleza  a  Temperança, 
E  a  Prudência  ao  Furor  faça  tratavel  .• 
Todos  temos  no  Ceo  certa  efperança , 
Mas  feu  alto  fegredo  inexcrutavel 
Difpoem  ,  por  difllpar  noíTos  receyos , 
Seus  os  milagres,  fó  fe  faltaõ  meyos. 

Nem  a  refoluçaõ  mais  atrevida 
Achará  no  meu  peito  repugnância , 
Nem  a  mais  moderada,  e  prevenida 
Encontrarey  por  ira,  ou  arrogância: 
A  força,  e  difciplina  veja  unida 
Em  todos  a  prudência  ,  e  a  conftancia  ; 
^Toda  a  minha  fortuna  em  vòs  refpirc , 
•£u[vos  confulco ,  o  Génio  vos  inípire. 

iMm  47. 


274  Hertriqueida 

Al- 

DiíTe;  e  rompe  o  filencio  o  nobre  Cunha, 
E  fabio  quer  que  o  campo  fortifique; 
Como  prove6bo  as  máximas  propunha, 
Porque  tudo  à  dcfenfa  fó  fe  aplique: 
As  grandes  forças  barbaras  expunha, 
E  que  fem  que  os  perigos  multiplique. 
Seu  primeiro  furor  refifta  a  ordem. 
Até  que  fe  diífipem  na  defordem. 

48. 

Que  ou  nos  bufquem  no  campo ,  e  lhes  reíifta 
A  natureza,  a  quem  foccorre  a  arte, 
Ou  de  Coimbra  intentem  a  conquifta , 
Donde  o  Mondego  as  forças  lhe  reparte , 
Sem  que  feja  poíTivel ,  que  fubfifta 
Sem  receber  combois  da  oppofta  parte. 
Que  o  Conde  Oforio  as  três  provincias  guarda, 
E  os  das  duas  o  exercito  retarda. 

49. 

Que  ou  o  íítio  levanta ,  ou  guarnecidas 
As  linhas  com  hum  corpo  numerofo  , 
Que  as  defende  das  rápidas  fortidas, 
E  fique  o  refto  menos  vigorofo  ; 
Ou  por   naõ  ter  as  tropas  defunidas 
PaíTa  outra  vez  o  rio  caudalofo  , 
Que  dificulta  o  liquido  caminho 
Com  as  agoas  do  inverno  já  vifinho. 

50. 

E  que  entaõ  difputando-lhe  a  paíTagem 
Da  mefma  parte  auftral ,  donde  campamos , 
Fica  â  noíTa   eleição  toda  a  ventagem  , 
Que  para  as  Lufas  armas  procuramos  : 
Do  feu  paiz  teremos  vaííilagem , 
Quando  as  contribuiçoens  delle  tiramos  , 
E  tenha  o  feu  exercito  o  receyo 
De  que  ao  formar  hum  íicio  ache  hum  bloqueyo. 

51- 


Canto  IX.  275 

Diz,  que  bem  fabe,  que  com  gente  armada 
O  foberbo  Africano  o  mar  domina , 
E  a  praça  de  Buarcos  conquiftada 
Deixa  livre  a  campanha  criílalina  , 
Por  donde  a  conducçaõ  facilitada 
Ao  exercito   os  viveres  deftina  j 
Em  quanto  de  Coimbra  o  fitio  dura , 
Mas  que  outto  inconveniente  fe  conjura. 

E  he  do  tempo  hiemal  a  horrenda  fúria , 
Das  prayas  a  duriíTima  afpereza, 
Do  Ãuftro  3  oppoíiçaó  5  do  Noto  a  injuria, 
E  dos  portos  o  rifco ,  e  a  eftreiteza : 
Da  fciencia  marítima  na  incúria 
Terá  dificuldade  a  fua  empreza  , 
E ganhando  do  tempo  o  beneficio, 
A'  prudência  o  valor  fera  propicio. 

55- 

Do  largo  voto  o  Távora  impaciente 
Diz,  que  he  dos  Portuguezes  trifte  oíFenfa 
As  chamas  apagar  do  peito  ardente, 
E  trocar  a  conquifta  por  defenfa  : 
Que  o  Mouro  fe  fará  mais  infolente 
De  Africa  tranfportando  gente  immcnfa  j 
De  Coimbra  o  perigo  bem  difcorre. 
Se  a  praça  com  vigor  naó  fe  foccorre. 

54. 

Se  o  primeiro  he  inútil  ao  progreflb 
Defte  projeclo  o  campo  ,  que  bufcamos  , 
E  o  Mondego  das  agoas  com  oexceílb 
A  favor  do  inimigo  lhe  deixamos  s 
De  palíalo  he  difícil  o  fucceíío  , 
Pois  o  exercito  immenfo  ponderamos, 
E  aíTim  que  ,  fem  que  o  tempo  fe  dilate, 
O  vamos  encontrar  para  o  combate. 

Mm  ii  $Sr 


zy6  Henricjueida 

Vay  o  prudente  Soufa  ponderando, 
Que  fe  paíTe  outra  vez  o  largo  rio , 
E  a  ponte  de  Coimbra  aílegurando  , 
O  Mouro  fe  provoque  ao  defafío , 
Antes  que  o  Sagitário  và  vibrando 
Liquida  neve ,  intolerável  frio  ; 
Porque  oííendaõ  ao  bárbaro  defvelo 
Dilúvios  de  criftal ,  fettas  de  gelo. 

Sem  forragens  5  terra  em  montes  de  agoa; 
Os  caminhos  aos  carros  intratáveis, 
Fará,  em  quanto  o  rio  naõ  defagoa , 
Os  combois  demais  longe  impraticáveis: 
Que  veraõ  perecer  com  trifte  magoa 
Os  Mouros  íeus  apreftos  formidáveis ; 
E  porque  os  armazéns  guarda  Leyria, 
Por  entreprcza  a  praça  ganharia. 

A  Soufa  ,  Cunha  ,  e  Távora  approvando 
Os  outros  Generaes  nos  votos  fcguem, 
A  divifaõ  já  hia  eftimulando 
Aos  que  vencer  os  outros  nac5  confeguem.- 
De  Egas  Moniz  o  geílo  venerando 
Faz  que  em  feu  roítro  as  attençoens  fe  empreguem. 
Nota  jfS.   Hercules  eloquente  fem  defdouro 

Prende  os  fentidos  com  cadeas  de  ouro» 

.58. 

Invencíveis ,  e  fabios  Lufitanos, 
A  que  o  Ceo  claramente  favorece, 
Terror  eterno  aos  impios  Mahometanos> 
Qiie  laço  hoje  a  Difcordia  dèftra  teccí* 

Nota  570.  E"  ^  ^^)^  '  ^^  ^  ^^j°  '    °^  ^^^'^  tirannos 
Afpides  ,  com  que  trágica  apparece  > 
Introduzio  com  venenofas  cores 
Da  eloquência  marcial  nas  bellas  flores. 

5V^ 


Canto  IX}  277 

59. 

Ser  parciaes  do  valor  ,  ou  da  cautela  , 
Hum  imitando  Achilles ,  outro  Ulifies , 
Naõ  diminue  a  gloria ,  a  que  fe  anhela , 
Aos  que  faò  valcrofos ,  e  felices  : 
Eu  naõ  fou  o  que  menos  fe  defveía 
Em  prevenir  fucceíTos  infelices , 
Nem  o  que  tendo  a  Henrique  taõ  propicio, 
Da  vida  hey  de  negarlhe  o  racrificio. 

60. 

Os  milagres  do  Ceo  vi  taõ  patentes , 
Que  a   Fé,  e  a  gratidão  fe  arrifcariaò. 
Se  eu  duvidaíTe  as  provas  evidentes. 
Que  os  olhos  ouvem  ,   e  os  ouvidos  viaõ  : 
Buíquemos  logo  os  Mouros  infolentes. 
Que   tanto  deitas  armas  fe  defviaõ  ;  ' 

Para  formar  o  exercito  em  batalha  -:'-■    - 

Sirva  o  mar  à  direita  de  muralha.  '« 

61. 

Na  ala  efqnerda  outro  exercito  nos  guarda 
De  milhoens,  e  milhoens  de  verdes  pinhos.  Nota  580* 

O  Mondego  aflegura  a  retaguarda, 
E   dá  aos  mantimentos  os  cammhos: 
Se  ao  Mahometano  o  vemos  acobarda, 
E  fe  retira  aos  montes  mais  vifnhos,  .:.''I 

Antes  do  que  coníiga  o  íeu  intento  , 
O  atacamos  na  marcha  em  movimento. 

6^. 

Sobre  a  prava  do  indómito  Oceano  »t^^„  ,o_ 

JNa  terra  aíialta  ao  Ceo  hum  mar  (ie  área, 
Que  ondas  ,   e  nuvens  rápido,  e  tiranno, 
A  Eolo  fiípcrjor  une,   e  cnlea  r 
Vio   Geraldo  hum    thezouro   foberano 
Que  encobre  no  feu  centro  a  íacra  idéa  , 
Que  teve  em  Nezareth  feu  culto  antigo, 
E  roy  afíilo  do  ultimo  Rodrigo. 


278  HenricfHeida 

65. 

Se  nelle  teve  fim  o  Godo  Império 
E  lhe  deu  vida  a  fuperior  Deidade, 
Bufcarmos  efte  íkio  cem  miílerio , 
Com  que  Henr/que  ao  império  perfuade  ; 
Quanto  pafla  no  mar ,  e  no  emisfçrio  , 
Alli  fe  obíêrvarà  com  mais  verdade 
Para  impedir  com  vigorofa  guerra, 
Do  mar  a  armada,  o  exercito  da  tetra. 

64. 

Dom  Fafes  Luz  levanta  o  eftandarte , 
E  diz  :  creyo  ,  fenhor  ,  que  acerto   tanto 
Nem  pode  duvidalo  o  mefmo  Marte, 
Que  Moniz  ainda  a  Marte  he  forte  efpanco. 
Unem-fe  os  votos  de  huma ,  e  outra  parte  , 
E  antes  que  eftenda  a  noute  o  negro  manto, 
Approvando  o  projedo  o  nobre  Henrique, 
Faz  que  a  ordem  da  marcha  fe  publique. 

Nota 582;  J^  "^  Efcorpiaõ  celefte  o  claro  Apollo 

Se  prefervava  do  immortal  veneno* 
E  em  feus  rayos  benéficos  o  pólo 
Eftava  ainda  benévolo,  e  fereno: 
Moderava  aos  feus  fubditos  Eolo  , 

Notaí85.^  a  Pomona ,  e  Vertuno  o  campo  ameno 
Dos  fafo nados  frutos  ,  que  formava. 
Os  prcciofos  tributos  dedicava. 

6G. 

Quando  formado  em  ordem  de  batalha 
Pela  direita  o  campo  já  desfila  , 
Quando  a  Aurora  os  aljôfares  efpalha 
No  orvalho  matutino  ,   que  deftila  : 
Vio  Hazeu  de  Leyria  na  muralha 
A  marcha,  e  cre,  que  a  praça  eftá  tranquila-, 
E  já  os  feus  receyos  naõ  fe  augmencaó  , 
Vendo  que  as  tropas  para  o  mar  fe  auzentaõ. 


6p 


Canto  IX,  279 

67. 

Mas  tanto  que  o  Nadir  na  noute  efcura 
Prende  a  Febo  no  oppofto  meridiano , 
E  Morfeo  contra  o  mundo  fe  conjura 
Do  ópio  lethal  no  império  deshumano , 
Henrique  mayor  danno  lhe  procura, 
Que  no  inimigo  esforço  o  mefmo  engano, 
Manda  hum  corpo  de  tropas  com  prefteza 
A  Leyria  efcalar  por  entrepreza. 

68. 

Do  Távora  fiou  a  acçaõ  illuftre 
Com  efcolhido  iguai  deftacamento, 
Efcadas  leva,  porque  naó  fe  fruftre 
Pela  altura  dos  muros  efte  intento } 
Efconde  a  Lua  o  argentado  luftre , 
E  as  Eftrellas  feu  claro  luzimento 
Nas  nuvens,  de  que  a  noute  o  manto  tece 
Das  fombras ,  com  que  aos  Lufos  favorece. 

69. 
Ecp  efcutava ,  fe  hum  acento  breve 
Entre  o  filencio  repetir  podia  j 
Mas  fem  ouvir  a  claufula  mais  leve 
Deixa  chegar  as  tropas  a  Leyria  .- 
Qualquer  expugnador  pronto  fe  attrevc 
Por  toda  a  parte,   a  que  chegar  podia, 
A  animar  com  a  fombra  ainda  feguros 
Altas  efcadas  aos  íublimes  muros. 

70. 
Primeiro  acorda  Hazen  que  as  fentinelas. 
Que  ferendem  do   fono  ás  leys  indinas , 
E  vé  dos  Portuguezes  as  cautelas. 
Quando  já  tropeçava  nas  ruynas  .• 
A  luz,  que  nega  a  Lua  ,  e  as  Eftrellas, 
Suprio  a  arte  em  vigilâncias  dinas 
Nos  fogos,  que  acendeo   fobre  a  muralha 
.  Formando  a  guarnição  logo  em  batalha. 

71. 


28o  Henriqueida 

Com  huma  parte  os  correoens  guarnece, 
Oiura  com  pedras  íobre  o  muro  corre, 
Com  as  fetcas  o  ar  mais  fe  eícurece , 
Huns  defendem  a  porca  ,  outros  a  torre  j 
Hazen  ,  que  ao  mayor  rifco  fe  ofi^erece , 
Valero fo  diípoem  ,  ágil  difcorre  ; 
Arroja  contra  os  Lufds  invenciveis 
Penedos  duros,  pinhos  combuftiveis. 

Com  as  faxinas  fe  cegara  o  foflb , 
Com  as  eícadas  fe  aíTalcara  o   muro, 
Sobre  as  muralhas  fe  formara  hum  groíTo, 
Vence  a  maquina  a  porta  em  golpe  duro  : 
Grita  o  Távora :  o  dia  he  rodo  noflb  , 
Morra  ao  ferro  Chriftao  o   Mouro  impuro  j 
E  porque  fe  lhe  augmentem  as  cegueiras, 
Até  fe  eclipfç  a  Lua  das  bandeiras. 

75. 
Sobre  o  muro  o  Catholíco  Eftendarce 

Do  íínai  vencedor  triunfante  arvora. 
Muitos  feguindo   o  Lufitano  Marte , 
Põem  já  na  praça  a  infignia  vencedora. 
Corre  o  fangue  infiel  por  coda  a  parte: 
Lufitania  fe  alegra  ,  Africa  chora  : 
Hazen  enveíle  ao  Távora  furiofo  , 
E  entrega  a  vida  ao  braço  valerofo. 

74- 
Manda  ceifar  o  eftrago  fulminante, 

E  eftá  livre  no  medo  ,  que  o  enlea. 

Da  morte,   que  tem  longe  o  tenro  infante, 

E  que  perto  o  decrépito  recea: 

Do  fexo  feminil  pranto  inconftante 

Na  laftima  a  piedade  lifongea , 

Só  perecem  dos  Mouros ,  que  perfiftem , 

Os  que  ainda  obftinados  fe  refiftcm. 


75- 


Canto  IX.  281 

Mil  no  forte  Caftello  fe  introduzem, 
Mas  ao  naccr  o  Sol  vendo  os  eftragos, 
Só  pelos  ameaços  fe  reduzem  , 
E  com  a  liberdade  ficaó  pagos : 
Outros  ainda  na  noute  fe  conduzem 
Fora  da  praça,  e  quando  correm  vagos, 
Ja  encontrados  todos  das  partidas 
Rendem  á  nobre  efpada  infanjes  vidas. 

Corrêa  com  preíídio  competente 
Governa  a  nova  praça  conquiftadai 
Dos  defpojos  o  Távora  excellente 
Só  para  íi  tomou  de  Hazen  a  efpada: 
Dos  grandes  armazéns  mandou  prudente. 
Que  ficafle  a  abundância  refervada , 
Paraque  de  mais  perto  focorrido 
O  Exercito  fe  achaíTe  bem  provido* 

77- 

Com  o  refto  da  gente  ao  campo  volta, 
E  hum  comboy  de  Ley ria  conduzira, 
A  quem  fervia  de  fegura  efcolta. 
Quanta  do  feu  prefidio  dividira: 
Os  cativos  inúteis  logo  folta , 
Henrique  tudo  approva,  tudo  admira 
Do  que  o  Távora  obrou,  Cefar  invido, 
Queveyo,  vio,  venceo  tanto  conflito. 

78. 

Já  nefle  tempo  o  Rey  dos  Mahometanos 
Sabia  pelas  tropas  avançadas 
Os  progreíTos  dos  claros  Luíitanos, 
E  as  duas  novas  praças  conquiftadas; 
De  Mouros  Efpanhoes ,  e  de  Africanos 
Innumeraveis  gentes  convocadas 
Posem  marcha  luzidos  bem  armados 
/Mais  de  dez  vezes  vinte  mil  Soldados. 


282  Henriqueída 

79. 

De  Santarém  nos  campos  abundantes, 
A  quenaõ  interrompem  altos. montes, 
Fez  reviíta  das  tropas  arrogantes 
Numerofo  terror  dos  orizontes ; 
Cincoenta  mil  três  vezes  os  Infantes, 
E  huma  dos  mais  belligeros  Etontes 
Dividirão  em  corpos  feparados 
Deítros,  luzidos,  fortes,  bem  armados.. 

80. 

Ali  Aben  Jozef  tem  o  governo 
Do  exercito  exceíTivo,  e  formidável,. 
He  Muley  feu  primeiro  fubalterno , 
E  Adail  defta  gente  innumeravel : 
Era  com  Axa  o  feu  poder  alterno  , 
Das  maquinas  a  força  incontraílavel 
Dirige 'Mu ílafá  para  as  conquiftas 
As  fortes  Catapultas,  eBaliftas. 

81. 

DeF/pa^ha  as  tropas  manda  LucidorOj, 
As  de  Etiópia  o  rápido  Alabruno, 
As  de  Numidia  o  fabio  Artemidoro, 
AsdeNcgricia  o  fero  Rofambruno, 
As  Tingicanas  o  feroz  Lidero  , 
As  de  Marrocos  o  cruel  Mambruno, 
As  de  Zaãra  o  rigido  Aloandro, 
As  de  Fez  o  galhardo  Polexandro. 

82. 

Como  de  hum  Rey,   e  huma  Rainha  vedes 
De  branco,  e  nec^ro  as  tropas  matizadas 
Nota  5  84-  Para  o  jogo  do  Sábio  Palaraedes 

Em  mais  breve  plnnicie  bem  formadas, 

Donde  correm  Delfins  livres  das  redes. 

Torres  fobre  Elefantes  levantadas, 

Os  Soldados  cqueílres  animofos, 

E  os  pedeílres  com  paílbs  vagarofos. 

•  8J.   'i 


Canto  IX.  283 

85. 

Anim  com  movimentos  diftcrcntes 
O  exercito  da  còr  da  noutc ,  e  dia 
Com,  vertidos  com  armas  refulgentes 
Hum  xadrés  animado  parecia  r 
Convoca  o  Rey  aos  Generaes  valentes, 
E  eftas  breves  palavras  proferia, 
Tinto  o  roftro  na  ira  fulminante 
A  voz  horrivel,  e  hórrido  o  femblante. 

84- 

Naõ  vos  convoco ,  Alcaides  invencíveis , 
Para  fentir  infâmias  taó  tiranas. 
Que  o  deíHno  em  decretos  infalíveis 
Quer  que  fofraó  as  armas  Africanas.- 
Para  vingarvos  fim  deftas  terríveis 
Injuftas  leys ,  indignas ,  e  inhumanas : 
Fulmine  hoje  o  valor  mais  animado 
Imprecaçoens,  contra  o  rigor  do  Fado. 

85. 

Já  nos  abandonou  o  graõ  Profeta, 

E  fendo  efte  o  cuidado  mais  precifo  , 

Parece  qne  efte  mal  naõ    o  inquieta 

Nas  delicias  do  eterno  paraifo  ; 

Mas  pouco  importa  quanto  Deos  decreta  >  xt^^ 

Cl-  1  •  iN0Ta577. 

Se  nos  deixa  o  valor  com  o  juízo.- 

Neftas  efpadas  temos  opportuna 

Fixa  a  volúvel  roda  da  fortuna. 

S6. 

De  Pombal,  e  Leiria  as  fortalezas 

Por  caftigo  da  pouca  vigilância 

Se  renderão  a  duas  entreprezas . 

Por  treiçaó,  por  fraqueza,  ou  ignorância^' 

Para  animar  Henrique  a  outras  emprezas 

Lhe  daõ  os  bons  fuceflbs  arrogância; 

E  na  boa  fortuna  louco,  e  cego 

.'  Para  o  noíTo  paiz  paíTa  o  Mondego. 

Nn  ii  3^ 


284  Henriqtteich 

87- 
Para  cobrir  a  conquiftada  Beira 
O  exercito  divide ,  e  debilica , 
E  o  Conde  Dom  Oforio  de  Cabreira 
Taó  temerário  intento  facilita: 
Deixa  em  Coimbra  gente  mais  guerreira  , 
A  que  Pedro  Bernardo  altivo  incita; 
E  Henrique,   que  prefume  de  Mavorte 
Sobre  o  mar  fe  retira  a  hum  campo  forte. 

%%• 
Nelle  o  vamos  bufcar ,  cegos  agouros, 
Comque  a  fuperftiçaõ  o  perfuade, 
Naó  lhe  podem  tirar  hoje  os  defdouros, 
Que  o  feu  temor  defcobrem  com   verdade; 
Contra  cada  Chriítaõ  acha  cem  Mouros, 
E  he  certo,   que  o  valor  me  diíTuade 
De  bufcar  com  ventagens  taõ  crecidas 
O  vil  emprego  de  taõ  poucas  vidas. 

89. 
Muftafá  com  as  bellicas  tormentas 
E  com  todo  o  pefado  da  bagagem 
Notaçgí?.  Corte  ao  Nabaó  as  margens  opulentas, 
E  X  Serra  de  Anciaõ  bufque  a  paííagem: 
Sobre  Coimbra  as  maquinas  violentas 
Colloque,  e  ganhe  os  portos  com  ventagem; 
Rompa  ao  Mondego  os  circulos  crecidos 
Com  Soldados  valentes,  eefcolhidos. 

90. 
Com  o  r^rto  do  exercito  animofo 
A  Henrique  venceremos  facilmente, 
Ou  do  campo  naõ  fava  temerofo , 
Ou  nos  ataque  intrépido  ,  e  valente  : 
Se  occupamps  o  rio  caudalofo 
No  inverno  com  mais  rápida  torrente  ; 
Lhe  cortaremos  toda  a  fubfiílencia 
Com  ordem,  co^n  fjeftreza ,  e  com  violência; 


^li  , 


Canto' IX.  \  1%^ 

91. 

Cobrimos  o  paiz,  quando  obíervamos 
KoTcu  campo  ao  exercito  inimigo, 
Se  a  dai  nos  a  bata  lia  o  obrigamos, 
Terá  inevitável  o  perigo.- 
De  Coimbra  o  foccorro  embaraçamos, 
Achando  cm  noflas  armas  o  caíligo, 
Se  intentar  impedir  efta  conquifta, 
E  paflar  o  Mondego  à  nofía  viíla. 

9i. 

Muftafá  lhe  difputa  a  parte  oppofta, 

E  a  contravalaçaõ  íegura  a  praça, 

A  circumvalaçaõ  naó  ficaexpoíla. 

Se  Oftorio  pela  Beira  a  ameaça  : 

A  armada  numerofa  eílá  compofta 

De  tantas  náos,  que  os  mares  embaraça: 

Ifmeno  Arraes  cortando  as  ondas  vejo. 

Que  hontem  deixou  a  prata  do  áureo  Tejo» 

95. 
Ganhará  facilmente  de  Buarcos 

O  débil  Forte,  e  do  Mondego  aboca, 
E  pelo  rio  encaminhando  os  barcos. 
Os  Sitiadores  com  vigor  provoca: 
Da  ponte  defendendo  os  altos  arcos. 
Outra  ligeira  armada  ali  convoca. 
Que  de  Coimbra  evitem  os  intentos 
De  meter  pelo  rio  os  mantimentos, 

94. 
Na  peninfula  em  tudo  inexpugnável.  Nota  587; 

Que  opprime  ao  Oceano  a  íalfn  efcuma, 
E  por  hum  ifthmo  eflreito  ,  mas  notável. 
Faz  que  de  Chcrforefo  fe  prefuma; 
Hum  corpo  há  de  embarcarfe  formidável. 
Ainda  que  a  dez  mil  homens  fe  refuma, 
Porque  no  peito  fortes,  e  nos  peitos 
Entre  os  Mouros  de  Hefpanha  faõ  eleitos. 

9h 


ClZ6  Henriqueida. 

Com  eftc  corpo  defembarque  logo 
Ofmin  em  lanchas  nefte  porto  breve. 
Nota 588.'  Que  à  pedra,  que  ferida  lança  fogo; 
A  dureza  eterniza  ,   o  nome  deve  : 
Na6  rerà  fegurança ,  ou  deíafogo 
Naquelle  lado  ,  fe  a  efperar  fe  acreve 
Henrique,  e  toda  a  fúria  naó  lhe  aplaque 
Pela  frente ,  e  a  efquerda  o  Forte  ataque. 

96. 
Sinto  tingirme,  o  roftro  hum  nobre  pejo 
Na  purpura  do  fangue  rubricado, 
Quando  atendido  hnm  vil  contrario  vejo. 
Que  merecia  mais  fer  defprezado  ; 
Mas  fó  o  feu  caíligo  hoje  dezejo, 
Pois  confeguio  pelo  rigor  do  fado : 
Ganhando  Trás  os  montes ,  Minho,  e  Beira, 
Morto  Almançor,  e  Aldara  priíioneija. 

97- 

Muley,  eLucidoro  o  ultimo  acento 
Ouvindo  do  Monarca  Soberano, 
Sem  reprimir  impulfo  taó  violento , 
O  feu  pefar  defcobrem  defliumano  .* 
Todos  louvam  do  Rey  o  Sábio  intento. 
Que  ninguém  contradiz  hum  Rey  tirano, 
Quando  tem  a  verdade  por  contrarias 
Do  medo  ,  ou  da  lizonja  as  paixoens  varias. 

98, 

Axa  Sò  atreveo  como  Heroína 
A  oppor-fe  aos  novos  bellicos  projedos, 
Que  o  temor  ao  feu  peito  naõ  domina 
Nem  vence  a  adulação  aos  feusaíFedos: 
Contar  aoGraó  Monarca  determina 
Naó  de  hum  fonho  os  vaniíTimos  objectos, 
Mas  bem  desperta  em  referir  fe  emprega 
■p  que  vio  claramente,  e  afnrma  cega. 


99' 


Canto  IX.  287 

99. 

Eu,  Príncipe  Supremo  (  adiva  exclama) 
Naõ  me  atrevera  a  opporme  aos  teus  preceitos , 
Se  ardor  celefte,  que  ao  meu  peito  inflama, 
Mc  deixafle  obfervar  outros  refpeitos  ; 
A  minha  voz  anima  aviva  chama, 
De  génio  íuperior  claros  effeitos, 
E  antes  que  os  teus  projedos  pronta  ílga, 
A  dizerte  o  que  ouvi  o  Ceo  me  obriga. 

100. 

Hoje  ao  nacer  <Io  Sol ,  o  Tejo  claro 
Bufquey    para  chorar  o  meu  defdouro  , 
O  numen ,  que  ao  meu  pranto  nunca  avaro 
Pagou  liquida  prata  em  ondas  de  ouro: 
De  hum  que  foy  meu  efpofo  ,  e  Rey  preclaro  , 
E  do  meu  coração  teve  o  tcfouro,. 
Naõ  a  aufencia  fentia  o  peito  aflito  , 
Mas  o  ter  dos  Chriílaõs  bárbaro  rito. 

101. 

Tocando  as  agoas  o   inflrumenco  vago, 
Ouço  huma  voz,   que  harmónica  me  enlea, 
Sufpcnde  me  a  doçura  ,  temo  o  eftrago  , 
Ao  ver  huma  beliflTima  Serea  , 
Eu  fou,  me    difle,  o  efpirito  prefago 

Da  marítima  Deofa  Panopea:  Nota  589. 

Por  mim  has    de   faber  cafos   mayores. 
Que  te  avifaò   os  Ceofes  Supcricrcs. 

1C2. 

Hoje  quíz  convocar   o  eterno  Jove 
Hum  concilio   no  etéreo  Firmamento, 
O   mundo  que  a  hum  aceno  rege,  e  move? 
Quiz  dirigir  do  Soberano  aflcnto  : 
E  para  que   o  deflino   raõ   reprove 
^s  deccetos  do  Sábio   entendimento  , 
Quer  ver  fe  os   Deofes  íe  unem,    ou  difcordaõ,    ^ 
'  Pois  naõ  pode  mudallos,  fe  tcncoidaó.  Notaypo. 


2t  8  8  Henrlmeida 


103. 

o  feu  ttono  aíTentou  no  feu  Planeta , 
Cada  conílcllaçaõ  logo  fe  anima  j 
Mercúrio  altos  n)ifterios  interpreta  , 
E  em  divina  eloquência  a  voz  fublima: 
Tocou  a  Fama  a  harmónica  trombeta 
Do  remoto  emisferio,  oppofto  clima-, 
Penetrando  zafiras  ,  e  alabaftros, 
Errantes  hoje  faõ  os  fixos  aftros. 

104. 
Notaçf)!.  AlTim  fallou  Cilenio:  Jove  eterno  , 

De  quem  o  vafto  Império  tanto  encerra, 
Que  tem  fubordinado  ao  feu  governo 
o  Firmamento,  Abiímo  ,  Mar,  e  Terra  ; 
Com  feu  alto  juizo  fempiterno 
De  Lufitania  vendo  a  dura  guerra, 
Quer  faber ,  fe  hade  fer,  dos  Mahometanos 
Parcial ,  ou  tutelar  dos  Lufitanos. 

loy. 
Ambos  fe  oppoem  com  encontrados  ritos 
A'  antiga  Religião  de  Grécia,  e  Rama, 
E  entre  tantos  facrilegos  delitos 
Huma  Matrona,  ajuítacaufa,  toma: 
Terá  do  Ceo    favores  infinitos , 
E  quando  a  Flenrique  ás  alcivezes  doma , 
Como  jà  lhe  moftrou  mais  claro  exemplo, 
Será  fervida  no  feu  novo  templo. 

106. 
Quero  infpirarlhe ,  que  ao  feu  Rcyinfpire, 
Que  do  exercito  as  forças  naó  fepare. 
Unido  bufque  a  Henrique ,  porque  admite 
O  poder ,  e  o  feu  campo  defampare, 
E  paífando  o  Mondego  fe  retire, 
A  Coimbra  do  fitio  naõ  repare  , 
E  com  grande  valor ,  cora  arte  cílranha 
Scià  desbaratado  na  campanha. 


107. 


Canto  IX.  289 


107. 

Calla  o  neto  de  Atlancc  a  voz  facunda. 
Que  hc  aos  filhos  de  Aclanre  favorável  j 
Marte  a  ira  agitando  furibunda  Nota 593, 

Diz  que  o  Lufo  lhe  foy  fempre  agradável  ; 
Que  em  eípiritos  bcUicos  abunda 
Eíla  na(j;aó  ,  e  terra  inexpugnável , 
Que  em  Henrique  o  exceílo  vé  notório 
A  hum   tempo  de  Viriato,  e  de  Sertório. 

108. 

Que  ícm  emulação  de  hum  Deos  indigna 
Ha  de  fazer  ,  que  feus  marciaes  alunos 
Triunfem  de  influencia  taõ  maligna  , 
Vencendo  a  feus  contrários  importunos  > 
E  com  guerra  faraõ  felice  ,  e  digna , 
E  com  proíperos  fados ,  e  opportunos , 
De  hum  inviclo   valor  finos  exceílbs , 
yendo  o  mundo  fogeito  aos  íeus  progreíTos. 

109. 

Há  de  oppor-fe  Mercúrio  à  Lufa  gloria. 
Porque  he  menos  valente  que  elegante, 
He  deílro  no  artificio  da  Oratória, 
Mas  naó  maneja  o  ferro  fulminante,    / 
Leo  nos  aftros  dos  feculos  a  hifioria, 
E  como  he  neto  do  Soberbo  Atlante, 
Sabe  que  ha  de  ufurpar-lhe  a  naçaó  fera 
Vencer  o  mundo ,  e  fuftenrar  a  Esfera,  Nota  594. 

I  lO. 

Em  Africa  de  Atlante  a  gente  dura.  Nota  595; 

Para  fo^ir  das  armas  Portuguczas 
Ainda  naó  ha  de  dar  fc  jjor  ícgiira 
!     Do  monte  nas  íublimes  aíperezas  : 

Ceuta  fe  rende  ,  Tanger  fó  procura  Nota  f 96. 

Sogeitar-fe  as  ma^nanijnas  emprcías: 
Mazagam,  e  Azam.or  haõ  ce  ícguila, 
;  Cabo  de  Guê,  Safim,  Seguer,    e  Arzila» 

Oo  iiií 


290  Henriquêida 

I II. 

Nota 597.  Sogeitarâõ  o  Atlanrco  Oceano,.. 

E  o  nome  efquecerà  de  Athhs  potente, 
E  ao  Eôo  ,  e  occaíb  do  Africano 
Dominarão  o  vafto  Continente, 
Afia  verá  feu  fceptro  Soberano 
Até  o  ultimo  extremo  do  Oriente, 

Nota5'98.  E  as  Atlantides  Ilhas  encubertas 

Conquiftadas  feraõ,  e  defcubertas. 

X  II. 

Aquella  terra  Atlantide  ignorada»' 
Nota  59P.  Do  divino  Platão  fó  conhecida  , 

E  da  Europa  diílante,  e  feparada 

Pela  terra  do  fogo  combatida  j 

Será  dos  Lufitanos  dominada. 
Nota  600.  E  America  por  elles  fe  apellida : 

Perde  Atlante  no  Império  poderofo 
Nota  (íoi.  O  opuento,  ofragante,  e  o  preciofo; 

Do  Caducê  oligadas  as  ferpentes 
S6  fimbolifam  pafes,  eaHanças, 
E  fempre  em  guerra  as  Lufitanas  gentes 
Dos  meus  Feciaes  faõ  altas  efperanças; 
Naó  fe  attendaõ  enganos  eloquentes 
Do  Tutelar  de  furtos,  e  mudanças  , 
Sabendo  o  Ceo  ,  reconhecendo  a  terra. 
Nota  601.,  Mercunio  Deos  da  Paz  ,  Marte  da  Guerra.' 

114- 

■vT      ^   ,  Vénus  fesuindo  ao  bellicofo  amante 

Na  boca  a  concha  abrio  de  nácar  breve, 
Donde  as  pérolas  ,  e  âmbar  mais  fragante 
Ao  mar   que  a  produzio,  reíume,    e  devei 
A  luz  dos  olhos  doce,  e  fulminante 
Do  roílro  derretera  a  pura  neve. 
Se  naõ  a  prefervaííem  dos  defmayos 
Congelados  rubis,  ç  ardentes  rayos. 


115 


Canto  IX,  291 

115. 

Se  eu  poíTo  (diz  a  bella  Citerca) 
Amado  Pay,  votar  em  mais  milícia  , 
Que  na  que  forma  Amor  na  fina  idea. 
Donde  he  cada  combate  huma  caricia ; 
E  fe  as  fecas,  que  o  mundo  naô  recea. 
Porque  appctece  a  morte  na  delicia , 
Conhece  quem  íó  fabe  nos  ardores 
A  fuavifllma  guerra  dv  s  amores. 

Direy  que  he  minha  a  gente  Lufitana 
E  que  ella  fuccedeo  â  antiga  gloria. 
Que  a  fama  confagrou  fo  à  Romana , 
De  que  cita  efcureceo  a  illuflre  hiftoria : 
A  minha  protecção  tem   fobcrana, 
Sempre  daõ  ao  Amor  culto,  e  vitoria 
E  a  alma  infpiraraõ  com  luzes  puras 
A*  fermofura  as  fuás  fermofuras. 

117. 
Haõ  de  ufurparme  os  ferros  Mahometanos 
O  dominio  de  Chipre,  e  de  Cithêra,  ^ota  (^04; 

Haõ  de  vencer  os  fortes  Luíitanos 
Do  mar  Egeo  a  gente  mais  fevera : 
E  aíTim,  celeftes  Deofes  Soberanos , 
Se  ainda  a  belleza  em  immortaes  impera  > 
Infpiray  a  eíle  Rey  grande ,  e  temido , 
Que  hoje  combata  a  Henrique  defunido. 

118. 
Palias  a  interrompeo  com  voz  tremenda,  Notaí^oç; 

E  aíTim  diífe:  huma  Deofa  afeminada 
Só  triunfa  de  Paris  na  contenda  , 
Donde  vence  a  belleza  delicada; 
E  porque  ao  Luíitano  em  tudo  oííenda; 
Dé  a  batalha  unida  a  gente  armada  j  Nota  Go<Ôi 

E  para  fomentar  efta  ruina 
;'Em  Axa  tem  formado  huma  Heroina^ 

O  ii  ^  y^')* 


292.  Henriqueida 

119. 

Nota  60J»  Naõ  ama  Apollo  a  Lifia ,  porque  fente ; 

Que  com  nodurnos  náufragos  pefares 
Cada  dia  o  fepulte  o  Occidente 
No  tumulo  de  argento  dos  feus  mares ; 
E  fabe,   que  vencendo  ao  Oriente, 
Ha  de  roubar  occulto  aos  feus  altares , 
E  difpertando  a  Etonte,  e  a  Piróo, 
A  faça  madrugar  no  leito  Eóo , 

120. 

Nota(ío8.  Neptuno  convocando  o  duro  Eôlo 

Favorece  dos  Mouros  o  deíinio , 
Porque  o  Lufo  de  hum  polo  ao  outro  polo 
Lhe  difputa  dos  mares  o  dominio  ; 
E  unindo  o  parecer  com  o  de  Apollo, 
A  verdade  temeo  do  vaticinio; 
Unidos  dem  ao  Lufo  fatal  morte, 
Porque  a  virtude  unida  obra  mais  forte, 

221. 

Notaóop.  Baco,   que  eftava  hum  pouco  adormecido; 

Do  feu  purpúreo  neclar  certo  effeito , 
O  nome  de  Dioniíio  taõ  temido 
Cr  j  que  íique  na  Afia  fem  refpeito  ; 
De  mil  Deofes,  e  Herôes  o  voto  unido, 
A  que  o  mcfmo    deílino  eílâ  fogeito, 
Que  a  ti  te  participe  hoje  me  move 
O  decreto  iinmortai  do  eterno  Jove. 

112. 

Bufca ,  c)  Axa  ,  ao  Monarca  poderofo  : 
Edizclhe,    que  mude  o  intento  vago, 
Combata  unido  a  FIcnrique  valerofo  , 
K  reduza  a  iuim  fo  golpe  ranço  cflrago  ; 
E  depois  de  oppt  imillo  vigorolb , 
Se,'2;undo  Sc:piac5  de  outra  Cartago  ; 
Ganhe  a  Coimbra,  e  de  Africano  o  nome 
Noiaéío.  Dw  Luíluiio  í;  aaconomafia  toaic. 


123" 


Canfo  IX,  293 

IZ5. 

lílo  cUíTe  a  divina  Panopea , 
E  fe  occulcou  entre   os  crifiacs  do  Tejo  ,  , 
Volto  os  olhos   ao  Cco  ,  e  quanto  a  idea 
ConFufa  imaginou,   moílra  o  defcjo; 
O  btilhante  zaiir  ,  que  nos  rodca  , 
Fntre  rayos  de  luz  aberto    vejo: 
Dcofes ,  e    Dcoías  bem  Te  divifaraõ , 
Que  as  luzes   das  EftrelJas  cclipraraó. 

124. 

Difle  :  e  moftrando  ao  Rey  ,  e  aos  do  confelho 
O  efcudo  de  Tritonia,  que  encobria,  Nota<3ix. 

Qualquer  no   diamantino  ,  e  claro  eípellio 
Da  belligera  Deofa  a  forma  via: 
E  diz   aíTim:  a  todos  aconíelho  , 
Que  íe  deftrua  a  nova   Monarquia , 
Porque  fera  o  golpe  irreíiftivel  ^ 

Sem  dividir  o  exercite  invencivel. 

125. 

Mais  que  a  cabeça  hcft*renda  de  Medufa .' 
Que  no  eícudo  de  Palias  fe  moftrara 
A'  turba,   que  do  cafo  eftá  confufa,  ' 
A  íuípcnfaó  em  pedra  ttansformara  , 
Mas  o   Rey  ,   que  canfado  da  diftufa 
Narração,  que  a  Rainha  recitara, 
Naó  crco  ,  ainda   que  ouvio,  prodi.^io  tanto  , 
E  a  illuíaõ   deíprezou  ,    que  julga  encanto. 

126. 

Asradcceo  a  Axa  o  zelo  ardente  , 
E  condenou-lhe  a  van  credulidade; 
Jà  nenhum    General   diz   o  que  íenre; 
Pódc  mais  a  lizon)a,qne  a  verdade: 
X'anda  que  n  arche  Muíiafá  valente, 
L  envifta  de  Coimbra  a  gr?.õ  Cidade, 
^   E  elle  vay  coiíibater  os  Luhcanos 
;    A  peíar  dos  decretos  Soberanos. 

HEN- 


294 


CANTO    X. 

Argumento 

PRepara-fe  a  batalha  mais  tremenda , 
Toda  a  forca-,  e  aftucia  fe  exercita 
Do  Mar ,  e  a  Terra ,  vencefe  a  contenda 
Velo  Lujo  y  que  ao  Mouro  debilita  : 
Muley  combate  Amado  em  fúria  horrenda-, 
Axa  o -paffb  a  Coimbra  facilita'. 
Bernardo  admira  de  Hercules  a  torre  , 
PeUyo  em  feu  amor  fino  difcorre. 


T. 


AíTim  como  do  rápido  Oceano 
Pelas  portas  Hercúleas  fe  fepara 
O  Mar  Mediterrâneo,  que  inhumano 
Tormentas  forma  ,  inundaçoens  prepara; 
AíTini  fe  aparta  Muftafà  ,  que  ufano 
De  eftar  independente  aífeguràra 
Com  força  invida ,  e  arte  incontraftavel 
Conquiítar  a  Coimbra  inexpugnável. 

2. 

Ao  mefmo  tempo  marcha  o  Rey  potence 
A  combater  de  Henrique  o  campo  forte , 
Três  dias  vio  nacer  Febo  luzente, 
Antes  que  da  batalha  encontre  a  forte, 
Vio  no  Oceano  a  armada  diligente. 
Com  que  Neptuno  ameaçou  Mavorte, 
Para  que  â  diverfaó  premeditada 
Também  firva  ao  exercito  a  armada. 


Canto  X  29 y 

3. 

Vem  de  Henrique  os  fieis  exploradores 
A  avifar  do  inimigo  os  movimentos. 
Que  carrega  aos  primeiros  batedores, 
Para  que  naõ  defcubraõ  feus  intentos; 
Aviftaó-fe  os  valentes  contendores , 
Receaó   tanto   eftrago  os  elementos  -, 
Sahe  ao  dia  íeguinte  o  Sol  mais  tarde,' 
Naó  íty  fe  compaflivo  ,   fe  cobarde; 

4- 
De  noute  introduzio  entre  os  pinheiros 
Com  militar  aftucia  ,  mas  indigna 
O  Rey  infiel  cem  bárbaros  guerreiros 
Com  matéria  inflamável ,  e  maligna  : 
Nos  troncos  elevados ,  e  groíTeiros 
O  Ígneo  artificio  em  força  menos  digna 
Fez,  quando,  Eôlo,  o  feu  incêndio  impelles  Nota (?  12; 

Arder  Atis  naó  fendo  por  Cibelles. 

S- 
O  efFcito  fente  do  improvifo  fogo 

No  lado  efquerdo  o  vigilante  Henrique , 
Pelo  direito  o  avisarão  logo  , 

Que  a  hum  defcmbarque  o  feu  cuidada  applique.' 
Naõ  tinha  pela  frente  defa fogo  ^ 
E  porque  a  confufaó   fe  multiplique, 
Atacaó  com  vigor  os  Lufitanos 
Formados  em  batalha  os  Mahometanos, 

6. 

Palias  ,  que  aíTiíie  a  Axa,   convocava: 
Do  abifmo   as  fúrias ,   e  implacável  Nume, 
Ir.  s  aos  elemencos  inípirava 
Plutaõ  .   que  deu  ao  fogo  infernal   lume  ; 
Tefifone,   que  a  terra  perturbava,  ^^' 

Aos  Agarenos  animar  prefume. 
Facilitando  em  rápidas  vioLncias 
Cs  barrancos ,  vallados ,  e  eminências. 


29^  Henriqueida 

7. 

Ao  ar  governa  a  horrorofa  Aleflo         ^• 
Dando  aos  navios  vento  favorável , 
Porque  do  defembarquc  no   projecto 
Vençaó  do  campo  o  lado  incontraílavel : 
E  ao  meímo  tempo  com   diverfo  obje(5bo 
O  incêndio  acèa  fero  ,    e  inplacavel  $ 
Se  antes  agita  o  Mar   cruel  Megera , 
Para  fer  mais  furiofo,  hoje  o  modera. 

8. 
Henrique  ordena  logo  ao  forte  Cunha, 
Qiie  encaminhando  alguns  valentes  Lufos, 
Em  quanto  elle  ao  Exercito  fe  oppunha, 
Deixe  os  do  mar  perdidos,  econfufos; 
Para  atalhar  o  incêndio  fó  difpunha 
Efpalhados  nos  bofques  ,  e  diftufos 
Gaftadores ,  que  hum  foífo   fabricaííem  , 
Com  que  o  campo  do  incêndio  preíervaífem: 

9. 

Com  poucos  ,  mas   briofos  Cavalleiros 
Bermudo  a  ala  direita  defendia  , 
Numero  igual  de  intrépidos  guerreiros 
Na  eíquerda  o  forte  Sylva  dirigia  .- 
Com  cinco  vezes  cem  aventureiros 
Amado,  que  fe  avança,  combatia 
Com  valor  ferem  ,   com  firmeza  infiftem 
Armas,  que  otfendem  ,  armas,  que  reíTftem. 

IO. 

No  centro  a  infantaria  bem  formada 
Do  Graõ  Moniz  as  ordens  obedece  , 
De  arcos,  e  fetas  levemente  armada 
Cada  lado  igualmente  fe  guarnece  : 
Outra  mais  numerofa  ,  e  mais  pefada 
Difpofta  cm  duas  linhas  apparcce , 
Armandofe  eftas   bellicas  falanges 
De  fcrrços  dardos ,  rígidos  alfanges. 


xtÀ 


^antõ  X.  ic^-j 


1 1. 

Muitos  dcílros  béfteiros  tranfmontai.,  * 
Fermarís  na  vanguarda  manda  force. 
Voando  contra  os  feros  Mahomecanos 
Em  cada  tiro  duplicada  morte: 
Na  eminência  os  impiilfos  mais  tiranos 
Das  maquinas  guerreiras  de  Mavorte 
Já  do  Agareno  vaó  ferindo  as  guardas 
Com  as  violentas  hórridas  bombardas. 

12. 

Dom  Fafes  Luz  levanta  o  eftandarce 

Signifero  Real  do  Ausuíio  Henrique,  xr  ^   , 

■r^^  r^  u      j   j     j    1  ^  Nota 614^ 

De  Carquere  bordado  de  huma  parte 

A  Imagem  tinha ,  porque  a  fé  publique  j 

A  mefma  fé  em  todos  fe  reparte. 

Porque  amor,    eefperança  multiplique; 

Antes  que  faya  o  Sol ,  o  mundo  adora , 

P  Sol,  que  nafce  unido  com  a  Aurora. 

13. 
Entre  os  Lufos  no  Ceo  gira  fermofa 

A  Cruz  da  cor  do  Ceo  em  Ceo  de  praça, 

E  da  fua  influencia  luminofa  .^w,. 

O  benéfico  effeico  fe  dilata:  \ 

Cega  aos  Mouros  a  força  vigorofa 

Dos  rayos,  com  que  as  iras  desbarata  ," 

E  o  final  já  contrario ,  já  propicio , 

Quando  de  huns  hc  trofeo ,  de  outros  fuplicio. 

14. 
Houve  quem  vio  Plutaõ  romper  da  terra  Notaíif 

Defde  o  ultimo  abifmo  o  duro  clauílro. 

Dois  negros  brutos  para  a  tride  guerra 
]    Conduziaõ  de  fogo  o  horrendo  plaurtro } 

Na  maò  hum  rayo  o  feu  furor  encerra, 

E  excede  no  viojor  Vukurno,  eAuftro, 

E  para  dar  final  aos  Agarenos 
,.  Com  hura  trovaõ  peiturba  os  Cços  ferenos. 


2,98  Henriqueida 

Ataca  o  Rey  a  rígida  batalha, 
Tantas  fecas  difpara  o  Ifmaelita, 
Que  a  cada  Carga ,  que  no  vento  efpalha, 
OHufca  a  luz  do  Sol,  e  a  debilita  : 
Naõ  bate  com  mais  força  huma  muralha 
Qaanta  Maquina  as  forças  naõ  limita , 
Do  que  a  linha  dos  Mouros  vigorofos 
Combateo  contra  os  Lufos  valerofos. 

16. 
Como  eílender  naõ  pode  a  grande  frente, 
Que  o  mar,  e  o  bofque  ao  Lufo  os  flancos  guarda,' 
Dobra,  e  reforça  os  corpos  prontamente, 
Multiplicando  as  linhas  da  vanguarda: 
Muda  a  lunada  forma  de  repente  : 
E  fo  fuperfticiofo  fe  acobatda 
De  que  neíle  prefagio  bem  fe  argua, 
Nota  (j I  í»  Que  fe  veja  desfeita  a  niea  Lua. 

17. 
Muley  fo  com  quinhentos  voluntários 
Combate  Amado  com  igual  partido: 
Foraõ  os  Mahometanos  temerários 
Tendo  o  Lufo  valor  reconhecido  j 
Pois  fe  excedendo  tanto  aos  feus  contrários, 
Paífes ,  e  batalhas  tem  perdido  , 
Efcolhem  a  mayor  deíigualdade, 
Quando  bufcaõ  no  numero  a  igualdade, 

18. 
Mas  como  todos  eraõ  valeroíos, 
Pareceo  defafio  efta  contenda , 
A  hum  tempo  fe  feparaó,  e  briofos, 
Ninguém  com  vida  efpere  que  fe  renda.* 
Chocaó  os  contendores  vigorofos 
Tremendo  a  terra  a  forca  taõ  tremenda. 
Já  foraó  com  Mahometicos  arnezes 
Defpojos  de  outros  tantos  Portuguezea. 


Canto  X  299 

19. 

ReduAÕ  forte,  c  ágil  Tingitano 
Para  o  combate  encontra  ao  Lufo  Hermigio; 
Era  pequeno  o  grande  Lufitano,  "" 

Mas  tinha  de  alto  efpirito  o  vefligio, 
Mulciplicava  os  golpes  o  Africano, 
E  errallos ,  fendo  deftro,  foy  prodígio ; 
Porem  de  Hermigio  o  corpo  agora  teve 
O  perigo  menor,  por  íer  mais  breve. 

zo. 

Qual  o  ligeiro  infecto  com  defdouro 
Da  inútil  força  do  inimigo  ingente 
Na  tefta,  e  olhos  ao  furiofo  Touro 
Incita  agudo,  fere  deligente; 
Tal  o  Portuguez  breve  ao  fero  Mouro 
Com  mil  golpes  matou  taõ  prontamente,' 
QueReduaõ,  que  mal  odiviíava, 
Morreo  quafi  feni  ver  quem  o  matava. 

21. 

AíTim  com  vários  cafos  varias  fortes 
Dos  Chiiílaõs ,  cos  infiéis,  noCeo,  no  inferno; 
Huns  tem  mais  vidas ,  outros  tem  mais  mortes, 
E  ambos  deixaõ  ao  mundo  ncme  eterno : 
De  Roma,   e  de  Sabinia  os  varoens  fortes,,  Nota(Ji7. 

Que  da  terra  julgatac  o  governo, 
Imitaó  no  triunfo  dos  Horacios, 
E  ruina  fatal  dos  Curiacios. 

22. 

Já  os  dois  efquadroens  iguais ,  e  adivos. 
Que  a  farpoía  batalha  começarão. 
Se  reduzirão  a  ta-   poucos  vivos. 
Que  a  penas  doze  Lufos  íe  contarão, 
Mas  deAnado.   eMuley  tac  exceííjvos 
Prodigios  de  valor  fe  numerarão. 
Que  muitos  veindo  os  rayos,   que  concorrem, 
Mais  aílombrados;  cpe  feridos  morrem. 

Pp  il  '  A?, 


joo  HenriqUeida. 

^     Cuidas;   Amado  diz,  Mulcy  valente > 
Q]ie  vnindo  me  aeíles  doze  companhenos, 
Com  a  tua  peflíoa  hoje  açrccente 
.   A  gloria  dos  illuftres  prifioneiros  ? 
Ou  julgas,   que  por  meyo  mais  decente 
Em  duello  igual  de  dois  aventureiros 
A'  vifta  da  Africana ,  e  gente  Lufa 
A  hum  ímgular  combate  te  reduza  ? 

24. 
Nota  (j  1 8.  Nada  diíío  verás ,  que  promettido 

Deixey  a  Aldara ,  eo  deixo  fatisfeito ,. 
Que  o  teu  peito  de  mim  nunca  ferido 
Hâ  de  fer ,  íe  ella  vive  no  teiv peito  : 
Já  que  do  íèu  amor  correfpondido 
Naõ  poíTo  íer  ,    evito  o  duro  effeito 
De  augmentar  contra  mim  novos  rigeres^ 
Se  eu  armar  contra  ti  novos  furores. 

Voltou ,  e  os  mais  fem  efperar  repofta. 
Donde  viraõ  mais  rigido  o  combate, 
E  Muley  fe  encorpora  em  parte  oppofta. 
Porque  à  ira  a  vingança  naó  dilate; 
Pois  neíla  léy ,   que  Aldara  deixa  impoíla 
Tocarão  os  ciúmes  a  rebate; 
E  antes  quifera  ter  outro  homicida , 
yy  Do  que  dever  a  Amado  a  triíle  vida- 

26. 
Já  na  dUeica  os  efquadroens  carregao 
Aos  Lufos ,  que  em  valor  faõ  fuperiores , 
E  contra  os  Mouros  toda  a  fúria  empregaó^ 
Ainda  que  faõ  rto  numero  inferiores; 
Os  navios ,  que  proíperos  navegaõ  , 
Sem  fenrir  os  maritimos  rigores  , 
As  numerofas  tropas ,   que  preparaõ  , 
.Na  praya  fem  cardar  dcfemb arcarão. 


í^7» 


Canto  X. '  3or 

zy. 
Sobem  ao  nionte  pelo  mefmo  lado  •, 
Mas  Cunha,  que  os  acertos  naõ  limita, 
A  pefar  de  huir.  combate  porfiado 
Nas  ondas  com  vigor  as  precipita: 
Algumas,  que  naó  tem  deíembarcado," 
Fogem  na  armada,  a  quem  o  vento  incica> 
E  a  fomentar  de  Muftafá  o  emprego 
Bufcam  a  fôs  do  plácido  Mondego. 

Cunha  com  prontidão  logo  focorre 
Os  forces  companheiros,  quepelejaõ> 
E  unindo-fc  com  Távora  difcorre. 
Porque  o  triunfo  appetecido  vejaõj 
Oudefmaya,  ou  fe  rende  ,  ou  foge,  ou  morre 
O  Mouro ,  e  os  que  livraríe  fó  dezejaõ ; 
E  a  ala  direita  infiel  em  torpe  injuria 
Ficou  morta,  ou  desfeita  a  tanta  fúria. 

Os  pinheiros ,  que  a  efquerda  defendiaõ  > 
Na  matéria  fulfurea  preparada 
A  hum  meímo  tempo  mil  a  mil  ardiao, 
Naó  tendo  íido  a  rama  bem  cortada: 
Kías  íobre  os  Africanos  já  cahiaõ 
Parecendo  a  campanha  fulminada 
Com  fogo  ,  e  fumo,  ou  abrazada,  ou  negra, 
A  dos  Gigantes  hórridos  de  Flegra.  Nota  ^19^ 

30. 

Axa ,  e  o  Rey  no  centro  penetrarão 
Todo  o  corpo  da  Lufa  infantaria, 
E  cantos  batalhoens  multiplicarão, 
Que  hum  a  outro  cem  vezes  íuccedia  ; 
Com  algumas  bandeiras,  que  ganharão, 
A  vicoiia  total  fe  prometia 
Olímaelita,  mas  antes  que  a  publique, 
(  Appareceo  o  vigilante  Henjriquc. 


3  o  i  Henrlc^ueiâa 

Nota(j2o  Qual  Promecheo  já  vio  a  humana  forma," 

Sem  ter  inanimada  movimento  , 
Em  quanto  o  fogo  facro  ,  que  a  informa, 
Naõ  roubou  do  celefte  Firmamento  j 
AíTim  o  débil  corpo  íê  transforma 
De  Henrique  em  mais  ardente  luzimento , 
E  dos  languidos  membros  defmayados 
Efpiricos  renacem  animados. 

Corre  o  famofo  Heróe  contra  o  Monarca , 

Que  com  valor  intrépido  o  efpera , 

E  nenhum  morre  ,  porque  teme  a  Parca 

Quem  merece  imperar  ,  quem  forte  impera  .- 

Preparava  Caron  a  fatal  barca , 

Sufpendiafe  o  Deos  da  quarta  esfera , 

Para  ver  fe  dos  dois  na  pronta  morte 

Dos  dois  Impérios  decidia  a  forte. 

53. 

Nota(Jii  ^^^  ao  brandir  Henrique  a  lança  dura 

Palias    que  Axa  acompanha  ,  ao  Mouro  efconde 

No  centro  opaco  de  huma  névoa  cfcura , 

Em  que  occultou  o  Rey  ao  Régio  Conde; 

No  carro  de  Plutaõ  mais  o  aíTegura, 

E  fem  faber  o  infiel  como,  ou  por  donde, 

No   fitio  de   Coimbra  já  formado 

Com  Muftafá  fe  achou  encorporado. 

34- 
Que  novo  aíTombro  ,  que  maligno  encanto  , 

Diz  Henrique,  me  rouba   efta  vicfcoria  ? 

Se  hum  magico  conjuro  pode  tanto , 

Para  que  te  efcurece  a  clara  gloria  ? 

Melhor  naõ  fora  que  com    raro   efpanto 

Te  ilIuílraíTe ,  vcncendome  ,  a  memoria? 

Deixas  equivocado  elle  fegredo  , 

Sem  faber,  feheprodigio,   ou  fc  foy  medo? 


Canto  X.  5^3" 

Mas  jà  que  naô  encontro  objedo  digno 
Para  empregar  os  golpes  do  meu  braço  , 
Torna  ò   Rey  ao  combace ,  o  fumo  indigno 
Aos  meus  olhos  diíllpe  elk  embaraço  : 
Eja  que  dura  o  feu  ardor  maligno, 
Sem  que  eu  da  vida  te  defate  o  laço. 
Sinta  eíle  teu  exercito  inconftante, 
Caíligos ,  que  lhe  dá  valor  triunfante. 

DiíTe  ,  e  voltando  a  efpada  furibunda 
Contra  a  turba  infiel,  e  numerofa, 
Rio  de  hum  Tangue  vil  o  campo  inunda 
A  os  impulfos  da  ira  valerofa  ; 
Qual  o  Leaõ  ,  que  com  o  furor  circunda 
Do  inerme  gado  a  plebe  temerofa, 
Porque  perde  do  Tigre  a  digna  preía. 
Quando  prefere  a  força  à  ligeireza. 

57. 

AíTim  Henrique  vence  em  toda  a  parte 
Por  donde  o  reproduz  o  ardor  guerreiro, 
Jà  vitoriofo  o  Ínclito  eftendarte 
Vé  derrotado  o  Ímpeto  grofleiro : 
Entre  os  feus  os  efpiritos  reparte, 
E  as  verdes  folhas  do  immortal  Loureiro, 
Sente  porem  o  naô  cortar  ufano 
Com   hum  fó  golpe  as  fúrias  de  hum  tjrano. 

'      38. 
Deu  a  trinta  efquadroens  azas  o  medo , 
E  o  Mondego  no  vào  já  bem  pafiáraõ , 
Naõ  houve  rio,  boíque,  nem  rochedo. 
Que  embaraçafie  a  marcha  ,  que  levarão  .* 
Axa  bufca  na  efquerda  o  arvoredo 
Para  falvar  os  poucos ,    que  efcaparaó  , 
E  ao  forte  Lucidoro  poeqi  na. frente, 
j(  Quando  o  Sol  fe  efcondia  no  Cccidente. 


304^  HenrlcjueUd 

Efcoíhe  mil  Ginetes ,  c  a  galharda 
Heroina  invencível ,  e  fermofa 
Cobrio  na  recirada  a  retaguarda 
Da  gente,  que  marchava  temerofa.- 
Naõ  haverá  quem  cuide  fe  acobarda , 
Por  fer  nas  armas  menos  venturofa  j 
Mas  para  defmentir  efta  fofpeita , 
Deixa  a  defconfianca  íatisfeita. 

40. 

Volta  adonde  Moniz  dá  forma  nova 
A'  fempre  vitoriofa  infantaria, 
E  na  ultima  difficil  rara  prova 
Da  deferperaçaõ  feu  valor  fia  .* 
A  eícura  noute  o  feu  projeóto  approva , 
Nenhuma  eftrella  em  todo  o  Ceo  fe  via , 
Foge  a  Lua  mingoante  a  outras  partes 
Por  naõ  ver  fe  eclipíar  nos  eftandartes, 

41. 
Híins  feguem  pelo  campo  os  fugitivos , 
Outros  dormem  nos  braços  da  vitoria , 
Huns  curaõ  aos  feridos  compaíTivos , 
Outros  tem  nos  despojos  torpe  gloria  *• 
Só  Moniz  com  impulfos  fempre  adivos 
Dignos  de  que  os  celebre  eterna  hiíloria  : 
Pelo  naõ  forprender  fúria  inimiga  , 
O  exercito  reduz  à  forma  antiga. 

4i. 

A  heroína  inveílindo  de  repente 
A  os  que  ainda  fe  a^chavaõ  em  defordem, 
Fez  fentir  o  caftigo  dignamente 
Aos  que  naõ  obfervaraõ  toda  a  ordem-, 
Mas  encontrou  Moniz  fabio  ,  e  valeute  , 
Que  porque  ós  feus  da  forma  naó  difcordem. 
Fogos  fez  acender  com  luzes'  varias, 
Que  foraq  prevsn^oens ,  e  luminárias 


Canto  X,  xoK 

Encontrou  a  Rainha  ao  Varaõ  force, 
E  aíTiftindo-lhe  Palias  invifivel , 
Da  batalha  mudara  a  trifte  forte , 
Se  fuperaífe  hum  animo  invencível , 
Porém  vencida  Palias  dcMavorte, 
Que  Moniz  triunfaííe  fe  faz  crivei , 
Ainda  que  na  belligera  Amazona 
Tem  Moniz  que  vencer  outra  Bellona. 

44 

Soaõ  no  campo  os  golpes  diíTonantes 
Nas  armas   dos   dois  feros  combatentes , 
Que  foraõ  no  fiiencio  refonantes, 
E  nas  fombras  fe  viraô  refulgentes : 
As  invidas  efpadas  fulminantes 
Giràraõ  taó  luzidas  como  ardentes , 
Parecendo  acender-fe  em  tanta  gloria 
Fogos  arcificiaes  pela  vitoria. 

45 
Mas  vendo  Axa  que  as  tropas  ordenadas 
As  fuás  poucas  tropas  venceriaó , 
E  cambem  ,  que  as  prudentes  retiradas 
Menos  eílimaçaõ  naõ  mereciaõ  j 
Em  breve  tempo  as  deixa  bem  formadas, 
E  fempre  ao  recirarfe  combariaó , 
Para  que  o  mundo  a  reconheça  agora. 
Até  fendo  vencida  vencedora. 

46 
Ainda  achou  Lucidoro  que  paíTava 
O  Mondego   na  nova,    e  fácil  ponte. 
Que  com  as  barcas  Muftafá  formava , 
E  a  famofa  Coimbra  eftá  defronte 
Defta  o  paíTo  diííicil  difputava 
Roberto  ,  e  fem  que  a  Fama  antes  lhe  conte 
Da  acçaõ  os  glorio fiífi mos  fucceíTos, 
/Vè  nos  três  fugitivos  os  progreíTos. 

Qa  47 


-306  Herririqueida 

Tinha  chegado  ao  campo  o  Rey  vencido ; 
E  os  refles  da  batalha  recolhendo, 
Da  armada  novas  tropas  tem  unido, 
Do  remédio  ao  feii  mal  naõ  fe  erquecendo  : 
Aderbal  de   Sevilha  Rey  temido 
Efpera  com  exercito  tremendo , 
Tendo  a  barbara  liga  reforçada 
Com  os  dois  Reys  de  Córdova ,   e  Granada.' 

48 

PedJo  ao  Rey  do  Algarve  que  do  Tejo 
Junto  al^isboa  a  boca  acraveíTando 
E  cobrindo  as  comarcas  do  Alentejo 
O   deixe,    a  diverfaó  naõ  receando  : 
O  pacifico  Rey  ao  feu  dezejo 
Naó  facisfez,  que  eftava  focegando 
As  fediçoens  de  hum   povo  laó  indigno  ^ 
Que  nem  era  fiel  a  hum  Rey   benigno. 

49 

Dos  de  Granada  ,    Córdova  ,    e  Sevilha  > 

Paflando  o  mefmo  Tejo   por  Abrantes, 

Quando  no  Touro  o  Sol  domina,   e  brilha: 

Verá  Coimbra  as  gentes  arrogantes  •• 

Se  até  entaõ  a  Praça  naó  Te  humilha  , 

No  feu    aíTedio  haó  de  iníiílir  conílantes ; 

A  circumvallaçaõ  já  larga  corre 

Bem  flanqueada  de  huma  ,  e  outra,  torre. 

50 
A  contravallacâõ  com  igual  força 

Para  taõ  largo  íitip  Te  fabrica  , 

Com  terra  ,  e  com  faxina  íe  reforça , 

E  todas  as  defenfas  multiplica  •■ 

Com  o  mar,  e  a  armada,  que  o  esforça , 

O  exercito  infiel  fecommunica, 

E  antes  que  creça  o  rio  monte  a  monte  , 

gmprendia  oceupar  a  graijdc  ponte. 


51 


Cantf  X.  307 

Levrantàrá  huma  torre  o  gráõ  Robercò 
Do  criftalino  rio  ao  Meyo  dia, 
Outra  20  Septentriaó  eftà  mais  perco 
Da  Praça,  que  do  alto  a  defendia: 
Como  a:quiteto  militar ,  e  experto 
Com  a  gente  efcolhida  as  guarnecia, 
Porque  Pedro  Bernardo  recebeíTe 
Socorros,  que  o  Mondego  favorece. 

Em  quanco  o  largo  fitio  fe  prepara, 
E  à  expugnaçaõ  o  Mouro  fe  previne, 
E  com  maquina  tanca  ,  grande,  e  rara, 
Pertende  que  a  muralha  fe  arruine  : 
Henrique  da  batalha,  que  ganhara, 
Uze  feliz  ,  e  aos  povos  predomine, 
Tomando  logo  em  militar  governo 
No  contrario  paiz  quartéis  de  inverno. 

55- 

Vio  no  dia  feguinte  da  vitoria 
Nacer  o  Sol  com  mais  brilhantes  rayos, 
E  illuminar  a  Lufitana  gloria 
Nos  matutinos  lúcidos  enfayos : 
Rendco  ao  Ceo  para  immortal  memoria 
As  graças ;  fem  que  a  Fé  tenha  defmayos  ; 
E  os  eftcndartes  para  eterno  exemplo 
Manda  que  leve  Amado  ao  novo  Templo. 

54 

E  que  livre  à  Real,  e  bella  efpofa 
Do  furto,  pois  naó  pôde  da  faudade, 
exprimindo  em  papel  tanta  amorofa 
Fineza,  que  acredita  na  vontade •• 
Que  a  Oforio  participe  a  vicoriofa 
Acçaõ  ,  que  o  fim  dicofo  perfuade 
Do  projedo  ,  que  aíTombra  efte  emisferio  , 
De  Portugal  fundando  o  claro  império, 


li 


308  Henr 

55- 
Que  lhe  ordene,  que  obferve  a  defenfiva     ' 

Com  o  corpo  de  tropas ,  que  mandava, 

Em  quanto  o,  naõ  emprega  na  ofeníiva , 

Que  para  a  Primavera  refervava  : 

Pois  entaó  uniriaõ  forca  adiva 

As  linhas  atacando  em  fúria  brava , 

Se  he   que  em  Coimbra  o  Mouro  poderofo 

Ainda  formafle  o  íitio  vigorofo. 

Parte  Amado,  bufcando  o  monte  Erminio 
Por  largo  giro  à  Carte  de  Lamego , 
E  de  todos  occulta  o  feu  defmio, 
Por  evitar  as  guardas  do  Mondego  j 
Feliz  preíagio,  amante  v..ticinio 
Lhe  dá  o  amor  mais  fino  do  que  cego, 
Pois  defcobre  os  futuros ,  e  lhe  diíTe  , 
Que  Aidara  há  de  livrallo  dcinfeUce. 

57. 
Eílava  o  vafto  campo  da  batalha  '    -        .  ' 
De  innumeraveis  corpos  lemeado. 
Formam  os  Mouros  rnortos  tal  muralha, 
Que  â  marcha  ainda  fe  o.-póèm  o  inanimado ; 
Acorrupçaõ,  tanto  contagio  efpalha, 
Que  fe  recea  no  ar  inficionado, 
Que  façaó  os  contrários  niais  nocivos 
Mayor  cftrago  mortos  do  que  vivos. 

5,8/ 
Diftribuio  Henrique  gene4-ofo  - 

Por  todos,os  defpojos  opulentos , 

Ao  Numen  cònfagrou  voto  preciofo  , 

De  pérolas  bordando  os  ornamentos: 

Nas  ondas  do  vezinho  o  mar  furiofo 

Tem  os  corpos  volúveis  monumentos, 

A  os  Mouros  tendo  horror  peixes  ferozes , 

Pelos  na5  devorar^ fogem  velozes. 


59. 


Canto  X,  309 

59. 

Dez  hecatombes  foraõ  de  almas  puras ,  Nota  6ii, 

!As  que  ao  Ceo  confagrando  os  Sacrifícios, 
Voarão  ,    donde  em  glorias  mais  feguras 
Participem  de  eternos  benefícios  .- 
Em  iguaes ,  e  fagradas  fepulturas 
Daõ  de  feus  nomes  immortaes  indicios 
As  pedras  de  Leiria  em  nobres  templos 
Da  Fe  prodígios ,  do  valor  exemplos. 

60. 
Defdeo  monte  arenofo,  que  fublime 

Quer  confundir  osaftros,  e  as  áreas, 

Que  defendendo  a  terra  o  mar  opprime 

Com  marmóreas  duriíTimas  cadeas; 

Porque  a  fúria  o  inverno  naõ  reprime .  ^ota  6iy, 

E  le  efcondem  as  plácidas  Neréas , 

Se  vc  paflar  a  Mahometana  armada , 

Que  3i  invernar  a  Lisboa  foy  mandada. 

Já  da  Esfera  o  terrivel  Sagitário  Nota  624. 

Tirava  ao  Mundo  as  argentadas  Setas, 
E  antecipando  inundaçoens  de  Aquário 
Naufragavaõ  os  Signos,  e  os  Planetas: 
Já  do  aéreo  emisferio  leve,  e  vario, 
Dominaõ  negras  nuvens,  que  inquietas 
Tem  gravidas  de  aquáticos  eflúvios  Nota  óij. 

Cs  partos  monílruoíos  dos  dilúvios. 

61. 
Rebelde  a  Ceres  o  infeliz  terreno 
Sente  o  pefado  jugo  de  Neptuno, 
Entra  o  furioío  mar  no  campo  ameno  , 
Cobra  Protheo  tributos  de  Vertuno ; 
Ondas  de  efpigas  nitido,  e  fereno 

Formara  o  fruto  aos  homens  opportuno,  Nota  616. 

E  do  inverno  em  torrentes  inimigas 
Sc  vém  trocar  efcumas  por  efp-gas. 

65. 


3 1  o  Henriqueida 

O  exercito  cm  Qimrceis  fe  d/ftribue", 
O  da  Corce  cm  Leiria  fe  aíTitTala, 
O  Paiz  Mahomecano  coirtribuc 
Comporçaõ,  que  aos  lagares  naõignala: 
Rigida  a  difciplina  refricue 
Quanto  a  torpe  injuftiça  defíguala : 
Fiel  com  infiéis  fcja  a  juíliça, 
Que  he  com  bárbaros  barbara  a  injuíliça; 

Como  ao  Mondego  a  Ponte  dominante 
Cerra  os  limites  com  marmóreos  luar  cos  > 
E  para  eternizarfe  triunfante 
A  íi  fe  erige  os  levantados  arcos. 
Túmido  rompe  os  muros  de  diamante, 
Com  a  ponte  de  pedra,  e  a  de  barcos, 
Foraõ  a  inundaçoens  taó  repentinas 
Dominadas  das  ondas  criftalinas. 

Robcrro  na  vizinha  Fortaleza  , 
Qlic  guarda  a  ponte  oufado  fe  defende 
Já  feguro  da  rápida  entrepreza, 
Com  que  a  efcalada  o  Mahometano  emprender 
O  rio  o  foeorreo,  e  nefta  emprefa 
A  os  Mouros ,    que  a  aíTaltaõ  tanto  offende. 
Que  o  campo  aqui  fentio  ver  que  defagoa 
Mais  de  fangue  a  torrente  do  que  de  agoa. 

Em  Coimbra  mandou  Pedro  Bernardo 
Os  meyos  prevenir  para  a  defenfa 
Vigilância,  valor,   faber,  refguardo , 
Tivcraõ  no  fucceíTo  arccompenía.- 
Helvidio  lhe  obedece,  que  galhardo 
Será  dos  inimigos  dura  offenfa. 
Quando  com  fortes  gentes  prevenidas 
Saya  a  levar-lhe  a  morte  nss  feridas. 

67. 


Canto  X.  311 

67. 

Era  aquático  o  foflb  ,  ecom  tal  arte,  Nota  62 7. 

Que  fecalo  fangrandoo  bem  pudeíTe, 
Repara  a  falfabraga  em  toda  a  parte, 
E  fez  que  a  barbacan  tbrte  eftivefle; 
Fortifica  a  muralha  ,  cm  que  reparte 
O  preíidio  ,  que  activo  a  guarneceíTe, 
As  ameas  reforma,  cnas  Seteiras 
De  ferro  occulta  exhalacoens  ligeiras. 

Reforça  os  rorreoens  com  terraplenos, 
E  as  defenfas  deixando  flanqneadas 
Por  donde  os  muros  íe  refiftem  menos 
Enlaça  bem  unidas  eftacadas: 
Em  armjzens  referva  naó  pequenos 
De  Guerra,  eboca  as  muniçoens  bufcadas, 
Sendo  às  vidas  ruina ,  fendo  augmcnto , 
Humas  dsílruiçaó,  outras  fuílenco. 

69. 
Naó  inventou  o  engenho  de  Arquimedes  ^ot^.  Ci^. 

Da  Eftacica,  e  Mecânica  prodigios, 
Que  dentro  das  Colimbricas  paredes 
TS'a6  tivcíle  nas  maquinas  veftigios: 
Bem  podes  defçobrir,  ó  Paiamedes, 
Como  fizefte  fobre  os  muros  Frigics , 
Jogo,  que  com  íciente  paííacempo, 
Quando  cuida  que  o  ganha,  perca  o  tempo 

70. 
Nem  o  efpofo  Real  de  Clitemneílra,  Nora  630. 

Kem  de  Tetis  o  filho   invulnerável , 
Nem  do  Icaco  a  maõ  robufta,  e  deftra, 
Nem  o  que  ganha  a  Tiro  inexpugnável, 
Nem  quanros  Poliorccces  na  paleílra 
Da  expugnaçaõ  fízeraõ  conquiftavel 
Na  fortificação,  cm  que  reforça 
A  arte  a  defenfa ,  a  natureza  a  força. 

71. 


Nota  629. 


3  1 2  Henriquêida. 

Contra  caõ  valerofos  defenfores 
Confeguiriaõ  taó  fublimes  glorias. 
Nota  $31.  Come  em  cantas  emprezas  fuperiores 
Coroarão  caõ  celebres  vicorias  : 
Celebremfe  outros  Titios  anceriores 
Em  jafpes ,  bronzes ,    tradiçoens ,  hiftorias  , 
Que  o  de  Coimbra  deixa   aos  Luficanos 
Mais  illuftres  qne  os  Gregos,  e  Romanos, 

72. 
Naõ  dcfprezou  a  anciga  cidadela    '^  '^^-'^ 
Ultimo  receptáculo   precifo  ,  ^sj  fòÊ 

Quiz  com  deftros  befteiros  guarnecela/ 
Sendo  ao  Mouro  iminente  prejuifo 
Incerta  tradição   conferva  nella ,  ""^^  '^^ 
Ou  íeja  por  prefagio ,   ou  por  aviíb, 
Nota(?32.  Huma  torre,  donde  Hercules  robufto 
Foy  de  Geriaò  hum  triplicado  fufto. 

,■■■-..-  75 

Para  vencer  ruperfticiofo  agouro 

Pedro  Bernardo  a  inípiraçoens  divinas  l 

Quando  Febo  occultava  os  rayos  de  ouro 

Inveíiiga  as  fatídicas  ruinas  : 

Naõ  bufca  cobiçofo  de  hum  tefouro , 

Que  fe  efcondia   entre  profundas  minas, 

O  que  efperava  a  van  credulidade 

Da  cobiça  animada,    e  da  vaidade, 

Mas  fó  intenta  ver,  que  altos  prodigios 
Encerra   em  íi  o  miíleriofo  templo: 
Naõ  cré  fejaõ  encantos ,  ou  preftigios , 
Mas   da  gloria  immortal  eterno  exemplo  ; 
Aqui ,  diz  ,  bufcar   quero  alguns   veftigiós      ""*' 
Das  raras   maravilhas ,  que  contemplo , 
E  já   que  a  noute  encobre  aíTombro  tanto, 
Emcubia  cíle  miftcrio  com  feu  manto. 

7i' 


-'•*■ 


Canto  X  313 


n 


Diffe,  c  acende  a  inextinguível  céa, 
O  efcudo  embraça,  empunha  a  forte  efpada, 
E  o  peito,   que  os  perigos  naó  recea^ 
Sem  armas  bufca  a  torre  reíervada: 
Dcícobre  apenas  a  primeira  amea, 
Quando  lé  com  a  luz  nella  gravada 
Breve  infcripçaõ  ,  que  diz;  deixa   eíTe  intento, 
O'  tu  que  queres  ver  tanto  portento. 

Efte  aviío  fatal  naó  o  intimida  > 
E  animado  de  efpirito  divino  , 
Expõem  ao  mayor   dano  a  nobre  vida,  ^ 

Por  faber  os  fegredos  do  deftino; 
De  Hera,  e  de  mufgo  a  porta  reveftida» 
Intada  ao  curiofo  peregrino. 
Por  evos  mil  ao  mundo  reíervava 
As  raras  maravilhas,   que  occultava. 

77- 

Ao  bronze,  que  a  guarnece,  a  força  appliea; 
E  foy  mais  que  o  metal  o  impulfo  duro. 
Pois  vendo  que  reíiíle,  multiplica 
O  defigual  combate  ao  fatal  muro  : 
Huma  férrea  cadea  fe  dupplica 
Antes  que  poíTa  entrar  no  centro  efcuroj 
A4as  de  Pedro  o  valor  naõ  interrompe. 
Que  cm  parte  adefenlaça,  em  parte  a  rompe. 

'  78. 

Qual  defprefando  oráculo  horrorofo 
O  magnânimo  filho  de  Felipe  ^^'*  ^^^í 

Cortou  de  Gordro  o  jugo,   que  enganofo 
Quer  que  dePerfia  o  mal  naó  fc  ancicipc  ; 
Aifim  Pedro  mais  forte,  evalerofo. 
Porque  de  mayor  gloria  participe. 
Ou  com  deílreza  os  laços  já  defata, 
Ou  com  vigor  os  ferros  desbarata-, 

Rr  75)^ 


314  Henriâiueida 

Cerra  a  porta  o^tra  vez ,  e  dentro  admira 
A    rurnptuofa  antiga  arquitetura. 
Que  refpeicos  magnificos  refpiía  >  .^su-aii' 

Que  prodígios  fgtidicos  apura : 
Por  toda  a  parte ,  que  difcorre  ,  e  gira 
Enigmas  acha,  que  entender    procura, 
E  Q  Moíaico  ,  que  augmenta   luz  caõ  raraiJ  -^uO 
A  marauilha  efcura  naó  lhe  aclara.  ijja  aoA 

80 

Até  que  ouvio  do  Ceo  voz  laó  fuave  y. 
Que  naó  pode  imitarlhe   o  doce  acento. 
Nem   defpercando  a  aurora  a  feliz  ave, 
Nem  fufpendendo  a  Trácia  alto  inftrumento  ; 
Clara  fe  exphca,  quando  entoa  grave 
De  hum  oráculo  harmónico  o  portento-, 
Proílroufe  Ped'o  humilde  ,  mas  proftrado 
Mais  fe  exaltou  nas  glorias  elevadoé,^  o? 

81 

Eu  rou<  lhe  diz  a  voz)  o  Génio  eterno > 
Que  defende  ao  Império  Luíitano, 
E  fuy  quem  deílerrou  ao  negro  Averno 
O  rebelde  Lusbel  ,  e  o  povo  infano  : 
Como  de  Portugal  tenho  o  governo. 
Aqui  formey  o  templo  Soberano  , 
Donde  em  laminas  puras    bem  gravadas 
Durem  tantas  acçoens  aíTmaladas. 

81 

Do  que  vay  fuccedendo  eílas  pinturas 
Vou  com  celefte   pena  debuxando  , 
Paíladas ,  e  prefentes  naó  futuras 
Podes  a  hum  tempo  ir  vendo ,  e  venerando  .' 
As  vans  fuperftiçoens  cegas ,  e  impuras 
Com  Hercules  me  vaõ  equivocando,  ..  j 

Quando  elle  em  fabulofo  parafifmo  p  á^ 

Vence  os  manftruos  do  mundo  ,  t^  os  do  Abifmorr 

S5' 


íTT 


Canta  X  3 1  j 

Nos  loRges  cl?jTa  latnina  primeira  Nota(3?4,' 

Verás  em  gerogliiico  eonfuío 
A  origem  de  Tubál  raõ  verdadeira, 
Nem  cerca  a  fundação  dcEliía,  e  Lirío  > 
Porem  da  gente  intrépida,  e  guerreira 
Se  dUata  o  comercio  taõ  diifuio, 
Que  Luíitania  deve  os  benefícios 

Aos  autores  das  letras ,  aos  Fenícios.  _  _ 

84.  Notaíj;; 

Ali  pintadas  vés  as  fuás  glorias 
Em  Colónias  das  prayas  LuíicanaSy 
Deraõ-lhe  o  nome  as  palmas,  e  as  vidorisf 
Unindo  armas,   e  letras  íoberanas? 
PoriíTo  faõ  taõ  elaros  nas  hiftorias-, 
Pois  tiveraõ  origeus  mais  que  humanas j 
E  pode  íer  que  á  Lifra  o  nome  deíTe 

Doce  fruto  o  primeiro,  que  florece.  Nota  63(3; 

8?. 

Os  Púnicos  Varoens,  que  de  Neptuno  Noràéjjli 

Dominarão  o  Iraperio  tormerrcofo , 
Acharão  nos  favores  de  Portun© 
Em  Luíitania  aíilo  generofo  : 
NeiTe  quadro  os  verás ,   donde  opportuno 
Amilcar  fero,  e  Aníbal  famofo' 
Sendo  aos  campos  Hifpanxjs  duro  cftrago 
Tranfplantaraó  os  Loucos  de  Cartago 

&6. 

Ves  cremola^r  no  Ceo  outro  eftendarce^ 
De  quem  vencendo  a  Lifia  o  mundo  doma  ? 
Pois  he  dos  filhos  rigidos  de  Marte,- 
E  da  felis  Republica  de  Roma; 
Difciplina  ,  vaJor  ,  virtude,  e  arte 
Por  vencer  o  Univerfo  aprende,  e  comas; 
Oh  quanras  vezes  Lifia  com  exceflb 
Interrompeo  caõ  rápido  progrcíToi 

Rr  ii  S7, 


3i6 


tf 


Hem 

'y>^.mM         Aííim  o  admirarás  vendo  copiado 

EíTe  paftor,   que  he  Rómulo  encre  osLufo^^ 
Oh  quanto  Conful  vés  desbaratado/    'oc  èr  ffrèm^ 
Quantos  de  Roma  Generaes  confufos/ 
Mas  ay  que  â  vil  treiçaõ  fe  acha  proílrado  ■ 
Viriato,  e  triunfos  câúdiffiifos,  ij  ma  s/jQ 

Mas  que  a  fama  com  eccos  os  aclame >5^p''ob  nÁA 
Deixao  da  antigua  Roma  o  íxome  infamei'  0:5b  3;!ip 

8  8. 

Nota  638,  Ves  Sertório,  que  a  todos  períuadeq  ?J*1 

Infpiraçoens  do  bruto  mais  ligeiro? 
Pois  fó  era  Lufitania  a  liberdade 
Defende  contra  indigno  cativeiro : 
De  Ceíar  a  immorral  felicidade  -M  oO 

Por  aíluto  ,  por  fabio  ,  por  guerreiro  , 
O  fez  Emperador  entre  os  Romanos  , 
Pois  foube  até  vencer  os  Luíitanos. 

Notaí59*  Do  gelo  Aquiíonar  desfeita  à  fiiria 

Da  parte  fuperior  de  Europa  corre, 
A  fer  de  Roma  vigorofa  injuria. 
Donde  a  Águia  Imperial  fem  gloria  morre: 
Do  ócio  vil ,  da  militar  incúria 
O  vicio,  que  infeliz  vago  difcorre. 
Fez  padecer  effeiros  taõ  terriveis 
Aos  ânimos  illuftres,  e  inveuciveis,  r'->^ 

90. 

TVT  .  ^.*  Ves  no  debuxo  Gótico,  que  os  GodôS  ■  ^^ 

Nota  64®.  j  n.     •    j 

As  artes,  e  as  Icienc.as  deitrumdo 

Efcureceraó  por  diverfos  modos 

Asnaçoens,  a  que  foraó  opprimindo.- 

Nota64i.  O  Lulitano  Wamba,  que  entre  todos 

Se  foy  pelas  virtudes  diftinguindo,  ./,«., 

Mal  imitado  foy  dos  vaõs  horrores  ;'r!-j\í' 

De  tiranos ,  e  indignos  fucceílbtes. 

.    ;  91. 


1 


i:  Canto  X  317 

91. 

OCatholico,  e  Sábio  Recaredo  Nota  ^4*;; 

Da  Religião  o  Império  refticue; 
Porém  já  por  aliiffimo  íegrcdo 
Aftro  maligno  contra  o  Godo  influc; 
Cheyo  o  verás  de  aflombro,   horror,  e  medo, 
Que  nos  campos  de  Efpanha  diliribue 
Mais  do  que  à  força  de  Africa  o  caftigo 
Que  deo  o  Ceo  às  culpas  de  Rodrigo.  NotaÍ4'; 

Em  pranto  bem  nacido  o  roítro  banhas, 
E  com  razaõ,  que  o  quadro   que  apparece , 
Moílra  rendidas  ambas  as  Efpanhas  Nota  (í 4 4; 

A'  barbara  naçaõ ,  que  à  cerra  dece  : 
Do  Mahomecano  jugo  as  leys  eftranhas , 
A  que  o  povo  Cacholico  aborrece  , 
Em  coda  a  Luficania  fe  divulgaó  , 
E  com  violência  horrivel  fe  promulgaõ. 

93- 
Mas  nas  ferras  akiíllmas  de  Afturias  . ,, 

Vé  que  ao  longe  fe  moftra   o  graõ  Pelayo  Nota  (Í45. 

Para  domar  as  Mahomecanas  fúrias , 
Refuícirando  Hefpanha  do  dcfmayo  ; 
Qual  rompendo   ao  vapor  denfas  injurias 
Voa  brilhando  o  fulminante  rayo  , 
Multiplicando  impulfos  da  violência 
Quanto  fe  obílina  mais  a  reíiftencia. 

94. 
AíTim    difllpa   o  Príncipe  gloriofo 
Tempeftade  cruel  de  Africa  adufta 
Para  fundar  do  Reyno  milagrofo 
A  eterna   ferie  da  profapia  Augufta  ; 
Luficania    ainda  fofre  o  ri^orofo 
Terrivel  laço    da  Cudeya  injuCla  , 
Vendo   a  abominação  nos  pátrios  Lares 
Profanar   templos,    abater  altares. 


3 1 8  IJenriôjueida 

55' 
^j         .  Olha  para  cífa  lamina  luzenre, 

-  o  a    4  .  Yerás,    que  de  Cantábria  defce  à  cerra 

Affonío  ceu  magnânimo  afcendeareiííqxííCít  ss 
Que  trouxe  àLuíicania  a  dura  guerra.* 
Qiíal  dos  monres  a  rápida   torrente 
Domina  os  campos  inundando  a  cerra  % 
AíTim  eíle  Católico  Monarca 
Sogeita  o  Agareno  à  juíla  Parca. 

Nota  647.  Outro  AíFonfo ,  a  quem  Cafto  denomina;^ 
A  antonomafia  da  virtude  illuftre, 
Nafceo  dos   Mouros  para  fer  ruina  , 
E  para  fer  de  Efpanha  inimorcaj  luftre. 
Com  as  armas  brilhantes  y  que  illumina> 
Faz  que  de  Africa  â  gloria  Te  desiuftrc  ^ 
Conquiftando  Vifeu  ,  Braga  povoa  , 
E  até  domina  a  indica  Lisboa. 

97- 

Nota  í4g.  Outras  altas  façanhas  naô  refíro> 

Mas   neítes  geroglificos  qus  exponho , 
Ali   verás  triunfando  o  graõ  Ramiro: 
Aqui  verás  vencendo  o  claro  Ordonho  .• 
Do  Magno  AíFonfo    o   feliz   nome  admiro , 
E  o  quadro  que  aos  teus  olhos   inceirponho'. 
Defta  mefma  Coimbra  conquiftada  , 
Já  moftra  ,  quç  poc  ti  íerá  guardada. 

95. 
Vés  já  perdida  a  fandaçaó  de  Ulifles- 
Sofrer  o  indigno  Scetro    ao  feroz  Mouro  ? 
Pois  com  progreffQS  claros,  e  felices 

Nota  649.  Doma  Ordonho  tereçiro  ao  Tejo^  de  ouro : 
Succeííos  valerofos ,  e  iafelices  , 
Naõ  fendo  a  forte  do  valor  desdoura 

Notaste.  Acha   fobre   Vifeu    Aftonfo   quinto> 
De  facrilega  maõ  aQ„  ferro  e5QÚato,. 


Canto  IX,  319 

99. 

Vés  cm  tudo  pr'meiro  o  Graõ  Fernando,  Kotaáji^ 

Que  fubindo  às  Eíhcllas  pelo  Errainio 
A  Cea  inexpugnável  conquilUndo 
Dilaca  até  Lamego  o  leu  dorainio  ? 
Ao  protedor  eterno  vay  fundando  , 
Por  bufcar  o  divino  patrocinio  , 
Morteiros  funiptuoros  ,  facros  templos, 
Da  Fé  padroens ,    e  da  piedade  exemplos. 

100. 

Portugal  próprio  Rey  já  pretendia 
Para  a  novas  conquifta  ter  pretexto  : 

Ali  já  coroado  eftá   Garcia  J^ota  C$%\ 

No  debuxo   do  hiftorico  contexto  .• 
Mas  como   o  ícetro  menos  merecia, 
O  valerofo  itmaõ  AfFonfo  o  íexto 
Com  invicto  valor,  com  arte  eítranha, 
Emperador  fe  coroou  de  Eípanha. 

lOI. 

Já  vés  de  Santarém  proftrado  o  muro,  Notaíííti 

E  de   Cintra  a  duriíTima  afpereza , 
De  Lisboa  o  dominio  mal  leguro 
Foy  taóbem  do  fcu  braço  excelia  empreza : 
Ellc  foy  quem  a  Henrique  em  laço    puro , 
Que  eftreitou  a  virtude,  e  a  belleza , 
Como  íabes ,  unio  com  Regia  forte 
A*  amada  filha   a  Ínclita  conforte. 

lOi. 

Mas  eíTes  quadros  de  ouro ,  donde  brilha 
O  primor  mais  polido  dodefenho, 
Sò  por  eternizar  a  maravilha 
Emprego  foy  do  meu  celcfte  engenho: 
Henrique  o  generofo,  aquém  íe  humilha 
Do  voràs  tempo  o  rigorofo  empenho, 

Verás  que  para  credito  da  hiftoria  ,ovtí  sic'/l 

Ha  de  fer  do  univerfo  aíTombro,  e  gloria* 


3  2.0  Henriqueida 

lOJ. 

Nota(íf4.  r>os  Duques  de  Borgonha  derivada. 

Dos  Monarchas  de  França  produzido, 
Ali  verás  Capeto  coroado , 
Aqui  verás  Roberto  mais  luzido; 
Henrique  antes  que  ao  trono  deílinado 
Tiveíle  em  tanta  gloria  fucedido , 
Quer  que   ogloriofo   filiio  feliz  tome. 
Pois  tem  a  mefma  fama,  o  mefmo   nome. 

104.  ~^ 

Em  Sibilla  o  produz  illuftre  efpofa, 
E  hum  mifterio  mayor  quero  explicar-te : 
Vés   aquella  Sibilla,   que  fermofa 
Com  clara  tocha  intenta   illuminar-ter' 
Pois  efta  foy  da  gruta  tencbrofa 
De  Gaya  quem  nas  luzes,   que  reparte, 
A  Henrique   defcifrou  todo  o  miflerio 
Da  fundação  do  Luíitano  Império. 

105. 
"Ncraéfj.  Não  foy  Sibilla  nao,  mas  de  Sibilla 

Mãy  de  Henrique  o  efpirito  gloriofo, 
Que  fabia  oinfpirou,  fanta  e  tranquilla. 
Em  forma  eftranha,  em  nome  mifteriofo; 
Naquelle  livro  de  ouro  recopila 
A  hiftoria  deftc  Reyno  vitoriofo 
Da  tutelar   deidade  os  lufiraentos , 
E  os  preciofos  rariíTimos  talentos. 

106. 

Vé,  como  Henrique  vem  bufcar  a  Efpanha 
Para  os  triunfos   bellico  teatro, 
Vencendo  tanta  fera  mais  eftranha, 
Que  quantas  vio  o  antigo  anfiteatro : 
Evé,  que  huma   façanha,  outra  façanha 
O  Sol  do  Ceo   gravou   nas  partes  quatro, 
Mas  como  asvifte,  agora  as  nao  explico. 
Porque  o  menos  notório  fó  publico,    - 


i  Canto  X,  321 

107. 

Vés,  que  tomando  amfigrvia  rácrbianta  Notçtfç^. 

APorcugal  deixou  por  Palcítina, 
E  quanto  a  fua  fama   fe  adianca 
Na  cmpreía  mais  heróica,  ç  mais  divina? 
Vés  como  traz  ao  Rcyno  ailluftre,  e  Sanca 
Reliquia  taõ  preciofa,  €  peregrina; 
Que  aos  morcaes  purifica  do  contagio, 
E  em  hum  fó  lenho  os  livra  do  naufrágio? 

108. 

Pois  agofa  verás,  que  preparadas 
As  laminas,  que  admiras  de  ouro  puro, 
Eílaõ ,  para  que  fejaõ  debuxadas 
Decanto  aíTombro,  que  ainda  eftá  fucurot 
Nas  primeiras,  que  advertes,  delineadas 
Vês  asameas,  torres,  rio,  e  muro 
De  Coimbra,  que  guardas  animofo. 
Donde  has  de  fer  dos  Mouros  vitoriofo. 

109. 

Ceflbu  a  voz  do  Génio  foberano , 
E  Pedro  ainda  diftinguc  encre  fulgores 
Brilhantes  azas,  gefto  mais  que  humano, 
Purpúreos  rayos,  claros  refplandotes  j 
Animado  ,  fufpenfo  ,  pio ,    ufano 
Do  amor  ,  e  a  Fé  unidos  os  ardores  , 
Com  os  olhos  no  Ceo   devoco  exclama 
Afectos  que  na  lingua  o  peito  inflama. 

I  I  o.  ^- 

Oh  naó  te  efcondas  Paraninfo  eterno  ,  I<[ota  6$ji 

E  naõ  fiquem  agora  preferidos 
Em  jubilo  caõ  grande,  e  taõ  interno 
Envejofos  os  olhos  dos  ouvidos : 
Tu  es  Miguel  o  vencedor  do  Averno , 
E  em  Portugal  terás  fempre  erigidos 
Altares  com  eftatuas ,  que  ao  teu  culto 
Immorcalizem   tanto  eterno  indulíQ. 


711  Henriquetda 

III. 

Vou   defender  Coimbra  fatisfeito-  7.  ^  Mi 
De  que  heide  triunfar  deíle  límaelica,    r  ^  ^^'^.  "^ 
Que  o  bárbaro  tirano ,  adivo  efFeito , 
A  hum  eco  teu  as  fiirias  debilica : 
Para  defenfa  bailará  meu  peito 
Que  os  teus  doces   acentos  depoíita, 
E  quantas  luzes  vi  neftes  enfayo»r-i,íÍ  3334  €  i 

Fulminarão  aos  Mouros  como  rayos  - 

112. 

DiíTe ,  e  logo  fahio  Pedro  excellente 
Cerrando  as  portas  da  admirável  torre  , 
De  tudo   aviza  a  Henrique  diligente, 
E    o   que  vio  ,  mais  admira  que  difcorre  r 
Os  poílos   aíTinala  à  forte  genre, 
Qiie  a  defender  Coimbra  encaõ  concorre  v 
E  fe  augmentarfe  o  feu  valor  pudera 5 
Com  taõ  feliz  oráculo  crecera. 

Muílafa  ao  Monarca  obedecendo, 
A    praça  de  tal  forte  vay  cercando , 
Que  no  artificio  eftá  mais  eílupendo: 
Huma  Cidade  a  outra   circundando : 
Para  a  campanha  as  linhas  fornecendo 
Taõ  altos  torreoens  foy  levantando  > 
Que  fem  da  defenfiva  ter  cautellas , 
Parece ,  que  aíTaltar  quiz  as  eftrellas. 

Chega  Amada  a  Lamego ,  e  o  recebe 
Tereza  com  receyo  ,   e  alegria, 
Receyo,  que  o  amor  fino  concebe, 
Em  quanto  a  feliz  nova  naõ  lhe  ouvia ;  \ 

Alegria  que  ao  longe  bem  percebe  ,  * 

No  feguro  femblante,  que  lhe  via, 
E  de   Urania ,  e  de  Aldara  acompanhada 
Eíperava  a  noticia  dezejada. 


XCanto  XI  323 

115. 

He  vivo,  diz  Pelayo ,  Henrique  he  vivo, 
E  com  ifto  jà  digo,  que  vencemos,  '% 

Pois  fe  o  infpira  o  feu  vigor  adivo  , 
He  cerco  que  as  batalhas  naõ  perdemos : 
Vive  Bermudo ,    e  bem  que  em  fado  efquívo 
Vé  Muley  os  triunfos  ,  que  tivemos ; 
Elle ,  e  o  feu  Rey   illefos  da  batalha 
Combatem   de  Coimbra  a  alta  muralha.  4 

iió. 
Sempre  atento,  Tereza  lhe  refponde; 
Livras  três  coraçoens  de  hum  mortal  fufto  ^ 
Que  o  lacónico  eílylo  correfponde 
A  afFeclo  impaciente ,  fino   ,  e  juílo  : 
Bufquemos  a  Giraldo ,  vamos  doude 
Demos  ao  Numen  tutelar,  e  augufto 
As  graças ,  em  que  os  ânimos  devotos 
Equivoquem  nos  júbilos  os  votos. 

117. 
Foy-fe,  eVrania:  Aldara  fe  deteve 
Sufpenfa,  vacillante,  etemerofa. 
Purpura  agora  oroftro,  agora  héneve? 
E  cada  affeíto  a  deixa  mais  fermofa  : 
Naõ  perde  Amado  efta  fortuna   breve, 
E  aíTim  lhe  explica  huma   anciã  decorofaj 
Mas  oh  quanto  o  refpeico  o  prende !  oh  quanto 
O  que  a  voz  principia,  acaba  em  pranto/ 

118 

Já  vos  pedi,  belliíTima  deidade 
Alviçaras  da  vida  de  hum  felice, 
E  aceitará  também   volTa  crueldade 
Pefames  dever  vivo  a  hum  infclice: 
Já  vos  deveo   a  vida  ,  e  liberdade 
Muley,  e  já   corapri  quanto  vos  diffe: 
j>  Só  efpero  que  vos,   dura  homicida, 
Porque  eu  lha  dey,  lhe  aborreçais  ávida.' 

Ss  ii  ii9< 


3  24  Herríriqueida 

T19. 

Naõ  foy  defar  Ao  feu  valente  peito 
Receber  do  contrario  hum  beneficio, 
A  vida  naõ  pedio,  mas  foy  effeito 
De  ter  em  vós  hum  aftro  taõ  propicio  .* 
De  vencer  naõ  fe  achava  íatisfeico 
Seu  esforçado  braço    dando  indicio 
De  que  era  digno  (  a  hum  inimigo  exalto) 
Detaó  alto  favor  valor  taõ  alto. 

j  20. 

Mas  extintos  os  fortes  companheiros,.  ? 
Débeis  as  forças,  o, animo  invencivel. 
Ao  numero  exceíTivo  de  guerreiros 
Ficava  ás  reíiílencias  impoííivel: 
Só  duraõ  na  campanha   os  feus  loureiros 
Por  coroar   hum  Marte  irrefiftivel  \ 
Fiz  retirar  os  meus,  porque  o  deixara 
Ate  triunfante  quando   naó   triunfara, 

Sqy,  que  eftá  em  Coimbra;  e  fó  rendido 
Vos  peço  ,  que  efta  vez  mais  opportuna 
A  quem  taõ  defgraçado  fez  Cupido- 
Perdoeis  ter  por  Marte  huma  fortuna? 
Vede  que  o  meu  ciúme  he  bem  nacido ; 
Quanto  mais  minha  forte   he  importuna, 
AíFectos,  que   em  meu  mal  fe  contradizem, 
Sc  ÍVoz  os  cala ,  as  lagrimas  os  dizem. 

Se  a  fumma  eftimaçaõ ,  refponde  Aldara , 
Que  me  deves  Pelayo  generofo 
Tantas  finezas    ínclitas  pagara, 
Naõ  terias  razaõ  de  eílar   queixofo» 
Ainda  vive  Muiey,  e  eu  bem  deixara 
De  repetirte  hum  nome  taõ  odiofo. 
Pois  teoíFende  o  ouvido,  fenaõ   viffe, 
Que  o  nomeyo  ,  por  fer  mais  infeUce. 


i 


f^i\ 


Canto  X.  325 

125. 

Já  tediftc  o  cflado  do  mea  peito, 
Que  nam  o  recupero ,  e  nefte  eftado  ; 
No  teu  merecimenco    fatisfeitò 
Tu  a  d  inefmo  já  te  tens  premiado : 
Se  o  tempo    produzir  contrario  eífeito, 
Afortuna  inconftante,    o  duro  fado; 
Verás  que  a  obrigação   tanto  fe  augmenta. 
Que  em  mim  a  ingratidão  vive  violenta. 

124. 

Nefte   tempo  chegou  o  augufto  Infante 
Ágil,  gentil,  difcreto,  e  gracioío, 
Pelo  heróe  perguntou  feu  peito  amante, 
E  por  Moniz  atento,  e  generofo: 
Giraldo  o  a  campanha  vigilante , 
Todos  ao  templo  conduzio  zelofo : 
Na  alegre  devoção  voao   activos 
A  dar  ao  Numen  cultos  mais  feílivos* 


HEN- 


.ii\ò  âi-ijVj. 


HENRIQUEIDÁ- 

c  A  N  TO.   xr. 
Argumento 

FOrmã-Çe  de  CohnhrA  úfitiõ  forte^  .^ 

Faz>  Bernardo  valente  refifiencU,  ,  ■      '[ 

Lijis ,  e  Lido  tem  no  ariftor  a,  morte , 
'Brilha,  o  valor  até  da  luz   na  aufencia :  \ 

Elvidioy  e  Muftafá  tem  igual  jorte  ■, 
AxA  cre  que  he  verdade  huma  apparencia  i 
Levanta  Ali  o  fitio  com  defdouro  ^ 
Efoy  em  terra,  £  mar  vencido  o  Mouro,     ... 


SSJ'-.. 


Em  menos  de  huma  Lua  as  meãs  luas  ^^ 
Brilhavaó  fobre  as  torres  Mahomecanas ,  V^r"^ 

Com  que  ao  íiçkr  Coimbra  as  glorias  fuás  "X 

Oftentavaõ  as  gentes  Mauritanas  :  | 

As  linhas  com  defenfas  naó  commuas  _„ 

Defprefavaó  as  forças  Luíiranas  ; 
E  naó  menos  fe  oppunhaõ  guarnecidas 
Ao  vigor  improvifo  das  fortidas. 

Mas  antes  que  de  todo  fe  acabaíTem 
Contra  a  praça  as  fortiíTimas    defenílas , 
Mandou  Pedro  Bernardo  as  atacaffem 
Dos  defenfores  rigidas   ofenfas';  oJbnaV 

Que  da  parte  do  Bore:.s  fe  formafem ,  .j=J!^Jq^ 
Quando  a  forabra  enlutavaó  nuvens  denfas  ,'^  ^  ^ 
A's  tro  as   ordenou,    que  manda  experto  '  ^' 

Q  fçieíitc  ,    e  magnânimo  Roberto. 


,3* 


Canto  VL  327 

Em  qustro  corpos  levemente  armados 
Diftribue  os  valentes  Portuguezes, 
Que  a  peitos  taõ  robuílos,  e  esforçados 
Erao  dcFcnfa  inútil  os  arnezes : 
De  efpadas,  e  rodcllas  íó  fiados 
Vaõ  os  Luíos  j  de  dardos  os  Francczes , 
Naçoens  donde  adeítreza,  c  a  arrogância 
Unem  a  prontidão  com  a  conftancia. 

4. 

Outros  conficionados  artifícios  Nota  ^58. 

Levaõ  para  atear  a  veloz  chama, 

Qiie  ha  de  dar  nas  faxinas  exercidos 

Ao  voraz  elemento ,  que  as  inflama : 

Na  parte  oppofta  Elvidio,  dando  indicios 

De  outra  fortida,  aíluto  aos  Mouros  chama-, 

Porém  fe  defprefarem  a  primeira. 

Ha  de  fazer  a  falfa  verdadeira 

\     5- 
As  armas  toma  já  todo  o  prefidio , 

Que  fe  as  primeiras  tropas   rechaçarem, 
Acharáó  prontamente  eftc   fubfidio 
Para  os  novos  progreíTos ,  que  intentarem : 
Pela  ponte  já  fahe  o  bravo  Elvidio, 
Para  que  os  inimigos  fe  preparem 
A  acodir  ao  rumor  da  gente  cxpofta, 
Quando  o  dano  he  mayor  na  parte  oppofta. 

6. 
AíTim  fuccede  porque  a  voz  fc  efpalha. 
Que  a  praça  pello  rio  fe  focorre. 
Dentro  das  linhas  fórma-fe  em  batalha 
O  Mahometano  ,  que  ligeiro  corre: 
Vendo  que  defaniparaõ  amuralha, 
Roberto  pela  parte,  que  difcorre, 
E  a  trincheira  eítá  menos  guarnecida 
Pelo  lado,  em  que  intenta  eíla  fortida. 


^1%  Henrii 


7- 
Nota 65 9.  Sahe  com  mil  Toldados,  e  veIozes:;,^^-í%,-J^^ 

Os  de Gallia  aos  de  Libia  afialcaó  logo,  : oo^oii^íl 
Morrem  do  dardo  aos  Ímpetos  atrozes,  0"^^$  "áSf 
oCíTí  achar  na  fogida  defaiogo;  -Tjn- 

Multipíicando  aconfuíaõ,  e  as  vozes*.?;;- 
A  Portugueza  eípada  mais  que  o  fogo,  :   jí 

Qiie  tudo  abraza,  inflama,  queima,  liumilha;,-sl 
Entre  as  fombras  deílroça,  ferCv-e  b^iWii^^..  r         ' 

8.  ^  ^"   ^^^ 

Maquinas  que  ali  çftavaõ  preparadas 
Em  pouco  tempo  deixaõ  deftruidas,..     ,3], 
As  faxinas  fo  íerveni  aprazadas         ri^     = 
De  dar  mais   luz  às  armas  homicidírsí, 
Poucas  daquella  parte  prefervadas. 
Do  ferro  ficaõ  Africanas  vidas  j  ^ 

E  o  trabalho  fe  vé  perdido  agora , 
Que  cuftou  muitos  dias ,  nefta  hora j^f^^j^jr^gi  i^mtu^^ 

9- 
Correo  Axa  veloz  áquella  parte  >, 
E  affirmou  que  cora  elmo  diamantino 
Vira  decer  dos  Ceos  o  mefnío  Marte 
A  dar   aos  Lufos  feu  favor  divino:  çi^i 

E  que  por  mais  que  Palias  o  eílandarte  ^■t» 

Fez  tremolar  no  orbe  criílalino , 
O  Deos  que  aos  Agarenos   tanto  aíTombra, 
Porque  o  naõ  viílem  ,  o  efcoadeo  na  fombra. 

I  o. 

Mas  que  Tritonia  com  feu  claro  efcudo 
Da  Gorgona  veneno  transparente 
Sufpendeo  de  Mavorte  o  golpe  riido> 
E  defcndeo  a  Mauritana  2;ente  : 
Axa  com  tal  vaJor  acode  acudo,  -..^ 

Que  para  que  (luma  Palias  rcprefenre .  ^- 

Supria  com  impulfo  taõ  terrível 
OseJorços  do  Numen  kvencivd* 

i  J . 


Canto  XL  329 

II. 

Roberto  para  a  praça  íè  recolhe 
Detrofeos,  e  defpojos  adornado, 
Efte  tempo  opporruno  Elvido  efcolhc 
Ao  novo  ataque  pelo  oppofto  lado; 
Outras  ventagens  ferDelhantes  colhe, 
E  deixou  hum  quartel  já  arurinado : 
Tanto  os  expugnadores  padecerão. 
Que  expugnados  agora  parecerão. 

li. 

Corre  oRey,  e  Altamor,  vendo  o  incêndio^' 
Aextinguillo,  que  o  campo  abraza   adivo, 
O  preceito,  ocaftigo,  e  o  difpendio 
Sufpenderaõ  o  ardor  executivo; 
Foy  a  noute  de  eílragos    hum  compendio, 
EdeGrobrio  o  dia  íliceíivo  .^^íA  í^*-^ 

Nos  íinaes  dos  triunfos,  que  luíiraó. 
Quantas  acçoens  as  íombras  encobrirão, 

13- 

A  reparar  huns  danos  tao  funeftos 
O  trabalho  fe  vio  de  muitos  dias. 
No  inverno  fe  faziaõ   mais  moleftos 
Nas  procelofas   frigidas  porfias ; 
Se  eítavaó  nas  trincheiras  manifeílos 
Os  Mouros  afFédando  asoufadias. 
Para  matallos    rápidos   cometas 
Voaó  dos  muros  as  ardentes  íetas. 

14-  ; 

Entre  as  meãs  Pedro  diflribue 
Occukos  nas  féte  iras  os  frecheiros, 
E  a  emulação  louvável,  que  Iheinflue; 
Multiplica    os  acertos  dos  guerreiros 
Artificiofa    maquina  conclue. 
Que  os  feixos  mais  pefados  faz  ligeiros ; 
Tirando  dos  fepulcros   campas  duras, 
Voaõ  para  matar  as  fepulturas. 


330  Henriqmtda 

:   ^    s  Oh  dura  ley  da  guerrít,  que  interrompa 

Dos  maufoíeos  o  afila  inviolável  í  ..  i^íâ    '?  "-^ 

E  o  cadáver,  que  epuerra   fe  coFronTp«>'n  o^ 

Expofto  deixa  objçóto  intolerável! 

Quando  ao  defcanfo  os  privilégios  rompe, 

He  da  aflicçaõ  motivo  deceftavel  j 

E  deixa  com  effeitos   fuçceíTivos 

Os  vivos  mortos,  quancjo  os  mortos  vivos l 

I  6. 

Mas  do  Agareno  a  multidão  immenfa 
O  dano  das  fortidas  beai  repara , 
Com  o  exemplo,  ocaíligo,  a  recompenía,^ 
O  Rey  aos  feus  Solda,(;]os  animara/ 
Tanta  fori;naõ  dç>  íptas  nuvem  denfa, 
Que  fempre  o  Sol  á  praça  fe  eclipfára , 
Ainda  que  o  mefmo  inverno,  que  o  aírombra>. 
Lhe  naó   ro^baíTe^luz  na  efe uí a  fombrg. 

Noíaó6o.  Hum  rebanhÒ-*  de  Aríeteá  robuíVos, 

Por  mais  que  inanimados  ja  fe  viaõ 
Com  movimenta  eftranho  daya.ô  íuílos 
A*s  muralhas  que  rápidos  batiaõ  / 
Paílos   eraõ   os  mármores  auguílos, 
E  fe  cré  íem  ter  bocas ,  qu^  os  comiaõ , 
Eoimpulfo,  que  a  maquina  reforça. 
Quanto  mais  retrocede ,  mais  fe  esforça, 

Nota66i.  Catapultas  juntarão   tao    immenfas. 

Que  em  vamitos  fataes  de  feixos  duros 

As  pedras  defuniaô  das  defenfas, 

Que  o  betume  ligou  nos  fortes  muros: 

Das  maquinas  rompendo  as  nuvens  denfas 

Na5  ficaó  deíles  rayos  bem  feguros 

Osjafpes,   que  na  força,  que  os  domina, 

A  f eíiàencia  trocaõ  em  ruinai. 

15^; 


Canto  XL\  331 

19. 

Confpiraõ  contra  os  ares  asBaliftas,  Nota  (J 62.. 

E  da  cerra  arrojando  outros  dilúvios 
Dilacaó  nas  esferas   as  conquiílas, 
E  fem  fogo  de  pedras  faõ  Vefuvios.' 
Formais  Eólo,  que  ao  furor  reíiílas. 
Podem  mais  que  teus  ventos  í^us  eflúvios: 
Caliem  dentro  na  praça  os  fçiis  eBÍayOí  > 
E  fubindo   vapores,  bayxaó  rayos. 

20. 
Naõ  faz  mayor  abalo  hum  terremoto. 
Quando  a  terra  combate  amefma  terra: 
Naó  fó  na  força  do  opprimido  Noto,  Nota  ^(jj. 

Mas  do  fulfureo  mineral ,  que  encerra ; 
E  unindo-fe  ao  falitre  deixa  roto 
Ocarcere    infernal  com  dura  guerra, 
E  para  confundir  os  orizontes , 
Rouba  para  o  Abifmo  os  altos  montes. 

II. 
AíTim  unindo  o    tormentofo  eiirágo 
Feria  as  pedras,  e  feria  os  ares, 
Levava  o  rio  com  impulfo  vago 
Todo  o  terror  da  terra  aos  mefmos  mares ; 
De  Numancia  ,  Sagunto  ,  e  de  Cartago  Nota  6^4; 

Naõ  fcjaõ  as  defenfas  íin guiares ; 

Porque  em  Coimbra  mais  conftancia  admiro  Nota  66 j. 

Que  a  de  Jerufalem ,  Ravenna  ,  e  Tyro. 

Fabricava©  perfeitas  cortaduras 
Contra  as  brechas  os  fortes  defeníores : 
Refiftiaõ  ao  ferro  as  pedras  duras 
Defprezando  os  feus  hórridos  rigores ; 
Mas  já  de  outras  foberbas  eftructuras 
Vem  occupar  esferas  fuperiores 

De  huma  ,  e  outra  Babel,    que  tanto  erguida  j^      ^^^1 

Algum  dia  ha  de  verfe  confundida.  o  a       j 

Tt  ii  ^  25, 


■">' 


3  3  2^  Henriqueidà 

As  fublimes  muralhas  excèdiaov 
E  fobre  ellas  as  maquinas  plantavaõ  , 
Quantos  nas  ruas  da  eminência  viaó 
As  ingentes  Baliftas  fulminavaõ  ; 
Os  que  nos   próprios  Lares  aíTirtiaõ  , 
E  no  azilo  feguros  fejulgavaõ; 
Oh  quantas  vezes  a  huma  feca  dura      oB»  itens  ¥ 
^Transformarão  o  leito  em  fepultur£^i?>bí«' §1 

Entre  as  iras  de  Marte  amor  fe  efconde. 
E  huma  fatal  tragedia   reprezenta ,  j?  s^op 
Trifte    o  teatro    foy   Coimbra ,  adbnd^ 
O  feu  triunfo  o  feu  efírago   augmencaj       _ 
Notaéí?.  Qpando  Lifís  a  Licio  correfponde,  m3  mp  ?9 
Clioraõ  unidos  morte  mais  violenta,; 
Ambos  no  fangue  iguaes,  ambos  amantes 
Sentem  da  Parca  jos  golpes  fulminantes. 

A'  bella  Lifís  o  galhardo  Licia 
Amava  fino ,  e  refpeitava  mudo , 
Naó  deveo  ao  amor  mais  beneficio 
Que  o  feriilo  com  ferro  mais  agudo  r 
'        Antes  que  da  razaõ  o  ufo  propicio 
DeíTe  ao  afFedo  efte  adorado  eftudo , 
A  innocencia  admirando  o  bello  objedo. 
Antecipou  com  a  razaõ  o  aíFedow 

Dezejava,  que  occultas  as  finezas 
Nem  de  merecimentos  prefumiífem  , 
Nem  ainda  por  culto  das  bellezas 
Ardentes  facrificios   fe  admitiíTem  .• 
Naó  pudera    encobrir  tantas  triftèzas; 
Se  quando  a  Liíls  os  feus  olhos  viflem 
Entre  huma  fuaviíTmia  agonia 
Naó  as  equivocaíTc  na  alegria^. 


Canto  XL  333 

Lifis ,  fem  o  íaber ,  a  Lido  niatá, 
Porem  fe  elle  lhe  encobre  ò  que  padece , 
Sc,  porque  o  ignorou,  naõ  foy  ingraca , 
Era  injufta,  naó    vendo  o  que  merece: 
Mas  no  primeiro  dia,  em  que  defata 
O  Amor  os  laços ,  que  o  íilencio   tece> 
Vencida  do  eloquente,  edoconftance, 
Se  rende  a  difcricaõ   do  fino  amante.  Nota  ^^8, 

28. 

Jurando  de  Himeneo   feguir  os  ritos, 
Efperaõ  que  de  Febo  os  refplandores 
Os  caracteres  deixem    ver  eícriros 
Pelo  Deftino   em  livros   íuperiores.- 
Noute;  que  efcondes  pérfidos  delitos  j 
Occulta  agora  lícitos  amores, 
^iofre  6  Aurora  em  tálamo  enganoío 
Frios  abraços  do  teu  velho  efpofo.  Nota  ^^5>,' 

As  cafas  dos  amantes  íeparava 
Dcliciofo  Jardim,  breve,  e  ameno, 
E  até  do  Inverno  contra  a  fúria  eftava 
Aterra  florecente,  o  Ceo  íereno: 
Sem  artificio  o  talamó  formava 
Sobre  o  rigick>  gelo   o  brando  feno , 
Com  folhas   os  Loureiros  fem  mudaaças 
Simbolifaó  amantes  efperanças. 

Cafta  Diana  aos  mares  fe  retira.  Nota  é 70» 

Prónuba  Vénus  bella    fe  defcobre, 

De  Amores   o  efquadraõ   nas  fombras  gira, 

E  ao  chegar  os  amantes  naõ  fe  encobre: 

Lifis   ouvindo  Licio,   que  fiifpira, 

G  reconhece,  ainda  que  a  nouce  cobre  ■  ^i; 

Os  aíFedos,  que- exprimem  os  íeiflblánces 

Dos  ardentes  finiiTimos  amantes. 

31* 


|^|.  Henriqueida 

51- 

Já  fe  eftreitava  no  primeiro  abraço 
A  cadea   de  amor  fucil,  cdura,  ^^-^.   uvr>!/ «^ 

E as  almas  no  decente,  e  firme   laçcP  £*r  íí'b   ,  ■;->  3 
Cuidavaò  foíle  eterna   uniaó   caó  pura : 
Quando   hum   baibaro  infame,    iniquo    braço -^^' 
Dispara  com  tal   força  fè ca  impura,  -  .n; 

Que  antes   que  hum   eoraçaõ   nos  dois -íe-ôuvií& , 
Fez  que  a  Parca  voando   os  dividiíTe.  V^íí"^WS3,ai  ãf- 


'>^-' 


Foy  o  cafoj ''tjtfé  Alcino  injuílo  ,    e  fero 
Amava  a  Liíis  com  ardor  aâivo  , 
E  por  fogir  do  íeu  defdem  fevero 
O  trouxe  aos  Mouros,  feu  defiino  efquivo;        '-^ 
Culto ,    que  profeílou  cerro ,  e  íincero 
Da  íacra  fonte  no  criftal   nativo  , 
Deixou  por  ímpio   rico   Mahometano, 
Quando  a  Liíis  ouvio  hum  defengano. 

5  5. 
Defertou  de  Coimbra  aquelle  dia. 

Em    que  huma  intereíTada  confidente 
Lhe  defcobrio,  que  a  Licio  preferia  1 

Lifis  com  pura  fé  do  peito  ardente :  pii>^ 

Bufca  o  Rey  da  Africana  Monarquia,  ^I 

Dizlhe  que  a  praça  tinha  menos  gente 
Da  que  era  neceíTaria  aos  largos  muros 
Para  eítar  guarnecidos ,  e  feguros, 

34. 
Que  fempre  a  fatigaíTe  com  aíTaltos, 
E  que  naõ  tinha  muitos  mantimentos  ,  1 

Taõbem  de  muniçoens  eftavaõ  faltos , 
Mas   que  o  rio  lhe  dava  baftimentos  ; 
Que  da  obra    interior  naõ  eraõ  altos 
Os  muros ,  e  que  aos  golpes  mais  violentos  /  O  \ 
Seu  material   muy  pouco  dilículta  ,  "  - 

Quando  os  bate.  furiofa  a  catapulta 

5M 


35- 
Que  he  prccifo  ganhar  a  Fortaleza 

Só  defendida  do  valor  deElvidio, 

E  que  elle  íe  otFrcce  à  nova  cmprefa,, 

E  que  ha  de  cativar  o  feu  preíidio; 

Que  aQlm  naõ  lograrão  tanta  deílreza. 

Com  que  pelo  Mondego  tem  fubUdio, 

Quando  na  cfcuridaõ  pequenos  barcos 

Se  introduzem  da  ponte  pelos  arcos» 

Que  fcus  pays  fempre  foraõ  Mahometanos 
Fingindo-fe  por  medo  convertidos, 
E  dos  Criftaõs  fuperftiçoens,  e  danos 
Nunca  em  Teus  coracoens  foraõ  feguidos  i 
E  por  fogir  dos  pérfidos  enganos 
Bufcava  os  ícus  parciaes,  que  agradecidos 
Como  o  feu  Rey  o  louvaõ  ,  e  engrandecem , 
Porem  de  que  he  traidor  nunca  fe  efquecera, 

3-7. 

Pede  lhe  Alcino,  que  a  fublime  torre, 
Que  ao  alto  muro  eílava  mais  vezinha* 
Lhe  deixaíTe  occupar,  porque   difcorre, 
Que  delia  o  tiro  baibaro  emcaminha: 
De  Lifis  o  jardim  muy  perto   corre 
Do  muro,   qne  da  torre  íè  avezinha. 
Sabe  o  lugar  do  tálamo  de  feno, 
E  algum.a  luz  lhe  dava  o  Ceo  fereno. 

38. 

Eí^as  imprecaçoens   dicbava' a  fúria ,  / 
Que  lhe  influio  íacrilegos  projedos , 
Da  Religião  ,  da  pátria  ,  em  torpe  injnria ; 
Se  rebelião  feus  pérfidos  affeclos : 
Mas  para  que  naõ  erre  com  incúria 
O  tiro  na  incerteza  dos  objetos, 
A  féta  applica  ao  arco,  e  fem   que    tema, 
Efta  formou  prppoíi^aõ  blasfema. 


,à 


336  Henricjuáda 

5  9- 
Génio  do  Abifmo  ,  a  quem  do  Averno  o  "Nume 
Deu  poder  de  que  às   almas  dos  humanos  ;^ 

Inípiraffes  o   aíFedo  do  ciúme  , 
Occukandollie  os   bens  dos  defenganos , 
E    a  chama  azul  do  teu    fulfureo  lume 
Cega  oucra  vez  o  amor  com  íeus  enganos , 
Contra  mim  tuas  iras  já  provoco  , 
E  a  receber  três  vidimas  te  invoco.       '  :'^^'■«v 
Se  cila  Teta  encaminhas  pelos  ares 
De  forte  ,    que   os  teus  trágicos  effeicos 
Infpirem  os  meus  malévolos  pefares , 
Comque  hum  fó  golpe  penetrar   dous  peitos  ; 
Suas  vidas  confagro  a  teus  altares , 
E  íc  ainda  naõ  ficarem  fatisfeitos , 
Para  ir  vér  abrazar  Liíis  ,  ç  Licip, 
Eu  ferey  o  terceiro  facriíicio.      "'  ' 

Appareceo  voando  o  nume  ttífte: 
Cerúlea  toga  encobre  o  corpo   ardente/ 
E  para  atala  fobre  o  peito  exiíle 
Com  veneno  fotil  azul  ferpente  : 
O  cabelo  entre  viboras  perfiíle  , 
Olhos  de  Lince  cem  ,  canino  o  dente ; 
A  lingua  triunfando  dos   fentidos , 
No  mal  perverte  Gs  olhos  ,  e  os  ouvidos: 

42. 
Com  a  funeíla  luz  da  negra  téa 
Lhe  mo  (Ir a  para  aí  feta  o  certo  emprego  , 
E  citando  cego  na  confufa  idea , 
Para  vingarfe  naõ  efteve  cego  : 
Difpara  a  feta,   -iem  que  o  ciúme  atca 
A  chama  do  infeliz  defafocego.- 
Ay/  (diz  Lifis )  do  amor  fou  facrificio  : 
Liíis,  já  por  ti  morro,  exclama  Licio. 
^■■■■^-  43 


'Canto  XI.  337 


45. 

Vendo  Alcino  os  eíFcicos  da  vingança, 
Cumpre  Tem  dilação  o  impuro  voco , 
Da  corre  à  teira  promptamence  lança 
O  corpo  que  em  pedaços  íe  vio  roto  ; 
A  alma  por  trofeo  a  fúria  alcança  , 
E  do  Aqueronce  o  fúnebre  piloto 
A  condufio  no  horrendo  paracifmo-.^  .^ 
Para  augmentar  o  incêndio  ao  raefmó  ABirmo.' 

44. 

Vay  Muftafá  pela  profunda  terra  Nota<^7i.' 

Imitando  os  quadrúpedes  raedrofos  , 
Introduzindo  de  huma  occulta  guerra 
Aftutos  artifícios  tènebrofos  : 
Errt  largas  minas  tanta  gente  encerra  , 
Qiie  nos,  eílratagemas  cauteloíos  , 
Parece  que  intentou  feu  peito  impuro 
Conquiílar  de  Plutão  o  Reyno  efcuro. 

"4Í- 

Era  o  intento  das  profundas  minas 
Debilitar  os  fortes  fundamentos  , 
Para   que  das  muralhas  as  ruinas 
Do  aílalto  facilitem  os  intentos; 
Dentro  das  fubterraneas  oííicinas 
Suftentavaõ.  em  pinheiros  corpulentos 
PoQos  a  prumo  os  muros  levantados, 
Para  cair  deixando-os  abrazadosm 

Porem  Pedro  Bernardo  vigilante 
Ouvindo  algum  rumor  dentro  da  terra  , 
E  que  em  partes  fe  move  vacillante. 
Como  prefagio  do  furor,  que  encerra: 
Gente  efcolhe  ,  que  deftra ,  e  arrogante 
Faça  no  efcuro  campo  occulta  guerra ,  ;,i 

E  a  contrainina  fabricou  Roberto  *^_ 

Da  mina  conhecendo  o  lugar  certo 


^338  Henriqueida. 


47- 

Enconcraõ-fe  os  nodarnos  contendores ; 
E  fe  tancas  batalhas  conta  a  hiftoria ,  j 

Em  que  do  Sol ,  e  Lua  os  refplandores  >i 

Illuminiraõ  a  preclara  gloria  :  '* 

Agora  entre  tri(lilTlmos  horrores 
Naõ  fe  ha  de  defcrever  clara  memoria 
Do  valor,  que  na  occulta  ,  e  baixa  esfera  > 

Temeo  Aleólo,  e  receou  Megera.  * 

48. 

Corrêa  aos  Portuguczes ,  que  guiava 
Fez  encontrar  as  gentes  de  Zulema , 
Sem  luz  ninguém  fabia  quanto  obrava , 
Quando  nem  entre  as  fombras  há  quem  tema  ; 
Mas  já  do  Lufitano  a  fúria  brava 
Faz  que  o  Mouro  cobarde  grire,  e  gema, 
E  íicáraô  os  bárbaros  Soldados 
Mortos  no  mefmo  ficio ,  e  fepultados. 

49- 
Tranfportara-fe  à  praça  dos  madeiros 
O  foccorro  aos  reparos  taó  prccifo  , 
E  os  alicerfes  coníervando  inteiros 
Emendarão  da  mina  o  prejuizo  : 
Mas  já  fentem  os  celebres  guerreiros , 
Que  daõ  a  Henrique  deíle  mal  o  avifo. 
Da  fome  horrível  o  mortal  infulto 
Inimigo  domeítico,,  e  occulro. 

50. 
Ainda  que  o  Sol  apenas  tem  fihido 
Notaéyi.Do  trópico  do  gelo  em  que  naõ  doura 
O  prado  ameno  ,  nem  o  Ceo  lufido  , 
E  Flora  ainda  as  riquezas  entezoura  ; 
Com  abundância   fe  acha  foccorrido  -■ 

O  campo  fitiador  da  gente  Moura  •,  Í 

Lisboa  lhe  ofterece  ,   quanto  encerra  ,  i 

Que  o  niar  Ihèf-dá ,  fé  o  diííicuita  a  terra. 


Canto  XL  339 

51-    . 

Mas  em  Coimbra  falca  de  tal  forte 
O  alimento  ,  que  a  mefma  fobriedade 
Reconhece  o  aperto  extremo  ,  e  forte 
Da  tirana  ,  e  fatal  neceílidade  ; 
Por  mais  que  Pedro  os  ânimos  conforte 
Com  o  exemplo  à  conftancia  ,  e   à  piedade, 
Teme  que  fc  atenuem  nos  conflidos 
Com  dura  fome  os  ânimos  aílidos. 

Os  quadrúpedes  mata  gcnerofos , 
Perde  a  milícia  equeftre  os   fcus  projedos , 
Já  fem  afco  íe  julgaõ  iaborofos 
Os  mais  vis  ,  e  mais  Ínfimos  infèdos  ; 
Mas  faõ   os   coraçoens  taó  valerofos , 
Que  defprezando  efles  mortaes  objedos , 
Naõ  fe  abate  das  forças  a   violência , 
E  o  vigor  recuperaõ  na  abftinencia. 

Já  com  as  porfiadas  batarias 
A  barbacaá  cahio  cegando  o  foíTo, 
Sobre  elle  caminhando  as  galarias 
O  muro  fe  arruina  altivo  ,  e  groífo  : 
A  reparar  as  brechas   com  porfias 
Naõ  bafta  a  actividade,   e  valor  noffo  ; 
Porém  naõ   receando  os  íêus  efteitos , 
Muralhas  invencíveis  faõ  feus  peitos. 

54- 
Elvidio  refiftira  três  aíTaltos 
Vingandofe  do  Mouro  em  muitas  vidas  i 
Porém  débeis  os  muros ,  e  naó  altos 
Cederão  ás  violências  repetidas  : 
De  muniçoens ,  e  mantimentos  faltos , 
Depois  de   outras  emprezas  ,  e  fortidas , 
Foy  retirarfe   à  praya  ultimo  emprego. 
Abandonando  ^  ponte  do  Mondego.  ..^i  . 

Vv  ú  fji 


34^  Henriqmida 

As  levantadas  maquinas,  que  os  tiros 
is.^^í.  i';       Faziaõ  às  muralhas  Tuperiores,  5uj^' 

De  horrendos  feixos  com  horríveis  giros 
:   Cobriaõ  os  valentes  defenfores  : 
Naò  valiaõ  os  últimos  retiros 
Dos  lugares  oceultos,  e  inferiores, 
E  fe  algum  no  Sepulcro  (o.  aíTegura  : 
A  moíte  o  foy  achar  na  íepultura. 

55. 

Preparou  íe  o  aflalto  formidável 
As  tropas  repartindo  o  Rey  potente, 
Fazendo  fe  temido,-  quando  amável, 
A  tanta  empreza  anima  a  Moura  gente ^Jfc^2flí^í"i 
Que  Coimbra  naõ  era  inexpugnável  '^ 

Lhe  perfuadio  com  methodo  eloquente  ; 
E  que  à  nuveai  fatal  de  tanta  flecha 
A  guarnição  defamparava  a  brech^è*  *AÁíiiiê-te4£ - 

-57- 
Que  a  fome  aos  defenfores  extinguira ; 

Que  o  largo  íltio   as  armas  malquiftara  , 

Que  Henrique  da  campanha  já  fogira  > 

E  em  Leiria  muy  bem  fe  arrincheirara , 

Que  de  Sevilha  o  grande  Rey  pârtimrWUfí^.;/í|OlJ•*^ 

E  o  Cordovès  cambem  o  acompanharai^iífiiiif 

E  que  chegando  as  tropas  a  Alentejo,      -'■' 

PaíTaraõ  para  a  Abrantes  o  áureo  Tejo. 

58. 
Que  ganhar  a  Coimbra  era  preciío, 
Por  naò  roubarihe  aglotia  os  Aliados,  ':-'í^3^'" 

E  Henrique  temerofo ,  e  indecifo 
Acharia  os  três  Reys  encorporados  : 
Sentindo  irremediável  prejuifo 
Naõ  tinhaõ  mantimemos  íeus  Soldados , 
E  paflando  o  Mondego  fem  receyo  ,  m^artl -^  l 

TeriaaosPortuguezes  em  bIo4ueyo>w5^„;j;iDoíí<piíA 
•??  -  "  %^^ 


.59. 

Que  Ell^ey  do  Algarve,  o  celebre  Aloandro  , 
Que  excedia  no  íabio  ,  e  no  prudente  Nota(?74. 

Ao  Rey  Corincia  o  docto  Periandro 

Encre  os  Tece  de  Grécia  preeminente;  Nota^yc. 

Qiic  he  emulo  na  guerra  de  Lifandro  Nota  676. 

Naõ  menos  que  Temiftocíes  valente, 
Pode,  íc  a  rebelião  vé  caftigada 
Guardar  Lisboa  ,  e  expedir  a  armada. 

60. 

Afllm  fallou  o  R.ey  de  hum  lugar  alco; 
Donde  ja  Muftaía  ,  e  Axa  fe  viaõ  , 
DiPiribuindo  para  o  duro  afialro 
Huns  bacallioens,  que  aos   outros  íuccediaõ  : 
De  agoa  o  profundo  fofib  efi^ava  falto  , 
De  todo  com  faxina  o  entupiaó  ; 
E  parece   que  a  brecha,  que  já  toca 
Para  eípirar  a  praça  abrir  a  boca. 

61. 

Arrimadas  as  mantas  ,  que  refíílem 
Das  pedras  ,  e  do  fogo  a  ardente  ofFenfa  ," 
Encobrem  os  Soldados ,  que  perfiQem 
Em  tirar   aos  da  praça  outra  dcfenía  ; 
Com  mil  efcadas  circulando  infiftem 
As  muralhas  ,  por  ter  a  recompenfa^^L. 
Que  o  Rey  promete  a  quem  aâiivo  ,  e  duro 
Primeiro  as  Luas  collocar  no  muro. 

Tartarugas  terreílres  caminliava'6 , 
E  levantando  as  conchas  às  améas  , 
Do  Grego  engano  equeílre  renovavaó 
Na  nova  Troya  as  trágicas  ideas ; 
Pois  pela  horrenda  boca  vomicavaõ 
Mil   producçoens  das  Libicas  aréas ; 

E  parece,  que  de  Africa  as'i5crpentes-í:yW?^  Notab?-/» 

Reproduzirão  vcnenofos  dentes;  ^^'^i9-^ 

.63^ 


3  4  2'  Henriquelda 

65. 
A  hum  tempo  no  ar ,  e  terra  foa  a  caxa 
Para   montar  a  brecha  vaõ  primeiro 
A'  compccencia  Muílafá  com  Axa, 
Rara  hecoíiid,  intrépido  guerreiro: 
Ambos  coca:')  do  muro  a  uicinia  faxa  , 
Tiros  mulciplicou  canto  frecheiro  , 
Qije  encre  poucos  fe  achavaó  do  prefidio 
O  valente  Roberto,  o. force  Eividio. 

64. 
Sanguinolento  bárbaro  cílendartc 
De  três  i^uas  de  prata  femcado 
Por  Axa,  e  Muílafá  o  Rey  reparte, 
Para  íèr  fobre  os  muros  arvorado: 
Mahometo,  o  Mouro  diz ,  a  quem  deu,  parte, 
Do  governo  do  mundo  eterno  Fado.'       .  « 
Faze  contra  eLlas  ímpias,  fah^as  gentes 
Kota(j78- Deftes  três  novilunios  três  crecentes. 

65. 
Axa  aíTira  clama  /  O' tu  Cintia  divina  ^f^^v 
Que  triforme  te  moftras  em  três  Luas  -í   ..$*«?• 
Kota(57P'  ]\^a  cgf^a  ^  Ceo  ,  e  Abifmo  ,  a  que  ilílimina 
Triplicado  fulgor  das  glorias  tuas  ; 
Se  hoje  à  Cruz  efta  Lua;  predomina  , 
E  a  ti  fe  proftraõ   as  vaidades  fuás , 
Eu  te  farey  hum  templo  izento  á  chama  , 
Que  de  Eroftrato  apague  a  indigna  fama. 

66. 
Na  maõ  direita  a  efpada  rutilante, 
E  na  efquerda  a  bandeira  Mahometana  , 
Levava  Muftafá  fempre  arrogante , 
Levantava  a  belliffima  Africana  : 
Mas  naõ  pode  o  Profeta  fer  triunfante, 
Nem  vencer   a  divifa  de  Diana, 
Que  a  idolatrasse  infiéis  as  falfas  luzeSu^tifitA; 
Sempre  eclipçaraõ  Lulitanas  Cruzes.         ivikbíp; 


Cl. 


Canto  XI .  343 

Fere  a  Elvidio  a  heroína  bellicofa, 
Mas  delle  recebco  outra  ferida  ; 
Perto  eíleve  de  ler  hoje  fermofa 
A  merma  morte  com  taó  bella  vida  : 
Naõ  ccdco  a  bandeira  à  vicloriofa 
Xíaõ  ,  que  já  a  roubava  prefumida  , 
E  ambos  lutando  no  combate  duro 
Sc  prccipitaõ  defde  o  alto  muro. 

63.       ^ 

Sobre  a  concha  do  Anfíbio  os  dous  cairão,' 
E  Tem  :cordo  os  levaó  para  as  tendas 
Os  Mouros  ,  que  hum  prcfagio  trifte  viraó 
No  principio  infeliz  deílas  contendas  .• 
Porque  os  feus  eílendartes ,  donde  admiraõ 
Brancas  Luas  de  iníignias  taó  tremendas  > 
Do  fangue  das  feridas  fe  mancharão  , 
Que  em  terriveis  íinaes  as  transformarão. 

6ç).  ] 

Roberto  ,  que  já  tinha  o  afcendente 
Em  Muftafá,  que  em  Gaya  cativara, 
Ainda  que  o  vio  taõ  agil,  e  valente, 
O  rendeo  com   deftreza  ,  e  força  rara  : 
Braço  a  braço  lutando  o  impulfo  ardente 
Do  Francez  o  Agareno  fuperara  ; 
Mas  já  vem  mil  a  mil  expugnadores  , 
E  correm  cento  a  cento  os  defenfores. 

70. 

Muley  com  os  que  o  feguem  defmontando 
Dos  cavallos  ,  fubindo  a  brecha  larga, 
Foy  aos  que  já  a  deciaô  fuilentando 
Sem  recear  das  pedras  dura  carga  : 
Vay  com  tal  prcfla  os  muros  alTalcando^ 
E  Çó  ^  dos  feus  parciaes  tanto  fe  alarga, 
Que  do  animo  na  intrépida  grandeza 
Naõ  quer  partir  a  gloria  da  árdua  empreza. 

7'- 


34+  Uerjriqueida. 

De  hum  bruto  equeílre  a  cauda  efpeíTa,  e  negra 
Sobre  a  muralha  com  valor  arvora  , 
E  todo  o  campo  bárbaro  fe  alegra, 
Por  ver  ,  que  o  fero  aílalco  fe  melhora : 
Da  diíciplina   Militar  a  regra 
O  peito  temerário  deixa  agora  , 
Qjje  a  fortaleza  com  furor  violento 
Naõ  fogeita  á  pradencia  o  movimento^ 

Muitos  im;taõ  a  Muley  galhardo  , 
E  na  ganhada  brecha  fe  alojarão  , 
Se  de  huma  cortadora  no  refguardo 
Os  Lufos  outro  corpo  naõ  formarão  : 
O  Leão  Leonês  Pedro  Bernardo , 
E  os  feus  aos   Agarenos  rechaçarão  , 
E  fazendo-os  decer  da  larga  brecha , 
Donde  a  lança  naó  chega  ,  os  fcgue  a  flecha  i 

73- 
Com  Bernardo  Muley  combate  adivo, 

E  eíle  vendo  que  os  feus  já  o  deixavaó  , 

E  que  com  tanto  golpe  executivo 

No  foíTo  muitos   mil  fe  fepultavao  ; 

E  fe  os  contrários  o  aprifionaõ  vivo  , 

Os  trofeos  mais  fublimes  alcancavaõ, 

A  Bernardo  ferio  no  invido  peito  , 

E  aos  feus  fe  retirou  mal  fatisfeito. 

74. 
Naõ  pode  o  Rey  com  vozes ,  e  ameaços , 
Exemplos ,  rogos  ,  prémios  ,  e  promeflas , 
Perder  o  medo  neftes  fortes  laços  , 
Quando  a  fogir  ,  ó  gente  infiel ,  te  apreíTas  .• 
Mantas,  e  efcadas  cahem  em  pedaços  : 
E  tanto  em  novas  glorias  te  intereífas , 
O'  Corrêa  invencivel  >  q[ue  a  fortida 
Já  te  coníeguc  a  palma  .prevenida. 

■75^ 


Canto  XI ,  345 


75- 
Corrêa  que  efcolheo  deftros  Infantes  , 

Décc  aofoíTo,  e  aos  Mouros  confternados 
Carrega  com  impu  fos   arrogantes. 
Enchendo  de  deíPojos  os  Soldados : 
Achando  mancimentos  abundantes 
Com  o  temor  de  todo  abandonados, 
A*  praça  os  conduzio,  donde  com  anciã 
Se  íepultou  a  fome  na  abundância. 

76. 
Efcreve  o  Rey  a  Pedro ,  e  lhe  oíFerece 
Ervas   com  que  fe  cure  das  feridas , 
A  bizarra  defenfa  l  e  engrandece 
Com  palavras  honrofas,  e polidas. 
Que  por  Elvidio  a  Muftafá  lhe  deíTe 
Propõem  com  expreííoens  encarecidas, 
E  fe  o  fer  deíigual  naó  he    defdouro , 
Diz  lhe  dará  de  mais  todo  hum  thcfouro. 

77- 
Que  bem  fabe ,  qne  teve  hnm   mào    fucefío, 

E  faz  ao  vióboriofo  humapropofta, 

Mas  que  teme  do  fitio  no  progreíTo , 

Que  a  praça  a  toda  a  fiiria  fique  expoíla : 

De  Andaluíia  vem  com  tanto   exceíTo 

Cente  de  três   exércitos  compofla, 

Q^  e  unida  com  a  armada,  que  jà  chega 

Tema    quem  marcha,  tema  quem  navega. 

78. 
Que  os  muros  reparar  em  tempo  largo 
Com  guarnição  taõ  dcbil  naó   podia, 
Que  o  mantimento  mais   que  o  fitio   amargo 
Em  pequena  porção  o  focorri    : 
Que  o  frio  Inverno  com  precifo  embargo 
Detinha  o  feu  exercito  cm  Leiria, 
Nem  Henrique  intentara  louco,  e  cego 
Paflar  çom  poucas   tropas  o  Mondego; 

Xx  79* 


3  4^  Henriqueida. 

79- 
Que  das  mayores  honras  militares, 

Refcns,  utilidades,  feguranças, 
Bem  podia  ajuftar  preliminares, 
Que  cxcederiaõ  fuás  efperanças; 
Se  voltar  de  Caílella  aos  pátrios  lares 
QiiizeíTe  com  fe.juras  alianças, 
Acharia  os  Eftados,  e  os  caminhos 
Defendidos  dos  Mouros  Reys  vezinhos. 

»o. 

Abulfaragio  hum  Árabe  eloquente 
Como  na  própria  lingoa  na  Hefpanhola 
Era  oFmbaxador,  e  promptamente 
Huma  bandeira  cândida   rremôia; 
EmCicero,  c  Demoftenes  fciente 
Poffue  a  Grega  5  e  a  Romana  efcôla, 
Sabendo  da  íiiaforia  na^  pin-turas 
O  artificio  dos  tropos  ^  e  figuras 

8i. 

Vendo  a  Pedro  Banardo ,  que  no  peito 
Ferido   eíiava  ,  com  algum  perigo  , 
Da  perfiiafaõ  efpera  hum  certo   eífeito , 
Abatidas  as  forças  do  inimigo: 
A  carta  lhe  oíFerece  com  refpeito , 
E  aíllm  lhe  diz,  hei  de  fallar   comtigo 
Só  Graõ   fenhorj  e  Pedro ,  que  o- admite, 
Refponde,  que  efta  graça  lhe  petmite. 

81. 

Senhor,  lhe  diz  o  Arábio  lifongeiro. 
Ainda  que  aqui  me  vés  Mouro,  e  contrario ;j 
Em  fentir  o  teu  mal  fou  o  primeiro 
Abominando   o  golpe  temerário-, 
Por  fer  Axa  huma  Dama,  tu  groífeiro 
Parecer  naõ  quizéíle,  e  adverfario 
Naó  defcndefte  o  peito  da  homicida, 
Nau  de  Marte,  do  Amo-r  foy  «ferida. 

S5. 


Canto  XL  347 

85. 

Se  o  reu  indico  fangue  fe  derrama, 
Efpiricos  renova,  e  nsõ  dilllpa, 
Pois  elles  aniiíiando  atua  fama, 
Ella  dos  íeus  impulíos    participa: 
Taó  viva  cor  o  teu  femblantc  inflama, 
Que  hum  indicio  fehs  nos  ancicipa 

De  que  outro  l^can  neíle  Hifpano  pólo  Nota  68o. 

Será  novo  Chiron   de  hum  novo    Apolo. 

84. 
Ali  Aben  Jozef,  que  augufto  impera 
Naõ  fó  nas  cerres,  que  o  Oceano   banha. 
Mas  nas  que  o  mar  interno  em  fi  numera 
Senhor   potente  de  Africa,   e  de  Hefpanha; 
Tanto,  ò  Graõ   Pedro,  o  teu  valor  vencera, 
(O  que  em  hum  peito  nobre  naõ  feeílranha) 
Que  a  vida  te  dezeja ,  e  ce  offerece 
Sem  vil  enveja,  ou  pérfido  interece. 

85. 
Neí\a  preciofa  caixa,  que  guarnecem 
Das  luzes  oriencaes  porçoens  brilhances , 
Ea  quem  balfamos  raros  enriquecem, 
E  pedras  demais  preço  que  os  diamantes j 
As  ervas  vulnerarias  ce  offerecem 
Seus  afFeclos  piedofos,  e  conflances , 
Sò  para    acredicar-íè  generofo 
De  que  eílima  hum   contrario  valerofo.      Oà^gt';c.- 

S6. 
Pede  que  Muftafá  lhe  reftituas , 
E  que  Elvidio  virá  quando  curado  , 
Porque  de  tirania  o  naõ   arguas 
Te  dirá  quanto  deve  ao  íeu  cuidado , 
E  para  que  os  reféns  lhe  conflituas , 
Na  praça  eu  ficai ey  depfitado  , 
Que  fe  por  diíigual  o  defmereço , 
Por  fer  Embaixador,  bem  o  mereço 

Xx  ii  .87* 


^VI 


348  Henricjueida 

87. 

Naõ  quero  repicir  as  razoens  fortes , 
Que  a  carta  com  verdade  te  refere, 
Evita  nas  violências ,  iras ,    mortes , 
Que  de  out  o  aflalto  he  juílo  ,  que  fe  efpere, 
Imita  a  guerra  aquellas  varias  íortes  , 
I:m  que  huma  bo    de  outra  má   fe  infere; 
Ninguém  deve  fiarfe  da  opportuna 
Neíle  jogo  inconítante  da  fortuna. 

88. 

Perdefte  muita  gente  valerofa 
Na  fome,  nas  doenças,  nos  aíTaltos, 
Por  mais  que  o  cales ,  ky  que  vive  anííofa 
A  plebe ,  e  todos  de  fuílento  faltos : 
Tanta  maquina  intenta  vigorofa 
Igualar  com  o  foíTo  os  muros  altos  , 
E  em  três  dias  verás ,  como  difcorro , 
Três  Reys ,  com  groffiíTimo  foccorro. 

Avifa  a  Henrique  ,  e  fe  elle  bem  fe  atreve 
A  faz.r  eftas  linhas  penetráveis, 
O  meu  Rey  te  concede  hum  prafo  breve 
Com  fufpenfaó  das  armas  formidáveis ; 
Porém   entendo  ,  que  do  inverno  a  neve , 
Se  as  eftradas  naõ  fez   impenetráveis  , 
Em  Leiria  aos  feus  Lufos  vencedores 
Congelou  os  viviíTimos  ardores. 

90. 

Honras,  e  feguranças ,  que  imagines. 
Nas  capitulaçoens  verás  firmadas, 
E  porque  as  concedidas  examines, 
Neíle  papel  as  podes  vér  lançadas : 
Porque  em  cerra  de  Campos  mais  domines, 
Te  daõ  duas  comarcas  dilatadas 
Os  Reys ,  que  as  terras  cederáó  conformes 
Nota  ($8 1.  Do  Mançanares ,  do  PiíVwerga,  e  Tormc$. 

9 1. 


Canto  XL  349 

Chamou  Pedro  Bernardo  os  que  fahiraõs 
Para  ouvir  em  fegi  edo  efta  propofta  , 
E  ainda  que  a  embaixada  naõ  ouvirão , 
Quiz   que  cedemunhaílem  a  rcpofta. 
Artificiofo  Arábio  ,  em  que  fe  un  raõ 
Frazes ,  de  que  a  Retórica  he  compofta  , 
Ouve  em  breves  palavras  razoens  certas 
Naó  em  vis  artifícios  encubertas. 

91. 

Ao  carader  Real  refpeito  atento , 
E  recebo  o  prezence  obfequiofo  , 
Verás  que  contra  golpe  caõ  violento 
Sem  medo   applico  o  balfamo  preciofo.- 
A  Muftafá  já  livre  te  aprefento  , 
E  a  palavra  de  hum  Rey  taó  valerofo 
Admicco  Icm  reféns,  para  que  Elvidio 
Volte  a  convalecer  a  eftc  preíidio. 

93 

As  honras ,  que  ao  renderme  me  ofterece 
O  teu  Rey  j  e  intereíTes,  que  aíTegura , 
Nunca  hum  animo  nobre  as  agradece, 
Porque  honras  bufco  fó  da  íepultura  ; 
Mais    quem    governa  praças  fe  engrandece , 
Quando  com  honra  alto  valor  procura  , 
Que  em  capitulaçoens  ainda  taó  dinas 
Dos  muros  fepultados  nas  ruinas. 

94. 

Meus  eftados  dos  Mouros  naõ  dependem  , 
Para  que  na  obediência  me  períiftaõ  ;V 
EUes  faó  quem  dos  meus  mal  fe  defendem. 
Que  cada  dia  terras  lhe  conquiftaó  : 
Os  feus  por  aliados  os  pertcndem  , 
Porque  contra  outros  Reys  fortes  lhe  aíTiftaõ : 
Coimbra  ainda  naõ  vejo  arruinada  : 
Eu  eftou  vivo  ,  e  vive  a  minha  efpada. 

95. 


350  Henricjueida 

95- 
Do  inimigo  naõ  como  efte  confelho , 

Mas  acento  ,  e  cor.  és  quero  pagalo  , 

Que  o  ficio  hoje  levance  lhe  aconfelho, 

Ances  que  Henrique  o  obrigue  a  levancalo: 

A  ci  ce  dou  hum  criftahno  efpelho, 

A  Eliley  brilhante  efpada  lhe  aíTmalo  , 

Tu  porque  enfayes  geftos  de  eloquência , 

Elie  para  livraríe  da  violência. 

Era  o  eípelho  de  ouro  guarnecido 
Com  rubis  ,  qae  brilhando  pareciaó 
No  cencro   claro   do  ciifl;^!  luzido, 
Qtie  à  bella  aurora  as  cores  repeciaó.- 
Os  diamantes  de  preço  caó  fubido 
Na  bem  gravada  guarnição  luziaõ , 
Que  aos  olhos  occulcavaõ  feus  influxos 
Dos  efmakados  cabos  os  debuxos. 

97- 
Foy-fe  o  Embaxador  taõ  admirado 

Da  repofta  de  Pedro  generofo , 
Que  todo  o  feu  recorico  cuidado 
Suípendeode  aiTombrado,  ou  de  medcofo  : 
Muftafá  o  feguio  ,  e  foy  mandado 
Elvidio  ,  que  impaciente  ,  e  valerofo 
Entra  efcondendo  o  mal ,  que  o  acenua 
Na  praça  ,  de  que  o  ficio  continua. 

98.  ^  ,         . 

Rocha,  que  com  continuas  baterias 
No  criftalino  aíTedio  do  Oceano 
Sofre  emfeculos,  annos,  mefes,  dias, 
Furioío  impulfo,  rápido,  ecirano, 
E  naõ  cedendo  ás  hórridas  porfias, 
Defprçza  as  iras  do  tridenre  infano  , 
Formais  que  na  conílancia  fe  confirme, 
Menos  do  que  Coimbra  fe  vé  firme. 


99. 


Canto  XL  }Jí 

99. 

Já  conduzia  Zéfiro   opportuno 
A  numerofa  Mahomecana  armada 
Pelos  húmidos  campos  àc  Neptuno 
A' boca  do  Mondego  praceada: 

Procuravaõ  do  provido   Portuno  Nota  G%^. 

A  protecção  das  nãos  fempre  bufcada ; 
Leva  aoRey,  porque  logre  altos  intentos, 
Moniçoens,  armas,  tropas,  mantimentos. 

100. 
Mas  apenas  avifta  o  monte  Sacro, 
Que  fobe  aoCeo,  e  para  o  ter  propicio 
Lhe  purifica  ornar,  como  lavacro> 
As  vidiimas  do  amante  Sacrifício  j 
Quando  hum  varaó ,  que  aíTifte  ao  fimulacro ; 
Dando  de  alta  virtude  claro  indicio, 
Eprefervado  à  fúria  Mahometana, 

He  Paulo  daTebaida  Luíituna.  Nota  égj; 

101. 
Com  oração  invoca  fervoroía 
A  imagem  da  puriíTiraa  Deidade  , 
Para  que  aquella  armada  pcderofa 
Se  derrote  com  fera  tempeftade  : 
Eoy   deferida  a  fupphca  pedofa: 
Para  extinguir  a  barbara  impiedade, 
Rompe  os  ares  Migue, ,  c  com  a  efpada 
Do  mar  a  doce  paz  deixa  alterada. 

102. 
Na  esfera  fuperior  ao  Ceo   Sidéreo  Nota  684. 

Recebeo  da  Rainha  Soberana 
Ainftrucçaõ,  e  paffou  o  efpaço  etéreo  ->.  U  i- 
A  diíTipar  a  armada  Mauritana:  •;  r:   :'?,. 

Decendo  o  Paraninfo  o  aííento  aéreo 
Auxiliou  a  gente  Lufitana  , 
Diflblve  de  hum   aílopro   eíles  terríveis 
Indigetcs  malignos  jnvifiveis.  Nota  685» 

105. 


3  J  2  Henriojueidd 

105. 
Os  Génios ,  que  inquierao  o  emisferio 
De  Lusbel  padecerão  oseílragos, 
Mas  fem  chegar  do  báratro  ao  império 
Efpiritos  nos  Ares  giraõ  vagos; 
Eftes  de  luíicania  em  vicuperio 
Eraõ  ao  Mouro  oráculos  perfagos, 
E  por  cUes  os  Lu!os  cem  violentas 
Epidemias,  chuvas,  e  torshentas. 

1 04. 
Miguel  lhes  manda  com  fatal  preceito, 
Que   entre  os  Mouros  formafiem  hum  contagio, 
E  ao  mar,   que  ao  feu  arbítrio  eftáfogeito. 
Incitem  paia  hum  rápido  naufrágio ; 
E  que  no  fogo  com  ardente  eíFeito 
Em  Ethnas  formem  o  infernal  prefagio ; 
E  do  globo  da  cerra  o  centro  roto 
Agitem  com  horrível  cerremoco. 

105'. 
Axa  ainda  mal  curadas  as  feridas 
Foy   aíliílír  na  boca  do  Mond-ego 
A's  tropas,  que  da  armada  condufidas 
Teriaõ  para  o  íitio  novo  emprego; 
A  Miguel   vio  com  azas  taõ  luzidas. 
Que  denoute  illuílrou   o  Império  cego; 
Mas  por  crer,  que  he  Mercúrio,  naõ  fe  aíTombra 
Axa  mais  cega,  do  que  a  mefma  fombra. 

106. 
E  vio  do  mar  no  rápido  limite 
Neptuno,  que  com  húmido   tridente 
Nota  (í 8 <?.  Dizia  aDoriz,  Tetis,  e  Aníítrite, 

Que  mais  que  o  duro  Marte  era  valente: 
Já  do  torcido   bufio  o  fom  permite 
Nota  687  -^  Tritaõ   f.u  trombeta  deligente-, 
*  E  porque  o  íèu  poder  faça  notório 
Afaftou  com  o  tridente  o  promontório. 

107. 


Canto  XI  3J3 

107. 

Mas  logo  vés ,  ò  efpirito  celeíle 
Obedecer  as  ordens  invioláveis, 
Que  do  eterno  motor  aos  orbes  dèfte 
Para  extinguir  os  Mouros  deteftaveis; 
Tu,  Neptuno,  o  primeiro  obedccefte» 
E  os  teus  deofes  dos  mares  implacáveis 
Fogem  com  medo  ao  centro   mais  profundo  ? 
Efcureceo-fe  o  Ceo ,  tremeo  o  mundo^ 

ic8. 

Dos  tenebrofos  cárceres  de  Eôlo  Nota68S« 

Os  firbditos  rebeldes  defatados 
Aos  refplandores  nitidos  de  Apoio 
Sacrílegos  já  deixaó    apagados.- 
Euro,  e  Vulcurno  perturbando  o  polo. 
Com  o  Africo,  cBoreas  encontrados 
Movem  a  tempeftade  de  repente 
Do  Norte,  Sul,  Occafo,  e  Oriente. 

109. 

Sobem  as  ondas ,  decem  os  dilúvios , 
Altera  o  vento  a  paz  dos  orizontes, 
Manda  o  Ceo  contra  o  mundo  mil  Vefuvios, 
Saltaõ  no  mar  ao  terremoto  os  montes, 
Rompem-íe  as  nuvens  em  fataes  profluvios, 
Cahem  rayos  quaes  trágicos  Faetontes, 
A  hum  tempo  apregoando  em  Ceo,  e  terra 
Dos  trovoens  os  tambores  dura  guerra. 

110. 

Para  fer  conhecidas  as  triremes 
Dourados  animaes   trazem  na  popa, 
A  que  até  na  efcultura  tanto  temes 
A  Africa  entaó  fogeita,  ò  trifte  Europa: 
Da  Capitania  ao  Tcuro  .outra  ve^  tremes , 
Como  das  Ninfas  entre  a  bclla  tropa 
Taõ  vivo  hum  l.eaõ  vejo,  que  as  Sereas 
Pedem  focorro  ás  Focas ,  e  ás  Balcãs. 

Yy  xu. 


Nora689r 


354  Heririqmida 

1 1  r. 
De  outro  baixel  hum  Tigre  horror  de  Hircania 
He  mais   ligeiro   que  os  Delfins  velozes 
Hum  Leopardo   terror  de  Mauritânia 
Centauro  foy  de  efpecies  mais  atrozes; 
Hum  novo  Anfíbio   via   Lufitania, 
E  quaíi  ouvia  as  cnganoías  vozes, 
Comque  aíluto  o  tirano  Crocodilo 
He  hórrido  antropófago  do  Nilo. 

I  12. 

Deftes,   e  de  outros  brutos  as  figuras, 
Comque  as  Náos  Mahometanas  fe  adornarão. 
Animadas  as  mortas  efijulturas 
Em  maritimos  monftruos  fe  tornarão  : 
Dentes  caninos  tem,  e  garras  duras, 
Comque  aos  vis  Agarenos  devorarão: 
E  no  mar  entraó  com  furor  eftranho 
Nota^íjo.  A  augmentar  de  Protéo  feros  rebanho, 

Axa  corre  admirada ,  vay  furiofa 
Dizer  ao  Rey  o  trágico  fucceíTo , 
Elle  com  a  impaciência  mais  raivofa 
Quer  adiantar  do  fitio  o  vaõ  progreíTo: 
E  antes  que  a  gente  menos  animofa 
Saiba  o  naufrágio ,  e  faça  algnm  exceflb  , 
Por  donde  he  já  o  muro  menos  alto 
Fia  de  Axa,  e  Muley  hum  novo  aíTàlto. 

114. 

Mas  fendo  igual   da  Praça  arefiftencia, 
Os  peitos  novamente  impenetráveis 
Foraõ  dos  defenfores  com  violência 
Rebatidos  impulfos  formidáveis : 
Três  horas  dura  a  nobre  competência, 
E  os  obflaculos  vendo  inexpugnáveis. 
Faz  demolir  o  Rey  a  fo-rtc  linha, 
Nota  6^1,  E  a  unir-fc  aos  Revs  do  Becis  fe  encaminha 


\ 


Canto  XL  35-5- 

115. 

Sahio  Pedro  Bernardo,  e  viâjoriofo 
Ainda  achou  nos  quartéis  provifaó  canta, 
Que  o  prcfidio  caníado,  e  valcrofo 
Bem  facisfaz  a  fome,  que  o  quebranta: 
Para  avizar  a  Henrique  generoío 
Velos   até  Leyria  fe  adianta, 
E  elle  por  focorrello  em  prompto  emprego 
Marchava  para  as  margens  do  Mondego. 

\\G. 
Efta  marcha  foubera  oRey  aftuto  , 
E  naó  oufando  defender  trincheiras 
Contra  quem  as  bufcava  refoluto 
Com  tropas  frefcas ,  deftras,  e  guerreiras-, 
Tendo  às  Parcas  a  morte  por  tributo 
Entregue  as  mais  valenres ,   e  ligeras  , 
Nos    aííaltos  ,  fortidas ,   e  hum  contagio  , 
£  efpalhada  a  noticia    do  naufrágio. 
;  ■  117. 

O  íitio  levantando,  a  caufa  occuíta 
Henrique,    e  a  prompta    marcha  muito  fencc, 
/^Que  a  vidoria  dilata ,  c  difficulta 
-'    A    retiraáa   da  Africana  gente  : 

Mas  como  aíTim  de  Pedro  mais  avulta 
Alta  conftancia  ,  e  animo   valente, 
Eftas  palavras  diz,  ç.  o  prende  em  laços 
Nas  illuftres  cadeas  dos  íeus  braços. 

1 18. 
Valerofo  Leoné?  ,  rama  gloriofa 
Dos  Góticos  Moítarcas  invenciveis, 
Que  de  Heròes   na  profapia  gencrofa 
Os  excedes,  fe  acafo  iHo  he  pofiivel, 
Pois  te  devo  a  defenfa  vaieroía 
De  Coimbra  no  aíTedio  taó  terrível. 
Porque  alta  gloria  aíTmi  te  multiplico, 
Até  hum  trofeo  mais  te  facriíico. 

Yy  ii  iip. 


356  Hemiqueida. 

119. 

Sentira  que  o  Rcy  bárbaro  fogiíTe, 
E  que  iiwm  certo  triunfo  me  roubaíle , 
Mas  já  o  eftimo  ,  ainda  que  fe  vifie, 
Que  em  focorrerte  o  meu  ardor  tardafle. 
Por  mais  que  aos  Reys  da  Betica  fe  uniíTe^ 
E  ao  exercito  já  íe  encorporaíTe , 
Eftimo  tudo  ,  quanto  aqui  difcorro  > 
Que  o  grande  Pedro  vença  íem  foccorro. 

l  iO. 

Defde  que  ao  Sol  o  Efcorpiaõ  mordia^ 
E  a  féta  inficionada  o  fagit-rio  , 
Trágico  o  Capricórnio  apparecia , 
Antes  de  que  hum  diluvio  verca  Aquário 
E  como  Jano  as  portas,  já  lhe  abria 
Do  novo  anno  ,  da  guerra,  efFeito  vario 
Impaciente  te  vinha  foccorrendo 
Neves  cortando,  inundaçoens  vencendo, 

121. 

Prefo  em  Leiria  o  inverno  me  deteve^ 
Em  torrentes  os  campos  inundados , 
Naõ  íe  esfriou  o  ardor  na  agoa  ,  c  na  neve. 
Mas  fubíiftir  naõ  deixa  os  meus  Toldados  j 
&Q.  algum  o  rio  a  vadear   fe  atreve, 
Se  vio,  e  os  que  o  feguiraó  afogados  v 
Mas  foccorrerte  prompto  determino 
Antes   que  doure  Febo  o  Velocino. 

122. 

Alternando  o  dcfcanfo  ,  e  exercicio 
Nas  tropas  pelas  villas  alojadas 
Em  homens  ,  e  cavallos  dao  o  indicio 
De  vigorofas,  e  de  exercitadas  : 
Sendo  ou  mais  rigorofo  ,  ou  mais  propicio , 
As  terras  inimigas  conquiftadas 
A  Peniche  ganhey  por  enterpreza 
E  Moniz  confe^qio  taó  alta  cmpreza. 


ií; 


7? 


i 


Canto  XL  35^ 

123. 

De  T  amego  voltou  Pclayo   Amado, 
Que  avifou  Dom  Oíorio  de  Cabreira, 
Que  o  fcu  pequeno  exercico  campado 
Tenha  do  Dam  na  rápida  ribeira  -,  Nora  (í^i 

E  que  com   elíe  irá  encorporado 
Vencer  ao  Mouro  ,    e  libertar  a  Beira  , 
E  fendo  do  Africano  vitupério  , 
Fundar  de  Portugal  o  augufto    Império. 

ii4. 

Pedro  admictio   a   honra  incomparável. 
Com  atenta ,  e  modefta  corteíia  , 
Contou  o  íitio  largo,    e  formidável, 
E  o  que  a  Elvidio,  e  Roberto  entaõ  devia: 
Vem  já  chegando  o  exercito  admirável, 
Que  no  valor  o  numero  fupria  ; 
Sendo  fortes  ,    naó  há  forças  iocautas. 

Todos  foraó  heróes  os  Argonautas.  Notaípj; 

125. 

PaíTa  o  Mondego  ,  e  para  o  Dam  marchando, 
Encontra  Oforio,   que  fiel  o  avifa 
De  que  dos  Reys  já  o  Tejo  vem  paílando 
O  exeicito  ,   que  a  terra  atemoriía  : 
Que  as  partidas,   que  o  campo  vaõ  cruzando. 
Sempre  avançou  com  prevenção  precifa , 
Que  Ali  com  fuás  tropas  chega  agora  , 
E  hoje  com  o  foccorro  íe  encorpora. 

126. 

Forma ,  e  deícança  em  tanto  a  gente  illuftre 
E  o  que  depois  paflbu  contará  logo. 
Porque  do  génio  o  influxo  naõ  fe  fruftre, 
O  ardor  fonoro  do  Apolhneo  fogo  : 
E  para  que  o  meu  canto   o  naõ  desluílre , 
Deícanfe  a  voz  ,  e  ceife  o  canto  logo, 
Até  que  a   penna    fénix  renacida 
Tenha  ao  Pierio  incêndio  nova  vida. 

HENRI- 


3J8 

HENRÍQUEIDA 

CANTO.     XII. 

Arzumento 


PAra  a  hataiha  os  Vrincifts  famofos 
Se  díjpoem ,    e  o  combate  he  fero  ,  e   durtf ; 
Mãtdd  três  Reys  os  Lufas  ztalerofos , 
Dos  Mouros  fe  deflroe  o  rito  impuro  : 
Conta  Tancredo  os  cafos  fortentofvs , 
Freme  a.  Aldara  a  Amado  amor  tao  furo  ; 
Funda   Henrique  o  Império^   e  o  dilata -^ 
Ganha  Lisboa  \  e  o  jeu   contrario  mata. 

I. 
Celefte  Mufa ,    que  à  fecirada  idéa 
Acégora  infpiíaíle  nunca  cfquiva , 
Oh   naó  permitas ,  que  na  minha  véa 
Corra  a  agoa  Caílalia   menos  viva  ; 
Já  finco,   que  me  infpiras  ,  e  fe  atéa 
Em  mim  a  immortal  flama  caõ  activa, 
Qpc  ao  mundo  íerá  aíTombro  ,  gloria,  e  paímo. 
Nota  695.  Seu  eftro,    vadcinio  ,  e  cnrufiafmo. 

■NT^..   /■  ^  Corria  Cindo  o  Touro  luminofo, 

De- que  a  Aurora  mecirota  íe  eícondia, 
Quando  o  invido  Henrique  generofo 
Sobre  o  campo  do  Dam  feu  campo  via  r 
De  Europa  o  íigno  íimbolo  imperiofo 
Retraça  a  Luficana  Monarquia, 
Se  na  batalha  braço  caõ  valente 
Da  Lua  as  aritias  lhe  cortar  da  frente. 


Canto  XL  359 


5- 

Ao  grande  Egas  Moniz  feu  fqbakerno 
Nomeou,  e  no  exercito  lhe  dava 
?vlayor  lugar  no  fupcrior  governo,         • 
Oj^ie  para  fi  Henrique  reíervava; 
De  huma  cíheica  amifade  o  laço  eterna 
Efte  Patroclo  a  Aquyles  igualava,  Nota  íJí^y. 

Ce  ti  Scipiaó  teu  Lélio  naó  divides, 
Achate  aEneas;  a  Tefeo  Alcides. 

4- 

Manda  a  primeira  linha  o  grão  Pereira 

Do  exercito  dos  fortes  Portuguezes , 

A  Tegunda  di(pocm  deftra,  e  guerreira 

Pedro  Bernardo  tronco  dos  Menezes: 

Da  referva  formou  linha  terceira 

Távora  fcparados  osarnezes; 

A  ala  dircic.i  entrega  ao  Silva  experto  , 

Empregando  na  eíquerda  o  graó  Roberto. 

5- 
As  alas  da  fegunda  governavao 

O  forte  Mello,  covalente  Cunha, 

De  Oforio  as  experiências  animavaõ 

Tropas,  de  que  a  referva  fe  compunha.- 

Em  Oom  Mendo  de  Sou  ia  fe  a^miravaõ 

As  leys ,  comque  os  béfteiros  bem  difpunha; 

Rege  Pelayo  Amado  os  mais  guerreiros 

Nobres  féis  vezes  cento  aventureiros. 

6. 

Toda  a  milicia  equeftre  fe  reparte 

Em  finco  vezes  mil  Lufos  valentes , 

Hercules  dcRohan,   que  iguala  a  Víarte, 

Manda  os  Francefes  rápidos,  e  ardentes 

Dom  Aniaõ  de  Eftrada  em  toda  a  parte  N°^^  ^^^' 

O  ardor  incita  ás  valerofas  gentes: 

Dom  Garcia  Rodrigues  graó  guerreiro  Nota  ^^^J 

Governa  osdeLeomil,  de  que  he  Couteiro, 

7« 


360  Henriqueida 

7- 

De  vinte  batalhoens  a  mil  Soldados 
Se  compõem  a  confiante  Infantaria, 
F  de  todos  formou  corpos  quadrados 
O  valente  Bernardo,  que  os  regia.* 
Na  ordem  da  batalha  pelos  lados 
Se  colloca  a  veloz  cavalaria, 
Qual  faz  voar  ao  corpo  tardo,  e grave 
Cora  as  azas  ligeiras  veloz  ave. 

8. 
Nota  700.  Dom    Egas    Gomes,   porque  o  nome   admires 

De  hum  varaó,  que- acredita  a  hiftoria  Lufa 
Nota  7or.  Igaal  a  Dom  Gonçalo  Traftamires, 
Nota  7CZ.  De  que  a  memoria  naõ   fera  confufa, 

E  Maya  o  Lidador,  que  quando   vires, 
O'  Templo,   defccndcncia  taó  difufa. 
Dirás,  que  as  acçocns   raras,  que  publicao, 
Nosherôes,  que  produzem,  multiplicaó. 

9- 

Eftes,  e  outros  varoens,  que  o  tempo  efconde 
Cego,  en   ejofo,  timido,  e  avaro, 
O  exercito  compõem  do  cxcelfo   Conde^ 
Que  em  tempo  taõ  efcnro  brilha  claro; 
Porqi.e  afama,  que  atenta  correfponde 
Ao  eco  eterno    do  feu  nome  raro. 
Repete  hunia  taõ   inclira  vidoria 
No  archivo  incorruptivel  da  memoria. 

10. 

Soube  vinhaõ  ao  Tejo  os  Reys  contrários 
Pela  Efcalabitana  ampla  campanha 
Marchando  para  os  Lufos  adverfarios, 
Mais  que  cm  valor  fiando  em  força  eftranha; 
Votos  blasfemos,  vaõs ,  e  temerários 
Prometem,  feconquiflaõ  toda  Hefpanha, 
E  fc  da  Religiac) ,  em  cego  arrojo 

for  da  fuperftiçaõ  criíle  defpojo. 

1 1. 


Canto  XI L  361 

1 1. 

A  buícallos  corria  Henrique  invico  , 
Quando  achou,   que  nos  campos  do  Mondego 
De  huma  batalha  clpcraõ  no  confiico 
Dar  a  cita  guerra  decifivo  emprego  / 
Naõ  queiraes  (  diz  )  ò  Nimen,   que  o  delico 
Aqui  criunfe  no  íeu  rico  cego  ; 
Bem  fey  que  ha  de  vc  n  cr  toda  a  malicia 
Mais  do  que  a  minha  a  celeílial  milicia. 

12. 

De  Carquere  invocando  a  Santa  Imagem , 
Se  venço  eda  batalha  ,   fera  logo 
Qiiem  receba  de  mim  nova  omenagem , 
Se  a  Deidade  admitir  meu   puro  rogo  : 
Mais  quero  efcravidaó,   que  vaflalagem , 
Nas  Tuas  aras  inflamando  o  fogo 
Eterno  vitupério  aos  Mahometanos , 
E  credito  immorcal  dos  Lufitanos. 

15. 
Naó  foy  inútil  naõ   o  alto  prodígio  > 

Com  que  de  AfFonfo  defatando  o  l'ço  , 

Dos  Teus  primeiros  paííos  o  veftigio 

Foy  o  milagre  de  hum  divino  braço  : 

Elle  fera  quem  do  contagio  Eftigio 

Livre  o  Reyno  do  trágico  embaraço. 

Pois  para  confeguir  altas  idéas  , 

Já  fe  lhe  defataraõ  as  cad^as. 

14- 
VÓS  fois ,  Senhor  ,  quem   deu  em  Paleftin?, 
A's  minhas  armas  gloria  taó  fublime, 
Que  na  emprcza  feliz,  fanta,  e   divina 
Gofredo  por  meu  braço   ao  Mouro  opprime  : 
Eíla  porção  da  Cruz  ,   que  me  deílina 
Quem  nclla  a  mim  defende,  ao  mundo  rime, 
Seia  o  íinal  dos  bens.   que  me  reparte, 
Quem  me  dá,  porque  vcnca,  cCíC  el^andarte. 

Zz  í  5 


Nota  705.  ^^^  '  P*^^'  cj^cm  já  de  Córdova,  e  Toledo 

Venci  hum  tempo  os   bárbaros   X4onarclias  , 
An.es  (|ue  as  minhas   armas  deííem  medo 
De  Portugal  aos  campos  ,  e  às   comarcas.- 
Naõ  ha  nellas  nem   rio  ,    nem  rochedo  , 
Que  naõ  foííe  dcpoíico  das   Parcas  , 
Em  que  excinguindo  ao  Mouro  os  próprios  lares, 
Naõ  crocaíle  as  Mçlquiras  era  Altares. 

16. 
Vós  fois  por  quem  venci  no  Porto,  e  Gaya 
Por  dar  a  Portugal  nome  famofo,    ^ 
A  Almançor  formidável  ,  que  Te  enfaya 
A  fer  de  Hefpanha  aílombro  bellicofo  , 
PaíTey  do  Douro  a  criftalina  raya  , 
Donde  naufraga  o  Mouro  valerofo  , 
E  em  Lamego  por  vós  vingo  a  injuria 
Da  rebelião  de  huma  Africana  fúria. 

17. 

Por  vós  venço  as  infidias  dos  cativos, 

í. 

Qiie  na  batalha  pérfida  ,  e  nodurna  , 
Muy  poucos   faó  os  que  contarão  vivos 
Sua  infame  traicaó  à  luz  diurna  : 
Por  vós  meus  golpes  fempre  executivos 
Livrarão  entre  a  íombra  taciturna 
O  infante  do  infernal  torpe  proje^o 
A  fer  único  emprego  ao  mej4  affecto. 

i8- 
Por  vó|S  venci  na  ultima  batalha 
Innumeraveis  feros  inimigos, 
E  a  fama  em   vozes  celebres  efpalha 
Com  os  noíTos  triunfos  feus  caftigos  : 
Por  vós  impenetrável  a  muralha 
Foy  de  CoimUra  aos  últimos  perigos, 
Em  fim  livre  à  prifaõ  que  era  notória, 
Avança  AiToníc  os  p.a;fios  para  a  gloria. 


10. 


Canto  XI L  363 

19. 

Que  fé,  Senhor  eterno  ,  tibia,   ou  falca , 
Naõ  reconheci'  cancã  providencia? 
E  fe  a  naõ  penecrar  por  fer  taõ  aha, 
Humilde  hade  adorar  a  Omnipotência  : 
Se  a  vofia  reht^iaõ  em  mim  íe  exalça, 
Ninguém  recee  a  barbara  violência  : 
A  minha  gratidão  logre  o  miílcrio , 
Por  vós  viva ,  Senhor ,   o   Lufo  Império. 

20. 

E  vós ,  varoens  infignes  ,  que  temendo 
Eftaes,  pois  temeríeis  algum  dia 
Que  eu  vos  exhorte ,  porque  vos  offendo 
Defta   fuppoííçaó   na  groflaria: 
Nada  vos  direy  já,  porque  eftou  vendo. 
Que  o  voíTo  ardor  aos  Mouros  dezafta ; 
E  por  indicio  do  animo  conftance 
Hum  heróe  recracou  cada  femblance. 

II. 

Em  crés  marchas  das  margens  do  Mondego 
Chega  Henrique,  e  os  claros  Porcuguezes  j 
Saó  ao   longe   da  vifta  lari  o  «mprego 
Innumeraveis  b-arbaros  arnezes  : 
Para  a&acallos  com  impulfo  cego 
Sahem  da   linha  os  efquadroens  Francezes; 
Rohan  os  repnmio ,  que  gencrofo 
Sabe  unir  o  prudente  ao  valerofo. 

2i. 

Depois  qut  Ali  íe  encorporou  no  Tejo 
Com  Aderbal  Rey  force  de  Sevilha, 
E  com  ElRcy  de  Córdova  ,  em  quem  vejo  , 
.  Que  de  Nazar  o  antigo  nome  brilha  , 
^  concorrendo  prompto  ao  feu  dcíejo 
Pvuben,  que  a  Miircia,  e  a  Granada  humilha, 
Para  entrar  em  emprezas  taõ  famofas 
Governa  as  deftras  tropas  numerofas, 

Zz  ii  ^5, 


3  64  Henricjfdeida. 

^  Pvcfolvein  já  no  milicar  conrdho 

Desbaratar  de  Henvique  a  gente  pouca, 
E  que  foíle  o  Mondego  claro  eípclho 
Para  o  caíiigo  da  arrogância  louca: 
Sahio  naqucllç  dia  o  Sol  vermelho  , 
Cantou  hum  negro  Corvo  com  voz  rouca  > 
Hum  o  Tangue  na  cor  vaticinando  , 
Os  cadavçiçs  outro  devorando, 

z4. 
Se  mil  fe  multiplicaõ  por  duzentos. 
Ainda  o  numero  inteiro  naõ  Í2;ualaõ 
Dos  que  feros ,   cruéis  ,   fanguinolentos 
Do  ardor  5   que  occulraó,  o  furor  exalaó: 
Cem  vezes  numerarão   por  trezentos 
Os  que  em  Hefpanhoes  brutos  fe  afllnalaõ  > 
Tem  a  a  a  direita  o  Mouro  Hifpano  , 
A  eíquerda  fe  dcftina  ao  Africano, 

Sem  legisõ  ,  cohorte ,  nem  fahnge, 
Nota  704,  Pq^j^-j3(5  q5  quatro  Reys  a  gente  fua. 

Na  lunada  vifeira,  c  cui'vo  alfange, 
Como  na  forma,  tem  a  meya  Lua  •* 
Qiie  a  fer  propicio  o  fado  aííim  conftrange? 
Cuida  a  fuperftiçaõ  ,  que  he  taó  comua  , 
Como  fe  a  Lua,  que  naõ  he  crecente 
No.ta  705.  Foífe  felice  Talifman  vivenie, 
*  16. 

Como  oppofías  com  impeto  furiofo 
Correm  para  encontrarfe  as  nuvens  denfas « 
E  de  ardente  vapor  caliginofo 
(Querem  romper  as  rigidas  offenfas , 
E   o  orbe  dos  feus  rayos  receofo 
Nem  acha  nos  loureiros  as  dcfenfis  ? 
AQhu  os  dous  eÁCrcitos  voando 
Vaõ  a  terra  com  fúria  ameaçando. 


X7. 


Canto  XI L  365 

2-7- 

Agora  os  cious  exércitos  fe  viaõ: 
Defronce  eílá  o  Eciope  do  branco  , 
Os  Maliomccanos  no  poder  confiaõ, 
De  Henrique  o  deíprczou  o  animo  franco  : 
Da  meva  Lua  as  partes  fe  moviaõ 
E  ao  Portuguez  por  hum  ,  por  outro  flanca 
As  pontas  que  feriuò  ,  e  atacavaõ 
Com  funeftos  abraços ,  fuífocavaó 

28. 

Dom  Fafes  Luz  levanta  o  ertandarte». 
Que  em  feu  raro  valor  vay   mais  feguro 
Lo  que  fe  o  tremclaííe  o  meímo  Marte 
Na  quinta  esfera  de  diamante  puro  : 
Henrique  as  ordens  aos  demais  reparte  , 
Todos  dcfejaõ  o  combate  duro, 
Naó  duvidando  da  infalivcl  gloria  , 
Pois  no  roftio  do  Heróe  lem  a  vitoria. 

A  oração  militar  com  voz  fonora 
O  Monarcha  Africano   aíTim  começa; 

Mufulmanes,  ouvime,  porque  agcra  Nota  70 í, 

O  tempo  me  interrompe  ,  que  fe  apreflfa: 
Sois  fó  quem  hum  íó  Deos  no  mundo  adora , 
E  quem  tejn  do  Profeta  a  gloria  impreíTa, 
A  religião,   que  ao  volfo  peito  anima. 
Aos  bárbaros  idolatras  opprima^ 

30. 
Vede  ,   que  de  Tarif  fe  vay  perdendo 

A  conquifta  vaftiíllma  de  Hefpanha, 

Q.ue  Africa  dominante  cllár  já  vendo 

A  Portugal  na  Atlântica  campanha  : 

Ee  quatro  Reys  o  exercito  tremendo 

Q^Lier  combater  com  oufadia  ellranha 

Henrique,  que  at^gora  foy  ditoío. 

Como  fe  foáe  eterno  o  veacurofo. 

^  ■ ' 


366  Henriqueida* 

$1. 
Poucas  tropas  de  gente  colleóticia 
Inferiores  em  força  ,  e  eftacura 
Compõem  dos  Porciiguezes  a  milícia 
Em  campo ,  que  os  íeus  flancos  naõ  fegura  ; 
Moftra  no  anevime"  to  a  imperícia, 
Com  que  an  uinarfe  impávido  procura  : 
Taó  poucos  faõ,  que  tenho  hum  nobre  pejo 
Da  exceiriva  ventagem  ,  que  em  nós  vejo. 

3i-  .    • 

Naõ  de  vencer ,  de  caíligar  fe  trate 

A  rebeldes ,  iniquos ,  temerários , 
As  cadeas  prepare,   para  que  ate 
O  duro  ferro   aos  infiéis  contrários: 
Só  do  numero  a  viíla  desbarate 
A  cega  prefunça.j  dos  adverfarios , 
E  íenaó    reconhecem   o    pe  igo  , 
Lhes  dem  muitos  mii  braços  o  caftigo. 

55- 
ínclitos  Reys  da  Betica  famofa  , 
Sinto  ver  nos  intrépidos  femblantes. 
Que  vos  queixais  com  ira    bellicoía 
Do   pouco  emprego  ac  s  golpes  arrogantes, 
E   que  a  inílancia  culpaes  de  temeroía ,  ^ 
Que  vos  chamou  de  Reynos  ta(')  diftantes ; 
Porém  naõ  ficareis  menos  gloriofos, 
Que  faõ,  ainda  que  poucos,  valeroíos. 

Avance  a  meya  Lua  as  alas  fortes, 
Naõ   rolVa  retirarfc  o  inimigo  , 
Multipliquem  fe  eflragos,  prifoens  ,  mortes, 
E  ninguém  íe  preferve  do  caíligo  : 
Tenhaó  as  penas  com  diverfas  fortes  , 
A  cada  paflb  encontrem  hum  perigo 

Nota  707.  Eftes ,  que ojas  roubarão  lhe  os  acentos 

Já  de  perto  os  clamores ,  e  inílrumentos. 


Canto  XI L  367 


7 ) 


Foraõ  dos  Portuguezes  os  efcudos 
Breves   esferas  de  infinitas  fccas , 
Humas  às  outras  com  feus  golpes  rudos 
Succediaó  peladas,   e  inquietas  .- 
Com   o  pezo  de  ferros  taõ  agudos 
Naó  podiaõ  os  braços  dos  Athletas  , 
E  ainda  que  o  feu  valor  com  tal  defprezo 
Naó  receya  o  perigo ,  teme  o  pezo. 

Guerra  civil  as  frechas  matadoras 
Ambiciofas   nos  ares  fomencavaõ, 
Para   fer  as  primeiras  vingadoras 
Dos  que  com  fero  impulfo  as  difparavaõ  : 
As  que  já  dos  efcudos  faó  fenhoras 
A's  que  vinhaõ  depois  defalojavaó  , 
E  no  exceillvo  numero  fe  argue , 
Que  quanto  o  multiplica,  o  diminue. 

57. 

Se  alguns  por  vaidade  defprefaraó 
Dos  efcudos  firmiíllm  s  defenfas  , 
Da  intenção  temerária  alli  pagarão 
As  vanglorias  ao  preço  das  oífenfas: 
Outros  ,   que  com  firmeza  os  embraçaraõ, 
Tiveraó  da  cautela  as  recompenfas  , 
Que  na  guerra  o  valor  feunio  a  arte, 
Como  filho  de  Palias  j  e  de  Marte. 

38. 

Os  Lufitanos  aos  immenfos  tiros 
Intrépidos  toleraó  ,  e  conftantes , 
E  vendo  aos  Mouros  perto,  cm  vagos  giros, 
Diípararaó  as   fetas  penetrantes  : 
Obfervaõ  dos   contrários   nos  retiros  , 
Que  numeroíos  faó,   mas  inconílantes  j 
Menos  foraó  as  flechas,   que  vibrarão. 
Que  importa  ,  íendo  mais  as  que  empregarão/ 

3S^' 


368  Henriqueida 

39 
Já  naõ  fervem  das  íecas  as  tardanças, 

E  oucros  rayos  fulminaõ  mais  activos, 
Lançaõ  já  demais  perto  as  duras  lanças. 
Os  ferros  empregando  executivos: 
Mas  já  da  mea  Lua  tem  mudanças 
Os  influxos ,  que  os  feus  fentem   efquivos , 
Porque  os  flancos  do  Lufo    mpenecraveis 
Fazem  feus   movimentos  variáveis. 

40. 
Já  na  direira  o  Silva  mais   ardente 
Rompe  aaJa,   quecm  circulo   o  combate, 
Prompto  Roberto,   intrépido,  c  fciente, 
Faz  que  a  efquerda  aos  contrários   desbarate: 
No  centro  Egas  Moniz,  forte,  e  prudente 
Com  vigor,  o  vigor  vence,  e  rebate.- 
Firrí  e  a  fcgunda  linha,  e  a  referva 
Com  Távora^  valente  fe  conferva. 

41- 
Bufca  o  Rey  valerofo  de  Sevilha 
A  Egas   Moniz,   que  levemente  armado; 
Se  o  Mouro  o  vence  em  armas,   comque  brilha, 
O  Luzo  luzio  mais   pelo  esforçado: 
Hum  ao  outro   nem  cede,  nem  fe  humilha, 
lleíille  o  peito  duro  ao  fí^rro  irado 
De  Moniz,  porém  vf  com  fúria  nova, 
Q^Lie  naó  foy  feito    dcfte  braço  à  prova. 

4  i- 

A  purpura,   que  o  Betico  vertia, 
E  comque  as  armas  nitidas  guarnece. 
Com  a  que  agora  liquida  corria, 
O  óflro  ,  e  os  nuinícs  efcurece: 
A  alma  feauzentava,  c  naó  fogia. 
Que  o  valor   encre  as  fombras  refplandcce, 
Mas  dcce  á  rerra,  naõ  aos  ares   voa, 

E  envilece  o  cadáver  a  Coroa. 

43, 


Canto  XIL  369 

45- 
Corre   ao  Lufo  fignifero  o  Monarcha 
Do  Reyno  Cordovcs,  que  igual  a  Marce 
Sacriíicalo  intenta  à  feros  Parca, 
E  roubarlhe  o  magnifico  cftandarte  ; 
Monta  hum  bruto  da  Bccica  comarca , 
Em  que  ao  ardor  modificando  a  arte, 
O  Leaó  ,  que  o  valor  nunca  fogeita , 
Rey  dos  irracionaes  hoje  o  refpeita. 

44. 
Na  maõ  efquerda  o  Mouro  ao  Lufo  fere , 
E  a  haftea  do  eftandarte  arrebatando  , 
O  deixava ,  mas  elle ,  Tem  que  efpere 
Outro  foccorro ,  o  fegue  pelejando  ; 
A  vida ,  porque  a  infignia  recupere  , 
Hia  com  tal  furor  facrifícando, 
Que  jà  defcfperado  na  contenda 
Kaõ  íabe  defendcrfe ,  porque  ofFenda.  1 

45- 

Encontra  o  Rey  ,  e  a  infignia  lhe  arrebata 
Com  força  cal,  que  ao  Rey  tirou  da  fella  , 
E  de  hum  fó  go  pe  em  hum  i^ftante  o  mata. 
Com  que  vingou  a  injuria  de  perdella :  c 

Aos  que  fe  oppoem  com  tal  vigor  maltrata. 
Que  volta  à  fua  gente ,  e  acha  ntila 
ElHmaçaò  caó  grande  no  regreflb, 
Como  a  confternaçaõ  deite  fuccelfo. 

46. 

O  de  Granada  intrépido  acomete 
Do  Gtao  Pedro  Bernardo  a  força  invita 
Mas  o   Leonês  nos  golpes  ,  que  repete  ij  -jc 

Sabe  domar  a  fúria ,  que  o  incita  .•  rr?^*^' 

Pela  coroa  a  lança  o  ferro  mete, 
E  ao  mifero  Monarcha  precipita, 
E  conhcceo  fatal  mortalidade 
No  magcftofo  adorno  da  vaidade. 

Aaa  47. 


370  Henriquetãa 

47- 

Mas  vendo  o  forte  Ali ,  que  os  três  Mcriarchas 
Por  terra  padeciaõ  três  injurias , 
E  dos  três  facriíicios  das  três  Parcas 
Formarão  três  triunfos  às  três  Fur  as ; 
Confidera  perdidas  as  comarcas 
Do  feu  império  em  ultimas  penúrias ; 
A  Muftafâ,  Muley,  e  Axa  convocas 
E  ao  Teu  Profeta  blasfemando  invoca. 

48. 

Suprem  os  três  dos  Reys  os  três  lugares , 
E  inflamados  no  novo,  e  nobre  empenho, 
Procuraó  eom  deftrezas  militares 
De  tanto  máo  fucceflb  o  defempenho  : 
Das  tropas  nacionaes,  das  auxiliares, 
Por  fuípender  o  trágico  defpenho, 
Ordem,  valor,  e  confiança  infundem 
Nos  que  voltaó ,  fe  abatem,  fe  confundem.^ 

49. 

Já  formados  os  corpos  numerofos 
Bufcando  a  Henrique  verdadeiro  Marte > 
Aos  feus  defejos  de  vingança  anciofos 
Satisfaz,  porque  eftava  em  toda  a  parte: 
Axa  naõ  deixa  os  votos  ociofos , 
Que  com  Trironia  bellica  reparte; 
E  alFm  na  nobre  acçaó ,  a  que  fe  inflama  ? 
Para  darlhe  o  auxilio  ardente  a  chama. 

50. 

Efta  he  a  ultima  vez  Palias  divina; 
Que  por  trazerte  à  terra-  ao  Ceo  recorro  > 
Se  o  fado  nova  injuria  me  deflina, 
Bem  íey  {cii  inútil  teu  foccorro  5 
De  Henrique  íó  procuro  a  alta  ruína  > 
Se  tu  me  fegues  ,  a  oprimillo  corro, 
Difle;  e  Palias  armada  lhe  apparcce , 
E  ainda  fulmina  mais,  que  reípiandcce, 

5r. 


^  Canto  XIL  371 

Mas  outra  Palias  vio,  que  mais  brilhante 
Ao  Herôe  amparava,  e  defendia  , 
Tinha  na  Lua  trono  rutilante, 
De  eftrellas  fe  coroa,  ao  Sol  vertia: 
Terrivel   contra  Palias  fuhninante, 
A  precipita  à  negra  Monarquia  ; 
EAxa,   que  antes   cuidava  fer  Diana, 
Vio  de  Carquere  a  Imagem  foberana. 

llluftrada  dos  Tantos  refplandores , 
Se  diíTipou  o  efcuro  parafifmo , 
E  as  manchas  dos  idolatras  horrores 
Purificar  pretende  noBaupifmo: 
Depoftos  cantos  bellicos  furores , 
Abomina  os  Indigetes  doAbifmo, 
A  Henrique  fe  proftrou,  a  quem  rendida 
Ainda  lhe  pede  a  alma  mais  qufi  a*vida. 

55. 
Alegre  a  recebeo  o  generofo  .: 

Herôe,  e  a  Mullafá  ,  que  fero  obufcaj  '^"'^'^ 

Com  hum  rayo  da  efpada  luminofo, 
Antes  de  fulminar,  ao  Mouro  oíFuíca: 
Elle  com  facrilegio  monftruofo 
De  Tangue  em  ira  tinge  a  cor  mais  fuTca  ; 
Eu  Tou,  lhe  diz  com  fúrias  íèmpre  immenfas 
Quem  em  ti  vingue  de  Africa  as  offenTas. 

54- 
Da  hacha  de  deTarmar  o  ferro  a^udo 
Contra  o  Herôe  levanta  com  tal  força , 
Que  rompera  da  Cruz  o  íacro  e  cudo, 
>*as  o  Ceo  as  oíFenfas  lhe  reforça  .- 
Henrique  lhe  voltou  golpe  taórudo, 
Porque  o  Hercúleo  braço  he  quem  o  esforça , 
Que  vaó  buTcar  os  olhos  repartidos 
Dois  caminhos  do  Averno  divididos. 

Aaa  ii  '  55. 


372-  Henriqueida 

55- 
Muley,  que  pelejar  quiz  com  Pelayo, 

Que  o  evirou  pelo  notável  voco, 

Encontra  Henrique,   que  imitava  orayo, 

Quando  excede  ligeiro  o  veloz  Noto : 

Quer  fazer  do  valor  o  ultimo  enfayo; 

Mas  da  lança  cahío  o  efcudo  roto  •, 

O  braço  com  rerpeito  a  fi  fe  prende, 

E  ellas  palavtas  diz,  quando  fe  rende. 

Dominais-mé  Senhor,  taõ  fortemente 
Que  até  me  he  impofllvel  refiftirvos,    . 
Eo  braço  tenho  preío  de  repente, 
Por  cadigo  do  intento  de  ferirvos ; 
Rendido  eftou,  e  efpero  obediente. 
Se  mereço ,  a  fortuna  de  fervirvos , 
Defcobrir  o  fegredo  impenetrável 
Da  minha  fimpatia  inevitável. 

Ao  abraçar-fe  o  coração  refponde 
Com  prefagios  iguaes,  que  muito  explicaõ; 
Hum  pranto  alegre  a  os  olhos  correfponde 
Dosvaroens,  qne  os  aííectos  multiplicaõ  ; 
Alas  a  Henrique  huma  voz  chamava,  donde 
As  acçoens  de  quem  he  muy  bem   publicaõ  : 
Vé  o  Heiòe,   que  huiua  lança  fere,  emata, 
E  a  quantos  o  acompanhaõ  desbarata. 

58- 
Aqui  cortou  a  Aniaõ  o  efqucrdo  braço, 

PaíTa  a  Oderico  ali  o  forte  peito. 

Rompe  a  Gundar  da  vida  o  feliz  laço. 

Sente  Gomes  na  tefta  o  duro  eílcito ; 

E  já  fcm  enconttar  outro  embaraço: 

Só  fe  vencer  a  Henrique  fatisfcito 

Severa  o  Campeão,  que  mais   fe  inflama, 

E  encontra  a  Henrique,  aquém  oufado  chama. 


59* 


Canto  XI I.  373 

r         Contra  elle  correo  o  fero  Luzo, 
As  lanças  em  pedaços  ao  Ceo  voaõ , 
Foge  Zéfiro  cimido  ,  e  confafo 
Ao  rumor  rudo  ,  com  que  os  golpes  foaõ  : 
Menos  fe  ouvem   no  ar  vago  edifuío 
Os  clamores  de  Júpiter,  que  acroaõ. 
Menos  fe  temem  chamas  fulminadas , 
Que  o  ruido  ,  e  o  fogo  das  eípadas. 

6o. 

Ferido  levemente  o  Cavaleiro  , 
Os  olhos  lhe  cobrio  fanguinea  venda  , 
Quando  outro  Mahometano  aventureiro 
O  retirou  da  trasiica  contenda  ; 
Como  a  vifta  perdeo   o  graó  guerreyro , 
Naõ  fabe  quem  o  offenda  ,    ou  o  defenda  , 
"Mas  ao  íahir  do  exercito  vencido  , 
AíTim  lhe  diz  atento ,  e  comedido. 

61. 

Eu  fou  ,  Senhor ,  que  Ali  te  reconheço 
De  Africa ,  e  Portugal  Rey  foberano  , 
Quem  de  tantas  injurias  ja  me  efqueço , 
Com  que  o  trono  me  ufurpas  Africano  j 
A  vida  pela  tua  hoje  ofFereço  : 
Pois  para  combacer  o  I.uzitano 
Henrique  ,  eíle  disfarce  aíiuto  ordenas 
Com  mais  caufa  que  Côdro  Rey  de  Atenas.  Nota  70 s. 

Pois  me  obriga  a  fervirte  a  varia  forte, 
Naõ  hey  de  fer  infiel  ao  duro  fado  , 
E  por  livrarte  de  huma  prompta  m.orte,  ^i,;. 

Cure  tuas  feridas  meu  cuidado  .-  ,  oQ 

Lisboa  te  defenda  grande,  e  forte,  io'bi  bVT 

Donde  do  meu  valor  íerás  guiado  , 
E  em  Africa  convoquem  teus  ceíouros 
Novos  íoccorros  de  valentes  Mouros. 


374  Henriqueida 

65. 
Só  te  peço  por  premio ,  fe  algum  dia 
Difpuferes  de  Àldara  Soberana, 
Que  fe  o  rigor  da  íbrce  o  naõ  deívia , 
Eu  mereça  a  belleza  mais  que  humana : 
Fortunas ,  Reyno  ,  e  vida  renderia  , 
Mas  bem  (ty  ,  que  ella  íempre  foy  tirana  , 
E  a  fineza  afllm  deixo  mais  luzida , 
Se  porque  ella  me  mate ,  me  das  vida. 

64. 
Refponde  o  Rey  :  ò  Lucidoro  illuftre. 
Eu  te  prometo  Aldàra  ,  naó  o  Império  ; 
Porque  eíle  he  teu  ,    fem  que  a  ambição  te  fruftre 
Do  teu  direyto  ,  indiano  vitupério  1 
Eíta  injuíliça  fez  perderlhe  o  luftre, 
E  foy  do  ^co  jurtiOimo  miderio  , 
Que  eu  íinca  com  infâmia  da  memoria, 
Que  porque  fuy  injuílo  ,    perco  a  gloria. 

65. 
Nefte  tempo  no  bofque  huns  Cavaleiros, 
Que  a  ElKey  feguiaó  ,  promptos  (e  introduzem , 
Orc^ne  os  guia,  e  com  três  mil  guerreiros 
A*  marítima  Corte  o  Rey  conduzem  : 
Lucidoro  ,   a  quem  muitos  dos  primeiros 
Africanos  formados  fe  reduzem  , 
Com  muita  infantaria  ,  que  fe  efpalha  , 
Forma  o  refto  do  exercito   em  batalha, 

66. 
Entretanto  os  heróicos  Lufitanos 
Vendo  as  pontas  das  alas  em  desordem 
Romperão  pelo  flanco  aos  Afiicanos 
Do  firme  centro  penetrando  a  ordem: 
Na  referva  dos  fortes  Mahometanos , 
Que  Lucidoro  faz  que  naõ  difcordem , 
Achavaõ  o  triunfo   duvido  o 
O  Sylva  forte ,  o  Cunha  valerofo. 

67' 


Canto  XI L  375 

67. 

Tal  foy  na  nouce  horrível  triíle  eílrago  , 
Que  das  aves  noòburna?^,  e  agoureiras 
Com  o  gemido  trágico  ,  e  piefago 
Fogem  as  Filomenas  lifongeiras  ; 
As  eftrellas  errantes  no  Ceo  vago. 
Seguindo  o  Sol  auzenraõ-íe  ligeiras, 
E  as  fixas  nos  Zéfiros  fluduances 
Ainda  correrão  mais  do  que  as  errantes. 

Livre  das  fombras  a  manhãa  futura 
Moftrou  alej,re  a  Henrique  a  clara  Aurora , 
E  da  aka  tutelar  a  luz  mais  pura 
Obfequlofo  venera,  fino  adora: 
Deo  aos  Teus  a  fagrada  fepultura  ; 
Dos  Mouros  na  campanha  vencedora 
Fez  enterrar  os  corpos  horrorofos , 
E  aíTim  fallou  aos  Lufos  gcnerofos. 

69. 

Generaes  admiráveis,  e  invenci  eis, 
Já  moílra  Dcos ,  que  quer  fundar  o  Império » 
Da  fua  protecção  írudos  vifiveis, 
Defcobre  em  cada  luz  novo  mifterio  , 
Trofeos  vaõ  erigindo  os  impoíTiveis, 
E  da  Africana  ley  em  vitupério 
Temos  hoje  em  derpojo  defta  guerra 
Três  coroas  poftradas  pela  terra. 

70. 

Vamos  ao  novo  templo  de  Lamego 
Fazer  as  três  Coroas  tributarias , 
O  exercito  nas  margens  do  Mondego 
Defcanfe,  e  nas  mais  terras  feudatárias: 
Lisboa,  que  ha  de  íer  ultimo  emprego 
Das  armas ,  e  ruina  das  contrarias  , 
Em  quanto  o  Sol  ardentes  rayos  vibra 

Até  que  por  Efcorpio  deixe  Libra. 

71 


3  7  6  Henriqueida 

DiíTc;  e  com  os  varoens  qualificados, 
Axa ,  Muley ,  e  os  principaes  cativos, 
Chegou  donde  os  finiíllmos  cuidados 
Da  bclla  efpoía  achou  tenros  ,  e  aclivos. 
Rende  à  Imagem  os  votos  deftinados 
Para  padroens  eternos ,  e  expreíTivos : 
Cantaõ  de  mil  Orfeos  raros  primores 
Do  cântico  ,  do  jubilo  os  louvores. 

7i. 

Axa  aos  braços  chegou  do  efpofo  Régio, 
E  rendo  a  mefma  fé,  o  amor  foy  firme, 
Deixa  da  idolatria  o  facrilegio , 
Giraldo  a  inftrue,  e  faz,  que  fe  confirme.* 
Prepara-fe  o  Bautifmo  mais  egrégio  , 
Porque  aos  dous  lleys  na  converfaó  afirme; 
Que  de  Henrique,  e  Tereza  entaó  fervidos. 
Nota  709  Qs  oráculos  fiquem  entendidos. 

75.  _ 
Muley  j  e  Amado  chegaõ  impacientes 
Ao  meímo  tempo  a  v-^r  a  bella  Aldara, 
Que  rofpíros,  que  aííedos  taó  ardentes 
Nos  feus  dous  coraçoens  o  amor  prepara, 
Ambos  perdem  o  ufo  de  eloquentes; 
E  ou  os  fufpendc  a  fermofura  rara, 
Ou  no  culto   o  lilencio  naõ  fe  rompe  , 
Ou  o  ciúme  as  vozes  interrompe. 

74- 
Ella  temendo  as  confequencias  triftes 
Da  emulação  ,  formou  eftes  acentos  ; 
Generofos  amantes ,   bem  me  ouvitles , 
E  fabcis  meu  diítino,  e  meus  intentos, 
Vòs  Amado  ,  que  os  votos  proferiftes 
De  ceflar  com  Muley  tantos  violentos 
Im.pulfos ,  muy  bem  ^ç.y  ,  que  os  obrervaíles  > 
E  nova  eílimacaó  ,me  grangeaíles.     ;í'i  lu 


Ih 


Canto  XIL  377 

75- 
Vos  Muley  bem  fabeis  que  humâ  promeíTa 

Vos  fiz  de  que  feria  vofla  efpofa , 

E  quanto  o  meu  caracter  fe  inrercíía 

Eftreitando  aliança  raó  forçofa; 

Mas  huma  Icy  me  prende  caõ   expreíTa, 

Que  me  obriga  com  caufa  poderoía  : 

Naó  a  poflb  dizer,  que  he  taó  terrível, 

Que  fó  hadc  mudalla  hum  impoífivel. 

76. 

Que  ley  ?  Elle  reípai;ide  ,  Aldara  ingrata  ,; 

Pode  haver,  que  hum  cal  bem  me  difficulcei* 

Sendo  divina ,  porque  me  naò  mata  ? 

Se  o  naó  he,   como  ha  caufa,   que[  a  occulce? 

Mas  he  voíTa  inconftancia  a  que  maltrata 

Só  ao  meu  peito .  delia  em  fim  refulte 

Ser  preferido  Amado  :  ah  homicida! 

Para  matarme  me  guardaes  a  vida/ 

77'  ^    ^. 

Se  eíTa  ley,  qne  ocultaes,  naõ  dizeis  logo,' 

Efta  venda  fatal  hade  fer  laco  , 

Que  defte  ar  ,  que  rcfpiro ,  e  he  já  fogo  , 

Apague  a  vital  chama  em  breve  efpaço  ; 

E  le  nelle  ,  ou  no  pranto  naó  me  afogo  , 

Soccorrame  fiel  hoje  o  meu  braço, 

E  no  tempo,  em  que  tenha  melhor  forte, 

Dandovos  vida,  polTa  darme  a  morte. 

78. 

Tirou  do  peito  a  venda,   que  efcondia, 

E  que  no  campo  achou  com  raro  acafo 

Empunhou  o  punhal ,  porque  o  trazia 

Para  memoria  do  felice  calo  : 

Aldara  fe  defmaya  ,  e  com  o  dia 

Se  defmayou  o  nume  do  Parnaflo;  Nota  710, 

E  vendo  efcurecer  luzes  raó  bellas, 

Tambeiu  fe  defmayaraó  as  eílreilas, 

Bbb  75>í 


378  Henriqueida 

79' 
Porém  Amado  em  tudo  generoío 

De  Muley  cora  cal  força  o  braço  prende  j 
Qiie  mais  o  aperra  agora  por  piedofo 
Do  que  quandii  inimigo  antes   o  oíFende: 
Soicaiiíe,  diz  Muley  ,  que  rigorofo 
Reconheça  ainda  mais  quem -me  defende; 
Tal  genciofidade  me  maltrata. 
Que  por  matarme  mais ,  menos  me  mata. 

80. 

Se  para  verme  atar  queres ,  que  viva 
Ao  carro  no  triunfo  de  Oxpido, 
E  as  glorias  de  huma  ingrata ,  de  liuma  efquiva , 
Hcy  de  ver  infamado  ,  e  abatido  ; 
Deixa  que  morra,  e  ícja  compaíllva 
Hoje  a  fortuna  de  hum  favorecido, 
Ay  Aldara  cruel  /  EUa  defperta  , 
E  entre  a  vida,  e  a  morre  eftava  ineerta 

81. 

Naõ  he,   Muley  illufire ,  diz  Pelayo , 
Em  mim  cruel  effeito   da  vaidade 
Evitar  o  funefto  ultimo  eníayo, 
Que  transforma  o  valor  em  impiedade; 
Veja  Aldara  tornando  do  defmayo, 
Que  ao  feu  favor  devefte  eíla  piedade  ; 
Por  ella  vives,  vive  na  efperança , 
Em  mim  nun4:a  foy  vil  huma  vingança. 

81. 

Chega  Henrique ,  e  da  luta  activa  ,  e  dura  , 
Aos  dous  amantes  emulos  fepara , 
Rcprcnde  Amado,   qwe  matar  procura, 
Como  fuppocm,   quem  prezo  fe  enxregera: 
O  con erário  acredita,  c  aíTegiira 
Juílincando  aos  dous  a  trifte  Aldara  ; 
E  admira  aos  rres  hum  novo,  e  raro  objeólo 
De  hum  Eremita  intognico,  e  ptovcâio.      - 
»?^  8  3' 


Canto  XI L  379 

85. 

CeíTe  j  lhes  diz  alegre,  o  grande  Henrique, 
CeíTc  o  lencor ,  a  fúria ,  e  a  triftcza , 
O  Amor  os  feus  triunfos   mulciplique  , 
Seja  hum  dia   dicofa  huma  fineza:     licj   '• 
Tancredo  hum  cal  íuccelVo  hojC  publique  , 
Que  fó  íe  duvidara  da  certeza, 
Se  elle  tudo  o  que  diz  naõ  confirmara  , 
E  cu  com  minha  alicrfaõ  naó  o  affirmara. 

84. 
Nefte  cempo  a  Princeza ,  e  coda  a  Corte 
Concorre  para  ouvir  a  novidade, 
Q^ie  >á  foara  por  eílranha  force 
De  que  entrara  Tancredo   na  Cidade: 
Elle  fem  que  o  filencio  mais  reporte, 
A  voz  esforça  defmencindo  a  idade  , 
E  codos  mudos,  cimidos ,  e  acentos, 
Ouvem  com  fufpenfaõ  os  feus  acentos. 

Heróe,  de  quem   a  indica  memoria 
Até  penecra  o  ruftico  retiro,  otayii, 

Donde  para  vencer  a  morcal  gloria 
Pela  immortal  coti  lagrimas  fofuiro  : 
Ouvi  a  raia  ,   cerra,   iiluftrc  hiftoria 
De  Tancredo  ,  e  no  débil  ,   que  refpíro. 
Com  impulfos   do  amor,  e  da  alegiia  , 
Cuido  ,  que  acé  fem  vida  a  explicaria. 

Da  incógnita  Princeza  illuflre  ,  e  bclla , 
De   que  dizer   o  nome  dirliculto  , 
Eayona  vio  que  huma  envejofa  er^rella 
Roubou  a  vida  com  mortal  infuito  : 
Premiou  voíla  fineza  com  cautela  , 

Em  vinculo  nupcial ,  breve,   e  occulco  , 
E  acabando  huma  fíor  a  bella  vida, 
Em  dous  frucos  fe  vio  reproduzida, 

Bbb  ii  87; 


380  Henriqueida 

87. 

Com  os  nomes  de  Pedro  ,  e  de  Sibilla 
Sairaõ  do  católico  lavacro , 
Da  Cruz  azul ,  e  eftrella  mais  cranquilla 
Se  vè  nos  braços  o  carader  facro  : 
Lagrimas  finas  voíTo  amor  deftilla 
Ao  fepultar  o  amado  fimulacro  .  , 

E  ao  fiarme  tefouros  taõ  preciofos 
Do  mar  entre  os  perigos  procelofos. 

88. 

Ao  graõ  Ramon  ,  que  he  Príncipe  em  Galiza^ 
E  a  quem  vos  une  o  Tangue,  e  a  aliança. 
Me  mandaes ,  que  os  conduza ,  e  fe  íuaviza 
O  receyo  no  alenco  da  efperanca  : 
A  vofla  viíla  ainda  o  baxel  diviía  , 
Que  a  Bayona  de  Hefpanha  da  de  França 
Leva  os  dous  precioíiíTimos  thefouros  , 
Quando   atacar  os  viftes  pelos  Mouros. 

89. 

O  Cogia  Arraes  intrépido  pirata 
Vendo   do  meu  navio  a  reííftencia , 
E  que  a  equipagem  com  valor  lhe  mata  , 
O  condena  das  chamas  â  violência  ; 
Naõ  me  deixa  o  incêndio  quem  combata , 
E  dos  Ceos  invocando  a  alca  aíTiílencia , 
Peço  ao  fado  de  mim  feja  homicida, 
E  aos  dous  conferve  a  religião ,  e  a  vida. 

5)0. 

Ao  mar  me  arrojo  fuftentandb  hum  braço 
Aos  dous  Infantes  ,  que  com  raro  inftinto 
Me  apertarão  no  colo  o  doce  laço. 
Receando  o  cerúleo  labcrinto  : 
Por  liurarme  do  trágico  embaraço, 
Piedofo  ao  mar  fe  lança  o  forte  Aminto , 
Aminto,  que  entre  a  barbara  crueldade 
Nunca  pode  perder  a  humanidade. 

91. 


Canto  XI  1.  381 

91- 

Aos  três  livrou,  eoCapitaô  intenta, 
Que  eu  lhe  diga  quem  faó  os  dois  meninos; 
Por  mais  que  com  coimentos  me  amedrenca  , 
Guardaó  fegredos  meus   afíedos  finos: 
Que  faõ  meus  filhos  digo  ,  e  que  me  alenta 
Nobre   langue  ,    e  teraó    os  prémios  dinos 
No  refgate  ,    o  meu  animo  offerece, 
E  obrou  mais  que  a  piedade  o  intereíTe. 

Por  remédio  ,    e  regalo  conduzia 
A  Jó  ,  ou  Izis  à  facunda  copia  Nota7i2; 

O  pirata,    e  no  leite  ,    que  vertia ^ 
Socorreo  dos  dois  Príncipes  a  inópia  ; 

Mais  que  a  capella  ,    que  nos   Ceos  luzia,  Notayxjs 

E  de  Amaltéa  a  fértil  cornucopia  Nota  714, 

Mereça  fer  nos  aflros   collocada , 

E  do  fiel  Booces  bem  guardada.  Nota  71;! 

95. 
A  Lisboa  chegou  ,    e  Ali  recebe 
Os  dois  infantes ,    de  que  a  bella  forma 
Das  alças  efperanças  ,  que  concebe, 
Sò  pelos  olhos  toda  a  alma  informa; 
Por  mais  que  me  examina  naó  percebe 
Quem  faõ  ,    mas  naó  comigo  fe  conforma 
Em  crer,  que  faó  meus  filhos,   que  hum  cativo 
O  nega  ,  e  do  naufrágio  eícapou  vivo. 

94. 
Mas  ef^e  que  naõ  íabe  feu  pay  certo  5 
Foy  d.fterrado  para  a  Libia  ardente, 
E  eu  fogi  para  hum  afpero  deíerto 
Naó  penetrado  da  Africana  gente; 
Porém  naõ  pude  eftar   taõ  encuberto  , 
Que  Aminto  a  hum  Tanto  auxilio  obediente 
Depois  de  quatro  luílros  naõ  me  achafle ; 
E  do  que  paílou  naó  me  infoimalTe. 

k    9;. 


38z  Hmriquúd^ 

95- 

DiHliTiç  pois  Ainiiico,  que  em  tormentos 
Apertado  o  cativo  çonfeiíara 
Dos  meus  oççultgs  ,    ç  fieis  intentos 
Só  o  que  no  n^vio   penetrara  ; 
Pois  me  ouvira  entre  os  finos  fentimentos , 
Com  que  aos  tenros  Infantes  abraçara , 
Se  ambos  fo líeis  meus  filhos  em  cal  forte  , 
Menos  íentiia  a  voUa  trille  morte. 

96. 

Concoume  que  Almançor ,  que  o  Rey  herdava, 
Na  batalha  de  Gaya  perecera  : 
Que  por  vò.s ,  e  Tereza  fe  iliurtrava 
*Do  Luzo  Império  a  criítalina  esfera  •• 
Que  ElRey  por  filha  única  adoptava 
Sibilla  ,  a  quem  de  Aidara  o  nome  dera, 
E  que  a  Pedro  criou  force  ,    e  guerreiro 
Por  Muley  de  Tarifa  illaftre  herdeiro. 

97. 

Qiie  a  Lucidoro  Aldàra  deftinava 
Succelfor  claro  do  Africano  Império , 
E  a  Pedro  as  efperanças  enganava 
Sem  dizer  do  impoífivel  o  miíierio  : 
Que  Aldàra  com  preceito  aííegurava 
De  huma  aliança,   que  era  vitupério 
Entre  irmãos ,  que  com  cego  intento  amante 
Livraó  o  delinquente  no   ignorante. 

98. 
F07  occulto  politico    mifterio 
Temer  Ali ,  que  os  feros   Mahometanos , 
Se  lhe  faltaiTe  o  fucccíTor  do  Império, 
AppeteceíTem  novos  Soberanos  : 
Da  jufiiiça,  e  direito  em  vitupério 
Segue  a  máxima  falfa  dos  tiranos 
De  que  para  r-ynar  com  vãa  cobiça 
He  licita  a  mentira ,  e  a  iujuíUça» 


Canto  XI  1.  385. 

99. 

ViiSbimas  triíles  de  hum  amor  impuro 
Guardava  com  rcípeicos  de  liincezas , 
Com  ciumc  inquicco  ,  c  mal  feguro 
No  Palácio  em  Lisboa  mil  bellczas , 
Mas  intecundas  neíie  laço  duro 
Equivocando  afagos ,  e  afperezas 
Entre  as  magoas  ,  que  tremulas  fentiaõ , 
Só  lagrimas ,  íó  anciãs  rcpetiaõ. 

100. 

De  Artelinda  fiou  a  tenra  Infanta, 
Artelinda,   que  em  quarto  feparado 
Tinha  em  Ali  foberania  tanta , 
Que  o  tirano  fe  vio  tiranizado  •• 
Pediolhe  ,  que  ao  projedo  ,  que  adianta 
Deíle  favor ,  por  ver  recuperado 
Neí\e  fruto  ,   que  o  Ceo  quer  adoptivo 
O  bem  ,  que  lhe  negara  fucceíTivo. 

lOI. 

Artelinda  fingio  ,  que  ella  ocultara 
Deíla  nova  Princeza  o  nafcimenco  , 
Por  ver  fe  Ali ,  que  a  Africa  paflara , 
O  Império  lhe  quer  dar  mais  opulento  5 
Pois  antes  mataria  a  bella  Aldára  , 
Do  que  fofrer  opprobrio  ta'j  violento  , 
Como  ver  que  no  Império  lhe  precede 
Quem  em  belleza »  e  perfeições  lhe  cede. 

101, 
Porém  voltando  o  Rey  foy  mais  propicio 
O  fado  ,  pois  fencio  em  tempo  breve 
Do  feu  fecundo  amor  hum  certo  indicio  , 
A  que  o  gofto  na  duvida  deteve  : 
Nalce  Almsnçor   com  taõ  dicoío  aufpicio, 
Que  o  mayor  alvoroço  ao  Reyno  deve; 
Porque  hum  Varaõ  a  Aldàra  fubftitoa  , 
Mas  o  íeu  tingimen^o  coaciaua. 

105. 


j  8  4  Henricjueida 

105. 

Naõ  quiz  moftrar  o  Rey  a  indignidade 
De  fingir  ter  por  filha  huma  eftrangeira , 
De  quem  ignora  os  pais,  e  feperfuade. 
Que  tinhaó  dos  Chriílãos  a  ley  groíleira  j 
AíHm  fegiira  mais  a  liberdade, 
Suppondo  íer  a  filha  verdadeira  , 
Se  a  morce  de  Almançor  por  crifte  cafo 
ViíTc  a  guerra,  a  doença  ,  ou  outro  acafo. 

104 

Inútil  lhe  naõ  foy  tanta  cautela  , 
Pois  matou  a  Almançor  o  claro  Henrique  , 
^     E  influindo  em  Aldàra  efcura  eftrella , 
Faz  que  no  campo  priíioneira  fique; 
E  ao  ver  que  Lucidoro  fe  defvela  , 
Porque  o  alço  conforcio   fe  publique, 
Lhe  oííerece  em   Muley  hum  novo  objeto 
De  hum  impoffivel,  quanto  ardente  aftecto.' 

Era  Muley  aquelle  bello  Infante , 
Que  fer  irmaó  de  Aidàra  o  Rey  fabia  ; 
E  porque  o  feu  projecbo  fe  adiante 
De  pretexto  fervio  á  tirania  .- 
Nota  71^.  A  linha  de  Tarif  em  Tarudante 
Por  hum  único  Principe  exiftia  , 
De  Tarif  vencedor  de  toda  a  Hefpanha  ^ 
Em  hum  fó  golpe ,  em  huma  fó  campanha. 

106. 

Zegri  o  Viraó  claro  fe  chamava  , 
E  á  Lisboa  o  conduz  o  íeu  diftino  , 
Nella  morreo  ,  e  hum  filho  fó  deixava 
Fiando  ao  Rey  efte  infeliz  menino  .• 
A  Parca ,  que  ao  nafcer  o  ameaçava  , 
Promptamente  exercita  o  golpe  indiuo  , 
E  o  meu  infante  incógnito  atribue  , 
A^eítirpedeTarif,  que  •  fubfticue.VV      .^     • 


107. 


Canto  XII  385 

107. 

Aífim  de  Gibarltar  teve  o  dominio, 
A  quem  Tarif  mudou  o  antigo  nome, 
Muley  chama  ao  infante,  e  leu  definio , 
He  de  que  ao  innocente  o  Reyno  tome: 
De  hum  fabio  refpeitando  o  vaticinio 
Faz  que  a  tanra  ambição  a  fúria  dome ; 
E  o  que  antes  foy  mifterio  nefte  intento 
Na  guerra  fez  Muley  merecimento. 

108. 

Com  taí  valor  empunha  o  tenro  braço 
Ainda  no  tirocínio  a  forte  efpada  , 
Que  o  mefmo  Marte  teme  o  ameaço 
Vendo   a  ira  em  Adónis  preparada ; 
Sempre  da  guerra  o  mais  remoto  efpaço 
Lhe  deftina ,  e  da  Corte   feparada 
De  Muley  a  virtude  o  Rey  defeja , 
Naó  por  emulação  ,  mas  por  enveja; 

109. 

Affim  de  Lucidoro  fe  aflegura 
Fomentando  entre  os  dous  cruel  ciumej' 
Que  de  Aldara  na  extrema  fermofura 
Arde  no  incêndio  que  arde  ,  e  naõ  confume : 
Oh  tirânica  ley,  pérfida,  e  dura, 
Que  em  injufto  ,  e  politico  coftume 
Só  para  prevenir  futuro   dano 
Chama  nobre  miftetio  ao  falfo  enganol 

iio. 

A  Aminto  perguntey  quem  Ihé  diíTera 
Os  fegredos  mais  Íntimos   do   Eftado  , 
Por  Galiana  diíTe  que  os  foubera, 
Ce  quem  foy  taõ  amante,  como  amado, 
De  Ártelinda  era  irmãa  ,  ella  lhe  dera, 
Tendo  primeiro  cm  fuás  mãos  jurado  , 
Que  eíia  noticia  naó  fará  nrtoria, 
A  fiel  narração  da  occulta  hiftoria. 

Ccc  iii< 


335  Henriqueida. 

III. 

Que  como  elle  vivia  no  íea  peiro  , 
Quando  o  que  nelle  guarda  parcicipa, 
Deixava  o  juramento  facisfeito  5.Í 
Se  Aminro  aos  penfamentos  íe  ancicipa: 
Porém  (  oh  cafo  raro  !  )  e'^i  crifte  effeico 
A  morte  a  Galiana  a  luz  diíTipa ; 
Naõ  pode  Amor  nefta  tragedia  dura 
Livrar  a  Galiana  de  perjura. 

III. 

Encaõ  vè  ,  diz  Aminto  ,  a  falíldade 
De  quem  do  Alcorão,  fegue  o  torpe  rico  j 
E  vem  bufcar  as  luzes  da  verdade  , 
Para  fogir  das  fombras  do  delito : 
Eftreito  laço  de  intima  amizade , 
A   que  naõ  diílolveo  tempo  infinito  , 
Me  tez ,  Senhor ,  por  efte  eftranho  acafc 
Saber,  Tancredo  diz,  taõ  raro  cafo: 

115. 

Naõ  era  longe  dos  confins  de  Ourique 
O  meu  retiro  cm  terras  tranílaganas,      rK  - 
Nota  717.  Leovigildo  bufquQy  ,  porque  me  explique 
Da  irnmortal  vida  as  glorias  foberanas  ; 
Elle  me  ordena  que  aílegure  a  Henrique , 
Que  das  felicidades  Luzitanas 
Por  dle  hade  faber  Affonfo  illuílre  , 
Que  o  Ceo  ao  Lufo  Império  hade  dar  luftre. 

114. 

E  que  a  Pelayo ,  que  de  feu  filho  amado , 
Moftre  em  figillo  de  ouro  efta  Cruz  dobre , 
E  carta  ,  porque  feja  acreditado 
Quanto  aqui  o  mea  peito  vos  defc obre: 
Quer  Aminto,  que  o  deixe  retirado 
Com  Leovigijdo,  a  quem  o  bofque  encobre, 
E  dou  fatisfaçaõ  ao  meu  defeio, 
Em  quanto  paíTo  occuko  o  claco  Teia, 


Canto  XII.  387 

Tudo  he  cerco,  exclamou  Giraldo  fanco, 
Em  Lamego,  Senhor,  vos  promecia, 
Que  transformando  em  goílo  o  trifte  pranto, 
Pedro,  e  Sibilla  o  voíTo  amor  veria: 
A   eftrella ,  e  Cruz  azul  moftiaõ  em  tanto 
Os  dous ,  ainda  que  a  caufa  da  alegria 
Que  fc  diminuifle  era  poílivel , 
Trocando-fe  hum  amor  a  hum  impoíTivel, 

116. 

Abraça  Henrique  os  filhos  adorados. 
Que  adoptou  o  carinho  de  Tereza , 
Os  Bautiímos  eftavaõ  preparados 
Dos  dous  Reys  com  magnifica  grandeza: 
Ficaó  ao  mefmo  dia  deftinados 
O  himineo  de  Bermudo  ,  e  da  Princeza, 
E  o  de  Amado  ,  e  Sibilla  ,  que  de  Henrique 
Manda  a  inviolável  ley ,  que  fe  publique 

iry. 

Pedro  ,  e  já  naõ  Muley  ,  bufca  proílrado 
A  Henrique,  que  nos  braços  o  recebe> 
E  o  arrependimento  do  paflado 
No  femblante ,  e  acçoens  bem  fe  percebe; 
Eftreitamcnce  o  abraçou  Amado  , 
E  no  grande  conceito,  que  concebe. 
Conhece,  que  haõ  de  Ter  fieis  amigos, 
Pois  foraõ  generofos  inimigos. 

118. 

Sibilla  a  Pedro  diz .-  hum  puro  affedo 
Agora  entendo  ,  porque  bem  nacido 
Tinha  na  fimpatia  occulco  objecto , 
Que  equivocava  amor  defconhecido  : 
Agora  entendo   hum  mteriôr  projecto. 
Que  nunca  foy  de  mim  bem  entendido: 
Agora  entendo  os  ecos  de  huma  anciã. 
Que  era  a  hum  teiDpo  deíejay  e  repugnância. 
;  '  i  Ccc  ii  115?, 


388  Henriqueida 

119. 

Lembrete  quanto  ouviíle  Amado  invido^ 
Quando  eu  cantey  os  males  ,  que  choiava  , 
E  alllm  entenderás  hum  peito  affliòto. 
Que  lem  poder  amarte ,  te  ertimava  s 
Mas  agora,   vencendo  efte  conflido 
Me  moítra  o  Ceo  os  Pays ,  que  me  occultavàj 
Na  paflada  ignorância  ache  a  defculpa 
Eíla  inculpável,  e  innoccnce  culpa. 


1 20. 


Amado  mudo  eftava ,  porém  mudo 
Eftava  mais  que  todos  eloquente, 
E  quando  nada  dilíe,  diííe  tudo, 
Pois  falia  o  coração ,  e  a  lingoa  fente  : 
Sem  que  da  fanta  Ley  façaó  eftudo  , 
Giraldo  as  ceremonias  naõ  coníente 
De  Axa ,   que  no  Bautifmo  o  bem  alcança, 
E  Aldaia  de  Pelayo  na  aliança, 

121. 
Quaes  novas  plantas  em  feliz  terreno , 
Que  agricultor  de  longe  preparara, 
Com  o  eílranho  calor  de  cinza,  e  feno, 
Fez  que  o  fruto  fem  tempo  fazonara  ; 
AíTim  fértil  verdor,  fragrante,  ameno, 
Nota'71 8- Florido  fruto  a  graça  anticipara 

Nos  neoiiros  raros ,  que  a  Fé  viva 
Do  Sagrado  Paílor  rega ,  e  cultiva. 

1 11. 
Correrão  dos  Planetas  fete  dias , 
E  do  templo  de  Carquere  adornadas 
Nas  paredes  debuxa  allegorias 
1^  O  engenho  com  pintutas  animadas; 

oía7i9-  Yen^-e  a  Sara  a  fineza  de  Tobias, 
Nota 710.  Moftra  o  Jordaõ  as  agoas  prateadas, 
E  as  allufoens  do  mais  feliz  lavacro , 

E  da  nupcial  uniaõ  no  rico  facro; 

123, 


Canto  Xll  389 

115. 

Prémios,  eílimaçocns ,  honras,  grandezas, 
A  Tancredo  promete  agradecido 
Henrique;  dos  crabalhos,  e  finezas. 
Que  lhe  deveo  ,  Te  vè  reconhecido  : 
Prefere  do  defeito  as  aíperezas 
Ao  engano  do  mundo  mais  luzido  ; 
E  evitando  da  Corte  o  mortal  dano. 
Quer  viver  immortal  no  defengano»  >  - 

114. 

Já  no  dia  do  Sol  fahio  a  Aurora 
Vaticinando  os  júbilos  fagrados , 
Entaó  fó  ri  as  pérolas,  que  chora 
Do  Bautifmo  em  indicios  duplicados; 
Tithan  rejuvenece,  e  fino  adora 
A  Deofa  com  carinhos  animados , 
Devendo   o  novo  ardor ,  e  a  luz  brilhante 
De  Pelayo  ,  e  Sibilla  ao  laço  amante. 

115. 

Nos  defpojos  do  campo  Mahomciano 
Luzia  a  Corte  em  inculpável  luxo, 
Que  já  do  claro  Império  Lufitano 
Dava  a  grandeza  a  norma,  e  o  debuxo; 
Já  participa  o   Hèroe  Soberano 
Da  Sibilla  da  gruta  o  facro  influxo , 
E  reconhece  em   movimento  interno 
O  nome  de  quem  teve  o  fer  materno. 

126. 

Vem  de  1  amego  os  Reys,  e  coroados 
Moftraõ  ,   que  ao   Re}  no  efíaó  reflicuidos, 
E  ainda  que  a  Henrique  íaõ  fubordinados , 
Os  faz  taó  nobre  feudo  mais   luzidos : 
Eraõ  de  ouro  ,  e  diamantes  adornados 
Os  magnificos  cândidos  veriidos; 
E  para  que  a  grandeza  íe  duplique,  , 

Jêí^?*  a  Axa  ferve ,  ao  Rey  Henrique,     fijflfivj J 


q  5  p  Henrlcfueida 

127. 

Cs  dous  nomes  impoz  Giraldo  illufl^re 
Aos  Reys,  e  na  arperfaõ,  que  lhe  adminiftra, 
Lhes  dà  niayor  Império,  e  mayor  luftre, 
Que  o  que  Henrique  com  gloria  lhe  miniílra  5 
E  porque  tanta  graça  naõ  fe  fruftre, 
Axa  do  Ceo  aberto  a  luz  regiftra, 
E  vè ,  que  nos  celeíles  alabaílros 
Os  falfos  deoíes  fó  fe  vem  nos  aftros. 

ii8. 

De  Urania ,  e  de  Bermudo  o  laço  régio 
lllumina  Himineo  com  facra  réa ; 
Já,  fem  que  parecefíe  facrilegio, 
Na  maõ  de  neve  o  fogo  amor  acèa; 
Vinculo  ,  que  naõ  he  menos  egrégio 
Com  a  prifaõ  a  Amado  lifongea  .• 
Do  valor  a  belleza  naõ  fe  aparte, 
Sibilla  feja  Vénus,  e  elle  Marte. 

119. 

No  Palácio  fe  achavaó  prevenidas 
Mezas  taô  abundantes  >  e  luftrofas. 
Que  na  delicadeza  de  polidas 
Nota  711.  A  affluencia  efqueceo  de  fumpraofas : 
As  vitorias  de  Henrique  mais  luzidas 
Brilhavaõ  em  figuras  primorofas, 
Sitios,  defenfas  ,  torreoens ,  moralhas. 
Campos,  quartéis.,  reconmas,  e  batalhas. 

1 30. 

Almançor  naufragando  eftá  no  Douro, 
E  mais  no  próprio  íangue  a  lança  o  banha; 
Brunaf^rro  em  Lamego  com  derdouro 
Tem  na  Cidade  a  perda  mais  eílranha : 
Leiria ,  e  a  batalha  perde  o  Mouro  , 
E  fica  derrotado  na  campanha , 
Depois  que  de  Coimbra,  dcftroçado 
Levanta  o  5iic  dará,  ôdila«ado. 


ii^. 


Canto  XIL  391 

151. 

Nos  ares  fe  furpendem  mil  vitorias , 
A  que  ã  fama  deo  voz  com  mil  trombetas  , 
A  figura  da  Gloria  com  mil  gloiias 
Multiplicou  nos  adros  mil  planetas  ; 
A  Hiííoria  eftà  ditando  mil  ..lemcrias» 
As  Mufas  infpirando  mil  poetas ; 
E  mil  â  mil  os  goílos  fem  pefares 

AiTeguraó  fortunas  a  milhares.  Nota  ytil 

I  ;i. 

De  hum  teatro  apphrece  o  nobre  orqueCtra, 
Donde  o  epitalamio  fe  retrata 

De  Agamcnon  ,  e  a  bella  Clitemneftra  ,  Notayij^ 

Que  em  fcenas  ,  coros ,    e  aótos  fe  dilata  : 
Succede  a  dança  harmoniofa  ,  e  deftra  : 
Que  a  Corte  de  Borgonha  inventa  grata  , 
E  alegre  cm  Portugal  fe  conftitue , 
Que  depois  a  Borgonha  a  reílitue, 

Dançao  os  quatro  amantes ,  e  a  cadencia 
He  para  os  olhos  harmonia  clara , 
E  os  pafíos  com  harmónica  excellencia 
Foraõ  da  vifta  conlonancia  rara  ; 
Naó  tem  Bermudo  a  Amado  preferencia, 
E  Urania  ,  que  a  Sibilla   fe  compara. 
Das  corças  nos  deftros  exercicios 
Tiveraõ  íufpenfoens  por  facrificios.  Nota  724» 

Dos  galanes ,  e  damas  fe  formarão 
Amáveis  laços ,  deftros  ,  e  inocentes  , 
I^as  oufadas  as  mafcaras  roubarão 
Da  fermofura  os  rayos  mais  luzentes  .* 
Se  pelo  mifteriofo  fe  apurarão 
Os  facrificios  puros  ,  e  decentes  , 
A  chama  naó  feria  menos  pura 
Com  o  divino  ardor  da  fermofuf  a. 


392»  Henrtqueida 

Nota  725.  Dos  dois  talamos  bordão  as  cortinas 

De  Himineo  as  viólorias  amorofas , 
De  Jove ,  e  Juno  as  bodas  mais  divinas , 
De  Amor ,  e  Ffiques  anciãs  mifterioías  : 
De  Anfitrião  ,  e  Alecmena  as  glorias  íinas , 
De  Andromaca ,  e  de  Heitor  as  decorofas ; 
E  o  Cifne  de  Verona  doce ,  e  grato  , 
DeThetis,  e  Peleo  moílra  o  retrato. 

156. 
Entre  muitos  brilliavaõ  cinco  Amores; 

Nota 726.  Em  que  repreíentados  os  fentidos 
Siaiboliíaó  finiffimos  ardores 
Das  tèas  nos  incêndios  mais  luzidos  ; 
De  Bermudo  ,  e  de  Urania  aos  fuperiores 
Affedos  daó  influxos  repetidos  ; 
E  de  Amado  ,  e  Sibilla  a  fua  chama , 
Sem  moderar  o  ardor  ,  nelle  fe  inflama. 

O  efpirito  ,  que  ao  mundo  interno  anima 
No  racional,  feníivel ,  vegetavel, 
Faz  que  o  carader  defte  amor  fe  imprima 
Renovando  a  uniíió  do  império  amável : 
A  pofle,  em  que  o  aíFe£bo  defanima 
O  eíficaz  do  dezejo  invariável , 
Como  em  Sibilla  novos  bens  alcança, 

^,.,  Em  Amado  renaçe  em  efperança. 

158. 

Nota  717.  Saliio  do  mar  o  amante  deClimene, 

E  por  fazer  dos  rayos  mais  difpendio , 
Pede  a  Amor  lhe  permita  ,   ou  que  lhe  ordene 
Refumir  tantas  chamas  a  hum  compendio ; 
Porque  o  alcança  ,  ficara  perene 
A  ardente  luz  ,  o  rutilante  incêndio  ; 
Ja  que  difpòs  o  efpirito  profundo  , 
Que  falte  o  Sol, Te  falta  amor  no  mundo^L  o  n.- 


Canto  XI L  393 

159- 
Mas  Henrique ,  que  a  Pedro  procurara , 
E  na  fefta  magnifica  o  naó  vira  , 
Entre  o  cuidado,  e  a  faudade  achara» 
Que  o  grande  coração  fe  repartira  : 
Mayor  mal ,  do  que  o  peito  imaginara 
Defcobre  o  feu  temor,  que  naõ  refpira  : 
Tremulo  abre  hum  papel  com  tal  enlevo  y 
Que  fó  entaó  conhece  o  que  he  receyo. 

140. 
Senhor,  dizia,  ainda  mayor  fortuna 
Que  a  de  fer  filho  voílo,  he  a  excellencia 
Da  Chriíiãa  religião,  que  hoje  opporcuna. 
Me  concedeo  a  Eterna  Providencia  .• 
Segui  a  feita  errada ,  e  importuna 
Fundada  na  impureza,  ena  violência  > 
E  com  as  imprefibens  do  negro  Abifma 
Apagava  o  caracber  do  Bautifmo. 

141. 
Todos  quantos  me  virem  nefta  Corte, 
Naõ  fcy  fe  haó  de  julgar,  que  eílaõ  piefcricos 
De  tantos  annos  com  taõ  prompta  forte 
Meus  eílragos ,  meus  males,   meus  delitos; 
Quantos  fe  haã  de  lembrar  cauíey  a  morte 
De  Pays^  de  irmaõs ,  de  amigos  infinitos-, 
E  ainda  que  vejaó  o  meu  braço  exangue. 
No  meu  mefmo  rubor  veraô  feu  fangue. 

i4i. 
Se  houveíTe  com  hum  Principe  perfeito 
Dcfcontentes ,  que  í.mpre  ha  defcontentes , 
Caufa  eu  nunca  feria  ,   mas  effeito 
De  difcurfos  infames,  e  imprudentes.* 
Naó  de  Matilde  o  vinculo  imperfeito 
Achariaõ,  mas  falfòs  >  e  eloquentes 
Taes  razoens  ,  porque  eu  reyne  fingiriaõ  , 
Que  as  leys  trocendo  ,  os  textos  quebrariao. 

Ddd  "    '  145' 


394  Henriqueida 

De  voíTa  efpofa  ,  a  quem  por  mãy  venero  > 

Naõ  venceria  o  animo  incorrupto ; 

Mas  quem  me  diz ,  que  a  hum  proceder  íincero 

Naõ  i  ade  malquiftar  hum  peito  aftuto  ? 

Tiranifoume  Amor  com  taó  íevero 

Império  ,  e  em  mim  foy  taó  abíoluro , 

Que  ainda  que  afogue  o  Tangue  efta  violência, 

A  impicílaõ  da  bellcza  cpague  a  aufencia. 

144. 
Digno  efpofo  em  Amado  lhe  contemplo; 
Oh  queira  o  Ceo  ,  que  fe  amem  com  conftanciai 
Mas  faiba,  que  naó  íigo  o  íeu  exemplo, 
E  que  he  fó  feminina  a  inconftancia  : 
Naõ  me  verá  deidade  em  outro  templo 
Perturbar  da  fineza  a  confonancia , 
E   bem  pudera ,  porque  em  fim  a  argua , 
Naó  podendo  ler  minha ,  fer  fá  fua. 

Outra  culpa  ,  fe  o  he,  hoje  apregoa 
A  confiílaó ,  que  quero  fe  publique  , 
Mas  fe  a  voíía  piedade  a  naõ  perdoa, 
Que  importa,  que  cos  mais  mejuftifique? 
Vòs  marchareis  a  conquiftar  lisboa, 
E  fundareis  o  Império ,  6  invido  Henrique, 
Fogem  de  vòs  os  Mouros  temeroíos,  •  fiíjni': 

Tendes  os  Generaes  mais  valerofos.  <-'^''--  í^^ni  or'* 

146. 

E  aíTim  permitireis ,   que  a  minha  efpada 
A  hum  Rey,  a  quem  fervio,  já  mais  offenda, 
Na  religião  ficava  defcnlpada  , 
Mas  a  honra  fofrera  na  contenda-, 
Tenho  a  fcena  da  guerra  fó  mudada, 
E  a  Paleftina  he  jufi^o ,  que  defenda  ; 
A  feguir  voíTo  exemplo  fó  me  humilho, 
O  que  o  pay  conquiftou,  defenda  o  filho. 

147- 


Canto  XI I.  395 

147. 

Deixaftes  Portugal  ainda  opprimido , 
E  eu  o  deixo  fcguro  ,  e  vicloriolo  , 
Acè  que  volte  a  elle  mais  luzido 
Da  Cruz  Sagrada  o  Lenho  gioriofo  : 

De  huma  fanta  milícia  reveitido  ,  Noca  yiS.^ 

Ligado  ao  voto  puro  ,  e  decorofo  , 
Me  inípira  o  Ceo  ,   que  com  divino  effeico 
Seguirey  inftituto  mais  perfeito. 

148. 
Perdão  com  muitas  lagrimas  vos  peço 
De  naõ  vos  confultar ,  pois  fe  faò  juílas 
As  caufas  ,  que  em  papel  vos  oífereço, 
Sem  que  hoje  as  approveis  ,    feraõ  injuílas; 
Temi  o  voíTo  amor ,  e  vos  confeíTo  , 
Que  venerando  as  voíTas  leys  auguftas , 
E  eflando  refoluto  a  interprecalas , 
Naõ  me  quiz  arrifcar  a  quebrantalas. 

149. 
As  terras ,    que  em  fegredo  me  diíTeíles^ 

Me  dcftinavcis  com  real  grandeza  , 
Aceito ,  e  ja  que  pródigo  mas  deíles , 
Deva-vos  meu  amor  outra  fineza  •• 
Naõ  fó  vos  naó  fervi  j  porém  perdeftes 
Por  meu  braço  a  mais  Ínclita  nobreza  : 
Vos  as  repartireis  prudente,  ejufto, 
Sendo  Ceíar  em  guerra  i  em  pás  AuguílOr 

150. 
Aííim  efcreve  Pedro  ,  e  fe  retira 
Da  noute  na  mayor  efcuridade  i 
Henrique  a  nova  acçaó  fente ,  c  admira  j 
Pode  mais  a  razaõ  do  que  a  faudade  .• 
Dentro  em  fi  mefmo  o  coração  infpira  , 
Vence  o  difcurío  impulfos  da  vontade; 
Sibilla  ainda  que  chora,  vé  prudente, 
Que  como  irmaó  ,  naõ  como  amante  o  fente. 


3  9  6  Henricjtíetda 

Pelos  varocns  de  acçocns  adlnaladas 
O  generofo  Heròe  ali  reparte 
As  terras  das  províncias  conquiftadas , 
Em  que  arvora  da  Cruz  facro  eftandarce. 

Nota  719.  De  Guimaracns  nas  Cortes  convocadas 
Minerva  moderou  as  leys  de  Marte ; 
E  a  ira  na  prudência  mais  remiíTa 
Funda  o  Reyno  na  guerra  ,    e  na  juíliça. 

151. 
Para  Africa  pafíara  Lucidoro 
A  prevenir  armada  poderofa  ; 
Mas  a  fublevaçaõ  de  Altefidoro 
Formou  guerra  civil ,    e  vigorofa  : 

Nota  750.  [^eícendia  do  Tangue  de  Medoro 

Digno  efpoío  de  Angélica  fermofa  , 

£  admira  ao  vello  taó  guerreiro,   e  forte, 

Ver  que  de  Adónis  decendeo  Mavorte. 

Em  Tangere  o  rebelde  fe  coroa  j 
E  entre  íi  os  mais  povos  divididos 
Naõ  daó  para  o  focorro  de  Lisboa 
Navios  ,  e  foldados  prometidos : 
Tanto  que  certa  cfta  noticia  foa  , 
Com  tropas  promptas,  Cabos  efcolhidos  , 
Henrique  invicto  marcha  de  Lamego, 
E  fem  oppofíçaó  pafla  o  Mondego. 

154. 
As  guarniçoens  das  Praças  encorpora , 
Naõ  perdem  a  ordem  na  velocidade, 
Doze  vezes  fó  vio  nafcer  a  aurora 
Antes  de  ver  de  UliíTes  a  Cidade: 
Tal  o  terror  da  eípada  vencedora 
Era,  que  fem  achar  difficuldade, 
As  tropas  ,  que  fe  oppoem,  fogem  inquietas 
Dos  eccos  mais  diftances  das  trombetas. 


sy 


Canto  XII.  397 

M5 
Qual  do  Aquilon  cerúleo  Gerifalce, 

Que  a  Garça  já  opprime  em  leve  ponca. 

Seguro  de  que  a  prefa  lhe  naõ  f^ke, 

Curvo,  ebúrneo  punhal  com  fúria  aponta j 

Porem  temendo  ver,  que  mais  fe  exalte 

A  águia,  que  até  os  aftros  fe  remonta, 

Foge  no  azul,  e  aéreo  laberinto, 

Dando  lhe  vida  o  irracional  inftinto. 

Afllm  do  terror  pânico  occupados, 
Desfiladeiros,  campos,  rios,  montes 
Deixaó  os  Mouros  vis  abandonados, 
Vendo  a  Henrique  em  Elifios  orifontes: 
A  infiel  barbaiaridade  inficionados 
Deixa  os  puros  criftaes  das  claras  fontes: 
Oh  quantos ,  que  o  veneno  naõ  percebera, 
Em  argentada  copa  a  morte  bebera/ 

157. 
Queimando  campos,  arruinando  vilias» 
Querem  tirar  a  Henrique  a  fubfiftencia , 

E  bárbaros  naó  vem,   que  ao  deftruillas 
Naõ  cura  huma  violência  outra  violência,- 
Sobem  chamas  ao  Ceo,  para  extinguillas 

Vence  chuva  benigna  efta  inclemência: 

Aterra  manda  ao  Ceo  novo  Vefuvio, 

Mas  o  apaga  hum  benéfico  diluvio. 

Í57. 
Sangrou  ao  Tejo  artificial  torrente. 

Porque  os  campos  vezinhos  inundaQe; 

Porem  Eólo  provido,  e  clemente. 

Fez  que  hum  aíTopro  rápido  a  fecaíTe: 

Impraticáveis  para  a  Lufa  gente, 

Sc  as  bellicofas  maquinas  levaffe, 

Deixar  õ  aseft'.adas  mais  famofas,' 

Precipitando  asaivores  frondofas. 


'Sh 


398  Henriqueida 

159 
Tudo  venceo  o  efpirito  invencível , 

E  chega  a  ver  Lisboa ,  quando  chega 
O  claro  Febo  ao  Efcorpiaõ  cerrivel , 
E  em  fogir  do  veneno  fó  fe  emprega  : 
Trocoufe  o  Moro  em  Zéfiro  aprazivcl  , 
A  fonte  renacendo  o  prado  rega  ; 
O  Outono  ao  moderar  calor ,  e  frio  , 
Nem  fecou ,  nem  prendeo  o  claro  rio. 

i6o. 

Serve  o  Tejo  de  efpelho ,  e  de  teatro , 
Donde  a  infigne  Lisboa  reprefenta , 
E  elevada  em  viftofo  anfiteatro 
Na  perfpecbiva  a  fermofura  augmenta  : 
Por  dominar  do  mundo  as  partes  quatro 
De  outro  Império  fera  Corte  opulenta, 
Quando  gloriofo  à  quinta  Monarquia 
Se  renda  o  ouro  ,    com  que  nafce  o  dia- 

i6i. 

Tributos  de  criftal  lhe  dâ  Neptuno , 
Primavera  immortal  lhe  pinta  Flora , 
Em  fazonados  frutos  de  Vertuno 
O  gofto  fe  fuaviza  ,  e  fe  melhora ; 
Contra  Eòlo  no  afilo  de  Portuno 
O  naufrago  feguro'  a  terra  adora  ; 
Daó  aos  olhos  illuftres  exercicios 
Templos ,  Jardins,  Palácios,  e  edifícios. 

i6i. 

Tanta  gente  guarnece  os  altos  muros  > 
Que  hum  exercito  guarda  cada  porta , 
Clamava  o  Rey ,  e  de  que  eftaõ  feguros 
Com  razoens  erficazes  os  exhorta ; 
Soccorros  lhe  promete ,  que  futuros 
Africa  lhe  aííegura  ,  e  quanto  importa , 
Lhe  moftra  haver  de  fer  bem  defendidas 
As  efpoías ,  os  filhos ,  bei>s,  e  vidas. 


Canto  XIl.  399 

165. 

As  maquinas  marciaes  vinhaõ  chegando 
Conduzidas  por  terra  ,  ou  pelo  Tejo  , 
Para  o  fitio  os  quartéis  fe  hiaó  formando  , 
E  hum  pânico  terror  nos  Mouros  vejo  .- 
O  gencroío  Henrique  hia  eípalhando 
Em  diveríos  papeis  ,  que  o  íeu  deíejo 
Era  fó  de  pacifica  coroa 
Concedendo  vencagens  a  Lisboa. 

164. 
As  capitulaçoens,  que  porhonrofas, 
E  úteis  faó  admitidas  dos  rendidos  , 
Juftas ,  fuaves  ,  firmes ,    decorofas  , 
Prometia  em  alivio  dos  vencidos  : 
Do  fitio  ameaçava  as  vigorofas 
Ofíenfas  contra  os  muros  mais  erguidos , 
E  que  naõ  accufaíTem  de  crueldade 
Dos  últimos  aíTaltos  a  impiedade. 

165. 
Elmacin  hum  Egipcio  ,  que  eloquente 
Os  corações  dos  povos  perfuadia , 
E  ao  Grego  aftuto  imita  no  fciente , 
Se  o  naõ  pôde  igualar  na  valentia  j 
No  dilatado  Foro  à  immenfa  gente 
Sediciofas  palavras  proferia  , 
Contradizendo  ao  Rey  aplebe  informa  > 
E  com  voz  clara  falia  nefta  forma. 

léó. 
Ainda  quereis ,   ò  povos  infelices, 
A  hum  tyranno  íèguir  vaó  ,  e  inquieto? 
E  que  huma  nova  Troya  veja  Ulyfles  ? 
Hum  Sagunto  os  fequazes  de  Mahometo  ? 
Acclamay  outro  Rey ,  Tereis  felices  , 
Invencível  em  guerra  ,  em  paz  quieto. 
Sábio  ..  prudente,  varonil,  piedofo  , 
Magnânimo ,  feliz ,  e  generoío. 

'  Z67, 


4oa  Henriofueida 

i(j7. 
Eíle  he  Henrique  ,    vede  o  feu  femblante 
Das  alças  torres  deftes  íete  montes , 
Que  cada  hum  fe  erige  altivo  Atlante 
De  UliíTea  nos  claros  orifontes  •• 
Antes  que  o  carro  arraftre  triunfante 
Entre  as  cinzas  de  miferos  Faetontes» 
Os  poucos ,  que  do  incêndio  fáiaó  vivos , 
Fiquem  mais  fulminados  por  cativos. 

i68. 

Aprovei cay  as  graças ,  que  offerece 
Com  invioláveis  nobres  privilégios , 
Vede  que  com  as  cafas  ja  perece 
A  Religião  do  templo  ein  facrilegios  j 
Eftou  vendo-o  entrar ,  ja  me  parece, 
Que  erigindo  ao  trofeo  padroens  egrégios  > 
Se  grava  em  cada  pedra ,  que  fulmina , 
Hum  epitáfio  da  fatal  ruina. 

Os  que  a  Afrká  queiraõ  retirarfe  ? 
Navios  lhes  dará  bem  pervenidos , 
Os  que  em  Lisboa  queiraõ  confervaríe , 
Naó  feraõ  de  tributos  opprimidos  .• 
Os  noíTos  ricos  querem  toleraríe  , 
Entre  nos  os  juizes  efcolhidos 
Haõ  de  fer  ,  e  a  Republica  publique 
Naõ  Rey ,  mas  Protedor  o  grande  Henrique. 

170. 

O  grande  Henrique ,  que  em  feliz  deftino 
Fundou  o  excelfo  Império  Luzitano  , 
E  a  quem  ja  concedeo  Numen  Divino 
Vencer  fempre  ao  intrépido  Africano  : 
Lucidoro  nos  deixa ,  e  peregrino 
O  de  Africa  prefere  ao  Reyno  Hifpano : 
Ali  ufurpador  quer  que  a  memoria 
Vi<^imas  nos  confagre  da  vangloria* 


Canto  XIL  401 

Seguime  todos  ;  c  com  mil  clamores 
Segue  ao  cobarde  o  vulgo  mcnítruofo  ; 
Salie  o  Rcy  ao  encontro  ,  e  aos  temores 
Naó  anima  efte  exemplo  valerofo  : 
Por  naó  exporfe  aos  bárbaros  furores 
Cede  ao  tumulto  indigno  ,  e  horrororo  : 
E  fó  alcançar  pôde  com  porfias  , 
Que  para  refponder  lhe  dem   dois  dias. 

171. 

Preceitos ,  rogos ,  prémios ,  ameaços 
Naõ  fizeraõ  mudar  a  ruda  plebe, 
E  deftes  incertinos  embaraços 
As  noticias  Henrique  ja  recebe: 
Fiar  o  Rey  quizera  dos  feus  braços 
A  vidoria  ,  e  mil  duvidas  percebe  , 
Com  cilas  pouco  tempo  defcanfando 
Dizem  que  eftes  prefagios  vio  fonhando. 

173- 

De  feu  falfo  ,  e  malévolo  Profeta 
Se  lhe  reprefentou  trifte  a  figura , 
Horrendo  tinha  o  roftro  ,  a  vifta  inquieta, 
E  o  cobria  huma  negra  veftidura : 

Crinito  o  feu  cabelo  era  cometa,  Nota 751. 

Outro  barbato  a  cara  desfigura  , 
E  do  trágico  trifte  indigno  ornato 
Outro  arraffrava  fúnebre,    e  caudato. 

Sulfúreas  chamas ,  em  que  o  peito  ardia  , 
O  vafto  corpo  em  fúrias  abrafavaó  ,  ^ 

Como  a  final  trombeta  a  voz  fahia  , 
E  dos  Ceos  as  esferas  íe  turbavaõ  .• 
Eí\as  palavras  com  horror  dezia  , 
Que  ao  infelice  Rey  tanto  enganavaõ , 
Que  lhe  naõ  deixaõ  crer  ainda  que  o  veja , 
Porque  lhe  diz  o  que  ouve  o  que  dczeja.  ^' 

Eee  175. 


402  HenriciHeiãa 

Naõ  temas ,   grande  Rey ,  eu  fou  Mâfoma , 
De  que  a  caufa  juíliíTima  defendes , 
Meu  efpirito  a  forma  humana  toma , 
Ainda  que  os  atributos  naõ  lhe  entendas ; 
Da  minha  reHgiaõ  ,   que  ao  orbe  doma , 
Per  quem  tu  taó  belligero  contendes  , 
Has  de  ver  tremolar  os  eftandartes 
Com  eftes  três  cometas  nas  três  partes. 

176. 

Se  me  vez  abrazar  cerúlea  chama 
Do  meu  ardente  zelo  he  o  mifterio  , 
Ainda  hoje  verás ,  que  a  ti  te  inflama 
Para  recuperar  o  Lufo  Império  ; 
Levantace,  e  ganhando  immortal  fama 
Do  idolatra  inimigo  em  vitupério  , 
Antes  que  acabe  o  dia  decretado 
Moílra  no  campo  a  intrépida  ouíadia. 

177- 

Qual  o  Betico  Touro,  que  incitado, 
Quando  dprmia  ,    o  fere  o  ferro  agudo  , 
E  do  pungente  golpe  eftimulado 
Defperta  com  bramido  fero  ,  e  rudo  : 
AíTim  o  Rey  ao  fulgido  traçado  , 
A'  lança  ,  ao  arco  ,  às  fetas  ,  e  ao  efcudo  , 
Reduz  o  Império  em  íingular  batalha, 
E  chama  Henrique  do  alto  da  muralha. 

178. 

Cavalleiro  ,  que  errante  de  Borgonha 
Vens  vagabundo  a  ufurparme  Hefpanha  , 
E  fem  que  a  forte  á  fem  razaõ  fe  op ponha  , 
Tantas  vczes  vencefte  na  campanha  ; 
Eu  Có  te  defafio ,  hoje  fe  exponha 
No  teatro  UliíTe  o  tragedia  eftranha. 
Hum  dos  dois  nas  auriferas  arèas  , 
Nota  7 5 i.  Seja  Aquilles  de  Heitor ,  de  Turno  fincas. 

■  ~  '        '         i75>. 


Canto  XII.  403 

179. 

Armas ,  e  campo  elege ,  cu  afleguro 
Da  Cidade  a  treiçaó  ,  e  as  portas  cerro  i 
Mas  no  fero  combate ,  que  procuro  , 

He  mais  própria  a  que  o  nome  tem  de  ferro:  Nota  75  5, 

Pôde  fer  ,   que  ategora  o  fado  efcuro 
Por  occulto  deftino  ,  e  naõ  por  erro. 
Fez,    que  tantas  batalhas  malograíTe, 
E  a  mayor  ao  meu  braço  refervaíTe. 

18®. 

As  condiçoens  feraõ  ,  que  perca  a  vida 
O  que  perder  de  vencedor  a  gloria , 
Mas  quem  vè  fua  fama  desluzida  , 
Ja  tem  o  feu  verdugo  na  memoria : 
Deixando  a  Monarquia  decidida. 
Será  Lisboa  o  premio  da  vidoria  : 
Se  vences ,  cinja  o  Louro  o  teu  dezejo  , 
Mas  fe  eu  vencer,  ha  de  coroarme  o  Tejo. 

181. 

Henrique  ao  Rey  contrario  aíTim  refponde , 
Eu  naõ  ignoro  ,  ò  Rey  dos  Africanos , 
Que  a  dezefperaçaõ  muy  mal  fe  eícondc 
Do  teu  ultimo  esforço  nos  enganos  : 
A  fama  tanto  aos  feitos  correfponde, 
E  às  heróicas  acções  dos  Luzitanos, 
Qiie  os  teus  da  lealdade  em  vitupério 
Defprezaraõ  as  leys  do  teu  Império. 

i8i. 

Bem  (cy ,  que  na  politica  prudente 
Eu  devia  evitar  o  dezaíio  , 
Pois  rendendo  a  Lisboa  brevemente, 
Sò  de  hum  fucceflo  tanta  gloria  rio.* 
Mas  o  valor  nativo  naó  confente 
Politica ,  que  offende  o  próprio  brio  :  > 
A  pè  feraõ  os  golpes  fempre  rudos , 
As  armas  os  alfaoges  ,  e  os  efe y dos. 

Eee  ii  183. 


404  Henriqueida. 

185- 
Como  no  occafo  o  Sol  fe  precipita, 

A  nouce  as  iras  nos  fuípenda  agora  , 

E  entre  as  fúnebres  ^ombras  depoíita 

A  acção  ,  que  hà  de  admirar  a  luz  da  aurora: 

Ao  norte  da  Cidade  Te  limita 

Paleftra  ,  em  que  Lisboa  triunfadora , 

Ou  ha  de  dar  a  gloria  ,  ou  o  defdouro  , 

Entre  as  margens  do  Tejo  pomo  de  ouro. 

184. 
Nao  dorme  o  Mouro  ,   que  a  vifaó  tremenda 

Da  noute  antecedente  o  maltratava  •, 

Parcas ,  e  fúrias  com  a  forma  horrenda 

Só  a  imaginação  lhe  retratava  : 

A  Henrique  Tem  receyo  da  contenda 

Plácido  fonno  os  olhos  occupavaj 

E  de  Carquere  a  Imagem  lhe  apparece  , 

Que  entre  as  fombras  brilhante  refplandece. 

185-. 
Lisboa  lhe  moíltou,  que  coroada 
Lhe  abre  as  portas  do  templo  de  Minerva, 
Qne  à  verdadeira  Palias  confagrada 
Com  os  veftigios  do  Itaco  conferva  ; 
Mas  a  coroa,   que  cingio  dourada. 
Para  fcu  filho  Afionfo  encaõ  referva. 
Qiie  aíTim  o  ha  de  cantar  com  pledro  de  ouro 
Épico  Cifne,  a  que  he  Caiílro  o  Douro. 

Deíperta  alegre  o  Hèroe  generofo , 

Adora  o  Numen,  que  feliz  o  inípira, 

Quando  deixava  Febo  luminofo 

De  arder  no  occafo  na  nodurna  pira  : 

Moniz  com  fino  affedo,  amor  anfiofo, 

E  cada  varaõ  forte  acefo  em  ira 

Defafiar  defeja  hum  inimigo, 

E  dar  a  Henrique  a  gloria  fem  perigo. 

187. 


Canto  XI L  405 

187. 

Ao  Boreas  fe  dilata  hum  valle  ameno  ^^^*  7}4^ 

Separando  dous  monccs  aprazíveis , 
Alegre  inípira  o  zéfiro  íereno 
As  producçoens  de  Flora  mais  riíiveis , 
Criftaes  oculcos  ao  feliz  terreno 
Nos  circulos  fecundaõ  inviíiveis, 
E  os  harmónicos  eccos  entre  os  montes 
Multiplicaõ  a  voz  de  aves,  e  fontes. 

188. 

Dous  pavelhoens  magniíicos  preparaó 
Os  régios ,  e  valentes  contendores, 
Em  ambos ,  os  combates  íe  pintarão 
De  antigos ,  e  famolos  vencedores  : 
As  portas  da  Cidade  fe  cerrarão  , 
Guardaó  ao  campo  os  cabos  fuperiores; 
Nos  muros  ,  e  quartéis  a  gente  immenfa 
Por  ley,  e  por  refpeito  eftà  fufpenfa. 

Da  porta  Aquilonar  o  Rey  fahia, 
Quando  Elmacin  do  muro  ao  Rey  valente 
Com  rebelde ,  e  facrilega  oufadia 
Profere  eftas  palavras  imprudente  : 
Vay ,  porque  tenha  fim  a  tirania , 
Da  ambição  a  Ter  vidima  iníolente  j 
No  teu  exemplo  renhaõ  os  humanos 
Novo  exemplar  da  morte  dos  tiranos. 

190 

Ja  para  receberte  o  horrendo  Abifmo 
Abre  a  boca  no  concavo  da  terra  •• 
Quem  vira  de  hum  tirano  o  paraíITmo 
Na  paz  injuíto  ,  e  inteliz  na  guerra  i 

Naõ  cuides,  que  te  illuílra  o  Oflracifmo  ,  Nota  74  f 

Que  hoje  dos  noííos  muros  te  deficrra, 
Nem  julgues,  que  por  ri  prefos  eftamos. 
Pois  como  a  fera  ,  as  poicâs  ce  cerramos. 


4o6  Henriqueida 

Permita  o  Ceo  ;  mas  efte  naõ  tolera 
Imprecaçoens ,  que  offendem  hum  Monarca; 
Arroja  o  Rey  a  lança  ,  e  taó  fevera  , 
Que  obedeceo  ao  golpe  a  dura  parca  ; 
A  boca  lhe  acravefla  ,  e  ja  o  eípera 
No  Aqueronce  infernal  a  trifte  barca  j 
E  antes  que  acabe  o  horroroío  acento , 
Efphito  ,  e  palavras  leva  o  vento. 

191. 
Todos  fe  callaó  ao  fatal  caftígo , 
Que  Elmacin  do  feu  Rey  jufto  recebe ; 
Ja  vè  no  campo  o  intrépido  inimigo  , 
E  à  ultima  batalha  fe  apercebe : 
Dos  combates  iguaes  o  eftilo  antigo 
Em  quanto  aqui  fe  obrava  fe  percebe , 
Efcudos  fem  divifas  ter  gravadas , 
Do  raefmo  pefo ,  e  tempera  as  efpadas. 

195. 
Com  os  roftros  ,  e  os  peitos  defcubertos 
Moftraõ  ,  que  naõ  tem  pado  ,  que  fe  occultc 
Com  caraderes  mágicos  ,  e  incertos. 
Que  as  feridas  evite ,  ou  difficulte  : 
Das  capitulaçoens  artigos  certos, 
De  que  toda  o  bem  publico  refulte  , 
Depois  que  com  reféns  mais  fe  confirmaõ  , 
Approvaó  ,  juraõ  ,  lem ,    troca*"©  ,    e  firmaõ. 

194. 
Nellas  fe  diz,   que  fendo  o  Rey  vencido  5 
Lisboa  as  portas  abra  ao  grande  Henrique , 
E  que  ao  feu  povo  feja  permitido 
O  exercício  da  feita  ,  a  que  fe  aplique  : 
Porém  que  fcrà  occulto  ,  e  fó  o  luzido 
Da  Cruz  triunfo  facro  fe  publique , 
Que  as  leys  fedeixaó  fem  coftumes  novos , 
E  as  liberda<ks ,  €  izen^ões  aos  povos. 


Canto  XII.  407 

195. 

Mas  fe  vence  o  Monarca  Máhometano  , 
Deixando  morto  a  Henrique,  feconíerve 
Quanto   tinha  ganhado  o  Luzitano  , 
E  nem  Leiria  ao  jugo  fe  preferve  : 

Que  Cintra  no  fcu  monte  fobcrano  Nota73(í, 

Com  a  Ericeira  de  Lisboa  obferve 
O  deftino  ,  imitando  da  Cidade, 
Ou  feja  fogeiçaõ  ,  ou  Uberdade, 

190. 
Juizes  pelos  dous  foraó  eleitos 
Moniz,  e  Hazen  de  fumma integridade, 
Porque  ambos  igualmente  fatisfeitos 
Tinha  a  juftiça  de  hum,  de  outro  a  verdade: 
Para  julgar  fem  iras ,  nem  refpeitos , 
Do  duelo  o  fim  ,  os  meyos ,  a  igualdade; 
E  a  inclinação  ao  Príncipe,  ao  amigo  » 
Naõ  tirou  a  juftiça  ao  inimigo. 

197. 
De  Chiron  os  difcipulos  peritos 

Prevenirão  nas  vaftas  regias  tendas ; 
Promptos  eftaõ  remédios  exquifitos 
Com  inílrumentos,  balíamos,  e  vendas; 

pois  como  a  morte  de  hum  fegundo  os  ritos 
Será  trágico  fim  deftas  contendas , 

Quem  vencer,  a  Alexandre  entaó  retrate,  Nota'7;7i 

E  o  diadema  as  feridas  cure ,  e  atè, 

198. 
Com  paflb  igual ,  e  com  igual  íemblatite 

Se  move  ,  e  outro  Príncipe  famofo , 

Em  Ali  fe  conhece  o  arrogante, 

Em  Henrique   fe  admira  o  generofo : 

Ambos  cingem  o  louro  triunfante , 

Que  fó  merecerá  o  victoriofo: 

Ambos  de  curta  toga  fe  veftiraõ  , 

E  a  cor  purpúrea  a  iodas  preferiraQ. 


4^8  Henriqueiãa 

199. 

Cortadores  alfanges  Damafqiiínos; 
Mas  nas  extremidades  pouco   agudos 
Eípclho.  faõ  da  Parca  criftalinos 
Para  copiar  da  morte  effeitos  rudos : 
Gira  o  Sol  nos  reflexos  diamantinos 
Na  esfera  duplicada  dos  efcudos , 
E  ao  chocar  faz  rayos  ,  que  reparte, 
Na  tetra  a  conjunção  deFebo,  e  Marte. 

200. 
Partem  o  Sol,  c  medem  adiftancia, 
E  com  commmaçaó.  bem  exprimida 
Mandaõ,  que  oanamalicia,  ou  na  ignorância, 
Quem  perder  ofilencio,  perca  ávida: 
De  hum  clarim  a  guerreira  confonancia 
Três  vezes  pelos  ares  repetida, 
Faz,  que  em  campo,  e  cidade  íe  dilate 
O  final  certo  do  ultimo  combate. 

201. 
Ao  mefmo  tempo  levantado  o  braço, 
Foge  o  ar,  teme  aagoa,etreme  aterrai 
Se  cíle  efiPeito  prodiis  fó  o  ameaço , 
Qual  fera  o  que  caufe  a  fatal  guerra? 
Quanto  mais  fe  apartou  por  breve  efpaço, 
Mayor  impulfo  cada  alfange  encerra, 
^..         E  o  impero  fogio   para    augmentar-fe. 
Sendo  força,   e  esforço   o  retirar-fe. 

201. 
Se  ainda  caiíTe  o  Pelion    fobre  o  Ofla 
Nota  7  •  8'  A'*^ojs<^o  ^0  horrendo  Centumano , 
Duvido ,  que  o  ruido  exceder  pofla 
O  dos  golpes  do  Lufo,  e  do  Africano : 
Quando  rápida,  e  túmida  fe  engro fia 
Contra  as  coílas   a  fúria  do  Oceano  , 
Naõ  iguala  o  rumor,   que  agora  incita 
O  furor,  que  os  efcudos  precipita.  .     . 

-'' .■  ....  20;. 


Canto  XII.  409 

203. 

Torrente  de  criftal ,    que  arrebatada 
Inunda  os  valles ,    e  fupèra  os  montes, 
Exhalaçaõ  íulfurea  ,  que  inflamada 
Fulmina  as    torres ,   rafga  os  orifontes , 
Venço  íetcntrioial ,  que  em  fúria  irada 
Agira  os  mares  ,  e  congela  as  fontes  , 
EeDeucalion  o  rápido  diluvio, 
Chamas  do  Ethna ,  ardores  do  Vefuvio. 

204. 

Ainda  que  com  feus  rápidos  efteitos 
Caufem  no  mundo  eftragos ,  e  terrores , 
A  tanto  impulfo  de  cair  desfeitos 
Toda  a  izençaõ  dos  globos  fuperiores  , 
Naõ  fey  íe  excedem  dos  valentes  peitos 
As  nobres  iras ,  e  Ínclitos  ardores  , 
Gom  que  fe  vio  ao  impeto  iracundo 
Parar  o  Ceo ,  eftremecerfe  o  mundo. 

205. 

Recebem  os  efcudos  taõ  conftantes 
Os  rayos  nos  feus  globos  refulgentes,  i 

Que  com  tremor  os  braços  arrogantes 
Rcíiftiraó  aos  Ímpetos  ardentes  : 
Mas  fe  os  braços  tremerão  inconftantes  3 
Os  efcudos  ficarão  permanentes, 
E  todos  do  valor  pelos  eífeitos 
yiraõ  tremer  os  braços ,  naõ  os  peitos. 

206. 

As  mãos ,  que  tantos  golpes  maquinãvaõ, 
Também  com  feu  furor  fe  mortificaõ  , 
Com  que  a  guerra  oífeníiva  começavaõ 
Efcudos,  que  à  defenfa  fe  dedicaó : 
Entorpecidos  ao  ferir  fe  achavaó 
Os  dois  robuftos  braços  ;  como  ficaõ 
Infenfivcis ,  fe  incitaõ  os  ardores 

Do  venenofo  peixe  os  pefcadores.  Nota  7  3^: 

Fff  Í07. 


4 1  o  Henriqueiãa 

ZOJ. 

Rcnovaõ  os  esforços ;  quando  fere 
No   efquerdo  braço  Henrique  ao  Teu  contrario  j 
Saltou  o  efcudo  ,  e  deixa  o  recupere 
O  generofo  ,  e  indico  sdverfario  : 
Leve  a  ferida  faz  fe  naó  modere 
O  exceílb  de  valor  extraordinário  : 
O  Mouro  da  accençaõ  pouco  fe  adulai 
Que  a  ferida  o  furor  mais  lhe  eilimula. 

208. 

Quer  cortar  na  cabeça  o  facro  louro 
De  Henrique,  mas  izenco  foy  ao  rayo , 
Que  o  duro  alfange  defviou  do  Mouro, 
K  de  efcudo  o  alfange  fez  o  enfayo ; 
Mas  foy  o  efcudo  alfange;  e   íem  defdouro 
Ambos  chocarão  fem  temer  defmayo , 
Mais  que  os  fortes  combates  das  falanges 
Npta74o<  Chocarão  os  efcudos ,  e  os  alfanges. 

209. 

Com  a  perda  do  fangu2  fe  enfraquece 
Do  Mouro  o   braço  ,  e  arrojado  em  terra 
O  efcudo ,  que  o  defende ,  e  que  o  guarnece , 
Sem  reparo  íe  expõem  a  nova  guerra  .- 
Henrique,  a  que  alto  cfpirito  ennobrece, 
Também  o  eícudo  lúcido  defterra  ; 
Mas  o  Mouro  fe  cfquece  da  ferida, 
Para  que  outra  mayor  lhe  acabe  a  vida. 

110. 
Defefperado,  furioíb  ,  e  cego. 
Ao  Hcroe  de  hum  revés  ameaçando, 
Qijando  clíe  o  reparava  ,  o  falfo  emprego 
A  hum  talho  deftrí^raente  vay  mudando  : 
Henrique  ,    que  o  efpcra  com  focego  , 
Vay   o   feu  fero  impulfo  deíviaRdo  , 
E   a  cfpada  recebendo  o  golpe  duro 
Foy  a  impulfo  marcial  marmóreo  muro. 

211. 


Canto  XI L  41 1 

2ir. 

Antes  que  a  fúria  novamente  cobre , 
O  alfange  levantou ,  porque  pereça 
A  parte  fuperior  ,  que  lhe  dcfcobre , 
Para  cortarlhe  a  hórrida  cabeça  ; 
O  louro,  que  cingia,    verde  ,  e  nobre, 
Pena  da  ufurpaçaõ  cnmbcm  padeça  : 
Henrique  vencedor,  vencido  o  Mouro, 
Primeiro  que  a  cabeça  perca  o  louro. 

21 1. 

AíTim  fuccede ;  e  a  Apollinea  rama  Nota  741: 

Vio  AU  ,  que  cahio  aos  pès  de  Henrique, 
Que  perde  o  Império  ,  a  vida  ,  a  gloria  ,  a  fama  , 
No  funefto  prefagio  fe  publique; 
O  Heròe  no  ardor  ,  que  o  peito  illuftre  inflama. 
Os  últimos  triunfos  juftifique  ; 
O  alfange  levantando  prompto  dece  , 
E  o  feroz  Mouro  trágico  perece. 

215. 

Corta  de  hum  golpe  do  Africano  Império  j» 
E  de  Ali  a  cabeça  hórrida  ,  e  forte  , 
O  que  era  Sol  do  bárbaro  emisferio 
Nas  fombras  do  Occidente  teve  a  morte  : 
O  efpirito  fogindo  ao  vitupério 
Parece  que  ainda  teme  ao  Varaõ  forte  * 
Naó  voa  ao  Ceo  no  cego  parafifmo  , 
Mas  dece  a  efcurecer  o  negro  Abifmo.  -^^^  ^■^^' 

FIM 

DO     POEMA. 


No- 


mi:' 


Notas  ,  em  que  fe  explicaõ  os  lugares  difficeis  do 
Poema  Henriqueida  C.  fignifica  Canto  ,  O. 
Outava  5  V.  Verfo  ,  e  eílas  notas  correm 
ate  724.  e  vaó  na  margem  do  Canto,  Outava,  c 
Verfo  ,  que  fe  explica  com  a  letra  N.  que  fig- 
nifica  Nota  ,  e  o  numero  deftas  paramayor  cla- 
reza. 

A/W/í  ^ue  nas  advertências  preliminares  ,   {jue  prece- 
dem ao  Poema  da  Henrtqueida  ^procurey  mcjirar  todx, 
a  ordem  que  fcgui  nejla  obra ,  a  unidade  da  accao  ,  o 
tempo  que  durou^  os  Poetas ,  que  imitey^  e  efullo,  e  ou- 
tras muitas  partes^  em  que  efle  Poema  fe  divide ,  me  pare  eco  ceder 
as  injlamias  de  muitos  dos  meus  cenfores  ,  que  defcjaraÕ  ,  que  eu> 
ãcUraffe  com  algumas  notas  breves  as  erudicoens  vulgares^  e  os  lu- 
gAtes^que  parecem  mais  difficeis.  Duvidava  eu  jeguir  ejle  confelho, 
e  os  poucos  exemplos  de  que  os  Authores  dos  Poemas  heróicos  fe  co-^ 
mentajfem  a  fi  mefmos  :  muito  útil  fora,que  afjíim  o  tivejfem feito, 
porque  fo  então  entenderíamos  muitos  lugares  que  osfeus  Comenta- 
dores deixarão  de  explicar-iOuderao  dtver j o  fcrittdo.  Authores  houve 
que  por  afectar  efcur idade  prepararão  ( como  diz,  )  o  Satirtco  Pran- 
cez, ,  tormentos  aos  Salmafios  futuros  •,  e  também  houve  Scoliaf 
tes  ,  e  llluftradores  em  todas  as  naçoens ,  que  por  mojirar  afua 
fciencia  efcreverao  vajlijjimos  comentos  aos  majores  Poetas  Eptcos, 
Nao  he  o  meu  fm  julgar  que  efpere  achar  hum  Euflathto  ,  hurn 
Sérvio ,  hum  Lacerda ,  hum  Faria ,  he  jó  a  fine  era  conffjao  de  qut 
je  eu  me  aclara  (fe  mais.necejfttaria  menos  defer  o  me  h  próprio  inteV- 
prete^  e  affm  no  que  podia  parecer  vaidade-,  he  fó  modeflia,  pois  me 
a.rguo  e  defeito  de  nao  fer  tao  claro  ,  como  defejava.  He  verdade 
que  Virgílio  ,  e  Camoens  ,  que  por  nao  ferem  efcuros  fe  tem  vtflo 
reprodufir  em  innumeraveis  impreffoens  ,  acharão  muito  largos  , 
e  doutos  comentadores ,  e  melhor  jujltfícarey  que  nao  ejcrevi  ejlas 
notas  por  ojlentaçao  ,  pois  nellas  quafi  fenao  verão  allegaçÕes  ,  e 
menos  os  Poetas  ,  que  imitey  ,  e  fe  a  obra  nao  fofje  minha  yfeguí- 
ria  ajujla  medida  ,  que  dco  as  fuás  judicioiías  notas  a^s  lufadas 

a  de 


de  Cítmoens  o  Reverendo  IgnAcio  Ganes  Ferreira  Cónego  Peniten- 

cUrio  da,  S\  de  Lamego. 

Bem  fey  que  os  ent ditos  da  primeira  claffe  defprefariio  as  ex- 
flicacoens  de  fabulas  ^  hijlorias  ,  termos  fcienttficos  ,  conceitos 
mús  fiMimes  ,  palavras  mais  cultas  ,  que  lhes  Jaõ  tao  vulgares. 
Os  m.edianxnente  in^ ruídos  ainia  receberão  peyor  eftas  Notas ,  por- 
que ejles  fao  os  que  querem  faher  tudo  ,  fem  confefjar  o  que  igno- 
rao.  Os  que  não  tem  e(ludos  y  ferào  os  mxis  dóceis  ,  porque  lhes 
nal)  f^ra  inútil  alguma  tintura  das  erudiçoens  ,  que  os  obrigara,  a 
ler  nefias  notas  a  coriofidade  de  entender  o  Poema ,  fe  lhes  agrar 
dar  a  fua,  contextura. 

NaÕ  me  feria  dijfícultofo  tresladar  os  comentos  dos  Pottas  art- 
tigos  ,  e  modernos  ,  ou  dos  Metamorfofeos  de  Ovidio y  ea  Mytho- 
logia  de  Natal  Comes  y  e  dos  mais  ,  que  efcreverao  fobre  as  fahu' 
las  ,  e  fará  a  hifloria  ,  os  que  tratarão  das  antiguidades  Gregas , 
Romanas  >  Hefpanholas  ,  e  Portuguefas  ,  e  o  que  feria  mais  facily 
authorifar  com  Diccionarios  Poéticos  ,  e  Hifloricos  ,  as  noticias  de 
qité  trato ,  ou  com  os  Authores  ,  que  allegao  eftes  Vocabulários  , 
de  que  ordtnuriamente  fao  Índices  imperfeitos  ,  e  caiifas  de  que 
a  erudição  folida  fenao  bufcaífe  nas  fontes  ^  de  que  trouxe  a  orp* 
gem  ,  n  ao  deixando  de  agradecer  fe  ejle  trabalho  aos  Authores 
dos  Diccionarios ,  de  que  entre  muitos  doutifftmos  merece  hum 
grande  lugar  o  Vocabulário  Portuguez, ,  e  Latino  do  Padre  Dom 
Rafael  Bluteau  Clérigo  Regular  ,  e  Académico  Real  ,  .de  que 
brevemente  daremos  a  luz,  quatro  volumes  ,  que  fervem  d& 
fupplemento  ,   e  de  correcção  aos  dez,  que  correm  impreffos. 

N.ts  mirgens  do  Poema  fe  vem  ,  comofa  advertimos ,  as  notas 
que  aqui  va~9  feguidas  ,  e  nellas  fe  confronta  o  Canto ,  Outarua^ 
t  Verfo  y  a  que  pertencem  ,  para  divizar  livres  os  claros  das  mar- 
gens,  e  ntÕ  interromper  a  liça1>  feguida  do  Poema  ,  e  aimpref- 
JaÕ ,  que  a  brevidade  nao  deixou  faz^er  tão  adornada  de  efiampas^ 
ۉmo  fe  defejava. 


I 


NOTAS 


NOTAS 

C  A  N  T  o  I. 

NOTAI. 


O 


Itava  T.  verí.  r.  Eu  canto  as  Armas.  Uzey  com  o  exem- 
plo de  Ariofto  ,  e  oiirros  aciefcentar  o  pronome  ,  eu, 
ao  prezente  do  Verbo,  cantOy  por  me  parecer  mais 
expreífivo. 

Nota  2. 


O.  5.  Verí.  I.  Akâ  aliança.  Explica  o  cafamento  de  Hen-\ 
rique  com  a  Rainha  Dona  Thereza  ,  filha  legitima  de  Dom  - 
AfFonío  lexto,  Rey  de  Caftella,  e  Leaó,  que  lhe  deo  em  dote  com  ' 
o  titulo  de  Conde  o  Porto  ,  e  algumas  terras,  que  tinha  conquií-  * 
tndo  aos  Mouros  em  Portugal  ,  e  Henrique  dilatou  eftas  coiwjaífô 
tus  pelas  quatro  Províncias  defde  o  Minho  at^   Lisboa.   '-^i>*-lb 

Nota  5. 

O.  4-  VerH  I .  Na5  Caliope.  Naõ  invocando  efta  Mufa  he- 
róica moftro  que  naõ  figo  a  Poeíia  gentílica  ,  e  como  Urania  no 
feu  nome  ,  e  exercício  íignifica  celeile  ,  procuro  infpiraçaó  ílipe- 
rior  naquella  Senhora  ,  a  quem  reprefenta  a  Imagem  deOarquere 
Tutelar  da  Funda-çaó  do  Reyno. 

Nota  4. 

O.  5:.  Verí.  X.  Excelfo  defcendenre.  Dedico  ao  SerenilTímo 
Senhor  Infante  D.  António  ,  Irmão  terceiro  delR^y  Dom  Joaõ  o 
Quinto  ,  Príncipe  adornado  de  todas  as  Virtudes  ,  para  que  oíFeie- 
ça  o  Poema  a  efte  íabio  Monarca  ,  e  na  oitava  lettima  o  buíco 
como  Mecenas  protector  dos  eíludiofos ,  para  que  patrocine  o 
Poema  com  Augufio  ,  lembrando-me  dos  primeiros  dois  veríos 

a  ii  da 


4  NOTAS 

da  primeira   Ode  de  Horácio. 

Macenas  atãvis  edite  tegthus ,  « 

O*  &  príifidium ,  &  dulce  decus  meuntí 

O.  IO.  verl.  3.  Agareno  ,  nome  que  íe  dà  aos  Mouros 
que  fe  luppoem  defcendentes  de  Abraham  ,  ,  c  de  fua  efcra- 
va  Agar.  Já  íuponho  Henrique  da  Real  Cafa  dos  Duques  de 
Borgoniia  ,  intentando  junto  ao  Porto  paíTar  o  Rio  Douro,  que  Al- 
mançor  Príncipe  de  Fés  lhe  difputa  com  exercito  muito  íu- 
perior. 

Nota  6. 

O.  t6.  verí!  i.  Gaya.  Hoje  Mira  gaya,  a  que  o  Douro  divi- 
de do  Porto  ,  que  unidos  formarão  o  nome  de  Portugal»  como 
logo  íe  dirá. 

Nota  7. 

O.  ry.  verf  4.  De  Gordio.  Todos  fabem  ,  que  Alexandre  cor- 
tou o  nò  de  Gordio  ,  que  foy  annuncio  de  conquiftar  a  Azia  :  e 
a  Arvore  do  Avernp  hè  a  que  em  Portugal  fe  chania  Figueira  do 
loferno  ,  que  hè  rara  em  outros  Paizes. 

Nora  8. 

O.  19.  vérí.  y.Nemeo,  e  Erimantho.  Neraeo  ,  o  Leaõ  de 
Hercules  pelo  Bofque  de  Acaya  ,  onde  Hercules  matou  hum  feroz 
Leaõ.  Erimanto  monte  de  Arcádia,  onde  Hercules  matou  o  Javali, 

No-t^'  9. 
O.  19.  verf  8.  de  Althea  »  e  deDeyanira,  Althea,  Máy  de  Me- 
leagro  queimou  hum  madeiro  ,  a  que  eftava  viticulada  pelas 
Parcas  a  vida  do  Filho  ,  furiofa  porque  quando  elle  matou  o  Porco 
Efpim  de  Calidouia  ,  e  o  oífereceo  a  Ãtalanta  ,  porque  dois  Ir- 
noãos  de  Althea  lho  difputaraó  ,  os  matou  também  ,  e  Meleagro 
morreo  à  proporção,  que  o  madeiro  fe  confiimia.  Dcyanira  foy 
caufa  pelo  ciúme  de  Centauro  Neífo  ,  de  que  Hercules  veftiíTe 
a  caraiza,  com  que  fe  abrafou  ,  e  por  iíTo  lhe  chamo  Holocauf- 
tos, 
oníií.  *  o'Jíb-  Nota   10. 

Ok  10,  vèrf  T.  Africo  ,   vento  Sul  ,  po-rque  vem  da  parte  de- 
Africa,  e  fempre  fs  luppoem  tempeftuolo. 

Nota   II. 
O.    io.  verf  s-  Trophonio.    Sacerdote  ,    profetifava  em  hii-^ 
ma  cova  ,   dondg  os  que  çntravaó  ,  nunca  mais  fe  tiaó, 

Kota 


D  O   T  Õ  E  M  A.  f 

Nota    11.     ■  -     ■  '■    ^■^■*-'-^^-^'- 

0. 14.  vírf.  1.  de  Rodrigo.  Alguns  HiftoriadoresHerpanho«5mai9 
crédulos  referem  ahiíloria  de  que  ElRey  D.  Rodrigo  ultimo  dos  Go- 
dos entrou  na  Torre  encantada  de  Toledo ,  donde  por  defpreíaj:  ef- 
téagouro,  vio  õs  Sinacs ,  de  que  os  Mouros  haviaõ  de  conquiftac 
Helpanha  como  brevemente  fuccedeo  em  714.  • 

Nota  15.  J     ^; 

'  O.  14.  verf.  7.  Cenotafio  como  íighifica  o  feii  nome  dréga' 
hè  a  quella  inícripçaó ,  que  íe  cícreve  no  fépulcuo,  dentro  do  qual 
naó  ha  cadáver  ,  nem  cinzas  ,  e  o  contrario  hè.  õ  Epitáfio. 

Nota  14. 
O.  25*.  verí.  6.  No  efcudô  a  Cruz.  O  Conde  Dom  Henrique 
trazia  por  armas  ,  ou  por  divifa,  em  campo  de  prata  h^tna  Cruz 
azul ,  e  naõ  eraó  Armas  de  família  ,  mas  por  cilas  fe  confirma 
que  o  Conde  por  hir  d  conquifta  da  Tetra  Santa ,  uzou  def- 
ta  Cruz. 

Nota  15. 
O.  Z7.  vérf.  I.  Como  o  Douro  divide,  ^cEfcrevem  os 
noíTos  Autores  de  antiguidades  ,  que  a  primeira  fundação  da  Ci- 
dade do  Porto  foy  ao  Sul  do  Douro,  donde  hoje  hè  Gaya,  eque 
a  deftruio  ElRey  Dom  Ramiro  II.  d^  Leaõ ,  e  que  os  Suevos ,  que 
tiveraõ  em  Portugal  hum  Reyno  feparado  dos  outros  povos  Go- 
dos ,  fundarão  a  Cidade   do   Porto   donde  hoje  eftá.         '  '  *~'^ 

Nota   I  6. 
O.  17.  verf.   7.  o  Forte  Elvidio.  O  nome  Elvidio  he  pró- 
prio  do  Século  de  que   fe  efcreve  ,   mas  hè  de  Heroe  fingido. 

Nota    jy. 
O.  50.  verf  2.  Egas  Moniz  Efte  hè  o  fegundo  Heroe  do  Poe- 
ma, e  Ayo  delRey  Dom  Affbnío  Henriques,  bem  conhecido  na 
nofla  hiftoria  pelo  feu  valor  ,  c  fidelidade. 

Nota  18. 
O.  ;z.  verf.  i.  Eco,  &c.  Ninguém  ignora  a  fsbub  de  que 
a  Ninfa  Eco  Ce  transformou  em  voz  ,  que  repete  os  últimos 
acentos,  porque  Narciío  a  deíprefou  namorado  de  fi  mefmo  , 
e  poeticamente  fe  explica  aífim  a  noticia  confuza  ,  que  teve  a  Rai- 
nha Dona  Thereza  da  morte  do  Conde  Dom  Henrique  feu  Ef- 
poío. 

Nota  19. 
O.   55.  verf  6.  O  Maufoleo.   Arremifla  Rainha  de  Caria  fez 
fabricar  para  feu  marido  Mauíolo  hum  Sepukio  ,  que  deo  o  no- 

a  iii  me 


6  N  O  1  Ã  S 

me  aos  Maftfoleos  ,  e  foy  hama  das  fctte  maravilhas  do  Mundo ; 
mas  naó  o  achando  digno  daquelle  depofito  lhe  bebeo  as  cin- 
zas ,  a  que  allude  a  outava. 

Nota  20. 
O.  5  6,  verf.  t.  Ifmãelita.  Também  íe  dá  efte  nome  aos  Mou* 
ros  por  defcendcrem  de  Ifmael  filho  de  Abraham. 

Nota  21. 
O.  37.   verf.  6.  Tifeo.  Por   hipérbole   comparo  o  Gigantíí 
Alcideraonte  cora  Tifeo  hum  dos  principaes  Gigantes,  que  fingi* 
raõ  os  Antigos ,  quizeraõ   aíTaltar  o  Ceo ,  pondo  hum  monte 
lobre  outro. 

Nota    2i. 
O.  58.  verf.   1.  Porem  Dom  Mendo.  Efte  hè  o  Conde  Dom 
Mendo  de  Soufaó  tronco  dos  Illuftres  ramos  dos  Soufas  ,  que 
Borecco  por  cftes  tempos ,  e  a  quem  atribuo  eftas ,  e  outras 
acçoens. 

Nota  23. 
O.  38.  verf  4.  Cyclope  fignifica  em  Grego  quem  tem  hum 
í6  olho  ,  como  teve  Poliphemo,  e  os  três  que  debaixo  do  Monte 
Etna  trabalhão  na  forja  de  Vulcano,  donde  fe  fabricaõ  os  rayos 
de  Júpiter  :  todos  incluio  o  Poeta  ncfte  verío. 

BrontesquCi  Steropesque  ,  ac  nudus  membra  ,  Pyracmon 
e  lhe  chamo  Coloífo,  comparando-o  com  a  grande  eftatua  de  Ro- 
des, que  com  efte  nome  foy  também  huma  das  maravilhas  do 
Mundo. 

Nota  24. 
O.  45.  verf.   I.  Numidas.  Saõ  os  povos  de  Numidia  Provín- 
cia de  Africa,  que  fupponho  íogcira  o  ElRey  Aly  Aben  Juzef,  que 
hh    o    meímo  ,  que  filho  de  Juzef,   e  he   o   inimigo  que    ti- 
ranizou huma  grande  parte  de  Africa ,  e  Hefpanha.  ^ 

Nota  25. 
0. 40.  verf.  4.  Amphibio.  Efte  nome  tem  os  Animacs  que  an- 
daó  em  terra  ,  e  agoa,  como  a  Tartaruga  ,  nome  que  tinha  cha- 
mando-íe  Tefiudo  a  maquina  bcilica ,  com  que  fe  chegava  às  mu- 
ralhas ,  levantando  a  Concha,  como  defcrcve  Vegecio  na  fua  Arte 
militar,  a  que  depois  fupriraó  de  algum  modo  as  mantas. 

Nota  i6. 
O.  42.  verf.  I.  Roberto.  Os  Genealógicos  fafem  aRobetto  dè 
licorni  tronco  de  algumas  famílias. 


:''i 


Nota 


I 


D  o    F  Õ  E  M  J.  7 

Nota.  17. 
0. 44.  verí.  5.  Corrêa.  Jà  eíla  illuftre  família  era  conhecida,  e 
delia  foy  o  grande  D.   Payo  Peres  Corrêa. 

Nota  18. 
O.  4^.  verf.  8.  Ate  naõ  cabe  o  medo  no  perigo.  Efte  ver- 
fo  parecerá  menos  claro  ,  mas  como  diz  a  outava  ,  que  em  todos 
os  quatro  elementos  achavaó  os  Mouros  caftigos,  naó  cabia  o  íeii 
medo  por  naó  ter  lugar  feguro  ,  nem  no  meímo  perigo  ,  que  cm 
coda  a  parte  os  ameaqava. 

Nota  19. 
O.  49.  verí.  1.  Batalhoens.  Bem  fey  que  efte  nome  íc  dá  aos  cor- 
pos de  Infantaria  ,  que  coftumaõ  compor-íe  de  quinhentos  ,  ou 
feiscentos  homens,  e  o  de  Efquadroens  ,  que  na  Cavallaria  fa6 
de  cento  e  cincoenra  ,  naó  fò  naó  eraó  ufados  na  milicia  da- 
quelles  tempos,  mas  ainda  na  guerra  ,  que  acabou  em  166S* 
de  Portugal  com  Caftella  ,  íe  trocavaó  eftes  dois  nomes  :  eu 
ufey  dos  que  agora  faõ  mais  próprios  com  licença  Poética  ,  íe- 
guiiido  nas  mais  operaçoens  militares,  como  ja  adverti,  a  forma  de 
que  fe  ufava  no  anno  de  1 100.  procurando  em  tado  imitar  a  Mr, 
Foulard  na  fua  excelléte  traducçaó,  e  notas  à  Hiftoria  de  Polibio,  que 
quer,  que  os  preceitos  geraes  da  guerra  antiga  íirvaõ  para  moderna. 

Nota   50. 
O.   51.  verf.  5.  Terror  Pânico.  Eíle  Adagio  Grego  entendem, 
todos  quando  nos  exércitos  le  introduz  hum  temor  ,  que  os  faz 
fugir  ícm  íaber  a  caufa :  huns  dizem  ,  que  Pan  Deos  dos  Sátiros 
tocando  a  fua  buzina  fazia   fugir  os  Pallores,  outros  ,  que  Pan 
foy  hum  General,  a  quem  fiigio  o  exercito  lera  ter  motivo. 

Nota   51. 
O.  5z.  verf.  1 .  Fatídica.  He  tudo  o  que  pelo  Fado  (íeguindo 
e  frafe  Poética  )  tem  dcftinado  algum  efTeito  prccifo.    . 

Nota  31. 
O  51.  verf  5.  Ala.  Efte  nome  ,  que  os  Mouros  daõ  a  Deos,' 
ufey  nefta  oraçaõ  de  Almançor  para  moftrár  de  algum  modo  a 
differença ,  com  que  crem  a  Divindade ,  e  os  Po-*'-^'?  m»  d ló  exem- 
plo em  palavras  de  outras  lingoas  ,  Virgilio  diz  Briian,  pelo  cou- 
ro do  Boy  ,  que  cortado  futilmence  por  Dido  au  ímrntou  o  ter- 
reno deCarthago.  Camoens  no  Canc.  9,  acaba  hima  oúí-  com 
hum  verfo  Italiano  de  Ariofto. 

Frà  la  fpica ,  e  la  man  qual  muro  }  mtffo  > 
4  o  defende  Faria  com  muitos  exemplos. 

aiv  Not» 


8  NOTAS 

Nota.  3  5. 
0. 16.  verí.  I.  Hcrmenigildo.  Eftcs,  e  os  outros  Hois  faÕ  no- 
mes próprios  de  Príncipes  Godos,  que  podiaó  ufar  íeus  defcen* 
dentes. 

líota  54. 

O.  60.  verí.  8.  No  braço  que  naõ  acha  ainda  circula  Para  en- 
tender elle  verfo  feneceílica  da  luppoíiçaó  dos  Filofofos  Cartefia- 
nos  ,  que  querem  provar  ,  que  o  corpo  he  incapaz  de  fentir  dor, 
que  hè  lempre  na  Alnia ,  com  a  repetida  experiência  ,  de  que  aquel- 
les,  a  quem  íè  cortou  huma  perna,  ou  lium  braço  ,  diílinguein 
odeio,  ou  lugar  da  nova  dor  que  íentem  ,  na  mefma  maó,  e 
braço,  que  jà  naõ  tem  ,  o  que  fó  pode  fer  pela  determinação  dog 
efpiritos  da  fubftancia  pugitante ,  atè  o  termo  que  havia  de  ani- 
mar ,  e  circular  na  fubílancia  extcnfa ,  que  laõ  as  duas  com 
que  elles  definem  o  homem  por  fer  comporto  de  ambas  em  quan» 
ID  hè  vivente. 

Nota   3  f . 

O.  62.  verf  2.  Tingitana  Mauritânia.  Os  Romanos  detaó  efte 
nome  à  parte  da  Mauritânia  por  donde  Africa  fe  divide  de  Hef- 
panha  com  o  Eftreito  chamado  antes  Hercúleo ,  e  depois  de  Gibal- 
tar:  o  nome  de  Tingitana  lhe  deo  a  íua  Cidade  principal  cha- 
mada Tingis,  e  depois  Tanger,  gloriofo  Theatro  de  Façanhas  Portu- 
gueías  ,  conqulftada  aos  Mouros  por  ElRey  Dom  AíFonfo  V.  em 
1471.  e  cedida  aos  Inglezes  por  ElRey  Dom  AíFonío  VI.  como 
dote  da  Rainha  da  Graõ  Bertanha  D.  Catherina,elrmãa  delRey,  e 
Çípofa  de  Carlos  II.  em  iGGi.  Morreo  efta  Cacholica  Heroina  eni 
Lisboa  no  ultimo  de  Dezembro  de  1705.  A  Hiitoria  de  Tangcrc 
efcreveo  com  grande  elegância ,  e  verdade  o  Conde  da  Ericeira 
D.  Fernando  de  Me n efes ,  que  foy  mais  de  cinco  annos  Teu  Ca-. 
pitaõ  General  com   telices  fuccclTos. 

Nota  56. 

O,  6t.  verf.  6,  de  Aquitania.  Eíla  Província  de  França  fe 
chama  Guièna,  e  como  fe  divide  de  Helpanha  pcios  montes  Pi- 
rineos,  e  es  Chrift.íos  jà  tinhaó  conquiftsdo  defde  Aftutias  par- 
te de  Biícaya  ,  e  Navarra  para  a  parte  do  Oriente  ,  c  Leaõ,  e 
Galiza  paraoOcciden:e,  na5  era  impoííível  na  Geografia  do  Poe- 
Wa  ,  que  Henrique  tiraiTe  alguns  íoccorros  de  Cavalleria  Franceza 
por  aquella  Orla  do  Occeano  Cancabrico  ,  ou  que  vieílem  por 
mar  defembarcar  em  Galiza,  que  governava  feu  Primo  o  Con- 
de D.Ramon,  com  eftamçíma  licença  conduzo  depois  de  Portugal  9 

Hcrcu- 


D  o   T  o  E  M  J.  ? 

Hercules  de  Rohan  Príncipe  de  Bertanha  com  tropas  Francelas 

Nota    ?7. 
O.  6}.  verf.  4.  Huma  bellica  tormenra.   As  machonas  bellicas  , 
que  hacijõ  as  n\iiralhas,  e  as  que  arrojavaõ  íettas,  e  pedras,  fcdeiT 
çreveraó  em  feu  lugar :   Mavorte  hè  o  mefmo  que  Marte. 

Nota  38. 
O.  68.  verf.  2.  A  quartãa  do  Leaõ.  Aqui  principia  a  contar 
o  tempo  que  dura  a  acçaó  do  Poema,  como  declaro  nas  adverteiv 
cias  preliminares,  e  hè  a  22.  de  Julho  quando  o  Sol  entra  noSi^gno 
do  Leaõ  atribuindo  íe  a  efte  Rey  do  brutos  ter  fempre  quartãas  , 
que   aqui  explicaó  o  rigor   da  calma. 

Nota  59. 
O.  6S.  verr4.  Qiie  alguns  vàos  permitte  o  Rio.  Naõ  ignoro,' 
que  o  Rio  Douro  naõ  dà  vào  principalmente  junto  ao  Porto.  Bem 
puciera  deículpar-me  com  que  os  Rios  mudarão  muito  as  fuás  cor- 
rentes ,  e  com  que  Virgílio  diz  que  hà  Cervos  em  Africa  ,  don- 
de nunca  os  houve  ,  e  em  tempo  ,  e  lugar  tomaÓ  os  Poetas  muitas 
liberdades,  mas  em  huma  out.  do  canc.  2.  digo  que  aSibillamol* 
trou  a  Henrique  milagrofamente  vàos  no  mefmo  Douro. 

Nota  40. 
O.  6  8.  verf  6,  Logo  em  quatro  columnas.  Dividir  para  asmar* 
chás  as  linhas  dos  exércitos  em  columnas  hè  a  operação  moderna, 
mas  os  antigos  também  tinhaõ  alguns  femelhantes ,  como  pode 
verfe  nos  Comrnentarios  de  Cefar,  e  aqui  fe  difpenfarà  a  applicaçao 
deftas  columnas  às  do  Templo  da  Fama  ,  em  que  o  Heroe  fe  color 
çou  pelas  fuás  acçoens. 

Nota  41. 
O.  70  vetl.  Pelayo  Amado.  Alguns  Genealógicos  ,  e  Hifto- 
riadores  Portuguezes  fazem  Pelayo  Amado  tronco  dos  Almeydas» 
e  pelo  feu  nome  o  efcolhi  para  o  Heroe  Erótico,  ou  amorolo  def- 
te  Poema  ,  em  que  pelas  fuás  valerofas  proefas  fe  faz  digno  proge- 
nitor defta  llluílre   família. 

Nota  42. 
O.  72.  veri.  8.  O  que  a  fama  calou  diíTe  a  vi(5loria.  Aqui 
fe  fuppoem  a  Vídoria  hunia  Deofa  ,  que  voou  mais  que  a  Fama 
para  explicar  à  Princeza  que  Henrique  tinha  vencido  ,  pois  ella 
inferio  que  elle  naõ  era  morto,  como  fe  publicara,  vepdo. queçs 
Porcugaezes  desbaratavaõ  os  Mouros  taõ  prontamente,  que  bem  fe 
via ,  quem  era  o  Her òe  que  os   animava. 

Nota 


10  NOTAS 

Nota  45. 
O.  74.  verf.  X.  Bracaros.  Saó  os  Povos   de  Braga  chamacía 
Bracara  Augiifta  Cidade  de  Portugal  celebre  entre  os  antigos ,  e 
modernos  ,  e  Primaz  das  Hefpanhas. 

Nota  44. 
O.  74-  verl.  5.  Letes.  Querem  os  Antiquários  que  feja  o  Rio 
Lima,  ou  o  LeíTa  ,  edo  Letes  diz  a  fabula,  que  os  que  o  paíTavaó, 
perdiaõ  a  memoria  de  tudo,  para  íignificar  que  o  íeu  Paiz  era  dc- 
liciofo,  e  abundante  ,  como  hoje  fe  vc  nas  terras,  que  regaõ  eftes 
dous  Rios  na  Província  de  Entre  Douro  >  e  Minho.  Os  noílos  dous 
antigos  Poetas  Portuguezes  Diogo  Bernardes  ,  e  Franciíco 
de  Sá  e  Miranda  fizeraó  celebres  eftes  dous  Rios  com  os  feus  ver- 
fos  ,  o  primeiro  o  Lima,  o  fegundo  o  LeíTa  j  a  quem  bebia  a  agoa 
do  Lçtfis  le  atribuía  o  melmo  efquecimento  ,  a  que  allude  a  ouc. 

Nota  45. 
O.  7(3.  verf.  4.  Pedro  Bernardo.  Pedro  Bernardo  de  S.  Fagun- 
do  Rico  Homem,  e  grande  Senhor  em  cerra  de  Campos,  c  pe- 
los priviiegios,  que  firmou,  ainda  podia  fendo  moço  alcançar  o 
anno  de  1  100.  e  a  vífinhança  lhe  facilitava  focorrer  o  Conde  D. 
Henrique,  hè  tronco  dos  Menezes  por  Varonia,  c  defccndente  dei- 
Rey  D,  Fruella  IL  de  Leaó. 

Nota  46. 
O.  91.  verf.  I.  Cruel  Amoc.  Principia  Aldàra  que  fe  íuppunha 
filha  delRey  Ali ,  e  herdeira  do  íeu  Império  por  morte  de  Alman. 
çor,  a  moílrar  o  feu  Amor  a  Muley,  c  a  fer  cauta  do  de  Pelayo 
Nas  advertências  preliminares  pertendi  moílrar  como  osMourosde 
Hefpanha  podiaó  pelo  trato  dos  Hefpanhocs  cativos  ,  e  pelos 
Livros  doutos  Arábigos  ter  conhecimento  das  fabulas,  ainda  que 
foífem  taõ  oppoftos  à  idolatria. 

Nota  47. 
O.  i9.  verf.  5.  Celefte.  Culpando  Aldàra  o  Amor  lhe  nega  o 
ler  Celefte  ,  e  lhe  chama  Deos  por  Ironia  ,  íeguindo  a  Religião 
Mahometana. 

Nota.  48. 
O.  95.  verf   5.  Júpiter  ,  e  Marte.  PreAippondo  a  mefma  no- 
ticia das  fabulas  podia  faber  Aldàra  que  ao  cego  Cupido  fizeraó 
Deos  do  Amor  ,  e  que  rendera  tantas  vezes  com  as  fuás  fettas  a 
Júpiter ,  a  Marte ,  e  aos  outros  falfos  Deofes. 

Nota  49. 
O.  veif.  I.Vi  a  Muley.  Concinua  Aldàra  no  feu  canto  que 

tam- 


f 


D  o    F  o  E  M  J.  Ji 

também  como  Poético  permitia  as  fabulas  tocando  a  áe  Adónis 
favorecido  de  vénus  Deofa  da  Bellela,  e  Mãy  do  Amor  ,  a  enca- 
recer o  que  tinha  a  Muley  ,  a  quem  primeiro  tinha  vifto  matar 
hum  Javali. 

Nota.  50. 
97.   verf.    8.  Diana.    Foy   Dcofa   da  caça,  e  como  Aldàrá 
refere  as  me fm as  palavras,  que  Muley  lhe  diííe,   naõ  tirou  o  Epí- 
teto de  Beliílima,  que  de  outro  modo  feria  eftranho  fe  foíTe  lou- 
vor próprio. 

Nota  51. 
O.  98.  verf.  1.  Endimion.  Torna  a  dizer  mais  claramente; 
que  fabia  as  fabulas,  porque  as  tinha  lido,  e  por  iílb  refere  a  de 
Endimion  Paftor,a  quem  no  Monte  Lathmo  de  Caria  Diana  favo-, 
recia  cm  fonhos  dando-lhe  fono  para  gofar  dos  feus  favores  fem  mal- 
quiftar  a  puiefa,  que  lhe  atribuiaó,  conííguio  que  lhe  deíTem  os 
Deofes  hum  fono  perpetuo.  Diana  era  a  Lua  ,  e  efte  Paftor  hum 
dos  primeiros  Aftronomos  ,  que  a  obfcrvou. 

Nota  52. 
O.  5>8.  verf.  8.  O  vicio  claro  o  documento  occulto.  Eftes  ver- 
fos  faõ  huma  forte  invcótiva  contra  a  Religião  do  Paganifmo  pois 
contavaõ  aos  Povos  os  delitos  dos  feus  Deofes,  e  guardavaõ  para 
íi  os  Filofofos  cccultamente  os  Documentos ,  c  Ailcgorias. 

Notas  55. 
O.  99.  verf  6.  Himineo.  Deos  dos  Cafamcntos ,  que  com  a 
lua  tocha  n.ípcial  os  concluía,  affim  diz  Aldàra  ,   que  Muley  lhe 
propunha  fer  feu  Elpofo  ,  com  que  o  fcu  aífedo  neíta  efperança 
lempre  foy  puro  ,  e  decorofo. 

Nota  54. 
O.  100-  verl.  3.  Tarif,  Julgava-fe  que  Muley,  como  Ali  publi- 
cava, era  deícendente  de  Tarif  primeiro  conquiflador  de  Hefpanha, 
e  que  paíTou  o  Eftreito  de  Gibaltar  dando  a  efta  Cidade,  que  fc 
chamava  Calpe ,  e  eílava  defronte  de  Abila  bem  conhecida^ 
pelas  duas  Columnas  de  Hercules  em  Heípanha  ,  e.  Africa  com 
o  Non  plus  ultra,  deo,  digo  a  Calpe  o  nome  de  Gibel  Tarif,  ou 
o  Monte  de  Tarif  que  fe  corrompeo  em  Gibaltar. 

Nota  ^6.  . 

O.  107.  verf  7,  Com  huma  venda.  Efta  venda  era  amefma,, 
que    Muley  trazia  no  turbante,  e  que  lhe  tinha  dado  Aldâra  como 
fe  vè  no  combate  que  teve  com  Henrique  no    cant.  2.  em  todo 
o  Poema  hè  cauCa  de  fucceííos  extraordinários. 

Nota 


ti,  '     '  N  o  T  ^  S 

''■'"  Nota   57. 

•-■    0    109.  vetl.  2.  O  mal  paíTado.  Efte  era  iiaô  ter  avizâdo  a 
Ptíncefa  c)je    feu  Efpcío  elbva  vivo  ,  como  elle  ordenou  na  Ba- 
tal  ia,  nao  lhe  mandando  av.ib  por  outro  Soldado  como  reTupoeni 
<jue  Henrí.-ue  teria  jà  deferido  à  Princeía. 
^''  Canto    1. 

'''  Nora  58. 

O.  r.  verf.  i.  Exaltando  o  valor  ,  e  a  fermofiira.  Bem  íe  vè 
que  em  Henrique  ,  e  Tlierefa  fe  verifícaõ  o  valor  ,  c  a  fermofura,  c 
nefte  cant.imitãdo  a  Virgílio  refere  o  Heroe  de  lugar  alto  o  Epiíodio 
fuhdamental  da  acçaõ  do  Poema  com  os  mifterios  da  Gruta,  don- 
de a  Sibilla  lhe  profetifou  com  o  aufpicio  da  Imagem  de  N.  Se^ 
íihora  de  Carquere  a  fundação  doReyno  de  Portugal. 

Nota  59. 

O.  7.  verf.  i.  Hercules.  A  fabula  de  que  Hercules  delpedaçou 

rrti  berço  as  ferpentes  hè  bem  notória,  e  aqui  íêrve  de  comparação 

modefta  moftrando  o  Heròe  que  rodas  as  maravilhas  ,  que  o  leu 

esforço  obrou,  foraô,   porque  tinha  propicio  o  auxilio  Divino. 

•■' '    '  Nota    60. 

'•  G.  7.  verí.  8.  Qiiefofrer  o  Egypto.  Eftas  injurias  fe  çompara5 
<?om  as  pragas  ,  que  o  Egipto  fofreo,  com  a  difFerença  de  que 
aqui  as  fomentava  o  Inferno  contra  hum  Príncipe  jufto ,  e  lá  craõ 
caftigo  bem  merecido  dado  por  Deos  a  Faraó. 

Nota.  61. 
O.  9.  verf.  <|.  Enigmáticas  fortunas.  Naõ  me  pareceo  explicar 
logo,  como  outros  Poetas,  íenaõ  enigmaticamente  as  g^lorias  futuras 
de  Portugal,  quando  Gamoens  refere  as  paliadas  com  inimitável 
elegância. 

Nota  61. 
O.   ro.  verl.  I.  O  Porto,  e  Gaya.    Aqui   fe  vè  a  uniaõ  deftes 
dous    nomes   para   formar   o  de  Portugal ,  que  principiou  poí 
eftes    tempos, 
'  Nora  63. 

O.  II.  verf  De  Bronze  eftatuas  vi  íeis  veies  quatro.  Nef- 
tas  24.  Eftatuas  que  hè  o  numero  dos  R?ys  athe  El  ey  Dom 
Joaõ  o  V.  que  Deos  guarde  ,  naõ  fe  inclue  o  Seniior  Dom  Anto- 
mo ,  porque  naó  foy  Rey  univerfalmence  reconhecido,  eo  Rey- 
no  pertencia  à  Senliora  Dona  Catherina  filha  do  Infante  Dom 
Duarte,  e  Neta  delRey  Dom  Maiofl ,  per  qu:ni  o  Reyno  ficou 
tocando  à  Real  Cafa  de  Bragança,  e  ainda  que  os  três  Reys  todo 


f 

com 


D  o    T  o  E  M  ^.  13 

como  os  nomes  dos  trcs  DD.  Filippes  fe  incluem  nos  24-  Reys,logo 
fe  declara  ,  que  foraó  ufurpadores  por  quaíí  60.  annos  com 
Armas  de  Caítella. 

Notas  64(. 
O.  14.  verf  I.  Conquiftador.  Dou  aos  noííos  Reys  os  Epíte- 
tos que  Te  lhe  atribuirão  ,  eapplico  aos  outros  os  que  julguey  mais 
próprios  do  feu  carader.  O  Conquiftador  hé  ElRey  Dom  Afíonfo 
Henriques  primeiro  do  nome  ,  e  primeiro  Rey  de  Portugal  ,  que 
havia  de  ganhar  Lisboa,  que  hè  a  Cidade,  a  quem  paga  o  Rio  Tejo 
com  as  fuás  áreas  preciofas  o  tributo  de  ouro. 

Nota    65. 
O.  15.  verf,  5-  Povoador.    Efte  hè    o  nome  que    fe  deo  a  El- 
Rey Dom  Sancho  primeiro  por  povoar  o  Reyno  ,  que  feu  Pay  con- 
quiftou ,  o  que  elie  também  fez. 

Nota    66. 
O.  if.  verf.  I.  Robufto.  ElRey  Dom  AíFonfo  II.  foy  chama- 
do o  Gordo ,    e  teve  grandes  elpiritos. 

Nota  67, 
O.  15.  verf  5.  De  outro  o  nome  no  trage.  ElRey  Dom  San. 
cho  II.  peio  trage  foy  chamado  Capelo :  doulhe  o  titulo  de  Sin- 
cero ,  porque  creo  os  màos  confclhos  ,  que  foraõ  cauíà  de  lhe  ti- 
rarem o  Reyno  os  feus  Vaflallos  para  elegerem  feu  Irmaó  o  Con- 
de de  Bolonha. 

Nota  68» 
O.  15.  verf.  y.  Outro  Irmaõ   feu   de  condição  mais   dura  hc 
ElRey  Dom    AfFonfo  III.  Principe  valcrofo  >    mas   chamolhe  Se- 
vero ,  por  abandonar    Matilde  CondeíTa  de  Bolonha  lua  primeira 
Eipofa. 

Nota  69. 
O.  15.  verf  Lavrador.  ElRey  Dom  Diniz  foy  chamado  La- 
vrador dizem  muitos  Authores,  que  porque  fez  florecer  a  agri- 
cultura ,  €  alguns  ,  que  porque  fez  lavrar  muitos  muros  ,  e  edi. 
ficios  ,  e  eu  querendo  unir  eitas  duas  qualidades  dizia  no  meu 
original. 

Que  o  Reyno  fortifica  ,  e  frutifica. 
mas  os  meus  Ccnfores    naó  quiferaó  efte  jogo    d«  vozes ,   e  lha 
fubftituhi  efte  verío. 

Porque  o  Reyno  enobrece  ,    e  frutifica 
Nota   70. 
O.  76.  verf  I.  De  Bravo.  ElRcy  Dom  Aífonfo  o  IV.  bem  me- 

rcceo 


14  NOTAS 

receo  o  nome  de  Bravo  pelo   feu  valor  ,  e  pela  vidtoria  de  Sa- 
lado. 

Nora  71. 
O.  16.  verf.  2.  Juíliceiro.   Efte  nome  hè  mais  próprio  que  o 
de  Cruel  a  ElRey  Dom  Pedro  o  primeiro ,  Príncipe  Liberal ,  e  rí- 
gido executor  das  JLcys. 

Nota  71. 
O.  16.  vcrí.  5.  Fermofo.  ElRey  Dom  Fernando  quaíi  naó  te- 
'  ve  outra  qualidade  mais  que  a  da  gentilefa. 

Nota  75. 
O.  1 6.  verf.  4.  E  da  Boa  memoria  ElRey  Dom  Joaõ  o  pri- 
'íheiío,  a  quem  o  Reyno  acclamon  paia  livrar-fe  de  outro  Rey  de 
Caftella  do  meímo  nome  jfe  fez  digno  do  de  boa  memoria  pela 
que  deixou  das  íuas  virtudes  militares ,  e  politicas ,  e  vencco  ea» 
tre  outras  a  grande  Batalha  de  Algibarrota. 

Nota  74. 
O.    i6.  verl.    5.    Ccnftanre.    ElRey  E)om  Daarte  valente  ,  e 
fabio  tem  aqui  fó  o  titulo  de  Cjonftante  ,  porque  o  foy  nas  adver- 
fidades  da  guerra  de  Africa,  em  que  deyxou  nò  cativeiro  a fcu Ir- 
mão o  Santo  Infante  Dom  Fernando,  c  na  pefte  ,  que  afligio   o 
■feu  Reyno  ,  de  que  tainbem  morreo  copipQucos  annos   de  go- 
'vcrno.  ^   . "  "í^ 

Nota  75. 
O.   \6.  verf  6.  Africano.  Deu-fe  com  rafaó  efta  antonomaíia 
a  ElRey  Dom  Aífonfo  V.  Scipiaó  Portuguez  ,  que  conquiftou  em 
Africa,  Tanger  ,  Arzila,  e  outras  Praças. 

Nota  76. 
O.  16.  verf.  8.  De  Perfeito  ,  c  Filho  da  Fortuna.  Pelas  virtu- 
des regias  ,  e  varonis  de  que  foy  adornado  ,  hè  reconhecido  El- 
Rey Dom  Joaõ  o  II.  por  Príncipe  Perfeito.  Por  Filho  da  Fortuna 
íe  adopta  ElRey  Dom  Manoel  aílim  por  herdar  o  Trono,  de  que 
•eftava  muito  diftante,  como  pelo  dcfcubrimento  ,  e  conquifta  da 
Índia  ,  e  Braíll  ,  e  por  outras  felicidades  do  feu  ditofo  Século. 

Nota  77. 
O.  17.  verf.  I.  Religioío.  ElRey  Dom  JoaÕ  o  III.  naõ  defme- 
rece  cfte  atributo  pela  fua  piedade  ,  pelas  Ordens  Religiofas  ,  què 
admitio  no  Reyno,  em  que  fe  diftinguio  a  Companhia  de  Jefus  com 
S.  Francifco  Xavier  levando  por  elle  ,  e  por  outros  Mlífionarios  a 
Religião  Catholica  4  índia,  e  às  partes  mais  remotas. 

Nota 


D  o    T  o  E  M  J.  ij 

Nota   78. 
O.  17.  verf.  1.    Perde-fe  hum  grande  Rey  por   temerário.   El- 
Rey  Dom  Sebaftiaó  de  altos  efpiricos  íc  perdeo  pela  fua  temerida- 
de com  a  raayor  parte  da  Nobrefa  de  Portugal  na  Batalha  d'  Alca- 
cere  em  Africa  em  15' 78. 

Notas  79, 
O.  17.  verf.  5.    O  ultimo  denomina  virtiiofo  o  Cardeal  Dotn 
Henrique  ornado  de  muitas    virtudes  Criftãas ,  e  Moraes :  morrto 
fera  nomear  lucccllbr  ao  Reyno  em   ijSo. 

Nota  80. 
O.  17.  verf  f.  Mis  cumprindo  hum  decreto  rigorofo.  Na 
appariçaõ  de  Chrifto  a  ElRcy  Dom  AfTonfo  Henriques  no  Campo 
de  Ourique  lhe  promulgou  o  Senhor  o  Decreto  ,  de  que  a  fiia 
decima  fexta  Geração  fe  havia  de  attenuar  ,  c  neíle  tempo,  o  Po- 
vo mais  contrario  ao  Reyno,  que  era  o  de  Caftella ,  o  uzurpou. 

Nota  81. 
O.  17.  verí.  8.  Prudente,  Bom  ,  e  Grande  appcllidara  ,  a  El- 
Rey  Dom  Filippe  o  II.  de  Caftella  deraõ  os  Efpanhoes  o  Epiteto 
de  Prudente  ,  ao  terceiro  ,  o  de  Bom  ,  ao  quarto  ,  o  de  Grande: 
nem  todos  os  eftrangeiros  concordaõ  em  qoe  cftcs  três  titulos  fof- 
íem  igualmente  bera  merecidos  ,  ao  quarto  refpondeo  Miguel  da 
Silveyra  ,  erudito  Portuguez  ,  e  Author  do  Macabeo  ,  pergun- 
tando lhe  ElRey  fe  achava  que  merecia  juftamente  o  nome  que 
lhe  tinhaó  dado  de  Filippe  o  Grande,  quando  tinha  perdido  Ca- 
talunha ,  Portugal ,  e  grande  parte  de  Flandcs ,  naó  fey  Senhor  que 
V.  M.  poda  íer  grande,  fenaõcomo  hè  huraa  cova,  a  qual  hè  gran- 
de pela  muita  terra  que  lhe  tiraò. 

Nota  8i. 
O.  18.  verf.  I.  Reftaurador.  ElRey  Dom  Joaõ  quarto  na  fe^- 
liz  Aclamação    de  1640.    em  que  Portugal  fe  facodio   do  tirânico 
jugo  de  Caftella. 

Nota  85. 
O,  18.  verf  3.  Feliz.  ElRey  Dom  Affonfo  o  VI.  que  venceo  |. 
Batalhas  ,  e  r;anhou  muitas  Praças  aos  Efpanhoes  ,  mas  alterouíè 
cfta  felicidade  tirandoíc-lhe  o  Reino  com  vitupério  daMageftade, 
mas  com  caufa  ,  pelo  haverem  deyxado  incapaz  os  feus  achaques 
fubftituindo  o  feu  Lugar  o  Infante  Dom  Pedro  feu  Iimaó  ,  coro 
õ  titulo  de  Príncipe  Regente. 

Nota  84. 
O.   18.  verf.   5.    Pacifico.  ElRey  Dora  Pedro  o  II.  tem  efte 

nome 


i6  NOTAS 

nome  entre  alguns  efcriroies  modernos  ,  porque  celebrou  <»lo- 
rioíàmentc  ,  em  \66%,  a  paz  com  Hefpanha  ,  ainda  que  nos  feus 
últimos  annos  rompeo  a  guerra  com  a  mefma  Hefpanha  ,  que 
continuou  depois  da  fua  morte  cm  9.  de  Dezembro  de  1706. 

Nota   %^, 
O.  18.   verf.  7.  De  Sábio.  ElRey  Dom  Joaó  o  V.  pelas  fcien- 
ci&s  que  poíTue  ,  c  que  patrocina ,  fe  faz  digniílimo  de  ler  denomi- 
nado   o  Sábio. 

Nota  %G. 
O.   19.  verf.  5.  Triunfante  Armada.  O  mefmo  Rey,  que  co- 
roa a  ferie  deftas   vinte  ,  e  quatro  Eftatuas  ,  mandou  duas  vezes 
nos   annos  ds  1716.  e  171 7.  huma  lufida  armada,    que  lhe  pe- 
dio   o  Pontífice   Clemente  XI.   para  foccorrer  os  Vcnefianos  con- 
tra os  Turcos  ,    que  queriaó  ganhar  a  Ilha  de  Corfu  com  gran- 
de perigo    do    refto  de  Itália.    Da   primeira  vez  levantarão  o  /itio 
quando   chegou    a  Armada    a  Sicilia:  e  da  fegunda  fugirão  de- 
pois de  combater  com   as  noífas  nàos  ,  que  fe  adiantarão  às  de  ou- 
tras  naçoens    fazendo^  nos    Turcos  grande  eftrago.    Governava  a 
Armada    o  Almirante    Lopo    Furtado    de  Mendoça  ,    Conde  do 
Rio  grande.   Servia  de  Almirante  Manoel  Carlos  da  Cunha  ,  e  Távo- 
ra Conde  de  S.  Vicente ,  e  de  Fifcal  Pedro  de  Soula  Caftcl  Branco  que 
fediftinguirao  com  furamo  valor  bem  imitado  dos  mais  Cabos ,  c 
Nobreza  ,  que  embarcou  neftas  Armadas.  O  lugar  da  Batalha  foy 
naquclla  parte  do  Mediterrâneo,  a  que   os  antigos  chamarão  Mar 
Egco.  No    principio  fallcy  na  inftituiçaó  da  Academia  real  da  Hií^ 
toria  Portugucfa  em  8.  de  Dezembro   de   1710.   a  fua  empreza  hc 
a   Imagem   da  Verdade  cem   a  letra  :  Rejlituet  omnta  ,    tem  cinco- 
cnta  Académicos  ,  e  outros  fupra  numerários  ,  cinco  Direótores , 
c  Cenfores  ,  hum  Secretario,  tem  impreíTos  muitos  ,  e  cxcciientcs 
volumes. 

Nota  87. 
O.  io.  verf.  5.  Da  primeira  íb  vejo:  depois  que  o  Conde  D. 
Henrique  vio  as  vinte  ,  e  quatro  Eftatuas,  refere  que  lhe  foraô 
incógnitas  as  dos  outros  Reys ,  de  que  fó  diftinguio  huma  que 
he  a  do  Príncipe  D.  Jozè  filho  delRey  D.  Joaó  o  V.  de  que  as 
virtudes  ,  e  os  dotes  varonis  brilhaõ  na  adolecencia  com  a  mais 
heróica  diftincçaõ  ,  moftrandofe  digniílimo  imitador  de  feus  Au- 
guftos  Pays  ,  ElRey  D,  Joaõ  o  V.  e  a  Rainha  D.  Maria  Anna  de  Auf- 
eria. 

Nota 


DO    T  O  E  M  J.  17 

Nora  88. 
C.  zi.  verf.  2.  Cem  pinturas.  Igual  a  hum  numero  de  cento 
os  Infantes  ,  e  Infantas  de  Portugal  ,  de  que  huns  na  primeira 
idade  feguráraõ  o  Reino  do  Ceo  ,  e  outros  em  regias  alianças  il- 
luftráraò  os  mayores  do  Mundo  ;  e  faz  memoria  de  tantas  Rai- 
nhas  de  Portugal ,  que  floreccraõ  em  todas  as  virtudes. 

Nota  89. 
O.  21.  verf.  I.  Mais  huma  parte.  Claramente  fe  vc  o  àtC- 
cubrimento  da  America  ,  que  deve  atribui-e  a  Portugal  ,  pois 
hum  Piloto  Portuguez  foy  o  primeiro  ,  que  deu  efta  noticia  a 
Chriílovaõ  Cólon,  que  eftava  na  Ilha  da  Madeira,  e  veyo  offe- 
recer-fe  primeiro  a  ElRey  D.  Joaó  o  II.  de  Portugal  ,  e  deu  o 
nome  á  America  Américo  Vefpucio  debaixo  dos  sufpicios  del- 
Rey  D.  Manoel,  e  no  feu  tempo  defcubrio  o  Brafil  Pedro  Alva- 
res Cabral  em  1500.  e  Fernando  de  Magalhaens  ,  Vafque  Anes 
Corte-real  Portuguezes  ,  fizeraó  pelo  Sul,  e  pelo  Norte  da  Ame- 
rica os  mais  famofos  defcubrimentos.  A  Zona  Tórrida  julgava5 
os  antigos  inhabitavei. 

Nota   90. 
O,  12.  verf.  8.   Os  váos.  Aqui  dá  a  razaõ  dos  váos  do  Dou- 
ro de  que   falia  a  Nota,  mediando,  que  como  piodigio  os  co- 
nheceu o  Heroe  ,   naó  dando  hoje  váo  efte  Rio. 

Nota  91. 
5  O.  25.  verf.  8.  Sibilla.  Já  adverti  ,  que  a  Sibilla  ,  que  aqui 
fèvda  os  fegredos  a  Henrique,  como  a  de  Virgílio  fezaBneas» 
equivoca  a  íicqaõ  Poética  com  a  verdade,  de  que  elle  era  filho 
de  Sibilla  ,  filha  de  Reginaldo  primeiro  Conde  de  Borgonha  , 
mulher  de  Henrique  de  Borgonha  ,  com  que  he  huma  efpecie 
de  apparicaó  do  efpirito  de  Sibilla  ,  a  forma  da  antiga  Sibilla  , 
que  aqui  fe  defçreve. 

Nota  92. 
O.  24.  verf.  z.  No  altar,  que  erige  hum  Sábio  a  hum  Deos 
ignoto.  Nos  Ados  dos  Apoftolos  cap.  12.  verf.  5.  fe  diz,  que 
S.  Paulo  vio  huma  ara  com  a  letra  Ignoto  Deo  ,  fe  acha  o  ar- 
gumento, que  fez  aos  Gentios  de  cerem  hum  altar  a  hum  Deas 
defçonhecido  com  a  letra  Ignoto  DCd  ,  e  como  a  Sibilla  era  gen- 
tia ,  dizem  que  profetizou  muitas  verdades  ,  por  iíTo  aqui  digo 
lhe  era  defçonhecido  o  Deos  verdadeiro  ,  feado  a  profecia  gra- 
cia  grátis  data. 

^..  b  No- 


i8  NO  TAS 

Nota  93. 
O.  14.  verf  4.    Contra  Lacheíis  ,  Atropo?  ,  e  Cloro.    .Çaõ 
os  nomes  das  três  Parcas,  que  tem  diverfas  íígnificações,  e  ex- 
cfcicios   no  fiar,  eftender,  e  cortar  o  fio  da  vida. 

Nora  94. 
O,  !('.  verf,  I.  Sobre  a  Tripode.  Neftes  fimholos  do  nume- 
ro de  três  vou  moftrando  aquelia  idéa  da  Trindade  ,  que  os 
Santos  Padres  entendem  ,  que  Deos  foy  deixando  imperfeita  ao 
paganiíino  ,  para  que  depois  tiveíle  menos,  que  fazer  a  fé.  Era 
hum  dos  íimholos  a  Tripode,  ou  Cadeira  de  três  pés  de  ouro, 
cm  que  a  Profetiza  explicava  os  futuros. 

Nota   95. 
O.  16.  verf.  2.    Três  livros.    Os  rres  livros   unidos  em  hum 
volume ,  alludem  á  hiíloria  ,  que  logo  fe  referirá  da  Sibila  coiit 
Tarquino  foherbo ,  ultimo  Rey  de  Roma, 

Nota   Qé. 
O.  í6.  verf  5.  A  Lira  Triangular.   He  outro  fimbolo  do  nu- 
mero de  três  fendo  em  Triangulo  a  Lira  de  Apolo. 

Nota  97^ 
O.  28.  verf,  í.  Hcrofile  de  Troya.  Foy  a  Sibilla  chamada 
Eritrea,  que  vendeo  a  Tarquino  foberbo  ,  Rey  de  Roma,  o  li- 
vro ,  que  refervou  dos  três  ,  conforme  a  opinião  de  Plinio  ;  e 
porque  pedio  os  mefmos  três  talentos  ,  que  pelos  dous  ,  o  qual 
comprou  o  Rey  por  três  talentos.  Suidas  o  diz,  depois  de  ou- 
tros hiftoriadores  Romanos.. 

Nora  98. 
O.  a  8.  verH  3»  Sendo  huma  fó.  A  opinião  do  Doutor  Pe- 
tit  agradou  tanto  pelas  fuás  eruditas  razoens  a  muitos  moder- 
nos, que  fe  inclinaõ,  a  que  as  dez,  ou  doze  Sibillas  ,  a  que  daõ 
os  nomes ,  que  le  leni  nefta  Oitava  ,  e  na  feguinte  ,  e  ainda  ou- 
tras profetizas,  era  fó  huma,  que  viveo  muitos  annos,  e  vati- 
cinou em  diverfas -partes,  tomando  os  nomes  dos  lugares,  e  aqui 
figo  eíla  opinião  ,  e  naó  explico  mais  largamente  eftes  nomes  , 
porque  no  Author  allegado,  em  Servato  Galleo  ,  e  outros  muitos 
pôde  ver-fe  tudo  ,  o  que  toca  ás  Sibillas,  e  aos  íeus  Oráculos. 

Nota    <)Ç)^ 
O.  29.  verl.  I.    Também  de  Colofonio.    De  mais    das  dez 
Sibillas,  fe  contaó  eftas  cinco,  fazendo  duas,  ambas  cmCumaSj» 
huma  a  de  Itália,  outra  a  de  Joiíia. 

-i  N<i* 


DO    TOEM  A.  19 

Nota  100. 
O.  29.  verf  8.  A  Lampufa  ,  Catíandra  Dafae  ,  e  Manco. 
Foy  Lampufa  Dafne  ,  filha  deTlierefias,  e  a  tem  alguns  pela  Sibilla 
Deifica,  Paulanias  diz,  que  ella  foy  Heiofile  ,  que  pioFetizou  a 
perda  de  Trova.  Foy  Caílandra,  aquella  celebre  filha  de  Piiamo  , 
Rey  de  Trova  ,  de  que  fe  finge  ,  que  prometendo  favo:cccr  a 
ApoUo  lè  lhe  deile  o  dom  de  profecia  ,  elle  lho  concedeo  ,  mas 
faltando-lhe  ella  á  promella  ,  ícz  que  nunca  folie  ciida  ,  e  por 
ilío  diz  Virgílio:  J.iw  ym)u\uam  credita  Tencris.  Manto,  filha  tam- 
bém de  Therefir\s,  dizem  fundou  a  Mantua  ,  Virg.  Bneid.  ic.  Hon- 
rou a  fua  Pátria:  Qut  dcdit  tibi  Mimua  nomcn  y  ttndo-ihe  chama- 
do profetiza:  Fatidui£  Mtntus. 

Nota   loi. 
O.  30.  verf  i.    Pironifas.    Chamava5-fe  Pitonifas   a*?  Sacer- 
dotifas  ae  Apoilo  Pychio   por  matar  a  ferpente  Python  ,  e  faziaõ 
horríveis  geftos  ,  quando  lhe  entrava  o   furor  profético. 

Nota    102. 
O.   5c.  verf.  2.     Os  dons,  os  dez,  e  os  quinze   Sacerdotey. 
Em  diverlos  tempos  foy  efte  em  Roma  o  numero  dos  Sacerdotes, 
que  confuitavaó  nos  grandes  apertos  os  livros  Sibillinos. 

Nota  105. 
O.  50.  verH  8.  Eu  conheci  primeiro  altas  verdades.  He  ho- 
je conllante  nos  Auchores  allegados  ,  e  nos  melhores  Criticos  , 
que  os  verfos  ,  que  temos  atribiiidos  ás  Sybillas  ,  e  ainda  os  que 
viraó  Santo  Agoílinho  ,  e  outros  Santos  Padres  ,  faõ  de  hum 
Chriflaó  Filofofo  Platónico ,  fendo  huma  das  razoes  ,  em  que  fe 
fundaÕ  naõ  fer  verofimii,  que  Deos  revelalTe  aos  gentios  ,  mui- 
to mais  claramente  ,  que  aos  Profetas  muitos  myfterios  ;  e  a  Pai- 
xão deChrillo,  que  fc  lê  com  ni&ís  individuação  nelles  oráculos  , 
que  no   mefmo  Ifaías. 

Nora  104. 
O.  31.  verf  T.  Por  três  livros.  Contaõ  os  Hiftoriadoics 
Romanos  ,  que  a  Sibilla  bufcou  a  feu  ultimo  Rey  Taíquiijo  So- 
berbo ,  e  pedindo-lhe  hum  grande  preço  por  três  livíos,  elle  òs 
rcfufou  ;  e  queimando  ella  hum,  pedio  o  mefiro  pelos  doiís  ,  è 
naõ  os  querendo  o  Rey  ,  queim  lu  a  Sibilla  o  legnndo  ,  e  pedi» 
o  mefmo  pelo  que  ficava  ,  e  elle  admirado  lhe  dco  o  que  ella 
pedia  por  aquelle  fó. 

Nota    105. 
O.   35.  verf  ó.  Do  numero  temsirli,    Reconhecc.raõéa  VWè- 
'  >  b  ii  fofos , 


20  N  O  T  J  S 

íbfos,  qtie  o  numero  impar  era  agradável  á  Divindade:  Ntmerè 
Deus  impare  gatidet  ,  e  de  que  efte  impar  naó  leja  fó  a  unidade  , 
mas  o  nnmero  ternário, exiftera  verfos  antigos  ,  que  fe  atribuem 
a  Pythagoras. 

Nota    io(j. 

O.  54.  verl.  4.  Acrofticos  ,  hum  deíles  acrofticos  atribuí- 
dos á  Sibiiia  ,  aufhorifa  Santo  Agoftinho  na  Cidade  de  Deos 
e  nas  primeiras  letras  década  hum  dos  verfos  Latinos,  que  he 
s.  lingua  em  que  fe  tianícreve ,  fe  lê  JESUS  Chriftus  Salvator. 

Nota    107. 

O.  54.  verf.  Marfos.  7*  Lc-fe  na  Hiíloria  Romana  ,  que 
quando  os  Marfos,  que  era  humanaçaõde  Itália,  faziaÕ  guerra; 
aos  Romanos  ,  fe  queimou  o  Capitólio  em  Roma  ,  e  fe  abrazou 
nelle  o  livro  da  Sibilla  ,  em  que  aqui  fe  linge  livro  de  fogo  par» 
a,  felicidade  da  fundação  de  Portugal. 

Nota   108. 

O.  35,  verf.  5.  Em  vaô  de  Augufto.  Vendo  o  Emperador 
'Augufto  ,  que  fe  tinha  queimado  o  verdadeiro  livro  da  Sibilla 
os  que  efcreveraõ  deftas  ,  e  da  Hiftoria  Romana  dizem  ,  que 
mandou  pelo  Mundo  recolher  os  Oráculos  Sibillinos  ,.  que  lè 
achaíTem  nas  memorias  ,  e  tradições  ,  de  que  formou  outro  li- 
vro ,  mas  pelo  que  íê  colhe  ,  tudo  eraõ  falfídades  ,  e  luperftiçóes  » 
e  ainda  affim  faó  mais  modernos  os  que  exiftera  ,  como  provaá 
os  Authores  citados  ,  veja-fe  por  ambas  as  partes  Servato  Gako» 

Nota   ICC).  '-  ' 

O.  5(5.  verH  7.  Bericinthia.  Efte  nome  he  o  que  fe  deo  3 
Cibeles  mãy  dos  Deoíes  >  por  ter  hum  Templo  fobre  o  monte 
fierecinto^ 

Nota  no. 
O.  5(j.  verf.  8.  Cinthia.  Bem  obfervaõ  alguns ,  queaVilla» 
e  Serra  de  Cintra  deve  efcrever-fe  com  C.  e  naõ  com  S.  porque 
lhe  deo  o  nome  Cinthia  ,  que  heaLua>  aquém  efte  monte  era 
dedicado  ,  e  donde  tinha  hum  templo  ,  como  confta  de  huma 
infcripçaÕ  ,  que  he  tida  por  verdadeira  ,  naó  fendo  taõ  certa  a 
outra,  que  fe  traduz  na  Oitava  feguinte. 

Nota    1 1 1. 

O.  37.  verf  I.  Naõ  ha  de  refolver-fe.  Toda  efta  Oitava  he 
a  traducçaõ  dos  verfos  em  tudo  pouco  cercos  ,  e  atribuidos  á  Si- 
billa ,  que  dizem  fe  acháraõ  em  Cintra,  quando  a  Índia  fe  deC. 
cobrio.j-e  faó  os  feguintes 


B  Ú    T  O  E  M  J.  ií 

Volventur  faxa  inerts ,  &  ordine  reais 

Cum  videas  octdens  orientls  opes 
Ganges ,   Indus ,  Tagtis  ertt  (  mirahUe   vifn  ) 

Mercês  comutabit  fuás  uterque  fibt 
Soit  Aterno  ac  Lmu  decrettim. 

Nota  11 Z' 
O.  58.  veiT.  4.  Argonautas.  He  o  nome  ,  que  tiveraõ  os 
Heroes  ,  que  feguiraõ  a  Jazon  na  nao  Argos  para  a  conquifta  do 
Velocino  cie  ouro  ,  e  os  Portuguezes  merecem  mais  efte  nome 
pelos  peri  gos  ,  e  diílancias  das  viagens  ,  que  emprenderaó  ,  e 
acções ,  que   obráraó. 

Nota  115. 
0.58.  verf.  8.  Alexandre  Sefoltris  ,  Dionifio.  Alexandre 
fabem  todos  ,  que  conquiftou  a  Aíia.  Lea-fe  Arriano  ,  Diodo^ 
ro  Siculo  ,  Plutarco  ,  e  Quinto  Curcio.  Sefolhis  íov  hum  anti- 
go Rey  do  Egypto  ,  que  dizem  conquiftou  o  Mundo  ,  e  de  que 
a  hiíloria  he  pouco  fabida  ;  veja-fe  Valério  Flaco  ,  que  diz  con- 
quiftou Colcos,  Diodoro,  e  outros.  Dionifio  he  o  nome  de  Baco, 
como  muitas  vezes  refere  Camões,  e  com  os  antigos  Nónno  na 
Í€U  grande  Poema  Heróico  Grego  intitulado  Dionifiaca. 

Nota    114. 
O.   59.  verf.  2.  Elifio  Homero.  Claramente  fe  vê,  que  aqu! 
fc  profetiza  o  grande  Luiz  de  Camões ,  e  que  o  Author  da  Hen- 
riqueida  lhe  cede  em  tudo  ,  fem  ufar  da  permiíTaõ  com  que  os 
Poetas  heróicos  fe  louvaõ  a  fi   mefmos. 

Nota    115. 
O.  39.  verf.  5.    Caftalia.    A  Fonte  de  que  fc  finge,  que  be- 
bem os  Poetas ,  he  na  Phocide  junto  ao  Parnazo ,  deu-lhe  o  no- 
me a  Ninfa  Caftalia,  que  fogindo  de  Apollo  íe  transformou  em 
fonte. 

Nota  Jifi. 
O.  59.  verf  8.  Em  Sicília,  em  Ponto,  em  Grécia,  c  Itália.' 
Por  eftas  quatro  Províncias  fe  aííinalaó  os  Poetas  ,  que  melhor 
efcrevcraó  Egiogas  como  Virgílio  de  Itália  ,  Elegias  como  Ouvi- 
dio  defterrado  no  Ponto  ,  Idillios  Theocrito  de  Sicília  ,  Odes 
Pindaro  de  Grécia. 

Nora   117. 
O.  40.  verf  3.  Pereira.  Entre  os  defcendentes  ,  que  vaticina 
f  Sybiila  dos  varões  iliaftres  Portuguezes  ,   que   íe  acliáraó  com 
»  o  Con- 


li  '     ^NO  TAS 

o  Conde  D.  Henrique  ,    diftingue  como  defcendíentê  de  D.  Ro- 
diigo  Forjas,  ao  grande  Condeftavel  D.  Nuno  Alvares  Pereira. 

Nota  118. 
O.  40.  verf  5.  Quarenta  Lufitanos.  A  tradição  commua  af- 
fenta  ,  que  foraõ  íb  quarenta  os  Fidalgos  Aclamadores  deJRey  D. 
Joaõ  o  IV.  mas  na  primeira  relação  ,  que  o  mefmo  Rey  man- 
dou imprimir  ,  vem  no  hm  hum  Cathaiogo  de  mais  de  íctcnta. 
Delta  relação  he  Author  Anónimo  o  Padre  Nitolao  da  Maya  ,  a 
quem  dizem,  que  ElRey  a  dit^ou  :  todos  numera  o  P.  Anronio' 
dos  Re/s  na  Apotlieoíe  Latina  do  Duque  do  Cadaval  D.  Nuno  Al- 
vares Pereira  de  Melio. 

Nota   119. 
O.  40,   verf,  8,   Quarenta.  O  anno  de  1640.  foy  o  da  Acla- 
mação ,  que  aqui  faz  huma  deiculpavel  Analogia  profética  com 
os  quarenta  Aclamadores, 

Nota  120. 
O.  41.  verf.  I.  Primena  batalha.  Neíla  Oitava  íe  íncluetn 
as  féis  batalhas,  que  ie  vencerão  aCallella  de/de  o  anno  de  1640» 
ate  o  de  1668.  em  que  fe  fez  a  paz.  A  primeira  foy  a  de  Mon- 
tMo  em  1644.  General  Mathias  de  Albuquerque,  e  dos  Heípa- 
nhoes  o  Marquez  de  Torrecluza  ,  e  a  Infanteria  Portugueza  ficoii 
formada  no  campo  da  batalha.  A  fegunda  foy  a  do  Forte  de  S* 
Miguel  junto  a  Badajós,  General  Portuguez  Joane  Mendes  de  Vaf- 
concellos,  Caftelhano  o  Duque  de  S.  German  no  anno  de  1658.; 
A  terceira  foy  a  das  linhas  de  Elvas  ,  que  rompeo  D.  António 
Luiz  de  Menezes  ,  Conde  de  Cantanhede  ,  depois  Marquez  de 
Marialva,  focorrendo  a  Praça,  e  desbaratando  a  D.  Luiz  Men- 
des de  Infiro  em  1659.  A  quarta  foy  a  que  íê  chama  do  Amei- 
xial ,  ou  do  Canal ,  que  por  fer  junto  ao  Lugar  do  Cano  ,  íô 
lhe  applicou  huma  chamada  profecia  ,  que  dizia  ,  que  vira  A 
Grifa  morrer  no  Cano  ,  que  allude  no  quinto  verfo  ,  e  efta  batalha 
venceo  cm  1Ó63.  D.Sancho  Manoel,  Conde  de  Villa-flor  ,  a  D. 
Joaó  de  Aultria  ,  íilho  legitimado  delRey  Catholico  D-  Filippe 
IV.  A  quinta  foy  a  de  Calkllo  Rodrigo  em  16 Ó4  vencendo  com 
■pouca  ref  0"encia  Pedro  jaques  de  Magalhaens  ,  Governador  das 
armas  da  Beira,  ao  Duque  de  Oífuna.  A  lexta  ,  eni  que  o  vati- 
cínio quer  moftrar  entre  ionges  efcuros  Montes  Claros  ,  he  a  que 
com  eíle  nome  venceo  em  1665.  o  iricrmo  Marquez  de  Marial- 
va ao  deCarracena.  Lftas  batalhas  fe  podem  ler  nos  dous  volu- 
mes da  Hiftoria  dç  Portugal  Rçílaurado ,  efcrita  pelo  Conde,  d« 

Eúu 


k 


DO    TOEM  A.  2j 

Ericeira  D.  Luiz  de  Menezes  ,   com  todos  os  mais  fucceflbs  da-» 
qiielles  tempos. 

Nota  Til. 
O.  42.  veiT.  1.  A'S  artes,  que  inventarão.  Naõ  Co  íe  contaõ 
ci-nco  mil  Authores  Portuguezes ,  de  que  eOciamos  a  erudita  Bi- 
blioteca ,  que  efcreve  o  Abba  ie  Dío^^o  Barbofj  Machado  ,  c  O 
Principal  D.  Francifco  de  Almeida  ,  Académico  Real  ;  mas  na 
terceira  parte  da  Europa  Portugueza  de  Manoel  de  Faria  ,  po- 
d?m  ver-fe  as  Sciencias  ,  e  Artes,  e  outras  acções  ,  em  que  os  Por- 
tuguezes  foraó  os  primeiros. 

Nota  iiz. 
O.  42,  verT  5,  Oh  quantos.  Nefte  verío  ,  e  nos  íe^uintes^ 
fe  pionofticaõ  os  Santos  Portuguezes  ,  Confelíores  ,  e  Martyres  ,• 
que  eiichern  todos  os  dias  do  anno  ,  como  molha  nos  primeiros- 
féis  mezcs  o  Agiologio  Luíícano  de  Jorge  Cardoío  ,  que  douta- 
mente continua  o  Padre  D,  António  Caetano  de  Souíà  ,  Cléri- 
go Regular  ,  e  também  Académico  Real 

Nota   125. 
O.  4?.  verf.  7.     Hum   cativo.     Confufamente  previne  a  Sx- 
billa  a  Henrique  as  contrariedades  ,  que  ha  de  achar  em  Muley, 
e  os  feus  fucceíTbs. 

Nora    124. 
O.  4ÍJ.  verf  ^.  Preíligios.  Saõ  as  illuíbens  da  magica,  ou  os 
^ue  a  fingem,  como  fe  vc  nas  de  Axa  ,  nas  de  Zaida  ,  ou  fingida 
Palas. 

Nota    I  2  5^, 
O.  46.  verf.  5.  Filhos  de  Marte,  alumnos  de  Beliona.   Bem 
(ê  entende ,  que  faõ  os  Soldados ,  por  ferem  Marte ,  e  Beliona  o- 
Deos  ,    e  a  Deofa  da  guerra. 

Nota  12  5. 
O.  46.  verf  5.  Amazona.  Naçaó  de  mulheres  guerreiras  na 
Scitia,  e  efta  fe  entende  por  Axa  ,  Rainha  de  Lamego,  de  que  fe 
tratará  no  Canto  III.  e  também  nos  últimos  dous  verfos  defta 
Oitava  infinua  a  Sibilla  ao  Heroe,  que  rehfta  aos  perigos  da  faia 
Matilde,  como  fe  verá  no  Palácio  da  gloria  do  Canto  IV, 

Nota    127. 
O.  49.  verf  5.    Em  acertar,     finge-fe  ,  que   a  Sibilla  deu  ao 
Heroe  os  três  talentos  ,  que  recebeu  em  Roma  por  preço  do  feu  li- 
vro (como  já  fe  diífe  )   para  fundar  com  elles  o   Ttmplo  de  N, 
Senhora  de  Carquere  ,  que  alcança  a  faude  do  Infante  D.  Afon- 

fo> 


24  '      '^  o  T  A  í 

{o  t    e  he  nefte  Poema  aquella  Imagem  o  Paládio  ,  ou  Tuteíar  àà 
fundação  do  Reino. 

Nota   128. 
O.  5}.  verf  5.  Pomona.    He  a  Deofa  dos  frutos,  tirando  o 
nome  dos  Pomos;  e  neílas  Oitavas  fe  vê  allegoricamente ,  que  a 
gloria  fe  naó  conlcgue  fenaó   pela  afpereza,  e  dificuldades. 

Nota  129. 
O.  5'4.  verf.  3.  Serca.  Qiiem  ignora  ,  que  as  Sercas  forao 
filhas  do  rio  Aqueloo  ,  e  que  atrahiaô  com  a  mufíca  para  ma- 
tar ,  e  por  iífo  comparo  com  eilas  ao  roxinol ,  que  procurava  de- 
ter o  Heroe  para  que  naó  tolfe  a  batalha,  dando-lhe  o  conheci- 
do nome  de  Filomena  ,  a  quem  ElRey  Tarco  fcu  cunhado  cor- 
tou a  lingua,  e  diz  a  fabula  fe  transformou  em  roxinol,  os  quaes 
cem  a  lingua  farpada. 

Nota  150. 
O.  57.  verH  X.  As  defenfas.  Os  dentes,  ou  defenfas  de  hura 
Javali,  trazia  Muley  no  efcudo,  e  eraô  as  daquelle  bruto,  que  no 
fim  do  Canto  I.  diz  Aldara»  que   elle  matou,  c  lhe  ofiereceo. 

Noca  151. 
O.  57.  verf!  5.   Cinta  larga.   Eíla  cinta,  venda,  ou  banda,  de 
que  fe  trata  no  primeiro  Canto,   he  a  que  deu  Aldara  â  Muley  ^ 
que  tem  no  Poema  vários  incidentes. 

Nota  151. 
O.  58.  verf.  I.  Se  eu  pudera,  Nefte  combate  de  Mule7 ,  e 
Henrique  ,  naó  pareça  ,  que  ha  ahi  modeftia  da-  parte  defte  He- 
roe ,  porque  primeiro  a  previne ,  e  depois  atribue  a  íba  confian- 
ça naó  fó  ao  feu  valor  ,  e  fortuna  ,  mas  á  Cruz  do  feu  eícudo , 
c  a  fumma  generoíidade  de  Muley  he  pela  íimpatia,  que  tem  com 
Henrique,  de  quem  era  filho,  como  fe  verá  no  rim  do  Poema, 
€  tudo  redunda  em  gloria  do  Heroe  ,  por  fer  do  feu  próprio 
fangue. 

Nota    133. 
O.  60,  verf.  6.  De  Cezar.   Júlio  Cezar  primeiro  Emperadoc 
de  Roma  ,  he  o  de  que  aqui  fe  falia  como  valerofo  fundador  à^ 
outro  Império. 

Nota  1 34. 
O.  60.  verl.  6.  Entre  aftros.  Fingio  a  lifonja  dos  Romanos, 
que  huma  eftrella,  ou  exalação,  que  appareceo ,  quando  Marco 
Brutto  matou  a  JuIio  Cezar  no  Senado  ,  era  a  alma  de  Cezar, 
c  com  efta  fabula  acabou  Ovidio  o  íeu  engçnhofo  Poçma  dos 
^çtamorfofios.  "  "         " ""  N03 


I 


D  o    T  o  E  M  J.  ^5 

Nota  I  5  5. 
O.  èo.  ytt(.  7.  A  Lufitania,  c  frança.  Como  o  Conde  D. 
Henrique  era  Francez  ,  e  fazia  a  guerra  em  Portugal  ,  diz  Mu- 
ley  ,  continuando  a  comparação  com  Cezar  ,  que  aílim  como 
eáe  venceo  França,  que  enraó  fe  chamava  Gália,  e  a  Luíitania, 
que  depois  (c  chamou  Portugal ,  pertende  elle  vencer  a  hum  He- 
roe,  e  ambas  eftas  duas  ,  e  valeroias  nações. 

Nota  136. 
O.  67.  verf,  5.  O  peito  ,  que  o  defende.  Pondero  as  duas 
difterenças  do  peito  de  ferro  ,  que  era  arma  defenfiva  de  Mu- 
ley  ,  e  le  defatou  por  naõ  querer  ellc  perder  a  cinta  de  /lidara 
com  o  peito  do  mefmo  Muiey  ,  que  o  otfende  pelas  íeias  do 
amor,  que  recebeo,  porque  contra  o  amornaõ  valem  armas. 

Nota  137. 
O.  6S.  verf.  I.  O  Sol  mefoccorreo.  Neceífita  de  alguma  re- 
ílexaõ  para  ficar  mais  clara  efta  Oitava  ,  porque  nella  fe  enten- 
de ,  que  o  Sol  dando  no  efcudo  de  prata  de  Henrique  ,  cegou 
a  Muley  ,  e  como  também  reverberou  nas  fuás  luzidas  armas  , 
tornou  a  refracçaó  a  ofufcar  os  olhos  de  Henrique  j  e  aliim  íe 
ílefculpa  a  infelicidade  de  hum  ,  e  a  vcntagem  com  que  fem  o 
faber  o  ferio  o  outro  naõ  vendo  ,  que  cftava  já  fera  o  peito  de 
ferro. 

Nota  158. 
O.  71.  verf.i.  Hecha  Martin.  Eíle  he  ò  nome  verdadeiro 
de  hum  Rcy  de  Lamego,  tributário  do  Conde  D.  Henrique  ,  ca- 
iado com  a  Rainha  Axa  Anzures  ,  que  era  muito  guerreira  ,  e 
deraó  ambos  ao  Conde  a  batalha  fobre  o  rio  Alarda  junto  ao 
monte  Fufte  na  Serra  fcca,  viíinha  a  Lamego  para  a  parte  de  Arou- 
ca ,  ficáraó  cativos  ,  e  fe  fizeraó  Chriftaõs ,  como  tudo  pode  ver- 
íc  no  fragmento  da  Hiftoria  dos  Godos ,  com  o  titulo  Hifioria  Go- 
torum  ,  que  authorifa  ,  c  fegue  o  dourifíimo  Fr.  António  Brandão, 
tresladando-a  na  terceira  parte  da  Monarchia  Lufitana  foi.  zS- 
e  em  outros  lugares  ,  e  ferve  efta  nota  para  o  Canto  iil.  e  para 
outras  partes  do  Poema  ,  cm  que  efta  Miftoria  fe  altera  com  li- 
berdade poética,  fendo  Axa  a  Heroina  do  Po>>Miia  ,  que  combate 
mais  o  Heroe. 

Nota   159. 
O.  72.  verf.  3.    Coimbra   nos  daria   do  Mondego.   D'ípoem 
Henrique  ganhar  Lisboa  ,    deixando  feguras  as  terras  con  luifta- 
<das  na  l?çira  ,  pois  Lamego  cftava  tribacaiio  »  e  Coimbra  fe  con- 

c  fervava 


26  NO  1  ^  S 

íervava  pelos  Chriftaõs,  e  tinha  fido  governada  pelo  Conde  D. 
Sizinan  lo  ,  e  outros  ,  e  paíTando  Henrique  o  Mondego  pela  Pon- 
te ,  havia  de  intentar  ,  como  fez ,  a  conquifta  de  Leiria  ,  e  ou- 
tras terras  para  vir  a  Lisboa,  e  he  certo  o  íitio,  que  os  Mouros 
cuzeraó  a  Coimbra  ,  corao  fe  dirá  em  íèu  lugar. 

Nota    1 4p. 

O.  72.  verf  7.  Ali  Aben  Jozef.  Ali  filho  de  Jozef ,  (que 
ifto  fignifica  Aben  em  Arábigo  )  he  cerco  ,  que  foy  Rey  pode- 
roíiíliaio  naquelle  feculo  em  Africa ,  Lisboa,  e  huma  grande  par- 
te de  Portugal  ,  e  Hefpanha  ,  cm  que  fez  cruel  guerra  a  ElRey 
D.  A^nfo  VL  e  he  o  competidor  do  noífo  Heroe,  acabando  com 
a  fia  morte  corpo  a  corpo  o  Poema  »  e  aflegurando  Henrique  a 
fundação  de  Portugal  ,.  como  largamente  fe  tem  dito  nas  adver- 
tências preliminares  tratando  da  acça5^ 

Nota  141. 

O.  75.  verf  8.  Hum  dia.  Naó  he  difíícil  de  entender,  que 
temiaõ  fó  os  Portuguezes  dilatar ,  nem  por  hum  dia  huma  guer- 
ra ,  de  que  a  memoria  das  fuás  acçÓes  havia  de  durar  tantos  fe» 
çuloSj  fuprindo  a  poeíia  por  naó  le  fazer  profaica  eftas  declarações. 

Nota  141. 

O.  75,  vdrf  1.  Haver  dito  Aldara.  Como  no  fim  do  primei» 
aro  Canto  tinha  Pelayo  Amado  dito  a  Aldara ,  laftimado  das  fuás 
finas  queixas  ,  que  Muley  era  vivo,  e  Pelayo  eftava  já  rendido  ao 
amor  defta  Princeza  ,  fente  agora,  que  ella  dizendo  efte|  fucceíTo  a 
Henrique  ,  elle  agradecido  lhe  dê  liberdade  ,  ficando  a  Pelayo 
hum  tao  poderofo  competidor  no  favor  de  Aldara  como  elle  lhe 
tinha  ouvido. 

Nota   145. 

O.  78.  verf  5.  MeuPay  he  eíTe  illuftre.  Aldara,  que  íe  íup* 
punha  filha  delRey  Ali  para  facilitar  a  fua  liberdade  ,  traz  á  me- 
moria o  feu  poder,  e  as  fuás  vitorias,  entre  as  quaes  foy  huma 
a  batalha  de  Uclés  ,  em  que  matou  o  Infante  D.  Sancho,  rendo- 
fe  achado  o  Conde  D.  Henrique  nefta  occafiaó  fervindo  a  ElRey 
D.  Afoiifo  VI.  Veja-íe  efta  batalha  em  Brandão  ,  e  nos  hiíloria- 
dores  de  Hefpanha. 

Nota   144. 

O.  79.  verl.  I.  De  Lufitania  ,  c  Betica.  Lufitania  he  comòi 
todos  fabem  o  nome,  que  tinha  a  mayor  parre  de  Portugal ,  di- 
vidindc-fe  Hefpanha  em  Tarraconenfe  ,  a  que  deu  o  nome  Tar- 
raí^ona  em  Catalunha  ^  em  Betica  ,  «jue  he  Anda-Luzia  »  chama- 


B  o    T  O  E  M  J.  27 

da  aílim  pelo  rio  Beris  ,  a  que  os  Mouros  deraõ  o  nome  de 
Guadalquivir  ,  que  fignifica  rio  grande  ,  e  eni  Luficanica  ,  naó 
fendo  certo,  que  lhe  deu  o  nome  Lufo,  companheiro  deBacho, 
como  com  alguns  antigos  diííeraó  os  modernos  ,  nem  Elila  ,  e 
he  mais  provável  a  etimologia ,  que  lhe  da  Bochart  no  íeu  Phaleg 
donde  pôde  ver-íê. 

Nota  145. 
O.  79.  verf.  8.  Lhe  poupaõ  as  balidas  as  trombetas.  A  conf- 
trucçaó  defte  verfo  he,  as  trombetas  poupaó  as  baliílas  ,  e  a  lua 
intelligencia  he  dizer  Aldara  ,  que  tanto  ,  que  nas  Praças  Te  ou- 
viaÕ  as  trombetas  do  Exercito  delRey  feu  pay  ,  íe  lhe  rendiaõ 
temeroías,  naõ  neceílitando  de  fec  batidas,  e  atacadas  cora  as  ma- 
quinas militares  ,  de  que  huma  era  a  baliíla  ,  como  em  outro  lu- 
gar fe  explicará.  Todo  o  Commentador  fe  lembraria  ,  de  que  ao 
tocarem-le  as  trombetas  de  Jofué  çahiraó  as  muralhas  de  Jericó; 
mas  naó  faço  Aldara  taó  erudita  na  Elcritura,  ainda  que  já  a  favoreci 
julgando-a  com  alguma  noticia  das  fabulas  ,  mas  naõ  das  verdades. 

Nota   146. 
O.   80.  verf.  3.  Líbia.   Como  naõ  lerá  fácil  faber  os  limites 
do  Império  de  Aly  ,  eu  os  eftendo  pela  Libia  adufta  ,  ou  quei- 
mada  pela  viíinhança  da  Zona  tórrida  ,    €  da  linha  Equinocial 
por  onde  le  chega  ao  Polo  Antartico»  ou  do  SuL 

Nora    Í47. 
O.  80.  verf.  S.    Lis,  e  Lena.    Saõ  os  dous  pequenos  rios,^ 
que  correm  por  Leiria. 

Nota  148. 
O.  8  8.  verf.  2.  De  Chiron.  Chiron  Centauro,  e  meílre  de 
muitos  Herces  ,  e  entre  elles  de  Efculapio  Deos  da  Medicina,  di- 
zem ,  que  também  foy  inventor  da  Cirurgia  ,  que  1t«  a  parte 
mais  antiga  da  Medicina  ,  mas  naõ  lhe  deo  o  nome,  porque  efte 
fe  deriva  de  Chiros,  que  íígnifica  em  Grego  a  maõ. 

Nota   149. 
0.88.  verf  8.  Huma  venda.  A  venda  com  que  lhe  ligáraG 
a  ferida,  e  era  a  famofa  neíle  Poema  ,   por  fer  dada  por  Aldara, 
vingou  a  Muley  da  venda    de  Cupido  ,    por   fcr  caufa   o  amor 
de  todas  as  fuás  infelicidades. 

Nota    i;o. 
O.  97.  verf.  6.  Negara.    Aqui   fe  ufa  da  figura  reticencia  , 
-<dc  interromper  a  narração  femelhante  ao  verfo  de  Virgilio  : 
Qu9s  ega  :  fei  motos  fr^ftat  com^oncre  fluCítis, 

cu  E 


2.§  N  O  T  J  S 

B  a  razaó  cie  naõ  caíligai-  o  generofo  Henrique  efta  erpecíe  ãé 
tumulto  ,  íe  veja  nas  advertências  preliminares,  donde  trata  do  leu 
^arader. 

Nora   lyi. 

O.  98.  verH  8.  Zelozo.  Efte  zelo  de  Pelayo  he  como  muitas 
vezes  íucede  a  alguns  Confelheiros  dos  Principes  ,  nafçido  das 
próprias  paixões  ,  que  eraõ  era  Amado  o  Amor  ,  e  o  ciúme ,  e 
cm  Caftelhano  ,  onde  zelozo  fignifica  ambas  as  coufas ,  diz  o 
y\urhor  da  tragedia  do  Conde  de  Eflex ,  quando  a  Rainha  diz  a. 
Elanca  ,  querendo  íêparalla  do  amor  do  Conde ,  a  quem  a  Rai- 
nha rarabem  amava :  Efto  Blanca  es  zelo ,  e  elLa  lhe  relponde  á. 
parte.  Zelo  ?  Aííadiendole  una  letra. 

Nota    151. 

O.  loi.  verf.  z.  c  8.  Qu«  os  Leoiiezes.  Já  fe  diíTe  ,  que 
D.  Pedro  Bernardo  era  grande  Senhor  no  Reino  de  Leaõ,  e  Caf- 
tclla.  O  Rio  Tormes  ,  he  o  que  corre  por  Salamanca,  o  Pifa- 
erga  por  Valhadollid ;  e  o  Mançanares  por  Madrid,  fendo  Teu  íilhcr 
D.  Tello  Peres  de  Menezes  Senhor 'deftas  terras. 

Nota   155. 

O.  105.  verf.  f.  Impulío  cítranho.  A  íimpatia ,  que  oculta* 
mente  o  fazia  reconhecer  pelo  fangne  ,    que  Henrique  era  fcii 

pay. 

CANTO     III. 
Notas  15"  4. 
O.  ?.  verf.  5.   Circulo  de  Febo.  Diz  Egas  Moniz,  qiieoln» 
fante  D.  Afonfo  mais  gentil ,  que  Adónis  amante  de  Vénus  ain» 
da  naõ  tinha  cinco  annos» 

Nota  1$$. 
i       O.  5.  verf  4,  PaíTos.    Aífim  k  explica,  poeticamente ,  que  o 
Infante  naõ  podia  andar  tendo  já  perto  de  cinco  annos  ,  que  he 
o  efpaço  de  tempo,  a  quc  os  Latinos  chamavaõ  luílro.. 

Nota   iç(j. 
O.  7.   verf  2.  Filhos  de  Afollo*  Aqui  íe  íignificaõ  osMe* 
dicos ,  por  ftr  também  Deos  da  Medicina. 

Nota  157. 
O.  7.  verf  7.    Morfco»    Poucos  ignoraó  ,  que  era  o  Deof 
30  fono. 

Nota   158. 
O.  8.  verí-  3.  De  Juno.  Eíla  allufaõ ,  que  faz  Egas  Moniz,; 
he  tilada  do  livro  14.  da  liiada  de  Homero ,  onde  finge ,  que 

a  Deo- 


D  o    T  o  E  M  J.  29 

à  Deofa  Juno,  inimiga  dos  Troyanos  ,  quiz  adoí  jpiter 

ícu  efpofo  ,  para  que  naõ  evitafle  o  cRrago  deTroya,  e  que  fo)r 
bufcar  Morfeo  a  Ilha  de  Lemnos  huma  das  do  Aichipclago  ,  de 
donde  o  levou  ao  Ceo  ,  para  que  com  ópio  incitaíTe  o  íono  de  Jú- 
piter ,  transformado  na  Ave  chamada  Simindis  ,  que  lie  o  Fal- 
cão nodurno,  c^.amado  Caleis  ,  e  pvometendo-lhe  por  premio  a 
bclla  Ninfa  Pahthca.  E  o  cingido  ,  ou  cinto  de  Vénus ,  que  Ho- 
mero admiravelmente  deícreve  no  livro  14.  fignifica  as  graças, 
atrac(^ócs,  e  carinhos,  que  Juno  pedio  a  Vénus  para  agradar  a 
Júpiter. 

Nota    159.. 

O.  17.  verf.  I.  Matilde.  Epizodio  ,  que  he  todo  fingido, 
ferve  de  grande  adorno  ao  Poema  ,  pois  nelle  deículpo  lerem  il- 
legitimos  xMulcy,  e  Aldara  ,  fupondo  eílc  primeiro  cafamento  de 
Henrique  com  Matilde  ,  na5  deixando  de  lembrar-me  efte  no- 
me no  fucceíTo  delRey  D.  Afonío  III.  feu  tresneto  ,  que  lendo 
Conde  de  Bolonha  em  França  ,  repudiou  Matilde  Senhora  da- 
qudle  Eftado  ,  cafando  também  com  outra  filha  delRey  D.  Afon- 
fo  de  Caftella  ,  chamado  o  Sábio  ,  illegitima  cora  huma  mãy 
também  da  família  de  Guímaó  ,  como  a  da  Rainha  D.  Therefa, 
C  fe  efta  tro-uxe  em  dote  o  Reino  de  Portugal  ,  a  fegunda  o  do 
Algarve. 

Nota   i  60. 

O.  17.  verf.  1.  Eo  Loire.  Eftcs  íaõ  os  quatro  principiei 
tios  de  França  ,  de  que  o  primeiro  paíTa  por  Pariz  ,  c  os  outros 
por  divcrfas  Províncias ,  e  terras  principaes. 

{•  Nota  161. 

i"         O.   17.  verf.  4.    De  Bayona.    Cidade,  t  porto  de  mar  ào 

governo  geral  de  Guiena  em  França ,  onde  Matilde  eftava  ocul» 

ta. 

Nota  i6i. 
O.  24.  verf  I.  Galatea.  Ninfa,  que  por  amar  Acls  foy  caai 
/a  da  morte,  que  lhe  deo  ,  lançando  fobre  elle  hum  penhafco 
o  ciúme  do  Ciclope,  e  Gigante  Polifemo  na  Ilha  de  Trinacria  , 
hoje  Sicília  ,  e  a  Ninfa  fogindo  defte  monílro  fe  meteo  no  mar^ 
<íe  que  era  hunta  áis  Deoíàs. 

Nota   16^. 
O.  2<5,  verí.  I.  Champanha.  Provineia  de  França,  a  que  ft 
Jinc  á  de  Brie  ,   e  de  que  a  Capitai  he  Troycs.    Governa  eftas 

Pro- 


50  NOTAS 

Províncias  o  Príncipe  de  Rohan-Soubize  >  e  teye  Soberanos ,  qii€ 
aqui  vaó  fingidos. 

Nota    164. 
O.  26.  verf,  3.  Bretanha.    Outra  Província  famofa  de  Fran- 
ça, que  teve  Duques  Soberanos    até  os  ultimes  fecuios  ,   de  que 
craõ  delcendentes  legítimos,  e  herdeiros  ,  fe  Anna  de  Bretanha  ,  mu- 
lher de  Carlos  VIU.  Rey  de  França   naó  tiveiíe  filhos. 

Nora   165. 
O.  2(5.  verf  4.    Guiena.  Já  fe  diíTe  ,  que  Matilde  eftava  em 
Bayona  porto   da  Província   de  Guiena,  de  que  a  Capital  he  Bor- 
deos.   Eíta  Província  também  teve  Duques  ,  e  a  conquiíláraó  ,  e 
dominarão   muitos    annos  os  Inglezes. 

Nota    166. 
O.  27.  verf.  8.  Me  fez  trocar  a  magoa  pelo  encanto.  A  ma- 
goa ,  que  tinha  enternecido  a  Henrique  ,  palfou  a  fer  íufpenfaõj 
ou  quafi  encanto  ,  ficando  admirado  de  taõ  raro  fucçeílo. 

Nota   167. 
O.  29.  verl.  3.  Rogero  ,  e  Clotilde.  Saõ  nomes  fingidos. 

Nota  168. 
O.  34.  verf  4.  De  Pirene  a  ferra.  Dizem,  que  aos  montes 
Pireneos ,  que  dividem  França  de  Fíefpanha ,  deu  o  nome  a  Nin- 
fa Pirene  ,  a  quem  Hercules  violou  neíles  montes  ,  e  as  feras  a 
devorarão ,  dando-íe  fepultura  ao  refto  do  feu  corpo  neftes  mon- 
tes. 

Nota  i6ç). 
O.  35.  verf.  8.  Anteros.  Fingirão  os  Gregos,  que  de  Cu- 
pido amor  cego,  e  tirano  era  Irmaõ  o  amor  correfpondido  ,  e 
bem  vifto  ,  a  que  deraó  o  nome  de  Anteros,  que  fignifica ,  co- 
iTio  diz  Cicero  libr.  3.  de  Nat.  Deor.  e  Pa  ufanias  ,  o  Vingador 
dos  que  defprefaõ  o  Amor,  ou  os  amantes. 

Nota   170. 

O.  57.  verf  I.  Reftaurar  a  Paleftina.  Como  eftc  feculo  foy 

o  em  que  íe  conquiílou   a  Palcílina  ,  e  ganhou  Jerufalem  ,  fin- 

\o  ,  que  Henrique  quiz  evitar  as  diífençóes  dos  Priucipes  de  Fran- 

iça  ,  e  naõ  embaraçar  a  Cruzada ,  em  que  pouco  depois  fe  achou. 

Nota   171. 
O.   57.  vcrí.  8.  Os  doze  Signos.    Bem  fe  vê,  que  he  o  eí- 
paço  de  hum  anno  ,  o  que  o  Sol  gafta  em  correr  os  doze  Sig- 
nos Celeíles,  principiando  por  Aties  no  Equinócio  de  Marqo.    r 


DO    V  O  E  M  J.  31 

Nota    171. 

O.  38.  verf.  2.  Gemini";.  O  Sol  enrra  no  Signo  de  Gemini 
a  20.  de  Abril  ,  e  me  pareceo  próprio  ,  por  fer  efle  Signo  de 
Caftor ,  e  Poliix  irmaõç  gemios  ,  que  o  foraõ  também  da  Bella 
Elena,  e  filhos  de  Jupirer,  e  Leda  infliiirem  no  nafcimento  de 
Pedro,  e  Sibila  ,  que  eraõ  Miiley,  e  Aldara  igualmente  amantes. 

Nota    175. 

O.  59.  verf.  5,  Hefpinhol  Rodrigo.  As  acções  de  Rodrigo,- 
ou  Ruy  Dias  de  Bivar  ,  chamado  o  Cid  ,  e  as  vitorias  ,  que  al- 
cançou dos  Mouros  em  Hefpanha  por  elles  tempos  ,  dizem  foy 
hum  dos  motivos  de  que  o  Conde  D.  Henrique  vicíTe  de  Bor- 
gonha a  Heípanha  a  fazer  guerra  aos  mefmos  Mouros. 

Nota    174. 

O.  40.  verf.  5.  De  Bayona.  Como  em  Galiza  ha  outro  Por- 
to de  mar  do  mefmo  nome  de  Bayona  ,  e  governava  aquelle 
Reino  o  Conde  D.  Ramon  primo  com  irmaõ  do  Conde  D.Hen- 
rique ,  invenrey  efta  viagem  de  hum  a  outro  porto,  e  o  com- 
bate naval,  c  cativeiro  àos  dous  tilhos.de  Henrique,  e  de  Tan- 
credo. 

Nota   175. 

O.  42.  verf.  8.  Do  Parnafo  nos  Archivos.  Qiiando  alIegcjP 
os  titulos  dos  Archivos  dos  Poetas  ,  que  eftaó  no  Parnalo  monte 
de  Beócia  ,  onde  com  a  fua  fonte  Cabalina  efcrevem  os  feus 
Poemas  ,  bem  provo  a  certeza  deile  Epizodio  ,  pois  diz  Santo 
Agoftinho  ,  que  os  Hiftoriadores  tem  tanta  obrigação  de  fallar 
verdade,  como  os  Poetas,  de  a  naó  dizer.  Vejaó-fe  largamente  neí- 
te  ponto  a  Hiíloria  dos  Poemas  ,  e  as  advertências  preliminares. 

Nota    176. 

O.  44.  verf.  5.  Melhor  Eneas.  Aííini  como  Eneas  levou  à 
Religião  de  Troya  a  Itália  ,  e  foy  tronco  pelos  Reys  de  Alba  dos 
de  Roma,  como  diz  Virgílio  no  primeiro  da  Eneada  verf,  10.  e 
II. 

Inferretque  Deos  latium  ;  gentis  unde  lattnum 

Albantque  patres  ,  atque  altA  mucnia  Kom&, 
Aílim  Henrique  trazendo  a  Portugal  a  verdadeira  Religião,  fun-3 
dou  o  Reino  ,  e  foy  tronco  dos   feus  Reys  conquiítando  Lisboa 
que  fobre  fete  montes  ,  he  a  fegunda  Roma. 

Nota    177. 
O.  44.  verf.  S.   Ganhais  Eavinia  por  perder  Creuza.   Contf-' 
oua  o  paralelo  ,    <jue  Cunha  faz  de  Henrique  cora  Eneas,  pois 

efte 


^z  'NOTAS 

cíle  perdeu  íua  primeira  efpofa  Creuzai  e  aquelle  MatiMe  j  eftc 
ganhou  coitv  o  caíamento  de  Lavinia  o  Reino  de  Alba ,  aquelle 
com  o  de  Therefa  o  de  Portugal ,  e  naõ  me  efqueceo  ,  que  o  Sa^- 
bio  Rt.7  D.  Joaõ  o  V.  Te  dignou  de  cornar  na  minha  Arcádia  , 
de  que  he  Proredor  em  Roma  o  nome  de  Paílor  Albano  ,  em  ac- 
tençaõ  ao  Pontifice  Clemente  XI.  que  era  da  Familia  dos  Alba- 
11  os. 

Nota   178. 
O.  48-  verf!  r.    Amado  aborrecido.  Protefto  ,    que  o   nome 
próprio  de  Amado  me  naó  trouxe  á  memoria  o  equivoco  de  abor- 
recido ,  porque  naó  podem  Ter  equívocos  ,  epítetos  taó  contrá- 
rios, f 

Nota    179. 
O.  jo.  verí.  8.    Amazona.    As  Amazonas  de  que  tanto   (t  cC- 
creveo  ,  dizem  tinhaõ  o  leu  Império  no  Paiz  da  Scicia ,  por  on- 
de corre  o  rio  Therraodonte. 

Nota  180. 

O.  50.  verí.  8.    Pantaíilea  Oritia.    Entre  as  celebres  Amazo-í 

nas  ,  efcolhi  para  a  comparação   de  Axa  ,    imagem  de  Belona , 

Deofa  da  guerra,    a  Pantafilea;    que  foy  a  primeira,  que  focor- 

%eu  os  Troyanos ,  e  morta  por  Aquiles  j  e  a  Oritia  fua  anteceí- 

fora,  era  filha  de  Erecthes. 

Nota  i8í. 
O.  52.  verf.  2.  Semiramis.  Entre  o  muito  ,  que  fe  conca  de 
Simiramis  Rainha  dos  Aílirios ,  e  fundadora  de  Babilónia  ,  fe  diz  , 
que  eílando-fe  toucando-íe  a  aviláraõ  ,  que  os  inimigos  entravaõ 
muito  poderofos  nas  íuas  terras ,  meteo  o  pente  no  cabello,  diíle 
ás  fuás  Damas  ,  que  cm  vencendo,  voltava  logo  a  acabar  de  touj 
car-fe,  e  tudo  executou  prontamente. 

Nota  182. 
O.  5f.  verí.  g.  Palas,  e  Belona.  Nefta  louca  idolatria  de 
Axa  ,  adorava  as  Heroinas  guerreiras  ,  que  eraõ  hum  gráo  mtf* 
nos  ,  que  Deofas,Ve  as  duas  da  guerra  lhe  deviaó  mais  lacrificios 
do  que  Marte  ,' aíTim  por  ferem  como  ellas  molhercs  ,  como  por- 
que efte  Deos  favoreceria  os  Portuguezes  pelas  caufas  ,  que  ella 
çm  outro  lugar  explica. 

Nota   183. 
O    56.  verf.  6.   Expiações,  c  lavacros.  As  expiações  fe  faziaó 
para  purificar  os  delitos  nos  delubros  ,    ou   pequenos  templos, 
e  íempre  lav^n^o  com  jigoa  ,  ^e  da  mç^ma  fortç  os  lavacros  fa- 

ziaã 


D  o    F  o  E  M  J.  33 

íJaõ  puros  os  facrificios  5  e  defte  confoante  culto  ,  aza  muitas 
vezes  D.  Joaõ  de  Xanrigui  na  fua  Faiíalia,  e  o  íegucm  muitos 
modernos  ,  pode  fer  que  por  naó  terem  íimulacio  ,  e  facro 
terceiro    confoante  heróico  para  huma  Outava. 

Nota    i84- 
O.    $y.  verf.   2.  Tritonio.   Era  Palas  chamada  Tritonia  por 
aparecer  junto  ao  Rio  Triton  ,   que    nalce   na   lagoa  Tritonide 
em  Africa. 

Nota  185. 
O.   ^7.   verf  4.   Eriethonio.   Nome  que   teve   Athenas  don- 
de Palas   foy   mais  venerada. 

Nora  iS<í. 
O.  57.  verf.  6.  Gorgonio.  Uzei  de  licença  poética  em  lu- 
gar de  Gorgoneo,  como  fe  uza  de  Impirio  em  lugar  de  iropireo, 
e  Syderio  por  Sydereo  ,  c  chamo  terror  gorgonio  ao  efpciho  do 
efcudo  de  Palas,  porque  vcndoíe  nelle  Meduza  ,  que  era  huma 
das  três  Gorgonas  ,  fe  matou  com  a  lua  vifta  ,  e  convertia  em 
pedra   aos   que   a  viaõ. 

Nota   187. 
O.    ^'^.    verf    7.  Égide.  He  hum  nome  que  daó  os  Poetas 
ao    mcfmo  Efcudo    de   Palas  ,  o    qual   lhe  deo  Júpiter  ,  e  tinha 
efte    nome  por  fer  feito  da   pelle  da   Cobra  ,  que  o  criou  com 
o  feu  leite  chamando-fc  em  Grego  Hegos  a  Cobra. 

Nota  i88- 
O.  ^%.  verf.  I.  Belona.  Para  entender  efta  Oitava  bem,  po- 
dia oftentarfe  muita  erudição  ,  mas  bafta  faber  o  que  diz  Da- 
net  no  feu  Diccionario  de  antiguidades  na  palavra  Belona  ,  que 
era  Mãy  ,  ou  Efpofa  de  Marte  ,  e  Deoza  da  guerra.  Apio  Cláu- 
dio chamado  depois,  ceco,  lhe  edificou  hum  Ten^plo  ,  em  Ro- 
ma ,  no  circo  Flaminio  perro  da  porta  Carmental  :  junto  delle 
eítava  a  columna  bélica  ,  e  por  íima  delia  lançavaõ  os  Feciaes 
hum  dardo  ,  para  a  parte  do  Paiz  inimigo ,  a  que  declaravaÕ  a 
guerra. 

Nota  189- 
O.  5  8.  verf  7.  Fecial.  Eraó  os  Feciaes  hum  a  efpecic  de 
Reys  de  Armas  ,  que  intimavaõ  a  guerra  aos  inimigos  arrojan- 
do huma  lança  para  o  paiz  contrario  ,  e  por  iífo  Axa  lançou 
hum  dardo  para  a  parte  do  Douro  ,  que  era  o  Paiz  de  Hen- 
rique. 

d  No- 


34  N  O  1  A  S 

Nota   190. 
O.     59.    verf.    1.   Buílo.    Chamaó-fe  Buílos  às  cííatuas  d& 
meyo  corpo. 

Nota   191. 
O.   59.  verf.   5.  Tomiris.   Foy  Rainha  dos  MaíTagetas ,  que 
venceo  ,  e   matou  ao   grande   Cyro   Rey  dos  Pérfas  ,  veja-fe  Xe- 
nofonre   na   Tua  Cyropedia  ,  e  os   que  a   tiverem   por  alegórica 
acharão  efta  morte  cm   outros  Autores  antigos. 

Nora    192. 
O.    57.   verf.  S.   A  cabeça.  Dizem  que  Tomiris  cortando  a 
cabeça  a  Cyro  a  rrazia  dentro  de  hum  odre  de  Tangue  para  que 
fc   fatisfizefle  do  licor  de  que  fora  íempre  hydtopica. 

Nota    195. 
(O.    60.    verf.    I.    Camila.    Os  que   tem    qualquer  liçaõ  de 
Virgílio  ,  naõ  ignoraÕ  ,  que  efta  Rainha    dos  Volfcos  dirputou  a 
Eneas  o  Reyno  de  Itália  ,  e  que  a  matou  Aruncio. 

Nota    194. 
O.   60.  verC   5.  Harpaliee.  Venceo   os    Getas  ,   libertando  a 
feu  Pay   Licurgo  Rey  de  Trácia  :  Virgílio   i.  Ened.  lih.   1.   e  Sér- 
vio no  íeu  comento. 

Nota,  195. 
O.  61.  verf.  I.  O  filho  de  Peleo,  Aquiles  filho  de  Peleos, 
c  Thetis  naó  podia  fer  ferido  ,  mais  ,  que  pela  extremidade  de 
hum  pé,  por  onde  Thetis  lhe  pegou  para  o  banhar  na  lagoa 
Efti^^ia  ,  e  venceo  Pantazilea  Rainha  das  Amazonas  ,  a  qual  in- 
ventou a  foice  Ovid.  Heroid.  epift.  Cydipe  a  Aconfio. 

Nota   i9<j. 
Ò.   61.  verf.   5*.  Qelia.  Virgem  Romana,   que  paíTando   o^ 
Tybre  com   as   outras  ,  que  fe  tinhaõ  dado  em    reféns  a  Porfe- 
na  Rey  dos  Etrufcos,  enganou    as  guardas,  e  fe  libertou,  e  as; 
companheiras. 

Nota  197. 
O.   6i.  vtiÇ.    i.  Semiramis.  Já  diífemos  ,  que  venceo  ^hin- 
do  do  toucador  ,  e   agora    fe  alude  ,   a  que   no   jardim   de  Axa 
eftava  melhor  ,   qu€   nos  jardins  penfis ,   que    fabricou  fobre  os 
muros  de  Babilónia  que  tinha  fundado  »e  foraõ  huma  das  fete  ma> 
ravilhas  do   mundo,  de  quem  diz  Marcial  na  primeiro   Epigrama, 
Affiâuus  jaãet  me  Babilona  labor 
Nota  198. 
O.  6i.  verf.  f .  Hipolita.  Foy  também  huma  Amazona  vea^ 

cida 


D  o    T  o  E  M  J.  35 

Çída  por  Hercules  ,  e  Efpoza  de  Peleo. 

Nota    199. 
O.   63.  verf.   8.    Aríetes.  Deftas  três   machinas   militares  fe 
^xplicaó  os    uzos  no  canto  undécimo. 

Nota  200. 
O.  64.  verf.  4.  Triunfal.  Quem  tresladaíle  a  Carlos  Pafca- 
lio  de  Coronis  encheria  muitas  folhas  no  comento  deíle  verfo: 
bafta  porém  iaber  ,  que  entre  as  coroas  ,  que  os  antigos  conce- 
diaõ  aos  vencedores,  a  principal  era  a  Triunfal,  que  fenaó  da- 
va lenaõ  aos  que  em  huma  batalha  matavaõ  ao  menos  féis  mil 
inimigos.  A  Ovaçaõ  era  menor  ,  que  o  triumfo  ,  e  a  coroa  cí- 
vica íe  dava  a  quem  em  huma  batalha  coníervava  a  vida  a  hum 
Cidadão  Romano. 

Nota    201. 
O.    64.    verf.    6.   Chiomatica.    Eíle  era  o  nome  que  davaõ 
os  Gregos  á  muziça  ,  que  provocava  ao  Amor. 

Nota   202. 
O.   64.    verl^   7.   Galo.  Confagrado  a    Paias  como   fimbolo 
de  huma   boa   fentinella  ,  e  a  Minerva  pela  vigilância. 

Nota    203. 
O.   6G.  verf.    5.  De  Roma.  Nos  Jogos  Circeníes  ,  e  no  Am- 
phiteatto  de  Roma  le  exercitavaó  os  combates  dos  brutos    fero- 
zes. 

Nota  204. 
O.  66.  verf.  5.  Amphiteatro.  Edifício  publico  para  os  Jo- 
gos ,  e  combates  com  lugares  para  os  que  chamavaó  efpectado- 
res  ,  íendo  o  de  Roma  contado  por  alguns  entre  as  7.  mara- 
vilhas do  mundo  ,  de  quem  diz  Marcial ,  no  primeiro  Epigra- 
ma. 

Unum  pro  cunilts  fama  loquatur  opus. 
Nota  ;,04. 
O.  66.  verf.  8.  Contra  o  Rinoceronte  o  Elefante.  Rhino- 
ceronte  ,  a  que  os  noífos  antigos  chamavaó  ,  com  Damiaò  de 
Góes  ,  Rhinoceiotte  ,  ou  Rhinoccrotta  ,  e  em  Grego  fignifica  cor- 
no no  nariz  he  huma  fera  ,  que  erradamente  fe  confunde  com 
a  Abada  ,  e  da  fua  inimizade  com  o  Elefante  íe  podem  ver  al- 
guns Epigramas  de  Marcial.  A  Lisboa  fe  trouxe  hum  no  tem- 
po delRey   D.    Manoel. 

Nota    205. 
O.  6%  verf.   j.  Taleftris.  Taleftres,  ou  Taleftris  Rcinhadas 

d  ii  Am^zo- 


36  NOTAS 

Amazonas  vay  na  boa  fé  de  Quinto  Curcío,  que  veyo  vízíta? 
Alexiindre  Magno  inclinada  ao  que  a  fama  contava  defte  heroe. 
Naó  íe  acha  efte  fucceflb  em  Arriano  ,  nem  em  outro  Autor 
antigo  ,  e  he  hum  dos  motivos  ,  porque  le  Clerc  na  íua  Arte 
Critica  rup<)em  Qiiinto  Curcio  Autor  fingido  por  algum  moder- 
no,  mas  duvido,  que  quem  eícreveo  huma  obra  taõ  excelente, 
quizede  atribuir  a  outro  elb  gloria. 

Nota  io6. 
O.  71.  verf.    ly.   Monte  Furte.  O  Monte  Fufte  ,  o  Rio  Alar» 
da  ,  e  a    Serra  Seca  faõ    como  já  apontei  os  lugares  do   íítio  da 
batalha  ,  que  refere  o  fragmento  da   hiftoria  dos  Godos  allega- 
do  por   Brandão   na   5.  parte  da  Monarchia   Luzitana. 

Nota   207. 
O.  7J.  verf.  4.  Zelozo.  Já  adverti  ,  que  naõ  uzava  de  li- 
cença vulgar   de  dizer   em   Portuguez   zelozo  por  ciozo,  e  que 
aqui  fò  íc  diriva  do   zelo,    que  Muley  tinha  de  defender  a  fua 
cauíà  animado  do  amor  de  Aldara. 

Nota  208. 
O.  75.  verf!  8.  Sagitário.  O  Signo  celefte  de  Sagitário ,  eni 
que  entra  o  Sol  a  vinte ,  e  trcs  de  Novembro  ,  he  o  Centauro 
Chiron  ,  ou  Chroton  ,  e  fe  pinta  no  globo  atirando  fetas,  e 
aqui  uzo  da  figura  Hipérbole  com  mais  atrevimento  ,  que  oti- 
cras  vezes  ,  de  que  pudera  alegar  exemplos  de  muitos  Poetas.  Baí. 
te  por  agora  o  do  grande  Calderon  ,  que  na  Comedia  de  Ama- 
do ,  e  Aborrecido  ,  diz  que  as  lanças  que  fc  quebrarão  fubi- 
raõ  caõ  alto 

que  dela  region  dei  ayre 
paflando-fe   a  la  dei  fuego 
por  encenderfe  tardacon 
en  caer  j  6  nó  cayeron. 

Nota  209. 
O.  76.  verf  6.  Tranfmigraçaõ.  A  traní^migraçaõ  ,  á  que  0« 
Gregos  chamarão  Palingenefis  ,  ou  Metempficofis  ,  foy  dogma  de 
Pythagoras  fupondo  ,  que  as  almas  paflavaõ  de  huns  corpos  a 
outros ,  erro  que  dos  antigos  Gymnoíophiftas  da  índia  herdarão 
as  Bracmenes  ;  e  como  fuponho  a  Axa  inftruida  em  alguma 
«rudiçaõ  ,  naõ  fendo  cfta  muy  profunda,  tira  delia  o  conceito 
Hyperbole ,  com  que  fomenta  a  vaidade  de  Muley. 

Nota  lio. 
O.  77.  verf.  j.  Alcaides.  Ainda  hoje  daõ  os  Mouros  onò-: 

me 


D  o    P  o  E  M  J.  37 

me  de  Alcaides  aos  Geiíeraes  ,  e  Governadores  de  Praça  ,  que 
nós  coníeivam-os  no  de  Alcaides  Moies  ,  ainda  que  em  Eipa- 
oha  ,  c  Portugal  também  íígnifica  o  de  Officiaes  de  juftiça  ,  ten- 
do em  CaftelhaiTo  o  de  Alcaide  lo  a  primeira  íignihca^aõ  ,  e  o 
de  Alcaide  a  legunda. 

Nota   111, 
O.   79.  verf.   2.    Libação,   He  termo  próprio  dos  Sacrifícios 
quando  fó   le  toca   com    0$   bei(^os   o  licor  lançando  le  o   reito 
por  terra. 

Not^  215. 
O.  y^.  verf,  50.  Jó.  Foy  a  Ninfa  Jó  amada  de  Jupfrer  ,  e 
Juno  cioza  a  transformou  em  Vaca  ,  de  que  digo  era  o  leite, 
que  por  fer  de  noite  o  comparo  com  a  via  laótea ,  que  he  a 
mancha ,  que  fe  ve  no  Ceo  ,  a  que  os  Gregos  chamarão  tam- 
bém Galáxia  ,  e  os  modernos  defcubriraó  com  os  Telefcopios, 
que  era  toda  formada  efta  mancha  de  Eftrellas  imperceptiveis 
â  vifta  ,em  quanto  Galileo  Galilei  Florentino  pelos  annos  de  lóoo. 
na5  defcubrio  o  modo  de  trabalhar  nos  vidros  para  os  óculos 
de  Tubos  grandes.  A  primeira  vez ,  que  ordenei  a  magnifica 
Livraria  delRey  D.  Joaõ  o  V.  achei  hum  manulcripto  das  obras 
de  Mathematica  de  Cláudio  Ptolomeo  Alexandrino  ellrito  antes 
áo  anno  de  1400.  e  no  prin  ipio  e(kk  o  mefmo  Ptolomeo  mui* 
to  bem  illuminado  com  hum  grande  tubo  olhando  para  as  Eí- 
trellasj  poièm  naó  infiro,  que  a  invenqaõ  dos  óculos  com  vi- 
dros ,  foíTe  por  eíle  manufcripto  mais  antiga  ,  íenaõ  que  uzaf- 
íem  para  augmenrara  vifta  com  os  rayos  vizuaes  unidos  de  ca- 
nudos ocos,  e  compridos  da  mefma  forte  ,  que  dentro  dos  po- 
ços ,  e  covas  profundas  fe  vera  algumas  vezes  de  dia  eftrellas  que 
fenaõ  diflinguem  na  fuperficie  da  terra.  Em  Marcial  fe  acha  me- 
moria de  que  os  mal  viftos  augmentavaò  com  o  vidro  as  letras 
para  poder  divizallas. 

Nota  214. 
O.  81.  verf.  2.  O  mármore  íe  anima.  Efte  oracuk)  me  da- 
va motivo  para  difcorrer  na  opinião  de  Wandale  ,  que  abreviou 
com  erudita  diícriçaõ  Mr.  Fontenelle  querendo  provar  ,  que  to- 
dos os  Oráculos  craõ  fingimento  dos  Sacerdotes  Gentios  feni 
operação  diabólica  ,  porém  ainda  que  em  grande  parte  feja  eíle 
diícurfo  bem  fundado  ,  he  muito  contrario  ao  íentido  dos  San- 
tos Padres  eíla  propofiçaõ  abfoluta.  Aqui  podia  fer  iluzaò  de 
.Axa,  «  nuaca  o  máo  génio  coíluma  dizer  verdades,  nem  pó- 
--^•c-  de 


38  NOTA  S 

de    faber    com    certeza    os   futuros. 
-íxjidi  Nota    2  í  5. 

.  O.  8i.  verf.  I.  No  dia.  Efte  Oráculo  ,  que,  como  todo j,' 
iccebe  dois  íencidos  ,  fe  veriíica  naõ  como  Axa  o  entendia  ,  mas 
cora  mayor  fortuna  Tua,  pois  fe  cumpre  quando  ella  ,  e  ÉlRey 
feu  marido  fe  bautjzaõ  ,  e  os  fervem  como  padrinhos  o  Conde 
P.  Henrique,  e  a  Kainha  fua  elpoza,como  íe  veia  no  íim  do 
Poema. 

Nota   2,16. 

O.  83.  verf  4.  Períeo.  A  voz  guerreira  de  Palas  produz 
na.  idea  de  Axa  a  iluzaõ  de  que  os  elementos  perturbaõ  a  paz, 
ç  os  Planetas ,  e  Conítelaçoens  fe  confundem.  Perfeo  he  huma 
imagem  celeíle  da  parte  do  Norte,  e  das  vinte,  c  três  Confte- 
laçoens  dcíle  poio  ,  e  hngiraõ  ,  que  fora  colocado  no  Ceo  efte 
lllho  de  Júpiter,  e  de  Danae  filha  de  Acrilfio  Rcy  dos  Argivos 
entrando  ]ovçí  na  torre  em  que  eftava  prefa  transformado  em 
chuva  de  ouro.  A  acçaõ  de  cortar  a  cabeça  de  Medula  ,  que 
ja  expliquey  ,  e  outras  de  que  algumas  fe  diz  foraó  verdadeiras 
fundando  Perfeo  o  Reyno  de  Mycenas ,  e  dando  o  nome  a  Per- 
fia  o  eternizarão  ,  e  como  fe  achaõ  eftas  fabulas  aftronomicas 
em  Arato  Poeta  Grego  ,  que  efcreveo  hum  Poema  intitulado, 
Phcnomenas  ,  traduzido  naó  menos  que  por  Cicero  ,  por  Ger- 
mânico Cezar  ,  por  Rufo  Feito  Avieno  ,  e  iluftrado  por  Grocio 
porManilio  no  leu  Poema  aftronomico  ,  por  Hyginio  Liberto  de 
Augullo  ,  e  pelo  moderno  ,  e  vaftiHlmo  Cezio  ,  apontarey  ló  deí^ 
tas  conftelaçoens  o  que  bafte  para  buma  ligeira  inteligência. 
Hercules  no  verl".  4.  he  outro  aítco  dominando  o  Dragaõ  das 
Hefperides  ,  que  guardava  as  maçans  de  ouro. 

Nota  217. 

O-  83.  verí.  5.  A  Balea.  A  Perfeo  montado  no  cavallo  Pe- 
galo  fe  legue  no  globo  a  Conftelaçaó  Boreal  da  Balea  ,  que  hç 
o  monftro  marinho  ,  que  Perfeo  matou  voando  no  mefmo  ca- 
valo Pegaío  para  livrar  a  vida  da  fermofa  Andromeda,  e  por- 
ifio  finjo  que  íe  lhes  opoz  interrompendo-lhe  a  carreira  ncíle 
movimento  extraordinário  das  eftrellas  fixas  cauzado  pela  hor- 
renda voz  de  Palas.  Nefte  vcrfo  uzo  quaíi  a  única  vez  do 
verbo,  e  do  nome  turba  ,  como  conloantes  pela  efteriiidadç 
<ieftes, 

/.:Loq    iíjpA  Nota   218. 

O.    8^5.    yçrf«   7..  m  2^odiacg,  O  i^mc  dç  Zóo^eni  Grego» 

Tigni- 


I 


DO    P  O  E  M  J.  59' 

Cgnifíca  animal  ,  e  o  de  Zodíaco  ,  que  tem  animaes  5  porcjue 
os  doze  Signos  ,  que  cftaõ  nefte  circulo  ,  ou  faxa  celefte,  to- 
dos eraó  de  homens  ,  o»  bruços  ,  e  até  o  de  Libra  fe  piarava 
na.  primeira  forma ,  e  por  iilo  digo ,  que  os  animaes  ceieftes  fe 
agitarão  nefta  confuíaó. 

Nota   II  8. 

O.  84.  verf.  I.  Morre  o  Cifne  ,  &cc.  Por  naó  multiplicar 
2S  notas  explicarey  brevomente  em  huraa  í6  as  de  que  neceílita 
eíla  Outava.  O  Ciíne  Conftelaçaó  do  Polo  ar<ílico  he  o  em  que 
fe  transformou  Júpiter  para  confeguir  a  Leda  ,  e  digo  que  mor- 
re ,  c  naò  canta  por  moftrar  ,  que  o  medo  lhe  mudou  a  natu- 
reza. O  Bruto  Hefperio  ,  queinfulta  Alcides  ,  he  o  Dragaó  ,  que 
cxpliquey  na  nota  antecedente.  A  Urfa  ,  ou  Cynozura  ,  a  qual 
digo  fe  efconde  no  mar  medroza  fem  que  fe  mude  ,  ou  efcon- 
áa  o  Polo  do  Norte  ,  aludindo  ao  que  diz  o  grande  Camoens 
guando  paflbu   a  linha  equinocial. 

Vimoi    as  Urfas  a  pefar  de  Jun9 
Banhar  em- fe  na>  agoas  de  Neptuno, 

E  como  (ao  duas  ,  falo  aqui  fó  na  menor  ,  que  he  a  mais 
vizinha  ao  ponto  do  Polo  do  Norte,  a  quem  àeo  o  nome, 
porque  Arótos  em  grego  ,  fignifica  Uría.  A  Náo  Aigos  foy  a 
<3ue  deo  o  nome  aos  Argonautas ,  e  a  em  que  jazon  foy  con- 
quiílar  o  Velocinxo  de  ouro  a  Colcos  j  he  Conftelaçaó  do  Sul. 
Ântinoo  ,  que  he  do  Norte  ,  foy  hum  valido  do  Emperador 
Adriano  ,  que  fe  marou  ,  para  que  nas  íuas  entranhas  fe  viífe 
o  Arufpicio  ,  ou  agouro  felice  da  batalha  ,  que  aquelle  Empc- 
Tador  eftava  para  dar  no  Egypto  ,  e  o  faço  nefta  confufaõ  íe- 
-pultar  na  Urna  Conftelaçaó  do  Sul.  Orion  gigante  no  emisfe- 
lio  antartico  ,  he  o  que  fe  atreveo  a  Juno  y  e  nefta  Conftela- 
çaó contaõ  os  Aftronomos  modernos  depois  da  invenção  do 
Telefcopio  mais  eftrelias  ,  que  as  1022.  que  faó  fò  as  que  fem 
óculo  podem  verfe  ,  e  faço  que  a  Canicula  íendo  aftro  do  Nor- 
te morda  raivoza  com  o  feu  ardente  veneno  a  efte  Gigante. 

Nota  2  I  c^. 

O.  87.  verf  I.  Correm  eftatuas.  O  fim  defta  Oitava  ex- 
plica o  engano  »  com  que  Ce  reprefenta  a  Axa »  que  as  eftacuas 
das  heroinas    fe  animaó  para  a^feguir  na  guerra. 

Notas  221. 

O.  88.  verf.  y.  A  animar  o  cadáver.  Efta  morte  da  Zaida  ^ 
9  O  feu  cadáver  animado  por  Palas,  imita  a  Eredo  de  l  iirano  , 

a  falíi. 


40  :      NO  r  A  S 

a  Taiílrena  de  Marino  ,  e  outras  magicas  de  que  fe  conta  ,  que 
com  o  maligno  efpirito  animavaõ  os  cadáveres.  Muitas  hifto- 
rias  referem  íèmelhantes  Authores  mais  crédulos  ,  e  entre  ellas 
havia  huma  bolatina  celebre  de  Itália,  a  quem  hum  feiticeiro 
depois  de  morta  ,  fez  continuar  o  exeicicio  ,  e  outro  mais  po- 
derozo  a  fez  cahir  da  Maroma  reduzida  a  p6  ,  e  cinza  ,  e  Pa- 
las aqui  toma  com  o  íèu  coipo  a  lua  forma  ,  como  Minerva 
a  de  Mentor  em  Homero  para  açonfelhar  a  Telemaco  filho  de 
IJlifes  ,  ficçaó  ,  que  íeguio  com  mayor  propriedade  o  llluftrif- 
íímo  Author  do  Telemaco  Francez  ,  que  elpero  dar  á  luz  tra- 
duzido ein  Oitavas  Portuguvizas  ,  porque  ainda  que  em  proza 
Franceza  fie  hum  Poema  heróico  perfeito  ,  aflira  ficarão  mi- 
Jhor  na  memoria  as  fuás  uciliífimas  refiexoens. 

Nota   IX  i. 

O  %^.  verí.  4.  Ocazo  Heliaco.  Helius  em  Grego  he  o  Sol, 
e  os  Maihematiços  chamaó  Ocazo  Heliaco  das  Eílrellas  ,  quaa- 
do  alguma  entra  nos  rayos  do  Sol  ,  lèja  eJla  ,  ou  o  meímo  Sol, 
os  que  íe  avizinhaõ. 

Nota   2Z2. 

O.  91.  verí.  1.  Távora  Galhardo.  Eíle  podia  fer  D.  Rami- 
ro Pinhones  aícendente  dos  Tavoras  lem  muita  diferença  da 
cronologia  da  efcritura  ,  que  traz  Fr.  Bernardo  de  Britto  ,  ena 
que  deduz  a  fua  vaionia  delRey  D.  Ramiro  11.  de  Leaõ  ,  coit>o 
em  outra  parte  fe  dirá. 

Nota   225. 

O.  95.  verf.  5.  Mentor.  Veja-íè  a  nora  220.  em  que  ex« 
pliquey  a  transformação  de  Minerva  em  Mentor  para  aconfe* 
Ihar  a  Telemaco  ,  que  por  filho  de  Ulilès  era  Príncipe  de  Itha- 
ca  pequena  Ilha  do  Archipelago. 

Nota  224. 

O.  98.  verf.  I.  Hermínia  Serra.  A  Serra  de  Eftrella  íe  cha- 
ma Monte  Hermínio  ,  e  o  engano  com  que  o  Mouro  deo  hum 
cavailo  ao  Embaxador  de  Henrique  ,  o  faz  comparar  ao  cavai- 
lo  de  Troya  ,  que  deo  tanto  a  conhecer  o  incomparável  Vir-. 
gilío  no  livro  2.  da  Eneada  introduzido  pelo  engano  de  Sí- 
non. 

Nota   225. 

O.  105,  verí-  5.  Também  no  mar.  Depois  da  comparação 
do  Crocodilo  ,  que  engana  chorando  ,  e  mata  aos  que  o  bufcaó, 
animal  amfibio ,  ou  de  terra ,   c  agoa  j    que  infeíta  o  Rio  Nilo 

bencfi« 


i 


DO    P  O  E  M  J.  41 

benéfico  Com  as  fuás  cheyas  ,  pois  com  ellas  ferulij^a  o  Fgipto, 
fiiprindo  a  falta  da  chuva  ,  e  que  deve  aos  Portugueze^  o  del- 
cuhrimento  da  fonte  ,  em  que  nafce  no  Reyno  de  Gujaõ  ,  e 
Dambea ,   na  Ethiopia  inferior. 

Segue  outra  comparação,  que  alude  ao  que  íe  conta,  de 
que  dezembarcaraó  de  huma  lancha  huns  marinheiros  de  hu- 
ma  Nao,  e  cuidando  ,  que  ellavaõ  fobre  hum  baixo  cuberto 
de  área  ,  e  limos  acenderão  fogo  para  enxagar-le  ,  e  fuguaó  lo- 
brefaltados  para  a  lancha  ,  vendo  que  a  terra  fe  movia  ,  e  era 
huma  Balea  ,  que  tinha  vindo  parir  a  terra  ,  e  voltara  para  o 
mar  :  feja  ,  ou  naõ  a  hiftoria  verdadeira  ,  bafta  para  compara- 
ção poética ,  pois  naõ  íe  achaÕ  menos  fabulas  nos  Authores 
das  viagens  ,  que  nos  dos  Poemas  ;  c  defta  mefma  comparação 
iizou   Milton  no   i.  Canto   do  íen  Paraizo   perdido. 

Nota   2i6. 
O.    104.  verf.   8.  Névoa.  O  Efpirito  infernal,  que  A  xa  jul- 
gava ,  era  a  Deoza  Palas  animando  o  corpo  de  Zaida  fabricava 
clles  encantos   de  névoas  ,  torrentes  ,    e   os   mais ,    que  fe    fe- 
oueni  ncfta  batalha. 

Nota   iiy. 
O.    loS.    verf    7.    Efquadraó  fantaftico.  Eftc   Efquadraõ   de 
cfpiritos  ,   he  huma  imitação  de  Homero  ,   que  faz  combater  oc 
Deozes. 

Nota  218. 
O.  109.  verf  5.  Incorpórea  fubftancia.  Naõ  me  atrevi  a  fe- 
guir  em  tudo  Homero  ,  que  fupondo  os  Deozes  corpóreos  ,  faz 
ferir  a  muitos  por  Diomedes  ,  e  alTim  digo  ,  que  Pelayo  admi- 
rou o  achar  iiezas  as  fubftancias ,  que  naõ  fupunha  incorpóreas 
vendoas  extenfas  ,  como  fe  explicaó  os  Cartezianos  ,  e  deixo 
ao  cadáver  de  Zaida  as  feridas,  que  lhe  dá  Egas  Moaiz ,  a 
<juem  comparo  com   Diomedes, 

Nota  ZZ9. 
O.  III.  verf.  r..  Clicie.  Foy  Clicie  Ninfa  amante  de  Apo- 
lo ,  que  amava  mais  a  fua  irmáa  Leucocoe  ,  e  efta  fugindo  del- 
le  ,  fe  transformou  na  arvore,  que  dá  o  incenfo  ,  a  o^jtra  na 
flor  do  Girafol ,  ou  Heliotropio  ,  porque  íegue  ,  e  retrata  o  mefr- 
mo  Sol. 

Nota  130. 
O.    117.  verf.  z.  Vulcano.   As  armas  dos  Deojes  ,  e  dos  He 
foes,  forjou  muitas  vezes   Vulcano,  de   que  o   iiomc  he  conr 

€  corrup- 


42  N  o  r  A  s 

corrupção  ,  o  de  Tubal  Cain  ,  que  a  elcdtura  diz ,  foy  o  prl* 
raeiro  ,  que  inventou  a  forja  ,  ou  a  Arte  de  trabalhar  o  ferro 
como  prova  Bochart  no  feu  Phaleg  ,  e  a  fabula  fingio  fer  abor- 
recido efpozo  de  Vénus  ,  e  ficar  coxo  ,  porque  Júpiter  pela  fua 
deformidade  o  arrojou  do  jCeo  ,  para  trabalhar  com  os  Ciclo- 
pes na  fragoa  do  Monte  Ecna,  He  eíla  fabula  tirada  da  verda- 
de do  precipício  de  Lusbel. 

Nota   251. 

O.  119.  verf.  2.  Zéfiro  amante.  He  o  fuave  vento  Zéfiro, 
que  refpira  da  parte  do  Norte  principalmente  na  primavera  ,  e 
porque  nefte  tempo  anima  as  flores  ,  o  fizeraó  os  Romanos 
amante  de  Flora  Dama  mais  fermofa  ,  que  honefta  ,  e  que  dei- 
xou os  feus  mal  adquiridos  Thezouros  ao  povo  Romano  ,  o 
qual   a  adorou  como  Deoza  das  flores» 

Nota  232. 
í  O.  119.  vcrf.  4.  A  arvore  triunfante.  AíTím  como  ^efíro 
amante  quiz  roubar  a  banda  de  Aldara  para  a  reftituir ,  a 
quem  mais  a  mcreçeíTe  ,  a  roubou  o  loureiro  ,  ficando  preza  nos 
léus  ramos  ,  e  nefta  árvore  triunfante ,  porque  coroa  os  ven- 
cedores, fe  tinha  transformado  a  bella  ,  e  rigoroza  Dafne  ,  fu- 
gindo do  amante  Apolo  ,  e  como  rigoroza  ,  dificultou  eftc  pre- 
mio de  Aldára  ,  que  pertendiaó  os  dois  competidores. 

O.  125.  verf.  2.  Delfin.  Os  Tavoras  puzeraõ  nas  fuás  ar- 
mas hum  Delfin  Ibbre  as  ondas  ,  por  coníervar  a  memoria 
de  D.  Theodon  ,  e  D.  Rauzendo  pelejando  no  Rio  Távora, 
como  defcrevendo  efte  efcudo  ,  e  os  de  outras  Famílias  ,  fe  ve-i 
rá  no  Canto  quinto. 

Nota    254. 

O.  116.  verf  5.  Achcronte.  He  o  Acheronte  hum  Rio  de 
Nápoles  ,  que  por  nocivo  ,  c  triíte  ,  c  vizinho  da  Lago  Averno^ 
fingirão  os  antigos  ,  que  era  o  Rio  do  Inferno  ,  por  onde  a 
barca  do  Piloto  Charon  ,  que  muitos  confundem  com  Ache» 
lonce,    paíTava  as    almas  dos  que  morriaõ. 

Nota  255. 

O.  150.  verf.  5.  D.  Fafcs  Luz.  Confia,  que  foy  efte  D.  Fa- 
fés  Luz  Signifero  ,  ou  Alferes  Mor  do  Conde  D.  Henrique  ,  e 
como  já  diife ,  era  Senhor  de  terras  junto   ao  Rio  Lima, 

Nota  25(5^ 
O.   131.  verf   5.  Geometria.  Significa   medida  da  terra,  « 
he  a  arte ,  que  fo   dá    princípios^  ceuos    ás  fciçnçias  ,  e  artes 

verds- 


D  o    T  o  E  M  J.  43 

Verdadeiras   entre  as   humanas  5  porem    para  o  jogo   da  efpada  , 
a  que  naõ   he   inútil  ,  a  qujz   reduzir  com  demaziada  elpecula- 
çaó  ,  D.  Luiz  Pacheco  de  Narvaes  ,  a  quem  fatirizou  hum  dos 
Lupercios  no  engenhozo  loneto  ,  que  principia. 
Quando  los  ayres  ,    Parmeno  divides 
Con  el  efioque   negro  ^  no  te  acuz^o ,   &c. 
E   acaba  dizendo  ,   que  he   impoílivcl. 
El  reduur  la   cólera  a  precetos. 
Que    he  o   verfo  ,  que  imitey. 

Nota  157. 
O.   153.    verí.    I.    O  filho  de  Thetis  ,  e  o  de  Alemena.  O 
fiiho  de  Thetis  ,    e  Peleo  ,   era   Aquiles  ,    o   de    Alcnena  ,  e  <ic 
Júpiter  ,    era  Hercules ,  e  ambos  ,   como   já   diíTe  ,  combaterão 
com  a  Amazona  Hypolita. 

Nota    238. 
O.   134.  verf.    I.  Ifthmo.    No  Ifthmo  ,   que  era  o  de  Co- 
linto  ,  e  he   a  lingoa  da   terra  ,  que   ata  a  peninfula  do  Pe!opo- 
nelb    C  hoje   chamada  Morea  )  com  a  terra  firme   de  Grécia  fe 
celebravaõ  os  jogos ,  a  que  o  fitio  deo   o  nome  de  Iftmicos. 

Nota    259. 
O.    135.   verf.    5,    Infernal  eftigio.   O  lagc|  eftigio  ,  era  no 
Inferno  ,   c  o  juramento  inviolável  dos  Deozes. 

Noca  240, 
O.   155.  verf.   5.  Diomedes.  Agora  explico  -mais  a  compa- 
ração de  Egas  Monís  com  Diomedes  ,   que  Homero  diz   ferio 
a  Marte. 

Nota  241. 
O.    155,    verf.    g.    Peon.    O   nome  de  Peon  ,   he  o  que   dá 
Homero  ao  Cyiurgiaó  ,   ou  Medico  ,   que  cu-rava  os  Deozes  fe- 
ridos por  Diomedes. 

Nota  242. 
O.  136.  verf  8.  A  trifte  corrupção.  Egas  Moniz  fempre 
favorecido  do  Ceo ,  deftruio  o  material ,  comporto  do  corpo 
morto  de  Zaida  ,  e  íè  exalou  o  génio  maligno  ,  que  o  anima- 
va ,  ficando  reduzido  a  corrupção  ,  porque  entendi  ,  que  efté 
«ncanto  eftranho  naõ  devia  durar  mais  tempo  no  Poema,  ain- 
da que  Palas  em  diverfas  formas  ficaflfe  fomentando  a  idola- 
tria de  Axa. 

Nota  245. 
p.  157,  verf.    7.   Líucoroe.  Pouco  tempo  ha,  que   explt- 

e  ii  quc( 


44  NOTAS' 

quei ,  qiTC  Leucotoe  fora  amacia  de  Apolo  ,  e  o  Poeta  unío  tt-' 
tas  três  Ninfas  em  hum  verfo.  Para  que  em  Dafne,  Clicie  ,  ou 
Leucotoe  ,  &c. 

CANTO     IV. 
Noras    244. 

O.  3.  verf.  5.  Hidra.  He  aliizaõ  á  Hidra  áo  lago  Lerneo,. 
á  qual  quando  Hercules  cortava  huma  das  fere  cabeças  ,  nafciai 
logo  outra  ,  e  (o  quando  as  queimava  ,  fenaõ  reproduziaó  ,  e 
aííim  ainda  que  Hcuique  maraíTe  muitos  Mouros  ,  logo  com 
novas  levas  apareciaõ  os  fcus  Exércitos  ,  igualmente  numero- 
zos.  Nota  245. 

O.  6.  verf  i.  D.  Afonfo  Auguílo.  ElRey  D.  Afonfo  VI. 
de  Lcaó  chamado  Emperador  ,  teve  íilhas  de  diverfas  mulheres, 
em  que  ha  duvida ,  quaes  foraõ  legitimas  ,  e  ha  quem  diga  ^ 
que  foy  6.  ou  7.  vezes  cazado  ,  e  fe  prova  baftantemente ,  qne 
foy  legitima  a  Rainha  Dona  Thereza  ,  mulher  do  Conde  D^ 
Henrique  ,  ainda  que  o  contradiz  a  mefma  Crónica  ,  ou  Exem- 
plar Floriacenfe  ,  a  quem  damos  credito  em  fazello  deícen den- 
te dos  Duques  de  Borgonha,  e  Reys  de  França;  mas  fobre  a 
fucceflaõ  delRey  D.  Afonfo  ,  de  quem  foy  herdeira  a  Rainha  D» 
Uiraca,  houve  com  Portugal  varias  diíTençoens. 

Nora   246. 

O.  7.  verf.  8«  Tormes.  Eftendia-fe  já  o  domínio  do  Con- 
de D.  Henrique  defde  o  Mondegp  ,  onde  já  era  Senhor  de  Co- 
imbra ,  atè  o  Reyno  de  Leaõ  ,  por  onde  corre   o  Rio  Tormes* 

Nota   237. 

O.  10.  verf  8'  O  Trofeo  de  hum  tronco.  Grécia,  e  Roma 
leyantavaõ  no  campo  da  batalha  troféos  nos  troncos  ,  e  Hen» 
íique    fez  triunfar  o  tronco  da  Cruz  de  toda  a  infidelidade. 

Nota   248. 
O.    11.  verf.    1.  Do    efpaço    aéreo.  Imaginarão    muitos  Fí* 
lofofos  antigos  ,  e  ainda  modernos  ,  que  no  efpaço  aerco   ficarão 
alguns  génios  infernaes  menos  malignos  ,  e   que  cauzaó  tempef- 
tades.  Nota  249. 

O.  12.  verf.  5.  Teííphone.  He  huma  das  três  Fúrias,  fen- 
do as  duas  Megera  ,  e  Aledo ,  e  aqui  por  Hipérbole  digo  ,  que 
fó  quem  a  invocaíle  por  Muza  ,  e  por  heroes  aos  efpiritos  ,  que 
fallavaõ  nos  Oráculos  ,  e  eraó  prefagos  dos  males  ,  igualaria  o 
furor  de  Axa.  Heroes  também  trazem  origem  no  feu  nome  do 
ar ,  em  que  andavaô  girando  eftes ,  que  chamavaõ  Deozes  da 
%.  claífe ,  e  Indigctcs»  No-: 


DOTO  EMA  4f 

Nota    250. 
O.    14.    veif    I,  Deftino,  A  barbaridade  gentílica  ,  que  def-»' 
conhecia  a  providencia  ,  fu^eicava  os  feiís  Deozes  ao  deílino. 

Nota   Í51. 

O.    14.  verf    5.   Filho  de  Vénus.    Eneas  filho   de  Vénus,  e 

de  Anchizes  ,   tendo  hunia  Mãy   Deoza  ,   que    o   amparava  ,   nao 

pode  evitar  o  feu  dellino  ,  nem  a  oppoziçaõ  de  Juno  ,   fofrendo 

tantos  trabalhos  na  fua  peregrinação  ,  e  viagem  de  Trova  a  Itália. 

Nota    1^1. 
O.    14.  verf.    4.    O  filho  de  Tetis.   Achiles  filho  de  Tetis  ; 
e  de  Peleo  morreo  ,  como  já  fe  diíTe  ,  ferido  de  huma  letta  cm 
huma  extremidade  de  hum  pé  ,  por  onde  lo  naõ  era  invulnerável. 

Nora   255. 
O.    I  <3.  verf.    I.   Athcifmo.  Axa    vay  degenerando  da  faperf- 
tiçaõ    para    o  Atheifmo,  que  (ignihca  feni  Deos  ,  porque  Atheos 
cm   Giego   com  o   A    privativo  ,    e  Thcos  ,  que   he   Deos  ,  deo 
o   nome  a    efta  impiedade. 

Nora   254. 
O.    16.  verf.    c.    Efcuro  íonho.   As  portas  por  onde  os  fo- 
nhos    íahem  do   Abyímo  ,   guiados    por    Morfeo  ,  defcreve    com 
elegância  Virgílio  ,  e  outros  Poetas  Latinos  ,  e  Gregos. 

Nota  255. 
O.  21.  verf.  I.  Brunaferro ,  o  Troglodita.  Chamey  Bruna- 
ferro  ,  a  efte  bárbaro  ,  compondo  o  nome  de  Bruno  ,  que  em 
Irahano  ,  e  em  outras  língoas  ,  fignifica  cor  efcura  ,  ou  negra, 
c  de  ferro  ,  fazendo-o  Troglodita  ,  Povo  bárbaro  de  Africa  ,  na 
Ethiopia  ,  perto  do  Seyo  Arábico  ,  hoje  chamado  golfo  de  O. mus. 

Nota  2^6. 
O.  21.  veríl  i.  Ceraftes.  Saô  Serpentes  venenozas  de  Afri- 
ca, e  os  cornos ,  que  tem  ,  e  em  Grego  íe  chamaõ  ceros  ,  lhe 
deraó  o  nome,  e  digo,  que  fe  alimentou  com  efte  veneno, 
porque  aílim  fe  conta  de  Mitrídates  Rey  de  Ponto,  a  quem  naõ 
fazia  mal  a  peçonha,  por  habítuarfè  a  ella. 

Nota   2J7. 
O.    21.  verf   4.   A  Gorgona.  Já  expliquey  ,  como  a  Gorgc-» 
na  Meduza    tinha  por  cabellos  Serpentes  ,     a    quem    digo  ,  que 
os  de  Brunaferro  imitavaõ  no  retrocido  ,  e  no  venenozo. 

Nota   258. 
O.   25.  verf.    I.  Lucidio.  Para  fazer  hum  retrato  em  opozi- 
jaó  ao  de  Brunaferro,  imaginey  efte  galhardo  Francês,  que  foy 

dcfpo-  • 


4<5  NOTAS 

delpojo  da  fua  barbaridade ,  e  com  o  feu  martírio  motivo  do  (tú 
caftigo.  Nota   259. 

O  i6.  verf.  7.  Soldaõ  de  Babilónia.  Os  Mouros  de  EfpaJ 
nha  foraó  muito  tempo  tributários  do  Soldaõ  de  Babilónia  ,  e 
defte  ,  dos  Califas  ,  e  outios  Soberanos  ,  fe  pôde  ver  a  Africa 
de  Marmoi  ,  c  a  hittoria  dos  Mouros  de  Efpanha  de  Bleda. 

Nota    260. 

O.  27.  verf.  8.  Falfo  Paraizo.  Mafoma  no  feu  Alcorão  pro- 
znette    aos   Mouros  hum  Paraizo  de  delicias  feníuacs ,  e  groífeiras. 

Nota  z6i. 

O.  54.  verf.  8.  Antes  nas  armas,  c  depois  nas  letras.  Como 
conto  a  gloria  militar  de  Coimbra  ,  na  fua  defenía  pelas  armas, 
pronoftíco  ,  a  que  hade  adquirir  alguns  feculos  depois  com  a  fua 
inligne  Univeríidade  pelas  letras. 

O.  37.  veif.  I.  No  Plenilúnio  Cínthia.  Efta  Outava  deve 
explicar-fe  ,  debaixo  de  huma  fó  annoraçaõ.  Cintia  ,  que  he  o 
nome ,  que  fe  dá  á  Lua  ,  como  já  diífe  ,  fuponho  no  plenilúnio 
vuigarmence  Lua  chea  ,  que  lie  quando  efta  a  noíTo  refpeito  dia- 
metralmente opofta  ao  Sol  ,  que  affim  a  ilumina  mais  ,  e  \h& 
chamaó  plauftio  Apolineo  ,  que  he  o  mefmo  ,  que  carro  de  Apo- 
lo ,  a  quem  de  noite  fubftitue  com  o  luar  ,  termo  que  fem  fra- 
26  tem  fó  a  lingoa  Porrugueza.  Os  encantos  fempre  buícavaó  o 
tempo  da  Lua  chea  :  entre  os  Poetas  ,  e  Autores  ,  que  affirn  o 
efçrevem  ,  o  diz  Marino  no  ícu  Adónis. 

Talfirenx  afpettó  ,   cbe  fie  no  avejfe 
Cintut  dei  orbe  fuo  le  parti  fceme. 

E  aífim  digo  ,  que  eftava  expoíta  aos  cânticos  ,  ou  invoca-^ 
^oens  magicas  ,  que  aprendiaõ  ,  em  hum  clauftro  horrivcl  den*; 
tro  de  oucro  circulo  ,  como  diz  o  Poeta. 

Carmina  de  calo  pojfuní  deducere  lunam. 
Ifto  entendiaõ  ,  que  nafceia  do  engano  de  huma  feiticeira» 
que  vendo,  que  os  Povos  rulticos  de  Thcífalia  naó  conhcciaõ  os 
elpelhos  ,  lhes  moftrou  dentro  de  hum  a  imagem  da  Lua  çhca , 
perfuadinJo-nos  ,  a  que  com  a  força  dos  feus  verfos  ,  fazia  vir 
a  Lua  do  Ceo  á  terra,  quando  queria.  Huma  pequena  nuvem» 
que  veyo  da  parte  do  auftro  ao  Sul ,  vento  tempeftuozo  ,  e  naó 
da  do  Favonio  ,  que  vizinho  ao  Norte  he  favorável ,  cncobriíe 
a  luz  da  Lua  ;  e  como  a  efte  Planeta  ,  fe  atribue  a  prata  entro 
os  metaes  ,  por  eíTa  r^zaó  com  expreíTió  poética  digo  ,  que  quan- 
do a  efcijreceo  ,  lhe  faiíificou  a  fua  imagem  argentada  como  fe 

foíR 


B  o    T  o  E  M  A.  47 

yoflfe  hum  a  medalha  de  prata  ,  em  que  eftava  gravado  o  feu  rofto. 

Nota   i('^, 

O,  58  verl.  I.  Cipo.  He  o  Cipo,  hum  dos  monumenros 
da  antiguidade,  que  ainda  exiftem  »  e  era  huma  pedra  ,  com  al- 
guma infcripçaõ  ,  que  fe  punha  nas  eftradas  ,  para  eníinar  o  ca- 
minho ,  ou  pata  fazer  memoria  de  algum  íuccelTo  raro  ;  achr.-fe 
nas  medalhas  ,  Hottinger  no  liur  de  Cipis  hebrceorum  lhe  dá  ou- 
tros  ulbs.  Nota    264. 

O.  ?8.  verf.  4.  Liíipo.  Famozo  eftatuario  ,  a  quem 
Alexandre  fó  permitia  ,  que  fabricalle  as  fuás  eftatuas  ,  co- 
mo a  Apeles  ,  que  fizede  os  feus  retratos  ,  e  entre  os 
Efcultores  antigos  ,  o  que  fez  mais  obras ,  íloreceo  J64.  annos 
antes  do   nafcimento  de  Chrifto. 

Nota  2.6iy. 

O.  40.  verf.  I.  Eólo  ,  &c.  Eólo  Rey  ,  e  Deos  dos  ventos* 
fe  toma  aqui  pelo  meímo  vento.  Arvores  rebeldes  de  Apolo  , 
faô  os  Loureiros  ,  aludindo  ao  rigor  de  Dafne,  Triforme  Dei- 
dade ,  he  a  Lua  ,  que  aflim  íe  chama  no  Ceo  ,  nos  bofques  Dia- 
na ,  e  nos  abifmos  Porferpina  ,  e  neílas  duas  ultimas  proprie* 
dades  ,  moftro  ,  que  o  bofque  era  efpefo  ,  e  eícuro. 
Trtit  virginis  ora  Diana. 
Nora   166. 

O.  41.  verf  j.  Plutão.  Plutaõ  era  filho  de  Saturno,  e 
Irmaó  de  Júpiter  Deos  do  Inferno,  que  favorece  a  arte  p^r- 
niçioza  da   magica. 

Nora  2Í7. 

O.  42.  verf.  7.  Deos  Pithio.  He  Apolo  allím  chamado  por 
matar  a  Serpente  Python  ,  e  deu  o  nome  ás  Pitonidas  ,  e  hu- 
ma das  quaes  ,  como  da  mefma  Efcritura  confta  ,  fez  aparecer  a 
Saul  a  alma  de  Samuel. 

Nota  268. 

O.  45.  verf.  2.  Intrincado  Labirinto.  Labirinto  de  Creta^ 
era  aquelle  edifício  ,  que  dizem  ,  guardava  o  Minotauro  ,  fruto 
do  amor  brutal  de  Paíífe  ,  irmaá  delRey  Minos  ,  e  onde  todos 
fe  perdiaõ  ,  e  ío  Thezeo  fe  dezembaraçou  com  o  fio  ,  que  lhe 
deo  Ariadna  ,  que  foy  feguindo  ,  quando  entrou  ,  e  quando  fa» 
hio.  Nota   269. 

O.  45.  verC  5.  Paros  ,  e  Corinto.  O  mármore  de  Paros 
Ilha  do  mar  Egêo  ,  era  o  mais  celebre  ,  e  o  metal  de  Corinta, 
^  compoz  cm  hum  incêndio  daquella  grande  Cidade  do  P olo- 

nezó 


48 


NOTAS-    .■ 

ponezo  dos  muitos  metaes ,  que  cafualmente ,  correndo  fluid^i! 
com  o  fogo  ,  fundirão  aquelle  preciozo  mixto. 

Nota  zyo. 

O.  45.  verf.  4.  Jónicas  colunas.  Entre  aScfeçó"  ordens  dl 
architetura  ,  que  faõ  a  Tofcana  ,  Doiicá,  Jónica  ,  Corinrhia  ,  <í 
Compoííra  ,  laõ  as  colunas  Jónicas  ,  das  mais  eftímádks  ,  vejaõ-i 
íe  as   Tuas  proporções  em  Vitruvio. 

Nota    Z71.  ;'^^^'   'H 

O.  48.  .verf  5.  Camparpe.  Nefta  ilnzaó  dó 'Pafádb  tJa  glo- 
ria ,  fe  reprezentaó  a  Henrique  ,  as  obras  mais  famozas  dos  Pin« 
fores  antigos  ,  e  bem  notório  he  ,  o  lucccllo  de  Apeles,  que 
endoudecendo  pelo  amor  de  Campafpe  ,  a  quem  retratou  por  or-» 
dem  de  Alexandre  ,  que  a  amava  ,  efte  magnânimo  Príncipe  lha 
deo    para    elpoza. 

Nota    272. 

O.  48.   verf.  6.  Duas  Vénus.  Eftas  duas  pinturas  de  Vénus, 
Nota    273.     ;'':,''.;''  :;'v^'*''    *í 

O.  48.  verf.  7.  Anadiomene.  VenuS 'Anadíòínerté  ;  fòy  a  que 
pintou  Apeles  fahindo  do  mar ,  e  ifco  lhe  deu  o  nome  ,  foy  efta 
quadro  taõ  eftimado  ,  que  Augufto  o  confagrou  no  Templo  dç 
Jnlio  Cezar. 

Nota   274.  *57  .^x  .0 

O.  49.  verf  4.  Ifigenia.  Tendo  Agamcnon  promettido  fa«crí* 
ficar  a  primeira  coufa  viva  ,  que  o  enconcraire  ,  quando  voitooi 
da  expedição  de  Troya  ,  foy  efta  a  bela  Princeza  Ifigenia  fuí| 
filha.  Qiierendo  o  celebre  pintor  Thimantes  pintar  efte  SaçrU 
ficio  ,  exprimio  nos  femblantes  de  todos  os  que  aífiftiaõ  diver- 
Tos  afedos  de  fina  magoa ,  mas  chegando  a  pintar  o  roílro  dà 
Agamenon  lhe  parecco  ,  que  nem  o  debuxo  ,  nem  as  cores  pO"? 
diaó  dar  a  conhecer  a  inexplicável  pena  de  hum  Pay  afiito  ,  c 
lhe  cobrio  o  roíao  com  o  mefmo  lenço  ,  com  que  enxugavSi 
Hs  lagrimas. 

Nora  275. 
V  O.  50.  verf.  I.  Xeuxis.  A  competência  de  Xcuxis  com  Pac-i 
fàCio  fe  reduzio  a  pinrar  aquelle  ,  humas  uvas  (  que  he  o  fru^ 
ío  ,  que  Baco  aperra,  em  que  vieraó  picar  os  pallaros  )  porén^ 
Farraíio  pintou  huma  cortina  em  hum  quadro  ,  que  Xeuxis 
v]iiiz  correr  ,  cuidando  que  era  verdadeira  ,  e  perdeo  o  premio: 
deftas  ,  e  outras  pinturas  fe  veja  Piinio  na  hirtoria  natural. 

Frsificifço  Junio  de  Piólura  veterum ,  ç  Topi  Vice  dç  í*ittor| 
«ptjfhi.  '        '  ^       '     '  ""  No? 


D  o    F  o  E  M  J.  49 

Nota.  176- 

O.   50.  vetf.   5.  Protogenes.  Pro:ogenes 
fez  enrre  outros  quadros  famofos,  o  do  Caçador  Jaliro>a  quem 
deu  para  refiftir  ao  tempo  triplicadas  tintas  ,  porque  íe  íe  gaf- 
taíle  a  primeira  ,  foflem  ficando  as  outras. 

Nora  lyj. 

O.  50.  verf.  7.  Jdifo.  Jalifo  era  Paftor,  ou  Caçador  que 
fe  pinta  com  hum  caõ  ,  e  le  louvava  o  Ter  robuílo  ,  e  veloz  , 
e  dizem  deu  íeu  nome  á  Cidade  de  Jaliío   na  Iliia  de  Rhodes. 

Noca   278. 

O.  5r.  verí.  1.  Parrafio.  Parraílo  foy  hum  Pintor  celebre, 
competiocom  Zeuzis ,  veja-fe  a  nora  275.  Com  ©s  exemplos  dos 
que  foraõ  corftantes  nn  primieiro  amor,  íe  perfuade  pela  fingi- 
da Matilde  a  Henrique,  para  que  deixe  o  de  Thereza. 

Nota  tj^. 

O.  51.  verf.  6.  Orfeo.  Moftra-ihe  ,  que  Orfeo  confiante  no 
amor  de  íiia  El^^oík  Euridice,  a  favor  da  fuavidade  da  ína  Li- 
ra,  a  refgatou  do  abiíino,  para  onde  voltou  em  caíligo  da  fua 
coriolidade 

Nota   280. 

O,  52.  verf.  1.  Hypficratea.  Os  exemplos  defta  Oitava  faõ 
do  amor  conjugal ,  pois  Hypficratea,  mulher  de  Mitridares  Rey 
de  Ponto  ,  depois  de  vencido  eftc  por  Pompco  ,  o  feguio  na 
guerra,  veílindo  fc  á  Perfiana. 

Linceo  foy  o  único,  a  quem  Hipermneftra  livrou  da  mor- 
te ,  entre  os  cincoenta  filhos  de  Bello  ,  a  que  matarão  outras 
cantas  filhas  de  Danao  ,  as  quaes  pagaõ  querendo  no  Inferno  ef- 
gotar  hum  tanque  com  hum  crivo,  a  fua  infidelidade.  Protefi^- 
láo  foy  o  primeiro,  que  defembarcou  em  Troya  ,  foy  a  quem 
livrou  da  morte  Aquiles,  amante  de  Dcidamia.  E  fcy  Lauda- 
mia  ,  taõ  fina  efpofa  de  Protifiiáo  ,  que  porque  Hedtor  o  matou, 
pedio  aos  Deoles  lhe  deixalfem  ver  a  lua  fombra ,  e  coníeguin- 
do-o  ,  morreo  de  pena. 

Nora  2S1 

O.  Í3.  verf.  I.  Apollodoro.  Digo  ,  que  foy  ApoUodoro  o 
Pintor,  e  quem  pintou  a  hiftoria  da  conftancia  de  Penélope  a 
íeu  clpozo  (jlifes,  defendendo-fe  em  Ithaca  das  violentas  inftan. 
cias  de  léus  amantes,  como  cantou  Homero,  a  quem  chama- 
rão Milifignes,  pela  razaõ  que  já  dcy  nas  advertências  prelimi- 
nares, era  Apolodoro    Athenieufe,  e  foy  o  primeúo  ,  que  ob- 

f  íervou 


So  :     NOTAS     ' 

fervou  a  proporção  dos  corpos,  e  iníigne  no  debuxo,  e  colorido. 

Nota.  z82. 
rnorifO.  54.  verí.  i.  Calipío  e  Circe.  Qiiem  leo  a  OdiíTea  d& 
Homero  ,  ou  a  OliíTea  de  Gabriel  Pereira  ,  iiaó  pode  ignorar  ©s 
encancos,  com  que  Calipfo  ,  e  Circe,  quizeraõ  embaraçar  a^ 
Ulifes  com  delicias  ,  a  que  voItaíTe  a  ver  íua  efpoza  Penélope  , 
fem  que  o  confeguiíTem.  Lico  foi  caftigado  ,  por  deixar  a  fua 
efpoza  Antiope  por  Dirce ,  que  foy  convertida  cm  Fonte,  per- 
dendo os  feus  dois  primeiros  filhos. 

Nota  28  j. 
O.  ;8.  verf.  5.  Matilde.  Apparece  em  fim  a  fantaílica  Ma- 
tilde,  tendo  dito,  que  Pedro,  e  Sibilla  filhos  de  Henrique 
eraó  vivos,  mas  naõ  que  eraó  Muley  ,  e  Aldara  ,  e  eu  com 
a  permiílaó  de  Poeta  digo  ,  que  faó  verdadeiros  eftes  fin^- 
nientos  ,  para    adornar  o  Epizodio.: 

Nota  zS4, 
O.  70.  I.  verf  Acho  fcmpre  ,  que  a  gruta  bulco  a  boca. 
Depois  que  a  fingida  Matilde  quer  perfuádit  falfamente  a  Hen- 
rique, que  a  tiraiaõ  viva  da  fepultura  em  Bayona,  donde  ve- 
yo  bufcallo  a  Portugal,  e  que  por  premio  do  feu  amor  a  con- 
duzira a  Sibilla  ao  Palácio  da  gloria  ,  que  fe  communicava 
com  a  fua  gruta,  lhe  refere  as  maravilhas,  e  dehcias  de  que 
gozava  para  o  tentar,  a  que  abandonaílc  fua  verdadeira  efpoza* 

Nota  285.  i.isi|í 

O.  71.  verf   I.  Nellc  vejo  os  problemas.    A  primeira"  ren- 

taçaõ  he  enfínar-lhe   os  problemas  ,    e   fegredos:,  que  nunca  fe 

defcubiiraõ ,   ou  que   nos  feculos  futuros  fe  inventarão,  e  os 

iíftemas  da  nova  Filofoíia. 

Nota.  28<j. 
O.  72  verf  1.  EíTa  pedra.  Promete  Matilde  a  Henrique  » 
enfinar-lhe  a  fazer  a  pedra  Filolofal ,  e  explicando-fe  com  os 
racfmos  termos,  que  os  enigmas  dos  Alquimiílas  ,  diz  que  he 
Elixir ,  e  tirado  de  matéria  celefte  ,  que  hade  fixar  o  Mercúrio 
primeira  caufa  do  ouro ,  e  mais  permursçoens  defta  arte  fabu- 
Joza.  Nota  287.      * 

O.  75.  verf  I.  Vitrificaçaõ.  O  ouro  quando  fe  expõem 
aos  rayos  unidos  do  efpelho  uftorio  ,  e  convexo  fe  reduz  a  vi- 
dro, mas  os  Chimicos  querem  ,  que  a  pedra  Filofofal  tenha  a 
cor,  e  efmake  da  vitrificaçaõ ,  mas  que  ficando  branda  para 
penetrar   os  poros  dos  mecacs,   tenha  a  firmeza   do  ouro. 

No. 


D  o   P  o  E  M  J.  ji 

Nota  zS8. 
0. 75.  verl.  7.  Panacea.  Naõ  prometem  menos  os  profeflbres, 
que  a  riqueza,  e  a  faude  ,  e  elles  laõ  os  primeiros,  que  naõ 
coftumaó  ter  huma,  nem  cjira  ,  porque  ambas  fc  lhes  diífi- 
paõ  no  togo,  e  alllm  ciiamaõ  á  pedra  ■Filofofal  Panacea  ,  que 
fignifica  univeríal  medicina.  Efre  nome  le  vulgarizou  applicando- 
fe  a  alguns  remédios  ,  que  o  naõ  merecem  :  porque  o  que  le 
applica  a  touai-  as  doenças  ,  coiliunvi  curar  poucas  ,  pois  he  <^i' 
íicil ,  que  os  achaques,  e  03  temperamentos  achem  hum  leme- 
dio  univeríal ,  fendo  caõ  diverías  ,  depois  que  Deos  maudou  guar- 
dar com  huma  efpada  de  fogo  o  pomo  da  vida. 

Nota  189. 
O.    74.  verf.   4.  Filaderes.  Efte  nome  fc   diriva  de  Philos , 
que  em   Grego   íigniHca  Amor  ,   e   íe  dá  aos   efcriptos  ,  a  que 
íeacribiie  cauíàr  magicamente  efta  paixaõ  ,  vulgarmente  chama- 
dos cacEa  d&;  cocar. 

. >  ?)  'Jt i  ;::;■;  jm  ú  íí.  :■         Nota  190, 
O.  74.  verf.  8.  O  Amor   filho    do  crhne  ,  c  da  violência.' 
Naõ   he  imprópria  efta  origem  do  amor  criminofo  ,  de  que  fe 
atribuem  á  arte  magica  violentos  ,  c  criminofos  effeitos. 
g.,  Nota   291. 

O.  75.  verf  8.  Huma  fetta  de  chumbo.  Depois  de  expli- 
car a  projecção  chimica,  conclue  comparando  os  effeitos  da  pe- 
dra filoíofal ,  de  que  hum  he  transformar  o  chumbo  cm  ou- 
jO,  com  os  do  Cupido,  de  quem  a  fabula  diz,  que  com  as 
fCttAs  de  chumbo  caulava  ódio  ,  e  amor  com  as  de  ouro. 

Nota  292. 
O.  76.  verf  z.  E  a  pedra.  O  Magnctifmo  da  terra  naõ 
le  pode  explicar  por  principies  fificos,  e  mathemathicos  em  hu- 
ma breve  nota,  porém  com  elle  he  atrahida  ,  veja-fe  Rohault 
na  fua  Fiíica  ,  porém  he  certo ,  que  a  pedra  de  cevar  fe  naõ 
conheceo  entre  os  antigos  ,  mais  que  por  atrahir  o  ferro,  mas 
naõ  por  bufcar  o  polo  do  Norte  ,  c  no  tempo  do  Conde  D. 
Henrique  ,  ou  pouco  depois ,  dizem  ,  que  le  acha  em  hum  Poe- 
ta Francez,  que  havia  huma  pedra  amante  do  Polo ;  chamava- 
fe  o  Poeta  Guiot  de  Provines  j  os  feus  verfos  traz  Faucher  ,  c 
dizem  que  pelos  annos  de  1200.  íe  principiou  a  conhecer, 
que   bulcava  o  polo. 

Nota  295. 
O.  7(5.  verf,  5.  Fogo  central.    Como  o  fogo  do  Inferno  hp 

fii  m«. 


52  '    N  O  "f  ^  S 

material,  difconem  alguns  Filofofos  como  Kirker  no  feu  Mun- 
do íubtenaneo  ,  o  Padre  Gafpar  Scoro  no  feu  tratado  da  oii- 
gem  das  fontes,  que  defte  fogo,  e  naó  fò  do  calor  do  Sol  fe 
formão  os  metaes  .  e  fe  produzem  outros  effeitos  dentro  na  ter- 
ra, a  que  os  rayos  do  mefmo  Sol  naõ  podem  penetrar. 

Nota  194. 
O.  76.  verf  5.  Paralelifmo.  Efte  termo  fc  dá  no  fiftema  de 
Copérnico  a  hum  terceiro  movimento,  qne  fuppoem  na  terra  pa- 
ra confervar  o  feu  eixo  paralelo  ao  do  univerfo  ,  e  fc  advirta  , 
que  efta  opinião,  que  fe  fegue  como  Hypothezi ,  ou  fuppofiçaõ, 
aqui  íe  trata  poeticamente,  ainda  que  pareceíle,  que  fe  aífirma- 
va  podem  íatisfívzer-fe  os  efcrupulofos ,  com  que  aqui  hc  o  De- 
mónio quem  falia ,  e  naõ  coftuma  dizer  a  verdade  ,  e  em  hu- 
ma  diíTertaçaó  que  fiz  ,  fe  poderá  ler  largamente  efta  matéria  , 
lubre  que  fe  acha  tanto  efcrito  ,  e  dizem  que  efte  movimento 
íe  naõ  fenre  pelo  coftume  ,  e  que  também  com  a  .terra  fe  move 
o  íeu  ambiente  ,  que  he  a  regiaó  do  ar  ,  que  lhe  eftá  mais  ve- 
fuihâ.  Nota  295. 

O.  77.  verC  I.  Cubo  duplicado.  A  duplicação  da  Cubo 
he  hum  problema  de  Geometria,  que  ainda  fenaó  refolveo  poc 
lenaõ  ter  achado  medida  certa  às  linhas  Diagonaes  ,  que  íaõ  as 
que  correm  de  canto  a  canto ,  c  por  iflfo  fe  chamaú  .ainda^ia- 
çommeníuraveis.  ,  U  6f^'\^^-  o.i^iu.^  ^ 

Nota  296.  \  '     í 

O.  77.  verf.  3.  Com  o  circulo  quadrada.  A  quadratura  do 
Circulo  fenaõ  tem  delcuberco  ainda  perfeitamente  ,  porque  íc- 
naõ  acha  a  proporção  da  linha  do  Diâmetro  com  a  da  circunfe- 
rência ,  que  cm  Gtego  fe  chama  periferia.  Entende-fe  ,  que  a 
differença  mais  próxima  de  huma  a  outra  linha  ,  naõ  he  como 
7.  para  21.  como  lhe  dava  ò  infigne  Archimedes,  mas  de  115. 
para  355.  como  lhe  aflignalla  Adriano.  Metio ,  ainda  aíluu  fe- 
naó  ajufta. 

,    :j..:í^.  Nota    297. 

-?.  . 0.':77,  verf.  5.  Moto  perene.  A  mecânica,  que  he  huma 
das  partes  rnais  nobres,  e  mais  úteis  dá  Matheraatica,  contra 
a  vulgar  íignificaçaõ,  que  fe  dá  ao  feu  nome,  tem  ainda  en- 
tre os  feu s  fegredos  naõ  deícubertos  ,  o  do  movimento  perpe- 
tuo, em  que  a  mayor  difKculdade  eftá  na  duração  dos  inílru-. 
mentos,  que  le  lhe  haóde  applicar  ,  para  que  o  primeiro  im- 
pulfo  fe  vá  fçmpre  rçlUurando,  deoois  de  voltar  do  centro  da 
gravidade,  N^- 


D  o    T  o  E  M  A.  ;3 

^v:  /  Nota   25^8. 

h  O.  77  vciT.  S.  Se  o  pêndulo.  O  famofo  Holandcz.  Huygens 
acKou  a  m<sditJa  da  Cicloide,  e  por  ella  ajuftou  as  vibraçocns  , 
e  olcilaçoens  do  pêndulo,  que  logo  applicou  com  grande  uti- 
lidade para  a  certeza  dos  relógios  ;  e  fe  lioiiveíle  hum  ,  em  que 
efte  movimento  perfeitamente  í'e  ajaftalle,  e  naõ  fe  alteraíTe  com 
a  agitação  dos  Navios ,  fe  acharia  a  deíejada  certeza  da  navega- 
ção de  Lefte  ao  Oefte  para  o  ponto  fixo  das  longitudes  com- 
parando a  hora,  que  moflrade  o  Sol  como  o  relógio  da  Pên- 
dula aílígnaline  ,  que  havia  de  Ter  a  que  entaõ  foíTe  no  Por- 
to de  que  lahio  o  Navio  ,  por  onde  fe  faberia  pela  diífercnça 
dos  meridianos,  e  parallelos ,  quanto  Te  tinhaó  apartado  para  o 
OdCiíte  »  pu  para  o  Occidente 
■  ■  uttxii.  ,c-i  ,>!f  Nota   199' 

O.  78.   verf.  I.   Antecipar  prefume.  Naõ   ío  promette  a  en- 
ganofa   Sybiila  para  tentar   ao  Heroe  os  problemas  ,  e  inventos 
que  ainda  fe  naó  deícobriraõ  ,   mas  03    que   no  feu  feciilo  naõ 
eftavaó  defcubertos  :    entre  eíles  foy  hum    dos  mais  úteis  o  da 
impreíTaó  ;  e  aílnn   o  íeu  inventor  ,    como  o  verdadeiro  anno , 
em  que  principiou  ,  naõ  eílá  de  todo  averiguado,  mas  a  opinião 
mais  commua   he  que  efta  gloria  íè  deve  á  Cidade  de   Mogun- 
cia,  primeiro    Eleitorado    de  Alemanha  ,   onde  Joaõ   Faufto,    ou 
Full  ,  c  Joaò   Gutemberg  com    humas   letras  abertas   em   huma 
taboa  que  encherão  de  tinta  ,  foraó  aperfeiçoando  eíla  Arte  ,  e 
aggregaraõ  Pedro  Schefer    entre   o  anno  de    144.2.  e  o  de  1450. 
porque  antes  deites  naõ.  ha  com  certeza  livro  impreflb.  A  Cida- 
de de  Harlen»  em  Holanda    diíputa  efta   gloria  como   pátria  de 
Lourenço   Cuiter,  a  quem  dizem  furtarão  o  fegredo  os  dois  re- 
feridos de  Moguncia  íèiido  elle  feu  hofpede.   Ke  certo,  que  os 
Europeos  acharão  já  eíla  Arte  na  Chiui  ,  onde  era   muito  aar 
tiga  ,  e  o  mefmo  dizem  da  Pólvora.. 

Nota  500. 
,0.  78.  verf.  7.  Microfcopio.  :OcuIo  de  ver  coufas  peque- 
nas,  como  diz  o  feu  nome  Grego,  e  ha  quem  affirme  ,  que 
com  elle  fe  vem  infecTros  de  que  o  Oiíaó  ,  que  era  o  mais  pe- 
queno ,  que  fe  via  com  os  olhos  ,  faz  tanta  differença  ,  como  o 
Elefante  fazia  ao  Oifaó  :  com  efte  inítrumento  fe  tem  defcii- 
herto,.queos  Médicos,  e  Filofofos  antigos  difcorreraõ  errada- 
mente por  falta  de  huma  taõ  útil  invenção  rcfervada  para  os 
Igculos  mais  modernos.  ,      , 

No- 


J4  :    N  O  1  A  s 

Nora  501, 
O.  78.  verf.  8.  Teíefcopio.  Oculo  grande  para  obfervar  as 
Eftrellas  ,  como  também  diz  o  íeu  nome,  e  faó  tantas  as  que 
fc  deícubriíaõ  com  efte  excellenre  inftrumento  , -que  fendo  f 6  , 
eómo  já  apontey  lozs.  as  que  fe  vem  com  os  olhos,  fó  na  Conf- 
telaçaó  de  Orinn  fe  achaó  quaíi  outras  tantas  j  a  elle  devemos 
ver  os  Satélites  de  Saturno  ,  e  os  quatro  de  Júpiter,  de  que 
as  cmitinuas  emerfoens  ,  e  eclipfes  deraõ  pelas  taboas  Loxodro- 
micas    tanta  luz  ás  longitudes. 

Nota  502. 
O.    79.  verf.    I.   Contar   do  tempo.   A  invenção   dos    reló- 
gios ,  que  íe  propõem  a  Henrique  ,  poderia  íer  já  conhecida  no 
feu  tempo  ,  pois  fe  affirma  que   Hayton  Rey  de  Arménia  man» 
dou  ao  Emperador  Carlos  Magno  ,  pouco  depois  do   anno  de, 
800.   hum   relógio  de  horas  com  muitos  movimentos  diveríòs  , 
mas  antes  do  anno   de    1300.  naó  foy  mais  conhecida  em  Eu- 
ropa ,  ao  menos  em  Portugal,  eíla  admirável  invenção,  que  ran«. 
to  fe  aperfeiçoou  em  Inglaterra,  e  com  o  pêndulo,  como  já  diífe, 
vejá-le  o  exceliente  Poema  ,  que  em  louvor  dos  relógios  efcre- 
yeo   Hieronymo  Preti  Poeta  Italiano,  e  principia,^ 
Fabricando  fomra  ,    e  viva  rmie  ,  >       ' 
/'  arte  fi  moffe  ad  emular  natura. 

Nota    305. 
O.  79.  verf.  7.  Panecio.    O  Filolofo  Panecio  eníínou  ,  co- 
mo.diz  Cícero  ,  excellentes   máximas   militares  ao  grande   Sci- 
físLÔ  Africano.     Veja-íè  no  iivro  5.  de  Officiis. 

Nota.  504V" 
O.  79.  verf,   8.   Vegccio.  Flávio   Vegecio  Varaõ  confular , 
que  floreceo  no  ... .  feculo  efcreveo  a  Arte  militar  mais  completa  , 
que  temos  dos  antigos ,  e  íe  imprimio  na  ediçaõ  de  4.  de 

do   anno  com  excellentes  notas  de  vários  Autores,  e 

alguns  lugares  íe  explicariaõ  melhor  fe  íerviíTc  hum  manufcriro 
do  mefmo  tempo  do  Conde  D.  Henrique ,  que  íe  conferva  na 
Livraria  Ericeiriana. 

Nota  305. 
'^  O.  80.  verf.  8.  Germânia.  Invenção  da  pólvora  veyo  de 
<3ermania,  ou  Alemanha,  e  íe  atribuè  a  hum  frade  chamado 
-Bertoldo  Schuartz  ,  que  fignifica  negro,  no  decimo  quarto  fe- 
culo. Dizem  que  uz.araõ  primeiro  delia  os  Turcos  no  íitio  de 
Rodes,  e  em  Portugal  foy  ccnhçcidd  no  de  Lisboa  no  tempc» 

dei 


D  o    T  o  E  M  J.  jy 

delRey  Dorrt  Joa5  o  primeiro  ,  de  que  eu  vi  aiiula  na  Fortaleza 
de  S.  Juliuõ  ca  Barra  de  Lisboa  as  primeiras  peças  muito  informes 
chamadas  Trons,  que  atirnvaó  com  balas  de  pedra  de  que  os  Tur- 
cos ainda  ufaõ  nas  fuás  Siikanas  ,  lançando-as  de  extraordinária 
grandeza,  nas  nàos  dos  Condes  do  Rio  grande,  e  S.  Vicente,  quan- 
do eftes  os  vencerão  nos  mares  de  Grécia,  como  já  referi  no  fe- 
gundo    canto.  Nota.  306. 

O'  81.  verí.  r.  Dois  mineraes  a  hum  material  unidos  he  bem 
vulgar  que  os  dois  mineraes  íaó  o  falicre,  e  o  inxofie,  e  o  materiai 
o  carvaó ,  e  que  deíles  três  ingredientes  fe  faz  a  pólvora. 

Nota  307. 

O'  Sy-  verf.  I.  O  íítio  fótma:  como  a  Sybila  moftra  a  Henri- 
que em  profecias  os  effeytos  da  pólvora,  como  no  feu  Orlando  fii- 
rioío  aleguey  nas  advertécias  preliminares  fizera  o  admirável  A riç)f- 
ro,  também  em  poutos  veríbs  deduzi  os  termos  da  fortificação 
moderna  na  expugnaçaó  ,  e  defenfa  das  praças  que  vay  nefta  oita- 
va, e  na  feguinte,  e  de  que  íupponho  ,  que  os  meus  leitores  eftaraõ 
inlhuidos  ,  podendo  ver  as  íuas  difinicoens  entre  outros  autores 
no  eftimavel  Livro  intitulado  Engenheiro  Portuguez  que  compoz^ 
o  Sargento  mor  de  Batalha  ,  e  Engenheiro  mòr  Manoel  de  Azevedo 
Forces  ,  meu  Meftre  da  Filofofiá  Carteziana,  e  de  algumas  partes 
da  Mathematica,  que  me  naõ  tinha  cnfinado  o  incomparável  Ma- 
noel Pimentel  Cofmografo  mor. 

Nota   505. 

O'  87.  verí.  I.  Exalaçoens  :  também  pintey  hum  fogo  artifi- 
cial comparando  os  frutos  das  fuás  arVores  com  os  pomos  de  ouro 
do  jardim  Heíperio  ,  já  explicados.  ,;; 

Nota.  509. 

O'  90.  verf.  8»  Da  belliífima  Matilde:  como  efte  palácio  da 
gloria  humana  he  todo  formado  pelas  illufoens  dos  màos  efpiritos 
para  preverter  a  virtude  de  Henrique,  aíiim  como  hum  tomou  a  for- 
ma âíi  morta  Matilde,  outro  fe  transformou  na  virtuofa  SibiilaHc- 
rophile  pira   authorizar  efta  ficção. 

Neta   310. 

O*  91.  verf.  8.  a  Affonío  :  Qiier  a  falfa  Sibilla  perfuadir  à 
Heniiquc,que  Matilde  eftà  viva,c  que  como  também  ocfià  feu  filho 
Pedro,  e.'tc  deve  fucccdcrlhe,  e  naõAfonfo,  e  que  bem  fe  vè , 
que  o  Ceo  no  embaraço  com  que  lhe  vedou  o  poder  andar  ,  jà 
moftrou  a  inutilidade,  também  alegoricatnenre  da  a  entender,  que 
peia  melma cauía  havia  de  fubílituic  muitos  íçculos  depois  a£lRcy 

Dom 


56  N  O  T  J  S 

Dom  AíFonfo  Texto  o  Infante  Dom  Pedro  íeU  irmaõ.  'j 

Nota  511. 
O'   9i.    verf.  7.  Filha    de  Aclòo.  as  Sereas  eraõ   filhas  de 
Aclòo  ,  e  fuípendiaó  com  o   canto  ,  paia  matar  depois  a  quem 
as  tinha  ouvido. 

Nota  3  i  i. 
O*  9z  verf.  8.  Canto  Lidio.  O  canto  Lidio  ,  e  a  muíica 
Cromathica.  O  canto  Lidio,  he  hum  dos  íete,  ou  oito  modos  dos 
cantos  antigos,  he  dos  mais  íuaves,  veja-fe  Prolomeol.  i.  cap.  10. 
cMerfeno  de  armonia:  a  Cromática  he  a  mufica  ,  que  tem  mui- 
tos finaes ,  intervalos ,  cordas ,  e  kmitonos  ,  que  íufpendem,  e  ad- 
miraõ  agradavelmente  aos   que  a  ouvem. 

Nota  315.  , 

O'  93.  verf.  I.  Alma  do  mundo.  Os  Filofofos  antigos 
entenderão  que  o  mundo  era  animado,  e  Platão,  que  o  amor 
era  efta  alma. 

Nota  3 14. 
O'  94-  verC  4.  No  antigo  eípofo:  Tythan  erpofo  de  Aurora 
envelheceo  de  forte,  que  ella  madruga  por  fugtrlhe,  e  diz  a  fabu- 
la, que  ifto  fuccedeo  pelo  defcuido  em  que  ella  pedio  aos  Deoíes 
que  lhe  deflcm  a  immortalidade  eíquecendo-lhe  pedirlhe,  que  o 
perzervaííem  da  vslhice  confervando  o  na  idade  juvenil  em 
que  eftava. 

Nota  315'. 
O'  94.  verf.  Aóleon  :  Diana,  que  permíttio  por  decorofosos 
affedos  de  Endimion  preiniando-o  em  fonlios,  cafligou  por  íacri- 
Icga  a  cuiioíidacle  de  Acleon  ,  a  quem  tranformou  cm  cervo  por- 
que a  efpreitou  eftando  com  as  fuás  Ninfas  no  banho. 

Nota  3  i(j. 
O'    96.   verí.   8-  Amor    gigante  :  já  explicamos   a   fabula  de 
Clicie,  e  o  Girafol  em  que  fe  converteo,  fe  chama  também  Acan- 
tho,  e  flor  gigante,  por  ler  a  mais  alta  das  flores. 

Nota  317. 
O'  97.  vor(.  1.  Vibora  :  entre  as  fabulas  que  os  antigos  que 
efcreveraõ  a  Hiftoria  natural  affirmaraó^e  que  os  Oradores,  Poetas, 
e  Filofofos  moraes  feguiraõ  para  as  íuas  comparaçoens,  deo  a  vibo- 
ra baítante  aíTumpto.  dizendo,  que  para  que  íc  naú  mnltiplicafleefta 
eipecie  veneiiofa,  perde  o  pay  a  vida  ao  gerar ,  e  a  máy  ao  parir  . 
3íJi>  ,i^í>fi..!  }  fc  ,'i  j  .■'ií'rrr-i:-Nota  318, 

y^.HíQf   lo^/tvepfi- «v  Três  talentos  á  conítancia  de  Henrique 
u.'/l  vay 


D  o    P  o  E  M  A.  57 

vay  defcubrindo  os  enganos  do  génio  maligno  trânsforniado  na 
Sibilla,  elhe  argue,  que  perfiiadinilo-o  a  que  fique  naqaellc  Palácio 
lhe  difliculre  o  empregar  no  templo  de  Maria  os  trts  talentos  que 
lhe  deo  na  giuta  como  vimos  no  Canto  2. 

Nota      3Í9. 

O.  III.  verf.  I.  Divina  Aurora.  He  efra  oitava  como  todos 
advertirão  huma  tradução  fiel  das  palavras  ,  que  a  Igreja  applica  a 
Nolfa  Senhora  nas  ílias  liçoens  :  Qua^i  ,  aurora  confurgens ,  pulcbra 
ut  Lttna  ,  eleãa  m  Sol ,  terrtbíits ,  ut  cajirorum  acies  ordwata. 

Nota     310. 

O.  112.  yer{.  7.  Gitaldo.  S.  Giraldo  Arcebifpo  de  Draga 
Primaz  das  Hefpanhas  floreceo  em  letras  ,  e  virtudes  no  tempo  do 
Conde  Dom  Henrique,  c  por  efta  catTa  o  introduzi  no  Poema 
para  o  confelho,  para  as  acçoens  do  Sacerdócio,  e  para  as  inf- 
piraçoens ,  e  milagres. 

Nora    52!. 

O.  114.  verf.  8.  A  quinta  de  Rcfende.  S.  Giraldo  confirma 
com  huma  revelação ,  que  tudo  quanto  tinha  viílo  Henrique  ,  fora 
ilufaõ  Diabólica  ,  c  o  conduzio  para  a  quinta  de  Refende  em  que 
ainda  hoje  fe  conferva  a  cafa,  e  a  tradição  de  que  nella  fe  criara 
ElRey  Dom  Afonfo  Henriques  ,  e  foy  como  digo  na  oitava  feguin- 
te  da  familia  dos  Rezendes,  aquém  herdou  ailluítre  dos  CaftroS 
hoje  Almeirante  de  Portugal. 

CANTO    V. 

Nota    322. 
O.    1.  verí!    I.  Dia  do  Sol.  Como  os  dias  da  Semana  eraõ 
dedicados  aos  íete  planetas  ,  fe  applicava   o  Domingo  ao  Sol   em 
quanto  a  verdadeira  Religião  o  naõ  fantificou. 

Nota    325. 
O.  1,  verf.   1.  Contava  a  tradição.  A  hiftoria  do  defcubri- 
mento  da  Imagem  de  NoíTa  Senhora  de  Carquere  ,  he  aqui  quafii 
copiada  da  mefma  que  efcreve  Fr.  Agoftinho  de  Santa  Maria  ,  no 
Santuário  Mariano  Sigo  a  opinião  de  Faria,  e  ou- 

çrps  ,  que  atribuem  a  fundação  ao  Conde  Dom  Henrique  em 
1099.  por  caufa  do  milagre  ,  ainda  que  Cardofo  ,  e  outros  dizem 
que  foy  em  1 13 1.  por  ElRey  D.  Afonlo  Henriques  fendo  Infante. 

Nota    524. 
O.  ;.  verf.  4.  Bronte.  He  Hyperbole  como  toda  efta  oitít- 

s  va 


j8  ;     NOTA  ÍJ  O. 

va  dizer  que  o  caftanheiro  era  taõ  alto  ,  que  excedia  ã  região  das 
nuvens,  e  aíHm  deixava  inúteis  os  rayos  na  forja,  onde  Bronte  ,  e 
Eftercpe  dois  dos  ties  Ciclopes  os  fabricaò.  Naó  he  fabula  dizer 
que  na  terra  ha  montes  mais  altos  que  as  nuvens  ,  porque  o 
Padre  Fernando  de  Ovallejezuita  de  grande  fé,  refere  na  fua  Hif- 
toriade  Chili ,  que  foj  com  alguns  companheiros  ao  cume  de  Ser- 
ranevada  chamada  Cordillera,  e  Andes  na  America,  onde  ac- 
hou ,  que  as  nuvens,  vento,  chuva  ,  e  rayos  cahiaõ  fohre  a  terra  fi- 
candolhe  eiles  fuperiores,  c  para  rcfpirarem  em  elemento  taõ  puro 
levarão  remédios  humeíSlantes  ,  com  que  ícmprc  eftavaõ  molhan- 
do a  boca  ,   e  os  narizes. 

Nota  52  f. 
O.  6.  verf  1.  Hamadriadas.  Ninfas  que  eílaõ  nas  arvores, 
como  fingio  a  fabula  ,  e  fignihcaó  a  fua  alma  vegetativa,  comoella 
com  os  feus  Filofofos  íe  explicavaõ,  naó  conhecendo  ainda  que  ha 
nas  arvores  huma  circulação  de  Suco  como  nos  homens,  e  nos 
brutos  ,  e  que  o  fecarfe  hum  ramo  he  como  fe  faltaífcm  os  efpiri- 
tos  ,  paraíTe  o  fangue,  donde  procede  nos  homens  a  Paralyzía. 
liiveíligou  melhor,  e  delcobrio  a  anatomia  das  Plantas,  o  cele- 
bre Mapighl.  Nota    5z6. 

O.  6.  verf  j.  Sacro  metal  Sonoro.  O  Santuário  Mariano  ja 
alegado  conta  que  a  imagem  de  Carquere  fe  achou  no  concavo  do 
tronco  de  hum  caftanhciro  dentro  de  hum  pequeno  íino. 

Nota     527. 
O.  7.  verf.   2.   Dodona.  As  arvores  de  boíque  de  Dodoha 
cm  Giecia  refpondiaõ  como  Oráculos  ,  e  lhes  dava  efte  ufo  Jafon  , 
confultando  o  maftro  grande  da  fua  nao  Argos,  que  era   feito 
de  Jiuma  deftas  arvores. 

Nota  528. 
O.  II.  verf.  5.  Paládio.  O  Paládio  foy  a  caufa  do  incêndio 
de  Troya  fendo  dedicado  a  Palas  ocavallo  de  Madeira,  quecncu- 
brio  os  Gregos  que  àabrafaraó,  e  era  o  Paládio  o  fímulaçro  de 
Palas ,  qnc  cahio  do  Ceo  cm  hum  templo  de  Troya  ,  e  como  nao 
podia  ler  ganhada  ,  fcm  o  roubarem ,  o  confeguiraõ  Ulyfes,  e  Dio- 
mcdes.  Nota    329. 

O.  12.  verf.  6.  Claraval.  Profetiza  S.  Giraldo,  que  o  Reynó 
de  Portugal  íèmpre  feria  gloriolo  ,  pois  o  Conde  Dom  Henrique  o 
fundava  com  o  templo  de  NoíTa  Senhora  de  Carquere,  e  ElRey 
D.  Afonfo  Henriques  o  faria  feudatario  a  NoíTa  Sci^hora  de  Cia- 
tàval ,  que  hc  o  Orago  em  França  da  Ordem  <ic  Cifter  que  S.  Ber- 

nar- 


D  o    F  o  E  M  J.  59 

nardo  entaõ  cambem   fundava,  e  pronofticou  ao  mcfmo  Rey  as 
mayores  fortunas.  Nota     530. 

O-  12.  verf  6.  E  hum  Joaò.  FIRcy  Dom  Joaõ  o  quârto  de- 
pois da  fua  feliz  aclamação,  jurou  a  Conceição  Immaculada  .  e  a 
declarou  piocectora  do  Rcyno  pagando-líie  cada  anno  hum  feudo 
em  medalhas  de  ouro  dedicadas  a  eternizar  efta  devoção  ,  e  feofíe- 
recem  pelos  Reys  feus  fuceiTores  na  fua  Real  Capella  para  fe  paga- 
rem à  Conceição  de  VilJa  Viçoza. 

Nota     551. 

O-  i.  G.  verf.  6.  Circes,  e  Medcas.  A  formofura  de  Axa,  e 
de  Aldara,  naó  ncceliitava  dos  encantos  com  que  Circequiz  de- 
ter Ulylles,  nem  dos  de  Medea ,  que  pelo  amor  dejafon  fez  pela 
fua  magica  tantos  prodígios  em  Colços  para  roubar  o  Velocinio  de 
ouro,  e  depois  ciofa  de  que  elle  ingrato  a  deixaíTe  por  Glauca,  ou 
Crcuza  filha  de  Creon  Rey  de  Corintho,as  queimou,  e  defpedaçou 
os  dous  filhos  que  a  mefma  Medea  tinha  dejafon,  e  quando  antes 
do  incêndio  do  feu  Palácio  apparecendo  pelo  ar  em  hum  car^ro  de 
Dragoens  de  fogo  ,  elle  duvidou  ,  que  lhe  pudellc  fazer  dano 
quando  tinha  experimentado  os  portentos  com  que  lhe  tinha  guar- 
dado a  vida,  lhe  refpondeo  ella  com  aquelle  admirável  Dilema, 
que  nos  confervou  Quintiliano  fendo  quaíj  o  único  fragmento  , 
que  permanece  da  tragedia  de  Medea  compoíla  por  Ovidio,  e  jul- 
gada por  igual  ás  melhores  dos  Gregos. 

Servare potui,  perdere  anpojfim  rogas  ? 
Veja-íê  Quintil.  inft.  Orator.  L.  10.  cap.  i.  Ov.  Metarmorph. 

Nota    352. 

O.  37.  vern  I.  Roberto.  No  principio  do  primeiro  Canto 
feleo,  que  Roberto  quando  pela  fua  parte  rebateo  no  aíTalto  de 
Gayaaoaftuto  Muftafà  lhe  deo  a  vida,  e  o  captivou,  o  que  Axa 
lhe  lembra  para  mudar-lhe  a  generofidade  de  Roberto  em  ter  fó  o 
intento  de  perpetuarlhe  com  a  vida ,  a  ignominia  ,  facilitando  lhe 
a  íua  confiança  meyos  da  fuga  pois  lhe  deixava  toda  a  liberdade 
110  campo  em  que  andava  livre. 

Nota     535. 

O.  38.  verf.  I.  Frio  Hermínio.  Jà  fe  difle  que  era  a  Serra 
de  Eftrella  ,  e  Axa  encaminha  a  Muftafá  para  que  defde  Lamego 
a  và  bufcar ,  e  delia  venha  ao  Tejo  para  entrar  na  Eílremadura  ,  ou 
paíTar  ao  Alentejo  ambas  dominadas  pelos  Mouros. 

Nota    554. 

O;  }9'  verf?  i.  Galego  ,  e  Portuguez.  He  o  Dialedo,  que 

g  ii  diz 


6o  NOTAS 

diz  o  primeiro  verío  hnma  diveríidade  da  mefma  língoa  nas  Pro- 
vincias  em  que  fe  falia,  de  qne  os  Gregos  tinliaó  cinco  que  iodos 
eiaõ  permitidos  aos  Poetas.  O  Galego  ,  e  o  Portuguez  faõ  dois 
dialedos  de  Efpanha.  O  erudiciílimo  Feijoo  no  fcu  Theatro  Critico 
pertende,  que  a  língua  Galega  íèja  a  de  que  fc  diriva  a  Portugue- 
za,  e  fendo  corrupção  chamado  Romance  da  Romana:  porém  Mar- 
tinho de  Mendoça  e  Pina  noflfo  doutiflimo  Académico,  refpon- 
deo  eruditamente  a  eíla  opinião  em  hum  papel,  que  imprimio  a- 
nonimo,  e  eu  no  juizo  que  fiz  da  incomparável  obra  do  Theatro 
Critico  acieícentey  novos  fundamentos  fendo  hum  delles  Dom 
Jofé  PelUcer  no  íeu  tratado  da  Hngoa  primitiva  de  Hefpanha  em 
que  pertende  provar,  que  a  primeira  que  nella  fe  fallou  foy  a  do 
Fuerojufgo,  e  eu  procuro  moftrar  que  efta  hc  mais  Poctugucza 
antiga  que  Galega. 

Nota    3  5  5 
O.  40.  verf  4.  Clorinda.  Clorinda  Rainha  de  Gaza  he  a 
Heroina  de  TaíTo  entre  os  Mahometanos,  eu   lhe  atribuo  efta 
guerra  de  Perfia  ,  e  efta  diíçipuia  Ermaíinda,  que  ao  menos  rac 
deo  hum   coníoante. 

Noto  5  3(J. 
O.  41.  verf  5.  Ave  de  Marte.  O  Gallo  como  fintinella  tam- 
bém he  Ave  de  Marte  deos  da  guerra  ,  e  os  antigos  dando  huma 
lazaõ  cfpecuktiva  ao  feu  canto  da  meya  noite  chamado  Galicinio 
dizem  com  pouco  fundamento  que  he  porque  o  Sol  paíTa  naquel- 
le  inftante  diametralmente  por  debaixo  dos  feus  pèz  nos  feiís  an- 
típodas, c  o  pofto  meridiano  do  inferior  emisferio. 

Nota  337. 
O.  42.  verf,  4.  Vay  defconhecido.  Da  origem  de  eícrevet 
por  cyfra  ha  pouca  noticia  na  antiguidade,  e  menos  da  maravi- 
ihoíà  arte  de  decifrallas,  a  que  feda  o  nome  de  poiigrafia-  Hum 
dos  primeiros,  que  tratou  das  regras  de  cifras  foy  o  AbadeTrithc- 
mio,  e  quem  elcreveo  melhor  da  arte  de  deícifrar  foy  o  Du- 
que de  VVirtemberg,tambem  fe  chama  efta  arte  Steganographia. 

Nota     358- 
O.  41.  verl.  g.  Com  a  Imagem  da  guerra.    Bera  fc  deixa 
ver  que  bc  a  caça,  conforme  ao  fabido  verfo. 
O  ÇA^a  viyji  wiagta  de  ia  guerra. 
Nota     $39, 
O.  48.  verf.   I.  Da  Lua.  Dia  da  Lua /ic  a  fegunda  feira,  e 
a  Hngoa  Portugueza  sntre  as  polidas  hç  í©  a  que  tirou  3  memoria 

do 


D  o    T  o  E  M  J.  6i 

do  Gentilifrao  nos  dias  da  femana  chamando  com  a  Igreja  fegiinda 
feira,  ou  feria,  porque  fe  corrompeo,  a  efte,  e  a  os  outros  dias  de 
que  he  o  Domingo  o  primeiro  depois  do  Sabbado,  e  por  iiro  fe 
chamava  com  os  Hebreos  ,  como  le  vé  no  Euangelho  da  Pafclioa, 
Prima  Sabati,  a  que  outros  diziaò  ,  Una  Sabatorum. 

Nota     540. 
O.  49.  verf.    5.  Exalta    Luminoíb.  O  Polo  do   Norte  aqui 
fe  chama  de  Califto  porque  he  o  nome  da  Vrfa  mayor  ,  que  com 
a  menor  chamada  Cynozura  lhe  eftaó  vizinhas:  Lisboa  eftà  em  38. 
gràos,  645.  minutos  de  latitud. 

Nota  341. 
O.  49.  vcrf.  g.  Nove  mil  vezes.  As  legoas  Portuguezas  tem 
cada  huma  três  milhas  de  Itália ,  que  cada  huma  he  de  mil  paíTos 
geométricos  de  que  fe  formou  o  nome  de  milha  ,  c  de  Lamego  ao 
templo  de  Carquere  fe  contaõ  pouco  menos  de  trcs  legoas.  Da» 
Portuguezas  faziaõ  17.  legoas,  emeya,  hum  grào;  porem  por  evi- 
tar o  quebrado,  introduzio  juftamente  Manoel  Pimentel  na  fua 
incomparável  arte  de  navegar,  que  cada  grào  do  circulo  da  terra  fe 
contaíTe  por  ^8.  legoas  Portuguezas  com  que  tem  o  feu  circulo 
máximo  multiplicundo-as  por  560.  gràos  6480.  legoas. 

Nota    541. 
O.   51.  verf.  5.   Leys  Olimpicas.  Bem  fe  fabe  que  os  jogos  O- 
Umpicos  foraõ  os  mais  celebres  de  Grécia,  e  porque  fe  celebrava© 
de  quatro  cm  cjuatro  annos  fe  contava  o  tempo  por  Olimpíadas, 

Nota  343. 
O.  5*1.  verf  7.  De  Ifthmo,  ou  Nemeo,  e  ainda  o  grande 
Pitio.  Dos  jogos  Ifthmicos  porque  fe  celebravaõ  no  Iftmo  deCo- 
lintho  fiz  jà  memoria.  Os  Nemeos  fe  çonfagraraõ  a  Hercules  por 
matar  o  Leaõ  Nemeo,  os  Pitios  a  Apolo  por  vencer  a  Serpente  Pi- 
thon,  de  donde  fe  chamou  Pitio,comoja  adverti  no  quarto  Canto, 
todos  podem  verfe  em  Natal  Comes  na  Mythologia,  e  em  mui- 
tos filólogos.  Nota   344. 

O.  $1.  verf.  I.  Muza ,  que  o  entuííafmo  ,  e  vaticinio.  A 
invocação  da  muza  no  meyo  ào  Poema  he  muito  uíada  ,  baile 
para  exemplo  Camoens  ,  que  tendo  invocado  no  principio  as  Ta-r 
gides,  invoca  a  Caliope. 

Agora  tu  Caliope  me  enfina , 
O  que  contou  ao  Hey  o  iilufúe  Gauia. 
Éntuziafmo  he  o  furor  ,  ou  nobre  loucura  dos  poetas  ,  vaticinio 
o  que  pronofticaó ,  e  por  iílo  foraõ  chamados  vates,  e  eu  bem 

poflb 


62  NOTAS 

poíTo  nefte  lugar  invocar  huma  Muza  Sacra,como  fiz  no  princípio" 
de  Poema ,  pois  os  jogos  eraó  cambem  Sacros  dedicados  à  funda- 
ção do  templo  da  Virgem  Maria.  Lembro  primeiro  à  Muza  os  jo- 
gos, que  Homero  defcreveo  no  fim  da  Iliada  confagrados  por 
Achiles  nas  exéquias  de  Teu  amigo  Patroclo  filho  de  Menetio  ,  c 
ciiamado  Meneciades  ,  e  naõ  íêy  como  na5  quiz  algum  ignorante 
adulador  dar  aos  Meneies  efta  fabuloza  origem  como  feriamcnce 
íe  acribuio  a  algumas ,  pella  íèmclhanca  dos  nomes. 

Nota  545. 

O.  52*  verí.  5.  E  nos  do  Pay  do  fundador  Lavinio.  Virgílio 
uoqumto  livro  da  Eneada  cantou  com  eftillo  fublime  os  jogos  qne 
ceiebrou  Eneas  depois  eípofo  de  Lavinia  ,  e  fundador  do  Reyno 
de  Itália  : 

Lavina  que  venit  ittora , 
na  morte  de  feu  Pay  Anchizes. 

Nota     546. 

O.  52.  verí.  5.  Papinio.  Eftacio  Papinio  deícreveo  com 
grande  efpirico,  e  muito  largamente  h uns  jogos  na  fua  Thebaida  , 
que  como  adverti,  procurey  imitar  nefta  parte,  mas  Como  elle  re- 
conheço, quando  digo  ao  menos  ,  e  elle  he  inferior  a  Homero  ,  e 
aVirgilio.  Nota   347. 

O.  54.  vcrf.  2.  CipariíTos.  Foy  CipariíTo  favorecido  de  Apo- 
lo ,  e  pela  fua  morte  trágica,  foy  transformado  em  arvore  trifte,  e 
deftinada  para  as  pompas  fúnebres. 

Nota   548. 

O.  $$-»  verf.  I.  O  inftrumento  de  Ceres.  He  a  foice  deíla 
Deofa  da  Agricultura. 

Nota    549. 

O.   5í.  vcrf.   3.  Volturno.  He  hum  vento  rápido. 


Nota    3  5'o. 
O.   $6.  verf.  2.  Circo.   Em  quanto  a   Lua  deícreve   o  ícu 
circulo  de  hum  mez  fe  previne  na  terra  o  circo,  que  he  o  lugar  on- 
de çelebravaó  os  antigos  os  jogos  que  chamavaõ  Circeníès,  vcja-íè 
o  douto  livro  que  delles  efcreveo  Onufrio  Panvino. 

Nota    551. 
O.  -jC.  verf.  8.  Artur ,  e  Carlos  Magno.  As  verdadeiras  híA 
torias  defte  dois  herocs  de  que  hum  foy  Reyda  Giàó  Bercanha,  çu- 

tro 


63 


D  O    P  O  E  M  J. 

cro  Emperador  Rey  de  França,  fe  alcerararaó  com  muitas  fabulas 
de  Cavalleiros  Andantes,  e  dos  da  Tabula  redonda  com  muitos 
amores,  e  Torneios.  Nota    552. 

O.  58.  verf.  2.  Ecliptica.  He  a  Ecliptica  o  circulo,  e  cami- 
nho que  faz  o  Sol  em  linhas  efpiraes  na  esfera  Celefte,  e  corta  o 
Zodíaco  fem  paíTar  dos  dois  Trópicos,  eaqui  fe  compara  poetica- 
mente ao  lugar  que  occupavaó  asPrincezas,  cDamas,  aquém  os 
Poetas  liberalmente  naó  daõ  menos,  que  dois  Soes  a  cada  huma. 

Nota    553. 

O.  61.  verf  5.  Pan.  As  producçoens ,  que  Pan  vè  transfor- 
madas faõ  as  canas  mudando-fe  em  huma  a  Ninfa  Syringa  fugindo 
o  feu  amsr ,  e  aflim  defcrevo  a  fefta  Heípanhola  do  jogo  das  ca- 
nas, qne  he  huma  das  mais  luzidas,  e  fe  compõem  de  quadrilhas 
de  féis  cavalleiros  cada  huma  de  que  hum  fe  chama  quadrilheiro  , 
outro  Mouraõ,  veftidos  à  mourifca  com  marloras  ,  e  capelhares, 
nomes  próprios  deíle  trage,  e  cada  huma  he  de  cor  diverfa  ,  e  nas 
fefta$  Rcaes  fe  tiraõ  eftas  cores  por  forte  na  Secretaria  de  Eftado. 

Nota    3*54. 

O.  61.  verf.  8.  A  maõ  de  Midas.  Para  dizer  que  as  canas 
eraõ  douradas  lhe  applico  a  fabula  vulgar  de  que  o  avarento  xVlidas 
Rey  de  Phrigia  pedindo  aos  Deofes  que  tudo  o  que  tocaífe  fe  con- 
verteífe  em  ouro,  e  fuccedeo  o  meímo  com  o  que  intentava  comer, 
e  morreu  de  fome,  de  que  fe  originou  o  adagio  :  Itiopem  me  copia 
fectt.  Nota    355. 

O.  6i.  verf.  i.  Opulento  metal.  O  ouro,  que  he  o  metal 
mais  rico,  e  que  fe  atribue  ao  Sol,  era  fera  outra  figura  ,  o  efcudo 
antigo  dos  Menezes  que  tomarão  o  axpelido  em  Dom  Tello  Peres 
de  Menezes  filho  de  D.  Pedro  Bernardo,  e  Senhor  de  huma  Villa 
defte  nome ,  e  de  outras  muitas.  O  Padre  Menellrier  na  fua  Scisn- 
cia  do  Brazaó,  em  que  he  texto,  traz  pelo  primeiro  exemplo  da  re- 
gra das  Armas  o  efcudo  de  ouro  puro,  que  trafia  Dom  Joaõ  de 
Menefes,  que  cafou  com  Maria  de  Borgonha, que  ignoramos  quem 
foílc.  Das  mudanças  defte  efcudo  naõ  trato  agora  ,  e  íó  do  tim- 
bre em  que  fallaó  os  dois  últimos  verfos,direy,  que  he  o  que  depois 
fe  lhe  applicou  fundado  na  hiftoria  fabulofa  de  huma  filha  delRey 
Dom  Sancho,  ou  Dom  Ordonho  de  Leaõ  ,  que  efteve  em  huma 
torre;  e  fugio  com  hum  cavalhero,  que  a  enganou  caiando  ella 
com  Tello  de  Menezes,  e  em  lugar  áo  meyo  corpo  de  mulher  em 
huma  torre  que  traziaõ  por  timbre  os  Condes  de  Cantanhede  che- 
fes defta  família  ihe  dco.EiRey  Dom  Manoel  huma  flor  de  Liz  no 

incf- 


64  '      NOTAS 

mefmo  ca ftello,  quererá  ja  h  11  ma  parte  do  mefmo  cfcudo  no  qual 
eíta  Caía  de  Cantanhede  ja  trazia  as  melhias  flores  de  Liz  cfquar- 
tellando-as  com  as  Armas  de  Portugal,e  França  fobrepoftoo  elcudo 
de  ouro  ç  o  mo  hum  anel  armado  de  purpura,que  cambem  ceve  ori- 
gem da  mefma  hiftoria  incerta  da  Infanta  de  Leaó. 

Nota  555. 
O.  65.  verl.  I.  Em  campo  de  ouro  &c.  As  armas  dos  Ta- 
voras ,  que  faó  em  campo  de  ouro  ondas  azues  com  hum  Delfim 
que  comparo  ao  que  Arion  acrahio  com  amufica,  ec  livrou  quan- 
do o  arrojavaó  ao  mar  em  huma  tormenta,  tiveraõ  a  origem  que 
lhe  dà  a  hiftoria  em  Dom  Thedon  ,  e  Dom  Raufendo ,  netos  del- 
Rey  Dom  Ramiro  11.  de  Leaô  pelejando  no  rio  Távora  contra  os 
Mouros.  Efte  heroe  chamo  Dom  Ramiro  ,  e  poderia  fer  o  que  fe 
apelidou  Pinhones.  A  letra  :  qtiafcunque  jindit  ^  hc  huma  efpecie  de 
divila,que  fez  do  efcudo  corpo  daempreza,c  lhe  acrefcencou  Luiz 
Alvares  de  Távora  primeiro  Marquez  de  Távora  terceiro  Conde  de 
Saõ  Joaõ,  hum  dos  herocs  defta  familia,de  que  logo  íè  traçará, 
igualando-o  léus  dois  Irmaõs  Miguel  Carlos  de  Távora  Conde  de 
Saõ  Vicente  ,  e  Francilco  de  Távora  Conde  de  Alvor ,  efte  Vizo- 
Rey  da  índia  ,  aquelle  General  da  Armada  ,  ambos  do  Confelho 
de  Ertado  ,  Preíidentes  do  Confelho  Ultramarino,  e  Governadores 
das  Armas,  e  todos  três  de  igual  valor  ,  e  capacidade. 

Nota  557. 
O.  64.  verf  I.  Claro  metal.  A  prata  metal  da  Lua  com  hum 
Leaõ  de  purpura  faó  as  armas  dos  Silvas  defcendentes  delRey  Dom 
Fruella  II.  de  Leaó,  e  he  Dora  Guterte  Alderete  da  Silva  rico  ho- 
mem, que  florccco  por  aquelles  tempos,  hum  dos  heroes  defte 
Poema,  e  he  tronco  de  muitas  ,  e  illuftres  famílias  de  Portugal,  e 
Helpanha,  como  pode  verfe  na  hiftoria  delia  Cafa  ,  qne  com 
grande  acerco  efcreveo  Dom  Luiz  de  Salafar,  c  Caflro. 

Nota     358. 

O-  $^,  verf*  I.  Sc  o  Ceo  grava.  Nove  cunhas  azues  em  cam- 
po de  ouro  he  o  efcudo  das  armas  dos  Cunhas  cambem  defcen- 
dentes delRey  Dom  Fruella  II.  de  Leaõ  :  defta  familia ,  e  da  dos 
Menezes  eícrcveo  a  hiftoria,  que  ficou  manuefcrica ,  o  cfcripcor 
Cenealogico  jaallegadona  noca  antecedente.  Foy  Dom  Pa/o  da 
Cunha  illuftre  em  armas  hnm  rico  homem  do  íèculo  do  Condç 
Pom  Henrique.  Nota  559. 

O,  GG.  verf  i.  Com  claro  argento.  Ainda  os  Souzas  da  Ca» 
ík  dos  Marquezes  de  Arronches  hoje  Duques  de  Lafoens  naó  ti- 

nhaó 


D  o    F  o  E  M  J.  65 

nhaó  efqnartellado  o  efcudo  com  Armas  Reaes  de  Portugal  ,  que 
no  tempo  do  Conde  Dom  Heniique  naó  havia,  e  lhe  entiaraópor 
ElRey  Dom  Atíbnfo  III  de  quem  dcfcendem  por  leu  filho  Dom 
Artbnfo  Diniz  ,  que  he  huma  das  fuás  três  alianças  Reaes  (èndo  af 
outras  duas  ,  a  que  tem  por  muicas  linhas  delRty  Dom  Joaó  I  com 
a  Real  Cala  de  Bragança ,  e  a  do  Senhor  Dom  Miguel  tilho  legiti- 
mado delRey  Dom  Pedro  II.  que  calou  com  a  Senhora  Dona  Lui- 
za  Duqueza  de  Lafoens  ,  e  herdei  ia  defta  Cala.  O  Conde  D.  Men> 
do  de  Souzaõ  ^o^  valeroíb  contemporâneo  do  Conde  Dom  Henri- 
que ,  e  advirtafe  ,  que  eftes  Condes  naó  eraõ  como  os  que  (e  crea- 
raó  depois  pelos  Reys,dos  quaes  foy  o  primeiro,  que  houve  em  Por- 
tugal D.Joaó  Afíbnío  Telles  de  Menezes  feiro  por  ElRcy  Dom  Diniz 
CondedeBarcellos  em  1298.  eaquelles  Condes  eraõ  governadores 
de  terras,ou  Senhores  delias, que  acompanhavaõosReys,de  que  lhes 
veyo  o  nome  de  Comes, que  íignitica  companheiro, e  primeiro  íoraó 
no  Império  do  Oriente  chamados  Condes  Palatinos,  por  terem  no 
Palácio  dos  Imperadores  as  mayores  dignidades,  c  entre  todos  os 
títulos  he  o  de  Conde  o  mais  antigo. 

Nota  360. 
O.  67.  verf.  i^  £gas  Moniz,  As  armas  dos  Arahides  que 
deduzem  de  Egas  Moniz  fegundo  heroe  deftc  Poema  os  genealó- 
gicos, íaõcm  campo  azul  (  que  heacor  da  cerúlea  Thetis  Dcoíado 
mar  )  quatro  bandas  de  prata.  O  defcendente  defta  família  ,  que 
fez  na  Índia  Oriental  heróicas  acçoens,  foy  D.  Luiz  de  Atahidc 
Conde  de  Atouguia  no  tempo  dclRey  D.Sebaftiaõ,  efaço  aalnzaô 
de  que  tudo  íe  deve  ao  devoto  zelo  com  que  Egas  Moniz  buícoa 
o  Oriente,  ou  o  novo  nafcimento  da  imagem  de  nofla  Senhora  do 
Garquere.  Nota   561. 

O.óg.verf  i.Pelayo  Amado.As armas  dos  Almeidas, faó  em  cam- 
po de  purpura  húa  Cruz  dobre  de  ouro  çom  íeis  Bezantes  de  ouro 
que  faõ  moedas,  que  na  regra  de  Brazaõ  dizem  ter  cíle  nome  de  Bi- 
zâncio,hoje  Conftantinopla ,  ou  de  Bezancon  cabeça  do  Condado 
de  Borgonha  ,  de  quem  o  Conde  Dom  Henrique  delcenciia  por 
Sibilla  lua  IVLíy,  e  naó  por  Henrique  íeu  Pay,  ccmo  muitos  quize- 
raó  ,  de  que  naíceo  a  celebre  equivocaçaõ  de  entenderem  alguns i 
que  era  filho  de  hum  Emperador  de  Conftantinopla ,  pois  len- 
do-fe,  que  tinha  vindo  cx  partibus  Vezuntinis  entenderão  By- 
zanrinÍ9.  Pelayo  Amado  progenitor  defta  illuftre  família  he  he- 
roe que  tem  a  parte  heróica,  e  Erótica,  ou  amcroza  com  mais 
frequência  ntfte  Poema.  Elias  armas  ufa  o  £mincotiíIimo  Cardeai 

h  Doi» 


66  N  O  T  J  S 

Dom  Thomaz  de  Almeyda  primeiro  do  nome  ,  e  piimciro  Patriar- 
ca de  Lisboa  com  as  mayoros  honias,  Ecleíiafticas ,  eCiviz,  que 
lhe  dco  a  Sè  Apoftolica  ,  e  ElRcy  D  Joaó  V.  dignas  do  feu  Tangue  , 
virtudes,  e  letras.  Em  huma  dincitaçaó  que  hz  lobre  as  Armas  da 
Santa  Igreja  Patriarchal  obfervey,  que  no  eícudo  do  feu  primeiro 
Patriarca,  eftava  ,  parece  que  profeticamente  a  purpura  de  que 
fe  adorna,  a  Cruz  dobre  Patriarcal,  e  as  moedas  de  outo  ,  que 
fimbolizaõ  as  rendas,  que  ElReylhe  acrefcentou,  defentrahando-as 
das  Minas  da  America,  de  que  também  na  Bula  Áurea  tinha  o  ti- 
tulo, para  diftribuillas  pelos  pobres  do  Ocçidente.  Sendo  o  timbre 
deftas  armas  huma  Águia  volante,  gerolifico  do  fublime  génio,  e 
do  imperial  fangue  do  Rey  que  erigio  efta  fuperior  dignidade,  c 
que  enriqueceo  a  nova  Igreja,  e  os  feus  Excellcntifllmos  ,  eReve- 
rendiílimos  Principaes.  Defta  Cafa  lia  muitos  illuftres  ramos. 

Nota  362. 
O,  69.  verf  I.  Outra  Cruz.  Os  Pereiras  tem  por  brazaó em 
campo  vermcliio  huma  Cruz  de  prata  floreteada  de  verde,  e  defta 
familia  defcende  pello  grande,  e  Santo  Conde  D.  Nuno  Alvares 
Pereira  a  Real  Cafa  de  Bragança ,  e  delia  todos  os  Reys ,  e  Sobera- 
nos da  Europa,  e  todas  as  familias 'illuftres  de  Portugal.  Foy  Dom 
Rodrigo  Forjaz  emulo  no  Jiome,  enasacçoens,  de  Dom  Rodrigo 
Dias  de  Bivar  chamado  o  Cid  ,  cde  ambos  fe  dizia  ,  q.ie  naõ  faziaó 
os  Reys  de  Caftella,  e  Leaõ  muito,  em  alcançar  tantas  yiótorias 
dos  Mouros  tendo  por  Generaes  eftes  dois  Rodrigos. 

Nota  365. 
O.  70.  verf.  I.  De  outras  Regias  familias.  Bem  defejava  fa- 
zer memoria  de  outras  familias,  que  ja  eraó  conhecidas  no  anno 
j  106.  que  he  o  da  acçaõ  defte  Poemua  ,  porém  dos  Vafconcellos , 
Coutinhos,  Mcllos ,  e  algumas  mais  faço  memoria  em  outros  luga- 
res. Também  naõ  podia  tratar  das  que  defcendem  dos  nolTos  Reys, 
de  que  exifiem  muitas  ,  porque  ainda  naó  tinhaõ  por  afcendente 
jlá  fua  varonia  ,  fe  naó  o  meímo  Conde  Dom  Henrique  fucceden- 
do  o  mefmo  às  que  fe  derivarão  depois  dos  Reys  de  Hefpanha ,  e 
as  que  vieraó  a  Portugal  de  outros  Reynos,  onde  ja  eraó  conheci- 
das. Efte  Poema  naó  he  genealógico  ,  nem  he  jufto  que  nefte  eftu- 
do  entre  a  poefia  a  acrefcentar  as  fabulas  que  a  muitos  livros  de 
genealogias  introduzio  a  malicia ,  a  inveja,  a  ignorância,  c  a 
lizonja.  Nota    364. 

O.   71.  verf.   8.  Mercúrio,  Marte, Júpiter,  e  Apolo. Dividin- 
do nefla  translação  as.  eílrellas  em  fixas ,  (^ue  faó  as  (jue  conthem  as 

vin- 


DO    F  O  E  M  J.  67 

vinte,etres  Conftellaçoês  do  Norre,  as  quinze  do  Sul,os  doze  lígnos 
as  doze  Conflellaqoés  novas  rambem  Meiidionaes,quecom  os  Por- 
tugiiezes  formou  em  Níalaca  Federico  Hotman,eas  muitas  eftrellas, 
que  como  adverti  fe  deícobriraõcom  osTelolcopios.Ecm  errantes, 
que  faõ  de  mais  dos  Satélites ,  e  dos  Cometas  nos  íete  Planetas  faço 
íó  memoria  dos  quatro,  refpeifando  a  idade,  e  a  infelicidade  de 
Saturno ,  e  o  fcxo ,  e  belleza  de  Vénus ,  e  Diana ,  ainda  que  efta  co- 
mo caçadora,  e  aquella  como  ligeira  bem  podiaó  entrar  nas  fc-rtas. 

Nota     j6^ 

O.  71.  verf  3.  Flora.  Aqui  faço  a  Flora  tolerar  a  rebelião  das 
flores,  que  receando  fcr  pizada  dos  cavalloscorteraó  a  adornaras 
cores  das  quadrilhas.  Nota     366. 

O.  72.  verf-  5.  íris.  Também  Embaixatris  de  Juno,  e  fim- 
bolo  da  paz  com  as  fuás  cores  defce  das  nuvens  com  o  feu  arco 
ncftas  feftas  pacificas  ,  e  naõ  me  faltava  aqui  occaliaõ  de  dizer  em 
muitas  folhas  o  que  ferem  efcrito  íbbre  o  íris,  fem  allegar  a  Mon- 
fieur  de  La  Chambre  no  feu  coriolb  tratado, como  fucede  aos  pla- 
giários ,  que  antigamente  tinhaõ  eíte  nome  pelo  cafligo  que  rc- 
çebiaõ  roubando  os  trabalhos  dos  eftudiofos  íèm  citallos.  Só  di- 
rey ,  qne  os  modernos  deraóa  conhecer  o  íris  no  vidro  triangular 
que  he  taõ  comum  chamado  Prifma  pelos  Gregos,  no  qual  Ct  for- 
mão as  três  cores  do  Íris  celeíle,  que  o  Sol  tambcm  foima  huma 
ou  mais  vezes  ao  mefmo  tempo,  c  algumas  vezes  a  Lua  quando  as 
nuvens  ficaó  na  configuração  do  Prifma. 

Nota     367. 

O.  75.  verí.  I.  Os  brutos.  Atrevime  a  introduzir  em  oito 
quadrilhas,  naõ  fó  as  oito  principaes  cores  dos  cavallos,  mas  al- 
gumas das  propriedades,  que  atribuem  os  nobiliilímos  profelTores 
dcfta  illuftre  arte,  de  que  eícrcveraó  mais  de  cem  autores  em  todas 
as  lingoas ,  fendo  o  mais  eflimado  pelas  iuftruqoens ,  e  pelas  ef- 
tampas  o  Marquez  ò^  Nevvcaftle.  a  que  traduzio,  em  Portugucz, 
e  illuftrou  com  diífertaçoens  eruditas  ,  o  Marquez  de  Alegrete 
Manoel  Telles  da  Silva,  Secretario  da  Academia  Raal  de  faudoza 
memoria.  Nota    568. 

O.  7j.vcrf.  1.  "Alfragano.  Foy  Alfragano  no  feculo  nono 
famofo  aílrologo  Arábigo,  e  tomevo  feu  nome  para  ospronofticos 
que  aqui  faço  do  que  havjaõ  de  obrar  alguns  varoens  infignes  cm 
armas,  e  letras  defcendcntes  das  famílias  dos  quadrilheiros. 

Nora     369. 

O.   /f.   verf,  g.  Montes  Claros.O  primeiro  vaticínio  he  o  de 

h  ii  dois 


68  NOTAS 

dois  Luízes  íntimos  amigos  :  hum  foy  Luiz  Alveres  de  Távora 
Conde  de  Saõ  Joaò  ,  e  oiufo  D.  Luiz  de  Menezes  Conde  da  Eri- 
ceira, que  depois  de  oucras  grandes  acçoenj,  que  podem  lerfe  na 
vida,  que  o  fegundo  cfcreveo  do  primeiro ,  e  nefte  mefmo  autor  na 
hiftoria  de  Portugal  Reftaurado,  andarão  unidos  na  celebre  baca- 
ha  de  Montes  Claros  em  17.  de  Junho  de  166^.  contribuindo 
muito  para  a  grande  viótoria  ,  que  alcançou  ElRey  de  Portugal  D. 
Afonfo  Vi.  fendo  Capitão  General  do  exercito  de  Alentejo  o  Gran- 
de Marquez  de  Marialva  D.  António  Luiz  de  Menezes  contra  o  de 
Carracena  General  delRey  Catholico  D.  Felippe  IV,  de  que  ja  íê 
fez  memoria  no  Canto  2. 

Nota  570. 
O.  79.  verf  5.  Menezes.  Naó  fe  julguem  contra  amodef- 
tia  os  elogios  que  em  algumas  partes  defte  Poema  faço  aos  meus 
afcendentes  ,  pois  me  naó  pareceo  occultar,  que  fem  exceiçaõ  de 
hum  íó  feiviraõ  todos  na  guerra  aos  feus  Princepes  com  valor  ,  e 
lidelidade,  que  faõ  duas  virtudes  eíTenciaes,  que  naó  devem  negar- 
fe  ,  nem  encobriífe.  Aqui  melembro  também  de  que  meu  Pay  naó 
foy  menos  celebre  nas  letras,  efcrevendo  muitos  livros,  e  entre 
elles  os  dois  volumes  da  hiftoria  de  Portugal  Reftaurado  vendo-fe. 
no  primeií-o  o  feu  retrato  com  eftediftico  comporto  pelo  Conde  da 
Ericeira  D.  Fernando  de  Menezes  feu  Irrnaõ,  e  Sogro,  aquém  pe- 
las melmas  razoens  podia  aplicarfe  : 

M>^>tat  ^  &  fcrihtt  caLimo  ,    Ludovicus  ,  ^  enfe : 
Pro  Pátria  pugnaiis,  C^faris  inflar  erit. 

Nora  571. 
O.  yj.  verf  5".  Duas  vezes  a  Azia.  De  hum  afcendente  do 
Conde  D.Luiz  deMenezcs,que  foy  o  grande  D.Henrique  de  Mene- 
zes feu  terceiro  avo,e  outro  o  Conde  da  Ericeira  D.Luiz  de  Menezes 
feu  quinto  Neto  faço  aqui  memoria  pello  que  obrarão  na  Índia 
com  hum  breve  paialello  ,pois  ambos  de  ly.annos  foraõ  o  primei- 
ro. Governador,  o  fegundo,  VifeRey,  ambos  uniraó  ao  valor  a  pru- 
dência, e  defintereíTe  ,  e  ambos  alcançarão  gloriofas  vistorias 
hum  dos  Malabares,  outro  dos  Arábios.  Succedeo  D.  Henrique 
ao  famozo  D.  Vafco  da  Gama  Conde  da  Vidigueira  ,  Vife- 
Rey ,  e  ddcubridor  da  índia  no  tempo  delRey  D.  Joaò  IlL  e  lhe 
fuccedeo  Lopo  Vaz  de  S.  Payo.  Succedeo  o  fegundo  a  Vafco  Fer- 
nandes Cefar  de  Menezes  VifeRey  d;i  índia,  e  depois  do  Brafil  di- 
gnamente nomeado  Conde  de  Sabugofa  por  ElRcy  D.  Joaõ  V.  e 
fuccedeulhe  Francifco  Jofé  de  S.  Payo.  Sirva  na  liberdade  de  hu- 

mas 


D  o    F  o  E  M  J.  69 

mas  notas  efta  comparação  como  curiofa  noticia,  c  naõ  ccino  pue- 
ril circuníbncia.  Nota     37i. 

O.  78-  verf  1.  Qiiatro  vezes  o  nome  de  Fernando.  Naõ  po- 
dia reduzir  a  menos  de  huma  oitava  as  acçoens  de  outros  íete  as- 
cendentes meus  delde  que  a  minha  familia  Ic  feparou  da  dos  Con- 
des de  Cantanhede,em  DJoaóde  Menezes,que continua  alinhados 
iVlarquezes  de  Marialva,com  outroD.  Fernando  de  Menezes  que  fez 
a  dos  Condes  da  Ericeira,Marquezes  do  Louriçalo  primeiro  tronco 
das  duas,  he  também  eíleo  primeiro  deftes  quatro  Fernandos,e  obrou 
em  Africa  grandes  façanhas  no  tempo  dos  Reys  D.  Joaõ  I.  ate  D. 
j^fonfo  V.  o  fegundo  Fernando  imitou  a  leu  Pay  na  mefma  guerra 
no  tempo  defte  ultimo  Rey ,  e  bem  notória  he  a  acçaó  de  romper 
o  Palanque.  O  terceiro  Fernando  no  reynado  delRey  D.  Sebafliaó 
continuou  gloriofamente  muitos  annos  em  Africa  ,  e  na 
.  Batalha  de  Alcácer  em  1 578.  onde  aquelle  Rey  fe  perdeo,  ficou  ca- 
rivo  com  feus  Irmaós  D.  Diogo  ,  e  D.  Joaõ  de  Menezes ,  morto  D. 
Simaó  que  era  o  mais  velho,  e  D.  Henrique.  Foy  depois  eíle  D. 
Fernando  Capitão  General  de  Trás  os  Montes  contra  Caftella  que 
para  ufurpar  o  Reyno  lhe  tirou  a  mayor  parte  dos  grandes  bens, 
que  poííuia  a  Cafa  em  que  fuccedeo.  O  quarto ,  e  ultimo  D.  Fer- 
nando he  meu  Avó  materno  Conde  da  Ericeira  como  lia  pouco 
referi;  e  naõ  fó  fervia  em  Itália,  mas  foy  em  Africa  Capitão  Ge- 
neral de  Tangera  com  felices  íucceílbs  elcrevendo  ahiftoria  defta 
Cidade  ,  e  em  latim  a  da  guerra  ,  e  politica  de  Portugal  no  tempo 
delRey  D  Joaõ  IV.  O  primeiro  Diogo  ,  foy  D.  Diogo  de  Menezes 
filho  do  grande  D.  Henrique,  e  Pay  do  terceiro  D.  Fernando  len- 
do do  Confelho  delRey  D.  Joaõ  III.  e  muito  feu  favorecido  dei- 
xou o  Paço  por  fervir  em  Africa  o  que  fez  alguns  annos ,  e  com 
muita  diflinçaõ.  O  fegundo  D.Diogo  naõ  foy  meu  afcendente,  por 
fer  fò  Irmaõ  do  terceiro  D.  Fernando ,  com  quem  coniodiíie  hcoii 
cativo  ,  mas  pelos  feus  ferviços  militares  teve  a  Cafa  dos  Senhores 
do  Louriçal  o  titulo  de  Condes  da  Ericeira.  Na  America,  e  em 
muitos  combates  navaes  fe  achou  valerofamente  D.  Henrique  de 
Menezes  Pay  dos  Condes  D.  Fernando,  e  D.  Luiz,  e  foy  hum  dos 
reftaudores  da  Bahia,  no  anno  de  I  615.  no  1.  de  Mayo.  Nos  últi- 
mos dois  verfoSj  naõ  pude  efconder  o  meu  nome,  nem  negar  que 
fegui  os  veítigios  bélicos  de  meus  progenitores  achando-me  em  fete 
caíhpanhas  ,  e  tendo  o  poftode  Sargento  mor  de  Batalha,  e  .Vlertre 
de  Campo  General ,  e  também  vio  o  Aftrologo,  que  eu  havia  de 
cantar  na  Henriqucida  os  prodígios  do  meu  heroe  generofo. 

No- 


70  NOTAS 

Nota' 575. 
O.  79.  verf.  I.  Filho  íeià.  O  carinho  de  Filho  ,  e  a  ternura 
de  efpofo  me  obrigarão  a  efcrever  com  lagrimas  efta  oitava  para 
immortalizar  a  memoria  de  duasjoanas.  Efte  era  o  nome  de  minha 
May  D.  Joana  Jofefa  de  Menezes,  filha  herdeira,  e  em  tudo  única 
dos  Condes  D.  Fernando  de  Menezes,  e  D.  Leonor  de  Noronha. 
Obfervefe  curiofamente,  que  do  nome  de  Joana,  he  anagrama  o 
de  Aoniaj  que  era  hum  dos  Epitctos  ,  que  os  antigos  davaó  as 
Mufas  pelo  monte  Etonio  de  Beócia  parte  do  monte  Parnafo 

c  que  mçreceo  efte  nome  pelos  feus  admiráveis  verfos  em  muitas 
lingoas  naó  fendo  lifonja  os  atributos,  que  lhe  dà  o  quarto  verfo, 
virtude,  dífcriçaõ  ,  graça  ,  c  bellefa  :  niíceo  cm  13.  de  Setembro  , 
de  1652.  morreo  em  16.  de  Agofto  de  1 709. 

Nota    374. 

O.  79.  verf.  y.  Celefte  graça.  A  íègunda Joana  foy  D.  Joa- 
na Magdalena  de  Noronha  filha  dos  Condes  de  Sarzedas  D.  Luiz 
da  Silveira,  e  D.  Mariana  dê  Lencaftro,  e  Silva ,  nafceo  em  21, 
de  Mayo  de  1675.  cafou  em  24  de  Outubro  de  Ií?8  8.  e  a  perdi 
com  eterna  magoa  ,  em  17.  de  Mayo  de  1 729.  Das  fi.ias  virtudes 
Chriftás,  e  dos  feus  dotes  naó  he  encarecimento  o  pouco,  que  di- 
zem eftcs  verfos,  nem  do  meu  nunca  enxuto  pranto. 

Nota  575. 

O.  80.  verf.  8.  Em  Elvas.  Eftas  batalhas  das  Linhas  de  El- 
vas, e  de  Montes  Claros,  e  aconquifta  de  Vaiença  de  Alcântara, 
faõ  as  três  mayorcs  emprezas  do  invióto  D.  António  Luiz  de  Me- 
nezes Marquez  de  Marialva,  e  o  nome  da  Erice,  que  eftà  no  fe- 
gundo  verfo  defta  oitava  abrevia  poeticamente  o  nome  da  Ericeira, 
Villa  que  por  fer  fobrc  o  mar  em  fitio  alto  diz  que  paga  tributo 
azul  ao  verde  ramo  de  Cantanhede  de  que  procede  ,  fendo  Erice 
hum  monte  de  Sicilia  em  que  Vénus  era  venerada,  c  donde  toiT.ou 
o  nome  de  Ericina  aludindo  à  formozura  do  íiiio  ilaquclla  Villa, 
e  os  Cifnes,  ou  Poetas  que  ílõ  Senhores  dcila  á  beleza  de  Vénus, 
e  a  os  Cifnes  ,  que  lhe  íaõ  dedicados  ,  e  q'ic  como  fili'.03  da  efcu. 
ma  do  mar  a  conduzem  por  elle  no  feu  carro. 

Nota   576. 

O.  81.  verf  I.  Taronra.  O  Ramo  dos  Menezes  de  que  fede- 
riva  a.  illaítre  Calados  Condes  de  Tarouca,  rem  íído  igual  aos  Can* 
tanl' '  !tr  em  varoens  infignes,  dividindo-fe  defte  tronco  na  linha 
c\]'  r.z  a  Caía  de  Villa  Real.  AquLfó  lè.fa^  memgtia  de  D.  Pedro 

•  de 


B  o     T  O  E  M  J.  71 

de  Menezes ,  e  de  L/.  i>uirre  de  Menezes  Condes  de  Viana,  de  qae 
Africa  em  Ceuta  ,  e  Tangeic,  nunca  elqneccraó  as  memorias  que 
largamenre  fe  podem  ler  nas  íuás  Crónicas  manufcritas,  e  na  vi- 
da do  fegundo,  que  com  difcieto  eftillo  imprimio  D.  Agoftinho 
Manoel  de  Valconíellos;  e  ramhem  a  lua  varonia  corre  impreíTa 
doutamente  efciita  por  D.  Pedro  de  Brito  Coutinho. Joaó,  he  Joaó 
Gomes  da  Silva  hlho  de  Manoel  Telles  da  Silva  Marquez  de  Ale- 
grete,  c  foy  Conde  de  Tarouca  por  caíâr  com  D.Joana  Roía  de 
Menezes  herdeira  deita  Cafa,  e  naõ  he  a  amizade,  que  defde  os 
primeiros  annos  profeílamos ,  nem  o  encarecimento  permitido  aos 
Poetas,  os  que  podem  fazer  fofpeitozas  de  fabulas, as  comparacoens 
que  reduzi  a  hum  fó  verfo,  pois  o  mundo  o  reconhece  iguala 
Mercúrio  como  eloquente,  e  como  Embaixador  tamhem  pacifico 
no  congrelfo  de  Urrecht  ,  e  em  outra  das  mayores  Cortes  da  Euro- 
pa ,  aonde  refidio  na  do  Emperador  com  grande  acerto,  e  lu-» 
zimento.  Naõ  he  inferior  à  Apollo,  fendo  hum  dos  mavores  Poe- 
tas do  feu  tempo.  Naõ  deve  ceder  a  Marte,  nas  campanhas,  em  que 
vaicroiamente  occupou  os  primeiros  poftos  ,  tendo  o  de  Go- 
vernador das  armas ,  e  feguindo  cm  tudo  feus  filhos  o  feu  género- 
zo  exemplo.  As  íuas  Armas  faó  diverfas  das  de  Cantanhede  ,  mas 
confervaó  o  antigo  efcudo  de  ouro  lizo,  íobre  porto,  c  dividido 
todo  cm  luas  partes,  na  primeira,  e  terceira  as  barras  de  Ara^ac, 
na  fegunda  dois  Lobos  de  vermelho,  em  campo  de  ouro,  e  as 
mefmas  nas  terceiras  ordens  debaixo. 

Nota  377. 
O.  Si.verf  5".  Se  os  Menezes.  Os  muitos  homens  f»randes 
dcftafamilia  podem  verfe  nas  noílas  hiftcrias,  e  o  verfo  ultimo 
defta  oitava  he  de  hum  Soneto  de  Camoens,  de  que  pode  verle  o 
Comento  no  que  fez  às  Rimas  Manoel  de  Faria,  e  Souza  ,  e  prin- 
cipia o  Soneto  : 

llluflre  ,  e  dino  ramo  dos  Meneses , 

Aoi  quaes  o  prudente  ,  e  largo  Ceo 

(  Que  errar  tuo  ftbe  )  em  dote  eoncedeo 

Rompejfe  aos  Mahometicos  arnez.es 
No  Poema,  e  Rimas  defte  Princepe  dos  Poetas  Porrugnezes   pôde 
Icrfc  o  muito,  que  no  Canto  decimo,  e  em  outros  lugares  honrou 
efta  familia. 

Nota   5  78. 
O.  87.  verf  5.  Soufa.  Ja  diiíe  quem  era  o  Conde  D.  Mendo 
dc.Souzaõ,  e  as  regias  alianças  de  feus  defcendentes. 

No. 


72  NOTAS 

Nota  579. 
^  O.  83.  veif.  I.  Das  Minas.  Claramente  explica  efte  permi- 
tido  equivoco  em  hum  vaticinio,quc  trata  efta  oitava  de  dois  Mar- 
cjuezes  das  Minas  j  e  falia  primeiro  cm  D.  António  Luiz  de  Souza, 
que  foy  o  ícgundo  ,  e  aquellc Hcroe,  que  conquiftando  Praças, 
Províncias,  e  Reynos  de  Hefpanha,  levou  o  exercito  de  Portugal 
à  Corte  de  Madrid  em  1706.  Chamo  a  Hefpanha  Hefperia,  por- 
que os  antigos  lhe  deraó  efte  nome  por  eftar  na  parte  Occidental 
pela  meíma  caufa,  porque  fe  chama  Hclpero  a  Eftrcila  de  Vénus 
quando  nafce  ao  tempo  que  o  Sol  íe  efconde,  e  Phosforo ,  quan- 
do apparece  antes  que  o  Sol  nafça. 

Nota  380. 
O.  8S-  verf  5.  Se  eu  merecera.  Contínua  Alfrâgano  dizen- 
do, que  fó  fe  mercceflb  huma  revelação,  poderia  contar  claramen- 
te,  o  que  naõ  pode  lerfe  nas  EftrcUas,  e  louvar  ao  progenitor  de 
António  ,  o  qual  era  íeu  Pay  D.  Francifco  de  Souza  Conde  do  Pra- 
do, c  Marquez  das  Minas,  que  governando  as  armas  do  Minho 
muitos  annos  d«fendeo  a  Província  com  prudência,  c  conquiftou 
o  Forte  da  Guarda,  o  de  Gayaó,  c  outras  Praças  de  Galiza  com 
valor,  fendo  depois  Embaixador  extraordinário  a  Roma  aos  Papas 
Clemente  IX.  e  X.  cm  nome  do  Príncipe  D.  Pedro ,  dando  ao  Pon~ 
ttfics  a  obediência  pelos  annos  de  16Ó9.  c  fcguintes  durando  ain- 
em  Roma  a  lembrança  da  fua  fabedoria  ,  c  generofidade.  Ambos 
eftes  Marquezes  foraó  do  ConíelhodcEílado,  e  tivcraõ  muitos  go- 
vernos. Nota   381. 

O.  84.  verf  1.  Do  mefmo  grande  Aífonfo  Rey  terceiro.  Af- 
íím  como  a  Cafa  dos  Marquezes  d»s  Minas  de  que  traiey  dcíccnde 
por  varonia  delRey  D.  Affonfo  III.  por  D.  Martim  Affonfo  feu  filho 
illegicimo,  defcendc  a  Cafa  dos  Souzas  Marquezes  de  Aronches 
hoje  Duques  de  Lafoens,  como  dá  a  entender  o  vcrfo  terceiro  de 
que  agora  trato  de  D.  Aífonfo  Diniz  filho  também  do  meímo  Rey, 
tendo  agora  mais  próxima  a  varonia  Real  pelo  Senhor  D.  Miguel 
filho  legitimado  dclRey  D.  Pedro  II.  que  cafou  com  a  Senhora  D. 
Luiza  Cafimira  de  Souza ,  e  Naífau  filha  herdeira  deíU  illufíre  Ga- 
fa ,  como  /a  diífe  por  íeu  Pay  defcendentc  dos  Principes  de  Ligne 
da  primeira  nobreza  de  Flandres. 

Nota    5Sz. 
O.   84.  verf    5-.   De  Ulilíes  a  Cidade.   Lembrafe  o  Aftrologo 
de  que  obfervou  nos  aíl:ros,que  a  Cidade  deUlyffes  que  he  Lisboa 
iiavia  de  fçr  defendida,  e libertada  do  jugo  delK^y  D.,  joió  I.  de 

Caf- 


D  o    V  o  E  M  A.  73 

Caftella  por  ElRey  D.  Joaõ  I.  de  Portugal,  oitavo  defcendenre  por 
Yaronia  do  Conde  Henrique,  e  que  ncfta  Cidade  ha  de  ler  Piela- 
do  com  luzidas  virtudes  Luiz  de  Souza  feu  Arcebilpo  ,  e  Cardeal 
Irmaõ  do  Marquez  de  Arronches;  Henrique  de  Souza  Tavares  foy 
Embaxador  muitas  vezes.  Governador  do  Porto ,  e  ambos  foraõ 
do  Confclho  de  Eftado ,  e  da  mayor  eftimaçaõ  dos  feus  Príncipes. 

Nota    585. 

O.  85.  verí.  I.  Luiza.  Scgue-fc hum  breve  elogio  da  mefma 
Duqueza  de  Lafoens  adornada  de  grande  formozura,  c  de  muitas 
virtudes,  eque  morreo  na  flor  da  idade  depois  de  perder  com  a 
lalHmoza  tragedia,  que  logo  fe  referira,  ao  Senhor  D.  Miguel  feu 
efpozo,  deixando  dois  filhos  dignos  fucceíTores  dos  dotes  de  feus 
Pais ,  e  Avos,  que  faó  D.  Pedro  Duque  de  Lafoens,  c  D  Joaõ,  e  hu- 
ma  filha  que  hc  a  Senhora  D.  Joanna  Perpetua  de  Bragança  de  fin- 
gular  formofura,  e  ainda  mayorcs  prcrogativas  no  efpirito. 

Nota    3  84. 

O.  %G.  verf  i.  Miguel.  O  Senhor  D.Miguel  filho,  como  fe 
diíTe,  delRey  D.  Pedro  o  íêgundo,  tendo  vinte  e  quatro  annos  íé 
afogou  no  Tejo  em  1 3,  de  Janeiro  de  1724.  voltando  em  hum 
Bérgantin  para  Lisboa  da  caça  que  fora  buícar  da  outra  parte  do 
Tejo,  com  magoa  univcrfal  pelas  fuás  cxcellentes  partes. 

Nota   5S5. 

O.  88.  rf/erf  5.  Qj.ie  eternize  a  Miguel.  Naõ  íe  faz  íofpeirc- 
za  a  amifaJe  intima,  que  profeíTey  com  o  Senhor  Dom  Miguel, 
quando  ponderona  oitava  antecedente  o  feu  breviíTimo  elogio,  que 
mais  largamente  efcrevi  na  Egloga,  que  lhe  imprimi  depois  da 
fua  morte,  porque  ninguém  duvidou  que  era  bera  merecido  o  lou- 
vor. Nota    58Ó. 

O.  88.  verf  5.  Tu,  Pereira.  Huma  ,  c  muitas  vezes  fe  repete 
neíle  Poema  o  nome  do  giandc  Condeílavel  D.  Nuno  Alvares  Pe- 
reira Heroe  Lu fi cano. 

Nota    387. 

O.  89.  verf  %.  Atoleiros,  Valverde,  Aljubarrota.  Eíle  he  o 
nomo  das  trc.s  pilncipa^í  batalhas,  que  venceo  aos  Caftclhanos  o 
giandi  Conisft-avel ,  e  ncfi^a  oitava  fe  abreviaõ  com  o  nome  dos 
Rios  as  Provincias  de  Portugal,  queforaó  theatro  das  fuás  façanhas. 
Quem  as  quizcr  ler  as  achara  com  cftillo  fingello  na  lua  Coronica 
antign.,  e  na  delRey  D.  Joaó  I.  de  Fernaó  Lopes ,  com  abreviado  , 
cdifcreto  eílillo  na  vida  do  mefmo  Rey  comporta  pelo  Conde  da 
Ericeira  D.  Fernando  de  Menezes  ,  e  com  exacla  averiguação  nas 
«Càtiorias  da  Academia  R«al  efcritas  pelo  feu  Académico  Jofe  Soa- 

I  res. 


74  NOTAS 

resda  Silva.  Nota    388. 

O'  91.  ver.  I.  Silvas,  c  Cunhas.  Eftas  duas  famílias,  que  ô 
deduzem  delRey  D-  Fraella  II.  de  Leaó,  uni  neftas  oitavas,  e  as 
duas  purpuras  explica  a  íeguinre. 

Nota  389. 
O.   92.  verf.  1.  Miguel.  Faz  memoria  do  Cardeal  D.  Miguel 
da  Silva,  de  quem  Roma  admirou  afciencia,  e  generofidade  ,  foy 
creadoem  1539-   morreo  em  1556.  era  filho  de  D.  Diogo  da  Sil- 
va, primeiro  Conde  de  Portalegre,  foy  Bifpode  Vizeu. 

Nota  390. 
O.  92.  verf.  3.  De  Cunha  iníígne  Nuno.  Em  paralello  do 
Cardeal  D.  Miguel  da  Silva  pondero  as  grandes  virtudes  do  Eml- 
nentiífimo  Nuno  da  Cunda  de  Ataide,  a  quem  ElRey  D.  Joaõ  V. 
elevou  a  eíla,  e  a  outras  dignidades,  e  entre  ellas  à  de  Inquifidor 
Geral,  a  que  alude  o  ultimo  verfo,  e  he  do  Confelho  de  Edado,  e 
defpacho,  moftrando  na  jornada  que  fez  a  Roma  pela  morte  do 
Papa  Clemente  XI.  no  anno  de  1721-  naquella  Corte,  e  nas  dç 
Pariz,  Niadiid,  Turin,  e  outras,  quanto  era  digno  de  tao  luperio- 
res  empregos.  Na  Igreja  de  Santa  Anaftazia  ,  de  que  tem  o  titulo, 
deixou  eternos  monumentos  da  fua  piedade,  e  da  grandeza  do  feu 
Príncipe  participando  de  ambas  toda  a  Itália,  e outros  Reinos. 

Nota   591. 
O.   95.  verf   I.  No  nome  igual.  O  grande  Nuho  da  Cunha 
Governador  da  índia.  Vejaófe  as  íuas  acçoens  em  Barros ,  e  Maífeo , 
e  Faria.  Nota    591. 

O.  9?.  verf  5.  Ayres.  Ayres  Gomes  da  Silva  hum  dos  mais 
iníígnes  Varoens,encre  os  deíle  apelido, aíccndente  dos  Senhores  de 
Vagos  Condes  de  Aveiras  ,  e  de  toda  a  illuftre  defcendencia  deíle 
elclarecido  tronco  ,  teve  muitas  vidorias  em  Ceuta  contra  os  Mou- 
ros ,  c  a  mayor  fortuna  por  fcr  Pay  de  dois  Santos,  e  Fundadores, 
que  foraõ  o  Beato  Amadeo,  que  fez  a  reforma  de  S.  Francifco  cha- 
mada em  Itália  dos  Amadcos  ,  e  D.  Brites  da  Silva,  que  fundou  em 
Madrid  o  Convento  da  Conceição. 

Nota  595. 
O.  93.  verf  8.  Conduzindo  heroinas  coroadas.  Eftas  pro- 
ducqoens  lábias  fe  enren  lem  pelo  dois  Marquezes  de  Alegrete  Ma- 
noel Telles,  e  Fernando  Telles  da  Silva,  bem  conhecidos  pelas 
fuás  ooras,  e  empregos  :  o  primeiro  conduzio  a  Rainha  D.  Maria 
Sophia  Palatina,  fendo  Embaixador  extraordinário  delRey  D.  Pe- 
dro II.  naquella  Corte.  O  fegundo  com  o  mefmo  lugar  na  de  Viena , 

acom- 


D  o    P  o  E  M  J.  7j 

acompanhou  a  Rainha  D.  Mauiana  de  Auftria  inch*ta  efpofa  de!- 
Rey  Dora  Joaõ  o  quinto. 

Nota    594. 

O.  94.  verf  I.  De  Atàides  Almeidas.  D.  Luiz  de  Arnide 
Conde  da  Atouguia,e  D.  Franciíco  de  Ahneida  primeiro  Vice-Rey 
da  índia  no  Oriente,  e  D.Jeronymo  de  Araide  rambem  Conde 
da  Atougia  no  feu  definter^ílado  governo  do  Brazilfaõ  os  que  fe  in- 
íinuaó  neíles  verfosieerii  alguns  da  oitava  feguince.  LeaóTe  as  ac- 
çoens  de  D.  Luiznafua  hiftoria  efcritapor  António  Pinto  Pereira  , 
as  de  D.  Jerónimo  ,  em  Portugal  Rcftaurado  do  Conde  da  Ericei- 
ra ,  as  de  D.  Franciíco  de  Almeida  em  Oforio  ,  Góes,  e  nos  hifto- 
riadores  da  índia. 

Nota    595. 

O.  94.  verf.  7.  Em  defcendentesfeus.  Do  Conde  D.  Luizde 
Ataíde  naõ  hà  deícendencia ,  áo  Conde  D.  Jeronymo  exifte,  e 
aqui  fe  faz  memoria  de  leu  filho  D.  Joaõ  de  Ataide  Conde  de  Al- 
va, Governador  das  Armas  do  Alentejo  feu  valerofo  imitador,  e  do 
Conde  de  Atouguia  D.  Luiz  de  Ataide  feu  bifneto,  e  digno  fucceífor 
de  feus  illuftres  Avos  recopilando  em  poucos  annos  muitas  virtu- 
des. Nota     396. 

O,  95.  verf  I.  Francifco.  He  Como  fe  dilTe  D.  Francifco  de 
Almeida  primeiro  ViceRey  da  índia,  e  Eòo ,  he  o  meímo  que  Ori- 
ental por  fer  o  nome  de  hum  dos  quatro  Cavallos  do  Sol  fendo  os 
outros  três  Phlegon,  Pirões,  e  Etonte:  dos  dois  fez  o  difcreto  Fr.  Je- 
rónimo Vahia  na  Cançaõ  heróica  da  batalha  de  Montes  Claros  dois 
veríos  muitos  celebres  : 

Por  quanto  argenta  o  mar  ,  doura  Piroo 
Da,  Tumba  Occidental  y  ao  ber^o  Eoo 
Nota    597. 

O.  9?.  verl.  4.  Joaõ.  O  Conde  de  Alumar  D.  Joaõ  de  Al- 
meida do  Confelho  de  Eftado  fendo  Embaixador  extraordinário 
de  Portugal  a  ElRey  Carholico  Carlos  III.  hoje  Imperador  Carlos 
VI.  naõ  fòmoílrou  nefte  emprego  politico  o  leu  luzimento  ,  e  ca- 
pacidade, mas  nas  campanhas  em  que  fe  achou  com  aquelle  gran- 
de Príncipe,   o   feu  valor. 

Nora    398. 

O.  95.  verf  7.  Pedro.  D.  Pedro  de  Almeida  Conde  de  Afa- 
mar filho  do  Conde  D.  Joaõ ,  e  hoje  Meftre  de  Campo  General ,  e 
Director  da  Cavallaria,  le  diftinguio  nas  batalhas ,  e  íitios ,  que  hou- 
ve nos  três  Reyuos ,   que  diz  a  oitava ,  e  em  outros  de  Hefpanha  , 

lii  naõ 


76  NOTAS 

naó  fendo  menos  benemérito  pelas  letras,  que  pelas  armas.- 

Nota     399. 

O.  ç)^.  verf  5.  Cada  filho  de  Zéfiro  he  PegaíTo.  Naõ  he  mui- 
to que  fingiíTem  os  antigos,  que  as  Egoas  de  Lufitania  pela  ligeirc- 
la  dos  cavallos,  que  íecriaõ  nas  margens  do  Tejo,os  gcravaó  abrin- 
do aboca  ao  vento  Zéfiro,  mas  he  muito,  queocreflem  alguns  Au- 
tores modernos.  Ja  fediííeque  o  Pegaflb  crahumcavailo  com  azas, 
e  Etonte  hum  dos  quatro  do  carro  do  Sol. 

Nota     400. 

O  99.  verf.  8.  Se  Jove  refufcita  ao  feu  Faetonte.  Nefta  fi- 
gura poética  em  que  a  aurora  falia  com  o  Sol,  e  os  aftros  com  o 
Orizontc,  fe  conclue  com  que  Febo,  ou  o  Sol  naó  podia  eftar  taó 
alegre  fenaõ  íe  Jove  refufcitaíTe  a  feu  filho  Faetonce  de  quem  diíTeno 
culto  Poema,  que  eícrcveo  defta  fabula  o  Conde  de  Villa  Media- 
na : 

Que  fií  fama  adquiríò  con  Çu  ruhid 
E  melhor  Ovidio  no  Epitáfio  que  lhe  faz  nos  feus  Mctamorphor- 
íèos  : 

Hic  fitas  eft  Faeton ,  currus  auriga  paterni  ; 
Quem  fi  non  tenuit  magnis  tamen  excidh  aufis 
Nota     401. 

O.  103.  verf  I.  Bermudo.  D.  Bermudo  Peres  de  Trava  de 
quem  defcendc  a  illuftre  cafa  dos  Limas,  Vifcondes  de  Villanovade 
Serveira,  foy  bem  conhecido  no  tempo  do  Conde  D.  Henrique, 
e  calou  com  íua  filha  a  Infanta  D.  Urraca,  que  finjo  fe  chamou 
Urania,  por  tirar  no  Poema  a  afpereza  do  feu  nome  fendo  efta  a 
cauíà  de  que  Luiz  VIII.  Rcy  de  França  naó  quiz  cafat  com  a  Infan- 
ta D.  Urraca,  fenaô  com  fua  Irmáa  Dona  Branca,  que  foy  Mãy  de 
S.  Luiz ,  e  aquella  Infanta  de  Leaó  mulher  dclRey  D.  Aífonlo  II.  de 
Portugal  bifncto  do  Conde  D.  Henrique. 

Nota    401. 

O  105.  verf  I.  De  Etíopes  Efte  fingimento,  de  que  Dom 
Bermudo  levou  quando  toureava  à  praça  muitos  negros  captivos, 
a  que  deo  a  liberdade,  pronoftlca  o  que  vimos  verdadeiramente 
executado  por  feu  defcendente  o  Vifconde  D.  Thomàs  de  Lima  nas 
feftas  Reaes  do  cafamcnto  delRey  D.Joaó  V.  onde  toureou  com 
grande  primor,  e  luzimento,  dando  liberdade  a  hum  grande  nu- 
mero de  negros,  que  comprou  para  efte  fim,  e  as  ou.ras  fortes  de 
D.  Bermudo  também  fáõ  figuradas  pelas  do  Vifconde  muito  ácC- 
tro  na  equeílre,  e  em  outras  boas  artes. 

No- 


B  o    T  o  E  M  J.  77 

Nota  405. 
O.  loS.verf.S  Sibaritas  povos  da  Magna  Grécia  dizem  q  eraõ 
taõ  efeminados,  q  enfinavaó  os  feus  cavallos  a  lufpender  as  maõs  ,  e 
íegiiir  o  compaflo  femprc  que  ouviaõ  o  fom  de  certos  inftrumentos, 
e  que  labendo  os  Crotoninras  Teus  inimigos  efte  coílume  do  feu  in- 
confiderado  génio,  levarão  à  batalha  inftrumentos  femclhantes,  e 
tocando  o  mefmo  fom,  os  cavallos  principiarão  a  fua  dança  fem 
querer  obedecer  às  efporas ;  com  que  foraõ  inteiramente  derrota- 
dos. Veja-fe  Athcneolib.  12.  e  a  Ariftoteies,  acjuem  cita. 

Nota    404. 
O.    109.   verí.  4.  Bucefalo.  O  nome  de  Bucefalo  fígnifica  ca- 
beça dcBoy ,  por  ter  com  cfta  alguma  femelhança  a  do  famofo  ça- 
vallo  de  Alexandre  ,  que  íó  defte  Heròe  deixava  monraríè. 

Nota    40  5. 
O.    III.  verf    I.  O  Touro.  Entre  os  encantos  de  Medea  de 
que  ja  dey  noticia  para  quejazon  levaíTe  de  Colcos  (  hcje  chamado 
Mingrclia)  o  velocino  de  ouro,  foy  hum  matar  o  Touro  de  fogo 
que  guardava  efte  thefouro  appetecido. 

Nota  406. 
O.  verí.  verf  3.  O  em  quejovc  occultou.  Dando  a  fabula 
dejove  transformado  em  Touro  para  roubar  a  filha  de  Agenor  a 
bella  Europa,  o  nome  a  efta  parte  do  mundo,  ninguém  pode  igno- 
rar cfta  hiftoria,  que  dizem  foy  verdadeira,  naõem  tudo,  pois  Jú- 
piter, que  a  fabula  diz  roubou  pelo  mar  a  Ninfa,  fraterna  per 
xquora  vexit,  transformado  em  Touro  foy  hum  Hcróe,a  quem  da- 
vaõ  o  nome  de  Júpiter,  que  roubou  cfta  Princeza  cm  hum  navio 
que  tinha  hum  Touro  na  popa  por  diviza. 

Nota    407. 
O.    III.   verf   5.  Em  Abril.   Em  10.  de  Abril  entra  o  Sol  no 
íigno  deTauro,  o  qual  tem  huma  eftrclla  muito  ardente  a  que  cha- 
maó  os  aftronomos  Olho  de  Touro  ,  e  he  da  primeira  grandeza. 

Nota    408. 
O.    III.  verf.  7.  Momo.  Foy  Momo  o  critico  dosDcoíès,  e 
cenfurando  as  fuás  obras  achou  que  Neptuno  errara  na  do  Tou- 
ro ,  pois  fecha  os  olhos ,  quando  executa  os  golpes  ,  devendo  entaó 
abrillos  para  prevenir  os  meyos  da  offenla,  edadefenfa. 

Nota    409. 
O.   112.  verf.  2.  Zodiaco.  Chamo   com  nova  metáfora,  à 
praça  Zodiaco  pelo  Touro  que  eftà  nclla,  como  o  fignono  circulo 
celeftc. 

Nota 


78  NOTAS 

Noto    410. 
O.    115,  verf.   S.  Tirano  artífice.  Perillo   fabricou  para  li- 
2ongear  o  Tirano  hum  touro  de  bronze,  para    que  dentro  delle 
padeceíTe  com  fogo  lento  a  morte  cruel ,  o  infelice ,  e  foy  elle  o  pri- 
meiro, que  a  experimentou.  Arte  perire  lua,  diz  Ovidio. 

Nota    411. 
O.   115.  verf  Hircania.   Província  da  Afia  de  que  os  Tigres 
faõ  muito  ligeiros  ,  e  ferozes  ,  c  fe  chamava  por  ella  mar  Hircano 
o  Cafpio,  que  lhe  fica  a  Oriente. 

Nota   4X1. 
O.    118.  verf   6.  Da  meya  Lua.   Eíla  metáfora  da  meya  Lua 
obra  exterior,  e  defeníiva  da  fortificação  das  praças  com  ateílados 
Touros ,  a  que  os  Poetas  chamaõ  Lunada. 

(  Media  Luna  las  Armas  de  pi  frente. 
diz  o  íublime  Gongora  no  terceiro  verfo  da  fua  primeira  Soleda- 
de )  vay  feguindofe  nefta  oitava,  e  na  imraediata,e  adiverfifiquey 
lembrado  que  os  Aríetes  com  cabec^as  de  Carneiro,  e  rambem 
Lunadas  ferviaõ  para  a  otfenfa  na  antiga  expugnaçaô  em  tempo  que 
naõ  eraó  conhecidas  para  a  defcnfa  as  meyas  Luas. 

Nota    413. 
O.   119.  verf   g.  Oífa.  Na  guerra  dos  Gigantes  com  os  Deo- 
fes  fupunhaõ  hum  monte  íòbre  outro  ,€  Olimpo  fobre  Oífa.  He  ci- 
te hum  monte  muito  alto  na  Tefalia.  Hercules  o  leparou  do  Olim- 
po que  he  mais  fublime. 

O  Poeta  diz.  que  foy  o  Velion.  Imponere  Peito  Offce 
Nota    414. 
O.    iio.  verf  I.  Tranitagana.  Nome  latino  do  Alentejodon- 
de  os  touros  de  Roncaõ  faõ  os  mais  ferozes. 

Nota  415. 
O.  124.  verf  I.  Megera.  Finjo  que  Urania  vio  Megera  hu- 
ma  das  três  Fúrias  iufernaes,  fendo  as  outras  duas  Thefifone,  e 
Aleóto  que  fimbolizaó  os  eípiricos  malignos  ,  que  pcrtendiaõ  tirar 
a  vida  a  hum  cavalleiro  que  havia  de  tirar  muitas  aos  brutos  in- 
fiéis Mahomeranos.  Nota  416. 

O  IZ5.  verí.  8.  Trifaucc.  Nome  que  deu  a  fabula  ao  caõ 
Cerbero  guarda  do  Inferno,  por  ter  três  bocas  chamadas  fauces  nas 
fuás  três  cabeças.  Nota   417. 

O.  117.  verf.  5.  Três  Graças.  Ulo  aqui  diverfamenre  da  com- 
paração das  três  Graças,  que  foraõ  Taiia ,  Aglaya  ,  e  Eufrofina 
irmãas  do  amor  cora  as  trcs  DeoíaS| 

No. 


D  o    T  o  E  M  J.  79 

Nota     418. 

O.  117.  verf.  7,  Trcs  Deofas.  Sempre  entendo  pelas  Deoías 
Jum  ,  Palas,  e  Vénus,  fendo  efta  a  que  foy  preferida  no  juifo  de 
Paris,  dandolheamaçaá  de  ouro  que  a  difcordia  tinha  offerecido  à 
mais  fermofj,  Detur  pulchriori. 

Nota     419. 

O.  ilS.verí  8- Vénus  propicia  antes,  que  Dafne  ingrata.  As 
Coroas  que  nos  triunfos  antigos  eraó  os  prémios,  ou  íe  compunhaõ 
de  Murta  confagrada  a  Vénus  mãydo  Amor  ,  ou  de  Louro  em  que 
le  transformou  Dafne  ingtataa  Apolo  j  e  Bermudo  que  procura  o 
favor  de  Urania  prefere  por  efta  cauía  as  de  Murta. 

CANTO    VI. 

Nota  420. 
O.  1 5.  verl  8.  Do  ebúrneo  dente.  Todo  efte  Torneio  fegue  o 
eftillo  daquelle  tempo  neftas  feflas,  que  Ariofto,  Taífo,  c  os  mayores 
Poetas  modernos  imitarão  dos  livros  dos  Cavalleiros  Andantes,  de 
que  foy  o  primeiro  Vaíco  de  Lobeira  Portuguez,  e  Autor  de  Ama- 
dls  de  Gaula.  O  Javali  incitado  pelo  ciúme  de  Marte  matou  Adó- 
nis j  e  no  Poema  defte  titulo  bem  podéra  Marino  naó  copiar  a  im- 
pureza de  huma  Ode  de  Anacreonte. 

Nota     4zr. 
O.  16.  verf.  I.  Lidía.   Reino  da  Afia  Menor  celebre  pelas  boas 
artes  ,  e  pelas  riquezas  do  Rio  Padolo  ,  que  tinha  áreas  de  ouro. 

Nota    421. 
O.   20.  verf   5.  Tonantes.  As  duas  trovoadas  que  fe  encon- 
trão chamo  effeitos  da  cólera  do  Tonante  nome  que  fe  deu  a  Júpi- 
ter ,  poi  cauzar  os  trovoens.  Zomba  dcfte  falío  Deos  com  eílc  epí- 
teto  o  graciofo  Gongora,  no  Soneto  que  principia: 

Tonante  Mon  Semr  de  quando  acÁ  ? 
E  acaba,  com  hum  Apoftrophe  burlelco 
O'  Júpiter  I  O'  tu  mú  'vez.es  tu  l 
Nota  423. 
O.    35.  verf    I.  Do  Betis.  Como  pinto  efte  cavallo  Andaluz 
filho  do  Betis  hoje  Gualquivir  ,  com  pès  calçados  ,  digo  que  pelo 
ligeiro   pareciaó  Talares,  que  faõ  como  jà  expliquey  as  azas  que 
Mercúrio  cem  nos  pes  para  voar. 

Nota    424, 
O.    33,   verf.   6.  Tu  te  retiras.   Mais  natural,  e  menos  atre- 
vi da  he  a  figura  rethorica  de  falar  aqui  o  cavaleiro  ao  feu  ca- 
valo! 


8o  NOTAS 

vallo,  do  que  a  de  Homero  ,  que  faz  falair  eíles  brutos  com  Aqu!« 
le».  Nota    415. 

O.  35.  vcrf.  4.  Plutão.  Como  Plutão  era  o  Decs  do  Infer- 
no ,  naõ  impropriamente  lhe  atribuo  o  temor  dos  ferros  das  lanças 
com  hyperbole  fazendo-os  ferir  fogo  nas  pederneiras,  que  cftavaó 
dentro  na  terra.  Nota  416. 

O.  36.  verf  5.  Ceres.  Quando  Ceres  bufcou  fua  filha  Por- 
ferpina  ,  aquém  tinha  roubado  PlutaÓ  para  reinar  no  abifmo,  a  an- 
dou Ceres  bufçando  com  huma  tca  aceza,  e  aqui  lembrando  cfta 
fabula  ,  digo  que  entenderão  a  buícava  com  duas  teas  pelas  entra- 
nhas da  terra  a  que  abrirão  as  duas  lanças. 

Nota    4^7. 

O-  41.  vcrH  i.  Califas.  O  Reinado  dos  Califas  entre  os 
Mouros  fe  dividio  em  diverfas  partes,  e  fc  deo  efte  nome  aos  fuc- 
ceífores  de  Mafomarforaó  os  mais  poderofos  os  da  Siria,  depois 
os  houve  na  Perfia,  c  Egipto,  outros  também  em  Africa,  cem 
Hefpanha:os  Turcos  fuccederaó  em  muitos  deftes  Reynos. 

Nota    4z8. 

O.  48.  verf  4.  Gladiatores.  Os  gladiatores  eraõ,  como  pou- 
cos ignoraó,  os  que  nos  jogos  públicos  de  Roma  combatiaô  com 
as  efpadas ,  que  lhe  deraõ  o  nome ,  muitas  vezes  atè  perder  ã  vida. 

Nota    4Z9. 

O.  58.  verí.  1.  Monomaquia.  Significa  combate  de  hum 
com  outro  inimigo,  que  íaó  os  defafios. 

Nora  4  3 o. 

O.  58.  verf.  7.  Simpatia.  Nas  tragedias  de  Grécia  fc  conhe- 
ciaÓ  os  affedlos,  e  a  Simpathia  com  que  cada  hum  dos  aífiftentes 
fe  inclinava  aos  reprefenrantes. 

Nota    451. 

O.  58.  vcrf  8.  Oiqueílra.  Lugar  do  Theatro  onde  eílavaõ 
os  Coros  com  inftrumencos,  e  muzica,  e  jà  íè  dilfc  que  era  a  Cro- 
mática a  mais  atraòtiva  antes  de  haver  no  mundo  es  Bmocs,  que 
tanto  fuavizaõ  a  muíica  moderna. 

Nota  451. 

O.  59.  verf  2.  Sofocles,  e  Euripides.  Os  dois  mais  famo- 
fos  poetas  trágicos  dos  Gregos,  de  que  permanecem  algumas  tra- 
gedias :  o  primeiro  foy  Athenienfe,  o  fegundo  também  ,  e  Sofo- 
cles deu  a  melhor  ordem  às  tragedias  de  que  inventou  algumas 
partes ,  efcreveo  123.  tragedias,  c  Euripides  75.  Eíle  era  legundo 
algumas  opinioens  natural  de  Sakmina ,  nafceo  na  Olimpiada 

75-. 


D  o     P  o  E  M  A.  U 

75.  400.  annos  ances  de  Chiifto ,  a  Sophocles  cJiamaraõ  a  abelha^ 
ou  Serea  Atiça,  Nota.  453- 

O.  55).  verf.  5.  Cataftrofe.Hea  ultima  parte  Ha  trageJia  ,  em 
que  muitas  vezes  os  Reys  tyrannos  tinhaó  o  caíligo.  Titulo  foi  efle 
pouco  próprio  ,  e  ainda  menos  no  eííylo  de  hum  livro  Pôituguez 
lobre  a  revolução  da  Monarquia  na  depofiçaÓ  de  hum  Rey  ,  eju& 
íamente  encobrio  o  feu  illuftriíllmo  author  o  nome  cm  hum  ans- 
gramma.  Nora  434. 

O.  6z.  veif.  5-  Linha  reiTca.  A  linha  reóla  ,  oa  raya  ,  que  ie 
aílinalava  enrreos  dous  combatentes  ,  e  as  mais  ceremonias  que 
fe  feguc,  eraõ  asq  fc  obíervavaÕ  nos  defafios  públicos  de  que  o  ul» 
limo  permitido  foy  em  Hefpanha  entre  D,  Feliz  Torreilas,  e  D, 
Jeronymo  de  Anfa  no  tempo  de  Carlos  quinto,  qtse  os  prohtbioje 
aos  particulares  ,  o  que  melhor  confeguiraó  nos  feus  Reyuos  El= 
Rey  D.  Pedro  fegundo  no  de  Portugal,  e  Luiz  quâirorr,!  o  G -m-kj^. 
no  de  França.  Nora  45). 

O.  ri.verií.  i.  Anteos.  Lutava  Alcides  com  Aaí§o  ,  e  como 
cfte  era  filho  da  cerra  quando  cahia  neiia  cobrava  novas  forças,  ç 
advertindo  Alcides  ,  que  ja  voluntariamente  fe  deitava  no  chaõj  o 
defpedaçou  npar  fem./leixalio  chegar  á  cerra, 
.  ^    j  Nota  43 ó, 

O..-  75.  yerf.  ,4,.  lErya  vuloqjç^ria.  Como  êm  íadm  ferida  he 
vuinus,  dà  a  Medicina, e  Cirurgia. cfte  nome;às  ervas  que  ou  bebi- 
aas  ,  ou  applicadas  cutaõ  as  feridas  ,  aííim  o  fer  Aiquife  ,  noiue 
que  lè  dà  a  h.unj  íafciv?  nos-iivios  de  Çavallana: 

MT.v.:  .;  r.  :  Nota  4  57' 
.eri.  5., Esfera.  O  que  foi  maravilha  na  esfera  de  vi- 
dio,  em  que  Archimédes  abreviou  em  Syracufa  coiios^  os  movl- 
nicn:os  Celelics  j  e  que  Claudiano  defcreve  em  hum  admirável 
epigrammj^ ,  hojehe, vulgar  em  mais  exaclos  inftrumeuros  ,  e  re- 
lógios, que  mais  exactamente  recupilaõ  aquelles  admiráveis  ,  e  di- 
verlbs  movimentos.  Nota  438. 

,  O.  76.  verf.  7.  Chiron.;  Aigumâsyezes  repeti  que  o  Centau- 
ro Chiron  dera  o  nome  ,  e  inventara  a  Cirurgia  ,  e  fora  meiUr^ 
de  Efculapio  Deos  da  Medicina.         v 

Nota  432. 

vj.  7Ó.   verf.  S-  £  o  Numen  Serpeníiao  de  Epidauro..  He  o 

mcfrao  Lícuiapio  lilho  de  Apolo  ,  qae  deEpidauro,  hoje  Ragula, 

onde  era  adorado  na  forma  de  huma  grande  lerpente  ,  foy  levado 

■X  Rema  no  tempo  de  huma  pefte,  de  que  a  livrou  ,  ou  a  imagina- 

k  •      020 


82  N  o  1  A  S 

çaõ ,  ou  a  magica ,  íè  he  vcrdadeiía  efta  hiftoria  :  no  anno  de  Ro- 
ma de  461.  foy  eíle  pi-odigio. 

Nota  440. 

O.  80.  verf,  I.  Piimeií-o  das  Gentílicas.  Paia  parecei:  veiofi- 
mil  a  brevidade  da  obra  do  templo  de  N.  Senhora  de  Carquere, 
digo  que  foy  feita  primeiro  de  madeira,  e  pintura  ,  que  cubiia  as 
paredes  do  edifício,  que  digo  fora  templo  dos  Gentios,  e  Mef- 
quita  dos  Mouros  ,  e  agora  falia  o  Santo  de  futuro  moítrando 
profeticamente  os  mármores  ,  e  Arcos,  que  a  Igreja  de  Carquerc 
hoje  tem  ,  eque  eu  finjo  ,  que  o  Conde  D,  Henrique  tinha  man- 
dado fazer  íó  de  madeira. 

Nota  441. 

O.  82..  verf.  8.  Templo  de  Diana.  O  Templo  de  Diana  era 
Ephefo,quecomo  moftrey,foy  huma  das  fete  maravilhas  domim- 
dojComparo  ao  de  Alcobaça  da  Religião  de  S.  Bernardo  rund-ido 
com  largas  doaçoens  por  ElRey  Dom  Aftonfo  Henriques,  que  he 
hum  dos  famofos  de  Portugal ,  que  defcreve  em  profecias  S.  Gi- 
raldo  ao  devoto,  e  generofo  Henrique. 

Nota  442. 

O.  85.  verf.  2.  Junto  ao  Mondego  lenho  lacrofanto  O  mef- 
mo  Rey  D.  Aflbnfo  Henriques  fundou  em  Coimbra  o  Real  Moftei- 
ro  de  Santa  Cruz  ,  que  deu  aos  Cónegos  Regulares  de  Santo  A- 
goftinho,  chamado  Águia  de  Africa. 

No-ra  445. 

O.  85.  verf  5.  Da  gloria  de  Gufmaõ.  A  Máy  da  Rainha  D. 
Terefa,era  D.XimenaNunes  de  Gulmaõ,e  defte  mefmo  íãgue  repe- 
tido muitas  vezes  nos  noíTos  Reys  foy  S  Domingos  fundador  da 
Venerável  Religião  dos  Pregadores, a  quem  ElRey  D  Joaõ  o  pri- 
meiro deu  o  Real  Convento  da  Batalha,  que. fundou.  Eílrellas  faò 
as  Armas  defta  Ordem  ,  e  claros,  e  efcurcs  fe  unem  no  íeu  habi- 
to  branco  ,  e  negro. 

Nota  444. 

O.  84-  verf  i.  Defempenho.  ElRey  D.  Joaõ  o  primeiro  oi- 
tavo defcendente  ,  e  fetimo  neto  do  Conde  D.  Henrique  pelo  vo- 
to qne  fez  para  vencer  a  ElRey  D.  Joaõ  o  primeiro  de  Caftella  na 
Batalha  de  Aljubarrota  ,  edificou  no  campo  do  combate  hum  tem- 
plo a  noíTa  Senhora  da  Viótoria,  pouco  diftante  do  Convento  da 
Batalha,  de  que  a  Igreja  he  huma  das  mafs  lumptuofasdo  mundo, 
e  na  Capelía  dos  Reys  da  mefma  Igreja  fe  fcpukou  ,  e  todos  fcus 
filhos. 

Nota 


D  o    P  o  E  M  A.  83 

Noto  44?. 
O.  45".  verf.  5.  Hum  defcendente  feií.  Ellley  D.  Manoel  fi- 
lho do  Infante  D.  Fernando  neto  delRey  D.  Duarte,  e  biíneto  do 
mefmo  Rey  D.  Joaó  o  primeiro  ,  era  o  undécimo  delcendente  do 
Conde  D.  Henrique,  e  quando  defcobrio  a  índia,  fundou  o  mag- 
nifico templo  ,  e  Morteiro  de  Bellem  no  lugar  deReftcllo  huma 
legoa  de  Lisboa  para  o  Occidente,  e  como  Chrifto  teve  como  lol 
de  juftiçâ  o  feu  Oriente  em  Bellem  ,  digo  que  levando  ElRey  D. 
Manoel  a  fê  do  meímo  Senhor  de  Bellem  à  Índia  Oriental,  levou 
a  Deos  do  íeu  Oriente  ao  mefmo  Oriente. 

Nota  446. 
O.  §5.  verf.  I  Interprete  Divino.  Aos  Monges  de  S  Jeronymo, 
que  foy  o  interprete  divino  das  efcrituras  ,  e  do  texto    da  lingua 
lanta  que  he  a  Hebraica,  deu  ElRey  D.  Manoel  efteReal  Morteiro. 

Nota  447. 

O.  85.  verf.  8.  Mais  de  crés  Reis  do  Oriente.   Continua  a  ai 

lufaó   dos  dous  Bellens,   e  aífim  como  ao  primeiro  levarão    três 

Reys  do  Oriente  os  feus  tributos  ,  ao  íègundo  fez  ElRey  D.  Mi- 

nocl  tributários  muitos  mais,  e  muito  mayores  Reys  do  Oriente. 

Nota  448. 
O  8<j  verf.  i.Oevo  decimo  outavo.  Todos  os  annos  que 
correm  do  de  1700.  da  era  vulgar  atè  o  de  1800.  fe  contaõ  co- 
mo do  feculo  decimo  oitavo;  nefte  mefmo  numero  de  defcenden- 
te dezoiro  eftà  ElRey  D.  Joaó  o  quinto  pela  fua  real  varonia  com 
o  Condi  D.  Henrique  ,  e  nerte  evo  ,  que  fe  toma  por  feculo  para 
delempeniiar  o  voto  que  tinha  feito  pelo  nafcimento  de  hum  Prin- 
cipe,cdiíicou  o  Real  Convento  de  Mafra  digno  da  fua  generofa  pie- 
dade» Nota  449. 

O.  86  verf,  5".  Itaco  facundo.  UliíTes  ,  natural  de  Ithaca  ,  e 
muito  íioquente,iègundo  muitas  opinioens,  fundou  ,  ou  amplifi- 
cou Lisboa  ,  a  que  deu  o  nome. 

Nota  4ío. 
O.  %(>.  veif  8.  Calirto  fe  levanta,  o  foi  le  efconde.  Aparta  fe 
Mafra  de  Lisboa  quafi  leis  legoas  ao  Norte  ;  que  he  o  mefmo  que 
Calirto  ,  e  para  o  Occidente. 

Nota  451. 
O.  87.  verf  2.  Vias  Apias-   A  Via  Apia  era  huma  das  mais  fa- 
mofaí  das  em  qne  es  Rr  manos  dividirão  o  mundo  facilitando  os 
cammhosdo  feu  Império, e  as  comparo  as  que  vencendo  as  dificul- 
dades do  terreno  fe  fabricarão  de  Lisboa  a  Mafra,  e  fecruzaõ  pa- 

k  ii  ra 


84  ■     A^'  O  T  J  S 

ra  oucro  rleftrno.  A  Apia  hia  (i;e  Roma,  a  Bnmduzio  ,  e  lhe  dea 
o  nònie  Apio  Chudio  ,  que  a  fez  lagiar.  '   '■"■    ' 

Nora  451. 
O.  8!^.  verf.  8-  Praxircles,.  Efcukor  famrio;  aucoiiza  a  cfta  no  • 
ta  a  difcritiíTima  copla  deSoiis,  na  comedia  de  Triunfoscije  Amor, 
j  Fortuna  ,  em  que  Vénus  diz  fallando  da  lua  círatua 'feifa  por 
efte  Artífice. 

La  Bflatua  que  d  Prãxitele<> 
Avmo  todo  cl  efluàui  , 
Que  parece  ,  que  ai  eí  marmol 
quedo  viõlerao  lo  mudo, 

■  Nora  455. 
O.  90.  verf  !.  SeraBm  de  Aífis.  A  Religião  Capn.cha  refor- 
mada  da  F;ovincia  da  Arrábida",  e  do  Seráfico  Saó  Franciico  de 
Aífis  com  trezentos  Religiofos  íuftenrados  pela  caridac^e  delReyDc 
JoaÕ  o  quinto  3  he  a  quem  íe  deftinou  pelo  mpfmoRey  o  Conven- 
to cie  Mafra  Nota  4)- 4. 

O.  90.  verf.  5o  Ao  Santo  que  excelente.  Santo  António  admi<= 
f  âvel  mos  prodígios  ,  que  Deos  obrou ,  e  obra  pela  fua  jntei'ceííaô< 
l\e  o  Orago  do  Convento  de  Mafra.  Naíceo  eíít  Santo  em  Lisboa. 
mou-eos  e  eftà  fepultado  em  Pádua ,  porem  o  principal  Orago  he 
â  Vlrgemi  Mana  N.  Senhora, 

Nota  4^5-, 
O- «II'- vcrl,  S-  Sem  impiedade  aHakaô.as  gârdias.  Os  finoí 
livms  de  çxTraordinaria  grandeza  ,  e  outros  deinomerofã  arnionió. 
levantados  a  Torres  muito  altas  comparo  aos  gigantes  ,  que  aíal- 
raraõ  ao  Ceo  com  a  djíferença  de  qoe  aquelies  foraó  por  caufa 
da  inopií^d^df  ?  e  eftes  per  eífeito  da  devoção. 

Nota  456. 
O.  9z.  verf,  i.  Dezempenho.  Depois  de  dsr  EiRey  so  Ceo  o 
Príncipe  D.  Pedro  ,  feu  primogénito  j  que  nafceo  dia  de  S.  Pe- 
dro de  Alcantra  cm  19.  de  Outubro  de  1712.  emorreo  em  a 9.  de 
Ci^urubro  de  17 14  nafceo  em  6,  de  Junho  de  1714.  o  Príncipe  D 
jozè ,  e  das  fuás  regias  virtudes  j  e  das  daPrinceza  ,  e  Infanta 
rie  Efpanha  Dona  Maria  Viólom  he  hum  pequeno  j.  e  verdadei- 
ro elogie  eíta  Oitava, 

Nota   457- 
O   97.  verf  6.  A  pura  May,  No  Alcorão  ,  quecompozMa- 
iOíDs,  fe  confeíía  ,  que  a  Virgem  Maria  o  foy  antes  ,  e  depois  do 
parto  ,  e  que  jeíus  feu  Filho  a  que  çham-aô  Izay  fora  hum  gran- 
de 


r 


D  o     P  o  E  M  J,  8í 

de,  eSanto  I-iofcta  ,  e  injiiltamentc  pcifeguido  pelos  Judeos. 

Nota  458.  ** 4^ 
'  O.  III.  verf.  5.  Hum  galhardo  Francez.  Como  a  Cafa  de 
Rohan  ja  pelos  annos  tle  :00o.  tinlia  giandcs  cen.is  em  Berianha, 
e  os  Príncipes  de  Soiibize  contcõ  òciá^  aquelle  tempo  ,  e  ante.'»  a 
ília  illníhe  Varonia  ,  tiouxc  ncfte  Poema  a  Porrugal  a  Heicuks 
de  Ròhan  ,  e  a  ícu  Irmão  Halaoo  nomes  antigos  ncíta  Cafa,  naõ 
me  eíqticceado  ..  que  paia  a  ininiia  burquey  cila  aliança  no  caía- 
mento  do  Conde  O.  Luiz  de  Menezes  meu  filho  com  D.  Anna 
Xavier  de  Rohan  fiiha  do  Conde  da  Ribeira  D.  Jozè  da  Camará, 
e  de  Conftança  Emília  de  Rohan  ,  írmaa  do  Príncipe  de  Rohan,  e 
do  Cacdeal  Armando  de  Pvohan  ,  ambos  Principes  Eftrangeiros  de 
França.  Nota  4??. 

O.  116,  verf  f .  O  Eftreito  Hercúleo  ,  e  Gaditano  Pego.  Diz 
Muley  que  a  Armada  que  vem  de  Africa  há  de  paíTar  ^o  eílreito 
de  Gibâkar  ,  e  depois  o  golfo  de  Cadix  para  vir  às  coftas  de  Por- 
tugal ,  e  a  fòs  do  Mondego. 

Nota   460. 

O.  151.  verf.  8.  Tu  de  Muley,  Sabia  Haiy,  que  Aidara  era 
Irmáa  de  Muley  ,  e  com  efte  artificio  politico  embaraça©  íeu  caia- 
nienco  ,  e  naõ  explico  aos  leitores  aplicados  efte  enrede  ^  que  cor- 
re por  rodo  o  Pcema  .  fiando  mais  da  íua  inteligência  j  qus  do 
meu  comento, 

CANTO    VIL. 

Nora  ^61. 
O.  i,  veri.  7,   Nas  Eílrellas.  A  celebre  vizaõ  do  Apocâlipíe 
vav  recopilada  neíles  dois  veríos.  '       . 

Nota  4C'2. 
O.  4.  verf,  5.  Dos  Romanos.  Se  eu  fora  comentador  de  Obra 
alhea  ,  aqui  oftentaria  huma  difcriçaô  dos  rrianfos  dos  Romanos, 
que  era  huma  das  três  coufis  ,  que  Santo  Agoílinho  dezejava  ter 
vifto  Bafta  agora  faber  que  o  heròe  no  triunfo  de  Maria  deuji- 
berdade  aos  caprivo?,  que  coílumavaõ  ir  atados  ao  carto.do  ven- 
cedor  na  vaidade  gentílica. 

Nota    465, 
•O.  7.  vecf  6.  Ámniftia.  Eda  palavra  ,  que  fignifica  em  gre- 
go eíquecimentOj  vindo  do  verbo  Amnefteo,  nfou  CiceiQ  pedin- 


86  NOTAS 

do  licença  de  a  introduzir ,  e  lie  hoje  muito  comm  nos  tratados 
de  paz  ,  e  no  perdaó  g^al  que  concedem  osPrincipes  ,  pondo 
em  elquecimento  as  hoítilidadas  dos  inimigos  ,  e  os  dclidtos  dos 
vairallos.  Nota  464. 

O  8.  verf.  5.  Palas  ,  e  Minerva.  Que  foíTe  liuma  fó ,  ou 
duas  Deozas  Minerva  ,  e  Palas,  he  queftaó  entre  os  Mytholo- 
gicos  ,  os  primeiros  daó  a  enttnder  ,  que  na  cabeça  de  Júpiter, 
como  na  de  lium  Rey  ,  donde  eíla  Deoza  nafceo  ,  naó  podiaõ 
eitar  dignamente  as  letras  fem  as  armas  ,  os  fegundos  que  (aÕ  os 
mais, as  tuiplicaó  por  ferem  taó  diverlas  as  íuas  operações.  Para  as 
illuzões  de  Axa  ,  me  valho  muitas  vezes  do  íonho  taó  comum 
MOS  poetas  heróicos  Nota  467. 

O.  1  1  verf.  4  Com  ferro  eíciico,  Entre  as  duras  ,  e  barba- 
ras máximas  do  Alcofaõ  ,  he  haina,  c]iie  a  ley  Mahometana  naó 
deve  defendcrfe  com  a  pena,fe  naõ  com  a  efpada. 

Nota  468. 

O.  \6.  verf.  5.  Das  azas  de  Dédalo.  Finge  a  fabula  que  as 
azas  coni  que  voou  Dédalo  /  eraõ  unidas  com  cera  ,  e  também 
as  de  ícaro  de  que  o  precipício  deu  ,  como  ja  diíTe  ,  nome  ao 
mar  Icario.  Aflim  explico  ,  que  para  a  prociíTaõ  íe  deraó  a  todos 
tochas  de  cera  Nota  469. 

O.  i7.verí  5.  O  Florentino  experto.  He GalileoGalilei  gran- 
de Mathcmatico  de  Florença  inventor  dos  óculos  ,  e  Telefcopios. 

Nora   470. 

O.  17.  verf.  8.  Numero  num.erou  inumerável.  Naõ  fe  con- 
dene como  jogo  de  vocábulo  eíle  verfo  ,  porque  entendo  que 
naó  he  muito  pueril  ,  pois  a  femeihança  das  vozes  unio  humlub- 
ftantivo  ,  hum  verbo,  e  hum  adjedlivo  tudo  fundado  na  Efcritu- 
ra  no  cap,  1 5,  do  Genezis,  Sufpice  Cctlí4»i,  &  numera  fie  11  as  ejus.ft  po- 
tes. }3.  irferi  que  os  antigos  dividirão  pelas  conftellaqóes  que  for- 
marão, íò  mil  e  vinte  duas  elUcllas  ,  cjueeraó  as  que  podiaó  ver, 
fem  os  óculos  que  naó  conhecerão  ;e  como  aqui  as  comparo  com 
as  vellas,  e  tochas,  naó  he  imprópria  a  memoria  nefte  tiiunfo  de 
Noda  Senhora  ,  de  que  Ericio  Puteano  achou  mil  e  vinte  dous 
verfos  certos ,  na  combinação  das  palavras  de  hum  lo  ,  entre  qua- 
renta mil  trezentis  e  vinte  mudanças  que  lhe  dava  a  melma  com- 
binação nas  outo  palavras  de  que  o  verfo  fe  compõem 
Tor  tibi  [unt  dotes  'virp  ,  qf^ot  fydera  ca'lo 
Nota    471. 

O.  19.  verf  2.  Tardo.  Com  loccego.  O  movimento  do  pri- 
meiro 


D  o     P  o  E  M  J.  87 

meiro  movei  ,  que  he  o  mefmo  ,  que  do  Firm-iinento.  Segundo 
Ceo  ,  em  que  eftaó  as  cíliciías  fixas,  t  oiuaõ  os  antigos  ,  e  vnodei- 
nos  com  alguma  diferença,  mas  a  opinião  mais  comua  ht:-,  que 
ha  de  acabara  fua  volta  em  vinte  c  cinco  mil  e  duzentos  annos. 
A  eíle  cliamavaõ  anno  Platónico ,  dizendo  que  todas  as  couzas  ha- 
viaõ  de  tornar  ao  feu  principio,  e  hii  fuccedendoconio  a  primeiía 
vez.  ElVa  compamçaõ  continua  a  luzaó  daseftiellas,  e  vagar,  com 
que  a  piociílaó  caminhava. 

Nota  472. 
O.  19.  verf.  5.  Por  trir.ta  ,  e  cinco  eítadios.Hum  eftadio  era 
a  diftancia  em  que  podia  ouvirfe  claramente  a  voz  de  hum  ho- 
mem ,  e  continha  cento  e  vinte  e  cinco  paflos  ,  eefta  he  quafi  a  dif- 
tancia de  Lamego  a  Carquere,onde  (e  encaminhava  a  piociflaô. 

Nota  475. 
O.  20.  veif.  8-  A  acorde  melodia.  Era  também  opinião  dos 
Filofofos  antigos  vendo  a  ordem,  eaimonia,com  que  fe  movem 
as  eftrellas,  e  o  Firniamenro,  que  formavaõ  huma  mufica  fuavif- 
lima,  a  qual,  ou  pela  diftancia  fe  naõ  ouvia,  ou  pelo  coftume  de 
a  ouvirmos  íempie,  fc  naó  podia  diíliuguir  :  os  inftrumenros  de 
que  traça  a  oucava  ainda  que  alguns  fe  fupoem  de  invenção  mais 
moderna  ,  bem  fabem  os  eruditos  as  queiloens  que  hafobre  os  no- 
mes,que  dá  aefcritura,  eque  hoje  tomaiaó  inftrumentos  difererv 
tes ,  e  da  mefma  forte  ie  daõ  os  nomes  modernos  aos  antigos,  c  os 
Puetas  uíaõ  deftas  antecipações  de  tempos. 

Nota    474. 
O    2  1.  verf.   I.  Pneumático.   Como  na  oitava  antecedente 
diíTe    os  inftrumenros  que  hiaõ  no  triunfo  ,  nefta  com  Kirker, 
Meurfio  ,   e  todos  0%  Aurores  da  mufica  ,  os  divido  cm  três  claf- 
fes.  Chama-fea  primeira  pneumática  ,   que  he  o  mefmo,  que  ven- 
to,pois  ifto  íignifica  pneuma,que  he  vento ,  e  efpirtio  ;   a  efta  claí- 
íe  fe  reduzem  a  Trombeta  ,  o  Orgaõ  ,  a  Flauta ,  e  os  mais  inftru- 
mentos ,    que  tocaó  com  o  vento.  A  fegunda  fe  chama  encordia 
dos  inftrumentos, que  tocaó  com  as  cordas  ,  como  faõ  a  cytara , 
a  Arpa  ,  a  Viola  ,    e  os  mais  defte  gcnero.  A  terceira  he  a  pulfatil 
dos  que  tocaó  batidos,  como  os  Timbales  (  Atabales  lhe  chama- 
remos lempre)  os  Tambores, os  Adufes,  e  os  mais  defta  efpecie. 

Nota  475. 
O.  11.  verf  I  .Novecarros.AM<aynhadosAnjoscia  jufto,qeftes 
imitados  celebraíTcm  nos  léus  noveCoros  divididos  em  ttes  Gerar- 
quias  que  a  Igreja   leconheceo  depois  do  antjop  livro  de  caelefti 

hierar- 


S8  NOTAS 

JiierarquJa  atdbnido  a  S.  Dionizio  Aieopagica  ainda  que  os  Ciid» 
cos  lh<?  àaó  outro  Dionisio  por  Autor,;       ,-- 

Nota  476, 
O.  27.  verf.  j.  Os  atiibdtos.  Nas  Efcríturas  ,  e  na  Ladainha 
Lauretana,  que  a  Igreja  íó  permite  je  reíe  a  N.  Senhora ,  íe  achao 
Qs  Teus  íoberanos  atributos  ,  que  nefta  outava  ,  e  nas  leguintes  fe 
a.plicãõ  á  fundação,  e  patrocínio  de  Portugal :  veja-íè  o  livro  do 
Panocinio  dç  N.  Senhora  eTcrito  pelo  Padre  Alonfo  de  Andrade, 
e  o  de  Divi  Tateíares  do  noílo  erudito  Padre  António  de  Mace- 
do da  meíh)a  Companhia  ,  e  nao.  íó  os  Áuchores  5  que  o  Padre' 
Manacio  pripcijíiou  a  recopilar  na''ÍLia  Biblioteca  Mariana  ,  mas' 
QS  iunameraveiSj  que  dedicarão  as  fnas  obras  em  louvor  do,-? infi' 
nitos  atributos  de  Maria.  Duas  Bibliotecas  dcrtas  piiífimaè  obras 


Nota  ,4^7.- 
p.  zò,.  vcri.  7.  Heitaura'dor:''ElRèy  L^Ja^lCO  quarcosquc  fc;-v 
o  Reynoféudâtaâõ  à  Conceição.     .  •  '■'■''  ^    ■-   ■-• 

Nota"^47S.. 
O.    54..  verC   7.   Hum  dos  Meiiós,  <^^i.uv.  v'>  i,»^)r,;ii>.;i;, ,  .: 
por  Tronco  dailluftre  família  dos  Mellos  a  D  PedroFecmaHs 

Nota  479; 
O,  34.  ver-,  £.,  Vaíconcellos.  No  icãi^w.;^  ...t...  •^w-.íb.u«-,.*  .v.  ...- 
creveo  Joaõ  Salgado  de  Araújo  Abbade  de  Pêra  ;da  iiluílre  fairtói- 
lia  àos  Vaíconcellos  oíí  entronca  com  o  Conde  D.  Ozoiio  de  Ga 
breira  deícendete  de  ElReyD. Ramiro  Ill.de  L.eaò,como  diz  o  Con- 
de D.  Pedro  ,  ídeíl^familiâ  íaõ  qs  Condes  de  Caftelio-Melhar: ) 
qs-.Moígados  do  Efpçiraó,,  e  outros  ramos  illuíhes. 
','  ::   :.■,,■        ■,  .     'Nota  480,         '     ■  ^'  '  ■ 
O, ,4 3.  y^çiif.  '8  ,  Generofo.  No  carader  de  generofo,  que  dev 
ao  meu  Heroe  fem  nunca  o  diTmintir  fegundo  me  parece,  cabem 
todas  aqueiias  afições  ,  que  fe  julgaõ  menos  acaatelladas  pei.os  po- 
líticos, em  que  ja,  desconfiança  he  contraria. da  getierofidade,  e  íè 
.aqui, h,a  algum  defeito,  ja  nas  advertências   preiiminaies  moílrey 
CQ^i  os  , medres  da.  arte,    que  era  precizo  para  fazer  verofimeis 
as  vertudes  do  Herotí  ãó  Poema  diferente  do  da  Novéila. 
•  -;  V        '  Nota  481.-   / 
.0,'àfG,  verf.  8.  xMedujEa.  Muitas  vezes  íe  repetio  que  Medu- 

jçatjfíh^  icrpe^ntes  pof.cabellos. 

•       '  •      •     Nota 


DO    P  O  E  M  J.  89 

Nota  48z.  *  ■"'  * 

O.  49.  verf.  8.  Eílatuas.  Como  dizem  que  Meduza  convertia 
em  pedras  a  todos  os  que  a  viaõ  ,  e  que  a  fua  cabeça  depois  de 
cortada  cauzava  o  mefmo  effeito,  aqui  o  introduzo  para  moílrar 
a  fufpençaõ  dos  que  viraóeftc  prodígio  :  aííim  dizem  os  Médicos 
que  ficaõ  os  que  tem  o  mal  incurável ,  chamado  Catalepíis  em 
que  o  íangue  fe  congella  ,  e  os  deixa  na  meíma  acçaó  em  que  el^ 
tava5.  No  ícu  mundo  fubterraneo  refere  Kirker  com  outros  Au- 
thores  q  na  Tartaria  havia  huma  Cidade  chamada  Biadagio,q  por 
hum  calligo  do  Ceo  ficará  petrificada  ,  e  os  homens  ,  e  animaes 
da  mefma  forte  ,  porem  os  modernos  o  negaó  ,  c  os  novos  Sá- 
bios da  Academia  Ruílianna  o  naó  tem  defcuberto. 

Nota  485. 
O.  55.  verf  I.  Fátima.  Como  os  Mouros  faõ  contrários  da 
idolatria  faço  a  reflexão  de  que  entenderão  que  Fátima,  a  quem 
veneraõ  ,  era  filha  de  Mafoma  ,  e  mulher  de  Ali ,  que  fundou 
huma  Seita  ,  chamada  dos  fatimidas.  Fingem  que  foy  virgem  de- 
pois de  May  de  muitos  filhos  ,  morreo  em  Medina  féis  mezes  de- 
pois de  Mafoma  tendo  z8  annos. 

Nota  484. 
O.  57.  verí.  1.  Phosphoro.  Efte  nome  grego  ,   que  a  luz  ,  e 
o  fogo  deraô  à  eftrella  de  Vénus  na  Aurora  de  quem  diz  Marcial. 

Phofphore  redde  dietn  ,  cur  gaudia  noftra  mor  ar  is  ? 
•    He  o  mefmo  que  deraó  os  Chimicos  modernos  a  todas  as  pro- 
duções naturaes  ,  ou  artificiaes  ,  que  luzem  na  efcuridaõ  :  huma 
das  principaes  he  a  pedra  de  Bolonha:  veja-lè  deftes  phofphoros, 
o  que  diz  Ozanam  na  ultima  ediçaõ  das  recreações  mathematicas. 

Nota  485. 
O.  6i.  verf.  5.  Eroftrato.  Bem  conhecido  ficou  pelo  íàcri- 
legio  com  que  queimando  o  templo  de  Diana  em  Efefo,  quiz  im- 
mortalizar  o  feu  infame  nome  ,  na  melma  noite  em  que  nafcfo  o 
'grande  Alexandre,  e  porque  iium  orador  lizongeiro  diíle  que  Dia- 
na que  com  o  nome  de  Lucina  era  a  Dcofa  dos  Partos,  íe  defcui- 
dará  do  feu  Templo  ,  que  lhe  importava  mais  ajudar  aOlympia 
no  nalcimento  daquelle  Príncipe  ,  outro  Orador  ,  como  diz  Plu- 
tarco ,  reípondeo,  que  aquelíe  penlainento  ac  ulador  eia  taô  frio, 
que  le  admirava  de  que  naó  baflafle  para  apagar  o  incêndio  do 
templo.  Nota  486. 

O.  65.  verf  5.    Radamanto.    Minos  ,  eRadamanto  diz  a  fa- 
bula ,  que  pela  fua  Juiliça  foraõ  nomeados  peios  Deozes  Juizes 

1  dos 


90  :v^  NO  T  J[  f 

dos  condenados  ao  abifmo,para  onde  paíTaraõ  os   foldados  pelo 
defcuido  de  eftarem  dormindo  fendo  o  lono  imagem  da  Morce, 

Nota  487.  í 

O.  6}.  veif.  8.  As  deixou  como  as  achara.   Atribue-fe  efte 

apotegma  a  Alexandre  Magno  ,  que  condenando-lhe  matar  hum 

foldado  fentinella  que  eftava  dormindo  ,  refpondeo  que  o  deixa- 

xa  como  o  tinha  achado* 

Nota  488. 
O.  (jj.vcrf.  1.  Touro.  Dizem  qae  Neptuno  fez  o  Touro,  o 
qual  cerra  os  olhos  quando  marra,  e  Momo,por  efta  caufa  culpou 
aqttella  imperfeição  fechando  os  olhos  quando  havia  de  abrillos 
para  dar  o  golpe. 

Nota  489. 
O.  70.  verf.  8.  Vulcano.  Vulcano  foy  ferreiro  iníígne  ,  e  di- 
zem que  a  armonia  fe  inventou  jobfervando  a  proporção  dos  gol- 
pes do  ferro  quando  bate  o  martello  fobre  a  Bigorna  ,  porque  fa- 
2iaô  confonancia  de  hum  a  hum  ,  ou  de  hum  a  dois  ,  que  he  o 
principio  da  Muzica  ,  edounifono,  e  MonòteíTaron. 

Nota  490. 
O.  73.  verf  I.  Bellicoía,  e  beliílima  Bellona.  A  propriedade 
com  que  fe  dá  a  Axa  o  nome  de  Bellona  Deoza  da  guerra  ,  e  os 
Epítetos  de  belicoza,  e  beliífima,  defculpa  efta  quazi  paranomazia 
de  que  naó  faltariaó  exemplos  ,  até  no  meímo  Cicero  ,  e  naó  ha 
íigura  ,  que  naó  fendo  frequente  fe  exclua  da  Rhetorica  ,  c  Poé- 
tica. Cielia  ,  e  Pantaziléa  ja  fe  diííe  quem  foraõ. 

Nota  491. 
O.  74.  verí.  8.  Foge  a  mefma  morte.  Naó  ío  he  hipérbole  e 
conceit©  poético  ,  mas  parte  da  narraçió  ,  para  moftrar  que   Axa 
ficou  ferida,   e  naó  morreo,   porque  a  morte  fugio  de  medo  dos 
golpes  de  Egas  Moniz. 

Nota  492. 
G.  84.  verf.  7.  Atlante.  He  parte  da  fabula  de  Perfeo  ,  e  M«- 
duza  ,  que  tanto  fe  tem  explicado  ,  a  tranformaçaó  de  Athlas,  ou 
Athlante  ,  Rey  de  Mauritânia  em  monte  do  melmo  nome  que  di- 
zem fuftenta  o  ceo  em  que  fe  converteo  ,  porque  Perleo  o  calti- 
gou  da  fua  má  hoípedagem  ,  moftrando-lhe  a  cabeça  de  Meduza. 

Nota  493- 
O.  84.  veil.  8.  Do  mcimo  Athlante.  Em  outro  lugar  fe  dirá 
o  dominio  de  Portugal  contra  Athlante,  aííim  no  oceano  deftc 
nomq,  como  nas  tejras  de  Africa  nas  vifmhanças  defte  monte. 

Nota 


D  o    T  o  E  M  J.  91 

Nota  494. 
O.  87.  veiT.  6.  Piromancia.  He  a  parte  da  magica  ,  eNigro- 
mancia  ,  cm  que  fe  adivinha  pelo  fogo  chamado  Pyios  ,  a  que  f» 
faz  no  at  heaEromancia,  na  agoa  Hydromancia  ,  e  na  terra  Geo- 
maneia  ,  efta  fe  uza  também  com  o  mefmo  nome  com  linhas,  e 
pedras,  Emancia  figniíica  adivinhação. 

Nota  495. 

O.  88.  verf.  7.  Moloílo.  He  o  nome  de  hum  câo  ,  que  fabri- 
cou Vulcano  de  bronze  ,  e  o  deu  a  Júpiter ,  e  Júpiter  a  Europa^ 
€  depeis  a  vários  caçadores  ,  fendo  feroz,  e  ligeiro, àcremque  Mo-: 
loíTum  lhe  chama  Virg.  5.  das  Geor. 

Nora  496, 

O.  8  8.  verí.  8.  Cololío.  A  grande  eftatua  de  Rhodes  hum» 
das  fete  maravilhas  do  mundo. 

Nota  497. 

O  89.  verf.  5.  Sanfaõ.  A  comparação  de  hum  heròeChriftaõ 
com  Saníaõ  ,  que  foy  figura  de  Chriílo  ,  e  a  do  Gigante  com  o 
Templo  naõ  í'e  eílranhará  em  hum  Poema  também  Chriftão.  Naó 
íèy  íe  o  era  muito  António  Henriques  Gomes  ,  e  fez  hum  Poe- 
ma nSió  indigno  ,  que  intitulou  Sanfon  Nazareno.  A  Efcritura 
DOS  diz  ,  que  Sanfaõ  abraçando-fe  com  duas  colunas  arruinou  o 
Templo  dos  infiéis  ,  e  perdeo  com  todôs  a  vida. 

Nota  498. 

O.  90.  verf.  I.  Anteo.  Em  humaNota  referimos  ja  efta  fabu* 
l;i.  Nota  499. 

O.  97.  verf.  5.  Huma  delgada  névoa.  He  alluzaó  ao  que  diz 
a  Efcritura  :  tamquam  virgula  funú  ex  aromanbusy  o  que  fe  compa- 
la  com  a  Igreja  no  livro  dos  Cantares  cap.3. 

Nora   500. 

O.  97-  verf  7.  Pluraõ.  O  roubo  de  Proferpina  por  Plutão  fe 
repete  algumas  vezes  nefte  Poema  ,  lendo  entre  muitos  defte  af- 
fumpto  o  que  Claudiano  efcreveo  em  quatro  livros  com  o  titulo 
Òq  Raptu  ProferpWdí  y  a  que  no  generofo  burlefco  ,  iguala,  ou  ex- 
cede o  Efpanhoi  D.  Pedro  Sylveftre,  fe  he  que  ,  como  adverti  nos 
preliminares, naó  tem  Autor  mais  exceilente.  Aqui  continuo  efta  fa- 
bula para  appiicalia  a  huma  verdade  ,  que  he  a  alegoria  5  pois  fa- 
fim  como  Jove  colocou  íeis  mezcs  a  Profer,pina  no  Ceo  ,  onde 
fingirão  que  era  a  Lua,  também  Deos  que  he  o  Supremo,  c  ver- 
dadeiro Jove  livraria  ,  a  quem  he  :  pulchra  ut  luna  do  roubo  que 
Plucaõ  fulminava  da  fua  imagem. 

lii  Nota 


^7.  NOTAS 

Nota  501. 

O.  roi.  verf.  6.  Elemento  fubtil.  Os  que  tiverem  qual  quer 
luz  da  Filofofia  Carteziana  ,  entenderão  ,  o  que  em  poucas  pa- 
lavras fc  iníinua  do  terceiro  elemento  ,  e  da  cauza  de  ferir  lume 
a  pederneira  ,  e  tantas  outras  producções  da  natureza  em  que  cila 
porçiõ  lutil  eílá  rezervada. 

Nota  503. 

O.  104.  verf.  I. Amianto.  Tudo  o  que  fe  tece  com  os  fios  do 
Amianto  ,  c  fe  chama  depois  por  incombuftivel ,  Asbefto,  he  cer- 
to que  naõ  fó  eftà  livre  de  queimaríc  ,  mas  que  fe  lava  no  fogo. 
Naõ  ío  efta  efpecie  de  Alúmen  plumen,  como  chamaó  os  Boticá- 
rios, le  confervaõ  em  muitos  gabinetes  de  raridades ,  mas  nas  do 
meu  Mufeo  tenho  papel  pardo,e  hum  pào  ligeiro,  que  naõ  podem 
queimaríe.  Naõ  entro  na  queftaõ,  feeraõ  verdadeiras  as  Alampa- 
das  ,  ou  lucernas  inextinguíveis  ,  que  dizem  fe  acharão  acezasem 
algumas  íèpulturas  Romanas,  e  que  fe  apagarão,  expondo-fe  ao 
ar,  de  que  entre  outras  hiftorias  íe  conta  ,  que  no  tempo  do  Papa 
Paulo  III,  fe  achou  a  de  huma  filha  de  Marco  Túlio  Cicero ,  cha- 
mada Tuliola ,  veja-fe  o  volume  de  lucernis  anciquis  de  Fortunio 
Liccto ,  Panciròlo  rerum  deperditarum,  e  os  muitos  que  o  defen- 
dem, fendo  mayor ,  e  pôde  fer  que  melhor,  o  numero  dos  que  o 
impugnaõ.  Nota  505. 

O.  106.  verf.  I.  Arvore  da  Vida.  A  comparação  da  Arvore  da 
Vida  izenta  do  roubo  de  Eva  com  a  Virgem  he  muito  commua,  e 
aqui  íe  compara  o  templo  com  o  Paraizo  5  e  a  efpada  de  fogo  do 
Querubim ,  com  o  que  agora  preíerva  o  templo  do  incêndio. 

Nota  504. 

O.  110.  verf.  I.  Chuva  de  ouro.  A  fabula  de  Júpiter  que  pa- 
ra introduziríe  na  torre  em  que  Acrifio  Rey  dos  Argivos  tinha 
preza  a  faa  filha  Danae,  íe  transformou  em  chuva  de  ouro  ,  he 
taô  conhecida,como  a  alluzaõ  de  que  o  intereífe  corrompe  as  gu- 
ardas, c  vence  as  mayores  difficuldades. 

Nota  505. 

O.  111.  verl.ç.  Falange.  Nome  que  davaó  osMacedonios  aos 
feus  batalhões  guarnecidos  por  todas  as  partes  de  lanças,  e  outras 
defenfas,  originando-fe  eftenome  das  aranhas  chamadas  Falanges 
que  he  huma  efpecie  de  centopeas,  que  por  todas  as  partes  eftaõ 
rodeadas  de  pés  ,  que  lhe  deu  o  nome  de  Centumpedcs,  e  com  elles 
oífendem  ,  e  fc  defendem. 

Nota 


t>  o    T  o  E  M  J.  93 

Nota  50Ó. 
*"  O.  1 50.  verf.  I.  Sem  armas.  Efta  defcripçaÕ  de  Egas  Moniz 
affli(íto  pela  perda  do  Infante  D  Affbnfo  he  huma  figura  da  que 
Camões  deícreve  do  mefmo  Egas  Moniz  quando  como  outro  A- 
tilio  Regulo  foy  facrificar  a  vida,  por  livrar  a  Portugal  do  tributo 
deCaftella. 

CANTO    VIII. 

Nota  507. 
0. 5.  verf.  I.  David.  Nefta  Oitava  inclui  os  nove  da  fama  de 
que  nem  a  efcolha(fegundo  entendo  )  foy  jufta  ,  nem  a  tradição 
he  antiga  ,  pois  he  certo,  que  he  mais  moderna  ,  que  Gofredo  ,  e 
cuido  que  huma  Chronica  antiga  Efpanhola  chamada  dos  nove 
da  fama  he  a  primeira,  que  os  elegeo  ,  pois  naó  acho  nas  outras 
Naçoens  origem  deftes  efcolhidos  heroes.  Bem  fe  elegerão  os  três 
da  efcricura  Jozuè,  David,  e  Judas  Macabeo,  porém  Moiz€s,San- 
faó  ,  e  outros  podiaõ  também  competir  com  algum  dos  três.  En- 
tre os  Gentios  naõ  havia  de  eleger  a  Heíflor  ,  fenaõ  a  Aquiles  que 
o  matou  ,  e  a  nenhum  dosdous,  pois  entre  os  fabulolos  cftava 
primeiro  Hercules,  e  com  mais  noticia,  como  Plutarco  nos  mof- 
tra  na  fua  vida ,  dera  eu  o  primeiro  lugar  a  Thefeo  ,  a  Alexandre, 
c  a  Cezar  naõ  difputo  o  lugar.  Entre  os  três  chriftaos ,  he  Artur  o 
o  Heytor  ,  porque  defte  famofo  Rey  de  Inglaterra  faõ  poucas  as 
acçoens  que  naõ  íejaõ  fabulofas.  Carlos  Magno  ,  e  Gofredo  con- 
ferveu^  embora  a  preferencia,  ainda  que  naõ  lhe  falravaõ  no  con- 
curfo  fortes  oppofítores.  Bafte  neftas  breves  notas  o  pouco  que  di- 
go de  Heròes  taó  conhecidos  no  mundo 

Nota   508. 
O.  5.  verf.  I.  Vedes  o  Templo.  Sobre  quatro  arcos  ,   ainda 
que  naó  taõ  funtuofos  como  eu  os  defcrevo,  fe  levanta  o  Templo 
de  Carquere  ,  e  os  aplico  aos  que  tem  as  propriedades  dos  arcos, 
que  incluem  os  últimos  dois  verfos. 

Nota  509. 
O.  6,  verf.  i.  Eftyllo  Lapidario.  As  infcripçoens  que  os  Gre- 
gos, e  Romanos  gravavaõ  nas  pedras  chamadas  em  latim  Lapides 
daõ  o  nome  ao  eftyllo  lapidado  ,  cm  que  com  regras  de  diverfa, 
e  ignorada  medida,  e  com  letras  todas  majuículas,  ou  grandes  de 
que  algumas  faõ  as  primeiras  de  cada  r.ome  chamadas  iniciaes ,  e 

com 


94  NOTAS 

com  outras  notas  ,  e  abreviaturas  fe  dicifra  quanto  eftes  certos 
inv')numcnros  nos  confervaõ  da  antiguidade.  Delles  temos  amplif. 
fimas  colleçóes  em  Grutéro  Reyneíio  ,  Sponio  Fabreto,  e  ourros 
muitos  j  os  modernos  depois  de  Juglar,  e  Thefauro  inventarão 
hum  eftyllo  a  que  chamaõ  de  Elogio ,  que  lie  meyo  entre  a  proza, 
eo  verfo  com  agudeza  ,  e  alguma  armonia  ,  de  que  amplamente 
tratou  Boldonio  na  fua  Epigrafia. 

Nota   510. 

O.  7.  verí.  ;.  Auftio-  A  Igreja  de  Carquere  tem  a  Cidade  de 
Lamego  ao  Sul,  que  he  o  Auftio. 

Noca   511. 

O.  7.  verf.  y.  Cinthio  plauftro  Cinthio  he  epiteto  de  Apolo, 
pelo  monte  Cinthio  ,  e  plauftro  ,  he  o  carro  ,  e  aqui  íígnilica  o 
carro  do  Sol.  Nota  5  i  z. 

O.  7.  verf.  8.  Preludio.  Fcy  Carquere  primeiro  dos  Cónegos 
Regrantes  de  Santo  Agoftinho  ,  que  depois  tiveraõ  o  magnifico 
Convento  de  Santa  Cruz  de  Coimbra,  de  quem  digo  foy  Prelu- 
dio o  de  Carquere. 

Nota   515. 

O.  8-  verf.  i.  Terá  de  Paroquial.  Depois  que  os  Cónegos 
Regrantes  largarão  o  Convento  de  Carquere,  foy  a  Igreja  Paro- 
quial ,  e  ElRey  D.  SebaftiaÓ ,  que  foy  o  decimo  fcxto  entre  os  de 
Portugal  ,  deu  efta  Igreja  para  rezidencia  aos  Padres  da  Compa- 
nhia de  Jefu  do  Collegio  de  Coimbra,  a  quem  pela  fua  Univer- 
íidade  chamo  nova  Athenas ,  Republica  de  Grécia  ,  que  floreceo 
muito  nas  Letras. 

Nota  514. 

O.  9.  verf.  I.  Neófitos.  Neo  em  Grego  fignifica  novo  ,  e  fi- 
tos planta,  e  efta  he  a  caufa  de  íe  chamarem  Neófitos  os  nova- 
mente convertidos,  ao  Chriftianiímo,  e  efta  outava  he  hum  digno 
Elogio  da  Companhia  ,  comparando  as  íuas  Leys  com  as  de  Li- 
curgo  famofo  Legislador  de  Lacedemoiiia;  e  chamo  Taumatur- 
go ,  que  fignifica  pcodigiofo  ,  a  S.  Francifco  Xavier  da  mefma 
Companhia,  e  Apoftolo  do  Oriente. 

Nota   515. 

O.  IX.  verf.  5. Com  fingido  furor.  Como  em  hum  Poema  há 
de  obfervar  fe  o  carader  de  cada  hum  dos  aótores ,  e  o  Infante  D. 
Affonfo  ainda  que  também  Infante  na  idade  he  com  milagre  de 
Nofla  Senhora  de  Carquere,  a  pedra  fundamental  em  que  o  Con- 
de D.  Henrique  feu  Pay  vè  fundado  o  Reyao  de  Portugal  de  que 

o  In- 


D  o    F  o  E  M  J.  9y 

O  Infante  havia  de  fero  primeiro  Rey,  me  naÕ  rendi  à  critica  dos 
que  tiveraó  por  menos  nobre  efte  Carater  da  infância  em  que  a- 
nimado  pelo  milagre  ,  e  antecipando-fe  o  ufo  da  razaõ  podia  Af- 
fonío  obrar,  c  dizer  muito  do  que  llie  atribuo:  em  Virgílio  omi- 
nino  Afcanio  falia  ,  e  obra  conforme  a  íua  idade  ,  e  naõ  me  pa- 
rece que  incorro  na  cenfura,  que  faz  Boileau  Defpreaux  ao  Moi- 
zes  Libertado  de  Saint  Amante,  quando  falta,  c brinca  com  hum 
feixinho,  que  depois  offerece  ,  a  quem  o  livrou,  como  fe  vè  no 
canto  primeiro  da  fua  Arte  Poética.  Em  Homero  me  naõ  faltavaô 
exemplos  das  que  os  modernos  chamaÕ  puerilidades,  como  fe  o 
copiara  natureza  em  hum  caracter  horrorofo  foíTe  amável  >  e  em 
hum  innocente  aborrecivel? 

Nota  516. 
O.  i^.verf,  5.Timantes.  Aquibufco  por  modo  diverío  a  com- 
paração de  Timantes,  que  ja  expliquey  quando  encobrio  oroftro 
de  Agamenon  afflifto  pelo  facrificio  de  liia  tilha  Iphigenia  com 
hum  lenço:  vejaó-fe  os  affeótos  defte  Pay  inconfolavel  na  admi- 
rável crt^edia  de  Iphigenia  efcrira  em  Francez  por  Racini. 

Nota  517. 
O.  19.  verf  I.  Tullio  ,  e  Demoftencs.  Deftes  dous  oradores 
de  que  o  primeiro  foy  o  mayor  dos  Latinos  ,  o  fegundo  ,que  foy 
no  tempo  muito  primeiro,  o  mais  infigne  dos  Gregos  ,  fazendo 
o  paralello  de  ambos  o  erudito  ,  c  difçreto  Padre  Rapin  ,  digo 
que  naõ  imitou  S.  Giraldo  como  orador  lagrado  as  flores,  e  ar- 
tificies da  Rhetorica  ,  mas  que  fez  huma  craçaó  patética  do  mi- 
lagre de  Maria.  Nota    518. 

O  lé.  verf.  8- Ourique.  Moftra  o  Santo  ,  que  teve  revelação 
da  appariçaõ  de  Chrifto  a  ElRey  D.  Aftonfo  Henriques  em  1139. 
quando  lhe  deu  as  cinco  Chagas  por  armas,  e  venceo  cinco Reys 
Mouros  fendo  acclamado  Rey  ,  e  confirmado  nas  Cortes  de  La- 
mego. Nota   519. 

O.  24.  verf.  8.  O  eípirito  divino  fobre  a  agoa.  Depois  de  ex- 
plicar S.  Giraldo  os  três  bautifmos  de  agoa,e  fangue  pondera,  que 
o  fogo  do  amor  divino  com  que  ja  deíeja  o  bautifmo  o  fará  ver 
na  mefma  agoa  o  Efpirito  Santo  ,  explicando  aílim  com  os  Santos, 
e  Expofitores  o  verfo  do  pjimeiro  capitulo  do  Genezis  :  Spiritus 
Dommi  ferebutur  fuper  aquas. 

Nota  520. 
O.  27.  verf.  7.  A  Cidade.  Depois  de  prevenir  Henrique  a  de- 
feníà  de  Lamego  íe  kmbra  do  veiíò  do  Plalmo     ísift  Dtnn?iíis  cuf- 

tçdigrit 


96  NOTAS 

todierit  ctvitateni  frujla  vigilar  qui  cuflodit  eam. 

Nota  ízi. 
O.  29.  verr.7.  Napca.  Eraõ  asNapéas  as  Ninfas  dos  bofques, 
como  as  Driadas  ,  e  as  Naydes  eraõ  as  das  fonces. 

Nota  5Z2. 
O  38.  verf.  5.  Veas  que  deixa.  Sigo  a  metáfora  da  circulação 
do  langue  no  corpo  humano  ,  que  íahindo  do  coração  pela  Aor- 
ta entra  nelle  pela  vea  cava ,  paífa  por  feu  inventor  Harveo  ,  e  di- 
zem alguns,  que  o  delcubiimento  foy  cio  famolo  Fra  Paulo  Sarpl 
Religioíb  Seivita  taõ  venerado  cm  Veneza  como  condenado  em 
Roma.  Nota  525. 

O.  50.  verf.  I.  Sou  filha.  Como  Aldára  naó  fupunha  ,  que 
a  ouviaõ  pondero  os  effeitos  do  íèu  amor  a  Muley ,  e  em  hum  fo- 
liloquio  muito  ufado  em  Poemas,  e  Tragedias  fe  propõe  a  fi  mef- 
ina  as  duvidas  cm  que  vacilava,  e  que  fervem  muito  de  inftruir 
a  Pelayo  ,  que  a  eftava  eícutando  ,  de  darlhe  occaíioens  de  novas 
finezas  ,  e  de  ir  prevenindo  os  lances  futuros. 

Nota  524. 
O.  5  I.  verf,  5 .  Anteo.  Junto  a  Tangere  ,  q.ie  deu   o  nome  á 
Mauritânia  Tingitana,  como  ja  notey,  fe  conta  que  fe  achou  hum 
oífo  de  huma  perna  do  Gigante  Anteo  feu  fundador  de  èxcraor- 
dinaria,  e  incrível  grandeza. 

Nota  525. 
O.  5:9.  verf.  í.  Azul  eílrella.  Eftes  fínaes  que  dnhaó  Aldàra, 
e  Muley,  íèrvem  depois  para  provar,  que  faõ  filhos  do  Con4e  D. 
Henrique.  Nota  5-2(7. 

O.  ól.  verf  4,0  que  fiou  da  agulha  a  vofla  pena.A  fabula  de 
Filomena  a  que  feu  cunhado  ElReyTeréo  caiado  cõíualrmãaProg- 
ne,violentou,e  cortando-lhe  a  lingoa  para  que  ella  o  naó  publicaflè 
bordou  com  a  agulha  as  letras  em  hum  lenço  por  onde  avifou  a 
Progne  a  fua  infelicidade  ,  e  fendo  convertida  em  Roxinol  ficou 
por  efte  fucceflo  com  a  lingoa  farpada  fendo  Progne  transformada 
era  Andorinha,  c  Teréo  em  Eftorninho,  vay  rezumida  nefta  ou- 
tava  em  que  Aldàra  vay  contando  a  íua  hiítoria  a  Filomena. 

Nota  527. 
O.  61.  verf  8.  Nénias.  Eraõ  as  Nénias  as  cancoens  triíles, 
que  íe  cantavaõ  nos  funeraes  ,  Manoel  de  Faria  fez  humas  a  crof- 
íica-i  a  Raynha  de  Helpanha  Dona  Izabel  de  Borbon  primeira 
mulher  de  Filippe  IV.  que  merecerão  huma  graciofa  ,  mas  txceC- 
íiva  fatira  de  D.  Gabriel  dei  Gorral  Abbadc  de  Toro  ,  que  anda 

nas 


D  o    F  o  E  M  J.  97 

nas  obras  de  D.  Luiz  de  UUoa  infigne  Poeta  Hefpanhol  da  meíma 
idade.  Nato   5x8. 

O.  6x.  verf.  8.  A  violência,  Elles  efteitos  contrários  que  fente 
Aldàra  faõ  huns  avizos  de  que  era  Muley  íeu  Irmão  ,  c  equivoca- 
vaõ  a  íiinpatia  do  langue  com  o  amor  que  eílava  n'alma, 

Nota   519. 

O.  64.  verf.  I,  Amado  aborrecido  digo.  Ja  procurey  juftifi- 
carme,  que  naõ  digo  como  equivoco  o  nome  verdadeiro  de  Ama- 
do que  a  hiftoria  dá  a  Pelayo,  com  o  adjecl:ivo  de  aborrecido,  que 
aqui  uza  Aidàra,  equivocando  mais  os  atfectos  que  os  nomes. 

Nota   550. 

O.  65.  verf,  S  Só  por  beber  meu  Sangue.  Efte  penfamenro, 
que  parece  menos  claro  ,  cuido  que  íe  explica  querendo  Aldàra 
pcrfuadir  a  Pelayo,  que  fe  mataíle  a  Muley  havia  de  perdella,  por- 
que os  dois  coiaçóes  eftavaó  unidos,  e  no  Tangue  de  Muley  ver- 
teria cambem  o  de  Aldàra,  e  aífim  procurou  evitarlhc  hum  inimi- 
go taó  formidável  fiando  mais  da  fua  generoíldade  ,  e  fineza^  áot 
que  temendo  incitar  aífim  feu  ciúme  ,  e  a  fua  defeíperaçaõ  com 
clle  deícngano. 

Nota   531. 

O.  67.  verf.  4.  Adtcon.  Ja  fe  vio  em  outra  Nota ,  que  Aíleon 
foy  convertido  em  Cervo  por  Diana  5  porque  a  quiz  ver  em  hum 
banho  çom  as  fuás  Ninfas. 

Nota  552. 

O.  86.  verí.  I.  Girifalte.  He  o  nome  de  huma  das  dez  efpe-_ 
cies  de  falcoens ,  e  vem  do  Norte  ,  e  das  fuás  qualidades  ,  e  das 
mais  Aves  de  rapina  ,  e  termos  defta  arte  real  íe  vejaô  muitos  Au- 
tores que  efcreveraõ  da  Volataria  ,  he  hum  delles  Carlos  JX.  Rey. 
de  França  no  livro  que  imprimio  intitulado  :  Chajfe  Royaíe ,  de 
que  fiz  hum  largo  Catalogo ,  tratando  também  da  origem  deíla 
cafa  defconhccida  até  o  decimo  Século 

Nota   55?. 

O  89-  verf  5.  Águia  real.  Quando  a  Águia  íe  dcfcobre  ,  fo- 
gem as  mais  Aves  de  rapina,  e  ha  no  firmamento  huma  conílela» 
çaõ  letentrionaln  que  he  a  Águia  de  Júpiter. 

Nota   5  54- 

O.  90.  verf.  8.  Carnivolo.  Úfo  deíla  pxilavra  culta  ,  para 
moílrar  a  voracidade  com  que  as  Aves  de  rapina  comem  a  carne 
de  outros  paíTaros, 

v;    .  ■  m      ■  Nota 


98  NOTAS 

Nota  555. 
O,  91.  veif!  8.  Aufpicios.  os  Auípicios,  de  que  os  das  Águi- 
as eraó  os  mais  felices,  foraõ  propícios  na  fundação  de  Roma,  e 
eiaõ  os  pronoílicos  favoráveis  que  fe  faziaõ  pelo  voo  das  Aves  ,a- 
qui  lie  o  aufpicio  ,  e  vaticinro  de  que  Portugal  como  Águia  voan- 
do para  o  Oiienre  havia  de  vencer  os  infiéis,  que  aqui  íe  lymbo- 
iizaõ  nas  aves  de  rapina  ,  atribuindo-fe  commummente  ao  graõ 
Tuico  o  Açor.  D.  Miguel  de  Barrios  no  feu  Coio  de  Muzas  em 
hum  verlos  anagramaticos,  e  quaíi  acrofticos ,  diz  aflim. 
RoniA  aguda  bolando  ai  Turco  Az.or. 

Nora  ^36. 
O.  91.  verf  I  A  legião  dos  domefticos  Açores.  Legião  entre 
os  Romanos  correfpondia  a  hum  regimento  de  Infantaria  de  féis 
mil  homens  divididos  em  dez  cohortes ,  que  eraó  como  os  noíTos 
batalhoens  de  féis  centos  homens  cada  hum  ,  e  nefte  lugar  digo 
que  os  Açores  domefticos,  ou  por  me  explicar  melhor  domeftica- 
dos,formavaõ  huma  legiaõ  contra  as  perdizes  ,  que  poeticamente 
digo  com  Ovidiojque  Perdicas  foy  hunifobrinho,  e  difcipulo  dé^ 
Dédalo,  e  eíle  envejolo  de  que  elle  o  venceíTe  na  habilidade,  ven- 
do que  inventara  a  lerra ,  e  ocompaífo,  o  precipitou  de  hum 
monte,  e  os  Deofes  o  converterão  em  Perdiz,  Mr,  Defmarets.  ef- 
creveo  hum  Poema  fummamente  engenhofo  dos  amores  da  regra, 
e  do  compaffo  ,  em  veríos  Francezes  que  eu' traduzi  em  oitavas 
Portuguezas ,  e  dediqucy  a  D.  Joaõ  da  Cofta  III.  Conde  de  Soure, 
meu  intimo  amigo  ,  que  em  poucos  annos  fe  adiantou  muito  nos 
progreííos  Militares,  e  literários  ,  e  morreo  no  Reyno  de  Valença 
fendo  Sargento  mór  de  Batalha  ,  em  1706. 

Nota  557. 
O.  94.  verf.  8.  Amaltea.  Foy  Amaltea  a  Ninfa  que  criou  aju- 
piter  ,  e  como  foy  fua  a  Cornucopia  ,    ou  corno  da  abundância 
adornado  de  flores  ,    e  frutos  ,  explico  aífim  os  cornos  de  caça 
inftrumentos  venatorios  ,  que  precederão  á  montaria. 

Nota  538' 
O.  95.  verf  1.  Meleagros.  que  Alcides  ,  Marte  ,  e  Adoniz 
foíTem  caçadores  he  muito  vulgar,  e  naó  o  he  menos  ,  que  Me- 
leagro  mataífe  o  Javali  de  Calidonia  ,  e  porque  ofereceo  a  Ata- 
lanta  os  defpojos  da  caça,  envejofos  Plexipo  ,  e  Toxeo  Irmãos  de 
Alréa  May  de  Meleagro,  quizeraõ  tirar  a  Atalanta  o  Javali,  e  Me- 
ieagro  os  matou  -,  e  Altea  ,  que  livrou  quando  Meleagro  nafceo 
hum  Madeiro ,  que  as  Parcas  principiarão  a  queimar,  e  a  que  efta- 

va 


B  o     V  o  E  M  A.  99 

vft  vínculaííaa  vida  de  Meleagio  ,  por  vingarfe  da  moríC  de  feus 
Irmãos,  lançou  no  fogo  eílc  madeiro  ,  e  quando  acabou  de  quei- 
marfe  elpirou  Meleagio.  Efta  Atalanta  quciem  alguns  ,  que  feja  a 
mefma  ,  que  Hiponienes  vcnceo  na  carreira  com  os  três  pomos 
de  Ouro  da  labida  fabula  }  outros  as  diílinguem  fazendo  efta  filha 
de  Schenéo  ,  cu  Suenéo  Rey  de  Arcádia  ,  e  a  outra  de  Jazio  Rey 
ik)s  ArgÍYOs,  c  naó  faltaõ  Autores  que  lhe  daó  trocados  eftes  Pays. 

Nota   ^"i)^. 

O.  95.  verf.  5.  Batida.  Hehuma  das  efpecies  da  montaria,  ba- 
tendo os  Monteiros  as  moutas  ,  para  qu.e  faya  a  caça  grolja,  que 
ou  fe  efpera  nas  portas  para  matallas  a  efpingarda ,  o  que  no  tem- 
po do  Conde  D.  Henrique,  era  íó  com  íetas  ,  ou  íe  for  de  Por- 
cos monrezes  fc  correm  a  lança.  He  a  calcada,  outro  género  de 
caça,  que  para  defcubrir-fe  fe  vay  com  os  pes  dos  cavallos  calcan- 
ido  o  mato  ,  quando  he  praticável. 

Nota  540. 

O.  98.  verf  2.  Melampos.  Eftes  nomes  de  caens  a  que  cha- 
mamos fabujos,  faõ  muito  ufados  dos  poetas,  e  naõ  merecem  hii- 
ma  digreíTaõ  para  as  fuás  ethimologias. 

Nota  541. 

O.  98  verf  5.  Hecuba,  Hecuba  Rainha  de  Troya  convertem 
os  Poetas  em  cadelia.  Veja-fe  Ovidio  ,  e Homero  ,  e  Virgílio,  e  na 
tragedia  da  Troade  do  difcreto  Efpanhol  Séneca  fe  pode  ler  o  ícu 
carader,  e  íbcceílos  com  os  dclRey  Priamo  leu  marido,  e  da  fua 
illuftre  ,   e  telicc  família. 

Nota    541. 

O.  98.  verf.5.  Mera.  Que  Mera  fe  converteo  na  mefma  efpe- 
cic  canina  diz  a  fabula  nos  Metamorfofeos. 

Nota   545. 

O.  ^^.  verf  8-  Calydonia.  Província  de  Arcádia  famoíà  por 

rhum  dos  trabalhos  de  Hercules,  c  pelo  fucceflb  de  Meleagro  nos 

ferozes  porco  efpim,  e  Javali,  que  vencerão,  e  alguns  querem  que 

folTe  hum  fò  ,  que  Diana  deu  por  caibgo  a  aquelic  paiz  de  Grécia, 

por  lhe  negarem  o  culto.  Nota  544. 

O.  100.  verf  2.  Erimanto.  Ja  íe  explicou  outras  vezes  o  que 
era  Erimanto  ,  e  em  muitas  notas  fenaõ  repete  o  que  ja  eftava  co- 
mentado. Nota  54;. 

O.  loz.verí.  8- Os  dous  caens  celeftes.  Saõ  duas  as  conftela- 
çoens  defte  nome  ,  e  da  parte  do  Sul ,  chamando-fe  a  primeira  o 
caõ  mayor,aque  daõ  o  uome  de  Siiioique  pela  morte  de  ícaro  de 

m  ii  quem 


loo       'fe^-  iívr  o  r  J  f^  Cl: 

quem  era,  não  quiz  comer  mais,  e  foy  transferido  ao  Ceo ,  o  it* 
oundo  Te  chama  Piocyon,ecaõ  menor,  que  he  a  Canicula  bem 
conhecida  pelo  ardor  dos  caniculares,  em  que  o  Sol  eftà  nefta 
conflelaçaó  da  zona  tórrida,  veja-fe  a  fua  fabula  em  Hyginio,e 
nos  mais  que  tratarão  das  celeftes. 

Nota  54^. 
O.  103.  verf.  I.  Hacanea.  Efte  nome  he  mais  conhecido  pe- 
la que  fe  ofFerece  ao  Pontífice,  como  feudo  do  Reyno  de  Nápoles, 
e  delle  fe  derivou  chamaríe  em  Hefpanhol,  e  em  Portuguez  facas 
os  cavallos  medianos  no  tamanho ;  e  no  eftylo  humilde ,  ie  diz 
faquineo,  fendo efta  ethimologia  mais  natural,  que  a  que  deo  Me- 
uage  ,  dizendo  que  Equus  dera  o  nome  a  Alfana  ,  que  em  Italiano 
he  hum  cavallo  pequeno,  de  que  hum  poeta  fatiricodiííe em  hum 
Epigramma  Francez  contra  efla  violenta  ethimologia  ,  que  íe  Al- 
fana vinha  de  Equus  ,  íe  mudara  muito  na  derrota  perdendo  no 
caminho  todas  as  letras  do  nome  de  que  a  derlvavaõ.  Veja-fe  o 
cavalleiro  de  Cayli  com  o  nome  de  Alèyli. 

Nota  548- 
O.  105.  verf  8.  A  maquina.  Efte  verfo  pedia  huma  larga dií- 
ferracaÕ,  fe  eu  quizelTe  deffender  a  opinião  Carteziana  de  que  os 
brutos  laõ  maquinas,  ou  defcrever  ,  o  que  he  inftindlo  ,  termo 
certamente  mal  entendido,  e  que  o  engenhofo,  e  erudito  Padre 
Feijó,  combatendo  as  duas  opinioens  ,  difputa  com  a  lua  coftu- 
mada  agudeza  ,  pois  ainda  que  he  Herético  dizer  que  os  brutos 
tem  alvedrio  ,  aquelle  doutiííimo  critico  pondera  hú  certo  grào  de 
diícurío  por  huma  ejpeciede  inferências,  e  de  comparaçoens  de 
ideas ,  que  confirma  com  varias  experiências,  mas  a  tudo  refpon- 
dem  os  Filofofos  modernos. 

Nora   549. 
O.  109   verf.  Hecatombe.  Significa  em  Grego  o  facrificio  de 
cem  bois,  mas  achafe  por  todo  o  que  he  de  cem  vidimas  fempre 
com  o  mefmo  nome,  ainda  que  lejaó  de  outras  rezes  ,  e  de  cem 
águias  fe  lè  em  Homero  o  nome  de  Hecatombe. 

Nota  550. 
O.  1 10.  verf.  5.0ribafo.  Do  nome  defte,  e  dos  outros  caens 
fe  vè  baftancemenre  a  echymologia  Grega  neftes  quatro  verfos  ,  e 
foroõ  os  meímos  nomes  que  tivcraõ entre  outros  muitos  os  do  fa- 
mofo  Caçador  Acheon,  como  pode  ver-fe  em  Natal  Comes  cra- 
;tando  na  luaEmythologia  da  fabula  defte  curiolo,e  infelice  artia- 
te  de  Diana  ,  que  o  transformou  em  veado  ,  e  o  dçfpedaçaraó^os 

■     '  !:  ,r.    '  leU9 


feus  próprios caènsi?' fJÍ-''  Npta'  5^1-  ^  cr  ; 

O.  II  ;.verf.  7Vlphigenia  Para  fiiavizar a  tragedia  de  Iphige- 
nia  dizem  alguns  poetas,  que  em  leu  lugar  aceitou  Diana  huma 
Cerva  por  facrihcio.  Nota   551. 

O.  I  1 5.  verf.  I.  Licaon.  He  o  ncme  daquelle  tyranno  qne ma- 
çava os  horpedes  ,  e  os  dava  a  comera  outros, e a  quem  Júpiter,  e 
Mercúrio  transformarão  em  lobo,vendo  cm  fua  cala  efta  atrocida- 
de; e  irritado  Júpiter  calUgou  os  homens  com  o  diluvio  ,  ou  fof- 
fè  o  ufiiveifal ,  a  que  os  Gregos  chamarão  cataclyfmo  ,ou  o  parti- 
cular de  Tbeíalia.  •  "  Nota   55-5. 

O  115.  verf.  4.  Pyrrha,  O  diluvio  de  que  fó  fe  falvaraõ  Deu- 
talion  ,  e  Pyrchá  ,  defcrcvem  os  Poetas,  e  admiravelmente  Horá- 
cio nos  verfos  laphicos  da  íua  fegunda  ode  ,  que  principia  :  '^awi 
fatis  terrts.  Nota    554. 

;i  ii:.  O.  1 17.  verf.  Pir^rve»  Nome  da  Ninfa  de  quem  o  tomarão  os 
rno^ntcs  Pirènèos  ,  que  dividem  França  de  Caftella. 

Nota  uu 
O.  I  ly.verf.S.Qiie  o  Erice  fe  axou  no  Erminio.  Como  digo 
que  efte  Paftor  amante  feguia  a  Vénus  Mãy  do  amor,  c  que  ama- 
va a  Dorimene  Paftora  da  ferra  da  Eftreila,  chamada  pelos  antigos 
monte  Erminio,  digo  também, que  naquelle  monte  achou  o  Erice» 
que  era  confagrado  a  Vénus  em  Trinacria  ,  que  he  Sicilia,  don- 
de como  ja  diíle,  lhe  chamarão  Ericina.  Pareceome  confervar  nel- 
ta  nota  huma  copla  antiga  das  paftoras  da  ferra  da  Eftreila ,  que  o 
inllgnc  Bacelar  imitou,  mas  naó  fey  fe  fazendo-a  mais  difcreta ,  a 
deixou  menos  natural.  Dizia  a  copla  : 

Nafceo  na  Serra  da  Eflrella  , 
Qíie  fica  junto  às  efirelLií , 
Tomou  a  afperez^a  delia  , 
-'''"  "■'■~  '  I.  a  formo  fura  delias  ^ 

'Diz  Bá-ceilar.     fafior a  do  gado  branco  , 

..1'jini:  >i        Ttlha  da  Serra  da  Epella  , 
Oue  no  ceie  fie  ,  e  no  dure/. 
Lhe  rouoafle  a  natureza. 
Nota   556. 
O.  120.  verf.  5.  O  perfpicaz  efpofo  de  Hipermneftra.  He  o 
Lince  huma  elpecie  de  lobo  cerval,  de  vifta  agudiílima,  tanto  que 
diziaó  penetrava  o  folido ,  iciea  falfa  ,  e  ridícula,  que  ainda  hoje 
dura  nos  que  crem,que  ha  homens,  que  vem  o  interior  r'os  outros, 
e  que  defcobiem  o  que  e^à  occuico  nas  çniranhas  da  i^rra.  Ja  em 

Fran» 


loz  X.     NOTA  S   a,- 

França  Ce  defvaiieceo  a  illuzaó  cora  que  Jaques  Haymar  uíava  da 
chamada  por  elles  Baguetre  devinacoire  ^  e  pelo  noíTo  vulgo  vari- 
nha de  condaõi  defendeo  efte  paradoxo  com,  mais  fubtileza  que 
verdade  Vallemont  na  fua  Fitíc^  oculta.  Diz  a  fabula  que  Lynco, 
ou  Lynceo  efpoíode  Hypclmneftra  a  quem  'elU  livrou  da  morce, 
que  luas  quarenta  e  nove  Irm-ãas  deraõ  na  iji^lm^  npute  a  (eus  ef- 
pofos  fora  convertido  em  Lince.  >  (^a-àtmk^in^-noiwy 

Noca    557.  ■ 
O.  123.  Dos  campos  Lauriccnos.  Dei  o  nome  de  campos  Lau- 
ricenos  ,  aos  do  Louriçal  Villa  do  Bifpado  de  Coimbra  onde  tera 
a  miuíiafamiliâ  o  leu  antigo  dominio,he  hoje  celebre  pelo  magni- 
fico Convento  que  a  piedade,  e  grádezade  ElRey  D.  Joaõp  V.  fun- 
dou em  memoria  do  inftituto  da  ferva  de  Deos  Maria  do  Ladod* 
primeira  regra  de  S.  Francifco,  e  com  Laufperene  ao  Sanriífimo 
Sacramento.  As  galgas  daqnelle  deftrido  faó  celebres  ,  e  Centelha 
era  o  nome  de  huma  ,  que  excedeo  a  todas  em  Salvaterra,  e  San- 
ta Marcha,  e  a  deu  meu  Pay  o  Conde  da  Ericeira  D.  Luiz  de  Me- 
nezes a  feu  particular  amigo  o   Conde  da  Atalaya  D.  Luiz  Manoel 
defcendenre  por  varoniadelRey  D.  Duarte,  eheròe  que  depois  de 
grandes  acções  Militares  ,e  politicas  deu  a  vida  pela  pátria,  mor- 
rendo de  huma  baila  que  recebeo  indo  a  reconhecer  a  Praça  de  Al- 
cântara em  Abril  de  1706.  deixando  em  feus  dous  illulhes  filhos, 
os  Condes  da  Aralaya  D.  Pedro  Manoel, e  D.  Joaó Manoel  de  No- 
ronha, hoje  General ,  e  Governador  das  Armas  do  Exercito  ,  e 
Província  de  Alentejo,  huns  dignos  retratos  das  fuás  heróicas  vir- 
tudes. O  titulo  de  Marquez  do  Louriçal  deu  ElRey  D.  Joaõ  o  V. 
ao  Conde  da  Ericeira  D.  Luiz  de  Menezes,  nomeando  o  fegunda 
vez  ViceR.ey  da  índia  em  i  740.  mandando  huma  numerola  eíqua- 
dra.  Nota  5  ^8. 

O.  127.  verf.  5.  Para  alcançar.  Efta  comparação  da  caça  cora 
a  guerra,  he  imitida  de  Xenofonte  na  íua  Cyropedia  ,  em  que  o 
grande  Cyro  faz  efta s  reflexoens  a  Chryfanto,  e  as  ampliou  nas 
íuas  excelentes  noras  Militares  a  Polibio  Mr.  Frolard  no  primei- 
ro volume  da  fua  Tradução. 

Nota  559. 
0. 1 30.  veríi  6.  Sertofios,  Sertório  defendeo  cm  Luzitaniao 
partido  de  Mário,  e  he  bem  iabido  ,quecoft:umando  huma  Cerva 
a  comer  na  fua  orelha,  ganhou  a  fuperfticiofacredulida  Je  dos  po- 
vos para  que  creíTem,  que  da  parte  dos  Deofes^  o  vinha  infpirac 
para  as  gíoriofas   vitorias  que  alcançou  com  tropas  Luziranas 

das 


D  o    F  o  E  M  A.  Í03. 

das  Romanas.  Nota   560.- 

O.  I  3z.  verf.  5.  Afllm  o  fez  quanto  Rcy  grande.  O  erudito 
Portugnez  Mendoca  no  feu  Viridario  excita  o  problema  ,  le  ao 
Príncipe  he  mais  útil  fer  caçador,  fe  eftudiofo,  e  o  deixa  por  de- 
cidir ,  porém  parece  que  as  (ciências  excedem  muito  a  caqn,  Íena5 
he  que  a  tememos  como  imagem  da  gueria  ,  que  he  muito  mais 
nobre  por  mais  heróica  ,  que  rodas  as  applicaçoens  humanas, 
mas  nunca  vale  a  copia  tanto  como  o  original ;  he  cerco  que  mui- 
tos dos  mayores  Reys  do  mundo  exercitarão  fempre  a  caça  ,  que 
deve  ler  illuftrc  diverfaó,  e  naó  único  emprego. 

Nora  561. 
O.  155.  verf.  1 .  Claro  Mecenas.  Torno  a  invocar  como  Me- 
cenas ao  Senhor  Infante  D.  António,  a  quem  dediqucy  o  Poema 
lembrandonie  de  que  no  campo  Tranftagano  que  he  o  melmo 
que  de  Alentejo,  matou  hum  Gamo  na  Real  Tapada  de  Villa  Vi- 
çofa  em  huma  diftancía  taó  grande  ,  que  parecia  impoíllvel  que  a 
baila  o  alcançaíTe  ,  o  que  enraõ  celebrey  com  hum  Soneto  Efpa- 
nhol  ,  que  naó  foy  mal  recebido  na  Corte  dclRey  Catholico  D; 
Filíppe  V.  ém  1729.  que  foy  o  anno  em  que  fe  celebrou  emCaya 
o  caíamento  reciproco  dos  dous  Principes ,  ePrincezas  de  Portu- 
gal, e  Hefpanha.  Nota   562. 

O.  134.  verf  5.  De  Saturno.  Na  applicaçaó  ào^   metaes  aos 
Planetas  atribuem  os  Chimicos  o  chumbo  a  Saturno. 

Nora  563. 
O.  136.  verf  I.  Teus  Irmãos  ,  Pay  ,  e  Avo.  ElRey  D,  Joaó  o 
quinto  exercita  a  caça  com  a  mefma  deftreza  ,  e  primor  com  que 
faz  tudo  ao  que  fe  applica  Nefte  exercício  foy  infigne  ElRey  D  Pe- 
dro II,  e  feu  gloriofoPay  ElRey  D.  Joaó  o  IV.  e  dos  Senhores  In- 
fantes D.  Francifco  ,  e  D.  Manoel  íe  tratara  logo. 

Nota  5(^4. 
O.  1-36.  verf  5.  Em  novo  Augufto  o  Príncipe  D.  Jozé  entre 
os  vircuolds  exercícios  a  que  le  aplica  ,  dà  ao  da  caça  hum  gran- 
de lugar,  e  florece  nella  ,  e  em  todos  os  progreíTos  deftros,  e  ro- 
buílos  da  arre  venatoria ;  como  o  vaticínio  i-.e  do  Conde  D.  Hen- 
rique, conta  efte  ao  Príncipe  feu  XVllL  nero  ponvaronia,  como 
quem  ha  de  fer  feu  fucceílor  no  Reyno  ,  e  nas  virtudes ,  e  nos  ex- 
ercícios nobres.  Nota   565. 

O.  137.  verf  I.  Francifco.  Que  o  Senhor  Infante  D.  Fran- 
cifco he  infigne  em  todos  os  exercitit-s  vaicnís,an!m  rérrcftres, co- 
mo raaritimos  ,  he  taó  notório,  que  naó  nçcçííira  de  ir/ais  e\pii4 

caça© 


104^  .K  'NOTAS    Cl 

caçaõ,  eigaalmente  fe  diftingue  nay-fdcncias  militares  ,  e  nauci- 
cavs ,  que  lias  equelhes  ,  e  venstoiias.  ' 

Nota  '^,GG. 
O-  138-  verf  I.  Manoel:  o  Senhor  Infante  D.  Manoel,  que 
principiava  a  exetcitar  a  cac^a  com  prinioi- ,  fahio  de  Lisboa  a  ven- 
cer os  Turcos,  a  quem  chamo  Feras  Bizantinas,  por  íer  Bizâncio 
o  nome  de  GonftantinopU  Corre  do  Graõ  Senhor  ,  e  t^uc  rrafem 
nos  Eftandartes  as  meyas  Luas.  Achoule  gloiioíamente  na  Bata- 
lha de  Peter  Varadin  ,  e  Conquiíla  de  Temefvvar ,  em  Hungria, 
que  he  a  antiga  Pannonia,  e  pa  batalha,  econquilla  de  Belgrado, 
que  he  a  capital  da  Servia  derramado  em  defenlá  da  Religiaõ,e  do 
Império  o  feu  Real  Sangue  fendo  General  o  hecòe  deíle  féçiilo  o 
Príncipe  Eugénio  de  Saboya. 

Nota  567. 
O.  I  59.  verf  I.  Carlos  ,  c  Pedro  ,  Scc.  Naõ  me  atrevi  a  em- 
niendar  eíla  ourava  quando  ao  elbrever  eftas  notas  tinha  a  morte 
roubado  a  Portugal  no  anno' de  ij^á.  ao  Senhor  Infante  D. 
Carlos  de  Regias  elperanças  ,  e  a  Senhora  Infanta  Dona  Francif- 
ca  de  Soberanos  atributos.  O  Senhor  Infante  D.  Pedro  he  tam- 
bém igualmente  inclinado  ,  entre  outros  nobres  exercícios,  ao  da 
caça.  As  três  Princezas  laó  a  Raynha  D.  Mariana  de  Auftria,  e  a 
Princeza  do  Brazil  D.  Maria  Vi6toria,e  foy  como  acabo  de  dizer 
a  Senhora  Infanta  D.  Franciíca,  aoutta  he  a  Princeza  de  Afturias, 
que  affim  era  Caftella  como  em  Andalufia  (  que  he  a  antiga  Bcti- 
ca  ,)  fegue  na  caça  a  fua  Real  Familia. 

CANTO    IX. 

Nota  685. 

O.  i.  verl.  5.  FeSo  como  Apolo,  hc  Deos  da  Muíica  que 
exercita  no  Parnafo  cora  as  nove  Mufas ,  e  venceo  nella  a  Pan  ,  e 
a  Marfias  padecendo  ambos  o  caftigo  da  temeridade  de  competir 
com  elle.  Nota   569. 

O.  4.  verf.  I.  D.  Garcia  Rodrigues.  Pela  doação  original  que 
cílá  na  torre  do  Tombo  confta,  que  D.  Garcia  Rodrigues,  que  era 
dos  Fonfecas,  teve  as  terras  do  Couto  de  Leorail ,  que  depois  pof- 
luiraó  os  Coutinhos  feus  defcendentes ,  e  que  em  Africa,  e  ou- 
tras partes  deraõ  a  Portugal  imufiortal  gloria.  Foy  hetdeira  da  Ca- 
la de  M^rialvaa  InfiiuaD.  Guionur  Coutinho  de  Menezes,  que 

caiou 


D  o     F  o  E  M  J.  lof 

cafou  com  o  Infante  D.  Feinancio  filho  de  ElRey  D.  Manoel  ,  e  da 
Raynha  D.  Maria  ,  de  que  naõ  ha  rucceíljó  ,  porciD  heidou  o  reí- 
to  defta  Illuílre  Cala  a  Marqueza  de  Maiialvá  D.  Caterina  Cou- 
tinho ,  que  caiou  com  o  grande  D.  António  Luiz  de  Menezes,  de 
qnem  dciccndem,  e  a  quem  iniicaraó  os  Marquezes  de  Máiialva, 
e  Condes  de  Cantanhede. 

Nota   570. 
O.  9.  verí.  I.  Poliorcedica.  Chamoufe  em  Grego  aíTim  a  ar- 
te de  ganhar  as  Praças,  e  por  conqaillar  muitas  íe  deu  o  nome  de 
Poliorcetes  a  Demétrio,   e  no  feculo   pafiado   ao  Marechal  de  la 
Mothe-Houdan  court, 
r  ..■    •• '  Nota   571. 

-  O.  9,  verf.  5.  Archimedes.  Poucos  ignoraõ  ,  que  Archimedes 
admirável  profeílor  das  Mathematicas  com  as  maquiíias  que  in- 
ventou defendeo  Siracufa  em  Sicilia  contra  os  Romanos  ,  que  o 
matarão  inadvertidamente  ,  porque  naõ  reipondeo  a  hum  Solda- 
do, pela  grande  applicaçaó  ç-om  que  ellava  a  huma  iigura  Geo- 
métrica ,  que  defcrevia  na  arca. 

Nota  57i. 
-i.  i.Ovzg.  vef.  8-  O  Graõ  Sepulcro  libertou  de  Chrifto.  A  ex- 
pedição do  Conde  D.Henrique á Terra  Santa  de  Paleftina,  achan-i 
do  íècom  Gofredo  de  Bullon  na  conquifta  dejeruíalem  ,  he  ma- 
is conhecida  de  alguns  dos  noíTos  efcritores,  que  dos  Eílrangei- 
los.  Efte  verío  he  huma  tradução  literal  do  legundo  veríc  dajera- 
faiem  libertada  de  TalTo. 

oí  3VOÍI  tiu  ^e  ti  gran  Sepcicro  libero  de  Crijlo. 
s.jp. •?:''••■■     ■' '  Nota    575. 

-'  -i  Oí  28.  verí.  I.  Interamnenfe.  He  o  nome  latino  que  feda  a 
Prcvincia  de  Entre-Douro  ,  e  Minho  ,  e  fe  deriva  de  inter  amnes, 
ou  entre  Rios.  Nota   ^74. 

íípl  O  i-g.  verf,  5.  Quando  aílaltando  osceos.  Aífim  nomcyo  poe- 
ticamente 3  Província  de  Trás  dos  Montes. 

Nora    5  75". 
O.  28.  verf  7.  E  quanto  ainda  em  LeaÓ.  He  cerro,  que  ou 
por  dote  ,  ou  por  direyto  ,  e  conquifta  occupou  o  Conde  D.  Hen- 
rique no  Reyno  de  Leaõ    muitas  terras   DelR<  y  D.  Affonfo  VI.  feii 
Sogro,  e  entre  ellas  a  Cidade  de  Aftorga,  onde  morrão  em  1 1 12. 

Nota   5  7^- 
O.  29.  verf  2.  o   Douro,  ôzc.  Os  quatro  Rios  que  inclue  o 
verío  faõ  dos  mais.caudalolps  da  Beira  ,  ç  ^ílaPiovincia  naõ  ió  a- 


io6  NOTAS 

qui  fe  refuine  ,  mas  a  cofta  que  cone  fobre  o  Oceano  defde  Ca- 
minha que  hc  no  Minho  até  a  Figueira,  c  Buarcos,  que  faó  na  Bei- 
ra ,  onde  o  Mondego  dezemboca  no  mefmo  mar. 

Nota    577. 
O.  ?5'.vern  I.   Expugnaçaó,  &C.  Nefta  outava,  e  nas  outras 
fe  refumem  as  acções  ja  refeiidas  ,   o  que  fe  obferva  ,  naõ  lo  nos 
Poemas,  mas  nas  hiftorias  para  renovar  a  memoria  dos  fucceiros 
em  grande  beneficio  dos  Leitores. 

Nota  57S. 
O.  57.  verf.  7.  Hercules.  O  Hercules  gallico  le  pintava  com 
cadeyas  de  ouro  na  boca  para  moftrar  que  os  heròes  naõ  fó  ven- 
cem adivamentc  com  o  valor  ,  mas  prendem  íuavemente  com  a 
eloquência.  Deita  fe  chamar  Áurea  íãó  tefterannhas  os  epítetos  da- 
dos a  Dion,  e  a  S.  Joaõ,  ambos  chamados  Chrifoftomos  ,  ou  bo- 
cas de  ouro,  e  a  S.  Pedro  ,  o  Ghryfologo,  que  íígnihca  pratica,- 
ou  difcurfo  de  ouro.  Nota   579. 

O.  5" 8.  verí.  5.  Eu  a  vejo  ,  eu  a  vejo.  Efta  figura  de  repetição, 
e  efta  imagem  da  dilcordia  com  os  feus  afpides,  faõ  muito  ufadas 
dos  que  conhecem  ainda  medianamente  a  Rhetorica  ,  arte  igual- 
mente deieitavel .  e  ucil.  Veja-fe  a  de  Ariftoteles  ,  a  do  Padre  La- 
my  ,  e  outras  exceilentes,  em  que  he  a  mais  vafta  a  do  Padre  Cau- 
íino.  Nota   580. 

O.  iíi.  verf.  i.  De  verdes  pinhos.  O  pinhal  delRey  chamado 
também  de  Leiria,  he  ainda  hoje  famofo  ,e  agora  mais  pelas  no- 
vas maquinas  com  que  ElRey  D.  Joaõ  o  V.  facilitou  o  corte  das 
madeiras  para  navios, e  obras  publicas;  occupa  mais  de  nove  le- 
goas,  e  ficava  à  efquerda  do  Exercito  do  Conde  D.  Henriquc,que 
vinha  da  parte  do  Norte,  com  a  direita  para  a  do  mar  ,  e  ainda 
que  efte  pinhíl  foíle  plantado  por  ElRey  D.  Diniz,  pode  luppor  a 
poefia  ,  que  o  tinha  havido  antes ,  e  que  foy  queimado  ,  ou  cer- 
cado, e  que  na  terra  própria  para  eftas  arvores  também  íè  tiveífem 
ferneado  muitas  como  ja  le  explicou,  tendo  o  primeiro  pinhal  íido 
do  Confelho ,  pelo  que  hoje  tem  efte  nome. 

Nota  581. 
O.  (ji.  verf  I.  Sobre  a  indómita-  Delcreve-íe  o  monte,  eo 
areal  de  noíTa  Senhora  de  Nazareth  ,   de  que  a  Imagem  ainda  fe 
jcxcuJcava  ,e  apareceo  com  o  milagre  de  Dom  Puas  Roupinho  no 
tempo  delRey  D.  Affonfo  Henriques,  econtaõ  alguns  Autores  dos 
•jioííbs  qiie  alli  .fieera  penitencia  com  o  Monge  Romaõ  ElRey   D. 
Rodrlga  ulcifflo  dos  Godos  de  Her^anha^  de  (^ue  a  fepulcura  di- 
zem 


B  o    T  O  E  M  A         107 

zem  fe  achou  em  Vizeo,  e  na  fiia  Chronica  antiga  Hefpanhola  íe 
acha  efta  hiftoiia  akerada  com  muitas  fabulas. 

Nota  58Í. 
0.65.verr. I.  Ja  no  Eícorpiaõ  O.  Efcorpiaó  em  q  o  Sol  entra 
a  25.  de  Outubro  he  onde  o  Outono  tem  a  mayor  força,  e  princi- 
pia a  diminuir  o  calor.  A  fabula  diz  ,  que  foy  o  Efcorpiaó  o  que 
mordeo  hum  pè  ao  Gigante  Orion,  por  atreverfe  a  Juno  ,  c  tam- 
bém que  o  precipicio  de  Faetonte  fora  caufado  pelo  medo,  que  ti- 
veraõ  os  cavallos  do  Sol  do  veneno  defte  monftro. 

Nota   583. 
O.  6f  .verf,  6.  Pomona,  Vertuno.  Efte  era  o  Deoí?  ,  e  aquella  a 
Deofa  dos  frutos,c  os  que  chamo  áureos,  faó  as  laranjas  que  dizem 
vem  de  Aurancia  pela  cor  de  ouro,  e  chamo  falvas  de  efmeraldas 
as  folhas.  Nota    584. 

O.  8i.  verf.  5.Palamedes.  Dizem  que  Palamedes  no  fitio  de 
Troya  ,  que  durou  dez  annos ,    inventou  para  deverrii  os  Gregos 
o  jogo  chamadado  dos  Latruticulos,que  querem  feja  ò  do  Xadrez. 
delle  efcieveo  hum  excelente  poema  Jeronymo  Vida  ,  e  defcraveo 
afte  jogo  Marino  no  feu  Adónis  com  a  fabula    de  Galania  trans- 
formada em  Tartaruga,  porq  Vénus  ralvofa  de  q  ella  advertiíTe  a 
Adónis  hum  lance  para  livrarfe  do  Mate  ,  lhe  quebrou  nas  coftas 
o  taboleiro  ,e  o  ficou  trazendo  perpetuamente,  he  mais  certo  que 
o  Xadrez  que  hoje  temos  foy  inventado  na  Perfia  donde  Xà  figni- 
fica  Rey  como  prova  em  huma  diíTertaçaõ  o  erudito  Mr.   de  Sar- 
razin  ,  e  em  huma  ficção  agradável  ,  referio  a  ElRey  Luiz  XV.   de 
França  muito  deftro  neftejogo,  na  fua  puericia,  a  Academia  Real 
das  infciipçoens  ,e  bellas  letras,  como  na  faa  excellente   hiftoria 
refere  Mr.  deBòze  leu  illuftre  Secretario. 
'    '     •  Nota   585. 

O.  85"-  verf.  5.  Mas  pouco  importa  quanto  Deos  decreta.  A- 
qui  fe  explica  o  Rey  Mouro  com  o  erro  do  Alcorão  de  que  tudo  ha 
de  fucceder  por  força,  e  oacrefcenta  com  o  Atheiímo  de  que  ain- 
da aílim  fia  mais  ào  feu  valor  ,  que  dos  decretos  divinos,  máxima 
própria  do  caraftei  de  hum  infiel  ,  e  tyranno. 

Nota  586. 
O.  89.  verf  5.  Nabaõ.  O  Rio  Nabaõ  pafla  por  Thomar  Villa 
celebre  da  Eftremadura  ,  e  bem  conhecida  por  fer  pátria  de  Santa 
Iria,  ou  Irene,  q  com  o  feu  Martyrioem  Santarém  lhe  deu  o  nome, 
e  por  fer  cabeça  da  Ordem  de  Chrifto  com  o  leu  fumptuofo  Con- 
vento q  naõ  merecia  menos  vaticinio,qos  que  nç  Poema  íe  dcílcre- 

nii  vem. 


io8  N  O  1  A  S 

vem.  A  marcha  do  Exercito  Maboinecano  fe  dirige  por  Anciaõ 
Villa  ,  que  íe  eiigio  para  o  Conde  de  Ericeira  D.  Luiz  de  Menezes 
cm  memoria  do  que  obrou  fendo  General  da  Artelharia  de  Alen- 
tejo em  1665.  na  paíTagem  do  rio  Degcbe,  e  na  batalha  do  Amei- 
xial, mandando  ElRey  D.  Aífonfo  VI.  que  fe  levantaíTe  hum  pa- 
drão ,  que  com  huma  elegante  infcripçaõ  latina  immortaliza  eíla 
memoria  ,  confervando-fe  eíla  Villa,  e  os  lugares  do  feu  termo  na 
cafa  da  Ericeira.  He  bem  conhecida  a  Serra, e  Ribeira  de  Ancião 
por  ler  em  clima  benigno, ainda  que  em  terreno  afpero,e  na  eftra- 
da  principal  de  Coimbra  para  onde  marcha  o  Exercito  de  ElRey 
Aily. 

Nota  587- 
O.  95.  verf.  I.  Na  peninjula.  Aqui  fe  defere ve  Peniche  Villa 
da  Cafa  dos  Condes  de  Atouguia,  e  que  depois  ie  fortificou,  e  eíla 
em  huraa  peninfula,  que  fignilica  quaíí  Ilha  ,  a  que  os  Gregos 
chamarão  com  nome  genérico  Cherlonezo  ,  e  a  lingoa  de  terra, 
que  a  ata  com  a  terra  iirme,  íe  chama  como  ;a  áiíÍQ  Ifthmo. 

Nota    588. 
O.  95.  verf.  ^.  Qiie  a  pedra  que  ferida  lança  fogo.  Bem  cla- 
ro eftà  o  nome  da  Pederneira,  Villa,  e  porto  pequeno  na  cofta  do 
Oceano  na  Eilremadura,   eem  pouca  diftancia  do  monte  da  Na- 
zaré c ,  que  lhe  fica  iminente. 

Nota   589. 
O.  10 1.  verf  ó.  Panopéa.  He  o  nome  de  huma  Deoza  Ma- 
rítima ,  que  a  fabula  diz  foy  huma  das  50.  filhas  de  Nereo ,  e  Do- 
ris,  dizem  que  foy  Serea,  e  lhe  deu  o  nome  aperfpicacia  da  vifta. 
r,::oJirf  Nota   590. 

O.  Io?,  verf  8"  Pois  naõ  pode  m^idallos.  Eftailuíaõ  daSeréa, 
e  do  Confilio  dos  Deoíes ,  he  efeito  da  cega  idolatria  da  Rainha 
Axa ,  a  que  o  mào  Génio  peiluadia  eftas  falfidades  ,  e  as  dos  anti- 
gos fupunhaó  na  fua  errada  Theologia  ,  que  Júpiter  naõ  podia  o- 
brac  contra  as  Leys  do  Deftino  ,  nem  contra  o  conlelho  dos  Deo- 
zes ,  fe  eftavaõ  todos  conformes  j  confundindo  aílim  a  verdadei- 
ra ordem  da  Província  divina,  onde  naõ  hà  açafos ,  le  naõ  hum 
continuo  acerco. 

Nota  591. 
O.  104,  verf  r.  Cilenio.  Nome  que  fe  dà  á  Mercúrio  pelo 
monte  Cilenio,  em  que  nafceo  ,  ou  pela  eloquência  ,  Virg.  fegue 
o  I.  Enead  lib    8.  e  e  lo  D^os  era  o  que  convocava  para  o  confe- 
Iho  por  fcc  correyo  de  Júpiter, 

Nota 


DO    P  O  E  M  J.  109 

Nota  592.. 
O.  107.  verf.  I.  O  Neto  de  Atlante.  Mercúrio  era  hlho  de  Jú- 
piter, e  Ja  Ninfa  Maya,  que  deu  o  nouje  ao  mez  de  Mayo  ,  e  era 
tílha  de  Aclaiue  Rey  de  Mauritânia.  AHimihe  cluma  Horácio  Ne- 
pos  Atlantis,  e  eu  finjo  que  por  eíla  cauía  era  contrario  aos  Por- 
tuguezes,  como  explicaó  as  nocas  que  brevemente  declaraó  efta 
averlaõ  de  Mercúrio. 

Nota  595. 
O.  107.  verC  7.  Marre.  Faço  Marte  favorável  aos  Portugue- 
zes  para  moftrar  o  animo  guerreiro  defta  na«^aõ  ,  que  com  Viria- 
to ,  c  Sertório  venceo  os  Romanos  ,  fendo  o  primeiro  hum  Paftoc 
a  quem  chama  Lúcio  Floro  Rómulo  da  Luzitania. 

Nota  594. 
O.  109.  verf.  8.  Vencer  o  mundo  ,  e  fuftentar  a  esfera.  He  a 
primeira  caula  da  oppofiçaõ  de  Mercúrio  aos  Portuguezes  ler  me- 
nos valente  ,  e  eíla  naçaó  nos  primeiros  feculos  pouco  aplicada  a 
eloquência,  ainda  que  ja  Strabaõ  diz  na  fua  Geografia  ,  que  con- 
fervavaõ  em  verfo  as  acçoens  dos  feus  mayores  ,  e  que  os  Pheni- 
cios  feus  primeiros  conquiftadores  inventarão  as  letras  Bem  acre- 
ditarão nos  íeus  últimos  Séculos  a  fua  elegância  hum  Padre  Antó- 
nio Vieira  ,  hum  Joaó  de  Barros  ,  hum  Luiz  de  Camoens  ,  e  ou- 
tros illuftres  Oradores  ,  Hiítoriadores,  e  Poecas.  Fingiaõ  que  El- 
Rey  Atlante,  convertido  em  monte,  fuRentava  o  Ceo  nos  feus 
hombros,roas  que  o  ajudava  Heicules,  por  ler  muito  alto  o  mon- 
te Atlas  da  Mauritânia. 

Nota  595. 
O.  120  verf  I.  Em  Africa  Sente  Mercúrio  ver  nas  eílrel- 
las  ,  que  os  Portuguezes  em  Africa  haó  de  vencer  os  Mouros  até 
as  fraldas  do  monte  Atlante  ,  e  que  haó  de  conquill:ar,  as  praças 
que  fe  refumem  nefta  ourava  ,  e  outras  muitas  que  com  gloria  ga- 
nharão ,  e  por  defcuido  perderão 

Nota  5  9(í. 
O.  1 10.  verf  )';  Ceuta  ie  rende.  A  primeira  conquifta  em  A- 
frica  foy  a  famoía  expedição  a  Ceuta  por  ElRey  D.  Joaó  o  L  os 
Infantes  íeus  filhos,  e  quali  toda  a  nobreza  de  Portugal  no  anno 
de  141  5.  Tanger  foy  ganhado  por  ElRey  D.  A.Tonfo  V.  em  1471- 
e  depois  dado  em  dote  à  Rainha  da  Grãa  Bertanha  D.  Catherina 
quando  cafou  com  ElRey  Carlos  II.  de  Inglaterra  em  i6Gx.  os 
Inglezes  a  abandonarão  aos  Mouros,  e  a  fua  hifioria  efcreveocom 
grande  elegância  o  Conde  da  Ericeira  D,  Fernando  de  iVíenezes 

que 


lio  NOTAS 

que  foy  feii  Capitão  General, perto  de  íeis  annos,  defdeode  i6^$ 
e  naó  defmereceo  a  gloria  que  tantos  do  feu  appelido  adquirirão 
em  Tangere,  e  Ceuta.  Efta  ultima  foy  a  única  Praça  que  naõ  acla- 
mou em  )  640  o  feu  Rey  verdadeiro  ,  e  na  paz  de  16^8  ficou  ce- 
dida aos  Elpanhoes,  eliberrando-a  do  mayor  fitio  na  duração  que 
nunca  vio  o  mundo  ,  o  valor  das  armas  de  ElRey  Católico  D.  Fe- 
lipe V.  e  a  tmlid  íoccorrido  ElRey  D.  Pedro  11.  mandando  as  tro- 
pas Portuguezas  com  grande  credito  Pedro  .Vlaícarenhas ,  Con- 
de de  Sandomil,  Vice-R-^y  na  índia,  do  Coníelho  de  Guerra  ,  e 
Governador  das  Armas  de  Alentejo  ,  fempre  com  igual  reputação, 
que  fe  augmentou  em  1711.  foccorrendo  Campo  mayor,  quando 
gloriolamente  a  defendeo  o  Conde  da  Ribeira  D.  Luiz  Manoel 
da  Camará.  Arfiia  também  ganhada  por  EIRey  D.  Affonlb  o  V.  fe 
perdeo  no  tempo  do  governo  de  Caftella.  As  outras  Praças  largou 
por  mào  f  onfelho  ElRey  D.  Joaó  o  III.  e  (o  fe  conferva  Mazagaó, 
que  era  a  menos  importante. 

Nota  597. 
O.  i  it.  verf,  I.  Atlântico  Oceano.  Todo  o  mar  Oceano  que 
corre  pelas  coft.is  de  Portugal  ,  e  Africa  fe  chama  Atlântico  em 
memoria  daquelle  monte,  e  he  a  outra  caufa  da  enveja  de  Mercú- 
rio,porque  os  Portuguezes  com  os  feus  defcubrimentos  das  Ilhas, 
e  navegação  ao  Oriente  haviaõ  de  íer  os  primeiros  que  o  navegaU 
lem  ,   e  dominaffem. 

Nota   598. 
O.  III.  verf  7.  As  Athiantides  Ilhas.  Eftas  Ilhas  em  que  os 
antigos  fingirão  tantas  fabulas  querem  que  fejaó  as  de  Cabo  Ver- 
da  ,  que  outros  chamaõ  Gorgades,  e  Hefperides  defronte  do  Ca- 
bo Arfinario  de  quem  diz  Camoens : 

Que  de  Cabo  Arfmario  o  nome  perde 
chamado  pelos  mjfos  Cabo  Verde. 
Nota    599. 
O.  Ill  verf  i.Athlantide  Platão  chamado  o  divino  nosíeus 
Diálogos  defcreve  a  Ilha  Atlantide  ,  que  diz  foy  íeparada  da  Eu- 
ropa por  hum  terremoto  de  que  o  mar  Oceano  a  dividio :   muitos 
entenJem,  quetiveraó  os  Gregos,  e  os  Cartaginezes  pelas  nave- 
gaçoens  de  Hanon,  e  outros,  alguma  noticia  da  America.  Veja-fe 
em  izac  VoíTio  ,  e  no  Padre  Feijó  ,   e  outros  muitos   a  curiofa  in- 
veftigaçaõ  dos  primeiros  povoadores  da  America  ,  que  ao  Sul  fe 
divide  peloEftreitode  Magalhacnsjda  terra  do  fogo  chamada  tam- 
bém dos  Pacagoeíis ,  defcobrindo  aquelk  Eftteito ,  e  a  navcgaça© 

do 


DO     T  O  E  M  J,  irr 

do  mar  do  Sul  remando  de  Magalhães  Portuguez  ,  dando  a  nào 
Vitoria  a  primeira  volta  ,  que  íe  deu  ao  mundo. 

Nora    600. 

O.  Ill,  veif  6.  America.  Ja  diííe  que  Américo  Vefpucio 
Florentino  debaixo  dos  auípiciosdelRey  D.  Manoel  teve  a  gloria 
de  dar  o  nome  .1  America, naó  ló  quarta  pane  do  mundo  ,  mas 
outro  mundo  novo. 

Notacíoi. 

O.  1 1 1.  veiT.  8.  O  opulento,  o  fragante ,  e  o  preciofo.  Neíle 
verfo  íereíumem  as  riquezas  das  noíras  Conquiftas,  qa£  (e  com- 
põem de  ouro  , prata,  afoma:S  ,  pedras  pieciofas  j  frutos  ,  e  outras 
varias  producções.  Nota   6oi. 

O.  113.  verf.  S.  Mercúrio  Deos  da  paz  ,  Marte  da  guerra.  Ar- 
gue  Marte  Deos  da  guerra  a  Mercúrio  Deos  dos  furtos  ,  e  do^  en- 
ganos da  eloquência  artificiofa,  de  que  como  Deos  da  paz,  fimbo-/ 
lizada  no  Caducco  em  que  as  Serpentes  eftaõ  prezas  ,  aborrecia  a 
guerra  ,epor  efla  caulaaos  Luzitanos  ,  que  fempre  invencíveis  a 
exercitarão.  Nota   605. 

O.  114.  verí.  I.  Vénus.  O  admirável  Camoens  deu  as  cau- 
fas  ,  porque  Vénus  (  de  quem  Marte  era  amante  )  favoreceíle  aos 
Lufitanos  como  rinha  feito  aos  Troyanos  ,  e  bafta  aquelle  gran- 
de Poeta,  e  os  feus  comentadores  para  que  eu  me  naõ  atreva  a 
repetir  o  que  nelles  pode  verlè. 

Nota  604. 

0. 117.  verf.  z.  Chipre,  eCithèra.  Eftas  Ilhas  ganharão  os 
Turcos,  a  de  Chypre  em  1571.  e  outras  em  diveríos  temposj 
tornando  aqui  a  lembrar  Vénus  as  viótorias  do  mar  Egeo  de  que 
fizemos  memoria  no  Canto  fegundo. 

Nota   605. 

O.  118.  verf  I.  Palias.  Era  Palias  inimiga  de  Vénus,  porque 
Paris  a  preferio  no  pomo  de  ouro  do  monte  ida,  e  também  emu- 
la de  Marte  ,  e  protedora  de  Axa,  e  por  coníequencia  inimiga  dos 
Portuguezes.  .  Nota  607. 

í  :  O.  1 19.  verf.  ;i.  Apolo.  Para  fazer  Apolo  inimigo  dos  Portu- 
guezes buíco  poeticamente  os  motivos  de  que  tftá  Lufitania  na 
parte  mais  Occidental  do  mundo  onde  o  Sol  morre  r.o  Ocafo. 
Naô  fey  fe  diga  com  o  infigne  Vieira  que  cm  Pcrtugal  quem  luz 
znais  fe  fepulia  logo,  como  elle  adverte  no  Sermaõ  de  Santo  An- 
tónio entre  as  fombras  no  feu  temo  iz.  Tambtm  he  Apolo  inimi- 
go de  Portugal  por  lhe  ir  tirar  o  culto  que  tinha  no  Oriente,  dódc 


os 


112  NOTAS  ''-* 

os  Perfas  o  adorarão  com  o  nome  de  Mitra,exifl;indp  entre  elles  al- 
guns chamados  Gntcs  da  fua  antiga  idolatria,  ô  o  litros  GeiltíÓs  4a 
Àfiá  adoraõ  o  Sol  eom  diveríos  nomes.      '  '*  •  "-fcíiA  .i""''  '^U 

Nota,  6o8.-  £'  ^''''^■"■'■^  *  ^  S%-tcvc.\?1l 
O.  120.  verf.  I.  Neptuno.  O  Deos  do  mar  naõ  podia  lofrer 
que  os  Portuguezes  dercobriírem  os  léus  fegredos,e  o  opprimiíTera 
com  as  Aias  armadas,    ^i 

^^"^    Nota  6o^:        . 
;  '    O.  Ill,  verf.  i.  Baco. tá  mefma'  razaõ ;  porque  o  refpcito  de 
Luiz  de  Camoens  me  fez  naô  amplificar  as  caUías  do  patrocínio 
<le  Venus  aos  Portuguezes,  meobrigaa  naó  referir  as  da  inimizade 
de  Baco  ,  que  conquiftou  o  Oriente %oth'ónotnÈÍ  de  Dionizio.'  t 
.f.  ■"  r.       ■  Nota  6 IO. 

^''ví-h^í^.  j^i^X^^dt^^^^^ozitano.  Os  rfiitigòstoniavàõb  epitetóqye 
"crn  algiins  foy  antónomaíiá  '#'dàs  ^a^bensí^qiie-conquirtavaôt,'-^ 
que  venciaõ,  eaííim  comoScipiáõ  fôy  chamado  Africano  pôr  ga- 
nhar Cartago  em  AtFrica,  promere  Axa  a  ElRey'Aly,  que  fera 
chamado  Luzitano  por  vencera  Hém*i^ue  ,  ê  conquiílaí  CoiíÀ- 
bra  em  Luzitania.  K^,-.;.íí>/,  •«    '     •  >^     ■ 

-^-^'  O.  'ii4.  verf  i.  Tritonii.  JàeJípiicJiíey  què  Tritonia  erà  Pla- 
**■  las  ,  e  que  o  feu  elcudo  era  hum  efpelho,  onda  Axa  magicaiiièti- 
'''tea  moftrou  a  ElRey  ,  e  aos  fcus  Generaes ,  para  perfuadirlhes  jun- 
tamente que  naõ  dividirtem  as  forças,  porque  como  ja  tinha  íii- 
ro  ,é  virtude  unida  obra  mais  forde  fegundo  o  prõloquií);:  'Vvtius 
Ignita  fortins  agit.  Sertório  aíliní  o  flemoíi;íh"oii'<  hiaioaiiáatóíieíhMti 
Cavallo  ,  que  naõ  pode  arrancar  unida  o  moço  mais  robufto  ,  c 
íeoa  por  íeda  ,  desfez  o  velho  mais  débil,      ■     'i        ;      .  J 

,,    c  A  N  t:o  X.     ,.'":, 

Nota  6 12,  A  ■'  ^  ' 

O.  4.  verf  8.  Atis.  Foy  Atis  amante  de  Cibelles  transformado 
era  pinheyro,  e  uzo  defta  fabula  quando  refiro  que  os  Mouros 
atearão  o  fogo  no  pinhal  ,  em  que  o  Exercito  de  Henrique  ti- 
nha a  ala  efquerda  ,  e.  ja  dey  a  ra^aó  na  nota  da  ourava  61.'  do 
Canto  9  de  eomoipodãa  haver  efte.pinhaj  antes  cio  reiti^ó  de 
ElRey  D,  Diniz. 

'     Q        '  No- 


DO    T  O  E  M  J.  1 1 3 

Nota  613. 
O.  (.  veil   5.  Tezifone.  As  três  fúrias  infernais,  que  eraõ  Te- 
zifone,  Alcdo,  e  Megera,  tem  aqui  diverío  emprego  fegundo  a  fua 
etymologia  ,  c  fabula. 

Nota  614. 
O.  12.  verf.  i.  Signifero.  He  o  nome  de  quem  leva  a  bandei- 
ra chamada  Signum  pelos  Latinos ,  e  o  que  fe  dà  ao  Alferes  mor> 
que  dizem  foy  por  aquelles  tempos  D.  Fafes  Luz. 

Nora  61  5. 
O,  iV.  verí.   I.  Plataõ.  Veja-fe  a  imitação,  que  fiz  da  deícrip- 
çaõ  que  faz  Claudiano  no  feu  Poema  deRaptu  Porferpinae  em  que 
pinta   o  carro  de  Deos  do  abifmo. 

Nota  6  I  6. 
O,  16.  verl.  8.  A  meya  Lua.  Ainda  que  as  meyas  Luas  na5 
fejaõ  muito  certo  que  na  quelle  tempo  foííem  a  divifa  dos  Mahome- 
ranos,  os  Poetas  tem  liberdade  para  eftasantecipaçoens,  ea  forma 
lunar  dos  íeus  Exércitos  para  que  com  o  numero  ganhem  pelos 
flancos  os  contrários  ,  também  dizem  alguns  he  fuperfticiofa  pa-. 
ra  imitar  as  fuás  meyas  Luas. 

Nora  617. 
O.  21.  verf.  j.  Sabina.  Odefafio  dos  Horacios ,  e  Curiacios 
na  guerra  dos  Romanos ,  e  Sabinos  defcreve  Tito  Livio,  e  incluyo 
Pedro  Ccrnelio  na  íua  incomparável  tragedia  Franceza  de  Horá- 
cio, que  venceo  os  três  inimigos ,  perdendo  os  íeus  dous  Irmãos» 
Críticos  há ,  que  dizem  que  efta  hiftoria  ou  foy  repetida  ,  ou  fur- 
tada a  outra  que  fuccedeo  em  Grécia. 

Nota  618. 
O.  44.  verí.  I.  Nada  difto  veras.  Eíle  generolo  ciúme  de  Pe- 
layo  Amado,  e  efta  obediência  à  invencível  inclinação  de  Aldàra  , 
que  defejava  coníervar  a  vida  de  Muley,  parecerá  inveroíímil  aos 
que  naó  conhecem  os  eftranhos  eífeitos  de  hum  amor  puro  ,  e  ao 
mefmo  tempo  activo.  Nota  619. 

O.  29.  verí.  8^  Flegra.  O  campo  em  que  os  Gigantes  Titaens  , 
que  fe  atreverão  a  efcalar  o  Ceo,  foraó  fulminados  pelos  rayos  de 
jove,  fe  chamou  Flegra  de  que  o  nome  fe  deriva  de  ardor  ,  que  a- 
braza,nalingoa  Grega,  donde  fe  chamou  Phlegeionte  orlo  arden- 
te do  Inferno  ,  ja  na  nota  i  oitava  6  j .  adverti,  que  podia  haver  pi- 
nhal antes  que  ElRcy  D.  Diniz  o  raandaíTe  plantar. 

Nota  óio. 
O.  51.  verf.  1.  Promethèo.  A  fabula  da  EftatuadePromçtúèofi- 


114  '      N  O  1  J  S    '^ 

lho  Japeto  ,  que  roubou  o  fogo  do  ceo  para  dar  efpirito  aà 
corpo  inanimado  ,  he  taõ  vulgar  como  cuido  que  o  naõ  -he  a 
comparação  de  que  Henrique  reftiruiile  com  o  feu  valor,  e  ardor 
o  efpirito,  que  ja  naó.cinha  o  corpo  lieíaniaiadoíiovfcu.exewiLO. 
iBíiE  ú.  -Nora  óaiwincííTitri^"^  am:?.  uo'iãi'^ ;  ' 
'-  O.  3 ;.  verf  i.  Mas  ao  brandir.  Elia  ficção  de  que  Palias  vio- 
lentamente arvcebatou  no  Câtro  de  PI  uca/)  a  HiRey  Ali ,  lerve  de 
moftrar,  que  ló  aííim  poderia  livtar-fe  cora  hum  prodígio  da  ef- 
pada  do  Heròe,  e  de  conTervar  em  Ali  o  caracter  de  valerofo,  e 
íjae  hãõ  fugiria  ài  batalha  íem  efta  violência.  Aífim  vemos  nos 
melhores  Poetas  en nobrecer  os  emulos  dos  Teus  heròes  para  aug- 
mentat  a  eftes  a  gloria  de  vencellos. 

Nota  6(12. 
o  ;"0.  69.  verf.  li  Dez  hecatombes.  Como  ja  diíTe  que  hecatom- 
bè  era  ofacrificio  de  cera  viclimas,  moftro  o  numero  de  mil  Chrif- 
tãos,  que  facrificaraõ  a  vida  pela  Fé  em  dez  vezes  ícnto. 
^■'('.uipíS(4iiÀi  -  Nora  óijidnug.siíp  iisií«6X2riA  eií-f  23i 

-.  Ok  do.  verf.  6.  Nerèas.  Nerèas,  ou  Nereiáâs'faó  as  Ninfas  dõ 
mar   filhas  do  rio  de   Trinacria. 

'Or<jr  verl.  "I,  Sagttario.  O  Sol  entra  èrnSagifario  ai  t  de 
Novembro ,  e  digo  que  pelos  effeitos  anticipou  o  tempo  às  agoas 
de  Aquário  em  que  entra  325.  de  Janeiro  eftando  entre  hum  ,  e 
outro  Signo  o  de  Capricórnio  :í    ■>    ^'s* 

-.;-..  Nota  6l^.    ^    í    'olg    %h    íf^  :..^; 

0.  ^lé  verf.  7.  Tem  gravidas  de  aquáticos  eflúvios.  Efte 
vèrfo  cuítò,quediz  que  as  nuvens  eftáõ  prenhes  de  agoa  copio- 
fa  com  o  nome  de  eíiuvios  bem  utado  em  outros  fentidos  pelos 
Fiiofofos  modernos  ,  para  produzir  dilúvios  de  chuva,  pode  dif- 
penfar-fe  à  fraze  heróica  de  hum  Poema,  que  naõ  affeda  a  efcurir. 
daõ  do  eftyllo.  Nota.  6  i  6. 

V,;  ^O.  6z.  verf.  4.  Protheo.  He  o  Deos  marítimo,  e  o  Paftor  do 
gado  de  Neptuno  que  muda  íempre  de  forma  ,  e  que  faço  entrar 
pela  terra  a  inundar  Vertuno  Deos  Aos  frutos.  Imitey  a  Horácio 
na  Ode  1,  e  íegunda  ftrofe.    aon  tí.:v;.  Mí.íw.  víuzí  .  :; 

omnecumProtkeuiffcuseptmlit^.  ..  ^^^  v.^  ..«i 
.   ■:■    :,:.vifere  tmntes.       i  •>  .  fobt-stíb  o  ^àâl 
•:i  ;  gâjirisbai^.  ■■  .>;^  z&v&yjjo  iz:     Nora  627.      ■  ■."         :  ;-.  ■■  :%-;i&VI 
O.  67.  vcri.  t.  Eia  atjuatico  o  foífo.   Nefte  foflb  aquático,  qèc 
«jitaiwio  pode  enchcr-fe,  evazar-fe  *  ar  bicrio  dos  iitiados»  íeçhaitia- 
'^'iú,  va 


D  o    P  o  E  M  J.  iiy 

'^a  Cuneca  ,  introduzo  os  tevmos  da  fortificação  antiga  procuran- 
do lemprc  tirar  alguma  utilidade  para  a  inftrucçaõ  da  guerra  mo- 
derna. Nota  62S' 

O.  69.  yttC-  1.  Arquimedes,  ja  fe  explicou  o  que  Arquime- 
des obrou  com  a  ftia  Iciencia  na  defenfa  de  Siracufa  cm  Sicília.  A 
Eftatica  he  huma  parte  da  Mathemaiica,  que  trata  dos  pezos,  e  por 
ella  inventa  a  Mecânica  muitas  maquinas  úteis  ,  c  admiráveis ,  ve^ 
ja-fe  entre  outros  a  Mr.  de  Varignon. 

Nota  629. 
O.  69.  verf.   5.Palamedes.  Ja  também  fe  diíTe,  que  inventa- 
ra o  jogo  do  Xadrez  no  fitio  de  Troya  a  que  aqui  chamo  muros 
Frigios.  Dizem  defte.  jogo,  e  dos  que  íe  applicaó  demazidaraen- 
te  a  elie,  que  para  fciencia  he  pouco  ,  e  para  jogo  he  muito. 

Nota  650. 
O.  70.  verf.  I.  Nem  efpolo  real.  De  Lynco  efpofo  de  Hi- 
permnefcrá  ,  de  Aquiles  filho  invulnerável  de  Tetis,  de  ItacoUii- 
íes  ,  de  Alexandre  que  ganhou  a  Tiro  ,  e  de  outros  Poliorcétes,  ou 
eonquiftadores  de  Praças,  fe  tem  dado  neftas  notas  repetidas  no- 
ticias. Nota  651.  ? 
O.  71.  verf  4.  Celebres.  As  Coroas  eraó  as  que  fe  davaõ  aos 
que  as  mereciaõ  por  vidorias  grandes  ,  e  outras  acçoens,  como  ja 
■íè- explicou  na  nota  200. 

Nota  6$!. 
O.  72.  verf.  7.  Hercules.  Alguns  dos  noíTos  Eícritores,  que 
tnais  amantes  da  gloria  da  pátria  ,  que  do  exame  da  antiguidade 
trouxcraõ  a  Portugal  a  Hercules  ,  para  vencer  a  Geriaõ  que  diziaó 
ter  três  cabeças,  dizem  que  eraõ  tresReys  Irmãos,  muito  unidos  , 
a  quem  Hercules  venceo.  A  torre  de  Coimbra  ,  e  hum  fitio  ame- 
-no  ,  vifinho  a  cfta  Cidade  chamado  a  Geria  ,  faõ  débeis  tefterau^ 
nhãs  deíla  tradição. 

Nota  555.. 

"•       O.  78.  verf  5.Gordio.  Que  Alexandre  cortou  o  Jugo  enlaçs- 

tào  do  nò  de  GordiO',  ou  Gordiano  dizendo  :  tanto  importa  cortar 

como  defatar,  e que  aífimvencéo  aAzia  ,  he  muito  vulgar  erudir 

qaó.  Aqui  introduzo  para  defenfor  de  Coimbra  a  D.  Pedro  Bet» 

nardo  de  S.  Fagundo  ,    porque  fendo  cerro  eíle  filio  ,  naó  fe  lhe 

fabe  o  defenfor  ,  e  bafta  para  hum  Poema  efta  prova  negativa. 

Nelle  epifodio  tinha  efcrito  e-ra  muitas  ouravas  os  afcendentes  ,  e 

^dçfcendentes  defte  verdadeiro  tronco  dos  Menezes,   e  ainda  qufi 

cfta  giotiâ  era  commua  a  taõ  dilatada  família  ,  me  icudi  a  alguns 

t.  o  ii  <^Q% 


ii6  -    'HDTJ  S    ^ 

dos  meus  Cenfores  que  entenderão  poderia  interpretarreeomo  Vai- 
dade, vicio  a  que  fou  fumamence  contrario,  e  também  era  repeti- 
ção, porque  tinha  feito  nefle, Poema  memoria  de  alguns  de  meus 
afçendentes ;  porem-  para  confervar  neftas  notas  as  oitavas  a  que 
no  rorpo  do  Poema  fubílitui  cpnvepilodio  mais  nobre  a  liilloria 
de  Portugal  até  o  Conde  D.  Henrique  ,  as  fiz  copiar  tio  6m  dei- 
tas notas,  para  que  feja  mais  faci!  deixarem  de  as  ler  os  que  fé  riaõ 
intefeífaõ,  eos  que  le  oppoera,  ás  glorias  alheyas,  fendo  que  pou- 
cas famílias  haverá  em  Hefpanha,  e  ainda  em  Eyropa,  a  queni 
naõ  pertençaõ  muitos  deííes  Varoeus  illuftres ,  e  fó  de  D.  Henri- 
que de  Menezes  Senhor  do  iouriçgil ,  e  famoío  Governador  da 
índia  defcendem  em  Portugal  quarentas  cioco  Caías  das  primeiras 
que  hoje  fe  conícrvaõ.  . ., 

Nota  654.1 
.,    ,0.  8^3»  veríl  X4  Nqs  longes  deífa  lamina.;  Na5  hi  de  agradar 
•a,QÇitica  ,1  qae  faço  aos  que  fallamente  zelofos  da  gloria  da  pattift. 
ac|m>itera;  ttadiçosns  pouco  certas,  e  pôde  ^efqu«  digaó,  que  ao 
menos,em  hum  Poema  bem  podia  eu  deixar  como  eítâva  d  povoa- 
ção de  Tubâi,  o  nome  de  Setúbal,  e  a  echimologia  de  Elifa,  c  de  i 
Luzo,  porém  como  fe  authoriíàõ  com  os  Poetas  aqueHas  verda- 
des hiftoricas  ,  e  que.  nos  íeus  poemas  íc  ícparaõ  da  fabula,  tiaó 
quiz  moftrar  ,  que  me  perfuadiaõ  os  que  equivocarão  Ibcria  Proí-. 
vincia  da  Azia  com  Hefpanha  que  muitos  leculos  depois  teve  o 
xigme  de  ibéria  pelo  rio  Ebro  fendo  a  primeira  Ibéria  a  quem  po- 
voou Tubal  filho  dejaphetjc  neto  de  Noè ,  como  pôde  ver-íeoo^ 
douto  Bochart  no  feu  Phaleg,  ou  Geografia  Sacra.  Lufo  eompa^^  ; 
nheiro  de  Bacho,  e  Elifa  mais  autores  tem  antigos,  nías  todos  eír  1 
tes  fe  fundão   na  certeza  da  Echimologia  íem.  verificar  as  expjBp;^ 
diçoens  deites  heroes  na  Luhrania,  nem  as  conquiftas,  e  Colo- ,, 
nias  de  algumas  naçoens ,  que  conduzem  a  Portugal ,  e  Hefpanha.-  > 

Nota  6h« 
sO.  8  3-verf.  8.  Fenieios.  A  primeira  expedição  certa  que  ía- 
betnos  aos  portos  dos  Reynos,  que  depois  fe  chamarão  Algarve,  € 
Portugal,  he  a  dos  Fenieios,  que  merecerão  bem  efte  nome  pe^ 
las  palmas,  c  pelas  vidorias ,  que  immortalizaraõ  a  fua  naçaó ,  c  o 
Reyno  de  Fenícia  cm  Azia.  Veja-fe  a  hiftoria  do  comercio,  dos  an- 
tigos, do  liiuftriaimo  Huet,  e  o  ja  allegado  Bocharti  Queellesfo^  : 
raõ  os  inventores  das  iecras  ,  diz  entre  muitos  em  dois  eiegan^STB 
vcríbsJLucano.  .,..»-w2o:í 

:.4  .sal,.  *  -EJO:  . 

phét' 


'4rf 


Ât\  ^u-fh-Ankcs  ptmti  famA  ficredttur  ^  aufi  -  '  ^^^ 

-mo<{^-imettfftram  rudíbas  vocítnfignare  figuris,  «iticfcis 

lii^a-í  ji:  L.\.  ::Í!.  ;.■  -  .  ■  6^6.  '     '"'":' 

f^j,  j O.  4.^  vttt,  9^  Uoce  fruto  o  primeiro  que  florece.  Origem 
menos  glorioía,  porem  mais  natural  dá  Bocharc  ao  nome  Je  Luzji 
tania  de  hunia  palavra  Fenícia  ,  que  fignifica  amêndoa  ,  por  (êr 
eíle  fruto  o  que  vinha  bufcar  entre  outros  às  coftas  do  Algarve  ;  - 
que  (eji  a  Amendoeira  a  arvore  que  primeiro  florece  ,  he  bem  noc 
coriOj  e  o  ponderai  a  difcreta  íeguidilha  antigua/  „- 

'^^  -  Fueron  mis  efperanças  - '-^^ 

■::&R^.i»^o'>.  conto  el  Almendro ,  tj? ' 

■•.r    :■  íloreckron  tanpram,  ■  ' 

cayeron  prejh. 
Nota  657; 
O.  87.  vèrf.  í,  Púnicos.  A  feguhda  çônqiliftá  de  Luzírania 
foy  a  dos  Púnicos ,  ou  Cartaginczes  com  a  Amílcar,  Anibal,  e  ou- 
tros Varoens  Africanos  bem  conhecidos  na  hiftoria  Romana  dé 
Tito,  e  na  Grega  de  Polibio ,  e  Vidas  de  Plutarco;  e  naó  ca- 
bem em  humas  breves  notas  a  hum  Poema  as  largas  hiftorias  def<» 
tas,  c  outras  naçoens»,  ac  dos  feus  varoens  infignes,  nem  as  que 
fe  feguem  dos  principies  de  Portugal,  eHefpatiha  teraõ  aqui  ínais 
que  huma  breve  explicação;-  ^'^^  òúbsinh-t:!'}  :ím  ms&  i  •ss^ícín  ^inv 

i;   -•~-   ■•■•;.:    ■  Nota    658.  n^r;'." 

^  G.i  giíí  vcfC  í.  Ves  trcmolar.  Vencerão  aos  Carthaginezés  'êf 
Romanos,  que  fingiaó  defcendcr  de  Marte  fazendo-o  Pay  de  Ró- 
mulo^ primeiro  Rey  ,  e  fundador  de  Roma,  e  depois  do  letimo*" 
Rey  que  foy  Tarquinio  o  Soberbo,  fe  erigio  a  famoía  Republica  , 
qae  conquiftou  Luzitania,  c  de  quem  muitas  vez ^s  foy  vencida, 
principalmente  no  cempo  de  Viriato,  que  foy  morto  com  traição, 
como  diz  3  oitava  feguinte. 

Nota  659. 
O,  88.  verf  i.  Sertório.  De  Sertório  fe  deo  ja  baftante  noticia, 
e  da  fua  Cerva  ,  e  que  Cezar  venc^lfe  ,  e  illuftraíle  Luzitania  di-  '^ 
zem  todas  as  hiftorias.  ' 

Nota  640*  •  -  ' 

-'^^- O.  89.  verf.  I.  Do  gelo  Aquilonar.   Dentro  de  Norte  que  hfl  ' 
o  Aquilon  ,  vieraó  os  Godos,  e  outras    Naçocns  conquiftar  a  Ro-  ^■ 
ma  cora  Alarico,  c  a  Heípanha ,  e  Portugal  com  Ataulfo  ,  e  a  ou^" 
tros  Rcynos  com  diverfos  Capicaens    Pelos  annos  de  412.  princi- 
piou a   fua  Monarquia  em  Heípaaha. 

Nota 


r^- 


tíi  NOTA  S 

'■"'■      •  Nora  6^\, 

O.  90.  verf.  I.  Debuxo  gótico.  Os  Godos  para  fazer  efque^rer 
atè  as  boas  artes  era  que  os  Romanos  floreceraõ  ,  íeguiiaó  nellas, 
e'ha  Pintura  ,  e  Architètura  outros  principiòs  fem  imitar  ás'  pro« 
ftrçoens  da  natureza,  mas  com  huma  magnificência  barbara  ,  ca- 
íiió  íe  vè  no  que  ainda  exifte  do  gofto  gorico  acè  o  decimo  fexto 
Jeculo  y  em  que  as  boas  artes  fe  rcftauraraõ. 

Nota  Ó42. 

O.  90,  verf  5  V^amba.  O  grande  Santo  Rey  Vvamba  vulgar- 
ííiente  chamado  Bamba  ,  foy  líatural  de  Idanha  a  Velha  chama-i 
da  entaõ  Egirania  ,  Cidade  que  era  da  Beira  ,  e  fe  he  certo  ,  que 
na  fu3  eleição  íloieceo  hnma  vara,  indicio  foy  de  que  havia  de  flo- 
recer  nas  virtudes  ,  e  Religião  Catholica  ,  em  que  o  naõ  imitarão 
muitos  Re^^s  Arrianos  ,  que  lhe  íuccederaó.  ^"^s^''  »8>{:  v 
;í^g-vl-o;-^  3::t^,^  jSJora  645.    -i^^^^--'  '^   •  Mxm^.';  oL„:,..J 

Y5>?lTO;'i^fT  vèrf.  i.  Recaredo.  O  grande 'Flávio  Recarécíó  Kéy  èú9 
Godos  em  Hefpanha,  reítaurçu  a  Religião  verdadeira,  que  alguns 
dos  feus  anceceíTores  Arrianos  tinhaõ  perfeguido. 

Nota  644. 

O.  91.  verf.^#.  Rodrigo.  No  primeiro  canto  ,  e  em  outros 
defte  Poema,  dey  alguma  noticia  de  D.  Rodrigo  ultimo  Rey  dos 
Godos  em  Helpanha,  a  quem  os  Mouros  a  ganligraô  na  bacalha 
de  Guadalete  no  anno  de  645,  vsmfôtls ->  «.>  oôa^ísiis-í  .   ' 

^-.    .    ...,.•■,,.■  Nota  Í45.       -■        -;v-v^;:r--    .'■ 

•      iiO.  0ií  vttti'\.  Ambas  as  Hefpanhas.  Naõ  fó  fe  dividio  Hcf» 
panha  pelos  Romanos  emLufitania,  Betica  ,  e  Tarraconenfe,  mas 
em  Citerior  ,  e  Ulterior  j  celebre  he  o  verfo  do  Poeta  Gabriel  Pe- 
reira de  Caílro  no  principio  da  Ulyílea.  - -^ 
De  ambas  as  Índias^  de  ambas  as  EfpaHhas*^'  <^'*^  PS3*".*M^ 
Nota  646.                          -    inhuíí-:í 
O.  95.  verf  2.  Pelayo.  ElRey  D.  Pelayo  foy  logo-o^^ue  fal- 
vando  as  relíquias  do  exercito  de  Hefpanha  íe  retirou  as  monta- 
nhas de  Afturias,  onde  foy  acclamado  Rey,  e  com  milagroías  vic- 
torias  principiou  a  reftaurar  do  jugo  iníiel  a  Monarquia,  ãç  que 
os  Mouros  naõ  acabarão  de  fahir  le  naõ  perto  de  outocentos  an^- 
,  nos.<iepoi&-<ia  fua  primeira  entrada.                                       * 
.^    ■■  ui,i.-;rí>>:i.  Cj .                Nota  647.                                -  >'>^t*v  za 
O.  91'  verí.  2.  Cantábria.    ElRey  D.  Affonfo  Catholico,  filho 
de  Pedro  Duque  de  Cantábria,  e  genro  delRey  D.  Pciayo  foyopri- 
laciro  que  veyo  de  Afturias,  a^"e  os  amigos  chauiavaõ  Canra- 
^4<>ii                                                                                           bria  r 


D  o   P  o  E  M  A  119 

bria,  e  le  dividem  cm  Aftuiias  de  Oviedo,  e  de  Santilhana ,  a  fazçt 
guerra  aos  Mouros  em  Portugal.  Vejaó-fe  Brico,  e  Faria. 
í6..  .M  .;.,w.  -.  .   -.-.  Nota64Íj. 

.  Ci  66.  verf.  1,  Outro  Aífonfo  a  quem  Caílo  denomina.  El- 
Rey  D.  Affcnío  o  Caílo  venceo  muitas  batalhas ,  e  conquiftou 
em  Portugal  as  terras  que  diz  a  outava  ,  e  outras  muitas  de  que 
ha  pouca  memoria. 

Nota  649. 

O.  97.  verf.  I.  Outras  altas.  As  conquiftas  cm  Portugal  que 
fizeraó  aos  Mouros  ElRey  D.  Ramiro  primeiro,  e  D.  Ordonho  de 
Leaõ  ,  e  ElRey  D.  Aífonfo  o  Magno,  que  ganhou  Coimbra,  podem 
kr-í€  em  Mariana ,  Feneras ,  e  nos  hiftoriadores  Pottuguezes. 

Nota  650. 

O.  98.  verf  4.  Ordonho.  A  diverfa  forte,  que  Lisboa  teve, 
fendo  perdida,  e  recuperada  muitas  vezes  no  tempo  dos  Mouros, 
caõ  he  muito  conhecida  nas  hiftorias-  Sabe-íe  porém  que  ElRey 
D,  Ordonho  lil.  de  Leaõ  a  ganhou  aos  infiéis. 

Nota  6)-i. 

O.  98.  verf  7.  Sobre  Vifeu  Afíonfo  V.  ElRey  D.  Aftonfo  V. 
de  Leaõ  foy  morto  pelos  Mouros  no  fitio  de  Vizeu. 

Nota  65  i.  ?^í 

O.  99.  verf  I.  Vez  em  tudo  primeiro  o  Graó  Fernando.  ElRey 
D.  Fernando  o  I.  chamado  o  Magno,  fez  muitas  conquiftas  em 
Portugiil,  principalmente  na  Beita,  onde  ganhou  a  Cidade  de  La- 
mego ,  e  a  Villa  de  Cea,  vizinha  da  Serra  da  hílrella  ,  e  naquel- 
le  tempo  buma  Pitça  fóire ,  hoje  faó  feus  Alcaydes  mòies  es  Con- 
des de  Saizedas  da  Cafa  dos  Sylveiras  ,  que  tiveraó  a  varonia  de 
Lobos ,  hoje  a  de  Távora  por  António  Luiz  de  Távora  filho  k- 
gundo  do  Conde  de  Alvor  bem  conhecido  em  Europa  ,  e  Ame- 
rica pelas  fiias  acçoens  militares,  e  efta  >^lcaydaria  mòi  he-^dou  a 
Cala  de Sarzedas  pelados  Sylvas.  ElRty  D.  Fernando  o  Magno 
findou  em  Portugal  muitos  Templos  de  queexiftem  as  doaçcens. 

Nova  6  5  5. 

O.  100.  verf.  3,  Garcia.   Na  divizaõ  de  Eí^anha  teve  ElRey 
D.  Garcia  o  titulo  de  Rey  de  Portugal ,  de  que  o  dtípojou  ElRey 
•D.  Affonfo  VI.  fcu  Irmão  chamado  o  Empeiador ,  e  de  que  mui- 
tas vezes  temos  tratado  por  fer  fogro  do  Conde  D.  Henrique. 
c;  ii    j .;  Nota  654. 

-'    O,  101.  vetl.  1.  De  Santa!  èm.  Sabe-fe  que  ElRey  D.  Arfbnfo 
VL  ganhou  Saiiurèm  aos  Moucos ,  mas  naõ  íe  íabe  tomo  te  písr- 


1 20  N  O  1  A  S 

deo,  o  mermo  fiiccede  na  conquifla  de  Lisboa,  e  Cintra  , 
fe  achou  o  Conde  D.  Henrique,  eqiic  ei^  faço  nefte  Poema  lejç 
ac(;^aõ  fó  do  meu  Heròe  ,  como. adiante  le  veià. 

Nota  G$^. 
O.  Í05.  verf   I.  Dos  Duques  dé  Borgonha.  Sempre  /egui  nef- 
te Poema  a  opinião  que  o  Conde  D.  Henrique  naõ  era  por  va«- 
roniada  Cafa  dos  Condes  de  Borgonha, 011  Franco  Condado,  co- 
mo alguns  dos  noflos  Autores  diíTeraó  ,  e  defendeo  no  Teu  Marte 
Portuguez  o  douto  Joaó  Salgada  de  Araújo,  Abade  de  Pera  ,  a 
quem  naõ  allega  D.  Luiz  de  Salazar,  que  renovou  no  noflo  tem- 
po eíla  opinião.  Henrique  ,  como  ja  apontey  ,  era  filho  de  Henri- 
que, que  naõ  chegou  a  fer  Duque  de  Borgonha  por  morrer  em 
vida  de  feu  Pay  Roberto  Duque  de  Borgonha  ,  que  era  filho  de 
Roberto  o  devoto  Rey  de  França  filho  de  Hugo  Çapeto  ,  que  he  o 
tronco  da  3 .  geração,  que  hoje  reyna  em  França,  e  a  Varonia  dcquel- 
les  ,  e  dos  no0bs  Reys.  Os  Genealógicos  mais  exaótos,  e  entre  elles 
o  Padre  D.  António  Caetano  de  Souíâ  na  ftia  excellente  obra  da 
hiftoria  Genealógica  da  Caía  Real  de  Portugal  naÕ  reconhecem 
com  certeza  mais  que  a  Robetro  o  Force  vifavo  de  Hugo  Capeto , 
naõ  contando  como  verdadeiros  os  afcendentes  que  o  entfoncáÔ 
ate  Carlos  Magno,  de  quem  afegunda  linha  que  reynou  em  Fran- 
ça fe  derivava,  e  muito  menos  os  que  fe  nomeaó  de  Carlos  Mag- 
no atè  Clodoveo  primeiro  Chefe  da  primeira  família  que  reynou 
cm  França,  e  com  muito  mais  duvida,  os  nomes  que  fe  atribuem 
aos  avos  de  Clodoveo  atè  os  Reys  da  Troya.  Brevemente  fahirà  a 
luz  hurna  Dlífertaçaó  Académica ,  em  que  me  parece  provey  que 
ainda  que  naõ  fejaõ  cercos  os  nomes  deftes  afcendentes  de  Roberto  o 
Forre,  he  quafi  demonftrado  pelas  provas  que  allego ,   que  Hago 
Capeto  dcfcendia  de  Carlos  Magno  ,  eíle  de  Clodoveo  ,e  Clodo- 
veo dos  Reys  dos  Francos  netos  dos  de  Trova. 
'*^  Nota  655. 

O.  105.  verf.  i.  Sibila.  Ja  expliquey  a  allegoria  com  que  o  no- 
me de  Mãy  do  Conde  D.  Henrique,  e  o  íeu  efpirito  me  fez  intro- 
duzir huma  Sibila  no  meu  Poema,  imitando  a  Virgilio,  e  a  outros 
poetas.  Nota  GjC>. 

O.  107.  verf.  5.  Vês  como  traz  ao  Reyno.  Huma  das  provas  d« 
que  o  Conde  D.  Henrique  foy  á  conquifta  da  Terra  Santa  he  o 
Santo  Lenho,  que  D.  Rodrigo  da  Cunha  diz,  que  cile  trouxe  de 
Jeruíalem  à  Sé  de  Braga.  Nota  657. 

O.  iip.  \tií.  í.  Paraninfo,    Aos  quç  hojç  íe  çhamaõ  padri- 

'    .  jihos 


'.D  o    T  o  E  M  J.  121 

iihos^  dos  que  cafaó  ,  e  de  outras  funçocns  davaÕ  os  antigos  o  no- 
me de  Paraninfos  formado  do  Grego  pela  propoziqaõ  /?.<>'<,  e  pelo 
nomQNimphos^  que  lie  oeípofo  ,  cii  defpoíado  ,  e  no  lêntido  mif- 
"tícojfedácftcnomeao  Anjo  Cull.AS.M-gueldou  o  epíteto  dePara- 
Binfo,  como  os  poetasosdaõaos  Anjos  da  gnaida,e  que  eííe  Archan- 
)0  o  fofle  de  Portugal  piovey  largamenre  no  Panegírico  que  por 
clciçaãdelRey  recitey  na  Academia  Real  da  hiftoria  em  1711.  ao 
Pontífice  InnocencioXlII.  de  que  era  o  nome  Miguel  Angelo  Con- 
ti,  e  que  tinha  fido  Núncio  em  Portugal,  era  leu  Cardeal  Prote- 
dqr,  e  foy  eleito  dia  da  appariçaó  de  S.  Miguel.  Veja-fe  Macedo 
♦livro  :  Divi  Tutelares, 

c  A  Tsr  T  O  xr. 

Nota   6)S. 
O.  4.  rerf.   1.  Outros  conhcionados.  Ainda  que  naõ  havia 
pólvora  no  tempo  do  Conde  D.  Henrique,  fempre  fe  ufou  na  mi- 
lícia antiga  de  materiaes  conhcionados  para  o  fogo  »    e  havia 
•faxinas  para  cobrir  as  trincheiras  ,  livrando-as  das  pedras,  e  íetaí* 
'  Nota  6^ç).. 

O.  7.  verl.  r.  Sahe  com  mil  íoidados.  Introduzi  em  Coimbra 
•tropas  de  França  chamada  Gallia  peios  Latinos  para  moílrar  a  an- 
tiga aliança  delias  duas  generofas  naçcens,  que  em  todos  os  teiij* 
pos  quàfifem  excepção  fe  foccorrersõ  reciprocamente.  t 

—  ,«-  V  '•  Nora   660. 

■•■  O.  17.  verf.  I.  Hum  rebanho  de  Aríetes.  Metaforicamente 
chamo  rebanho  de  Arieces  ,  ou  carneiros  à  maquina  niilitar  , 
-que  linha  efte  nome,  como  ja  notey,  por  ter  huma  cabeça  de  car- 
neyro  de  bronze  ,  e  quanto  mais  reciiavfíõ  cora  movimento  eílra- 
nho  tanto  era  mcyor  o  impuiío  com  que  batiaõ  os  muros,  em  que 
poeticamente  digo  que  comisô  as  msrmíres. 

Neta  (Jói.       . 
'   .    O.  18.  verf.  I.  Catapulta.  Ja  dckfeyi  eíla  maquina  militar , 
t  todas  podem  verfe  cm  Juílo  Lipíío,  e  nos  mais,  que  trataõ  da  mi- 
lícia Romana.  Nota   66i. 

O.  19.  vetj.  I.  Ealiílas.  Tami^cji)  cila  maquina  fe  deícreveo  , 
c  pôde  ver-fe  nos  Autores  ailegadcs,  e  de  algum  modo  a  imitarão 
as  bombas  inventadas  em  França  por  Pe^iio  Maitus  em  1Ó3S.  a 
reduzidas  a  arte  por  Bionclel  depois  que  a  Geometria  achou  a 
medida  da  linha  chamada  Parábola. 

D  No- 


I2i  NOTAS 

Nota6(j3. 
O.  20.  vtít.  4,  Sulftireo.Ja  naõ  prevalece  a  opinia5  dos  Filo- 
fofos  antigos  de  c]ue  o  vento  oppiimido  ,  a  que  aqui  chamo  No- 
to ,  que  iie  o  Sul ,  he  o  que  caiifa  os  terremotos  nas  concavida- 
des da  terra,  porque  a  razaó,  e  a  experiência  moftraó,  que  as  mi- 
nas de  enxofre  unindo-íe  com  as  ào  falitre  ,  fórnuó  de  algum 
modo  pólvora,  e  rebentando  fubvertem  ,  e  avruinaó  Cidades  ,  e 
Províncias  fendo  mais  fugeluas  a  eftes  danos,  as  que  tem  montes  , 
que  pelas  minas  de  enxofre  lançaõ  fogo,  clumando-fe  por  eíle 
motivo  ignivomos,  e  volcães  por  Vulcano,  que  fingia  a  fabula  ti- 
nha nelles  a  fua  forja  de  ferreiro,  e  faõ  em  Europa  os  mais  cele- 
bres, o  Etna,  ou  Mongibello  de  Sicília,  o  Vcfavio,  ou  monte 
4a  Soma  de  Nápoles,  e  o  Hecla  de   Iilanda. 

Nota  66àf. 
O.  ir.  verf  5/deNumancia  ,  Sagunto  ,  e  de  Cartago.  Nu- 
mancia  que  alguns  autores  Portuguezes  querem  com  pouco  fun- 
damento foíie  em  Portugal,  era  na  Heípanha  Tarraconeníè , 
por  naõ  render  fe  aos  Romanos  depois  de  hum  largo  ficio  ,  tendo- 
fe  defendido  de  outro  que  durou  14.  annos.  Sagunto  que  tam- 
bém era  na  Efpanha  Tarraconcnle  aliada  do  povo  Romano  fe  quei- 
mou por  naõ  rende£-íe  a  Anibal.  De  Cartago  em  Africa  íe  lea  o  ulti- 
mo fítio  em  Tito  Livio,  Marco  Catam  votou  que  le  deftruiíJe,Sci- 
piam  Nàíica  que  fe  confervaíle  ;  rcndeo-fe  a  Scipiaõ  na  5.  guerra 
Púnica,  Nota  6(^5. 

O.  II.  verC  S- Jerufalem,  Ravena,  Tiro.  O  íitio  dejerufa- 
lem  por  Gofredo  de  Bulhon  pode  ler-fe  poeticamente  em  Taífo 
a  quem  procurey  imitar.  O  ficio  de  Ravena  em  que  houve  fome 
extraordinária  foy  famofo  pela  conftancia  dos  defenfores.  O  fítio 
de  Tiro  por  Alexandre  Magno  contaõ  Arriano,  Plutarco  ,  Quinto 
Curfío  com  elegância.  Nota  GG6. 

Q.  zi.  verf,  7.  Babel.  A  Torre  de  Babel,  ou  de  Babilónia  prin- 
cipiada por  Nembrotpara  alTaltar  oCeo,  e  a  Efcritura  nos  conta  , 
e  o  Padre  Atanazio  Kirker  curiolamcnte  defcreve  em  hum  volu- 
me ,  fe  perdeo  pela  confufaó  das  lingoas ,  que  eu  aqui  applico  a 
confufaó,  com  que  fe  arruinarão  as  ideas  dos  infiéis  no  íitio  de 
Coimbra,  e  nas  torres  que  levantarão  pata  conquiftalla. 

Nota  667. 
O.  14.  verí.  5.  Quando  Lifis  a  Licio.  Defte  epifodio  amorofo  , 
e  trágico,  eque  imita  o  de  Olindo  ,  e  Sofronia  de  Tallb  ,  dey  ra- 
zaó uas    advertências  preliminares.  

Nora. 


D  O    F  O  EM  A.  12^ 

Np  (a  (^ç,%.  ;■■"'  -^ 

O.  2,7.  verf.,8.  Adifcriçaõ.  Naõ.  me  condenem  os  crítico^  co- 
mo eqvitvoco  o  que  digo  de  renderíe  Lizis  à  difcricaò  de  Licio,  e- 
quivocaudo  a  eloquência  a  que  chamamos  diíciiçaõ  .  com  a  fI.■a■^ 
ze  milicar  de  renderíe  à  diícnqaQ>.Qiià  mercê  do  vencedor  ,qiieni 
naõ  pode  defenderfe  ,  mas-íbsíne  naó  valer  efte  protefto  ,  bem  pu- 
dera, como  .outras  ve^Çs  adverti,  defender  o  equivoco  quando  he 
jiajural  ^e  íenaó  abafa  delle,cum  exemplos  muito  illufties,  e  adif- 
çreta  máxima  de  Soliz  aic  ncíle  mefmo  Auçqr  tçv.e  i^i^uius  ex^ei-; 
çoens,  ainda  que  diíle.  •    ;    ■ 

•<>.  r.j-xv>[i  :'/■  r    h^^  equívocos  fe  acahen 
sr.   •     ■'  Reynen  folo  los  concetos  i  . 

ofv.  ívo  ha  de  ejiar  la  difcriclon 

fn.  que  nos  equivoquenios.^^^,    *&H».'i 
Nota   66,9. 
,'•€).  iS.  verf.  8.  Friçs  abraças.  Xi^aõ  velho  eíppfo  da  Afiíor;i 
ide  ■q«e  ja.  çpxitçy  .^  fabula. 

Nota  ó.7pf 
O.  30.  verf.  I  r.Cafta  Diana.  Como  Pifina,era,  Peofa  t^  pu- 
ra ,  digo  que  a  Lua  fe  efcondeò  para  naõ  ver  nem  o  licito  termo. 
dp  amor  conjugai  dos  dous  amantes  ,  e  que  Vénus  chamada  pro-- 
nuba,que,  he-O:  epíteto  que  fe  lhe  d^ya  qu9.ndo  afllília  aptaíamq» 
veyo  animar  a  Lilis,  e  Liíio.  Marino  efe r.eveo  hum  epitaíàmio^ 
em. fraze  mais  diícreta  que, pura  intitulado  :  V£nçre  Pih.fuh. 

Nota,  6,7j[..'r 
O  44.  verf   1.    Qiiadrupedes  medrofos.  Os, coelhos  faõ  os 
que  enlinaraõ  aos  homens  a  fabricar  as  minas  para  ganharas  pra- 
gas por  baixo  da  tejrra  ,  e  por  efta  razaó  lhe  chamayaó  Cunuíílf ,  e 
íe  formava õ  iuftentando  os  aliceces    dos  muros  fobre  eftacas  de 
madeira  ço.m  pès  ,  e  outras  matérias  infamáveis,  e  deixandolhe 
fogo  quando  acabavaõ  de  arder  ,  íe  arruinavaó  os  muios  faltan- 
dolhes  o  fundamento  >   a  piimeira  mina  depois  da  invenção  da 
pólvora  fez  executar  o  graõ  Capitão  Gonçalo  Fernandes  de  Cór- 
dova no  fitio  de  Gaeta  tm  Nápoles,  efe  afiirraa,  que  voando  hiun 
lanço  de  muralha,  deixou  ver  ^os  fitiadores  humi  cortadura, que 
os  defenfores  fabricavaõ,  mas  c^hindo  outra  vez  o  muro  ,  iicara 
inteiro  (obre  os  mtlmos  pontos  donde  tinha  voado.  Iftp  que  pa- 
rece incrível  ,  vimos  fucccdcr  tm  Seipa  com  huma  torre  de  mar-' 
^•nore  ,  que  em  1707.  íe  intentou  voaíTe  ,  e.  ficou  muito  pouco 
.penaents  -^n^e  faltes  eftava. 


Tno- 


124  N  o  1  J  S 

Nota  672. 
O.  $0.  verf.  2.   Do  trópico  do  gelo.  Diz  que  o  Sol  tinha  fa- 
l:iido  havia  pouco  tempo  do  trópico  de  gelo  ,     que  he  o  de  Ca-^ 
pricomio,  em  que  íe  faz  o  íol  fticio  invernal  em  2  i.  de  Dezembro 
com  o  mais  pequeno^dia  do  anno 

'^í;^;*^^^:''.^"' Nota  67?.  i"-^- 

O.  5'3  verf.  2.  Barhaiãs.  Barbara?;  ,  e  galarias  laõ  como  as 
outras  obras  bem  conhecidas  da  fortificação  antiga  ,  e  moderna, 
a  primeira  entre  a  muralha,  eo  foíTo,  e  fegunda  para  paíTar  o  mcf- 
mo  foíío.  Nota   674. 

O.  $^.  verf  5.  Periandro.  Entre  os  fcte  Sábios  de  Grécia  foy 
hum  dos  mais  famofos  Periandro,  que  a  pezar  da  fua  Filoiofia 
jnoral  dominou  Corintho  ,  advertindofe,  que  o  nome  de  tyranno 
naõ  fe  dava  fó  ao  que  era  cruel  ,  ma?  ,  ao  que  ufurpava  aliberda- 
<le  da  pátria.  Segundo  a  opinião  mais  commua  foraô  os  outros 
£q\s  Sábios  Dias  de  Priene  ,  Chflon  de  Lacedemonia  ,  Clèobulo 
^e  Lydia,  Pitacode  Micilene,  Sólon  de Athenas,  eThales  Miíefio- 

Nota   ÍÍ7Í.;, 

O.  59.  verf  5.  Lizandro.  Capitão  Fámbfo. 
Nota   676. 

O.  $<).  verf  6.  Temiftocles.  General  infígne  de  Athenas, 
^onde  foy  defterrado  pela  Ley  do  Oílrâcifmo,.  èpaíTanda-fe  aos 
Perfas ,  fe  matou  com  o  langue  do  touro  ,  que  fe  facrificava  por 
naõ  concorrer  para  a  ruin-a  da  lua  pátria.  Vejaõ-fe  Cornelio  'Nc- 
3>os  ,  e  Plutarco.  Nota  6*77. 

O.  62.  verf  8.  Venenofos  dentes.  Diz  a  fabula  ,  que  Cadmo 
iemeou  dentes  de  Serpentes  ,  de  que  nafceraõ  homens  armados  , 
que  logo  le  combaterão;  e  que  Africa  produza  Serpentes,  hebem 
íabido,  pois  atè  o  adagio  antigo,  que  perguntava  Ouidnovi}    ti- 
nha a  reporta  :  Síinms  ne  in  Africa  ?  porque  íignificava  ,  que  nâ  Li- 
l)ia  fe  produziaó  cada  dia  divcrfas  eípecies  de  animais  venenofos. 
Aíilm  chamou  Gongora  a  huma  Dama  Africana. 
Hija  alfin  de  jus  arenas 
Engeridr adoras  de  Sierpes. 
Nota  678 

O.  64.  verf  8-  Deftes  três  novilunios.  Ja  ponderey ,  que  pO" 
deria  repararfe  o  anacronilmo  ,  ou  erro  de  tempo  no  em  que  os 
Mouros  ufaraõ  nos  eftandartes  as  três  Lu?s  ;  mas  entendo  que  faó 
riais  antigas  eftas  divizas  pelo  muito  que  o  Alcorão  atende  à 
Lua  nova,  fuppondo  os  Mouros,  que  Mahometo  ,  ou  Maforna 

tinh^ 


D  o    T  o  E  M  J.  I2J 

íinhâ  ó^overno  do  mundo  dado  por  Alia,  nome  que  davaó  a 
Deos.  Nota   679. 

O.  6j.  verf.  2.  Qiie  trifoime  te  raoílras.  Das  três  Luas  doei-» 
tandaite  tiiou  a  idolatra  Axa  a  invocação  à  triforme  Cynthia  Jvia 
yirguns  ora  Dianjc ,  lendo  efta  D-^oía  Lua  no  ceo,  Diana  na  caça  ,  e 
Prolerpina  no  abiAtio  ;  e  lembiâ  ourra  vez  a  indigna  fama,  que  E- 
roftrato  perrendeo  por  queimai  o  templo  de  Diana  em  Ephezo  , 
como  algumas  vezes  fe  terá  lido  neftas  noras. 

Nota  680. 
O  85.  verf.  7.  Pean.  Segundo  Homero  ,  como  ja  expliquey, 
era  Pean  Medico,  ou  Cirurgião,  que  curava  as  feridas  dos  Deofes, 
e  Apolo  foy  também  chamado  Pean  ,  e  Deos  da  medicina,  fendo 
a  Cirurgia  mais  antiga  inventada  por  Chiron  ,  que  foy  meftre 
de  muitos  heròes  ,  e  de  Efculapio  filho  de  Apolo  ,  e  inventor  da 
Medicina.  Nota  681. 

O.  90.  verf  8.  Do  Mançanares  ,  do  Piduerga,  e  Tormes.  Ja 
fe  diíTe  algumas  vezes,  que  D.  Pedro  Bemaidode  S.  Fagundo  ,  ou 
de  Sagun  era  rico  homem  ,  e  grande  Senhor  em  terra  de  Campos, 
e  em  Leaõ  ,  e  Caftella  ,  por  onde  correm  o  Mançanares  de  Ma- 
drid, oPiííuerga  de  Valladolid  ,  e  o  Tormes  de  Salamanca. 

Nota682.  .  • 

O.  99.  ver(.  y.Portuno.  He  o  Deos  dos  portos  ,  os  Gregos 
lhe  chamarão  Palemon  ,  e  di^em  que  efte  Deos  fora  primeiro  Me- 
licerta  filho  de  Ino  ,  que  precipitando-fi  no  mar  ,  fugindo  da  fú- 
ria delRey  Arliamante  íeu  marido  ,  foy  convertida  em  Deofa.  Os 
jogos  Poitunos,  e  lílhmicos  fe  lhe  dedicarão. 

Nota  683. 
O.  100.  verf.  8.  He  Paulo  da  Tebayda  Llizitana.  Digo  que 
à  viíla  do  monte  de  nolfa  Senhora  de  Nazareth  fc  derrotou  a 
Armada  dos  Mouros  com  huma  tormenta,  pelas  oraçoens  de  hum 
Anacoreta  a  que  chamo  imitador  de  S.  Paulo  primeiro  Ermitão  da 
Tebaida  do  Egypto,  e  na  Luzitana,  ou  de  Portugal,  houve  de- 
pois a  Religião  dos  Pauliftas  ,  que  da  Serra  de  OíTa  em  Alentejo 
continuaõ  em  dar  virtuofos  exemplos.  Chamey  a  imagem  fimula- 
cro,  porque  achey  naõ  fó  em  Poetas,  mas  em  Autores  muito  gra- 
ves darfe  eíle  nome  às  imagens  verdadeiras  dos  Santos, 'e  naó  fó 
aos  Ídolos  dos  Deofes  falfos. 

Nota   6S4. 
O.  101.  verf.  I.  Na  esfera  Superior.  Do  Ceo  Empíreo  defceo 
S.  Miguel  ao  Ceo  Sydereo ,  ou  das  eítt£iias,que  he  o  fegundo ,  e 

Ycyo 


12(5  NOTA  Sj  a 

veyo  ao  aeieOjque  he  o  terceiro,  e  ultimo  a  executar  as  ordens  Ha 
Rainha  dos  Anjo?  ^  e  digo  que  fez  fugir  os  màos  efpiritos  ,  C[Uí 
muitos  Theologos,  e  Fiioíofos  dizem  ficarão  na  Região  do  ar,  dft 
que  os  antigos  tiverào  algum  conhecimento. 

Nota  685.  - 

O.  loz.  verf  8.  Indigetes.  Os  Indigetes  conhecerão  os  Genf 
cios  por  proteâ:Qres  das  Cidades  ,  que  inviziveis  foccorriaõ  aoç 
que  os  ihvocavaõ,  Virg.  no  primeiro  das  Georg.  falia  nelles.  Dit 
zem  fe  chamaiaó  aííim  ,  porque  non  mdtgehant ,  ou  naó  neceflíta-; 
vaó  de  ninguém.  Daõlhes  outras  ethimologias  ,  os  que  crem  nos 
génios  malignas  chamados  pelos  Efpanhòes  Duendes,  fuppoem 
qiíeeraõèílèsefpiiitQs.íiereosvéiCom  fútil,  eengenhola  extrava- 
gância o  PadreTuenre  la  Penha  no  Ente  Dillucidado  quer  perfaar 
dir  ,   qije  íaõ^animaes  moitaes  ,  e  invifiveis. 

Nota   6^6. 
"O. '  roíí.  verf.  3.  Doris,  Tetis,  e  Anfitrite.  Deofas  maritimas. 
Foy   Doris  .,    ^'^pofsi  áe  Nereo  ,     e  Thecis  filha  de  Nereo,    efpo-: 
ÍA  de  Peleo,  e  May;ide  Aquiles  ;    Anfitrite  Irmãa.de  Tetis  efpofa 
deNeptunQ.*--;^íK-:'.,-     -Nota  687. 

O.  loo.wètrí.fí^í^rtntao.  Baíiaõ  para  faber  a  fabula  •de.Tritaõ 
os  dois  verfos  de  Camoens,  e  o  leu  comento  de  Faria. 
Era  Tritão  Mancebo  negro  ,  e  feyo 
Trcmbetx  de  fcu  Pay  ,  e  (eu  correja. 
-  i' 1  .'■;!  Oí.'íiij.'!ji^  ijífr;  0(i     Nota   68  8.  f(^--^  ^■■■,'--f.  Q'>é.M-iy,^i 

'  •    O.  lo^.-vttí.  r..  E'olo.  He  imitação  de  Virgílio  no  primeiro 
livro  da  Eneada  ,  quando  principia.  ' 

Soltam  venit ,  hic  vaflo  Rex  /Eolus  antro 
Lu cianth  ventos ,  tempeftates  que  fonoras 
império  premit^ac  vinclis  ,  &  cárcere  franat. 
Nos  ventos  que  nomeyodediverfasregioens  fe  incluem  os  ou- 
tros que  dos  quatro  pontos  do  Norte  ,  e  Sul ,  Leíle  ,  c  Oefte  cor- 
rem os  rumos  nas  tempeftades  grandes  ,  e  os  nomes  que  cetn  ho- 
je modernos  dizem  que  lhos  deu  Carlos  Magno,  e  tem  outros  no 
Medi  terraneo.  Nota  689. 

O.  1 1  8-  verf  i.  Triremes,  A's  nàos,  e  Gales  antigas  de  que 
•naõ  he  hoje  muito  conhecida  a  conftrucçaó  ,  le  dava  o  nome  de 
Biremes ,  fe  tinhaó  duas  ordens  de  remos,  edeTriremesfetinhaó 
três,  e  fupponho,  que  tinhaõ  animaes  de  efcultura  nas  popas  para' 
•fazer  que  fe  tranfórmem  em  monílros  marinhos  como  Virgilio 
íez  às  Nàos  de  Eueas  em  Ninfas  maricimas,  c  aqui  pinto  as  Setas 
í,    /  me- 


B  o    T  O  E  M  A        izy 

medrofas,  pedindo  focorro  às  Focas ,  e  Balèas  formidáveis  mool- 
tros  Marinhos.  Nota  6ç)o. 

O.  112.  verf.  8.  Procheo.  Ja  declarcy  ,    que  Proteo  era  paftor 
4o  rebanho  maritimo. 

Nora  (391. 
O.  114.  verf.  8.  Betis.  Naó  ló  chamo  Rcys  do  Betis  ,  aos  de 
Córdova,  e  Sevilha,  mas  ao  de  Granada  ,  com  ellcs  paíTou  efte  rio 
para  incorporar-fe  com  Ali,  como  depois  fizeraõ, 

Nota    6ç)t. 

O.  125.  verf  4.  Dam.  O  Rio  Dam  naõ  muito  caudelofo  dà  o 
nome  à  Villa  de  Santa  Comba  ,  que  o  cera  de  huma  Santa  Portiv- 
gueza  ,   e   entra  no  Mondego. 

Nota  69?. 

O.  1 14.  verf.  8.  Argonautas.  O  nome  de  Heròes  fe  deu  a  to- 
dos os  Argonautas  ,  que  embarcarão  na  nao  Argos  com  Jazon, 
porque  fegundo  a  minha  opinião  combatida  pela  eloquência  do 
Marquez  de  Valença  na  Academia  Real  naõ  podiaõ  fer  Heròes 
em  lentido  próprio ,  fenaõ  por  expcdiçoens  militares  ,  como  o  foy 
a  Argonautica  combatendo  eftes  heròes  móllros,  e  elementos :  ve- 
jaõ-íe  os  feus  nomes  na  Mythologia  de  Natal  Comité,  e  nos  frag- 
mentos atribuidos  a  Orféo,  em  Dionizio  Milezio,  e  nos  dous  Poe- 
mas Grego,  e  Latino  de  Apolonio  Rhodio,  e  Valério  Flacco,  de  que 
fiz   juizo  nos  preliminares. 

Nota   694. 

O.  ií6.  vérf.  8.  Pierio.  Eíla  paufa  no  fim  do  canto  aílim  na 
Poeíia,  como  na  Mufica,  he  armoniofa  ,  e  fazendo  a  pena  da  A- 
ve  Fénix,  efpero  que  no  ultimo  Canto  poífa  renacec  ao  fogo  o  de 
Apolo ,  e  do  Pierio ,  monte  de  Beócia  em  Grécia  viíinho  ao  mon- 
te Parnazo  que  lhe  tomou  o  nome  ,  e  as  Mafas  o  de  Pierides  de- 
pois que  vencerão  a  eftas  defalojando-as  do  feu  monte.  Fierius 
menti  calor  inctdtt ,   diz  Stacio. 

CANTO    XII. 

Nota  6<)^. 
O.  I.  verf.  8.  Eftro,  vaticínio,  e  cntuíiafmo.  Invocar  a  Mu  ia 
no  corpo  do  Poema  cem  muitos   exemplos,  que  allega  Faria  no 
Comento  da  oitava  de  Camões  que  principia  como  Canto  3. 
Agora  tu  Caliopè  me  enfina  , 
O  qm  contou  ao  Key  o  lllujire  Gavia , 

e  baf-" 


128  N  o  T  J  S 

e  bailava  o  grande  Camões  para  exemplo.  O  Eftro,  qu«  he  o  ítt fe- 
do, ou  mofca,  que  pica  os  Poetas ,  e  lhes  dá  o  furor,  e  o  vadciniò, 
que  os  faz  profetizar ,  e  o  cntufia/mo  ,  que  os  eleva  febre  o  com- 
nium  com  huma  quaíi  divina  loucura  de  que  diz  o  Liiico  :  Eicc/«- 
dit  fanos  Helicone  poetas ;  eftà  raõ  difcorrido  nos  Meftres  da  Arte 
como  mal  apjplicado  pelos  inimigos  da  poeíia, 
cuxíslal i>í>;^^.:f •?)  hvt..'^-j  ..  :  ,  .Mota  6<)6. 

O.  i.  verC  I.  Touro  luminofo.  Ja  corre  o  tempo  da  acçaõ  atè 
20.  de  Abril  dia  cm  que  entra  o  Sol  no  Signode  Taiiro  ,   queheo 
Touro,  em  que  Júpiter  fe  converteo  para  roubar  Europa  que  deo 
o  nome  á  mais  pequena,  e  mais  illuftre  das  quatro  partes  do  mun- 
do, e  comcfta  alluzaõ  a  faço  também  às  armas  do  Touro,  que  íaÔ 
«m  meya  Lua,  infignias  dos  infiéis  ;  o  inimitável  Gongora,  e  Pin- 
daro  Efpanhol,  principia  aííim  as  fuás  cultas  5oledadc5- 
'EradelaneLieflacionfioricLí, 
en  que  el  mentido  robador  de  Europa , 
media  tuna  las  armas  de  fu  frente  ,  '       ' 

Naõ  poíTo.  deixar  na  pernVilTaõ  ,   què  tem  as  notas ,  de  contar 
que  ouvi  muito  íériamisnfe  em  humâ  Academia  explicar  eftes  ver- 
fos  pelo  g\aòTiírco,  qiiecra  mentido  roubadòrde  Europa,  e  tí-'? 
nha  meya  lua  por  armas  :  naõ  occorreo  erta  inirepretaçaó  a  Pell- 
cer  ,  nem  a  "Coroneí. 

Nota    697. 
O.  3.  verf.  6.  Patroclo.  De  Patroclo  amigo  de  Aquiles  tratou 
Homero.    De  Scipiaó,  e  Lélio  efcreve  com  outros  Cice'ro  toman- 
do o  titulo  de  Lélio  no  leu  admirável   tratado  de  Anítátia  ,  a  què 
feguio  em  outro  livro  do  meímo  titulo   elegantemente  o  Portu- 
-guez  Macedo  com  elogios  em  profa  ,  e  verfo  dos  poucos  amigos, 
verdadeiros,    que  houve    no  mundo  ,  e   que  ainda  hoje  faõ  mais  ; 
raros.   De  Eneas,  c  Achates  fe  lea  Virgilio  .  de  Hercules,  e  Tc- , 
zéb  fe  veja  Plutarco.  Nota  69 8.  ..^ 

O.  6.  verf,  5.  D.  AniaÕ  de  Ertrada.  Fazem  os  Genealógicos  a 
D.  Aniaõ  deEftrada,   tronco  dos  Goes.j  que  pela  Caía  de  Sorte- 
lha pertence  hoje  ao  Conde  de  Viila  nova  ,  ç   da  qual  terra  com  . 
outra^  lhe  fez  doação  o  Conde  D.  Henrique,  e  a  Rainha  D.  The-  , 
reza  eni  mo.  Nota   6^ç).  j, 

O.  6.  verf  7.  Garcia  Rodrigues.  Ja  hz  nienç?.õ  de  D-  Garcia  í, 
Rodrigues,  tronco  dos  Courinhos,  e  Senhor  do  Couto  de  Leo«,,> 
mil ,  que  entaõ  fe  ch«mavaõ  Couteiros ,  de  donde  lhe  veyo  o  ape- 

lidr^ 

Nota 


DO    P  O  E  M  J.  U5», 

Nota  700.  '^ 

O.  8.  verf.  I.  D.  Egas  Gomes.    D.  Egas  Gomes  fe  acha  afíg4  í> 
nado  em  muitos  privilegies, efoy  o  primeiro  que  tomou  aosMou- 
ros  a  rerta  de  Souza  em  entre  Douro,  e  Minho,  achou-íeem  mui- 
tas  batalhas  com  o  Conde  D.Henrique,  e  ElRey  feu  hlho. 

Nota  701. 

O.  8.  verl.  j,D.  Gonçalo  Traftamires.  Chamou-fedaMaya  pot 

fer  Senhor  defta  terra  entre  o  Douro,  e  Ave,  era  filho  de  Trafta- 

miro  Alboazar,  e  alcançou  ò  tempo  dos  Reys  D.  Aífonlo  V.  e  VI. 

de  Leaõ  ,  e  do  Conde  D.  Hentique.  ^ 

Nota  702.  '^. 

O.  8.  I-  verf,  5.  Maya  o  lidador.  D.  Mendo  Soares  da  May» 
rico  homem  foy  chamado  o  lidador  pelas  muitas  baralhas,  e  com- 
bates ,  que  venceo,  que  entaõ  íe  chamavaõ  Lides»  e  ainda  em  Cas- 
telhano fe  diz  Lid  pela  contenda  ,  e  o  termo  vulgar  de  lida  ,  c 
lidar  por  trabalhar ,  he  uíado  em  Portuguez.  Era  D.  Mendo  filho 
de  D.  Soeiro  Mendes  da  Maya,  e  Irmão  de  D.  Maria  Soares  da 
Maya  cafada  com  D.  Pedro  Bernardo  de  S.  Fagundo. 

Nota    705.  >jq  ãf^lf 

O.  ij.  verC  I.  Córdova,  c  Toledo.  Vay  o  Conde  D.  Hen ti- 
que recopilando  os  benefícios  que  deve  a  N.  Senhora  ,  e  fe  lem- 
bra agradecido  das  viâorias  que  alcançou  dos  Mouros  de  Córdo- 
va,  e  Toledo ,  quando  ícrvia  a  ElRey  D.  AíFonfo  VI.  de  Leaó  ,  an- 
te de  eftabelecer-fe  em  Portugal. 

Nota  704. 
O.  2 5.  verf.  I.  Sem  legiaó.  As  legioens  (como  diíle)  íènurae- 
tavaõ  no  Império  Romano  ,  e  fe  dividiaó  cm  cohortes. 

Nota.  705. 
'  O.  15.  verf  8.  Talifman.  O  nome  de  Taliíman  fe  deo  na  iin- 
gôa  hebraica  a  certas  figuras,  que  fegravavaõ  em  pedras,  ou  rae-j 
taes,  que  criaõ  ,  que  por  influencia  de  algum  Planeta  ,  ou  Signo 
dava  bens,  c  pcrfervava  de  males  ,  e  muitas  vtíes  íè  efculpia  a 
mefma  figura  celefte  no  Taliíman,  e  por  ilfo  digo  que  era  a  Lua  , 
a  que  a  lupeiftiçaõ  fazia  agora  entre  os  infiéis  mais  poderofa.  Ja- 
cobo  Gafarei  em  hum  livro  antigo  Francez  intitulado  Cursofitès 
Finovies  defende,  que  naó  ha  fuperftiçaô  nos  Talifmans  como 
mefmo  fundamento  com  que  intenta  provar  ,  que  o  ceo  he  hum 
livro  em  que  pôde  aprender-fe  a  ler  pelas  tftrellas  os  fuctflcs  fu- 
turos, porque  cilas  fe  naó  dividem  nas  figuras  com  qu^:  áS  debu- 
xdu  a  Aftrologia,  mas  <jue  todas  formaõ  os  cara-5teres  ,  e  letr;«s  he- 

q  braicas 


Tb^:  >    ^  O  TAS".  .  fe. 

bçaicas ,  que  podem  facilmente  ler.fe ,  e  dedfrarfe.' 

y-n':-    /  ■  "  Nota.  706. 

O..  29.vern  3.  Mufulmanes.  Mufulmaoes  na  lingoa  Arabigt 
íígnifica  ííeis,eos  Mouros,queo  naó  íaô  ,  com  barbara  impiedade 
cham£4Õ  idolatras  aos  Chriftãos,  porque  adoraõ  a  Trindade,  e  ve- 
neraõ  as  imagens;  e  figo  o  caraòler  defte  Rey infiel  como  he  pró- 
prio ,  e  precifo  fazer  aos  Poetas. 

Nota  707. 
O.  54.  verí.  7,  Eftes  que  a  figura  da  reticencia  Apofiopeíís  com 
o  exemplo  de  Virgílio ,  e  de  outros  interrompe  o  fentido  com  pro- 
priedade ,  ainda  que  Neptuno  no  primeiro  da  Eneida  hc  quem  fe- 
jnterròmpe  a  íi  raefmo  ameaçando  os  ventos. 

Quos  ego-j  fed  motos  praflat  contpoaere  fluãus. 

Nota  70 §.   sjâo^l  líiiifi  I 

O.  (ji.verf.  8.  Codro  Rey  de  Athenas.  Líicidoro  generofa 
mente  fe  efquece  da  ufurpaçaõ  de  Aly,  e  lhe  lembra  o  exemplo  de 
Godro  Rey  de  Athenas ,  que  fe  disfarçou  era  Paftor  para  dar  a 
vida  pela  pátria,  por  ter  dito b  oráculo,  que  venceria  aquella  na- 
ção a  quem  na  batalha  fe  niataíTe  o  Rey,  e  aífim  fuccedeo. 
•  g.3iijsancrós  ^íiisaciífi  Nota  709. 
O.  72.  vérí!  8.  Os  oráculos.  Faça-íè  memoria  de  que  no  ter- 
ceiro canto  promeieo  Palas  a  Axa  que  no  dia  do  feu  tnayor  triun- 
fo havia  de  íer  fervida  no  templo  dos  Chriftãos  por  Henrique,  e 
Terefa,  o  que  Axa  entaõ  naó  entendeo,  e  fe  verificou  no  feu  ba  u- 
tifmo,  e  delRey  de  Lamego  íeu  eípoío.  Qiie  os  oráculos  foíTem 
todos  artificios  dos  Sacerdotes  defendeo  eruditamente  Van  Dale; 
e  refumio  difcretamente  Mr.  de  Fontenele,  erudito  Secretario  da: 
Academia  Real  das  Sciencias,  mas  eftia  opinião  abfolutamentenaó 
he  fácil  de  defender-fe  contra  o  commum  dos  Santos  Padres,  que 
J4:ílgaraõ  qye  9^  demónios  muitas  vezes  failavaó  nos  oráculos  ,  2 
que  Chrifto  fez  ceifar. 

Nota  710. 
O.ySf  verf  6.  Onome  do  Pamazo.  Para  dizer  que  fedefmayôa'* 
o,$ol ,  lhe  (H^íimo  nume  do  Pamazo  por  fer  Apollo  o  que preíide 
às    Mufas  n-aqúielle  monte. 

N.ota  711. 
íííi''  O.  79*  VieíC'i .  Heròe.  Efta  hiftoria,  que  defenlaça  todo  o  en* 
r^do  do  Poenw  CQncinpando  a  de  MuLey  ,  e  Aldàia  que  em  variai 
parres  d.a  H^nriqueid^  íe  vay  referindo  ,  he  contada  por  Tancre^ 
do,  q,ue  119  Çaiíí»  iiíi  íç  diffç..  fora  cativo  por  hum  pirata  MourQ.*:: 
•£;í v.Ki, . .      "  '  '"-' ~  quando 


D  o   P  o  E  M  J.  131 

quando  depois  da  morte  de  Matilde  fahio  de  Bayoiia  de  França 
intentando  levar  eftes  dois  filhos  do  Conde  D.  Henrique  para 
Bayona  de  Galiza  governando  aquelle  Reyno  o  Conde  D.  Ramort 
primo  do  Conde  D.  Henrique. 

,  Nota7rí.  '"'! .  -'  ')''' 

O.  í)i.  verl.  2.  Jío,  ou  Izis.  Para  dizer  que  còMôrtifrtfâ^ílVc*"* 
zes  fe  coftuma  traziaó  os  Mouros  nó  navio  huma  vaCâ  que  lhe  da- 
va leite,  lhe  chamo  Jo,  que  féconverteo  em  vaca  pelo  ciúme  que 
Juno  teve  de  Jiipiter,  que  amava  èfta  Ninfi  filha  dc^Riõ  Inaco  ,  e 
que  depois  foy  aiíorada  em  Egipto  cóm  o  nome  de  Izis,  e  guarda- 
da por  Argos  que  rinha  cem  olhos  a  quem  Mercario  com  0  to-que 
da  Flauta,  c  do  Caduceo  adormeceo  primeiro  ,  e  matou  depais  , 
converrendo-fe  em  Pavaõ  de  que  os  matizes  parecem  oltios  ,  c  dcf. 
ta  fabula  diíTe  hum  Poeta  Portuguez. 

Jo  foy  'VACd  ,  Júpiter  foj  touro. 
Nota-  71 5VíT^í<^»>'- 
O.   91.  vcrf.  5.  Capella.  Em  latim  capella  he  diminutivo  de 
capra  pela  que  deo  de  mamar  a  Júpiter ,  e  he  huma  eftrella  da  pri- 
meira grandeza ,  que  íê  tem  por  chuvofa  como  os  Hedos  ,  ou  ca- 
britos ,   que  tem   a  meíma  origem    nas  fabulas  aftronomicas. 
•-^^*'   '   '  -  Nota  714. 

O.  91.  verf.  6.  Cornucopia.  Eftas  queftoens  podem  cha- 
mar-fe  de  lana  Caprina^  todas  tocaõ  com  a  cornucopia  de  Amaltèa 
as  fabulas  referidas.  Nota  715. 

O  91.  verf  8.  Bootes.  Eftenome  le  dá  ao  guarda  dasconrtela- 
çoens  das  Uríras,que  foy  filho  dejupiter,c  Calixto,e  chama- íeafíim, 
porque  o  feu  çurfohetaÕ,vagarofocomooboy,C/í:  i/í»  i.denat.Deor, 

Nota.  75  6. 
O.   105.  verf.  5.  Tarudante,  He  Tarudante  Reyno  de  Africa, 
a  que  Camoens  faz  de-trez  fylabas,   dos  muros  de  Marrocos  ,   e 
Trudante,  deu-lhe  o  nome  a  Cidade  de  Teurant  no  Reyno  de  Sus, 
fu-geito    ao  de   Marrocos. 

Nota  717. 
O.  115.  verf.  5.  Leovegildo.  Ao  Ermitão  que  ElRey  D,  Affbn- 
Co  Henriques  diz  no  feu  juramento  o  auilou  junto  a  Caftro  Verde 
no  Campo  de  Ourique  de  que  Chrifto  queria  apareccr-lhe,  chama' 
Fr.  Bernardo  de  Brio  Leovigildo  Pires  de  Almeida  ,  e  vay  na  fua 
^  efta  noticia,  que  me  bailou  para  o  f32er  pay  de  Pelayo  Amado  , 
que  fe  conta  por  tronco  defta  illuftre  frmilia  ,  e  aqtii  me  fervio^ 
para  verihçac  o  fim  da  hiftoria  de  Muley  ,   e  Aldàta. 

-  q  U  Nota 


132  N  o  T  J  S 

Nota  718. 

O.   1 2 1.  verf.  7.  Í^Jeòphitos.  Aos  novamente  convertidos  cha- 
ma a  Igreja  Neophitos.  Veja-fe  a  nota  5*4. 

Nota  719. 
0. 1 21.  verf.  5.  Tobias.  Pôde  ler-fe,  como  a  lua  conftancia,  e 
virtude  fez  felice  o  feu  cafamento  com  Sara  filha  de  Raguel ,  a- 
fugentando  o  mào  eípírito  Afraodeo  ,  que  matou  no  tálamo  os 
primeiros  fete  maridos  defta  mulher  virtuofa  ,,  animando  a  Tobias 
ainfpiraçaõ  do  An^o  Saó  Rafael. 

Nota  720. 
O.  122.  verf,  (.  Jordaõ.  Para  figura  do  bautifmo  íe  lembra  o 
rio  Jordaõ  ,    que  os  Hebreos  paíTaraô  a  pè  enxuto  ,  baucizando 
depois  S.  Joaõ  Bautifta  a  Chiifto-junto  a  efte  rio  da  Paleílina. 

Nota  721.  iii"i,iÊ<|.  ;Síijs  ,6  5iul    .  , 

O.  129.  verf  5.  As  vidorias  de  Henrique.  Imito  a  Virgílio 
que  nas  copis  da  baixella  de  Dido  defcrevc  a  Eneas  muitas  ac- 
çoens  heróicas ,  e  eu  as  fupponho  nos  adornos  das  mefas  ,  que 
antigamente  fe  chamavaõ  triunfos,  e  em  algumas  partes  íè  uíãó 
ainda  hoje  em  occaílões  publicas  dos  Palácios,  ,  ..  .\  -,Jí 

'~\'''V\'^'''-''-^.'^''r'^  !*■''    Nota    722.         .  -:'^>   ,■ 
O.  ijr.  verf.  8.  A  milhares.  O  numero  de  mil  quêindefinito 
temprivilegio  de  exprimir-íe  entre  os  poetas,  eatè  era  Autores  mais 
fagrados  para  íignifi.car  multidão  ,  medco  a  confiança  para  repetil-, 
lo  em  todos  os  verfos  defta  oitava  para  darhuma  ideada  grande- 
zaj  ícm  temer  que  pareça  jogo  de  vocábulo,  a  que  condena  Luper- 
ci©  dizendo    como  já  ponderey  em   outra  nota, 
QHejugttr  de  vocabla  es  trtjle  feta. 
Nora  725. 
O.    152.  verf.  ?.  Agamenon.  He  bem  conhecido  efte  heròe  em 
Homero,  por  fer  General  das  tropas  de  Grécia,  e  o  leu  Epitalamia 
com  aRainhaClitemncftra,  qnecantaraó  os  Poetas,dizem  íeachoa 
ha  poucos  annos  em  hiima  lamina  de  bronze    Orcheftra  he  o  lu- 
gar do  teatro  onde  eftavaõ  os  Muíicos,  e  infttumentos. 

Nota      71  §.  KU„;?i.!_^'  ;::i.ií.,Jaj.i    tOíff    ; 

o.  135.  verT  7.  Chorèas.  Era  o  nome  que  áavaÕLbrí^iit^o» 
às  danças  das  Ninfas  :  Virg.i£neid.  lib   6.  v.  644.        ■   :^-- 

Pars  peàtbus  pUadant  chorcAS,  &  carmina  dlcnnt. 
parece  que  efta  dança  he  a  que  fe  acom^ariha  cofid  aMuílca,  e  a 
íua^  eihimologia  vem  de  chorus;      '^-  ivi-í^.M^s^  ^sup  ?5iíi  ,1 

Notíi' 


DO    T  O  E  M  A.  1^5 

Nota  725. 
ir:0.  15  ç.  verf.  i.  Dos  dons  Talamos.  Neftes  dous  leitos  nup- 
ciaes  digo  eftavaó  bordados  os  cpitalamios  mais  celebres,  como  fo- 
raõ  o  de  Júpiter  ,  e  Juno,  que  eraó  os  principais  Deo(es,e  irmã- 
os j  o  de  Cupido,  e  Píiques  ,  a  quem  depois  da  íua infelicidade  fa- 
zem alguns  Mythologicos  efpofa  do  Amor, porque  Pfiques  em  Gre- 
go fignihca  a  alma  ;  o  de  Anfitrião,  e  Alcmena  ,  da  qual  nafceo 
Hercules  tomando  Júpiter  a  forma  de  Anfitrião,  como  fc  ve  na 
admirável  comedia  del^lauto  bem  imitada  por  Molieri ,  e  por  Ca- 
nioens  ;  o  de  Heitor  filho  de  Priamo  com  a  bella  Androroaque 
famola  em  Homero  ,  e  nos  poetas  trágicos  Gregos  ,  e  naó  menos 
em  Racine  Francez  ;  o  de  Peleo ,  e  Tetis ,  que  com  puriílímo  eftylo 
eíçreveo  CatuUo  a  quem  chamo  Cilne  de  Verona,  por  fer  como 
já  difle  a  íua  pátria. 

■^  -  ;    '■■'■'■'.  Nota  7%^--^%.  -?   ^■ 

-^  O.  15o.  verf  I.  Cinco  Amores.  Nos  epitalamios  naõ  fó  fe  en- 
troduzia  o  Amor,  mas  muitos  Amores,  eaíTim  o  diz  Claudiano 
no  Epiralamio  de  Honório,  e  Maria,  fazendo  o  primeiro  filho 
de  Vénus  ,   e  os  outros  das  Ninfas. 

.  .  Hqí  NimpbA  f4riímt ,  illum  Vénus  áurea  folum. 
Marino  diz*  úm  sbjí-i^-ftMJ:-  O  •.^'•««dtírír  Â  t  \'iiv  ".?  si   ,0 

i  Capitan  frà  gl^  altri  AmorUmore, 
Gongora , 

Corona  lafcivo  enxamhre 
De  cupidillos  menores  : 
E  eu  reduzo  eftes  Amores  a  cinco  para  reprefentar  os  fenti- 
dos  ,  e  fugi  neftes  epitalamios  da  maliciofa  licença,  com  que  An- 
zonio  fendo  Poeta  Chriftáo  tirou  cenroens  impuros  de  hum  Poeta 
Gentio  ,  mas  nmito  puro,  como  foy  Virgílio,  de  quem  diz  Santo 
Agoftinho  Virgíliumptteri  legam ,  e  a  mefma  licen<5a  tomarão  mui- 
tos Poetas  nos  ícus  epitalamios. 
■^i  Q  f-  Nota  727.. 

O.  158  verf  O  Amante  de  Climene.  Bem  fe  íabe  que  he  A- 
polo,  que  de  Climene  tev£  a  Faetonte,  e  que  a  eíle  Deos  venceo 
fempre  Cupido  ,  porque  o  Sol  ,  e  o  Amor  faõ  as  fontes  do  calor 
de  que  o  mundo  fe  anima.      -a-í-ííí 

Nota  728. 
O.    147.  verf  5.  De  buma  fanta  railicia  revertido.  A  hiftoria 
diz,  que  efte  D.  Pedro  AfFonío  foy  o  primeiro    Meftre  de  Ayiz , 
Ordem  raais  antiga  entre  as  Militares  de  Portugal,  e  que  depois 


134  N  O  r  J  s 

foy  Religioío  de  S.  Bernardo,  e  morreo  lantamente  em  Alcobaça. 
A  Ordem  de  Aviz  inftituhio  ElRey  D.  Affonfo Henriques,  ecomo 
efte  Rey  teve  outro  filho  do  mefmoxionie,  feequivocaóas  acçoens 
de  hum,  e  outro  D.  Pedro  Affoníb,  como  já  adverti ,  e  me  pa- 
receo  que  o  dizer  fahira  de  Portugal  nefta  occaziaô  a  bufcar  a 
guerra  da  terra  Santa,  como  D.  Pedro  dizem  que  fez,  era  huna 
modo  decoroío  de  o  naõ  deixar  com  Aldàra  para  confervar  o  íeu 
Caraóter  com  efta  ultima  ,  e  generofa  reíbluçaó,- dando  com  cila 
acção  quafi  trágica  hum  novo  exercício  aos  quelerem  o  Poema  de 
que  o  fim  com  efta  oppofiçaõ  de  tragedia,  e  felicidade  ,  naõ  fica 
menos  próprio  das  regras  épicas ,  pois  aífim  he  a  morte  de  Hei- 
tor ,  e  de  Patroclo  ,  em  Homero ,  e  a  de  Camila,  e  Turno  em 
Virgílio.  Nora  zz<). 

O.  151.  verf.  De  Guimaraens  nas  Cortes.  Vcja-fe  a  Fr.  An- 
tónio Brandão  na  5.  parte  da  Monarchia  Luzitana  a  noticia  que 
pQde  alcançar  deftas  primeiras  Cortes  de  Portugal ,  em  que  fe  ef- 
íAbdeçeraõ  Leys  muito  úteis  antes  que  as  de  Lamego. 

,,  Nota  7JO. 

,,é,j  «Q^íAJ^^exí.^  f.  Medoro.  Da  fermoía  Angélica  amada  de  Or- 
lando ,  e  amante  do  galhardo  Medoro  tratou  larga,  edilcretamen- 
te  Ariofto  no  íeu  Orlando  furiofo  ,  e  com  brevidade  naõ  menos 
conceituofa  o  lublime  Gongora  no  Romance  que  principia. 
En  un  Pajloral  alvcrgue  , 
Que  la  guerra   entre  mAs.  robles 
Le  dexo  per  efcondido  . 
O'  /í-  perdono  por  pobro> 
Nota   731. 
O.  175.  verf.  5.  O  cabello  crinito.  Os  cometas  que  faõ  huns 
a&xos  peiegrinos  íe  dividem  em  crinitos  ,  porque  a  luz  faz  que 
pareça  que  tem  cabelios,  que  ifto  fignifica  crinito,  e  por  iílo  o 
applico  ao  cabello  da  Infernal  figura  de  Mafoma  ;   em  Barbatos, 
porque  parece  ,  que  a  meíma  luz  fica  como  barba  creícida  na  cf- 
treil%  ,   e  por  efte  motiva  os  applico  ao  rofto  de  Mafoma  ;  e  em 
cêuci^ços  porque  parece  tem  huraa  cauda,  que  atribuo  á  veílid-u-i 
r^  dftfta.  horrenda  viz^ó. 

Nota  7?2. 

O.  178.  verf  8.  Aquiles  de  Heótoc,  de  Turno  Eneas  Nas  au- 

ri^ras  Sit^.s  do  T^)0.  voit  díípoiído.o,  fii-ni  da>  acçiõ,  em  hum  com- 

baqe  finguUii  do  H«eò.e  com  o  feu  puincÉpalGOiaDrai^fO^  eomo'  H%>- 

i^ftva.defcr^v^  Qi  4e  Aqiiiif  &  lUMaàdo.  a  H^iwr ,  ^-Virgilio,-  o^dè' 

:  !i  Eneas 


DO    V  O  E  M  J.  13  f 

Eaeas  tirando  a  vida  a  Turno. 
oino:>:  Nota  735. 

O.  179.  verf.  5,  De  ferro.  A  porca  do  ferro  em  Lisboa  tinha 
já  efte  nome  quando  a  ganhou  aos  Mouros  ElRey  Dom  AíTonfo 
Henriques ,  e  o  conlervou  arò  os  últimos  feculos. 

Nota  754.  * 

O.  I  87  vetí.  I.  Valle  ameno.  Ao  norte  de  Lisboa  eftà  firuado 
o  valle  da  Anunciada  entre  os  montes  de  S.  Roque,  e  Santa  An- 
na  ,  e  he  hum  dos  mais-  apraziveis  fitics  de  Lisboa  ,  cheyo  de  Pa- 
lácios, e  Jardins  ,  onde  de  algum  modo  me  lembro  do  do5  Con- 
des da  Ericeira,  da  fonte  de  Neptuno,  obra  admirável  do  infigne 
Elcukor  o  Cavalleiío  Joaõ  Bautifta  Bernini ,  o  primeiro  entre  os 
modernos  ,  e  que  em  Roma  compets  com  os  antigos. 
':-*•    --  i-  -  Nota    735. 

"' '  O^PÍ^o.í  verf   5.  Oftracifmo.  Ja  tratey  deíla  ley  antiga  Gre-'^ 
cia  em  Athenas ,  e  Laccdemonia,  onde  quem  fe  diftinguia  muito  ' 
dos  mais  Cidadãos  no  merecimento;  pelo  receyo,  de  que  podeflTei 
tiranizar  a  patiia,  padecia  ainda  que  com  honra,  o  defterro  de  dez 
annos,  e  le  chamavaOftraciímo,  porque  íe  votava  com  cafcas  de 
Oftras  brancas  ,  e  negras.  Em  Sicilia  chamavaó  a  efta  ley  Petalif- 
rao  porque  votavaõ  com  folhas  verdes  ,  e  íecas  de  Oliveira,  que* 
ena  Grego  tem  o  nome  de  Petalos. 

Nota7j(í. 
O.  195.  verí.  5.  Cintra.  Que  Cinera  íeguio  o  deftino  de  Lisboa 
rendendo-fe  ao  Conde  D.  Henrique  ,  diz  Brandão  no  lugar  mui- 
tas vezes  citado.    He  Cintra  humá  Villa  diftance  de  Lisboa  cinco 
legoas  ao  Norte  celebre  pela  magnificência  do  feu  Palácio,  fun- 
dação deiRey  D.  Aífonfo  o  V,  e  que  ElRey  D  Joaõ  o  V.  reftaurou 
da  ruina  :  pela  afpereza  ,  e  ao  meímo  tempo   amenidade  da  lua 
lerra  ,  e  mais  que  tudo  pelos  feus  Santos  Conventos  da  Pena,  c 
dos  Capuchos,  Tudo  defcreveo  em  hum  Poema  Latino  a  admiFa*; 
vel  Luzia  Sigéa,  que  cultivou  a  Academia  da  em  tudo  inconapa*!' 
rôvel  Infanta  D  Maria.  A  Ericeira  pouco  diftante  de  Cintra,  e  fctjB 
bre  o  mar  bem  [conhecida  pela  fuapefcaria,  deo-lhe  o  nome,  eac-o 
mas  hum  marifco  chamado   pelos  antigos  Eiriç  ,  hoje  Ouriço  ■;•. 
he  antigo  titulo ,  e  perpetuo  Senhorio  dos  Condes  da  Ericeira  j 
da  família  dos  Menezes. 

Nota  737. 
O.  197  verf.   8-  E  o  diadema  as  fe  idas  cure,  e  ate.  Conta-fél 
^e  Ak^andiie  atou  com  o  Diadema  as  f<?iidas  5Í&  Liúmaco  de  que 


136 


NOTAS 

ihe  profetifaraÕ,  que  havia  de  Ter  Rey  de  Macedónia,  o  que  Ce  ve- 
rificou na  repariiç  .0  que  íe  fez  depois  da  morce  do  grande  Ale- 
xandre. Nora.  758. 

O.  201,  verí.  2.  Centumaiio.  He  hum  nome  que  fe  dâ  ao  Gi- 
gante Briarèo  ,  que  diziaõ  tinha  cem  braços  ,  c  foy  hum  dos  que 
fia  guerra  dos  Titaens  contra  os  Deoíês  punha  montes  íobrc  mon- 
tes ,  e  cnirc  elles  os  dois  da  Grécia  Pelion  ,  e  OíFa,  de  que  diz  o 
Poeta.  iniponere  Pelion  OJ[a. 

Nota  756. 
O.  2o<j.  verf  8-  Do  venenoío  peixe  os  pefcadores.  He  certo  que 
o  peixe  chamado  pelos  Latinos  Torpedo,  e  pelos  Portuguezes 
Tremelga,  faz  entorpecer  o  braço,  mas  naõ  querem  os  modernos, 
que  illo  íeja  por  virtude  occulta  ,  pois  tem  expemnentado  que  as 
muitas  fibras  de  que  fe  compõem  ,  com  hum  movimento  convul- 
íivo  le  apertão  de  repente  quando  os  fere  o  anzol  ,  ou  qualquer 
outro  inftrumento  ,  e  fente  o  braço  de  repente  o  mefmo  aperto 
que  o  peixe  faz  no  ferro ,  e  que  agita  com  violência  o  mefmo  bra- 
ço pelo  cordel ,  em   que  o  anrol  eftà  prefo. 

Nota.  740. 
O.  2,08.  verf.  8-  Os  Efcudos,  e  os  Alfanges.  A  repetição  de 
Efcudos  ,  e  Alfanges  em  diverfos  ufos  naõ  desfigura  eíla  Outava 
como  ja  ponderey  em  outras  em  que  o  mefmo  nome  também  fe 
repete  que  Falangues  era  hum  batalhão  Macedonico,  e  que  os  Lou- 
reyros  fe  fuppunhaó  livres  dos  rayos  he  muyto  fabido  ,  e  fe  acha 
íieílas  noras  algumas  veze^  explicado. 

Nota  741. 
O.  2i2.  verf.  I.  Apolinea  rama.  Depois  da  transformação  de 
Dafne   foy  o  Loureyro  chamado  Apolineo,  porque  o  conlagraraõ 
a  Apolo.  Nota  742. 

O.  zi  5.  verf  8.  Mas  àtct  a  efcurecer  o  negro  abifmo.  Aca- 
bey  o  Poema,  imitando  a  Virgilio  ,  que  diz  de  Eneas  ,  matando  a 
Turno,  Vitaque  cum  gemttu  fugit  indignata  fub  umbras  y  vetfo  que  fe 
acha  repetido  no  meímo  Poeta,  a  que  imitou  Arioíto  ,  e  outros 
que  conhecerão  o  Poema  heróico  havia  de  acabar  com  a  mor- 
te do  Emulo  do  Heròe,  deixando  fuppor  fe  o  fim  da  acçaõ  fem  in- 
dividuala,  como  fe  faz  nas  obras  Dramáticas  dos  teatros,  delica- 
deza que  na5  entenderão  muitos  antigos,  e  modernos  ;  e  que  deo 
confiança  a  Mafeo  Vegio  para  entender  ,  que  Virgilio  deixara  c 
feu  Poema  poílumo  imperfeito,  parecendo-lhe,  que  havia  de  con 
tinuar  o  Poema  depois  da  morte  de  Turno,  como  eftabelecimentc» 

de 


DO    P  O  E  M  J.         137 

de  Eneas  no  Reyno  de  Itália,  ecafamento  de  Lavinia,  círcunftan- 
cias  que  largamente  ponderey  nas  advertências  preliminares  que 
fervem  muito  para  entender  a  Henriqueida ,  e  as  fuás  notas ,  que 
he  ja  tempo  de  concluir. 

O  Epirodio  da  Torre  de  Hercules  em  que  D.  Pedro  Bernardo 
vio  debuxada  a  fua  afcendencia  ,  e  defcendencia  na  varonia  do$ 
Menezes ,  e  que  fe  mudou  no  canto  decimo  pelas  razoens  que  le 
daõ  na  nota  63  ?.  à  outava  78.  do  mefmo  Canto  ,  introduzindo 
em  Teu  lugar ,  outro  epifodio  dos  princípios  de  Portugal ,  e  con- 
lervando-íe  eftas  outavas  pelos  motivos  que  íè  podem  ver  naquel- 
la  nota  ,  e  com  o  exemplo  ,  ainda  que  taó  deíigual  pelo  excedo, 
que  me  faz  Luiz  de  Camoens  cm  tudoincòparavel  ,deconfervar 
Manoel  de  faria,  e  Souza  no  feu  erudito  comento  as  outavas  que 
o  Poeta  tirou  dos  feus  primeiros  manulcriptos. 


FIM  DAS  NOTAS. 


§ 


OITA- 


n9 


OITAVAS. 


I. 


Vío  que  laminas  fulgidas ,  e  puras 
Naõ  Có  fua  magnânima  afcerdencia, 
Mas  de  Mufaico  em  immortaes  pinturas 
Dos  feus  Menezes  a  alta  defcendencia  : 
Hercules  com  proféticas  figuras 
Vendo  fem  excepção  quanta  excellencia 
Todos  teriaõ  no  marcial  officio 
Os  quiz  eternizar  fabio  ,  e  propicio. 

Trinta  feculos  hà  que  o  Grande  Ealto 
Rey    de  Gocia  chamado  o  atrevido  , 
De  que  a  progénie  generofa   exalto  , 
Deixa  ao  Báltico  mar  feu  nome  unido  ; 
Efte  da  torre  no  lugar  mais  alto 
He  da  ptofapia  tronco  efclareciao  j 
Por  evos  dezefete  o  feguem  todos 
Rayos  fetentrionaes  Monarcas  Godos. 

3- 
Seu  dcfcendente  o  Balro  Theodoreao 
No  Trono  illuftie,    que  illuftrou  de  Hefpanha 
Foy  por  íeis  luftros  dos  contrários  medo^ 
Jufto   na  paz,  gloriofo  na  Campanha; 
Eurico  filho   feu  o  alto  rochedo 
De  Pirene  venceu  com  gloria  eftranha ; 
E  Marte,   que  o  anima  ,  eoaconfelha, 
Lhe  cinge  o  louro  em  Aries ,  e  Marfelha  . 

c  ii  t<í 


14(5 

4.' 
O  coroado  fuccéfíbr  de  Eurico 

Teve  valor  igual,    deÍJgual  íorce 
Qfje  o  grande  Clodoveo  deu  a  Alarico 
Nos  Eogladenfes  campos  dura  morte: 
Naô  cem  melhor  fortuna  Amalarico , 
Que  menos  religiofo  do  que  forte , 
Aos  decretos  do  Ceo  naõ  viíTe  humilde 
Que  amparou  as  virtudes  de  Clotilde. 

5- 
Depois  da  uzurpaçao  de  Atanagildo 

Com  valor  raro  ,  e  religião  profana 

Filho  de  Amalarico  ,  Leovigildo 

Moflra   no  rofto  a  condição  tirana  : 

Mais  lhe  dcveo  o  Santo  Hermenegildo 

Banhada  em  fanguc  a  imagem  Soberana  , 

Sendo  Progenitor  ,   fendo   homicida. 

Que  na  vida  mortal,  na  immortal  vida. 

6. 

Em  Grécia  Atanagildo  a  fúria  evita  ^ 

Com  que  a  herezia  barbara  o  perfegue, 

Contra  infiéis  intrépido  milita 

A  bufcada  aliança  entaó  confegue 

Em  íeu  fiiho  Ardavafto  depofita 

De  altas  virtudes  o  exemplar  ,  que  fegue 

Atè  que  de  Arrio  vence  o  horrendo  medo 

O  Cat  lolico  Flávio  Rccaredo. 

Foy  filho  de  Ardavafto  o  claro  Hervigio 
Que  o  Sceptro  empunha  Gothico  ,  e  Hífpano 
Na  cíuerra  aíTombro  foy  ,  na  paz  prodigio. 
Luz  no  (agrado  ,  gloria  do  profano,  ,  . 

Em  Pedro  de  Cantábria  hum  fó  veftigio  rí  onuo^Q 
Naõ  fe  apagou  de  hum  Pay  taõ  fobciano,  v;  ^ 

E  o  Cantabro  renova  antigas  glorias 
Com  que  de  Roma  difputou  vidorias,.      ^  j  . 


'fri 


141 

8. 
Com  a  fombra  ecclipfou  das  acçoens  fuás 
O  Carholico  Aftonío  Key  piimeiro 
Triunfantes  Mahomccanas  meyas  Luas 
A  quem  foy  íol  o  celebre  guerreiro  : 
Nelle,   ó  Pelayo,  a  gloria  perpetuas 
Que  a  Herpanha  libertou  do  cativeiro 
Logo  fuccedcm  três  imagens  bellas 
De  hum  Rey  Affonfo  Cafto  ,  c  dois  Fruelâs, 

9- 

Robuílo  illuftre  Principe  Bermudo 

Naõ  reinou  ;  e  reinar  bem  merecia, 

Mas  da  Fé  íendo  efpada,  e   fendo  efcudo 

Ramiro  a  dilatava  ,  e  defendia  ; 

De  Clavijo  no  campo  afpero  ,  e  rudo 

Rendida  a  gente  barbara  íe  via , 

Porque   a  memoria  no  trofeo  confagre. 

Que.  o  Ceo  peio  valor  obra  o  milagre. 

IO. 

Reina  o  primeiro  Ordonho ,  e  porque  poíTa 
Ser  igual  ao  Graõ  Rey  efclarecido , 
Vio  em  Toledo  ,HueIca,  e  Qaragoça 
Desbaratado  o  bárbaro  temido  ; 
O  Magno  AíFonfo  para  a  gloria  noíTa 
Seja  exemplar  illuftre  ,  alto ,  c  luzido, 
Pois  mais  que  o  vencedor  do  mundo  em  Afia 
Mereceo  a  gloriofa  antcnomaíia , 

1 1. 

Segundo  Ordonho  de  Leaõ  ,    e  Afturias 
Cinge  a  coroa  profpero  ,  e  guerreiro 
Domefticando  as  Mauritanas  funas 
He  do  valor  exemplo  verdadeiro. 
De  outro  Fruela  a  Parca  com  injurias 
Do  feu  Reyno  o  privou  no  anuo  piimeiro^ 
Mas  deixou  o  pincel  bem  expreíTivo 
No  femblante  feros  o  peico  altivo. 

II. 


12. 

Ainda  que  Ordonho  efclarecido  Infante 
PcrdeíTe  a  vifta  às  mãos  da  tirania  , 
Naó  fe  efcurece  o  nome  relevante 
Pois  vè  ao  tempo,  fe  naó  vio  ao  dia, 
E  Dom  Affonío  Ordonhes  ,  fulminante 
Rayo  ,  e  Conde  de  Afturias  ,  parecia 
Que  dos  Mouros  aos  pérfidos  arrojos 
Ainda  ali  fe  ving^a-a  nos  deípojos. 

15. 

Rodrigo  Aííonfo  fucceíTor  illuftre 
Do  incomparável  Pay    fegue  o  exemplo , 
D.  Diogo  Rodrigues  claro  luftre 
Em  tudo  igual  com  fufpenfaõ  contemplo 
Em  Dom  Bernardo  Dias  naõ  íe  fruftre 
O  lugar  que  referva  no  feu  teríiplo 
A  milicav  memoria  em  que  o  aclama 
Com  infignes  padroens  a  eterna  fama. 

14. 

Pedro  Bernardo  a  eílatua  fucceíTiva, 
Como  fe  fofleefpelho  que  o  retrata, 
Admirou  ,  e  a  efpada  fempre  adiva  , 
Vé  que  os  infiéis  valente  desbarata : 
A  memoria  immortal  a  gloria  viva 
Em  Caftella  ,  e  em  Lizia  fe  dilata, 
E  o  debuxo  lhe  moílra  nas  figuras 
As  paíTadas  ácçoens  como  as  futuras. 

15. 
Vè  que  da  grande  praça    na  defenfa 

A  fundação  do  Império  certa  eftava, 

E  que  Hercules   por  alta  reeompenfa 

O  feu  nome  feliz  diviniíava  , 

E  depois  dominando  terra  imincnfa  , 

E  libertando  a  nobre  Calatrava 

Das  Cidades  do  Reyno  de  Toledo, 

Será  pafmo,  terror  ,  aíTombro ,  e  medo. 


16 


H3 

Também  com  gerolificos  Alcides 
Lhe  diz  aífim  :  ò  Pedro  vslcrofo  , 
Porque  grande  no  tempo  te  apelides. 
Ouve  o  meu  vaticinio  vcnturoío  : 
No  Régio  tronco  as  ramas,    cjue  divides 
Fazem  de  Europa  o  âmbito  frondofo , 
E  os  Menezes  feraõ  em  poucos  annos 
Transplantados  aos  troncos  íbberanos. 

17- 

Naõ  (ó  dos  Rcys  mil  vezes  derivados^ 
Mas  os  Reys  do  fcu  Tangue  produzidos 
Os  verá  nas  coroas  enlaçados 
Em  trinta  e  féis  grandezas  repartidos  : 
De  huma  linha  os  varoens  afinalados 
Sò  temoftro  em  retraólos  parecidos, 
Porque  fem  excepção  no  mar  ,  e  terra 
Foraó  rayos  intrépidos  da  guerra 

Vê  a  Tello  teu  filho  ,  que  tomando 
Primeiro  o  nome  excelfo  de  Menezes 
Aos  bárbaros  contrários  deílroçafido  , 
Fez  triunfar  Caftelhanos ,  e  Leonezes. 
Cuenca  em  padroens  eternos  vay  moftrandoy 
Que  vencer  Mahomecicos  arnezes 
He  gloria  defte  nome  Tobcrano 
Como  canta  outro  Oínc  Lufitano. 

19- 
De  hum  perfeito  varaõ  a  clara  idca 
Moftra  de  AíFonfo  Telles  a  pintura  , 
O  Mouro  vence  ,  e  o  rebelde  enfrèa , 
E  de  Albuquerque  os  muros  aíTegura  , 
Rompe  das  Navas  a  fatal  cadea  , 
E  rompendo  ao  palanque  a  força  dura 
Nas  armas  em  que  os  ferros  eterniza, 
A  efcravidaõ  dos  Mouros  íimboliza. 


*■■* 


10. 


14+ 

20. 

D.  Joaó  Aífonfo  Tello  varaõ  force 
Do  Segura  ,  e  do  Becis  fértil  cerra 
Dando  ao  fero  Ifmaelita  facal  morce 
Ao  mefmo  fvlarce  vencera  na  guerra, 
Vera  o  Algarve  ao  rigido  Mavorce, 
E  quanco  Hefpanha  em  largo  efpaço  encerra 
Verá  muico  applaudido,  e  refpeicado  , 
Do  Porcuguez  AíFonío  alço  aliado. 

21. 

Naõ  fó  a  Aquiles  no  valor  o  igualo 
Por  digno  de  afcendences  caó  felizes 
Nas  viólorias  illuílres  que  afinallo 
Para  fazer  aos  Mouros  infelizes , 
Porém  na  aílucia  excede  o  Graó  Gonçalo 
Toda  a  deftreza  do  facundo  UliíTes  , 
É  foube  unir  no  milicar  officio  , 
Eífeicos  do  valor  ,  e  do  artificio. 

2a. 

Naõ  baila  a  AíFonfo  Telles ,  que  invencivci 
O  viíTem  as  campanhas  de  Caftella, 
Para  que  hum  Rey  de  condição  cerrivel , 
Naó  uniíTe  a  crueldade ,  e  a  cautella , 
Para  evicar  a  offenfa  mais  fenfivel 
A  Porcugal  o  guia  a  fua  eftrella. 
Donde  com  fucceííivas  alcas  glorias 
Coroou  as  magnânimas  vistorias. 

Dos  campos  Tranftaganos  tia  paleftra 
Marcini  Affonfo  Tello  fe  exercica 
Com  fciente  valor ,  com  força  deílra , 
Prudence  manda  ,  intrépido  milita: 
Sendo  a  prudência  das  virtudes  meílra , 
Modera  a  forcaleza  ,  que  a  incita, 
E  nas  quatro  floreei  fem  mudança 
Igualando  à  Juítiça    a  Temperança. 

i4. 


145 


24- 

De  Neiva ,  e  de  Faria  illuftre  Conde 
Gonçalo   em  Elvas  o  arma  Cavalleiro 
O  Rey  ;  a   quem  taõ  fino  corrcfpondc 
Aos  herdados   acertos  de  guerreiro: 
Jâ  donde   corre  o  veloz  Douro ,   e  donde 
O  Vouga  rega  a  opulenta  Aveiro, 
Deixando  a  irmãa  por    bella  coroada 
Fiel,  ao  Luzo  Rey,  defende  a  efpada. 

A  Gonçalo  fuccede  em  nome  ,  e gloria, 
O  Menezes  iníigneD.  Martinho, 
Que  ajoaõ  filho  illuílre  da  memoria. 
Segue  na  Extremadura,  Beyra  ,  e  Minho  ; 
No  mar  ,  e  terra  mais  de  huma  viâioria 
Lhe  deo  da  Fama  a  o  templo  amplo  caminho 
Perde  os  domínios  pela  ingrata  forte. 
Porém  naõ  perde  o  fer  fiel ,  e  forte. 

x6. 

A  ninguém  cede  o  varonil  Fernandcj 
Que  em  Ceita  rayo  foy  do  Luzo  Jove, 
Tetuaó  fe  lhe  rende ,  e  receando 
Tangere  o  feu  valor  a  Africa  move.  - 

Acilio  Portuguez  o  admire  quando  f 

Entre  infiéis  os  duros  ferros  prove. 
Ate  que  triunfante  dos  contrários , 
Os  refpeitaõ  os  duros  adverfarias. 

Outro  Fernando  ao  grande  Pay  fuccede 
Segundo  Scipiaõ  ,  Marte  Africano, 
O  Palanque  de  Tangere  lhe  cede, 
E  fe  rende  o  foberbo  Mauritano  : 
Civil  difcordia  a  gloria  naó  lhe  Impede^ 
Ainda  que  ja  no  campo  Luaitano 
Alfarrobeira  chore  o  duro  fado 
De  Pedro  varonil ,  mas  deígraçado. 


Xf; 


1^6 

28. 

Cante  a   lira  de  heróica  Mageftadc 
Do  Virgilio  entre  vates  Luzitanos , 
De  outro  Menezes  logo  ,  cuja  idade 
Hemayor  na  prudência  ,  que  nos  annos: 
Gentileza  ,  valor ,  zelo  ,  verdade 
Santas  virtudes ,  dotes  foberanos, 
Fazem  vencer  na  índia  ao  grande  Henrique  , 
Porque  eterna  memoria  delle  fique. 

Segue  Diogo  os  paternaes  veíligios 
Ceita  o  confeíle ,  Tangere  ,  e  Arzilla  -,  " 

Também  do  amor  reíííle  aos  vãos  preíligios 
A  conílancia  magnânima  ,  e  tranquilla: 
Premio  de  quantos  bellicos  prodígios 
Efta  marcial  prorapia  recopila  , 
Deu  a  Ericeira  na  grandeza  logo, 
Fiiho  deite  Diogo  a  outro  Diogo. 

30. 

Fernando  a  aquelle  fegue  generofo, 
E  com  quatro  Irmãos  íeus  exalta  as  quinas, 
Dous  em  Alcaçar  cem  termo  gloriofo 
Três  as  cadeas  fofrem  mais  indinas , 
Fernando  taó  fiel ,    taó  valerofo  , 
Quiz  libertar  a  pátria  das  ruinas , 
Que  tudo  perde  às  iras  do  inimigo  , 
Mas  eftimou  por  premio  efte  caftigo  : 

3». 
Africa  ,  Europa  ,  e  Afia  prefumiaõ 
De  fer  trofeos  dos  braços  fingulares, 
Sò  da  foberba  America  fe  viaõ 
Taó  izentas  as  terras ,  como  os  mares, 
Porém  ja  na  Bahia  fe  efculpiaó 
Em  bronzes  os  acertos  militares 
De  outro  Henrique  ;  que  vence  em  mar,  e  terra 
Do  Batavo  feros  a  feros  guerra.  Gi 

3*. 


H7 

Qiiàl  cm  Càftor,  ePolIuxà  fraterna 
No  GcMninis  uniàõ  indilToluvel , 
Qiic  a  mortal  natureza  com  a  eterna 
Alcernaú  efla  maquina  volúvel  ; 
Parecendo  ,    que  hum  fó  tudo  governa 
Da  amifade  no  laco  naõ  foluvel  ; 
E  Roma  os  vc  valentes ,  e  brilhantes 
Em  dous  cândidos  brutos  triunfantes. 

AíTim  Fernando  ,  aOlm  Luiz  fe  via, 
E  outra  Helena  os  unio  taõ  cafta  ,  e  bella , 
Que  fe  a  Grega  a  Dardania  deftruia  , 
Foy  efla  à  Luíitania  clara  eílrella  : 
Joanna  em  que  de  Aonia  bem  fe  lia 
No  nome,    que  huma  mufa  inspirou  nella  ; 
Dandolhe  com  virtudes  mais  difFufas 
Belleza  as  Graças,  e  fciencia  as  Mufas. 

34. 

Fernando ,  que  cm  ItaUa  fez  primeiro 
Ser  Faetonte  no  Eridano  os  contrários, 
Neptuno  fobre  ornar  ove  guerreiro. 
Vence  no  Guadiana  os  adverfarios : 
Scipiaõ  fó  no  tempo  foy  primeiro 
Em  triunfar  de  Afiicanos  temerários, 
Febo  em  fciencia  iguala,  e  fabio  obferva, 
Leys  de  Themis  ,  preceitos  de  Minerva. 

35- 
Luiz  em  tudo  igual  teu  nome  efpalhas 

O'  Cezar  mais  fiel,   naõ  menos  forte, 

A  Hiftoria   efcreves,  vences  as  batalhas, 

E  afinas  com  a  efpada  á  pena  o  corte: 

De  Elvas,  Valença  ,  e  Évora  as  muralhas  *^ 

Defendes ,  ou  afialtas  Graõ  Mavorte  , 

Ao  teu  zelo,  e  juftiça  deo  a  idèa  , 

Nemeíis  incorrupta,  igual  Aílrea. 


148 

Francifco  fegiie  ao  longe  eíles  que  adora 
Vcfligios  de  valor  inimitáveis  , 
E  para  o  eíludo  na  primeira  aurora 
Achou  de  ApoUo  os  rayos  favoráveis; 
De  Henrique  ha  de  cantar  com  voz  fonora 
As  heróicas  acçoens  incomparáveis  j 
E  decifrando  o  Épico  mifterio  , 
A  fundação  do  Euzicano  Império. 

37-         . 
Luiz  do  grande  Avo  máximo  nome 

Em  Letras ,  e  Armas  claro  defempenhe  , 

Em  Alentejo  ao  forte  Hiípano  dome, 

E  em  foccorrer  Campomayor  fe  empenhe: 

Occupe  a  Sumba ,  e  a  Pacàne  tome, 

E  ou  no  mar  fuja  ,  ou  no  Sertaó  fe  embrenhe  , 

O  Arábio  o  tema  ,  o  índio,  o  Perfa  ,  o  Mouro, 

Que  a  gloria  trouxe  de  Azia  por  chefouro. 

38. 
O  magnânimo  Rey  ,  que  à  Azia  opprimida 
Poderofo  foccorro  deftinava  , 
Do  Louriçal  a   linha  efclarecida 
De  Marquez  com  o  titulo  illuftrava: 
Segunda  vez  o  manda  ,  e  da  temida 
Do  grande  Vice-Rey  valente  eípada 
Fia  o  Monarca  as  Luzitanas  glorias 
Da  Religião  ,  e  a  Pátria  altas  vidorias. 

39- 
Francifco   em  gentil  forma  ainda  fe  via 
De  educação  feliz,  de  Índole  amável, 
O  eftudo  militar  também   feguia , 
Quanto  permite  a  paz  fempre  eílimavel, 
Dos  outros  defcendentes  fe  encubria 
A  ferie  pelo  tempo  variável , 
Mas  com  exemplos   taes  bem  he  fe  efpere, 
Que  do  eíludo ,  e  valor  naó  degenere. 


149 

Furtandú-fe  os  primeiros  quatro  Cantos  defit  Poema  moftrou 
BlRey  fenttmento  ,  e  quiz,  prometer  premio  a  quem  os 
reftituíjfe  ,  ajfim  o  fz,eraÕ  ,  e  o  Conde  da  Ericeira  ti- 
nha offerecido  a  Sua  Magejlade  depois  de  rejlaurallos  de 
memoria  ejie 

SONETO. 

SEntis ,  Senhor ,  que  das  acçoens  de  Henrique , 
De  quem  fois  o  mais  claro  defcendence , 
Quanco  a  Mufa  cancou  pouco  eloquente 
A  Enveja  roube,  a  Fama  naó  publique, 

Apolo  o  permicio,  para  que  aplique 
A  vòs  fó  coda  a  Épica  excellente; 
Pois  de  lium  Heròe  a  perda  fe  naó  fente , 
Porque  de  outro  mayor  o  acerco  explique. 

Mas  fe  por  efcrever  da  Luza  hiftoria 
O  Poema  feliz  que  a  Mufa  ordena 
FoíTeecerno  no  Templo  da  memoria; 

Vòs  o  illuftraes ,  Apolo  o  naó  condena  ; 
Pois  nunca  alcançaria  canta  gloria  , 
Quanta  lhe  deu  na  perda  a  voíTa  pena. 


ERRA-; 


A  íf'^'^ 


•oqoV-íUiy? 


APPROVACAM  DO  P.  D.  JOZE'  BARBOZA. 
Erratas, 
T^Ag,  i.  reg.  15).  atem  alem     Pag.  5.  §.  10.  ouviado  ouvia 

APPROVAC,AM   DO  P.  PAULO  AMARO. 
Pag.  3.  §.  5.  reg.  4.  Deimocrico  Demócrito 

ADVERTÊNCIAS    PRELIMINARES. 
Ertatas. 

PAg.i.reg,z6.}i  Lucano  efguilace  á  del.ucanoEfquiUche.  Pag.  1 1. 
reg- ...  Claro  em  nobre  Demarine  em  claro,  e  emnobre,  deMa- 
rtene  Pag.  1 6.  reg.  24.  nos  autores  que  rrataõ  uefies  autores  que  tratao 
Pag.  1 8.icg-2.6.  ou  combate,  de  fende  cu  o  combate ,  ou  o  defende  Pag. 
27  ultima  reg.approvar /;rí>r4r  Pag.  jo.ceg.i.Abdara  Aldara  Pag.  55. 
reg.penukimae  naõ  fendo  enaÕ  tendo  Pag.54.reg.6.Puley  Pw/c^  Pag. 
56.reg.23.  duBertás  í/«£jyfií  Pag,7o.  reg.  18-  emayor  de  todos  eo 
maior  de  todos  Pag.  71.  reg.  3.  Leiria  Pombal  Leiria  e  Pombal 

CANTO     L 
Erratas  do  Poema. 
Oit,  5?o.   e  o  mundo  naõ  o  e  o  mundo  u  nao 

CANTO     IL 
Oir.  2J.  verf.  7.  Scintilla  cintiíla 

CANTO     III. 
0{t.57.v.5.e  digna  e  dina  Od.4o.v.i.  ficiticios^^^  os  Oit.  jg.  v.  7. 
refgnardo  refguardo  Oit.62.v.4.BabeIovia  Babilónia  Oit.^j.v.l.nos 
debuvos  nos  debuxos  Oit.  105^. v.j.  orque  Porque  Oit.  i  ^y.v-S'  efqua- 
drocn.  efquadroens 

CANTO     IV. 
Oit.9.v. 8. pertos  perto  Oit.  )0.  v.  2. intentara  intentava  Oit. iio.v.7. 
falfos  í//í/í^;/oí  Oit.  in.  verf  5.  ptefurforas  precurfora 

CANTO     V. 
Oit.  i8.v.(5.  o  raro  oh  raro  Oit.  61.  v.5.  tranformadas  transformadas 
Oit.  Sj.  V.  8.  maogas  magoas 

CANTO  VI. 
Oit.  4.V.  4.  o  rcceyo  ao  recejoVcrf.  5.  fedefcobre  nao  fe  emcobre  Oir. 
26. V.2. aquém  a  queOit-^-i^-^w-j.  deíTe  décc  Oit.  44.V.6.  Hazm  HaT^en 
Oit. 54. V  4.0  teu  o  feu  Oit.65  V.2  indinos  indignos  Vcif  6.  condinos 
condignos  Oit. 79.  v.  6.  e  dos  S.iperiores  e  Superiores  Oit.  155.  v.  3.  da 
carvidaó  efcravuUm 

CANTO     VII. 
Oiz.j  dímini^idL  amníjlíA  Oit.44.v,i.qie  ai  mas  que  as  armas  Oit.  55.' 
V.  5.E  que  aos  últimos  três  E  aos  fete  que  formou  Oit  6i.v  z.aflegura- 
va  ajfegurara  Oit.  67.  v.j.oM.onis  ó  Moms  Oit.7i.v,i.fiagoa  a  fra- 

goa 


goaOit.j^.v.i.Snt.SutfíOiz.yS-v.^,  aos  Mahomc:3Lnos ao Aíahome- 
tano 

CANTO  VIII. 
Oit.8.v.8.Suftente  o  fujiente  Verf.j.As  razoes  A^s  raz.oes  Oit.i4.v.i,. 
lhe  refpond  lhe  re ff  onde  Oit.  40  v.4.  acfentos  acentos  Oit.  46.  v.  í. 
negror  negros  Oit.  49,  v.  i.Poir,  por  forma  Pois  por  cauzA  NçiC^. 
e  a  noro  canoro  Oic  54.  v,  2.  Nos  primeiros  Noí  meus  primeiros  Oit. 
f  5.v.4.Fex  ¥es  Oit.  5  ó.v.g.  Ser  7er  Oit.  77v.  5.  arrifcando  arrifcado 
Vcrf  6.  cftrado  ^_/?4í/(?  Oit.  95.  v.  4.rigororos  v/^í?rcf/òíOit.  iii.v.6. 
a  cautela  cautela 

CANTO      JX. 
Oit.9.v.8.obta  etr/í  Oit. 5 5. v. 5'. Eolo  Eo/o Oit. 89. v,?. corre  corrj Oit. 
9i.v,4.oftoris  aSoris  Oit.pS.v.i.Só  atreves  SÓ  [e  atreve  o  Oit.  114.  v. 
8.  exercite  exercito 

CANTO     X. 
Oit.5.v.7.os  Luziranos  aos  LuútanosOit.i  i.v.i.tranfraontan  tranf- 
tnontanos  Oit.  100.  v.  2.  conquifta  conqmflas  , 

CANTO  XI. 
Oit.  14.v-1.nas  féte  eras  «4í  Seteiras  Oit.ij.y.C.Q  k  cte  e  fe cre y  Oh. 
41.  V.  5.  a  tala  4fi/4  Oit.v.  6.  céntc gente  Oit.  79.  v.  6.  [euia.sfeqHras 
Oit.84.v.5.  veneira  venera  Oit.88.  v.  8.  com  grociffimo  cow  hum  gr O' 
cijfímo  Oít.9 1  .v.y.  unras  uniram  Oit.9  j.v.  8.  fepultados/f/^w/fíiííoOit. 
1 1 6.V.  6.  e  legueras  e  ligeiras  Oit.i  10.  v.  z.  e  afétta  inficionada  e  á 
fetta   inficionava 

CANTO  XII. 
Oit.  9.  V.  2. cn  ejofo  envejofo  Oit.  i o.v.8  da  fuperftíçaô  4  fuperftiçam 
Oit. 24. V.  6. a  a  a  direita  a  ala  direita  Oit.  32.  v.  7.  o  pc  igo  o  periga 
Oit.54-v- J.ecudo  efcudo  Oit. 66. v. duvido  o  </«vi^ç/í)Oit.8  5.v.4.fof- 
ho  fufptro  Oit. 9 2.  V.  2.  A  joou  Izirà  A  Jo  ouIúsaOit.  94.  v.  8.  edo 
que  paíToii  e  do  que  antes  paffou  Oit.  1 14.V.  i.  de  feu  he  feuOh.  I  53.  v. 
I.  o  nabre  a  nobre  Oit.  i }  8.  v.  5.  Porque  a  alcança  Pois  fe  o  alcança 
Oit.  156.  V.  y.  barbararidade  barbaridade  Oit.  178.  v.  6.  ulIiíTeo  uli^io 
Oit.  í  98.  V.  2.  femove,  c  omvo  fe  move  hum ,  e  outro  Oit.  i^$.v.  7 . 
faz  rayos/(íí  nosrajos  Oit.  213.  v.  hoirida  horrenda 


A  D' 


ADVERTÊNCIAS  DAS  NOTAS 
Erratas. 
Erutliçois  vulgares  erudições  mems  vulgares  no  que  podia  o  (lue  podU 
para  devifar  para  deixar 

NOTAS    CANTO    II. 
N.  Si.CefàCoãroftcodion,^^.  que  continuou  qne  fe  continuou  n.89' 
atribui  e  itriouirfe  n.i  ly.em  a  ccrtar  em  aceitar  n.  iip.  ElRey  Tal- 
co ElRey  Jerio  CANTO     III. 

N.  175.  e  as  advertências  nas  advertências  n.  i8í.  toucandoííc  fm- 
canàotn.i%z.co\r\ot\\âs  como  ela  n.i  Sy.da  cobra  a  cobra  da  cabra  a  ca- 
bra n  209.0  conceito  Hypcrbole  o  comceitOy  e  Hyperboíen.z  1 5  a  Nim- 
fa  Jó  a  Nimfa  Jo  n.^  i  8.  brevomonte  velocinio  acanicula  fendo  Af- 
tro  do  Norte  brevemente  velocino  que  também  naõ  he  Afiro  do  T^orU  n. 
22  I .  a  Ercólo  a  Talfcrena  a  Erião  a  Falferena 

CANTO     IV. 
N.518.  á  con^ancia  a  confiam  ia  n.319.  adverriraõ  advertiram 

CANTO  V. 
N.325.  o  celebre  Malpighl  o  celebre  Malpighi  n.  546.  e  éle  reconheço 
quando  digo  ao  menos  e  éle  inferior  a  Homero  c  a  Virgilio  e  éle  re- 
cmheceo  quanto  era  inferior  a  Virgilio  por  tjfo  eu  digo  que  ao  menos  me  de 
a  Muz.a  a  infpiraçaõ  que  a  Efiaciopara  defcrever  os  [eus  jogos  n.  5  5  i  .deftes 
defies  n.55  5.oaxpelido  oapelido  n.555.  35'íj.n.36i.Bezancon  BezAn- 
^on  n.jóg.que  atribuem  que  lhes  atribuem  n.  5  8i.enaõfc)  fervia  ík^ío 
fó  fervio  n.  375.  monte  Econio  inonte  AÓnio  n.  376.  aos  Cantanhede 
com  outra  das 4í?í  de  Cantanhede  cem  outras  das  n,  5  8  2. do  Conde  Hen- 
rique Conde  D.  Henrique  Tavares  foy  Embaixador  do  que  foy  Embaxa- 
dor  n. 5  8  5 .no  fpirito  e  nojpirito  caT^ucom  D.  Luiz.  de Cafiro  IV.  Marques 
de  Cafcaes  fuccejfor  defia  illnfire  Caz.a ,  que  deu  a  Portugal ,  e  a  CafieU 
duas  Raynhas ,  tendo  a  varonia  pelos  Noronbas  delRey  D.  Henrique  II.  de 
Cafiela,  e  de  huma  Filha  delRej  D.  Fernando  de  Portugal .,  e  com  tantos 
merecimentos  próprios  como  herdados  dos  j eus  efclarectdo^  Vays ,  e  Avos  n. 
393.  pelo  dois  pios  dois  n.  403.  ca5  efeminadas  tat  afeminadas  n» 
413.  imponere  Pelio   imponcrc  Pdion 

C   A  N  T  O     VI. 
N.  425.  Gualquivir     Guadalquivir 

CANTO     VII. 
N.474-  Ibe  chamaren->os  fcímpre  lhe  chamaremos  antes  n.  500.  pois  fá- 
fim  pois  ajfim  n.  501,  de  Alúmen iunr.en  de  Alúmen plunu. 

CANTO      VIII. 
N  520.  fru([afrufira  n.  5  3  4.carnivolo  carnívoro  n.  555.  humverfos 
bans  verfos  n.  541.  iliuílre  e  fèlice  illufire  e  infeUçe 

C  A  N- 


CANTO      IX. 

N.585.na  Pininjula  tM  VenmfuU  n.  55)0.  da  Província  <í^Prí^i</íwi'4 
n.  ^^^.  de  Caboverda  de  Cabo'verde 

CANTO     XI. 
N.  6S9'  letra n formem  Je  transformem 

OITAVAS     ULTIMAS 
Erratas. 
Oit.i.u.i.vio  quevioem  Oit.iy.v.j.recipenfa  recompenfaOít.ii.v* 
2.  feiezes  felkes  Veil.  4.  infelizes  infelias 


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COM  CATALOGO    DOS   LTFROS  'IMPRESSOS, 

€  manufcriptos  que  compuZjeraÕ  os  Condes  da.  Ericeira  dd 
■  •  Familíít  de  Menez^es^  ajjim  os  Senhores  dejla  Caz,a  ,  co- 
mo osjilhos  fegimdos  delia ,   e  os  de  algumas  ,  que 
os  Condes  da  Ericeira  hojepZJfuem. 

D.  DIOGO  DE  MENEZES,  I.  CONDE 

da  Ericeira. 


V 


I  D  A  de  D.  Henrique  de  Menezes ,  Go- 
vernador dela  índia,  con  vna  dedicacoria 
ai  Conde  Duque.  4.  Madrid.  X628. 


D.  FERNANDO   DE    MENEZES,    11. 
Conde  da  Ericeira. 


H 


Iftoriarum  Lufitanarum  libri  decem  ab  anno 
1640.  ufque  ad  annum  1656.  pars  I.  UlyíTi- 
pone  1734.  in  quart. 

3  Hiftoriarum  Lufitanarum,  pars  II.  in  quarc.  Ulyífip. 

1735. 

4  Hiftoria  deTangere,  in  foi.  Lisboa.  1732. 

5  Vida  de  ElRey  D.  Joaó  I.  quarc.  Lisboa  1 668. 

6  Monumento  perene  à  memoria  da  Rainha  D.  Ma- 
ria Francifca  Izabel  deSaboya,  com  hum  Epitome  da 
íua  vida  em  Porcuguez  ,  outro  em  Latim  ,  e  varias  obras 
em  profa  ,  e  verfo  em  feu  louvor  quart.  M.  S. 

7  Relaçoens ,  e  Tratados  Hiftoricos  de  vários  fucceí^ 
fos  de  Portugal  militares,  e  políticos ,  do  anno  de  1640. 
até  o  de   1669.  quart.  M.  S, 

8  Difcurfos ,  Oraçoens  Académicas ,  e  Panegyricas. 
quart.  M.  ^. 

9  Cartas ,  e  Difcurfos  na  lingua  Latina,  quarc.  M.  S. 

c  10     Poe-^ 


154        BIÈLIOTHECA 

10  Poefias  Latinas ,  que  fe  imprimem  na  Coltecçaõ 
dos  Poetas  illuftres  Lufitanos.  quart.  M.  S. 

1 1  Poeíias  Portuguezas  com  hum  Poema  heróico  de 
Lisboa  conquiftada,  de  que  ha  fó  cinco  Cantos  :  Hum 
Epinicio  à  batalha  do  Ameixial ,  e  outras  obras.  q.  M.S. 

12  Poefias  Hefpanholas,  com  a  Comedia  :  Nó  es  de- 
fenganõ  el  defprecio:  dous  Autos  Sacramentaes  ,  c  outras 
Rimas,  quart.  M.*^. 

13  Papeis  politicos ,  e  militares  no  Confelho  de  Ef- 
cado  ,  e  outros  Tribunaes.  L  Parte  foi.  M.  S. 

14  Papeis  politicos ,  e Militares,  fendo  Regedor  das 
Juftiças ,  e  Capitão  General  de  Tangere.  foi.  M.  S. 

D.  LU  I Z  D  E  M  E  N  E  Z  E  S ,  IIL  C  0,N  D  E 

da  Ericeira.  ** 

15  T_T  Iftoria  de  Portugal  Reftaurado 'do  annp  de 
jTJL  1640.  atè  o  de  1656.  P.  i. Lisboa  1679.  foi. 

16  Hiíloria  de  Portugal  Reftaurado  do  anno  de  1657- 
atè  a  paz  de  16Ó8.  2.  Part.  foi.  Lisboa.  1664.  - 

17  Exemplar  de  virtudes  morales  en  la  vida"  de  Jorge 
Caftrioto  quart.  Lisboa   I668.  .     . 

1 8  Compendio  da  vida  do  L  Marquez  de  Távora  com 
varias  obras  em  feu  louvor,  quart.  Lisboa.  1674. 

19  Relaçocns  militares  de  algumas  campanhas,  quart. 

M.  Sif^, o%  :  JiUOoíJ  .Jliiiíp  .tc;(K''     ^  .lá  jb  jt 

20  Difcurfo?',  e  Oraçoens  Académicas r>:igPi:oblenias 
$noraes  quart.  M.  S.  ,;:'  1;  '  -^oí  %;j'-^^;  r-'-i 
ii'aj2f  .  Obras  Poéticas  Hefpanholas.  L  Part.  quart.  M.S. 

23  Obras  Poéticas  Herpanholas ,  que  contem  huma 
Reporta  pelos  mefmos  confoantes  a  todos  os  Sonetos  de 
D.  Luiz  de  Ulhóa  ;  o  Poema  da  fabula  de  Orfeo,  e  duas 
Comedias.  2.  Part.  quarc.  M.  S.      lup  .^^òi   ^h 

24  Papeis  Politicos  fendo  Vedor  da  Fazenda ,  e  ou- 
tros em  negócios  importantes  do  Rcyno  :  foi,  M.  S. 

25  Papeis  miiicares  fendo  General  4^1  Artilharia  do 

:    "^       ~  Al- 


EKICERIANA         155 

Alentejo  ,  e  Governador  das  armas  de  Traz-os-Monces : 
foi.  M.  S. 

26  Cartas  familiares.  foL  M.  SI)  2  í  O  VI  / 

DONAJOANNA    DE   MENEZES  III. 

CondeíVa  da  Ericeira,     't  T 

27  X  T  Ida  Panegyrica  deS.  Agoftinho  :fol.  M.  S. 

V  28  Defpertador  dei  alma  a]  fueno  dc.l^  vi- 
da en  trecientas  Octavas,  com  o  nome  fuppoílode  Apol- 
linario  de  Almada,  quarc.  Lisboa  1695. 

29  Reflexos  fobre  a  Mifericordia  de  Deos,  traduzidas 
de  Franccz  de  Soror  Luiza  da  Mifericordia,  que  foy  Du- 
qu€za  de  Vaujour,  com  hum  Panegyrico  à  Rainha  da 
Graõ-Bretanha  ,  Anonvmo  :  oitavo  Lisboa  1694. 

30  Panegyrico  ao  Duque  de  Saboya  ,  traduzido  do 
Abbade  de  S.  Real,  Anonymo.  quarr.  Lisboa  168O. 

3 1  Cartas  Francezas  à  Rainha  D.  Maria  de  Saboya  , 
e  outras  pefloas  illuftres ,  e  vários  Difcurfos  na  mefma  lir*- 
gua  quart.  M.  S.  / 

32  Triunfo  das  mulheres,  traduzido  de  Francez  ,  e 
illuftrado  quart.  M.  S. 

3  ^  Difcurfos  Académicos ,  e  Moraes ,  com  huma 
Novella  allegorica,  quart.  M.  S. 

34  Cartas  familiares  a  varias  Senhoras.  I.  Part.  quart. 
M.  S. 

35  Cartas  familiares  lí.  Part.  quart.  M.  S. 

36  Obras  Poéticas ,  Francezas,  e  Italianas,  e  traduc- 
çoens.   quart.  M.  S. 

37  Obras  Poéticas  Hefpanholas.  í.  Part.  quart.  M.  S. 

38  Obras  Poéticas  Hefpanholas,  que  contem  duas 
Comedias ;  dois  Autos  Sacramentaes ,  e  outras  obras  de 
Theatro  :  II.  Part.  quart.  M.  S. 

3  9  Obras  Poéticas  Hefpanholas,  que  contem  a  fa- 
bula Heróica  dePcrfco,  em  cinco  Cantos  :  o  Poema  fú- 
nebre a  Pvainha  D.  Maria  dcSnboya  :  III.  Part.  quart.  M.S. 

t  ii  40    Obras 


ij6  BIBLIOTHECA] 

40  Obras  Poéticas  Portuguezas  quarr,  M.  S: 

D.  FRANCISCO  XAVIER  DE  MENE- 
zes ,  IV.  Conde  da  Ericeira. 

41  T  T  Enriqueida ,  Poema  Heróico,  em  doze  Can- 
JrX  to  quart.  Lisboa  1741. 

42  Obras  Poéticas  Portuguezas  ,  foi.  M.S. 

43  Obras  Poéticas  Hefpanliolas ,  foi.  M.  S. 
'r  44     Obras  Cómicas  Hefpanholas ,  foi.  M.  S. 

45  Obras  Poéticas  Latinas,  Italianas,  e  Francezas, 
e  traducçoens  deftas  línguas  com  a  da  Arte  Poética  de 
Boileau  em  quatro  Cantos  .•  foi.  M.S. 

46  Oraçoens  Académicas,  fendo  Prezidente,  e  Di- 
redor  em  varias  Academias ;  foi.  M.  S. 

47  Oraçoens  Panegyri<:as  na  Academia  Real ,  e  em 
outras  :  foi.  M.S. 

3  8  Difcurfos  ,  Problemas  Académicos ,  e  moraes  : 
foi.  M.  S. 

49  Difcurfos  Filológicos,  que  contêm  doze  liçoens 
fobre  o  methodo  dos  eftudos :  foi.  M.  S. 

50  Difcurfos  Filológicos  fobre  queftoens  eruditas; 
foi,  M.  S. 

5  I  Excellencias  do  numero  XXII.  cumprindo  ElRey 
D.  Joaó  V.  vinte,  e  dois  annos  cm  22.  de  Outubro  de 
171 1.  foi.  M.  S. 

5  2  llluftraçaõ  das  Armas  da  Santa  Igreja  Patriarcal  de 
Lisboa  .•  foi.  M.  S. 

53  Tratados  Scientificos,  I.  Part.  que  contém  fetc 
liçoens  Académicas  fobre  as  artes  liberaes,  e  outras  em 
varias  Faculdades  foi.  M.  S. 

54  Tratados  Scientificos ,  II.  part.  que  contém  va- 
rias diíícrtaçoens  ,  e  obíervaçoens  Filoíbficas  ,  c  Ma- 
thematicas  :  hum  epitome  da  Lógica  :  e  hum  fiftema  da 
caufa  das  febres  .'  foi.  M.  S. 

i$     Tratados  Scientificos,  III.  Part.  que  contem  hu- 

_  _      _  ^^ 


ERICLRIJNJ.  lyy 

ma  difíertaçaõ  fobre  a  exiftencia  do  Vnicorneo  ,  provan- 
do que  he  a  Abada  ,  feica  à  inftancia  do  Imperador  Car- 
los VI.  foi.  M.  S. 

56  Obras  Hiftoricas ,  I.  Part.  que  contém  as  memo- 
rias da  vida  do  Conde  da  Ericeira  D.  Franciíco  Xavier 
de  Menezes :  foi.  M.  S. 

5  7  Obras  Hiftoricas ,  II.  Part.  que  contem  as  memo- 
rias Eccleííafticas  do  Arcebifpado  de  Évora,  I.  Part.  pela 
Academia  Real ;  foi.  M.  S. 

5  8  Obras  Hiftoricas  III.  Part.  que  contém  a  fegunda 
parte  das  memorias  Eccleíiafticas  de  Évora  :  M.  S. 

59  Obras  Hiftoricas ,  que  contém  a  III.  Part.  das  me- 
morias Ecclefiafticns  de  Évora  .-  fol.^M.  S. 

60  Obras  Hiftoricas,  que  contem  a  IV.  part.  das  me- 
morias Hiftoricas  de  Évora,  com  os  documentos ,  e  pro- 
vas dos  primeiros  três  volumes  ;  foi.  M.  S. 

61  Obras  Hiftoricas,  que  contem  Relaçoens  impref- 
fas  do  ficio  deCampo-mayor,  em  17I2.  e  de  outros  fuc- 
celTos  milicares  ,  impreftos  fem  nome:  DiíTertaçoens  hif- 
toricas fobre  vários  pontos  duvidofos  da  Hiftoria  de  Por- 
tugal ,  e  fuás  Conquiftas  :  Defenfa  do  direito  de  Portu- 
gal ao  Maranhão  ,  c  outras  terras  ;  Memoria  dos  Bifpos 
de  pouca  idade  .•  foi  M.  S. 

61  Obras  Hiftoricas,  que  contém  Diftertaçoens  Criti- 
cas da  Hiftoria  Ecclefiaftica  fobre  os  Concilies  univer- 
faes  ;  Diílcrtaçoens  Cricico  hiftoricas  fobie  vários  pontos 
da  Hiftoria  Eccleíiaftica  :  foi.  M.  S. 

63  Relaçoens  de  feftas  lleaes,  e  de  outras,  feitas  por 
direcção  do  Conde  da  Ericeira,  e  outros  Tratados : 

64.  Mifccllaneas ,  que  contém  fama  pofthuma  do  Pa- 
dre António  Vicyra  ;  Relação  das  Fxcquias,  que  o  Con- 
de da  Ericeira  lhe  fez  celeb.^ar  cm  Lisboa,  em  1697. 

65  Illuftraçaõ  do  nome  Nuno  ;  cenfuras  a  duzentos 
livros  de  varias  nmtcrias:  Cbíervacoens  a  vários  Autores  : 

c 

Diftribuiçaõ  da  Eibliotheca  Regia  ;  e  Catálogos  curio- 
íos ,  e  feieclos ;  foi,  M.  S, 

66    Obras 


I  y3  BIBLIOTHECA 

66  Obras  Genealógicas  j  que  contém  varonia,  e  Ar- 
voics  hiftoriadas  com  a  vida  dos  afcendences,  Varocns 
illuílrcs  em  virtude,  c  armas,  e  letras,  dos  Menezes  da 
Caía  do  Conde  da  Ericeira  :  fol.M.  S. 
-.  67  Obras  Genealógicas,  que  contem  Apologias  de 
divcrfas  famílias ,  foi.  iVÍ.S. 

68  Obras  Genealógicas,  que  contém  varonias,  e  Ar- 
vores de  algumas  famílias  afnm  nacuraes ,  como  eftran- 
geiras ,-  l-A.  S. 

T.'69  Obras  Sacras;  Reriexoens  fobreas  fete  palavras  da 
Virgem  Santidlma  :  Medicaçoens  fobre  as  fuás  dores:  foi. 
M.  ^. 

70  Oraçoens  pias,  e  devotas,  foi.  M.  S. 

71  Papeis  políticos  íobre  negócios  importantes  do 
ReVDO  :  Manifeftos,  ínftrucçoens,  e  pareceres  na  Junta 
dos  Três  Eílados  :  votos,  e  outros  papeis  militares,  nas 
fete  Campanhas ,  em  que  íc  achou  ;  foi.  M.  S. 

72  Bibliotheca  Soufana,  com  obfervaçoens  a  trezen- 
tos ,  e  feffenta  livros ,  que  eícrevia  o  P.  D.  Manoel  Caeta- 
de  Souza,  Clérigo  Regular :  in  quart.  Lisboa  ,  anno  I738. 

73  Extraclos  dos  livros,  que  a  Academia  da  RuíTia 
mandou  á  Academia  Real  da  Hiftoria  .-  in  quart.  Lisboa 

'  74  Apparato  Hiftorico  para  ávida  do  Conde  Dom 
Luiz  dè  Menezes  .•  in  foi.  M.  S. 

í  ^25"'-.  Vida  de  Soror  Maria  Magdalena  de  Jefu  ,  Freira 
no  Convento  da  Madre  de  Deos  de  Enxobregas :  inquarr. 
M.  S. 

67  Epicedio  na  morte  da  Sereniffima  Senhora  Infan- 
te D.  Francifca  in  quart.  Lisboa  1737. 

77  Temvld  de  Nepiuno  :  Epithalamio  nos  cafamentos 
do  Illuílriíllmo  ,  e  Exccllentiffimo  Senhor  D.  Luiz  Joíéph 
de  Caftro  Noronha  Ataide  e  Souza,  com  a  lUuílriírima, 
e  ExcellcnciíTima  penhora  D.  Joanna  Perpetua  de  Bragan- 
ça ,  Marquezes  de  Cafcaes  :  in  quart.  Lisboa  1758. 

73.  Documentos  a  ícu  neto  D.  Franciíco  de  Menezes 
<  ■; .'  V     -•'  fo- 


ERICEKIJNJ.  159 

fobre  as  leys  do  ducllo  .-  in  quart.  M.  S. 

79  Reflexocns  ao  Theacro  Critico  ,  que  compoz  o 
R.  P.  Fr.  Benco  Féyjoó,  diícorrendo  por  cada  hum  dos 
Tratados  daquella  exccllente  obra  :  in  quarc.  NÍ.S. 

80  Memoria  mctrica,  que  contem  cm  verfo  para  fe 
ter.  de  memoria  a  Hiftoria  univeríal,  e  a  particular  do  Rey- 
110  ;  a  Mythologia ,  a  Geografia ,  a  Filologia  ,  e  os  princí- 
pios de  todas  as  Artes ,  e  Sciencias  :  Part.l.  in  oclavo  M.S. 

8 1  Memoria  métrica  ,  II.  Part.  in  od.  M.  S. 

g2  Difcurfos,  Panegyricos,  e  outras  obras  recitadas 
por  ellc  na  Academia  Real :  in  foi.  M.  S. 

8  3  Duzentas  hiftorias  memoráveis  para  fe  ajuntarem 
ao  \\\xo  de  Scitl  dignis  :  in  quarc.  M.  S. 

84  Tratado  das  honras  Civis,  que  muitos Ecclefiaíli- 
cos  tem  na  Europa:  in  quart.  M.  S. 

-    SOROR-NtARlA  MAGDALENA  DE  ]E- 
S  U  ,  Irmãa  dos  Condes  da  Ericeira  D.  Fcr- 
'iiáiidOj'eD.  Luiz  de  Menezes,  que  foy  feí- 
^'.-     '        íenta  annos  Religiofa    no  Moftcira 
'i  da  Madre  de  Deos  de  Enxobre- 

gas. 

8  5  T  T  Iftoriá  de  algumas  Religií^fás- ,  que  marreraõ 
i  1  no  Morteiro  da  Madie  de  Deos  com  opi- 
nião de  Santidade  :  Vida  da  rncfma  Soror  Maria  Magdale- 
na  efcrica  por  duas  Religiofas  do  mefmo  Mofteiro,  e  mui- 
to accrefcentada  por  íeu  Sobrinho  D,  Franci-fco  Xavicc 
de  Menezes,.  Cande  da  Ericeira  ;  in  foi.  M.  S.     " 

86  Meditaçocns  fobre  alguns  Pfalmos  de  David.  Me- 
thodo  para  comnujngar  com  pcríciçaõ  .-  Obras  myfticas , 
c  alguns  Poemas  Sacros  :  M.  S.  in  fo!. 

87  Cartas  devotas ,  e  familiares,  foi.  M.  S. 


D,  LU- 


ss 


160         íBIBLIOTHECA 

D.    LUIZ  DE  MENEZES   V.   CONDE 
da  Ericeira,  e  primeiro  Marquez  do  Louriçah 

COmmentarios  do  que  lhe  fuccedeo  em  todo 
o  tempo  ,  que  foy  Vice-Rey  da  Índia,  a  pri- 
meira vez  :  in  foi.  M.  S. 

87  Inítrucçoens ,  Regimentos ,  e  outros  papeis  poli- 
ticos ,  pertencentes  à  boa  adminiftraçaõ  do  governo  da 
índia  /  M.  S.  in  foi. 

90  Difcurfos,  e  pareceres  fobre  o  commcrcio ,  e  Con- 
quiftas  de  Portugal  M.  S.  in  foi. 

9 1  Supplemento ,  e  Correcçoens  Anonymas  ao  Voca- 
bulário Portuguez  ,  que  compoz  em  dez  comos  o  R.  P, 
D.  Rafael  Bluteau ,  l.Part.  in  foi.  M.  S. 

92  Supplemento,  e  Correcçoens  Anonymas  ao  Voca- 
bulário Portuguez  do  P.  D.  Rafael  Bluteau  ;  II.  Part.  in 
foIM.  S. 

9 3  Supplemento ,  e  Correcçoens  Anonymas  ao  Voca- 
bulário Portuguez  do  P.D.Rafael  Bluteau:III.P.in  fol.M.S. 

94  Correcçoens,  e  Supplemento  ao  Diccionario  his- 
tórico de  Moreri,  principalmente  a  tudo  o  que  pertence 
a  Portugal;  as  quaes  correcçoens ,  e Supplemento  vem  na 
íCdiçaó  Franceza  de  Pariz,  e  na  Caftelhana  de  Leaó.  I. 
Part.  in  foi.  anno  173 5« 

95  Segunda  parte  das  Correcçoens,  e  Supplemento 
ao  Diccionario  de  Moreri,  imprefla  em  Pariz,  e  Leaõ  in 
í^oí.  1735. 

96  Terceira  parte  das  Correcçoens,  e  Supplemento  ao 
ao  mefmo  Diccionario  .•  foi.  M.  S. 


Fr. 


ERICERIANJ.  i6i 

Fr.  ANTÓNIO   DA    PIEDADEDOU- 
tor  nos  Sagrados  Cânones  :  agora  Religiofo  da 
Familia  Seráfica  na  Província  de  Portugal ,  fi- 
lho do  quarto  Conde  da  Ericeira  D.  Fran- 
cifco  Xavier  de  Menezes. 

97     Ç  Ermoens  vários  ,  Part.  I.  in  quart.  M.  S, 

v3     98     Sermoens  vários,  Part.  II.  in  quart.M.S. 

99  Sermoens  vários,  Part.  III.  in  quart.  M.  S. 

100  Sermoens  vários  ,  Part.  IV.  in  quart.  M.  S. 
I  o  I  Sermoens  vários ,  Part.  V.  in  quart.  M.  S. 
I02  Sermoens  vários,  Part.  VI.  in  quart.  M.S. 
1O5  Sermoens  vários ,  Part.  VIL  in  quart.  M.S. 

104  Sermoens  vários ,  Part.  VUI.  in  quart.  M.  S. 

105  Pareceres  em  Theologia  Moral,  e  Canónica,  I. 
Part.  in  quart.  M.  S. 

106  Pareceres  em  Theologia  Moral,  e  Canonica:II.P. 
in4.M.S. 

ERICERIANA. 

107  \    Pothemas ,  verfos  ,  obfervaçoens  ,  e  cir- 
Jl\  cunftancias  particulares  das  vidas,e  acçoens 

de  Senhores ,  e  Senhoras  da  Cafa  dos  Condes  da  Ericeira , 
recopilados  das  fuás  mcfmas  obras,  ede  outras  memorias 
fidedignas,  pelo  Conde  da  Ericeira  D.  Francifco  Xavier 
de  Menezes  :  I.  Part.  foi.  M.  S. 

108  Apothemas,  &:c.  Part.  II.  in  foi.  M.  S. 

CATALOGO  CRITICODALIVRA- 

ria  dos  Condes  da  Ericeira,  fe  to  pelo  IV.  Conde 

da  Ericeira  D.  Francifco  Xavier  de  Menezes ,  e 

peloV.  D.  Luiz  de  Menezes,  Marquez  do 

Louiical. 

109  "lU  Ibliocheca  Friceriana  com  o  Extrado,  e 
Catalogo  Critico  dos  livros  da  Biblia,  e 

V  íeus 


i6z         BIBLIOTHECA 

feus  commcntadores,  Santos  Padres,  Theologia.-  foi.  M.S. 
I  IO     Biblioreca  Ericenana  :   FiioíaEa,  Medicina,  Bif- 
toria  natural  /  fbl.  M.S.  -pMI'^  m     ■] 

1 1 1  Bibliothcca  Ericeriana  ;  Filologia  ,  Grammatica, 
Diccionarios ,  Oratória ,  Poética  ,  Antiquários ,  e  Mifcel- 
ianeas :  foi.  M.  S. 

1 12  Hifloria  univerfal ,  e  particular ;  foi.  M.S. 

113  Bibliotheca  Ericeriana ,  M.  S.  Eftrangeiros. 

114  Bibliotheca  Ericeriana  ,  M.  S.  Portuguezes. 

SUP  P  LEM  ENTO    A'  BIBLIOTHECA    ERICE- 
riana  dos  A  A. de  que  a  Cafi  da  Ericeira  poffúe  os  Morgados, 

DIOGO  DE    PAIVA  DE   ANDRADA 

Theologo  deElRey  D.  Sebaftiaõ  ao  Concilio 

Tridentino. 

115  1"^  Efenfio  Trident.  Fidei ;  quart..Ulyíripone ; 

slJ  1578.  '■'r.í^-y 

1 16  Orthodoxae  Fidei  confultaciones  .*  quarc.  Ulyín- 
po  1574.  ^  ^rn  outras  ediçoens. 

117  Oraçoep*^  no  Concilio  Tridentino ,  e  outros  O- 
pufculos  impreííos  em  diverfas  Collecçoens  com  os  Elo- 
gios ao  A.  demais  de  cem  Efcritores  illuftres. 

11 8  Sermoens  vários,   Part.  I.  in  quarc. 

119  Sermoens  vários,  Pare.  II.   in  quarc. 

120  Sermoens  vários ,  Part.  III.  in  quart.  Todas  três 
impreíTas  mais  vezes,  e  traduzidas  em  divcrfàs  linguas. 

Fr.  THOME'   DE   JESU,    RELIGIOZO 

Aguftiniano,  e  Irmaõ  de  Diogo  de  Paiva  de  An- 

drada,  que  morreo  com  opinião  de  Santo  no 

cativeiro  de  Marrocos. 

121  'T~'Rabalhos  de  JESU,  Part.  I.  que  com  a  fe- 

X    giinda  foy    traduzida  em  oito  línguas,  c 

im- 


ERICBRIJNJ.  t6o, 

imprefi^a  muitas  vezes.  A  ulrirr,a  cdiç^u  com  a  vid&.  do 
A.efcrica  pelo  iUullriíVimo  DJr. Aleixo  de  Menezes,Arce- 
bifpo  de  Goa,  e  Braga,  Vicc-Rey  da  índia ,  c  de  Poituc;al, 
lie  a  de  Lisboa  na  Officina  Aguíliniana,  cm  quarc.  1734. 

122     Trabalhos  de  ]r!SU,  Parr.  II.  ibidem. 

117,  Oratório  Sacro  :  em  Lisboa,  e  em  outras  partes 
em  diverfas  formas 

124  Vida  de  Fr.  Luiz  dcMonroya  :  InQruccaõ  de  No» 
viços,  e  outros  tratados  .-   M.  S.  in  quart. 

125  De  Oratione  Dominica.  Antuerpiíe,  in  od. 
I2Ó     Praxis  Fideí :  Colónias ,  1629.  in  o6tav. 

127  Methodus  Spiritualis ,  Colónia:,  1623.  inod. 

128  Comedia  em  louvor  de  S.  Agoftinho,  e  hum  vo- 
lume de  verfos,  que  vio,  e  leo  Jorge Cardozo>  comoelle 
refere 

129  Vida  de  Chrifto,   in   quart. 

130  Tratado  Dogmático  contra  os  Judcos ,  com  a 
Relação  da  Controverfia,  que  teve  com  hum  Rabino,  a 
quem  converceo  em  Marrocos  :  dirigido  a  fua  Irmaã  D. 
Violante  de  Andrada  CondeíTa  de  Linhares. 

Fr.  MANOEL    DA   CONCEIQAO,   RELIGIO- 

fo,  e  Provincial  de  S.  Agoílinho  filho  de  Álvaro 

Peres  de  Andrada,  Commendador  de  S.  Pedro 

de  Torres  Vedras  na  Ordem  de  Chriílo. 

131  T  T  Heatro  triunfal  de  Lufitania  ;  in  quarc. 

JL  A     132     Sermoens  vários ,  in  quarc.         •, 

FRANCISCO  DE   ANDRADA,  IRMAM 
de  Diogo  de  Paiva ,  e  de  Fr.  Thomé  de  JESU. 

133  /^  Hronica  de  ElRey  D.  Joaõ  III.  in  foi.  Lis- 
V--'  boa  1613. 

1 34  Hiftoria  de  Efcanderbc^o  ,  ou  Jorge  Caftrioco. 
foi.  Lisboa  1^67, 

15)     Fi- 


1^4  BIBLIOTHECA 

1 3  5     Fiolomena  de  S.Boavenuira,  in  od-Lisboa  i$66: 

\16  Poema  heróico  do  primeiro  cerco  de  Dio  ,  no 
governo  de  Nuno  da  Cunha  ,  e  António  da  Silveira  :  in 
quarc.  Coimbra  1589. 

157  Peregrinaçoens  de  Fernaó  Mendes  Pinto  ,  fobre 
as  memorias  deíle  Author ,  impreflas  muitas  vezes,  cem 
varias  hnguas. 

'      138     Opufculos  em  vcrfo  traduzidos  de  Diogo  de 
Teve  :  in  od. 

139  Inftrucçaõ  politica,  Dialogo  entre  o  Anjo  da 
Guarda ,  e  o  corpo  humano ,  M.  S.  em  folha  ,  da  letra  do 
A.qu€  feconvcrfa  na  Bibliotheca  dos  Condes  da  Ericeira. 

DIOGO    DE   PAIVA    DE   ANDRADA    COM- 

mendador  de  S.PayodeFragoas,  filho  deFrancií^ 

CO  de  Andrada  Commendador  da  mefma  Co- 

menda« 

14b     "C  Xame  de  antiguidades,  in  quart. 

JLL     141     Cafamento  perfeito :  in  quart,  duas 
vezes  impreíTo. 

142  Chauleidos ,  Poema  heróico  Latino  ,  in  quart, 
Lisboa  1628.  e  em  outras  partes. 

143  De S<:itu  digms^\\Ko  emprofaLâtinajquehadeim- 
primiife  muito  accreícentado  pelo  P.  António  dos  Reys  da 
Congregação  do  Oratório  :  he  volume  de  quarto. 

144  Poefias  Latinassem  queentraõ  três  Tragedias  \nú' 
txAzàdiS :  Antonius  Magmis^Joannes  BapriJia^ereEduArdusxVíinQ* 
gyricos,e  diverfas  obraSjque  com  o  Chauleidos,  e  com  a  vi- 
da do  A.  comprehendem  o  terceiro  volume  ja  impreflfo  da 
CoUecçaõ  dos  Poetas  Portuguezcs ,  feita  pelo  mefmo  R.  P. 
António  dos  ReySjpor  ordem  de  ElRey  D.  Joaõ  V.in  quart. 

1 45  Cartas  Latinas ,  e  vulgares,  Poefias,  e  Enigmas  na 
língua  Italiana,  Hefpanhola ,  e  Portugueza  :  in  quart. 

F    I    M. 


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