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Presented to the
LIBRAR Yí./r/z€
UNIVERSITY OF TORONTO
by
Professor
Ralph G. Stanton
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à)
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University of Toronto
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HENRIQUEÍDA
COM ADVERTÊNCIAS PRELIMINARES
das regras da Poeíia Épica , Argumentos,
e Noras.
C0MP0S70FEL0
ILLUSTRISS. E EXCELLENT. CONDE DA ERICEIRA
D. FRANCISCO XAVIER
DE MENEZES,
DO CONSELHO BE GUERRA DE SUÂ MAGESTADE ,
Mefire de Campo General dos jeus Exércitos, e Deputado da.
Junta, dos Três Eflados , Dtreãor , e Cenfor da Acadtmia
Real da Hifioria Portuguez,a , Secretario , e Proteãor
da Academia Portugueza , Académico dos Árcades
de Roma , e da Sociedade Real de Londres.
LISBOA OCCIDENTAL:
NA OFFICINA DE ANTÓNIO ISIDORO DA FONSECA,
Com todas as licenças necejfarias.
Anno de 1741.
Vende -fe na mefma oficina, e na Logea de Manoel da Conceição morador,
na Rua dirt ita do Loreto.
\à.
LICENÇAS
DA ACADEMIA REAL.
CENSURA DO CONDE DO VIMIOSO DO CONSELHO
de Sua Magejlade , e Académico Real.
EXCELLENTISSIMOS SENHORES.
MAndaõ-meVV. Excellencias dizer o meu parecer fo-
bre o Poema do Conde D. Henrique , efcrito pelo
Excelientiílimo Senhor Conde da Ericeira D. Fran-
cifco Xavier de Menezes, e fe neíle preceito naó ti-
veífe tanca parte o melmo Autor da obra , como companheiro de
VV. Excellencias no emprego de Ceníbr da noíía Academia , obe-
decera eu fempre com a mefma fogeiçaó aos Icus acenes, mas naõ
com a nieíma liberdade no meu voto.
Pois que coufa pode haver mais elevada , e mais laboriofaj
que efcrever naõ digo j a com perfeição, mas ainda com mediania
hum Poema Épico , ou Heróico? E que coufa também mais diffi-
cil, e arrifcada , que fazer hum juizo, e hum exame a eíla mcima
obra, que tanto intimida naõ fó a quem a compõem, mas a quem
a pondera, e que tanto honra naõ fó a quem a medita, mas a quem
a comprehende?
Digo pois que he hum Poema inteiramente acertado , e con-
forme a todas as luas regras, e preceitos, os quaes nos cníinaõ que
o aíTumpto nem ha de fer fummamente antigo , para que naõ fe;a
impoílivela memoria do fucceflb , nem demafiadamente moder-
no, para que naõ feja viva a lembrança delle.
Que a acçaó ha de fer heroicamente grande, e taó digna, co-
mo difiícultofa de imitarfe.
Que ha de (er huma fó em hum fó Heròe,o qual em virtude
delia configa huma nova gloria , e immortal.
Que efta meímaacçaó naõ ha de fer continuada como hiílo-
ria, mas dividida com artificioía idcya , principiando pelo meyo
da em preza.
Que le ha de acompanhar de epifodios , encher de figuras, e
ornar com todos aquelles primores da arteqafaçaõ mais formofa.
Que o eftyio ha de íer naó ío elegante , mas fublime , porem
com tal medida, <juc naõ «mbarace o fácil , ç o natural,
a ii C^ic
Que o Poeta fe hadereveftir do carader das peíToas que in-
troduz, ulando da melma propriedade nas matérias que trata.
Eftas faõ as circunftancias mais eíTenciaes que devem concor-
rer em hum perfeito Poema, as quaes eu naõ devo demonftrar no
que examincy , por naõ parecer que fupponho que he neceíTaria
efta demonftiaçaõ, quando todos confeíTaõ fem competência, ad-.
mirjõ fem inveja, ou invejaõ fem dor, o engenho raro , a difcri-
çaó incomparável, a memoria feliz, o eftudo immenfo,a fciencia
profunda , e finalmente o génio efpecial, o elpirito elevado, o en-
thufiaímOje furor divino que tem na poefia o Senhor Conde da E-
riceira fendo aquella huma arte , cujo nome , e excrcicio diz M.
TuUio que fora fempre refpeitado ate das naçoens mais barbaras, e
incultas: e que naõ ha homem raõ contrario, e inimigo das Mu-
las, que fe naõ lizongee facilmente de que a voz canora do verfo
íeja o eterno pregaó das fuás acçoens.
Se ifto diííe o meímo pay da eloquência em beneficio de Ar-
chia poeta, que naõ chegou a fazer o mayor esforço da íua arte,
qual he hum poema Épico , íó porque tinha concorrido para al-
gum louvor , e gloria do povo Romano ; que elogios naõ faria ao
grande Virgilio, fe ehegafle a ver a fua famofa Eneida j a qual naõ
deixou menos memorável o feculo de Auguílo , nem menos i\-
luftre a gloria de Roma , do que fez immortal o nome do Autor?
Logo fe efta obra he taó excellente, ou taõ divina, que Pro-
percio naõ duvidou aííirmarque ella havia de fer mais celebre que
a Iliade de Homero : que applaufos, e acclamaçoens naõ merece
outra , que naõ lhe fendo inferior em nenhuma circunftancia, a
excede muito em muitas?
Primeiramente a matéria de Virgilio là tem alguma parte do
aíTumpto de Homero: hum , e outro defcreve o íitio de Troys,
hum,e outro refere as acçoens dcquelles Capitães; oalTumptodo
ienhor Conde da Ericeira he inteiramente diverfo de ambos.
O Heròe de Virgilio era incerto , e duvidofo aícendente da
familia de Augufto, a quem o poeta queria lizongear: o Heròe do
Senhor Conde he certo, e infallivel progenitor da Cafa Real Por-
Cugueza, que elle procura, e confegue engrandecer.
Virgilio deixou taõ imperfeita a fua Eneida , que intentou
que naõ ficaíTe memoria da obra , fendo ella fublime, fe naõ do
Autor , que a mandava queimar por íer dcfeituoía , o Senhor Con-
de tem emendado tanto a fua Enriqueida, que ja parece mais ef-
feito da niodeftia , que amor à perfeição.
Finalmente Virgilio naõ teve com quem competir dentro da
fua mefina naçaõ : oS?nhor Conde podia fçr çraulo, mas fòy ven-
cedor
cedor do noílb inhgne Camoens ; taõ iníígne que fempre ilhiílra-
ria a pátria com o leu engenho, ainda que o naõ tivefle emprega-
do em ferviço delia.
Naõ fallo na exceíTíva diíTerença da esfera do poeta Latino ao
Lufitano , fendo aquelle taõ humilde pelo naícimcnto, como dif-
tinto pelas obras , c fendo efte fó taõ illuílre nas compoliçoens ,
como na origem : de cuja grande Ca/a foy lempre o melhor pa-
trimónio o amor ds todas as fcicncias , c o patrocínio de todos os
fabios , fendo efta nobre virtude naõ fey fe de menos merecimen-
to por ler herdada , íe de mayor louvor por fer perpetua. Mas naõ
devo paifar em filencio o grande , e notório exceíTo que o Senhor
Conde faz a Virgílio na extençaõ, e generalidade do mefmo en-
genho.
De Virgílio fe conta que orara huma ío vez, e que fe por a-
quella orsq-iõ le jiilgaííea fua capacidade, feria reputado por hum
homem indifcreco , e totalmente inhabil para as letras; o Senhor
Conde hs igual na poética , e na oratória ; taõ egrégio quando
executa as regras da poeíia , como quando ob/erva os preceitos da
eloquência ; e he mayor aíTombro para nos a igualdade que tem
comíigo, qne a ventagem que leva aos outros deftas profiflbens.
E aílim me parece que VV. Excellencias devem agradecer ao
Senhor Conde da Ericeira querer eftampar o feu livro, e ufarnel-
le do titulo de Sócio da Academia Real; para que os que e.O-aõ den-
tro, e fora da meíma Academia incitados da gloria de o cerem por
companheiro , e diredlor , huns trabalhem por confeguir taõ ex-
ceíliva honra , e os outros procurem moftrar que naõ faõ indig-
nos deila. Lisboa Occidental, 14. de Abril de 1737.
O Conde de Vimiojo-
CENSURA D E J LBXJNDRE B E GUSMAM
Académico da, Academia Real.
EXCELLENTISSIMOS SENHORES.
LI com igual exacçaõ , e gofto o Poema da Henriqueida com-
porto pelo Excellentiíllmo Senhor Conde da Ericeira D. Fran-
cifco Xavier de Menezes , e íendo obrigado pelo preceito de VV.
Excellencias a interpor íobre efta Obra huma çenfura , que reco-
nheço mui fuperior ao meu humilde juizo , naõ achey nella mais
que motivos fcequentiíiimos para a minha admiração japelo uzo
naõ
n.iõ Jeveriaô câiifalla as engenhozas producções defte por todos
os títulos nobiliíTímo Autor ; íaõ com tudo tantas as fingiilarida-
des que neftc Poema fe encontrão, que o Leitor, por mais que en-
tre prevenido da rara capacidade de quem o compoz , naõ pode
deixar de ficar a cada paíTo íorprendido. O aflunco , e parte hil-
torica dellc incerefla fummamente a acençaõ , ao mefmo tempo
que realça a gloria do Reyno , e da mayor parte das Familias conl-
picuas delle ; a invenção, c enredo íaó dos mais agradáveis , e bem
feguidos quefe achaó em outro algum Poema; os epiíodios chc-
yos de aprazivel novidade 5 os caraóleres íuftentidos até o fim
Tem le definentirem , nem degeneratem ; as defcripções, e com-
paraçoens uzadas com parcimonia que naõ enfaftia , mas taiiibem
aíTazonadas com variedade , e viveza de imagens, que fazem hum
verdadeiro retrato da natureza; as Deidades , e fabulas (que fo-
raó o leite com que fe criou a Poefia.eíem a qual nos parece fem-
pre débil , e enervada) introduzidas com o mais feliz artificio
que ocorreo a nenhum dos Poetas Chriltáos, fervindo íe o Autor
delias com toda a liberdade que lhe he neceíTaria para ornamento
da fua Obra , fem o menor prejuízo da fua piedade ; finalmente
todas as regras do Poema Épico febre a unidade da acçaó , dura-
ção delia, e repartição dos fucceíTos, e dos Cantos, &c execu-
tadas taõ pontual , e naturalmente, que parecem obíervadas pe-
lo Aut »r, mais por foiça de habito, que de eítudo.
Sendo elie Poitma taõ exuberante para adquirirlhe gloria, naó
fe contentou o feu fecundiííimo génio com a producçaó delle,
mas offerece juntamente outro thefouro bem eftimavel nas Ad-
vertências Preliminares , onde com o pretexto de anticipar a apo-
logia a hutna Obra, que ninguém fe atreverá a criticar, explica
as regras que feguio, e as obfervações porque fe governou, com-
pondo deíla íbrte hnma efpccie de Arre da Poefia Épica , que fer-
vira ao. diante de farol ,e guia para todos os que quizerem acer-
tar neíla dekitavel , ainda que laboriofiíTíma, e arriícadiílimaoç-
cupaçaó.
Com o mefmo efpirito incanfavel fez a todos os lugares do
Poema, que receou poderem fer menos bem enttndidos pelos lei-
tores medíocres , notas clarifllmas , cheyas de vaíta erudição, e
de noticias mui particulares , fegurando aífim a lua Obra do pe-
rigo de fer desfigurada , e violentada pelas ideas etcrogencas de
algum commentador indifcreto, e prevenindo ao Leitora fatisfa-
içaõ de achar o verdadeiro lentido com huma abundância de no-
ticias, que nem com muito trabalho poderia fubminiftrariiie qual-
■^er oAjtro que depois emprçndeife o cojumenco.
lílo
Tilo he em breve o qne me occorre do muico que poderia
dizer em louvor do volume que Vv. Excellencias me mandarão
examinar ; e íc o Ceo arendeík aos noílos dezejos , em cumpri-
mento de hum que he geral em todos os que conhecem ao Excel-
leniiílimo .Senhor Conde da Eiiceira ,lhe prolongaria por muitos
íeculos huma vida indeteíTa em produzir continuamenre obras
gloriofas ao feu nome, eà fua Pátria , huma vida illuííiada com
os alentos do coração mais cândido , e generoíb , e do engenho,
mais difcreco , e ornado, que ja mais ie hajaó viítos unidos com
taõ eíclarecido Tangue , huma vida , em fim , que fera memorá-
vel em todo o Orbe Literário , naõ fó a titulo de Autor , e Poeta
infigne , mas também de Mecenas humaniíTImo. Lisboa Orien-
tal 24 de Julho de 1757-
Alexandre de Gufmao.
ODireítor , e Cenlores da Academia Real da Hiftoria Portu»
gueza daó licença ao Conde da Ericeira para ufar do titulo
de Académico do numero no livro intitulado Poema de Conde D.
Henrique ^ viftas as approvaçoens dos dous Académicos, a ouc le
cometeo o íeu exame. Lisboa Occidental, 1 1 . de Agofto de 1737.
Conde de Ajfumar.
António dos Reys.
Marquez, de Valença,
D, Vtogtí Fernandes de Almeida,
Nuno da Sj/lva Telles,
LICEN-
b
DO SANTO OFFICIO.
CENSURA DO Aí. R. P. Al. Fr. BERNARDO DO DESTERROf
Relígiojo dít Ordem de S. Domingos Prefentado na Sagrada Theologia.
eminentíssimo, e reverendíssimo senhor.
Brigado do preceito de V. Eminência a dar o meu pa-
recer fobie eíla Obra , intitulada i Henriqueida Poema
hcrcico com adrvertencias , &c. compoíla pelo Excellen-
_ ^_ tiílimo Conde da Ericeira D. Francifco Xaxier de Me-
nezes , ró poflo , e devoídizer ,' que nem acho, nem podia achar
ncila coufa, em queleotíenda a'pareza de noíTaSantaFé, ou bons
coftumcs. V. Eminência mandará o que for fervido. Convento de
S. Domingos de Lisboa Occidental i. de Julho de 1758'
Fr. Bernardo do Defterro.
CENSURA DO Aí. R. P. M Fr. JOZE' PEREIRA DE SANTA ANNA,
Relígiojo da Ohfervancta do Carmo , Doutor , e Lente jubilado na
Sagrada Tlieologia , e chronijia da fua Ordem.
eminentíssimo senhor.
LI o avultado Livro, que contem a bem formada Henrtqueida
com as Advertências preliminares , e Notas , de que he Au-
tor o Excellentiílímo Conde da Ericeira D. Fran^iíco Xavier de
Menezes do Coníelho de Guerra de Sua Mageíiade, &c. Vaiaó,
alèm de famofo em virtudes moraes, e politicas, de modo con-
fumado nas fciencias relevantes, que os menos íabios o numeraó
entre os mayores , e os mais intelligentes conhecem, que he pela
fua quafi incompreheníivel univerfalidade, atè dos Príncipes das
Artes liberaes o Corifeo. Logo nas fuás Advertências preliminares,
no titulo da Imitação exprime hum modefto dezejo de Icguir a Ho-
mero, parecendolhe, que ío o iguala na falta de vifta, que julga
defeito , e naó nas obfervadas perfeições de íèu Poema. Clara-
HPiçnie iuoftra , que o naõ cega o amor próprio 3 porque a ter ca-
pacidade
I
pacldad« (íe exercitar efte affe(5to , poderia crer a conftante voz Je
muitos árbitros , que em alguma parte condenaõ a Obra de Ho-
mero, e em tudo louvaõ a proporção, emais parriciilaridíi.des dei-
te Poema Heróico. Mas ainda , que o ExceJlcntiíIimo Autor , por
naõ abonar o applaufo próprio, ou defconiieça , ou defprcze as
ventagens, que leva àquelle , e a femelhaiues poetas , baila para
fuperabundantemente eftabelecer efta verdade a bem recebida, e
nunca impugnada opinião de 1'eus cultores. Em Homero íèria de-
feito a referida falta de vifta : mas no Excellentiíiimo Conde foy
alta providencia . por tal vez nos perfuadirmos , que todo he in-
telligencia ; porquanto atè depois de lhe faltar o exercício dos
oliios corpóreos, incanfavelmen te trabalha com os d'alma,e quan-
to he poíiivel , vé com o feu claro entendimento. Para fer infig-
ne poeta , lhe baftaria haver herdado de leu Excellentifllmo pay
efta nativa qualidade j mas para nefta eiiimabiliífima aite exceder
aos feus melmos originários predeceíTores , atè de fua Excellentif-
fima Máy participou poéticas affliiencias Ambos os feus gene-
rantes foraõ inlignes i porém no filho avulta mais do que em ca-
da hum dos pays a poezia, porque à maneira de hum rio, femprc
efte he caudalofo depois que nells entraõ, e íe unem muitas aguas.
As que da perenne fonte do Parnazo para o enrendimento do Ex-
ceilentiíínno Autor da Enriqueida manàraó , faô as mais criftali-
nas: bem que por nenlium outro principio fe reconhecem mais
puras, que por naó haver em toda efta grande Obra couía que
ofFenda a nofTa Santa Fe , e bons coftumes. Por tanto a julgo dig-
nilíima de fe eftampar. Real Convento do Carmo de Lisboa ii,
de Julho de 1758.
Doutor Vr* Joú Pereira de Santa Ãnna.
VIftas as informaqoens , pòde-fe imprimir o livro de que fe
trata, e depois de imprelfo tornará para fe conferir , e dar
licença que corra, l::m a qual naõ coirerd. Lisboa Occidental, 1 1.
de Julho de 173 b'.
Fr. Rodrigo de Alencafire. Sylva, Soares. Abreu,
B DO
DO ORDINÁRIO.
CENSURA DO M. R. P. D. JOZE' BARBOSA CR,
Chronifta da SeremJJima Cafa de Bragança , Académico da
Academia Real da Hífioria Rortugueza , e Examinadcr
SynoUal do Patriarcado de Lisboa.
EMINENTÍSSIMO SENHOR.
HE V. Eminência fervido , que dé o meu parecer fobre o Poe-
ma intitulado Henriqueida , que compoz o Excellentiífimo
Conde da Ericeira D. Francifco Xavier de Menezes , caó benemé-
rito da fua fama, que de juftiça fe'lhe deve a univerfal acclaroaça6-
a todas as fuás obras. Naó fe fatisFaz o Autor com moftrar nefte
Poema a elevação do feu juizo na mageftade da acçaõ, a delicadc-
íã do leu difcurfo na diftdbuiçaó das paitss , a verofnniiidade na
idea das ficções , e a natureza dos Epiíodios ; mas fez por força
da natural cadencia, que em taó grande numero de Oitavas (e ad-
mire femprc a fuavidade , e a conftancia do metro. Nada difto mé
faz novidade,porque aífim como dos valerofos nafcem valerofos,
também dos difcretos nafcem difcretos. Seria injuria da nature-
za, que degeneraífem feamente os filhos da condição dos Pays,
porque naó coftuma o valor das Águias produzir a pufilanimida-
de das Pombas.
Da Cafa do Autor fe deve dizer, que he a Cafa da Sabedoria,
porque naó fallando nos defcendentes do Autor , que com o ef-
piendor do íangue receberão a viveza do entendimento,e os tefou-
ros da erudição, naó vejo por toda a fua Excellentiflima aícenden-
cia íe naó profeíloies de todo o geneio de lecias , de íorte que atè
difpoz a Providencia, que efta grande Cafa vieífe a fer herdeira de
algumas , cujos poííuidores foraõ refpeitados no íe.i tempo por
morgados das fciencias. E fallando neftes , que por ferem de fora
fe lhes deves deattençaõo primeiro lugar, quem naõ fabe que Dio-
go de Paiva de Andrada foy hum Theologo, que entre os muitos,
e grandes, que ibra5 mandados por ditferentes Príncipes ao Con-
cilio de Trento , mcreceo, e coníeguio ( que he mais) entie todos
a primeifi diíliiuçaò pelas fuás letras , de que daõ gloriofo tef-
tcmunho os Efciicotes daquelle Sagrado Congreífo. Deo 1 luz a
defenfa da Fé novamente iliuftrada no mefmo Concilio em hum
volume de qiiaito^ cílarapou outro, com o titulo Qithodox^fidei
' " Conful-,
Ccnfítlt At tones , e três tomos de Serwoens , naõ fazenáo agora meii--
çaô de muitas Oraçoens UtinaSyqus diíTe na prefença daqnelles dou-
tiíllmos, e graviflimos Padies. Seu Irma5 o V. P. Fr. Thomc de
Jefus , que honrou as mafmorras de Africa cora a fua prizaó, e a
Religião dos Eremitas de S. Agoftínho, de que fcy profeíTo , com
as fuás virtudes , entre muitos livros que imprimio , he mais cele-
brado ( e com razaõ ) o que tem por úziúo Trabalhos de Jefit , que
depois de traduzido em varias línguas, modernamente fe impri-
mio com a íua Vida cfcrita por D. Fr. Aleixo de Menezes Primaz
do Oriente, e das Hefpanlias, Governador da índia, e Vifo-Rey
de Portugal. Francifco de Andrada Coramendador de S. Payodas
Fragoas, e Irmjó de ambos efcreveo a única Ckromca que temos,
d' ElRey D. J^oao o III- Traduzio em Portuguez a Vida de Jorge Caf-
TTtoto compofta em Latim por Marino Bariecio Scutarino : o Toe-
ma do Cerco de Dio , que he rariííimo , e outros muitos impreífos, e
manufcritos. Seu tilho , e lucceífor na mefma Commenda Diogo
de Paiva de Andrada atém de muitas Cartas Latinas, e Portt<guez.iís,
de muitas Poefias , t' Enigmas nas línguas natural , Italiana , e Efpanbo'
la , de três Tragedias , e de alguns Panegyricos , deu á luz o Exame de An-'
tigmdades , o Cafam:nto perfeito, e ofamofo Poema Chauleidos, em que
teve a felicidade de fer igual a fineza dos conceitos á elevação do
metro.
Mas voltando agora para os Senhores deftaCafa pela Baronia
dos Menezes , o primeiro Conde da Ericeira D Diogo de Mene-
zes efcreveo , e imprimio a Vida de D. Henrique de hlemz.es Governa-
dor da Indta. Deixou correr mais liberalmente a penna o fegundo
Conde D Fernando de Menezes, e entre grande numero de ma-
nufcriptos , que fe confervaó feus, vemos na luz publica a Hiftoria
de Tangere, e a da RefiauraçaÕ de Portugal, clcrita em dous volumes
na lingua Latina com tanta elegância , como na Portugueza a de
ElRey D. 'Joaõ o I. Seu Irmaõ, e genro o terceiro Conde D. Luiz
de Menezes, quem ignora que efcreveo a Hiftoria de Portugal Ref-
uurado em dous grandes volumes , a Vida de Jorge Cafirioto , eo
Compendio da Vida do Marquez, de Távora , e que deixou grande
quantidade de manufcricob, políticos, militares, e poéticos, e en-
tre elles hum certamente digno de toda a eftims^aó , qual he a
repofta pelos mefmos confoantes a todos os Sonetos de D. Luiz
de Ulhoa? Nefta Cala eruditiífima ate as Senhoras fe fizeraó mila-
gres dadifcriçaó, como fe vio na Excellentiííima CondeíTa Dona
Joanna de Menezes , filha , mulher , e Mãy do II. III. e IV. Condes
da Ericeira, que compõdo em proza, e verfo muitas, e eiegantif-
fimas obras , íe excedeo a fi mefma nas 300. Oitavas do Defperta-*
ha doí
^oV ád Aiwa alfueno de U Vida, que corre impreíTo com 6 Tupoí-'
to nome de Jpollinario de Almada. Naó efcreveo a Excellentiflima
Condefla com penna de Águia , porque ha muitas , efcreveo com
pena da Fénix , porque he única.
De todos eftes eruditiíITmos Cavalheros he neto , fobrinhò , eí
filho o Excellentiífimo Auror deíle Poema, em quem entendo que
fçz â natureza o mayor esforço, pois parecendo muito diííiculio-
ía a femelhança , ou a igualdade , naó fó veneramos , e reípeita-
inos o exceífo na agudeza , e facilidade , em todo o género de
.compoíjçaõ , mas também na fecundidade , porque trinta, e fe-
te volumes fe compõem de obras fuás. A muitos engenhos fez ef-
tereis o tempo com a fecundidade ; a eíle o faz o tempo cada vez
mais fecundo. Canfaõ as arvores com a producçaõ dos frutos ; ca-
da dia he mais copiofa a fanteíia do Autor. Houve terras , que en-
riquecendo o mundo com as fu^s minas , vieraó a naó ter eftima-
çaó , pela falta do ouroj efta mina Excellentiííima he mais rica,
quanto mais produz , e nelle fe vè o como o entendimento hti-
mano he ímma participação do divino , porque nunca íe exhau-
le. Ifto prognoitjcaraó os rariífimos principios da fua idade, por-
que chegou nelles aonde naó chegarão outros em annos mais prove-
&0S.., e baft^ria dizer que fazendo os eícritos dos feus Afcenden-
tes trinta , e feie volumes , elle fò igualou a todos cora o mefmo-
numero de tomos.
Aiéagora quiz dizer alguma coufa do Autor da Henriqueidàj
líorque a matéria he taó vafta, eao mefmo tempo taó elevada, que-
|3or muito que fe diga, nunca fe pode paíTar do principio : ago-
lã me he precifo informar a V. Eminência acerca do Poema. A
Epopèa, Eminentiííimo Senhor , he huma narração em verfo he-
róico das acções illuftres de alguns Heròes. NaÕ direy agora toa-
das as partes., de que fe deve formar, as quaes todas defcreveo em'
breve, mas elegante eftiio o Padre Lejay, fazendo-as fumma--
mente perceptiveis no concifo , c claro modo de dizer, por--
que naó entro a dar documentos, quando lómenre íe me pede in-
/orma(^5 defte livro. He certo pelo que dizem os Autores , que
iium Poema que mereça verdadeiramente o nome de Poema naó
o ha pelas condiçóes que fe lhe fuppoem neceíTarias , e preciíàs.-
Deve de ter huma fo acçaó , que naó ha de fer nem muito anti-
gna , nem muito moderna ; deve de ter hum fóHeroe, mas tao-
eminente aos íeus companheiros, que pareça fempre mayor , nunn
cu Igual, dclcnido de que he notado Torqiiato Taíío , que tudo.
quanto houve de grande, e de illullre no fitio de Jcrufalem attri-
bii^.a Reginaldo , aT^ACfedo, ea Raymundo., deixando a Go»
dpfredo, ,
cJofredo, que he o feii Heròe, fó com a fatísfaçaó de fei- tefte mu-
nha de tudo, e de cooperar como particular, e naô como íiipe-
rior : o que melhor fe prova que refolvendo Godofredo na au-
fencia de Reginaldo levancar o cerco da Cidade Santa , e voltan-
do depois Reginaldo , mudou de lorte de opinião , que aos Tolda-
dos íe lhes infundio tal valor , qne íe lhes rendeo a Cidade íkia-,
da, demaneira , que pelas leys , que fe daõ pnra a bondade de
hum Poenia, o Poema Heróico lie Chimera , que naó pode ex-
iítir.
Com tudo eu creyo que efte quaíi impofiivti o confeguio o
Autor nefte Poema, porque o Conde D. Henrique, que he o íeu
Heròe, hc taô fuperior a todos os companheiros das íuas acçúes',
que íempre íè lhe conhece a differença , que fe dà entre Príncipe
e Vaífallos. A acçaõ he huma, qual he a tundaqaõ do feu Império.
A verofimilidade que he huma das partes da acçaõ, íevé aqui com
toda a decência, e propriedade,porque tudo o que finge à fecun-
dilfima , e difcreciííima idea do Autor , poderia íer, ainda que naõ
foy. Naõ le vè aqui o que com rifo, e indignidade fe vc em Ho-
mero, e em Virgílio, Meftres , e Lentes de Prima mais que jubi-
lados da Poefia Grega, e Latina. Eu naõ duvido que a antiguida-
de lhes conciliou toda efta grandeza , mas íendoeu grande vene-
jador àã antiguidade, naõ palia o meu reípeito a buma obftina-
da cegueira. Se bafta a antiguidade para violentar , e arraftrar a
razaõ, taõ antiga he a idolatria , que muitos lhe daõ o feu infeliz
principio nos filhos de Seth , e ninguém haverá que affirme que
a idolatria merece eftimaçaõ por haver muiços feçulos, que leiníi
troduzio. :;
Que importa que Homero , eque Virgílio fejaõ antigos para <
defculpa do que elcreveraó ? Pode parecer bem ainda ao mayor
idolatra da antiguidade efcrever Homero que Achilles converfa-
va com os feus eavallos , e que elles diícorriaó com o íeu Heròe
íobre o eftado futuro dos feus llicceííos ? Eu creyo qtie quando
Horraero efcreveo efte difparate , efrava raõ cego nojuizo, como
nos olhos Qiie haja , c que houveíTe homens , que foíTem capazes
de tratarem com cavailos , naõ o duvixdo ; mas que os cavailos
pcrcebeflem os conceitos humanos , e que refpondelTem-, como
íê foflem racionaes, ifto devia de íer em Grécia , e foy generoíi-
dade de Homero , que quiz dar juizo , a quem a natureza naõ deO'
mais do que inftincio. Tudo podia dizer , quem- naõ conhecia a
indignidade do que imaginava.
Parece que foy pena da imitação de Homero o que diífe Vir-
gílio , qi|e huma arvore -natural. produTia ■ hum raino de ouro,
que
que Tem duvida fe deve de rer por benefirio da Chfyfopeya poe->
tica, que do cadáver de Polidoio nalceraó varas íViióliferas, eque
os navios de Eneas íe transformarão eai Ninfas. Qiic direy das
lagrimas que diz Homero dos cavallos de Achilles? Pareceo tam-
bém ao mefmo Virgílio aquella corrente de lagrimas deftes caval-
los , que a Ethon , que o havia fido de Pallanre , quando repre-
lenca a fua pompa funeral , o defcreve chorando na marcha j in-
verofímilidade que o Padre la Cerda commentando efte lugar cor-
robora com a autoridade de muitos Poetas, e Hiftoriadores, por-
que he vicio geralmente introdufido nos Commentadoies quere-
rem defender tudo quanto diííe ocommentado, luppondo como
infalliveis as fuás opinioens, felicidade que naõ teve o noffo gran-
de Camões, porque alguns dos que o explicarão, naõ tiveraõ com
elle efta attençaó. Eftas lagrimas nos brutos naõ íó foy afierçaó
de Poetas, mas também de alguns Hiftoiiadores,como Suetonio, e
Piinio , e ainda que Aldrovando quaíi entendeo que eraõ encare-
cimentos poéticos , juftifica efta opinião allegando vários Auto-
res. Eu naõ duvido que houveíTe demonftraçaõ como de agrade-
cimento nos brutos para com os feus bemfeitores, que na fua fal-
ta fe deixarão morrer ; e fe elles tivellem o fegredo de chorarem,
naõ fatiaó a fineza de morrerem. Entendo que íaõ exaggeraçóes
inverofimeis , porque as lagrimas faó filhas do diícurfo, o difcur-
fo he effeito da razaó , e aonde naõ ha as premiíTas, naõ fe pôde
íe^^uir a çonfequencia.
Se quem os efcrevia dava credito a eftes ímpoíliveís , naõ fey
o que diga ; e fe era para divertir a quem ouvia contar eftes ar-
monicos deíconcertos , bem lhes podia lifonjear os ouvidos cora
acções mais verofimeis. Que direy da facilidade, com que o mef-
mo Poeta introduz nos Campos Elifios ao feu piedofo Eneas pa-
ia fazer huma vifita a feu Pay Anchifes para ouvir da fua boca a
futura grandez-a da Republica Romana, quando era mais natural
que o foubeíTedaSibillaCumea, a quem fe attribuhia o efpirito de
profecia, e que na entrada da infernal caverna ja lhe tinha dado
argumentos do mefmo dote.
O Heroe , como todos aíTentaõjdeve fer de tal forte conftan-
te, que ha de fer íuperior a todo o género de adveríidade, e naõ
ha de haver acçaõ por árdua que feja, que naõ ceda ao feu valor,
que para ilfo fe fuppoecn Heroe. E como le compadece ifto quan-
do vemos a Eneas todas as vezes que ouviado algum trovaójC todas
as vezes que o vento paliava de Favonío, ou de Galerno , ja poí-
to de joelhos , chorando como o mais tímido homem do mundo,
c pedindo foccortp. ao Ceo naqueiies perigos. Eílas acções mais
pare-
parecem de carpidor, que de Herce. Qiie faria Eneas Te lhe fucce-
dera o marimoto , qiie experimentou D. Vafco da Gama? Naõ te-
riamos os Reys de Albânia , porque morreria de fiifto, e naõ di-
ria o que diliè o lUuftre Gama aos (eus companheiros , que aqael-
la extraordinário movimento era medo do mar , íentindo fobre
íi o pezo de taõ vakrofos loldados , como cantou o iníígne Ca-
mões na Ertancia 47 do Canto II.
O' gente forte , e de altos penfamentos
Qíie tambcm delia hao medo os elementosl
Ifto he íer Heroe.
Qiie lagrimas tau indignamente derramadas, como as do pie-
dofo Eneas na morte de Palinuro , que era hum miferavel Piloto?
Naõ podia fentir mais a morte deíeu Pay Anchifes, que na de Tua
mulher Creufa naõ fallo , porque naõ faltaõ autores , que affir-
maó que elle mefmo a matara em obfervançia do paóto que fizera
com os Gregos de naõ ficar com vida filho algum do infeliciílimo
Priamo, porque efte Heroe fundava a mayor parte da fua gran-
deza em acqões, de que ou íe naõ devia de fazer cafo, ou que naõ
mereciaó eítimaçaõ. Que acçaó mais heróica que ver a hum ho-
mem taõ infigne , como o piedoíò Eneas, deftinado para funda-
dor do império Romano, occupado com toda a fua geiUe em cor-
tar ramos de arvores para compor , e adornar com elles a fepultu-
ra de Mifeno, que podendonos períuadir que leria algum homem
digno da mayor eílimaçaõ , pois íe lhe faziaõ na morte taõ publi-
cas demonftrações de fentimenro , /abemos qué o íeu minifíerio
era no mar empunhar hum rerno , e tocar ha terra Kuma trom-
beta. Qiie compaílívo patrono perderão os Algaravíos , eosTrom-
beteiros negros em naõ alcançarem os tempos do piedoíò Eneas!
Huma das partes , de que reíulta a perfeita Epopèa, he a àos
coílumes , que deve ter o Heiòe cm gráo peifcito, poiquenaõ fe-
ra jufto que hum Varaó, que ha de fer o extmplar de todos, achem
CTS que delle dependem , vícios , que imitem huns , e que efçanda-
lizem a outros. Ela de fer pio , magnanin.o, genetolo, affavel , e
independente : ha de receber os tributos , como obrigação dos
vencidos , naõ como fatisf.nçoõ da cobiça. Todas as (uas accoens
haõ de refpirar valor, e ms^eí^ade, e de nenhum medo ha de dar
mào exemplo pelo perigo da imitaçaõ„
Naõ o praticou aíiim Virgílio com o feu piedofo Eneas nós
divertimenros , que lhe fingio com a Rainha Dido (Princeza mo-
deíti-ífima , e que para naõ ccntrahir o legundo caíamento com hií
Rey, que a pretendia , fe queimou viva 5 infâmia de que a refgatoii
a diicreta pena de Aufomo no Epigramma 1 1 g. } e aTendec ao a-
mor
mor de hnm homem defconhecidoje peregrino. Anachronlímo
verdadeiramente atrevido íobre fallo , porque tendo vindo Eneas
a Itália 3 50, antes da fundação de Roma , fetenta annos depois de
íe fundar ac|4.]ella Senhora de todas as naçoens, deo principio a
Rainha Didoà Cidade de Carchago. Bem ley que os Poetas tem
algumas vezes os privilégios de Piofetas, por onde fe lhes dá o no-
me de Vates, que he perturbarem artificiofamente a ordem dos
tempos : porém naõ ha de íer pelos fins indecentes, como efte, que
fingio Virgílio, para infamar huma Prijn1f*za, que naõ merecia ef-
ta injuria pelas accoens prudentiíTlmas da fua vida.
Como íe pôde perfuadir quefoííe magnânimo Eneas, vendo-
o matar a Turno, que lhe pedia a vida com todas as demonftra-
çoens de rendido? Nem parece que bafta a defculpa que fe ailega
para efta vileza, o verlhe pendente dos hombros ainfignia militar,
de que tinha defpojado a Pallanre , porque eííe motivo na opinião
de muitos foy prererao paia disfarçar a própria vingança com a
fineza da amizade.
Nenhum deftes ou defcuidos, ou erros verá o mais efcrupu-
lofo Leitor nefie Poema, porque além de fcr comporto depois dei-
tas, e de outras Cenfuras aos Poemas de Homero, e de Vírgilio,
todos fabem que a mefma gsneroíidade do illuftre fangue de feu
-Autor Excellentiííimo paílou a animar a fua pena, e que naõ podia
haver fenielhante nota em hum entendimento, que medita fempic
aççoens heróicas, o que provara com evidencia, feo juizo , que
faço das letras , pudeíle paíTar ao das armas fem a nota de aíFeóta-
jçaó. Tudo nefte Poema he igual, porque a íentença que he outra
parte da Epopèa , he fummamence delicada , e taó própria , que
parece que fe naõ podia dizer de outra forte, e adicçaõ finalmen-
te he taó elevada, taõ clara, e raó conftante, que tira as eíperanças
de fer imitada. Entendo que efte Poema , em que fenaõ vè pala-
vra contra a Fé, ou bons coftumes,íe deve de imprimir para que
íirva a todos de exemplar, e de admiração. A outros Autores de-
ve-fe dar a licença para imprimir , para que por beneficio da im-
preílaõ mereçaó a fama: porém no Excellentiííimo Autor deílePoe»
rca naõ he allim , porque tem chegado a raó alto ponto de gloria,
que nnó pode ter augmento, porque a fua vafliíTlma erudição he
taõ coniieoida por toda Europa, comoo dizem as íuas doutiílimas
correfpondencias em Itália com os Cardeaes Conti, depois Inno-
cencioXlII. e Cienfuegos, com Muratori, Bianchini, Creícim-
beni, e o illuftre CongrelTo dos Árcades com a íua Excellentiííima
Sociedade fatisfizeraõ a louvável ambição de aggregarem ao feu
Gprpo hum dos mayorss homens do mundo: em Alemanha com.
d II
du Mont, e Garclll , em Olanda com le Clerc ; e Bayle: em Ingla-
teiTB com Sylveftre , c outros da Saciedade Real em que ja feacha
introdufidoiem França com Boileau,Renaudot,Bignon, la Roque,
Ncufuille,e outros muitos em que entra o grande Marechal de
Schomberg , de cuja heróica hoca aprendeo pelo efpaço de hum
anno a Arte militar : em Eípanha com Salazar , que foy o Con-
de D. Pedro da fua idade, Mayans, c Feijó, vendo, e ouvindo
celebrado o leu nome , com mais de trinta Dedicatórias , entre
as quaes merece particul^f^memoria a da Critica de D. Salvador
Jozè Maííer. Naõ pôde haver cfcrupulo de lizonja nos louvores
defte Autor Excellentiífimo, pois Tabemos que de tal forte concor-
reo a naturefa para o fazer grande, que na idade de oito annos ja
era Académico Inftantaneo,ede poucos mais, Académico dosGc-
nerofos, aonde, quando fe renovou, foy Preíidente fendo de vin-
te annos , Secretario , e Protedor da Academia Portugueza , e
Cenlor, e Diredor da Real, e pela fua rara viveza, grande enge-
nho, e mayores noticias naõ houve Certame poético no feu tem»
po , de que naõ foíTe Juiz , e de taõ virtuofa hydropeíía em jun-
tar livros, que acreícentou à Livraria que herdara, mais de vin-
te mil volumes efcolhidos , e íeis centos manufcritos de muita ef-
timaçaõ , e naõ podendo fer mayor a fama defte Autor Excellen-
tiífimo, fahindo agora a Henriqueida á luz publica, dará mais hum
Hovo argumento , e hum illuftre teftemunho do que todo o mun-
do venera. Efte he o meu parecer. V. Eminência mandará o que
for fervido. Lisboa Occidental nefta Cafa de N. Senhora da Di-
vina Providencia de Clérigos Regulares 14. de Setembro de 1738.
D. Joz,e Barbozjt C, R,
Vlíla a informação pòde-fe imprimir o livro de que fe trata,
e depois de impreíTo tornará para fe conferir , e dar licença
para que corra. Lisboa Occidental , í;. de Setembro de 1738»
Gouvea,
DO
DO PAQO.
CENSURA DO M, R. P. M. PAULO AMARO DA COMPA-
ííhia de Jefu , ^c»
SENHOR.
SE a obeHieiíciâ por goftofa perdeíTe o íer meritória , nada me-
receria o meu rendimento ao preceito , com que V.Mageftade
me ordena veja a Henriqiieida compofta peio Conde da Ericeira
D. Francifco Xavier de Menezes ; pois o gofto , com que a vi , i-
gual à expeótaçaõjCom que acompanhava os dezejos de toda a Re-
publica Literária, foy taõ grande, que antes devo dar, como dou,
a V. Mageftade as gra<^as, pela anticipaçaó, com que fatisfez aos
meos dezejos , do que publicarme obediente ao Teu preceito com
a devida execução delle,pofl:o que árdua para a tenuidade do meu
juizo , havendo de interpor, como íbu mandado , o meu parecer
em obra taó heróica : porque ainda que a obediência , que para
fer perfeita, ha de fer cega , atropelalíe, como tal, o conheci-
mento próprio , parece me fazia menos apto para Cenlor a ex-
cepção de foípeito , aíTim pela veneração peflfoal , com que íem-
pre refpeitey os incomparáveis talentos do Autor , como pela o-
brigaçaó commua da Religião , que profeflTo, â fua Excellendílirna
PeíToa , e Cafa , jufta , ainda que fempre diminuta retribuição ao
amor, e empenho, com que favorece efta minima Companhia.
E íem fer neceííario mendigar teftemunhos da antiguida-
de, nos noíTos tempos fe me oftereciaõ os motivos, que no nof-
fo agradecimento (e poderiaó julgar calificada prova dafofpeiçaõ.
Tal foy o mageftofo apparato , com que o Author fe empenhou
igualmente em honrar os vivos , e em celebrar as honras fúne-
bres de hum Jefuita morto , o grande P. António Vieyra j procu-
rando com vozes mudas , e eloquência viva eternizar a vida da-
quelle heroe, que lhe roubara a morte, e gravando com os mel-
mos caracteres no mauíoleo, que lhe erigia, o Ní>« />/í/í uIua da
Ina magnificência, e o da noíTa obrigação pelas demonftraçoens
de amor, que confagrava à memoria de Vieyra, a qual com fua
vener-qaõ fazia mais iaacloía. Tal he(na5 fallando em quem her-
dando do Autor com íí (angue,e virtudes o aífedo, chegou a pu-
blicar por í^hn-ia ^ r;Mfura de Amigo da Companhia) tal he a íín-
gyhr benevoienciíí > com que repetidas vezes a f^a nativa eloquen-
C' : :-■ cia
cia animada com o amor , c zelo ou refreou a protervia dos noí-
fos emulos , ou fez callar convencida a loquacidade dos iiial-
dizentes. E para naõ hir mais longe nefta meíiTia cbia no Canto
8. outava 9. ainda que em rermoj. conciíos, expoz o Autor hum
largo teftemunho ào leu afleclo, e hnm novo motivo p".ra a roí-
fa obrigação , tal , que a haver nefte Poema coula digna de cen-
fura, luíbmente fe poderia temer, que o aífeólo, pintor deftriííi-
mojde tal forte temperaífeas cores, que reaiçaííe luzes das mefma-s
jòmbras. Porém he tal a excellencia delia obra, e de leu Author,
raõ grandes os créditos , que com íeus eruditiííimos eRriros tem
conleguido na Republica Literária , que chegou a fazer impolE-
vel a fofpeiçaó , ainda cm quem tiveíTe motivos paia íet o mais
apaixonado. Eíta a eaufa, porque pofto de parte todo o efcrupulo,
que em tal cafo por falta de matéria rodo he impertinente , me re-
iolvo mais como interlocutor da voz publica, que como Ceníor,
a dizer a V. ivlageftade o que finto.
Se nefte Poema verdadeiramente heróico fe attender o feu
Autor, no melmo titulo, que o publica, traz a mais calificada
approvaçió; pois naõ ha quem ignore, que fendo a Cafa da Ericei-
la fecundiíUma de Varoens doutos , e de Efcritores eruditiííimos,
como teftemunhaõ tantas obras , com que tem eternizado o feu
nome, c enriquecido a Pátria, no Author deíla le preverteo a re-
gular ordem da natureza , que por limitada parece fe canfa nas
producçóes, hindo fempre em diminuiçaõj porque depois de tan-
tos Herocs, e taó granties, fahio á luz com efte, que fe naõ teve
a gloria de primeiro , pode ter a jadtancia de único , e de que a
repetida producçaõ de tantos Varoens infignes , quantos venera-
mos em feus Alcendentes , foy cníayo , para que o mundo lo-
graílè no Author hum máximo , em quem fe admiraíTe compen-
diada toda a erudição , e fabedoria , que repartida pelos outros
bailava a fazer cada hum grande. Naõ he encarecimento meu; he
confiílàõ de rigorofa juftiça; pois tem comporto íb o Author dei-
la obra igual numero de volumes ao de todos léus Afcendentes:
fendo tanto mais para admirar , íe fe attende á diverfaõ dos ne-
gócios políticos , e militares foiçozos aos feus empregos, que,
occupando o tempo , coftumaõ perturbar as efpecies , e interrom-
per o focego, que Ovidio julgava taó precizo para a eulrura das
muzas, e o naõ he menos para o eíludo das fciencias. Mas para
em tudo fer grande o Author , até nifto fe havia de aíTemelhar
a Cezar, a quem nem o governo politico da Republica embara-
çava a applicaçaõ aos livros , nem o manejo da e/pada retardava
os voos da pena: e fempre com ventagem , naõ fó peia multidão,
c ii e va-
e variedade de obras , mas pela circnnftancía doí annos , é efla-
do prefente ; pois ainda quando ja cego naó ceíTa de illuftrar a
Pátria , e diftundir as luzes da infinita erudição, que entezourou
feu incançavel eftudo.
Sey que Demócrito grangeou os créditos de mayor filofofo
à cufta da vifta, deque fe privou , para que mais applicado, por-
que menos divirtido , pudeífe contemplar os Cegredos da nature-
za , donde nafceo dizer delle Cicero vio mais Deimocrito cego,
que roda Grécia com vifta: íey que Homero Principe dos Poetas
Gregos padeceo a faka de vifta, c que Ennio Aufidio , íèndo ce-
go , naó íó íe occupava no emprego publico de Senador, mas em
particular na compoííçaó da hiftoria Grega: com tudo na ceguei-
ra do Author defcubro eu mayoies luzes; pois naó fó ferve ao pu-
blico , como Aufidio , nos Coníeihos , e Juntas , de que hc Minif-
tro mcritiíiimo, fe naó que o vence , naó fe occupando , como
clle, em huma ló hiftoria, nem , como Homero ló em dous Poe-
mas , mas em cantas , e taõ diverfas matérias , como labemos , c
dezejamos íayba o mundo todo por benehcio da eftampa.
E fe a cegueira de Demócrito , padecendo o dezar de ambi-
ção , e impiedade , o fez Oráculo entre os Filofofos , a do Authoc
o faz digno da mayor admiração , porque mais incompatível com
os feus eftudos , e efcritos. Que diícorra com mais acerto , e agu-
deza nas matérias Filofoficas hum cego , bem le entende; porque,
fuppoftos os princípios, e atalhada com a falta de vifta a divcrfaõ,
que caufaõ os fentídos externos , fe avivaó mais os internos , e fe
emprega toda a alma nos difcurfos , fendo poriífo eftes mais acer-
tados, e as conclufoens mais concludentes. Mas que hum cego,
como o Author ,difcorra, eefcreva cora tanto acerto em matérias
taõ vaftas, juntando em hum tantos eftudos , como os da Hifto-
ria, Poezia, Mathematíca, Chronologia, Politica, Genealogia,
Militar , Filologia , Erudição , e os mais , com que illuftra (uas o-
bras , e em cada hum com tal magifterio , como fe fó aquelle
profeíTaííe, he (em duvida aílombro da facilidade , pafmo da eru-
dição, etfeíto raro do eftudo, portento da memoria, e para dizer
tudo , monftrozidade de engenho. E hum tal Autor mal podia
dar ao publico obra, que naó foífe parto legitimo de feu raro ta-
lento, e poriífo naó íó acrcdor da approvaçaó , mas da veneração
comua.
Tal he, Senhor, efte Poema ; porque , fc le atténde à for-
ma , nelle fe vem religioílílimamente obfervadas as leys da Epo-
peia por raõ poucos praticadas , quando o pedia à obrigação, qu«
íc impunhaó , no alfumpto, que toraavaó : donde fc fegue poífo
dizer
Jizer fem aflrcfVaçaõ , qije à vifta defte Poema heróico naõ tem
Portugal que envtfjar a Grécia o feu Homero, a Itália os Viigilios,
Eítacios , Taílbs, e Arioftos , a França o Brebeuf, a Inglaterra o
, fcu Milron , a Hefpaniia o feu Gongora , Jiern ainda íèntir de fau-
dolo a falta do grande Luiz de Camões , e de íeu fiel imitador
Gabriel Pereira de Caftro ; pois logra de prezcnre no Author hum
Poeta, que fe naõ foy primeiro na ordem dos annos , naó he fe-
guudo no fácil , luave , claro , e conftante do eftillo , no delica-
do , e próprio da fcntença , no agudo , e grave dos conceitos,
no agradável dos epifodios , no vario , e deleitofo da textara; e
para dizer tudo , cm todas as qualidades , que fe requerem para
hum confuinado Meftre da Poeíia.
E aíTentando efta forma Ibbre huma matéria taó heróica,
qual he a Acçaõ , com que o Senhor Conde D. Henrique tronco
da Auguftiflima , e Real Caía de V. Mageftade lançou os funda-
mentos á grande maquina do Império Portuguez , naõ podia dei-
xar de refultar hum compofto taó admirável , como confeflarà
o mundo todo , quando por meyo do prelo fe veja enriquecido
com efte thezouro de eloqucncia,e erudição, a cujo applaufo ío po-
derá faltar o da enveja pela que pode caular a obra por inimitá-
vel ? E porque nem ao publico fe retarde eíle gofto, nem ao Au-
thor cila gloria , digo que fendo V. Mageftade taó eftimadoc da
Peífoa do Author, taõ zelofo do credito daNaçaõ,taõ amante das
boas letras ( coníequencia quaíi forçoza da alta intelligencia, que
delias tem ) e juftiííimamente acclamado no feu Reyno , e nos ef-
tranhos por Mecenas das Artes liberaes, naõ fó julgo convenien-
te conceda a licenqa , que fe pede para a eftampa defte volume,
mas que com efficacia igual ao zelo do bem publico , que em V.
Mageftade reyna, ordene ao Author naõ roube com furto taõ ma-
nifefto afia gloria jC a nòs o proveito, que a todos ha de rezul-
tar de dar á luz os trinta e féis volumes , que ainda lhe reftaói
porque fendo por filhos do mefmo Pay Irmãos de fte , he mais
que jufto o acompanhem no prelo , e corraó o mundo, multipli-
cando , lè naõ a gloria de íeu Author , porque naõ pode Ibbir a
mais, os tiuilos paraa veneração de íeu notne fempie immortal.
Efte o meu parecer , que em tudo logeito ao mais acertado de V.
Mageftade. Collegio de S. Antaõ da Companhia de Jefa , i 6. de
Novembro de 1738.
Paulo Amar tf ^
Que
aUe fe poffa imprimir, viflas as licenças cio Santo Ofíício > é
Ordinário , e depois de impreflo tornara a efta Meia para
íe taixar , e dar licença que corra , fem a qual naõ correra,
Lisboa Ocjidcntal , 1 7. às Novímbro de 1738.
Pereira, Ttixeira, V/(x, de Carvalhç. Coelho. CoJím»
LICEN-
LICENÇAS.
• Do Santo Oíficlo.
Sú conforme com o íeu Original , Lisboa Occidental , lo.
de Junlio de 1741.
Fr, Bernardo do Defterro.
VIfto eftar conforme com o Original, pode correr , Lisboa
Occidental , lo. de Junho de 1741 ,
Fr. Rodrigo de Alemaflre. Sjflva. Sodres. Abreu,
Do Ordinário.
T) 0'de correr , Lisboa Occidental, ii. de Junho de 1741?
D. V. A. de Lacedemonia.
Do Paço.
TAixaó efte livro em papel em 800. reis, para que poflfa cor-
rer. Lisboa Occidental , 21. de Junho de 1741.
PeretrA. Teixeira. Vaz de Carvalha.
ADVER^
ADVERTÊNCIAS PRELIMINARES
ao Poema Heróico da Hcnricjueida,
NA6 he o prologo , que íe lé ante§ de princi-
piarle hnma obra , quem juftifica os feus de-
feitos j porque eíles fó fc julgaõ depois que aquel-
Ia acaba de lerfe. Pode Ter , que por efta cauía naõ
uzaííem os efcritores antigos defta prevenção j pois
fe o autor reconheceo alguns erros na íua obra,
mais útil lhe feria a emenda, do que a difculpa. A-
té o nome , ou a fignificaçaõ alterarão os moder-
nos,dando-Ihe o que fó fe acha antes das Tragedias,"
e Comedias ) e como aquellas tem leys taõ íeme-
Ihantes às dos Poemas Heróicos , o que fe juftifica
na Arte Poética do Grande Ariftoteles , bem po-
dia eu por efta razaõ dar aquelle titulo a eftas ad-
vertências preliminares , fe foíle o meu fim preve-
nir a atenção dos Leitores , ou ganhar com humil-
de adulação a fua benevolência , por temer com
indigno receyo a fua critica. Em feculos mais mo-
dernos chamarão os Latinos, e denominao asou*
trás naçoens ao prologo Prefacio , e os Portugue-
zes antigos lhe chamarão Prefação , mudando-lhe
depois com os Heípanhoes efte titulo , que lhe era
mais próprio , no de Prologo , de que também al-
guns efcritores tinha 5 ufado nas obras em proíà
com autoridade de Sao Jeronymo no feu Prologo
Galiato da Eiblia. Proemio le acha em Cicero ,,. e
Quintiliano com o mefmo uzo ; que fc continuou
d em
ém tndo o que precede a qualquer obra , como diz
a fua Ethimologia , fendo eíle nome mais comum
que o de preludio , apparato , e outros, de que naõ
ha exemplos nos Efcritores Antigos , que os naô
íêparavaõ da .introducçao das hiílorias , do exór-
dio das orações , e da propofiçaõ dos Poemas he-
róicos. Porém como o meu intento he fó demonf
trar as regras , que fegui para hum Poema Épico,
que he o ultimo esforço da Poefia , e dos engenhos
humanos, me pareceo intitular Advertências Pre-
liminares as que haviaô de preceder a Henriquei-
da, fogindo da oftentaçao de allegar os lugares de
muitos autores y que efcreveraõ regras para os Poe-
mas Heróicos , que faõ mais do que aquelles , que
com perfeição as feguirao j e em quanto as notas,
com que determino aclarar algumas alufoens defte
Poema , fenaõ lem no fim delle , fupriraÕ de al-
gum modo eílas advertências aquelle commento ,
que naõ hey de efcrever por vaidade de que a mi-
nha obra o mereça como illuftraçaõ , mas como
defeito , pois o he grande hum eftilo efcuro , que
neceíTita de aclararfe com as notas , fe de algum
modo nos Poemas naõ foíle obrigação procurar o
eftilo fublime , e a menos vulgar erudição.
IMITAÇAM.
Reíblvime , naõ íey íe com demafiada ouía-
dia j a exporme ao perigo , em que naufragarão
por mais de vintq e íète feculos mais de quatrocen-
tos Poetas de todas as nacoens , que efcreveraõ
Poemas
Poemas Heróicos ; e naõ íêy, fe concordarão to-
dos em que dous de cada cento ficarão izentos da
critica juíla ; e ainda entre eftes naõ fó íe acharão
Zoilos , que indignamente os fatirifaraõ , mas A-
riftarcos , que com rígida , e naõ fempre imprópria
cenfura , pretenderão defcubrirlhe alguns deícui-
dos , de que naõ podem livraríè nem ainda os mor-
taes, que prefumem dar immortalidade aos íeus He-
roes j e com elles aos íeus efcritos. Homero fó deo
à lingoa Grega os dous Poemas perfeitos da Iliada
que he o mais elevado , e da Odiflèa que he o mais
engenhofo. Oh ! íe eu pudera íeguilo nas idéas,
como hoje a minha falta de viíla o iguala neíle de-
feito ! He o iluílre Melefigenes o mais antigo au-
tor profòno , que exifte , íendo a idade , em que
floreceo , taõ incerta , como afua pátria , de que
agloriofa difputa , dizem , caufou a guerra entre
fete Cidades : naÕ determino agora defendelo das
deílnerecidas calunias dos que naõíabem tranfpor-
taríe aos íeculos antigos para conhecerem o génio
dos tempos , o caracler dos homens , a inclinação
das naçoens , e o eftilo das Lingoas : alguma noti-
cia , que tenho da Grega, na5 me baílou para en-
tendelo bem , mas procurey ler as fuás melhores
Traducçoens , e comentos , fervindo-me mais que
todos o da eruditiíTima Anna Tanaquil filha do
doutiíTimo Fabro, e eípofa do igualmente grande
Mr. Dacicr , que na mefma traducçaõ, e notas dos
dous Poemas , e nos Livros , que efcreveo contra
d 2 aigno-
a ignorância moderna , confervou a antiga pofíè a
éfte, quefoy em tudo o primeiro dos Poetas : de-
íèjey imitalo nas fuás principaes partes , e fegiiilo
jnfos combates da íliada , e nos amores , e enredo
da Gdiflea. Virgilio entre os Latinos nos dá quáfi
-ô único Poema perfeito , e o tenho pela obra hu-
mana , em que íc achaõ menos imperfeiçoens : de
longe fep-ui , e adorey os feus veíligios , como diz
StaciOj*a quem dou por cfta modeftia ,mais do que
lhe arguo pela ília efcura elevação , o fegundo lu-
gar entre os Poetas Latinos , e como os vulgares ,
de que logo falarey , ainda naõ conhecerão , prin-
-eipalmente em Hefpanha , e Portugal, por fubli-
me o que he natural , e claro , leguindo o génio da
nação, imiteyem Stacio algumas figuras mais atre-
vidas , como também os jogos, em que fe dilata
mais que outros Poetas. Jà que as Muías concede-
rão apenas mais de dous Poemas perfeitos a cada
naçaõ , direy por credito da Portugueza , que os
feus efcritores derao à Lingoa Latina dos moder-
nos os melhores dous Poemas , de que hum hè o
Chauleidos de Diogo de Paiva de Andrade , que
naõ cede a Stacio no efpirito , e o excede na clare-
za j e o outro o Paciecidos do P. Bartolomeu Pe-
reira , que pode no eílilo compararfe melhor que
todos os modernos a Virgilio, ainda que a matéria
do íeu Poema feja mais pia que heróica. Da mefma
íbrte deo Portugal a Hefpanha as melhores duas
compofiçoens , que tem a fua Epopéa: lea-fe para
juftifi-
jiiftlfícíir efta propofiçaõ , o Alfonfo , ou Lisboa
Conquiftada de Francifco Botelho de Vafconcel-
los , a quem louvo na Oitava 185. do Canto 12. e
que muitas vezes tem impreííb , e emendado-,
quando na primeira ediçaõ parecia a todos, que
naõ havia nelJe que emendar: deixo ao juizo publi-
co a deciíliõ da duvida, que pode excitaríè entre o
feu , e o meu Poema , naõ fòbrc a excellencia ,que
lhe naõ difputo , mas fobre qual dos dous efcolheo
a acçaõ fiuidamental do Império Lufitano, pois
eu a buíquey no principio com o feu fundador , e
elle na Conquifta de Lisboa com o íeu primeiro
Rey. Miguel da Sylveira também Portuguez deo
no Macabeo outro excellente Poema á Lingoa
Caílelhana , a quem naò figo tanto na dicção que
a lima gaílou pelo muito que a quiz polir , ficando
com a imperfeição de íer exceííi vãmente perfeita.
Dando Portugal taõ excellentes quatro Poemas a
duas Lingoas , naõ havia de ficar íem outros dous
na fua : o incomparável Luis de Camoens nos Lu-
fiadas foy o modelo , que mais intentey copiar , íe
me atrevefle a fazello j pois a fiaa erudita claridade
me cegou defde logo , e muitas vezes me defani-
mou do meu oufado intento j e por efta cauía me
apartey algum tanto da ordem inteiramente hifto-
rica , que obfervou , e dos Deofes Gentílicos , que
nobremente introduzio , e a que eu buíquey o
meyo , que em feu lugar fe verá. Naõ me fervirao
menos as fuás Rimas, em que fe folie poffivel^ he
mayor
niayor que no feu Poema, para o que no meuíe
acha de erótico , ou amorofo. Gabriel Pereyra de
Caftro na fua Uliflea fó a Camoens naõ difputa o
primeiro lugar : naõ íey fe na Matilde da Henri-
queida fe defcobre igualdade com a Calypfo da U-
liíTea , mas fey que naô a compito , porque naõ ha-
ja de fucederme o mefmo que ao autor da Uliffipo:
aquelle Poema veremos com as notas do grande
iluftrador dar0hi*as de Camoens Manoel de Faria,
e Soufa , que naõ faberiamos haver também com-
mentado a UiiíTéa, fe o R. P. Pedro Alvares da
Congregação do Oratório nos naõ trouxeíle de
Madrid efte , e outros tefouros literários \ mere-
cendo mais efte titulo de tefouro a fua fciencia , e
erudição. A Lin^oa Tofcana deo a Itália hum
grande numero de Poemas Heróicos 5 e entre elles
tem o primeiro lugar fem competendi'a ajerufalem
Libertada de Torquato Taflb , queéritre os de to-
das he também hum dos primeiros : imitey-o quan-
to pude , na ordem , em que poucos o igualaõ , na
religião , nos epifodios , e no amorofo, como tarrí-
bem na liberdade da Fabula Heróica, confervando
'OS nomes de alguns Heróes , mudando outros , e as
circunftancias , efcrevendo de hum Heróe eftran-
geiro com mais de féis feculos de antiguidade , e
acabando a acçaÕ depois de muitos íitios , e bata-
lhas , infpiraçoens celeftes , e cafos miíagrofos na
Conquifta da Cidade deJeruílJem , em que livrou
dos facrilegios dos infiéis o Sepulchro de Chrifto.
-o-;'Ví Tam«
Também eu hia imitando a Tafib , que pela dema-;
fiada critica , a que expoz a fua Gienijakmme Li-
herata , perdeo aa Concjuiftata as mayores bellezas
poéticas da fua primeira obra j porque naô falta
quem entenda , que a jufta docilidade , com que
emendey o de que me advertirão os meus ceníbres,
diminuio alguma parte do primeiro fogo poético ,
com que compuz a Henriqueida. Defegundo Poe-
ta Italiano me naõ atrevo a tirar o lugar a Ludovi-
co Arioílo , porque ainda que a alguns pareça, que
o feu Orlando Furiofo fe chega mais aos livros dos
Caualeiros andantes do que aos tempos heróicos ,
íendo huns , e outros muito cheyos de hiílorias fa-
bulofas , e o tempo de Orlando muito próprio pa-
ra as aventuras da errante Cavalaria, naô pode ne-
garfe quanto intereíTa a fua agradável narração , e
os feus incidentes , e quanto admira a fecundidade
do íeu génio poético : huma , e outra coufa eftima-
ria eu íaber copiar , e o procurey fazer no enredo
do meu Poema com a diferença de que em Orlan-
do predominava a loucura , e em Henrique a ge-
nerofidade. Os Francezes , que melhor que mui-
tas naçoens , deraõ os preceitos para o Poema E-
pico , confeflaõ , que ainda o nao tem perfeito.
Pode fer , que fe exceptue defta regra M. de Vol-
taire na fua Henriade, ou Henriquiada, com quem
o meu Poema fe parece mais no titulo , que na for-
ma , naõ deixando de eftimar , quanto merece , a
fua fublime, e natural poefia,que eu quizera imitar
antes
antes que outras ideas muito diferetttes das do meu
aíTumpto. Deixo aos Criticos Francezes a efcolha
do fegundo lugar , que naÕ fey fe he devido ao P.
le Moine no feu S. Luiz , ou a Scudery no feu A-
larico. A Lin^oa InHeza tem o Parai fo Perdido
de Joaõ Milton hum dos mais admiráveis Poemas,
que fe cfcreveraõ j porque de huma idéa Theolo-
gica 5 e verdadeira , qual foy a rebelião de Lúcifer,
introduzío de forte o mais fublime da Poefia , que
naÕ fazem falta os faiíbs Deofes da Gentilidade, os
quaes também eraõ génios infernaes aos que lem o
triunfo de Deos pelo primeiro Génio xontra o íeu
ílicrilego inimigo. Nem o melmo autor , que imi- :
tando a Homero , fez legundo Poema , o pode
igualar ao feu primeiro no do Paraiíb Reftaurado.
que ainda affim entendo nao o excedem outros ,
que aquella naçaõ eílima , e de que eu com o me-
diano conhecimento , que tenho da Lingoa Ingle-
za , naõ poílo julgar a preferencia. Porém a tradu-
ção em veríb Latino , e proía Franceza , com o
juizo , que fez Adiííbn , me perfuadiraõ mais do
que a rigoroíà cenfura , que fez hum anonymo
nas cartas criticas impreíTas em Pariz no anno de
175 1. fobre os dous Poemas de Milton. Efta he no
todo a imitação , que procure y bufcar nos mayo-
res Poetas Épicos ; mas como ha tantos outros ,
d.e que as partes faõ excellentes , naõ deixcy de ler
com admiração as fícçoens de ApoUonio Ilhodio
na fuá Argonautica , e de outros Poemas Gregosj
os
os penílimentos de Liicano com os encantos da
fiia Ericlo , e difpofiçaõ de Titios , e batalhas , fe-
guindo nas do Conde D. Henrique as regras da
Milicia , que íê conhecia no íèu íeculo com pou-
ca diferença da Romana, em que me vali muito
de Vegecio ; a fabula hiftorica de Silio Itálico na
fua Guerra Púnica , e a Arte rude , mas engenho
o
grande , nos fragmentos deíle aíTumpto dos doze
Livros de Ennio ^ dividindo o meu Poemia , como
eile-jj') como Virgilio na Eneida , como Stacio na
-Thebaida , e como outros , também em doze. Can-
tos a Henriqueida. Valério Flaco na fua Argonau-
tica Latina tem idéas nobres, e Ovidio nos léus
Metamorpliofis contextura admirável, dando-me
com Hefiodo na fua Theogonia , tudo o que trato
de Mithologico , e Manilio as fabulas Aftronomi-
cas. Dos Latinos modernos , íeria eu feliz , fe imi-
taíTe na parte facra , que naõ hc a mais pequena do
meu Poema , a do De Partu Virginis de Sanazaro^
o P. Buífiers no Scanderbegius me deo para a guer-
ra dos bárbaros, e para o perfeito caracter do Heróe
hum bom exemplar. Os muitos Poemas Heróicos
de autores Caílelhanos fao difíceis degraduarj mas
ainda affim direy , que o da Cruz de Zarate he dos
melhores na difpofiçaõ , noeftilo , e na elevação : a
Farfalia de Xauregui naõ he inferior a Lucano. Naõ
defeftimey pelo efcilo pouco levantado aoPrincipe
de Sguilace na fua Nápoles Recuperada , Poema
digno de eftimaçaõ pelo feu illuílre autor, e pela
e pu-
pureza da fua fraze ; e pelas mefmas cauflis naõ ex-
duhi a Sevilha Conquiftada do Conde de Ia Roca
pela impropriedade de efcrever hum aíTumpto he-
róico em verfos , que naô p fao. O Polifemo de
Gongora procurey , que me deílc aefpirito fubli-
me , com que fez voar , íem precipitaríe , as Mufas
Hefpanholas j e nem efta fabula , nem a de Andro-
meda, e Perfeo, que compoz em féis Cantos a Con-
deça da Ericeyra D. Joanna de Menefes minha
Mãy com taõ alto, e próprio eílilo , que merece
melhor que outras fer chamada decima Mufa , co-
mo acreditou entre outras miuitas obras no De/per-
tador dei kA Ima aljiieno de Ia vida , que com o no-
me fupofto de Apollinario de Almada corre impref-
íbjnem o Orfeo,que o Conde da Ericeyra D.Luiz
de Meneies meu Pay compoz à competência do
que fe imprimio com pouca mudança nas Obras
pofthumas de D. Agoftinho de Salazar ; reílituin-
do-íe depois ao feu verdadeiro autor D.Joaõde
Xaureguy ) nem a Conquifta de Oran , que com
elegante , e polida penna defcreveo D. Eugénio
Gerardo Lobo, o qual fupondo melhor fim ao fitio
de Campomayor, naÔ quiz fazer trágico o Poema,
que principiou defla empreza, de que devia fer o
Heróe D. Luiz Manoel da Camará Conde da Ri-
beira ^ nem D, António de Mendoça , que com diP-
creto decoro , e devota decência , reduzio a hum
Romanceavida de Noííli Senhora, aíTumpto, que
com elevação tratou Júlio de Mello de Caftro , e
ainda
ainda naõ fal jo a luz , con^so merecia j nem outras
obras , que pelo aíTumpto , pela hre\ idade, ou pelo
metro , naõ merecerão o ncme de Poemas Herói-
cos , deixarão de fer emprego em muitas partes da
minha dellgual imitação: devame entre todas lugar
íêparado a Filis de António da Fonfeca Soares, quê
lifongeando o efpirito Apoftolico , com que o feu
difcreto autor mudou o nome , e a vida , também
fe occultou no retiro dos gabinetes. Na Lingoa
PortUG;ueza ha igualmente manufcritos, e correm
impreíibs outros Poemas, em que Bocarro he efti-
mado no fcientifico na fua Anacephaleofis , de que
fó fahio a luz huma pequena parte j e na5 deixey de
imitalos no filofofico de alguns dos meus epifodios.
O Affbnfo Africano de Moifinho gravemente eC
crito me fervio para a forma da guerra dos Portu-
guezes , e Mouros : o Condeftavel , claro em no-
bre eílilo compoílo por Francifco Rodrigues Lo-
bo igualmente fublime que fuave, me obrigou a íè-
guilo depois de o examinar ^ e o íègundo cerco de
Diu de Franciíco de Andrade me naõ pareceo me-
nos eftimavel j como também os dous Poemas de
Jeronymo Cortereal , ainda que em verfo folto : it
to mefmo digo da Malaca Conquiftada de Francif
CO de Sà de Menefes j da Lisboa Conquiftada , de
que o Conde da Ericeyra D. Fernando de Mene-
ies meu Avo , efcreveo os primeiros cinco Cantos
com tanto acerto, que poderia competir com quem
depois illuftrou eftc aíTumpto 5 e naõhe menos fin-
e 2 guiar
guiar o Poema da Alfonfeida de Fr. Jeronymo Va-
hia,que vi nos meus primeiros annosj e certamente
que a Vida de NoíTIi Senhora efcrita em hum g^ran-
de Poema por Manoel Alvares de Barbuda faria
contar eíle autor entre os grandes poetas , fe o ti-
veíle emendado, tirando-lheaiguns equívocos pue-
ris , que forao no Teu íeculo o contagio , que infi-
cionou o ar do Parnaíío , e corrompeo a agoa de
Hypocrene. Na5 me íèrá fácil reduzir a numero
os poetas heróicos Italianos , que eíludey para ad-
-tnirar algumas das fuás partes : teria o primeiro lu-
gar , fenaò o defmereceíle pela impureza j o Adó-
nis do Marini, e íe foíle Poema Épico ta5 perfeito.,
como Mr. Chapelain quiz provar mais erudita que
folidamenteno difcurfo , que fe lè na impreííaô dei-
te Poema feita em Pariz j mas aquelle douto Fran-
.cez, que fabia as regras da Epopèa , nao fe acredi-
tou nefte paradoxo , e menos no Poema da Pucel*
le, que mereceo juftamente a critica quafi univer-
fal pela dureza do feu eílilo , quando podia fer efti-
mado pela ordem , e pelo aíTumpto. As imagens
poéticas , os muitos conceitos , a afluência , e os
epítetos ; com que Marino colorio o feu Adónis ,
lhe fazem condemnar hoje pela fua naçaÔ a fua ef-
teril abundância, que os modernos achaõ muito di-
verfa da antiga , e natural fimplicidade de Dante ,
ç de Petrarca , que com outros autores dos primei-
ros litterarios de Itália , feguem como exemplares :
4em efta opinião por juizes competentes osnacio-
naes,
naes , e por mais redos os Francezes. Em Heípa-
nha, e Portugal ainda fenau apagou a verdadeira,
ou apparente luz brilhante , de que fe adornao as
JU040. Outavas defte Poema mais amoroíb , que
heróico , executando o feu autor regras mais íegu-
ras na que he obra mayor^ f^ndo mr.i? pequena , cm
que delcreveo a làgrada tragedia doEíirago dos In-
nocentes. A conquiíla de Granada de Gratiani me
deveo a aplicação pela fua ordem , e nobreza: o A-
madiz de Bernardo TaíTo pela diverfidade das
aventuras j e as Avarchides de Alamanní nao me
forao diíTonantes pelo metro. Como na Lingoa
Franceza achey tao poucos Poetas Épicos , que fe
livraflcm da engenhofa , e íabia critica do meu iluP-
tre amigo Nicoláo Boyleau Deipreaux , confeíía-
rey. 5 ainda com receyo de alguma fatira poílhuma,
que li com utilidade na parte , em que íao menos
perfeitos , a Brebeuf no íliblime da fua Farfalia , e
aos autores do Clóvis , e de S. Paulino. Outros
Poemas mais breves , mas nem por iílb menos ex-
cellentes pela difcriçao , li , e adniirey 5 e tem en-
tre eíles o primeiro lugar o Roubo de Proferpina
de Claudiano , e a Raquel de D. Luiz de Ulhoa ,
o Faetonte do Conde de Villamediana , e a Santa
Urfula de Diogo Bernardes , ou de Camoens •, co-
mo Manoel de Faria pertende : e como fempre fo-
gi de tudo , o que parece furto , até na Poefia 5
pode íèr, que ainda que íegui a Horácio ; que cha-
ma rebanho de efcravos aos imitadores , de^^ene-
(''■■ ralTe
raííe o meu Foema em ter poucas imitaçoens ^ pois
fó íêrviraô aí idéas , que confervey com tenaz me-
moria de deixar na minha as eípecies do que li , pa-
ra que iníeníivelmente fem cativarme a liberdade, j
me illiiftraíTem a imaj^inativa , que os inimip-os dos
Poetas depois do autor do Exame de ingenios o fú-
til João Huarte digno deflorecer em tempo de me-
lhor Filofofia 5 acliou nos Poetas por parte íuperior
do feu difcuiTo , acreditando mais o feu furor divi-
no, do que o feu juizo folido. Se a Henriqueida
mereceíle achar por commentadores alguns (como
Boyleau lhe chama ) Salmafios futuros , a quem eu
applicaíle o tormento de explicarme , por mais que
procurey feauir o eftilo claro ^ pode fer que elles
defcobriílem roubos, de que me nao acuía a con-
ciencia, como entre outros achou até no grande
Camoens o feu vaílo , e erudito commentador Ma-
noel de Faria , e Soufi : mas continuarey em fazer
hum breve juizo de outros Poetas Heróicos, valen-
do-me dos que ajuntou Bayllet no kwjiigement des
ScavantSj e do que outros criticos obíèrvaraõ mais
do que eu ponderev na liçaÕ de muitos.
TKECEITOS,
Sempre me perfuadi pelo difcuríb , e pela ex-
periência , que eraõ maispoderoíbs os exemplos do
que os preceitos j e por iílb dey o primeiro lugar
neílas Advertências Preliminares aos autores dos
Poemas, queme animey aimitar , do que aos da
Arte Poética , que procurey feguir. Seja o primei-
ro
ro o incomparável Arifloteles , pois íêguindo na
faa Arte Poética fó a Homero , fe , como alguns
com menos fundamento difcorrem , os Poemas
defte cego illuminado foraô efcritos fem ordem ,
unindo-fe depois as rapfodias , que elle compunha
acafo , e cantava por intereíle, mais fe acredita o
engenho de Arifloteles , reduzindo a arte o que a
na5 tinha ; mas naô fey fe he atheifmo poético ,
como no Poeta Lucrécio , ou Filolofico , atribuir
aos acafos , como aos átomos , a primeira creaçaõ
de obras taÕ perfeitas : depois defta Arte , e de feus
Commentadores , me appliquey a de Horácio , pe-
queno Livro , que no feu breve corpo he todo al-
ma , e de que os documentos faô os mais feguros
para os que naõ querem perderíe nas veredas do
Parnaíb. Os que traduzirão , e illuftraraõ efte Li-
vro em quafi todas as lingoas me naõ foraô defco-
nhecidos , nem inúteis. Jefonymo Vida foy hum
dos que no verfo melhor feguiraõ a Horácio ; mas
em tudo o excedeo nos feus quatro Livros da Arte
Poética Franceza o admirável , e já allegado Boy-
leau , a quem nos meus primeiros annos traduzi fiel-
mente em Oitavas PortUG[uezas mais com o inte-
refle de aprender os feus preceitos do que com o in-
tento de merecer os elogios , que elle me concedeo
ta5 liberalmente , como fe le em huma das fuás
cartas , que corre imprefla , e fe lerá em outras ,
que com as minhas em profò, e verfo Francez,
com o texto do fcu Poema , e asfuasjudiciofas an-
notaçoens,
notaçoens , e com a minha traducçaõ fahiráa Inz
-depois defte Poema, juntamente com as minhas
obras poéticas , que comprehendem cinco volumes
em cinco Lingoas. Naõ lo efte illuftre Critico me
enfinou com alua Arte Poética, masotinhajàfei-
^to na fua traduccao , e obíervacoens do Tratado
Greg;o do eftilo fublíme , que efcreveo Longino,
e o que he mais , dando-me exemplos para o Poe-
ma Heróico no fcu Lutrin , em que as obfervou
em hum afiumpto tao diftanre da Epopea j o que
também fizeraõ Homero na fua Batrachomiomã'
chia , ou Guerra dos E.atos , e das Kans, Taílb-
ni ud.dmSechia Kapitãj Lope de Vega na fua Ga-
tomachia , e modernamente D. Pedro Sylveftre no
íeu Roubo burlefco de Proícrpina , fenaõ he que
o feu autor da primeira grandeza de Hefpanha íe
nos occulta em alguma gruta , ou ( o que he mais
próprio no feu idioma , e no feu apellido) em algu-
ma cova , ou Cueva do monte Pierio , fendo o
Marquez de Cuellarhoje Duque de Albuquerque,
a quem o Livro fe dedica. Deixo de tratar das Ar-
tes Poéticas de Yoíllo , e dojuizo, queellefezdos
Poetas antií)^os, da de ScalÍ2:ero , e deoutrasmui-
tas, porque podem verfe ncftes autores . que tra-
tao dos léus preceitos fazendo menção dos que íe
apartarão delles nos Poemas Heróicos , que com-
puzerao j o que com a meím^a erudição recopi-
lou Bayllet , e o feu Commentador Mr. de la Mon-
noye no feu Juizo fobre os homens fcientes. Sódi-
rey
rey que o P. leBoflíi Cónego Regular de Santa'j
Genovéfa no feu completo Tratado do Poema E-^
pico he o autor , que mais eíludey , por achar nel-
le unidas as fuás verdadeiras regras , e nao menos ,
poílo que nem em tudo conformes , na compara-
ção de Homero com Virgílio , e nas reflexoensío-
bre a Arte Poética do P. Rapin , que fe efcreveíle
hum Poema Heróico , na5 fey fe imitaria tao feliC;
mente a Eneida , como imitou as fuás Geotgicas-
na fua incomparável obra De Hortorum cultura,
Nao he vingança eíla minha ruppofiçaõ, ainda que.
o podia ler de que efte difcreto Jefuita nao enten-
dendo a Lingoa Portugueza , e naõ fey , fe tendo:
vifto as traducçoens pouco fieis de Camoens,lhe ar-
gue lem caufa defeitos grandes , e injuftamente dà
o nome de Mercadores Fortuguezes a Vaíco da
Gama taõ illuílre no íangue , como nas acçoens,
e aos feus nobres companheiros , fegundos Argo-
nautas, que defcobrirao , e navegarão pormayo^
res , e mais tormentofos mares , conquiftando pa-
ra o feu Deos , e para o íeu Rey , vaftiíTimas Pro-
víncias 5 e novos mundos. Com mais moderada,
e eno^enhofa critica faz o autor da Hiíloria Poética
da orucrra do Parnaílb entre os antiíros , e moder-
nos combater fò com o íeu ardente efpiritoo bata'^
Ihaõ dos Lufiadas contra os da Illiada , e OdiíTéa j
mas ainda queconfeíTà , que Camoens desbaratou
no principio com o íeu vigor a Homero , reconhet
ce depois , que efte venceo ao primeiro, refa^ehr
.li f do-f-,
âó-ky portermelhororíem ; mas com tao nobre í
triunfo, que compara Homero a Aquilles , e Ca^*
moens a Heitor , íêndo efte Heróe na opinião de
alguns cenfores de Homero , a pezar do feu trágico
íim, de hum carader mais heróico, e na defcripçaõ,
do Poeta,mais digno de admiraça6,que o Heróe do;
íeu Poema; eaííimoreconhece a tradição, que con-
ta a Heitor , e naÕ a Aquilles , entre os nove da fa-
ma. He certo , que faltando a Homero ambos os
olhos , e a Camoens hum fó , aquelle fe perdeo mui-
to de vifta entre as efcuras fombras da antiguidade,
e de huma lingoa morta j efte dá , como o Sol , luz
aos modernos , fem que Uliílès , nem Eneaspoflaõ
tirar a vifta, oudar a morte aefteCiclope, quefó
na grandeza , e vigor he Polifemo. Bem juftificaõ
a Camoens Manoel Corrêa, Manoel de Faria, João
Soares de Brito , Diogo do Couto nas íuas obras
manufcritas , de que fe conferva o original na gran^
de livraria do Duque de Lafoens , e ultimamente
M. de Par Duperron de Cafterá na excellente tra-
ducçaõ em profa Franceza , e reflexoens , que fez
fobre efte Poema : o Árcade Ignacio Garcez Fer-
reyra na correda edição dos Lufiadas com as no^-
tas , a que chama ligeiras , e naõ o faõ muitas vezes
ao Poeta, e aos feus Commentadores, que fem
parcialidade , e com erudição , ou combate , ou
defende. Veremos em 8U800. Verfos Latinos ,
que faõ tantos como os que tem Camoens nas fuás
lUioo. Oitavas , que traduzio o Ciíhe Portuguez
Fr.
Fr. Francifco de Santo Agoflinho Macedo , € que
nos dà correctos nos feiís vinte volumes das vidas,
e obras dos Poetas Portiiguezes , que efcreveraõ
nalingoa Latina o R.P. António dos ReysdaCon-
gregaçaõ do Oratório igual aos mayores , e igual-
mente grandeHiíloriador no mefmo douto idioma,
em que reílaura huns, e outros eícritores da fua na-
ção, que melhoro cultivarão. Outros Authores Co-
bre o Poema Épico pudera allegar , e as criticas , e
defenílis de Homero , e de Taílb ; mas nao fey fc
me accufo, ou me defendo, quando em referir , que
vi tanto , naõ poíTo allegar ignorância , fe os leito-
res defcobrirem , que conhecendo eu os exemplos,
nao os imiteyjC fabendoos preceitos, naõ os fegui.
^5 5 17 MPT O.
O AíTumpto que efcolhi , na5 me parece que
neceíTita de defenfa. He a acçaõ o principio da Mo-»
narchia Portugueza, ampliando ainda que íemo
titulo de Rey , o Conde D. Henrique da Cafa Re-^
ai de França pela linha Regia , e Varonia dos Du-
ques de Borgonha , o pequeno Dominio , que feu
Sogro ElRey D. AíFonfo VI. havia dado em dote
à Rainha D. Thereza fua filha com o direito de
acrecentar com as conquiftas, que fizeíle aos Alou-»
ros, o Condado de Portugal, como logo direy^
quando tratar da acçaõ do Poema. Achey como
Virgilio , e como Taííb hum Heróe eílrangeiro^ e
iiaõ de nacimento pouco duvidoíb na origem, ain-
da que conílantemente illuílre na nobreza : achey
f 2 hum
hum Príncipe generoíb , como logo moftrarey nó
feu caracter , e inimigo dos infiéis , a quem com va-
lor heróico dizem que venceo em 17. baralhas:
achey que era afcendente do Sábio ReyD.Joaô
o V. de quem he por varonia decimo fettimo Avo
com canta certeza , como era duvidoía a defcen-
dencia , que a adulação de VirgiHo deixou de E-
neas a Augufto , e a lifonja de Taííb de Gofi'edo
de Bullon a AíFoníb de Efte Duque de Ferrara , a
quem dedicarão os íèus Poemas. Taílb tinha af
fumpto com perto de féis feculos de antiguidade ^e
he o meu aíTumpto de pouco mais de íeis íeculos : o
de Virgilio tinha mais de doze : o de Sylveira no
íèu Macabeo era de mais de dezefette : incerto ,
mas na5 muito antigo , he o tempo da ruina de
Troya até o de Homero : com pouca diferença da
minha , e pouca he a da conquiíla de Lisboa em
Vaíconcellos: antiquiííimapara Valério Flaccohe
a Argonautica, mas muito moderna para Lucano,
que floreceo no tempo de Nero , a batalha de Far-
falia 5 e ainda mais a conquifta da índia para Ca-
moens , que havia fó 75. annosque tinha principia-
do no de 1497. quando elleimprimio a primeira vez
G íèu Poema no de 1572. tendo-oefcrito alguns an-
nos antes , de que fe fegue, que o meu aíTumpto
he hum meyo termo do que feguiraõ os mayores
Poetas, naõ tendo eíla eleição tempo determinado.
N inguem havia até agora celebrado em Veríb
o Conde D. Henrique 5 eofeculo, emqueviveo
íníiíl he
hé próprio das aventuras de tornèos, ejuflas, que
como elle bufcavao os Campeoens valerofos ) as
quaes principiarão a aperfeiçoarfe com o Empera»
dor Federico Barbaroxa , que floreceo 40. annos
depois da morte do Conde D. Henrique , tempo
em que como prova o P. Meneftrier tiverao a ver-
dadeira orio^em as Armas , e Brazoens das Familias,
o quemenaõ fervio pouco para as dos Heróes Por-
tuguezes de que faço mençaõ : em fim pareceme
que defcobri hum dos aíTumptos mais próprios pa-
ra hum Poema Épico.
ACÇAM.
A acçaõ da Henriqueida he única, porque
toda fe dirige por meyos proporcionados a hum fó
fim , que he aflegurar a conquifta de Portugal, li-
bertando as quatro Provincias átíát o Minho até
o Tejo, e fundando o Reyno na protecção do
melhor Palladio em NoíTa Senhora com a invoca-
ção de Carquere , que milagroíamente livrou o
Principe D. Affonfo da prizaõ, que defde o íeu na-
cimento lhe embaraçava ospaílbs j e ultimamente
havendo fundado à Virgem hum Templo , acaba
a acção matando a Hali-Aben-Jofef , que era o
Rey feu emulo , de que foy o premio a conquifta
de Lisboa , em que acaba a acçaõ. Efte Poema nao
principia pelo meyo , como fizeraõ com Virgílio
alguns dos mayores Poetas , nem rigoroíamente
pelo principio , como, naõ fem cenfura , o execu-
tarão outros. Sendo a acçaõ o eftabelecimento do
domínio
domínio do Heróe , o coloquey na trente do feú
fexereito , a que os infiéis difputavaõ o Rio Douro
jUiito ao Porto , que com o Callello de Gaya de-
raô por aquelles tempos a parte de Lufitania o no-
me de Portugalj digo que Henrique matando a Al-
mançor paflbu aquelle Rio ^e os princípios de Por-
tugal vaõ porEpifodio no Ganto lo.
Naò íe aparta o Heróe da acção mais que o
tempo do fitio de Coimbra ,' e prefo em Leyria pa^
ra foccorrer a Praça por caufa das cheyas do Mon-
dego , de outros Rios , e do Mar ^ mas naõ ocio-
íb , pois dou a entender, que poz em contribuição
parte da Beyra, e daEftremadura, exercitandoas
ílias poucas tropas , e dando eu affim tempo a que,
fem fer contra o verofimil , poflaõ chegar a ElRey
Hall os foccorros com os três Reys de Córdova,
Granada , e Sevilha para fazer mais illuftre o triun-
fo da ultima batalha j confeflando ingenuamente ,
que o amor próprio me fez dar a gloria da defenía
de Coimbra a D. Pedro Bernardo de S. Fagundo
tronco dos Menezes , e meu decimoquinto Avo
'}X)r varonia , que era vivo pelos annos de lUioo.
e alcançou grandes vitorias contra os Mouros, a
quem ganhou na terra de Campos vefmha a Portu-
^gal muitas batalhas , e Viilas.
DURAÇAM:
Grande queftaõ excitao os eruditos fobre a
dciraçaÕ , que ha de ter a acção de hum Poema
'Heroi-CG , e fendo Virgílio hum dos que melhor af
^ - -. finalao
finalaõ os tempos , ainJa affimlia diflertaçoens da
tempo , que durou a acçaO da Eneida, défde a pri#
meira tempeílade , em que Enéas foy bufcar Cai'-
tago até a morte de Turno 5 alargando-a huns até
fette annos , como logo direy , e ertreitando-a ou-
tros a hum anno , e a menos. O mefmo íiiccede
em Homero dilatando fe a OdiíTéa até outo annos,-
e reftringindo-fe a Illiada a quarenta , e fette dias
fomente. A Jerufalem de Taílb naõ he pouco dila-
tada , eos Lufiadas dçGamoens contém humaac-.
çaò de mais de dous annos defde a partida de Vaf-
CO da Gama até a fua volta , ou de três , principian-
do do tempo , em que ElRey D. Manoel o nome*
ou , como Garcez quer provar : e léndo-fe o meu
Poema com attençao fe verá , que principia na Oi-
tava 68. do Canto I. em 21. de Julho, quando q
Sol entra em Leão , e profegue no Canto 5. Oita-.
va 56. no Canto 8. Oitava 28. no Equinócio de Se-
tembro j no Canto 9. Oitava 65, a 22. de Outubro;
no Canto lo. Oitava '49. em Abril, que he quafi
hum anno defde Julho antecedente : no mefmo
Canto Oitava 61. em 22. de Novembro , quando,
entra o Sol em Sagitário j no Canto 11. Oitava
50. a 20. de Dezembro , quando o Sol domina no
Trópico de Capricórnio, e na Oitava 120. no prin-
cipio de Janeiro , em que digo que Henrique mar*
chou de Leyria ao foccorro de Coimbra , e na Oi-
tava 121. em que fe diz , que Henrique fahio fem
eíperar o mez de Marco j e ultimamente fç termi-
na
na no Canto 12. Oitava 159. em que íe executa a
Conquiíla de Lisboa, quando o Sol efta no Signo
doEfcorpiaõ, em que entra a 25. de Outubro j e
aífim a acçaõ deíle Poema vem a ter dous annos , e
três mezes de duração, os quaes acabaô na entra-
da , que o Conde D. Henrique fez em Lisboa , que
foy no anno de 1U106. como prova Fr. António
Brandão p. 3. da Monarchia Lufitana foi. 49. que
nos dá com a Hiftoria dos Godos a única noticia^
que temos defta empreza j' ignorando-íe o como
Lisboa depois fe perdeo. E naõ admitindo os Poe»
tas taõ exadlia Chronologia, ainda me naõ atrevera
a hum Anacroniílno taô eftranhocomo o de Virgí-
lio contra a virtude de Dido , a quem o Poeta fu-
poem contemporânea de Enéas ( por mais que Sal-
mafio , e outros eícritores queiraõ defender efta
contrariedade ta5 condemnada por Santo Agofti-
nho ) <]U€ viveo 5 00 . annos antes daquella Rainha
dos Cartagineíes.
TITULO.
Deo-me o Titulo o mefmonome do Heróe,
como a Virgílio, a Homero , a Stacio na Aqui-
leida , a Sylveira , e a Vafconcellos : ourros o to-
marão da acçaõ , como Hornero na Illiada , Sta-
cio na Thebaida, Silio Itálico, Lucano, eos au-
tores da Arp"onautica : Camoens deo ao íeu Poema
o titulo de Lufiadas , de que a acção he fóo defco-
brimento da índia , tirando-o do nome commum
-dos Lufitanos , a quem na fua primeira impreíTà 6
nrt chama
chama os Lufiadas, e parece, que por efla razão
cantou Armas , e Varocns affinalados , e naõ diílè
Armas , e Varaõ. Em outras impreflbens íe lè As
Lii/íãdaSj attendendo maisà naçaõ Lufitana na
fua terminação feminina , do que aos Heróes. Eu
íet^uindo os primeiros exemplos fem duplicar o. tir
tuío , como primeiro fez TaíFo , chamando ao fcu
Poema fem exemplo antigo o Gofredo , ou Jeru-
Júlem hibertada , duvidey fó gramaticalmente, fe
"havia de dar-lhe o titulo de Henriquiada , que era
mais fonoro , ou o de Henricjueida , que era mais
•conforme a eufonía , e a derivação , que fe faz do
nome de Henrique em Portuguez ) mas bufquey
antes os nomes, que tem femelhante aílbnancia na
Lingoa Grega , como de Aquiles fe formou Aquil-
leida , e do de Enéas Eneida j pois lendo Henrique
ilome Gótico , podia valerme da terminação , que
me parecefle mais própria no cafo , em que otranlr
portafle à Lingoa de Grécia j e aíFim ficou menos
parecido com a Henriáde de Voltaire , que ou fe-
guio diferente opinião da minha , ou naõ achou em
Francez outra terminação , pois fendo o nome de
Henrique naquelle idioma fó Henry , naõ podia
formar delle outro titulo para o feu Poema. ;r.:. A
RELIGIAM. n
o Com mais efcrupulo do que coftumaõ ter os
Poetas na permitida liberdade da religião nos feus
Poemas, entro a tratar huma queftaõ,- que. tem
fido aíTumpto de difcurfos eruditiffimos ., mas r.edia-
g zirey
zirey a poucas regras as que fegui eni ponto taÕ de-
licado. He certo , que os Gregos , e Latinos dou-r
tos tinhaÕ por alegorias muitas das fuás fabulas,
mas também he certo , que efta era a religião , em
que vivia5 , ou que alguns Filoíbfos , e Rey s faziaõ
crer aos povos , e affim quando Homero , Virgilio,
e os outros Poetas do Paganifmo contaÕ os mila-
gres, as appariçoes, os combates, os amores , e
as inípiraçoens , e praticas dos feus falíbs Deofes,
trata o íeu engano como verdadeiros eíles prodi-
gios , ainda que mentirofos , com a meíma credu-
lidade com que osChriftãosjuftamente o crem pe-
lo infalivel da fé , nas Efcrituras , nas tradiçoens
da Igreja , e nas fuás decifoens , e hiftorias Eccie*
fiafticas , e outras vezes com fé pia , os milagres , e
fucceííbs verdadeiros j porém como apermiílaõ da
Igreja deixou aos Poetas a liberdade de que com
huma proteílaçaô no fim da obra pudeflem chamar
Deofes, Fado, Fortuna, Deftino , e outras ai-
lulbens , e fabulas poéticas ^ fendo Urbano VIII.
quem declarou mais efta favorável faculdade , por
fer Poeta iníigne , e que imprimio em íeu nome as
fuás excèllentes obras; da meírnalbrtequeno Ceo
fe confervaraÕ os Planetas , e Conftellaçoens com
nomes fabulofos , de que alguns fe achaõ na Efcrit-
tura. Em cinco dos fette dias da Semana , excepto
na piedade da Lingoa Portugueza,coníèrvaõ tam-
bem as outras naçoens os nomes de cinco Planetas,
eíicaraÔ ps ouvidos delicados dos que compõem,
yc'-it2 -'.♦ ou
ou lem veríbs ] mais coftumados a ouvir os nomeí
profanos dos Deoíès , do que os fiigrados de Deo5/
da Virgem Maria , dos Anjos , e dos Santos. Fazí
Boyleau huma exccllente diftinçao entre eílas duas
opinioens, e inclina mais à parte de naõ degradar os
Deofes dos Poemas , naõ querendo tirar a Neptu-
no o governo dos mares com o tridente , nem a
Themis a venda , e a balança , nem querendo ren-
derle a authoridade de Taílb , a quem diz , que na 6
faz o proceflb nefta parte , tendo por certo , que íe
oíèu Heróe fó gaftaíle o tempo em combater pela
oraçaõ ao Demónio : íeria infipido o feu Poema ,
fe com Reynaldo , Argante, Tancredo, Clorin-
da , e Erminia , naÕ alegraíle a devota trifteza do
íeu aíTumpto : he verdade , que o grande Taflb , e
alguns , a quem feguio , e quaíí todos os Poetas
Chriílãos , que depois efcreveraõ Poemas Herói-
cos , fupriraò com os encantos caufados pela per-
mifllio , que Deos muitas vezes concede aos máos
génios ; as fabulas gentilicas , porque fendo os pro-
digios os mefmos , e ainda mayores fem oíFenía da
religião , pretendem com o extraordinário forpren-
der , e agradar, veftindo-fe a poefia deftes adornos
para deleitar enfinando, que he oíèu objedo. O in-
comparável Luiz de Camoens zelofo obfervante
dos ritos poéticos antigos introduzio alegorica-
menteos mefmos Deofes no feu Poema 3 e naõ cuf-
tou pouco a Manoel de Faria defcobrir , e preten-
der approvar nos feus Comnientos , e melhor na
^ZQnp.i^mo: g 2 fua
fua Apologia , as vezes com mais erudição do que
certeza, o fim alegórico, com que Camoens en-
tr^ os Católicos, que adorao o verdadeiro Deos, e
veneraõ os feus Santos, intruduzio os mefmos falfos
Deofes da Idolatria , que hiaõ a deftruir na índia ,
fupofto que transformada em mais groíTeiros fimu-
lacros. Bem fey que me bailava o exemplo de Ca-
moens , ainda que tao combatido dos eílrangeiros
íiefta parte j porém o de TaíTo he também muito
digno de feguiríè-, e mais conforme aos principios
de hum Poeta Chriftao, e bem fe ve, que os feguio
com felicidade , igualmente J^oaõ Milton no feu
Paraifo Perdido com a admiração , que jà ppnde-
rey. Bufquey hum meyo termo, que pelanovida-,
de poderá naõ deíligradar ; pois deixey aos Mou-
ros a fua falfa feita , e ainda que inimiga da idolatria,
como os Mouros Hefpanhoes eraõ doutos naLin-
goa Arábiga , e muitos entendiao a Latina , ou ro-
mance , naõ os fupuz ignorantes das fabulas , como
naõ o foy Averroes , Avicena , e outros muitos ^ e
poriíTo nao he inyerofimil , que a Rainha de La-
rriego AxaAnçures, que he a Heroína, que com-
bate a Henrique , como Camilla a Enéas , e que
foy varonil , e valeroíli , como provarey tratando
da,hiftoria, fe inclinaílè com hunia loucura taõ im-
poíTivel a renovar no mundo qs falfos Deofes Gen-
íilicos , a que podia haverfe inclinado pelos Livros
Arábigos , e Latinos , que trataíTem da My tholo-
gia , fendo certo , que havia Poetas entre os Ma-
. .- -: bonaetanos,
hometanos^e obras de teatro , e canções, de que os
primeirosRomanceiros confervaraõ na antigaLin-
goaHelpanhola hiílorias confuíàs entre fabulas: aC
fim me fervio efta ficção de que o que haviaÕ de fer
encantos, e conjuros com os nomes impios,e bárba-
ros dos demónios , foílem invocaçoens dos léus fal-
íbs Deofes , que trouxe com efle disfarce ao Poe-
ma fem oíFenfa da religião , nem da poefia. Con-
íèrvey ao Heróe toda a piedade, que teve hum pro^,
genitor de tantos Principes , que defenderão, e
propagarão a religião verdadeija , e que bufcaraÕ
como protedlora a Rainha dos Anjos , a quem fiz
tutelar do Conde D. Henrique , e do Reyno , fen-
do todo o Poema dirigido a efta milagroía protec--
tora dèfcuberta pela infpiraçaÕ de Sibilla , que he
o nome da May do Conde D. Henrique , que me
deo agradavelmente na alegoria de que era o feu
efpirito a imagem da antiga Sibilla , de que produ-
zem os nolTos autores numa infcripçaõ naõ muito
certa 5 que dizem íe deícobrio em Cintra ao mef-
mo tempo que a índia , e dizem , que nella íe liaõ;
huns verfos com erros tam^bem na Arte , e na clari-
dade pouco própria das Profecias , os quaes tradu-
zi no meu 2. Canto , e podem verfe nos AuthoreSj
que OS copiarão , ou os fingirão. E fendo S. Giy
raldo Arcebiípo de Braga contemporâneo do Con-
de D. Henrique , naturalmente o bufquey para in-
terceífor , e interprete dos milagres , epara difilpar
as.illufoens, encantos, efalfidades; concorrendo
•'*"-' para
para a converfaô dos Reys de Lamego, e dç Mu-
ley , e Abdara filhos legítimos , mas ignorados de
Henrique.
HISTORIA,
Ainda que obfervey tratando da religião , que
os Poetas Gentios naÕ contavao todas as fabulas-
como mentirofcis , mas fim como principios tole-
rados dos feus flilfos ritos , nao confeflarey , que as
outras ficçoens por elles inventadas , o foraõ como
novos dogmas , com que accrefcentaraÕ a antiga
Mv thologia j e por eílà razaõ muitas naõ foraÕ fe-
guidas dos Poetas mais modernos :feja exemplo en-
tre muitos a engenhoía transformação , queinven-.
tou Virgilio , dasNáos de Enéas em Ninfas maritir
mas , a qual eu imitey transformando os animaes,
que os Navios dos Mouros tinhao nas poppas , em
mSílros marinhos , porém naõ fe tira daqui a con-
fequencia de que tinhaÔ por verdadeiro, ou ao me-
nos por tradição provável tudo o que Homero , e
Virgilio referem antes, e depois de Troyaabraza-
da j j3orque quafi tudo he huma fabula heróica fun-
dada fobre poucos fados verdadeiros para illuftrar
a acçaõ , que he o único emprego de hum Poema
Épico. Tenho difcorrido , que os Poetas , que ti-
veraõ aíTumptos antigos de mais de quatro , ou cin-
co feculos , fe animarão mais a alterar as circunf
tancias das hiftorias j e que ainda que Homero nao
floreceíTe tanto tempo depois da Guerra de Troya,.
o feculo mythico, e o geiíio da mentirofa Gre-.
i.i;.] cia
cia lhe facilltariaõ mais os fingimentos.
Virgílio eftava mais longe da incerta expedi-
ção de Enéas a Itália , e fabia muito bem , como
tao douto , que quafi tudo o que efcrevia , era fal-
fo : por eíla razaõ Stacio efcreveo com mais liber-
dade o ódio dos dous irmãos Etheocles , e Polyni-
ce na fua Thebaida \ e muito mais íinj^io Valério
FJacco por ler mais antiga a acçaõda fuaArgonau-
tica. Torquato Taííb tirou alguns nomes, e fuc-
ceílbs da Conquifta dejerufalem , e muitos nomes
próprios das hiftorias de Guilherme Arcebifpo de
Tiro , onde naõ ha poucas ficçoens , e do Livro
intitulado : Gcfia Dei per Francos -, mas acerei^
centou na mefma hiftoria naõ fó circunftanciasj
mas acçoens , que nao houve , e peflbas , que nun-
ca exiftirao. Silio Itálico, como eícreveo da íegun-
da guerra Púnica, que Tito Livio, e outros hií
toriadores tinhaõ delcrito , naõ íendo as vittorias
de Scipiaõ Africano , e aruina de Cartago ignora-
das de algum dos Romanos, que viviaÕ no íeculo
ilefte Poeta , naõ muito diftante do aflumpto , que
tratou , já íingio menos , mas ainda affim os íeus
poucos commentadores moftraõ os Reys , e os
Capitaens, que inventou, principalmente em HeP
panha por mais que no aparato da fua Hiftoria per*
tendefle D. Jozé Pellicer inferir , que eraõ verdar
deiros com a authoridade defte , e de outros Poe-
tas , aquelles meímos Reys , que naÕ foraÕ menos
fabulofos do que outros , que como taõ erudito,
' defler-
clefteiTOii- das falfas hiftorias attribiiidas por Joaõ
Anilio de Viterbo a Berofo Caideo , a Manethon
Egípcio , e a outros autores, de que fó exiftem
-verdadeiros alguns fragmentos. Lucano , que vií-
\?e6 noí-tempo de Nero pouco mais de cem annos
■ Tilais 111 oiierno que a batalha de Farfalia , iiaôíeat-
treveo a fingir tanto , parecendo-lhe que a memo-
ria ye a tradição , as hiftorias , as infcripçpens, . as
medalhas, e até aséftatuas , eftav-a6 ainda muito
vivas para defmentirem a acçaÕ do feu Poema , íe
aninioíamente desfiguraíTe com a poefia a verdade .
da hiftoria , naõ ficando affim a fi.ia Farfldia taÕ eí^
timada j e como já no feu feculo principiava a cor-
romperfe o bom gofto, que no eftiloy e nas regras
da poefia, e eloquência florecèra no de Augufto,
para contemporifar com os declamadores , e com
o génio de hum EmperadorTiranno, e máo Poe-
ta j pode fer também que induzido por fua efpoía
Polia Argentaria , para agradar as Matronas Ro-
manas menos inílruidas nos preceitos da Arte Poé-
tica , affim como fe lhe attribuem os conceitos , e
Vêrfos languidos yque adoptou entre os feus o amor
de Lucano , produziíTem todas eftas caufas o eíFei-
to , de que os criticos de melhor gofto tiraflem por
verdadeiro a efte Poeta Hefpanhol o lugar, que
podia merecer por judiciõfo. Efte exemplo parece
que fervio ao infigne LuizdeCamoens taõ vefinho
como já adverti, ao defçobrimentodalndia, que
foy o aíTumpto do fèvi Poema j porém tantosjepi-
iua^iii fodios
fodios fabulofos , e huma inimitável narração , me
naõ deo lugar a íeguir na ordem hiftorica taô ex-
cellente exemplar , quando por eílas reflexoens ef
tava taõ longe do meu tempo o do Conde D.Hen-
rique com mais de íeis íèculos de diftancia ; o que
me obris^ava a imitar mais a Taflb , e Vafconcel-
los , que no íeu Altbnfo elevou tanto o fucceflo
verdadeiro da conquifta de Lisboa , que veyo a co-
nhecer a fobula heróica ignorada dos génios vulsfa-
res. Voltaire por efte motivo alterou pouco a hif
toria da Liga na fua Henriade em que confervou
os nomes verdacfeiros , de que alguns deviaÕ con-
dennarfe ao efquecimentoj e dá a razão dos fuccef
fos , que finge , em huma obíervaçao , que fe acha
no íeu Canto i. na edição de Genebra de 1725. in-
titulando ainda entaõ o feu Poema : A Liga , ou
Henriíjue o Grande , refpondendo já , em que naõ
diífere muito da minha opinião fobre a diíferença
de alterar nos Poemas as hiftorias modernas menos
que as antigas , pois faziaõ já a efte autor as meí^
mas objecçoens, principalmente fobre a jornada,
que finge de Henrique IV. para conferir em Lon-
dres com a Rainha Ifabel de Inglaterra. Naõ íey
fe por eftes princípios devo diículparme mais das
muitas verdades , que confervey na minha Henri-
queida , íe por temor dos menos exercitados na E-
popéa,eftou obrigado a juflificarme do nuiito que
alterey a hiftoria dos fucceflos , que omiti , e dos
que inteiramente imaginey,pois osparciaes da me-
h nos
nos bem fundada opinião de que bum Poema ba de
jfèr huma biíloria verdadeira , e bem feguida , ador-
nada porém com frafe , e figuras poéticas , fendo
fó fabulofos os Epifodios , naõ admitirão a muita
Kberdade , que com os melbores preceitos tomey
na minba ftibula biftorica. Advertirey nefte lugar,
que be verdade o que digo do Conde D. Henri-
que, aííim arefpeito do feu nacimento, como acer-
ca do feu cafamento , ■ e cofiquifta»: que faô certos
òs ínomes da mayor parte dos Heróes , e das fuás
famiHas : que Henrique fendo Senbor da Cidade
do Porto , e das terras , que teve em dote j dila-
tou as fuás conquiftas pelas Provincias de Entre
Douro , e Minbo , Beira , e Trás os montes , e
até pela Eftremadura ganbando Lisboa , e Cintra.
Podem lerfe as noticias mais verdadeiras , que per-
manecem defte prloriofo fundador do Reyno de
Portugal 5- a quem deo nome, e fama o exado
Gbroniíla Fr. António Brandão na 5 . Part. da Mo-
narcbia Lufitana , em quanto com melbor eftilo ,
e naõ menos diligente averiguação naõ fabem
a luz as Memorias do meu Heróe admirável*
mente efcritas pelo Padre D. Jozé Barboza Clé-
rigo Regular da Divina Providencia , e digno
alumno da Academia Real da Hiftoria Portu-
eueza. Também be verdade no meu Poema>
como prova o mefmo Brandão , que em Lamego
houve bum Rey tributário do Conde D. Henri-
<}0e ebamado Hecba Martin , e que a Rainha A-
xa
xa Ançiires fiui efpoía era muito guerreira , e que
fe rebelarão camra o Conde , perdendo huma ba«
talha junco ao Rio Alardo , e ao Alonte Fuíle na
ferra feca nao diftante de Lamego para a parte de
Arouca , e que eíles Reys vencidos fe bautilliraõ.
He certo , que a Imagem de Noíía Senhora de
Carquere foy a quem recorreo o Conde D. Henri-
que , para que a interceíTaõ da Virgem Mariacon-
feguiíFe o milagre , que Deos obrou livrando ao
Infante D. Aíronfo feu primogénito, e depois Rey
D. Affonfo Henriques , do im.pedimento , que até
a idade de cinco annos lhe embaraçava os paíTos; e
dizem , que aquella Imagem fe achou dentro de
hum pequeno fino prefervada dos facrilegios dos
Aloiiros no concavo do tronco de hum antigo caC
tanheiro , ,como refere o devoto autor do Santua^
rio Mariano,e que efta Igreja foy de Cónegos Re^
grantes , como he hoje dos Padres da Companhia
de JESUS. He verdadeiro o largo fitio de Coim-
bra , e que depois delle levantado foy Hali-Aben-
Jofef o mais poderofo Rey Mouro de Hefpanha, e
Africa, derrotado com outros Reys pelo meuHe-
róe, que dizem vencera os Mouros em 17. bata-
lhas, de que, comojádiííe, ha pouca noticia, e
poriíTo fingi algumas com as conquiílas de Cida-
des, e Villas, nao fiibendo de outras particulari-
dades. He certo, que D. Pedro AfFonfo foy filho
illegitimo do Conde D. Henrique , e que obrou
muitas acçoens heróicas , mas pouco fabidas , fa-
h 2 hindo
hindo do Reyno , e voltando a elle , onde , con-
forme a alguns foy Meftre de Aviz , e acabou fan-
tamente na Religião de Saõ Bernardo , ainda que
outros o confundem em parte defta.s circunftancias
com outro D. Pedro AíFonfo filho também natu-
ral delRey D. Aífonfo Henriques. A Infenta
Dona Urraca , que cafou com D. Bermudo Peres
de Trava , atribuo o nome de Urania j e pouco
mais do que deixo referido tem de verdadeiro o
Poema ^ mas tudo veílido poeticamente , para fa-
zer agradável a contextura , e útil o documento.
Deixey para a ultima reflexão ácA^s Advertências
que a liberdade de fe apartarem da Hiftoria os Poe-
tas heróicos até chegou ao inalterável da verdade
da Efcrittura j pois o autor do Poema do Maca-
beo introduzio nelle Epifodios , e fucceílos falfos,
e entre elles a eftranheza de ver naõ fó em profecia
os Reys de Portugal , e muitas das Familias Illuf
três defte Reyno , mas a de Gufman , de que era
o Duque de Medina de las Torres , o que também
obferva António Henriques Gomes noíeu Samfam
Nazireno , e outros muitos com Sannazaro.
INVOCAÇ AM DAS MUSAS,
e- Epifodios.
-lI í -Como os efcrupulofos da verdade hiftorica
dos Poemas naõ o faõ tanto no fabulofo dos Epi-
fodios , que naõ fomente faõ a fua melhor parte ,
jrnas a mayor , e a mais delicioía , fem fazer a mi-
nha apologia , tratarey brevemente dos que intro-
u;. : duzi
dnzi na minha acçaõ, pcrfuadindo-me aquenao
hao de parecer taõ efiranhos delia, como outros
nos Poemas mais eftimados,de que fe exceptua en-
tre muy poucos o de Luiz de Camocns, porque os
íèus Epifodios fao felizmente deduzidos do feu af
fumpto ,e applicados a gloria dos íèus Heroes. No
Canto I. delcie a Oitava lò.principiaoEpifodioda
entrada de Henrique na Gruta , donde fahe a ven-
cer a batalha junto a Gaya 5 e refervey para todo o
Canto 2. referir o Heróe aos Generaes os mifterio-
fos prodígios , que vio nos fucceflbs futuros , e nos
documentos da Sibilla , de que a alegoria , como
jádifle, he o efpirito da Mãy de Henrique , que
tinha o meímo nome : algumas deftas profecias
deixey muito efcuras , por me parecer mais próprio
do eftilo dos vaticinios declarar pouco os nomes ,
ainda que Virgilio com o Tii Marcelliis eris , e
com elíe quafi todos os Poetas me deraõ exemplo
para os que nomeyo. He efte Epiíbdio o que dá ao
Heróe a primeira infpiraçaõ de bufcar na Imagem
de Carquere o Numen tutelar do Reyno, que fun-
tlava , aludindo à hiftoria cos três Livros da Sibil-
la no tempo de Tarquino foberbo P^ey de Roma;
No Canto 3. Oitava 50. entra com a batalha dos
Reys de Lamego , que he parte da acçaõ , o Epi-
fodio da defcripçaõ do jardim marcial da Heroína
Axa , e da fua idolatria , o que faço motivo princi-
pal de todo o íèu caracler. Já defde o i . Canto prin-
piciou Aldara o Epifodio ^ que corre em todo o
Poema,
Poema , acerca do feii amor para çorn Muley , e
da fua repugnância as finezas de Peiayo Amado j
porém no Canto 5 . conta Henrique os feus amores
corn Matilde , por onde no fim do Poema vem a
conhecerfe , que Muley , e Aldara eraõ filhos de
Henrique. No 4. Canto depois do pequeno Epifo-
dio , que fiiço incidente do filio de Lamego com a
morte de Lucidio , e crueldade de Brunaferro, en-
tra hum dos Epifodios , que me defagrada menos,
que he o do Palácio da Gloria, onde por huma vaa
curiofidade , que logo moíírarey tratando do ca-
rader de Henrique , fer hum dos defeitos , que o fa-
zem verofimel , moftro as atracções da fingida Ma-
tilde , com que foy incitado , e os principios de al-
gumas fciencias , e artes, que íe conhecerão nos
feculos futuros , imitando a Arioílo , que affim
defcrevo,como elle profeticamente,feis feculos an-
tes a invenção da pólvora , e dos feus furioíbs ins-
trumentos. No Canto j. principia hum largo Epi-
fodio , que corre até o Canto 7. onde naõ he eflra-
nho do afiimipto defcrever os jogos , e torneyos ,
aíFim porque Homero , e Virgilio defcreverao eiP
tes efpedaculos largamente , e Stacio muito mais,
como porque aífim naõ fó faço a narração mais
plaufivel , mas porque me fervem muito para def
cobrir fem a violência da guerra , em que faõ im-
próprias as reflexoens , o caradler do meu Heróe
principal , e dos outros , que tem lugar inferior. A-
qai t4"ato das Famílias , e dos feus Brazoens : aqui
r n M figo
íl^o o crenio daquelle feculo , em qne era 8 tnÕ cô-
niuns os torneyos , e biifcar aventuras : aqui áef-
crevo o Templo de Carquere , e os futuros : aqui
moftro a piedade generoía do Heróe no triunfo,
com que conduz a Imagem ; e os jogos , e tor-
neyos , que devoto lhe dedica , e tudo faô diípofi-
çoens , para merecer a protecção celefte , e o fim
da acçaÕ , que he fundar o Império. No Canto 8.
be também o canto de Aldara hum Epifodio pre-
cifo para inveftigar em hum foliloquio, como ella
entendia , por naõ faber que Pelayo Amado a efcu-
tava , as duvidas do feu nacimento j e logo fe fegue
^à caça em diverfas formas , para o que me nao vali
pouco do que Oppiano , Graciano, e Olimpo Ne-
mefiano efcreveraõ das efpecies da Arte Venato-
ria , que conhecerão, e entre os modernos do Poe-
ma de Venationc , que cfcreveo com elegância
Natal Comes, e também de outros Poetas, que
tratarão da Volateria , quafi defconhecida até o
undécimo feculo. As appariçoens dosDeofes Gen-
tílicos de Axa no Canto 9. fortificao a fua illufao,
e defcobrem , imitando eu a Camoens , muitas
elorias futuras de Portugal. No Canto 10. introdu-
zi hum Epifodio hiftoricojaffim porque naõ foflem
todos vaticínios , como para imitar a Virgilio , e
Camoens , naõ deixando os Leitores fem noticia
do principio , e fucceíTos , que precederão a acçaÕ
do Heróe na fua vida , e na hiftoria de Portugal. A
liiftoria-, qu^ conta Tancredo no Canto 12. em
i^i que
que defcobre , que Muley , e Aldara fiiõ irmãos ,
e filhos do Conde D. Henrique he o ukimo Epiío-
dio , que me deixa livre a concluíIi5 do Poema ,
fendo a conquiíla de Lisboa Capital do Reyno o
preço da morte , que deo Henrique a ElPv.ey Hali
íèu contrario , acabando com hum fó golpe toda
a fua barbara tirannia , e com o exemplo de Virgi-
]io , em que Enéas matando a Turno repete o ver-
fo:
V Iraque ciim gemitiifitgit indignatajiihiimbras,
Nao fe achando menos eílabelecido o Reyno de
Alba por Enéas pelo feu cafamento com Lavinia;e
aífim entendeo mal Mafeo Vegio , como moder-
no , ainda que grande Poeta , que efta fora huma
das imperfeiçoens de Virgílio , por na5 ter emen-
dado ó feu Poema , como fe vè de alguns verfos,
que deixou por acabar , e da difpofiçao , que di-
zem .fizera antes de morrer , de que a fua obra íe
queimaííe ; o que evitou Tucca :
'Ne Trojaforet tota cremata rogo,
E por efte antigo conceito fe reconhece , e ainda
mais pela Eneida, que o fuplemento de Mafeo Ve-
gio he inútil , pois quer acabar hum Poema , como
huma Comedia , nao deixando a quem o le aquel-
la fublime fufpenílio , que da a nobreza da acçaõ
heróica: o que bem conheceo Ariofto , e os que
melhor feguiraõ a Virgílio. Entre a hiftoria , e os
Epífodios nao poíTo deixar de advertir outra vez
com: os Meftres da Arte Poética o erro de Stacio
na
na Aquileida , em que naõ emprehendia menos,
que defcrever toda a vida de Aquiles, de quemhu*
ma acçaõ colérica , que durou fó quarenta e íete
dias , deu matéria a toda a Illiada de Homero. Já
Horácio tinha deixado a Stacio efte preceito repre-
hendendo o Poeta , que intentava reduzir a hum
fó Poema toda a fortuna de Priamo , e Guerra de
Troya , que foy o aíTumpto dos três mayores Poe-
mas da antiguidade :
Fort unam Friami cantai o , C?* nobile helliim.
Mas qual foy o fucceflb defta ignorante vaidade?
O mefmo Horácio o diz com o apologo de Eíbpo
taõ fabido :
Parturient montes , nafcetur ridicuhis mus,
Naõ eílava melhor informado Stacio do principio
da fua acção , pois refere antes que o reciproco fra-
tricidio , que he o aííumpto da Thebaida , a fun-
dação de Thebas com huma larga defcripçaõ, naõ
íèguindo a Virgilio , que reduzio a íeis veríòs de-
pois de propor, e invocar , a deícripçaõ de Carta-
go , que era precifo dar a conhecer , pois Eneas
hia bufcala , prevenindo já a cólera de Juno, e'a
protecção de Vénus. Deixey de fazer memoria
do Epifodio amorofo , e trágico de Licio, e Li-
fis , e Alcino no fitio de Coimbra Canto 1 1. naõ
por entender que era o menos digno de attençaÕ,
mas porque com o exemplo de Taílb no fucceflò
de Olindo , e Sofronia no fitio de Jerufalem fica-
va juftificado , ainda que o emendaílè Taflb na fua
i Jeru-
Jeruíalem Conquíftada , que, como já apontey ,
mõ foy bem recebida do publico. No que digo
neftas Advertências íobre alteraiTe a verdade da
hiíloria, e fobre a Acçaõ, e Epifodios , naõ ale-
guey muitos exemplos , e lugares em termos , por-
que podem lerfe no já louvado Tratado do Poema
Épico do P. le BoíTu, de quem defejey feguir as li-
çoens em toda a Henriqueida.
CARACTER DE HENRIQUE,
e dos Jegíindos Herdes do Poema.
Melhor fe verá, como tudo o mais , pela li-
ção do Poema do que por eftas Advertências Pre~
liminares , íe o carader do Heróe , e os de todos
os adores, que entraõ na Henriqueida , fe confer-
va fem mudança em toda a obra. Achey Aquiles
colérico, Uliílesaíluto, Enéaspio, Cefar ambi-
ciofo, Gofredo devoto, VafcodaGamaouíado,,
D.. AíFonfo Henriques intrépido , e affim outros ,
que me deixarão para o meu Heróe o carader de
generofo : nelle cabem todas as acçoens heróicas,
e nobres , porque conforme a melhor etimologia
he generolb, quem naõ degenera da fua natureza ;
e aíTim parece que moftra fer Henrique querendo
dar liberdade a Aldára , e dando-a a Muley , fendo
ella filha única , e herdeira , como elle fupunha ,
do feu mayor inimigo , e o mais preciofo penhor
para a fua confervaçao 5 e Muley o mais valerofo
dos feus contrários , em que brilhavaõ as virtudes,
que podiaõ recear osPortuguezes , quanto mais as
admi-
admiravaô. Deo também liberdade aos Cativo§,
e exercitou a magnificência , e a piedade em todas
as fuás acçoens. Mas porque naõ me efqueci dos
preceitos , que dera5 os Meftres da Poética , e
ainda melhor dos exemplos , fogindo , como ad-
verte Boyleau , da affedaçaõ inverofimil , de que
o Heróe de hum Poema fe pinte fem defeito , co-
mo fe finge , no heróe de huma novella 5 deixey
que Henrique nos amores occultos de Matilde
fufpendeíle por hum anno o impulfo ; que o con-
duzia para a guerra de Hefpanha , que toleraíTe o
zelofo ardor , com que quafi tumultuariamente fe
oppuferao osfeusGeneraes, e Confelheiros à liber-
dade de Aldára , e que com huma exceffiva , e
crédula curiofidade entra fie a examinar na efcuri-
daÕ da noute os encantos do Palácio da Gloria. A
Rainha D. Thereza fempre he prudente , e coní^
tante ; a Infanta Urania amante , mas advertida :
Egas Moniz , que he o Patroclo Menefiades def-
te Aquiles , e o Achates defte Eneas, permanece
fempre devoto , fiel , evalerofo, fendo hum dos
principaes inftrumentos , que confervou a vida ao
Infante D. Affbnfo , de quem era Ayo , e o pri-
meiro , depois de Henrique nas vittorias. D. Pe-
dro Bernardo igualmente íabio, e animofo , nao
defmente em muitas acçoens o feu carader. Pe-
layo Amado Heróe amorofo , mas nem poriflx)
menos guerreiro , padece os infortúnios dehurti
amante naõ correfpondido , e algumas vezes o caP
i 2 tigo
tígo dos exceíTos , a que o obrigou a paixão ; e as
^iiezas, que fó mereeeraõ ao principio aellimaçaõ
de Aldára , ultimamente lhe confeguem o premio
de que fe fez digno. Cunha prudente, Távora adi-
Vo 5 Pereira confiante. Hercules de Ruhan trouxe
eu de Bretanha a Portugaljporque já naquella Pro-
víncia deFrança erao Soberanos de muitas terras os
deíla Familia , em que me intereíley por huma ali-
ança , e o fiz , como faõ os Francezes , ardente ,
e luzido. A Muley revefti de acçoens taõ nobres ^
que algumas vezes temi fazelo mais amável do que
o meu primeiro Heróe , como arguem a Homero
a refpeito de Heitor , e a Taílb a refpeito de Rei-
naldo j porém como era filho de Henrique , ainda
que defconhecido , fó nelle podia ter o Heróe
hum digno contrario , a quem fempre refpeitou
Muley por occulta fimpatia , e a quem fempre
venceo Henrique no valor , e generofidade. A
paixão violenta que teve para com Aldára, o obri-
gou a algum nobre furor , que o deixa defigual ao
generofo Heròe. A Hali-Aben-Jofef , que he o
Turno do meu Enéas , e o Argante do meu Go-
fredo , naõ fiz taõ odiofo , que ficaífe indigno de
combater a Henrique , porém a tirannia , e a im-
piedade deíluzem algumas virtudes heróicas mais
do que moraes , que lhe confervey para ennobrc-
cer o ultimo triunfo do Heròe. Muftafa teve o
çaftigo da fua perfídia , e nelle predomina fempre
a aftucia ao valor j nos outros Mouros faço variar
quanto
quanto poílb os intereííès, e as inclinaçoens , fi-
cando de algum modo premiadas com os Reynos
de Africa as virtudes , e juftiça de Lucidoro. A
diíciplina militar de Roberto tem exercício na de-
fenfa de Gaya , e Coimbra , e em outras occa-
fiocns 5 naõ lhe fendo defigual Eividio. A mode-
ração delRey de Lamego he huma diípofiçaõ
para o bautifmo , que pretendeo , e coníeguio , e
efte caracter oppoílo ao furor da Rainha naò me
parece que faz máo effèito : he efta Heroína Axa
Ançures , comojá ponderey , a Camiilla do meu
Eneas, ou aPentefilea, Hipolita , eClorindade
outros Heróes. Depois das cauías , a que attribui
a fua idolatria, deixey livres todas as illuíbens , que
fe repreíentaraõ na fua idéa para animar a fua furio-
fa paixão , que até o fim do Poema foy fempre ohf-
tinada , e fó por hum milagre entendi que podia
íer convertida , como os antigos uíàvao nas que
chamavaõ maquinas 5 pois huma loucura fomenta-
da pelo máo génio, hum valor intrépido , e huma
íbberba indomável , com a vaidade , que dà a fer-
mofura , e a difcriçaõ , nao podiaõ fer fuperadas
menos que por hum prodigio Divino. Aldara taõ
pouco belicofa, e taõ fina amante, he hum carac-
ter oppoílo ao de Axa , em que também traílu-
zem as virtudes de filha de Henrique, que interior-
mente moderavao a violência da fua aíFeftuofa in-
clinação a Muley , e que fó davao lugar a jufia et
timaçaõ , que fazia de Pelayo Amado : e no fim
do
do Poema com a generofa refoluçao de D. Pedro
Affonfo , que jà naõ era Miiley , lhe tirey dos olhos
hum obje£lo , que podia recearfe , ainda que in-
juílamente, criminofo. S. Giraldo he fempre San-
to , fiel ao feu Principe , e livre da lifonja : e nao
tratando de outros caracleres inferiores , direy lo ,
que com o exemplo de Camoens coníervey em
quafi todos os nomes Portuguezes , pois naõ fey ,
que íeja diífonante :
O caro meu irmão Paulo da Gama,
E em outras partes :
MartimLopesJe chama oCavaleíro. Can.S . 8 .2 3 .
Maisfe lhe ajunta Nicoláo Coelho. Can.
V endoV ajco da Gama (jue t a^ perto,C'à\\.6 .% ,%o:
E no Cant. 4. Oitav. 24. para dizer hum nome in-
teiro , o partio com huma hyperbaton com efte
veríb : , /. u ■ ■ .
Mem 'Kodrlguesfe diz de Vajconcellos,
Na mefma Oitav.
Anta'õ Vajíjues de Almada he Capitães,
No Cant. 8. Oitav. 27. :
Que Gonçalo Ribeiro fe nomea*
No Cant. 8. Oitav. 54.
Gil Fernandes he de Elvas quem o ejlraga.
>:iaA(]uí de D. Filippe de Menezes.
E aíTlm em quafi todo o Poema , fem que o emba-
racem o humilde , ou o duro de alguns nomes pa-
ra lhe dar a gloria , que adquirirão com as fuás ac^
çoens, e pode íer Camoens em tudo excelente
i exem-
exemplar. Também o podem Ter Homero com os
armoniofos nomes da fiia elec^ante Linooa ; Yiriirii-
lio latinifando alguns da Frigia , e Grega , e a ma-
yor parte dos Poetas , naõ ignorando a difcreta
advertência de Boyleau de que pela afpereza de
hum nome próprio fe perdia toda a confonancia de
hum Poema , para o que traz o exemplo de Mr. de
Sainte Garde , que efcolheo por Heròe a Cbilde-
brand, quando a armonia dos nomes de UiiíTes ,
Agamennon , Idomeneo , Paris , Enéas , e ou-
tros já ennobrecem as idéas com a melodia,que lhe
dá o idioma ; porém ainda que hum illuftre exem-
plo moderno com delicadeza mudaíTe os nomes
Portuguezes, fio tanto da confonancia da Lingoa,
em que efcrevo,que antes quiz íèguir tantos exem-
plos , e coníervar os verdadeiros nomes aos Va-
roens infignes , que com as fuás acçoens deraõ im-
mortal gloria às ílias Familias, e à naçaõ Portugue-
za , do que bufcar o que os Gregos chamarão Eu-
fonia , que naõ fò deve de fer agradável , mas pró-
pria da Lingoa, em que fe efcreve.
LINGOA.
Tenho tratado do todo do meu Poema : fal-
tame agora difcorrer fobre as fuás partes j ou por
explicarme melhor , tenho dado huma idéa da Ar-
t^, que íegui j e agora difcorrerey do modo , por-
que procurey executalo. Deixo de dizer, que a
propofiçaõ foy breve , reduzindo a três Oitavas o
carader do Heròe , a gloria do feu nome , a-futu-
ra
ra do íeu Reyno , e a acçaõ de todo o Poema. A
invocação he Chriftãa , como a de Taílb com ale-
• goria poética : a dedicatória ao SereniíTimo Senhor
Infante D. António reduzi com grande repugnân-
cia minha a tao poucos verfos, alTim porque as fuás
muitas virtudes podem fer aíTumpto do mais largo
pancgirico , como porque nao achey nos Gregos,
e Latinos eftes exemplos , íendo breves os que me
derao Camoens , Taílb , e outros modernos para
poder feguilos j mas primeiro que trate do eftilo
poético da Henriqueida , me defculparey dos que
entendendo , que eu podia eícrevelo em outras
Lingoas mais univerílies , me condennaõ , porque
o efcrevi na própria , dizendo huns , que nao era a
mais armonioía, nem a mais abundante; outros
com maií razaõ , que íe a gloria da naçaõ Portu-
gueza , e a minha própria erao o motivo de com-
por hum Poema , huma e outra coufa ficava redu-
zida fò ao Reyno de Portugal , e fuasConquiflas^
on Je todos conheciao , e admiravao as acçoens do
Conde D. Henrique feu primeiro Fundador, e on-
de poucos liao , e menos louvavaÔ as obras dos au-
tores vivos , e muito menos as dos nacionaes , nao
íendo menos difícil íer poeta , do que fer profeta na í
fua pátria ; e que fe Homero , e Virgilio , e outros
antigos eícreverao na Lingoa materna , fora por-
que como dominantes erao univerfaes , e ainda A-
rioílo, TaíTo, outros Italianos, e muitos Heípa-
nhoés , compuzeraõ em Lingoa , que íe entende
' '^ em
em muitas Cortes de Europa , e com mayor razão
o fizeraõ os Francezes por efta caufa , e concluiaõ,
que havendo Claudiano efcrito em Latim o íêu
Poema de Raptu Froferpnue^ principiou em Gre-
go o da Gigantomaclna, que também havia come-
çado em Latim , e que ao mefmo aflumpto tendo
Manoel de Galhegos compoílo em Portuguez o
Templo da Memoria , imprimi o em Heípanhol
com muito acerto outra Gigantomaclúa , íendo
efte autor taõ douto nas regras do Poema Herói-
co ; como moftrou no Dijcurjo Pr e liminar , que
fez àquella obra , e no que nas melhores ediçoens
fe le antes da Uliflea de Gabriel Pereira de Caftro.
Mais claramente me combatiaô com os exemplos
de tantos modernos ; em que naõ tem inferior lu-
gar os Portuguezes , que fizeraô Poemas na Lin-
goa Latina , e na Caftelhana , a qual preferio Fran-
cifco Botelho de Vafconcellos em todas as impreP
íbens do feu Alfonfo à Portugueza, coníèrvando-o
nefta manuícrito com igual elegância.
Naõ reípondo à primeira parte defta ceníiira^
porque me parece , e cuido , que fem /er por en-
gano próprio , que he a Lingoa Portugueza huma
das mais graves , e armonicas para o heróico , e
para o amorofo de hum Poema Épico : bafte-me
para exemplo Luiz de Camoens , que he certo ia-
bia muito bem outras Lingoas , e illuftrando , e
polindo a própria , que nos Lufiadas fe conferva ha
mais de i6o. annos quafi fem alteração confidera-
k vel,
Vel 5 mereceo fer admirado , e traduzido quatro
vezes em Latim, huma em Italiano, duas em Fraii-
eez , huma em Inglez , e quatro em Hefpanhol.
Na fua abundância naõ achey falta , e affim me vali
pouco de palavras , efrazes de outras Lingoas,na5
feo;uindo muitos autores modernos , que fendo
2;randes em outro fentido, fe disfiguraõ, e cor-
rompem o idioma , tomando muitas licenças,
quando eu com menos efcrupulo , por fer Poeta,
podia, como fez Camoens, uíar de algumas; o que
imitey com tanta mais moderação , quanto tenho
de menos autoridade ; pois até à difpotica de Ti-
bério naõ permitio o Senado introduzir huma pala-
vra nova ; e as que cita eílranhas , quando as julga
precifas , efcreve em Grego o mefmo Cicero , naõ
fe atrevendo a latinifalas.
A^cerca do eftilo diz' Horácio na Arte Poéti-
ca verf 56. e 57. onde faz o mefmo elogio de in?
troduzir palavras novas naõ menos que a Catão,
que Ennio merece grande louvor , por enriquecer
a Lingoa Latina com palavras nobres , como íe
pode ver dos verfos feguintes :
Si po^um, invídeov^cum língua Catonls, ^ Enni
Sermonem patrium ditavevit , ^ nova renmi
Nominaprotu/erit : Ucuit ^Jempercjue licehit^
Que Lucano naõ mereça o nome de Poeta a pezar
do feu bom eftilo , verfificaçaõ , e máximas , em
que convém muitos doutos , moftra Petronio Ar-
bitro , que o pode fer neftas matérias , no Satyri-
con,
con , eera contemporâneo de Lucano. E efla op-,
piniaÕ he feguida de Sérvio no Commento de Vir-
gílio , e naõ menos de Santo Ifidòro no Liv. 8. das
Origens, como também de outros muitos , con-
ciliando engenhofamente Gafpar Barleo eíla opi-
nião , e a contraria no diftico feguinte :
Qiii minits Iijjloriciis credor miniis efe Poeta :
Me minor eji vates , C/ minor hijioriciis,
Júlio Cefar Scaligero no Hypercriticon Lib. d.'
Poet. pag. 841 . e 842. dá o fegundo lugar a Stacio
depois de Virgilio , ainda que muitos o contradi-
zem 5 e nefta parte o goílo de cada hum julgará o
que lhe parecer dando a preferencia a Lucano , ou
Silio Itálico.
Os que negaÕ ao ultimo o conhecimento da
Arte Poética, fundaõ-fe em que fegue hiftorica-
mente a Polibio , e Tito Livio , e em que naõ co-
nheceo a Fabula Heróica j e dizem que naõ era
Poeta por natureza , mas fim por arte. A Valério
Flacco naõ valeo o elogio de Quintiliano, porque
também delle íe tira a coníequencia de que a fua
obra naõ ficou muy correda ; nem o de Gafpar
Barthio nos feus adverfarios , que o louvaõ com
grande diftincçaõ, nem o do P. Filippe Briete no
Liv. 2. dos Poetas Latinos , que naõ fendo taÕ
parcial de Valério Flacco , como Barthio , lhe dá
preferencia a Stacio , e a Lucano 5 porém entre os
Criticos defte autor , de que he o principal o P.
ILapin , naõ lhe he concedido taÕ fuperior lugar
k 2 no
no Parnaílb ,* concluindo-fe em Bayllet tom. 4. da
edição de 4. do Jugement áes Scavans , que efco-
Ihendo hiima acçaô própria para bum Poema, por
íer fabuloíli , e heróica, naõ a tratou bem , por
encher a fua compofiçaõ de acçoens particulares
dos Argonautas, fendo ainda affim melhor o que
intentou do que o que copiou de Apollonio Rho-
dio , que como já diíle , efcreveo do mefmo aC-
fumpto. No juizo da Dionifiaca de Nonniis con-
cordao os mais doutos , que a vaftidao da matéria,
que abraça , e outros defeitos impedem que mere-
ça os elogios de alguns , em que entraÔ com gran-
de autoridade Policiano , e Mureto , a que íe op-
poem Daniel Heinfio dizendo que íe enganarão.
JoaÕ Tzetzes nas Chilradas , que compoz , ain-
da que tenha erudição, eboas máximas politicas,
como a fua obra he de hiftoria miícellanea , nao
merece fer imitada por autor de Poema Épico.
JoaÕ Gunthero quaíi contemporâneo do Conde
D. Henrique , pois efcreveo as acçoens de Fede-
rico Barbarroxa mereceo a pezar da grofla-
ria do feu feculo repetidos elogios dos melhores
Criticos , como foraÕ Janu Douza in Praefat. alte-
ra Annal. Batav. carmine fcript. idem lib. de Poet.'
Latin. pag. 74. Gafpar Barthius in adverfariis:
JoaÕ de Antvvild em todas as naçoens teve dig-
no louvor dos mais eruditos eícritores ^ mas co-
mo o afliimpto do íeu Poema do Archithoemo
he moral , e naõ heróico , pois trata das mife-
rias
rias dos homens , naõ entra nefle meu exame.
João deiske Inglez conhecido por Devonio, e
por lícano , que floreceo no fim do feculo XII. e
principio do feguinte , lendo difcreto, e erudito na
Lingoa Grega , e Latina , em lugar de imitar , co-
mo devia , a Homero , e Virgilio , pois eícreveo.
6. Livros da Guerra de Trova, cahio no erro co-
mum de querer tirar todas as fabulas daquelles Poe-
tas , para efcrever fó a verdade , que fuppoz ti-
nha achado na hiftoria da meíma guerra , que cor-
re com o nome de Darete Fhrygio, Guilherme
Breton fez hum Poema intitulado Fhllippidos das
acçoens de Filippe Auguflo Rey de França, a que
naS falta génio , e arte 5 mas com a paixaõ hiftori-
ca entra na collecçao dos hifloriadores de França
de Pithou impreíla em 1596. Felippe Gualther
naõ executou bem o grande aííumpto , que efco-
Iheo no feu Poema do Alexandreidos , pois fe lhe
achaõ muitos defeitos , lendo ao meujuizo, oma-
yor querer tratar de todas as acçoens grandes de
hum Heròe , de quem fo ha de efcolherfe huma pa-
ra o Poema Épico. Quem naõ havia de defani-
maríe de fazer hum Poema Heróico , quando Pe-
trarca o melhor Poeta Italiano , e hum dos
reftauradores da Lingoa Latina no íeu Poema de
Africa , ou da fegunda Guerra Púnica naquella
Lingoa , naõ fó he condennado por erros de quan-
tidade , mas pela ordem ; e naa fendo apparecido
ainda Silio Itálico , lhe deo Voffio , e outros Cri-
ticoí
ticos hum lugar inferior a eíle Poeta ? A Thefei-
da de Joaõ Bocacio he mais agradável pela contex-
tura, do que pela dicção Poética, naõ íè ifentando
eíle grande autor do vicio moderno de efcrever to-
das as acçoens dofeuHeròe. O Morgante de Luiz
Puley ainda hoje engana aos que fò eftimaÕ os in-
cidentes agradáveis , e os conceitos exquifitos com
a pureza da Lingoa , fem condennar a eíle autor
pela barbara idéa épica de matar o feu Herôe
antes de acabar o feu Poema pelo haver mor-
dido na extremidade de hum pé hum Caranguejo
marinho , como fe foííe por qualquer outra parte
invulnerável , como Aquiles , ou aquelle Cancro
o mefmo , que he Signo celeíle, por morder em íe*
melhante lugar a Hercules. Ricardo Bartolino
fez a fua Auílriada com pouco melhor íucceílb do
que Bautifta deCantalicio a fuaGonçalvia aoGraõ
Capitão Gonçalo Fernandes de Córdova, aíFump-
to , que tratou mais poeticamente Bautiíla Man-
tuano fò na pátria igual a Virgilio j e pouco exce-
deo a eíles dous Pedro Gravina,qne louvou o mef
mo Heròe na cònquiíla de Nápoles j mas eíle Poe-
ma naõ exiíle. Como trato pouco dos Poemas i
que tem aíTumpto facro, naõ fallarey na grande eí^
timaçaõ , que mereceo Joaõ Peres , ou Petrejus no
feu Poema Latino da Magdalena, que o celebre
Audré Navagerio , fendo Embaxador de Veneza
em Heípanha , preferia ,pela fua elevação , a todos
os Poetas modernos de ItaUa 3 nem na Vida de S»
Jozé,
Jozé 5 e outros Poemas Sacros puramente efcritos
pelo Alellre Jozé de Valdiviezo em HeípanhoJ,
nem em outros muitos de femelhantes aíTumptos
nas duas Lingoas , Caftelhana, e Portugueza , em
que íe diftinguem o Cartuxano tao louvado por
Manoel de Faria , Vita Chrifti de António das
Povoas , a de Saô Joaõ Evangelifta de Nuno Bar-
reto , e a de Santa Qiiiteria de Jozé do Couto
Peftana.
Nao fazendo tanta eftimaçaÕ do Poema dos
Amores de Orlando , e Angélica de Matheus Bo-
jardo Conde de Scandiano , como elle teve antes
de apparecer o de Arioílo , tornarey a obíervar
neíle , que como eftas Advertências Preliminares
tratao da ordem dos Poemas Épicos , e das íuas
partes , admiro muito as que obfervou Arioílo ,
mas a pezar da Crufca , e de grande parte da Itá-
lia 5 comparando-o com Taííb , entendo que o ul*
timo fez melhor Poema , ainda que o primeiro me
parece mayor Poeta , e que na5 feria igual ao F//-
riofo o leu Orlando Innamor ato ^ íe o acabafle. O
Poema do Vellocino de ouro efcrito em Latim
pelo Helpanhol Álvaro Gomes he univeríalmente
eftimado , como outros Poemas Sacros domeímo
autor. Joaõjorge Triffino foy dos primeiros , que
fe animarão a livraríe da efcravidaÕ das Rimas ,6^
crevendo em verfo folto, em que foy muito legui-
do dos Italianos , e ainda hoje o he dos modernos
da mefma naçaõ , mas fenaÕ attendermos à confo-
nancia,
nancla, feguio eíle Poeta , como muito poucos,
as regras de Ariftoteles no feu Poema de ^elijario^
ou Itália Libertada, Os dous Poemas de Ludo-
vico Dolce , que íaõ dos principios de Orlando , e
o de Sacripante moftraÕ o engenho deíle autor,
mas fao do meímo génio dos que efcreveraõ ac-
çoens de Cavaleiros andantes, que poucas vezes
acertarão com a Fabula heróica fazendo cómica
a ficção. Tomando a parte oppofta condenna oP.
Rapin íempre digno de allegaríè ao Poema Heípa-
nhol do Cid, que compoz Diogo Ximenes de Ay-
lon , porque efcreveo ignorando o Epifodio , e a
Fabula , as acçoens do Graõ Campeador com
exada Cronologia. Melhor fubedeo a JoaÕ Rufo
com a fua bem efcrita Auílriada : a Franciada de
Ronzard naõ merece reflexão , pois a íua erudi-
ção Grega naõ lhe deo a conhecer a ordem de hum
Poema Épico , did;ando-lhe fó a dureza do eftilo,
em que às vezes he culpado o mefmo cxceílb de
erudição j e Des Preaux lhe chama Francez Gre-
go Latino. O Poema intitulado Semana , que al-
gum tempo teve mal merecida eftimaçaõ, de que
íby autor em Francez Guilherme Saluftio du Ber-
tâs , naõ fó naõ he dos daquelle género , de que eu
faço particular memoria , mas o Cardeal du Per-
ron o exclue da clafle dos Poemas Heróicos , por-
que naõ miftura as hiftorias com as fabulas, det
cre vendo em 7. Livros os íètte dias da primeira fê-
mana do mundo. Panagio Salio adquirio mais re-
putação
putaçaõ depois da ília morte em dous Poemas La-
tinos : oprimeiro da Gallia Chriftiana , que trata
da Vida de Saõ Vafto , e outro intitulado Te/an-
thropia , ou do fim do homem , ambos de aíTump-
tos menos próprios da ordem heróica, de que trata.
Devo acrecentar ao que difle de Taílb , que
procurey evitar algum dos defeitos, queoscriti-
cos rigorofos lhe arguem , e podem verfe na ulti-
ma edição das fuás obras, em Bayllet Tom. 5. da
edição de 4. e em muitos autores. O mefmo Taf
íb parece que o reconheceo , mas he certo , que,
como já obfervey , conferva o feu primeiro Poema
a devida eftimaçaõ , que o feu fegundo perdeo ,
moftrando, que nem lempre na poefia , como na
mufica he o mais exado , o mais perfeito ; no Ri-
naldo tinha elle já moílrado nos feus poucos annos
aquclle mefmo fogo , que fempre o animou , e nos
últimos acreditou , que fabia moderarle , propor-
cionando à idade o aífumpto nas jornadas da crea-
çaõ do mundo , que efcreveo em veríbs foltos , de-
clarando , que fentia naõ o ter eícolhido para os
outros Poemas , porque nelles podia obfervar me-
lhor a regularidade , e a ordem , naõ interrompen-
do a narração em cada Oitava, nem augmentando
mayor aperto às prizoens poéticas com as Rimas,
que nem fempre íe fugeitaô a razaõ, a quem os
coníbantes devem íervir como efcravos , o que
bem obíervou , e executou melhor o meftre da Ar-
te Poética Franceza.
1 Deíles,
' Déftes, e outros Poetas íe pode ver o juizo,
que fa^ Manoel de Fana , e Souía nos apparatos , c
contexto dos feus commentos a Luiz de Camões.
O mefmo aíTumpto de Taííb feguio na Lingoa La-
tina Pedro Angelo Bargeo na fua Cyriada em on-
ze Livros louvada univerfalmente pela fua pureza,
e elegância. Joaõ Bautifta Lalli fe diftinguio , co-
mo Scarron em Francez , transformando em Ita-
liano a Virgílio, e a Taílb no eftilo burlefco: com-
poz também hiirn Poema ferio da deftruiçao deje-
ruíalem por Vefpafiano j mas naÕ foy taõ celebre
no eftilo heróico , como no Jocofo.
NaÕ baftou oexcellentejuizo de D. Nicoláo
António para fazer renacer do efquecimento , em
que eftá, o Poema de Bernardo, ou Vidoria de
Roncefvalles eícrito por Bernardo de Valbuena ,
donde louva muito as comparaçoens , e imagens
poéticas , e a invenção , e boa efcolha , por fer de
huma acçaõ entre fabulofa , e verdadeira , e de
hum íeculo, que admite todas as fícçoens, com que
os modernos fízeraõ fucceder ao tempo mithico ou
fabuloíb dos antigos, as acçoens pouco verdadei-
ras dos Heròes transformados em cavalleiros an-
dantes , de que naõ fe izentou a virtude , e o valor
do mefmo Carlos Magno.
/v Ainda que a Florença defendida dos Godos
Poema Italiano de Nicoláo Villani naõ fe acabou,
nem limou pelo íeu autor, fuftenta a reputação ,
que as fuás Poefias Italianas , e Latinas lhe adqui-
'•"'-' riraõ,
riraÔ , como reconhecem Lauro in Orchefta , João
Meurfio in Epift. adDom.Molin.e outros autores^
Alonfo de Erzilla na fua Araucana foy hum dos
primeiros Hefpanhoes , que confervou em todo o
Poema hum eftilo puro , ainda que naõ fublime : a
fua melhor impreflàô he a de Lisboa dedicada ao
Conde de Lemos j e Manoel de Faria diz na fua
primeira Centúria dos Sonetos de Camoens , que o
fez celebre o Soneto de D. Ifabel de Caftro , que
principia:
Araucana naçai mais Venturofa.
Lope de Vega na Jerufalem Conquiftada , Belle-
za de Angélica, Dragontéa, ou Expediçoens do
Almirante Iríglez Francifco Drak , e outros , que
podem paflar por Poemas Épicos , moftraõ mais a
fua clareza , e affluencia , que a fua regularidade.
Gabriel de Chiabrera mereceo de Urbano
Vin. magníficos elogios j mas entre hum grande
numero de poefias , naõ faõ os íeus Poemas He-
róicos os que merecem eíles grandes louvores. En-
tre os defeitos , que o P. Rapin acha na ília Ame-
deida , ou Coiiqui/ia de Khodes , naÕ he o menor
durar a acçaõ fomente por quatro dias j enaÕtem
mais regularidade os outros Poemas , de que o prin-
cipal he o da Gothiada. Luiz Groto Cego de A-
dria mais conhecido por efte defeito foy muito ef-
timado , e naõ he o íeu Poema de Mambrino o
que lhe deo o màyor nome,por fer de hunf^ âflljmp-
to^mteirameníe de^oavalleirosan^^^tieiST : jr. r-^.
fiílc 1 2 Fran-
Francifco Bracioliní pode fer que fofle o Poe-
ta que efcreveo mais Poemas Heróicos , pois íe
contaõ onze com hum grande numero de Cantos,
e Oitavas : mas entre todos o mais eftimado he o
da Reílauraçao da Cruz com trinta e cinco Can-
tos; e os outros podem verfe em Lourenço Craf
íb , e em Leaõ Allatio de Apibus Urbanis , onde
efte Poeta entrou com mais cauía , pois Urbano
VIII. permitio por honrallo , que trouxefle as luas
abelhas por Armas, e elle accrecentou o feu nome
chamando-íe BracioHni de Apio : querem com tu-
do alguns deftes autores , que o Poema da Cruz
tenha o terceiro lugar depois de Taflb, e Ariofto.
Thomaz Stigliani Cavalleiro de Malta no feú
Poema do Novo Mundo em 54. Cantos , teve co-
mo todos, defenfores, e inimigos j mas naõ po-
de negarfe,que he dos que merecem efiimaçaõ. Do
mefmo aííumpto, mas com o titulo de Colomheida^
ou Expediçoens de Chriftovaõ Cólon , compoz
hum Poema Latino Júlio Cefar Stella , que fendo
de poucos annos poderia melhorar, fcnaõ deixaflè
os eftudos por outros divertimentos.
Alexandre Donato Jefuita efcreveo com acei-
tação em Latim o Poema de Conftantino Liber-
tador de Roma , e à fua competência efcolheo o
Hiefmo aíllimpto com pouca diferença , e com
emulação o P. Mombrun da mefma Companhia.
Joaô Argolo filho de André bem conhecido
pelas fuás obras Aftronomicas , parece que feguio
*íii iU - oíeu
o feu génio em efcolherEndimion , o qnal porque
obíèrvou a Lua fingio a fabula , que fora amante
de Diana , para aíTumpto de hum Poema Heróico
efcrito em idade de íette annos , e íette mezes j e
íiihio a luz com efte Poema à competência do A-
donis do Cavalleiro Marino , fendo univerfalmen-
te louvado depois que íê reconheceo fer obra pro-
priamente fua feita em taõ pouco tempo , e de taô
poucos annos.
O P. António Milieu Jeíiiita Francez facrifí-
cou em huma doença vinte mil veríbs Latinos à
fua mortificação , ou deíengano , mas houve quem
como a Virgilio , livrafle do fogo o feu Poema La-
tino intitulado Mofes Viator j e ainda que naõ pa-
rece aíTumpto de Poema Heróico , o P. Buffieres
no prologo do Scanderbegius , de que já tratey , o
reconhece por hum taõ grande Poeta , que foube
adornar hum aflumpto Sacro com as melhores flo-
res do Parnaílb Chriftaõ. Júlio Strozzi autor do
Poema Italiano Venetia Edificata deíempenhou
hum aflumpto próprio de hum Poema Épico com
acerto. Ao P. Pedro de Mombrun , de que já tra-
tey, devo accrecentar 5 que naõ havendo autor,
que melhor conhecefl^ as regras da Poefia Herói-
ca , como moftrou nas fuás Diflertaçoens , e ten-
do todas as outras qualidades de grande Poetajnâõ
confeguio , que o feu Conftantino agradafle a to-
dos 5 por onde íe ve, que nao bafta a regularidade
para fazer agradável hum Poema. Bom feria , que
o Def-
o Deímarets íatisfizeílè tanlo aos outrem , como a
fi meímo no feu Poema de Clóvis j ainda aíTim naõ
deixey de fervirme de alguma das fuás reflexoens
fobre a introducçaõ das fabulas do Paganifmo dos
Poemas Chriftaõs. uííí/jl i^ji-^ i
- ^ Na 5 poíTo negar ao P. Fedro de Moyne no feu
Poema de S. Luiz parte dos louvores ^ que lhe deo
a difcreta critica de Mr. Coftar j e com mais mo-
deração íendo também Jefuita o P. Rapin: muitos
lhe condennao a dem afiada oufadia Poética ,' que
outras naçoens naô eftranhaõ tanto: alguns que-
rem que o íeu Poema, e o da Henriade de Voltai-
re íejaõ os dous melhores , que até agora tem aLin-
goa Franceza ; como já difle. Por mais que de-
íejey , que os conlbantes naõ fe repctiílem em Oi-
tavas fuceíTivas , porque a variedade das Rimas he
lempre agradável aos ouvidos, naõ imitey a pue-
rilidade , a que íe fugeitou o autor da ^(jiii/eja
Perdida , de quem obíervou Menage , que em vin-
te Cantos quafi naÕ repetio confoante algum , fa-
zendo eíla violência ainda mais duras, como pon-
derey , as leys poéticas 5 o que íe ve nos acroílicos,
onde as Nenias de Faria foraõ facrificio dagracioía
íàtira de D. Gabriel dei Corral Abbade de Touro,
•e em outros laberintos , e anagramas , a que íati-
riza o Epigrama Francez , fendo o conceito , que
os que voltaõ os nomes tem já voltado o miolo
ainda mais que por Poetas por Anagramaticos.
Supofto que tenho conhecimento de algumas
■-- Lingoas,
Lingoas , nenluima iey , como g proprisr , e omcfi
mo cuido confeflarao todos os que forem verdadei^
ros , e modeftos , e fe o negarem , appello para os
nacionaes , que conhecem os idiotifmos , de que
nacem os barbarifÍTios ,e folecifmos, vicios os mais
intoleráveis da Gramática : algumas excepçoens
haverá na profa , menos no verfo , em que os no-
mes próprios , e apellidos Portuguezes , ou haviaõ
de confundiríe com a mudança , ou haviaõ de pa-
recer eícabroíbs confervando-íe nas íuas termina-
çoens. No Canto 8 . procurey moftrar a doçura da
noíTà Lingoa nas queixas de Aldara , e igualmente
achey a Lingoa Portugueza própria para o herói-
co , e para o amorofo : no eftilo médio parece a
alguns mais difficil, mas ifto he defeito dos que na5
^dmitem mediania, nem eílimao íenaõ o que he
eílranho , e íe na profa naõ tem as outras naçoens
efcritor que exceda , e tal vez nem que iguale ao
Infigne P. António Vieyra, JoaÕ de Barros, Fr.
Luiz de Soufa , Jacinto Freyre , e aos dous Con-
des da Ericeyra , como também nos verfos aos
que tenho referido, nao contando em ambos os
eftilos os que ainda vivem , que muito que eu me
contentafle com taõ grandes exemplos para naõ de-
íèftimar aquella Lingoa , de que diz Camoens,
que com pouca corrupção íe perfuadiraõosDeofes
que era a Latina?
ESTILO POÉTICO.
Em todas eftas largas Advertências Trelimh
nares
nares le terão viílo as dificuldades , que encontrey
para me refolver no eftilo poético , que devia íe-
guir. Aílèntey, que nefta parte liavia de imitar
pouco ; pois violentando o meu eftilo natural, fe-
ri a affèdtado j e voltando os olhos para a nobre fim-
plicidade de Homero , naõ deixando de eftimalla,
como merece, e de reconhecer, que o que hoje
parece mais humilde , era grande no íèculo , em
que efcreveo , e na lingoa , que em todos os léus
cinco dialectos com tanta elegância uíou, íe me
fez inimitável. NaÒ fou taô defvanecido , nem ta5
ditoíb , que me perfuada que íegui a admirável
clareza, e elevação deVirgilio, mas defej anda
imitallo, e naô menos a Taílb , eaCamoens, en-
contrey bipartido o Parnaílb moderno. Decidem
os Francezes , que tem bom voto nas matérias lit-
terarias , contra os Poetas de voo mais rápido , e de
expreflbens menos intelligiveisje fuppofto que tem
dado excellentes preceitos para o Poema Heróico,
elles mefmos confeílao , como já adverti, que até
agora naõ produzirão iguaes exemplos : com os dos
Gregos , e com os dos Latinos do íeculo de Auguf-
to , querem provar com razão , que a poefia hade
íèr alta , e clara , como o faô as Eftrellas. Nas fuás
tragedias , principalmente nas de Corneille , Ra*
cine , e alguns outros , e nas Comedias de Molie-
re , e poucos mais puferaõ o feu theatro na mayor
perfeição , e regularidade , exprimindo as paixões
inais heróicas , e mais finas com huma natural ex-
^/iv*;; plicaçaõ
plicaçaõ dos movimentos da alma,' contido que
chama5 brilhante falíb , com que diminuirão o
preço a muitos Poetas modernos , e a alguns anti-
gos da fua, e de outras naçoens. Os Italianos, co-
mo já infinuey , tiveraõ três tempos : no de Dante
até Petrarca , e feus imitadores, floreceo a poefia
pura, e clara, fubindo mais que Dédalo, porque
lhe naõ bafla a mediania , nem fe verifica nella o
]\íedio tiitUfunus ihis j e menos que ícaro , pornaÕ
dar ás agoas de Aganipe com o íêu naufrágio o trá-
gico nome de Içarias. No íegundo tempo , ou ida-
de da Poefia Tofcana dizem os feus modernos pro-
feílbres, quefe eícureceraõ as idéas de que naõ po-
diaõ nacer claros os conceitos, parecendo-lhe , que
o que fe entendia fiicilmiCnte era difícil que íeadmi-
raíle j e daqui dizem que fe originou fazer confiP
tir toda a poefia em frafes , e epiteólos , que deviao
mais ao artifício de falfos adornos , do que à fermo-
fura de verdadeiras perfeiçoens ; e quafi reduzidos
fó a palavras cuidavao mais em equivocos, para-
nomafias , e outras figuras , que devem uíarfe com
moderação, do que na íblida eloquência poética
do eílilo fublime , e dos conceitos , que perfuadem
mais eficazmente , quando íao naturaes , do que
ferem por íer demafiadamente agudos. Os da ulti-
ma idade deíejaõ na Arcádia , de que tenho a hon-
ra de íêr Académico, com o nome de Ormauro Pa-
liíeo , que fe cultive no nobre edifício, que le fun-
dou pelo feu Protector ElRey D. João V. dignam
m dorfe,
do-íe, como fabio de admitir o nome do Paílor
Albano, a pacifica , e naõ rullica fimplicidade da
Grega Arcádia , de que tem fehido a luz taõ excel-
lentes obras fobre o modello das antigas. A Graõ
Bretanha , e outras naçoens Setentrionaes fogeita-
rao a íiia poefia a efta reforma 5 mas a ninfa Pirene
ainda prefume que os Pirineos faõ mais altos que o
Parnaflb, e defende com ardente vigor Hefpanhol
a entrada de Hefpanha, e Portugal a eflesrigidos
eftatutos dos novos criticos. Principiou Joaô de
Mena nas fuás Treíentas , e em outras obras de
veríb de doze fyllabas a tirar a poefia da fua abati-
da groflaria. Em Portugal o Infante D. Pedro o
igualou , e excedeo : Garcilaflb de la Vega lhe
reftituio a ternura , e íliavidade dos antigos Lati-
nos : Boícan naõ a perdeo 5 os dous Lupercios ti-
veraõ toda a heróica gravidade : Gongora a fez
voar mais alto , e perderaÕ-íe muitos dos que o íe-
guirao : D. António de Solis apurou de forte a fra-
ze, e animou os conceitos de modo, que naõ o ex-
cedeo a defcripçaõ de D. António de Mendoça,
nem os penfamentos de D. Luiz de Ulloa. O ef
tilo das Comedias de Calderon ainda coníervou
elevação, e conceituofa clareza j mas eftes,e mui-
tos outros , que antes , e depois floreceraõ , e hoje
dignamente fe eílimaõ , foraõ cada vez mais enco-
brindo os conceitos nas frazes, e nas allufoens , e
termos quafi inintelligiveis aos Eftrangeiros , deí^
prezando tudo o que naõ participa defta agudexa ,
com
com que o eílilo Hefpanhol he o que tem fido mais
diverfo nos últimos três feculos , parecendo-lhe ,
que declaravfe he abaterfe. Qiiafi o meímo tem
fucedido a Portugal , e como já tratey dos auto-
res dos feus Poemas Heróicos , direy fó em com-
mum do génio poético da minha naçaõ , que per-
dendo de vifta a Camoens , foraõ poucos os que o
imitarão : António Barbofa Bacellar tenho por
hum dos melhores : António da Foníeca Soares
tem muitos por igual : Bernardim Ribeiro , Dio-
go Bernardes , e Francifco Rodrigues Lobo com
outros mais modernos , ainda coníervaô a antiga
clareza. Eu com tudo fluduey entre o gofto da
naçaõ , que entende bem a Lingoa Portugueza ,
como própria , e da Caftelhana , que de todonaõ
a ignora , com.o vefinha para combater com as na-
çoens , que me entendem menos , ainda que da
poefia pôde íer que entendaô mais , e coníervey ,
quanto me foy poííível , hum eílilo alto , mas que
procurey naõ foííe eícuro , huns conceitos , que
íê percebeflèm , e humas figuras , que fogiflem da
declamação , que naõ íe dilataflem nas metáforas,
nem fizeflem frequentes hipérboles , porque íe Ía5
commuas , admiraõ-fe menos , e a hyperbaton ,
ou tranípofiçaõ , naõ he na nofla Lingoa taõ tole-
rada , fenaõ quando he menos commua. O eftilo
íâcro defejey que fofle com o devido decoro , e de-
cência ; o heróico com gravidade , o ícientifico
fem oílentaçaõ , e o médio fempre em frafe poe-
m 1 * tica,
tica , e nau profaica. Obfervey com muitos don^
tos modernos , que o génio do feculo naÕ admite-
tanto , ainda que he de ferro , os combates ílingui-
nolentos , e as acçoens tirannicas , como os anti-
gos , e que a parte erótica prefere à heróica , o A-
mor a Marte , e Vénus a Palias : aíTim vay o Poe-
ma com a mayor ternura , e pureza , com que pu-
de explicarme , todo cheyo de lances ; e affeólos
amorofos , que faço fervir à principal acção fem
interromper a parte feria do Poema , fervindo fó
no defcanfo das operaçoens militares.
COMPARAÇOENS.
Confeílò que achey quafi apuradas as compa-
raçoens , que faõ huns dos mais bellos adornos da
poefia heróica : fó na Eneida de Virgílio achey
107. e algumas repetidas : Camoens nao tem tan-
tas como o meu Poema , ainda comparando o
mayor numero das minhas Oitavas com o das fuás,
porque nao chegaõ a 50. e as minhas faõ mais de
jo. Entre os Gregos depois de Homero he Oppia-
no mais felice , e abundante nellas , e entre os La-
tinos modernos Jeronymo Vida na fua admirável
Chriftiada , Poema que depois de Sanazaro he dos
que melhor unirão a poefia com a religião , por
mais que naõ íatisfaça em tudo ao P. Rapin: O P,
Frifon na5 menos illuftrejefuita condenna neíle
Poema os dous largos difcuríbs , que Saõ Joaõ , e
SaÕ Jozé fizeraõ a Pilatos em quanto condennava
aGhriílo à morte ^ porque, como Mr. Bayle tam-
' bem
bem repara, naõ eftava aquellc juiz minto para ou-
vir íemelhantes dcclamaçoens , a que eu acrecen-
to , que até a hiftoria Evangélica alterou em bum
Poema taõ catholico hum Poeta taõ pio nefiu , e
em outras cu'cunftancias , e-naõ entendo , que ha
autor digno de credito, que dilate a Vida de SaÕ
Jozé até a Paixa5 de Chriílo.
DESCRIPÇOENS,
Com razaõ íe condennao as defcripçoens mui-
to largas , e naõ julgo que deve chamarfe aííim a
relação de hum combate , ou hum Epifodioj e tu-
do o que naõ he defcrever miudamente as partes
do adorno , que he eftranho ao Poema , por often-
tar huma vãa erudição , naò íe condennará, co-
mo faz Boyleau no Vocm^x do A/arico-, e os que
querem , que Lope de Vega naõ íe acreditaílè
muito na fua Jerufalem , ainda que naõ he para deí^
prezar nas fuás partes , naõ negaõ ferem muito di-
fuías as fua^ defcripçoens. Com tudo he permitido
deterfe mais tempo em comtemplar huma pintura,
que agradavelmente com as ílias imagens vivas li-
íbngea os olhes , e a faculdade chamada imagina-
tiva j poriílb me dilatey mais no jardim militar de
Axa no Canto 5. no Palácio da Gloria Canto 4. na
gruta do i . e 2. Canto , e nelles defere vo as paixões
do fufto, egofto de Tliereza. O bofque , e a nou-
te do Canto 4. as conftellaçoens confufas, e os orá-
culos nodurnos do 3 . a agricultura do 9. o inverno
do 10. a aurora , e outras partes do dia , e do an-
no,
no , com outras muitas mais breves faõ as defcrip-
çoens principaes da Henriqueida.
COMBATES.
Nas monomaquias , ou combates particulares,
variey , quanto pude, as circunftancias , íegundo
o carader dos combatentes , e diverfificando-os
quanto me foy poíTivel dos muitos, que íè achao
em Homero, Virgílio, e outros Poetas. He feros
o combate de D. Payo da Cunha , e Almançor no
primeiro Canto j breve o do mefmo Principe Mou-
ro com Henrique dentro do Kio Douro ; genero-
íb o que o Heróe refere que tivera com Muley no
Canto 2. Eftranho o de Egas Moniz com Palias ,
que tomou a forma de Zaida , como Homero diz
fizera Minerva à de Mentor. Furioíb o de Pelayo,
e Muley no Canto 5. e mayor o de Egas Moniz
coin Axa defendendo a tenda do Infante.
Igual o de Muley com Pelayo no fim do tor-
neyo : e mayor de todos o do Conde Dom
Henrique com ElRey Hali,em que fe acaba o Poe-
ma. Intentey reduzir quafi todas as operaçoens
militares ao eílilo da guerra daquelles tempos , co-
mo já diíle, mas que naõ ficaflem inúteis aosnof
{os as fuás regras. No primeiro Canto fe rebate o
aflàltode Gaya, queima fe aponte, atea-íè hum
incêndio no campo , vence-fe huma batalha : no 5 .
íe vence outra em huma íerra , a qual fe deo com
aftucia , e rebelliaõ : no 4. fe ganha Lamego por
aP^alto. No 5. fe ataca o exercito de Henrique de
noute
nonte pelu treiçaõ dos- cattivos , e fe execútaÕ on-
trás operaçoens. No 6. feda a batalha no monte
da Nazaré , e fe ganhão Leyria , Pombal por en-
terpreza. No fitio de Coimbra , que fe acha no
Canto IO. íe ufa de todas as maquinas para a ex-
puornaçaõ , e defenfa das Praças j peleja-íe nas
contraminas , nas fortidas, e nos aflaltos , até que
os Mouros levantaõ o fitio, tendo vifto o naufrá-
gio da fua armada. No Canto 1 2. íe defcreve a ul-
tima batalha , em que foraõ mortos três Reys , re-
tirando-fe a Lisboa ElRey Halí , além de outros
combates de diverfos modos.
VERSIFICAÇAM,
Variey a confonancia das Rimas da Henri-
queida de forte queficaílèm o mais longe , que fof
fe poíTivel , e cuido que nefla parte naõ fe achará
em muitos Poetas tanta diverfidade , e naõ tomey
para os confoantes mais licenças que as que autori-
íaõ os exemplos , como v. g. digno , efcrevendo-o
fem g , com divino , como ufou Gongora 5 rito,
e afflito , e outros femelhantes- Tendo exemplo
em todos os Poetas , fogi na meíma Oitava de af-
foantes , e naõ íèy íe em alguma ficariaõ por deí^
cuido : também me naõ atrevi a introduzir alguns
efdruxulos , como fez Camoens , e agudos , co-
mo ufou o meímo Poeta , e outros muitos , e naõ
fey fe com razaÕ íe tirou à poefia heróica eíla li-
berdade , que fe deixou aos verfos menores , naõ
fazendo falta na mufica efta ultima fyllaba , que
lhe
lhe diminue hiima nota , efconiendo íempre por
mais harmoniofos os finaes agudos para o fim das
Árias. Ulb mais de fazer o hemiííicjuio no aílento
da íexta dos veríbs hendecallylabos do que na
quarta, e às vezes o fiiço em ambas ; como he
permitido. As finalefas faço quantas vezes poflb
£em otFenla da pronuncm, que nos antigos era mais.
vagarofa, fazendo, por exemplo, a palavra ^/í?-
i^iofo de quatro fyilabas , que agora fe reduz a três
fóaiente , mas algumas vezes tomo a licença de
naõ as fazer feguindo o ufo,e pronuncia dà Lingoa
Portugueza.Fogi taobem quato pude das finalefiis
das palavras , que acabaÕ em m , por me parece-
rem afperas , ainda que algum Poetíi grande quer,
que íeja obrigação fazellas , quando terminaõ por
E j e M , emendando-me eíle verfo ;
V Sabendo cjiierenacem efper ancas.
Com outro verfo , que tem por mais conílaníe :
Sabendo (jiie rena cem as efpjeranças.
Porém nefte , e em alguns femelhantes naõ mudey
de opinião , porque a Lingoa Latina, que faz fi-
nalefa no M , nem fempre dá regras ao ufo da Por-
tugueza , onde o efcrever , como fe pronuncia, he
a melhor norma , e propriedade. Na palavra He-
ròe quiz também o coílume , que fe pronunciaílè
mais vezes com duas fyilabas , como fe foíTe heroy^
porém muitas , como eu também faço , he de três
fyilabas com aíTento na primeira , como fe foíTe lie*
roe^ e pode fer que o mais próprio foflè , como
->ríi niais
mais chegado à origem , fer também de três fylla-
bas com o aílènto na penúltima heròe , e no plural
o vfaraõ affim os Hefpanhoes , ainda que prevale-
ceo o aíTento na primeira dizendo hèroe , ehèrces.
Eílas , e outras duvidas fobre a teórica , e pra-
tica dos verfos vulgares tem fácil emenda ; porque
íè quem os lè , for Poeta , ou ao menos tiver bom
ouvido , elle mefmo lhe dará a fua natural caden-
cia y e fenaõ o for , na5 lhe conhecera o defeito
do veríb : e muitas vezes obfervey, quando duvi-
dava fe algumas obras métricas , que me moílra-
vaõ , eraõ de quem o dizia , o experimentava eu
lendo alguns verfos errados , a que naó acodiaõ ,
fenaõ os tinhaõ compoílo j o que melhor fe exami-
na na mufica. Porque naÕ pareça vaidade , deixo
de apontar alguns verfos , de que com admirável
arte fe valeo Virgilio, exprimindo na compofiçao
do mefmo veríb a mefma acça5 ,que defcreve. No
Canto I . digo :
Correo , cahio precipitadamente.
E no mefmo Canto
Alfanges br ilhao j e tambores foaÍ.
NUMERO DE VERSOS.
Nas notas da Arte Poética de Ariftoteles faz
o erudito Mr. Dacier huma jufta reflexão, pois en-
tendendo contra muitas opinioens , que a Eneida
de Virgilio conta huma acção, que durou quaíi
fette annos, quando muitos commentadores a re-
duzem a hum fó , e amenos j e que a OdiíTea, co-
n mo
mo he mais provável, dura 8. annos , e a Illiada fó
47. dias 5 porque fendo a cólera de Aquiles a cau-
ía , naõ era verofimil , que durafle muito mais o íèu
eíFelto , como já dey a entender tratando do tem-
po , que dura a acção do meu Heróe. Pafla Mr.
Dacier depois de concluir que a duração da fabula
heróica do Poema nao tem tempo determinado , a
preguntar o numero de verfos , de que bade com-
poríe , e interpretando hum lugar de Ariftoteles,
em que louva os Athenienfes , porque em hum fó
dia ouviao muitas tragedias, ficando-lhe na memo-
ria , julga que hum Poema ha de poder lerfe tam-
bém em hum fó dia para que fenaÕ perca o fio, nem
a memoria do principio até o fim da acção j e dei-
xando eu outros exemplos , me parece que o nume-
ro de 1600. Oitavas, que comprehendem 12800.
veríbs , era o que mais fe conformava com efta re-
gra j pois fe Virgilio nos doze Livros da íiia Enei-
da , que he o meímo numero de Cantos , em que
reparti a minha Henriqueida, fez 10880. verfos,
quando os meus a onze íyllabas fazem 140800. fyl-
labas , arbitrando os verfos exametros do meíino
Virgilio a quinze fyllabas cada hum , que he o nu-
mero , que comprehende a mayor parte delles pela
alternativa de três Dady los, e três Spondeos, ain-
da que haja muitos dequatorze fyllabas , mas pou-
cos de dezefeis , alguns de treze , e rariííimos de dez-
eíette , e ainda mais raros os Spondaicos , que po-
dem ter fó doze, fica jufto o arbítrio de quinze,
com
com que tem Virgílio por efta conta ciiriofa
165200. fyllabas, que íl\5 22400. mais do que o
meu Poema , em que a 88, fyllabas cada Oitava ,
fariaõ 21 j. Oitavas mais com pouca diferença; po«
rém nem nefta parte afpiro a igualar a Virgílio ; e
porque fó na quantidade dos verfos , e naõ na qua-
lidade poílo competir com Camoens para affirmar
com verdade , e fem oftenfa da modeftia , que he
mayor aHenriqueida, do vue os Lufiadas , com-
prehende aquella 500. Oitavas mais, porque o Poe-
ma de Camoens nos feiís 10. Cantos tem fó 1 100.
Oitavas , e a Jerufalem libertada de Taífo 2196.
Stanças , ou Oitavas , que fazem 16788. verfos, e
596. Oitavas mais do que íe achaÔ na Henriquei-
da ; com que pela primeira conta tem mais exten-
faÕ o Poema de Taílb do que o de Virgílio. Dei-
xo o exemplo de Marino , de que o ultimo Canto
fo dos vinte, emquedividio o Adónis, tem mais de
joo. Oitavas , que he quafi a terceira parte do meu
Poema, efcrevendo a fua affluencia 5040. como já
diíle , a aífumpto taô pouco heróico. Também na
diveríà grandeza dos Cantos ha tanta variedae,
que em Camoens fe acha hum , e vem a íêr o 7.
com %j. Oitavas , e outro , que he o 10. com 156,
fendo o mayor elogio defte Poeta o que 1 ef reMa-
noel de Faria dizendo hum homem douto do íeu
tempo , que aquelle Poema havia de fer taô breve,
que logo fe tomaíle de memoria , ou taô largo ,
que nunca fe acabaílè de ler.
n 2 ALE'
ALEGORIA,
o ~ Naõ ley fe he paradoxa a opinião , que figo ,
de que a mayor parte dos Poetas naõ cuidarão na
allqgoria , que o feu engenho , ou o dos feus com-
mentadores lhe defcobrio depois de acabados , o
que nao he difícil , pois encaminhando-fe fempre
toda a Poefia Heróica, e Trágica , e ainda a de
outras efpecies a unir o íliave com o útil, fazendo-
fe triunfante a virtude , e caílig^ado o vicio , fen-
do as máximas , os preceitos , e as acçoens verda-
deiras , ainda que fabulofos os exemplos , todo o
Poema pode ter fem outra applicaça5 a fua allego-
ria.
"^^ Naõ cuido eu que Marino no feu Adónis teve
as idéas, que lhe attribue D. Lourenço Scoto, que
fez a Allegoria daquelle Poema j porque fe Marino
procuraífe perfuadir tanto as virtudes , naõ pin-
taria com taõ lifongeiras cores os vícios : bem íey
que nas fabulas antigas fe pertendem'^char as me-
lhores máximas da Filofofia Moral j mas no meu
Poema procurey combater em poucas palavras eí^
ta opinião, como pode verfe em huma Oitava do
Canto I . que he a feguinte :
Tinha eu lido , (jue a Deofa caçadora
Emfon/ios a Endimion favorecera j
Oh cjuem de tantos males preciirjora
Ta'6 danqfos exemplos nunca lera !
AJfimJe infama o numen , (jueje adora ,
Qiie nelle a me/ma culpa fe venera ?
Faljo
' Falfú rito , (jiie tem cego , e inculto ,
O vicio claro , o documento oc culto !
O que tenho por mais certo he , que as fabulas ti-
verao a fua origem em algumas hiftorias verdadei-
ras , que a mentirofa Grécia ( como diz o Poeta )
íe atreveo a alterar na fuahiíloria , e na fua poefia,
e taõ oufadamente , que fendo infaliveis as hiftorias
das Efcripturas , desfigurarão elles a verdade , e
naõ duvido que a applicaçao allegorica , e m.oral,
foíle feita depois j porque fenaõ entendeíle que o
exemplo dos Deofes autorifava os mais enormes
delidos j e aíTim verifico efte fiftema com mais ra-
zão nos Poemas , do que a conjeâ:ura , que faço
nâs fíibulas j pois he certo , que os apologos , de
quem fazem autor Efopo , e alguns a Sócrates , co-
mo os Orientaes a Locman, naõ pode negaríe ,
que fao inteiramente moraes , e allegoricos : e por-
illb confeífo finceramente , que fó efcolhi a acçaõ
pela gloria de Portugal no principio da fua funda-
ção , como Eílado livre , e o Heróe , como hum
Principe generofo, e adornado de virtudes catho-
licas, moraes , militares , e politicas , e que com
o favor Divino merecido pela fua ardente piedade,
livrou os feus Eftados dos bárbaros facrilegios Ma-
hometanos j e todos os outros caraderes concor-
rem para eíle fim , que tive por tao natural , que
naõ multipliquey tanto as máximas, e dogmas mo-
raes , e politicos, que quafi íempre faÕ lugares co-
muns , e entendi , que baftavaÕ as reflexoens poéti-
cas,
cas,qiie augmentey paraliíbngear o godo moderno
de Hefpanha 5 porque algum he ta5 difícil , que
naõ admite Oitava fem conceito , quando eíles, fe
Íà6 comuns , nao fe eftimaõ , e interrompem a nar-
ração 5 o que naÕ faz o eftilo , e fraíe poética , quan-
do nao íàlie do aflumpto , a que deve proporcio-
naríe.
IMPRESSAM.
Principiey a efcrever efte Poema em Julho de
1720. eílando em Coimbra, e em pouco mais de
hum mez acabey os primeiros quatro Cantos. Al-
guns dos homens doutos daquella Univerfidademe
animarão a feguir efta empreza , e me fez refolver
o K. P. Fr, Caetano deS.Jozé Carmelita Defcal-
ço, dequeojuizo , a erudição, e a verdade faz juf
tamente opinião fegura na Pcepublica Literária :
continuey algum tempo depois o quinto Canto, e
com huma fufpenfaô de onze annos fiquey culti-
vando na Academia Real da Hiftoria Portugueza
em mufas mais feveras todos os meus eftudos. Na
Academia Portugueza , que renovando a Genero-
íà, fe continuava naquelle tempo em minha Cafa, li
os cinco Cantos , e recebi as correcçoens dos Aca-
démicos. Depois emendey tudo o que doutamen-
te me advertio Martinho de Mendoça de Pina , e
de Proença , de quem o nome baila para o elogio:
o mefmo digo de Alexandre de Guímaõ, que fez
hum judiciofo exame da Henriqueida , eera hum
dos Cenlores deíla obra j o R. P. D. Manoel Cae-
tano
tano de Souíli , que iinio fempre as mais fublímeí?
faculdades k Filologia j o InquifidorFilippe Maciel
interrompeoasfuas nobres occupaçÕes para emen-
dar efte Poema j o Doutor Francifco Xavier Lei-
tão , e outros Académicos acharão em mim a de-
vida docilidade as fuás juftas reflexoens , e fenti que
a diftancia em que vive , com grande dano das boas
letras da Corte , Francifco Botelho de Vafconcel-
los me naõ deixafle comunicarlhe mais que os pri-
meiros Cantos, e íenaõ foy effeito dafua corteza-
nia, naõ os achou indignos de continuaríe, o que
eu faria felizmente, fe foubeíle imitar o feu Alffonfo:
e íe os íliperiores empregos poli ticos, e militares,
que para illuftrar outras Cortes exercitava o Senhor
Conde de Tarouca , o naõ tivefíèm roubado à nojP
fa ácídc o anno de 1709. íeria elle o primeiro , a
quem eu confultaílè , e a quem feguiílè , como fiz
defde os meus primeiros annos , porque o reconhe-
ço por hum dos primeiros Poetas do noílb feculo,
a quem o roubou ha pouco tempo a morte :
aos eruditos Marquezes de Alegrete devi fabiasad-
moeftaçoens : outros Cenfores me haõ de dar os
Tribunaes , que mandaõ examinar a Henriqueida,
e já fe antecipou a approvala antes de a ler ( porque
depois feria mais efcrupulofa a cenfura ) o Senhor
Conde de Vimiofo , que com o Senhor Marquez
de Valença feu Pay, ouvirão algumas partes defte
Poema ; e a fua erudição , finceridade , e bom goí^
to unidos à fua benevolência, me tirarão da duvi-
da,
da , em que eftava de que paflaflè de manufcrito a
impreílb. Agora íahe a luz pelo muito que me in-
citaô os curiofos , fem me dar tempo para algumas
eftampas , e ornatos , que fó opodiao fazer plaufi-
vel. Pode fer, que íe for digno de fegunda edição,
feja mais polido , emendando o que judiciofamente
me advertirem os que o lerem , e acrefcentando ás
ligeiras notas, que agora le acharão no fim da Hen-
riqueida , as de que elles entenderem neceíTita , ad-
vertíndo-me efta falta os Leitores judicioíbs,renaô
íe entenderem alguns verfos , o que íb íèrá, porque
eu naõ declarafle bem o feu fentido.
PROTESTARAM.
OS Decretos Pontificios permitem , como já
referi , que os Poetas fallem em Deofes ,
deofas , deidades, fado, deílino , fortuna , e ou-
tros termos da antiga , e falia idolatria , e também
que fe refirao alguns fucceílbs , que parecem mila-
grofos , e virtudes extraordinárias fó com a fé pia,
que fe lhe dá em quanto a Igreja Catholica os naõ
autorifa. Com ambas eftas decifoens proteRocon-
formarme neíle Poema , e em todas as minhas
obras , como filho obedientiffimo da Santa Igreja
Catholica Romana , e affim o firmo com o meu
nome. Lisboa 15. de Fevereiro de 1740-
O CONDE DA ERICETRA.
HENRI-
Pag. I
HENRIQUEIDA
CANTO I.
Argumento.
ENtra Henrique na. gruta mifieriofa ,
Temem , que nellx acabe o varão forlt :
Gaya faz, refiflencia valcrofa ,
Na batalha acha o Mouro oppojla a forte :
Sahe o Hcroe da cova tenehrofa ,
Tem Almançor no Bouro a dura morte :
De Mu lei [ente Al dar a o fado efquivo ,
E a quem a cativou deixou cativo.
I.
Eu canto as Armas , eo Varaô famoío , ^°^^ ^*
Que deo a Portugal principio Régio,
Confeguindo por forte , e generoío,
Em guerra , e paz o nome mais egrégio j
E animado de eípirito glorioío
Calliíjou dos infiéis o facrileciio
Deixando por prudente , e por oufado ,
Nas virtudes o Império eternizado.
2.
Europa foy Ò2 eípada fulminante
Teatro iiiuUre , viaima glorio fa ,
Aíia vio no íeu braço a Cruz brilhante ,
E ficou do íeu nome temerofa :
De Africa agente barbara, e tr;umf:nte
Selhe poQrou rendida, e rcceoía
Para íer fundador de hum quinto Império
Que do Mundo domine outro Emisferio.
A 2.
z Henricjueida
3-
Nota 2. DIrey, como depois da alta aliança
Conquiiioa valerofo em dura guerra
Qaanto paiz em Portugal alcança
Do Douro ao Tejo a dilatada terra:
Ou morre o Mouro à Ínclita vingança,
Ou cobarde do Reyno fe derterra ;
Porque no juílo Império íinta aflido
Duas penas a hum bárbaro delido.
4-
Nota 3. Naõ Caliope heróica agora mvoco.
Tu me infpira ò Deidade , que celeí^e
Para a épica tuba , que hoje toco ,
Teu iníilamado eípirito me défte :
Pois fe por ti meus números provoco ,
E fe infl^iencia eterna concedefte ,
Voarey fuperior â mefma Vrania
Até cantar o Herôe de Lufítania.
Excelfo defcendente António Auguílo
^^^ '^' Naõ fó do meímo fangue derivado ,
Mas que no próprio coração robufto
Moitrais igual eípirito esforçado :
Se tenho no refpeito hum nobre fuílo
Para temer hum Nume taõ fagrado ;
Vós fareis , que a Real benignidade
Modere do refpeito a auíieridade.
6.
Se achar em Vòs o claro patrocínio ,
Ttalia , e Grécia haô de admirar meu canto ;
E já outro gloriofo vaticínio
A idea me arrebata em fuvor íanto ,
Pronofticando que em feliz domínio
FL\ de em Vós outro Império alcançar tanto,
Qje eu a voTa conquiíla ain ia publique,
Para que iguale António ao mefmo Henrique.
7.
Canto L 3
7-
Voe a penna por Vôs à íacra esfera
Do Excelío íucceíor do claro Império
Fundado por Henrique, aquém venera
Com mais durável gloria outro emisferio :
Que íe Vós a guiais, íeconíidera
Di-ç^na de defcrever tanto miiterio:
Nada rema , íè a forte quiz que achaíTe
Hum Mecenas, que a Auguilo ainda igualaíTe,
8.
Henrique de Borgonha, que eterniza
Para a poiteridade a rara empreza
Já do Luío paiz a terra piza ,
Que Afonlo de Leaõ deo a Tereza \
O premio do valor fe immortaliza
Ao confeguir taò Ínclita belleza ,
Naò no Reyno , que aceita fem ganhalo ,
Mas na occaíiaó , que tem de conquilialo.
9-
Em dote o Grande Afonfo eíle direito,
Na5 fô o que poíTue lhe offerece.
Que a efperança fundada em forte peito
Por conquifta fegura fe conhece:
Darlhe o que o Mouro occupa, he hum eíFeito
Da opinião , com que a dadiva ennobrece ; ^
Porque hum largo paiz por pouco adínita ,
Que o que ha de conquillar naò fe limita.
10
Grande, em esforço, em numero, peqneno
Exercito íeguia ao Varaõ forte ,
E a multidão immenía do Agareno
Julga emprego a cem braços cada morte: .NÍota 5'.
Nada perturba o animo íereno,
Nada recea da inconíiante forte ,
Quem ou a encontre oppofla, ou opportuna,
Tem na virtude o império da Fortuna.
A z II.
4 Henriqueida
1 1.
Ao Douro prateado a margem de ouro
Bordava ainda acampado em brancas tendas
O exercito invencível , fendo o Douro
Q^iem rápido fepara ertas contendas ;
Teine que ainda naò barte , ó feroz Mouro ,
O rio para foíTo, em que defendas
O teu Paiz da Luíitana fúria
Que há de vingar da pátria a antigua injuria.
12.
Defde o Porto a conquifta principiando
Do novo Reyno , que fundar procura ,
Já com feliz auípicio hia forinando
O claro nome, que nos evos dura:
Ao exercito o empório fuítentando
A íuSíiilencia às tropas aíTegura ,
Porém ao Mar a Mahometana armada
Opprime numeroía , corre ouzada.
A idea vacilante nos projetos
De vadear o turnido embaraço ,
Dos perigos creciaó nos objetos
M.iyor^s glorias ao invidlo braço:
Nova guerra, e mais dura nos aferos
T^mia de huma auzencia no ameaço ,
Se no Porto deixaífe mal fegura
Da Regia efpoía a amada fermofura.
14.
PafTando à parte auliral o caudeloío
Rio, que 03 inimigos diíputavaõ ,
Se eviraíTem íeu braço valeroío ,
Outro danno mayor ameaçavaô,
Pois da noite no azilo tenebrofo ,
Se do Douro a paíTagem lhe deixavaõ ,
A entrepreza do Porto inrentariaò,
Ou por bioqueo a Praça ganhariaô.
Canto L j
Conduzido do próprio penfamento ,
Naò podia ter guia mais iiluOre,
Prevenindo prudente o vario intento,
Teme valente que a cccaíiaõ fe íruiire,
Expõem o que maio ama a algum violento
Succeíío , que o triunfo lhe debluftre ,
E a fi fe expõem, fe na inacção fuípende
A gloria , a que o íccego femore ofíende.
i6.
AíTim paíTou de toaos feparado
De Gaya às antiquiíTimas ruinas , ^oi^ 6.
Que tinha com raíaõ fortificado
Da parte aurtral das agoas crilialinas:
De huma gruta bufcou centro ignorado ,
E merecendo infpiraçoens divinas,
Hum Angélico efpirito , a que invoca ,
Quer que ouça as vozes deíia muda boca.
17- ...
Da horrenda gruta a entrada defendiaõ
Agudas folhas da arvore do Aveino ,
E enlaçadas raizes , que íe uniaò.
Mais que de Gordio no embaraço eterno : Nota 7.
Penhaícos óe(de a terra ao Ceo fobiaõ
Lúbricos os fez tanto o frio inverno,
Que Henrique vio» fubindo reíolutos,
Precipitarie os mais veJozes brutos.
i§. ^
O mnr, e a terra cm hórrida diíputa
Gritavaô com clamores deírredicos -,
Que naõ entraíTem na funefla gruta
Os que aíiim o intentavaõ preíumidos:
A confiancia mais forte , e refcluta ,
De ondas, e rochas trágicos brairidos,
Tem-ia verdo vnirfe em dura guerra
Contra hum sò coração o Mar, ea Terra,'
19.
Henriqueida
19.
Na6 fingidos dragoens de hum falfo encanto
Com fantaitica idea íabulofa
Intentarão formar trágico efpanto
A quem vence a conltancia valerofa :
Nota s. Mas o bruto Neméo , eo deErymantho,
Multiplicou a ferra prodigiofa,
E o varaõ fempre invicto naò recea
Notai). Incêndios de Deyanira, nem de Althea.
20.
Nota 10 Africos faõ os ventos mais íuaves,
* Cicutas faõ as plantas mais amenas ,
Fúnebres Corvos as mais doces aves,
Inundaçoens as agoas mais ferenas :
Nota II. -j^^- ^g achem de Trofonio os fonhos graves,'
Que aqui fe encontrão verdadeiras penas,
Mas por mais que os horrores multiplique,
A todos vença hum coração de Henrique.
21.
Aves , penhascos , feras , troncos , ramas ,
O Heroe venceo , eos mefmos elementos,
Pois fez o coração com viyas chamas
Secar as ondas, e acender os ventos:
Tu, diz Henrique, ó Génio, que me inflamas,
De facrilegos livra os meus intentos;
Deixarey hum perigo , que fe encobre ,
Venerando ao ía^rado hum medo nobre.
22.
Se o Ceo referva algum fegredo oculto
Na ignorada regiaô deíle emisferio,
Mas que o julguera temor , feja o meu culto
Quem deyxe impenetrável o mil^erio :
Naô quero íQ preço do mais leve infulto
Comprar a gtoria do mais alto império:
E aíTim íegurarey por vários modos ;
Que fe eu temo emprendelo , o temaõ todos.
^3'
Nota
Canto 1. j
Pôde fer que o meu bárbaro contrario
DefprezaíTe o mifterio tenebrofo ,
Que fempre he contra o Ceo mais temerário
Quem mais vezes no mundo he temeroío :
Ninguém me vé no fitio íolitario,
Deixar pudera hum riíco ncô forcofo ,
Mas fe o Ceo me aíTegura da impiedade ,
Busco a victoria livre da vaidade.
24.
Se , como a fama conta , foy ao Mouro
Util huma imprudência de Rodrigo, Nota li.
Deíprezando em Toledo o triíle agouro ,
Que fempre refpeitára o tempo antigo ,
E o que efperava nitido teíouro ,
Se transformou em vozes do cartigo ,
E neíte vaõ, e occulto cenotafio
Leo do Gótico Império o epitáfio.
Eu de mais alia cauza commovido,
Naô de humana ambição hoje incitado,
Em lugar deíTe Reyno defiruido,
Outro efpero , e m.ayor, deixar fundado :
Na efpada a Cruz me faz mais atrevido ,
No eícudo a Cruz me faz mais animado : Nota 14,
O Inferno tema ella fagrada oflenfa ,
Que eu n ao o temo, rendoa por defenfa,
26.
DiíTe: e fubindo a in^cccfljvel penha,
Qual bizarro Falcão, que da eícabrofa
Alcantilada rocha fe ciefpenha
Para opprimir a Garça receofa:
Dece apreíTado à gruta, em que fe empenha
A inveftigar a entrada tenebrofa;
E ailluminou o eípirito brilhante
Aos reflexos da efpada rutilante. '
^7-
8 Henriqueida
Nota 1$. Como o Douro divide a antigua Gaya
Do fegundo Ramiro deítruida,
Da moderna Cidade , que na praya
Fe^ a naçaõ Sacva prevenida ;
Nadante ponte a criiialina raya
Deixava dominada, e opprimida;
Nota i6. E a guarnição mandava o forte Helvidio
Do caftello arruinado no preíídio.
28.
Vio , que Henrique cahia do rochedo ,
E o naô vio mais , mas capitão prudente ,
Por naõ dar aos foidados juílo medo,
Nâõ fia à voz o trifte mal , que fente :
Subir pretende ao aípero penedo:
Correo , cahio precipitadamente ;
E hum íoldado , que o fegue com acordo ,
No retiro aproveyta o deíacordo.
29.
Mas como também vio do Grande Henrique
O inefperado trágico íucceíTo ,
A dor íem prevenção faz que publique
A mayor perda com mayor exceíTo ;
E a Fama, porque os males multiplique.
Voando com triifiílimo progreíTo ,
Leva a noticia da funefta emprefa
Ao exercito , à Prac^. ■ Princefa-
No campo os Generaes correm velozes
Nota 17. A Egas Monis com apreiTados gritos j
He morto Henrique dizem triíles vozes,
E muitos de a3 ouvir paí.Daó aflitoj ;
Golpes taò repentinos , como atrozes ,
Cauzaõ da dor eíTeytos infinitos ,
Que o amor com impulfos taó terríveis
Vcnceo os coraçoens fempre invenciveis.
13-
I
Crnto L g
31-
No Porto as mefmas pedras das muralhas
Pareciaó íeníiveis aos clamores,
E quaíi defcobriraõ as medalhas,
Que enterrarão os claros fundadores:
Os povos ja taõ deiíros nas batalhas ,
Que igualaó os Soldados vencedores,
Ao pronto fufto de pezar taô alto
Se rendem à entrepreza defte aíTalto.
32-..
Eco contra os amantes vingativa Nota i$.
Das antiguas injurias deNarcifo,
Das noticias mais triftes expreíTiva
Multiplica no ar o infaufto avizo :
Mas da bella Tereía compalíiva,
Lhe deyxa ouvir confufo hum mal precifo;
Que fizera a duriíTima certeza ,
Se quaíi mata a duvida a Tereza ?
33-
Se naô morre ao aílalto repentino ,
He porque o coração fiel, ejufto
Guarda na vida hum íentimento fino ,
Que com o alento immortalize o íiifto :
Rogando eftava ao Protedor Divino.
Pelas victorias do Varaó auguilo j
E com taô bem nacida confiança
Mais crè, que ao defengano, a cfta efperançi
34. .
Kennque he vivo: diíTe , e íe o contago
Do contrario rumor perverte os ares,
Primeiro mo diiTera algum prefacio,
Que faõ muy prevenidos os pefares :
E primeiro eu morrera no naufrágio
Dos olhos delatados em dous mares ,
Do que ninguém foubeiTe a dura forte
Da vida, em que ainda vive a minha morte;
B 35.
jo Henriqueida
. Buicay melhor, ó Generaes valentes ,
O centro rcfervado , o ílrio inculto ,
E trazeyine as relíquias excellentes ,
Porque eu crea o meu mal , e eile o meu cult o;
Entaõlerá das cinzas ainda ardentes
Ncra 19. ;^eu peyto o maufoléo , vivendo occulto.
No mefmo coração , em que arde activo
O incêndio morto em holocaufto vivo.
X. , Neíre tempo de infame intelligencia
Inrormado o terrível límaehta,
Aífaítou Gaya , e com feroz violência
Arroja a ponte maquina exquiííta :
Ferido Helvidio fez tal reíiílencia
Contra a barbara turba, e infinita,
Que a pena fó lhe íerve no perigo
De animalo á vingança, e ao calíigo.
37-
O Africano Gigante Alcidemonte
Sem arrimar efcada ao alto muro ,
O excedeo taato com a horrenda fronte ,
Que ficoa indefefo , e mal féguro :
Nou 21 ^^"^ monte pareceo íobre outro monte,
' Ou que Tifeo íacrilego , e impuro
Intentou com a barbara ouzadia
Apagar com hum aíTopro a luz do dia.
Nota 22. 3^-
Porem Dom Mendo Portuguez galhardo
Veloz arroja em golpe penetrante
A hum dos olhos hum tiro, efez o dardo,
Nota 23. Qtje Ciclope acabaíTe eíle Gigante:
Os Mouros , que o feguiaó fem refguardo ,
Debaxo do ColoíTo fulminante,
Quando cahio a eftatua horrenda e dura ,
Juntas acharam morte , e íepultura.
Canto L ii
39-
A o meímo tempo pela oppoíta parte
AíTalta o muro Muliafà valente ,
Que tem torça inferior , mas tem mais arte,
E he na Guerra mais forte o mais prudente:
No militar ofíicio ao mefmo Marte
Cuida que excede com valor fciente ;
E no eícudo gravara mil emprefas
De expugnaçoens , aíTedios , e entrepreías.
40.
Com quinhentos Numidas efcolhidos Nora 24.
Huma portátil fabrica guiava ,
Que até nos tardos paíTos , e medidos ,
O vagarofo Amphibio retratava: j^t^j.^ ^^_
Eraõ de aço os reparos taõ luzidos.
Que aos defeníores o fulgor cegava:
Como feria adtiva a fua offenfa ,
Se era ainda ofleníiva na defenfa /
4t.
Ao chegar à muralha , de repente
A concha fuperior, que fe levanta ,
Iguala o parapeito, e prontamente
A milicia íe anima a emprefa tanta :
Com as efcadas a Africana gente
Sobe cuberta , e tanto íe adianta,
Que ja fobre as ameas , que coroaõ ,
Alfanges brilhaõ , e tambores íoaó .
42.
Acode a tanto danno o Graõ Roberto ,
Francézillurire, em armas invencível,
Em defender as Praças taõ experto.
Como em ganhalas Muílafá terrível :
Tinha ali de penedos encuberto
Hum numero taõ grande, e taõ horrível,
E os fez cahir com tal deíembaraço ,
Que a pô fereduzio o monte de a^o.
B 2 43-
Nota 16,
r^ . Henriqueida
:Ficara5 os Numídas íepultados
Na volúvel de mármore montanha,
E taõ profundamente foterrados,
Q^e inficionar naõ podem a campanha :
Sô iVíuftafá mais deliro que os foldados
Livroj a vida com fortuna eftranha:
Fiado de Roberto na piedade,
Perde dentro da Praça a liberdade.
44.
Na5 tem melhor fucceífo outra nadante
Maquina ardente, que a queimara ponte
Também mandava o bárbaro arrogante,
Que íobre asagoasrayos brote hum monte/
Nota 27. Corrêa vendo o Ethna fulminante.
Que as chamas efpalhava no Orizonte,
E a ponte , que de barcas he formada ,
Da inflamada matéria ameaçada:
AS-
Como valente, e defiro prevenira
Nadando ni corrente alguns madeiros ,
De hum batel os conduz , e ouzado gira
Entre os tiros dos bárbaros guerreiros:
Com a violência a maquina retira,
Que retrocede os Ímpetos primeiros,
E encalhando outra vez na própria arêa i
Nas tendas Mahometanas fogo atêa.
46.
Todo o campo Agareno em chamas arde ,
E aos Luíítanos favorável vento.
Porque o feu pronto eflrago naô retarde,
O incêndio leva rápido , e violento :
Em terra , e agoa o pérfido cobarde ,
Em fogo, e ar , naõ acha hum elemento ,
Para donde fogir de hum tal caftigo ,
Kou i§. £ aÇê naç-Câb^ o medo no perigo.
Canto 1. 13
Como de hum boíque os troncos elevados
Ao impulfo veloz de hum forte vento
Cahem da pronta fúria deflrocados ,
Perdendo humildes o dominio izento ;
Aíllm foraò do fogo devorados
Pavilhoens , que lobindo ao Firmamento
Sobre troncos altiífimos de Pinho,
Eraô mudáveis arvores de linho.
48.
Qual das abelhas o eíquadraõ volante ,
Sentindo na colmea ardente efirago ,
Foge ligeiro com fufurro errante ,
Para que o ar lhe dé o azilo vago ;
Affim já deixa o campo vacilante
O exercito Agareno , que prefago
Pudera exporíe a ardores taó adlivos ,
Antes do que íofrer outros mais vivos.
49-
De Gaya os valeroíos defenfores
De novos batalhoens ja focorridos 'Hoia, iç^:
Saltaõ os muros com marciaes ardores
Por Dom Payo da Cunha conduzidos ;
E os Mouros , que os eíiragos , e os terrores
Viaõ por tantos modos repartidos ,
Ainda aíTim à fortidafe oppuferaô ,
E com numero inmenfo a combaterão.
O Príncipe Almançor fero Africano
De Annibal era o emulo ambiciofo ,
E hum fonho cré , que lhe aíTegura ufano ,
Que Henrique he morto , e elle vidorioío ;
No campo ouvindo logo o caio iniano
Do imaginado fim do Heroe famozo ,
Ja tem por infalível a vidoria ,
Faltando tal contrario , he pouca a gloria.^
Nota 32,
14 Henriqueida
$1-
Fieis fequazes do niayor Profeta ]
Clama o impio com voz alta , e fonora ^
>Jota 30. Ainda algum terror pânico inquieta
Quem vencedor já vè o Deos , que adora ?
Da omnipotente maó a aguda feta
Matou a Henrique , e já no inferno mora ,
Quem por decreto iniquo , mas profundo ,
A Mahometana Ley tirara ao Mundo.
5:2.
Nota 3 1. Vivo a gruta fatidica o encerra ,
Sacrilego em buícala ao Ceo provoca ,
Ambiciofo da pena entrou na terra ,
Por donde abrio o Abiímo a horrível boca :
Já do noíTo emisferio Alá defterra
Quem faífa religião impuro invoca j
Eíle terror nos íèus corre difufo ,
E deixa o íeu exercito confuío.
Na5 queimarmos a ponte he providencia ,
Pois por ella com ultima ouzadia
Vaõ desfilando , e faltos de íciencia
Nos moftraõ a ignorância na porfia :
Ja do íeu General a experiência
Acharão menos ? e hontem , que vivia ,
Naô quiz paíTar o rio temerário,
Refpeitando o valor de hum tal contrario.
.54-
Na5 pode no brevifíimo recinto
De Gaya ainda caber baftante força ,
Qae em terreno cortado , e taõ fuccinto ,
Forme em batalha o corpo , que a reforça :
Vereis o rio do íeu fangae tinto ,
Se efte pequeno exercito fe esforça
A oífereceríe vidlima da efpada
Da noíTa multidão bem ordenada.
Canto L Ij
Ouvindo eftes acentos emcazes ,
Correm cruéis , avançaõ-íe ligeiros
Oò Mouros , como os Lobos mais vorazes
A tragar íem paftor poucos cordeiros :
A Mafoma, que feguem contumazes,
Invocaó com clamores lifongeiros ,
Almançor , que os incita , e que os ordena ,
Na meíma culpa lhes fomenta a pena.
Cahe ferido o Luzo Leovigildo Nota 53^
A' lança de Almançor irreíiftivel ,
Vay locorrelo o Godo Hermenegildo ,
E o mata o meímo ferro em golpe horrível ;
Do Leonez, e valente Atanagildo,
Que fempre prezumira de invencível ,
Ainda que a maó direita o Mouro offende,
Com o Alfange na efquerda íe defende.
57.
Cobrando força o fere com tal fúria ,
Que fe ao veríe íem rédeas o cavallo ,
Lhe naò fizeíTe a involuntária injuria ,
De que a primeira vez viíTe voltallo ,
Sentira o Africano a ouzada incúria
De atreverfe fem armas a atacallo ;
Com que aqui fez o bruto inadvertido
Que o vencedor fugiíTe do vencido.
Gritava Cunha , ó claros Luíitanos ]
Porque Henrique morreo , morreres todos ?
Vidorias quereis dar aos Mauritanos ?
Ja naô vingais aos afcendentes Godos ?
Vereis íegunda vez ritos profanos
Triunfar da Fé, da Pátria por dois modos ^
E fogeitar às crueldades fuás
Todo o Sol da Juftiça ás meyas Luas.
59*
I (J Henriqueida
Almançor , que o ouvio j valente o biifca j
E achando o prevenido os doisfe enveftem ,
De hum a cândida cor , de outro a cor fufca
Da fanguinha os femblantes jà reveftem j
A efpada do graó Cunha ao Mouro offufca ,
E taõ luzidas armas ambos vellem ,
Que as nações , que o combate ponderavaõ ,
Quando o queriaó ver , logo cegavaõ,
6o.
/; De Cunha o branco roftro rubricado
Com íangue illuílre mais lhe acende a ira ;
O braço de Almançor quaíi cortado
Na divifaó das armas fe retira:
Porem de novo efpirito incitado
Entre os que perde , fúria tal lhe infpíra ,
Que o fangue , que aos impulfos fe e[^imú!a
Nota 34. No braço , que naõ acha, ainda circula.
61
Socorreo a Almançor turba infinita,
E por mais que com animo valente ,
Que o deixem pelejar altivo grita ,
Lhe naõ obedecerão juilamente,
Porque ainda que o efpirito o incita ,
E a falta de outro efpirito naõ fente ,
Ambos era precizo íe perdeífem ,
Se dentro da ferida os naõ prendeíTem
62
Mas brevemente volta , e focorrido
Nota 5 j. De toda a Tingitana Mauritânia ,
Sevio quaíi acabado, edeíunido
O pequeno eíquadraõ de Luíitania:
Em vaõ paíTou o Douro prevenido ^
Nota 56. Carlos com cem cavallos de Aquitania,
Que nos golpes das agoas íe perderão,
E nas ondas das fetas le eíconderaõ.
<^5
Canto L ij
63.
Amparado da Praça ainda fuflenta
O Cunha a fúria do inimigo forte;
Helvidio de huma bcllica tormenta
Arroja fetas , que temeo Mavorte : ^^^^ ^^
No débil eíquadraõ , que affim fomenta ,
Dos Portuguefes fó dilata a morte ;
Que fe invido aos alfanges permanece,
Ao numero das flechas ia perece.
Vidoria o Mahometano alegre clama ,
E o braço rende a Alá por facrificio
O valente Almançor , que certo aclama
De Henrique morto o mais feliz aufpicio :
Mas pouco goza da inconl^ante fama ,
E pouco tempo o fado achou propicio ;
Porque íó pela ferra vence tudo
Campeão com Cruz azul no branco efcudo.
6;.
Hum cavallo tomou de hum dos contraries ^
E rompendo eíquadroens com golpes duros ,
A reíirtir impulíos temerários
Nem baítaò armas , nem baflàraõ muros :
Effeitos de valor extraordinários
Deixaó os vencedores mal fegnros ;
E na tefla le põem o aventureiro
Do efquadraó quaíí extinto ainda guerreiro.
66.
E calando a vifeira , fem que explique
Com mais palavras o fucceíío raro ,
Naõ deixa duvidar que íeia Henrique
Quem jà o moílrára no valor preclaro:
A huma fô voz o applaufo fe publique ,
Treme o rnefmo Ahnançor , e com reparo
Vé no feu roftro ardor , que faz adivo
Creio refufcitado mais aue vivo.
' C 67.
1 8 Hénriqueida
Como na montark os caçadores
Vencendo fortes , fuperando aitiilos,
Seguros fs luppoem , e vencedores ,
Do vulgo immenfo de ferozes brutos ;
Mas faindo hum Leaõ , jà com temores
Sò cuidaõ em fogir irreíolutos ,
Aílim dos Mouros a confufa idea^
A' vifta de hum fô homem titubea.
68.
Era o tempo , em que o Sol no ardente Eílio
Nota 38. A'quartaà do Leaò mais febre infime ,
E obfervou , que alguns váos permite o rio ,
Nota 35?. Com que a falta das pontes fubftitiie .*
O exercito a que o Douro impede o brio,
Nota 40. Logo em quatro colunas diíiribue ,
E fobre outras de jaípe em raro exemplo
A gloria lhe fabrica hum firme templo.
Da ponte , e dos caminhos criftalinos .
Da batalha , e da nova alegre a gente
Pronta íoccorre os companheiros dinos ,
Que fuílentou o Cunha mais valente.
Henrique tendo impulfos taô divinos
Com todos repartio o animo ardente,
Sem fe eíquecer quando o furor renova ,
Demandar aTereza a alegre nova,
70-
Nota 41.' Teve efl:a commiíTaõ Pelayo Amado,
Naõ replicou , mas com defconfiança
De deixar o combate principiado)
Deixou padecer mais huma efperança :
Prontamente, ó Tereza, o teu cuidado
Afíligio trifte nova , e tarde alcança
O íufpirado alivio o fino peito;
Oh dos pefares infelice eíTeito !
7'^
Canto 1. 1^
71.
Tcdos correm âs armas , ninguém corre
A vencer os contrários de Tereza ,
Que da omenagemna mais alta torre
Via o fucceíTo da mais alta emprefa :
Pela campanha , e rio , em que difcorre
A vifta com as lagrimas mais prefa ,
Acrecentava em duvidas , e em magoas ,
Efperanças ao campo , ao rio as agoas.
72.
Mas como vè , que o Mouro tiíubea ,
E da vidoria timido deíille.
Logo difcurfa na difcreta idéa ,
Que razaô já na5 tem para eílar triíle :
Que feja morto Henrique naó recea ,
Vendo hum braço , a que o Mouro na5 reíííle:
Suprir ninguém podia tanta g'oria ;
O que afama calou, diíTe aVidoria. Nota 4*»
73«.
Já paíTára o exercito a ribeira ,
E defprezando fetas, e penedos,
Occupou com três linhas a ladeira
Da colina inferior entre os rochedos :
Almançorcom a gente mais ligeira
Querendo introduzir pânicos medos,
Fingio que pela frente os atacava ,
Quando o flanco direito lhes ganhava
74-
Egas Moniz com Brácaros famofos Nota 45-
Cobria o lado deefquadroens luzidos,
Supre o valor fer pouco numerofos ,
E efpera forte os Mouros atrevidos:
Doisbatalhoens do Lethes vigorofos Nota 44;
Naó podem fer dos tempos efquecidos ,
E eternizaõ taô celebre vicloria
No templo perdurável da memoria,
C 2. 75-,
to Henriqueida
IS-
Do mais afpero íitio , em que os formava ,
Ao Cabo os entregou , que mais tílima ,
Era D. Fafes Luz , que o nome dava
Com o próprio efplendor ao pátrio Lima :
Re/i;tencia Almançor achou taõ brava
Neile lado , que trifte fe laftima
De Tcr muitas mil vidas trofeos breves
De efpadas graves , e de íetas leves.
76.
O lado eíquerdo ataca o fero Acmete ,
Que groíTo, e corpulento era o mais tardo.
Mas mais ligeiro foge, que acomete.
Nota 45'. Do famofo Leonês Pedro Bernardo :
Por tronco dos Menefes lhe compete
Ser ja dos Mouros vencedor galhardo ,
Moftrando no valor , e na cautela ,
Ser legitima prole de Fruela.
77- . .^
Com tal força o carrega o Cabo invicto^
Que o cavallo do Mouro ao grave peio
Na terra o lança , e blasfemando afflito,
O pifa , e deixa Pedro com deíprezo :
Puxando os efquadroens para o conflito ,
Em furor generofo o roftro aceío ,
Os que fogem da eípada fulminante,
Se deímayaò ás iras do femblante.
78.
Vendo Henrique as façanhas de Pelayo ,
Que com ejle no centro pelejava,
E vibrando na eípada hum fatal rayo ,
A 's cabeças dos Mouros fulminava ,
Lhe preguntou , fe do mortal defmayo
ATereza livrou, como o mandava?
Na5 ( lhe diz ) fora medo o meu deívio ,
E mais do que a obediência pode o brio.
Canto L zr
79-
Henrique fentio tanto eíla impiedade,
Que Pelayotemeo do rolho a ira :
Naó temas, diz Henrique, foi crueldade
Hum peito defprezar, que naó reípira ;
Sj Tereza do íulio , cu da faudade
Morreife , íe he que vive quem íoíbira ,
Ainda que eu acabaffe da violência ,
Louvaria taõ nobre inobediencia.
8o.
Mas porque naô mandafle algum foldado ?
Porque faz hum íoldado muita falta ,
Lhe diz o Almeida bem nacido Amado ,
E nenhum quiz perder gloria taõ alta :
O ultimio esforço faz o Mouro iraco,
Que a fortuna , e vaior de Henrique exalta ,
Pois Silva com as tropas de referva
Desbaratou a multidão proterva.
8i.
Como no canrpo azul aves vorazes
De fangue , e penoas em diluvio vago ,
Com o ódio nativo contumazes
A terra inundaõ no funello ef^rago ,
Mas vendo da Águia os voos efficazes ,
Fogem do feu valor régio , e prefago :
AflTim vendo de Henrique o braço forte j
Fogem os Mouros dainfalivel morte.
82.
Almançor pelo rio corre , e nada ,
Até beber a morte no Oceano ,
De Henrique o penetrou a ardente efpada ,
Efeabrazou nas ondas o tirano:
Jà toda a turba infiel defordenada
Pede a vida ao Heroe , que fempre humano y
Lha concede piedozo aos feus gemidos ,
Que he vaior ter piedade dos rendidos^
l't Henriojueida
Tantos deípojos nos quartéis íe acbara5 ,
Que os Soldados no exceíTo da riqueza
Aromas , e delicias defprezaraõ ,
Por naõ vencer o luxo à fortaleza :
Bandeiras , e Eilendartes refervaraõ
Os Generaes por credito da empreza ;
E os colocou Henrique para exemplo
Do verdadeiro Deos no mayor Templo.
84.
No meímo campo bárbaro aquartela
O viclorioío exercito , e da Lua
Tardou muito a riodlurna fentinela ,
Por naô ver arraíirada a forma íua ;
O rio paíía Henrique , e íe defvela ,
Por livrar íe da pena , em que fiuâ:ua ,
A bufcar já íem tantos embaraços
O amado premio nos amantes braços.
Taõ depreíTa chegou , taô de repente
Appareceo Henrique á bella efpoía ,
Qiie o julga fombra do feu bem auzente,
EUe a fegue , ella foge temerofa ;
Mas vendo , que eftá vivo , hum accidente
Dos feus olhos offufca a luz fermofa ,
E qual foy mais cruel dizer naô poíTo ,
Se o exceífo do pezar , fe o do alvoroço.
86.
Com lagrimas a pena fe alivia ,
No coração o gofio íe reprime ,
Hum mata , fe naô cabe na alegria ,
Outra alenta em fufpiros quanto exprime :
Efl:a do tempo o íeu remédio fia ,
Sem tempo nqueile acaba quanto opprime ;
E aífim foy em Tereza mais injul^o ,
Pronto o golpe do goíio, que o do íuílo.
87.
Canto I ij
S7..
De inadvertido Henrique íe condena ,
A Pelayo o perdaò quaíl revoga ,
Rompe em íofpiros huma amante pena,
Qae em affedo interior naõ deíàfoga j
Mas o Amor lafíimado logo ordena
Que Tereza do extremo , em que íe afoga,
Se rertitua , fendo no exceíTivo
O gofto íò do goíto o corredivo-
Contar queria Henrique da vidoria
As raras , e admiráveis circunftanciâs ,
Dos Lufitanos a fublime gloria ,
Dos Mouros as infauftas arrogâncias ;
Porque neílas liíònjas da memoria
Soaõ as Hiilitares confonancias ;
E quem ama , tem fempre prevenidos
Aos trofeos de hum amante os feus ouvidos.
89. .
Mas advertida naõ permite agora
A relação Tereza , e íó confegue ,
Que elle defcanfe até que a bella Aurora
Ao Sol , que há de nacer , o dia entregue :
E porque a Corte faiba quanto ignora
Da gruta eftranha , em que os prodígios fegue ,
A convocou para a manhaá íutura
Curiolà darariílima aventura.
90.
Conformcuíe o Heroe , mas quer que íeja
Primeiro que o delcanío , o cuitagrato ;
Ao templo, humilde vay, porque dezeja ,
QueoCeo , e o Mundo naõ o julgaíTe ingrato:
Vota hum novo e dificio , em que fe veja
Taô pio o funtuoíiílimo apparato,
Que nelle caiba tanto facrificio ,
E acredite no voto o beneficio;
$1. .
%^ Henriqueida
91.
Os Generaes em tanto aos que fogiaõ
Com eíquadroens volantes alcançavaõ ,
Peios rayos da Lua descobriaõ
Os que entre os verdes ramos fe occultavaõ :
Pelayo ouvio huns ecos, que feriaõ
Os montes, em que treoiulos foavaõ:
De acento feminil as vozes eraõ ,
E com mayor razaô o enternecerão.
92.
Nota àtC. Cruel amor, dizia, aílim quizeíle
Pagarme , quando cri os teus enganos ?
Se naô he que o caftigo hoje me delie
De baverte reíIlHdo tantos annos :
Noca 47- Aigum dia julgou, que eras celefte^
A cega idolatria dos humanos:
Mas como poderia huma deidade
Tratar tantos rendidos com crueldade ?
93'
Das aves , e dos brutos fuy tirana ,
Ou na esfera cerúlea , ou na frondofa ,
E a alguma fonte , em que me via ufana,
Só confentia ouvir , que era fermofa:
De nenhum caçador a voz profana
Ou fácil atendi , ou vangloriofa ;
Pois fempre as caiiiguey por mais groíTeiras ,
Quando mais me adulavaò lifongeiras.
94.
Defprezey tantos votos , tantos cultos ,
Que bem podem contar os meus rigores ,
Quantos de amor difculpaô os iníultos
Só porque chamaõ puros os ardores :
Se alTim íoraõ , viverão íempre occultos ,
Eos aíTeclosextiríílos no? temores
Naõ ufaraõ do íalfo privilegio
De chamar íacriíácio ao facriicgio.
95-
Canto I. Zf
Conte a Poeíia que por força , ou arte ,
Nunca encontraíle hum animo invencível ,
E que rendeííe a Júpiter, e Marte , ^^^^ 4S«;
Para que a todo o Cco foíTes terrível ;
Que em quanto quiz vencerte , em toda a parte
Vi que ao meu alvedrio era poíTivel ,
Mas le em meu peito introduzi rte deixo ,
Naõ de ti , fero amor, de mim me queixo.
9Ó.
ViaMuley, que hum Javali íeguia Nota 45>,
Com tal dezembaraço , e gentileza,
Que conheci , que ao meu rigor vencia ,
E don.inava em mim mayor fereza:
Débil meu coracaõ fe defendia
De outras occultas letas à dtftreza:
Se o pronto ertrago fez mayor a culpa,
Taô activa violência me diiculpa.
97-
Contra Muley íe volta o feroz bruto ,
E vibrando agudiíTimas offenfas ,
Muley airofo , dertro , e refoluto
Lhe fez inúteis golpes, e defenfas :
E vivo mo offerece por tributo ,
Dizendo que naó quer mais recompenfas ,
Qmc ver aceira a viclima profana „
Deíie bofque à belliflima Diana. ^°^* ^^-
98.
Tinha eu lido , que a Deofa caçadora
Em íonhos a Endimion favorecera j Nota n«
Oh quem de tantos males precurfora
Taõ danofos exemplos nunca lera /
Aíllm fe infama o Numen , que fe adora ,
Que nelle a mefma cuba fe venera /*
Falfo rito , que tem cego , e inculto ,
O vicio claro , o documento occulto, ^oí^ i^?
26 Henriqueida
Sempre muteis , e váos os eícairmentos.
Chegai deoois de conhecerfe os danos ,
Fazendo icflcxaô nos documentos ,
Quando naõ faô remédio os deíenganos ;
Em iim vi em Muley puros intentos,
Nota 5'3. Qae de Himineo nos ritos naò profanos
Moiirarme prometia com firmeza
AMuz da nupcial téahuma fineza.
ICO.
Era Muley ( que o nome repetido ,
Para que o fira mais , quer o meu peito )
Nota 5' 4. Da clara eftirpe de Tarif temido,
O que paíTou primeiro o Hercúleo Eftreito,
Qje deu a Calpe o nome eíclarecido ,
E niie o Gótico Império vio fogeito;
Eíeo naó excedeo no valerofo,
O venceo no galhardo , e generofo.
lOI.
Que era , digo , Muley, quando difcorro ,
Que foy, e ja naô he , eefta violência
Naõ me mata ao lembrarme ? E naó me corro
De caber tanta pena na eloquência ?
Naó chama o tempo a morte em meuíocorro,
E dura a vida na immortal auíencia?
PaíTou ja eíle bem f Como ameaça
Com que paíTou , e o peito me naó paíTa l
102.
Mas fe eu vi o feu peito trefpaíTado
Nefta batalha , e deixo o peito illefo.
Porque me queixo do tyrano fado ,
Quando o meu braço me naó deixa prefo ?
Oh que cobarde , e débil tem eílado
Vida, que nem merece o meu defpreío í
Anticipe hum punhal o duro corte ;
Serey taó infeliz , que fuja a morte ?
toj;
Canto L 27
Ja eftava o nobre Amado taõ vizinho
Da triíie Aldara , que do íatal erro ,
Que preparava o trágico carinho ,
Sulpendc o golpe , e arrebata o ferro :
Em líquidos rubis cândido arminho
A alma mais beila em fúnebre deílerro ,
Sem prontidão taõ pia , e taõ íincera,
Hum íè inundara , e outra fe perdera,
104.
Quem es , lhe diz Aldara, única filha
Del-Rey de Fez , como fe foube logo ,
Deos , ou demónio , monftruo , ou maravilha ;
Que nem me deixas efte defafogo .?
Meu valor invencível naô fe humilha ,
Nem fe apaga o ardor de tanto fogo;
Arroja-íe ao punhal , que tem Pehyo ,
Que evita cuidadofo o trifte enfayo.
lOC.
Mas na ma5 fente huma ferida leve
Amado , e tem no peito outra mais grave ,
Como naô fente a que fentir mais deve ,
Só a que o mata , julga por fuave :
As iras fuípendeo da maõ de neve ,
Mas quantas vezes innocente a ave,
Por livrar da prizaõ a que eftà viva ,
Fica no próprio laço mais cativa /
106.
AíTlm fuccedeao vencedor amante,
Que em cortez , e piedofa tyrania.
Prende a bella Africana , que triunfante
Naõ íoubeque venceo, quem a vencia:
Sem engano lhe aífirma que hum inrtante
Ainda naõ ha, que o feu Muley vivia , V^ox.'^ Cí,
Que as feridas lhe atou com huma venda,
E que o mandou curar na própria tenda,
D ii 107?
28 Hennquúdà
107.
Na5 me enganes,! he diz, Chrifl:a6,fe es nobre.
Como conheço , vendo-te piedoíb,
Todo o meu mal íincero me deícobre ,
Ou deixame morrer , fe es generofo :
E le lhe aíTegurou , que naô lhe encobre
Nada do íeu íucceiro ialUmofo ,
E com decoro digno a tal beileza
A conduz ao Palácio da Princeza.
108.
Quando chegou , o Sol com luz mais clara
Illuminava o caudaloío Douro ,
E lhe parece , que deveo a Aldara
O meímo Febo, novos rayos de ouro :
Moílroulhe a Aurora efta beileza rara ,
Quando a Lua huma parte do thefouro
Occultava entre asfombras efcondida,
Naó íey fe de envejoía , ou prevenida.
109.
Terefa alegre a recebeo benigna,
Nota ^C>, Perdoando a Pelayo o mal paíTado
Por preço da cativa , que achou digna
De acollocar no mefmo Régio eftrado .•
Que nunca a fermofura foy indigna
Deeftimaçaõ , e no abatido eílado,
Na laftima o agrado fe acrefcenta ,
Com que at€ na deígraca a lorte augmenta,
FIM DO CANTO I
HEíí^:
HENRiaUEIDA
CANTOU.
Argumento.
QJJanto fia gruta vío., refere Henriqne^^
E as acçoens dos feus Régios deícendentes^
Donde a SibilU , forque tudo explique ,
Lhe deu avijos fantos , e excellentes :
O /eu valor no campo fe publique ;
Vef}ce a Muley , e a muitos combatentes y
E quanto executara valerojo
A creditou no pi$ , e género fo,
I.
Exaltando o valor j e a fermofura .^
Em deus tronos os Príncipes fentados > ^^'
Na fala da mais rara arquitetura
Os Generaes efperaõ convocados :
A ouvir da gruta a incógnita aventura
Alegres fe apreíTaraõ , e adornados
De plumas , que elevando aos Ceos as glorias ,
Efcreveraõ fem letras as vidorias.
1.
Mais que huma acçaõ de Henrique , o feu ref-
Attençaõ, e íiiencio ja lhe impunha; (peito
A voz fahia do esforçado peito
Acentos, e palavras naô compunha;
Do artifício oratório o alto conceito
Naô afFedava nas razoens, que expunha ;
Pois da fua verdade na experiência
Se animava a çfficacia da eloquência»
^O Henriqueida
3-
lUuftres , e glorioíos companheiros ^
( Diz o benigno Heròe ) a quem acclama
Por fabios , por fieis , e por guerreiros ,
No templo da memoria a voz da fama :
Se hontem vencendo iioftes os primeiros
Em molhar , que alto alento vos inflama ,
E ainda íuppondo a morte , que chorattes ;
Sem mim a fúria barbara domalies.
4-
He jufto que comvofco participe ,
Porque aííim mo ordenou alto decreto,
De toda a gloria , e que hoje meanticipe
Em reveiar myilerio taôfecreto:
Da mudável fortuna íe diílipe
Qualquer receyo de animo inquieto ,
Porque piedofo oráculo divino
Feliz memoílra oPortuguez deftino.
Arrebatado de hunia força eílranha
AtraveíTey o Douro arrebatado,
Das guardas ívíahometanas da campanha
Entre as lòmbras naò fuy bem obfervado j
Da fatal penha , da afpera montanha ,
Como fabeis , cahi precipitado.
Mas permitio o Ceo , com raro aufpicio ,
FoíTe defcanfo , o que era precipicio.
6.
De hum.a intrincada gruta a entrada eílreita.
Vencendo alguns diííiceis embaraços,
Penetrey , e primeiro vi desfeita
Huma horrível ferpente entre os meus braços ;
Outra que mais cruel m.e naõ reípeita ,
Venci , quando à garganta em duros laços
Ao arque eureípirava, reprimia
O aperto, cu o veneno , que temia,
7'
Canto 11. 3 r
7- - .
Quando o fado he propicio, ate no berço
Hercules deftes monftruos le defende , ^^^^
Defpedacey tanto animal perverío , ^ ^ *
Ehum TJgre efcarmentado naó me oíTende;
A corrupção com quantos no univerfo
Infedos viz produz , aqui pretende
Avilia perturbar, e animo aflito
Com mais caftigos , que fofreo o Egito. jSfota c^
8.
Bramidos triftes fe eícutavaõ dentro
Da eícura entrada da f uneíla cova ,
E quanto nella mais me reconcentro ,
Se augmenta à admiração matéria nova :
Examinar o perigoío centro
O horror duvida , e o valor approva ;
S"go a brilhante luz , que aiiime influe,
E huma porção do Sol me reílitue.
9-
Huma abobeda vejo levantada,
Que furtentavaò rui^icas colunas ,
E huma infcripçaô em mármore gravada,
Que promete enigmáticas fortunas j
De Egypcios geroglificos formada ^°^^ ^^*.
Deixa entenderme imagens opportunas
Da Mahometana Ley em vitupério,
E em gloria ímmenfa ao Luíitano Império.
IO.
OPorto,e Gayaem miíiicas figuras
Dando as maõs fobreo Douro o nome formão o^aór.
De Portugal , que em claufulas futuras,
Mais que alteraõ as letras, as reformaõ:
Nas paredes eftatuas , e pinturas ,
Com mais clareza a íufpeníaõ meinformaõ,
Humas nos mefmos fimbolos fe cifrão )
Outras aos gerogliíicos deícifraõ.
'h í Henrimeida
II.
Nota 6^. ^^ bronze Eílatuas vi íeis vezes quatro;
E todas com íemblante heróico , e régio
Adornavaõ o Ínclito teatro
Deíígualmente na igualdade egrégio:
Mas ao reconhecer quanto idolatro
Me eivava prevenindo o facrilegio
Infcripçaô , qae na pedra admiro impreíTa ,
E no Latino idioma bem expreíTa.
12.
O^ vinte e quatro Heroes teus defcendentes,
O' tu mortal, que aqui chegarte ouíado,
Reys haõ de íer illulires , e excellentes
Do Império , que por ti íerà fundado j
Celeftes glorias às remotas gentes
Pelo Oceano nunca navegado
Haõ de levar, e a Religião , e a guerra
Vencendo o mar , e dominando a terra.
Mais com admirações do que com íuíios ,
Vejo as Eftatuas , mas o fado avaro
Sô me deixa de filhos taò augultos
Que encontre eícuro tanto i.ome claro :
Os decretos do Ceo íempre faõ juftos,
Penetrar o futuro be favor raro ;
E o tempo , que de longe o roilro encobre ,
Das profecias véo íutil defcobre.
NotaíÍ3. Conquiftador no Rey primeiro ha,
E ainda íendo meu filho , quaíi envejo
Ver, Que a Cidade ha de ganhar hum dia ,
A quem tributo de ouro paga o Tej o.
Nota 64; Povoador o outro Rey, que fe íegaia ,
Díze-n as letras , qae na Eilatua vejo ,
Feliz íerà politica taò rara ,
De que hum povoe, o que outro conquiftara.
Canto II 33
15-
Robuflo outro fe chama , e na cttatura Nota 66.
Apenas cabe eípirito taõ fero :
De outro o nome no trage fe aíTegura , Nota 67.
E epiteto fó tinha de íincero :
Hum irmaõ feu de condiçaj mais dura Nota 68.
O trono ocupa Grande , mas levero :
A outro de Lavrador a gloria applica , Nota 69.
Porque o Reyno ennobrece , e frutifica.
16.
De Bravo aquelle o nome bem merece , Nota 'jo,
E produzio o Grande Jurticeiro : Nota 71.
Fermofo o que fucceáe fó parece , Nota 72."
E da Boa memoria outro Guerreiro ; Nota 75.
O Conftante em feu Filho reconhece ^ Nota 74.
De quem he o Africano claro herdeiro , I^o^a 75.
Em dois a antonomaíia acha opportuna
De Perfeito , e de Filho da Fortuna. ^°^* 76.
^7» . .
Segue-fe o que fe chama Religiofo ; Nota 77,
Perdefe hnm grande Rey por temerário , Nota 7S.
O ultimo denomina Virtuofo ^°^^ 79«
O occulto vaticínio extraordinário :
Mas comprindo hum decreto rigorofo ,^ ^^^ ^^*
O povo eftranho ao Reyno mais contrario y
Três Reys lhe deu , aquém a Fama c^ara
Prudente, Bom, e Grande appellidara. Nof* 8i."
18.
Outro o Reílaurador fe reftitue Nota 8i.
Com gloria rara do ufurpado Império \
O nome de Feliz bem fe atribue Nota 85.
Ao filho , mas o altera hum vitupério :
O irmaõ , que nova luz ao Reyno influe , N^"^* ^^••
De Pacifico acclama o emistcrio ;
De Sábio o nome nas esferas foa Nota %^{
Do que eíla Augufta ferie aqui coroa,
34 Henriqueidá
A Academia Real vejo felice ,
Que inftitue do Rey alta a Sciencia
Porque a hiíioria ííel rertituiffe
Dos tempos contra a rápida violência :
Livrando a Itália a Armada quiz que viíTe
No mar Egeo a Sacra intelligencia
Furtado , Cunha, e Souza ao Luzitano
Fazem triunfar do bárbaro Otomano.
20.
Incógnitas eQatuas coroadas ,
Que haõ de igualar a duração do mundo ^
Dos Régios íucceíTores derivadas
Me efcondeo o mitierio mais profundo :
Nota 8 7- Da primeyra fó vejo as animadas
Virtudes doconforcio mais fecundo ,
Qae o valor , e a belleza lhe deftina
Filho de hum Semideos, e huma Heroina.
21.
De Infantes claros , de Princefas bellas ,
Nota 88. Cem pinturas admiro mifteriofas,
Que augmentaraò figuras às eftrellas
Com virtudes , eacçoensfempre gloriofas:
Se em copiar as Rainhas te desvellas >
Dequeadorafte Eftatuas taô fermofas ,"
Alto eípirito meu arrebatado ,
Ficarás aos feus rayos fulminado.
22.
Nota 89: Mais huma parte vejo defcuberta
Do que as três , que no mundo conhecemos ,
E a Zona ardente , que julgais deíerta ,
Vi penetrar aos últimos extremos :
Mil incertos Heròes com gloria certa
Deícubro , e quantos hoje aqui vencemos,
Conheci , já cingido o verde louro,
Nota jo.PaíTando os vàos , que lá mofírava o Douro.
^5.
Canto IL 3 $
Deftes , e outros fegredos , que contemplo ,
Rendida fe defmaya a minha idèa ,
Guardando na memoria para exemplo
O aíTombro , que a illuítra , e que a enlea:
Mas ao íahir do fubterraneo teniplo
A grande luz de huma brilhante téa
No ardor inextinguível , que ícintilla ,
Me defcobre a fatidica Sibilla. Nota 1 9.
Poílrada eftava a Sabia Profetifa
No altar , que erige hum Sábio a hum Deos ignoto , ^^^^ ^^^
E o Soberano efpirito a eterniía
Contra Lacheíis , Atropos, eCloto: l<[oi^ o-,
O venerando geíío íe divifa
Do pueril , e decrépito remoto ;
E a roupa azul , que com eftrellas vefte ,
Até na cor a inculca por celefte,
Cortez fe levantou ; e hum Santo rifo
Vinculando o agrado , e o refpeito ,
Me reíiitue do temor precifo ,
De que reconheceo em mim o effeito :
Qje ôre primeyro a Deos me faz avifo
No ado mais puro do interior do peito ;
E a que me aíTente logo ali me empenha
Em commodo lugar, que forma a penha.
26.
Sobre a Tripode de ouro ella fentada ^^ota 5>4.
Três livros, que a hum volume unio, revolve, ^ota 9;.
E aos Séculos a íerie embaraçada
Com a graça profética diíTolve :
A lira triangular toca infpirada , Nota ^C,
E quando as minhas duvidas refolvej
Com voz , que até nas pedras tem domínio ,'
Cantou efte fonoro vaticínio.
£ ii 27s
36 Henricjneida
Felice Capitão , de que a piedade ,'
E o propagar a Fé com jufto zelo ,
Fez ouvir a Profética verdade
Taô dezejada do mortal defvelo :
Efta por mim o Ceo te perfuade ,
Attende o graõ mifterio , que revelo :
Publica aos teus razoens taõ mifteriofas ]
Para animar fe a empreías mais famofas.
28.
Nota 97. Herofile de Troya he quem te fala ,
A quem fuperrticiofa a falfa hiftoria ,
Nota 5)8, Sendo huma íó , dez nomes me aíTinala,
Repartindo entre tantas humagloria :
Erythrea me ouvio , Cumas a iguala ,
Delfos tem no feu templo efta memoria ,
A Períia , Frigia , e Libia os cafos conto y
Tibur , e Sardis , Samos , e Heleíponto.
29.
Nota 99. Também de Colofónia , e de TeíTalia ,'
Troya , e Egipto o nome multiplicaõ ,
E de outra Cumas me apellida Itália
Em quantas cegas fabulas publicaô :
Os que melhor beberão da Caíialia
Mais termos allegoricos me applicaõ,
Tranformando o meu nome no leu canto
Nota 100, EmLampuíia, CaíTandra, Dafne, e MantOk
^^' . . .
Nota loi. E o que he maib*, as horríveis Pithonifas
Nota 102. Os dois , os dez , e os quinze Sacerdotes 3
Em oráculos vãos , torpes divifas )
Desfigurarão meus divinos dotes ;
Por mais que a idolatria immortalizas ,
Por mais que , ô Génio impuro , injurias brotes,
Naõ podes defmentir com falíidades ,
NtMio3. Que eu conheci prii^ciro altas verdades.
5í.
Canto IL 37
31.
Por três livros pedi imirenfa foma, Nota 104.
E porque ma negou , dey ao incêndio
Logo o primeyro , pois que avara Roma
Naõ quiz fazer do Erário efte diípendio :
No mefmo preço os dois eíiimo , e toma
Igual partido, crendo, que o compendio
Dos três volumes , que eu vendia unidos ,
Valeriaõ ja menos divididos.
;2.
Promptamente o fegundo arrojo ao fogo ,
E tendo eíte terceiro , o próprio preço
Lhe pedi com eftranho defafogo ,
Que admirou a Tarquino pel^o exceíTo :
Os três talentos me entregarão logo ,
Sem com prender no raro do fuceiro
A mifterioía luz de huma verdade ,
Que em três , e em hum refíde a Divindade.
33-
Da Lira triangular fuy inventora ,
E ignora o vulgo o mifteriofo terno ;
Pela Tripode de Ouro a Febo adora ,
Sem que lhe explique eile fegredo eterno : Notaior.
Em poeíía divina a voz canora
Do numero ternário fempiterno
Naõ podem entender , porque íe emprega
A raíaõ em dar luz à íé , que he cega.
54.. . '
Mais do Ceo me permite a graça infuía,
Pois nas primeyras letras dos meus veríos
Quiz infpirarme no entuíiafmo a Mufa
DehumDeos humano acroOicos diverfos 5 Nora 10(3.
Mas vendo , que a cegueira caõ conluia
Sentidos ao meu Livro dà perveríos ;
Quando os Maríos difputaó o feu íoiio, Ivi^ta j^-,^
O volume roubey do Capitólio.
Í5^
38.
Henrimeida
55-
Diífiniuley no incêndio do edifício
A perda que chorarão do volume ;
Nota ros. Em vraõ de Au^uilo aurallo facrifício
Reiiaaralo outra vez cego preíume:
Porque de tradiçoens o incerto indicio
Em corrupto exemplar guarda, erefume^
E o originai veraó os Luíitanos ,
Que haó de exceder as glorias dos Romanos.
36.
Para teu filho o meímo Deos referva
A explicação defte feltz milierio ,
O meu íilsncio as fuás Leys obferva,
E tu feras quem funde o grande Império :
Ouve agora a infcripçaò , que fe conferva
Eícondida do tempo ao vitupério ,
Nota 109. ísía5 QQ rnonte Sagra io a Berecintia ,
Nota 1 10. Mas no que o nome pouco altera a Cinthia.
37.
Notai ri. Naõ ha de revolveríè efte penedo,
Nem as letras com ordem redlamente ,
Sem que faça , perdido o antigo medo ,
Do Oca/o tributário o Oriente :
O Ganges , Indo , e Tejo , alto íegredo /
Que os frutos troquem já o Ceo coníente ;
E eiie decreto aqui fe relVitua
Ao Sol eterno , e à divina Lua.
38.
Aíli-Ti fera , que quando defcubertos
Caradleres ao diaapparecerem ,
M indo5 , e mares antes encubertos
Nora III. Veraõ os Argonautas , que os venerem :
Prudentes em governo, em guerra expertos,
Etn quinto os vicios de Aíia os naõ vencerem ,
Haò de fazer que efqueça ao nome Lifio
Nota 113. Alexandre, Sefoílris, eDioniíIo.
39»
Canto 77. 39
3 9-
Da índia há de cantar com melhor pledro
Eliíío Homero , Portuguez Virgílio ; j^o^a , ^^^
Quem há de confagrarte Épico metro
Para acertar, hà de pedirlhe auxilio :
Aquelle hà de empunhar o heróico Scetro ,
E Ode , Elegia , Egloga , ou Idilio ,
Naõ inípirou melhor pura Caftalia Nota 1 1 5.
Em Sicília , e em Ponto , em Grécia , e Itália. Nota 1 1 6.
40.
Defles teus Capitaens os defcendentes
De Africa íaô terror, medo deHelpanha,
E de Pereyra os ramos florecentes Nota 1 1 7.
Se enlaçarão nos louros da campanha :
Quarenta Luíitanos excellentes jvjota 1 1 s.
Com valor raro , e com cautela eílranba ,
Faraó deixando a Monarquia izenta
Também felice hum anno de quarenta. Nota 119.
41-
A primeira batalha duvidofa Notanoí
A infantaria vence com conftancia ,
Outra em hum Forte triunfa vigoroía ,
Outra rompe das Linhas a arrogância ;
No Cano morre a Grifa temerola ,
Na Beira naõ reíifte huma inconPfancia ,
E vejo em outra com auípicios raros
Moftrar longes efcuros Montes claros.
Innumeraveis ídbios Luíitanos
A's artes, que inventarão, daràó luftre , Nota iit.
Oh quantos cofn íeus dotes Soberanos
Nos milagres faraó a Pátria illuiire .' Nota hí.
Apurando a impiedade dos tiranos ,
Porque a mefma crueldade fe desluftre ,
Triunfaráó os vencidos nefta guerra,
Regando o íangue puro a toda a terra.
45.
40 Henríqueida
. 43-
Mas porque te intereire a própria hiíloria j
Hoje paíTando o rio os teus Soldados
Alcançarão coaipleta huma vitoria ,
E o verte os deixará mais animados :
Sabe uzar da fortuna , porque a gloria
Naõ dá deícanío aos ânimos ouzados ;
Nota n 3. E terás neíTe exercito hum cativo ,
Q^Q há de fer teu contrario o mais adivo.
44.
Ferido eftá , mas a mayor ferida
He do amor , que fe alenta na vingança ;
Só quer viver , porque te cufte a vida
Que lhe tires a vida da eíperança :
Se lhe moítras vontade agradecida ,
Será teu mayor mal o bem que alcança ;
Teme que por livrar hum bem auzente y
Rebelioens , e inimigos te fomente.
45-
Mas teu confiante peito na5 deíífta
De aíTegurar o bem , que principiafte ,
Se naõ deixas íegura eíta conquirta ,
Favoráveis decretos malograííe ;
E ainda que o Mouro bárbaro reíifta ,
Fortifica o Império , que fundafte ;
Pois naõ he o deícuido a hum froxo peito
Cauza fó do caíligo , mas eíFeito.
Ji contra ti a Magica inficiona
Nota 1 14. Os ares , e renova os feus preftigios :
Nota 125. Filhos de Marte , alumnos deBellona
Dos teus contrários feguem os veíligios :
Nota ii6. Valerofa , e belliíljma Amazona
Tem fermofa outros mágicos prodígios -,
Teme mais atraeçoens fortes , e amáveis,'
Do que de Africa os monftruos formidáveis.
47'
Canto 11. 41
Emprende , porque alcança quem fe anima ,
Trabalha , porque o ócio he jà fraqueza ,
Premea , que a virtude a gloria eilima ,
Tolera , que he heróica etía firmeza ;
Cartiga , porque ao vicio a pena opprima ;
Previne , e a cautela naõ deípreza ;
Coníulta, que o ouvir he fabio eftudo ;
Refolve , que a omiíTaò faz perder tudo.
48.
O canto fufpendeo , e eu mais fufpenío
Eítatua já da gruta parecia ;
E agradecer o feu favor inmenío
Deípertarme doaíTombro fó podia:
Jà que por ti penetro o veo mais denfo,
Com que o tempo futuro fe encobria ,
E fabes , porque em tudo o acerto iguales ,
Moftrar-me Ob bens , e prevenir-me os males ;
49-
Com que pôde hum mortal moftrar-íe grato ,
Se quando íe offerece agradecido ,
Se te naõ íatisfaz , parece ingrato ,
Se o intenta , fe julga prefumido .?
Em aceitar , reíponde , para ornato Nota 127.
De hum templo de Maria o prevenido
Preço , que do meu livro guardo occulto ,
Para que o fantiíiques nefte culto.
Três talentos me entrega, e lhe aíTeguro ,
Confagralos à Virgem mais divina ,
Sayo do mirteriofo centro eícuro
Que já prefiro à esfera crilklina ;
Quando vi ao Sol claro , e ao Ceo puro ,
Tanto me ecoa, quanto meiihjniina;
Saudoío da Sibiiia , e do feu canto ,
Mais do que a luz , me tira a vifta o pranto,
F 51.
4Z Henriqueida
Se quando entrey na gruta pintar vifles
As ervas , e as íerpentes venenofas ,
Se aorriveis feras deícrever meoaviftes,
Aves nodlarnas , penhas horrorofas ;
Quando fahi, as pcrfpedivas trilles
Mudando a fcena , eíiavaó ja fermofas ;
Qje q iando o bem fe bufca na aípereía ,
Coníe^mldo he auc^mento da belleza.
Em hum verde Loureiro fe enlaçava
A Hera , e me teciaô a coroa ,
Nem Filomena trifte fe queixava ,
E íó himnos armonicos entoa :
O mar bramia, o rio murmurava , . ^ ... ,.^
Hum corre brando, outro fereno íóa^OLíp qioD
E os Tigres taõ vorazes, e manchados , H
Saò jà manfos cordeiros matizados.
5'5-
Plantas íaudaveis , e cheirofas flores ,
Reveílem a efcabrofa , e dura penha , u/p 'SI
Criíial para apagar os meus ardores. ; í.>l ti?,
Apreííado a fervirme fe deípenha ;
ao ► , « Pomona com fuaviíTimos primores
Nota Ii5).«, r • r i.
A rellaurarme as torças mais le empenha ,
Rubicundos ,e cândidos tributos
Colherme deixa em fafonados fruros.
Mas temi defie íitio na delicia ,
Qne em mar de flores com ociofo encanto
Nota 128. Foife Serea com mortal caricia
A amável Filomena em doce canto :
Bellicos iniirumentos da milicia
Eraò dos montes generofo efpanto >
Para bufcarvos os íeus ecos íigo ,
E me diíputa o paíTo o inimigo.
55-
> .; ::
\,Canto IL 43
Cercado eílava já de cem turbantes ,
E a hum Mouro , que matey com reíiitencia ,
Ainda morto com brios arrogantes
Me cedeo o cavallo com violência:
Acabara a mil golpes fulminantes
Na multidão da barbara inclemência,
Se naõ me dera hum Africano forte
Galhardo a vida para darlhe a .morte.
Viz Soldados , lhe diz , fe fois Soldados,
Quando intentais vencer deíigualmente ,
E elíimàreis , a fer mais esforçados ,
A vida de hum contrario taô valente ;
Eu ferey quem vos livre dos cuidados ' ' '^'^'^
Do feu valor por meyo mais decerte ;
Se me vencer , deixay o livre, e vivo,
Se eu o render , o quero por cativo.
^ . ^7-
Trazia o Mouro na luzida adarga
De hum javali cravadas as defenfas , m ^
_ - u 1 1 • , Nota 1 50
No turbante hum a branca cmta larga , .^
E outras de alguma Dama recompeníàs : ^^''
Comigo hum pouco do efquadraô fe alarga,
E as atençoens de todo eflaò fufpenfas ;
E com razaõ de ver a galhardia
Só igual do Africano à bizarria.
5-8-
Se eu pudera , lhe diíTe agradecido
Evitar o combate , eu te prometo , ^°^^ ^^^
Que te pagara , ô Mouro comedido ,
A vida , que me deixas indiícreto :
Temo tanio vencerte , que fentido
Do mal , que hey de fazerte , eílou inquieto
De laber qual injuria o peito guarde,
Se parecer ingrato , íe cobarde.
Fij 19.
44 Henriqueída
Ainda (refponde) naó conheces tudo.
Quanto me deves , mas porque me explique ,
A Cruz ceruiea do argentado eícudo ,
E o teu valor me dizem , que és Henrique:
Logo ponderarás íem muito eftudo
O que arrifco em que hum nome naó publique,
Qcie deixara, ao atarfe em prifoens duras ,
A Religião , e a Pátria mais íeguras.
6o.
Q le íó a mim o feu trofeo me devaõ
Intento , e íó por meyos generofos ,
E fem que tantos íem vaior fe atrevaõ,
Hum te ha de dar cuidados mais gloriofos :
l\otai3 5, Qg Ceíar as vi£torias, que íe elevaô
Nota 154. \ eternizalo entre aí^ros luminofos ,
Notai 35. Poy por vencer a Luíitania , e França ,
E em ti íó a ambas vença a minha lança.
61.
E porque faibas , que naó fou indigno
De concederme a gloria de adveríario,
Hum neto de Tarif ja fe faz digno
A Henrique de Borgonha por contrario:
Temo dizertemais, quando benigno
Te fallo, porque fey , que temerário
Nem todo o teu efforço me esperara 9
Se foubeíTes , que amante fou de Aldara,
62.
Henrique fou espoío de Terefa,
Refpondo, e fique igual elle combate.
Se cada qual invoca huma belleza ,
Que milagroía a vida lhe dilate j
Mas ventajofa defta Cruz a emprefa
Será qucin o? teus brios defbarate :
E eu depuzera o íacro Privilegio,
Se o valor naò trocaíTe em facrilegio.
^h
Canto IL 45
Mais que por publicar próprias jadlanclas,
Contarey com violência do modelto
Det^e ellranho combate as circunftancias ,
Que Marte fez feliz , o Amor funeito :
Partido o íol , medidas as dilbncias,
O roítro occulto , o nome manifefto ,
Rompi a dura lança com eípanto
Entre as ebúrneas armas de Erimanto.
64.
Nem a tocar a Cruz a fua chega ,
Quando no ar voou em mil pedaços ,
Como o meu golpe toda a força emprega,
Da fella o fiz perder os duros laços:
Outra vez fe afirmou , com fúria cega
Fia o triumfo dos robuftos braços ;
Mais de ardor nobre ferem inflamadas
Fogo j do que nas armas as elpadas.
No inverno naô combate Aufiro furiofo
Tanto do Louro as folhas agitadas ,
Nem o incorrupto Cedro , que frondoío
Supera excelío as nuvens elevadas j
Quanto hum , e outro ferro vigorofo
Quer romper as defenfas duplicadas ,
Abatendo-fe as armas rutilantes
Mais que as folhas das arvores triunfantes^
66.
Ao darme hum fatal golpe na cabeça ,
Que fem duvida o elmo me cortara ,
A branca cinta tanto o intereíTa ,
Qne em ver , que eu a cortey , fino repara :
CeíTa , me diz, hum pouco, Henrique ceíTa ,
Que leva o vento eífe favor de Aldàra :
Comoeunaõ perca taôfublime gloria,
Perca fe a vida , e perca-fe a vidoria.
^7'
46 Henriqueida
67.
O cândido trofeo outra vez ata,
Mas com o intempelHvo movimento
O peito , que o defende , fe defata ,
Nota 136. -^Q peito, que o offende , acha o tormento 5
Se eu vira , que elle acafo defbarata
Armas , que vefte o íeu bizarro aiento ,
Reparar o deixara o fatal cafo ,
Que naõ quero a vidloria pelo acafo.
68.
Nota 137. O Sol me foccorreo da mefma esfera ,
Pois dando em meu efcudo prateado ,
Nas armas do contrario reverbera ,
E me naô deixa vello defarmado:
A luz , que me ofluícara , e o offendera ,
Foy caufa do fucceíTo defgraçado, i
Porque eu naõ vi , que o peito ihe faltava , /
E elle naô vio também , que eu o bufcava.
Ao galhardo Africano o forte peito
TrefpaíTou o meu ferro mais felice ,
Guardando à fatal venda tal refpeito ,
Que naô quiz que o curaíTe , fe o feriíTe :
Ainda fentindo taõ mortal effeito ,
Naõ perdeo o bizarro , porque diíTe
Aos íeus , que me deixaíTem livre o paffo ,
Quando já me í^ziaõ embaraço.
70.
Ao retirarme às vezes combatendo ,
Outras íempre o terreno melhorando ,
Me encorporey com o efquadraõ de Mendo ,
Que eivava valcrofo pelejando :
Examinay os mortos , que pretendo ,
Na íepultura ao meu contrario honrando )
Fazer que o tempo reconheça unido
Aclle bizarro , a num agradecido,
•y^ 71.
Canto 11. 47
71-
Eíeacafo viveíTe, ainda que creyo,
Qae com elie aSibilla me ameaça,
Heyde mollrar que os males naò receyo ,
Para que os beneíicios íatisfaça :
Elie me deu a vida , eu íó premeyo
O deverlhe a fortuna na deígraça ;
Se o Ceo me caitigar por ferlhe grato ,
Mais me cal^igaria o íer ingrato.
7i.
E já que Hecha Martim Rey de Lamego Nota 138.
Temos por aliado , e tributário ,
E Coimbra nos deixa do Mondego Nota 135),
Seguro o paíío ao paiz contrario ;
Seja o dourado Tejo iiluftre emprego
Do valor que caftigue o temerário
Ali Aben Jofeph , aquém coroa Nora 140.
Africa em Fez , e Europa hoje em Lisboa.
73-
Calioufe Henrique , e todos fe admirarão
De ouvir os íeus rariíTimos íucceíTos ,
E unidos novamente aííeguraraõ
Concorrer para o fim dos íeus progreíTos :
Nem do grande projedo duvidarão,
Vendo do Ceo favores taô expreíTos ;
Sô dilatar o feu valor temia
Gloria de tantos íeculos hum dia. Nota 141.
74-
Amado , que era atenta fentinela
Das mudanças , que via no femblante
De Aldara com as lagrimas mais bella ,.
Eelle com os pefares mais amante :
Vendo , que Henrique tanto íe deívela
Na vida de Muley, e vacilante
Receya da Sibilla o vaticínio,
E ainda mais dos ciúmes o dominlo.
7;.
Henriqueida
Nota 1 4i . Também fentia o ha v er dito a^ ATaara ,* ^.L^ «^
Que VIVO ainda Muley reconhecera, . . ^^
E eípera íó por ver fe el!a declara
O caio, que por elle íô foubera:
Das duvidas o livra , efe prepara
AbelIa.Aldara a publicar quem era i i
j3i,, E? em revelar milierio taÓíecreto ]^
Ó amor taõ fino foy , como indiícreto.
- Imaginou que Henriíque geneíofeyíí , t
,|j : Dizendo que Muiey ellava ybiQ^yMxâ^É^-im^ u':i
E que o tinha eícolhido por efpoi^s^ '^a iíiÉi*cí*ftCi
Ambos logo liviaífe compaílivo ;
Já fe via no roítro mais fermofo
Eloquente hum rubor taõ expreilivo^ i'k
.r íiX^ijííí^Qae até com voz mais tremula yérí^ifl^ ^ ê^í^
Pudera perfuadir huma injulliçaí , ^,,.. . , .
77. ■ -■-•'■. " . .-,
Já que amor conheceis , PrinèipeAugufto,^^ '
Ejàque amada íois, alta Princéfa]^^ '
Diz Aldara entre as lagrimas , é'o ftiM^ \ ,
Augmentando os extremos da beíleza ,' " ;^
Concedeyme atençàô, que fera jufto^ ■
Que fe a voz no refpeito tenho prefa , l
Me diículpeis affedos femelhantes, - " '
Naõ por Princip^íi fó , mas por amanteSj^.?: ^
, . ■; . ■ ■ . 78.- ■: ,-, . ■ -.-<v^'-^í'^-.-^^4
Nora 145. Aldara fou , meu Pay heeíTe iHuítre -^
Joíeph , que ameaçais com fúria tanta ^
E porque a fua fama o naò desluílre,. ;: ^ ^
Em ter hum tai contrafio íe adianta í.^/^s^/j^- ^ ^O
He de Euroná terror , de Africa i:hvi%^4#í nèi^^^fÒ
Vcléz de ouvirfeu nome aipda íe ;eípafi,Êa %*«;?fj-«^ Vjí
Donde moftrou com brios foberanos,
QnQ ainda labem vencer os Mahometanos.
79'
Canto 11. 49
79.
Da Lufitania, e Becica domina Nota 144.
As terras que dominaó os dous mares.
Seus baixeis na campanha criílalina
Daó aos Hifpanos trágicos pefares :
De Africa a mayor parte humilde inclina
Nobre culto aos feus incUtos altares ;
Tremem as Praças , quando o vem , e inquietas
Lhe poupaõ as Baliftas as Trombetas. Nota i45«
Almançor meu irmaó , que hoje no rio
Morreo, me faz herdeira de hum Império,
Em que da adufta Libia o Senhorio Nota i4(J*
O avifmha ao antartico emisferio:
A caíligar de Argante o defvario,
Que Tanger lhe ufurpou com vitupério,
PaíTou ElKey, emeu Irmaó me ordena.
Que o Tejo deixe pelo Lis, e o Lena.- Nota 147-
81.
Como em Leiria exercito formava ,
Com que efta Praça conquiftar queria,
Sem reparar que expofta me deixava
Ao corpo , que a Coimbra guarnecia ,
£ como a fua aufencia o animava
A que quizefíe entreprender Leiria i
Seguy o feu exercito curiofa,
E o receyo me fez fer animofa.
De Amor faô m'fteriofos os acaíos ,
'A alguns deveo Muley, que eu o atendeíTe,
E de dar à efperança breves prafos
Em vinculo feliz lhe prometeííe :
Nefta batalha por dive^fos cafos
Quiz ã envejoía forte, que o perdeíTe^
E por fer mais cruel o duro efteito ,
No campo crefpaííadQ vi feu peito,
. G 85.
Jí3> Henriofueiíh.
Quiz anlmallo, è hum Tarai acfíiiVOw , -j?
Fez que me reciraíTem íem alento :''''^^^:^
Os que vinhaõ fugindo de Pelayo,
Deixando-me no mefmo defalento;
Da vida quiz fazer o uicimo enfayo,
Quando pôde fencir meu fentimenco-j
Pelayo o ferro ufurpa com piedade.
Se pôde fer piedofa huma crueldade.
84.
Naõ fey fe com verdade, ou com engano,
Que Muley eftà vivo meaíTegura,
Se ifto foy dilacar-me hum defengano ,
Pouco efte bem a huma infelice dura ;
Mas como o pofib defcobrir fem danno.
Ou porque tenha illuftrt* fepukura.
Donde eu também me enterre, ou porque vivo
<jraco vos reconheça, e compaíTjvo.
si3;v:.,;í :,:„ .85. ,
Examineyvó Príncipes famofos, '^>
Se vive por quem vivo, ou fe na forte
Mais infeliz os aftros rigorofos
Propicies faõ em permitir-me a morte,
Caliou-fe , porque alíedos impetuofos
A lingoa embargaõ com prifaõ <aó force.
Que fe abraza, e/e afoga a fua inagoa
^m dilúvios defogoi £3^.^rai& díe agon. ;
Pefàyo diz a Henrique , qxít fegirinád ^
Os fugitivos, hum ferido vira, 'Í'-
Que os últimos acentos proferindo ,^ <
De amor, e Aldara ds nomes rcpcrira; -^
Que admirando a fíncza, que cílà ouvindo V 'i:" .
Piedofo o cura-, e vende que refpira., ... "7"'
O manda retirar, e que intentava "t ri *
Já referir a Henrique o que paífava,^ ^ '('^/^í^..?^:
87,
QuêoaffGâio de Aldara o infçrrompe,.,
Em que a yiolcncia deixa defcifrado
O occulto amor, cm que o pefar prorompe
Quanto fegiedo o peito tem guaj'dado:
Que a ferida tem cura, e que oaõ rampíÇ
Por donde empenhe tanto o íe^^ c\\id^dOr
E que Cu-pijdo ávida Haedecrec^x
Para triunfo da dourada féta,
S.8.
Que dos golpes de Henrique huiri e^cceUente Nota 148.
Da efçola de Chiron jdeftro, feàario
Balfamo lhe aplicara, que vehemente
Fora do dahno hum eííicaz contrario:
Mas vendo que fogira a fua gente,
Julgando a Aldara prefa do adverfario,
As vendas deíatara, e na contenda
O vingara huma venda de outra ven4a* Nota 149;
E que ao chegar Aldara nz,5 poderá
Com o alvoroço mais ferido o peito.
Nem pronunciar o que depois diflera
De Amor, e de Aldara ontro mortal effeico,
Mas que quando piedofo hoje entendera,
Que eftava livre a vida , e o refpeito
Da que amava , efta nova appctecida
Matara a morte» edera vida ávida.
90.
Henrique o mais magnânimo, e benigno
Príncipe que vio nunca a vaga fama,
E tendo efta virtude por mais digno
De fundar tanto Império o Ceo aclama,
Ir viíitar Muley naó acha indigno
De hum taõ Ínclito Heróe, antes feinfaniíi
A gratidão, fc o beneficio efquece
De quem por infeliz mais a merece,
G ii 91;
f% HenricfueUa
91.
Pareceo-lhe aTerefa, que agradava
A Henrique, fe a Mnley cambem aíTifte,
Que Aldara a figa quer, mas naõ oufava;
Pois o decoro ao mefmo amor reíifte:
Mas vendo que a Princeza tanto inftava,
Corc€z em difculpar-fe «aõ períiílej
E fez, ou com vontade, ou com violenciaj^:- fi;.(
Decente a repugnância, iia obediência. : í; 3.^ l
Que naõ :t^nh,^Muley ^outros favores
Mais q'ue a cinca, lhe diz, com tal tormento.
Que lhe moftraõ pretagios, e temores,
Que a corta o ferro , e que a arrebata o vento.*
Por ella tem dos golpes os rigores,
Por ella perde heróico vencimenco ,
Eaquifera cobrar, porque recea,
Que íirva de laço, edecadea.
9 5- ~
Naõ fe efquece Muley, por ver a dama.
De proílrar fe a Tereza, e dar a Henrique,
Moderando o afFedo , que o inflama.
Quanta expreíTaõ feu rendimenco explique."
Naõ me admira, lhe diz, que cerra afara^-^^
VcíTas gío ias , ò Principcs , publique,
É fó me admira ver, que em ambos fe ua^^ -
Tanto o merccimenco , e a fortuna. -> <^ -
94.
Naõ podia. Senhor, efta ferida
Ser morcal, porque fendo de hum tal braço,
5e por mais force me ciraíTe ávida,
Por gcnerofa lhe apertara o laço:
E vós alta Princefa eíclarecida ;
Defculpay no refpeico hum embaraço ^ •
Que hoje o filencio por azilo coma ,
forque naõ pode errar eílc idioma,. ,:
;y:
9>.
Canto
n
95
Cf
Logo Henrique, eTereza lhe permitem
Que àdama, aquém finiíTiTua reípeita,
As finezas nas vozes fe acreditem ,
E fique tanca pena fâtisfeica:
Mas ella refpondeoi que naó fe admitem
Por quem ao cativeiro efta fugeita
ExpreíToens , que offendendo a Mageftade
Naó deixaõ o alvedrio à liberdade.
9<-" . .
Henrique lhe propõem, que Muley íeja
Livre-, ^ poíTa voltar donde reípire
Na liberdade, bem qiíe fe dezeja
Mais do que á quantos a ambicaó afpire:
Que convaleça , e que aíTiftido feja
De forte que contente fe retire,
E que lhe dà fua preciofa efpada,
Que fó porque o ferio, lhe defagrada>--- "''
97-
ObTequiofo refponde, mas licença
Lhe pede ae faber , fe acçaõ taõ rara
Lhe acreccnta a mais alta recompenfa.
Levando aEIRey Jozé a illuftre Aldara?
Diz Henrique, eu bem (ty que fora ofienía
Negar, mas hum rumor jà fe prepara,
Qiie Amado excita, e que a promefla rompe
De Henrique, eniaiszelozo ò interrompe.
Pcrmitime Sehnor, queKoje fc^oppònha .7:,
A tanta -generofa bizarria ' ?
Que naõ pode deixar que íedírponha ;
A favor de hum infiel, da Monarquia:
Aldara he o penhor, que fo componha . ^:.
DelRey feu Pay a barbara oufadia , ^^ .5 ^ ^>
Jozé , aquelle mefmo que arrog^a mre^.^ Wç^r-":-
Sabeis, matou deHcfpãDha hum claro Infante. Moux^}
/■
Nota X 50,
14 H^^nqueida
99.
^\m.^ di? l^gas Moniz, fe uniça filha. ^ |
Nota 15 2. He do Rey líhjaelica Aldára bella,^ .^^q
E no feu emisFerio hoje fó brilha v.^^^ir,ms:3ti!i
Para influiilo efta benigna eftrella: 'r^
De canc(xsJl.çKnos, quQ triunfante í^i\En|l}T^^^ _.^g
Mandar lhe a fticceíÍQra fem cautela,.\r; íijigjif^j ^^
He arrifcar apacria, ç com pefares , dhsiuà'^
Ver erigir íacrilçgos ahares..,^,^^^ .^ a ,3.^^5.^;g^
100.
Mendo acrecenta; o voíTo patrocinio
Que honre, e livre a Muley, ^^õ (qi)í^ }^j^Qi.g:j^ ,
Se arrifca da Sibilla o vaticinio, t ^^iVa^s aiaí^iiP^^
- Concede ao beneficio premio juftQ^^ 3#.:i-|."íocfí óB'
Mas da Princefa de Africa o (Jomínio , ,í'ío5íí?3íT>
Sò vos deixa feguro o trono augultq, -. -> \:
Q^uem pôde duvidallof Infta Roberto, i?
No confelho fiel,, na guerra j;xper-^p.^pQ^^l ,^s^
lOI.
E diz Pedro Bernardo ; qtJ€ os Leorrefes ,
Que ao feu foldo ali tem da própria terra j 7
Logo ha de feparar dos Portuguezes, [1
E fará fó aos Mouros dura guerra, £»
Por deftruir os bárbaros arnefes, i
Se vir livrar a Aldara, fc defterra,,4^rjii<?ísi»ri*aw*;:
Deixando Portugal aos pátrios lares
Do Tormes, doPifllierga, c Man^anares.
102.
Henrique a todos refpondeo feverOt,{|í.,i
Que o zelofo lhe agradece, mas que airatmoO ,
Reprime íò por ver, que he taõ fmcero r iifiO! nMO
OaíFecto, que nos ânimos reípira : -j y9c€;'
E a Muley diz; bem ves, que naõ efpero "; -ís'?? ■
Ver que hoje alcances quanta o anjQt: i;^,> iftjííirsl ;
Por libertar a Aldara deze^ada, :<ãííVS3. íoiíH»^^
- Que aqui âca íegura, ti^íj^áididm^m..>7^m^ qQí'--
■>' ^ '^ 105.
Canto IK j)"
105.
Impulfo eílranlio obedecer me obriga, Nota 15 5.
Diz ©Africano, e eíTes confelheiros
Em mim vos deixa" faria, que inimiga
Pôde fer que desfolhe os íeils lonreiíos:
Hoje me augmencaõ a arrogância antiga
Renovando-me os impecos primeiros;
E fendo Aldára o claro facrificio,
Mcprevertem na injuria o beneficio. cV
.j:«\ j'.'.\.Y 104. vittA ■jvjií.Sis « 1;^ I
Se com ficar esfera V O reftauràra - -*' ji
A liberdade a fua fermofura ,
Toda a minha ambição facrifícàra,
Sò por fervilla na prizaõ mais dura; .
Jà vou livre, ò Henrique, que o declara
A vofla heróica voz, e a intenção pura;
E o fangue, que perdi, em mim fe augtnenca
Nas iras , em que agora fe alimenta.
105.
Tu, belHífimo affombro dos humanos^
Vidima da politica cobarde^
Has de ver que aos teus olhos foberanos
Se leftitue quem fó ncUes arde;
Efperem os ingratos Luíitanos,
Que hum amante impaciente aqui naõ tarde,
E veraõ fe irritar hum poderofo
He melhor que obrigallo generofo.
105.
Duas vidas, Pdayo, te devia,
Com húma voz de hum golpe asufurpaftej
Na campanha veremos algum dia^ ?oa ^,
Se as reftituifte, t)u fe asToubafte: • v : :
Com fufpiros Aldara o Geo feria, ^
E fem que Henrique a fufpendello bafte ,
Hum cavalle lhe «deu, que o vento alcança^
Do amor eftimuJado,. c. 4a vingança.
y6
HENRIQUEIDA
CANTO III.
Argumento.
Promete hum feliz, fonho ao Lufo Imperit
AfrmezAi e da Infante a melhoria 1
Muda ElRey de Lamego em vitupério
O tributo y que ao Principe devia ;
jixa convoca as Deofas ào Emisferio ,
JB no jardim renova a idolatria ,
Lembra Henrique hum perdido amor fâfTadi,',
Delsa MO Rebelde prefo , e cajligado.
r.
Com nuvens de rubi , rayos de prata
Se rompe a névoa, que formava o Douro;
Foge a fombra da luz, que íe dilata,
Ve fe no Oriente o nitido tefouro :
Corre a Aurora a cortina de efcarlata,
Apparece deFcbo o berço de ouro,
E fahindo do mar , quando madruga
Ao feu incêndio próprio o Sol fe enxuga.
t.
De Muley com faudade , e fimpatia ,
Henrique cuidadofo naõ defcança ;
Aldara nos affedos , que fentia ,
Morre da pena, evive de eCperança :
Egas Moniz, que a todos preferia
Em celebrar o bem que Henrique alcança.
Conduz de Guimarães o Infante amado
Dando à faudade o premio defejado.
4
v4í
^Cànto IlL ff
Ceàc Adónis ao ínclito mancebo
Dcftinado a imperar aos Portuguefes,
E que o brilhante circulo de Febo Notai 54*
Na > vira no principio cinco vezes •,
Erte he o mayor premio , que recebo >
A Henrique diz com expreflbens cortezes
Moniz, a quem fiara vigilante
A regia educação do claro Infante
' ■ ' 4.' . ^
Eíle he o premio mayor, que efperar poíTo
Da firme confiança generofa ,
Que podia fó dai o favor voífa
A huma fidelidade iafFeítuofa.-
Livre o vereis com gloria, e alvoroço, '[
Na protecção '^a Virgem prodigiofa :
Efte portento a minlia voz coníagre ,
Juftifique hum milagre outro milagre^
5-
Até o primeiro Itfftro Affonfo illuíltê , ^v
Tem achado mvencivtH^ etnbaraçòs. J
No incurável actiaque, porque fruílre
Os que ha de dar á gloria largos pàtTos,: ^ , ,,-Notaijr/?
De Chiron a fciéncíà Tií desluftrc' "^* ** ^ /* ' ^:
Ao querer defatâr raõ fortes laçòs j
E eu cri , que me deixafie o tnú grofíeiro
Em vez de Ay o fiel, pio enfermeiror
Tibià ate, tti!fê à Corte , ihudo o goftb*
Vendo no primogénito excéllente ,
Em que toda aelperahça tinha poftó ,
Da piizaõ dura a pena mais vèheménte i
Até da mefma vifla era defgofto '
Ver a belléza íquèm ò achaque fen te .•
Porque por mayor hial òfado déií:a V
C^ue augmente a geliúícza a dor da queisa.
58 Henriqueiàa,
7-
A vofía diligencia , e o meu zelo „^ ;^
Nptaijíí. Tinhaõ de Apollo os filhos apurado, alcímoD
Naõ podia dormir o meu difvelo i, -r^f. 4-j *^}q
Sem fazer juíla oífenfa ao meu cuidado ; ^^^^H ^ ^
Mas ainda que rcGílo , ainda que appello , '/ . 4
Ao fuave veneno eítou proftrado j .q
Nota 157. Com que Mòrfeo , que a todos adormec^i^ ^ ^H^^
Nos olhos Teu encanto eftabèieçe. ofco^
Naõ foy o feu império mais fuave ,
Naõ foy o feu dominio mais violento ,
Nota 158. Quando de Juno o doce império grave
De Lemnos o mudou ao firmamento:
E de Cymindis transformado em ave b*Bfiíí*Sâ
Se atreveo receofo ao grande intento "^ .,.f,-^^cj
De introduzir do ópio a eíficacia o'^!^^
Da Providencia na alta perípiçaciafc.4^^ ^:,,^l^r-^^^'°j
9-
Ncra fâbulofi intereíTada Juno ^
Lhe prometeo a bella Pafithea mcs"^
Mares de Ceies , campos de Neptuno |.^ ^^
Naõ paíTou enganando a facra idea : ^ ^ ,r ^^.q
Nem de Vénus o adorno , que opportun9^ oííioD
Tanto o feu peito efmalta, como enleai/|'^^\,^.^
Nem para fomentar a Troya eftragos,^^^^ "^*f
Converteo em cantos os afagos. : íntsiq aU
10.
Mas Deidade de eíFeito mais piedoTo
O fono me infpirou , porque admiraíTe > .^^^yj
Que coníeguio do Filho, Pay , e efpofo , .-^:;|
O bem que AíFonfo do feu mal livraíTe: , ,.c|
AíTmaloume o fitio prodigiofo , .,^ oaio3
Em que a Imagem divina occulta achaíf^ji.jf| ^uO
E que o Infante livre logo feja , . *? ^^ ,?; p^
Quando fe edificar famofa Igreja, gj
ti.
Canto III 59
II.
E que referva ao Príncipe odeftino,
Como fe vé do aflombro, que contemplo ,
Para triunfar do Mahometano indino ,
Para fcr das virtudes alto exemplo .•
Naó falteis a hum preceito taó divino ,
De Carqucre fc forme o facro Templo ;
Nelle a Deos entregay com Fé tranqmlla
Todos os três talentos da Sibilla.
12.
No bclliíTimo roftro de Maria,"
Porque naó fegue aos olhos a brancura^í
Breve porçaõ da noite atrahe o dia.
Que augmenta com a graça a fermofura ;
Eu naõ dormia nad , mas fe dormia >
Porque efta vifta celeftial , e pura
Perco por ver hum Sol menos luzente;
E naõ ,dura efte fonho eternamente?
O Heróe alegre corre , e à conforte
Com Affonfo nos braços participa
Do digno fiiho a mais felice forte,
Que a Fé fem evidencia fe anticipa :
Como da íombra a oppoíiçaó mais forte 3
Que ecíipfa a Lua, a fua luz diíTipa r
Quando para encerralla cm dura guerra
He pirâmide , e pira a opaca terra,
14-
AtFim o rrifte horror fe defvanece ,
Com que o mal ofFufcava ao bello Infante ;
E para o novo templo eftabelece
Preciofo material, que ao mundo efpante:
Como cm Laracg© o lítio fe cfcurece,
Que he nuvem negra ao aftro mais brilhante,
A aqucUa parte a marcha fc promulga,
E bufca ao Rey , que ainda obediente julga.
H ii i^'
'5-
Teréza, que (km guerra fe. peííuade
O milag^roíb íicia fe d;eícubFa:, ' '4
Com x'\fFonro. alivia Imma faudade,
Que o vèo da devoção alegre cubra ;
Porém Aldara incrédula á verdade
De canto vaticin.io he bem que encubra
No arcificipíj({>, , e fino peito occulco
O fiel do dezejo , o in;fiel do cuico.
Henrique diz aparte ao nobre Cunha ,
Que com o defafogo fe meliiora
Hum pefar , que lhe fia, ç ncr que expunha, -i
Bem diíTimula as lagrimas, que chora, -^
E diz que favo sável íè difpunha
A forte , mas que bem jerU agorn ,
Se nao fe pervertejfe no prefagio
Do antiga õccuÍPo 3 e infeliz, naufrágio. y
17-.
Rota IÇO ^^y de França Matilde illuftre adorna,
Nota 160. E o Loire, o Sena, o Rhodano, e o Carona
Nunca viraô belleza em feu contorno.,
Notar(ji.Qpe igualaíTe e(Va Deofa deBayona:
Cupido quiz por forç^ , ou por foborno
Vencer o coração , que mais blafona,
Pois Henrique cuidava em toda a parte
Que o naõ feriíie Amor ferindo a Marte.
18.
Livrou-fe das belliífimas Francefas
Sem faltar a huma atenta cortefia,
E o valor com primores, e finezas ,
De hum verdadeiro amante parecia :
No Templo das mais celebres bellezas '
Naõ abrazava , porque fo luzia, i
Mas naõ baftaõ de amor nos fcus rigores i
Luzes, que naõ £e iíiflajai£m nos aidoroSj. 4 pur^
«9.
Canto 111. 6i
19.
Qiiafi tocava nos confins de Hefpa;nha
Atè do mar feu animo triunfante» ^"
Vencedor nos perigos da campanha >
E naõ vencido às acracçoens de amante:
Na própria pacria a pena mais ellranha
Executou, o cego fuiminancc -,
Moftrou Matilde a Henriqiue, c fendo inquietas,
Entaó deixou na aljava as duras. íetas.
20,.
Soberbo as guarda , quando as poupa avaro;
Vendo que o precioíííllrao thcfouro
Lhe fobeja , pois tem o roftro raro
Nos olhos Tetas, nos cabellos ouro:
Naõ foy do amor efte trofeo preclaro,
E eítima ter Cupido efl:e deídouro ,
Porque a gloria de Heróe fempre publique,
Qiie nem o amoc pôde vencer a. Hei^rique,
2. r.
Que Matilde o vehceffe he mayor gloria,'
Pois naõ cedendo a hum Deos , cede a huma Damaj
E render à belleza huma victoria
Sò no decoro immortaliza a fama ;
Mas como eíVa tragedia na memoria
Do alto varaõ a todo o aíFeClo inflama,
Como jà com o exercito marchaíTe ,
Cunha a Henrique rogou, que a tecitaíTe-
21..
Obra o teu rogo em mim,, como preceito ,
Diz Henrique, vencendo a refiilencia ,
Que a taõ triíle memoria faz meu peito,
Renovando na laíiima a violência :
Se do prefente eílado faiisfcito ,
E do futuro o Ceo me dco fciencia j
Bem Cq}' que he melancólico cklirio-
Só no p^ada mal bufear marcinia..
^^ Henriqueida.
Na gruta de hum marítimo rochedo
Dehuma Dama ouço a voz triíle, ecanoraVP^^^
Que levou a atenção , femcaufar medo," ^Í'»*ãoP
Sendo defconhecida, mas fonora: ' '^
Nadivifaõ, que deixa eíle penedo,
Vifta, e ouvido a hum tempo íe melhora, /^
E fc deícobre maravilha tanta -^ jbk:í^
Vendo quem canta, ouvindo quem encanta."^ ^^^^
Notaz^i. De azul veftia, comoGalatea,
E por Deofa do Mar o Mar a invoca > c - '^^
Ou delle naíce agora Cicerea , ^^^ ^"i^
Ou o Sol no Oriente as ondas toca* ^^^"^^^^^ ^4P
Na neve a luz dos olhos o fogo área, ^
Pérolas, e coraes refume a boca j 1
E ao retratalla foge temerofo ■''^^.
Hum criílal de hum criftal por envejofo;; '-^**i ^}^^^
^ D.ospe„harcos.fArpe.os„aceaes,. '^
Para romper as minhas triftes vozes , -^
E quando em voíTo centro as recebeftes, ^
Vos deixarão mais ruflricos , e atrozes? ,^ i|
Aqur venho cobrar quantos perdeíles ^ oi^^ils 0O
EcLos amantes , finos, e velozes ; 1 ysm 0
Porque dos meos mifterios nos prodígios ' p
Naõ quero, nem nos eccos , os veftigios. *
^3- Naõ digais , que a Princefa de Champanha ,,.
Entre os voiTos horrores fe íepulta, "^"^^
Notai(?4. Que naõ admire o crono de Bretanha, j^
Notai6;.E que em Guienna incógnita fe occu-kaV -■■^' _^-^^--:>-l
Sabeis cailar a caufa mais eftranha, ' 1;' •'■•:* oi^^.^í^
Que a faz fugir para efta pvívya incuIta^^Y '-^^'^^f^
Laílima deva amor taõ infinito ' '^^-íi^^^' «^
No peito ; mas na voz fempre he delicol *-^^^ ^^
•5
27.
Canto 111 \ 6f
Muitas vezes te difle, ò muda penha, ^^;
Porque o meu epitáfio fe componha , í
Quando o racu defengano me defpenha ,
Para que em ti meu tumulo diíponha.
Que a taó ditoía morte (6 me empenha
O occulto amor de Henrique de Borgonha,
AlTim cantou Matilde, e o íeu pranto
Me fez trocar a magoa pelo encanto. Nota 166:
28.
Mas por fazer mais rara eíla aventura ,
Lhe digo pela penha mal unida,
Qiic naõ pôde matar-fe a fermofura,
Que immortal , quando mata, dá mais vida:
E quem pôde dar Juz à fombra efcura ,
Vera a liberdade mais rendida
De hum coraçac) , que permanece inteiro,
Para naõ dividir o cativeiro.
iÇf.
Sobrefaltada quer fugir Matilde ,
E mais fe admira quando me conhece,
E a filha de Rogero , e de Clotilde Nora^Sy: ^
A minha fufpenfaõ já reconhece;
Do affecto ouzado o facrificio humilde
O meu amante peito lhe oíferece, i
E me refere timida a finefa.
Que devi de Champanha à Gran Princcfa,
30.
Quando em Troyes , que he Corte de Rogero ?
No publico torneyo appareceíles ,
E ao Duque de Bretanha em golpe fero ,
Que era o mantenedor , logo venceftes ,
Entaõ vos vi no campo taõ fevero ,
Como ayrofo na dança o excedeftes j
E fazendo do engenho claro exame ,
Os prémios Jhe levaítes no certame,
5»-
64 Hènriqueida
Da praça na diftancia fó me viftes ,
E eu a Mafcara fuy , com quem dançaáes;
E por deixarme eftas memorias triíles,
Para Borgonha alegre vos volçaftes ,
E canto que innocente vos partiftes
Do incêndio inextinguivel , queaceaftcs.
Por ter o de Bietanha fempre unido ,
Me deílinaõ por premio do vencido.
Obfêrvey , que naó éreis infenfivel ,
Pôde fer que o cauzaflTe hum novo objedo ;
Ou que jà diftinguiíTeis o invencível
Do meu occulco , mas vehcmente aíFeólo:
Naó foy efte ao decoro irreílftivcl ,
E efcondeo o recato o meu projeâio i
Porém fe conheceíleis fè caó pura,
Dilatarieis huma aufencia dura.
Entendi, què era jufto , que em meu peito
Vos alcançaríeis mais outra vitoria,
Vi cambem quê a violência do preceito
Naó tirava a viokncia da memoria ;
E em huma cfcura noicè íem r^ípeito
De expor a vida > , o Reyfio , a fama , a gloria.
De Tancredo fiel acompanhada,
Vivo em Baybna òècuica, e retirada.
Co^mio. feube , qâé a Hèfj>anhâ vos Fèvavit.
O generoío efpiritò da ^úetrá,
Por Tancredo de tòdò^ me i'nfeniávav
Nota i(Js. Quanios pâ'ffâva'0 de Pircne â Seitas
Já dous di?.s havia (!|uc tardavli,
E efta gruta mà^itimà me encerra.
Donde devi pot hum eílránho cãíb ,
Mais do que a d'ilíg€Hcía , a kum fô acaíc^,
*^i Pi'
Canto UL^ 65
DiíTe, e no roftro das purpúreas rofas
A cor jà fe dcfmaya , e jà fe aviva, "^ r
E as luzes dos Teus olhos mais fermofas
Ferem meu peico com a força acliva .-
Com exprelibens corteíes, e amorofas.
Que huma jnorca eíperança eftà jà viva,
Llie explico , e bem ouvido eQe meu rogo ,
De Anccros fe inflamou no puro togo.
56.
He precifo cambem, que te repica, Nota 1(39.
Qiie dç occulco himeneo licicos laços
Do fino ardor, que o coração me incita.
Tive o mais feliz premio nos feus braços .-
E o naõ quiz publicar, pois fe íe irrita
Brecanha, tem Champanha os embaraços
De que à guerra cruel logo fe exponha ,
IncerelTando a França, e a Borgonha.
E quando a reftaurar a Paleftina °^^ ^''°*
Os Principes Chriftãos fevem uuidos,
E bufcàraó na iníignia mais divina
Aufpicios facrofantos, e luíidos;
Naó quero, nem por caufa jufta, e digna,
Ser caufa de que fiquem defunidos :
Católico o meu zelo aíím difcorre,
Em quanto Febo os doze íignos corre.
T^Otâ I 71 '
Jà neíte jtermo hum duplicado fruto ,
Quando illumina '\ Geminis com rayos
O claro Apollo , davaÕ por tributo Nota 17^.
De outro Sol fecundiílimos enfayos:
Em ma,:,oa troca o goílo, a gala cm luto
Hum mortal accidente, que em defmayos
Rouba à bella Matilde em hum inftante,
E me deixa huma Infanta , e hum Infante,
t 1 35.
66 Henricfueida
39-
Qual foy a minha pena, eíTa naõ digo,
Nem o encerro encuberco, mas decente,
Pois tenho em cada acento hum inimigo ,
Nota 1 73. Que a memoria me fere mortalmente '
Sò lembrarey , que o Hefpanhol Rodrigo
Dos Mouros era o rayo mais ardente.
Emulo fuy do feu bizarro alento ,
E encubri no valor o fentimento.
40.
A Tancredo fieitieios dous Infantes,
Nota 174. E hum Navio emBayona bem armado
A Galiza conduz os Navegantes
No furiofo Oceano arrebatado :
Os meus olhos os íeguem fempre amantes ;
Mas quando fe conjura iniquo o fado,
Na íorce inexorável , c importuna»
Naõ muda hum elemento huma fortuna.
E vendo-fe abordar pelo pirata ,
Queima o próprio baxei barbaramente j
Morrer matando he gloria de quem mata?
E naõ manda o valor fer imprudente ;
Por mais que a minha vifta fe dilata ,
Cobre o fumo os Navios de repente ;
Com que aos meus olhos os efcondem logo
Ou cativeiro, ou ferro, ou agoa, ou fogo.
Disfarçado , e fiel mando Roberto
Correr todos os Reynos Mahometanos ,
Sem faber do combate o termo certo ,
Nem de Tancredo os infelices dannos :
Occulto efte íuccefTo por incerto,
Haõ de contallo o. íeculos, e os annos.
Are que pelos evos fucceíTivos
Nota 175. 5g encontre do Parnafo nos archivos.
45'
Canto II L 6y
45-
Callou-fe Henrique, e Cunha lhe refponde
Admirado do trágico fucccílb,
Que o Ceo com itiayor gloria correfponde
Ao tim do feu magnânimo progreíTo ;
E aíFim lhe diz •• alço mifterio elconde
Os dous Infantes, que com tanto cxceíTo,
E com tanta razaõ chorais perdidos,
E pode íer vejaes reftituidos.
44.
Rompey deíTas memorias as cadeas,
E à fundação do Império Lufitano
Applicay as magnânimas idèas,
Defcubri o teíouro foberano :
A Portugal trazeis melhor Eneas Nota \j6.
Mais verdadeiro culto , que o Troyano j
E porque em vos feu fado fe reduza,
Ganhais Lavinia por perder Creufa. ^otd^ 1 77.
45.
Henrique entre a ternura, e a inteireza,
Diz ao Cunha : efte cafo que defcubro
Sò a ti por refpeito de Tereza ,
Com triftes cinzas de Matilde cubro;
Nem dos filhos o amor, nem a fineza
De huma eípofa infeliz, que agora encubro ,
Me afligem , pois fó temo que cativos
Os innocences eícapaíTem vivos.
46.
Bem fabes a razaõ, porque íe a morte
Lhes deOe a tumba femelhante ao berço.
Hoje os coioa mais eterna forte ,
Que o Império mais vafto do univerfo ;
Mas fe a Parca cruel preferva o corte
Ncíle fucceílo trágico, e adverfo,
Mudada a Religião , e pervertida ,
Sò para ter mais morte , tem mais vida.
lii 47.
68 Henriqueida
47.
Eíles, e outfos diícurfos do paíTado
Occupavaõ a Henrique , que marchava»
Como em paiz amigo, fem cuidado
A Lamego , donde Egas o levava :
Aqui cancã, ali canfa outro Toldado,
Hum General ao oucro convidava,
Muitos contaõ da guerra a própria gloria,
Huns com modeília , e outros com vangloria.
48.
Nota 1 78. Amado aborrecido fe prezume,
E engcnhofa a memoria no marcirio,
Da faudade, do amor, e do ciúme.
Tem a fede, o letargo, e o delirio :
Todos os males no Teu mal refume,
E quando tem na fé débil colirio.
Reconhece, que intenta lifongeira.
Que cure huma cegueira outra cegueira.
49.
Também de ódio, e de amor corria cego
Muley j e das paixoens , em que fe anima ,
Quer que feja o Chriftaõ trágico emprego.
Que todos aborrece, e Henrique eítima:
Introdux-fe na Corte de Lamego,
E a Rainha fó bufca , porque exprima
Ao varonil efpirito que encerra.
Rebelião, a que chama jufta guerra.
50.
Acha Anzures imagem de Bellona
O Rey , e o Reyno forte dominava ,
Naõ da belleza, do valor blazona,
Que aquella dava vida , efte matava :
Nota 170 ^""^^ fe vio taõ rigida Amazona-,
Porque o paiz, que o Termodonte lava ,
A achara digna de imperar em Scitia
Nota 1 80. jyjgis que Pancafilea , e mais que Oritia.
í»»
Canto IIL 69
51-
Armas ligeiras vefte, naó que o pefo
OfFenda o varonil talhe robufto ;
Mas porque lhe parece com defprefo
O menos defcnfivo mais auguíto : ^
Inverno congelado, eftio acelo,
Frio ameace, ou intimide adufto,
Vencido a competir nenhum fe atreve
O ardor dos olhos , e do roílro a neve.
Solto o cabello dava ao foi defmayos ,
E Semiramis nova nunca o prende, Nota. i$i:
Por entender , que fulminando rayos , .
Multiplica outras armas, com que oífende,
De alfange, lança, e feta nos enfayos.
Ou de perto , ou de longe a todos rende;
E ninguém fabe quem morreo primeiro,
Se o deílro , fe o robufto , fe o ligeiro.
53-
Da breve , e veloz planta fó fe izenta
A humilde flor , naó a foberba efpiga,
Nem hum inflante a área reprefenta.
Pouco veftigio a quem feus paíTos figa;
Dos Hefperides pomos avarenta
Corra Atalanta, fe a ambição a obriga,
Que naó fera vencida por tal erro L
Quem o ouro defpreza mais que o ferro.
54.
Impaciente do jugo , que impufera
Henrique ao Rey, em quanto o naó facode,
Naõ vefte as armas, porque naõ impera,
Se de hum eftranho arbitrio às leys acode:
Com profunda politica pondera
Como livrarfe do tributo pode ;
Mas quaíi as efperanças tem perdido
Nd triftc nova de Almancor vencido.
Jo Henriquetda
55-
A feita de Mahometo aborrecia
E aos Gregos , e Romanos fe inclinava ,
No Palácio em occulta idolatria
As guerreiras deidades adorava :
Também às Heroinas erigia
Edatuas , que devota refpeicava j
E nos feus facrificios mais reparte
Nota i8i. Com Palias, e Bellona, que com Marte.
De hum jardim diíllmula como adorno
De mármore os divinos íimulacros ,
L as flores do odorifero contorno
Eraó perfumes dos feus ritos facros:
As fontes com mais liquido foborno
Nota 183. S^i*viaõ de expiaçoens , e de lavacros ,
E os animaes dos prados florecentes
Eraó victimas puras, e innocentes.
57.
Por Numen tutelar Palias fe eleva
Nota 1 84- S<^t)re hum lago 3 que he copia do Tritonio ,
E porque nafce armada mais lhe deva
^sJ^^, , or E)o que deveo ao Reyno de Eridonio :
Dornido eícudo em porndo íe atreva
Nota 1 8<3. ^ exceder o criftal terror Gorgonio ,
Nota 187. Q}íc o Égide no duro à pedra cede ,
E o efpelho no brilhante naó a excede,
f8.
A eftatua de Bellona tem dominio
JNota 188. jyj^ verde templo mais que teve em Roma
Na Porta Carmental , Circo Flaminio ,
Ondeefcudos pendentes pifa, e doma:
Em bellica coluna hum vaticinio
Axa naquelle dia alegre toma ,
Fecial do feu Reyno fem refgnardo
Nota 189. p^j-a a parte do Douro arroja hum dardo.
59'
Canto' UL yi
59-
Em buftos femideofas valerofas,
Nos pedcftaes alças acçoens gravadas , ota 190.
Incitando as ideas gcnerofas
As iras encreccm dilTimuladas.
Tomiris vence a Cyro , c primorofas
Na efcultura as viclorias debuxadas. Nota 15)1;
A cabeça fe vè fria, e exangue.
Em agoa infaciavcl , como em Tangue. -^^^^
60.
Camiíla contra Eneas taõ adiva
De Turno o Reyno armigera defende , ^^^ ^^^'
Que ainda, a pefar de ApoHo, a cerne viva
Aruncio , que facrilego a offende :
Harpalice valente, e compalTiva ^^
A todo o furor Getico fufpende;
E efta filial piedade hoje admirando ,
Foy ao fincel o mármore mais brando.
61.
O Filho de Peleo invulnerável Nota 195;
Só podia vencer Pancafilea
Inventora do ferro inexorável,
De que o mefmo Vulcano fe recea ;
Clelia na ertatua equeílre, e admirável, Notaioí.
Como no Tibre hum rio aqui vadèa ,
As agoas defprezando , e os perigos ,
Fez naufragar em terra os inimigos.
6i.
Semiramis deixando o arteficio, Nota 197.
Qiie era inútil a tanta fermofura.
Por triunfante no bellico exercicio
Melhor Penfil , que em Babilouia , apura :
Só em oppor-fe a Alcides deo indicio jsfota 19S.
Hipolita de force , infigne , e dura ,
De exemplo ferve a AxageneroCà,
Pois cambem de Tefeo quiz fer efpofa.
53.
72^ Henriqueida
63.
Os quadros enfinavaó nos debuvos
Da arquiceótuia militar preceitos, , \'
A murta ameas, torrioens os buxos
Fabricaó fem na arte ter defeitos :
Porque até na delicia tenha influxos
A virtude marcial nos fortes peitos,
Com as plantas fe formão nunca incultas
Nota 195?. Arietes , Balidas , Catapultas.
64.
As arvores, que admite, fao loureiros,
E o Mirto , ou o Carvalho , que apregoa
Para gloriofo premio dos guerreiros
Nota 200. A criunfal , ou a Civica coroa :
Das aves, que tem cantos lifongeiros,
Nota 201. A Cromática muíica naó foa, ;
E o Gallo viojiíante fe conferva
Nota 2 02. Por confagrado a Palias, e a Minerva . .^
As fontes com as agoas inquietas
Do ar com artificio comprimido
Imitaõ bem as vozes das trombetas ^^|.|
Nas que em bronze formou buril pulido : ^ '^
De agoa difpara criftalinas fetas
Palias contra huma imagem de Cupido,
E como à guerra em tudo correfponde,
O amor nas agoas timido fe efconde.
Vem-fe oppoftas também nas partes quatro
As feras , que tem mais antipatia ,
Nota 205. E que foraó de Roma no teatro
Lifonja da triunfante tirania :
Nota 204- Junto ao jardim hum grande anfiteatro
O animo ainda mais fero divertia,
E condufio da parte mais diftante
Nota205 i Contra o Rhinoceronce o Eieíantc.
<57y
Canto 111. f%
67.
Nefte jardim da Palias Africana
Entrou Muley , e ao vello , fó o adula
A imagem da vingança , que tirana
O amante peito incita , e eftimula i
A* galharda Amazona foberana ,
Que taó alcos efpiritos vincula ,
O ardor fó mitigado na decência
Afllm falia com bcliica eloquência;
68.
Que pouco hey de valermc da Oratória ,
Bellicoía bclleza, a quem aclama
Mais que Zenobia naó vencida a gloria.
Mais que Bellona verdadeira a fama.*
Se a cada paflTo encontro hyma viótoría ,"
E hum retrato do ardor, que vos inflama;
Mais do que eu neftes verdes orizontes
Guerra dizem eílatuas ) plantas , fontes.
69.^
As eftatuas heróicas faõ equeftres ,
Para levar ao campo as heroinas ;
Saó as plantas pentágonos cerreftres,
Sa6 as fontes trombetas criftalinas :
Voflb efpofo Alexandre, evos Taleftres ; Nota 205.
Naõ fofraõ nas cadeas mais indinas,
Porque a forte huma vez lhe foy contraria;
A Regia Dignidade tributaria.
70.
Ainda que Henrique fe acha viótoriofo ,
Defcuidado o vereis nefta comajfca,
Seu exercito pouco numerofo
Também deu na batalha o feudo à Parca :
Ver em Lamego efpera vangloriofo ■
De hum Conde fer vaíTallo hum graõ Monarca;
E o que he mais , vòs Magnânima Princcza ,
Ir poftrar-vos no falio de Tereza.
k 71,
74 Henriqueida
71.
Mais vem difpoílo agora ( que huma efpia
Do Teu campo me aviza ) que ao combate, ;
A defcobrir a imagem de Maria A
Perfuadido de hum cego desbarate:
Nota 106. Por donde o monte Fufte fedefvia
Do Rio Alarda, e tem o feu remate
A Serra, que do íitio a origem tome,
Porque de Seca bem merece o nome.
72.
. Hà de paíTar o campo fem receyo ,
E íè efte porto occupa a gente nofla.
Ainda que voltar queira, o que naõ creyOj
Defta afpereza, he crivei, que naõ poíía: ^d
E fe de pejejar elege^ o meyo ,
/ Toda a victoria. ha de ficar porvofla, ^
Porque de íorte haveis de eftar campada, K|
Que a tudo corte a voffa invída efpada. , 7
75-
Muita^ vezes marchey nefte terreno,
Que he de pedras, e matos taõ coítado, 7
Que naõ tem campo plano, ou fitio ameno
Para hum corpo de tropas bem formado;
Verá por vòs o Império do Agareno.
Seu abatido nome reftaurado> «j ^'Riif òeiVi.^epr
E eflas, eftácuasj, que admirais taõ raras,
Kaõ de dar-vos as pedras para asaras. ^.
74-
EfeElRey duvidar dojuramentoí
fiUi,
: X
Que excorquio a.violencia Tem vontadeí, ^ .;. /]
O medo odeo, c o rompe em nobre yi tento ^,^^
O valor j rN^)igiaõ^,.,e:liber4'ade(i( 5ít\'-jS m^AnièX
A ElRey Jozé do voflb vencimento nttJi msti^
A i)9iit:ia darcy com brevidade, • - "
Evos focprrerà com prefla rara.
Que cftà cativa. jTua ^Iha Aldara,,,. ;,ov .
Canto Ilt jf
75-
Ao pronunciar o nome a voz retira.
Porque traidor ao peito o feu fcmblance
A defcobrir taõ fino amor confpira ;.j
Desluzindo o zelofo com o amante; Nota 107^
Só deixa em fúrias defatada a ira,
E contra os Luíitanos fulminante
Tira ao Cco hunia feta temerário,
E entre as fuás aguarda o Sagitário. Notatog,
76.
A Rainha refponde: fe aícendente
Naõ fora teu o vencedor de Hefpanha,
NeíTe efpirito heróico o mais ardente
Eu conhecera a gloria mais eílranha:
Mas porque em ti Muley heróico augmente
Eíía traní migração tanta façanha, Notaiojf^
Naó tedeo o valor eíTa alma fua,
Veyo bufcar efpiritos na tua.
77.
Quanto propoens, propunha o meu diícurfo;
E a vontade delRey eu a domino ,
Mas tenha na cautela o feu recurfo
A aftucia mihtar, que hoje imagino:
Dos meus Alcaides o marcial concurfo Nota2JOjj
Convocar com as tropas determino , nO
E lu fidos os quero, enumerofos, '
Para que a Henrique efperem caucelofos*
78.
Retirou-fe Muley com alegria
Dever a fua maquina ajudada,
E foube que Jozé fe recolhia,
Deixando a rebelião bem caftigada;
Jà a nodurna emulação do dia
Dava á fombra a vicloria coftumada,
E Axa alegre augmentando as luzes bellas
Brilhante emulação foy das eftreilas.
K. ii 79;
y& Renriqueiãa
79-
Só no jardim ficou , e porque aceite
Notam. Palias a libação, que lhe prepara, -'í^^^' .^ '^
Nota 2 II. De Jo a copa bebeo de puro leite,
,■ • "■ Que a via ladea naó fc vé mais clara,
E porque o refto em culto fe aproveite,
Regou a terra, donde erige a ara ,
E invocando três vezes a Tritonia A
.. Purificou no affedo a ceremonia. -o d
8o.
Deidade vidoriofa, a quem renovo
( Tremula pronunciou) o culto antigo, ^ ^
Quando outros ritos bárbaros reprovo , ^'^
E a Religião mais fabia fina ílgo;=^' '^^ ^■-'
Aquelle fanto oráculo, que approvo ,
»^:í.. ;! Me diga, fe vencendo efte inimiga,
Coliocarey no trono Luíitano - U
O voflb rito eterno , e foberancvr^^^t M4í.d|a1êQ,í^
A penas proferio o ultimo acento v ^
Nota 2XÍ, Quando ( oh prodígio ! ) o mármore fe anima , 3
Deo lhe o genro de Averno o fentimento , í
Com que equivocas clauíulas exprima ••
Ou lhe perturba o Ceo o entendimento ,
Ou como fempre as fabulas eftima , v^fjli%
Naõ pode a conjctiktira , com que afíbrabra ,
Ver a futura liiz mais que na fombra.
82.
Nota II ^^ ^*^' ^^ ^^^ triunfes coroada
No templo dos CKrifláos com teu efpoío , "'
De Henrique, e de Terefa a íey proftrada '
Te ha de íervii: com culto Gbfequioío :
Por ti fercy das gemes adorada,
E os mais Dcofes com culto rdÍGriofo .
E bey de aíliftirtc fó a ti viílvei ,
Para que fempre íejas invencivei.
83.
Canto 111 77
Tanto que o ar ferio a voz guerreira,
A paz dos elementos fe perturba,
Foge a Lua entre os aftros a primeira ,
Enfia Marte , e Hercules fe turba :
Perfeo monca no Pégafo , a carreira Notanj.
Lhe imterompe a Balea, corre a turba, Notaii^.
A que o nome, ò Zodiaco, deveftes Nota z 17.
Dos agitados animaes celeftes.
84.
Morre oCifce, e naó canta o bruto HefpcrioNotaiií.
A Alcides outra vez no Ceo infulta ,
Sem que fe mude o árctico emisferio ,
Neptuno a Urfa temerofa occulca :
Argos naufraga no celefte Império ,
Antinóo na urna fefepulta;
E ao Giganre Orion morde raivofa
A Canicula ardente , e venenofa.
Os ventos ameaçaõ , ou fufpira^ ,
De Aves noóturnas gritos naõ canoros
Confagradas a Palias medo infpiraó
Até aos inflamados Meteoros :
Paraõ exhalaçoens , cometas giraõ ,
E fe pudera nos Sagrados Coros
Alterar-fe a immuravel confonancia ,
Lá chegaria a horrível diífonancia.
86. _
Tudo temeo , fó Axa naõ temia >
E hum:i illufaõ, ou foíle novo encanto >
Reprefenta na vaga fantafia
Mayor admiração , mayor efpanto :
Qualquer das heroinas parecia ,
Que armas lhe dava para emprender tanto :
Os cavallos maneja mais roboftos ,
Corpos inteiros faõ os mçímos buftos.
87«
78 Henriqueida.
87.
Notaiip. Correm eftatuas cm marcial corneyo
E as futuras vidorias aíTeguraõ,
A codas jà confulta fem reccyo
As militares máximas, que apuraó:
Tanto os fentidos ncfte vago enleyo
Da enganada Africana prefos duraó,
Qiic ecernamence nelles fe empregara,
Se o Sol, por lhe dar luz, naõ madrugara.
^-^^
;< Zaida favorecida da Rainha,
E coftumada ao beilico exercício,
Com mortal accidente à Parca tinha
Feito naquella noite facrificio.-
Nota 220, A animar o cadáver fe encaminha
Palias com taõ occulto malefício,
Que como a Zaida jà ninguém aeftranha,
E a Axa como Palias acompanha.
88.
Veyo ElRey ao jard m, e cuidadofo
Se informa , porque tanto fe defvela ?
Refponde que obfe vou no Ceo fermofo
Kotatii. O Heliaco occafo de huma eílrella;
Que vio hum Meteoro luminofo,
Que em Lamego moftrava a luz mais beila,
E transformando o feu benigno enfayo,
Ao Douro fulminava, como rayo.
Esforçou as razoens com eloquência
^ííicaz nasacçocns, e nos acentos,
Moftrou da liberdade alta excellencia,
Referio de Muley dignos intentos :
Da liga de Jozé a conveniência,
Da Mahometana Ley claros augmentos,
Chorou em fim, c o Rey crédulo, e trifte
A*s razoens, naó às lagrimas refifte.
91.
Ca}?to ilL '^%.
Zai l;i avi/a aMuley, e com fingido
Obrequio a Henrique os Mouros convocados,
Porque Foife o exercito luzido,
Vem com mil vezes trinta bem armados:
Vay em paílor Muley defconhecido,
Como fe foíTe guia dos Soldados;
Porque Henrique mandando hum menfageiro
Naó foípeite o intento verdadeiro.
Bem prevenio, que hum Távora galhardo Notaiiij
Do nome, e Real Sangue de Ramiro
As agoas vadeou do rio Alardo,
E ao campo jà chegara em largo giro:
Bufca ElRey, e examina com refguardo
Primeiro de huma mata no retiro,
Se percebe final, em que defcubra,
C^ue algum traidor intento encubra,
95-
A Rainha, que a Zaida fempre obferva.
Em que Palias aos outros vive occulta,
Como em Mentor fis transformou Minerva» Nota 115.
A que o Príncipe de ítaca confiilta,
Segue o fagaz avizo, que a preferva,
E ao Távora a deílreza diíiiculra:
Fingindo que o naó vé teve advertida
Com elia aíluta pratica, e fingida.
94.
Diz a Rainha a Zaida o grande gofto,.J
Com que efpera ao Senhor, a que obedece,"' ^'
Pois nelle o Ceo os louros jà lem pofto.
Que incomparável feu valor merece;
Zaida rcfponde, que jà eftà difpofto
O exercito fefiivo, que apparece.
De fieis, e valentes tributário?.
Com que Henrique combata os feus contrários.
8o Jlenriqueida,
Sem cemor íahe o Távora , e agora
NaÕ tem medo a cautela , e nunca à fúria,
Que género fo efpirito naõ fora,
Se imaginara taó rebelde injuria:
Quem naó cuida no mal , e ao mal ignora,
E fe fuppor o melhor he nobre incúria ,
Ainda que o fer ííncero he certo dano
Depois que foy politica o engano.
Ao Re7,q enconcra,diz,que o Grande Henriqíft
Depois que vencedor ficou no Douro,
Sitio vay defcobrir, queíantifique
Hum milagrofo celeftial refouro ;
Que o tributo lhe pede, porque appliquç
Ao Rey mayor o certo feudo de ouio ,
Fingindo ElKey refponde que em pcíToa
Leva a Henrique o erário , e a coroa.
97-
E que como efta honra Ihecoíicede,
No rio Alardo os dois melhor campados
Seaviftaraó, matando em tanto a fede,
Que lhe mata osCavallos, e os Soldados;
E que aceite também «èenigno pede
O Príncipe huns riquiíTimos traçados
Cheyos de taõ brilhante pedraria,
Que tanta luz receya o mefmo dia.
98.
Nota 114. Deo ao Embaxador da Hermínia ferra
Hum veloz bruto, e huma preciofa joya,
Porém no cngajio, e cautelofa guerra,
Bem prevenia o que fe finge em Troya:
E porque aftucias o treidor encerra ,
Manda á lufida efcolta , que o comboya.
Que em ferra , e rio obfervem os primeiros
PóftofS, caimnJios, váoi, desfil£\deir€>s,
9?-
Canto IIL 8k
99-
O prudente Gazuí , que manda a efcelta.
Também fabe o fegredo deita emprefa ,
E pontual refere, quando volta.
Do ficio a impenetrável afpereza :
Que quem nella fc enreda naõ fe folta,
Que deixe entrar Henrique , e com prefteza,
Baftaõ, fedo alto lançaõ pedras duras,
As mefmas armas para íepulturas.
lOO.
A Rainha , a quem Palias femprc Influc,
Três batalhoens conduz às eminências,
Aos deftros fetas , e arcos diftribue ,
Aos robuftos, dos Teixos às violências.
Com numero dobrado contribue
A guarnecer com prontas diligencias
Portos , e vãos aos que com vários giros
Daõ de mais longe impulfo aos fortes tiros.
lOI.
Ou na fâ'da do Fufte, ou nos caminhos,
Que a Serra feca ali permite eílreitos ,
Vinte efquadroens fe formão niuy viíinhos
Com durOi coraçoens , e duros peitos :
Por donde corre em liquidos arminhos.
O Alarda , eílaó das agoas taó desfeitos
Outros desfiladeiros, que diftantes
Nelles fo:mar naõ pode mil infantes.
101.
Huma planicie, donde a Serra alarga.
Elege com as tropas , que diíiina ,
Para as levar com mais vigor à carga
A idolatrada idolatra heroína ;
ElRcy íe forma em terra menos larga,
Qiie a marcha aos Portuguezes mais domina,
E como ao refto o mato a Serra encobre,
Para acrahilios fah^o fe defcobre.
82r Henriqueida
105.
Também monftruo Africano o Crocodiito
Em mayor rio engana com afagos ^
E as torrentes benéficas do Nilo
Malquifta com feus trágicos eftragos j
Notaz4 5. Também no mar , fingindo-íe tranquilo
Immoveis faz feus movimentos vagos
Aos que bufcaõ incautos, e Tem medo
EíTe vivente hipócrita rochedo.
104,
Henrique o Rey dcfcobre^ ínadvercida
Com poucos fe avançou f<5 por honrallo,
O exercito formara prevenido
Moniz , e naõ permite feparallo •'
Por fubir ao penhafco mais erguido
Infatigável dece do eavallo :
Záida , que vé , que o alço ficio bufct ,
Notaii-é. Com névoa eípefla toda a Serra oíFuíca.
lOf.
Mas o génio , que a Henrique gdivo guarda,
A.o Herôe faz a fombra favorável»
"~orque o Mouro ^ que alegre a prefa a guarda?
Deíencontra ao Varaõ incomparável :
Defcuberco fe julga , e fe acobarda ,
Sem leaibrar-fe do fitio inexpugnável ;
E nem dos defcuidados na imprudência
Pode mais que o valor huma violência.
Oíinal do combate intempeílivo
Fez tocar, com que Henrique fe ençorpora
Com Moniz , que he prudente quanto a(^ivo>
E a ordem da batalha fe melhora :
A faifa Palas contra o fumo efquivo 1
Comq a noufç illumina a bella Aurora
Efpalha a efcyridaõ fo a hum alento,
E fez fogir do vento o niefiiiQ vento.
Canto II L 83
107.
No rio hum bacalhaó feprecipica
Dos Mouros com o impulfo repentino:
A valente Amazona entaõ fe incita
Na eíperanca do Oráculo divino ;
Os batalhoens, que manda, pronta excita,
E encontra com Moniz o Teu dcflino ,
Que com os efquadroens , que manda Muça ,
Atacava huma torte cfcaramuça,
108
Com ella ao inimigo diíTimula
A marcha occulta , que com arte eftranha
A toda a infantaria, que regula,
Avançava cuberta na montanha:
Záida , que outros encantos accumula j
E à Rainha finiâlraa acompanha,
Com efquadraõ fantaftico, eHgeiro, Nota 127.
Occupa a entrada dc> desfiladeiro.
109.
Porém Pe)ayO' Amado, que defp reza
Todas as iras , qiue naõ faõ de Aldara ,
Ataca as fombras, admirando a illefa
Incorpórea fubftancia, que encontrara/ JNoraiig.
Mas na planície a gente Portugueía
Depois deAe prodigio bem formara ,
Quando vio hum Campeão, que o apellida,
Com o roítro cuberto , a voz fingida.
1 10.
Negra bruto montava , que animado
Carvaó com fogo occuko parecia ,
E nas armas o aço envernizado
A' fombra, que o oííufcava , a luz devia:
Tem de chamas de fogo femeado
O peito , que outras chamas encobria ,
Negro , e vermelho ayraõ, com que prezumo.
Que à região do fogo leva o fumo.
L\i III.
84 Henriqueida
1 1 1.
A pezar do efcabrozo do terreno
JNota2 2 9. Livre dos rayos, a quefcgueClicie,
Hum bofque havia occulno , e fempre ameno.
Que uíurpou à montanha hiaua planície:
Na verde relva , no calcado feno ,
Igual fe dilatava a fuperficie,
Adonde as pedras nas equeftres voltas
Nem fe encontravaó lúbricas, nem íblcas.
II 1.
Para eíle fitio os contendores forces
Refervaõ o galhardo defafio ,
Eccos horríveis de funeftas mortes
Soaõ no monte , efpalhaó-fe no rio .•
Iras , e fúrias por diverfas fortes
Todas fogindo ao bofque mais fombrio.
Acharão tantos ao furor eftreitos
Para caber no esforço de dous peitos.
113.
Quem es , lhe diz Amado , que deftinas
Contra mim tanta cólera encuberta ,
E em dano teu provocas as ruínas
Em parte taó occulta, e ta5 deferta ^
Nas cores deíTas armas peregrinas
Vejo de algum amante a pena certa,
forque o trifte, e o ardente he hum compendio
De hum pefar firme, de hum voraz incêndio.
114.
Eu fou Muley, lhe diz , traidor Pelayo ,
Qiie por tirar-me a alma me das vida ,
Porque me livras de hum mortal defmayo.
Por fazer-me immortal outra ferida ?
Deixaíle o menos nobre , como o rayo ,
E f 6 a parte folida offendida -,
E cuidas , qne naõ fey o novo infulto ,
Que me fulmina o teu amor occulto >
Canto III. Sy
o Amor que encubro , o Porcuguez replica,
Nem de mim niefmo o fio , e trõ íecreco -
Vive no pcico , que acc m.il explica
Ao meOiio pcnraíncnco u íino atTero;
Algum génio envejoío he quem publica
Mal , que me maca occulto , e inquieto :
Hum génio j diz Mulcy, mo dille agora
Por Zaida, a quem o Abiímo humilde adora.
ii6.
Záida, que diftinguindo-fe na guerra,
Sc2;ue os veíligios de Axa bellicofa,
Que magica domina o Ceo , e a terra ,
E governa a regiaõ mais tenebroía .-
Quanto fegredo a Nigromancia encerra
Poílue, fem que tema na horroroza
Arte, que aos elementos faz injurias.
Do Ceo os rayos, nem do Abifmo as fúrias.
117.
Ella as armas me deu, naõ as forjadas.
Que a fabula defcreve , por Vulcano , Nota 2 50»
Mas para o combater bem fabricadas
A* prova ainda de hum braço foberano :
Se as pudera defpir, jà defpojadas,
Igualara o combate, mas tirano
O feu preceito as deu com execravel
Juramento mais que eu invulnerável.
118.
Agora, diz Amado, te perdoo
EíTe encanto , fe deixas eíTa banda ;
E fe a cobro, e com ella me coroo,
A bufcar outro encanto o génio manda:
Vou a bufcarte, ou a encontrarce voo ,
Mas o cavallo tanto fe defmanda ,
Que a penas a Muley ligeiro encontra ,
Hum movimento faz, que o defcnconcra.
>86 Henrto^uéiia
119.
Foy caufa a venda defte movimenco,
Nota 251. Pois querendo-a roubar Zéfiro amante ,
A arrebatara à fua esfera o vento ,
Nora 2 32. Se a naõ prendeíTc a arvore triunfante:
Cahio Pelayo ; mas Muley atento
Se apea a focorrelo vigilante }
E vendo-o fem acordo , contribue
Para a vida, que aífim lhe reftitue.
110.
Porem como na queda ambos os braços
Maltratou com o grande precipício ,
Cobra a venda, e vencendo os embaraços.
Ao inimigo augmenta o beneficio :
O freyo lhe concerta, que em pedaços
Deixava ao bruto indómito exercício;
E porque o feu valor fe naõ dilate,
Volta a animar dos Mouros o combate.
121.
Moniz a infantaria pela Serra
Conduzia bufcando o mais fragofo ,
Henrique fobre o rio era dura guerra
Desbarata poder mais numerofo .•
Com tal valor ao Rey rebelde encerra
No pofto inacceírivel, que furioío
O Mouro, quedo impulfo fe acobarda j
Se precipita na ribeira Alarda.
122.
Henrique o íègue , e Z'^ida huma torrente
Arroja com violência da montanha,
Com que creceo o rio de repente
De agoa, e do gelo rápida campanha:
Qual a Balea em corpo taõ ingenre
Sente a ferida, com que a farpa eftranha
Veloz a offende,:e treme o orizonte
Vendo que fobre as ondas foge hum monte.
Canto IIL 87
115.
AíTim o Mouro , o roílro enfanguencado
Pela efpada de Henrique , às agoas corre ,
O vencedor também peleja a nado,
E pelo campo liquido dilcorre :
Arrojarfe naó ouza algum Soldado ,
Com que ninguém aos Príncipes focorre;
Porém a rebelião ficou vencida ,
Perdida a liberdade, falva a vida.
114.
O Herôe a terra com o Rey cativo
Entre nuvens de íetas dos contrários
Illefo fahe ; o grande Cunha adivo
Aproveita o temor dos adverfarios,
E o graó Pedro Bernardo executivo
Se opõem aos baralhoens, que temerários
Ao favor da torrente, que os defende,
Refazer-fe outra vez qualquer pretende.
115.
As ondas com o Távora atraveíía, Notai}?,
Que outro Delfim na feu brazaó merece f
Hum , e outro com fúria fc arremeíTa,
E o efquadraó, que os fegue , em força creçe t
Porque de todo o bárbaro pereça,
Gazul contra Bernardo fe ofFereceí
Mas efte com juftiça refoluta,
A pena dos rebeldes lhe executa.
126.
A cabeça do tronco jà troncada
Na partida blasfémia , que profere ,
Vay de Acheronte à margem inflamada ?e/^.. , , .
Acabar as mjurias , que rerere :
Em fim a turba infiel desbaratada
Nem na fogida o feu remédio efpere ,
Achando no terreno os embaraços,
Que a fizera õ prender entre os feus laços.
Í27.
88 Henricjueida
IZJ.
Axa , e a fua Palas enganofa
Com o reílo coroa o mais fublime
Da ferra feca , que afpera , e fragofa ,
Acè as penhas com o feu pefo opprime :
Ali do íeu jardim a numerofa
Cohorce de heroinas fe lhe imprime
Na falfa fé, que vem a focorrela ,
E a Palias tutelar tudo revela.,
iz8.
He certo , alta Deidade , a quem venero,
Que Semiramis vem a focorrer-me ?
E que Tomiris com feu braço fero
A Henrique, como a Gyrp , ha de trazer-me?
Bellona a do femblahtç maif fevero
Com outras deofas vem aqui vâler-me ?
He illufaõ , que finge a mihha gloria.
Ou he deftes infiéis certa a vitoria ?
1Z-9.
Záida ( que o mào efpirito fomenta
Sempre os noílbs enganos ) lhe aíTegura,
Que o triunfo gtoriofo o Ceo lhe augrhènta,
Quando a efperança contra a fé murmlira :
E que hum pequeno corpo feaprefenta '
A combatella dentro na efpeíTura ,
E que os mais Portuguezcs deftruidos
Ficaràõ a mcy poucos reduzidos.
130.
Foy o cafo , que o deftro , e refoluto
Egas Moniz vencendo o mais rerrivel.
Com encuberca marcha era abfoluco
Senhor jà da eminência inacceiTivel :
Nota 13 5. Dom Fafes Luz Signifero , que alluto
Unia com o fabio o invencível,
Do batalhão, que Amado condulira,
O primeiro lugar fubfticuira.
131.
I
'Canto III ^9
151.
Axâ a eíle com fúria defafia,
'Qualquer pelo terreno impraticável
Aos cavallos da própria força fia
O ultimo esforço do valor notável.
Quanto a deftreza deu na Geometria JNota2 3 6=
Douto preceito á cólera implacável ,
Se executou -, comque eíla acçaõ tremenda
Maisliçaõ parecia que contenda.
Mais o Sol duplicado , que partido ,
Tinha nos olhos a belleza fera ;
Teme mais o contrario comedido
Que o fogo , que arde , a luz , que reverbera :
Só os golpes repara prevenido,
Mas o publico dano confidera ,
Se deixa aqui vencer com vitupetio
A inimiga mayor doLuío Império.
1-33.
Como o filho de Tetis , e o de Alcmena Nota 257.
Se empenhaó em triunfar de huma Amafona,
Esforça as iras , mas o Fado ordena,
Que fcja mais feliz efta Bellona :
Ou he que Amor o feu valor condena,
Porque com indccencia o inficiona,
De naó dar à belleza o vencimento ,
Donde (6 he vitoria o rendimento.
Naõ vio mais dura luta em Grécia o Ifthmo;
Mas nos braços mais belios , e robuítos, * . oai, .
Quafi chegou ao triftc paracilmo
Em que pagaíTe intentos taõ injuflos:
Lançou-o em terra , e cria ja o Abifmo
Ver acabar alentos taó auguftos ;
Porque ferido eftava , e tu o de /armas,
{Vénus mais bdla , a quem deu Marte as armas.
M 15 5-
90 Henricjueida
155- ^
Mas ruípendeo-fe a acção , vendo o prodígio^;
Que fez em Palias o Moniz valente,
Nota 259. Pois contra a fúria do infernal Eftigio
Teve poder o heròe preeminente:
Nota 240. Ainda tem de Diomedes hum veftigio ,
Qiie ao Deos da guerra forte , e excellente
Ferio , e ainda morrera da violência ^
Notaz4i. Se de Peon naó fora alta a fciencia.
Por mais que, ò vil efpirito , provocas
O incorrupto cadáver cora furores ,
£1 das tuas legioens o ardor invocas.
Para inflamar os frigidos horrores ;
Llie abrio o General mais de mil bocas,
Por donde fe exhalaraõ íeus ardores,
E deftruido o material comporto, ;
Nota 24*' A.' triíle corrupção fe achou expoflio.
137.
Tal foy o horrendo grito , tal o eftrondOj-
Que a Raynha , que cré fuperfticiofa ,
Que a deíampara Palias , vay difpondo
Retirarfe na naute tenebrofa ,
Quando os feus efquadroen hia compondo ?
, T Do Graõ Moniz a efpada vitoriofa ,
Nota 245.- . ,- . ^ , ,
Antes que ruja o que ama Leucothoe,
Rende Axa , os feus ordena , os mias deílroe^
138.
Entretanto Muley também queria
Difputar na montanha huma vereda.
Vendo que a gente barbara fogia,
Naó quer que outra defgraça lhe fucceda :
Vay por caminho incógnito a Leiria,
Até ver fe a fortuna ao valor ceda ,
Convocar de Lisboa o graó Monarca,
iLivrar Aldara , ou dar tribuco á Parca.
HENRU
9'
HENRIQUEIDA
CANTO IV.
Argumento.
O Cruel Br una ferro acha em Lamego
O ca(ligo da, barbara crueldade :
Na mais forte Hlufao deu leve emprego
O Grande Henrique a enganos da vaidade'-
No palácio da Gloria quaji cego
Ejleve de hum a vaa curiojidade ;
A maquina no ar fe defvanece ,
Ciraldo avifos fantos lhe offerece.
I .
Henrique entre os defp^jos defcaníara.
Se hum prudente Varaó nos feus progreííos
Sò no prefentc alegre imaginara ,
Sem prever o futuro dos fucceíTos :
Via a grande vitoria , que alcançara
Do valor Portuguez novos cxceflbs ,
Debcllado o rebelde , e vè no aufpicio
Favorável a forte, o Ceo propicio.
Vè do Avcno os horrores diíTipados ,
Os Reys , e os NJouros principaes cativos ,
E que a poucos os nofTos irritados
Da rebelde tieiçaó deixarão vivos :
Julga da Beira os povos dominados
Depois dl ultima acçaõ menos aòtivos ;
E o que o alegra mais , dcffe encuberto
Milagrofo tefouro eílà mais perto.
M ii
^%\ Henriqueiãd'
3-
Mas também prevenido confidera ,
Qiie ainda que perca fempre pouca gente l
No exercito pequeno , que numera,
A pouca , que lhe falta , mais fe fente':
Nota 144. (^ue Hydra renace o monftro , que fupera ,"
£ ao cortallo fe gaíla o ferro ardente,
E quanto temer deve os feus infultos.
Sendo os paiciaes contrários mais occukos; ,
Irritado o Monarca poderofoj ,
Que de Africa fabia , que, voltava.
Conduzindo na Armada hum numerofo •
Exercito , que a Hefpanha ameaçava •
Por Pclayo s a que búfca generofo ,
Pela queda cruel , que o maltratava.
Soube o que fofpeitava , que a Lamego v
Sublevara, Muley amante , e cego.
5-'
Naõ duvida , que incite ao feroz Mourov .
Gomo lho. contaria a vaga fama ,
Vendo ao filho Almançor morto no Doura,
No Porco prefa a iilha , a quem fó ama:
Mandalla livre ao Pay fera defdouro ,
Donde a attençaõ com o temor fe infama:
E cm luíiar de íoccorro dos Leonezes
Teme outra nova guerra aos Portuguezes.
6.
Nota 245. Q"^»- ^ Grande Imperador AfFonfo Auguôo
Progenitor da. fua Regia efpofa
Sete vezes ja vira em laço juílo
De Himineo puro a tocha luminofa ;
Mas íem varonil prole o fado injuílo
A fucceíTaõ deixava duvidofa ;
As praças , que em Leam fe coníervavaõ,
D,e Tereza o direyto fuílentavaõ.
21-
Canto IV, 93
7. _
Vivia , mas decrépito vivia
O mais pródigo , e forte dos Monarcas,
Se morrede , do Abyfmo fc veria
A Diicordia invocar fúrias , e parcas :
Se as fuás poucas tropas dividia,
Naó pódc defender tantas comarcas ;
Sendo às fuás conquiftas vafto emprego
Qtianto corre do Tormes ao Mondego. Nota 24^5
8.
Teme que a liberdade , que concede
A Muley , mas que foíTe generofa ,
Paixão particular feja , que excede
O que a Sibilla manda prodigiofaj
Quando ao Cco graças dâ , foccorros pede,
E do Oriente na corte luminofa
GroíTeyro Febo huma fineza fruftra ,
Se á bella Aurora , que a illuílrou , desluílra.
9-
Chegou Moniz , e o Héroe nos íeus braços
Das acções raras o valor premêa
Modeílo quer romper os nobres laços
Da heróica precioíiíTima cadéa.
Com elkrcoafultou os embaraços.
Que prevenia na prudente idêâ;
Porem hum , e outro dano eftà remoto,
E todos pertos , naõ comprifido o voto.
10.
Nos três dias a Deos graças dirigem ,
Naõ como Grécia , e Roma em falfos ritos
Trofeos nos troncos com vaidade erigem
Aos Deofes , de que adoraó os delitos •
E como tem na Fé mais certa origem ^
Sendo a Cruz vencedora nos conflitos,
Aos que na leligiaõ f© foraõ broncos,
Moílra o trofeo de hum tronco am«icos troncos.^ Nota34K
11^
94 Henriqueida
I r.
Amado , e os feridos com efcolta
Ao Porto mandaõ , donde a Fama grita
A vitoria de Henrique , e pronta volta
Com o alvoroço , que em Tereza incita :
Preío ElRey de Lamego , mas vay foka
Axa com os cativos , a que excita
Occultamente com fegunda fúria
A' vingança mayor de ranta injuria.
12.
Nota 148. ^^ quem do efpaço a éreo convocaíTc
Os génios infernaes , que giraõ vagos ,
Nota249. ^ P°^ Mufa a Tefifone mvocaíTe,
Por herôes os efpiritos prefagos j
Explicaria bem fe o explicaíTe ;
Os effeitos , que os trágicos eftragos
Do fuceflb infeliz do rio Alarda
Produzem na Africana mais galharda.
15.
Nem a Morfeo feu animo fe rende,
E a Palias increpando o falfo engano,
AíTlm lhe diz , e ainda adorar pretende
Quem reconhece caufa do feu dano :
Deidade injufta , dizeme , em queolíende
Huma mortal a hum Numen foberano j
Que todo o culto fina lhe dedica ,
A alma lhe entrega , a fé lhe facrifica?
14.
Nota 150. Naõ ignoro , que ha leys , a.que o deílino
Os mais fupremos Deoíes tem atado:
Nota z 51. Sofre o fiiho de Vénus peregrino,
:k. Morre o filho de Tetis deíl^racado ;
Que nao tcn a poder o que lie aivmo ,
Quando a outro Deos fe vé íubordinado ,
J^uro he de crer ; mas nada me peifuade
A que.poila mentir huma deidade.
15.
I
Canto IV. 95
Naõ julguey fofle oráculo confufo ,
Que receber pudeílc dois fentidos,
O que ouvi no jardim , ficando illufo
Meu diicurío em aflbmbros repetidos.*
Mas a ti mefma , Palias , he que accufo.
Que em acentos por mim mal entendidos
Me prometefte , ou falfa , ou inconftante
Ver fervirme a quem íirvo hoje triunfante.
i6.
Se impiedade naõ fofle, ou atheifmo , Nota 2 j^;
Tc negara o fer deofa , mas ja fente ,
Seja fonno , ou encanta , ou paracifmo,
Hum letargo , que a occupa de repente.-
Efcuro fonho la do efeuro abyfmo Nota 2:54;
Faz que a Palias a idèa reprefente,
Que lhe promete a liberdade , e gloria
No templo , em que ha de ter mayor vitoria
17-
Ordem de Henrique para a marcha aviza,
E elle fc dcfviou de a ver , pois foge
De ver huma afflicçaó , que naõ fuaviza.
Nem permite â cobiça , queadefpoje;
Ao ^Qy chama , e lhe diz .• por ley precifa
Te dera a pena , que mereces hoje,
E cm que incorreo quem bárbaro deflerra
A Ley da religião , as leys da guerra.
18.
Mas quando te rendi participafte
Da gloria de que eu feja quem te vença ,
E pode fer que efta piedade baile ,
Para que a Fè, que íígo , te convença.*
Tu faltando ao tributo ) quejurafte,
A' tua me{ma ley fizefte oíenía :
Eu naõ te dou, podendo, mais cafl:igos>,
C^ue a ii;inha ley perdoa aos inimigos.
96 Henriqueíâa
19
Confufo o.Mouro os olhos naõ levanta,
E com lagrymas rega os pés de Henrique j
Elle o confola com piedade canta ,
Que faz que o gofto o pranto multiplique.-
Em quanto para o Porto fe adianta
O efquadraõ , faz que a ordem fe publique ,
Que haja defer o feu primeiro emprego
De aíTegurar , e guarnecer Lamego.
• ZOo
Marchou aíegre , o campo vi tório fo
No fecundo paiz , e na riqueza
Dos rebeldes fe algum foy cobiçofo
Jâ fatisfez a fede da avareza :
A Cidade deííende hum valerofo
Eciopc , a quem deu tanta fereza
Mais por definição do que por erro
O nome , e a dureza , e cor do. ferro.
Nota x<^^. Chama-fe Brunaferro o Troglodita
Nota 256. Criado com Ceraftes , e o cabello
Nota 257. ^Q retorcido cada ferpe imita.
Com que a Gorgona hum tempo quiz prendello/
Como em noute malévola fe irrita
Saturno contra o mundo , que quer vclio ,
,E cada obícrvaçaó , a que fe exponha,
Introduz pelos olhos a peçonha.
22.
AíTim o 'bruto Ciclope caftiga
Quem da luz , que fo tem , o horror obfervaj
Fogindo delle o feu narís fe abriga ,
E da boca igualmente fe preferva :
^Cova aboca, em que fétido periga
•Do alento , que refpira , ou que referva ,
Hum dente que dos mais vive diftante
:Naó muito defigyal ao do EJefanre.
:2j.
'Canto IV. 97
Pagem de Henrique era o Francez Lucidio , Nota'2 5 8.
Que ainda do quarto luftro longe eftava,
E com bandeira branca a efte preíidio
Seguro na Fé publica o mandava ;
O Eciope, aquém era iium homicídio,
E huma creicaõ quem (6 lifongeava,
■ Gutro branco final raoítra no muro ,
Que nas immundas mãos tingio de efcuro.
Erailíuftre, e gentil , forte, e difcreto
O galhardo Francez , e o feu retrato
Antípoda deixava otriíle objeto
De Brunaferro bárbaro, e ingrato:
A Filis confagrava o puto afFeto
Do Paço deTereza bello ornato
Taó fino, taõ atento , e taõ occultOj
Que transformou coda a^efperanca em culto.
Cortez lhe diz, Tem perturbalo o horrendo
D^.qucUa monftruoííffima figura ,
Qu >: Henrique tem por certo , que vencendo
Ao ^ca Re}' , cfta praça tem fegura ;
Que fc logo lha entrega obedecendo,
Scn juílo império a todos alTegura
Coiii a iuá firmifírma verdade
Os privilégios, vida, e liberdade.
Abrindo a boca com mortal forrifo
Lhe diz, queda muralha, donde oveja
Seu vil fenhor lhe pagara o avizo
De tal forte , que nunca trifte efleja ;
Porem fc quer viver , fera precifo
Ter com clle a piedade , quedezeja,
E L^metello ao Rey de Babilónia , Nota 259
'Se deixa dos ChriíUosa ceremonia,
N 27.
5r8' Henriqueida
Todo o cândido roftro hum rubicundo
De ira , e de pejo generoA) indicio
Revertio de Lucidio ; e ao Mouro immundo
Reíponde da conflancia em beneficio :
Se do Abiímo o tormento mais profundo
' Me ameaçaílè em hórrido exercicio ;
Se cm dehcias de premio nunca incerto
Nota2<ío. Teufalfo parajzo fora certo.
28. .
Nada me pertubara, ou me vencera $ .
E cuido zombas dos meus poucos annos :
Ve que refolves , porque Henrique efpera
Ou capitulaçoens , ou defenganos :
O direito das gentes, que venera
A inculta fé dos povos inhumanos ,
Me defende , e te peço naó conjures,
E o Cep , e o Mando contra ti procures.
29.
Muito eloquente eftàs, diz Brunaferro, .
E unindo a negra tinta à branca neve,
O ata cm grilhão mais rigido que o ferro,
E a chamar por Henrique ainda fe atreve t
A huma amea o conduz , e o mayor erro
Intenta , mas feo credito fe deve
A tal acçaõ, naó julgo faó enganos
Ter coraçoens de.feras os humanos.
30.
Do Embaixador, que agora me mandaftes .
Era única no mundo a gentileza ;
Quatro recebe iguaes , que hum , que enviaíleV
Naó tra comitiva a tal grandeza.-
Huma infâmia em renderme aconfclhafte,
Rcbclliaó , falfidade com fraqueza ;
Se em quatro parces dividiíle a injuria ,
Ejn outras quatro fatisfa^o a fúria.
Ih
Canto IV. .99
DiíTe • e feliz Lucidio na defgraça
A Deos invoca alegre no fcmblante ,
Brunafcrro fem ferro o defpcdaça ,
E voa ao Ceo o efpirito conftantc:
Chcyo de horror Henrique aíTalta a Praça,
E ainda que fe reíifte, em hum inftance
Por quatro partes entra nella, e logo
Lhe deu igual caftigo a ferro, e fogo»
Ao Troglodita infame, oh grão pof tento i
Indo a ferir Henrique, fe abre a terra ,
E refpirando em infernal alento ,
Eternamente ao infcliee encerra ;
Foy de Lucidio hum nobre monumento
Quem as reliquias entre jafpes cerra ,
E aFilis, quando o foube, em fé mais pura
-Também a fepultou outra claufura.
35.
Guarnecido Lamego, Henrique irado
.Jura naó ter com Mouros aliança ,
Juftamente dezeja exafperado
Tomar cm todos a fatal vingança :
ívíanda a Pedro, que hum corpo deftacado
Sobre o Mondego deixe ern fegurança
Nos três já dominados orizontes
Bcii^, entre Douro, e Minho, e Traz os montes.
Mas que fe vir Jozé com formidável
Exercito nas margens do Mondego,
Com a fua pefloa inexpugnável
Será Coimbra à fúria muito emprego :
Com forte guarnição mais defenfavel
Serás do injufto Rey a intento cego
Cidade, tu que a gloria em luz penetras
Ance^ nas armas, e depois nas letras. ^ NotaKji:
N ij 3 5''
'too HenricjUei^à
55-
Avíza abella efpofa , que conduzi
A Cone , e que em Larnep^o entaõ rcíida j
Que ja o amor a Taudade rrcir'? ,
E a cíperança na auzencia lhe dá vida .• -
Com Moniz íahe a ver adondeluza
A eílrell^ hoje na cerra efclarecida ,
DeíTa , que refplandece pura , e bella
Do Ceo , e Mar benigna , e.clara eLtreUa.>
Defçanfava o exercito entre a gloria § .
E de tantos triunfos alcançados
Quaíi deíeftimavaõ a vitoria,
Porque eíla3 a veucer taô coílumados :
O herôe , que lhe interrompaõ amemoria ■
Naõ permitio hum dia aos íeus foldados f .
£ entre aSícHatuas do jardim paíTea
Entregue fó à fua illuftre idêa.. .
5 7.- ■.
Hotai^i, No plenilúnio Cintia ao Sol oppofta
Bem fubrtitue ao ApoUineo plauftro,
Mas aos mágicos cânticos expofta ,
De outro circulo aprende o horrível clauftro::
Pequena opaca nuvem , que interpofta
Por vencer ao Favonio trouxe o Auftro,
Se a luz naõ rouba , a infiel tençaõ publica.
Com que a argentada imagem falfifica.
Notai^a. O herôe admira , quedcGreeia, c Roma
Apenas dure huma infcripça-õ , ou cipo ,
E que o tempo cruel , que tudo doma ,
Nota z(S4. Refpeite tantas: obras de Lifipo :
Se algum encanto , diz , o império toma
Deílejardim, e eu delle participo,
Se naõ me prevenir juílo receyo,
A efpiritos impuros lifongeo.
39*
Canto IV. ici
59-
Porem , como ha facceíTos mifteriofos >.
Qiie excedem o difcuifo dos humanos ,
Vcrey , fcm ccr rcccy s tcmcroros ,
DilTipada a-illufaõ dcí^.cs enganos :
Da virtude os impuh^os gciierofos
Efpero qvie me dcin os deíenganos :
Naõ iccca encontrai- trágico Ciieico
Ycílido de taes armas, o meu peito.
40.
Hum largo bofque de immortalverdura .
Impenetrável ao rigor de Eólo Notaiíj.
Contra os rayos de Apollo fe conjura;
Com as rebeldes arvores de Apollo :
Anoute nelle aprende a fer eícura,
E a Triforme deidade deixa o Polo , .
E de fombras , e plantas foberana
He a hum tempo Proferpina , e Diana.
41.
De cfmeraldas a immenfa galeria
Das verdes folhas do Loureiro eterno
Henrique, a que o difcurío conduzia ,
Penetrava no efpaço mais interno:
Renovoufe na amante fancafia.
Ou foíle fugeílaõ da meínio inferno ,
Porque o valor humano fem efpanto,
^Temendo o encanto , defprezou o encanto,
41.
De Matilde , que ioy primeiro affeto,
A tragedia fe aviva na memoria ,
Da perda de hum , e de outro amado objeto
Se recita a íi meímo a trifte hiftoria :
Plutaõ creo , que lograíle o feu projeto Notaiíjí?.
Alcançando do herôe certa vitoria, ^^ ^
E os fequazes convocaõ do Deos Pithio
Anoute, afolidaõ, o amorj.eo íitio,
45--
a 02 Henriqueiãa
4?.
Criizava-fe intrincado labirinto,
TNota 1^8. Qpc na5 foy mais diíiieil o de Creta ,
E dentro do odorifero recinto
Levou a Henrique a vaga idêa inquieta :
Nota2(>5). Ja^pe 3 e metal de Paros , e Corinto ,
A arquitectura em parte taó fecreta
Proporcionou izentos fempre aos danos
Da indifcricaócurioía dos humanos,
tf
44.
A fuípenfaõ , e a fombra naõ permite
Que do Palácio o frontifpicio obferve ,
Patente a porta , porque a entrar o incite ,
Lhe moílra que os myfterios naõ referve.*
Ainda que efte portento facilite
O exame , deixa , ò Henrique , íè eonferve
O teu animo igual , e generoío,,
E recea o caftigo de curiofo.
45-
Pergunta â guarda , que encontrou luzida
Mais que os farôes brilhantes , que da entrada
Lhe moftraõ a efcultura enriquecida.
De Jónicas colunas adornada :
Nota 270. Qpe Principe , ou Princeza efclarecidas
Vive dos Mahometanos retiiada,
E fe he iíio milagre , ou fe he preíligio,
Sonho , encanto , illufaõ , íombra , ou prodígio*
_ ^G,
Cortez o Capitão lhe correfponde
Dizendo que ordem tem de conduzilo ,
E he Francéz o idioma , em que refponde,
E que o Ceo ja aos feus males deu o azilo :
Que hereal quanto vé , e o ííga donde
Vive quem quer fó velo , e adinicilo ,
E coroalo no mais digno Império,
;Que ainda caber aaõ pode no myíterio.
47.
t
Canto IV. 03.
47.
Tinibales de ouro , cimpanos de prata ,
Frautas , que Ía6 guerreiras , e harmoniofas ,
Toca a guarda , em que argento , e efcarlata
A Aurora ufurpa as cores mais fermofas :
Sobe a efcada , em que o porndo dilata
Eílatuas , e outras obras primorofas ,
E penetra admirado os infinitos
Apofentos de adornos exquiíitos.
.48'
No ultimo gabinete a comitiva
O deixa fó , e as luzes duplicadas
Na copia dos cfpelhos expreíUva
As pinturas lhe moílraó eftimadas :
Da mão de Apelles vé Campafpe viva , NotaiTi;
E as bellas duas Vénus celebradas , Nota 272,
E porque a Anadiomene naô efcondas^ Nota 2 73.
Elle a reftaura , ômar, das tuas ondas.
49-
Mil compaíTivas expreíTocns amantes
Explicou hum pincel douto , e egrégio
Da enternecida Grécia nos femblantes
Vendo a Ifígenia em íacrificio Régio j • jSJota 2743
Mas naõ quiz a deftreza de Timantes
Equivocar na magoa o facrilegio,
Deixando hum veo do pay no roítro ignoto
Sem oftenía do amor bemquifto o voto.
50-
Vem fe de Zeuzis os copiados frutos > jvjota ^yj; ,
Que exprimir Baco crédulo intentara,
Porque da arte feliz nos atributos
Naõ fó aves , mas fabios enganava.
Contra o rigor dos evos abfolutos Nota 27^.
Protogenes as cores duplicava. Nota 277, -
Porque Jalyfo de caçar naõ canfe,
E ainda ao tempo veloz no voo alcance, .
51».
-IÓ4 Henriv[ueida
Nota 278. No frifo de Parrafio fc conhece
O atrevido pincel , que exprime ouzado
Quanto do amor conftance permanece
>Ja memoria fiel vivo traslado :
Mas fó o coirjugal puro apparece,
Nota 279. Pqj; Euridice Orfeo do inferno irado
Penetra o centro , e com a doce lira
Na diílbnancia a melodia infpira.
Nota 280. Os cabellos cortava Hypílcratèâ
Para feguir na guerra feu conforte ;
IJnceo por Hipermneftra naõ recea,
Como os triíles irmãos , , a crifl:^ forte :
Protefilào , que na Troyana arêa
Quiz fer primeiro , e ter primeiro a morte ,
De que o vingou o amante de Deidamia , -
Reconhece a fineza de Laudaraia.
55-
Nota z8i. Na parte fuperior ApoUodoro
Pintou do Grego amante nos fuccelTos
Quanto do Meleíigenes canoro
Explica a Mufa Grega nos progreííos :
E naó he no Poeta mais fonoro ,
Que no Pintor , Uliíles , porque expreíTos
No feu roílro os aííeclos com mais anciã
• Confervava a Penélope a conftancia.
54;
NotaiSio Atraccoens de Calipfo , amor de Girce
Naõ apartarão de Itaca ao amanre,
Delicias deíprefou fó por uniiíe
Ao primeiro himineo firme , e conOante :
Lico ao longe pintou , e em fonce a Dirce ,
Só porque foy a Antiope inconiiante ,
Sencio 5 defconhecendo o feu perigo,
Dos dois primeiros filhos o caíligOo
I
55-
5 Canto IV. loj
55-
Sobre a mais fina Purpura de Tyro
Diamancc? , e efmcraldas , que bordavaõ
Magnifico hum docel , cm largo giro
Dois quadros com hum veo diíTimulavaò :
Henrique os deícobrio ; mas fe refiro
De quem eraó os roftros , que copia vaõ,
Seraõeílas memorias infalíveis
Por menos verolimeis mais incríveis,
Vio Henrique no quadro o feu retrato ,
E logo o de Matilde , que vcftia
No crage azul o íèu primeiro ornato ,
Com que no m^r a Tecis oiíendia :
Mas porque fe convença mais de ingrato ,
Tancredo aos feus dois filhos conduzia,
De que os roftros naõ via , e com dcfdouro
Ambos moftravaó o veftido Mouro
Que he ifto , diz o Hcrôe , fera polTivel ,
Que vivaõ entre os feros Mahometanos
Pedro , e Sibilla P E naõ he cafo incrível,
C^ue façaõ guerra aos próprios Lufitanos !
Vivos íaó , Grande Henrique , heinfalivei,
Que os lefervaó miftciios fobcranos,
Diz huma voz , fe me quer dar a vida
A tua fé hum dia agrad .cida
58.
Sim darey , diz o Heiôc , porque a piedade
Se vincula ao valor ; quando , 6 p rtento /
Sane Matilde j e nunca houve deidade, ^^
Que mais bella illuílraílc o Firmamento : '"
Henrique hum pouco teme a raridade,
Mas invocando o feu bizairo alento,
Quem na guerra triunfou mais fea , e dura ,
Teve medo efta vez da fermoiura, ,
O 59.
i 06 Henrtqueida
59.
Rio , que corre em rápido defvelo
Parando ao forte impulfo do Auftro frio
Nao muda o vago argente em duro gelo ,
Que fo rompe a prifaó no ardente eílio :
Com.o Henrique , que em nobre paralelo
He de virtudes caudelofo rio ,
A hum perigo , a que heróico naõ fe atreve ,
Ellatua ali fe vio de fogo , e neve.
Go.
Naõ temas , diz Matilde , fe o receyo
Naõ he , porque o teu erro te amedrenta.
Mas naõ fera , que em peito ingrato eu creyo.
Que nem hum temor nobre fe alimenta:
Viva eftou . que hum defmayo em trifte enleyo
Me occupou o fentido , e taó violenta
Perturbação pedia mais exame ;
Mas quem depois da morte achou quem ame?
61.
Meus fofpiros as pedras penetrarão,
Nj5 o teu peito , e quem primeiro ao templo
Vcyo , aos outros chamou , que levantarão
As que naõ tomaõ o teu duro exemplo ;
Como fabes as caufas , qne occultaraõ
Meu nome , no perigo , que contemplo ,
Sem declararme , illuftre huma matrona
Me curou ainda incógnita em Bayona.
Por ti pergunto , quando fallo apenas ,
E naõ fey porque caufa o cafo ignoras ,
Pois occupou nas vozes , e nas penas
Em Bayona os difcurfos muitas horas
Mas vendo que a naõ verte me condenas ,
E ouvindo cm França , que a Tereza adoras,
Oa porque mais fermofa a confideras.
Ou que pelo feu dote hum reyno efperas
^5.
Canto IV, 107
65.
Me embarco logo em craje de Soldado ,
No Porco defembarco , e a tempo chego,
Que ouço de Gaya o c^^jj^dcígraçado,
Em que te fuppôz morto o vulgo cego;
Da gruta de Sybilla ao ignorado
Centro remoto bufco em fino emprego
De fofrer certa morte menos dura.
Que contigo me delíc a fepulcura.
64.
Herofile piedofa me revela ,
Que os dois filhos viviaõ , que a Tancredo
Cruel Jofeph guardava com cautela
Sobre o mar de Lisboa em iium rochedo ,
Donde huma Torre fez , c hum fentinela
A' viíla o guarda fcmpre por ter medo
De o matar , qne hum Profeta o dificulta ,
Porque hum myfterio o Ceo com elle occulta.
E que quando julgaras , que abrazados
Ficarão no combate do pirata ,
Entrarão no navio os feus Soldados,
E o fogo amda apagarão , que o maltrata j
E dos tenros infantes laífimados,
A quem a vida o Ceo tanto dilata ,
Ao Rey os levaõ , que o fucceílb encobre ,
E nunca a fua origem lhes dcfcobre.
66.
Que ha de fer Pedro do teu Reyno herdeiro,
E que em Borgonha fua irm.ta fucccde ,
Que no filho illegitimo pimeiro
Bem vez o mal , que o movimento impede;
E porque o Ceo piedofo ao verdadeiro
Amor attende , a gloria me concede
De viver nefte íitio occulto a todos.
Em que fubíifto por eftranhos modos»
O ii Ó7.
I o 8 Henricjueida
67.
De Herofile fe eílende a eftranha gruta
Com fiibterranea fabrica infinita
Ate efte Palácio , a que^j^ributa
Deliciofa opulência , e exquifita .-
A guarda , que aqui vez , com abfolura
Força aqui conduzia, e prefa habita
No cárcere magnifico , em que vivo ,
Que julga eftreito quem eftá cativo.
Foy o cafo , que dando em hum naufraglG
No Douro á cofia grande náo Franceza,
Que de Rohaó fogindo de hum contagio j
Nunca pode tomar a terra Ingleza ,
Tendo por infallivel o prcfagio
De que eu fó do Palácio na grandeza
Entre as tuas memorias morreria ^
Pela gruta me deu tal companhia..
Também vinhaõ illufires Damas bellas>.
Qiie logo haó de fervirte coidadofas ,
E eíle Palácio encobre com cautelas.
Alças, incríveis, raras, mifteriofas;
Porque Te em fair delle te defvelas ,
„Tacs feriõ tuas iras rigorofas /
Veris do feu cuidado dando indícios ^
Labiryntos , penhafcos,. precipícios..
JÍDta 2.H- Acho fempre que â gruta bufco a boca
Qiianto pede a delicia infaciavel ,
E fe a Sybilla a minha voz invoca,
Tudo dcfcobre pronta , e admirável.-
Se eíiá o mundo em paz , ou fe o provoca
De qualquer guerra- o monílruo formidável 5
}:. quanto na politica reíume,
Cada dia me moílra o feu volume,
7^
Canto IV. 109
71.
Nclle vejo os problemas , que fe julgaa NotaiS^;
IrapoíTiveis nas fciencia^ , c nas artes ,
Que todos nos feus livros fe divulgae ;
E de novos fiílemas novas partes :
Todos por ti ao mundo fe promulgao
Com tanto que de mim nunca te apartes.
Em quauto dos dois filhos, que perdemos ,.
A defejada converfaõ naó vemos.
7Z.
Saberás delTa pedra , a que a ignorância Nota 2.8^.'
AíTim chama , julgandoa fabulofa,
Que he perfeito Elixir , pura fubílancia
Da celeáe matéria luminofa:
E depois que o Mercúrio tem conftancia
Do primeiro metal caufa preciofa.
Quando aos outros a eífencia lhe permuta ^
Como c Sol cora feus rayos os tranfmuta.
Na vitrifícacaô he fino efma'te Nota^87^
Ouro no firme , e na brandura cera,
E porque a tudo com virtude exalte ,
Nas regiocns naturaes fublime impera ^
Nunca o remédio , a quem a teve falte >.
Pois fc a harmonia univerfal fe altera,
Quem eíla Fanacca bem conhece, NotaigI,
A confonancia a tudo eílabelcce.
74.
Mas nãõ fey fc vencer o humana tédio ^
Que tens da Parca aos trágicos poderes,
Me ha de bailar , pois naó farey remédio ,
Em que empregue culpáveis filaderes : Nota iS5»
Has de deixar morrermc em duro afíedioj
Sem que eu uze de indignos caracteres y
Com que do Abyfmo faz a vãa fciencia
O Amor filho do ciimc j eda viokncia» Notaa^o;.
7X.
lio Henriqueida,
75-
Também importa pouco , que eu compicnda
A projecção , que dos meraes impuros
Sucilmentc íè infunda , e fem contenda
Logo os reduza aos feus principios puros :
Pois quando a ingratidão em ti me oíFenda,
Ficaó tantos fegredos mal feguros,
E naõ transformarey por meu defdouro
Nota 291. Huma féta de chumbo em féta de ouro ?
Aqui verás do orbe o Magnetifmo,
Nota 292. E a pedra , que bufcar íó fabe o Polo ,
Notaz9 5- E que o fogo central , que vem do Abyfmo ,
Mais no mundo produz que o meímo Apolo :
iNota294. Verás a terra , queem paralelifmo
Se agita , e da regiaõ , que altera Eôlo,
Leva configo o mais vizinho ambiente,
Com que o coftume faz , que íè naõ fente.
77.
Notaz95. Verás que com o cubo duplicado
Saõ ja as diagonaes comenfuraveis
Nota 29(5. E também com o circulo quadrado
Periferia , e diâmetro tratáveis :
lNota297. E (lo moto perenne ainda ignorado ,
Da Mecânica as regras admiráveis ,
Com que da gravidade o centro encontra ,
Nota 298. Se o pêndulo , que vibra , o defenconcra.
78.
Nota 299. Também aqui anticipar prcfume
Dos feculos rariílimos inventos ,
Mulciplicar mil copias de hum volume,
Com que os fabios dos tempos faó izentos j
E quanto a natureza em fi refume ,
Ou efcondem os vaftos elementos ,
Nota 500. o naó viíivel ver o Microfcopio ,
Nota 501. Q immenfo defcobrir o Telefcopio.
79'
Canto IV. III
79-
Contar do tempo os mínimos minutos Nora 502.
Sofrendo os golpes de quem mede os annos ,
Com dentes de mecal mordendo aftutos
Os que furdos ja faõ aos defenganos :
Mas porque mais guerreiros atcributos
Eftimas que outras glorias dos humanos,
Mais do que a Scipiaó dilTe Panecio, > Notado?;
Te enlinarey melhor do que Vegecio. ' Nota 504.
80.
Em íím para lograrmos o dcfinio
De que de Agar a geração malina
Nem conferve em Hefpanha o feu dominio.
Nem fc atreva á fagrada Paleílina ,
Eu te defcubrirey o vaticínio ,
Com que a íciente Herófile examina
O que tu moftrarás á Luzitania
Antes que ao mundo a bellica germania. Noia 505;
81.
Dois mineraes a hum material unidos
Compõem hum negro pó voraz, e forte,
Fazendo em bronze , ou ferro reprimidos
Em globos de metal voar a morte :
Os muros ficaõ todos abatidos ,
Pode o valor com arte mais que a forre ,
Rompendo a muitos bárbaros arnezes
Com prontos rayos poucos Portuguezes.
81.
A Henrique tentou mais efta promeíTa
Que as maravihas , que admirou fufpenfo,
Que na gloria , e virtude fe interefla,
E delias faz o feu tefouro immenfo :
Matilde , diz , que nova fciencia he eíla >
Que em fi poder encerra taó incenfo ?
Que aíllm me facilita dar caftigo
Da Religião , e Reyno ao inimigo ?
85.
112 Henriqueida
85.
Facil fera , Matilde lhe refponde ,
Saber efte fegredo , e quantos guardo ,
Se o teu amor raais fino correfponde
Ao que te adoro , e como amante aguardo :
Mais efficaz ardor meu peito efconde
Com tal violência , ó Principe galhardo ,
Que quanto eftrago horrendo veras logo
Na artificiofa maquina de fogo,
84.
Conduz a Henrique adonde veja a praça j
Que outra fortificada reprefenca »
E com fingido fítio a ameaça,
Feita , que por marcial o goílo augmetita ;
O ruido da pólvora embaraça
Com novo horror ao ar , de que alimenta
No falitre animada , ou opprimida
Para exhalar em fogo a ingrata vida.
85.
-,_ O Capitão da guarda o fitio forma ,
idiota 307. ^proches fe encaminhaó com cautelas ,
Ali ja íè difpoem a plataforma ,
Aqui ja fe avizinhaõ paralelas ,
De dentro aquella face fe reforma,
Guardas fe poílaõ , poem-fe fencinelas.
As contrabatarias jogaõ duras ,
Difpoem-íe no baluarte as cortaduras.
8<í.
Confervas , revelins , e m as luas ,
Coroas , hornaveques , e tenalhas
Todas fervem com traças naó commuas
Aos que amèas fó tinhaò nas muralhas:
Eílas vitorias , diz , das armas tuas
Ao ganhar Praças , e ao vencer batalhas,
Veras , Henrique , para os teus projetos ,
Se deixares triunfar os meus aífctos.
Canto IV, 113
87.
Exbalaçocns nos ares fugitivas Notajos.
Eftrcllas correm caó arcifíciofas,
Que os ardores , que moftraó por feílivas
Os incêndios lhe aplacaõ de horrorofas .•
Arvores brocaó com as chamas vivas
Para levar ao Cco plancas frondofas ,
£ os frutos ainda brilhaõ no emisferio
Mais que os que produzio jardim Hefperio,
Ao rccolher-íc Henrique , e a Princeza,
Ao ar , á terra , e agua o fogo apura,
E no circulo inclue de huma mefa
Quanto do mundo o circulo procura :
A abundância, primor, delicadeza,
A' tentação do gofto aqui conjura
Matilde , e da bebidas mais divinas
Kecbar , e ambroíla em copas criftalinas.
S9.
Com diverfo exercício as Damas bellas
Servem humas com pronta bizarria.
Outras , como fuaves Filomelas
Cantaõ , como da Aurora nace o dia.*
Humas na luz excedem as Eftrcllas ,
Outras vencem dos Ccos a melodia ,
Planetas faõ de errante luzimento,
Porém Matilde he Sol , e he Firmamento.
90.
A fantaftica forma da Sybilla
A todas enfinava o doce canto,
Henrique, quando a vé fabia , etranquilla,
Quafi fe rende ja ao doce encanto :
EUa lhe diz , que ali fe recopila
Da humana gloria o templo illuftre , e fanto j
Que fe aproveite , e que venere humilde .,
O afFecto da Bemaima Matilde. iNcca 30^^^
P pr.
114 Henriquéida
Que eftc nupcial primeiro , e caílo laço
A Tereza prefere na aliança ,
E que nefte invencível embaraço
Para o divorcio jufta caufa alcança ;
Que dos tempos ja vio no largo efpaço
Dos claros fuccefíbres a efperança ,
E que cm quantas vitorias diftribue
Nota 5 'O A Aífonfo inútil Pedro fubftitue.
92.
Unindo a clara voz á doce lira
Nota 511. Q^ial filha de Aclóo , aíTim cantava *
Mas como vio ao génio , que a inípira.
Da harmonia os acentos imitava ;
Verfos mágicos faó , com que confpira
Triunfar da firmeza , que encontrava ,
Pode mais das virtudes o preíidio
Nota 5 li. Que a Cromática uniaõ do canto Lidio.
5)5.
Nota 515. Amor alma do mundo ao mundo inflama»
Que o mundo fem amor fe defanima ,
Quem naõ fomenta efta celeíle chama,
O ardor , que vivifica , defeílima :
Mas o primeiro amor he fó quem ama.
Nunca a inconftancia a natureza anima :
O Graô Motor , que fez o Firmanjento ,
Deu aos orbes no amor o movimento.
94-
Aos abraços do Sol fogindo a Aurora,
Elle confiante os feus rigores fegue >
E ella quer fó da luz fer precurfora ,
Nota 51^. Porque no antigo efpofo o amor empregue:
Diana , a que Endimion fonhando adora.
Ainda que o feu amor nunca coníegue ,
Por fer do amor primeiro o privilegio.
Nota 3^5- De Adeon calligou o facrilegio.
9r.
Canto IV. 1 í 5
Amando a Tetis os velozes rios
Correm bufcando a morte entre os ícus braços,
E aos labyrintos verdes , e fombrios
Rompem as efmeraldas dos íeus laços :
Nem dos montes os ásperos defvios.
Nem dos penedos duros embaraços ,
Interrompem no bofque , nem no monte
O amor que bebem na nativa fonte.
96.
Sabem , que haõ de acabar as tenras flores
Do Sol que adoraó aos ardentes rayos ,
E ances querem morrer entre os ardores,
Que deixar de nafcer entre os defmayos:
Clicie , que fegue os Delficos fulgores ,
Naó muda dos íeus giros os eníayos ,
Sabendo , que do eftrago fulminante
Será primeiro emprego amor gigante. Nota 5 16.
97.
Da vibora os matizes enganofos j^^^^ , ^ ^
Bufca o amante , e fabc que os afagos
Haó de fer em carinhos venenofos
Do Teu trágico amor doces eftragos :
E ella concebe os filhos horrorofos
Dcípreíando os aviíos , que prefagos
Lhe moftraó que ao naícer he matricida
O ingrato bruto da tirana vida.
98.
Abraça a vide ao infecundo Olmeiro,
Sem mudar feus terniflimos abraços.
Vendo junto dos rayos ao Loureiro ,
Qiie para a coroar lhe eftende os braços :
E antes fe expõem ao impero groíTeiro
Da fulminante féta , que em pedaços
Aos pâmpanos frutíferos maltrata,
Q^uerendo antes morrer que fer ingrata.
Pii 99.
1 1 6 Henriqueida
Kaõ quer fegundo efpofo trifte a Ave,
Exprimindo em gemidos íínas anilas ,
E culpa a Filomena , que fuave
Encre as queixas apura as confonancias ,
Do vòo leve , nem do acento grave
Se vai nas folitarias diílbnancias,
Efpera immovel , fem feguir feu giro.
Da feca ambiciofa o fatal tiro.
100.
Pois fe cendo a certeza da ruina
Conferva o fenlitivo , e vegetante
O ícu prim.eiro affedo , que o inclina 3.
Na íimpatia do feu peiro amante:
Como tu da belleza mais divina
Foges pérfido , ingrato , e inconílanre >
Ouando promete em feu amor caricias ,
Tezouros , goílos j bens, glorias, delicias.^
lOÍ.
Vé , que queixofos os feus olhos bellos.
Mudos eftaó culpando os teus defvios,.
E íe os naõ enxugaííem feus cabellos ,
Naufragarão de aljôfares em rios :
E fe aos fofpiros queres ente idellos j
Vencerão teus ingratos defvarios ;
Mudos os íeus efpiritos velozes
Mais haõ de convcnccrte do que as vozes.
102.
Com amoroíos licitos afagos
Em pofles trocarás as efperanças ;
Fixa os affedos , que girando vagos
Do teu génio aprenderão as mudanças .-
n-eixa da guerra os bárbaros, eftragos ,
QvlQ no templo da gloria a gloria alcanças ; •
O Amor na fiia Corte te eterniza ,
E o teu merecimento diviniza.
lOJ.
Canto IV. II j
103.
Refpire o ecco amor ; amor refpondem
Mil amor s , que voaó pelos ares,
Amor as bellas ninfas correfpondem
Em bofques , plantas , fontes , rios , mares j
Os goílos apparecem , fó fecrcondem
As magoas , fuftos , anciãs , e pefares :
Ama a Matilde , Henrique, continua j
Mas a razaõ no engano naó fludua.
104.
Matilde a interrompeo , Gran Profecifa ,
A cuja voz as penhas faõ velozes ,
Detém ao rio a voz , queofuaviza,
Domeílicaó-fe os brutos mais ferozes :
Deixa quem nos rigores fe eterniza
Tanto que até refifte as tuas vozes ;
Que as penhas vence duras , e feveras 5
No frio as aguas , no tirano as feras.
105.
Permiteme qne em lagrimas me afogue,
E que com mais razaõ qne a amante Dido
Da trifte vida as duras leys revogue ,
Acabe hum fentimento em hum fentido ,
Antes do que a hum ingrato tanto rogue, .
E fcm que efpere vello enternecido,
Profane fem remédio amor infaufto ,
E apague a agua do pranto eíle holocaufto.
106.
O Varaõ fabio , a quem o amor ferira ,
Quando a belleza as lagrimas prepara ,
Se da virtude as armas naó veíHra ,
E fe as vozes do Ceo naó invocara ,
Diz á Sibiila , que elle mais fe admira ,
Vendo a fua fciencia fempre rara ,
Que embarace os piiíTimos intentos
De dedicar á Virgem nes talentos. Nota5ía.
107.
1 1 8 Henricjueida
I07.
Q_iie nas fuás acções íempre dedica
A Dcos primeiro o reverente culto,
E queaquelle Palácio multiplica
Ao luxo , e á vaidade amado infulto .-
Que quer ver o lugar , que fantiíica ,
Ou em publico templo , ou ainda occukoj
As aras , em que renda a vaíTalagera
Da Divina Maria á Sacra Imagem.
Io8.
Naó deu o alto Motor á vil ferpente
Mais permiíTaó no artificiofo rifco ;
No efpelho da virtude transparente
Morreo ^ porque íe vio , qual Baíilifco.
Tudo defapparece de repente ,
Pirâmide , coluna , ou obeliíco
Naó fubííftio neíte edifício vago ,
Nem para fer padraó do mefmo eftrago.
109.
Venccfte , Henrique , fó fe ouvio nos ares.
Ou por dizer melhor , venceo Maria ,
Teus filhos vivem ; digo-o com pefares ,
Tudo o mais erro foy da fantaíía;
Por favores do Ceo taõ fingulares
O Varaó fe confirma na fé pia ,
De que há de achar a imagem dezejada ,
Qiie eíla ventura naó fera íonhada.
110.
Moniz , a quem defpcrta o terremoro ,
Bufca Henrique no bofque dos Loureiros,
Que como ao mayor Ímpeto do Noto
Foraõ fáceis defpojos , e ligeiros :
O Ídolo de Palias cahio roto ,
E os fimulacros falfos , e grolíeiros ,
Que eraó da idolatria falíos laços.
Tem inteira ruína em mil pedaços.
II I.
Canto IV. 119
III.
Mais que a aurora vulgar Divina Aurora jsíota 319.
Aos dois Varões devotos amanhece,
Que he da fermofa Lua vencedora ,
E eleica como o Sol , naõ o eícurece :
E também das vitorias precurforas
Ao Abyfmo terrivel fó parece ,
E he contra ellc o Teu rigor armado
Invencível exercito ordenado.
1 1 2.
Contou Henrique ao General valente,
Fiel miniftro , fabio Confelheiro ,
O íucceíTo admirável , e prudente
Encobre aos mais o cafo verdadeiro.-
Ambos bufcaó feguindo a luz do Oriente
O efcuro occafo do melhor luzeiro :
Giraldo entaó chegou Prelado illuftre Noca 320.
Das Hefpanhas Primas , de Braga luftre.
113.
Vinha o Santo Pontífice com zelo
Corroborar a Henrique na fadiga
Do feu Chriftaõ, e militar defvelo.
Com que fabe vencer fúria inimiga ;
Das virtudes protótipo , e modelo ,
Os vícios , que naõ tem , em fí caftiga.
Que a naõ fet fó do Ceo efla violência ,
Fora nelle injuíliça a penitencia.
O Herôe o faudou , e elle com rifo
Grave, e benigno, fácil, emodeílo.
Lhe diz , que também teve certo avizo ,
Que o tefouro feria manifeílo;
Que o milagre fera premio precifo
Do voto ardente , e do dezejo honeílo,
E porque a Corte juntos efperafiem ,
Na Quinta de Refende defcanfaíTem. í^^ta 321.
120 Henriqueida
Naõ fubia a fer emulo dos aftros.
Nem moftrava em inútil froncifpicio
Mármores envejados de alabaftros ,
O nobre , mas To commodo edifício :
Dos Rèfendes encaõ , hoje dos Caftros ,
Moftra de antiguidade hum claro indicio;
E Giraldo ao entrar com alegria
A Henrique eílas pa'avras proferia.
Donde vereis , Senhor , outra cohorcc
De purpura , e de prata bem veítida ,
As Damas bellas , e luzida Corte ,
E a Princeza mais bella , e mais luzida :
Exercicios de Apoilo , e de Mavorte,
Mefa a mais abundante , e mais polida ;
Donde Liíipo , que fez vivo ao jafpe,
E Apelles o retrato de Campafpe ?
117.
Admirays*vos de ouvir quanto eu exponho,
E naõ vos admirais de que a vaidade,
Como era fonho , fe tornaíTe em fonho ,
Calligando huma vãa curiofidade?
Mais certas profecias interponho :
Que a mefma voz eterna da verdade
Permicio tentaçoens taõ importunas ,
Para darvos , vencendo as mais fortunas.
118-
Morrco Matilde , e os filhos , que julgáveis
Perdidos, ainda hoje eílafj perdidos,
Mas por fegredos altos , e admiráveis
De todo vos feraõ reílituidos.
Diffe , e nos documentos faudaveis
Do zelo , e da verdade bem nafcidos ,
Henrique, a quem anima feliz aura ,
Da pena , naõ do affombro fe reftaura.
1 19.
Canto IV. izi
119.
Era Santo , era fabio , e era velho
O Varaõ , que o infpira , enfina , adverte,
Naõ traz malignidade o íeu confelho ,
A ignorância , e lifonja o naõ perverte :
Como em claro j em fiel , em puro erpelho,
Nelle vé a verdade , e porque acerte,
Lhe naõ referva quanto o peito encerra
Do que difpoem na paz , e obra na guerra.
110.
Explica da Sybilla algum myílerio.
Que o Herôe penetrado naõ tivcíTe ,
E as máximas politicas do Império
Com folidos avizos lhe offerece ;
Gloria á virtude , ao vicio vitupério ,
Saõ os dois poios , em que permanece ,
Ao amigo fiel , forte ao contrario ,
Firmeza em religião , ordem no erário.
121.
Seis vezes vio o Sol nos mais Planetas
Correr os dias , e paíTar as horas ,
Outras tantas do mar ondas inquietas,
Vendo-fe nos criftàes tantas auroras ;
Qiie os três Varoens em praticas fecrecas
Formara;? as idéas precurforas
De ter o novo Império eternidade
Ka reflexão , no acerto , e na verdade.
HEN-
IZ2
HENRIQUEIDA
CANTO V.
Argumento.
D Entro de hum Cajlanheiro a Imagem SantA
Se de fc obre , Terez^a efta. ciofa ,
u4xa cruel tretçao fera adianta ,
Trepara Henrique a obrafuntuofa ,
Do anfiteatro fe executa a planta ,
De jogos varonis fefta famofa ,
DaÕ braz-oens da Nobreza as varias cores ,
Bermudo a Vrania expõem puros amores,
I.
Nota 3ii. Ja no dia do Sol o Sol ao dia
Na fecima manhãa a luz moftrava,
E o defcanío , que ao mundo concedia ,
Aos três fabios Varoens naó grangeava:
O Tanto zelo , em que qualquer ardia.
Mais que os rayos de Febo os inflamava ,
Rompendo de víorfeo doces cadeas,
Lhe illuílra aftro melhor puras idcas.
i.
Nota 315. Contava a tradição , que a imagem Santa
Roubada ao Mahometano facrilegio
Tinha por templo o tronco de huma planta»
Que guardava fiel tal privilegio ,
A cxaminallas todas fe adianta
O cuidado devoro , ardente , e Régio ,
Q^ue a arvore , que occulta tanta gloria.
Os Séculos ufurpaõ á memoria,
Canto V. 123
Arde o dczcjo , e quando adiva a calmt
Os campos queima , os ruílicos fulmina ,
Em amorofo fogo acéa a alma ,
Por bufcar de Maria a luz Divina:
Cedro , Oliveira , Placano , nem Palma
A fé deixa nas plantas , que examina ,
Até que vio da Roza o atributo
Na que entre efpinhos fimboliza hum fr^co,
4-
Aos troncos dominava hum Caftanheiro
Nan fó por mais antigo venerado
Pois do Mundo no Século primeiro
Fora do Paraízo transplantado ,
E do Ímpeto do Africo groííeiro
Nas implacáveis fúrias relpeitado ,
Porém por mais excelfo , e mais frondofo ,
Se coroava fempre vitoriofo.
5-
Eterna enveja do Loureiro eterno
Sobre as nuvens eleva a verde fronte.
Deixando innuteis do profundo Averno
As fadigas -de Efterope, edeEionce; Nora324.
Celcíle inundação do húmido inverno
Diverte antes qr.e a forme aérea fom e ,
E he fcm temer injurias , nem defmayos ,
Izento ás aguas , fuperior aos rayos.
G.
Era taõ vaílo o concavo profundo ,
Qiienelle as Hamadriadas occukas ^
Grécia julgara j e que ao fronde fo mundo ° ^ ^*
Eiclávaó da cu tura as leys mais culras :
Sacio metal fonoro em fom jucundo Nota 52Í.
Mal fe ouvia entre as partes íempre incultas,
E a ignorância fem fé a aíTombro tanto
Naó vé milagre , e quer fuppor encanto.
CLii * r
124 Henriqueida
7-
Os Oráculos verdes , e frondofos
Nota 527. Oe Dodòna nos ritos florecentes
Naó tiveraõ meraes caó harmoniofos
A^s fuás efmeraldas eloquentes :
Os Varoens a eíles eccos mifteriofos
Defpertaó nos aíFectos mais ardentes,
A planta cede ao ferro com violência»
Eera ambiçaõ devota a reíiílencia.
8.
Breve templo de bronze refonante
Por largo tempo encobre as claras vozes
Naó permitindo o Ceo que as fie amante
Do ecco ligeiro aos círculos velozes :
Dos facrilegios fcmpre triunfante
E de injurias dos Séculos atrozes ,
Fiel guarda o depoíito divino
Da tutelar do Portuguez deftino,
9-
Cedro incorrupto á celeftiai Imageni
Naó Çqy fe reverente , fe atrevido
Formou, e á bella copia deu ventagera ,
Que foíTe efte retrato parecido :
Pois quem naó deu á culpa outra omenagem ,
Original naó teve , nem fingido ,
E ró fora o modelo taõ perfeito
Da foberana idéa no conceito.
10.
Na mão direita hum fruto rubicundo
Prende , porque outra vez fe naõ atreva,
Se em breve esfera retratava o mundo ,
A pervertelo nos enganos de Eva :
Ao bello Infante plácido , e jucundo.
Porque eterno carinho fó lhe deva ,
Do coração no lado pós amante
A maõ , do melhor Ceo mais cerco Atlante.
Ill
J
Canto V. 125*
1 1.
o Prelado , o Heroc , o Confelheiro ,
Devoto , reverente , e obrequiofo ,
Vinculaõ a hum fó Culto verdadeiro
O Santo , o agradecido , e o piedofo.
Sedo falfo Palladio outro madeiro Nota328.
Foy em Troya depofito enganofo ,
Efte , que tanto anima , quanto inflama,
No peito acende mais benigna chama.
12.
Giraldo da Deidade illuminado
A Henrique altas fortunas profetiza,
De que fera o Reyno eternizado ,
Pois de Maria os cultos eterniza .-
De Affonfo a Claraval vé venerado , Nota 519;
E hum Joaó eíTc culto immortaliza , Nota 530,
De eílranho jugo ao libertar o Império
No feudo de hum puriíTimo myfterio.
Naõ verde jafpe do fíncel polido
A's difcretas fadigas obediente
Ainda forma o altar enriquecido
Do generofo afFeto em culto ardente *
Mas de folhas hum templo bem tecido
He da efperança íymbolo excellente ,
Que occultaó entre o verde com primores
Os affetos em frutos , como em flores.
14.
A faudar Maria vem as Aves ,
E achaõ fó hoje unidos Sol , e Aurora ,
E as facrifica victimas fuaves
De inftrumentos ebúrneos voz canora;
Nos acentos agudos , e nos graves
Sc matizava a mufica fonora ,
E a cor das pennas , que mudou no pletro.
Iguala as varias ^laufulas do metro. o
15-
126 Henricjueida
A' que Fenis renace pura , e bella
Celebraõ com a doce confonancia^
E em Coros a fuaviffima Capella
Se transforma em Angélica íuítancia :
Da Canicula emenda a impura eftrella
No Orbe inferior a ardente diffonancia ;
E de mil Filomenas nos acentos
Ajuftaõ a harmonia os elementos.
Naõ menos agradável melodia
A mufica de Marte ao longe entoa ,
E entre os Clarins a bellica alegria
Paciíicos triunfos apregoa:
Que vem do Porto a Regia companhia
Na trombeta da Fama ao Mundo foa ;
E ainda quando de perto os ares rompe,
Devotas íufpenfoens naõ interrompe.
Ja accufa o carinho da Princesa
No fino coração do amado efpoío
De defcuidada , e tarda huma fineza ,
Que deixava hum affeco receofo .*
Qiierendo convencello de tibieza
Se adianta ao concurfo num rofo ,
E fó , trirte , e íolicita fe perde
Entre o frondofo labyrinto verde.
18.
Da harmonia das Aves acrahida
Vio de folhas breviíTlmo edifício :
Ouvio de Henrique a voz bem conhecida.
Que deu ao feu ciúme hum novo indicio -,
Pois com ternura amante , e bem nafcida ,
AíTim dizia : O raro beneficio /
O^ felice ocaííaõ , forte oportuna ,
„ Que hoje , fem merecer devo á fortuna !
19.
Canto V. 127
19.
Belliffima Deidade , que cxcedeftcs
Das Humanas a frágil ferniofura ,
E que nefte retiro concedeíles ,
Que vos adore com a fé mais pura .*
A Corte deixarey pelos agreftes
Deftritos , que illuftraes , que afllm fe apura ,
Do favor , que vos devo , alta excellencia ,
Nem de Tereza fentirey a aufencia.
iO.
Voz Tereis quem governe , e quem domine
Quanto poíTuo , e vença em voíTo nome,
Mas que o mundo a fervirme íe deftine ,
Mas que efta efpada novos orbes dome :
Voflb preceito as leys me determine ,
E fô do voíTo acerto as ordens tome;
Porque o naõ admitirme fora aggravo
Com Tereza , e AíFonfo por efcravo.
II.
Ceííou a voz , mas naõ ceifava o pranto ,
E Tereza em receyo fempre injufto
Bufcava do retiro Sacrofanto
A entrada que cerrou o amor mais jufto :
Abre , lhe diz , ingrato efpofo , em quanto
Com dano a gloria , e o amor com fufto ,
Viver me dcixaó vendo huma violência
Que a inconílancia occafiona em larga aufencia.
11.
Bem pode fer , que toleraíTe o peito
A ofFenfa intolerável da ciúme,
Mas naõ pode ultrajado o meu refpeito
Sofrer liuma vileza , que prefume ,
Eu , e Altonfo cativos ? trifle eíFeito
He das loucuras , que o amor reíume ,
O mais atroz , o mais fatal motivo
De quem de indigno amor cila cativo,
23*
1 2 8 Henriqueida
25.
Abre de folhas a enlaçada porca
Henrique alegre , eo Paftor fevero ,
Que no femblance a Regia Efpofa exhorca ,
Unindo o rerpeicofo com o auftero ;
Mas a Princeza do prodigio abforca
Com voto humilde , com ardor íincero,
Também quer que a illuftre a facra Imagem,
Fazendo eícravidaõ da vaíTalagem.
Henrique da perdida confiança
Sejuftifica amance , e queixa fino,
E logo lhe refere o bem , que alcança
Defcobrindo cefouro taó Divino :
Ja he certeza atimida efperança
De ver o Infante fem o mal indino >
Com que fez efte acafo íoberano
O ciúme cortês , feliz o engano.
25.
Ja pelo bofque a numerofa Corte
A ver tanto milagre fe apreflava j
E a Deofa tutelar da Lufa forte
A Lamego o Pontiíice levava :
Affonfo , que de Adónis , e Mavorte
Moítrava a forma , e o valor guardava ,
Maria adora tendo em dote infuío
Pelo affeto a rafa . , primeiro o ufo.
26.
Incrédulas as bellas Africanas
Diíllmulaõ nos roítros as idéas ,
E vendo as fermofuras foberanas ,
Poucos Ía6 os ifentos das cadcas :
Ambas galhaidas , ambas inhumanas ,
Nota 357. <,efj, encantos de Circes , e Medsas , v
Fazem temer no amante parafifmo
Mais do Ceo a violência que a do Abyfmo
17-
'Canto Vi 11^
Seguia â Aldára o infeliz Pelayo 5^
Que ao lilencio o Teu mal acento cncrega *
Convalecido do mortal dcfmayo ,
De que a ignorada caufa a todos nega: ;
Serve , e rofpira , e fe algum triíla enfayo
De hum peito , que com magoas naó focega ,'
Algum indicio do feu mal defcobre.
Multiplicando a cinza, o fogo encobre.
Axa , que até triunfa na defgraça > ,
Domina hum negro bruto , e refoluta
Iras fulmina , fúrias ameaça ,
E eftá entre as prifoens mais abfoluta :
O varonil naõ diminue a graça
Do bello, e por vencer forte, e aftuca^
Quem do valor fe livra com violência,
Naõ acha à fermofura refiftencia.
O Rey , a quem já move afFecto pio
Da Religião Chriftâa , e o diíTimula ,
Defcobre da heroína no defvio ,
Que o temor da mudança a eftímula :
Porém Axa, que o Mouro defvario
Defprefa , novos erros acumula.
Seguindo os Deofes falfos , que a poefia
Só conferva da antiga idolatria.
30.
A maquina , que armava , dcí^ruira
Do efpofo a converçaô , que já íoípeita ,
E fem fiarlhe o que infiel conípira ,
Finge, que delle vive fatisfeita;
Ao valor , e ambição , cauuela , c ira ,'
A fua altiva' idea efta foi;eica ;
Com Muftafá , que foy cativo em Gaya ,
Os projedos belligeros enfaya.
R '3..
1 3 o Henriqueida
Do camínfio apartada aíTim lhe diíTc :
Galhardo Capitão, deftro , e valente, ^' ■
E que até na defgraça eftás felice ,
Pois confiante a toleras, e prudente;
O teu conrer-^o infpire huma infelice,
Que hoje fia de ti o mal, que fentej .^J
Ivlas vé, que naó admite huma arrogância,' vv
Prudência, que pareça tolerância.
52.
Eftes Chriftãos fe vem hoje elevados
Em illufaó taó nova , e agradável ,
Que efquecidos do génio de Soldados '"/t.
Se enganaõ com deícuido mais culpável; "^ ^
Sem cautela nos levaó confiados
A' Corte, donde a forte fempre inftavel
Nos vio no Trono , e com diverfo eífeito
Hoje nos vé com laftima , e refpeito.
55.
Nella tenho parciaes bem encubertos;
Animey entre oS ferros os cativos,
Sty que fe movem por avifos certos ,
Já de Leiria os Mouros mais altivos :
Numerofos, intrépidos, e expertos
Já correm taõ velozes , como adivos ,
E Muley, ou por força, ou por fobornos
Ganhou muitos Caftellos dos contornos.
Inquietando O paiz com correrias
Excita os feus , e na inimiga terra
Os entretém nas fortes ouzadias,
E os exercita na pequena guerra-,
Como fempre em finiíTimas porfias
O amor de Aldára no feu peito encerra , '^^ ^^
Rouballa intenta, e de taõ nobre infulco '
Só de mim fia efte fegredo occulto, '
Canto V, ijí
Celebrar quer Henrique hum íímulacro>
Que da Mãy do feu Deos hoje deícobre,
Jogos publicará com rico facro
Do culto vaõ em exercício nobre;
E que íerá fe ElRcy no feu lavacro
Se manchar, porque ainda que mo encobre,
Mal diíTmiula o cego paraíifmo
De naufragar nas aguas do Bautirmo?
Antes que abacimenco caõ infame
Se faiba de quem teve o louro Régio,
E que ao meu coração a fúria inflame
A caftigar já cerco ofacrilegio;
He jufto que a hum cobarde mais naõ ame,'
Pois fe efqueceo do raro privilegio
De que admicillo amante era impoíTivel
Sem o heróico carader de invenciveL
57.
Pois o favor alcanças de Roberto, Notaníj
Naõ porque em ti venere a antigua gloria,
Mas porque em teu triunfo moftra certo
Em ti vivo o Padraõ de huma vitoria;
Sahirás de Lamego hoje encuberto.
Que a tua falta naõ fera notória ,
Em quanto occupaõ todos de outra forte
Feftas da Imagem , c atracções da Corte.
58.
Pratico és do paiz ; do frio Hermínio Nota 3 3 ii
Bufca com largo giro o mais fragofo,
E fe paíTas o Tejo , no dominio
Entrarás do Africano poderofo ,
E te affeguro certo o vaticinio
De que fe te fingires cautelofo
Em caçar pelos bofques empenhado,
Confeguirás o intento dezejado.
->i R ii lii
i^i HenriqueMà.
3 9-
Pois falias no idioma, e dialeílo
Í\'0£a554. Gallcgo, e Portuguez novo, eancigo,
Precifo eftudo a hum General provedo
Saber apropria língua do inimigo ,
Veremos bem logrado o graõ projeâros
E íc por ti o mayor bem coníigo,
Verás, nos meus intentos fempre gratos.
Que ÍÓ peitos cobardes faõ ingratos.
40.
NeíiC occulto lugar pronta equipagem
Terás de caçador, porque Ermeíínda,
Que a amar de Palias a valente imagem
Nota 3 3 5-. ^^y educada em Perfía por Clorinda,
E que me fegue em fina vaíTalagem
Fiel, difcreta, valerofa, c linda-,
Mas naó pinto o que fey, que nao ignorasí
Pois com decente amor feliz a adoras.
Tanto que a luz em trágico naufrágio
Morrer no Occafo por nafcer no Oriente,
Quando a ave de Marte com prefagio
/ °^^'5 'Do oppofto meridiano as glorias fente,
E quando no fuaviíTimo contagio.
Que cauía o foporifero aceidente,
Quem fe julga immortal, invido, e forte
Se rende nciíe enfayo ás leys da mort-e.
Há de encregarte, ò Muftafá galhardo..
A inftrucçaõ, que retenho prometido,
E as cartas a Muley com tal refguardo,
KT^í-n.,^ Q^e o que lhe avifo vay defconhccido :
Com letas, earco, com aliava, e clarão, ' '
Irás diííimulado, e defendido, '
Para encobrir pclla inimiga terra
Nota 338. Qqxíx a imagem da guerra amefma guerra.'
43.4
Canto V. 133
43-
Mudafá obediência lhe aílcgura;
Impaciente no boíqiie a noite crpcra,
E eftá ceito que nunca fcja efcura.
Se Ermcínida illuílrar a verde esfera:
Sempre amanhece a fua tcrmoíura,
E mais que a fombra a fua luz impera;
O amor o anima, o medo naõ o aíTombra;
E para ver a luz dezeja a fombra.
Aneicipou fe a noite compaíllva,
Como parcial do amor, c do delito i
Veyo a bella Africana, e atractiva
Difpenfa huma efperança ao peito aflito jí
Das ordens da Rainha executiva
Elle íe alenta mais para o conflito.
Que das armas , que vefte em taes enfayos ;
Nas fécas com que mataò os feus rayos.
45-
Quando lhe diz, belliíTima tirana;
Me naó crouxefle as mais atrozes fétas?
E quando aos meus afleótos inhumana
Menaõ mudafte os aflros em cometas?
Mas como me dominas foberana,
A executar as ordens, que interpretas,^
Taô veloz voltarey que em fino incencd
Dè azas o dezejo ao penfamento.
46.
Refponde-lhe Ermefinda, que premiado
O feu amor fera, fe coníeguido
Se vir efle projedo dezejado
Em que fe veja Henrique deftruido ;
Que teme, elle lhe diz, ver malogrado
Tanto bem, pois do fado perfeguido
5) Fora , mas teme que ainda mais o íejá
?i De canto bem na bem naícida enveja.
134 Henriqueida.
47,
Separaõ-fe os amantes , porque as vozes
Dos Porcuguezes já vizinhas íoaó,
E da aufencia os tormentos mais atrozes
Nos dois peitos asirss apregoaõ;
..i, . Muílafá guia os paílbs mais veÍQzes ;
Por donde os moiitcs ao paiz coroaó ;
-,. ^ . ^-.«..^ Eniietinda a Lamego volta occulta ,
' ^ ' ^ " " De i\xa naó tanto a forte dificulta.
48.
í<Iotaj55i. Sahio mais claro o Sol, quando da Lua
O mundo conta o agradável dia,
Pois aftro mais brilhante à gloria fua
Novam.ente no mundo apparecia;
Deftro arquitedo a traça naó comua
A Henrique delineada entaõ trafia ,
Dando da devoção o pio exemplo
Efcolhe ameno íitio ao novo templo.
49-
Eminente , frutífero , e frondofo
O lugar, que elegerão, íè dilata
Naõ longe donde o Douro caudalofo
Engafta em ouro a precioía prata;
Nota 540. p^fjj donde fe exalta luminofo
O pólo, em que Caliílo fe retrata.
Se aparca de Lamego, e nos efpaços
Nota 541. Nove mil vezes naó numera os paíTos.
50.
Fermofa a variedade dos objedos
Diverfifica a bella perfpediva,
Augmentando os piiífimos aífedos
A muda folidaõ mais expreíTiva; . „,
Apreífa dos magnânimos projedos mii^sJ
O Heróe a execução pronta, e aâ:iva^;o aRíOBiip
E a pedra quer ja por fiel , c ufano -b m^jpo?
Fundamental do Império Lufitano. " ^-ô-n^^/-
5^'
Canto Vé i\^
Em quanto ao ferro naõ rcTifte a terra,
;, Nas largas profundifllmas feridas,
Feftivo cníayo de agradável guerra
Leva a Fama às naçoens defconhecidas;
Qiianco nas leys Olympicas fe encerra , Nota54z;
E nas feílas antigas ri ais luzidas
De lílhmo, ou Nemeo, e ainda o grande Pitio , j^q^^ ^^^^j
Quer que fe exceda Henrique nefte íicio.
52.
Mufa , que o entuííafmo, e vaticínio Nota 344;
De Patroclo nos jogos dèfte a Homero,
E nos do Pay do fundador Lavinio , Notag4í?
Achou Virgílio o numen teu íincero ,
Ou menos o influxo , que Papinio Nota 54^*
Cantou com alto efpírito , e fevero ;
Ncfta occafiaó teu fogo naõ me occultes
Ainda que em outro aílumpto o dííficulces;
Fabrica-íe hum luzido anfiteatro
Com milhares de aíTentos divididos,
O ovado fc cortou com lados quatro
Que eraó dos olhos todos comprehendidos;
Na área do magnifico teatro
Os jogos varonis mais aplaudidos
Seriaõ da deftreza dezempenho
Antes que em outros combateíTe o engenho;
54'
Abatidos dos bofques mais vizinhos
Os triftes CipariíTos fe lembravaõ,
Que occupando poftrados os caminhos j^^j^ . .^^,
Suas próprias exéquias celebravaó :
Lagrimas eraó nos feridos Pinhos
Quantas com a refina dellilavaé ;
Sentem do ferro os golpes mais groííeiros.
Se antes livres dos rayos j os Loureiros.
r 3 5 HenrifJeida
Nota 348. O inílrumento de Ceres nas efpigas
Naõ fez no Eílio mais fatal eílrago ,
Nota 349. Nem de Vuíciírno as rápidas fadigas
Daõ no Outono mais folhas ao ar vago;
Mas naó cemaõ crueldades inimigas,
Se o verde coracaõ he já preíairo
De que celebraõ com feliz exemplo
Ser confagradas para o Régio templo.
Inteiro a Lua hum circulo defcreve,
^^^^ 3 50- Em quanto o vafto circulo fe prepara,
E a Fama grita, canta, diz, eefcreve
Nas vizinhas regioens feíla táõ rara:
AsLeys, que Henrique provido prefcreve
Naõ prohibiaõ , que encuberto entrara
Qualquer aventureiro , que o intentaíie,-
E a robufta deftreza exercitaíle ,
57-
E gofaria de íeguro aziío ,
Mas que inimigo foQe , em quanto a fcfta
Influxo dava ao mundo taõ tranquilo.
Que a pia caufa eílava manifeíla :
Corteíia , primor , decência , eftiío
Da Corce íó fe achava na íiorefba,
E os feculos aqui fe renovarão ,
Nota 551. Que a Artur, e Carlos Magno eternifarao.
58.
As Princezas , e as Damas illuílravaõ
NotaMz. A ecliptica brilhante defta esfera,
E os que com fino culto as adoravaõ,
A luz obfervaõ , que em feu peiro impera :
Incimidaõ ao tempo que animavaõ
Em tanto coração , que ama , e venera ,
Quanto o refpeito apaga , o amor arde ,
Au2;mcni;ando o ouíado no cobarde.
59.
Canto V, 137
59.
Premio qualquer das Damas ja deílina
A quem vença cm feii nome algum combate :
E fufpcndendo as iras , que fulmina ,
Permite , que o rigor o naó maltrate :
Nobre ambicaõ incita a e;loria fina
De que o affeto em laminas retrate
Do mais puro decoro em novo exceíTo
O ineftimavei , e preciofo preço.
uO.
Henrique há de julgar fciente , e red;o
Quem ficar vencedor por força , ou arte.
Livre a juftiça eftá de ódio , ou affeto ,
Qj^ie igual a todos a razaõ reparte :
Deaflento fuperior qualquer objeto
Defcobre , e fe difpoem o amor , e Marte ,
Hum fazendo ao mais fino mais felice,
Outro a livrar o forte de infelicc.
61.
Dois a dois efquadroens em quatro entradas ^
(Qualquer comporto de outo Cavallciros ,
De ouro , e de prata as cores matizadas
Fazem da guerra enfayos verdadeiros ;
As producçoens , que Pan vé tra formadas 1^014355.
Da amada Ninfa em troncos mais ligeiros ,
Parecem preciofas , e luzidas ,
Que primeiro as tocara a mão de Midas. Nota 5 54.
Do opulento metal , que o Sol influe, jr
A auguíla cor no traje, e nos arnezes ,
Illuftra , como a forre a diílribue ,
A quadri I13 galharda dos Menefes :
Sem divifa no efcudo fe arribue
Pedro Bernardo gloria dos Leonezes ,
E por timbre huma Torre , em que eftá prefa ,
Como fempre infelicc huma belleza.
S /J5.
138 HenricjHeida
65.
Nora 5^6. Em campo de ouro as ondas azuladas
Retratando do Távora a corrente;
Sem vozes de Arion articuladas ,
Outro Delfim cortava velozmente .•
Para empref s heróicas animadas
Lanças de tanto Távora valente
Seguem em Dom Ramiro hum novo Marte
Sempre cm valor , agora em forca , c arte.
Nora 3 5 7. Claro metal , que a Lua íimbolifa
Veílindo a Regia cor o Rey dos brutos ,
Como íigno do Ceo trás a divifa
Na quadrilha dos Sylvas refolutos ;
Com Alderete o nome immortaliza
Dos Leonezes Monarcas abfolutos ,
Donde os Varoens infignes refplandecem
Nos Sylvas , que em dez Séculos fiorecem.
65-
Nota 5 5 S. Se o Ceo grava em azul aftros dourados y
Tem nove aftros azues outro Ceo de ouro
Cs Cunhas fempre illuftres, eeftimados
Do Lufitano gloria , horror do Mouro ,
Pelo invicVo Dom Payo hoje guiados
Neíle feítivo enfayo fem derdouro,
Até por leves tiros naõ tem erro
Das firmes Cunhas o cerúleo ferro.
66.
Neta 3 5 5). Com claro argento no purpúreo efcudo
Quatro vezes oh Cynthia reverberas
Com que o Conde Dom Mendo claro em tudo
Gravou de Soufa o nome nas esferas ;
Naõ efcureças tempo eícuro , e mudo,
Que as glorias immortaes cruel alteras ,
Na clara defcendencia as efperanças
De triplicadas Regias alianças.
67.
Canto V. 139
Egas Moniz com feu brafaó luzido .Notftíío,
De Tccis no matiz bandas de prata
Debuxa , e de Ataíde efclarecido
Ja pronoftica as glorias , que dilata :
Será no Oriente o feu valor temido,
Se hoje no Occafo os Mouros desbarata ,
Pois taõ fino fefteja no Occidente
Da mais brilhante luz o facro Oriente.
6g.
Pelayo Amado valerofo , e fino , Notaj^i.
Do ouro , que produz a amante feta
Seis circulos formou , que ao feu deftino
Cada hum pena eterna íè interpreta .*
E nos rubis do efcudo diamantino
Em dobre Cruz tem hum fatal cometa ,
Que a invcncivel ardor do peito exangue
Verteo do coração no eícudo o Tangue.
69
Outra Cruz , <:[ue entre prata apura as flores , Kota 5^2,
E em cauipo carmefim mais refplandcce
Das Pereiras nos ramos vencedores
Dos que cinlí3 o Loureiro a gloria efquece.-
Dotn Rodngi) Forjas altos ardores
Infliie nas coroas , que ja tece
A gencrofa eftirpe de Bragança
Com a cor do triunfo , e da eíperança.
70.
De outras Regias Familias fe occultavao Nota 353.
Os nomes nas coroas , a que uniaó
Os nomes , que depois defcnlaçavaõ ,
E em novas alianças repetiaõ •*
Outras a Portugal ainda naõ davaõ
Glori s j que em outros Reynos repartiaó^
E muitas naó refere a brcvid^^de,
Ou ufurpou a iniqua antiguidade^
S ii 7^»
' 140 Henriqueida
7».
- Paraõ nos Ccos os rápidos Planetas
Vendo no Mundo eílrellas mais brilhantes,
Deixando fixas luzes inquiccas ,
Para admirar eftrellas mais errantes :
Tem as haíles vibradas por começas ,
QLie á mcíma esfera voaõ fulminantes .-
Luz , gloria , arte , e valor perdem no Polí>
Nota 56+. ^^icutio , Marte, Júpiter, e Apollo.
Parece , que temendo as flores bellas
Ser dos velozes brutos ultrajadas ,
Nota 565. 5ej^^ ^^yg Flora fe atreva hoje a prendellas?
Correm de tantas cores matizadas i
Nota 366. Ou he íris , que dece das eftrellas ,
E concorrendo ás feílas celebradas ,
Reparte a huma quadrilha , e outra quadrilha
O pacifico efmalte , com que brilha.
75-
Nota 567. Os brutos de huma efquadra ruços eraõ ,
De outra morzelos fempre formidáveis ,
Os ala^oens ligeiros fe efcolheraó ,
Bufcaraõ-feroíilhos agradáveis :
Os malhados por vários fe atenderão ,
Os caítanhos comuns , mas eftimaveis y
Correm ruços queimados , como rayos ,
E naõ lhe cedem os viílofos bayos.
74.
Como imitaõ ao trage Mahometano
Nas trunfas , capelhares , e marlotas ,
Baflou a falfa imagem do Africano ,
iVIenefcs , a inflamar o ardor , que brotas :
Forao lanças as canas , com que ufano
Traípaflaífe as sdargas mais remotas ,
E houve alguma , que ao golpe fero , e rudo
Tingio com fanguc algum fanguinho efcudo.
7S'
Canto V. 141
7>.
O Távora fc unio ao graõ Menezes,
E Alfagrano , que em artios cem dominio , Nota 3Í8»
Aillm gritou : valentes Porcuguezes ,
Ouvi hum infalivel vacicinio ;
Ceíles Heróes unidos os Arnezes
Só derta alegre guerra no definio
Seis Séculos depois , aflbmbros raros :
Hum diahaõ de fubir por Moncefclaros. Uoi^iG^.
76.
Ao nome de Luiz daraõ mais nome ,
E da amizade unindo o laço eftreito ,
Sem que o furor de Hefpanha os vença , ou dome.
Dois grandes coraçoens guarda hum fó peito ;
Menezes ou efpada , ou pena tome , Nota 570.
Vencido Apollo vé , Marte fogeito ,
Canta a Reftauraçaõ , que admira o Mundo >
Porque as ácçoens celebre do fegundo.
77.
Naõ terás ó Menezes invencível
Da eflirpe Varonil na defcendencia
Quem na guerra naó folie o mais terrível >
Fiel á Pacria , illulhe na eloquência :
Duas vezes a Aíia achou pofllvel Nota 571;
Ver prudência , e valor na adolefcencia
De Henrique , e de Luiz a força fabia
Refpeica Malabar , recea a Arábia.
78-
Quatro vezes o nome de Fernanda > Nota 572;
Duas vezes o nome de Dioso
o
Africa ardente vejo refpeicando.
Que he feu ardor mais forte , que o feu fogo :
Ka America outro Henrique eílá moflrando
Da idade juvenil o defafogo ;
Segue hum Francifco os bellicos veftigios ,
E ha de cantar , ó Henrique , os céus prodígios.
7^
1 42 Henriqueida
79-
Nota 375. Fillio fera de hnma divina Mufa ,
Qiic dos Heróes herdando alça grandeza
Unio Aonia na Hipocrene Lufa
Virtude , defcriçaõ , fciencia belleza ?
Nota 374. CeleíVe graça em peifeiçoens infufa
De outra Joanna admiro , e na fineza
Do amante efpofo que a adorava tanto
Primeiro fera gloria depois pranto.
80.
O tronco , que produz o verde ramo , \
A quem azul tributo paga Erice ,
,j Com o de Cantanhede , a que hoje aclamo
Generofo , fiel, grande , e felice,
António vejo , e de taõ longe o amo ,
Porque á I.ifia tirou jugo infelice,
Que o moftro nos futuros , donde vença
Nora 375. Em Elvas , Montefclaros , e Valença.
I.
Nota i>76. ^"^ ^"^^ ^0"^^ ^ eílirpe de Tarouca
Segue em Africa a Pedro , e a Duarte ,
E a trombeta da Fama nunca rouca
Cante em Joaõ Mercúrio, Apollo , e Marte.
• Nota 3 77. Se os Menezes concaíTe , fora pouca
A voz mais elevada , e melhor ai te ,
Pois deu o Ceo por timbre dos Menezes ,
Vencer os Mahometicos Arnezes.
81.
Vendo Alfragan ao Soufa , e ao Pereyra ,
Que guiavaõ as indicas quadrilhas ,
Alfim continuou na verdadeira ,
Pintura das futuras maravilhas ;
Nota 378. Souía feUz , que tanto na groíTeira
Efcuridaõ do tempo em glorias brilhas,
Três vezes , ja o ouvifte, o privilegio
Terás de ver teu tronco outra vez Régio.
85
Canto V. 143
85.
Tefouro de valor tira das Minas Nota 57<);
Huma proíaiMa gcncrofa , e forte ,
E António tez voar as Lufas Quinas
Até as collocar na Hefpcria Corte :
Sc cu merecefle infpiraçoens divinas , Nota; 80'
Dcfcrevera u valor , pintara a forte,
„ Com que o progenitor admira , e doma
Invencivel Galiza , fabio Roma.
84;
Do mefmo grande Aífonfo Rey terceiro Nota 3 8 r.
Outra familia excelfa fe deriva
Ja elevada ao titulo primeiro
Com Real aliança fucceíTiva :
De UliíTes a Cidade , a que hum guerreiro Nota 382,
Teu defcendente outavo em força adtiva
Do Hifpano hà de livrar , veja hum Prelado ,
Que á purpura illuftrou o ardor íagrado.
85.
Única, bella , fabia fucceíTorâ Nota 5 8 5.
De Lufitania , e Belgia ao fangue augufto
Luiza foy da idade ainda na Aurora
No Oriente gofto . no Occidentc fufto .•
Morreo , porque morreo o bem , que adora ,
De trágico fucceíío , 6 cafo injuílo i
Do amor , da morte em fetas penetrantes
Matafte em hum fó golpe dois amantes !
86.
Miguel filho de Pedro alto Monarca , j,^ _ ,
E que ainda naó tocava o luítro quinto ,
Paliará do Aqueronte a fatal Barca ,
De que outra Barca he fimbolo diftinto :
Conjurando-fe a Enveja , invoca a Parca ,
E no mar , como o Sol , o deixa extinto ,
Naõ para renacer mais que na gloria ,
Na fama , na faudade , c na memoria ;
87.
144 Henriqueiãa
87.
Será galhardo , amável , e erudito ,
Ágil, fcience, varonil, conftante,
O animo generofo , o peito invico ,
Dócil, cortes, magniíico , elegante :
Naõ falte ao Tejo eternamente aflito ,
Vendo-o nas fuás ondas naufragante.
Para expiar tal culpa em triftes agoas
O immortal pranto das funeítas maogas.
88.
Eu na5 faria trágica efta fcena ,
Mas o génio fatal , que em mim domina ,
Nota 585- Que eternife a Miguel aíTim me ordena ,
Sem poder reíiftir força divina :
Nota 58^. Tu , Pereira feliz , a tanta pena
Modera na fortuna , que deftina
A Fortuna mayor , que fobre os aftros
Forma eílatuas de bronfes , e alabaílros,
89-
Nas eílrellas naõ vez ? pois eu o vejo,
O efpirito mayor , que o mundo admira ,
Nuno , que defempenha ao teu dezejo
j, Quanta nobre ambição gloriofo aípira:
Por quanto abraça o Louro , lava o Tejo ,
O Minho rega , eo Guadiana gira,
Vença , e chorem de Kcfpanha a gente rota
Nota '87 Atoleiros , Valverde, Aljubarrota.
' '' 50.
Santa origem fera , e tronco egrégio
De tanto Heróe Real , que de Bragança
Naõ fó produz o facro Louro Rcgio ,
Mas roda Europa em Ínclita aliança :
Coroado o nativo privilegio
. Vio fatisfeica aníiofa huma efperança ,
O tronco Portuguez tendo opportuna
A Juftiça , a conftancia , e a fortuna.
91.
Canto V, 145
91.
Sylvas j e Cunhas nobre paralelo Nota 58?.
Do SoIio de LeaÕ reproduzido ,
Da guerra , e da politica o modelo
Tem em canco Varaó eíclarecido :
Se em individualos me dcfvelo ,
Naó cabe tanta gloria em hum íêntido ,
Ambas fagrada purpura adornava.
Ambas coroa bellica illuftrava.
^ 9i.
De Sylva ao grão NJiguel Roma refpeica , Noca 589.
E a difcriçaõ admira generola ;
De Cunha Iníigne Nuno fatisfeica
Deixa de Europa a expectação anííofa;
Tanto ao Mayor Monarca bem aceita _ ^ ^^^ ^^^'
Será fua virtude prodigiofa ,
Que brilhando a modeftia mais que a forte ,
Terá coluna a Fé , defenfa a Corte.
95-
No nome igual , na profiflaÕ diverfo Neta 391.
Outro Cunha terror do Gentilifmo
O Império Luíitano no univerfo
Dilatou por vencer até o Abifmo :
Aires também venceo rito perverfo , ^ota, 591.
Deixando ao Mahometano em paraíifmo ;
As fabias producçoens vejo illuílradas
Conduzindo Heroinas coroadas. Nota? 9;,
94.
De Ataides , e Almeidas igualmente ^
De donde nafce o Sol adonde morre °^^ ^^^*
Em Luiz , e Jcronymo íèaugmente
A fama , que em dois mundos canta , e corre :
Hum, e outro Ataide , que excellente ,
Vencendo varonil fabio difcorre ,
E em defcendentes feus reproduzidos *,
Se regeneraó doies taõ luzidos, ofa 3954
T 55-
1 46 Henriqueida
Nota 396. FranciTco entre os Almeydas fubflitue
Ao Rey , que dcícobrio o Eoo Império >
Com o feu appiíido deílribue
Nota 597, Joaó prudente aceito ao Rey no Iberio:
Do feu Principe a gloria concribue
Qiie lhe fia o politico mifterio
Pedro qne o fegue inrrepido fe expunha
Nota ^9S. Em Valença, Aragaõ , e Catalunha
96.
Em quanto a Mahometana aítrologia.
Da luz os caracteres defcifrava,
E com furor da occulta profecia
Muito mais claramente os explicava ,
Hum , e outro efquadraó igual corria,
E de Lifia o triunfo feílejava .*
O luzimento alternao no teatro
Hum a hum , dois a dois , e quatro a quatro^»
97.
Sem defar , fem perigo , fem acafo
Da Gineta exercitaõ os primores,
^, Cada filho do Zéfiro he Pesafo ,
Que de Etonte íe alenta nos aidores:
Veíligios naõ fe vem no campo rafo
Dos velozes , e prontos voadores ;
Ja unidas quadrilhas faõ contrarias ,
As cores por mais bellas íaõ fô varias,
98.
Guiou Moniz a efcararruça airofa ?
Que de muitos tecendo-fe hum fó fio ,
C laufula foy da fefta mais viftofa ,
Termo do mais galhardo defafio :
O ouro na opulência generofa ,
Que aos Cavalleiros enriquece o brio ^
Nos laicos lhe fervio embaraçados
De fio aos labyrintos intrincados.
Canto V. 147
Madrugou mais a Aurora fucccfliva
Para avizar ao Sol , que fem defmayos
Se quizeíTe adornar da luz mais viva.
Que a matéria fucil dà aos feus rayos ;
Vefte ao dia de gala taó feftiva
Para admirar os bellicos cnfayos ,
Que perguncaõ os aftros ao orizonte ,
„ Se Jove refufcica ao feu Faeconce. Nota 400-
100
A Praça do Romano anfiteatro ,
Imitando a perfeita arquicetura ,
Formou em íemicirculo o teatro
Do Crco na vaíliíTima figura :
Na porçaó , que cortou ângulos quatro
No commodo , e na vifta , que procura ,
Facilita os dezejos , e os ardores
A muitas vezes mil expecladores.
lOI.
Com Henrique , e Tereza Affonfo eftava »
E na infância animado o tenro affeto
„ Mais ao Numen de Carquere invocava ,
Que o divertia o majeftofo objeto
Celefte génio o facro ardor lhe dava
Com certo aufpicio , com feliz projeto
De que fizefle culco taõ devoto
Taó grande o beneficio , como o voto.
lOl.
De Tereza, e de Henrique amada filha
Três luftros naõ cocava a belia Urania ,
Que para fer do Mundo maravilha
Nafceo no Occafo Sol de Lufitania :
Tanto em retratos íeus a Fama brilha ,
Que em França,Hefpanha, Itália, Anglia, e Germânia,
Seus rayos ainda em fombras exprimidos
Deixaó todos os Principes feridos.
Tii 103,
1 48 Henric[í4eidà
103.
Nota4oi. Dom Bermudo de Trava mais ditofo
Foy no amorofoâíFedo , que o defvella ,
No obfequiQ fino , e culto decorofo ,
Sua eílrclla lhe deu taó clara eftrella ;
Foy deftinado ao tálamo gloriofo
No Real himineo de Urania bella :
Urariia digo .• o tempo irreverente
Urraca lhe chamou groíTeiíraraente.
104.
Em nome da Princeza o Cavalleíro
Dos Limas varoniz tronco preclaro
Se ofíereceo bizarro aventureiro
A fazer efte dia único , e raro :
E como na arte equeftre era o primeiro >
Como he hum fó na esfera Apollo claro >
Também fó com fuás luzes reverbera ,
Que Sol foy , que brilhou na Lufa esfera.
105.
Nota 402. De Ftiopes cativos a cohorte
Piendeo dourada nitida cadea
Com tal arte enlaçada , e de tal forte 5
Que a mão o fufil ultimo encadca :
Todos eíles efcravos defiro , e forre
Na guerra Mahometana ao ferro enlea,
E ao ver de Urania a fuperior deidade ,
Lhes deu , e elie a naõ tem > a liberdade.
106.
Montava airofcv em hum Cavallo andrino?
Qiie pela cor cuidava , que gozaffe
Do alvedrio , mas nega-lhe o deíVino ,
Que ao racional feguiíle , ou ímitaíTe j
Antes mais prefo ao freyo ferve fino
Ao aceno mais leve , porque achaíTe
DonK.do o fogo , que feros fahia
Do vivente carvaõ , que o efcondia»
107.
y Canto V. 149
107.
De pedras os matizes preciofos
A fella guaineciaõ , c os jaezes ,
Brancos airoens de paíTaros airofos
O coroaó voando muitas vezes ,
Os Teus intentos vagos , e pompofos
Prende o chapeo , mas naõ veftindo arnefes,
Bermudo em negro trage acha motivo
De que ainda o cortefaó vença o feílivo.
Regulando ajudados movimentos
Entrou no Circo o bruto , e ao compafíb
De acordes militares inftrumentos
Concordava o veloz defembaraíTo:
Parece que aprendeo os documentos
Da dança , que exercita paíío a paífo ,
Das liçoens , que com mortes infinitas-
Foraõ fatal eftrago aos Sibaricas. Nota403.
109.
Ao chegar ao balcaó tanto a prefença
De Urania o vay com rayos perturbando ,
Que o temor naó fe occulta na detença ,
Com que vay ao Bucefalo guiando :
E a naó achar nos olhos recompenfa ,
Com que a Princeza moftra o gefto brando 3 ^
Teria a tanta luz nefte orifonte ' Nota 404»
Duas vezes o eílrago de FaetontCé.
1 10.
O negro bruto as lanças Africanas
Rompeo fo de Bermudo dominado ,
Mas defpedindo as fetas inhumanas
Hoje temeo fer de outras fulminado r
Por iíTo obedeceo às leys tiranas
De Bermudo , e três vezes retirado
Confeguio nefte obfequio acreditarfe ,
Pois nunca o enfmára a retirarfe.
1^0 tJenriqueida,
1 1 1.
Nota4Õ5. ^ Touro , a quem a magica Medéa
Em Colcos com encanto o fogo apaga ,
Nota40(>' o em que Jove occulcou a amante idéa,
E com Europa em ondas naõ naufraga ;
Nota4o7. O que Febo em Abril com luz rodea,
E com eftrella ardente nos Ceos vaga ,
Nota 408. Nem o que cenfurou Momo importuno ,
Na producçaõ perfeita de Neptuno.
IIZ.
Iguala ou ja na fúria , ou ja na forma,
Nota 409. o Touro , que ao Zodíaco da praça ,
Como em terreftre figno íè transforma ,
Com influencia trágica ameaça :
A vifta apenas a Bermudo informa ,
Que com valor , defembaraço , e graça ,
Com rumor leve de hum trovão enfayo
Relâmpago brilhou , e ferio rayo.
115.
Enveíle o Touro , e com tal fúria enveíle ,
Que eftando ja ferido deu hum falto ,
Em que quafi igualando-fe ao celefte ,
Parece quiz fubir ainda mais alto :
Firme o braço , ò Bermudo entaó tiveíle,
E elle de alento , naõ de fúria falto
Morto bramío , e em bronze parecia
Nora 4 10. Que o do tirano artifice fingia.
114.
Foge aos applaufos o galhardo Lima ,
Que a modeflia ao valor fempre fe iguala ,
Entra em outro Cavallo , em que feeftima
A deftra força mais que a airofa gala :
Era da cor madura , que fublima
O fruto , em que a Provincia fe aíTmala ;
Porem no alto , no forte , e no groíTeiro ,
Só o excedia o mefmo Caílanheiro.
115.
Canto V. iji
115.
Outro animal manchado achou no Corro ,
Que a naõ nafcer na ardente Lufitania ,
Entre os Tigres carnivoros difcorro
O adoptara por filho a adufta Hircania s Nota4i2<
Pouco fez em vencello , que foccorro
Achou nos olhos da divina Urania ,
Que ou eftando parciaes , ou inimigos ,
Nelles tem os remédios , e os perigos.
116.
Porem ruípenfo na bellcza rara
Se deícuidou da defatada fúria,
E fe pronto o Cavallo naõ voltara ,
Padecera o caftigo a amante incúria :
O bruto , a que a traição fó amparara.
Pagou deprefla a imaginada injuria ,
Porque caindo o lenço ao Varaó forte ,
Satisfez ao defar do Touro a morte.
117.
Branco final de paz julgava o bruto
O lenço que cahio ao Cavalleiro ,
E ja cuidava cm retirarfe aftuto
O inftinto irracional rudo , egrofíeiro >
Mas logo defmayou ao refoluto
Impulfo de inftrumento mais guerreiro »
Que aos golpes o caftiga inevitáveis
Até fendo os defares inculpáveis.
118.
No aâiivo impulfo , e claro luzimento
A efpada de Bermudo em golpes duros
Em cada giro a anima hum elemento >
Rompe da meya Lua os fortes muros:
DameyaLua, que em furor violento, Nora4ii,
Vendo os feus flancos curvos mal feguros.
Perdendo os feus reparos defeníivos,
Arieces fe fazem ofFenfivos>
1 J 2 HenriêjUelda
119.
Rendidas as defenfas exteriores ,
E aberta a brecha na vivente praça ,
De Tangue lium fofib em liquidos furores
Por algum tempo os golpes embaraça:
A efpada nos íeus rápidos ardores f
Até fabe vencer quando ameaça;
Sobre o Touro o Cavallo parecia
Nota 41 5. Que o Pelion fobrc o Oíla ao Ceos fubia.
1 20.
Nota 4 14. Terceira vez hum rayo Tranílagano ,
Que unio a cor fanguinha , e a cor fufca,
Ao que 9 efpera Alcides Luíitano,
Sahindo da prifaõ , ligeiro bufca,
E naò abate o ímpeto tirano,
Vendo o ferro da lança , que o offufca ;
Cerra os olhos , ás iras dando emprego,
A' luz , e á fúria duas vezes cego.
iií.
Mas apenas fentio a aguda lança ,
Qiiando golpe mayor aftuto evita,
Em pedaços a haftea aos Ceos alcança ,
E ao próprio Marte algum receyo excita:
Como de viver mais teve eíperança
O Touro , naõ fe atreve a quem o incita ,
Bermudo por cobarde ja o defprefa ,
Sufpende a força , uzando da deftreza.
1 22.
Tanto o perfegueem fim , tanto o provoca,
Qtie irritado cavando a terra dura ,
Pede o bruto por huma , e outra boca,
Que ainda vivo lhe dem a fepultura;
Mas taõ leve o rejaó fempre lhe toca,
Que tormento mais laigo lhe alTcgura :
Mil fortes executa a cada pafib
Com deftreza , primor, defembaraíTo.
1 1 5s
Canto V, IJ3-
DeíTangrada cahio vicima indina
Do invencível valor , bruto cobarde ,
Outros o feguem , donde achou mais dina
Refíílencia o feu braço aquella tarde .-
Até qne hum Touro de intenfaõ malina.
Que das três Fúrias entre as chamas arde.
Vendo hum bruto que a neve em cor compecey
Ardente o feros Touro o acommete.
124.
Vio Urania a malévola Megera Nota 4 15.
Incitar com açoute ferpentino
Do Touro a fúria , e ainda foy mais fera
Com o infernal efpirito malino ;
Fere o Cavallo , Urania coníidera
Perigo ta(5 mortal no amante fino ,
Que eclipfadas as luzes dos feus rayos,
Deixou do prado as rofas em defmayos.
115.
Os Princepes acodem cuidadofos
Ao fuílo da Princefa , mas tirando
Bermudo a efpada , os golpes pavorofos
Em hum fó golpe foy multiplicando:
Foge a Fúria aos impulfos valerofos ,
E o Touro , quando a aréa eftá pifando ,
Vé que lhe falta , e com a horrenda guia
Ainda vivo ao Trifauce defafia. -m . ^
Nota 41 ^•
126.
Bermudo corre a ver de Urania bella
Dcfmayada a fineza compaíTiva ,
Do Amor fc queixa , e dcfejara vella
Antes fer mais cruel , que menos viva :
Renace, e rcnaccndo a minha Eftrella
Ainda que refufcices fempre efquiva ,
Naõ íó farey por tanto beneficio
Da vida , mas de Amor o facrifício.
V 117.
I j 4 Henriqueida
izy.
Abre os olhos Urania , e reftitue
A luz , que ao mundo rouba outro emisferio ,
Com faycr vivifica quanto iníiue,
Nota 4 17. Y^j^, Q Oriente dois Soes no Lufo Império.-
Das três graças nas leys que conftitue
Nota 4 18. Dcfpreza do defmayo o vitupério
Julgavaõ-íe as trcs Deofas vitoriofas
Mas ja fogem rendidas , e invejofas.
128.
Tornao ao roftro as nacaradas flores ,
Naõ fó porque o feu mal fe defvanece ,
Mas porque mais fe avivaõ nos rubores
Do motivo, que a todos apparece.
Bermudo ao puro affedo nos ardores
Sacrifícios prepara, louros tece;
Mas a Murta prefere , pois retrata
Nota4I5^. Vénus propicia antes que Dafne ingrata*
1 1^\
No dia fucceííivo fe prepara
Toda a equeílre deftreza em bum torneyo >
E como Henrique o campo aíTegurara,
Os Mouros concorrerão fem receyo.
Deixame , Mufa , hum pouco , em quanto avata
Guarda a noute o primor , garbo , e aííeyo ,
Com que Henrique magnifico deftina
Militar culto á imagem mais divina.
HEN-
^55
HENRIQUEIDA
CANTO VI.
Argumento.
Mantenedor oc culto applaude Aldara ,
A quem combate Lucidoro amante
Muitos campeoens amor também prepara. ,
Muley no defafio entra arrogante :
Henrique viõ o templo , que fundara ^
E nos futuros vio a Fé triunfante ;
Fejiivo culto ccnduzio Maria :
Aldára em triles duvidas temia,
I.
Antes que em doces vozes Filomena
Explique os íeus luaviíTimos pefares ,
E na harmonia equivocando a pena
Alegre os campos , e entrifteça os ares }
Do famofo corneyo , que íe ordena >
Recumbaõ inrtrumencos militares ,
Para que em terra , e Ceo fe unaõ canoras
Vozes fuaves , claufulas fonoras.
2.
Quando a primeira luz o Sol moftrava>
Na Praça hum valerofo Cavalleiro
Seu luzimenco tanto acreditava,
Q)ie por illb em luzir era o primeiro :
Pe ouro , e de azul as armas matizava
L ando do p iro indicio verdadeiro
Ko ouro das Tetas , com que amor o rende,
E no azul do ciúme , que o offendc.
Y ii J.
I j 6 Henriqueida
5-
Sobe no elmo huma cerúlea pluma
Para avivar a cor do Ceo , que iguala ,
Porque ao ciúme hum fimbolo reíuma ,
Em hum Camaleão bem o aíllnala :
E por mais que do ar viver prefuma
Nem neíia propriedade o defiguala
E ambos cambem recebem com cemores
Inipreílbens falfas das primeiras cores.
4.
A azulada vifeira ao roílro cobre >
Porque nella fe occulcem os affetos ,
Que nas vcas azues a alma defcobre ,
Quando pinta o receyo os vãos objetos :
ATpide de Zafiras fe defcobre
Sobre o peico de ferro , e nos projecos
De inficionar o amor mais receofo
£ntre flores fe efconde venenofo.
S-
Sobre argentado efcudo o mar íe efmalta >
Que a hum Cto nublado as cores equivoca ,
Põem na divifa a alma , que lhe falta ,
Para explicar a pena , que o provoca :
Deidade de huma esfera ainda mais alta
Adora amante , e temerofo invoca.
Diz a letra > explicando aníias violentas ,
Inconftancias naõ pinto , mas tormentas.
6.
Brandindo a lança ao mundo defafia
Hoje o mantenedor com garbo tanto ,
Que por ver taõ galharda bizarria
Mais cedo tira a noute o negro manto ;
De Sol a Sol no circulo de hum dia
Quer fer de Africa horror , de Hefpanhá efpanto >
E com edito publico declara ,
Que fó elle merece a bella Aidára.
7-
Canto VI. 157
7-
Até Henrique o certo nome ignora
do illuílre Cavalíeiro do ciumc j
Dcfperca Aldàra ao defpertar da Aurora ,
E quem feja efte amante naõ prefume ;
Naõ pode fer Muley , que fino a adora ,
E que em feu coração o amor refume ;
Nem fora defenfor dos Luficanos
Para íer agreílor dos Mahometanos.
8.
Naõ defconhece os trágicos eífeitoSj
Que vc repreíentar íua belleza
No teatro infeliz de tantos peitos.
Que fe abrafaõ nas aras da fineza .*
Mas quantos alvedrios fatisfeitos
Da eícravidaõ adoraó a fereza,
Ainda quando prefumem dos infultos
Temem a pena no filencio occultos.
Taõ ofFendida eftá de que appareça
O Cartel do galan defvanecido ,
Que publica o haver quem a mereça
No feu contexto breve, e prefumido j
Que naõ hc muito tanto fe enfureça
O feu rigor nas anfias opprimido ,
Que acendendo do roílro as bellas rofas
Até fizeíle as iras mais fer mofas.
10.
A téa , que brilhante apparecia ^
E do ouro do Tejo fe enriquece ,
Em largo eípaço o Campo dividia ,
E de ricos brocados fe guarnece :
De mil Clarins de prata na harmonia
Eco tanto fe alegra , e defvanece ,
Que refpeitando os nobres inítrumentoSo^
fíaó fe atreve a partir doces acentos^
t£.
158 Henriqueida
1 1.
Incógnito hum ayrofo Cavalleiro
Occupa a Praça em hum manchado Econte ;
Verde penacho traz o aventureiro ,
Porque a fua efperança íê remonte .•
Nas armas de efmeralda hum verdadeiro
Retrato deu o prado ao orifonte :
No efcudo hum rayo a hum louro desbarata ,
E a letra ; o Ceo fe vinga de huma ingrata.
12.
Ao verde campeão o azul oppoílo
Correrão deííguaes as duas lanças ;
Cahe o primeiro , c moftra ao ferro expofto,
Que o ciúme he quem mata as efperanças .•
O defengano no ciúme he gofto,
E he pena da efperança nas mudanças :
AíTim ao Louro , ó Africo , desfolhas ,
Levando-lhe a efperança as verdes folhas /
13-
Nao foy mortal o golpe , e defcobrindo
O roftro ao Cavalleiro defgraçado ,
Todos conhecem o infeíiz Galindo
Da bella Aldára amante defprefado :
Como mais que o robufto eftima o lindo ,
Deu ao mantenedor pouco cuidado ;
AíTim vifte , 6 Adoniz , ultrajarte
Nota 4io. Do ebúrneo dente do animal de Marte /
14-
Mais atenção levou fero Alcabruno,
( Todos eraó da Corte Mahometana )
Ama Aldára , e condcna-o de importuno
O rigor da belliíTima Africana :
Mas de vingarfe o tempo acha oportuno
No que a offende no nome , que profana ;
Para que quando a ninfa em varia forte
O aborrece rendido , o eftime forte.
ij-
Canto VI. 1S9
Fora definição anticipada
O nome, que a Altabruno fe pufera,
Que na grande cftacura , e cor toftada
As duas propriedades merecera.-
Mas a eftatura taõ proporcionada >
Porém a cor taõ agradável era,
Que nem como gigante a vifta âfíbmbra.
Nem deixa de ter iuz na viva fombra.
16.
Muito íe aíTmalou na Perfia , e Lídia , Nota4ií.'
Naó fó de Marte em militar paleftra ,
Porém na efcola equeftre, em queNumidia
Aos ferofes Cavallos fabia adeftra í
Naõ tem de Africa a barbara perfídia ,
Mas taõ ágil valor , força taõ deftra ,
Q_ae galhardo em torneyos , e terrível >
Sc nomea Altabruno o invencível.
17.
Tinha em nome de Aldára fuftentado
Em Fez do Circo os jogos com tal gloria,
Que fó de hum coração por dcfgraçado
Nunca pode alcançar huma vitoria :
Mas agora , que a vé , de novo armado
Dos rayos , que illuftrando-lhe a memoria >
Lhe davaõ clara luz na trifte aufencia,
Augmenta o feu valor doce violência.
18.
Monta hum ruço queimado alto , e fogoro>
Que o Campo Tingitano gera , e cria ,
E no grande, no ardente, e no fumofo
Vivo monte de cinfa parecia :
Armas da mefma cor vefte animofo ,
E também feu incêndio defcobria
Sobre o Ethna com neve efte compendio :
Naõ ha neve , que encubra o meu incêndio*
1 6o Hmriqueida
Corre a primeira lança com cal fúria ,
Que cego defenconcra o íeu contrario ,
Cobardia naõ foy , nem foy incúria ,
Mas eíFeito do aíFeco extraordinário .*
Interpretando o erro como injuria
Defte accafo , ou prefagio crifte , e vario ,
Retira a lança , que da mão naõ folca,
Bufca o mantenedor em outra volta,
20.
NeíTa região etérea fludaante
AíTim fe encontra na celefte guerra
A cólera de Jove fulminante ,
Que em duas nuvens rápida fe encerra :
Nota 412. E á horrifona voz do graó Tonante
Clama o Ceo , foge o mar , e treme a terra,
Porque o mundo padeça entre defmayos
Os trovoens j os relâmpagos , e os rayos.
21.
AíTlm foy o rumor dos golpes rudos ,
Aífim o fogo , que ferirão logo
As lanças , que quebradas nos efcudos
Rayos foraõ de luz , rayos de fogo ;
Naó penetrarão ferros taó agudos
Nem a defenfa , nem o defafogo >
Com que os dois eampeoens novos Mavortes
Os vibraó feros , e os recebem forces.
22.
As primeiras três haíleas foraõ rotas ,
Sem que nenhum dos dois perdeíle a felia ,
Defprefaõ ambos armas taó remoças,
E á maça de armas cada qual apella.
As deílrezas da arte mais ignotas
Excrcicou a forca , e a caucella ;
Cego Alcabruno dos feus forces braços
Menos os golpcí faõ , que os ameaços.
Canto VI. l6t
2-3-
Aproveita-fe o illuftre Lufiuano ,
Que naó perde o acordo , nem na iia,
Da fui ia , com que fere o Mahomecano,
E inteiro o cimo de Altabruno tira :
Sencc o deiar ; arroja-fc inhumano,
Como fc hum alço monce cntaó cahira ,
De hum falco ao Luficano fobre os hombros,
Que ao Mouro lança em cerra com aflbmbros.
14.
Ainda que cobre ao campo a branda arca,
Como era de íi próprio o precipicio ,
Tal golpe o Mouro deu , que fe recea ,
Que fofle efte da vida ultimo indicio :
Henrique , a que a piedade lifongea,
O fez curar benévolo , e propicio ;
Mas elle , que a morrer fe perfuadc ,
Tem por mayor caftigo efta piedade.
Hum Caftanho do Betis , pés calçados , Nota4tj.
( Cuido pelo veloz , que de Talares )
Monta o mantenedor ja defcaníados
Os alentos em tendas militares :
Elle , e feu efcudeiro disfarçados
Naõ deixaó ver os roílros com peíares
De quantos tal valor atentos viaõ ,
E o mais forte campeão defconheciaõ.
Galhardo aventureiro agora vejo ,
A quem armas cor de fogo diftinguiraó
Em dourado Ginete , a quem do Tejo
As douradas aréas produzirão:
Objedo foy Aldára ao feu defejo ,
'E defde que nafceo , logo influirão
Nelle as luzes fataes deíla deidade
Iguaes ambos no fangue , iguaes na idade,
X 27.
i6i Henriqueida
Defcendia da eílirpe de Alidoro,
Que cm l ez tinha reinado em tempo antigo •,
A Coroa perdeo , naõ o decoro
No (Q[^ injullo fado , e inimigo ••
Era infeliz o illuftre Lucidoro ,
Tendo de benemer'to o cafligo.
Oh cruel , varia , barbara , importuna ,
Falík 3 infiel , malévola fortuna !
28.
Gentil, fabio , valente, e generofo.
Fazem a Lucidoro taõ amável ,
Que ao Rey , ou prevenido , ou envejofo ,
Tanta virtude o fez dcfagradavel ;
Porém diíTimulando cautelofo ,
Temendo o Teu direyto incontraftavel ,
A' Coroa Africana , que ufurpara ,
Efpcranças lhe deu da bella Aldára.
29.
A tirana , adorada , única filha
A Politica diz ; mas como ignora
Que ella a Muley o altivo peito humilha $
E que elle fino , e miíteriofo adora;
Vendo que Lucidoro tanto brilha
Dos verdes annos na primeira aurora ,
Teme que Aldára , quando o favorece ,
Com mui pouca violência lhe obedece.
50.
E ainda que he illufaó efte ciúme ,
Detinha a Lucidoro , e fugitivo
Veyo a Lamego , pois fervir prefume
A Ninfa amada em cativeiro efquivo •*
Vendo o cartel , que occulto amor refume
De vaidade em caracter exceíllvo ,
Corre a vingar a incógnita ouzadia ,
E em ira nobre acefo aíTun dizia.
Canto VL 163
51.
Fclice Cavalleiro , fe he fel ice
Quem fe quer oftentar defvanecido,
Acaba de acabar a hum infelice ,
Que vem a combater hum prefumido :
Nada o mantenedor entaó lhe diíTe,
Evitando na voz fer conhecido ,
Moftra-lhc outro cartel , donde fe lera.
Que por mais fino amante a merecera.
31.
Agora , ó Cavalleiro , mais me offendes,
Pois antes te cedera effa beleza,
Que fem a merecer muy vaó pretendes ,
Por mais fortuna , que por mais fineza;
E em quanto hoje de inim te naõ defendes ,
Vé , e lé nefie efcudo a minha emprefa :
De noute hum Girafol traz Lucidoro ,
E a letra , fcm ver figo a luz, , que adoro,
33.
Nas armas de Rubi o Sol ferindo,
Retratando fe o Ceo nas de Zafiras ,
Vaó os dois contendores ja brandindo
Nas duas lanças as ciofas iras :
Vc Lucidoro , que lhe vay fogindo
O Cavallo , e lhe diz.- tu te retiras
Bruto infiel , que fempre ao meu preceito
Foíle dócil, domeílico, efogeitor* Nota424.
34-
Queres irracional , que ncfle acafo
A gloria , a vid.i , o picmio , o nome exponha ?
E logo|o biuco , oh prodigioro c?/o/
Moilra ter compaixão , ou ter vergonha:
O mais rápido voo do Pegafo,
Mas que entre o Ceo , c a Terra fe interponha ,
Quando deflePerfeo do Firmamento,
Naó igualou taõ pronto movimento.
Xii 35.
I ^4 Henriqueida.
Na meya volta as lanças fe encontrarão,
E ambas errando os fulgidos efcudos
Na terra até o enriftre íe cravarão , *
Nota 42 5' Quafi temeo Plutão os golpes rudos ! j
Vigorofos os dois defenlaçaraõ
Os ferros , que ja faõ menos agudos ,
Embotados nas pedras , que eftaó dentro
Da molle aréa no profundo centro,
56.
Das fendas , que abre a terra , ó maravilha/
Sahe chama , que as lanças logo atéa ,
Ou he que forma o ferro ardor , que brilh»
De pederneiras na efcondida véa ,
Nota4i6. Ou que Ceres bufcando a amada filha
Duas vezes inflama a facra téa ,
Refgatando-a do Abyfmo os feus carinhos
Pelos dois profundiflimos caminhos.
Queimaõ-fe as haíleas no fatal incêndio 3
Rompem-íe as maças íobre as armas fortes ,
As cípadas com hórrido difpendio
Ameaçavaô fúrias , iras , mortes ;
Mas como fó da guerra era compendio
O feftivo torneyo , aos duros cortes
Deftes rayos de Marte defatados
Os fios naõ eftavaõ afiados.
38.
Ainda aíTim fupre a força defmedida
A fabia prevenção nos contendores ,
Todo o Circo atroou qualquer ferida ,
Os golpes foaó mais do que os clamores ;
Do que os clamores , que huma voz unida
Rompe para aplaudir os contendores i
Mas cahio Lucidoro ; 6 mal terrivel i
E o dcfarma o campeão íempre invencível.
39-
Canto VI. 165
59-
Hum ay ! fe ouvio de Aldára ; naõ que amaíTe
Ao amante infeliz , mas compaíTiva
Teme que a trifte vida lhe cuftaffe
Fineza caõ eftranha , c excelíiva :
Baftou cfta piedade a que ceíTaíTe
De Lucidoro a dor , que tanto aviva ,
Eo Cavalleiro occuko com acordo
O reftaura do eílranho defacordo.
40.
Hum fiel efcudeiro , que o feguira ,
Lhe rega o roílro com o fino pranto ,
Morto o julga , e no elmo , que lhe tira ,
Vè , que o partira hum golpe com eípanto :
E grica : Oh fabia , ó Maga Rofemira ,
Que armas falfas forjou teu cego encanto I
Eftas com juramentos execráveis
Tu me afirmaíle fer impenetráveis.
41.
O' flor dos Cavalleiros Mauritanos ,
O* dos Califas fucceflor illuftre , Nota427«
Príncipe deftinado aos Africanos ,
De Europa admiração , de Africa lufire I
Se hiima batalha aos ferros Luíitanos
Vos mataíTe , naõ fora vil desluftre ;
Mas quem vos trouxe , ó Lucidoro fino ,
A fer de huns jogos facrificio indino /
4i-
Aflim clamava o mifero efcudeiro ;
Mas vendo que ainda o Principe rcfpira ,
Nos feus braços o leva do Terreiro,
E para as Regias tendas o retira :
Dos golpes convalece o Cavalleiro ,
' Mas o amor , o ciúme , a dor , e a ira >
O fazem a Lisboa retirarfe ,
E nas armas buf^ar , com que vingarfe.
41.
1 66 Henriqueida
45-
Ofman O groíTo cambem foy vencido ,
Orcane o forte volta maltratado,
Hall o negro ííca mal ferido ,
Ofmin o largo cahe deílroçado :
Elche o deítro confeffa-fe rendido ,
Hazin ò branco em Tangue eíhi banhado,
Zaide o ditoíb perde a antonomafia ,
Vence hum fo Europeo Africa , e Aíia.
44.
Teme o Sol o valor do Heróe occulco >
E intenta ja fogir para o Oriente ,
Mas ao longe apparece hum negro vulto,
Qiie corre á Praça atropelando a gente :
Antes que acabe o foberano indulto ,
Que aos Africanos hoje aqui confence.
Quer dar do feu valor inteira copia
O amante Cavalleiro de Etiópia.
4r.
Mas como agora chega a eftc deílrito,
E o cartel lé do amante mais ditofo.
Que a publicar íe atreve em hum edito,
Que mereceo a Aldára vangloriofo ,
Julga que em íbu amor fora delito
O naó concradizcllo valerofo ,
Naó hoje, porque o dia cila acabado ,
E naò buícava hum contendor canfado.
46.
Mas naõ vos pede , Soberano Henrique,
Que àmannaa concedaes a tanto brio ,
Qlíc outra vez o torncyo fe publique ,
Pois pede campo para o dcfafio :
Permiti , que o feu nome naõ explique ,
Nem de vos , Grande Principe , confio ,
Quem hc o nobre Etíope encuherto ,
Sem cilar íeu contrario defçub-crto.
47.
Canto VI. 167
47-
Fingindo a voz o vencedor galhardo
Diflc acticava no ícguince dia
O defafio achando o cempo cardo ,
E que cilas condiçoens ló adniitia :
Sem arnias , que íeiviflem de rcfguardo ,
Eípadas , c punhaes lo elcolhia ,
A pé , cuberco o roftro , e naõ fe achafle
Ko Campo quem com vida os íeparafle.
48.
Muito fentio o Principe excellentc ,
De que jogos a aíluncos fuperiores
Se vilícm cranstormados brevemente
Na Icena dos antigos gladiatores : *t
Mas ainda que violento , às leys confence,
Que propunhaõ os fortes contendores :
Sahe do Campo o Embaxador do Nilo,
A luz acha na íombra o trifte azilo.
49.
Girava a Corte entre os difcurfos vários ,
Que caufaó os rariíTimos fuccefibs ,
Todos fem conhecer os dois contrai ios,
De hum no troneyo admiraõ os progreíTos.*
Em Aldára naõ foraõ temerários
Os juizos j que formaõ Teus exceíTos j
O co^^acaõ acerta fenfitivo ,
E mais prefago foy que difcuríivo.
50.
Que culpa tem , ó Fado , a fermofura,
( Diz Aldára ao feu próprio penfamento )
Que expoíla ás fem razoens da forte dura
Em cada perfeição acha hum tormento >!
Devo de fer fer mofa , que a ventura
• Aífim me deixa entregue ao fentimento,
E fe o fou de mim foges mal nafcida f
Quando foy a fealdade apetecida ?
51-
1 6 8 Henricfueida
51-
Qiic de Africa , e de Hefpanha o claro império
Perca no cativeiro dilacado !
Que por iiuin íolio encontre hum vitupério i
Que matalle a Almançor Henrique ouíado /
Que a Lua eclipfe a luz nefte emisferio /
Que me deixe meu Pay no duro eftado /
Tudo liey de tolerar na trifte queixa ,
Mas que farey quando Muley me deixa ?
Mas ay : que há mayor mal do que deixarme,
E he fe foíle Muley , como fofpeito ,
Quem corre disfarçado por vingarme
De quem vive de i\ caó fatisfeito :
Em trofeos repetidos quiz moftrarme
A fortuna , que tema o duro effeito
Do defaíio , que hoje fe prepara ,
E fe morrer Muley , naõ viva Aldára.
Forjou Pelayo Amado eftas cadeas ,
E por mais que ignorados feus affecos.
Até agora encobrio loucas idéas ,
Bera Çqy , que faõ meus olhos os objetos :
Também (^y , ó Muley , que naó rcceas ,
Que rendaõ ao meu peito os feus projetos ;
Nem que por fer mais forte , ou mais dicoío ,
O teme o teu alento generofo.
54-
£u fim o temo quando te ameaça ,
( Se he o mantenedor , como imagino )
Pois tu tens contra ti minha defgraça,
E elle tem ja por fi o teu deílino : ,
Porque vive quem tantos embaraça ?
Porque a morte outra vez naó determino
De huma infeliz , que ainda que innocente;
Se faz por defgraçada delinquente l
S5'
Canto VI. 1 6^
55.
A Ley cruel hoje a aUlftir me obriga
Ao tirano efpccbaculo funcfto ,
E que o que vence hum favor meu configa
Do feu valor por premio manifcfto :
Eftá depoficada a fatal liga
Para hum fim taõ impróprio , e taõ moleílo :
Zéfiro efte crofco naõ íe atribue ,
E outra vez hum accafo a reílituc.
Afllm voaõ os vagos penfamencos
Da infelice bellillima Princeza ,
Enternecendo aos meímos elementos
Dor que perturba o Cco de huma belleza :
Do Sol , que nafce , os puros luzimentos
Nunca a chama moftraraõ taõ acefa ;
Pois do roftro de Aldára as vivas cores
Com purpura inflamarão feus ardores.
57.,
Vem Tereza bufcala , e conduzila ,
O refpcito aos íeus olhos foy colírio ,
As pérolas enxuga , que deílila ,
Encubrindo em obfequio o íeu delirio :
Na janela apparece taó tranquila,
Que occultando a violência do martírio ,
Quando com mais crueldade a eíiimula.
Para augmentarlhe a força , o diiamula.
58.
Ao mefmo tempo a monomaquia fera Nota425>.
Para objecto fatal íe prevenira ,
E a tantos coraçoens move , e altera ,
A huns a compaixão , a outros a ira :
Nunca de Grécia a idade mais fcve.a ,
Que erpédcculos trágicos admira,
Movco a íimpatia da paleílra Nota 4 50 ;
Na mufica cromática da Orqueílra. Nou^ji
Y ^9.
' I yo Henriquèida
59.
Nunca os Heroes mudados em adores
Nota45 2. OeSofocIes , e Euripidcs no pledro
Com affectos , e acciícos fupcrioies
Se viraõ auinijr do aclivo mecro :
Nota45 3. Nem de crille catafíroíc os furores ,
Qiiando dcípoja aos Reys devida, e Scecro,
Applica as arençoens com íimpacia,
L'0 que a trágica ícena aqui movia.
60.
Entrarão os dois ernulos amantes
No Campo a paílb igual por parce oppofta >
Os vertidos decentes , naõ brilhantes
Até donde huma raya eftava poíla :
Quiz Henrique dos ferros penetrantes
Dos dois punhaes a fúria ver deporta ,
Alfanges curtos , e no pcfo certos ,
Cuberto o roftro , os peitos defcubertos.
61.
Egas Moniz á Praça fe transfere ■ /
Da Regia autoridade revertido ,
Do deíafio as leys aos dois referes
E em tom grave fallou nerte íentido :
Henrique digno de que no orbe impere.
Parte ao vorto furor tem remetido ;
Porque de alguma forte fe deshonra
Quem na barbara fúria pós a honra.
62.
Por ilfo dos punhaes a morte breve,
Ainda que a efcolherteis , naõ permite ,
Só da efpada , e dos braços fiar deve
Qualquer de vòs a ira , que o incite ;
Nota434. Divide linha reda a área leve,
Que do vortb furor fera limite :
Ambos na cfpada day os juramentos
De eftar de impuro amor , c de ódio izentos.
^3-
Canto VI. 171
Juráy , que naõ trazeis fuperfticioíos
Caraòléres , e cfpiricos indinos ,
E que ambos fois por fangue gcRcrofos,
E de afpirar á illulhe Aldára dignos :
Mas para que huns alcncos caõ briofos
Já poflaó eíperar prémios condinos ,
Terá o vencedor a branca venda ,
Do amado bem a ineftimavel prenda.
64.
Naõ quer faber quem fois , porque o vencido
Aos feus olhos naõ fique com defaies j
Porém o vicoriofo conhecido
Trofeos no Campo erija militares :
O Sol também por mim cílá partido ;
Naõ haja voz ouzada , que dos ares
Soe , intentando barbara incitarvos ,
Ou pretenda facrilega animarvos.
Naõ vio Roma no feculo triunfante
Contra o Pvhinocerontc do Oriente
Enveílir formidável o Elefante,
Qiie no irado fe efquece do prudente :
Nem aquelle com fúria fulminante
O corno afia contra a tromba ingente ,
E efpcrando o fmal com impaciência,
Ancicipar furor , moftrar violência.
G6.
Como aos eccos das caixas , e trombetas
Correrão os contrários taõ velozes ,
Que ao fahir de dois arcos duas fetas
Nem mais ligeiras faõ , nem mais atrozes :
Dentro dos coraçoens clamaõ inquietas
Prefas do d aro edito muitas vozes ;
'E fe todas gricaflem animadas ,
O rumor fõ fe ouvira das efpadas, .
Yii Ó7.
lyi Henriquetda
67.
O Eciopc bufcava o peito forte
Do Luzicano pela oppofta parte,
E (ç^m o feu reparo pronta morte ,
Ainda ícnao imnjortal , tivera ívíarte;
Mas efte le avih'nha de tal forte ,
Que a fúria confervando as leys da arte,
MoíVra em dois contendores taó preclaros,
Qiic faõ iguaes os golpes , e os reparos.
Pafiou o Lufo a afimalada raya ,
Egas o adverte, occnpa logo o pofto
Do angulo recaio , cada qual fe eníaya
A medir a diílanciaao ferro oppofto ;
E porque naõ pareça , que defmaya
O valor á dcPcrcza agora expoílo ,
Se empcnliaõ vigorofos fo na oífenfa
Mais do que fe apurarão na deffenfa.
Ambos no lado efquerdo cílaó feridos.
As mafcaras de fanguecílaó banhadas ,
Correndo das cabeças repetidos
Rios de fangueem duas cotiladas :
Os golpes taó iguaes fe vem medidos
Entre os dois , que falcando-lhe as efpadas
Ao Fneímo tempo , fó entaõ fe vira,
Que a maij direita cadaqual ferira.
70.
Apertaraõ-fe em laços taõ eílreitos ,
Que amizade parece o que he ló ira ,
Tanto fe uniraò os valentes peitos ,
Que com o alento de hum o outro refpira .-
Sc do vigor perderão os effeitos,
A fuprilos o efpirito confpira,
Ncnlium fe defmayou eflando exangue,
•Porque a alma immortal naõ perde o íangue.
71.
Canto VL ly^
71.
Ambos Anteos na terra a hum tempo cahcm,
E delia com mais forca íc levancaõ,
Ambos Alcides , po?*que nau dcfmayem ,
No ar com muis vigor ao mundo efpancaó;
Vias cm rios purpúreos tantos íahem
Eípiritos , que efpiritos quebrantaó,
Qiie em hum ponto os contrários esforçados
Cahiraó , naó rendidos , mas poftrados.
7'--
Egas corre piedofo , exclama Henrique,
Urania chora , mas Tereza adverte ,
Que os roítros lhes defcubraó , e fe applique
Pedra , que eílanque o íangue , que fe verte :
Mas que Mufa haverá , que a pena exphque
Da triíle x^ldára , a quem a dor perverte
Vendo como o temia o feu deímavo,
Que hum he o feu Muley , outro he Pelayo.
75.
Antes que as luzes dos feus olhos bellos
Em dois fatacs defmayos fe eclipfaflcm ,
Os rayos dos feus nítidos cabelos
Arrancou , porque ao mundo fulminaflem j
Delinquentes feus braços quiz prendellos
Urania , porque nunca a maitratafibm ,
Por piedade caftigo applicar deve
A culpas de criftal prizoens de neve.
74-
Todo erâ gelo o roftro , todo gelo
Era o Tangue , que em purpura o tingia ,
Taõ congelado eftava o corpo bello ,
Que huma eftatua de neve parecia ;
Cloto em defmayo eterno quiz deteilo
No circulo , em que o rápido corria ,
Mas da Parca o Amor vence os furores,
E criunfaõ dos gelos os ardores.
75'
174 Henricjuetda
75-
No dcfmayo Cupido reprefenta
Ao coração , que o leu idioma entende,
Que Pclayo , e Muley a hum tempo alenta
Nota45<í. Com erva vulneraria , que os detende ;
Aíilm foy , porque a vida aos dois izenca
De tanto mortal golpe , que os ofende ;
Alquife em Medicina taõ profundo ,
Que os fegredos de Apollo explica ao mundc,
Também deu vida a Aldára nefta cura,
E Henrique generofo remunera
A Aídára o fabio , que tal bem procura,
Com huma copa deouro , e huma esfera:
Nota4;7. Efta , abreviado o Ceo , a luz lhe apura
Nos aftros rutilantes , que numera ;
Nota 4 3 8. Grava a copa Chiron docbo Centauro ,
Nota 4 2 9. ^ ^ Numen Serpentino de Epidauro.
^ _ 77.
Moniz tao igual julga o defafio.
Que o premio aos dois amantes jufto nega ,
Valor , dcftreza , gala, amor, ébrio,
Sem difFerença a admiração emprega.-
Entrou o ardente Deos no império frio ,
E na Corte o efpanto naõ focega.
Por ver fó defcuberto em hum defmayo
O miíleriofo afiecto de Pelayo.
78.
Condenaõ os políticos afturos
Que o coração Pelayo aífim rcndefie,
E tendo taõ illulhes atributos ,
A huma infiel , a huma inimiga o dcííe;
Quem de Amor os decretos abfolutos
Por certa experiência reconheííe,
Naó fe admire , que unidas na defgraça
O vença difcriçaó , bellcza , e graça.
79-
Canto VI. 175
79.
Ja pródiga efpalliava a branca Aurora
Pcrolas , com que enfeita as lindas flores ,
Quando Gialdo chega, que acégora
Airiilia de Carquerc aos primores .-
Diz a Henrique : a puriflima Senhora
DcO.e mundo inferior, e dos fuperiores,
Qi.ie há pouco amanheceo neQe cniisferio ,
Deidade he tutelar do Luzo Império.
So.
Primeiro das Gentilicas deidades,
Depois íervindo aos Mahometanos ritos.
Edifício cxiília , a que as idades
Reípeitaraõ por tempos infinitos :
Os muros confervey , e as impiedades
Purifiquey dos bárbaros delitos ,
E fem perdera antiga arquitetura,
Supre ao jafpe a madeira , e a pintura.
81.
Maria tem por Vos decente hum templo
Milagre da incanfavel diligencia ,
Se naõ o mais magnifico o contemplo ,
Tem proporção , riqueza, ordem, decência*
O Ceo vos diz , que com taô fanto exemplo
Régios Heroes da voíTa defcendencia
Faraõ mais fumptuofos edifícios
Coníagrados de Deos aos facrifícios.
82.
AfFonfo à alta deidade agradecido ,
Que em Carquere a faude lhe promete.
Aos filhos do Mellifiuo efclarecido
As dadivas magnificas repete:
Vafi-o edifício cerca o templo erguido ,
Do Mundo as maravilhas foraó íete:
Maria em Alcobaça Soberana .
Deixa envejofo o templo de Diana. ota44i.
83.
1 7 5 Henriqueida
Outro naõ deíigual devoto erige
iNota442. jyjjj.Q ^(j Mondego ao lenho Sacroíanro,
E aos filhos da Águia de Africa dirige
A vida ícguiar , e o Culco Sanuo :
Nota 44 5. Da gloria de Gufníaó bem fe colhge.
Pois na Regia Tereza brilha canto,
Qiie à 1j atalha dará marmóreos muros
Rayos de eitrella .íaò , claros , e efcuros.
84.
Nota 444. Dciempenho fera do ardente voto
Da outava geracaó , que fe eterniza :
Com nome igual hum Rey de Hefpanha roto
De outro de Liiia o nome immorcaliza :
Nota445. Hum defcendente feu grande, e devoto.
Undécimo Varaó , que fe divifa,
Outro Belém formando no Occidente
Leva de hum Deos o oriciuc ao aiefmo Oriente.
85.
Nota44í?. Filhos do do6to interprete divino,
Que em Belém explicou Sagrado Texto,
E expôs com raro etludo , e peregrino
Da lingua Santa incógnito contexto ;
Servirão a efte templo augurto , e dino ,
Cauía da devoção , e naó pretexto ,
Fazendo Deos ao Rey , e aos íeus erários
Nota 447. í^ais de três Rcys do Oriente tributários.
^ „ O evo decimo outavo conte o mundo,
44 • £ ^^^ j.^^j decimo outavo defcendente
De animo heróico , de friber profundo.
Sacro edificio faz mais eminente .-
Nora 44 9. Oa Cidade , a que o khaco facundo
A gloria deu , e o nome eternamente.
Pouco Mafri fe aparta , para donde
Nota 450. Calixto fe levanta , o Sol fe eícondc
í
Canto VL 177
87.
Monres fc abatem , valles fc fubiimaó,
Formaõ-fc vias Apias militares , Nota4ii.
Com prémios os artífices íc animaõ
A abreviar as obras lingulares .-
Precioías pedras , ainda que as opiimaõ
Priíbens da terra , fobemaos alçares;
E ainda que fe refiftem importunai) ,
Voaó aos obelifcos , e colunas.
88.
Robufla , e delicada arquicedura
Da geometria as proporçoens obferva,
Dos marmóreos matizes à Pintura
Aqui a natureza naõ referva ••
Nos íeus vivos primores a Efculcura
Heròes tantos ao tempo aíTim preferva ,
Que as cores , que empregava o deftro Apelies,
Servem nas producçoens de Praxiceles, Nota 45 2,'
Os pincéis dos finceis nada envejofos
Eternizaó também facras hiílorias,
Sem ouro os ornamentos íumptuofos
No r.rtificio enriquecem novas glorias ;
Pir.imidcs nos bronzes luminofos
Da devoção trofeos, da Fé vitorias :
Aidem com feus incêndios nunca exhauftos
Da piedade abrazados holocauftos.
90.
Do Serafim de AíTiz o humilde rico Nota 4; 3.
Numerofo eíquadraõ, e penitente.
Guarda com regra cal nerte deftrito ,
Que a difciplina obferva fantamenae: ^
De Maria o dedica ao infinito ota4y4.
Patrocinio, e ao Santo , que excellence
• Terá vencendo o tempo, a forte, ocafo,
Em Lisboa Oriente, em Pádua Occaío.
1 7 8 Henrique ida
91-
Com língoas de metal mil prodigiofos
Voaó viventes bronzes animados ,
Que em alta confonancia harmoniofos
Chegaõ aos Ceos com feus canoros brados :
Gig.intcs faõ pelados , que animofos
Sobre montes de mármore elevados
Nas torres vigilantes fentinelas
Nota455.Sem impiedade aQalcaõ as Efttellas.
91.
Nota45(5. Será do Sacro voto defcmpenho
Hum Príncipe galhardo, ei admirável.
Donde as virtudes , o faber , o engeniio
Seraó do Rcyno gloria perdurável :
Bellifllma Princeza fino empenho
Da prizaõ de Himeneo no laço amável ,
De Hefpanha , e Portugal na alta aliança
' Satisfazem reciproca efperança.
95. _ .
Em Carquere fe apure o vaticinio,
CeíTem agora os jogos , que profanos.
Se íatisfazem pios o definio,
Saó por fanguinolentos inhumanos :
Algum dia fera voíío dominio
Izento de efpectaculos tiranos ;
Ley contra os defaffos juíla alcança,
E o brio naó dependa da vingança.
94.
Vinde famofo Heróe , vinde Senhores ,
Ceda à Imagem Divina o íimulacro ,
Multipliquem-fe em luzes os ardores.
Com que hoje há de brilhar hum rito Sacro •'
As lagrimas dos vicios aos horrores
Expiem com puritTimo lavacro ,
Por que fó as que naccm da alegria
Nas clatazulas íe enxuguem da harmonia.
í?5'
Canto Vi, 179
Do generofo Henrique o peito adivo
Ordena, que ao criunío de Maria
Apparcça no dia íucccírivo
Quanto ao feu culto há muiros prevenia ;
A Muley viíltou , e compallivo
Poftos, riquezas, glorias prometia ,
Se apartado do erro Maliometano
Goncorrelíe ao triunfo Soberano.
Elle esforçando a voz debilitada
Pelos rios de Tangue, que perdera ,
Lhe diz : naó {c^y , Senhor , com que animada
Violência em mim voíTo preceito impera ••
A vida , a liberdade fogeitara
Com facrificio fino , ,e Fé fmcera,
A feguir quanto explica cíTe projeto
A minha obrigação , e o meu aíFeto.
97-
Mas a honra me prende na homenagem
Do grande Rey de Fez, que fírvo ha tanto,
E he mais indiíToluvel vaffalagem
A que profeíTo ao meu Profeta Santo :
Mas fe hc taó poderofa nefla imagem
A pura May de hum filho facrofanto , Nota-4.?7
Se he certa a voíTa ley , para que a admire ,
Com inftancia, lhe peço , que ma infpire.
9^8.
Henrique alegre o toma nos feus braços,
Elle lhe diz , que logo ha de auzcntarfe ,
Que das feridas os violentos laços
Permicaõ fem perigo o retirarfe: vjg -j^
Que Aldara poíTa ver fem embaraços, ' ■
Lhe pede com inftancia ao apartaríe:
'Henrique naô lhe nega efta licença ,
Que aceica por mais alta recompenfa,
Z ii Pi?,
1 8o Henrlqueida
99.
Bufca logo o Heroe ao feu Pelayo ,
E ao vello com temor , e com refpeico,
Transformou o obfeqiiio em hum defmayo ,
E o fuílciícou o Príncipe em feu pcico :
Logo refpira em caõ picdofo enfayo ,
E Henrique receando o criíie eíFeico ;
Só lhe diz que huma vida caõ illuftre
Perderfe em vãos combates he defluílre.
lOO.
Diz Pelayo animando o defalento ,
VoíTas vozes , Senhor , fe contradizem ,
Pois por naó augmcntar meu íêntimento ,
Me dizem mais em quanto me naó dizem :
Bem (cy vos encubri o amante intento ,
Sem merecer que a pena me fuavizem ,
Naõ me dando efta vez raayor caftigo j
Se amo a filha de hum K^y voiTo inimigo.
101.
Como fer feu efpofo me impedia.
Seu rigor , minha Fé , voffo intercfle ,
Para explicar as anfias , que fentia
Julguey que a permifiaõ naó fe me dcíTe:
Augmentavafe a publica alegria ,
Com que o mantenedoí naõ fe foubeíTe -,
Bem podeis perdoar hum nobre eífeito
Do decoro y do amor, e do refpeito.
102.
Trocar fe em defafio efte torneyo
Naõ foy minha eleição , pois fó me obriga
A que o admita naõ moftrar receyo
A' gente Mahometana, e inimiga.
Mas he dos meus fentidos trífte cnleyo
Ver que a pia Deidade me caftiga ,
Pois celebrando o Numen Soberano
Confundo o amor facro no profano-
i®5
Canto VI. i8i
105.
É O Varaó gcnerofo o admocfta
Com lagrimas diícretas , e benignas ,
A que modere a pena , que o nioleíla ,
E a vida exponha em occaíioens mais dignas : "'■
Pelayo lhe aííegura ; e manifcfta.
Que hum nobre amor tím faz acçoens indignas ,
E fará quanto Henrique de crecára j
Excepto , fe mandar naõ ame Aldara,
104.
Já do triunfo facro os ecos foaõ.
As tochas fe repartem rutilantes.
Os clarins fuavizaõ quanto atroaó,
Enriquecem-fe os carros triunfantes :
Os eftendartes pelos ares voaó;
Adornaõ-fe as figuras mais brilhantes :
Virtudes faõ , e o mundo aqui fe mude.
Porque vio efta vez rica aviítude.
105.
Em quanto alegremente fe previnem.
Seis vezes nace o Sol, féis vezes morre,
Em todos varias feftas fedeftinem.
Que engenhoza alegria entaõ difcorre.'
Para que os mais velozes fe examinem ,
Premio terá quem mais ligeiro corre :
Jà fe vê levantada por divtfa
Em dois eíladios cândida balifa.
106.
Silvio Paftor da Beira foy primeiro
Em correr coiu Montano o Tranfmontano,
Efte mais forte, o outro mais ligeiro ,
Hum parte confiado , o outro ufano;
Silvio fe adiantou ao mais groííeiro;
Melhor o alento confervou Montano,
, E qual fahe do arco a veloz feta ,
Montano alcança o premio , e chega a meta,
107.
1 8 2 Henriqueida.
107.
Foy o preço hum Ncbli de prata fina ,
Que aos vivos igualando na grandeza ,
Moncano , a quem o premio íc deílina,
Eilima os naõ iguale em ligeireza :
Deufe a Silvio huma Garça , que feimclina
Ao Nebli , que voou com maispreíleza,
Ainda que eia interior, naõ foy delprezo
Ter o menos veloz o menor pcfo.
108.
Coração (ó formado de hum diamante
Foy alvo , e premio à mais ditoía feca ,
Que acertaíle voando em hum inílante
A breve , dura, epreciofa meta;
Era Adónis do Tejo Liíidante
Hum caçador, que a ave mais inquieta,
Por mais que gire , e voe em vago arrojo,
He dofeu tiro trágico defpojo .
109.
Ama Amarilis Ninfa, que no Douro
(Que a fua formoíara bem retrata )
Tem nos cabellos as áreas de ouro,
Moftra no roftro a preciofa prata :
Tirfo paftor da Beira efte tefou-ro
Pretende , mas a Ninfa ambos maltrata ,
Porque he feu coração incontraílavel
Mais que o diamante duro , e invulnerável.
1 10.
O Amor invocaõ> e as douradas íetas
Os dois de longe deftramente tiraó ,
Voaó exhalacoens , correm cometas ,
Fulminaó rayos , e planetas giraó ;
Giraó , porém malévolos Planetas
Taes rigores influem , taes infpiraõ
Defdcns na bella Ninfa, que adorarão j
Que o duro coração naó acertaiaõ. ,
III.
Canto VL 183
III.
Mayor mal , que o defar hoje padecem ,
Porque no infeliciírinio naufrágio
Outro favorecido reconhecem
Do ciúme em malévolo contagio ;
Hum galhardo Francez, que dcfconhccem, Nota485.
Difpara aícta, e com feliz prefagio
Acerta o coração , e o rende fino ,
E de hum , e de outro premio fe faz dino.
1 IX.
Hercules de Rohan era , e valente
Hercules no valor , e força eftranha.
Que Amarilis amava occultamente,
E encuberco faira de Bretanha ;
De Bretanha, em que reyna ilíuftremente,
Epor fervir a Henrique na campanha,
Eexporfe voluntário aventureiro.
Encobre o Soberano no guerreiro.
m-
Neíles , e em outros jogos bellicofos
Os heroes mais infignes fe entretinhaõ ,
Em quanto os apparatos maisfamofos
Apelar dos dezejos fe detinhaó :
Já Pelayo , eMuIey ambiciofos
De nova gloria novo alento tinhaõ :
Bufca Muley a Aldara ao defpedirfe,
E aíTim lhe diz donde naõ poíTa ouvirfe.
114.
Já que naõ permitio , beíla homicida,
O fado , que ao meu bem nunca he propicio j^
Que perdendo por ti a triftc vida ,
Fizeíle mais completo o facrificio;
De todo morrerey neíla partida
Tendo nas faudadcs exercício
O pranto em finas lagrimas desfeito ,
Qne o fangue , que ainda tem , veica o meu peito. >
115.
1 84 HerjricjUeida
Eu parco, mas de ti fó me apartara
Voltar taõ prontamente alibertartc.
Que (c a Vénus excede a bella Aldara ,
Quando a adora Muley j naõ cede a Marte:
hlRcy teu Pay o exercito prepara,
E feguem ao feu bellico eííandarte
Quantos Toldados tem de Africa a terra ,
E deu Lifia vencida em dura guerra .
iió.
Nota 45 9' ^ Eílreito Hercúleo , o Gaditano pego
AtraveíTou armada numerofa ,
De huma batalha bufcará o emprego,
Logo a Coimbra fendera famofa :
Coimbra, que he a chave do Mondego,
Com que íe fecha a Beira bellicofa ,
E fe oufado o focorro intenta Henrique ,
Força fera, que derrotado fique.
117.
Por ti avifa, que Axa tem tramado
Huma confpiraçaõ muy bem ordida ,
Enella Affonfo, que ha de íer roubado ,
Será penhor, que te aíTegure a vida;
Axa com feu esforço denodado
Também hade livrarte , e defendida
Por mim, que heide voltar para fervirtô,
A té o Mondego pode conduzirte .
iiS.
Muftafá , que em aftucia he novo UliíTes ,
Te dará ainftrucçaõ, anoute, a hora:
Faça amor meus projeros mais felices.
Do que os outros fe viraõ ateagora .•
Algum dia naõ fcjaõ infelices
Os votos dehum amante, quete adora;
E acenda mais Cupido as duras fragoas
Com o animado ardor das mirdias magoas.
115.
Canto VL 185
119.
Naõ fofrc o teu refpeico ,cmeu decoro,
Qj-ie finca de Pcla3'o os vãos excdibs.
Pois do ciuinc o vil affeclo ignoro ,
E no meu coração nau tez progrcílos :
Sabes o bella Aldara , que te adoro ,
E em meus infeliciírimos íucceiros
Como firme hcy de achar tua conílancia,
Naó temo datorcuna outra inconílancia .
120.
Seguro eílás , Aldara lhe refponde ,
De quem tuas finezas reconhece,
Segura a ElRey meu pay , que cor refponde
As fuás leys quem fina lhe obedece:
Mais quifera dizer, que o peito efconde
Aííecto, que fe tanto o naõ prcndeíle
O decoro , o concurfo , que chegara,
Pode fer que aprendelo naõ bailara.
121.
A Muílafá carta dei Rey entrega ,
E he certo que ignorava o que continha,
Que a boa ley , e a obediência cega
Fez que ignoraíTe o mal , que nella vinha:
Náo ^ que com vento profpero navega,
Ave que voa, Cerva que caminha,
Naõ igualaõ Muley , que fe defpcde ,
Que ao penfainenco iguala, ao vento excede,
I Z2.
Duas cartas o Mouro achou inclufas,
Huma Hali Rey de Fez lhe remetia ,
Na fua as inftrucçoens vinhaõ diííufas
Do roubo , que do Infante pretendia :
Ade Aldara expreíToens faz taõ confufas ,
Que fó dos feus mistérios fe entendia
^Oque bailava para o fentimento,
Com que lhe deu feu Pay niayor tormento l
Aa li 3»
l86 Henricjuetãa
123.
Em quanto Axa outra carta Ic contente,
Porque ElRey lhe promete libertala ,
E lifongea a fua cliania ardente
Na ocaziao , que lhe dá para incitala ;
Aldara fe retira occultamente
A ler-, mas hum prefagio lhe aíTinala
Hum tremor, que a fufpende, e a eílimula,
E muda í6 feus males articula.
124.
Filha, Iheefcreuc, quando a tua auzencia
Naõ pode confeguir cirarrae a vida ,
A mayor guerra, e a mayor violência
S^Y que nunca hcf deter por homicida:
Na6 cuides que aconftancÍJ ,ou que a prudência
Curarão com o tempo efta ferida;
Quem a mitiga he (6 huma efperança
De pronta, certa, e afpera vingança.
I25-
Subjuguey aos rebeldes Tingitanos ,
Conquiftey de Numidia o varto Império,
Dilatey os limites Africanos
Muito dentro do tórrido emisferio ;
De poucos colligados Lu/icanos
Recebi duplicado vitupério ;
A Almançor fepultou rápido o Douro,
E em ti perdi meu víiico tefouro,
\i6'.
Aftuto Muftafá, Muley valente
Com Axa incomparável Heroina
Vnem o forte, o heróico, eo prudente
Para caufar a Portugal ruina:
Hum roubará Atfoníb defcramente ,
O outro a libernrte íc dcllma,
E Axa com íeus parciaes hade ampararte,
E te cx)nduzirá para livrarte.
t Canto VI. 187
1Z7.
, Muley de Muftafó trará noticias
Do íkio para o campo ailínalado,
Das horas para a cmprcía mais propicias.
Da lugar para a Corte deciCtado r
E porque naó defpcrtem as malicias ,
Vendo huma copia os três dcfte tratado,
A todos inflruccao vav diíbrcntc,
E â dilTimulacaõ fcmpic he prudente»
118.
Na noite, em que chegar ao novo Templo
O triunfo, que ha tanto íe previne.
Por própria aos meus intentos eu contemplo ,
Que a huma empreza raõ árdua fe deftine;
Da fua Religião o falfo exempla
Com eftc máo fucceíTo íc arruine.
Vendo quando Maria eftá triunfante,
QjAC eu levo por cativo o feu Infante,
l-LÇ).
Pella parte de Arouca diffílaraa
Valerofos Toldados efcolhidos ,
Em trage de paifanos diffarçaraõ
Os varonis impulfos prevenidos:
Nos carros entre frutos ocultarão
Os arnefes mais fortes, que luzidos j
E no campo acharam para montallos
Dos mefmos inimigos os cavallos.
150.
Faltame fó fazerte huma advertência.
Em que huma alta politica fe encobre,
E hc faber que Muley com mais violência
Os feus nobres aíFeclos te defcobre :
E te ordeno , que moftres na apparencia.
Que ao feu igual ardor teu peito cobre ;
,Mas tudo fem perigo do decoro,
forque efpoía has de íer ^^ Lucidoro,
i88 Henriqueida
Minha idade avançada naõ permite ,
Que o deixe, e íeus parciaes com tal diíeito ,
Sem que Taiba de certo , que o admite ,
Como o mais digno império , hoje o teu peito :
Huma guerra civil naõ tem limite ,
Que naó produza perigofo eíteico •,
Em fim por caufa occulta , e muy forçofa,
Nora 460. Tu de Muley naó podes fer efpofa.
O efpirito fútil , que iníiama o rayo ,
A que a frágil matéria naó refilie,
Porque penetre em fulminante enfayo
Duro metal, que no feu centro exifte ,
Naõ produz dano igual, igual defmayo ,
Qiie o coraça"i fentio de Aldara trifte ,
Qiiando fem que oífendeíTe os olhos logo
Abiaza ao firme peito o leve fogo»
AlTim fe queixa ; ò timida efperança ,
Que com fingidas glorias lifongeas ,
Para eniíanar huma infeliz lembrança
A ambiciofa illufaó de outras idéas :
Se nos meus males há de haver mudança ,
Porque cm ecerna duvida os enleasr*
E fe a naõ ha de haver, porque em meu dano
Prcndclle com o engano o defengano ?
154.
Nos npparcntes longes da alegria
Gaílaílc o cabedal do fofrimento ,
E augmentas o dilirio da oufadia,
Preferindo á verdade o fingimento?
Só com a fem rezaó de huma porfia
Jnfamafle arazaj de hum fentimento ;
E a hum golpe atroz meu coração ferido
He mais cruel por menos prevenido.
Canto VI. 189
'35.
Ingrato Pay, que hoje o meu mal pretendes,
Naó baila que em defcuido taõ grofleiro ,
Quando da ercarvidaõ me naõ defendes j
Mc deixes cm taõ longo cativeiro.^*
Se me queres livrar, porque me ofendes ?
Tiras-mc do alvediio o Ter prim.eiroí*
E da tormenta em huma breve calma
Livrafme o corpo por prenderme a alma ?
136.
Tu naõ me deíle o fer , pois fe mo [deras ,
Hum -benefício tal naõ deílruiras ,
Ou o amor , que gerafte conheceras ,
Ou o feu fino ardor naõ me arguiras :
Se a ti de Africa os afpides , e as feras ,
Te infpiraraõ venenos, deraó iras,
Naõ tenho eu ptodudor de tanta injuria ,
Quem vio o Amor fer filho de huma fúria?
157.
Se eíTa razaõ , ou fcm razaõ de eftado
Der eíTe vafto Império a Lucidoro ,
Outro Império mayor tenho ganhado
No coração , que eternamente adoro :
Outro enigma occultaíle ao meu cuidado,
Tiras-me a vida, arrifcas-me odecoro.
Pois conclues dizendome terrivel,
Que fer eu de Muley he impoíTivel.
158.
Nao he elle de eílirpe tao gloriofa,
Que primeiro que a tua vence Hefpanha ?
Naó conta a fua eípada valerofa
Em cada golpe feu huma façanha?
Alma heróica, fubliíTie, gencrofa ,
£ de amor a fineza méis elhanha,
JSciencia , difcriçaõ , garbo, deftreza.
Pontualidade, agrado, c gentileza. <*
1 9 o Hemiquéídá
Pois fe iílo naõ defculpa a fimparia ,
Q}ie cu luermo em meu Peito fom^ncafte,
E quancio a Lucidoro o preferia ,
Que em tudo me igualava me aíirmaíle ;
Qtie noticia, que caufa , ou que porfia
Faz que revogues quanto decretafte?
Quem te dille com falfo vaticinio,
Que ás almas fe eíteadia o tea dominio l
140.
Muley naõ fabera taõ novo intento.
Porque quero- evitarte hum inimigo ,
Que tem para o ingrato, e o violento
No feu valor prontiiTimo caítigo :
Nem faberá meu roftro o meu tormento \
Eu bufco a Muftafà , e a Axa Ggo :
Ainda con vida quero, que me vejas.
Para verme morrer, como defecas.
14L.
Seguindo as inftrucóes os conjurados ,
(Que de Aldara 03 difcurfos interrompem)
Buícaõ entre os cativos os Toldados ,
'Que por ver o triunfo as prizoens rompem
Pelo indulto de Henrique libertados
A os benefícios com treiçoens corrompem 5
E a noite fucceíTiva ao fanto rito
Querem inAeis que firva ao feu delito.
HêN,
19 1
CANTO VIL
Argumento.
Deu Henrique aos cativos liberdade^
Axa a huma rebelião falfa os convoca ,
Magnifico triunfo da Deidade ,
Valias novas rreiçoens dura. -provoca :
Nocturno ajfalto em barbara impiedade
A'- luz, do e feudo magico , a que invoca ,
Axa, o Infante expondo a grão perigo^
No N-umen tuteUr acha o caftigo.
1-
A o excelío triunfo de iViaria
Concorrerão do Ceo as luzes bcUas ,
Na mefma noke fe anticipa o dia,
Suprem ao To! , a lua , e as etlrelias:
A Imagem mifteriofa enraò fe via,
Servindolhe as celeíles fcncinellas.
Nas cílrcllas, na lua, e foi luzido ,
De coroa, de trono, e de veílido. oa4
2.
Simholo feu íê anticipou a Aurora
Das fombras defendida, e preservada,
E do foi da juftiça precuiíora
Dos rayos lhe modera a força irada :
Delia o afiro nafceo, que o Mundo adora
Sem que rompefle a nuvem illufirada
,E apuraó as celefies filomenas
Canoros voos, harmonioías penas.
li
Tudo êmííofthòs admira o pi^ Henrfque,
E deípeicandí)Vi<Ji campo dei perca va^ i íúA
Faz que a todo o cativo fe publiques* «lOi fiííH
Liberdade, que tanto dczejava ; ': ^ :íJiH
Que eíle indulto geral fe notifique , \ K
'^'^■mM Ordena, e-'que fó delle reícrvava, abaaV
Pelo obrigar politica cautela , >« oZ
Com os Reys de Lamego Aldára bella. * ^
4.
-^Naõ quero, diz, ó triíles Mahomeranos ,
Ver nos votlos íemblantes as ideas, a):4.i^-ií-..
^^i^ên'.; Qiie a alegria dos ânimos vfanos va ^up' .
Malencolicas turbetii , manchem feast^jÊosMâCI;
Nota 46 i. Se imitaíTe os triunfos dos Romanos , O ,
Bem pudeta levar vos nas cadeas > ■■ ;- .-'Ay\ v'J.
Atando ao carro a barbara vaidade ^ioVaíri ?iO^
No triunfo mayor de-humâ DH^idadev^P pk^SiM^
"'^^^'^■^%Ias como ella concede !0^''íeÉRSf^auípicÍQS
Para o mundo fahir do cativeiro i>,^«ííS?íí^i=SiíP'Jie^>
Participay de tantos beíieíicios^»' ^f =
E deixay de humà vez rito groífeirõ :
Achareis Teus influxos caõ propícios,
Se hoje feguisò citito verdadeiro ,? "3i ^
Que tereis , efquecidos os iníultos ,
Eternos bens , benévolos indultoSi
6.
Alguns ouvindo a Henrique íô convertem
Rendidos aos aficdos gencrofos,
Outros , que com favores fe pervertem ,
A treiçaõ diirimulaó cautelofos : <
Em ElRey de Lamego então fe adverfem- : v.
Sinais enternecidos , e piedoíbs , " ^.:>7 ^>-. j .^
De que ja com as luzes da verdade ia d mi-^Q .1- ,
Mais que a prifaô íeíicira a liberdade*-. .'- :-:i -"^
Canto VIL 193
7.
Axà a confpiraçaõ lhe communica,
Mas ElKey lhe refponde a naõ approva;
Ella com razoens fortes lhe replica,
Elle com caufas juftas as reprova:
A Rainha os motivos juftifica
Vendo que Henrique na amniftía nova Nota 4^3
Só aos dois rigorofo exceptuara,
E a infelicí" , e foberana Aldara.
8.
Que aos três mais oífendeo neíla referva ;
E aíTim romper deviaõ a omenagem,
Que em fonhos vira a Palias, e Minerva Nota4(j4í
De Maria roubar a nova imagem ;
Que a imprudência de Henrique hoje os pcrícrva
De fofrer taõ indigna vaíTalagem ;
Pois em feus incereíTes naõ difcorre.
Quando com fuás armas os focorre.
9-
Naõ tens , refponde o Rey , que perfuadirme >
Porque fempre imprudentes teus proje6tos
Confeguiraõ perderme , e deftruirme ,
Dominaihio tirana os meus afíedos •
Que fonhos , que vifoens queres fíngirme
Da cega idolatria em vãos objectos ?
Multiplicando infiel o fer Divino ,
Quando negas hum Deos , que he Una, c Triao?
10.
Renovas dos Romanos , e dos Gregos
Superftiçoens no mundo ha tanto extintas ,
Quando aos que eraó mais fabios, menos cegos
Foraó allegorias indiftintas ?
Fabulas, que aos Poetas faõ empregos^,
Como verdades foHdas me pinças ,
, E nem bufcas defculpa em taes horrores
De fer a religião dos teus mayores?
154 Henriqueiãa.
11.
Naõ eftranliaràs muito , dando o exemplo ,
Que eu cambem deixe o Mahometano rico .• v?
Que abominável eu cambem contemplo
Nota4(j7. No bárbaro Alcorão com ferro efcrito.*
Segueme, amada efpofaj bufca o templo
Dos Chriftãos , reconhece o teu delito j
E Tece deixo, e tua idolatria,
He fó por Ter efcravo de Maiia.
12.
Eu , a Rainha diz , em ti refpeico
Hum efpofo, ainda fendo taõ indino.
Porém já obra em ti magico eíi-eico ^
' ' De algum encanto períido , e malino :
Efte punhal do teu cobarde peito
Vertera o Tangue por caíligo dino ;
Mas fique impune taõ horrendo infultoj
Porque de que te amey gozas o indulto.
15-
Se a Religião, que figo, e cu declaras,
NeíTa tua ignorância conheceras ,
Nem a dos Mahometanos adoraras,
Nem a vaã dos Ghriftâos cego atenderas;
Eu vou facrificar nas facras aras
De Palias , e te deixo entre quimeras;
Mas fe naõ queres quererme por matarme ,
Ao menos o fegredo has de guardarme.
14.
Parte mais que em amor acefa em ira j
Cede no Rey o efcandalo à piedade,
E do grande concurfo fe retira.
Sentindo mais o engano, que a faudade .•
Naõ lhe fia a Rainha , que confpira
Por tirar ao Infante a liberdade, p
Que pode fer , que o dano prevenifle, -^<|
Sem que a efpoía, e fegredo deflruiífe. s^q
''Cdntò VIL ^9$
■ Tntré tanto o exercito devoto
Em ordem diffciente eftá formado
Da sntigaj com que fempre deixou roto
Do Ifmac^ica feroz o ardor ouzado;
Fará dciempcnhar o pio voto ,
Em que o Rcyno de Henrique eftâ fundado ;
Tochas tomaõ em dia taõ feftivo,
E he cada peito hum holocaufto vivo,
1(5.
Quantas naçoens às feílas concorrerão.
Se unirão aos foldados generofos ,
E das azas de Dédalo lhe deraõ Nota 461;
Com que inflamar ardores luminofos -
Neftes cândidos voos, em que arderão >
Naô temem precipicios perigofos,
Qpe humildes fem impulfo temerário
Naó daó trágico nome ao mar Icario»
17-
Ainda que fc civeíTem dcfcuberco
Os perfpicazes tubos criílalinos ,
Com que depois o Florentino experta Nota4(j5>V
Penetrou os cípaços diamantinos ,
E no cerúleo liquido deferto
Tantos pode indagar aftros divinos, r
Que vencendo a diílancia incomparável >
Numero numerou innuraeravel. Nota 470;
Naa excedera as luzes inquietas.
Que errantes fobre a terra entaõ giravaõ;^ ■.
Para Henrique benéficos Planetas,
A que as fuás virtudes illuftiavao ;
Para os Mouros malévolos Coinetas , ;
Que ruina fatal amcírçâvai" ,
Para a Deidade efpiricos brilhantes.
Que adoravaô feus rayos ruuiaiices.
* Bb u íg*
^r
196 Henriqueida
19-
Move-fe o Firmamento luminofo
Nota 471. Também tardo, e com ordem, cfcccgo,
Nota 47Z. Por trinta e cinco cíladios vagarofo,
(Tantos difta de Carquere Lamego)
Defcrever o triunfo fuinptuoro
Será da Mufa taõ ccleíle emprego ,
Que temo que ás esferas fe remonte,
Porque efqueça a tragedia de Faetonte.
20.
De caixas , e clarins dez vezes cento ,
De inftrumentos alegres , e fonoros ,
De Citaras de acorde. , e doce acento.
De Archilaudes brandos, e canoros.
Das Tiorbas o rápido inftrumento ,
Das flautas Paftorís amantes coros ,
Com a Viola a Harpa na armonia
]Nota475. Vencem dos Ceos a acorde melodia.
21.
Quanto o ar em neumacico artificio
Nota 474 lí^a fuave prifaõ fahe animado,
E quanto pelo encordio beneficio
He das tremulas cordas agitado.
Quanto em fim no pulfatil exercicio
Soa batido, e fica moderado,
Temperando a difcordia aos mefmos ventos ,
Impera o ar nos outros elementos.
22.
Nove carros, que ás nuvens imitavaó.
Com emplumadas raras melodias
Por celebrar a Deofa , que adoravaô
Conduzem as celeftes Gerarquias :
Os Serafins , c os Querubins guiavaó
Tronos, Dominações com harmonias,
Virtudes, Poteítades , Principados
Aos Arcanjos , e aos Anjos imitados.
i3'
9?
Canto, VIL-
Logo apparGcera mifticas figuras^ «v •
Que dos ancigos tragcs ic revéftcm j'"^ ^\ ol-9voM
Qiie cm cllaciias , medalhas, c pincurás^''^*'^ ^"^^^^^T ,i-(;^^gjci]4'
Se relevaõ , fc ^ravaõ^, c íe vcttcm: ^ 3Gnj lo^í ..ít^kÊSoV^i
Cubercas de ouro, e prata as veftiduras , •'••'' 2oaniiJ )
Que oclaro Henrique ordena fe lhe apreft#m^r^'^pbQ
As rcprcfencaó Damas caó Tcrmofas , -■'^'h^XihvàZ
Que as fuás joyas faõ menos preciofas-^í-^p oam.âup
24. ': ^ "■
A Religião do Império fundamento,
A Fé cjanto mais cega mais bem virta ,
Que ceraõ nefle Reyno illuftrc aumento , 'l
l.he alTcguraõ do Bárbaro a conquifta:
A Devoção encobre o luzimcnco
Porque modeíla no triunfo alllíla *,
Reíplaiidece magnifica a Piedade ,
Mas acada aos íeus pés traz a Vaidade,
A Prudência modera a Fortaleza ,
Com a Julliça fe vne a Temperança,
Em cor de fogo a Caridade acefa
Florecc pelo verde da Efperança:
Rende á Deidade cultos a Grandeza,
Duas colunas tem a Segurança ;
E da Magnificência o nobre indulto
Com a Modeftia-Víiio decência, e culto,
26.
Veya a Feftividade fumptuofa,
E alegra aO Mundo com feliz femblante;,gy^^;^^
A Pureza fe admira mais fermofa •
Com preço, cor, firmefa de Diamante;
PalTa a l elicidade , mas dicofa
A Eternidade a fez parar conftance;* 2»:.j2|v0^|í-
Que a vaã Felicidííde fó fe firma ., -- n , , ..^,j. ■. -
Quando na Eternidade fe confirma, •? ^..<^.p/
>
T^SiioKi
198 Henriqueida.
S6 da Deidade vejo os atributos.
Que adoinaõ o triunfo foberano,
Porque fervem por altos eflacutos
A' firmcía do Irnperio Luíicano :
Nota 476 Na Caía de ouro pintaó-fe os tributos ,
Qiie haó de pagar Gentio» e Mauritano ,
Na E^burnea Torre a fuperior defenía,
Que ao Rcyno. ha de livrar da eítranha oífenfa.
i8-
Na Arca de Afiança \ paz fegura-
Da reciproca vniaõ dos dois Impérios,.
Do Ceo na Porca a religião que pura;
Abre o Ceo aos r-emotos emisferios .•
Na Matutina Eílrella o culto apura ,
Que deixa a Conceição fem vitupérios :
Nota477 Com, que hum Reftaurador do feu conrrario»
Se izenta, fendo x Virgem tributário.
Nao íe quebrando o Efpelho da Joílica,,
Naõ dcce da cad-eira a Sapiência,
Nem da Alegria a Caufa eftá remifla ,
••1 •
Nem, a Miftica Roía perde a effencia :
A Torre de David contra a in juftiea
Nas conquiftas fe erija íem violência ,
Para que fe confolem os Aflitos,
Bem dos males. Refugio dos dilitos-.
Movei docel em ouro , e em Diamantes
Bordou Vrania , e enriqueceo Tcreza j
Nelle exprimem lavores elegantes
A vida da mais inciita Princefa;
Cândidas Afucenas , e brilhantes
Da fua origem moscraõ a pureza:
A flor de Jericó pinta fermofa ,
Que também fem efpinhos nace a Rofa.
51»
Canto VIL 199
51.
Da Imagem trono fez os íamos braços
Ciiraldo ricamente revertido ,
Prendendo ao peito o peio cm fortes laços
Mais o leva adornado, que opprimido :
Do caminho as diílancias, e embaraços
Vence Henrique zelofo , e efcolhido,
Dá por forte quem leve as varas de ouro
Do portátil docel defte tefouro.
Cahio , naó foy a cafo, a feliz forte
Em Bermudo , e nos fete , que nas canas
Acreditando o ágil com o forte ,
Se illuílraó com deftrezas taó vfanas:
Moniz glorias de Febo , e de Mavorte,
Nobres occupaçoens , porem profanas
O izentaõ de ter parte neíle voto,
Mortificando o feu ardor devoto. '
35.
Nos braços leva o Príncipe innocente
Dcftinado ao amante faciificio,
E antes do que a razac) feu vzo aumente ,
Com Fé implora Afonfo o beneficio :
O impedimento mais que nunca fente,
Por naó dat na diílancia outro exercício,
Com o exemplo dos mais o ícu deívclo,
Mais do que a idade lhe madruga o zelo.
54.
Erao doze as fublimes hafteas de ouro
Do Zodiaco movei claros ílt^nos ,
Faltaó rres que a ter parte no tefouro
A miíleriofa forte fez mais dignos :
Dom Pedro Fermaríz terror do Mouro ,
E o Conde fJom Oíorio nunca indignos
Foraò de fer eleitos, hum dosMellos, M^í^"^^^'
Outro he Progenitor dos Va.concelios.
3í'
Nota 4;;;.
2oa Henrtqueida
35-
Quiz Henrique , que a force fe tiraíTe
Entre os Avencureiros , e efcolhido
Hercules deRohan foy nefta claflc ,
1 fó encaõ de Menrique conhecido :
Henrique fe queixou de que falcafle
Por ignorado a obfequio taõ devidoi
Mas que as fuás acçoens aílmaladas
Naó ^oy poíTivel ferem ignoradas.
Em hum carro dourado acompanhavaõ
/•xa e Aldara a Vrania , e a Tcreza,
Porque na eícravidaó aíllm honravaó
A huma Raynha , a huma infeliz Princefa:
No roftro os coiaçoens fcdivifavaõ,
Em Axa varonil era a triíieza ,
E Aldara que fó fenre outra ferida,
Mais defma^ada eílá , mais abatida^
37.
Dos cativos hum numero cxccíTivo
Cantavaõ a dicofa 1. herdade,
E coroavaõ triunfo taõ feftivo
Luzidos eíquadroes com igualdade;
Ja Febo paia o dia fucceílivo
Aos Antipodas leva a claridade ,
C^Liando ao Templo de Carquerc famoío
Chegou todo o concurfo numcrofo.
38.
A Imagem fobrc hum crono fe coloca
Preciofo na matéria, e no artificio,
Ao original , que reprefenta , invoca
Giraldo em fervoroío facriíicio :
Ao bello Infante a parte enferma toca
Pedindo a Deos o novo beneficio i
Ficar em oraçaõ de noite efcolhe,
E todo o campo às tendas fe recolhe.
3~í?«
Canto VIL 2ai
Donde hum desfiladeiro mais fe eflreita,
E em planície mais larga fe termina ,
Oue a hum monre inacceíllvel fe Togeica >
De quem dece huma fonte criftalina,
Moniz que ao feu infante ama, e rerpcica "^
Para fcgíuro cómodo deftina';
Ali fe armou o J3avelhaõ brilhante,
Qu^ guarda forte , *c ronda, vigilante.
_ 40. ^
Soldados efcolhidos pós na entrada,-.
Na montanha dobradas fentinelas >?
Inútil fora a força a maõ armada *" /,
Se derprezafíe barbara as cautelas :
O dia auzente , a noite ennevoada,
Gcculta a Lua, efcuras aseílrellas,
E hum fileneio, que a guerra tem prefcrico,.
Tudo era. favorável ao dehto,.
4-I,
Para ficar ao templo mais vizinHo^,
E prevenir as feftas fumptuofas.
Da Cidade o Heroe deixa o caminho • .
Campando com as tropas bellicofas :
Tcreza infeparavel no carinho
O íesTue com as Damas mais fcrmofas,.
E o campo em tantas luzes fe reparte.
Que parece, que Vénus bufca a Marte.
4Z.
A diílancia do exercito Agareno , * •
Os cativos ja livres deíarmados,
Áspero , e impraticável o terreno ,
Todos da marcha alegres, mas can fados :
G tempo ainda que efcuro , era fereno ,
Serra Morfeo os olhos aos foldados;
, Sc huma vez o defcuido achoxi defculpa^
A tivera, mas jiaõ-,que fempre be culpa^
:2t)2 .'Hemqtieiãa
43-
Moniz a Henrique adverte , que a piedade
Que benigno exercica nos cativos ,
Dandolhe generofo a liberdade
Dà aos rebeldes pérfidos motivos ;
Porem oVaraõ forte o diííuade
Dizendolhe , que em dias taó feftivos ,
Mas que o culpem de pouco acautelado,
Nota48o. Qper íer por generofo acreditado,
44.
Que armas refguardàra a vigilância
Dos Toldados, e cabos mais expertos,
Com que feria inútil a arrogância
Dos feus inipulfos' bárbaros, e incertos.}
E pode fer perdeflem a jadancia,
Ou deixaílem os ódios encubertos.
Vendo que a confiança bem nacida
Llies dava liberdade , gofto , e vida.
Toma hum cavallo a intrépida Amazona
Das armas que occultou, fortificada ,
E ainda que do valor menos blafona,
O mcfmo fez Aldara delicada :
Quando fe vniraõ Vénus , e Bellona ?
Quando a belleía quer vencer armada ?
Anima o tenro , irrita o bellicoío ,
O preceito do Pay , a ley ào efpofo.
46.
Qèiando , ó prodígio incrível/ viraõ logo,
Que fobre hum negro , e formidável bruro ,
De Axa ao conjuro, ao voto, ao culto, ao rogo,
Vem de Palias o Numen refoluto : ^
Como íahe das armas vivo fogo ,
No efcudo reconhecem o atributo,
Com que mancha do efpelho a luz confufa
^oia4Si. A fcrpcuEína cefta de Medufa.
47-
Canto VIL 203"
47.
Aldara quer fogir, mas a Raynha
Quaíi por forca faz , que fe detenha ,
Lembralhe , que a Muley no empenho tinha ,
E aiiun efpere que a bufcala venha;
Que já retroceder lhe naó convinha ,
E tanto diz , que Aldara fó fe empenha ;
Do feu grave temor entaõ fé eíquece.
Para que arrifque a vida, que aborrece.
48.
Naõ temas , diz, o pavoroío vulto ,
Eu te guio, eu te levo adonde eftejas
Sobre o trono de Fez livre de infulto,
E efpofa de Muley como dezejas;
Só deti efpero religiofo culto,
E aqui te naõ obiigo porque vejas,
Que fem mais ceremonia alcança tanto
Neíte implicito pado o íabio encanto.
49.
Eu voey pelo campo , e ao mefmo inftante
Que vio nos ares a Gorgonea fronte,
O que antes eia exercito triunfante
Ficou de pedras infeníivel monte:
Mortífero \eneno fulminante
Deu eíie balihf-co ao orifonte ;
E cítaó petrificados, e opprimidos.
Em pei feitas eítatuas convertidos. Nota 452^
50.
Izentey Muftafá da horrenda vifta ,
Que com os mais cativos que fomenta ,
Forma dez batalhoens, que pronto alifta ,
Com armas dos Chriíláos o ardor o alenta.»
Giraldo vela fò para que aíTifta
A' Imagem, que huma Virgem reprefenta j
Moniz também vigia, que ao efpanto
Sò dois morcaes refiílem defte encanto.
Çcii p.-
2Q4 Henrit
EíFeiço foy da emulação de Marte,
Que tem a protecção dos Luíitanos,
E diz que ha de levar íeu eílendarce
Mais longe que o dos Gregos, e Romanos;
Enveja meu valor , esforço , e arte ,
E até agora iè oppoz aos Maliometanos j
E porque Deoía fou , me julga indigna
Da guerra, de homens fó paleftra digna.
.52.
EíTa blasfémia diz ? Axa refponde..
Pois eu lhe moftrarey em defafio,
Se a tua protecção me correfponde ,
Q.ue naõ Í6 Vénus lhe domina o brio :
Aílim chegaõ as três vnidas , donde ,
Seguindo a luz do efcuro no fombrio ,
Encontrão Muílafá mais refoluto
Do que pelo valente , pelo aíluto^
líota483ò A que he Fátima Palias fe períuade ,
A quem do Ceo mandara o feu Profeta •,
Affinij íeguindo a irracional vontade.
Cada hum fcus dezejos interpreta ;
Prevenido aconcelha, que amecaJe
Dos batalhocns o exercito acometa,
E que os guie Abdalá deftro, e adivo,
Que feguindo Almançor ficou cativo.
54.
Que as trombetas roubadas par mil partes
A rebate tocando falfamenre,
Inúteis deixem militares artes,
Porque no efcuro cégafe o fcience :
Que elle arvorando os Mouros eílendartes.
Que tirará do templo facilmente ,
O incêndio ha de atear no lugar facro.>
£ roubar o tefouro, e íimulacro.
5;.
Canto VIL 20J
Só quer dois bacalhoens para os progreflfos..
Que no ccncro do exercito medica,
E que aos vlcimos três deixa os fuceíTos ,
Que canta divcrfaõ lhes facilita :
De arce, e valor as glorias, c os exceflbs
Nas grandes heroinas depofita :
Prender Henrique fero , e arrogance ,
Matar Egas Moniz, roubar o Infance.
Approvou Palias quanto o Mouro intenca ,
Porque ella mefma o cinha fugerido ,
E já a cenda do Heróe fereprefenca
Muy de perco no efcudo mais luzido :
Como a guarda he dobrada, o corpo augmenca
De hum bacalhaõ com numero efcolhido
De ofiiciaes aítucos , e valences ,
Que inítruio com palavras eloquentes.
57.
O efcudo , quehedchumphosforo compoílo, Nota484.
Eflava com tal arte fabricado,
Que o Português , que á vifta o teve expoílo ,
Ou cegou, ou ficou petrificado.-
Seguem no os Mouros pelo lado oppoílo ,
E ficando o objecto illuminado ,
Produz os dois effeitos de maneira ,
Que de huns he luz , e de outros he cegueira.
58.
Axa , a quem fempre fegue a bella Aldara,
Marcha ao quartel de Affonío prontamente ,
E Palias , quando delia fe fepara ,
Lhe moQra ali Bellona de repente.-
Valor invido , fermofura rara
Tinha a Deofa, e o efcudo refulgente
Ao de Palias copiava nos enfayos ,
Pois dando luzes, fulminava rayos.
59.
206' Henriojuetda
Todos levavaó ordem , que logrando
Oiialqucr dos crcs o medicado efFeito,
Ou Henrique, ou Affonfo cativando.
Ou a Imagem levando fem refpeico ?
Do campo fe fahifle retirando
Da prcfa , que fizera fatisfeico,
E a Muley a encregaíle valeroíb,
QiíC da ferra eípcrava no fVagofo,
6 o.
E do deflacamento , que mandava,
Huma partida, pronta remeteíle ,
Q^^-e na forte Leyria aílegurava
Qualquer dos tres^ defpojos ; que tiouxeíTe -,
Porque fe Aldara naó fc libertava,
Ou entre a confufaõ a Axa perdeíie ;
Penhor havia para o troco dino
No tenro, no Real, e no divino,
6i.
Também fendo de Vrania , ou de Tereza..
A efcravidaõ , aíllm fe afiegurava
O principal motivo deila emprefa?
Que era ter liberdade a vnica Aldara,
Ah Muley, que malogras a finefa,,
E o castigo fatal fe cc prepara ;
Porque o F.ey jà defcobre os embaraços
De que já mais te vejas nos feus braços.
Primeiro que Selim dé o rebate,
E antes que Muilafá com fúria infana
Nota 485. £j.Qfj-j.jjj-o infeliz queime, e maltrate
O templo, a quem cedera o de Diana;
Fiando do fílcncio o feu combate
Axa fegunda Palias Africana
Bufca de Affonfo o pavclhaõ guerreiro,
E hc feu farol o magico luzeiro.
Canto Vil 207
Ó5.
Fofic o dcfcuido , 011 foflc já o encanto.
Ninguém no campo, como deve, vela,
Efcurcceo a noice o negro manco ,
Nem fc divifa a mais pequena eftrela ;
PaíVaó do íono a ver .1 Radamanto Nota4S<í.
Degolada huma e outra fentinela,
Nenhuma, fe viveíTe, fe queixara.
Que a Heroina as deixou , como as achara. Nota487'
í^4-
Todo o disíiladeiro tem paflado
Axa com toda-a gente, que governa ,
E quaíi o feu proiecbo tem logrado.
Pois fó lhe falta a parte mais interna:
Porem no vitimo extremo eílava armado
Egas Moniz, que alcança gloria eterna,
Naó fó por forte exemplo da conftancia^
Mas por alto exemplar da vigilância.
65.
Relâmpago o cegou o ardente efcudo ,
\Ias qual Touro , que o dano nunca obferva. Nota 488.
Cerra os olhos no golpe fero, e rudo,
E aíllm faz íua fúria mais proterva:
Com a ponta da efpada rompe tudo,
E o phosforo do Ãverno naó preferva
O efcudo, e a fantaftica Bellona ,
Que deíempara a rígida Amazona,
66.
A caufa de vencer falfa deidade
Foy a Imagem da Oeofa verdadeira ,
Que no peito trazia , e com piedade
V:oniz invoca a tanta acçaõ g;ierreira.'
Também por ella a magica crueldade
Naó a oííendjo na vniverfal cegueira,
.Sendo em tudo Maria vencedora
Contra a noite .do Averno bella Aurora,
6r.
2 Q 8 Henricjueida
Naõ impoi-ta , diz Axa , naõ' impottar
Qlic BeUona me deixe na contenda ,
Arices ao meu valor a Dcofa exhorta
A que fem hum milagre tudo offenda ;
Deixa, deixa, o Moniz a eí^reita porta,
E naõ defendas fó de Affonfo a tenda,
Vé que tens contra ti muitos contrários ^
E naó íaõ os valentes temerários,.
• .■68::'
A vida, c liberdade te concedo ,
Ou fe queres íèguir o amado I-nfante ,
Vem para o cativeiro, que o íegredo
Da noite occulta intento íemelhantc.
Moniz refponde: vé , fé de hum rocl^edo
Podes mover a maquina- arrogante ;
E pode fer ainda, íe o moveres,
Que daqui me naõ niovaó teus poderes^.
Como foíle rebelde , és já cobarde ,
Nem do antigo valor tens os veiligios ,
E bufcas, porque o medo fe refguarde,.
As vcntagcns, aílucias, e preltigios..
Com o dcfprezo em novas iras arde
Axa, e faó.taõ, incriveis o^ prodigios
Do feu braço, e taõ fortes golpes tira,
Que o que antes deíprezava j. mais admira»
Como naxJ cabem mais no íitio eílreito.
Corpo a corpo combatem, e as efpadas
Soando em cada efcudo , em cada peito
A compaílb parecem alternadas : «: : '.
Qiaal da harmonia õ primeiro eííeito t •
Defcobriraõ cadencias ajudadas
Os que obfervaraó rithmo foberano .
ío.ta48?. 'Çpçrc os golpes '4a forja de Vulc^Oj
. ^" " ' £Ji
I
Canto VII. 209
71.
AíTim aqui também de fogo fragoa
Se diftinguc entre os rayos melodia ;
Quiz o Cco desfazendo nuvens de agoa
Apagar tanto ardor, mas naó podia: ^
Aldara com temor, laftima , e magoa.
Convocar feus foldados pretendia í
Mas por mais que em chamalos fe defvela,
Naò permite a eftreiteza íocorrela.
De Axa ao efcudo huma eftocada oííendc
Com taó rigido impulfo, que quebrando
O ferro, que o braçal ao hombro prende>
Foy ao efquerdo braço maltratando:
Axa defpreza o aço , que a defende ,
No contrario efte acafo vay vingando,
Dalhe no elmo hum golpe taó terrivel ,
Que o venccrB a naõ fer elle invencivel.
75-
Bellicofa, e belliíTima Bellona, Nota4^02
Clélia melhor , melhor Pantaíilea ,
Com jufta caufa o teu valor blafona
Sem encantos da Magica Medea.-
Naõ te empenhes armigera Amafona ,
Que naó has de lograr a tua idea:
Vé, que por defender o Infante Régio.,
Me he prccifo fazerte hum facrilegio.
74.
Eu te perdoo , diz, mas naó difcorra
Teu valor cortefaõ , quando peleja,
Se naó queres dar tempo te locorra
A guarda, quando te ouça, e naó te veja:
E ainda que da heroína o Tangue corra ,
E que np braço muy ferida efteja.
Continua o combate de tal forte ,
Que dos fcu« golpes foge a mefma mo ice. «018491.
2 1 0 Hmríqfmda
7.5
Também Moniz no roílrojeílà feiído}
Oue luima poaca riicJ rompe a vifeira ,
Osmin , que Axa acompanha, tem fubido
© A inaccíllvcl afpera ladeira :
Para o paíío cortar ílm fer fencido ,
Leva dos Mouros mukidaõ guerreira ;
Na tenda quer entrar do auguílo Infante,
A quem defende auxilio o mais criunfance.
76.
O que efperava prefo ao duro laço,
Que qualquer movimento dificulta, .
Vé com pequena efpada em tenro braço
Com íuperior alento , e força occuka :
De rifo lhe fervira efte embaraço,
Mas o procligio com mais corpo avulta ;
Guarda ao Infante Infante mais divino,
E a Deidade, que ampara o feu deílino,
77.
De huma donzela vio o roftro bello
Ali temido, porem fempre amado ;
He hum rayo de luz cada cabello ,
Com feus olhos o foi fica eclipfado:
Ofmin vendo o prodigio, julga ao velo.
Que huma falfa illufaó o tem formado j
Hum menino nos braços da Deidade
O cega com divina claridade.
Com o braço direito o ferro anima
De Affonfo que promete nefte eníayo
Ser com eíta Deidade que o fublima ,
No feu oriente aos Mahometanos rayo;
Que muito que ao milagre fe reprima
Oímin , e os que o feguiraõ com defmayo !
Se os que ficarão vivos afíirmaraõ ,
Qtie a imagem de Carquere admirarão,.
,\{ i^^-- 7^^
\
Canto VIL ' 2 r i
79'
Axa, que vé o impenetrável muro,
Que em Moniz combatia inutilmente,
E que o Tangue perdido ao ferro duro
Se fentia animar menos vehemente ;
E que Aldara lhe diz, que mal feguro
O corpo que mandava, ja íe Tente,
E que OTmin por Forjaz defbaratado
Se retira ferido , e derrotado.
80.
Diz a Moniz: vencefte , Varaó TortCr
E me venceíle a mim com nova gloria:
Parece que te deu ou fado , ou forte.
De todos meus combates a vitoria.-
Contigo a Palias fuperou Mavorte,
E Terá com aíTombro da memoria,
Egas Moniz quem vence o impoíTivel
De que Axa naõ blafone de invencível.
Pronta voltou Tem eTperar reTpofta;
E curando a ferida as máos de Aldara,
Se vaó ençorpotar na parte oppofta
Com a gente que Palias refervara :
De Henrique eftava a tenda mais expofta.
Que dcTperta do encanto, e Te prepara.
Ainda que defarmado , a opporTe a tudo
Com forte efpada , e com ligeito efcudo,
8z.
A Cruz cerúlea Tobre a prata fina^.
Que eterniza os triunfos , que tivera
Ka Sacra expedição de Paleflina
Aftro brilhava na argentada esfera :
Palias, que a luz lhe medra repentina
Do efpelho claro, ej de Meduía fera,
Como da Cruz armado Henrique a buTc2<,
A verdadeira «luz a falTa offufca,
^- Ddu 83-
212 Henrtcjfdeida.
85.
Cliocaõ os dois cfcudos, e o de Palias
Com cal rumor , que excede a hum terremoto >
Oli iníjgne Varaõ, cm fumo exhalas,
E o encanto do Abifmo ficou roto:
Com Altamor, e os feus mais te aíinalas ,
Milagres do valor, glorias do voto,
Com que hoje aileguraíte ao teu domínio
Da Deidade mayor o patrocínio.
84.
Palias íe transformou em cavaleiro ,
E retirando a Axa do combate ,
Voa em fegundo Pegafo ligeiro,
Porque a vida a outros fins mais lhe dilate r
Mayor Perfeo Henrique que o primeiro
Vença Medufas, monftros defbarate,
Nota 492. E ^^ ^^^^ Athlante converteo em monte,
Nota49 5. Outro do mefmo Athlante opprime a fronte.
85.
Como ceflaõ do phosforo os encantos ,
Defpertaó do letargo os Portuguezes ,
Henrique fó defende a tenda a quantos
A quiíeraó entrar por muytas vezes v
Mas defprezando os mágicos efpantos
O grande Lima, o indico Menezes,
Tereza aílro mayor de Luíitania
Efte defende, aquelle a bella Vrania.
86.
Porque as duas Princefas acordando
Das armas ao rumor fobrefaltadas ,
Mas da decência naó fe defcuidando ,
Fogiaõ do feu medo fó guiadas ,
Aos furibundos Mouros encontrando ,
Ja aos primeiros dois eftaó proítradas ;
Orcane o bravo cativou Terefa,
Rende o fero Gailan a oucra Priuceza;
Canto VIL 1 1 ;
87-
Akamor, que hc de Palias fub ai terno ,
Roílro feroz , alciíTima eílacura ,
A cor, que To agrada ao negro Averno,
Eftranha forca , horrenda catadura
Sc oppunha a Henrique, aquém domefmo inferno
Vencer naó pode a Piromancia cfcura , Noca4<í4.
A luta corpo a corpo lhe oííerece,
As armas deixa, a terra fe eílremecc.
88.
Entendo, que aífim fó tempo daria
Para roubar das tendas as Princefas
A Orcane , e a Gailan , que bem íabia ,
Que podia fiarlhe altas emprefas ;
Sobre o Heroe taõ rápido cahia ,
Qiie naõ baílavaõ forças , nem deftrezas
Para o Hvrar dos dentes do MeloíTo , Nota 49 5.
Nem do pefo do ruítico coloíTo. Nou49(í.
89.
Mas pegou com cal força nas colunas
Henrique, que eftaímaquina fuítentaó.
Que contra as refiílencias importunas
Precipitaõ a fabrica ,que aumentaó :
Novo Sanfaõ com glorias opportunas j Nota497i
Pois fe áquelle as ruinas defalentaõ,
Efte ja livre de oppreíTóes indinas
Eternizou a vida nas ruinas.
5) o.
Como na terra Anteo acha o Gigante Nota49«.
Outro vigor , e fe levanta forte,
Mas de Henrique no braço fulminante
Tem de hum fó golpe a merecida morte j
Pois antes que de todo fe levante.
Entre os olhos o oíFende de tal forte , ;•
. Que amaõ, que dcfarmada o ameaça^
Pe Hercules pareceo a ingente ma^a^
W
2 1 4 Henricjuelda
91.
Ja o Menefcs rinha libertado
Do invencivcl Varaõ a bella eípofa ,
Ja Bermudo com animo esforçado
-Livra Vrania da force pcrisíofa :
A Orcane, ea Gailan tinha cuftado
A vida execução taó horrorofa :
Correm outros foldados , que fe armarão
Com ef^adas , que os Mouros lhes roubarão.
Em quanta iílo pairava, tinha fido
Abdalá mais íúicc na entreprefa ,
Porque no fonno havia deftruido
Toda a primeira guarda Portugueza :
E ainda depois do encairto eílar vencido,
A gente, que acodio ou morta, ou prefâj
Ficara fem o esforço ja notório
De Cunha, Silva, Távora, e Ofcrio.
95.
Soavaõ as trombetas cento a cento
Com rumor falfo por diverfas partes ,
Mas Rodrigo Forjáz, com nobre alento
Em hum fó Marte inclue muitos Marres ,
£ ouvindo tanto bellico inílrumento ,
Do eftracagema reconhece as artes.
Grita na efcuridaõj e na fadiga,
Qiie ninguém das trombetas o eco figa.
Que todos fe vnao , e que façaõ alto,
E obrigando a montar os que encontrava,
Acodindo ao primeiro fobrefalto,
Sò com três efquadroens groíTos fe achava.'
Nem de valor , nem de experiência falto
Abdalá com infantes fo eftaua ,
E em batalhoens quadrados dirigia
Das lanças a duriílima porfia.
Carito VIL '\ íij
95'
Outros vaó com os alfanges, e rodelas
Pelas tendas ferindo os defcuidados ,
Ou:ros guardas matando, e fencinelas,
E a todos os que encontrão defarmados:
Sahem outros do campo com cautelas ,
E aos fugitivos deíxaõ degolados.-
Só eites naõ cometem injuíliça,
Pois caíligau cobardes he juíliça.
Tudo era confufaó, mortes, e horrores
Em quanto Muílafá , e os que o feguiaó ,
No templo com facrilegos furores
Os roubos, c os incêndios emprendiaõ;
Mas de Giraldo os votos, e os ardores
As ímpias inten^oens desvaneciaó ;
Do amor divino o peito era compendio,
E hum incêndio apagou com outro incêndio,
97-
Deftc holocaufto que fahio prefúmo
Para offu^car dos cegos os intentos
Eluma delgada névoa , hum fútil fumo ,Nora499^
Que de íombras r^vefte os elementos :
A noite de prodígios foy refumo ,
Vencem os milagrofos os violentos;
Se Plutaõ a Proferpina roubara, Nota4;oí
No Ceo, eterno Jove a colocara.
98..
Mas naõ chegou a fer arrebatada
A Deidade, que ao Abifmo predomina.
Pois foy fem ver as fombras prefervada ;
Do mundo efcravo na fatal ruina,- o r.ib mo:' -^
Eftava a íituacaó bem demarcada
Por Muftaf i ao templo , que domina ;
.De alta magnificência dando indícios
Kaõ fó tendas , palácios, c edifícios. r.i .>hj^
11 6 Henriqueida
Qual matizado infedlo , que rodei
Com os voos a luz , que buíca cego ,
E com as azas , que no fogo atéa >
Naó he alguma vez do ardor emprego :
AíTim o Mouro , que fe liíongea
De achar o templo , o bufca fem focego ;
E como cm negro veo o Ceo o encobre ,
Quanto mais perto , menos o defcobre.
loo.
Que hc ifto , diz, he illufaõ Mie fonho.
Soldados o que a todos nos fucede ? .
O ordenado projedo , que difponho ,
O Ceo deftroe, ou o inferno impede;
De toda a minha aftucia me envergonho >
Vede o lugar do templo, vede, vede,
Sc o podeis encontrat, ou fe tirano
He fò da minha vifta o cego engano.
lOI.
Eíla tenda, lhe diz Zaide previílo,
E de arrayaes no exame confumado ,
Efta tenda, que eu hontem tinha vifto;
He de Giraldo , aqui o achey campado.-
£ o templo dedicado a May de Chriílo
Taõ perto delia citava ÍJtuad),
Que por hum breve tranfito , que aplica ,
I>o templo ao interior fe comunica.
102.
Pois a tenda fe queime, aíTim íervindo
(Refponde Muftafá) nos fica , quando
O templo aqui defcobrirá luzindo,
E com ella o iremos abrazando r/firj^o obiiun
Occulta pederneira entaõ ferindo .: ííVíí/k
NerÀ.^í.O demento fútil , que eftá guardando.
Broca pequenas luzes taó brilhantes.
Que faltaõ mil eftrelias fcintilautcs,
^^9 ' AOiá
\
I
Canto VIL 217
105.
A inflamável matéria, que difpunhà
De alcatrão , pez , enxofre , breu, betume,
E outros ingredientes, que compunha
Do artifice infernal o eterno lume,
Da tenda à lona frágil logo punha ,
Porem perdendo o fcu voraz coílume,
Sem que ninguém taó rara caufa entenda ,
Fez luzir fem arder a fútil tenda.
104.
Qual fahe o Amianto incombuílivel Nota joi;
Rara compoíiçaõ do linho Asbefto,
De que arda a lucerna inextinguível
Da occuíta esfera luminar funeflo :
Prefervado ao incêndio irreíiftivel,
E nella o maculado, o indigefto.
Sem beneficio da agoa taó precifo,
Fica ao fogo mais puro , eftá mais lifo.
105.
AíTim o pavelhaõ farol luzente
Reduzindo a liuma luz mil luminárias.
Se vé brilhante, e naõ fe encontra ardente
Para terror das gentes adverfarias .•
Já nenhum defcobrir o templo intente >
Pois lhe aíTeguraó experiências varias ,
Que ainda que Muftafá com iras ferve,
Só de ver que naõ vé a luz lhe íerve.
10(j.
Se efta arvore da vida o Ceo refguardaí Notajojí
Da Deidade iiLmortal, que ao mundo aviva,
Do novo templo o paraifo guarda
De humano Querubim a efpada adiva :
Ao Mouro a luz em defcobrir naõ tarda,
Só arde no quartel a guerra viva.*
•Toma hum cavallo Muftafá, e na fombra
Viver efpera , quando a luz o aíTombra.
7 Ec 107?
í ■ ■
2 1 8 Henriqueida
107.
Sahe do campo, ena intrincada brenli|i
Antes que aluz da Autora apparecefle, ?ofs è£
Dois Cavalleiros vé, e mais fe empenha, ^(sioM-
Por ver fe a cada hum bem] reconhece; bariiT
Quem he, pregunta, e hum fe defempenha
Quando ao perder a voz fedefvanece,
Dizendo: ay trifte Ald^raí e em hum defmayo
Qiiaíi da vida achou o ultimo enfayov ^u^á^ ^yuG-
io8.
Naõ examina o outro fatisfeito
De que huma prefa tal deva ao acaro>h>rntH bM
Nos braços a fuftenta com refpeito , ' ''
Dezeja ao bruto as azas do Pegáío :
Do defmayo lhe dura o triíle eflFeito
Occultando dois foes no efcuro ocafo -,
Chega adonde Muley, e a gente eftava>
Que algum dos priíxoneiros efperava.
109.
Axa achou )á de Palias conduzida.
Que em ar pouco defpois fedefvanece,
Diz Muílafá, que a emprefa eftá perdida^
Que a magica mayor tudo efcurece; ub i&Q
Mas que a gloria mais alta, e mais luzida^ 1 O
Que o peito de Muley fino appetece, - Tf
E ao Reyno a fegurança conftituc,
Toda em Aldara aqui lhe reítitue.
1 10.
Apeoufe Muley dizendo ao Mouro;
Como affirmas, ó illuftre companheiro,
Que tudo fe perdeo , tendo hum tefouro ,
De que naõ fera premio o mundo inteiro r
Nota504-Seo Cca fe defataíle em chuva de ouro ^
Ao querello pagar, fora grofleiro j mútí zeívÍí
Nem Jove merecera tanta gloria,
Como em Danae íingio a falfa hiíloíia.
Canto VIL 219
III.
Axa anima aErmefinda, quando' o dia
Tá nos braços da Aurora anima as flores; ^^
Muley o amado roftro defcobria,
Tirando hum veo, que rouba os feus primores:
Se queres, que ce dure eíla alegria,
Que alcnca teus puriíllmos ardores,
Naó examines mais, vive no engano,
Que hade cuftarce a vida o deíengano.
I 12.
Vio, quem cuidara tal i Qiie o encuberco
Era Ermefinda. e livre do accidence
Explica a caufa do fuceíío incerto ,
Que todos comprehendem facilmente:
Quando Axa com Moniz forte, e experto
Combateo com o esforço mais valente,
Me ordenou, que a Aldara acompanhaíTe,
Fiel fervifle, e pratico guiaíTe.
Deixou Axa o combate com violência,
De Palias por hum voo arrebatada,
Quer Aldara feguilla, a experiência
Das armas delia foy íempre ignorada.-
O trabalho, o temor fem advertência
Deixarão a Princefa delicada;
Do cavallo entre as brenhas a défmonto,
Para lhe adminiílrar remédio pronto.
114.
Mas vendo-fe já foltos os cavallos,-
Correm á dczejada libei dade,
O defcuido foy caufa de íolcallos,
O perigo de Aldara , e a piedade:
Ligeiro me apreíley para robrallos, -'d'i<
Mas hum me fez na tefla com crueldade-^i^p Ori.
•A contufaó que vedes., e a ferida, ' -^"^^ r^-r/l
/om que em cerra cahi quafi fem vida. : ^ .' .
Ee ii 115.
220
Henricjueida.
"5-
Cobrando alguma parte do fentido;
'A Princefa bufquey , que antes deixara, ^ . ;. o^
Hum Cavalleiro vi deíconhecido , '-n^ ío 3i/r> aQ
E a penas dizer pude / ay trifte Aldara / lass
FoíTe Mouro, ou Chriftaô compadecido.
Ou vida, ou liberdade lhe deixara, ... .< ..«lA
E logo a dor , e o fuílo de repente ií\q £i£q E
Me fazem repetir novo accidente. Yfi3G33bi3A
il6.
Muftafá fabe o bofqne , quando cheguem
Os Chriftáos, que entre os matos a defcubraõ,
E a prifaõ nova bárbaros a entreguem ,
Huma partida vofla as brenhas cubraõ.*
Poucos na expedição he bem fe empreguem.
Porque no menor numero fe encubraõ.*
Afllm diífe Ermefinda , e Muley logo
Do coração na lingua exhala o fogo.
N26 por injufto , o Muftafá , me tenhas l
Pois naõ te accufarey , Muley lhe diíTe,
De que por Ermefinda mcis te empenhas ,
Sendo em livralla o teu amor felíce.' shbJ ni3.
A ci te culpo, ó forte , que defpenhas
Do mais alco da gloria hum infelice,
O engano reconheço , e tanto fio
De ti , que o mayor bem de ti confio?
Axa mande eíías tropas, e da cura ?? *3
Se trate de ErmelTnda prontamente -, ^ ; ? eO
Eu vou com Muftafá peia erpefiura ,
Poucos foldados Icvarey fomente. •
Nunca cecançarás, eftreiia dura,
De atormentar hum animo innoccnte^sdtí^a? uXhVl
Parte com Muftafá fem que a inftancia - "*
De Axa poffa deter tanta arrogância.
Canto VIL 221 ^
119.
Chega ao lugar, que Muftafá conhece,
Naô acha Aldara, ao longe ouve humas vozes
De que os ecos no pcico reconhece,
Para fazer feus males mais atrozes:
Muley adonde eftás? vé , que padece
Aldara, dizem clauzulas velozes;
E para o ferir mais o fatal rayo,
Acrefcentavaõ, levame Pelayo.
liO.
Voemos, diz Muley, que tal injuria
Só vos me vingareis, fieis amigos.
Os cavallos correndo a toda a fúria,
Deíprezaõ embaraços, e perigos:
O ciúme o guiou com tanta incúria.
Que o campo vendo já dos inimigos,
O decem Muftafá, que com vehemencia
Reduz a breves, termos a eloquência.
121.
Se te perdes , fenhor , defefperado l
Perdes contigo os meyos da vingança: ^^ç
O exercito de ElRey, que eftá formado
Em Leiria , fomente efta efperança :
Dizes bem, lhe refponde, e moderado
O primeiro furor , que nada alcança ,
Volta , e com Axa para o novo emprego
Vay bufcar a paílagem do Mondego.
111.
Entre tanto a manhaã clara , e brilhante
Os triunfos illuftra aos Luficanos,
Abdalá confervava ainda arrogante
Mais de três mil valentes Mahometanos : Nota 505»
Huma falange forma, e raó confiante
Kella recebe os golpes inhumanos , .^xí
' Que para o acabar juntos concorrem ,
^ue elle, e os feus no campo oufados ^orçem.
121.
-/
22 2 Henriqueida.
123.
Alegre Henrique a todos agradece ^í
Milagres do valor, que a noite encobre, oífiieM A
Dos Mouros abomina , € aborrece m Ò3B^ fisaisT
A ingratidão infame, e o trato dobrei^ t^ èh o'l
De curar os feridos naõ fe efqucce, :>i A
O numero dos mortos fedefcobre, í-jH
Que eraõ quafi dois mil , que em nova gloria
Vivem no Empireo , e duraó na memoria. «í^*vj^^
114.
Naõ morreo Capitão afllnalado,
Mas tal era o valor da gente bravaii s aM^isVIjxíJ
Qiie vai hum Capitão cada foldado^íip ínsl ''^'
E a perda com trabalho reílaurava : i sh-Xíion
Neíle tempo chegou Peiayo Amado^3m£
Que contra os fugitivos fe avançava 5
Na fella hum Cavalleiro conduzia.
Cândida touca o roftro lhe cobria.
A' teridà aífim o leva de Tereza,
Aquém diz: outra vez, forte opportunai
Quer vos entregue, ó Ínclita Princeíà
Hum preciofo depofito a fortuna .-^ol* õ^i^ufcí^ ííÍ^I
Acafo penetrando huma afpereza, ^ ^'" .íuí»<|fi'* 't^
Rendida ao trifte mal, anciã importunai :'o t)
Achey Aldara bclla, e quer aforre.
Que eu lhe dé vida, para darme a morte.
116.
Procuro que fe anime, e fó configo, ít
Que hum pouco convaleça do aecidenteí^.^jiiBí '
Cede ao pranto, aodefmayo, e ao perigo,
Que evito, vendo ao longe a Moura gente:
Com rogos eííicazes fó a obrigo /aaatjA
A que volte a bufcarvos deligente ; ««"^ ^âupníi^H
Mas ella, que a Muley na idea tinha, r— - y^ .
Cré, que para livralla fe encaminha.
Canto VIL 2.^3
127.
Vrania o loQro lhe deícobre aíFavel,
Aldara íó com lagrimas fc explica, ;'í
Tereza acé nas queixas fendo amável.
Só da fua Taudade a dor publica:
A fermoía Africana inconlolavel
Hiins Íntimos fufpiros multiplica»
E por vingarfe. os olhos pocm em terra,
Fazendo aos que os naõ vem a mayor guerrâj
128.
Com ElRey de Lamego veyo Henrique
Louvando a fidclifíima lealdade,
Mas fem querer, que a Axa juftifíque.
Lhe concede benigno a liberdade; 7
(E naõ a aceita oRey, porque publique^
Que à verdadeira Fé feperfuade;
Alegre o He^òe o aperta cm doces laços ,
Naprifaõ nobre dos invictos braços, .'oí^hibn.O
129.
A bufe ar vay Giraldo, que oinftrua.
Ao templo, donde os Príncipes concorrem»
*Para que hum novo culto reflicua
Na gratidão dos votos, que difcorrem:
O Império mais feliz fe conflitua
1^ Entre osprodigios, que a dilúvios correm:
Bufcao no íJbu quartel ao claro Infante,
Quando a Moniz encontrão vacillante.
130.
Sem armas, e com negra veftidura: Nota 506;
Em fangue oroílro, e em lagrimas banhado j
No matiz defta trágica pintura
Ornais fino pefar tem retratado:
Apenas reconhece efta figura
Henrique em tanta dor fobrefaltado,
•De todo açor, e a voz perdeo Tereza,
Choraó todos, defmaya-fe a Princeza..
2;24 Henriqueida.
131.
Senhor, Moniz exclama, feocaíligo,
Que hoje merece hum guarda negligente >
Dajuftiça, que tendes, eu coníígo,
Peçovos fe execute prontamente:
Naó me pode matar tanto inimigo,
Porque viva infelice, e delinquente ;
Só me achey , hum lugar defendo eftreito ,
Foy muro impenetrável o meu peito.
152.
Com Axa combati, voltou ferida,
O roftro me deixou em fangue tinto ,
Era immortal , porque me tire a vida
A infâmia , que no ardor me deixa extinto :
A pérfida naçaõ introduzida
Por naó (^y que intrincado labirinto
Vi na que antes julguey fegura tenda.
Quando voltey da rigida contenda.
135-
Cahi em Mouros mortos tropeçando,
EHufmim, e outros, que vejo mal feridos
Com juramento eftavaõ affirmando,
Que huma Mulher , e Affonfo os tem vencidos
Tudo cré minha Fé do venerando
Objedo dos meus votos repetidos;
Porem quando julguey vello t iunfante,
Na tenda naó encontro ao bello infante.
154.
Entre as fombras fataes da noite horrível
Clamando por AfFonío em vaó íufpiro,
Defcobrillo, Senhor, he impofllvel,
Examiney o ultimo retiro:
Eu tenho feiro deligencia incrivel
Do largo campo no efpaçofo giro,
Naõ apparece Affonfo, o Ceo o ordena,
Matay-me , que fera menor a pena.
i55k
Canto VIL 225
135-
Nos braços a Moniz Henrique enlaça,
E fendo Teu o mal, pio oconíola,
Tem cal conformidade na defgraça ,
Que a Fé entre a conftancia Te acrifola,
Urania anima, e a Tereza abraça ;
E fe a pena interior o defconfola,
Naó fe fia a evidencias do femblantc
O peito firme, o animo conftante.
156,
Vamos ao templo , diz , vamos ao templo
Dar graças de vencer ferozes Mouros;
A Fé triumfe, e fervirá de exemplo
Ver que ao Numen íe rendaó verdes louros »
Para perder hum filho em mim contemplo
De repetidas culpas os defdouros :
Coimbra fe guarneça, e fortifique,
O Mouro tema, porque o bufca Henrique,
Ff HEN,
226
HENRIQUEIDA
CANTO VIIL
Argumento
Livra Ajfonfo hum milagre de Mayííl ^
O Templo fe defcreve ; ^ o Prelado ,
Fortunas pronojltca , efuando ouvia.
O fuceffo , que Affortfo tem contado :
Canta Aldara de amor a forte impia ,
Occulto ouve o mtflerio ofno Amado ,
Na Regia caça vem os oriz^ontes
Tiranizar os Ceos , vencer os montes,
I.
Como depois de hum hórrido naufrágio
No porco acha o abrigo hum baixel roço.
No cemplo vay bufcar ao feu fufragio
Divino afilo o Príncipe devoco ;
Jâ reconhece por feliz prefagio
De que a Deidade acende ao puro voco^
Ver que Giraldo alegre o recebia,
E que ao fupremo alçar os conduzia.
2.
Adornado das facras veftiduras
Na maó o Bago , a Micra na cabeça ,
Mais do que as pedras, que ailluminaõ, puras,
A brilhance vircude refplandeça ;
Principe com vicorias taõ íeguras ,
Que o Ceo vos di , o nome íe efcureça ,
(Di^ o Paftor} dos nove, aquém aclama.
Ou com juftiça , oa com Ufonja a fama.
Canto VIIL 227
A David igualaes jufto, e glorioío, Nota 507.
Jofuc pára o Sol, evos a Lua,
Macabeo reftauraes templo famofo,
Heitor por entre fabulas fludlua :
Sois fem vicio Alexandre gencrofo,
Ate Cezar vos cede a gloria fua;
Outro Artur, Carlos Magno mais guerreiro,
Emulo de Gofredo, e companheiro.
4.
Dos Mouros, cdo Abifmo hoje adquiriíles
Dois triunfos , que celebre alcançaftes ,
Taõ confiante de Atlonfo a perda ouviftes.
Que agora outro mayor em vos ganhaftes;
Ceflem em fim as fombras vans , e triíles ,
Pois das virtudes o alto premio achaftes :
Vinde às pedras das aras no miílerio,
Pedras fundamentaes do Lufo Império.
5-
O templo de madeira hoje formado ^Tq-;.^ .q»
Se hà de adornar de Mármores preciofosj
Será o Santuário edificado
Sobre quatro Gigantes efpanrofos ;
Para o voffo triunfo eternizado
Se haõ de ver quatro arcos mais gloriofos;
He Simbolo o primeiro da vitoria,
Hum da paz, hum do amor, outro da gloria:
6.
Sobre o pórtico excelfo ha de efcrever-fc
Breve infcripçaõ de eftilo lapidario.
Para a poíleridade, em que há de ler-fe Nota 50?;
Feliz prodígio, raro, e extraordinário:
Neflc efpaçofo coro ha de fazer-fc
Guerra a Plutão do harmónico contrario ,
Cantando ao Numen facro cm tons diverfos
Salmos, himnos, li^oens, cânticos, verfos.
Ffu g
228 Henriqueida,
7-
De fnarraores vertido o largo Clauílro,
Com apraílvel viíla frefcos ares,
A Epifcopal Cidade tem ao Auftro,
Nota f IO. E perto o Douro enveja de outros mares ;
Nota 5 II. Antes que corra muito o Cmciíio plauílro ,
Cónegos de Agoftinho Regulares,
Q^ue o mundo deixaõ com feliz repudio,.
^ De outro templo mayGrferaõ preludio.
j^ , Terá de Parroquial o privilegio j
' '' E hum voílb pio, e claro dcfcendente, .> i
Que he o decimo fexro ao Trono Régio >
Ha de dar-lne outra forma nobremente:
Inrtituto Apoftolico, e egrégio,
Q^uc ha de levar a luz ao mefmo Oriente,
O há de occupar, e tu, ó Ceo ordenas.
Que em Coimbra fuliente nova Atenas.
9-
Neófitos , que a nova Companhia
Com Tangue, e fanco ardor produz , erega,
Daraõ tal luz, que a cega idolatria
Só pela luz da Fé ficará cega :
Terá nella oflagello a hereíia ,
Nas letras, e virtudes fó fe emprega;
Leys mais fabias formou que as de Licurgo,
Dando à Afia hum fegundo Taumaturgo.
IO.
Nota 5 14. Em quanto defcrevia o tempo , e templo
O Primas a quem todos veneravaó,
E ao trono de Maria em pio exemplo
Humildes, c devotos fe proftravaõ ,
A rara maravilha ainda contemplo
Qiie alegres viaõ , finos admiravaõ ;
Naõ apagou a idade eftes veftigios ,
Tudo porcentos faõ, tudo prodigios.
II.
Canto VIIL 229
1 1.
Examinava Henrique o crono augufto
Da Deidade, ein que ao preço excede a arte.
Que no interior inlpira ao peico jullo ,
Qiie hum grande beneficio lhe reparte:
Ceifem em fim a dor, a pena , o íufto,
Que em Cupido abbreviado o mefmo Marte
Só com cândida túnica apparece.
Pequena efpada a breve maó guarnece.
11.
Em fanguc Mahometano tinto eílava
Do leve Alfange o aço rutilante,
Graciofo o efgrimia , e levantava
O bello AíFoníb , o fofpirado Infante : js^ota 5 1 5,
Com fínsido furor ameaçava
Ao Mouro que já o teme fulminante:
A admiração, e o gofto em finos laços
O aprifionaraó nos amantes braços.
13*
No colo o traz do occulto Santuário ,
E primeiro a Moniz do que a Tereza
O mofirou , como premio neceíTario
Do que ao fiel defenfor deve a fineza : Nota ní.
Timantes com pincel incerto , e varioj
De Agamenon a hum vèo fia a triftezaj
E aqui com mais razaõ encobriria
O afeto inimitável da alegria.
Dospays, dairmáa, terniíTImo o afago,
DoAyo, e dos mais finiffimo o refpeíto ,
A os ofculos lugar naõ deixaõ vago,
Nospes, nasmaõs, na fronte, face, e peito.*
A efcura fombra, que com negro eftrago
Cobrio aos coraçoens com crifte eííeito,
S6 íirva quando occulto fe confagre,
' De brilharem as luzes do milagre.
230 Henriquelda
15-
No lindiíílmo roftro do Menino
O branco j, e rubicundo eftà confufo ,
Brilha nos oliios refplandor Divino,
Que oífurca o Mouro , e illumina o Lufo.-
Abrio a breve boca , em que o deftino
Quiz que a razaõ anticipafle o uío ,
Para exprimir com pueril cadencia
Sem artificio a harmónica eloquência.
16.
Dormindo eftava diz, e encomendado
Me tinha, como fempre meeníinaftes,
>í A protedora, de que o peito ornado
» A imagem trago de ouro entre os engaftes ;
As razoes defpertey de hum Mouro irado ,
Eíla Imagem naõ fey feali levaítes ;
Ella, e feu filho entaó me defenderão ;
Naõ fogi, porem elles me crouxeraó.
Deume a Deidade a maó , para que eu ande ,
E dormi focegado aos pes do trono,
Dos Mouros vi o eítrago pronto , e grande.
Achando a morte ao vir tirarme o fono :
Que me ponha no chaõ meu Pay me mande,
Porque efte he do milagre certo abono :
Diíle, íalcou do colo, e prontamente
Se portra ao facro trono revereríte.
18.
Aqui foraõ os gritos, e os clamores.
Aqui dos olhos lagrimas amantes.
Aqui da devoção vivos ardores,
Aqui da Fé, e Amor votos conftantes.-
Giraldo impoz íilencio, e fupcnores
Infpiraçoens coin frazes elegantes
Em Sagrada eloquência doíto exprime
Collocado na Cátedra fublime.
I9«
Canto VIU. 231
Naõ de Tullio , ou Demoílenes imita ^
Retórica diícrecaarcificiofa, iNota5i7«
Mas otaçaõ pathctica acredita
A prorecçaõ da Virgem prodigiofa;
A que a mcreçaõ fervorofo incita,
Porque a virtude fique vitoriofa ;
Qiic ha de fer Rey AíFonfo , diz a Henrique,
E que vifaõ mais rara moílra Ourique. Nota j i^
iO.
A noute fuccedeo clara, eferena.
Harmónico metal informa os ares,
De fíores fe defpio a felva amena.
Para reverdecerem nos altares:
Que o campo fe illumine Henrique ordena,
E foem inftrumcntos militares:
O fílcncio da noute he melodia ,
E com mais luzes naõ enveja o dia.
21.
A hum triduo de exceíTivo luzimento
Já fem ter embaraço Affonfo aíTifte,
Todos vem o Teu ágil movimento,
E nenhum impio à admiração refifte;
Mas entre o univerfal contentamento
S6 ElRey de Lamego eftava trifte.
Por ver a efpofa em taõ profundo abifmo,.
E por tardar-lhe a graça do Bautifmo.
2Z.
AíTim o Gatecumeno zelofo
Diz ao Paílor, que com amor oinftrue:
Quando fera c dia venturofo,
Qiie a efperança do Ceo me reílitue.^
Hoje admirey o cafomilagrofo,
Que à minha converfaõ naó contribue?
Mas finto, que em prodígios fe confagrc^
tara dever a Fé mais que ao milagre,
23.
232 Henrtquetda
23.
Ouando fera que a agoa regenere
O fogo, que im mortal nunca Te apague,
E que nas ílias ondas firme cfpere^
QiJc o meu deliro já feliz naufrague?
De Axa naõ he razaò, que defefpere,
Ainda que cega em tantos erros vague:
Intercede por ella varaó jufto.
Que a ama afecto puro, e naõ injuílo.
Que hà três Bautifmos fabio lhe refponde,
O da agoa, que he da Fé claro colírio,
O de fogo ao dezejo correfponde.
Ode Sangue fe apura no martírio:
O primeiro veras ó Rey adonde
Vencendo o Mahometico delírio.
Do teu peito ha de ver a ardente fragoa
Nota^ic). O efpíríto Divino fobre a agoa.
25.
O Bautiímo de fangue te comuta
O Ceo que por pagarte tal mudança.
Com auxilio eiiicaz, graça abfoluta ,
De que Axa fe converta, da efperança.*
Comigo has de ficar, pois refoluta
De Henrique contra o Mouro a dura Lança
O quer ir caíiigar com digno emprego
Kas criftalinas margens do Mondego,
iG.
Aqui feras por mim bem inftruido
Da minha Religião no alto mifterio,
E verás com firmeza conftruido
Ocdificio immortal do Lufo Império :
A^fonfo aílro brilhante taõ luzido
No feu oriente illuftra efte emisferio :
Moniz o quer fiar do meu cuidado.
Que mais que cortczaõ vay fer Soldado;
*7s
I
Canto VI IL 233
Também ncfte deftrito toda a Corte,
Que pode embaraçar a dura Guerra,
Fica fegura com a guarda force.
Que obíerve o rio , e que examine a Serra*:
Lamego a allcgurava de outra forte,
Porem de Henrique a pia Fé naõ erra.
Pois íe a Cidade Deos naõ defendia, Nota5'io.
Debalde o mundo a guarda, ou a vigia.
28.
Neíles dias do goílo , e do defcanfo
O Sol no Velocino imica Aftrea,
E no juílo equilibrio o tempo manfo ,
O dia igual á noute Tiaõrecea:
De hum breve rio ao plácido remanfo
Aldara as fuás penas lifongea j
Naõ fabe que Pelayo occulto eftava,
E entre a efpefla verdura a efcutava.
2.9.
Só poderey , 6 Ninfas deíle Rio
Fiar de vos as mais fenfiveis magoas j
Se o fcgrcdo guardais, que vos confio.
Aumentarão meus olhos voíTas agoas,
E aíTim tu nunca íinuas o deívio,
Deos que no Douro rápido defagoas
Deíía tua belIilTima Napéa, Nota5ii5
Com algum bem meus males lifongea.
30.
Fugitivos Criílàes, firmes penedos,
Efcuras Serranias , claras fontes ,
Tenras flores , robuO^os arvoredos.
Humildes valles, e foberbos montes.
Amantes aves , rigidos rochedos ,
Verdes prados, cerúleos orizontes,
.Grutas horrendas, e planícies belias.
Opacas nuvens, lúcidas eílrellas,
Gg ' lii
234 Henriqueida
51.
Se no infenfivel, Seno vegctavel
O amor de quem o mundo fó fe anima,
Confeguio, que hum caratí^-er caõ amável.
Nos duros coraçoens fiel fe imprima \
Confolay hum pefar inconfolavel
Antes que a auzencia com a dor me opprima ,
Pois me acabaõ com fino fcncimento
A magoa, afaudade, eo defalenco.
Fugitivos criílàes , que a huma efperança
Bem imitais no movimento leve,
Que em tanto giro inquieto cega alcança
Urna de prata, tumulo de neve:
De hum verde labirinro na mudança
O mefmo fim minha efperança teve;
Pois correo fem parar no doce engano ,
Até morrer no mar do defení^ano.
53-
Firmes penedos fempre combatidos
Do mayor vento aos rápidos horrores ,
Que imutáveis eílais, que eftais erguidos
Do tempo contra os trágicos rigores !
Vede que hoje por mim fois excedidos.
Porque a minha conílancia nos amores
Naó fe move , ou abate na importuna
Tormentofa inconftancia da fortuna.
34.
Efcuras, Serranias que cortendo
O mundo, naõ mudaes de natureza.
Pois oi bofques cortando , os prados vendo
Confervais eíTa ruftica afpereza;
Coníolayvos comigo, porque entendo.
Que vos fabe exceder minha trifteza ,
Pois naó produzo plantas, nem boninas
Em dilatadas trágicas ruinas.
3^
Canto VI 11. 235
35.
Claras fontes, que em liquidas correntes
Movendo brandamente os criílàes puros,
Vedes ao doce impulío obedientes
A conílancia dos mármores mais duros? '
Sabey, que faõ em mim taõ inclementes
Os deílinos fataes , e aftros efcuros,
Que os naõ abranda, quando corre ha tanto,
A amargofa torrente do meu pranto.
Tenras flores, que efimeras da Aurora,
Ainda que vos infpira alma taó pura ,
No dia, em que naceis mimos de Flora,
Exemplares morreis da fermofura i
Vofla fragrante forte fe melhora.
Se a comparais com minha forte dura;
Sempre quifera , para fer felice,
Naó ver fegunda aurora huma infelice.
5 7-
Robuftos arvoredos, que com folhas
Veílís na Primavera verde adorno,
E fe no Inverno , ó Africo , os desfolhas ,
Renacem no odorifero contorno ;
Tu meu pcfar jufto fera que efcolhas,
Q|ieeu me trasformc em tronco por foborno,
Pois fofrerey tormentas, e mudanças,
Porque haõ de renacer as efperanças.
38.
Humildes valles, que as torrentes frias
Inundaó, quando decem das montanhas,
Veas que deixa pouco edar vazias .,
O circulo das húmidas entranhas j ^
Mais que em vòs abatidas oufadias
Vejo em mim por defgraças taó eftranhas ,
Pois a altivez , que me elevou, meinfulca,
E a inun<ía^oens de males me fepulca.
236 Henriquetda
59-
Soberbos montes, que aílalcando a Esfera,
Sois dos Gigantes túmidos enfayos,
E por reconhecer hum Deos , que impera ,
Ardeis primeiro à fúria dos feus rayos,
Eu que fó me elevey com Eé fincera
Ao Ceo de hum puro amor, finto os defmayos.
Com que o deílino contra mim confpira.*
Euhiiina a hum amor jufto injufta a irai
40.
Amantes aves, que cantando finas
De amor correfpondido anfias fuaves,
Sempre voais aos goítos peregrinas
Com vozes brandas , com acfentos graves ^
Se unidas tendes glorias taõ divinas ,
Sem caufa vos queixais ingratas aves ;
Ay de quem trifte, amor, taó longe deixas.
Que fe perdem no ar inúteis queixas!
41.
Vos rígidos rochedos, quando intento
Invocarvos, eftais furdos, e mudos ?
Eu cuidey, que pudeíTe o m.eu lamento
tazervos com feus ecos menos rudos :
Mas ay/ que fe fentis meu fentimento ,
He para fer durilEmios eícudos ,
E revelando penas taó íecretas ,
Me voltais os meus ecos como fetas/
42..
Verdes prados, que em ervas poderofas
Produzis os remédios das feridas ,
E até curando as fetas venenofas.
Em vòs renacem immortaes as vidas ;
Se de Amor contra as frechas vigorofas
Ainda guardais virtudes efcondidas ,
A outros as applicay , ó prado ameno,
Deixaynie o meij fuaviíTimo veneno.
Canto VIII. 237
43-
Cerúleos horizonccs , que encobrindo
De cfpiricos amantes os miílerios,
Os triunifos cio Amor cfiais ouvindo,
E das ingracidoens os vitupérios,
Dizcyme fe eftes ays , que vaó fobindo ,
Tem alterado a paz dos emisferiosf
Porque eu pretendo , que efta amante guerra
Perturbe o Ceo , como perturba a terra.
44-
Grutas horrendas, vos, que a íuz naõ viftes,
E fó porque a naó viftes, naõ a amafies,
Dicofas íois, pois entre as fombras trifles
O bem nunca perdePces, que adoraftes ;
Sc la no volTo centro arora ouviíles
Eílas vozes j que inteiras coníervaftes,
Levay-asi e contay no Reyno efcuro ,
Que ainda há febre a terra hum amor puro.
45-
Planicies bellas , que de longe vejO>
E que abrindo de Ceres o tefouro
do avaro agricultor dais ao dezejo
Pródigo premio nas efpigas de ouro,
Dcixay, que com meus olhos chegue ao Tejo,
Donde hoje chega o bem , que tinha o Douro >
Aíllm naõ vos deílruaõ vivas guerras,
E vos naó interrompaõ altas Serras.
46.
Opacas nuvens , que com negror giros
Voais ameaçanco tempellades,
E que nos voílbs húmidos retiros
Refervais tormentofas impiedades ;
Logo o vento vorás de nieus fofpiros
Ou vos há de romper as deníidades,
Ou fazervos correr, fe em meus defmayos
"Do Sol, que adoro, me encobris os layos,
47-
238 Henriqmida
4 7-
Ali lúcidas eílrellas mcntirofas!
Como vendo de perco a minha eítrella ,
E as íuas influencias rigorofas.
Publicais, que he benigna, clara, ebella?
Ou apagay ascochas luminoías
Para naò ver o mal , que me defvela ,
Ou defterray deíle fublime aíTenco
Huma eftrella, que infama o Firmamento.
48.
Mas já que ó compafllva Filomena ,
Só vòs correípondeis as minhas vozes ,
Pois ró quem fente huma amorofa pena
Se íaítima de effeitos taõ atrozes ;
Que vos confie, Amor aqui me ordena ,
Com fofpiros anciofos, e velozes
Todo o meu mal , por ver fe em voflb canto
Se adoça a amarga caufa do meu pranto.
49.
Naõ quero fó de amor dizer as magoas ,
Poirfabeis, que Muley por forma occulca
Dentro em meu coração aviva as fragoas ,
E que o pranto efte ardor naõ diíTiculta;
Mas já que ao fom eanoro deftas agoas,
E às verdes fombras deíla felva inculta ,
Cantais raras tragedias, vaõs amores,
Contay taó rara hiíloria às mudas flores.
50-
Notajij. Por mais que me aííeguraõ, que fou filha
De Ali Aben Jozef Rey poderoío,
Qjie em Africa , e Europa impera, e brilha
Sábio, prudente, illuftre, cvalercfo,
E por mais qne o meu gcnio naõ íe humilhe
A ter pi incipio menos generofo ;
Se naò achar noticias mais feguras ,
Mo encontrão reflexões, e conjecturas.
íit
Canto VII L 239
Na Corte naõ naci de Mauritânia,
Nem nos Palácios me criey antigos,
Qiie fez Anteo na grande Tingitania Nota 524.
Antes de ter de Alcides os cafliíius;
Dizem-me que naci na Lufitania,
E que meu Pay temendo os inimigos,
Que o direito lhe da de Lucidoro ,
Aílegura em Lisboa o meu decoro.
Mas fe efte importa tanto, que imprudência
Permitio, que paiVando-me a Leiria,
Arriícando-me a vida, e a decência,
Foííe bufcar a guerra, que fogia?
Quando a penas da guerra huma apparencia
Na caça, que bufcava , conhecia,
Donde dava Muley com duro effeito
A lança a hum bruto, as fetas ao meu peito?
55.
Ao Príncipe Almançor único filho
De ElRey continuamente perguntava
Qjem era miuha MAy» pois naó me humilho
A entender, que ella foííe vil efcrava:
Entaõ , e agora mais me maravilho
De me dizerem todos , fe occultava
Por caufas importantes defte Império;
Que encobrio hum politico mifterio.
54.
Artelinda de rara fermofura
Nos primeiros annos meaffirmava.
Que cu era filha fua , o que aííegura,
Mas carinho afíectado memoftrava:
Em vaõ diirimular entaõ procura
O affeclo , que o feu peito me negava,
£ alguma vez lhe ouvi, fem que me vifíe,
Que de taó alto íer naó preíuniifíe.
S5'
240 Henriqueida
55-
Ter meu Pay o Africano, e vaõ ciúme,
E intcreflar-íe pouco em que eu amaíle
A Muley, pois o affeclo, eo cofcume
Fex que nunca a Almançor eu o negaíTej
E quando a Lucidoro ardente lume
Abrazai naó temer, que fe abrazaíTe
3, Meu peito em outro ardor, a quem vlolenco
Temer fazia o feu merecimento.
E quando a inimizade hereditária ,
Juftiça, e emulação de Lncidoro,
E a enveja de meu Pay tem por contraria ,
Arrifcar-fe o império , eo decoro ;
E com injufta ley taó nova, e varia,
Querer que eu facrifique o bem , que adoro ,
E que era vil politica fingida
Ser hum mal certo, que me cuíle a vida.
5 7-
Deixar-me a fua cólera ambiciofa
Defde a batalha, que ainda chora o Douro,
Em humaefcravidaó taó vergonhoía ,
Que he hum infame eftrago ao nome Mouro ,
Sem que prometa íoma. taó copioía.
Que até a Henrique tente o feu teíouro ,
Ou naó marchar com tanta gente armada.
Que toda Europa veja fubjugada.
Imporme em fim o rigido preceito
De abandonar Muley eternamente,
E dizer ofíendendo o meu reípeito ,
O qiíe faz efta ley menos decente;
Pois de ma promulgar naó fatisfeito
Indica , e naó declara hum indecente
Motivo miftcriofo, einvifivel,
Qu^e condena a aliança a hum impoíTivd.
•a " 59'
Canto VI IL 241
Ter eu no cfquerdo braço azul eftrel!a Nora 515.
Com Cruz de igual matiz, que bem gravada,
Por mais qne a arte deftra fe defvela,
Nunca fe confeguio fer apagada,
E ou fcffe a natureza, ou a cautela,
Naõ he acafo ver-fe debuxada
Cruz, que a ley dos Chriftaós mefignifica,
E eílrella , que 05 meus males prognoítica.
60.
Ter Muley outra cifra femelhantc
Como lhe ouvi, fem fe faber a origem,
» E quando ferve a pátria taõ confiante.
Ver que tantas iníidias lhe dirigem ,
„ E quando ao feu efpirito arrogante
Trofeos oexaltaõ, e padroens lhe erigem.
Do furor de hum amante naó ter medo ,
Sc acafo fe rompefle eíle fegredo,
61.
Conhecer eu em mim : agora fio
De vos mayor mifterio, ó Filomena,
E excede efte 5 que fina vos confio ,
Ao que fiou da agulha a vofla pena : Nota 510»
Se de Thereo o torpe defvario
A eíTa farpada lingoa fe condena ,
5, Se efte romperdes , com mais crifte forte
„ Nènias podeis cantar da voíTa morte. Nota 127.
6z.
Conhecer , digo , em mim , que a Muley amo ,
Porem com taõ rariffima eftranheía,
Qiic quanto ardor na fua auzencia inflamo,
Quando eftou perto ^ troca-fe em til ieza ;
E le por lhe fallar com anfia o chamo ;
Huma occulca prifaõ ata a fineza,
O que ca inclinação transforma em trato,
£ à violência do amor cede o recato. Nota 51 j;
Hh *j.
z^X Henriqmida..
Indicios faó de que eurnaó fou quem dizem,
Equc, morto Almançor, feu.Pay publica,
Queeu Tua herdeira fou, porque fuavizem
Eftes remédios , que ao Teu povo applica :
Pois como aos íeus preceitos contradizem,
E a Lucidoro he raro quem replica.
Finge huma filha-, e a Lucidoro engana.
Quando a; mim caõ cruel me defengana.
64.
N^ata^ic?;. Pelayo Amado, aborrecido digçH
Se eíTe nome feliz te lifongea,
Como o queres perder, pois. inimigo
Duas vezes me forjas a cadea?
Mas naõ me julgues taõ cruel contigo.
Que naõ tenhaó lugar na minha idea
Tuas raras virtudes , e eftimaveis ,
Queforaõ, fem Muley, incomparáveis,..
65.
Antes tudo ao contrario me íucedc,.
Que com Muley, pois quando te aborreço^
Eftando auzente, a tua vifta, impede,
E até do meu rigor quaíí me efqueço j
Mas quando vejo huma violenta fede,
Com que fem conhecer o raro preço
Do fanguedè Muley , te vejo exangue
Íií0ta 550. Só por beber meu íangue no feu fangue.
66.
Com cal Horror teu forte braço vejo,
Que mais te temo, quanto mais te admiro^
E até da tua fombra cenho pejo
Ncftea meus males ultimo retiro:
Crcyo que aprifionando o meu dezejo.
Também queres roubarme o que refpiro ^
Mas ainda aíTim poíTo afirmar-te agora,
Que a naõ fer de Muley, fó tua fora.
<í7.
Canto VIU M3
67.
CcíTou de Aldara o dilatado canto ,
Que Filomena atenta lhe aprendia ;
Mas vendo hum Cervo , que com cego efpanco,
Por naõ fer Acteon veloz corria, l^cni ^yi.
Lhe difpara huma feta , mas foy tanto
O incêndio , que no ferro fe encobria ,
Que agradece da morte o beneficio ,
£ he vidima , holocaufto , e facrificio.
68.
Novo , e leve rumor fentc nas ramas,
Embraça o arco, e quando appiica a vifta.
Antes das fetas vio arder as chamas
Em mais illuftre, e racional conquiíla.-
Pelayo, eufou, lhe diz, aquém inflamas,
E aquém feres deidade, e bem previfta
Tinhas já minha morte , e minha offenfa,
Ao promulgar-me a trágica fentença,
69.
Nao te aííuftes , belliíBma homicida.
De que l*c me occultey fó para verte.
Quando os fuceflos ͣy da tua vida.
Os poflTa divulgar para ofFender te:
Se tens huma payxaô raóbem nacida ,
Que em mifterios puriíTimos fe adverte ,
Pois fazes refpirar minha efperança ,
Permite que eu de mim tome vingança,
70.
Se acafo defíe Rey naõ foífes filha,
Como tal vez fuppocm teu fentimento,
Quem no mundo nafc^o por maravilha,
A fi f c deve o alto nacinento ;
Sempre he única Aldara , fempre brilha
Taõ fingular íeu claro luzimcnto,
Que huma deidade em Ínclita vidoria
.Se deve a fi p fer, credito, e gloria,
KJiií 7li
244 Henriqueida
7».
Naõ fe diga , que eu canto defejar a ,
Forque a nenhum dos dois mal cftivcra,
A mim , qu€ eu em Aldara amava Aldara ,'
E naõ o Império, que a engrandecera;
A ti, porque em ci meíma íè formara
Outro império, que mais te ennobrecera,
Sendo caõ akos dotes eftiniados
Por adquiridos mais , que por herdados^
Quanto mais que a adopção de hum Rey illufíre
Suppoem hum naciínenco foberano.
Nem quererá, que efta eleição fe fruftre
Defcobrindo-re indigno neíie engano :
Naó he poíTivel naõ que te defluftre
Tanto raro atributo mais que humano,
Reíplandecendo em ti claros veftigios
DeaíTombros: de milagres, de prodígios..
75.
Como he certa do amor a aftrologia,
NeíTa cerúlea Cruz , azul eftrella ,
Quero prognofticar, que em ci fevia
Celeíle religião , e force bella :
Já com eíTes íinaes o Ceo queria
Prevenir eom altiflima cautela ,
Que elles fejaõ , cirando o vitupério ,
Quem decifre o rariífrmo mifterio.
74.
He certo, einfelice o meu deftino>
Qiic he até nas venturas infelice ,
Emacafos, que cego naó preuina.
Duas vezes me fez por ci felicc r
Mas fe prendi o numen mais divitio,
Ainda que eu adorallo confeguiífe.
Como pode efperar o privilegio
Outro , que fe equivoca em ía^rilegio .*
■ 7í.
Canto VlIL 245
Vejo em teu coração, quegencrofo
DcfcLilpa a obrigação , paga a finefa,
E fó naõ vence influxo poderofa
De mais ancigo afFedo na firmeza :
Eu rc juro ( oli que cíicito prodigiofo-
De quem fabc adorar tua belleza/
Eu te juro por efies olhos bellos,
Pelo teu roiUo, pelos teus cabelos
7ÍÍ. .
Que a efia \ty , que tens por opportuna
De amar Muley meu peito naó fe opponha,.
Que o naõ oilenda cípada, que importuna
Tanto à tua averíaõ a mim me exponha:
Goze feliz taó profpera fortuna,
Sem que eu era canta gloria lhe interponha
Hum ferro , que até teme o duro efeito
De arrancar teu retrato do feu peito.
77.
Já faltou a Mufey hum inimigo ,
,^ Que lhe podia dar algum cuidado ,
E íou cu ; mas naõ julgues o que digo
„ Ou de defvanecido , ou de affedado %
Porque arrifcando eftava fó comigo
„ Quem te adora mais fino , e neíTe eftrado--
Quem da divina Aldara tem favores.
Temeria quem terae os feus rigores.
78.
Nfas no dia , em que eu vir , que elle poífue:
( Oh nunca o Ceo permita , que eu o veja/)
G bem que a fua forte lhe atribue,
Caufa immortal de bem nacida enveja,
E que huma eílrella, que feliz lhe influe,
A mim me deixa a cruz para que feja
Martiryo ao meu eterno fentimento,
' £ íimbolo fatal do meu tormento.
7»
-IJ^S ÍJenrícjmiãa .
Fogirey de tal forte dos humanos ,
'Que as feras me teraõ por companheiro,
E viviraõ comigo os defenganos ,
De que o exemplar fercy mais verdadeiro :
Já mais A^eraõ teus olhos íoheranos
Do teu rigor o objedo , mas primeiro
Que eu fobreviva a tanta indignidade,
$Da Parca efpero o golpe por piedade.
. 8 o.
E fe a fidelidade o permitiííe,
'Mas que a morrer faudofo me artifcaífe.
Eu feria quem fó te conduzifle,
E a EiRey teu Pay fegura te levafle :
E íe quando morrefle hum infelice ,
Hum refto de piedade em ti fe açhafle.
Aceitarias minha trifte vida
Por premio da fineza bem nacida.
81.
Vegctante, infenfivel, e animado
Pára ouvirem teus males convocafte ;
Naquelle cronco fe verá gravado
Quanto duro pefar lhe confiafte :
Nos ecos grita o monte o teu cuidado-,
E a ave conta a dor , que lhe fiafte ;
Serey do que te ouvi mudo rochedo ,
Eternizando amor com o fegredo.
8z.
Callou-fe, ou fufpendeo-fe o fino amante,
E fe eu pintar quizera as vivas cores,
Que de Aldara animarão o femblance ,
Luzes ao prado , ao Ceo tirara as flores :
O efpirito movendo vacillance
Iras, piedades, confufoens , temores,
Moftraõ que he caos a alma inditferente
2^1) combate do frigido , e do ardente.
Canto VIU. 247
85.
Sempre as payxoens mais nobres prevalecem
Nos afFectos de hum peito generofo,
E aíTim rerpondo aos que C€ naó conhecem,
Pelayo illuílre, fabio, evalerofo,
Pode fcr , que os PoUticos cemeQem.
Romper canco fegredo miftcriofo ,
E entic illurtres contrários difputado
O interellc do Amor mais que o do Eftado»
Mas em quem , como eu admiro , e vejo*
De hum magnânimo peito as circunftancias ?
GeíTa o receyo , a dor, a ira, o pejo
Do dehrio infehz das minhas aníias :
Deva-te compaixão o meu dezcjo,
E da minha fortuna as difíbnancias j
Da minha eftimaçaõ te fazes dino,
Sogeica-te aos decretos do deftino,-
Nefte tempo hum avifo lhe chegara^
De que a benignidade das Princefas
Por divertir feus males lhe ordenara
Vcnatorias magnificas grandefas ;
No ar , ena terra a guerra' fe prepara ,
Igualando os acertos, easdefttezas,
E aves, e brutos temem ameaços
De lanças, caens, falcoens, íetas, e laços ^
86.
Ja voava dé Henrique hum Gerifalte Notâ??^
Cerúlea producçaó do Boreas frio ,
E dando ao ar azul purpúreo efmalte.
Vence huma Garça cm alto defafio :
Mas hum Nebli, fem que o vigor lhe falte j
De outra conhece o generofo briOj
Sendo ao cahir febre o contrario ouzado
. Dos volantes punhaes atravefíado,
248 Henriqueida
87.
Ja tira o caçador o capirote ,
Que com impulfo cego facodia
j, Ao veloz Africano Tagarote,
Que na maõ, e no Ceo a hum cerapo via*-
Faz que no mar aéreo hoje íe note
Quanco a aquática esfera deícobria ,
Quando ganhaõ o vento azas de hnho
De outros Falcoens marítimos de Pinho
88.
Daquelía parte fahe das piofes
Contra outra Garça íium Cipriote Sacre,
A quem naó valem voos taõ velozes
Para naõ ver correr purpúreo lacre.-
Cahe rendida aos golpes fempre atrozes
Do inimigo voraz, lapido , c acre.
Sem que a izentaíTe do tirano eftillo
A immunidade do celcfte azillo.
S9.
Outro Leonês Borni dcfanparece
Lá remontado aos últimos íafiros:?
Mas já precipitado à terra dece,
E de ave mais valente foge os giros :
Nota 5 5 5, Águia Real as luzes efcurece
Dos orbes fuperiores nos retiros -,
Naó (qv fe o aílro foy , que a eíte intento
A opprimillo baixou do Firmamento.
90.
De Alcotaens , Bafarís , e de Montanos,
De Alfanequcs, e Alietos rigorofos
■Sentem os ares impecos tiranos,
Vem os campos eftragos rigoroíos;
Mas outra Águia em voos foberanos
Se remonta cm alentos gcnerofos ;
E já recea os íeus impuUos graves
N©ta5 54.Q exercito carnívoro das aves.
Canto VIIL 249
9».
Da parte occidental os ventos cruza ,
E as aves, que do Oriente fc elevavaó.
Nenhuma o feu Império já recuza
Nem as que ao Auftro as azas cfpalhavaõi
Simbolo heroyco foy da gloria Lufa,
Que todos taõ alegres obfcrvavaó,
Como fe eftes prognofticos propicios
RecordaíTcm de Roma os vaós aufpicios. Nota 5 5 u
91.
A Icgiaó dos domefticos Açores Nota 5 5<?»
De Dédalo parciaes hoje confeguem
Exercitar feus trágicos rigores
Nos filhos de Perdicas , qne perfegucm .•
Como fe rodos foíTem inventores
Dos inftrumentos , a que as artes feguera ;
Hum os rufticos mármores partindo.
Outro ângulos geométricos medindo.
Oh da enveja fatal bárbaro eíieito
Do próprio fangue hidropica inimiga.
Que à virtude, efciencia fem refpeito
A deftruir o bem ao mundo obriga:
Naõ de oppor-fe à Fortuna fatisfeico
Efte affecto infetnal , quer fe perííga
A mefma gloria eterna, que efcurecc
EíTa mefma virtude, que aborrece.
94.
O bofque efcarmentando nos eílragos.
Que via executar na azul esfera,
Já fente os giros rápidos , e vagos ,
Do veloz bruto, e da robufta fera :
Torcidos inftrumentos , que prefagos
Com o foni , que nos montes reverbeta,
Profetifaó do bofque a trifte inópia,
* Já foraó de Anwitéa feliz copia. NotajrJT*:
ii 95«
ZjQ Henricjueida
95-
Quantos Adónis vejo , quantos Martcs ,
Nota5'5 8. Mélcagros, c Alcides repetidos,
Que os matos rompem por diverfas partes
A hum tempo rigorofos , e advertidos!
Nota 555. Huns na batida exercitando as artes •
Dos projedos da caça prevenidos
Fazem fahir os brutos com injuria
Huns pelo medo, e outros pela fúria.
Da parte efquerda fácil o terreno
Permite na calcada outro exercício ,
Entre o pungente tojo o mole feno
Deixa ver dos veftigios leve indicio :
Vem as bellezas pelo prado ameno
Fazer das feras o furor propicio.
Oh quanta ninfa vejo foberana ,
Enveja de Atalanta, e de Diana !
97.
Humas nas portas com mayor paciência
De hum Cervo efperaõ o improviío falto ,
Outras ao Javali, que com violência
Fere o humilde , oííende o menos alto :
De taõ raras bellezas a excellencia
Agora nos meus rithmos naó exalto,
Porque tanta deidade, e taó luzida,
Jà nao vejo entre as ramas efcondida,
98.
A mufica horrorofa dos latidos
Nota ?4o. Dos Melanipos, Barcinos, eAltimores,
Nota 541. De Hecuba pareciaó os gemidos
Vendo abrazar-fe Troya entre os ardores :
Nora 54i. Pois , como Mera , foraó convertidos
Nos caninos famélicos horrores
Os que antes com divinos privilégios
•"^-"^^^^^^ Eraó brilhantes cfplendores Régios ^ o&v.
íi 99«
Canto VUL 2yi
99-
Inftigados da ardente antipatia
Saliem dos propugnaculos frondofos
Ao compaíTo da beilica harmonia
Os brutos com os gritos mais furiofos ;
Ao venablo de Henrique refiília
Hum Javali , que he Rey dos monftruoíos-
Habitadores da afpcra colónia
Do povo irracional de Calidonia. Nota|4v
100.
Túmido monte de carvaõ ardente
Se move o novo aíTombro de Erimanto , Nota 544.
E pareceo , que a mouta de repente
Se animou para íer ao mundo efpanto : 1
Sahe aos colmilhos cada ebúrneo dente, > u^i ^y
E o punhal mais agudo o naõ foy tanto ;.q ''^^ ^
Sendo aos Teus golpes hórridos, e broncos^ ' ' "^
Débil defenfa os mais robuílos troncos.
101.
Armando-fe do efcuto húmido lodo y-'' ?
Do foi aos rayos endurece a malha.
Do ferro á prova fe defende todo
Para entrar mais feguro na batalha :
Temo que a prevenção de qualquer modo
A* fua aftucia irracional naó valha ?
E que fendo de Henrique o ameaço ,
Rcfiíla ao ferro, e naõ refiíla ao braço ^
lOZ.
Temerão os fieis exploradores
O monftruo , que em latidos dcfcobriraó ,
Huns morrerão dos dentes aos rigores , ■
Outros viverão fó porque fogiraõ :
A alguns matarão os cruéis horrores.
Outros feridos trémulos cahiraõ ;
De dois julgo no alto, que faltarão,
, Que nos dois. Caens celeftes fe abrafaraõ, mi s: - Nota 545^
liii 105.
ZSZ Henricjueída
105.
Efpantoufe huma cândida Hacanea /
Nota 546? Qiie a belliirima Aldaia dominava,
E ella no precipício, querccea,
Largando a rédea , o rifco fe augmentava :
Derta amável prifaô rompe a cadca
O bruto, que as fortunas ignorava.
Como Te confeguiflc em tal defvio
Kota547'^ maquina, ou inítinto , ou alvedrio.
104.
Levou Aldara ao alto da montanha • :"
j^. Para augmentar a força do defpenho.
Mas Pelayo em tragedia taó eftranha
Bufca de outra fineza o defempenho :
O feu cav.allo deixa na campanha, ..3 •mi'
E no perigo acrecentando o empenho '
Faz com a eípada o bruto em mil pedaços»
Recebe a amada Deofa nos feus braços.obb i :
105.
Eftç he o primeiro bem, que devo à fortci
Diz Pelayo, ;nas foy a tanto cuílo, :«> ioí oG
Que eu dera a vida com felice morte, vS\ o' •
Porque da tua naó tivcíTe o fuílo ; '
Naõ perdeo o acordo em mal taó forte
Aldara , e concedendo o premio jufto ,
A Pelayo , com roftro mais propicio
Lhe agradeceo benigna o beneficio. '
106.
Voltou o Javali, donde Tereza
Se aíTuftara a naõ ver que o fegue Henrique,
Mas ao perigo próprio huma fineza
Naõ permitio que as atençocns apliqne :
Tudo fia da heróica fortaleza
Do Heróe , porque os triunfos multiplique?
Tudo teme , que nunca nefta parte
'f\H è!' iig hum cobarde amor filho de Marte.
, r .. ,. 107.
Canto VIII. 2J3
J07.
Henrique prevenindo o facrilegio ,
Vibrando a lança as duras armas rompe,
Naó pode refiftir ao braço régio ,
Que as hórridas defenías incerrompc :
Vcrteo o immundo Tangue o golpe egrégio j
Que inficionando a terra o ar corrompe j /
Mas a falta o furor naõ debilita,
Quando a ferocidade mais fe irrita.
ICg.
Naõ refiílio a lança ao novo impulfo ,
Mas da caça fentio no ferro breve
O bruto tal vigor do forte pulfo , i
Que^ agora Tente o muito , a que fe atreve 5
Mas fe no arrojo fe julgava infulío ,
Opinião de fagáz na morte teve ;
Pois fe rendeo a Henrique a bruta vida ,
Ficou na illuílre morte ennobrecida.
log.
Vingou Pelayo , vendo livre Aldara ,
Em tantos Javaliz o feu perigo ,
Que quafi huma hecatombc lhe prepara , Nota 549»
Fazendo facrifício do caíligo.
Bcrmudo hum taó feroz ali matara ,
Que a Vrania renovando o cafo antigo ,
Difle: hum trofeo na caça te confagro
Melhor do que á Atlanta Meleagro.
1 10.
Mil foraõ os despojos , que hoje as feras
Aos nobres caçadores entregarão ,
E os Caens, que as descobrirão, nas esferas
Entre os aftros fcu nome eternizarão ;
Oribafo nos montes fempre imperas , jsjQjg ^,çy
Dorceo na aguda vifta te chamarão ,
^ Leucon pela cor branca conhecido ,
Theron até tjo nome enfurecido.
a 5 4 Henncjueida
i III.
Là vay correnao cândida huma Cerva ;
Neve parece a quem o Sol defaca
Da corrence , que rigida a referva ,
Para a deixar correr liquida prata :
Mas apefar de Cinda , e de Minerva
Volance goJpe a cor lhe desbarata ;n.::íroi'
E veftindo de púrpura a brancura,
Tem no criftal do rio a fepultura.
III.
De Uraniji foy a venturofa feta ,ji iSeM
Qiie ferio eíla Cerva venturofa,
Em criftalino Ceo vago cometa
Com bella morte a quis fazer ditofa ;
Tanto o medo te cega , e te inquieta ,
Difíe Bermudo à Cerva temerofa ,
Que as flores deixas , bufcas os abrolhos >
Sentes as fe tas , por fogir dos olhos í
Deve darte por eulpa tao grofleira
Caftigo taõ felis , que o naõ mereces ,
Devendo fer cruel, foy lifongeira
EíTa immortal ferida , que padeces ;
Se a hiftoria fe tiver por verdadeira
De outra Cerva, com ella te pareces
Nota 1 ^^^^^ ^ ^^^^ * líigenia fobctana ,
' Como agradável vidima a Diana.
114.
Naõ julgues , que te imito no cobarde»
Pois fem fogir as fetas homicidas ,
Tanto o meu peito aos bellos olhos arde,
Que para os rayos multiplico as vidas:
E para que os incêndios naõ retarde
Ambiciofo do amável das fétidas ,
Bufco de perto o deliciofo encanto ,
E avivo o fogo fufpendendo o pranto.
115.
Carito VI 11 255
De Licaon retratos infinitos Notaífu
Confervando a tenaz voracidade,
Moílravaó caftigados os delitos ,
Que caufaraõ de Pirrha a tempeftade : • Nota 753.
Quando os mortaes na inundação aflitos,
Por ter do Ceo mais próxima a piedade.
Abandonando humildes orifontes ,
Naó tem aíilo nos fublimes montes.
116.
Exterminar a efpecie furibunda
A grande montaria procurava,
E dos Lobos cruéis a plebe immunda
Por todas as veredas íitiava ;
O tirânico exercito , que inunda
O gado manfo com torrente brava,
Vé defpojar feus Ímpetos groíTeiros
Para izençoens eternas dos cordeiros.
117.
Tal houve, que aílaltando a Doriménc
Devorara a HndiíTima paftora.
Se Dorfino das Serras de Pirene Nota 554.
Naó oppufeíTe a efpada vencedora;
Dorfino , a quem o amor nunca condene ,
Porque menos atento, ou fino adora,
Dando em feu coracaõ feliz dominio
A* Vénus, que o Erice achou no Erminio. NotaíH*
1 18.
Mas o Lobo fobindo pela efpada ,
Foy na maó do paftor vingar a morte,
E devorou com fúria arrebatada
Com aboca criiel o braço forte;
A paftora das anciãs animada
Vay focorrello, mas a iniqua forte
.Fez cair aos feus pés com trifte indicio
. A fera > .€ o paílor por facrificio.
1^6 Henriqueiãa.
119.
Ao Heróe Leonez Pedro Bernardo
Outro Lobo feros ouzado aíTalca,
Mas igualmence pronto que galhardo
No ar o maca a íança quando falta;
onero > que em atreverfe foy mais tardo
Com o golpe do alfange o campo eímalta>
Donde inficiona o verde, e o florido
Com venenofo fangue denegrido.
1 20.
Ruftico hum caçador com força deftra,
Ea quem faltou da caça o valor nobre.
Temendo hum Lobo foge da paleftra ,
E dos bofques no intimo fe encobre :
Nota 5 5 6. O perfpicàs efpofo de Hipermneílra
No centro impenetrável odefcobre,
E o cobarde fentio , íem que o reíifta^
Mais agudas as unhas , do que a vifta. j
IZ I.
Nao valeo a deílreza ao fagàs bruto í.. .
Com que à morte fogio fogindo a morte;«íPií'^f f
Porque Vulpeyo hum caõ pronto , e aftuco
O defpcdaça com impulfo forte :
Salta hum Lobo cerval taõ refoluto ,
Quedas lanças rompeo circulo forte,
E acometendo a todos com fereza ,
De todos fe livrou com ligeireza. ,
122. \
Naõ amando exercicios taõ ferozes ,
Fazem outros , que fe ouçaõ na campanha ,
De alegres gritos vcnatorias vozes ,
Com que a caça das lebres fe acompanha :
Com a zas do temor voaó velozes ,
Porém, ou dos Falcoens a cautela eftranha ,
Ou dos ligeiros Galgos dura guerra ,
Unem contra hum fó, bruto o ar, e a terra.
ii3-
Canto VIIL 2J7
Da trela com vigor fahio Centelha
Dos campos Lauricenos veloz filha ° *í)7'
Na matizada cor branca , e vermelha
Canicula tcrreftre ardente brilha :
Nunca para correr fofrco parelha,
Porque a competidoras naõ fe humilha
Naó Cem no vivo os olhos paralello ,
Delgado o talhe , e mais delgado o pello.
114.
DeUrania no favor deívanccida
Naõ le foltàra da prizaõ dourada ,
Nem rompera a cadea appetecida,
Se naó dos feus preceitos obrigada :
Pelo Ceo dcefmeraldas impellida
Terreftre exhalaçaõ corre animada ,
Centelha iguala , e toca levemente
Prompta faifca a exhalaçaõ ardente,
125.
A vida lhe dilata cm largos giros,
E embaraçando os Ímpetos ligeiros,
Naõ lhe deixa valerfe dos retiros ,
Em que fó tinha afilos verdadeiros ;
Até que exhaia os últimos fufpiros
A lebre em defalentos naó groíTeiros,
Porque ou maquina foíTe, ou feníitiva ,
I- Foy por Urania racional , e viva.
Ao mefmo tempo os ares fe povoaô
De cruéis fettas , de aves innocentes,
Aquellas mataõ mais, que as outras voaõ ,
E vemfe unidas penas diferentes ;
I As que doces cantavaó , triftes foaõ ,
' As que animaõ o amor , ferem ardentes.
Sobem a hum tempo , e defcem inquietas ,
Mortaes as aves, immortaes as fettas.
Kk X27,
258 Henriqueida
117.
Neíle enfayo da arte venatoria , Sr* '^'.ft^
Na diverfaó inucil , mas augufta
Da virtude Marcial á heróica gloria ,
O Herôe as máximas bellicas ajufta :
Nota 558. Para alcançar das feras a vicloria
O Principe exercita guerra juíla -,
Edeftruindo os Lobos carniceiros ,
Patrocina os paciíicos cordeiros.
Ii8.
Aqui o ardente Sol , e a fria bruma
Aos corpos delicados endurece,
A força de fer ágil fó prefuma.
Para evitar o rifco , que conhece ;
De eftratagemas a arte fe refuma
A' caça , que taõ deftra fe conhece ,
Para attrahir incautos inimigos y
Nobres enganos , Ínclitos caftigos.
129.
Aqui fabecortarfea retirada.
Seguir , eaprizionar os fogitivos, .a90Bi£
Exercitar da fetta j lança , e efpada ,
Os acertos , e os golpes mais activos t
A arte equeílre taó útil , e eftimada
Exercita primores exceíTivos , <
Que no dezembaraço , e na. deftreza ,
Adquirem o vigor , e a fortaleza.
150.
Acui claras as ordens deftribucni
Os que formaó projcdos venatorios ,
E os inftrumentos bellicos ínftuein ,
E fem voz os preceitos raónotoriosí:2í>bini
Nas memorias , que os brutos íc attribuem
Kota 559. De Alcides, Meleagros ,e Sertorios,
No Lcaõ , Javali , e aftuta Cerva,
Vivem Beiionay Palias , e Minerva.
{
Canto VIIL 259
151.
Em fim enfina a caça a Geografia
Com o conhecimento do terreno ,
E o General já nella conhecia
Bofque inculto , alto monte , e prado ameno :
O campo de batalha defcobria
Mais eftreito , mais largo , ou mais pequeno *
Reduzindo o paiz a breve ponto
A vifta aguda , e o juizo pronto.
151.
Aíllm difcorrco Cyro com Crifanto ,
Quando ganhou de Arménia a vafta terra ,
E ao fer de Azia terror , do mundo efpanto,
Louvava a caça , exercitava a guerra »
AíTim o fez quanto Rey grande , e quanto I^ota f 6o.
Da fama o templo gcnio illuftre encerra ,
Quando huma artctaó nobre em feu progreíTo
Naõ degenera em viciofo cxceíTo.
IH-
Ontravez te invoquey, claro Mecenas, j^ota 561
Mais do que António Augufto Luzitano ,
E outra vez meinfpiraraó as Camenas,
Quanto admirey no campo Tranftagano :
Naõ frágeis fettas com ligeiras pennas
Difparava o teu braço foberano,
Ardentes rayos fim de impulfo certo ,
A quem Joveenvcjou poder, e acerto.
154-
Ou de hum fó tiro os animaes ferozes
De hum globo de metal faõ lignos vagos,
E humilhando os fcus Ímpetos atrozes ,
Te devem na atenção nobres eftragos :
Ou de Saturno breves , e velozes , Nota j(>xj
Plúmbeas esferas , circulos prefagos ,
Fazem do fogo a empenho taõ violento
Ser o metal mais leve do que o vento.
26o Henriqueida
De Iium Adónis a lança vingadora
Sacisfaz outro Adónis, vence Marte ,
E outras vezes do Touro vencedora >
Efcuía de Medca a infeliz arte/
Eu vi fogir a Cerva voadora,
Naó lhe valendo amais diftante parte.
Pata livrarfe a taõ fatal eíFeito ,
Porque azas do temor corta o refpeito.
Nota 5<j5. Teus Irmãos , Pay , e Avo no Régio' exemplo
Do venatorio bellico exercicio
Ja deraõ de Diana ao facro templo
Em mil feras heróico facrificio .•
Nota 564. Em novo augufto Principe contemplo ,
Que hoje he demonftraçaó o antigo indicio»
De que triunfando na arte venatoria> *
Antecipa os enfayos da vidoria.
«57.
Notai^^. Francifco , que he no ágil, no robufto;
Do ar , da terra , e mar com cal dominio
Abíoluto Senhor, Principe augufto.
Logra em continuo acerto alto definio :
De aves , brutos , e peixes , prompto fufto
Deveo da Mufa ao claro vaticinio ,
Que deixe o grande nome celebrado
No canto venatorio eternizado.
138-
NorajóíJ. Manoel dos magnânimos enfayos
Sahio a merecer glorias divinas.
Empregando os impulfos dos feus rayos
Nas indómitas feras Bifantinas : »
Vendo a Lua Otomana com defmayos
Eclipfarfe nas luzes , que fulminas ,
Por ti a Águia do Açor vence a protervia^
Aiíegura Pannonia > doma Servia,
1}9'
Canto VIII. i6i
Carlos, c Pedro nos floridos annos
Igualaó os mais deflros caçadores ,
Três Dcofas com acertos íbberanos
Vencem de Cincia as luzes , e os primores.-
Oucra nos campos, Beticos , eHifpanos,
Dcfpoja os louros , e produz as flores ,
E a ennobrecem com altos privilégios
Hum Regio efpofo, dous Monarcas Régios.'
140.
Com cem trombetas interrompe a Fama
Da caça os inftrumentos retorcidos ,
A grande empreza os ânimos inflama,
E os feitos vaticina efclarecidos :
Diana cede a Palias, arde a chamma
Do ardor Marcial nos coraçoens luzidos;
Retiraõ-fe as Princezas a Lamego,
Marcha Henrique , e as tropas ao Mondego;
ofi 3
HEN-
i6i
HENRIQUEIDA
C A N T o IX.
Argumento
c
Oimbra fortifica ^ o Grande Henrique ,
E a Pomhal , e Leiria conqutfiando ,
Forque ejiragos aos Mouros multiplique ,
Vay toda a Ejiremadura devaftanio :
£ para que o projeóío fe publique ,
Aos Gencraes 'valentes confultando ,
Ao Mouro bufcÃy que o feu campo formai
E de ejlranhas vifoens Axa o informa,
I.
Antes que as aves com clarins fonoros
Dcfpercaílem o exercito das flores,
E aos harmónicos ecos, e canoros,
Se avivaíTem da Aurora as bellas cores,
xT^- rro E que actrahindo a Febo os doces coros,
Delle aprendeflem muíicos primores ,
E com tanta celefte melodia
Se ajuftaíle dos orbes a iiarmonia.
2.
As trombetas , e as caixas retumbavaõ
No campo dos heróicos Portuguezes,
Os Toldados equeftres já marchavaõ
Dando mais luz que o dia os feus arnezes;
As pedeftres milicias fe formavaõ ,
Henrique corre as linhas muitas vezes ,
Sem perdoar levilfima defordem ,
Faz a aliança do valor , e a ordem.
Canto IX. 263
3'
No paiz , que lhe rende a vaíTallagem ,
Toda a terceira linha fe rcfguarda ,
E as maquinas de guerra, e a bagagem
Marchavaó na fcgura retaguarda :
Nas maõs lhe renovara a homenagem
Quanto cabo fiel as praças guarda i
E porque a diverfaó na(5 aconteça ,
Hum corpo deixa, que o paiz guarneça.
4-
Dom Garcia Rodrigues fempre illuftre , Nota5(?9.
De que o Tangue Coutinho fe deriva,
Que deo a Africa honra , a Europa iuftre ,
Governa a valeroía comitiva :
E porque a devoção nunca fcfruftre,
Bufcaõ todos no templo com fé viva,
E com pios aííedlos , e devotos ,
O defempenho dos ardentes votos.
5-
Naõ fe arrifcou Amado a ver Aldara,
Porque temendo a fua fermofura,
Se a faudadc ao fcmblante perturbara, \
O valor malquiftára na ternura:
E quando para eftragos fe prepara ,
E contra o que ella adora fe conjura ,
Ou pelo amor o brio feefqueceraj
Ou grofiaria a honra fe fizera. )
6.
De Terefa, e de Affonfo o Grande Henrique
Fino, porém conftante fedefpede,
Porque ao darlhe hum Império juftifique
Apromefía, que o Numen lhe concede:
As lagrimas Urania multiplique,
Quando Bermudo a permiflaõ lhe pede
De naó morrer das armas á violência^
Se naõ aos golpes de huma criíte auzencia.
7.
264 Henriqueida
NaÕ chegava ainda o Sol da bella Aftrea
Ao equilíbrio com que o mundo alcança'.
Hum bem , que a injulliça naó recea
Pondo igual o feu ouro na balança.-
Como oíviondego fácil fe vadea,
Em quanto com a frigida mudança
Naõ fe engrolTa com rápida torrente ,
As fuás margens bufca promptamente.
8.
Cinco vezes no Ceo nafceo a Aurora »
E outras tantas no mar Apollo morre ,
Quando Henrique nas marchas, que melhora
Pelo campo Colimbrico d/fcorre :
Campou junto á Cidade , porque agora
Primeiro a fortifica, eafoccorre.
Do que paíTar o rio forte emprcnda,
Sem fegurar a ponte , que o defenda.
9.
Nota 5'7o. Quanto na Poliorcetica o experto
Grego , e Romano contra as praças ufa,
Prevenira o deftriíTimo Roberto Ãbií^l £ :»»:
NotafTi Novo Archimedes de outra Siracufa : ' • ' - '
' Com brevidade , método , e acerto ,
Faz que a difpofiçao, fem fer confufa.
Vença com prevençoens, e com porfias,
Obta de largo tempo em poucos dias.
10.
' Dos torrioens os ângulos flanquea ,
Os terraplenos enche , e fortifica ,
Alli repara de huma , e de outra amèa
Asruinas, e offenfas multiplica:
Ao foíTo , que em graõ circulo rodea
A forte praça, tal cuidado aplica,
Que nelle por conduto occulto , e cego
Sangria de criftal deu ao Mondego.
II.
Canto IX. 16$
II.
Saperava eminente Cidadela
A aHtiva ficuaçaó da forte praça ,
Prevenido Roberto guarda nella
Maquinas , com que os Mouros ameaça :
Soteraneos encobre com cautela,
Com que o íitio , ou malogra, ou embaraça,
Que enlinou bruto timido , e aftuto ,
E imita o homem lábio , e refoiuto.
12.
Da ponte reparou a Fortaleza, , >
Que os primeiros impulíos desbarata,'
Da ponte, em que do mármore a riqueza
Nos mais excelfos arcos fe deíata ;
De Coimbra a alegria, e a belleza
Pinta o Mondego em lamina de prata >
E enriquecido com o objeto grato
yay levar a Neptuno o íeu retrato.
15.
Guarnição numerofa he o prefidio,'
Com que a Coimbra Henrique aíTegurava,
Ao fciente Roberto , ao forte Helvidio
O graó Pedro Bernardo governava :
De armas , e muniçoens largo fubfidio
Com abundantes viveres deixava.
Para que nem do largo do bloqueyo.
Nem do pronto do aíTalto haja receyo.
'4.
O Mondego a paffagem facilita
Pelos liquidos circulos de argento
Ao Luíitano exercito, a que incita
Da pátria, e religião gloria, e augmento:
Ainda em paiz dos Mouros íe exercita
Da exada difciplina o documento.
Sendo de Henrique o animo picdofo
/Até com feus contrários generofo.
y tsr
266 Hennojueida ^
Com ouro, e efmeraldas das efpigas
Enriquece aos mortaes pródiga Ceres ,
Com que, ò Agricultura, das fadigas
Largamente o trabalho recuperes ,
E com que das torrentes inimigas
No fértil anno as perdas remuneres ,
Multiplicando os nitidos tributos
No áureo tefouro dos opímos frutos.
i6.
Campando no paiz dos inimigos, '" '
De que ao longe íó vio poucos foldados, ^*lP
Se aviílaõ de Pombal muros antigos , ' ''
Que fe acharão de novo reparados :
Henrique refolveo darlhe os caftigos,
Qi-ie por fer temerários mais que oufados
Pelas leys militares merecerão
Cs que as pequenas praças defenderão.
Defpreza Ofman os feros ameaços ,
£ refponde que efpeia feja eterna
Pela força invencível dos feus braços
A defenfa da praça , que governa :
Jàas Maquiíias fazem em pedaços
Dos velhos muros toda a linha externa ;
Por dentro fabricou fortes , e duras
Com largo fòíTo largas cortaduras.
i8.
Hercules de Rohan , e os feus Francezcs ,
Para fegar o foílo , e dar o alíalto.
Com juíla emulação dos Portuguezes
Tudo rendeo a hum animo taó alto :
Alano feu irmaõ , que feni arnezes
PaíTon o foílo de hum ligeiro falto.
Morto cahio de huma fatal ferida
Da guarnição , que faz huma fortida.'
Canto IXl ZóJ
19.
O Príncipe galhardo de Bretanha
Eftimulado do infehz fucceflb ,
E de que o Régio Tangue na campanha
Animaíle outro bárbaro progreílb :
Incitado o valor da pena eftranha ■ '
Tanto augmentou do impulfo o raro exccílhy
Que pela mcrma porta, a que embaraça,
A fortida que fahe, entra na praça.
IO.
Primeiro com os feus vencera o foíTo,
E as Tetas, que tiravaó das ameas.
Da guarnição rompera todo o groíTo ,
E das bocas das ruas as cadeas ;
O eftrago univerTal contar naõ poflb
Sem manchar com o horror nobres idéas j
Porque o rio purpúreo, que corria.
De que era o Tangue bárbaro eTquecia.
2.1.
Naõ teve entre o furor uTo a piedade;
E tudo foy de Alànò Tacrificio,ír,jlíj(J
FermoTura, valor, Texo , ou idade,
Nem com o pranto achou o ardor propicio.*
Oh permitida , mas infiel crueldade
De animo generoTo eftranho indicio !
Porque perde ao vencer Tem refiítencia
A jnagnanimidade na violência i
11.
Henrique Te laftima da deTordem ,
Louva o valor, mas o furor condenna,
Prefidia a Pombal, publica a ordem
Da marcha, adonde o Liz Te junta ao Lena:
Mas porque os Generaes todos concordem
No militar projcdo , logo ordena
Hum conTelho , a que Tejaõ convocados
Os principaes Yaroens aillnalados.
il ii 13;
l68 Henriqueida
Heroes invidos , diz, já que a fortuna;
Que cede à providencia o vago império ,
He para Portugal fempre opporcuna ,
E para Mauritânia vitupério ;
Porque o valor à difciplina íe una,
E gloria fó refpire efte emisferio ,
E do Numen no aufpicio foberano
Tenha principio o Reyno Luíitano.
24.
Com marcial , com illuílre liberdade
Efpero huma magnânima repofta ,
Porqne nella o acerto me perfuade
Toda a refoluçaõ defta propofta.-
Zelo, valor, fciencia, amor, verdade
Na voffa reflexão verey expofta.
Que eftes cinco axiomas verdadeiros
Confticuem os fabios confelheiros.
25.
Todos íabeis, que" a Corte de Borgonha
Deixey para bufcar na terra Hrfpana H
Nobres perigos, a que a vida exponha
Com pura fé fem ambição profana:
Sem que eftranhos aíTumptos interponha,
Callarey quanto fiz contra a tirana
Barbara infiel naçaó dos Mahometanos
Servindo ao Graó Monarca dos Hifpanos.
Também naõ contarey, que interrompendo
O projedo , que o Ceo me determina, .
Tomey a Cruz cerúlea, que eílais vendo, ]
E à conquifta paíTey de Paleftina ,
Donde Gofredo com cftrago horrendo
Dos filhos de Ifmael fatal ruina
Com valor pio, e zelo nunca vifio
Notaj7i. Q Qj.^^ Sepulcro libertou d^ Chrifto;
17.
Canto IX. 16^
O Empeiador Leonez Affonfo Sexto
Me concedco huma indica Princeza,
Naó por algum politico pretexto ,
Mas por premio felice da fineza :
Kaõ pelo cronológico contexto
Hey de contarvos huma , e outra empreza ,
Com que em vollb valor augmento teve
Da terra Portugueza a porçaó breve.
Quanto encerra a Provinda Interamnenfe Notajjjç
Do fértil Minho ao Douro caudalofo.
Donde o nome formou Portugaleníe
Em Porto , e Gaya Portugal gloriofo ;
Quanto aíTaltando os Ceos as nuvens vence Nota574J
De outra provincia o ficio montuofo ,
E quanto ainda em Leaó Affonfo o torga Nota. 575'
No dominio feliz da forte Aílorga.
29.
Quanto vaílo paiz inclue a Beira ,
E rega o Douro, o Daõ , o Alva, e Mondego, Notaç?^;
E quanto de Caminha até a Figueira
O Occeano combate fem íocego •,
Ou como dote da merc£ primeira ,
Ou como da conquifta jufto emprego ,
Como Conde fcgura ao meu dominio
Alto valor, celeíle patrocinio.
50.
Nos primeiros progreílbs da campanha
Paliando o Douro , e defendendo o Porto ,
Do feroz Almançor a fúria eílranha
No mefmo rio o precipita morto :
Cbrou qualquer de vos tanta façanha.
Que fe hoje em referillas me reporto j
^ He porque vendo eílou nefies ardores,
• Que haveis dee xecutar outras mayores.
31»
1-70 Henrlcjueída
51.
Derrotado o exercito Agareno,
Todo o paiz foy premio da vitoria ;
Mancha-fe o rio , inunda-fe o terreno
Com Tangue, que rubrica a fua hiíloria:
Duplicado o Teu Rey bebe o veneno,
Quando fabe , que perde a fama , a gloria
No exercito, a que o noílb derrotara
E em fer morto Almançor, e preza Aldara.
Em Africa Joíef então fe achava
Domando a rebelião do povo infame,'
Armada prcvenio com fúria brava ,
Pa^ar^jue Porcugal feu nome aclamei
Em quanto hum novo exercito formava,'
Que a troféos mais heróicos nos inflame.
Vi da gruca facidica huns veftigios
De futuros certiílunos prodigios.
55.
Em Axa Ançures fufcitou o Abifmo
Huma guerreira , e indomável fúria , -
Qiie renovando o falfo paganifmo,
A* fua própria feita fez injuria :
Em Lamego com cego parafifmo
Incita em vil caucela, em corpe incúria,
Para os aílacos fins , e temerários!
Contra mim aos VaíTallos tributários.
34-
Padroens faõ os penhafcos levantados
Da Serra feca no afpero deílrito ,
Em que o tempo ha de ver melhor gravados
Os caftigos facaes do feu delito ;
Os Reys do trono aos ferros trasladados
Dcfpojos faõ do voíío braço invico ;
E para fer mais claro o feu defdouro
Vaõ no triunfo com cadeas de ouro.
Canto /X 27 1'
Na cxpugnaçaõ furioía de Lamego Nota 577,
Se queima à hydra a ulcima cabeça ,
A Imagem tucclar foy nobre emprego
Do culto, que em feus votos fe intereça.*
Nova confpiraçaõ de impulfo cego
Nem da noure encre as íombras hoje eíqueça,
Para que à ecernidade fe confagre
Entre as luzes divinas do milagre.
56.
Do milagre, que a Affbnfo capacita
Aos trabalhos do bellico exercício >
E a quem Moniz intrépido habilita
Da ilJuftre educação ao benefício;
He Aldara hum penhor , que facilita
Da defejada paz o bem propicio;
Mas ha de fer depois que efte emisferio
Veja fundado o Luíitano Império.
5 7-
He Muley hum contrario valerofo,
A quem fó entre os bárbaros refpeito ;
Nunca vi tanto affecto generofo
No efpaço infiel de hum Mahometano peito :
O amor de Aldara o faz mais animofo,
E fe ha de prevenir o activo effeito,
Que hum coração produz , fc a hum rempo encerra
Entre íetas do Amor rayos da Guerra.
3 b'.
Já de Jofef as tropas encaminha.
Que a Leyria marchavaõ de Lisboa ,
ElRey de Fez com ellas fe aviíinha ,
Cobre a planicie, o monte fe coroa:
Com marchas apreífadas já caminha
Para a pronta vitoria, que apregoa,
Seu falfo coração naó diz prefago ,
. Que os faz correr para o feu próprio eítrago.
3?'
iql Henriâjueida.
3S>.
Conílame por fiel incelligencia.
Que as maquinas de guerra, que conduzem
Ao ficio de Coimbra com violência,
Vigorofos projedios introduzem .•
Haò de encontrar taõ force reliftcncia ,
Por mais que iras, e fúrias reproduzem.
Que cm D. Pedro Bernardo fe aíTegura
Qiianto a conlUncia no valor fe apura.
40.
Mas porque naõ pareça que receyo .» -i
De Europa , Africa, e Afia o Povo imundo ^^^i rc A.
Quando por mar a focorrelo veyo
Barbara multidão , que infama o mundo :
Naõ de efperanças vans me lifongeo ,
Kaõ em ligeiras máximas me fundo ;
Naó podem apagar claros veftigios
Do Ceo milagres , do valor prodigios-
41.
Se houvermos de feguir o impulfo ardente
Do efpirico marcial, que nos anima, ■
Na mefma marcha a Mahometana gente "
Achará quem feus Ímpetos opprima :
Mas fe algum com avifo mais prudente
Contrario voto com razoens exprima ,
Livremente o expUque de outra forte ,
Porque nos aíTegure hum campo forte.
4i.
Se paíTar o Mondego o Rey tirano ,
Cortando-lhe os combois da própria terra ,
Também lhe caufaremos mayor dano
Em menos nobre, e mais fegura guerra:
Ko fitio de Coimbra o defengano
Ha de encontrar pelo valor, que encerra,
A praça o debilita, o campo eu corro,
htà ter occafiâõ para o íoccofio,
43.
Canto /X.|j 273
45.
E em quanto a praça bate com poifia ,
Também a diverfaõ facilitada
Ganhara com ventagens a Leiria,
Ou deixará Coimbra aíícgurada ;
Se deftes três projedos fe defvia
A voíTa difciplina confumada,
PaíTará efte exercito ao emprego
De difputar o paílb do Mondego.
44.
Mas afllm ficará taõ pouco activa
A conquifta total do Mouro Império ,
Que reduzindo a guerra à defenfiva.
Será, quanto era gloria, vitupério;
No feu paiz faremos a ofFeníiva ,
E já vejo gravadas no cmisferio
VoíTas acçoens , que faó com nova eíTencia,
De fí próprias o aftro , e a influencia.
45.
Naõ cabe, Heròes, em vòs defconfíança;
Se hum valor refpiraes fempre admirável.
Modere à Fortaleza a Temperança,
E a Prudência ao Furor faça tratavel .•
Todos temos no Ceo certa efperança ,
Mas feu alto fegredo inexcrutavel
Difpoem , por difllpar noíTos receyos ,
Seus os milagres, fó fe faltaõ meyos.
Nem a refoluçaõ mais atrevida
Achará no meu peito repugnância ,
Nem a mais moderada, e prevenida
Encontrarey por ira, ou arrogância:
A força, e difciplina veja unida
Em todos a prudência , e a conftancia ;
^Toda a minha fortuna em vòs refpirc ,
•£u[vos confulco , o Génio vos inípire.
iMm 47.
274 Hertriqueida
Al-
DiíTe; e rompe o filencio o nobre Cunha,
E fabio quer que o campo fortifique;
Como prove6bo as máximas propunha,
Porque tudo à dcfenfa fó fe aplique:
As grandes forças barbaras expunha,
E que fem que os perigos multiplique.
Seu primeiro furor refifta a ordem.
Até que fe diífipem na defordem.
48.
Que ou nos bufquem no campo , e lhes reíifta
A natureza, a quem foccorre a arte,
Ou de Coimbra intentem a conquifta ,
Donde o Mondego as forças lhe reparte ,
Sem que feja poíTivel , que fubfifta
Sem receber combois da oppofta parte.
Que o Conde Oforio as três provincias guarda,
E os das duas o exercito retarda.
49.
Que ou o íítio levanta , ou guarnecidas
As linhas com hum corpo numerofo ,
Que as defende das rápidas fortidas,
E fique o refto menos vigorofo ;
Ou por naõ ter as tropas defunidas
PaíTa outra vez o rio caudalofo ,
Que dificulta o liquido caminho
Com as agoas do inverno já vifinho.
50.
E que entaõ difputando-lhe a paíTagem
Da mefma parte auftral , donde campamos ,
Fica â noíTa eleição toda a ventagem ,
Que para as Lufas armas procuramos :
Do feu paiz teremos vaííilagem ,
Quando as contribuiçoens delle tiramos ,
E tenha o feu exercito o receyo
De que ao formar hum íicio ache hum bloqueyo.
51-
Canto IX. 275
Diz, que bem fabe, que com gente armada
O foberbo Africano o mar domina ,
E a praça de Buarcos conquiftada
Deixa livre a campanha criílalina ,
Por donde a conducçaõ facilitada
Ao exercito os viveres deftina j
Em quanto de Coimbra o fitio dura ,
Mas que outto inconveniente fe conjura.
E he do tempo hiemal a horrenda fúria ,
Das prayas a duriíTima afpereza,
Do Ãuftro 3 oppoíiçaó 5 do Noto a injuria,
E dos portos o rifco , e a eftreiteza :
Da fciencia marítima na incúria
Terá dificuldade a fua empreza ,
E ganhando do tempo o beneficio,
A' prudência o valor fera propicio.
55-
Do largo voto o Távora impaciente
Diz, que he dos Portuguezes trifte oíFenfa
As chamas apagar do peito ardente,
E trocar a conquifta por defenfa :
Que o Mouro fe fará mais infolente
De Africa tranfportando gente immcnfa j
De Coimbra o perigo bem difcorre.
Se a praça com vigor naó fe foccorre.
54.
Se o primeiro he inútil ao progreflb
Defte projeclo o campo , que bufcamos ,
E o Mondego das agoas com oexceílb
A favor do inimigo lhe deixamos s
De palíalo he difícil o fucceíío ,
Pois o exercito immenfo ponderamos,
E aíTim que , fem que o tempo fe dilate,
O vamos encontrar para o combate.
Mm ii $Sr
zy6 Henricjueida
Vay o prudente Soufa ponderando,
Que fe paíTe outra vez o largo rio ,
E a ponte de Coimbra aílegurando ,
O Mouro fe provoque ao defafío ,
Antes que o Sagitário và vibrando
Liquida neve , intolerável frio ;
Porque oííendaõ ao bárbaro defvelo
Dilúvios de criftal , fettas de gelo.
Sem forragens 5 terra em montes de agoa;
Os caminhos aos carros intratáveis,
Fará, em quanto o rio naõ defagoa ,
Os combois demais longe impraticáveis:
Que veraõ perecer com trifte magoa
Os Mouros íeus apreftos formidáveis ;
E porque os armazéns guarda Leyria,
Por entreprcza a praça ganharia.
A Soufa , Cunha , e Távora approvando
Os outros Generaes nos votos fcguem,
A divifaõ já hia eftimulando
Aos que vencer os outros nac5 confeguem.-
De Egas Moniz o geílo venerando
Faz que em feu roítro as attençoens fe empreguem.
Nota jfS. Hercules eloquente fem defdouro
Prende os fentidos com cadeas de ouro»
.58.
Invencíveis , e fabios Lufitanos,
A que o Ceo claramente favorece,
Terror eterno aos impios Mahometanos>
Qiie laço hoje a Difcordia dèftra teccí*
Nota 570. E" ^ ^^)^ ' ^^ ^ ^^j° ' °^ ^^^'^ tirannos
Afpides , com que trágica apparece >
Introduzio com venenofas cores
Da eloquência marcial nas bellas flores.
5V^
Canto IX} 277
59.
Ser parciaes do valor , ou da cautela ,
Hum imitando Achilles , outro Ulifies ,
Naõ diminue a gloria , a que fe anhela ,
Aos que faò valcrofos , e felices :
Eu naõ fou o que menos fe defveía
Em prevenir fucceíTos infelices ,
Nem o que tendo a Henrique taõ propicio,
Da vida hey de negarlhe o racrificio.
60.
Os milagres do Ceo vi taõ patentes ,
Que a Fé, e a gratidão fe arrifcariaò.
Se eu duvidaíTe as provas evidentes.
Que os olhos ouvem , e os ouvidos viaõ :
Buíquemos logo os Mouros infolentes.
Que tanto deitas armas fe defviaõ ; '
Para formar o exercito em batalha -:'-■ -
Sirva o mar à direita de muralha. '«
61.
Na ala efqnerda outro exercito nos guarda
De milhoens, e milhoens de verdes pinhos. Nota 580*
O Mondego aflegura a retaguarda,
E dá aos mantimentos os cammhos:
Se ao Mahometano o vemos acobarda,
E fe retira aos montes mais vifnhos, .:.''I
Antes do que coníiga o íeu intento ,
O atacamos na marcha em movimento.
6^.
Sobre a prava do indómito Oceano »t^^„ ,o_
JNa terra aíialta ao Ceo hum mar (ie área,
Que ondas , e nuvens rápido, e tiranno,
A Eolo fiípcrjor une, e cnlea r
Vio Geraldo hum thezouro foberano
Que encobre no feu centro a íacra idéa ,
Que teve em Nezareth feu culto antigo,
E roy afíilo do ultimo Rodrigo.
278 HenricfHeida
65.
Se nelle teve fim o Godo Império
E lhe deu vida a fuperior Deidade,
Bufcarmos efte íkio cem miílerio ,
Com que Henr/que ao império perfuade ;
Quanto pafla no mar , e no emisfçrio ,
Alli fe obíêrvarà com mais verdade
Para impedir com vigorofa guerra,
Do mar a armada, o exercito da tetra.
64.
Dom Fafes Luz levanta o eftandarte ,
E diz : creyo , fenhor , que acerto tanto
Nem pode duvidalo o mefmo Marte,
Que Moniz ainda a Marte he forte efpanco.
Unem-fe os votos de huma , e outra parte ,
E antes que eftenda a noute o negro manto,
Approvando o projedo o nobre Henrique,
Faz que a ordem da marcha fe publique.
Nota 582; J^ "^ Efcorpiaõ celefte o claro Apollo
Se prefervava do immortal veneno*
E em feus rayos benéficos o pólo
Eftava ainda benévolo, e fereno:
Moderava aos feus fubditos Eolo ,
Notaí85.^ a Pomona , e Vertuno o campo ameno
Dos fafo nados frutos , que formava.
Os prcciofos tributos dedicava.
6G.
Quando formado em ordem de batalha
Pela direita o campo já desfila ,
Quando a Aurora os aljôfares efpalha
No orvalho matutino , que deftila :
Vio Hazeu de Leyria na muralha
A marcha, e cre, que a praça eftá tranquila-,
E já os feus receyos naõ fe augmencaó ,
Vendo que as tropas para o mar fe auzentaõ.
6p
Canto IX, 279
67.
Mas tanto que o Nadir na noute efcura
Prende a Febo no oppofto meridiano ,
E Morfeo contra o mundo fe conjura
Do ópio lethal no império deshumano ,
Henrique mayor danno lhe procura,
Que no inimigo esforço o mefmo engano,
Manda hum corpo de tropas com prefteza
A Leyria efcalar por entrepreza.
68.
Do Távora fiou a acçaõ illuftre
Com efcolhido iguai deftacamento,
Efcadas leva, porque naó fe fruftre
Pela altura dos muros efte intento }
Efconde a Lua o argentado luftre ,
E as Eftrellas feu claro luzimento
Nas nuvens, de que a noute o manto tece
Das fombras , com que aos Lufos favorece.
69.
Ecp efcutava , fe hum acento breve
Entre o filencio repetir podia j
Mas fem ouvir a claufula mais leve
Deixa chegar as tropas a Leyria .-
Qualquer expugnador pronto fe attrevc
Por toda a parte, a que chegar podia,
A animar com a fombra ainda feguros
Altas efcadas aos íublimes muros.
70.
Primeiro acorda Hazen que as fentinelas.
Que ferendem do fono ás leys indinas ,
E vé dos Portuguezes as cautelas.
Quando já tropeçava nas ruynas .•
A luz, que nega a Lua , e as Eftrellas,
Suprio a arte em vigilâncias dinas
Nos fogos, que acendeo fobre a muralha
. Formando a guarnição logo em batalha.
71.
28o Henriqueida
Com huma parte os correoens guarnece,
Oiura com pedras íobre o muro corre,
Com as fetcas o ar mais fe eícurece ,
Huns defendem a porca , outros a torre j
Hazen , que ao mayor rifco fe ofi^erece ,
Valero fo diípoem , ágil difcorre ;
Arroja contra os Lufds invenciveis
Penedos duros, pinhos combuftiveis.
Com as faxinas fe cegara o foflb ,
Com as eícadas fe aíTalcara o muro,
Sobre as muralhas fe formara hum groíTo,
Vence a maquina a porta em golpe duro :
Grita o Távora : o dia he rodo noflb ,
Morra ao ferro Chriftao o Mouro impuro j
E porque fe lhe augmentem as cegueiras,
Até fe eclipfç a Lua das bandeiras.
75.
Sobre o muro o Catholíco Eftendarce
Do íínai vencedor triunfante arvora.
Muitos feguindo o Lufitano Marte ,
Põem já na praça a infignia vencedora.
Corre o fangue infiel por coda a parte:
Lufitania fe alegra , Africa chora :
Hazen enveíle ao Távora furiofo ,
E entrega a vida ao braço valerofo.
74-
Manda ceifar o eftrago fulminante,
E eftá livre no medo , que o enlea.
Da morte, que tem longe o tenro infante,
E que perto o decrépito recea:
Do fexo feminil pranto inconftante
Na laftima a piedade lifongea ,
Só perecem dos Mouros , que perfiftem ,
Os que ainda obftinados fe refiftcm.
75-
Canto IX. 281
Mil no forte Caftello fe introduzem,
Mas ao naccr o Sol vendo os eftragos,
Só pelos ameaços fe reduzem ,
E com a liberdade ficaó pagos :
Outros ainda na noute fe conduzem
Fora da praça, e quando correm vagos,
Ja encontrados todos das partidas
Rendem á nobre efpada infanjes vidas.
Corrêa com preíídio competente
Governa a nova praça conquiftadai
Dos defpojos o Távora excellente
Só para íi tomou de Hazen a efpada:
Dos grandes armazéns mandou prudente.
Que ficafle a abundância refervada ,
Paraque de mais perto focorrido
O Exercito fe achaíTe bem provido*
77-
Com o refto da gente ao campo volta,
E hum comboy de Ley ria conduzira,
A quem fervia de fegura efcolta.
Quanta do feu prefidio dividira:
Os cativos inúteis logo folta ,
Henrique tudo approva, tudo admira
Do que o Távora obrou, Cefar invido,
Queveyo, vio, venceo tanto conflito.
78.
Já nefle tempo o Rey dos Mahometanos
Sabia pelas tropas avançadas
Os progreíTos dos claros Luíitanos,
E as duas novas praças conquiftadas;
De Mouros Efpanhoes , e de Africanos
Innumeraveis gentes convocadas
Posem marcha luzidos bem armados
/Mais de dez vezes vinte mil Soldados.
282 Henriqueída
79.
De Santarém nos campos abundantes,
A quenaõ interrompem altos. montes,
Fez reviíta das tropas arrogantes
Numerofo terror dos orizontes ;
Cincoenta mil três vezes os Infantes,
E huma dos mais belligeros Etontes
Dividirão em corpos feparados
Deítros, luzidos, fortes, bem armados..
80.
Ali Aben Jozef tem o governo
Do exercito exceíTivo, e formidável,.
He Muley feu primeiro fubalterno ,
E Adail defta gente innumeravel :
Era com Axa o feu poder alterno ,
Das maquinas a força incontraílavel
Dirige 'Mu ílafá para as conquiftas
As fortes Catapultas, eBaliftas.
81.
DeF/pa^ha as tropas manda LucidorOj,
As de Etiópia o rápido Alabruno,
As de Numidia o fabio Artemidoro,
AsdeNcgricia o fero Rofambruno,
As Tingicanas o feroz Lidero ,
As de Marrocos o cruel Mambruno,
As de Zaãra o rigido Aloandro,
As de Fez o galhardo Polexandro.
82.
Como de hum Rey, e huma Rainha vedes
De branco, e nec^ro as tropas matizadas
Nota 5 84- Para o jogo do Sábio Palaraedes
Em mais breve plnnicie bem formadas,
Donde correm Delfins livres das redes.
Torres fobre Elefantes levantadas,
Os Soldados cqueílres animofos,
E os pedeílres com paílbs vagarofos.
• 8J. 'i
Canto IX. 283
85.
Anim com movimentos diftcrcntes
O exercito da còr da noutc , e dia
Com, vertidos com armas refulgentes
Hum xadrés animado parecia r
Convoca o Rey aos Generaes valentes,
E eftas breves palavras proferia,
Tinto o roftro na ira fulminante
A voz horrivel, e hórrido o femblante.
84-
Naõ vos convoco , Alcaides invencíveis ,
Para fentir infâmias taó tiranas.
Que o deíHno em decretos infalíveis
Quer que fofraó as armas Africanas.-
Para vingarvos fim deftas terríveis
Injuftas leys , indignas , e inhumanas :
Fulmine hoje o valor mais animado
Imprecaçoens, contra o rigor do Fado.
85.
Já nos abandonou o graõ Profeta,
E fendo efte o cuidado mais precifo ,
Parece qne efte mal naõ o inquieta
Nas delicias do eterno paraifo ;
Mas pouco importa quanto Deos decreta > xt^^
Cl- 1 • iN0Ta577.
Se nos deixa o valor com o juízo.-
Neftas efpadas temos opportuna
Fixa a volúvel roda da fortuna.
S6.
De Pombal, e Leiria as fortalezas
Por caftigo da pouca vigilância
Se renderão a duas entreprezas .
Por treiçaó, por fraqueza, ou ignorância^'
Para animar Henrique a outras emprezas
Lhe daõ os bons fuceflbs arrogância;
E na boa fortuna louco, e cego
.' Para o noíTo paiz paíTa o Mondego.
Nn ii 3^
284 Henriqtteich
87-
Para cobrir a conquiftada Beira
O exercito divide , e debilica ,
E o Conde Dom Oforio de Cabreira
Taó temerário intento facilita:
Deixa em Coimbra gente mais guerreira ,
A que Pedro Bernardo altivo incita;
E Henrique, que prefume de Mavorte
Sobre o mar fe retira a hum campo forte.
%%•
Nelle o vamos bufcar , cegos agouros,
Comque a fuperftiçaõ o perfuade,
Naó lhe podem tirar hoje os defdouros,
Que o feu temor defcobrem com verdade;
Contra cada Chriítaõ acha cem Mouros,
E he certo, que o valor me diíTuade
De bufcar com ventagens taõ crecidas
O vil emprego de taõ poucas vidas.
89.
Muftafá com as bellicas tormentas
E com todo o pefado da bagagem
Notaçgí?. Corte ao Nabaó as margens opulentas,
E X Serra de Anciaõ bufque a paííagem:
Sobre Coimbra as maquinas violentas
Colloque, e ganhe os portos com ventagem;
Rompa ao Mondego os circulos crecidos
Com Soldados valentes, eefcolhidos.
90.
Com o r^rto do exercito animofo
A Henrique venceremos facilmente,
Ou do campo naõ fava temerofo ,
Ou nos ataque intrépido , e valente :
Se occupamps o rio caudalofo
No inverno com mais rápida torrente ;
Lhe cortaremos toda a fubfiílencia
Com ordem, co^n fjeftreza , e com violência;
^li ,
Canto' IX. \ 1%^
91.
Cobrimos o paiz, quando obíervamos
KoTcu campo ao exercito inimigo,
Se a dai nos a bata lia o obrigamos,
Terá inevitável o perigo.-
De Coimbra o foccorro embaraçamos,
Achando cm noflas armas o caíligo,
Se intentar impedir efta conquifta,
E paflar o Mondego à nofía viíla.
9i.
Muftafá lhe difputa a parte oppofta,
E a contravalaçaõ íegura a praça,
A circumvalaçaõ naó ficaexpoíla.
Se Oftorio pela Beira a ameaça :
A armada numerofa eílá compofta
De tantas náos, que os mares embaraça:
Ifmeno Arraes cortando as ondas vejo.
Que hontem deixou a prata do áureo Tejo»
95.
Ganhará facilmente de Buarcos
O débil Forte, e do Mondego aboca,
E pelo rio encaminhando os barcos.
Os Sitiadores com vigor provoca:
Da ponte defendendo os altos arcos.
Outra ligeira armada ali convoca.
Que de Coimbra evitem os intentos
De meter pelo rio os mantimentos,
94.
Na peninfula em tudo inexpugnável. Nota 587;
Que opprime ao Oceano a íalfn efcuma,
E por hum ifthmo eflreito , mas notável.
Faz que de Chcrforefo fe prefuma;
Hum corpo há de embarcarfe formidável.
Ainda que a dez mil homens fe refuma,
Porque no peito fortes, e nos peitos
Entre os Mouros de Hefpanha faõ eleitos.
9h
ClZ6 Henriqueida.
Com eftc corpo defembarque logo
Ofmin em lanchas nefte porto breve.
Nota 588.' Que à pedra, que ferida lança fogo;
A dureza eterniza , o nome deve :
Na6 rerà fegurança , ou deíafogo
Naquelle lado , fe a efperar fe acreve
Henrique, e toda a fúria naó lhe aplaque
Pela frente , e a efquerda o Forte ataque.
96.
Sinto tingirme, o roftro hum nobre pejo
Na purpura do fangue rubricado,
Quando atendido hnm vil contrario vejo.
Que merecia mais fer defprezado ;
Mas fó o feu caíligo hoje dezejo,
Pois confeguio pelo rigor do fado :
Ganhando Trás os montes , Minho, e Beira,
Morto Almançor, e Aldara priíioneija.
97-
Muley, eLucidoro o ultimo acento
Ouvindo do Monarca Soberano,
Sem reprimir impulfo taó violento ,
O feu pefar defcobrem defliumano .*
Todos louvam do Rey o Sábio intento.
Que ninguém contradiz hum Rey tirano,
Quando tem a verdade por contrarias
Do medo , ou da lizonja as paixoens varias.
98,
Axa Sò atreveo como Heroína
A oppor-fe aos novos bellicos projedos,
Que o temor ao feu peito naõ domina
Nem vence a adulação aos feusaíFedos:
Contar aoGraó Monarca determina
Naó de hum fonho os vaniíTimos objectos,
Mas bem desperta em referir fe emprega
■p que vio claramente, e afnrma cega.
99'
Canto IX. 287
99.
Eu, Príncipe Supremo ( adiva exclama)
Naõ me atrevera a opporme aos teus preceitos ,
Se ardor celefte, que ao meu peito inflama,
Mc deixafle obfervar outros refpeitos ;
A minha voz anima aviva chama,
De génio íuperior claros effeitos,
E antes que os teus projedos pronta ílga,
A dizerte o que ouvi o Ceo me obriga.
100.
Hoje ao nacer <Io Sol , o Tejo claro
Bufquey para chorar o meu defdouro ,
O numen , que ao meu pranto nunca avaro
Pagou liquida prata em ondas de ouro:
De hum que foy meu efpofo , e Rey preclaro ,
E do meu coração teve o tcfouro,.
Naõ a aufencia fentia o peito aflito ,
Mas o ter dos Chriílaõs bárbaro rito.
101.
Tocando as agoas o inflrumenco vago,
Ouço huma voz, que harmónica me enlea,
Sufpcnde me a doçura , temo o eftrago ,
Ao ver huma beliflTima Serea ,
Eu fou, me difle, o efpirito prefago
Da marítima Deofa Panopea: Nota 589.
Por mim has de faber cafos mayores.
Que te avifaò os Ceofes Supcricrcs.
1C2.
Hoje quíz convocar o eterno Jove
Hum concilio no etéreo Firmamento,
O mundo que a hum aceno rege, e move?
Quiz dirigir do Soberano aflcnto :
E para que o deflino raõ reprove
^s deccetos do Sábio entendimento ,
Quer ver fe os Deofes íe unem, ou difcordaõ, ^
' Pois naõ pode mudallos, fe tcncoidaó. Notaypo.
2t 8 8 Henrlmeida
103.
o feu ttono aíTentou no feu Planeta ,
Cada conílcllaçaõ logo fe anima j
Mercúrio altos n)ifterios interpreta ,
E em divina eloquência a voz fublima:
Tocou a Fama a harmónica trombeta
Do remoto emisferio, oppofto clima-,
Penetrando zafiras , e alabaftros,
Errantes hoje faõ os fixos aftros.
104.
Notaçf)!. AlTim fallou Cilenio: Jove eterno ,
De quem o vafto Império tanto encerra,
Que tem fubordinado ao feu governo
o Firmamento, Abiímo , Mar, e Terra ;
Com feu alto juizo fempiterno
De Lufitania vendo a dura guerra,
Quer faber , fe hade fer, dos Mahometanos
Parcial , ou tutelar dos Lufitanos.
loy.
Ambos fe oppoem com encontrados ritos
A' antiga Religião de Grécia, e Rama,
E entre tantos facrilegos delitos
Huma Matrona, ajuítacaufa, toma:
Terá do Ceo favores infinitos ,
E quando a Flenrique ás alcivezes doma ,
Como jà lhe moftrou mais claro exemplo,
Será fervida no feu novo templo.
106.
Quero infpirarlhe , que ao feu Rcyinfpire,
Que do exercito as forças naó fepare.
Unido bufque a Henrique , porque admite
O poder , e o feu campo defampare,
E paífando o Mondego fe retire,
A Coimbra do fitio naõ repare ,
E com grande valor , cora arte cílranha
Scià desbaratado na campanha.
107.
Canto IX. 289
107.
Calla o neto de Atlancc a voz facunda.
Que hc aos filhos de Aclanre favorável j
Marte a ira agitando furibunda Nota 593,
Diz que o Lufo lhe foy fempre agradável ;
Que em eípiritos bcUicos abunda
Eíla na(j;aó , e terra inexpugnável ,
Que em Henrique o exceílo vé notório
A hum tempo de Viriato, e de Sertório.
108.
Que ícm emulação de hum Deos indigna
Ha de fazer , que feus marciaes alunos
Triunfem de influencia taõ maligna ,
Vencendo a feus contrários importunos >
E com guerra faraõ felice , e digna ,
E com proíperos fados , e opportunos ,
De hum inviclo valor finos exceílbs ,
yendo o mundo fogeito aos íeus progreíTos.
109.
Há de oppor-fe Mercúrio à Lufa gloria.
Porque he menos valente que elegante,
He deílro no artificio da Oratória,
Mas naó maneja o ferro fulminante, /
Leo nos aftros dos feculos a hifioria,
E como he neto do Soberbo Atlante,
Sabe que ha de ufurpar-lhe a naçaó fera
Vencer o mundo , e fuftenrar a Esfera, Nota 594.
I lO.
Em Africa de Atlante a gente dura. Nota 595;
Para fo^ir das armas Portuguczas
Ainda naó ha de dar fc jjor ícgiira
! Do monte nas íublimes aíperezas :
Ceuta fe rende , Tanger fó procura Nota f 96.
Sogeitar-fe as ma^nanijnas emprcías:
Mazagam, e Azam.or haõ ce ícguila,
; Cabo de Guê, Safim, Seguer, e Arzila»
Oo iiií
290 Henriquêida
I II.
Nota 597. Sogeitarâõ o Atlanrco Oceano,..
E o nome efquecerà de Athhs potente,
E ao Eôo , e occaíb do Africano
Dominarão o vafto Continente,
Afia verá feu fceptro Soberano
Até o ultimo extremo do Oriente,
Nota5'98. E as Atlantides Ilhas encubertas
Conquiftadas feraõ, e defcubertas.
X II.
Aquella terra Atlantide ignorada»'
Nota 59P. Do divino Platão fó conhecida ,
E da Europa diílante, e feparada
Pela terra do fogo combatida j
Será dos Lufitanos dominada.
Nota 600. E America por elles fe apellida :
Perde Atlante no Império poderofo
Nota (íoi. O opuento, ofragante, e o preciofo;
Do Caducê oligadas as ferpentes
S6 fimbolifam pafes, eaHanças,
E fempre em guerra as Lufitanas gentes
Dos meus Feciaes faõ altas efperanças;
Naó fe attendaõ enganos eloquentes
Do Tutelar de furtos, e mudanças ,
Sabendo o Ceo , reconhecendo a terra.
Nota 601., Mercunio Deos da Paz , Marte da Guerra.'
114-
■vT ^ , Vénus fesuindo ao bellicofo amante
Na boca a concha abrio de nácar breve,
Donde as pérolas , e âmbar mais fragante
Ao mar que a produzio, reíume, e devei
A luz dos olhos doce, e fulminante
Do roílro derretera a pura neve.
Se naõ a prefervaííem dos defmayos
Congelados rubis, ç ardentes rayos.
115
Canto IX, 291
115.
Se eu poíTo (diz a bella Citerca)
Amado Pay, votar em mais milícia ,
Que na que forma Amor na fina idea.
Donde he cada combate huma caricia ;
E fe as fecas, que o mundo naô recea.
Porque appctece a morte na delicia ,
Conhece quem íó fabe nos ardores
A fuavifllma guerra dv s amores.
Direy que he minha a gente Lufitana
E que ella fuccedeo â antiga gloria.
Que a fama confagrou fo à Romana ,
De que cita efcureceo a illuflre hiftoria :
A minha protecção tem fobcrana,
Sempre daõ ao Amor culto, e vitoria
E a alma infpiraraõ com luzes puras
A* fermofura as fuás fermofuras.
117.
Haõ de ufurparme os ferros Mahometanos
O dominio de Chipre, e de Cithêra, ^ota (^04;
Haõ de vencer os fortes Luíitanos
Do mar Egeo a gente mais fevera :
E aíTim, celeftes Deofes Soberanos ,
Se ainda a belleza em immortaes impera >
Infpiray a eíle Rey grande , e temido ,
Que hoje combata a Henrique defunido.
118.
Palias a interrompeo com voz tremenda, Notaí^oç;
E aíTim diífe: huma Deofa afeminada
Só triunfa de Paris na contenda ,
Donde vence a belleza delicada;
E porque ao Luíitano em tudo oííenda;
Dé a batalha unida a gente armada j Nota Go<Ôi
E para fomentar efta ruina
;'Em Axa tem formado huma Heroina^
O ii ^ y^')*
292. Henriqueida
119.
Nota 60J» Naõ ama Apollo a Lifia , porque fente ;
Que com nodurnos náufragos pefares
Cada dia o fepulte o Occidente
No tumulo de argento dos feus mares ;
E fabe, que vencendo ao Oriente,
Ha de roubar occulto aos feus altares ,
E difpertando a Etonte, e a Piróo,
A faça madrugar no leito Eóo ,
120.
Nota(ío8. Neptuno convocando o duro Eôlo
Favorece dos Mouros o deíinio ,
Porque o Lufo de hum polo ao outro polo
Lhe difputa dos mares o dominio ;
E unindo o parecer com o de Apollo,
A verdade temeo do vaticinio;
Unidos dem ao Lufo fatal morte,
Porque a virtude unida obra mais forte,
221.
Notaóop. Baco, que eftava hum pouco adormecido;
Do feu purpúreo neclar certo effeito ,
O nome de Dioniíio taõ temido
Cr j que íique na Afia fem refpeito ;
De mil Deofes, e Herôes o voto unido,
A que o mcfmo deílino eílâ fogeito,
Que a ti te participe hoje me move
O decreto iinmortai do eterno Jove.
112.
Bufca , c) Axa , ao Monarca poderofo :
Edizclhe, que mude o intento vago,
Combata unido a FIcnrique valerofo ,
K reduza a iuim fo golpe ranço cflrago ;
E depois de oppt imillo vigorolb ,
Se,'2;undo Sc:piac5 de outra Cartago ;
Ganhe a Coimbra, e de Africano o nome
Noiaéío. Dw Luíluiio í; aaconomafia toaic.
123"
Canfo IX, 293
IZ5.
lílo cUíTe a divina Panopea ,
E fe occulcou entre os crifiacs do Tejo , ,
Volto os olhos ao Cco , e quanto a idea
ConFufa imaginou, moílra o defcjo;
O btilhante zaiir , que nos rodca ,
Fntre rayos de luz aberto vejo:
Dcofes , e Dcoías bem Te divifaraõ ,
Que as luzes das EftrelJas cclipraraó.
124.
Difle : e moftrando ao Rey , e aos do confelho
O efcudo de Tritonia, que encobria, Nota<3ix.
Qualquer no diamantino , e claro eípellio
Da belligera Deofa a forma via:
E diz aíTim: a todos aconíelho ,
Que íe deftrua a nova Monarquia ,
Porque fera o golpe irreíiftivel ^
Sem dividir o exercite invencivel.
125.
Mais que a cabeça hcft*renda de Medufa .'
Que no eícudo de Palias fe moftrara
A' turba, que do cafo eftá confufa, '
A íuípcnfaó em pedra ttansformara ,
Mas o Rey , que canfado da diftufa
Narração, que a Rainha recitara,
Naó crco , ainda que ouvio, prodi.^io tanto ,
E a illuíaõ deíprezou , que julga encanto.
126.
Asradcceo a Axa o zelo ardente ,
E condenou-lhe a van credulidade;
Jà nenhum General diz o que íenre;
Pódc mais a lizon)a,qne a verdade:
X'anda que n arche Muíiafá valente,
L envifta de Coimbra a gr?.õ Cidade,
^ E elle vay coiíibater os Luhcanos
; A peíar dos decretos Soberanos.
HEN-
294
CANTO X.
Argumento
PRepara-fe a batalha mais tremenda ,
Toda a forca-, e aftucia fe exercita
Do Mar , e a Terra , vencefe a contenda
Velo Lujo y que ao Mouro debilita :
Muley combate Amado em fúria horrenda-,
Axa o -paffb a Coimbra facilita'.
Bernardo admira de Hercules a torre ,
PeUyo em feu amor fino difcorre.
T.
AíTim como do rápido Oceano
Pelas portas Hercúleas fe fepara
O Mar Mediterrâneo, que inhumano
Tormentas forma , inundaçoens prepara;
AíTini fe aparta Muftafà , que ufano
De eftar independente aífeguràra
Com força invida , e arte incontraftavel
Conquiítar a Coimbra inexpugnável.
2.
Ao mefmo tempo marcha o Rey potence
A combater de Henrique o campo forte ,
Três dias vio nacer Febo luzente,
Antes que da batalha encontre a forte,
Vio no Oceano a armada diligente.
Com que Neptuno ameaçou Mavorte,
Para que â diverfaó premeditada
Também firva ao exercito a armada.
Canto X 29 y
3.
Vem de Henrique os fieis exploradores
A avifar do inimigo os movimentos.
Que carrega aos primeiros batedores,
Para que naõ defcubraõ feus intentos;
Aviftaó-fe os valentes contendores ,
Receaó tanto eftrago os elementos -,
Sahe ao dia íeguinte o Sol mais tarde,'
Naó íty fe compaflivo , fe cobarde;
4-
De noute introduzio entre os pinheiros
Com militar aftucia , mas indigna
O Rey infiel cem bárbaros guerreiros
Com matéria inflamável , e maligna :
Nos troncos elevados , e groíTeiros
O Ígneo artificio em força menos digna
Fez, quando, Eôlo, o feu incêndio impelles Nota (? 12;
Arder Atis naó fendo por Cibelles.
S-
O efFcito fente do improvifo fogo
No lado efquerdo o vigilante Henrique ,
Pelo direito o avisarão logo ,
Que a hum defcmbarque o feu cuidada applique.'
Naõ tinha pela frente defa fogo ^
E porque a confufaó fe multiplique,
Atacaó com vigor os Lufitanos
Formados em batalha os Mahometanos,
6.
Palias , que aíTiíie a Axa, convocava:
Do abifmo as fúrias , e implacável Nume,
Ir. s aos elemencos inípirava
Plutaõ . que deu ao fogo infernal lume ;
Tefifone, que a terra perturbava, ^^'
Aos Agarenos animar prefume.
Facilitando em rápidas vioLncias
Cs barrancos , vallados , e eminências.
29^ Henriqueida
7.
Ao ar governa a horrorofa Aleflo ^•
Dando aos navios vento favorável ,
Porque do defembarquc no projecto
Vençaó do campo o lado incontraílavel :
E ao meímo tempo com diverfo obje(5bo
O incêndio acèa fero , e inplacavel $
Se antes agita o Mar cruel Megera ,
Para fer mais furiofo, hoje o modera.
8.
Henrique ordena logo ao forte Cunha,
Qiie encaminhando alguns valentes Lufos,
Em quanto elle ao Exercito fe oppunha,
Deixe os do mar perdidos, econfufos;
Para atalhar o incêndio fó difpunha
Efpalhados nos bofques , e diftufos
Gaftadores , que hum foífo fabricaííem ,
Com que o campo do incêndio preíervaífem:
9.
Com poucos , mas briofos Cavalleiros
Bermudo a ala direita defendia ,
Numero igual de intrépidos guerreiros
Na eíquerda o forte Sylva dirigia .-
Com cinco vezes cem aventureiros
Amado, que fe avança, combatia
Com valor ferem , com firmeza infiftem
Armas, que otfendem , armas, que reíTftem.
IO.
No centro a infantaria bem formada
Do Graõ Moniz as ordens obedece ,
De arcos, e fetas levemente armada
Cada lado igualmente fe guarnece :
Outra mais numerofa , e mais pefada
Difpofta cm duas linhas apparcce ,
Armandofe eftas bellicas falanges
De fcrrços dardos , rígidos alfanges.
xtÀ
^antõ X. ic^-j
1 1.
Muitos dcílros béfteiros tranfmontai., *
Fermarís na vanguarda manda force.
Voando contra os feros Mahomecanos
Em cada tiro duplicada morte:
Na eminência os impiilfos mais tiranos
Das maquinas guerreiras de Mavorte
Já do Agareno vaó ferindo as guardas
Com as violentas hórridas bombardas.
12.
Dom Fafes Luz levanta o eftandarce
Signifero Real do Ausuíio Henrique, xr ^ ,
■r^^ r^ u j j j 1 ^ Nota 614^
De Carquere bordado de huma parte
A Imagem tinha , porque a fé publique j
A mefma fé em todos fe reparte.
Porque amor, eefperança multiplique;
Antes que faya o Sol , o mundo adora ,
P Sol, que nafce unido com a Aurora.
13.
Entre os Lufos no Ceo gira fermofa
A Cruz da cor do Ceo em Ceo de praça,
E da fua influencia luminofa .^w,.
O benéfico effeico fe dilata: \
Cega aos Mouros a força vigorofa
Dos rayos, com que as iras desbarata ,"
E o final já contrario , já propicio ,
Quando de huns hc trofeo , de outros fuplicio.
14.
Houve quem vio Plutaõ romper da terra Notaíif
Defde o ultimo abifmo o duro clauílro.
Dois negros brutos para a tride guerra
] Conduziaõ de fogo o horrendo plaurtro }
Na maò hum rayo o feu furor encerra,
E excede no viojor Vukurno, eAuftro,
E para dar final aos Agarenos
,. Com hura trovaõ peiturba os Cços ferenos.
2,98 Henriqueida
Ataca o Rey a rígida batalha,
Tantas fecas difpara o Ifmaelita,
Que a cada Carga , que no vento efpalha,
OHufca a luz do Sol, e a debilita :
Naõ bate com mais força huma muralha
Qaanta Maquina as forças naõ limita ,
Do que a linha dos Mouros vigorofos
Combateo contra os Lufos valerofos.
16.
Como eílender naõ pode a grande frente,
Que o mar, e o bofque ao Lufo os flancos guarda,'
Dobra, e reforça os corpos prontamente,
Multiplicando as linhas da vanguarda:
Muda a lunada forma de repente :
E fo fuperfticiofo fe acobatda
De que neíle prefagio bem fe argua,
Nota (j I í» Que fe veja desfeita a niea Lua.
17.
Muley fo com quinhentos voluntários
Combate Amado com igual partido:
Foraõ os Mahometanos temerários
Tendo o Lufo valor reconhecido j
Pois fe excedendo tanto aos feus contrários,
Paífes , e batalhas tem perdido ,
Efcolhem a mayor deíigualdade,
Quando bufcaõ no numero a igualdade,
18.
Mas como todos eraõ valeroíos,
Pareceo defafio efta contenda ,
A hum tempo fe feparaó, e briofos,
Ninguém com vida efpere que fe renda.*
Chocaó os contendores vigorofos
Tremendo a terra a forca taõ tremenda.
Já foraó com Mahometicos arnezes
Defpojos de outros tantos Portuguezea.
Canto X 299
19.
ReduAÕ forte, c ágil Tingitano
Para o combate encontra ao Lufo Hermigio;
Era pequeno o grande Lufitano, ""
Mas tinha de alto efpirito o vefligio,
Mulciplicava os golpes o Africano,
E errallos , fendo deftro, foy prodígio ;
Porem de Hermigio o corpo agora teve
O perigo menor, por íer mais breve.
zo.
Qual o ligeiro infecto com defdouro
Da inútil força do inimigo ingente
Na tefta, e olhos ao furiofo Touro
Incita agudo, fere deligente;
Tal o Portuguez breve ao fero Mouro
Com mil golpes matou taõ prontamente,'
QueReduaõ, que mal odiviíava,
Morreo quafi feni ver quem o matava.
21.
AíTim com vários cafos varias fortes
Dos Chiiílaõs , cos infiéis, noCeo, no inferno;
Huns tem mais vidas , outros tem mais mortes,
E ambos deixaõ ao mundo ncme eterno :
De Roma, e de Sabinia os varoens fortes,, Nota(Ji7.
Que da terra julgatac o governo,
Imitaó no triunfo dos Horacios,
E ruina fatal dos Curiacios.
22.
Já os dois efquadroens iguais , e adivos.
Que a farpoía batalha começarão.
Se reduzirão a ta- poucos vivos.
Que a penas doze Lufos íe contarão,
Mas deAnado. eMuley tac exceííjvos
Prodigios de valor fe numerarão.
Que muitos veindo os rayos, que concorrem,
Mais aílombrados; cpe feridos morrem.
Pp il ' A?,
joo HenriqUeida.
^ Cuidas; Amado diz, Mulcy valente >
Q]ie vnindo me aeíles doze companhenos,
Com a tua peflíoa hoje açrccente
. A gloria dos illuftres prifioneiros ?
Ou julgas, que por meyo mais decente
Em duello igual de dois aventureiros
A' vifta da Africana , e gente Lufa
A hum ímgular combate te reduza ?
24.
Nota (j 1 8. Nada diíío verás , que promettido
Deixey a Aldara , eo deixo fatisfeito ,.
Que o teu peito de mim nunca ferido
Hâ de fer , íe ella vive no teiv peito :
Já que do íèu amor correfpondido
Naõ poíTo íer , evito o duro effeito
De augmentar contra mim novos rigeres^
Se eu armar contra ti novos furores.
Voltou , e os mais fem efperar repofta.
Donde viraõ mais rigido o combate,
E Muley fe encorpora em parte oppofta.
Porque à ira a vingança naó dilate;
Pois neíla léy , que Aldara deixa impoíla
Tocarão os ciúmes a rebate;
E antes quifera ter outro homicida ,
yy Do que dever a Amado a triíle vida-
26.
Já na dUeica os efquadroens carregao
Aos Lufos , que em valor faõ fuperiores ,
E contra os Mouros toda a fúria empregaó^
Ainda que faõ rto numero inferiores;
Os navios , que proíperos navegaõ ,
Sem fenrir os maritimos rigores ,
As numerofas tropas , que preparaõ ,
.Na praya fem cardar dcfemb arcarão.
í^7»
Canto X. ' 3or
zy.
Sobem ao nionte pelo mefmo lado •,
Mas Cunha, que os acertos naõ limita,
A pefar de huir. combate porfiado
Nas ondas com vigor as precipita:
Algumas, que naó tem deíembarcado,"
Fogem na armada, a quem o vento incica>
E a fomentar de Muftafá o emprego
Bufcam a fôs do plácido Mondego.
Cunha com prontidão logo focorre
Os forces companheiros, quepelejaõ>
E unindo-fc com Távora difcorre.
Porque o triunfo appetecido vejaõj
Oudefmaya, ou fe rende , ou foge, ou morre
O Mouro , e os que livraríe fó dezejaõ ;
E a ala direita infiel em torpe injuria
Ficou morta, ou desfeita a tanta fúria.
Os pinheiros , que a efquerda defendiaõ >
Na matéria fulfurea preparada
A hum meímo tempo mil a mil ardiao,
Naó tendo íido a rama bem cortada:
Kías íobre os Africanos já cahiaõ
Parecendo a campanha fulminada
Com fogo , e fumo, ou abrazada, ou negra,
A dos Gigantes hórridos de Flegra. Nota ^19^
30.
Axa , e o Rey no centro penetrarão
Todo o corpo da Lufa infantaria,
E cantos batalhoens multiplicarão,
Que hum a outro cem vezes íuccedia ;
Com algumas bandeiras, que ganharão,
A vicoiia total fe prometia
Olímaelita, mas antes que a publique,
( Appareceo o vigilante Henjriquc.
3 o i Henrlc^ueiâa
Nota(j2o Qual Promecheo já vio a humana forma,"
Sem ter inanimada movimento ,
Em quanto o fogo facro , que a informa,
Naõ roubou do celefte Firmamento j
AíTim o débil corpo íê transforma
De Henrique em mais ardente luzimento ,
E dos languidos membros defmayados
Efpiricos renacem animados.
Corre o famofo Heróe contra o Monarca ,
Que com valor intrépido o efpera ,
E nenhum morre , porque teme a Parca
Quem merece imperar , quem forte impera .-
Preparava Caron a fatal barca ,
Sufpendiafe o Deos da quarta esfera ,
Para ver fe dos dois na pronta morte
Dos dois Impérios decidia a forte.
53.
Nota(Jii ^^^ ao brandir Henrique a lança dura
Palias que Axa acompanha , ao Mouro efconde
No centro opaco de huma névoa cfcura ,
Em que occultou o Rey ao Régio Conde;
No carro de Plutaõ mais o aíTegura,
E fem faber o infiel como, ou por donde,
No fitio de Coimbra já formado
Com Muftafá fe achou encorporado.
34-
Que novo aíTombro , que maligno encanto ,
Diz Henrique, me rouba efta vicfcoria ?
Se hum magico conjuro pode tanto ,
Para que te efcurece a clara gloria ?
Melhor naõ fora que com raro efpanto
Te ilIuílraíTe , vcncendome , a memoria?
Deixas equivocado elle fegredo ,
Sem faber, feheprodigio, ou fc foy medo?
Canto X. 5^3"
Mas jà que naô encontro objedo digno
Para empregar os golpes do meu braço ,
Torna ò Rey ao combace , o fumo indigno
Aos meus olhos diíllpe elk embaraço :
Eja que dura o feu ardor maligno,
Sem que eu da vida te defate o laço.
Sinta eíle teu exercito inconftante,
Caíligos , que lhe dá valor triunfante.
DiíTe , e voltando a efpada furibunda
Contra a turba infiel, e numerofa,
Rio de hum Tangue vil o campo inunda
A os impulfos da ira valerofa ;
Qual o Leaõ , que com o furor circunda
Do inerme gado a plebe temerofa,
Porque perde do Tigre a digna preía.
Quando prefere a força à ligeireza.
57.
AíTim Henrique vence em toda a parte
Por donde o reproduz o ardor guerreiro,
Jà vitoriofo o Ínclito eftendarte
Vé derrotado o Ímpeto grofleiro :
Entre os feus os efpiritos reparte,
E as verdes folhas do immortal Loureiro,
Sente porem o naô cortar ufano
Com hum fó golpe as fúrias de hum tjrano.
' 38.
Deu a trinta efquadroens azas o medo ,
E o Mondego no vào já bem pafiáraõ ,
Naõ houve rio, boíque, nem rochedo.
Que embaraçafie a marcha , que levarão .*
Axa bufca na efquerda o arvoredo
Para falvar os poucos , que efcaparaó ,
E ao forte Lucidoro poeqi na. frente,
j( Quando o Sol fe efcondia no Cccidente.
304^ HenrlcjueUd
Efcoíhe mil Ginetes , c a galharda
Heroina invencível , e fermofa
Cobrio na recirada a retaguarda
Da gente, que marchava temerofa.-
Naõ haverá quem cuide fe acobarda ,
Por fer nas armas menos venturofa j
Mas para defmentir efta fofpeita ,
Deixa a defconfianca íatisfeita.
40.
Volta adonde Moniz dá forma nova
A' fempre vitoriofa infantaria,
E na ultima difficil rara prova
Da deferperaçaõ feu valor fia .*
A eícura noute o feu projeóto approva ,
Nenhuma eftrella em todo o Ceo fe via ,
Foge a Lua mingoante a outras partes
Por naõ ver fe eclipíar nos eftandartes,
41.
Híins feguem pelo campo os fugitivos ,
Outros dormem nos braços da vitoria ,
Huns curaõ aos feridos compaíTivos ,
Outros tem nos despojos torpe gloria *•
Só Moniz com impulfos fempre adivos
Dignos de que os celebre eterna hiíloria :
Pelo naõ forprender fúria inimiga ,
O exercito reduz à forma antiga.
4i.
A heroína inveílindo de repente
A os que ainda fe a^chavaõ em defordem,
Fez fentir o caftigo dignamente
Aos que naõ obfervaraõ toda a ordem-,
Mas encontrou Moniz fabio , e valeute ,
Que porque ós feus da forma naó difcordem.
Fogos fez acender com luzes' varias,
Que foraq prevsn^oens , e luminárias
Canto X, xoK
Encontrou a Rainha ao Varaõ force,
E aíTiftindo-lhe Palias invifivel ,
Da batalha mudara a trifte forte ,
Se fuperaífe hum animo invencível ,
Porém vencida Palias dcMavorte,
Que Moniz triunfaííe fe faz crivei ,
Ainda que na belligera Amazona
Tem Moniz que vencer outra Bellona.
44
Soaõ no campo os golpes diíTonantes
Nas armas dos dois feros combatentes ,
Que foraõ no fiiencio refonantes,
E nas fombras fe viraô refulgentes :
As invidas efpadas fulminantes
Giràraõ taó luzidas como ardentes ,
Parecendo acender-fe em tanta gloria
Fogos arcificiaes pela vitoria.
45
Mas vendo Axa que as tropas ordenadas
As fuás poucas tropas venceriaó ,
E cambem , que as prudentes retiradas
Menos eílimaçaõ naõ mereciaõ j
Em breve tempo as deixa bem formadas,
E fempre ao recirarfe combariaó ,
Para que o mundo a reconheça agora.
Até fendo vencida vencedora.
46
Ainda achou Lucidoro que paíTava
O Mondego na nova, e fácil ponte.
Que com as barcas Muftafá formava ,
E a famofa Coimbra eftá defronte
Defta o paíTo diííicil difputava
Roberto , e fem que a Fama antes lhe conte
Da acçaõ os glorio fiífi mos fucceíTos,
/Vè nos três fugitivos os progreíTos.
Qa 47
-306 Herririqueida
Tinha chegado ao campo o Rey vencido ;
E os refles da batalha recolhendo,
Da armada novas tropas tem unido,
Do remédio ao feii mal naõ fe erquecendo :
Aderbal de Sevilha Rey temido
Efpera com exercito tremendo ,
Tendo a barbara liga reforçada
Com os dois Reys de Córdova , e Granada.'
48
PedJo ao Rey do Algarve que do Tejo
Junto al^isboa a boca acraveíTando
E cobrindo as comarcas do Alentejo
O deixe, a diverfaó naõ receando :
O pacifico Rey ao feu dezejo
Naó facisfez, que eftava focegando
As fediçoens de hum povo laó indigno ^
Que nem era fiel a hum Rey benigno.
49
Dos de Granada , Córdova , e Sevilha >
Paflando o mefmo Tejo por Abrantes,
Quando no Touro o Sol domina, e brilha:
Verá Coimbra as gentes arrogantes ••
Se até entaõ a Praça naó Te humilha ,
No feu aíTedio haó de iníiílir conílantes ;
A circumvallaçaõ já larga corre
Bem flanqueada de huma , e outra, torre.
50
A contravallacâõ com igual força
Para taõ largo íitip Te fabrica ,
Com terra , e com faxina íe reforça ,
E todas as defenfas multiplica •■
Com o mar, e a armada, que o esforça ,
O exercito infiel fecommunica,
E antes que creça o rio monte a monte ,
gmprendia oceupar a graijdc ponte.
51
Cantf X. 307
Levrantàrá huma torre o gráõ Robercò
Do criftalino rio ao Meyo dia,
Outra 20 Septentriaó eftà mais perco
Da Praça, que do alto a defendia:
Como a:quiteto militar , e experto
Com a gente efcolhida as guarnecia,
Porque Pedro Bernardo recebeíTe
Socorros, que o Mondego favorece.
Em quanco o largo fitio fe prepara,
E à expugnaçaõ o Mouro fe previne,
E com maquina tanca , grande, e rara,
Pertende que a muralha fe arruine :
Henrique da batalha, que ganhara,
Uze feliz , e aos povos predomine,
Tomando logo em militar governo
No contrario paiz quartéis de inverno.
55-
Vio no dia feguinte da vitoria
Nacer o Sol com mais brilhantes rayos,
E illuminar a Lufitana gloria
Nos matutinos lúcidos enfayos :
Rendco ao Ceo para immortal memoria
As graças ; fem que a Fé tenha defmayos ;
E os eftcndartes para eterno exemplo
Manda que leve Amado ao novo Templo.
54
E que livre à Real, e bella efpofa
Do furto, pois naó pôde da faudade,
exprimindo em papel tanta amorofa
Fineza, que acredita na vontade ••
Que a Oforio participe a vicoriofa
Acçaõ , que o fim dicofo perfuade
Do projedo , que aíTombra efte emisferio ,
De Portugal fundando o claro império,
li
308 Henr
55-
Que lhe ordene, que obferve a defenfiva '
Com o corpo de tropas , que mandava,
Em quanto o, naõ emprega na ofeníiva ,
Que para a Primavera refervava :
Pois entaó uniriaõ forca adiva
As linhas atacando em fúria brava ,
Se he que em Coimbra o Mouro poderofo
Ainda formafle o íitio vigorofo.
Parte Amado, bufcando o monte Erminio
Por largo giro à Carte de Lamego ,
E de todos occulta o feu defmio,
Por evitar as guardas do Mondego j
Feliz preíagio, amante v..ticinio
Lhe dá o amor mais fino do que cego,
Pois defcobre os futuros , e lhe diíTe ,
Que Aidara há de livrallo dcinfeUce.
57.
Eílava o vafto campo da batalha ' - . '
De innumeraveis corpos lemeado.
Formam os Mouros rnortos tal muralha,
Que â marcha ainda fe o.-póèm o inanimado ;
Acorrupçaõ, tanto contagio efpalha,
Que fe recea no ar inficionado,
Que façaó os contrários niais nocivos
Mayor cftrago mortos do que vivos.
5,8/
Diftribuio Henrique gene4-ofo -
Por todos,os defpojos opulentos ,
Ao Numen cònfagrou voto preciofo ,
De pérolas bordando os ornamentos:
Nas ondas do vezinho o mar furiofo
Tem os corpos volúveis monumentos,
A os Mouros tendo horror peixes ferozes ,
Pelos na5 devorar^ fogem velozes.
59.
Canto X, 309
59.
Dez hecatombes foraõ de almas puras , Nota 6ii,
!As que ao Ceo confagrando os Sacrifícios,
Voarão , donde em glorias mais feguras
Participem de eternos benefícios .-
Em iguaes , e fagradas fepulturas
Daõ de feus nomes immortaes indicios
As pedras de Leiria em nobres templos
Da Fe prodígios , do valor exemplos.
60.
Defdeo monte arenofo, que fublime
Quer confundir osaftros, e as áreas,
Que defendendo a terra o mar opprime
Com marmóreas duriíTimas cadeas;
Porque a fúria o inverno naõ reprime . ^ota 6iy,
E le efcondem as plácidas Neréas ,
Se vc paflar a Mahometana armada ,
Que 3i invernar a Lisboa foy mandada.
Já da Esfera o terrivel Sagitário Nota 624.
Tirava ao Mundo as argentadas Setas,
E antecipando inundaçoens de Aquário
Naufragavaõ os Signos, e os Planetas:
Já do aéreo emisferio leve, e vario,
Dominaõ negras nuvens, que inquietas
Tem gravidas de aquáticos eflúvios Nota óij.
Cs partos monílruoíos dos dilúvios.
61.
Rebelde a Ceres o infeliz terreno
Sente o pefado jugo de Neptuno,
Entra o furioío mar no campo ameno ,
Cobra Protheo tributos de Vertuno ;
Ondas de efpigas nitido, e fereno
Formara o fruto aos homens opportuno, Nota 616.
E do inverno em torrentes inimigas
Sc vém trocar efcumas por efp-gas.
65.
3 1 o Henriqueida
O exercito cm Qimrceis fe d/ftribue",
O da Corce cm Leiria fe aíTitTala,
O Paiz Mahomecano coirtribuc
Comporçaõ, que aos lagares naõignala:
Rigida a difciplina refricue
Quanto a torpe injuftiça defíguala :
Fiel com infiéis fcja a juíliça,
Que he com bárbaros barbara a injuíliça;
Como ao Mondego a Ponte dominante
Cerra os limites com marmóreos luar cos >
E para eternizarfe triunfante
A íi fe erige os levantados arcos.
Túmido rompe os muros de diamante,
Com a ponte de pedra, e a de barcos,
Foraõ a inundaçoens taó repentinas
Dominadas das ondas criftalinas.
Robcrro na vizinha Fortaleza ,
Qlic guarda a ponte oufado fe defende
Já feguro da rápida entrepreza,
Com que a efcalada o Mahometano emprender
O rio o foeorreo, e nefta emprefa
A os Mouros , que a aíTaltaõ tanto offende.
Que o campo aqui fentio ver que defagoa
Mais de fangue a torrente do que de agoa.
Em Coimbra mandou Pedro Bernardo
Os meyos prevenir para a defenfa
Vigilância, valor, faber, refguardo ,
Tivcraõ no fucceíTo arccompenía.-
Helvidio lhe obedece, que galhardo
Será dos inimigos dura offenfa.
Quando com fortes gentes prevenidas
Saya a levar-lhe a morte nss feridas.
67.
Canto X. 311
67.
Era aquático o foflb , ecom tal arte, Nota 62 7.
Que fecalo fangrandoo bem pudeíTe,
Repara a falfabraga em toda a parte,
E fez que a barbacan tbrte eftivefle;
Fortifica a muralha , cm que reparte
O preíidio , que activo a guarneceíTe,
As ameas reforma, cnas Seteiras
De ferro occulta exhalacoens ligeiras.
Reforça os rorreoens com terraplenos,
E as defenfas deixando flanqneadas
Por donde os muros íe refiftem menos
Enlaça bem unidas eftacadas:
Em armjzens referva naó pequenos
De Guerra, eboca as muniçoens bufcadas,
Sendo às vidas ruina , fendo augmcnto ,
Humas dsílruiçaó, outras fuílenco.
69.
Naó inventou o engenho de Arquimedes ^ot^. Ci^.
Da Eftacica, e Mecânica prodigios,
Que dentro das Colimbricas paredes
TS'a6 tivcíle nas maquinas veftigios:
Bem podes defçobrir, ó Paiamedes,
Como fizefte fobre os muros Frigics ,
Jogo, que com íciente paííacempo,
Quando cuida que o ganha, perca o tempo
70.
Nem o efpofo Real de Clitemneílra, Nora 630.
Kem de Tetis o filho invulnerável ,
Nem do Icaco a maõ robufta, e deftra,
Nem o que ganha a Tiro inexpugnável,
Nem quanros Poliorccces na paleílra
Da expugnaçaõ fízeraõ conquiftavel
Na fortificação, cm que reforça
A arte a defenfa , a natureza a força.
71.
Nota 629.
3 1 2 Henriquêida.
Contra caõ valerofos defenfores
Confeguiriaõ taó fublimes glorias.
Nota $31. Come em cantas emprezas fuperiores
Coroarão caõ celebres vicorias :
Celebremfe outros Titios anceriores
Em jafpes , bronzes , tradiçoens , hiftorias ,
Que o de Coimbra deixa aos Luficanos
Mais illuftres qne os Gregos, e Romanos,
72.
Naõ dcfprezou a anciga cidadela '^ '^^-'^
Ultimo receptáculo precifo , ^sj fòÊ
Quiz com deftros befteiros guarnecela/
Sendo ao Mouro iminente prejuifo
Incerta tradição conferva nella , ""^^ '^^
Ou íeja por prefagio , ou por aviíb,
Nota(?32. Huma torre, donde Hercules robufto
Foy de Geriaò hum triplicado fufto.
,■■■-..- 75
Para vencer ruperfticiofo agouro
Pedro Bernardo a inípiraçoens divinas l
Quando Febo occultava os rayos de ouro
Inveíiiga as fatídicas ruinas :
Naõ bufca cobiçofo de hum tefouro ,
Que fe efcondia entre profundas minas,
O que efperava a van credulidade
Da cobiça animada, e da vaidade,
Mas fó intenta ver, que altos prodigios
Encerra em íi o miíleriofo templo:
Naõ cré fejaõ encantos , ou preftigios ,
Mas da gloria immortal eterno exemplo ;
Aqui , diz , bufcar quero alguns veftigiós ""*'
Das raras maravilhas , que contemplo ,
E já que a noute encobre aíTombro tanto,
Emcubia cíle miftcrio com feu manto.
7i'
-'•*■
Canto X 313
n
Diffe, c acende a inextinguível céa,
O efcudo embraça, empunha a forte efpada,
E o peito, que os perigos naó recea^
Sem armas bufca a torre reíervada:
Dcícobre apenas a primeira amea,
Quando lé com a luz nella gravada
Breve infcripçaõ , que diz; deixa eíTe intento,
O' tu que queres ver tanto portento.
Efte aviío fatal naó o intimida >
E animado de efpirito divino ,
Expõem ao mayor dano a nobre vida, ^
Por faber os fegredos do deftino;
De Hera, e de mufgo a porta reveftida»
Intada ao curiofo peregrino.
Por evos mil ao mundo reíervava
As raras maravilhas, que occultava.
77-
Ao bronze, que a guarnece, a força appliea;
E foy mais que o metal o impulfo duro.
Pois vendo que reíiíle, multiplica
O defigual combate ao fatal muro :
Huma férrea cadea fe dupplica
Antes que poíTa entrar no centro efcuroj
A4as de Pedro o valor naõ interrompe.
Que cm parte adefenlaça, em parte a rompe.
' 78.
Qual defprefando oráculo horrorofo
O magnânimo filho de Felipe ^^'* ^^^í
Cortou de Gordro o jugo, que enganofo
Quer que dePerfia o mal naó fc ancicipc ;
Aifim Pedro mais forte, evalerofo.
Porque de mayor gloria participe.
Ou com deílreza os laços já defata,
Ou com vigor os ferros desbarata-,
Rr 75)^
314 Henriâiueida
Cerra a porta o^tra vez , e dentro admira
A rurnptuofa antiga arquitetura.
Que refpeicos magnificos refpiía > .^su-aii'
Que prodígios fgtidicos apura :
Por toda a parte , que difcorre , e gira
Enigmas acha, que entender procura,
E Q Moíaico , que augmenta luz caõ raraiJ -^uO
A marauilha efcura naó lhe aclara. ijja aoA
80
Até que ouvio do Ceo voz laó fuave y.
Que naó pode imitarlhe o doce acento.
Nem defpercando a aurora a feliz ave,
Nem fufpendendo a Trácia alto inftrumento ;
Clara fe exphca, quando entoa grave
De hum oráculo harmónico o portento-,
Proílroufe Ped'o humilde , mas proftrado
Mais fe exaltou nas glorias elevadoé,^ o?
81
Eu rou< lhe diz a voz) o Génio eterno >
Que defende ao Império Luíitano,
E fuy quem deílerrou ao negro Averno
O rebelde Lusbel , e o povo infano :
Como de Portugal tenho o governo.
Aqui formey o templo Soberano ,
Donde em laminas puras bem gravadas
Durem tantas acçoens aíTmaladas.
81
Do que vay fuccedendo eílas pinturas
Vou com celefte pena debuxando ,
Paíladas , e prefentes naó futuras
Podes a hum tempo ir vendo , e venerando .'
As vans fuperftiçoens cegas , e impuras
Com Hercules me vaõ equivocando, .. j
Quando elle em fabulofo parafifmo p á^
Vence os manftruos do mundo , t^ os do Abifmorr
S5'
íTT
Canta X 3 1 j
Nos loRges cl?jTa latnina primeira Nota(3?4,'
Verás em gerogliiico eonfuío
A origem de Tubál raõ verdadeira,
Nem cerca a fundação dcEliía, e Lirío >
Porem da gente intrépida, e guerreira
Se dUata o comercio taõ diifuio,
Que Luíitania deve os benefícios
Aos autores das letras , aos Fenícios. _ _
84. Notaíj;;
Ali pintadas vés as fuás glorias
Em Colónias das prayas LuíicanaSy
Deraõ-lhe o nome as palmas, e as vidorisf
Unindo armas, e letras íoberanas?
PoriíTo faõ taõ elaros nas hiftorias-,
Pois tiveraõ origeus mais que humanas j
E pode íer que á Lifra o nome deíTe
Doce fruto o primeiro, que florece. Nota 63(3;
8?.
Os Púnicos Varoens, que de Neptuno Noràéjjli
Dominarão o Iraperio tormerrcofo ,
Acharão nos favores de Portun©
Em Luíitania aíilo generofo :
NeiTe quadro os verás , donde opportuno
Amilcar fero, e Aníbal famofo'
Sendo aos campos Hifpanxjs duro cftrago
Tranfplantaraó os Loucos de Cartago
&6.
Ves cremola^r no Ceo outro eftendarce^
De quem vencendo a Lifia o mundo doma ?
Pois he dos filhos rigidos de Marte,-
E da felis Republica de Roma;
Difciplina , vaJor , virtude, e arte
Por vencer o Univerfo aprende, e comas;
Oh quanras vezes Lifia com exceflb
Interrompeo caõ rápido progrcíToi
Rr ii S7,
3i6
tf
Hem
'y>^.mM Aííim o admirarás vendo copiado
EíTe paftor, que he Rómulo encre osLufo^^
Oh quanto Conful vés desbaratado/ 'oc èr ffrèm^
Quantos de Roma Generaes confufos/
Mas ay que â vil treiçaõ fe acha proílrado ■
Viriato, e triunfos câúdiffiifos, ij ma s/jQ
Mas que a fama com eccos os aclame >5^p''ob nÁA
Deixao da antigua Roma o íxome infamei' 0:5b 3;!ip
8 8.
Nota 638, Ves Sertório, que a todos períuadeq ?J*1
Infpiraçoens do bruto mais ligeiro?
Pois fó era Lufitania a liberdade
Defende contra indigno cativeiro :
De Ceíar a immorral felicidade -M oO
Por aíluto , por fabio , por guerreiro ,
O fez Emperador entre os Romanos ,
Pois foube até vencer os Luíitanos.
Notaí59* Do gelo Aquiíonar desfeita à fiiria
Da parte fuperior de Europa corre,
A fer de Roma vigorofa injuria.
Donde a Águia Imperial fem gloria morre:
Do ócio vil , da militar incúria
O vicio, que infeliz vago difcorre.
Fez padecer effeiros taõ terriveis
Aos ânimos illuftres, e inveuciveis, r'->^
90.
TVT . ^.* Ves no debuxo Gótico, que os GodôS ■ ^^
Nota 64®. j n. • j
As artes, e as Icienc.as deitrumdo
Efcureceraó por diverfos modos
Asnaçoens, a que foraó opprimindo.-
Nota64i. O Lulitano Wamba, que entre todos
Se foy pelas virtudes diftinguindo, ./,«.,
Mal imitado foy dos vaõs horrores ;'r!-j\í'
De tiranos , e indignos fucceílbtes.
. ; 91.
1
i: Canto X 317
91.
OCatholico, e Sábio Recaredo Nota ^4*;;
Da Religião o Império refticue;
Porém já por aliiffimo íegrcdo
Aftro maligno contra o Godo influc;
Cheyo o verás de aflombro, horror, e medo,
Que nos campos de Efpanha diliribue
Mais do que à força de Africa o caftigo
Que deo o Ceo às culpas de Rodrigo. NotaÍ4';
Em pranto bem nacido o roítro banhas,
E com razaõ, que o quadro que apparece ,
Moílra rendidas ambas as Efpanhas Nota (í 4 4;
A' barbara naçaõ , que à cerra dece :
Do Mahomecano jugo as leys eftranhas ,
A que o povo Cacholico aborrece ,
Em coda a Luficania fe divulgaó ,
E com violência horrivel fe promulgaõ.
93-
Mas nas ferras akiíllmas de Afturias . ,,
Vé que ao longe fe moftra o graõ Pelayo Nota (Í45.
Para domar as Mahomecanas fúrias ,
Refuícirando Hefpanha do dcfmayo ;
Qual rompendo ao vapor denfas injurias
Voa brilhando o fulminante rayo ,
Multiplicando impulfos da violência
Quanto fe obílina mais a reíiftencia.
94.
AíTim difllpa o Príncipe gloriofo
Tempeftade cruel de Africa adufta
Para fundar do Reyno milagrofo
A eterna ferie da profapia Augufta ;
Luficania ainda fofre o ri^orofo
Terrivel laço da Cudeya injuCla ,
Vendo a abominação nos pátrios Lares
Profanar templos, abater altares.
3 1 8 IJenriôjueida
55'
^j . Olha para cífa lamina luzenre,
- o a 4 . Yerás, que de Cantábria defce à cerra
Affonío ceu magnânimo afcendeareiííqxííCít ss
Que trouxe àLuíicania a dura guerra.*
Qiíal dos monres a rápida torrente
Domina os campos inundando a cerra %
AíTim eíle Católico Monarca
Sogeita o Agareno à juíla Parca.
Nota 647. Outro AíFonfo , a quem Cafto denomina;^
A antonomafia da virtude illuftre,
Nafceo dos Mouros para fer ruina ,
E para fer de Efpanha inimorcaj luftre.
Com as armas brilhantes y que illumina>
Faz que de Africa â gloria Te desiuftrc ^
Conquiftando Vifeu , Braga povoa ,
E até domina a indica Lisboa.
97-
Nota í4g. Outras altas façanhas naô refíro>
Mas neítes geroglificos qus exponho ,
Ali verás triunfando o graõ Ramiro:
Aqui verás vencendo o claro Ordonho .•
Do Magno AíFonfo o feliz nome admiro ,
E o quadro que aos teus olhos inceirponho'.
Defta mefma Coimbra conquiftada ,
Já moftra , quç poc ti íerá guardada.
95.
Vés já perdida a fandaçaó de Ulifles-
Sofrer o indigno Scetro ao feroz Mouro ?
Pois com progreffQS claros, e felices
Nota 649. Doma Ordonho tereçiro ao Tejo^ de ouro :
Succeííos valerofos , e iafelices ,
Naõ fendo a forte do valor desdoura
Notaste. Acha fobre Vifeu Aftonfo quinto>
De facrilega maõ aQ„ ferro e5QÚato,.
Canto IX, 319
99.
Vés cm tudo pr'meiro o Graõ Fernando, Kotaáji^
Que fubindo às Eíhcllas pelo Errainio
A Cea inexpugnável conquilUndo
Dilaca até Lamego o leu dorainio ?
Ao protedor eterno vay fundando ,
Por bufcar o divino patrocinio ,
Morteiros funiptuoros , facros templos,
Da Fé padroens , e da piedade exemplos.
100.
Portugal próprio Rey já pretendia
Para a novas conquifta ter pretexto :
Ali já coroado eftá Garcia J^ota C$%\
No debuxo do hiftorico contexto .•
Mas como o ícetro menos merecia,
O valerofo itmaõ AfFonfo o íexto
Com invicto valor, com arte eítranha,
Emperador fe coroou de Eípanha.
lOI.
Já vés de Santarém proftrado o muro, Notaíííti
E de Cintra a duriíTima afpereza ,
De Lisboa o dominio mal leguro
Foy taóbem do fcu braço excelia empreza :
Ellc foy quem a Henrique em laço puro ,
Que eftreitou a virtude, e a belleza ,
Como íabes , unio com Regia forte
A* amada filha a Ínclita conforte.
lOi.
Mas eíTes quadros de ouro , donde brilha
O primor mais polido dodefenho,
Sò por eternizar a maravilha
Emprego foy do meu celcfte engenho:
Henrique o generofo, aquém íe humilha
Do voràs tempo o rigorofo empenho,
Verás que para credito da hiftoria ,ovtí sic'/l
Ha de fer do univerfo aíTombro, e gloria*
3 2.0 Henriqueida
lOJ.
Nota(íf4. r>os Duques de Borgonha derivada.
Dos Monarchas de França produzido,
Ali verás Capeto coroado ,
Aqui verás Roberto mais luzido;
Henrique antes que ao trono deílinado
Tiveíle em tanta gloria fucedido ,
Quer que ogloriofo filiio feliz tome.
Pois tem a mefma fama, o mefmo nome.
104. ~^
Em Sibilla o produz illuftre efpofa,
E hum mifterio mayor quero explicar-te :
Vés aquella Sibilla, que fermofa
Com clara tocha intenta illuminar-ter'
Pois efta foy da gruta tencbrofa
De Gaya quem nas luzes, que reparte,
A Henrique defcifrou todo o miflerio
Da fundação do Luíitano Império.
105.
"Ncraéfj. Não foy Sibilla nao, mas de Sibilla
Mãy de Henrique o efpirito gloriofo,
Que fabia oinfpirou, fanta e tranquilla.
Em forma eftranha, em nome mifteriofo;
Naquelle livro de ouro recopila
A hiftoria deftc Reyno vitoriofo
Da tutelar deidade os lufiraentos ,
E os preciofos rariíTimos talentos.
106.
Vé, como Henrique vem bufcar a Efpanha
Para os triunfos bellico teatro,
Vencendo tanta fera mais eftranha,
Que quantas vio o antigo anfiteatro :
Evé, que huma façanha, outra façanha
O Sol do Ceo gravou nas partes quatro,
Mas como asvifte, agora as nao explico.
Porque o menos notório fó publico, -
i Canto X, 321
107.
Vés, que tomando amfigrvia rácrbianta Notçtfç^.
APorcugal deixou por Palcítina,
E quanto a fua fama fe adianca
Na cmpreía mais heróica, ç mais divina?
Vés como traz ao Rcyno ailluftre, e Sanca
Reliquia taõ preciofa, € peregrina;
Que aos morcaes purifica do contagio,
E em hum fó lenho os livra do naufrágio?
108.
Pois agofa verás, que preparadas
As laminas, que admiras de ouro puro,
Eílaõ , para que fejaõ debuxadas
Decanto aíTombro, que ainda eftá fucurot
Nas primeiras, que advertes, delineadas
Vês asameas, torres, rio, e muro
De Coimbra, que guardas animofo.
Donde has de fer dos Mouros vitoriofo.
109.
Ceflbu a voz do Génio foberano ,
E Pedro ainda diftinguc encre fulgores
Brilhantes azas, gefto mais que humano,
Purpúreos rayos, claros refplandotes j
Animado , fufpenfo , pio , ufano
Do amor , e a Fé unidos os ardores ,
Com os olhos no Ceo devoco exclama
Afectos que na lingua o peito inflama.
I I o. ^-
Oh naó te efcondas Paraninfo eterno , I<[ota 6$ji
E naõ fiquem agora preferidos
Em jubilo caõ grande, e taõ interno
Envejofos os olhos dos ouvidos :
Tu es Miguel o vencedor do Averno ,
E em Portugal terás fempre erigidos
Altares com eftatuas , que ao teu culto
Immorcalizem tanto eterno indulíQ.
711 Henriquetda
III.
Vou defender Coimbra fatisfeito- 7. ^ Mi
De que heide triunfar deíle límaelica, r ^ ^^'^. "^
Que o bárbaro tirano , adivo efFeito ,
A hum eco teu as fiirias debilica :
Para defenfa bailará meu peito
Que os teus doces acentos depoíita,
E quantas luzes vi neftes enfayo»r-i,íÍ 3334 € i
Fulminarão aos Mouros como rayos -
112.
DiíTe , e logo fahio Pedro excellente
Cerrando as portas da admirável torre ,
De tudo aviza a Henrique diligente,
E o que vio , mais admira que difcorre r
Os poílos aíTinala à forte genre,
Qiie a defender Coimbra encaõ concorre v
E fe augmentarfe o feu valor pudera 5
Com taõ feliz oráculo crecera.
Muílafa ao Monarca obedecendo,
A praça de tal forte vay cercando ,
Que no artificio eftá mais eílupendo:
Huma Cidade a outra circundando :
Para a campanha as linhas fornecendo
Taõ altos torreoens foy levantando >
Que fem da defenfiva ter cautellas ,
Parece , que aíTaltar quiz as eftrellas.
Chega Amada a Lamego , e o recebe
Tereza com receyo , e alegria,
Receyo, que o amor fino concebe,
Em quanto a feliz nova naõ lhe ouvia ; \
Alegria que ao longe bem percebe , *
No feguro femblante, que lhe via,
E de Urania , e de Aldara acompanhada
Eíperava a noticia dezejada.
XCanto XI 323
115.
He vivo, diz Pelayo , Henrique he vivo,
E com ifto jà digo, que vencemos, '%
Pois fe o infpira o feu vigor adivo ,
He cerco que as batalhas naõ perdemos :
Vive Bermudo , e bem que em fado efquívo
Vé Muley os triunfos , que tivemos ;
Elle , e o feu Rey illefos da batalha
Combatem de Coimbra a alta muralha. 4
iió.
Sempre atento, Tereza lhe refponde;
Livras três coraçoens de hum mortal fufto ^
Que o lacónico eílylo correfponde
A afFeclo impaciente , fino , e juílo :
Bufquemos a Giraldo , vamos doude
Demos ao Numen tutelar, e augufto
As graças , em que os ânimos devotos
Equivoquem nos júbilos os votos.
117.
Foy-fe, eVrania: Aldara fe deteve
Sufpenfa, vacillante, etemerofa.
Purpura agora oroftro, agora héneve?
E cada affeíto a deixa mais fermofa :
Naõ perde Amado efta fortuna breve,
E aíTim lhe explica huma anciã decorofaj
Mas oh quanto o refpeico o prende ! oh quanto
O que a voz principia, acaba em pranto/
118
Já vos pedi, belliíTima deidade
Alviçaras da vida de hum felice,
E aceitará também volTa crueldade
Pefames dever vivo a hum infclice:
Já vos deveo a vida , e liberdade
Muley, e já corapri quanto vos diffe:
j> Só efpero que vos, dura homicida,
Porque eu lha dey, lhe aborreçais ávida.'
Ss ii ii9<
3 24 Herríriqueida
T19.
Naõ foy defar Ao feu valente peito
Receber do contrario hum beneficio,
A vida naõ pedio, mas foy effeito
De ter em vós hum aftro taõ propicio .*
De vencer naõ fe achava íatisfeico
Seu esforçado braço dando indicio
De que era digno ( a hum inimigo exalto)
Detaó alto favor valor taõ alto.
j 20.
Mas extintos os fortes companheiros,. ?
Débeis as forças, o, animo invencivel.
Ao numero exceíTivo de guerreiros
Ficava ás reíiílencias impoííivel:
Só duraõ na campanha os feus loureiros
Por coroar hum Marte irrefiftivel \
Fiz retirar os meus, porque o deixara
Ate triunfante quando naó triunfara,
Sqy, que eftá em Coimbra; e fó rendido
Vos peço , que efta vez mais opportuna
A quem taõ defgraçado fez Cupido-
Perdoeis ter por Marte huma fortuna?
Vede que o meu ciúme he bem nacido ;
Quanto mais minha forte he importuna,
AíFectos, que em meu mal fe contradizem,
Sc ÍVoz os cala , as lagrimas os dizem.
Se a fumma eftimaçaõ , refponde Aldara ,
Que me deves Pelayo generofo
Tantas finezas ínclitas pagara,
Naõ terias razaõ de eílar queixofo»
Ainda vive Muiey, e eu bem deixara
De repetirte hum nome taõ odiofo.
Pois teoíFende o ouvido, fenaõ viffe,
Que o nomeyo , por fer mais infeUce.
i
f^i\
Canto X. 325
125.
Já tediftc o cflado do mea peito,
Que nam o recupero , e nefte eftado ;
No teu merecimenco fatisfeitò
Tu a d inefmo já te tens premiado :
Se o tempo produzir contrario eífeito,
Afortuna inconftante, o duro fado;
Verás que a obrigação tanto fe augmenta.
Que em mim a ingratidão vive violenta.
124.
Nefte tempo chegou o augufto Infante
Ágil, gentil, difcreto, e gracioío,
Pelo heróe perguntou feu peito amante,
E por Moniz atento, e generofo:
Giraldo o a campanha vigilante ,
Todos ao templo conduzio zelofo :
Na alegre devoção voao activos
A dar ao Numen cultos mais feílivos*
HEN-
.ii\ò âi-ijVj.
HENRIQUEIDÁ-
c A N TO. xr.
Argumento
FOrmã-Çe de CohnhrA úfitiõ forte^ .^
Faz> Bernardo valente refifiencU, , ■ '[
Lijis , e Lido tem no ariftor a, morte ,
'Brilha, o valor até da luz na aufencia : \
Elvidioy e Muftafá tem igual jorte ■,
AxA cre que he verdade huma apparencia i
Levanta Ali o fitio com defdouro ^
Efoy em terra, £ mar vencido o Mouro, ...
SSJ'-..
Em menos de huma Lua as meãs luas ^^
Brilhavaó fobre as torres Mahomecanas , V^r"^
Com que ao íiçkr Coimbra as glorias fuás "X
Oftentavaõ as gentes Mauritanas : |
As linhas com defenfas naó commuas _„
Defprefavaó as forças Luíiranas ;
E naó menos fe oppunhaõ guarnecidas
Ao vigor improvifo das fortidas.
Mas antes que de todo fe acabaíTem
Contra a praça as fortiíTimas defenílas ,
Mandou Pedro Bernardo as atacaffem
Dos defenfores rigidas ofenfas'; oJbnaV
Que da parte do Bore:.s fe formafem , .j=J!^Jq^
Quando a forabra enlutavaó nuvens denfas ,'^ ^ ^
A's tro as ordenou, que manda experto ' ^'
Q fçieíitc , e magnânimo Roberto.
,3*
Canto VL 327
Em qustro corpos levemente armados
Diftribue os valentes Portuguezes,
Que a peitos taõ robuílos, e esforçados
Erao dcFcnfa inútil os arnezes :
De efpadas, e rodcllas íó fiados
Vaõ os Luíos j de dardos os Francczes ,
Naçoens donde adeítreza, c a arrogância
Unem a prontidão com a conftancia.
4.
Outros conficionados artifícios Nota ^58.
Levaõ para atear a veloz chama,
Qiie ha de dar nas faxinas exercidos
Ao voraz elemento , que as inflama :
Na parte oppofta Elvidio, dando indicios
De outra fortida, aíluto aos Mouros chama-,
Porém fe defprefarem a primeira.
Ha de fazer a falfa verdadeira
\ 5-
As armas toma já todo o prefidio ,
Que fe as primeiras tropas rechaçarem,
Acharáó prontamente eftc fubfidio
Para os novos progreíTos , que intentarem :
Pela ponte já fahe o bravo Elvidio,
Para que os inimigos fe preparem
A acodir ao rumor da gente cxpofta,
Quando o dano he mayor na parte oppofta.
6.
AíTim fuccede porque a voz fc efpalha.
Que a praça pello rio fe focorre.
Dentro das linhas fórma-fe em batalha
O Mahometano , que ligeiro corre:
Vendo que defaniparaõ amuralha,
Roberto pela parte, que difcorre,
E a trincheira eítá menos guarnecida
Pelo lado, em que intenta eíla fortida.
^1% Henrii
7-
Nota 65 9. Sahe com mil Toldados, e veIozes:;,^^-í%,-J^^
Os de Gallia aos de Libia afialcaó logo, : oo^oii^íl
Morrem do dardo aos Ímpetos atrozes, 0"^^$ "áSf
oCíTí achar na fogida defaiogo; -Tjn-
Multipíicando aconfuíaõ, e as vozes*.?;;-
A Portugueza eípada mais que o fogo, : jí
Qiie tudo abraza, inflama, queima, liumilha;,-sl
Entre as fombras deílroça, ferCv-e b^iWii^^.. r '
8. ^ ^" ^^^
Maquinas que ali çftavaõ preparadas
Em pouco tempo deixaõ deftruidas,.. ,3],
As faxinas fo íerveni aprazadas ri^ =
De dar mais luz às armas homicidírsí,
Poucas daquella parte prefervadas.
Do ferro ficaõ Africanas vidas j ^
E o trabalho fe vé perdido agora ,
Que cuftou muitos dias , nefta hora j^f^^j^jr^gi i^mtu^^
9-
Correo Axa veloz áquella parte >,
E affirmou que cora elmo diamantino
Vira decer dos Ceos o mefnío Marte
A dar aos Lufos feu favor divino: çi^i
E que por mais que Palias o eílandarte ^■t»
Fez tremolar no orbe criílalino ,
O Deos que aos Agarenos tanto aíTombra,
Porque o naõ viílem , o efcoadeo na fombra.
I o.
Mas que Tritonia com feu claro efcudo
Da Gorgona veneno transparente
Sufpendeo de Mavorte o golpe riido>
E defcndeo a Mauritana 2;ente :
Axa com tal vaJor acode acudo, -..^
Que para que (luma Palias rcprefenre . ^-
Supria com impulfo taõ terrível
OseJorços do Numen kvencivd*
i J .
Canto XL 329
II.
Roberto para a praça íè recolhe
Detrofeos, e defpojos adornado,
Efte tempo opporruno Elvido efcolhc
Ao novo ataque pelo oppofto lado;
Outras ventagens ferDelhantes colhe,
E deixou hum quartel já arurinado :
Tanto os expugnadores padecerão.
Que expugnados agora parecerão.
li.
Corre oRey, e Altamor, vendo o incêndio^'
Aextinguillo, que o campo abraza adivo,
O preceito, ocaftigo, e o difpendio
Sufpenderaõ o ardor executivo;
Foy a noute de eílragos hum compendio,
EdeGrobrio o dia íliceíivo .^^íA í^*-^
Nos íinaes dos triunfos, que luíiraó.
Quantas acçoens as íombras encobrirão,
13-
A reparar huns danos tao funeftos
O trabalho fe vio de muitos dias.
No inverno fe faziaõ mais moleftos
Nas procelofas frigidas porfias ;
Se eítavaó nas trincheiras manifeílos
Os Mouros afFédando asoufadias.
Para matallos rápidos cometas
Voaó dos muros as ardentes íetas.
14- ;
Entre as meãs Pedro diflribue
Occukos nas féte iras os frecheiros,
E a emulação louvável, que Iheinflue;
Multiplica os acertos dos guerreiros
Artificiofa maquina conclue.
Que os feixos mais pefados faz ligeiros ;
Tirando dos fepulcros campas duras,
Voaõ para matar as fepulturas.
330 Henriqmtda
: ^ s Oh dura ley da guerrít, que interrompa
Dos maufoíeos o afila inviolável í .. i^íâ '? "-^
E o cadáver, que epuerra fe coFronTp«>'n o^
Expofto deixa objçóto intolerável!
Quando ao defcanfo os privilégios rompe,
He da aflicçaõ motivo deceftavel j
E deixa com effeitos fuçceíTivos
Os vivos mortos, quancjo os mortos vivos l
I 6.
Mas do Agareno a multidão immenfa
O dano das fortidas beai repara ,
Com o exemplo, ocaíligo, a recompenía,^
O Rey aos feus Solda,(;]os animara/
Tanta fori;naõ dç> íptas nuvem denfa,
Que fempre o Sol á praça fe eclipfára ,
Ainda que o mefmo inverno, que o aírombra>.
Lhe naó ro^baíTe^luz na efe uí a fombrg.
Noíaó6o. Hum rebanhÒ-* de Aríeteá robuíVos,
Por mais que inanimados ja fe viaõ
Com movimenta eftranho daya.ô íuílos
A*s muralhas que rápidos batiaõ /
Paílos eraõ os mármores auguílos,
E fe cré íem ter bocas , qu^ os comiaõ ,
Eoimpulfo, que a maquina reforça.
Quanto mais retrocede , mais fe esforça,
Nota66i. Catapultas juntarão tao immenfas.
Que em vamitos fataes de feixos duros
As pedras defuniaô das defenfas,
Que o betume ligou nos fortes muros:
Das maquinas rompendo as nuvens denfas
Na5 ficaó deíles rayos bem feguros
Osjafpes, que na força, que os domina,
A f eíiàencia trocaõ em ruinai.
15^;
Canto XL\ 331
19.
Confpiraõ contra os ares asBaliftas, Nota (J 62..
E da cerra arrojando outros dilúvios
Dilacaó nas esferas as conquiílas,
E fem fogo de pedras faõ Vefuvios.'
Formais Eólo, que ao furor reíiílas.
Podem mais que teus ventos í^us eflúvios:
Caliem dentro na praça os fçiis eBÍayOí >
E fubindo vapores, bayxaó rayos.
20.
Naõ faz mayor abalo hum terremoto.
Quando a terra combate amefma terra:
Naó fó na força do opprimido Noto, Nota ^(jj.
Mas do fulfureo mineral , que encerra ;
E unindo-fe ao falitre deixa roto
Ocarcere infernal com dura guerra,
E para confundir os orizontes ,
Rouba para o Abifmo os altos montes.
II.
AíTim unindo o tormentofo eiirágo
Feria as pedras, e feria os ares,
Levava o rio com impulfo vago
Todo o terror da terra aos mefmos mares ;
De Numancia , Sagunto , e de Cartago Nota 6^4;
Naõ fcjaõ as defenfas íin guiares ;
Porque em Coimbra mais conftancia admiro Nota 66 j.
Que a de Jerufalem , Ravenna , e Tyro.
Fabricava© perfeitas cortaduras
Contra as brechas os fortes defeníores :
Refiftiaõ ao ferro as pedras duras
Defprezando os feus hórridos rigores ;
Mas já de outras foberbas eftructuras
Vem occupar esferas fuperiores
De huma , e outra Babel, que tanto erguida j^ ^^^1
Algum dia ha de verfe confundida. o a j
Tt ii ^ 25,
■">'
3 3 2^ Henriqueidà
As fublimes muralhas excèdiaov
E fobre ellas as maquinas plantavaõ ,
Quantos nas ruas da eminência viaó
As ingentes Baliftas fulminavaõ ;
Os que nos próprios Lares aíTirtiaõ ,
E no azilo feguros fejulgavaõ;
Oh quantas vezes a huma feca dura oB» itens ¥
^Transformarão o leito em fepultur£^i?>bí«' §1
Entre as iras de Marte amor fe efconde.
E huma fatal tragedia reprezenta , j? s^op
Trifte o teatro foy Coimbra , adbnd^
O feu triunfo o feu efírago augmencaj _
Notaéí?. Qpando Lifís a Licio correfponde, m3 mp ?9
Clioraõ unidos morte mais violenta,;
Ambos no fangue iguaes, ambos amantes
Sentem da Parca jos golpes fulminantes.
A' bella Lifís o galhardo Licia
Amava fino , e refpeitava mudo ,
Naó deveo ao amor mais beneficio
Que o feriilo com ferro mais agudo r
' Antes que da razaõ o ufo propicio
DeíTe ao afFedo efte adorado eftudo ,
A innocencia admirando o bello objedo.
Antecipou com a razaõ o aíFedow
Dezejava, que occultas as finezas
Nem de merecimentos prefumiífem ,
Nem ainda por culto das bellezas
Ardentes facrificios fe admitiíTem .•
Naó pudera encobrir tantas triftèzas;
Se quando a Liíls os feus olhos viflem
Entre huma fuaviíTmia agonia
Naó as equivocaíTc na alegria^.
Canto XL 333
Lifis , fem o íaber , a Lido niatá,
Porem fe elle lhe encobre ò que padece ,
Sc, porque o ignorou, naõ foy ingraca ,
Era injufta, naó vendo o que merece:
Mas no primeiro dia, em que defata
O Amor os laços , que o íilencio tece>
Vencida do eloquente, edoconftance,
Se rende a difcricaõ do fino amante. Nota ^^8,
28.
Jurando de Himeneo feguir os ritos,
Efperaõ que de Febo os refplandores
Os caracteres deixem ver eícriros
Pelo Deftino em livros íuperiores.-
Noute; que efcondes pérfidos delitos j
Occulta agora lícitos amores,
^iofre 6 Aurora em tálamo enganoío
Frios abraços do teu velho efpofo. Nota ^^5>,'
As cafas dos amantes íeparava
Dcliciofo Jardim, breve, e ameno,
E até do Inverno contra a fúria eftava
Aterra florecente, o Ceo íereno:
Sem artificio o talamó formava
Sobre o rigick> gelo o brando feno ,
Com folhas os Loureiros fem mudaaças
Simbolifaó amantes efperanças.
Cafta Diana aos mares fe retira. Nota é 70»
Prónuba Vénus bella fe defcobre,
De Amores o efquadraõ nas fombras gira,
E ao chegar os amantes naõ fe encobre:
Lifis ouvindo Licio, que fiifpira,
G reconhece, ainda que a nouce cobre ■ ^i;
Os aíFedos, que- exprimem os íeiflblánces
Dos ardentes finiiTimos amantes.
31*
|^|. Henriqueida
51-
Já fe eftreitava no primeiro abraço
A cadea de amor fucil, cdura, ^^-^. uvr>!/ «^
E as almas no decente, e firme laçcP £*r íí'b , ■;-> 3
Cuidavaò foíle eterna uniaó caó pura :
Quando hum baibaro infame, iniquo braço -^^'
Dispara com tal força fè ca impura, - .n;
Que antes que hum eoraçaõ nos dois -íe-ôuvií& ,
Fez que a Parca voando os dividiíTe. V^íí"^WS3,ai ãf-
'>^-'
Foy o cafoj ''tjtfé Alcino injuílo , e fero
Amava a Liíis com ardor aâivo ,
E por fogir do íeu defdem fevero
O trouxe aos Mouros, feu defiino efquivo; '-^
Culto , que profeílou cerro , e íincero
Da íacra fonte no criftal nativo ,
Deixou por ímpio rico Mahometano,
Quando a Liíis ouvio hum defengano.
5 5.
Defertou de Coimbra aquelle dia.
Em que huma intereíTada confidente
Lhe defcobrio, que a Licio preferia 1
Lifis com pura fé do peito ardente : pii>^
Bufca o Rey da Africana Monarquia, ^I
Dizlhe que a praça tinha menos gente
Da que era neceíTaria aos largos muros
Para eítar guarnecidos , e feguros,
34.
Que fempre a fatigaíTe com aíTaltos,
E que naõ tinha muitos mantimentos , 1
Taõbem de muniçoens eftavaõ faltos ,
Mas que o rio lhe dava baftimentos ;
Que da obra interior naõ eraõ altos
Os muros , e que aos golpes mais violentos / O \
Seu material muy pouco dilículta , " -
Quando os bate. furiofa a catapulta
5M
35-
Que he prccifo ganhar a Fortaleza
Só defendida do valor deElvidio,
E que elle íe otFrcce à nova cmprefa,,
E que ha de cativar o feu preíidio;
Que aQlm naõ lograrão tanta deílreza.
Com que pelo Mondego tem fubUdio,
Quando na cfcuridaõ pequenos barcos
Se introduzem da ponte pelos arcos»
Que fcus pays fempre foraõ Mahometanos
Fingindo-fe por medo convertidos,
E dos Criftaõs fuperftiçoens, e danos
Nunca em Teus coracoens foraõ feguidos i
E por fogir dos pérfidos enganos
Bufcava os ícus parciaes, que agradecidos
Como o feu Rey o louvaõ , e engrandecem ,
Porem de que he traidor nunca fe efquecera,
3-7.
Pede lhe Alcino, que a fublime torre,
Que ao alto muro eílava mais vezinha*
Lhe deixaíTe occupar, porque difcorre,
Que delia o tiro baibaro emcaminha:
De Lifis o jardim muy perto corre
Do muro, qne da torre íè avezinha.
Sabe o lugar do tálamo de feno,
E algum.a luz lhe dava o Ceo fereno.
38.
Eí^as imprecaçoens dicbava' a fúria , /
Que lhe influio íacrilegos projedos ,
Da Religião , da pátria , em torpe injnria ;
Se rebelião feus pérfidos affeclos :
Mas para que naõ erre com incúria
O tiro na incerteza dos objetos,
A féta applica ao arco, e fem que tema,
Efta formou prppoíi^aõ blasfema.
,à
336 Henricjuáda
5 9-
Génio do Abifmo , a quem do Averno o "Nume
Deu poder de que às almas dos humanos ;^
Inípiraffes o aíFedo do ciúme ,
Occukandollie os bens dos defenganos ,
E a chama azul do teu fulfureo lume
Cega oucra vez o amor com íeus enganos ,
Contra mim tuas iras já provoco ,
E a receber três vidimas te invoco. ' :'^^'■«v
Se cila Teta encaminhas pelos ares
De forte , que os teus trágicos effeicos
Infpirem os meus malévolos pefares ,
Comque hum fó golpe penetrar dous peitos ;
Suas vidas confagro a teus altares ,
E íc ainda naõ ficarem fatisfeitos ,
Para ir vér abrazar Liíis , ç Licip,
Eu ferey o terceiro facriíicio. "' '
Appareceo voando o nume ttífte:
Cerúlea toga encobre o corpo ardente/
E para atala fobre o peito exiíle
Com veneno fotil azul ferpente :
O cabelo entre viboras perfiíle ,
Olhos de Lince cem , canino o dente ;
A lingua triunfando dos fentidos ,
No mal perverte Gs olhos , e os ouvidos:
42.
Com a funeíla luz da negra téa
Lhe mo (Ir a para aí feta o certo emprego ,
E citando cego na confufa idea ,
Para vingarfe naõ efteve cego :
Difpara a feta, -iem que o ciúme atca
A chama do infeliz defafocego.-
Ay/ (diz Lifis ) do amor fou facrificio :
Liíis, já por ti morro, exclama Licio.
^■■■■^- 43
'Canto XI. 337
45.
Vendo Alcino os eíFcicos da vingança,
Cumpre Tem dilação o impuro voco ,
Da corre à teira promptamence lança
O corpo que em pedaços íe vio roto ;
A alma por trofeo a fúria alcança ,
E do Aqueronce o fúnebre piloto
A condufio no horrendo paracifmo-.^ .^
Para augmentar o incêndio ao raefmó ABirmo.'
44.
Vay Muftafá pela profunda terra Nota<^7i.'
Imitando os quadrúpedes raedrofos ,
Introduzindo de huma occulta guerra
Aftutos artifícios tènebrofos :
Errt largas minas tanta gente encerra ,
Qiie nos, eílratagemas cauteloíos ,
Parece que intentou feu peito impuro
Conquiílar de Plutão o Reyno efcuro.
"4Í-
Era o intento das profundas minas
Debilitar os fortes fundamentos ,
Para que das muralhas as ruinas
Do aílalto facilitem os intentos;
Dentro das fubterraneas oííicinas
Suftentavaõ. em pinheiros corpulentos
PoQos a prumo os muros levantados,
Para cair deixando-os abrazadosm
Porem Pedro Bernardo vigilante
Ouvindo algum rumor dentro da terra ,
E que em partes fe move vacillante.
Como prefagio do furor, que encerra:
Gente efcolhe , que deftra , e arrogante
Faça no efcuro campo occulta guerra , ;,i
E a contrainina fabricou Roberto *^_
Da mina conhecendo o lugar certo
^338 Henriqueida.
47-
Enconcraõ-fe os nodarnos contendores ;
E fe tancas batalhas conta a hiftoria , j
Em que do Sol , e Lua os refplandores >i
Illuminiraõ a preclara gloria : '*
Agora entre tri(lilTlmos horrores
Naõ fe ha de defcrever clara memoria
Do valor, que na occulta , e baixa esfera >
Temeo Aleólo, e receou Megera. *
48.
Corrêa aos Portuguczes , que guiava
Fez encontrar as gentes de Zulema ,
Sem luz ninguém fabia quanto obrava ,
Quando nem entre as fombras há quem tema ;
Mas já do Lufitano a fúria brava
Faz que o Mouro cobarde grire, e gema,
E íicáraô os bárbaros Soldados
Mortos no mefmo ficio , e fepultados.
49-
Tranfportara-fe à praça dos madeiros
O foccorro aos reparos taó prccifo ,
E os alicerfes coníervando inteiros
Emendarão da mina o prejuizo :
Mas já fentem os celebres guerreiros ,
Que daõ a Henrique deíle mal o avifo.
Da fome horrível o mortal infulto
Inimigo domeítico,, e occulro.
50.
Ainda que o Sol apenas tem fihido
Notaéyi.Do trópico do gelo em que naõ doura
O prado ameno , nem o Ceo lufido ,
E Flora ainda as riquezas entezoura ;
Com abundância fe acha foccorrido -■
O campo fitiador da gente Moura •, Í
Lisboa lhe ofterece , quanto encerra , i
Que o niar Ihèf-dá , fé o diííicuita a terra.
Canto XL 339
51- .
Mas em Coimbra falca de tal forte
O alimento , que a mefma fobriedade
Reconhece o aperto extremo , e forte
Da tirana , e fatal neceílidade ;
Por mais que Pedro os ânimos conforte
Com o exemplo à conftancia , e à piedade,
Teme que fc atenuem nos conflidos
Com dura fome os ânimos aílidos.
Os quadrúpedes mata gcnerofos ,
Perde a milícia equeftre os fcus projedos ,
Já fem afco íe julgaõ iaborofos
Os mais vis , e mais Ínfimos infèdos ;
Mas faõ os coraçoens taó valerofos ,
Que defprezando efles mortaes objedos ,
Naõ fe abate das forças a violência ,
E o vigor recuperaõ na abftinencia.
Já com as porfiadas batarias
A barbacaá cahio cegando o foíTo,
Sobre elle caminhando as galarias
O muro fe arruina altivo , e groífo :
A reparar as brechas com porfias
Naõ bafta a actividade, e valor noffo ;
Porém naõ receando os íêus efteitos ,
Muralhas invencíveis faõ feus peitos.
54-
Elvidio refiftira três aíTaltos
Vingandofe do Mouro em muitas vidas i
Porém débeis os muros , e naó altos
Cederão ás violências repetidas :
De muniçoens , e mantimentos faltos ,
Depois de outras emprezas , e fortidas ,
Foy retirarfe à praya ultimo emprego.
Abandonando ^ ponte do Mondego. ..^i .
Vv ú fji
34^ Henriqmida
As levantadas maquinas, que os tiros
is.^^í. i'; Faziaõ às muralhas Tuperiores, 5uj^'
De horrendos feixos com horríveis giros
: Cobriaõ os valentes defenfores :
Naò valiaõ os últimos retiros
Dos lugares oceultos, e inferiores,
E fe algum no Sepulcro (o. aíTegura :
A moíte o foy achar na íepultura.
55.
Preparou íe o aflalto formidável
As tropas repartindo o Rey potente,
Fazendo fe temido,- quando amável,
A tanta empreza anima a Moura gente ^Jfc^2flí^í"i
Que Coimbra naõ era inexpugnável '^
Lhe perfuadio com methodo eloquente ;
E que à nuveai fatal de tanta flecha
A guarnição defamparava a brech^è* *AÁíiiiê-te4£ -
-57-
Que a fome aos defenfores extinguira ;
Que o largo íltio as armas malquiftara ,
Que Henrique da campanha já fogira >
E em Leiria muy bem fe arrincheirara ,
Que de Sevilha o grande Rey pârtimrWUfí^.;/í|OlJ•*^
E o Cordovès cambem o acompanharai^iífiiiif
E que chegando as tropas a Alentejo, -'■'
PaíTaraõ para a Abrantes o áureo Tejo.
58.
Que ganhar a Coimbra era preciío,
Por naò roubarihe aglotia os Aliados, ':-'í^3^'"
E Henrique temerofo , e indecifo
Acharia os três Reys encorporados :
Sentindo irremediável prejuifo
Naõ tinhaõ mantimemos íeus Soldados ,
E paflando o Mondego fem receyo , m^artl -^ l
TeriaaosPortuguezes em bIo4ueyo>w5^„;j;iDoíí<piíA
•?? - " %^^
.59.
Que Ell^ey do Algarve, o celebre Aloandro ,
Que excedia no íabio , e no prudente Nota(?74.
Ao Rey Corincia o docto Periandro
Encre os Tece de Grécia preeminente; Nota^yc.
Qiic he emulo na guerra de Lifandro Nota 676.
Naõ menos que Temiftocíes valente,
Pode, íc a rebelião vé caftigada
Guardar Lisboa , e expedir a armada.
60.
Afllm fallou o R.ey de hum lugar alco;
Donde ja Muftaía , e Axa fe viaõ ,
DiPiribuindo para o duro afialro
Huns bacallioens, que aos outros íuccediaõ :
De agoa o profundo fofib efi^ava falto ,
De todo com faxina o entupiaó ;
E parece que a brecha, que já toca
Para eípirar a praça abrir a boca.
61.
Arrimadas as mantas , que refíílem
Das pedras , e do fogo a ardente ofFenfa ,"
Encobrem os Soldados , que perfiQem
Em tirar aos da praça outra dcfenía ;
Com mil efcadas circulando infiftem
As muralhas , por ter a recompenfa^^L.
Que o Rey promete a quem aâiivo , e duro
Primeiro as Luas collocar no muro.
Tartarugas terreílres caminliava'6 ,
E levantando as conchas às améas ,
Do Grego engano equeílre renovavaó
Na nova Troya as trágicas ideas ;
Pois pela horrenda boca vomicavaõ
Mil producçoens das Libicas aréas ;
E parece, que de Africa as'i5crpentes-í:yW?^ Notab?-/»
Reproduzirão vcnenofos dentes; ^^'^i9-^
.63^
3 4 2' Henriquelda
65.
A hum tempo no ar , e terra foa a caxa
Para montar a brecha vaõ primeiro
A' compccencia Muílafá com Axa,
Rara hecoíiid, intrépido guerreiro:
Ambos coca:') do muro a uicinia faxa ,
Tiros mulciplicou canto frecheiro ,
Qije encre poucos fe achavaó do prefidio
O valente Roberto, o. force Eividio.
64.
Sanguinolento bárbaro cílendartc
De três i^uas de prata femcado
Por Axa, e Muílafá o Rey reparte,
Para íèr fobre os muros arvorado:
Mahometo, o Mouro diz , a quem deu, parte,
Do governo do mundo eterno Fado.' . «
Faze contra eLlas ímpias, fah^as gentes
Kota(j78- Deftes três novilunios três crecentes.
65.
Axa aíTira clama / O' tu Cintia divina ^f^^v
Que triforme te moftras em três Luas -í ..$*«?•
Kota(57P' ]\^a cgf^a ^ Ceo , e Abifmo , a que ilílimina
Triplicado fulgor das glorias tuas ;
Se hoje à Cruz efta Lua; predomina ,
E a ti fe proftraõ as vaidades fuás ,
Eu te farey hum templo izento á chama ,
Que de Eroftrato apague a indigna fama.
66.
Na maõ direita a efpada rutilante,
E na efquerda a bandeira Mahometana ,
Levava Muftafá fempre arrogante ,
Levantava a belliffima Africana :
Mas naõ pode o Profeta fer triunfante,
Nem vencer a divifa de Diana,
Que a idolatrasse infiéis as falfas luzeSu^tifitA;
Sempre eclipçaraõ Lulitanas Cruzes. ivikbíp;
Cl.
Canto XI . 343
Fere a Elvidio a heroína bellicofa,
Mas delle recebco outra ferida ;
Perto eíleve de ler hoje fermofa
A merma morte com taó bella vida :
Naõ ccdco a bandeira à vicloriofa
Xíaõ , que já a roubava prefumida ,
E ambos lutando no combate duro
Sc prccipitaõ defde o alto muro.
63. ^
Sobre a concha do Anfíbio os dous cairão,'
E Tem :cordo os levaó para as tendas
Os Mouros , que hum prcfagio trifte viraó
No principio infeliz deílas contendas .•
Porque os feus eílendartes , donde admiraõ
Brancas Luas de iníignias taó tremendas >
Do fangue das feridas fe mancharão ,
Que em terriveis íinaes as transformarão.
6ç). ]
Roberto , que já tinha o afcendente
Em Muftafá, que em Gaya cativara,
Ainda que o vio taõ agil, e valente,
O rendeo com deftreza , e força rara :
Braço a braço lutando o impulfo ardente
Do Francez o Agareno fuperara ;
Mas já vem mil a mil expugnadores ,
E correm cento a cento os defenfores.
70.
Muley com os que o feguem defmontando
Dos cavallos , fubindo a brecha larga,
Foy aos que já a deciaô fuilentando
Sem recear das pedras dura carga :
Vay com tal prcfla os muros alTalcando^
E Çó ^ dos feus parciaes tanto fe alarga,
Que do animo na intrépida grandeza
Naõ quer partir a gloria da árdua empreza.
7'-
34+ Uerjriqueida.
De hum bruto equeílre a cauda efpeíTa, e negra
Sobre a muralha com valor arvora ,
E todo o campo bárbaro fe alegra,
Por ver , que o fero aílalco fe melhora :
Da diíciplina Militar a regra
O peito temerário deixa agora ,
Qjje a fortaleza com furor violento
Naõ fogeita á pradencia o movimento^
Muitos im;taõ a Muley galhardo ,
E na ganhada brecha fe alojarão ,
Se de huma cortadora no refguardo
Os Lufos outro corpo naõ formarão :
O Leão Leonês Pedro Bernardo ,
E os feus aos Agarenos rechaçarão ,
E fazendo-os decer da larga brecha ,
Donde a lança naó chega , os fcgue a flecha i
73-
Com Bernardo Muley combate adivo,
E eíle vendo que os feus já o deixavaó ,
E que com tanto golpe executivo
No foíTo muitos mil fe fepultavao ;
E fe os contrários o aprifionaõ vivo ,
Os trofeos mais fublimes alcancavaõ,
A Bernardo ferio no invido peito ,
E aos feus fe retirou mal fatisfeito.
74.
Naõ pode o Rey com vozes , e ameaços ,
Exemplos , rogos , prémios , e promeflas ,
Perder o medo neftes fortes laços ,
Quando a fogir , ó gente infiel , te apreíTas .•
Mantas, e efcadas cahem em pedaços :
E tanto em novas glorias te intereífas ,
O' Corrêa invencivel > q[ue a fortida
Já te coníeguc a palma .prevenida.
■75^
Canto XI , 345
75-
Corrêa que efcolheo deftros Infantes ,
Décc aofoíTo, e aos Mouros confternados
Carrega com impu fos arrogantes.
Enchendo de deíPojos os Soldados :
Achando mancimentos abundantes
Com o temor de todo abandonados,
A* praça os conduzio, donde com anciã
Se íepultou a fome na abundância.
76.
Efcreve o Rey a Pedro , e lhe oíFerece
Ervas com que fe cure das feridas ,
A bizarra defenfa l e engrandece
Com palavras honrofas, e polidas.
Que por Elvidio a Muftafá lhe deíTe
Propõem com expreííoens encarecidas,
E fe o fer deíigual naó he defdouro ,
Diz lhe dará de mais todo hum thcfouro.
77-
Que bem fabe , qne teve hnm mào fucefío,
E faz ao vióboriofo humapropofta,
Mas que teme do fitio no progreíTo ,
Que a praça a toda a fiiria fique expoíla :
De Andaluíia vem com tanto exceíTo
Cente de três exércitos compofla,
Q^ e unida com a armada, que jà chega
Tema quem marcha, tema quem navega.
78.
Que os muros reparar em tempo largo
Com guarnição taõ dcbil naó podia,
Que o mantimento mais que o fitio amargo
Em pequena porção o focorri :
Que o frio Inverno com precifo embargo
Detinha o feu exercito cm Leiria,
Nem Henrique intentara louco, e cego
Paflar çom poucas tropas o Mondego;
Xx 79*
3 4^ Henriqueida.
79-
Que das mayores honras militares,
Refcns, utilidades, feguranças,
Bem podia ajuftar preliminares,
Que cxcederiaõ fuás efperanças;
Se voltar de Caílella aos pátrios lares
QiiizeíTe com fe.juras alianças,
Acharia os Eftados, e os caminhos
Defendidos dos Mouros Reys vezinhos.
»o.
Abulfaragio hum Árabe eloquente
Como na própria lingoa na Hefpanhola
Era oFmbaxador, e promptamente
Huma bandeira cândida rremôia;
EmCicero, c Demoftenes fciente
Poffue a Grega 5 e a Romana efcôla,
Sabendo da íiiaforia na^ pin-turas
O artificio dos tropos ^ e figuras
8i.
Vendo a Pedro Banardo , que no peito
Ferido eíiava , com algum perigo ,
Da perfiiafaõ efpera hum certo eífeito ,
Abatidas as forças do inimigo:
A carta lhe oíFerece com refpeito ,
E aíllm lhe diz, hei de fallar comtigo
Só Graõ fenhorj e Pedro , que o- admite,
Refponde, que efta graça lhe petmite.
81.
Senhor, lhe diz o Arábio lifongeiro.
Ainda que aqui me vés Mouro, e contrario ;j
Em fentir o teu mal fou o primeiro
Abominando o golpe temerário-,
Por fer Axa huma Dama, tu groífeiro
Parecer naõ quizéíle, e adverfario
Naó defcndefte o peito da homicida,
Nau de Marte, do Amo-r foy «ferida.
S5.
Canto XL 347
85.
Se o reu indico fangue fe derrama,
Efpiricos renova, e nsõ dilllpa,
Pois elles aniiíiando atua fama,
Ella dos íeus impulíos participa:
Taó viva cor o teu femblantc inflama,
Que hum indicio fehs nos ancicipa
De que outro l^can neíle Hifpano pólo Nota 68o.
Será novo Chiron de hum novo Apolo.
84.
Ali Aben Jozef, que augufto impera
Naõ fó nas cerres, que o Oceano banha.
Mas nas que o mar interno em fi numera
Senhor potente de Africa, e de Hefpanha;
Tanto, ò Graõ Pedro, o teu valor vencera,
(O que em hum peito nobre naõ feeílranha)
Que a vida te dezeja , e ce offerece
Sem vil enveja, ou pérfido interece.
85.
Neí\a preciofa caixa, que guarnecem
Das luzes oriencaes porçoens brilhances ,
Ea quem balfamos raros enriquecem,
E pedras demais preço que os diamantes j
As ervas vulnerarias ce offerecem
Seus afFeclos piedofos, e conflances ,
Sò para acredicar-íè generofo
De que eílima hum contrario valerofo. Oà^gt';c.-
S6.
Pede que Muftafá lhe reftituas ,
E que Elvidio virá quando curado ,
Porque de tirania o naõ arguas
Te dirá quanto deve ao íeu cuidado ,
E para que os reféns lhe conflituas ,
Na praça eu ficai ey depfitado ,
Que fe por diíigual o defmereço ,
Por fer Embaixador, bem o mereço
Xx ii .87*
^VI
348 Henricjueida
87.
Naõ quero repicir as razoens fortes ,
Que a carta com verdade te refere,
Evita nas violências , iras , mortes ,
Que de out o aflalto he juílo , que fe efpere,
Imita a guerra aquellas varias íortes ,
I:m que huma bo de outra má fe infere;
Ninguém deve fiarfe da opportuna
Neíle jogo inconítante da fortuna.
88.
Perdefte muita gente valerofa
Na fome, nas doenças, nos aíTaltos,
Por mais que o cales , ky que vive anííofa
A plebe , e todos de fuílento faltos :
Tanta maquina intenta vigorofa
Igualar com o foíTo os muros altos ,
E em três dias verás , como difcorro ,
Três Reys , com groffiíTimo foccorro.
Avifa a Henrique , e fe elle bem fe atreve
A faz.r eftas linhas penetráveis,
O meu Rey te concede hum prafo breve
Com fufpenfaó das armas formidáveis ;
Porém entendo , que do inverno a neve ,
Se as eftradas naõ fez impenetráveis ,
Em Leiria aos feus Lufos vencedores
Congelou os viviíTimos ardores.
90.
Honras, e feguranças , que imagines.
Nas capitulaçoens verás firmadas,
E porque as concedidas examines,
Neíle papel as podes vér lançadas :
Porque em cerra de Campos mais domines,
Te daõ duas comarcas dilatadas
Os Reys , que as terras cederáó conformes
Nota ($8 1. Do Mançanares , do PiíVwerga, e Tormc$.
9 1.
Canto XL 349
Chamou Pedro Bernardo os que fahiraõs
Para ouvir em fegi edo efta propofta ,
E ainda que a embaixada naõ ouvirão ,
Quiz que cedemunhaílem a rcpofta.
Artificiofo Arábio , em que fe un raõ
Frazes , de que a Retórica he compofta ,
Ouve em breves palavras razoens certas
Naó em vis artifícios encubertas.
91.
Ao carader Real refpeito atento ,
E recebo o prezence obfequiofo ,
Verás que contra golpe caõ violento
Sem medo applico o balfamo preciofo.-
A Muftafá já livre te aprefento ,
E a palavra de hum Rey taó valerofo
Admicco Icm reféns, para que Elvidio
Volte a convalecer a eftc preíidio.
93
As honras , que ao renderme me ofterece
O teu Rey j e intereíTes, que aíTegura ,
Nunca hum animo nobre as agradece,
Porque honras bufco fó da íepultura ;
Mais quem governa praças fe engrandece ,
Quando com honra alto valor procura ,
Que em capitulaçoens ainda taó dinas
Dos muros fepultados nas ruinas.
94.
Meus eftados dos Mouros naõ dependem ,
Para que na obediência me períiftaõ ;V
EUes faó quem dos meus mal fe defendem.
Que cada dia terras lhe conquiftaó :
Os feus por aliados os pertcndem ,
Porque contra outros Reys fortes lhe aíTiftaõ :
Coimbra ainda naõ vejo arruinada :
Eu eftou vivo , e vive a minha efpada.
95.
350 Henricjueida
95-
Do inimigo naõ como efte confelho ,
Mas acento , e cor. és quero pagalo ,
Que o ficio hoje levance lhe aconfelho,
Ances que Henrique o obrigue a levancalo:
A ci ce dou hum criftahno efpelho,
A Eliley brilhante efpada lhe aíTmalo ,
Tu porque enfayes geftos de eloquência ,
Elie para livraríe da violência.
Era o eípelho de ouro guarnecido
Com rubis , qae brilhando pareciaó
No cencro claro do ciifl;^! luzido,
Qtie à bella aurora as cores repeciaó.-
Os diamantes de preço caó fubido
Na bem gravada guarnição luziaõ ,
Que aos olhos occulcavaõ feus influxos
Dos efmakados cabos os debuxos.
97-
Foy-fe o Embaxador taõ admirado
Da repofta de Pedro generofo ,
Que todo o feu recorico cuidado
Suípendeode aiTombrado, ou de medcofo :
Muftafá o feguio , e foy mandado
Elvidio , que impaciente , e valerofo
Entra efcondendo o mal , que o acenua
Na praça , de que o ficio continua.
98. ^ , .
Rocha, que com continuas baterias
No criftalino aíTedio do Oceano
Sofre emfeculos, annos, mefes, dias,
Furioío impulfo, rápido, ecirano,
E naõ cedendo ás hórridas porfias,
Defprçza as iras do tridenre infano ,
Formais que na conílancia fe confirme,
Menos do que Coimbra fe vé firme.
99.
Canto XL }Jí
99.
Já conduzia Zéfiro opportuno
A numerofa Mahomecana armada
Pelos húmidos campos àc Neptuno
A' boca do Mondego praceada:
Procuravaõ do provido Portuno Nota G%^.
A protecção das nãos fempre bufcada ;
Leva aoRey, porque logre altos intentos,
Moniçoens, armas, tropas, mantimentos.
100.
Mas apenas avifta o monte Sacro,
Que fobe aoCeo, e para o ter propicio
Lhe purifica ornar, como lavacro>
As vidiimas do amante Sacrifício j
Quando hum varaó , que aíTifte ao fimulacro ;
Dando de alta virtude claro indicio,
Eprefervado à fúria Mahometana,
He Paulo daTebaida Luíituna. Nota égj;
101.
Com oração invoca fervoroía
A imagem da puriíTiraa Deidade ,
Para que aquella armada pcderofa
Se derrote com fera tempeftade :
Eoy deferida a fupphca pedofa:
Para extinguir a barbara impiedade,
Rompe os ares Migue, , c com a efpada
Do mar a doce paz deixa alterada.
102.
Na esfera fuperior ao Ceo Sidéreo Nota 684.
Recebeo da Rainha Soberana
Ainftrucçaõ, e paffou o efpaço etéreo ->. U i-
A diíTipar a armada Mauritana: •; r: :'?,.
Decendo o Paraninfo o aííento aéreo
Auxiliou a gente Lufitana ,
Diflblve de hum aílopro eíles terríveis
Indigetcs malignos jnvifiveis. Nota 685»
105.
3 J 2 Henriojueidd
105.
Os Génios , que inquierao o emisferio
De Lusbel padecerão oseílragos,
Mas fem chegar do báratro ao império
Efpiritos nos Ares giraõ vagos;
Eftes de luíicania em vicuperio
Eraõ ao Mouro oráculos perfagos,
E por cUes os Lu!os cem violentas
Epidemias, chuvas, e torshentas.
1 04.
Miguel lhes manda com fatal preceito,
Que entre os Mouros formafiem hum contagio,
E ao mar, que ao feu arbítrio eftáfogeito.
Incitem paia hum rápido naufrágio ;
E que no fogo com ardente eíFeito
Em Ethnas formem o infernal prefagio ;
E do globo da cerra o centro roto
Agitem com horrível cerremoco.
105'.
Axa ainda mal curadas as feridas
Foy aíliílír na boca do Mond-ego
A's tropas, que da armada condufidas
Teriaõ para o íitio novo emprego;
A Miguel vio com azas taõ luzidas.
Que denoute illuílrou o Império cego;
Mas por crer, que he Mercúrio, naõ fe aíTombra
Axa mais cega, do que a mefma fombra.
106.
E vio do mar no rápido limite
Neptuno, que com húmido tridente
Nota (í 8 <?. Dizia aDoriz, Tetis, e Aníítrite,
Que mais que o duro Marte era valente:
Já do torcido bufio o fom permite
Nota 687 -^ Tritaõ f.u trombeta deligente-,
* E porque o íèu poder faça notório
Afaftou com o tridente o promontório.
107.
Canto XI 3J3
107.
Mas logo vés , ò efpirito celeíle
Obedecer as ordens invioláveis,
Que do eterno motor aos orbes dèfte
Para extinguir os Mouros deteftaveis;
Tu, Neptuno, o primeiro obedccefte»
E os teus deofes dos mares implacáveis
Fogem com medo ao centro mais profundo ?
Efcureceo-fe o Ceo , tremeo o mundo^
ic8.
Dos tenebrofos cárceres de Eôlo Nota68S«
Os firbditos rebeldes defatados
Aos refplandores nitidos de Apoio
Sacrílegos já deixaó apagados.-
Euro, e Vulcurno perturbando o polo.
Com o Africo, cBoreas encontrados
Movem a tempeftade de repente
Do Norte, Sul, Occafo, e Oriente.
109.
Sobem as ondas , decem os dilúvios ,
Altera o vento a paz dos orizontes,
Manda o Ceo contra o mundo mil Vefuvios,
Saltaõ no mar ao terremoto os montes,
Rompem-íe as nuvens em fataes profluvios,
Cahem rayos quaes trágicos Faetontes,
A hum tempo apregoando em Ceo, e terra
Dos trovoens os tambores dura guerra.
110.
Para fer conhecidas as triremes
Dourados animaes trazem na popa,
A que até na efcultura tanto temes
A Africa entaó fogeita, ò trifte Europa:
Da Capitania ao Tcuro .outra ve^ tremes ,
Como das Ninfas entre a bclla tropa
Taõ vivo hum l.eaõ vejo, que as Sereas
Pedem focorro ás Focas , e ás Balcãs.
Yy xu.
Nora689r
354 Heririqmida
1 1 r.
De outro baixel hum Tigre horror de Hircania
He mais ligeiro que os Delfins velozes
Hum Leopardo terror de Mauritânia
Centauro foy de efpecies mais atrozes;
Hum novo Anfíbio via Lufitania,
E quaíi ouvia as cnganoías vozes,
Comque aíluto o tirano Crocodilo
He hórrido antropófago do Nilo.
I 12.
Deftes, e de outros brutos as figuras,
Comque as Náos Mahometanas fe adornarão.
Animadas as mortas efijulturas
Em maritimos monftruos fe tornarão :
Dentes caninos tem, e garras duras,
Comque aos vis Agarenos devorarão:
E no mar entraó com furor eftranho
Nota^íjo. A augmentar de Protéo feros rebanho,
Axa corre admirada , vay furiofa
Dizer ao Rey o trágico fucceíTo ,
Elle com a impaciência mais raivofa
Quer adiantar do fitio o vaõ progreíTo:
E antes que a gente menos animofa
Saiba o naufrágio , e faça algnm exceflb ,
Por donde he já o muro menos alto
Fia de Axa, e Muley hum novo aíTàlto.
114.
Mas fendo igual da Praça arefiftencia,
Os peitos novamente impenetráveis
Foraõ dos defenfores com violência
Rebatidos impulfos formidáveis :
Três horas dura a nobre competência,
E os obflaculos vendo inexpugnáveis.
Faz demolir o Rey a fo-rtc linha,
Nota 6^1, E a unir-fc aos Revs do Becis fe encaminha
\
Canto XL 35-5-
115.
Sahio Pedro Bernardo, e viâjoriofo
Ainda achou nos quartéis provifaó canta,
Que o prcfidio caníado, e valcrofo
Bem facisfaz a fome, que o quebranta:
Para avizar a Henrique generoío
Velos até Leyria fe adianta,
E elle por focorrello em prompto emprego
Marchava para as margens do Mondego.
\\G.
Efta marcha foubera oRey aftuto ,
E naó oufando defender trincheiras
Contra quem as bufcava refoluto
Com tropas frefcas , deftras, e guerreiras-,
Tendo às Parcas a morte por tributo
Entregue as mais valenres , e ligeras ,
Nos aííaltos , fortidas , e hum contagio ,
£ efpalhada a noticia do naufrágio.
; ■ 117.
O íitio levantando, a caufa occuíta
Henrique, e a prompta marcha muito fencc,
/^Que a vidoria dilata , c difficulta
-' A retiraáa da Africana gente :
Mas como aíTim de Pedro mais avulta
Alta conftancia , e animo valente,
Eftas palavras diz, ç. o prende em laços
Nas illuftres cadeas dos íeus braços.
1 18.
Valerofo Leoné? , rama gloriofa
Dos Góticos Moítarcas invenciveis,
Que de Heròes na profapia gencrofa
Os excedes, fe acafo iHo he pofiivel,
Pois te devo a defenfa vaieroía
De Coimbra no aíTedio taó terrível.
Porque alta gloria aíTmi te multiplico,
Até hum trofeo mais te facriíico.
Yy ii iip.
356 Hemiqueida.
119.
Sentira que o Rcy bárbaro fogiíTe,
E que iiwm certo triunfo me roubaíle ,
Mas já o eftimo , ainda que fe vifie,
Que em focorrerte o meu ardor tardafle.
Por mais que aos Reys da Betica fe uniíTe^
E ao exercito já íe encorporaíTe ,
Eftimo tudo , quanto aqui difcorro >
Que o grande Pedro vença íem foccorro.
l iO.
Defde que ao Sol o Efcorpiaõ mordia^
E a féta inficionada o fagit-rio ,
Trágico o Capricórnio apparecia ,
Antes de que hum diluvio verca Aquário
E como Jano as portas, já lhe abria
Do novo anno , da guerra, efFeito vario
Impaciente te vinha foccorrendo
Neves cortando, inundaçoens vencendo,
121.
Prefo em Leiria o inverno me deteve^
Em torrentes os campos inundados ,
Naõ íe esfriou o ardor na agoa , c na neve.
Mas fubíiftir naõ deixa os meus Toldados j
&Q. algum o rio a vadear fe atreve,
Se vio, e os que o feguiraó afogados v
Mas foccorrerte prompto determino
Antes que doure Febo o Velocino.
122.
Alternando o dcfcanfo , e exercicio
Nas tropas pelas villas alojadas
Em homens , e cavallos dao o indicio
De vigorofas, e de exercitadas :
Sendo ou mais rigorofo , ou mais propicio ,
As terras inimigas conquiftadas
A Peniche ganhey por enterpreza
E Moniz confe^qio taó alta cmpreza.
ií;
7?
i
Canto XL 35^
123.
De T amego voltou Pclayo Amado,
Que avifou Dom Oíorio de Cabreira,
Que o fcu pequeno exercico campado
Tenha do Dam na rápida ribeira -, Nora (í^i
E que com elíe irá encorporado
Vencer ao Mouro , e libertar a Beira ,
E fendo do Africano vitupério ,
Fundar de Portugal o augufto Império.
ii4.
Pedro admictio a honra incomparável.
Com atenta , e modefta corteíia ,
Contou o íitio largo, e formidável,
E o que a Elvidio, e Roberto entaõ devia:
Vem já chegando o exercito admirável,
Que no valor o numero fupria ;
Sendo fortes , naó há forças iocautas.
Todos foraó heróes os Argonautas. Notaípj;
125.
PaíTa o Mondego , e para o Dam marchando,
Encontra Oforio, que fiel o avifa
De que dos Reys já o Tejo vem paílando
O exeicito , que a terra atemoriía :
Que as partidas, que o campo vaõ cruzando.
Sempre avançou com prevenção precifa ,
Que Ali com fuás tropas chega agora ,
E hoje com o foccorro íe encorpora.
126.
Forma , e deícança em tanto a gente illuftre
E o que depois paflbu contará logo.
Porque do génio o influxo naõ fe fruftre,
O ardor fonoro do Apolhneo fogo :
E para que o meu canto o naõ desluílre ,
Deícanfe a voz , e ceife o canto logo,
Até que a penna fénix renacida
Tenha ao Pierio incêndio nova vida.
HENRI-
3J8
HENRÍQUEIDA
CANTO. XII.
Arzumento
PAra a hataiha os Vrincifts famofos
Se díjpoem , e o combate he fero , e durtf ;
Mãtdd três Reys os Lufas ztalerofos ,
Dos Mouros fe deflroe o rito impuro :
Conta Tancredo os cafos fortentofvs ,
Freme a. Aldara a Amado amor tao furo ;
Funda Henrique o Império^ e o dilata -^
Ganha Lisboa \ e o jeu contrario mata.
I.
Celefte Mufa , que à fecirada idéa
Acégora infpiíaíle nunca cfquiva ,
Oh naó permitas , que na minha véa
Corra a agoa Caílalia menos viva ;
Já finco, que me infpiras , e fe atéa
Em mim a immortal flama caõ activa,
Qpc ao mundo íerá aíTombro , gloria, e paímo.
Nota 695. Seu eftro, vadcinio , e cnrufiafmo.
■NT^.. /■ ^ Corria Cindo o Touro luminofo,
De- que a Aurora mecirota íe eícondia,
Quando o invido Henrique generofo
Sobre o campo do Dam feu campo via r
De Europa o íigno íimbolo imperiofo
Retraça a Luficana Monarquia,
Se na batalha braço caõ valente
Da Lua as aritias lhe cortar da frente.
Canto XL 359
5-
Ao grande Egas Moniz feu fqbakerno
Nomeou, e no exercito lhe dava
?vlayor lugar no fupcrior governo, •
Oj^ie para fi Henrique reíervava;
De huma cíheica amifade o laço eterna
Efte Patroclo a Aquyles igualava, Nota íJí^y.
Ce ti Scipiaó teu Lélio naó divides,
Achate aEneas; a Tefeo Alcides.
4-
Manda a primeira linha o grão Pereira
Do exercito dos fortes Portuguezes ,
A Tegunda di(pocm deftra, e guerreira
Pedro Bernardo tronco dos Menezes:
Da referva formou linha terceira
Távora fcparados osarnezes;
A ala dircic.i entrega ao Silva experto ,
Empregando na eíquerda o graó Roberto.
5-
As alas da fegunda governavao
O forte Mello, covalente Cunha,
De Oforio as experiências animavaõ
Tropas, de que a referva fe compunha.-
Em Oom Mendo de Sou ia fe a^miravaõ
As leys , comque os béfteiros bem difpunha;
Rege Pelayo Amado os mais guerreiros
Nobres féis vezes cento aventureiros.
6.
Toda a milicia equeftre fe reparte
Em finco vezes mil Lufos valentes ,
Hercules dcRohan, que iguala a Víarte,
Manda os Francefes rápidos, e ardentes
Dom Aniaõ de Eftrada em toda a parte N°^^ ^^^'
O ardor incita ás valerofas gentes:
Dom Garcia Rodrigues graó guerreiro Nota ^^^J
Governa osdeLeomil, de que he Couteiro,
7«
360 Henriqueida
7-
De vinte batalhoens a mil Soldados
Se compõem a confiante Infantaria,
F de todos formou corpos quadrados
O valente Bernardo, que os regia.*
Na ordem da batalha pelos lados
Se colloca a veloz cavalaria,
Qual faz voar ao corpo tardo, e grave
Cora as azas ligeiras veloz ave.
8.
Nota 700. Dom Egas Gomes, porque o nome admires
De hum varaó, que- acredita a hiftoria Lufa
Nota 7or. Igaal a Dom Gonçalo Traftamires,
Nota 7CZ. De que a memoria naõ fera confufa,
E Maya o Lidador, que quando vires,
O' Templo, defccndcncia taó difufa.
Dirás, que as acçocns raras, que publicao,
Nosherôes, que produzem, multiplicaó.
9-
Eftes, e outros varoens, que o tempo efconde
Cego, en ejofo, timido, e avaro,
O exercito compõem do cxcelfo Conde^
Que em tempo taõ efcnro brilha claro;
Porqi.e afama, que atenta correfponde
Ao eco eterno do feu nome raro.
Repete hunia taõ inclira vidoria
No archivo incorruptivel da memoria.
10.
Soube vinhaõ ao Tejo os Reys contrários
Pela Efcalabitana ampla campanha
Marchando para os Lufos adverfarios,
Mais que cm valor fiando em força eftranha;
Votos blasfemos, vaõs , e temerários
Prometem, feconquiflaõ toda Hefpanha,
E fc da Religiac) , em cego arrojo
for da fuperftiçaõ criíle defpojo.
1 1.
Canto XI L 361
1 1.
A buícallos corria Henrique invico ,
Quando achou, que nos campos do Mondego
De huma batalha clpcraõ no confiico
Dar a cita guerra decifivo emprego /
Naõ queiraes ( diz ) ò Nimen, que o delico
Aqui criunfe no íeu rico cego ;
Bem fey que ha de vc n cr toda a malicia
Mais do que a minha a celeílial milicia.
12.
De Carquere invocando a Santa Imagem ,
Se venço eda batalha , fera logo
Qiiem receba de mim nova omenagem ,
Se a Deidade admitir meu puro rogo :
Mais quero efcravidaó, que vaflalagem ,
Nas Tuas aras inflamando o fogo
Eterno vitupério aos Mahometanos ,
E credito immorcal dos Lufitanos.
15.
Naó foy inútil naõ o alto prodígio >
Com que de AfFonfo defatando o l'ço ,
Dos Teus primeiros paííos o veftigio
Foy o milagre de hum divino braço :
Elle fera quem do contagio Eftigio
Livre o Reyno do trágico embaraço.
Pois para confeguir altas idéas ,
Já fe lhe defataraõ as cad^as.
14-
VÓS fois , Senhor , quem deu em Paleftin?,
A's minhas armas gloria taó fublime,
Que na emprcza feliz, fanta, e divina
Gofredo por meu braço ao Mouro opprime :
Eíla porção da Cruz , que me deílina
Quem nclla a mim defende, ao mundo rime,
Seia o íinal dos bens. que me reparte,
Quem me dá, porque vcnca, cCíC el^andarte.
Zz í 5
Nota 705. ^^^ ' P*^^' cj^cm já de Córdova, e Toledo
Venci hum tempo os bárbaros X4onarclias ,
An.es (|ue as minhas armas deííem medo
De Portugal aos campos , e às comarcas.-
Naõ ha nellas nem rio , nem rochedo ,
Que naõ foííe dcpoíico das Parcas ,
Em que excinguindo ao Mouro os próprios lares,
Naõ crocaíle as Mçlquiras era Altares.
16.
Vós fois por quem venci no Porto, e Gaya
Por dar a Portugal nome famofo, ^
A Almançor formidável , que Te enfaya
A fer de Hefpanha aílombro bellicofo ,
PaíTey do Douro a criftalina raya ,
Donde naufraga o Mouro valerofo ,
E em Lamego por vós vingo a injuria
Da rebelião de huma Africana fúria.
17.
Por vós venço as infidias dos cativos,
í.
Qiie na batalha pérfida , e nodurna ,
Muy poucos faó os que contarão vivos
Sua infame traicaó à luz diurna :
Por vós meus golpes fempre executivos
Livrarão entre a íombra taciturna
O infante do infernal torpe proje^o
A fer único emprego ao mej4 affecto.
i8-
Por vó|S venci na ultima batalha
Innumeraveis feros inimigos,
E a fama em vozes celebres efpalha
Com os noíTos triunfos feus caftigos :
Por vós impenetrável a muralha
Foy de CoimUra aos últimos perigos,
Em fim livre à prifaõ que era notória,
Avança AiToníc os p.a;fios para a gloria.
10.
Canto XI L 363
19.
Que fé, Senhor eterno , tibia, ou falca ,
Naõ reconheci' cancã providencia?
E fe a naõ penecrar por fer taõ aha,
Humilde hade adorar a Omnipotência :
Se a vofia reht^iaõ em mim íe exalça,
Ninguém recee a barbara violência :
A minha gratidão logre o miílcrio ,
Por vós viva , Senhor , o Lufo Império.
20.
E vós , varoens infignes , que temendo
Eftaes, pois temeríeis algum dia
Que eu vos exhorte , porque vos offendo
Defta fuppoííçaó na groflaria:
Nada vos direy já, porque eftou vendo.
Que o voíTo ardor aos Mouros dezafta ;
E por indicio do animo conftance
Hum heróe recracou cada femblance.
II.
Em crés marchas das margens do Mondego
Chega Henrique, e os claros Porcuguezes j
Saó ao longe da vifta lari o «mprego
Innumeraveis b-arbaros arnezes :
Para a&acallos com impulfo cego
Sahem da linha os efquadroens Francezes;
Rohan os repnmio , que gencrofo
Sabe unir o prudente ao valerofo.
2i.
Depois qut Ali íe encorporou no Tejo
Com Aderbal Rey force de Sevilha,
E com ElRcy de Córdova , em quem vejo ,
. Que de Nazar o antigo nome brilha ,
^ concorrendo prompto ao feu dcíejo
Pvuben, que a Miircia, e a Granada humilha,
Para entrar em emprezas taõ famofas
Governa as deftras tropas numerofas,
Zz ii ^5,
3 64 Henricjfdeida.
^ Pvcfolvein já no milicar conrdho
Desbaratar de Henvique a gente pouca,
E que foíle o Mondego claro eípclho
Para o caíiigo da arrogância louca:
Sahio naqucllç dia o Sol vermelho ,
Cantou hum negro Corvo com voz rouca >
Hum o Tangue na cor vaticinando ,
Os cadavçiçs outro devorando,
z4.
Se mil fe multiplicaõ por duzentos.
Ainda o numero inteiro naõ Í2;ualaõ
Dos que feros , cruéis , fanguinolentos
Do ardor 5 que occulraó, o furor exalaó:
Cem vezes numerarão por trezentos
Os que em Hefpanhoes brutos fe afllnalaõ >
Tem a a a direita o Mouro Hifpano ,
A eíquerda fe dcftina ao Africano,
Sem legisõ , cohorte , nem fahnge,
Nota 704, Pq^j^-j3(5 q5 quatro Reys a gente fua.
Na lunada vifeira, c cui'vo alfange,
Como na forma, tem a meya Lua •*
Qiie a fer propicio o fado aííim conftrange?
Cuida a fuperftiçaõ , que he taó comua ,
Como fe a Lua, que naõ he crecente
No.ta 705. Foífe felice Talifman vivenie,
* 16.
Como oppofías com impeto furiofo
Correm para encontrarfe as nuvens denfas «
E de ardente vapor caliginofo
(Querem romper as rigidas offenfas ,
E o orbe dos feus rayos receofo
Nem acha nos loureiros as dcfenfis ?
AQhu os dous eÁCrcitos voando
Vaõ a terra com fúria ameaçando.
X7.
Canto XI L 365
2-7-
Agora os cious exércitos fe viaõ:
Defronce eílá o Eciope do branco ,
Os Maliomccanos no poder confiaõ,
De Henrique o deíprczou o animo franco :
Da meva Lua as partes fe moviaõ
E ao Portuguez por hum , por outro flanca
As pontas que feriuò , e atacavaõ
Com funeftos abraços , fuífocavaó
28.
Dom Fafes Luz levanta o ertandarte».
Que em feu raro valor vay mais feguro
Lo que fe o tremclaííe o meímo Marte
Na quinta esfera de diamante puro :
Henrique as ordens aos demais reparte ,
Todos dcfejaõ o combate duro,
Naó duvidando da infalivcl gloria ,
Pois no roftio do Heróe lem a vitoria.
A oração militar com voz fonora
O Monarcha Africano aíTim começa;
Mufulmanes, ouvime, porque agcra Nota 70 í,
O tempo me interrompe , que fe apreflfa:
Sois fó quem hum íó Deos no mundo adora ,
E quem tejn do Profeta a gloria impreíTa,
A religião, que ao volfo peito anima.
Aos bárbaros idolatras opprima^
30.
Vede , que de Tarif fe vay perdendo
A conquifta vaftiíllma de Hefpanha,
Q.ue Africa dominante cllár já vendo
A Portugal na Atlântica campanha :
Ee quatro Reys o exercito tremendo
Q^Lier combater com oufadia ellranha
Henrique, que at^gora foy ditoío.
Como fe foáe eterno o veacurofo.
^ ■ '
366 Henriqueida*
$1.
Poucas tropas de gente colleóticia
Inferiores em força , e eftacura
Compõem dos Porciiguezes a milícia
Em campo , que os íeus flancos naõ fegura ;
Moftra no anevime" to a imperícia,
Com que an uinarfe impávido procura :
Taó poucos faõ, que tenho hum nobre pejo
Da exceiriva ventagem , que em nós vejo.
3i- . •
Naõ de vencer , de caíligar fe trate
A rebeldes , iniquos , temerários ,
As cadeas prepare, para que ate
O duro ferro aos infiéis contrários:
Só do numero a viíla desbarate
A cega prefunça.j dos adverfarios ,
E íenaó reconhecem o pe igo ,
Lhes dem muitos mii braços o caftigo.
55-
ínclitos Reys da Betica famofa ,
Sinto ver nos intrépidos femblantes.
Que vos queixais com ira bellicoía
Do pouco emprego ac s golpes arrogantes,
E que a inílancia culpaes de temeroía , ^
Que vos chamou de Reynos ta(') diftantes ;
Porém naõ ficareis menos gloriofos,
Que faõ, ainda que poucos, valeroíos.
Avance a meya Lua as alas fortes,
Naõ rolVa retirarfc o inimigo ,
Multipliquem fe eflragos, prifoens , mortes,
E ninguém íe preferve do caíligo :
Tenhaó as penas com diverfas fortes ,
A cada paflb encontrem hum perigo
Nota 707. Eftes , que ojas roubarão lhe os acentos
Já de perto os clamores , e inílrumentos.
Canto XI L 367
7 )
Foraõ dos Portuguezes os efcudos
Breves esferas de infinitas fccas ,
Humas às outras com feus golpes rudos
Succediaó peladas, e inquietas .-
Com o pezo de ferros taõ agudos
Naó podiaõ os braços dos Athletas ,
E ainda que o feu valor com tal defprezo
Naó receya o perigo , teme o pezo.
Guerra civil as frechas matadoras
Ambiciofas nos ares fomencavaõ,
Para fer as primeiras vingadoras
Dos que com fero impulfo as difparavaõ :
As que já dos efcudos faó fenhoras
A's que vinhaõ depois defalojavaó ,
E no exceillvo numero fe argue ,
Que quanto o multiplica, o diminue.
57.
Se alguns por vaidade defprefaraó
Dos efcudos firmiíllm s defenfas ,
Da intenção temerária alli pagarão
As vanglorias ao preço das oífenfas:
Outros , que com firmeza os embraçaraõ,
Tiveraó da cautela as recompenfas ,
Que na guerra o valor feunio a arte,
Como filho de Palias j e de Marte.
38.
Os Lufitanos aos immenfos tiros
Intrépidos toleraó , e conftantes ,
E vendo aos Mouros perto, cm vagos giros,
Diípararaó as fetas penetrantes :
Obfervaõ dos contrários nos retiros ,
Que numeroíos faó, mas inconílantes j
Menos foraó as flechas, que vibrarão.
Que importa , íendo mais as que empregarão/
3S^'
368 Henriqueida
39
Já naõ fervem das íecas as tardanças,
E oucros rayos fulminaõ mais activos,
Lançaõ já demais perto as duras lanças.
Os ferros empregando executivos:
Mas já da mea Lua tem mudanças
Os influxos , que os feus fentem efquivos ,
Porque os flancos do Lufo mpenecraveis
Fazem feus movimentos variáveis.
40.
Já na direira o Silva mais ardente
Rompe aaJa, quecm circulo o combate,
Prompto Roberto, intrépido, c fciente,
Faz que a efquerda aos contrários desbarate:
No centro Egas Moniz, forte, e prudente
Com vigor, o vigor vence, e rebate.-
Firrí e a fcgunda linha, e a referva
Com Távora^ valente fe conferva.
41-
Bufca o Rey valerofo de Sevilha
A Egas Moniz, que levemente armado;
Se o Mouro o vence em armas, comque brilha,
O Luzo luzio mais pelo esforçado:
Hum ao outro nem cede, nem fe humilha,
lleíille o peito duro ao fí^rro irado
De Moniz, porém vf com fúria nova,
Q^Lie naó foy feito dcfte braço à prova.
4 i-
A purpura, que o Betico vertia,
E comque as armas nitidas guarnece.
Com a que agora liquida corria,
O óflro , e os nuinícs efcurece:
A alma feauzentava, c naó fogia.
Que o valor encre as fombras refplandcce,
Mas dcce á rerra, naõ aos ares voa,
E envilece o cadáver a Coroa.
43,
Canto XIL 369
45-
Corre ao Lufo fignifero o Monarcha
Do Reyno Cordovcs, que igual a Marce
Sacriíicalo intenta à feros Parca,
E roubarlhe o magnifico cftandarte ;
Monta hum bruto da Bccica comarca ,
Em que ao ardor modificando a arte,
O Leaó , que o valor nunca fogeita ,
Rey dos irracionaes hoje o refpeita.
44.
Na maõ efquerda o Mouro ao Lufo fere ,
E a haftea do eftandarte arrebatando ,
O deixava , mas elle , Tem que efpere
Outro foccorro , o fegue pelejando ;
A vida , porque a infignia recupere ,
Hia com tal furor facrifícando,
Que jà defcfperado na contenda
Kaõ íabe defendcrfe , porque ofFenda. 1
45-
Encontra o Rey , e a infignia lhe arrebata
Com força cal, que ao Rey tirou da fella ,
E de hum fó go pe em hum i^ftante o mata.
Com que vingou a injuria de perdella : c
Aos que fe oppoem com tal vigor maltrata.
Que volta à fua gente , e acha ntila
ElHmaçaò caó grande no regreflb,
Como a confternaçaõ deite fuccelfo.
46.
O de Granada intrépido acomete
Do Gtao Pedro Bernardo a força invita
Mas o Leonês nos golpes , que repete ij -jc
Sabe domar a fúria , que o incita .• rr?^*^'
Pela coroa a lança o ferro mete,
E ao mifero Monarcha precipita,
E conhcceo fatal mortalidade
No magcftofo adorno da vaidade.
Aaa 47.
370 Henriquetãa
47-
Mas vendo o forte Ali , que os três Mcriarchas
Por terra padeciaõ três injurias ,
E dos três facriíicios das três Parcas
Formarão três triunfos às três Fur as ;
Confidera perdidas as comarcas
Do feu império em ultimas penúrias ;
A Muftafâ, Muley, e Axa convocas
E ao Teu Profeta blasfemando invoca.
48.
Suprem os três dos Reys os três lugares ,
E inflamados no novo, e nobre empenho,
Procuraó eom deftrezas militares
De tanto máo fucceflb o defempenho :
Das tropas nacionaes, das auxiliares,
Por fuípender o trágico defpenho,
Ordem, valor, e confiança infundem
Nos que voltaó , fe abatem, fe confundem.^
49.
Já formados os corpos numerofos
Bufcando a Henrique verdadeiro Marte >
Aos feus defejos de vingança anciofos
Satisfaz, porque eftava em toda a parte:
Axa naõ deixa os votos ociofos ,
Que com Trironia bellica reparte;
E alFm na nobre acçaó , a que fe inflama ?
Para darlhe o auxilio ardente a chama.
50.
Efta he a ultima vez Palias divina;
Que por trazerte à terra- ao Ceo recorro >
Se o fado nova injuria me deflina,
Bem íey {cii inútil teu foccorro 5
De Henrique íó procuro a alta ruína >
Se tu me fegues , a oprimillo corro,
Difle; e Palias armada lhe apparcce ,
E ainda fulmina mais, que reípiandcce,
5r.
^ Canto XIL 371
Mas outra Palias vio, que mais brilhante
Ao Herôe amparava, e defendia ,
Tinha na Lua trono rutilante,
De eftrellas fe coroa, ao Sol vertia:
Terrivel contra Palias fuhninante,
A precipita à negra Monarquia ;
EAxa, que antes cuidava fer Diana,
Vio de Carquere a Imagem foberana.
llluftrada dos Tantos refplandores ,
Se diíTipou o efcuro parafifmo ,
E as manchas dos idolatras horrores
Purificar pretende noBaupifmo:
Depoftos cantos bellicos furores ,
Abomina os Indigetes doAbifmo,
A Henrique fe proftrou, a quem rendida
Ainda lhe pede a alma mais qufi a*vida.
55.
Alegre a recebeo o generofo .:
Herôe, e a Mullafá , que fero obufcaj '^"'^'^
Com hum rayo da efpada luminofo,
Antes de fulminar, ao Mouro oíFuíca:
Elle com facrilegio monftruofo
De Tangue em ira tinge a cor mais fuTca ;
Eu Tou, lhe diz com fúrias íèmpre immenfas
Quem em ti vingue de Africa as offenTas.
54-
Da hacha de deTarmar o ferro a^udo
Contra o Herôe levanta com tal força ,
Que rompera da Cruz o íacro e cudo,
>*as o Ceo as oíFenfas lhe reforça .-
Henrique lhe voltou golpe taórudo,
Porque o Hercúleo braço he quem o esforça ,
Que vaó buTcar os olhos repartidos
Dois caminhos do Averno divididos.
Aaa ii ' 55.
372- Henriqueida
55-
Muley, que pelejar quiz com Pelayo,
Que o evirou pelo notável voco,
Encontra Henrique, que imitava orayo,
Quando excede ligeiro o veloz Noto :
Quer fazer do valor o ultimo enfayo;
Mas da lança cahío o efcudo roto •,
O braço com rerpeito a fi fe prende,
E ellas palavtas diz, quando fe rende.
Dominais-mé Senhor, taõ fortemente
Que até me he impofllvel refiftirvos, .
Eo braço tenho preío de repente,
Por cadigo do intento de ferirvos ;
Rendido eftou, e efpero obediente.
Se mereço , a fortuna de fervirvos ,
Defcobrir o fegredo impenetrável
Da minha fimpatia inevitável.
Ao abraçar-fe o coração refponde
Com prefagios iguaes, que muito explicaõ;
Hum pranto alegre a os olhos correfponde
Dosvaroens, qne os aííectos multiplicaõ ;
Alas a Henrique huma voz chamava, donde
As acçoens de quem he muy bem publicaõ :
Vé o Heiòe, que huiua lança fere, emata,
E a quantos o acompanhaõ desbarata.
58-
Aqui cortou a Aniaõ o efqucrdo braço,
PaíTa a Oderico ali o forte peito.
Rompe a Gundar da vida o feliz laço.
Sente Gomes na tefta o duro eílcito ;
E já fcm enconttar outro embaraço:
Só fe vencer a Henrique fatisfcito
Severa o Campeão, que mais fe inflama,
E encontra a Henrique, aquém oufado chama.
59*
Canto XI I. 373
r Contra elle correo o fero Luzo,
As lanças em pedaços ao Ceo voaõ ,
Foge Zéfiro cimido , e confafo
Ao rumor rudo , com que os golpes foaõ :
Menos fe ouvem no ar vago edifuío
Os clamores de Júpiter, que acroaõ.
Menos fe temem chamas fulminadas ,
Que o ruido , e o fogo das eípadas.
6o.
Ferido levemente o Cavaleiro ,
Os olhos lhe cobrio fanguinea venda ,
Quando outro Mahometano aventureiro
O retirou da trasiica contenda ;
Como a vifta perdeo o graó guerreyro ,
Naõ fabe quem o offenda , ou o defenda ,
"Mas ao íahir do exercito vencido ,
AíTim lhe diz atento , e comedido.
61.
Eu fou , Senhor , que Ali te reconheço
De Africa , e Portugal Rey foberano ,
Quem de tantas injurias ja me efqueço ,
Com que o trono me ufurpas Africano j
A vida pela tua hoje ofFereço :
Pois para combacer o I.uzitano
Henrique , eíle disfarce aíiuto ordenas
Com mais caufa que Côdro Rey de Atenas. Nota 70 s.
Pois me obriga a fervirte a varia forte,
Naõ hey de fer infiel ao duro fado ,
E por livrarte de huma prompta m.orte, ^i,;.
Cure tuas feridas meu cuidado .- , oQ
Lisboa te defenda grande, e forte, io'bi bVT
Donde do meu valor íerás guiado ,
E em Africa convoquem teus ceíouros
Novos íoccorros de valentes Mouros.
374 Henriqueida
65.
Só te peço por premio , fe algum dia
Difpuferes de Àldara Soberana,
Que fe o rigor da íbrce o naõ deívia ,
Eu mereça a belleza mais que humana :
Fortunas , Reyno , e vida renderia ,
Mas bem (ty , que ella íempre foy tirana ,
E a fineza afllm deixo mais luzida ,
Se porque ella me mate , me das vida.
64.
Refponde o Rey : ò Lucidoro illuftre.
Eu te prometo Aldàra , naó o Império ;
Porque eíle he teu , fem que a ambição te fruftre
Do teu direyto , indiano vitupério 1
Eíta injuíliça fez perderlhe o luftre,
E foy do ^co jurtiOimo miderio ,
Que eu íinca com infâmia da memoria,
Que porque fuy injuílo , perco a gloria.
65.
Nefte tempo no bofque huns Cavaleiros,
Que a ElKey feguiaó , promptos (e introduzem ,
Orc^ne os guia, e com três mil guerreiros
A* marítima Corte o Rey conduzem :
Lucidoro , a quem muitos dos primeiros
Africanos formados fe reduzem ,
Com muita infantaria , que fe efpalha ,
Forma o refto do exercito em batalha,
66.
Entretanto os heróicos Lufitanos
Vendo as pontas das alas em desordem
Romperão pelo flanco aos Afiicanos
Do firme centro penetrando a ordem:
Na referva dos fortes Mahometanos ,
Que Lucidoro faz que naõ difcordem ,
Achavaõ o triunfo duvido o
O Sylva forte , o Cunha valerofo.
67'
Canto XI L 375
67.
Tal foy na nouce horrível triíle eílrago ,
Que das aves noòburna?^, e agoureiras
Com o gemido trágico , e piefago
Fogem as Filomenas lifongeiras ;
As eftrellas errantes no Ceo vago.
Seguindo o Sol auzenraõ-íe ligeiras,
E as fixas nos Zéfiros fluduances
Ainda correrão mais do que as errantes.
Livre das fombras a manhãa futura
Moftrou alej,re a Henrique a clara Aurora ,
E da aka tutelar a luz mais pura
Obfequlofo venera, fino adora:
Deo aos Teus a fagrada fepultura ;
Dos Mouros na campanha vencedora
Fez enterrar os corpos horrorofos ,
E aíTim fallou aos Lufos gcnerofos.
69.
Generaes admiráveis, e invenci eis,
Já moílra Dcos , que quer fundar o Império »
Da fua protecção írudos vifiveis,
Defcobre em cada luz novo mifterio ,
Trofeos vaõ erigindo os impoíTiveis,
E da Africana ley em vitupério
Temos hoje em derpojo defta guerra
Três coroas poftradas pela terra.
70.
Vamos ao novo templo de Lamego
Fazer as três Coroas tributarias ,
O exercito nas margens do Mondego
Defcanfe, e nas mais terras feudatárias:
Lisboa, que ha de íer ultimo emprego
Das armas , e ruina das contrarias ,
Em quanto o Sol ardentes rayos vibra
Até que por Efcorpio deixe Libra.
71
3 7 6 Henriqueida
DiíTc; e com os varoens qualificados,
Axa , Muley , e os principaes cativos,
Chegou donde os finiíllmos cuidados
Da bclla efpoía achou tenros , e aclivos.
Rende à Imagem os votos deftinados
Para padroens eternos , e expreíTivos :
Cantaõ de mil Orfeos raros primores
Do cântico , do jubilo os louvores.
7i.
Axa aos braços chegou do efpofo Régio,
E rendo a mefma fé, o amor foy firme,
Deixa da idolatria o facrilegio ,
Giraldo a inftrue, e faz, que fe confirme.*
Prepara-fe o Bautifmo mais egrégio ,
Porque aos dous lleys na converfaó afirme;
Que de Henrique, e Tereza entaó fervidos.
Nota 709 Qs oráculos fiquem entendidos.
75. _
Muley j e Amado chegaõ impacientes
Ao meímo tempo a v-^r a bella Aldara,
Que rofpíros, que aííedos taó ardentes
Nos feus dous coraçoens o amor prepara,
Ambos perdem o ufo de eloquentes;
E ou os fufpendc a fermofura rara,
Ou no culto o lilencio naõ fe rompe ,
Ou o ciúme as vozes interrompe.
74-
Ella temendo as confequencias triftes
Da emulação , formou eftes acentos ;
Generofos amantes , bem me ouvitles ,
E fabcis meu diítino, e meus intentos,
Vòs Amado , que os votos proferiftes
De ceflar com Muley tantos violentos
Im.pulfos , muy bem ^ç.y , que os obrervaíles >
E nova eílimacaó ,me grangeaíles. ;í'i lu
Ih
Canto XIL 377
75-
Vos Muley bem fabeis que humâ promeíTa
Vos fiz de que feria vofla efpofa ,
E quanto o meu caracter fe inrercíía
Eftreitando aliança raó forçofa;
Mas huma Icy me prende caõ expreíTa,
Que me obriga com caufa poderoía :
Naó a poflb dizer, que he taó terrível,
Que fó hadc mudalla hum impoífivel.
76.
Que ley ? Elle reípai;ide , Aldara ingrata ,;
Pode haver, que hum cal bem me difficulcei*
Sendo divina , porque me naò mata ?
Se o naó he, como ha caufa, que[ a occulce?
Mas he voíTa inconftancia a que maltrata
Só ao meu peito . delia em fim refulte
Ser preferido Amado : ah homicida!
Para matarme me guardaes a vida/
77' ^ ^.
Se eíTa ley, qne ocultaes, naõ dizeis logo,'
Efta venda fatal hade fer laco ,
Que defte ar , que rcfpiro , e he já fogo ,
Apague a vital chama em breve efpaço ;
E le nelle , ou no pranto naó me afogo ,
Soccorrame fiel hoje o meu braço,
E no tempo, em que tenha melhor forte,
Dandovos vida, polTa darme a morte.
78.
Tirou do peito a venda, que efcondia,
E que no campo achou com raro acafo
Empunhou o punhal , porque o trazia
Para memoria do felice calo :
Aldara fe defmaya , e com o dia
Se defmayou o nume do Parnaflo; Nota 710,
E vendo efcurecer luzes raó bellas,
Tambeiu fe defmayaraó as eílreilas,
Bbb 75>í
378 Henriqueida
79'
Porém Amado em tudo generoío
De Muley cora cal força o braço prende j
Qiie mais o aperra agora por piedofo
Do que quandii inimigo antes o oíFende:
Soicaiiíe, diz Muley , que rigorofo
Reconheça ainda mais quem -me defende;
Tal genciofidade me maltrata.
Que por matarme mais , menos me mata.
80.
Se para verme atar queres , que viva
Ao carro no triunfo de Oxpido,
E as glorias de huma ingrata , de liuma efquiva ,
Hcy de ver infamado , e abatido ;
Deixa que morra, e ícja compaíllva
Hoje a fortuna de hum favorecido,
Ay Aldara cruel / EUa defperta ,
E entre a vida, e a morre eftava ineerta
81.
Naõ he, Muley illufire , diz Pelayo ,
Em mim cruel effeito da vaidade
Evitar o funefto ultimo eníayo,
Que transforma o valor em impiedade;
Veja Aldara tornando do defmayo,
Que ao feu favor devefte eíla piedade ;
Por ella vives, vive na efperança ,
Em mim nun4:a foy vil huma vingança.
81.
Chega Henrique , e da luta activa , e dura ,
Aos dous amantes emulos fepara ,
Rcprcnde Amado, qwe matar procura,
Como fuppocm, quem prezo fe enxregera:
O con erário acredita, c aíTegiira
Juílincando aos dous a trifte Aldara ;
E admira aos rres hum novo, e raro objeólo
De hum Eremita intognico, e ptovcâio. -
»?^ 8 3'
Canto XI L 379
85.
CeíTe j lhes diz alegre, o grande Henrique,
CeíTc o lencor , a fúria , e a triftcza ,
O Amor os feus triunfos mulciplique ,
Seja hum dia dicofa huma fineza: licj '•
Tancredo hum cal íuccelVo hojC publique ,
Que fó íe duvidara da certeza,
Se elle tudo o que diz naõ confirmara ,
E cu com minha alicrfaõ naó o affirmara.
84.
Nefte cempo a Princeza , e coda a Corte
Concorre para ouvir a novidade,
Q^ie >á foara por eílranha force
De que entrara Tancredo na Cidade:
Elle fem que o filencio mais reporte,
A voz esforça defmencindo a idade ,
E codos mudos, cimidos , e acentos,
Ouvem com fufpenfaõ os feus acentos.
Heróe, de quem a indica memoria
Até penecra o ruftico retiro, otayii,
Donde para vencer a morcal gloria
Pela immortal coti lagrimas fofuiro :
Ouvi a raia , cerra, iiluftrc hiftoria
De Tancredo , e no débil , que refpíro.
Com impulfos do amor, e da alegiia ,
Cuido , que acé fem vida a explicaria.
Da incógnita Princeza illuflre , e bclla ,
De que dizer o nome dirliculto ,
Eayona vio que huma envejofa er^rella
Roubou a vida com mortal infuito :
Premiou voíla fineza com cautela ,
Em vinculo nupcial , breve, e occulco ,
E acabando huma fíor a bella vida,
Em dous frucos fe vio reproduzida,
Bbb ii 87;
380 Henriqueida
87.
Com os nomes de Pedro , e de Sibilla
Sairaõ do católico lavacro ,
Da Cruz azul , e eftrella mais cranquilla
Se vè nos braços o carader facro :
Lagrimas finas voíTo amor deftilla
Ao fepultar o amado fimulacro . ,
E ao fiarme tefouros taõ preciofos
Do mar entre os perigos procelofos.
88.
Ao graõ Ramon , que he Príncipe em Galiza^
E a quem vos une o Tangue, e a aliança.
Me mandaes , que os conduza , e fe íuaviza
O receyo no alenco da efperanca :
A vofla viíla ainda o baxel diviía ,
Que a Bayona de Hefpanha da de França
Leva os dous precioíiíTimos thefouros ,
Quando atacar os viftes pelos Mouros.
89.
O Cogia Arraes intrépido pirata
Vendo do meu navio a reííftencia ,
E que a equipagem com valor lhe mata ,
O condena das chamas â violência ;
Naõ me deixa o incêndio quem combata ,
E dos Ceos invocando a alca aíTiílencia ,
Peço ao fado de mim feja homicida,
E aos dous conferve a religião , e a vida.
5)0.
Ao mar me arrojo fuftentandb hum braço
Aos dous Infantes , que com raro inftinto
Me apertarão no colo o doce laço.
Receando o cerúleo labcrinto :
Por liurarme do trágico embaraço,
Piedofo ao mar fe lança o forte Aminto ,
Aminto, que entre a barbara crueldade
Nunca pode perder a humanidade.
91.
Canto XI 1. 381
91-
Aos três livrou, eoCapitaô intenta,
Que eu lhe diga quem faó os dois meninos;
Por mais que com coimentos me amedrenca ,
Guardaó fegredos meus afíedos finos:
Que faõ meus filhos digo , e que me alenta
Nobre langue , e teraó os prémios dinos
No refgate , o meu animo offerece,
E obrou mais que a piedade o intereíTe.
Por remédio , e regalo conduzia
A Jó , ou Izis à facunda copia Nota7i2;
O pirata, e no leite , que vertia ^
Socorreo dos dois Príncipes a inópia ;
Mais que a capella , que nos Ceos luzia, Notayxjs
E de Amaltéa a fértil cornucopia Nota 714,
Mereça fer nos aflros collocada ,
E do fiel Booces bem guardada. Nota 71;!
95.
A Lisboa chegou , e Ali recebe
Os dois infantes , de que a bella forma
Das alças efperanças , que concebe,
Sò pelos olhos toda a alma informa;
Por mais que me examina naó percebe
Quem faõ , mas naó comigo fe conforma
Em crer, que faó meus filhos, que hum cativo
O nega , e do naufrágio eícapou vivo.
94.
Mas ef^e que naõ íabe feu pay certo 5
Foy d.fterrado para a Libia ardente,
E eu fogi para hum afpero deíerto
Naó penetrado da Africana gente;
Porém naõ pude eftar taõ encuberto ,
Que Aminto a hum Tanto auxilio obediente
Depois de quatro luílros naõ me achafle ;
E do que paílou naó me infoimalTe.
k 9;.
38z Hmriquúd^
95-
DiHliTiç pois Ainiiico, que em tormentos
Apertado o cativo çonfeiíara
Dos meus oççultgs , ç fieis intentos
Só o que no n^vio penetrara ;
Pois me ouvira entre os finos fentimentos ,
Com que aos tenros Infantes abraçara ,
Se ambos fo líeis meus filhos em cal forte ,
Menos íentiia a voUa trille morte.
96.
Concoume que Almançor , que o Rey herdava,
Na batalha de Gaya perecera :
Que por vò.s , e Tereza fe iliurtrava
*Do Luzo Império a criítalina esfera ••
Que ElRey por filha única adoptava
Sibilla , a quem de Aidara o nome dera,
E que a Pedro criou force , e guerreiro
Por Muley de Tarifa illaftre herdeiro.
97.
Qiie a Lucidoro Aldàra deftinava
Succelfor claro do Africano Império ,
E a Pedro as efperanças enganava
Sem dizer do impoífivel o miíierio :
Que Aldàra com preceito aííegurava
De huma aliança, que era vitupério
Entre irmãos , que com cego intento amante
Livraó o delinquente no ignorante.
98.
F07 occulto politico mifterio
Temer Ali , que os feros Mahometanos ,
Se lhe faltaiTe o fucccíTor do Império,
AppeteceíTem novos Soberanos :
Da jufiiiça, e direito em vitupério
Segue a máxima falfa dos tiranos
De que para r-ynar com vãa cobiça
He licita a mentira , e a iujuíUça»
Canto XI 1. 385.
99.
ViiSbimas triíles de hum amor impuro
Guardava com rcípeicos de liincezas ,
Com ciumc inquicco , c mal feguro
No Palácio em Lisboa mil bellczas ,
Mas intecundas neíie laço duro
Equivocando afagos , e afperezas
Entre as magoas , que tremulas fentiaõ ,
Só lagrimas , íó anciãs rcpetiaõ.
100.
De Artelinda fiou a tenra Infanta,
Artelinda, que em quarto feparado
Tinha em Ali foberania tanta ,
Que o tirano fe vio tiranizado ••
Pediolhe , que ao projedo , que adianta
Deíle favor , por ver recuperado
Neí\e fruto , que o Ceo quer adoptivo
O bem , que lhe negara fucceíTivo.
lOI.
Artelinda fingio , que ella ocultara
Deíla nova Princeza o nafcimenco ,
Por ver fe Ali , que a Africa paflara ,
O Império lhe quer dar mais opulento 5
Pois antes mataria a bella Aldára ,
Do que fofrer opprobrio ta'j violento ,
Como ver que no Império lhe precede
Quem em belleza » e perfeições lhe cede.
101,
Porém voltando o Rey foy mais propicio
O fado , pois fencio em tempo breve
Do feu fecundo amor hum certo indicio ,
A que o gofto na duvida deteve :
Nalce Almsnçor com taõ dicoío aufpicio,
Que o mayor alvoroço ao Reyno deve;
Porque hum Varaõ a Aldàra fubftitoa ,
Mas o íeu tingimen^o coaciaua.
105.
j 8 4 Henricjueida
105.
Naõ quiz moftrar o Rey a indignidade
De fingir ter por filha huma eftrangeira ,
De quem ignora os pais, e feperfuade.
Que tinhaó dos Chriílãos a ley groíleira j
AíHm fegiira mais a liberdade,
Suppondo íer a filha verdadeira ,
Se a morce de Almançor por crifte cafo
ViíTc a guerra, a doença , ou outro acafo.
104
Inútil lhe naõ foy tanta cautela ,
Pois matou a Almançor o claro Henrique ,
^ E influindo em Aldàra efcura eftrella ,
Faz que no campo priíioneira fique;
E ao ver que Lucidoro fe defvela ,
Porque o alço conforcio fe publique,
Lhe oííerece em Muley hum novo objeto
De hum impoffivel, quanto ardente aftecto.'
Era Muley aquelle bello Infante ,
Que fer irmaó de Aidàra o Rey fabia ;
E porque o feu projecbo fe adiante
De pretexto fervio á tirania .-
Nota 71^. A linha de Tarif em Tarudante
Por hum único Principe exiftia ,
De Tarif vencedor de toda a Hefpanha ^
Em hum fó golpe , em huma fó campanha.
106.
Zegri o Viraó claro fe chamava ,
E á Lisboa o conduz o íeu diftino ,
Nella morreo , e hum filho fó deixava
Fiando ao Rey efte infeliz menino .•
A Parca , que ao nafcer o ameaçava ,
Promptamente exercita o golpe indiuo ,
E o meu infante incógnito atribue ,
A^eítirpedeTarif, que • fubfticue.VV .^ •
107.
Canto XII 385
107.
Aífim de Gibarltar teve o dominio,
A quem Tarif mudou o antigo nome,
Muley chama ao infante, e leu definio ,
He de que ao innocente o Reyno tome:
De hum fabio refpeitando o vaticinio
Faz que a tanra ambição a fúria dome ;
E o que antes foy mifterio nefte intento
Na guerra fez Muley merecimento.
108.
Com taí valor empunha o tenro braço
Ainda no tirocínio a forte efpada ,
Que o mefmo Marte teme o ameaço
Vendo a ira em Adónis preparada ;
Sempre da guerra o mais remoto efpaço
Lhe deftina , e da Corte feparada
De Muley a virtude o Rey defeja ,
Naó por emulação , mas por enveja;
109.
Affim de Lucidoro fe aflegura
Fomentando entre os dous cruel ciumej'
Que de Aldara na extrema fermofura
Arde no incêndio que arde , e naõ confume :
Oh tirânica ley, pérfida, e dura,
Que em injufto , e politico coftume
Só para prevenir futuro dano
Chama nobre miftetio ao falfo enganol
iio.
A Aminto perguntey quem Ihé diíTera
Os fegredos mais Íntimos do Eftado ,
Por Galiana diíTe que os foubera,
Ce quem foy taõ amante, como amado,
De Ártelinda era irmãa , ella lhe dera,
Tendo primeiro cm fuás mãos jurado ,
Que eíia noticia naó fará nrtoria,
A fiel narração da occulta hiftoria.
Ccc iii<
335 Henriqueida.
III.
Que como elle vivia no íea peiro ,
Quando o que nelle guarda parcicipa,
Deixava o juramento facisfeito 5.Í
Se Aminro aos penfamentos íe ancicipa:
Porém ( oh cafo raro ! ) e'^i crifte effeico
A morte a Galiana a luz diíTipa ;
Naõ pode Amor nefta tragedia dura
Livrar a Galiana de perjura.
III.
Encaõ vè , diz Aminto , a falíldade
De quem do Alcorão, fegue o torpe rico j
E vem bufcar as luzes da verdade ,
Para fogir das fombras do delito :
Eftreito laço de intima amizade ,
A que naõ diílolveo tempo infinito ,
Me tez , Senhor , por efte eftranho acafc
Saber, Tancredo diz, taõ raro cafo:
115.
Naõ era longe dos confins de Ourique
O meu retiro cm terras tranílaganas, rK -
Nota 717. Leovigildo bufquQy , porque me explique
Da irnmortal vida as glorias foberanas ;
Elle me ordena que aílegure a Henrique ,
Que das felicidades Luzitanas
Por dle hade faber Affonfo illuílre ,
Que o Ceo ao Lufo Império hade dar luftre.
114.
E que a Pelayo , que de feu filho amado ,
Moftre em figillo de ouro efta Cruz dobre ,
E carta , porque feja acreditado
Quanto aqui o mea peito vos defc obre:
Quer Aminto, que o deixe retirado
Com Leovigijdo, a quem o bofque encobre,
E dou fatisfaçaõ ao meu defeio,
Em quanto paíTo occuko o claco Teia,
Canto XII. 387
Tudo he cerco, exclamou Giraldo fanco,
Em Lamego, Senhor, vos promecia,
Que transformando em goílo o trifte pranto,
Pedro, e Sibilla o voíTo amor veria:
A eftrella , e Cruz azul moftiaõ em tanto
Os dous , ainda que a caufa da alegria
Que fc diminuifle era poílivel ,
Trocando-fe hum amor a hum impoíTivel,
116.
Abraça Henrique os filhos adorados.
Que adoptou o carinho de Tereza ,
Os Bautiímos eftavaõ preparados
Dos dous Reys com magnifica grandeza:
Ficaó ao mefmo dia deftinados
O himineo de Bermudo , e da Princeza,
E o de Amado , e Sibilla , que de Henrique
Manda a inviolável ley , que fe publique
iry.
Pedro , e já naõ Muley , bufca proílrado
A Henrique, que nos braços o recebe>
E o arrependimento do paflado
No femblante , e acçoens bem fe percebe;
Eftreitamcnce o abraçou Amado ,
E no grande conceito, que concebe.
Conhece, que haõ de Ter fieis amigos,
Pois foraõ generofos inimigos.
118.
Sibilla a Pedro diz .- hum puro affedo
Agora entendo , porque bem nacido
Tinha na fimpatia occulco objecto ,
Que equivocava amor defconhecido :
Agora entendo hum mteriôr projecto.
Que nunca foy de mim bem entendido:
Agora entendo os ecos de huma anciã.
Que era a hum teiDpo deíejay e repugnância.
; ' i Ccc ii 115?,
388 Henriqueida
119.
Lembrete quanto ouviíle Amado invido^
Quando eu cantey os males , que choiava ,
E alllm entenderás hum peito affliòto.
Que lem poder amarte , te ertimava s
Mas agora, vencendo efte conflido
Me moítra o Ceo os Pays , que me occultavàj
Na paflada ignorância ache a defculpa
Eíla inculpável, e innoccnce culpa.
1 20.
Amado mudo eftava , porém mudo
Eftava mais que todos eloquente,
E quando nada dilíe, diííe tudo,
Pois falia o coração , e a lingoa fente :
Sem que da fanta Ley façaó eftudo ,
Giraldo as ceremonias naõ coníente
De Axa , que no Bautifmo o bem alcança,
E Aldaia de Pelayo na aliança,
121.
Quaes novas plantas em feliz terreno ,
Que agricultor de longe preparara,
Com o eílranho calor de cinza, e feno,
Fez que o fruto fem tempo fazonara ;
AíTim fértil verdor, fragrante, ameno,
Nota'71 8- Florido fruto a graça anticipara
Nos neoiiros raros , que a Fé viva
Do Sagrado Paílor rega , e cultiva.
1 11.
Correrão dos Planetas fete dias ,
E do templo de Carquere adornadas
Nas paredes debuxa allegorias
1^ O engenho com pintutas animadas;
oía7i9- Yen^-e a Sara a fineza de Tobias,
Nota 710. Moftra o Jordaõ as agoas prateadas,
E as allufoens do mais feliz lavacro ,
E da nupcial uniaõ no rico facro;
123,
Canto Xll 389
115.
Prémios, eílimaçocns , honras, grandezas,
A Tancredo promete agradecido
Henrique; dos crabalhos, e finezas.
Que lhe deveo , Te vè reconhecido :
Prefere do defeito as aíperezas
Ao engano do mundo mais luzido ;
E evitando da Corte o mortal dano.
Quer viver immortal no defengano» > -
114.
Já no dia do Sol fahio a Aurora
Vaticinando os júbilos fagrados ,
Entaó fó ri as pérolas, que chora
Do Bautifmo em indicios duplicados;
Tithan rejuvenece, e fino adora
A Deofa com carinhos animados ,
Devendo o novo ardor , e a luz brilhante
De Pelayo , e Sibilla ao laço amante.
115.
Nos defpojos do campo Mahomciano
Luzia a Corte em inculpável luxo,
Que já do claro Império Lufitano
Dava a grandeza a norma, e o debuxo;
Já participa o Hèroe Soberano
Da Sibilla da gruta o facro influxo ,
E reconhece em movimento interno
O nome de quem teve o fer materno.
126.
Vem de 1 amego os Reys, e coroados
Moftraõ , que ao Re} no efíaó reflicuidos,
E ainda que a Henrique íaõ fubordinados ,
Os faz taó nobre feudo mais luzidos :
Eraõ de ouro , e diamantes adornados
Os magnificos cândidos veriidos;
E para que a grandeza íe duplique, ,
Jêí^?* a Axa ferve , ao Rey Henrique, fijflfivj J
q 5 p Henrlcfueida
127.
Cs dous nomes impoz Giraldo illufl^re
Aos Reys, e na arperfaõ, que lhe adminiftra,
Lhes dà niayor Império, e mayor luftre,
Que o que Henrique com gloria lhe miniílra 5
E porque tanta graça naõ fe fruftre,
Axa do Ceo aberto a luz regiftra,
E vè , que nos celeíles alabaílros
Os falfos deoíes fó fe vem nos aftros.
ii8.
De Urania , e de Bermudo o laço régio
lllumina Himineo com facra réa ;
Já, fem que parecefíe facrilegio,
Na maõ de neve o fogo amor acèa;
Vinculo , que naõ he menos egrégio
Com a prifaõ a Amado lifongea .•
Do valor a belleza naõ fe aparte,
Sibilla feja Vénus, e elle Marte.
119.
No Palácio fe achavaó prevenidas
Mezas taô abundantes > e luftrofas.
Que na delicadeza de polidas
Nota 711. A affluencia efqueceo de fumpraofas :
As vitorias de Henrique mais luzidas
Brilhavaõ em figuras primorofas,
Sitios, defenfas , torreoens , moralhas.
Campos, quartéis., reconmas, e batalhas.
1 30.
Almançor naufragando eftá no Douro,
E mais no próprio íangue a lança o banha;
Brunaf^rro em Lamego com derdouro
Tem na Cidade a perda mais eílranha :
Leiria , e a batalha perde o Mouro ,
E fica derrotado na campanha ,
Depois que de Coimbra, dcftroçado
Levanta o 5iic dará, ôdila«ado.
ii^.
Canto XIL 391
151.
Nos ares fe furpendem mil vitorias ,
A que ã fama deo voz com mil trombetas ,
A figura da Gloria com mil gloiias
Multiplicou nos adros mil planetas ;
A Hiííoria eftà ditando mil ..lemcrias»
As Mufas infpirando mil poetas ;
E mil â mil os goílos fem pefares
AiTeguraó fortunas a milhares. Nota ytil
I ;i.
De hum teatro apphrece o nobre orqueCtra,
Donde o epitalamio fe retrata
De Agamcnon , e a bella Clitemneftra , Notayij^
Que em fcenas , coros , e aótos fe dilata :
Succede a dança harmoniofa , e deftra :
Que a Corte de Borgonha inventa grata ,
E alegre cm Portugal fe conftitue ,
Que depois a Borgonha a reílitue,
Dançao os quatro amantes , e a cadencia
He para os olhos harmonia clara ,
E os pafíos com harmónica excellencia
Foraõ da vifta conlonancia rara ;
Naó tem Bermudo a Amado preferencia,
E Urania , que a Sibilla fe compara.
Das corças nos deftros exercicios
Tiveraõ íufpenfoens por facrificios. Nota 724»
Dos galanes , e damas fe formarão
Amáveis laços , deftros , e inocentes ,
I^as oufadas as mafcaras roubarão
Da fermofura os rayos mais luzentes .*
Se pelo mifteriofo fe apurarão
Os facrificios puros , e decentes ,
A chama naó feria menos pura
Com o divino ardor da fermofuf a.
392» Henrtqueida
Nota 725. Dos dois talamos bordão as cortinas
De Himineo as viólorias amorofas ,
De Jove , e Juno as bodas mais divinas ,
De Amor , e Ffiques anciãs mifterioías :
De Anfitrião , e Alecmena as glorias íinas ,
De Andromaca , e de Heitor as decorofas ;
E o Cifne de Verona doce , e grato ,
DeThetis, e Peleo moílra o retrato.
156.
Entre muitos brilliavaõ cinco Amores;
Nota 726. Em que repreíentados os fentidos
Siaiboliíaó finiffimos ardores
Das tèas nos incêndios mais luzidos ;
De Bermudo , e de Urania aos fuperiores
Affedos daó influxos repetidos ;
E de Amado , e Sibilla a fua chama ,
Sem moderar o ardor , nelle fe inflama.
O efpirito , que ao mundo interno anima
No racional, feníivel , vegetavel,
Faz que o carader defte amor fe imprima
Renovando a uniíió do império amável :
A pofle, em que o aíFe£bo defanima
O eíficaz do dezejo invariável ,
Como em Sibilla novos bens alcança,
^,., Em Amado renaçe em efperança.
158.
Nota 717. Saliio do mar o amante deClimene,
E por fazer dos rayos mais difpendio ,
Pede a Amor lhe permita , ou que lhe ordene
Refumir tantas chamas a hum compendio ;
Porque o alcança , ficara perene
A ardente luz , o rutilante incêndio ;
Ja que difpòs o efpirito profundo ,
Que falte o Sol, Te falta amor no mundo^L o n.-
Canto XI L 393
159-
Mas Henrique , que a Pedro procurara ,
E na fefta magnifica o naó vira ,
Entre o cuidado, e a faudade achara»
Que o grande coração fe repartira :
Mayor mal , do que o peito imaginara
Defcobre o feu temor, que naõ refpira :
Tremulo abre hum papel com tal enlevo y
Que fó entaó conhece o que he receyo.
140.
Senhor, dizia, ainda mayor fortuna
Que a de fer filho voílo, he a excellencia
Da Chriíiãa religião, que hoje opporcuna.
Me concedeo a Eterna Providencia .•
Segui a feita errada , e importuna
Fundada na impureza, ena violência >
E com as imprefibens do negro Abifma
Apagava o caracber do Bautifmo.
141.
Todos quantos me virem nefta Corte,
Naõ fcy fe haó de julgar, que eílaõ piefcricos
De tantos annos com taõ prompta forte
Meus eílragos , meus males, meus delitos;
Quantos fe haã de lembrar cauíey a morte
De Pays^ de irmaõs , de amigos infinitos-,
E ainda que vejaó o meu braço exangue.
No meu mefmo rubor veraô feu fangue.
i4i.
Se houveíTe com hum Principe perfeito
Dcfcontentes , que í.mpre ha defcontentes ,
Caufa eu nunca feria , mas effeito
De difcurfos infames, e imprudentes.*
Naó de Matilde o vinculo imperfeito
Achariaõ, mas falfòs > e eloquentes
Taes razoens , porque eu reyne fingiriaõ ,
Que as leys trocendo , os textos quebrariao.
Ddd " ' 145'
394 Henriqueida
De voíTa efpofa , a quem por mãy venero >
Naõ venceria o animo incorrupto ;
Mas quem me diz , que a hum proceder íincero
Naõ i ade malquiftar hum peito aftuto ?
Tiranifoume Amor com taó íevero
Império , e em mim foy taó abíoluro ,
Que ainda que afogue o Tangue efta violência,
A impicílaõ da bellcza cpague a aufencia.
144.
Digno efpofo em Amado lhe contemplo;
Oh queira o Ceo , que fe amem com conftanciai
Mas faiba, que naó íigo o íeu exemplo,
E que he fó feminina a inconftancia :
Naõ me verá deidade em outro templo
Perturbar da fineza a confonancia ,
E bem pudera , porque em fim a argua ,
Naó podendo ler minha , fer fá fua.
Outra culpa , fe o he, hoje apregoa
A confiílaó , que quero fe publique ,
Mas fe a voíía piedade a naõ perdoa,
Que importa, que cos mais mejuftifique?
Vòs marchareis a conquiftar lisboa,
E fundareis o Império , 6 invido Henrique,
Fogem de vòs os Mouros temeroíos, • fiíjni':
Tendes os Generaes mais valerofos. <-'^''-- í^^ni or'*
146.
E aíTim permitireis , que a minha efpada
A hum Rey, a quem fervio, já mais offenda,
Na religião ficava defcnlpada ,
Mas a honra fofrera na contenda-,
Tenho a fcena da guerra fó mudada,
E a Paleftina he jufi^o , que defenda ;
A feguir voíTo exemplo fó me humilho,
O que o pay conquiftou, defenda o filho.
147-
Canto XI I. 395
147.
Deixaftes Portugal ainda opprimido ,
E eu o deixo fcguro , e vicloriolo ,
Acè que volte a elle mais luzido
Da Cruz Sagrada o Lenho gioriofo :
De huma fanta milícia reveitido , Noca yiS.^
Ligado ao voto puro , e decorofo ,
Me inípira o Ceo , que com divino effeico
Seguirey inftituto mais perfeito.
148.
Perdão com muitas lagrimas vos peço
De naõ vos confultar , pois fe faò juílas
As caufas , que em papel vos oífereço,
Sem que hoje as approveis , feraõ injuílas;
Temi o voíTo amor , e vos confeíTo ,
Que venerando as voíTas leys auguftas ,
E eflando refoluto a interprecalas ,
Naõ me quiz arrifcar a quebrantalas.
149.
As terras , que em fegredo me diíTeíles^
Me dcftinavcis com real grandeza ,
Aceito , e ja que pródigo mas deíles ,
Deva-vos meu amor outra fineza ••
Naõ fó vos naó fervi j porém perdeftes
Por meu braço a mais Ínclita nobreza :
Vos as repartireis prudente, ejufto,
Sendo Ceíar em guerra i em pás AuguílOr
150.
Aííim efcreve Pedro , e fe retira
Da noute na mayor efcuridade i
Henrique a nova acçaó fente , c admira j
Pode mais a razaõ do que a faudade .•
Dentro em fi mefmo o coração infpira ,
Vence o difcurío impulfos da vontade;
Sibilla ainda que chora, vé prudente,
Que como irmaó , naõ como amante o fente.
3 9 6 Henricjtíetda
Pelos varocns de acçocns adlnaladas
O generofo Heròe ali reparte
As terras das províncias conquiftadas ,
Em que arvora da Cruz facro eftandarce.
Nota 719. De Guimaracns nas Cortes convocadas
Minerva moderou as leys de Marte ;
E a ira na prudência mais remiíTa
Funda o Reyno na guerra , e na juíliça.
151.
Para Africa pafíara Lucidoro
A prevenir armada poderofa ;
Mas a fublevaçaõ de Altefidoro
Formou guerra civil , e vigorofa :
Nota 750. [^eícendia do Tangue de Medoro
Digno efpoío de Angélica fermofa ,
£ admira ao vello taó guerreiro, e forte,
Ver que de Adónis decendeo Mavorte.
Em Tangere o rebelde fe coroa j
E entre íi os mais povos divididos
Naõ daó para o focorro de Lisboa
Navios , e foldados prometidos :
Tanto que certa cfta noticia foa ,
Com tropas promptas, Cabos efcolhidos ,
Henrique invicto marcha de Lamego,
E fem oppofíçaó pafla o Mondego.
154.
As guarniçoens das Praças encorpora ,
Naõ perdem a ordem na velocidade,
Doze vezes fó vio nafcer a aurora
Antes de ver de UliíTes a Cidade:
Tal o terror da eípada vencedora
Era, que fem achar difficuldade,
As tropas , que fe oppoem, fogem inquietas
Dos eccos mais diftances das trombetas.
sy
Canto XII. 397
M5
Qual do Aquilon cerúleo Gerifalce,
Que a Garça já opprime em leve ponca.
Seguro de que a prefa lhe naõ f^ke,
Curvo, ebúrneo punhal com fúria aponta j
Porem temendo ver, que mais fe exalte
A águia, que até os aftros fe remonta,
Foge no azul, e aéreo laberinto,
Dando lhe vida o irracional inftinto.
Afllm do terror pânico occupados,
Desfiladeiros, campos, rios, montes
Deixaó os Mouros vis abandonados,
Vendo a Henrique em Elifios orifontes:
A infiel barbaiaridade inficionados
Deixa os puros criftaes das claras fontes:
Oh quantos , que o veneno naõ percebera,
Em argentada copa a morte bebera/
157.
Queimando campos, arruinando vilias»
Querem tirar a Henrique a fubfiftencia ,
E bárbaros naó vem, que ao deftruillas
Naõ cura huma violência outra violência,-
Sobem chamas ao Ceo, para extinguillas
Vence chuva benigna efta inclemência:
Aterra manda ao Ceo novo Vefuvio,
Mas o apaga hum benéfico diluvio.
Í57.
Sangrou ao Tejo artificial torrente.
Porque os campos vezinhos inundaQe;
Porem Eólo provido, e clemente.
Fez que hum aíTopro rápido a fecaíTe:
Impraticáveis para a Lufa gente,
Sc as bellicofas maquinas levaffe,
Deixar õ aseft'.adas mais famofas,'
Precipitando asaivores frondofas.
'Sh
398 Henriqueida
159
Tudo venceo o efpirito invencível ,
E chega a ver Lisboa , quando chega
O claro Febo ao Efcorpiaõ cerrivel ,
E em fogir do veneno fó fe emprega :
Trocoufe o Moro em Zéfiro aprazivcl ,
A fonte renacendo o prado rega ;
O Outono ao moderar calor , e frio ,
Nem fecou , nem prendeo o claro rio.
i6o.
Serve o Tejo de efpelho , e de teatro ,
Donde a infigne Lisboa reprefenta ,
E elevada em viftofo anfiteatro
Na perfpecbiva a fermofura augmenta :
Por dominar do mundo as partes quatro
De outro Império fera Corte opulenta,
Quando gloriofo à quinta Monarquia
Se renda o ouro , com que nafce o dia-
i6i.
Tributos de criftal lhe dâ Neptuno ,
Primavera immortal lhe pinta Flora ,
Em fazonados frutos de Vertuno
O gofto fe fuaviza , e fe melhora ;
Contra Eòlo no afilo de Portuno
O naufrago feguro' a terra adora ;
Daó aos olhos illuftres exercicios
Templos , Jardins, Palácios, e edifícios.
i6i.
Tanta gente guarnece os altos muros >
Que hum exercito guarda cada porta ,
Clamava o Rey , e de que eftaõ feguros
Com razoens erficazes os exhorta ;
Soccorros lhe promete , que futuros
Africa lhe aííegura , e quanto importa ,
Lhe moftra haver de fer bem defendidas
As efpoías , os filhos , bei>s, e vidas.
Canto XIl. 399
165.
As maquinas marciaes vinhaõ chegando
Conduzidas por terra , ou pelo Tejo ,
Para o fitio os quartéis fe hiaó formando ,
E hum pânico terror nos Mouros vejo .-
O gencroío Henrique hia eípalhando
Em diveríos papeis , que o íeu deíejo
Era fó de pacifica coroa
Concedendo vencagens a Lisboa.
164.
As capitulaçoens, que porhonrofas,
E úteis faó admitidas dos rendidos ,
Juftas , fuaves , firmes , decorofas ,
Prometia em alivio dos vencidos :
Do fitio ameaçava as vigorofas
Ofíenfas contra os muros mais erguidos ,
E que naõ accufaíTem de crueldade
Dos últimos aíTaltos a impiedade.
165.
Elmacin hum Egipcio , que eloquente
Os corações dos povos perfuadia ,
E ao Grego aftuto imita no fciente ,
Se o naõ pôde igualar na valentia j
No dilatado Foro à immenfa gente
Sediciofas palavras proferia ,
Contradizendo ao Rey aplebe informa >
E com voz clara falia nefta forma.
léó.
Ainda quereis , ò povos infelices,
A hum tyranno íèguir vaó , e inquieto?
E que huma nova Troya veja Ulyfles ?
Hum Sagunto os fequazes de Mahometo ?
Acclamay outro Rey , Tereis felices ,
Invencível em guerra , em paz quieto.
Sábio .. prudente, varonil, piedofo ,
Magnânimo , feliz , e generoío.
' Z67,
4oa Henriofueida
i(j7.
Eíle he Henrique , vede o feu femblante
Das alças torres deftes íete montes ,
Que cada hum fe erige altivo Atlante
De UliíTea nos claros orifontes ••
Antes que o carro arraftre triunfante
Entre as cinzas de miferos Faetontes»
Os poucos , que do incêndio fáiaó vivos ,
Fiquem mais fulminados por cativos.
i68.
Aprovei cay as graças , que offerece
Com invioláveis nobres privilégios ,
Vede que com as cafas ja perece
A Religião do templo ein facrilegios j
Eftou vendo-o entrar , ja me parece,
Que erigindo ao trofeo padroens egrégios >
Se grava em cada pedra , que fulmina ,
Hum epitáfio da fatal ruina.
Os que a Afrká queiraõ retirarfe ?
Navios lhes dará bem pervenidos ,
Os que em Lisboa queiraõ confervaríe ,
Naó feraõ de tributos opprimidos .•
Os noíTos ricos querem toleraríe ,
Entre nos os juizes efcolhidos
Haõ de fer , e a Republica publique
Naõ Rey , mas Protedor o grande Henrique.
170.
O grande Henrique , que em feliz deftino
Fundou o excelfo Império Luzitano ,
E a quem ja concedeo Numen Divino
Vencer fempre ao intrépido Africano :
Lucidoro nos deixa , e peregrino
O de Africa prefere ao Reyno Hifpano :
Ali ufurpador quer que a memoria
Vi<^imas nos confagre da vangloria*
Canto XIL 401
Seguime todos ; c com mil clamores
Segue ao cobarde o vulgo mcnítruofo ;
Salie o Rcy ao encontro , e aos temores
Naó anima efte exemplo valerofo :
Por naó exporfe aos bárbaros furores
Cede ao tumulto indigno , e horrororo :
E fó alcançar pôde com porfias ,
Que para refponder lhe dem dois dias.
171.
Preceitos , rogos , prémios , ameaços
Naõ fizeraõ mudar a ruda plebe,
E deftes incertinos embaraços
As noticias Henrique ja recebe:
Fiar o Rey quizera dos feus braços
A vidoria , e mil duvidas percebe ,
Com cilas pouco tempo defcanfando
Dizem que eftes prefagios vio fonhando.
173-
De feu falfo , e malévolo Profeta
Se lhe reprefentou trifte a figura ,
Horrendo tinha o roftro , a vifta inquieta,
E o cobria huma negra veftidura :
Crinito o feu cabelo era cometa, Nota 751.
Outro barbato a cara desfigura ,
E do trágico trifte indigno ornato
Outro arraffrava fúnebre, e caudato.
Sulfúreas chamas , em que o peito ardia ,
O vafto corpo em fúrias abrafavaó , ^
Como a final trombeta a voz fahia ,
E dos Ceos as esferas íe turbavaõ .•
Eí\as palavras com horror dezia ,
Que ao infelice Rey tanto enganavaõ ,
Que lhe naõ deixaõ crer ainda que o veja ,
Porque lhe diz o que ouve o que dczeja. ^'
Eee 175.
402 HenriciHeiãa
Naõ temas , grande Rey , eu fou Mâfoma ,
De que a caufa juíliíTima defendes ,
Meu efpirito a forma humana toma ,
Ainda que os atributos naõ lhe entendas ;
Da minha reHgiaõ , que ao orbe doma ,
Per quem tu taó belligero contendes ,
Has de ver tremolar os eftandartes
Com eftes três cometas nas três partes.
176.
Se me vez abrazar cerúlea chama
Do meu ardente zelo he o mifterio ,
Ainda hoje verás , que a ti te inflama
Para recuperar o Lufo Império ;
Levantace, e ganhando immortal fama
Do idolatra inimigo em vitupério ,
Antes que acabe o dia decretado
Moílra no campo a intrépida ouíadia.
177-
Qual o Betico Touro, que incitado,
Quando dprmia , o fere o ferro agudo ,
E do pungente golpe eftimulado
Defperta com bramido fero , e rudo :
AíTim o Rey ao fulgido traçado ,
A' lança , ao arco , às fetas , e ao efcudo ,
Reduz o Império em íingular batalha,
E chama Henrique do alto da muralha.
178.
Cavalleiro , que errante de Borgonha
Vens vagabundo a ufurparme Hefpanha ,
E fem que a forte á fem razaõ fe op ponha ,
Tantas vczes vencefte na campanha ;
Eu Có te defafio , hoje fe exponha
No teatro UliíTe o tragedia eftranha.
Hum dos dois nas auriferas arèas ,
Nota 7 5 i. Seja Aquilles de Heitor , de Turno fincas.
■ ~ ' ' i75>.
Canto XII. 403
179.
Armas , e campo elege , cu afleguro
Da Cidade a treiçaó , e as portas cerro i
Mas no fero combate , que procuro ,
He mais própria a que o nome tem de ferro: Nota 75 5,
Pôde fer , que ategora o fado efcuro
Por occulto deftino , e naõ por erro.
Fez, que tantas batalhas malograíTe,
E a mayor ao meu braço refervaíTe.
18®.
As condiçoens feraõ , que perca a vida
O que perder de vencedor a gloria ,
Mas quem vè fua fama desluzida ,
Ja tem o feu verdugo na memoria :
Deixando a Monarquia decidida.
Será Lisboa o premio da vidoria :
Se vences , cinja o Louro o teu dezejo ,
Mas fe eu vencer, ha de coroarme o Tejo.
181.
Henrique ao Rey contrario aíTim refponde ,
Eu naõ ignoro , ò Rey dos Africanos ,
Que a dezefperaçaõ muy mal fe eícondc
Do teu ultimo esforço nos enganos :
A fama tanto aos feitos correfponde,
E às heróicas acções dos Luzitanos,
Qiie os teus da lealdade em vitupério
Defprezaraõ as leys do teu Império.
i8i.
Bem (cy , que na politica prudente
Eu devia evitar o dezaíio ,
Pois rendendo a Lisboa brevemente,
Sò de hum fucceflo tanta gloria rio.*
Mas o valor nativo naó confente
Politica , que offende o próprio brio : >
A pè feraõ os golpes fempre rudos ,
As armas os alfaoges , e os efe y dos.
Eee ii 183.
404 Henriqueida.
185-
Como no occafo o Sol fe precipita,
A nouce as iras nos fuípenda agora ,
E entre as fúnebres ^ombras depoíita
A acção , que hà de admirar a luz da aurora:
Ao norte da Cidade Te limita
Paleftra , em que Lisboa triunfadora ,
Ou ha de dar a gloria , ou o defdouro ,
Entre as margens do Tejo pomo de ouro.
184.
Nao dorme o Mouro , que a vifaó tremenda
Da noute antecedente o maltratava •,
Parcas , e fúrias com a forma horrenda
Só a imaginação lhe retratava :
A Henrique Tem receyo da contenda
Plácido fonno os olhos occupavaj
E de Carquere a Imagem lhe apparece ,
Que entre as fombras brilhante refplandece.
185-.
Lisboa lhe moíltou, que coroada
Lhe abre as portas do templo de Minerva,
Qne à verdadeira Palias confagrada
Com os veftigios do Itaco conferva ;
Mas a coroa, que cingio dourada.
Para fcu filho Afionfo encaõ referva.
Qiie aíTim o ha de cantar com pledro de ouro
Épico Cifne, a que he Caiílro o Douro.
Deíperta alegre o Hèroe generofo ,
Adora o Numen, que feliz o inípira,
Quando deixava Febo luminofo
De arder no occafo na nodurna pira :
Moniz com fino affedo, amor anfiofo,
E cada varaõ forte acefo em ira
Defafiar defeja hum inimigo,
E dar a Henrique a gloria fem perigo.
187.
Canto XI L 405
187.
Ao Boreas fe dilata hum valle ameno ^^^* 7}4^
Separando dous monccs aprazíveis ,
Alegre inípira o zéfiro íereno
As producçoens de Flora mais riíiveis ,
Criftaes oculcos ao feliz terreno
Nos circulos fecundaõ inviíiveis,
E os harmónicos eccos entre os montes
Multiplicaõ a voz de aves, e fontes.
188.
Dous pavelhoens magniíicos preparaó
Os régios , e valentes contendores,
Em ambos , os combates íe pintarão
De antigos , e famolos vencedores :
As portas da Cidade fe cerrarão ,
Guardaó ao campo os cabos fuperiores;
Nos muros , e quartéis a gente immenfa
Por ley, e por refpeito eftà fufpenfa.
Da porta Aquilonar o Rey fahia,
Quando Elmacin do muro ao Rey valente
Com rebelde , e facrilega oufadia
Profere eftas palavras imprudente :
Vay , porque tenha fim a tirania ,
Da ambição a Ter vidima iníolente j
No teu exemplo renhaõ os humanos
Novo exemplar da morte dos tiranos.
190
Ja para receberte o horrendo Abifmo
Abre a boca no concavo da terra ••
Quem vira de hum tirano o paraíITmo
Na paz injuíto , e inteliz na guerra i
Naõ cuides, que te illuílra o Oflracifmo , Nota 74 f
Que hoje dos noííos muros te deficrra,
Nem julgues, que por ri prefos eftamos.
Pois como a fera , as poicâs ce cerramos.
4o6 Henriqueida
Permita o Ceo ; mas efte naõ tolera
Imprecaçoens , que offendem hum Monarca;
Arroja o Rey a lança , e taó fevera ,
Que obedeceo ao golpe a dura parca ;
A boca lhe acravefla , e ja o eípera
No Aqueronce infernal a trifte barca j
E antes que acabe o horroroío acento ,
Efphito , e palavras leva o vento.
191.
Todos fe callaó ao fatal caftígo ,
Que Elmacin do feu Rey jufto recebe ;
Ja vè no campo o intrépido inimigo ,
E à ultima batalha fe apercebe :
Dos combates iguaes o eftilo antigo
Em quanto aqui fe obrava fe percebe ,
Efcudos fem divifas ter gravadas ,
Do raefmo pefo , e tempera as efpadas.
195.
Com os roftros , e os peitos defcubertos
Moftraõ , que naõ tem pado , que fe occultc
Com caraderes mágicos , e incertos.
Que as feridas evite , ou difficulte :
Das capitulaçoens artigos certos,
De que toda o bem publico refulte ,
Depois que com reféns mais fe confirmaõ ,
Approvaó , juraõ , lem , troca*"© , e firmaõ.
194.
Nellas fe diz, que fendo o Rey vencido 5
Lisboa as portas abra ao grande Henrique ,
E que ao feu povo feja permitido
O exercício da feita , a que fe aplique :
Porém que fcrà occulto , e fó o luzido
Da Cruz triunfo facro fe publique ,
Que as leys fedeixaó fem coftumes novos ,
E as liberda<ks , € izen^ões aos povos.
Canto XII. 407
195.
Mas fe vence o Monarca Máhometano ,
Deixando morto a Henrique, feconíerve
Quanto tinha ganhado o Luzitano ,
E nem Leiria ao jugo fe preferve :
Que Cintra no fcu monte fobcrano Nota73(í,
Com a Ericeira de Lisboa obferve
O deftino , imitando da Cidade,
Ou feja fogeiçaõ , ou Uberdade,
190.
Juizes pelos dous foraó eleitos
Moniz, e Hazen de fumma integridade,
Porque ambos igualmente fatisfeitos
Tinha a juftiça de hum, de outro a verdade:
Para julgar fem iras , nem refpeitos ,
Do duelo o fim , os meyos , a igualdade;
E a inclinação ao Príncipe, ao amigo »
Naõ tirou a juftiça ao inimigo.
197.
De Chiron os difcipulos peritos
Prevenirão nas vaftas regias tendas ;
Promptos eftaõ remédios exquifitos
Com inílrumentos, balíamos, e vendas;
pois como a morte de hum fegundo os ritos
Será trágico fim deftas contendas ,
Quem vencer, a Alexandre entaó retrate, Nota'7;7i
E o diadema as feridas cure , e atè,
198.
Com paflb igual , e com igual íemblatite
Se move , e outro Príncipe famofo ,
Em Ali fe conhece o arrogante,
Em Henrique fe admira o generofo :
Ambos cingem o louro triunfante ,
Que fó merecerá o victoriofo:
Ambos de curta toga fe veftiraõ ,
E a cor purpúrea a iodas preferiraQ.
4^8 Henriqueiãa
199.
Cortadores alfanges Damafqiiínos;
Mas nas extremidades pouco agudos
Eípclho. faõ da Parca criftalinos
Para copiar da morte effeitos rudos :
Gira o Sol nos reflexos diamantinos
Na esfera duplicada dos efcudos ,
E ao chocar faz rayos , que reparte,
Na tetra a conjunção deFebo, e Marte.
200.
Partem o Sol, c medem adiftancia,
E com commmaçaó. bem exprimida
Mandaõ, que oanamalicia, ou na ignorância,
Quem perder ofilencio, perca ávida:
De hum clarim a guerreira confonancia
Três vezes pelos ares repetida,
Faz, que em campo, e cidade íe dilate
O final certo do ultimo combate.
201.
Ao mefmo tempo levantado o braço,
Foge o ar, teme aagoa,etreme aterrai
Se cíle efiPeito prodiis fó o ameaço ,
Qual fera o que caufe a fatal guerra?
Quanto mais fe apartou por breve efpaço,
Mayor impulfo cada alfange encerra,
^.. E o impero fogio para augmentar-fe.
Sendo força, e esforço o retirar-fe.
201.
Se ainda caiíTe o Pelion fobre o Ofla
Nota 7 • 8' A'*^ojs<^o ^0 horrendo Centumano ,
Duvido , que o ruido exceder pofla
O dos golpes do Lufo, e do Africano :
Quando rápida, e túmida fe engro fia
Contra as coílas a fúria do Oceano ,
Naõ iguala o rumor, que agora incita
O furor, que os efcudos precipita. . .
-'' .■ .... 20;.
Canto XII. 409
203.
Torrente de criftal , que arrebatada
Inunda os valles , e fupèra os montes,
Exhalaçaõ íulfurea , que inflamada
Fulmina as torres , rafga os orifontes ,
Venço íetcntrioial , que em fúria irada
Agira os mares , e congela as fontes ,
EeDeucalion o rápido diluvio,
Chamas do Ethna , ardores do Vefuvio.
204.
Ainda que com feus rápidos efteitos
Caufem no mundo eftragos , e terrores ,
A tanto impulfo de cair desfeitos
Toda a izençaõ dos globos fuperiores ,
Naõ fey íe excedem dos valentes peitos
As nobres iras , e Ínclitos ardores ,
Gom que fe vio ao impeto iracundo
Parar o Ceo , eftremecerfe o mundo.
205.
Recebem os efcudos taõ conftantes
Os rayos nos feus globos refulgentes, i
Que com tremor os braços arrogantes
Rcíiftiraó aos Ímpetos ardentes :
Mas fe os braços tremerão inconftantes 3
Os efcudos ficarão permanentes,
E todos do valor pelos eífeitos
yiraõ tremer os braços , naõ os peitos.
206.
As mãos , que tantos golpes maquinãvaõ,
Também com feu furor fe mortificaõ ,
Com que a guerra oífeníiva começavaõ
Efcudos, que à defenfa fe dedicaó :
Entorpecidos ao ferir fe achavaó
Os dois robuftos braços ; como ficaõ
Infenfivcis , fe incitaõ os ardores
Do venenofo peixe os pefcadores. Nota 7 3^:
Fff Í07.
4 1 o Henriqueiãa
ZOJ.
Rcnovaõ os esforços ; quando fere
No efquerdo braço Henrique ao Teu contrario j
Saltou o efcudo , e deixa o recupere
O generofo , e indico sdverfario :
Leve a ferida faz fe naó modere
O exceílb de valor extraordinário :
O Mouro da accençaõ pouco fe adulai
Que a ferida o furor mais lhe eilimula.
208.
Quer cortar na cabeça o facro louro
De Henrique, mas izenco foy ao rayo ,
Que o duro alfange defviou do Mouro,
K de efcudo o alfange fez o enfayo ;
Mas foy o efcudo alfange; e íem defdouro
Ambos chocarão fem temer defmayo ,
Mais que os fortes combates das falanges
Npta74o< Chocarão os efcudos , e os alfanges.
209.
Com a perda do fangu2 fe enfraquece
Do Mouro o braço , e arrojado em terra
O efcudo , que o defende , e que o guarnece ,
Sem reparo íe expõem a nova guerra .-
Henrique, a que alto cfpirito ennobrece,
Também o eícudo lúcido defterra ;
Mas o Mouro fe cfquece da ferida,
Para que outra mayor lhe acabe a vida.
110.
Defefperado, furioíb , e cego.
Ao Hcroe de hum revés ameaçando,
Qijando clíe o reparava , o falfo emprego
A hum talho deftrí^raente vay mudando :
Henrique , que o efpcra com focego ,
Vay o feu fero impulfo deíviaRdo ,
E a cfpada recebendo o golpe duro
Foy a impulfo marcial marmóreo muro.
211.
Canto XI L 41 1
2ir.
Antes que a fúria novamente cobre ,
O alfange levantou , porque pereça
A parte fuperior , que lhe dcfcobre ,
Para cortarlhe a hórrida cabeça ;
O louro, que cingia, verde , e nobre,
Pena da ufurpaçaõ cnmbcm padeça :
Henrique vencedor, vencido o Mouro,
Primeiro que a cabeça perca o louro.
21 1.
AíTim fuccede ; e a Apollinea rama Nota 741:
Vio AU , que cahio aos pès de Henrique,
Que perde o Império , a vida , a gloria , a fama ,
No funefto prefagio fe publique;
O Heròe no ardor , que o peito illuftre inflama.
Os últimos triunfos juftifique ;
O alfange levantando prompto dece ,
E o feroz Mouro trágico perece.
215.
Corta de hum golpe do Africano Império j»
E de Ali a cabeça hórrida , e forte ,
O que era Sol do bárbaro emisferio
Nas fombras do Occidente teve a morte :
O efpirito fogindo ao vitupério
Parece que ainda teme ao Varaõ forte *
Naó voa ao Ceo no cego parafifmo ,
Mas dece a efcurecer o negro Abifmo. -^^^ ^■^^'
FIM
DO POEMA.
No-
mi:'
Notas , em que fe explicaõ os lugares difficeis do
Poema Henriqueida C. fignifica Canto , O.
Outava 5 V. Verfo , e eílas notas correm
ate 724. e vaó na margem do Canto, Outava, c
Verfo , que fe explica com a letra N. que fig-
nifica Nota , e o numero deftas paramayor cla-
reza.
A/W/í ^ue nas advertências preliminares , {jue prece-
dem ao Poema da Henrtqueida ^procurey mcjirar todx,
a ordem que fcgui nejla obra , a unidade da accao , o
tempo que durou^ os Poetas , que imitey^ e efullo, e ou-
tras muitas partes^ em que efle Poema fe divide , me pare eco ceder
as injlamias de muitos dos meus cenfores , que defcjaraÕ , que eu>
ãcUraffe com algumas notas breves as erudicoens vulgares^ e os lu-
gAtes^que parecem mais difficeis. Duvidava eu jeguir ejle confelho,
e os poucos exemplos de que os Authores dos Poemas heróicos fe co-^
mentajfem a fi mefmos : muito útil fora,que afjíim o tivejfem feito,
porque fo então entenderíamos muitos lugares que osfeus Comenta-
dores deixarão de explicar-iOuderao dtver j o fcrittdo. Authores houve
que por afectar efcur idade prepararão ( como diz, ) o Satirtco Pran-
cez, , tormentos aos Salmafios futuros •, e também houve Scoliaf
tes , e llluftradores em todas as naçoens , que por mojirar afua
fciencia efcreverao vajlijjimos comentos aos majores Poetas Eptcos,
Nao he o meu fm julgar que efpere achar hum Euflathto , hurn
Sérvio , hum Lacerda , hum Faria , he jó a fine era conffjao de qut
je eu me aclara (fe mais.necejfttaria menos defer o me h próprio inteV-
prete^ e affm no que podia parecer vaidade-, he fó modeflia, pois me
a.rguo e defeito de nao fer tao claro , como defejava. He verdade
que Virgílio , e Camoens , que por nao ferem efcuros fe tem vtflo
reprodufir em innumeraveis impreffoens , acharão muito largos ,
e doutos comentadores , e melhor jujltfícarey que nao ejcrevi ejlas
notas por ojlentaçao , pois nellas quafi fenao verão allegaçÕes , e
menos os Poetas , que imitey , e fe a obra nao fofje minha yfeguí-
ria ajujla medida , que dco as fuás judicioiías notas a^s lufadas
a de
de Cítmoens o Reverendo IgnAcio Ganes Ferreira Cónego Peniten-
cUrio da, S\ de Lamego.
Bem fey que os ent ditos da primeira claffe defprefariio as ex-
flicacoens de fabulas ^ hijlorias , termos fcienttficos , conceitos
mús fiMimes , palavras mais cultas , que lhes Jaõ tao vulgares.
Os m.edianxnente in^ ruídos ainia receberão peyor eftas Notas , por-
que ejles fao os que querem faher tudo , fem confefjar o que igno-
rao. Os que não tem e(ludos y ferào os mxis dóceis , porque lhes
nal) f^ra inútil alguma tintura das erudiçoens , que os obrigara, a
ler nefias notas a coriofidade de entender o Poema , fe lhes agrar
dar a fua, contextura.
NaÕ me feria dijfícultofo tresladar os comentos dos Pottas art-
tigos , e modernos , ou dos Metamorfofeos de Ovidio y ea Mytho-
logia de Natal Comes y e dos mais , que efcreverao fobre as fahu'
las , e fará a hifloria , os que tratarão das antiguidades Gregas ,
Romanas > Hefpanholas , e Portuguefas , e o que feria mais facily
authorifar com Diccionarios Poéticos , e Hifloricos , as noticias de
qité trato , ou com os Authores , que allegao eftes Vocabulários ,
de que ordtnuriamente fao Índices imperfeitos , e caiifas de que
a erudição folida fenao bufcaífe nas fontes ^ de que trouxe a orp*
gem , n ao deixando de agradecer fe ejle trabalho aos Authores
dos Diccionarios , de que entre muitos doutifftmos merece hum
grande lugar o Vocabulário Portuguez, , e Latino do Padre Dom
Rafael Bluteau Clérigo Regular , e Académico Real , .de que
brevemente daremos a luz, quatro volumes , que fervem d&
fupplemento , e de correcção aos dez, que correm impreffos.
N.ts mirgens do Poema fe vem , comofa advertimos , as notas
que aqui va~9 feguidas , e nellas fe confronta o Canto , Outarua^
t Verfo y a que pertencem , para divizar livres os claros das mar-
gens, e ntÕ interromper a liça1> feguida do Poema , e aimpref-
JaÕ , que a brevidade nao deixou faz^er tão adornada de efiampas^
ۉmo fe defejava.
I
NOTAS
NOTAS
C A N T o I.
NOTAI.
O
Itava T. verí. r. Eu canto as Armas. Uzey com o exem-
plo de Ariofto , e oiirros aciefcentar o pronome , eu,
ao prezente do Verbo, cantOy por me parecer mais
expreífivo.
Nota 2.
O. 5. Verí. I. Akâ aliança. Explica o cafamento de Hen-\
rique com a Rainha Dona Thereza , filha legitima de Dom -
AfFonío lexto, Rey de Caftella, e Leaó, que lhe deo em dote com '
o titulo de Conde o Porto , e algumas terras, que tinha conquií- *
tndo aos Mouros em Portugal , e Henrique dilatou eftas coiwjaífô
tus pelas quatro Províncias defde o Minho at^ Lisboa. '-^i>*-lb
Nota 5.
O. 4- VerH I . Na5 Caliope. Naõ invocando efta Mufa he-
róica moftro que naõ figo a Poeíia gentílica , e como Urania no
feu nome , e exercício íignifica celeile , procuro infpiraçaó ílipe-
rior naquella Senhora , a quem reprefenta a Imagem deOarquere
Tutelar da Funda-çaó do Reyno.
Nota 4.
O. 5:. Verí. X. Excelfo defcendenre. Dedico ao SerenilTímo
Senhor Infante D. António , Irmão terceiro delR^y Dom Joaõ o
Quinto , Príncipe adornado de todas as Virtudes , para que oíFeie-
ça o Poema a efte íabio Monarca , e na oitava lettima o buíco
como Mecenas protector dos eíludiofos , para que patrocine o
Poema com Augufio , lembrando-me dos primeiros dois veríos
a ii da
4 NOTAS
da primeira Ode de Horácio.
Macenas atãvis edite tegthus , «
O* & príifidium , & dulce decus meuntí
O. IO. verl. 3. Agareno , nome que íe dà aos Mouros
que fe luppoem defcendentes de Abraham , , c de fua efcra-
va Agar. Já íuponho Henrique da Real Cafa dos Duques de
Borgoniia , intentando junto ao Porto paíTar o Rio Douro, que Al-
mançor Príncipe de Fés lhe difputa com exercito muito íu-
perior.
Nota 6.
O. t6. verí! i. Gaya. Hoje Mira gaya, a que o Douro divi-
de do Porto , que unidos formarão o nome de Portugal» como
logo íe dirá.
Nota 7.
O. ry. verf 4. De Gordio. Todos fabem , que Alexandre cor-
tou o nò de Gordio , que foy annuncio de conquiftar a Azia : e
a Arvore do Avernp hè a que em Portugal fe chania Figueira do
loferno , que hè rara em outros Paizes.
Nora 8.
O. 19. vérí. y.Nemeo, e Erimantho. Neraeo , o Leaõ de
Hercules pelo Bofque de Acaya , onde Hercules matou hum feroz
Leaõ. Erimanto monte de Arcádia, onde Hercules matou o Javali,
No-t^' 9.
O. 19. verf 8. de Althea » e deDeyanira, Althea, Máy de Me-
leagro queimou hum madeiro , a que eftava viticulada pelas
Parcas a vida do Filho , furiofa porque quando elle matou o Porco
Efpim de Calidouia , e o oífereceo a Ãtalanta , porque dois Ir-
noãos de Althea lho difputaraó , os matou também , e Meleagro
morreo à proporção, que o madeiro fe confiimia. Dcyanira foy
caufa pelo ciúme de Centauro Neífo , de que Hercules veftiíTe
a caraiza, com que fe abrafou , e por iíTo lhe chamo Holocauf-
tos,
oníií. * o'Jíb- Nota 10.
Ok 10, vèrf T. Africo , vento Sul , po-rque vem da parte de-
Africa, e fempre fs luppoem tempeftuolo.
Nota II.
O. io. verf s- Trophonio. Sacerdote , profetifava em hii-^
ma cova , dondg os que çntravaó , nunca mais fe tiaó,
Kota
D O T Õ E M A. f
Nota 11. ■ - ■ '■ ^■^■*-'-^^-^'-
0. 14. vírf. 1. de Rodrigo. Alguns HiftoriadoresHerpanho«5mai9
crédulos referem ahiíloria de que ElRey D. Rodrigo ultimo dos Go-
dos entrou na Torre encantada de Toledo , donde por defpreíaj: ef-
téagouro, vio õs Sinacs , de que os Mouros haviaõ de conquiftac
Helpanha como brevemente fuccedeo em 714. •
Nota 15. J ^;
' O. 14. verf. 7. Cenotafio como íighifica o feii nome dréga'
hè a quella inícripçaó , que íe cícreve no fépulcuo, dentro do qual
naó ha cadáver , nem cinzas , e o contrario hè. õ Epitáfio.
Nota 14.
O. 25*. verí. 6. No efcudô a Cruz. O Conde Dom Henrique
trazia por armas , ou por divifa, em campo de prata h^tna Cruz
azul , e naõ eraó Armas de família , mas por cilas fe confirma
que o Conde por hir d conquifta da Tetra Santa , uzou def-
ta Cruz.
Nota 15.
O. Z7. vérf. I. Como o Douro divide, ^cEfcrevem os
noíTos Autores de antiguidades , que a primeira fundação da Ci-
dade do Porto foy ao Sul do Douro, donde hoje hè Gaya, eque
a deftruio ElRey Dom Ramiro II. d^ Leaõ , e que os Suevos , que
tiveraõ em Portugal hum Reyno feparado dos outros povos Go-
dos , fundarão a Cidade do Porto donde hoje eftá. ' ' *~'^
Nota I 6.
O. 17. verf. 7. o Forte Elvidio. O nome Elvidio he pró-
prio do Século de que fe efcreve , mas hè de Heroe fingido.
Nota jy.
O. 50. verf 2. Egas Moniz Efte hè o fegundo Heroe do Poe-
ma, e Ayo delRey Dom Affbnío Henriques, bem conhecido na
nofla hiftoria pelo feu valor , c fidelidade.
Nota 18.
O. ;z. verf. i. Eco, &c. Ninguém ignora a fsbub de que
a Ninfa Eco Ce transformou em voz , que repete os últimos
acentos, porque Narciío a deíprefou namorado de fi mefmo ,
e poeticamente fe explica aífim a noticia confuza , que teve a Rai-
nha Dona Thereza da morte do Conde Dom Henrique feu Ef-
poío.
Nota 19.
O. 55. verf 6. O Maufoleo. Arremifla Rainha de Caria fez
fabricar para feu marido Mauíolo hum Sepukio , que deo o no-
a iii me
6 N O 1 Ã S
me aos Maftfoleos , e foy hama das fctte maravilhas do Mundo ;
mas naó o achando digno daquelle depofito lhe bebeo as cin-
zas , a que allude a outava.
Nota 20.
O. 5 6, verf. t. Ifmãelita. Também íe dá efte nome aos Mou*
ros por defcendcrem de Ifmael filho de Abraham.
Nota 21.
O. 37. verf. 6. Tifeo. Por hipérbole comparo o Gigantíí
Alcideraonte cora Tifeo hum dos principaes Gigantes, que fingi*
raõ os Antigos , quizeraõ aíTaltar o Ceo , pondo hum monte
lobre outro.
Nota 2i.
O. 58. verf. 1. Porem Dom Mendo. Efte hè o Conde Dom
Mendo de Soufaó tronco dos Illuftres ramos dos Soufas , que
Borecco por cftes tempos , e a quem atribuo eftas , e outras
acçoens.
Nota 23.
O. 38. verf 4. Cyclope fignifica em Grego quem tem hum
í6 olho , como teve Poliphemo, e os três que debaixo do Monte
Etna trabalhão na forja de Vulcano, donde fe fabricaõ os rayos
de Júpiter : todos incluio o Poeta ncfte verío.
BrontesquCi Steropesque , ac nudus membra , Pyracmon
e lhe chamo Coloífo, comparando-o com a grande eftatua de Ro-
des, que com efte nome foy também huma das maravilhas do
Mundo.
Nota 24.
O. 45. verf. I. Numidas. Saõ os povos de Numidia Provín-
cia de Africa, que fupponho íogcira o ElRey Aly Aben Juzef, que
hh o meímo , que filho de Juzef, e he o inimigo que ti-
ranizou huma grande parte de Africa , e Hefpanha. ^
Nota 25.
0. 40. verf. 4. Amphibio. Efte nome tem os Animacs que an-
daó em terra , e agoa, como a Tartaruga , nome que tinha cha-
mando-íe Tefiudo a maquina bcilica , com que fe chegava às mu-
ralhas , levantando a Concha, como defcrcve Vegecio na fua Arte
militar, a que depois fupriraó de algum modo as mantas.
Nota i6.
O. 42. verf. I. Roberto. Os Genealógicos fafem aRobetto dè
licorni tronco de algumas famílias.
:''i
Nota
I
D o F Õ E M J. 7
Nota. 17.
0. 44. verí. 5. Corrêa. Jà eíla illuftre família era conhecida, e
delia foy o grande D. Payo Peres Corrêa.
Nota 18.
O. 4^. verf. 8. Ate naõ cabe o medo no perigo. Efte ver-
fo parecerá menos claro , mas como diz a outava , que em todos
os quatro elementos achavaó os Mouros caftigos, naó cabia o íeii
medo por naó ter lugar feguro , nem no meímo perigo , que cm
coda a parte os ameaqava.
Nota 19.
O. 49. verí. 1. Batalhoens. Bem fey que efte nome íc dá aos cor-
pos de Infantaria , que coftumaõ compor-íe de quinhentos , ou
feiscentos homens, e o de Efquadroens , que na Cavallaria fa6
de cento e cincoenra , naó fò naó eraó ufados na milicia da-
quelles tempos, mas ainda na guerra , que acabou em 166S*
de Portugal com Caftella , íe trocavaó eftes dois nomes : eu
ufey dos que agora faõ mais próprios com licença Poética , íe-
guiiido nas mais operaçoens militares, como ja adverti, a forma de
que fe ufava no anno de 1 100. procurando em tado imitar a Mr,
Foulard na fua excelléte traducçaó, e notas à Hiftoria de Polibio, que
quer, que os preceitos geraes da guerra antiga íirvaõ para moderna.
Nota 50.
O. 51. verf. 5. Terror Pânico. Eíle Adagio Grego entendem,
todos quando nos exércitos le introduz hum temor , que os faz
fugir ícm íaber a caufa : huns dizem , que Pan Deos dos Sátiros
tocando a fua buzina fazia fugir os Pallores, outros , que Pan
foy hum General, a quem fiigio o exercito lera ter motivo.
Nota 51.
O. 5z. verf. 1 . Fatídica. He tudo o que pelo Fado (íeguindo
e frafe Poética ) tem dcftinado algum efTeito prccifo. .
Nota 31.
O 51. verf 5. Ala. Efte nome , que os Mouros daõ a Deos,'
ufey nefta oraçaõ de Almançor para moftrár de algum modo a
differença , com que crem a Divindade , e os Po-*'-^'? m» d ló exem-
plo em palavras de outras lingoas , Virgilio diz Briian, pelo cou-
ro do Boy , que cortado futilmence por Dido au ímrntou o ter-
reno deCarthago. Camoens no Canc. 9, acaba hima oúí- com
hum verfo Italiano de Ariofto.
Frà la fpica , e la man qual muro } mtffo >
4 o defende Faria com muitos exemplos.
aiv Not»
8 NOTAS
Nota. 3 5.
0. 16. verí. I. Hcrmenigildo. Eftcs, e os outros Hois faÕ no-
mes próprios de Príncipes Godos, que podiaó ufar íeus defcen*
dentes.
líota 54.
O. 60. verí. 8. No braço que naõ acha ainda circula Para en-
tender elle verfo feneceílica da luppoíiçaó dos Filofofos Cartefia-
nos , que querem provar , que o corpo he incapaz de fentir dor,
que hè lempre na Alnia , com a repetida experiência , de que aquel-
les, a quem íè cortou huma perna, ou lium braço , diílinguein
odeio, ou lugar da nova dor que íentem , na mefma maó, e
braço, que jà naõ tem , o que fó pode fer pela determinação dog
efpiritos da fubftancia pugitante , atè o termo que havia de ani-
mar , e circular na fubílancia extcnfa , que laõ as duas com
que elles definem o homem por fer comporto de ambas em quan»
ID hè vivente.
Nota 3 f .
O. 62. verf 2. Tingitana Mauritânia. Os Romanos detaó efte
nome à parte da Mauritânia por donde Africa fe divide de Hef-
panha com o Eftreito chamado antes Hercúleo , e depois de Gibal-
tar: o nome de Tingitana lhe deo a íua Cidade principal cha-
mada Tingis, e depois Tanger, gloriofo Theatro de Façanhas Portu-
gueías , conqulftada aos Mouros por ElRey Dom AíFonfo V. em
1471. e cedida aos Inglezes por ElRey Dom AíFonío VI. como
dote da Rainha da Graõ Bertanha D. Catherina,elrmãa delRey, e
Çípofa de Carlos II. em iGGi. Morreo efta Cacholica Heroina eni
Lisboa no ultimo de Dezembro de 1705. A Hiitoria de Tangcrc
efcreveo com grande elegância , e verdade o Conde da Ericeira
D. Fernando de Me n efes , que foy mais de cinco annos Teu Ca-.
pitaõ General com telices fuccclTos.
Nota 56.
O, 6t. verf. 6, de Aquitania. Eíla Província de França fe
chama Guièna, e como fe divide de Helpanha pcios montes Pi-
rineos, e es Chrift.íos jà tinhaó conquiftsdo defde Aftutias par-
te de Biícaya , e Navarra para a parte do Oriente , c Leaõ, e
Galiza paraoOcciden:e, na5 era impoííível na Geografia do Poe-
Wa , que Henrique tiraiTe alguns íoccorros de Cavalleria Franceza
por aquella Orla do Occeano Cancabrico , ou que vieílem por
mar defembarcar em Galiza, que governava feu Primo o Con-
de D.Ramon, com eftamçíma licença conduzo depois de Portugal 9
Hcrcu-
D o T o E M J. ?
Hercules de Rohan Príncipe de Bertanha com tropas Francelas
Nota ?7.
O. 6}. verf. 4. Huma bellica tormenra. As machonas bellicas ,
que hacijõ as n\iiralhas, e as que arrojavaõ íettas, e pedras, fcdeiT
çreveraó em feu lugar : Mavorte hè o mefmo que Marte.
Nota 38.
O. 68. verf. 2. A quartãa do Leaõ. Aqui principia a contar
o tempo que dura a acçaó do Poema, como declaro nas adverteiv
cias preliminares, e hè a 22. de Julho quando o Sol entra noSi^gno
do Leaõ atribuindo íe a efte Rey do brutos ter fempre quartãas ,
que aqui explicaó o rigor da calma.
Nota 59.
O. 6S. verr4. Qiie alguns vàos permitte o Rio. Naõ ignoro,'
que o Rio Douro naõ dà vào principalmente junto ao Porto. Bem
puciera deículpar-me com que os Rios mudarão muito as fuás cor-
rentes , e com que Virgílio diz que hà Cervos em Africa , don-
de nunca os houve , e em tempo , e lugar tomaÓ os Poetas muitas
liberdades, mas em huma out. do canc. 2. digo que aSibillamol*
trou a Henrique milagrofamente vàos no mefmo Douro.
Nota 40.
O. 6 8. verf 6, Logo em quatro columnas. Dividir para asmar*
chás as linhas dos exércitos em columnas hè a operação moderna,
mas os antigos também tinhaõ alguns femelhantes , como pode
verfe nos Comrnentarios de Cefar, e aqui fe difpenfarà a applicaçao
deftas columnas às do Templo da Fama , em que o Heroe fe color
çou pelas fuás acçoens.
Nota 41.
O. 70 vetl. Pelayo Amado. Alguns Genealógicos , e Hifto-
riadores Portuguezes fazem Pelayo Amado tronco dos Almeydas»
e pelo feu nome o efcolhi para o Heroe Erótico, ou amorolo def-
te Poema , em que pelas fuás valerofas proefas fe faz digno proge-
nitor defta llluílre família.
Nota 42.
O. 72. veri. 8. O que a fama calou diíTe a vi(5loria. Aqui
fe fuppoem a Vídoria hunia Deofa , que voou mais que a Fama
para explicar à Princeza que Henrique tinha vencido , pois ella
inferio que elle naõ era morto, como fe publicara, vepdo. queçs
Porcugaezes desbaratavaõ os Mouros taõ prontamente, que bem fe
via , quem era o Her òe que os animava.
Nota
10 NOTAS
Nota 45.
O. 74. verf. X. Bracaros. Saó os Povos de Braga chamacía
Bracara Augiifta Cidade de Portugal celebre entre os antigos , e
modernos , e Primaz das Hefpanhas.
Nota 44.
O. 74- verl. 5. Letes. Querem os Antiquários que feja o Rio
Lima, ou o LeíTa , edo Letes diz a fabula, que os que o paíTavaó,
perdiaõ a memoria de tudo, para íignificar que o íeu Paiz era dc-
liciofo, e abundante , como hoje fe vc nas terras, que regaõ eftes
dous Rios na Província de Entre Douro > e Minho. Os noílos dous
antigos Poetas Portuguezes Diogo Bernardes , e Franciíco
de Sá e Miranda fizeraó celebres eftes dous Rios com os feus ver-
fos , o primeiro o Lima, o fegundo o LeíTa j a quem bebia a agoa
do Lçtfis le atribuía o melmo efquecimento , a que allude a ouc.
Nota 45.
O. 7(3. verf. 4. Pedro Bernardo. Pedro Bernardo de S. Fagun-
do Rico Homem, e grande Senhor em cerra de Campos, c pe-
los priviiegios, que firmou, ainda podia fendo moço alcançar o
anno de 1 100. e a vífinhança lhe facilitava focorrer o Conde D.
Henrique, hè tronco dos Menezes por Varonia, c defccndente dei-
Rey D, Fruella IL de Leaó.
Nota 46.
O. 91. verf. I. Cruel Amoc. Principia Aldàra que fe íuppunha
filha delRey Ali , e herdeira do íeu Império por morte de Alman.
çor, a moílrar o feu Amor a Muley, c a fer cauta do de Pelayo
Nas advertências preliminares pertendi moílrar como osMourosde
Hefpanha podiaó pelo trato dos Hefpanhocs cativos , e pelos
Livros doutos Arábigos ter conhecimento das fabulas, ainda que
foífem taõ oppoftos à idolatria.
Nota 47.
O. i9. verf. 5. Celefte. Culpando Aldàra o Amor lhe nega o
ler Celefte , e lhe chama Deos por Ironia , íeguindo a Religião
Mahometana.
Nota. 48.
O. 95. verf 5. Júpiter , e Marte. PreAippondo a mefma no-
ticia das fabulas podia faber Aldàra que ao cego Cupido fizeraó
Deos do Amor , e que rendera tantas vezes com as fuás fettas a
Júpiter , a Marte , e aos outros falfos Deofes.
Nota 49.
O. veif. I.Vi a Muley. Concinua Aldàra no feu canto que
tam-
f
D o F o E M J. Ji
também como Poético permitia as fabulas tocando a áe Adónis
favorecido de vénus Deofa da Bellela, e Mãy do Amor , a enca-
recer o que tinha a Muley , a quem primeiro tinha vifto matar
hum Javali.
Nota. 50.
97. verf. 8. Diana. Foy Dcofa da caça, e como Aldàrá
refere as me fm as palavras, que Muley lhe diííe, naõ tirou o Epí-
teto de Beliílima, que de outro modo feria eftranho fe foíTe lou-
vor próprio.
Nota 51.
O. 98. verf. 1. Endimion. Torna a dizer mais claramente;
que fabia as fabulas, porque as tinha lido, e por iílb refere a de
Endimion Paftor,a quem no Monte Lathmo de Caria Diana favo-,
recia cm fonhos dando-lhe fono para gofar dos feus favores fem mal-
quiftar a puiefa, que lhe atribuiaó, conííguio que lhe deíTem os
Deofes hum fono perpetuo. Diana era a Lua , e efte Paftor hum
dos primeiros Aftronomos , que a obfcrvou.
Nota 52.
O. 5>8. verf. 8. O vicio claro o documento occulto. Eftes ver-
fos faõ huma forte invcótiva contra a Religião do Paganifmo pois
contavaõ aos Povos os delitos dos feus Deofes, e guardavaõ para
íi os Filofofos cccultamente os Documentos , c Ailcgorias.
Notas 55.
O. 99. verf 6. Himineo. Deos dos Cafamcntos , que com a
lua tocha n.ípcial os concluía, affim diz Aldàra , que Muley lhe
propunha fer feu Elpofo , com que o fcu aífedo neíta efperança
lempre foy puro , e decorofo.
Nota 54.
O. 100- verl. 3. Tarif, Julgava-fe que Muley, como Ali publi-
cava, era deícendente de Tarif primeiro conquiflador de Hefpanha,
e que paíTou o Eftreito de Gibaltar dando a efta Cidade, que fc
chamava Calpe , e eílava defronte de Abila bem conhecida^
pelas duas Columnas de Hercules em Heípanha , e. Africa com
o Non plus ultra, deo, digo a Calpe o nome de Gibel Tarif, ou
o Monte de Tarif que fe corrompeo em Gibaltar.
Nota ^6. .
O. 107. verf 7, Com huma venda. Efta venda era amefma,,
que Muley trazia no turbante, e que lhe tinha dado Aldâra como
fe vè no combate que teve com Henrique no cant. 2. em todo
o Poema hè cauCa de fucceííos extraordinários.
Nota
ti, ' ' N o T ^ S
''■'" Nota 57.
•-■ 0 109. vetl. 2. O mal paíTado. Efte era iiaô ter avizâdo a
Ptíncefa c)je feu Efpcío elbva vivo , como elle ordenou na Ba-
tal ia, nao lhe mandando av.ib por outro Soldado como reTupoeni
<jue Henrí.-ue teria jà deferido à Princeía.
^'' Canto 1.
''' Nora 58.
O. r. verf. i. Exaltando o valor , e a fermofiira. Bem íe vè
que em Henrique , e Tlierefa fe verifícaõ o valor , c a fermofura, c
nefte cant.imitãdo a Virgílio refere o Heroe de lugar alto o Epiíodio
fuhdamental da acçaõ do Poema com os mifterios da Gruta, don-
de a Sibilla lhe profetifou com o aufpicio da Imagem de N. Se^
íihora de Carquere a fundação doReyno de Portugal.
Nota 59.
O. 7. verf. i. Hercules. A fabula de que Hercules delpedaçou
rrti berço as ferpentes hè bem notória, e aqui íêrve de comparação
modefta moftrando o Heròe que rodas as maravilhas , que o leu
esforço obrou, foraô, porque tinha propicio o auxilio Divino.
•■' ' ' Nota 60.
'• G. 7. verí. 8. Qiiefofrer o Egypto. Eftas injurias fe çompara5
<?om as pragas , que o Egipto fofreo, com a difFerença de que
aqui as fomentava o Inferno contra hum Príncipe jufto , e lá craõ
caftigo bem merecido dado por Deos a Faraó.
Nota. 61.
O. 9. verf. <|. Enigmáticas fortunas. Naõ me pareceo explicar
logo, como outros Poetas, íenaõ enigmaticamente as g^lorias futuras
de Portugal, quando Gamoens refere as paliadas com inimitável
elegância.
Nota 61.
O. ro. verl. I. O Porto, e Gaya. Aqui fe vè a uniaõ deftes
dous nomes para formar o de Portugal , que principiou poí
eftes tempos,
' Nora 63.
O. II. verf De Bronze eftatuas vi íeis veies quatro. Nef-
tas 24. Eftatuas que hè o numero dos R?ys athe El ey Dom
Joaõ o V. que Deos guarde , naõ fe inclue o Seniior Dom Anto-
mo , porque naó foy Rey univerfalmence reconhecido, eo Rey-
no pertencia à Senliora Dona Catherina filha do Infante Dom
Duarte, e Neta delRey Dom Maiofl , per qu:ni o Reyno ficou
tocando à Real Cafa de Bragança, e ainda que os três Reys todo
f
com
D o T o E M ^. 13
como os nomes dos trcs DD. Filippes fe incluem nos 24- Reys,logo
fe declara , que foraó ufurpadores por quaíí 60. annos com
Armas de Caítella.
Notas 64(.
O. 14. verf I. Conquiftador. Dou aos noííos Reys os Epíte-
tos que Te lhe atribuirão , eapplico aos outros os que julguey mais
próprios do feu carader. O Conquiftador hé ElRey Dom Afíonfo
Henriques primeiro do nome , e primeiro Rey de Portugal , que
havia de ganhar Lisboa, que hè a Cidade, a quem paga o Rio Tejo
com as fuás áreas preciofas o tributo de ouro.
Nota 65.
O. 15. verf, 5- Povoador. Efte hè o nome que fe deo a El-
Rey Dom Sancho primeiro por povoar o Reyno , que feu Pay con-
quiftou , o que elie também fez.
Nota 66.
O. if. verf. I. Robufto. ElRey Dom AíFonfo II. foy chama-
do o Gordo , e teve grandes elpiritos.
Nota 67,
O. 15. verf 5. De outro o nome no trage. ElRey Dom San.
cho II. peio trage foy chamado Capelo : doulhe o titulo de Sin-
cero , porque creo os màos confclhos , que foraõ cauíà de lhe ti-
rarem o Reyno os feus Vaflallos para elegerem feu Irmaó o Con-
de de Bolonha.
Nota 68»
O. 15. verf. y. Outro Irmaõ feu de condição mais dura hc
ElRey Dom AfFonfo III. Principe valcrofo > mas chamolhe Se-
vero , por abandonar Matilde CondeíTa de Bolonha lua primeira
Eipofa.
Nota 69.
O. 15. verf Lavrador. ElRey Dom Diniz foy chamado La-
vrador dizem muitos Authores, que porque fez florecer a agri-
cultura , € alguns , que porque fez lavrar muitos muros , e edi.
ficios , e eu querendo unir eitas duas qualidades dizia no meu
original.
Que o Reyno fortifica , e frutifica.
mas os meus Ccnfores naó quiferaó efte jogo d« vozes , e lha
fubftituhi efte verío.
Porque o Reyno enobrece , e frutifica
Nota 70.
O. 76. verf I. De Bravo. ElRcy Dom Aífonfo o IV. bem me-
rcceo
14 NOTAS
receo o nome de Bravo pelo feu valor , e pela vidtoria de Sa-
lado.
Nora 71.
O. 16. verf. 2. Juíliceiro. Efte nome hè mais próprio que o
de Cruel a ElRey Dom Pedro o primeiro , Príncipe Liberal , e rí-
gido executor das JLcys.
Nota 71.
O. 16. vcrí. 5. Fermofo. ElRey Dom Fernando quaíi naó te-
' ve outra qualidade mais que a da gentilefa.
Nota 75.
O. 1 6. verf. 4. E da Boa memoria ElRey Dom Joaõ o pri-
'íheiío, a quem o Reyno acclamon paia livrar-fe de outro Rey de
Caftella do meímo nome jfe fez digno do de boa memoria pela
que deixou das íuas virtudes militares , e politicas , e vencco ea»
tre outras a grande Batalha de Algibarrota.
Nota 74.
O. i6. verl. 5. Ccnftanre. ElRey E)om Daarte valente , e
fabio tem aqui fó o titulo de Cjonftante , porque o foy nas adver-
fidades da guerra de Africa, em que deyxou nò cativeiro a fcu Ir-
mão o Santo Infante Dom Fernando, c na pefte , que afligio o
■feu Reyno , de que tainbem morreo copipQucos annos de go-
'vcrno. ^ . " "í^
Nota 75.
O. \6. verf 6. Africano. Deu-fe com rafaó efta antonomaíia
a ElRey Dom Aífonfo V. Scipiaó Portuguez , que conquiftou em
Africa, Tanger , Arzila, e outras Praças.
Nota 76.
O. 16. verf. 8. De Perfeito , c Filho da Fortuna. Pelas virtu-
des regias , e varonis de que foy adornado , hè reconhecido El-
Rey Dom Joaõ o II. por Príncipe Perfeito. Por Filho da Fortuna
íe adopta ElRey Dom Manoel aílim por herdar o Trono, de que
•eftava muito diftante, como pelo dcfcubrimento , e conquifta da
Índia , e Braíll , e por outras felicidades do feu ditofo Século.
Nota 77.
O. 17. verf. I. Religioío. ElRey Dom JoaÕ o III. naõ defme-
rece cfte atributo pela fua piedade , pelas Ordens Religiofas , què
admitio no Reyno, em que fe diftinguio a Companhia de Jefus com
S. Francifco Xavier levando por elle , e por outros Mlífionarios a
Religião Catholica 4 índia, e às partes mais remotas.
Nota
D o T o E M J. ij
Nota 78.
O. 17. verf. 1. Perde-fe hum grande Rey por temerário. El-
Rey Dom Sebaftiaó de altos efpiricos íc perdeo pela fua temerida-
de com a raayor parte da Nobrefa de Portugal na Batalha d' Alca-
cere em Africa em 15' 78.
Notas 79,
O. 17. verf. 5. O ultimo denomina virtiiofo o Cardeal Dotn
Henrique ornado de muitas virtudes Criftãas , e Moraes : morrto
fera nomear lucccllbr ao Reyno em ijSo.
Nota 80.
O. 17. verf f. Mis cumprindo hum decreto rigorofo. Na
appariçaõ de Chrifto a ElRcy Dom AfTonfo Henriques no Campo
de Ourique lhe promulgou o Senhor o Decreto , de que a fiia
decima fexta Geração fe havia de attenuar , c neíle tempo, o Po-
vo mais contrario ao Reyno, que era o de Caftella , o uzurpou.
Nota 81.
O. 17. verí. 8. Prudente, Bom , e Grande appcllidara , a El-
Rey Dom Filippe o II. de Caftella deraõ os Efpanhoes o Epiteto
de Prudente , ao terceiro , o de Bom , ao quarto , o de Grande:
nem todos os eftrangeiros concordaõ em qoe cftcs três titulos fof-
íem igualmente bera merecidos , ao quarto refpondeo Miguel da
Silveyra , erudito Portuguez , e Author do Macabeo , pergun-
tando lhe ElRey fe achava que merecia juftamente o nome que
lhe tinhaó dado de Filippe o Grande, quando tinha perdido Ca-
talunha , Portugal , e grande parte de Flandcs , naó fey Senhor que
V. M. poda íer grande, fenaõcomo hè huraa cova, a qual hè gran-
de pela muita terra que lhe tiraò.
Nota 8i.
O. 18. verf. I. Reftaurador. ElRey Dom Joaõ quarto na fe^-
liz Aclamação de 1640. em que Portugal fe facodio do tirânico
jugo de Caftella.
Nota 85.
O, 18. verf 3. Feliz. ElRey Dom Affonfo o VI. que venceo |.
Batalhas , e r;anhou muitas Praças aos Efpanhoes , mas alterouíè
cfta felicidade tirandoíc-lhe o Reino com vitupério daMageftade,
mas com caufa , pelo haverem deyxado incapaz os feus achaques
fubftituindo o feu Lugar o Infante Dom Pedro feu Iimaó , coro
õ titulo de Príncipe Regente.
Nota 84.
O. 18. verf. 5. Pacifico. ElRey Dora Pedro o II. tem efte
nome
i6 NOTAS
nome entre alguns efcriroies modernos , porque celebrou <»lo-
rioíàmentc , em \66%, a paz com Hefpanha , ainda que nos feus
últimos annos rompeo a guerra com a mefma Hefpanha , que
continuou depois da fua morte cm 9. de Dezembro de 1706.
Nota %^,
O. 18. verf. 7. De Sábio. ElRey Dom Joaó o V. pelas fcien-
ci&s que poíTue , c que patrocina , fe faz digniílimo de ler denomi-
nado o Sábio.
Nota %G.
O. 19. verf. 5. Triunfante Armada. O mefmo Rey, que co-
roa a ferie deftas vinte , e quatro Eftatuas , mandou duas vezes
nos annos ds 1716. e 171 7. huma lufida armada, que lhe pe-
dio o Pontífice Clemente XI. para foccorrer os Vcnefianos con-
tra os Turcos , que queriaó ganhar a Ilha de Corfu com gran-
de perigo do refto de Itália. Da primeira vez levantarão o /itio
quando chegou a Armada a Sicilia: e da fegunda fugirão de-
pois de combater com as noífas nàos , que fe adiantarão às de ou-
tras naçoens fazendo^ nos Turcos grande eftrago. Governava a
Armada o Almirante Lopo Furtado de Mendoça , Conde do
Rio grande. Servia de Almirante Manoel Carlos da Cunha , e Távo-
ra Conde de S. Vicente , e de Fifcal Pedro de Soula Caftcl Branco que
fediftinguirao com furamo valor bem imitado dos mais Cabos , c
Nobreza , que embarcou neftas Armadas. O lugar da Batalha foy
naquclla parte do Mediterrâneo, a que os antigos chamarão Mar
Egco. No principio fallcy na inftituiçaó da Academia real da Hií^
toria Portugucfa em 8. de Dezembro de 1710. a fua empreza hc
a Imagem da Verdade cem a letra : Rejlituet omnta , tem cinco-
cnta Académicos , e outros fupra numerários , cinco Direótores ,
c Cenfores , hum Secretario, tem impreíTos muitos , e cxcciientcs
volumes.
Nota 87.
O. io. verf. 5. Da primeira íb vejo: depois que o Conde D.
Henrique vio as vinte , e quatro Eftatuas, refere que lhe foraô
incógnitas as dos outros Reys , de que fó diftinguio huma que
he a do Príncipe D. Jozè filho delRey D. Joaó o V. de que as
virtudes , e os dotes varonis brilhaõ na adolecencia com a mais
heróica diftincçaõ , moftrandofe digniílimo imitador de feus Au-
guftos Pays , ElRey D, Joaõ o V. e a Rainha D. Maria Anna de Auf-
eria.
Nota
DO T O E M J. 17
Nora 88.
C. zi. verf. 2. Cem pinturas. Igual a hum numero de cento
os Infantes , e Infantas de Portugal , de que huns na primeira
idade feguráraõ o Reino do Ceo , e outros em regias alianças il-
luftráraò os mayores do Mundo ; e faz memoria de tantas Rai-
nhas de Portugal , que floreccraõ em todas as virtudes.
Nota 89.
O. 21. verf. I. Mais huma parte. Claramente fe vc o àtC-
cubrimento da America , que deve atribui-e a Portugal , pois
hum Piloto Portuguez foy o primeiro , que deu efta noticia a
Chriílovaõ Cólon, que eftava na Ilha da Madeira, e veyo offe-
recer-fe primeiro a ElRey D. Joaó o II. de Portugal , e deu o
nome á America Américo Vefpucio debaixo dos sufpicios del-
Rey D. Manoel, e no feu tempo defcubrio o Brafil Pedro Alva-
res Cabral em 1500. e Fernando de Magalhaens , Vafque Anes
Corte-real Portuguezes , fizeraó pelo Sul, e pelo Norte da Ame-
rica os mais famofos defcubrimentos. A Zona Tórrida julgava5
os antigos inhabitavei.
Nota 90.
O, 12. verf. 8. Os váos. Aqui dá a razaõ dos váos do Dou-
ro de que falia a Nota, mediando, que como piodigio os co-
nheceu o Heroe , naó dando hoje váo efte Rio.
Nota 91.
5 O. 25. verf. 8. Sibilla. Já adverti , que a Sibilla , que aqui
fèvda os fegredos a Henrique, como a de Virgílio fezaBneas»
equivoca a íicqaõ Poética com a verdade, de que elle era filho
de Sibilla , filha de Reginaldo primeiro Conde de Borgonha ,
mulher de Henrique de Borgonha , com que he huma efpecie
de apparicaó do efpirito de Sibilla , a forma da antiga Sibilla ,
que aqui fe defçreve.
Nota 92.
O. 24. verf. z. No altar, que erige hum Sábio a hum Deos
ignoto. Nos Ados dos Apoftolos cap. 12. verf. 5. fe diz, que
S. Paulo vio huma ara com a letra Ignoto Deo , fe acha o ar-
gumento, que fez aos Gentios de cerem hum altar a hum Deas
defçonhecido com a letra Ignoto DCd , e como a Sibilla era gen-
tia , dizem que profetizou muitas verdades , por iíTo aqui digo
lhe era defçonhecido o Deos verdadeiro , feado a profecia gra-
cia grátis data.
^.. b No-
i8 NO TAS
Nota 93.
O. 14. verf 4. Contra Lacheíis , Atropo? , e Cloro. .Çaõ
os nomes das três Parcas, que tem diverfas íígnificações, e ex-
cfcicios no fiar, eftender, e cortar o fio da vida.
Nora 94.
O, !('. verf, I. Sobre a Tripode. Neftes fimholos do nume-
ro de três vou moftrando aquelia idéa da Trindade , que os
Santos Padres entendem , que Deos foy deixando imperfeita ao
paganiíino , para que depois tiveíle menos, que fazer a fé. Era
hum dos íimholos a Tripode, ou Cadeira de três pés de ouro,
cm que a Profetiza explicava os futuros.
Nota 95.
O. 16. verf. 2. Três livros. Os rres livros unidos em hum
volume , alludem á hiíloria , que logo fe referirá da Sibila coiit
Tarquino foherbo , ultimo Rey de Roma,
Nota Qé.
O. í6. verf 5. A Lira Triangular. He outro fimbolo do nu-
mero de três fendo em Triangulo a Lira de Apolo.
Nota 97^
O. 28. verf, í. Hcrofile de Troya. Foy a Sibilla chamada
Eritrea, que vendeo a Tarquino foberbo , Rey de Roma, o li-
vro , que refervou dos três , conforme a opinião de Plinio ; e
porque pedio os mefmos três talentos , que pelos dous , o qual
comprou o Rey por três talentos. Suidas o diz, depois de ou-
tros hiftoriadores Romanos..
Nora 98.
O. a 8. verH 3» Sendo huma fó. A opinião do Doutor Pe-
tit agradou tanto pelas fuás eruditas razoens a muitos moder-
nos, que fe inclinaõ, a que as dez, ou doze Sibillas , a que daõ
os nomes , que le leni nefta Oitava , e na feguinte , e ainda ou-
tras profetizas, era fó huma, que viveo muitos annos, e vati-
cinou em diverfas -partes, tomando os nomes dos lugares, e aqui
figo eíla opinião , e naó explico mais largamente eftes nomes ,
porque no Author allegado, em Servato Galleo , e outros muitos
pôde ver-fe tudo , o que toca ás Sibillas, e aos íeus Oráculos.
Nota <)Ç)^
O. 29. verl. I. Também de Colofonio. De mais das dez
Sibillas, fe contaó eftas cinco, fazendo duas, ambas cmCumaSj»
huma a de Itália, outra a de Joiíia.
-i N<i*
DO TOEM A. 19
Nota 100.
O. 29. verf 8. A Lampufa , Catíandra Dafae , e Manco.
Foy Lampufa Dafne , filha deTlierefias, e a tem alguns pela Sibilla
Deifica, Paulanias diz, que ella foy Heiofile , que pioFetizou a
perda de Trova. Foy Caílandra, aquella celebre filha de Piiamo ,
Rey de Trova , de que fe finge , que prometendo favo:cccr a
ApoUo lè lhe deile o dom de profecia , elle lho concedeo , mas
faltando-lhe ella á promella , ícz que nunca folie ciida , e por
ilío diz Virgílio: J.iw ym)u\uam credita Tencris. Manto, filha tam-
bém de Therefir\s, dizem fundou a Mantua , Virg. Bneid. ic. Hon-
rou a fua Pátria: Qut dcdit tibi Mimua nomcn y ttndo-ihe chama-
do profetiza: Fatidui£ Mtntus.
Nota loi.
O. 30. verf i. Pironifas. Chamava5-fe Pitonifas a*? Sacer-
dotifas ae Apoilo Pychio por matar a ferpente Python , e faziaõ
horríveis geftos , quando lhe entrava o furor profético.
Nota 102.
O. 5c. verf. 2. Os dons, os dez, e os quinze Sacerdotey.
Em diverlos tempos foy efte em Roma o numero dos Sacerdotes,
que confuitavaó nos grandes apertos os livros Sibillinos.
Nota 105.
O. 50. verH 8. Eu conheci primeiro altas verdades. He ho-
je conllante nos Auchores allegados , e nos melhores Criticos ,
que os verfos , que temos atribiiidos ás Sybillas , e ainda os que
viraó Santo Agoílinho , e outros Santos Padres , faõ de hum
Chriflaó Filofofo Platónico , fendo huma das razoes , em que fe
fundaÕ naõ fer verofimii, que Deos revelalTe aos gentios , mui-
to mais claramente , que aos Profetas muitos myfterios ; e a Pai-
xão deChrillo, que fc lê com ni&ís individuação nelles oráculos ,
que no mefmo Ifaías.
Nora 104.
O. 31. verf T. Por três livros. Contaõ os Hiftoriadoics
Romanos , que a Sibilla bufcou a feu ultimo Rey Taíquiijo So-
berbo , e pedindo-lhe hum grande preço por três livíos, elle òs
rcfufou ; e queimando ella hum, pedio o mefiro pelos doiís , è
naõ os querendo o Rey , queim lu a Sibilla o legnndo , e pedi»
o mefmo pelo que ficava , e elle admirado lhe dco o que ella
pedia por aquelle fó.
Nota 105.
O. 35. verf ó. Do numero temsirli, Reconhecc.raõéa VWè-
' > b ii fofos ,
20 N O T J S
íbfos, qtie o numero impar era agradável á Divindade: Ntmerè
Deus impare gatidet , e de que efte impar naó leja fó a unidade ,
mas o nnmero ternário, exiftera verfos antigos , que fe atribuem
a Pythagoras.
Nota io(j.
O. 54. verl. 4. Acrofticos , hum deíles acrofticos atribuí-
dos á Sibiiia , aufhorifa Santo Agoftinho na Cidade de Deos
e nas primeiras letras década hum dos verfos Latinos, que he
s. lingua em que fe tianícreve , fe lê JESUS Chriftus Salvator.
Nota 107.
O. 54. verf. Marfos. 7* Lc-fe na Hiíloria Romana , que
quando os Marfos, que era humanaçaõde Itália, faziaÕ guerra;
aos Romanos , fe queimou o Capitólio em Roma , e fe abrazou
nelle o livro da Sibilla , em que aqui fe linge livro de fogo par»
a, felicidade da fundação de Portugal.
Nota 108.
O. 35, verf. 5. Em vaô de Augufto. Vendo o Emperador
'Augufto , que fe tinha queimado o verdadeiro livro da Sibilla
os que efcreveraõ deftas , e da Hiftoria Romana dizem , que
mandou pelo Mundo recolher os Oráculos Sibillinos ,. que lè
achaíTem nas memorias , e tradições , de que formou outro li-
vro , mas pelo que íê colhe , tudo eraõ falfídades , e luperftiçóes »
e ainda affim faó mais modernos os que exiftera , como provaá
os Authores citados , veja-fe por ambas as partes Servato Gako»
Nota ICC). '- '
O. 5(5. verH 7. Bericinthia. Efte nome he o que fe deo 3
Cibeles mãy dos Deoíes > por ter hum Templo fobre o monte
fierecinto^
Nota no.
O. 5(j. verf. 8. Cinthia. Bem obfervaõ alguns , queaVilla»
e Serra de Cintra deve efcrever-fe com C. e naõ com S. porque
lhe deo o nome Cinthia , que heaLua> aquém efte monte era
dedicado , e donde tinha hum templo , como confta de huma
infcripçaÕ , que he tida por verdadeira , naó fendo taõ certa a
outra, que fe traduz na Oitava feguinte.
Nota 1 1 1.
O. 37. verf I. Naõ ha de refolver-fe. Toda efta Oitava he
a traducçaõ dos verfos em tudo pouco cercos , e atribuidos á Si-
billa , que dizem fe acháraõ em Cintra, quando a Índia fe deC.
cobrio.j-e faó os feguintes
B Ú T O E M J. ií
Volventur faxa inerts , & ordine reais
Cum videas octdens orientls opes
Ganges , Indus , Tagtis ertt ( mirahUe vifn )
Mercês comutabit fuás uterque fibt
Soit Aterno ac Lmu decrettim.
Nota 11 Z'
O. 58. veiT. 4. Argonautas. He o nome , que tiveraõ os
Heroes , que feguiraõ a Jazon na nao Argos para a conquifta do
Velocino cie ouro , e os Portuguezes merecem mais efte nome
pelos peri gos , e diílancias das viagens , que emprenderaó , e
acções , que obráraó.
Nota 115.
0.58. verf. 8. Alexandre Sefoltris , Dionifio. Alexandre
fabem todos , que conquiftou a Aíia. Lea-fe Arriano , Diodo^
ro Siculo , Plutarco , e Quinto Curcio. Sefolhis íov hum anti-
go Rey do Egypto , que dizem conquiftou o Mundo , e de que
a hiíloria he pouco fabida ; veja-fe Valério Flaco , que diz con-
quiftou Colcos, Diodoro, e outros. Dionifio he o nome de Baco,
como muitas vezes refere Camões, e com os antigos Nónno na
Í€U grande Poema Heróico Grego intitulado Dionifiaca.
Nota 114.
O. 59. verf. 2. Elifio Homero. Claramente fe vê, que aqu!
fc profetiza o grande Luiz de Camões , e que o Author da Hen-
riqueida lhe cede em tudo , fem ufar da permiíTaõ com que os
Poetas heróicos fe louvaõ a fi mefmos.
Nota 115.
O. 39. verf. 5. Caftalia. A Fonte de que fc finge, que be-
bem os Poetas , he na Phocide junto ao Parnazo , deu-lhe o no-
me a Ninfa Caftalia, que fogindo de Apollo íe transformou em
fonte.
Nota Jifi.
O. 59. verf 8. Em Sicília, em Ponto, em Grécia, c Itália.'
Por eftas quatro Províncias fe aííinalaó os Poetas , que melhor
efcrevcraó Egiogas como Virgílio de Itália , Elegias como Ouvi-
dio defterrado no Ponto , Idillios Theocrito de Sicília , Odes
Pindaro de Grécia.
Nora 117.
O. 40. verf 3. Pereira. Entre os defcendentes , que vaticina
f Sybiila dos varões iliaftres Portuguezes , que íe acliáraó com
» o Con-
li ' ^NO TAS
o Conde D. Henrique , diftingue como defcendíentê de D. Ro-
diigo Forjas, ao grande Condeftavel D. Nuno Alvares Pereira.
Nota 118.
O. 40. verf 5. Quarenta Lufitanos. A tradição commua af-
fenta , que foraõ íb quarenta os Fidalgos Aclamadores deJRey D.
Joaõ o IV. mas na primeira relação , que o mefmo Rey man-
dou imprimir , vem no hm hum Cathaiogo de mais de íctcnta.
Delta relação he Author Anónimo o Padre Nitolao da Maya , a
quem dizem, que ElRey a dit^ou : todos numera o P. Anronio'
dos Re/s na Apotlieoíe Latina do Duque do Cadaval D. Nuno Al-
vares Pereira de Melio.
Nota 119.
O. 40, verf, 8, Quarenta. O anno de 1640. foy o da Acla-
mação , que aqui faz huma deiculpavel Analogia profética com
os quarenta Aclamadores,
Nota 120.
O. 41. verf. I. Primena batalha. Neíla Oitava íe íncluetn
as féis batalhas, que ie vencerão aCallella de/de o anno de 1640»
ate o de 1668. em que fe fez a paz. A primeira foy a de Mon-
tMo em 1644. General Mathias de Albuquerque, e dos Heípa-
nhoes o Marquez de Torrecluza , e a Infanteria Portugueza ficoii
formada no campo da batalha. A fegunda foy a do Forte de S*
Miguel junto a Badajós, General Portuguez Joane Mendes de Vaf-
concellos, Caftelhano o Duque de S. German no anno de 1658.;
A terceira foy a das linhas de Elvas , que rompeo D. António
Luiz de Menezes , Conde de Cantanhede , depois Marquez de
Marialva, focorrendo a Praça, e desbaratando a D. Luiz Men-
des de Infiro em 1659. A quarta foy a que íê chama do Amei-
xial , ou do Canal , que por fer junto ao Lugar do Cano , íô
lhe applicou huma chamada profecia , que dizia , que vira A
Grifa morrer no Cano , que allude no quinto verfo , e efta batalha
venceo cm 1Ó63. D.Sancho Manoel, Conde de Villa-flor , a D.
Joaó de Aultria , íilho legitimado delRey Catholico D- Filippe
IV. A quinta foy a de Calkllo Rodrigo em 16 Ó4 vencendo com
■pouca ref 0"encia Pedro jaques de Magalhaens , Governador das
armas da Beira, ao Duque de Oífuna. A lexta , eni que o vati-
cínio quer moftrar entre ionges efcuros Montes Claros , he a que
com eíle nome venceo em 1665. o iricrmo Marquez de Marial-
va ao deCarracena. Lftas batalhas fe podem ler nos dous volu-
mes da Hiftoria dç Portugal Rçílaurado , efcrita pelo Conde, d«
Eúu
k
DO TOEM A. 2j
Ericeira D. Luiz de Menezes , com todos os mais fucceflbs da-»
qiielles tempos.
Nota Til.
O. 42. veiT. 1. A'S artes, que inventarão. Naõ Co íe contaõ
ci-nco mil Authores Portuguezes , de que eOciamos a erudita Bi-
blioteca , que efcreve o Abba ie Dío^^o Barbofj Machado , c O
Principal D. Francifco de Almeida , Académico Real ; mas na
terceira parte da Europa Portugueza de Manoel de Faria , po-
d?m ver-fe as Sciencias , e Artes, e outras acções , em que os Por-
tuguezes foraó os primeiros.
Nota iiz.
O. 42, verT 5, Oh quantos. Nefte verío , e nos íe^uintes^
fe pionofticaõ os Santos Portuguezes , Confelíores , e Martyres ,•
que eiichern todos os dias do anno , como molha nos primeiros-
féis mezcs o Agiologio Luíícano de Jorge Cardoío , que douta-
mente continua o Padre D, António Caetano de Souíà , Cléri-
go Regular , e também Académico Real
Nota 125.
O. 4?. verf. 7. Hum cativo. Confufamente previne a Sx-
billa a Henrique as contrariedades , que ha de achar em Muley,
e os feus fucceíTbs.
Nora 124.
O. 4ÍJ. verf ^. Preíligios. Saõ as illuíbens da magica, ou os
^ue a fingem, como fe vc nas de Axa , nas de Zaida , ou fingida
Palas.
Nota I 2 5^,
O. 46. verf. 5. Filhos de Marte, alumnos de Beliona. Bem
(ê entende , que faõ os Soldados , por ferem Marte , e Beliona o-
Deos , e a Deofa da guerra.
Nota 12 5.
O. 46. verf 5. Amazona. Naçaó de mulheres guerreiras na
Scitia, e efta fe entende por Axa , Rainha de Lamego, de que fe
tratará no Canto III. e também nos últimos dous verfos defta
Oitava infinua a Sibilla ao Heroe, que rehfta aos perigos da faia
Matilde, como fe verá no Palácio da gloria do Canto IV,
Nota 127.
O. 49. verf 5. Em acertar, finge-fe , que a Sibilla deu ao
Heroe os três talentos , que recebeu em Roma por preço do feu li-
vro (como já fe diífe ) para fundar com elles o Ttmplo de N,
Senhora de Carquere , que alcança a faude do Infante D. Afon-
fo>
24 ' '^ o T A í
{o t e he nefte Poema aquella Imagem o Paládio , ou Tuteíar àà
fundação do Reino.
Nota 128.
O. 5}. verf 5. Pomona. He a Deofa dos frutos, tirando o
nome dos Pomos; e neílas Oitavas fe vê allegoricamente , que a
gloria fe naó conlcgue fenaó pela afpereza, e dificuldades.
Nota 129.
O. 5'4. verf. 3. Serca. Qiiem ignora , que as Sercas forao
filhas do rio Aqueloo , e que atrahiaô com a mufíca para ma-
tar , e por iífo comparo com eilas ao roxinol , que procurava de-
ter o Heroe para que naó tolfe a batalha, dando-lhe o conheci-
do nome de Filomena , a quem ElRey Tarco fcu cunhado cor-
tou a lingua, e diz a fabula fe transformou em roxinol, os quaes
cem a lingua farpada.
Nota 150.
O. 57. verH X. As defenfas. Os dentes, ou defenfas de hura
Javali, trazia Muley no efcudo, e eraô as daquelle bruto, que no
fim do Canto I. diz Aldara» que elle matou, c lhe ofiereceo.
Noca 151.
O. 57. verf! 5. Cinta larga. Eíla cinta, venda, ou banda, de
que fe trata no primeiro Canto, he a que deu Aldara â Muley ^
que tem no Poema vários incidentes.
Nota 151.
O. 58. verf. I. Se eu pudera, Nefte combate de Mule7 , e
Henrique , naó pareça , que ha ahi modeftia da- parte defte He-
roe , porque primeiro a previne , e depois atribue a íba confian-
ça naó fó ao feu valor , e fortuna , mas á Cruz do feu eícudo ,
c a fumma generoíidade de Muley he pela íimpatia, que tem com
Henrique, de quem era filho, como fe verá no rim do Poema,
€ tudo redunda em gloria do Heroe , por fer do feu próprio
fangue.
Nota 133.
O. 60, verf. 6. De Cezar. Júlio Cezar primeiro Emperadoc
de Roma , he o de que aqui fe falia como valerofo fundador à^
outro Império.
Nota 1 34.
O. 60. verl. 6. Entre aftros. Fingio a lifonja dos Romanos,
que huma eftrella, ou exalação, que appareceo , quando Marco
Brutto matou a JuIio Cezar no Senado , era a alma de Cezar,
c com efta fabula acabou Ovidio o íeu engçnhofo Poçma dos
^çtamorfofios. " " " "" N03
I
D o T o E M J. ^5
Nota I 5 5.
O. èo. ytt(. 7. A Lufitania, c frança. Como o Conde D.
Henrique era Francez , e fazia a guerra em Portugal , diz Mu-
ley , continuando a comparação com Cezar , que aílim como
eáe venceo França, que enraó fe chamava Gália, e a Luíitania,
que depois (c chamou Portugal , pertende elle vencer a hum He-
roe, e ambas eftas duas , e valeroias nações.
Nota 136.
O. 67. verf, 5. O peito , que o defende. Pondero as duas
difterenças do peito de ferro , que era arma defenfiva de Mu-
ley , e le defatou por naõ querer ellc perder a cinta de /lidara
com o peito do mefmo Muiey , que o otfende pelas íeias do
amor, que recebeo, porque contra o amornaõ valem armas.
Nota 137.
O. 6S. verf. I. O Sol mefoccorreo. Neceífita de alguma re-
ílexaõ para ficar mais clara efta Oitava , porque nella fe enten-
de , que o Sol dando no efcudo de prata de Henrique , cegou
a Muley , e como também reverberou nas fuás luzidas armas ,
tornou a refracçaó a ofufcar os olhos de Henrique j e aliim íe
ílefculpa a infelicidade de hum , e a vcntagem com que fem o
faber o ferio o outro naõ vendo , que cftava já fera o peito de
ferro.
Nota 158.
O. 71. verf.i. Hecha Martin. Eíle he ò nome verdadeiro
de hum Rcy de Lamego, tributário do Conde D. Henrique , ca-
iado com a Rainha Axa Anzures , que era muito guerreira , e
deraó ambos ao Conde a batalha fobre o rio Alarda junto ao
monte Fufte na Serra fcca, viíinha a Lamego para a parte de Arou-
ca , ficáraó cativos , e fe fizeraó Chriftaõs , como tudo pode ver-
íc no fragmento da Hiftoria dos Godos , com o titulo Hifioria Go-
torum , que authorifa , c fegue o dourifíimo Fr. António Brandão,
tresladando-a na terceira parte da Monarchia Lufitana foi. zS-
e em outros lugares , e ferve efta nota para o Canto iil. e para
outras partes do Poema , cm que efta Miftoria fe altera com li-
berdade poética, fendo Axa a Heroina do Po>>Miia , que combate
mais o Heroe.
Nota 159.
O. 72. verf. 3. Coimbra nos daria do Mondego. D'ípoem
Henrique ganhar Lisboa , deixando feguras as terras con luifta-
<das na l?çira , pois Lamego cftava tribacaiio » e Coimbra fe con-
c fervava
26 NO 1 ^ S
íervava pelos Chriftaõs, e tinha fido governada pelo Conde D.
Sizinan lo , e outros , e paíTando Henrique o Mondego pela Pon-
te , havia de intentar , como fez , a conquifta de Leiria , e ou-
tras terras para vir a Lisboa, e he certo o íitio, que os Mouros
cuzeraó a Coimbra , corao fe dirá em íèu lugar.
Nota 1 4p.
O. 72. verf 7. Ali Aben Jozef. Ali filho de Jozef , (que
ifto fignifica Aben em Arábigo ) he cerco , que foy Rey pode-
roíiíliaio naquelle feculo em Africa , Lisboa, e huma grande par-
te de Portugal , e Hefpanha , cm que fez cruel guerra a ElRey
D. A^nfo VL e he o competidor do noífo Heroe, acabando com
a fia morte corpo a corpo o Poema » e aflegurando Henrique a
fundação de Portugal ,. como largamente fe tem dito nas adver-
tências preliminares tratando da acça5^
Nota 141.
O. 75. verf 8. Hum dia. Naó he difíícil de entender, que
temiaõ fó os Portuguezes dilatar , nem por hum dia huma guer-
ra , de que a memoria das fuás acçÓes havia de durar tantos fe»
çuloSj fuprindo a poeíia por naó le fazer profaica eftas declarações.
Nota 141.
O. 75, vdrf 1. Haver dito Aldara. Como no fim do primei»
aro Canto tinha Pelayo Amado dito a Aldara , laftimado das fuás
finas queixas , que Muley era vivo, e Pelayo eftava já rendido ao
amor defta Princeza , fente agora, que ella dizendo efte| fucceíTo a
Henrique , elle agradecido lhe dê liberdade , ficando a Pelayo
hum tao poderofo competidor no favor de Aldara como elle lhe
tinha ouvido.
Nota 145.
O. 78. verf 5. MeuPay he eíTe illuftre. Aldara, que íe íup*
punha filha delRey Ali para facilitar a fua liberdade , traz á me-
moria o feu poder, e as fuás vitorias, entre as quaes foy huma
a batalha de Uclés , em que matou o Infante D. Sancho, rendo-
fe achado o Conde D. Henrique nefta occafiaó fervindo a ElRey
D. Afoiifo VI. Veja-íe efta batalha em Brandão , e nos hiíloria-
dores de Hefpanha.
Nota 144.
O. 79. verl. I. De Lufitania , c Betica. Lufitania he comòi
todos fabem o nome, que tinha a mayor parre de Portugal , di-
vidindc-fe Hefpanha em Tarraconenfe , a que deu o nome Tar-
raí^ona em Catalunha ^ em Betica , «jue he Anda-Luzia » chama-
B o T O E M J. 27
da aílim pelo rio Beris , a que os Mouros deraõ o nome de
Guadalquivir , que fignifica rio grande , e eni Luficanica , naó
fendo certo, que lhe deu o nome Lufo, companheiro deBacho,
como com alguns antigos diííeraó os modernos , nem Elila , e
he mais provável a etimologia , que lhe da Bochart no íeu Phaleg
donde pôde ver-íê.
Nota 145.
O. 79. verf. 8. Lhe poupaõ as balidas as trombetas. A conf-
trucçaó defte verfo he, as trombetas poupaó as baliílas , e a lua
intelligencia he dizer Aldara , que tanto , que nas Praças Te ou-
viaÕ as trombetas do Exercito delRey feu pay , íe lhe rendiaõ
temeroías, naõ neceílitando de fec batidas, e atacadas cora as ma-
quinas militares , de que huma era a baliíla , como em outro lu-
gar fe explicará. Todo o Commentador fe lembraria , de que ao
tocarem-le as trombetas de Jofué çahiraó as muralhas de Jericó;
mas naó faço Aldara taó erudita na Elcritura, ainda que já a favoreci
julgando-a com alguma noticia das fabulas , mas naõ das verdades.
Nota 146.
O. 80. verf. 3. Líbia. Como naõ lerá fácil faber os limites
do Império de Aly , eu os eftendo pela Libia adufta , ou quei-
mada pela viíinhança da Zona tórrida , € da linha Equinocial
por onde le chega ao Polo Antartico» ou do SuL
Nora Í47.
O. 80. verf. S. Lis, e Lena. Saõ os dous pequenos rios,^
que correm por Leiria.
Nota 148.
O. 8 8. verf. 2. De Chiron. Chiron Centauro, e meílre de
muitos Herces , e entre elles de Efculapio Deos da Medicina, di-
zem , que também foy inventor da Cirurgia , que 1t« a parte
mais antiga da Medicina , mas naõ lhe deo o nome, porque efte
fe deriva de Chiros, que íígnifica em Grego a maõ.
Nota 149.
0.88. verf 8. Huma venda. A venda com que lhe ligáraG
a ferida, e era a famofa neíle Poema , por fer dada por Aldara,
vingou a Muley da venda de Cupido , por fcr caufa o amor
de todas as fuás infelicidades.
Nota i;o.
O. 97. verf. 6. Negara. Aqui fe ufa da figura reticencia ,
-<dc interromper a narração femelhante ao verfo de Virgilio :
Qu9s ega : fei motos fr^ftat com^oncre fluCítis,
cu E
2.§ N O T J S
B a razaó cie naõ caíligai- o generofo Henrique efta erpecíe ãé
tumulto , íe veja nas advertências preliminares, donde trata do leu
^arader.
Nora lyi.
O. 98. verH 8. Zelozo. Efte zelo de Pelayo he como muitas
vezes íucede a alguns Confelheiros dos Principes , nafçido das
próprias paixões , que eraõ era Amado o Amor , e o ciúme , e
cm Caftelhano , onde zelozo fignifica ambas as coufas , diz o
y\urhor da tragedia do Conde de Eflex , quando a Rainha diz a.
Elanca , querendo íêparalla do amor do Conde , a quem a Rai-
nha rarabem amava : Efto Blanca es zelo , e elLa lhe relponde á.
parte. Zelo ? Aííadiendole una letra.
Nota 151.
O. loi. verf. z. c 8. Qu« os Leoiiezes. Já fe diíTe , que
D. Pedro Bernardo era grande Senhor no Reino de Leaõ, e Caf-
tclla. O Rio Tormes , he o que corre por Salamanca, o Pifa-
erga por Valhadollid ; e o Mançanares por Madrid, fendo Teu íilhcr
D. Tello Peres de Menezes Senhor 'deftas terras.
Nota 155.
O. 105. verf. f. Impulío cítranho. A íimpatia , que oculta*
mente o fazia reconhecer pelo fangne , que Henrique era fcii
pay.
CANTO III.
Notas 15" 4.
O. ?. verf. 5. Circulo de Febo. Diz Egas Moniz, qiieoln»
fante D. Afonfo mais gentil , que Adónis amante de Vénus ain»
da naõ tinha cinco annos»
Nota 1$$.
i O. 5. verf 4, PaíTos. Aífim k explica, poeticamente , que o
Infante naõ podia andar tendo já perto de cinco annos , que he
o efpaço de tempo, a quc os Latinos chamavaõ luílro..
Nota iç(j.
O. 7. verf 2. Filhos de Afollo* Aqui íe íignificaõ osMe*
dicos , por ftr também Deos da Medicina.
Nota 157.
O. 7. verf 7. Morfco» Poucos ignoraó , que era o Deof
30 fono.
Nota 158.
O. 8. verí- 3. De Juno. Eíla allufaõ , que faz Egas Moniz,;
he tilada do livro 14. da liiada de Homero , onde finge , que
a Deo-
D o T o E M J. 29
à Deofa Juno, inimiga dos Troyanos , quiz adoí jpiter
ícu efpofo , para que naõ evitafle o cRrago deTroya, e que fo)r
bufcar Morfeo a Ilha de Lemnos huma das do Aichipclago , de
donde o levou ao Ceo , para que com ópio incitaíTe o íono de Jú-
piter , transformado na Ave chamada Simindis , que lie o Fal-
cão nodurno, c^.amado Caleis , e pvometendo-lhe por premio a
bclla Ninfa Pahthca. E o cingido , ou cinto de Vénus , que Ho-
mero admiravelmente deícreve no livro 14. fignifica as graças,
atrac(^ócs, e carinhos, que Juno pedio a Vénus para agradar a
Júpiter.
Nota 159..
O. 17. verf. I. Matilde. Epizodio , que he todo fingido,
ferve de grande adorno ao Poema , pois nelle deículpo lerem il-
legitimos xMulcy, e Aldara , fupondo eílc primeiro cafamento de
Henrique com Matilde , na5 deixando de lembrar-me efte no-
me no fucceíTo delRey D. Afonío III. feu tresneto , que lendo
Conde de Bolonha em França , repudiou Matilde Senhora da-
qudle Eftado , cafando também com outra filha delRey D. Afon-
fo de Caftella , chamado o Sábio , illegitima cora huma mãy
também da família de Guímaó , como a da Rainha D. Therefa,
C fe efta tro-uxe em dote o Reino de Portugal , a fegunda o do
Algarve.
Nota i 60.
O. 17. verf. 1. Eo Loire. Eftcs íaõ os quatro principiei
tios de França , de que o primeiro paíTa por Pariz , c os outros
por divcrfas Províncias , e terras principaes.
{• Nota 161.
i" O. 17. verf. 4. De Bayona. Cidade, t porto de mar ào
governo geral de Guiena em França , onde Matilde eftava ocul»
ta.
Nota i6i.
O. 24. verf I. Galatea. Ninfa, que por amar Acls foy caai
/a da morte, que lhe deo , lançando fobre elle hum penhafco
o ciúme do Ciclope, e Gigante Polifemo na Ilha de Trinacria ,
hoje Sicília , e a Ninfa fogindo defte monílro fe meteo no mar^
<íe que era hunta áis Deoíàs.
Nota 16^.
O. 2<5, verí. I. Champanha. Provineia de França, a que ft
Jinc á de Brie , e de que a Capitai he Troycs. Governa eftas
Pro-
50 NOTAS
Províncias o Príncipe de Rohan-Soubize > e teye Soberanos , qii€
aqui vaó fingidos.
Nota 164.
O. 26. verf, 3. Bretanha. Outra Província famofa de Fran-
ça, que teve Duques Soberanos até os ultimes fecuios , de que
craõ delcendentes legítimos, e herdeiros , fe Anna de Bretanha , mu-
lher de Carlos VIU. Rey de França naó tiveiíe filhos.
Nora 165.
O. 2(5. verf 4. Guiena. Já fe diíTe , que Matilde eftava em
Bayona porto da Província de Guiena, de que a Capital he Bor-
deos. Eíta Província também teve Duques , e a conquiíláraó , e
dominarão muitos annos os Inglezes.
Nota 166.
O. 27. verf. 8. Me fez trocar a magoa pelo encanto. A ma-
goa , que tinha enternecido a Henrique , palfou a fer íufpenfaõj
ou quafi encanto , ficando admirado de taõ raro fucçeílo.
Nota 167.
O. 29. verl. 3. Rogero , e Clotilde. Saõ nomes fingidos.
Nota 168.
O. 34. verf 4. De Pirene a ferra. Dizem, que aos montes
Pireneos , que dividem França de Fíefpanha , deu o nome a Nin-
fa Pirene , a quem Hercules violou neíles montes , e as feras a
devorarão , dando-íe fepultura ao refto do feu corpo neftes mon-
tes.
Nota i6ç).
O. 35. verf. 8. Anteros. Fingirão os Gregos, que de Cu-
pido amor cego, e tirano era Irmaõ o amor correfpondido , e
bem vifto , a que deraó o nome de Anteros, que fignifica , co-
iTio diz Cicero libr. 3. de Nat. Deor. e Pa ufanias , o Vingador
dos que defprefaõ o Amor, ou os amantes.
Nota 170.
O. 57. verf I. Reftaurar a Paleftina. Como eftc feculo foy
o em que íe conquiílou a Palcílina , e ganhou Jerufalem , fin-
\o , que Henrique quiz evitar as diífençóes dos Priucipes de Fran-
iça , e naõ embaraçar a Cruzada , em que pouco depois fe achou.
Nota 171.
O. 57. vcrí. 8. Os doze Signos. Bem fe vê, que he o eí-
paço de hum anno , o que o Sol gafta em correr os doze Sig-
nos Celeíles, principiando por Aties no Equinócio de Marqo. r
DO V O E M J. 31
Nota 171.
O. 38. verf. 2. Gemini";. O Sol enrra no Signo de Gemini
a 20. de Abril , e me pareceo próprio , por fer efle Signo de
Caftor , e Poliix irmaõç gemios , que o foraõ também da Bella
Elena, e filhos de Jupirer, e Leda infliiirem no nafcimento de
Pedro, e Sibila , que eraõ Miiley, e Aldara igualmente amantes.
Nota 175.
O. 59. verf. 5, Hefpinhol Rodrigo. As acções de Rodrigo,-
ou Ruy Dias de Bivar , chamado o Cid , e as vitorias , que al-
cançou dos Mouros em Hefpanha por elles tempos , dizem foy
hum dos motivos de que o Conde D. Henrique vicíTe de Bor-
gonha a Heípanha a fazer guerra aos mefmos Mouros.
Nota 174.
O. 40. verf. 5. De Bayona. Como em Galiza ha outro Por-
to de mar do mefmo nome de Bayona , e governava aquelle
Reino o Conde D. Ramon primo com irmaõ do Conde D.Hen-
rique , invenrey efta viagem de hum a outro porto, e o com-
bate naval, c cativeiro àos dous tilhos.de Henrique, e de Tan-
credo.
Nota 175.
O. 42. verf. 8. Do Parnafo nos Archivos. Qiiando alIegcjP
os titulos dos Archivos dos Poetas , que eftaó no Parnalo monte
de Beócia , onde com a fua fonte Cabalina efcrevem os feus
Poemas , bem provo a certeza deile Epizodio , pois diz Santo
Agoftinho , que os Hiftoriadores tem tanta obrigação de fallar
verdade, como os Poetas, de a naó dizer. Vejaó-fe largamente neí-
te ponto a Hiíloria dos Poemas , e as advertências preliminares.
Nota 176.
O. 44. verf. 5. Melhor Eneas. Aííini como Eneas levou à
Religião de Troya a Itália , e foy tronco pelos Reys de Alba dos
de Roma, como diz Virgílio no primeiro da Eneada verf, 10. e
II.
Inferretque Deos latium ; gentis unde lattnum
Albantque patres , atque altA mucnia Kom&,
Aílim Henrique trazendo a Portugal a verdadeira Religião, fun-3
dou o Reino , e foy tronco dos feus Reys conquiítando Lisboa
que fobre fete montes , he a fegunda Roma.
Nota 177.
O. 44. verf. S. Ganhais Eavinia por perder Creuza. Contf-'
oua o paralelo , <jue Cunha faz de Henrique cora Eneas, pois
efte
^z 'NOTAS
cíle perdeu íua primeira efpofa Creuzai e aquelle MatiMe j eftc
ganhou coitv o caíamento de Lavinia o Reino de Alba , aquelle
com o de Therefa o de Portugal , e naõ me efqueceo , que o Sa^-
bio Rt.7 D. Joaõ o V. Te dignou de cornar na minha Arcádia ,
de que he Proredor em Roma o nome de Paílor Albano , em ac-
tençaõ ao Pontifice Clemente XI. que era da Familia dos Alba-
11 os.
Nota 178.
O. 48- verf! r. Amado aborrecido. Protefto , que o nome
próprio de Amado me naó trouxe á memoria o equivoco de abor-
recido , porque naó podem Ter equívocos , epítetos taó contrá-
rios, f
Nota 179.
O. jo. verí. 8. Amazona. As Amazonas de que tanto (t cC-
creveo , dizem tinhaõ o leu Império no Paiz da Scicia , por on-
de corre o rio Therraodonte.
Nota 180.
O. 50. verí. 8. Pantaíilea Oritia. Entre as celebres Amazo-í
nas , efcolhi para a comparação de Axa , imagem de Belona ,
Deofa da guerra, a Pantafilea; que foy a primeira, que focor-
%eu os Troyanos , e morta por Aquiles j e a Oritia fua anteceí-
fora, era filha de Erecthes.
Nota i8í.
O. 52. verf. 2. Semiramis. Entre o muito , que fe conca de
Simiramis Rainha dos Aílirios , e fundadora de Babilónia , fe diz ,
que eílando-fe toucando-íe a aviláraõ , que os inimigos entravaõ
muito poderofos nas íuas terras , meteo o pente no cabello, diíle
ás fuás Damas , que cm vencendo, voltava logo a acabar de touj
car-fe, e tudo executou prontamente.
Nota 182.
O. 5f. verí. g. Palas, e Belona. Nefta louca idolatria de
Axa , adorava as Heroinas guerreiras , que eraõ hum gráo mtf*
nos , que Deofas,Ve as duas da guerra lhe deviaó mais lacrificios
do que Marte ,' aíTim por ferem como ellas molhercs , como por-
que efte Deos favoreceria os Portuguezes pelas caufas , que ella
çm outro lugar explica.
Nota 183.
O 56. verf. 6. Expiações, c lavacros. As expiações fe faziaó
para purificar os delitos nos delubros , ou pequenos templos,
e íempre lav^n^o com jigoa , ^e da mç^ma fortç os lavacros fa-
ziaã
D o F o E M J. 33
íJaõ puros os facrificios 5 e defte confoante culto , aza muitas
vezes D. Joaõ de Xanrigui na fua Faiíalia, e o íegucm muitos
modernos , pode fer que por naó terem íimulacio , e facro
terceiro confoante heróico para huma Outava.
Nota i84-
O. $y. verf. 2. Tritonio. Era Palas chamada Tritonia por
aparecer junto ao Rio Triton , que nalce na lagoa Tritonide
em Africa.
Nota 185.
O. ^7. verf 4. Eriethonio. Nome que teve Athenas don-
de Palas foy mais venerada.
Nora iS<í.
O. 57. verf. 6. Gorgonio. Uzei de licença poética em lu-
gar de Gorgoneo, como fe uza de Impirio em lugar de iropireo,
e Syderio por Sydereo , c chamo terror gorgonio ao efpciho do
efcudo de Palas, porque vcndoíe nelle Meduza , que era huma
das três Gorgonas , fe matou com a lua vifta , e convertia em
pedra aos que a viaõ.
Nota 187.
O. ^'^. verf 7. Égide. He hum nome que daó os Poetas
ao mcfmo Efcudo de Palas , o qual lhe deo Júpiter , e tinha
efte nome por fer feito da pelle da Cobra , que o criou com
o feu leite chamando-fc em Grego Hegos a Cobra.
Nota i88-
O. ^%. verf. I. Belona. Para entender efta Oitava bem, po-
dia oftentarfe muita erudição , mas bafta faber o que diz Da-
net no feu Diccionario de antiguidades na palavra Belona , que
era Mãy , ou Efpofa de Marte , e Deoza da guerra. Apio Cláu-
dio chamado depois, ceco, lhe edificou hum Ten^plo , em Ro-
ma , no circo Flaminio perro da porta Carmental : junto delle
eítava a columna bélica , e por íima delia lançavaõ os Feciaes
hum dardo , para a parte do Paiz inimigo , a que declaravaÕ a
guerra.
Nota 189-
O. 5 8. verf 7. Fecial. Eraó os Feciaes hum a efpecic de
Reys de Armas , que intimavaõ a guerra aos inimigos arrojan-
do huma lança para o paiz contrario , e por iífo Axa lançou
hum dardo para a parte do Douro , que era o Paiz de Hen-
rique.
d No-
34 N O 1 A S
Nota 190.
O. 59. verf. 1. Buílo. Chamaó-fe Buílos às cííatuas d&
meyo corpo.
Nota 191.
O. 59. verf. 5. Tomiris. Foy Rainha dos MaíTagetas , que
venceo , e matou ao grande Cyro Rey dos Pérfas , veja-fe Xe-
nofonre na Tua Cyropedia , e os que a tiverem por alegórica
acharão efta morte cm outros Autores antigos.
Nora 192.
O. 57. verf. S. A cabeça. Dizem que Tomiris cortando a
cabeça a Cyro a rrazia dentro de hum odre de Tangue para que
fc fatisfizefle do licor de que fora íempre hydtopica.
Nota 195.
(O. 60. verf. I. Camila. Os que tem qualquer liçaõ de
Virgílio , naõ ignoraÕ , que efta Rainha dos Volfcos dirputou a
Eneas o Reyno de Itália , e que a matou Aruncio.
Nota 194.
O. 60. verC 5. Harpaliee. Venceo os Getas , libertando a
feu Pay Licurgo Rey de Trácia : Virgílio i. Ened. lih. 1. e Sér-
vio no íeu comento.
Nota, 195.
O. 61. verf. I. O filho de Peleo, Aquiles filho de Peleos,
c Thetis naó podia fer ferido , mais , que pela extremidade de
hum pé, por onde Thetis lhe pegou para o banhar na lagoa
Efti^^ia , e venceo Pantazilea Rainha das Amazonas , a qual in-
ventou a foice Ovid. Heroid. epift. Cydipe a Aconfio.
Nota i9<j.
Ò. 61. verf. 5*. Qelia. Virgem Romana, que paíTando o^
Tybre com as outras , que fe tinhaõ dado em reféns a Porfe-
na Rey dos Etrufcos, enganou as guardas, e fe libertou, e as;
companheiras.
Nota 197.
O. 6i. vtiÇ. i. Semiramis. Já diífemos , que venceo ^hin-
do do toucador , e agora fe alude , a que no jardim de Axa
eftava melhor , qu€ nos jardins penfis , que fabricou fobre os
muros de Babilónia que tinha fundado »e foraõ huma das fete ma>
ravilhas do mundo, de quem diz Marcial na primeiro Epigrama,
Affiâuus jaãet me Babilona labor
Nota 198.
O. 6i. verf. f . Hipolita. Foy também huma Amazona vea^
cida
D o T o E M J. 35
Çída por Hercules , e Efpoza de Peleo.
Nota 199.
O. 63. verf. 8. Aríetes. Deftas três machinas militares fe
^xplicaó os uzos no canto undécimo.
Nota 200.
O. 64. verf. 4. Triunfal. Quem tresladaíle a Carlos Pafca-
lio de Coronis encheria muitas folhas no comento deíle verfo:
bafta porém iaber , que entre as coroas , que os antigos conce-
diaõ aos vencedores, a principal era a Triunfal, que fenaó da-
va lenaõ aos que em huma batalha matavaõ ao menos féis mil
inimigos. A Ovaçaõ era menor , que o triumfo , e a coroa cí-
vica íe dava a quem em huma batalha coníervava a vida a hum
Cidadão Romano.
Nota 201.
O. 64. verf. 6. Chiomatica. Eíle era o nome que davaõ
os Gregos á muziça , que provocava ao Amor.
Nota 202.
O. 64. verl^ 7. Galo. Confagrado a Paias como fimbolo
de huma boa fentinella , e a Minerva pela vigilância.
Nota 203.
O. 6G. verf. 5. De Roma. Nos Jogos Circeníes , e no Am-
phiteatto de Roma le exercitavaó os combates dos brutos fero-
zes.
Nota 204.
O. 66. verf. 5. Amphiteatro. Edifício publico para os Jo-
gos , e combates com lugares para os que chamavaó efpectado-
res , íendo o de Roma contado por alguns entre as 7. mara-
vilhas do mundo , de quem diz Marcial , no primeiro Epigra-
ma.
Unum pro cunilts fama loquatur opus.
Nota ;,04.
O. 66. verf. 8. Contra o Rinoceronte o Elefante. Rhino-
ceronte , a que os noífos antigos chamavaó , com Damiaò de
Góes , Rhinoceiotte , ou Rhinoccrotta , e em Grego fignifica cor-
no no nariz he huma fera , que erradamente fe confunde com
a Abada , e da fua inimizade com o Elefante íe podem ver al-
guns Epigramas de Marcial. A Lisboa fe trouxe hum no tem-
po delRey D. Manoel.
Nota 205.
O. 6% verf. j. Taleftris. Taleftres, ou Taleftris Rcinhadas
d ii Am^zo-
36 NOTAS
Amazonas vay na boa fé de Quinto Curcío, que veyo vízíta?
Alexiindre Magno inclinada ao que a fama contava defte heroe.
Naó íe acha efte fucceflb em Arriano , nem em outro Autor
antigo , e he hum dos motivos , porque le Clerc na íua Arte
Critica rup<)em Qiiinto Curcio Autor fingido por algum moder-
no, mas duvido, que quem eícreveo huma obra taõ excelente,
quizede atribuir a outro elb gloria.
Nota io6.
O. 71. verf. ly. Monte Furte. O Monte Fufte , o Rio Alar»
da , e a Serra Seca faõ como já apontei os lugares do íítio da
batalha , que refere o fragmento da hiftoria dos Godos allega-
do por Brandão na 5. parte da Monarchia Luzitana.
Nota 207.
O. 7J. verf. 4. Zelozo. Já adverti , que naõ uzava de li-
cença vulgar de dizer em Portuguez zelozo por ciozo, e que
aqui fò íc diriva do zelo, que Muley tinha de defender a fua
cauíà animado do amor de Aldara.
Nota 208.
O. 75. verf! 8. Sagitário. O Signo celefte de Sagitário , eni
que entra o Sol a vinte , e trcs de Novembro , he o Centauro
Chiron , ou Chroton , e fe pinta no globo atirando fetas, e
aqui uzo da figura Hipérbole com mais atrevimento , que oti-
cras vezes , de que pudera alegar exemplos de muitos Poetas. Baí.
te por agora o do grande Calderon , que na Comedia de Ama-
do , e Aborrecido , diz que as lanças que fc quebrarão fubi-
raõ caõ alto
que dela region dei ayre
paflando-fe a la dei fuego
por encenderfe tardacon
en caer j 6 nó cayeron.
Nota 209.
O. 76. verf 6. Tranfmigraçaõ. A traní^migraçaõ , á que 0«
Gregos chamarão Palingenefis , ou Metempficofis , foy dogma de
Pythagoras fupondo , que as almas paflavaõ de huns corpos a
outros , erro que dos antigos Gymnoíophiftas da índia herdarão
as Bracmenes ; e como fuponho a Axa inftruida em alguma
«rudiçaõ , naõ fendo cfta muy profunda, tira delia o conceito
Hyperbole , com que fomenta a vaidade de Muley.
Nota lio.
O. 77. verf. j. Alcaides. Ainda hoje daõ os Mouros onò-:
me
D o P o E M J. 37
me de Alcaides aos Geiíeraes , e Governadores de Praça , que
nós coníeivam-os no de Alcaides Moies , ainda que em Eipa-
oha , c Portugal também íígnifica o de Officiaes de juftiça , ten-
do em CaftelhaiTo o de Alcaide lo a primeira íignihca^aõ , e o
de Alcaide a legunda.
Nota 111,
O. 79. verf. 2. Libação, He termo próprio dos Sacrifícios
quando fó le toca com 0$ bei(^os o licor lançando le o reito
por terra.
Not^ 215.
O. y^. verf, 50. Jó. Foy a Ninfa Jó amada de Jupfrer , e
Juno cioza a transformou em Vaca , de que digo era o leite,
que por fer de noite o comparo com a via laótea , que he a
mancha , que fe ve no Ceo , a que os Gregos chamarão tam-
bém Galáxia , e os modernos defcubriraó com os Telefcopios,
que era toda formada efta mancha de Eftrellas imperceptiveis
â vifta ,em quanto Galileo Galilei Florentino pelos annos de lóoo.
na5 defcubrio o modo de trabalhar nos vidros para os óculos
de Tubos grandes. A primeira vez , que ordenei a magnifica
Livraria delRey D. Joaõ o V. achei hum manulcripto das obras
de Mathematica de Cláudio Ptolomeo Alexandrino ellrito antes
áo anno de 1400. e no prin ipio e(kk o mefmo Ptolomeo mui*
to bem illuminado com hum grande tubo olhando para as Eí-
trellasj poièm naó infiro, que a invenqaõ dos óculos com vi-
dros , foíTe por eíle manufcripto mais antiga , íenaõ que uzaf-
íem para augmenrara vifta com os rayos vizuaes unidos de ca-
nudos ocos, e compridos da mefma forte , que dentro dos po-
ços , e covas profundas fe vera algumas vezes de dia eftrellas que
fenaõ diflinguem na fuperficie da terra. Em Marcial fe acha me-
moria de que os mal viftos augmentavaò com o vidro as letras
para poder divizallas.
Nota 214.
O. 81. verf. 2. O mármore íe anima. Efte oracuk) me da-
va motivo para difcorrer na opinião de Wandale , que abreviou
com erudita diícriçaõ Mr. Fontenelle querendo provar , que to-
dos os Oráculos craõ fingimento dos Sacerdotes Gentios feni
operação diabólica , porém ainda que em grande parte feja eíle
diícurfo bem fundado , he muito contrario ao íentido dos San-
tos Padres eíla propofiçaõ abfoluta. Aqui podia fer iluzaò de
.Axa, « nuaca o máo génio coíluma dizer verdades, nem pó-
--^•c- de
38 NOTA S
de faber com certeza os futuros.
-íxjidi Nota 2 í 5.
. O. 8i. verf. I. No dia. Efte Oráculo , que, como todo j,'
iccebe dois íencidos , fe veriíica naõ como Axa o entendia , mas
cora mayor fortuna Tua, pois fe cumpre quando ella , e ÉlRey
feu marido fe bautjzaõ , e os fervem como padrinhos o Conde
P. Henrique, e a Kainha fua elpoza,como íe veia no íim do
Poema.
Nota 2,16.
O. 83. verf 4. Períeo. A voz guerreira de Palas produz
na. idea de Axa a iluzaõ de que os elementos perturbaõ a paz,
ç os Planetas , e Conítelaçoens fe confundem. Perfeo he huma
imagem celeíle da parte do Norte, e das vinte, c três Confte-
laçoens dcíle poio , e hngiraõ , que fora colocado no Ceo efte
lllho de Júpiter, e de Danae filha de Acrilfio Rcy dos Argivos
entrando ]ovçí na torre em que eftava prefa transformado em
chuva de ouro. A acçaõ de cortar a cabeça de Medula , que
ja expliquey , e outras de que algumas fe diz foraó verdadeiras
fundando Perfeo o Reyno de Mycenas , e dando o nome a Per-
fia o eternizarão , e como fe achaõ eftas fabulas aftronomicas
em Arato Poeta Grego , que efcreveo hum Poema intitulado,
Phcnomenas , traduzido naó menos que por Cicero , por Ger-
mânico Cezar , por Rufo Feito Avieno , e iluftrado por Grocio
porManilio no leu Poema aftronomico , por Hyginio Liberto de
Augullo , e pelo moderno , e vaftiHlmo Cezio , apontarey ló deí^
tas conftelaçoens o que bafte para buma ligeira inteligência.
Hercules no verl". 4. he outro aítco dominando o Dragaõ das
Hefperides , que guardava as maçans de ouro.
Nota 217.
O- 83. verí. 5. A Balea. A Perfeo montado no cavallo Pe-
galo fe legue no globo a Conftelaçaó Boreal da Balea , que hç
o monftro marinho , que Perfeo matou voando no mefmo ca-
valo Pegaío para livrar a vida da fermofa Andromeda, e por-
ifio finjo que íe lhes opoz interrompendo-lhe a carreira ncíle
movimento extraordinário das eftrellas fixas cauzado pela hor-
renda voz de Palas. Nefte vcrfo uzo quaíi a única vez do
verbo, e do nome turba , como conloantes pela efteriiidadç
<ieftes,
/.:Loq iíjpA Nota 218.
O. 8^5. yçrf« 7.. m 2^odiacg, O i^mc dç Zóo^eni Grego»
Tigni-
I
DO P O E M J. 59'
Cgnifíca animal , e o de Zodíaco , que tem animaes 5 porcjue
os doze Signos , que cftaõ nefte circulo , ou faxa celefte, to-
dos eraó de homens , o» bruços , e até o de Libra fe piarava
na. primeira forma , e por iilo digo , que os animaes ceieftes fe
agitarão nefta confuíaó.
Nota II 8.
O. 84. verf. I. Morre o Cifne , &cc. Por naó multiplicar
2S notas explicarey brevomente em huraa í6 as de que neceílita
eíla Outava. O Ciíne Conftelaçaó do Polo ar<ílico he o em que
fe transformou Júpiter para confeguir a Leda , e digo que mor-
re , c naò canta por moftrar , que o medo lhe mudou a natu-
reza. O Bruto Hefperio , queinfulta Alcides , he o Dragaó , que
cxpliquey na nota antecedente. A Urfa , ou Cynozura , a qual
digo fe efconde no mar medroza fem que fe mude , ou efcon-
áa o Polo do Norte , aludindo ao que diz o grande Camoens
guando paflbu a linha equinocial.
Vimoi as Urfas a pefar de Jun9
Banhar em- fe na> agoas de Neptuno,
E como (ao duas , falo aqui fó na menor , que he a mais
vizinha ao ponto do Polo do Norte, a quem àeo o nome,
porque Arótos em grego , fignifica Uría. A Náo Aigos foy a
<3ue deo o nome aos Argonautas , e a em que jazon foy con-
quiílar o Velocinxo de ouro a Colcos j he Conftelaçaó do Sul.
Ântinoo , que he do Norte , foy hum valido do Emperador
Adriano , que fe marou , para que nas íuas entranhas fe viífe
o Arufpicio , ou agouro felice da batalha , que aquelle Empc-
Tador eftava para dar no Egypto , e o faço nefta confufaõ íe-
-pultar na Urna Conftelaçaó do Sul. Orion gigante no emisfe-
lio antartico , he o que fe atreveo a Juno y e nefta Conftela-
çaó contaõ os Aftronomos modernos depois da invenção do
Telefcopio mais eftrelias , que as 1022. que faó fò as que fem
óculo podem verfe , e faço que a Canicula íendo aftro do Nor-
te morda raivoza com o feu ardente veneno a efte Gigante.
Nota 2 I c^.
O. 87. verf I. Correm eftatuas. O fim defta Oitava ex-
plica o engano » com que Ce reprefenta a Axa » que as eftacuas
das heroinas fe animaó para a^feguir na guerra.
Notas 221.
O. 88. verf. y. A animar o cadáver. Efta morte da Zaida ^
9 O feu cadáver animado por Palas, imita a Eredo de l iirano ,
a falíi.
40 : NO r A S
a Taiílrena de Marino , e outras magicas de que fe conta , que
com o maligno efpirito animavaõ os cadáveres. Muitas hifto-
rias referem íèmelhantes Authores mais crédulos , e entre ellas
havia huma bolatina celebre de Itália, a quem hum feiticeiro
depois de morta , fez continuar o exeicicio , e outro mais po-
derozo a fez cahir da Maroma reduzida a p6 , e cinza , e Pa-
las aqui toma com o íèu coipo a lua forma , como Minerva
a de Mentor em Homero para açonfelhar a Telemaco filho de
IJlifes , ficçaó , que íeguio com mayor propriedade o llluftrif-
íímo Author do Telemaco Francez , que elpero dar á luz tra-
duzido ein Oitavas Portuguvizas , porque ainda que em proza
Franceza fie hum Poema heróico perfeito , aflira ficarão mi-
Jhor na memoria as fuás uciliífimas refiexoens.
Nota IX i.
O %^. verí. 4. Ocazo Heliaco. Helius em Grego he o Sol,
e os Maihematiços chamaó Ocazo Heliaco das Eílrellas , quaa-
do alguma entra nos rayos do Sol , lèja eJla , ou o meímo Sol,
os que íe avizinhaõ.
Nota 2Z2.
O. 91. verí. 1. Távora Galhardo. Eíle podia fer D. Rami-
ro Pinhones aícendente dos Tavoras lem muita diferença da
cronologia da efcritura , que traz Fr. Bernardo de Britto , ena
que deduz a fua vaionia delRey D. Ramiro 11. de Leaõ , coit>o
em outra parte fe dirá.
Nota 225.
O. 95. verf. 5. Mentor. Veja-íè a nora 220. em que ex«
pliquey a transformação de Minerva em Mentor para aconfe*
Ihar a Telemaco , que por filho de Ulilès era Príncipe de Itha-
ca pequena Ilha do Archipelago.
Nota 224.
O. 98. verf. I. Hermínia Serra. A Serra de Eftrella íe cha-
ma Monte Hermínio , e o engano com que o Mouro deo hum
cavailo ao Embaxador de Henrique , o faz comparar ao cavai-
lo de Troya , que deo tanto a conhecer o incomparável Vir-.
gilío no livro 2. da Eneada introduzido pelo engano de Sí-
non.
Nota 225.
O. 105, verí- 5. Também no mar. Depois da comparação
do Crocodilo , que engana chorando , e mata aos que o bufcaó,
animal amfibio , ou de terra , c agoa j que infeíta o Rio Nilo
bencfi«
i
DO P O E M J. 41
benéfico Com as fuás cheyas , pois com ellas ferulij^a o Fgipto,
fiiprindo a falta da chuva , e que deve aos Portugueze^ o del-
cuhrimento da fonte , em que nafce no Reyno de Gujaõ , e
Dambea , na Ethiopia inferior.
Segue outra comparação, que alude ao que íe conta, de
que dezembarcaraó de huma lancha huns marinheiros de hu-
ma Nao, e cuidando , que ellavaõ fobre hum baixo cuberto
de área , e limos acenderão fogo para enxagar-le , e fuguaó lo-
brefaltados para a lancha , vendo que a terra fe movia , e era
huma Balea , que tinha vindo parir a terra , e voltara para o
mar : feja , ou naõ a hiftoria verdadeira , bafta para compara-
ção poética , pois naõ íe achaÕ menos fabulas nos Authores
das viagens , que nos dos Poemas ; c defta mefma comparação
iizou Milton no i. Canto do íen Paraizo perdido.
Nota 2i6.
O. 104. verf. 8. Névoa. O Efpirito infernal, que A xa jul-
gava , era a Deoza Palas animando o corpo de Zaida fabricava
clles encantos de névoas , torrentes , e os mais , que fe fe-
oueni ncfta batalha.
Nota iiy.
O. loS. verf 7. Efquadraó fantaftico. Eftc Efquadraõ de
cfpiritos , he huma imitação de Homero , que faz combater oc
Deozes.
Nota 218.
O. 109. verf 5. Incorpórea fubftancia. Naõ me atrevi a fe-
guir em tudo Homero , que fupondo os Deozes corpóreos , faz
ferir a muitos por Diomedes , e alTim digo , que Pelayo admi-
rou o achar iiezas as fubftancias , que naõ fupunha incorpóreas
vendoas extenfas , como fe explicaó os Cartezianos , e deixo
ao cadáver de Zaida as feridas, que lhe dá Egas Moaiz , a
<juem comparo com Diomedes,
Nota ZZ9.
O. III. verf. r.. Clicie. Foy Clicie Ninfa amante de Apo-
lo , que amava mais a fua irmáa Leucocoe , e efta fugindo del-
le , fe transformou na arvore, que dá o incenfo , a o^jtra na
flor do Girafol , ou Heliotropio , porque íegue , e retrata o mefr-
mo Sol.
Nota 130.
O. 117. verf. z. Vulcano. As armas dos Deojes , e dos He
foes, forjou muitas vezes Vulcano, de que o iiomc he conr
€ corrup-
42 N o r A s
corrupção , o de Tubal Cain , que a elcdtura diz , foy o prl*
raeiro , que inventou a forja , ou a Arte de trabalhar o ferro
como prova Bochart no feu Phaleg , e a fabula fingio fer abor-
recido efpozo de Vénus , e ficar coxo , porque Júpiter pela fua
deformidade o arrojou do jCeo , para trabalhar com os Ciclo-
pes na fragoa do Monte Ecna, He eíla fabula tirada da verda-
de do precipício de Lusbel.
Nota 251.
O. 119. verf. 2. Zéfiro amante. He o fuave vento Zéfiro,
que refpira da parte do Norte principalmente na primavera , e
porque nefte tempo anima as flores , o fizeraó os Romanos
amante de Flora Dama mais fermofa , que honefta , e que dei-
xou os feus mal adquiridos Thezouros ao povo Romano , o
qual a adorou como Deoza das flores»
Nota 232.
í O. 119. vcrf. 4. A arvore triunfante. AíTím como ^efíro
amante quiz roubar a banda de Aldara para a reftituir , a
quem mais a mcreçeíTe , a roubou o loureiro , ficando preza nos
léus ramos , e nefta árvore triunfante , porque coroa os ven-
cedores, fe tinha transformado a bella , e rigoroza Dafne , fu-
gindo do amante Apolo , e como rigoroza , dificultou eftc pre-
mio de Aldára , que pertendiaó os dois competidores.
O. 125. verf. 2. Delfin. Os Tavoras puzeraõ nas fuás ar-
mas hum Delfin Ibbre as ondas , por coníervar a memoria
de D. Theodon , e D. Rauzendo pelejando no Rio Távora,
como defcrevendo efte efcudo , e os de outras Famílias , fe ve-i
rá no Canto quinto.
Nota 254.
O. 116. verf 5. Achcronte. He o Acheronte hum Rio de
Nápoles , que por nocivo , c triíte , c vizinho da Lago Averno^
fingirão os antigos , que era o Rio do Inferno , por onde a
barca do Piloto Charon , que muitos confundem com Ache»
lonce, paíTava as almas dos que morriaõ.
Nota 255.
O. 150. verf. 5. D. Fafcs Luz. Confia, que foy efte D. Fa-
fés Luz Signifero , ou Alferes Mor do Conde D. Henrique , e
como já diife , era Senhor de terras junto ao Rio Lima,
Nota 25(5^
O. 131. verf 5. Geometria. Significa medida da terra, «
he a arte , que fo dá princípios^ ceuos ás fciçnçias , e artes
verds-
D o T o E M J. 43
Verdadeiras entre as humanas 5 porem para o jogo da efpada ,
a que naõ he inútil , a qujz reduzir com demaziada elpecula-
çaó , D. Luiz Pacheco de Narvaes , a quem fatirizou hum dos
Lupercios no engenhozo loneto , que principia.
Quando los ayres , Parmeno divides
Con el efioque negro ^ no te acuz^o , &c.
E acaba dizendo , que he impoílivcl.
El reduur la cólera a precetos.
Que he o verfo , que imitey.
Nota 157.
O. 153. verí. I. O filho de Thetis , e o de Alemena. O
fiiho de Thetis , e Peleo , era Aquiles , o de Alcnena , e <ic
Júpiter , era Hercules , e ambos , como já diíTe , combaterão
com a Amazona Hypolita.
Nota 238.
O. 134. verf. I. Ifthmo. No Ifthmo , que era o de Co-
linto , e he a lingoa da terra , que ata a peninfula do Pe!opo-
nelb C hoje chamada Morea ) com a terra firme de Grécia fe
celebravaõ os jogos , a que o fitio deo o nome de Iftmicos.
Nota 259.
O. 135. verf. 5, Infernal eftigio. O lagc| eftigio , era no
Inferno , c o juramento inviolável dos Deozes.
Noca 240,
O. 155. verf. 5. Diomedes. Agora explico -mais a compa-
ração de Egas Monís com Diomedes , que Homero diz ferio
a Marte.
Nota 241.
O. 155, verf. g. Peon. O nome de Peon , he o que dá
Homero ao Cyiurgiaó , ou Medico , que cu-rava os Deozes fe-
ridos por Diomedes.
Nota 242.
O. 136. verf 8. A trifte corrupção. Egas Moniz fempre
favorecido do Ceo , deftruio o material , comporto do corpo
morto de Zaida , e íè exalou o génio maligno , que o anima-
va , ficando reduzido a corrupção , porque entendi , que efté
«ncanto eftranho naõ devia durar mais tempo no Poema, ain-
da que Palas em diverfas formas ficaflfe fomentando a idola-
tria de Axa.
Nota 245.
p. 157, verf. 7. Líucoroe. Pouco tempo ha, que explt-
e ii quc(
44 NOTAS'
quei , qiTC Leucotoe fora amacia de Apolo , e o Poeta unío tt-'
tas três Ninfas em hum verfo. Para que em Dafne, Clicie , ou
Leucotoe , &c.
CANTO IV.
Noras 244.
O. 3. verf. 5. Hidra. He aliizaõ á Hidra áo lago Lerneo,.
á qual quando Hercules cortava huma das fere cabeças , nafciai
logo outra , e (o quando as queimava , fenaõ reproduziaó , e
aííim ainda que Hcuique maraíTe muitos Mouros , logo com
novas levas apareciaõ os fcus Exércitos , igualmente numero-
zos. Nota 245.
O. 6. verf i. D. Afonfo Auguílo. ElRey D. Afonfo VI.
de Lcaó chamado Emperador , teve íilhas de diverfas mulheres,
em que ha duvida , quaes foraõ legitimas , e ha quem diga ^
que foy 6. ou 7. vezes cazado , e fe prova baftantemente , qne
foy legitima a Rainha Dona Thereza , mulher do Conde D^
Henrique , ainda que o contradiz a mefma Crónica , ou Exem-
plar Floriacenfe , a quem damos credito em fazello deícen den-
te dos Duques de Borgonha, e Reys de França; mas fobre a
fucceflaõ delRey D. Afonfo , de quem foy herdeira a Rainha D»
Uiraca, houve com Portugal varias diíTençoens.
Nora 246.
O. 7. verf. 8« Tormes. Eftendia-fe já o domínio do Con-
de D. Henrique defde o Mondegp , onde já era Senhor de Co-
imbra , atè o Reyno de Leaõ , por onde corre o Rio Tormes*
Nota 237.
O. 10. verf 8' O Trofeo de hum tronco. Grécia, e Roma
leyantavaõ no campo da batalha troféos nos troncos , e Hen»
íique fez triunfar o tronco da Cruz de toda a infidelidade.
Nota 248.
O. 11. verf. 1. Do efpaço aéreo. Imaginarão muitos Fí*
lofofos antigos , e ainda modernos , que no efpaço aerco ficarão
alguns génios infernaes menos malignos , e que cauzaó tempef-
tades. Nota 249.
O. 12. verf. 5. Teííphone. He huma das três Fúrias, fen-
do as duas Megera , e Aledo , e aqui por Hipérbole digo , que
fó quem a invocaíle por Muza , e por heroes aos efpiritos , que
fallavaõ nos Oráculos , e eraó prefagos dos males , igualaria o
furor de Axa. Heroes também trazem origem no feu nome do
ar , em que andavaô girando eftes , que chamavaõ Deozes da
%. claífe , e Indigctcs» No-:
DOTO EMA 4f
Nota 250.
O. 14. veif I, Deftino, A barbaridade gentílica , que def-»'
conhecia a providencia , fu^eicava os feiís Deozes ao deílino.
Nota Í51.
O. 14. verf 5. Filho de Vénus. Eneas filho de Vénus, e
de Anchizes , tendo hunia Mãy Deoza , que o amparava , nao
pode evitar o feu dellino , nem a oppoziçaõ de Juno , fofrendo
tantos trabalhos na fua peregrinação , e viagem de Trova a Itália.
Nota 1^1.
O. 14. verf. 4. O filho de Tetis. Achiles filho de Tetis ;
e de Peleo morreo , como já fe diíTe , ferido de huma letta cm
huma extremidade de hum pé , por onde lo naõ era invulnerável.
Nora 255.
O. I <3. verf. I. Athcifmo. Axa vay degenerando da faperf-
tiçaõ para o Atheifmo, que (ignihca feni Deos , porque Atheos
cm Giego com o A privativo , e Thcos , que he Deos , deo
o nome a efta impiedade.
Nora 254.
O. 16. verf. c. Efcuro íonho. As portas por onde os fo-
nhos íahem do Abyímo , guiados por Morfeo , defcreve com
elegância Virgílio , e outros Poetas Latinos , e Gregos.
Nota 255.
O. 21. verf. I. Brunaferro , o Troglodita. Chamey Bruna-
ferro , a efte bárbaro , compondo o nome de Bruno , que em
Irahano , e em outras língoas , fignifica cor efcura , ou negra,
c de ferro , fazendo-o Troglodita , Povo bárbaro de Africa , na
Ethiopia , perto do Seyo Arábico , hoje chamado golfo de O. mus.
Nota 2^6.
O. 21. veríl i. Ceraftes. Saô Serpentes venenozas de Afri-
ca, e os cornos , que tem , e em Grego íe chamaõ ceros , lhe
deraó o nome, e digo, que fe alimentou com efte veneno,
porque aílim fe conta de Mitrídates Rey de Ponto, a quem naõ
fazia mal a peçonha, por habítuarfè a ella.
Nota 2J7.
O. 21. verf 4. A Gorgona. Já expliquey , como a Gorgc-»
na Meduza tinha por cabellos Serpentes , a quem digo , que
os de Brunaferro imitavaõ no retrocido , e no venenozo.
Nota 258.
O. 25. verf. I. Lucidio. Para fazer hum retrato em opozi-
jaó ao de Brunaferro, imaginey efte galhardo Francês, que foy
dcfpo- •
4<5 NOTAS
delpojo da fua barbaridade , e com o feu martírio motivo do (tú
caftigo. Nota 259.
O i6. verf. 7. Soldaõ de Babilónia. Os Mouros de EfpaJ
nha foraó muito tempo tributários do Soldaõ de Babilónia , e
defte , dos Califas , e outios Soberanos , fe pôde ver a Africa
de Marmoi , c a hittoria dos Mouros de Efpanha de Bleda.
Nota 260.
O. 27. verf. 8. Falfo Paraizo. Mafoma no feu Alcorão pro-
znette aos Mouros hum Paraizo de delicias feníuacs , e groífeiras.
Nota z6i.
O. 54. verf. 8. Antes nas armas, c depois nas letras. Como
conto a gloria militar de Coimbra , na fua defenía pelas armas,
pronoftíco , a que hade adquirir alguns feculos depois com a fua
inligne Univeríidade pelas letras.
O. 37. veif. I. No Plenilúnio Cínthia. Efta Outava deve
explicar-fe , debaixo de huma fó annoraçaõ. Cintia , que he o
nome , que fe dá á Lua , como já diífe , fuponho no plenilúnio
vuigarmence Lua chea , que lie quando efta a noíTo refpeito dia-
metralmente opofta ao Sol , que affim a ilumina mais , e \h&
chamaó plauftio Apolineo , que he o mefmo , que carro de Apo-
lo , a quem de noite fubftitue com o luar , termo que fem fra-
26 tem fó a lingoa Porrugueza. Os encantos fempre buícavaó o
tempo da Lua chea : entre os Poetas , e Autores , que affirn o
efçrevem , o diz Marino no ícu Adónis.
Talfirenx afpettó , cbe fie no avejfe
Cintut dei orbe fuo le parti fceme.
E aífim digo , que eftava expoíta aos cânticos , ou invoca-^
^oens magicas , que aprendiaõ , em hum clauftro horrivcl den*;
tro de oucro circulo , como diz o Poeta.
Carmina de calo pojfuní deducere lunam.
Ifto entendiaõ , que nafceia do engano de huma feiticeira»
que vendo, que os Povos rulticos de Thcífalia naó conhcciaõ os
elpelhos , lhes moftrou dentro de hum a imagem da Lua çhca ,
perfuadinJo-nos , a que com a força dos feus verfos , fazia vir
a Lua do Ceo á terra, quando queria. Huma pequena nuvem»
que veyo da parte do auftro ao Sul , vento tempeftuozo , e naó
da do Favonio , que vizinho ao Norte he favorável , cncobriíe
a luz da Lua ; e como a efte Planeta , fe atribue a prata entro
os metaes , por eíTa r^zaó com expreíTió poética digo , que quan-
do a efcijreceo , lhe faiíificou a fua imagem argentada como fe
foíR
B o T o E M A. 47
yoflfe hum a medalha de prata , em que eftava gravado o feu rofto.
Nota i('^,
O, 58 verl. I. Cipo. He o Cipo, hum dos monumenros
da antiguidade, que ainda exiftem » e era huma pedra , com al-
guma infcripçaõ , que fe punha nas eftradas , para eníinar o ca-
minho , ou pata fazer memoria de algum íuccelTo raro ; achr.-fe
nas medalhas , Hottinger no liur de Cipis hebrceorum lhe dá ou-
tros ulbs. Nota 264.
O. ?8. verf. 4. Liíipo. Famozo eftatuario , a quem
Alexandre fó permitia , que fabricalle as fuás eftatuas , co-
mo a Apeles , que fizede os feus retratos , e entre os
Efcultores antigos , o que fez mais obras , íloreceo J64. annos
antes do nafcimento de Chrifto.
Nota 2.6iy.
O. 40. verf. I. Eólo , &c. Eólo Rey , e Deos dos ventos*
fe toma aqui pelo meímo vento. Arvores rebeldes de Apolo ,
faô os Loureiros , aludindo ao rigor de Dafne, Triforme Dei-
dade , he a Lua , que aflim íe chama no Ceo , nos bofques Dia-
na , e nos abifmos Porferpina , e neílas duas ultimas proprie*
dades , moftro , que o bofque era efpefo , e eícuro.
Trtit virginis ora Diana.
Nora 166.
O. 41. verf j. Plutão. Plutaõ era filho de Saturno, e
Irmaó de Júpiter Deos do Inferno, que favorece a arte p^r-
niçioza da magica.
Nora 2Í7.
O. 42. verf. 7. Deos Pithio. He Apolo allím chamado por
matar a Serpente Python , e deu o nome ás Pitonidas , e hu-
ma das quaes , como da mefma Efcritura confta , fez aparecer a
Saul a alma de Samuel.
Nota 268.
O. 45. verf. 2. Intrincado Labirinto. Labirinto de Creta^
era aquelle edifício , que dizem , guardava o Minotauro , fruto
do amor brutal de Paíífe , irmaá delRey Minos , e onde todos
fe perdiaõ , e ío Thezeo fe dezembaraçou com o fio , que lhe
deo Ariadna , que foy feguindo , quando entrou , e quando fa»
hio. Nota 269.
O. 45. verC 5. Paros , e Corinto. O mármore de Paros
Ilha do mar Egêo , era o mais celebre , e o metal de Corinta,
^ compoz cm hum incêndio daquella grande Cidade do P olo-
nezó
48
NOTAS- .■
ponezo dos muitos metaes , que cafualmente , correndo fluid^i!
com o fogo , fundirão aquelle preciozo mixto.
Nota zyo.
O. 45. verf. 4. Jónicas colunas. Entre aScfeçó" ordens dl
architetura , que faõ a Tofcana , Doiicá, Jónica , Corinrhia , <í
Compoííra , laõ as colunas Jónicas , das mais eftímádks , vejaõ-i
íe as Tuas proporções em Vitruvio.
Nota Z71. ;'^^^' 'H
O. 48. .verf 5. Camparpe. Nefta ilnzaó dó 'Pafádb tJa glo-
ria , fe reprezentaó a Henrique , as obras mais famozas dos Pin«
fores antigos , e bem notório he , o lucccllo de Apeles, que
endoudecendo pelo amor de Campafpe , a quem retratou por or-»
dem de Alexandre , que a amava , efte magnânimo Príncipe lha
deo para elpoza.
Nota 272.
O. 48. verf. 6. Duas Vénus. Eftas duas pinturas de Vénus,
Nota 273. ;'':,''.;'' :;'v^'*'' *í
O. 48. verf. 7. Anadiomene. VenuS 'Anadíòínerté ; fòy a que
pintou Apeles fahindo do mar , e ifco lhe deu o nome , foy efta
quadro taõ eftimado , que Augufto o confagrou no Templo dç
Jnlio Cezar.
Nota 274. *57 .^x .0
O. 49. verf 4. Ifigenia. Tendo Agamcnon promettido fa«crí*
ficar a primeira coufa viva , que o enconcraire , quando voitooi
da expedição de Troya , foy efta a bela Princeza Ifigenia fuí|
filha. Qiierendo o celebre pintor Thimantes pintar efte SaçrU
ficio , exprimio nos femblantes de todos os que aífiftiaõ diver-
Tos afedos de fina magoa , mas chegando a pintar o roílro dà
Agamenon lhe parecco , que nem o debuxo , nem as cores pO"?
diaó dar a conhecer a inexplicável pena de hum Pay afiito , c
lhe cobrio o roíao com o mefmo lenço , com que enxugavSi
Hs lagrimas.
Nora 275.
V O. 50. verf. I. Xeuxis. A competência de Xcuxis com Pac-i
fàCio fe reduzio a pinrar aquelle , humas uvas ( que he o fru^
ío , que Baco aperra, em que vieraó picar os pallaros ) porén^
Farraíio pintou huma cortina em hum quadro , que Xeuxis
v]iiiz correr , cuidando que era verdadeira , e perdeo o premio:
deftas , e outras pinturas fe veja Piinio na hirtoria natural.
Frsificifço Junio de Piólura veterum , ç Topi Vice dç í*ittor|
«ptjfhi. ' ' ^ ' ' "" No?
D o F o E M J. 49
Nota. 176-
O. 50. vetf. 5. Protogenes. Pro:ogenes
fez enrre outros quadros famofos, o do Caçador Jaliro>a quem
deu para refiftir ao tempo triplicadas tintas , porque íe íe gaf-
taíle a primeira , foflem ficando as outras.
Nora lyj.
O. 50. verf. 7. Jdifo. Jalifo era Paftor, ou Caçador que
fe pinta com hum caõ , e le louvava o Ter robuílo , e veloz ,
e dizem deu íeu nome á Cidade de Jaliío na Iliia de Rhodes.
Noca 278.
O. 5r. verí. 1. Parrafio. Parraílo foy hum Pintor celebre,
competiocom Zeuzis , veja-fe a nora 275. Com ©s exemplos dos
que foraõ corftantes nn primieiro amor, íe perfuade pela fingi-
da Matilde a Henrique, para que deixe o de Thereza.
Nota tj^.
O. 51. verf. 6. Orfeo. Moftra-ihe , que Orfeo confiante no
amor de íiia El^^oík Euridice, a favor da fuavidade da ína Li-
ra, a refgatou do abiíino, para onde voltou em caíligo da fua
coriolidade
Nota 280.
O, 52. verf. 1. Hypficratea. Os exemplos defta Oitava faõ
do amor conjugal , pois Hypficratea, mulher de Mitridares Rey
de Ponto , depois de vencido eftc por Pompco , o feguio na
guerra, veílindo fc á Perfiana.
Linceo foy o único, a quem Hipermneftra livrou da mor-
te , entre os cincoenta filhos de Bello , a que matarão outras
cantas filhas de Danao , as quaes pagaõ querendo no Inferno ef-
gotar hum tanque com hum crivo, a fua infidelidade. Protefi^-
láo foy o primeiro, que defembarcou em Troya , foy a quem
livrou da morte Aquiles, amante de Dcidamia. E fcy Lauda-
mia , taõ fina efpofa de Protifiiáo , que porque Hedtor o matou,
pedio aos Deoles lhe deixalfem ver a lua fombra , e coníeguin-
do-o , morreo de pena.
Nora 2S1
O. Í3. verf. I. Apollodoro. Digo , que foy ApoUodoro o
Pintor, e quem pintou a hiftoria da conftancia de Penélope a
íeu clpozo (jlifes, defendendo-fe em Ithaca das violentas inftan.
cias de léus amantes, como cantou Homero, a quem chama-
rão Milifignes, pela razaõ que já dcy nas advertências prelimi-
nares, era Apolodoro Athenieufe, e foy o primeúo , que ob-
f íervou
So : NOTAS '
fervou a proporção dos corpos, e iníigne no debuxo, e colorido.
Nota. z82.
rnorifO. 54. verí. i. Calipío e Circe. Qiiem leo a OdiíTea d&
Homero , ou a OliíTea de Gabriel Pereira , iiaó pode ignorar ©s
encancos, com que Calipfo , e Circe, quizeraõ embaraçar a^
Ulifes com delicias , a que voItaíTe a ver íua efpoza Penélope ,
fem que o confeguiíTem. Lico foi caftigado , por deixar a fua
efpoza Antiope por Dirce , que foy convertida cm Fonte, per-
dendo os feus dois primeiros filhos.
Nota 28 j.
O. ;8. verf. 5. Matilde. Apparece em fim a fantaílica Ma-
tilde, tendo dito, que Pedro, e Sibilla filhos de Henrique
eraó vivos, mas naõ que eraó Muley , e Aldara , e eu com
a permiílaó de Poeta digo , que faó verdadeiros eftes fin^-
nientos , para adornar o Epizodio.:
Nota zS4,
O. 70. I. verf Acho fcmpre , que a gruta bulco a boca.
Depois que a fingida Matilde quer perfuádit falfamente a Hen-
rique, que a tiraiaõ viva da fepultura em Bayona, donde ve-
yo bufcallo a Portugal, e que por premio do feu amor a con-
duzira a Sibilla ao Palácio da gloria , que fe communicava
com a fua gruta, lhe refere as maravilhas, e dehcias de que
gozava para o tentar, a que abandonaílc fua verdadeira efpoza*
Nota 285. i.isi|í
O. 71. verf I. Nellc vejo os problemas. A primeira" ren-
taçaõ he enfínar-lhe os problemas , e fegredos:, que nunca fe
defcubiiraõ , ou que nos feculos futuros fe inventarão, e os
iíftemas da nova Filofoíia.
Nota. 28<j.
O. 72 verf 1. EíTa pedra. Promete Matilde a Henrique »
enfinar-lhe a fazer a pedra Filolofal , e explicando-fe com os
racfmos termos, que os enigmas dos Alquimiílas , diz que he
Elixir , e tirado de matéria celefte , que hade fixar o Mercúrio
primeira caufa do ouro , e mais permursçoens defta arte fabu-
Joza. Nota 287. *
O. 75. verf I. Vitrificaçaõ. O ouro quando fe expõem
aos rayos unidos do efpelho uftorio , e convexo fe reduz a vi-
dro, mas os Chimicos querem , que a pedra Filofofal tenha a
cor, e efmake da vitrificaçaõ , mas que ficando branda para
penetrar os poros dos mecacs, tenha a firmeza do ouro.
No.
D o P o E M J. ji
Nota zS8.
0. 75. verl. 7. Panacea. Naõ prometem menos os profeflbres,
que a riqueza, e a faude , e elles laõ os primeiros, que naõ
coftumaó ter huma, nem cjira , porque ambas fc lhes diífi-
paõ no togo, e alllm ciiamaõ á pedra ■Filofofal Panacea , que
fignifica univeríal medicina. Efre nome le vulgarizou applicando-
fe a alguns remédios , que o naõ merecem : porque o que le
applica a touai- as doenças , coiliunvi curar poucas , pois he <^i'
íicil , que os achaques, e 03 temperamentos achem hum leme-
dio univeríal , fendo caõ diverías , depois que Deos maudou guar-
dar com huma efpada de fogo o pomo da vida.
Nota 189.
O. 74. verf. 4. Filaderes. Efte nome fc diriva de Philos ,
que em Grego íigniHca Amor , e íe dá aos efcriptos , a que
íeacribiie cauíàr magicamente efta paixaõ , vulgarmente chama-
dos cacEa d&; cocar.
. > ?) 'Jt i ;::;■; jm ú íí. :■ Nota 190,
O. 74. verf. 8. O Amor filho do crhne , c da violência.'
Naõ he imprópria efta origem do amor criminofo , de que fe
atribuem á arte magica violentos , c criminofos effeitos.
g., Nota 291.
O. 75. verf 8. Huma fetta de chumbo. Depois de expli-
car a projecção chimica, conclue comparando os effeitos da pe-
dra filoíofal , de que hum he transformar o chumbo cm ou-
jO, com os do Cupido, de quem a fabula diz, que com as
fCttAs de chumbo caulava ódio , e amor com as de ouro.
Nota 292.
O. 76. verf z. E a pedra. O Magnctifmo da terra naõ
le pode explicar por principies fificos, e mathemathicos em hu-
ma breve nota, porém com elle he atrahida , veja-fe Rohault
na fua Fiíica , porém he certo , que a pedra de cevar fe naõ
conheceo entre os antigos , mais que por atrahir o ferro, mas
naõ por bufcar o polo do Norte , c no tempo do Conde D.
Henrique , ou pouco depois , dizem , que le acha em hum Poe-
ta Francez, que havia huma pedra amante do Polo ; chamava-
fe o Poeta Guiot de Provines j os feus verfos traz Faucher , c
dizem que pelos annos de 1200. íe principiou a conhecer,
que bulcava o polo.
Nota 295.
O. 7(5. verf, 5. Fogo central. Como o fogo do Inferno hp
fii m«.
52 ' N O "f ^ S
material, difconem alguns Filofofos como Kirker no feu Mun-
do íubtenaneo , o Padre Gafpar Scoro no feu tratado da oii-
gem das fontes, que defte fogo, e naó fò do calor do Sol fe
formão os metaes . e fe produzem outros effeitos dentro na ter-
ra, a que os rayos do mefmo Sol naõ podem penetrar.
Nota 194.
O. 76. verf 5. Paralelifmo. Efte termo fc dá no fiftema de
Copérnico a hum terceiro movimento, qne fuppoem na terra pa-
ra confervar o feu eixo paralelo ao do univerfo , e fc advirta ,
que efta opinião, que fe fegue como Hypothezi , ou fuppofiçaõ,
aqui íe trata poeticamente, ainda que pareceíle, que fe aífirma-
va podem íatisfívzer-fe os efcrupulofos , com que aqui hc o De-
mónio quem falia , e naõ coftuma dizer a verdade , e em hu-
ma diíTertaçaó que fiz , fe poderá ler largamente efta matéria ,
lubre que fe acha tanto efcrito , e dizem que efte movimento
íe naõ fenre pelo coftume , e que também com a .terra fe move
o íeu ambiente , que he a regiaó do ar , que lhe eftá mais ve-
fuihâ. Nota 295.
O. 77. verC I. Cubo duplicado. A duplicação da Cubo
he hum problema de Geometria, que ainda fenaó refolveo poc
lenaõ ter achado medida certa às linhas Diagonaes , que íaõ as
que correm de canto a canto , c por iflfo fe chamaú .ainda^ia-
çommeníuraveis. , U 6f^'\^^- o.i^iu.^ ^
Nota 296. \ ' í
O. 77. verf. 3. Com o circulo quadrada. A quadratura do
Circulo fenaõ tem delcuberco ainda perfeitamente , porque íc-
naõ acha a proporção da linha do Diâmetro com a da circunfe-
rência , que cm Gtego fe chama periferia. Entende-fe , que a
differença mais próxima de huma a outra linha , naõ he como
7. para 21. como lhe dava ò infigne Archimedes, mas de 115.
para 355. como lhe aflignalla Adriano. Metio , ainda aíluu fe-
naó ajufta.
, :j..:í^. Nota 297.
-?. . 0.':77, verf. 5. Moto perene. A mecânica, que he huma
das partes rnais nobres, e mais úteis dá Matheraatica, contra
a vulgar íignificaçaõ, que fe dá ao feu nome, tem ainda en-
tre os feu s fegredos naõ deícubertos , o do movimento perpe-
tuo, em que a mayor difKculdade eftá na duração dos inílru-.
mentos, que le lhe haóde applicar , para que o primeiro im-
pulfo fe vá fçmpre rçlUurando, deoois de voltar do centro da
gravidade, N^-
D o T o E M A. ;3
^v: / Nota 25^8.
h O. 77 vciT. S. Se o pêndulo. O famofo Holandcz. Huygens
acKou a m<sditJa da Cicloide, e por ella ajuftou as vibraçocns ,
e olcilaçoens do pêndulo, que logo applicou com grande uti-
lidade para a certeza dos relógios ; e fe lioiiveíle hum , em que
efte movimento perfeitamente í'e ajaftalle, e naõ fe alteraíTe com
a agitação dos Navios , fe acharia a deíejada certeza da navega-
ção de Lefte ao Oefte para o ponto fixo das longitudes com-
parando a hora, que moflrade o Sol como o relógio da Pên-
dula aílígnaline , que havia de Ter a que entaõ foíTe no Por-
to de que lahio o Navio , por onde fe faberia pela diífercnça
dos meridianos, e parallelos , quanto Te tinhaó apartado para o
OdCiíte » pu para o Occidente
■ ■ uttxii. ,c-i ,>!f Nota 199'
O. 78. verf. I. Antecipar prefume. Naõ ío promette a en-
ganofa Sybiila para tentar ao Heroe os problemas , e inventos
que ainda fe naó deícobriraõ , mas 03 que no feu feciilo naõ
eftavaó defcubertos : entre eíles foy hum dos mais úteis o da
impreíTaó ; e aílnn o íeu inventor , como o verdadeiro anno ,
em que principiou , naõ eílá de todo averiguado, mas a opinião
mais commua he que efta gloria íè deve á Cidade de Mogun-
cia, primeiro Eleitorado de Alemanha , onde Joaõ Faufto, ou
Full , c Joaò Gutemberg com humas letras abertas em huma
taboa que encherão de tinta , foraó aperfeiçoando eíla Arte , e
aggregaraõ Pedro Schefer entre o anno de 144.2. e o de 1450.
porque antes deites naõ. ha com certeza livro impreflb. A Cida-
de de Harlen» em Holanda diíputa efta gloria como pátria de
Lourenço Cuiter, a quem dizem furtarão o fegredo os dois re-
feridos de Moguncia íèiido elle feu hofpede. Ke certo, que os
Europeos acharão já eíla Arte na Chiui , onde era muito aar
tiga , e o mefmo dizem da Pólvora..
Nota 500.
,0. 78. verf. 7. Microfcopio. :OcuIo de ver coufas peque-
nas, como diz o feu nome Grego, e ha quem affirme , que
com elle fe vem infecTros de que o Oiíaó , que era o mais pe-
queno , que fe via com os olhos , faz tanta differença , como o
Elefante fazia ao Oifaó : com efte inítrumento fe tem defcii-
herto,.queos Médicos, e Filofofos antigos difcorreraõ errada-
mente por falta de huma taõ útil invenção rcfervada para os
Igculos mais modernos. , ,
No-
J4 : N O 1 A s
Nora 501,
O. 78. verf. 8. Teíefcopio. Oculo grande para obfervar as
Eftrellas , como também diz o íeu nome, e faó tantas as que
fc deícubriíaõ com efte excellenre inftrumento , -que fendo f 6 ,
eómo já apontey lozs. as que fe vem com os olhos, fó na Conf-
telaçaó de Orinn fe achaó quaíi outras tantas j a elle devemos
ver os Satélites de Saturno , e os quatro de Júpiter, de que
as cmitinuas emerfoens , e eclipfes deraõ pelas taboas Loxodro-
micas tanta luz ás longitudes.
Nota 502.
O. 79. verf. I. Contar do tempo. A invenção dos reló-
gios , que íe propõem a Henrique , poderia íer já conhecida no
feu tempo , pois fe affirma que Hayton Rey de Arménia man»
dou ao Emperador Carlos Magno , pouco depois do anno de,
800. hum relógio de horas com muitos movimentos diveríòs ,
mas antes do anno de 1300. naó foy mais conhecida em Eu-
ropa , ao menos em Portugal, eíla admirável invenção, que ran«.
to fe aperfeiçoou em Inglaterra, e com o pêndulo, como já diífe,
vejá-le o exceliente Poema , que em louvor dos relógios efcre-
yeo Hieronymo Preti Poeta Italiano, e principia,^
Fabricando fomra , e viva rmie , > '
/' arte fi moffe ad emular natura.
Nota 305.
O. 79. verf. 7. Panecio. O Filolofo Panecio eníínou , co-
mo.diz Cícero , excellentes máximas militares ao grande Sci-
físLÔ Africano. Veja-íè no iivro 5. de Officiis.
Nota. 504V"
O. 79. verf, 8. Vegccio. Flávio Vegecio Varaõ confular ,
que floreceo no ... . feculo efcreveo a Arte militar mais completa ,
que temos dos antigos , e íe imprimio na ediçaõ de 4. de
do anno com excellentes notas de vários Autores, e
alguns lugares íe explicariaõ melhor fe íerviíTc hum manufcriro
do mefmo tempo do Conde D. Henrique , que íe conferva na
Livraria Ericeiriana.
Nota 305.
'^ O. 80. verf. 8. Germânia. Invenção da pólvora veyo de
<3ermania, ou Alemanha, e íe atribuè a hum frade chamado
-Bertoldo Schuartz , que fignifica negro, no decimo quarto fe-
culo. Dizem que uz.araõ primeiro delia os Turcos no íitio de
Rodes, e em Portugal foy ccnhçcidd no de Lisboa no tempc»
dei
D o T o E M J. jy
delRey Dorrt Joa5 o primeiro , de que eu vi aiiula na Fortaleza
de S. Juliuõ ca Barra de Lisboa as primeiras peças muito informes
chamadas Trons, que atirnvaó com balas de pedra de que os Tur-
cos ainda ufaõ nas fuás Siikanas , lançando-as de extraordinária
grandeza, nas nàos dos Condes do Rio grande, e S. Vicente, quan-
do eftes os vencerão nos mares de Grécia, como já referi no fe-
gundo canto. Nota. 306.
O' 81. verí. r. Dois mineraes a hum material unidos he bem
vulgar que os dois mineraes íaó o falicre, e o inxofie, e o materiai
o carvaó , e que deíles três ingredientes fe faz a pólvora.
Nota 307.
O' Sy- verf. I. O íítio fótma: como a Sybila moftra a Henri-
que em profecias os effeytos da pólvora, como no feu Orlando fii-
rioío aleguey nas advertécias preliminares fizera o admirável A riç)f-
ro, também em poutos veríbs deduzi os termos da fortificação
moderna na expugnaçaó , e defenfa das praças que vay nefta oita-
va, e na feguinte, e de que íupponho , que os meus leitores eftaraõ
inlhuidos , podendo ver as íuas difinicoens entre outros autores
no eftimavel Livro intitulado Engenheiro Portuguez que compoz^
o Sargento mor de Batalha , e Engenheiro mòr Manoel de Azevedo
Forces , meu Meftre da Filofofiá Carteziana, e de algumas partes
da Mathematica, que me naõ tinha cnfinado o incomparável Ma-
noel Pimentel Cofmografo mor.
Nota 505.
O' 87. verí. I. Exalaçoens : também pintey hum fogo artifi-
cial comparando os frutos das fuás arVores com os pomos de ouro
do jardim Heíperio , já explicados. ,;;
Nota. 509.
O' 90. verf. 8» Da belliífima Matilde: como efte palácio da
gloria humana he todo formado pelas illufoens dos màos efpiritos
para preverter a virtude de Henrique, aíiim como hum tomou a for-
ma âíi morta Matilde, outro fe transformou na virtuofa SibiilaHc-
rophile pira authorizar efta ficção.
Neta 310.
O* 91. verf. 8. a Affonío : Qiier a falfa Sibilla perfuadir à
Heniiquc,que Matilde eftà viva,c que como também ocfià feu filho
Pedro, e.'tc deve fucccdcrlhe, e naõAfonfo, e que bem fe vè ,
que o Ceo no embaraço com que lhe vedou o poder andar , jà
moftrou a inutilidade, também alegoricatnenre da a entender, que
peia melma cauía havia de fubílituic muitos íçculos depois a£lRcy
Dom
56 N O T J S
Dom AíFonfo Texto o Infante Dom Pedro íeU irmaõ. 'j
Nota 511.
O' 9i. verf. 7. Filha de Aclòo. as Sereas eraõ filhas de
Aclòo , e fuípendiaó com o canto , paia matar depois a quem
as tinha ouvido.
Nota 3 i i.
O* 9z verf. 8. Canto Lidio. O canto Lidio , e a muíica
Cromathica. O canto Lidio, he hum dos íete, ou oito modos dos
cantos antigos, he dos mais íuaves, veja-fe Prolomeol. i. cap. 10.
cMerfeno de armonia: a Cromática he a mufica , que tem mui-
tos finaes , intervalos , cordas , e kmitonos , que íufpendem, e ad-
miraõ agradavelmente aos que a ouvem.
Nota 315. ,
O' 93. verf. I. Alma do mundo. Os Filofofos antigos
entenderão que o mundo era animado, e Platão, que o amor
era efta alma.
Nota 3 14.
O' 94- verC 4. No antigo eípofo: Tythan erpofo de Aurora
envelheceo de forte, que ella madruga por fugtrlhe, e diz a fabu-
la, que ifto fuccedeo pelo defcuido em que ella pedio aos Deoíes
que lhe deflcm a immortalidade eíquecendo-lhe pedirlhe, que o
perzervaííem da vslhice confervando o na idade juvenil em
que eftava.
Nota 315'.
O' 94. verf. Aóleon : Diana, que permíttio por decorofosos
affedos de Endimion preiniando-o em fonlios, cafligou por íacri-
Icga a cuiioíidacle de Acleon , a quem tranformou cm cervo por-
que a efpreitou eftando com as fuás Ninfas no banho.
Nota 3 i(j.
O' 96. verí. 8- Amor gigante : já explicamos a fabula de
Clicie, e o Girafol em que fe converteo, fe chama também Acan-
tho, e flor gigante, por ler a mais alta das flores.
Nota 317.
O' 97. vor(. 1. Vibora : entre as fabulas que os antigos que
efcreveraõ a Hiftoria natural affirmaraó^e que os Oradores, Poetas,
e Filofofos moraes feguiraõ para as íuas comparaçoens, deo a vibo-
ra baítante aíTumpto. dizendo, que para que íc naú mnltiplicafleefta
eipecie veneiiofa, perde o pay a vida ao gerar , e a máy ao parir .
3íJi> ,i^í>fi..! } fc ,'i j .■'ií'rrr-i:-Nota 318,
y^.HíQf lo^/tvepfi- «v Três talentos á conítancia de Henrique
u.'/l vay
D o P o E M A. 57
vay defcubrindo os enganos do génio maligno trânsforniado na
Sibilla, elhe argue, que perfiiadinilo-o a que fique naqaellc Palácio
lhe difliculre o empregar no templo de Maria os trts talentos que
lhe deo na giuta como vimos no Canto 2.
Nota 3Í9.
O. III. verf. I. Divina Aurora. He efra oitava como todos
advertirão huma tradução fiel das palavras , que a Igreja applica a
Nolfa Senhora nas ílias liçoens : Qua^i , aurora confurgens , pulcbra
ut Lttna , eleãa m Sol , terrtbíits , ut cajirorum acies ordwata.
Nota 310.
O. 112. yer{. 7. Gitaldo. S. Giraldo Arcebifpo de Draga
Primaz das Hefpanhas floreceo em letras , e virtudes no tempo do
Conde Dom Henrique, c por efta catTa o introduzi no Poema
para o confelho, para as acçoens do Sacerdócio, e para as inf-
piraçoens , e milagres.
Nora 52!.
O. 114. verf. 8. A quinta de Rcfende. S. Giraldo confirma
com huma revelação , que tudo quanto tinha viílo Henrique , fora
ilufaõ Diabólica , c o conduzio para a quinta de Refende em que
ainda hoje fe conferva a cafa, e a tradição de que nella fe criara
ElRey Dom Afonfo Henriques , e foy como digo na oitava feguin-
te da familia dos Rezendes, aquém herdou ailluítre dos CaftroS
hoje Almeirante de Portugal.
CANTO V.
Nota 322.
O. 1. verí! I. Dia do Sol. Como os dias da Semana eraõ
dedicados aos íete planetas , fe applicava o Domingo ao Sol em
quanto a verdadeira Religião o naõ fantificou.
Nota 325.
O. 1, verf. 1. Contava a tradição. A hiftoria do defcubri-
mento da Imagem de NoíTa Senhora de Carquere , he aqui quafii
copiada da mefma que efcreve Fr. Agoftinho de Santa Maria , no
Santuário Mariano Sigo a opinião de Faria, e ou-
çrps , que atribuem a fundação ao Conde Dom Henrique em
1099. por caufa do milagre , ainda que Cardofo , e outros dizem
que foy em 1 13 1. por ElRey D. Afonlo Henriques fendo Infante.
Nota 524.
O. ;. verf. 4. Bronte. He Hyperbole como toda efta oitít-
s va
j8 ; NOTA ÍJ O.
va dizer que o caftanheiro era taõ alto , que excedia ã região das
nuvens, e aíHm deixava inúteis os rayos na forja, onde Bronte , e
Eftercpe dois dos ties Ciclopes os fabricaò. Naó he fabula dizer
que na terra ha montes mais altos que as nuvens , porque o
Padre Fernando de Ovallejezuita de grande fé, refere na fua Hif-
toriade Chili , que foj com alguns companheiros ao cume de Ser-
ranevada chamada Cordillera, e Andes na America, onde ac-
hou , que as nuvens, vento, chuva , e rayos cahiaõ fohre a terra fi-
candolhe eiles fuperiores, c para rcfpirarem em elemento taõ puro
levarão remédios humeíSlantes , com que ícmprc eftavaõ molhan-
do a boca , e os narizes.
Nota 52 f.
O. 6. verf 1. Hamadriadas. Ninfas que eílaõ nas arvores,
como fingio a fabula , e fignihcaó a fua alma vegetativa, comoella
com os feus Filofofos íe explicavaõ, naó conhecendo ainda que ha
nas arvores huma circulação de Suco como nos homens, e nos
brutos , e que o fecarfe hum ramo he como fe faltaífcm os efpiri-
tos , paraíTe o fangue, donde procede nos homens a Paralyzía.
liiveíligou melhor, e delcobrio a anatomia das Plantas, o cele-
bre Mapighl. Nota 5z6.
O. 6. verf j. Sacro metal Sonoro. O Santuário Mariano ja
alegado conta que a imagem de Carquere fe achou no concavo do
tronco de hum caftanhciro dentro de hum pequeno íino.
Nota 527.
O. 7. verf. 2. Dodona. As arvores de boíque de Dodoha
cm Giecia refpondiaõ como Oráculos , e lhes dava efte ufo Jafon ,
confultando o maftro grande da fua nao Argos, que era feito
de Jiuma deftas arvores.
Nota 528.
O. II. verf. 5. Paládio. O Paládio foy a caufa do incêndio
de Troya fendo dedicado a Palas ocavallo de Madeira, quecncu-
brio os Gregos que àabrafaraó, e era o Paládio o fímulaçro de
Palas , qnc cahio do Ceo cm hum templo de Troya , e como nao
podia ler ganhada , fcm o roubarem , o confeguiraõ Ulyfes, e Dio-
mcdes. Nota 329.
O. 12. verf. 6. Claraval. Profetiza S. Giraldo, que o Reynó
de Portugal íèmpre feria gloriolo , pois o Conde Dom Henrique o
fundava com o templo de NoíTa Senhora de Carquere, e ElRey
D. Afonfo Henriques o faria feudatario a NoíTa Sci^hora de Cia-
tàval , que hc o Orago em França da Ordem <ic Cifter que S. Ber-
nar-
D o F o E M J. 59
nardo entaõ cambem fundava, e pronofticou ao mcfmo Rey as
mayores fortunas. Nota 530.
O- 12. verf 6. E hum Joaò. FIRcy Dom Joaõ o quârto de-
pois da fua feliz aclamação, jurou a Conceição Immaculada . e a
declarou piocectora do Rcyno pagando-líie cada anno hum feudo
em medalhas de ouro dedicadas a eternizar efta devoção , e feofíe-
recem pelos Reys feus fuceiTores na fua Real Capella para fe paga-
rem à Conceição de VilJa Viçoza.
Nota 551.
O- i. G. verf. 6. Circes, e Medcas. A formofura de Axa, e
de Aldara, naó ncceliitava dos encantos com que Circequiz de-
ter Ulylles, nem dos de Medea , que pelo amor dejafon fez pela
fua magica tantos prodígios em Colços para roubar o Velocinio de
ouro, e depois ciofa de que elle ingrato a deixaíTe por Glauca, ou
Crcuza filha de Creon Rey de Corintho,as queimou, e defpedaçou
os dous filhos que a mefma Medea tinha dejafon, e quando antes
do incêndio do feu Palácio apparecendo pelo ar em hum car^ro de
Dragoens de fogo , elle duvidou , que lhe pudellc fazer dano
quando tinha experimentado os portentos com que lhe tinha guar-
dado a vida, lhe refpondeo ella com aquelle admirável Dilema,
que nos confervou Quintiliano fendo quaíj o único fragmento ,
que permanece da tragedia de Medea compoíla por Ovidio, e jul-
gada por igual ás melhores dos Gregos.
Servare potui, perdere anpojfim rogas ?
Veja-íê Quintil. inft. Orator. L. 10. cap. i. Ov. Metarmorph.
Nota 352.
O. 37. vern I. Roberto. No principio do primeiro Canto
feleo, que Roberto quando pela fua parte rebateo no aíTalto de
Gayaaoaftuto Muftafà lhe deo a vida, e o captivou, o que Axa
lhe lembra para mudar-lhe a generofidade de Roberto em ter fó o
intento de perpetuarlhe com a vida , a ignominia , facilitando lhe
a íua confiança meyos da fuga pois lhe deixava toda a liberdade
110 campo em que andava livre.
Nota 535.
O. 38. verf. I. Frio Hermínio. Jà fe difle que era a Serra
de Eftrella , e Axa encaminha a Muftafá para que defde Lamego
a và bufcar , e delia venha ao Tejo para entrar na Eílremadura , ou
paíTar ao Alentejo ambas dominadas pelos Mouros.
Nota 554.
O; }9' verf? i. Galego , e Portuguez. He o Dialedo, que
g ii diz
6o NOTAS
diz o primeiro verío hnma diveríidade da mefma língoa nas Pro-
vincias em que fe falia, de qne os Gregos tinliaó cinco que iodos
eiaõ permitidos aos Poetas. O Galego , e o Portuguez faõ dois
dialedos de Efpanha. O erudiciílimo Feijoo no fcu Theatro Critico
pertende, que a língua Galega íèja a de que fc diriva a Portugue-
za, e fendo corrupção chamado Romance da Romana: porém Mar-
tinho de Mendoça e Pina noflfo doutiflimo Académico, refpon-
deo eruditamente a eíla opinião em hum papel, que imprimio a-
nonimo, e eu no juizo que fiz da incomparável obra do Theatro
Critico acieícentey novos fundamentos fendo hum delles Dom
Jofé PelUcer no íeu tratado da Hngoa primitiva de Hefpanha em
que pertende provar, que a primeira que nella fe fallou foy a do
Fuerojufgo, e eu procuro moftrar que efta hc mais Poctugucza
antiga que Galega.
Nota 3 5 5
O. 40. verf 4. Clorinda. Clorinda Rainha de Gaza he a
Heroina de TaíTo entre os Mahometanos, eu lhe atribuo efta
guerra de Perfia , e efta diíçipuia Ermaíinda, que ao menos rac
deo hum coníoante.
Noto 5 3(J.
O. 41. verf 5. Ave de Marte. O Gallo como fintinella tam-
bém he Ave de Marte deos da guerra , e os antigos dando huma
lazaõ cfpecuktiva ao feu canto da meya noite chamado Galicinio
dizem com pouco fundamento que he porque o Sol paíTa naquel-
le inftante diametralmente por debaixo dos feus pèz nos feiís an-
típodas, c o pofto meridiano do inferior emisferio.
Nota 337.
O. 42. verf, 4. Vay defconhecido. Da origem de eícrevet
por cyfra ha pouca noticia na antiguidade, e menos da maravi-
ihoíà arte de decifrallas, a que feda o nome de poiigrafia- Hum
dos primeiros, que tratou das regras de cifras foy o AbadeTrithc-
mio, e quem elcreveo melhor da arte de deícifrar foy o Du-
que de VVirtemberg,tambem fe chama efta arte Steganographia.
Nota 358-
O. 41. verl. g. Com a Imagem da guerra. Bera fc deixa
ver que bc a caça, conforme ao fabido verfo.
O ÇA^a viyji wiagta de ia guerra.
Nota $39,
O. 48. verf. I. Da Lua. Dia da Lua /ic a fegunda feira, e
a Hngoa Portugueza sntre as polidas hç í© a que tirou 3 memoria
do
D o T o E M J. 6i
do Gentilifrao nos dias da femana chamando com a Igreja fegiinda
feira, ou feria, porque fe corrompeo, a efte, e a os outros dias de
que he o Domingo o primeiro depois do Sabbado, e por iiro fe
chamava com os Hebreos , como le vé no Euangelho da Pafclioa,
Prima Sabati, a que outros diziaò , Una Sabatorum.
Nota 540.
O. 49. verf. 5. Exalta Luminoíb. O Polo do Norte aqui
fe chama de Califto porque he o nome da Vrfa mayor , que com
a menor chamada Cynozura lhe eftaó vizinhas: Lisboa eftà em 38.
gràos, 645. minutos de latitud.
Nota 341.
O. 49. vcrf. g. Nove mil vezes. As legoas Portuguezas tem
cada huma três milhas de Itália , que cada huma he de mil paíTos
geométricos de que fe formou o nome de milha , c de Lamego ao
templo de Carquere fe contaõ pouco menos de trcs legoas. Da»
Portuguezas faziaõ 17. legoas, emeya, hum grào; porem por evi-
tar o quebrado, introduzio juftamente Manoel Pimentel na fua
incomparável arte de navegar, que cada grào do circulo da terra fe
contaíTe por ^8. legoas Portuguezas com que tem o feu circulo
máximo multiplicundo-as por 560. gràos 6480. legoas.
Nota 541.
O. 51. verf. 5. Leys Olimpicas. Bem fe fabe que os jogos O-
Umpicos foraõ os mais celebres de Grécia, e porque fe celebrava©
de quatro cm cjuatro annos fe contava o tempo por Olimpíadas,
Nota 343.
O. 5*1. verf 7. De Ifthmo, ou Nemeo, e ainda o grande
Pitio. Dos jogos Ifthmicos porque fe celebravaõ no Iftmo deCo-
lintho fiz jà memoria. Os Nemeos fe çonfagraraõ a Hercules por
matar o Leaõ Nemeo, os Pitios a Apolo por vencer a Serpente Pi-
thon, de donde fe chamou Pitio,comoja adverti no quarto Canto,
todos podem verfe em Natal Comes na Mythologia, e em mui-
tos filólogos. Nota 344.
O. $1. verf. I. Muza , que o entuííafmo , e vaticinio. A
invocação da muza no meyo ào Poema he muito uíada , baile
para exemplo Camoens , que tendo invocado no principio as Ta-r
gides, invoca a Caliope.
Agora tu Caliope me enfina ,
O que contou ao Hey o iilufúe Gauia.
Éntuziafmo he o furor , ou nobre loucura dos poetas , vaticinio
o que pronofticaó , e por iílo foraõ chamados vates, e eu bem
poflb
62 NOTAS
poíTo nefte lugar invocar huma Muza Sacra,como fiz no princípio"
de Poema , pois os jogos eraó cambem Sacros dedicados à funda-
ção do templo da Virgem Maria. Lembro primeiro à Muza os jo-
gos, que Homero defcreveo no fim da Iliada confagrados por
Achiles nas exéquias de Teu amigo Patroclo filho de Menetio , c
ciiamado Meneciades , e naõ íêy como na5 quiz algum ignorante
adulador dar aos Meneies efta fabuloza origem como feriamcnce
íe acribuio a algumas , pella íèmclhanca dos nomes.
Nota 545.
O. 52* verí. 5. E nos do Pay do fundador Lavinio. Virgílio
uoqumto livro da Eneada cantou com eftillo fublime os jogos qne
ceiebrou Eneas depois eípofo de Lavinia , e fundador do Reyno
de Itália :
Lavina que venit ittora ,
na morte de feu Pay Anchizes.
Nota 546.
O. 52. verí. 5. Papinio. Eftacio Papinio deícreveo com
grande efpirico, e muito largamente h uns jogos na fua Thebaida ,
que como adverti, procurey imitar nefta parte, mas Como elle re-
conheço, quando digo ao menos , e elle he inferior a Homero , e
aVirgilio. Nota 347.
O. 54. vcrf. 2. CipariíTos. Foy CipariíTo favorecido de Apo-
lo , e pela fua morte trágica, foy transformado em arvore trifte, e
deftinada para as pompas fúnebres.
Nota 548.
O. $$-» verf. I. O inftrumento de Ceres. He a foice deíla
Deofa da Agricultura.
Nota 549.
O. 5í. vcrf. 3. Volturno. He hum vento rápido.
Nota 3 5'o.
O. $6. verf. 2. Circo. Em quanto a Lua deícreve o ícu
circulo de hum mez fe previne na terra o circo, que he o lugar on-
de çelebravaó os antigos os jogos que chamavaõ Circeníès, vcja-íè
o douto livro que delles efcreveo Onufrio Panvino.
Nota 551.
O. -jC. verf. 8. Artur , e Carlos Magno. As verdadeiras híA
torias defte dois herocs de que hum foy Reyda Giàó Bercanha, çu-
tro
63
D O P O E M J.
cro Emperador Rey de França, fe alcerararaó com muitas fabulas
de Cavalleiros Andantes, e dos da Tabula redonda com muitos
amores, e Torneios. Nota 552.
O. 58. verf. 2. Ecliptica. He a Ecliptica o circulo, e cami-
nho que faz o Sol em linhas efpiraes na esfera Celefte, e corta o
Zodíaco fem paíTar dos dois Trópicos, eaqui fe compara poetica-
mente ao lugar que occupavaó asPrincezas, cDamas, aquém os
Poetas liberalmente naó daõ menos, que dois Soes a cada huma.
Nota 553.
O. 61. verf 5. Pan. As producçoens , que Pan vè transfor-
madas faõ as canas mudando-fe em huma a Ninfa Syringa fugindo
o feu amsr , e aflim defcrevo a fefta Heípanhola do jogo das ca-
nas, qne he huma das mais luzidas, e fe compõem de quadrilhas
de féis cavalleiros cada huma de que hum fe chama quadrilheiro ,
outro Mouraõ, veftidos à mourifca com marloras , e capelhares,
nomes próprios deíle trage, e cada huma he de cor diverfa , e nas
fefta$ Rcaes fe tiraõ eftas cores por forte na Secretaria de Eftado.
Nota 3*54.
O. 61. verf. 8. A maõ de Midas. Para dizer que as canas
eraõ douradas lhe applico a fabula vulgar de que o avarento xVlidas
Rey de Phrigia pedindo aos Deofes que tudo o que tocaífe fe con-
verteífe em ouro, e fuccedeo o meímo com o que intentava comer,
e morreu de fome, de que fe originou o adagio : Itiopem me copia
fectt. Nota 355.
O. 6i. verf. i. Opulento metal. O ouro, que he o metal
mais rico, e que fe atribue ao Sol, era fera outra figura , o efcudo
antigo dos Menezes que tomarão o axpelido em Dom Tello Peres
de Menezes filho de D. Pedro Bernardo, e Senhor de huma Villa
defte nome , e de outras muitas. O Padre Menellrier na fua Scisn-
cia do Brazaó, em que he texto, traz pelo primeiro exemplo da re-
gra das Armas o efcudo de ouro puro, que trafia Dom Joaõ de
Menefes, que cafou com Maria de Borgonha, que ignoramos quem
foílc. Das mudanças defte efcudo naõ trato agora , e íó do tim-
bre em que fallaó os dois últimos verfos,direy, que he o que depois
fe lhe applicou fundado na hiftoria fabulofa de huma filha delRey
Dom Sancho, ou Dom Ordonho de Leaõ , que efteve em huma
torre; e fugio com hum cavalhero, que a enganou caiando ella
com Tello de Menezes, e em lugar áo meyo corpo de mulher em
huma torre que traziaõ por timbre os Condes de Cantanhede che-
fes defta família ihe dco.EiRey Dom Manoel huma flor de Liz no
incf-
64 ' NOTAS
mefmo ca ftello, quererá ja h 11 ma parte do mefmo cfcudo no qual
eíta Caía de Cantanhede ja trazia as melhias flores de Liz cfquar-
tellando-as com as Armas de Portugal,e França fobrepoftoo elcudo
de ouro ç o mo hum anel armado de purpura,que cambem ceve ori-
gem da mefma hiftoria incerta da Infanta de Leaó.
Nota 555.
O. 65. verl. I. Em campo de ouro &c. As armas dos Ta-
voras , que faó em campo de ouro ondas azues com hum Delfim
que comparo ao que Arion acrahio com amufica, ec livrou quan-
do o arrojavaó ao mar em huma tormenta, tiveraõ a origem que
lhe dà a hiftoria em Dom Thedon , e Dom Raufendo , netos del-
Rey Dom Ramiro 11. de Leaô pelejando no rio Távora contra os
Mouros. Efte heroe chamo Dom Ramiro , e poderia fer o que fe
apelidou Pinhones. A letra : qtiafcunque jindit ^ hc huma efpecie de
divila,que fez do efcudo corpo daempreza,c lhe acrefcencou Luiz
Alvares de Távora primeiro Marquez de Távora terceiro Conde de
Saõ Joaõ, hum dos herocs defta familia,de que logo íè traçará,
igualando-o léus dois Irmaõs Miguel Carlos de Távora Conde de
Saõ Vicente , e Francilco de Távora Conde de Alvor , efte Vizo-
Rey da índia , aquelle General da Armada , ambos do Confelho
de Ertado , Preíidentes do Confelho Ultramarino, e Governadores
das Armas, e todos três de igual valor , e capacidade.
Nota 557.
O. 64. verf I. Claro metal. A prata metal da Lua com hum
Leaõ de purpura faó as armas dos Silvas defcendentes delRey Dom
Fruella II. de Leaó, e he Dora Guterte Alderete da Silva rico ho-
mem, que florccco por aquelles tempos, hum dos heroes defte
Poema, e he tronco de muitas , e illuftres famílias de Portugal, e
Helpanha, como pode verfe na hiftoria delia Cafa , qne com
grande acerco efcreveo Dom Luiz de Salafar, c Caflro.
Nota 358.
O- $^, verf* I. Sc o Ceo grava. Nove cunhas azues em cam-
po de ouro he o efcudo das armas dos Cunhas cambem defcen-
dentes delRey Dom Fruella II. de Leaõ : defta familia , e da dos
Menezes eícrcveo a hiftoria, que ficou manuefcrica , o cfcripcor
Cenealogico jaallegadona noca antecedente. Foy Dom Pa/o da
Cunha illuftre em armas hnm rico homem do íèculo do Condç
Pom Henrique. Nota 559.
O, GG. verf i. Com claro argento. Ainda os Souzas da Ca»
ík dos Marquezes de Arronches hoje Duques de Lafoens naó ti-
nhaó
D o F o E M J. 65
nhaó efqnartellado o efcudo com Armas Reaes de Portugal , que
no tempo do Conde Dom Heniique naó havia, e lhe entiaraópor
ElRey Dom Atíbnfo III de quem dcfcendem por leu filho Dom
Artbnfo Diniz , que he huma das fuás três alianças Reaes (èndo af
outras duas , a que tem por muicas linhas delRty Dom Joaó I com
a Real Cala de Bragança , e a do Senhor Dom Miguel tilho legiti-
mado delRey Dom Pedro II. que calou com a Senhora Dona Lui-
za Duqueza de Lafoens , e herdei ia defta Cala. O Conde D. Men>
do de Souzaõ ^o^ valeroíb contemporâneo do Conde Dom Henri-
que , e advirtafe , que eftes Condes naó eraõ como os que (e crea-
raó depois pelos Reys,dos quaes foy o primeiro, que houve em Por-
tugal D.Joaó Afíbnío Telles de Menezes feiro por ElRcy Dom Diniz
CondedeBarcellos em 1298. eaquelles Condes eraõ governadores
de terras,ou Senhores delias, que acompanhavaõosReys,de que lhes
veyo o nome de Comes, que íignitica companheiro, e primeiro íoraó
no Império do Oriente chamados Condes Palatinos, por terem no
Palácio dos Imperadores as mayores dignidades, c entre todos os
títulos he o de Conde o mais antigo.
Nota 360.
O. 67. verf. i^ £gas Moniz, As armas dos Arahides que
deduzem de Egas Moniz fegundo heroe deftc Poema os genealó-
gicos, íaõcm campo azul ( que heacor da cerúlea Thetis Dcoíado
mar ) quatro bandas de prata. O defcendente defta família , que
fez na Índia Oriental heróicas acçoens, foy D. Luiz de Atahidc
Conde de Atouguia no tempo dclRey D.Sebaftiaõ, efaço aalnzaô
de que tudo íe deve ao devoto zelo com que Egas Moniz buícoa
o Oriente, ou o novo nafcimento da imagem de nofla Senhora do
Garquere. Nota 561.
O.óg.verf i.Pelayo Amado.As armas dos Almeidas, faó em cam-
po de purpura húa Cruz dobre de ouro çom íeis Bezantes de ouro
que faõ moedas, que na regra de Brazaõ dizem ter cíle nome de Bi-
zâncio,hoje Conftantinopla , ou de Bezancon cabeça do Condado
de Borgonha , de quem o Conde Dom Henrique delcenciia por
Sibilla lua IVLíy, e naó por Henrique íeu Pay, ccmo muitos quize-
raó , de que naíceo a celebre equivocaçaõ de entenderem alguns i
que era filho de hum Emperador de Conftantinopla , pois len-
do-fe, que tinha vindo cx partibus Vezuntinis entenderão By-
zanrinÍ9. Pelayo Amado progenitor defta illuftre família he he-
roe que tem a parte heróica, e Erótica, ou amcroza com mais
frequência ntfte Poema. Elias armas ufa o £mincotiíIimo Cardeai
h Doi»
66 N O T J S
Dom Thomaz de Almeyda primeiro do nome , e piimciro Patriar-
ca de Lisboa com as mayoros honias, Ecleíiafticas , eCiviz, que
lhe dco a Sè Apoftolica , e ElRcy D Joaó V. dignas do feu Tangue ,
virtudes, e letras. Em huma dincitaçaó que hz lobre as Armas da
Santa Igreja Patriarchal obfervey, que no eícudo do feu primeiro
Patriarca, eftava , parece que profeticamente a purpura de que
fe adorna, a Cruz dobre Patriarcal, e as moedas de outo , que
fimbolizaõ as rendas, que ElReylhe acrefcentou, defentrahando-as
das Minas da America, de que também na Bula Áurea tinha o ti-
tulo, para diftribuillas pelos pobres do Ocçidente. Sendo o timbre
deftas armas huma Águia volante, gerolifico do fublime génio, e
do imperial fangue do Rey que erigio efta fuperior dignidade, c
que enriqueceo a nova Igreja, e os feus Excellcntifllmos , eReve-
rendiílimos Principaes. Defta Cafa lia muitos illuftres ramos.
Nota 362.
O, 69. verf I. Outra Cruz. Os Pereiras tem por brazaó em
campo vermcliio huma Cruz de prata floreteada de verde, e defta
familia defcende pello grande, e Santo Conde D. Nuno Alvares
Pereira a Real Cafa de Bragança , e delia todos os Reys , e Sobera-
nos da Europa, e todas as familias 'illuftres de Portugal. Foy Dom
Rodrigo Forjaz emulo no Jiome, enasacçoens, de Dom Rodrigo
Dias de Bivar chamado o Cid , cde ambos fe dizia , q.ie naõ faziaó
os Reys de Caftella, e Leaõ muito, em alcançar tantas yiótorias
dos Mouros tendo por Generaes eftes dois Rodrigos.
Nota 365.
O. 70. verf. I. De outras Regias familias. Bem defejava fa-
zer memoria de outras familias, que ja eraó conhecidas no anno
j 106. que he o da acçaõ defte Poemua , porém dos Vafconcellos ,
Coutinhos, Mcllos , e algumas mais faço memoria em outros luga-
res. Também naõ podia tratar das que defcendem dos nolTos Reys,
de que exifiem muitas , porque ainda naó tinhaõ por afcendente
jlá fua varonia , fe naó o meímo Conde Dom Henrique fucceden-
do o mefmo às que fe derivarão depois dos Reys de Hefpanha , e
as que vieraó a Portugal de outros Reynos, onde ja eraó conheci-
das. Efte Poema naó he genealógico , nem he jufto que nefte eftu-
do entre a poefia a acrefcentar as fabulas que a muitos livros de
genealogias introduzio a malicia , a inveja, a ignorância, c a
lizonja. Nota 364.
O. 71. verf. 8. Mercúrio, Marte, Júpiter, e Apolo. Dividin-
do nefla translação as. eílrellas em fixas , (^ue faó as (jue conthem as
vin-
DO F O E M J. 67
vinte,etres Conftellaçoês do Norre, as quinze do Sul,os doze lígnos
as doze Conflellaqoés novas rambem Meiidionaes,quecom os Por-
tugiiezes formou em Níalaca Federico Hotman,eas muitas eftrellas,
que como adverti fe deícobriraõcom osTelolcopios.Ecm errantes,
que faõ de mais dos Satélites , e dos Cometas nos íete Planetas faço
íó memoria dos quatro, refpeifando a idade, e a infelicidade de
Saturno , e o fcxo , e belleza de Vénus , e Diana , ainda que efta co-
mo caçadora, e aquella como ligeira bem podiaó entrar nas fc-rtas.
Nota j6^
O. 71. verf 3. Flora. Aqui faço a Flora tolerar a rebelião das
flores, que receando fcr pizada dos cavalloscorteraó a adornaras
cores das quadrilhas. Nota 366.
O. 72. verf- 5. íris. Também Embaixatris de Juno, e fim-
bolo da paz com as fuás cores defce das nuvens com o feu arco
ncftas feftas pacificas , e naõ me faltava aqui occaliaõ de dizer em
muitas folhas o que ferem efcrito íbbre o íris, fem allegar a Mon-
fieur de La Chambre no feu coriolb tratado, como fucede aos pla-
giários , que antigamente tinhaõ eíte nome pelo cafligo que rc-
çebiaõ roubando os trabalhos dos eftudiofos íèm citallos. Só di-
rey , qne os modernos deraóa conhecer o íris no vidro triangular
que he taõ comum chamado Prifma pelos Gregos, no qual Ct for-
mão as três cores do Íris celeíle, que o Sol tambcm foima huma
ou mais vezes ao mefmo tempo, c algumas vezes a Lua quando as
nuvens ficaó na configuração do Prifma.
Nota 367.
O. 75. verí. I. Os brutos. Atrevime a introduzir em oito
quadrilhas, naõ fó as oito principaes cores dos cavallos, mas al-
gumas das propriedades, que atribuem os nobiliilímos profelTores
dcfta illuftre arte, de que eícrcveraó mais de cem autores em todas
as lingoas , fendo o mais eflimado pelas iuftruqoens , e pelas ef-
tampas o Marquez ò^ Nevvcaftle. a que traduzio, em Portugucz,
e illuftrou com diífertaçoens eruditas , o Marquez de Alegrete
Manoel Telles da Silva, Secretario da Academia Raal de faudoza
memoria. Nota 568.
O. 7j.vcrf. 1. "Alfragano. Foy Alfragano no feculo nono
famofo aílrologo Arábigo, e tomevo feu nome para ospronofticos
que aqui faço do que havjaõ de obrar alguns varoens infignes cm
armas, e letras defcendcntes das famílias dos quadrilheiros.
Nora 369.
O. /f. verf, g. Montes Claros.O primeiro vaticínio he o de
h ii dois
68 NOTAS
dois Luízes íntimos amigos : hum foy Luiz Alveres de Távora
Conde de Saõ Joaò , e oiufo D. Luiz de Menezes Conde da Eri-
ceira, que depois de oucras grandes acçoenj, que podem lerfe na
vida, que o fegundo cfcreveo do primeiro , e nefte mefmo autor na
hiftoria de Portugal Reftaurado, andarão unidos na celebre baca-
ha de Montes Claros em 17. de Junho de 166^. contribuindo
muito para a grande viótoria , que alcançou ElRey de Portugal D.
Afonfo Vi. fendo Capitão General do exercito de Alentejo o Gran-
de Marquez de Marialva D. António Luiz de Menezes contra o de
Carracena General delRey Catholico D. Felippe IV, de que ja íê
fez memoria no Canto 2.
Nota 570.
O. 79. verf 5. Menezes. Naó fe julguem contra amodef-
tia os elogios que em algumas partes defte Poema faço aos meus
afcendentes , pois me naó pareceo occultar, que fem exceiçaõ de
hum íó feiviraõ todos na guerra aos feus Princepes com valor , e
lidelidade, que faõ duas virtudes eíTenciaes, que naó devem negar-
fe , nem encobriífe. Aqui melembro também de que meu Pay naó
foy menos celebre nas letras, efcrevendo muitos livros, e entre
elles os dois volumes da hiftoria de Portugal Reftaurado vendo-fe.
no primeií-o o feu retrato com eftediftico comporto pelo Conde da
Ericeira D. Fernando de Menezes feu Irrnaõ, e Sogro, aquém pe-
las melmas razoens podia aplicarfe :
M>^>tat ^ & fcrihtt caLimo , Ludovicus , ^ enfe :
Pro Pátria pugnaiis, C^faris inflar erit.
Nora 571.
O. yj. verf 5". Duas vezes a Azia. De hum afcendente do
Conde D.Luiz deMenezcs,que foy o grande D.Henrique de Mene-
zes feu terceiro avo,e outro o Conde da Ericeira D.Luiz de Menezes
feu quinto Neto faço aqui memoria pello que obrarão na Índia
com hum breve paialello ,pois ambos de ly.annos foraõ o primei-
ro. Governador, o fegundo, VifeRey, ambos uniraó ao valor a pru-
dência, e defintereíTe , e ambos alcançarão gloriofas vistorias
hum dos Malabares, outro dos Arábios. Succedeo D. Henrique
ao famozo D. Vafco da Gama Conde da Vidigueira , Vife-
Rey , e ddcubridor da índia no tempo delRey D. Joaò IlL e lhe
fuccedeo Lopo Vaz de S. Payo. Succedeo o fegundo a Vafco Fer-
nandes Cefar de Menezes VifeRey d;i índia, e depois do Brafil di-
gnamente nomeado Conde de Sabugofa por ElRcy D. Joaõ V. e
fuccedeulhe Francifco Jofé de S. Payo. Sirva na liberdade de hu-
mas
D o F o E M J. 69
mas notas efta comparação como curiofa noticia, c naõ ccino pue-
ril circuníbncia. Nota 37i.
O. 78- verf 1. Qiiatro vezes o nome de Fernando. Naõ po-
dia reduzir a menos de huma oitava as acçoens de outros íete as-
cendentes meus delde que a minha familia Ic feparou da dos Con-
des de Cantanhede,em DJoaóde Menezes,que continua alinhados
iVlarquezes de Marialva,com outroD. Fernando de Menezes que fez
a dos Condes da Ericeira,Marquezes do Louriçalo primeiro tronco
das duas, he também eíleo primeiro deftes quatro Fernandos,e obrou
em Africa grandes façanhas no tempo dos Reys D. Joaõ I. ate D.
j^fonfo V. o fegundo Fernando imitou a leu Pay na mefma guerra
no tempo defte ultimo Rey , e bem notória he a acçaó de romper
o Palanque. O terceiro Fernando no reynado delRey D. Sebafliaó
continuou gloriofamente muitos annos em Africa , e na
. Batalha de Alcácer em 1 578. onde aquelle Rey fe perdeo, ficou ca-
rivo com feus Irmaós D. Diogo , e D. Joaõ de Menezes , morto D.
Simaó que era o mais velho, e D. Henrique. Foy depois eíle D.
Fernando Capitão General de Trás os Montes contra Caftella que
para ufurpar o Reyno lhe tirou a mayor parte dos grandes bens,
que poííuia a Cafa em que fuccedeo. O quarto , e ultimo D. Fer-
nando he meu Avó materno Conde da Ericeira como lia pouco
referi; e naõ fó fervia em Itália, mas foy em Africa Capitão Ge-
neral de Tangera com felices íucceílbs elcrevendo ahiftoria defta
Cidade , e em latim a da guerra , e politica de Portugal no tempo
delRey D Joaõ IV. O primeiro Diogo , foy D. Diogo de Menezes
filho do grande D. Henrique, e Pay do terceiro D. Fernando len-
do do Confelho delRey D. Joaõ III. e muito feu favorecido dei-
xou o Paço por fervir em Africa o que fez alguns annos , e com
muita diflinçaõ. O fegundo D.Diogo naõ foy meu afcendente, por
fer fò Irmaõ do terceiro D. Fernando , com quem coniodiíie hcoii
cativo , mas pelos feus ferviços militares teve a Cafa dos Senhores
do Louriçal o titulo de Condes da Ericeira. Na America, e em
muitos combates navaes fe achou valerofamente D. Henrique de
Menezes Pay dos Condes D. Fernando, e D. Luiz, e foy hum dos
reftaudores da Bahia, no anno de I 615. no 1. de Mayo. Nos últi-
mos dois verfoSj naõ pude efconder o meu nome, nem negar que
fegui os veítigios bélicos de meus progenitores achando-me em fete
caíhpanhas , e tendo o poftode Sargento mor de Batalha, e .Vlertre
de Campo General , e também vio o Aftrologo, que eu havia de
cantar na Henriqucida os prodígios do meu heroe generofo.
No-
70 NOTAS
Nota' 575.
O. 79. verf. I. Filho íeià. O carinho de Filho , e a ternura
de efpofo me obrigarão a efcrever com lagrimas efta oitava para
immortalizar a memoria de duasjoanas. Efte era o nome de minha
May D. Joana Jofefa de Menezes, filha herdeira, e em tudo única
dos Condes D. Fernando de Menezes, e D. Leonor de Noronha.
Obfervefe curiofamente, que do nome de Joana, he anagrama o
de Aoniaj que era hum dos Epitctos , que os antigos davaó as
Mufas pelo monte Etonio de Beócia parte do monte Parnafo
c que mçreceo efte nome pelos feus admiráveis verfos em muitas
lingoas naó fendo lifonja os atributos, que lhe dà o quarto verfo,
virtude, dífcriçaõ , graça , c bellefa : niíceo cm 13. de Setembro ,
de 1652. morreo em 16. de Agofto de 1 709.
Nota 374.
O. 79. verf. y. Celefte graça. A íègunda Joana foy D. Joa-
na Magdalena de Noronha filha dos Condes de Sarzedas D. Luiz
da Silveira, e D. Mariana dê Lencaftro, e Silva , nafceo em 21,
de Mayo de 1675. cafou em 24 de Outubro de Ií?8 8. e a perdi
com eterna magoa , em 17. de Mayo de 1 729. Das fi.ias virtudes
Chriftás, e dos feus dotes naó he encarecimento o pouco, que di-
zem eftcs verfos, nem do meu nunca enxuto pranto.
Nota 575.
O. 80. verf. 8. Em Elvas. Eftas batalhas das Linhas de El-
vas, e de Montes Claros, e aconquifta de Vaiença de Alcântara,
faõ as três mayorcs emprezas do invióto D. António Luiz de Me-
nezes Marquez de Marialva, e o nome da Erice, que eftà no fe-
gundo verfo defta oitava abrevia poeticamente o nome da Ericeira,
Villa que por fer fobrc o mar em fitio alto diz que paga tributo
azul ao verde ramo de Cantanhede de que procede , fendo Erice
hum monte de Sicilia em que Vénus era venerada, c donde toiT.ou
o nome de Ericina aludindo à formozura do íiiio ilaquclla Villa,
e os Cifnes, ou Poetas que ílõ Senhores dcila á beleza de Vénus,
e a os Cifnes , que lhe íaõ dedicados , e q'ic como fili'.03 da efcu.
ma do mar a conduzem por elle no feu carro.
Nota 576.
O. 81. verf I. Taronra. O Ramo dos Menezes de que fede-
riva a. illaítre Calados Condes de Tarouca, rem íído igual aos Can*
tanl' ' !tr em varoens infignes, dividindo-fe defte tronco na linha
c\]' r.z a Caía de Villa Real. AquLfó lè.fa^ memgtia de D. Pedro
• de
B o T O E M J. 71
de Menezes , e de L/. i>uirre de Menezes Condes de Viana, de qae
Africa em Ceuta , e Tangeic, nunca elqneccraó as memorias que
largamenre fe podem ler nas íuás Crónicas manufcritas, e na vi-
da do fegundo, que com difcieto eftillo imprimio D. Agoftinho
Manoel de Valconíellos; e ramhem a lua varonia corre impreíTa
doutamente efciita por D. Pedro de Brito Coutinho. Joaó, he Joaó
Gomes da Silva hlho de Manoel Telles da Silva Marquez de Ale-
grete, c foy Conde de Tarouca por caíâr com D.Joana Roía de
Menezes herdeira deita Cafa, e naõ he a amizade, que defde os
primeiros annos profeílamos , nem o encarecimento permitido aos
Poetas, os que podem fazer fofpeitozas de fabulas, as comparacoens
que reduzi a hum fó verfo, pois o mundo o reconhece iguala
Mercúrio como eloquente, e como Embaixador tamhem pacifico
no congrelfo de Urrecht , e em outra das mayores Cortes da Euro-
pa , aonde refidio na do Emperador com grande acerto, e lu-»
zimento. Naõ he inferior à Apollo, fendo hum dos mavores Poe-
tas do feu tempo. Naõ deve ceder a Marte, nas campanhas, em que
vaicroiamente occupou os primeiros poftos , tendo o de Go-
vernador das armas , e feguindo cm tudo feus filhos o feu género-
zo exemplo. As íuas Armas faó diverfas das de Cantanhede , mas
confervaó o antigo efcudo de ouro lizo, íobre porto, c dividido
todo cm luas partes, na primeira, e terceira as barras de Ara^ac,
na fegunda dois Lobos de vermelho, em campo de ouro, e as
mefmas nas terceiras ordens debaixo.
Nota 377.
O. Si.verf 5". Se os Menezes. Os muitos homens f»randes
dcftafamilia podem verfe nas noílas hiftcrias, e o verfo ultimo
defta oitava he de hum Soneto de Camoens, de que pode verle o
Comento no que fez às Rimas Manoel de Faria, e Souza , e prin-
cipia o Soneto :
llluflre , e dino ramo dos Meneses ,
Aoi quaes o prudente , e largo Ceo
( Que errar tuo ftbe ) em dote eoncedeo
Rompejfe aos Mahometicos arnez.es
No Poema, e Rimas defte Princepe dos Poetas Porrugnezes pôde
Icrfc o muito, que no Canto decimo, e em outros lugares honrou
efta familia.
Nota 5 78.
O. 87. verf 5. Soufa. Ja diiíe quem era o Conde D. Mendo
dc.Souzaõ, e as regias alianças de feus defcendentes.
No.
72 NOTAS
Nota 579.
^ O. 83. veif. I. Das Minas. Claramente explica efte permi-
tido equivoco em hum vaticinio,quc trata efta oitava de dois Mar-
cjuezes das Minas j e falia primeiro cm D. António Luiz de Souza,
que foy o ícgundo , e aquellc Hcroe, que conquiftando Praças,
Províncias, e Reynos de Hefpanha, levou o exercito de Portugal
à Corte de Madrid em 1706. Chamo a Hefpanha Hefperia, por-
que os antigos lhe deraó efte nome por eftar na parte Occidental
pela meíma caufa, porque fe chama Hclpero a Eftrcila de Vénus
quando nafce ao tempo que o Sol íe efconde, e Phosforo , quan-
do apparece antes que o Sol nafça.
Nota 380.
O. 8S- verf 5. Se eu merecera. Contínua Alfrâgano dizen-
do, que fó fe mercceflb huma revelação, poderia contar claramen-
te, o que naõ pode lerfe nas EftrcUas, e louvar ao progenitor de
António , o qual era íeu Pay D. Francifco de Souza Conde do Pra-
do, c Marquez das Minas, que governando as armas do Minho
muitos annos d«fendeo a Província com prudência, c conquiftou
o Forte da Guarda, o de Gayaó, c outras Praças de Galiza com
valor, fendo depois Embaixador extraordinário a Roma aos Papas
Clemente IX. e X. cm nome do Príncipe D. Pedro , dando ao Pon~
ttfics a obediência pelos annos de 16Ó9. c fcguintes durando ain-
em Roma a lembrança da fua fabedoria , c generofidade. Ambos
eftes Marquezes foraó do ConíelhodcEílado, e tivcraõ muitos go-
vernos. Nota 381.
O. 84. verf 1. Do mefmo grande Aífonfo Rey terceiro. Af-
íím como a Cafa dos Marquezes d»s Minas de que traiey dcíccnde
por varonia delRey D. Affonfo III. por D. Martim Affonfo feu filho
illegicimo, defcendc a Cafa dos Souzas Marquezes de Aronches
hoje Duques de Lafoens, como dá a entender o vcrfo terceiro de
que agora trato de D. Aífonfo Diniz filho também do meímo Rey,
tendo agora mais próxima a varonia Real pelo Senhor D. Miguel
filho legitimado dclRey D. Pedro II. que cafou com a Senhora D.
Luiza Cafimira de Souza , e Naífau filha herdeira deíU illufíre Ga-
fa , como /a diífe por íeu Pay defcendentc dos Principes de Ligne
da primeira nobreza de Flandres.
Nota 5Sz.
O. 84. verf 5-. De Ulilíes a Cidade. Lembrafe o Aftrologo
de que obfervou nos aíl:ros,que a Cidade deUlyffes que he Lisboa
iiavia de fçr defendida, e libertada do jugo delK^y D., joió I. de
Caf-
D o V o E M A. 73
Caftella por ElRey D. Joaõ I. de Portugal, oitavo defcendenre por
Yaronia do Conde Henrique, e que ncfta Cidade ha de ler Piela-
do com luzidas virtudes Luiz de Souza feu Arcebilpo , e Cardeal
Irmaõ do Marquez de Arronches; Henrique de Souza Tavares foy
Embaxador muitas vezes. Governador do Porto , e ambos foraõ
do Confclho de Eftado , e da mayor eftimaçaõ dos feus Príncipes.
Nota 585.
O. 85. verí. I. Luiza. Scgue-fc hum breve elogio da mefma
Duqueza de Lafoens adornada de grande formozura, c de muitas
virtudes, eque morreo na flor da idade depois de perder com a
lalHmoza tragedia, que logo fe referira, ao Senhor D. Miguel feu
efpozo, deixando dois filhos dignos fucceíTores dos dotes de feus
Pais , e Avos, que faó D. Pedro Duque de Lafoens, c D Joaõ, e hu-
ma filha que hc a Senhora D. Joanna Perpetua de Bragança de fin-
gular formofura, e ainda mayorcs prcrogativas no efpirito.
Nota 3 84.
O. %G. verf i. Miguel. O Senhor D.Miguel filho, como fe
diíTe, delRey D. Pedro o íêgundo, tendo vinte e quatro annos íé
afogou no Tejo em 1 3, de Janeiro de 1724. voltando em hum
Bérgantin para Lisboa da caça que fora buícar da outra parte do
Tejo, com magoa univcrfal pelas fuás cxcellentes partes.
Nota 5S5.
O. 88. rf/erf 5. Qj.ie eternize a Miguel. Naõ íe faz íofpeirc-
za a amifaJe intima, que profeíTey com o Senhor Dom Miguel,
quando ponderona oitava antecedente o feu breviíTimo elogio, que
mais largamente efcrevi na Egloga, que lhe imprimi depois da
fua morte, porque ninguém duvidou que era bera merecido o lou-
vor. Nota 58Ó.
O. 88. verf 5. Tu, Pereira. Huma , c muitas vezes fe repete
neíle Poema o nome do giandc Condeílavel D. Nuno Alvares Pe-
reira Heroe Lu fi cano.
Nota 387.
O. 89. verf %. Atoleiros, Valverde, Aljubarrota. Eíle he o
nomo das trc.s pilncipa^í batalhas, que venceo aos Caftclhanos o
giandi Conisft-avel , e ncfi^a oitava fe abreviaõ com o nome dos
Rios as Provincias de Portugal, queforaó theatro das fuás façanhas.
Quem as quizcr ler as achara com cftillo fingello na lua Coronica
antign., e na delRey D. Joaó I. de Fernaó Lopes , com abreviado ,
cdifcreto eílillo na vida do mefmo Rey comporta pelo Conde da
Ericeira D. Fernando de Menezes , e com exacla averiguação nas
«Càtiorias da Academia R«al efcritas pelo feu Académico Jofe Soa-
I res.
74 NOTAS
resda Silva. Nota 388.
O' 91. ver. I. Silvas, c Cunhas. Eftas duas famílias, que ô
deduzem delRey D- Fraella II. de Leaó, uni neftas oitavas, e as
duas purpuras explica a íeguinre.
Nota 389.
O. 92. verf. 1. Miguel. Faz memoria do Cardeal D. Miguel
da Silva, de quem Roma admirou afciencia, e generofidade , foy
creadoem 1539- morreo em 1556. era filho de D. Diogo da Sil-
va, primeiro Conde de Portalegre, foy Bifpode Vizeu.
Nota 390.
O. 92. verf. 3. De Cunha iníígne Nuno. Em paralello do
Cardeal D. Miguel da Silva pondero as grandes virtudes do Eml-
nentiífimo Nuno da Cunda de Ataide, a quem ElRey D. Joaõ V.
elevou a eíla, e a outras dignidades, e entre ellas à de Inquifidor
Geral, a que alude o ultimo verfo, e he do Confelho de Edado, e
defpacho, moftrando na jornada que fez a Roma pela morte do
Papa Clemente XI. no anno de 1721- naquella Corte, e nas dç
Pariz, Niadiid, Turin, e outras, quanto era digno de tao luperio-
res empregos. Na Igreja de Santa Anaftazia , de que tem o titulo,
deixou eternos monumentos da fua piedade, e da grandeza do feu
Príncipe participando de ambas toda a Itália, e outros Reinos.
Nota 591.
O. 95. verf I. No nome igual. O grande Nuho da Cunha
Governador da índia. Vejaófe as íuas acçoens em Barros , e Maífeo ,
e Faria. Nota 591.
O. 9?. verf 5. Ayres. Ayres Gomes da Silva hum dos mais
iníígnes Varoens,encre os deíle apelido, aíccndente dos Senhores de
Vagos Condes de Aveiras , e de toda a illuftre defcendencia deíle
elclarecido tronco , teve muitas vidorias em Ceuta contra os Mou-
ros , c a mayor fortuna por fcr Pay de dois Santos, e Fundadores,
que foraõ o Beato Amadeo, que fez a reforma de S. Francifco cha-
mada em Itália dos Amadcos , e D. Brites da Silva, que fundou em
Madrid o Convento da Conceição.
Nota 595.
O. 93. verf 8. Conduzindo heroinas coroadas. Eftas pro-
ducqoens lábias fe enren lem pelo dois Marquezes de Alegrete Ma-
noel Telles, e Fernando Telles da Silva, bem conhecidos pelas
fuás ooras, e empregos : o primeiro conduzio a Rainha D. Maria
Sophia Palatina, fendo Embaixador extraordinário delRey D. Pe-
dro II. naquella Corte. O fegundo com o mefmo lugar na de Viena ,
acom-
D o P o E M J. 7j
acompanhou a Rainha D. Mauiana de Auftria inch*ta efpofa de!-
Rey Dora Joaõ o quinto.
Nota 594.
O. 94. verf I. De Atàides Almeidas. D. Luiz de Arnide
Conde da Atouguia,e D. Franciíco de Ahneida primeiro Vice-Rey
da índia no Oriente, e D.Jeronymo de Araide rambem Conde
da Atougia no feu definter^ílado governo do Brazilfaõ os que fe in-
íinuaó neíles verfosieerii alguns da oitava feguince. LeaóTe as ac-
çoens de D. Luiznafua hiftoria efcritapor António Pinto Pereira ,
as de D. Jerónimo , em Portugal Rcftaurado do Conde da Ericei-
ra , as de D. Franciíco de Almeida em Oforio , Góes, e nos hifto-
riadores da índia.
Nota 595.
O. 94. verf. 7. Em defcendentesfeus. Do Conde D. Luizde
Ataíde naõ hà deícendencia , áo Conde D. Jeronymo exifte, e
aqui fe faz memoria de leu filho D. Joaõ de Ataide Conde de Al-
va, Governador das Armas do Alentejo feu valerofo imitador, e do
Conde de Atouguia D. Luiz de Ataide feu bifneto, e digno fucceífor
de feus illuftres Avos recopilando em poucos annos muitas virtu-
des. Nota 396.
O, 95. verf I. Francifco. He Como fe dilTe D. Francifco de
Almeida primeiro ViceRey da índia, e Eòo , he o meímo que Ori-
ental por fer o nome de hum dos quatro Cavallos do Sol fendo os
outros três Phlegon, Pirões, e Etonte: dos dois fez o difcreto Fr. Je-
rónimo Vahia na Cançaõ heróica da batalha de Montes Claros dois
veríos muitos celebres :
Por quanto argenta o mar , doura Piroo
Da, Tumba Occidental y ao ber^o Eoo
Nota 597.
O. 9?. verl. 4. Joaõ. O Conde de Alumar D. Joaõ de Al-
meida do Confelho de Eftado fendo Embaixador extraordinário
de Portugal a ElRey Carholico Carlos III. hoje Imperador Carlos
VI. naõ fòmoílrou nefte emprego politico o leu luzimento , e ca-
pacidade, mas nas campanhas em que fe achou com aquelle gran-
de Príncipe, o feu valor.
Nora 398.
O. 95. verf 7. Pedro. D. Pedro de Almeida Conde de Afa-
mar filho do Conde D. Joaõ , e hoje Meftre de Campo General , e
Director da Cavallaria, le diftinguio nas batalhas , e íitios , que hou-
ve nos três Reyuos , que diz a oitava , e em outros de Hefpanha ,
lii naõ
76 NOTAS
naó fendo menos benemérito pelas letras, que pelas armas.-
Nota 399.
O. ç)^. verf 5. Cada filho de Zéfiro he PegaíTo. Naõ he mui-
to que fingiíTem os antigos, que as Egoas de Lufitania pela ligeirc-
la dos cavallos, que íecriaõ nas margens do Tejo,os gcravaó abrin-
do aboca ao vento Zéfiro, mas he muito, queocreflem alguns Au-
tores modernos. Ja fediííeque o Pegaflb crahumcavailo com azas,
e Etonte hum dos quatro do carro do Sol.
Nota 400.
O 99. verf. 8. Se Jove refufcita ao feu Faetonte. Nefta fi-
gura poética em que a aurora falia com o Sol, e os aftros com o
Orizontc, fe conclue com que Febo, ou o Sol naó podia eftar taó
alegre fenaõ íe Jove refufcitaíTe a feu filho Faetonce de quem diíTeno
culto Poema, que eícrcveo defta fabula o Conde de Villa Media-
na :
Que fií fama adquiríò con Çu ruhid
E melhor Ovidio no Epitáfio que lhe faz nos feus Mctamorphor-
íèos :
Hic fitas eft Faeton , currus auriga paterni ;
Quem fi non tenuit magnis tamen excidh aufis
Nota 401.
O. 103. verf I. Bermudo. D. Bermudo Peres de Trava de
quem defcendc a illuftre cafa dos Limas, Vifcondes de Villanovade
Serveira, foy bem conhecido no tempo do Conde D. Henrique,
e calou com íua filha a Infanta D. Urraca, que finjo fe chamou
Urania, por tirar no Poema a afpereza do feu nome fendo efta a
cauíà de que Luiz VIII. Rcy de França naó quiz cafat com a Infan-
ta D. Urraca, fenaô com fua Irmáa Dona Branca, que foy Mãy de
S. Luiz , e aquella Infanta de Leaó mulher dclRey D. Aífonlo II. de
Portugal bifncto do Conde D. Henrique.
Nota 401.
O 105. verf I. De Etíopes Efte fingimento, de que Dom
Bermudo levou quando toureava à praça muitos negros captivos,
a que deo a liberdade, pronoftlca o que vimos verdadeiramente
executado por feu defcendente o Vifconde D. Thomàs de Lima nas
feftas Reaes do cafamcnto delRey D.Joaó V. onde toureou com
grande primor, e luzimento, dando liberdade a hum grande nu-
mero de negros, que comprou para efte fim, e as ou.ras fortes de
D. Bermudo também fáõ figuradas pelas do Vifconde muito ácC-
tro na equeílre, e em outras boas artes.
No-
B o T o E M J. 77
Nota 405.
O. loS.verf.S Sibaritas povos da Magna Grécia dizem q eraõ
taõ efeminados, q enfinavaó os feus cavallos a lufpender as maõs , e
íegiiir o compaflo femprc que ouviaõ o fom de certos inftrumentos,
e que labendo os Crotoninras Teus inimigos efte coílume do feu in-
confiderado génio, levarão à batalha inftrumentos femclhantes, e
tocando o mefmo fom, os cavallos principiarão a fua dança fem
querer obedecer às efporas ; com que foraõ inteiramente derrota-
dos. Veja-fe Athcneolib. 12. e a Ariftoteies, acjuem cita.
Nota 404.
O. 109. verí. 4. Bucefalo. O nome de Bucefalo fígnifica ca-
beça dcBoy , por ter com cfta alguma femelhança a do famofo ça-
vallo de Alexandre , que íó defte Heròe deixava monraríè.
Nota 40 5.
O. III. verf I. O Touro. Entre os encantos de Medea de
que ja dey noticia para quejazon levaíTe de Colcos ( hcje chamado
Mingrclia) o velocino de ouro, foy hum matar o Touro de fogo
que guardava efte thefouro appetecido.
Nota 406.
O. verí. verf 3. O em quejovc occultou. Dando a fabula
dejove transformado em Touro para roubar a filha de Agenor a
bella Europa, o nome a efta parte do mundo, ninguém pode igno-
rar cfta hiftoria, que dizem foy verdadeira, naõem tudo, pois Jú-
piter, que a fabula diz roubou pelo mar a Ninfa, fraterna per
xquora vexit, transformado em Touro foy hum Hcróe,a quem da-
vaõ o nome de Júpiter, que roubou cfta Princeza cm hum navio
que tinha hum Touro na popa por diviza.
Nota 407.
O. III. verf 5. Em Abril. Em 10. de Abril entra o Sol no
íigno deTauro, o qual tem huma eftrclla muito ardente a que cha-
maó os aftronomos Olho de Touro , e he da primeira grandeza.
Nota 408.
O. III. verf. 7. Momo. Foy Momo o critico dosDcoíès, e
cenfurando as fuás obras achou que Neptuno errara na do Tou-
ro , pois fecha os olhos , quando executa os golpes , devendo entaó
abrillos para prevenir os meyos da offenla, edadefenfa.
Nota 409.
O. 112. verf. 2. Zodiaco. Chamo com nova metáfora, à
praça Zodiaco pelo Touro que eftà nclla, como o fignono circulo
celeftc.
Nota
78 NOTAS
Noto 410.
O. 115, verf. S. Tirano artífice. Perillo fabricou para li-
2ongear o Tirano hum touro de bronze, para que dentro delle
padeceíTe com fogo lento a morte cruel , o infelice , e foy elle o pri-
meiro, que a experimentou. Arte perire lua, diz Ovidio.
Nota 411.
O. 115. verf Hircania. Província da Afia de que os Tigres
faõ muito ligeiros , e ferozes , c fe chamava por ella mar Hircano
o Cafpio, que lhe fica a Oriente.
Nota 4X1.
O. 118. verf 6. Da meya Lua. Eíla metáfora da meya Lua
obra exterior, e defeníiva da fortificação das praças com ateílados
Touros , a que os Poetas chamaõ Lunada.
( Media Luna las Armas de pi frente.
diz o íublime Gongora no terceiro verfo da fua primeira Soleda-
de ) vay feguindofe nefta oitava, e na imraediata,e adiverfifiquey
lembrado que os Aríetes com cabec^as de Carneiro, e rambem
Lunadas ferviaõ para a otfenfa na antiga expugnaçaô em tempo que
naõ eraó conhecidas para a defcnfa as meyas Luas.
Nota 413.
O. 119. verf g. Oífa. Na guerra dos Gigantes com os Deo-
fes fupunhaõ hum monte íòbre outro ,€ Olimpo fobre Oífa. He ci-
te hum monte muito alto na Tefalia. Hercules o leparou do Olim-
po que he mais fublime.
O Poeta diz. que foy o Velion. Imponere Peito Offce
Nota 414.
O. iio. verf I. Tranitagana. Nome latino do Alentejodon-
de os touros de Roncaõ faõ os mais ferozes.
Nota 415.
O. 124. verf I. Megera. Finjo que Urania vio Megera hu-
ma das três Fúrias iufernaes, fendo as outras duas Thefifone, e
Aleóto que fimbolizaó os eípiricos malignos , que pcrtendiaõ tirar
a vida a hum cavalleiro que havia de tirar muitas aos brutos in-
fiéis Mahomeranos. Nota 416.
O IZ5. verí. 8. Trifaucc. Nome que deu a fabula ao caõ
Cerbero guarda do Inferno, por ter três bocas chamadas fauces nas
fuás três cabeças. Nota 417.
O. 117. verf. 5. Três Graças. Ulo aqui diverfamenre da com-
paração das três Graças, que foraõ Taiia , Aglaya , e Eufrofina
irmãas do amor cora as trcs DeoíaS|
No.
D o T o E M J. 79
Nota 418.
O. 117. verf. 7, Trcs Deofas. Sempre entendo pelas Deoías
Jum , Palas, e Vénus, fendo efta a que foy preferida no juifo de
Paris, dandolheamaçaá de ouro que a difcordia tinha offerecido à
mais fermofj, Detur pulchriori.
Nota 419.
O. ilS.verí 8- Vénus propicia antes, que Dafne ingrata. As
Coroas que nos triunfos antigos eraó os prémios, ou íe compunhaõ
de Murta confagrada a Vénus mãydo Amor , ou de Louro em que
le transformou Dafne ingtataa Apolo j e Bermudo que procura o
favor de Urania prefere por efta cauía as de Murta.
CANTO VI.
Nota 420.
O. 1 5. verl 8. Do ebúrneo dente. Todo efte Torneio fegue o
eftillo daquelle tempo neftas feflas, que Ariofto, Taífo, c os mayores
Poetas modernos imitarão dos livros dos Cavalleiros Andantes, de
que foy o primeiro Vaíco de Lobeira Portuguez, e Autor de Ama-
dls de Gaula. O Javali incitado pelo ciúme de Marte matou Adó-
nis j e no Poema defte titulo bem podéra Marino naó copiar a im-
pureza de huma Ode de Anacreonte.
Nota 4zr.
O. 16. verf. I. Lidía. Reino da Afia Menor celebre pelas boas
artes , e pelas riquezas do Rio Padolo , que tinha áreas de ouro.
Nota 421.
O. 20. verf 5. Tonantes. As duas trovoadas que fe encon-
trão chamo effeitos da cólera do Tonante nome que fe deu a Júpi-
ter , poi cauzar os trovoens. Zomba dcfte falío Deos com eílc epí-
teto o graciofo Gongora, no Soneto que principia:
Tonante Mon Semr de quando acÁ ?
E acaba, com hum Apoftrophe burlelco
O' Júpiter I O' tu mú 'vez.es tu l
Nota 423.
O. 35. verf I. Do Betis. Como pinto efte cavallo Andaluz
filho do Betis hoje Gualquivir , com pès calçados , digo que pelo
ligeiro pareciaó Talares, que faõ como jà expliquey as azas que
Mercúrio cem nos pes para voar.
Nota 424,
O. 33, verf. 6. Tu te retiras. Mais natural, e menos atre-
vi da he a figura rethorica de falar aqui o cavaleiro ao feu ca-
valo!
8o NOTAS
vallo, do que a de Homero , que faz falair eíles brutos com Aqu!«
le». Nota 415.
O. 35. vcrf. 4. Plutão. Como Plutão era o Decs do Infer-
no , naõ impropriamente lhe atribuo o temor dos ferros das lanças
com hyperbole fazendo-os ferir fogo nas pederneiras, que cftavaó
dentro na terra. Nota 416.
O. 36. verf 5. Ceres. Quando Ceres bufcou fua filha Por-
ferpina , aquém tinha roubado PlutaÓ para reinar no abifmo, a an-
dou Ceres bufçando com huma tca aceza, e aqui lembrando cfta
fabula , digo que entenderão a buícava com duas teas pelas entra-
nhas da terra a que abrirão as duas lanças.
Nota 4^7.
O- 41. vcrH i. Califas. O Reinado dos Califas entre os
Mouros fe dividio em diverfas partes, e fc deo efte nome aos fuc-
ceífores de Mafomarforaó os mais poderofos os da Siria, depois
os houve na Perfia, c Egipto, outros também em Africa, cem
Hefpanha:os Turcos fuccederaó em muitos deftes Reynos.
Nota 4z8.
O. 48. verf 4. Gladiatores. Os gladiatores eraõ, como pou-
cos ignoraó, os que nos jogos públicos de Roma combatiaô com
as efpadas , que lhe deraõ o nome , muitas vezes atè perder ã vida.
Nota 4Z9.
O. 58. verí. 1. Monomaquia. Significa combate de hum
com outro inimigo, que íaó os defafios.
Nora 4 3 o.
O. 58. verf. 7. Simpatia. Nas tragedias de Grécia fc conhe-
ciaÓ os affedlos, e a Simpathia com que cada hum dos aífiftentes
fe inclinava aos reprefenrantes.
Nota 451.
O. 58. vcrf 8. Oiqueílra. Lugar do Theatro onde eílavaõ
os Coros com inftrumencos, e muzica, e jà íè dilfc que era a Cro-
mática a mais atraòtiva antes de haver no mundo es Bmocs, que
tanto fuavizaõ a muíica moderna.
Nota 451.
O. 59. verf 2. Sofocles, e Euripides. Os dois mais famo-
fos poetas trágicos dos Gregos, de que permanecem algumas tra-
gedias : o primeiro foy Athenienfe, o fegundo também , e Sofo-
cles deu a melhor ordem às tragedias de que inventou algumas
partes , efcreveo 123. tragedias, c Euripides 75. Eíle era legundo
algumas opinioens natural de Sakmina , nafceo na Olimpiada
75-.
D o P o E M A. U
75. 400. annos ances de Chiifto , a Sophocles cJiamaraõ a abelha^
ou Serea Atiça, Nota. 453-
O. 55). verf. 5. Cataftrofe.Hea ultima parte Ha trageJia , em
que muitas vezes os Reys tyrannos tinhaó o caíligo. Titulo foi efle
pouco próprio , e ainda menos no eííylo de hum livro Pôituguez
lobre a revolução da Monarquia na depofiçaÓ de hum Rey , eju&
íamente encobrio o feu illuftriíllmo author o nome cm hum ans-
gramma. Nora 434.
O. 6z. veif. 5- Linha reiTca. A linha reóla , oa raya , que ie
aílinalava enrreos dous combatentes , e as mais ceremonias que
fe feguc, eraõ asq fc obíervavaÕ nos defafios públicos de que o ul»
limo permitido foy em Hefpanha entre D, Feliz Torreilas, e D,
Jeronymo de Anfa no tempo de Carlos quinto, qtse os prohtbioje
aos particulares , o que melhor confeguiraó nos feus Reyuos El=
Rey D. Pedro fegundo no de Portugal, e Luiz quâirorr,! o G -m-kj^.
no de França. Nora 45).
O. ri.verií. i. Anteos. Lutava Alcides com Aaí§o , e como
cfte era filho da cerra quando cahia neiia cobrava novas forças, ç
advertindo Alcides , que ja voluntariamente fe deitava no chaõj o
defpedaçou npar fem./leixalio chegar á cerra,
. ^ j Nota 43 ó,
O..- 75. yerf. ,4,. lErya vuloqjç^ria. Como êm íadm ferida he
vuinus, dà a Medicina, e Cirurgia. cfte nome;às ervas que ou bebi-
aas , ou applicadas cutaõ as feridas , aííim o fer Aiquife , noiue
que lè dà a h.unj íafciv? nos-iivios de Çavallana:
MT.v.: .; r. : Nota 4 57'
.eri. 5., Esfera. O que foi maravilha na esfera de vi-
dio, em que Archimédes abreviou em Syracufa coiios^ os movl-
nicn:os Celelics j e que Claudiano defcreve em hum admirável
epigrammj^ , hojehe, vulgar em mais exaclos inftrumeuros , e re-
lógios, que mais exactamente recupilaõ aquelles admiráveis , e di-
verlbs movimentos. Nota 438.
, O. 76. verf. 7. Chiron.; Aigumâsyezes repeti que o Centau-
ro Chiron dera o nome , e inventara a Cirurgia , e fora meiUr^
de Efculapio Deos da Medicina. v
Nota 432.
vj. 7Ó. verf. S- £ o Numen Serpeníiao de Epidauro.. He o
mcfrao Lícuiapio lilho de Apolo , qae deEpidauro, hoje Ragula,
onde era adorado na forma de huma grande lerpente , foy levado
■X Rema no tempo de huma pefte, de que a livrou , ou a imagina-
k • 020
82 N o 1 A S
çaõ , ou a magica , íè he vcrdadeiía efta hiftoria : no anno de Ro-
ma de 461. foy eíle pi-odigio.
Nota 440.
O. 80. verf, I. Piimeií-o das Gentílicas. Paia parecei: veiofi-
mil a brevidade da obra do templo de N. Senhora de Carquere,
digo que foy feita primeiro de madeira, e pintura , que cubiia as
paredes do edifício, que digo fora templo dos Gentios, e Mef-
quita dos Mouros , e agora falia o Santo de futuro moítrando
profeticamente os mármores , e Arcos, que a Igreja de Carquerc
hoje tem , eque eu finjo , que o Conde D, Henrique tinha man-
dado fazer íó de madeira.
Nota 441.
O. 82.. verf. 8. Templo de Diana. O Templo de Diana era
Ephefo,quecomo moftrey,foy huma das fete maravilhas domim-
dojComparo ao de Alcobaça da Religião de S. Bernardo rund-ido
com largas doaçoens por ElRey Dom Aftonfo Henriques, que he
hum dos famofos de Portugal , que defcreve em profecias S. Gi-
raldo ao devoto, e generofo Henrique.
Nota 442.
O. 85. verf. 2. Junto ao Mondego lenho lacrofanto O mef-
mo Rey D. Aflbnfo Henriques fundou em Coimbra o Real Moftei-
ro de Santa Cruz , que deu aos Cónegos Regulares de Santo A-
goftinho, chamado Águia de Africa.
No-ra 445.
O. 85. verf 5. Da gloria de Gufmaõ. A Máy da Rainha D.
Terefa,era D.XimenaNunes de Gulmaõ,e defte mefmo íãgue repe-
tido muitas vezes nos noíTos Reys foy S Domingos fundador da
Venerável Religião dos Pregadores, a quem ElRey D Joaõ o pri-
meiro deu o Real Convento da Batalha, que. fundou. Eílrellas faò
as Armas defta Ordem , e claros, e efcurcs fe unem no íeu habi-
to branco , e negro.
Nota 444.
O. 84- verf i. Defempenho. ElRey D. Joaõ o primeiro oi-
tavo defcendente , e fetimo neto do Conde D. Henrique pelo vo-
to qne fez para vencer a ElRey D. Joaõ o primeiro de Caftella na
Batalha de Aljubarrota , edificou no campo do combate hum tem-
plo a noíTa Senhora da Viótoria, pouco diftante do Convento da
Batalha, de que a Igreja he huma das mafs lumptuofasdo mundo,
e na Capelía dos Reys da mefma Igreja fe fcpukou , e todos fcus
filhos.
Nota
D o P o E M A. 83
Noto 44?.
O. 45". verf. 5. Hum defcendente feií. Ellley D. Manoel fi-
lho do Infante D. Fernando neto delRey D. Duarte, e biíneto do
mefmo Rey D. Joaó o primeiro , era o undécimo delcendente do
Conde D. Henrique, e quando defcobrio a índia, fundou o mag-
nifico templo , e Morteiro de Bellem no lugar deReftcllo huma
legoa de Lisboa para o Occidente, e como Chrifto teve como lol
de juftiçâ o feu Oriente em Bellem , digo que levando ElRey D.
Manoel a fê do meímo Senhor de Bellem à Índia Oriental, levou
a Deos do íeu Oriente ao mefmo Oriente.
Nota 446.
O. §5. verf. I Interprete Divino. Aos Monges de S Jeronymo,
que foy o interprete divino das efcrituras , e do texto da lingua
lanta que he a Hebraica, deu ElRey D. Manoel efteReal Morteiro.
Nota 447.
O. 85. verf. 8. Mais de crés Reis do Oriente. Continua a ai
lufaó dos dous Bellens, e aífim como ao primeiro levarão três
Reys do Oriente os feus tributos , ao íègundo fez ElRey D. Mi-
nocl tributários muitos mais, e muito mayores Reys do Oriente.
Nota 448.
O 8<j verf. i.Oevo decimo outavo. Todos os annos que
correm do de 1700. da era vulgar atè o de 1800. fe contaõ co-
mo do feculo decimo oitavo; nefte mefmo numero de defcenden-
te dezoiro eftà ElRey D. Joaó o quinto pela fua real varonia com
o Condi D. Henrique , e nerte evo , que fe toma por feculo para
delempeniiar o voto que tinha feito pelo nafcimento de hum Prin-
cipe,cdiíicou o Real Convento de Mafra digno da fua generofa pie-
dade» Nota 449.
O. 86 verf, 5". Itaco facundo. UliíTes , natural de Ithaca , e
muito íioquente,iègundo muitas opinioens, fundou , ou amplifi-
cou Lisboa , a que deu o nome.
Nota 4ío.
O. %(>. veif 8. Calirto fe levanta, o foi le efconde. Aparta fe
Mafra de Lisboa quafi leis legoas ao Norte ; que he o mefmo que
Calirto , e para o Occidente.
Nota 451.
O. 87. verf 2. Vias Apias- A Via Apia era huma das mais fa-
mofaí das em qne es Rr manos dividirão o mundo facilitando os
cammhosdo feu Império, e as comparo as que vencendo as dificul-
dades do terreno fe fabricarão de Lisboa a Mafra, e fecruzaõ pa-
k ii ra
84 ■ A^' O T J S
ra oucro rleftrno. A Apia hia (i;e Roma, a Bnmduzio , e lhe dea
o nònie Apio Chudio , que a fez lagiar. ' '■"■ '
Nora 451.
O. 8!^. verf. 8- Praxircles,. Efcukor famrio; aucoiiza a cfta no •
ta a difcritiíTima copla deSoiis, na comedia de Triunfoscije Amor,
j Fortuna , em que Vénus diz fallando da lua círatua 'feifa por
efte Artífice.
La Bflatua que d Prãxitele<>
Avmo todo cl efluàui ,
Que parece , que ai eí marmol
quedo viõlerao lo mudo,
■ Nora 455.
O. 90. verf !. SeraBm de Aífis. A Religião Capn.cha refor-
mada da F;ovincia da Arrábida", e do Seráfico Saó Franciico de
Aífis com trezentos Religiofos íuftenrados pela caridac^e delReyDc
JoaÕ o quinto 3 he a quem íe deftinou pelo mpfmoRey o Conven-
to cie Mafra Nota 4)- 4.
O. 90. verf. 5o Ao Santo que excelente. Santo António admi<=
f âvel mos prodígios , que Deos obrou , e obra pela fua jntei'ceííaô<
l\e o Orago do Convento de Mafra. Naíceo eíít Santo em Lisboa.
mou-eos e eftà fepultado em Pádua , porem o principal Orago he
â Vlrgemi Mana N. Senhora,
Nota 4^5-,
O- «II'- vcrl, S- Sem impiedade aHakaô.as gârdias. Os finoí
livms de çxTraordinaria grandeza , e outros deinomerofã arnionió.
levantados a Torres muito altas comparo aos gigantes , que aíal-
raraõ ao Ceo com a djíferença de qoe aquelies foraó por caufa
da inopií^d^df ? e eftes per eífeito da devoção.
Nota 456.
O. 9z. verf, i. Dezempenho. Depois de dsr EiRey so Ceo o
Príncipe D. Pedro , feu primogénito j que nafceo dia de S. Pe-
dro de Alcantra cm 19. de Outubro de 1712. emorreo em a 9. de
Ci^urubro de 17 14 nafceo em 6, de Junho de 1714. o Príncipe D
jozè , e das fuás regias virtudes j e das daPrinceza , e Infanta
rie Efpanha Dona Maria Viólom he hum pequeno j. e verdadei-
ro elogie eíta Oitava,
Nota 457-
O 97. verf 6. A pura May, No Alcorão , quecompozMa-
iOíDs, fe confeíía , que a Virgem Maria o foy antes , e depois do
parto , e que jeíus feu Filho a que çham-aô Izay fora hum gran-
de
r
D o P o E M J, 8í
de, eSanto I-iofcta , e injiiltamentc pcifeguido pelos Judeos.
Nota 458. ** 4^
' O. III. verf. 5. Hum galhardo Francez. Como a Cafa de
Rohan ja pelos annos tle :00o. tinlia giandcs cen.is em Berianha,
e os Príncipes de Soiibize contcõ òciá^ aquelle tempo , e ante.'» a
ília illníhe Varonia , tiouxc ncfte Poema a Porrugal a Heicuks
de Ròhan , e a ícu Irmão Halaoo nomes antigos ncíta Cafa, naõ
me eíqticceado .. que paia a ininiia burquey cila aliança no caía-
mento do Conde O. Luiz de Menezes meu filho com D. Anna
Xavier de Rohan fiiha do Conde da Ribeira D. Jozè da Camará,
e de Conftança Emília de Rohan , írmaa do Príncipe de Rohan, e
do Cacdeal Armando de Pvohan , ambos Principes Eftrangeiros de
França. Nota 4??.
O. 116, verf f . O Eftreito Hercúleo , e Gaditano Pego. Diz
Muley que a Armada que vem de Africa há de paíTar ^o eílreito
de Gibâkar , e depois o golfo de Cadix para vir às coftas de Por-
tugal , e a fòs do Mondego.
Nota 460.
O. 151. verf. 8. Tu de Muley, Sabia Haiy, que Aidara era
Irmáa de Muley , e com efte artificio politico embaraça© íeu caia-
nienco , e naõ explico aos leitores aplicados efte enrede ^ que cor-
re por rodo o Pcema . fiando mais da íua inteligência j qus do
meu comento,
CANTO VIL.
Nora ^61.
O. i, veri. 7, Nas Eílrellas. A celebre vizaõ do Apocâlipíe
vav recopilada neíles dois veríos. ' .
Nota 4C'2.
O. 4. verf, 5. Dos Romanos. Se eu fora comentador de Obra
alhea , aqui oftentaria huma difcriçaô dos rrianfos dos Romanos,
que era huma das três coufis , que Santo Agoílinho dezejava ter
vifto Bafta agora faber que o heròe no triunfo de Maria deuji-
berdade aos caprivo?, que coílumavaõ ir atados ao carto.do ven-
cedor na vaidade gentílica.
Nota 465,
•O. 7. vecf 6. Ámniftia. Eda palavra , que fignifica em gre-
go eíquecimentOj vindo do verbo Amnefteo, nfou CiceiQ pedin-
86 NOTAS
do licença de a introduzir , e lie hoje muito comm nos tratados
de paz , e no perdaó g^al que concedem osPrincipes , pondo
em elquecimento as hoítilidadas dos inimigos , e os dclidtos dos
vairallos. Nota 464.
O 8. verf. 5. Palas , e Minerva. Que foíTe liuma fó , ou
duas Deozas Minerva , e Palas, he queftaó entre os Mytholo-
gicos , os primeiros daó a enttnder , que na cabeça de Júpiter,
como na de lium Rey , donde eíla Deoza nafceo , naó podiaõ
eitar dignamente as letras fem as armas , os fegundos que (aÕ os
mais, as tuiplicaó por ferem taó diverlas as íuas operações. Para as
illuzões de Axa , me valho muitas vezes do íonho taó comum
MOS poetas heróicos Nota 467.
O. 1 1 verf. 4 Com ferro eíciico, Entre as duras , e barba-
ras máximas do Alcofaõ , he haina, c]iie a ley Mahometana naó
deve defendcrfe com a pena,fe naõ com a efpada.
Nota 468.
O. \6. verf. 5. Das azas de Dédalo. Finge a fabula que as
azas coni que voou Dédalo / eraõ unidas com cera , e também
as de ícaro de que o precipício deu , como ja diíTe , nome ao
mar Icario. Aflim explico , que para a prociíTaõ íe deraó a todos
tochas de cera Nota 469.
O. i7.verí 5. O Florentino experto. He GalileoGalilei gran-
de Mathcmatico de Florença inventor dos óculos , e Telefcopios.
Nora 470.
O. 17. verf. 8. Numero num.erou inumerável. Naõ fe con-
dene como jogo de vocábulo eíle verfo , porque entendo que
naó he muito pueril , pois a femeihança das vozes unio humlub-
ftantivo , hum verbo, e hum adjedlivo tudo fundado na Efcritu-
ra no cap, 1 5, do Genezis, Sufpice Cctlí4»i, & numera fie 11 as ejus.ft po-
tes. }3. irferi que os antigos dividirão pelas conftellaqóes que for-
marão, íò mil e vinte duas elUcllas , cjueeraó as que podiaó ver,
fem os óculos que naó conhecerão ;e como aqui as comparo com
as vellas, e tochas, naó he imprópria a memoria nefte tiiunfo de
Noda Senhora , de que Ericio Puteano achou mil e vinte dous
verfos certos , na combinação das palavras de hum lo , entre qua-
renta mil trezentis e vinte mudanças que lhe dava a melma com-
binação nas outo palavras de que o verfo fe compõem
Tor tibi [unt dotes 'virp , qf^ot fydera ca'lo
Nota 471.
O. 19. verf 2. Tardo. Com loccego. O movimento do pri-
meiro
D o P o E M J. 87
meiro movei , que he o mefmo , que do Firm-iinento. Segundo
Ceo , em que eftaó as cíliciías fixas, t oiuaõ os antigos , e vnodei-
nos com alguma diferença, mas a opinião mais comua ht:-, que
ha de acabara fua volta em vinte c cinco mil e duzentos annos.
A eíle cliamavaõ anno Platónico , dizendo que todas as couzas ha-
viaõ de tornar ao feu principio, e hii fuccedendoconio a primeiía
vez. ElVa compamçaõ continua a luzaó daseftiellas, e vagar, com
que a piociílaó caminhava.
Nota 472.
O. 19. verf. 5. Por trir.ta , e cinco eítadios.Hum eftadio era
a diftancia em que podia ouvirfe claramente a voz de hum ho-
mem , e continha cento e vinte e cinco paflos , eefta he quafi a dif-
tancia de Lamego a Carquere,onde (e encaminhava a piociflaô.
Nota 475.
O. 20. veif. 8- A acorde melodia. Era também opinião dos
Filofofos antigos vendo a ordem, eaimonia,com que fe movem
as eftrellas, e o Firniamenro, que formavaõ huma mufica fuavif-
lima, a qual, ou pela diftancia fe naõ ouvia, ou pelo coftume de
a ouvirmos íempie, fc naó podia diíliuguir : os inftrumenros de
que traça a oucava ainda que alguns fe fupoem de invenção mais
moderna , bem fabem os eruditos as queiloens que hafobre os no-
mes,que dá aefcritura, eque hoje tomaiaó inftrumentos difererv
tes , e da mefma forte ie daõ os nomes modernos aos antigos, c os
Puetas uíaõ deftas antecipações de tempos.
Nota 474.
O 2 1. verf. I. Pneumático. Como na oitava antecedente
diíTe os inftrumenros que hiaõ no triunfo , nefta com Kirker,
Meurfio , e todos 0% Aurores da mufica , os divido cm três claf-
fes. Chama-fea primeira pneumática , que he o mefmo, que ven-
to,pois ifto íignifica pneuma,que he vento , e efpirtio ; a efta claí-
íe fe reduzem a Trombeta , o Orgaõ , a Flauta , e os mais inftru-
mentos , que tocaó com o vento. A fegunda fe chama encordia
dos inftrumentos, que tocaó com as cordas , como faõ a cytara ,
a Arpa , a Viola , e os mais defte gcnero. A terceira he a pulfatil
dos que tocaó batidos, como os Timbales ( Atabales lhe chama-
remos lempre) os Tambores, os Adufes, e os mais defta efpecie.
Nota 475.
O. 11. verf I .Novecarros.AM<aynhadosAnjoscia jufto,qeftes
imitados celebraíTcm nos léus noveCoros divididos em ttes Gerar-
quias que a Igreja leconheceo depois do antjop livro de caelefti
hierar-
S8 NOTAS
JiierarquJa atdbnido a S. Dionizio Aieopagica ainda que os Ciid»
cos lh<? àaó outro Dionisio por Autor,; ,--
Nota 476,
O. 27. verf. j. Os atiibdtos. Nas Efcríturas , e na Ladainha
Lauretana, que a Igreja íó permite je reíe a N. Senhora , íe achao
Qs Teus íoberanos atributos , que nefta outava , e nas leguintes fe
a.plicãõ á fundação, e patrocínio de Portugal : veja-íè o livro do
Panocinio dç N. Senhora eTcrito pelo Padre Alonfo de Andrade,
e o de Divi Tateíares do noílo erudito Padre António de Mace-
do da meíh)a Companhia , e nao. íó os Áuchores 5 que o Padre'
Manacio pripcijíiou a recopilar na''ÍLia Biblioteca Mariana , mas'
QS iunameraveiSj que dedicarão as fnas obras em louvor do,-? infi'
nitos atributos de Maria. Duas Bibliotecas dcrtas piiífimaè obras
Nota ,4^7.-
p. zò,. vcri. 7. Heitaura'dor:''ElRèy L^Ja^lCO quarcosquc fc;-v
o Reynoféudâtaâõ à Conceição. . • '■'■'' ^ ■- ■-•
Nota"^47S..
O. 54.. verC 7. Hum dos Meiiós, <^^i.uv. v'> i,»^)r,;ii>.;i;, , .:
por Tronco dailluftre família dos Mellos a D PedroFecmaHs
Nota 479;
O, 34. ver-, £., Vaíconcellos. No icãi^w.;^ ...t... •^w-.íb.u«-,.* .v. ...-
creveo Joaõ Salgado de Araújo Abbade de Pêra ;da iiluílre fairtói-
lia àos Vaíconcellos oíí entronca com o Conde D. Ozoiio de Ga
breira deícendete de ElReyD. Ramiro Ill.de L.eaò,como diz o Con-
de D. Pedro , ídeíl^familiâ íaõ qs Condes de Caftelio-Melhar: )
qs-.Moígados do Efpçiraó,, e outros ramos illuíhes.
',' :: :.■,,■ ■, . 'Nota 480, ' ■ ^' ' ■
O, ,4 3. y^çiif. '8 , Generofo. No carader de generofo, que dev
ao meu Heroe fem nunca o diTmintir fegundo me parece, cabem
todas aqueiias afições , que fe julgaõ menos acaatelladas pei.os po-
líticos, em que ja, desconfiança he contraria. da getierofidade, e íè
.aqui, h,a algum defeito, ja nas advertências preiiminaies moílrey
CQ^i os , medres da. arte, que era precizo para fazer verofimeis
as vertudes do Herotí ãó Poema diferente do da Novéila.
• -; V ' Nota 481.- /
.0,'àfG, verf. 8. xMedujEa. Muitas vezes íe repetio que Medu-
jçatjfíh^ icrpe^ntes pof.cabellos.
• ' • • Nota
DO P O E M J. 89
Nota 48z. * ■"' *
O. 49. verf. 8. Eílatuas. Como dizem que Meduza convertia
em pedras a todos os que a viaõ , e que a fua cabeça depois de
cortada cauzava o mefmo effeito, aqui o introduzo para moílrar
a fufpençaõ dos que viraóeftc prodígio : aííim dizem os Médicos
que ficaõ os que tem o mal incurável , chamado Catalepíis em
que o íangue fe congella , e os deixa na meíma acçaó em que el^
tava5. No ícu mundo fubterraneo refere Kirker com outros Au-
thores q na Tartaria havia huma Cidade chamada Biadagio,q por
hum calligo do Ceo ficará petrificada , e os homens , e animaes
da mefma forte , porem os modernos o negaó , c os novos Sá-
bios da Academia Ruílianna o naó tem defcuberto.
Nota 485.
O. 55. verf I. Fátima. Como os Mouros faõ contrários da
idolatria faço a reflexão de que entenderão que Fátima, a quem
veneraõ , era filha de Mafoma , e mulher de Ali , que fundou
huma Seita , chamada dos fatimidas. Fingem que foy virgem de-
pois de May de muitos filhos , morreo em Medina féis mezes de-
pois de Mafoma tendo z8 annos.
Nota 484.
O. 57. verí. 1. Phosphoro. Efte nome grego , que a luz , e
o fogo deraô à eftrella de Vénus na Aurora de quem diz Marcial.
Phofphore redde dietn , cur gaudia noftra mor ar is ?
• He o mefmo que deraó os Chimicos modernos a todas as pro-
duções naturaes , ou artificiaes , que luzem na efcuridaõ : huma
das principaes he a pedra de Bolonha: veja-lè deftes phofphoros,
o que diz Ozanam na ultima ediçaõ das recreações mathematicas.
Nota 485.
O. 6i. verf. 5. Eroftrato. Bem conhecido ficou pelo íàcri-
legio com que queimando o templo de Diana em Efefo, quiz im-
mortalizar o feu infame nome , na melma noite em que nafcfo o
'grande Alexandre, e porque iium orador lizongeiro diíle que Dia-
na que com o nome de Lucina era a Dcofa dos Partos, íe defcui-
dará do feu Templo , que lhe importava mais ajudar aOlympia
no nalcimento daquelle Príncipe , outro Orador , como diz Plu-
tarco , reípondeo, que aquelíe penlainento ac ulador eia taô frio,
que le admirava de que naó baflafle para apagar o incêndio do
templo. Nota 486.
O. 65. verf 5. Radamanto. Minos , eRadamanto diz a fa-
bula , que pela fua Juiliça foraõ nomeados peios Deozes Juizes
1 dos
90 :v^ NO T J[ f
dos condenados ao abifmo,para onde paíTaraõ os foldados pelo
defcuido de eftarem dormindo fendo o lono imagem da Morce,
Nota 487. í
O. 6}. veif. 8. As deixou como as achara. Atribue-fe efte
apotegma a Alexandre Magno , que condenando-lhe matar hum
foldado fentinella que eftava dormindo , refpondeo que o deixa-
xa como o tinha achado*
Nota 488.
O. (jj.vcrf. 1. Touro. Dizem qae Neptuno fez o Touro, o
qual cerra os olhos quando marra, e Momo,por efta caufa culpou
aqttella imperfeição fechando os olhos quando havia de abrillos
para dar o golpe.
Nota 489.
O. 70. verf. 8. Vulcano. Vulcano foy ferreiro iníígne , e di-
zem que a armonia fe inventou jobfervando a proporção dos gol-
pes do ferro quando bate o martello fobre a Bigorna , porque fa-
2iaô confonancia de hum a hum , ou de hum a dois , que he o
principio da Muzica , edounifono, e MonòteíTaron.
Nota 490.
O. 73. verf I. Bellicoía, e beliílima Bellona. A propriedade
com que fe dá a Axa o nome de Bellona Deoza da guerra , e os
Epítetos de belicoza, e beliífima, defculpa efta quazi paranomazia
de que naó faltariaó exemplos , até no meímo Cicero , e naó ha
íigura , que naó fendo frequente fe exclua da Rhetorica , c Poé-
tica. Cielia , e Pantaziléa ja fe diííe quem foraõ.
Nota 491.
O. 74. verí. 8. Foge a mefma morte. Naó ío he hipérbole e
conceit© poético , mas parte da narraçió , para moftrar que Axa
ficou ferida, e naó morreo, porque a morte fugio de medo dos
golpes de Egas Moniz.
Nota 492.
G. 84. verf. 7. Atlante. He parte da fabula de Perfeo , e M«-
duza , que tanto fe tem explicado , a tranformaçaó de Athlas, ou
Athlante , Rey de Mauritânia em monte do melmo nome que di-
zem fuftenta o ceo em que fe converteo , porque Perleo o calti-
gou da fua má hoípedagem , moftrando-lhe a cabeça de Meduza.
Nota 493-
O. 84. veil. 8. Do mcimo Athlante. Em outro lugar fe dirá
o dominio de Portugal contra Athlante, aííim no oceano deftc
nomq, como nas tejras de Africa nas vifmhanças defte monte.
Nota
D o T o E M J. 91
Nota 494.
O. 87. veiT. 6. Piromancia. He a parte da magica , eNigro-
mancia , cm que fe adivinha pelo fogo chamado Pyios , a que f»
faz no at heaEromancia, na agoa Hydromancia , e na terra Geo-
maneia , efta fe uza também com o mefmo nome com linhas, e
pedras, Emancia figniíica adivinhação.
Nota 495.
O. 88. verf. 7. Moloílo. He o nome de hum câo , que fabri-
cou Vulcano de bronze , e o deu a Júpiter , e Júpiter a Europa^
€ depeis a vários caçadores , fendo feroz, e ligeiro, àcremque Mo-:
loíTum lhe chama Virg. 5. das Geor.
Nora 496,
O. 8 8. verí. 8. Cololío. A grande eftatua de Rhodes hum»
das fete maravilhas do mundo.
Nota 497.
O 89. verf. 5. Sanfaõ. A comparação de hum heròeChriftaõ
com Saníaõ , que foy figura de Chriílo , e a do Gigante com o
Templo naõ í'e eílranhará em hum Poema também Chriftão. Naó
íèy íe o era muito António Henriques Gomes , e fez hum Poe-
ma nSió indigno , que intitulou Sanfon Nazareno. A Efcritura
DOS diz , que Sanfaõ abraçando-fe com duas colunas arruinou o
Templo dos infiéis , e perdeo com todôs a vida.
Nota 498.
O. 90. verf. I. Anteo. Em humaNota referimos ja efta fabu*
l;i. Nota 499.
O. 97. verf. 5. Huma delgada névoa. He alluzaó ao que diz
a Efcritura : tamquam virgula funú ex aromanbusy o que fe compa-
la com a Igreja no livro dos Cantares cap.3.
Nora 500.
O. 97- verf 7. Pluraõ. O roubo de Proferpina por Plutão fe
repete algumas vezes nefte Poema , lendo entre muitos defte af-
fumpto o que Claudiano efcreveo em quatro livros com o titulo
Òq Raptu ProferpWdí y a que no generofo burlefco , iguala, ou ex-
cede o Efpanhoi D. Pedro Sylveftre, fe he que , como adverti nos
preliminares, naó tem Autor mais exceilente. Aqui continuo efta fa-
bula para appiicalia a huma verdade , que he a alegoria 5 pois fa-
fim como Jove colocou íeis mezcs a Profer,pina no Ceo , onde
fingirão que era a Lua, também Deos que he o Supremo, c ver-
dadeiro Jove livraria , a quem he : pulchra ut luna do roubo que
Plucaõ fulminava da fua imagem.
lii Nota
^7. NOTAS
Nota 501.
O. roi. verf. 6. Elemento fubtil. Os que tiverem qual quer
luz da Filofofia Carteziana , entenderão , o que em poucas pa-
lavras fc iníinua do terceiro elemento , e da cauza de ferir lume
a pederneira , e tantas outras producções da natureza em que cila
porçiõ lutil eílá rezervada.
Nota 503.
O. 104. verf. I. Amianto. Tudo o que fe tece com os fios do
Amianto , c fe chama depois por incombuftivel , Asbefto, he cer-
to que naõ fó eftà livre de queimaríc , mas que fe lava no fogo.
Naõ ío efta efpecie de Alúmen plumen, como chamaó os Boticá-
rios, le confervaõ em muitos gabinetes de raridades , mas nas do
meu Mufeo tenho papel pardo,e hum pào ligeiro, que naõ podem
queimaríe. Naõ entro na queftaõ, feeraõ verdadeiras as Alampa-
das , ou lucernas inextinguíveis , que dizem fe acharão acezasem
algumas íèpulturas Romanas, e que fe apagarão, expondo-fe ao
ar, de que entre outras hiftorias íe conta , que no tempo do Papa
Paulo III, fe achou a de huma filha de Marco Túlio Cicero , cha-
mada Tuliola , veja-fe o volume de lucernis anciquis de Fortunio
Liccto , Panciròlo rerum deperditarum, e os muitos que o defen-
dem, fendo mayor , e pôde fer que melhor, o numero dos que o
impugnaõ. Nota 505.
O. 106. verf. I. Arvore da Vida. A comparação da Arvore da
Vida izenta do roubo de Eva com a Virgem he muito commua, e
aqui íe compara o templo com o Paraizo 5 e a efpada de fogo do
Querubim , com o que agora preíerva o templo do incêndio.
Nota 504.
O. 110. verf. I. Chuva de ouro. A fabula de Júpiter que pa-
ra introduziríe na torre em que Acrifio Rey dos Argivos tinha
preza a faa filha Danae, íe transformou em chuva de ouro , he
taô conhecida,como a alluzaõ de que o intereífe corrompe as gu-
ardas, c vence as mayores difficuldades.
Nota 505.
O. 111. verl.ç. Falange. Nome que davaó osMacedonios aos
feus batalhões guarnecidos por todas as partes de lanças, e outras
defenfas, originando-fe eftenome das aranhas chamadas Falanges
que he huma efpecie de centopeas, que por todas as partes eftaõ
rodeadas de pés , que lhe deu o nome de Centumpedcs, e com elles
oífendem , e fc defendem.
Nota
t> o T o E M J. 93
Nota 50Ó.
*" O. 1 50. verf. I. Sem armas. Efta defcripçaÕ de Egas Moniz
affli(íto pela perda do Infante D Affbnfo he huma figura da que
Camões deícreve do mefmo Egas Moniz quando como outro A-
tilio Regulo foy facrificar a vida, por livrar a Portugal do tributo
deCaftella.
CANTO VIII.
Nota 507.
0. 5. verf. I. David. Nefta Oitava inclui os nove da fama de
que nem a efcolha(fegundo entendo ) foy jufta , nem a tradição
he antiga , pois he certo, que he mais moderna , que Gofredo , e
cuido que huma Chronica antiga Efpanhola chamada dos nove
da fama he a primeira, que os elegeo , pois naó acho nas outras
Naçoens origem deftes efcolhidos heroes. Bem fe elegerão os três
da efcricura Jozuè, David, e Judas Macabeo, porém Moiz€s,San-
faó , e outros podiaõ também competir com algum dos três. En-
tre os Gentios naõ havia de eleger a Heíflor , fenaõ a Aquiles que
o matou , e a nenhum dosdous, pois entre os fabulolos cftava
primeiro Hercules, e com mais noticia, como Plutarco nos mof-
tra na fua vida , dera eu o primeiro lugar a Thefeo , a Alexandre,
c a Cezar naõ difputo o lugar. Entre os três chriftaos , he Artur o
o Heytor , porque defte famofo Rey de Inglaterra faõ poucas as
acçoens que naõ íejaõ fabulofas. Carlos Magno , e Gofredo con-
ferveu^ embora a preferencia, ainda que naõ lhe falravaõ no con-
curfo fortes oppofítores. Bafte neftas breves notas o pouco que di-
go de Heròes taó conhecidos no mundo
Nota 508.
O. 5. verf. I. Vedes o Templo. Sobre quatro arcos , ainda
que naó taõ funtuofos como eu os defcrevo, fe levanta o Templo
de Carquere , e os aplico aos que tem as propriedades dos arcos,
que incluem os últimos dois verfos.
Nota 509.
O. 6, verf. i. Eftyllo Lapidario. As infcripçoens que os Gre-
gos, e Romanos gravavaõ nas pedras chamadas em latim Lapides
daõ o nome ao eftyllo lapidado , cm que com regras de diverfa,
e ignorada medida, e com letras todas majuículas, ou grandes de
que algumas faõ as primeiras de cada r.ome chamadas iniciaes , e
com
94 NOTAS
com outras notas , e abreviaturas fe dicifra quanto eftes certos
inv')numcnros nos confervaõ da antiguidade. Delles temos amplif.
fimas colleçóes em Grutéro Reyneíio , Sponio Fabreto, e ourros
muitos j os modernos depois de Juglar, e Thefauro inventarão
hum eftyllo a que chamaõ de Elogio , que lie meyo entre a proza,
eo verfo com agudeza , e alguma armonia , de que amplamente
tratou Boldonio na fua Epigrafia.
Nota 510.
O. 7. verí. ;. Auftio- A Igreja de Carquere tem a Cidade de
Lamego ao Sul, que he o Auftio.
Noca 511.
O. 7. verf. y. Cinthio plauftro Cinthio he epiteto de Apolo,
pelo monte Cinthio , e plauftro , he o carro , e aqui íígnilica o
carro do Sol. Nota 5 i z.
O. 7. verf. 8. Preludio. Fcy Carquere primeiro dos Cónegos
Regrantes de Santo Agoftinho , que depois tiveraõ o magnifico
Convento de Santa Cruz de Coimbra, de quem digo foy Prelu-
dio o de Carquere.
Nota 515.
O. 8- verf. i. Terá de Paroquial. Depois que os Cónegos
Regrantes largarão o Convento de Carquere, foy a Igreja Paro-
quial , e ElRey D. SebaftiaÓ , que foy o decimo fcxto entre os de
Portugal , deu efta Igreja para rezidencia aos Padres da Compa-
nhia de Jefu do Collegio de Coimbra, a quem pela fua Univer-
íidade chamo nova Athenas , Republica de Grécia , que floreceo
muito nas Letras.
Nota 514.
O. 9. verf. I. Neófitos. Neo em Grego fignifica novo , e fi-
tos planta, e efta he a caufa de íe chamarem Neófitos os nova-
mente convertidos, ao Chriftianiímo, e efta outava he hum digno
Elogio da Companhia , comparando as íuas Leys com as de Li-
curgo famofo Legislador de Lacedemoiiia; e chamo Taumatur-
go , que fignifica pcodigiofo , a S. Francifco Xavier da mefma
Companhia, e Apoftolo do Oriente.
Nota 515.
O. IX. verf. 5. Com fingido furor. Como em hum Poema há
de obfervar fe o carader de cada hum dos aótores , e o Infante D.
Affonfo ainda que também Infante na idade he com milagre de
Nofla Senhora de Carquere, a pedra fundamental em que o Con-
de D. Henrique feu Pay vè fundado o Reyao de Portugal de que
o In-
D o F o E M J. 9y
O Infante havia de fero primeiro Rey, me naÕ rendi à critica dos
que tiveraó por menos nobre efte Carater da infância em que a-
nimado pelo milagre , e antecipando-fe o ufo da razaõ podia Af-
fonío obrar, c dizer muito do que llie atribuo: em Virgílio omi-
nino Afcanio falia , e obra conforme a íua idade , e naõ me pa-
rece que incorro na cenfura, que faz Boileau Defpreaux ao Moi-
zes Libertado de Saint Amante, quando falta, c brinca com hum
feixinho, que depois offerece , a quem o livrou, como fe vè no
canto primeiro da fua Arte Poética. Em Homero me naõ faltavaô
exemplos das que os modernos chamaÕ puerilidades, como fe o
copiara natureza em hum caracter horrorofo foíTe amável > e em
hum innocente aborrecivel?
Nota 516.
O. i^.verf, 5.Timantes. Aquibufco por modo diverío a com-
paração de Timantes, que ja expliquey quando encobrio oroftro
de Agamenon afflifto pelo facrificio de liia tilha Iphigenia com
hum lenço: vejaó-fe os affeótos defte Pay inconfolavel na admi-
rável crt^edia de Iphigenia efcrira em Francez por Racini.
Nota 517.
O. 19. verf I. Tullio , e Demoftencs. Deftes dous oradores
de que o primeiro foy o mayor dos Latinos , o fegundo ,que foy
no tempo muito primeiro, o mais infigne dos Gregos , fazendo
o paralello de ambos o erudito , c difçreto Padre Rapin , digo
que naõ imitou S. Giraldo como orador lagrado as flores, e ar-
tificies da Rhetorica , mas que fez huma craçaó patética do mi-
lagre de Maria. Nota 518.
O lé. verf. 8- Ourique. Moftra o Santo , que teve revelação
da appariçaõ de Chrifto a ElRey D. Aftonfo Henriques em 1139.
quando lhe deu as cinco Chagas por armas, e venceo cinco Reys
Mouros fendo acclamado Rey , e confirmado nas Cortes de La-
mego. Nota 519.
O. 24. verf. 8. O eípirito divino fobre a agoa. Depois de ex-
plicar S. Giraldo os três bautifmos de agoa,e fangue pondera, que
o fogo do amor divino com que ja deíeja o bautifmo o fará ver
na mefma agoa o Efpirito Santo , explicando aílim com os Santos,
e Expofitores o verfo do pjimeiro capitulo do Genezis : Spiritus
Dommi ferebutur fuper aquas.
Nota 520.
O. 27. verf. 7. A Cidade. Depois de prevenir Henrique a de-
feníà de Lamego íe kmbra do veiíò do Plalmo ísift Dtnn?iíis cuf-
tçdigrit
96 NOTAS
todierit ctvitateni frujla vigilar qui cuflodit eam.
Nota ízi.
O. 29. verr.7. Napca. Eraõ asNapéas as Ninfas dos bofques,
como as Driadas , e as Naydes eraõ as das fonces.
Nota 5Z2.
O 38. verf. 5. Veas que deixa. Sigo a metáfora da circulação
do langue no corpo humano , que íahindo do coração pela Aor-
ta entra nelle pela vea cava , paífa por feu inventor Harveo , e di-
zem alguns, que o delcubiimento foy cio famolo Fra Paulo Sarpl
Religioíb Seivita taõ venerado cm Veneza como condenado em
Roma. Nota 525.
O. 50. verf. I. Sou filha. Como Aldára naó fupunha , que
a ouviaõ pondero os effeitos do íèu amor a Muley , e em hum fo-
liloquio muito ufado em Poemas, e Tragedias fe propõe a fi mef-
ina as duvidas cm que vacilava, e que fervem muito de inftruir
a Pelayo , que a eftava eícutando , de darlhe occaíioens de novas
finezas , e de ir prevenindo os lances futuros.
Nota 524.
O. 5 I. verf, 5 . Anteo. Junto a Tangere , q.ie deu o nome á
Mauritânia Tingitana, como ja notey, fe conta que fe achou hum
oífo de huma perna do Gigante Anteo feu fundador de èxcraor-
dinaria, e incrível grandeza.
Nota 525.
O. 5:9. verf. í. Azul eílrella. Eftes fínaes que dnhaó Aldàra,
e Muley, íèrvem depois para provar, que faõ filhos do Con4e D.
Henrique. Nota 5-2(7.
O. ól. verf 4,0 que fiou da agulha a vofla pena.A fabula de
Filomena a que feu cunhado ElReyTeréo caiado cõíualrmãaProg-
ne,violentou,e cortando-lhe a lingoa para que ella o naó publicaflè
bordou com a agulha as letras em hum lenço por onde avifou a
Progne a fua infelicidade , e fendo convertida em Roxinol ficou
por efte fucceflo com a lingoa farpada fendo Progne transformada
era Andorinha, c Teréo em Eftorninho, vay rezumida nefta ou-
tava em que Aldàra vay contando a íua hiítoria a Filomena.
Nota 527.
O. 61. verf 8. Nénias. Eraõ as Nénias as cancoens triíles,
que íe cantavaõ nos funeraes , Manoel de Faria fez humas a crof-
íica-i a Raynha de Helpanha Dona Izabel de Borbon primeira
mulher de Filippe IV. que merecerão huma graciofa , mas txceC-
íiva fatira de D. Gabriel dei Gorral Abbadc de Toro , que anda
nas
D o F o E M J. 97
nas obras de D. Luiz de UUoa infigne Poeta Hefpanhol da meíma
idade. Nato 5x8.
O. 6x. verf. 8. A violência, Elles efteitos contrários que fente
Aldàra faõ huns avizos de que era Muley íeu Irmão , c equivoca-
vaõ a íiinpatia do langue com o amor que eílava n'alma,
Nota 519.
O. 64. verf. I, Amado aborrecido digo. Ja procurey juftifi-
carme, que naõ digo como equivoco o nome verdadeiro de Ama-
do que a hiftoria dá a Pelayo, com o adjecl:ivo de aborrecido, que
aqui uza Aidàra, equivocando mais os atfectos que os nomes.
Nota 550.
O. 65. verf, S Só por beber meu Sangue. Efte penfamenro,
que parece menos claro , cuido que íe explica querendo Aldàra
pcrfuadir a Pelayo, que fe mataíle a Muley havia de perdella, por-
que os dois coiaçóes eftavaó unidos, e no Tangue de Muley ver-
teria cambem o de Aldàra, e aífim procurou evitarlhc hum inimi-
go taó formidável fiando mais da fua generoíldade , e fineza^ áot
que temendo incitar aífim feu ciúme , e a fua defeíperaçaõ com
clle deícngano.
Nota 531.
O. 67. verf. 4. Adtcon. Ja fe vio em outra Nota , que Aíleon
foy convertido em Cervo por Diana 5 porque a quiz ver em hum
banho çom as fuás Ninfas.
Nota 552.
O. 86. verí. I. Girifalte. He o nome de huma das dez efpe-_
cies de falcoens , e vem do Norte , e das fuás qualidades , e das
mais Aves de rapina , e termos defta arte real íe vejaô muitos Au-
tores que efcreveraõ da Volataria , he hum delles Carlos JX. Rey.
de França no livro que imprimio intitulado : Chajfe Royaíe , de
que fiz hum largo Catalogo , tratando também da origem deíla
cafa defconhccida até o decimo Século
Nota 55?.
O 89- verf 5. Águia real. Quando a Águia íe dcfcobre , fo-
gem as mais Aves de rapina, e ha no firmamento huma conílela»
çaõ letentrionaln que he a Águia de Júpiter.
Nota 5 54-
O. 90. verf. 8. Carnivolo. Úfo deíla pxilavra culta , para
moílrar a voracidade com que as Aves de rapina comem a carne
de outros paíTaros,
v; . ■ m ■ Nota
98 NOTAS
Nota 555.
O, 91. veif! 8. Aufpicios. os Auípicios, de que os das Águi-
as eraó os mais felices, foraõ propícios na fundação de Roma, e
eiaõ os pronoílicos favoráveis que fe faziaõ pelo voo das Aves ,a-
qui lie o aufpicio , e vaticinro de que Portugal como Águia voan-
do para o Oiienre havia de vencer os infiéis, que aqui íe lymbo-
iizaõ nas aves de rapina , atribuindo-fe commummente ao graõ
Tuico o Açor. D. Miguel de Barrios no feu Coio de Muzas em
hum verlos anagramaticos, e quaíi acrofticos , diz aflim.
RoniA aguda bolando ai Turco Az.or.
Nora ^36.
O. 91. verf I A legião dos domefticos Açores. Legião entre
os Romanos correfpondia a hum regimento de Infantaria de féis
mil homens divididos em dez cohortes , que eraó como os noíTos
batalhoens de féis centos homens cada hum , e nefte lugar digo
que os Açores domefticos, ou por me explicar melhor domeftica-
dos,formavaõ huma legiaõ contra as perdizes , que poeticamente
digo com Ovidiojque Perdicas foy hunifobrinho, e difcipulo dé^
Dédalo, e eíle envejolo de que elle o venceíTe na habilidade, ven-
do que inventara a lerra , e ocompaífo, o precipitou de hum
monte, e os Deofes o converterão em Perdiz, Mr, Defmarets. ef-
creveo hum Poema fummamente engenhofo dos amores da regra,
e do compaffo , em veríos Francezes que eu' traduzi em oitavas
Portuguezas , e dediqucy a D. Joaõ da Cofta III. Conde de Soure,
meu intimo amigo , que em poucos annos fe adiantou muito nos
progreííos Militares, e literários , e morreo no Reyno de Valença
fendo Sargento mór de Batalha , em 1706.
Nota 557.
O. 94. verf. 8. Amaltea. Foy Amaltea a Ninfa que criou aju-
piter , e como foy fua a Cornucopia , ou corno da abundância
adornado de flores , e frutos , explico aífim os cornos de caça
inftrumentos venatorios , que precederão á montaria.
Nota 538'
O. 95. verf 1. Meleagros. que Alcides , Marte , e Adoniz
foíTem caçadores he muito vulgar, e naó o he menos , que Me-
leagro mataífe o Javali de Calidonia , e porque ofereceo a Ata-
lanta os defpojos da caça, envejofos Plexipo , e Toxeo Irmãos de
Alréa May de Meleagro, quizeraõ tirar a Atalanta o Javali, e Me-
ieagro os matou -, e Altea , que livrou quando Meleagro nafceo
hum Madeiro , que as Parcas principiarão a queimar, e a que efta-
va
B o V o E M A. 99
vft vínculaííaa vida de Meleagio , por vingarfe da moríC de feus
Irmãos, lançou no fogo eílc madeiro , e quando acabou de quei-
marfe elpirou Meleagio. Efta Atalanta quciem alguns , que feja a
mefma , que Hiponienes vcnceo na carreira com os três pomos
de Ouro da labida fabula } outros as diílinguem fazendo efta filha
de Schenéo , cu Suenéo Rey de Arcádia , e a outra de Jazio Rey
ik)s ArgÍYOs, c naó faltaõ Autores que lhe daó trocados eftes Pays.
Nota ^"i)^.
O. 95. verf. 5. Batida. Hehuma das efpecies da montaria, ba-
tendo os Monteiros as moutas , para qu.e faya a caça grolja, que
ou fe efpera nas portas para matallas a efpingarda , o que no tem-
po do Conde D. Henrique, era íó com íetas , ou íe for de Por-
cos monrezes fc correm a lança. He a calcada, outro género de
caça, que para defcubrir-fe fe vay com os pes dos cavallos calcan-
ido o mato , quando he praticável.
Nota 540.
O. 98. verf 2. Melampos. Eftes nomes de caens a que cha-
mamos fabujos, faõ muito ufados dos poetas, e naõ merecem hii-
ma digreíTaõ para as fuás ethimologias.
Nota 541.
O. 98 verf 5. Hecuba, Hecuba Rainha de Troya convertem
os Poetas em cadelia. Veja-fe Ovidio , e Homero , e Virgílio, e na
tragedia da Troade do difcreto Efpanhol Séneca fe pode ler o ícu
carader, e íbcceílos com os dclRey Priamo leu marido, e da fua
illuftre , e telicc família.
Nota 541.
O. 98. verf.5. Mera. Que Mera fe converteo na mefma efpe-
cic canina diz a fabula nos Metamorfofeos.
Nota 545.
O. ^^. verf 8- Calydonia. Província de Arcádia famoíà por
rhum dos trabalhos de Hercules, c pelo fucceflb de Meleagro nos
ferozes porco efpim, e Javali, que vencerão, e alguns querem que
folTe hum fò , que Diana deu por caibgo a aquelic paiz de Grécia,
por lhe negarem o culto. Nota 544.
O. 100. verf 2. Erimanto. Ja íe explicou outras vezes o que
era Erimanto , e em muitas notas fenaõ repete o que ja eftava co-
mentado. Nota 54;.
O. loz.verí. 8- Os dous caens celeftes. Saõ duas as conftela-
çoens defte nome , e da parte do Sul , chamando-fe a primeira o
caõ mayor,aque daõ o uome de Siiioique pela morte de ícaro de
m ii quem
loo 'fe^- iívr o r J f^ Cl:
quem era, não quiz comer mais, e foy transferido ao Ceo , o it*
oundo Te chama Piocyon,ecaõ menor, que he a Canicula bem
conhecida pelo ardor dos caniculares, em que o Sol eftà nefta
conflelaçaó da zona tórrida, veja-fe a fua fabula em Hyginio,e
nos mais que tratarão das celeftes.
Nota 54^.
O. 103. verf. I. Hacanea. Efte nome he mais conhecido pe-
la que fe ofFerece ao Pontífice, como feudo do Reyno de Nápoles,
e delle fe derivou chamaríe em Hefpanhol, e em Portuguez facas
os cavallos medianos no tamanho ; e no eftylo humilde , ie diz
faquineo, fendo efta ethimologia mais natural, que a que deo Me-
uage , dizendo que Equus dera o nome a Alfana , que em Italiano
he hum cavallo pequeno, de que hum poeta fatiricodiííe em hum
Epigramma Francez contra efla violenta ethimologia , que íe Al-
fana vinha de Equus , íe mudara muito na derrota perdendo no
caminho todas as letras do nome de que a derlvavaõ. Veja-fe o
cavalleiro de Cayli com o nome de Alèyli.
Nota 548-
O. 105. verf 8. A maquina. Efte verfo pedia huma larga dií-
ferracaÕ, fe eu quizelTe deffender a opinião Carteziana de que os
brutos laõ maquinas, ou defcrever , o que he inftindlo , termo
certamente mal entendido, e que o engenhofo, e erudito Padre
Feijó, combatendo as duas opinioens , difputa com a lua coftu-
mada agudeza , pois ainda que he Herético dizer que os brutos
tem alvedrio , aquelle doutiííimo critico pondera hú certo grào de
diícurío por huma ejpeciede inferências, e de comparaçoens de
ideas , que confirma com varias experiências, mas a tudo refpon-
dem os Filofofos modernos.
Nora 549.
O. 109 verf. Hecatombe. Significa em Grego o facrificio de
cem bois, mas achafe por todo o que he de cem vidimas fempre
com o mefmo nome, ainda que lejaó de outras rezes , e de cem
águias fe lè em Homero o nome de Hecatombe.
Nota 550.
O. 1 10. verf. 5.0ribafo. Do nome defte, e dos outros caens
fe vè baftancemenre a echymologia Grega neftes quatro verfos , e
foroõ os meímos nomes que tivcraõ entre outros muitos os do fa-
mofo Caçador Acheon, como pode ver-fe em Natal Comes cra-
;tando na luaEmythologia da fabula defte curiolo,e infelice artia-
te de Diana , que o transformou em veado , e o dçfpedaçaraó^os
■ ' !: ,r. ' leU9
feus próprios caènsi?' fJÍ-'' Npta' 5^1- ^ cr ;
O. II ;.verf. 7Vlphigenia Para fiiavizar a tragedia de Iphige-
nia dizem alguns poetas, que em leu lugar aceitou Diana huma
Cerva por facrihcio. Nota 551.
O. I 1 5. verf. I. Licaon. He o ncme daquelle tyranno qne ma-
çava os horpedes , e os dava a comera outros, e a quem Júpiter, e
Mercúrio transformarão em lobo,vendo cm fua cala efta atrocida-
de; e irritado Júpiter calUgou os homens com o diluvio , ou fof-
fè o ufiiveifal , a que os Gregos chamarão cataclyfmo ,ou o parti-
cular de Tbeíalia. • " Nota 55-5.
O 115. verf. 4. Pyrrha, O diluvio de que fó fe falvaraõ Deu-
talion , e Pyrchá , defcrcvem os Poetas, e admiravelmente Horá-
cio nos verfos laphicos da íua fegunda ode , que principia : '^awi
fatis terrts. Nota 554.
;i ii:. O. 1 17. verf. Pir^rve» Nome da Ninfa de quem o tomarão os
rno^ntcs Pirènèos , que dividem França de Caftella.
Nota uu
O. I ly.verf.S.Qiie o Erice fe axou no Erminio. Como digo
que efte Paftor amante feguia a Vénus Mãy do amor, c que ama-
va a Dorimene Paftora da ferra da Eftreila, chamada pelos antigos
monte Erminio, digo também, que naquelle monte achou o Erice»
que era confagrado a Vénus em Trinacria , que he Sicilia, don-
de como ja diíle, lhe chamarão Ericina. Pareceome confervar nel-
ta nota huma copla antiga das paftoras da ferra da Eftreila , que o
inllgnc Bacelar imitou, mas naó fey fe fazendo-a mais difcreta , a
deixou menos natural. Dizia a copla :
Nafceo na Serra da Eflrella ,
Qíie fica junto às efirelLií ,
Tomou a afperez^a delia ,
-'''" "■'■~ ' I. a formo fura delias ^
'Diz Bá-ceilar. fafior a do gado branco ,
..1'jini: >i Ttlha da Serra da Epella ,
Oue no ceie fie , e no dure/.
Lhe rouoafle a natureza.
Nota 556.
O. 120. verf. 5. O perfpicaz efpofo de Hipermneftra. He o
Lince huma elpecie de lobo cerval, de vifta agudiílima, tanto que
diziaó penetrava o folido , iciea falfa , e ridícula, que ainda hoje
dura nos que crem,que ha homens, que vem o interior r'os outros,
e que defcobiem o que e^à occuico nas çniranhas da i^rra. Ja em
Fran»
loz X. NOTA S a,-
França Ce defvaiieceo a illuzaó cora que Jaques Haymar uíava da
chamada por elles Baguetre devinacoire ^ e pelo noíTo vulgo vari-
nha de condaõi defendeo efte paradoxo com, mais fubtileza que
verdade Vallemont na fua Fitíc^ oculta. Diz a fabula que Lynco,
ou Lynceo efpoíode Hypclmneftra a quem 'elU livrou da morce,
que luas quarenta e nove Irm-ãas deraõ na iji^lm^ npute a (eus ef-
pofos fora convertido em Lince. > (^a-àtmk^in^-noiwy
Noca 557. ■
O. 123. Dos campos Lauriccnos. Dei o nome de campos Lau-
ricenos , aos do Louriçal Villa do Bifpado de Coimbra onde tera
a miuíiafamiliâ o leu antigo dominio,he hoje celebre pelo magni-
fico Convento que a piedade, e grádezade ElRey D. Joaõp V. fun-
dou em memoria do inftituto da ferva de Deos Maria do Ladod*
primeira regra de S. Francifco, e com Laufperene ao Sanriífimo
Sacramento. As galgas daqnelle deftrido faó celebres , e Centelha
era o nome de huma , que excedeo a todas em Salvaterra, e San-
ta Marcha, e a deu meu Pay o Conde da Ericeira D. Luiz de Me-
nezes a feu particular amigo o Conde da Atalaya D. Luiz Manoel
defcendenre por varoniadelRey D. Duarte, eheròe que depois de
grandes acções Militares ,e politicas deu a vida pela pátria, mor-
rendo de huma baila que recebeo indo a reconhecer a Praça de Al-
cântara em Abril de 1706. deixando em feus dous illulhes filhos,
os Condes da Aralaya D. Pedro Manoel, e D. Joaó Manoel de No-
ronha, hoje General , e Governador das Armas do Exercito , e
Província de Alentejo, huns dignos retratos das fuás heróicas vir-
tudes. O titulo de Marquez do Louriçal deu ElRey D. Joaõ o V.
ao Conde da Ericeira D. Luiz de Menezes, nomeando o fegunda
vez ViceR.ey da índia em i 740. mandando huma numerola eíqua-
dra. Nota 5 ^8.
O. 127. verf. 5. Para alcançar. Efta comparação da caça cora
a guerra, he imitida de Xenofonte na íua Cyropedia , em que o
grande Cyro faz efta s reflexoens a Chryfanto, e as ampliou nas
íuas excelentes noras Militares a Polibio Mr. Frolard no primei-
ro volume da fua Tradução.
Nota 559.
0. 1 30. veríi 6. Sertofios, Sertório defendeo cm Luzitaniao
partido de Mário, e he bem iabido ,quecoft:umando huma Cerva
a comer na fua orelha, ganhou a fuperfticiofacredulida Je dos po-
vos para que creíTem, que da parte dos Deofes^ o vinha infpirac
para as gíoriofas vitorias que alcançou com tropas Luziranas
das
D o F o E M A. Í03.
das Romanas. Nota 560.-
O. I 3z. verf. 5. Afllm o fez quanto Rcy grande. O erudito
Portugnez Mendoca no feu Viridario excita o problema , le ao
Príncipe he mais útil fer caçador, fe eftudiofo, e o deixa por de-
cidir , porém parece que as (ciências excedem muito a caqn, Íena5
he que a tememos como imagem da gueria , que he muito mais
nobre por mais heróica , que rodas as applicaçoens humanas,
mas nunca vale a copia tanto como o original ; he cerco que mui-
tos dos mayores Reys do mundo exercitarão fempre a caça , que
deve ler illuftrc diverfaó, e naó único emprego.
Nora 561.
O. 155. verf. 1 . Claro Mecenas. Torno a invocar como Me-
cenas ao Senhor Infante D. António, a quem dediqucy o Poema
lembrandonie de que no campo Tranftagano que he o melmo
que de Alentejo, matou hum Gamo na Real Tapada de Villa Vi-
çofa em huma diftancía taó grande , que parecia impoíllvel que a
baila o alcançaíTe , o que enraõ celebrey com hum Soneto Efpa-
nhol , que naó foy mal recebido na Corte dclRey Catholico D;
Filíppe V. ém 1729. que foy o anno em que fe celebrou emCaya
o caíamento reciproco dos dous Principes , ePrincezas de Portu-
gal, e Hefpanha. Nota 562.
O. 134. verf 5. De Saturno. Na applicaçaó ào^ metaes aos
Planetas atribuem os Chimicos o chumbo a Saturno.
Nora 563.
O. 136. verf I. Teus Irmãos , Pay , e Avo. ElRey D, Joaó o
quinto exercita a caça com a mefma deftreza , e primor com que
faz tudo ao que fe applica Nefte exercício foy infigne ElRey D Pe-
dro II, e feu gloriofoPay ElRey D. Joaó o IV. e dos Senhores In-
fantes D. Francifco , e D. Manoel íe tratara logo.
Nota 5(^4.
O. 1-36. verf 5. Em novo Augufto o Príncipe D. Jozé entre
os vircuolds exercícios a que le aplica , dà ao da caça hum gran-
de lugar, e florece nella , e em todos os progreíTos deftros, e ro-
buílos da arre venatoria ; como o vaticínio i-.e do Conde D. Hen-
rique, conta efte ao Príncipe feu XVllL nero ponvaronia, como
quem ha de fer feu fucceílor no Reyno , e nas virtudes , e nos ex-
ercícios nobres. Nota 565.
O. 137. verf I. Francifco. Que o Senhor Infante D. Fran-
cifco he infigne em todos os exercitit-s vaicnís,an!m rérrcftres, co-
mo raaritimos , he taó notório, que naó nçcçííira de ir/ais e\pii4
caça©
104^ .K 'NOTAS Cl
caçaõ, eigaalmente fe diftingue nay-fdcncias militares , e nauci-
cavs , que lias equelhes , e venstoiias. '
Nota '^,GG.
O- 138- verf I. Manoel: o Senhor Infante D. Manoel, que
principiava a exetcitar a cac^a com prinioi- , fahio de Lisboa a ven-
cer os Turcos, a quem chamo Feras Bizantinas, por íer Bizâncio
o nome de GonftantinopU Corre do Graõ Senhor , e t^uc rrafem
nos Eftandartes as meyas Luas. Achoule gloiioíamente na Bata-
lha de Peter Varadin , e Conquiíla de Temefvvar , em Hungria,
que he a antiga Pannonia, e pa batalha, econquilla de Belgrado,
que he a capital da Servia derramado em defenlá da Religiaõ,e do
Império o feu Real Sangue fendo General o hecòe deíle féçiilo o
Príncipe Eugénio de Saboya.
Nota 567.
O. I 59. verf I. Carlos , c Pedro , Scc. Naõ me atrevi a em-
niendar eíla ourava quando ao elbrever eftas notas tinha a morte
roubado a Portugal no anno' de ij^á. ao Senhor Infante D.
Carlos de Regias elperanças , e a Senhora Infanta Dona Francif-
ca de Soberanos atributos. O Senhor Infante D. Pedro he tam-
bém igualmente inclinado , entre outros nobres exercícios, ao da
caça. As três Princezas laó a Raynha D. Mariana de Auftria, e a
Princeza do Brazil D. Maria Vi6toria,e foy como acabo de dizer
a Senhora Infanta D. Franciíca, aoutta he a Princeza de Afturias,
que affim era Caftella como em Andalufia ( que he a antiga Bcti-
ca ,) fegue na caça a fua Real Familia.
CANTO IX.
Nota 685.
O. i. verl. 5. FeSo como Apolo, hc Deos da Muíica que
exercita no Parnafo cora as nove Mufas , e venceo nella a Pan , e
a Marfias padecendo ambos o caftigo da temeridade de competir
com elle. Nota 569.
O. 4. verf. I. D. Garcia Rodrigues. Pela doação original que
cílá na torre do Tombo confta, que D. Garcia Rodrigues, que era
dos Fonfecas, teve as terras do Couto de Leorail , que depois pof-
luiraó os Coutinhos feus defcendentes , e que em Africa, e ou-
tras partes deraõ a Portugal imufiortal gloria. Foy hetdeira da Ca-
la de M^rialvaa InfiiuaD. Guionur Coutinho de Menezes, que
caiou
D o F o E M J. lof
cafou com o Infante D. Feinancio filho de ElRey D. Manoel , e da
Raynha D. Maria , de que naõ ha rucceíljó , porciD heidou o reí-
to defta Illuílre Cala a Marqueza de Maiialvá D. Caterina Cou-
tinho , que caiou com o grande D. António Luiz de Menezes, de
qnem dciccndem, e a quem iniicaraó os Marquezes de Máiialva,
e Condes de Cantanhede.
Nota 570.
O. 9. verí. I. Poliorcedica. Chamoufe em Grego aíTim a ar-
te de ganhar as Praças, e por conqaillar muitas íe deu o nome de
Poliorcetes a Demétrio, e no feculo pafiado ao Marechal de la
Mothe-Houdan court,
r ..■ •• ' Nota 571.
- O. 9, verf. 5. Archimedes. Poucos ignoraõ , que Archimedes
admirável profeílor das Mathematicas com as maquiíias que in-
ventou defendeo Siracufa em Sicilia contra os Romanos , que o
matarão inadvertidamente , porque naõ reipondeo a hum Solda-
do, pela grande applicaçaó ç-om que ellava a huma iigura Geo-
métrica , que defcrevia na arca.
Nota 57i.
-i. i.Ovzg. vef. 8- O Graõ Sepulcro libertou de Chrifto. A ex-
pedição do Conde D.Henrique á Terra Santa de Paleftina, achan-i
do íècom Gofredo de Bullon na conquifta dejeruíalem , he ma-
is conhecida de alguns dos noíTos efcritores, que dos Eílrangei-
los. Efte verío he huma tradução literal do legundo veríc dajera-
faiem libertada de TalTo.
oí 3VOÍI tiu ^e ti gran Sepcicro libero de Crijlo.
s.jp. •?:''••■■ ■' ' Nota 575.
-' -i Oí 28. verí. I. Interamnenfe. He o nome latino que feda a
Prcvincia de Entre-Douro , e Minho , e fe deriva de inter amnes,
ou entre Rios. Nota ^74.
íípl O i-g. verf, 5. Quando aílaltando osceos. Aífim nomcyo poe-
ticamente 3 Província de Trás dos Montes.
Nora 5 75".
O. 28. verf 7. E quanto ainda em LeaÓ. He cerro, que ou
por dote , ou por direyto , e conquifta occupou o Conde D. Hen-
rique no Reyno de Leaõ muitas terras DelR< y D. Affonfo VI. feii
Sogro, e entre ellas a Cidade de Aftorga, onde morrão em 1 1 12.
Nota 5 7^-
O. 29. verf 2. o Douro, ôzc. Os quatro Rios que inclue o
verío faõ dos mais.caudalolps da Beira , ç ^ílaPiovincia naõ ió a-
io6 NOTAS
qui fe refuine , mas a cofta que cone fobre o Oceano defde Ca-
minha que hc no Minho até a Figueira, c Buarcos, que faó na Bei-
ra , onde o Mondego dezemboca no mefmo mar.
Nota 577.
O. ?5'.vern I. Expugnaçaó, &C. Nefta outava, e nas outras
fe refumem as acções ja refeiidas , o que fe obferva , naõ lo nos
Poemas, mas nas hiftorias para renovar a memoria dos fucceiros
em grande beneficio dos Leitores.
Nota 57S.
O. 57. verf. 7. Hercules. O Hercules gallico le pintava com
cadeyas de ouro na boca para moftrar que os heròes naõ fó ven-
cem adivamentc com o valor , mas prendem íuavemente com a
eloquência. Deita fe chamar Áurea íãó tefterannhas os epítetos da-
dos a Dion, e a S. Joaõ, ambos chamados Chrifoftomos , ou bo-
cas de ouro, e a S. Pedro , o Ghryfologo, que íígnihca pratica,-
ou difcurfo de ouro. Nota 579.
O. 5" 8. verí. 5. Eu a vejo , eu a vejo. Efta figura de repetição,
e efta imagem da dilcordia com os feus afpides, faõ muito ufadas
dos que conhecem ainda medianamente a Rhetorica , arte igual-
mente deieitavel . e ucil. Veja-fe a de Ariftoteles , a do Padre La-
my , e outras exceilentes, em que he a mais vafta a do Padre Cau-
íino. Nota 580.
O. iíi. verf. i. De verdes pinhos. O pinhal delRey chamado
também de Leiria, he ainda hoje famofo ,e agora mais pelas no-
vas maquinas com que ElRey D. Joaõ o V. facilitou o corte das
madeiras para navios, e obras publicas; occupa mais de nove le-
goas, e ficava à efquerda do Exercito do Conde D. Henriquc,que
vinha da parte do Norte, com a direita para a do mar , e ainda
que efte pinhíl foíle plantado por ElRey D. Diniz, pode luppor a
poefia , que o tinha havido antes , e que foy queimado , ou cer-
cado, e que na terra própria para eftas arvores também íè tiveífem
ferneado muitas como ja le explicou, tendo o primeiro pinhal íido
do Confelho , pelo que hoje tem efte nome.
Nota 581.
O. (ji. verf I. Sobre a indómita- Delcreve-íe o monte, eo
areal de noíTa Senhora de Nazareth , de que a Imagem ainda fe
jcxcuJcava ,e apareceo com o milagre de Dom Puas Roupinho no
tempo delRey D. Affonfo Henriques, econtaõ alguns Autores dos
•jioííbs qiie alli .fieera penitencia com o Monge Romaõ ElRey D.
Rodrlga ulcifflo dos Godos de Her^anha^ de (^ue a fepulcura di-
zem
B o T O E M A 107
zem fe achou em Vizeo, e na fiia Chronica antiga Hefpanhola íe
acha efta hiftoiia akerada com muitas fabulas.
Nota 58Í.
0.65.verr. I. Ja no Eícorpiaõ O. Efcorpiaó em q o Sol entra
a 25. de Outubro he onde o Outono tem a mayor força, e princi-
pia a diminuir o calor. A fabula diz , que foy o Efcorpiaó o que
mordeo hum pè ao Gigante Orion, por atreverfe a Juno , c tam-
bém que o precipicio de Faetonte fora caufado pelo medo, que ti-
veraõ os cavallos do Sol do veneno defte monftro.
Nota 583.
O. 6f .verf, 6. Pomona, Vertuno. Efte era o Deoí? , e aquella a
Deofa dos frutos,c os que chamo áureos, faó as laranjas que dizem
vem de Aurancia pela cor de ouro, e chamo falvas de efmeraldas
as folhas. Nota 584.
O. 8i. verf. 5.Palamedes. Dizem que Palamedes no fitio de
Troya , que durou dez annos , inventou para deverrii os Gregos
o jogo chamadado dos Latruticulos,que querem feja ò do Xadrez.
delle efcieveo hum excelente poema Jeronymo Vida , e defcraveo
afte jogo Marino no feu Adónis com a fabula de Galania trans-
formada em Tartaruga, porq Vénus ralvofa de q ella advertiíTe a
Adónis hum lance para livrarfe do Mate , lhe quebrou nas coftas
o taboleiro ,e o ficou trazendo perpetuamente, he mais certo que
o Xadrez que hoje temos foy inventado na Perfia donde Xà figni-
fica Rey como prova em huma diíTertaçaõ o erudito Mr. de Sar-
razin , e em huma ficção agradável , referio a ElRey Luiz XV. de
França muito deftro neftejogo, na fua puericia, a Academia Real
das infciipçoens ,e bellas letras, como na faa excellente hiftoria
refere Mr. deBòze leu illuftre Secretario.
' ' • Nota 585.
O. 85"- verf. 5. Mas pouco importa quanto Deos decreta. A-
qui fe explica o Rey Mouro com o erro do Alcorão de que tudo ha
de fucceder por força, e oacrefcenta com o Atheiímo de que ain-
da aílim fia mais ào feu valor , que dos decretos divinos, máxima
própria do caraftei de hum infiel , e tyranno.
Nota 586.
O. 89. verf 5. Nabaõ. O Rio Nabaõ pafla por Thomar Villa
celebre da Eftremadura , e bem conhecida por fer pátria de Santa
Iria, ou Irene, q com o feu Martyrioem Santarém lhe deu o nome,
e por fer cabeça da Ordem de Chrifto com o leu fumptuofo Con-
vento q naõ merecia menos vaticinio,qos que nç Poema íe dcílcre-
nii vem.
io8 N O 1 A S
vem. A marcha do Exercito Maboinecano fe dirige por Anciaõ
Villa , que íe eiigio para o Conde de Ericeira D. Luiz de Menezes
cm memoria do que obrou fendo General da Artelharia de Alen-
tejo em 1665. na paíTagem do rio Degcbe, e na batalha do Amei-
xial, mandando ElRey D. Aífonfo VI. que fe levantaíTe hum pa-
drão , que com huma elegante infcripçaõ latina immortaliza eíla
memoria , confervando-fe eíla Villa, e os lugares do feu termo na
cafa da Ericeira. He bem conhecida a Serra, e Ribeira de Ancião
por ler em clima benigno, ainda que em terreno afpero,e na eftra-
da principal de Coimbra para onde marcha o Exercito de ElRey
Aily.
Nota 587-
O. 95. verf. I. Na peninjula. Aqui fe defere ve Peniche Villa
da Cafa dos Condes de Atouguia, e que depois ie fortificou, e eíla
em huraa peninfula, que fignilica quaíí Ilha , a que os Gregos
chamarão com nome genérico Cherlonezo , e a lingoa de terra,
que a ata com a terra iirme, íe chama como ;a áiíÍQ Ifthmo.
Nota 588.
O. 95. verf. ^. Qiie a pedra que ferida lança fogo. Bem cla-
ro eftà o nome da Pederneira, Villa, e porto pequeno na cofta do
Oceano na Eilremadura, eem pouca diftancia do monte da Na-
zaré c , que lhe fica iminente.
Nota 589.
O. 10 1. verf ó. Panopéa. He o nome de huma Deoza Ma-
rítima , que a fabula diz foy huma das 50. filhas de Nereo , e Do-
ris, dizem que foy Serea, e lhe deu o nome aperfpicacia da vifta.
r,::oJirf Nota 590.
O. Io?, verf 8" Pois naõ pode m^idallos. Eftailuíaõ daSeréa,
e do Confilio dos Deoíes , he efeito da cega idolatria da Rainha
Axa , a que o mào Génio peiluadia eftas falfidades , e as dos anti-
gos fupunhaó na fua errada Theologia , que Júpiter naõ podia o-
brac contra as Leys do Deftino , nem contra o conlelho dos Deo-
zes , fe eftavaõ todos conformes j confundindo aílim a verdadei-
ra ordem da Província divina, onde naõ hà açafos , le naõ hum
continuo acerco.
Nota 591.
O. 104, verf r. Cilenio. Nome que fe dà á Mercúrio pelo
monte Cilenio, em que nafceo , ou pela eloquência , Virg. fegue
o I. Enead lib 8. e e lo D^os era o que convocava para o confe-
Iho por fcc correyo de Júpiter,
Nota
DO P O E M J. 109
Nota 592..
O. 107. verf. I. O Neto de Atlante. Mercúrio era hlho de Jú-
piter, e Ja Ninfa Maya, que deu o nouje ao mez de Mayo , e era
tílha de Aclaiue Rey de Mauritânia. AHimihe cluma Horácio Ne-
pos Atlantis, e eu finjo que por eíla cauía era contrario aos Por-
tuguezes, como explicaó as nocas que brevemente declaraó efta
averlaõ de Mercúrio.
Nota 595.
O. 107. verC 7. Marre. Faço Marte favorável aos Portugue-
zes para moftrar o animo guerreiro defta na«^aõ , que com Viria-
to , c Sertório venceo os Romanos , fendo o primeiro hum Paftoc
a quem chama Lúcio Floro Rómulo da Luzitania.
Nota 594.
O. 109. verf. 8. Vencer o mundo , e fuftentar a esfera. He a
primeira caula da oppofiçaõ de Mercúrio aos Portuguezes ler me-
nos valente , e eíla naçaó nos primeiros feculos pouco aplicada a
eloquência, ainda que ja Strabaõ diz na fua Geografia , que con-
fervavaõ em verfo as acçoens dos feus mayores , e que os Pheni-
cios feus primeiros conquiftadores inventarão as letras Bem acre-
ditarão nos íeus últimos Séculos a fua elegância hum Padre Antó-
nio Vieira , hum Joaó de Barros , hum Luiz de Camoens , e ou-
tros illuftres Oradores , Hiítoriadores, e Poecas. Fingiaõ que El-
Rey Atlante, convertido em monte, fuRentava o Ceo nos feus
hombros,roas que o ajudava Heicules, por ler muito alto o mon-
te Atlas da Mauritânia.
Nota 595.
O. 120 verf I. Em Africa Sente Mercúrio ver nas eílrel-
las , que os Portuguezes em Africa haó de vencer os Mouros até
as fraldas do monte Atlante , e que haó de conquill:ar, as praças
que fe refumem nefta ourava , e outras muitas que com gloria ga-
nharão , e por defcuido perderão
Nota 5 9(í.
O. 1 10. verf )'; Ceuta ie rende. A primeira conquifta em A-
frica foy a famoía expedição a Ceuta por ElRey D. Joaó o L os
Infantes íeus filhos, e quali toda a nobreza de Portugal no anno
de 141 5. Tanger foy ganhado por ElRey D. A.Tonfo V. em 1471-
e depois dado em dote à Rainha da Grãa Bertanha D. Catherina
quando cafou com ElRey Carlos II. de Inglaterra em i6Gx. os
Inglezes a abandonarão aos Mouros, e a fua hifioria efcreveocom
grande elegância o Conde da Ericeira D, Fernando de iVíenezes
que
lio NOTAS
que foy feii Capitão General, perto de íeis annos, defdeode i6^$
e naó defmereceo a gloria que tantos do feu appelido adquirirão
em Tangere, e Ceuta. Efta ultima foy a única Praça que naõ acla-
mou em ) 640 o feu Rey verdadeiro , e na paz de 16^8 ficou ce-
dida aos Elpanhoes, eliberrando-a do mayor fitio na duração que
nunca vio o mundo , o valor das armas de ElRey Católico D. Fe-
lipe V. e a tmlid íoccorrido ElRey D. Pedro 11. mandando as tro-
pas Portuguezas com grande credito Pedro .Vlaícarenhas , Con-
de de Sandomil, Vice-R-^y na índia, do Coníelho de Guerra , e
Governador das Armas de Alentejo , fempre com igual reputação,
que fe augmentou em 1711. foccorrendo Campo mayor, quando
gloriolamente a defendeo o Conde da Ribeira D. Luiz Manoel
da Camará. Arfiia também ganhada por EIRey D. Affonlb o V. fe
perdeo no tempo do governo de Caftella. As outras Praças largou
por mào f onfelho ElRey D. Joaó o III. e (o fe conferva Mazagaó,
que era a menos importante.
Nota 597.
O. i it. verf, I. Atlântico Oceano. Todo o mar Oceano que
corre pelas coft.is de Portugal , e Africa fe chama Atlântico em
memoria daquelle monte, e he a outra caufa da enveja de Mercú-
rio,porque os Portuguezes com os feus defcubrimentos das Ilhas,
e navegação ao Oriente haviaõ de íer os primeiros que o navegaU
lem , e dominaffem.
Nota 598.
O. III. verf 7. As Athiantides Ilhas. Eftas Ilhas em que os
antigos fingirão tantas fabulas querem que fejaó as de Cabo Ver-
da , que outros chamaõ Gorgades, e Hefperides defronte do Ca-
bo Arfinario de quem diz Camoens :
Que de Cabo Arfmario o nome perde
chamado pelos mjfos Cabo Verde.
Nota 599.
O. Ill verf i.Athlantide Platão chamado o divino nosíeus
Diálogos defcreve a Ilha Atlantide , que diz foy íeparada da Eu-
ropa por hum terremoto de que o mar Oceano a dividio : muitos
entenJem, quetiveraó os Gregos, e os Cartaginezes pelas nave-
gaçoens de Hanon, e outros, alguma noticia da America. Veja-fe
em izac VoíTio , e no Padre Feijó , e outros muitos a curiofa in-
veftigaçaõ dos primeiros povoadores da America , que ao Sul fe
divide peloEftreitode Magalhacnsjda terra do fogo chamada tam-
bém dos Pacagoeíis , defcobrindo aquelk Eftteito , e a navcgaça©
do
DO T O E M J, irr
do mar do Sul remando de Magalhães Portuguez , dando a nào
Vitoria a primeira volta , que íe deu ao mundo.
Nora 600.
O. Ill, veif 6. America. Ja diííe que Américo Vefpucio
Florentino debaixo dos auípiciosdelRey D. Manoel teve a gloria
de dar o nome .1 America, naó ló quarta pane do mundo , mas
outro mundo novo.
Notacíoi.
O. 1 1 1. veiT. 8. O opulento, o fragante , e o preciofo. Neíle
verfo íereíumem as riquezas das noíras Conquiftas, qa£ (e com-
põem de ouro , prata, afoma:S , pedras pieciofas j frutos , e outras
varias producções. Nota 6oi.
O. 113. verf. S. Mercúrio Deos da paz , Marte da guerra. Ar-
gue Marte Deos da guerra a Mercúrio Deos dos furtos , e do^ en-
ganos da eloquência artificiofa, de que como Deos da paz, fimbo-/
lizada no Caducco em que as Serpentes eftaõ prezas , aborrecia a
guerra ,epor efla caulaaos Luzitanos , que fempre invencíveis a
exercitarão. Nota 605.
O. 114. verí. I. Vénus. O admirável Camoens deu as cau-
fas , porque Vénus ( de quem Marte era amante ) favoreceíle aos
Lufitanos como rinha feito aos Troyanos , e bafta aquelle gran-
de Poeta, e os feus comentadores para que eu me naõ atreva a
repetir o que nelles pode verlè.
Nota 604.
0. 117. verf. z. Chipre, eCithèra. Eftas Ilhas ganharão os
Turcos, a de Chypre em 1571. e outras em diveríos temposj
tornando aqui a lembrar Vénus as viótorias do mar Egeo de que
fizemos memoria no Canto fegundo.
Nota 605.
O. 118. verf I. Palias. Era Palias inimiga de Vénus, porque
Paris a preferio no pomo de ouro do monte ida, e também emu-
la de Marte , e protedora de Axa, e por coníequencia inimiga dos
Portuguezes. . Nota 607.
í : O. 1 19. verf. ;i. Apolo. Para fazer Apolo inimigo dos Portu-
guezes buíco poeticamente os motivos de que tftá Lufitania na
parte mais Occidental do mundo onde o Sol morre r.o Ocafo.
Naô fey fe diga com o infigne Vieira que cm Pcrtugal quem luz
znais fe fepulia logo, como elle adverte no Sermaõ de Santo An-
tónio entre as fombras no feu temo iz. Tambtm he Apolo inimi-
go de Portugal por lhe ir tirar o culto que tinha no Oriente, dódc
os
112 NOTAS ''-*
os Perfas o adorarão com o nome de Mitra,exifl;indp entre elles al-
guns chamados Gntcs da fua antiga idolatria, ô o litros GeiltíÓs 4a
Àfiá adoraõ o Sol eom diveríos nomes. ' '* • "-fcíiA .i""'' '^U
Nota, 6o8.- £' ^''''^■"■'■^ * ^ S%-tcvc.\?1l
O. 120. verf. I. Neptuno. O Deos do mar naõ podia lofrer
que os Portuguezes dercobriírem os léus fegredos,e o opprimiíTera
com as Aias armadas, ^i
^^"^ Nota 6o^: .
; ' O. Ill, verf. i. Baco. tá mefma' razaõ ; porque o refpcito de
Luiz de Camoens me fez naô amplificar as caUías do patrocínio
<le Venus aos Portuguezes, meobrigaa naó referir as da inimizade
de Baco , que conquiftou o Oriente %oth'ónotnÈÍ de Dionizio.' t
.f. ■" r. ■ Nota 6 IO.
^''ví-h^í^. j^i^X^^dt^^^^^ozitano. Os rfiitigòstoniavàõb epitetóqye
"crn algiins foy antónomaíiá '#'dàs ^a^bensí^qiie-conquirtavaôt,'-^
que venciaõ, eaííim comoScipiáõ fôy chamado Africano pôr ga-
nhar Cartago em AtFrica, promere Axa a ElRey'Aly, que fera
chamado Luzitano por vencera Hém*i^ue , ê conquiílaí CoiíÀ-
bra em Luzitania. K^,-.;.íí>/, •« ' • >^ ■
-^-^' O. 'ii4. verf i. Tritonii. JàeJípiicJiíey què Tritonia erà Pla-
**■ las , e que o feu elcudo era hum efpelho, onda Axa magicaiiièti-
'''tea moftrou a ElRey , e aos fcus Generaes , para perfuadirlhes jun-
tamente que naõ dividirtem as forças, porque como ja tinha íii-
ro ,é virtude unida obra mais forde fegundo o prõloquií);: 'Vvtius
Ignita fortins agit. Sertório aíliní o flemoíi;íh"oii'< hiaioaiiáatóíieíhMti
Cavallo , que naõ pode arrancar unida o moço mais robufto , c
íeoa por íeda , desfez o velho mais débil, ■ 'i ; . J
,, c A N t:o X. ,.'":,
Nota 6 12, A ■' ^ '
O. 4. verf 8. Atis. Foy Atis amante de Cibelles transformado
era pinheyro, e uzo defta fabula quando refiro que os Mouros
atearão o fogo no pinhal , em que o Exercito de Henrique ti-
nha a ala efquerda , e. ja dey a ra^aó na nota da ourava 61.' do
Canto 9 de eomoipodãa haver efte.pinhaj antes cio reiti^ó de
ElRey D, Diniz.
' Q ' No-
DO T O E M J. 1 1 3
Nota 613.
O. (. veil 5. Tezifone. As três fúrias infernais, que eraõ Te-
zifone, Alcdo, e Megera, tem aqui diverío emprego fegundo a fua
etymologia , c fabula.
Nota 614.
O. 12. verf. i. Signifero. He o nome de quem leva a bandei-
ra chamada Signum pelos Latinos , e o que fe dà ao Alferes mor>
que dizem foy por aquelles tempos D. Fafes Luz.
Nora 61 5.
O, iV. verí. I. Plataõ. Veja-fe a imitação, que fiz da deícrip-
çaõ que faz Claudiano no feu Poema deRaptu Porferpinae em que
pinta o carro de Deos do abifmo.
Nota 6 I 6.
O, 16. verl. 8. A meya Lua. Ainda que as meyas Luas na5
fejaõ muito certo que na quelle tempo foííem a divifa dos Mahome-
ranos, os Poetas tem liberdade para eftasantecipaçoens, ea forma
lunar dos íeus Exércitos para que com o numero ganhem pelos
flancos os contrários , também dizem alguns he fuperfticiofa pa-.
ra imitar as fuás meyas Luas.
Nora 617.
O. 21. verf. j. Sabina. Odefafio dos Horacios , e Curiacios
na guerra dos Romanos , e Sabinos defcreve Tito Livio, e incluyo
Pedro Ccrnelio na íua incomparável tragedia Franceza de Horá-
cio, que venceo os três inimigos , perdendo os íeus dous Irmãos»
Críticos há , que dizem que efta hiftoria ou foy repetida , ou fur-
tada a outra que fuccedeo em Grécia.
Nota 618.
O. 44. verí. I. Nada difto veras. Eíle generolo ciúme de Pe-
layo Amado, e efta obediência à invencível inclinação de Aldàra ,
que defejava coníervar a vida de Muley, parecerá inveroíímil aos
que naó conhecem os eftranhos eífeitos de hum amor puro , e ao
mefmo tempo activo. Nota 619.
O. 29. verí. 8^ Flegra. O campo em que os Gigantes Titaens ,
que fe atreverão a efcalar o Ceo, foraó fulminados pelos rayos de
jove, fe chamou Flegra de que o nome fe deriva de ardor , que a-
braza,nalingoa Grega, donde fe chamou Phlegeionte orlo arden-
te do Inferno , ja na nota i oitava 6 j . adverti, que podia haver pi-
nhal antes que ElRcy D. Diniz o raandaíTe plantar.
Nota óio.
O. 51. verf. 1. Promethèo. A fabula da EftatuadePromçtúèofi-
114 ' N O 1 J S '^
lho Japeto , que roubou o fogo do ceo para dar efpirito aà
corpo inanimado , he taõ vulgar como cuido que o naõ -he a
comparação de que Henrique reftiruiile com o feu valor, e ardor
o efpirito, que ja naó.cinha o corpo lieíaniaiadoíiovfcu.exewiLO.
iBíiE ú. -Nora óaiwincííTitri^"^ am:?. uo'iãi'^ ; '
'- O. 3 ;. verf i. Mas ao brandir. Elia ficção de que Palias vio-
lentamente arvcebatou no Câtro de PI uca/) a HiRey Ali , lerve de
moftrar, que ló aííim poderia livtar-fe cora hum prodígio da ef-
pada do Heròe, e de conTervar em Ali o caracter de valerofo, e
íjae hãõ fugiria ài batalha íem efta violência. Aífim vemos nos
melhores Poetas en nobrecer os emulos dos Teus heròes para aug-
mentat a eftes a gloria de vencellos.
Nota 6(12.
o ;"0. 69. verf. li Dez hecatombes. Como ja diíTe que hecatom-
bè era ofacrificio de cera viclimas, moftro o numero de mil Chrif-
tãos, que facrificaraõ a vida pela Fé em dez vezes ícnto.
^■'('.uipíS(4iiÀi - Nora óijidnug.siíp iisií«6X2riA eií-f 23i
-. Ok do. verf. 6. Nerèas. Nerèas, ou Nereiáâs'faó as Ninfas dõ
mar filhas do rio de Trinacria.
'Or<jr verl. "I, Sagttario. O Sol entra èrnSagifario ai t de
Novembro , e digo que pelos effeitos anticipou o tempo às agoas
de Aquário em que entra 325. de Janeiro eftando entre hum , e
outro Signo o de Capricórnio :í ■> ^'s*
-.;-.. Nota 6l^. ^ í 'olg %h íf^ :..^;
0. ^lé verf. 7. Tem gravidas de aquáticos eflúvios. Efte
vèrfo cuítò,quediz que as nuvens eftáõ prenhes de agoa copio-
fa com o nome de eíiuvios bem utado em outros fentidos pelos
Fiiofofos modernos , para produzir dilúvios de chuva, pode dif-
penfar-fe à fraze heróica de hum Poema, que naõ affeda a efcurir.
daõ do eftyllo. Nota. 6 i 6.
V,; ^O. 6z. verf. 4. Protheo. He o Deos marítimo, e o Paftor do
gado de Neptuno que muda íempre de forma , e que faço entrar
pela terra a inundar Vertuno Deos Aos frutos. Imitey a Horácio
na Ode 1, e íegunda ftrofe. aon tí.:v;. Mí.íw. víuzí . :;
omnecumProtkeuiffcuseptmlit^. .. ^^^ v.^ ..«i
. ■:■ :,:.vifere tmntes. i •> . fobt-stíb o ^àâl
•:i ; gâjirisbai^. ■■ .>;^ z&v&yjjo iz: Nora 627. ■ ■." : ;-. ■■ :%-;i&VI
O. 67. vcri. t. Eia atjuatico o foífo. Nefte foflb aquático, qèc
«jitaiwio pode enchcr-fe, evazar-fe * ar bicrio dos iitiados» íeçhaitia-
'^'iú, va
D o P o E M J. iiy
'^a Cuneca , introduzo os tevmos da fortificação antiga procuran-
do lemprc tirar alguma utilidade para a inftrucçaõ da guerra mo-
derna. Nota 62S'
O. 69. yttC- 1. Arquimedes, ja fe explicou o que Arquime-
des obrou com a ftia Iciencia na defenfa de Siracufa cm Sicília. A
Eftatica he huma parte da Mathemaiica, que trata dos pezos, e por
ella inventa a Mecânica muitas maquinas úteis , c admiráveis , ve^
ja-fe entre outros a Mr. de Varignon.
Nota 629.
O. 69. verf. 5.Palamedes. Ja também fe diíTe, que inventa-
ra o jogo do Xadrez no fitio de Troya a que aqui chamo muros
Frigios. Dizem defte. jogo, e dos que íe applicaó demazidaraen-
te a elie, que para fciencia he pouco , e para jogo he muito.
Nota 650.
O. 70. verf. I. Nem efpolo real. De Lynco efpofo de Hi-
permnefcrá , de Aquiles filho invulnerável de Tetis, de ItacoUii-
íes , de Alexandre que ganhou a Tiro , e de outros Poliorcétes, ou
eonquiftadores de Praças, fe tem dado neftas notas repetidas no-
ticias. Nota 651. ?
O. 71. verf 4. Celebres. As Coroas eraó as que fe davaõ aos
que as mereciaõ por vidorias grandes , e outras acçoens, como ja
■íè- explicou na nota 200.
Nota 6$!.
O. 72. verf. 7. Hercules. Alguns dos noíTos Eícritores, que
tnais amantes da gloria da pátria , que do exame da antiguidade
trouxcraõ a Portugal a Hercules , para vencer a Geriaõ que diziaó
ter três cabeças, dizem que eraõ tresReys Irmãos, muito unidos ,
a quem Hercules venceo. A torre de Coimbra , e hum fitio ame-
-no , vifinho a cfta Cidade chamado a Geria , faõ débeis tefterau^
nhãs deíla tradição.
Nota 555..
"• O. 78. verf 5.Gordio. Que Alexandre cortou o Jugo enlaçs-
tào do nò de GordiO', ou Gordiano dizendo : tanto importa cortar
como defatar, e que aífimvencéo aAzia , he muito vulgar erudir
qaó. Aqui introduzo para defenfor de Coimbra a D. Pedro Bet»
nardo de S. Fagundo , porque fendo cerro eíle filio , naó fe lhe
fabe o defenfor , e bafta para hum Poema efta prova negativa.
Nelle epifodio tinha efcrito e-ra muitas ouravas os afcendentes , e
^dçfcendentes defte verdadeiro tronco dos Menezes, e ainda qufi
cfta giotiâ era commua a taõ dilatada família , me icudi a alguns
t. o ii <^Q%
ii6 - 'HDTJ S ^
dos meus Cenfores que entenderão poderia interpretarreeomo Vai-
dade, vicio a que fou fumamence contrario, e também era repeti-
ção, porque tinha feito nefle, Poema memoria de alguns de meus
afçendentes ; porem- para confervar neftas notas as oitavas a que
no rorpo do Poema fubílitui cpnvepilodio mais nobre a liilloria
de Portugal até o Conde D. Henrique , as fiz copiar tio 6m dei-
tas notas, para que feja mais faci! deixarem de as ler os que fé riaõ
intefeífaõ, eos que le oppoera, ás glorias alheyas, fendo que pou-
cas famílias haverá em Hefpanha, e ainda em Eyropa, a queni
naõ pertençaõ muitos deííes Varoeus illuftres , e fó de D. Henri-
que de Menezes Senhor do iouriçgil , e famoío Governador da
índia defcendem em Portugal quarentas cioco Caías das primeiras
que hoje fe conícrvaõ. . .,
Nota 654.1
., ,0. 8^3» veríl X4 Nqs longes deífa lamina.; Na5 hi de agradar
•a,QÇitica ,1 qae faço aos que fallamente zelofos da gloria da pattift.
ac|m>itera; ttadiçosns pouco certas, e pôde ^efqu« digaó, que ao
menos,em hum Poema bem podia eu deixar como eítâva d povoa-
ção de Tubâi, o nome de Setúbal, e a echimologia de Elifa, c de i
Luzo, porém como fe authoriíàõ com os Poetas aqueHas verda-
des hiftoricas , e que. nos íeus poemas íc ícparaõ da fabula, tiaó
quiz moftrar , que me perfuadiaõ os que equivocarão Ibcria Proí-.
vincia da Azia com Hefpanha que muitos leculos depois teve o
xigme de ibéria pelo rio Ebro fendo a primeira Ibéria a quem po-
voou Tubal filho dejaphetjc neto de Noè , como pôde ver-íeoo^
douto Bochart no feu Phaleg, ou Geografia Sacra. Lufo eompa^^ ;
nheiro de Bacho, e Elifa mais autores tem antigos, nías todos eír 1
tes fe fundão na certeza da Echimologia íem. verificar as expjBp;^
diçoens deites heroes na Luhrania, nem as conquiftas, e Colo- ,,
nias de algumas naçoens , que conduzem a Portugal , e Hefpanha.- >
Nota 6h«
sO. 8 3-verf. 8. Fenieios. A primeira expedição certa que ía-
betnos aos portos dos Reynos, que depois fe chamarão Algarve, €
Portugal, he a dos Fenieios, que merecerão bem efte nome pe^
las palmas, c pelas vidorias , que immortalizaraõ a fua naçaó , c o
Reyno de Fenícia cm Azia. Veja-fe a hiftoria do comercio, dos an-
tigos, do liiuftriaimo Huet, e o ja allegado Bocharti Queellesfo^ :
raõ os inventores das iecras , diz entre muitos em dois eiegan^STB
vcríbsJLucano. .,..»-w2o:í
:.4 .sal,. * -EJO: .
phét'
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Ât\ ^u-fh-Ankcs ptmti famA ficredttur ^ aufi - ' ^^^
-mo<{^-imettfftram rudíbas vocítnfignare figuris, «iticfcis
lii^a-í ji: L.\. ::Í!. ;.■ - . ■ 6^6. ' '"'":'
f^j, j O. 4.^ vttt, 9^ Uoce fruto o primeiro que florece. Origem
menos glorioía, porem mais natural dá Bocharc ao nome Je Luzji
tania de hunia palavra Fenícia , que fignifica amêndoa , por (êr
eíle fruto o que vinha bufcar entre outros às coftas do Algarve ; -
que (eji a Amendoeira a arvore que primeiro florece , he bem noc
coriOj e o ponderai a difcreta íeguidilha antigua/ „-
'^^ - Fueron mis efperanças - '-^^
■::&R^.i»^o'>. conto el Almendro , tj? '
■•.r :■ íloreckron tanpram, ■ '
cayeron prejh.
Nota 657;
O. 87. vèrf. í, Púnicos. A feguhda çônqiliftá de Luzírania
foy a dos Púnicos , ou Cartaginczes com a Amílcar, Anibal, e ou-
tros Varoens Africanos bem conhecidos na hiftoria Romana dé
Tito, e na Grega de Polibio , e Vidas de Plutarco; e naó ca-
bem em humas breves notas a hum Poema as largas hiftorias def<»
tas, c outras naçoens», ac dos feus varoens infignes, nem as que
fe feguem dos principies de Portugal, eHefpatiha teraõ aqui ínais
que huma breve explicação;- ^'^^ òúbsinh-t:!'} :ím ms& i •ss^ícín ^inv
i; -•~- ■•■•;.: ■ Nota 658. n^r;'."
^ G.i giíí vcfC í. Ves trcmolar. Vencerão aos Carthaginezés 'êf
Romanos, que fingiaó defcendcr de Marte fazendo-o Pay de Ró-
mulo^ primeiro Rey , e fundador de Roma, e depois do letimo*"
Rey que foy Tarquinio o Soberbo, fe erigio a famoía Republica ,
qae conquiftou Luzitania, c de quem muitas vez ^s foy vencida,
principalmente no cempo de Viriato, que foy morto com traição,
como diz 3 oitava feguinte.
Nota 659.
O, 88. verf i. Sertório. De Sertório fe deo ja baftante noticia,
e da fua Cerva , e que Cezar venc^lfe , e illuftraíle Luzitania di- '^
zem todas as hiftorias. '
Nota 640* • - '
-'^^- O. 89. verf. I. Do gelo Aquilonar. Dentro de Norte que hfl '
o Aquilon , vieraó os Godos, e outras Naçocns conquiftar a Ro- ^■
ma cora Alarico, c a Heípanha , e Portugal com Ataulfo , e a ou^"
tros Rcynos com diverfos Capicaens Pelos annos de 412. princi-
piou a fua Monarquia em Heípaaha.
Nota
r^-
tíi NOTA S
'■"'■ • Nora 6^\,
O. 90. verf. I. Debuxo gótico. Os Godos para fazer efque^rer
atè as boas artes era que os Romanos floreceraõ , íeguiiaó nellas,
e'ha Pintura , e Architètura outros principiòs fem imitar ás' pro«
ftrçoens da natureza, mas com huma magnificência barbara , ca-
íiió íe vè no que ainda exifte do gofto gorico acè o decimo fexto
Jeculo y em que as boas artes fe rcftauraraõ.
Nota Ó42.
O. 90, verf 5 V^amba. O grande Santo Rey Vvamba vulgar-
ííiente chamado Bamba , foy líatural de Idanha a Velha chama-i
da entaõ Egirania , Cidade que era da Beira , e fe he certo , que
na fu3 eleição íloieceo hnma vara, indicio foy de que havia de flo-
recer nas virtudes , e Religião Catholica , em que o naõ imitarão
muitos Re^^s Arrianos , que lhe íuccederaó. ^"^s^'' »8>{: v
;í^g-vl-o;-^ 3::t^,^ jSJora 645. -i^^^^--' '^ • Mxm^.'; oL„:,..J
Y5>?lTO;'i^fT vèrf. i. Recaredo. O grande 'Flávio Recarécíó Kéy èú9
Godos em Hefpanha, reítaurçu a Religião verdadeira, que alguns
dos feus anceceíTores Arrianos tinhaõ perfeguido.
Nota 644.
O. 91. verf.^#. Rodrigo. No primeiro canto , e em outros
defte Poema, dey alguma noticia de D. Rodrigo ultimo Rey dos
Godos em Helpanha, a quem os Mouros a ganligraô na bacalha
de Guadalete no anno de 645, vsmfôtls -> «.> oôa^ísiis-í . '
^-. . ...,.•■,,.■ Nota Í45. -■ -;v-v^;:r-- .'■
• iiO. 0ií vttti'\. Ambas as Hefpanhas. Naõ fó fe dividio Hcf»
panha pelos Romanos emLufitania, Betica , e Tarraconenfe, mas
em Citerior , e Ulterior j celebre he o verfo do Poeta Gabriel Pe-
reira de Caílro no principio da Ulyílea. - -^
De ambas as Índias^ de ambas as EfpaHhas*^' <^'*^ PS3*".*M^
Nota 646. - inhuíí-:í
O. 95. verf 2. Pelayo. ElRey D. Pelayo foy logo-o^^ue fal-
vando as relíquias do exercito de Hefpanha íe retirou as monta-
nhas de Afturias, onde foy acclamado Rey, e com milagroías vic-
torias principiou a reftaurar do jugo iníiel a Monarquia, ãç que
os Mouros naõ acabarão de fahir le naõ perto de outocentos an^-
, nos.<iepoi&-<ia fua primeira entrada. *
.^ ■■ ui,i.-;rí>>:i. Cj . Nota 647. - >'>^t*v za
O. 91' verí. 2. Cantábria. ElRey D. Affonfo Catholico, filho
de Pedro Duque de Cantábria, e genro delRey D. Pciayo foyopri-
laciro que veyo de Afturias, a^"e os amigos chauiavaõ Canra-
^4<>ii bria r
D o P o E M A 119
bria, e le dividem cm Aftuiias de Oviedo, e de Santilhana , a fazçt
guerra aos Mouros em Portugal. Vejaó-fe Brico, e Faria.
í6.. .M .;.,w. -. . -.-. Nota64Íj.
. Ci 66. verf. 1, Outro Aífonfo a quem Caílo denomina. El-
Rey D. Affcnío o Caílo venceo muitas batalhas , e conquiftou
em Portugal as terras que diz a outava , e outras muitas de que
ha pouca memoria.
Nota 649.
O. 97. verf. I. Outras altas. As conquiftas cm Portugal que
fizeraó aos Mouros ElRey D. Ramiro primeiro, e D. Ordonho de
Leaõ , e ElRey D. Aífonfo o Magno, que ganhou Coimbra, podem
kr-í€ em Mariana , Feneras , e nos hiftoriadores Pottuguezes.
Nota 650.
O. 98. verf 4. Ordonho. A diverfa forte, que Lisboa teve,
fendo perdida, e recuperada muitas vezes no tempo dos Mouros,
caõ he muito conhecida nas hiftorias- Sabe-íe porém que ElRey
D, Ordonho lil. de Leaõ a ganhou aos infiéis.
Nota 6)-i.
O. 98. verf 7. Sobre Vifeu Afíonfo V. ElRey D. Aftonfo V.
de Leaõ foy morto pelos Mouros no fitio de Vizeu.
Nota 65 i. ?^í
O. 99. verf I. Vez em tudo primeiro o Graó Fernando. ElRey
D. Fernando o I. chamado o Magno, fez muitas conquiftas em
Portugiil, principalmente na Beita, onde ganhou a Cidade de La-
mego , e a Villa de Cea, vizinha da Serra da hílrella , e naquel-
le tempo buma Pitça fóire , hoje faó feus Alcaydes mòies es Con-
des de Saizedas da Cafa dos Sylveiras , que tiveraó a varonia de
Lobos , hoje a de Távora por António Luiz de Távora filho k-
gundo do Conde de Alvor bem conhecido em Europa , e Ame-
rica pelas fiias acçoens militares, e efta >^lcaydaria mòi he-^dou a
Cala de Sarzedas pelados Sylvas. ElRty D. Fernando o Magno
findou em Portugal muitos Templos de queexiftem as doaçcens.
Nova 6 5 5.
O. 100. verf. 3, Garcia. Na divizaõ de Eí^anha teve ElRey
D. Garcia o titulo de Rey de Portugal , de que o dtípojou ElRey
•D. Affonfo VI. fcu Irmão chamado o Empeiador , e de que mui-
tas vezes temos tratado por fer fogro do Conde D. Henrique.
c; ii j .; Nota 654.
-' O, 101. vetl. 1. De Santa! èm. Sabe-fe que ElRey D. Arfbnfo
VL ganhou Saiiurèm aos Moucos , mas naõ íe íabe tomo te písr-
1 20 N O 1 A S
deo, o mermo fiiccede na conquifla de Lisboa, e Cintra ,
fe achou o Conde D. Henrique, eqiic ei^ faço nefte Poema lejç
ac(;^aõ fó do meu Heròe , como. adiante le veià.
Nota G$^.
O. Í05. verf I. Dos Duques dé Borgonha. Sempre /egui nef-
te Poema a opinião que o Conde D. Henrique naõ era por va«-
roniada Cafa dos Condes de Borgonha, 011 Franco Condado, co-
mo alguns dos noflos Autores diíTeraó , e defendeo no Teu Marte
Portuguez o douto Joaó Salgada de Araújo, Abade de Pera , a
quem naõ allega D. Luiz de Salazar, que renovou no noflo tem-
po eíla opinião. Henrique , como ja apontey , era filho de Henri-
que, que naõ chegou a fer Duque de Borgonha por morrer em
vida de feu Pay Roberto Duque de Borgonha , que era filho de
Roberto o devoto Rey de França filho de Hugo Çapeto , que he o
tronco da 3 . geração, que hoje reyna em França, e a Varonia dcquel-
les , e dos no0bs Reys. Os Genealógicos mais exaótos, e entre elles
o Padre D. António Caetano de Souíâ na ftia excellente obra da
hiftoria Genealógica da Caía Real de Portugal naÕ reconhecem
com certeza mais que a Robetro o Force vifavo de Hugo Capeto ,
naõ contando como verdadeiros os afcendentes que o entfoncáÔ
ate Carlos Magno, de quem afegunda linha que reynou em Fran-
ça fe derivava, e muito menos os que fe nomeaó de Carlos Mag-
no atè Clodoveo primeiro Chefe da primeira família que reynou
cm França, e com muito mais duvida, os nomes que fe atribuem
aos avos de Clodoveo atè os Reys da Troya. Brevemente fahirà a
luz hurna Dlífertaçaó Académica , em que me parece provey que
ainda que naõ fejaõ cercos os nomes deftes afcendentes de Roberto o
Forre, he quafi demonftrado pelas provas que allego , que Hago
Capeto dcfcendia de Carlos Magno , eíle de Clodoveo ,e Clodo-
veo dos Reys dos Francos netos dos de Trova.
'*^ Nota 655.
O. 105. verf. i. Sibila. Ja expliquey a allegoria com que o no-
me de Mãy do Conde D. Henrique, e o íeu efpirito me fez intro-
duzir huma Sibila no meu Poema, imitando a Virgilio, e a outros
poetas. Nota GjC>.
O. 107. verf. 5. Vês como traz ao Reyno. Huma das provas d«
que o Conde D. Henrique foy á conquifta da Terra Santa he o
Santo Lenho, que D. Rodrigo da Cunha diz, que cile trouxe de
Jeruíalem à Sé de Braga. Nota 657.
O. iip. \tií. í. Paraninfo, Aos quç hojç íe çhamaõ padri-
' . jihos
'.D o T o E M J. 121
iihos^ dos que cafaó , e de outras funçocns davaÕ os antigos o no-
me de Paraninfos formado do Grego pela propoziqaõ /?.<>'<, e pelo
nomQNimphos^ que lie oeípofo , cii defpoíado , e no lêntido mif-
"tícojfedácftcnomeao Anjo Cull.AS.M-gueldou o epíteto dePara-
Binfo, como os poetasosdaõaos Anjos da gnaida,e que eííe Archan-
)0 o fofle de Portugal piovey largamenre no Panegírico que por
clciçaãdelRey recitey na Academia Real da hiftoria em 1711. ao
Pontífice InnocencioXlII. de que era o nome Miguel Angelo Con-
ti, e que tinha fido Núncio em Portugal, era leu Cardeal Prote-
dqr, e foy eleito dia da appariçaó de S. Miguel. Veja-fe Macedo
♦livro : Divi Tutelares,
c A Tsr T O xr.
Nota 6)S.
O. 4. rerf. 1. Outros conhcionados. Ainda que naõ havia
pólvora no tempo do Conde D. Henrique, fempre fe ufou na mi-
lícia antiga de materiaes conhcionados para o fogo » e havia
•faxinas para cobrir as trincheiras , livrando-as das pedras, e íetaí*
' Nota 6^ç)..
O. 7. verl. r. Sahe com mil íoidados. Introduzi em Coimbra
•tropas de França chamada Gallia peios Latinos para moílrar a an-
tiga aliança delias duas generofas naçcens, que em todos os teiij*
pos quàfifem excepção fe foccorrersõ reciprocamente. t
— ,«- V '• Nora 660.
■•■ O. 17. verf. I. Hum rebanho de Aríetes. Metaforicamente
chamo rebanho de Arieces , ou carneiros à maquina niilitar ,
-que linha efte nome, como ja notey, por ter huma cabeça de car-
neyro de bronze , e quanto mais reciiavfíõ cora movimento eílra-
nho tanto era mcyor o impuiío com que batiaõ os muros, em que
poeticamente digo que comisô as msrmíres.
Neta (Jói. .
' . O. 18. verf. I. Catapulta. Ja dckfeyi eíla maquina militar ,
t todas podem verfe cm Juílo Lipíío, e nos mais, que trataõ da mi-
lícia Romana. Nota 66i.
O. 19. vetj. I. Ealiílas. Tami^cji) cila maquina fe deícreveo ,
c pôde ver-fe nos Autores ailegadcs, e de algum modo a imitarão
as bombas inventadas em França por Pe^iio Maitus em 1Ó3S. a
reduzidas a arte por Bionclel depois que a Geometria achou a
medida da linha chamada Parábola.
D No-
I2i NOTAS
Nota6(j3.
O. 20. vtít. 4, Sulftireo.Ja naõ prevalece a opinia5 dos Filo-
fofos antigos de c]ue o vento oppiimido , a que aqui chamo No-
to , que iie o Sul , he o que caiifa os terremotos nas concavida-
des da terra, porque a razaó, e a experiência moftraó, que as mi-
nas de enxofre unindo-íe com as ào falitre , fórnuó de algum
modo pólvora, e rebentando fubvertem , e avruinaó Cidades , e
Províncias fendo mais fugeluas a eftes danos, as que tem montes ,
que pelas minas de enxofre lançaõ fogo, clumando-fe por eíle
motivo ignivomos, e volcães por Vulcano, que fingia a fabula ti-
nha nelles a fua forja de ferreiro, e faõ em Europa os mais cele-
bres, o Etna, ou Mongibello de Sicília, o Vcfavio, ou monte
4a Soma de Nápoles, e o Hecla de Iilanda.
Nota 66àf.
O. ir. verf 5/deNumancia , Sagunto , e de Cartago. Nu-
mancia que alguns autores Portuguezes querem com pouco fun-
damento foíie em Portugal, era na Heípanha Tarraconeníè ,
por naõ render fe aos Romanos depois de hum largo ficio , tendo-
fe defendido de outro que durou 14. annos. Sagunto que tam-
bém era na Efpanha Tarraconcnle aliada do povo Romano fe quei-
mou por naõ rende£-íe a Anibal. De Cartago em Africa íe lea o ulti-
mo fítio em Tito Livio, Marco Catam votou que le deftruiíJe,Sci-
piam Nàíica que fe confervaíle ; rcndeo-fe a Scipiaõ na 5. guerra
Púnica, Nota 6(^5.
O. II. verC S- Jerufalem, Ravena, Tiro. O íitio dejerufa-
lem por Gofredo de Bulhon pode ler-fe poeticamente em Taífo
a quem procurey imitar. O ficio de Ravena em que houve fome
extraordinária foy famofo pela conftancia dos defenfores. O fítio
de Tiro por Alexandre Magno contaõ Arriano, Plutarco , Quinto
Curfío com elegância. Nota GG6.
Q. zi. verf, 7. Babel. A Torre de Babel, ou de Babilónia prin-
cipiada por Nembrotpara alTaltar oCeo, e a Efcritura nos conta ,
e o Padre Atanazio Kirker curiolamcnte defcreve em hum volu-
me , fe perdeo pela confufaó das lingoas , que eu aqui applico a
confufaó, com que fe arruinarão as ideas dos infiéis no íitio de
Coimbra, e nas torres que levantarão pata conquiftalla.
Nota 667.
O. 14. verí. 5. Quando Lifis a Licio. Defte epifodio amorofo ,
e trágico, eque imita o de Olindo , e Sofronia de Tallb , dey ra-
zaó uas advertências preliminares.
Nora.
D O F O EM A. 12^
Np (a (^ç,%. ;■■"' -^
O. 2,7. verf.,8. Adifcriçaõ. Naõ. me condenem os crítico^ co-
mo eqvitvoco o que digo de renderíe Lizis à difcricaò de Licio, e-
quivocaudo a eloquência a que chamamos diíciiçaõ . com a fI.■a■^
ze milicar de renderíe à diícnqaQ>.Qiià mercê do vencedor ,qiieni
naõ pode defenderfe , mas-íbsíne naó valer efte protefto , bem pu-
dera, como .outras ve^Çs adverti, defender o equivoco quando he
jiajural ^e íenaó abafa delle,cum exemplos muito illufties, e adif-
çreta máxima de Soliz aic ncíle mefmo Auçqr tçv.e i^i^uius ex^ei-;
çoens, ainda que diíle. • ; ■
•<>. r.j-xv>[i :'/■ r h^^ equívocos fe acahen
sr. • ■' Reynen folo los concetos i .
ofv. ívo ha de ejiar la difcriclon
fn. que nos equivoquenios.^^^, *&H».'i
Nota 66,9.
,'•€). iS. verf. 8. Friçs abraças. Xi^aõ velho eíppfo da Afiíor;i
ide ■q«e ja. çpxitçy .^ fabula.
Nota ó.7pf
O. 30. verf. I r.Cafta Diana. Como Pifina,era, Peofa t^ pu-
ra , digo que a Lua fe efcondeò para naõ ver nem o licito termo.
dp amor conjugai dos dous amantes , e que Vénus chamada pro--
nuba,que, he-O: epíteto que fe lhe d^ya qu9.ndo afllília aptaíamq»
veyo animar a Lilis, e Liíio. Marino efe r.eveo hum epitaíàmio^
em. fraze mais diícreta que, pura intitulado : V£nçre Pih.fuh.
Nota, 6,7j[..'r
O 44. verf 1. Qiiadrupedes medrofos. Os, coelhos faõ os
que enlinaraõ aos homens a fabricar as minas para ganharas pra-
gas por baixo da tejrra , e por efta razaó lhe chamayaó Cunuíílf , e
íe formava õ iuftentando os aliceces dos muros fobre eftacas de
madeira ço.m pès , e outras matérias infamáveis, e deixandolhe
fogo quando acabavaõ de arder , íe arruinavaó os muios faltan-
dolhes o fundamento > a piimeira mina depois da invenção da
pólvora fez executar o graõ Capitão Gonçalo Fernandes de Cór-
dova no fitio de Gaeta tm Nápoles, efe afiirraa, que voando hiun
lanço de muralha, deixou ver ^os fitiadores humi cortadura, que
os defenfores fabricavaõ, mas c^hindo outra vez o muro , iicara
inteiro (obre os mtlmos pontos donde tinha voado. Iftp que pa-
rece incrível , vimos fucccdcr tm Seipa com huma torre de mar-'
^•nore , que em 1707. íe intentou voaíTe , e. ficou muito pouco
.penaents -^n^e faltes eftava.
Tno-
124 N o 1 J S
Nota 672.
O. $0. verf. 2. Do trópico do gelo. Diz que o Sol tinha fa-
l:iido havia pouco tempo do trópico de gelo , que he o de Ca-^
pricomio, em que íe faz o íol fticio invernal em 2 i. de Dezembro
com o mais pequeno^dia do anno
'^í;^;*^^^:''.^"' Nota 67?. i"-^-
O. 5'3 verf. 2. Barhaiãs. Barbara?; , e galarias laõ como as
outras obras bem conhecidas da fortificação antiga , e moderna,
a primeira entre a muralha, eo foíTo, e fegunda para paíTar o mcf-
mo foíío. Nota 674.
O. $^. verf 5. Periandro. Entre os fcte Sábios de Grécia foy
hum dos mais famofos Periandro, que a pezar da fua Filoiofia
jnoral dominou Corintho , advertindofe, que o nome de tyranno
naõ fe dava fó ao que era cruel , ma? , ao que ufurpava aliberda-
<le da pátria. Segundo a opinião mais commua foraô os outros
£q\s Sábios Dias de Priene , Chflon de Lacedemonia , Clèobulo
^e Lydia, Pitacode Micilene, Sólon de Athenas, eThales Miíefio-
Nota ÍÍ7Í.;,
O. 59. verf 5. Lizandro. Capitão Fámbfo.
Nota 676.
O. $<). verf 6. Temiftocles. General infígne de Athenas,
^onde foy defterrado pela Ley do Oílrâcifmo,. èpaíTanda-fe aos
Perfas , fe matou com o langue do touro , que fe facrificava por
naõ concorrer para a ruin-a da lua pátria. Vejaõ-fe Cornelio 'Nc-
3>os , e Plutarco. Nota 6*77.
O. 62. verf 8. Venenofos dentes. Diz a fabula , que Cadmo
iemeou dentes de Serpentes , de que nafceraõ homens armados ,
que logo le combaterão; e que Africa produza Serpentes, hebem
íabido, pois atè o adagio antigo, que perguntava Ouidnovi} ti-
nha a reporta : Síinms ne in Africa ? porque íignificava , que nâ Li-
l)ia fe produziaó cada dia divcrfas eípecies de animais venenofos.
Aíilm chamou Gongora a huma Dama Africana.
Hija alfin de jus arenas
Engeridr adoras de Sierpes.
Nota 678
O. 64. verf 8- Deftes três novilunios. Ja ponderey , que pO"
deria repararfe o anacronilmo , ou erro de tempo no em que os
Mouros ufaraõ nos eftandartes as três Lu?s ; mas entendo que faó
riais antigas eftas divizas pelo muito que o Alcorão atende à
Lua nova, fuppondo os Mouros, que Mahometo , ou Maforna
tinh^
D o T o E M J. I2J
íinhâ ó^overno do mundo dado por Alia, nome que davaó a
Deos. Nota 679.
O. 6j. verf. 2. Qiie trifoime te raoílras. Das três Luas doei-»
tandaite tiiou a idolatra Axa a invocação à triforme Cynthia Jvia
yirguns ora Dianjc , lendo efta D-^oía Lua no ceo, Diana na caça , e
Prolerpina no abiAtio ; e lembiâ ourra vez a indigna fama, que E-
roftrato perrendeo por queimai o templo de Diana em Ephezo ,
como algumas vezes fe terá lido neftas noras.
Nota 680.
O 85. verf. 7. Pean. Segundo Homero , como ja expliquey,
era Pean Medico, ou Cirurgião, que curava as feridas dos Deofes,
e Apolo foy também chamado Pean , e Deos da medicina, fendo
a Cirurgia mais antiga inventada por Chiron , que foy meftre
de muitos heròes , e de Efculapio filho de Apolo , e inventor da
Medicina. Nota 681.
O. 90. verf 8. Do Mançanares , do Piduerga, e Tormes. Ja
fe diíTe algumas vezes, que D. Pedro Bemaidode S. Fagundo , ou
de Sagun era rico homem , e grande Senhor em terra de Campos,
e em Leaõ , e Caftella , por onde correm o Mançanares de Ma-
drid, oPiííuerga de Valladolid , e o Tormes de Salamanca.
Nota682. . •
O. 99. ver(. y.Portuno. He o Deos dos portos , os Gregos
lhe chamarão Palemon , e di^em que efte Deos fora primeiro Me-
licerta filho de Ino , que precipitando-fi no mar , fugindo da fú-
ria delRey Arliamante íeu marido , foy convertida em Deofa. Os
jogos Poitunos, e lílhmicos fe lhe dedicarão.
Nota 683.
O. 100. verf. 8. He Paulo da Tebayda Llizitana. Digo que
à viíla do monte de nolfa Senhora de Nazareth fc derrotou a
Armada dos Mouros com huma tormenta, pelas oraçoens de hum
Anacoreta a que chamo imitador de S. Paulo primeiro Ermitão da
Tebaida do Egypto, e na Luzitana, ou de Portugal, houve de-
pois a Religião dos Pauliftas , que da Serra de OíTa em Alentejo
continuaõ em dar virtuofos exemplos. Chamey a imagem fimula-
cro, porque achey naõ fó em Poetas, mas em Autores muito gra-
ves darfe eíle nome às imagens verdadeiras dos Santos, 'e naó fó
aos Ídolos dos Deofes falfos.
Nota 6S4.
O. 101. verf. I. Na esfera Superior. Do Ceo Empíreo defceo
S. Miguel ao Ceo Sydereo , ou das eítt£iias,que he o fegundo , e
Ycyo
12(5 NOTA Sj a
veyo ao aeieOjque he o terceiro, e ultimo a executar as ordens Ha
Rainha dos Anjo? ^ e digo que fez fugir os màos efpiritos , C[Uí
muitos Theologos, e Fiioíofos dizem ficarão na Região do ar, dft
que os antigos tiverào algum conhecimento.
Nota 685. -
O. loz. verf 8. Indigetes. Os Indigetes conhecerão os Genf
cios por proteâ:Qres das Cidades , que inviziveis foccorriaõ aoç
que os ihvocavaõ, Virg. no primeiro das Georg. falia nelles. Dit
zem fe chamaiaó aííim , porque non mdtgehant , ou naó neceflíta-;
vaó de ninguém. Daõlhes outras ethimologias , os que crem nos
génios malignas chamados pelos Efpanhòes Duendes, fuppoem
qiíeeraõèílèsefpiiitQs.íiereosvéiCom fútil, eengenhola extrava-
gância o PadreTuenre la Penha no Ente Dillucidado quer perfaar
dir , qije íaõ^animaes moitaes , e invifiveis.
Nota 6^6.
"O. ' roíí. verf. 3. Doris, Tetis, e Anfitrite. Deofas maritimas.
Foy Doris ., ^'^pofsi áe Nereo , e Thecis filha de Nereo, efpo-:
ÍA de Peleo, e May;ide Aquiles ; Anfitrite Irmãa.de Tetis efpofa
deNeptunQ.*--;^íK-:'.,- -Nota 687.
O. loo.wètrí.fí^í^rtntao. Baíiaõ para faber a fabula •de.Tritaõ
os dois verfos de Camoens, e o leu comento de Faria.
Era Tritão Mancebo negro , e feyo
Trcmbetx de fcu Pay , e (eu correja.
- i' 1 .'■;! Oí.'íiij.'!ji^ ijífr; 0(i Nota 68 8. f(^--^ ^■■■,'--f. Q'>é.M-iy,^i
' • O. lo^.-vttí. r.. E'olo. He imitação de Virgílio no primeiro
livro da Eneada , quando principia. '
Soltam venit , hic vaflo Rex /Eolus antro
Lu cianth ventos , tempeftates que fonoras
império premit^ac vinclis , & cárcere franat.
Nos ventos que nomeyodediverfasregioens fe incluem os ou-
tros que dos quatro pontos do Norte , e Sul , Leíle , c Oefte cor-
rem os rumos nas tempeftades grandes , e os nomes que cetn ho-
je modernos dizem que lhos deu Carlos Magno, e tem outros no
Medi terraneo. Nota 689.
O. 1 1 8- verf i. Triremes, A's nàos, e Gales antigas de que
•naõ he hoje muito conhecida a conftrucçaó , le dava o nome de
Biremes , fe tinhaó duas ordens de remos, edeTriremesfetinhaó
três, e fupponho, que tinhaõ animaes de efcultura nas popas para'
•fazer que fe tranfórmem em monílros marinhos como Virgilio
íez às Nàos de Eueas em Ninfas maricimas, c aqui pinto as Setas
í, / me-
B o T O E M A izy
medrofas, pedindo focorro às Focas , e Balèas formidáveis mool-
tros Marinhos. Nota 6ç)o.
O. 112. verf. 8. Procheo. Ja declarcy , que Proteo era paftor
4o rebanho maritimo.
Nora (391.
O. 114. verf. 8. Betis. Naó ló chamo Rcys do Betis , aos de
Córdova, e Sevilha, mas ao de Granada , com ellcs paíTou efte rio
para incorporar-fe com Ali, como depois fizeraõ,
Nota 6ç)t.
O. 125. verf 4. Dam. O Rio Dam naõ muito caudelofo dà o
nome à Villa de Santa Comba , que o cera de huma Santa Portiv-
gueza , e entra no Mondego.
Nota 69?.
O. 1 14. verf. 8. Argonautas. O nome de Heròes fe deu a to-
dos os Argonautas , que embarcarão na nao Argos com Jazon,
porque fegundo a minha opinião combatida pela eloquência do
Marquez de Valença na Academia Real naõ podiaõ fer Heròes
em lentido próprio , fenaõ por expcdiçoens militares , como o foy
a Argonautica combatendo eftes heròes móllros, e elementos : ve-
jaõ-íe os feus nomes na Mythologia de Natal Comité, e nos frag-
mentos atribuidos a Orféo, em Dionizio Milezio, e nos dous Poe-
mas Grego, e Latino de Apolonio Rhodio, e Valério Flacco, de que
fiz juizo nos preliminares.
Nota 694.
O. ií6. vérf. 8. Pierio. Eíla paufa no fim do canto aílim na
Poeíia, como na Mufica, he armoniofa , e fazendo a pena da A-
ve Fénix, efpero que no ultimo Canto poífa renacec ao fogo o de
Apolo , e do Pierio , monte de Beócia em Grécia viíinho ao mon-
te Parnazo que lhe tomou o nome , e as Mafas o de Pierides de-
pois que vencerão a eftas defalojando-as do feu monte. Fierius
menti calor inctdtt , diz Stacio.
CANTO XII.
Nota 6<)^.
O. I. verf. 8. Eftro, vaticínio, e cntuíiafmo. Invocar a Mu ia
no corpo do Poema cem muitos exemplos, que allega Faria no
Comento da oitava de Camões que principia como Canto 3.
Agora tu Caliopè me enfina ,
O qm contou ao Key o lllujire Gavia ,
e baf-"
128 N o T J S
e bailava o grande Camões para exemplo. O Eftro, qu« he o ítt fe-
do, ou mofca, que pica os Poetas , e lhes dá o furor, e o vadciniò,
que os faz profetizar , e o cntufia/mo , que os eleva febre o com-
nium com huma quaíi divina loucura de que diz o Liiico : Eicc/«-
dit fanos Helicone poetas ; eftà raõ difcorrido nos Meftres da Arte
como mal apjplicado pelos inimigos da poeíia,
cuxíslal i>í>;^^.:f •?) hvt..'^-j .. : , .Mota 6<)6.
O. i. verC I. Touro luminofo. Ja corre o tempo da acçaõ atè
20. de Abril dia cm que entra o Sol no Signode Taiiro , queheo
Touro, em que Júpiter fe converteo para roubar Europa que deo
o nome á mais pequena, e mais illuftre das quatro partes do mun-
do, e comcfta alluzaõ a faço também às armas do Touro, que íaÔ
«m meya Lua, infignias dos infiéis ; o inimitável Gongora, e Pin-
daro Efpanhol, principia aííim as fuás cultas 5oledadc5-
'EradelaneLieflacionfioricLí,
en que el mentido robador de Europa ,
media tuna las armas de fu frente , ' '
Naõ poíTo. deixar na pernVilTaõ , què tem as notas , de contar
que ouvi muito íériamisnfe em humâ Academia explicar eftes ver-
fos pelo g\aòTiírco, qiiecra mentido roubadòrde Europa, e tí-'?
nha meya lua por armas : naõ occorreo erta inirepretaçaó a Pell-
cer , nem a "Coroneí.
Nota 697.
O. 3. verf. 6. Patroclo. De Patroclo amigo de Aquiles tratou
Homero. De Scipiaó, e Lélio efcreve com outros Cice'ro toman-
do o titulo de Lélio no leu admirável tratado de Anítátia , a què
feguio em outro livro do meímo titulo elegantemente o Portu-
-guez Macedo com elogios em profa , e verfo dos poucos amigos,
verdadeiros, que houve no mundo , e que ainda hoje faõ mais ;
raros. De Eneas, c Achates fe lea Virgilio . de Hercules, e Tc- ,
zéb fe veja Plutarco. Nota 69 8. ..^
O. 6. verf, 5. D. AniaÕ de Ertrada. Fazem os Genealógicos a
D. Aniaõ deEftrada, tronco dos Goes.j que pela Caía de Sorte-
lha pertence hoje ao Conde de Viila nova , ç da qual terra com .
outra^ lhe fez doação o Conde D. Henrique, e a Rainha D. The- ,
reza eni mo. Nota 6^ç). j,
O. 6. verf 7. Garcia Rodrigues. Ja hz nienç?.õ de D- Garcia í,
Rodrigues, tronco dos Courinhos, e Senhor do Couto de Leo«,,>
mil , que entaõ fe ch«mavaõ Couteiros , de donde lhe veyo o ape-
lidr^
Nota
DO P O E M J. U5»,
Nota 700. '^
O. 8. verf. I. D. Egas Gomes. D. Egas Gomes fe acha afíg4 í>
nado em muitos privilegies, efoy o primeiro que tomou aosMou-
ros a rerta de Souza em entre Douro, e Minho, achou-íeem mui-
tas batalhas com o Conde D.Henrique, e ElRey feu hlho.
Nota 701.
O. 8. verl. j,D. Gonçalo Traftamires. Chamou-fedaMaya pot
fer Senhor defta terra entre o Douro, e Ave, era filho de Trafta-
miro Alboazar, e alcançou ò tempo dos Reys D. Aífonlo V. e VI.
de Leaõ , e do Conde D. Hentique. ^
Nota 702. '^.
O. 8. I- verf, 5. Maya o lidador. D. Mendo Soares da May»
rico homem foy chamado o lidador pelas muitas baralhas, e com-
bates , que venceo, que entaõ íe chamavaõ Lides» e ainda em Cas-
telhano fe diz Lid pela contenda , e o termo vulgar de lida , c
lidar por trabalhar , he uíado em Portuguez. Era D. Mendo filho
de D. Soeiro Mendes da Maya, e Irmão de D. Maria Soares da
Maya cafada com D. Pedro Bernardo de S. Fagundo.
Nota 705. >jq ãf^lf
O. ij. verC I. Córdova, c Toledo. Vay o Conde D. Hen ti-
que recopilando os benefícios que deve a N. Senhora , e fe lem-
bra agradecido das viâorias que alcançou dos Mouros de Córdo-
va, e Toledo , quando ícrvia a ElRey D. AíFonfo VI. de Leaó , an-
te de eftabelecer-fe em Portugal.
Nota 704.
O. 2 5. verf. I. Sem legiaó. As legioens (como diíle) íènurae-
tavaõ no Império Romano , e fe dividiaó cm cohortes.
Nota. 705.
' O. 15. verf 8. Talifman. O nome de Taliíman fe deo na iin-
gôa hebraica a certas figuras, que fegravavaõ em pedras, ou rae-j
taes, que criaõ , que por influencia de algum Planeta , ou Signo
dava bens, c pcrfervava de males , e muitas vtíes íè efculpia a
mefma figura celefte no Taliíman, e por ilfo digo que era a Lua ,
a que a lupeiftiçaõ fazia agora entre os infiéis mais poderofa. Ja-
cobo Gafarei em hum livro antigo Francez intitulado Cursofitès
Finovies defende, que naó ha fuperftiçaô nos Talifmans como
mefmo fundamento com que intenta provar , que o ceo he hum
livro em que pôde aprender-fe a ler pelas tftrellas os fuctflcs fu-
turos, porque cilas fe naó dividem nas figuras com qu^: áS debu-
xdu a Aftrologia, mas <jue todas formaõ os cara-5teres , e letr;«s he-
q braicas
Tb^: > ^ O TAS". . fe.
bçaicas , que podem facilmente ler.fe , e dedfrarfe.'
y-n':- / ■ " Nota. 706.
O.. 29.vern 3. Mufulmanes. Mufulmaoes na lingoa Arabigt
íígnifica ííeis,eos Mouros,queo naó íaô , com barbara impiedade
cham£4Õ idolatras aos Chriftãos, porque adoraõ a Trindade, e ve-
neraõ as imagens; e figo o caraòler defte Rey infiel como he pró-
prio , e precifo fazer aos Poetas.
Nota 707.
O. 54. verí. 7, Eftes que a figura da reticencia Apofiopeíís com
o exemplo de Virgílio , e de outros interrompe o fentido com pro-
priedade , ainda que Neptuno no primeiro da Eneida hc quem fe-
jnterròmpe a íi raefmo ameaçando os ventos.
Quos ego-j fed motos praflat contpoaere fluãus.
Nota 70 §. sjâo^l líiiifi I
O. (ji.verf. 8. Codro Rey de Athenas. Líicidoro generofa
mente fe efquece da ufurpaçaõ de Aly, e lhe lembra o exemplo de
Godro Rey de Athenas , que fe disfarçou era Paftor para dar a
vida pela pátria, por ter dito b oráculo, que venceria aquella na-
ção a quem na batalha fe niataíTe o Rey, e aífim fuccedeo.
• g.3iijsancrós ^íiisaciífi Nota 709.
O. 72. vérí! 8. Os oráculos. Faça-íè memoria de que no ter-
ceiro canto promeieo Palas a Axa que no dia do feu tnayor triun-
fo havia de íer fervida no templo dos Chriftãos por Henrique, e
Terefa, o que Axa entaõ naó entendeo, e fe verificou no feu ba u-
tifmo, e delRey de Lamego íeu eípoío. Qiie os oráculos foíTem
todos artificios dos Sacerdotes defendeo eruditamente Van Dale;
e refumio difcretamente Mr. de Fontenele, erudito Secretario da:
Academia Real das Sciencias, mas eftia opinião abfolutamentenaó
he fácil de defender-fe contra o commum dos Santos Padres, que
J4:ílgaraõ qye 9^ demónios muitas vezes failavaó nos oráculos , 2
que Chrifto fez ceifar.
Nota 710.
O.ySf verf 6. Onome do Pamazo. Para dizer que fedefmayôa'*
o,$ol , lhe (H^íimo nume do Pamazo por fer Apollo o que preíide
às Mufas n-aqúielle monte.
N.ota 711.
íííi'' O. 79* VieíC'i . Heròe. Efta hiftoria, que defenlaça todo o en*
r^do do Poenw CQncinpando a de MuLey , e Aldàia que em variai
parres d.a H^nriqueid^ íe vay referindo , he contada por Tancre^
do, q,ue 119 Çaiíí» iiíi íç diffç.. fora cativo por hum pirata MourQ.*::
•£;í v.Ki, . . " ' '"-' ~ quando
D o P o E M J. 131
quando depois da morte de Matilde fahio de Bayoiia de França
intentando levar eftes dois filhos do Conde D. Henrique para
Bayona de Galiza governando aquelle Reyno o Conde D. Ramort
primo do Conde D. Henrique.
, Nota7rí. '"'! . -' ')'''
O. í)i. verl. 2. Jío, ou Izis. Para dizer que còMôrtifrtfâ^ílVc*"*
zes fe coftuma traziaó os Mouros nó navio huma vaCâ que lhe da-
va leite, lhe chamo Jo, que féconverteo em vaca pelo ciúme que
Juno teve de Jiipiter, que amava èfta Ninfi filha dc^Riõ Inaco , e
que depois foy aiíorada em Egipto cóm o nome de Izis, e guarda-
da por Argos que rinha cem olhos a quem Mercario com 0 to-que
da Flauta, c do Caduceo adormeceo primeiro , e matou depais ,
converrendo-fe em Pavaõ de que os matizes parecem oltios , c dcf.
ta fabula diíTe hum Poeta Portuguez.
Jo foy 'VACd , Júpiter foj touro.
Nota- 71 5VíT^í<^»>'-
O. 91. vcrf. 5. Capella. Em latim capella he diminutivo de
capra pela que deo de mamar a Júpiter , e he huma eftrella da pri-
meira grandeza , que íê tem por chuvofa como os Hedos , ou ca-
britos , que tem a meíma origem nas fabulas aftronomicas.
•-^^*' ' ' - Nota 714.
O. 91. verf. 6. Cornucopia. Eftas queftoens podem cha-
mar-fe de lana Caprina^ todas tocaõ com a cornucopia de Amaltèa
as fabulas referidas. Nota 715.
O 91. verf 8. Bootes. Eftenome le dá ao guarda dasconrtela-
çoens das Uríras,que foy filho dejupiter,c Calixto,e chama- íeafíim,
porque o feu çurfohetaÕ,vagarofocomooboy,C/í: i/í» i.denat.Deor,
Nota. 75 6.
O. 105. verf. 5. Tarudante, He Tarudante Reyno de Africa,
a que Camoens faz de-trez fylabas, dos muros de Marrocos , e
Trudante, deu-lhe o nome a Cidade de Teurant no Reyno de Sus,
fu-geito ao de Marrocos.
Nota 717.
O. 115. verf. 5. Leovegildo. Ao Ermitão que ElRey D, Affbn-
Co Henriques diz no feu juramento o auilou junto a Caftro Verde
no Campo de Ourique de que Chrifto queria apareccr-lhe, chama'
Fr. Bernardo de Brio Leovigildo Pires de Almeida , e vay na fua
^ efta noticia, que me bailou para o f32er pay de Pelayo Amado ,
que fe conta por tronco defta illuftre frmilia , e aqtii me fervio^
para verihçac o fim da hiftoria de Muley , e Aldàta.
- q U Nota
132 N o T J S
Nota 718.
O. 1 2 1. verf. 7. Í^Jeòphitos. Aos novamente convertidos cha-
ma a Igreja Neophitos. Veja-fe a nota 5*4.
Nota 719.
0. 1 21. verf. 5. Tobias. Pôde ler-fe, como a lua conftancia, e
virtude fez felice o feu cafamento com Sara filha de Raguel , a-
fugentando o mào eípírito Afraodeo , que matou no tálamo os
primeiros fete maridos defta mulher virtuofa ,, animando a Tobias
ainfpiraçaõ do An^o Saó Rafael.
Nota 720.
O. 122. verf, (. Jordaõ. Para figura do bautifmo íe lembra o
rio Jordaõ , que os Hebreos paíTaraô a pè enxuto , baucizando
depois S. Joaõ Bautifta a Chiifto-junto a efte rio da Paleílina.
Nota 721. iii"i,iÊ<|. ;Síijs ,6 5iul . ,
O. 129. verf 5. As vidorias de Henrique. Imito a Virgílio
que nas copis da baixella de Dido defcrevc a Eneas muitas ac-
çoens heróicas , e eu as fupponho nos adornos das mefas , que
antigamente fe chamavaõ triunfos, e em algumas partes íè uíãó
ainda hoje em occaílões publicas dos Palácios, , .. .\ -,Jí
'~\'''V\'^'''-''-^.'^''r'^ !*■'' Nota 722. . -:'^> ,■
O. ijr. verf. 8. A milhares. O numero de mil quêindefinito
temprivilegio de exprimir-íe entre os poetas, eatè era Autores mais
fagrados para íignifi.car multidão , medco a confiança para repetil-,
lo em todos os verfos defta oitava para darhuma ideada grande-
zaj ícm temer que pareça jogo de vocábulo, a que condena Luper-
ci© dizendo como já ponderey em outra nota,
QHejugttr de vocabla es trtjle feta.
Nora 725.
O. 152. verf. ?. Agamenon. He bem conhecido efte heròe em
Homero, por fer General das tropas de Grécia, e o leu Epitalamia
com aRainhaClitemncftra, qnecantaraó os Poetas,dizem íeachoa
ha poucos annos em hiima lamina de bronze Orcheftra he o lu-
gar do teatro onde eftavaõ os Muíicos, e infttumentos.
Nota 71 §. KU„;?i.!_^' ;::i.ií.,Jaj.i tOíff ;
o. 135. verT 7. Chorèas. Era o nome que áavaÕLbrí^iit^o»
às danças das Ninfas : Virg.i£neid. lib 6. v. 644. ■ :^--
Pars peàtbus pUadant chorcAS, & carmina dlcnnt.
parece que efta dança he a que fe acom^ariha cofid aMuílca, e a
íua^ eihimologia vem de chorus; '^- ivi-í^.M^s^ ^sup ?5iíi ,1
Notíi'
DO T O E M A. 1^5
Nota 725.
ir:0. 15 ç. verf. i. Dos dons Talamos. Neftes dous leitos nup-
ciaes digo eftavaó bordados os cpitalamios mais celebres, como fo-
raõ o de Júpiter , e Juno, que eraó os principais Deo(es,e irmã-
os j o de Cupido, e Píiques , a quem depois da íua infelicidade fa-
zem alguns Mythologicos efpofa do Amor, porque Pfiques em Gre-
go fignihca a alma ; o de Anfitrião, e Alcmena , da qual nafceo
Hercules tomando Júpiter a forma de Anfitrião, como fc ve na
admirável comedia del^lauto bem imitada por Molieri , e por Ca-
nioens ; o de Heitor filho de Priamo com a bella Androroaque
famola em Homero , e nos poetas trágicos Gregos , e naó menos
em Racine Francez ; o de Peleo , e Tetis , que com puriílímo eftylo
eíçreveo CatuUo a quem chamo Cilne de Verona, por fer como
já difle a íua pátria.
■^ - ; '■■'■'■'. Nota 7%^--^%. -? ^■
-^ O. 15o. verf I. Cinco Amores. Nos epitalamios naõ fó fe en-
troduzia o Amor, mas muitos Amores, eaíTim o diz Claudiano
no Epiralamio de Honório, e Maria, fazendo o primeiro filho
de Vénus , e os outros das Ninfas.
. . Hqí NimpbA f4riímt , illum Vénus áurea folum.
Marino diz* úm sbjí-i^-ftMJ:- O •.^'•««dtírír  t \'iiv ".? si ,0
i Capitan frà gl^ altri AmorUmore,
Gongora ,
Corona lafcivo enxamhre
De cupidillos menores :
E eu reduzo eftes Amores a cinco para reprefentar os fenti-
dos , e fugi neftes epitalamios da maliciofa licença, com que An-
zonio fendo Poeta Chriftáo tirou cenroens impuros de hum Poeta
Gentio , mas nmito puro, como foy Virgílio, de quem diz Santo
Agoftinho Virgíliumptteri legam , e a mefma licen<5a tomarão mui-
tos Poetas nos ícus epitalamios.
■^i Q f- Nota 727..
O. 158 verf O Amante de Climene. Bem fe íabe que he A-
polo, que de Climene tev£ a Faetonte, e que a eíle Deos venceo
fempre Cupido , porque o Sol , e o Amor faõ as fontes do calor
de que o mundo fe anima. -a-í-ííí
Nota 728.
O. 147. verf 5. De buma fanta railicia revertido. A hiftoria
diz, que efte D. Pedro AfFonío foy o primeiro Meftre de Ayiz ,
Ordem raais antiga entre as Militares de Portugal, e que depois
134 N O r J s
foy Religioío de S. Bernardo, e morreo lantamente em Alcobaça.
A Ordem de Aviz inftituhio ElRey D. Affonfo Henriques, ecomo
efte Rey teve outro filho do mefmoxionie, feequivocaóas acçoens
de hum, e outro D. Pedro Affoníb, como já adverti , e me pa-
receo que o dizer fahira de Portugal nefta occaziaô a bufcar a
guerra da terra Santa, como D. Pedro dizem que fez, era huna
modo decoroío de o naõ deixar com Aldàra para confervar o íeu
Caraóter com efta ultima , e generofa reíbluçaó,- dando com cila
acção quafi trágica hum novo exercício aos quelerem o Poema de
que o fim com efta oppofiçaõ de tragedia, e felicidade , naõ fica
menos próprio das regras épicas , pois aífim he a morte de Hei-
tor , e de Patroclo , em Homero , e a de Camila, e Turno em
Virgílio. Nora zz<).
O. 151. verf. De Guimaraens nas Cortes. Vcja-fe a Fr. An-
tónio Brandão na 5. parte da Monarchia Luzitana a noticia que
pQde alcançar deftas primeiras Cortes de Portugal , em que fe ef-
íAbdeçeraõ Leys muito úteis antes que as de Lamego.
,, Nota 7JO.
,,é,j «Q^íAJ^^exí.^ f. Medoro. Da fermoía Angélica amada de Or-
lando , e amante do galhardo Medoro tratou larga, edilcretamen-
te Ariofto no íeu Orlando furiofo , e com brevidade naõ menos
conceituofa o lublime Gongora no Romance que principia.
En un Pajloral alvcrgue ,
Que la guerra entre mAs. robles
Le dexo per efcondido .
O' /í- perdono por pobro>
Nota 731.
O. 175. verf. 5. O cabello crinito. Os cometas que faõ huns
a&xos peiegrinos íe dividem em crinitos , porque a luz faz que
pareça que tem cabelios, que ifto fignifica crinito, e por iílo o
applico ao cabello da Infernal figura de Mafoma ; em Barbatos,
porque parece , que a meíma luz fica como barba creícida na cf-
treil% , e por efte motiva os applico ao rofto de Mafoma ; e em
cêuci^ços porque parece tem huraa cauda, que atribuo á veílid-u-i
r^ dftfta. horrenda viz^ó.
Nota 7?2.
O. 178. verf 8. Aquiles de Heótoc, de Turno Eneas Nas au-
ri^ras Sit^.s do T^)0. voit díípoiído.o, fii-ni da> acçiõ, em hum com-
baqe finguUii do H«eò.e com o feu puincÉpalGOiaDrai^fO^ eomo' H%>-
i^ftva.defcr^v^ Qi 4e Aqiiiif & lUMaàdo. a H^iwr , ^-Virgilio,- o^dè'
: !i Eneas
DO V O E M J. 13 f
Eaeas tirando a vida a Turno.
oino:>: Nota 735.
O. 179. verf. 5, De ferro. A porca do ferro em Lisboa tinha
já efte nome quando a ganhou aos Mouros ElRey Dom AíTonfo
Henriques , e o conlervou arò os últimos feculos.
Nota 754. *
O. I 87 vetí. I. Valle ameno. Ao norte de Lisboa eftà firuado
o valle da Anunciada entre os montes de S. Roque, e Santa An-
na , e he hum dos mais- apraziveis fitics de Lisboa , cheyo de Pa-
lácios, e Jardins , onde de algum modo me lembro do do5 Con-
des da Ericeira, da fonte de Neptuno, obra admirável do infigne
Elcukor o Cavalleiío Joaõ Bautifta Bernini , o primeiro entre os
modernos , e que em Roma compets com os antigos.
':-*• -- i- - Nota 735.
"' ' O^PÍ^o.í verf 5. Oftracifmo. Ja tratey deíla ley antiga Gre-'^
cia em Athenas , e Laccdemonia, onde quem fe diftinguia muito '
dos mais Cidadãos no merecimento; pelo receyo, de que podeflTei
tiranizar a patiia, padecia ainda que com honra, o defterro de dez
annos, e le chamavaOftraciímo, porque íe votava com cafcas de
Oftras brancas , e negras. Em Sicilia chamavaó a efta ley Petalif-
rao porque votavaõ com folhas verdes , e íecas de Oliveira, que*
ena Grego tem o nome de Petalos.
Nota7j(í.
O. 195. verí. 5. Cintra. Que Cinera íeguio o deftino de Lisboa
rendendo-fe ao Conde D. Henrique , diz Brandão no lugar mui-
tas vezes citado. He Cintra humá Villa diftance de Lisboa cinco
legoas ao Norte celebre pela magnificência do feu Palácio, fun-
dação deiRey D. Aífonfo o V, e que ElRey D Joaõ o V. reftaurou
da ruina : pela afpereza , e ao meímo tempo amenidade da lua
lerra , e mais que tudo pelos feus Santos Conventos da Pena, c
dos Capuchos, Tudo defcreveo em hum Poema Latino a admiFa*;
vel Luzia Sigéa, que cultivou a Academia da em tudo inconapa*!'
rôvel Infanta D Maria. A Ericeira pouco diftante de Cintra, e fctjB
bre o mar bem [conhecida pela fuapefcaria, deo-lhe o nome, eac-o
mas hum marifco chamado pelos antigos Eiriç , hoje Ouriço ■;•.
he antigo titulo , e perpetuo Senhorio dos Condes da Ericeira j
da família dos Menezes.
Nota 737.
O. 197 verf. 8- E o diadema as fe idas cure, e ate. Conta-fél
^e Ak^andiie atou com o Diadema as f<?iidas 5Í& Liúmaco de que
136
NOTAS
ihe profetifaraÕ, que havia de Ter Rey de Macedónia, o que Ce ve-
rificou na repariiç .0 que íe fez depois da morce do grande Ale-
xandre. Nora. 758.
O. 201, verí. 2. Centumaiio. He hum nome que fe dâ ao Gi-
gante Briarèo , que diziaõ tinha cem braços , c foy hum dos que
fia guerra dos Titaens contra os Deoíês punha montes íobrc mon-
tes , e cnirc elles os dois da Grécia Pelion , e OíFa, de que diz o
Poeta. iniponere Pelion OJ[a.
Nota 756.
O. 2o<j. verf 8- Do venenoío peixe os pefcadores. He certo que
o peixe chamado pelos Latinos Torpedo, e pelos Portuguezes
Tremelga, faz entorpecer o braço, mas naõ querem os modernos,
que illo íeja por virtude occulta , pois tem expemnentado que as
muitas fibras de que fe compõem , com hum movimento convul-
íivo le apertão de repente quando os fere o anzol , ou qualquer
outro inftrumento , e fente o braço de repente o mefmo aperto
que o peixe faz no ferro , e que agita com violência o mefmo bra-
ço pelo cordel , em que o anrol eftà prefo.
Nota. 740.
O. 2,08. verf. 8- Os Efcudos, e os Alfanges. A repetição de
Efcudos , e Alfanges em diverfos ufos naõ desfigura eíla Outava
como ja ponderey em outras em que o mefmo nome também fe
repete que Falangues era hum batalhão Macedonico, e que os Lou-
reyros fe fuppunhaó livres dos rayos he muyto fabido , e fe acha
íieílas noras algumas veze^ explicado.
Nota 741.
O. 2i2. verf. I. Apolinea rama. Depois da transformação de
Dafne foy o Loureyro chamado Apolineo, porque o conlagraraõ
a Apolo. Nota 742.
O. zi 5. verf 8. Mas àtct a efcurecer o negro abifmo. Aca-
bey o Poema, imitando a Virgilio , que diz de Eneas , matando a
Turno, Vitaque cum gemttu fugit indignata fub umbras y vetfo que fe
acha repetido no meímo Poeta, a que imitou Arioíto , e outros
que conhecerão o Poema heróico havia de acabar com a mor-
te do Emulo do Heròe, deixando fuppor fe o fim da acçaõ fem in-
dividuala, como fe faz nas obras Dramáticas dos teatros, delica-
deza que na5 entenderão muitos antigos, e modernos ; e que deo
confiança a Mafeo Vegio para entender , que Virgilio deixara c
feu Poema poílumo imperfeito, parecendo-lhe, que havia de con
tinuar o Poema depois da morte de Turno, como eftabelecimentc»
de
DO P O E M J. 137
de Eneas no Reyno de Itália, ecafamento de Lavinia, círcunftan-
cias que largamente ponderey nas advertências preliminares que
fervem muito para entender a Henriqueida , e as fuás notas , que
he ja tempo de concluir.
O Epirodio da Torre de Hercules em que D. Pedro Bernardo
vio debuxada a fua afcendencia , e defcendencia na varonia do$
Menezes , e que fe mudou no canto decimo pelas razoens que le
daõ na nota 63 ?. à outava 78. do mefmo Canto , introduzindo
em Teu lugar , outro epifodio dos princípios de Portugal , e con-
lervando-íe eftas outavas pelos motivos que íè podem ver naquel-
la nota , e com o exemplo , ainda que taó deíigual pelo excedo,
que me faz Luiz de Camoens cm tudoincòparavel ,deconfervar
Manoel de faria, e Souza no feu erudito comento as outavas que
o Poeta tirou dos feus primeiros manulcriptos.
FIM DAS NOTAS.
§
OITA-
n9
OITAVAS.
I.
Vío que laminas fulgidas , e puras
Naõ Có fua magnânima afcerdencia,
Mas de Mufaico em immortaes pinturas
Dos feus Menezes a alta defcendencia :
Hercules com proféticas figuras
Vendo fem excepção quanta excellencia
Todos teriaõ no marcial officio
Os quiz eternizar fabio , e propicio.
Trinta feculos hà que o Grande Ealto
Rey de Gocia chamado o atrevido ,
De que a progénie generofa exalto ,
Deixa ao Báltico mar feu nome unido ;
Efte da torre no lugar mais alto
He da ptofapia tronco efclareciao j
Por evos dezefete o feguem todos
Rayos fetentrionaes Monarcas Godos.
3-
Seu dcfcendente o Balro Theodoreao
No Trono illuftie, que illuftrou de Hefpanha
Foy por íeis luftros dos contrários medo^
Jufto na paz, gloriofo na Campanha;
Eurico filho feu o alto rochedo
De Pirene venceu com gloria eftranha ;
E Marte, que o anima , eoaconfelha,
Lhe cinge o louro em Aries , e Marfelha .
c ii t<í
14(5
4.'
O coroado fuccéfíbr de Eurico
Teve valor igual, deÍJgual íorce
Qfje o grande Clodoveo deu a Alarico
Nos Eogladenfes campos dura morte:
Naô cem melhor fortuna Amalarico ,
Que menos religiofo do que forte ,
Aos decretos do Ceo naõ viíTe humilde
Que amparou as virtudes de Clotilde.
5-
Depois da uzurpaçao de Atanagildo
Com valor raro , e religião profana
Filho de Amalarico , Leovigildo
Moflra no rofto a condição tirana :
Mais lhe dcveo o Santo Hermenegildo
Banhada em fanguc a imagem Soberana ,
Sendo Progenitor , fendo homicida.
Que na vida mortal, na immortal vida.
6.
Em Grécia Atanagildo a fúria evita ^
Com que a herezia barbara o perfegue,
Contra infiéis intrépido milita
A bufcada aliança entaó confegue
Em íeu fiiho Ardavafto depofita
De altas virtudes o exemplar , que fegue
Atè que de Arrio vence o horrendo medo
O Cat lolico Flávio Rccaredo.
Foy filho de Ardavafto o claro Hervigio
Que o Sceptro empunha Gothico , e Hífpano
Na cíuerra aíTombro foy , na paz prodigio.
Luz no (agrado , gloria do profano, , .
Em Pedro de Cantábria hum fó veftigio rí onuo^Q
Naõ fe apagou de hum Pay taõ fobciano, v; ^
E o Cantabro renova antigas glorias
Com que de Roma difputou vidorias,. ^ j .
'fri
141
8.
Com a fombra ecclipfou das acçoens fuás
O Carholico Aftonío Key piimeiro
Triunfantes Mahomccanas meyas Luas
A quem foy íol o celebre guerreiro :
Nelle, ó Pelayo, a gloria perpetuas
Que a Herpanha libertou do cativeiro
Logo fuccedcm três imagens bellas
De hum Rey Affonfo Cafto , c dois Fruelâs,
9-
Robuílo illuftre Principe Bermudo
Naõ reinou ; e reinar bem merecia,
Mas da Fé íendo efpada, e fendo efcudo
Ramiro a dilatava , e defendia ;
De Clavijo no campo afpero , e rudo
Rendida a gente barbara íe via ,
Porque a memoria no trofeo confagre.
Que. o Ceo peio valor obra o milagre.
IO.
Reina o primeiro Ordonho , e porque poíTa
Ser igual ao Graõ Rey efclarecido ,
Vio em Toledo ,HueIca, e Qaragoça
Desbaratado o bárbaro temido ;
O Magno AíFonfo para a gloria noíTa
Seja exemplar illuftre , alto , c luzido,
Pois mais que o vencedor do mundo em Afia
Mereceo a gloriofa antcnomaíia ,
1 1.
Segundo Ordonho de Leaõ , e Afturias
Cinge a coroa profpero , e guerreiro
Domefticando as Mauritanas funas
He do valor exemplo verdadeiro.
De outro Fruela a Parca com injurias
Do feu Reyno o privou no anuo piimeiro^
Mas deixou o pincel bem expreíTivo
No femblante feros o peico altivo.
II.
12.
Ainda que Ordonho efclarecido Infante
PcrdeíTe a vifta às mãos da tirania ,
Naó fe efcurece o nome relevante
Pois vè ao tempo, fe naó vio ao dia,
E Dom Affonío Ordonhes , fulminante
Rayo , e Conde de Afturias , parecia
Que dos Mouros aos pérfidos arrojos
Ainda ali fe ving^a-a nos deípojos.
15.
Rodrigo Aííonfo fucceíTor illuftre
Do incomparável Pay fegue o exemplo ,
D. Diogo Rodrigues claro luftre
Em tudo igual com fufpenfaõ contemplo
Em Dom Bernardo Dias naõ íe fruftre
O lugar que referva no feu teríiplo
A milicav memoria em que o aclama
Com infignes padroens a eterna fama.
14.
Pedro Bernardo a eílatua fucceíTiva,
Como fe fofleefpelho que o retrata,
Admirou , e a efpada fempre adiva ,
Vé que os infiéis valente desbarata :
A memoria immortal a gloria viva
Em Caftella , e em Lizia fe dilata,
E o debuxo lhe moílra nas figuras
As paíTadas ácçoens como as futuras.
15.
Vè que da grande praça na defenfa
A fundação do Império certa eftava,
E que Hercules por alta reeompenfa
O feu nome feliz diviniíava ,
E depois dominando terra imincnfa ,
E libertando a nobre Calatrava
Das Cidades do Reyno de Toledo,
Será pafmo, terror , aíTombro , e medo.
16
H3
Também com gerolificos Alcides
Lhe diz aífim : ò Pedro vslcrofo ,
Porque grande no tempo te apelides.
Ouve o meu vaticinio vcnturoío :
No Régio tronco as ramas, cjue divides
Fazem de Europa o âmbito frondofo ,
E os Menezes feraõ em poucos annos
Transplantados aos troncos íbberanos.
17-
Naõ (ó dos Rcys mil vezes derivados^
Mas os Reys do fcu Tangue produzidos
Os verá nas coroas enlaçados
Em trinta e féis grandezas repartidos :
De huma linha os varoens afinalados
Sò temoftro em retraólos parecidos,
Porque fem excepção no mar , e terra
Foraó rayos intrépidos da guerra
Vê a Tello teu filho , que tomando
Primeiro o nome excelfo de Menezes
Aos bárbaros contrários deílroçafido ,
Fez triunfar Caftelhanos , e Leonezes.
Cuenca em padroens eternos vay moftrandoy
Que vencer Mahomecicos arnezes
He gloria defte nome Tobcrano
Como canta outro Oínc Lufitano.
19-
De hum perfeito varaõ a clara idca
Moftra de AíFonfo Telles a pintura ,
O Mouro vence , e o rebelde enfrèa ,
E de Albuquerque os muros aíTegura ,
Rompe das Navas a fatal cadea ,
E rompendo ao palanque a força dura
Nas armas em que os ferros eterniza,
A efcravidaõ dos Mouros íimboliza.
*■■*
10.
14+
20.
D. Joaó Aífonfo Tello varaõ force
Do Segura , e do Becis fértil cerra
Dando ao fero Ifmaelita facal morce
Ao mefmo fvlarce vencera na guerra,
Vera o Algarve ao rigido Mavorce,
E quanco Hefpanha em largo efpaço encerra
Verá muico applaudido, e refpeicado ,
Do Porcuguez AíFonío alço aliado.
21.
Naõ fó a Aquiles no valor o igualo
Por digno de afcendences caó felizes
Nas viólorias illuílres que afinallo
Para fazer aos Mouros infelizes ,
Porém na aílucia excede o Graó Gonçalo
Toda a deftreza do facundo UliíTes ,
É foube unir no milicar officio ,
Eífeicos do valor , e do artificio.
2a.
Naõ baila a AíFonfo Telles , que invencivci
O viíTem as campanhas de Caftella,
Para que hum Rey de condição cerrivel ,
Naó uniíTe a crueldade , e a cautella ,
Para evicar a offenfa mais fenfivel
A Porcugal o guia a fua eftrella.
Donde com fucceííivas alcas glorias
Coroou as magnânimas vistorias.
Dos campos Tranftaganos tia paleftra
Marcini Affonfo Tello fe exercica
Com fciente valor , com força deílra ,
Prudence manda , intrépido milita:
Sendo a prudência das virtudes meílra ,
Modera a forcaleza , que a incita,
E nas quatro floreei fem mudança
Igualando à Juítiça a Temperança.
i4.
145
24-
De Neiva , e de Faria illuftre Conde
Gonçalo em Elvas o arma Cavalleiro
O Rey ; a quem taõ fino corrcfpondc
Aos herdados acertos de guerreiro:
Jâ donde corre o veloz Douro , e donde
O Vouga rega a opulenta Aveiro,
Deixando a irmãa por bella coroada
Fiel, ao Luzo Rey, defende a efpada.
A Gonçalo fuccede em nome , e gloria,
O Menezes iníigneD. Martinho,
Que ajoaõ filho illuílre da memoria.
Segue na Extremadura, Beyra , e Minho ;
No mar , e terra mais de huma viâioria
Lhe deo da Fama a o templo amplo caminho
Perde os domínios pela ingrata forte.
Porém naõ perde o fer fiel , e forte.
x6.
A ninguém cede o varonil Fernandcj
Que em Ceita rayo foy do Luzo Jove,
Tetuaó fe lhe rende , e receando
Tangere o feu valor a Africa move. -
Acilio Portuguez o admire quando f
Entre infiéis os duros ferros prove.
Ate que triunfante dos contrários ,
Os refpeitaõ os duros adverfarias.
Outro Fernando ao grande Pay fuccede
Segundo Scipiaõ , Marte Africano,
O Palanque de Tangere lhe cede,
E fe rende o foberbo Mauritano :
Civil difcordia a gloria naó lhe Impede^
Ainda que ja no campo Luaitano
Alfarrobeira chore o duro fado
De Pedro varonil , mas deígraçado.
Xf;
1^6
28.
Cante a lira de heróica Mageftadc
Do Virgilio entre vates Luzitanos ,
De outro Menezes logo , cuja idade
Hemayor na prudência , que nos annos:
Gentileza , valor , zelo , verdade
Santas virtudes , dotes foberanos,
Fazem vencer na índia ao grande Henrique ,
Porque eterna memoria delle fique.
Segue Diogo os paternaes veíligios
Ceita o confeíle , Tangere , e Arzilla -, "
Também do amor reíííle aos vãos preíligios
A conílancia magnânima , e tranquilla:
Premio de quantos bellicos prodígios
Efta marcial prorapia recopila ,
Deu a Ericeira na grandeza logo,
Fiiho deite Diogo a outro Diogo.
30.
Fernando a aquelle fegue generofo,
E com quatro Irmãos íeus exalta as quinas,
Dous em Alcaçar cem termo gloriofo
Três as cadeas fofrem mais indinas ,
Fernando taó fiel , taó valerofo ,
Quiz libertar a pátria das ruinas ,
Que tudo perde às iras do inimigo ,
Mas eftimou por premio efte caftigo :
3».
Africa , Europa , e Afia prefumiaõ
De fer trofeos dos braços fingulares,
Sò da foberba America fe viaõ
Taó izentas as terras , como os mares,
Porém ja na Bahia fe efculpiaó
Em bronzes os acertos militares
De outro Henrique ; que vence em mar, e terra
Do Batavo feros a feros guerra. Gi
3*.
H7
Qiiàl cm Càftor, ePolIuxà fraterna
No GcMninis uniàõ indilToluvel ,
Qiic a mortal natureza com a eterna
Alcernaú efla maquina volúvel ;
Parecendo , que hum fó tudo governa
Da amifade no laco naõ foluvel ;
E Roma os vc valentes , e brilhantes
Em dous cândidos brutos triunfantes.
AíTim Fernando , aOlm Luiz fe via,
E outra Helena os unio taõ cafta , e bella ,
Que fe a Grega a Dardania deftruia ,
Foy efla à Luíitania clara eílrella :
Joanna em que de Aonia bem fe lia
No nome, que huma mufa inspirou nella ;
Dandolhe com virtudes mais difFufas
Belleza as Graças, e fciencia as Mufas.
34.
Fernando , que cm ItaUa fez primeiro
Ser Faetonte no Eridano os contrários,
Neptuno fobre ornar ove guerreiro.
Vence no Guadiana os adverfarios :
Scipiaõ fó no tempo foy primeiro
Em triunfar de Afiicanos temerários,
Febo em fciencia iguala, e fabio obferva,
Leys de Themis , preceitos de Minerva.
35-
Luiz em tudo igual teu nome efpalhas
O' Cezar mais fiel, naõ menos forte,
A Hiftoria efcreves, vences as batalhas,
E afinas com a efpada á pena o corte:
De Elvas, Valença , e Évora as muralhas *^
Defendes , ou afialtas Graõ Mavorte ,
Ao teu zelo, e juftiça deo a idèa ,
Nemeíis incorrupta, igual Aílrea.
148
Francifco fegiie ao longe eíles que adora
Vcfligios de valor inimitáveis ,
E para o eíludo na primeira aurora
Achou de ApoUo os rayos favoráveis;
De Henrique ha de cantar com voz fonora
As heróicas acçoens incomparáveis j
E decifrando o Épico mifterio ,
A fundação do Euzicano Império.
37- .
Luiz do grande Avo máximo nome
Em Letras , e Armas claro defempenhe ,
Em Alentejo ao forte Hiípano dome,
E em foccorrer Campomayor fe empenhe:
Occupe a Sumba , e a Pacàne tome,
E ou no mar fuja , ou no Sertaó fe embrenhe ,
O Arábio o tema , o índio, o Perfa , o Mouro,
Que a gloria trouxe de Azia por chefouro.
38.
O magnânimo Rey , que à Azia opprimida
Poderofo foccorro deftinava ,
Do Louriçal a linha efclarecida
De Marquez com o titulo illuftrava:
Segunda vez o manda , e da temida
Do grande Vice-Rey valente eípada
Fia o Monarca as Luzitanas glorias
Da Religião , e a Pátria altas vidorias.
39-
Francifco em gentil forma ainda fe via
De educação feliz, de Índole amável,
O eftudo militar também feguia ,
Quanto permite a paz fempre eílimavel,
Dos outros defcendentes fe encubria
A ferie pelo tempo variável ,
Mas com exemplos taes bem he fe efpere,
Que do eíludo , e valor naó degenere.
149
Furtandú-fe os primeiros quatro Cantos defit Poema moftrou
BlRey fenttmento , e quiz, prometer premio a quem os
reftituíjfe , ajfim o fz,eraÕ , e o Conde da Ericeira ti-
nha offerecido a Sua Magejlade depois de rejlaurallos de
memoria ejie
SONETO.
SEntis , Senhor , que das acçoens de Henrique ,
De quem fois o mais claro defcendence ,
Quanco a Mufa cancou pouco eloquente
A Enveja roube, a Fama naó publique,
Apolo o permicio, para que aplique
A vòs fó coda a Épica excellente;
Pois de lium Heròe a perda fe naó fente ,
Porque de outro mayor o acerco explique.
Mas fe por efcrever da Luza hiftoria
O Poema feliz que a Mufa ordena
FoíTeecerno no Templo da memoria;
Vòs o illuftraes , Apolo o naó condena ;
Pois nunca alcançaria canta gloria ,
Quanta lhe deu na perda a voíTa pena.
ERRA-;
A íf'^'^
•oqoV-íUiy?
APPROVACAM DO P. D. JOZE' BARBOZA.
Erratas,
T^Ag, i. reg. 15). atem alem Pag. 5. §. 10. ouviado ouvia
APPROVAC,AM DO P. PAULO AMARO.
Pag. 3. §. 5. reg. 4. Deimocrico Demócrito
ADVERTÊNCIAS PRELIMINARES.
Ertatas.
PAg.i.reg,z6.}i Lucano efguilace á del.ucanoEfquiUche. Pag. 1 1.
reg- ... Claro em nobre Demarine em claro, e emnobre, deMa-
rtene Pag. 1 6. reg. 24. nos autores que rrataõ uefies autores que tratao
Pag. 1 8.icg-2.6. ou combate, de fende cu o combate , ou o defende Pag.
27 ultima reg.approvar /;rí>r4r Pag. jo.ceg.i.Abdara Aldara Pag. 55.
reg.penukimae naõ fendo enaÕ tendo Pag.54.reg.6.Puley Pw/c^ Pag.
56.reg.23. duBertás í/«£jyfií Pag,7o. reg. 18- emayor de todos eo
maior de todos Pag. 71. reg. 3. Leiria Pombal Leiria e Pombal
CANTO L
Erratas do Poema.
Oit, 5?o. e o mundo naõ o e o mundo u nao
CANTO IL
Oir. 2J. verf. 7. Scintilla cintiíla
CANTO III.
0{t.57.v.5.e digna e dina Od.4o.v.i. ficiticios^^^ os Oit. jg. v. 7.
refgnardo refguardo Oit.62.v.4.BabeIovia Babilónia Oit.^j.v.l.nos
debuvos nos debuxos Oit. 105^. v.j. orque Porque Oit. i ^y.v-S' efqua-
drocn. efquadroens
CANTO IV.
Oit.9.v. 8. pertos perto Oit. )0. v. 2. intentara intentava Oit. iio.v.7.
falfos í//í/í^;/oí Oit. in. verf 5. ptefurforas precurfora
CANTO V.
Oit. i8.v.(5. o raro oh raro Oit. 61. v.5. tranformadas transformadas
Oit. Sj. V. 8. maogas magoas
CANTO VI.
Oit. 4.V. 4. o rcceyo ao recejoVcrf. 5. fedefcobre nao fe emcobre Oir.
26. V.2. aquém a queOit-^-i^-^w-j. deíTe décc Oit. 44.V.6. Hazm HaT^en
Oit. 54. V 4.0 teu o feu Oit.65 V.2 indinos indignos Vcif 6. condinos
condignos Oit. 79. v. 6. e dos S.iperiores e Superiores Oit. 155. v. 3. da
carvidaó efcravuUm
CANTO VII.
Oiz.j dímini^idL amníjlíA Oit.44.v,i.qie ai mas que as armas Oit. 55.'
V. 5.E que aos últimos três E aos fete que formou Oit 6i.v z.aflegura-
va ajfegurara Oit. 67. v.j.oM.onis ó Moms Oit.7i.v,i.fiagoa a fra-
goa
goaOit.j^.v.i.Snt.SutfíOiz.yS-v.^, aos Mahomc:3Lnos ao Aíahome-
tano
CANTO VIII.
Oit.8.v.8.Suftente o fujiente Verf.j.As razoes A^s raz.oes Oit.i4.v.i,.
lhe refpond lhe re ff onde Oit. 40 v.4. acfentos acentos Oit. 46. v. í.
negror negros Oit. 49, v. i.Poir, por forma Pois por cauzA NçiC^.
e a noro canoro Oic 54. v, 2. Nos primeiros Noí meus primeiros Oit.
f 5.v.4.Fex ¥es Oit. 5 ó.v.g. Ser 7er Oit. 77v. 5. arrifcando arrifcado
Vcrf 6. cftrado ^_/?4í/(? Oit. 95. v. 4.rigororos v/^í?rcf/òíOit. iii.v.6.
a cautela cautela
CANTO JX.
Oit.9.v.8.obta etr/í Oit. 5 5. v. 5'. Eolo Eo/o Oit. 89. v,?. corre corrj Oit.
9i.v,4.oftoris aSoris Oit.pS.v.i.Só atreves SÓ [e atreve o Oit. 114. v.
8. exercite exercito
CANTO X.
Oit.5.v.7.os Luziranos aos LuútanosOit.i i.v.i.tranfraontan tranf-
tnontanos Oit. 100. v. 2. conquifta conqmflas ,
CANTO XI.
Oit. 14.v-1.nas féte eras «4í Seteiras Oit.ij.y.C.Q k cte e fe cre y Oh.
41. V. 5. a tala 4fi/4 Oit.v. 6. céntc gente Oit. 79. v. 6. [euia.sfeqHras
Oit.84.v.5. veneira venera Oit.88. v. 8. com grociffimo cow hum gr O'
cijfímo Oít.9 1 .v.y. unras uniram Oit.9 j.v. 8. fepultados/f/^w/fíiííoOit.
1 1 6.V. 6. e legueras e ligeiras Oit.i 10. v. z. e afétta inficionada e á
fetta inficionava
CANTO XII.
Oit. 9. V. 2. cn ejofo envejofo Oit. i o.v.8 da fuperftíçaô 4 fuperftiçam
Oit. 24. V. 6. a a a direita a ala direita Oit. 32. v. 7. o pc igo o periga
Oit.54-v- J.ecudo efcudo Oit. 66. v. duvido o </«vi^ç/í)Oit.8 5.v.4.fof-
ho fufptro Oit. 9 2. V. 2. A joou Izirà A Jo ouIúsaOit. 94. v. 8. edo
que paíToii e do que antes paffou Oit. 1 14.V. i. de feu he feuOh. I 53. v.
I. o nabre a nobre Oit. i } 8. v. 5. Porque a alcança Pois fe o alcança
Oit. 156. V. y. barbararidade barbaridade Oit. 178. v. 6. ulIiíTeo uli^io
Oit. í 98. V. 2. femove, c omvo fe move hum , e outro Oit. i^$.v. 7 .
faz rayos/(íí nosrajos Oit. 213. v. hoirida horrenda
A D'
ADVERTÊNCIAS DAS NOTAS
Erratas.
Erutliçois vulgares erudições mems vulgares no que podia o (lue podU
para devifar para deixar
NOTAS CANTO II.
N. Si.CefàCoãroftcodion,^^. que continuou qne fe continuou n.89'
atribui e itriouirfe n.i ly.em a ccrtar em aceitar n. iip. ElRey Tal-
co ElRey Jerio CANTO III.
N. 175. e as advertências nas advertências n. i8í. toucandoííc fm-
canàotn.i%z.co\r\ot\\âs como ela n.i Sy.da cobra a cobra da cabra a ca-
bra n 209.0 conceito Hypcrbole o comceitOy e Hyperboíen.z 1 5 a Nim-
fa Jó a Nimfa Jo n.^ i 8. brevomonte velocinio acanicula fendo Af-
tro do Norte brevemente velocino que também naõ he Afiro do T^orU n.
22 I . a Ercólo a Talfcrena a Erião a Falferena
CANTO IV.
N.518. á con^ancia a confiam ia n.319. adverriraõ advertiram
CANTO V.
N.325. o celebre Malpighl o celebre Malpighi n. 546. e éle reconheço
quando digo ao menos e éle inferior a Homero c a Virgilio e éle re-
cmheceo quanto era inferior a Virgilio por tjfo eu digo que ao menos me de
a Muz.a a infpiraçaõ que a Efiaciopara defcrever os [eus jogos n. 5 5 i .deftes
defies n.55 5.oaxpelido oapelido n.555. 35'íj.n.36i.Bezancon BezAn-
^on n.jóg.que atribuem que lhes atribuem n. 5 8i.enaõfc) fervia ík^ío
fó fervio n. 375. monte Econio inonte AÓnio n. 376. aos Cantanhede
com outra das 4í?í de Cantanhede cem outras das n, 5 8 2. do Conde Hen-
rique Conde D. Henrique Tavares foy Embaixador do que foy Embaxa-
dor n. 5 8 5 .no fpirito e nojpirito caT^ucom D. Luiz. de Cafiro IV. Marques
de Cafcaes fuccejfor defia illnfire Caz.a , que deu a Portugal , e a CafieU
duas Raynhas , tendo a varonia pelos Noronbas delRey D. Henrique II. de
Cafiela, e de huma Filha delRej D. Fernando de Portugal ., e com tantos
merecimentos próprios como herdados dos j eus efclarectdo^ Vays , e Avos n.
393. pelo dois pios dois n. 403. ca5 efeminadas tat afeminadas n»
413. imponere Pelio imponcrc Pdion
C A N T O VI.
N. 425. Gualquivir Guadalquivir
CANTO VII.
N.474- Ibe chamaren->os fcímpre lhe chamaremos antes n. 500. pois fá-
fim pois ajfim n. 501, de Alúmen iunr.en de Alúmen plunu.
CANTO VIII.
N 520. fru([afrufira n. 5 3 4.carnivolo carnívoro n. 555. humverfos
bans verfos n. 541. iliuílre e fèlice illufire e infeUçe
C A N-
CANTO IX.
N.585.na Pininjula tM VenmfuU n. 55)0. da Província <í^Prí^i</íwi'4
n. ^^^. de Caboverda de Cabo'verde
CANTO XI.
N. 6S9' letra n formem Je transformem
OITAVAS ULTIMAS
Erratas.
Oit.i.u.i.vio quevioem Oit.iy.v.j.recipenfa recompenfaOít.ii.v*
2. feiezes felkes Veil. 4. infelizes infelias
BIBLI-
BIBLIOTHECA
COM CATALOGO DOS LTFROS 'IMPRESSOS,
€ manufcriptos que compuZjeraÕ os Condes da. Ericeira dd
■ • Familíít de Menez^es^ ajjim os Senhores dejla Caz,a , co-
mo osjilhos fegimdos delia , e os de algumas , que
os Condes da Ericeira hojepZJfuem.
D. DIOGO DE MENEZES, I. CONDE
da Ericeira.
V
I D A de D. Henrique de Menezes , Go-
vernador dela índia, con vna dedicacoria
ai Conde Duque. 4. Madrid. X628.
D. FERNANDO DE MENEZES, 11.
Conde da Ericeira.
H
Iftoriarum Lufitanarum libri decem ab anno
1640. ufque ad annum 1656. pars I. UlyíTi-
pone 1734. in quart.
3 Hiftoriarum Lufitanarum, pars II. in quarc. Ulyífip.
1735.
4 Hiftoria deTangere, in foi. Lisboa. 1732.
5 Vida de ElRey D. Joaó I. quarc. Lisboa 1 668.
6 Monumento perene à memoria da Rainha D. Ma-
ria Francifca Izabel deSaboya, com hum Epitome da
íua vida em Porcuguez , outro em Latim , e varias obras
em profa , e verfo em feu louvor quart. M. S.
7 Relaçoens , e Tratados Hiftoricos de vários fucceí^
fos de Portugal militares, e políticos , do anno de 1640.
até o de 1669. quart. M. S,
8 Difcurfos , Oraçoens Académicas , e Panegyricas.
quart. M. ^.
9 Cartas , e Difcurfos na lingua Latina, quarc. M. S.
c 10 Poe-^
154 BIÈLIOTHECA
10 Poefias Latinas , que fe imprimem na Coltecçaõ
dos Poetas illuftres Lufitanos. quart. M. S.
1 1 Poeíias Portuguezas com hum Poema heróico de
Lisboa conquiftada, de que ha fó cinco Cantos : Hum
Epinicio à batalha do Ameixial , e outras obras. q. M.S.
12 Poefias Hefpanholas, com a Comedia : Nó es de-
fenganõ el defprecio: dous Autos Sacramentaes , c outras
Rimas, quart. M.*^.
13 Papeis politicos , e militares no Confelho de Ef-
cado , e outros Tribunaes. L Parte foi. M. S.
14 Papeis politicos , e Militares, fendo Regedor das
Juftiças , e Capitão General de Tangere. foi. M. S.
D. LU I Z D E M E N E Z E S , IIL C 0,N D E
da Ericeira. **
15 T_T Iftoria de Portugal Reftaurado 'do annp de
jTJL 1640. atè o de 1656. P. i. Lisboa 1679. foi.
16 Hiíloria de Portugal Reftaurado do anno de 1657-
atè a paz de 16Ó8. 2. Part. foi. Lisboa. 1664. -
17 Exemplar de virtudes morales en la vida" de Jorge
Caftrioto quart. Lisboa I668. . .
1 8 Compendio da vida do L Marquez de Távora com
varias obras em feu louvor, quart. Lisboa. 1674.
19 Relaçocns militares de algumas campanhas, quart.
M. Sif^, o% : JiUOoíJ .Jliiiíp .tc;(K'' ^ .lá jb jt
20 Difcurfo?', e Oraçoens Académicas r>:igPi:oblenias
$noraes quart. M. S. ,;:' 1; ' -^oí %;j'-^^; r-'-i
ii'aj2f . Obras Poéticas Hefpanholas. L Part. quart. M.S.
23 Obras Poéticas Herpanholas , que contem huma
Reporta pelos mefmos confoantes a todos os Sonetos de
D. Luiz de Ulhóa ; o Poema da fabula de Orfeo, e duas
Comedias. 2. Part. quarc. M. S. lup .^^òi ^h
24 Papeis Politicos fendo Vedor da Fazenda , e ou-
tros em negócios importantes do Rcyno : foi, M. S.
25 Papeis miiicares fendo General 4^1 Artilharia do
: "^ ~ Al-
EKICERIANA 155
Alentejo , e Governador das armas de Traz-os-Monces :
foi. M. S.
26 Cartas familiares. foL M. SI) 2 í O VI /
DONAJOANNA DE MENEZES III.
CondeíVa da Ericeira, 't T
27 X T Ida Panegyrica deS. Agoftinho :fol. M. S.
V 28 Defpertador dei alma a] fueno dc.l^ vi-
da en trecientas Octavas, com o nome fuppoílode Apol-
linario de Almada, quarc. Lisboa 1695.
29 Reflexos fobre a Mifericordia de Deos, traduzidas
de Franccz de Soror Luiza da Mifericordia, que foy Du-
qu€za de Vaujour, com hum Panegyrico à Rainha da
Graõ-Bretanha , Anonvmo : oitavo Lisboa 1694.
30 Panegyrico ao Duque de Saboya , traduzido do
Abbade de S. Real, Anonymo. quarr. Lisboa 168O.
3 1 Cartas Francezas à Rainha D. Maria de Saboya ,
e outras pefloas illuftres , e vários Difcurfos na mefma lir*-
gua quart. M. S. /
32 Triunfo das mulheres, traduzido de Francez , e
illuftrado quart. M. S.
3 ^ Difcurfos Académicos , e Moraes , com huma
Novella allegorica, quart. M. S.
34 Cartas familiares a varias Senhoras. I. Part. quart.
M. S.
35 Cartas familiares lí. Part. quart. M. S.
36 Obras Poéticas , Francezas, e Italianas, e traduc-
çoens. quart. M. S.
37 Obras Poéticas Hefpanholas. í. Part. quart. M. S.
38 Obras Poéticas Hefpanholas, que contem duas
Comedias ; dois Autos Sacramentaes , e outras obras de
Theatro : II. Part. quart. M. S.
3 9 Obras Poéticas Hefpanholas, que contem a fa-
bula Heróica dePcrfco, em cinco Cantos : o Poema fú-
nebre a Pvainha D. Maria dcSnboya : III. Part. quart. M.S.
t ii 40 Obras
ij6 BIBLIOTHECA]
40 Obras Poéticas Portuguezas quarr, M. S:
D. FRANCISCO XAVIER DE MENE-
zes , IV. Conde da Ericeira.
41 T T Enriqueida , Poema Heróico, em doze Can-
JrX to quart. Lisboa 1741.
42 Obras Poéticas Portuguezas , foi. M.S.
43 Obras Poéticas Hefpanliolas , foi. M. S.
'r 44 Obras Cómicas Hefpanholas , foi. M. S.
45 Obras Poéticas Latinas, Italianas, e Francezas,
e traducçoens deftas línguas com a da Arte Poética de
Boileau em quatro Cantos .• foi. M.S.
46 Oraçoens Académicas, fendo Prezidente, e Di-
redor em varias Academias ; foi. M. S.
47 Oraçoens Panegyri<:as na Academia Real , e em
outras : foi. M.S.
3 8 Difcurfos , Problemas Académicos , e moraes :
foi. M. S.
49 Difcurfos Filológicos, que contêm doze liçoens
fobre o methodo dos eftudos : foi. M. S.
50 Difcurfos Filológicos fobre queftoens eruditas;
foi, M. S.
5 I Excellencias do numero XXII. cumprindo ElRey
D. Joaó V. vinte, e dois annos cm 22. de Outubro de
171 1. foi. M. S.
5 2 llluftraçaõ das Armas da Santa Igreja Patriarcal de
Lisboa .• foi. M. S.
53 Tratados Scientificos, I. Part. que contém fetc
liçoens Académicas fobre as artes liberaes, e outras em
varias Faculdades foi. M. S.
54 Tratados Scientificos , II. part. que contém va-
rias diíícrtaçoens , e obíervaçoens Filoíbficas , c Ma-
thematicas : hum epitome da Lógica : e hum fiftema da
caufa das febres .' foi. M. S.
i$ Tratados Scientificos, III. Part. que contem hu-
_ _ _ ^^
ERICLRIJNJ. lyy
ma difíertaçaõ fobre a exiftencia do Vnicorneo , provan-
do que he a Abada , feica à inftancia do Imperador Car-
los VI. foi. M. S.
56 Obras Hiftoricas , I. Part. que contém as memo-
rias da vida do Conde da Ericeira D. Franciíco Xavier
de Menezes : foi. M. S.
5 7 Obras Hiftoricas , II. Part. que contem as memo-
rias Eccleííafticas do Arcebifpado de Évora, I. Part. pela
Academia Real ; foi. M. S.
5 8 Obras Hiftoricas III. Part. que contém a fegunda
parte das memorias Eccleíiafticas de Évora : M. S.
59 Obras Hiftoricas , que contém a III. Part. das me-
morias Ecclefiafticns de Évora .- fol.^M. S.
60 Obras Hiftoricas, que contem a IV. part. das me-
morias Hiftoricas de Évora, com os documentos , e pro-
vas dos primeiros três volumes ; foi. M. S.
61 Obras Hiftoricas, que contem Relaçoens impref-
fas do ficio deCampo-mayor, em 17I2. e de outros fuc-
celTos milicares , impreftos fem nome: DiíTertaçoens hif-
toricas fobre vários pontos duvidofos da Hiftoria de Por-
tugal , e fuás Conquiftas : Defenfa do direito de Portu-
gal ao Maranhão , c outras terras ; Memoria dos Bifpos
de pouca idade .• foi M. S.
61 Obras Hiftoricas, que contém Diftertaçoens Criti-
cas da Hiftoria Ecclefiaftica fobre os Concilies univer-
faes ; Diílcrtaçoens Cricico hiftoricas fobie vários pontos
da Hiftoria Eccleíiaftica : foi. M. S.
63 Relaçoens de feftas lleaes, e de outras, feitas por
direcção do Conde da Ericeira, e outros Tratados :
64. Mifccllaneas , que contém fama pofthuma do Pa-
dre António Vicyra ; Relação das Fxcquias, que o Con-
de da Ericeira lhe fez celeb.^ar cm Lisboa, em 1697.
65 Illuftraçaõ do nome Nuno ; cenfuras a duzentos
livros de varias nmtcrias: Cbíervacoens a vários Autores :
c
Diftribuiçaõ da Eibliotheca Regia ; e Catálogos curio-
íos , e feieclos ; foi, M. S,
66 Obras
I y3 BIBLIOTHECA
66 Obras Genealógicas j que contém varonia, e Ar-
voics hiftoriadas com a vida dos afcendences, Varocns
illuílrcs em virtude, c armas, e letras, dos Menezes da
Caía do Conde da Ericeira : fol.M. S.
-. 67 Obras Genealógicas, que contem Apologias de
divcrfas famílias , foi. iVÍ.S.
68 Obras Genealógicas, que contém varonias, e Ar-
vores de algumas famílias afnm nacuraes , como eftran-
geiras ,- l-A. S.
T.'69 Obras Sacras; Reriexoens fobreas fete palavras da
Virgem Santidlma : Medicaçoens fobre as fuás dores: foi.
M. ^.
70 Oraçoens pias, e devotas, foi. M. S.
71 Papeis políticos íobre negócios importantes do
ReVDO : Manifeftos, ínftrucçoens, e pareceres na Junta
dos Três Eílados : votos, e outros papeis militares, nas
fete Campanhas , em que íc achou ; foi. M. S.
72 Bibliotheca Soufana, com obfervaçoens a trezen-
tos , e feffenta livros , que eícrevia o P. D. Manoel Caeta-
de Souza, Clérigo Regular : in quart. Lisboa , anno I738.
73 Extraclos dos livros, que a Academia da RuíTia
mandou á Academia Real da Hiftoria .- in quart. Lisboa
' 74 Apparato Hiftorico para ávida do Conde Dom
Luiz dè Menezes .• in foi. M. S.
í ^25"'-. Vida de Soror Maria Magdalena de Jefu , Freira
no Convento da Madre de Deos de Enxobregas : inquarr.
M. S.
67 Epicedio na morte da Sereniffima Senhora Infan-
te D. Francifca in quart. Lisboa 1737.
77 Temvld de Nepiuno : Epithalamio nos cafamentos
do Illuílriíllmo , e Exccllentiffimo Senhor D. Luiz Joíéph
de Caftro Noronha Ataide e Souza, com a lUuílriírima,
e ExcellcnciíTima penhora D. Joanna Perpetua de Bragan-
ça , Marquezes de Cafcaes : in quart. Lisboa 1758.
73. Documentos a ícu neto D. Franciíco de Menezes
< ■; .' V -•' fo-
ERICEKIJNJ. 159
fobre as leys do ducllo .- in quart. M. S.
79 Reflexocns ao Theacro Critico , que compoz o
R. P. Fr. Benco Féyjoó, diícorrendo por cada hum dos
Tratados daquella exccllente obra : in quarc. NÍ.S.
80 Memoria mctrica, que contem cm verfo para fe
ter. de memoria a Hiftoria univeríal, e a particular do Rey-
110 ; a Mythologia , a Geografia , a Filologia , e os princí-
pios de todas as Artes , e Sciencias : Part.l. in oclavo M.S.
8 1 Memoria métrica , II. Part. in od. M. S.
g2 Difcurfos, Panegyricos, e outras obras recitadas
por ellc na Academia Real : in foi. M. S.
8 3 Duzentas hiftorias memoráveis para fe ajuntarem
ao \\\xo de Scitl dignis : in quarc. M. S.
84 Tratado das honras Civis, que muitos Ecclefiaíli-
cos tem na Europa: in quart. M. S.
- SOROR-NtARlA MAGDALENA DE ]E-
S U , Irmãa dos Condes da Ericeira D. Fcr-
'iiáiidOj'eD. Luiz de Menezes, que foy feí-
^'.- ' íenta annos Religiofa no Moftcira
'i da Madre de Deos de Enxobre-
gas.
8 5 T T Iftoriá de algumas Religií^fás- , que marreraõ
i 1 no Morteiro da Madie de Deos com opi-
nião de Santidade : Vida da rncfma Soror Maria Magdale-
na efcrica por duas Religiofas do mefmo Mofteiro, e mui-
to accrefcentada por íeu Sobrinho D, Franci-fco Xavicc
de Menezes,. Cande da Ericeira ; in foi. M. S. "
86 Meditaçocns fobre alguns Pfalmos de David. Me-
thodo para comnujngar com pcríciçaõ .- Obras myfticas ,
c alguns Poemas Sacros : M. S. in fo!.
87 Cartas devotas , e familiares, foi. M. S.
D, LU-
ss
160 íBIBLIOTHECA
D. LUIZ DE MENEZES V. CONDE
da Ericeira, e primeiro Marquez do Louriçah
COmmentarios do que lhe fuccedeo em todo
o tempo , que foy Vice-Rey da Índia, a pri-
meira vez : in foi. M. S.
87 Inítrucçoens , Regimentos , e outros papeis poli-
ticos , pertencentes à boa adminiftraçaõ do governo da
índia / M. S. in foi.
90 Difcurfos, e pareceres fobre o commcrcio , e Con-
quiftas de Portugal M. S. in foi.
9 1 Supplemento , e Correcçoens Anonymas ao Voca-
bulário Portuguez , que compoz em dez comos o R. P,
D. Rafael Bluteau , l.Part. in foi. M. S.
92 Supplemento, e Correcçoens Anonymas ao Voca-
bulário Portuguez do P. D. Rafael Bluteau ; II. Part. in
foIM. S.
9 3 Supplemento , e Correcçoens Anonymas ao Voca-
bulário Portuguez do P.D.Rafael Bluteau:III.P.in fol.M.S.
94 Correcçoens, e Supplemento ao Diccionario his-
tórico de Moreri, principalmente a tudo o que pertence
a Portugal; as quaes correcçoens , e Supplemento vem na
íCdiçaó Franceza de Pariz, e na Caftelhana de Leaó. I.
Part. in foi. anno 173 5«
95 Segunda parte das Correcçoens, e Supplemento
ao Diccionario de Moreri, imprefla em Pariz, e Leaõ in
í^oí. 1735.
96 Terceira parte das Correcçoens, e Supplemento ao
ao mefmo Diccionario .• foi. M. S.
Fr.
ERICERIANJ. i6i
Fr. ANTÓNIO DA PIEDADEDOU-
tor nos Sagrados Cânones : agora Religiofo da
Familia Seráfica na Província de Portugal , fi-
lho do quarto Conde da Ericeira D. Fran-
cifco Xavier de Menezes.
97 Ç Ermoens vários , Part. I. in quart. M. S,
v3 98 Sermoens vários, Part. II. in quart.M.S.
99 Sermoens vários, Part. III. in quart. M. S.
100 Sermoens vários , Part. IV. in quart. M. S.
I o I Sermoens vários , Part. V. in quart. M. S.
I02 Sermoens vários, Part. VI. in quart. M.S.
1O5 Sermoens vários , Part. VIL in quart. M.S.
104 Sermoens vários , Part. VUI. in quart. M. S.
105 Pareceres em Theologia Moral, e Canónica, I.
Part. in quart. M. S.
106 Pareceres em Theologia Moral, e Canonica:II.P.
in4.M.S.
ERICERIANA.
107 \ Pothemas , verfos , obfervaçoens , e cir-
Jl\ cunftancias particulares das vidas,e acçoens
de Senhores , e Senhoras da Cafa dos Condes da Ericeira ,
recopilados das fuás mcfmas obras, ede outras memorias
fidedignas, pelo Conde da Ericeira D. Francifco Xavier
de Menezes : I. Part. foi. M. S.
108 Apothemas, &:c. Part. II. in foi. M. S.
CATALOGO CRITICODALIVRA-
ria dos Condes da Ericeira, fe to pelo IV. Conde
da Ericeira D. Francifco Xavier de Menezes , e
peloV. D. Luiz de Menezes, Marquez do
Louiical.
109 "lU Ibliocheca Friceriana com o Extrado, e
Catalogo Critico dos livros da Biblia, e
V íeus
i6z BIBLIOTHECA
feus commcntadores, Santos Padres, Theologia.- foi. M.S.
I IO Biblioreca Ericenana : FiioíaEa, Medicina, Bif-
toria natural / fbl. M.S. -pMI'^ m ■]
1 1 1 Bibliothcca Ericeriana ; Filologia , Grammatica,
Diccionarios , Oratória , Poética , Antiquários , e Mifcel-
ianeas : foi. M. S.
1 12 Hifloria univerfal , e particular ; foi. M.S.
113 Bibliotheca Ericeriana , M. S. Eftrangeiros.
114 Bibliotheca Ericeriana , M. S. Portuguezes.
SUP P LEM ENTO A' BIBLIOTHECA ERICE-
riana dos A A. de que a Cafi da Ericeira poffúe os Morgados,
DIOGO DE PAIVA DE ANDRADA
Theologo deElRey D. Sebaftiaõ ao Concilio
Tridentino.
115 1"^ Efenfio Trident. Fidei ; quart..Ulyíripone ;
slJ 1578. '■'r.í^-y
1 16 Orthodoxae Fidei confultaciones .* quarc. Ulyín-
po 1574. ^ ^rn outras ediçoens.
117 Oraçoep*^ no Concilio Tridentino , e outros O-
pufculos impreííos em diverfas Collecçoens com os Elo-
gios ao A. demais de cem Efcritores illuftres.
11 8 Sermoens vários, Part. I. in quarc.
119 Sermoens vários, Pare. II. in quarc.
120 Sermoens vários , Part. III. in quart. Todas três
impreíTas mais vezes, e traduzidas em divcrfàs linguas.
Fr. THOME' DE JESU, RELIGIOZO
Aguftiniano, e Irmaõ de Diogo de Paiva de An-
drada, que morreo com opinião de Santo no
cativeiro de Marrocos.
121 'T~'Rabalhos de JESU, Part. I. que com a fe-
X giinda foy traduzida em oito línguas, c
im-
ERICBRIJNJ. t6o,
imprefi^a muitas vezes. A ulrirr,a cdiç^u com a vid&. do
A.efcrica pelo iUullriíVimo DJr. Aleixo de Menezes,Arce-
bifpo de Goa, e Braga, Vicc-Rey da índia , c de Poituc;al,
lie a de Lisboa na Officina Aguíliniana, cm quarc. 1734.
122 Trabalhos de ]r!SU, Parr. II. ibidem.
117, Oratório Sacro : em Lisboa, e em outras partes
em diverfas formas
124 Vida de Fr. Luiz dcMonroya : InQruccaõ de No»
viços, e outros tratados .- M. S. in quart.
125 De Oratione Dominica. Antuerpiíe, in od.
I2Ó Praxis Fideí : Colónias , 1629. in o6tav.
127 Methodus Spiritualis , Colónia:, 1623. inod.
128 Comedia em louvor de S. Agoftinho, e hum vo-
lume de verfos, que vio, e leo Jorge Cardozo> comoelle
refere
129 Vida de Chrifto, in quart.
130 Tratado Dogmático contra os Judcos , com a
Relação da Controverfia, que teve com hum Rabino, a
quem converceo em Marrocos : dirigido a fua Irmaã D.
Violante de Andrada CondeíTa de Linhares.
Fr. MANOEL DA CONCEIQAO, RELIGIO-
fo, e Provincial de S. Agoílinho filho de Álvaro
Peres de Andrada, Commendador de S. Pedro
de Torres Vedras na Ordem de Chriílo.
131 T T Heatro triunfal de Lufitania ; in quarc.
JL A 132 Sermoens vários , in quarc. •,
FRANCISCO DE ANDRADA, IRMAM
de Diogo de Paiva , e de Fr. Thomé de JESU.
133 /^ Hronica de ElRey D. Joaõ III. in foi. Lis-
V--' boa 1613.
1 34 Hiftoria de Efcanderbc^o , ou Jorge Caftrioco.
foi. Lisboa 1^67,
15) Fi-
1^4 BIBLIOTHECA
1 3 5 Fiolomena de S.Boavenuira, in od-Lisboa i$66:
\16 Poema heróico do primeiro cerco de Dio , no
governo de Nuno da Cunha , e António da Silveira : in
quarc. Coimbra 1589.
157 Peregrinaçoens de Fernaó Mendes Pinto , fobre
as memorias deíle Author , impreflas muitas vezes, cem
varias hnguas.
' 138 Opufculos em vcrfo traduzidos de Diogo de
Teve : in od.
139 Inftrucçaõ politica, Dialogo entre o Anjo da
Guarda , e o corpo humano , M. S. em folha , da letra do
A.qu€ feconvcrfa na Bibliotheca dos Condes da Ericeira.
DIOGO DE PAIVA DE ANDRADA COM-
mendador de S.PayodeFragoas, filho deFrancií^
CO de Andrada Commendador da mefma Co-
menda«
14b "C Xame de antiguidades, in quart.
JLL 141 Cafamento perfeito : in quart, duas
vezes impreíTo.
142 Chauleidos , Poema heróico Latino , in quart,
Lisboa 1628. e em outras partes.
143 De S<:itu digms^\\Ko emprofaLâtinajquehadeim-
primiife muito accreícentado pelo P. António dos Reys da
Congregação do Oratório : he volume de quarto.
144 Poefias Latinassem queentraõ três Tragedias \nú'
txAzàdiS : Antonius Magmis^Joannes BapriJia^ereEduArdusxVíinQ*
gyricos,e diverfas obraSjque com o Chauleidos, e com a vi-
da do A. comprehendem o terceiro volume ja impreflfo da
CoUecçaõ dos Poetas Portuguezcs , feita pelo mefmo R. P.
António dos ReySjpor ordem de ElRey D. Joaõ V.in quart.
1 45 Cartas Latinas , e vulgares, Poefias, e Enigmas na
língua Italiana, Hefpanhola , e Portugueza : in quart.
F I M.
/
n