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HISTOEIA
DA
UfflVERSlDADE DE GOIMBRA
HISTORIA
DA
UNIVERSIDADE DE GOMBRA
WAS SUAS RELAgOES
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INSTRUCgÀO PUBLICA PORTUGUEZA
POR
THEOPHILO BKAGA
Socio effeelìTo «la Acadoiuft nal dac Scioicias
1289 a 1666
LISBOA
fOI OIDEI B NA TÌPOfiUPOIi DA ACADEIU MAL DAS SCRNCUS
1892
HISTORIA
DA
UmYERSMDE DE GOIMBRA
MAS SUAS RELACOES
COM A
INSTRUCgÀO PUBLICA PORTUGUEZA
POR
THEOPHILO BRAGA
Socio effectivu da Ac«d«tDÌ« raal du Sciencias
1289 a 1556
LISBOA
fOI OIDFJ E RA TÌPOfiMPBIi DA ACADEIU MAL DAS SCIENCUS
1892
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EM COMMEMOEACiO
DO
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DA FUNDAQÀO
DÀ
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
ATTENTION PATRON:
This volume ìs too fragile (òr any future repair.
Please handle with great care.
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O estudo da CiyilÌ8a9lo portugueza, para que se comprehenda a
importancia que està pequena nacionalidade exeroeu na coltura da
Europa, deve ser feito em rela9Ìlo is transforma^Ses que caracterisam
a Historia moderna, isto é, desde o firn da Edade mèdia até à explo-
sSo temporal da ReyoluQSo franceza. Os grandes problemas da de-
compo8Ì9So do8 dois Poderes e sua recomposÌ9fto empìrica e incom-
pleta, acham-se implicitos nos factos do desenvolvimento intellectual
e scientifico em quanto à parte espirituàl, e nos factos do estabeleci-
mento da ordem politica e economica, em quanto à parte temporal.
Seguindo o desdobramento d'estes problemas simultaneamente com
a marcha historica da nacionalidade portugueza, que é esclarecida por
elles, é que tomàmos a transforma9So ou crise mentcH comò base syste-
matica da Historia da Universidade de Coimbra; mais tarde comple-
taremos o quadro da cÌYÌlisa9So moderna com a HUtoria da Naciona-
lidade portugueza, em que prevalece a crise socied tendendo i synthese
politica.
Na evolug^ da Europa moderna, apesar de nSo ter exercido uma
acfSo directa o sentimento, ainda assim os impulsos affectivos offerece-
ram is novas capacidades estheticas elementos de idealisafSo, que se
tomaram aa bellas e surprehendentes creagSes das Litteraturas moder-
via PREL1MINÀR
nas. Assim, estudada a parte inteUedwd e poliHea da Civilisa^So por-
tugueza, ficari o nosao estudo verdadeiramente completo com a HiS"
taria da Litterahira portugaeza nas suas relafSes oom as Litteraturas
romanicaB ou occidentaes.
TemoB deade 1871 annanciada em nm prospecto a Mstoria da
Umverndade de Caimbra corno formando parte de um plano mais vasto^
e quasi totalmente realisado, sobre a Historia litteraria de Portugal.
As rela95e8 entro as crea98eB da Historia litteraria e as transforma^Ses
da Pedagogia eram entfto por nós mais presentidas do que comprehen-
didas. O estudo comparativo das Litteraturas romanicas revelando-nos
o antagonismo entro o espirito da Edade mèdia e o da Antiguidade
classica, levx>u-no8 a comprehender essa dupla covrente intellectual,
observando corno as Universidades luctaram oontra os Humanistas da
Senascen9a| que souberam determinar os tres grios da In0truc9lo pub-
blica fora do6 tjpos immovds das quatro faouldades.
Achavamo*no8) ao come9ar as nossas investìgafSes, em um estado*
montai metapbysioo, que nos fasia concentrar todos os nossos interes-
ees moraes no periodo revolucionario^ corno uma anarchia fecunda,
embora transitoria. A fonna^^ das UniTersidades resultando da dis-
solu$fto do regjmen calholieo^udal, e eridìenoiando o conflicto entro
a auctoridade reàl e a pontificai, era-nos por isso mesmo sympathica.
Quando procuràmos naturalmente oi^gaoisar em systema as nossas as-
pira95es revolucionariaa, fomos encontrar essa synthese doutrinarìa j&
realisada poc Augusto Comte no Curao de PhUoeophia positiva. À me*
dida que entrava n'esse rei^oùien definitivo do espirito> ia abaadonando
a orientasse metaphysica da cultura universitaria; e so quando a phi-
losophia positiva me revelou as phases da grande Revolu^SD oecidental
•que comesa no seculo xm e se espande na crise violenta do firn do
eeculo xvm, é que eomprehendi a misalo das Universidades n'este
^orfo da Civilisaoto europea para re<Mìstituir um novo Poder espi-
PREUIONAR m
litaal baseado sobre a veraddade das concép^Ses seientifici^Sy e corno
nSo correspondendo à urgenoia d'està necesaidade social cairam na es-
tabilidade e no pedantismo doutvinario. Essa missSo foi melhor com»
prehendida pelas Academiasy soscitadas pelas syntheses baconiana e
•cartesiana, vindo os seos resoltados analyticos a constituir sob a Con*-
TenfXo a fórma nova d^ ensino dais Polytechnioas. Nto foi porém ainda
4ittingido o fini, por falta de ama systematisafSo goral.
A Philosophia positiva està destinada a exercer ama inflaenda
ci^pital na reorganisagAo do ensino. Em primeiro legar é ella qae es-
tabelece a harmonia entre as nogSes obfectivas e as concep98es ntbje-^
<tò^oa», fazendo consistir a verdade n'esta intima rela^Bo. Emqoanto
na mentalidade humana preponderaram as no^Ses sabjectivas, crea-
ram-se as religiSes, e as fiumldades intellectaaes, som a dependencia
dos elementos objectivos do conhecimento, foram levadas k hallacina-
-980. No ensino publico e domestico, todos os pedagogistas partiram dà
necessidade inicial da edaca9So religiosa, caindo no erro fatalissimo de
deflenyohrerem prematuramente nos cerebros das crian9as ama activi-
^dade doentia; a «eeti^artsa^flo do ensino, qae ainda nSo foi unanime-
mente adoptada, é 0 conhecimento d'este mal radioado na instracgSo
pablica; por outro lodo, a reacfSo do espirito crìtico, limitando ani-
<»imente 0 ^sino aes dados concretos da óbjecHmdade, origina am mal
<M>m eonseqaencias deprimentes, taes comò 0 desenvolvimento excla-
siTO da capaoidade analitica, om acanhamento de vistas, pela absten-
(io dos processos dedactivos e de synthese. A Philosophia poritìva
organisando os elementos objectivos na hierarchia theorica das Scien-
cias, é que ratifica as no98es subjectivas derivando-as d'esses elemen-
tos, e pertanto nSo receia de continaar a actividade montai no seu pieno
-ezercicio conduzindo-a ao normal destino snbjeetivo. Assim a Philo-
sophia positiva é a anica doutrina qae condnz a ama Pedagogia com«
pietà, porqae ella di-nos um conhecimento da eleva^So geral da espeoie
X PREUMINAR
humana pelo criterio historico; dà-noB urna Psychologìa individuai e
collectiva; dà-no8 urna Methodologia logica deduzida dos processos es-
peciaes de cada scienda; e pelo conhecimento biologico do dobbo sér
organico eBtabelece as fórmaB e os gr&OB do ensino de cada edade e
do conjuncto daa nossas capacidades activaB^ affectivas e especulativas^
snbordinadas exclusivamente a um firn humano.
Separando as Sciencias geraes das especiaes, irracionalmente con-
fundidaB no ensino publico, determinou està philosophia a prìmeira
condi{2[o pedagogica para o estabelecimento de urna instmcf&o theorìca
verdadeiramente superior e independente daB reBtricfScB necessariaB em
todas as disciplinas concretas ou de applica9ào. 0 criterio historìpo,
ou propriamente de relatividade, no estudo de cada sciencia geral^
Berve para acompanhar a evola9So progressiva dos methodos mais ou
menos mas sempre ligados ao desenvolvimento das doutrìnas das scien-
cias. É ainda esse caracter de relatividade, que localisando cada sis-
tema pedagogico na sua època e corrente historica, corno as UhiverH-
dades do firn da Edade mèdia até i Benascenya, as Academias nos
seculoB XVII e xvm e as Polytecknicas no secalo actual, estabelece a
harmonia de cada institaÌ92o com as concep93es dominantes, fazendo
sentir as suas deficienciasy o estreito espirìto de especialidade, e a
necessidade de completar o ensino, tomando-o a expressSo do saber
moderno, em que se tenda à forma9So de urna concep98o geral ou Syn-
these que dirìja a sociedade bumana, corno o estado sentimental da
fé religiosa actuou na concordia dos espirìtos. Taes comò se conservam
no seu automatismo tradicional, as UniversidadeB, as Academias e as
PoIytechnicaSy nSo podem realisar està necessidade da consciencia hu-
mana, porque as sciencias fragmentadas, especialisadas, visando i ex-
plora9Zo da pratica, e a erudÌ9So de particularìdades desconnexas, nZo
se elevam sob a compreesBo dos programmas officiaes a uma correla*
9I0 de doutrinas aptas para fortìficarem as mais sinceras consciencias.
PRELIHINAR X]
Achada essa correlafSo theorìca pela philosophia positiva, fica resol-
vido o diffidi e até hoje insoluvel problema dos gràos do ensino, dis-
crixniiiando-OB nSo pelas disciplinas, Bcientificamente as mesmas em to-
doB OB griosy maB pela Bua maior ou menor intensidade, conforme aB
edades e o CBtado mental e Bodal doB que aprendem. E aBsim possi-
vel hoje organisar urna inatrucgào popular mperior.
Um outro problema pedagogico ainda nSo resolvido cabalmente
é o da restanra^So scientifica das disciplinas humanistas; decairam no>
secolo XYi do seu grào superior de Facaldade de Artes, e constituiram
0 ensino mèdio, dementar ou lyceal, onde conservam o acanhado for-
malismo da tradisse scholastica da Edade mèdia. Diante da vulgarisa-
$So daa sciendas cosmologicas, experimentaes e praticas, que se des*
envolireram activamente desde o seculo xvii, as Universidades abri-
ram-se a esses novos estudos agrupados sob a designas&o de Philoso-
phia fuxturalj e no ensino secundarìo foram caracterisados pela sua
objeetiyidade concreta corno Realismo, restringindo o campo consagrado
é cultura das humanidades. No emtanto conserya-se na instrucs^o su-
perior essa fiolba, ao passo que a moderna erudisSo renovou o estudo
dos linguaB classicas pelo criterio comparativo, transformou a gram-
matica goral na glottologia, relacionou as litteraturas com os seus ger-
mena tradicionaes, com as luctas sociaes, e com as fórmas estheticas
universaes determìnadas pela expressSo do bello; e emquanto à antiga
psycliologìa introspectiva, alargou-se, depois de subordinada à physio-
logia, até à manifestasse da alma coUectiva das rafas, das nacionali-
dades, e do saber popular. A critica recebeu tambem um espirita
sdentifico, crìando a historia das Litteraturas, e transformando o mate-
rial da archeologia classica em uma reconstrucsZo integrai da historia.
"^^co, Wolf, Niebuhr, Winckelman, Otfried Muller, Creuzer, Welcker,
raBgam estcB novos horìsontes do saber humano dando-lhes o titula
generico de Philologia, presentindo que estes documentos vivos, que
j
lai PRELIMINAR
revelam a cessencia intellectual das nacionaliclades» preoisavam ser
fecuudados pela philoBophia. Tal era o problema proposto por Vico^
reclamando a allian9a da Philosophia e da Philologia; era està a via por
onde OS estudos humanistas retomariam a sua superior 8Ìtaa9lo scien-
tifica. Sómente a Philosophia que relacionadBe os phenomenos cosmo-
logicos e biologicos oom os phenomenos sooiaes, sabmettendo-os àa
mesmas leis pela observafSo, e sómente depois de fdndada a Sociologia
pelo conhecimento da continuidade historica, é que todos esses conhe-
cimentos de erudigSo se coordenariam systematieamente em urna com-
pleta Facìddade sociologiea, comprehendendo as crea93es historicas e
ACtuaes produzidas pela sociedade. E ama vez estabeledda pela conti-
nuidade historica a solidariedade da Ciyilisa9&o Occidental, com os sena
varios centros hegemonicos na orla do Mediterraneo, e sua expansSo
para a Europa centrai, que hoje a continua em capitaes ou fócos in-
tensos de progresso, immediatamente se comprehende a necessidade
de nSo esquecer os monumentos da civilÌ8a9So greco-romana, de que
sdmos herdeiros; a Philosophia positiva libertando-nos do fetichismo
da auctoridade classica restitue-Ihes o seu legar na pedagogia.
Os trabalhos de compila^fto de documentos para a historia de uma
corpora9Ao scientifica com seis seculos de ezistencia embara$am fan-
damentalmente a critica, se ella n&o fòr dirigida por uma vista synthe-
tica da historia moderna; iste fez com que todas as tentativas sobre a
historia da Universidade de Coimbra até hoje ficassem fragmentarias.
Os nossos materiaes accumularam-se indigestamente antes da posae
d'essa synthese, cuja verdade verìficàmos pela applicasse.
E à. medida que procuravamos o encadeamento chronologico doa
factoB, a corrente das idéas na Europea é que Ihes accentuava todo o
seu relévo, e quasi que espontaneamente se dispunham comò ulterior
comprovaySo, constituindo os cortes naturaes das épocas historica a,
que assim deixavam de ser uma divisfto arbitraria.
PREUMINAR Xlil
A irevolufSo moderna, que se inicia ao terminar da Edade mèdia,
ouracterìsa-se pela dissohiy&o do Poder espiritoal da syathese theolo-
gica tendendo a ser substitaida por urna outra fórma, ora crìtica e
scientifica, e pela qneda do regimen feadal oa militar substituido pela
entnida do Proletariado na vida civil, intervenySo empirica da dictadnra
monarchica, e preponderancia da actividade industriai. Essa revola9Zo^
que ainda nSa està terminada, caracterisa-se principalmente corno tn-
tdledual e social; e per certo nma das caueas que até faoje tem em-
bara^ado o seu advento A edade normal pode attrìbnir-se ao aban-
dono ou subai temidade em que junto a esses factores especulativo e
activo ficou 0 elemento effectivo, cnja presidencia fizera da Edade mèdia
urna època fecunda de reorganisa^Bo.
Para cemprehender o aspecto intéUeetual da RerolufSo occidental
iìteios determinar o seu influito nos faotos concretos e sua simples coor»
denafSo da Historia da Uhiversidade de Coimbra nas svlob relagSes eam
a Ifutruo^ publica porhigueza,
NSo è sem assembro que vémos a intelligencia portugueza coope^
rando na actividade dos espiritos no firn da Edade mèdia, por uma
fórma universal, corno em Fedro Hispano, que prepondera estimulanda
a disaolu^So dialectica com as suas Summulas logicai até ao meada
do acculo xvi. E se a ac9So de Portugal na ciyffi8a9So europèa è co-
nfaecida especialmente pela actividade com que explora o Atiantico^
dretanda a Africa e abre o caminho da Asia, dando a volta do globo^
corno nSo è digno de assembro esse grande seculo em que a par dea
fortea navegadores e oecupadores dos vastos continenteS| dominavamoa
intellectualmente na Europa, brìlhando naa Universidadea da Italia,
da iVan^ e da Belgica com os principaes humanistaa da Bena8cen9a»
No decurso da dissoluySo critica, a intelligencia porti^eza levou mala
longe o estandarte da negaySo que preparou a syntheae de Bacon e
Pescartes, no libello celebre de Francisco Sanches; e emquanto àa
XIY PREUMINAR
doutrìnas aociaes da soberania nacional, Valasco de Gouvéa formala
a eztincsSo da auctorìdade temporal absoluta explicando o poder corno •
um mandato revogavel. Sem o conhecimento das lactas dos Jesuitas
contra os sabios do Port Royal, que fecandavam o ensino pela syn-
these cartesiana, nZo se avalia a acffto da Con^ega^o do Oratorio
no ensino^ e a origem das reformas iniciadas pelo Marquez de Pombal.
Vista a està laz^ a historia de urna corpora9So docente, em que pre-
ponderam os actos de ama regaIamenta9Zo esteri!, toma-se um corno
que interessantissimo drama intellectual, obedecendo a um argumento
•em que cada paiz collabora sem comtudo conhecel-o.
0 aspecto social da grande cjrìse europèa é o que nos g^a na Hia-
torta de Portugal, em que uma pequena nacionalidade retoma a impor-
tancia capital nos destinos da humanidade, comò impulserà da sua mar-
«ha definitiva e pacifica, quando na Europa acabaram as guerras pri-
vadas. Coincidindo a crea9to da Nacionalidade portugueza com a època
•em que cometa a dissolusSo do regimen cathoiico-feudal, a marcha
historica d'este novo organismo obedece ao impulso d'està dupla revo-
lu9to montai e social. O apparecimento de uma popula9So livre, os
Mosarabes, apeaar de todas as anacbronicas restaura93e8 do Codigo
visigotico, e a unificajSo das cidades livres ou Behetrias, pelo pacto
das cartas de forai, em uma Patria portugueza, correspondem ao ad-
vento do proletarìado comò um novo factor das sociedades modemas.
Sobre esse elemento se apoia a dictadura temporal, em que a Realeza
aubmette o dero* e a nobreza militar à sua auctorìdade soberana fun-
damentada nos codigos romanos explicados no ensino secular das Uni-
versidades. E se està crìse montai, que fortalece o poder real, coadjuva
a, independencia da sociedade civil pela ac^So dos Jurìsconsultos, essa
mesma crìse em uma outra phase mais intensa provoca as duas reac-
93es da Inquisisse e dos Jesuitas, que vieram pertu^ebar a evolu9&o
nacional e dar à Casa de Austria a supremacia tempond, levando-a a^
PREUMINAR XV
incorporar Portagal na nnìdade hespanhola. A loz d'estes phenomenos
capitaes da Ustoria moderna da Europa, explicam-se claramente as
conBeqaencias da politica de Henrique iv e Richelieu na restaara92Lo
de Portugaly e as consequencias da Revoluto franceza na queda do
absolutismo e estabelecimento do regimen das cartas outorgadas. E um
principio vital, que conduz a urna segura coordenasSo os factos mais
complicadoB da cathegoria montai, affectiva e social.
Por seu tomo o elemento affectì/oo, qne provocava a elabora^So
dos tbemas tradicionaes das Litteraturas modemas, supplantado pelo
pnirido da imita9&o classica da idealisa^So poljtheica, fica estudado
nos materiaes ji publicados a que cham&mos Higtoria da Litteratura
fortugueza, onde o nosso criterio se vae modificando segundo a melhor
comprehensSo d'esse elemento sentimental.
Quando no seculo xiu se estabelecem as novas nacionalidades,
dando em resoltado o desenvolvimento progressivo das Linguas, e o
tomarem-se aptas para a ExpressSo artistica, é quando, pela dissolu-
9^0 do regimen catholico-feudal, que se opera espontaneamente, de-
caem tambem os Thomas da idealisa93o social. As novas Litteratu-
ras coopéram, ora na transforma9to espiritual, pelas composi^Ses sa-
tyricas, ora centra o poder temperai pelas gestas heroicas dos grandes
vassalos; e no meio da desorientafSo do sentimento, os escriptores se-
param-se do povo, e lan9am-se à imita9&o banal das crea93es littera-
rìas do mundo greco-romano na Renascen9a, ou & renova9So da Edade
mèdia no Romantismo. SSo tambem estes os caracteres communs a
tódas as Litteraturas occidentaes, comprovados pelo criterio historico-
comparativo.
Eis o plano completo em que se exercem os nossos estudos sobre
a Civìlisa9So portugueza; e se alguma cousa nos incita ao trabalho, é
o qoe ordinariamente se despreza, — é o espirito de sjstema, que Vol-
taire exige corno convergencia de toda a actividade.
r
HISTORIA
UNIVERSIDADE DE COIMBR
INTEODUC<JAO
A FUNDACÀO DAS UNIVERSIDADES
E A DISSOLUQÀO DO REGIMEN CATHOLICO-FEUDA
Cai»ct«t da Civilisti^ occìdenUl. — 0 que foi a Edade mèdia: Conatitui
Poderes em que useota o Regimen Catholico-feudal. — 0 que caraci
Edade moderna; I>ÌBHola;3o d'esae regimen.— 0 Foder eapiritual e
tfaese theologica decae: a descoberta da Logica de ArìatoteleB. — A
berta das Pandeetai e o estabelecimento da Dictadura temperai. —
do seciilo sm: aepecto da primeira BenaBceoQa. — A EeroltifSo oci
DO sen aapecto intellectoal toma o caiacter metaph^aico doa Outolog
A creafSo da< UnivereìdadeB corresponde a eeta crise inteltectual ;
Da Europa comò centro de especulBfào metaphjatca, embarafando a
tnifio do DOTO Poder espìrìtual da Sciencìa e o predominio da Syntb
aiti va.
Uha èra que termma e ama edade nova que se micia apret
o caracter complexo e até certo ponto indeterminado de urna e
posifSo e recompoBÌ(So aimultaneaB da velha synthese, ou con
das opioiSes em que se baseava a ordem do passado; e das aspi
vagas que tendem a systematisar-se no progresso do fìituro. A
fSo das Umversidades no seculo xn foi um resultado do phen
capital da transibrma^o do regimen cathotico-fendal, que dirigir
o^amBa9So da sociedade europea da E^de mèdia; e eseas co
93es docentes appareceram comò tim esbogo do novo regimen i
clual qne orientava os espìritos que se iam desligando da sy
theologica. 0 ferver com que se estabeleceram Universidade» i
dos OS Estados da Europa occìdental aSa proveiu simplesmente i
2 HISTORIA DÀ UNIVERSIDADE DE COIMBRA
imita9So ou rivalidade, m^ da tendencia caracterìstica da grande crìse,
essencialmente intellectual, que se prolonga em ama fórma revolucio-
naria desde o seculo xu até ao secido xix, que^ apesar dos seus enor-
mes progressos scientificos e ìndustriaes, ainda nSo attingiu o estado
nomai da synthese positiva.
Seguir a eyoIu9So historìca das Universidades na Europa é acom-
panhar a larga elabora92Lo mental e social, que comeya no conflicto en-
tro 0 Poder espiritual da Egi*eja e o Poder tempora! da Realeza, con-
flicto em que cooperaram os metaphysicos.OntoIogistas armados com
a Logica de Aristoteles, e os Legistas interpretando o texto das Pan-
dectas. Todas as phases d'està lucta, quer nas tentativas de reac9SU>
dos Dominicanos e Franciscanos, nos seculos xiv e xv, quer do Pro-
testantismo e Jesuitismo, nos seculos xxi e xvn, quer do Deismo pbi-
losophico e Atheismo encyclopedista, no seculo xvm, até à crise final
conhecida pelo nome de RevolujIU) franceza, essas phases de decom-
posigào ora espontanea ora systematica, constituem a trama da historia
moderna, & qual està ligada a acgfto das Universidades comò fócos de
dissolufSo metaphysica. As denomina9Ses de Estudo geral.e Universi-
dade encerram implicito oste dualismo historico com que se abre a èra
moderna.
Para comprehender a historia de uma qualquer Universidade^ em-
bora secundaria ou sem ac9fto fora do seu meio nacional, é imprescìn-
divel este criterio sobre a solidariedade morali intellectual e politica
da Europa durante a Edade mèdia, solidariedade que se toma uma
clara expressSo da Civilisa9So occidentale que, atravès de todas as ca-
tastrophes que tém atrazado este continente, irrompe sempre com as
mais limiinosas Renascengas. Antes, porèm, de caracterisarmos a so-
lidariedade moral da Edade mèdia, è preciso conhecer o aspecto da
CivilisajSo Occidental, esse phenomeno singular e prodigioso, que deu
aos povos da Europa a hegemonia humana e o dominio sobre o pia-
neta. Come9ou na bacia do Mediterraneo, no isolamento do Egypto,
que elaborou serenamente todas as idéas moraes e attingiu a estabili-
dade social ; foi propagada pelos Phenicios, que pelas expedÌ95es com-
mereiaes crearam as rela$3es pacificas de cosmopolitismo; a Grecia
continuou-a na liberdade de sentimento das crea^Ses artisticas, e nas
mais arrojadas especula98es philosophicas; Roma applicou esses pro-
gressos a um destino social, determinando a lei civil, e incorporando
n'esta coopera9fto as ra9a8 barbaras da Europa, Gaulezes, Iberos, Bre-
trScs "é Germanos. Finalmente, dos esfor90s conjugados d'esses velhos
elementos elabora-se na Escola de Alexandria a doutrina universalista
INTRODUCglO 3
do Christianismo; e ainda, da inva&fto dos Arabes na Europa restdta
urna prìmeira Renascen^a dos elementos d'essa CivilisasSo, que elles
conheceram rapidamente através da Grecia, e que esteve latente sob
a corrente das invasSes dos barbaros germanicos, fixadas pela acQSo
defensiva de Carlos Magno. 0 caracter intimo da Civilisa9So Occiden-
tal é a sua transmissibilidade e desenvolvimento camolativo, sendo
contìnuada de nafSo para nafSo, e sempre provocando a manifestagSo
das energias individuaes, activas, affectivas ou especnlativas. A sua
longa contìnuidade tomou-a tS,o organica j& entro os povos da Europa,
que mesmo através dos cataclysmos sociaes, a CivilisajSo ocddental nSo
se . estingue, e facilmente revive, comò se observa na Renascenga do
seculo xm, em que as Universidades se propagam ampiamente,' e na
do seculo XVI, em que as Universidades ciem sob a influencia huma-
nista, dos Jesuitas, que as embarajam de continuarem as descobertas
scientificas que se accentuaram depois da mathematica e da astronomia
gregas. A oste temperamento de civilisa9to, j& constitutivo do orga-
nismo europeu, deu Augusto Comte o nome significativo de occidenta-
lidade; e esse temperamento apparece nas civilisa93es modemas que
a Europa transmittiu às Americas e India. '
1 £m um estudo de Leo Joubert, sobre A Italia, o Papado e a Edade mèdia,
acham-se estas luddas observa^oes crìticaa: «A dvìlìsa^ào occidentale o conjim-
ciò das idéas intellectuaes, sociaes, religiosas, politicas, no melo das quaes e pe-
las qnaea o nesso Occidente se desenvolveu, nilo é um facto geral, necessario, com-
munì a todas as ra9as humanas ; é um facto particular, contingente, que faltou à
nudorìa do genero humano, e que poderia ter faltado 4 minoria cuja grandeza creou.
NSo é um facto fatalmente lìgado a certos climaa : acha-se nas mais differentes
latitudes; nem a certas ra^as : alguns milhares de inglezes, que na India, pela sua
superiorìdade moral, mais ainda do que pela for^a physica, sào da mesma ra^a
que as mjriadas de subditos curvados sob o seu ascendente. A enorme differen9a
entre o Europeu e o Asiatico provém da immensa superiorìdade da civilisa^So do
Occidente sobre a civilisa^So do Oriente. Està ciyilisa^So, que constituiu, em pro-
veito da Europa, a arìstocracia do genero humano, é urna crea^ dos Gregos, for-
tificada e completada pelos Bomanos, um facto especial, nSo necessario, que, bem
considerando as coisas humanas, podia nSo ter-se produzido, e urna vez produzido
podia ter sido destruido. Quando a Grecia succumbiu sob as armas de Roma,
quando Roma por seu turno foi entregue aos golpes dos Barbaros, a civilisaQSo,
que o christianismo nSo tinha ainda penetrado, depurado e transformado, teve
mister de um concurso particular de circumstancias para nSo perecer arrastando
na sua queda o futuro do genero bumano. Supprimi a civilisa^So greco-romana,
lectificada e acabada pelo christianismo, e verémos que nada impede que os po-
vos da Europa càiam para sempre em um estado social incompleto e enervante,
corno o da India ou o da China.» (Esaais de Critique et éPHiaimre, pag. 307.)
1*
^ HISTORU DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
A coii8titaÌ9to da Edade mèdia da Europa^ que se determina no
laborioso estabelecimento do Poder espiritoal da Egreja, representado
no Papa, e no estabelecimento do Poder temperai, disperso no feuda-
lismo germanico, e concentrando-se no Imperador, nSo se comprehende
som se estabelecer a reIa9ào dos elementos moraes da profìinda Civi-
lisa^So Occidental que persistiram depois da queda de Roma com a
traiismìsBSo da sède politica para Byzancio. Sem esses elementos mo-
raes, conbecidos e persistentes, a Edade mèdia apparece aos historìa-
dores firagmentarios comò uma edade de trevas e de retrocesso; obser-
vando a tenaz sobrevivencia da CivilisaQSo Occidental, a Edade mèdia
é uma època fecunda, onde se elaboram todas as factores da civili-
sa^So moderna, comò t2o bem o perceberam Comte, Mackintosh e Phi-
larète Chasles. Foi a quebra da solidarìedade historìca greco-romana
pelo Catholicismo, que determinou essa parte de retrocesso em alg^ns
seculos da Edade mèdia; da mesma fórma que a negasse da Edade
mèdia na època da Renascenga e ainda sob e encyclopedismo rovo-
lucionarìo, embaragou os mais lucidos espìrìtos de poderem conceber
as bases difinitivas da Scienda social. A acsSo que a Fran9a exerce
em teda a Europa, desde as cruzadas e influxo do lyrismo proven9al,
atè à propaganda democratica do fim do secolo xvm nSo è* mais do
que ainda o desenvolvimento da CivilisaQSo occidental sob uma nova
presidenda, em que a begemonia da Roma foi por seu turno substi-
tnida pela Franya que recebera a sua cultura.
Pelas invasSes germanicas a Italia foi devastada, e Roma aban-
donada, tornando-se Byzancio a capital do Imperio. Por mais simula*
eros de grandeza de que se cercasse Constantino para ostentar a sobe-
rania, fallava-lbe em volta de si esse perstigio tradicional que imprìmira
aos logares uma luz moral. Roma n2o tinha em si o throno do Impe-
rador legislando tirbi et orbi, e na parte administrativa MilSo e Ra-
vena è que exerciam a auctorìdade; mas apesar de isso Roma ezercia
uma fa8CÌna9So profìmda, influindo no seu Bispo um poder que a popu-
la^So se acostumara a respeitar e que prodamara corno sua defeza diante
das bordas de Alarico e de Genserico. Foi assim que nasceu esse Poder
espiritual, que se mostrava desinteressado, e que foi civilisador emquanto
exerceu a func^&o sublime de reprimir os fortes e defender os firacos.
Nas invasSes dos Ostrogodos e dos Lombardos, os reis germanicos, comò
Odoacro e Theodorioo pretendiam, dominando a Italia, tomarem-se os
oontinuadores do Imperio romano, que elles so comprehendiam pelo
deslumbramento exterior. Como os Papas nSo podiam luctar para
con<^ntrarem em si a realeza monarchica, luctaram a &vor da liber-
INTRODUCglO 5
dade mnnicipaly e d'està rivalidade resnltaram o Poder espiritual, fa-
vorecendo as autonomias provinciaes e o federalismo, e o Poder temr
porci dos Lnperadores germanicoB, desenvolvendo o feudalismo unita-
rista. É sob Carlos Magno que os Papas acham o modo de fixar o sea
Poder espiritual sobre urna base temperai; e pelo celebre pacto de
LieAo e Carlos Magno, o Sacerdocio e o Imperio harmonisam-se, fi-
cando o Imperador o herdeirp da supremacia cesàrea de Byzancio, e
Gom a chefatura de todas as na98es do Occidente; pelo seu lado o
Papa, confirmado pelo Imperador, a quem competia a obrigafSo de
protegel-o, recebia os dominios do ezarchato de Ravena, sobre que
assenta as suas ambi^Ses temporaes. Era o germen das luctas entro ob
dois prìndpios; emquanto o Sacerdocio e o Imperio se entenderam, a
Egreja pela sua vasta propaganda, alargou pela unanimidade dos cre-
dulos o poder sobre as consciencias, apoiando-se entto a sociedade oo-
cidental sobre a synthese theologica, essencialmente affectiva. No se-
culo xn cometa a dissolu^Eo d'este regimen da Edade mèdia, que
Angusto Comte denomina ,catholico-feudal, derivando d'esse facto os
problemas da Edade moderna: e A Edade mèdia legava ao Occidente
dois grandés problemas, egualmente irrecusaveis — a digna incorpo-
ra^So do proletariado à ciyilÌ8a9So industriai, e sub8tituÌ9&o da fé mono-
theica por uma synthese demonstravel.»^ A tradÌ9So das municipali-
dades romanas, que ezistia nas cidades conquistadas pelos Germanoe,
reviveu no seculo xn, quando as tres dasses sociaes dos capUanei, on
grande nobreza feudal, vcdvaesores ou pequena nobreza, e os popatares
ou plebe, se ligam constituindo as CommuTioB, com poder soberano, e
govemando-sé por estatuto proprio, comò se ve em Portugal com os
Foraes e nas Behetriasde Hespuiha. A descoberta do manuscripto das
Pcmdectas em Amalfi em 1135, & parte a lenda sobre o seu achado
pelos Pisanos, veiu actuar sobre o estudo do Direito romano, por meio
do qual o Poder real achou a fórma de definir a soberania absoluta,
e apoiado pelos legistas, caminhou para essa concentra9to da dieta-
dura temporal que dirigiu a Europa no seculo xv. 0 renascimento do
Direito romano obedecia tambem & tendencia universalista, sobre que
se propagara o Catholicismo : «Desde Carlos Magno, diz Lerminìer,
accentuara-se o costume de considerar uma grande parte dos povos e
dos estados da Europa comò estreitamente unidos, e a reconhecer no
meio das diversidades nacionaes alguma cousa de commum.i' Estes
1 Comte, Sytùme de PóUtigue positive, t ni, p. 512.
* LUroductian generale à VHiatoire du Droit, p. 148. Ed. BmxeUes, 1886.
6 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
caracteres communs eram a occidentalidade, que come9aYa a revelar-se
desde que o oonliecunento da jnrisprudencia romana era coltivado nas
cidades livrea por individuos insolados; a quem a sociedade cercava
das masimas considera^Ses, e para quem os nomea de Mestrea e Dau-
torea antecederam toda a diaciplina de um profeaaorado.
Na tranais^o do regimen catholico-feudal aa Cidadea livrea ele-
geram oa aeua preaidentea, ligaram-ae em pactoa federativoa, maa na
aua aapira^So de independencia deamembraram-ae em corporaySea,
irmandadea e germaniaa, em um individualiamo de claaae, e egoiamo,
que aa fez cahir ji aob a t}rrannia doa proprioa chefea^ comò aa tyran-
nìaa gregaa e italianaa^* ji aob a dictadura monarchica. Aaaim o pro-
blema do proletariado foi afaatado da aua 8olu9to naturali pelo empi-
riamo de urna concentraySo monarchica no acculo xv, e a tranaforma-
gSo do regimen catholico-feudal^ na revolu9So do Occidente apreaentou
um aapecto accentuadamente montai. É por iaao a hiatoria daa Uni-
veraidadea uma obaervajSo d'eate aapecto eapecial da ciiae que vem
deade o acculo xn. A deacoberta da Logica de Ariatotelea exerceu na
ordem eapiiìtual uma ac9So emancipadora, comò a daa Pandectas na
reorganiaa9&o do Poder tempora!. Oa varioa tratadoa que conatituem
a Logica ariatotelica com o nome de Organum vulgariaaram-ae no ac-
culo XI, dando logar & actiyidade metaphyaica doa Ontologiataa, que
aobre uma phraae do commentario de Porphjrio, eatabeleceram a fer-
voroaa querella do Nominaliamo e Realismo, que no fundo ae reduz
ao problema paychologico do criterio objectivo e aubjectivo relacionadoa
por ELant aobre oa trabalhoa da eachola eacoaaeza. A obra do Ariatotelea
oontrapoz-ae em auctoridade i Biblia, e a Egreja receiou diminuir-ae
o aeu poder chegando a prohibir o aeu eatudo. A corrente doutrinaria
do ariatoteliamo era forte, e irrompeu por todaa aa eacolaa; a obra do
philoaopho era commentada por Alberto Magno ; e S. Thomaz de Aquino
explicava aa partea maia difficeia. Durante toda a lucta inteliectual de
diaaolufSo da ayntheae theologica, aempre o ariatoteliamo foi o ponto
de apoio da razBo, aervindo tambem oa que combatiam pela fé, corno
ae ve no enaino exduaivo da philoaophia peripatetica pelea Jeauitaa,
e na livre critica doa Proteatantea.
No eatudo de Barthelemy Saint Hilaire aobre Ariatotelea, attri-
bue-ae a aua profunda influencia na Europa ao caracter encydopedico
daa Buaa obraa.^ NSo era aó pela diveraidade doa tratadoa aobre oa
phenomenoa aatronomicoa, phyaicoa, organicoa, paychologiooa, politicoa
1 DieUamdrt d$$ SdeMCi phUoiophigueif vb.* Arìatote.
INTRODUCgiO 7
e moraes, que a ac{So de Aristoteles sobre a intelligencia europea se
exercia de nm modo emancipador ; era principalmente pela nova synthese
que trazia à consciencia humana. A synthese theologìca baseava-se
Bobre a Chraga, a grande theoria e doutrina sustentada por S. Paulo,
com que a Egreja se separou dos philosophos gregos e alexandrinos,
e a essencia de todos os dogmas do catholicismo; a synthese aristo-
telica baseava-se sobre a Natwreza, immutavel nas leis que regem a
materia, e da qual os corpos e as suas propriedades s8o manifesta98es
contingentes. Era entro estas duas syutheses antagonicas, a do arbitrio
divino e a da immutabilidade do fatum, ou das leis naturaes, que se
dava o conflicto, em que o Poder espiritual tendia a dissolver-se em-
quanto à cren9a e a reconstituir-se embora pelo processo egualmente
subjectivo mas critico da metaphysica. A synthese de Aristoteles tinha
side o resultado capital da civilisa9So hellenica no seu periodo mais
elevado, da època atheniense do seculo v; comò conviria uma crea9&o
d'està ordem a uma època rudimentar comò o seculo xn do fim da
Edade mèdia? Ampère, filbo, explica lucidamente este problema da
historia ao notar a tendencia encyclopedica da sciencia chineza: aAs
obras encyclopedicas pertencem a dois periodos da vida dos povos, às
èpocas primitivas e às èpocas muito adiantadas. Quando se sabe pouco
sente-se anecessidade de tudo abranger; quando se sabe muito sente-se
a necessidade de tudo resumir. Os primeiros livros dos povos contém
a massa inteira dos seus conhecimentos, sob um envolucro poetico ou
religioso, em uma vasta e confusa unidade. Come9a*se sempre por uma
vista de conjuncto; depois, vae-se do universal para o particular; por
ultimo, depois de ter estudado em detalhe cada parte do todo recon-
strue-se esse todo que se tinha decomposto; e assim acaba-se por onde
se tinha come9ado, pelas encyclopedias.i^ Para confirmar este facto
basta notar comò o espirito das Encydopedias da Edade mèdia, The-
9OUT0S e Imagena do Mundo, reapparece no seculo xvm, critico e ne-
gativista, na Encyclopedia de d'Alembert e Diderot.
No primeiro momento da crise de dissolufSo do poder espiritual.
1 Ampère justifica o seu peneamento : «Aonde a sociedade é ao mesmo tempo
nova e envelhecida, ponce avan9ada e muito atrazada, ignorante de muitas cousas,
erudita em algmnas, eziste o duplo motivo para que as Encydopedias se produzam.
Iato acontece na Edade mèdia. A Edade mèdia è uma crìan^a que nasceu velha :
a caducidade da sociedade antiga està impressa na ingenuidade da sociedade nova,
0 seu bei^o è nm sepulchro. A Edade mèdia è sabia nas suas faizas, e ainda no
seio da sua ama morta, balbucia confusamente as cousas passadas. D*esta sciencia
precoce e incompleta ezistem varias collec9oes verdadeiramente enoyclopedica8>
8 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
•
a Egreja nSo receiou que a sua auctorìdade, que {undamentava na Vvl-
gaia, ou a Biblia traduzida por S. Jeronymo^ soffresse com a influeu-
cia d'essa nova Vulgata das Pandectas florentinas, cujas varìantes col-
lacionadas pelos jurisconsultos de Bolonha se fixaram no texto defini-
tivo que mereceu esse nome com que é-conhecido na historia. Do se-
culo xn em diante cometa a condemna9So ecclesiastica do Direito ro-
mano, e S. Bernardo deplorava que lùesmo no palacio pontificai pre-
valecesse urna Vvlgata sobre a outra, as Leis de Justiniano sobre as
Leis de Deus. Os Concilios condemnam o Direito romano, e prohibem
0 seu estudoy corno o de Reims em 1131; o papa Honorio prohibe em
1220 esse estudo a todos os padres, chegando até a pdlo em interdi-
9S0 na Universidade de Paris. Filhas d'este movimento de emancipa-
9^0 intellectualy as mais antigas Universidades appresentaram na sua
constituif&o oste dualismo : a Universidade de Paris distinguia*se pela
superioridade do ensino da Theologia e da Philosophia, emquanto
a Universidade de Bolonha prevalecia entro todos os povos pelas
suas escholas de Direito. As duas Universidades tomaram-se os typos
fundamentaes sobre que se crearam as novas Universidades do se-
culo xm; na italiana, predominava 0 caracter democratico, em que os
escholares formavam uma classe autonomica, elegendo 0 seu reitor e
chefes, e principalmente os professores que tinham de os ensinar; na
parisiense, o corpo escholar formava comò que um pequeno estado, em
que OS escholares eram os subditos de um reitor com auctorìdade quasi
soberana sobre eUes. A razlo d'estes dois typos, ligada ao movimento
social, que coesiste, embora menos accentuadamente, na dissoluQSo do
regimen catholico-feudal, està implicita na indole d'esses dois fócos da
Civilisa^So Occidental no seculo xm; na revolufSo do Poder espiritual,
os Papas nfto conseguiram fundar uma Realeza unitaria na Italia, e as
Ligas federativas e cidades burguezas ou municipaes prevaleceram so-
bre a organÌ8a9&o feudal. £m Franga a realeza franka tomada bere-
di tana, caminhou para 0 unitarismo submettendo a si os grandes vas-
saloB, e creando uma concentragfto absoluta do poder tempora! que se
tomou complèta sob Luiz XI. O grupo septemtrional das nagSes da Eu-
ropa, que no seculo xvi se destacou do catholicismo, ji se tornava no
pelo menos na inteu^So dos seus auctores, chamadas Thezouros, Imagens do
mando, qae continham sob uma fórma j& allegorica, jà puramente didactica a
Bumma dos conhecimentos de nossos paes. Como se cria em Aristoteles, na Biblia
e algons antigos possuir todo 0 saber, n2o se recuaya dlante de nenhoma obracom-
pleta dt omni re ecibiU, e comò effectivamente o saber era Umitadissimo era fiicil
bastante o contel-o ahi completamente.» La Science et le» LeUres en Orient, p. 66«
INTRODUCglO 9
secalo xm differente das nagSes occidentaes pela preferencia que Ihe
mereceu o typo da Universidade de Paris, sobre que se modelaram as
Universidades da Inglaterra e da Allemanha. 0 grupo occidental.pre-
feria 0 typo democratico da Universidade de Bolonha, modelo das Uni-
versidades do meio-dia da Franga, da propria Italia, da Hespanha e
de Portagal.
A lucta entro o Sacerdocio e o Imperio, emqaanto & parte tem-
poral, e da Theologia com a Philosophìa emqaanto à parte espirìtaal,
simultanea em todos os estados da Europa, reflecte-se em ama in-
tensa actividade 'scientifica, artistica e philosophica primeiramente na
Italia, na chamada Renascenga do secalo xm, e depois na Franga nos
secoloB xrv e xv, imprimindo a toda a Europa urna similaridade de
esforgos para a descoberta das condigSes da sjnthese moderna. Pre-
valecem os dialectos vulgares sobre o latim ecclesiastico, e embora se
admirem os exemplares da antiguidade, apparece urna nova idealisa-
f2o dos dogmas sobre o ponto de vista humano na Divina Comedia
de Dante; Boccacio, no Decameron, creando a prosa italiana, consa-
gra a vida burgueza comò thema da arte nas situagSes pittorescas das
suas novellas; e Petrarcha, fixando as fórmas capitaes do Lyrismo mo-
derno extrahidas dos rudimentos dos trovadores provengaes, que ti-
nham creado a egualdade perante o amor, dA a esse amor a expressSo
philosophica, universal e humana, comò o presentimento da presiden-
cia da affectividade sobre a intelligencia e sobre a acg^. A Italia tor-
nou-se o fòco da enidigSo, da philosophia e das artes, Florenga uma
nova Athenas, e esse paiz era visitado pela nobreza europèa e pelos
principes, comò a G-recia o fóra pelos patricios de Roma. A Franga,
que na crise mais laboriosa da transigSo da Edade mèdia, espalhara
por toda a Europa as esplendidas consàrucgSes architectonicas da Ars
francigena ou gothico; que distrahira a imaginagSo humana com as
grandes Epopéas da lucta dos fortes vassalos centra a realeza carlin-
giana, e com os poemas de aventuras da Tavola Redonda e do Santo
Graal imitados em todas as^linguas modemas; que apaixonara todas
as cortes com as graciosas cangSes dos trovadores occitanicos, e com
as fargas e soties dos seus bazochianos, a Franga entregue à lucta da
supremacia do poder tempora!, acceitou até ao seculo xvi a hegemo-
nia da Italia emquanto à parte intellectual.' Depois de quebrada a au-
1 Eicbom, na Historia da CimUtagào e da LiUeratura aj^presenta o segointe
quadro da influenda da Franga no mondo moderno :
•A Franga da Edade mèdia serviu de esemplo, primeiro do que ntnguem.
iO HISTORIA DA UMIVERSIOADE DE GOIMBRA
ctorìdade espiritnal da Egrejay a Antigaidade qae renascia tomava-se
um ponto de apoio das consciencias; e conliecida a Antigaidade nas
suas idéas moraes através dos Adagios de Erasmo, obteve esse livro
ama universalidade corno a da Biblia. Foi em consequencia d'este per-
stigio que se formoa o preconceito de qae a Edade mèdia fóra am longo
retrocesso da civilisajSo; os espiritos philosophicos, descontando o
abaio prodozido pela incorpora(&o dos povos germanicos na Civilisa-
9S0 Occidental, restabeleceram facilmente essa pretendida S0IU9S0 de
continoidade com 0 passado, comò se ve em Mackintosh, am dos re-
presentantes da eschola escosseza. . ^ ^ ^
A idèa de Mackintosh acha-se no primeiro Ensaio das Consvàe-
ra^es sabre a Hùtoria da Philosophia, pablicado na Bevista de Edim-
barge em 1816, malto antes de Angusto Comte come^ar a elabora9So
do Curso de PhUosophia positiva; transcrevemos as palavras do illus-
tre philoBopho escossez : cEm geral, fala-se da Edade mèdia com maito
desprezo. A inactivìdade do espirito hamano nSo foi aniforme em to-
das as partes d'este longo periodo. Durante os secalos de trevas que
decorreram desde a queda do Imperio do Occidente até ao secolo xm,
08 algarismos arabes foram introduzidos, 0 papel come90U afabricar-se,
a polvora e a bussola foram descobertas. Antes do fim d'està època,
a pintura a eleo, a gravura e a imprensa vieram terminar està serie
de inyen98es, que nenhuma outra egualou quer em belleza, quer em
utilidade desde as primeiras invensSes que acompanharam o nasci-
mento da civilisafSo e que por consequencia precederam a historia.
Estas descobertas nos provam que entSo existia tambem alguma acti-
vidade intellectual e alguma emula^So, e è duvidoso que nos seculos
seguintes 0 espirito humano prestasse mais servifos à sciencia, do que
quando preparou 0 sólo que era preciso cultivar fomecendo-lhe novos
melos de inye8tiga9So. NSo se pode duvidar egualmente, que nos se-
calos xn e xm, as faculdades intellectuaes do homepi tomaram, em
aoB poyos modemos. Do Mediterraneo ao Mar Baltico, imiton-se a sua cavallaria
e 08 seus torneios. Sobre urna metade do globo £alla-Be a Bua lingua, n2o sómente
na Europa christS, mas até em Constantinopla. Na Moréa, na Syria, na Palestina
e na Uba do Cbypre, os menestreis percorrendo de um para outro paiz, vnlgarisa-
vam OS seus romances, fabliauz e cantoB ; elles cantaram nas cortes, nos daustros,
nas cidades, nas cabanas. — Por toda a parte as suas poesias foram toraduzidas e
serviram de modelos; a Italia e a Héspanba imitaram os poetas francezes do sul;
a Àllemanha e os poyos do Norte, imitaram os poetas das provinciafl septemtrio-
naes : finalmente a propria Inglaterra, durante muitos seculos, e a Italia, durante
alguns tempos, rimaram no idioma do norte da Franca.»
INTRODUCgÀO 1 1
loda a Europa, ama nova dir6C98o. N'esta època vèmos renascer o
eatudo do Direito romano, abrirem-se escholas philosophicas, a poesia
coliivada nas lìngaas modemas na Sicilia, na Toscana, na Provenfa,
na Catalmiha, na Normandia, na Iglaterra, na Escossia e na Soabia.
Da di^tancia em que nós as contemplamos hoje, estas sciencias pare-
cem elevar-se repentinamente em paizes muito afastados una dos ou-
troB, e em ama època em que as na93es estavam prìvadas de com-
munica$8es entre si. As inyestiga93es relativas à origem das differen-
$88 que existem entre instituijSes e o caracter das na$8es, differenQas
que sSo tambem sensiveis na Europa, tém levado os sabios a estudar
com interesse as fórmas de governo, as leis e os costumes da Edade
mèdia.» ^ Quando Mackintosh escrevia estas conBÌdera93es, vulgarisa-
va-se na Europa a eschola romantica, que se inspirava das tradifSes
cu da renascen9a artistica da Edade mèdia, que o philosopho tambem
caracterisou comò um meio de fazer prevalecer nas litteraturas o ca-
racter nacional. So mais tarde è que come^ou o estudo philologico,
crìtico e historìco d'essa grande època de transforma9So organica,
com Raynouard, Diez, Beker, Paris, Didron, Grimm, e tantos investi-
gadores de primeira ordem. NSo houve uma rigorosa soIufSo de con-
tinuidade com a civilisa^SLo greco-romana: a politica unitaria de Roma
foi procurada no ideal do Imperio, que os reis germanicos queriam fa-
zer reviver; os codigos romanos conservaram-se em vigor, comò o de-
monstrou o illustre Savigny e foram imitados nos codigos barbaros;
mantiveram-se os munìcipios e os bispos apoderaram-se do systema
adminiatrativo romano, fizeram-se defensor civitatia; mesmo na reli-
gìlU>, corno o provou Beugnot, o polytheismo greco-romano persistìu
na parte cultual do cbristianismo, e a lingua latina usou-se sempre nos
cantos populares corno se ve pelas collec93es organisadas por Du Mé-
ril, e nos mais antigos hymnos da Egreja. Semente houve S0IU9S0 de
continuidade na ^labora^So scientifica iniciada pela Grecia, que so re-
comefou na Benascenfa; 0 espirito moderno desviado para a contem-
plafSo mystica, ficou na apathia montai de que so conseguiu sair de-
pois da invasSo dos Arabes, que trouxeram todas as acquisÌ93es scien-
tificas da Grecia e as puzeram em circula9So. Desde a entrada dos
Arabes na Europa come9pu 0 conflicto entre 0 catholicismo e a scien-
da accular, recome9ando a actividade mental e 0 criterio da observa-
9I0 e da ezperiencia no seculo xvi.
1 Mdangta pkUaeophiquea, p. 41. (Tirad. L. Simon.)
12 HISTORIÀ DÀ UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Nas luctas do romantismo em Fran9a, Philarète Chasles escrevia
Bobre a importancia historica da Edade mèdia, em 1829: a E um pe-
rìodo de convulsSo e de regenera$So, que sob o nome de Edade mé-
dia; tem sido alvo de accusagSes bem frivolas. Borrasca fertil, tem-
pestade necessaria, que revolveu todos os elementos sociaes, para dis-
pol-os e animal-os com uma vida nova. Dirìeis a fbrnalha ardente onde
tudo se acha em fusSo. E alli que se elabora a sociedade moderna.
Todas as descobertas às quaes devemos a nossa superìorìdade incon-
testavel datam d'estes dez seculos, taxados de barbarie e de ignoran-
eia. Os nossos antepassados nSo egualaram nas artes de imagina9So os
povos felizes que os precederam. Comtudo, sob està relajSo tém ti-
tulos que os impSem. Quem passou debaixo das abobadas da cathe-
dra! de Colonia, sob as arcadas de Westminster, em Londres, que nSo
ficasse penetrado de admira(So pelo genio que talhou estes blocos e
dispoz essas florestas de pedra?» Sob o ponto de vista architecto-
nico, Daniel Bamée, exaitando o valor historico da Edade mèdia pela
importancia das suas crea95e8 artisticas, concine: «Estava reservado
aos estudos historicos do seculo xix, que tomaram t2o felizmente uma
direc9&o eminentemente nacional, o fazer-nos conhecer a vida activa
e cheia de intelligencia das na95es europèas da Edade mèdia.»* Os
eruditos especialistas chegaram a descobertas evidentes sobre as ma-
nifestagSes parciaes da cultura d'este periodo erradamente denominado
trevas sem nome; faltava ligar està edade progressiva à continuidade
historica da marcha da CivilisaySo humana, comò uma transigalo entro
0 mundo antigo e o mundo moderno. Para iste nSo bastavam as in-
vestigagSes historicas; era preciso mais, uma philosophia, que baseada
sobre factos verificaveis, estabelecesse a continuidade entro elles, es-
colhendo os que foram pelo seu caracter positivo impulso para o fu-
turo advento dcestado normal da Humanidade. Està concepySo de Comte
foi ^ base segura para a constituig&o de uma Sociologia, sciencia nSo
presentida, pela descoordenajSo de idèas dos historiadores eruditos
mas especialistas, nem pelo espirito anarchico dos ideologos politicos.
A disciplina cultual e os dogmas theologicos do Catholicismo,
comò sjnthese absoluta, tinham actuado na funda$So da sociedade mo-
derna que, depois da queda do Imperio romano, e do advento das ragas
barbaras, recebera da theocracia um systema completo de moral, e por-
tanto as bases de uma nova ordem. E a grande època do regimen
l Man. de VHìbì. generale de rArcMtecture, t. n, p. 6, (1843).
INTRODUCgÀO 1 3
catholico, que attingiu a decadencia, no momento em qae realieada a
ordem, essa synthese absolata se achon impotente para promover o
progresso e harmonisar-se com elle. A preponderancia do regimen catho-
lico estava implicita na nega(So de toda a antiguidade greco-romana,
porque a Egreja derivava as soas doutrinas de ama revelayHo acima
de todos OS antecedentes historicos; d'essa negaffto resultara para a
marcha da Europa uma interrup9So do espirito especulativO; scienti-
fico e philosophicoi iniciado pela Grecia, e ama apathia mental diante
da immutabilidade dos dogmas theologicos, que condemnava a liber-
dade de pensamento comò uma heresia. Desde que pela actividade
gaerreira, na lucta dos dois monotheismos catholico e islamico, os povos
se approximassem, e se restabelecesse a solidariedade com o passado,
corno se via com a Renascenfa arabe, a dissolu9So do regimen catho-
lico era inevitavel, porque à Synthese absoli^ta da theologia centra-
punha o espirito relativo, cujas observa98es se convertiam em scien-
cia, e cujas applicaySes em praticas industriaes da actividade pacifica.
E certo que o espirito relativo, embora se impuzesse opportunamente
apoz o esgotamento theologico, nSo podia logo supprir a ac(&o disciplina-
dora da Synthese absoluta; e se està era incompativel com o progresso,
aquelle era impotente para fundar a ordem. Uma tal incongruencia,
em que dia a dia o theologismo perde o seu destino social, e em que
0 espirito relativo se especialisa nas Sciencias sem chegar & Synthese
philosophica que subordine as intelligencias, um tal desaccordo consti-
tue urna crise na Civilisa^So Occidental verdadeiramente revoluciona-
ria, qae se prolonga ha jà ciuco seculos. Pela comprehensSo d'està
crise e das suas differentes épocas é que se alcanna o nexo racional
da hiatoria moderna da Europa. Augusto Comte, que definiu admira-
velmente a marcha da dissolujffto do regimen catholico-feudal, que é a
essencia dos factos resultantes da grande revolugSo occidental, accen-
tua-lhe o caracter exclusivamente intellectual: «Para julgar sSmente
uma tal revolu(&o, importa concebel-a sempre comò mais intdlectual
do que social, nBo obstante o concurso necessario d'estes dois caracte-
res em um movimento que deve terminar na regenerafSo total da hu-
manidade. As duas ultimas tranBÌ93es (romana e medieval) tinham effe-
ctivamente preparado a sociabilidade, ao passo que a cultura da intel-
ligencìa ficira essencialmente suspendida desde a elabora^&o grega. —
Deve-se pertanto considerar a revolu(So comegada no seculo xrv em
todo o Occidente comò consistindo principalmente em renovar o en-
tendimento humano pela irrevogavel substituijSo do relativo ao abso-
luto. Sendo a revoluySo mais mental do que social, a anarchia theorica
i4 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
ultrapassava a desordem pratica. AsBim via-se levada até a negar toda
a auctoridade espiritual substituida pelo individualismo absoluto, corno
a desconhecer toda a subordina9So encjclopedicai proclamando a es-
pecialidade theorica.»^
A creagSo das Universidades no seculo xm resultou d'està crise
mental, em que a inBtruc9So religiosa das Escolas das Collegiadas se
alarga com um firn relativista e humano nos Estudos geraes. À histo-
ria das Universidades da Europa està intimamente ligada às manifes-
ta9($es fundamentaes da grande revolu9&o occidental; e cada època
caracteristica da sua existencia nSo se explica bem pelas manife8ta98e8
da sua vida interna, ou mesmo da politica do estado a que pertencCi
mas sim pelos successos capitaes que accentuam a marcha revolucio-
naria da Europa desde o seculo xiv até à grande crise franceza.
Tambem pelo estudo das Litteraturas da Edade mèdia da Europa
vìemoB a comprehender pelas suas similaridades e mutuas influencias
essa unidade da Civilisa9So occidental, tSo desconhecida pelos politicos
ideologos e pelos historiadores eruditos. Essa unidade, ou espirito de
occidentalidade, é que nos fez comprehender no seu conjuncto a His-
toria da Litteratura portugueza, libertando-nos dos preconceitos de uma
orìginalidade ficticia procurada na idealisajSo dos escriptores, e deter-
minando em vez de uma imita9So banal as correntes dominantes no
gesto de cada època.
Sobre oste aspecto da critica, escreve Littrè, sustentando a dou-
trina historica de Comte: cSegue-se mal uma evolujSo isolada quajido
se nSo sabe que todas estas evolu^Ses s3o solidarias. Jà se proclamou
isto para a historia das sciencias, em que a dependencia è fìrisante; pò-
rem nas lettras, por ser mais occulta, nSo è ella menos real. Na base
da litteratura occidental acha-se o conjuncto das grandes composigSes
francezas; recebidas pela Europa, ellas formam o elemento que exer-
ceu a sua ac9So no desenvolvimento de cada litteratura. NSo é preciso
apontar comò successivamente a Italia, a Hespanha, a Inglaterra, a
Allemanha, a Franca actuaram umas sobre as outras ; basta evidenciar
ao espirito a unidade essencial d'estas bellas Litteraturas do Occidente.
«Se è isto verdadeiro na ordem litteraria, nSo o è menos emquanto
& ordem politica; *e, se nSo è possivel de ora em diante escrever uma
boa historia das lettras em um paiz sem ter presente ao espirito està
unidade, nSo è possivel tambem de ora àvante escrever uma boa histo-
1 Syathme de Politique positive, t. ni, p. 503 e sg.
INTRODUCgÀO 15
ria politica de uiq paiz sem ter presente ao espirito a unidade moral
e material qae constitue a confedera9So europèa. — Toda a historia qae
nSo for composta com està grande vista pècca essencialmente, pois qae
nio poderi apreciar corno em cada època ama politica è boa^ grande,
prudente cu ma, baixa ou insensata. — Assim urna mesma nogSo sape-
rìor dirige a historia politica e a historia litteraria das najSes occiden-
taes, e nSo è oste um dos menores fructos do estudo da Edade mèdia,
ao achar n'ella a sua origem e os primeiros fundamentos.»^
A Europa da Edade mèdia apresenta na sua evolugSo historica,
tanto moral corno intellectual, politica comò economica, urna surpre-
hendente unidade, que deriva dos elementos persistentes da Civilisa-
{So Occidental communicados is nacionalidades modemas pela cultura
greco-romana. Existe urna doutrina moral com um caracter de univer-
salismo ou catholicidade, mantido pela Egreja; existe um sjstema de
educa$flo commum iniciado pelas Collegiadas e pelas Universidades;
existe ama mesma lucta em todos os estados das fórmas aristocraticas
ou feudaes centra as fórmas communaes ou democraticas; emfim, em
cada paiz a vida locai do pagus alarga-se em urna unificajSo nacional,
convertendo o trabalho da servidSo na livre industria, que veiu a pre-
ponderar e a caracterisar a civilisa9So moderna. 0 estudo da Pedago-
gia em qualquer dos paizes da civilisagSo europèa apresenta as mes-
mas épocas fundamentaes, as mesmas phases de tranBforma9So, eguaes
Inctas entro o clericalismo e o humanismo. Seguir estes diversos pe-
riodos, è esbojar a historia intellectual da Europa, quer nos seus gran-
des fócos de acjSo, comò a Italia ou a Franya, quer em seus remo-
tos reflexos, comò em Portugal. A historia da Pedagogia compre-
hende a exposÌ9So progressiva das doutrìnas que se substituem, e ao
mesmo tempo dos methodos que se aperfeigoam modificando o crite-
rio. As doutrinas preponderantes acham-se intimamente ligadas & cor-
rente dos acontecimentos que deram & Europa a sua e^tavel organisar
920 social; OS methodos foram-se aperfeÌ9oando conforme as necessida-
des da investigasse scientifica que veiu a prevalecer na actividade
mental. Uma historia sobre assumptos tfto complexos nSo pode ser
darà se nSo for dirigida por um ponto de vista synthetico ; nem a sua
importancia sera verdadeira se se nSo dirigir a um destino pratico, vi-
sando & disciplina e organisasSo systematica da InstrucsSo publica em
qualquer dos paizes cooperadores da civilisa^So occidentah
1 Little, Étude» sur Ics Barbares, p. 452.
i6 HISTORIA DA UNIVERSIDÀDE DE GOIMBRA
A historìa dos progressos da intelligencia na Europa faz-noa reco-
nhecer uma evolaySo naturai na successSo das seguintes phases: pri-
meiramente operou-se uma cultura esthetica, seguìu-se-lhe antes de
tempo uma especula^So philasophica, vìndo por ultimo a preponderar o
exclusivo trabalho scientifico.
A Fran9a, na longa transi^fto da Edade mèdia, exerceu uma mis-
8&0 dirigente comò fòco da cÌYÌlÌ8a9So occidental. Ella estimulon os es-
piritos com a seducjffto artistica; da Franca irradiaram as can98es ly*
ricas da Proyen9a para todas as cortes da Europa; da Fran9a se dif-
fundiram as epopéas feudaes ou Gestas cyclicas propagadas desde a
Scandinavia até à Grecia moderna; da Franca salram as corpora93es
de obreiros que levaram os typos da Architectura, conhecida pelo nome
de Ara frandgenay a todos os paizes. Emfim Paris tomou-se a Athe-
nas do Occidente, indo às suas Escholas e Universidades buscar as
novas doutrinas os espiritos superiores de todos os paizes, e trazendo
para as suas nacionalidades o modelo da organisa9fto das Universida-
des que se propaga da Allemanha até Portugal. A tran8Ì9So naturai
dà cultura eathetìca para a e8pecuIa9lU) philosophica observa-se nos
principaes pensadores do seculo xn e xm, poetas eminentes é simul-
taneamente metaphysicos, comò S. Bernardo, S. Boaventura, Abailard,
Dante, Petrarcha, Affonso.o Sabio; a actividade pAiZosopAica subordi-
nada & theologia, por falta de elementos objectivos, cafu no vago da
Metaphjsìca ontologista, afastando-se a intelligencia de uma necessaria
inve8tiga9So scientifica. Este indispensavel impulso estava dado pela
entrada dos Arabes na Europa occidental, que Ihe communicaram as
doutrinas scientificas recebidas da civilisa9So da Grecia propagada ao
Oriente. Havia entSo o conflicto das dtias verdades, a theologica e a
scientifica, comò existia o conflicto das dtuis espadas, o poder espiri-
tual em antagonismo com o tempora!, e a antinomia das diias cidadea,
a de Deus ou a Egreja, e a terrestre ou a sociedade politica dos filhos
de Caim. Apesar d'està perturba98o, que produziu a persistencia da
inanidade metaphysica, o regimen scientifico transpareceu na actividade
de Alberto Magno, de Rogerio Bacon e de Thomaz de Aquino.
Està tendencia scientifica desenvolve-se progressivamente pelo
contacto com a cultura islamica, e dentro do proprio ensino ecclesias-
tico as disciplinas litterarias do Trivium (Grammatica^ Rhetorica e Dia-
lectica) tomam-se ìnsufficientes, e até certo ponto desacreditadas, comò
se ve pelo sentido das palavras trivicd e trimalidade; o Q^adriviuìn è
desenvolvido no seu caracter scientifico (Ariihmetica, Geometria, Mu-
sica e Astronomia) nSo so pela preponderancia da actividade indù-
INTRODUCgAO 1 7
strial, corno pelas proprias neoessidades cultuaes da Egreja, qae pre-
cisava das nogQes astronomicas da Grecia para coordenar os actos li-
turgicoB dinmos e annuaes na sua parte pnblica ou social. E n'esta
8Ìtua$2o provocada pelo desenvolvimento politico da Europa, que o en-
sino snbordinado & educa9So religiosa das Collegiadas, iste é, para
aqnelles que se dirigiam exclusivamente para a vida ecclesiastica, se
alarga tornando um caracter humanisia, com um destino secular nas
Universidades. O systema hierarchico das Sete Artes, tal corno o con-
cebera Felix Memor, alarga-se pela necessidade que a Egreja tinha de
intervìr nos costumes publicos, e amplia-se com a Moral e com as Leis,
bem corno com a Medicina.
N'esta transi;So reconhece-se que os espiritos superiores, corno
S. Boaventura e Raymundo Lullo, sentiram a necessidade de uma clas-
sificagSo bierarcbica dos Conhecimentos humanos para regularisarem
este enorme desenvolvimento do ensino, corno na època experimental
0 sentiu Bacon, e na època critica ou endyclopedista d'Alembert, e
ainda no seculo actual Ampère, Comte e Spencer. Tentarain, porèm,
essa claBBÌfica$So sobre uma base subjectiva, segundo o funccionalismo
psychologico.
A medida que se especialisarem de um modo crescente as scien-
cias concretas, comò se operou no fim do seculo xviii, nascerà a. ne-
cessidade de uma classifica^So bierarcbica dos Conbecimentos humanos
sobre uma base objectiva, ou dogmatica, estabelecendo-se a dependencia
das doutrinas de uma sciencia para outra sciencia. Està terceira phase
do ensino europeu ficou determinada pela funda9So do Instituto de Scien-
das e Artes, pela Conven98o em 1795; falta ainda completalo pela
sua sjstematÌ8a9So dogmatica, tal comò foi formulàda pela Philosophia
positiva.
BIBT. UN.
2
18 HISTORIA DA UMVERSIDADE DE GOIMBRA
SCHEMA TTPICO DOS ESTDDOS HA EUROPA
I
Edade mèdia
I. SoHOLAs naa Collegia-(*^ E^cholas tviscopaes (SeminarioB) e abbacÌMB (Feda-
daa l gogias.)
rTrMumì 1 ^"^ E9choUujuridiea8 (Corsos daa Artee) Dialectica, Rhe-
( ± T%v%vmj I torica, Jurisprudencia.
IL Faculdades (a) Estudo geral (com preponderancia pontificia.)
(QuadrivùimJ (b) Univerndade (desenTolvendo-se sob o poder real.)
Sa) Academias litterariaa (noB pa^os e entre a nobreza)
— ^Tertulias.
b) Academiaa scientifioas (com caracter pardcular.)
II
Rena8cen9a
I. CoUegios de Artes (Reac^So jesuitica confundindo o ansino Becular com o cle-
rical.^ Colle«OB jnnto das Universidades.
II. Universidadea (Persistencia da inanidade dialectica — dÌ8sola9ao metaphjsica.)
— Collegio de FRANgA, piimeira reac^o moderna.
f — Desenvolvem a espc
regimen poLTTsoHinco. — Museus e BibliotnecaB.
III. Academicu particulares — Desenvolvem a eBpecula9do scientifica: Orìgem do
III
Depois da ReTolu9ào (1795)
A)— Beglmen da eipeeialidade e de sjrBtenuitlMflo empirica
, T • . (a) Kinder-^rden.
1. iKBTBUCgAO FRIMABIA. . j^^j g^j^^ ^^^^
^a) Conservando o kumamsmo da Benaaoenfa:
— LyceuB [Franca, etcì
— G-ynmasioB [Allemanna)
— Common Scnools (America)
TI !«»—,,««-« -„.«,«..»,. ]^) Prevalecendo o caracter scientifico:
n. iHBTEDcgAO BECUHDABiA^ _EnBÌno secundario especlal (Franca)
— Beai scholen (Allemanha)
— ^English high School (America)
— EscnolaB induBtriaes (Portugal)
^c) Mittelschuien (Allemanha)
Ia) Com o caracter medieval e espedalmenU mdaphysioo:
— ^UniversidadcB.
b) Com caracter pratico e de applicagào :
— Polyteclmicas.
— CursoB especiaes.
IFicaram de fora do quadro do Ensino, apesar de segui-
rema mesrna bifurcagào :
a) litterarias.
E conservaram o caracter partimdar:
— ^Assoda^oeB especiaes.
B)— Begimea da generalidade e de lyitemaMiaylo philoaophioa ?
""1
1
INTRODUCglO 19
Na dÌBSola9Zo do regimen catholico-feudal, que caracterìsa a His-
toria modema, a 8ub8titaÌ9fto da Synthese absoluta pelo espirito rela*
tiYo do regimen scientifico, e a incorpora9Zo do Proletarìado na socie-
dade, inieiam-se pelas Univeraidades e pelos Parìamentos, Embora mais
intellectoal do que social, a grande reyola9So do Occidente; que vae
do secolo XIV ao xyniy observa-se nas modifica98es que receberam as
Universidades, e na eyolujSo das fórmas pedagogicas da InstrucgSo
pablica da Europa, em que o ensino popular deriva da Dictadura mo-
narchica e 0 ensino poljteclinico é fundado pela Dictadura revoludo-
naria da Conven9So. Determinam-se phases communs na historia das
Universidades, por isso que a dissolufSo da Synthese absoluta do theo-
logismo é a mesma em todos os paizes catholicos, e imia transforma-
fSo do ensino das Poljtechnicas, pelo espirito dispersivo das espeda-
lidades scientificas preconisado sob a anarchia theorìca simultanea com
a grande crise revolucionaria. A necessidade de urna remodela^fto do
ensino pela funda9So da hierarchia theorìca resultante da Synthese po-
sitiva j& foi determinada na segunda metade do seculo xix. O que se
pretende na Historìa da Universidade de Coimbra é chegar à determi-
nagSo do moderno typo pedagogico em que se defina a synthese posi-
tiva sobre que assentarà o estado normal da humanidade.
SSo estes os contornos da marcha da Pedagogia na Europa; por
eUes BC esdarece a complexidade de factos anómalos, corno a in&isten-
cia do retrocesso huinanista dos Jesuitas, e a incapacidade dos refor-
madores pedagogicos e parlamentares na organisa^So definitiva de um
systema de Instruc^So publica. Diz Littré, proclamando a necessidade
philosophica do criterio historico: cNada existe nas cousas sociaes que
nio tenha a sua historia, e uma historia bastante importante para se
oonhecer, se se quizer sair do puro empirismo e elevar-se pela intuisSo
do passado à intelligencia do presente, & conducta que elle reclama e
i previsSo que o futuro comporta.» ^
A Historia da Universidade de Coimbra, pela variedade dos seus
desenvolvimentos progressivos ou regressivos, apresenta épocas chro-
nologicas, que importa dividir para melhor comprehensSo da sua mar-
cha e acgSo na intelligencia portogueza. Porém, essa divisSo nSo pode
sor caraoterisada unicamente pela vida intema ou transformajSo do es-
tabelecimento litterario, porque a Universidade, comò fórma de ensino
e instituigSo pedagogica do firn da Edade mèdia, està ligada a teda a
Fragmenté de PhUosophie positive, p. 185.
2«
20 HISTOBIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
marcba da historia moderna da Europa. Caracterìsando a trazuforma-
9S0 que separa 0 regìmen medieval do da Edade moderna, cada um
d'esses aspectos, que vem desde 0 come$o da dissolu^So catholioo-feu-
dal até & Kevolu^fto, reflecte-ae na vida intema d'estas instìtaipSes pe-
dagogicaa, que tanto actoaram no ideologismo politico do systema par-
lamentar. Assim a fnnda^So da Universidade de Coimbra sorge do mo-
vimento de emancipagSo intellectual, que come9a no seculo xni:
Pnmeira època. (Seculo xm a xv) : Quando as Escholas das Col-
legiadas se centralisam em Eschola geral, e 0 Poder pontificai é sup-
plantado pelo Poder real nas Uhiversidadea.
Segunda època. (Seculo xvi e xvii): Quando, na crise religiosa
e Crìtica do seculo xvi, 0 Protestantismo provocando comò reac9Zo o
estabelecimento da Companhia de Jesus, a Universidade fica sem des-
tino, e cae sob a influencia dos Jesuitas, que a esterilisam pelo seu
dogmatismo dialectico exclusivo.
Terceira època. (Seculo xvm) : Prolongando-se a phase revolu-
donaria no seculo xvm sob a fórma do negativismo philosophico, jà
sob o Deismo e Atheismo sjstematico, em que a BevoIu$So é momen-
taneamente tentada comò ac9&o de cima para baixo (poder ministerial),
' a Universidade é reformada sob o influxo de Pombal, mas sem a com-
prehénsSo philosophica que dominava, d^onde resultaram em seguida
as persegnisSes aos seus principaes sabios.
Quarta època. (Seculo xix): Depois da modifica^Bo dos estudos
na Europa sob o influxo da ConvenySo, e ji sob o regimen das Car-
tas outoi^adas, a Universidade perde 0 caracter de corpora^So auto-
noma (em quanto à parte administrativa), e em quanto & parte pedago-
gica modifica-se SQgundo 0 typo polytechnico. Desde entSo, conser-
vando 0 velho espirito dialectico, toma-se 0 fòco da pedantocracia que
serve o parlamentarismo; e por um espirito metaphysioo e rogimen de
especialidade dispersiva, embaraya a realisa9Zo da Syntbese positiva.
A falta de um criterio historico da parte dos legisladores e refor-
madores da instruc^fto nacional, tem feito com que se copiem as
organisasSes escholares estrangeiras correspondentes ao estado de ci-
vilisasSo de outros povos, de modo que implantadas entre nós per-
maneoem improficuas; ou, o que é peior ainda, entregam-se na sua
actividade regulamentadora a falsas miragens de uma atrazada psycho-
logia, attentando centra a evolu9So da natureza. Um dos principaes
erros d'esses legisladores é partirem da analogia entre 0 systema de
INTRODUCgXO 21
I
m8tniC9SOy ou hierarchìa das disciplinas pedagogicas, e um edificio com
8608 alioerceSy andares nobres e cùpulas; asaim imaginam qne a in-
stnic^ primaria é a base essencial do ensino mèdio, e é sobre este
alicerce qae procaram coordenar as disciplim» sùperioreB. Poro ab-
sm^o; porque, se as verdades elementares so resaltam do desenvol-
vimento graduai das doutrinas e theorias dogmaticas, é logico qne es-
sas verdades so podem tomar-se objecto de ensino depois de comple-
tamente comprovadas. E isto que racionalmente se comprehende, acha-
se justificado pela historia do desenvolvimento da Pedagogia: o pri-
meiro ensino pnblico na Europa foi exclusivamente superior, nas es-
cholas das Collegiadas e nas Universidades, e d'elle é que foram gra-
dualmente sendo derivadas as escholas populares, seguindo o caracter
da sua proveniencia. Este importante facto historico, de um grande
alcance pratico, aoha-se na propria evolu9So da Pedagogia em Portu-
gal, e por elle nos devemos dirigir actuando nas reformas da instmc-
^ popular e elementar em virtude das reformas effectuadas na in-
stmc^So scientifica ou superior. Pode dizer-se que este é o primeiro
principio da Pedagogia.
£ ainda o criterio historico que nos mostra comò do ensino reli-
gioso das CoUegiadcu se passou para o ensino das Universidades, corno
primeiro esbofo de urna instrucfSo secular. Foi a reyolu9llo pro-
funda da Pedagogia; porque o ensino subordinado ao espirito religioso
era prejudicado pela auctoridade dos dogmas, Immobilisava-se, e a in-
telligencia do discipulo sempre em perigo de ser desvairada pelo livre
exame e pela heresia entregava-se passivamente & imposijSo pedante
dos mestres formtdada no celebre aphorismo Ipse dixit. As Universi-
dades correspondem na Pedagogia moderna da Europa & preponderan-
cia da auctoridade temperai na politica dos Estados; ellas foram urna
creaySo da realeza, e ellas desenvolveram o direito romano comò ga-
rantia dos dìreitos reaes. Esse espirito secular, que nasce nas Univer-
sidades, acompanba a marcha historica da Europa, e manifesta-se no
estado humanùticOf que com a primeira Renascen9a do seculo xm se
propaga, vindo na segunda Renascenya do seculo xvi a predominar
no proprio ensino ecclesiastico e a ser abrafado pelos Jesuitas, que
com elle procuraram atalhar o ensino scientifico iniciado depois das
descobertas de Galileo e pela livre crìtica das na98es protestantes.
N'eata segunda phase pedagogica, a irrecusavel evidencia do facto
scientifico sobrepoz-se i auctoridade do mostre, e o Autodidactismo
comefou a estabelecer-se comò doutrina pedagogica, conduzindo para
o conhecimento das condÌ98es psjchologicas.
22 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
À antiga auctorìdade do mastre competia ama exagerada severir
dade no enaino exercida a pretexto da disciplina, e corno estìmulo de
urna faculdade passira a memoria. A coltura exclusiva da intelligenda
e abandono desdenhoso do sentimento; deu às altas individoalidades
da Edade moderna um carecter austero, duro, implacavel, comò o dos
jurisconsùltos que serviram a realeza, corno o dos humanistas que se
envolveram nas polemicas do protestantismo, e comò o dos litteratos
que proclamando a egualdade cairam sob o terror da Beroluglo. So-
mente as mulheres, pela sua inabalavel sympathia pela Edade mèdia
oonservaram està necessaria preponderancia do sentimento, tio esque-
cido na elabora9&o theorica e no conflicto industriai; e foi tambem
pelo reconbedmento d'està parte affectira do nesso sér, que dirigira a
edade medieval, que a Pedagogia moderna se transformou pela critica
de Montaigne e Huarte, pelos esforgos dos Padres de Port Boyal, pelas
intuÌ93e8 psychologicas de Rousseau, e pela bondade insondavel de
Pestalozzi e Froebel. Michelet comprehendeu a importancia do senti-
mento na renovafXo dos methodos pedagogicos, no seu livro Nos FUb;
e sem a restituisse d'està for^ malbaratada durante a revolusSo mo-
derna, explorada sem philosophia nos themas phantasistas dos litte-
ratos que a desacreditaram, a revolu^So que ainda se prolonga afastar-
nos-ha da Edade normal, em que a CivilisasZo humana assentari sobre
esses tres elementos, que isoladamente produziram, o especulativo a
civilisagZo hellenica, o activo a civilisasSo romana, e o a£fectivo a ci-
vilisasSo da Edade mèdia. O criterio historico é fimdamental n'esta
ordem de questSes, devendo ser considerado comò o preliminar de
todas as considerasSes phUosophica» para a creagSo definitiva da Pe-
dagogìa.
Terminada a exposi^So das f órmas communs, que apresenta o en-
sino na Europa, compete-nos appensar-lhe a causa da esterilidade daa
refbrmas pedagogicas, que por mais especialisadas e pomposas se
acfaam privadas de um ponto de vista synthetico, e sem ac9&o sobre
o espirito publico. Comte poz em relèvo està invencivel esterilidade
dos govemos, por isso mesmo que ainda se nfto acha instituido o novo
poder espiritual que imprima direcsSo i conscienda moderna: cCon-
siderada em quanto & sua base, a educa^So constitue sempre, pela sua
natureza, a principal applicasse de todo o sjstema goral destinado ao
governo espiritual da Humanidade. Nenbum systema tal nSo domi-
nando realmente ainda, segue-se a impossibilidade de teda a educagSo
regular, emquanto durar oste fatai interregno. Até esse tempo, a edu-
casse religiosa ainda que excessivamente atrazada, permanecerà oomo
INTRODUC0O 23
a unica coherente^ apeaar da Bua deploravel influencia montai e a nol-
lidade da sua ac9fto moral, rematando para de logo em urna activa des-
moraliBa^So praticai ao passo que o inevitavel contacto do mundo abaloa
08 frageis fundamentos de ama fé jà considerada corno ficticia. O que
se chama educa^So secular nSo é senSo urna especie de bezuntadela
metaphysico-Iitterariai matizada de vez em quando por um froixo yemiz
scientifico, applicado sobre este velho fundo theologico, do qual mo-
difica um pouco o caracter intellectual mas & custa da sua tendencia
moral. NSo se tratar& a sèrio da questSo de regenerar a educa9Zo, pu-
blica ou prìvada, emquanto uma nova philosophia nSo tiver sufficiente-
mente estabeleddo uma verdadeira syBtematisa9llo duravel das conce*
p^Ses humanas.» ^. Existe derrogada a synthese theologica pelo espirito
da relatividade scientifica sobre que assenta a civilisaffto moderna;
nSo existe constituida a synthese positiva formada pela somma das
verdades verificaveis e demonstradas accumuladas até hoje, para darem
um novo governo espiritual & Humanidade. E na historìa do ensino e
das corpora98es docentes que melhor se observa està insufficiencia
mental, e é por essa mesma historìa que se podem deduzir o pensa-
mento e 0 intuito para as reformas pedagogicas. Comte poz em evidencia
a importancia do ponto de vista historìco, quando na citada carta esta-
beleceu o principio: a Se considerardes a Educa9llo emquanto à sua
marcha geral, toda a sua theorìa positiva assenta naturalmente sobre este
principio fiindamental: a educa98o do individuo; quer espontanea; quer
mais ou lìienos systematica, reproduz necessariamentei nas suas grandes
phases successivas, a educa9&o da especie, tanto em rela9So ao sen-
timento comò em rela92o às ideias. Ora, segundo està regra incontes-
tavel| nenhum plano de educa9Zo completa pode ser sabiamente con-
cebido; emquanto a evoluffto goral da Humanidade nSo tiver sido suf-
ficientemente reduzida a uma verdadeira theoria historica.»' Se a dis-
solufSo do regimen catholico-feudal nos revelou os caracteros da ovo-
lu^So pedagogica desde as Escholas das CoUogiadas até às disciplinas
1 Testament, XXÌX Lettre, p. 283.
^ Testament, p. 284. A totalidade dos planos de referma de Inatruc^i&o pu-
blìca em Portugal resente-se da £alta de urna systematisa^io philosophica; e os
trabaDios especiaes nio se elevam acima da critica do presente, prevalecendo
sempre o ponto de vbta negativo. Comte julga com justeza toda està cathegorìa
de trabalhos, que se mtdtìplicam som nada conseguir : «Ora està crìtica, emquanto
desprovida de inten9oe8 organicas, ou ligada a muito vagos pensamentos de rege-
nera^o, o que equivale quasi ao meamo, acha-se jà realisada, no que tem de es-
sencial pelos nossos percursores voltairìanos.»
24 fflSTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
especiaes das Polytechnicas, os elementos da synthese positiva por ella
elaborados, nos revelarSo as formas pedagogicas necessaìrias a nm es-
tado normal ou sociocratico.
A gera^fto quo se achou envolvida na grande crise do firn do se-
colo xviu, encontrou diante de si o problema fundamental da huma-
nidade — a renovagJLo dos dois Poderes temperai e espirìtual, que se ti-
nham esgotado sob a fórma do regimen catholico-feudal, e esse outro
problema urgente, por longo tempo addiado pela compressSo da dieta-
dura monarchica, — a incorporaySo do proletariado na sociedade mo-
denia. O trabalho d'essa gera9lo teve de ser fatalmente negativo, apres-
sando a decomposÌ9So do esgotado regimen pelo processo da realeza
do direito divino, e pela abolÌ9So do culto catholico. Sem està simpU-
fica9lo prèvia era-lhe impossivel reconstruir a sociedade humana em ba-
ses que nSo fossem fic93e9 theologicas e privilegios pessoaes.Assim ficou
proposto 0 problema para a gera9So subsequente, herdeira de um tSo
assombroso destino. Como o cumpriu ella? Nem mesmo comprehendeu
a sua enorme responsabilidade perante a conscieiicia e»a histpria. Os
elementos preponderantes do proletariado, que fizeram a Revolu^So,
enriqueceram pelo reconhecimento do direito civil da propriedade, que
a nobreza e o clero tinham immobilisado; tomaram-se ricos burguezes,
imitaram as pompas heraldicas, e illudidos pelos ideologos que concilia-
vam a monarchia e a religiSo, o throno e o aitar, acceitaram satisfei-
toB as Cartas outorgadas pelos reis, que salvaguardavam aS suas dynas-
tias e a religiSo do estado.
É oste o papel historico da classe mèdia nos tempos modemos;
occupada em manter-se no equilibrio politico do jyste milieu, nfto que-
rendo ser perturbada no seu bem estar burguoz continuando na obra
da reorganisa9So social, e temendo recuar ao pasjsado da servidSo fon-
dai, contentou-se em revestir de perstigio as fórmulas do regimen re-
presentativo, e esgotou-se na esterilidade palavspsa das fic$3es do par-
lamentarismo. É da classe mèdia que tem saldo n'este seculo, apoz a
RevolusBo, todos os talentos metaphysicos das escholas superiores, do
jomalismo militante, dos parlamentos, dos ministerios, e depois de te-
rem exercido a auctoridade discricionariamente, acabam por se senti-
rem sem ac^So no meio social, sem poder moral, e verdadeiramente
gastos.
Appresentado assim o problema historico da Europa moderna, com-
prehende-se a situagfto dos espiritos; uns lisongearam o conservantismo
burguez na arte, na litteratura, no jomalismo, em todas as manifesta-
{3es mentaes ; ontros presentiram a missSo revolucionaria, e serviram
INTRODOCgiO 25
esse ideal com mais ou menos clareza, com maior ou menor persis-
tencia, mas comò se fosse urna SOÌU9S0 definitiva.
O movimento socialista revelava a intuÌ98o da verdadeira missSo
revolacionaria; mas facilmente foi explorado para excitar a resistencia
de todos OS elementos coni^ervadqres, que para tado esterilisarem tam-
bem simnlaram am socialismo do estado. 0 problema da reorganisa-
9S0 social nSo se resolve com o appello às paixSes, mas às intelligen-
ciasy para determinarem as condÌ98e8 scientificas da sua realisa^fto.
Emquanto se' desconheceu a r6la9lo da dependencia dos pheno-
menos sociaes* para com os phenomenos de ordem biologica e cosmo-
logica, nSU) era possivel constituir em sciencia a completissima varie-
dade de factos que sSo 0 modo de existencia das sociedades humanas.
Estabeleceram-se essas rela93e8 de* dependencia, que vieram destruir
a S0IU9S0 de continuidade entre 0 mundo physico e 0 mundo moral, e
a sciencia da Sociologia avan90u para a sua piena constituÌ9Ìo. NSo
ha pertanto nada de commnm entre os trabalhos dos utopistas, comò
Rousseau ou E»urier, que formavam systemas sociaes sobre concepfSes
subjectivas e gratuitas, com 0 moderno processo positivo que substitue
a imaffinagào pela observagào na descoberta de uma lei naturai que su-
bordina a variedade dos facto» sociaes. A renova9So da Historia, no
seculo XIX, veiu tambem facilitar a forma98o da Sociologia, porque pela
historia é que se determina a continuidade humana, comò pela con-
8Ìdera9&o das differentes épocas se descobre a natureza especial dos
phenomenos sociaes que so podem ser bem comprehendidos sob o
ponto de vista de conjuncto. Emquanto os phenomenos sociaes foram
observados isoladamente, fora da importancia do seu conjuncto, crea-
ram-se sciencias sociaes concretas e particulares, comò 0 Direito, comò
a Moral, a Litteratura, a Philologia, a G-eographia, a Archeologia, a
Chronologia, a Estatistica, a Economia Politica, a Etimologia e tantds
outros capitulos fragn^ntados e sem destino, em que se dispendeu uma
actividade por falta de convergencia para a creaySo de uma sciencia
geral e abstracta, a Sociologia. Bastava 0 quadro d'essa deploravel
actividade dispersiva, para se conhecer a opportunidade de uma disci-
plina de unifica9So philosophica de conjuncto; a Sociologia corrige essa
erudisco sem destino, aproveitando-se de todos esses elementos positi-
vos para constituir-se em sciencia. Quem diz sciencia diz preuisào; so
adquire valor e importancia scientifica aquelle phenomeno naturai ou
moral capaz de conduzir a previsSés. A Sociologia conduzir-nos-ha a
previsdes sociaes? Estamos convencidos que sim; e j& hoje se poderSo
apontar grupos. de previsffea nas fórmas da actividade, affectividade e
26 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
intellectoalidade sodai. Tal é o intuito da nova Bciencia. E corno a toda
a premsSo saccede urna afplica^f isto é, a urna qualquer Sciencia oa
theoria urna Arte oa pratica correlativa, tambem a Sociologia actuari
de um mòdo proficuo na arte qae deriva d'ella, a Politica, dando-lhe
o destino quo até hoje està arte empirica nSo soube achar para a sua
intervenySo governativa, e na Pedagogia, dando-lhe um systema de
concep^Ses duraveis, que desde a Edade mèdia <a no ensino indi-
viduai e publico.
PEIMEIRA ÈPOCA
(SECULO xin A xv)
FDNDAgiO DA UNIVERSIDADE EM LISBOA.
E SEUS ANTECEDENTES PEDAGOGICOS
CAPITULO I
0 EnslBO das Gollegiadas
A tradi^JU) religiosa das Escholas episcopaes e abbaciaes : CóUegia compUalitia e
CoHegia sodcUiiia. — 0 Cabiscol, Chantre, Mestre-Escola e Mózinhos. — A Es-
cbola episcopal de Coimbra (1086) ; o Collegio dos Santos Paulo, Eloj e Cle-
mente (1266); a Escbola abbacìal de Alcoba^a (1269); Conezia magistral da
CoUegiada de Guimar^es.-^ O que se ensinava nas Escholas das Collegiadas.
— Os Clerici, e os BacheUur (bas cheyalier).^0 ensino orai e o Lente. —
Desprezo pelas Artes liberaes e seu restabelecimento pelos Pontifices. — O
Trìvium e Quadrivium. — As Escholas de Rhetorica, Dialectica e Philoso-
phia corno prìmeiro mdimento das Universidades. — A licenciatura e a facul-
dade ubiqut docendi.-^ Bibliothecas dos Bispos e Cabidos do seculo zin e ziv
em Portngal.
Ka Europa moderna o prìmeiro ansino popular fez-se nas CoUe^
giadas» E preciso lembrar que tanto a Egreja de Roma, corno as egrejas
nacionaesi se fundaram entre essas corporajSes operarìas chamadas
CaUegia compitalitia, e CóUegia sodalitia, cuja hierarchia do seu pes-
aoal ae reproduziu na ordem ecclesiastica. A imitajfto d'estes CoUegios
da antiga organisagSo municipal é que os fez radicar nas provincias
do ImperìOi da mesma fórma que as rela98es da Egreja oom elles é
que fez com que durante a Edade mèdia aa egrejas fossem o centro da
▼ida civil do povo, e os bispos tivessem attrìbuiySes municipaes. A
Egreja conservou os titulos prìmitivos usados n'esses CoUegios com-
pitalicios; assim o nome de Irmios (fratres) ficou usado entre os no-
28 HISTORIÀ DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRÀ
V08 crentes, e os chefes da associagSo tomavam o nome de Mestrea e
de Paee (Padre -Mestre, é o titulo de respeito entre os personagens ec-
clesiasticos) ; as egrejas procoravam os seus protectores ou patronos
nSo so entre a aristocracia, (padroeiros) corno entre os santos, corno os
primitivos CoUegbs romanos. O logar das reuniSes dos associados col-
legiaes era chamado a Schola, onde estava a capella, e onde se toma-
vam as delibera93eB coUectivas. Algumas d'estas associa9Ses, corno o
Collegio dos Mimos e AthletaB gregos, chamavam-se o Santo Synodo,
que se conserva na Egreja do Oriente e nos concUios tn/nodaes do Oc-
cidente. Os associados vestiam-se de branco nos dias de festa (a alva
dos padres) e o£fereciam aos deused vinho e incenso, (ainda usado na
missa e nas festas de egreja.) Fora da Schola sahiam em procissSo
com as suas bandeiras (os guiòes das ceremonias catholicas); emfim a
Egreja herdou a éncommenda9So das almas dos finados e o dar sepol-
tnras aos seus fieis irmSos, corno as Columbaria romanas; os banquetes
usados nas encommendafSes d'estes CoUegios ficaram tambem no cos-
tume dos Bodos aos pobres e nas oblatas de comestiveis nos enterros,
e ainda nas estréas no primeiro dia do anno.
A Egreja formada por ecdesiolas, qne imitavam a organisafXo dos
Collegios e das Columbaria, adoptou a caixa das esmolas para os de-
votos; e differenciando-se d'essas corpora93es pela sua propaganda doa-
trinaria, a Schola tomou o sentido que hoje tem, de um logar onde se
ensina. Tertuliano contrapondo a Egreja a essas a880cia98e8y insiste
no seu intuito docente: cAs nossas quotisafSes servem para dar pio
aos pobres e a sepultal-os, e edticar os orfàos dos dois sexos, e a soc-
correr OS nossos velhos.» Tal é a origem da Eschola das Collegiadas,
que se perdeu quando a Egreja se tomou aristocratica, ficando apenas
com 0 titulo honorifico do Mestre-Eschola^ ou de Cabiscol (Caput Scho-
Ise) dos documentos medievaes.
Viterbo, no Elucidario, explicando o vocabulo medieval Cabiscol,
allude a um documento de venda de 19 de Janeiro de 1139, em que
figura comò testemunha Mito Cabiscol j e produz um texto das Partidas
de Affonso o Sabio: cE algunas Eglesias Cathedrales son, en que y
a CabescóUs, que han oste mesmo officio que los Chantres. E Cabiscol
tanto quiere dizir corno Cabdillo de el coro, para levantar los cantos.»
{Partida i, tit. 6, liv. 5.) Em Portugal estas fundagSes apparecem
junto das Collegiadas, tendo sido estabelecidas pelos bispos e abbades
para educajSo dos Mózinhos, ou crian9aB destinadas & vida clerica!, e
muitas vezes com um caracter de beneficencia.
Os Mózinhos pertencem a essa classe de criangas offerecidas aos
0 ENSINO DAS G0LLE6IADAS 29
conventoB corno oblatas religiosas, costume quo teve inicio com os mos-
teiros benedictinoB; da necessidade da sua educafSo nasceram as es-
cholas abbaciaes e mesmo as parochiaes e episcopaes. Em um manu-
acrìpto do secalo passado sobre a Familia dos Fejjós, da Galliza, ao
falar-se de D. Fernando Giraldez Feijó, de 1390, se lè: cEn aquel
tiempo se osaba que los caballeroB daban à criar j ensefiar jbub hijos
& los monjes de los monasterios, e de ellos eran defensores.» ^
O bispo Dom Paterno fonda em Coimbra, em 1086, junto à sé ou
egreja de Santa Maria, um Collegio ou Seminario de Mo$08, onde se
educavam rapazes «para receberem o grào do^presbyterio^ e quiz que
vivessem com communidade segando a regra de Santo Agostinho.» ' Evi-
dentemente a primeira organisa98o do ensino visava exclusivamente &
disciplina ecclesiastica, postoque se ampliasse depois aos que o dese-
jaBsem'aproveitar. O abbade de Alcoba$a D. Frei Estevam Martins,
ftmda em 1269 no mosteiro de Santa Maria oò estudos de Grammatica
de Logica e Theologia fiad communam utilitatem monachorum nostro-
rum,^ àccrescentando que ficam accessiveis a quaesquer outras pes-
soas. 0 caracter caritativo das primitivas Scholoe acha-se no Hospital
de Sam Paulo, que por 1266 se converte no Collegio dos Santos Paulo,
Eloy e Clemente, onde o bispo de Evora e Lisboa, D. Domingos Jardo
institue 0 ensino para dez capellZes, vinte mercieiros e seis escolares
de latim-, grego, tfieologia e canones; e tambem no Collegio dos Meninos
arfaos fundado por D. Beatrìz, mulher de D. Affonso ili.
Da Eschola da CoUegiada de GhiimarSes falla o auctor das Me-
morias resusUadas, corno estabelecida no tempo de D. Sancho ii: cFoi
mais estabelecido que se apresentasso na CoUegiada um mostre que
desse ligio de Grammatica^ e que se pedisse a Sua Santidade a pri-
meira prebenda que vagasse, e que emquanto nSo vagasse se tirasse
de todas as mais uma porgSo para o leitor da dita Granunatica; que
resultou haver para a conezia magistrale e por se nXo querer occupar
Bea successor a Vèr Maral, dà uma pensSo aos religiosos de S. Domingos
para elegerem um padre que a venba dar nb capella de S. Paulo, si-
tonda no clauBtro da real CoUegiada. Està eschola se ordenou em tempo
de D. Sancho u.»
A infloencia franceza, que se propagou a teda a Europa pela fim-
da$So das Universidades, foi anteriormente communicada pelos bispos
francezes que em Portugal govemaram as sés do novo estado. Na in-
1 ELogio del P. Feijó, p. 47; apud Bibliot. gallega, t. zn.
2 Brand2o, Manarèh. IfiHt,^ P. m, liv. vni, cap. 5. App. Escrìpt. m.
30 HISTORIÀ DÀ UNIVERSIDADE DE COIBfBRA
Bufficiencia dos estudos das CoUegiadas, alguns alonmos iam a Paris ,
corno se sabe pela lenda de Frei G-il de Santarem; ama carta de doa-
9S0 de Dom Sancho i de 1192, concede ao mosteiro de Santa Cruz
de Coimbra a preBta98o de 400 morabitinos «para snstentay&o dos co-
negos do dito mosteiro que estudam em cu partes de Ffwn/ga. . . »^ Nas
can98es satTrìcas do Cancioneiro da Vaticana, allude-se ao trajo ao oso
de Mompilher, que figurava em Portugal, muitas veses sem se ter saido
da patria. 0 nome de dericus, que em toda a Edade mèdia se ampliou
ao homem que sabia lér ou recebera um qualquer rudimento de in-
8truc$&0y tambem teve nos antigos documentos portuguezes o mosmo
sentìdo, restringindo-se depois ao que entraya nas ordens ecdesiasticas.
Elucidando a palavra Clerigo, diz Viterbo :
cDeu-se oste nome aos sacristSes das egrejas, que andavam na
casa do Parocko aprendendo cu primeiras letras e 0 ajudavam & missa. . .
Estes pequenos derigos, no Concilio de Mérìda, cap. xvm, se cha-
mam Clerici parochianum, E porque os Parochos os deviam ensinar
as primeiras letras e bons costumes, se disseram tambem Clerici scho-
lares» Eni os nossoa antigos documentos se intitularam Mózinhos ou
Monginkos pelo particular vestido ou sotana e pela modestia e gravi-
dade com que se portavam na execugfto do seu ministerio.» (Elttcid.
vb.^ Olebigo, vi). Aqui temos 0 clerigo com o sentìdo em que nos
apparece em todos os documentos da Europa da Edade mèdia; 0 ha-
bito clericali que era a toga dos pbilosophos antigos adoptada pela
egpreja, conservou-se nos estudos da Universidade de Coimbra comò
imita9&o das outras universidades. Antonio Diniz da Cruz e Silva, no
poema heroi-comico O Hyssope, allude ao habito de estudante :
OUia 0 que succedeu ha pouco tempo
Ao charlatfto do Medico Peqneno
Que a habito perpetuo de eHudante
Foi de Esculapio em junta condemuado. . .
(CaHT. TX.)
As Universidades nunca perderam a sua primordial feiglo de de-
ricatura. Em urna nota comtemporanea do poema se 18: cUsou sem-
pre do antigo vestido de capa e volta, que jà entSo estava em desuso,
vestindo-se geralmente os medicos comò os outros seculares. A iste se
1 Doc ap. D. Nicol&o de S. Maria, Chr. dos Con. Regr.^ P. n, p* 58.
0 ENSINO DAS GOLLEOADAS 31
refere o poeta quando falla no habito escholastico.» (Ed. Hyssope, pag.
450). Diz o proverbio popolar apodando o trajo clerica!:
Medico de Valencia,
Muitas fraldas
E pouca sdencia.
O nome de dericus, contraposto com todo o orgnlho escholar ao
de Udcus, era na Edade mèdia a designagfto de urna classe constitoida,
que monopolisara em si toda a doutrina theologica e philosophica que
se enainava sob a direc^So da Egreja. Desde que come^aram os esta-
doB da Jurisprudencia romana, que motivaram a crea$So das Univer-
sidades sob a protec^So secular dos reis, a dialectica nSo ficou um se-
gredo e a for9a dos clerici, tomou-sQ tambem um caracteristico dos
glossiatas, e o nome de docto ou dautor contrapoz-se ao de derigo ^^ si-
gnificando um novo dominio do saber humano, constituindo ambos unaa
nova aristocracia litterarìa, comò o dA a entender o sentido intimo do
titnlo de Bachard (baechdear, bas-chevallier).^ O antagonismo no campo
dotttrìnario conservou-se nas duas fórmas pedagogicas do Estudo geral
e da Uhiversidade, em que predominava na primeira a auctoridade pon-
tifical| e na segunda a auctoridade real, vindo a identificar-se os dous
t^poB quando às Universidades foi ooncedida pelos papas a faculdade
vbique decendi, tomada universa!, e n'ellas incorporada a theologia das
escholas pontificias.
A està parte da educaglo da Schola das CoUegiadas pertence o
canto, dSU) so oonservado na tradÌ9So medieval das Sete Artes liberaes,
mas tambam applicado às praticas do culto nas prosas, sequencias e
hymnos da Egreja. 0 nome de Chantre^ conservado hoje sem sentido,
corresponde a este periodo da Pedagogia moderna. A Egreja seguia
a corrente da civilisa9So hellenica, onde o ensino comodava pela mu-
sica. Na linguagem architectonica, o limiar da egreja chamava-sejxxr-
fjis, do nome com que se designavam as crian9as que frequentavam
aquelle legar comò eschola'; o nome de derigo (derc) ficou durante a
Edade mèdia com o sentido de instruido, que sabe ler e escrever. A
missSo dos Bispos consistia, além da inspec$So da doutrina religiosa,
1 Giudice, Storia della Ldteraiura italiana, 1. 1, p. 52.
^ Qoicherat, na Eidoria do Cóàegio de Santa Barbara, transcrevendo a pa-
lavra Bacheulerie, diz que ainda se n2o tinha formado a que a substituiu, Bacca-
leaurtai, da fictida etTmoIogia da baga de louio.
^ Thery; André, ^00 MaUree, hier, p. 78.
32 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
no essino ; comò os Bispos se foram entregando às ambifSea secolarcfl
em conflicto com os barSes feudaes, delegaram o Bea mister docente
em um ecdesiastico, que recebeu differentes nomee, corno o de Capis-
chele on Cahiscól, Mestre^Eschola^^ Chantre^ e Cancellano ou Chancdler.
No Concilio de LatrSo, de 1179, sob Alexandre iii, estabeleceu-se
que cada cathedral teria um Mestre-Esckóla, encarregado de ensinar
OS rapazes pobres ; e que o bispo no seu capitulo trataria de provér ao
ensino da grammatica e da theologia.
NoB antigos documentos portuguezeS| citados por Viterbo, appa-
rece-nos o nome de Cabùcol; na reorganÌ8a9So da Universidade por
D. JoSo ni, (1537) o nome de Cancdlario conserva o seu caracter
medieval nos Priores de Santa Cruz de Coimbra. Ainda no seculo xv,
comò descreve o rei D. Duarte, o Chantre era essencialmeqte peda-
gogo, e 0 proprio monarcha apresenta no Leal Consdheiro um esbofo
regulamentar d'essas escholas, a que em Franja se dava o nome de
Chantrerie ou Cantorcdes. Na secularisa(So do ensino, as dignidades
ecclesiasticas de Mestre-Eschola e Chantre ficaram de simples apparato
parasitario, e ainda subsistem com oste destino.
0 ensino das CoUegiadas e o das Universidade» correspondem a
duas phases doutrinarias antinomicas entro si, e por isso incompletas;
emquanto a Egreja dirigiu os espiritos, separou-os de toda a commu-
nicayfto com as idéas da civilisasSo greco-romàna, renegando esse pas-
sado esplendido da humanidade, e interrompendo a continuasse da
actividade scientifica da Grecia. Na primeira organisasfto doutrinaria
da Egreja, S. Paulo, na Epistola aos Corynthios, proclama: cPorque
està escripto: destruirei a sabedoria dos sabios e aniquilarei a intelli-
gencia dos instruidos. (Cap. i, % 19.) — Mas Deus escolheu o louco
d'este mundo para confundir aos sabios.» (Id. f. 27.) Celso notou està
ignorancia systematica explorada pelos primeiros evangeli sadores; e
Tertuliano, no ferver da sua prégaySo exclama: cEu nBo ine dirìjo
aos que s8o formados nas escholas, exercitados nas bibliothecas, que
vem despejar diante de nós os restos mal digeridos de uma sciencia
adquirida nos porticos e academias da Grecia.» Em todos os padres
1 Tambem se dava o nome de Primicerio ao chefe da Eschola, tal corno ee
acha empregado na escfaola episcopal de Beims no seculo xi, e em uma carta de
Saint Remi. Os Bispos francezes que vieram a Portugal depois da independencia
d'este Condado, aqui introdoziram essa deslgna^flo com a primeira organisa^ao
do ensino que inieiaram. A influencia franceza toma a reapparecer na primeira
niCtade do seculo xvi, estimùlando a grande gera^ So dos Quinhentbtas.
0 ENSINO DAS COLLEGIADÀS 33
da Egreja abundam as provas do desprezo que a nova religiSLo, qne
dirìgìu 08 espirìtos no Occidente, nutria pela civilisaffio da Grecia; o
pontifice S. Gregorio Magno reprehendia o bispo de Vienna, Didier,
por ensinar grammatica: «Chegou ao nosso conhecimento iste, que
nSo podemoB recordar sem pejo, que Vessa Fratemidade esplicava
Grammatica a algumas pessoas. Recebemos desagradavelmente està
nova, de tal modo, e sOmos mais vehementemente chocados, que o que
primeiro f5ra repetido com gemidos se converteu em tristeza. Porque
ae nAo tomarSo os louvores de Christo com os louvores de Jupiter em
urna mesma bocca. Considerae quanto para um sacerdote é horrivel e
criminoso esplicar em publico livros dos quaes a um secular piedoso
nSo deveria permittir-se a leitura. NSo vos appliqueis mais aos pas-
satempos e às letras do seculo.D^ Em uma carta d'este mesmo ponti-
fice, que na sua Vida traz JoSLo Diacono, alardèa que na linguagem
nSo evita nem os metadsmos^ nem os barbarismos, nem attende aos
caaosj porque acha indigno que as palavras celestes estejam sujeitas
Ad regras de Donato, ^ Està 80IU9&0 de continuidade com a cìviIÌ8a9SLo
greco-romana produziu, a par da invasSo dos barbaros Germanos, um
edipse da rasSo humana na Edade mèdia; por isso quando se resta-
beleceu esse conhecimento elle foi propriamente denominado um Re-
nBflcimento. A Egreja teve de luctar centra 0 espirito secular que acor-
dara ao estimulo das primeiras descobertas da civilisa98o da Grecia;
essa communica98o fòra feita pelos Arabes, e por isso 0 humanismo
apparecia com um caracter heterodoxo, vindo mais tarde a ser ado-
piade pela propria Egreja, comò se viu em Eugenio 11, e depois em
Bembo e LeSo x, e nos elementos pedagogicos dos Jesuitas.
Uma das principaes revoluySes do ensino europeu surgiu do acci-
dente de uma descoberta industriai, a Typographia.^ Antes da vulga-
risa^So dos livros, 0 ensino orai suppria a deficiencia de um texto, e
a palavra do mostre adquiria uma auctoridade moral enorme, de que
a Egreja se aproveitou para a prèdica e para a universalidade da dis-
ciplina religiosa. Com a abundancia dos livros," deu-se 0 facto con-
1 Ap. Rayuouard, Elemente de la Grammaire de la Langue romane, p. 14.
2 8. Jeronymo falla com desprezo dòs instruidos nas letras antigas, chaman-
do-lhes desdenhosamente eiceronianoe.
3 Draper inclina-se & opiniSo que a Lnprensa, a Stampa, jà citada pelos
Venezianos em um decreto de 1441 corno cousa usuai, è anterìor no Occidente &
descoberta de Coster cu de Gutenberg. Hùt du developpemené irUeUectud en Eu^
rape, t. in, p. 140.
HIST, UH. ^
34 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
trarìo; generalisaram-se ob textos dogmaticos em compendios, e os mes-
tres diante da redac^So categorica e lac()nica das obras elementares,
tomaram-se mudos, sem ac^So moral sobre a intelligencia do alomno,
impondo-se apenas pela severìdade disciplinar, e esdgindo violencias
da faculdade passiva da memòria. O ensino na època das OoUegiadas
era na maior parte orai; na època da crea9So das Uniyersidadesi as
glosas, as apostillas, os escholios, sSo a collaborasBo escripta do alumno,
que collige todos os elementos doutrinarios da palavra do mestre. De-
pois da descoberta da Imprensa os primeiros que substituiram o mestre
pelo livro, foram os Jesuitas, e os que mais abusaram da memoria.
Com o ensino scientifico, a necessidade do methodo experimental es-
tabeleceu outra vez a communica9So orai com os discipulos; porém
assim que essas disciplinas se foram tornando dogmaticas ou elemen-
tareS| retrogradou-se ao ensino pelo texto escripto comò objecto ex-
elusivo das li^Ses. Draper descreve a influencia do ensino orai n'esta
pnmeira època da Pedagogia europèa, por occasiSLo da descoberta da
Imprensa: clima profunda mudan$a produziu-se tambem no mundo
da instruc$&o, mudanya que se fez sentir immediatamente no mundo
ecclesiastico, e mais tarde no mundo politico. O systema religioso na
sua totalidade suppunlia um publico que nSo Ha, e d'aqui a leitura das
oragSes e o sermSo. No seculo xni a instruc9So orai predominava; no
seculo XDC, ella desempenha uma parte secundaria. A inven98o da Im-
prensa veiu dar imia temivel rivai ao pulpito. NSo devemos comtudo
desconhecer o poder que exercia outr'ora um ensino orai e scenico so-
bre um auditorio composto de individuos privados de leitura; etc.»'
Augusto Oomte entrevendo uma phase normal na Pedagogia em
que o ensino scdentifico seja dirigido por um espirito de conjuncto, ou
philosophico, restabelece o ensino orai na sua importancia primitiva:
cNo estado normal, os tratados didacticos devem unicamente dirigir-se
aos mestres, através dos quaes deve sempre passar a instrucySo final-
mente destinada aos discipulos. As leituras theoricas nSo Ihes convém
Benito quando a sua educa9So estiver terminada; até entSo, o seu des-
envolvimento scientìfico resulta de uma elaborafSo pessoal, esponta-
neamente subordinada às lÌ93es oraes, unicas conformes com a dignì-
dade dos professores. — E preciso essencialmente attribuir & anarchia
moderna o habito de destinar livros aos discipulos, assim dispostos a
desdenbar ou criticar os mestres segundo o conflicto de dois metho-
1 Draper, op. cU., t m, p. 145.
0 ENSINO DAS COLLEGIADAS 35
dos de exposi^Bo naturalmente incompativeis.»* Estes dois methodos
acham-se implicitos nas duas designa93eB pedagogicas jpro/sMor e lente;
a BubordinasSo a um texto esoripto, escraviaou o espirito docente & ez-
plica9So analytioa de formolas dogmaticas destinadas & memoriai corno
86 obserya ainda hoje na Universidade de Coimbra, immobilisada na
regaIamenta9So pombalina. D'està falsa idèa pedagogica resulta a ez-
plora^So dos compendios offioiaes e a monomania chineza dos exames.
A sabstitoifSo do systema escripto ao orai nfio se fez sem lucta
da parte da Egreja; e essa lucta reflectiu-se por muito tempo na anti-
pathia que a nobreza tinba pela letra redonda, e pelo orgulhoso alarde
que fÌEtzia do seu analphabetismo. A nobreza apreciava-se pela antigui-
dade^ e so era nobre o que pertencia a urna època em que se dispen-
sava muito bem o saber lér e escrever. Diz JoZo Fedro Bibeiro. no-
tando o analphabetismo do clero portuguez no seculo x^v: cEncontro
por esse tempo constituÌ93es que obrigam os Parochos a entenderem
ao menos Latim ao pé da lettra; mas yg<)-os frequentemente dispen-
sados em Braga e Porto, comtanto que mostrassem ter estudado bem
aignm Larraga d'aquellas éras. De sete conegos (n2lo conversos) de
Hosteiro de Villa Boa, so o Prior sabia escrever.»' Vejamos a mesma
tradisse na nobreza.
Spencer, na IntroducqSo d Sdencia social, descreve o estado da
educa98o na Europa, tal comò o vémos repetir-se em Portugal: cBe-
montando bastante longe, achamos os nobres absolutamente analpha-
betos, e, o que é mais ainda, cheios de desprezo pela arte de lér e de
escrever. 9 Sa de Miranda, nas Cartas, allude a este estado da aristo-
cracia para com: €Aj8 Utras — com que d'ardes tmham ffuerra^:
DÌ2ein dos nesso* passados
Que 08 mais nào saJbiam tir;
Eram bons, eràm oosados,
En n2o louvo o nSo saber,
Como algons às g^^as dados;
Louvo muito 08 seus costumes,
D6e-me se hoje nSo sam tais,
Mas, das letras cu perfumes
Donde veu o dano mais?'
Contine Spencer: cNo periodo seguinte a auctoridade anima froi-
1 Synthese subftctiva, p. vm.
^ Carta ao Arcebispo Cenaculo. (Ap. Boletim de Bibliographia portog., p. 12.)
> Caria n, st. 4. Ed. MichaSlis, p. 206.
3*
36 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIBIBRA
xamente 08 estudos que dizem respeito & theologia^ mas toda e qnal-
qaer outra sciencia é altamente reprovada (Hallanii Middle Ages, e. ix^
P. 2.); estlo persuadidos, de resto, que o apprender so interessa aos
padres.» É n'este periodo que se desenvolvem as escholas das Colle-
giadas, ficando por bastantes secnlos os estndos sob a direcsSo dos bis-
pos, e snjeitos & interven^So clerica!. Prosegue Spencer: cMais tarde
ainda, asaltas dasses soletram mal entSo, e pensava-se em que ficava
mal a uma mulher o saber lér. Shakespeare pintou um sentimento do
meamo genero, quando faDa d'aquelles que consideram comò uma bai-
xeza — o possuir uma boa letra. — Até uma època multo recente, mui-
toB grandes proprietarios e gente rica d'està classe, nSo sabia Idr nem
escrever. Depois de ter progredido durante uma longa serie de secu-
loB tSo lentamente a instruc^So, em um so deu relativamente um passo
gigantesco.» ^ A instituiy&o dos mórgados, em Portugal, prolongou oste
analphabetismo dos grandes proprietarios. ' A causa do enorme pro-
gresso da instruc^Ao publica no seculo xix nSo é apontada por Spen-
cer, mas 0 facto coincide com a concorrencia do ensino polytechnico
ou scientifico substituindo o esteril ensino humanistico, prolongado além
do seu tempo pelos jesuitas.
Antes da funda{So das Universidades, comò o ensino estava con-
centrado nas CoUegiadas e Abbadias, era por tanto entro a classe sa-
oerdotal que existiam os homens mais illustrados. A aristocracia con-
tinuava a tradÌ9Zo medieval da ignorancia, comò distinctivo heraldico;
na comedia Atdegraphia, (fl. 43 y) ainda Jorge Ferreira de Vascon-
cellos allude a essa situagSo tomada proverbiai: €MaÌ8 fidalgo é nSo
saber ler.9 CamSes, nos Lusiadas, tambem verbera duramente este
atrazo da fidalguia portugueza. ^ No seculo xm e xiv, alguns portu-
1 Op. dt, p. 82.
' Falcio de Bezende, em ama Satjra do meado do secolo xti, descreve està
8Ìtaa92o:
Mio fallo jà no nudi d« redondeE»,
Cà «m HOMO Portag»! principalmente
Sangue e eaber, por yil metal m piéta.
(Obkas, p. 978.)
Inhabil na ohriiU Pbiloaophla,
Porqne o pae, cego, e tendo por afiVonta
Dia qne qnalqner firadinho iito labla.
(la., p. 295.)
> CamÒes nfto é menos severo com este analphabetismo ariatocratico:
Emilmi aio boaye finte Oapitio
. Qne nio ftww tamhem donto e •dente,
0 ENSmO DAS C0LLE6IADAS 37
gaezes frequentayam as Escholas de Paris e Montpellier, corno se sabe
pria tradigSo de Gii Rodrìgaes, o typo lendario do Fatisto portugaez.
No Candoneiro da Vaticana, vem urna allosSo aos trajos doatoraes de
Montpellier, com que alguns individuos se appresentayam em Portogal
na cdrte de D. Diniz:
Mais yejo-lhl capello dTFltramar,
e traj* al uso bem de MompUher.
(CAHg. n.» 1116.)
A Eschola de Montpellier fòra oonvertida em Universidade em
1289, e por ventura a sua importancia incitou os prelados portoguezes
a pedirem tambem a concessilo de um Estudo goral a KicoUo rv.
NSo admira que ao fìindar-se a Universidade portugueza (de Lis-
boa, e depois de Coimbra) o prìor de Santa Cruz de Coimbra e o
bispo D. Domingos Jardo patrocinassem a nova instiCuÌ9So, conser-
vando centra o seu espirìto secularìsador a feÌ9So elencai que nunca
perdeu até hoje. ' 0 mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, corno de-
scsreve D. Nicolào de Santa Maria, tinha as suas escholas de tal modo
D* Lada, (}reg* ou barbara na^lo,
Senio doi Portugaoseiy tanutómente !
Sem Tergonba o nSo digo
(Los., 0. T, UT. 96.)
Ma» o peor que tado ó qae a ▼entara
Tlo asperos os fèz e tSo anateros,
Tio mdet e de engenbo tÌo remlaso,
Qae a nmitoe Ibe dà poaeo oa nada d*lfao.
(Ibidbm, 97.)
1 No Bkòoqo hietoricO'liUerario da Fooddade de Theologia, o Dr. Motta Veiga
fallando das rendas da Uniyersidade e da offerta de varìoB reitores e abbades para
a sua dota9So, concine : «D*ahi vem tambem, crémos nós, a fsigào eoolesiaatioa
que a Univenidade teve desdt o aeu principio, e que por. secidoa tem comervado, —
/èigào que nera mesmo os EstcUtUos de 1772 poderam ou quizeram tirar^lhe; e que
apegar das repetidas reformas desde 1886 por diante, ainda hqje transpareee em mui»
tas e muitcts eousas.» A ansencia do criterio historìco no auctor do Esbo^o fel-o
confimdir todos os caracteres das differentes épocas; a coopera^ das ordens re-
figiosas corresponde a esse perìodo em que a Egreja acompanhou a nova crise da
emancipa^ intellectoal; no secalo xyi jà os Jesuitas se apoderavam das Univer-
ndades para contaminarem a corrente critica da Renascen^a. Porém no secnlo xym
as idéas encydopedistas penetraram na Universidade, e a Ibeuldcule de PhUoso-
pkia foi a introdnc^So do espirìto scientifico moderno na Universidade.
38 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COUIBRA
oi^nisadaB, qne toda a fidalgnia portugaeza mandava para alli ob
filhoB para serem educados; os prìncipaes mestres do mosteiro iam
aperfeiyoar-se a Paris. Quando a Univeifiidade foi tranfiferida para
Coimbra, em 1537, ficou sob a dependencia do mosteiro de &mta
Graz, cujos prìores tinham a dignìdade de CancellarìoB da UniverBi-
dade, cabendo essa dìgnidade pela primeira vez a D. Bento de Ca-
mSes, tìo do nesso grande épieo naeional. N'esta segunda època da
Universidade predomina no ensino a tradi(So firanceza, da qual ob
Gouvéas e Diego de Teive foram os eminentes representantes; d'està
època proYÌeram os espiritos superiores do nesso secalo qoinhentistai
corno CamSeSy os Silveiras; Antonio Ferreira e outros.
Foi so em 1555 que a Universidade de Coimbra e as Escholas
menores cahiram sob o dominio dos Jesnitas; d'està data em diante
come9a a decadencia da int^lligencia e do sentimento naeional em Por-
tugal, cnjos effeitos se viram em menos de trinta annos, na memora-
vel data de 1580, em que Philippe ii se apoderou de Portugal.
O ensino das Collegiadas tinha side fìindado exclusivamenle para
aquelles individuos que se dirigiam às ordens ecdesiasticas; n'cBte in-
tuito a Egreja, pela becca dos seus homens mais eminentes, condem-
néra a communica9So com os monumentos litterarios da antiguidade
greco-romana. Deu-se porèm na Europa um facto capital, a propaga-
sse da sciencia e da philosophia da Qrecia pelos Arabes. O contraste
entro a educa;8o elencai e a sciencia profana poz em evidencia a ne-
cessidade de alargar a àrea dos estudos. Tal foi a causa por que ob
bispos ampliaram o ensino a todos aquelles que tivessem vontade de
aprender; e està revolu98o semi-secular no ensino, ainda assim foi de-
terminada pelo poder temperai. Cabe a Carlos Magno a gloria de ter
comprehendido està aspiraySo da sociedade europèa, aproveitando-se
do contacto com a civilisa^So arabe no Occidente; no anno de 787
dirigiu Carlos Magno uma circular aoB bispos para que fundassem ea-
cbolas, dizendo-lhes: cNós temos considerado que os bispados e ob
mosteiroB. • . alèm da ordem de uma vida regular e da pratica da santa
relìgilo, devem tambem applicar seus cuidados a eminar os ótjectos das
lettras dgwUes que pela graga de Deus podem aprender, segundo a ca-
paddade de cada um; etc.» Carlos Magno allude n'este documento &
ignoranda profunda que existia nos mosteiros, e condue corno arga-
mento: cAqui està porque nós vos exhortamos nSLo semente para nSo
desprezardes o estudo das lettras, mas tambem, em uma inten^So cheia
de utilidade e agradavel a Deos, a rivalisar em zelo n'este estudo, afim.
que poBsaeB penetrar mais facilmente e mais directamente os myste*
0 ENSINO DÀS COLLEGIADAS 39'
rio8 da Santa Escrìptura;. . . Qae se escolliam para està obra homens
qne tenbam a vontade e a possibilidade de aprender, e o desejo de
* ìnstruir os outros^ e que- isto seja feito sómente na piedosa intengSo
com a qaal nós o ordenamos.» Era a corrente sectdar que arrastava a
Egreja^ e a forgava a aproveitar-se da sua disciplina espiritual para
imiversalisar a instrucgSo.
Carlos Magno proseguiu constantemente no pensamento civilisa-
sador, ordenando pela sua Capitular de 789; que junto dos mostei-
ros e em cada episcopado se estabelecessem escholas de Grammatica^
de Calculo e Musica; ^ e à imita9ào dos kalìfas de Cordova^ o grande
imperador fondava uma eschola no seu palacio^ corno se infere de urna
alInsSo de Alenino. Multiplicaram-se as escholas por toda a Fran9a sob
a direcgSo episcopale mas o espirito secular desenvol via-se, a ponto de
mdividuos fora da Egreja acharem-se investidos com a auctoridade ma-
gistral, e cooperarem inconscientemente para o apparecimento d'esse
grande periodo de actividade mental que comefou com a Universidade
de Paris, a qual serviu de typo em toda a Europa para està nova or-
ganisasSLo pedagogica.
Este periodo de transigSo do ensino clerical para o secular coin-
cide com a proto-Renascenya, determinada pelo contacto com a ci-
vilisag&o dos Arabes no seculo viu, e pela iniciativa genial de Car-
los Magno. Apparecem entSo os Manegaud, os cavalleiros errantes
da Bciencia que visitam as differentes escholas da Europa, sondo con-
vidados para se fixarem nas terras, e recebendo episcopados em re-
conhecimento da sua superioridade. Alguns d'esses cavalleiros, comò
Gerberto, frequentam directamente as escholas arabes, d'onde trazem
om mais adiantado conhecimento da mathematica, e o abaco. E entSLo
que o Trivium, que comprehendia a Grammatica, a Rhetorica e a Dia-
lectica^ se alarga com as Quadrilogias, ou sciencias positivas da Arith-
metica. Geometrìa, Musica e Astronomia. A cultura da Medicina, em
Montpellier, renova-se com a tendencia empirica dos arabes, sondo cul-
tivada por alguns papas,| comò Silvestre ii e JoSo xxij. A velha di-
vismo das sciencias, de Felix Memor, dò T\ivium e Q^adrimum, ' é
1 J. J. Ampère, Hietoire littéraire de la France 80U8 Charles Magne, p. 26
Ed. Didier.
* Ozanan, Dante et la Philoeophie oatholique au zni siede, p. 71, ere està di-
vìb2o de orìgem pythagorica; acba-a j& conhecida por Philon et Tzetzès, sendo
vulgarìsada pelos escrìptos de CaBsiodoro e Marciano Capella.
No romance do Dolopaikos, escripto entro 1222 a 1225, ao descrever-se
40 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
alargada por Gerberto, corno o presentimento de urna organisagSo do
ensino universalista. Para Gerberto a sciéncia é um todo unitario, a
que elle dà o nome de Philoaophia, dividida em dois ramos ou espe-
cies, pratica e theorica: a philosophia pratica divide-se em dispensa-
tiva, distributiva e civU, e a theorica em Physica ou sdencia da na-
tureza, em Mathematica ou sciéncia do intelligivei, e em Theclogia
ou sciéncia do intellectual. Sobre està divisSo escreve Ampère filh^ :
«Era preciso uma grande audacia e uma grande liberdade de espirito
a cduca9lU> do principe Lucimien, vem apontado o sjstema pedagogico das Sete
Artes: '
Quant li mestres aperoén
Son ligier sena e conéa
Plus Ten ainme et plus Ten tient chier,
Dont vet tos les livrea oherchier
Tornie lee fueillet et retome ;
Les .TU. ara liberana atome
Bn .1. volarne ai petit
Qne, al oom Teitoire me dlt,
n le polat bien tot de plain
Endorre et tenlr en aa maio ;
Qui cet petit lloret aoroit
Lea .TU. ara llberax sanrolt.
Premier li enaelgne Gramain
Que mere .est, et prevoate, et maire
De toatea lea arte Ilberaz,
Et il fa cortola et loiaz ;
A IKotecfifiM Ta mia,
Oli ai bien a*en est entremla
Que par volr la men^onge pmeve
Et par force le volr deapraeve.
Pala li enaelgne tioeUriqu»;
Par cel art fa-il coalorez
Et chiers tenuz et honores ;
Là apriat il entierement
Blau parler et eortoiaement ;
En cea .ni. ara al ce prova
O^onkea aon pareli n'en trova ;
Qaant cea .m. ara aot fermement
Lea aatrea aot legierement
Qae QvMÌrta>e apelent cXÌ. meatre
Qae par Tan art font Taatre maiatre
la premereine
Ce flr li ars d*£xlr«iuwMe, eto.
N£o transcrevemoB o resto da descrip^ào das disciplinas quadriviae» sobre
que 0 poeta fonda muitas aventuras do seu heroe ; bastam-nos esses versos para
mostrarem quanto era predominante o syatema das Sete Artes. (Li Romana de
Dolopathos, p. 50 e 51. Ed. 1856. Chez P. Jannet.
0 ENSmO DAS COLLEGIADAS 41
para collocar sobre a mesma linha a pliysica^ a mathematica e a theo-
Ipgia, e fÌEizer d'esses tres conhecimentos tros.s^bdivisSes da philoso-
phia».^ £ n'este facto quo se nota o espìrito de Becalarisa9Soy que en-
trava no ensino da Egreja e que condazia por toda a parte à funda-
9S0 das Uniyersidades.
O que se ensinava nas Escholas da Edade mèdia? Lia-se a Gfram-
matica pelos tratados de Donato e Priscìano, que foram no sectQo xv
snbfititaidos pela grammatica de Alexandre Villa Dei, que ainda n'esse
seculo foi supplantada pela Arte nova; lia-se a Rhetorica, pelos trata-
dos de Cicero ou de Boccio, carregados com todo o pezo dos commen-
tarios ou interpreta93es de cada lente; lia-se a Astronomia pelo Alma-
gesto de Ptolemeo, e a Philosophia, pelas duas parte entEo conhecidas
do Organum de Aristoteles, as CaJthegorÌ4i8 e a Hermeneiia, com a Isa-
goge de Prophyrio. Do conbecimento incompleto da obra de Aristote-
les, e da mistura das suas doutrinas objectìvistas com o conbecimento
do TSmeo de Plat&o, resultou um desvairamento intellectual do criterio,
aggravado pela phrase de Prophyrio — se existe correspodencia entro os
séres invisiveis que a Metapbysica suppde e as no^Ses que a Logica
deduz? D'està desorientafSo nasceu a grande querella philosophica dos
liealistas e Nominalistas, A dependencia do texto escripto, e o traba-
Ibo esclusivamente hermeneutìco ou interpretativo das apostillas, glo-
sas, commentos, apparatos, tudo moldado na inalteravel fórma syllo-
gistìca, creou esse caracter formalista e pedante chamado a Scholas-
tìca, que dominou tanto na Theologia, comò na Philosophia e Juris-
prudencia. Este ensino, tendendo para a dialectìca individualista e anar-
chica, tomou mais violenta a crise revolucionaria da Europa moderna.
Diz Comte: «Tendo prevalecido desde 0 seculo xiu (a metapbysica)
na educagSo entSo instìtuida pelo sacerdocio, ella aspirou directamente
ao governo absoluto da bumaninade, segundo uma combina9&o naturai
da pedantocracia grega com as usurpaySes papaes.» '
A complexidade das leis romanas obrigava os Municipios das cida-
des provinciaes a subsidiarem escholas de Diretto^ em que se ensinava
o conbecimento das fórmulas. N'este estudo entrava comò elemento
correlativo 0, ensino da Rhetorica e da Dialectìca, e 0 da Philosophia
(nas suas tres divisSes antigas moral, dispensativa e civil). Na transigSo
da sociedade antiga a organisa9So curial romana substituida pelo re-
gimen municipal ecclesiastico, 0 Bispo toma-se 0 Defensor dvitaiìs; e
1 HUtoire littéraire de la Franoe saus Charles Magne, p. 290.
' Systhne de PóUtiqut positive, t. ui, p. 511.
42 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
assim corno a fóro civil cae na d^pendencia do fóro clerica!, tambezn
estas OBcholas se tomam episcopaes, e das CoUegiadas, deinorando o
advento das Universidades e Escholas geraes. Moitas d'essas escholas
episcopaes tiveram urna admiravel efflorescencia nos fins do secalo x e
xi| e algomas corno a de Paris e de Oxford, sSo apontadas corno ger-
mens das Universidades. As Universidades nasciam sob o impulso do
espirito secular e individualista, e sondo aproveitadas pelos reis, os pa-
pas embara^avam a sua constituigSo, restringindo a pretexto do ensino
da Theologia a faculdade ulng[ue docendi, oa coadjuvando-as pela con-
cessSo dos privilegios pertubadores do fóro ecclesiastico aos lentes e
escholares. Sem este ponto intermediario às Escholas curiaes, de ori-
gem romana, e aos Estudos geraes^ n&o se comprebendem bem os va-
riados aspectos com que apparecem fundadas as Universidades no se-
dilo XII e xni. *
1 ApontaremoB algumas das Escholas episcopaes e abbadaes, que sao bases
de transi^io para o estabelecimento das Universidades.
No seculo XI floresda na Italia a Escola de Pavia, onde além de afamados
professores, figura em 1032, Lanfranc, explicando publicamenteoCodigojustinia*
neo, e redigindo as snas Sententiae, em que funda a parte theorica do Direito.
É tambem notayel a Escola de Angers, onde em 1010, Bernardo, discipnlo
de Filiberto de Chartres, e JoSo, em 1040, Marbode em 1067 a 1081, e o gramma-
tico Beginaldo, Guilherme, Boberto de ArbrissoUes, Geoffiroj Babion, Anglius e
Ulger, prolongam os seus creditos pedagogicos.
A Escola de Poitiers, estava tambem no seculo zi sob a proteo^ do bispo
Isambert, e om dos seus mais notaveis alumnos Guilherme, recebeu o titulo de Poi-
tiers, porque segundo a phrase de Oderic Vital, «n'esta ddade hébeu largamente
nos mananciaes pkUosophicos»,
Tambem no seculo xi a Escola de Chartres, brilhava pelo saber dos dois pro-
fessores Fulbert e Ivo. Ainda depois de eleito bispo em 1007, Fulbert contìnua a
leccionar até 1029. Ali se ensina a GranmuUica, BeUas LeUras^ Musica, DiolecHoa
e Thsologia. Succede-lhe Fedro de Chartres, Sigon em 1040, Bernardo, e Ivo eldto
bispo em 1091.
A Escola de Paris, aproveitando-se da fixagSo da capital pelos primeiros reis
da terceira ra^ attrae os prindpaes prolessores, e jà no seculo xi n'ella resplen-
decem Lambert, disdpulo de Fulbert de Chartres, Dragon de Paris, ViUaran, dis-
dpulo de Lafrane, e Guilherme de Champeaux.
A Escóla de Seims, tambem celebre, produz Frodoard, e Grerbet, (Silvestre
n, ddto papa em 999) Gervin, Boscelin de Compiégne, os dois Anselmos e Raul
de Laon. Bruno, o fundador da Cartuxa, professa n'essa Escola, sucoedendo-lhe em
1079 Godefroi, que fica o Chancder da Escola.
A Escola episcopal de Toul, é dirigida na època do seu esplendor pelo bispo
Berthold no comedo do seculo xi, professando-se com a Grrammatiea, a Bketarica
0 ENSINO DAS COLLEGIADAS 43
As Eacholas episoopaes foram instituidas para o ensino das Arte»
liberaes por dispoBijSo do Concilio romano de 1078; a Egreja pro-
curava no ensino a anctoridade qae Ihe era dispatada pelo poder tem-
perai com a qaerella das Investiduras. Os tres grandes mestres Lan-
firanci Anselmo e Fedro Lombardo representam a actìvidade montai da
dissoIngZo metaphysica dos Ontologistas, qae no seculo xm trocaram
a Theologia pela Dialectica.
Dorante um rapido momento de fervor, os dois Poderes, espiritaal
e temperai, acharam-se de accordo para favorecerem a renoYa9&o dos
Mtadosy embora a Egreja preferisse a cultura da theologia e da philo-
sophìa, comò se yè pela bidla de Innocencio iv de 1254, e a Bealeza
lìgasse a maxima importancia & fìinda9So das escholas de Junspruden-
eia. E n'este momento transitorio de um accordo que ia quebrar-se
pela antinomia entro o dogma e a rasSo, que apparecem os sabios pon-
tìfices, comò Urbano iv, dando em Eoma uma cadeira a S. Thomas
de Aquino para ensinar moral e physica, Clemente iv protegendo o
genio innovador de Rogerio Bacon, Innocencio v elevando-se ao pa-
pado pelos seus talentos de orador, canonista e metaphysico, e JoSo xxi
(o nesso Fedro Juli&o, mais conbecido pelo nome de Fedro Hispano)
que dota as escholas da Europa com as Summas logicales, o primeiro
compendio que prevaleceu com auctorìdade até ao fim da Edade mèdia.
Do caracter de disciplina permittida para objecto de ensino é que
derivou o nome de Faculdade; em épocas em que se acreditava nas
Mds Artes, (a Ars Magna ou Artimanha, e a Grammaire ou Grimoire)
a Dialectica^ a Jwrùprudmeia^ Um dos seus professores, Adalberon, foi Bispo de
Metz, Branon, bispo de Tool e papa sob o nome de LeSo IX.
A Eecola de Toumai, eleva- se pelo magia terìo de Odon de Orleans, chamado
de Toni pelo Cabido de Tournai em 1085, yindo para ouvil-o estudantes da Bor-
gonha,. da Italia, e de Saxe, e estabelecendorse uma feconda rivalidade das sùas
doutrinas realistas contra a Escola de Lille.
£m Liège, a Escola episeopal desenvolve-se em 855 pelo bispo Francon, que
dirìge directamente as escolas da Cathedral : em 915, Etienne continua activamente
està cultura, Herade de 959 a 971, e Notger de 971 a 1007. D*esta escola saem
Eekebert, os Lambert, o abb. Rodolpho; os seus dois principaes directores sfto
Yozon e Aldehnann.
A Escola de Utreek, deve o seu esplendor aos bispos Batbed (-1- 917) e Adel-
bod (f 1027).
A Escola de Mayence^ é desenvolvida pelo talento de Babau Mauro e Aribón.
A Escola de Oxford, (1037-1039) adquire o seu mùor desenvolvimento sob
Edoardo HI, (10i2) e lucta com a Eccola de Cambrigde prot^da pelo filho de
GuilheTme o Conquistador.
44 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRÀ
a condijSo do ensino estava subordinada à permisBfto. Um monge de
Froidmont, aponta urna didciplina nfto permtttida: cUrbes et orbem
circuire solent scholastici, ut ex multis litteris insani . . • ecce quaerunt
clerici Parìsii artea liberales, Aureliani, auctores, Bononiae codices, Sa-
lerno pyxides, Toleti daemones^ et nusquam mores.» ^ A renovagSo das
Bciendas pelos ArabcB de Hespanha era o movel d'està suspeigSo cen-
tra 0 ensinOy corno se v6 pela tradigSo do Scholar das nuvens, pela lenda
de Gii de Santarem, e magia de Toledo e Covas de Salamanca. No
Cancioneiro da Vaticana^ (canj. n.^ 1132) falla-se em Payo de M€uu
Artes. A permissSo do ensino era propriamente a licendatura, a qual
conforme a importancia ou o privilegio das Universidades dava aos
graduados a prerogativa ubique docendi, sem que tivessem de submet-
ter-se a novo exame.
Depois do terrivel exterminio dos Albigenses, e comò para resis-
tir & corrente da heterodoxia, estabeleceu-se pelo tratado de Paris de
1229, que em Tolosa, & custa do Conde RaTmond, lèssem por dez
annos quatro mestres de Theologia, dois em Decretoa, seis em Artes
liberaes, e dois em OrammcUica. 0 celebre Trovador Folquet de Mar-
selba, que chegou a bispo de Tolosa, foi o mais exaltado impulsor
d'està Eschola, que com o legado do Papa e com o auxilio da Ordem
de Cistér se converteu em Universidade. Nos programmas pomposos
com que procurava attrahir os estudantes de todos os paizes, dedara-se
que nSo ha ali a turbulencia que agita a Universidade de Paris, e que
ha maior Uberdade, por que se ensina ali a Physiea de Aristoteles,
que se achava prohibida na Universidade de Paris. A peregrìna^Slo a
N. S. de Bocamador, incitava a firequencia de estudantes meridionaes
& Universidade de Tolosa; nos Cancioneiros provengaes portuguezes
falla-se n'esta peregrina9So e nas cintas de Rocamador.
A Egreja sentia que a rasSo humana se libertava, e tratou de v€r
se se apoderava outra vez da disciplina dos espirìtos ; no Concilio de
Roma de 1074 estabelece entSo a obrìgafSo de Ihe pedirem licengas
para exercerem a profissSo do ensino, e d'està disposigSo que se toma
effectiva no seculo xn é que deriva o grào aoademico ou universi-
tario de Idcendado. As Universidades ficaram em grande parte este-
rilisadas por està interven9So ecclesiastica, da mesma fórma que na
Renascen^a scientifica do seculo xvi os Jesuitas desviaram o espirito
1 Ap. Th. Camini, La eoUura hclogenèt dei secoli zìi e xm. (GKomale storico
della Letteratura italiana, i, p. 6.)
0 ENSINO DAS GOLLEGIADAS 45
critico para a exclosiva disciplina humanistica das suas escholas. Na
funda(So da Universidade de Lisboa^ o papa Nicolaa iv expede urna
bulla de confirma9So dos Estudos geraes em 1290, submettendo a nova
ìnstituiffto & jurisdicfSo ecclesiastica: «Ordenamos que nenhuns Mes-
tres e escholares, nem os que os servem^ se (o que tal nSo succeda)
acontecer que sejam presos por qualquer delicto, possam ser jidgados
por algum secidar, nem castigados^ a nZo ser que por juizo da Egreja
OS condemnados sejam entregues ao tribunal secular. Item, que os Es-
cholares nas Artes e no Direito canonico e civil e na Medicina, ps quaes
seus mestres julgarem idoneos, possam ser licenciadoa na sobredicta
Bciencia pelo Bispo de Lisboa, que n'esse tempo for, e quando estiver
sède vacante, por meio do Vigano capitular. E todo o mostre que na
mesma cidade fòr exàminado e approvado em qualquer faciddade, ex-
cepto a theologia, prescindindo de outro exame poderà exercer liyre-«
mente em toda a parte essa faculdade.» E assim que no momento em
que o espirito secular, apoiado pelas novas idéas scientificas e philo-
sopjiicas da Renascenja provocada pelos Àrabes, se concentrava na
nova instituigZo pedagogica das Universidades, que a Universidade de
Lisboa se acha à nasconda subordinada aos «abbades da Ordem de
Cister, aos priores das Ordens de Santo Àgostinho e de S. Bento, e
reitores de certas egrejas seculares do reino de Portugal,» comò o de-
termina a bulla de Nioolau rv.
No ensino universitario conservou-se a fei^So elencai com a tra-
digSo das Sete Artes; o ensino da Musica manteve-se por causa do seu
destino ecclesiastico;^ a philosophia critica, em vez de se fecundar
com a sciencia, corno o entendia Gerberto, ficou a ondila theologicB,
degenerando n'essa 6ca dialectica dos Q^odlibetoa, das theses theologi-
cas, em que se tratavam improvisadas questSes, generalisando-se oste
titulo, usado por Henri de Gand, por todas as Universidades no fim
do secttlo xm.
Ao passo que se desenvolviam os estudos humanistas da Univer-
sidade, 0 clero afundava-se em uma completa ignorancia. JoSo Fedro
Kibeiro cita factos estupendos que o comprovam; em um prazo do
Mosteiro de Villa Boa do Bispo, o pri'or assigna, dedarando que to-
dos OS conegos nSo sabem escrever, Isto no seculo xiv! Um rayoeiro
da Collegiada de S. Christovam, no mesmo seculo xrv, assigna de cruz.
1 Amador de los Bios, na HUtoria critica de la LitUraJkura eapahola, 1 1, p.
360, attribne o ensino da Musica na Universidade hespanhola & inflaencia da obra
de Santo Izidoro (Etymolo^as, cap. n De Mugica.)
46 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRÀ
Transcreveremos as proprìas palavras do illustre antiquario: cEm 16
de Maio do anno de 1426 foi confirmado na egreja de Santo AntSo
de Padim, do arcebispado de Braga, Affonso Martina, jurando.nas
m3os do Collador, aprenderia bem a ter e contar y antes do anno oca*
bado. Determinando-se nas ConstituigSes synodaes das dioceses de
Braga e Porto, que nenhum fosse coUado em egreja parochial, sem
que ao menos, ao pé da lettra, soubesse entender o que lia e contava;
comtudo achei um grande numero de dispensas d'està ConstituigSo,
dando por motivo, que sondo examinado àcerca de sacramentos e ca-
sos de consciencia, tinha side achado sufficiente.»
cO bispo do Porto D. Pedro Affonso afirma do seu predecessor
D. JoSo Gomes, do reinado do sr. D. Diniz, o segninte: erat bomu
homo, et eine aliqim malida, sed jura aliqua non audiverat, immo nec
et grammaticalia, quod est plus.»^ Estes tàctos indicam a decadencia
completa do ensino das CoUegiadas, e em que circumstancias o ensino
humanista comegou a ser desenvolvido pela auctoridade real.
0 desenvolvimento das Escholas episcopaes, depois da celebre
bulla de Eugenio n, fez com que os bèneficios ecclesiasticos fossem re-
servados especialmente para aquelles que tinham frequentado os estu-
dos. D'està preferencia, que era um rasoavel estimulo para levantar o
nivel intellectual do clero, resultou o effeito contrario: correram para as
ordens sacras todos os ambiciosos sem voca^Sa, de que tanto se queixa
S. Bernardo. NSo se tratava de adquirir conbecimentos, mas simples-
jnente de simular as condigSes para ser coUado em egrejas rendosas.
A paixSo pelo estudo da Jurisprudencia veiu supprir essa Ssdta de cul-
tura, e jà mais tarde tambem Lmocencio iv se queizava de se reser-
varem os bèneficios ecclesiasticos nSo para os derigos mas para os le-
trados. No Caneioneiro da Vaticana encontramos algumas Sirventes
de Estevam da Guarda, prìvado de D. Affonso in, chasqueando da
avidez com que eram procurados os bèneficios ecclesiasticos à sombra
de uma leve aprendizagem litteraria. Transcrevemol-as pela sua im*
portancia historica:
Ja Martim Vaasques da estrelogia
perdea ben^om polo grand'engano
das pranetas, per que veo a dapno
en que tan muyto ante s'atrevia;
cà o fezerom sem prol ordinliar
por egrqja que Uie nom querem dar,
e per que Ui'é defeza jagraria.
1 R^fiexdea Matoriocu^ de J. P. Bibeiro, 1. 1, p. 45.
0 ENSINO DAS GOLLEGIADAS 47
£ per esto porque ant'el yivia
Ih'é defeeo dea que foy ordinhado,
oy mab se ten el por dasaspenido
da prol do'meflter et da crerezia;
e aa pranetaa o tomarom fol,
Ben egreja, nem eapela de prol,
et sen o mester per que goarecia.
E jà de grado el renun^aria
saa ordiifl per quant'eu ey apreso;
por Ihe nom seer aeu mester defeso
nem er ficar en tanta peiorìa,
corno ficar por devaneador
coroado, et do que he peor,
perder a prol do mester qae avia.
E na corda que tapar queria
leixa crecer acima o cabelo,
et a vezes a cobre com capelo
0 que a mal muy daninhos farla,
mays d*el quant*el a8peran9a perdeu
das planetas desi loga*entendea
que per corda prol non tirarla.
En 0 sen livro, per que aprenden
astrologia, logu* i prometen
que nunca por el mays estudaria.
EsUu cantigcu de dina foranfeUcu a huiijograr que ee preMva d^esbrólogo e
d non savia nada e ffoy-ise cereear, dizendo que averta effrqfa, efivser eoroa, e a
huma ficou cerceado e non ouve egrefa e fezeronUhe estae oanHga» porem, ^
Ora é j& liartim Yaasqnes certo
das planetas que tragia erradas,
Mars e Saturno mal aventuradaa
cigo poder trax en si encuberto ;
ea per Mars foy mal chegad'em pelcja,
et per Saturno cobron tal egreja
sem prol nenhuma em legar deserto.
Ontras planetas de boa ventura
acbon per vezes en seu calandayro,
mays das outras que Ih'andam en oontrayro,
• ciqo poder ainda sobr'el dura,
per b(ia d*elas foy muy mal chagado,
et pela outra cobron priorado
hu ten lazeira en legar de cura.
- CancUmdro da Vaticana, Can^oes n.» 928 e 929.
48 HISTORIA DA UNIVERSIDADG DE GOIMBRA
£1 rapou barva e fez gran corda,
et cerceou seu topete epartido,
et o8 cabeloB cabo do oydo,
cujdando aver per hy egreja boa;
maya Saturno Ih'a guisou de tal renda
hu non ha pam nem yìnlio d'oferenda
nem de herdade milho para borda.
£ pojs el he prior de tal prebenda,
conven qae leix^a cura e a renda
a capela ygual da Ba pessoa. ^
Na prìmeira Renascenga, que coincide com o desenvolvimento ea-
cnpto das lingoas valgares das novas nacionalidades, e em que as Es-
cholas livrea ae concentram em Universidades, introduziu-se alguma
cousa do espirito scientifico das escholas arabes; assim, Rogerio Ba-
con proclamava o grande principio positivo da hierarchia scientifica:
«A Mathematica é a prìmeira de todas as sciencias; precede todas as
ontras e prepara para ellas.» 0 desenvolvimento do poder real, neces-
sitando da renovafSo do direito romano, collabora na actividade do es-
pirito secular. O pensamento liberta-se pelas polemicas philosophicas,
que suscitaram incidentemente o livre exame nas heresias.
As palavras sSo ama verdadeira paleontologia social, e por ellas
se ve indicada està segunda phase pedagogica da Europa: depois do
sentido tradicional da Schola, que trazia implicito um destino eccle-
siastico, seguiu-se no uso commum a palavra Aula, que accentua essa
outra tradÌ9So em que o ensino se cidtiva no palacio do rei, d'onde se
considerou que safram as Escholas Geraes ou as Universidades. A lin-
guagem latina foi substituida pelos dialectos vulgares ou linguas na-
cionaes, e d'aqui veiu essa designatilo de romance paladino, ou lingua-
gem usada no palacio, em contraposijSo & da Egreja (ladinìia ckristenga).
O mestre, que era anteriormente ouvido comò um prégador, comegou
a cingir-se a um texto escripto, e por isso o ensino tomou um outro
caracter em que aquelle que ensinava era o Lente; finalmente o ensino
restrìcto das CoUegiadas é destinado a todos nos Geraes, e nSo sómente
para a disciplina moral, mas para a cultura de todas as sciencias per-
mittidas ou Facuidades, Vejamos agora o que se Ita.
BrandSo, na Monarchia lusitana, allude às cliVrarias publicas nas
Sés Cathedraes e Egrejas parochiaes, para estudarem os que se occu-
pavdm nas lettras, do que ha muitos ezemplos nas historias d'este
1 Brid.^ can^So 931.
0 ENSINO DAS C0LLE6IÀDAS 49
BeynOi e fora d'elle.» ^ Para conlieceriDos a indole d'essas Bìbliothe-
cas, transcrevereinoB em seguida algnns catalogos de Livrarias do se-
dilo X a xiY, por onde se caracterisa o saber e a actividade menta! da
grande època da Pliilosophia Scholastica. Diz Barthélemy Saint-Hilaire,
sobre essa actividade: fEsta muItidSo de escrìptos de todas as especies
e Bobre todas as questSes^ prova que em nenhum tempo a intelligencia
teve urna egnal necessidade de raciocinar^ nem encontrou menos em-
barajOB para satisfazer-se.»'
O modo corno eram trazidos para Portngal os livros mais impor-
tantes que circulavam nos dois grandes fócos de actividade litteraria
do firn da Edade mèdia, Franca e Italia, e o especial valor que desde
lego se ligou à riqueza bibliographica, revelam-nos que entràmos di-
gnamente na corrente da primeira Renascenga e a soubemos sustentar
oom fervor.
cOs nosBOB Bispos, que sempre andaram no caminho de Roma,
traziam de Fran(a e da Italia as Compila9(!leB, principalmente de Gra-
ciano (que comò era dós Concilios de Hespanha, teve logo entro nós
muita auctoridade), as Obras de Durant chamado o Speeulator, de Al-
berico de Rosate, de Guido Papa, que todos escreveram por 1280 até
1300, e de outros. Isto adquiria-se com custo, por nSo haver ainda a
estampa; e com muito mais se adquiria a sciencia; estimavam-se comò
bona thezouros; e d'isso vem os privilegios dos livros, de que se ficou
dispondo separadamente da heran(a sem entrarem no cumulo dos bens,
para a Egreja, ou para a coUafllo entro os filhos, segundo os testado-
res eram ecclesiasticos ou seculares.» ^ Inventariemos essas riquezas
bibliographicas, pelas quaes se infere o caracter das doutrinas domi-
Bantes.
Testamento de D. Mmnadona (de 959) ao Mosteiro de 6uimar9es:
Viginti Libros ecclesiasticos.
Antiphonarios m.
Organum,
Comitum*
1 Op. dtf P. V, Liv. XVII, cap. 82.
' Dice, dea Scieneea jphUatophiquea, vb.<* Scholabtique.
' Villa-Nova Portngal, Època fixa da introducg&o do DireUo romano em Por'
A^MiZ, Mem. da Acad., t. y, p. 895
BIBT. UH. 4
50 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Mantiale Ordinum.
Pscdterios duos.
Passionum et Precum,
Biblioteca,
Marcdium.
Regidas IJ.
Canonem,
Vitas Pcetrum, cum Oerenticon» '
Apocalipsin.
Etimologiarum,
Istoria ecdesiastes.
Dedeca Psalmorum virorom illustrorum, et sub una cortex Regula
beati Pacomii.
Passioìiarii Anibrosii,
Benedicti; Isidori et Fructuosi, e Regula pudlarum, et allium Li-
bellum quod oontinet it est Regidas Benedicti, Isidori, et Fructuosi,
Liber Dialogorum,
Institutionem Beati Effren,
Libdla quod continet Vita beati Martini episcopi^ et VerginitaJte
beate Marie Virginis. (Ap. Portug. Mon. hist., Diplomatae et Chartae,
voi. I, fase. I, p. 64).
Primeira Livrarìa de Santa Cruz de Coimbra:
0 Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, recebeu o seguinte pre-
sente de livros do Mosteiro de Sam Rufo :
«E enviarom-nos
Santo Agostinho, sobre Jóham evangelista, e sobre o Qenesy, que
se chama Adliteron.
Questom sobre Sam Mateus e Sam Lucas.
0 Exam^eron de Santo Ambrosio.
O Pastoral de Santo Ambrosio.
Beda^ sobre Sam Lucas,
pelas quaes cousas somos muitos obrigados ao convento de Sam Rufo,
ca nos ajudou sempre muito bem^ etc.» {Vida de D, TeUOf versilo de
1455. Ap. Mon. Hist,, Scriptores).
0 EKSINO DAS COLUIGIADAS
LÌTraria do Bispo do Porto, 0. Vasco (1331):
Na Doa^So do Bispo D. Vasco & sé do Porto e Cabido, e a
e^ejas, sa èra de 1331, rem enumerados os segaintes Httos:
■Item quinque Tolumìna Sermonum, quator (qaorant?) p
rolnmen ÌDcipit Reverende in Xp.^ Pater etc. et vadit per U
qnmternos et sexternos, et continet io se viginti et noTOm. . . ■
AO CABIDO DO FOBTO :
Umiin Tolamem Dictaminia abi consiatiuit qaator Sume.
Stana Confessorum.
Liber PtmtiJicalU.
Compendiìtm thedogie cam Sermon^m Fr. Johannis Ordii
ttomm.
Quasdam Conclusiones secundutn Thomam super Qaestioml
lÌB super toto Libro Sententiarum.
k EGBEJA DE SBVILHA 1
Reportorìum D. Tusculaui, Buper toto Jure Cawmixo.
Unum Librum Sententiarum, et quandam Lecturam super
Sententiaruin.
L EQBBJA DB LISBOA:
Unum Volomen, in quo erant quidam Sextus L3>«r cnm A
Uba» ArcLidiaconi et Johannis Àndree, et
Domine Don Regulis Jwrìs, et
Unos MandagotUB, Buiper ElecHmie, et
Clementine com Apparata Johanois Andrea, et Apparaium
tua Monachi, ad partem cum quandam Sumam Feudorum posita
ipnos Apparati.
52 mSTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
A EGBEJA DE BOU^AS, DIOGESE DO POETO:
Dao Digesta vetera cuxn Olosa Accursii^ et
XTnam Infordatum cum Glosa Accursii.
Unum Offredum super Infardato, et
Digesto novo, et
Super trìbus Libris Codicia.
k EGEEJA DE S. FEDRO DE TORRES NOVAS:
Unum parvum Volumen.
Alium volumen Decretalium Gregori noni cum Glossa Bernardi.
i EGREJA DE S. FEDRO DE TORRES VEDRAS:
■
Unum Codicem, cum Glossa Accursii.
Unum Innocentium cum Repertorio, et
ComposteUanum.
i EGREJA DE S. THIAGO DB BEJA:
Unum Digestum novum cum Glossa Accursii.
Unum Rosarium super Decreto,^ (Ant. Roselli).
CitadoB no Censual, fi. 120 a 127. (Ap. J. P. Ribeiro, i>»«. chron.j
t. Yy p. 88 e 89.) Attendendo ao pre^o dos Livros no seculo xiv, o
bispo cDedara àcerca dos legados d'estas Egrejas, quo os respectivos
diocezanos yendam os Codices que Ihe destina, e comprem para as
Egrejas calices ou Cruzes de curo ou prata, ou outros omamentos.»
Bìbliotheca do Cabido do Porto (1331)
Ko CaUdogo dos Bispos do Porto allude-se a està Bibliotheca:
cNo anno de Christo de 1331, em dois de Maio,. . . fez o Bispo D.
Vasco doario à Sé do Porto, de certos livros, que se guardassem na
sua liTiariai e que se nSo pudessem nunca vender ou empenbar; mas
se algum Capitular os quizesse lér em sua casa, deixasse um penbori
para que se lembrasse de os restituir brevemente: os nomes dos livros
0 ENSINO DAS COLLEGIABÀS 53
sSo escriptoB na meBma doagfto^ e de algons d'elles temos agora bem
pouca noticia.» (Cat., p. 94, Part. u).
No livro do Cartolario da Sé do Porto intìtulado o CeiMual, de
qae J. P. Ribeiro apresentou om perfeito resnmo, {Diss. chron., t. v,)
yem minudencìada està doagSo, qae acima extractimos, e que nos re-
vela as rìquezas bibliographicas do Bispo D. Vasco.
*
Livraria do Bispo D. Vicente (1334Ì :
0 testamento do Bispo do Porto, D. Vicente, da èra de 1334,
traz a segointe enumeragSo de livros :
Decretalea nostras.
Digestum meum vetus.
Santal et Domingcd.
Forciatum et Uguicium, sive Guichom. (Ugoccionei 8uma de Der
cretos),
Librom de Vita Sanctorum.
Bihliam manualem.
Librom de CwUate Dei.
Codicemj Cancordanticia.
Do Censtiol do Porto, fl. 109, % (Ap. J. P. Bibeiro, Diaa. chran.,
t. V, p. 83).
Livraria do Bispo D. Sancho (1334) :
No testamento do Bispo D. Sancho, escrìpto na èra de 1336, dis-
p8e de:
hoas Decretaes com os seos Casas . . .
o sen Decreto^
e seu Digesto. (Diz qoe estodara em Vaihadolid);
«0 seo Innocencio
e soa Instituta, a seo irmSo Estevam Perez • . •
bum Breviario.^ Censual, fl. 112, f. (Ap. J. P. Ribeiro, Diss.
fhron.f t, V, p. 85).
Livraria de Vasco de Scusa (1359):
No Formai de partilhas oo Inventario de Vasco de Scusa, com-
merciante e cidadSo do Porto, vem descrìptos os seguintes codioes que
possuia:
54 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
cvinas Degretaes em lìngaagem;
nm Rabi Abd;
um. 8eÌ8to em pargaminho;
mn Sestìmo em papel; e
tres cademoB em pargaminho de Terceiro-^.
JoSo Fedro Ribeiro, nas ReflexZes higtoricas, (ì, 9) diz: cNSo é
pertanto novo, até na cìdade do Porto agermanar-se a Litteratara com
o Commercio; aonde nos nossos dias temos visto tantos capitalistas e
negociantes condecorados com os gr&os academicoB.»
A Livraria mannscripta do Mosteiro de Alcobaga:
É indisputavelmente uma das mais opulentas collec$8es manu-
-scriptas da Edade mèdia da Europa, hoje desmembrada entro a Biblio-
theca nacional e o Archivo da Torre do Tombe. 0 visconde de San-
tarem que yisitou està Livraria quando ainda ostava em Àlcobagay ahi
ezaminou um codice do seculo xi, (traducjSo da Eegra de Sarti Sento)
e dez codices do seculo xu «entre os quaes se achava uma Bibita
doada por D. Affonso i| rei de Portugal.» ' Do seculo xin possuia se-
fenta e deus manuscrìptos; notando especialmente dois Dicdonarioa
geographicos latinos do monge Bartholomeu, um Vocaòulario latino por
Fr. Affonso de Louri$al, e um exemplar das ConfasZes de Santo Agos^
tinho copiado por Fr. Theotonio de Condeixa. Do seculo xrv apontou
o erudito visconde de Santarem setenta volumes, e vinte e tres do se-
colo XV ; e comparando estas immensas riquezas com as da Biblio-
theca de Louis de Bruges senhor de Gruthuxys, cnjos 106 volumes
estSo hoje incorporados na Bibliotheca Nacional de Paris, concine :
ci.® Que nenhum manuscripto da CoUec^So de Louis de Bruges
remonta élem do seculo xni, ao passo que a CoUec^So de Alcoba^a
possuia 10 do seculo anterior.
2.* Que a de Louis de Bruges possuia sómente quatro manuscrì-
ptos do seculo xui, em quanto que a Collec9So da Batalha possuia 72
d'esse seculo.
3.® Que a refenda coUec^So depositada na Bibliotheca de Paris
possuia dezoito manuscrìptos do seculo xiv, e a de Alcoba^a 70.
4.^ Que do seculo xv a collec(So de Louis de Bruges apresenta
1 Notu addiHoMUes à la Lettre au baron MieUe, p. 15.
0 EMSINO DAS COLLEGIADAS 55
oitenta e dois manuscriptosi em quanto que a de Àlcobaga tem ape-
nas 23.» «
Exiate nm Catalogo dos Codices da Livraria de Àlcobaga attri-
bnido a Fr. Francisco de Sa, publicado em 1775, que deu logar a
aceradas polemicae, e a revela^Ses curiosas sobre falsifica^Ses de ma-
nuflcrìptoB pelos frades de Alcoba;a. Fr. Joaquim de Santo Agostinhoi
na Memoria sobre os Codices mss, e Cartorio do Beai Mosteiro de Al-
coba^j ' mostra corno se cercon a Biblia do seculo xiv da lenda ficti-
cia de ter side tomada ao rei de Castella na batalba de Àljubarrotai
e corno é ficticio esse pretendido chronista Laimundo, capelISo do Bei
Rodrigo o yencido de Guadelete. Entro os eruditos de Alcoba^a pene-
troa esse espirito, notado por Mabillon, o qual por inteiesse clerical vi-
ciava OS documentos juridicos ; e a eschola dos falsos ChronicSes, come-
9ada no seculo xv por Annio de Viterbo, achou em Alcoba^a um emi-
nente discipulo no joven e phantasioso Fr. Bernardo de Brito. Os Codi-
ces escriptos em portuguez silo da maxima importancia litteraria; nSLo
sera facil justificar a sua attribuiflo aos auctores assignados no Cata-
logo de Fr. Francisco de Sa, mas nem por isso deixam de ser rigoro-
samente authenticos e yerdadeiras origens da Litteratura portugueza.
PAKTB LITTERAKIA DOS MSS. DE ALCOBAgA
Pergaminbo do seculo xv, em gothico, por Frei Zacbarias de Payo
Pelley Historia do Cavalleiro Tunguli ou Tundal, (Cod. ccxLiv.) N'este
codice yem tambem um Catbecismo de Doutrina cbristS em vulgar.
Frei Roque de Thomar, traduz do castelhano em 1399 uma obra
asBÌxn inscripta: ^Come^-se opobre Livro das Confissdes, dito assi, por-
que he feito e compellido para os Clerigos minguados de sciencia, epor-
que he assi corno mindigado e apanhado dos Liwos de DireUo e da Sa-
grada Theologia.3 (Cod. CCLn).
Vitam 8. Brandani Abbatis magni, et admirabilis ex Regali Hi-
bemorum stirpe. (Cod. cclvi).
TraducjSo De InstittUione Coenobiorum et CoUatìones Patr. Jean.
Cassiani, por Frei Lopo de Santarem e Frei Baptista de Alemquer.
(Cod. ccux).
Os Psalmos penitenciaes de Francisco Petrarcha. (Cod. CCLXI).
1 Id. ibid., p. 20.
> Mem. de Litt, t. y, p. 297 a 362.
56 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
O Codice CCLXVI, m-4.^ magno, em pergaminhoi do firn do se-
fieculo XIV, traz em portaguez:
Vida angelica do infante Josaphat, JUho de Avenir^ rei indiano. ^
Vida de S. Euphrorina, JUha de Panucio.
Vida de S, Maria Egypdaca.
Vida de S. Tharsis.
Vida de Santo Aleùeo Confessor.
Vida de certo Monge,
Exposi^ do Decalogo segundo a Doutrina da Egreja,
Narragao da Morte de 8. Jeronymo.
Medita^es sobre as Horas Canonicas.
Historia de um Mouro que desejou ir ver o Paraiso.
Historia do Cavalleiro Tubuli. (Tundal).
Symbolo da Fé.
Cod. CGLXX: traduc^So portugueza De contemptu Mundi.
Cpd. CCLXXiii, iii-4.°: Orto do Esposo, de varios logares da Es*
criptura, dos Prophetas e Santos Padres, dimdido em diversos capUuIoB
com muitos Exemplos, por Frei Hermenegildo de Tancos.
Cod. CCLXXIV : Oatra tradac9So do Orto do Esposo, e dos Livros
de S. Cassiano De Institutione Ccsnobiorum.
Cod. CCLXXVi : Livro ascetico intitulado Castello perigoso, do se-
culo XIV.
Cod. CCXCi: Vida de S. Bernardo, tradazida por Frei Francisoo
de Melgafo (secalo xiv).
Espdho de Monges, composto por Frei Francisco de Melga90.
Tradac9fto do tratado De Anima, de S. Bernardo.
Cod. ccc: Regra de S. Bento, tradazida por Frei Martinho de
Aljabarrota.
Cod. CCCii: Vitam Caroli Magni et Rotondi, quae a Tarpino scri-
pta fingitar.
Cod. cccxxiv: Dos Partidas de Castella, fol. do secalo xiv.
Cod. CCCXLix: Traduca do Vdho Testamento.
I Barlam e Josaphat; é o titolo arabe Baralàm e Jèuàaef, traduc^fto da lenda
budhica proveniente do Lolita Vistava, Renan identifica o nome de Josaphat com
0 de Budha: «Josaphat é uma altera^So de Joasaf, fórma empregada pelos chris-
tSos orientaes, que tambem ó ama altera^So de Budasf {= BodhisaUva) em oonse-
qnencia dos erros que produz no arabe a omisslo das pontos diacrìticos.» (Nou^
velUa Étvdes éThist. rdigieuse, p. 133). O monge Jo2o de Damasco eztrabiu a lenda
budhica de uma redac^o sjrìaca. (Jomal asiatico, vn serie, t. zrin, p. 159, onde
Be citam os principaes estudos criticos).
0 ENSINO DAS COLLEGIADAS 57
Quaedam excerpta ex Laertio, De vita et Tnoribm Philosophorum.
(Cod. CCLXV).
Cod. cccLXXvn, iii-4.° gothico :
Arìstotelis 8 Libros Topicorum \
daos Elenchorum \ conformeB à ed. de Paris de 1538.
JDialecHcam )
Cod. GCCLXXViii: Roberto; ExpoBÌ9So dos 7 livro^ doa Topicos.
Cod. 379 a 382: Mss. in-4.^ fol. com Logica, Metaphysica e oa-
tro3 tratados segando as idéas peripateticas.
Cod. 383: Thomaz de Aquino^ De Potentiis Animae, De Natura
McUeriae.
Cod. 385: Obras de Raymundo Lullo, Compendio da Arte demon-
strativUj Arte inventiva da verdade,
Fedro Lombardo, Libros SenterUiarum, Cod. ccxx (seculo xii vel
XIII.) Cairo (ocxxiy) Commentarios de S. Thomaz de Aquino. (Cod.
ccxv). .
S. Thomaz de AquìnO| jSumma Theologica, Cod. ccxxmi, e ix.
Livraria da cOrte do rei D. Diniz:
Pode-se formar um elenco approximado da Livraria d'este grande
monarcha, pelas referencias dos manunscriptos coévoa; citaremos as
seguintes obras, que synthetisam o gesto palaciano em uma córte da
Edade mèdia:
Estoria geral de Hespanka. .
Traduc9&o das Partidas de AfFonso o Sabio.
Tradac9So da Chronica d'Altnansor, do medico arabe Rhazea, por
Gli Pires.
lÀvro Vdho da8 Linhagens.
Nobiliario do Conde D. Fedro,
Poemas de TristSto e Yseult.
Flores e Brancajlor,
Novella de Amadis de Oaula.
Merlim.
Roman de Brut.
Roman des Douze Paires.
Livro das Trovas do Rei D. Diniz.
Livro das Cantigas do Conde de Barcellos.
58 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
$
«•
As Cantigas de Affonso o Sabio.
Aristotdes.
Historia de Traya,
De concordantìas ibilinarum Carmen cura Prophetarum oraculis, de
GastSo de FoX| traduzida por D. Fedro GalvSo, arcebispo de Braga.
Ab obras guardadas nas Bibliothecas clauatraes, episcopaes e reaes
da Edade mèdia encerravazn os germens litterarios sobre que havìam
de trabalhar os creadores das Litteraturas modemasy e sobre que ti- ;
nham de exercer-se as liDgaas nacionaes. A VisSo de Tundal contém
0 grande thema sobre o qaal Dante elaborou a Divina Comedia; a
Chnmica de Turpin fecunda as imagina93es creadoras das Gestas Car-
lingianasy taes corno o Roman dea Douze Pairea e a Chanson de Ro"
land. A historia de Barlam e Josaphat, que suscita a invenfSo len-
daria dos Agiographos, revela a uniSo da cadeia tradicional entre o
Oriente e o Occidente; refor9ando a continuidade mantida pelos vesti-
gios do saber grecoromano. Emfim; a Epistola do Preste Jocto ao Im*
perador de Roma yem desde o seculo xii entre as relafSes apocryphas,
junto com as rela9Ses de 8, Brendan e prophecias de Merlim^ acor-
dando o espirito de aventura, que levou os portuguezes a iniciarem as
expedigSes maritimas preoccupados em descobrirem esse reino myste-
rioso do Preste JoSo das Indias. Quer pelo lado scientifico, philosophico
ou poetico, este balango intellectual de urna època que vae transfer-
mar-se encerra o mais dramatico interesse.
CAPITULO n
0 Estndo Cerai em Lisboa, e a facnldade Ubiqne docendi
(1288-13S0)
Emancipa^ao do thieologismo no seculo ziiz e o grande intereese pelos estudos hu-
manistas. — Bela^ào intima entre a Pedagogia e a Politica: As Universidades
seculares e o advento do Terceiro estado. — Influencia das traduc^oes arabes
Bobre a propaga9So dos estudos homanistas. — A Cathedra germen de urna
Uniyersidade medieval; a Schóla, do typo juridico e rhetorico de Roma e
Constantinopla, reapparece pelo desenvolvimento da Cathedra em um Estvdo
girai, — Feryor pelo eetudo das Leis, e o ensino das Faculdades permittidas.
— Primeira accep^ào da palavra Universidade, dada à coUectividade dos
Mestres e Estudantes. — Fórma da incorporagào da classe escholar d ma-
neira da Guild ou das Irmandades peninsulares, d*onde a func98lo do Recior
e do Condliario* — A investidura do grào comò de pequeno Cavalleiro (Bas-
chelor) e a Birreta sjmbolo romano da manumissSo. — Os papas coadjuvam
contra-yontade a fondaco das Universidades. — Nicolào IV e as tres uni-
Tersidades de Montpellier, Macerata e Lisboa sob o seu pontificado. — D-
Diniz conhece a necessidade de fundar um Eatudo geral em Lisboa. — A
lucta com o clero superior por causa das Jarisdic^oes demora-onarealisa^ao
do seu pensamento. — Representa^Io de yarios Priores e Abbades offerecendo
para o Estudo geral parte dos seus rendimentos. — D. Diniz acceita-os, e funda
antes de 1288 a Uniyersidade em Lisboa. — Eepresenta^So dos Priores e
Abbades a Nicolào lY pedindo a concessSo para a cedencia de parte dos
seus rendimentos. — Bulla de confinna9£o. — A concessAo do fóro ecclesiastico
aos escholares, e lucta d^estes com os burguezes. — Influencia de Afifonso o
Sabio em seu neto D. Diniz, e influzo da Uniyersidade de Salamanca na
crea^So da de Lisboa. — O ensino da Theologia particularisado &s ordens dos
DominicanoB e Franciscanos, repreientantes dos Nomjnalistas e Bealistas. —
Traslada^io da Uniyersidade para Coimbra em 1307; reposta em Lisboa,
em 1338; outra yez transferida para Coimbra em 1354; fixa-se em Lisboa
depois de 1377. — A Uniyersidade obtem a faculdade Ubique docendi em
1380. — Centralisa^ dos Estudos.
É no Boculo xiu que a razSo humana cometa a emancipar-se do
theologismOi bem longe de poBsoir ob elementos para se elevar à sjn-
these poBitiya; é no secalo xiii que as classes servas attingem a di-
60 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
gnidade civil, sem comtudo poderem ainda affirmar-se corno um poder
«ociàl. O aeculo xiii foi, corno diz Comte «sob todos ob aspectos o
precursor directo da revolugSo occidental.» À necessidade de recon-
atitair um novo Poder espiritual manifesta-se mesmo dentro da Egreja^
vendo-se os Papas e os altos dignatarios do sacerdocio cooperando para
a crea9So das Universidades ou Estados geraes. Refetrindo-se a este
estado de espirito que desprezara o theologismo para cultivar as scien-
cias humanas, escreve Comte: «A incredulidade desenvolveu-se sobrd-
tudo no sacerdocio regular, e entro os grandes dignatarios do clero
secular/ mais bem coUocados para apreciar o conjuncto das tendendaa
modemas.»' Està iniciativa sacerdotal apparece na supplica dos Ab-
> bades e Priores ao rei D. Diniz e ao papa Nicolào iv, para o estabe-
^lecimento de um Estudo geral cm Lisboa. A necessidade de reconsti»
tuir 0 Poder temperai, tfto difficil corno o problema anterior, achou nos
JurisconsultoSy que fizeram renascer o Direito romano, a cooperarlo
necessaria para se definirem os direitos reaes magestaticos, para ac-
centuar a impersonalidade da lei sob a instituiyfto do Ministerio publico,
e para realisar-se desde o seculo XV a dictadura tempora! das monar-
chias absolutas, base de ordem empirica na grande e prolongada revo*
IxKjSio Occidental. Comte caractarisa admiravelmente a influencia d'estea
dois factores moraes, que imprìmiram direc9Ao à historia moderna da
Europa:
«Os metaphysicos e os legistas tomaram-se os orgftos respectivos^
mais apparentes do que reaes, da influencia espiritual e da auctoridade
tempora! propria & revolu9fto occidentale que, segundo a divisSo dos
dois poderes, se conformou portante & separaySo irrevogavelmente ea-
boyada na Edade mèdia.
«Apesar da intima communidade de origem, de educaySo, e mesmo
de costumes, os Jurisconsultos devem ser sempre distinctos dos Onto-
logistas, acima dos quaes a vida activa os coUocou immediatamente. Pro-
duzidos pelo feudalismo, comò aquelles entro o clero, elles mereceram
por multo tempo a confianra que o antigo poder tempora! e o novo
elemento pratico cpncordaram em attrìbuir-lhes, conforme a genera-
lidade das suas vistas polìticas. OrgSos passageiros de uma funereo
equivoca, que confunde a appreciarSo espiritual e a repressSo temperai,
elles foram por isso mesmo, incapazes de mandar, e acharam-se mais
dispostos a fomecerem uteis instrumentos &s forfas susceptiveis de
prevalecer.
1 Comte, Syethne de Politique ponHvt, t. lu, p. 509.
O ESTUDO 6ERAL EM LISBOA 6 1
cQuanto aos metaph^sicos, que, apezar das suas formas pedantescas
oraxD sempre, corno ainda hoje, mais litterarìos que philosophicos, a
sua inflaencia permaneceu, durante toda a transiga moderna, mais no-
civa do qne util, tanto ao espirito corno ao cora9So. Productos para-
ritas de um ardor theorico que precedia fatalmente o seu verdadeiro
destino, estes discursadores, dignos successores dos sophistas gregos,
nXo comportaram outra efficacidade a nSo ser a de propagar por toda
a parte a emancipa9fto completa.»^
No seu fiindamental Diacurso sabre o estado das Lettras no secula
XIV, Victor Ledere considera a institui^So das Universrdades corno
simultanea com os Parlamentos «annunciando pelos seus progresso»
ama das transformaQSes da antiga sociedade, o advento do terceiro es-
tado.» * Na historia da pedagogia importa conhecer sempre as rela98es
que existem entro as doutrinas que constituem a instrucfILo individuai
e aa fórmas por onde se aperfei($a a organisa^So social. A ausencia
d'este criterio tem tornado improficuas as observa98es d'aquelles que
analysam as inBtituÌ98e8 escholares, reduzindo todas as suas suggestSes
e planos de reforma à mais deploravel inefficacia. No periodo historico
em que os Jesuitas dominaram a instruc9So publica da Europa, elles
separaram estes. dois problemas, impondo disciplinas e methodos de
ensino exclusivamente litterararios em contradic92Lo com a tendencia
experimental e de livre critica com que come9ou a renascen9a scien-
tifica do seculo XVI. Augusto Comte relacionou sob o ponto de vista de
urna applica9So social estes dois principios, a conformidade da educa92L0
individuai com a direc9So tempora! da sociedade, ambas derivadas das
mesnaas no9SeB scientificas. Assim Pedagogia e Politica sSo os meios
praticos por onde uma doutrina philosophica pode harmonisar o des-
envolvimento individuai com o progresso da sociedade. Na marcha bis-
torica da Europa, nem sempre as capacidades dirigentes tiveram conhe-
dmento da intima rela9So entro a Politica e a Pedagogia; e em rigor
póde-se affirmar, que a sua dependencia imperscindivel de uma dou-
trina pbilosophica està ainda longé de ser comprehendida. As grandes
msea do ensino europeu caracterisam-se pela simultaneidade com os
profandos abalos politicos : o ensino secuLar das Universidades estabe-
lece-se conjunctamente com os Parlamentos e concorrencia do Ter-
oeiro estado, assim corno o ensino scientifico das Poljtechnicas, orga-
^ Comte, Systhne de PoUHgut pontive^ t. m, p. 527.
' Op. dt., 1. 1, p. 262.
62 HISTORIA DA UNIYERSIDADB DE COIMBRA
nisado pela Coiiyeii9Ao franceza, é ama resultante do phenomeno da
dÌBsolu9So do regimen catholico-feudal no firn do secalo xvni.
. Investigaemos està primeira crise.
A Egreja renegàra a tradifSo da caltara greco-romana, e foi pela
inflaencia dos Arabes que se despertoa o interesse pelos estudos scien-
tificoB e philosophicos, que determinaram a renascen$a intellectual da
Europa. Como se reatou està continuidade? Depois que a religiSo
christS se tomou politica, sob Constantino, ella dirigiu o poder tem-
perai para a destruÌ92o do hellcnismo ; em 529 o imperador Justiniano
publicou um edito mandando fechar todas as escbolas philosophicas, e
segando o historiador byzantino Agathias, os eruditos e philosopbos
Damascio, Simplicio, Eulamios, Prisciano, Isidoro de Gaza, Hermias
e Diogenes de Phenicia foram procurar asylo na cSrte dos Sassànides,
na Persia, onde reinava o celebre Chosroes Nushirwan. Tal foi o facto
que originou a communica93o dos Arabes com a civilÌ8a9&o hellenica,
e foi na occupaffto do Occidente que elles pelo esplendor das suas es-
cbolas deslumbraram Carlos Magno, o grande organisador da Europa.
As obras de Aristoteles formavam ama vastissima encydopedia consti-
tuida por sciencias experìmentaes, em que se reconhecia a superiori-
dade do criterio objectivo; as explica93es, os commentarios dos que
as estudavam fomeciam ao espirito urna activìdade critica e a prepon-
derancia do ponto de vista humano. As traduc93es arabes das obras
mathematicas de Euclides, do Almagesto de Ptolemeu, das obras me-
dicas de Hippocrates, do Organum de Aristoteles, do Phedon, Ora-
tt/lo e LeÌ8 de Platfto, revelaram novos horìzontes & intelligencia, que
estava atropbiada pelos escholasticos, que reduziam a in8truc92o ao
fim exclusivamente sacerdotal. Està nova corrente hellenica conserva-
ra-se entro os christSos nestorianos, e mesmo no sul da Fran(a a exis-
tencia de um mosteiro onde se conservava o rito das egrejas de Smyma
e de Constantinopla, explica-nos com que facilidade se acceitava o con-
tacto com as escbolas dos Arabes. Aquelle que trazia a inicia9fto scien-
tifica d'essas escbolas, e que possuia o segredo da interpreta9So das
doutrinas da Grecia, afastado das CoUegiadas, abria o seu estudo em
um legar isolado, e a fama da sua capacidade attrahia de todas as
partes da Europa as intelligencias àvidas de saber, que vinham acer-
car-se com ferver da sua Cathedra. Os discipulos vestiam-se com a toga
dos philosopbos antigos, e d'aqui veiu o costume das vestes talares
nas Universidades; o estudo fazia-se debaixo dos arvoredos ou nos lo-
gares elevados, d'onde veiu o chamar-se ao Monte de Santa Geno-
veva, onde se fundou a Universidade de Paris, a coUina dos Doutores.
0 ESTUDO 6ERAL EM USBOA 63
Urna Cathedra era o minimum de urna Uaiversidade; assim abrem-
se em Salerno e Montpellier Esckólas especiaes para a Medicina e para
o Direito, desenvolvendo-se em determinados cursos com mais cathe -
dras e cathedrilhas Bupplementares. Quando se alargou o quadro das
disciplinas em um Eatudo geral, é entfto que apparece o lypo pedagogico
da Universidade comò as de Paris, Oxford, Bolonba, Padaa, Salaman-
ca, Napoles, Upsal, Lisboa e Roma. Em Roma, no tempo de Ulpiano,
existiu eschola especial de Direito; em CoUstantinopla, estabelece-se
em 425 uma Eschola publica com vinte cito professores de Litteratura
grega e romana, um de Philosophia e dois de Direito,^ estipendiados
pelo estado. Este caracter humaniata, com que se funda a Eschola de
Constantinopla, reapparece nas Universidades medievaes, em que a
Grammatica, a Dlalectica e a'Rhetorica constituem q curso das Artes
incorporado com as outras Faculdades, sendo do grupo dos seus gra-
daados escolhidos os Reitores, comò notou Victor Ledere na Univer-
sidade de Paris, onde os estudantes de Artes tinham a maioria nas
eleÌ95es escholares. E d'este caracter humanista, em que o Direito se
ensinava nas escholas de Rhetorica e de Dialectica para os que se diri-
giam à adyocacia, que se conservaram mais tarde incorporados no Es-
tttdo geral os Collegios de Artes, e se conferia o grào de Doutor em leU
tras. Alcuino, na descrip9So da Eschola de York, apresenta comò con-
stituindo 0 seu quadro pedagogico a Ghrammatica, a Rhetorica e a Jwris-
prudenda. ' Nas Acta Sanctorum indica-se naVida de S. Bonitus d'Au-
yergne os seus conhecimentos de grammatica, dos decretos de Theo-
dosio, e dos recursos da dialectica. Nas escholas de Pavia, comò se ve
na Vida de Lanfranc, ensinava-se segundo o costume as Bellas Lettras,
a Jurisprudencia e o exercicio da Oratoria. Chamavam-se Sententiae
08 principioB ou regras geraes de Direito que se invocavam nos dis-
cursos do exercicio rhetorico. No poema de Wipo, Panegirico de flen-
rique III, pede-se ao rei que organile os estudos na Allemanha, em
que se cultivem as Lettras e as Leis, concluindo :
Moribus bis dudum vivebat Roma decenter,
Bis stadiis tantos potuit vincere tjrannoB,
Hoc servant Itali post prima crepundia cnncti. '
1 Savigny, Historia do Direito romano na Edade mèdia, cap. v.
* Id., ibid., cap. vi, p. 860.
^ Canisio, t. iv, p. 167. Ap. Savigny, op. cit
64 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Estes eetudos conservaram-se dorante toda a Edade mèdia; pò*
rem, 0 fervor que mereceram os estndos das Leis, pela &ca9So do
poder realy é que determinou o desenyolvjmento das cadeiras especiaes,
formando o typo da Universidade. 0 Concilio de Rheims; de 1131, pro-
hibia espressamente aos monges e conegos regularea o estudo das Loia
civis e da Medicinai e o uso da advocacia com espirito de cobi(a. * O
papa Innocencio iv, na bulla de 1254, lamenta o facto do abandono
da Pbilosophia e da Theologia, pelo estudo das Leis civis, que condu-
zia às dignidades ecdesiasticas e aos beneficios. E termina a bulla:
< Consequentemente decidimos pelas presentes, que de ora em diante
nenhum professor de Jurisprudencia, nenhum advogado, seja qual for
0 logar ou a reputa9lo de que gose na faculdade de DireitO; nSo pò-
derà pretender às prebendas, honras e dignidades ecclesiasticas, nem
mesmo aos beneficios inferiores, se elle nSo der as provas de capaci-
dado exigidas nas faculdades das Artes. . .»^ Eram éssas as Facvldc^
ilea permittidas, que se ensinavam sem dependencia da auctoridade pon-
tificai; assim no Estudo geral nSo entrava a Theologia, concessilo pela
qual OS Papas ficaram com ingerencia nas Universidades. A obscuri-
dade que reina sobre a origem das mais antigas Universidades da Eu-
ropa resulta da falta de conbecimento da continuidade bistorica que
existiu entre as Escholas humanistas do trivium e quadrivium com os
Estudos geraes, ^ Àinda no seculo xvi escrevia o illustre poeta Anto-
nio Ferreira, que frequentara os estudos litterarios no Collegio real de
Coimbra, ao principal Diego de Teive:
NSo fazem damno as Musas aos Doutores,
Antes ajuda a suas Lettras d2o. . .
A tradÌ9Ao pedagogica das antigas escholas de Direito de Con-
stantinopla e Beryto reappareceu nas Universidades, nos cursos de ciuco
annos. Os alumnos de cada anno tinham nomes ou alcunhas peculia-
res: os que frequentavam o primeiro anno eram os Dupondii (do mi»
nerval que pagavam^ o dupondium, que valia dez ossea); os do segundo
1 Histoire liUércdrt de la France, t. vn, p. 151 e 152,**Tailliar, Précis de
rmst des Inat^ p. 114.
* Ap. Ozanan, Dante et la PhUosophie catìiolique, p. 431-433.
' Depois da reoascen^a do Direito civO, a importancia dos estudos medicos
pela vulgarìsa^So das obras dos Arabes tambem contribuiu para o desenvolvimento
do Estudo geral.
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 65
anno eram denomìnados Edictales, porque estudavam o Edicto com-
mentado por Ulpiano; ob do terceiro anno, embora continuassem o es-
tado do EdictOi eram denominàdos Pajnnianùtas, porque estadavam
as Responsa Papiniani; os quartanìstas eram os Lytde, palavra grega
referente à B0IU980 -dos enigmas das leìs que propunham em disputas
entro si; os qointanistas eram chamados os Prolytae, por contìnuarem
as dispntas applicadas às Consti taÌ93es imperiaes. Sob as reformas do
ìmperador Justinianoi embora se modificassem as doutrìnas do ensino
de cada anno, conservaram-se os tìtulos escholasticos, com excepfSo
do8 que frequentavam 0 primeiro anno, que trocaram 0 nome offensivo
de Dtipondn por Jìxstinianistaa. '
O nome de Uhiveraidade empregou-se, na primitiva accepgSLOy
corno designando a coUectividade dos mestres e estudantes, Universi'
tas magistrum et scholarium, E do caracter social que tomou està cor-
pora$So pedagogica, moldada segundo as irmandades ou guilds, com um
fòro civil privilegiado, é que 0 nome de Universidade veiu a prevale»-
cer sobre a designagào de Estudo gerody que significava mais a reuniSo
das disciplinas pedagogicas. 0 espirito associativo é 0 que transparece
nas designa93e8 communs do fim da Edade mèdia, Universitas studii,
e Universitatia coUegium, que algumas ordens monasticas pretenderam
conservar imprimindo-lbes o individualismo do seu instituto.' 0 cara-
cter associativo da classe escholar, tomado das guilds germanicas ou
das jurandas e irmandades, apresenta nos seus cargos as mesmas ca-
thegorias de chefes: 0 Rector scholarum, eleito pelos estudantes, é em
tado similhante ao Rector societatum; e comò a associa9So escholar era
formada pela federa9lllo dos estudantes estrangeiros, competia-lhe a in-
terven9So de um Consiliarius (o Cancellano), que regulava as rela98es
dos grupos nacionaes, ^ comò 0 ConsUtariiis da guild.
1 Charles Giraud, Hiat du Droit romain, p. 433. Este costume, que passou
para as UniverBidadeB da Edade mèdia, (Cagadorea e Bacchanl^s) conserva-se na
Universidade de Coimbra, onde os alumuoó do primeiro anno tcm 0 nome de ^0-
valoé e urna certa posi^So de inferioridade perante os Semiputoè ou secundanis-
tas ; OS do terceiro anno sSo os Pie de banco, os do quarto anno Candieirés,
' «Os padres dominicos chamam universidade aos seus estudos de Lisboa,
Batalba e Coimbra, onde tiveram e tem agora seu collegio, e nunca Ihe duvida-
ram d'isso, assignando-se assim nas patentes.» (Nota do Dr. Manuel de Sonsa às
NoUciaa chronologicas da Universidade, nota 56, ao § 754.)
' Na Universidade de Verceil (1220) a corpora9ao escholar compunha-se da
1.* Na^ào: Fran9a, Normandia e Inglaterra; 2.« Na^ào: a Italiana; 3." Na^ào:
Teutonica: a 4.* Nagào: Proven^aes, Hespanhoes e CatalSes.
BIST. UH. 5
€6 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
Os Papas concederam a està nova classe social, que se amoldava
ao tjpo das associa93es democraticas, o fòro ecdesioàtico, gdkT9Ji\mào
assiin essas novas instituifSes de Universidades, e exercendo sobre
ellas um poder jurisdicional pela Licentia docendi ou a Licenciatura; a
Bealeza sobre o foro ecclesiastico concedea-lbe a proteo^ soberana,
cbamando-se por està circumstancia a Universidade de Paris a primo-
genita dos reis. Para a realeza o escholar ou deriois ' adqairia pelos
estudos um grào de cavalleria, imitando-se pela imposÌ9So da birreia
o symbolo da manumissSo romana, pelo grào de bachard a qualidade
de pequeno cavalleiro (bas-dievcdier, haadideur)^ e conforme entrava nos
conselhos da corte o titulo senhorial de Conde palatino. Este conflicto
entre o poder real e o pontificai é notado pelos historiadores das Uni-
versidades, na auctoridade dos gr&os e simultaneidade de dois Reitores.
Se 0 catholicismo estabelecera a confratemidade pela crenfa, o fer-
ver dos estudos humanistas creava a confratemidade pela sciencia, e
do encontro dos discipulos que vinham de differentes paizes da Europa
receber a mesma disciplina nasceu essa designasse de Universidade
. ( Universitas stìjtdii)^ antes das diversas cathedras serem encorporadas
em um systema unitario de instrucsSo civil pela auctoridade tempe-
rai. Os papas, que anteriormente condemnavam a cultura greco-roma-
na, comò vimos pela reprehensSo de S. Gregorio Magno ao bispo Di-
dier, repellindo Donato, agora obedeciam a essa corrente, que desde o
seculo XIII generalisou a instituisSo das Universidades pela Europa;
Innocencio iii, em 1212, appresenta pelo seu legado o regulamento da
Universidade de Paris, e Honorio ni (1216 a 1227) ordena que os Ca-
bidos mandem alguns jovens frequentar as Universidades publicas,
chegando a dep6r um Bispo porque nào lera Donato, comò o refere
Tiraboschi. Pelo seu lado Qregorio ix, coadjuvando o restabelecimento
da Universidade de Paris em 1229, e honrando com prìvilegios a Uni-
versidade de Bolonha) sente que o desenvolvimento do Direito civil
romano pela realeza é um perigo para a auctoridade pontificai, e or-
.ganisa o corpo do Direito canonico. 0 papa Innocencio iv pela sua
bulla de 1254 condemna o desenvolvimento do Direito civil, que se
ensinava juntamente com a Dialectica e com a Rhetorica; era urna pri-
meira reacsSo elencai centra o humanismo : cUm deploravel rumor se
1 Nas Notas de Figueiróa ìb NoOdas chronologicaa da UniverMade de Caim-
bra^ le -se: «o titolo de derigo de d-rei nio denotava legar de pessoa ecclesiastiea
absolutamente, senSo que queria significar homem lelrado, admittido ao consellio
dos reis para com elles despachar.» Ap. Instituio de Coimbra, t. xiv, p 191.
0 ESTUDO GERAL EM USBOA * 6 7
espalha', e repetido de bocca em bocca, veiu ^affligir os nossos ouvidos.
Diz-se que a multidSo dos que aspiram ao sacerdocio, abandonandoi
repudiando mesmo os estudos philosophicos, e por conseqaencia tam-
bem OS ensinos da Theologia, corre compacta às escholas onde se ex-
plicam as Leis ciris. Accrescenta-se — que em um grande numero de
paizes OS bispos reservam as prebendas, as honras e as dignidadea
ecclesiasticas para aquelles que occupam cathedras de jurisprudenciai
ou que se prevalecem do titulo de advogado, eto Apesar do pro-
testo, Innocencio iv fonda a Universidadc de Placencia, e concede pri-
Tilegios &8 Universidades de Tolosa, e de Valencia, na Hespanha. Ale-
xandre IV (1261) mandou os seus sobrinhos firequentarem a Universi-
dado de Paris; e Nicolio iv (1288 a 1292), convertendo em Univer-
sidade a escbola de Montpellier e fundando tambem a Universidade de
Macerata, segundo affirmam alguns escrìptores, concede os prìvilegios
de f5ro ecclesiastico à nova Universidade de Lisboa, fundada pelo rei
D. Diniz. Està crea9fto do monarcha foi apoiada pelo pedido de di-
versòs prelados portugnezes, que, centra a bulla de Innocencio iv de
1254, pretendiam dotar com prebendas das egrejas do padroado real
os lentes chamados para ensinarem as disciplinas humanas; a bulla de
confirma92lo de Nicoiào iv é urna permissSo d'este donativo.
Kos conflictos do Poder real com o pontificai, & medida qne se
estabelecia a independencia soberana sobre a prepotencia feudal, e se
esbo^ava a dictadura monarchica, os Reis precisavam de fortificar-se
no9 seus conselhos com a opiniSo dos Jurisconsultos, convidados do es-
trangeiro, ou tendo frequentado as Universidades da Italia, até que o
proprio interesse Ihes suggeriu a necessldade de fundar tambem um
Estado geral ou Universidade. Junto de D. Affonso Henriques ve-
mos figurar D. Jofto Peculiar, Letrado em ambos os Direitos, e Mestre
Alberto, que assigna o forai de Leiria de 1142, apesar de estrangeiro.
Sobre o valor da palavra Mestre escreve José Anastacio]de Figueiredo*:
«nSo me atrevendo so a decidir de certo, se a palavra Mestre (à qual
se substituira Doutor depois da instituÌ9S,o dos gràos academicos) com
que nos nossos antigos tempos se acham designados e prenomeados
alguns homens e jurisconsultos em differenja de outros que se chama
Falanos das Leis, denota que elles, além da sciencia que possuiam, e
Ihes fazia dar o dito prenome, tambem estavam ensinando, ainda que
1 Època da irUroduo^ào do Diretto Jtistinianeo em Portugal. Mem. de Litt, da
Academia, 1. 1, p. 272.
5*
68 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
partìcolannente, por ser a tradacjXo da palavra Praeceptor, de que
sempre (depoiei de conhecida a dita palavra Doutor) para o dito firn se
ttsou.» D. Sancho i (1185) procedeu corno eeu pae, mandando vir de
MilSo 0 jorisconsulto Leonardo, que jà sob D. Àffonso ii servìa em
Boma corno seu procuradori e Mestre Yicente, que o serve corno le-
gista na concordia com suas irmSs. Os nomes de Magister Dominicus,
arcediago de Santarem, Magister Petrus, Magister Pelagius, cbantre do
PortO| figuram comò compondo o conselho de D. Affosso ii. Anasta-
cio de Figueiredo attribue ao tempo de D. Sancho n e D. Afifonso ui
a redacfSo de um Compendio de Direito feito em portuguez por Mes-
tre Jacohe das Leis a pedido de Affonso FernandeS| para que ^Ihe es-
cdUiesse algumas Jlores de Direito brevemente j para que podesse ter al^
guma carreira ordenada para entender, e para delinear os preitos se-
gundo as Leis dos sabedores.it ^ Mais tarde os titulos de Mestre e Do^
ctor apparecem empregados para distinguirem os graduados em Tbeo-
logia; e OS graduados em Direito canonico ou civil (in tUroque)» O ti-
tulo de Mestre, primeiramente usado nas Eschòlas das Collegiadas, con-
servou o primitivo uso, designando os que ensinavam Artes e n'ellas
eram graduados nas Universidades, e os Doutores in sacra Pagina ou
Tbeologia.
Algumas das Can$3es satyricas de Estevam da Guarda, privado
de D. Affonso iii, referem-se a huU meestre de leys que era manco d'uà
pema e copegava d'eia muito, e outra a hdjuiz que non ouvia ben. Eis
a sirvente, em que o equivoco entre o defeito physico e o defeito da
Bciencia juridica fere indirectamente a justi^a real, que ia submettendo
a independencia do foro senhorial:
En preyto que d^m Joam ha
con hon maestre .ha gram questom,
e 0 meestre presupom
o de que o derejt'eBtà
tan contrairo per quant*ea vi,
que se lh*outrem nom acorr'i
0 meestre decaerd.
1 J. A. de Figueiredo dìz que este Compendio se acha no Forai da Guarda,
na Torre do Tombo, Casa da Corda, Armario 17, Ma^ 6, N. 4, de fol. 18 até foL
40, e considera-o corno «todo ordenado sobre o Digesto e Institai^Ses de Jnsti-
nìano, com que se conforma nas senten^as e dispo8Ì9oes ou regras que compre-
bende.» (Mem. dt., ibid.)
0 ESTUDO GERAL Eli LISBOA 69
Mais se decae, qnem seri
qne j& dereito, nem razon
for demandar, nen defenson ^
en tal maestre qne non dà *
en sen feit'ajuda assi,
mais levari per qnanfoj
qnem Ih'o direito sosterrà.
Ca o meestre entende jà
se decaer, qne lh*é cajom,
antr*os qne letrados som
onde yergonha prendrà,
d*errar sen dereito assi
e qnem esto vir des ali
por mal andante o terrà, i
A sirvénte segointe foi escrìpta ainda na menorìdade de D. Dinìz,
8ob a regencia de saa mSe^ contra um juiz sardo:
Men. dano fiz por tal jniz pedir
qnando a rainha madre d*el rei dea
ha cavsleiro oficiài sen
pois me non vai d*ante tal jniz ir;
ca se von e leVo men vogado
sempre me dis qne està embaigado,
de tal guisa qne me non pod'oir.
Por tal juiz nnnca jamais ha
desembargad'este preyto qne ej, '
nem a rainha, nem sen filh'el-rei
pero lh*o mandem nnnca m*oirà;
cÀ ja me disse qne me non compria
d*ir per d'ant*el, pois m*oir non podia
mentr*embargado estever oom*est&.
Mais a rainha pois qne certa for
de qnal juiz en sa casa ten,
torà per razon, esto sei en ben
de poer hi ontro juiz melhor,
e assi poss'eu aver men dereito
pois qne d'i for este juiz tolheito
e mcjieren qnalqner outr*oidor.*
A importancia dos jarìsconsoltos cresda com a aaotoridade mo-
1 Oxnàùnmo da Vaticana, n.® 906»
» Undm, n.* 910.
70 HISTORIA DA UNIVERSIDÀDE DE GOIUBRA
narchica, e em 1271, em urna questuo com o Mestre de S. Thiago,
D. Affonso m tem por arbitro entre ontros o D<mtor em Leis D. Go-
mes, conego de ^^iDora. Em 1282, em nma lei de D. Diniz se cita
huma Ley do Degesto velho, que se cometa, etc., por onde se infere que
j& era grande a influencia da Escbola de Bolonha em Portugal, porque
o nome de Digesto velho provém da divisSo feita pelos Gloasadores ao
Digesto em tres partes: o Digestum vetus (que acaba no tit. n, do liv.
JLXiVy de divortiis)^ o Infortiatum (no portugaez antigo o Esforfodo,
que vae do tit. iii| até ao ultimo tit. do liv. xxxvm) e o Digestum no*
vum (que oomprehende todo o resto das Pandectas). Por oste facto se
comprova que o Direito romano se vulgarìsara em Portugal pelos textos
revistos e generalisados pelos glossadores de Bolonha, littera Bononiensia
cadoptados por todos e desde entSo seguidos^ pelos copistas e pelos es-
tudantes.» ^ Antes porém de existir uma Escbola publica em Portugal
para Legistas e Decretistas, jà os jurisconsultos, que occupavam 03
conselbos da cor6a e as dignidadss ecclesiasticas constituiam direito
pelas Buas opiniSes e decisSes. ^ Era preciso conciliar as leis canoni-
caSy as leis feudaes, foraes e os costumes da córte com um principio
de justi^a, que transparecia no Dureito romano; e d'abi os casos, as
cautelas, aa glosas, e interpretajSes dos doutores, emfim esse imperio
da OpiniSo, com que a Escbola de Bartbolo dominou até & renova9SLo
Idstorica de Cujacio.
A necessidade da fundaySlo de um Estudo geral fazia sentir- se tanto
aos que afirontavam as difficuldades de ir frequentar as Universida-
des de Hespanba, Franca e Italia, comò & realeza, que precisava noB
seus conflictOB com os Papas e Bispos, assentar a espbera dos direitos
reaes. E por isso que a fundaQSo de um Estudo geral em Lisboa, nos
apparece simultaneamente devida à representagSo dos Abbades e Prio-
res de varias egrejas, que se o£fereceram ao rei D. Diniz para contribuì-
rem para as despezas com parte das rendas dos seus beneficios, ^ comò
1 Ch. Giraud, Histoire du DroU romam, p. 459.
2 J. Anastado de Ugueiredo cita as phrases ^qnentes no Livro de Leis e
Posturas antigas : •he dereitoper Cantorem Elborensem . . . llem, he costume per Ma^
gistrum Julkmum e per Magistrum Petrum. . . etc, Mem. litt, i, p. 282. Estè Con*
torem Elboreneem cu Chantre de Evora seria o celebre D. Domingos Jardo,.qae se
doutoràra em Paris, no tempo de D. Affonso ni.
3 Este documento da RepresentaQSo dos Priores e Abbades a D. Diniz, antes
de 1288 nSo eziste; tambem falta o docomento da acquiescencia do monarcha,de
que resulton os Abbades fazerem a Peti^io a Nicolào zy, em 1288, para anctorisar
a oedenda de parte da renda das snas egrejas para oEstudogeral^ e eonoeder-lhe
o IKlro ecclesiastico. «A attriboiQSo d'està gloria da fonda^So das Esebolasipnbli*
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 7t
Bobretudo i iniciativa do proprio monarcba^ estimulado pelo espJendor
das Universidades de Sevilba^ e de Salamanca, e auxìliado pelo bens
doB Templarios, com que veiu mais tarde a constituir os salarios doa
Lentesy quando pela mndan^ da Universidade, os Abbades e Priores
86 recusaram a contribuir com a quota parte dos seus beneficios.
Dos estudos de Paris, frequentados pelos ecclesiasticos portugue--
zea, fida D. Nicolào de Santa Maria, citando a carta de doaQSo de
D. Sancho i, de 14 de aetembro de 1192: cdou e concedo ao Mosteiro
de Santa Cruz quatrocentos morabitinos de minba fazenda, para su-
8tenta9So dos Conegos do dito Mosteiro, que estudam em os partes de
FrctnQa. . . > ^ A reputajffto das Escholas de Paris era immensa, e gene-
ralisara-se a idèa que era indispensavel frequental-as para ser bom
mastre; Hauréau, no seu estudo sobre a Philosophia Scholaatìca de-
acreve as enormes difficuldades que era preciso vencer para frequentar
essas- Escholas: «Para ter o direi to de ensinar os outros era preciso
ter feito alguma permanencia nas escbolas de Paris ; quem nSLo tivesse
ido ali ouvir os illustres regentes da grande Escbola, passava por igno-
rar OS principios elementares da sciencia. Quando nos ultimos confins
da Bretanha insular, nos extremos longiquos da Calabria, da Hespa-
nha, da Germania, da Polonia um joven clerigo- manifestava alguma
inclina$So para os altos estudos e parecia aos seus superiores que viria
A ser um logico, era immediatamente enviado para Paris. Partia sósinho,
ft pé, atravessando os rios, as montanhas, os mares, sob a protec$^ dos
homena de guerra, ou dos salteadores que elle encontrava no seu ca-
minbo. Era uma vida de aventuras e de perìgos que o disciplinava de
ante-mSo para as agita9Ses e rudes provas da escbola. Cada noite
achava asylo no mais proximo mosteiro; se a noite o surprehendia
eas DÌO é de admirar que cada chronista ou escriptor diga dever-se aos prelados
da sua reHgi&o por estes tempos, por quanto nao era menos controvertida entre os
papas e os reis ; aquelles com o intuito e piedade do firn ultimo pretendiam per-
tencer-lhes a erec^ào das Universidades, e estes pelo direito da soberania tinham
para si ser inseparavel a funda^So das Escholas da sua regalia dentro do territo-
rio tempora! de cada princepe. D*aqui veiu a questuo: Àn Aoademiae Univeraiia'
tea et CoUegia nnt eccUnastica, vel aecularia. Da qual tratam ex professo Affonso
de Escobar, Dt pontificia et regia Juriédictione in Siudiia, cap. i. — Bento Pereira
na Academia sive JRetpublica litteraria, n.«' 15, 2d, 48, 54, 56 e 59; Mendo, De Jure
aeademieo, liv. i, 9. 8, n.^* 221, 238, 240, 243, 246, 249, 610; Cortiada, t. ni, Decis.^
135, n.^ 10, 22, 24 e 36.» Das Notas de Figueiroa &8 Notidas chronologioas da Uni'
verndade de Coimbraf nota 3.* ao g 60. Instiiuto de Coimbra, voi. xzv, p 187.
1 <^t in partibu9 Galliae studiorum oauea eommoraniur, . . » Ap. Chr. dos
Con. regr., Parte u, liv. vu, cap. zv.
lì HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
longe do povoado, ia bater à porta de qualqaer casa isolada; e par»
alcanyar o agasalho o mais cordial bastava-lhe declarar o sea titolo de
escholar: aqui a hospitalidade era-lhe liberalmente concedida; além^
era-lhe devida^ e a lei municipal punia corno um delieto teda a infrac-
9S0 a este artigo consuetudinarìo: Aos escholares compete por teda a
parte 0 direi to de asylo.» ^
No pedido dos Abbades ao Papa Nicolio iv, em 12 de novembre
de 1288, para confirmar em Lisboa um Estudo gercd de Lettras^ allu-
de-se a està difficoldade das jornadas dos estudantes para as Univer-
sidades estrangeiras: «por Termos qae à falta d'elle, muitos desejosos
de estttdar e entrar no estado clerical atalhados com a faita de despe-
^ zas, e descommodos dos caminhos largos, e ainda dos perigos da yida,
nSo ouzSo, e temem ir estadar a outras partes remotas, receiando es*
tas icommodidades; de que resulta appartar-se do seu bom proposito,
e ficar no estado secular centra vontade.» *
Em urna can9So do trovador portaguez Pero Mendez da Fonseca,
allude-se a estas viagens aos estudos no estrangeiro, e ao prestigio com
que cercavam os que regressavam & patria:
Chegou Pajo de maas artes
con seu cerarne de Chartes,
e non Um el ruu parte»
que chegcuse a huu ma;
e do lunes ao martes
foy comendador d^Ocrés.
Semelha-me busoardo
yiind*en ceramen pardo,
e ha non ouvesee resgnardo
en nenhum dos dez a sex;
log*ouye manto tabardo
e foy commendador d^Ocrés.
E chegoa per bua grada
descal^o gram madrugada,
bu se non catavam nada
d*bum bom'a tam raffez ;
cobrou manto oom espada
e foy commendador d^Ocrés. '
1 Hauréau, De la Philoaophie Scholastique, t. x, p. 28.
* Trad. na Manarek. Umt,^ Parte y, Escrìpt. xyi.
' Cancioneiro da VaHeana, n.* 1132. — 0 estrìbilbo refere -se à Ordem dos
Spatharios, cigo convento prìncipal era em Udés.
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 73
N'esta can9So acha-se urna referencia ao estudo das Partea, nome
com que se designaya a Summa da Theologta de S. Thomaz de Aquino,
que durante dncb seculos dominou nas escholas. Eram tres as Par-
tea: a que tratava dos séres em geral e dos entes de razSo ; a que ana-
lysaya as faculdades e os seus motivos sob o ponto de vista theologico;
a ultima era urna Christologia ou o plano da redemp9Slo. O ensino das
Partes (1.^ e 2.^) foi permittido fora das escholas. A referencia às Maxis
Artes corresponde ao estudo de faculdade nSo permittida, sem seguran9a
de orthodoxia. Por està satyra yè-se a importancia repentina que os es-
tudos dayam na sociedade ciyil, elevando às dignidades das ordens os
que iam cursal-os ou simular que os cursayam no estrangeiro.
Uma outra sirvente de Affonso Eanes de Cotom pinta-nos com c8*
res carregadas a cultura pedantesca da physica ou medicina de Mes-
tre NicolàOy que finge ter frequentado a Eschola de Montpellier, usando
as vestes doutoraes, as largas fraldas, a que allude o anexim popular
hespanhol e portuguez:
Meestre Inool&s a meu cujdar
é muy boo fisico por non saber
el as suas gentea guarecer,
mais yejo-lhi capelo d'ultra-mar ;
e traj*al uso bem de Monpiller,
e latyn corno qual cleiigo qner
entende, mais non o sabe tornar.
£ sabe seus livros sìgo trazer,
corno meestre sabe-os catar,
e sab^os cademos ben cantar,
qual cor non sabe pef elles leer ;
mais bem yos dirà *qm quanto cnstou
todo per conta ca elle x'os comprou,
ora vede se a gram saber.
E en boo ponto el tan myto leeu,
ca per o prezam condes e reyx,
e sabe contar qnatro e cinqu* et seiz,
per 'strolomya que aprendeu ;
e mais yos quer* end* ora dizer,
en mays yam a el qnen a meester
an d*el des antanho que o outro morreu.
E ontras artes saV el muy melhor
qUe estas todas de que yos faley,
diz das luas corno yos direi,
que x*as fezo todas nostro senhor,
74 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
e do8 estormentos diz tal razom
que muy bem pod'en elles fazer som
todo homem que en seja sabedòr,^
Em urna outra can9So é apodado o doutor por Montpellier:
Sabedes vós Maestre NicolÀo
o que antano mi no gnareceu,
aqnel que dizedes meestre m&o,
yedes que fez per ervas que colheu.
E direy-vos eu d*outra maestrìa
que aprendeu ogan* em Mompiler,
non yen a el home com maloutya
de que non leve o mais que poder,
et diz amigo esto t*ó mester. . .*
Attribae-se ao papa Nicolào iv, eleito em 1288, a transformafSo
da Eschola de Montpellier em Universidade; por ventura oste BUccesEO
estimulou alguns clerigos e secularea a pedirem ao mesmo pontifico a
permisaSo para dotarem com parte dos sens rendimentos um Estado
goral em Lisboa, depois de terem a acquiescencia do Poder real.
A indivìdualidade historica do rei D. Diniz preoccupando-se com
a funda$So de um Estudo geral, elle mesmo apaixonado trovador, tendo
em volta de si cavalleiros que conheciam todos os segredos da poetica
proYonfalesca, e se entretinham, acabadas as guerras maurescasy com
as novellas amorosa» da Tavola Redonda, uma tal individualidade so
se avalia tendo presente que os chefes temporaes da sua època appre-
sentam os mais elevados caracteres de superioridade; taes s2o: Fre-
dorico II, trovador e philosopho, que na sua bibliotheca renne manu-
scriptos gregos e arabes, e pretende dotar a Europa com uma traduc-
9S0 das obras de Aristoteles; Roberto de Napoles, que protege os sa-
bios; Affonso x de Castella, av6 do rei D. Diniz, tambem trovador e
philosopho, conhecido pela variedade dos seus escriptos; Sam Luiz,
que tinha por seu leitor Vicente de Beauvais, e assentava & mesa
S. Thomaz de Aquino; e Philippe o Ousado, que tomara para prece-
ptor de seu filho Egydio De Colonna, o auctor da obra apreciada em
todas as cortes, De regimine principum. O poder temperai favoreda
o desenvolvimento da intelligencia pelo instincto da sua propria inde-
1 Candoneiro da VcUioana, n.* 1116.
' Cane. CoUoei'BranaUi^ n,^ 441.
0 ESTUDO GERàL EM USBOA 75
pendencia; era a coltura do Direito romano que mais Ihe interes-
sava para fundamentar o imperio da Realeza. 0 papa Innocencio IV|
na sna lacta centra o poder temperai, sentiu esse lado perigoso dos
novos estadoSy e na bulla para o restabelecimento dos estudos philoso-
phicos, de 1254y decahidos ante a preferencia pelos estudos juridicoS|,
ìnterpSe a sua condemna^So^ prohibindo o proyimento dos cultores das
leis civis em prebendas e beneficios ecclesiasticos. No reinado de D.
IMniz 0 regimen feudal é atacado pela lei sobre Coutos e Honras; a ju-
riadicffto civil é separada da auctoridade militar dos Alcaides, e regu-
lada a acquisisse dos bens immoveis pelos mosteiros;^ e o privilegio
de conferir nobreza reservado unicamente ao Rei, que organisa Livrea
de Linhagens e Nobiliarios, comò o cadastro dos fidalgos existentes,
para que ninguem mais possa sel-o sem pertencer ao seu fòro real.
Egfaal transformasSo se operava na realeza em Castella.
Assim comò os habitos poeticos de Affonso o Sabio, de Castella,
influiram na cultura da Poesia provensal na cdrte e prendas pessoaes
de D. DiniZ| seu neto, tambem nfio foi sem influencia a acgSo exercida
noe estudos classicos pela creas^o do grande monarcba fundando a
Universidade de Sevilha. 0 caracter do Estudo geral acha-se precisa-
mente definido nas Leyes de Partidas comò urna das manifestagSes da
prerogativa real (Partid. n, L. v, tit. 31): «Dieen Estudio General, en
qua ha maestros de las artes, assi comò de grammatica e de logica et
de arismetica, et de geometria, et de musica e de astronomia, et outrosi
en que ha maestros et seiiores de leyes; et este estudio debe ser estabe-
hddo por mandado de papa, ò de emperador, ò de rey.i^ Por aqui se ve
oomo 0 antigo nucleo do Trivium e Quadrivium se desenvolveu com a
coltura das Leis, que fòra primitivamente litteraria e rhetorica, em luu
novo typo pedagogico, comò manifestasse do poder pontificai e real,
cu verdadeiramente comò resultante do conflicto intenso entro os po-
d^ea espiritual e temperai. A faculdade ubique docendi, que o poder
espiritaal concedia às immunidades do foro privilegiado contrapunham
OS reis, ou o poder temperai, o seu Protectorado. No privilegio de
Affionso 0 Sabio dado à Universidade de Sevilha, em 8 de dezembro
de 1254, estatue regalias que se repetem na instituisSo de D. Diniz:
cMando que Ics maestros et los escolares que yinieren hy al Estudio,
que vengan salvos et seguros por todas las partes de mis regnos et
1 Villa Nova Portugal, Introd, do DireUo romano em Portvgal, Mem. Litt.
t T, p. 890.
76 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
por todo mio seSorio; con todas sas cosas^ et que non den portadgo
ningano de sub libros nin de sas cosas que troxieren para si et que
estudien et vivan seguramente et en paz en la cibdat de Sevilha.»
Urna bulla de Alexandre iv^ de 29 de abril de 1255, menciona a
Universidade de Salamanca com um Estudo gercd, categoria que so
pertencera às Universidades de Paris, Oxford e Bolonha: unum de qua-
tuor Orbis Generalibus Studiis.
As Universidades de Palencia e de Valladolid decahiram porque
Salamanca tomou-se o fòco mais activo dos estudos na Peninsula ; con-
tra està forte corrente teve de lactar a Universidade de Coimbra, cir-
camstancia que influiu na exigaidade e fraco esplendor das suas ori-
gens.
Na dota9So dos professores de Leis e Canones, D. Diniz segaiu
as disposigSes de Affonso o Sabio na fondafSo da Universidade de Sa-
lamanca. No primeiro regimento das cathedras de Salamanca estatae
Affonso X, em 1254:
cDe lo8 Maestros, — Mando é tengo por bien que haya nn maes-
tro em Leyes, é yo que le de quinientos maravedis de salario per el
alio: é que haya un bachiller legista,
«Otrosi, mando que haya un maestro en decretos, é yo le de tres-
cientos maravedis cada afio.
cOtrosi, mando que hayan dos maestros en decretatesi é yo que
les de quinientos maravedis cada allo.
cOtrosi, tengo per bi^n que haya dos maestros de fisica, è yo
que les de doscientos maravedis cada afio.
cOtrosi, que haya dos maestros en logica, é yo que les de dos-
cientos maravedis cada a&o.
«Otrosi| mando que haya dos maestros em gramatóca, é yo que
les de doscientos maravedis cada alio.
cOtrosi, mando, é tengo per bien que haya un estacionario, é yo
que le de cien maravedis cada a&o : é el tenga todos los ejemplares
buenos é correctos.
cOtrosi, mando é tengo per bien que haya un maestro de organo,
é yo que le de doscientos maravedis cada aBo. etc.» '
Conhecendo-se comò os estudantes portuguezes frequentavam as
Universidades de Bolonha, Montpellier e Paris, no seculo xm, e corno
1 Cit. na Hutoria de la Univenidade d$ Salamanoa, de P. Chacon. Ap. Sem-
pere, Historia dd Derecho espahol, p. 276.
0 ESTUDO GERAL EM USBOA 77
38 Umversidades peninsulares, sobretudo as de Salamanca e Sevilha,
8ob o vigoroso impulso de Afifonso o Sabio, faziam Portugal intelle-
ctualmente feudatario da Hespanha^ a necessidade da independencia
monarchica obrigava D. Diniz a estabelecer tambem na sua cdrte um
Estudo geral. Ab terras ou cidades tinham fortes rivalidades entre si
por causa das suas Universidades: Bolonha temiase de Montpellier por
causa dos estudos medicos, e de Regio por causa dos estudos j aridi-
co8| chegando a contractar os lentes por clausula declarada de nSo
abandoharem por outra a sua Universidade, e obrigando os estudantes
oom juramento de nSlo deixarem de seguir os estudos de Bolonha. Ho-
norio m prohibiu aos estudantes da Campania e da Toscana o obede-
cerem a este juramento. N'esta lucta das Universidades^ que raptavam
entro si os melhores lentes^ aconteceu por vezes os lentes emigrarem
com OS estudantes^ corno Roffredo saindo de Bolonha para Arezzo,
e nascerem novas Universidades, comò a de Padua com elementos
saidos de Bolonha. N'uma d'estas migra95es era lente em Bolonha o
celebre Fedro Hùpano, o nosso portuguez Fedro Julifto, * corno se sabe
por urna carta de Guilherme GascSo, convidando-o a ir para Padua,
para onde Frederico ni transferira a Universidade. As Universidades
tomavam-se uma centralisa^So das Escholas seculares sob o poder
real; Frederico n, fondando a Universidade de Napoles em 1224, pro-
hibiu aos seus subditos o sairem a frequentar estudos estrangeiros, e
mandou recolherem-se à patria os que andavam forai Tambem fora de
Portugal figuravam muitos escholares, circumstancia que influiria por
certo no animo de D. Diniz para a crea92Lo de um Estudo geral, £m
Bolonha, no fim do seculo xm (1265 a 1294), frequentavam os estu-
dos doze mil alumnos, e na matricula publicada por Sarti figuram jpor-
tuguezes entre os francezes, flamengos, tedescos, hespanhoes, inglezes
e escossezes. * Bolonha era um fòco de cultura da poesia trobadores«a,
a qual se propagara tambem muito cedo a Portugal por via de Italia;
ali abundavam os estudantes da Proven$a, do Poitou e de Limoges, e
o proprio trovador Ugo de Mataplana frequentou esses estudos, sondo
tambem bolonhez o trovador Rambertino de Buvalelli. Quando ve-
mos conhecidas em Portugal as can^oes dos trovadores Sordello, de
Mantua, e Bonifazio Calvo, de Genova, nSo podemos deixar de consi-
derar comò uma das fontes da sua communica9llo o conhecimento dos
1 TiraboBchi, Storia della Letteratura italiana, t iv, p. 47.
' Id., ibid., t. IV, p. 50.
78 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
estudantes portugaezes quo regressavam de Bolonha. Na lingaagem
dos trovadores portnguezes do firn do secalo xiii abundam as pala- .
vras italianas e mesmo fórmas poeticas das BaUatas, corno as que eram
populares em Boionlia.^ Depois de terminada a guerra dos Albigen-
sesy em 1229, urna das clausulas do tratado de Paris foi a funda^So
da Universidade de Tolosa à casta do Conde Kaymando, com qoatjro
mestres de Theologia, dois de Decretos, seist para Artes libcraes, e
dois de Grammatica. O trovador Folqaet, de Marselha, depois de orna
existencia desvairada fez-se monge, e nomeado bispo foi am dos mais
ardentes promotores da Universidade de Tolosa, corno redacto contra
a hcresia albigense. Para essa Universidade tambem se precisoa attra-
hir estudantes; representando-lhes a benignidade do dima^ a tarbalen-
cia da Universidade de Paris, o ensino da Physka de AristoteleSi
qae f5ra prohibido na Universidade parisiense, e a peregrinasse cele-
bre de Rocamador, ' A persegai^So contra os Albigenses fez a disper-
sSo de maitos trovadores nas cortes peninsalares ; no Cancioneiro da
Vaticana ha preciosas referencias à romagem de Rocamador. D. Di-
niz pensava em fondar am Estudo gercd à imita$So d'esses que se es-
tabeleciam na Peninsula. A balla do Papa Nicol&o iv, que approva
essa instituigSo, parece alladir & heresia meridional, e necessidade de
Ibe opp6r am embaraQo: «Do estado do Reino de Portagal, tanto mais
vigilante caidado temos, qaanto maior é em nós o desejo, de qae no
mesmo Reino, apartados algans impedimentos, eobre vigor a ohserwxn-
eia do evito divino, se attenda às obras da salva^So, e que a pureea
da fé catholica se esforee ...»
D. Diniz' come9oa a reinar em 1279, e entro as difficaldades sog-
geridas pelas ambi93es de sea irmSo o infante D. Afibnso, e pelas oom-
plicagSes da politica castelhana, comesoa desde lego o conflioto com o
alto clero, qae daroa até 1289. Esse conflicto debatea-se em Roma,
diante dos papas Martinho rv, Honorio rv e Nicolào iV; darante eate
tempo 0 rei nSLo podia fandar o Estudo geral, porqae ce Bispos prò-
testavam contra a cedencia dos rendimentos das Egrejas de que o rei
era padroeiro. £ emqaanto o arcebispo de Braga, D. Tello, o bispo
de Silves, D. Bartholomea, o bispo de Coimbra, D. Americo (Ayme-
rie d'Ebrard) e o bispo de Lamego, D. JoSo, debatiam contra o poder
1 Até 1300, Bolonha era frequentada por estadantes peninsiilaiesY dbtinguin-
do-se Mateo (1204), Fedro Decretalista, Garda, Bernardo Compostellano, canoDista,
JoSo de Deus e Rajmundo de Peftafort.
2 Histoirt litUrairt de la Franot^ t. xxii, p. 87 a 89.
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 79
real junto do papa, D. Diniz encontron no clero xnenor um singular
apoio para a realÌ8a9So do sea plano de um Estudo gercd. No meio da
prolongada pendencia do alto clero portuguez contra o monarcha, o
papa Nicoiào iv foi sorprehendido por urna repre8enta9&o collectiva de
Tarìos preladoB reunidos em Monte-Mór-o-Novo em 12 de novembre de
1288, pedindo-Ihe consentimento para dos rendimentos das suas egre-
jas poderem pagar os Balarìos dos mestres e doutores de um Estudp
geral em Lisboa. Por està via D. Diniz apresentava diante do papa
uma refata9fto eloquente contra o quadro de violencias que os Bispos
Ihe assacavam em Roma. Vé-se portante que a reuniSo dos Prelados,
Abbades e Reitores em Monte-Mór-o-Novo obedeceu a um plano, por-
que essa reuniSo fez-se «em companhia de pessoas religiosas, prelados
e outras, assi clerigos corno secularea dos Reinos de Portugal e Algarve,
avida plenaria deliberasse no caso ...» Estes seculares, que nunca fo-
ram nomeados, eram fidalgos padroeiros de egrejas, templarios e ou-
tros cavalleiros de ordem. A reuniSo de Monte-Mór fora precedida de
outra anterior a 1288, em que deliberarain apresentar uma PetÌ9fto
«ao Exoellentissimo D. Diniz nesso rey e senhor, rogando-lhe encare-
cidamente se dignasse de fazer e ordenar bum Estudo geral na sua
nobilissima Cidade de Lisboa.» D'este acto inicial nfto esiste documénto
directo actualmente. Muito antes tambem de 1288, o rei D. Diniz
attendeu a peti^So aoceitando os rendimentos necessarios para dotar o
Estudo geral: cOuvida por este Rej e admittida a nossa petis^o be-
nignamente, com consentimento d'elle, que é o verdadeiro padroeiro
dos mosteiros e egrqas sobreditas, se assentou entro nós, que os sa-
larioB dos Mestres e Doutores se pagassem das rendas dos mesmos
mosteiros e egrejas, taxando logo o que cada uma havia de contribuir,
reservando a congrua sustentayfto.»
As escholas episcopaes e abbaciaes jà nSo podiam satisfazer
as necessidades do eapirito, que pendia de preferencia para os es-
tados bumanistas, do que se queixava amargamente o Papa Inno-
cencio IV na bulla de 1254, por que via menos interèsse pela tbeologia,
e as dignidades ecclesiasticas conferidas a jurisconstiltos. Obedecendo
a esse ferver humanista, e procurando apoio na auctoridade real, é
que alguns abbades e priores se dirigiram a D. Diniz, erogando enca-
recidamente se dignasse fazer e ordenar um Estudo gerci na sua nobi-
lissima cidade de Lisboa.» O rei Diniz, verdadeiramente homem de
lettras, e o principal trovador portuguez, come neto de Affonso o Sabio,
a quem imitava na elevada cultura intellectual, e come conhecedor da
fama da Universidade de Paris, comprebendeu logo as vantagens que
80 HISTORIA DA UNIYEHSIDADE DE COIMBRA
adviriam ao seu estado pela fonda^So de xxm Estudo geral, onde o
Direito romano se tornasse conhecido e base authentica dos direitos
reaes. Os abbades e priores pediam aactorÌ8a9So a D. DiniZ| oomo pa-
droeiro dos seus mosteiros e egrejas, para consentir que destacassem
das suas rendas^ salva a reserva da congrua de sustenta92o^ as quantias
necessarias para os salarios dos mestres e doutores; e antes mesmo que
08 abbades e priores se dirigissem ao papa a pedir-lhe a Confìrma^So da
Uniyersidade emquanto às faculdades permittidas^ salarios dos lentes^
foro privilegiado e concessSo de.ensino aos graduados, D. Diniz deu
logo cumprimento à fundaySo do Estudo geral em Lisboa, do qual fala
Nicolào IV por Ihe ter chegado aos ouvidos essa noticia. Sómente em
12 de novembre de 1288 (2 dos idus de novembre de 1326) é que as-
signaram em Monte-Mór-o-Novo o requerimento ao Papa para a con-
firma92o da Universidade : o Abbade de Alcobaga; os Priores de Santa
Cruz; de S. Vicentè, de Lisboa; de Santa Maria, de GuimarSies; de
Santa Maria d'AIca90va, de Santarem; de S. Leonardo, de Atbouguia;
de S. JuliSo, de S. Nicoiào, S. Irene, Santo Estevam, de Santarem;
de S. Clemente, de Loulé; de S. Maria de Farom (Faro); de S. Mi-
guel e S. Maria, da Cintra; de S. Estevam, de Alemquer; de S. Maria,
S. Pedro e S. Miguel, de Torres Yedras; S. Maria, de Gaia; de S.
Maria, da LauriSa (LourinbSl); das egrejas de Villa yi90sa, Azambnja,
Estremoz, Beja, Mafora (Mafra) e do MogdAouro. ^ 0 papa Nicolào iv,
em 9 de agosto de 1290 (5 dos idus de agosto) no terceiro anno de
seu pontificado, confirma a instituÌ9So e privilegio de D. Diniz ao Es-
tudo geral de Lisboa; mas reservando a livre ac9So no dominio espi-
ritual, concede o grào de licenciatura aos escholares em Artes, Diretto
Canonico e Civil, e em Medicina, excepto em Theologia. Està clausula
negativa, n£o deixou de causar reparos ao chronista Frei Francisco
BrandSo, e ao Reitor Francisco Cameiro de Figueirda, porém a ver-
dadeira explica9So so pode encontrar-se na observa9So dos caracteres
typicos das Universidades medievaes.
Quando os prelados se dirigiram ao papa Nicolào rv em 12 de
novembre de 1288, jà o Estudo geral estava organisado, dotado e func-
cionando activamente em Lisboa; o que pediam ao papa recem-eleito
era apenas a confirma9&o canonica da applica9So das rendas ecclesias-
ticas. Na bulla de Confìrma9So dada pelo papa ao'fim de dois annos,
em 9 de agosto de 1290, elle justifica-se da demora alludida a estarem
1 No Livro Verdcj fl. 4, em publica fórma.
0 ESTUDO GERAL EM USBOA 81
Ji apartados alffuns impedimentos, do grande litìgio dos bispos com o
rei Bobre as jurisdic98eB, e acceita o facto consummado do estabele-
eimento e exercicio da Universidade: «Declaramos e havemos por va-
lioso e agradavel a nós tudo o que Eobre està materia està feito ...»
0 papa Nicolào iv apesar de deferir à coiifinna9So pedida pelos pre-
lados^ reconhece comò pertencendo ao rei D. Diniz a iniciativa da
fimda92o da Universidade: cEm verdade à nossa noticia chegou^ que
procnraiìdo-o o carissimo em Christo filho nosso Diniz, illustre Rey de
Portugal, nSo sem muita e louvavel providencia, estSo de novo pian-
tadoB na Cidade de Lisboa Estudos de cada urna das licìtas facul-
dades.. .i E depois da iniciativa real communicada por D. Diniz
ao Papa directamente, que Nicolào iv allude à cedencia das rendas
das egrejas: ce aos Mestres d'ellas, para que mais desembara9ada-
mente se occupem no estudo, dizem estar taxado e promettido certo
salario por alguns prelados^ Abbades de Cister, e Priores de S. Agos-
tinfao e de S. Bento, e Reitores de algumas egrejas seculares dos reinos
de Portugal e Algarves.^ Jà BrandSo, na Monarchia Lubiana, repa-
rara em que na bulla de 1290, allude-se especialmente aos Priores de
Santo Agostinho e de S. Bento comò offerecendo rendas para os sala-
rios do Estudo geral, quando elles se nSo acbam enumerados na lista
dos Abbades que fizeram a peti;3o em 1288. ^ Besultou isto de um
pedido ulterior, que viera informar o pontifico do accordo em que o rei
estava com o clero, mào grado as cores negras com que ob bispos pu-
gnavam pelas suas jurisdicgSes. Usando da sua auctoridade soberana,
D. Diniz exerceu a iniciativa da fundafSo espropriando o Cabido da
Sé de Lisboa do Campo da Pedreira, no bairro de Alfama, (junto i
Porta da Cruz aberta em tempo do rei D. Fernando,) onde mandou
construir Casas para o Estudo geral. Depois do accordo com os bispos
o rei teve de indemnisar o Cabido, entregando-lbe o valor correspon-
dente, ' ao que parece com litigio, por que sómente o veiu a fazer pas-
sadoB mais de dez annos. O papa Nicolào iv concedia aos escholares
1 Monarch. Lub,^ P. v, Liv. xn, cap. 67.
2 «D. Dimz, por gra^a de Deus rei de Portugal e do Algarve, a vós Domingos
Doraens, Almoxarìfe, e fiscrìvaens de Lisboa saude : Mando-vos, que filhedes
buina das mìnhas casas, ou hnma das miuhas tendas d^essa Villa, que vaiha cada
anno trinta e cince livras de alquier, e entregadea ao Cabido de Lisboa, ou a quem
T08 elle mandar, pelo Campo da Pedreira, que Ihes mandei filhar, em que mandei
fazer as Casas para o Estudo. Dada em Lisboa, 4 dias de Setembro. Era 1338 (|ie
Cbristo, IdOO.)» Ap. D. Rodrigo da Cunha, HiaL eed. de Lisboa, P. n, cap. 74, n.^ 2.
BIST. UH. 6
82 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
0 fdro ecclesiastico, invadindo assiin a esphera civil d'aquelle monarcha
que submettia a propria nobreza ao seu fòro real, nos Livros das Li*
nhagens. A exemplo da Universidade de Bolonha, em que o Bispo é
que conferia os gràos, Nicolào iv submette tambem a Universidade de
Lisboa a essa dependencia, destacando o ensino da Theologia para os
Dominicanos e Franciscanos. Como o ensino das Escholas menorea
estava a cargo das CoUegiadas, desde lego nasceu o conflicto entre o
Mestre Eschola da Sé e o Bispo àcerca da superintendencia da Uni-
versidade.
Estabelecidas as Escholas no Campo da Pedreira, foram locali-
sados OS Estudantesy corno urna classe privilegiada, no bairro da Porta
do Sol e Santo André em diante por teda a freguezia de Alfama.
Em urna sociedade formada por classes com as garantias juridicas
de differentes Iegisla93e8 pessQaes e territoriaes, era preciso que a nova
corpora92Lo dos escholares se fortalecesse sob a protecf^o de um deter-
mìdado fòro. No fim da Edade mèdia estavam em conflicto os diffe-
rentes fóros: OS estatutos territoriaes ou cartas de communa, cartas
pueblas ou Foraes; o fóro da Casa do Rei, que se amplia na codifica- *
9S0 geral; o fóro da nobreza feudal, que se regula pelas fafanhaa e
pelo privilegio pessoal do J^oro vdho de Castdla; por ultimo a Egreja
systematisou as suas immunidades, agrupando differentes bullas pon-
tificias ho Decreto de G-raciano e constituindo depois o corpo do Direito
Canonico, quando pela sua parte os Reis pela revigora9So do Direito
romano se elevaram à creayfto do Ministerio publico, verdadeira ini-
ciagàodofóro civil moderno. No meio d'està complexidade de elementos
Bociaesy a corpora9&o recente dos estudantes organisa-se corno as ger-
manias ou guilds, e recebe pela grande sympathia que achava entre
OS dois poderesy dos Papas 0 fòro ecclesiastico com 0 habito da cleri-
catura, e dos Reis 0 fóro da nobreza com um corno que gr&o de caval-
leria com a imposiflo do barrete de bacbarel. Na lettra da bulla de
Nicolào rVy De statti regni PortugaUiae concede*se ao novo Estudo ge-
ral o fóro ecclesiastico com todos os seus privilegios, estendendo-se
até aos creados dos lentes e estudantes : cMandamos mais^ que nenhum
dos Mestres^ Estudantes ou creados seus, dado 0 caso, 0 que Deus nio
permitta, que os comprehendam em algnm maleficio, sejam julgados
ou eastigados por algum leigo, se nSo fór, que condemnados no jtdzo
ecdesiastìco, os remettam ao secular.» Sob a fórma de favor & classe
escholar, Nicolào rv servindo o rei D. Diniz, obrigava-o a reconhecer
as jurisdicjSes e immunidades, centra as quaes luctara durante dez an-
nos. É por tanto absurdo querer inferir da concessSo do fòro ecclesias*
0 ESTUDO 6ERAL EM LISBOA 83
lieo ao Estado geral| que a Universidade de Lisboa proviesse da ini-
dativa clericaly e mantivesse am oaracter pontificai.
Ob prìvilegioB exorbitanteB da classe escholar nSo podiam deizar
de produzir constantes oonflictos com a popula9So burgaeza. Na balla
de Nicolào iy, pede-se a D. Diniz: cqae obrìgae com o sea poder ob
habitantes de Lisboa a arrendarem as casas qae estSo devolutas para
n'ellas habitarem os alamnos, pagando o competente aluguer quo fòr
tazado por dois derigos e dola secolares, homens catholicos e circum-
spectosy eleitos sob jnramento em commam por vós e pelos mesmos ci-
dadSoSy e que além disse o mesmo monarcha por meio dos seas baliOB^
officiaes e ministros da mesma cidade, prestando o jnramento devìdo,
haja de garantir pessoas e fazenda dos alamnos e tambem a seas servosy
a segaranQa e immanidadé.» Eis os germens dos oonflictos dos està-
dantes com a popala9So de Lisboa^ scannala et dissentionea, qae deter-
minaram o rei D. Dlniz a madar a Universidade de Lisboa para Coim-
bra em 1307. ^ Os escholares principalmente decretalistas on canonistas,
eram os prìmeiros qae reclamavam as isempgSes do sea fóro ecclesias-
tico, conforme prosegaiam no estado d'esse direito spario; e oatros, de-
pois de formados oa mesmo sem freqaentarem os estados, asavam o
trajo de estadante para se acobertarem com os privilegios dos eschola-
res. Pela provis&o dada por D. Fedro i, à Universidade de Coimbra, em
13 de abril de 1361| vè-se os qae estadantes se qneizaram do sea Con-
servador resolver os pleitos entro elles e oatras pessoas pelas Leis das
Partìdaa e nSo pelo direito qae aprendiam nas aalas, qae era o cano-
nico. Tambem- nas cdrtes de Elvas d'este mesmo anno, os Prelados e
ecdesiasticoB qaeixavam-se de qae as Justigas muUas vezes nSo queriam
guardar o direito canonico, preferindo as Sete Partìdaa feitas por Et»
Rei de CasteUay ao qwoìL o reino de Portugal nSo era sugeito.i^ * O f&ro
academico, comò concessSo ecclesiastica, era essencialmente pertarba-
dor provocando a corpora92o à impadencia escandalosa.
Os estadantes secalares das Universidades asavam espada, para
se distingairem da clericatara; vivendo por tanto fora da daasara e da
communidade dos OoUegios, entregaram-se à vida airada, & tuna, nome
talvez derivado dos noctumi grassatorea, qae andavam provocando ri-
zas oom os burgaezes, fiados na impanidade de am fòro privilegiado .
Essas lactas; celebres na Universidade de Paris, manifestaram-se tam-
bem em Lisboa, por fórma a preoccapar a aactoridade real. No Can-
1 Balla de Clemente ▼, de 26 de fevereiro de 1307, na qaal concede a Ucen9a.
* Man. de LiU. da Acad., 1 1, p. 285.
6*
84 HISTORU DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
cioneiro da Vaticana vem urna Pergunta gue fez Alvaro Affonso, cantor
do senhor infante a Afiu esehoUar, em que allude &8 aventaras dos gras-
^aiorea:
Luiz Vaaaques, depois que parti
d*e88a cidade tam boa, Lisboa,
achej tal encontro, que digo por mi'
quo son jà descreto e fìi90 a orda :
a terra de Cintr'a par d*esta serra
yy bOua serrana que bradaya guerra,
TÓB tenentes comigo dé9é-vos a terra
pois là tang'assi, et qua ora ftòa. ^
Os estudantes tambem contribuiam com certas quotas para os sa-
larioB do Estudoi e d'ahi o direito de elegerem o seu Reitor e q pessoal
administrativo da Universidade. !E^ra a tradi(fto effectiva dos Dupondii
das esche las ìmperiaes. Dos estudantes de Bolonha era corrente dizer-se:
Scholares non sunt boni jpagatores.
Na poesia popular portugueza existem reminiscencias nfto so da
predilec 9S0 da realeza pelos estudos seculares ou Escholas palatinas, mas
do typo turbulento da classe privilegiada dos estudantes^Lè-se no ro-
mance de Dom Carlos Montealvar:
Pagem corno ignorante
A Elrey o foi contar,
A Ccua dos EatudatUea
Onde estava a estudar, '
£ noB Canto8 populares agorianos: (n.^ 82)
J& OS canarinhos
Pelas faias cantam,
J& OS meus Tizinhos
Por aqui se alevantam;
Jà 08 EsiudatUet
Vào para o Estudo,
Com meicu de seda,
Calfào de vdudo,
FiveUat de prata,
Que deabanoam iudo>^
1 Cane, da VaXieana^ n.* 410.
* Rom. gerol^ n.« 31.
' O papa Urbano t, para deitruir a differenza que se estabelecia entre es-
tudantes rìcos e pobres, impoz a uniformidade das yestes eseholares. Victor Ledere,
ÉUU dee LeUrte au XIV e&cUy 1. 1, p. 295.
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 85
Nas maximas populares ha muitas referencias aoB costomeB doa
estadantes, corno a clasBO indÌTÌdualista e j& tendendo para substitair
a clericatora pelo typo militarista do espadachim :
Estudante
Berga^te,
Chapéo de alguidar,
Com 0 sentido naa mo9a8
NSo p<Sde estudar.
Na Nova Floresta^ de Bemardes, encontra-se este outro annezim,
commnm & tradÌ9So hespanhola: (t. ii^ p. 86.)
Até quatro donne o Santo,
Cinco, 0 quo nSo é tanto ;
Sàs ou sete, o Estudante,
Outo ou nove o passeante,
Dezy o porco,
Ab maifl o morto. ^
AlgonB d'estes costomeB eram commons & Universidade de Sala-
mancai d'onde ^ regressavam muitos estadantcB portugaezesi e a qoal
nSo foi Bem rela98o com a Universidade de Coimbra^ onde o titulo de
Cancellario, dado ao Prìor de Santa Cruz, parece ter o sentido que em
Salamanca Ihe ligaram comò «ynonimo de Mestre-eschola da Sé. A
mndan$a da Universidade para Coimbra em 1307, seria tambem para
^ libertar da ingerencia do bispo de Lisboa, e para aproveitar o nucleo
das escholas menores do Mosteiro de Santa Cruz.
A Carta de 15 de fevereiro de 1309, em que D. Diniz regnlamenta
o Estudo geral transferido para Coimbra, revela-nos algnmas circum-
stancias da sua organisa^lo intema; conservou-se o mesmo quadro dos
estudoB de Lisboa, que segundo a bulla de confirma9So de Nicolào rv
de 1290, constava das cadeiras de:
Direito canonico,
Direito civil,
Medicina,
Artes (Grammatica, Dialectica e Rhetorica)
1 Ab horas de deBcan^ do estadante no rifilo popolar, oondiBem com o que
estabelece o rei D. Manuel no sen Estatato da, Universidade de Lisboa: «Orde-
namOB que o Capellfto do Estudo se apparelhe de maneirs, que em sahindo o $ol,
eoméflse a missa, e em firn d'ella come9ar2o ob Lentes de Prima a lér . . . »
86 HISTOBIA DA VNIYERSIDADE DE COIMBRA
A Sacra Pagina (Theologia e Escrìptora) era lìda em cursos es-
pecìaes nos Conventos dominicanoB e frandscanos. Este mesmo quadro
apparece-nos reproduzido na escriptura de 18 de Janeiro de 1323, em
quo se estabelece a dotarlo d'essas diversas cathedras, com a dif-
ferenza de alli mencionar-Be pela primeira vez a cathedra de Muzica,
Tambem na bulla de Clemente vi de 1350, em que, ostando jà outra
Toz a Universidade em Lisboa, se concedem benefidos ecclesiasticos
sem obriga(So de residencia aos lentes e estudantes, enumeram-se as
mesmas disciplinas. Da simples organisazSo do ensino se tira a com-
prehensXo de um certo numero de factos pecuUares à Universidade;
08 titulos honqrificoB de Mestres e Dodores correspondiam aos gr&oa
em Canones dados pela auctoridade do Papa, e aos grios em Leis, dados
pela auctoridade do Bei. ^ (Magiater in Decretalihu8j DoctorinDecretis).
Està duplicidade da corporazSo escholar persistiu na eIeÌ9&o dos Bei-
tores, que eram simultaneamente dois, representando um o interesse
dos canonistas, e o outro o dos legistas. O Conservador era o Juiz es-
pedal do fOro priyilegiado dos escholares, concedido pelo papa aoa
que frequentavam o Estudo geral; o rei teve a necessidade dedarar-se
Protector da Universidade, para prevalecer sobre a auctoridade papal,
e pelo desenvolvimento do Protectorado real a Universidade e o ensino
superior ficaram mais tarde sob a obediencia da dictadura monarchica,
perdendo a corpora^So a faculdade de fazer estatutos para seu governo,.
e a classe escholar o privilegio de eleger reitores e conservadores.
A carta de privilegios concedidos & Universidade pelo rei D. Di-
niz em data de 15 de fevereiro de 1309, estabelece que o ensino da
Theologia ficari exdusivamente a cargo dos Dominicanos e dos Fran-
ciscanos (vclens ut ibidem apud Rdigiosos eonventus fratrum Predica-
torum, et Minomm in Sacra Pagina docent. . .) As duas ordens monas-
ticas dos Pregadores e Menores eram entSo em teda a Europa os re-
presentantes mais fervorosos das doutrìnas aristotelicas, e rivaes incon-
ciliaveis^ diante dos problemas da Scholastica. Os Dominicanos susten-
tavam as doutrìnas de S. Thomaz, que soubera conciliar os dogmas da
theologia com os habitos crìticos do Nominalismo; os Franciscanos, de-
fendendo as opiniSes de Alexandre de Halés, seguiam sob o impulso
de S. Boaventura as ezalta98es mysticas que se coadunavam com o
eubjectivÌEmo dos Bealistas, e que o genio peninsular levou ao mais alto
1 Està differenza dos titulos conserTou-se nas Conmaa magiiiraet e Ccnma»
douiorae$i que mais tarde fortm ereadas.
0 ESTUDO GERAL EM USBOA 87
grio de ezageraySo em Raymundo LuUo^ o prototjpo do D. Quixote
nas e8pecula98e8 philosophicas. As luctas das duas escholas centrali-
sam-se entre as duas'Ordens monacaes; Hauréau caracterìsa essa lu-
cia: e A paixSo do seculo xin é a philosophia; os chefes dos partidos
belligerantes sSo commentadores de Aristoteles; os problemas cuja so-
larlo agita as consciencias, perteBcem ao dominio das cousas abstra-
ctas: mas que esfor90Sy que combates para fazer prevalecer um sys-
tema, urna simples formala^ e às vezes, menos ainda, ama mera pala-
vra! As duas escholas rivaes sSo dois a||b]^ d'onde se véem inces-
santemente sahirem novas phalanges.» ^o maior ferver da lucta entre
OS Dominicanos e Franciscanos, o syno&o diocesano de Paris em 1 277
foi impotente: f os Franciscanos, continuaram a commentar no espirito
de Averrhoes todos os sentimentos do seu primeiro doutor Alexandre
de Hales, e pelq seu lado os Dominicanos impuzeram-se comò um do-
ver sagrado a obriga9So de sustentar todos os articulados do peripa-
tetismo thomista.» ' Estas duas correntes dominicana e fìranciscana fo-
ram superiormente representadas por portuguezes fora de Portugal;
a thomista pelo afamado Fedro Hispano, e a mystica pelo nZo menos
immortalisado S. Antonio de Lisboa, que professou em Montpellier,
em Padua e Tolosa. Entre os grandes doutores da Edade mèdia, o
portnguez Pedro Hispano teve a gloria singular de ser memorado por
Dante, na sublime epopèa da Divina Comedia: .
Ugo da San Vittore, è qui con elli
£ Pietro Mangiator, e Pibtbo Hispano
Le qua] già luce in dodici liÒdlL '
Dante referia-se às Summulae logicalea, celebres em todas as es-
cholas, as quaes se dividiam em doze tratados: 1.® Da enuncia9ao (das
Perihermeneias de Aristoteles); 2.° Dos cince nniversaes (dos Predi-
anseis de Porphyrìo); 3.® Dos Predicamentos (Predicamenta de Aris-
toteles); 4.^ Do Syllogismo simpliciter (Liber Priorum de Aristoteles);
5.^ e 6.^ Sobre Fallacias {EUncoa de Aristoteles). A estes seis tratados
8eguiam«se-lhe os outros seis conhecidos pelo titulo goral De parvis lo-
ffiealtlms, divididos arbitrariamente nas escholas; 7.^ Da SupposigSo;
8/ Da Rela$ao; 9.^ Da AmpliajSo; 10.^ Da AppellasSo; 11. • Da Res-
^ De la PhUohophie SeoUnUgue^ 1 1, p. 214.
s Ihid, p. 217.
3 Paraieoj Canto zn.
88 mSTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
tric92o; 12.*^ Da Dìstribui^&o. Assim se prefazem os dodeci lihdi, a que
allade Dante. ^
Entre as Can9Se8 de Affonso o Sabio, qae vèm no Cancioneiro
Colocci-Brancuti, encontra-se ama que parece referir- se a Fedro Bis-
pano e a um celebre Garda, que floresceu pelo seculo xiu na Uni-
versidade de Bolonha; eia a can9So:
Pero quo ej ora mengna de companha,
Nem Pep» Gkiicia, nem Pero d^Eapanha
Neia Pero gal^o
Non Iran comego.
£ barn vol-o juro por Santa Maria,
Que Pero d'Espanha^ nem Pero G-arcia,
Nem Pero galego,
Non iran comego.
Nunca cinj'a espada com boa bainha,
Se Pero d'Eipanha^ nem Pero G-arda,
Nem Pero galego
For ora comego.
Q-alego, galego
Outro irà comego. *
NoB nossoB primeiros estudos, consideràmos qae as CanfSes de
Affonso o Sabio eram extranhas aos Cancioneiros proyen^aleBCOB por-
tugaezes. Combatendo este modo de vèr, o Marquez de Valmar na
Introdac$fto às Cantigas de Affonso o Sabio j escreve: e Apesar das da-
vidas qae podiam sascitar-se^ j& em 1859, o insigne philologo Fer-
nando Wolf, jalgoa sem hesitar, que ao regio trovador Affonso x per-
tenciam as 19 cantigas profanas que no grande Cancioneiro galaico-
portuguez do Vaticano (ms. 4803) estfto rubrioadas com està epigra-
phe: El Bey Dom Affonso de Castella e de Leon. De identica opiniSo
foi o sabio Frederico DIez. Tambem nunca vacilou n'este ponto o il-
lustre romanista hespanhol D. Manuel Mila j Fontanals. Assim o' ma-
nifesta no seu livro Los trobadores en Espaha^ ao designar os poetas
1 Hauréau, na op. cit., diz que Pedro Hispano estudara em Paris e alli enn-
nara a Philosophia, e concine que o seu resumé do Organum é e f cito com gosto e
intelligencia, e que mereceutomar*se o manual dos professores e dee estndantes.»
Indica a Hktoirt liUerairt de la Drance, t. zx, onde yem a lista das suas obras-
< Cancioneiro Coloed-Braneutif can^. n.* 365.
0 ESTUDO 6ERAL EM USBOA 89
eastelhano^ e andala;se8 que se acham entre as 147 d'aqaelle Gancio-
neiro.» (p. 13.)
e A nósy sempre noe dominou, corno mais verosimìl a idèa de que
o auctor das Cantigas profanas do Cancioneiro vaticano , designado
com 0 nome de Affonao Rey de Castdla e de Leon, n&o podia ser senSo
o Rei Sabio; n&o so porque foi o primeiro Affonso^ que com exactidSo
historica pode chamar-s'e Rei de Castella e de LeSLo, senSo por que sfto
do seu tempo, da sua intimidade litterarìa e até elevados funccionarios
do Estado varios dos trovadores portuguezes que resplandeciam em
sua c6rte e cuja connexSo com o rei se adverte nas mesmas trovas.
Nas ditas Cantigas profanas se ve claramente, que a poesia d'estes can-
tares em idioma gallego-portuguez e em fórma provenfal, satjricos,
amorososy livres às vezes até à desenvoltura, constituia um lago de
fratemidade intellectual que, assim comò acontecia na Provenga e na
Catalunha, collocava principes e plebeus em uma esphera commum de
cultura, de engenho e de aleggia.» (p. 14).
A prova evidente da existencia das CangSes profanas de Affonso
o Sabio foi encontrada no Cancioneiro Colocci-Brancutij publicado em
1880. Diz 0 Marquez de Valmar: fN'esta coUecgSo complementar ha
varias cantigas com està epigraphe: El-rei D. Affonso de Castella et
de Leom. Este grupo fórma segundo todas as apparencias, com o que
no Cancioneiro vaticano tem egual epigraphe, um conjuncto de cantares
que pertencem a um so poeta regio. E quem é este Affonso, trovador?
Com surpreza verdadeiramente agradavel, advertimos, ao examinar o
Cancioneiro Colocci-Bràncuti, que à fronte d'aquelles cantares (quem o
imaginaria,*ante aquelle montSo de poesias superficiaes, satyricas, ga-
lantes e mesmo obscenas) se acha uma das piedosas Cantigas consa-
gradas por Affonso x & santa virgem Maria.» (p. 16) 0 Marquez de
Valmar encontrou effectivamente a cantiga n.® 467, que cometa:
Deus te salve grorìosa
Reyna Maria ^
1 J& em 1862, Amador de Ics Rios {HiH, critica de la LiU, Espah., ii, 448)
tinha dado noticia d'està Cangio de Affonso o Sabio :
Deas te Mire, gloriosa
Luna de loi Mutoi fremoM»
Et doi 9eoB via etc.
£ztrahira-a do Codice toledanò das Cantigas de Laorea de la Virgen^ can9.
90 HISTORIÀ DÀ UNIVERSIDADE DECOIMBRÀ
induBa no Codice escurialense (j. b. 2) com o n.^ XL, e no Codice* de
Toledo com o n.^ xxx. Um trabalho especial do romanista Cesare de
Lollis, Cantigas de Amor e de Maldizer di Affonso el Sabio, Re di Cas-
figlia, tende à prova d'està mesma doutrina, apoiado na observa^lo de
Angelo Colocci, dando-o corno auctor das 30 can93e8 dos dois Cancio-
neiroB. *
Notàmos as relaySes de Affonso o Sabio com a cdrte portugueza
de seu neto^ para mais accentuar a inflnencia que Ihe attribuimos na
creafILo da Universidade de Lisboa; corno tambem a sua idealisa9So
trobadoresca da Virgem, que propagando-se pelas Univérsidades me-
ridionaes em certo modo coadjuva a influencia philosophica dos Fran-
ciscanos. Depois que o portuguez Fedro Juli&o {clericus univeraalisj
por ser graduado em todas as faculdades) foi eleito papa em Viterbo^
em 15 de septembro de 1276 com o nome de JoSo xxi, ' um dos pri-
meiros empenfaos do seu rapido pontificado foi o estabelecer a concordia
entro Philippe rei de Franca e Affonso o Sabio; a can9So d'este mo-
narcha-trovador a Fedro de Hespanha adquire um sentido historico.
Dante referiu-se aos livros vulgarisados em todas as escholas da
Edade mèdia, nos quaes Fedro Hispano espalhou as doutrinas de Aris-
toteles e a medicina averrhoista, Summulas LogicaSj os PróblemoB, os
Canones Medidnaes e o Thesavrus Pauperum. Fedro Hispano era naturai
de Lisboa, freguezia de S. JuliSo, arcediago de Vermoim, D. Frior de
GuimarSes, sendo nomeado cardeal de Frascati pelo papa Gregorio x no
. Eata indica^So, na impossibilidade de poder consultar o monumento mana-
scrìpto, bastava para nos guiar na inferencia de que nos Cancioneiros proT6n9ae8
portuguezes devia ezistir alguma composi^io de Affonso o Sabio, por isso que ha
no Cancioneiro da Ajuda allusSes ao seu caracter.
1 O Marquec de Valmar termina com um grande espirìto de ju8tÌ9a: «Assim
fica retificada a aventurada affirma^o de Th. Braga, de que nSo apparece trova
alguma de Affonso z nos Cancioneiros portuguezes. Ha que ter em conta, que o
illustre professor portuguez publicava em 1878 a sua formosa Introduc^io & editto
crìtica do Cancioneiro da Vaticana, e que so dois annos depois foi dado 4 estampa
0 Cancioneiro Colocci-Brancuti, quo veiu espalhar nova luz sobre este ponto de
historia litterarìa e abrìr campo a romanistas emditos, que, estudando a fundo o
caracter e circumstancias de cada uma d'estas cantigas, querem desvanecer toda
a duvida, e converter, se é possivel, em evidencia o que até agora eó podia admit-
tir-se comò mera, embora plausivel, oonjectunu» (p. 16.)
* É frequente o equivoco de dar o nome de JoSo zzi ao suocessor de Cle-
mente V, Jacques d'Euse ( JoSo zzu) conforme se indica ou n2o na lista dos Papas
o successor de JoSo zrv, um Joio zv, eleito sem ordena^So canonica e faUeddo
985.
0 ESTUDO GERAL £M USBOÀ 91
concilio geral de Le&o em 1274^ e successor de Adriano v em 1276 coni
o tìtolo de JoSo XXI. D'este pontifice portugaez, cujo nome figura corno
bispo de Braga confirmando os docnmentos do reinado de D. Affonso iii,
diz Martìnho de Fulda: ^Fuit magnua medicus^ et scripsit lihrum de Me-
dicina, qui Thesaurus pauperum vocatur,^ Porém a 8ua grande in-
fluencia nas escholas medie vae8 foi com a Logica, as SunmiMias, às quaes
aìnda alludia Kant, quando para dizer de um individuo que nSo tìnha
jiiizo, empregava a periphrase : Falta-lhe a segunda de Fedro. As Sum-
mulas lofficales foram attribuidas a Miguel Psello, escriptor do seculo Xl,
pertencendo a Fedro JuliSo apenas a traduc9Sk) do grego; ' porém està
aB8er9So nSo assenta em fundamento algum^ ao passo que Dante, e
Bicobaldi de Ferrara, do seculo xiii affirmam que Fedro Hispano fizera
tratados de logica,-* sondo alguns d'elles traduzidos em grego trinta
annoB depois da sua morte. ' A grande reputafSo europèa de Fedro
Hispano nSo deixaria de actuar na determinaj&o do rei D. Diniz para
fixar em Fortugal os talentos que andavam elevando as Univeraidades
estrangeiras. Durante teda a Edade mèdia as doutrinas de Fedro His-
pano, vulgarisador da logica aristotelica, influiram constantemente na
direcfZo do ensino européu, especialmente dialectìco.
A eschola dos Franciscanos, em que prevalece o caracter mystìoo,
foi representada no fim do seculo xui pelo portuguez Antonio de Fa-
dua, santificado nas poeticas lendas populares; a sua actividade exer-
ceu-se na prèdica, e pela austeridade ascetica finou-se prematuramente
aoB trinta e sete annos. Santo Antonio foi mandado pelo celebre instì-
tuidor dos Menores frequentar as escholas de Artes e Theologia, que
estavam no maior esplendor no mosteiro de Santo André em Vercelli,
onde ensinava Thomaz Gaulez, o mais afamado theologo do tempo; teve
por companheiro de estudo o inglez AdSo de Marisio, ^ vindb depois o
fiimoso portuguez ensinar theologia em Bolonha ao lado de Rolando
Bandinelli, (papa, sob o nome de Alexandre m) e por ventura de S-
Thomaz de Aquino. ^ A aurèola da santifica^&o popular offuscou-lhe a
1 Bartholomea Keckermman, t. z Qp. Proecog., Log.^ p. 105 e 107.
* Eocardi, Corpus hist, medii asvi^ 1. 1, col. 1219.
> Nessel, Catal9gu8, sive recensio specialis omnium Cod. Mb. grecorom Bi-
bliothece CaesaresB Vindebon. Pait. 5. Cod. 128, onde se acha assim desoripto :
mEoDoerpta misodlanea ex diversis eie,.. Ex Dialeotiem Mag. Peiri Hispani, irUer-
preU Qeorgio Sekdario.*
4 Tlraboschi, Storia ddla LeUer, ital.^ t. nr, p. 315.
5 Ibidem, p. 112.
i
92 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
importancta da individualidade philosophica. Comprehende-se corno o ce-
lebre Cantico de le creature, que se attribae a S. FranciBco de Assis^ re-
cebeu a sua prìmeira fórma metrica em portuguez^ nas fórmas strophicas
da poesia trabadoresca bem conhecida entre a arisiocracia portagueza^
e d'essa lingua passoa para italiano, rimado por Frei Pacifico. ^ Em
philosophia os Franciscanos exerceram ama ac9So profunda por via das
doutrinas de Raymundo Lullo, e é talvez d'està influencia raymonista^
que tanto dominou nas Universidades meridionaes, que resultoa o firn-
darem-se cadeiras de hebraico e de arabe na Univei^sidade de Lisboa.
No come9o do seculo xiv, foi preso em Lisboa, um aristotelico -aver-
rhoista chamado Thomaz Scott, da ordem franciscana, por ter aflb-
mado a doutrìna atheista dos Trez Impostores, ' (trea fuisae in mundo
deceptores.) Por este facto infere-se que a lucta doutrinaria entre as
duas Ordens tambem chegara a Portugal, e que para evitar que o en-
sino da Theologia se envolvesse com as theses audaciosas do peripa-
tetismo, comò os foeda dieta de Thomaz Scot ou de Andrès Scot, é>
que elle ficou confinado nos mosteiros das ditas ordens dominantes,
ut 8Ìt fdes cathoUca circumdata muro inexpagnabUi bellatorum, comò
diz a Carta de D. Diniz de 15 de fevereiro de 1309.
0 papa Nicolào iv, que fora eleito em 15 de fevereiro de 1288,
figura comò o primeiro franciscano que subiu ao throno pontificio; a
grande protecf&o que sempre deu à Ordem dos Menores, influiu por
certo no privilegio do ensino da theologia nos seus claustros, e em que
predominava o caracter mystico, compartilhado com os dominicanos,
mais argumentadores e casuistas.
Fatando do antagonismo dos Franciscanos com os Dominicanos,
emquanto às doutrinas philosophicas, essa lucta manifestou-se tambem
emquanto & cren9a, e sob este aspecto penetrou nas Universidades no
seculo XIV. Od Fransciscanos fizeram-se os paladinos da cavallaria
mystica, proclamando a Imaculada CanceigSo de Maria^ que come9oa
a ser jurada nas Universidades occidentaes; os Dominicanos sustenta-
vam que Maria idra concebida comò os outros filhos de AdSo. Duas
1 Renan, no seu estado sobre S. Francisco de Assis escreve àcerca do Oom-
iico daa creatura»: «A authenticidade d'este texto parece certa; mas é preciso no-
tar qne falta o ori^nal italiano. 0 teocto italiano que ae posiue é urna traduegào de
urna versào portugueza^ que tambem fóra traduzido do hespanhol. O texto originai
fora rimado por Fr. Pacifico.» Nouvelles Eludei d'Histaire rdigieuae, p. 881.
2 Victor Ledere, Histoire litteraire de la France au zvi"* néele^ t. ii, p. 46;
tira este facto, da obra de Alvaro Pelagio, Colfyriuvn fidei centra haereeee.
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 93
Yezea tinha o partido franciscano soffirido a condemna9So do novo dogma
em 1304 e 1333; em 1384 o reitor da Universidade de Paris convoca
o corpo academico para deliberarem sobre este assumpto^ e o partido
dominicano ficou vencido. ^ Assim corno as Universidades roBultavam
da emancipatilo daB intelligencias na dÌBsolu9So do Poder espiritual no
secolo xin, tambem o novo dogma, elaborado pela sympathia e idea-
lÌ6a$2o popular da Virgem M&e e symbolisado por fórmas mais con-
cretaB do que a do monotheismo abstracto, que davam logar à crea92o
de urna nova Arte, esse novo dogma achou nas Universidades a con-
Bagra9So de um juramento por assim dizerde defeza pelas armas da
Dialectica. Notando as modifica93es da expressSo humana da idèa mo-
notheista, Comte comprehendeu superiormente o novo ideal que fecundou
a poesia moderna: cDesde o seculo xii, que a Virgem obtem, siobre-
tudo em Hespanha e na Italia, um ascendente progressivo, centra o
qual 0 sacerdocio muitas vezes reclamou em v2o, e que elle por vezes
foi for9ado a sanccionar para manter a sua propria popularidade. Ora,
està Buave crea9ào esthetica nSo pode attrair uma adora9So directa e #
privilegiada sem alterar radicalmente o culto em que ella surgiu. Ella
é propria para servir de intermediaria entro o regimen moral dos nossos
antepassados e o dos nossos descendentes, transformando-se pouco^
pouco em personifica9So da Humanidade.» ^ Affonso o Sabio, o funda-
dor da Universidade de Salamanca, exerceu o seu elevado talento poe-
tico n'esta sublime idealisa9So nas composÌ98es dos Liòros de los Can^
tares et de los loores de Santa Maria; e ao proprio D. Diniz, fuuda-
dor da Universidade de Lisboa e Coimbra, foi attribuido um Cancio-
ndro de Nassa Senhora, hoje totalmente perdido. Entro as composÌ93e8
do audacioso philosopho Raymundo Lullo, figuram excellentes can95es
em dialecto malhorquino em louvor da Virgem; e o predominio das
doutrinas raymonistas nas Universidades meridionaes, onde os cursos
duravam ataa Santa Maria de Agosto^ propagava tambem o prestigio
do novo ideal entre os escholares, que faziam puys on concursos de
cantoB reacB em honra da Imaculada ConceÌ9So, ^ costume que re-
1 Victor Le Clero, Dùeurse sur VÉtai des LeUres au XIV^ sùcle, 1. 1, p. 378.
2 Systhme de Politique positive, 1. 1, p. 355, e t. ni, p. 485.
5 Benan, no eBtudo Bobre : Esiodo das BéUas Artes em Franca no seetdo XIV,
allude 4 importancia do novo ideal na Arte moderna : «A devo^ da Virgem in-
spira n'este secnlo mais obraB de arte do que em nenhum dos outros que o prece-
deram. Ob livros de horaB, os psalteiios, as vidra^as, estào cheios da Virgem Ma-
zìa, das BiuLB dores, dos seuB gOBOB, das proyas da sua inflaencia, dos milagres ope-
94 HISTORIA DÀ UmVERSIDADE DB GOIMBRA
appareceu nas Academias poeticas ou AroadiaB do seculo xvn e xvra.
Quando, n'este longo processo da diBsolugJo do regimen catholico-feu-
dal, se estabeleceu dentro da Egreja um esforpo e systema de reac9So
contra o Protestantismo, pela organisagSo da Companhia de Jesus, ob
Bustentaculos da theocracia, para Ihe reconsquitarem o poder espiritual,
apoderaram-se por toda a parte do ensino das Universidades, e obede-
cendo a urna intuÌ9ao de contìnuidade revivificaram o culto e o jora-
mento da Conceif&o. ^
À importancia que tiveram os Franciscanos e Dominicanos na or-
ganisagfio das Universidades ligava-se & 8Ìtua9Ìo angustiosa em que se
encontrava o Poder espiritual da Egreja diante de um novo regimen
mental em que a rasSo preponderava sobre a cren9a; Comte define ni-
tidamente a misslo das duas ordens monachaes: • A imminente desor-
ganÌ8a9So espontanea do catholicismo estava mesmo indicada, desde o
come90 do seculo xiv, segundo graves symptomas precursores, quer
pelo afroixamento quasi geral do verdadeiro espirìto sacerdotal, quer
, pela intensidade crescente das tendencias hereticas. Este duplo comedo
de decomposifSo intima foi entSo, sem duvida efficazmente combatìdo
pela memoravel instituifSo dos Franciscanos e dos Dominicanos, tSo
sabiamente adaptada, um seculo antes, a um tal destino, e que é pre-
ciso considerar, com effeito, comò o mais poderoso meio de reforma e
de conservajào que pudesse ser verdadeiramente compativel com a na-
l^ureza de um tal systema; mas a sua influencia preservadora devia fi*
car rapidamente esgotada, e a sua necessidade unanimemente reconhe-
cida n&o podia finalmente se nSo fazer melhor sobresair a proxima de-
cadencia inevitavel de um regimen que tinha recebido debalde uma tal
rados pela sua intercesBlo. — Ab Madonas francezas quasi que egualam em gra^
as que a Italia creava na mesma época« É no secolo xin que as representa^s
da Virgem attingem em Franca uma gra9a ideal e quasi raphaélica. Està especie
de embria^ez da belleza feminina, que, inspirando-se sobretudo do Cantico doa
Canticos, transparece nos hymnos do tempo, ezprìmia-se tambem pela pintura e
esculptura. Ha estatuas da Virgem, que seriam dignas de Nicolào de Pisa pelo
encanto, pela harmonia e suavid ide. O èmpenho que se ligava & belleza da Virgem
era um aeto de devo^io ; fazel-a bella era comò que um servi^ que ella se encar-
regava de recompensar.» (Op cit, p. 247).
1 Ck>mte reconheceu està ultima rela^ào entro o seculo xnx e a institui^io da
Companhia de Jesus: «0 nobre enthuziasta que a fimdou, annunciando-se shnnl-
taneamente corno defensor do catholicismo e adorador da Virgem, merece ser eii-
gido sociologicamente comò digno continuador da reforma do seculo xni, cujo abor-
tamento pretendia reparar.» (PoUtigue posU,, t m, p. 663).
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 95
repara92o. Ao mesmo tempO; os meio9 violentos introduzidos entSo,
em grande esoala^ para a extirpaj&o das heresìas; oonstituiam neces-
sariamente um dos signaes menos equivocos d'està invencivel fatali-
dade; por que nenhum dominio espirìtual nfto podendo evidentemente
assentar, em ultima analyse^ senSo no assentimento voluntario das intel^
ligencias, todo o notavel recurso espontaneo à forja material deve ser
considerado^ em rela9So a elle, corno o mais irrecusavel indicio de ama
decadencia imminente e jà sentida.» *
Antes de entrarmos no periodo da primeira transferencia da Uni-
▼ersidade de Lisboa para Coimbra em 1307, importa esbo$ar o quadro
geral das ideias dominantes d'onde dimanou o novo ensino humanista.
A protO'Renascen^a provocada pelos Arabes, seguiu-se uma maior ap-
proxima9&o do hellenismo, a que Ampère chama a segunda Renas-
oen$a, do seculo xin; é d'està approximaySo que provém o generali-
sar-se as divisSes pedagogicas do trivium e quadrimum, que se suppSe
de origem pythagorica, e que se acham no livro de Philon, De Cùn-
gressu, e em Tzetzes. O hellenismo alexandrino era o unico conhecido^
6 por isso a actividade do espirito seguia essa direc9S0; dispendendo-se
no estuda da grammatica, da rhetorica, na argucia dialectica e no theur*
gìsmo mystico. Antes mesmb de irromper a querella philosophica dos
NominaUstas e Realistas, jà a influencia dos ultimos neo-platonicos da
Eschola de Alexandria apparecia no Occidente, no meado do seculo ix,
e Jo2Lo Scott proclamava a doutrina. dos Universaes, antes de ser co-
nhecido o problema proposto por Porphyrio, sobre o qual se exerceu
teda a actividade da Scholastica. Plat&o era mal conhecido através das
hallucinafSes de Plotino, e o Realismo, que foi mais tarde desenvolvido
pelo conhecimento do Timeo, teve verdadeiramente a sua origem na
these dos Uiùversaeay aa essencia que contém toda a creatura, da qual
participa todo o ser, e que, dividindo-se, desce através dos generos e
das espedes a està especie mais particular a que os gregos chamam o
atomo, isto é, o ifìdividìio.3 0 eontacto com as especula93es philosophi-
cas dos arabes Avicebron, Avicena e Averroe? favorece este exaggerado
subjectivismo, que veiu a systematisar-se nas grandes luctas especula-
tivas do seculo xui, csob todos os aspectos o precursor directo da re-
volujgSo Occidental.»' A tradigSo scientifica da Grecia, que se elevàra
a urna concep9So positiva na mathematica, na astronomia, e nas ob-
1 Ccurs de PhUoaophie pùntive^ t v, p. 368.
' Sydème de PolUique pontive, t in, p. 509.
96 HISTORIÀ DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
serva98e8 geraes da pfaysica, estava corrompida pelos deavarìos da ca-
bala, da astrologia judiciaria e pela alchimia; e o eapiiito de observa-
(fto condenmado pela Egreja, corno 86 ve em relag&o a Rogerìo Bacon,
nSo podia dar urna disciplina concreta a essas vagas ab8trac95e8 em
quo a philosophia se tornava instrumento subalterno da theologia. Como
as affinna9Ses nSo dependiam da comprovay&o dos factos, mas da ha-
bilidade da argumenta9&o, entenderam que a verdade resultava da de-
monstra9So logica, e desenvolveu-se està arte até ao ponto de absor-
ver toda a actividade mental das escholas do firn da Edade mèdia;
d'aqui o nome de Schokutica.
A Philosophia scholastica caracterisa-se pelo esclusivo trabalho
hermeneutico ou interpretativo; philosophar é commentar, glosar, apo-
stillar, explicar, comò observa Saint-Hilaire. A dialectica exerce-se
n'uma esgrima de syllogismos sobre palavras que se convertem em
entidades ontologicas, taes comò Generos, Especies, se sSo Realidades,
Concepgdes, Accidente» t)u Universaes? Procura-se conciliar as conclu-
s3es com os dogmas da Theologia, ou dà-se livre expansSLo ao racioci-
nio, ro9ando pela heterodoxia; prevalece n'uns a tendencia concreta do
empirismo, n'outros a abstrac9&o de um espiritualismo que sé esvae na
inanidade. Os pensadores do Occidente achavam-sejàpredispostos para
està anarchia do Ontologismo escholastico, quando tiveram conheci-
mento das phrases de Porphyrio na Introduc9So às CaUgorias de Aris-
toteles. Eis o problema de Porphyrio, que tinha de suscitar, tantas pu-
gnas especulativas: e NSo investigarci se os generos e as especies exis-
tem por si mesmos ou se sSo puras concep9Ses abstractas; nem no caso
de serem realidades, se s&o corpóreas ou n&o; nem se existem separa-
das das cousas sensiveis ou confìindidas com ellas.;» As differentes fór-
mas comò a Edade mèdia respondeu a este problema complexo, e pelo
qual tanto se apaixonou, constituem as phases historicas por que pas-
80U a Philosophia scholastica. Quando surgiu o problema, Aristoteles
era apenas conhecido nas suas doutrinas pelas Categorias e Hermeneia,
e PlatSo era conhecido pelb Timeo, uma psychologia idealista que fa-
cilmente era admittida pela Egreja, porque falava da origem divina
da alma, da sua immortalidade, e de uma decadencia ao ligar-se ao
corpo. Està confusSo das doutrinas aristotèlicas e platonicas nos mes-
mos cerebros produziu o desvairamento theorico, prevalecendo na pri-
meira phase da Scholastica o Realismo^ sustentado por Santo Anselmo.
Porém, & medida que a obra de Aristoteles come90u a ser melhor co-
nhecida, foi prevalecendo o criterio da objectividade, e Roscelin inicia
a phase Nominalista, negando valor objectivo às idéas geraes e censi-
0 ESTUDO' GERAL EM USBOA 97
derando-as corno um mero producto da liDguagem ou simples nomee.
Ab doas doutrmas combatem-se em um absolutismo inconciliavel, e d'essa
intransigencia doutrinaria resulta urna terceira phase, do ConceptuaHa-
mo, em que Abailard estabelece as Concep9Se8 comò factos psycholo-
gicos verdadeirosy transformando assim a fórma palavrosa dos Univer-
saes. O grande, genio philosophico nZo podìa agradar a nenhum dos
grupos em conflìcto doutrmarìo, vendo-se injustamente perseguido. E
assim comò um melhor conhecimento dos livros de Aristoteles deu uma
enorme seguran9a aos KominalistaS| tambem a leitura dos Dialogos
de Piatilo veiu produzir na Philosophia scholastica uma quarta phase,
dos MysticoSf que affirmaram que a Sciencia era constituida pela in-
toi^SO; e està pela concentrafSo mjstica da alma. Sustentaram està
doutrina do emocionismo religioso Godofroy, Hugo e Ricardo de Sam
Victor. Conhecidas estas differentes oorrentes da Scholastica, as duas
Ordens monasticas dos Dominicanos e Franciscanos apoderaram-se d'es-
saa questSes, prevalecendo entre os primeiros um eccletismo essencial-
mente nominalista, de Alberto Magno e S. Thomaz de Aquino, e en-
tre 08 segundos o sentimento mystico, sustentado em parte por Bacon
e principalmente por S. Boaventura. Em todas estas variedades da es-
pecula9So pliilosophica, Aristoteles foi sempre o orientador montai:
cQuer sejam Nominalùtas, Conceptudliatas, Realisias ou mesmo Mys-
ticos, todos ou quasi todos os mestres da Edade mèdia proclamaram-
se discipulos fieis de Aristoteles, e o seu principal empenho è justificar
està preten9So.»* As rivalidades das duas Ordens monasticas refle-
ctiu-se nas polemicas dos scottistas ou franciscanos, com os thomistas
oa dominicanos, e d'essas luctas resultaram os novos problemas da Li-
berdade, da Gra9a e da Predestina^SLo, que reapparecem com o indi-
vidualismo dos Protestantes e no conflicto dos Jansenistas com os Je-
suitas do seculo xvii. Quando a Philosophia scholastica parecia esgo-
tar-se, ainda a revigoraram pelos seus exaggeros dialecticos o halluci-
nado e genial Raymundo Lullo, e o audacioso Ockam, que, comò um
precursor do positivismo, nega todas essas entidades ontologicas que
por tantOB seculos povoaram as escholas e os claustros.
As escholas eram um torneio permanente de argumentaySo, em
que se abusava até ao desvario das categorias do raciocinio, admiravel-
mente definidas por Aristoteles. 0 grande philosopho nSo tinha culpa
1 Barthélemy S&int-Hilaire, Yb.<^ Scholàbtiqub, no Dict. des Sciences philoBO-
HIBT. UH.
i
98 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE.COIMBRA
da errada comprehensSo da sua obra inexcedivel; no firn do acculo xvi
um outró portuguez, Francisco Sanches, no seu livro Quod nOiU sdn
tur, ataca està errada actividade mentala restabelecendo a pr^onde-
rancia do criterio da obserya9So e da experiencia corno meio de che-
gar à yerdado; assentando assim as bases do ensino scientifico moder-
no. A falta de elementos concretos de observaySo e de experiencia,
fez com que nas escbolas se esgotassem em vagas ab8trac98e3y sendo
a philosophia o centro para onde convergiam todos os esforfos men-
taes que se dispersavam sem destino. As luctas entro Nomincdistas e
Realistas foram a resultante d'està incoherencia doutrinaria; a tenden-
eia para a organisa9&o de Encydopedias era o effeito d'este pedantismo
inconscientC; que se conservou sempre nas disciplinas humaniatas; e
a forma9So prematura de Classifica^es hierarchicas dos ConhecimerUas
humanos, quando ainda se nSo suspeitava da existencia da physicay da
chimica, da biologia^ nem da sociologia, era um esfor$o centra a dis-
persSo de elementos sem nexo dogmatico, que nSo conduziam a ne-
nhuma conclusSo fundamental. A falta de seriedade na sciencia refle-
ctia-se no entono auctoritario dos mestres, e na vaidade balofa dos gràos
honorificos, que se ligaram desde multo cedo ao ensino humanista das
Universidades. 0 titulo de Grammaticae Doctor, acha-se desde o ae-
culo IX empregado por Alenino; o titulo de Baccalariuis, era jà usado
em 1045, comò se comprova pela Chronica de Radulpho GHaber; o
titulo de Doctor Scholasticus, era applicado a Abailard, Fedro Lom-
bardo, Porretanus e outros, comò se ve em G-alterus de S. Victor, quo
escrevia por 1180; os grios academicos insti tuiram-se regularmente por
1151, secundum pompam litterarum saeculariurrij corno relata Fedro,
bispo de Orvieto, estendendo-se tambem para os que frequentavam a
theologia, recebendo em 1198 o grào de doutor em theologia em Pa-
ris 0 que teve o titulo de Innocencio iii. De par com os doutores das
leis ou dos decretos, e doutores em artes, os theologos eram tambem
OS Doctores sacrae paginae. *
A actividade do seculo xii e xm foi gasta n'esse jogo de pala-
vras, chamado a Philosophia scholastica; a tradiySo das eschoiaa es-
peculativas da G-recia renasceu nas Universidades, mas viciada pela
theologia catholica. A verdadeira comprehensSo da Philosophia scho-
1 Ed. Dumérìl, Poéeiea poptdairtt UUinea du Moytn-ùgtj p. 4&2, ooL 2. O IL
Fedro da Cruz, que em 1429 era lente de theologia em Lisb3a, intitnla-se MagU-
ter in sacra pagina.
0 ESTUDO 6ERAL EM LISBOA 99
lastica, e mesmo a sua alta importancia; so podem ser conhecidas, re-
lacionando-a com os antecedentes hellenicos; e com a eyola9So sub-
seqnente das crises philosophicas da Europa. Na Philosophia da Gre-
cia existiram duas escholas fandamentaes caracterisadas pelas suaa
<x>ncep9SeS; a esckola jonica, que especulava sobre os elementos obje-
ctivos do conhecimento, e a eschola decUica, que dednzia o conheci-
mento do universo dos dados subjectivos do espirito pela sjnthese
aprioristica. Estas duas fórmas do conhecimento estSo representadas
pelos dois eminentes pensadores Arìstoteles e Plat2o; a acfSo de Aris-
toteleS) que se acha rehabilitado pela sciencia moderna^ foi especiaii-
sada partìcularmente nos processos casuisticos da Logica^ e o influxo
de Piatilo actuou sobre os devaneios mysticos da theologia christS e em
grande parte na ìdealisagSo sentimental dos creadores do lyrismo mo-
derno. Ab luctas que se travaram desde o seculo xvi centra o aristo-
telismo sSo apenas urna reac9SLo centra o abuso da dialectica escholar|
porque a superioridade scientifica de Arìstoteles so podia Ber definiti-
vamente teconhecida quando a civilisajSo europèa continuasse a crea-
rlo das sciencias cosmologicas, interrompidas durante o longo periodo
da Edade mèdia, proseguindo depois da Mathematica e da Astronomia
a moderna Physica, a Chimica, e as sciencias biologicas.
Falando do regimen encyclopedico, diz Comte:'<Tendeu a modi-
ficar 0 system^ goral da razSo humana, desenvolvendo melhor do que
na Edade mèdia, o ascendente do nominalismo sobre o realismo. Um
tal trìumpho constituiu o passo mais decisivo para o advento directo da
sft philosophia até & impulsSo de Hume e à elaboragSo de Kant. Além
de annunciar a preponderancia final da lei sobre a causa, elle indicava^
no meio da preparaySo objectiva, o presentimento de uma syiithese
subjectiva, segundo a importancia concedida à logica artificial comò'
nexo prò visorio de todos os nossos pensamentos. Ainda que os orgSos
pessoaes d'està reacffio philosophica fo'ssem as mais das vezes frades
em legar de medicos, nem por isso deve deixar de relacionar-se es-
sencialmente com a constituigSo enciclopedica propria d'estes. Està
aprecia9So dogmatica acha-se confirmada pela nota historica sobre a
tendenda dos frades para os estudos medicos, que muitas buUas papaes
»
i
Ihes prohibiram especialmente.
A influencia de Aristoteles foi enorme na Edade mèdia, embora
nSo comprehendido no assombroso conjuncto das suas doutrinas con-
1 Syat. Politique positive, t. in, p. 541.
7*
100 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
cretas. Aristoteles concebia claramente os dois elementOB essenciaes do
conheciinento, o individuai, ou o subjectivo, cuja realidade estava na
propria consciencia) e o objectivo, ou os dados do mundo exterior, co--
nhecidoe segundo as impreasSes variadas, que chamava nomea. À in-
vestigagSo d'este elemento objectivo constituia a actividade scientifica,
corno o exercicio da fÌEU^iildade subjectiva constituia a disciplina philo*
sophica. A Edade mèdia, nSlo comprehendendo està intima dependen-
eia, exaggerou a parte subjectiva, reduzindo a acf&o de Aristoteles
simplesmente à sua Logica, e sem o apoio dos facto» experimentaea,
considerou que fora do espirito humano existiam idéas geraes que di-
rigiam os phenomenos, deixando-se enlevar nos sonhos idealistas de
PlatSo.
Sob està dupla corréhte, as dnas éscholas jonica e eleatìca renas-
ceram com outros nomes; os que ligavam a maior importancia à.obje-
clividade, e que davam toda a preponderancia ao criterio sensualista,
foram designados Nominalistas; aquelles que subordinavam o conhe-
cimento à pura subjectividade, consideravam-se comò espiritualistas, e
com o nome de Bealistas fortificavam-se com a theologia catholica, ou
attrahidos pela idealisa9llo pantheistà de Plat&o, chamavam-se os Uni-
versaes. Quem poderà rir-se d'estas tremendas luctas escholasticas en-
tre Nomincdistds e Recdistas, se era esse effectivamente o grande pro-
blema da intelligencia humana? ^ Ainda no seculo xyii Locke e Ber-
keley separam estes elementos do conhecimento; a realidade para Locke
é objectiva, e para Berkeley subjectiva; toda a renovagào do genio phi-
losophico de Elant consistiu no exame da importancia d'estes dois ele-
mentos do conhecimento, concluindo no Criticismo pela necessidade
final do seu accordo; e a origem historico-dogmatica do Positivismo
proveiu do desenvolvimento successivo das sciencias chjectivas, desde
o seculo XVI a xix, e da necessidade de coordenal-as em um todo sys-
tematico, come$ando pela subordinasse do criterio svbfectivo aos dados
verificaveis das sciencias, e acabando pela synthese nova em que a rea-
lidade e a subjectividade se conformam comò unica manifestasse da
verdade.
As doutrinas philosophicas, que penetraram nas Universidades da
Edade mèdia, principalmente nos paizes meridionaes, estavam repr&-
1 Diz Emile Chasles : «NSo silo duas éscholas que se combatem, aio dnas
grandea tendenciaa do eapirìto humano que se acham em conflicto.» (DicU da
JSàenees pàtio $ophique$f vb.<» NoifuuuBifs.)
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA iOi
«entadas pelas alias individoalidadeS; Sam Thomaz de Aquino, Dans
Scott e Raymnndo Lullo, dando logar às escholas intituladas dos Tho-
mùtas, dos ScotHstas e dos Raymonùtas, quo muitas .vezes deturpa-
vam as doutrinas dos mestres. A influencia d'este ultimo, conhecido
pela antonomasia de Doutor lUuminado, exerceu-se nas Universidades
meridionaes, havendo urna cadeira especial para explical-o nas Uni-
yersidàdes de Hespanha. Além da sua doutrìna, que se distinguia por
om contaoto mais directo com a philosophia dos Arabes, e pela aspi-
ra^So a conciliar a razSo com a fé, elle exerceu uma ac9&o notavel nas
Uniyersidades, proclamando a necessidade do estudo das linguas orien-
taeS; realisado no Collegio Trilingue de Erasmo, e sobretudo no Col-
legio de Franga sob Francisco i. O papa attendeu-o, permittindo que
as linguas orientaes fossem ensinadas em Roma e nas grandes Unì-
Tersidades de Bolonba, Paris, Oxford e Salamanca. Na Universidade
de Lisboa nSo existiram desde a sua funda93o cadeiras de arabe e de
hebraico; mas fizeram-se traduc93es do^Velho Testamento, e na Córte
Imperiai, manuscrìpto da Bibliotheca de D. Duarte, figurasse um com-
bate dialectico com os doutores arabes sobre os dogmas christ^s, tal
corno OS fazia Eaymundò Lullo.
Falando d'este grande visionario, que queria, além da conciliagSo
da fé com a razSo, a unificafSLo da humanidade pelo chrìstianismo. Guar-
dia retrata o com mestria: «Este homem, de ra9a cataUL, nSo se pa-
rece com nenhum dos seus contemporaneos do Occidente. Elle nSo é
nem scholastico, nem classico; o seu caracter permanece independente,
e 0 seu espirito indisciplinado. E Arabe pelas idéas, pelo methodo e
pela linguagem. Ao contacto do Oriente, e grajas à sua vida errante,
elle sacudiu o jugo pesado da theologia das escholas; ama o raciocinio
mais do que a razSo; mas reconhéce os direitos da razSo e a necessi-
dade da sua interven92o em materias da fé.» E termina com este bello
tra90 positivo: «Tinha um genio singular, e nSo é para elle uma pe-
quena gloria o ter entrevisto, desde o seu tempo, umà cousa que nós
entrevemos hoje com nova intuifSo, a unidade da sciencia pela coor-
dena$So empirica e racional dos conhecimontos humanos, e uma cousa
que de longe apenas entrevemos, a unidade da vida social, isto é, o
estabelecimento e a con8olida9So da ordem na humanidade.»^
A Universidade atrazara-se conservando confundido o ensino das
Escholas menores, ou secundario, com o das Escholas maiores, ou su-
1 Àp. Bevue gennantquey U zix, p. 223 e 224.
1 02 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
perior; a claseìficasSo das disciplinas estava ainda estabelecida pela
regimen do Trivium e Quadrivium, ou das Sete Artes, f om o systema
de coordeoa^So scientifica de Baymundo Lullo. 0 rei D. Duarte co-
nhecia as doatrioas philosophicas dos Raymonistas ouLullistas; naBi-
bliotheca de Alcoba^a (cod. 383) guardavam-se as Obras de Baymundo
Lullo, Compendio da Arte demonstrativà e Arte inventiva da Verdade. *
NSo admira pois que a coordenaySo das disciplinas da Universidade se
conformasse com a Classifica^So das Sciencias por Lullo; para este phi-
losophoy era a Tkeologia a base dos conhecimentos, porque x) seu obje-
cto é Densy e em seguida a Philosophia,^ que nos revela o conhecimenta
das causas e dos effeitos nas seguintes categorias:
Meiajphynea,
ÌFhystca Medicina.
a) Natubal l [ Astronomia,
] Mathematica . | Musica,
(Arithmetica.
tMonastióa, ou governo de si mesmo.
Economica, ou 'governo de um para muitos.
Politica^ ou governo de muitos por muitos (Leis.)
( Grammatica^
o) SxBMociovÀL. ÌLoffioa^
[Bheiorica.'
Grande somma dos elementos d'està classifica9So jà apparece sys-
tematisada quasi pela mesma fórma por S. Boaventura, que tambem
1 Os Raymonistas pretendiam esplicar os mysterios da fé pela razSo ; eram
xms racionalistas prematnros, combatidos pela Sorbona.
* Quicherat, na Historia do Collegio de Santa Barbara, 1. 1, p. 36, define està
ordem de estndos : «Nas idéas da Edade mèdia nao havia senSo a Philosopfaia,
que fosse capaz de dar yalidez aos espiritos e preparal-os para o estudo das ou-
tras sciencias. Era a unica faculdade, sobre a qual se exercia o ensino das clas-
ses Buperìores. Tudo 0 mais pouco valla.» E accrescenta: «Fensava-sc geralmente
que a instruc^So litteraria era sufficiente, quando coadjuvava a leitura dos livros
de Philosopliia. Ora estes livros eram imperfeitas traduc^Òes de Aristoteles, ou
Commentarios sobre o mesmo auctor, escriptos em o latim o mais àrido, o mais des-
pido de omatos. A for^a de se querer sacrificar a fórma & essencia, chegara-se a
banir da composi^Io toda a figura, toda a imsgem, tudo o que nào era rigorosa-
mente demonstrativo. 0 discurso, articulado corno um esqueleto, nao admittia se*
nSo proposi^oes, eondvsòes, coroUarios maiorea^ menores ou conseguenciag; o pen-
samento era for^ado sómente a distinguiry a definir^ a resolver. Tal era o genero
JScholaMtico^ genero monotono e esterìl, cuja cultura ezdusiva teve o deploravei
«ffeito de dessorar muitas intelligencias grandes.»
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 103
dera à Theologia a preeminencia, separando as Artes meohaDicaB ou
praticas das doutrinas theoricas. A Classificagào geral dos Conheci-
mentos humanos, proposta por S. Boaventura, é de maxima importali-
cìAi porque se baséa sobre as tres manifestagSes do nosso sér, activa,
eapecolativa e affectiva:
Tecelagem,
Carpinteria,
iMetHllnrgia,
L — AxTBB MBCHAmcAS |Cantooena,
Agricultura,
(Operaqòea artifidaes) jCa^a,
iNavega^So,
Theatrica,
Medicina (Pharmacia e Cirorgia.)
n. — 1. CoNHECiM£NT08 ADQuiRiDOS PELOB Sentidos (FórmcLs naturata da Mattrta) —
Iflto é, grupoB de phenomenos, segando os criterìos indactivos da 06-
servagàoj ÈxperìeTicia^ Comparagao e FUiagào,
(Grammatica,
BaetoncU (no Discurso) | Logica,
(Rhetorìca.
— 2. Philosophia I iPhjsica,
I Naturai (nas Cousas). | Mathematica,
fAg verdades intelligiveis) 1 (Metaph^sica.
Ì Monastica,
Economica,
Politica.
ÌSentido allegorico (A Fé) — Doutores: Santo Agosti-
nho, Ansehno.
Sentido moral (A Virtude)— Prégadores: S. Gregorio,
Sentfd^a^l^ (Beatitade)-ContemplativoB: S. Di-
niz, Bicardo.
Só depois de bem conhecer estas Classifica^Ses do saber medieval,
é que se comprehende a tendencia do ensino das Universidades em tor-
xiar-se prematuramente philoaophico em vez de scientifico. A sciencia
oontradictaya os dogmas da Egreja, e a Theologia entendia-se bem com
as vagas abstrac93e8 de ama Metaphysica tradicional, tomando-a a sua
tmeilla. Quando se deu a grande crise da renoya9So das Sciencias no
seculo XVI, as Universidades reconheceram que entravam n'um periodo
critico, tendo de aband6nar o seu humanismo; a lucta foi grande, sob.
o nome de aristotelismo , designaQSo imperfeita para denominar a velhar.
dialectica universitaria, e teve seus martyres, comò Fedro de la Ra-
mée; mas as Universidades nSo acompanharam o novo espirito critico,
porque bs Jesuitas, comò activa milicia papal, apoderaram-se d'ellas,^
104 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
recrudescendo no exclusivismo pedagogico das humanidades (gramma-
tica, logica ou dialectica e rhetorica.)
Comte descreve admiravelmente a genealogia montai do espirìto
metaphysico, que sob a fórma de Philosophia scholastica cooperou no
firn da Edade mèdia para a dissola9So do regimen theologico e do po-
der espiritual: cDesde està divisfto verdadeiramente fundamental da
philosophia grega em philosophia motal e philosophia naturai, que do-
minou sempre até aqui o conjuncto do movimento menta! da elite da
humanidade^ o espirito metaphysico appresentou concorrentemente doas
fórmas extremamente differentes e gradualmente antagonistas, em har-
monia com uma tal distinc9So : a primeira, de que PlatlU) é considerado
comò 0 principal orgSo^ muito mais proximo do estado theologico, e
tendendo mais a modificai -o do que a destruil-o; a segunda, tendo por
typo AristoteleSy bem mais visinho, pelo contrario, do estado positivo,
e tendendo realmente a desprender o entendimento humano de toda a
tutella theologica propriamente dita. Uma, nSo foi, pela sua natureza
essencialmente critica, senSo o inverso do polytheismo, do qual ella
proseguiu activamente a sua universa! decadencia; ella presidia sobre-
tudo, comò jà o mostrei, à organisafSo gradua! do monotheismo, que,
uma vez constituido, determinou espontaneamente a fus3o fina! d'esté
primeiro espirito metaphysico no espirito puramente theologico propria
d'està ultima phase essencial da philosopliia religiosa. Ao contrario, o
outro, desde logo principalmente entregue ao estudo goral do mundo
exterior, teve de ser, na sua applica9&o, longo tempo accessorio, &a
concepfSes sociaes, necessariamente e constantemente crìticas, conforme
a combina9&o intima e permanente da sua tendencia antitheologica com
a sua impotencia radicai, a produzir uma verdadeira organisafSo. Era
a oste ultimo espirito metaphj-sioo que devia naturalmente pertencer a
direcfHo menta! do grande movimento revolucionario, que apreciamos.
Espontaneamente afastado pela preponderancia platonica, emquanto a
organisa92o do systema catholico devia principalmente occupar as al-
tas intelligencias, oste espirito aristotelico, que nunca deixara de cul-
tivar e engrandecer em silencio o seu dominio organico, tendeu a apo-
derar-se, por seu turno, do principal ascendente philosophico, amplian-
do-se tambem ao mundo mora! e mesmo social, logo que està immensa
opera^So politica, emfim sufficientemente consummada, deixou natural-
mente predominar d'ahi em diante a necessidade da expansAo pura-
mente racional. E assim que, desde o seculo xn, sob a mais eminente
supremacia social do regimen monotheico, o triumpho crescente da
Seholastica, veiu realmente constituir o primeiro agente geral àa des-
0 ESTUDO 6ERAL EM USBOA 1 05
organis&fSo radicai da potencia e da philosophia theologicas, ainda que
parefa paradoxal està proprìedade de eiDancipa9So attribuida a urna
doutrina hoje tfto cegamente desprezada. A prìncipal consistencia po-
litica d'està nova for9a espiritaal, de mais em mais distincta, e desde
logo rivai do poder catholico, postoque d'elle fosse emanada^ resaltava
da sTia aptidSo naturai a apoderar-se gradualmente da alta instruc9So
publica, nas Universidades^ que, entAo quasi exclusivamente destina-
das & educatilo ecclesiastica; deviam necessariamente abranger depois
todas as ordens essenciaes da cultura intellectual. Àppreciando, a este
ponto de vista historìco, a obra de S. Thomaz de Aquino, e mesmo o
poema de Dante, reconhece-se facilmente que este novo espirito me-
taphjsico tinha entSo essencialmente invadido todo o estudo intelle-
ctual e moral do homem, e come9ava tambem a estender-se directa-
mente às e8pecula986s sociaes, de maneira a testemunhar jà a sua ten-
dencia inevitavel a libertar definitivamente a rasSlo humana da tutella
puramente theologica. — Mas as grandes luctas decisivas dos seculos xiv
e XV, centra a potencia europea dos papas e contra a supremacia eccle-
siastica do solio pontificai, vieram por fim apresentar espontaneamente
ama larga e duravel applica9So social a este novo espirito philosophico,
que, tendo jà attingido a sua piena maturìdade especulativa de que era
BUBceptivel, desde entSo tendeu sobretudo a tomar nos debates politi-
cos urna participa9So crescente, que, pela sua natureza negativa para
com a antiga organÌ8a9So espirìtual, e mesmo por uiba consequencia
involuntaria, ulteriormente dissolvente para o poder tempora! corre-
spondente, do qual ella tinha desde entSo secundado o systema de ab-
8orp9So universal. Tal é a incontestavel filìa9So historìca, que, até ao
seculo passado, naturalmente collocon, em todo o nesso Occidente, a
potencia metaphysica nas Universidades à fronte do movimento de de-
composÌ9lLo, nSo sómente emquanto elle permaneceu espontaneo, mas
depois quando se tornou systematico.» ^
Tentar a historìa do ensino sem conhecer a genealogia das idéas
enainadas, ou pelo menos a sua influencia nos methodos pedagogicos;
é entrar com os olhos fechados em um campo de manife8ta9Ses t%o
complexas comò este que se relaciona com teda a civilisa9&o europèa.
Depois das idéas dominantes no ensino humanista, temos notado
as tentativas dos principaes espiritos da Edade mèdia para o e^tabe-
lecimento de uma Classifica9So dos Conhecimentos. Nas disciplinas das
1 Cours de PhUosophie positive, t. ▼, p. 888 a 391.
106 HISTORIA DA UT^IVERSIDADE DE GOIMBRA
Universidadesy corno a de Vercelli^ em 1228^ encontramos a Theologia,
as Leu, as Decretata, a Medicina, a Dialectica e a Grammatica; ^ na
Universidade de Coimbra ensinavam-se as Leis, os Canones, a Medicina,
a Dialectica, a Grammatica e a Musica. Exìstia um pensamento com-
muin a todas as Unìversidades; e esse pensamento so póde ser expli-
cado comò urna applica9So das theorias taxonomicas das sciencias se-
gando a època.
A madaù^a da Universidade de Lisboa para Coimbra em 1307,
conservou a Theologia separada do novo estabelecimento, sendo ensi-
nada nos mosteiros dominicanos e franciscanps, e as Artes e Sciencias
em casas de aluguer e depois no sitio onde mais tarde veiu a fundar-se
0 Collegio de S. Paulo. Nos primeiros Estatutos dados por D. Diniz à
Universidade em 1309, estabelece-se o quadro pedagogico: cFundamos
na noBsa Universidade de Coimbra, & qual n'este ponto damos a pre-
ferencia, e inauguramos radicalmente o Estudo geral, querendo que
sejam mestres in Sacra Pagina os religiosos das Ordens dominicana
e franciscana. . . Tambem um Doutor em Decreto, e um Mestre em De-
cretaes. . . Além d'isso para que o reino possa ser melhor govemado,
queremos que haja um professor em Leis, para que os govemantes e
Joizes do nesso reino possam com o conselho dos peritos decidir as
questSes subtis e arduas. Tambem ordenamos que no sobredito Estudo,
haja um Mestre em Medicina para que agora e no futuro os corpos de
nossos subditos sejam dirìgidos sob o devido regimen da sanidade. Item,
queremos que ahi mesmo hajam Doutores e Mestres de Dialectica e
Grammatica para que recebam com o fondamento de quererem ser mi-
nistros e juizes e nos que acharem mais agudeza de intelligencia aquel-
les que desejarem chegar a maiores sciencias.» 'Nas Memorias politi-
eoa de Joaquim José Rodrìgues de Brito, vem uma reducgSo dos orde-
nados dos lentes da Universidade n'esta prlmeira època: cSegundo a
Memoria tirada das Notìcias chronologicaa da Universidade de Coimbra,
impressa por Francisco Leitào Ferreira em 1729, o Lente de Prima de
Leis, tinha de renda 21j5600, ou 600 livras; o de Carumes, 18f5000 réis;
e o de Musica, 2^9^340. Conhecemos jà que as livras d'aquelle tempo eram
de 36 rèis cada uma, e que 600 valiam 21^600, que multiplicados por 19
Bommam 410i$400 réis; e por 4, em 1:641}$600, ou mais de 4:000. cru^
zados. Os ISiJOOO réis do lente de Prima de Canones em 1:368^000
1 Tiraboschi, op. ctV., t. ir, p. 55.
2 Ltvro Verde, fl. 12 y. — Tambem na Monarck. Ltmlana, P. ▼, Àpp. Escr.
iLxv \ e nas Provaa da JSistaria geneal., t. z, p. 75.
0 ESTUDO GERAL EM USBOA 107
reis; e os 2}91340 do Professor de Musica em 177^840 réis de hoje.
NSo nos deyemos de admirar pois de que se leia em todos os historìa-
dores que o sr. D. Diniz convidara com grandes ordenados aos lentes
das Universidades da Europa, quando vémos que Ihes assignou uns
d'està qu^idade; nós devemos notar que elles deviam ser lun bom
attractivo n'uns tempos em que o luxo privado era limitadissimo.» ^
A leitnra da Carta de Con8tituÌ98es do Estudo de Coimbra, pelo rei
D. Diniz em data de 27 de Janeiro de 1307' so nos confirma os
enormes privilegios concedidos à classe escholar^ com um foro inde-
pendente para os que praticassem algum crime; com a faculdade de
elegerem reitor; conselheiros, bedel e outros officiaes da Universidade;
com taxa marcada para os alugueres de casa, e podendo viajar pelo
paiz sem pagar portagem, além de muitas outras garantias para nSo
serem perturbados no seu estudo. A sciencia tendia a converterse em
nm poder social, e effèctivamente os Jurisconsultos estabeleceram re-
grsA de direito, jà rècebidas da jurisprudencia romana que renasda
nafi Universidades, jà coordenando os costumes ou praxes conforme a
rasSo. Para que se fundasse uma imifica9^ da esphera civil, quando
ella n&o era reconhecida, e existiam o fdro da nobreza, o fóro eccle-
siastico, ò fóro real, e os foros territoriaes, em conflicto permanente, era
preciso que a classe especulativa dos escholares gozasse tambem o fa-
vor das immunidades, para que ella produzisse esses espiritos auste-
ZOB que reduziram as fórmas pessoaes da auctoridade à acf&o abstracta
do Ministerio publico. '
A Cadeira de Musica nSo apparece apontada nos Estatutos ou
ProTisSo de 15 de feyereiro de 1309; no emtanto vem computado o
seu salario na Resolu^^lo de 18 de Janeiro de 1323, em que D. Diniz
irata com o Mestre de Christo, que se obriga a pagar os salarios aos
1 Op. city t. II, p. 78. (1803.) Os salarios eram pagos por duas yezes, em dia
de S. Lucas, e no de £. Joio Baptista" Estcs salarios acbam-se estabelecidos na
Beaolu^So de 18 de Janeiro de 1323, no accordo de D. Diniz com oe Freires de
Christo. Livro Verde, fl. 2 y a 4.
^ J. P. Ribeiro, Diaa. chron , t ii, p. 234. Por està Carta de D. Diniz appro-
dando a ConstituìfSo da Universidade de Coimbra, yè-se que o novo Estudo ti-
nha o privilegio de formular o seu proprio Estatato : «A quantos està Carta vi-
lem fa^o saber, que a Universidade do meu Estudo de Coimbra me enviarom pi-
dir por mer^ee, que eu Ihes confirmasse as Coiistituigoeens, que enire ayfezerom,
entendendo que erom a servilo de Deus, e meu, e a proveito dessa Universidade :
daa qnaes Constitui^oes o theor do verbo a verbo tali he: etc.»
Alli se consigna a eleÌ9ào dos Beitores pelos Escolares ; os Estatutos tinham
aido appresentados e approvados em congresso do Beitor, Officiaes e Escholares.
108 HISTtìRU nx CMVERSIDADC DE COIBIBRA
lentes om tro«* à<^ frwtos e rendis das Egrejas de Scure e Pombal.
A wn^N-^rJi <NVT*«e r:^ak*l que se manifesta em Portugal é a
ii«»'' '^, .«• • ' . yVinj,'' ^ ^T.5fs^ 5."^ Testamento de D. Marna Dona, onde vem
^s:|,^^i^v ^.. ;\<ss-.»»-^' .t»V^ri\ Santo Ambrosio introduziu na Egreja
^v ,vvsv" N» V «"^ x*^^ V XT^x eliminando o genero chromatioo e o enhar-
>KV' s\\ x" «i'Vi^t-È/ f 4^^r^MM diatonico. A segunda corrente musical
V % .^••' x*^* * '"^ .■♦'►•/v*--t/^*«/> vm do canto feito, desenvolvida pelos trovado-
'N^x •v.-.^;^*^ ..•>. ^»ix? apj^lìcavam esse estylo às can95e8 proven9alesca8
<i« * -i^**'* ^^-iji^w'v «^.imìttindo urna revoluySo na Masica^ que era co-
•à.Kx^v.% 'v^o ^K^ij^ kÌ^ Drscante e pouco sympathica à disciplina litur-
^.v»* .i- x':^*vj^ ifcv> secalo XIV. * E justamente quando urna bulla ponti-
iv.v« :v^iK!Ottuu*Y^ o Descante, em 1322, que em seguida se acha men-
s*v^ii.<lii A cwleira de Musica na Universidade.
\:4 ^^m^*&o ou Gesta de Toaldizer, de Affonso Lopes Baiam, en-
svaa^i^ii^ a celebre neuma Aoi, com que terminam as cantilenas da
L%i'ii^oit de Rola/nd. Està neuma n3o era peculiar da epopèa franka;
bVoiiois^ue Michel, no Ms. Harleiano, n.^ 9908, achou antiphonas ter-
ittinacfcdo por Euouae. Se ella apparece na Can9&o portugueza do se-
culo xiii, é porque reproduzia um costume musical da època, em que
a pbrase saeculorum amen, pelas suas vogaes Euouae servia para indi-
car 0 tom em que se cantava o psalmo. Fernando Wolf, no estado
sobre OS Lais jà tinha observado oste facto, e Felix Clément, na His'
toria geral da Musica religiosa confirma- o dizendo : eque as antiphonas
sfto sempre seguidas de um Psalmo, que o tom sobre o qual se canta
este psalmo é indicado pela termina^ào, que està termina9So é desi-
guada pelas palavras saeculorum amen, cujas vogaes sómente sSo no-
tadas sobre cinco, seis, sete ou oito notas, segundo as regras da psal-
modia; e que nSo ha um unico antiphonario, desde S. Gregorio até ao
ultimo vesperal. mpresso em 1860, gue n&o apresente quatrocentas ou
quinhentas vezes este euooae indispensavel ao cantor para entoar o
psalmo.» (Op. cit., p. 165.)
A neuma da can93o satyrica portugueza nZo provém de uma pa-
rodia da fórma epica, mas sim de ser destinada para o canto, seguindo
o estylo dos antiphonarios.
A musica era uma das Sete Artes de que se compunha o trivium
1 Lé-se na HUtoirt liUeraire de la France^ t. zxxi, p. 183: «A musica dos
hjmnos da Egreja foi durante multo tempo a musica que serviu para as can^ftes
profanas, mesmo na lingua vulgar.»
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA i09
e quadrivium. No Leal Consdheiro encontram-se circumstancias nota-
veis para a sua historia. Os monarchas da Europa entretinham em suas
Capellas um bando de menestreìs e cantores; e este facto bastante con-
triboiu para a crea9So da musica moderna.
Pelo seculo xiv come9a uma reyoIu92k> profunda na musica an-
tiga; o canto grave e unisono, a que a Egreja deu o titulo de canto gre-
goriano, foi mobilisado com a reuniSo de outras vozes produzindo um
accordo d'onde saiu a musica moderna. Em 1322 uma bulla pontificai
condemnava o descante, e estabelecia a supremacia do ca7i,to gregoriano;
o descante era uma novidade perigosa. Jean des Murs, define: cDes-
canta, aquelle que ou juntamente com um, ou com muitos docemente
canta, de modo que de sons distinctos faz-se um so som, nào pela uni-
dade da simplicidade, mas pela uniSo da dece concordancia da varie-
dade.» * El-rei D. Duarte, no capitulo: Do regimento que se deve de ter
na capella para seer bem regida, diz: «Prymeiramente se proveja bem
ante que o Senhor venha aa Capella o que ham de dizer, scendo avy-
sados todos em geeral, e cada huù em special, do que soo ou com ou-
irò ouver de dizer, assy no leer comò em cantar.» (P. 449.)
eque se nom consenta nenhun desacordativo aa estante, porque bua
corda destemperada he abastante para destemperar um estromento.
citem, que se conhe9am as vozes dos CapellaHes, qual he pera
cantar alto, e qual pera contra, e qual pera tenor, e assy cantem con-
tynuadamente pera cada huu seer mais certo no que cantar.
«Item, que se cónhe9a quaaes antresy nas vozes sam melhor acor-
dados, e aquelles cantem alguas cousas que se ajam estremadamente
cantar, porque ha hi alguas vozes, que ainda que sejam boas, antro sy
no se acordam bem, e outras que ambas junctas fazem grande avan-
tagem.
«Item, que se guardo onde ha destar a estante, e a casa quejanda
he pera soarem melhor as fallas (vozes) porque se està a par dalgua
janella, o vento vae por ella fora, e faz menos soar as fallas; e esso
mesmo faz em coro alto, ou muyto alongado, porem se deve resguar-
dar o lugar pera mylhor soarem, specialmente se he tal tempo em que
se queira resguardar, ou mostrar seus Capellalles.» (Pag. 450.)
Por estas observajSes de D. Duarte, se vera que em Portugal jà
estava admittido o descante, substituindo o canto gregoriano. 0 accordo
das vozes, d'onde saiu a hannonia, procurava-se na melhor consonan-
cia das vozes que melhor se reuniam; assim comeyaram a serem clas»
1 Apud Victor Le Clerc, HisL Litt,, 1. 1, p. 530.
110 HISTOBIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
sificadas de alto, cantra-atto, tenor. As condÌ93es acnsticas para melhor
se prodazirem as vozes tambem come9ayam a ser notadas. Assim a
musica, considerada entlo corno mn ramo da mathematica, ia tornando
mna fórma scientifica.
D. Duarte tambem apresenta alguns preceitos para se ensinar a
musica aos meninos, indicando os meios de Ihes fazer perder aquelle
pudor naturai que se tem antes de desprender a toz: eque tanto qua
ouverem conhecimento de cantar que os fa9am cantar aa estante, e qtie
Ihe fa^am ensinar alUas cantìgas a alguu que saiba bem cantar, e esto
pera aas vezes cantarem ante o Senhor, ca esto Ihe faz perder o empa-
cho de cantar, e esfor9ar a voz, e gaanfar melhor geito e mais gracioso
de cantar.» (P. 451.) Estas cantigas proCanas usavam-se em todos os
officios, e so depois do Concilio de Trento é que foram banidas da li-
turgia; nas ConstituigSes dos Bispados portuguezes ha uma severa e
constante prohibÌ9So d'essas arias e motetes, signal.do seu frequenta
e tenacissimo uso. D. Duarte tambem provìdencfa emquanto & ezpres-
sSo que se deve dar à musica:
citem, se deve guardar que o cantar seja segundo as cerimonias
da Igreja, ou triste ou ledo, e segundo os tempos em que esteverem.»
(P. 451.)
cItem, devem seer avysados que em qualquer cousa que ouverem
de cantar, ora seja canto feito ou descante^ declarem a letera d'aquello
que cantarem, salvo se ella for deshonesta pera se dizer.» (P. 453.)
Da necessidade de accordar as vozes, veiu a fixagSo das claves,
a principio marcadas por letras. Diz D. Duarte: cem qualquer cousa
que cantarem devem declarar a letera vogai segundo he scripta, e esto
porque alguus teem de costume pronunciar mais huua letera que en-
tra em aquello que cantam.» (P. 454.)
Aqui se véem acceites ambas as fórmas, o canto feito ou grego-
riano, e o de muitas vozes. Comparando-se està despreoccupa9So com
as queixas dos partidarios do canto antigo, vè-se que a lucta tinha aca-
bado. Como Jean des Murs se queixava amargàmente: «Oh! se os an-
tigos mestres da arte ouvìssem o descante d'estes doutòres, o que di-
riam? 0 que fariam? Elles interromperiam o discipulo d'està musica
nova, para Ihe dizerem: — NSo foi de mim que aprendeste estas disso-
nancias, e o teu canto nSo està de accordo com o meu. Pelo contrario,
tu me contradizes e me escandalisas. Cala-te, antes; mas tu antes que-
res delirar e deseantar.w * As Universidades coadjuvaram està revolu^So.
1 Apnd Victor Le Clero, HUt, LiU., t x, p. 580.
0 ESTUDO 6EBAL EM LISBOA Ili
Além da influencia dos estudos humanisticos na eiiiancipa9So da
consciencia individuai, as Universidades exercerani ama profunda acgSo
social cooperando pelos seus doutores legistas para a liberta9So e pre-
ponderancia da esphera ciyil. Està obra interessava directamente os
reis; e se a fnnda^So da Universidade pelo rei D. Diniz é simaltanea
com a restrìc92o do direito de conferir nobreza e limitagUo da classe
que gosava d'esse fòro estabelecidas nos NobUiarios, tambem esse outro
rei que onificou os fóros locaes, convertendo as garantias dos Foraes
no direito commum das OrdenaySes do Reino, o rei D. Manuel, reor-
ganisa a Universidade dando-lhe novos Estatutos; em 1537 D. Jo2Lo m
chama a si a faculdade de Ihe nomear os Reitores. Todas as leis e de-
cretos que .se acham no Archivo nacional relativos & Universidade de
Coimbra, e summariados no Indice da legisla92U) por JoSo Fedro Ri-
beiro, encerram quasi que exclusivamente privilegios e doa93es de ren-
dimentos. Quando a Universidade passou para Coimbra, accentuou-ee
mais o seu caracter real ou secular, sendo Mestre Fedro, pbysico do
rei, e Martim Louren90, seu clerigo, os procuradores na c6rte dos ne-
gocios da Universidade.
N'esta època, em que a Theologia absorvia teda a cultura dos es-
piritos, a Medicina era olhada corno um tanto heterodoxa, por causa
das escholas arabes; o facto da preferencia lisada pelo rei ao seu phy-
sico condiz com a guerra de intriga» domesticas em que o envolveram
08 franciscanoB, jà com a chamada Rainha Santa, jà com o proprio fi-
Iho. Uma provisSo de 1 de dezembro de 1312 permitte que os Escho-
lares e os Lentes possam comprar casas em Coimbra e deixal-as por
sua morte a pessoas leigas; era evidentemente um intuito de definir o
caracter secular de uma classe cujo instituto era dotado com bens ec-
clesiasticos.
Dizia 0 antigo ditado: e Onde està o rei, està a córte;» e conse-
gointemente a Universidade, comò {unda9So real, devia estar proxima
da sua auctoridade immediata. For Carta de 16 de Agosto de 1338
de D. Affonso iv, transferindo a Universidade de Coimbra para Lisboa,
dà-se comò fundamento e a asaùtencia que nesta ddade fazia Eirei a
maior parte do anno.^ ^
A transferencia da Universidade de Lisboa para Coimbra, em
1307, foi pedida por D. Diniz ao papa Clemente v; o papa allude
aos scandalla et diasentiones que se deram entro os escbolares e ob
1 Liv. rr da Ghane, fl. 30, y. Ap. J. P. Bibeiro, Ind. ckr.
i 1 2 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
cidadSoB, por causa dos prìvilegios que gosavam, taes corno o doB ala-
gueres das casas taxadas para os estadantes e o fòro criminal eccloBias-
tico. Ao mesmo tempo que o papa Clemente v expedia de Poitiers em
26 de fevereiro de 1308 urna bulla para o rei, confirmando ob prìvi-
legios concedidos por Nicolio iv, remettia na mesma data urna outra
ao arcebispo de Braga e ao bispo de Coimbra, para effectuarem a
transferencia do Estudo geral. NSo era propriamente a mudanga da&
Faculdades o objecto d'està commissSo, porque pela Carta de Ctmati-
tui^ do Esiudo geral em Coimbra de 27 de Janeiro de 1307, jd a Uni-
versidade ostava funccionando n'aquella sua nova sède; o trabaiho dos
dois bispos consistia em substituir as rendas que a Universidade per-
derà na mudanga de Lisboa. Os Abbadea e Prìores, que haviam do-
tado a Universidade quotisando-se nos rendimentos das suas egrejas,
com auctorisagSo de Nicolào iv, retiraram os seus subsidios por nSo
acquiescerem à vontade de D. Diniz, na transferencia do Estudo geral
para Coimbra; a bulla, de Clemente v permittia a annexagSo de seis
egrejas parochiaes do padroado real para mantimentos dos Mestres do
Estudo de Coimbra, e ob dois prelados escolheram aa egrejas de Scure
e Pombaly que tinham pertencido à Ordem dos Templarìos recente-
mente extincta, e que o rei incorporara na nova Ordem de Cavalleria
dos Freires de Chrìsto. O Mestre e Conventuaes da nova Ordem repre-
sentaram ao monarcha para que llies permitisse ficarem com as egre-
jasy pagando a Ordem de Chrìsto os salarìos dos mestres do Estudo.
A resoluySo do monarcha nSo foi prompta; sómente em 1323 em escrì-
ptura de 18 de Janeiro, datada de Santarem, é que permittiu a compen-
sa^SLo, sabendo-se por este documento ^ a importancia dos salarìos: ao
Me^re das Leu, 600 livras; ao de Decretos, 500; ao da Fisica^ 200;
ao de Grammatica, 200; ao de Logica, 100; ao de Musica, 75; a douB
Conservadores^ 40 a cada imi. Os pagamentos eram por S. Lucas (18
de outubro) e pelo S. Jofto. Por este documento se ve, que as cathe-
dras tinham ainda um so professor; que a hierarchia pedagogica es-
tava confundida, n3o se destacando as Artes das cadeiras maiores; e
que as épocas escholares eram apenas duas, comò ainda hoje se observa
nos cursos das Uniyersidades aUemSls. É d'este tempo que os medioos
foram chamados Fisicos, porque se denominava comò Fisica a cathedra
de Medicina. ' Muitas foram as providencias de D. Diniz no estabeleci-
^Livro Ferde,fl. 2y a4.
> Por orna Carta de D. Afionso xv, de 1328, vé-Be que a Ordem de Christo ii2o
compria sempre o seu compromisso para com a Umversidade, por que o rei em 15
0 ESTUDO GERAL EM USBOA 113
mento da Universidiide em Coimbra ; em Carta de 27 do novembro de^
1308, datada de Leiria, manda aos alcaides, alvazis e concelho de
Coimbra, e ao sea almoxarife e seu escrivfto de Cóimbra, para que os
escholares tenham a^ougues, camìceiros, yinhateiros, padeiros e met*
tam seaB almotacés; ^ em Carta de 15 de fevereiro de 1309 datada de
Lisboa, estàbelece a protecyfto aos escholares, os quaes nSo serSo pre-
808 bem comò os eeus homens depois da noite, a quaesquer horas, se
andarem com lantemas, candela ou outro lume. Ficavam assim inde*
pendentes da snbordina^So ao ^930 eorrìdo, vivendo em nm bairro es-
pecial da porta de Almedìna para cima. 0 costume do «tno corridoy.
em Portugal, córrespondia^ao eouvrefeu das outras cidades eoropéas.
Na Carta de 25 de maio de 1312, fala-se dos furtos e desagnisadoa
noctnmos «e esto porque non tangiam sino na See as horas que de-
viam qne é acostumado por meu senhorio de se tanger. . . que tanjam
3 vezes ao dia 0 sino grande da see. • . quem andar depois se filhe e
leve ao castello . . . e se for escolar ou seu homem e levar armas defe-
sas Ib'as filhem e os levem ao castello, e no outro dia se entreguem
ao juiz d'elles, levando o alcaide a carceragem.» {Livro Verde, fl. 14).
Ainda hoje existe o costume d'este sino tangido, chamado no calSo aca*
demico a cabra. Pela Carta de 25 de maio de 1312, ao alcaide e alva-
2Ì8, sabe-se: tgue kavia poucas casas na almedina^ muitos pardieiros e
casas derribadas. . . » ' O monarcha impoz que fossem reedificadas, para
serem alugadas aos estudantes. N'esta mesma carta determina-se «ao
alcaide e alvazis, . . para que aluguem aos escolares as casas da porta
d'almedina para ctma.» Por Carta de D. Fedro i, de 1361 descreve-se
0 bairro dos escholares : tbairro limitado dea a porta d'aimedina para
dentro. . . que era muito estreito. . . per razam das casas que na moti-
yidade (terremoto) se perderam ... e muitos pousam no dito bairro, e
qne o dito bairro seja contado.» ^ Ainda em 1365, toma 0 rei a diri-
gìr-se às mesmas auctoridades sobre o bairro apartado. Os conflictos
dos estudantes com a populajSo burgueza é que impunham està separa-
sse, que parecia um privilegio; em Carta de 6 de novembre de 1370,
D. Fernando escreve ao Conservador da Universidade «sobre os privi-
legioB dados aos moradores da almedina da cidade de Coimbra, manda
de julho d'este anno esoreve ao Conservador para «que os Mestres tenham pela
Ccmmenda de Pombal 1.500 libras, e pela de Soure 1.200 para os salarìos; e qu»
procedam contra os devedores.» {Livro Verde^ fl. 23 y e 24).
1 Livro Verde, fl. 12.
2 Ilndem, fl. 14 y.
3 Ibidem, fl. 23.
BIST. UN. &
114 .HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
que 08 guardem, especialmente sobre prisSes dos escholares e officiaes.»'
Porém, por Carta de 14 de outabro, d'este^mesmo anno/vé-se que se
ia alargando o bairro apartado para fora da Almedina, escrevendo o
rei: «Sobre os escolares terem escolaa e lerem no arrabalde da ci-
dade. . . que Ihes dessem eacolas convinhaveis e pousadas. • . e que
das casas que houver no an*abalde ù/gam escolàB e pousadas em que
morem corno se Ihes davam antes quando liam dentro em essa alme--
dina.^^ O ensino da Theologìa fora da Universidade, obrigava urna
parte dos escolares a sahirem do seu bairro apartado para cursarem
essa disciplina nos conventos dos Dominicanos e dos Franciscanos. Era
urna das causas dos conflictos com a popula9So burgueza.
A prohibÌ9fto do ensino da Theologia na Universidade de Lisboa,
encerra urna grande luz nfto so para se comprehender a organisa^^
das Universidades da Europa, no seculo xiii, emquanto ao quadro das
disciplinas pedagogicas e subsequente centralismo dos estudos theolo-
gicos, corno para definir as phases historicas de Universidade e Esùudo
geral, porque passou a institui^So do rei D. Diniz.
Pela bulla de 1290, o Estudo geral de Lisboa conferia nos sena
gràos o direito de ubique regendi; em virtude d'està prerogativa uni-
versitaria OS lentes eram contractados e attrahidos de nmas para ou-
tras universidades, segundo a sua reputa9fto; e os estudantes podiam
tambem preferir as universidades mais afamadas em certo numero de
disciplinas. A falta da Faculdade theologica no Estudo goral de Lis-
boa, causava por ventura uma diminuta frequencia de escholares, indo
OS que seguiam as ordens graduar-se em Paris. NSo tinhamos bem uma
Universidade, mas uma Faculdade permittida.
Conhecedor dos estudos theologicos no mosteiro de Santa Cruz de
Coimbra, seria talvez oste um dos principaes motivos que levaram o rei
D. Diniz a transferir a Universidade para Coimbra em 1307 ; ' està
transferencia é denominada pelo proprio monarcha uma funda9&o : tinau-
guramos radicalmente o Estudo geral.^ 0 estudo da Theologia, peculiar
dos Dominicanos e Franciscanos, que reagiam centra a Renascenya do
seculo XIII corno os Jesuitas reagiram centra a Renascenya do seculo
XVI, nfto é incorporado no plano universitario, nSo tendo por isso a ca-
deira dota$So real; so apparece salariada em 1400. Apesar de haver
1 Limv Verde, fi. 32.
s Ibidem, fi. 32 y e 83.
' J4 em Janeiro da èra de 1345 (amie de 1307) se achava a Universidade
funodonando em Coimbra. (J. P. Ribeiro, Diss. Chron,, t tv, p. 234.)
0 ESTUDO 6BRAL EM LISBOA 115
n'esta transformagSo meatres da» sagradas letrasj nem por isso a Uni-
versidade de Ooimbra gosou a prerogativa de Estado geral ou da /a-
-cìdtas vbigue doeendi; e nSo tendo outra importancia mais do qne am
Estado realy era por isso que acompanhava a cdrte, voltando ontra vez
para Lisboa, onde jà se acha estabelecida em 1338, porqne o rei ahi
reside à maior parte dò anno. Como, porém, favorecer a nova institoi-
^SiOy se Ihe falta a facaldade ubique docendif Dispondo do poder tem-
pora!, o rei D. Fedro i centralisa os estudos, prphibindo que se en-
sine fora das Escholas. Pela madan9a da Universidade de Lisboa para
Coimbra, os Priores e Abbades, que tSo geherosos se mostraram na do-
ta9So do Estudo geral, contribuindo com parte das soas rendas, nega-
ram-se, sob o pretexto da mudan9a, a continaarem esse encargo. ^ As-
8im desde 1307 a Universidade fioou inteiramente real. D. Diniz, que
tinha com os bens dos extinctos Templarìos constituido a Ordem dos
Cavalleiros de Christo, obteve em 1323, do Mestre d'està Ordem/ que
das rendas das egrejas de Soure e Pombal, que Ihes entregara, tirasse
OS salarìos para pagar aois lentes e officiaes da Universidade estabele-
cida em Coimbra.^ Quando foi novamente transferida para Lisboa, em
16 de agosto de 1338, a Ordem de Christo recusou-se a entregar os
rendimentos das egrejas de Pombal e Soure, pretextando o facto de
aer tirado o Estudo geral a Coimbra. Outra vez se encontrou a Uni-
versidade sob a ègide do poder real, annezando-lhe os rendimentos das
egrejas do seu padroado, em Sacavem, Azambuja, Torres Vedras,
duas em Obidos, e as da diocese de Lisboa. Para està annexa9lo foi
preciso obter a bulla de Clemente vi, de 7 de Janeiro de 1348, que
concedia apenas que se applicasse à Universidade até à quantia de
ires mil libras (de 36 réis); no cumprimento d'està bulla o poder real
so ao fim de quatro annos conseguiu vencer as resistencias dos prio-
res das varias egrejas annexadas, prolongando-se a resistencia do prìor
de Sacavem até final senten9a a favor da Universidade, em 1386. A
historia economica da Universidade de Coimbra, tSo interessante comò
a litteraria, mostra claramente que bem pouco deveu està instituigSo
i iniciativa e impulso ecclesiastico.^
1 Diz J. Maria de Abreu : «pretesto com que os prelados de diversos mostei-
roB se ezcusaram ao pagamento das collectas, que haviam offerecido para a susten-
ta^io da Universidade, quando se fondant prìmeiro em Lisboa.» (ImUttUo^ t n,
p. 28.
> Obrìgadop^la Escriptora de 18 de Janeiro de 1323, porque a Ordem de
Christo Ilio querìa cnmprir o encargo que Ihe ezigira o rei.
> 0 Dr. Motta Veiga, no Eèbo^ hklarioo-UUerario da JFyteiddade de Theolo-
8*
116 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIBfBRA
£m 1354 é trasladada outrA vez a Universidade para Coimbra;*
poréiDy nBo Ihe aproveitaram os estudos theologicos de Santa Croz,
porque os estudos de Paris attingiram o mais alto esplendor, centrali»
sados ali- pela influencia dos papas de AvinhSo. Na obra de Fr. H.
Denifle, A» Unwersidadea da Edade mèdia até ao seculo XIV, apre*
sentam-se algons aspectos d'està falta da fiEu^uldade theologica em al-
gumas UmversidadeSy por onde os Papas, firmados no poder espiri*
tnal, luctavam com os Reis. Assim o papa restringia o poder tJnque
idocendij e o rei apenas podia centralisar os estudos no seu estabele*
cimento. Diz Denifle: e Até 1400, houve 46 Universidades, mas de
umas 28 de entre estas, iste é, de quasi dois ter90s, foi excluido na
època da sua funda9So o estudo da Theologia. Para esplicar este facto,
que até agora se nSo julgava tSo goral, e que nfio pode deixar de cau-
aar-nos admiragSo, tem-se dito que a Theologia era entSo ensinada nas
escholas dos conventos, especialmente dos dominicanos e franciscanos.
Mas està explicafSo nSo satisfaz. O motivo porque se erigiram ou per-
mittiram cadeiras de Theologia so n'um numero relativamente pequeno
de Universidades, deduz-se das consideraySes seguintes. A principio
fundaram-se algumas universidades onde so se estudava o Direito, ou-
tras onde se estudava so a Medicina, e nSo era por entSo necessario
fieuEcr entrar a Theologia no quadro dos estudos de taes Universida-
des, que nos apparecem na Italia, na Fran9a e na Hespanha. Por oa-
tro lado, Paris era ji, em parte, desde o secnlo xii, havida corno a
patria, corno a terra classica da Theologia. Honorio iii disse-o expres-
samente em 1219, e as suas palavras continuaram a ser verdadeiras
por algnns seculos. Todavia, nos documentos pontificios do seculo xm,
relativos à fundajSo e privilegios das Universidades, ainda nSo era for*
malmente prohibido o estudo da Theologia nas Universidades, ou n'al-
gumas d'ellas. Apenas NicoUo iv prohibiu que em Montpellier e Lis-
boa se conferissem gràos em Theologia. Mas no seculo xiv, precisa-
^rta, for^ou as conclueoes : «que a UniverBÌdade foi fundada por influencia e a pe-
£do do clero portuguez; que foi o clero portnguez, que principalmente concoireu
para a sustenta^So e conB€rva9So da mesma Universidade, logo desde o seu prin-
apio.» (Pag. 26 seg.) A comprehensSo dos documentos mostra-nos o contrario. J.
Silvestre Bibeiro chega a caracterìsar a Universidade corno pontificia.
1 O locai em que se estabdeceram as Escholas e o bairro dos estndantes, em
Coimbra, desde 1907, foi da Porta da Almedina para dentro^ da Foria da Alme*
dina para cuna, corno se sabe pela referencia dos documentos de 1861 e 1377, e
pela tradi^io, que eollocara a Univereidade no sitio.onde foi mais tarde fbndado
o Collegio de S. Paulo.
0 ESTUDO GERAL Eli USBOA ii7
mente no tempo em que os Papas residiam em AvinhSo, e a Universi-
dacie de Paris era designada corno romanae sedis studium, apparece
freqaentes vezeS; nos documentos pontificios relativos i erecgSo de
Estados geraesy a seguii^te fòrmula: sSo permittidos os esiudos em qwd-
quer Facvidade, menos em Theologia, Os Papas de AvinUU) ligavam
urna ìmportancia especial, que é facii de comprehender^ ao principai
estabelecimento litterario da Franca, que era ao mesmo tempo o pri-
meiro da christandade, e interessavam-se mais do que qualquer dos
sens antecessores em que elle fosse frequentado por individuos vìndos
de todas as partes da Europa. Este firn podiam elles attingil-o so por
meio de privilegios concedidos precisamente & Faculdade a que a Uni-
versidade de Paris devia a sua gloria.» ^ Comprehende-se i vista da
generalidade d'este facto^ que no seu primeiro periodo historico a TJni-
versidade de Coimbra fosse apenas uma Faculdade permittida sem a
prerogativa de ubique docendi.
A instituÌ9&o universitaria, pela sua tendencia secular ou civile
reagia por uma forte centralisa9So do ensino; assim, por Carta de
22 de outubro de 1357 o rei D. Pedro manda que os Reitores e Con-
servadores nSo consintam que alguem ensine fora das Escholas e de
ligSOy salvo de Partes ou de Regras ou de Gaton ou de Carttda, ou dos
Livros meores; e os que quizerem lér os Livros maìores os venham
lér nas Escholas. ^ Este mesmo intuito centralisador é manifesto na
penalidade imposta em 1384 por D. JoSo i, condemnando os que lèrem
fora das Escolas em 10 libras pela prìmeira vez, em 20 pela segunda,
tendo & terceira expulsSo. Pela prohibÌ9llo de 1357 se infere que j4
se ia destacando um ensaio dementar de prìmeiros rudimentos, que
constava da carta do A B C e da leitura do Proverbios de CaiSo. No
Leal Conselheiro do rei D. Duarte ha uma referencia ao ensino das
crianQas: «E filhayo por hufl A B C de lealdade, ca he feito principal-
mente para senhores e gente de suas casas, que na theorìa de taes
feitos em respeito dos sabedores por mo90s deveemos seer contados^
pera os quaes A B C he sua propria en8Ìnan9a.» ' Na sua obra o rei
D. Duarte cita por vezes os Proverbios de CatSoj e ainda no primeiro
quartel do seculo xv invocava a sua auctoridade: e Do que pertence
aos senhores, mais non screvo, por me non louvar ou doestar por que
1 Die UmverniOten des MiUdaUeré bir 1400, 1 1, p. 703 a 705. Ap. J. il. Bo-
drigaes, A Faculdade de Theologia, p. 28. Coimbra, 1886.
s lAvro verde, fl. 19, f. J. P. Ribeiro, Indice ékronòlog.
» Op. cit., p. 5.
118 HISTORI A DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
o Gatom q defende . . . > ^ Aà Begras, a qne se refere a prohibÌ9fto de
1357y silo a desìgna^So corrente do Quicumgue vult^ ou o Symbolo de
Santo Athanasio, que se repetia de cor, * e sobre que se exerceram mak
cedo as linguas vnlgares. Sob o titulo de Partes, corno jà observimoSy
designava^se a Stimma Theologica de S. Thomaz, e no ensino da Theo-
logia, na cadeira de vespera, davam-se As Partes de S. Thomaz,
corno no quarto anno do carso das Artes, no secalo xvi, se conservavam
a i.* e a 2.* de S. Th&maz.
A necessidade de am centralismo pedagogico resultava do cahos
r
1 Leal Conselheiro, p. 38. Acerca d^eete Iìtto escreve Leroux de Lincy no seu
Le Livre det Proverbes frangaia: «De todos estes livros de moral empregados
doraote a Edade mèdia para a instmc^So da mocidade o mais celebre é o que tem
o Dome de DyoniBius Cato. £ urna collee^do de preceitos dividida em quatro partes,
na qual a sabedoria antiga do paganismo està mistorada com os preceitos dos
primeiroB cbristSos. É bastante difficil dizer quem seja o auctor d^esta coUec^^P) e
apesar das eruditas disserta^oes feitas no seculo xyii, nada se conduiu sobre este
ponto. Durante muitos seculos attzibuiu-se està obra a CatSo o Antigo, que a com-
puzera, dizia-se, para instruc^So do seu fiJho ; mas é facil certificar que nem Gatio
o antigo, nem Catio de litica podiam ter escripto este livro, pelo menos tal corno
chegou até nós, pois que Virgilio^ Qvidio e Lucano sSo nomeados entre os poetas
cuja leitura era recommendada. 0 erudito Fabrìcio fixa plausivelmente a data dos
Disiicos no seculo ii da nossa èra e no reinado do imperador Valentiniano. Està
collec^Io gosou de urna grande auctorìdade, principalmente nas escholas, onde era
considerada comò, segundo Aulo-Gellio (lib. zìi, cap, 2), escripta pelo censor romano
para uso de seu filho. Desde o seculo ii a xn numerosos testemunhos provam a
importancia dos Disticha Catonis; Isidoro cita-os nas suas Glosas, Alcuino, Fedro
Abèlard, Hincmar, arcfaebispo de Reims, e muitos outros os invocam comò teste-
munho, e JoSo de Salisbuiy elogia-os corno excellentes para a educa^ào das crian^as
e adaptadissimo para Ihe inspirar os melhores principios de virtude. A reputa^
dos DUttcos estava bem firmada nas differentes Universidades da Europa, na
època em que come^aram a ser traduzidos em francez.» (Op.cU,, t i,p. xlii.) Le-
roux de Lincy enumera traduc^oes da primeira metade do seculo xu, do seculo xin,
e comò foi urna das primeiras obras censagradas pela impressSo antes de 1445,
prolongando-se a sua popularidade durante todo o seculo xn e xvu, reunidas is
differentes Pa^avras de Duro dos moralistas litterarios. E concine: «Como se ve,
està obra, quem quer que seja o auctor, gosou durante mil e duzentos annos de urna
popularidade immensa. Composta para instruc^So da mocidade, foi elaborada por
differentes troveiros da Edade mèdia, que a tomaram o texto de um poema moral
e de uma collec^So de proverbios. A imitalo d'estes yelbos poetas, os nossos ri-
madores do seculo xv e xti apoderaram-se dos Didicoè para os reunir As suas
elocubra^fies. Finalmente, yolvendo este liyro ao que fora na sua orìgem, è uma
oollec^io de quadras ao ueo da infancia. Hoje està completamente esquecido.»
{Ibid.^ p. xLTn).
2 Fr. Fortunato de 8. Boaventnra traz nos InedUoa de Aleobaga^ 1. 1, p. 166,
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 119
doutrÌBarìo centra o qual se pretendia reagir por am severo dogma-
tismo. Rémusat caracterisa oste cahos doutrinario no typo eminente de
Abelardo que em Theologia era trinitario, em Metaphysica platonico^ em
Logica aristotelico, e em Rhetorica cicerontaTio. 0 mesmo cahos se dava
HA Jurìsprudencia entro civilistas ou bartholistasy e os canonistas ou de-
eretalistas, Um tal cahos so podia desapparecer gradualmente^ se o
ensino se fosse restringindo às bases positivas e unanimes da sciencia
objectiva e experimental, qne assignala a Rena8cen9a: 0 individua-
lismo critico prolongou a anarchia intellectual, dando legar à compres-
sSo temperai da dictadura monarchica.
Referindo-se & centra]Ì8a9So dos estudos na Universidade, està-
belecida pela carta de D. Fedro i, em 22 de outubrp de 1357, inferiu
J. Maria de Abreu que està incorpora^SLo do ensino particular era a
fórma primitiva dos privata docentes, censervada ainda nas Universi-
dades da Allemanha. ' Peles.estatutes de 1384 permittiram-se leituras
sobre qualquer disciplina nas aulas da Universidade, a bachareis e es-
cholares examinados e aprevades por um deutor ou mostre da facul-
dade. ^
Em 1377 foi transferida por D. Fernando a Universidade para
urna antiquiBsima traduc^So portugueza : Este he o Qaicumqae vult per linguajem,
No ms. 266 da livraria de Alcoba^a achàmos um resumo escripto nas guardas do
volume :
•Qualquer, què quiser salvo eeer, sobretudò Ihe ha mister de teer a fee ca-
tfaoHca;
•Ca a qual se a cada hum no tever, inteira e nom corrompida, pera sen^pre
sua alma seri perdida.
«Ca fee cathollca aquesta he que honremos huum Deus em Trindade, e
Trindade em unidade.
«Està he a fee catholica, a qual se cada huG fielmente firmemente nom creer^
per nenhuma guisa salvo pode ser. »
1 «N*e6ta epoca havia nas Uóiversidades lì^òes ordinarias e eztraordinarins.
Eram estas quasi sempre professadas pelos bachareis, que aspiravam ao grào de
doutor ; 6 versavam sobre certo numero de textos. Os escholares pagavam a estes
leitores. Os privata docentes^ das Universidades de Allemanha sSo um simile d'està
antiga institui^ào, que foi decahindo, depois que se augmentara o numero dos pro-
fessores ordinarios em cada faculdade, com rendas proprias para pagamento dos
seus salarios.» M. J. de Abreu, Mem. hi$L da Univeraidade, No InMuto, t. n, p. 29.
*J, M. de Abreu refor^a a sua compara^&o: «Era o systema das antigas
Universidades da Allemanha, que ainda hoje vlgora em muitas d'ellas. Està con-
correncia entre os professores ordinarios e os leitores extraordinarios, authorisados
pela Universidade, revela n*aquella època um grào de adiantamento mui superior
ao qne rasoavelmente podia esperar-se na nossa situarlo.» Ibid., p. 90.
120 HISTOFUA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRÀ
Lisboa; ^ conservou-se ella em Coimbra até porto do firn d'esse anno,
corno se infere da Carta de D. Fernando de 3 de junho de 1377, e
de outra do 1.^ de julho d'esse mesmo anno^ dirigida a Affonso Martins
Alvemaz. N'este primeiro documento declara o rei: cE vendo e con-
siderando, qae se o nesso Studo que ora estaa na eidade de Coimbra,
fosse mudado na de Lisboa, qae na nossa terra poderia aver mais le-
tradoB; que avena, se o dito Studo na dita eidade de Coimbra este-
vesse, por alguns lentes que de outros regnos mandamos vir nSo que-
riam leer se nom na eidade de Lisboa. . . mandamos que o dito Studo,
que ora estaa na dita eidade de Coimbra, scia em a dita eidade de Lis-
boa pela guiza, que ante soya estar.» * Na carta a Alvemaz, vem a re-
ferencia aos Reitores simultaneos; ^ n'està carta pedia D. Fernando
que Ihe enviassem um homem da escolha da Universidade para com
elle combinar as cousas necessarias ao funccionamento das essholas e
moradas dos estudantes. NSLo se sabe se os lentes mandados vir de
outros reinos chegaram a ensinar; é certo porém, que no principio
d'este anno escholar, 1.° de outubro de 1377 cnfto havia no Estudo de
Lisboa ledores de Leis, Decretaes, Logica e PhUosophia, por cujo mo-
tivo a Universidade pedira ao rei que Ih'os assignasse.» ^
D. Fernando preoccupava-se com a mudanfa da Universidade de
Coimbra para Lisboa, e este pensamento realisado em 1377, fòra ap-
presentado ao papa Gregorio xi, quando o rei Ihe solicitou a concessfto
das insignias caracteristicas dos gràos de Doutores, Mestres, Licenciados
e Bachareis. Ao conceder essas insignias, pela bulla de 1376, o papa
1 Depois que a Universidade foi trasladada para Lisboa por D. Feraando
em 1377, tomou a ser estabelecida nas mesmas casas do Campo da Pedrdni, onde
sempre estiverà ; porém nos docnmentos encontra-se esse locai designado com daas
novas indica^oes, Junto à Porta da Cruz, por que ent&o Lisboa fòra cercada por
urna muralha ordenada por D. Fernando, onde se abrira essa porta, e na Moeda
VtLha^ porque alli se estabelecera a Casa da Moeda, depois qae a Universidade
foi mudada para Coimbra, passando desde 1377 para os pa^os chamados do Li-
moeiro. As casas das Escholas ficaram com a denominaQlU) popalar da Moeda Ve-
Iha^ Sem comtudo deixarem de ser as mesmas a que alludem os docnmentos do rei-
nado de D. Diniz. — Leit2o Ferreira, Noticiat chronolopeas da Universidade^ p. 73.
(Mem. da Ac. de Hist. de 1729).
< Carta de 3 de junho de 1377. Livro VerdSy fi. 34.
' Sabede que os rectorts e universidade do Studo que ora estaa na eidade de
Coimbra, . . Carta de 1 de julho de 1377. Liwro Verde, fl 40.
^ J. Maria de Abreu, citando a Carta de 1 de Janeiro de 1378. Ap. InsUtuto^
t II, p. 56. Livro Verde^ fl. 36 y a 38 /.
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 121
Oregorìo xi dirige-a ao Estudo de Lisboa, quando so no firn do anno
segQinte é que a madanfa foi effectaada. NSLo attriboimos ÌBto a um
equivoco, mas i Bappo8Ì9llo de que o rei de Portugal iena jà levado
-à pratica o seu annunciado intento, que estava ligado a um plano geral
de reformas emprehendidas no seu reinado e que vieram a fructificar no
tempo de D. JoSo i.
Pela Carta de 1 de julho de 1377, em que D. Fernando confirma
OS prìvilegios da Universidade em accordo com o delegado dos esche-
lares, conhece>se que o numero dos lentes augmentara, por isso que
ahi se trata dos lentes da manhft; este costume reapparece em todo o
seu vigor no seculo xvi. Tambem se faz referencia n'esta mesma carta
410S actos ou exames dos escholares: cOatrosi nos podio que fosse nossa
mercé que os lentes da manhS em direito fizessem ao menos dois auios
no anno pera os escholares averem modo de arguir. A esto respon-
demos: Mandamos que nos prazia e praz de se fazer e guardar pela
guiza, que por elle (Lopo Esteves) foi pedido.» '
A mudan9a da Universidade para Lisboa, à parte as rasSes que
Ji vimos indicadas pelo rei D. Fernando na Carta de 3 de junho de
1377, era tambem um meio habil para revisar a titulo de confirmasSo
todos 08 privilegios academicos, modificando-os em harmonia com a
auctoridade real, que ia gradualmente avansando para o exercicio da
dictadura do seculo xv. Na mudanya da Universidade, os escholares
pediram por via do seu delegado Lopo Esteves, que o rei Ihes confir-
masse todos OS privilegios que gosavam; o rei confirmou-lh'os, mas
submetteua jurisdic9fto do Conservador ao direito commum, admittindo
apella9So das sentengas civeis e criminaes d'estes juizes privilegiados,
e que nos autos civeis dessem aggravo. Regulamentou tambem a fórma
das citagSes a requerimento dos escholares, exigindo-lhes prèviamente
jnramento de nSo procederem de ma fé e seguirem o estudo com o
intuito de aprender e n2o de se aproveitar do fóro escholar. Pediam
mais OS estudantes licenga regia para advogarem emquanto frequen-
tassem os cursos, porque està permissSo attrahia maior numero de
alumnos. O rei interpoz a sua auctoridade, estabelecendo pela Carta
de 3 de junho de 1377, 'que so advogassem pela competencia do seu
grio OS Doutores, Mestres e Bachareis: «Mandamos, que possam esto
fazer os que forem doutores, e msstres e bachareesy e outros nom ; por-
1 J. M. de Abreu, nas Mem. hUtorieoè da UniverMade è qua fizou este facto,
observando que Figueiroa affirmava que até aos Elstatutas de 1431 n2o achara no-
tìcia de se fazerem ados na Universidade. InsUttdo, t. ii, p. 57.
122 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
que aos escholares nom pArtence, nem é proveitoso de o fazerem, por
nom averem azo de leìxar o Estudo e de aprender, porqae cbeguem
e ajam gr&o na sciencia.» D. Fernando fez todas as concessSeB que ob
escholares pediram, excepto aquellas que cerceavam a auctoridade e a
j astica real; nSo Ihes dea Ì8emp9llo do encargo de terem cavallo, que
era exigido a todos os que tinham um detenninado rendimento (duas
mil livras, pela lei de 21 de agosto de 1357). E comprehende-se iato
tanto melhor, quando se sabe que foi sob o reinado de D. Fernando
que se estabeleceu a prìmeira organisafSo da for9a militar em Por-
tugal. Resalvando a independencia das justi^as do rei, tambem D.
Fernando nSo consentiu que os Conservadores da Universidade podes-
sem processar os juizes e officiaes das differentes terras por nSo terem
dado cumprimento aos seus mandados e sentenyas, seni que primeira-
mente se provasse essa negligencia e se apresentassem os motivos para
em vibta d'elles se Ihe dar remedio.
0 convite de mestres estrangeiros fez com que a Universidade, por
exigencia d'estes, fosse transferida pela terceira vez para Lisboa, em
1377. 0 rei D. Fernando trabalhou para obter para a Universidade urna
concessSo do papa Qregorio xi, dos gràos de bacharel e doutor em
qualquer licita faculdade; o papa concedeu os gràos e insignias pela
bulla de 7 de outubro de 1376; porém o rei queria mais, o privile-
gio vhique docendi, sem o que nSo tinha um Estudo geral, cujos gràos
valessem em teda a parte. E assim que se podem comprehender as
palavras de uma nova impetra9So ao papa Clemente vn, em que o rei
D. Fernando diz: ^quod in Regno Portugalliae Generale Studiu¥>
quod in illis partibus sufnme foret expediens, non habetur, . . » Desco-
nhecida a corrente historica, està confissSo da falta de um Estudo ge-
ral em 1376 niLo se comprehende; e multo menos se comprehende a
conces^So do papa Clemente vn, que, em documento de 7 de junho
de 1380, satisfaz o pedido de D. Fernando, para que se fimde em
Lisboa um Estudo geral, com todos os privilegios concedidos aos ou-
tros Estudos geraes, e tendo os graduados o privilegio ubigue docendi.
Este mesmo documento foi communicado ao bispo de Lisboa e ao de&o
de Coimbra. ^
Denifle, na obra sobre Ab Universidadea na Edade mèdia, consi-
dera este facto comò constituindo um segundo periodo na historia da
1 Estes docomentOB foram pela prìmeira ve£ publicados por Denifle, op. cU.'t
1. 1, p. 580-582. Ap. J. M. RodrìgaeB, opuBC. cit, p. 82.
0 ESTUDO GERAL EM LISBOA 123
XJniversidade portugaeza; adqnirira o direito ubigue docendi, elevan*
do-se acima de factddade pennittida. Este progresso foi commum à
erolugSo goral das Universidades; diz Donifle: ^Afacultas vbique do-
cendi continha-se jà em germen no conceito do Estudo goral. Faltava
apenas enuncial-a formalmente^ e Gregorio xi foi o primeiro que o fez
a respeito da Universidade de Tolosa, que por isso ficon fixando època
na historia das Universidades. A excepgSo a respeito das Universida-
des de Paris^ Bolonha, e em parte tambem da de Oxford e posterior-
mente da de Orleans, que por muito tempo so reconheceram os gràos
por ellas conferidos nas Faculdades que formavam a sua especialidade
e Bujeitayam a novo exame os graduados n'outras Universidades, fun-
dava-se apenas na eYolu9So propria d'estas Universidades e nos seus
Estatutos especiaes, e con'firma a regra de que o privilegio da factU-
tas ubique docendi era uma propriedade caracteristica dos Estudos ge-
raes.»^ Parece que, sob D. Fernando, a Universidade nSo se achava
definitivamente fixada em Lisboa,* comò se infere da bulla de 7 de ju-
1 Op. eitf p. 21-22. Bodrigues, ibidem, p. 29.
2 As nnmeroBas mudan^as que a Universidade sofireu de Lisboa para Coim-
bra e de Coimbra para Lisboa, desde D. Dioiz até D. Fernando, sSo considera-
das corno a principal causa do desappare cimento dos documentos primitivos da sua
actividade pedagogica. Jgnora-se quaes foram os seus primeiros lentes e reitoresy
podendo vagamente reconstruir-ee esse quadro pelas referencias dos documentos
legaes. Os Bedeis formavam a Tabula Legentium coma lista dos nomes dos lentes
das diversas cathedras no comedo do anno, conforme liam & bora de prima (de
manbà) ou de vespera (à tarde) ; era um trabalbo imperfeito, come ainda se ve pe-
las listas ou pautas formadas no tempo de D. Manuel. Pelas referencias tiradas
dos alvarés sobre negocios da Universidade, e algumas indica^des dos dois cbro-
nistas Fr. Antonio da Purifica^ào e D. Nicolào de Santa Maria, formamos a se-
guinte:
Tabula Legentium d08 seoulos Xin e XIV
Mestre MartinhOf naturai de LeSo de Fran9a; li a Canones (1290.)
Mestre André Urainus^ naturai de Viterbo; interprete dos Santos Padres
(1290.)
Mestre Gerardo, italiano; leu Theologia.
Mestre Alvaro de Veiros; leu Escriptura.
Mestre Agostivho Bello; foi o primeiro que leu Artes, e passou depois a ler
TITieologìa.
P. Mestre Domingos Martins, regrantc ; leu Tbeologia (1307.)
Mestre Gii das Leis^ que fez as Constitui(5e8 da Universidade (1817.)
P. 8im&o da Cnnn; leu Theologia (1330.)
124 mSTORU DA UNIVERSIDADB DE GOIMBRA
nho de 1380, dirìgida simultaneamente ao bispo de Lisboa e ao delo
de Coimbra, pelo papa Clemente vu; a sna fixa9fto 'para sempre^ em
Lisboa, por D. JoSo i, em 1384, actuou profondamente no seu desen-
volvimento, principalmente no que respeita & Jarìsprudencia e i Oos-
mographia, periodo que termina em 1537, e que cooperou para entrar-
mos dignamente na Renascen9a.
Mestre Pero daa Leu (1339.)
Mestre Gongolo das Decretaes (1357.)
Mestre Affonso das Lete (1358.)
D. Joào Affonao^ Doctor in utroque jore (1368.)
Joào SoMhes^ Doctor em Degredos (1368.)
Gimgalo Miguena^ Bacharel em DegredoB (1368.)
Fedro Domingues, Mestre de Grammatica (1368.)
Mestre Lucas, lente de Theologia (?)
Mestre Thadeo, lente de Rhetorica e depois de Philosophia (?)
Johanes^ Doctor Legom (1385.)
Steve Jne», Bacharel em Degredos, bedel (1386.)
Mestre Menda; leu Physica (1387.)
Famào Martina^ lente (1388.)
Lourengo iinnet, Doctor em LeiS| Bacharel em Degredos (1890.)
CAPITULO ni
1 llDlTersiMe sol) a Dlctadui duuucUcì (13M i I6H
Ha deaorìentafio metaphydca a diBcipIina bocUI coocentra-ie oa Dìct
uarchica no secnlo xy. — ÀcfSo dos JurÌBConaultoB, prevaleceiid(
Ontologistas.— D. Jolo i, definindo a dictadura mODarchica, fiza
aidade em Liaboa, em 1884, e invade a sua autonomia com a noi
om Frovedor. — Foctos analogoa aob D. Affonso t e D. Jo3o u. —
angustia economica da UniverBidade, pela Teaiatencia do clero em
confbnne ordeuava a bolla de 1411.-0 Infante D. Henrique ton
tector da Universidade, por 1418, talvez pelas aatigas dependencii
Tcraidade com o Mestrado de Chriato, e pela resùtencia contra a
do Poder real. — O Eetndo da Hatbematica e da Astrosomia, on a
(So do piimelro par encyclopedico dos gregos.- — A doa^So do In&nt
riqne, cm 1431, de nmas caaaa para aa anlaa da Uaiveraidade. — 0
Theologia apparece salariado deade 14D0; dotado com doze marco
aimnaes das rendae dog dizimos do Hestrado de Cbrìsto na ilba di
— PesBoal docente em 1430. — Os lid^oi com oa vìgarìos das egri
xadasàUuiTergidadeprolongam- Beate 1461> — Eatado de ignorane
portnguez, attestado na bulla de 20 de dezembro de 1474. — Orige
neaiae magistiaee e dontoraes. — Ob EstadantcB pobrcB, Bob D. J
Dnarte. — O Infante D. Pedro reconbece a neccBBÌdade da fundafS
legioa janto da Universidade & maneira de Oionia e Paris. — Nato
tea CoUegiOB. — 0 Infonte D. Fedro projecta em 1446 a funda^
bra de nma tlniverBidade de Leis, Canones, Theologia e Art«a, (
las rendas da egr^a de S. Tbiago de Almalaguee. — O. Affonao r,
sSo de 1450, pretcnden tonar efiectìva a creactio da nova Umvei
Coimbra. — 0 coUeetum (colbeita) ou talha nae EecholaB medlevaes
tndantes pobrea de 8. Nicolào, Cofadore», Marlinelt, Sopìtta» e <
do*. — InatituifSo do Collegio do Dr. Uangancha para Escholares [
114S. — ConcluBÒes defendìda« pelo Or. HBi)gancha,emFÌ8a,diautc
Srlvins, em 1437.— Estatntos feitOB pela UniveradadB em 1431.—
EO T, por Alvari de 1471, eatabelece om novo B^imento ou Estati
Univeraidade. — A coexistencia dos doìa Reìtores. — 0 pedìdo dos '.
efirtes de Vianna sobre os estndos da Nobresa. — 0 desenvolvimenU
doa humanistas no Beculo zv e a Arie w>va. — Os trea oapectoa do
126 HISTORIÀ DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
V
mo: Ualiano (Angelo Policiano e Cataldo Siculo); germanico (Clenardo); e
franeez (o8 Grouvéas.) — Os Legistas tornam-se impotentes para resolverem
o problema da reorganisa^So do Poder temperai. — Os Ontologbtas oa lie-
taphysieos absorvem-se na enidi^So clasBica, e reapparecem dirigindo corno
humanistas o secnlo xyi.
Os seculos XIV e xv, em que se opera do modo mais intenso a
dis8oIu9fto do regimen catholico-feudal, em que a Sjnthese absoluta do
theologismo decae nos espiritos pela desorìenta9fto metaphysica, e em
qae a disciplina temperai, tomando a direc9fto da sociedade, se con*
centra em uma fo;te dictadura, estes dois seculos em que come9a ver-
dadeiramente a edade moderna, tém sido geralmente e erradamente con-
siderados corno constituindo o firn da Edade mèdia. A raslU) d'este erro
ou illusfto é evidente: os factos caracteristicos dos seculos xrv e xv
estavam jà implicitos na term{na9So da època medieval, e a sua espon-
taneidade e similaridade entro todas as na^es da Europa so se tor-
nava apreciavel comò decomposiySo latente de um regimen. A scisSo
protestante no seculo xvi è que se impunha com toda a evidencia aos
espiritos corno a crise revolucionaria e de individualismo critico, e por
isso è que ahi se demarcou a Edade moderna. Porèm esse seculo, corno
OS dois seguintes, sSo o phenomeno da dissolufSo sistematica do re-
gimen catholico-feudal, de que os seculos xiv e xv foram a pliase ini-
cial. ' Comte caracterisou a transformagSo historica d'estes dois secu-
los: <Ao seculo XIV pertence principalmente a dissolti^ espiritual, ao
passo que a concentragfto tempora! caracterisa principalmente o seculo
seguinte.i* J& comprov&mos uma parte d'està affirma9So historica, se-
^guindo a marcha da dissolujSo espirìtual atravès do conflicto doutrina-
rio dos Ontologistas; agora vamos indirectamente esboyar a manifes-
ta9So da dictadura temperai, que se apodera da Universidade, tira-lhe
o seu individualismo de corporagSo pedagogica e incorpora-a na uni-
ficafio das funcfSes do estado. Os Jurisconsultos foram os organisado-
res theorìcos d'està dictadura monarchica; a transforma98o do regimen
feudal sob D. JoSo i operasse pela preponderancia do chanceller JoSo
das Regras, legista da eschola de Bolonha. D. Jole i fòra levado ao
ihrono por uma revolug&o popular e pelo sentimento de uma na9So que
proclamava e defendia a sua autonomia. Aproveitando a decadencia
1 Comte, PcHiUqut pùtiUvef t. m, p. 531.
* Idem, Ib., t m, p. 584.
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 127
das LeÌ8 de Cavalleria pelas perturba93eB do reinado de D. Fernando,
prohibiu à Nobreza que se apoderasse dos beneficios eccleBÌasticos
qaando fallecessem os prelados, qae tivesse bairro apartado, e que ex-
terquisse mantimentos aos proprietarios. Mandando fazer correigSes ou
inspec95e8 pelas provincias^ teve-se de separar a jorisdicj^o cìvil da
militar, para evitar o conflicto unire os Corregedores e os Governado-
res; e està separasse levou o rei a reformar o systema militar, tirando
aos fidalgoB o direito de terem homens de armas ao seu servÌ9o (o pen-
dSo e caldeira), e de estipendiar o serviso de guerra (a coniia, identica
ao soldo). A necessidade de pagar por conta do Estado estes novos en-
cargos sociaes, que transformavam o regimen fondai, levon a novas
despezas, qae for9aram os legistas a organisarem nm systema tributa-
rio, tal corno as Sizas, e a revogabilidade e reversiLo das Doa95es ré-
gias, e outras dÌ8posÌ98es provocadas segando as urgencias do fisco.
A obriga9So commum educava o sentimento de sociabilidade. Estabele-
cido 0 novo re^men militar e economico, decairam por si os velhos eie*
mentos da organisa9&o fondai, corno a Avoenga, mobilisando a proprie-
dade, dando garantias aos contractos, e facilitando as vendas dos gè-
neros pela simples Dizima em urna so terra. A reversSo dos bens da
corda provocou corno consequencia a lei das Sesmarias. N'este traba-
Iho, em que o poder monarchico concentra todos os poderes, o juris-
consulto Ruy Femandes codifica as Regalias ou esphera dos Direitos
* reaes na Ordena9llo de D. Duarte. ^
«Por urna analyse profunda, toma-se facil reconhecer historìca-
mente, entro as differentes for9a8 sociaes que presidiram à transÌ98o
revolucionaria dos ciuco ultimos seculos, uma divisSo naturai em duas
classes verdadeiramente distinctas, apesar da sua intima affinidade, a
dos metaphysicos e a dos legistas, da qual a primeira constitue, na
realidade, o elemento espiritual, e a segunda o elemento temperai d'està
especie de regimen mixto e equivoco^que devia corresponder a està
8Ìtua93o de mais em mais contradictoria e excepcional. As duas das-
868 deviam em tempo conveniente emanar espontaneamente dos ele-
mentos respectivos da antigo systema, um do poder catholico, o outro
da auctoridade feudal, e constituir depois para comsigo luna rivalidade
gradualmente hostil, ainda que longo tempo secundaria. — E sobretudo
em Fran9a que um tal desenvolvimento me parece, ao menos entSo,
dever sor principalmente estudado, corno sondo ali mais nitido e com-
1 Villa-Nora Portngal, Mem. da Acad,, U v, p. 891.
128 mSTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIfifBRA
pleto do que em qualquer outra parte^ à vista da influencia bem dia-
tincta e comtudo solidaria que ali adqairìram simultaneamente as Uni-
versidades e os Parlamentos, principaes orgSos pennanentes, quer da
ac9llo metaphysica, quer do poder dos legistas. Devo ainda, para maia
clareza, notar que cada urna d'estas duas classes se subdìvide, por sua
natureza, em duas corporagSes muito differentes, urna essencial e pri-
mitiva, a outra accessoria e secundarìa: isto é, os metaphysieos em
doutores, propriamente ditos, e em sìmples Utteratos, e os legistas em
juizes e em advogados, abstraindo dos togados mais subaltemos.»*
cConsiderando agora o elemento temperai correspondente, toma-se-
facil oonceber historicamente a intima correlajSo naturai ao mesmo^
tempo em quanto à doutrina e quanto às pessoas, entro a classe dos
metaphysicos scholasticos e a dos legistas contemporaneos. Por que^
em primeiro legar, é, evidentemente, pelo estudo do direito, e desde
lego do direito ecclesiastico,' que o novo espirito pbilosophico proprio
ao fim da edade mèdia deveu penetrar gradualmente no dominio das
questSes sociaes; e, em segundo legar, o ensino do direito devia desde
lego constituir urna parte capital das attribuÌ98es universatarias, além
de que os canonistas propriamente ditos, deriva9So immediata, nSo
menos do que os mais puros scholasticos, do systema catholico, tinham
formado espontaneamente, na Italia sobretudo, a primeira ordem de
legistas sujeita a uma organisag&o distincta e regular. A affinidade
mutua d'estas duas forsas sociaes é de tal fórma pronunciada, que se
poderia, por uma apreciaj&o exagerada sor tentado a considerar os
legistas comò uma especie de metaphysicos passados do estado espe-
culativo ao estado activo, o que levava viciosamente a desconhecer a
sua origem directa. Um exame mais completo, para de lego mostra a
sua verdadeira origem historica na potencia feudal, da qual foram por
teda a parte destinados primitivamente a facilitar as func98es judicia-
rias, por uma intervenySo cada vez mais indìspensavel, embora longo
tempo subalterna. Além da influencia goral da sua educa98o essencial-
mente metaphysica, elles deviam por si proprios, quasi desde a origem,
manifestar especialmente uma tendencia mais ou menos hostil para com
o poder catholico, conforme a oppo8Ì9fto crescente que devia natural-
mente surgir entre as diversas justÌ9as civis, quer senhoriaes, quer
sobretudo reaes, centra os tribunaes ecclesiasticos, anteriormente na
posse reconhecida da maior parte das jurisdic$8es importantes. — £
1 C<mr9 de PhUosophie panHvej t v, p. 386.
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 129
comtudo certO; que o poder social dos legìstas, corno o dos metaphy-
8ÌC08, nunca teria deixado de ser essencialmeote subalterno, se as
grandes luctas intestinas do decimo quarto e decimo quinto secalo nSo
tivessem vindo depois necessariamente qfferecer à sua commum acti-
TÌdade dissolvente o campo o mais vasto e o exercicio o mais conve-
niente. Foi aste, tanto para uns comò para os outros, o tempo real do
seu triumpho; senSo o mais exteni^o, pelo mcnos o mais satisfatorio e
o mais adaptadoàsua verdadeira natureza, porqueasua ambÌ9So poli-
tica estava entSo em harmonia necessaria com a sua util infiuencia
sobre a marcha correspondente da evoIu(3io humana: é, n^estas duas
classesy a edade principal dàs altas intelligencias e dos nobres cara-
eterea.» ^
1 Coure de Philosophie pogitive, t. v, p. 392 a 394. Fazemos aqui eatas traDS-
crìp^òes um pouco mais exteDsas, por que temos a certeza de que a obra de Comte
nunca foi lida mesmo por aquelles que mais a discutem ou a refutam, e por que
b2o as Buae vistas sobre a marcha geral da historia moderna verdadeiras e surpre-
hendentes revela^òes. Michelet, genio intuitivo, chrga por outros proceescs ao
mesmo resultado na aprccia^So da influeucia dos Jurisconsultos, na larga demo-
li^fto da Edade mèdia :
«Emquanto os monges arrastavam o povo no scu mysticismo vagabundo, os
Juristas, immoveis nos seus assentos n2o impelliam m^nos ao movimento. Estrs
almas damnadas dos reis, fundadores do despotismo monarchico, nfto pareciam
entao poderem ser contados entre cs libertadores do pensamento. Cobertos do seu
anninho, nio fallavam senào em nome da auctoridade; resuscitam os processos do
Imperio, a tortura, o segrcdo dos julgamentos. Intimam o eepirito humano a se-
guir o caminho recto pelo itinerario do Direito romano. Mostram-lhe nas Pande-
ctas o caminho necessario. Nada de mais, nada de menos. E a Basào escrtpta. Se a
humanidade se aventura a pedìr outra cousa, elles nao ouvem, nào comprehendem»
e abanam a cabe^a : ^ihil hoc ad edicium praetorù. Està ra9a atravessou a Edade
mèdia sem dar por isso. Desde Triboniano que nào usam datas. Sào os sete dor-
mentes, que se deitaram sob Ju8tiniano, e despertaram no seculo xi. Quando o
mundo pontificai e feudal invoca o tempo comò auctoridade, os jurisconsultos sor-
riem, e perguntam-lhe a sua edade; està joven antiguidade de alguns seculos faz-
Ibes compaizSo. A sua religiSo è tambem a da Roma, mas a Eoma do Direito;
està torna- OS atrevidos contra a outra; um dos da sua classe vae friamenteprcudcr
em fagranie o successor dos Apostolos. Està lucta come^ou por uma bofetada, e
continuaram-na cortezmente durante quinhentos annos em nome das liberdades
da egreja gaUicana (nacional.) Fazem vagarosamente o feudalismo em peda^os com
a successao romana, que desmembra os feudos. Re construem a monarchia de Jus-
tìniano. Elles provam doutamente aos reis; nivellam tudo sob um governante. —
Na demoli^ào do mundo pontificai e feudal, os legistas procedem com methodo.
Primeiramente defendem o Imperador contra o Papa, depois impellem o rei de
Franca contra o papa e o imperador.» (Discours d'ouverturt à laFacuUédea iMtru^
1834.)
aiST. UH.
1 30 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
Depois que o Mestre de Aviz se viu levado ao throno de Portagal
pela reyola93o de LisBòa, quiz honrar a cidade decretando a perma-
nencia perpetua da universidade n'ella. Ha o quer que de reconheci-
mento na Carta do Mestre de Aviz de 3 de outubro de 1384: «Fa-
zemos saber que por honra e exal9amento da mui nobre cidade de
Lisboa e Universidade e Estudo d'ella, confirmamos e approvamos os
mandados sobreditos, e outorgamos ser perpetuado, e que stee perpe-
tuamento o dito Estudo em a Cidade de Lisboa, e non se mude d'ella. ..
d'este dia para todo o sempre, etc.» ^ No preambulo dos Estatutos (sem
data) dados por D. Manuel à Universidade de Lisboa, em uma refe*
rencia & historia do Estudo geral renova a lembran9a d'este intuito
honorifico e categorico de D. JoSo i: «E EIRei Dom JoSo i de escla-
recida memoria, meu bisavo, por seu mandado e carta patente fez que
o dito Estudo e Universidade fosse reduzido e para sempre coUocado
em a multo nobre e sempre leal cidade de Lisboa, logar insigne e tSo
notavel d'onde o Infante Dom Henrique, de boa memoria, meu thio,
fez doa$So ao dito Estudo de casas em que lessem, o salariou honra-
damente a Cathedra de Prima de Theologia por doze marcos de prata,
etc.» Falam estes dois documentos do assento da Universidade em
Lisboa; D. JoSo i doara4he uma casa no sitio da Moeda-Velha^ comò
se sabe pela Carta de 2 de maio de 1389 ao seu almoxarife JoSo
Yasques, ^ o que leva a inferir que as casas tambem sitas na Moeda
Velha em que D. Fernando estabelecera a Universidade em 1377 eram
entSo insufficientes. ^ N'estas casas se conservou a Universidade até
1431, em que o infante D. Henrique Ihe doou uma casa mais ampia
no bairro escholar de S. Thiago, onde permaneceu até 1503. Em um
documento de 1418, de Lourengo Martina, recebedor das rendas do
Estudo, lé-se: «a porta de Santo Andre, da cidade de Lisboa, da parte
de fora, contra o arravalde dos mouros.w Iste parece justificar as pa-
lavras da doaySo do Infante: «Non tinha casas proprias em que lessem
e fizessem seus autos, antes andava sempre por casas alheyas e de
aluguer, comò cousa desabrigada e deealojada.»
' Livro Verde, fl. 44, y e 45.
« Ibid., fl. 64 y.
> Està primeira casa doada por D. Fernando & Universidade foi dead a por
D. Joào I, ao Mestre de 6. Thiago, Mem Bodrigues de Yasconcellos em 1993, di-
zendo-se em rela^ào aos confrontos: à Porta da Cruz em que àoem estar cu Eseo'
las; a Universidade reclamou-a comò sua, e o rei annullou a doa9&o por Carta de
31 de outubro de 1393. (Livro Verde, fl. 65.)
A UNIYERSIDADE SOB A DIGTADURA MONARCHICA 131
No comedo da diotadara monarchica do secalo xv, ainda a Uni-
versidade luctava com a fatta de recarsos; corno se ve pela Carta de
4 de fevereiro de 1392, D. JoSo i determina, qae os estadantes ricos
pagaem 40 livras aos lentes de Leu e Decretos; os medianos qae pa- *
gnem 20 livras; e os mais pobres 10 livras; isto é, o dobro do quo
estabelecera o Estatato feito pelos Reitores^ A paga do CoUectum, dava
direito & eleÌ98o dos cargos da Universidade, sob este aspecto ama es- .
pecie de gaild escholar. O Bedel, (peddlus, por qae acompanhava o
corpo docente a pé) qae formava no comego dos carsos a Tabula L^
gentium, foi elevado & cathegoria de tabelliSo da Universidade e escri-
vlo das saas rendas, ficando a receber dos estadantes com beneficio
20 reaes de tres livras e meia; dos mais somenos 15; dos nSo bene-
fioiados 10; e dos Escholarea pobres de S. Nicol&o 10 reis; dos nobres,
segundo saa pessoa. ^ Adiante mostraremos a inflaencia do estudante
pobre na creajSo dos Collegios janto da Universidade.
D. JoSo I, corno j& observAmos, foi o qae inicioa a dictadara
monarchica, come9ando pela vaidade de bastardo coroado por cimen^
tar 0 sea throno e dynastia por ama vergonhosa allian9a com a Ingla-
terra, depois das reIa9Ses independentes e dignas com a na9So ingleza
noB reinados de D. Affonso iv e de D. Fernando, em qae am rejeitava
ft proposta de casamento do principe de Q-alles com saa filha D. Leo-
nor, e em qae o oiitro obrigava por am tratado o rei de Inglaterra a
prestar-lhe soccorro de archeiros e homens de armas centra as aggres-
s8es castelhanas. De repente estas rela98eB invertem-se; o Mestre de
Aviz, bastardo ambicioso qae deseja a todo o casto ser rei, para ga-
rantia do sea throno ^enfeada a naffto & Inglaterra. Escreve o conde
de Villa Franca, no sea livro D. Jocto Tea Allianga ingleza: «De todo
o ponto notavel é tambem a conv6n9So qae em Londres formaram (9 de
maio de 1386) os embaixadores de Portagal obrigando o reino a servir
em gaerra com armas e galés e & saa casta, comò effectivamente ser-
1 Beg. do Conselho da Universidade, de 7 de dezembro de 1415. Em um do-
comento de 28 de novembre de 1390, apparece Affonso Giraldea nomeado bedel e
escrivio da Universidade de Lisboa. £ em um Conselho eacolar celebrado no
refeitorio de Santo Agostinho pelos «discretos varoes LanQarote Esteves, reitor
do estudo, Lonren^o Anes doutor em leis e Bacharel em Degredos, Pero Domin-
gues Mestre de G^rammatica... Affondo OircUdes bedel e tabelliào... > (Livro Verde^
fl. 61 / e 62). Pela data d'estes docnmentos, vé-se que Affonso Giraldes é o poeta
qae rìmon a chronica da BcUalha do Salado, de que so restam alguns fragmentos ;
o caracter d'esse poema condiz com a sitaa9So do aactor, verdadeiramente narra -
dor sem inven^ao.
9*
1 32 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
yìvLy a Inglaterra. Està conven(Bo qne os nossos historìadores nem se
quer mencionam, por qne em goral se limitaram a copiar FemZo Lo-
pesy conyeD9So que por certo o arteiro chronista omittira adrede, para
occultar que Portugal fosse servir luglaterra, marca essa mesma època
assignalada em nossas relajSes com a GrS-Bretanha. N'aquelle proprio
dia foi que mediante solemn^ tratado os nossos embaizadores formaram
com aquella potencia a denominada allian9a mutuai inda hoje exis-
tento. 1 ^ O chronista FemSo LopeS; sempre preconisado corno inge-
nuo e primitivo; collaborava conscientemente na lenda popular do bas-
tardo, quer aproveitando-so das noticias da Chronica do chanceller Pero
Lopes do Ajala, quer occultando & nsi^^o o affrontoso tratado de 9 de
maio de 1386.
A nova cdrte precisava de todos os apparatos tradicionaes da rea-
leza; D. JoSo i tratou de p6r em ac(So as phantasticas pompas do
mundo novellesco da Tavola Bedonda, anaehronicamento, comparan-
do-se por vezos ao bom Rei Arthur. As leituras favcfritas dos serSes
do pafo foram as novollas da Demanda do Santo Chraall, do Baladro
de Merlim, de Galaaz; os cavalleiros imitavam os heroes d^essas no-
vollas, comò Percival, D. Quea ou Lanfarote, e as damas adoptavam
por nome do baptismo os nomes das heroinas leeult ou Iséa, Viviana,
Briolanja; organisavam-se Passos de armas para os Cavalleiros da Ala
dos Namorados, e aventuras combinadas comò a dos Doze de Inglaterra,
Tudo isto era falso e exterior; debaixo d'està apparencia de generosi-
dade*e enthusiasmo, trabalhava a logica burgueza e inflexivel dos ju-
rìsconsultos cimentando a dictadura monarchica, e osta duplicidade do
reinado està vivamente representada nas duas figuras, a do Condesta-
vel, o guerreiro que imita a virgindade de Galaaz, e JoSo das Regras
(Doctor Legum), que formula a Lei mental, e que allia ao cargo de
chanceller do rei ò cargo do Estudo, ou de reitor da Universidade.
D. JoZo I, quando ainda regonte do reino, confirma os privile-
gios concedidos por D. Fernando à Universidade; mas por Carta de 15
de outubro do 1384 continua a subordinar o fóro excepcional dos es-
cholares ao direito commum representado pela justÌ9a do Bei; assim
1 A pag. 263 e seguintes traz o sr. conde de Villa Franca o texto e traducalo
d'esse desconhecido tratado, eztrahido da Foedera de Rjmer) t. vu, p. 521. — 0 es-
pirito d'essa allian^a maDifestoa-se sempre, na entrega de Tanger e Bombaim,
tratadoB de Methwen, e de 1810, occupa9fio militar de Beresford, bill de 1839, in-
demnisa^So de 1850, tratados de Groa-LoureD^o Marques-Zaire, e Ultimatum de 11
de Janeiro de 1890.
A UNIYERSIDÀDE SOB A DICTADURA MONARCHICA 133
as clta93e8 requeridas pelos escholares ao Conservador, seajuiz pri-
vativo, tinham de ser prìmeìramente revistas por elle conjunctamente
com dois lentes legistas, prestado o juramento de que nSo havìa ma-
licia, e de que frequentara durante dois annos o Estudo o escholar liti-
gante, que tambem nlU) poderia citar por motivo de doa9^ inter vi-
vos. ^ A Universidade, pelo seu caracter de corpora9So autonoma re-
conhecido nos privilegios outorgados por D. Diniz, tinha o poder de
nomear os seus empregados; D. JoSo i atacou abruptamente està ga-
rantìa escholar, nomeando por Carta de 26 de Janeiro de 1414 Lou-
ren^o Martins provedor e recebedor das rendas da Universidade;^ o
corpo docente julgou-se aggravado, o rei resolveu que fosse ouvida a
Universidade, e por firn chegou-se à concluslo mèdia*, de que o officio
de Provedor ficasse de nomeagSo da Universidade sob a dependencia
da confirma9fto do cargo pelo rei. ^ Sob o governo de D. Affonso v,
foram nomeados alguns lentes pelo rei, centra o que reagiram os es-
cholares, ^ e a Universidade, em Carta de 12 de julho de 1476 é cen-
sorada por se metter a intrepretar os seus estatutos em vez de os cum-
prir comò estavam estabelecidos. Submettida ao poder real, a Univer-
sidade foi minuciosamente regulamentada em quanto &s faltas dos len-
tes, iursL^ào dos cursos (ataa Santa Maria d'agosto), repetigSes dos
teztos, fórmas das substituigSes e annos de frequencia. Diante d'està
ab8orp9&o, em que a Universidade perdia o seu caracter autonomo, e
de federa$fio de estudos (universitas studii), jà nSo havia rasSo para
86 conservar a ii;idependencia mutua entro Legistas e Canonistas, e
por isso a propria Universidade requereu ao rei para acabar com o
costume da eleiySo dos dois Reitores simultaneos. Sob D. JoSo n, a
Universidade perde o direito de asylo; por Carta regia de 7 de setem-
bro de 1494, o rei adverte a Universidade que nSo consinta que os
malfeitores se accolham ao bairro dos Escholares centra a justiga or-
dinaria, apesar de ser coutado, por que de outra fórma proverìa n'isso
segnndo Ihe conviesse. Por ultimo, a reforma da Universidade por D.
Manuel, declarando-se Protector, fazendo Estatutos, alterando as fiinc-
{8es do Reitor, e nomeando os lentes, assignala ama època nova na
existencia d'aquella institui^So pedagogica da Edade mèdia.
A historia economica tla Universidade no seculo xv è tambem de
1 Livro Verde, fl. 47.
« Ibid., fl. 88.
» Ibid., fl. 89.
4 Carta de 13 de abrìl de 1469.
134 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
um certo interesse dramatico; D. Fernando augmentara as congruas
aos vigarios das egrejas annexadas ao Estudo geral de Lisboa, e pri-
Tada assim de parte dos seos rendimentos, a Universidade teve de re-
correr &8 talhas ou minervaes^ pagas pelos estudantes aos lente» e be-
del. D. Jo&o I, por Carta de 3 de outubro de 1384, restabeleceu oa
antigos salarios; ^ mas corno as difficuldades economicas subsistianii pe-
dia ao papa para que concedesse a annexa$&o & Universidade de urna
egreja em cada urna das dioceses de Portugal. O papa JoSo xxiii ex-
pediu em 1411 a bulla da concessSo, sendo eleito para Ihe dar com-
primento Gonzalo Martins, thesoureiro-mór de Silves, que em 17 de
dezembro annexou & Universidade a egreja de S. Fedro de Eiras na
diocese da Guarda, Santa Maria de Caria na diocese de Lamego, a de
Semache na diocese de Coimbra, Santo André de Lever no bispado
do Porto, Santa Maria de Idaens no arcebispado de Braga, S. Salva-
dor de Yianna do bispado de Tuy, S. Thiago de Montemór-o-novo no
arcebispado de Evora; Silves e Badajoz ficaram fora d'està annexa(Zo,
porque as' suas egrejas pertenciam aos bispos, cabidos e ordens mili-
tares. Os rendimentos provenientes d'estas egrejas pouco mais monta-
▼am de quinhentas libras, e di£Sceis de receber, durando pouco tempo
essa dota9So pelas innumeras demandas do clero centra a Universidade.
O quadro das discìplinas da Universidade, em Lisboa, achase in-
dicado na Carta de 25 de outubro de 1400, tendo o encarrego do dito
Estudo 0 Doutor JoSo das Regras ; ^ ahi se ve o numero de cathedraB,
pelos lentes que eram isemptos de pagarem pedidos:
Lentes de LeÌ8 até •. 3
Grammatica .... 4
Decretaes 3
Logica 2
Fisica 1
Theólogia 1
Musica 1
Bedel e Conservador.
Por està Carta se ve que a cathedra de Theólogia, que toma a
apparecer dtada em 1418, jà ostava salariada e encorporada no Es-
1 Uwro Verde, fl. 43 f.
* Ibidem, fl. 90 y e 91.
A UNIYERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 135
ludo gerfil. Ifa Carta de 1418 apparece a Phìlosoptìa, certamente sob
o sea novo aspecto, a qne os gregOB cbamaram maral em coDtraposi-
^io a natuTol. NSo se encontram apontadaa cadeirae de Eebrako e
Arabe, maa nào prova iato qiie n&o exÌBtÌBseiD, porque bastava nSo se-
reni ealariadas oa regerem-ae fora da Universìdade para nSo TÌrem in-
elDÌdas naa dispoaÌ96eB legialativaa.
Foi n'este eatado angustioBO qua o Infante D. Henrìque, promo-
ter daa descobertas maritimaB, come90a a proteger a Uaiversidvde de
Lisboa com valioBas doa$3ea, coUocando-a em nm palacio que com-
prara na freguezia de S. Thomé para as Sete Artes liberaeg, e para to-
das aa Bcienciaa. O titolo de ProUctor da Universìdade apparece pela
prtmeira vez uaado pelo Infante D. Henrìque em urna Carta de 20 de
OQtnbro de 1418, dada em Cintra aos Juizes e Justì^aa, para ique poa-
WUD procurar, razoar, vogar em pra9a ou em escondido.t' Figueiróa,
nas Memorìaa manuscrìptas, apenas apontava a Carta de 23 de agosto
de 1443, dirigida de Villa Franca aos Reitor e Lente» pelo Infante D.
Heurique, corno Protector* e Governador da Universidade. CremoB que
A8 antigas dependencias da Uiiiversidade com o Mestrado de Cbristo,^
maia do quo a organiea^So scientifica do Infante D. Heurique, é que
levaram a elegel-o Protector da Universidade, talvez comò meÌo de
reai&tenina coatra a absorp^So do Poder real. À crearlo e protecfio
de TJniverBÌdades era urna prerogativa aoberana, corno vemos reconhe-
oida por AffonBO o Sabio. Fra comò urna usurpa^So d'ease privilegio
da reaieza que os grandes vassallos tambem aepiiavam a fundarem Ea-
tadoa geraes.
A figura do novo Protector da Universidade de Lisboa, o Infante
D. Henrique, merece aocentuar-se no sea grande rel€vo hiatorìco; tendo
fdndado a villa marìtima de Sagres em 1419, depoie do regresso de
Conta, ali estabelece a lendarìa Eschola oa Observatorio para dirìgir os
deacobrimeiitoa da Àfrica, pelo enaino da Mathematica, Nautica e Qeo-
graphia, feito por Mestre Jaime da ilba de Malhorca e outros sabioe
convidados com bona salarios. K'esta Eschola de Sagres, ei
Lopee, as Cartas geograpbicas se converteram em Carta
phicas planas, cujo uso durou seculos: (M'esta Eschola s
OB noBBOB mais habeis navegadores; adquiriram instruc^fìlo
■ LivTO Verde, fl. 9S.
' Ibidem, fl. 109.
* Foi das rendas do Mestrado de Chrieto, da dtEima da Hlia da
o Iii&nt« aalarion a cadeira de prima de Theologia.
136 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
e cavalleiros de sua casa; e se fez vulgar o uso da bussola e outros
instrumentos nauticos^ os quaes^ postoque imperfeitos, eraiù ass&s van-
tajosos para os navegadores, que n'aquelle tempo nSo usavatn da aga-
Dia, nem de outro instrumento.» ^ A applica9So pratica da MatherfiaHca
e da Astronomia & navegajSo vinha no seculo XV provocar o desenvol-
vimento da serie scientifica, que predominou na Renascenga pela posse
(directa dos dominios da Physica. Comte caracterisa de um modo lumi-
noso està entrada da rasSLo humana na renova9So scientifica que pre-
cede a Benascenfa:
cRctomando o impulso scientifico da Grecia, deveu dar-se a con-
centra9So sobre o primeiro par. encyclopedico (Mathematica e Astro-
nomia) até que se tivessem produzido os resultados decisivos que o
theologismo impediu na antiguidade. Quando està base theorìca da re-
genera9So mental estivesse sufficientemente pósta, um rapido esbogo
da philosopfaia naturai devia immediatamente conduzir a rasSo mo-
derna à elabora9ào directa do seu principal dominio, conformemente
às neccssidades sociaes. Este plano, que sómento hoje póde ser con-
cebido, prevaleceu espontaneamente desde o seculo xiv, segundo aa
leis necessarias da evolu9lLo especulativa, cujo ascendente, precedendo
a sua descoberta, deveu involuntariamente regular uma marcha empi-
rica.d ^ Como se personificou està elabora9&o mental no Infante D.
Henrique ?
Na Corographia do Algarve, Silva Lopes descreve a actividade
da lendaria Eschola de Sagres: cD'aqui mandava elle sahir embarca-
9Ses para fazer os descobrimentos que havia emprehendido ; em 1431
sahiu d'este porto em um navio o commendador d'Àlmourol fr. Gon-
9alo Velho Cabrai com instruc9fto de navegar a O., e voltar logo que
descobrisse alguma terra, o que praticou voltando em poucos dias do
Baixo das Formigas, que avistou e ezaminou; tornando no anno se-
guinte descobriu a ilha de S. Maria, cuja capitania o Infante Ihe deu.
Convidados pela fama dos descobrimentos que os portuguezes faziam,
concorreram a Sagres muitos estrangeiros notaveis, curiosos de cousaa
tSo extraordinarias, taes comò Balthazar, fidalgo allemSo, gentil-homem
da camara do imperador Frederico iii; o malfadado Balart, fidalgo
dinamarquez, que embarcando em o navio de Fem&o Affonso em 1447
foi morrer a Cabo Verde em uma refrega de negros; o veneziano Luis
1 Corogrc^hia do Algarve, p. 210.
2 Comte, Sysihne de PolUique poettive, t in, p. 517.
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 137
CadamostOy que nos deixou escriptas as suas viagens n'estes descobri-
mentos; os fidalgos flamengos Jacome de Bruges, a quem o Infante
fez donatorìo da ilha Terceira por carta (apocrifa) de 2 de marjo de
1450 para a ir pò voar; Gailherme de Wanderberg, cujo appellido depois
madou para Silveira, ao qual deu a ilha de S. Jorge; Jorge d*Utra,
primeijo donatario e povoador das ilhas do Fayal e do Pico: etc.» *
Mas que differenga entro o vulto esbogado pelos InfantUtaa, que re-
petem phrases tradicionaes sem prova historica, e as primeiras obser-
va93QS de unTa critica severa^ que desponta!
O infante D. Henrique occupava-se nas descobertas maritimas
exclusivamente para seu interesse pessòal, estabelecendo colonias de
quem recebia as contribuifdes. Para isso empregava os filiados ou os
recados da sua casa. Depois de descoberto o archipelago da Madeira,
corno as descobertas na costa de Africa foram e^corporadas na corda-
portagueza, o infante queria descobrir para si e mandou navegar até
ao Cabo Bojador. A sua passagem do Tejo para Sagres, no Algarve,
logar solitario e sem agua, sem os recursos para as noticias das nave-
ga95ea e para armar as expedigSes, so se explica pelo plano de se col-
locar fora da dependencia da corSa nas terras do mestrado de Chri^to,
que estavam sob o seu poder. No cap. ii do livro i da Decada i de JoSo
de Barros allude-se a oste pensamento, em que o infante queria ser
mais do que capitilo da corda portugueza nas conquistas, encetando
por isso expedifSes mais largas.^ O caracter do infante D; Henrique
decae diante do modo pouco leal corno procedeu pondo-se do lado dos
intrìgantes centra seu irmSo o honrado infante D. PedrO; Duque de
Coimbra, deixando que o assassinassem, podendo salval-o pela sua au-
ctoridade moral. O pensamento das descobertas maritimas amesqui-
» Op. eit., p. 210,
' Joào de Barros, «apcsar de panegyrìsta do Infante, accentua o seguinte
facto que o colloca em antinomia com o poder real : «Por que vendo elle corno os
Houros do re3mo de Fez e Marrocos ficayam per conquista metidos na coroa destes
Beynos, por o novo titulo que seu pay tomou de Senhor de Cepta, e que per està
posse real a empresa d' aquella guerra era propria dos Reys d este Beyno, e elle
nom podia entreyir nisso corno conquitador mas corno capit&o enyiado, em o processo
da qual guerra elle avia de seguir a vontade d el Bey e a disposi^So do Beyno e
n2o a sua : assentou em mudar està conquista pera outras partes mais remotas de
Espanba, do que eram os reynos de Fez e Marrocos. Com que a despeza d'este caso
fosse propria d'elle e nSo tazada per outrem ; e os meritos de seu traballio ficas-
sem metidos na Ordem da cayallerìa de Christo que elle governava, de cujo the-
zooro podia despender.» (Decada ly liv. i, cap. 2.)
1 38 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
nha-se pelo movel do interesse mercantil exclusivo, que o dirigìa, e o
que ha de grandioso nos trabalhos do Mar tenebroso, reverte para o
poYo portugaez, esses valentes aventureiros, que foram os primeiros
donatarios das descobertas, e de que o infante se aproveitou. Dois
eximios patriotas e eruditos, os drs. JoSo Teixeira Soares (da iiha
de S. Jorge) e Alvaro Rodrìgues de Azevedo (da ilha da Madeira)
sustentaram estes novos elementos do criterio historico por onde tem
de ser apreciado o infante D. Henrìqne, na sua resistencia contra a
dictadura monarchica.
Na correspondencia do eruditissimo a9oriano Dr. JoSo Teixeira
SoareS| fallecido em 1882, acham-se os elementos criticos, em que a
figura do Infante D. Henrique nos apparece a està outra luz. Foi pena
que a morte Ihe nSo deixasse realisar oste processo historico. Trans-
creveremoB da sua correspondencia, publicada em extractos no Ar-
chivo do8 Aqores, alguns tra$os importantes d'essa critica negativa:
«0 que eu queria que me èxhibissem era um unico documento, um
unico, anterior à morte de D. JoSo i. . . em que se provasse que o In*
fante D. Henrique tinha tido a menor idèa de vìagens e de descobri-
mentos maritimos ! Parece que era jà tempo de fazer calar a lisonja^
e apparecer a historia irrefragavel, que nos diz : que a actividade ma-
ritima dos portuguezes, jà estava desenvolvida e firmada antes d'elle
pelas explora9Ses no Athlantico septentrional e descoberta de seus Ar-
chipelagos.
cEste principe nfto fez mais do que aproveitar està actividade,
dando-lhes uma nova direcjSó, mais positiva, e menos generosa, que
elle soube monopolisar e continuar em seu proveito, e da Ordem, de
que era Mestre.
«Foi um emprezario egoista n'este theatro da nossa actividade,
nada mais. £ note-se que o foi, depois da morte do pae, de quem nada
obteve, e so do irmSo, cujo filho adoptou.» ^ Teixeira Soares reunira
uma grande somma de trabalhos para <um estndo sobre a Chrcnica
de Ouiné, e sobre o Liv. i da Decada I de JoSo de Barros, em que
digo e mostro cousas terriveis para a memoria d'este escriptor, sobre
a do Infante D. Henrique, e para a ridicula scita dos Infantistas I O
Infante D. Henrique vale pouco na historia dos nossos descobrimentoa,
£ penoso o mister que a critica tem de exercer sobre este mào prin*
cepe, mas bade exercel-o um dia e hade ser tanto mais inexoravel,.
1 Carta de 26 de oatubro de 1877, ao Dr. Ernesto do Canto.
A UNIYERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 1 39
qoanto mais tardio vier.» ^ Em ama carta de 25 de maio de 1878 es-
tabelece um ponto de partida: e Reputo genuinos os portulanos do se-
culo XIV com rela(So aos archipelagos da Madeira e Àgores. O attri-
buir ao Infante a descoberta primitiva d'elles, procedeu de lisonja e
de ignorancia. Azurara, que na parte bistorica se aproveitou apenas
do que escreveu Affonso Cerveira, foi mais babilissimo cortezSo^ do
que bìstoriador severo e imparcial. Barros, que o seguiu Guidando que
p unico esemplar que da Cbronica d'aquelle conbeceu acabaria nas
suas mSoSy foi mais do que um amplificador rhetorico, degenerou n'um
insigne falsario. O seu extracto da Cbronica impresso em frente d'està^
seria sem commentarioS| a sua condemna9&o irremissivel. KSo bouve em
Portugal bomem perante quem a bistoria se tenba tornado mais detur-
pada e falsaria do que o Infante.
cNada teve com navega93e8, descobrimentos maritimos e coloni-
sa9SLo da Madeira, senSo depois da morte de seu pae, que parece com-
prebendeu melbor do que os irmSos o pessimo caracter do filho. Com-
tudo; quanto arredados do que levo dito nSlo estSo os que tém feito a
bìstorià d'este principe ! Os doze annos de esforQos para passar o Cabo
Bojador, foram apenas um recurso rbetorico da lisonja, que um des-
cuido do proprio Azurara patenteou ! Pois o que se tem dito da Villa
de Sagres?. . . A verdadeira Sagres aonde està? Quando e para que
firn foi fundada ? Aquelle principe nSo foi mais que um ambicioso uti-
litario, sem a sciencia nem o alcance geograpbico que Ibe attribuem.
Aproveitou a sciencia e actividade maritima dos portuguezes, jà ass&s
firmada, para simples reconbecimento da continuacelo d'um boccado
da costa africana, desviando assim o genio mari timo da naySLo para
um campo mais utilitario, estabelecendo a escravidUo africana e con-
vertendo tudo em monopolio proprio. Na Madeira so continuou a colo-
nisacSo fundada pelo pae, alterando profundamente o systema benefico
d'aquelle, e convertendo tudo em seu proveito creando os dizimos, etc.
etc. Na familia foi um Caim. A virilidade e nobreza de espirito nào a
tinba por ser um quasi eunucbo. A adopero do sobrinbo por filho, que
infamia ! pelo modo por que depois falseou esse acto ! — A entrega que
fez do irmSo em Tanger, depois de o arrastar alli, nSo se commenta !
O seu comportamento com o Infante D. Fedro e com os filhos é sem
igual.9^ No que fez pela Universidade ressumbra a vaidade pessoalt
1 Carta de 25 de abril de 1878.
2 Arehivo doa Agorea, voi. iv, p. 16 a 19.
140 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
O Liuro Verde, da Universidade, d^ noticia do estabelecimento
das Escholas geraes em uns passos e assentamento de casas com seoB
pardieiros e chSos na freguezia de S. Thomé compradoB pelo Infante
D. Henrique em 1431, pelo prejo de 400 coròas de ouro velhas, de
bom ouro e jasto pezo do canho deirei de Franja, e doados apara
as sete artea liberaes, grammatica, logica, rhetorica, aresmetica, musica,
geometria e astrologia. . . qae se lèam na casa pequena. • . e ai se pin*
tem as sete artes liberaes. . . a fora a grammatica, qae é de grande
arruido estd na casa de fora. . . e a logica na logia. . . e a medicina
n'outra casa e ahi se pinte Gaalliano ; . . e em cima se Ieri theologia e
ahi se pinte a Trindade. . . na de Decretos se pinte um papa. . . na de
filosofia naturai e maral Aristoteles. . . na de Leis um imperador. . . e
que a doa9So se abra numa pedra e que se ponha sobre a porta.» ^
Por este documento se infere qual a fórma do estudo da grammatica»
em voz alta e em chusma, feito provavelmente pelo texto do Doutri-
nal de Alexandre de Villa Dei, e tSo vulgarisado que vem citado no
Catalogo dos Livros de uso do rei D. Daarte simplesmente com o
nome Alexandre. O Doutrinal renovava os velhos tratados grammati-
caes de Servio, VarrSo e Prisciano, dominando de um modo absoluto
nas escholas até Pastrana; quando entrou em Portugal a influencia
de Nebrixa, distingaiu-se o methodo, chamado Arte nova, corno se in-
fere do documento de 1494 em que se mencionam mestres de gromma-
tica de arte vdha e da nova. Quando o infante D. Henrique deu casa
à Universidade, eram reitor do Estudo Vasco Gii, e o licenciado Diego
Affonso de Mangancha, Mestre Martinho, JoSo Affonso de Leirea, Luiz
Martins, JoSLo d'Elvas e Gomes Paes, lentes; d'entre estes nomes des-
taca-se o do Dr. Mangancha, que no seu testamento de 9 dezembro
de 1447 instituiu um Collegio para dez estudantea pobres nas suas casas
a S. Jorge, onde possuia tambem uma notavel livraria. ^
1 Op. cit, fl. 101. Escriptara de 12 de de ontubro de 1431.
2 No pequeno catalogo dos livros do Dr. Mangancha cita-se um Chino, iato
éy 0 Commentario volumoso dos nove primeiros livros do Codigo, publicado pelo
celebre professor da Unìversidade de Bolonha Cina da Pistoia, mostre de Bar-
tholo. O seu Commentario data de 1314, e tem a importancia de ser a base em que
OS jurisconsultos civiUstae se apoiaram contra os decretalistaB, Diz Gingaené, na
HtMtoria litteraria da Italia: «Os canonistas e os legistas forma vam corno que
doas seitas inimigas; e nfto sómente na sua qualidade de legista, mas corno ar-
dente gibelino, Cino tinba um grande desdem pelas decretaes, pelos canones e por
tudo o que compunha a jurisprudencia papal.o (Ob. cit., t. ii, p. 296.) As daasin-
fluencias pontificai e real nas Universidades caracterisam-se com evidencia n'este
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 141*
Importa accentuar aqui a personalidade historica d'este afamado
decretalista^ que se achon no Concilio de Basilea em relagSo com Eneas
Sylvius (Pio n) na grande lucta de dissoIugSo do poder pontificai, e
que deslumbrou os hnmanistas italianos pela sua forte dialectica em
amaa theses ou Auto de Ostentagào. ^
antagonismo entre canonistas e legistas. Joao dae Regras trouxe para Portugal as
opinioes bartholistas, que vieram a prevalecer na Universidade e na grande pleiada
doB rdnicolaa. 0 Infante D. Fedro, na carta ao rei D. Duarte, seu irmào, em que
Ihe apresenta o plano da reforma da Universidade, tambem propende para as dou-
trìsas de Bartfaolo : «e parece-me, Senhor, que para abreviamento dos feitos apro-
veitara multo seguir-'se a maneira, que o Senbor Rey ordenou sobre o Bartolo :
Gom tanto que o Livro seja bem ordenado e corrido por Doctores, e
afora aquelle que o tresladou etc.» (Ap. J. P. Ribeiro, Disa. chron,, 1. 1, p. 407, ed.
18eO).
1 £m uma Noticia da Embaizada do Conde de Ourem, em 1435, que se guar*
dava manuscripta na Bibliotheca do Conde de Yimieiro, descreve-se tambem o
Auto de Ostenfa^ào^ que o dr. Mangancba sustentou em Bolonha, quando acompa-
nhava essa embaizada. Foi consultado por LeitSo Ferreira. {Noticias chrtMologicca
da Universidade, p. 351.) Transcrevemol-o do Ms. publieado por D. Antonio Gae-
tano de Sousa;
«Sabei, que aos treze dias do mes de Setembro, fez o muj nòbre, e discreto
Doutor Diogo Affonso, que vinba em companbia do muy nobre Senbor Conde Dourem
com embaixada do muy no])re Senbor Bey de Portugal bum auto multo sòlepne de
Concm^oens, as quaes forom em Lex, e em Decretaes, e em outras artes liberaes,
e sabei que em aquelle dia a tarde foi posto em huma muy alta e nobre cadeira,
e Bcu livro ante si, segundo be custume dos escollares e Lentes, e estavam acerca
da cadeira muitos bancos cubertos de muy nobres bancaes pera averem de sentar
Arcebispos, e Bispos e outros Prellados, e pessoas a elica iguais, e sabede, que
forom abi muitos, e mui nobres, e )i}em entendidos escollares, e Doutores aa ma-
ravilba, segundo se dizia pela Corte do Papa, sabede que estando elle na cadeira
vierom estes Bispos, que se ao diante seguem, que eram os mais letrados, que o
Papa trazia segundo, que se dizia pela Certe do Papa, que per nome eram cba-
mados Ambianeses, e outro Espelanteses, e acerca destes bum Embaixador de
Franca, e disse o Bispo de Viseu, e outros muitos Doutores, e Prellados ao uso
dito, que fallasse bum pouco mais alto, e come^arom todos a oulbar, que era o que
aiguya o sobredito, e o Doutor des que os vio todos* estar assentados, come^ou
per seu latim de parlar, que ainda que fosse bum Anjo Angelical, que dos Ceos
as gentes o latim viesse decrarar, nom poderia parecer milbor, e des que o Doutor
acabon de prepoer seus argoimentos o Bispo d aquelles, que mais cerca d elles seya,
que era o mais entendido, e de muyto mayor nobreza, e come^ou de dizer sub reve-
rencia muy nobre Doutor, eu quero desfazer os vossos argumentos, e pollos em
ponco valor, e logo comef ou darguir muy fortemente, que a todos parecia, que
debelar o Doutor, e desbaratar, e em cima todas razoens ouve-se de callar, e o
Doutor come^ou contra o Bispo darguir em tanto, que fez suas razoens boas, e
conclnsoens muy verdadeiras, e quando o Bispo esto vio, come^ou de embruscar, e
142 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Emquanto D. Daarte trabalhava na sua encyclopedia moral in-
titulada o Leal Consdheiro (1428 a 1437), o Doutor Diogo AffonBO
de Mangancha conversava com o monarcha Bobre differentes questSes
phìloBophicas, e offerecia-Ihe apontamentos, que o rei intercalava no
seu texto comò homenagem ao seu saber. Tal é o capitulo Lvm: Score
a prudencia, feito per o Doutor Diegaffonso, D. Duarte poz-lhe o se-
guititi preambulo, que nos revela a sua convivencia intellectual : «Por-
que mynlia teen9om he nom me ajudar em este trautado de alhea let-
tura por mynha, saluo em allegafSoes ou parte dalguus capitullos ti-
radoB doutros liuros, porém este a juso scripto que me o Doutor Diego
Affonso do meu desembargo deu, sabendo que desta virtude da pm-
dencia algua cousa screvja, por me parecer de proveitosa ensynanga,
em seu nome o mandei aqui screver com alguils mais adjtamentos, e
corregymento pera seguyr mjnha teen9om necessarios.v Ab paginas
que se seguem a este preambulo resentem-se das divisSes e formalismo
do estylo escholastico, e sSo um modelo do genero. O Dr. Mangancha
nom Ihe Boube mais responder, e ficou alli vencido em aquelle legar, e quando
veyo 0 outro ho outro Bispo, que estava acerca d aquelle iste vio come^ou per seu
latim muy alto de arguir, que as gentés se maravilhavam mais d aquelle que do
outro, e des que come^ou seus argumentos a fazer o ouue muy bem descuitar, ate
que ouve de acabar suas razoens *, des que acal^ou o Doutor come^ou de muy pas*
samentc o seu fallar, que as razoens do Bispo ficarom em muy pouco sobre o que
forom postas, e sabede que depois d estes Bispos veyo bum Embaixador de £1 Bey
de Fran9a, e come^ou de arguir por seu latim, que parecia, que era Rousinol que
no Mayo bem canta, e esteve por espa^o de buma bora com bo Doutor em argu-
mentos, e isto fazia elle pollo abater, e por cuidar, que nom soubesse elle resumir
todo 0 que elle alli Ibe ouvesse de recontar, e sabede que tanto que ouve darguir,
atas que ouve de callar, e que cansavam jà, e quando o Doutor vio, que mais nom
podia arguir, disse o Doutor muy umildosamente, prazavos Senbores de me averdes
descuitar. Sabede, que este muy e discreto Barom muy mal trouxe seus arguimentoa
a condusSo, e alli trouxe, e come^ou darguir, que nom avia bomem no mando que
tornasse prazer do seu razoar, e sabede, que aquelle Embaixador assi ficou ven-
cido em aquelle lugar, e sabei que outros muitos Doutores, e bons Bachareis, que
logo come9arom darguir, e desputar com o Doutor, e elle a todos responder, e
ouve de darem cabo com todos vencidos, e ouveram a ficar as condusoens do
Doutor multo Ibes conveyo abonar, e disseram, que bento fosse o dia, em que ao
estudo se fora assentar, que tantas boas cousas corno elle sabia em a sua cabe^a
forom assentar, e todos disserom, que nom pensavam, que tal bomem t&o letrado
avia em Portugal, c^odos quantos bi estavam, todos Ihe este louvor derom, o qual
foi de feito scgundo o que disserom, e grande louvamento ao Beino de Portugal,
e assi foi acabado este acto, que suso dito fez.» {Diario da Jornada que fez o Conde
de Ourem ao Concaio de Basilea. Ap. Hist Geneal., Provas, t v, p. 696.)
A UNIYEnfiSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 143
recitou a orajSo nas exequias do mallogrado monarcha sea amigo^ e
fez a Ora9So da Proposi^So (Discurso do Throno, segando o visconde
de Santarem) nas cortes de Lisboa, de 10 de dezembro de 1439.
O Dr. Mangancha realisava o pensamento do Infante D. Fedro;
em ama carta de JoSo Fedro Ribeiro ao arcebispo Cenaculo, cita-se
um papel sobre o provimento dos bispadoS; do secalo xv, janto com
ama Carta do Infante D. Fedro, escripta durante a sua viagem ao rei
D. Duarte sea irmSo, na qual se lamenta por ordenarem os qae ignqr
Tarn latim, busca o remedio na reforma da Universidade, propSe o es-
tabelecimento n'ella de Collegio» a exemplo dos de Oxonia e Paris: e qae
nom dem Ordens a nenhama pessoa qae nom saiba falar latim*; porqae
segando vi e cavi dizer a oatros fora, nas terras de Spanha he avido
por grande mingoa e para se os Frellados nSo escuzarem,
que per mingoa de latinados nSo poderSo ter està ordenanja, a mim me
parece que a Universidade de vessa terra devia ser emendada, e a ma-
neira vos escreverei, segando cavi dizer a oatro qae nisto mais enten-
dia qae ea.
«Frimeiramente, qae na dita Universidade ouvesse doas oa mais
Collegios, em os qaaes fossem mantheados escolares pobres, e oatros
ricos vivessem dentro com elles aas saas proprias despezas, e todos
morassem do Collegio a dentro, e fossem regidos por o qae de
tal Collegio tivesse carrego: a ordenan9a desto he tal. Em a Cidade
de Lisboa, e em sea Termo ha da Universidade sinco oa seis Igrejas,
e em aqaestas se podiam bem fazer oatros tantos Collegios, e a cada
hum qae tivesse ham Vigairo, qae desse os Sacramentos, e dessem a
este mantimento pertencente da Igreja e o mais fosse qae para
aqaelle Collegio fossem depatados, e estes dormissem em ham Pa90,
que tivesse cellas^ e comessem jantamente em ham lagar e fossem ^ar*
rados de so hama clausura. Aquestes, Senhor, despois que ouvessem
doas ìannos em a Universidade fossem gradaados, e lessem per jura-
mento, e havendo elles tal cria9So com ajudorio da Grafa de Deus se-
riSo bem acostumados Ecdesiasticos, e ainda os Bispos com seus Ca-
bidos poderiHo fazer cada hum Collegios para seus naturais ; e os Mon-
ges pretos outro si para si, e os Conegos Regrantes outro, e os Mon-
ges brancos outro, e ordenassem estes Collegios por maneira dos de
Uxonia e de Farìz, e assi crescendo os Letrados e as Sciencias, e os
Senhores achariSo donde tomassem CapelUles honestos e entendidos,
e quando tais promovessem n3o. seriSo desditos, e até d'isto se segui-
ria que vos achareis Letrados para Officiaes da JustÌ9a, e quando al-
guus vos desprouvessem, terieis donde tomar outros, e elles temendo se
144 HISTORIA DA IWIVERSIDADE DE COIMBRA
do que poderìa acontecer, serviriSo melhor e com mais dilìgencia: e
destes viram bons Beneficiados^ que seriSo bona eleitores, e deshi bons
PreladoSy Bispos, e outros: aquesto havìa mester bons hordenadores
em 0 comejo; e parece-me, Senhor^ que* se a Vossa Mercé isto qui-
zesse mandar^ averia grande honra a tcrra^ e proveito por azo da Sa-
bedoria, que deve ser muito prezada, que a muitos tirou e tira de mal
fazer; mas deviSo ser taes ordenadores^ que jà estiveram em as dita»
Universidades, bons homens, e avizados dos costumes, ou mandardes
a alguem que vos escrevesse o Begimento dos dittos Collegios.» ^ £ pro-
vavel que a funda^So do Collegio do Dr. Mangancha, para Estudantea
pobres nascesse d'està sugestSo do Infante D. Fedro; so em Coimbra
e jà na reforma de D. JoSo ni é que differentes ordens monachaes fun-
daram Collegios junto da Universidade.
O Infante D. Fedro, Duque de Coimbra, que tanto se interessava
pela Universidade de Lisboa suscitando a idèa da crea9lio de Collegios
junto d'ella, sentiu a falta que a Coimbra fazia o ter side despojada
do seu Estudo goral em 1377, e sem esperanfa de tomal-o a possuir,
porque pela Carta de D. JoSlo i de 1384 fixara-se para sempre em Lis-
boa. Lembrou-se pois o Infante D. Fedro de fundar em Coimbra urna
nova Universidade, e comò Regente do reino em nome de D. Affonso v
estabeleceu o Estudo goral por carta do ultimo de outubro de 1443;*
^ Està Carta vem publlcada na integra por J. P. Ribeiro, nas Diss. diron,^
1. 1, Doc. u.^ civili, p. 399, ed. 1860.
^ Dom Affonsso etc. a qnantos està carta virem fìizemos saber que os Rex
da piedosa lembran^a de que noe des^eindemcs, consjrando corno todallas obras
de deos procedem da sua maravilhosa sabedorìa. £ que outro lbj nehuu rregno
nem principado nom pode ser firme se nom for rregido com muyta praden^ia polla
quali rrazom corno tiranos destruydores das cousas pruyycas avorrecem ob sabe-
dores. assy ob boos prin^ipes os devem muyto amar e pre^r por tanto hordena-
rom na muyto antyga nobre abastada ^idade de coymbra huii Geral eetudo de to-
dallas (iencias por tali que os bem despostos acbassem meestres de que podessem
aprender virtudes sabedorias que he huu grazioso dom do spirito sancto outorgado
aoB homees assy corno a buu rrayo e buua participa^om da divinali natureza na
quali Bse salva a rrazom da ymagem de deos a cuja Bemelham9a forom creados.
£ desy que o emtemdimento armado de taaes armas quejandas pertemce se-
gumdo diz 0 apostollo pella nossa spiritual cavallaria poBsamos pelejar e vQmcer
virtuosamente as agudas paizoeSs a que formos incrinados. £ comtinuando assy o
dyto estudo por tempos, o muyto virtuoso e nunca ven^ido primcipe el Rey dom
Joham meu avoo que deos aja e dee gloria por alguGas justas e proveytosas rra-
zoes mudou o dito estudo aa muyto nobre e sempre leali ^idade de lizboa de cuja
oontinuada preseveran^a sayrom letrados em desvayradas s^iem^ias que Ihe feze-
A,raiVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 145
para obter os meios para salariar aB cadeiras de Leis e CaiKmeB, Theo-
logia e Artes entrou em accordo com as dignidades e cabido da sé de
Coimbra^ e com o prior, chantre e beneficiados de S. Fedro de Alme-
dina, e com 0 bispo de Coimbra D. Luiz Coutinho^ que a 24 de maio
de 1446 fizeram urna escriptura de doa9So das rendas da egreja de S.
Thiago de Almelaguez, com a condÌ9fto de caducar a doafSo se o Es-
rom grandes servi^os per seu claro saber allumerarom os escuros entendimentos
de muTtos e trouverom verdadeyra honrra e proveTto a sua terra. E por que a noe
perten^e manteer e acre9entar o qae os sobreditos Bex por comaerya^om destes
iregnos e acre^emtamento da sagrada religioni xpSa bem hordenarom coube^ead*
que o estudo de lizboa nom abasta pera todos porque mnytos moram em lugazv»
t2 alomgados que leizam daprender por nom yirem tam longe de suas casas. Ou-
tros por aazo das pe8tillen9ia8 que aas vezes na dita 9idade aconte9e sse partem
do eatudo e por nom acharem no rregno outras escoUas bomde possam estudar
affidando assy on^iosos Ihes avem que esquoQem quanto aprenderom.
E aimda alguus por bomezios e arruydos ssom estorvados. outros pella muyta
comversa^om dos amygos e parentes nom podem com rrepousado spirito estudar.
E asay Ihes be ne9eBBario que yaào com gramdes despesas e trabalbos buscar es-
tndo fora da terra domde muytos nunca mays tomam. E porem pera nos escusar-
mos estes inconvenientes por espertarmos os nossos subditos que sse desponham
aoB estudos das boas artes e virtuosas e ensinan9a8 em guisa que as nossas 9ida-
des 8ej5 compridas de bomeSs letrados que per seu boom exemplo melborem em
muytos e per sua insinan9a prestem a todos.
Ffiindamos e bordenamos estabellecemos outro geerall estudo na sobredita
Dobre 9idade de coymbra que be comarquaS assy aos naturaaes de nossos rregnos
corno aos estramgeyros, saadia e avondosa de todallas coutas que pera a vida dos
bomeens sam ne9efisarias. E por ser o dito estudo milbor rregido queremos e man-
damos que seia delle protector ho alto e poderoso prim9ipe o y&nte dom pedro
mett mnyto amado e pre9ado iyo e padre nosso tutor e curador, rregedor e com a
ajuda de deos defensor por nos de nossos rregnos e senborio duque da dita 9Ìdade
de coymbra e senhor de monte moor. E desy todos aquelles que delle lidemamente
des^emderem que forem duques de coymbra. E esso meesmo bo bomrrado em Jhu
zpo padre dom fernamdo ar9ebispo de bragua nosso bem amado primo e seos sob-
cessores na dinidade. E queremos e bordenamos que no dito estudo sse leom con-
tinnadamente todallas 9ien9ias aprovadas per a sancta ygreja de rroma comò sse
leem nos outros estudos geeraes. E porque os mestres doutores e escollares pos-
sam na dita universidade estudar com rrepouso a viver em framqueza e querendo-
Ihes fazer gTa9a e mercee de nossa 9erta 9ien9ia proprio ibovimento e poder ab-
soUuto damos e ontorgamos aa dita universidade de coymbra e a todallas pessoas
que nella pella sobredita maneyra estudarem e a cada baila dellas e a seus be«
dees e rrecebedores livreyros e escrivaàes e familiares a fora os privillegios que
Ihes per diretto comuG ssom outorgados Os quaaes Ihe confumamos queremdoos
aqoi aver por ezpressamente nomeados. Outorgamos Ibe comò dito be todollos pri-
vilegios e franquezas e liberdades e execu90oes que aa universidade de lizboa
HIST. UH. 1^
146 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRÀ *
tudo geral fosse mudado de Coìmbra. ^ 0 desastre inesperado de Al-
farrobeira em 1449^. onde o Infante D. Fedro foi assassinado por intri-
gas do conde de Barcellos, obstou com certeza à realisaf&o do generoso
pensamento. Coimbra perdeu a occasiSo de ufanar-se com um novo Es-
tudo geral.
pollos Rez passadoB issom outorgados. E eacomendamos ao dito jffante dom pedro
e ao dito ar^ebispo protectores do dito estudo qua ìhe fanoni gaardar e manteer
06 ditos privilegioB £ nom conaentam a nenbaua pessoa edesi astica nem segrall
por poderosa qua seja qua Ihea vaa centra alias em parta nem em todo fazendo
enzecutar rraalmente e com affecto as pennas em qua cayram aquellas qua Ihes
contra os ditos privillagios forem. E mandamos a encomendamos am espellali aos
Juizes, vareadoras ^idadaàos e homais bo5s da dita QÌdada em gaerall a todollos
de noBSOS rregnos qua trautam benjna a graziosamente os meestres doutores es-
coUares e passoas da dita universidada a os homrraài por nosso amor mantando-
Ihes OS ditos privillagios a liberdadas qua Ibas assy oatorgamos. E am tastemunho
dello Ihes mandamos dar està nossa carta seellada do nosso saello do cbambo*
dada em a nossa villa de lajraa postumeyro dia de outubro par autoridade do dito
yffante rragante etc. Martim Gill a fez anno do senbor Jhu Xpo de mill e iiij « riij
annos.» (Livro decimo da Extremcutura, fl. Ixviij. No Archi vo nacional.)
1 Està facto apparace pela primeira vez apontado por Migael Ribeiro da Vas*
concellos, Ituiituto, t ni, p. 302, seguido da Doa^ào, ib., p. 318:
Carta de doag&o à. Universldade
In nomina Domini, amen. — A quantos està carta de perpetua doa^om e oq-
torgamanto virem. N6s dignidades e Cabido da Sea de Coimbra chamados singa-
larmente para o acto segainta a Cabido, a Cabido fazendo segundo nosso costume,
e nós Prior e Chantra e beneficiados da Igraja da sam Padro d^Almadina, fazemos
saber, que consirando nos quanto a storia das latras he necessaria a proveitosa
cousa a todos e singularmenta aas pessoas edasiasticas que hlo de rregar e en-
caminhar si x^esmos a outros a saber guardar os mandamentos de Deos e usar de
virtudas, sendo nós certos da grande vontada qua ha o mui illustre a mui virtuoso
Principe o sr. Infante D. Pedro d'està meesma cidada, tutor a curador d*Bl-Rei
nosso sr. a curador a rregedor por eli destes rregnos de a ennobrecer, decorar e
accrascentar e malhorar mandando aas suas proprias despezas fazer estramadas
e selantas scolas a estudo geeral de todas as artes scienciaaes para soportamento
e govemanza das quaaes som necessarias rrendas certas subficientes para salariar
OS doutores e mais Lentes e os outros officiaes a para soportar os carregos do
studo a universidada dos studantes para a qual cousa o dito sr. rragente lògo pri-
meiro que outrem come^ou de o dotar assignando^lhe para sempre huma boa e
grande cantidade de renda das suas proprias terras mandando-nos afincadamente
e graciosa rrogar e rraquerer qua nos outrosi qua do dito studo e fructo das scien-
cias aviamos sear quinhoeiros quizessamos fazar para esto alguma ajuda da rrenda
perpetua, e dapois dos rrazoamentos que sobrello ouvemos todos acordadamente
A UNIVERSIDADE SOB A DIGTADURA MONARCHICA 147
D. Affonso V bem cedo reconheceu qae fòra instrumento de um
ambicioso traidor, e procaroa^ talvez sob a delicada inflaencia de sua
mulher, D. Isabel^ filha do Infante D. Pedro^ reparar o attentado em
qae se achou envolvido. Por Provis&o de 22 de setembro de 1450 dea
8em contradi^om sentimos e onvemos por bem de outorgar a apropriar e dar ao
dito stado quanto de direito podemos o padroado da Igreja de Santiago d^almala-
gaes. O qual padroado e dereito de apresentar pertence a nós e ao prior chantre
e col^o da Igreja de sam pedro de almedina de concensu e de permeo e assim
estamoa de posse pacifica sea quasi de apresentar. £ de feito por aquesta prezente
DOS todos apreciamos e damos ao dito studo o nosso direito do dito padroado e o
tiramos e demetimos de nós, de tal maneira que quando quer que acontecer de a
<lita Igreja vagar por morte ou rrenuncia^om d'ai varo paaez que ora d ella he prior
ao qual nom entendemos por aquesta doa^om e outorgamento fazer algum prejuizo
que as rrendas todas della que ora ao prior pertencem ficarao e pertencerSo ao
dito studo e Ihe serSo anexas por virtude desse nosso outorgamento o qual faze-
moe afora a ter^a que hj ha o cabidoo a qual o dito cabidoo sempre hy bade aver
em salvo sem algumas custas nem censos salvo em apanbar ou arrenda sua rrenda.
£ afora esto meesmo tres moios pela velba de pào meado convem saber melo trìgo
e meio ndlbo ou segunda que a dita egreja de S. Pedro d'almedina ba daver em
cada bum anno do rreitor da dita Igreja de Santiago segundo que sempre ouve e
agora ba de alvaro paaez prior e segundo se contem em compromisso e escriptura
desto que antre as ditas Igrejas ba e t2o bem a dita Igreja de S. Pedro ba de dar
aa dita Igreja de Santiago em cada bum anno tres meos d azeite por a velba praa
Uunpeda segando se contem em o dito compromisso, e aquesto outorgamento e doa-
9om fazemos com as condi^Ses seguintes, convem a saber que das rrendas desta
Igreja susoditas que ao prior agora pertencem seja reservada e assignada ou ta-
xada tal parte por o bispo para sustentamento do vigairo e vigairos perpetnoe
poedóiros em ella per tempus porque bonestamente possSo viver e soportar os car-
regos da dita Igreja que agora ao dito prior pertencem a aprezenta^io do qnal ou
dos quaes vigairos para sempre poedóiros seja ou perten^a para sempre a nos e
ao prior e beneficiados susoditos de S. Pedro de concensu e de permeo assim corno
nos agora pertence a apresenta^om dos Priores. Item, se porventura acontecesse
as ditas escolas e studo nom virem a aperfei^slo para que se fazem convem a sa-
ber de se lerem em elle e aprenderem sciencias artes geralmente segundo se es-
pera, e segundo se costuma de se lerem em os estudos geeraes ou depois cessasse
por tempo ou tempos ou se mudasse para outra comarca, ou lugar fora desta ci-
dade que em tal caso todas e quaaesquer que o dito studo ouvesse daquesta Igreja
dalmalaguez e Ibe fossi corno dito be unidas, e apricadas que logo ficassem ou fi-
quem esse facto apricados por aquella meesma guisa aa dita see e a sam pedro
d almedina para as &bricas e obras dellas segando que a cada pertence o direito
do padroado e que as ditas see e Igreja de sam pedro da almedina sem outra au-
toridade Judicial possa aver e filbar por si as ditas rrendas comò cousas devola-
tas a elles que Ibes pertencem tanto que for certo ou notorio que o dito studo cessa
de se leer em eli direito canonico e civil ou se mudar comò dito be e que qualquap
que por for^a ou centra razom e Justi^a estas rendas Ibe torvar ou embargarpor
10«
148 HISTORIA DA UNIVERSIDABE DE COIMBRA
ordem para se estabelecer em Coimbra a nova Universìdadei e que
cse levantassem oatros Estados nas mesmas casas das Escholas anti-
gas, junto aos seas pasos, que s^ os do Collegio real, e que està Uni-
yersidade tìvesse os mesmos privilegioB que a de Lisboa, dedarando
si cu por ontrém seja maldito e escomangado e sacrilego e pedimos de mercee so
BOSSO prelado e sr. D. Laiz Coutinho bispo d'està cidade que com estas condi^Ses
e daosolas tenba pur bem de fazer a dita anexa^om em forma suso dita e aoosta-
mada e esto meesmo pedimos de mercee ao bem aventnrado papa Eugenio dosso
sr. que està doa^om e outorgamento e aneza^om que se della farà do complimento
do seu poderio queira aprovar rratificar e confirmar a peti^om de nos todos seus
homildosos servidores deam e cabidoo da see de Coimbra e prior e benefidados
da Igrcja de sam pedro dessa cidade em testemunho das quaaes cousas mandamos
todoB ser feita està carta seelada dos Boelos da dita Igreja cathedral e da Igrcrja
de sam pedro, feita em a dita cidade a 24 dias do mez de mayo. Era do nascimento
de nosso Sr. Jheau zpo de 1446 a.*^*
^pprovagio e confirmagSo do blspo de Ooimbra
D. Luis Coutinho por mercee de Deos e da Santa Igreja de rroma bispo de
Coimbra consirando as couzas e razooes contheudas em a buso dita doa^m se-
rem verdadeiras e legitimas Inclinado aos justos reqrymentos do suso nomeado
muy yllustre principe e Sr. Infante dom pedro, e dos padroeiros fazemos a doa^om
e outorgamento com dezejo esso meesmo que ej do thezouro Incomparavel da sden-
da ser acrescentado em està ddade e rregnos rratìficamos aprovamos e avemoa
por boa a dita doa^om e de consentimento e benepladto de nosso Cabido e quanto
com direito podemos anexamos unimos e ajuntamos as rrendas da dita Igr^a de
Santiago d ahnalaguez que ao prior ou priores pertenciSo e agora ainda pertencem
aa Universidade do dito studo com as condi^oes e clausulas contheudas e ezpressas
em a auso dita carta de doa^m e outorgamento e per outra guisa nom reserranda
mais e tazando para convinhavel e onesto soportamento do Vigairo ou yigidros
que por tempo siam em a dita Igreja de Santiago perpetuos e para elles teremde
que paguem as procura^Ses e confirma9oe8 e suporte todolos encarregos da dita
egreja de Santiago a que o prior ou priores de direito eram theudos. £ esso mesmo
a pagar aquelle p2o meado da Igreja de sam pedro segundo o prior ora paga a
ter^a parte de todo o que rrender a dita Igreja ou renderla ao prior se hj ouvesse
eomo ha e mais todo pee do aitar. E as outras duas partes da renda fazendo tres
partes daquello que ao prior pertence fiquem e s^2o unidas e aprìeadas ao studo
o qual as aja ysentas e livres e as possa mandar arrendar ou apanhar comò sua
propria Renda. Em testemunho das quaaes cousas mandamos ser feita està Carta
seelada do nosso seello pendente dada en na ddade de Coimbra a vinte e quatro
dias do mez die maio era do nascimento de nosso Sur. Jesu zp.* de mil quatro cen*
tOB quarenta e seis annos.
(Aeham*se estes documentos no Archivo da Cathedral de Coimbra, gav. 1,
B. 1, m. 8, n^ 29.) InMuto, voi. m, p. 317 a 819.
A UNIYER^IDADE SOB A DIGTADURA UOKARCHIGA 149
que nSo convinha haver n'este Beyao urna so Universidade.i' D. Af-
fonso y chegou a noinpar o Reitor para a nova Universidadey Mestre
Alvaro da Motta. No come90 da versSo portugueza da Vida de D. IWo
e noticia da fundagSo do mosteiro de Santa Cruz de Coimhra citsi-se o
nome do Mestre Alvaro da Mota, corno o do maior letrado dos Domi*
nicanoB no meado do secalo xv: cE està obra està em latim no lioro
dos erdamentos de santa cruz, e foi -torhada em lingoagem, porqae o
entendesem mait0S| a requerimento de pedre annes prior de podentes,
irmaSo de afonse anes conigo de Santa craz. — ^E està trelada^m fez
de latim em lingoagem mestre aluaro da mota da ordem dos prégado*
rea, o mtdor letrado da ordem, estando em santa cruz com o prior dom
^mes no anno de LV no mes de nouembro.»' Fez-se um silencio abso-
luto sobre o cumprimento da ProvisSo de 22 de setembro de 1450; nSo
>chegou a organisar-se.a Universidade projectada pelo Infante D. Fe-
dro em 1446, decretada por D. Affonso v depoìs da sua morte, e corno
que em sua homenagem. A inflaencia benigna da rainba D. Isabel ces-
sou pela morte d'ella, envenenada, segando a phrase incisiva de Ray
de Fina, qae esteve sempre ao lado do espirito vingador de D. JoSo n.
A fdndag&o de Collegios janto das Universidades é am facto ca-
racteristico desde o principio do secalo xiv, sobretado em Faris, comò se
Té invocado pelo testemanho do Infante D. Fedro. O Dr. Mangancha
comprehendeu o espirito do sea tempo, attendendo aos estudantes po^
bresj a qaem jà acadira D. JoSo i fazendo-os contribuir com a quarta
parte do qae os outros pagavam para o salario dos lentes. O Collegio
de Arras, (1302-1332) fora fandado exdnsivamente para os estadantes
pobres d'aquella localidade que iam frequentar a Universidade. de Pa-
ris; 0 Collegio do pateo Chardonnet, ji dispunha de cem bolsas para
dota(Ao de alumnos; o Collegio de Navarra é dotado pela rainha ma-
Iber de Philippe o Bello, com vinte bolsas para o estudo da G-ram-
matica, trinta para a Dialectica e vinte para a frequencia da Theologia.
Estes Collegios constituem-se pelo seu desenvolvimento crescente em
centros de ensino dementar, comò o typo primario dos Gjmnasios al-
lemAes oa dos Ljceus portoguezes. Victor Le Clerc enumera a longa
lista dos Collegios fandados jonto da Universidade de Paris, destacan-
1 BrandSo, Monarch. Lus.^ P. t, Liv. xvi, cap. 73. Na carta de 22 de setem-
bro, dada em Cintra em 1450, ordena qae para os salarios dos lentes sejam pagos
pelo almozarifado de Coimbra treze mil reaes brancos aos qaartds, desde o pri-
mdio de outubro do aimo segointe.
* Portvgaliae Monvmenta historioa, Scrìptores, voi. i, p. 75.
150 HISTORIA DA UNrVERSIDADE DE COIMBRA
do-se das escholas episcopaes^ das ordens monachaes e das na^Ses
estraDgeiraSy de que se acha vestigios em 1392. As ordem mendicantes
assaltavam estes CoUegios pelo seu parasitismo evasgelico; e porisBO
destinavam-Be elleB especìalmente aos pobres seculares, taeB corno os
' escholares pobres da Sorbona, ob mogos pobres de S. Thomaz e do
Louvre, e em Lisboa ob Estudantes pobres de S. Nicoldo; Le Clero cita
0 coBtuine da eleÌ9So do Reitor, em dia de S. Jvliào o póbre. '
Dava-BO nas Escholas medievaes o nome de Collectum & contrì-
boifSo ou honorario do alnmno ao lente ou mostre de quem recebia as
ligSes; este uso^ conservado nas Universidades^ explica a sua origem,
por que as Universidades surgiram por iniciativa particular; e sob o
poder realy era por causa do Collectum que se coptractava para o ma-
gisterio OS homens de mais saber e nomeada, agrupando-se em volta
da Bua cathedra os estudantes de todas as n&^^Sy augmentando pelo
seu numero este subsidio. Por urna Carta de 6 de fevereiro de 1392
de D. JoSo I ao Reitor da Universidade, sabe-se que «havia todos os
annoB diecordiàs entro os lentes de Leis e Decretaes e os escholares
por cauBa das talhas, que estes pagavam.»^ O rei ordenou ent2k>^
que OS mais ricos pagassem 40 libras, e os outros meoros 20 libras, e
08 mais pobres, 10 libras. Estas questSes repetiam-se com frequencia^
a ponto de em 7 de dezembro de 1415 se fazer um instrumento csobre
a contenda entro bedel e escolares por causa da colheita. . . que em
cada anno se Ihe pagava. . . prefos certos. . . a fora alguns nobres que
pagassem Bogimdo suas pessoas.i ' Este instrumento foi cfeito na es-
chela das leis^ presentes os dìscretos sages varSes Rodrigo Anes, Prior
de S. Pedro de Alèmquer, e JoSo Alpoem reitores^ e Jofto Loiiren^o
licencìado em leis lente ncestudo; FemSo AIvarcB lente de canones,
FemSo Martim licenciado lente de fisica, Qon{alo Anes meBtre de lo-
gica, 6on9alo Domingues mostre em grammatica, Christovam Lopes
e Jo8o Gonfalves conselheiros na Eschola das Leis, e mais deus con-
selheiros por cada escola (fisica e canones, logica e granmiatica).t
N2o obstante estas re8olu98eB repetiram-se as questSes centre o mos-
tre de grammatica e os escolares pela collectait a qual variava segundo
eram tescolares de partes e escolares de regras;^ a obriga98o de pa-
garem coUedum aos mestres estendia^se tambem aos cmo90s familiares
doB escolares que os servem, quando tambem ouviam de regras e de
» Éiat de» Letires au XIV nleie, t. x, p. 270.
* lÀvro verde fl. 68.
3 Ibidem, fl. 70, f.
A DNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 151
autores mendos, salvo se forem as escolas publicas.» ^ Em uina Carta
pafisada em 1412, estabelece-se «para que os escolares de logica, por
ser pequeno o salario do mostre, paguem per annua coUecta, 20 reaes.» '
Os escolares de partes, a Secunda secundae ou a Summa de Sam Thomaz,
e OS de Regras, e de CatSoy Donato e Prisciano, formavam duas classes
rìvaes entro si, corno o confessa FemSo de Oliveira alludindo às zom-
barias entro os Summulistas e os Rhetoricos ^. Na fixa9llo do collectum,
era attendida a circmnstancia da pobreza do escolar, em todas as Uni-
Yorsidades europèas.
O estudante póbre formava uma classe na Edade mèdia; elle pedia
esmola para acudir às necessidades da vida e despezas escolares. Tho-
maz Platter (1499-1582) descreve assim a sua situajSo de estudante:
«tendo adiantado o nosso caminho até Strasburgo, nós encontràmos
n'aquella cidade um grande numero de estudantes pobfes e uma muito
mi eschola. Isto nos fez resolver a partir para Schlestadt. No caminho
nm sujeito nos desanimou, dizendo que em Schlestadt havia uma grande
quantidade de estudantes pobres e poucos ricos. 0 meu companheiro
poz-se a chorar e perguntou-me o que deviamos fazer. Vamos para
Schlestadt, disse-lhé eu, porque li temos . urna boa eschola, e se um
estudante pode ali viver, eu te prometto de nos sustentarmos a nós
dois, por que ninguem conhece melhor do que eu o officio de mendigo.
Achàmos quartel em casa de um cego, e depois fomos ter com o ma-
gister, o celebre JoSo Sapidus.» No seculo xiv tinhamos tambem os es-
tudantes pobres, e ainda no seculo XVi os estudantes honrados pobres.
Quicherat, na Historia do Collegio de Santa Barbara, descreve
està classe dos estudantes pobres ou Martinets: e Formavam os Mar-
tinets està populagSo de escholares sem mealha, muitas vezes sem pou-
sada, que perpetuavam a imagem da barbarie no scio de uma socie-
dade policiada. Contavam entro si individuos dignos de consideraySo,
mesmo de admira9So; rapazes que tinham podido apaixonar-se pelo
estudo no meio da abjec9&o em que tinham nascido. Vinham adquirir
a Bciencia à custa de todos os transes da miseria, vivendo de esmolas
ou do modico salario que elles ganhavam entregando-se aos mais vis
servifos. Porém, em volta d'elles agitavam-se os turbulentos, incapazes
de teda a assiduidade, inìmigos de toda a disciplina, frequentadores de
* « Livro Verde^ fl. 73.
» Ibid., fl. 9.
' No processo de Sanches (Brocense) pela Inquisi^io em 1584, ainda se i»-
Biste n'este caracter : «mordaz corno lo son todolos gramattcos, . • >
152 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
collegios e tambem de tabemas, que se encontravam inevìtayelmente
noB motinsy e muitas vezes em bandos entregaes is maig calpaveis
industrias. A Universidade vexaya-se de ter de reclamar em conse-
quencia das capturas que fazia a policia; ella estatoia que n§o admit-
tiria aos gràos os alamnos que nSlo fossem munidos de um certificado
que attestasse que tinham passado o tempo dos seus estudos em um
CoUegiOi em uma pedagogia ou em casa de algum honrado burgues
da cidade; prohibÌ9So aos professores de receberem martinets nas suaa
classes, e aos bedeis da faculdade de os levar a exaiùe.» ^ A impor-
tancia que os Collegios receberam do meado do seculo xv em diante
pode attribuir- se aos regulamentos a que foram submettidos os Marti-
nets, OS Goliardos da tradi(fto medieval.
Na Peninsula os Estudantes pobres seguiam às vezes a vida men-
dicante, cantando de terra em terra, comò se ve pelas coplas escriptas
pelo Arcipreste de Hita.*
1 But. du CoUege de Sainte Barbe, t i, p. 22. 0 nome de MarUnet vem do
culto grotesco que prestavam a 3* Martinho, celebrado nos cantos latinos dos es-
cbolares, corno se ve nas coIlec95e8 de Du Méril.
2 0 Arcipreste de Hita, cujas poesias foram traduzidas em portoguez e se
guardaram na Livraria do rei D. Duarte, refere os differentes cantares que com«
poz para os estudantes noctumi grasèoiorea e pedintes :
CantMres fts «Iganoi de lot que dUen lot ciegoi.
Et p»r» tieolam que and»n nocherniegos,
là para muebot ontroe por puertas andariegoa.
(y. 1488 e Mg.>
Urna amostra d^estes cantares, traz a rubrìca : De uomo loe Ewolares deman-'
danpor Dioa:
Sefiorei, dat al BMOlar,
Qve Toi bton demandar,
Dat limoma, ó raclon,
Fare por roe oraelon,
Qae Dloe toa de lalTaoion,
Qoered por Dios à mi dar.
£1 bien quo por Dloe fealerdei,
La limoina qne por el dierdet,
Qaando deste mondo eallerdes
Etto yof habra de ayndar.
Quando a Dlos dierdee enenta
De lot algoe, et de la renta,
BMoianroe ha de afmenta
La Umoina por él far.
Por una raoion que dedes,
Voe eiento de Dioe tomedei,
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 153
Eram estes clerigos ou escholares vagabundos^ a quem o povo
hespanhol chamava os SopiaUu, e em Franga Martineta; o costume das
vacagSes mendicantes conservou-se na Hespanha até ao primeiro quar-
tel d'este seculo, em que algons Ttmos chegavam até Portugal trazendo
oosidos no chapéo om garfo e ama colh'ér corno insignias da classe. Kas
Poesias de Alvaro de Brito^ da coUeog^o de Garcia de Resende, allu-
de-se tambem a està classe :
Eatudantea prégadores
metem santas eecripturas
em sermoes,
derìvados em amores,
fazem de falsas figaras
tenta^oes.
Quando virem tal caminho
da ma préga^ào se afastem,
OS qaa onvem ;
dem-lhe todos de fodnho,
taaes metaforas contrastem
e deslouvem. ^
Et eu paraiio entredea,
Ansi Io qaiara él mandar ;
Oatad qae el bien famr
Nunoa ae hade perder,
Podervoe ha eatorccr
Dol Inflemo mal Ingar.
SI Seftor de paraiao
Ohriatna que tanto noa qnlao,
^ Que por noi mnerte priao,
Hat&ronlo Jodlóa.
Mario naeatro Sefior, «
Por aer nneatro Salvador
Dadnoi por él au amor.
Si él aalye i todoa noa.
AoordatToa de an eatorla,
Dar por Dloe en an memoria,
Si él Toa de la aa gloria,
Dad limoana por Dloa.
Agora enqnanto rivierdea
Por an amor aiempre dedea
Et con eato eacaparedea
Del inflemo é de au toa.
{CoUeodon d^ Poeaias castdlanas, de Sanchez (ed. Ochoa), p. 516.)
1 Cane, de Beaende, 1. 1, p. 189.
154 *H1ST0RIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
Sobre estes estudantes prégadores, a que allude o poeta palaciano,
acham-se preciosas referencias nas constituijSes e synodoB episcopaes
desde o secalo xiii, por onde se ve que estavam constituidos em mna
classe mendicante, qué frequentava as tavemas e parodiava os ritos e
prédicas ecclesiasticas. No Sexto, ou as novas Decretaes de Bonifa-
cio vm, condeninam-se os joadatoresj goliardi seu bufones; o concilio
de Colonia de 1301 prohibiu-lhes prégarem nas pra9as publicas, onde
atacavam a simonia de Roma parodiando o Evangelho secundum Mar-
cas argenti, e vendendo indulgencias pelas portas, ou cantando canyOes
latinas dissolutas no gesto das pastorellas populares, durante a missa.
Um dos estatutos do concilio de Treves de 1227 prohibia aos escho-
lares vagabundos e aos goliardos cantarem versos na missa depois do
Sanctus e do Agnus. ^ Nas Ordena95es Affonsinas ha um ataque centra
està Familia Goliae, formada entro estudantes de todas as Universi-
dades: cTodo o clerìguo jo^rraZ^ que tem por officio tanger, e per elle
Boporta a major parte da sua vida, ou publicamente tanger por prefo
que Ibe dem em algumas festas, que nSo sam principalmente ecclesias-
ticas e servijo de Deos; e o tregeitador^ e qualquer outro, que por di-
nheiro por sy faz ajuntamento do povo ; e o Goliardo, que ha em cos-
tume almo9ar, jantar, merendar ou beber na taverna; e bem assy o
bufam, que por as pragas da villa ou legar traz almareo ou arqueta
ao collo com tenda de margaria pera vender; taes comò estes, e cada
huu delleS; usando os ditos officios ou costumes dos ordenados, corno
dito he, per hu anno acabado, ou sondo amoestado por seus prelados,
vigarios e reitores de suas freguezias por tres amoeBta9oes, e n2Lo lei-
xando os ditos officios e maos costumes, passado o termo das tres
amoesta98es, ainda que seja mais pequeno tempo que o dito anno, por
esse mesmo effeito perderà de todo o privilegio dericcd, assi nas pessoas
comò nas cousas, e sito feitos em todo o caso da jurìsdic9So secular.»'
Os cantos dos goliardos constitùiram um genero litterario intermedio
ao povo e aos eruditos; ^ alguns dos themas poeticos, que affectavam a
1 Hiatùirt liUeraire de la France^ t xxn, p. 154.
' Ord. Aff<m»,f liv. ni, tit 15, § 18. Adiante fallaremos de urna comedia de
Golias, representada em Coimbra no meado do seculo xvi.
' TranficreyemoB algumas estrophes do genero, de um mss. do secalo xt :
Mmun «t propotltimi in toberaa mori,
et Ttanin appotltom aiUenti ori,
ut dieant cam yenerint angelornm chori :
Dona alt propltloa iati potatori.
A UNIYERSIDÀDE SOB A DICTADURA MONARCHICA 1 55
fónna scholastica do prò et cantra, chegaram até nós elaborados nas
tradi98ea populares^ tal comò o Dialogus inter Aquam et Vinum^ do
goliardo Gantier Map. ' A este genero de cantares^ a que na velha
poetica proveii9al e franceza se dava o nome de tenson e dispotoison,
lìgavam-se outros ihemas^ comò a disputa entrò a Alma e o Corpo^
entro o Bei e o Papa, entro o CorajSo e os Olhos, em que a paìxSo
da dialectica servia a ezpansSo do genio satirico. A ora$So do Qui-
cumque vult, usada em todas as escholas da Edade mèdia cahiu tambem
na parodia dos goliardos applicada às virtudes do vinho. '
Na Edade mèdia ji se distinguià as duas fórmas de educa9lLo —
a que se dava aos clerigos, e a que constava de exercicios corporaes
peculiar dos jovens fidalgos. ^ Em Portugal satisfez-se estas duas ne-
cessidades por meio dos CoIIegios para os entudantea pohres, corno o
do dr. Mangancha, e mandando frequentar as escolas de Italia aos fi-
Ihos da nobreza, comò vemos pelas cartas de Angelo Policiano dando
conta dos estudos dos filhos do chanceller JoSo Teixeira.
Fertar in onnTlYiam ylniii, Tina, vlnum ;
mascollnam dliplicet, at qae femeninum,
•ed in neutro genere Tìnum e>t diylnum,
loqni faicit aoeios optimum latlnnm.
(Ap. DvL Méril, Foéjnes populaires IcUines du Moyen-Age, p. 206.)
1 Leite de Yasconcellos, no Annuario das Tradiqòta populares portugueaaa,
p. 44, traz nm peqneno estudo comparativo de Un débat chanté entre o Vinho e a
Agua, popnlar em Yorey e em Marlhes-en-Forez, e lunas cantigas de cego, de urna
foiba volante do Porto, por onde se ve a persistencia d^èete tbema vulgarìsado pe-
los goliardoB desde o secnlo zni.
' Transcrevemoe das Poésies jpoptdaires IcUinea du Moyen^Agt^ p. 202, o se-
guìnte canto:
Qoiqnmque vnlt eaae frater
bibat blf, ter et qnaterl
Bibat temei et secnndo,
doneo nihll alt in fnndol
Bibat hera, bibat hemf ,
ad bibendam nemo serual
Bibat Ute^ bibat illa,
bibat tarroM eum anelila I
£t prò Beiro et prò Papa:
bibe Tinom line aqnal
Et prò Papa et prò Bege
bibe Tlnam tine lego.
Haec una est lez baccble*,
bibe&tinm ipet nnica.
3 H. André, No8 MaUre» kier, p. 100.
156 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIBIBRA
Para que se coiihe9a perfeitamente a organisay&o de um Collegio
de estudantes pohrea, transcrevemos em seguida as principaes dispo-
sijSes do testamento do dr. Mangancha, datado de 1447 : cdedaro que
Brranqaa Annes em seu testamento me leixou seus beens, com condì-
9om que eu ffezesse* ho que ella comigo ffalara : ho qae ella commigo,
eu com ella ffalamos e acordamos asy he, que todos nossos beens ffoa-
sem estatuidos e hordenados pera hum Colegio, ffeito nas nossas Como»
de morada da beira de Ssam Jorge^ em nas quaea se recebessem desi Es*
colare» provea de todo, e quatro servidores, sem numqoa ter azemellai
nem besta, avendo pela renda dos ditos beens duas tavolas ao dia, sem
outra consooada, nem cama, nem ali, que nom ffor veguilia, e quando
a ffor, huma tavola, e a nojte consooada; e que os mena liuros sepase^
sem em huma Livraria per cadeas, dentro das ditas cassas: e que todos
08 dias que nom lerem diga hum Capellam dos dez Missa na dieta Ca-
pella, e todolos outros Escolares estem a ella e a officiem se ssonhe-
rem e horem por nossas almas. . . Porem eu asj ho mando, convem a
saber, que nas dictas cassas se hordenem dez cameras, e em ellas se
armem dez leitos de madeira, e dez estudos, affora a salla e cozinha
e despensa e adega, e celeifo pera pam e azeite, e a cassa pera dor-
mirem os servidores: a estrebaria se alugue: E hy sejam rejebidos a
primeira vez dez Escolares jaa Grammaticos, e passantes dez e seis
annos; pero se forem Sa9ardotes, aìnda que nom sejam Grammaticos,
e aprendam Grammatica, recebam>nos por enli^om, sem ffingìto d'Oni-
versidade e de Maria Dias, sem Rey nem Arcebispo, nem outro pode-
roso: e d'esses dez seja hum Reitor do Collegio, e receba teda a renda
per ho mordomo, e per ho escrivfto, que seja houtro dos dez, e lego
ho fa9am ssaber aos oyto, que escrepvam tambem: a primeira vaca-
9om de cada mez de conta a todos, e nas outras vezes ho Collegio
enleja hum, e a Oniversidade outro, sempre alternando, e sem ffrugi-
tos, e rogos, os quaes se se provarem a enlÌ9om nom vaiha: e quando
algum ouver de ser rcQebido primeiro traga a cama sua, em que oti-
ver de dormir, e a leve quando se ffor; pero leize a melhor pe9a que
tever pera ho Colegio: e se hj morrer, ho Collegio Ihe ffa9a a des-
pessa da doensa e do enterramento, e aja pera si quanto hy tever seu:
e ainda ante que seja recebido jure cumprir sempre ordena95es e boons
costumes do Collegio, e sempre Ihe seer ffavoravel, e proveitoso, a
qualquer estado que venha, e que per sua morte leixe alguma coussa
ao Collegio : E cada Escollar come9ante Gramatica, e per conseguinte
nas outras Ciencias, possa estar dez ajinos e ho que ja ffor gramatico
sete, e ho que leixa a Logica cinque, e mais nom : e se algum se lan-
A UNIVBRSIDADE SOB A DIGT ADURA MONARCHICA i 57
(ar a ffolgar, sem continuar o estudo^ à vista da Oniversidade e Cole-
gio, seja Ian9ado fora delle, sem nnmqua jamais tornar: e ho qae ffor
Doutor ou Mestre; ainda que sen tempo nom seja acabado, vase dy a
cinque messees. Nesse Colegio nunqua possam seer re9ebidos ricus,
barrigueiroB; taffuys, bevedos, Tolteirus, guagos, nem doutros maus cos-
tumes; peitudos e de narizea tortos, bochechudos, que teem rossmani-
nhos nos rostos, ainda que sejam boons. Ho mantimento seja per està
guiza: no alqueire de pam se ffagam vinte ra93es de poo de teda ffari-
nha, e nunqua mais, e i messa se popha a cada bum, quer seja mo90;
quer homem, huma ra^om, e nunqua mais, e ho que ssobegar a hums
possam corner os outros, a quem minguar, nem guarde algum ho que
Ihe ssobegar: mas ho mordomo apanhe o derradeiro todo, e leve à dis»
pensa, e semelhante sse ffa9a do vinho, que a cada bum ponham em
Bua pinta, ffeìta per està medida, mea Canada de vinho meado de agua:
da pytan9a, asy carne, corno pescado, a despessa se ffa9a per tal guissa,
que nunqua passe vinte reis cada dia, e se reparta per higual a grande,
e a pequeno. Escolar e servidor. Ho assentamento da messa seja corno
cada bum vier, ssalvo que o Reitor tenha sempre a cabe9eira, e diguase
ora9om*hordenada à entrada, e ssayda, com commemora9am de nossas
aUmas: e ho Colegio proveeraa de messas, banquos, cadeiras, mantees,
pratees, escudellas, ssalvynhas, talhas, e panellas, espetos, grrelhas,
cuitelos de cozinha, e todos outros atavios communs. Os servidores
Bsom estes, bum que seja Moordomo, e tenha as chaves dadega, e pam,
e vinho, e carne, e lenha, e de todas as outras coussas, as quaaes prò-
veera per mandado do Reitor aos do Colegio, e albur nunqua, re9e-
bendo-as, e destribuindo-as per escrìpto; outro servidor seja o Com-
prador e Cozinheiro ; outro levador, acarregador da agua, e varredor,
e levador das 9uguidades à ribeira comuys, e particulares : e estes to-
mem per ssoldada, pero se alguns quigerem bem servir per trez annos,
Bsem ssoldada, possam di endiante ser espeitantes na primeira vagua
de Sscollar, se nelles cabee, comò m'sso dicto he. E outros espeitantes
nunqua possam seer ffeifcos per Papas, nem Rey, nem Oniversidade,
nem Colegio, nem per outra qualquer guisa que seja. Quando conten-
derem os de meu divido, ou os de Brranqua Annes, ou os de Maria
Diaz, minha segunda molher, com outros, estes precedam, e antro sy
estem a emlÌ9on, sse nelles cabe, comò dicto he. Pero Rui de Valldeesi
meu filho naturai, possa ser no dicto Collegio, com seu Ayoo, aambos
em huma Camara, sete annos, re9ebendo ambos ra9om do dicto Colle-
gio, e camaa, e candeas, e de suas moradeas, e beens, se vestam e
cal9em eie., e o al se Ihe ponha em deposyto, e com esses dous nom
158 mSTORIA DA UNIVERSIDADG DE GOIMBRA
pasem dez Escolares. E todo o que ssobegar cada anna das rendas deste
Colegio 86 ponha em deposyto per scrìpto, per rrepartimento das cassasi
e guarnimento dellas, e das posissoees e cassas dellas, e se tanto ere-
96r 0 deposito do Collegio, pera comprar posyssoes, e acre^entar Ea-
coUares. Os Beitores da Oniversidade possam tornar a conta ao Cole-
gioy e constrangeer o Reitor delle, que comprem bem, e fulmine as
posissoSes, e acre9ente nos Escolares, corno susso dicto he.» etc. '
Às Faculdades das Artes, corno o affirma Hamilton, o celebre pro-
fessor de Logica da Universidade de Edimburg, foram a base primeira
das antigas Universidades da Europa;' desde porém, que as Universi-
dades subsistiram por urna vida propria,^ as Faculdades das Artes ou se
destacaram constituindo o ensino dementar, ou se tomaram subalter-
nas das Universidades sob o nome de Collegios. Halmiton descreve
està instituigSLo pedagogica, de modo que nos ajuda a comprehender o
caQO do Collegio do Dr. Mangancha: cO estabelecimento dos CoUegios
foi determinado, nas mais antigas Universidades, pela agglomera9So
excessiva de estudantes que ahi affluiam de todas as partes da Europa.
Està affluencia era grande' sobretudo em Paris, «m Bolonha, em Pa-
lermo durante os seculos xii e xin. Ella occasionou n'esta cidade a
raridade das habitajSes, e consequentemente o augmento dos alugue-
res. Os estudantes pobresy e d'estes era o grande numero, achavam-se
na mais triste situa9So. Pessoas caridosas querendo p8r cobro a este
grande inconveniente, nSo acharam outro meio senSlo arranjar casas
para agasalhar um certo numero de estudantes durante o tempo dos
seus estudos, e preserval-os assim tambem do contacto dos costumes
corruptos do tempo dando-lhes inspectores. Estes primeiros estabele-
cimentos foram imitados dos hospicios (HospUia) que as ordens reli-
1 Ap. Diss, chronolofficoB de J. Pedro Bibeiro, t. n, p. 252. Dee. n.<^ xvi, com
data de 4 de Janeiro de 14i8. Thomaz Platter (1499-1582) descreve este caracter
dos estudos do seu tempo: cNesta epoca as escbolas eram poucas e m&s. N&oha-
via livros impressos, e era preciso escrever sob o dictado do mestre o que se pre-
tendia saber dos auctoree.» Como se ve, o mostre era, ainda depois da descoberta
da Imprensa um lenttn Nas escbolas da Edade mèdia os estudantes mais novps
eram cbamados Cagadores e esta^am sob a protec^&o dos mais velbos, que eram
denominados BacchanUs; estes ensinavam-Ihes os primeiros rudimentos, e os Ca^a-
dores tiravam esmolik para prover ao sostento dos Bacchantes. Na Universidade
de Coimbra ainda ba a tradi^So do Veterano, o estudante que protege o NovcUo,
e a pbrase Andar à lébre é um vestigio do antigo costume de procurar sustento
à custa de alguem.
* Fragments de Philotophie^ trad. de Peisse, p. 274.
A UNIVERSIDADE SOB A DIGTADURA MONARGHIGA 159
giosas conservavam nas cidades de Universidade, para os seus mem-
bro8 qae ali residiam comò mestres ou corno escholares. Juntou-se de-
pois à moradia o sustento. Com a in3pec9So moral, havìa tambem urna
disciplina litteraria, mas sempre sabordinada aos estudos publicos. Os
membros d'estas pobres communidades ali achavam livros^ qua nSo po-
diam entSo ser adqairidos a nSo ser pelos ricos.
cFoi d'estes primeiros estabelecimentos que sahiram os CoIIegios
annexos às diversas Universidades da Earopa. Em Paris adquiriram
depressa urna alta importancia. Os seas regentes eram algumas vezes
nomeadosy sempre subordinados e dirigidos, e exclusivamente destitui-
dos pela Facaldade a que pertenciam. As liySes dos CoIIegios foram
muitas vezes assemelhadas às que se davam nas escholas publicas da
Universidade^; formavam tambem outras tautas pequenas Universida-
des ou fragmentos de Universidade. Foi no curso do seculo XY que se
operou em Paris està uniSo intima dos CoIIegios e da Universidade.
As grandes Faculdades de Theologia e das Artes tomaram-se exclu-
sivamente coUegiaes, e a Faculdade de Theologia de Paris acabou por
se absorver inteiramente na Sorbo nna.» '
Nos estudos portuguezes o Collegio fundado pelo dr. Manganella
corresponde ao phenomeno da protecgSo dada por particulares aos estu-
danfes pobres; porém o caracter dos Hospitia das ordens monachaes
é que vem a prevalecer no nosso systema pedagogico^ comò se ve pe-
las Escholas do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. N'este mosteiro,
OS CoIIegios eram tres; dois d'elles eram verdadeiramente fragmentos
de Universidade, e o outro consistia em uma simples Faculdade de
Artes. O primeiro Collegio de Santa Cruz tinha cadeiras de Theologia
especulafiva, de Morale de Escriptura sagrada e de Canones; o segundo
Collegio conhecido pelo titulo de S. JoSo Baptista, ensinava as Leis,
a Medicina e a Mathematica; o terceiro Collegio de titulo de Todos os
Santos, ou dos esiudarUes honrados pobres, tinha as cadeiras de Artes,
Eketorica, Grammatica grega e hebraica. ' Com o tempo estes CoIIegios
foram incorporados na Universidade de Coimbra; depois que a Uni-
versidade se fixon definitivamente em Coimbra depois de 1537, todas
as ordens religiosas estabeleceram CoIIegios n'aquella cidade.
Os CoIIegios tomavam-se uma necessìdade nSo s6 para os estu-
dantes pobres, comò para concentral-os em corpora95es que os disci-
1 Halmiton, op. eU.f p. 277.
'^ D. Nicolào de Santa Maria, Chr. dos Conegos Begr.^ t. ii, 300.
160 HISTORIA DA UNIVERSIDÀDE DE GOIMBRA
plinassem na sua turbolencia. Em Portugal os ColIegioB ficaram inteira-
mente absorvidos pelas ordens monasticas, sendo para alli qae a aria-
tocraoia portogueza mandava ob seus filhos, pela eonfus&o que ainda
hoje persiste entre a educa^So e a instraC9fto. Os Collegios de Santa
Cruz de Coimbra^ onde o de Todos os Santos era para os esiudanteg
honrados pobres, é que primeiro se ligaram A vida da Universidade
quando foi transferìda para Coimbra. Até à extinc^So das ordens mo-
nachaes em Portugal em 1834^ os Collegios ou a in8truc9So secundaria
fez-se sempre nos mosteiros; a educaf&o de Alexandre Herculano foi
ainda no Collegio do Espirito Santo dos padres das Necessidades, ou
da Congregasse do Oratorio. O facto goral explica-se pela supremacia
que a Theologia veiu a ter na Universidade, onde ainda hoje conserva
a precedencia honorìfica a todas as outras Faculdades. ^
A interven^So do Infante D. Henrique nos negodos da Univer-
sidade de Lisboa deu em consequencia ficar a sua administrasSo en-
tregue ao Mestrado de Christo, para o pagamento do salario do pro-
fessor de Theologia. O Mestrado foi incorporado no rei.
No testamento do Infante D. Henrique, de 13 de outubro de 1460,
acha-se confirmada a dotaySo da cadeira de Theologia: dtem ordeno
e mando q o lente da theologia da catedra de prima, aja em cada hum
anno pera sempre doze marcos de prata, por a primeira renda dos di-
zimos que a ordem de christos ha na Uba da Madeira, pelle qual farà
o principio no estudo, e dira certas missas e pregaySes segundo faz de-
clara^om na carta minha que Ihe dolo leixo. E osto em renenbran$a
da doa9om que Ihe fiz das casas em que estaa o dito estudo.»^ Està
pensfto foi aoceite por bulla de Sixto iv, em 1472, entfto jà convertida
em doze talentos.
A phrase /ard o principio no estudo, quer dizer, que encarregava
0 lente de Theologia de fazer o discurso inaugurai ou Ora/fSo de Sor
piencia, que no seculo seguinte é desempenhada pelos Mestres de Ar-
tes. Na Carta de 22 de setembro de 1460, a que allude o testamento,
1 Por bulla do Papa NicoUo t, de 26 de junho de 14&8, a cadeira de Theo-
logia dos Franoiscanos, de Lisboa, é inoorporada na UniTersidade, podendo n*Qlla
gaardar-se os seus rùtores e mestres. Na Universidade de Salamanca as cathedras
de Theologia sé foram institoidas no fim do seculo xiy; concedeu-as Benedicto xm,
para n'ellas se estadarem as doutrinas thomistas e scotistas.
^ EUite testamento foi pela primeira ves publicado pelo marques de Sousa
Holstein, no seu estudo A Eachola de 8agre»y de p. 81 a 86, extrahido de um ms.
da BibL nac
A UNIVERSipADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 161
eetabelece tambem o primoiro Prestito da Universidade em honra da
sua pesBoa: cPor ende eu mando, e ordenO| rogo, e encomendo todolos
Mestrea e Govemadores, que depois de mim a està Ordem veerem,
qae por a primeira renda dos dizimos, que a dita Ordem ha na minha
liha da Madeira para sempre em cada hum anno por dia do Natal
mandem dar,' e dem ao Lente da Theologia da Cadeira de Prima no
eatado da Cidade de Lisboa doze marcos de prata, polos quaes os Len-
tea que a dita Cadeira teverem, hSo de fazer estas cousas a suso escrì-
tas: Prìmeiramente farSm o principio do eatiido. E ante que a elle en-
trem, depois que esteverem na cadeira, lerà altamente, qùe o ou9fto os
que arredor esteverem, a^carta que eu dei ao dito estudo da paga des-
tes doze marcos de prata. — E tambem sera theudo ir à Santa Maria
da Gra9a, que é no mosteiro de Santo Àgostinho da dita cidade, por
dia de Santa Maria da Ànnuncia^om, que ha a vinte e cince dias de
marfo, e hi dird missa cantada e prega9om. E em oste dia devem ir
sempre em cada hum anno com elle os Bectores, Conselheiros, Lentes,
a todolos outros escolares do dito estudo em sua ordenaki$a, segundo
costume ao dito mosteiro, por encomendar minha alma a Deos em re-
membranga da doa9om que Ihe fiz das casas em que està o dito es-
todo.» ^ Este encargo cumpria-se Suo prestito juramento, e d'aqui veiu
o conyerter-se a fòrmula em designa92Lo do acto praticado por toda a
Universidade, quando ia em Prestito a Santa Maria da Graya.
E para notar que o Infante D. Henrique se preoccupo no seu tes-
tamento das varias capellas que institue, com missas por sua alma e
proclamaffto solemne dos beneficios que fez à Universidade dando-lhe
casa, e nSo se refira às emprezas de descobertas maritimas, com que
o glorificam. Em vez de dotar ou salariar uma cadeira de Cosmogra-
phia ou Nautica, subsidia uma cadeira de Theologia, jà esistente, a
de prima, que era salariada. Muito antes de 1460, tinham os Fran-
cis oanos obtido do papa Nicolào v concessSo para incorporarem na
Universidade a sua cadeira de Theologia, e poderem n'olia receber o
gràiO de Mestres; seria uma cadeira pequena ou cathedrilha, porque
a nova cadeira instituida por D. Manuel foi denominada de vespera.^
Durante o seculo xv a Universidade de Lisboa, dotada pelos reditos
1 Braiid2o, Monarek. lusit, P. y, Append. Escrìpt. zxvi.
* Ab cathedras grandes eram denominadas de Prima^ Veapera, Terga e iVba,
seg^oindo a mesma divisào das horas canonicas applicadas nos estudos* Jonto das
cadeiras grandes fimccionavam tambem as cathedrilhas, que eram temporarìas.
BIST. mr. 11
162 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
de doze egrejas parochiaes, e com a incorporasse doa rendimentoa de
casas^ egrejas, terras, pinhaes, e garantidòs os seus lentes com a apo-
sentas^o por impossibilidade physìca com dois teryos de ordenado, ar*
rasta urna existencia obscura, indo a principai aristocracia portogaeaa
frequentar as escholas de Santa Cruz de Ooimbra ou os philologos de
Italia e de Paris.
O conflicto entre o poder papal e o poder real no ensino publioo
europea revela-se, além do interesse das dotagSes e do edpirito da
doutrina pedagogica, na propria organisasSo economica escolar. Existe
urna distinc$So radicai entre os titulos de Estudo geral e de Dhiver-
sidade empregados simultaneamente nos documentos historìcos; a desi-
gnafSo de Univeraidade era mais sympathica aos papas, e a de Es^
ludo geral accentua-se de preferencia nos documentos officiaes da rean
leza. Victor Le Clerc, descrerendo algumas phases d'este conflicto es-
creve: f Clemente v hayia empregado, além da palavra Estudo geral
a de Uuiversidade; o rei (se. Philippe o Bello) n2o reconhecia senio
0 primeiro titulo. Uma bulla de JoSLo xxii, tambem discipulo da mesma
escóla (de Paris) persiste, em 1320, a chamar-lhe Universidade; as Or-
denan$as continuam a prevalecer sobre as Bullas; etc.» * Nos primeirOB
estatutos do rei D. Diniz, diz-se qùe inaugura o Estudo ge/ral na Ohi*
versidade que trasladàra para Goimbra; no preambolo da reforma d'el-
rei D. Manuel, lè-se: que aos illustrissimos reis de Portugal fundaraml
um Estudo geral n'esta cidade de Lisboa e o dotaram de rendas,» e
em seguida confunde os dois termos sobre a colloca^fto do edito £9-
tudo e Uhiversidadeit em Lisboa. Està conftisfto corresponde effectiva-
mente ao facto que se deu em Portugal^ em que 0 ensino superior
ficou sob a influencia exclusivamente elencai emquanto às disciplinas
litterarias, e em que a administra9So pertenceu indiscutivelmente ao
centralismo monarchico. A Egreja comprehendeu que o desenrolvi-
mento extraordinario das Universidades significava a manifestaySo de
uma nova fórma do poder espiritual que se fundava na Europa^ e por
isso tratou de apoderar-se d'essas novas institui^Ses. O poder real, pdo
ensino do direito romano nas Universidades, via qué era esse o meio
de alargar o seu poder temperai, estabelecendo uma legisla$fto superior
aos privilegìos senhoriaes e ecclesiasticos, e tornando-se 0 centro de toda
a esphera civil. Cada um d'esses dois poderes via 0 problema pelo seu
lado particular, vindo a ficar as Universidades verdadeiramente atra-
1 État des LeUres au XIV* siede, 1. 1, p. 278.
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 163
aadas, debatendo-se em qaestSes inuteìs/ emqaanto se ia creando um
estado scientifico na Europa, depois da Rena8cen9a, e pela ac9fto des-
protenda de certas individaalidades iniciadoras. E principalmente no
secalo XVI, que se dà. nas Universidade o conflicto doatrinario do es-
pirìto clerical e secular; no secalo xv o conflicto entro o poder papal
e real versa qaasi sempre sobre prerogati vas e intervenivo economica.
Em Portugal o proprio monarcha D. Affonsov para resistir i animad-
▼ersSo do clero centra a bulla de Sixto iv, que concedia & Universi-
dade ama conezia por cada diocesse (1474), entrega-a & administra9fto
do bispo D. Rodrigo de Noronha, nomeando-o Protector e Oovemador
do Estuato d'està cidade de Lisboa: ctenho por bem e me praz e Ihe dou
daquy em diante que elle tenha carrego de Q-overnador e Protector
por mjm do Estndo e Universidade de minha Cidade de Lisboa, com
poder de dar Officios e Cadeiras e fazer todallas outras cousas geraes
e spedaes acerca dello asy comò eu mesmo o ffaria se por mym re-
gesse e governasse. » ^
Depois do Infante D. Henriqae succedeu-lhe comò Protector da
Universidade o infante D. Fernando, irmSo de D. Affonso v; parece
que terminou n'elle o poder que a Universidade teve de escollier Pro-
tector, por que o rei D. Affonso v apparece com essa dignidade, que
transmitte por nomea^So a seu sobrinho o bispo de Lamego D. Ro-
drigo de Noronha, o qual tendo-a renunciado passa o titulo de Prote-
ctor para o cardeal D. Jorge, eleito pela Universidade sob indica9fto
do proprio monarcha. Quando a dictadura monarchica se achou no seu
periodo mais intenso sob D. JoSo ii, foi oste monarcha Protector da
Universidade, ficando este titulo em todos os reis que se Ihe seguiram,
e acabando assim a livre eleÌ9So dos Reitores, e a escolha dos lentes
pelo corpo escholar. A Universidade ficou completamente sob o Poder
rea!; e se em- principio foi iste um progresso em quanto à incorpora9So
da Instmc9So publica sob a direcgSo do Estado, foi praticamente urna
calamidade, por que d'esse excesso de interven9So do poder tempora!
sobre as cousas do espirito resultou o ser entregue a Universidade
sem resistencia & absorpgSo theocratica dirigida pelos Jesuitas.
Os litigios premo vidos pelos vigarios das egrejas annexadas àUni-
rersidade de Lisboa prolongaram-se até 1461, em que Pio n interveia
oom urna bulla impondo perpetuo silencio sobre taes demandas; mas
08 interesses materiaes foram mais poderosos, e o clero contìnuoa a
^ Carta de 23 de agosto de 1476. Ap. Provas da Hist. gtn$al,^ t. ii, p. 13.
164 HISTOiOA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
resistir centra a Universidadei que se achava em urna deplorare! bì*
tua^So economica. Em 1453 oa Franciscanos, que ainda conserrayam
o excluBivo do ansino da Theologia nos seus conventos, obtireram ama
bulla de Nicolào v para os seus Mestres serem inoorporadoa na Uni-
versidade e os seus alumnos graduarem-se niella; era propriamente os
aalarios das cathedraa de Theologia o que attrabia para a Unirersidade
OB Mendicantes. Fora da Universidade havia urna deoadencia absoluta
do ensinOi e o clero cahia no mais deploravel analphabetismo. D. Af>
fonso Y pedo ao papa Sixto iv a cedencia para os lentes da Univer^
ùdade de ama conezia em cada uma das sés do reino, e que os bispoa
qpando nSo tivessem bona mestres de Grammatica e Logica contri-
boissem com as rendas equivalentes a um canonicato. Sixto rv oom-
prebendeu a necessidade do ensino e expediu a bulla aos 20 de dezembra
de 1474| lamentando o estado em que se achava a instrucfSo do clero
portuguez cea propter fere cmnea rectorea ecdesiarum Orammatìeam
neadebant.i^ ^ Os bispos e cabidos resistiram centra a bulla de Sixto iv,
e capitaneados pelo bispo de Lisboa, o astuto D. Jorge da Costa, prò-
pozeram ao papa uma substituìgSo, adoptando o processo da antìga
annexaySo de uma egreja em cada dioceaei que nunca cumpriram, ob-
tendo a revogaf&o da buUa por outra de 1475. N'estas difficuldades
D. Affonso V nomèa Protector da Universidade seu sobrinho, bispo de
Lamego, D. Rodrigo de Noronha, para tratar de uma tSlo complicada
negocia9So, e ser o executor da bulla; e para vencer a reluctancia do
clero, indica & Universidade que eleja seu Protector o proprio D. Jorge
da Costa (cardeal de Alpedrinha), o que foi levado a effeito em 8 de
mar90 de 1479. ' Quando d'ahi a pouco a dictadura monarchica se exer-
ceu pelo caracter implacavel mas justo de D. JoSo n, o cardeal de
Alpedrinha, comò um dos grandes potentados que reagiam centra a
1 D*aqai yem a origem das duaa prebendaa nas Cathedraes, providaB em
Mestres em Theologia (conesia magistral) eDùuioTeu em Canones onhéBfooneda
douiond,) Quanto & ìgnorancia do clero, basta consìgnar o facto da Provisio de
1460 do Vigano geral de Braga oonfirmaodo JoSo Yasques, conego do mosteiio
de Villa Nova de Moinha em piior do mosteiro de S. Miguel de Villarinho com
dUpenàa da conatituigào gue prokibe dar o governo do motteiro a quem n&o ècivker
ler, cantar e entender ao menoe aopéda tetra (latim.)» (Catalogo doe PergcmMòà
do Cartario da Umvereidade de Coimbra^ p. 65.)
^ D. Affonso V nomèa protector da Universidade D. Jorge da Costa, cardeal:
«Por ser creado na dita Universidade corno por seer sempre zeloeo e amador da
aoiencìa, homem letrado e desejador do bem e accrescentamento do dito Estado.»
(Ap. Cuidadae UtierarioB, p. 247.)
A UNIYERSIDADE SOB A DIGTADURA HONARCHIGA 165
«nctoridade real, fugiu de Portiigal. Sómente sob o goyemo de D. Ma-
nuel, e por breve de Alexandre vi de 23 de jonho de 1496, é que a
pendencia se resolveu, adoptando o clero o systema da Egreja de Hes-
panha, contriboindo para a Universidade. com as conezias magistraes
e conezias doutoraes, vindo a sua apresentay&o a ser urna prerogativa
da corda, desde a regencia de D. Catherina.
O espirito de independencia contra o poder real com que o Infante
D. Henrique exerceu a dignidade de Protector da Universidade, ma-
nifesta-se em urna singular coincidencia; no mesmo anno em qne a
Universidade de Lisboa teve casa propria, estabeleceu tambem para si
novos Estatatos, por que se regeu ainda quarenta annos.
Os Estatutos que a Universidade formulou para seu governo em
16 de julho de 1431 contém abreviadamente as seguintes clausulas:
Constava o anno lectivo de citò mezes.
Tornava o grào de bacharel o que frequentava durante tres annos,
defendendo conclusSes publicamente (exame geral e final.) Na Univer-
sidade de Paris este exame era denominado Tentativa.
Admittiam-se aos gràos os estudantes das Universidades estraa-
g^eiras, lendo tres lifSes successivas com venia dbs lentes.
S6 OS bachareis eram admittidos ao acto de licenciado, frequen-
tando um quarto anno, e defendendo concIusSes que se affixavam du-
rante ciuco dias nas Escholas, argumentando os doutores que quizes-
sem. No caso de frequentar um quinto anno, e lendo por quatro annos
na Universidade, dispensavam-se as concIusSes.
O acto para licenciado fazia-se na egreja, tirando ponto de ma-
nUL e sustentando-o de tarde ante os lentes, reitores, cancellano e H-
cenciados que serviam de substitutos; * o gr&o era conferido pelo can-
cellario, seguindo-se urna refeifSo aos lentes, & custa do graduado, 6
propinas a dinheiró.
O que tornava o grào de Magisterio, ou doutor em Theologia, fa-
zia acto solemne de vespera, sobre uma questXo proposta pelo pren-
dente, sondo ai^mentado por quatro doutores; era o acto de Vespe^
riaSf e o defendente era chamado o Vesperisando.* 0 grào dava-se na
«egreja, no dia seguinte, vindo o doutorando entro charamellas e varios
^ Na Uniyersidade de Paris as theses de Lieenciatara eram denominadas
Menar ordinaria, Maior ordinaria e Sorbonica^ a quo entro nós se chamava Au^
guitiniana.
< Além do acto de Vaperias, que se fazia das 8 às 6 da tarde em Paris, ha-
via tambem a Aulica dcpois de recebido o barrete, e a Reaumpia para fruir oa
emolumentós de doutorado.
166 HISTOBU DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
doutores ouvir a missa do Espirìto Santo; pagas as propinas de bar»
retes e luvas^ o doatorando recebia o grào e pagava um jantar aos leu-
tesy e no dia segointe os escholares faziam urna cavalgada em que acom-
panbavam o novo doutor. (Era o victor, tambem usado em Salamanca.)
Estabelece-se a fórma de joramento ao receber o grio; as prece*
dencias entre mestres^ licenciados e bachareis; ordena a fórma talar
para as vestes dos lentes, sondo mais curtas as dos estudantes; e de-
termina que OS estudantes nSo tenham mulheres em casa (as antigas
focarias), nem cavallo o\jl cSes de ca9a. Foi o ultimo Estatuto que a
Universidadé fez por sua iniciativa; o de 1471 foi-lhe dado pela aucto-
ridade real, corno todos os mais que se Ihe seguiram.
D. Affonso V, por alvarà de 12 de julho de 1471, estabeleceu um
novo Eegimento ou Estatuto para a Universidadé de Lisboa, em que
0 poder real exerce a sua interferencia immediata:
cNos ElRey iazemos saber a vos Rectores e Gonselheiros do Es-
tudo desta mtiy nobre e sempre leal Cidade de Lisboa, e a quaeesquer
outros, a que osto pertee9er, e oste Alvara de Regimento for mostrado,
que nos avemos por bem, e proveito do dito Estudo, que d'aquy en-
diante sse tenba neelle està maneira que sse segue.
Item primeiramente aserca da eUeÌ9am dos Reitores mandamos,
que se tenha està maneira: em o come90 do Estudo os Estudantes ssos
da EscoUa dos Canones, per juramento dos avangelhos, que Ihes sera
dado per os Rreitores do anno pasado, com o Bedeel escolheram qua-
tro continuus da dita Escolla, que Ihes pareyerem mais perteecentea^
per ydade e costumes e 9Ìen9Ìa e vallia, pera sse delles emleger bum
Rreitor, e per esto modo as Escolas das Lex escolheram outros qua^
tro, e ellectos assy todos oyto, os Rreitores do anno passado com o
Bedeel daram juramento a cada huum Escollar per ssy ssos, que en-
leja outro, que parecerem mais aptos em costumes, 9Ìen9Ìa e hidade^
e vallia, pera seerem aquelle anno Rreitores, e assy acabaraa de to-
rnar todas as vozes dos Escolares, que segundo costume ssooem de dar
voz em elleÌ9am de Rreitores, e tomadas asy as vozes dos Escolares,
per este modo tomaram as vozes dos Leentes, e Gonselheiros, e todo
assy acabado, os que mais vozes teverem sejam electos por Rreitores^
com tanto que os electos sejam continuuos em hirem aas lÌ90oeens.
Item mandamos, que a elleÌ9om dos Consselheiros sse £Bi9a per
està guissa: os Escollares ssoos de cada EscoUa per juramento, que
Ihes sera dado per bum Reitor ji ellecto, com o Bedel, elegeram deus
Escolares mais entendidos, e antygos, e continuus, pera aquelle anno
seerem Gonselheiros.
A UNIVERSIDAOE SOB A DICI ADURA MONARCUICA i67
Item, aa mateiìas que oa Leentes de cada Escolla oaverem de
leer pello anno, aeram eacolheitaa asoo per vozee doa EscoIareB.
Item, 08 Leentes leeram segando o Eatatuto ataa Santa Maria
dagOBto, e leerom per Relogìos o tempo qae he ordenado, e Bedeel
comprara oa Belogioa do dinheiro da Universidade, e os ConeelheiroB
teerom cujdado de teerem ob Relogioa e de os guardar, e aae per sua
negligenoia os Relogioa sse perderem ou quebrarem, etlea seram obrì-
gsdos de aa sua cnsta comprarem ontroa.
Item, DB Leentea da Prima de Dereito, aegundo o Estatuto, Earam
cada hnnm anno dnaa, duas, Repeti^ooens, e nom nas fazendo em pena
Ihe seja deacòntado por cada lioma Repetìgam ^em, gem, rreis de sau
Ballano, e pera os dictos Leentes poderem estudar as dictas duas Re-
petigooes, possam leer dous mezes per sobestituto, posto a contenta-
mento doB Escolares, a saber, por cada buma Eepeti^m hniim mez,
Item, a Missa que ese diz na Capclla das Escollaa, ase cometari,
de dizer em nascendo o boU, e acabada de dizer os Leentes da Prima
Beram prestes pera come^arem a leer suas li^ocene.
Item, em comedo do estudo, anteB de oa Rreitores seerem electoa,
o Bedeel de sseu ofBcio leera este Re^mento a todos os Leentes e Ea-
cotares.
Item, as fantas, que fezerem os Leentes, e queremos que sejam
pera corregimento das Escollas.
Item, mandamoB que se escrepva este Regimento, e Mandado
DOSSO, com todoUos outroe noseos, e terminB90oens, que sam feitas per
08 Rreitoree, no Livro doa Estatutos, e Frìvilegioa. E porem vos man-
damoB qi;e may inteirameote conpraaea e guardees e fa9aaes conprir e
guardar este Regimento, comò ueelle he contheudo, por que aesy o ba-
vemoB por serrigo de Deus, e dosso, e bem d'essa Universidade.
Ffeito em Lisboa xii dìas de Julho: Antam Oon^alves o fez, anno
de mil ccccLxxi. — Rey ■ ) ■ — Regimento do Estudo.» *
NoB documentoa da Univeraidade de Coìmbra ha referencias a mais
' Apud J. P. Ribeiro, ZKw. ehron., t. n, p. 258, ed. 1810. Doc. n.»
Licro dot Etlatulot e PrivUegioi é o qne se eliamou antigameote Lit
ter ama capa de velodo d'osta c6i. £ urna copia eem aatheoticidi
Vasco de Avcllar, escolsr em dìreìto canonico, e teiminada em 20 de
Comprehende docomentoB de 1288 a 1450; uà encodemacio moderni
Copia* dot EtorvptUTO» inlerettanitt à Universidade mandadat tirar ^
l'ornando. Gabriel Pereira fez un indice dos documeatoa contìdoB i
d'eite lirro; vem do Boleiim de BUiiographia fortugueia, p. 226 a \
168 (USTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIHBRA
do que um Reitor ao mesmo tempo, e & differen9a entre o Beitor e o
Cancellano. Este facto nSo comprehendido pelos investigadores, corno
FìgueirSa, explica-se pélo daplo espirito secular, que elegia um doe Rei-
tores, e derical, que se representava pelo Cancellano, e pelo privilegio
dos bispos conferirem os gr&os academicos. Victor Le Clerc accentua este
antagonismo na Universidade de Paris, o tjrpo fundamental de todi»
as Universidades da Europa: cOs reis, que a principio nfto Ihe tinham
concedido senSo um apoio duvidoso e percario, desde que perceberam
que for^a havia para elles n'esta associa9Ìlo nova, tomaram-se os seus
amigos declarados, emquanto que os papas, seus primeiros e mais ar-
dentes promotores, nSo tardaram a ter medo d'ella, a affastarem-se, a
combatel-a, até q^e, mesmo nos ultimos momentos da sua existencàa,
o Cancellano da egi-eja de Paris, encarregado, comò representante da
auctoridade pontificia, de instituir os licenciados da grande Eschola, e
da qual as pretenfSes iam até a reclamar ali urna especie de presiden-
eia perpetua, n&o cessou de a perseguir comò inimigo, jà que nSo a
podia guerrear corno mostre.»^ Na Universidade de Lisboa preponde-
rou o espirito clerìcal, por isso que elle invadira o poder temperai;
mas ainda assim os principaes Estatutos, comò os de D. Manuel, e as
reformas de D. JoSLo m fizeram-se jà sem a dependencia do Papa, ao
passo que a Umversidade de Paris so cbegou a ser reformada por ex-
elusiva auctoridade real depois de 1600.' A coexistencia de dois Rei-
tores para govemarem a Universidade, comò se encontra em muitos do-
cumentos do seculo xiv e xv^ é um facto resultante da organisa^So do
Estudo goral, em que o Diretto civU e o Diretto canonico eram as dia-
ciplinas fìmdamentaes, cujos gràos doutoraes eram dados, o primeiro
pela auctoridade do Rei, e o outro pela auctoridade do Pontifice. Os
dois Reitores eram eleitos separadamente por estas duas popula$5es es-
cholares, que obedeciam a auctoridades differentes. Este costume foi
renovado por D. Affonso v, por Carta de 13 de abril de 1469. Acha-
mos eleitos simultaneamente dois Reitores em 1397: Vasco de Freitas
e Diego Affonso rectores;' em 1415: Rodrigo Annes e JoSo Alpoim
reitores;^ em 1469 a confirmay&o d'este uso por D. Affonso v; e em
1481 JoSo Foga^a e Gon$alo Annes, Reitores. ^ Por Carta de 12 de ju-
1 État des Lettre» au XIV siede, t. z, p. 262.
*Ib., p 278.
» Livro Verde, fl. 63 y.
* Ib., fl. 70 y.
^ Hist, do Munieipio de LièboOf 1. 1, p. SSè.
A UNIYERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHIGA 169
Iho de 1476 sabe-se que a Universidade representava a D. Affonso v
para qne houvesse nm so reitor, para facilitar o expediente dos nego-
GÌo8 eacholares; foi encarregado o bispo D. Rodrigo de Noronha de re-
solver conjunctamente com a Universidade, persistindo aioda o costarne
em 1481 1 corno acima vimosi signal de que os Canonistas reagiram
contra a àbsorpf&o da sua independencia.
A dependencia completa da Universidade à auctoridade real é um
fitcto relacionado com a submissSo da nobreza à mesma dictadura tem-
perai. A nòbreza tomou-se palaciana e serventuarià da realeza; a Uni-
▼ersidadci comò corporafSo regulamentada pela auctoridade soberana,
servia-lhe de apparato e ostentafSo nos actos publicos. No Auto de ac-
clama9So de D. JoSo u, em 1 de setembro de 1481, citam-se comò
^resentes: cE scendo hy J.^ Fogasa e G.® Anes rreitores da universi-
dade do estudo desta 9idade, E com elles acompanhavam o le9emc^ado
1)ertoIameu gomez, e o doutor J^ Vaaz da porta nova, E o Ie9em9eado
femam rroiz E mostre Joane leente de fissica, E outros mùytos bacha-
rees e escollares congregados em nome da sua universidade.»^ 0 que
a principio poderia parecer urna homenagem, tomava-se agora uma
obriga9fto para a Universidade: cAa porta da see, ou de qualquer Igreja
a que el Rej de9er, quando entrar na 9idade> asy no lugar que Ihe pella
•fidade sera ordenado, estara todo o collegio da universidade ordena-
damente per seus graaos, segundo antro sy tem per ordenan9a. E asy
a pessoa dantre elles que farà a arengua a ElBey, segundo he cos-
tarne, p' Os Jurisconsultos, que demoliram systematicamente a Edade
mèdia feudal, arreiavam-se com o titulo de Condes Pciatinos^ comò ve-
mos em, Vasco Femandes de Lucena, chanceller da Casa do Civel,
Desembargador do Pa90| que recebeu esse titulo nas cortes estrangei-
ras onde andou comò embaixador. Comte fala da cincapacidade orga-
nica que caracterisa os legistas assim comò os metaphysicos, egual-
mente reservados, em politica e em philosophia, a operarem simples
modifica98e8 criticas sem nunca poderem fundar cousa alguma.»' Os
aeculoB XIV e xv apresentam o quadro da elabora9&o social e mental
que dissolve o velho regimen theologico-militar sem comtudo existir o
predominio de uma doutrina ou ponto de vista sy stematico. Os Legis-
1 livro II de el-rei D. JoSo ii, fi. 1. Ap. ElemetUos para a HiOaria do Mu-
nicipio de Lithoa^ t. i, p. 339.
* Regimento de 30 de agosto de 1502. Ap. EUmentospara a Hiatoria do Mu-
9deipio de Lisboa^ t. ii, p. 390.
' Court de PhiloàopMe positive^ t. ▼, p. 343.
170 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
tas, oriundos do Feudalismo; transformam-se so firn do seculo xv em
Jurisconsultos humanistas, no seculo xvi em Chancelleres e EscriySes
da Puridade; do seculo XYii em Diplomatasi nos seculos xvm e xix em,
MinistroS; mas sempre prìvados da darà concepySo das fórmas definì-
tivas do poder temporal. Pelo sea lado, os Metaphysicos ou Ontologis-
tas do seculo xi a xin, emergindo do Catholicismo^ transformam-se nos
seculos XIV e xv nos Philologos ou Humanistas, nos seculos xvi e xvn
em PhilosophoSy no seculo xvin em Litteratos, e no seculo xix em Ideo-
logos politicos e JdmalistaSy dispendendo a actividade montai em urna
critica dispersiva e negativa, impotentes para estabelecerem o accordo
das intelligencias. Tanto os Legistas comò os Metaphysicos contenta-
ram-se em renegar a Edade mèdia, uns imitando os.codigos romanos,
e 08 outros admirando os exemplares da litteratura hellenica e ado-
ptando 0 latini corno a lingua dos espiritos cultos.
A Renascen9a classica, cujo maìor ferver se concentrou na Italia,
no seculo xv, reagiu centra as tradÌ98es da Edade mèdia, desprezan-
do-as comò barbaras em compara9&o das obras primas da Grecia e
Soma. Esse desprezo da Edade mèdia reflectiu-se em todas as mani-
festa$5es do espirito, do sentimento e da actividade; a architectura das
cathedraes foì chamada gothica, pelo desprezo a que era votada diante
das ordens gregas; as far^as populares ficaram esquecidas pela imita-
9S0 das tragedias de Seneca e das comedias de Terencio; a historia
dos differentes estados e os livros philosophicos eram especialmente
redigidos em latim ; a poesia dos trovadores e as can98es de Gesta ou
épicas eram substituidas por imita9oes das odes de Horacio e da EneOa
de Virgilio. Luiz Vives, no seu livro De Institutione Foeminae chri-
stianae, condemna as principaes obras da litteratura da Edade mèdia,
0 Amadis de Oaula, Tristan de Leonisj Flores e Brancaflar, Lanzarote
do Lago, as Cem NoveUas de Boccacio. O proprio Dante, jà no seculo
xni estiverà para escrever a Divina Comedia em latim; e Petrarcha
receiava pela sua immortalidade nSo escrevendo em latim. 0 lado vi-
cioso do humanismo das duas Renascengas foi o ter estabelecido a so-
lu9&o de continuidade entro a sociedade moderna e a Edade mèdia.
O ensino tomou-se sem base naturai e nacional; converteu-se 0 saber
em urna erudÌ9So livresca, e as manifesta98e8 artisticas do sentimento
amesquinharam-se na imitafSo servii do classicismo. Na parte espe-
culativa propagavam-se auctoritariamente as doutrinas de Aristoteles,
esterilisando-as pelo excesso de immobilidade canonica; na vida civil
copiavam-se os codigos romanos da dÌ8solu9&o imperiai centra os fóros
ou leis locaes. Os mestres impunham a auctoridade do passado, e os
A UNIYERSIDÀDE SOB A DICTADURA MONARCHICA 171
lÙBtoriadores procurayam as orìgens de cada estado nos heroes foragi-
doa de Troya, ou nas gaamÌ98es romanas da època da conquista. As
lingoas nacionacB eram abandonadas nas escolas para os alumnos fa-
larem entro si grego e latini^ e representarem nos seas divertimentos
eacolares comedias de Aristophanes e de Plauto. 0 desprezo pela Edade
mèdia perturbou a marcha da intelligencia europèa, que procurava um
methodo no negativisn^o do Sanches, nos esfor908 de Bacon e de Des-
cartes, sem conhecer que o mal provinha d'està falta de solidariedade
com 0 passado. Os Jesuitas apropriaram-se da tradÌ9So humanista e
propagaram-na atè hoje com a mesma inintellìgencia com que a rece-
beram no meado do seculo xvi.
£ curiosa a situaySo das intelligencias em Portugal no seculo xv;
a admiraySo pela antiguidade classica vaese impondo à predilec92lo das
obras da Edade mèdia. A Bibliotheca do rei D. Duarte manifesta està
dupla influencia, reunindo a par dos poemas dos cyclos épicos da Tavola
Redonda e Q-reco-romano as obras de Cicero e Tito Livio. A lingua
nacional, t&o admiravelmente empregada por Femio Lopes nas suas
Cbronicas, è substituida pelo latim, sondo chamado Matheus Pisano
para redigìr n'essa lingua a historia da tomada de Ceuta. No Cando-
neiro de Resende comeyam a apparecer as referencias aos nomes da
mythologia greco-romana, comò um novo effeito poetico; os neologis-
mos gregos e latinos introduzem-se aos centenares por meio das tra-
dac93es do infante D. Pedro; o rei D. Duarte ensina as regras para
fazer uma boa versSo latina, e o chronista Gomes Eanes de Azurara,
alardeando uma abundante erudÌ9So de escriptores classicos, imita as
redundancias e construc98es figuradas de Tito Livio. E n'este momento
historico que o ensino apresenta pela primeira vez em Portugal uma
bijwca^, destacando-se o que pertence aos clerigos e bachareis do
que pertence ao aperfeÌ9oamento secular da nobreza. Para a Edade
mèdia, a cultura litteraria era uma superioridade, que approximava a
classe popular da nobreza; este sentido social apparece implicito no
titulo honorifico de Bacharél. Ainda nos anexins portuguezes se equi-
param as duas classes sociaes: cOu armas ou lettras.»
Nas Cdrtes de Vianna, sob D. JoSo ii, os povos apresentaram o
aegninte requerimento ao rei para que interviesse na educaySo da No-
breza: e Que' aprendam GramTruitìca, e jogos de. espada de ambas as
mSos, dannar, e balbar, e todas outras boas manhas e costumes, que
tìram os mofos dos vicios, e os chegam a virtudes; e criando-se desta
maneira alli os ordene V. A. aonde mais se inclinarem. E em quanto
assim mogos forem, durmam e criem-se em Yossa Camera, aonde se
1 72 HISTORIA DA VNIVERSIDADE DE COIMBRA
oriaram aqaelles de quem elles descendem. . . e fa^a V. A. hmn homem
Fidalgo^ que tenha carrego doe Donzees, que ob castigae e fa9a alim-
par^ e aprender as boas manhas.»
Este pedido fundava-se porventara nos factos da córte de D. Àf-
fonso Yf que, pela exigaidade da receita do eatado e pelo dispendio em
ten9a8 a varias familias, tinha restringido o numero de mofos fidalgos
admittidoB no* pa90. No orfamento do eatado Bob D. Affonso v, em
1477, gastava-BO a quantia de 202^91540, importante para aquella època,
em BubsidioB a mo$06 fidalgos para estudos; ' porém està qoantia era
deduzida na metade, por causa do deficit que j& entSo se dava na ad-
ministragSo publica.
A tradi$Sò medieval da inspecf&o sobre os costumes dos escho-
lares prevaleceu até hoje na Universidade de Coimbra no syBtema das
infomiagdes no fim da formatura. Entro a Universidade e os GollegioB
deu-se sempre urna alternativa de importancia, ora tornando-se colle*
gial a Universidade, ora os Collegios convertendo-se em Faculdades de
Artes, comò no tempo do predominio jesuita, no Collegio de Santo An*
tfto de Lisboa, e no Collegio do Espirito Santo de Evora, que se con-
verteu em Universidade. N'osta poderosa influencia dos Collegios em
Franfa figura gloriosamente o nome portuguez na familia dos QouvSas,
que ali tanto se acreditaram pelo seu genio pedagogico; o grande Mon-
taigne fala com venerasse do seu mostre André de GK)uvéa. Em Ingla-
terra tambem se deu o phenomeno da preponderaucia do systema col-
legial : cForam os Collegios que pouco a pouco se apoderaram do mo-
nopolio da instruc9fto e do governo da Universidade.» '
Junto com o desenvolvimento doB Collegios di-se um phenomeno
interessante nas fórmas pedagogicaa: o Lente é substituido pelo Pro-
fessor, e o alumno, admittido muito novo à frequencia coUegial, pre-
cisa de um patrono ou tutor ^ que^o dirija nos seus actos e Ihe repita
as li{3es. 0 tutor medieval, que era de ordinario um estudante pobre^
(o fdlow das Universidadea inglezas) tomou-se com o tempo em lec-
cwniata e repetidor.
Vimos pela Carta de 22 de outubro de 1357 que ae nSo po-
dia enainar fora daa EscholaB geraea, e que oa estudantes pagavam
ama certa quota aos lentea, aegundo a Bua claaae de rìcos ou de po-
bres. Està centralisa^fto univerBitaria resultava de que so podiam en-
1 Torre do Tombo : Oav. 2. Ma^. 9, n.» 16, Papd da FoMcnda dt D. Afforco F.
> Hamilton, op. eit., p. 278.
A UNIVERSIDADE SOB A DIGTADURA MONARCHICA 173
Binar os que eram graduados regentes, e que recebiam a propina ou
enxoval (o pasttàs e eollectum). Pela fiinda^So dos CoUegioSi com intuito
de servir os Escholares pobres, as Ii98e8 tomaram-se gratoitas; e por
isso teve de se ampliar a todos os graduados a faculdade de ensinar.
Sobre este ponto escreve Hamilton: cPara alliviar um pouco os estu*
dantes, e para assegurar-se a cooperafSo de mestres habeis, concede-
ram-se honorarios a certos graduados que davam IÌ98es gratuitas. Em
muitas Umversidades os candidatos aos gr&os eram obrìgados a segui-
rem estes cursos^ e a estes graduados salariados é que foi exclusiva-
mente dado mais tarde o titulo de Professor, A instituiy&o dos Profes-
Bores pagoB fez necessariamente decahir os cursos dos outros'regentes,
pois que 08 estudantes preferiam naturalmente as lÌ98es gratuitas; e
ainda que o graduado conservasse o direito de ensinar publicamente,
esse direito foi quasi que inteiramente abandonado a este corpo de pro-
fessores em todas as Universidades da Euibpa.» ^ Ainda encontramos
uma provis&o de D. JoSo ili, de 1533^ em que concede licen9a a D.
AfibnsOy sobrinho do rei do Congo, para ensinar grammatica em Lis-
boa, fora do bairro das Escholas Geraes. Todos estes factos, apparen-
temente anecdoticos, lìgam-sé ao sjstema e espirito do ensino europeu,
e é este criterio historico indispensavel que falta aos que entro nós se
arvoram a escrever e a legislar sobre pedagogia.
0 typo de tutor, que é a origem do mostre particular, teve a sua
mais alta manifestaySo em Italia; o celebre Victorino de FeltrO; esco-
Ihido para .mostre de quatro filhos do marquez de Gbnzaga em 1424,
pela reforma que introduziu nos habitos escholares, attrahiu discipulos
de todas as partes da Europa para a sua Maison Joyeuse. A Italia tor-
nou-se nos fins do seculo xv o centro dos estudos classicos, ou da Re-
nascen9a. Por 1489 frequentavam os estudos na Italia os filhos do chan-
celler JoSo Teixeira, e o celebre humanista Angelo Policiano escrevia
aa rei D. JoSo n de Portugal, dando-lhe conta dos estudos dos seus
pupiBos: cNa verdade, pedi, nSo ha multo, a estes subditos vossos que
estSo aqui, mancebos de subido talento e elevado caracter, os filhos de
JoSo Teixeira, vesso Chanceller-mór, que por sua intervengSo me fos-
sem ahi còpiadas as memorias (se é que existem) dos vossos feitos:
prometteram elles desempenhar-se cuidadosamente do encargo, em rea-
peito da obrigaySo que devem ao seu preceptor; etc.» D. JoSo n es-
creveu-lhe em carta datada de 23 de outubro de 1491 : cResta, Angelo
1 Hamilton, op, eU., p. 274.
■
1 74 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
amigo, que aoB filhos do nosso Ohanceller-móry fidalgos de nossa casa,
consagreis os maiores desvélos. Sem duvida que a Tossa bondade nfto
havìa mister de reoommendaySo para assim o fazerdes espontaneamente^
comtudo encarecidamente vos rogamos que por nosso respeito tenha
ainda algnm augmento o vesso zèlo. E na verdade a elles deveis toda
a gratidSo, porque o pae e os filhos, aqaelle com os louvores, estes
com OS testemunhos provadissimos do vesso saber, nfto t^essam de vos
exaltar, falando-nos de vós, e de fazer chegar até estes confins da terra
a &ma do vesso nome, o que n&o faz pouco em prol da vessa gloria
e repata9So. Mas aos proprios mancebos nós damos os emboras por
Ihes ter cabido o viver em tempo em que da fonte abmidante da vessa
sciencia possam beber algama in8tnic9So ...» Em ama carta de An-
gelo Policiano ao chanceller Jofto Teizeira, Ihe diz: cPara a Italia os
mandastes, afim de se Ihes formarem os costomes, serem instroidos
nas boas lettras e aprenderem todas as Artes liberaes, segando é pro-
prio de qaem tem de occupar a mais elevada posigSo.» Depois de ter
falado da sua assiduidade ds aulas, accrescenta: e Aquelle qae Ihes des-
tes para aio e pedagogo, coida n'eiles, dirige-os e educa-os com tSo
levantada prudencia, amor e desvélo, que nada ha que desejar. Cer-
tamente, que vos nSo engano, mas por outro lado, tambem me nAo en-
gano a mim.» ^ Està carta é datada de Floren9a em 17 de agosto de
1 Estas cartas fippareceram pela prìmeira vez pablicadas em portugaez nos
Poetaa palacianos, p. 299 a 306; incorporamol-as aqui definitivamente comò pre-
cioBOs documentos pedagogicos :
Angelo Policiano a D, Joào por gra^ de Deus rei ifwietianmo de Portugal e dot
Algarvea^ d'aquem e d^cdém mar em Africa e senhor da Guinif èoude !
Comquanto nem a minha condi^So nem o meu saber nem merecimento al-
g^om meu sejam taes que eu jolgae ser-me licito escrever-vos, rei invicto, todavìa
a vessa grandeza, lustre e gloria, os vossos louvores, espalhados j& por toda a
terra, tém-me assombrado de modo que, de si mesma, a propria penna arde em
desejos de presentar-vos lettras minhas, attestar-vos os mena sentimentos, exprì-
mir-TOS a minha sympathia e, finalmente, render- vos gra^as em nome de todos
quantos pertencemos a este seculo, o qual agora, por favor dea vossos merttos
quasi diyinos, ousa j& denodadamente competìr com os vetustos seculos e com toda
a antiguidade. De feito, se a brevidade de uma carta ou a oonsidera^io do tempo
o consentirà, a mesma verdade me déra ousadia para que tentasse mostrar que
nem laureis nem dourados carros de nenhum antigo heroe pódem ser comparados
ia vossas glorias e immortaes feitos. Sim :-^deixando atraz os combates que, ainda
em tenros annos, empenhastes contra os povos impios da insoffirida Africa, os po-
derosissimos exerdtos de inimigos apartados una dos outros que derrotastes, as
A UNIYERSIDADE SOB A DIGTADURA MONARCHICA 175
1489; estava entSo no seu mais alto esplendor a Renascen9a litteraria,
artistica e philosophica na Italia, e por este tempo seiniciou entro a
aristocracia portagueza o costume de ir frequentar as escholas dos pe-
dagogistas italianos, costume que durou ainda em todo o reinado de D.
Manuel. Depois de Victorino de Feltro, Angelo Policiano apparece-nos
corno o tjpo completo do tutor ou pedagogo^ primeira manifestag&o do
homem de sciencia fora do centralismo das Universidades. Escreve Qi-
pra^as que rendestes, as préas que fizestes, as leis que impuzestes a na^oes bar-
baras e indomitas, passando n2o menos em silencio os brazoes pacificos, que nao
cederiam a palma às glorias gaerreiras, — que grandioso e vasto quadro de proe-
zas apenas acreditaveis se me nSo offerecia, se eu fosse commemorar as vagas do
tumido e soberbo oceano, antes intactas e sem carreira aberta, provocadas e que-
brantadas pelos vossos lenhos, as balizas de Hercules desprezadas, o mundo que
havia sido mutilado, restituido a si mesmo, e aquella Barbarla, d'antes nem por
vagas noticias de nós assàs conhedda, selvagem, feroz, vivendo sem organisa^io
regular, sem figura de lei, sem religiSo, quasi ao modo de brutos animaes, agora
trazlda à policia humana, & brandura de trato, suavidade de costumes e, até> aos
sentimentos religiosos ! Que logar tao azado nSo teria eu entSo para recontar os
preciosos beneficios que os habitadores do nosso continente d'alli receberam, os
abundantes recursos que de là vieram para nos melhorar e opulentar a existencia,
o engrandecimento que até & bistoria antiga coube, a fé que adquiriram antigas
narrativas que outr'ora escassamente se podiam acreditar, e, por outro lado, a
quebra que tiveram na admira^So? EntSo haveria eu tambem de absolver de toda
a suspeita de falsidade o grande Plat&o e os annaes seculares do Egypto, que,
sem prestarem credito, fizeram meuQSo d^esse oceano por ti subjugado com pode-
rosos ezercitos. De maneira que tambem confessarla que ras2o teve Alexandre de
Macedonia em se amesquinhar lamentando que ainda restassem outros mundos às
suas victorias. Na verdade que outra coisa nos fizestes vós, preclaro principe, se-
n^ — achar seria ezpressio inadequada — trazer de trevas eternas e, quasi diria,
do antigo cbaos, para a luz que nos illumina, outras terras, outro mar, outros mun-
dos e, em cabo, outros astros? — Mas a que firn vdn esprtdar-me agora n*este as-
sumpto? Foi para vos rogar em nome nSo so do presente seculo, sen^ tambem de
toda a posteridade e de todos os povos, que nSo soffiraes que de t&o sublimas obras
fene^ ou se perca a memoria que deve ser eternisada, mas antes ordeneis Ihe alce
um padrao a voz dos var5es doutos, & qual nem o dente roedor do tempo no seu
curso silencioso vale a consummir. E, se daes favor ao merecimento, porque nSo o
baveis de dar à gloria, companbeira do merecimento? E se ganhaes por m2o a to-
dos 08 monarchas em generosidade de brios e gprandeza de animo, està vida hu-
mana tao breve, tSo instavel, que de tSo escassas e mingoadas esperan^ depende
em telo angustiados limites é estreitada, porque a nio baveis de prolongar com a
carreira immortai de immarcessivel gloria? Porque nSo ba-de a memoria de feitos
grandiosos transmittir-se aos vossos successores mesmos, para que essas illustres
fiiii^anhaB que jimais encontrarSo segundas, Ibes aproveitem servindo-lhes tam-
bem de ensinamento e norma? Porque nio baveis de deixar um corno tjpo a vos-
sos filbos e futures netos, para que nenbum degenere j&mùs da perenne e abònada
176 HISTORIA DA UMVERSIDADE DE GOIMBRA
raad; na svlsl Historia do Direito romano (p. 461): cO celebre Angelo
Policiano teve ^ gloria de tirar a jarisprudencia da barbarie em qae a
tinbam mergolbado os discipulos de Bartolo, e de tornar mais attra-
hente o estado d'està sciencia pela sua uniSo com o estudo das bellas-
lettras e da historia. Encontrou adversarios violentos. Os sectarios da
Scbolastica designaram os partidarios das bellas-Iettras sob o nome de
humaniatasy oa de nominaes, tornando para si o de realista», para indi-
yirtude dos seus malq^eB e a tenham diante dos olhos corno traslado para se Ihes
formar o caracter e educar o cora^ao segando a principes convém? Finalmente
porque nilo hfto-de tambem os outros reis qae nascerem sob os desvairados climas
do mondo, haver de vós, senio que imitar, ao menos qae admirar? Ora fazer ex-
tremadas proezas e n&o Ihes dar realce e luz com as lettras o mesmo vale que
procrear filhos de peregrina gentileza e nSo Ihes dar sustenta^o. Nfto aconte^a^
nao, rei excelso, que essas yossas glorias, t2o credoras da immortalidade, fiquem
escondidas n'aquelle vasto acervo da nossa fragilidade, em que jazem sepultados
OS trabalhoB de todos quantos nSo houveram os suffragios dos varÒes de saber
prestante. Acordae-vos de Alexandre, acordae-vos de Cesar, os dois nomes prin-
cipaes que a fastosa antigoidade nos alardeia. De um, assàs memorada é a excla-
ma^&o que soltou ao pé do tumulo de Achilles, chamando afortunado ao manoebo
por ter encontrado em Homero o pregoeiro das suas glorias. 0 segundo, ainda
quando estava apercebido para travar combate, e quasi que até no meìo do es-
trondo das pugnas, com tal esmero compunha as mcmorias dos seus feitos, que
nenhuma obra a critica julga por tSo bem trabalhada que a purissima elegancia
d^aquelle auctor Ihe nào leve a palma. A estes, lego, vós devieis, ao menos imitar,
a estes a quem nos outros respeitos desmesuradamente vos avantajaes. 0 que vos
acabo de dizer, comprehendereis que é a expressào da verdade e nSo a linguagem
da adula9ào, quando para vós mesmo volverdes os olhos da vessa intelligencla
soberana e tiverdes attentamente examinado os formosos titulos da vessa gloria,
magestade e poderio, e considerado reflectidamente a qne fastìgio estaes subido
nas cousas humanas. De feito, ver-vos-beis rei da Lusitania, isto é (para resamir
em ama palavra o que entendo), de um povo de romanos de que outr'ora numero*
sas colonias, segundo a bistoria refere, se acbavam disseminadas n'esta regiSo
mids do que em nenhuma entra. Yereis em vós o libertador da Africa, essa ter>
ceira divisio do orbe, que desde jà, pelos vossos esforyos, solta dos ferros dos bar-
baros, exulta cada vez mais com a esperan9a de completa liberdade. Yereis em vós
tambem o domador d'aquelle vasto e indignado oceano, a eigos primeiros embates
o mesmo Hercules, o subjugador do mundo, enfiou. Reconhecereis em vós o defen-
sor da santa fé christS e da verdadeira religiSo, e o mais potente arbitro da paz e
da guerra centra a perfidia de Mahomet, alagando so com a vessa magestade aquella
pestilencial furia e acabando as guerras mais consideraveis so com o terror do
TOSSO nome, so com a maravilha do vesso valor. £ ao mesmo tempo, senhor das
cnaves de um novo mundo, come que abrangeis em um punhado os seus numero-
SOS golfos e OS promontorios e as praias e as ilhas e os portos e as pra^as e as ci-
dades à beira-mar, e quasi tendes nas vossas mSos na^Òes innnmeras, aonde, oom-
tndo, nem a propria fama com as suas asas tio yelozes havia até entio chegado.
A UNIVERSIDADE SOB A DICTA DURA MONARCHICA 177
carem que elles se occupavam das con^as^ em quanto os seus adversa-
rioB se contentavam ccm palavras.» A Eschola humani&ta triumphou
pela cozoprehensào das origens, e o Dome do portuguez Antonio de
Gouvéa e 0 de Cnjacio eSo os dos verdadeiros precnrsores da Eschola
historica de Savigny.
A influeneìa da Italia nos estudos philologieos resultou do cara-
eter complexo'do criterio, simultaneamente artistico e scientifico, 11-
£ quSo grandioso nao é ver os reis mais ignotos arderem em descjos de vos visi-
tar, venerar as vossas pisadas, e correrem a9odado8 a ajoelhar aos vossos pés e a
receberem à porfia das vossas m2o8 tao poderosas pela fé corno pelas armas as
agnas ptrrificadoras do baptismo?! e ver, espertados pelo amor de urna virtude
jiimals onvida dos antigos sccolos, os habitantes dos mais apartados confins da
terra acudirem apinhados d vossa pre8en9n, e jd todo o mcio-dia, arrancado do
fundo das suas moradas, dar-se pressa a correr venernbundo ante vós, para de
mais perto contemplar esse sembiante celestial, a aurèola de gloria que vos ac'orna
a regia fronte, essa magestadc, Ilei transumpto da divina?! Com tacs gi-andezas
venba alguem pdr em parallelo a tomada de Babylonia, bem que ufana dos sens
muros de tijolo, a ròta dos barbaros do oriente, jd do proprio naturai tao fugazes!
Venha por em parallelo a provoca^ào, nSo muito esforQada, das iras do Scytha no-
mada, vagando por dilatadas campinas, comtanto que nao lance tambem d conta
de louvor o assassinato, om meio dos festine, dos mais caros amigos, nem a ado-
p^So de estrangeiros costumes e desdourosas adula^òes! Ponha em parallelo tam-
bem 0 vencimento das Gallias, a custo subjugadas ao cabo de dez annos, ou ou-
tros feitos inferiores a este, comtanto que nao tenha encomios para o sangue de
concidadàos e parentes barbaramente vcrtìdo por todo o orbe! — Assim que, rei
sem par, vós sobre todos (cstoure embora a invcja) vós sobre todos sois digno de
etemas honras. A vós, primeiro do que a ninguem, devem de ser consagradas as
nossas vigilias, quero dizer, as de todos quantos somos sacerdotes das Musas. Por
tal razào (se, homem desconhecido, mas a vós mui dedicado, encontro alguma fé
junto d vossa pessoa) seja incnmbido, eu vos conjuro, a sujeitos idoneos o encargo
de por em memoria (sem duvida que interìnamente), em qualquer lingua, em qual-
quer estylo o assumpto tsto ubertoso dos feitos pràticados por vós e pelos vossos,
obra que, mais tarde, tanto os outros em quem ferve o mesmo enthusiasmo, comò
tambem nós mesmos, envidando todas as for9as, hajamos de polir e aperfeÌ9oar. Na
verdade, pedi, nao ha muito, a estes subditos vossos que estSo aqui, mancebos de
Bubido talento e elevado caracter, os filhos de Teizeira, vosso Cbanceller-mór, que
por sua mterven^So me fossem ahi copiadas as memorìas (se é que existem) dos
vossos feitos : prometteram elles desempenhar-se cuidadosamente no encargo eìn
respeito da obrrga^uo que devem ao seu preceptor; todavia nSo quiz eu faltar a
mim proprio, mas assentci de vos endere^ar eu mesmo està carta, rei mui indul-
gente e clemente, a quem jd posso dar tambem o nome de meu, quereudo antes
poder ser arguido de arrojado, se escrevesse, do que de apoucado de animo, se me
conservasse silencioso. — No que respeita a minha pessoa, n§o é, certo, ordinaria a
minha condi^ào, mas, na profissao das lettras, tambem alguns créem que nao é de
todo inferior a minha reputa9ào. Quasi de menino foi eu criado (e porventura qne
UlST. UN. 12
178 HISTORIÀ DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
gando à comprehensSio da Arte antiga a historia, a politica, a lingua
e a grammatica. O genio italiano realÌBOu o impulso da RenaBcen9a Bem
dependencia do accidente da tomada de Constantinopla. Escreve Hil-
lebrand; em um estudo sobre a bistoria da Philologia: cÀinda que o
estudo dos auctores classicos nSio deixasse de occupar os gprammaticos
gregos desde Aristarco até Cbalcondylas, a verdadeira bora do nasci-
mento, a verdadeira patria da pbilologla, foram o decimo quarto seculo
està circumatancia vira a proposito) no scio da honesta familia d^aquelle vario il-
lustre, o primeiro personagem na sua tao fiorente repnblica, Louren^o de Medicis.
Nào cedendo a ninguem em dedicasse à vessa pessoa, soube elle, fallando-me de
vós, accender em mim enthasiasmo tlU) ardente pelos vossos merecimentos, que,
dia e noite, en nào largo de pensar no pregSo dos vossos feitos, e o mais fervoroso
voto que eu agora fa^o é que me seja outorgada for^a, poder e finalmente ensejo,
para que o vosso nome tao digno de divinos elogios, os testemunhos da vessa pìe-
dade, integrìdade, rectidào, temperanza, prudencia, juizo, os da vossa justi^a, for-
taleza, providencia, liberalidade e grandeza de alma, e emfim os de tantas obras,
tantas e tao eximias fa^anhas vossas, tenham monumentos fieis levantados, a:nda
que seja por mim, na lingua latina ou grega, de modo que nào haja vicissitude de
. humanos acontecimentos, nem assalto da varia e inconstante fortuna, nem vetus-
tade de seculos que valba a extinguil-os. ,
D. Joào por grciga de Deus, rei de Portugal e dos Algarves, d'aquem e d^cUém mar
em Africa, e senhor de Gttiné, ao mai douto varào eprezado amigOy Angelo Po-
liciano, saudel
À vossa agradavel carta, que jà ba muito li, e, sobretudo, o que amiudadas
vezes nos tem refendo o nesso querido Cbanceller-mór JoSo Teixebra) me deu ca-
bal conbecimenta de quanto vos interessa a nossa gloria (se em cousas bumanas
alguma esiste) e quanto desejaes salvar do olvido com as vossas lettras o nesso
nome e feitos. Tal vontade, ainda que é urna prova assaz darà de entranbado affé-
cto e summa deferencia, todavia parece-nos que nasce ainda mais da bondade do
vosso cora^So, da agudeza de ingenbo e da copia de saber, qne miram a alvo mais
remontado. Assim que nos sentimos gprandemente penborados de vós, e, quando o
tempo e as circumstancias o demandarem, testemunbaremos mais ampiamente o
nosso agradecimento, esperando que nfto bajaes de vos arrepender da afieÌ9ào que
nos dedìcaes. Bespondendo em breves termos ao assumpto da vossa carta, dir-vos*
bemos que somos gratos sobremaneira ao offeredmento que tSo frequentemente
nos fazeis dos vossos servi^os e affectuosa diligencia para nos alcan^ardes a im-
mortalidade, e estimamol-o. E para por em efieito o intento, teremos todo o coi'^
dado de ordenar que a nossa cbronica, que, seguindo o uso do nosso reino, man-
damos escrever em lingua vemacula, seja composta no idioma toscano, ou, pelo
menOB, no latim commum, enviando-vol-a depois, o mais depressa que ser possa,
para que vós, sem vos afastardes do caminho da verdade, assegurando a nossa me-
moria, a adomeis com as gra^as e gravidade do vosso estylo e com a voBsa eru-
dirlo, e a aperfei^eeis de fórma que, ao menos com o auxilio da vossa eloquenda.
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 1 79
6 a Italia; porqae a obra dos Alexandrinos eBtava sepultada com 08
proprìos objectos daa auas inve8tiga9368; a obra dos Bjzantinos nSo
exerda influencia alguma sobre o movimento dos espiritos na Europa,
e demais, faltava-lhe completamente a qoalidade constitutiva da scien-
cia, o espirito critico. Tal foi o enthusiasmo que inspirou a sciencia
nova ao povo italiano, tSo amoroso do bello e t2o ardente nas suas
predilec^des, que mal se pode indicar um poeta, um historiador, um
se tome digna de ser lida. Com effeito, muito releya (e melbor o sabeis) o estylo
em que é recontado cada feito, embora illustre. PorquantO| assim corno a expo-
liencia mostra que as comidas melhores de natureza, se bouve menos aceio em as
guisar, sfto avisadamente engeitadas, assim a historia, se Ihe fallecem as devidas
galas e donaire proprio, havemol-a por sem merito e merecedora de que a engei-
tem. Defeitos d^esta ordem, porém, n&o ha que recèial-os se fdrdes vós, sujeito de
tSo subidas partes e tao versado em todas as boas lettras, quem haja de tomar a
peito a historia dos nossos feitos. Està é pois a nossa inten^ào. Besta, Angelo
amigo, que aos filhos do nesso Chanceller-mór, fidalgos da nossa casa, consagreis
08 maiores disvelos. Sem duvida que a vessa bondade nào havia mister recommen*
da^&o para assim o fazerdes espontaneamente, comtudo, encarecidamente vos ro-
gamos que por nesso, respeito tenha ainda algum augmento o vesso zelo. E na ver*
dade a elles deveis loda a gratidào, porque o pae e os filhos, aquelle oom os leu*
vores, estes com os testemunhos provadissimos do yosso saber, nao cessam de vos
esaltar, fallando-nos de vós, e de fazer chegar até estes confins da terra a fama
do vesso nome, o que nfto faz pouco em prol da vessa gloria e reputa^fto. Mas aos
proprios mancebos nós damos os cmboras, por Ihes ter cabido o viver em tempo
em que da fonte abundante da vessa sciencia possam beber alguma instruc^SOf
para que, servindo primeiro a Deus e depois a nóa, hajam de merecer e conquis-
tar tanto a bemaventuran^a celeste, come a terrestre.
De Lisboa, aos 23 dias do mez de outubro de 1491.
Angelo Policiano a Joào Teixeira, Chanoeller-mór realf aattde !
Muitas vezes tentei escrever-vos ulgumas letras para vos fazer conhecer os
meus sentimentos e afiPei^So, mas sempre me tomou o passo uma especie de timi-
dez, nSo sei se diga nobre, se rustica, por saber que nSo era de vós ass&s conhe-
cido e porque, antes, come que me fazia recuar o brilho deslumbrante das vossas
qualidades e POSÌ9S0. Emfim, porém, jà a considera9Ìo do meu dever,j&o conceito
da vessa bondade acabou eommigo, que, tal corno fosse, vos escrevesse a presente
carta. Que assumpto, pois, heide eu esperar que seja mais asado para mim e mids
bem acceito de vós, do que a exposi^So sincera do que sinto a respeito dos que sao
filhos vossos e discipulos meus? Para a Italia os mandastes, a fim de se Ihes for-
marem os oostnmes, serem instruidos nas boas-lettras e apprenderem todas as ar-
tes liberaes, segundo é proprio de quem tem de occupar a mais elevada po8Ì92o.
Mas, afiigura-se-me, de casa trouxer.tm comsigo os costumes patemos ; assim que,
exemplos ainda mais os d2o, de que os recebem. Jdmais se descobre n^elles acto
algum improprio ou ruim ou descomedido ou grosseiro. N£o ha enxerga r n^elles
12«
180 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
homem de estado d'esse tempo que nSo fosse tambem philologo. Por
isso a època inteira do despertar do espirito humano no firn da Edade
mèdia recebeu o nome do facto particular; e a Benascenga dos estu-
dos da antigaidade tomou-se identica com a Renascenya do bomem.
A gloria de ter renovado a pbilologia offuscou todas as outras gloria»
da Italia de entSo. Foi um mal. Porque, no firn de tudo, este traballìo
nSio foi mais do que um dos numerosos elementos do movimento geral
petulancia nem arrogancia nem licenciosidade de vistas, nem soltura de linguagem
nem desconcerto de sembiante, finalmente consa neuhuma, ou seja no gesto ou no
porte ou no modo de estar ou no andar, que desagrade, que incommode, que se
possa taxar de afiectado ou de insoffirivel. Todos os dias frequcntam os tempio.",
ouvem as li^oes dos mestres, nào so com assiduidado, senao tambem com vivo
gosto. Prendem os cora^oes dos condiscipulos mais adiantados com a polidez das
maneiras e condescendencia; esquivam inteiramente o trato com aquelies que no
seu couccito Ihes damnariam os costumes ou a reputando. Entre elles nao ha por-
fìa, cujo objecto nào seja o eetudo; mas n'este ponto o certame niio conhece tre-
guas. £m parte nenhuma estào mais vezes ou de mais bom grado do que na pre-
senta dos mestres ou na companhia dos condiscipulos. Tambem opportunamente
dedicam tempo ao cuidado na conservammo da saude, e por isso logram-na excel-
lente. £m talentos primam de modo que (nuo quero ser prolìxo) bem deuunclam
que s&o V08S08 filhos. Percebem com facilidade o que Ihes e eusinado, pronunciam
com elegancia, retém com facilidade, imitam com facilidade. Da applicamao que
dirci? Maior ardor, mais afiucada perseveranza, à fé que nunca vi. D'ahi tìlo gran-
des progressos tém feito em ambas as linguas, que eu, comquauto nuo mui des-
affeito a ver e educar talentos, pasmo de maravilhado. Aquelle que Ihes déstes
para aio e pedagogo, cuida n'elles, dirìge-os e educa-os com tao Icvantada pru-
dencia, amor e disvelo, que nada ha que desejar. Certamente que eu vos nSo en-
gano, mas, por outro lado, tambem me nSo engano a mim. A propria inveja assom-
brada coufessaria que està é a verdade. Assim que dou os emboras 4 vessa ven-
tura, mas nao felicito menos a vossa tra^a e proposito. De feito nao é pequena a
gloria que para vós redunda de terdes tantos e tSo invejaveis filhos tao longe de
V0S8O8 olhos, do seio da familia, da patria, e por tao dilatado tempo, nao para en-
grossarem cabedaes ou tratarem em commercios, segando o estylo dos nossos, mas
para cnriquecerem o espirito de excellentes principios e grangearem para os au-
nos adiantados um precioso deposito de saber, sobre o qual a mesma fortuna nao
lem dominio. 0 vosso proposito logral-o-heis nSo so, além das vossas esperan^as,
mas até penso, além de tudo quanto se conhece. Nào é menor, porém, acreditae-
n\,e, a gloria que para vós aqui adquirem, do que a instruc^ao que para si obtém.
£, jà por vós, j4 por elles, voto-lhes tao cordeal aftecto e sinto ser correspondido
de maneira, que se me affigura que, no affecto e no zelo, quasi tomei o vosso lo-
gar. Assegurado n*istOy ousarei rogar- vos que à minha carta, que havendo de ser
julgada do vesso rei, corno de um Apollo, desde jà estremece e enfia, vós com o
vosEO alto valimento Ihe outorgueis tanto favor, que antes prove a indulgencia, do
que a censura de tao subida magestade.
Em Fiorenza, aos 17 dias do mez de Agosto de 1489.
A UNIVERSIDÀDE SOB A DIGTADURA MONARCHICA I8i
pelo qual o povo italiano abria a èra nova da historìa aniversal, e é
amesquinhar, ao que parece, a potencia do genio italiano o considerar
este grande movimento corno provindo completamente de uma origem
estrangeìra, de olhar està riqaoza da Italia no decimo qainto secalo
corno uma riqueza emprestada, devida a um impulso exterior. O que
seguir com atten9So o traballio intellectual da Italia nos ultimos se-
culos da Edade média^ concluirà com certeza', que mesmo sem a to-
mada de Constantinopla, e sem a immigra9So dos sabios bjzantinos, a
naySo encerrava bastantes elementos para regenerar por si so o espi-
rito humano: e desde està època os espiritos mais apaixonados pela
antiguidade classica, corno Pie de la Mirandola, protestaram elles mes-
mos centra estit maneira exclusiva de considerar a reyola9So a mais
importante e completa que tem realisado a humanidade.»^
De Italia tinha D. Àffonso v mandado vir o dominicano Justo Bal-
dino, celebrado latinista, para verter para a linguagem ciceroniana as
cbronicas do reino por FernSo Lopes. O rei nomeou-o bispo de Ceuta
(1480 ou 1481), porèm nunca saiu de Portugal; em 1487 govemou a
diocese do Porto, e em 1490 benzeu em Setubal o chSo da egreja de
Jesus das recoletas franciscanas. * Damilo de Goes reproduz na Chro-
nica de D. Manuel uma carta de JoSo Rodrigues de Sd, em que Ibe
conta que as Chronicas do reino entregues ao bispo Justo Baldino se
perderam por occasiSo da sua morte, da peste de 1493, na villa de Al-
mada.^ A idèa de traduzir para latim as chronicas do reino era o
effeito do enthusiasmo humanista provocado pela Renascenga. Outros
italianos vieram para Portugal, corno Cataldo Siculo, para dirigìr a
educafSo de D. Jorge, bastardo de D. JoSo n, e de D. Manuel. Em
uma polemica do professor Raphael de Regio, da Universidade de Pa-
dua, e dedicada a Ermolao Barbaro, em 1488, conta elle que no anno
de 1482 fora chamado a professar rhetorica em Padua, com o orde-
nado de 200 florins, um certo Cataldo Siciliano, porèm que o desafiara
e 0 desapo&sara da cadeira por consentimento dos escbolares/ Segnndo
Tiraboschi, este Cataldo Parisio Siciliano è aquelle mesmo celebrado
no epigramma de Henrique Caiado, comò seu primeiro mostre :
Formasti ingenium primus, primus per altea
Daxisti lacca antraque Pierìdum. ^
1 Étude 8ur Ou'rkd Muller, p. xxxi.
^ hery Maria Jordao, Hist ecd. uUramarina, 1. 1, p. 38.
5 CItroniea de D, Manuely Part. iv, cap. xzxvin.
^ Tiraboschi, Storia della Letteratura italiana, t. n, p. 1050.
182 mSTORIÀ DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
O nome de FUdfo, celebre professor na Universìdade de Veneza^
tambem foi conhecido em Portugal, e Marco Antonio Sabellico teve a
honra de Ihe sereni traduzidas em portuguez as snas Eneadas. A cor-
rente humanista entrava francamente em Portugal sem a suspeita de
heterodoxia ;Tno Cancioneiro de Resende jà apparecem traduc9Se8 por-
toguezas em verso das Heroides de Ovidio. Està corrente nSo podia dei-
xar de inflair^nos estudos; porém o desastre da morte do principe D.
AffonsOy e pouco depois a morte do rei D. Jo£o u, seu pae, demora-
ram essa consequencia, que veiu a realisar-se Bob o novo dynasta D.
Manuel. A reforma da Universìdade de Lisboa no reinado de D. Ma-
nuel foi tardia; a Italia nfto dominava jà exclusivamente nos estudos
humanistas, Paris tornava-se um poderoso centro de erudi(ào. Nas
escbolas collegiaes de Santa Cruz de Coimbra falava-se latim e expli-
4»va-se Homero em grego. Havia mais purismo e procurava-se uma
melhor intelligencia da antiguidade greco-romana. Està corrente fez
com que se distinguisse no ensino da grammatica a Arte nova, appa-
recendo com este titulo em 1493 professada por Jo2o Garcia. Uma
carta do rei D. Manuel, de 22 de Janeiro de 1500, prohibia pagar-se
moradia aos mo^os fidalgos se nSLo apresentassem certidfto de frequen-
eia de Grammatica: cMayordomo-mór amigo, avemos por bem que ne-
nhum mogo fidalgo nem £eja apontado nem paga sua moradia salvo per
certid&o de Diegalveres, Mestre de Grammatica; notificamovolo asi e
mandamovos que asi se cumpra, salvo naquelles que nos especialmente
VOB apontamos e dedaramos. Escripta em Lisboa a 22 de Janeiro de
1500.» * Um vilancete do conde de Vimioso, dirigido ao poeta palaciano
Ayres Telles, allude a este prurido dos estudos humanistas em Portugal
Q na córte:
Estudaes e fugis de mim,
soia latino ;
que quedas dd o ensino
do Latim?
Trazeis todo decorado
0 Metamorfoseaa;
ea trar-vos-hey assombrado
de rir de vós.
Coitado, triste de ti,
homem mofino, '
que foste nacer em sino
de Latim. ^
1 Nas Provaè da HUtoria genealogica, t ii, p. 381.
' Cane geral^ ed. de Stattgard, t. ii, p. 121.
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADÙRA MONARCHICA 183
0 efitudo da ^ramma^tca^ recommendadoànobreza sob D. JoSo ii,
tomou-ee obrigatorio no pa90, e entre os 1D090S fidalgos. Jorge Fer-
reira de VasconcelIoB, na comedia Eufrosina (acto in, scena 2.*), allude
a este eetudo, que se fazia pela Arte de Pastrana: «Como se alguem
se rira, se vos ouvisse, desses vossos preceitos e Arte Pastrana muito
pouco contestaes para satisfazer juizos primos, quenSLo sofrem mais que
esento de daas palauras, e estas prenbes.» Era està Arte de Pastrana
ehamada a Arte velha. A pedido da rainha Isabel, Antonio de Nebrixà,
que estudara na Italia, fez um resumé da Grammatica latina em ma-
nifesta* reac9&o contra os velhos tnethodos grammaticaes de Raban
Mauro, Jofto de Oarland, Villa Dei, Oautier, Everard, dos quaes Pas-
trana era 0 continuador; chamava-se-lbe geralmente a Arte nova; cno
seculo xv, se ensinava a lingua latina nas Escholas da Universidade
de Lisboa^ pela Arte de JoSo de Pastrana, a qual na mesma cidade,
em volume de 4.^ e letra gothica, se acabou de imprimir no anno de
1501, aos 28 de Novembre, explanada por Antonio Martins, que na
dita Universidade havia side 0 primeiro Mestre da refenda Arte, comò
tudo consta d'ella.»^
Era conhecida està grammatica na linguagem das escholas pelo
titulo de Thesaurus pcniperìim e Speadum puerorum.
Antonio Martins fez-lhe varios Additamentos, resumidos de um
outro Uvro intitulado Bacalo de Cegoe^ e appropriando-lhe algumas dou-
trinas grammaticaes de Antonio de Nebrixa, innovador, e a cuja Gram-
matica, que entSo penetriava nas escholas, se dava 0 nome de Arte
nova,^
Està edifSo de 1501, corrente nas escholas, era retocada pela di-
ligencia do bacharel JoSo Vaz. O ensino da Grammatica dava celebri-
dade: cJoào Garcia, alguns annos antes d'este (1505), leu Grammatica
no bairro das Escholas (1492) 0 que consta por se trasladar nos livros
dos ConselhoB uma provisfto escripta em Almeirim a 4 de Novembro
d'este mesmo anno, pela qual eirei D. Manoel, attendendo aos annos
que ensinava grammatica em 0 dito bairro, e ao proveito e fructo que
fizera, em que n&o podia continuar impedido de suas enfermidades, Ihe
fiEusia mercé gozasse os privilegios da Universidade, comò se actual-
1 Notic. ehron.^ n.« 1171.
2 Diz Nicolào Antonio, na sua Bibltotheca: «Omnes enim Pastranae Gram-
maticam regnasse in Scholis nostras, anteqaam ex Italia reverans ex Bononienai
Universitate, ac S. Clementis Hispaniarum Collegio suam Artem Hispaniae inve-
jitset Antonina Nebrisaenaia ...»
18 i HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
mente lèisa.»* O uso do latim, nas satyras violeatas com que pjr toda
a Europa se atacava a Roma dos Papas^ tornava a linguagem da dìs-
tinc9SLo entre os espiritos citltos, comò uma asp'ira^So & unidado men-
tal. Diz Victor Le Clerc: «A christandade enropèa formava n'estes tem-
pos comò uma unica republica, cuja dictadura perpetua estava em Roma;
e 03 cidadSlos os mais poderosos, para nSLo dizer os unicos cidadftoa
d'està immensa republica, os membros do clero, n£o escreviam quasi
senllo em uma mesma lingua, na antiga lingua romana, o latim. » ' Com
0 estudo do latim pelea humanistas da Renascenga é que a dictadura
de Roma foi destruida.
O esplendor da Renascen9a decahiu na Italia, principalmente de-
pois da tomada de Fiorenja. Succedeu-lhe a Franya n'esta obra reno-
vadora, emquanto n^o foi tambem embaragada pelas guerras de reli-
giSo. A Fran9a imprimiu àPhilologia um caracter proprio; sobre este
aspecto escreve Hillebrand: «Grajas à juateza e nitidez do espirito
francez e à sua tendencia para a general isa9So, gra9as sobretudo à pros-
perìdade da jurisprudencia nas Universidades de Paris, Orleans e To-
losa, e aos estudos profundos, e ao mesmo tempo exactos e philosophi-
cos, do direito romano, em que se distinguiram os Oujacios, os Uott-
man, OS Pithou, a pbilologia tomou uma fórma e um alcance novos.
As duas sciencias sustentaram-se, engrandeceram-se e completaram-se
reciprocamente. Foi, segundo as expressSes de Etienne Pasquier, o
€mariage de l'eatade da droict avecques les l'ettres Aw/netnes», que assi -
gnalou file siècle de Van mil cinq ceriti j primeiro e fecundo erforgo ten-
tado para penetrar na vida publica dos antigos, e tirar de Demosthenes
e de Cicero as mais bellas fórmaa oratorias. De um outro lado, o me-
tbodo exacto da jurisprudencia introduzido pelos sabios francezes nos
estudos philologicos, permaneceu até hoje comò o processo universal-
mente adoptado; e embora outras direcfSes sejam impressas mais tarde
a estes estudos pelos povos do norte, é ainda o methodo francez que
domina ali sem contesta92lo. — A justeza de metbodo, o interesse pelas
fórmas politicas da antignidade, e vistas geraes e fecundas, eis o sub-
sidio da Fran9a para està obra accumulada das na9oes e dos seculos.» ^
As guerras de religifto determinaram a mina do humanismo francez,
pervertido pelo empirismo das escholas jesuiticas. O refugio centra a$
perseguigSes religiosas tomou a HoUanda o centro dos estudos philo-
1 Nota do Keitor Figueiròa às Notte, chron., Not. 76, § 933. Inat.^ l ziy, p. 260.
* HisL liUeraire de la Franee, t xxii, p. 166.
3 Éiude sur Olfried MuUer^ p. xxxu.
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 185
logicos, em que a critica era um poderoso instnimento para a conquista
da liberdade de consciencia.
A inflaencia franceza despontava jà no firn do reìnado de D. Ma-
nuel; em 11 de Janeiro de 1516 escreve o rei & Universidade, dizendo
que vae mandar vir de Franga o dr. Diogo de Gouvèa para ser oppo-
sitor à cadeira de Vespera; em seu logar parece ter vindo em 1517
Mestre JoSo Francez. A acgSo da Renascenga italiana em Portugal
revelou-se successivamente em outras fórraas de actìvidade: na Ouri-
vesaria, comò o indica Garcia de Besende; no Theatro, coìn a fórma
em prosa das comedias de Sa de Miranda e de Ferreira; na Pintura,
com as doutrinas de Francisco de Hollanda. O ultimo resto d'està in-
fluencia na pedagogia acha se na instituigUo de urna Academia littera*
ria da Infanta D. Maria. So muito tardo é que as Academìas littera-
rias se propagaram quando jà se tinham tornado na Europa em exclu-
sivamente scientificas, conservando comtudo o primitivo caracter pa-
latino.
Resta-nos esbogar o caracter que a Philologia toraoii na Hollanda,
e que nào foi sem influencia nos estudos da Peninsula, onde os Eras-
mistas eram considerados comò livre-pensadores, e que teve reprasen-
tantes directos em Portugal, comò o flamengo Nicolìlo Cleynarts, e Da-
milo de Goes, o amigó de Erasmo. Sobre este ponto transcrevemos o
juizo de Hillebrand: cN'este paiz dominado pelas luctas politicas, n'osta
Universidade de Leyde, que deveu a sua vida d resistencia patriotica
dos seus cidadSLos, a philologia vivificou-se ao contacto da realidade.
Elia tomou-se pratica, formou uma parte integrante da vida nacional,
um elemento vital da existencia do povo, que, por assim dizer, viveu
uma scgunda veza antiguidade. Aonde Marsilio Ficino nUo vira senSo
a belleza harmoniosa da linguagem e do pensamento, aonde um Hot-
tman nSo tinha procurado senSLo as tradigSes dos tribunaes e a historia
do direito, os Dousa, os Heinsius, os Grrotius tentaram descobrir as
paixSes e os principios politicos da antiguidade para os assimilarcm ao
homem de estado, ou ao partidario latente sob o escriptor. A diploma-
eia, a historia^ a eloquencia publica, a poesia nacional mesmo, adopta-
ram a lingua de Cicero. Refazendo, por assim dizer, de uma maneira
classica e sabia, as luctas do Pnyx e do Forum, no senado dos Esta-
doB-Geraes, penetrou-se melhor na vida antiga, adquiriu-se uma com -
prehensSo mais completa d'estas paixSes e das idéas de outr'ora com
as quaes se identificavam. O espirito sagaz e pratico proprio dos hol-
landezes veiu collaborar, evitando pela sua perspicacia e lucidez o de-
feito tSo espalhado hoje de se malb^ratarem em hypotheses sem fun-
186 HISTORIÀ DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
damento e na adivinhaySo sem base. O prìncipal merito dos discipulos
e successores de José Scaligero e de Justo Lipsio até Perizonio foi
alargar o campo que a Franja tinlia culti vado sem pensar em engranr
decel-Oy descobrir os diversos elementos da antiguidade e suaa relaQSes
reciprocas, explical-os uns pelos outros, e ligal-os corno partes de um
organismo vivo . . . » ^ Estas tres fórmas do Humanismo cooperaram nas
grandes luctas do pensamento nos tres seculos que se vSo seguir; em-
bora nSo Ihe fomecessem um principio organico para a reorganisa9So
social, determinaram comtudo um ^ovo typo pedagogico.
O ensino europeu recebeu um typo uniforme com o desenvolvi-
mento das Universidades, todas constituidas pelas quatro Faculdades^
Theoloffia, Direito, Medicina e Artes. cEsta ultima^ diz Hamilton^ cor-
responde às nossas duas Faculdades de Sciencias e de Lettras; com-
prehende as Lettras propriamente ditas, as Sciencias pbysicas e ma-
tbematicas.»^ Aqui temos o facto da bifurcagào dos estudos humanis-
tas em scientificos e classicos, iniciado no seculo xvi, distinguindo-se
em Portugaly a par de Ajres Barbosa, dos Resendes e Gouvèas, afama-
dos eruditos, Garcia de Orta, Fedro Nunes e Francisco de Mello, comò
verdadeiras summidades scientificas, que sustentam dignamente a acti-
vidade de um grande seculo de elaboraySo sistematica.
A Renascen^a da antiguidade classica apresenta dois aspectos in-
dependentes, que actaaram diversamente na disciplina dos espiritos: o
aspecto litterario renegava a Edade mèdia, quebrando a solidariedade
bistorica da civilisagSo occidentale fazendo recuar a idealisa(&o estbe-
tica às concep93e8 de um obliterado e nSo comprebendido polytbeismo;
o aspecto scientifico, continuando os conhecimentos da Matbematica e
da Astronomia dos Gregos, entrava fortalecido por essas leis geraes
do universo na comprehensfto dos pbenomenos da Pbjsica, e actuava
directamente na emancipa9&o das intelligencias, restabelecendo sobre
o principio da Gra9a, que dominou a Edade mèdia, o imperio da Na-
tureza. Este duplo aspecto da Rena8cen9a, apparentemente antinomico,
estabelece nas fórmas da actividade montai da Europa moderna uma
accentuada bifurcagSo, que veiu a preponderar no ensino. Os que cul-
tivam as bumanidades, ou litteratura, exercem-se de um modo exdu-
sivo, desconbecendo tudo quanto pertence & investiga9&o das leis da
natureza. As Bellas-Lettras e a Pbilosopbia moral sSo objecto da pre-
occupa9So dos poderes temporaes, que restringem teda a Pedagogia a
1 Étudt tur Otfried MuUer^ p. zzxyi.
2 Frag. de Philosophie^ p. 272.
A UNIVERSIDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 187
%BBe objectivo. Os Jesnitas, apoderando-Be da Instnicy&o pablìca dos
EfitadoB, firmam-8e noa estudos hamaniBtas para reagirem oontra os
perigos daB novas concepySes implicitaB na PhiloBophia naturai experi-
mentalÌBta. A bifurcagào estabelecea-se, ficando fora do quadro pedago-
gico as diBciplinas naturaeB, que so foram ìncorporadas pela Convenfào.
1430
188 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRÀ
Tabula Legentium do seoolo XV
1408 — Pr. Joào Yiegas, lector em Thèologia,
1414 — Gon9alo Joao, mestre de Logica.
JoSo Lourcn^o, licenciado em Leie^ lente no Estado.
Femao Alvares, lente de Canones.
1415 { Femio Martina, licenciado, lente de Finca»
(jron^alo Anes, mestre de Logica»
Gt>n9alo Domingues, mestre em Grammatica.
1416 — Gon9alo Joao (lente de Logica em 1414), lente de Medicina, depois bispo
de Lamego.
1429 — Mestre Fedro da Cruz, tu Sacra Pagina,
Diogo Affonso, lente de Dectttaea,
Mestre Martinho, idem.
Jolo Affonso de Lcirea, idem.
Luiz Martins, idem.
Estevào Affonso, doutor em Canones.
1431 { Affonso Rodrigucs, doutor cm Leis.
Diego Affonso Mangancha, in lUroque.
14-R4. i "^^^^ ^® Elvaa, lente de Vespera de Decretos,
I Gomes Paes, licenciado em Canones,
1437 — Jo£o Gallo, carmelita, lente de Mathematica.
1442 — Martim Albo, lente de Theologia.
I Mestre Alvaro, lente de Fisica de prima.
Gomes Paes, mestre de Logica,
Alvaro Pires, bacbarel em Leis, lente de Vespera,
1453 — Fr. Lonren^o, lente de Theologia,
1 APJ[\ \ ^^' ^^^^^ ^^ Santarcm, lente de PhUoaophia,
\ Mestre Fedro da Gra^, idem.
1469 — Mestre Joanne Cavalleiro.
ÌBertbolameu Gomes, licenciado.
JoSo Vaz da Porta Nova, doutor, que retocon a Arte de Pastrana.
Femam Ruiz, licenciado.
Mestre Joanne, lente de Fisica»
1486 — Mestre Fr. Jo2o de Magdalena, lente de prima de Theologia,
1492 — Joao Gomes, mestre de GhrammaHca.
1500 — Fr. Rodrigo de Santa Cruz, lente de Theologia e Philoèophia moral.
1501 — Mestre Antonio Martins, lente de Grammatica de Patrona ou Arte velha.
1504 — Fr. JoSo Claro, Vespera de Theologia,
1505 — Joao Garda, mestre de Grammatica, é aposentado com bonras e prìvile-
gios de lente.
A UNIVERSÌDADE SOB A DICTADURA MONARCHICA 189
Serie dos Reitores da UnlTersldade emquanto foram de elelgao esoholar ^
1288 — Frei André UrsinuB, lente de Santos Padres?
1290 — Mestre Gerardo, lente de Theologia.
? — Mestre Agostinho Bello, lente de Aites, e depois de Theologia.
1330 — Mestre SimSo da Cruz, lente de Theologia.
I^AR ( O^onfalo Miguens, bacharel em Degredos.
1 ? Prior de S. Jorge, bacharel em Canones.
1378 -^ D. Martinho Domìngues, conego de Evora.
1384 — Lanzarote Esteves. ' \ '
1387 — Lopo Martins, sacerdote.
1388 — Vicente Affonso.
1390 — Lan9arote Esteves.
1393 — Vasco Esteves, vigario de S. Thoraé.
1 ^<W5 I V*flco de Freitas.
( Diogo Affonso.
* o \ Salvador Rodrigues (ou Alvaro Boiz, segundo Figueirda), deSo da Guarda.
( Affonso Diniz, conego de Braga.
1398 — Vicente Affonso.
1400 — Doctor Joao das Begras.
1408 — Fr. Joào Vargas, lente de Theologia.
I4.lȓ I ^^*^6^ Anes, prior de S. Fedro de Alemquer.
i Joao de Alpoim, sacerdote.
1417 — D. Fedro Escacha (serve por elle :
— Fedro Gon^alves, prior de Santa Maria de Obidos.)
111 R \ *^^^^ Affonso, escolar de Leis (servindo por D. Fedro.)
( Gii Martins.
I49<ì S- ^*®^® ^^> escolar de Canones.
i Ricardo Faim, escolar de Leis.
145Ì1 i ^^^^^ Estevain, vigario de S. Thomé.
) Fero Lobato (fàlta em Figueiróa.)
1435 — Vasco Gii.
1440 — Fedro Esteves.
1441 — Gonzalo Martins, escolar Canonista.
^^f^ i ^o™®* Affonso.
i Martim Albo (falta em Figueiróa.)
^^^ I *^^^ ^^ Elvas, lente de prima de Canones.
I Gonzalo Garcia de Elvas, lente de prima de Leis.
-ìAMK \ *^^^^ ^^ Elvas, lente de prima de Canones.
i Bartholomeu Gomes, lente de prima «Le Leis.
1478 — Lopo da Fonseca, licenciado.
1 Nas Memoriaa da Universidade de Coimbra^ do reitor Figueiróa, vem està
lista de reitores menos desenvolvida. Vide Annuario da XJfdvertidade^ de 1876 a
1877, p. 214 a 216.
190 HISTORIA DA ÙNIVERSIDADE DE GOIMBRA
1481 \ *^^^^ Foga^a (falta em I^eirda.)
( Gon9alo Annes.
1487 — FernSo Lopes.
1493 — Alvaro Martina (ou Anes), capell&o da Bainha.
1494 — Rodrigo Caldeira, lente de prima de Canones (em logar de Alvaro Anes.)
t Alvaro Martìns (falta em Figaeiròa.)
( Mestre Jo2o de Maddalena.
1499 — O bispo de Fez (D. Francisco Femandes, mestre de D. BlanueL)
CAPITULO IV
is Llrrarlas manoscriptas do secnlo XT o a dascoberta da Impressa
Aa Livrarias daa CoUegiadaa e epiecopaes Bnccedem-se as magoificas Livrarìaa doe
reis e princìpea. — A opuleDcìa daa copiaa e illiuniDuraB e exaggera^So doa
pre^s doB livros maDuacrìptoa. — Caracter hìstorico e litterario daa Liviarìaa
principeacaa do aeculo it. — As bibliotfaecaa piÌDcipeacaa abandam em tra-
ducfòcs. — Os livrea destinados ao ubo pablico, ou Eneadtado». — Gino de Pia-
toia e Bartbolo. — Livroa facultadoa pelo Unnicipio de Liaboa para a con-
sulta publica. — EiKadtado» da Uoiversidade — 0 Corpo das Leii deiiado
pelo Dr. Fedro Nunea ao Municipio e emprestado aoa escholarcs.^O cos-
tume doa Eneadeadot da Làvraria doa monges do Fa (o do Sousa. — Os livros
prohibidoa eram tambem tiuadeadoé para se nSo poderem abrir. — A deaco-
berta da Impreiua coadjavao ferver doa Hamaniatas pela antiguidadc clas-
aica, e faz eaqaecer ou dosprezar aa obras pooticaa e hiatorìcaB <*'• ^ ■'* —
taraa da Edade mèdia. — Causa da ruioa e desmembra^ito das Liv
dpeacas. — Beconstrac^o da ZAvraria do rei Don Joào I, que Bt
loB sena filboa.^/jtcraria do rei Dom Daarte, coQhecida pelo C
stai livroi de tao. — Deacrip^ dos principaca livroa d'eata Bibli
Litiraria do Infante Dom Fernando; sea caracter myatico.^A
Condatavd de PorUigal, D. Fedro, que foi rei de Aragio.— 0 aei
officiai em aragonez. — A Livraria de D. Affamo V, reconatraida
ceociaB do chronista Azurara. — Compara^io com aa Livrarìaa
Kainha Isabel a Catholica, do Prìncipe de Viana e do Duqne Fili
— Oiitras bibliotbecaa particnlarea do seculo ir, de que ha noticii
do DoiUor Manganeha, de JoSo Vaequa, de D. Vatoo Perdigà
Evora. — Ob eruditoB deaprezam a Litteratura da Edade mèdia, pi
a eradi^flo classica desde o firn do aecnlo xv. — A quebia da soli
coDtinuidade hiatorica torna maia dìfficil a aotn^So da crise da rei
do poder espirìtual. — A descoberta da Polrora e da Impreusa to
malica a grande crìse.
Na transigSo da civilÌBa9So polTtheica para o christianisi
timento aervìa de apoio ao novo regimen social em que entr
cidentfl, disciplinando-se na moral com qae o catholicismo
prolongado regimen da Ildade mèdia atravéa de todas as peri
192 HISTOBIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Quando a synthese theologica se tomou impotente para manter a una-
nimidade dos credulos^ a emancipatilo das consciencias tomou um exclu-
8Ìyo caracter intdlectual, corno yimos pela livre critica doB Ontologiàtae,
e social^ corno TÌmos nos esforgos dos Jurisconsultos para fundarem a
auctoridade impesEoal da lei civil. N'e&ta forte decomposi^So do regi-
men medieval e recompo8Ì92lo da sociabilidade moderna, faltou & intel-
ligencia e activìdade a presidencia do sentimento, circumstancia que ag-
graTOu a transi^fio tomando-a prolongadamente revolucìcnaria. Comte
poz em evidencìa este ^specto: «a transi^So moderna abrangeu simul-
taneamente a intelligencia e a actividade, mas deixandò de parte sem-
pre o sentimento. Isto resumé os caracteres essenciaes da reyolu9So
Occidental. Destinada a desenvolver os elementos theoricos e praticos
da civilisayào linai, dèsprezou o regulador geral da existencia humanav.'
O sentimento, separado da emo^So religiosa, jé, tinba sido nitida-
mente expresso na idealisa^So da vida domestica e publica nos poemas
da Edade mèdia; as novas litteraturas, fixadas pelas linguas vulgares,
eram Terdadeiramente o orgào destinado a activar a cultura do senti-
msnto e a dar-lhe a presidencia definitiva, conduzindo do ideal de Pa-
tria, que surgia em cada nova nacionabdade, para o ideal de Huma-
nidade, que resultava da solidariedade historica da antiguidade clas-
sica e catholico-feudal para a Europa moderna. Infelizmente essa so-
lidariedade foi quebrada, e as novas Litteraturas que brotaram das
tradÌ98es da Edade mèdia cairam no desprezo diante da admira9S[o
dos exemplares greco-romanos. O exame das Livrarias manuscriptas
do seculo XV evidenceia este conflicto.
Os reis, que procuravam concentrar a dictadura tempora! no melo
da agita9So que resultava da dissolu98o do regimen cathollco-feudal,
assim comò pretendiam disciplinar os espiritos submettendo à sua pro-
tec9lo as Universidades, taibbem fundaram as opulentas bibliotbecas
do seculo xVy onde foram reunidos os mais esplendidos livros manu*
scriptos do saber medieval e da antiguidade classica, de um valor in-
calculavefl pelo esmero artistico das copias, das illuminuras, da'ìs en-
caderna9Ses, e pela sua extrema raridade. Possuir uma Livraria era
a ostenta9So de uma riqueza, que era titulo de soberania e apanagio
de um grande prmcipe; sSo conbecidas as Livrarias de Isabel a Ca-
tholica, do rei D. Duarte, de Filippa Sforza, do Principe de Viana,
de Condestavel de Portugal, de Carlos vi, e do Duque de Anjou. Os
> Systhmt de Polilique positive, t. iii, p. di 4.
UYR ARUS MANUSCRIPTAS DO SBCULO XV 1 93
reiB preoccnpavam-se com a existencia de um novo poder moral, o jal-
gamento da opìniSo, e chamavam a si os letrados para escreverem as
chronicas dos seus feitos; os principes subsidiavam traductores dos li-
TroB antigos para as lingaas vulgares, tornando accessiveis as idéas
theoricas da moral^ que vieram a servir de base crìtica centra Roma na
època da Reforma, e as doutrìnas polifticas sobre a fórma de governo
com que o individualismo protestante reagia contra as monarchias. Nos
dois seculos anteriores^ floresciam as Livrarias das Collegiadas e epis-
copaes, repletas de collec^es de leis canonicas e romanas^ de especu-
la93eB scholasticas e de moral patrologica. No secalo xv òs Livrarias
principescaS) que por assim dizer se dispersam ou desbaratam com a
descoberta da Imprensa, que actuou sobre o criterio e o gostO; apre-
aentam urna predilec^fto decidida nos espirìtos pelas obras de historia,
de moral e politica, e pela poesia cavalheiresca das epopéas mediévi-
casy pelos cancioneiros e relafSes de viagens. Entro esses livros desta-
cam-se os exemplares dos escriptores gregos e romanos, em um syn-
eretismo espontaneo, que se interrompe com a descoberta da Imprensa.
Quando se espaiha a nova fórma de reproduc92Lo dos livros, todo o em-
penho da sua applica9So incidiu sobre os manuscriptos greco-romanos,
que vém alimentar a paix^ exaltada dos humanistas; as obras da Edade
mèdia caem rapidamente em um desprezo desdenhoso dos sabios, con-
tinuando apenas a merecer a predilec92Lo das mulheres, que compre-
hendiam melhor a idealisa$%o dos sentimentos cavalheirescos e das alle-
gorìas amorosas, do que as phrases rhetoricas de escriptores cuja acti-
vidade montai coincidira com a decadencia do reg^en polytheico.
O arrebatado Carlos vi lia, comò D. JoSo i e o Condestavel Nuno
Alvares, os Romances de Saint Groud, de Lancdot do Lago e o Tris-
tan; para elle traduziu JoSo Galeim o Regimento de Principes de Gii
de Roma, bem comò a vida e feitos de Julio Cesar. Isto em 1397. Ao
mesmo monarcha, vencedor de Roosbeke, dedicou Honorè Bonet a
Arvore das BcUalha^. Tanto este comò alguns dos livros mencionados
figuram na livraria do rei D. Duarte, que se rodeàra de todos os livros
que entSo constituiam a educagSo de um prìncipe. Na livraria de Luiz,
duque de Anjou, tio de Carlos vi, guardava-se imia traduc^So de Va-
lerio Maximo, a Cidade de Deus de Santo Agostinho, a Vida dos Po-
d/re», a Politica de Arìstoteles, e o Regimento de Principes, Luiz xn
trouxe de Italia, entro outros volumes de Visconti e dos Sforza, um
livro em que estavam reimidos o Saint Graal, Merlim e os Sete Sabios.
Ob livros communs a estas bibliothecas reaes e prìncipescas revelam-nos
urna corrente de gesto dominante, que ainda no seculo xv vae cair na
BIST. UN. 13
194 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
paixSo popular, abandonada com desdem pelo pruridó erudito da anti-
goìdade investigada pelos humanistas.
A admiragSo pelas obras prìmas da antigaidade classica e o des-
prezo pela Edade mèdia, caracterisam o estado montai dos eruditosi
jorisconsultos, humanistas e metaphysicoSy para quem a coltura do
sentimento estava completamente substituida pelo rigor intellectual|
auctoritario e pedante. Escreve Comte, observando o caracter negativo
da RevolugSo occidentale pelo abandono da synthese absoluta ou theo*
logica: «O Occidente achou-se levado a desconhecer, e mesmo reprovar
o conjuncto da Edade mèdia, e sobretudo a divisSo fundamental dos
dois poderes. — E verdade que o desenvolvimento continuo da intel-
ligencia e da actividade determinou espontaneamente uma admira^So
xmiversal pela ciyilisa92Lo antiga, viciosamente julgada pelo monotheismo
defensivo. Mas està regressSo empirica era proveniente mais do odio &
Edade mèdia do que do amor da antiguidade; assixn o confirma a pre-
ferencia geralmente concedida aos Gregos sobre os Romanos, segundo
a natureza mais intellectual do que social da revolugSo moderna. A
cadeia dos tempos occidentaes achou-se desde ent2Lo quebrada mais
gravemente do que depois da continuidade devida ao catholicismo.» '
As litteraturas das novas nacionalidades formadas na Edade mèdia
idealisavam situa93es da vida domestica e publica sob a sua fórma
sentimental ou a£fectiva; emquanto os eruditos desprezavam essas crea-
93es modemaSy preferindo os exemplares antigos, as mulheres conti-
nuaram a amar a Edade mèdia, nas novellas de cavalleriai na poesia
trobadoresca ou de cancioneirO| e no mysticismo. e Por isso, comò diz
Comte, desde o inicio do movimento moderno, sem nada pronunciarono
sobre a antiguidade, aspiraram espontaneamente & Edade mèdia.» '
1 Systhme de PoUdque potUive, t. ni, p. 515.
«^ É extremamente carìoBo o modo corno JoSo Loiz Vives, que juntamente
com Erasmo e Badeue formava o triumvirato do humanismo na Renascen^ con-
demna no seu livro De IfuUtuHone Foeminae ehrùUanae todas as obras das litte-
raturas da Edade mèdia:
«Que uso è este, que j4 se nSo acoeita comò can^So aquella que nSo for ob*
scena. Deviam tomar conta d*Ì8to as leis e os fóros, se os govemantes quiserem
que as consciencias se n2o contaminem. Deviam fazer o mesmo d'esses outros livros
vàos, que sSo : Em Hespanha, o Amadis^ Ilmsandro, Tirante^ TriMo de Leomt,
Celestina, a alcoviteura, m2e da malvadez ; em Franca, Lan^rote do LagOy Pam
# Vianoy Ponto y Sidonia^ Fedro do Provenfo^ e 3£agalona^ Melusina; e em Plan-
dres, Flaree e Brancaflor^ Leonela e Cananior^ Curiaa e lìoreta, Pyramo e Tube.
Ha outros tradozidos do latim em vulgar, corno sSo as infacetisaimas FacecioB e
Gra^aa desgra^adas de Pogio, e as Cem NoveUaa (Decameron) de Joio Bocacio,
i
1
LIVRARIAS MANUSGRIPTAS DO SECULO XV 195
A paizSo pelas obras prìmas da antìgaidade greco-romana, qae
idealisaram a coiicep9So polytheica decadente, mal se pode explicar
pela emo9So esthetica em espiritos edacados sob a onidade do mono-
theismo occidental. Essa paixSo, qae se apoderou dos eruditos e dos
politicos, era a resultante do caracter da revola9So em que se elabo-
raram as fórmas da sociedade moderna, revoluySo tntelleducd, corno se
ve pelo individualismo anarchico dos pensadores, e social, comò se pa-
tenteou nos movimentos dos Paizes Baixos, Inglaterra e Franca, que
iundam a liberdade e a egualdade civil. Nas obras da litteratura grega
foram os pensadores encontrar as doutrinas theoricas para a moral e
para a especulagSo critica, e nos escriptores romanos o conhecimento
de uma vida publica quasi sociocratica, que se prestava comò exemplo
para a actividade. Comte accentuou muito superiormente este aspecto
sempre mal comprehendido da llenascen9a, e do desprezo pela Edade
mèdia.
O rei D. Duarte fala com enthusiasmo da leitura dos bons livros :
cE posto que aa primeira pareva nom sentirem proveito de ò veer nem
ouvir, saibam que o leer dos bons livros e boa conversa9So faz acre-
centar o saber e virtudes, conio croce o corpo, que nunca se conbecoi
senom passado per tempo: de pequeno que era se acha grande, o del-
gada fomido; e assy com a gra^a do Senhor o boo studo, filhado com
boa tenjon do simpres faz sabedor, do que bem nom vive, temperado
e virtuoso. E de tal leer avemos tres proveitos: primeiro, despender
aquelle tempo em bem fazer; segundo, acrecentar em boa sabedoria;
terceiro, por o cuidado, quando estiver ocioso, avendo lembran$a do
que leeo nom se occupar em alguns nom boos pensamentos, ante re-
tornando ao que aprendeu acrecentar em boo saber e virtudes.» ^ De-
tivroB todoB elles escriptos por homens ociosos e desoccnpados, sem letras, cheios
de yìeios e sordidez, nos qu&es eu me marayilho corno se pode achar cousa que
de deleite a nSo ser que os nossos yicios nos tragam tanto al retòrtero ; por que
doatrma e virtude, corno a darìU> os que nunca a lobrigaram? Pois quando se me-
tem a contar alguma oonsa, que prazer ou que gosto pode haver onde tSo aberta,
tio tela e descaradamente mentem?. . . que agudeza, ou que de bom pode haver
«m uns escriptores conbeoedores de t£o boa doutrìna (a sensualidade) que em sua
vida nunca leram um bom livro? eu por mim digo em yerdade, que nunca vi, nem
•avi dixer que Ihe agradavam obras d'este genero, senSo às pessoas que nunca
tooaram nem viram um bom livro, e eu tambem fiz d'essas leituras algumas vezes,
mas nunca achei vestìgios alguns de bom engenho.» (Cap. y, ap. Obrcu escogidas
de FUwophoe^ p. xxxy. Coli. Biyadenejra.»)
^ Leal Consdheiro^ p. 7.
13*
196 mSTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
pois da leitiira o rei D. Duarte aoonselhava as traduc93e8, e ensinava
o modo corno se deyeriam fieizer. Victor Le Clero observou eate caracte-
teristico das livrarias do secalo xv: cAs bibliothecas do clero pos-
Buiam de ordinario os auctores latinos no originai; os seculares em
traduc^8e8.9 ^ D. Duarte mandou fazer um grande numero de traduc-
98089 e na sua Uvraria prevaleciam os livros em linguagem, por oastd^
làoy por portuguez, par aragoes. Na livraria do Condestavel de Portugal
abundavam os livros em francez, nSo so por quo cera naquelle tempo
a lingua franceza estimada e corrente entro os principes por cortezft e
polida,» comò refere Fr. Luiz de Sousa, mas porque era a lingua em
qae existiam mais traducfSes. Paris era entZo o grande mercado dos
livros; OS preyos por quo se vendiam eram fabulosos, ' e so accessiveis
às bolsas de principes^ que se nSo pejavam de pedirem livros empres-
tados ims aos outros^ e de deixarem corno garantia d'elles valiosos pe-
nhores. A riqueza da illuminura influia no seu alto valor; havia em
Portugal urna verdadeira eschola de illuministas. Do manuscripto do
Lecd Consdheiro, de el-rei D. Duarte, n.^ 7007 da Bibliotheca de Paris,
escripto em gotico sobre pergaminho, e em duas columnas, diz o vis-
conde de Santarem: cAs letras capitaes, ou iniciaes, em principio de
cada capitulo, sSo admiravelmente desenhadas e illuminadas com pri-
morosas cores, muitas vezes recamadas de curo, e cujos accessorios
occupam pela maior parte toda a extensSo da columna em que 0 capi-
tulo principia.» Em nota diz 0 illustre philologo: e A execufào caUi-
1 HisL liUeraire^ 1 1, p. 355.
' ApontamoB o pre^o de certos livrea, que se acham cotados dob catalogos
de algODs reifi e principes do secnlo zv, e que tambem se guardavam na liyrarìa
de D. Dnaiie : Traye lagrant^ 32 livrea parìsis. — Lancdot du Lac^ 125 livrea; (em
1404 cuatara 300 eacadoa de euro; Tito Livio^ 150 livrastomezas, e 500 um esem-
plar illuminado : Tito Livio eBoedo, em 1397 cuataram ao duque de Orleans, 337
livras e 10 soldoa tomezea. A traduc^ao latina daa nove partes de Ariatoteles, em
1340, custara a un religioso de Saint Bertin, 21 aoldos. Noa livrea de Joilo de
SuSres de 1365, vem os seguintea pre^oa: Merlim^ 15groS, Troie la grant, 12gros»
A Rosay 4 florina; Galaaz^ 4 florina; mn cademo de TVtVan, 1 florim; e um oatro
TrUtatiy 20 francos de euro. Le Clero, Eist litteraire, t, i. p. 335.— No Catalogo
dos Biapoa do Porto, p. 59, cita-ae o testamento de D. JuJi^o, de 1298, em qae vem
o pre90 de um Codigo^ por 50 morabitinoa, e de umaa Deerttaet^ por egual quantia:
«Item, mandamua Velaaco Facondi Theaaurarìa Eccleaiae Portucalenaia, quinqoa-
ginta morabitinoa in quibua emat unum Codtoem legalem. Item, mandamua PetM
Femandi Canonico nepoti noatro, quinquaginta morabitinoa, in quibus emat unum
volumen Decretalium,»
LIVRARIAS BIANUSCRIPTAS DO SECULO XV 197
graphica d'este codice é mai superìor & do codice que encerra a Chro-
fiica da Conquista de Guiné por Azurara.» Na edÌ9So de 1842, vem o
fac-^imile da prìmeira pagina do texto, em que se ve um primoroso
specimen da illuminnra no secolo xv em Portugal. Condue a citada
auctorìdade: <a calligraphia e a arte da illttmina9fto dos pergaminhos
estava levada a grande perfeÌ9So em Portugal muitos tempos antes que
«I-rei D. Manuel subisse ao throno, e qae por sua ordem se execu-
tassem os admiraveis Codices dos BrazSes que se conservam no real
Archivo da Torre do Tombe, e em poder do Armoire Mór, bem corno
OS sumptuosos Livros chamados de Lettura nova; mostra finalmente
quanto està arte se achava entro nós aperfeÌ9oada antes do nascimento
do celebre Perugino, mostre de Raphael e do nesso Gram Vasco; pois
a nesso vèr oste Codice foi escripto entro os annos de 1428 e 1437^
visto que tendo sido trasladado a rogos da rainha, so iste poderìa ter
legar depois do prìmeiro anno, que foi o do seu casamento, e o de 38,
que foi o da prematura morte de El-Rei.» ^
Garcia de Resende, na Miscellanea, que vem no firn da Chronica
de D. JoSo n, descreve os progressos da calligraphia e da imprensa,
e a arte da illuminura:
E yimoB em nossos dias
A Utra de fórma achada,
Com que a cada passada
Crescem tantas livrarias,
A sciencia é augmentada.
e mais abaixo:
PirUorea. luminadores
Agora no carne estam
£ ha em Portugal taes
TSo grandes e aaturaes
Que vem qiuui ao olivel.
Garcia de Resende atrevia-se a comparar esses artistas com Ra-
phael e Albert Durer. Na Chronica da Conquista de Ghiùié, de Gk)mes
Eanes de Azurara, vem um bello retrato do Infante D. HenriquCi
quando estava de luto. A carestia dos livros fazia com que se guar-
dassem com todas as cautellas, prendendo por correntes aquelles li-
^ Visconde de Santarem, Introduo^So ao Leal Conèelheiro^ p. zr.
198 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
YT08 qne eram destinados & leitura publica; catenaitis, quer diaet
segando Le Clero, o livro permittido ao uso commom. Os livros de
leis, neces&arioB para defenderem os interesses individuaes, foram no
secolo XV facaltados ao publico por melo de correntes, no monicipio
de Lisboa; Bartholo, e as Leis.romanas ahi eram consultadosi e mesmo
emprestados aos escholares.
A importancia das dontrìnas de Bartholo nos tribunaes porta-
gnezes apparece revelada em urna Carta regìa de 18 de abrii, de 1426|
em qne à Camara municipal de Lisboa se mandam entregar dois livros
contendo o Codigo, a Glossa ou commento de Cino da Pistoia, e as
Condusòea de Bartholo, ficando encadeados para uso commum: cporqae
OS tralados de tirar de latim em lingaajem nom som tam craros, q os
homes q muyto nom sabem os podessem bem entender, por esto nos
trabalhamos de fazer hua decraragào em cada bua ley e na grossa e
nò bartalo; q de sobrello he escripto, polla q' mandamos aos nossos de-
sembargadores, q per aquella decrara9om fa^am livrar os feitos, e dar
as Senten9a8 ... E vos poSem estes liuros na Camara desse Concelho,
presos per hHa cadea bem grande e longa. E nom os leixees a ninguem,
salvo aaquelles que feitos ouverem ou a seus procuradores ou sse
temerS daver alguns feitos. E esto seja presente o escripuam da dita
Camara. Ende al nom fayades.» ^
Depois do recurso dos livros encadeados para os cstudantes pobres,
encontramoB os livros emprestados pela Camara municipal de LisboEi
por disposi(fto testamentaria do Dr. Pero Nimes, em beneficio dos es-
colares em leis. Em urna escrìptura de 28 de Janeiro de 1466, obri-
gou-se por publico instrumento o escolar em leis JoSo Femandes, apre-
sentando comò fiador seu pae FemSo de Cintra, a restituir à Camara
municipal de Lisboa os livros que Ihe foram emprestados por ser es-
colar e parente bem ckegado do Dr. Pero Nunes: ccinqao liuros que
som huu corpo de lex^ convem a saber: hSu volume e hSu codigo, e
hfiu dgeesto novoj e outro dgeesto velho e huu esforgado.9 Estes livros
tinham sido legados pelo Dr Pero Nunes: cpara por elles aprenderem
OS escoUares e filhos de 9Ìdad&os eparentes seus, que aprender quizes-
sem de direito.» Pela escrìptura refenda era o escolar obrìgado a re-
stituir OS volumes d'esse Corpus Jurìs comò os recebera bons^ limpos
e encademados, ficando ao contrario sujeito & pena de trinta mil reaes
^ lAvro dos Prtgos^ fi. 216 f. Ap. Ekmentos para a Historia do Munieipiodé
Idsboa, 1. 1, p. 312.
UYRARIAS MÀNUSCRIPTAS DO SECULO XV 199
irancos ora correntes, com todas custas e deepezas, perdas, dapnos que
por elio receberem e fezerem.» ^
Na Carta ii do abbade Frei Joham Alvarez, aos monges do Pago
de. Sousa, datada de Bruxellas em 1467, ainda se fala no costume dos
fivros encadeados: cPrimcìramente vos sabees bem, corno ao tempo
que eu cheguey a esse Moesteiro, hy nom avia nenhum livro da Rregra
de Sam Beento em nossa lingoa, nem tam soomente huum de vos oa-
troB Monges nom sabia cousa nenhnua da Regra: e eu vola tornei em
Imgoagem, e a paso nesso Moesteiro, bem scripta em letra redonda em
huum liuro de pergaminho com sua cadea e cadeado posto na estante do
Cabydo . • . » *
No testamento do Doutor Manganella de 1447 , referindo-se à Li-
braria do Collegio que funda, repete està mesma clausula: aE que os
meua livros se ponham por cadeas dentro das ditas casas.»
Sobre este costume de conservar os livros prezos por correntes
para a leitura commum, escreve o sabio Victor Le Clero, na ESsUdre
lùteraire de Franca au XIV^ siede :
«As fortes fechaduras e a excommunhSo n^ foram as unicas pre-
caugòes centra os furtos: era uso quasi goral o encadear os livros.
cEstas cadeas foram algumas vezes uma punigSo infligida às obras
suspeitas. Os franciscanos do Oxford, que tiveram modo dos livros do
seu confrade Bogerio Bacon, pregaramos com cravos compridos, que
nSo deixavam folheal-os, fìcando livre o accesso à traga e & poeira. NSo
se perdeu a tradigào, por que em 1473 os livros dos Nominalistas, por
ordem de Luiz xi foram prezos por cadeas, ou póstos a ferros, corno
diz Robert Gaguin, para nào serem cdespregados, e abertos, senSo outo
annos depois, em nome do mesmo rei e do preboste de Paris, que de-
clara que de futuro cada qual estudari n'elles o que quizer. Na Uni-
versidade sómente a nagào allemS recebeu com jubilo està auctorisagSo
de ler taes livros; mas, por ventura, leu-os menos do que quando eram
prohibidos e cravados.
cA mais das vezes, a cadèa que prendia o volume ao pulpito por
um annel passado na lombada da encademagSo, nSo era senSo uma
garantia de seguranga, e a fòrmula — Incatenabiiur, era antes detudo
nma recommendagSo que significava que a leitura nSo era probibida.
1 Livio u Mistico dos Reis^ fl. 42; apud Elementos para a Historia do Mum--
* €Ìpio de IMoa, 1. 1, p. 828.
* Ap. J. P. Ribeiro, DisserL ehron., U i, p. 370, ed. 1860.
200 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Sobre os livros da antiga Sorbonne que estavam à disposi^So de todos
està inscrip9^ era. commum. 0 catalogo doa dominicanos de Dìjon^
em 1307^ revela*nos que ob commentarios de Frei Thomaz sobre os
quatro fivangelhos nSo eram lidos entre elles senSlo com a condiy&o:
Habentur in catenis, Em 1318^ o cardeal Michel du Bec, no seu tes-
tamento datado de Avìgnon^ imp3e aos carmelitas de Paris^ legatario»
dos seus livrosy a obriga9So de os terem encadeados. Os livros da Ab-
badia de Marmoutiers ainda estavam encadeados no secalo passado.
A inten9So d'està disposigSo nSo soffire davida ante o legado de Phi-
lippe de Cabassole, em 1372^ aos conegos de Cavaillon, corno tambem
no qae fez em 1438, & egreja de Saint Omer^ o prevosto Quintin Mi-
naret do grande diccionario latino o Cathaltcon transcripto no secalo
precedente: statxAendo ipsum librum concatenatum in choro munere, ut
in ipso aliquid videre'seu legere cupientes faciliorem fiaberet vcdeant ac-
cessum.
cTemos ainda outras provas, de que no recinto do còro nSLo se
depositavam sómente os livros liturgicos encadeados^ mas sim obras
litterarias e philosophicas. Em 1374, a fabrica da Egreja de Treguier
pagou nove soldos e nove dinheiros — para encademar um livro cha-
mado Filosogium (Philologium ou Sophologium?) que mecer Jean Gou-
rion, no seu testamento deixou para ser preso ou eneadeado no c6ro
da dita egreja. —
e A Italia, permaneceu fiel, nas suas bibliothecas, a muitos usos
antigos, taes comò os armarios à altura de apoio, comò no Vaticano,
e OS livros encadeados^ comò os de Malateati, em Cerena, e urna parte
dos da Laurenciana de Floren9a. . .
cMesmo em Franca o uso das cadeas para os livros, permaneceu
por multo tempo. Em 1553, Josse Clichthove, legando alguns dos seus
livros à casa de Navarra, quer que elles estejam sempre presos, td
Ulic semper affixa maneant ad usum studantium et litteratorum, Em
1718, OS livros da Abbadia de Saint- Jean des Vignes, em Soissons,
continuam a estar presos por cadéas. Muitos manuscriptos e alguns
livros impressos que se conservam nas grandes bibliothecas francezas,
ainda tém as ferragens que os prenderam outr'ora às estantes.» ^
Ainda no fim do seculo xvi prevalecia na Livraria da Universi-
dade de Coimbra o costume medieval dos livros presos por cadeas;
costume consignado nos Estatutos de 1591 e que passou para os de
1 Op. cit., 1 1, p. 359 e 360.
UYRÀRIAS MANUSGRIPTAS DO SEGULO XY 201
1653 sem reparo: cAverà na Universidade urna liyraria pnblica, na
qual estarSlo os livros de todas as faculdade em estantes ou almarios,
presos por cadeas, e repartidos e ordenados na melhor maneira e ordem,
que puder ser para bom concerto. £ a pessoa que tlver cargo da dita
casa e chave d'ella, sera bom latino, e saberi grego e hebraico, sendo
possi vel; e terà conhecimento dos livros para os saber ordenar, e dar
razSo delles.» ^
Depois da deecoberta da Imprensa, os livros escholares eram al-
lugados em folhas dobradas em quatro partes {quatemìis^ oademo e
Cahier) estabelecendo-se ama taxa para este commercio. Quando se es-
tabeleceu a censura dos li^os, as obras que tinham de ser postas A
venda eram taxadas no seulpre^o pelo numero de pliegos ou folhas de
que constavam, segnndo e antigo uso das Universidades.
Um dos grandes factores da Renascen^a foi indubitavelmente a
descoberta e vulgarisa^Slo da Imprensa, fazendo prevalecer o livro
sobre a palavra iste é, convertendo a in8truc9So por via da aucta-
Tìdade em um desenvolvimento autodidaeta ou individualista. Àlém
d'isso, generalisando as obras primas da antiguidade greco-romana,
revelou que existiam tambem no9(!les moraes fora da Biblia, e pelo
trabalho dos prelos promoveu-se a fórma escripta das linguas e lit*
teraturas nàcionaes, que deram por este facto um enorme relévo ao
sentimento de patria. A descoberta da Imprensa communicou-se muito
cedo a Portugal ; lémos no Boletim da Sociedade de Geographia, a
seguinte communicafSo de Buckmann: «Em 1460, alguns negociantes
d'està cidade de Nuremberg informaram o governo real de Portugal
da descoberta e utilidade da Imprensa feita por Gutemberg e Faust
em MayenQa. Um Cardeal, ou o prior de um grande convento de
Coimbra (Santa Cruz?) mandou vir em 1465 os primeiros typogra-
phos de Nuremberg para Portugal, onde elles imprimiram de 1465 a
1473 em um Convento os auctores gregos e latinos, e muitos livros ec-
desiasticos, comò por exemplo S. Thomaz de Aquino, etc. — Segundo
urna velha chronica estes impressores que vieram a Portugal era Ema-
nud Semona (Simon) de Nuremberg, e Christophe Soli de Altdorf;
ensinaram muitos discipulos, e immediatamente a Typographia espa-
lhou>se por todo o reìno de Portugal.»^ Estes factos concordam com
a celebre nota manuscripta das Coplas do Condestavel D. Pedro, vista
1 EbUU., liv. n, tit. 46.
^ Bólet. da Soe, Geographia^ 2.* serie, p. 674.
202 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
pelo conde da Ericeira na Livraria do conde de Vimeiro; n'essa Nota
se diz: tEste livro se imprimiu seis annos depois que em Basilea foy
achada a famosa Arte da impressào.^ ^ A ìmprensa foi introduzida em
Bazilea por Berthold Rot, o qoal ainda eni 1468 trabalhava em Mo-
goncia ; Berthold nSo datava nem assignava os seus impressosi e so a
come9ar de 1474 é que ali se acha um outro impressor Bernard Ri-
chel rubricando todos os seus livros. * Bernard, nas Origens da Im-
jnrensaj considera Richel corno successor de Barthold, e por tanto a acti-
yidade de Barthold circurnscreve-se em Baziléa desde 1468 a 1473.
Se & data de 1468^ em que come9a a imprensa em Bazilea, ajuntarmos
seis annos, segundo a nota manuscripta das Coplas vista pelo conde
Ericeira, conclue-se que estas foram impressas em 1474, na època em
que trabalhavam entro nós os dois impressores de Nuremberg.
Infelizmonte, apesar de todos os privilegios de nobreza dados
aos impressores, a Typographia pouco se desenvolveu materialmente,
e quasi nada codjuvou o movimento da Rena8cen9a e a vulgarisagSo
da litteratura nacional. ^ Percorramos agora, por urna paciente recon-
strucfSLo historica, as sumptuosas Livrarias manuscriptas de Portugal
no momento em que se gcneralisava a Imprensa, que, além de outros
factores, veiu tambem influir para a sua completa dispersfto.
* Ap. Collec^ào do» Doc da Academia de Hist, 1724; n.® xxin.
* Auguste Beruard. De Vcrigine de Vlmprimerie^ t. ii, p. 120.
3 Dos novecentos volumes impressos em Portugal em todo o seculo xvi, quasi
duas ter^as partcs foram de Theologia.
No seu opusculo A Imprensa portvgueta durante o eeculo xvi, escreve o sr.
Tito de Noronha: «Os generos em que se dividem os 900 obras sahìdas dos prelos
em Portugal durante o seculo zyi, sSo conforme a rapida aprccìacSo d'ellas os se-
gttintes: (p. 13)
Theologia e Mjstica 406
Litteratura, poesìa, etc 160
Polygraphia ^ 127
Historia, viagcns, e rela^òes 101
Direito e Legisla^So 60
Sdencias Naturaes e ezactas 46
"90Ò
LIYRARIAS MANUSCRIPTAS DO SECULO XY 203
Livrarìa do rei D. Jodo I
Demanda do Santo Ghraal.
Este manuscripto portngaez das novellas da Tavola Redonda do
periodo de mata9So de verso para prosa, é urna livre paraphrase da
novella franceza que tem por titillo La tìerce paréte de Lancdot dù lac
avee la Queste du Saint- Oragli et de la demière partie de la Table-Ronde,
que foi muito apreciada na cdrte de D. Jofto i. Consta de 199 folhas
de pergaminho a duas columnas, com o titillo A Historia dos Cavai-
leiros da Mesa redonda e da demanda do santo Crraal, EstSlo publica-
das até ao presente 70 folhas pelo Dr. Karl von Reinhardstoettner (Ber-
lini, 1887.) Na foiba 21 lé-se: cMas esto nom ou&ovl mndaT ruberie de
borem (Robert de Borom) de franees em latim, porque as puridades da
santa egreja nom nas quis elle descobrir; ca nom convem que as saiba
homS leigo. E doutra parte auja medo de descobrir a demanda do
SANTO GBAAL, assi como a verdadeira storia o conta de latìm . . . i» E
ainda na foiba 129 se refere a um texto latino anterior à redacgSo fal-
samente attribtdda a Roberto de Borom: «ca o nom achei em francez,
nem Borom nom diz, que en mais achou na grande storia do latìm, de
quanto eu vos conto.» E evidentemente uma referencia ao Liber Gra-
dalis, em qae um monge do seculo vm consignara a lenda da vinda
de Joseph de Arimathia à Bretanha, cuja egreja disputava por isso a
primazia à de Roma; através das amplificagSes de GeoiSroy de Mon-
mouth é que Roberto de Borom conheceu a. tradifSLo bretS, que elle
poz em verso no poema de José ab Arimatìiia, e que ampliiicadores
anonymos, servindo-se do perstigio do seu nome, desenvolveram em
prosa franceza, no seculo xni, dando relSvo a alguns nomes, como Uter-
Pendragon, Artur e Merlim, tomados da Historia Britonum, de Nenius, *
O Ms. portuguez pertence & Bibliotheca imperiai de Vienna, sob o n.®
2594. Estas novellas em prosa constituiam o encanto de todas as cortes
no come90 do seculo xv. Acha-se um esemplar na Livraria de Isabel
a Catholica: Tercera parte de la Demanda dd santo Grial en romance
(n.*^ 143, do catalogo feito pelo seu camareiro Sancho de Paredes.) Na
Livraria do Principe de Viana, de 1461, existia tambem um manuscri-
pto dd sangreal en franees (n.^ 36.)' Està novella existia tambem nas
Livrarias de Carlos vi e de Luiz xii.
1 Paulin Paris, Les Bomans de la TabU-Bondt, Introduction.
2 Mila y Fontanals, Dt Iob Trovadùres en Eepana^ p. 520.
204 HISTORIA DA UNIVERSIDÀDE DE GOIMBRA
Regimento de Principes,
Lìvro escrìpto por G-illes de Rome para dirigir a edacaQfto de Phi-
lippe o Belloy que o nomeou Bispo de Brouges; foi o primeiro monge
augastiniano que se doutorou em Paris. ^ D. JoSo i citou està obra
aoB seus cavalleiros na tomada de Conta eia 1415. Gii de Roma^ no
De Regimine principum (liv. n, P. in^ e. 20) diz que à meza dos prin-
cipes e dos reis se devem fazer leituras em lingua vulgar. Nas cdrtes
do seculo XV o Regimento de Principes era sómente lido em francez. *
Além do exemplar da livraria de D. JoSo i, D. Duarte conservou entre
OS seus livros de uso urna traduc9So portugueza feita a seu pedido pelo
Infante D. Pedro. Villemain descreve està obra que tanto se leu nas
cdrtes da Europa, e que vulgarìsando doutrinas de Aristoteles e S«
Thomaz influiu nas ideias da Bena3cen9a: «Os dois primeiros livros
da sua obra De Regimine principum sfto o directorio da consciencia
para uso dos reis. O terceiro livro é um tratado de direito politico, em
que o auctor examina as diversas fórmas de governo e as leis civis
que Ihes correspondem, discute as opiniSes de Aristoteles, de PlatSo
e mesmo o fragmento de Hippodamo, tSo curioso e tSo pouco conhe-
cido. Gii de Roma é grande adversario da servidfto pèssoal, e so reco-
nhece a realeza quando està se conforma com as leis etemas da ju8tÌ9a.
É partidario da republica nos pequenos estados. Este livro é mais um
esemplo do gr&o singular de cultura que se conservou sempre em al-
guns espiritos da Edade media.» '
Na livraria de Isabel a Catholica (n.° 153) guardava-se uma tra-
duc9ao: Gobemamiento de loa Principes ém romance, pergamino, por
Frai Juan Garcia de Castrojeriz, confessor da rainha D. Maria, ma-
Iher de Affonso xi, em 1340, para instrac9fto de D. Pedro, que se de-
nominou o Cruci, e feita a pedido do mostre do principe o bispo de
Osuna D. Bemabé. D. Jayme, Conde de Urgel, tambem mandou fazer
uma traduc9So em limosino, por Fr. Amai Strangola em 1430.
A Historia geral de Hespanha.
Obra de Affonso o Sabio, mandada traduzir por el-rei D. Diniz^
esiste em Paris na bibliotheca nacional; é comò descreve o illustre
philologo Nunes de Carvalho: cUm volume de pergaminho, caracter
meio gothico, com lettras encamadas em partes e de outras cdres tam-
1 Victor Le Clerc, Hm<. litteraire de la Franee^ t x, p. 61, 88, 84.
2 Id., ibid., p. 438.
3 Tàldeau du Dix-ìudù'hme sihcle, p. 123. Bruxelles, 1852.
UVRARIAS MANUSCRIPTÀS DO SEGOLO XV 20 5
bem nos prìncipios dos capìtulos.» Nunea de Carvalho classificando a
lettra corno do secalo xv, considera este manuscripto corno autogra-
p^o. Falando da primeira foiba, diz: «està foiba tem urna cercadura
de arabescos illuminados a cores e tem as Armas reaes de Portugal
aobre a Cruz de Aviz, e com os escados de modo que se usavam antes
da mudanga que n'elles fez El-Rei D. JoSLo ii em 1488. A primeira
letra do prologo é um O grande de ouro e azul, metido dentro de um
quadrado illuminado a cdres, e dentro do 0 està um Rey com opa de
porpora , corea de ouro de bicos na cabe9ay sentado, com uma penna
na mSOy e diante de si om livro, em que parece estar para escrever.» ^
A este manuscripto parece referir-se o grammatico FemSo de OU-
veira n'este texto: «As digSes velbas saS as que foraS usadas: mas
agora sSo esquecidas comò Egas . . . Sancbo . . . Dinis . . . nomes prò-
prios e ruSLo quiz dizer gidadSo segundo que eu julguey e bil livro an-
tigo o qual foi trasladado em tempo do mui esforgado rey dom JobSo
de boa memorea o premeiro deste nome em Portugal: por seu man-
dado foy 0 livro que digo escrito e estd no moesteiro de Pera longa :
e cbamma-se eatorea geral: no qual achei estas e outras anteguidades
de falar: etc.» '
Na Livraria da rainha Isabel a Catholica, n.^ 108 do catalogo
feito pelo camareiro Sancbo de Paredes, existia: «Otre libro de pliego
entero de mano, que es la historia de Espaiia en lengiuxge portugués,
con tablas boradas guamescidas en cuero bianco, b
A Confissào do Amante.
E um longo poema inglez de John Gower, formado de uma grande
selcerò de contos de origem firanceza, e imitagSes de JoSo de Meung;
extrae assumptos de Ovidio, dos velbos poemas francezes de Lance-
lai, AmadaSy Tristan, Partenopeua de Blois, e cita o Dante. ^ Foi tra-
dozido em portogoez por um conego da egreja de Lisboa, Roberto
Payno, vulgarisando assim na corte de D. Filippa de Lencastre a obra
do contemporaneo de Chaucer.* O livro de JoSo Q-ower divide-tfe em
1 0 editor diz ; «Està primeira pagina ha de lithographar-se.» Porém a edi-
^ foi interrompida a p. 192, e o dr. Nunea de Carralho morreu poucos axinoa de-
poia de avan^ada edade.
^ Ghrammatiea de Lingoagem portugueza^ cap. xxzyj.
3 Confesshn Amantis that is the Sage in englisshe the Confesaion ofthe lover
made and compiled bj John Gower, sq. (London, 1838, in foi.)
4 D& noticia d'està traducQSo, que foi parar a Hespanha, Amador de los Bios,
Hùt de la Liti, espa^ola, t. vi, p. 46
206 mSTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
tres partes; cada urna escrìpta em sua lingua^ latìm, francez e inglez:
Speculum medUantia, Vox damarUis e Confessto amantìs. Està ultima
parte foi traduzida em portuguez. E naturai que aste manuscripto seja
um dos muitoB que Filippo n mandou de Lisboa para a Livraria do
Escurìal.
Livro de Ora^es de tiso do rei D. Fernando,
Entre as raridades bibliograpbicas da Bibliotheca do Rio de Ja-
neirOy para ali transportadas por D. JoSo vi, figura: cum Livro de
OragSea de uso de el-rei Dom Fernando de Portugal, precioso tanto
pela sua muita antignidade comò pelas estampas e desenhos coloridos
de que sSo omadas as suas margens e as vinhetas de seus capitulos.»^
lAvro dos horcu de Santa Maria.
Salmos certos para finados»
Livro da Montaria.
D'estes tres livros fala o rei D. Duarte, corno escriptos por seu
pae D. Jo2o i: cE semelhante o muj excellente e virtuoso Rei, meu
Senhor e Padre, cnja alma Deos aja, fez bufi livro dos horas de Santa
Maria, e salmos certos parafinados, e outro da Montaria.^ Os Livroa
de Horas da Virgem, inspirados pelo novo culto que se propagara ìb
Universidades, eram um pretexto para as bellas illuminuras, para as
composÌ98es de hjmnos e sequencias e para a musica religiosa. Raj-
mundo Lullo, tambem sob o titulo de Horas de Nostra Dona Santa
Maria, escrevera nma collecgSo de cangonetas para serem cantadas*
D'està poesia diz Guardia: té notavel pelos pensamentos audadosos e
pouco orthodoxos sobre o livre arbitrio do homem, sobre a juBtì9a e a
misericordia de Deus. Ali o amor mystico occupa comò de ordinario
um logar consideravel.»^ Na Livraria de JoSo Vasques, do meado do
seculo XV, guardava-se um esplendido livro das Horae BeaJtae Mariae
Virginis.
Na Bibliotheca nacional conserva-se o Libro de Mont&ria composto
por D. JoSo I ttrasladado de um oinginal de mSo escripto em pergami'
nho, que se achou na Libreria do CoUegio da Companhia de Jesus, de
Monforte de Lemos,pdo bachard Manoel SerrSo Paz este anno de 1626.9
1 Panorama, t. vni, p. 230.
< Bemte germanique, t zix, p. 215. Gkurdia allude a urna Ode ao Sér sapremo,
de Lullo, achada na Bibliotheca da Universidade de Coimbra por Heine, que a
oftereceu à Bibliotheca de Berlin.
UVRARIAS BIANUSCRIPTAS DO SECOLO XV 207
O livro qae ostava em poder dos Jesiiitas era o originai quo perten-
cera & Livrarìa do rei D. Doarte, a que este monarcha chama urna
compilafSo. Na Livraria de Isabel a Catholica (n.^ 171-172) existia
um Libro de Monteria, pergamino marca mayor en romance. Otro^ de
los montes e de la monteria mandado escrever por Àffonso XI.
JLivro da Cetraria, que fai d'el-Rei Dom Joào L
Assim apparece citado no catalogo dos Livros de uso do rei D.
Doarte. Entre os livros da rainha Isabel a Catholica (n.° 173) existia
o Libro de Cetraria, em papel, Porventura é o livro da Cetraria de D.
JoSo Manuel^ porque a compilaffio que fez JoSo de Sahagun^ ca9ador
de D. JoSo II de Castella^ com este mesmo titolo, so foi conhecida mais
tarde. De D. JoSo Manuel guardava-se o Conde de Lucanor na Livra-
ria de D. Duarte, e segundo cremos, recebido entre os livros herdados
de seu pae.
Agricultura, que foi d'd-Rei Dom Joào.
Descripto d'està fórma no catalogo dos Livros de uso de D. Duarte.
Na Bibliotheca do duque Filippo Sforza, segimdo o catalogo de Facino
da Fabiano, guardava-se urna Agricultura (Varrò, Cato ou Palladio?)
E mais naturai que o livro possuido por D. JoSo i fosse um manuscri-
pto arabe; no principio d'este seculo publicou-se uma traduc9So do Li-
bro de Agricultura, seu auctor el doctor excellente Abu-Zaocaria-Jahia-
Aben-Mohamed-ben-Ahmed-Ebu-el-Awan, sevilhano, porD. Josef An-
tonio Banquerì, Madrid, 1802. Na Bibliotheca de D. Duarte e do In-
fante Santo existiam alguns livros arabes de philosophia e medicina.
Na Livraria de Carlos v, de Franja, tambem se enoontrava uma Agri-
cultwra.
0 livro dà Primeira Partida.
Bartolo.
Codigo, com o Commento de Cino da Pistoia.
Estas tres obras, que tambem figuram entre os Livros de uso do
rei D. Duarte, devem considerar-se comò tendo-lhe advindo da Livra-
rìa de seu pae. As Conclv,8Se8 de Bartholo foram entregues & Camara
de Lisboa para serem fisusultadas & consulta do publico em 1426. As
Partidas de Affonso o Sabio andavam geralmente em codices separa-
dos, corno vemos pela Livraria da rainha Isabel a Catholica: cCod. 88,
89, tercera partida, cuarta partìda; 90, cuarto libro de los Partidas;
91, quinta partida; 92, 93, sesta partìda.^
208 HISTORIA DA UNIYERSIDÀDE DE COIMBRA
Livro das Trcvaa do Rei Dom Diniz.
Este Cancioneiro do monarcha trovador torna a apparecer na Li-
vraria de D. Duarte, oom certeza proveniente da heran^a de Bea pae,
e corno deposito precioso que andava na casa real. De um outro esem-
plar dà noticia Francisco de Pina e de Hello, no prologo do seu poema
Triumpho da Rdigiao, corno tendo-o visto em Hespanha: «Em teda a
Hespanha^ o primeiro que conheceu a Poesia foi o nesso rei Dom Di-
niz: Hoje exiate na Livraria do Escurial hum livro de versos seus, que
elle mandou a aeu avd Dom Affonao X de Castella, a quem chamaram
o Sabio.» ^ Apesar de Fr. Joaquim de Santo Agostinho pdr em duvida
que Filippe ii mandasse transportar para a Livraria do Escariai mai-
tos manascriptos do mosteiro de Alcoba$a, é comtudo plausivel o facto
em rela9^ a oatros monumentos, comò jà notàmos àcerca da traduc-
9S0 da Conjissào do Amante.
A Biblia, ganhada aos Castelhanos.
Tal era 0 nome do codice vi da Livraria de Alcoba^a^ qae tem
a segainte declaragSo em gothico simalado: 9,Bihlia ganhada na batalha
de Aljvharrota por elRey Dom Joam 0 primeiro de gloriosa memoria,
a qaal era do proprio rei de Castella, e foi ganhada dentro da stia pro-
pria tenda^ corno consta de huma memoria que està nojim d'este proprio
«
livro.ii Fr. Joaquim de Santo Agostinho^ na Memoria sobre os Codi-
ces manascriptos de AlcobaQa, demonstrou cabalmente que està Biblia
é urna parte da Biblia do coro do mosteiro de Alcobafa, tendo 0 mesmo
formato e letra, mas introdazida em uma capa chapeada de bronze,
com as armas de Castella, que servirà a um volume maior.* A Biblia
illuminada era uma das principaes joias das bibliotbecas prìncipescas
do seculo XV.
Estorta geral,
Mandada traduzir por D. Diniz; suppSe-se estar hoje na Biblio-
theca do Escurial; manuscrìpto do seculo xiv^ em pergaminho e fórma
grande, contendo apenas a Parte i. Junto a està traduc9lU), no mesmo
codice, acha-se tambem a traduc^So de trinta e um capitulos de uma
versSo portugueza do Genesis. ^
1 Triumpho da Bdigiào^ p. va, Coimbra, 1756.
' Memorìaa de UUeratura portugueaa, t. v, p. 302 a 305.
3 Ribeiro dos Santos, Memoria score algtmas traducgdes e edi^Òes bibltoas, p. 19.
(Jliem. da Acad., t ni.)
LIVRARIAS MANUSCRIPTAS DO SECULO XV 209
Estoria geral, e Historia da Bibita.
Na Bibliotheca do Eacurìal està am codice do secalo xv, com le-
tras .inìciaes illuminadas, em que vem a traduc9So portugueza da Es-
toria geral, e «os primeiros seis Uvros da primeira parte da Historia da
Bihlia, e os vinte primeiros capitulos do livro Yii, isto é^ o Genesis até
a Historia da lucta de Jacob com o Anjo.» *
Os Evangelhos, Actos dos Apostolos e Epistolas de S. Paulo.
Sobre estes manuscriptos escreve o Dr. Ribeiro dos Santos: «D.
JoSo I, por uma particular deyo(Slo de seu espirito^ mandou trasladar
por grandes letrados, em lingua portugueza, os Evangdhos, os Actos
dos Apostolos e as Ejnstolas de S. Paulo. . . Ignoramos se estas tra-
ducfSes existem ainda hoje em alguma parte. a'
Livraria do rei D. Duarte
Està Livraria, formada em parte com os livros que pertenceram
a seu pae D. JoSlo i, foi constantemente enriquecida pelas encommen-
das às Feitorias portuguezas nas prìncipaes cidades da Europa, e pe-
las traduc95es que o monarcha pedia a seu irmSLo e aos eruditos do
seu tempo. D. Duarte era um perfeito amador de livros; nllo teve a
ventura de admirar a descoberta da Imprensa, ^e tanto veiu augmen-
tar a Bibliotheca de seu filho D. Affonso v. Diz Jollo Fedro Ribeiro:
cEstas Feitorias precederam à inven9lLo da Typographia no secolo xv;
pois tendo todas de remetter para a Livraria d'El-rei as obras que se
fbssem publìcando, snccedeu vìrem as primeiras edigSes até triplicadas
e quadruplicadas e assim permaneceram até nossos dias.»^ 0 Catalogo
dos livros d'este rei philosopho appareceu nas Provas da Historia ge-
nealogica (i, 54) com 0 titulo : Memoria dos livros de uso d'El^ei Dom
Duarte, a guai està no livro antigo da Cartuxa d^Evora^ d'onde a fez
copiar 0 Conde da Ericeira, Dom Francisco Xavier de Menezes. Trans-
crevemos esse Catalogo, commentando-o :
^ Ribeiro dos Santos, Memoria «oòre cUgumaa traduegdes e edigdes ìnUicas, p. 19.
(Jfem. da Acad,, t, vii.)
2 Memorias da Aeademia, t vii, p. 20. Mais adiante cita tambem uma tra-
dQC92o do Apooalf^e, em portuguez, do mesmo reinado.
3 R^eoBoes phUdogicaBy n/* 4, p. 11, not. a.
BIBT. UH. 14
210 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
0 Pontificai.
É 0 livro da Vida dos Fapas, conbecido pelo titulo de Liber pon-
tificali», attribnìdo a Anastacio Bibliothecario. 0 luxo calligraphico e
08 retratos dos pontifices tornavam este livro uDia das joias mais es-
plendidas das biblìothecas reaes. A sua importancia historìca é grande,
. por isso que foi redigido sobre documentos da egreja primitiva, conhe-
cendo-se a existencia de tres redacgòes anteriores à de Anastacio: a
primeira attribue-se ao come90 do secalo vi, em grande parte & època
do pontifice portuguez S. Damaso; as outras duas pertencem aos mea-
dos do secalo vili. Anastacio Bibliothecario do Vaticano, eleito cardeal
em 848, e tendo assistido ao oitavo concilio goral em Constantinopla
em 869, floresceu no secalo ix sob os pontificados de Nicolào i, Adria-
no II e JoSo VII. O Liher pontificalis existe publicado por Bianchini e
Vignoli (1718-1755) e por Muratori na coIIccqSo dos Scriptores rerum
italicarum *.
Marco Paulo, latim e linguagem, em 1 volarne,
A existencia d'oste livro na Bibliotheca de D. Daarte està ligada
ao facto da viagem do Infante D. Fedro, que segando a tradÌ9So cor-
reli as qtuUro partidas do mando, 0 Infante troaxe de Veneza um exem-
plar latino das viagens de Marco Polo, e este facto significa a impor-
tancia progressiva qae essa celeberrima relagSo ia adqairindo, porque
até aos principios do secalo xv era considerada em goral corno fabu-
^ Iosa, e até se conta qae os parentes de Marco Polo Ihe pediram à bora
da morte qae se retratasse, libertando a sua consciencia da responsa-
bilidade de tantas mentiras. A importancia d'este livro sobre a cosmo-
graphia do secalo xv foi de tal ordem que se Ihe attribue uma inflnen-
cia decisiva sobre as descobertas de Vasco da G-ama e de Chrìstovam
Colombo. Marco Polo era conhecido em Veneza pelo nome de messer
Marco Milione, por causa das grandes riquezas que trouxera da Asia;
0 seu livro tambem recebeu o nome de MilhàOy e no Cancioneiro de
Resende encontramos està allusSo particular, no sentido de maravilha
inacreditavel :
Tambem dizem que é bispado
Elvas com menystra^am ;
outros meten maya MyUiam
do mcsmo ponteficado.^
1 Tiraboschi, /Storia della Letteratura italianaf t. lu, p. 215.
2 Cane, ger,^ t. ii, p. 141.
UVRARIAS MANUSCRIPTAS DO SECULO XV 211
Ghomes Eanes de Azurara jà se serviu d'eate manuscripto para a
Chranica da Conquista de Gfuiné, escripta antes de 1453, ^ corno sup-
p5e 0 visconde de Santarem, por isso que a edÌ9So das Viagens de
Marco Polo é de 1484. Foi sobre elle que se fez a traducjSo portu-
gueza qne em 1502 imprimiu Valentim Femandes junto com a Viagem
de Nicolào Veneto; pelo Catalogo de D. Duarte vemos qne existia ama'
tradac9llo portagueza pelo menos desde 1428, com certeza a terceira
das versSes d'esse notavel livro. Na sua noticia sobre Marco Polo, e
da influencia na cartographia do seculo xv, escreve Walckenaer: e Foi
assim que Marco Polo e os sabios que deram credito à sua relajSo
prepararam as duas grandes descobertas geographicas dos tempos mo-
demos: a do Cabo da Boa Esperan9a e a do Novo Mundo.» Na Bi-
bliotheca de D. Duarte nfto se acham outras relafSes de viagens na
Asia, comò as de Rubruk, Jourdain, de Severac, nem outras Mirabi-
lia taes corno as viagens do minorità Frei Oderico, de Mandeville, de
Johan Hayton, o que nos leva a concluir que o folheto popular das
Quatro partidas do Infante D. Pedro nSo pertence ao seculo xv. Pelo
Livro de Marco Polo (cap. 74) é que se espalhou em. Portugal a no-
ticia do Preste Joào das Indias, cujos descendentes reinavam ainda no
aeu tempo no paiz de Panduk, nas fronteiras da China e da Mongo-
lia, corno vassallos de Khubila-Khan. G-. Pauthier confirmou a veraci-
dade d^esta noticia nos historiadores chinezes. As outras fontes da lenda
do Preste Joào, corno a Carta apocrypha ao Imperador de Roma, a Re-
lagSo da Viagem à Tartarìa do frade dommico Rubruquis, a Carta de
Jofto de Monte Corvino de 1305, e a Histoire de Saint- Louis de Join-
ville, que tanto estimularam a imagìna9So occidental, foram tambem a
causa do ferver dos primeiros exploradores portuguezes na Africa.
Viatico.
Livro de medicina arabe, traduzido por Constantino chamado o
Africano, monge do Monte Cassino, que o attribuiu a si. Foi publicado
junto com as obras de Isaac, que vivia em 1070, segundo Antonio Gal-
lus, as quaes appareceram em Lyon em 1515 em casa de Barthélemy
Trot. 0 terceiro dos opusculos de Isaac trata De Dietis universalihus
cum commenti Petei Hispani, o nesso celebre portuguez Pedro JuliSto,
auctor das Summulas logicales e do Thezaurus Pauperum.^ Tambem
1 Cita-o a p. 227. Ed. Paris.
2 Ach. Chereau, La Biblio^hque d'un Médecin au commencemerU du XV sih-
de, p. 16.
14*
212 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
se acha assim intitalado este livro: tBreviarium Constantmif dictum
Viaticum.'è O compilador Constantino era chamado o Africano por ser
naturai de Carthago; as suas obras de medicina eram extractadas dos
auctores gregos e arabes; segando Deizimeris passa por ser o fdnda-
dor da Eschola de Salerno. Era multo vulgar este livro nas antigas
bibliothecas senhoriaes^ achando-se citado corno existente em urna col-
legiada da Galliza.^ Segundo Daremberg, na Eistoire dea Sciences
Tnédicales, os medicos salemitanos apparecem citados desde 846, e
Constantino Africano é um compilador plagiario, comò o provaram tam-
bem o orientalista Steinschneider e Dugast.' O que se devia & tradi-
9S0 scientifica greco-latina foi ignorado, comò diz Daremberg: cOs ve-
Ihos salemitanos ficam na sombra; comtudo 0 Monge Constantino nSo
Buccumbiu sob a sua reputagSo; continuaram a copial-o, esperando em-
quanto nSo foi impresso.» ^ A predilec9llo pelo livro do Viatico em Por-
tugal explica-se pela corrente arabe, que tambem se deu nos estudos
pbilosophicos, porque a medicina era exercida pelos Mudjares, e os li-
YTOs, embora redigidos em portuguez, eram aljamiados, iste é, escrì-
ptos com caracteres arabes, comò jà temos observado. Parece que na
BibUotheca de D. Duarte existiu uma outra copia com o titulo de Bre-
viario. Entre os livros do infante D. Fernando mencionados no seu tes-
tamento vem citado: Hum livro que chamam Izac, em linguagem; julga-
mos ser o auctor do seculo xi de diversos opusculos medicos. Na Bi-
bUotheca do duque Filippo Sforza, organisada por Facino da Fabriano,
vem o ^Viatìcum constaftini.»
As CoUa^des que eacreveu Joào Rodriguea»
É o livro ascetico, composto por S. JoSo Cassiano, que se inti-
tola CoUa^lea doe Santos Padres, euja leitura vem recommendada na
Kegra de S. Bento: «Legat unas CoUationes, vel Vitas Patrum.» 0 rei
D. Duarte guardava na sua livraria outros exemplares d'està obra:
CoUagfies que foram do Arcebispo de Som TTiiago, Livro doe Padrea
Santoa, que foi de JoSo Pereira, e as CoUa^dea de letra pequena, Na
Livraria de Alcoba$a tambem se guardava uma traducfSo completa em
lingua portngueza das obras de S. JoSo Cassiano.^ O rei D. Duarte
cita com frequencia no Leal ConaelJieiro^este livro inmiensamente lido
1 Lea Codicea de laa Igìeaiaa de Galieia, p. 125. Madrid, 1874.
* Hiatoire dea Soienoea médicaUa, 1. 1, p. 261.
' Ibidem, p. 817.
^ Fr. Fortunato de S. Boaventura, Ineditoa, 1 1, p. 15.
LIYRÀRIAS MANUSCRIPTAS DO SEGOLO XV 213
no8 claustros da Edade mèdia: «no livro das CoUagdes dos Santos
Padres se demostra qua geralmente sam qaatro (as divisSes da von-
tade).»^ «E antes convem no tempo da paz viver comò nos conselhou
Sam Joham . . . > ' cE o prìmeiro, que pertence ao temor, no livro das
CoUagdes se apropria à fé. . .»^ O sabio monarcha nSo se contenta a
■abonar a sua opinilo com a auctoridade de S. JoSo Cassiano^ ^ traoa-
creve nos capitulos xvui e Bi a traducgSo do texto das CoUagdes.
Na Livraria do duque Filippo Sforza tambem existia o L^er Cas-
siani super CoUationilms sanctorum patrum. Na Livraria de Isabel a
Oatholica guardava-se uma Suma de Coladones (n.^ 31.)
Miracula Sanctorum.
Porventura algum dos Flos Sanctorum manuscriptos do secnlo XV,
ou a Legenda Sanctorum^ de Jacques de Voragine, denominada vul-
gannente a Legenda aurea.
Blivia.
A Biblia traduzida em vulgar era o livro mais sumptuoso das Bi-
bliothecas principescas, pela sua grandeza, comò pelos trabalhos de il-
luminura, encadema^So e ourivesaria, que o revestiam de nm luxo in-
excedivel. Nas luctas centra o Protestanttsmo, foi prohibido na Hea-
pauha 0 uso da Biblia em vulgar, circumstancia que influiu no des-
Apparecimento d'estes manuscriptos.
Bremairo.
TraducfSo do Breviarium Constantinif (Vid. Viatico^ p- 211.)
Sendo livro liturgico, é naturai que fosse do rito mosarabe, por isso que
o rito romano so comeQou a ser imposto no reinado de D. Affonso v.
€K1 Vicente, falando de um clerigo que violenta uma rapariga, pinta-o
1 Op. dt, cap. m.
2 Ibidem, p 30.
3 Ibidem, p. 40.
* Ibidem, p. 75, 77, 83 e 109. — N'este manuscripto apparece-nos o k com va-
lor de q^arenta; e jà acima fica um documento, a pag. 126, em que o b tem o va-
lor de ZL. A causa do emprego d^este signal no sjstema da numera9So romana, qne
apparece nos manuscriptos do seculo xy, nSo tem side cabalmente ezplicada. Bran-
dlo, na Monarchia lusitana, Prologo, escreye : «A letra x... quando valla quarenta,
ae ajuntava &s duas pontas de cima ama virgula ou plica.» 0 x nunca valeu qua-
Tenta; a plica introduzida pelos copistas era o Z da dezena xl, que por abreviatora
«screveram x e por imperìcia transformaram em b, corno o explica Viterbo.
214 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
promettendo'llie a absolvi^So pelo Breviairo de Braga, quo era pro-
priamente 0 do rito da egreja nacional. Existe ama edÌ9&o de 1521 do
Breviario de Braga, com o titulo: tArte de rezar as Horas cananiccu:
ordenada aegundo as Regras e costume braccharense: com outras cousas
muytas que geeralmente som necessarias para o rezar das ditas horasy par
qualquer costume que se reze. Dirigida ao reyerendissimo Senhor o se-
nhor Dom Dioguo de Sonsa^ Arcebispo e Siir da Cidade de Bragua,
primas das spanhas rS. novamente feita por Sisto Figueira, Bacharel
en canones residente em o studo de Salamanca. E por mandado de
Sua Senhoria impressa.» Este esemplar unico pertenceu à Livraria de
Barbosa Machado, e acha-se hoje na Bibliotheca do Rio de Janeiro.^
Collages qae foram do Argobispo de Som Thiago.
É a obra de S. JoSo Cassiano.
Dialectica de Aristoteles.
O nome de Tratado de Dialectica foi dado por Aristoteles a uma
das partes dos Topicos, que é um dos seis tratados que compSem a
Organumy ou a Logica^ de8Ìgna98e8 ambas empregadas pelos commen-
tadores gregos da grande obra do philosopho sobre a intelligencia. Se*
ria uma traduc^So em portuguez, comò o di a entender o titulo.
Dialectica de Avicena,
E a Logica do celebre medico arabe do seculo xi Ibn-Sina, a qual
fazia parte, junto com a Physica e a Metaphysica, de um resumo (Al"
Nadjah) que o proprio auctor fez da sua vasta encyclopedia philoso*
phica AlSchefày em que segue as doutrinas de Aristoteles. Qualquer
livro de Avicena era julgado no seculo xiV valde sumptuosum et grave.
Como medico exerceu uma influencia completa nas Universidades de
Fran9a e Italia perto de seis seculos, até que na època da Renascenja
a sciencia medica achou as fontes gregas. Na Livraria do Condestavel
de Portugal tambem se guardava um Emcenna (n.® 1.)
Valerio Maximo.
E ama d'aquellas obras de compilasse que devia agradar profìm-
damente ao gesto da Edade mèdia e ao pedantismo da erudÌ9lo. 0 li-
vro De dictis et factis memorabiltlms è uma coUecsSo de anecdotaa so*
1 Annaes da BUfliotheca do Bio de Janeiro, 1. 1, p. 870.
LIVRARIAS MANUSCRIPTAS DO SECULO XV 215
bre religi20y costumes de Roma, exemplos de virtudes, de vicios e crì-
meSy mas sem valor moral, e inintelligentemente extractados de fon-
tea ignoradas hoje. Na Bibliotheca do duque Filippo Sforza guardava-
se um: Valeritt^ Maximus; na do principe de Viana (n.® 68); e na do
Condestavel de Portugal: Valerius Maximtis en vulgar frances (n.® 17)
e lo Valerio, en vulgar castella (n.® 79.)
Epistola^ de Seneca com outros Tratados.
S3o as cento e vinte quatro Cartas dirigidas a Lucilio Junior, ou
pequenos tratados de moral sob a fórma epistolar, quando Seneca ca-
hira no desfavor de Nero. Seneca foi immensamente lido pelos Padres
da Egreja, e o auctor mais admirado durante a Edade mèdia. Com as
Epistolas andavam reunidos outros tratados, formando um livro cha-
mado Seneca christìanus. Tambem no catalogo da Livraria do principe
de Viana (n.® 28) vem epistole senec en frances e las epistolas de Se-
neca (n.° 46.) Na Livraria do Condestavel de Portugal (n.® 18) Epis-
tolas de Senecha en vulgar frances.
Regimento de Principes picado de ouro nas tavoas e as cobertoiras
vermelhas.
D. Duarte cita com frequencia este livro: «o livro do Regimento
de Pryncepes, que compoz Frei Gii de Roma.»^ «E diz no Livro do
rregimento de Pryncypes, que j^or trez cousas peiience aos Rex e Se-
nhores seer prudentes ...» * «o livro do regimento dos Principes, em
que se declaram os peccados e fallicimentos que pertencem a todos os
estados, officios e bydades.»' Na Bibliotheca de Filippo Sforza guar-
dava-se um : Egidius, De regimine principum; e na do principe de
Viana: un libre en frances nomenat egidi de regimine principum (n.*^ 72.)
Barbosa Machado, na Bibliotheca Lusitana^ attribue ao Infante D. Fe-
dro urna traducf^o portugueza d'està obra.
Pastoral de letra antiga.
Livro de Sam Gregorio, que D. Duarte cita no Leal Consdheiro:
e corno diz Sam Gregorio no seu livro pastorale (p. 207.) E cmando
aquy tralladar deus capituUos do dicto Vlvto pastorcd, que fez Sam Gre-
gorio sobre a virtude da iiberaleza.» (p. 240.)
1 Leal Conaelheiro^ p. 282.
^ Ibidem, p. 288.
9 Ibidem, p. 191.
216 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Declaragam sobre as Epistola^ de Seneca.
Commentario no sentido christSo às doutrinas estoicas formuladas
pelo philosopho nas suas Epistolas. D. Duarte cita-o frequentes vezes
no Ledi Conselheiro (p. 49, 242, 251, 258, 313, etc.)
Agricoltura qae foi de Joào Pereira,
Talvez urna traduc9lLo da obra de CoUumella De re rustica. Na-
turalmente este Joham Pereira é o mesmo doutor a quem o desembar-
gador Mangancha comprou o chino em pergaminho (o commentario de
Cino da Pistoia ao Codigo.) Na Bibliotheca do duque Filippa Sforza
havia uma Agricultura,
Livro da Quinta Essentia.
Obra de Alchimia, attribuida a Ray mando Lullo.
Hum livro pequeno que come^: Si cupis esse memor.
A este livro allude D. Duarte: cE per o saber da arte memora-
tiva. . . » ^ O visconde de Santarem julga ser a Ara magna de Raymundo
Lullo. Pelo menos o rei D. Duarte era versado nas doutrinas do grande
Doutor illuminado: ce aynda que os Raymonistas multo demonstrem.»*
cca mestre Reymon^ em huii livro que fala da entengam primeira e se-
gunda. . .»^ Na Livraria de Sforza havia uma Ara memorativa supra
tota philoaophia.
OtUro dito livro pequeno, que comedi Domino meo illustri potenti
domino comite Nicolao de Petraldo.
E uma dedicatoria, de que nada se infere sobre o que seria este
pequeno livro.
Oa Cademoa da Conjiaaào que eacreveu Joào Calado.
Livro liturgico.
' Livro doa Evangdhoa.
Na Livraria do principe de Viana tambem se guardava lo testa-
meni novel (n.^ 69.) A traduc{fto feita por Martim de Lucena por man-
1 Leal Conselheiro, p. 11.
2 Ibidem, p. 205.
3 Ibidem, p. 394.
UVRARIAS MANUSCRIPTAS DO SECULO XV 217
dado de Inigo Lopes de Mendoza guardava-se na Lìvraria da rainha
Isabel (n.«* 18 e 19.)
Actos do8 Apostolos.
Pertence à collecySo das traduc98es portuguezas da Biblia do se-
culo XIV e XV.
Oenesy.
Estoria gercd.
Na Livraria de D. JoSo i existìa a Estoria geral de Hespanha,
jonta a um fragmento de versSo portugueza do Genesis. Na Livraria de
Isabel a Catholica (n.° 100) achava-se: «Otro libro de pliego entero de
marca major escrìpto en papel^ é en romance^ é de mano^ que se dÌ9e
de las gentes que poblaron à EspaHa primero, que es la estoria gene^
Tal, con cobertura de papel forrado de cuero bianco.»
0 Livro de Salomào coberto de hezerro.
Attendendo à època e & repre8enta9So da Alchimia na Livraria
de D. Duarte, o livro attribuido a SalomSo é a Clavicula, a que Cor-
nelio Agrippa, no seculo xv, ligava muita importancia. O Soliman Na-
meh (Livro de SalomSo) de Firdusi, baseado sobre lendas maravilho-
sas, nSo podia ser entSo conhecido em Portugal.
Coronica de Espanha.
Na Livraria de Isabel a Catholica (n.° 99) guardava-se: aOtro li-
bro de marca mayor é romance é de papel, que es la crònica de Es-
pafia, con unas cuberturas de papel con cuero branco.» E sob o n.^ 108:
cOtro libro de pliego entero de mano en romance, que es la historia
de Espaha en lenguage portugués, con unas tablas horadas, guamesci-
das de cuero bianco.» Na livraria do Condestavel de Portugal (n.^ 52)
cita- se outro esemplar en vulgar portuguez.
Coronica de Portugal.
Complemento & Historia geral de Hespanha, trasladada em por-
tuguez ... e continuada na parte que diz respeito a Portugal, etc. A ul-
tima continua92o fez-se jà no reinado de D. Affonso v, Guarda-se na
Bibliotheca nacional de Paris. Come9ou a ser impressa pelo Dr. Nu-
nes de Carvalho.
Livro dos Martyres,
Manuscripto do Agiologie impresso em 1513 por Bonhomini, com
218 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIfifBRA
0 titulo Livro e Legenda de todolos santos Martyrea. Na lista dos pre-
sentes mandados pelo rei D. Manuel ao Preste Jo&o figuram: atrinta
Livros da vida do8 Martyres, e todos seram de lenguage portagueza.»^
E mais adiante: «cem livros da vida epaixam dos Martyres^ encader-
nados em tavoas, meos cobertos de couro.»^
Livro de Tristam.
Porventura é a redac(So conhecida pelo nome de Brety que per-
tence a Luce du Ghast e Helie de Boron. Na Bibliotheca de Filippe
Sforza guarda va-se um: «Librazolo de Nuptiis domini Triatani.* E na
Livraria do Principe de Viana (n.** 38) tristany de leonis. Era um dos
lìvros lidos pelo arrebatado Carlos vi.
O Amante.
Veiu da Livraria de D. JoSo i.
Blivia.
Livro da Montarla que compilou o vitorioso Rei Dom Joao otì guai
Deus de eternai gloria.
Veiu da Livraria de D. JoSo i para a de D. Duarte
Merli,
E uma das partes do cjclo das Novellas da Tavola redonda, que
se acha integralmente representado em Portugal pela Demanda do Santo
Graal, Baladro de Merlim^ Summa da Tavola Redonda, Lanzarote do
Lago e Galaaz. No Catalogo da Livraria de Isabeì a Catholica figura
(n.® 142): «Otre libro de pliego entero de mano escripto en romance,
que se dice de Merlin con cobertura de papel de cuero blancas, é ha-
bla de Josef ab Arimathia.i» Em 1498 imprimiu-se em Burgos o Bala-
dro del sahio Merlin.^ Porventura o Baladro era uma recita9So feita
pelos Balatronesf Na Bibliotheca de Benavente, da rainha Isabel, de
1440; existia uma Brima complida en romance con un poco del libro de
Merlin. Na Livraria do duque Filippe Sforza tambem se guardava um
Merlinus, in prophetiis.
1 Boleim de Bibliograpìnaf ii, 21.
' Ibidem, p. 54.
3 £m um documento italiano de 1160, a palavra BakUrones vem junta dos
termos ^o^ae* e histridet. (Muratori, Diss, zxi.)
LIVRARIAS MANUSCRIPTÀS DO SECULO XV 219
«
Hegimento de Principes,
É um outro exemplar do livro de Gii de Roma, a traduc(So feita
ou mandada fazer pelo Infante D. Fedro. ^ Com este tìtulo de Regi-
mento de Principes ha outros livroB, comò o de S. Thomaz de Aquino,
dedicado a Hugo ni, rei de Chypre, e o de Fr. Francisco Jimenez,
do firn do seculo xiv, além de urna compo8Ì9ào poetica de Manrique,
dedicada a Fernando o Catholico antes de ser rei de Castella.
Segredos de Aristotiles.
E a obra intitulada Secretum secretùrum, a qual, segundo War-
ton: cÉ urna obra cheia de disparates que a Edade mèdia attribuiu
sem escrupulg a Aristoteles.» Andou traduzida em latim de um sup-
posto originai grego, e em arabe, em hebreu, italiano, francez, ìnglez,
fiamengo, e tambem em portuguez, corno, se infere pelo titulo com que
é inscripto no catalogo do rei D. Duarte. No manuscripto da Biblio-
tbeca nacional de Paris, do seculo xiv, diz-se que Aristoteles compo-
zera està obra na sua velhice, narra os prodigios que fìzera, provando
que subirà ao céo em um carro de fogo. Na Bibliotheca de Edimburgo
0 manuscripto 18. 7. 4. é a traduc92o do Segredo dos Segredos: cCy
commence le livre des meurs du gouverment dea seigneurs, appelé les
Secreta des Secreta de Aristote.»^Na Livraria do duque Filippo Sforza
inscreve-se um manuscripto: e De conservatione sanitatis Magistri Mar.
gni: Secreta secretorum Aristo tilis: flos medicine.» No Leal Conselheiro,
o rei D. Duarte cita-o duas vezes : acà tal rey louva muyto Aristotil-
les no seu livro De Secretis Secretorum, e nom sem razom.i ^ Foi tam-
bem traduzido em verso no seculo xii, por Fedro de Vemon.
0 Livro de Qalaaz.
Era a lei tura favorita do Condestavel D. Nuno Alvares Fereira,
que procurava imitar a virgindade do heroe, comò se diz na Chronica
anonyma ; faz parte do cyclo completo da Tavola Kedonda, multo sabo-.
reado na córte de D. JoSo i.
O Livro da Cetraria por CasteUào.
Fertenceu à Livraria de D. JoSo i.
1 Panorama^ t. ir, p. 7.
' Paul Meyer, Rapporta p. 106.
3 Op. cU.^ p. 176 e 301.
220 HISTORIÀ DÀ UNIYERSIDÀDE DE C0IM6RA
0 Livro daa TVovas de El-Rei Dom Diniz^
E um Cancioneiro d'aqnelle monarcfaa trovador, independente do
corpo dos Cancioneiros da Bibliotheca do Vaticano e Colocci Brancuti,
onde se acfaa incluido. Naturalmente era urna copia sumptuosa, que se
guardava na corte. A referencia que o marquez de Santillana faz is
trovas de D. Diniz jà é allusiva a urna vasta coUecyBo em que a par
de outros trovadores se destacava o egregio monarcha. Lopes de Moura
publicou com o titulo de Cancioneiro de D. Diniz 117'Xìan98e8 extra-
hidas da colIec9So vaticana 4804; com o achado do Cancioneiro Co-
locci Brancuti appareceu mais urna serie de trovas de D. Diniz des-
conhecidas. '
Livro da Corte Imperiai.
0 manuscripto que actualmente existe na Bibliotheca do Porto,
n.^ 803, em pergaminho in-4.® de 134 folhas, e que pertencera d Li-
vraria de Santa Cruz de Coimbra, termina: ^Este livro he chartiado
Corte enperial em que he dispiUado a ffé chriatà com os Judeos e mou-
ro8, aegundo claramente se mostra nos capitolos em està tavoada eacriptos,^
Tem no resto a seguinte nota: tEste livro he chamado corte enperial
0 guai livro he dafom Vasques de calvos morador na cidade do porto.^
£ um livro mystico com fórma noveUesca, uma comò degenera^^ da
cavallerìa celeste.
Livro da Lepra encademado em purgaminho.
Livro de Logica,
Qualquer dos tratados mais importantes da Edade mèdia, comò a
Logica de Arìstoteles ou a de Avicenna.
Livro dos Pregagdes.
Provavelmente alguma Summa Predicantium, comò se usavam na
Edade mèdia, e traduzida em vulgar. Na Livrarìa do Infante Santo
guardava-se um Livro daa Prega^Ses por Fr. Vicente em lingoagem.
Libro dos Meditagdes de Santa Agostinho, e das ConfasZea.
Existia um outro exemplar na Livrarìa de D. Duarte: Um livro
das MedUa^es de Santo Agostinho, que trasladou o mo^ da Camara.
O Infante D. Fernando tambem possuia outra copia.
Cademo das Commemora/}3e8, em letra grosa.
LIVRARIAS MANUSCRIPTÀS DO SEGULO XY 221
lAwo das Oraa do Espirito santo encademado em letra grosa co-
berto de coirò verde.
Na Livraria do Condestavel de Fortugal (n.^ 48) havia um manu-
scripto com o titolo : Gres de nostre dona, del Sanct sperit e lo quicum-
que volt.
Cademos das cidades e vUlas de Portugcd.
Era um cadastro do reino, porventura mandado fazer pelo proprio
D. Duarte; as divisòes territoriaes prevaleceram até ao anno de 1527,
em que o rei D. Manuel mandou fazer esse outro que se intitula: Li-
vro do numero que se fez das cidades e vylas e loguares dantre doyro e
mynho e moradores ddlas, e assy com quem partem, * Este mesmo grande
cadastro goral do paiz desmembrou-se ; J. Fedro Ribeiro ainda viu o
fragmento supracitado de Entro Douro e Minho, e urna copia do. ca-
dastro da Beira; Rebello da Silva acbou na Torre do Tombe o cadas-
tro do Àlemtejo, nSo se encontrando o do Algarve.
Livro da Virtìiosa Bemfeitoria.
No Leal Consdheiro fala o rei D. Duarte d'este livro (p. 169):
ae o infante Dom Fedro, meu sobre todos prezado e amado irmSlO; de
cujos feitos e vyda som contente, compoz o livro da virtuosa bemfeitO'
ria, e as horas da confissomela E falando da virtude da liberaleza, toma
a alludir a este trabalho: «daquesta virtude no livro da virtuosa bem-
feitoria, que meu sobre todos presado e amado irmSo o Infante Dom
Fedro compoz, he bem e largamente trautado.]» (p. 173.) E uma com-
pila9lo doB sete tratados de Seneca. O illustre Infante traduziu tam-
bem Vegecio, De Re militari, e Cicero, De Officiis, Na Academia das
Sciencias existe um apographo da Virtuosa Bemfeitoria.
Livro das Ordenagdes dos Reis,
Em uma certidUo de 1459 do Mostreiro de S. JoSo de Tarouca,
dta-se 0 Livro das Ordena^Ses que onda na Chancdlaria^ talvez o co-
digo mandado ordenar por D. JoSo l ao seu jurisconsulto JoSo Men-
des Cavalleiro. As Ordena^es de D. Duarte acham-se hoje publicadas
na Portvgaliae Monvmenta historica,
Livro dos Officios da Casa de algum rei.
Opuscolo attribuido a S. Bernardo, mas escrìpto por Bernardo
1 Arch. nacion., Gav. 15, Ma^. 24, n.» 12; e Gav. 5, Ma^. 1, n* 47.
222 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
Silvestre ou Camotense; no secalo xii; foi traduzido para castelfaano,
supp5G-8e que por Hernan Perez de Gusman. Na Livraria de Isabel a
Catholica (n.° 33) existia tambem: «Otro librico chiquito delgado en
pergamino de mano en latin que es d regimento de la casa que hizo
Bernaldo à Raimundo, con unas cobiertas de cuero Colorado.» Na Li-
vraria do Condestavel de Pertugiai (n.° 38) vem um Levament fet dea
Officiala de casa del eenyor Rey, mas nSo tem o caracter goral da obra
acima indicada.
Bartolo com tavoas e coirò verde,
Talvez a traduc93o portugueza dos Commentarios do celebre ju-
risconsulto italiano, à qual allude o Infante D. Pedro. Na Livraria da
rainha Isabel (n.° 72): Bartolo sobre el esforzado.
Marco Tullio^ o qual tirou em linguagem o Infante D. Pedro.
E a traducf^o do livro De Officiis. Na livraria de Isabel a Catho-
lica (n.°* 11^ e 119): Tulio de Officiis, en latin; e na do Principe de
Viana (n.*^ 17): Tullius de officiis; outro na Livraria do Condestavel de
Portugal (n.^ 16.)
Livro da Guerra.
D. Duarte cita-o no Leal Conselheiro. Vegecio, lyvro da cavallaria
(p. 290); sera este a traduc(2Lo feita pelo Infante D. Pedro do De re
militari.
0 Livro do Conde de Lucanor.
Collec$So de quarenta e nove contos ou exemplos, por Don Juan
Manuel^ imitados do gesto orientai e em parte tirados da Disciplina
dericalis de Pedro Affonso. Na Livraria de Isabel a Catho.lica (n.** 160)
tambem se guardava: a Otro libro de pliego entero en papel de romance,
que son los consgos dd conde de Lucanor con unas tablas de cuero Co-
lorado viejas.»
Jtdio Cesar.
Este titulo pode designar os Commentarios, que tambem se guar-
davam na Livraria do Prìncipe de Viana (n.^ 21): commentariorum ce-
saris. Na Livraria do Condestavel de Portugal (n.* 11): Sustonio, da
Vida de Julio Cesar en portugués. Parece ser este o livro pertencente
a D. Duarte.
UVRARIAS MANUSCRIPTAS DO SECULO XV 223
Coronica despanha em cademos.
Bartolo em cadernos encad&nìado em purgaminho.
Conquista de Ultramar
Narrativa das guerras da Terra santa, mais noyellesca do que his-
torica; parte é traduzida de Gailherme de Tyro, e outra imitada das
aventuras do Chevalier du Cygne, Attribuiram-na a Affonso o Sabio.
Na Livraria do Condestavel de Portugal (n.® 47) tambem se guardava
um exemplar: Coroniques e Conguestes de Ultramar, en vulgar castella.
No Cancioneiro geral, de Resende, allade-se (ili, 531):
assy 0 diz entro tezto
na conquista d'ultramar.
Livro da Cetraria, que foi d'El-rei Dom Joào.
Orto do Sposo,
Guardavam-se duas copias na Livraria de Alcobaja (n.® 273.) Na
Livraria do Condestavel de Portugal (n.® 58) tambem se descreve:
Orto do Esposo en vulgar portugués. O titulo completo é : Orto do Es-
poso edijicado de muitos Ex&mplos para instrucgào e recreagao das Ai-
mas, por Frei Hermenegìldo de Tancos. Guardam-se hoje na Biblio-
theca publlca de Lisboa. Alguns dos Exemplos vem publicados nos
Contos tradicionaes do Pow portuguez.
Agricultuta, que foi d'el-rei Dom Joào.
Arvore das Batalhas.
0 rei. D. Duarte mostra que leu este livro, citando-o no Leal Con-
selheiro (p. 86): cnossa fé se pode creer sem myllagres com tantas
mortes de santos, heresias, ypocrisias, cysmas, symonias, comò d'el-
las em somma se faz mengom no livro da Arvore das Batalhas. » Tam-
bem IVIartorell no Tirant U Blanch faz com que o seu heroe, adorme-
cendo sobre o cavallo, y& dar a uma ermida onde Guilherme, duque
de Warwich, que fazia vida solitaria, estava lendo a Arvore das Ba-
talhas, É este livro escripto por Honoré Bonnet, prior de Salons de
Gran, do tempo de Carlos vi. Na Livraria do Condestavel de Portu-
gal (n.° 9) vem: Uarbre de batalles, enfrances. Ha uma traducQ&o ma-
nuscrìpta de Diego de Valencia, do tempo de D. JoSo li.
Marco Tulio,
É 0 livro da Rhetorica de Cicero, traduzido por D. Affonso de
224 HISTOBIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
Cartagena, bispo de Burgos, a pedido de D. Duarte. Guarda-se hoje
na Bibliotheca do Escurial, talvez proveniente do saque de Filippo u
em Fortogal. Tem o seguiate titolo:
Libro de Marcho tullio gì^ron q se llama dela Retorica, trasladado
de latin en romance por el muy reverendo obpo de burgos a ynstan-
cia del mny esclares9Ìdo Principe don eduarte Bey de Portugal.
«Fablando con vos, princepe esclarecido, en materias de sciencia
en que vos sabedes fablar, en algunos dias daquel tiempo en que en
la vuestra córte^ por mandado del muy católico Bey^ mi se&or, estaba^
vinovos àf voluntad de haber la Arte de la Retorica en claro lenguaje,
por conocer algo de las doctrinas que los antiguos dieron para formoso
fablar. Et mandàstesme^ pues yo a està sazon parecia haber algunt
espacio para me ocupar en cosas estudiosas; que tornasse un pequeno
trabajoy et pasase de latin en nuestra lingua la retorica que Tulio com*
puso. Et corno quier que en el estudio deUa fué yo tan poco ocupado,
e despendi tan poco tiempo, que no digo para la trasladar, mas àun
para entender algo della me reputaba et reputo insuficiente ; pero aca-
tando al vuestro estudioso desco, comencé à poner en obra vuestro man-
damiento. Et comenzando ocupar en elio la péSola, sobr evino minha
partida et quedó à vós, segunt se suole facer en las compras, comò por
manera de sefial, una muy pequena parte del comienzo; et vino con-
migo el cargo de lo acà complir. . . Pero entre las otras ocupaciones
tome algunt poco espacio para complir vuestro mandado, et pagar ya
està debda.»
Livro das Trotxxs d'El-Rei Dora Affonso, encademado em couro, o
guai compilou F. de Moniemór o novo.
Collec9So das Cantigas de Affonso o Sabio, avo de D. Diniz, em
numero de quatrocentas e uma, em versos de seis e doze syllabas, imi-
taySes da poesia provengala escriptas em dialecto galleziano.
«
Vederlo Maximo em aragoez.
Ouerras da Macedonia ém papel de marca grande
E a Hiatoria Alexandri magni regia Macedoniae, de Praeliis.
Schoell, na sua Historia àbreviada da Litteratura grega (l, 329), filia
nas tradigSes beroicas de Alexandre, que se propagaram na Europa,
o desenvolvimento das lendas de Carlos Magno e de Arthur; diz o.
critico: cSimeSo Seth tambem traduziu do persa para grego uma bis-
toria fabulosa de Alexandre o Grande, que ao que parece foi o origi-
nai ou o modelo do primeiro romance de cavallerìa que a Europa co-
LIVRARIAS MANUSCRIPTAS DO SECULO XV 225
nheceU; da famosa Histaria e Vida de Carlos Magno e de Roland, com-
posta antes do secalo xn, e attribuida a Turpin, arcebispo de Rheims
no tempo de Carlos Magno. NSo quer isto dizer que Turpin conhecesse
a traducgSo de SimeSo Seth, mas circulava uma versSo latina, intitu-
lada Hiatoria Alexandri magni, regia Macedonia^, de praeliis, que desde
08 primeiros tempos da typographia foi muitas vezes impressa e tra-
duzida em muitas linguas. No romance attribuido a Turpin, as fa^a-
nhafl que o Oriente fabuloso conta de Alexandre, sSo attribuidas a Car-
los Magno, 0 heroe do Occidente; por seu turno este romance foi o
modelo da Chronica do rei Arthur e dos Cavalleiros da Tavola He-
donda, composta por 1138, por Godefroi de Monmouth, e porventura
da Historia de Amadis de Gaula, que veiu a ser para a Hespanha o
que Carlos Magno foi para a Fran9a e Arthur para a Inglaterra, o
heroe a quem os novellistas subsequentes prenderam o fio das suas fa-
bulas. A Historia de Alexandre tambem provavelmente motivou a idèa
do primeiro poema francez de uma certa extensSo, que um normando,
chamado Alexandre, compoz por 1200; este poema, cujo titulo é Ale-
xandre, apresenta numerosas allegorias que se referem a Filippo Au-
gusto. Assim, um medico de Constantinopla, do seculo xi, empregando
alguns momentos de ocio nos passatempos da córte onde vivia, deu
nascimento a um dos generos de litteratura o mais rico e o mais agra-
davel da Europa, b Na Livraria do Principe de Viana (n.® 48): Decada
de bello macedonico. Na do Condestavel (n.® 45): De bello macedonico.
O lAvro de Romaqueya, em papel.
No Conde de Lucanor, capitulo xrv, ha um conto da Romaquya,
mulher do rei Ben-Avit de Sevilha. Seria alguma novella mais desen-
volvida d'esse cyclo tradicional?
Capituloa gue El-Rei Dom Duartefez guando em boa horafoi Rei,
Livro de Monteria, por caateUSo.
Livro de papel velho encademado em purgamnho que fola doa eoa-
fumea doa homena e otUraa couaaa.
Na entrega dos Livros da Universidade de Lisboa, de 1513, cita-
te comò existindo ali: HU volume deJUoaofia aobre oa Coatumea e vida
doa homens. É um livro de ethica, do seculo xv.
O Arcypreate de Fyaa.
É a collec{So das poesias do celebre Juan Roiz, conhecide pelo
BI8T. UH. 15
226 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
nome de Arcipreste de Hita, do reinado de Affonso xi. E o poeta qae
mostra a mais directa influencia franceza dos troveiros na peninsula.
Urna foiba de pergaminho avulsa, contendo a fabula do rato e da mon-
tanha, foi trazida de Santa Cruz de Coimbra para a Bibliotheca do
Porto por Diego Kopke; por ella se vd que existiu urna traduc^So por-
tugueza em verso das obras do Arcipreste de Hita. O nesso estudo so-
bre està traduc9&o do seculo xv vem nas Qu.estZes de LiUeratura e Arte
portugueza, O poema Ovidio da Velhay de Richard de Foumival; que
vem citado na CSrte Imperiai, seria talvez oonhecido através da para-
phrase castelhana Bodas de D. Mdon de la Huerta^ do Arcipreste de
Hita. Na livraria de Isabel a Catholica (n.® 131): «Otre libro que se
dise el Arcipreste de Ita, en papel de mano de cuarto de pliego en ro-
mance, que Bon las copia» del Arcipreste de Fita^ con unas tablas de
papel forradas en cuero Colorado.»
Libro de Anibal por portuguez^
Na Livraria do principe de Viana (n.^ 24) vem uma: mta aHexan-
dri edile et annihalis.
Livro de Monteria^
Um livro das Medita^Ses de Santo Agustinho gue trdadou o mo^
da Camara.
»
Estorya de Troya por aragoez.
E o celebre livro ìntitulado Historia Trojana, de Ghddo de Co-
lumna, terminado quando muito em 1285, e imitado de Dares Phry-
gio. O conde D. Fedro j& cita oste livro no seu Nobiliario: e E per està
rrazom moueromsse tòdas as gentes das terras, e veerom sobre a Troya
e teueromna yercada dez annos. E ouue hi grandes fazemdas e mortes^
gramdes cauallarias assy corno fatta na ssa estorca, 3 ^ No retrato que
Hernan Perez de Gusman fez do chanceller Pero Lopes de Ajala, seu
tio, diz : «Por sua causa foram em Castella conhecidos livros que d'an-
tes o nSo eram, taes corno Tito Livio, que é a mais digna leitura ro-
mana, a Queda dos Orandes, os Moraes de S. Gregorio, o livro de Isi-
doro De summo bene, de Boecio, a Historia de TVo^a.i Na Bibliotheca
do duque de Ossuna guarda-se uma traduc^So da Historia de Troya
em gallego.^ Jayme de Coresa, secretano de Pedro rv de AragSo^ tra-
1 Pori. Man. Mst., voi. i, p. 286.
2 Tubino, Becherchet d'Anthrop^ p. 11.
UTRARIAS ìfANUSCRIPTÀS DO SEGOLO XV 227
doziu-a para limosino em 1287. Possuiu-a a rainha Isabel na sua Livrar
ria (n.^* 109 e 110) e em Benavente: Conquista de Ttoya, qae romanzò
Fedro de Chenebrilla. O principe de Viana (n.^ 55) possuia urna hUy-
ria tebane et troyane. Na Livraria do Condestavel de Portugal (n.^ 85):
TSroya en leti.
lAvro de Sumeliào.
Livro de Estrologia encademado e coberto de coirò preto.
Livro de resar d'el-Sei em qae està a ConJUsSo geral.
Talvez o livro das Horas de Santa Maria, de sen pae, e o livro
das Horas de ConfissSo escripto pelo infante D. Fedro.
Livro das Trovas de El-rei.
Cancioneiro do rei D. Doarte, hoje completamente perdido; Babe-
se que era poeta^ pela tradttC9So em verso de redondilha que fez da
orajSo do Jìisto Jùiz, escripta em latim do secalo x, que em outro lo-
gar publicàmos.
Livro dos Padres Santos empapd de marca mayor quefoi de JoSo
Pereira.
Livro da Primeira Partida.
É um fragmento do Septenario de Àffbnso o SabiO; compìlado das
Decretaes; do Digesto, Codigo Jastinianeo e Fuero Jozgo. Na Livra-
ria da rainha Isabel tambem appareoem as Partidas em separado.
Dous livros de Martim Pires.
No Leal Conselheiro (p. 352) lé-se: cem bau lyvro que fez bua
que se chama Martym Pires, he feìta boa declara9om segando vos j&
demostrei; e quem d'elles (peccados) quizer aver comprìda enforma9om
veja o dicto livro, porque Ihe darà para ella grande ajuda.» Frei For-
tunato de S. Boaventura, nos Intditos de Alcoòagaj 1. 1, p. 15, fala «das
obras theologìcas do hespanhol Martim Pires, e outraa, que n2lo dariam
mènoB de trinta a quarenta volumes ...»
CoUa/^es de letra pequena.
Livro de cavalgar, que el-rei D. Duarte compHou.
É 0 ultimo livro do catalogo de D. Duarte ; estava jà escrìpto an-
15 #
228 mSTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
tea do Leal Consdheiro (1428 a 1437), porque ahi apparece citado:
cCom esto concorda huu capitoUo quo no livro de cavalgar avia acri*
ptOy o qual aqui fiz tralladar.» (p. 398.) Pelo titulo da obra Tè-se quo
D. Daarte o compozera em aendo Iffante. Està obra, algana secolos
perdida, foi achada em 1820 na Bibliotheca nacional de Paris, no co-
dice 7007, sondo publicada com o Leal Cansdheiro. Alladiram a ella
08 dironistas Daarte Nones de LeSo e Frei Bernardo de Brìto, por
fórma vaga, comò quem nSo vira a obra; o visoonde de Santarem di£
cathegoricamente que cnBo se encontrou em Portugal até hoje nem
mesmo um so fragmento.»
Todos estes livros se dispersaram com o tempo: cDos livros que
ajmitoa D. Daarte, apenas sabemos da existencia do intitalado Carte
Imperiai e de um fìngmento do Regimento de Principea. Tudo o mais
quasi com certeza se poderia talvez dizer que, ou o tempo consummio,
ou jaz sepultado por Bìbliothecas estrangeiras comò succede &s obras
do mesmo monarcha.» ' D. Duarte cita outras obras, comò os DistichoSj
de Dionysio Cato, e a Viia Christì, de Ludolpho Cartusiano, escripta
em 1330: «E naquesto esso medes concorda bua parte daquelle livro
da Vita Xpò, que fez segundo dizem, que por el nom se nomèa, huu
fireire da ordem dos Cartuxos ...» Este livro, mandado traduzir pela
duqueza de Coimbra, D. Isabel, foi dado & estampa pela rainha D. Leo-
nor em 1495, e é um dos primeiros e principaes monumentos da Im-
prensa em Portugal.
Trataiìo de Vtrtud.
«Conmigo pensando determiné trasladar en nuestra comun lengu»
castellana un gracioso e noble tratado que de virtudes falle, el cual de
los diohos de los Morales filosofos compuso el de loable memoria D«
Alfonso de Santa Maria, obispo de Burgos, al muy illustre e muy in-
clito Sr. D. Duarte rey de Portugal, seyendo princepe, al cual Menuh
rial de Virtudes intituló.» (No Escurial.)
livraria do Mante D. Fernando o Santo
É principalmente composta de livros mysticos, segundo o car«-
cter de D. Fernando; antes de partir para a desgra9ada expedifZo a
* PcMoramaf t ir, p. 7.
LIVRARUS MANUSGRIPTAS DO SEGULO XY 229
Tanger, onde foi vìctima, fez o infiuite testamento, e n'eUe enumera os
aena livros : '
Huma Brivia peqwna por latìm,
Jtem, hum flo8 sanetorum.
Item, hum Iwro de prega^fes de Frey VicerUe par lingoagem.
Item^ hum Ivoro que ehama Crimaco.
liem, hum Evangdiorum.
Item, hum cademo de canta de Santa Maria daa Nevea.
(Enmnera varìos cademoB de officios litorgicos.)
Item, a livra das CaUagiea das Pad/res e eetatuta Mono/charum.
Item, as eermlSes de Santa Agostinha por Latim.
Item, hum livra de lingaagem que chamam razaL de amar. (Citado
no Index de 1624.)
Item, hum livra das medita^ks de S. Bernardo,
Item, hum livra de lingaagem que chamam Stimula amoria.
Item, a Soliloquio de Santo Agostinha, e de auas meditagli em lin-
goagem,
Itemy outra livra que chamam LmCj em lingaagem.
Item, hum livra de papd par LaJtim de muitae cotuas misticas que
foi da Thezoureira de Evara.
(Enumera Missaes e Antiphonarios.)
Item, hum livra da vida de S. Jeranymo em lingaagem.
Item, a Livra da Rainha Dana Uizabeth.
Item, dous livros piquenos de Ora^ks etc. bem corno a livro das ma-
roiss de San Gregario.
Item, leixo a Femam Lopez, meu escrivSo da puridade^ hum livro
de lingaagem que d me deu, que chamSo hermo espiritual.
DeBcreveremoB d'eates livros aquelles que nos revelem o estado
mental da època, que precedeu a descoberta da Imprensa.
No testamento do Infante Santo vem citado o livro de hoc. E uma
obra de Medicina, assim designada pelo nome do seu auctor; d'ella fala
Bodriguez de Castro: «Por los aSos de Cristo de 1070, vivia en Es-
paBa un celebre judio medico, Uamado Izchaq, auctor de una obra de
medicina en castellano, que trata de varias especies de calenturas y de
1 0 testamento està publicado por José Soares da Silva, MemorioM de D.
Jaào J, 1. 1, p. t50.
230 mSTORU DA UNIVERSIDADE D£ GOIMBRA
tercianae e cuartanas; j he visto ms. en un còdice in-folio de la bi^
bliotheca San Lorenzo del Escurial.» Segando Amador de los RioS|
nos Estudios aobre lo8 Judios de EspaSki (p. 229, ed. 1848), o livio in-
tìtula-se Io8 Libroa de Isaaque, e é posterìor ao secalo xi. Segando a
noticia qae Amador de los Rios dà d'està obra, era ella dividida em
cinco liyros: o primeiro trata da febre ephemera; o segando das inso-
lafSes, febres prodozidas pelo fino, pelo banbo, pelo excesso de comi-
da, pela fome, fadiga, vigilias, sanha e pezar; o terceiro trata da fe-
bre etipsy; o quarto da febre causon e da sua crise, e da aynoea, pLeur
risis^ sconon, periflemonya, syncopi e ictericia; o quinto livro tratadaa
pestilencias. A obra é urna vulgarisagSo da Medicina grega no Occi-
dente, corno 0 confinna o Livro da Lepra (o Tratado da Elephantiase,
de Constantino) da Livraria de D. Duarte (p. 220.)
0 manuscripto intitulado 0 livro da Rainha Dona Eizaìbeth é urna
chronica da rainha S. Isabel, mulher de D. Diniz, escripta, segando
Frei Francisco BraudSo, depois de 1374, e que se guardava no con-
vento de Santa Clara de Coimbra. 0 chronista da Monarchia luziUma
«xtrahiu urna copia d'esse codice, que publicou na parte rv da sua
obra.
O livro Hermo espirithuil, que o chronista FemSo Lopes offerecera
ao infante, escrìpto em portuguez, é quanto a nós o livro impresso em
1515, e summamente raro, que se intitola Bosco ddeitoso, em que em
fórma de dialogo, e com a auctorìdade dos santos padres, se exalta a
vida eremitica e contemplativa. Os archaismos e construc98es syntaxi-
cas peculiares do nesso seculo xv conduzem-nos a està inferencia.
E, porém, para notar as relaySes litterarias do InfEUite Santo com
FemUo Lopes; sobre este ponto escreveu Herculano: cFemSo Lopes
e Frei JoSo Alvares foram feitura sua; e provavelmente nSio nos lou-
variamos hoje d'esses deus homens^ dos quaes um deu o primeiro im-
pulso à nossa linguagem historica e outro & nossa linguagem oratoria,
se a boa sombra de D. Fernando os n&o fizesse medrar.»'
Frei JoSo Alvares, secretano do infante, a quem acompanhou no
captiveiro, voltou a Portugal depois da sua morte, indo em seguida a
Boma e & Belgica. De U mandou para o Mosteiro do Pa^o de Scusa,
de que era abbade commendatario, uma traduc9So d'esse extraordina-
rio livro da Imitalo de Chrisio, que se julga ser o texto impresso no
principio do seculo xvi. Està obra veiu dar um profundo golpe nos
1 Panxmma^ t. ir, p. 6.
LIVRÀRIAS MANUSCRIPTAS' DO SECULO XY 231
theologos, emancipando os espiritos crentes da dìreo9So casuìstica dos
padres, corno notou Draper. Era a parte do sentimento no confiicto da
dissolnfSo do poder espiritual; que tomou a apparecer nos mystìoos
hespanhoes e francezes comò protesto centra o formalismo frio dos je-
Boitas.
Epistolas e Evangelhos do anno.
Traduc(fto feita poi: D. Filippa, filha do infante D. Fedro e neta
de D. JoSo i: «consta que passàra à nossa lingua as Epistolas e Evan-
gelhos do anno, posto .que tirados da lingua firanceza, cujo originai da
propria letra se conservava no convento de Odivellas, adomado com
«atampas por sua m2lo.» ^
Livraria do Condestavel de Portugal, fllho do Mante D. Fedro
Este prìncipe, que sofireu todas as desgra9as de que foi victima
«en pae, depois de uma expedÌ9&o a Hespanha em auxilio de Alvaro
de Luna, teve na córte de Castella rela93es litterarìas com o marquez
de Santillana, a quem mandou pedir as suas obras, achando-se jà em
Portugal. 0 erudito marquez mandou-lhe uma copia magnifica de to-
das as suas composifSes poeticas, em 1449, e fel-a acompanhar de uma
Carta em que exp8e de um modo rapido mas verdadeiro a Ustoria da
poesia moderna. * 0 Condestavel D. Fedro era tambem poeta, e no seu
longo desterro de Fortugal escreveu as Coplas do Contempto do Mundo
e a Satyra de felice e infelice vida, Frodamado rei de ÀragSo pelos
catalSes (1463), foi-lhe diffidi sustentar a lucta centra D. JoSo il de
AragSo, e expirou vencido e devorado pela consump9fto (1466.)
Em ama conta de pagamento de D. Fedro ao bispo de Vich, re-
fere-se o rei de Aragfto aos ^ilibroa noetros tam de theologia, strologia,
philosophia et poesia quam de istoriis vulgaribus in caihalana, franei-
gena ami periugalenei vel latina aut alliis guibumns linguis descriptos et
eoniinnat08.9
Està livrarìa do Condestavel de Fortugal, e rei de AragSo, foi em
grande parte formada com a que pertenceu ao Prìncipe de Viana, morto
1 fiibeiro dos Santos, Memoriaa da Aeademia, t. vii, p. 21. Cita tambem ou-
tra versio do seoolo xv por Fr. Juli2o dos Eremitas de Santo Agostinho.
* Bablicada jios Poeias paladanoSf p. 161 e seg.
232 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIBIBRÀ
em 1461, e corno elle martTr da autonomia catalft. No Archi vo de Ara-
gSLo foi achado o inventario que se fez & Livrarìa e Monetario do des-
ditoBO D. Fedro de Portugal. Em ama Memoria sobre D. Peàjto, El
Condestable de Portugal, considerado corno escritor, erudito e antiquario,
por Andrés Balaguer j. Merino, vem transcripto pela primeira vez esse
inventario, ainda assim pouquissimo conhecido:
1. Evicenna.
2. Biblia.
3. Missal roma, notat en alguns lochs de cant pia.
4. Paulus Virgerius, en portuguea, e molts altres tractats.
5. Missal roma.
6. Flora sanctorum en roman9.
7. Missal dominical e Santoral segons la consuetut del Orde de
Prehicadors en lo qoal ha moltes oracions e of&cis e algunes istories.
8. Ethicorum, PoUticorum et Yconomicorum.
9. Uarhre de batalles, en frances.
10. Alexandre, en frances.
11. SuetoniOy De vida de Jtdio Cesar, en vnlgar portugues.
12. Crestina, dels fets de la Cavalleria, ea frances.
13. Joannis Crisostomi.
14. Virgiliusi en vulgar toscha e part en leti.
15. Matheas Palmerii, De temporibus.
16. TuUius, De Officiis.
17. Valerias Maximus, en vulgar frances.
18. Epistoles de Senecha, en vulgar frances.
19. Epistole beati leronimi.
20. Les Etiques de Aristotile en vulgar castella.
21. Vita Marci Antonii et alliorum Prindpum.
22. Coronigues dels Reys de France^ en vulgar frances.
23. Epistole Leonis Pape.
24. Franciscus Petrarcha, en vulgar toscha.
25. Flors Sanctorum.
26. Super ludo Scachorum, De moribus et offieiis ìiobilium.
27. Liber de Viris Ultistribus.
28. Les Eneheides de Virgilio.
29. Libre scrit en papel, ab test e gloses.
30. Biblia (del prior de prehicadors).
31. Lo primer volum de la Biblia ab la glosa ordinaria.
32. Primer volum de Nicolau de Lira sobre la Biblia.
UYRARIAS MANUSCRIPTAS DO SEGULO XV 233
33. Segon volum de Nioolaa de Lira sobre la BiUia.
34. Titas Livius De secando hello punico.
35. Los morcds de Seni Gregori sobre Jop.
36. Usatges de Ccdhalunya,
37. Joseph! De bello jvday co,
38. Levament fet deU offidals de casa del senyor Bey.
39. Boecio) de consolacion, en vulgar castella.
40. Constitutiones Clementis Pape.
41. Incipit Prefacio Rabani ad Ludovicum regem.
42. Plinio, de la naturai Istoria,
43. EpistoUs de FaUaredis et Chratìe sinia,
44. Summa super Decretalium,
45. De beUo macedonico.
46. Comelius Tacitus.
47. Coroniques o Conquestes de uUramar, en valgar castella.
48. Ores de nostre dona, del Sanet sperit, e lo quicumque volt.
49. Missalet.
50. Commentala Cesarìs.
51. De vita et moribus odexandri magni.
52. Les coroniques de Spanya, en vulgar portuguea.
53. Salasti, en romang castella.
54. La contemplacio de la Beyna, en vulgar catala.
55. Speculum ecclesie mundi, vulgar catala.
56. De laude Criatoris.
57. Isidorus De Etymólogia.
58. Orto de Esposo, en vulgar portuguea.
59. Coroniquei dels Reyes darago e Comts de Barcelona, en vul-
gar catala.
60. Libre en pergamins, en vulgar castella.
61. Liber Justinus.
62. Sidracho lo PhUosopho, en vulgar frances.
63. Dedamadones Senece.
64. Diversos Tractats, en romans castella.
65. Les Constitutiones e usaJtges de Catìudunya.
66. Liber Quartus beati Thomae.
67. Livro das Vìrtudes.
68. Breviari roma.
69. Lo Mestre de les Sentendas,
70. Parabole Salomonìs.
71. Libre en paper, en vulgar castella.
234 HISTORIA DA UNIVCRSIDADE DE COIBIBRA
72. Libret scrit en paper, en calala.
73. Ovìdi metamorf 08608, en vulgar castella.
74. Libre, comenya: Ecce Sex iuu8 venit.
75. Libre, comenya: /njpnnctpis creavit.
76. Le8 Concordati^ de la Biblia.
77. Ubret: comenga lo offici etc.
78. Liber Ysocretis.
79. Lo Valeri, en vulgar castella.
80. De la inmortalitat de la anima, en vulgar castella.
81. Le8 Cent Balade8, en vulgar frances.
82. Satira de contento del mundo, en vulgar, castella.
83. Libre, comen9a: Atigu8talÌ8 didtur atigu8torum.
84. BoeciuB de Conaolatione, in ladino.
85. Troya, en leti.
86. El Marques de Santillana, es tot en cobles rimades.
Rptol de pergami L'Avologia deb Rey8 de Fran^.
87. Offider de cantpla.
88. Antifoner tot notat de cant pia.
89. Antifoner ab responsos.
90. Lo volum de Dret.
91. Clementines.
92. Joan Bocaci, en vulgar castella o portugues,
93. 0re8 ab les armes de Portugal.
94. Mis8al, en pergamins.
95. Miasal roma,
96. Catholicon. *^
^ Tranacreyemos em seguida o Catalogo da importantiBsima Livraria do Prìn-
cipe de Viana, que o Condestavel tanto admiraya, e cujo filho mandou educar com
disvelo. D^esta Livraria foÀm adquirìdos algons codices pelo Condestavel, e isto
basta para qae convenha formar-se urna idèa do seu conjoncto :
1. Primo de divino amare. — 2. Lactantius. — 3. ultima Beati Thomae. — 4. se-
cunda secunde. — 6. prima seconde. — 6. prima pars beati Thomae — 7. dos oracio-
netes — 8. super primo sententiamm. — 9. orationes demostbenis. — 10. gesta regine
bianche. — 11. magtstre sententiarum. — 12. exameron beati Ambrosii. — 13. glosa
salterii eum aliis tractibus secundom sanctum Thomam. — 14 psalterium. — 15. Be-
banns, de natnris Terom. — 16. secunda psrs Biblie. — 17. tullius de officiis. — 18.
finibus honorum et malomm. — 19. justinus. — 20. epistole phallaridis et Gratis. —
21. commentariomm cesaris. — 22. elins lampridius. — 23. nonnius marcellns. — 24.
vita aliezandri scille et annibalis. — 25. comentarionun rerum grecarum. — 26. les
ethiques por lo princep trasladades. — 27. epistole fiuniliares tuUi. — 28. epistole
UVRARIAS MANUSCKIPTAS DO SECULO XV 235
Livrarìa de D. Affonso V
Os chroniatas Ruy de Pina e Daarte Nunes de Le2o asseveram
que D. Àffonso v fòra o prìmeiro rei portuguez que ordenara Uvrcuria
no pa9o; o que pode haver de yerdade n'este asserto limita-se à fa-
coldade de ser a livrarìa consultada pelo publico. Gomes Eanes de
Azurara termina a sna Chronica da Conquista da Guiné, dizendo qae
a acabou em 1453 na livrarìa do rei D. Affonso v. SSo muitos os li-
vros antigOB que Azurara cita nas suas obras, com um prurido de eru-
disse que caracterìsa os espiritos cultos do seculo xv; se attendermos
ao alto preyo que ob livros tinham antes da descoberta da Imprensa, e
à rìqueza das Livrarìas manuscriptas dos Principes, conclue-se que Azu-
senec en frances. — 29. alfonseydeB. — 30. de bello gothorum. — 31. epithome titi
livii. — 31. de secreto conflictu francisci petrarchae. — 34. coroidea regia frande.
35. analogia navarre abs histoire de spanya. — 36. del aangreal en francés. — 37.
hun libre de greon en francés. — 38. tristany de leonis. — 39. libre en frances de pe-
dres precioses. — 40. un libre de cavalleria. — 41. un libre de sermons. — 42. libre
de boeci en francés. — 43. un altre intitulat giron en frances. — 44. los morale dels
pbilosophs en frances. — 45. los eyan^elis en grech. — 46. las epistoles de seneca.
— 47. decade secunde bello punico. — 48. decade de bello macedonico. — 49. Come-
lius tacitus. — 50. guido didonis super ethica.— 51. la tripartita Istoria en frances-
— 52. de proprietatibus rerum en francés. — 53. orationes tullii. — 54. tragedie se-
nece. — 55. Istorie tebane et troyane. — 56. Isop en frances. — 57. lo papaliste ho
cronica sommorum pontificum. — 58. prime secunde.^ 59. somari de leys. — 60. Jo-
sephus de bello judaico. — 61. de vita et moribus Alezandrì cum quinto curcio. —
62. laertius diogenes. — 63. de viris illustrìbus. — 64. quintilianus. — 65. eusebius de
temporibus. — 66. plutarcbus. — 67. dant — 68. Yalerìus mazimus. — 69. lo testament
veU. — 70. lo testament novell. — 71. los cine libres de moyses en un yolum en fran-
ces.— 72. un libre en frances nomenat egidi de regimine principum. — 73. altre li-
bre que trata de viois e virtuts. — 74. altre libre en frances intitulat lo libre du
trcBor. — 75. un libre que cometa lo romana de yemius. — 761 un altre libre inti-
tulat del amor de Deu. — 77. un» lapidari en frances. — 78. la cent ballades. — 79.
los treballs de hercules. — 80. un libre... de diyerses materies de philosophia. — 81.
la cronica velia. — 82. un libre de ooples. — 83. la coronica velia. — ^84. lo roman de
la rosa. — 85. leonardi aretini de vita tiranica. — 86. un alfabet en grecb. — 87. un
libre de philosophia de aristotil en metres. — 88. libre frances ogier le danois. —
89. un libre... de coblas. — 90. tres libres de compte dieg odrìg. — 91. un libre fran-
cés que comen^a libre de daressia intitulat ymage mundi. — 92. libre intitulat tra-
ctatus legum. — 93. mols coems. — 94. las genealogies en un rotol de pregami us-
que ad Rarolum Begem nayarre. — 95. Matheus palmerii. — ^96. lo pressia major. —
(Ap. Mila y Fontanalfl, Dr Um Trovadorea en Espaha^ p. 520.)
236 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
rara dispunha de urna grande bibliotheca, e pelas suas cita98e8 pode-
moB recompSr a Livraria de D. Affonso v:
CanticoB de Dante.
Pela primeira vez nos appareoe nm indicio de ser conhecida em
Portugal a Divina Comedia; Azurara cita-a na Chronica do Cande D.
Fedro de Mènezea (p. 446): < aquelle famoso poeta Dante^ na sua pri-
meira cantica, etc.» Na Chronica da Conquista de Ovini enumera suc-
cessivamente as seguintes auctoridades:
S. Thomaz e S. Gregorio (p. 10.)
Orosio (p. 11.)
Marco Polo (p. 11, 227 e 360.)
MetamorphoseoSj de Ovidio (p. 12.)
Phedra e Hypolito, de Seneca (p. 12 e 42.)
Lucas de Tuy, continuador da Chronica de Isidoro de Sevilha (p. 22.)
Cicero (p. 23 e 41.)
Sam Jeronjmo e Salustio (p. 36.)
Eikica, de Aristoteles (p. 37.)
Valerio Maximo (p. 38) Summa da Historia de Roma (p. 76.)
Lucano (p. 39.)
S. Chrysostomo (p. 42.)
Viagens de Sam Brendam (p. 45.)
Santo Agostinho, De cimiate Dei (p. 76.)
DecadoB de Tito Livio (p. 76 e 149.) *
Rodrigo de Toledo (p. 89.)
Flavio Josepho, Das Antiguidadesjudaicas (p. 89.)
Gnalter, Daa gera^ka de Noè (p. 94.)
As Obras dos Romàos (p. 148.)*
Vegecio, De re militari (p. 148 e 412.)
A Scripiura Santa, Seneca, Tito Livio (p. 149.)
Paulo Vergeryo, Ensinanga dos mogos Jidalgos (p. 84.)
Bernardo, Regimento da Casa de Ricardo, senhor do castello Am-^
brosio (p. 224.)
1 Escreve Paul Meyer, no Bappart sur une tnission liUeraire en Angltterre,
p. S2: «Urna obra que figurava em todas as bellaa livrarias do &n do secnlo xrr
e XV era a traduc^So de Tito Livio, que ezecatou Fedro Bercheore para o rei JoSo;
o seu successo estendeu-se além dos Pyreimeus, ao que parece, porque o manuscri-
pto Harleiano, 4893, apresenta-nos urna traduo^fto catalS d'està traducano francesa.»
* Era urna compila^ào que na Edade mèdia andava reunida ao Livro de Oro»
no, e tratava ezclusivamente da vida de Cesar.
UVRARIAS HANUSGRIPTAS DO SECULO XV 237
Fr. Gii de Boma, Begimento de Prindpes (p. 253.)
. AriBtoteles, Tolomeu^ Plinyo e Homero, Esidro^ Lucano e Paullo
Orosio (p. 288.)
Gondofre^ oa Gundolfo (p. 291.)
Mestre JoSo o Inglez, ou Dans Scoto (p. 295.)
Pharsalia, canto dez (p. 300.)
Hermas, o Pastor (p. 350.)
Mestre Fedro, ou Fedro Lombardo (p. 260.)
Alberto Magno, Da celestial gerarchia (p. 458.)
S. Thomaz, De Potentia Dei (p. 460.)
Evangélho de S. Lucaa (p. 461.)
EpiatóUu de S. Faulo (p. 462.)
Jélumi de Lanaon (p. 2.)
O Amadis de Oaula (na Chronica de D, Pedro de Menezes.)
Vasco Femandes de Lucena, que foi guarda d'està Livraria sob
D. Jo2o u, apparece em um alvarà de 16 de novembre de 1496 com
o titulo de cgovemador moor da nossa Torre e livraria.^
Livraria do Dr. Diogo Affonso de Mangancha
Ko testamento d'este decretalista, de 1447, em que funda um Col-
legio para dez escolares pobres, deixa-lhe tambem hos livroa todos.
Àpenas indica alguns d'esses Uvros:
citem, requeiram ao Bachaler Diego Lourengo a segunda parte
do Bartolo ssobre o Esfforgado, e a Mendaffonso, filho d'Àffonse Annes
da Bua das Esteiras, 08 Bartolos ssobre o Digesto novo, que Ibos em-
prestey ; e tenho um Chino empurgaminho apenhado do Doutor Joham
Pireira por mil e quinhentos reis, mando que Iho dem sem pagar nada,
porque come9a bem seu mundo.»f.
Livraria do bispo D. Vasco Perdigdo
Ainda nos apparece uma referencia a urna Livraria do seculo xv:
cDom Vasco PerdigSo, bispo de Evora, installou em 1462 uma Livra-
ria por cima da sala capitular.»'
1 Ap. DiiserL ekran^ de J. P. BibeirO| t* n, p. 256.
2 Partugal PiUameo^ voi. i, p. 124.
238 HISTOBIA DA UNIYEKSIDADE DE GOIHBRA
Sobre a Livrarìa da UniverBidade de Lisboa nada pademos des-
cobrir anterior ao secalo xvi ; é comtudo presamivel que a possoisBe.
NoB Estatatos da Universìdade de Salamanca, de 1422, dados por Mar-
tinho V, vemos estabelecido que se devem gastar mil florins na compra
de livros para todas as faculdades, e que estes se coUoquem em ordem
dentro do Estndo geral, sondo o Estacionario responsavel pela sua
guarda, com o salario annual de vìnte florins, e afianyado. Os livroB
eram defendidos com penas de excommonhSo, costume que se conser-
vou em todas as antigas bibliothecas. ^
A raridade dos manuscrìptos e o seu alto pre90 tinham motivado
as prìmeiras tentativas da impress&o lypographica, especialmente para
OS livros destinados ao ensino publico. A Orammatica, de Donato, e o
Catholicony de JoSo Balbi, foram primitivamente reproduzidos pela
fórma xylographica, ou gravura em madeira; desde que se mobilisou
pela serra os caracteres, e que o processo da gravura serviu para abrir
OS pon^oes com que se fis^ram as matrizes (Frappes), que, & imitafSo
da {undÌ9&o das medalhas, serviram para a fabricagào dos typos, es-
tava creada a grande arte da Imprensa. A descoberta foi compleza,
dependendo de invengSes anteriores, comò o papel, e simultaneas, comò
o prélo, as balas, a tinta seccativa, viscosa, e a maravilhosa impressSo
a c6res. O prestigio do Livro, a que a Edade mèdia ligara a concep9So
ideal da sabedoria e da magia na designa9So de Specvlum, ia desap-
parecer pela reproduc92o material e facil da typographia; mas vinba
desencadear os quatro ventos do espirito, trazendo à actividade specur
lativa da Europa as doutrinas politicas da Monarchia Universci, a li-
1 Na Memoria de Bussche sobre as rela9oe6 de Portngal com Flandres (p. 8)
cita-se um Juan Vaaques natifde Poriugal^maUrt d^hotd de Donna laabeau de Par-
UÌgaly duchegse de Bourgogne: «Vasques possédait une bibliothèque ou tout au
moins divers manuscripts de yaleor. M. le chanoine Cartoli, dans ses notes, ma-
Ihenreusement disperséea aujourd*hui et dont qaelqaee-uneB sont devenues la pro-
priété de TÉtat, cite comme ayant paBsés par ees maina les ouvrages suivantSf
portant les armoiries de Vasques et celles dea yan Ackere :
Un Séììkque en 2 parties, imprimé à Naples (apud Moravum) en 1475, in-fl.
HUtoire de Troie la Orante mamuscript curieux de la maison de Henri eeeond.
Ms. in-fl., écritore de fin zir* siècle.
Un livre d'heores intitulé: Horae Btatae Mariae Virginie^ in-16, relié en
cuir, orné d'une gamiture historiée en argent, avee deux fermoirs. — Manuscript
sor yélin, exécuté yers le milieu du zy« siècle. 280 feuillets, douze miniatures. Sor
le plat, les armes de Portugal presque effacées. Sur le feuiilet de garde, Técu de
Vasques ayec celui de sa femme, portant la date: Bragis iccooo.ucyiuj.»
UYRARIAS MANQSCRIPTAS DO SECULO XV 239
Tre critica dos textos biblicos e a dis8olu9So da hìerarchia catholica, o
oonhecimeiito da terra pelas Viagens de Marco Polo, que suscitavam
as audaciosas expedÌ93e3 maritimas & America e & India^ emfim xun
maior cosmopolitismo e o conhecimento das fontes vivas da CiyilisagSo
Occidental. A Imprensa propagava-se a todos os paizes comò um des-
tino: na Allemanha, de 1454 a 1480, a Mayence, Bamberg, Stras-
burg, Colonia, Nuremberg, Baie, Augeburg, Mnnster e Spira ; na Ita-
lia, (1465) a Roma, Subiaco, Veneza, Lucques, Foligno, MilSo, Bolo-
nha, Florenga, Trevi, Napoles, Sicilia; em Fransa, (1471) a Paris, Lyon,
Bruges, Alost, Louvain, Aivon e Utrech; na Hespanha, (1474 a 1477)
a Valencia, Barcelona, Sarago9a e Sevilha; em Portugal entra em 1478,
comò se infere da nota das Coplas do Menosprecio do Mando, do Condes-
tavel de Portugal, e definitivamente em 1489 quando os judeus Tzorba
e Rabban Eliezer imprimiram o Commentario sobre o Pentateuco, e
em 1491 a edigUo hebraica do Pentateuco, de Lisboa.
A forte reacjSo do pedantismo Scholastico centra a livre critica
da Renascenga achou um apoio accidental na descoberta da Imprensa,
empregada nos seus primeiros annos a dar publicidade aos livros que
mais tinham dominado nos estudos dì\rante teda a Edade mèdia, taes
corno 0 Catholicony de JoSo de Genova, o Mammotrectua, de Marche-
sini, 0 Bi^dchiólogus, de Ebrard de Bethune, o Grecismus, de JoBo de
Garlandia, e outros muitos, que encontràmos nas opulentas Bibliothe-
cas ìnanuscriptas no goso de um unanime respeito. Michelet accentuou
està influenda deleteria da Imprensa ao desabrochar da Renascen9a:
«A Imprensa, beneficio immenso, que vae centuplicar para o homem
OS meios da liberdade, serve entSo, é preciso dizel-o, para propagar
as obras que, desde trezentos annos, tèm mais efficazmente embara-
9ado a Renascenfa. Ella multiplica ao infinito os Scholasticos e os mys-
ticos. Se imprime Tacito, tambem inunda as bibliothecas de Duns Scot
e de S. Thomaz; ella publica, etemisa os cem glosadores do Lom-
bardo, que era esquecido no pò. Afogadas de livros barbaros da Edade
mèdia, que sBo desenterrados ao mesmo tempo, as escholas soffrem uma
deploravel recrudescencia de absurdos theologicos. Pouco ou nada em
lingua vulgar. Os livros antigos publicavam-se com uma extrema len-
.tidSo. So quarenta ou cincoenta annos depois da descoberta da Im-
prensa è que se lembram de dar à estampa Homero, Tacito, Aristote-
les. Piatalo ficou para o entro seculo. Se se publica a antiguidade, pu-
blica-se e republica-se com outro empenho a Edade mèdia, sobretu&o ob
livros de classes, as Summas, os epitomes, todo o ensino de tolice, de
manuaes de confessores e de casos de consciencia; dez Nyder centra
240 mSTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIHBRA
luna llliada: por um Virgilio vinte Fichet.»* Como explicar este an-
tagonismo da Scholaslica contra a Renascenfa? E facil. O estudo doa
exemplares das Litteratoras greco-romana^ e dos sena philosophosy pro-
vocava a renova9So da grammatica e da critica philologica; os doato-
rea aterraram-se diante dos novos methodos e formularam urna con-
demna9So suprema: o mdhor grammatico sera sempre opeor dialectieo,
e um pessimo theologo. '
Pela reac9So dos criticos da Renascenfa, quo luctaram contra o
pedantismo doutoral, é qae se aprecia a natoressa da eradÌ9lo e dos
livroB que occaparam os prelos ao alvorecer da Lnprensa, e espccial-
mente o antagonismo entro as duas épocas^ que tSo profundamente se
contrastavam. ^ É notavel comò a mesma nota critica sobre as espe-
culasSes medievaes e os livros pedantescos apparece accentuada pelo
genio satyrico de Gii Vicente, e pelo renovador das doutrinas pedago-
gicas^ 0 sarcastico Rabelais. A velha Dialectica dos Nominalistas e Rea-
listasy que embara9ara o desenvolvimento scientifico iniciado por Ro-
gerio Bacon e Arnaldo de Villa Nova, continuava a eateril lucta no se-
culo xvi^ sob 0 titulo de Thomistas e ScottìstaSj difficultando a expan-
bSo da Renascen9a.
E naturai que cada um d'estes grupos seguisse a bandeira do seu
coiypheOy os dominicanos as doutrinas de S. Thomaz e os franciscanoB
as de Duns Scott. Gii Vicente ridicularisou toda està velha erudigSo
1 La RenaisBance^ p. xeni.
* Dizxa Vives : «Qnoties mihi Johannes Dullardins ingessit : quanto eris me-
lior grammaUcuB, tanto pejor dialecticns et theologUB.i» (D$ cautis corrup. Artiumj
lib. u, p. 72.)
' Escreve Quieherat, na Histoirt du CóUkgt de 8ainU Barbe, 1 1, p. 150: e A
Edade mèdia teve coriosidade e um grande poder de reflezio; faltou-lhe o genio
observador e o Bentimento critico. A Bcienda, da qoal nSo oomprehendeu senSo o
lado especulativo, foi para ella comò as coasas creadas, de que se serve sem pen-
sar em fiuer nada semelhante. Cren firmemente que tudo quanto se podia saber
ostava j& escrìpto ; os livros da eschola continham todo o deposito ; o que havia a
laser era tirar-lhe ss consequencias pelo raciodnio. — A Benascen^a apparece-nos
ao contrario corno a evoluì doB espiritos reoondnzidoB por um inslincto intdra-
mente pratico à vereda da ÌDveBtlga92o e tornando o seu curso para a conquista
do livre esame. A sua applica^ foi ver e oomprehender antes de racibdnar; e
corno ella se entregou logo is obras litterarias da antiguidade, o prìmeiro rcsul-
tado foi dedarar falsa a scienda que tivera a preten^io de posBuir a chave d'ella.
Os exerdcioB sobre que se fundava a instmc^So dementar eram futiIidadcB e pa-
lavrorio. Para conseguir a inteUigenda doB auctores nSo bastava ter disputado
sobre a grammatica: era preciso reconstìtuir o mundo em que esses auctores ti-
nham vivido.»
UVRARIAS MANUSCRIPTAS DO SEGULO XV 24 i
medievali que se perpetuava na Universidade, quando a Italia iniciava
o renaBcimento das litteraturas classicas:
No quiero deciros especulaciones
De Santo Agostin Dt CiviUUe et cetra,
No qtiiero de Scoto alegar ni letra,
No quiero dispntas en predicaeianeBA
No Auto da Mofina Mendes, Gii Vicente ridiculisa todo o velho
aristotelismo representado pelos padres da Egreja^ e em contraposiySo
com as doutrinas scientificas de Sacrobosco e Regiomontanus, que re-
atauravam a astronomia:
Vicentina, — Scala coeli,
Mag^ster Sententiamm,
Demosthenes, Calistràto,
Todos estes concertaram
Com Scoto, livro qnatro.
Dizem : N&o yob enganeis
Letrados de rio torto,
Que o porvir nSo no sàbeiS)
E quem nisso quer por péìs,
Tem.cabe^a de minhoto.
0 bruto animai da terra,
Ó terra filha do barro,
Como Babes tu, bebarro.
Quando bade tremer a terra,
Que espanta os bois e o carro?
PeloB quaes dixit Anaelmus,
£ Seneca — Vandaliorum,
£ Plinius — Ckromcorum,
Et tamen glo9a ordinaria.
E Alexander — de aliis,
Arìstoteles — De Secreta Mcretorum.
Albertus Magnus,
Tullius Ciceronifl,
Bicardus, Ilarius, Bemigius,
Dizem, oonvem a saber:
Se tens prenbe tua mulher
E per ti o oomposeste,
Qneria de ti entender
Em que bora bade nascer,
On que fei^oes bade ter
Esse filbo que fizeste.
O&rotf, t ui, p. 337.
H18T. Qk IG
242 HISTORIA DA UNIVERSIDADB DE GOIMBRA
NSo no sabes; quanto nuda
Ck)mmetterde8 falsa guerra,
Presumindo que alcan^aes
Os secretOB divinaes
Que est^ debaizo da terra.
Pelo que diz Qutntus Curtius,
Beda — De religione chriatioMf
Thomaz — Super trinitas altemcUi,
AttgustinuB — De angelorum ckoris^
Hieronimus — alphabetue hebrcUot,
BemarduB — De virgo aacenUomsj
Bemìgius — De dignitate aacerdotwn;
Estes dizem j untamente
Nos livros aqui allegados :
Se filhos haver nao podes
Nem filhas por teus peccados,
Cria d'esses engeitados
Filhos de clerigos pobres.
Rabelais, no Pantagruel, contando Como CrarganJtua foi educado
por um sophista em lettras htinas, enumera os deploraveis livros que
doniinaram no ensino ainda depois da descoberta da Imprensa, e an-
tes de serem inutilisados pelas obras superiores dos grandes genios da
Renascenja: cDe facto ensinou-lhe um grande Doutor sophista, cha-
mado mestre Thubal Holofeme, a Carta, tSo bem que elle a dizia de
cor de traz para diante . . • Depois leu-lhe Donato, o Faoet, o Theodolet,
e Alanus in Parabòlis. . . Depois leu-lhe De modia significandi com os
commentarios de Hurtebise, de Fasquin, de Tropditeux, de Gualebault,
de JoSlo le Veau, de Billonio, Brelingandus e uma caterva de outros (no-
mes com que ridìculisa os commentadores da £dade mèdia.) Depois leu
0 Compost, . ., e em seguida teve um outro velho catarroso, chamado
Mestre Jobelin Bride, que Ihe leu Hugutio, Hebrard, o Grecismo, o
Douirinal, as Partes, o Quid est, o Supplementum, Seneca, De quatuor
virtuiihus cardinaliòusj Passavantus cum commento, e Dormi secure, para
as festas. E alguns outros do mesmo jaez, com a leitura dos quaes se
tomou tSo sabio que ficou na mesma.»^ Reiffenberg mostra comò es-
tes livros persistiram no ensino até à època da Rena8cen9a. ' A Carta
e as Partes 2& vimos comò dominaram em Portugal (vide p. 117); a
Grammatica de Donato resistiu por muito tempo i de Prisciano, e ao
^ Pantagrud^i liv. i, cap. xir.
2 2* Memoire sur lea deux premieri nèdes de VUniversiU d^. Louvain^ p. 13.
UVRÀRIAS MANUSCRIPTAS DO SEGOLO XV 243
Doutrincd de Alexandre ViQa Dei (1242), que foi desthronado por Pas-
trana. As Parabolas de Alain de Lille (1160 e 1190) andavam juntas
com 0 F<icetii8j o Theodulos, que fortificavam os Proverbios de Diony-
aio CatO; para o ensino moral da mocidade; o De Modis significatidi 6
de JoSo de Qarlandia; o Compost era o Computua de Amano, por onde
se calculava a epaota e aureo numero; Hugutio é o pisano (1212) que
compoz urna grammatica; aproveitando-se dos trabalhos de Papias; He-
brard é o auctor do Ghrecismua, Ebrard de Béthune, cuja etjmologia
grega dominava nas eacholas a par da grammatica grega de Bolzani.
O Q^id est era a grammatica pelo systema de perguntas e respostas;
o Supplementum era um resumé de historia, por Filippe de Bargamo,
com 0 titnlo Supplementum Chronicorum; o Mamotret, que encontramos
no Catalogo da Livraria da Universidade de Coimbra em 1537 , é o Ma-
mothreptusj ou Mamotractus, de JotoMarchesini, e impresso em 1470:
cO livro de Marchesini é destinado, comò o Caiholican, a facilitar a
intelligencia das Santas Escrìpturas, dos hymnos sagrados e das ho-
melias, mas nSo é um diccionario, comò muitos imaginaram. Foi aca-
bado em 1466. Rabelais nSo se eaqueceu de cital-o na sua Bibliotheca
ficticia de S. Victor sob o titulo Marmotretu^ de haboinxs et singis cum
commento DohbéUis.i^^ O outro livro, da educa^So de Gargantua, De
mofibus in mensa servandis, é um poemeto de JoSo Sulpicio ; o De qua-
tuor virtìUibiis cardinàltbus é um tratado feito por S. Martinho, bispo
braccharense; Passavantus é o fiorentino Giacomo Passavanto, prosa-
dor do seculo xiv; o Dormi secure é um livro de sermSes para todas
as festas do anno.
Quando os estudantes de Louvain, em 1521, foram ao chamado
dos Dominicanos, para queimarem os escriptos de Luthero, elles ati-
raram às chammas os livros ran90S0s dos Sermanes discipuli, o Tar-
taretum, o Dormi secure, o ParaJbum, e outros cartapacios d'està laìa.'
Observa Reiffenberg: «Estas obras, que gosaram de uma longa e tei-
mosa celebridade, que luctaram muito tempo centra os manuaes mais
correctos ou mais elegantes dos restauradores das lettras, estSo agora
completamente desconhecidas, apesar de nSo ser inutil comtudo for-
mar uma idèa dos livros que serviram de guia & mocidade durante
muitos seculos, e que Ihe foram por assim dizer impostos, attenta a in-
fluencia que deviam necessariamente exercer sobre os habitos snbse-
1 Reiffenberg, d* Memoirty p. 16.
* Idem, 2» Memoirty p. 18.
16*
244 iflSTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRÀ
quentes dos espìrìtos assilli corno sobre as snas faciddades. Urna his-
torìa philosophica dos livros classicoB nas differentes edades litterarias
seria um trabalho digno dos nossos pensadores eraditos.»^ Sem oste
esame prèvio das Livrarias do secalo xv^ nSo nos seria facil caracte^
risar a crise pedagogica que sepassou nas Universidades qae resistiam
contra os novos methodos, refor9ando-8e com a aactoridade do passado.
As Universidades tomaram^se o ponto de apoio d'està resisteneia
contra o novo espirito da Renascen^a; fechadas no quadrado inexpa-
^gnavel das Facoldades^ com as suas disciplinas catbegorìcamente for-
moladas, e as anctoridades de glossadores estabeiecidas pelo consenso
de tres secnlos, oppozeram-se vivamente aos estudos humanistas^ con-
{imdindo-os com as tendendas para ama reforma religiosa. Mas a ìuz
fez-se por teda a parte; o conbecimento dos poetas latinos tornea me-
Ibor entendido o Corpus juria; a^eitora do texto de Aristoteles reve-
loa qae a Edade mèdia raciodnara e discatira sobre phrases attriboi-
das ao philosopbo através da imaginaylo dos commentadores arabes;
a valgarisaylo da Biblia nas lingaas nacionaes acordava nas conscien-
das om mais profondo sentimento religioso e presagiava ama harmo-
nia de toleranda entro o Occidente e o Oriente. As Universidades abra-
(aram por sea tamo o espirito novo, deixaram-se arrastar momenta-
neamente na corrente da Renascen^a. Daroa isso poaco tempo; por-
que OS Jesuitas, ao organisarem-se comò corpora^Bo docente^ retoma-
ram o ensino na phase em qae as Universidades o abandonavam^ e re-
staararam systematicamente o pedantismo scholastico, com o azedame
da lacta do primeiro qaartel do secalo, tal comò cahira ferido pelos
sarcasmos de Erasmo e de Ulrico de Hatten, de Rabelais e de Gii Vi-
cente. E qaando a lacta era renovada pela Egreja, para se opp6r à
dissola^^ da orenga caasada pelos Homanistas, os prìncipaes genios
da reac9So religiosa, qaer do Protestantismo, qaer do Jesaitismo, Cal-
vino e Lojola, iam procarar nas Universidades a disciplina da diale-
etica, as armas da aactoridade.
Antes da descoberta da Lnprensa, a necessidade de resamir os
livroB manascriptos creoa na Edade mèdia a predilec9&o pelas Ency-
dopedias, corno notoa Humboldt; e jà no seciQo xv, poacos annos an-
tes da Lnprensa, oa aproveitando-se do seu espantoso impalso, fignra-
ram as grandes Encydopedias, Imago mundi, de Fedro d'Ailly (1410),
e a Margarita pkUosophica^ de Reisch (1486). E qaando Humboldt
1 Bdffenberg, ^ Memaire, p. 11.
LIYRARIAS MÀNUSGRIPTAS DO SEGULO XV 245
prova corno Colombo deveu & Imago mundi as indica9Ses tradicionaes
quo 0 levaram ao pensamento da descoberta da America, estabelece a
relaglLo entre a encydopedia de Fedro d'Ailly com as outras encyclo-
pedias medievaes;^ aasim, toma-se sarprehendente està continuidade
que liga as especulagSes mentaes de nma edade com as descobertas
qiie determinam a fórma de uma nova civilisa^So. Tambem a empreza
da descoberta do Preste Joào das Iniias, a quem foram em embaixada
em 1487 Pero da CovilhSL e Affonso de Paiva, por ordem de D. JoSo n,
que acreditava n'essa lenda da Edade mèdia, fez com que Vasco da
Oama se aventurasse com seguranga à descoberta da via maritima da
India.
1 <Tudo o que Colombo sabia da antìguidade grega e latina, todas as passa-
gens de Aristoteles, de StrabSo e de Seneca sobre a proximidade da Asia orien-
tai e dfts columnas de Hercnles, que mais do que nenhuma outra consa, segnndo
a relaQJlo de D. Fernando, deepertaram em seu pae o desejo de ir & procura das
Indias (autoridad de los escritores para mover al almirante & descubrir las Indiaa),
o almirante tinha-as colhido nos escriptos de d'Ailly. Traria comsigo estes escri-
ptos nas suas riagens ; etc. Yerdadeiramente, ignorava que d^AlUj transcrevera
palavra por palavra (o tratado Dt quantitate Terrae haUntabilU) um livxo anterior
«m data, o Optts majus, de Rogerio Bacon. Singular tempo em que os testemnnbos
tomados 4 tda de Aristoteles, de Averroes, de Esra e de Seneca, sobre a infcrio-
ridade da superficie do mar comparada à extensfto da massa Continental, podiam
convencer os reis que cmprezas dispendiosas teriam nm resultado segnro.» (Co»--
snoa^ t. II, p. 302.)
SEGUNDA ÈPOCA
(SECDLOS XVI E XVU)
A UNlVERSroADE SOB A INFLUENCIA DA KENASCENgA
E DA REACgiO CONTEA 0 PROTESTANTISMO
BBOgAO 1.-
O Hnmanismo firanoez aotnando na Rexiasoenga em Portngal
(1604-1666)
CAPITULO I
A crise pedagogica na Europa determinada pela Benascen^a
Fónna systematica da dissola^So do regimen catholico-feadal noe tres secolos xn,
ZYii e zvni. — A revolu^ào religiosa sob ob seus tres aspectos : Latheraniimo
(dissolu^So da disciplina); CalvinUmo (dÌ88ola9So da hierarchia); SodnUmo
(dissolu^So do dogma). — A revolu^^o politica nos seus tres aspectos de : So-
herania ncudonal (Revolu^ dos Paizes Baìzos); Egualdade (Bevolu^Ho da
Inglaterra); Liberdade politiea (Bevolu^So franceza). — N'esta grande crise
estabelece-se urna reac^Ao da parte do regimen catholico-feadal : Concentra-
9S0 do Poder temperai, e a Theoria da Monarchia oniversal. — ^Tentativa de
restaurarlo do Poder espirìtual e do Poder theocratioo : Inquisi^io e Com-
panhia de Jesus. — Allian^a dos dois Poderes para se sustentarem : Autos de
Fé, Saint Barthélemy, Bevoga^o do Edito de Nantes. — ^Vicusitudes dos Es-
tudos humanistas entre està corrente de dissolu^io e de reac^. — 0 saber
medieval^ auctorìtario, livresco e interpretativo persiste nas Universidades
no primeiro quartel do seculo xyi. Descredito d'esse saber: Erasmo e o Mo-
gio da Loucura; de Hutten e as EpUtolae óbècurortan Virorum; Babelais e a
satyra de GargarUua, Protestos de Yives centra a persistencia da Telha Dia»
lectica.— 0 saber 4^ Renascen^a, individuai, ezperimentalista e de livre
Exame. — Benova^So do estudo do Grego, do Latim e do Hebraico: Erasmo
e o esplendor do Collegio Trilingue. — Bude cria o primeiro nucleo do CollegiD
de Franca, novo typo pedagogico da In^ruegào wperior liberto do molde
248 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
quadrìvial das Universidades. — Os Humanistas entre a reac92o catholica e
o Protestantismo. — Os Jesultas desenvolvem o typo da Instruc^ stcunda-
ria. — Os Protestantes proseguem na tradi^So christS e fàndam a In8tr%bcqào
primaria ou popolar. — Os Experimentalistas iniciam a fórma Polytechnica
ou especial da InatnuìQào superior. — Os grandes pedagogistas praticos: os
Grouvéas. — As Universidades libertam-se da tradi^So medieval, mas tomam
a cahir sob a inanidade dialectica pela direc^o dos Jesuitas.
A nova syiithese mental, quo determinara na Europa a preponde-
rancia da rasSo sobre a fé; foi a causa prìncipal da fundaffto das Uni-
versidades, e 0 caracterìstico organico que separa a Edade mèdia dos
tempos modemos. Porém a elabora9So d'essa synthese, complicada
pela decomposÌ9So do regimen theologico, emquanto & crenya religiosa,
e do regimen feudal, emquanto à, liberdade politica, nSo pdde seguir
um desenvolvimento normal por falta dos elementos experimentaes, que
BÓ tarde se systematisaram em sciencias positivas, destinadas a darem
apoio às consciencias dirigidas por convic(5es unanimes e universaes.
E comò a elabora92o d'està synthese era complicada com a incorpo-
ra9So do proletariado em uma sociedade guerreira, que aos costumes
da conquista contrapnnba o trabalho livre, pacifico e productìvo, os
velhos poderes que decahiam luctavam com violentas reacgSes pars
restaurarem o passado, quer separando-se, quer confundindo-se, mas
sempre produzindo um estado de tensSo revolucionaria, de que resul-
taram, emquanto ao poder espiritual, a quebra da unidade catholica
pela Reforma, e as guerras de religiSo, os retrocessos da InquisifSo e
dos Jesuitas, e emquanto ao poder temporal, as reYolu95es dos Paizes
Baixos, da Inglaterra, e a explosSo definitiva da liberdade politica na
Franfa. N'esta longa crise de ciuco seculos, em que se manifesta la-
boriosamente o espirito moderno, o seculo xvi é o periodo da activì-
dade mais intensa e decisiva para a emancipafSo da humanidade. O
grande seculo é um ponto de partida; é um estadio suporior em que
se entra. Os materiaes para a construcgSo da synthese mental sSo-lhe
fomecidos por uma nova comprehensSo do passado, comò se y@ pelo
trabalho dos philologos e traductores da Biblia; o presente é alargado
pelas descobertas maritimas dos Portuguezes; o criterio objecti vista for-
tifica a rasSo, libertando-a das ficgSes theologicas; a dignidade indivi-
duai affirma-se pelo desenvolvimento da industria e pelas tentativas de
reorganisa9&o pedagogica, que chegam até à creafSo do Ensino popu^
lar. E comò os esfor908 para o retrocesso foram mais intensos nas guer-
ras djnasticas, que dilaceraram o Occidente, i busca de um equilibrio
politica, ou mesmo da realìsayXo da utopia da Monarchia univemal, o
CRISE PEDAGOGICA NA RENASCEN^A 249
processo de decomposiffto do regimen catholico-feadal entrou tambem
em urna phase sjstematica. Comte caracterisoa coni uma superior da-
reza està teì^to fundamental do secalo xvi na historìa moderna: cesta
immensa elabora93o revolucionaria dos cinco ultimos seculos deve ser
previamente dividida em duas partes successivas, nitidissimamente dis-
tinctas pela sua natureza, embora sempre confandidas até ao presente:
uma comprehende os seculos xiv e xv, em que omovimento critico se
■conserva essencialmente espontaneo e involuntario, sem a participa9llo
regular e accentuada de uma qualquer doutrina sistematica; a outra,
abrangendo os tres seculos seguintes, em que a desorganisa^So, tor-
nando-se mais profiinda e decisiva, se manifesta d'ora em diante sob
a influencia crescente de uma pbilosophia formalmente negativa, gra-
dualmente estendida a todas as noQ^es sociaes, de alguma importancia;
de modo a indicar desde entSo, altamente, a tendencia geral das so-
ciedades modernas a uma inteira renova9So, cujo verdadeiro principio
permanece comtudo radicalmente envolto de uma vaga indetermina-
9^0.» ^ As negagSes da Reforma, emquanto & disciplina, & hierarchia e
ao dogma da Egreja; as nega9Ses dos regalistas para com o poder es-
piritual, e dos absolutista^ para com a collectividade nacional; as ne-
ga$Ses dos monarchomacos proclamando o individualismo e a theoria
da rebelliSo; finalmente, as nega93es dos livre-pensadores, formuladas
ji n'um deismo abstracto, ji em um deliberado atheismo, todas estas
nega93es se debatem n'esses tres seculos de fecunda actividade revo-
lucionaria nos dominios da intelligencia e da politica, mas nSo chegam
a systematisarem-se em uma doutrina e em uma disciplina que substi-
tuam geralmente a desmoronada sjnthese theologico-feudal e organi-
sem 0 regimen moderno ou normal. E em presenya das transforma^Ses
capitaes do seculo rvi' que vamos encoatrar as Universidades presi-
dindo comò corpora^Ses docentes i direc(So do regimen mental da Eu-
ropa. Comprehenderam ellas o seu destino? AcompAnbaram as necea-
sidades do espirito moderno, comò no seculo xin? Francamente, nSo.
Ficaram atrazadas; luctaram centra o trabalbo dos criticos bumanis-
1 Cours de Philosopkie positive, t. v, p. 962.
* Charles de Rémusat, na sua Politique libérale^ caracterisa assim o grande
seculo : «Este secalo xvi, qne nSo tem snperìor noe fastos do espirito humano, foi
ama èra de soffrimentos e de crimes. Quando a laz do genio moderno dominava
finalmente com o sea brilho as sombras incertas de um longo crepusculo, nSo foi
està a menor miseria de ama sociedade que pelas novas idéas acordava para no-
vas necessidades, o sentir-se mais desgra^ada oa mais opprìmida no momento em
que ella concebia melhor os seos direitos à felicidade e 4 ju8tÌ9a.» Op, dL, p. 18.
250 mSTORIA DA UNIVERSIDADG DE GOIBIBRA
tasy 6; quando pareciam transigir com as dieciplinas da Renascenja,
cahiram facilmente em poder dos Jesuitas, servindo-lhes de instnimen*
tos là montados para am retrocesso systematico.
E conveniente avivar as circumstancias em que se encontraram
as Universidades n'estas duas épocas tSo radicalmente differentes. Du-
rante a Edade mèdia a Egreja exercera sobre as inteUigencias uma
absoluta auotoridad^, pela credulidade imposta com os seus dogmas;
aquelle que discutia, ou fazia escolha dos elementos doutrìnarìos mais
plausiveiS| era condemnado por heretlco. Junto do poder civil comegou
a desenvolver-se a liberdade intellectual, e deve-se a Frederico u a
yu]garisa9So das sdencias professadas nas escholas arabes, que acti-
You as eBpecula93es philosophicas e criticas. NSo era so na Biblia que
existia a verdade, comò o proclamava a Egreja; os poetas e escripto-
res da antiguidade tambem tinham entrevisto as altas concep^Ses mo-
raes. No come9o do seculo xi, Vilgard^ da eschola de Ravenna, comò
o confessa Glaber, ensinava que a verdade se achava nos poetas anti-
gos, mais do que nos mysterios christSos. * 0 confronto critico dos tres
monotheismosy a religi&o mosaica, christS e islàmica, passou das dis-
cussSes dialecticas para a idealisa^So da litteratura do fim da Edade
mèdia, e facilmente o deismo dos que sacudiam o jugo da theologia
terminava em um franco atheismo. N'esta lucta da intelligencia critica,
esse confronto das tres religiSes monotheicas foi mj^hificado em um
livro phantastico, sem realidade, a que o seculo xin chamou Os trea
Impostores, attribuindo-o successivamente a todas as inteUigencias que
haviam sacudido o jugo theologico; primeiramente attribuiram-o a Aver-
roes, para stigmatisar o influxo da philosophia dos Arabes, depois a
Frederico n, por isso que a protegia, e seguidamente a Fedro della Vi-
gna, Arnaldo de Villa Nova, Poggio, Boccacio, Aretino, Machiavelli,
Champier, Pompona9o, Cardan, Ockin, Servet, Postel, Campanella, Mu-
ret, Jordano Bruno, Spinosa, Hobbes e Vanini, ^ a todos quantos des-
envolveram a actividade philosophica. Mesmo a Portugal chegou està
tradÌ9Ìo do Livro dos tres Impostores, trazida por um certo Thomas
Scott, comò se sabe pela noticia de Alvaro Pelagio: cEm uma obra
inedita, CoUyrium fidei contra haereses, Alvaro faz men9So de um certo
Thomaz Scott, ora minorità, ora dominico, com o qual tinha argumen-
tado muitas vezes, e que se achava entSo (come90 do seculo xiv) nas
prìs5es de Lisboa, por se ter atrevido a repetir por teda a parte que
1 Renani Averrots, p. 227.
s Idem, iUd., p. 235.
CRISE PEDAGOGICA NA RENASCEN^^A 251
tinham existido no mando tres impostores (tres fuisse in mundo Dece-
ptore8.)9 Victor Le Clerc, de qnem tomamos este facto, observa: «Como
està impìedade ji antiga, e que Gabriel Barlette no seu sermSo de Santo
André attribue por antecipa(&o a Prophyrìo, chegou a divnlgar-se até
Lisboa?» ^ Nos Contos populares da tradi$So medieval tambem andava
està idèa em fórma de Parabola, no Gesta Ramanùrum, (conto Lxxxix)
no Novellino antico^ (lxxii) no Decameron de Boccacio, (jom. i, novell. 3)
vindo através das versSes oraes receber fórma litteraria no Conto do
Tond, de Swift, e no drama Naihan o 8ahio, de Leasing. ' Assim, a
par da Verdade theologica, reconhecia-se que existia tambem uma Ver^
dade philosophica, doatrina qae se come^ou a professar no secalo xm
na Universidade de Paris, onde o lente Jofto de Brescain, em 1247, se
jostificava das censoras episcopaes, dizendo qae aqaillo qae Ihe impa-
tavam comò heresia era ensinado phUosophicamente e nSo theologica'^
mente,^ A Egreja formalava o principio: cNada se pode saber mais,
porqae a theologia sabe tado o qae é possivel saber-se.» A par d'està
these sargia a contraria: cOs verdadeiros sabios d'este mando sfto ani*
camente os philosophos.»^ Uma vez destraida a aactoridade dos do-
gmas, a Egreja, qae sempre condemnara Aristoteles, teve de admittir
o sea Organum, para se refor9ar com a dialectica. Os Philosophos, que
so admittiam corno yerdade as especala98es racionaes, dividiram-se sob
a tradi(So averroista de Aristoteles e sob a renovaQ&o do idealismo de
FlatSo; na Italia é onde se observam claramente estas daas correntes
mentaes: «0 renascimento do hellenismo, qae se annanciava em Pa-
dua, em Veneza e no norte da Italia pelo regresso ao texto verdadeiro
de Aristoteles, manifestava-se em Floren9a por am regresso a PlatSo.
Floren9a e Veneza sSo os dois pólos da philosophia, comò da arte, em
Italia. Fiorenza e a Toscana representam o ideal na arte e o espiritaa-
lismo na philosophia; Veneza, Padaa, Bolonha, a Lombardia, repre-
sentam o realismo, o racionalismo, o espirito exacto e positivo. PlatSo
convinha so aos coUoqaios de Careggi e dos jardins de Raccellai; Aris-
toteles às institaifSes reflectidas de Veneza. >' Para qae està dissiden-
eia especalativa terminasse era preciso vir & verifica9So experimental
da6 sciencias indactivas oa de observa9fto; assim no secalo xvi a aa-
-*■
1 État dei Lettrea au XIV* tikle, t. zr, p.. 46.
' Edelestand Doméril, Hùtoire de la Poesie soandinavef p. 345.
' Lange, Histoire du McUérialismsy t. n, p. 202.
i Idem; ibid.
^ Renan, Averroes^ p. 309.
252 HISTOBIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
ctoridade de Aristoteles é discutida n'esse grande certamen do porta-
gaez Antonio de Qoavéa com o genial Fedro Ramus.
Os poYos catholicos do Occidente, ob que est^vam mais em con-
tacto com a Egreja e melhor conheciam os seas vicios, cahiram n'easé
scepticismo benevolo da tolerancia, e^ tomando a ras2o corno elemento
de um novo poder espiritual, Ian9aram-se ao estudo e inyestiga9&o dos
phenomenos da Natureza. E da Italia que sae oste impulso, que deter-
mina a phase scientifioa da Renascenya; comò escreve Draper: «Era
nas Universidades e Academias eruditas que fermentava a heresia: a
Universidade de Padua paasou desde longo tempo por um fòco de
atheismo, e a cada instante eram suppridas Academias por causa de
heresia, taes corno as de Modena e Veneza entro outras.»^ Diante da
severidade dos experimentalistas, os dados objectivos adquirem um po-
der de convicffto nos espiritos, e as concep^Ses subjectivas da theolo-
gia procuram debalde sustentar-se pela habilidade da argumenta9&o dos
dialecticos. N'este ponto a Renascen^a, na phrase pittoresca de Miche-
let, foi uma rehabilitafAo da Natureza, abandonada pelos mysticos e
amaldÌ9oada pelos theologos. Tal foi o caracter da grande crise dos es-
piritos da Europa no seculo xvi, preponderando o criterio da objectì-
vidade sobre o veiho saber tradicional, hypothetico e subjectivo das es-
cholas. Goethe formulou com profunda intui^So oste caracter de obje-
ctividade na influencia intellectual de uma època: «Em todo o esforgo
sèrio, duravel, scientifico ha um movimento da alma para o mundo;
vós 0 constataes em todas as épocas que tèm verdadoiramente avan-
9ado pelas suas obras: ellas estSo completamente voltadas para o mundo
exterior.»' De facto na Renascen9a do seculo xin esse caracter de ob-
jecti vidade foi proclamado em toda a sua altura por Rogerio Bacon, no
Opus tertium: cEu chamo sciencia experimental aquella que despreza
as argumentagSes, porque os mais fortes argumentos nada provam em-
quanto as conclusòes nSo forem verificadas pela experiencia.» Como
porém se pretendia conciliar no seculo xiii as affirma95es theologicas
e metaphjsicas com o titulo de Duas Verdades (theologica e philoso-
phica) Bacon protesta que a verdade so pode provir da sciencia, sem
que està esteja dependente de outras concep9Ses: e A sciencia expe-
rimental n3o recebe a verdade das mSos das sciencias superiores; ella
è que è a dominadora, e as outras sciencias suas serventuarias. — A
sciencia experimental è a rainha das sciencias e o termo de toda a es-
1 Hi&Unre du Dévdoppemcnt da Méta, t. ixx, p. 161.
' Converacu com Eckermofin.
CRISE PEDAGOGICA NA RENASGEN^A 253
peculagSo. — Nós temos meios bem diversos de conheoimento, taes corno
a auctoridade, o raciocinio e a experieucia; porém a auctoridade nSo
tem valor se Ih'o n&o ligarem, ella nSo faz comprehender cousa algu-
ma^ mas simplesmente crèr; ella impSe-se ao espirito sem esclarecel-o.
Qaanto ao raciocinio, nSo se pode distinguir o sophisma da demonstra-
(So senSo verificando a conclas&o pela experiencia e pela' pratica. » *
Estes principios fundamentaes da synthese positiva, comprehendidos no
seculo xin, nSo tinham ainda o apoio das descobertas astronomicas e
physicas para se impdrem a todos os espiritos; por isso Bacon foi per-
seguido corno heretico. 0 trabalho isolado dos experimentalistas accu-
mulou OS materiaes para a nova constmcfSo, e no secalo xy as desco-
bertas do systema planetario, da America e do Oriente, da Imprensa,
e da circamducgSo do globo pelo portoguez FemSo de Magalhkes, da
polvora applicada & artilheria, e dos textos authentìcos das obras de
Aristoteles, condoziram para ama emancipasse da intelligencia e da
consciencia, e maito antes do chanceller Bacon e de Descartes, o se-
calo xvi entrava em am consenaus montai, qae é a synthese oa o es-
pirito da Renascenja. Està profonda crìse dos espiritos determina ama
alterasse fandamental do systema de Ensino na Earopa; à Auctoridade
da Egreja e i Dialectica das Universidades, segue-se a comprovasse
experimental, que nSo depende da sancQfto dos papas nem dos reis. Eis
a terceira phase da Pedagogia, iniciada no secalo xvi, mas viciada pelo
ensino dos Jesaitas, qae, para afastarem os espiritos da coriosidade
experimental das sciencias, esgotaram as intelligencias nos artificios da
Dialectica para sabordinarem a rasSo i Aactoridade. ^ 0 quarto termo
d'està progressSo sera aquelle em qae os dados obfecHvos da experien-
da se systematisem pela rasSo em synthese sabjectiva oa normal, e em
que a aactoridade seja a considerasse dos elementos evolativos ou his-
toricos por onde se chegoa ao conhecimento.
É extremamente notavel na historia a repetisSo dos mesmos fa-
etos, comò phenomenos de am organismo; qaando no secalo xiii Ro-
gerio Bacon inicia o criterio experimental comò condazindo & verdade,
abandonando a auctoridade e a dialectica, tambem ataca Aristoteles,
1 Ma. de Donai, di. por Viollet le DaC| EfUreOens tur VArehitectnre, p. 460.
2 Quiclierat, na Hùloria do Collegio de Sonia Barbara^ 1 1, p. 47, ref&rindo-
86 à mina da escliola dos Bealisiasj diz : «Depois da Renascen^a, ella cahiu em
completo esqaedJtnento. 0 seu nome nem pronunciado seria, se os Jesaitas nSo ti-
vessem tentado fortificar^se n'ella, nos tempos qae precederam a reforma car-
teiiana.»
254 HISTOBIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
dizendo: tHa meio seculo apenas, Arìstoteles era suspeito de impie-
dade e proscrìpto das Escholas. Eil-o hoje erigido em mostre sobe-
rano! Qual é o seu titulo? £ sabio, diz-se; seja, embora^ mas nfto soube
tado. Fez o que era possi vel para o seu tempo, mas nfto attingiu o li-
mite da sabedoria. • . Porém, diz a Eschola, é preciso respeitar os an-
tigos.» E contrap5e-lhe: cos mais novos sfto na realidade os mais ve-
Ihos; as gera95e8 modemas devem exceder em lazes as de ontr'ora,
porque sSlo herdeiras de todos os trabalhos do passado.» ^ Na crise in-
tellectual da Benascenga, em que vem a preponderar o criterio expe-
rimental, reapparece o julgamento de Arìstoteles: uns rejeitam-no, comò
Ramus; Goavèa e os Protestantes querem que seja estudado comò o
mostre de toda a objectividade nos seus textos authenticos; e a Com-
panhia de Jesus vicia o problema, impondo o Aristotelismo; nSo o que
resulta da comprehensSo directa dos textos, mas do confronto fatigante
das opini5e8 de todos os commentadores. Ji nSo era possivel obstar
ao desenvolvimento do criterio experìmental; as suas descobertas im-
punham-se & rasSo, obrigando-a a reconstruir a sua synthese, e fazen-
do-a desprezar o velho e esteril formulismo dialectico. Desde Bacon
quo se accumulavam as verdades experìmentaes ou scientificas ; em 1460
publica-se a Imctgo mundi, de AUiaco, o livro sobre que meditava Chris-
tovam Colombo, em 1468 Toscanelli colloca o seu gnomon na cathe-
dral de Floren9a, em 1482 imprimem-se as obras de Euclides com fi-
guras em cobre; Leonardo de Vinci (1452-1519) observa o movimento
annual da terra, a theoria das for9as applicadas obliquamente à ala-
vanca, as leis do attrito, as velocidades virtuaes, a camara obscura, a
perspectiva aèrea, as sombras coloridas, o uso do iris e os effeitos da
impressalo luminosa, a queda dos corpos, os planos inclinados e arco
de curva; e além de applica^Ses mechanicas de hydraulica e fortifica-
sse, estuda os phenomenos da respirasse e combustSo, e o phenomeno
geologico da elevaQfto dos contìnentes. ^ Està actividade montai passa-
va-se em todos os espiritos superioros; em 1520 Begiomontano publica
0 resumé do Almagesto de Ptolomeu, em 1527 Femel, medico de Hen-
rique II de Fransa, mede a grandeza da terra, aproveitando os rosul-
tados da circumducsSo do globo pelo portoguez FemSo de MagalhSes ;
Bheticus publica as tàbuas astronomicas, e Cardan, Tartaglia, Scipio
Ferreo e Steffel aperfeigSam a Algebra, instrumento de pasmosas des-
1 Cirnipendium PhUo9ophae^ e. i ; ap. VioUet le Due, op. cit, p. 460.
' Draper, Hutoire du Dévdoppement det Idéea, t in, p. 243.
GHISE PEDAGOGICA NA RENASCENQA 255
cobertaSy aie que Copernico, em 1536, attinge a concep9So definitiva
do sjstema planetario.
Assim corno a organisajZo daB Universidades, no seculo xm, re-
presenta urna profunda crise no ensino europea provocada pela propa-
gaySo da Philosophia dos arabes e da Logica byzantina, egualmente
a Renascen$a no seculo xvi, embora resultante do enthusiasmo pelas
descobertas da antiguidade classica, yem imprimir às intelligencias um
novo impulso pela generalisa9So do criterio experimental e abandono
da esterilidade dialectica. As consequencias d'està nova direc92o foram
da mais alta importancia; as Universidades, corpora93es officiaes corno
as francezas, ou autonomas corno as inglezas, continuaram a transmit-
tir no seu ensino as concepySes tradicionaes, e a liberdade do pensa-
mento exerce-se no isolamento individuai, sob as perseguÌ95e8 dos po-
deres constituidos, até que esses investigadores experimentalistas se
agrupam espontaneamente, e sem intuitos docentes, nas Academias
scientificas, que vieram a prevalecer no seculo x\ai.
Para avaliar està crise pedagogica, importa conhecer o phenomeno
social da Renascen9a, extremamente complexo pela variedade dos sue-
cessos impulsi^s que contém, e pela falsa no9So a que o titulo de Re-
nascen9a conduz. 0 seculo xvi nSo regressa ao passado pelo facto de
communicar directamente com as obras dos philosophos gregos, por
vulgarisar pela Imprensa as maravilhas da Litteratura hellenica e ad-
mirar os prodigios da sua architectura e esculptura, ou mesmo por fun-
dar a sciencia politica pelo estudo das obras de Thucydides e Aristo -
teles. No meio d'està paixfto pelo passado havia um espirito de revolta
centra as concep^Ses preponderantes da Edade mèdia, corno se ve em
Luiz Yives e todos os Humanistas, e uma expansSo de originalidade,
de independencia mental, e de concep^Ses, que na sua parte analytica
vieram a definir-se em Kepler e Galileo, e na sua parte synthetìca em
Bacon a Descartes.
As mudangas de concep93es correspondem quasi sempre a modì-
fica93e8 da organisa9So social; e o que vimos na relajSo dos Parla-
mentos simultaneos com as Universidades, vèmos agora no estabeleci-
mento das Monarchias absolutas e o individualismo critico, scientifico,
philosophico e politico que se impSe desde o seculo xvi até i crise
franceza da Bevolu9So. N'esta 8ub8tituÌ9ao de concep95es é naturai a
OBCiUa9So, em que as yelhas idéas parecem adquirir mais vigor, corno
se ve pela recrudescencia do Humanismo quando os Jesuitas se apo-
deram habilmente do ensino europeu; porém esse vigor, embora se
prolongue por mais de um seculo, é ficticio, revelando na severidadc
256 HISTORIA DÀ UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
didactica a inanidade. do espirito que o alenta. Entre as Universidades
italianas e a de Paris é qae se definiu melhor o conflicto menta! entre
0 livre pensamento scientifico e a conservagSo da submissSo & theolo-
già medieval. Comprehende-se pois corno é que no comego do secalo
XVI Portogal, sob o governo dos fanaticos D. Manuel e D. Jofio in,
povoou com alumnos as escholas de Paris.
A Benascen$a, corno um phenomeno complexissimo nos factos que
tambem encerra, nSo pode ser fixada de um modo chronologico cate-
gorico. Postoque ella seja em si urna consequencia de duas renascen-
9as anteriores, a da entrada dos Arabes no Occidente, e a que cometa
com as Cruzadas, os seus limites chronologicos devem estabelecer-se
comò quer Lange «desde o meado do seculo xv até ao meado do se-
culo XVII. >^ Dentro d'estes dois seculos de enorme actividade, a Be-
nascenfa da Europa apresenta tres crises successivas, qiie se influem
simultaneamente, fEtzendo d'essa època dignamente o come90 da civi-
lisa^So moderna.
0 primeiro periodo pode caracterisar-se comò philólogico e artis-
tico. (É preenchido pela Benascen$a italiana.)
0 segundo periodo comò iheologico e critico. (Comprehende a Re-
forma, especialmente na Allemanba.) *
O terceiro comò scientifico e phUosophico. (Determinado pelas des-
cobertas de Galileo, e esbo90 das Syntheses de Bacon e Descartes.)
As duas Universidades de Bolonha e de Paris, urna fòco dos es-
tudos juridicos, e a outra o centro activo das e8pecula98es da Philo-
sophia e da Theologia escholastica, exerceram sobre toda a Europa
uma missSo civilisadora, alternando-se a sua influencia conforme a po-
litica dos estados era accentuadamente democratica, ou mais franca-
mente monarchica. As rela93es da Politica com a Pedagogia fazem-se
sentir n'esta dupla influencia. Quando a organisa9So politica consiste
na decadencia das instituigSes democraticas pela preponderancia das
regaHias monarchicas, assim a influencia de Bolonha vae sondo substi-
tuida pela da Universidade de Paris. Cantu caracterisa as differenyas
organicas das duas Universidades: «A Universidade de Bolonha com-
punha-se de estudantes que elegiam os seus chefes, aos quaes os pro-
prios professores estavam submettidos, ao passo que a de Paris era
formada de professores a quem os estudantes estavam subordinados.
Estes dois systemas prendem-se i fórma do governo das duas cidades
1 Eist. du Maiérialitme, 1 1, p. 200. (Trad. Pommerol.)
CRISE PEDAGOGICA NA RENASCENgA 257
e à natureza do ensino. Bolonha, corno republica^ comprazia-Be a cul-
tivar 0 estudo das leis; Paris, cidade monarchica^ preferia o da theo-
logia. O sy stema bolonhez propagou-se na Italia, no meio-dia da Fran9a
e do outro lado dos PTrenéos; o systema da Fran9a foi imitado em In-
glaterra e na Allemanha.» ^ Era no meio-dia da Europa que se conser-
vavam as tradÌ95es municipaes; na època da funda9So da Universidade
de Lisboa a realeza lucrava com o estudo das leis romanas, e imitava
a organisagSo da Universidade de Bolonha; sob D. JoSlo i, a liberdade
popular que o acclamava garantia-se com a fórma do direito aprendido
em Bolonha por JoSo das Regras; D. JoSo u, atacando a fidalguia,
pendia tambem para a cultura recebida na Italia. As ordens religiosas
preferiam Paris, por causa do esplendor dos estudos theologicos; por-
tanto a sua preponderancia na córte de D. Joào ili, e as fórmas da
monarchia absoluta imposta por D. Manuel no firn do seu reinado e
pelo fanatico D. JoSo ni, fizeram com que a mocidade procurasse em
Fran9a a educa9So litteraria; na reforma da Universidade, em 1537,
e sua traslada9ào para Coimbra, acabaram certos privilegios, comò a
deigao dos reitores, e seguiu-se com a chamada de mestres francezes,
ou educados em Fran9a, a organisa9Slo e implanta9So dos costumes da
Universidade de Paris.
«A Universidade de Paris, sondo uma das derradeiras, que su-
stentava a Scholastica e todos os velhos dislates, era a eschola de pre-
dilec9So. — Os espiritos militantes tambem sentiam por instincto que Pa-
ris era o verdadeiro campo de batalha, onde devia travar-se até & morte
a lucta dos dois espiritos. Da Universidade de AlcaU, o Cavalleiro da
Virgem, Ignacio de Loyola, um capitSo na inactividade, ferido, com
trinta e sete annos, acabava de chegar às escholas de Paris (fevereiro
de 1528) e ali permaneceu sete annos. — Da Universidade de Bruges,
de dicada às idéas novas, e protegida por Margarida, um estudante de
dezoito annos vinha muitas vezes a Paris, o sombrio e violento, o sa-
bio e eloquente Calvino. — Da Universidade de Montpellier tambem
veitt, occasionalmente, um mèdico, um critico audaz, Rabelais, que le-
vou comsigo uma viva antipathia, um desprezo magnifico por uns e por
outros.»*
Vives, no Liher in Paeudo-Dicdectìcosj escripto em 1519 e diri-
gido ao seu amigo Fortis, referindo-se ao atrazo dos estudos em Paris,
1 HieL Univer.f zi època, cap. 24.
3 AGchelet, La Refbrme, p. 371.
HiST. mi. 17
258 HISTORIÀ DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
traga um quadro das velhas doutrinas scholasticasi contra as quaes com-
batia. Lamenta que a Universidade de Paris, a quem competia a ini-
ciatiya da renoya9àO; persista na conservagào dos methodos atrazados
da barbarie scholastica, e tanto mais Ihe casta isso por serem profes-
sores hespanhoes os que sustentam o estandarte do iretrocesso. Refe-
ria-se com certeza a Gaspar Las e a JoSo Celaya. Deplora os dias pre-
ciosos que gastou n'estas disputas òcas de idéas, em que predominava
o absurdo, e revolta-se contra a linguagem inintelligivel, que parodiando
a expressào ciceroniana se converteu em um palavriado de giria que
nem o proprio Cicero poderia entender. O seu odio contra Fedro His-
pano, cujas Summulas ainda imperavam nas escholas no primeiro quar-
tei do seculo xvi, leva-o a ponto de affirmar que elle é urna das causas
mais directas da corrup9^o da linguagem. Accusa os que se estribam
na auctoridade de Aristoteles, quando ignoram a propria doutrina do
mestre, e dosconhecem as suas obras, onde a dìc9llo grega é pura, e o
bom senso està livre das argucias e barbarismos que se propagam em
nome do philosopho. Combate a dialectica das escholas, porque fazem
d'essa arte um fim, quando niLo é mais do que um meio para servir de
instrumento & propaga9So de conhecimentos, dispendendo estupidamente
todo 0 tempo dos estudos n'ella. E com uma imagem expressiva, Vives
compara o Dialectico ao pintor que levou a sua existencia a preparar
08 pinceis, sem nunca se preoccupar com o quadro. Para comprovar o
seu juizo, allega o facto dos seus dois antigos mestres, Lax e DuUard,
que cboravam amargamentc o tempo malbaratado no scholasticismo.
Pela primeira vez se entrava em um estado montai de positivi-
dade. Porém as luctas contra a antiga Scholastica, contra a theologia,
contra o dogmatismo pedagogico, além dos conflictos inconciliaveis en-
tro 0 poder temperai e a dissolu9So da hierarchia e da disciplina da
Egreja, embara9aram a reorganisa9So de uma nova synthese intelle-
ctual. E para chegar a essa sjrnthese era preciso retomar o systema de
observa9So tal corno o realisara a Grrecia na crea9ÌLo do primeiro par
scientifico, até chegar, através de todas as catastrophes sociaes ou cri-
ses revolucionarias, a submetter os phenomenos moraes e historicos ao
mesmo espirito, e sob està identidade reorganisar a synthese goral do
universo. Tal é a synthese positiva. N'esta complexidade de livros, e
accumuIa9So de factos concretos, a intelligencia precisa de um regi-
men; o mostre retoma a primitiva auctoridade, mas necessaria e inillu-
divel, e é através da sua exposÌ9ào que dirige o discipulo até ao ponto
em que elle por si mesmo possa racionalmente governar as suas leituras
e corroborar os elementos syntheticos.
CRISE PEDAGOGICA NA RENASCENQA 259
Durante a Edade mèdia o enaina condistia uà audÌ9So da palavra
do mestre; a falta de livros era sapprida pela exposigSLo orai e persti-
^osa do lente, que esplicava um texto raro e inintelligivei; que o mo-
dificava segando o seu estado montai; e quasi sempre em um ponto de
vista syntheticp. Cahiu-se assim gradativamente em uma sciencia sub-
jectiva, que prevalecia sobre os textos authenticos^ comò se deu em
reIa9So & obra de Arìstoteles.
Com a descoberta da Imprensa facilitou-se a posse e vulgarisagSLo
dos livros, e os livros foram considerados comò o deposito de toda a
sciencia. O lente, menos livre do que na Edade mèdia, no secalo xv
cìngia-se ao texto, cercando-o de glosas, commentos, interpretaQSes,
notas, sob um aspecto casuistico, fragmentario e pedante. A letra pre-
valecia sobre o espirito: Montaigne fala d'està sciencia livresca, apa-
nbada pelos pedantes «au bout de leurs levres, pour la degorger seu-
lement et mettre au vent.»
Na època da Reforma e da RcnasceuQa, a renova9So dos estudos
consistiu principalmente em renovar os elementos do conhecimento
scientifico, iniciando-se o processo da observa9So em legar da aucto-
ridade, transformando pela critica o estudo das linguas classicas, que
tomaram melhor comprefaendidos os livros classicos da antigaidade, das
litteraturas, da religiSo e do direi to.
«Centra este grande movimento, uma opposÌ9llo viva, ardente^ foi
levantada tambem. Duas causas diversas tinham presidido à sua nas-
cen9a. A primeira achava-se na auctoridade despotica que exercem
sempre sobre o vulgo as opiniSes arreigadas pelo tempo nos espiritos^
por mais absurdas que sejam. As primeiras tentativas dos sabios da
Renascen9a tinham-se dirigido centra a philosopliia degenerada que
reinava nas escholas e que j untava à barbarie da fórma a esterilidade
mais triste ainda do fundo : a rasSLo presa nas categorias de um aristo-
telismo bastardo, esgotava-se sobre fórmulas e permanecia a maior
parte do tempo alheia às realidades; as abstrac93e8 eram tudo, os fa-
ctos eram nada. Era necessario apear està barreira, antes de avan9ar ;
mas apenas se Ihe tocou, lego a eschola, atacada na sua existencia, se
levantou em peso, com um arder que presagiaya uma lucta prolonga-
da, e que deu margem a bastantes diatribes odientas, hoje cahidas no
esquecimento. Mas se a ignorancia e a retina tiveram uma larga parte
em tudo isto, nSo se pode negar que o zelo exaggerado, digamos mais,
qiie 0 excesso em que cahiram muitos apostolos do progresso nSo sus-
citou centra os seus esfor90B sempre resistencias conscienciosas, e, até
um certo ponto, esclarecidas. Na admira9ao pelas fórmas brilhantes da
17*
260 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
litteratura antiga, os renovadores deixaram-se levar até à adopjSo maiB
ou menos completa do fondo de idéas que elles festabeleciam.» ^
Sabe-se jà qual foi a influencia da descoberta da Imprensa no en-
sino europea, substituindo ao lente o professor, à palavra do pulpito
ou da cathedra o texto do livro accessivel ao vulgo. A fuga dos sabios
byzantinos para as cidades da Italia, por occasiSo da tomada de Con*
stantinopla pelos turcos, fez com que se generalisassem as obras litte-
rarias da Grecia, e portante que o acanhado humanismo latino se aper-
fei$oaB3e com essa corrente do hellenismo, orgSo de idéas universalis-
tas que se haviam perdido na expansEo de Alexandre para o Oriente.
Sob Lourenjo de Medicis (1470-1492) o Platonismo puro recebido do
conbecimento directo da obra do philosopho, repelle esse platonismo
desvairado da eschola de Alexandria, assim comò o Aristotelismo aver-
roista é substituido pelo Aristotelismo alexandrista, em que, corno diz
Draper: «as puras doutrinas de Aristoteles vém em legar das baixas
doutrinas aristotelicas das escbolas.»' N'esta reivindica^So das doutri-
nas do stagjrita, Portugal acha-se dignamente representado pelo trium-
pho de Antonio de Gouvéa, que impoz o respeito que se deve ter pelo
grande philosopho, conhecido directamente seu texto, centra Fedro Ra-
mus, que protestara com rasSo contra o Aristoteles deformado pelas
apostillas escholasticas. O latim tambem foi mais profundamente co-
nhecido pelos eruditos italianos, comò Louren90 Valla, Angelo Poli-
ciano, Pie de la Mirandola, que procuravam restabelecer corno fórma
definitiva a elocusSLo ciceroniana. A Italia era o fòco da cultura lati-
nista, e Valla proclamava nos seus desalentos politicos: «Perdemos a
noBsa supremacia, mas pela virtude deslumbrante da lingua latina nós
ainda dominamos sobre uma grande parte do tmiverso. Nossa é a Ita-
lia, nossa a Hespanha, a Allemanha, a Pannonia, a Dalmatia, a Illyria,
e tantos outros povos. Porque, onde quer que reina o idioma romano,
ahi se conserva o imperio de Roma.» A sombra d'este conhecimento
da lingua latina é que a Egreja dominara nos espirìtos, corno interprete
da Biblia, e comò possuidora da linguagem da liturgia. 0 conhecimento
philologico do latim, do grego e do hebreu veiu emancipar os espirì-
tos, revelando que nos escriptores gregos existiam idéas de ordem tSo
elevada corno na Biblia, e conduzindo pela analyse dos novos gram-
1 Naméche, Sur lavieetlet éeriU de Vivea. Memoires oonronnés de PAcadé*
mie de Bruxelles, t xv, p. 8 (1841.)
' HitMrt du Dévdopptment dei Idées, t. u, p. 135.
CRISE PEDAGOGICA NA RENASGENQA 261
maticos latinos & critica dos textos, e a esse racionalismo qae provo-
con a Keforma religiosa. Draper viu claro o alcance d'està parte phi-
lologica da Benascen9a: «O renascimento da pura latinidade e a in-
troduc92[o do grego Ian9aram os fundamentos de urna critica mais cor-
recta. Urna edade de eradÌ9Sko era inevitavel, na qual tudo o que nSo
pudesse sustentar um exame profundo seria implacavelmente rejeitado.i^
Assim, corno ainda observa Draper, pelo desenvolvimento da philolo-
già em critica, a inteliigencia europèa achou-se naturalniente na criae
religiosa, a que se chamou de um modo restricto — a Keforma; o cele-
bre latinista Nebrixa, que inicia os estudos humanistas na Hespanha,
foi accusado & InquisÌ9So por ter tido a audacia de apontar alguns er-
ros de grammatica na versSo da Vulgata. 0 poder moral de Erasmo na
Europa resultava da sua livre critica philologica, e quebrando os mol-
des quadriviaes das Universidades, inaugurou o novo typo da Instrue-
gSo superior, que veiu a ser realisado no Collegio de Fran9a por Fran-
cisco I. Comprehende-se o terror da Egreja ao vèr fugir-lhe o seu po-
der espiritual ; primeiramente considerou comò heretico o acto de tra-
duzir para as linguas vulgares a Biblia, e depois tratou de organisar
um corpo de latinistas, que, luctando com os philologos da Rena8cen9ay
se apoderassem do ensino publico, obstando ao desenvolvimento das lin-
guas vulgares. Tal foi a causa do estabelecimento dos Jesuitas, no se-
gundo quartel do seculo xvi, para subordinarem este movimento phi-
lologieo à Egreja: aOs jesuitas blasonavam de formarem o la90 entre
a religiSo e a litteratura.»^ Alguns philologos do seculo xvi cahiram
n'esta illusUo, comò se ve pelas palavras de JoSo Sturm: aCongra-
tulo-me por vèr fundar este instituto, por dois motivos: o primeiro é
que, tomando parte na nossa obra, dedicam-se & cultura das sciencias,
porque eu tenho visto que auctores elles explicam e que methodo se-
guem, um methodo que se afasta tSo pouco do nesso, que se diria que
temol-o bebido nas mesmas fontes ; o segundo, é que elles nos obrigam
a redobrar de arder e de vigilancia, se nós nSo quizermos deixal-os
desenvolver mais zelo do que nós, e formar discipulos mais letrados e
aabios do que os nossos.»' N'esta concorrencia activa, os Jesuitas, pelo
^bsoluto imperio do latim, nSo crearam, nem deixaram crear uma /n-
stTuc^ popular, iniciada pelos Protestantes, mas definiram no ensino
1 Hiatoirt du Dévdoppement dea Idées^ i, m, p. 150.
-* Idem, ibid., p. 172.
^ Ap. André, Noa Maìtrea — hier, p. 149.
262 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
publico europea o typo da Instrucgào secundaria, exclusivo dos seos
CoUegioSy 0 qual ainda prepondera nos Gyninasios e Lyceus modemos.
E a comeyar no secalo xv qae as Litterataras modemas s&o es-
criptas^ nSo nos dialectos valgares corno as tradiySes da Edade mèdia,
mas nas lingaas nacionaes, isto é, os dialectos que se tomam exclusi-
vos conjunctamente com o facto politico da unidade nacional de um
povo. A Egreja perdia no sea poder espiritual, porque o sentimento
popular achava alimento nas crea95es profanas das novas litteraturas;
Draper notou tambem este facto t a A preponderancia do latim eraacon-
dÌ9ÌU) da sua forga; sua decadeneia, sua mina e desapparecimento, o
signal da reduc9So do seu dominio a um pequeno principado italiano.
De facto, o desenvolvimento das linguas europèas foi o instrumento da
sua mina.]) ^ N'esta lucta para salvar um poder que Ihe fugia, a Egreja
oomegou por considerar toda a actividade do pensamento comò uma
heresia, amaldÌ9oando-a com anathemas e com o canibalismo das fo-
gueiras. Usando da sua influencia junto do poder tempora!, organisou
a resistencia pela forfa bmta, lan9ando centra as novas idéas os Do-
minicanos (Domini canea), que se consideravam, por um terrivel troca-
dilho, OS CSes de Deus, para farejarem a impiedade, e deu-lhes o pri-
vilegio de julgarem da heterodoxia nos Autos de Fé, da Inquisijào. ^
Este terrivel tribunal foi instituido em Portugal por bulla de 23 de
maio de 1536, nas vesperas da reforma da Universidade de Lisboa^
em 1537. Como, porém, a Europa da Benascen(a jà nSo era a Europa
1 Op. cit., t. ni, p. 131.
2 «Os doutores de Louvain, mesmo os mais oppostos às boas lettras, tinham,
ainda que inconscientemente, cooperado na revoln^So que rebentou no secalo svi
na £greja e no mondo intellectual em geral, quer diffundindo as lozes por um en-
8Ìno habil, quer afastando o gosto da barbarie, d for^a de ridicalo e dos absurdos,
quer finalmente dando mais eneigia à necessidade de innovar, por urna resistencia
inbabil ou brutal. Luthero teve, desde o principio, e emquanto pareceu moderado,
fervorosos amigos em Louvain, corno adiante veremos, mas foi ali mesmo comba-
tido com affinco, e por de8gra9a, por ama maneira pouco honrosa para os seus ad-
versarios. Em um folheto de algumas paginas, impresso em 1521, e do qual Da-
niel Francas tirou um resumo, lé-se ama anecdota curiosa: Os Dominicanos do
Louvùn quizeram fazer um auto de fé dos escrìptos de Luthero; cada qual tratoa
de vir assistir a este bello espectaculo; muitos trouxeram livros destinados às
chammas, porém nSo eram os do doutor anathematisado. Os estudantes acharam
mais engra^ado substituil-os, um pelo SermaneB dùcipuli^ outro pelo Tartareturoj
este pelo Dormi «eeure, aquelle pelo Paratum^ e uma multidio de cartapacios d'està
especie.» (Reifienberg, 2* Mémoire sur Um deitx premiere nkdee de rUnivernlé de
Ixmvain, Nouv. Mém. de TAcadémie Boyal de Bruxelles, t. vn, p. 18, 1882.)
GHISE PEDAGOGICA NA RENASCEN^A 263
do seculo XIII; a Egreja acceita o movimento intellectual para desyial-o
em sua vantagem; e aproveita a m8tituÌ9So da CompanMa de Jesus^
organisada em Paris, para se apoderar do ensino publico dos Oollegios
e Universidades. Assim a reforma pedagogica feìta pelos Gouvéas em
1547 é annollada pela entrega da Universidade de Coimbra aos Jesuì-
tas em 1555. Pela singiilar importancia que o Doutor Diego de Gou-
vèa tinha junto de D. JoHo ni, é que a nova instituiQSLo da Companhia
de Jesus foi admittida em 1540 em Portugal, aconselbando-o a que Ihe
Gonfiasse o ensino da no}>reza: «deu oste alvitre a el-rei o Doutor Diego
de Gouvéa, portuguez e pessoa de grande auctoridade, que tinba sido
Reytor do Collegio de Santa Barbora, naquellas celebres escbolas de
Paris, quando ali estudaram Santo Ignacio e seus companbeiros.»^ Os
Jesuitas pagaram com a costumada ingratidSo àquella illustre familia
de humanistas, lan9ando fora da Universidade de Coimbra os profes-
sores trazidos por André de Gouvéa, quando em 1547 veiu de Bordéos
reorganisar os estudos superiores; destruiram a sua obra, e com a fim-
da$So do Collegio das Artes fizeram o assalto à Universidade, de que
se apoderaram em 1555 por ordem de D. JoSo in. Aqui temos em pre-
senga urna da outra a Ordem dos Dominicanos e a Companhia de Je-
sus, uma antiga, com perstigio e a auctoridade, com o privilegio dos
Autos de Fé, para estirpar pela fogueira os hereticos e pensadores; a
Companbia era recente, nascida no meio das dissidencias doutrinarias
da Egreja,' quando estava triumphante a Beforma na AUemanba, quando
todo 0 ferver religioso era suspeito, sondo por isso os Jesuitas apu-
pados comò Franchinotes. Os Dominicanos nSo podiam vèr com bons
olhos estes novos concorrentes. Se era preciso manter a auctoridade da
doutrina catholica, elles bastavam com as suas fogueiras; os seus Au-
tos de Fé eram feitos com pompa, comò uma festa publica, e desem-
penbavam-se com um canibalismo sincero. O Jesuita transigiu emquanto
à doutrina, mas teve so em vista manter a auctoridade temperai do
Papa, tornando-se o seu corpo diplomatico em todas as cSrtes da Eu-
ropa comò confessor dos reis e da aristocracia. Em Portugal nSo foram
bem recebidos os Jesuitas; na córte dominavam os Dominicanos, que
haviam alliciado para si o infante D. Henrique, Inquisidor-geral (3 de
julho de 1539), porém os Jesuitas apoderaram-se do animo do rei, que
Ihes deu lego a direc9lo exclusiva do ensino dos mo^os fidalgos. So-
bre uma tal base é que elles luctaram, vencendo todas as difficuldades,
1 P. Balthazar Tellee, Chroniea da Companhia, liv. i, e. r^, p. 15.
264 HISTOBIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
captando os filhos das famìlias mais poderosas, e obtendo dota93es
e rendas para a fundagào de CoIIegios. Por firn o proprio Cardeal-
lufante-Inquisìdor veia a reconciliar-se com os Jesuitas, i^os qnaes o
papa Paulo ni dava as mais absolutas isemp9Se8, corno à sua mili-
eia secreta. Os Dominicanos continuaram a queimar hallucinados de
demonomania, mas este meio era impotente para abafar o movimento
inteliectual da Benascenga da Europa, que provocara a dissidencia re -
ligiosa da Reforma; os Jesuitas foram com a corrente do seculo, fize-
ram-se humanistas, pedagogos, e explicaram nas suas escholas, em lon-
gos exercicios de rhetorica, os monumentos da litteratura greco-romana,
prèviamente recortados nas suas Sdectas. A recrudescencia dos Domi-
nicanos e o ferver nascente dos Jesuitas foram nas na^Ses occidentaes
a. consequencia d'esse outro movimento esteril do Protestantismo nos
povos do norte. No Occidente a actividade scientifica pode exercer-se
pela concilia9So artificiosa das Duas VerdadeSy accumulando-se as ob-
serva^Ses e experiencias que* conduziram & sjnthese philosophica da
Renasccn^a. Onde o Protestantismo entrou, teda a actividade de espi-
rito foi desgra9adamente dispendida em questSes theologicas, e em um
puritanismo de boa-fé, que por praticas severas de liturgia imprimiu
no cidad&o o sello da subordina9fto muda; a Allemanha, é facto, que
iniciou a Reforma, mas ficou fora da corrente da civilisa92o até ao fim
do seculo xvni, quando recebeu o influxo dos incredulos Encyclope-
distas francezes.
0 phenomeno revolucionario do Protestantismo, que se generalisa
na Europa no seculo xvi, n&o resultava de uma simples reac9&o cen-
tra OS costumes do clero ou dos abusos do Papado; era a consequen-
cia de um espirito de critica inherente a todo o monotheismo, que im-
p3e uma determinada xmidade dogmatica pela refuta9ao das doutrinas
que se nSo conformam com ella. Esses processos polemicos, comò uma
faca de dois gumes, cortam pelas heresias e suscitam heresias. A Egreja
na sua con8tituÌ9%o encontrou sempre dissidencias, que so come9aram
a ser importantes desde que surgiu a separa9ÌU) entre os dois poderes
espirìtual e temperai. A medida que a Europa saia do regimen feudal,
e se concentrava a soberania, constituiam-se os estados nacionaes ; re-
sultava que a realeza pela dictadura e apoiada nos exercitos perma-
nentes prevalecia sobre o poder dos papas, cuja ac9So enfraquecia pela
independencia das egrejas nacionaes. Era pertanto no seculo xvi que
a crise religiosa se devia manifestar de um modo mais intenso, aggra-
vada pela transforma9So politica das monarchias, e pelo desenvolvi-
mento litterario das linguas nacionaeS| que tomavam desnecessario o
GHISE PEDAGOGICA NA RENASCENQA 265
UBO do latim. O conhecimento dos poetas e moralistas grego-romanos
tirava ao catholicismo o imperio esclusivo da verdade theologica e sus-
citava o livre exercicio de urna critica que come9ava com uni intuito
philologico e acabava por urna negafSo de heterodoxia, dissolvendo o
sjstema catholico. A dissoIugSo que comegara no seculo xm com o
ensino leigo, era individuai; no seculo xvi é social^ dividindo a Eu-
ropa em dois elementos distinctos, e reduzindo a Egreja a um partido
de combate. Comte formula em nitidas palavras està evolu9S[o do Pro-
testantismo^ comò expressSo negativa do livre-exame individualista: cOs
doutores que sustentaram tfto longo tempo centra os papas a auctori-
dado dos reis, ou as resistencias correspondentes das Egrejas nacìonaes
è» decisdes romanas, nSLo podiam certamente evitar de se attribuiremo
de uma maneira mais ou menos systematica, um direito pessoal de
exame, que, de sua natureza, nSo devia, sem duvida, ficar indefinida-
mQute concentrado entro taes intelligencias nem sobre taes appIica9Ses;
e que, com effeito, espontaneamente ampliado depois, por uma inven-
civel nec^Bsidad^, simultaneamente montai e social, a todos os indivi-
duos e a todas as questSes, gradualmente conduziu A de8truÌ9So radi-
cai, primeiramente, da disciplina catholica, depois da hierarckia, e por
firn até do proprio dogma.i^ *
E pela successSo d'estas phases da crise protestante que derivava
da 8Ìtua93o das sociedades modemas, que vimos os povos catholicos
participarem das aspira93es para uma reforma da disciplina dentro da
egreja, e os reis ainda os mais piedosos exercerem auctoridade indis-
cuti vel sobre o clero dos seus estados. Fernando, de Hespanha, che-
gava a prop6r ao concilio a aboIÌ93o do celibato clerical, e jjonto com
o rei D. Mjanuel combinaram eque cada um d'elles per seus embaixa-
dores, mandasse amoestar o Papa e pedir-lhe comò obedientes filhos da
Egreja catholica, que quizesse poer ordem e modo na dissoIu9So da
Vida, costumes e expedÌ9So de breves, bullas e outras cousas que se
na corte de Roma tratavam de que teda a christandade recebia escan-
dalo.»' Se encontramos um poeta comò Gii Vicente atacando no seu
Auto da Feira as simonias de Roma, ^ tambem se inspira no mesmo
1 Cours de Philosophie positive^ t. v, p. 378.
2 Dami&o de Goes, Chron, de D. Manuel, P. i, cap. v.
3 Algumas inferencias se podem prodazir, de que Gii Vicente conheceu as
idéaa da Beforma. Gallardo, na Biblioteca de Livros raros (p. 984), falando de
ama primeira redac^So do Anto das Barcas, que tem o titalo de Tragieomedia al-
legorica do Infiemo y Paraiso^ diz quo é uma imita^So de ama compoBÌ9lo drama-
266 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
sentimento religioso Frei Bartholomeu dos MartyreB debatendo no Con-
cilio de Trento a favor da extinojSo do celibato, tal corno o realisou
a primeira phase protestante, que chegou mesmo em Roma a ter sin-
ceroB partidarios n'essa modesta associajSo do Oratorio do Amor di-
vino, que se reunia em Transtevere, e que contou entre os seus mem-
bros Sadoleto, Contaxini, Giberti e Caraffa. Os grandes poetas lyricos
do seculo XYi, comò Sa de Miranda, Miguel Angelo e Victoria Colonna,
participaram d'està aspira9So melancholica de uma reforma possivel
sem sahirem da obediencia à disciplina da Egreja.
0 espirito severo e ao mesmo tempo poetico de Sa de Miranda,
pertence a uma cathegoria de genios superiores que so podem ser bem
comprehendidos pela parte que tomaram nas duas correntes artistica e
intellectual da Renascenga e da Reforma. Miguel Angelo e Victoria Co-
lonna, no seu delicado Ijrismo amoroso, exprimem o sentimento por
um esforgo do pensamento; e a emojSo reflectida perdendo em espon-
taneidade ganha em profundidade. Sa de Miranda tem no seu lyrismo
esE\<e predominio do pensamento, a contemplafSo activa de uma orga-
msa93o formada. Mas tanto nos versos de Sa de Miranda, comò nos
de Miguel Angelo e Victoria Colonna, ha uma tristeza inexprimivel,
que apparece no principio do seculo xvi nas almas catholicas, que sem
approvarem a dissolu9So do papado, e sem se desligarem da egreja de
Roma, acham na aspira9SLo & simplicidade evangelica do Protestantismo
um esfor90 sympathico, que abra9ariam se isso nSo fosse formulado
comò' quebra da disciplina canonica. Em Portugal, comò nos outros
povos occidentaes, nSo lavrou o Protestantismo dissidente, mas sentiu-
se a necessidade de restaurar a Egreja primitiva; esses espiritos, que
viam no Protestantismo a heresia e a repressSo inquisitorial, cahiram
na tristeza da sua instabilidade moral. Sa de Miranda possuiu uma
tica de Juan Yaldéa, Becretario latino de Carlos v, o qual seguirà as idéas da Re-
forma : «La traza de està comedia menandrìiia (es decir, ejemplar moral) se echa
bien de ver que està tomada del Dialogo de Mercurio y Caron de Juan deVai-
dés.» Na segonda redac^ao d'està trag^comedia, poe Gii Vicente na bocca do on-
zeneiro :
SadgU /(Mima 4§ Vaiik t
Ci é TOMft Scnhori*?
(Ofrr. u, ttS.)
Dis que alo liade ei Tir
8em /(Mbma é§ Vtitdii.
(JM.,p.S81.)
CRISE PEDAGOGICA NA RENASGEN^A 267
Biblia em linguagem volgar, o que nos revela que provou o pdmo do
livre exame;* mas a belleza austera dos seus versos, a trìsteza hu-
mana tSo parecida com a de Miguel Angelo e Victoria Colonna, sSo
tambem a revelafSo de que subjugou o seu sentimento à inflexibilidade
da disciplina.
A prohibÌ9So de lér a Biblia em traduc95es nas linguas vulgares
generalisou-se no occidente comò meio de reagir centra o livre exame
proclamado pela Reforma. O bispo de Toledo, D. Bartholomeu Carranza,
nos seus Commentarios sobre et Catecismo crùtiano (1558), allude a està
prohìbÌ9So: <E questSU) multo debatida ha mais de vinte annos a està
parte. . . se é conveniente que a Sancta Escriptura se traduza nas lin-
guas vulgares, de maneira que cada na9ào a tenba na sua. — Tratou-se
està questSo no Concilio de Trento^ porém nSo se pdde determinar,
para dar legar a outros assumptos. — Antes que as heresias do ms^lvado
Luthero sahissem do inferno a està luz do mundo, nSo sei que esti-
vesso prohibida a Sagrada Escriptura nas linguas vulgares entre ne-
nhuns povos. Em Hespanba havia Bìblias trasladadas em vulgar por
mandado de Reis Catbolicos, em tempo que se consentiam viver entre
cbristHos 08 mouros e judeus com suas leis. Depois que os judeus fo-
1 Sa de Miranda possuia urna antiga traduc9ao da Biblia, apeear das prò-
hibi^oes canonicas que a Inquisi^ào fazia respeitar pela fogueira. Diz Frei For-
tunato de S. Boayentura, no prologo que precede a edi^ao das Historiaa d'abre-
vùido Testamento vdho, da livraria de Alcoba^a : aTive esperan^as de confrontar
este codice com outro quasi similhante, que ainda ha poucos annos se guardava
na Livraria dos Bispos de Lamego, e n^esta idèa fiz urna viagem no cora9ào do
inverno, quando j& come9ava de se imprìmir osto volume ; porém de8gra9adamente
vim a saber, que eram inuteis os meus desejos, por se haver perdido ou extraviado
o Codice que pertencera a Francisco de Sa e Miranda,» (CoUecqào de Ineditos por-
tttguezes, t. ii, p. yiii.) Ribeiro dos Santos (Memorias da Academia, t. vii, p. 20 sg.)
diz que a traduc9ao historiada do antigo Testamento «existiu em poder de D. Mi-
guel de Vasconcellos Pereira, que morreu Bispo de Lamego.» Porventura perten-
ceria a traduc9ào da Biblia a Antonio Pereira Marramaque, o amigo de Sa de Mi-
randa, condemnado pela InquisÌ9&o por traduzir a Biblia em vulgar. Na primeira
foiba da traduc9So estava incorporada a licenQa concedida a S& de Miranda por
Frei Francisco Foreiro. Acerca do seu amigo Marramaque escreve ainda Ribeiro
dOB Santos : «Muitos varoes doutos jà em tempos antigos desejaram vèr entre nós
a traslada^So das santas Escripturas em portuguez; foi um d'elles Antonio Pe-
reira Marramaque, Senhor dos Logares da Taipa, Lamegal e Cabeceiraade Basto,
e grande amigo de Francisco de Sa de Miranda, que muito o inculcava e persua-
dia ho Dialogo entre o Gallo e o outro animai sobre o v.** do Psalmo : Lex Domird
immaculata, que foi um dos motivos por que se Ihe negava licenza para a impresa
aio.» (Memorias da Academia^ t. vn, p. 23, not.)
268 HISTORU DA UNIVERSIDADB DB GOIMBRA
ram expulsos de Hespanha, acharam os juizes da ReligiSo que alguns
dos que se converteram à nossa santa fé instruiam seus filhos no ju-
daismOy ensinando-lhes as cerìmonias da lei de Moisés por aquellas Bi-
blias vulgares, as quaes depois imprimiram em Italia, na cidade de
Ferrara. Por està causa tao justa se prohibiram as Biblias em Hespa*
nha; porém sempre se teve atten9So com os coUegios e mosteiros e
com as pessoas nobres que estavam fora de suspeita, e se Ihes dava
licen9a que as tivessem e lèssem. Depois das heresias da AUemanhay
traduziram a Sancta Escriptura em tudesco e francez, e depois em ita-
liano e inglezy para que o povo fosse juiz, e vissem comò fundavam
suas opiniSes. Isto causou infinito damno, porque entendem a Escri-
ptura corno a cada um Ihe parece. . . etc.» Aqui temos reconhecido o
individualismo critico, que mesmo sem romper com a Egreja se exer-
eia, sobretudo nos trabalhos da philologia. E n'esta situa9SLo delicada
que nos apparece Erasmo, esercendo na Europa um verdadeiro poder
espiritual, cortejado pelos reis catholicos que o procuravam attrahir
para os seus estados, comò Francisco i e D. JoSo iii, bajulado por
Luthero, que precisa do perstigio do humanista para o seu triumpho,
e que, apesar das terriveis satyras do Elogio da Loucuraj defende com
simplicidade a unidade catbolica. Apreciando està primeira phase de
decomposiySo da con6tituÌ9Slo catbolica, conclue Comte: cnSo se pode
duvidar que ps povos catholicos participassem tìLo realmente comò os
protestantes d'està primeira transforma9So revolucionaria, salvo a diffe-
ren9a das fórmas e a diversidade dos melos, que pouco importam ao
resultado. N&ò sómente em Fran9a, mas na Hespanha, na Austria, etc.,
OS reis, sem se arrogarem tSo abertamente uma va e ridicula supre-
macia espirìtual, eram jd com certeza, no tempo de Luthero, para os
seus cleros respectivos, senhores nào menos absolutos, nSo menos in-
dependentes, em rigor, do poder papal, comò se tomaram entSo os
principes protestantes.»^ 0 nome de libertino, que se tomou, com a
corrup9So do sentido primitivo, sjnonimo de devasso, significava no
seculo XVI està independencia goral da auctoridade dos papas, e os pro-
testos centra a sua hierarchia, comò se tomaram effectivos na phase
calvinista. Os libertinos eram principalmente litteratos e humanistas;
era por elles que a Reforma penetrava em Fran9a, e que na Suissa to-
rnava um caracter politico. Calvino, na sua dissidencia critica, rejei*
tava a affirma98o do livre-arbitrio de Luthero, e repellia tambem a effi*
^ Op. dt.j t. V, p. 411.
GHISE PEDAGOGICA NA RENASCENgA 269
cacidade das abras ; proclamando a justifica93o pela Gra^a, procedia
pelo esforgo de ama approximajHo directa entre o homem e a divin-
dade, por chegar à nega9lio da kierarchia catholica eliminando todos
OS intermediarios^ o papa, os padres da egreja e os proprios santos.
Era verdadeiramente o fòco vital do protestantismo^ que persistia na
Egreja na terrivel polemica entre Jesuitas e Jansenistas sobre a Graga
efficaz e o Livre- Arbitrio. N'esta dissolugSo intensa, o clero submette-
se & realeza para resistir comò um partido, e realisam-se as carnifici-
nas desde a Saint-Bartbélemy até ao canibalismo resultante da revo-
gagSo do Edito de Nantes. Comte estabelece a rela93o entre estas tres
pbases do protestantismo: «Luthero nSo arruinou mais do que a dis-
ciplina ecclesiastica para melhor a adaptar, corno jà expliquei^ a està
servii transforma9ao (a subserviencia politica do clero). Tambem està
primeira desorganisa9Sio, em que o sjstema catholico era o menos al-
terado possivel, constitoia realmente a unica fórma sob a qual o pro-
testantismo poderia organisar-se provisoriamente em uma verdadeira
religiào de estado, ao menos nas grandes na95e8 independentes. 0 Cal-
vinismo, primeiramente esbo9ado pelo celebre cura de Zurich, veiu de-
pois ajuntar a està demolÌ9So inicial a do conjuncto da kierarchia que
sustentava a unidade social do catholicismo, nSo continuando depois a
trazer ao dogma christ^ senSo modifica95es simplesmente secundarias,
ainda que mais extensas que as precedentes. Està segunda phase, que
so convém ao estado de pura opposÌ9ào, som comportar nenbuma appa-
rencia organica duravel, parece-me constituir a verdadeira situa9So nor-
mal do protestantismo, se se pode assim qualificar uma tal anomalia
politica; porque o espirito protestante desenvolveu-se eniSio da maneira
mais conveniente à sua natureza eminentemente critica, que repugna
à inerte regularidade do lutheranismo officiai. Por ultimo, a explosSo
anti-trinitaria, ou o socinismo, completou naturalmente està dupla dis-
80IU9S0 prèvia da disciplina e da hierarchia, juntando-lbe finalmente a
das principaes cren9a8 que distinguem 0 catholicismo de todo e qual-
quer outro monotheismo.B ^ Socino, que comò Calvino era um profundo
humanista, que aprendera 0 grego e 0 hebreu para lér os dois Testa-
mentos, rejeita tudo 0 que nSo provém da letra da Biblia e dos Evan-
gelhos, tal comò os dogmas da Trindade, da consubstancialìdade do
Verbo, da divindade de Jesus, e da expia9So e recompensas. A dou-
trìna vinha de Italia, do fòco do humanismo, onde a metaphysica em
1 Ibidem, t. v, p. 465.
270 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Giordano Bruno tentava urna audaciosa sjnthese. 0 socinismo, corno
observa Comte, era o ultimo grào do protestantismo^ que o approxi-
mava do Deismo moderno. 0 rigor sanguinario de Calvino, que manda
queimar o medico Miguel Servet, transforma-se em Socino na toleran-
cia humana, protestando contra a pena de morte infligida aos hereges.
É n'esta pbase mental que vamos encontrar os homens de sciencia, es-
pecialmente os mathematicos e os medicos.
Era vulgar no seculo xvi o aphorismo italiano, duoi medici^ qua-
tro athei; o empirismo critico despertava està accusa9%o, que Descar-
tes converteu em louvor, quando disse: e Se os homens chegarem a
vèr a luz é da Medicina que ella Ihe ha de vir.» Comte explica està
transÌ9ào insensivel de um deismo metaphjsico para o atheismo: «A
maior parte das intelligencias, sobretudo as cultivadas, nSo sabem es-
perar e duvidar preparando, comò procederam os verdadeiros philo-
sophos da antiguidade. Foi por isso que a vS indaga^^o de urna eyn-
these objectiva, mais absoluta que qualquer theologia, se achou reto-
mada no Occidente moderno conforme as bases gregas, com um ardor
augmentado pela esperan9a de substituir toda a causalidade sobrena-
tural.»* 0 rei D. Manuel, querendo provér a cathedra de Astronomia^
recorreu aos medicos Mestre Filippo e Thomaz de Torres ; em um dos
pedidos dos povos nas cortes de Torres Novas, em 1535, allude-se à
livre critica exercida nos estudos da Physica, especialmente professada
pelos christSos-novos: «pedo a V. A. que mando apprender de Physica
quarenta ou cincoenta christllos-yelhos, que para isso tenham habOi-
dade, porque està aciencia nao anda agora senao em christàos-novos ...»
Os grandes nomes dos medicos AbrahSo Zacuth e de Amato Luzitano
despertavam este terror dos credulos, que receiavam vèr perturbada a
paz do estado pelas doutrinas scientifìcas. Com o negativismo dos ho-
mens de sciencia coincidia tambem essa metaphjsica realmente nega-
tiva dos humanistas, que, alheios ao protestantismOi aproveitavam-se
comtudo da faculdade do livre-exame. Referindo-se a està metaphjsica
negativa que se manifestava desde o seculo xm, Comte caracterisa a
parte dos homens de letras do seculo xvi n'este movimento intelle-
ctual: <No seculo xvi ella deixa actuar o protestantismo, abstendo-se
cuidadosamenie de contribuir para a sua elabora9lLo, e aproveita só-
mente a semi-liberdade que a discussSo philosophica acabava assim de
adquirir, necessariamente para comesar a desenvolver directamente a
1 Systòme de Politìque pontive^ t. in, p. 513.
CRISE PEDAGOGICA NA RENASCENgA 271
8ua propria influencia mentala quer escripta, quer sobretudo orai; é o
quo se deprehende ent&o altamente dos illustres exemplos de Erasmo ^
de Cardan, de Ramus, de Montaigne, etc; é o que confirmam, com
mais evidencia ainda, as queixas ingenaas de tantos verdadeiros pro-
testantes sobre a expansSLo crescente de um espirito anti-theologico que
amea^ava jà de tornar essencialmente superflua a sua reforma nascente,
fazendo alfim sobresahir immediatamente a irrevocavel caducidade do
fijstema que era o objeetivo d'ella.» '
E este espirito anti-theologico o que se exerce na critica dos grah-
des humanistas, quando restauram o estudo do latim, do grego e do
hebraico, e renovam os methodos pedagogicos, corno vémos em Erasmo,
Vives e Bude, e nos pensadores Rabelais, Montaigne e Huarte. 0 es-
tudo do latim levou à renovagSLo do estudo da Jurisprudencia romana,
approximada dos successos da vida social revelada pelos poetas Iati-
nos; o estudo do grego facilitou o estudo dos Evangelhos, da Mathe-
matica e da Medicina; o conhocimento do hebreu, approximado genial-
mente do arabe por Clenardo, transformava o estudo da theologia.
Comprehende-se comò por estes grandes resultados os trabalhos dos
humanistas despertassem profundas tempestades, encontrassem o ran-
cor conservantista das Universidades, e acabassem por perderem o
apoio que os reis no seu primeiro enthusiasmo Ihes concederam, aban-
donando-os & absorp93o esteril dos Jesuìtas.
0 intuito do convite de D. JoSo ni chamando Erasmo para a
Universidade de Lisboa revela-se approximando-o das tentativas que
fizeram Francisco i, Carlos v e Henrique vili, procurando attrahir para
OS seus estados o entSo omnipotente philologo. Escreve Nisard, nos
seus Estudos sobre a Eenascenga: «Tres jovens reis, os maiores da Eu-
ropa, elevados ao throno quasi ao mesmo tempo, Francisco i, Carlos v
e Henrique vni, disputam entro si qual o ha de ter corno subdito vo-
luntario. Os Papas escrevem-lhe para Ihe participarem a sua coroa9So
e offerecer-lhe a hospitalidade publica em Roma. As pequenas monar-
chias, a exemplo das grandes, as provincias e as cidades a par dos
reinos, convidam-no para vir ao seu scio gosar de um ocio glorioso;
todos 0 lisonjeiam, até o proprio Luthero. Todos os prelos da Allema-
nha, da Inglaterra e da Italia reproduzem os seus escriptos; todos
aquelles que léem, nSo lèem senSo Erasmo.»^ A importancia que o
1 Coura de Philosophie positive, t. v, p. 490.
2 Études sur la Renaiaaanet^ p. 56.
272 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
philologo encontrava na Hespanha acha-se sjnthetisada em um prolo-
quio moitas vezes apontado nos processos da InquisigSo:
Quìen dice mal de Erasmo,
ó es frayle, ó es asno. ^
Os hellenistas eram considerados pelos fanaticos corno propugna-
dores da heresia de Luthero; Bude escreveu em 1534 um opusculo
De transita ad Hellenismum para combater està imputa^So de heresia
que vinha jà do tempo de Justiniano. Contra a lingua hebraica, voci-
ferava um prégador de Paris: «todos os que a aprendem ficam imme-
diatamente judeus.»^ Contra a bogalidade monacai vibraram etemas
satyras Erasmo no Elogio da Loucuìra, Ulrico von Hutten nas Episto-
lare obscurorum Viroruntj e Rabelais no Pantagrud. Era o exame cri-
tico da velha sciencia medieval, do pedantismo dos doutores e theolo-
gos. almaginaram combater os adversarios com as proprìas armas^ e
penetrar no campo inimigo com o fardamento do inimigo. Tal foi a
origem das Epistolae obscurorum Virorum, . . O judicioso Buhle con-
sidera que entro todas as satyras, que appareceram n'esta època, nào
ha outra em que a superstÌ93o^ o espirito de controversia, a sede de
dominar, a intolerancia, a devassidSo, a torpeza, a ignorancia e a la-
tinidade barbara dos monges mendicantes e dos Scholasticos sejam ri-
dicularisados com mais finura do que n'estas Cartas. Pode-se avan9ar
sem receio, segundo o juizo d'este mesmo escrìptor, que ellas e o Elo-
gio da Loucura por Erasmo fizeram o maior mal à auctoridade papal
e monachal.»' Segundo Voltaire, Rabelais conheceu estas Cartas, às
quaes allude na caricata Livraria de Sam Victor, citando o Callibas'
tratorium caffardiae auctore M. Jacóbo Hochstratem haereticometra. Po-
rém, às satyras anti-theologicas, em que urna critica intelligente der-
1 Effectiyamente os frades nSo perdoavam a Erasmo o ter facilitado a lei-
tora dos Evangelhos pela cultura do grego, e de ter revelado a moral nniversal
nos seas Adagia. 0 frade Médard, pr^ando em 1530, diàa contra Erasmo : «Àcaba
de apparecer um novo doutor, que se chama Erasmo, a minha lìngua embara^a-se,
quero dizer, um asno. Ora, este asno teve a audacia de corrìgir o Magtdfioat. Foi
0 precursor das perturba^òes que affligem o mundo christSo; de todas as heresias
novas, da recusa de se pagar os dizimos, dos insultos com que se ataca o sobe-
rano pontifice, e da revolta dos camponeos da AUemanha.» (Àp. Bar2o de Beiften*
berg, 4* Mémoire, etc, p. 98.)
^ Sismondi, HMtoirt de Franfoisj t. xvi, p. 364.
3 Reiffenberg, 4* Memoire, p. 46.
CRISE PEDAGOGICA NA RENASGEN^A 273
nzia a scholastica, acoutada nas UniversidadeS; seguiu-se a preparajSo
do caminho para a grande crìse pedagogica do secalo em que collabora-
ram, os Humanistas creando o typo verdadeiro da Instruc9&o superior
(o Collegio de Franga), os Jesoitas destacando das Universidades a In-
stracgSo secundaria (Collegios de Artes) e os Protestantes estabelecendo
a InstmcfSo primaria com o desenvolvimento das Escholas populares.
A synthese mental esbo^ada no secalo xni, qae procarara a sua
realisasSo na crea9So das Universidadesy corno orgSos de um novo pò-
der espiritual, veiu no secalo xvi proclamar a necessidade de ama fòr-
mula definitiva e aniversal corno disciplina do individuo e da sociedade
moderna, ooexistindo independentes, e conciliando a aactoridade com
a liberdade. Ab Universidades no secalo xvi, paralysadas no automa-
tismo tradicionaly n£o comprehenderam està insurrei^So dos espiritos,
e, comò corpora98eB consagradas pélo perstigio do passado, luctaram
centra as for9as vìvas de um grande secalo de renova9So; impuze-
ram os seus methodos dialecticos, as summas doutrinarias, a intole-
rancia dos lentes, e mais ainda o exdusivismo da protec9So real, para
embara9arem a nova corrente das idéas. No seculo xvi as Universi-
dadesy incapazes de reorganisarem a sjnthese mental, ou mesmo de a
comprehenderem, ficaram elementos de reac9S0y acabaram o seu des-
tino, subsistindo comtudo corno corpora95e8 docentes de urna cara-
cterisada esterilidade. É notavel oste phenomeno de decadencia das
principaes Universidades, apesar das differen9as da sua organisa9So:
as Universidades inglezas decàem, apesar de conservarem tòdos os
privilegioB autonomicos, os seus rendimentos proprios e a coopera9So
activa de numerosos Oollegios; a Universidade de Paris decàe, apesar
de ter absorvìdo em si os CoUe^os, e de, em compensa9So da perda
dos seus privilegios medievaes, ter as regalias da protec9So do monar-
cka. Qual a rasBo do mesmo effeito em condÌ93es t3o differentes? Por-
que a fórma da sua actividade mental nSo se libertava da estreiteza
das dìsciplinas quadriviaes, nem o espirito se libertava da tetra dos
textos viciados por preconisados commentadores. ^ Porque, emfim, es-
ses mestres e doutores, envoltos no nimbo da empbatica sabedoria, e
triumphantes nos actos academicos de ostenta9So, nSo presentiram a
necessidade da renova9&o da synthese proposta pelo seculo mais labo-
rièso da historia moderna.
1 As Universidades allemSs attingem om grande desenvolvimento nos se-
culos xvu a zix porque se transformaram segando o tjpo poljteclmico sem se
preoccaparem do destino pratico no ensino.
UIST. UN. 18
274 HISTORIA DÀ UNIYERSIDADE DE COIMBRA
A crìse social do seculo xvi nSo é menos laboriosa do que a meo*
tal, complicando'se mutuamente, nas luctas doutrinarias do Protestan-
tismo, e nas bases politicas proclamadas pelas revoluyoes protestantes.
As descobertas maritimas dos Portuguezes tinham acabado de annullar
a preponderancia da Republica aristocratica de Veneza, que, vencida
por uma colliga92lo monarchica, lan^ava a Europa na instabilidade até
se determinar um novo equilibrio politico. Coube essa preponderancia
a Carlos v, pela fusSLo da monarchia da Hespanha com a Casa do
Habsburg, e pela suzerania dòs feudos do Imperio na Italia, entre os
quaes entrava o ducado de Milfto. D'aqui procederam as prolongadas
guerras entre Carlos v e Francisco i, que pretendia enfiraquecer a Casa
de Austria no equilibrio europeu; d'esse equilibrio resultou a perda da
nacionalidade portugueza em 1580, incorporada na unidade castelhana,
e a revolu9So que libertou os Paizes Baixos. Quando no seculo xvn
a politica extema de Richelieu conseguiu scindir esse coUosso, sepa-
rando a monarchia da Hespanha da Casa de Austria, Portugal recon-
quistou sob a influencia d'esse plano a sua autonomia. As luctas das
Casas reinantes, por um interesse de engrandecimento egoista, inspi-
radas por uma politica rudimentar, apparecem movidas tambem pelas
doutrinas phantasmagoricas da Edade mèdia, comò a da Monarchia uni-^
versai. Carlos v é accusado ao papa por aspirar à realisag&o da Monar-
chia universa!, e a mesma increpagSo é atirada centra Francisco i e con-
tra Henrique vili ; com o nome de QuirUo Imperio a mesma theoria po-
litica teve curso em Portugal no seculo xvi, talvez sob a impressSo das
grandes descobertas na Africa e conquistas na India.
D'onde provinha uma tal theoria?
A idèa do Quinto Imperio era uma tradi(So corrente das escholas
da Edade mèdia, que recebeu um sentido mjstico na època do Protes-
tantismo, quando os estudos humanistas da Renascenja renovaram a
theoria hellenica da Monarchia universal. Nos Breviarios historicos, osa-
dos nas escholas medievaes, a Historia era dividida em Monarchias; e
atè ao seculo xm todo o passado humano, segoindo as próphecias de
Daniel sobre os quatro monstros politicos, estava dogmaticamente di-
vidido nas quatro Monarchias da Assyria, Persia, Grecia e Roma. A
theoria prevaleceu na Italia atè ao seculo xm, e ainda no seculo xvm
o theologo Jane, em Wittemberg, sustentava essa divisSo historicai
combatendo comò hereticas as opiniSes contrarias. Depois das quatro
grandes Monarchias devia seguir-se a realisajSo da utopia christft, es-
bo9ada por Paulo Orosio, na Ormoesta, e por Santo Agostinho, na C?-
dade de Deus. E por isso que entre os povos catholicos appareoeu a
CRISE PEDAGOGICA NA RENASCENQA 275
«
espectativa do Quinto Imperio do mundo^ sustentada por interpretajSes
allegoricasy vindo encontrar-se està corrente mystica com a theorìa po-
litica da Monarchia universal, que motivava as ambifSes de Carlos v,
Francisco i, Henrique vm, e ainda de D. Manuel; o partido dos Ana-
baptistas hollandezes^ quando banido de Munster e Amsterdam, refu-
giou-se em Inglaterra, recebendo a de8Ìgna92Lo de Homens da Quinta
Monarchia, tomada de urna predic9So do Apocalypse, e pelo sea radi-
calismo politico foram um dos factores da grandiosa revolu9So de 1648.
Urna mesma idèa estimiila a dissolu^So do poder temperai de modo»
tSo diversos, jà conduzindo a dictadura monarchica ao militarismo ab-
soluto, jà provocando as autonomias nacionaes e o mais radicai egua-
litarismo. *
Ao quadro da revolu9So religiosa do Protestantismo liga-se orga-
nicamente a marcha das revolu9Ses pòliticas da Europa nos ultimos
tres seculosy pela affirma9Slò do individualismo, fortifìcado pelo exer-
cicio do livre-exame. Comte reconhece que se nSo podem separar as
considera93e8 sobre estas opera93es mentaes das que suscitam as di-
versas revolu93es que derivaram d'ellas ou Ihes deram influencia so-
cial: «A primeira d'estas revolu93es preliminares é a que libertou a
Hollanda do jugo hespanhol ; ella ficarà memoravel, comò uma alta ma-
nifesta93o primitiva da energia propria à doutrina critica, dirigindo as-
sim a feliz insurreÌ93o de uma pequena na9Ìlo centra a mais potente
monarchia europèa. E a està lucta verdadeiramente heroica que é ne-
cessario referir a primeira eIabora9So regular d'està doutrina politica;
porém ella houve de se limitar sobretudo a esbo9ar especialmente o
dogma da soherania popular e o da independencia nacional, que os le-
gistas coordenaram logo na sua concep9So espontanea do contraete so-
cial, seguindo as exigencias naturaes de um tal caso, em que a orga-
nisa9So interior nSo devia ser senSo accessoriamente modificada, e cuja
prìncipal necessidade revolucionaria devia sómente consistir em que-
brar um la90 exterior tornado profundamente oppressivo. Um caracter
mais goral, mais completo e mais decisivo, uma tendencia melhor pro-
nunciada para a regenera9So social do conjuncto da humanidade, dis-
tinguem em seguida nobremente, apesar da sua falba necessaria, a
grande revolu9ao ingleza, nSa a pequena revolu98o aristocratica e an-
glicana de 1688, hoje tSLo ridiculamente preconisada, e que so satisfa-
^ Os Jesuitas, que tambem planearam urna restaura9lo do Poder theocra-
tico, conheceram a theoria do Quinto Imperio, propagada pelo padre Yieira no se-
colo xvn.
18 #
276 mSTORIA DA UNITERSIDADE DE COIMBRA
zia a una siinples necessidade locai, mas a revola^o democratica &
presbyterlana dominada pela aninente natureza do homem de estado
mais avanjado de que o protestantismo se pode honrar (Cromwell). O
e8bo90 primordial do conjoncto da doutrìna critica recebea entSo es-
pecialmente o seu principal complemento naturai pela elabora9fto di-
reeta do dogma da eguaidade, até entSo apenas manifestado^ e que nSo
tinba podido resultar sufficientemente das inclina93es calvinistas da no-
breza franceza, ao passo que se ve nitidamente surgir, sob este me-
moravel impulso^ da concep92o metaphjsica sobre o estado de natureza^.
antiga emana9So da theoria theologica relativa à oonstitui$8o humana
antes do peccado originai.»^ Antes da violenta crise franceza, verda-
deiramente europèa e humana^ em consequencia do estado de adianta-
mento da dissolu93o do regimen catholico-feudal, em que se affirma a
liberdade politica, as duas revolu$Ses protestantes tiveram a sua reper-
cussSo na America^ mas sem que novos principios fossem affirmados
na grande colonia universal. O problema da reorganisa98o montai e so-
cial, para ser comprehendido e tomar-se eiFectivo na sociedadci depen-
dia sobretudo do desenvolvimento da rasSo individuai, e do apoio de
novas sciencias experimentaes, quC; a par de um inevitavel trabalho
de nega98o, facilitassem por meio de verdades positivas a possibilidade
de formar concepgSes verdadeiramente syntheticas. A BevolufSo fran-
ceza é no dominio social no seculo xviii o que o seculo xvi foi no do-
minio mental; esbo9ando uma completa renova$So pedagogica, quer
nos grAos do ensino, quer nas theorias individuaes dos pensadores da
Benascensa.
As Universidadesy que no seculo xm foram o fòco de elaborafZo
da primeira Renascen9a, deveram o seu grande esplendor à liberdade
que exerceram ao emancipar-se da Egreja, discutindo oom desassom^
bro OS problemas geraes, as concepgSes universaes que mais interes-
sam 0 espirito humano. Mas, estabelecida assim a sua auctoridade,
estacionaram no destino imicamente docente, e repelliram dos seus qua-
droB pedagogicos todas as disciplinas que nSo visassem a um firn con-
creto e pratico. Este espirito de especialidade tomou-as auctoritariaa
no seu dogmatismo, pedantes e atrazadas, de sorte que em frente dos
grandes conflictos intellectuaes e sociaes do seculo xvi as Universida-
des nSo ccnnprehenderam a Renascenya litteraria, nem a Reforma re^
ligiosa; combateram as aspiraySes do espirito humano, refor9ando-Be
1 Omn de PhUosophie positive, t v, p. 469.
CRI9E PEDAGOGICA NA RENASGENgA 277
ua yelba dialecticai e restanraram o aristotelismo sophismado dos ano-
Bymos commentadores. E comtado a actividade montai exercera-se pro-
fondamente fora das Universidades, e o espirìto humano no secalo xvi
exigia urna cultura goral, urna tendencia synthetica coordenada sohre
08 elementos dispersos da livre-critica. Era verdadeiramente ama crìse
que determinava a transforma9So do ensino superior, e da qaal depèn^
dia a missSo social das Universidades ou a sua irremediavel decaden-
eia. Essa nova phase do ensino superior apparecea desde quo os esta-
dos liamanistaSy nfto podendo romper os quadros quadrìviaes où das
Pacaldadesy acharam na fondagSo do Collegio de Franca a liberdade
para serem professados, e o espirìto de generalisa9So, qae o estado mon-
tai do secolo XYi reclamava. Renan caracterìsa este logar eminente do
Collegio de Franja no meio da profonda crìse pedagogica: «A verda-
deira e grande Rena8oen9a, aquella que a Italia tem a glorìa eterna de
liaver fondado, prodozio<se fora das Universidades. Mais ainda, ella
achou nas Universidades os seos inimigos os mais encamigados: ella
a9olou OS doutores de todas as castas. A Renascenya foi obra de Fio*
renga e nSo de Padua, de gente colta e nSo dos professores. Nem Pe-
trarcha, nem Boccacio, nem Bacon, nem Descartes foram figoras da
Universidade. A Universidade de Parìs em particolar, no secolo xvi,
attingio 0 ultimo grào de rìdicolo e de odioso pela soa tqlice, pela in-
tolerancia e acinte em repellir todos os novos estodòs. Foi preciso que
a realeza, que pela soa poderosa totella emancipara a Universidade da
Egreja, tornasse sob a soa protec$So, centra a Universidade, o movi-
mento scientifico, e pelo Collegio de Franga no secolo xvi, pelas Aca-
demias do secolo xvii, creasse om contrapezo à estes habitos de pri-
goiga, a este espirìto de negagfto malevola de qoe os corpos puramente
docentes difficilmente se podem preservar.»^ Erasmo tivera està fe-
conda iniciativa desenvolvendo o Collegio Trilingue^ em que applicava
OS npvos methodos ao ensino do latim, do grego e do hebreu. Foi so-
bre este nucleo, e à sua imitagSo, que Budeus, o amigo de Erasmo, jun-
tamente com o cardeal JoSo du Bellay, fundou entro 1528 e 1530 um
Collegio .separado da Universidade, destinado às tres linguas classicas,
que Francisco i protegeu em um momento de dissidencia centra a Sor-
bonne. Em 1528 apenas ahi se ensinava o grego e hebreu; em 1530 au-
gmentaram-se as disciplinas, e regeram no Collegio de Franga as duas
cadeiras de grego Toussain, amigo de Erasmo, e Dainès; duas cade!-
1 Questione contemporaines, p. 80.
^78 HISTORIA DA UNIVERSIDADB DE GOIMBRA
ras de bebreu foram regìdaB por judeus venezianos^ vindo Vatable a
•ubitituir um d'elles. 0 eepirito encyclopedico quo inspirava a nova
funday fto fez com que se abrisse pouco depois urna cadeira de Maibe-
matbioai desde 1542 urna de Medicina e de Philosophia, e successiva-
mente cadeiras de Direito nacional, das lingaas arabe e syriaca. Era
n'esta liberdade critica e de ensino^ n'esta facilidade com que se aggre-
gavam novas disciplinas sdentificas, n'esta despreoccupa^So do ensino
tbeorico de teda a especialisaySo pratica ou applicada, que o Collegio
de Franga se converteu em urna ceschola universal da livre-critica e
de renovaglo do espirito homano», comò o caracterisa Michelet, * e se
tomou tun organismo vivo, mantendo-se com vigor ao lado da Univer-
sidadO) immobilisada na tradigSo medieval. As luctas da Reforma e a
deploravel intervengXo da realeaa em favor da unidade catholica restì-
tairtun i Universidade o perstigio auctorìtario, e pelas perseguigSes da
intoloranoia o Collegio de Franga decahiu da sua iniciativa scienti-
fica, aabaistindo comtudo comò o modelo definitivo da instrucgSo su-
periora
Centra a emancipagSo intellectual da Renascengai e comò reacgSo
centra a Reforma, a Companhia de Jesus surgiu com o pensamento de
restaurar a supremacia theocVatica e de premunir as intelligencias cen-
tra a livre-critica, apoderando-se do ensino. Era um esforgo supremo
centra a dissolugXo do regimen catholico-feudal. Os Jesuitas apodera-
ram«8e das Universidades quebrando o regimen da Edade mèdia, pela
conversSo da Faculdade de Artes em um ensino dementar ou secun-
dario, iste é, dogmatico, privativo dos seus CoUegios. Desprezaram
todas as disciplinas, que pelo seu estado tbeorico nSo podiam ser im-
postas pela auctoridade e incutidas passivamente na memoria; e tra-
tando de captar a mocidade nobre e burgueza, que viria a occupar as
altas (uncgSes do estado, desprezaram completamente o ensino popu-
lar. A paix&o pelo estudo, que levava os alumnos a agruparem-se em
volta da cathedra do mostre, quer na Edade mèdia, quer mesmo no
^ Beforme, p. 380. 0 grande historiador falla a^sim do Collegio de Franca:
«Gloriosa eschola que esperà ainda o seu historiador. Ella quebrou o ultimo élo
que prendia o homem ao passado, quando Ramus immolou o mais respeitayel idolo,
Aristotelefl, e sellou a revolu^So com o seu sangue. Ella teve dnas glorias immen-
sas, o ensino de duas cousas sobretudo, o Oriente e a natureza. Ali os rabbinoa
yieram apprender o hebren nas li^Òes de Yatabl^. Ali os Parses yieram da India
pedir a Bumouf a sua lingua esguecida. Champollion e Letronne ali ezhumaram o
Egypto. Couyier, Ampère, Savart e outros grandes inventores renovaram as scien-
cìas naturaes.»
CRISE PEDAGOGICA NA RENASGEN9A 279"
secnlo XVI; corno succeden no Collegio de Fran;a, essa paix2o foi sub-
stìtuida por severos regulamentosy automaticamente cumpridos, que im-
primiam no estudante o habito passivo da frequencia submissa. 0 sys-
tema pedagogico dos Jesoitas nSo teve orìginalidade na fórma; é ama
reproducQSo das pratìcas de Trotzendorf e de Sturm, e na parte dis-
ciplinar, do regimen intemo do Collegio de Santa Barbara, onde rece-
beram a primeira direc9So sob os dois portnguezes Diogo e André
de Gouvéa. A orìginalidade consistiu no intuito, que veiu a ser cla-
ramente formulado na Ratio studiorum, o firn religioso conseguido pela
aimulla9So da vontade. Na fórma de organisa9So, o ansino secundarìo,
explorado pelos Jesuitas, é semelhante ao dos pedagogos protestantes
do seculo XVI ; ^ mas pelas denuncias, pelos castigos degradantes ou
orbilianismo, subjugavam as vontades, tendo em vista os favores em be-
neficio dos eque poderSto chegar às dignidades, & fortuna ou ao pode-
rio, de quem seja preciso obter o seu favor ou se dependa da sua von-
tade.» A decadencia dos estudos humanistas, attribuida aos Jesuitas-,
resultou da immobilidade dos processos de ensino, que persistem ainda
no seculo xix, e do fim exclusivamente docente. 0 exercicio da liber-
dade intellectual, e o desprendimento do destino pratico, é que fez
com que, ao passo que as Universidades de Fransa, Italia, Hespanha e
Inglaterra caiam na esterilidade, as Universidades allemSs se tomas-
sem fecundas e verdadeiramente impulsoras da civilisa^So moderna.
Os Jesuitas, preoccupados com a re8taura9So da bierarchia catho-
lica, afastavam-se da tradÌ9lLo da egreja primitiva, que ligara a maxima
importancia & instrucgcto poptdar; logicamente os Protestantes, regres-
sando k simplicidade evangelica (reformando a Egreja deformada, corno
dizia Calvino), retomaram na sua propaganda o problema da educa9So
do povo, e deram o prìmeiro impulso à instrucgào primaria, E extra-
Ordinano o criterk) com que os pedagogos protestantes introduzem no
ensino superior as idéas dos criticos francezes da Renascen9a e comò
se afastam da supremacia de Roma pela crea9So de um ensino nacio-
nal, come9ando pela cultura da lingua patria e pela organisa9&o da
6daca93o domestica. 0 ensino popular, desenvolvido pelas escholas ré-
gias, so teve uma existencia regular no seculo xvni. JoSo de Barros,
na sua Orammatica, publicada em 1539, descreve assim a miseravel e
rudimentar fórma do ensino primario em Portugal, na època em que
mais brilhavamos pelos estudos humanistas: cHua das cousas menos
1 Paroz, Hiatoire univeneUe de la Pedagogie, p. 133.
280 HISTORIA DA UMVERSIDADE DE GOIMBRA
oolhada que ha n'estes reynos, é consentir em todalas nobres villas e
cidades, qualquer idiota e nam aprovado em costumes e b5 viver, poer
escola de insinar meninos. E hu gapateiro que he o mais baixo officio
dos mechanicos, nSo p8e tenda sem ser examinado. E oste todo o mal
que fazy é danar a sua pelle, e n^ o cabedal alheio; e maos mestres
leixam os discipulos danados pera toda a sua vida, nam sómente com
vicios d'alma de que podéramos dar exemplos; mas ainda no modo de
OS ensinar. Porque havendo de ser por hua Cartìnha que ahy ha de
letra redonda, porque os mininos levemente saberàm ler, e assi os pre-
ceitos de nossa fé, que n'ella estam escriptos; convertem-nos a estas
doutrinas moraes de boos costumes: Saibam quantos està carta de venda.
E depois desto: Aos tantoa de tal mez, E perguntado pdo costume disse
nichil. De maneyra, que quando hum mo90 saj da escola nam fica com
nichil, mas pode fazer milhor huma demanda que hum solicitador d'el-
las, porque mama estas doutrinas catholicas no leite da primeira edade.»
Jolo de Barros alludia ao Catecismo pequeno, de Diego Ortiz, bispo
de Ceuta; e para substituir a leitura dos processos forenses, que ainda
encontràmos nas' escholas, compoz o pequeno tratado da Viciosa Ver-
gonha. Como os espiritos catholicos, que presentiam a Reforma em-
quanto à revigoraySo da disciplina, Jo^o de Barros foi logicamente le-
vado para o problema instante da instruc^ popiUar.
A antinomia entre o sjstema pedagogico da Edade mèdia, e o prò-
clamado pelos Humanistas, provinha da incompatibilidade das conce-
pySes dominantes: a Egreja, ante a degrada(Slo do peccado, educava
pela repressSo; os Humanistas, rehabilitando a Natureza, aperfeÌ9oa-
vam-na pela bondade. Fa9amos o confronto dos dois systemas.
A revela9&o da antiguidade greco-romana pelos Humanistas veiu
p8r em contraste estas duas concep98eS; que serviam de base à educa-
9S0. No regimen catholico, e segundo o dogma do. peccado originai,
em que estava implicito 0 mysterio da redemp9So, o homem nascia
condemnado, e portante com urna imperfeÌ9So ingenita, de que so po-
dia libertar-se pela Gra9a ou pela Penitencia. A Gra9a levava à apa-
thia physioa e moral, ao quietismo mystico, ao desprezo de todas as
sciencias e de todos os progressos humanos, comò absurdas vaidades,
que embara9avam o caminho da 8alva9&o; a Penitencia, em todos os
gràos do ascetismo, tratava de contradictar a Natureza, macerando-a,
submettendo-a, deformando-a, até chegar ao anniquilamento ou & per-
feÌ9So ideal do nihilismo. Era urna longa lucta; n'este e8for90 de sub-
jugar a Natureza nasceu 0 plano da educa9So comò uma pressSo mo-
ral, comò uma castra9So physica, por meio da pancada, e pela imposi-
GHISE PEDÌÉ606IGA NA RENASGENQA 28 i
9S0 do terror. A nogSo do ensino é a de um castigo (castoiemeni, da
Edade m^dia); o mestre ìmp3e*se pelo rigor do orhUianismo, e a^es-
chola toma-se urna bolgia infemal de tortora das crìan9as. Rodolpho
Agricola, o grande iniciador dos estudos classicos na AUemanha (1443-
1485), descreve a eschola do seu tempo segando a disciplina domi-
nante : «Urna eschola assemelha-se a urna prìsSo : lia alli pancadas, chó-
ros e gemidos sem firn. Se ha cousa que para mim tenha am nome con-
tradictoriO; é a eschola. Os gregos chamaram-lhe Schola, desenfado,
recreio; e os latinos Ludus litterarius, divertimento litterarìo; mas nada
ha que seja mais afastado do recreio e do divertimento. Aristophanes
denominou-a phrcntiserion, iato é, legar de apoquenta9&Oy de tormento,
e é a designagSo que mais Ihe quadra.» ^ Um outro epigone da Renas-
cenga, Montaigne (1533-1592), que passou sete annos no Collegio de
Guienne, descreve nos Ensaioa a tortura das escholas: <Em legar de
attrahir as crìan9as para as letras, nSo Ihe apresentam«m verdadese-
nSLo horror e crueldade. Afastae a violencia e a forga; em meu cnten-
der nada ha que abastarde e desvaire tanto uma natureza bem nascida...
Està policia da maior parte dos nossos collegios desagradou-me sem-
]jr6. . .^ E uma verdadeira enxovia da mocidade captiva. Visitae-a na
occasi3lo das lÌ93es: nSo ouvireis senSo grìtos das crian9as castigadas,
e dos mestres desvairados na sua colera.» Tal era a disciplina peda-
gogica do catholicismO; motivada pela idèa da imperfeÌ9So da natureza
humana; as escholas da Edade mèdia obedeceram a este piano, que se
impoz à Renascenga na reac9&o do regimen religioso. Homens jà bar-
bados, comò Ignacio de Lojola, em Paris, submettiam-se aos castigos
corporaes dos mestres auctoritarìos.^ E por isso que para os grandes
antagonistas dos Jesuitas na pratica da educa92o, os Jansenistas, e se-
gando a phrase expressiva de Saint-Cyran, e A educa9So chrìst2 è uma
tempestade do espirito,*^ As panÌ93es, os supplicios da eschola medie-
i Àp. Paroz, HisUnre univeraéUe de la Pedagogie^ p. 89.
* Quando Ignacio frequentava 0 Collegio de Santa Barbara, foi accusado ao
FrindpcU 0 Dr. Diogo de Gouvéa de desvairar os condiscipulos com praticas de
fanatismo. 0 principal ordenou que 0 alumno, que entlo contava quarenta annos^
fosse receber 0 castigo da salla: «Chamava-se assim urna correc^So mab infa-
mante que dolorosa, qne se administrava da segointe maneira. Depois do jantar,
estando todos os alumnos presentes no refeitorio, os mestres, munidos cada um de
palmatoria, dispunliam-se em duas filas. O delinquente, despido até à cintura, de-
via passar por entre elles, e receber de cada um uma palmatoada nas costas.»
(Qoicherat, Hùtoirt du CoUtge de Sainte-Baròe, 1. 1, p. 193.)
3 Ap. Michelet, Noa Fila, p, 155.
282 HISTORIA DA UNIYERSIDABG DE GOIMBRA
vai, continuados no segando Pori Boyal, e nas reformas do bondoso
La Sallo; prolongaram-se.até ao nosso tempo, por isso que a\elha syn-
these iheologica é a que ainda predomina no ensino officiai. ^
A ReDascen9a, corno nm regresso à natureza, e corno imia revo-
la9&o em que preponderava o problema mental, encaroa com desas-
sombro as doutrinas da educafSo e a sua appIicaySo ao systema de
Instracg^ publica, partindo do ponto contrario ao dogma theologico,
de que a natureza era boa. 0 Homem, a sua liberdado, a sua aerilo, o
seu aperfeÌ9oamento moral e physico, a sua confratemidade ou provi-
dencia propria, eis a sjnthese espontanea da Rena8cen9a. A Italia dea
0 nome a està aspira9&o de um seculo, a Humanidade; a Europa veiu
ao appèQo, cultivando as sciencias humanas, experimentaes e praticas,
sendo os estudiosos que reataram a corrente intellectual da ciyilÌ8a9So
grego-romana denominados Humanistas. Quem mais do que a Grecia
comprehendeu e realisou melhor a cultura do homem? Quem melhor
do que Roma deu ao homem social mais o relèvo da ac9&o e da ener-
gia do caracter? A Ilenascen9a nSo podia deixar de tomar conhed-
mento das suas doutrinas pedagogicas, vulgarisal-as e applical-as.
Merece notar-se corno os grandes pedagogistas da Renascen9a, sug-
geridos no seu pensaménto de renova9&o montai pela leitura dos escri-
ptores grego-romanos, dividem os seus systemas pedagogicos segundo
as caracteristicas determinadas nas obras classicas. Entro os planos de
um Rabelais, no quadro da educa9^ de Gargantua, e de um Montai-
gne nos Ensaios, um desenvolvendo todas as capacidades especulati-
vas do homem pelo contacto com a natureza e pelo experimentalismo
scientifico, o outro formando o typo do bom senso pratico, instruido e
nSo erudito, mais sociavel do que individualista, entro estes dois pla-
nos systematicos encontram-se as mesmas differen9as que separam Pla-
tSo e Aristoteles de Xenophonte e Plutarcho, quando esbo9aram as suas
theorias de educa93o. Na civilisa9So grega, o antagonismo de Athenas
e Sparta, que actua na existencia politica e nas manifesta93es da arte,
reflecte-se nas capacidades individuaes, jà na cultura da intelligencia
e do sentimento, jà no desenvolvimento da for9a physica, da adestra-
9&0 athletica para a ac9So militar. Em Athenas, o cidadSo concorre ao
1 0 poeta Bocage, que era um ezcellente latinista, ao fallar dos seus estados
com o professor D. Jo2o Medina, diz que se o frequentasse por mais tempo ficava
altyado, Àinda outì na minha infancia os grìtos lancinantes que sahiam de uma
aula de latim ; e na eschola primaria soffri a brutalidade do padre Antonio José
do Amarai, que espancava as crian^as segundo atf crisei de um homor irasciveL
CRISE PEDAGOGICA NA RENASGENQA 283
^igora, onde discute as questSes publicas, tem a investidura do poder
pela 6leÌ9So, o seu individualismo nSo desapparece n'uma subordina-
9S0 passiva à collectividade; em Sparta, 0 cidadio é 0 soldado, que
fonda a sua dignidade na submissSo ao estado. Dentro d'estes dois meios
tSo differentesy a maieutica, ou gesta9&o do homem moral, corno Ihe
chamou Socrates, foi radicalmente diversa. Em Sparta 0 homem é urna
for9a que se adestrà, domando a sensibilidade pelo rigor; em Athenas
é um sér que evoluciona em todo o seu individualismO| nos seus ele-
mentos affectivos, especulativos e activos, equilibrando-os entro si pelo
firn social. O ideal da educa9So spartana està representado na Cyrope-
dia de Xenophonte, onde exp5e de um modo pittoresco 0 effeito de uma
disciplina militar. Està severidade estabelecia uma tran8Ì9fto para que
a educa92LO catholica de repressSo se conciliasse com as innovagSes dos
humanistas; e de facto as doutrinas de Montaigne, preoccupando-se
exclusivamente da ac93o, esclarecida por um saber geral, conservam
uma certa austeridade, que 0 tomaram querido aos mestres Jansenis-
tas, ao secco Locke e ao violento Rousseau. -"^
Mas diante do deslumbramento da RenascenQa pela antiguidade
classica, e sob 0 enthusiasmo da renova93lo scientifica e da livre-critica,
OS humanistas abra9aram de preferencia 0 systema de educa9&o entre-
visto pelos genios da Attica, formado no grande fòco da cultura do ho-
mem, Athenas, e defam curso aos pensamentos generosos, e às vistas
positivas de Piatto e de Aristoteles. Rabelais, estabelecendo 0 contraste
entro a educa9£o medieval e formulista de Gargantua, e a instruc93o
moderna e realista de Eudemon^ poz duas civilisa98es em confronto,
e em evidencia immediata a superioridade do hellenismo. A Grecia ti-
nha attingido a perfeÌ9So no desenvolvimento d'este producto da natu-
reza — o homem; livre das peias de uma classe sacerdotal e da espe-
cula9&o esteril de uma theocracia deprimente, tratou os seus mythos
com a inspira9So da Arte, e em vez de elles se immobilisarem em do-
gmas, foram themas suggestivos para as epopèas, tragedias, typos es-
culpturaes, e até para esbo9os de synthese physica. AUi deram-se as
condÌ93es para o desenvolvimento das faculdades humanas em uma
ascensSo progressiva, emquanto ao individuo pelas fórmas da activi-
dade eaihetica, scientifica e phUosophica, e emquanto à sociedade pelas
fórmas da organisa9So moral, politica e economica. Nada mais assom-
broso. Ainda sob o influxo da orienta92k> esthetica, unica expressSo da
unidade nacional da Grecia, Platlo, nas Leis, considerava, a Educa98o
comò a disciplina eque di ao corpo toda a belleza, e ao espirito teda
a pBrfeÌ9&o de que sSo capazes.» E d'esse influxo esthetico tira PlatSo
284 mSTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
urna nova base para o systema pedagogico, a attracsSo do agrado:
ccondazindo pelo divertimento a alma da crian9a a gostar do que deve
tornal-a perfeita.» Como a Renascenga comprehendeu este principio
humano para reformar a cultura do homem, até entSo feita pela seve'
ridade da compressSo ! Desde que appareceu o Platonismo no seculo xv,
appareceu logo a doutrina da bondade no ensino : acha-se em Gerson,
condemnando o temor do alumno ; em Yictorìno de Feltro, procurando
a harmonia entro o espirito e o corpo; em Agricola, que transformoa
a instituigfto pedagogica dos hieronjmìtas, condemnando a pancada naa
escholas; emfim em Eneas Sjlvius (Pio n), alegrando os alunmos com
a communicagSo das obras das utteraturas classicas. Mas, na ancie-
dade do saber, que convulsiona a Bena8cen9a e a leva a tentar as mais
audaciosas syntheses philosophicas, era em Aristoteles que a intelli-
gencia moderna ia encontrar as bases de uma Pedagogia integrai ; nXo
que a obra especial de Aristoteles fosse conhecida, mas pelos meios
indirectos da exploragSo da Politica e da Moral se reconstituiu facil-
mente 0 sjstema, digno do espirito mais encydopedico que tem exis-
tido na humanidade. Aristoteles estabelecia a necessidade de uma
educa9So publica e commum, e, em atten9Sp ao fim social, que fosse
egual para todos, e sob a interyen93o do Estado. E verdadeiramente
um criterio positivo, e comò tal precursor da Sociologia. Como homem
de sciencia, medico, e preoccupando-se detidamente das condÌ93es hj-
gienicas, Aristoteles completa o desenvolvimento do sér phjsico, moral
e social, nas tres fórmas da AdestragSo, para conseguir o desenvolvi-
mento phjsico, da Educagao, para dirigir o instincto e a sensibilidade,
e da Instrucgào, para disciplinar a intelHgencia e a rasSo. Nada mais
lucido e verdadeiro. Se na època de Aristoteles estivesse j& constituido
o segundo par scientifico, (Physica e Chimica) teria ido multo além de
Bacon; se o terceiro par (Biologia e Sociologia) estivesse organisado,
realisaria o plano integrai de Comte. Nos grandes pedagogistas da Re-
nascen9a nSo é so o lado theorico que é impulsionado pelos escripto-
res gregos; os maiores philologos exercem uma iniciativa pratica pro-
fonda na tran8forma9So da Instruc92o publica europèa: Erasmo eleva
ao mais alto esplendor o Collegio Trilingue e a època gloriosa da Uni-
versidade de Louvain; Vives faz a critica do ensino publico, e offe-
reco a D. JoSo m, em 1531, um plano de reforma que actuou na Uni-
versidade de Coimbra; Budeus organisa o Collegio de Fran9a; e Ra-
mus, regenerando o ensino das linguas e da philosophia, determino^
OS tra90B para a reforma da Universidade de Paris. A paixSo do en-
sino tomou-se a caracteristica do seculo, comò se vd em Melanchtoni
CRISE PEDAGOGICA NA RENASGENgA 285
o. extraordìnarìo educador de toda a Allemanha; em Sturm, que su*
stenta na maior altura o Collegio de Strasburg (1537 a 1589); e sobre
todos OS portugaezes Gouvéas, Diogo, e seus sobrinhos André, Anto-
nio, Margal e Diego o 01090, que constituem ama dynastia, que tomara
o Collegio de Santa Barbara 0 centro d'onde sahiram os homens mais
eztraordinarios que actuaram no seculo xvi.
Fallando do Dr. Diego de Gouvéa, Quicherat descreve a institui-
(So: «Fez urna vlagem a Lisboa, com 0 fim de expSr ao rei D. JoSo m,
successor de D. Manuel, que, nfto tendo garantia alguma para 0 nu-
mero dos pensionistas da cor6a, nfto sabe sobre que base assentarà o
estabeleoimento; foi-lhe garantido que o numero permanente da colo-
nia portugueza seria de cìnquenla estudantes. Està funda9ào data de
1526. Foi celebrada em Santa Barbara com festejos, discursos, nos
qoaes se ligavam em elogio simultaneo 0 rei D. JoSo e 0 Cardeal In-
fante D. Affonso, seu irmBo, principe a quem achavam sempre a ler
latim e grego, e que contribuirà com toda a sua influencia par^ o es-
tabeleeimento das cinqaenta bolsas.
aDiogo de Gouvèa é representado, por aquelles que estiveram às
soas ordens, comò um mostre vigilante e apto, cheio de gravidade, de
urna probidade inquebrantavel, sabendo acima de tudo conservar nos
mancebos o arder da emulaySo. Appareceu no momento propicio;
quando tomou conta de Santa Barbara, a grande gerajSo que encheu
o< seculo XYi com as suas idéas comejava os seus estudos. 0 desejo
de chegar & perfeiQSo em todos os generos encendia os cora93eB, e nSo
ei;a preciso rigor para com discipulos que so aspiravam a exceder seua
mestres. 0 merito de Gouvéa consiste em ter coadjuvado um arder,
que para muitos dos seus collegas era um motivo de mede. Por este
meio attrahiu para Santa Barbara 0 que bavia de mais distincto tanto
corno discipulos come em rela9So aos mestres, e 0 seu Collegio foi
mais do que em nenhum outro tempo um viveiro de grandes homens.»
Uma phalange de nomes illustres portuguezes, que nos represen-
taram na Renascenga na Europa, recebeu no Collegio de Santa Bar-
bara a sua educa9Zo humanista. D'ali sahiram os principaes humanis-
tas do seculo xvi, e ali se disciplinou a forte gerajSo que fundou a Com-
panhia de Jesus, adoptando as fórmas do ensino empregadas pelos Gou-
tSàs, para fazerem fronte aos eruditos e apoderarem-se do ensino pu-
blico europeu. • Quando D. Manuel tentou reformar a Universidade de
» Diz J. Quicherat, na Historia do Collegio de Santa Barbara^ referindo-se
4 elevada coltura humanista dos barbistas: «D'aqui procede, que todos os mati-
286 HISTOBIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Lisboa, dirigiu-se ao Dr. Diogo de G-oay§a; D. JoSo m, realisando
o pensamento de seu pae, dirigiu-se a André de Gouvèa, sobrìnho e
successor do Dr. Diogo de G-ouvSa no principalato de Santa Barba-
ra, mas a inflaencia dos padres da nova Companhia de Jesus prevale-
ceu no espirito do monarcha, aimullando as mais generosas inidativas.
De André de Gouvèa escreveu Montaigne, qae o conheceu (1539 a
a 1546) quando elle regentava o Collegio de Guienne: nle plus grand
Principal de France.it Antonio de Gouvèa, que foi amigo de Rabelais
e de Calvino, luctou a favor de Aristoteles contra Fedro Ramus, e lan-
{ou as bases do estudo juridico da eschola de Cujacio.
Um outro aspecto em que as doutrinas pedagogicas da Gh^ecia
actuam na Renascenya é o da necessidade de tratar da edvA^oj^ da
mtdher, Os humanistas, que comprehenderam o alcance da bondade para
a crian9a que se ensina, acharam nos escriptores classicos o modo de
dar à mulher essa nova capacidade formativa. Xenophonte, na Eco»
nomica, fìindamenta e planèa a educa9&o feminina, e Plutarcho, nos
Preceitoa do Casamento^ estabelece que so a mulher instruida, acom-
panbando a educagSo dos filhos, exerce o poder de crear os grandes
typos, em quem foram despertadas e estimuladas as for9as da conscien-
cia e a energia do caracter. Erasmo e Vives deram curso a estas idéas,
que suscitaraYn em todas as cortes da Europa o esfor90 para con-
verter a galanteria em erudÌ93o. A rainha Isabel de Castella acompa-
nhou a reforma dos estudos humanistas, estudando ella nìesma o latim
com D. Beatriz Galindo, dama da c8rte, denominada a Latina, ^ e man-
dando-o tambem ensinar a sua fiJha D. Joanna, mSe de Carlos v. As
zes da orthodoxia, corno da heresia, se encontraram na gera^So que paasou por
Santa Barbara entra 1520 e 1530. Ao lado do ascetbmo conununicativo dos pri-
meiros Jesuitas, achamos o mystieismo hallacinado de Postel ; ao lado do rigo-
rismo inqoisitorial de Demochares, a tolerancia de Gelida e de André de Gouvda,
que nSo obstou a que estes homens virtaosos fossem irreprehensiveis na sua fé;
e mais ainda o scepticismo mal sopeado de Buchanan ou a independencia philo-
sophica de Antonio de (Gouvèa, qae uma voz inimiga taxou de materialismo, e que
fez associar o nome d^este homem distincto com os de Bonaventore Desperriers e
Rabelais. Emquanto ao espùnto de seita, é representado por essa lucta religiosa
de que JoSo Calvino foi a encama^So.»
1 Em rela^fto à emdi^ feminina no secolo xn, em Hespanha, lé-se em Fray
Francisco d'Avila, La vida y la muerte (1508) :
En nnettrot tlempos agora
Fné latina la Galinda ;
La Septilveda fné linda
Doncella mny labldora.
CRISE PEDAGOGICA NA RENASCEN^A 287
damas da mais< alta nobreza segidam està corrente da moda; distin-
gaiam-se pelo conliecimento do latim a marqueza de Monteagudo, D.
Margarida Pacheco, e as filhas do conde de Tendilla, chégando D. Lu-
cia de Medrailo a dar ligSes sobre classicos latinos na Univer8Ìdade de
Salamanca^ segando informa Marineo Siculo ; * D. Francisca Lebrija,
filha do reformador humanista, professou sobre Rhetorìca e Poetica na
Universidade de Alcalà. Passava-se iato no tempo em que as cortes de
Portugal e Castella estavam reconciliadas pelo casamento do principe
D. Affonso com a infai}ta D. Isabel. A rainha D. Leonor, mulher de
D. JoSo II, protegeu a Imprensa e a funda9£o do theatro nacional por
Gii VicentC; e cercava-se de damas instruidas comò D. Leonor de Mas-
carenhas, conhecida entSo corno rivai de Vittoria Colonna, pela eleva-
9S0 de espirito, que tanto admiraram Bemardim Ribeiro e Sa de Mi-
randa. A infanta D. Maria, ultimo frueto do terceiro casamento de D.
Manuel, aprende latim sob as yistas de Fr. JoSo Soares, que veiu a
ser bispo de Coimbra, e para ella escreveu JoSo de Barros em 1544
um Dialogo de Preceptos moraes, em fórma de jogo, para quando fi5r
desoccapada, de verdadeira philosophia christà, porque estnda, A in-
fanta teve casa separada aos dezeseis annos, tendo por criadas senho-
ras instruidissimas, corno Luiza Sigea, Angela Sigèa, Joanna Vaz, '
Fublia Hortensia de Castro, Isabel de Castro, Paula Vicente, a Zbn-
gedora, filha de Gii Vicente, D. Leonor Coutinho e D. Leonor de No-
ronha. De uma d'ellas, Publia Hortensia, correu a lenda, que frequen-
tara os estudos da Universidade de Coimbra sob as vestes escholares,
em companhia de seus irmSos, e defendendo theses de logica e rheto-
rìca. Em volta d'este centro distincto de saber e galanteria, gravitaram
OS principaes poetas portuguezes, CamSes, D. Manuel de Portugal,
Jorge de Monte Mór, Jorge Ferreira de Vasconcellos, J9X0 Lopes Lei-
tSo, Caminha, Sa de Menezes, e o apaixonado Jorge da Silva ; forma-
1 Vidal y Dias, Memoria higtariea de la Univenidad de Salamaneay p. 243.
2 0 Dr. JoSo de Barros, no Eepelho de Caeados (fl. 86), fallando da compe-
tencia das mulheres para as sciencias, diz : «... som tam habiles e tam sabedoras
corno 08 homens. — Mas acabo este conto com que fora razam hir mais cedo, que
he Joana Vox, naturai de Coimbra crìada da Rainha nossa senhora por suas vir-
tades e doctrina mai a^eita a ella nas lettras latinas, e oatras artes hnmanas mai
docta, de qaem vi algomas cartas por qae bem se pode provar està noticia que
doa della. Se as molheres nSo sabem tanto, he porqae se occapam em oatras coa-
sas mais proprias a ellas, mas nam por qae Ihe falte habilidade pera tado e comò
a molher tirou de si a onestidade, tado farà ao qae se quizer dispoer; por qae
arte, engenho, sotileza e discri^am Ihe nam falta.«
288 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE GOIHBRA
Yam corno que a Academia da Infanta D. Maria^ que achoa nas le-
tras a consola^So para as decepgSea moraes a que a expuzeram as in-
trigas de Carlos v, de Filippe n, e a bo9alidade de seu innZo D. JoSo ui,
que annullou todas estas coiidÌ98es .de progresso nacional, entregaudo
a ìnstruc^o publìca aos Jesuitas. O effeito da educajSo dos Jesuitas
viu-se ao firn de trinta annos, em 1580| com a apathia e extinc$So da
nacionalidade portugueza. Os espirìtos tinham retrogradado ao forma-
lismo da Edade m^dia, e a na9So estava fora da hìstoria em cuma
austera, apagada e vii tristeza.3 ^
1 Michelet synthetida em poucas linhas o quadro das doutrinas da Renas-
cén^a, que eetimularam a nossa vida hiatorica:
«Qual é 0 firn do4iomem? Sir homem, verdadeira e completamente, deeen-
volver em si tudo o que està na natureza humana. Qual a via e o meio para isso?
A Aà^ào,
«Voltaire escreveu està palavra em 1727, imprimiu-a em 1734. Sem o saber
renoYOu o principio da antiguidade, a tradirlo da Grecia, a pfailoBopfaia da efiet-
gia, da ac^So.
«Desde o din em que a acgào reentrou no mnndo, n2o sómente resultou uma
prodigiosa creando de sciencias, de artes, de industrias, de potencias, de for^s
mechanicas, — mas uma nova for^a moral.
«A ac^So é moralisante. A ac^ao productiva, a felicidade de crear, slo de
um encanto tSo grande, que entre os trabalhadores serios dominam facilmente toda
a paizSo pesBoal.
«No plano encyclopedico de edaca9So, que nos dà o seenlo xyi, o plano sabio,
immenso, muito sobrecarregado, de Gargantua^ vé-se pertanto jà, com surpreza, o
firn nitidamente indicado. NSo sómente o discipulo saberà tudo, mas saberà fazcr
ttido. A acgSo apparece comò o seu mais alto desenvolvlmento. Inidam-no nSo bó
em todos os exercicios, mas em todas as artes praticas.
^ «O mesmo pensamento (froizamente indicado, é certo) no livro mediocre e
judidoso de Locke. Mas brìlha admiravelmente no grande livro inglez, o Robimon»
Beproduz-ae no Emilio. 0 homem moderno, aotua e trabaiha; pode sel-o, ó obreiro.a
(Noe FiU^ p. vu a x.)
CAPITULO II
08 EstatDtos mannellnos e a persistencia do Scholasticismo (1004-1621)
Às deecobertas portuguezas e o aspecto geral do reìnado de D. Manuel. — A edi-
fìcHQao das Escholas Geraes. — Organisa^ào dos EstatutoB de 1504. — Porque
se nào desenyolvem os estudos humamstas? — Leis contra ob Judeus e extinc-
5S0 da Typographia hebraica. — Decadencia da Litteratura grega. — 0 Dr.
Diego de Gouvéa cbamado de Paris para a reforma dos Estudos em Lisboa.
— Recrudescencia do Nominalismo. — Funda^ào do Collegio de S. Thomaz,
em 1517. — Influencia de Jo5o Celaya em Paris. — Joao Bibeiro substitue Ce-
laja na defeza da Escholastica. — D. Francisco de Mello e os estudos mathe-
maticos. — A abertura dos Estudos em dia de S. Lucas. — A Orando de Sa-
pientia pelos lentcs de Artes. — André de Rcsende. — Escbolas particulares
de Grammatica, no bairro das Escbolas. — A Arte nova. — Respo&tas às du-
vidas dos Escholares. — OVejamen ou Adua gallicus na Universidade de Lis-
boa.— Sa de Miranda lente substitato ; porque nào prosegue no magìsterio.
— Projecto de funda^ào de uma Universidade em Evora sob D. Manuel
(1520). — Diego de Gouvéa pretende adquirir 0 Collegio de Santa Barbara
para os Estudantes de El-rei. — Tabula legentium do prìmeiro quartel do se-
colo XVI.
A passagem do saber formulista da Edade mèdia para o criterio
experimentalista dos tempos modemos nSo foi unicamente determinada
pelo esforQO mental dos hmnanistas da RenaBcen9a; a necessidade de
agrupar factos concretoS; de corrigìr as concepgSes antigas perante a
objectividade dos novos aspectos com que se revelava a Natureza, tal
foi a ac92o que exerceram em todas as intelligencias na Europa as des-
cobertas maritimas dos Portuguezes. Os sabios vinham a Lisboa infor-
mar-se dos extraordinarios eventos, e se a rasSo humana achou novos
elementos para a emancipagSo das consciencias, a actividade social ia
exercer-se em um trabaiho pacifico de apropriagSo do pianeta, e pela
lUBT. UH. 19
290 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
\
crea9£o da industria alcan9ava um meio imprevisto para a incorpora^So
do proletariado na sociedade moderna, esse tremendo problema que
nos legara a Edade mèdia. Todos os e8for90S da grande gera92Lo de na-
vegadores e exploradores geographicos do secalo xv tiyeram comò re-
sultado as descobertas que tomaram Portogal uma das prìmeiras po-
tencias da Europa no secalo xvi, aquella que mais influiu na marcha
da civilisa9£o humana, e que soube ligar o seu rapido esplendor na-
cional à universalidade de uma missào historica, que nunca poderà sor
esquecida. * •
Nem so aos grandes e poderosos imperios militares pertence a
consagra92lo da Historìa, pela extensSo do seu dominio» e pelo esfor^o
de unifica92o social das rafas humanas; aos pequenos Estados, embora
com uma existencia menos ruidosa, compete uma missSo, quasi sempre
cumprìda com a consciencia de mn destino^ que os liga na sua aggre-
gayào transitoria & marcha progressiva da Humanidade. As pequenas
Nacionalidades constituem os mais bellos capitulos da Historia univer-
sa! ; nào podendo contribuir com uma actividade complexa para a obra
da civilisa9&o, os seus esforyos especialisam-se com a perfeÌ92Lo de uma
actividade exclusiva. Os Israelitas; os Phenicios e os Qregos sSo tres
pequenos povos, em que melhor se observa este caracter da acyfto fé-
cunda exercida pelas pequenas nacionalidades ; Israel traz a idèa mo-
1 Sobre as navega^òes portugnezas dirìgidas por nm criterio scientifico, es-
creveu com indiscutivel auctorìdade o Dr. Fedro Nunes, no seu Tratado em defen"
aam da Carta de marear^ na dedicatoria ao infante D. Lniz: «Ora manifesto he
que estes descobrimentos de costas, ylhas e terras firmes, nam se fizeram indo a
acertar ; mas partiam os noèaos mareantee muy ennnados e providos de inatrumento»
e rtgras de astrologia e geometria, que sSo as cousas de que os Cosmographos ham
d'andar apercebidos, segando diz Ptolomeo no primeiro livro de sua G-eographia.
Levavam cart€u muy partùndarmente rumadas, e nam j& has de que os antigos usa-
vam, que nam tinham mais figurados que doze veatos, e navegavam sem agu-
Iha. . . » (FI. 1 i,) Merece reparo o facto do Dr. Fedro Nunes nao alludir aos pre-
tendidos estudos mathematicos do infante D. Henrique e sua influencia nas desco-
bertas maritimas. N'este tempo ainda JoSo de Barros nao tinha plagiado o in-
edito de Azurara, com que deu corpo à lenda infantista da Eschola de Sagres.
Cam5es tambem escapou à lenda, corno observa com espanto Bibeiro dos Santos:
cO darò cantor dos Lwàadais, que tinha occasiSo muito opportuna de fallar d*elle,
e de fazer de seus descobrimentos bum necessario e indispensavei episodio, mais
ligado com a ac^Io do seu Foema, que o que fez do desafio dos Doze de Inglaterra,
contontou-se de o nomear simplesmente, e de passagem em poucos versos, o que
bem podéra ser objecto de bum Foema.» (Memoriae de LiUeratura, da Àcademia,
t. vili, p. 158.)
ESTATUTOS MÀNUEUNOS 291
notheista, precursora do universalismo religioso; a Phenicia desenvolve
0 cosmopolitismo pelo commercio e generalisa o alphabeto; a Grecia
cria a Arte, a Sciencia e a Philosophia, que ainda hoje saggerem sau-
daveis impulsos ao sentimento, & acy^o e & especula^So modemos, e
pelo seu espirito de independencia salvoa o futuro da Europa da in-
vasio persa. Sobre estas tres pequenas nacionalidades é que se apoia
principalmente a Civilisa9So mediterranea. Urna outra pequena nacio-
nalidade, Portugal, pelo genio das expedÌ93es maritimas abre o perìodo
das CivilisafSes atlanticas, em que todas as na93e8 da Europa e da
America s&o cooperadoras, e, comò a G-recia outr'ora, susta as inva-
sSes dos Turcoe na Europa pela descoberta do caminho maritimo da
India. Diz Tiele, na Historia gercd das Religxòes antigas (p. 259) : «Os
pequenos povos tiram em goral o seu valor de uma aptidZo e de urna
voca9&o especiaes. Mas a cultura perseverante e assidua de um dom
particular, a concentra9&o das suas preoccupa93es e de suas forsas so-
bre um so objectOy assignam-lhes &s vezes um legar eminente entro as
na93es e um papel de primeira ordem no desenvolvimento da civilisar
9£0y sobretudo no ponto de vista religioso e moral.» Na vida historìca
de Portugal, imposta pela situagSo geograpbica, da actividade marìtima
é que provém a sua independencia nacional, a rìqueza colonial, a fei-
9&0 esthetica das suas mais bellas 'manifeBta98es poeticas e architecto-
nicas, a sua expansSo fundando novos estados, e além de tudo isto uma
influencia directa no advento da edade moderna da Europa, caracte-
rìsada pela actividade pacifica. Como pequeno estado, Portugal foi
mais cedo livre do que o resto da Hespanha, e n2Lo deixari de ser para
a peninsula o Estado typo para a sua remodela9£o federativa. Renan
dizia que a historia da Grecia deveria escrever-se comò um hymno;
esse hymno, que resda na alma de todos os que admiram os factores
conscientes da Civilisa9So humana, é o que acompanha as pc^inas da
Historia de Portugal e Ihes dà vida.
Emquanto Portugal, simples appendice da Hespanha, firmava a sua
autonomia com a descoberta da India e do Brazil, D. Manuel achava-
se por um accidente elevado ao throno, & soberania com que nunca so-
nhara, e tratou lego pelo seu casamento de unificar sob uma meama
corda o imperio das Hespanbas. As riquezas que os galeSes traziam
das recentes descobertas e conquistas desvairaram-no, levando-o i con-
centra92o do maxime poder absoluto, e à sumptuosidade pharaonica
com que assoalhava esse poder, enviando embaixadas ruidosas aos dif-
ferentes monarchas da terra. NSo tinba a loucura dos planos politicos
de um Carlos v, de um Francisco i ou Henrique vili; tinha a puerili-
19*
292 HISTORIA DA UmVERSIDADE DE COIMBRA
dade dos effeitos theatraes do rei que se acompanha pelas ruas com um
longo sequito de elephantes e dromedanos^ qae vestia quasi diaria-
mente novos fatos rosagantes^ e que comia à vista do seu povo ao som
de charamellas. As riquezas affluiam a Lisboa, de todas as ignoradas
regiSes do globo; e o monarcha, no enlevo de um sonho de grandezas,
aUieio a todas as idéas economicas e de administraySo, maltratava os
homens que sustentavam este vigor momentaneo da historia portugueza,
taes comò Affonso de Albuquerque, FemSLo de MagalhSes, Duarte Pa-
checo e Antonio GalvSo. Està prega inferior do caracter de D. Ma-
nuel fieou accentuada na epopèa dos Lusiadas na phrase rei iniquo;
a historia chamou-o Venturoso, nSo pela ac9SLo directa*que exerceu a
sua individualidade, mas por ter gosado de um modo egoista todos os
elementos de ordem duramente estabeleeidos por D. JoSo ii, e o effeito
das descobertas dos navegadores e capitSes, que elle considerava pouco
seus amigos. Morreu na abundancia, dispondo inconscientemente de
thesouros que julgava inexgotaveis, fazendo edifica95eSy enriquecendo
OB filhoB com casamentcs, mitras e mestrados, dotando loucamente a
ultima esposa; deixando em elabora9SLo os germens que viriam, ainda
no seculo xvi, determinar a ruipa de Portugal. NSo admira pois que
n'este reinado de desvairamento de riquezas a vida intellectual nSo
apresente o relèvo que o nome portuguez sustentava nas Universida-
des de Hespanha, Italia e Franga.
Logo que D. Manuel se achou elevado de duque de Beja a rei
de PortugaJ, a Universidade de Lisboa mandou-lhe participar pelo rei-
tor Alvaro Anes e Mestre JoSo de Magdalena a sua eleigSU) de Prote-
ctoTj bonra que o monarcha acceitou por carta de 11 de dezembro de
1495. Foram os seus primeiros actos mandar provèr as cadeiras de
prima e de vespera de Leis em oppositores, e em fazer convites a al-
gnns doutores de Salamanca. Como a concessSo de Sixto iv, obtida
por D. Affonso V; àcerca das Conesiaa magistraes e doutoraes, nSo pdde
ser levada à pratica pela opposiySo insistente do cardeal D. Jorge da
Costa e de alguns Cabidos, D. Manuel conseguiu de Alexandre vi o
breve de 23 de junho de 1496, para que em todas as cathedraes se
estabelecessem prebendas para os mestres theologos e doutores jnrÌBtMf
da Universidade. 0 recente monarcha gloriava-se com as homenagens
que a Universidade agradecida Ibe prestava no seu pomposo latim. No
livro das Epistolas de Cataldo Aquila Siculo, eque tinha vindo a estes
reinos ensinar Rhetorica na Universidade de Lisboa»,* vem a OraySo
1 Ribeiro dos Santos, Memorias da Academia^ t. vnz, p. 97.
ESTATÙTOS MANUEUNOS 293
latina; que o marquez de Villa Real, D. Fedro de Menezes, recitoa na
Universidade perante o rei D. Manuel. *
0 rei; preoccupado com as festas do seu casamento (1497) com a
princeza D. Isabel, viuva do mallogrado herdeiro de D. JoSo il; achou-
86 com a perspectiva de vir a reunir Portugal e Hespanha sob um mesmQ
Bceptro. Para este fim, em que se Ihe levantavam no espirito as pai-
xSes da vaidade e do dominio, que sempre o caracterisaram; D. Ma-
nuel nSo hesitou em acceder à condÌ9£o da expulsSLo dos judeus de Por-
tugal (1496). Em resultado d'este acto de fanatismo, prohibiu o menar-
cba em 1497 o uso de livros hebraicos, exceptuando apenas as obras
de Medicina e <3irurgia, ainda assim quando os que as possuissem foa-
sem physicos ou cirurgiSes antes de se converterem ao catholicismo.^
O abandono completo em que cairam a lingua e litteratura hebraica
reflectiu-se para sempre nos estudos tbeologicos na Universidade^ ape-
sar de D. Manuel crear em 1503 uma cadeira de vespera, que proyeu
em 5 de Janeiro de 1504 no afamado cistersiense Frei JoSo Claro.
A Universidade occupava entfto as Casas que Ihe tinham side doar
das em 1431 pelo infante D. Henrique, situadas acima da egrefa de 8.
Thoméf cantra o muro velho da cidade. E emquanto o novo monarcha
se achava enleiado pelos grandes successos, que iam transformar a exis-
tencia da nafSo portugueza e da civilisa^Eo moderna, corno o regresso
de Vasco da Gama em 1499 e a descoberta do Brazil por Pedro Al-
vares Cabrai em 1500, a Universidade retomou um pouco da sua au-
tonomia economica, tratando de alargar o edifìcio para as suas escho-
las ; em 1 502 compra ao conde de Penela umas casas com quintal, por
80^000 réis, para ahi estabelecer as suas aulas, e em 30 de agosto
d'esse mesmo anno compra a G-abriel Gonyalves, por 30^000 réis, ou-
tras casas quepartem com as Escholas novas que agora sefazem. D. Ma-
ntlel interpoz a sua soberania doando à Universidade, em 18 de Janeiro
de 1503, o palacio que comprara ao Condestavel D. Affonso, que fora
de seu tio o Senhor de Cascaes, e que pertencera ao infante D. Hen-
rique, ^ construindo com estes differentes predios as Escholas novas, no
1 EdÌ9So de Lisboa, de 1500.
^ Bibeiro dos Santos, na Memoria sobrt as orìgens da Typographia em Por-
'tugal^ commenta este facto : «desanimou inteirameiite a Litteratura hebraica, tor-
nou inuteis ce seus prélos, e fez sahir de Portugal para extranhas terras uma Ty-
pographia tao atil e vantajosa, que entSo nos bonrou por auas illustres produc^oes,
e que ainda boje nos podia muito ennobrecer com suas obras.» (Mèmorieu da Aca*
denUa, t. vin, p. 18.)
3 É frequente o equivoco de localisar a Universidade no palacio do infante
294 HISTORIÀ DA UNIVERSIDABE DE COIMBRA
sttiv quefica abaixo de Santa Marinka, conhecidas pelo titolo de Escho-
las Geraes, eque ainda hoje existem n'aquelle mesmo sitio, e que con*
servam este mesmo nome.»' Com o novo edificio das Escholas, o so-
berano dea tambem & Universidade novos Estatutos, a que elle chamou
Ordenan^as, impondo luBsihi a mais absoluta auctoridade. No pream-
bulo dos Estatutos manuelinos ligam-se estes dois factos comò simuU
taneos: cNós por fazermos o que devemos a nesso officio e Dignidade
Real, e por servilo de Nesso Senhor, proveito dos nossos subditos e
nobrecimento da dita Cidade (de Lisboa) Fazemos merce e doa^o aa ditta
Universidade doutras Cazas em Ingar que parece mais conveniente,
edificadas com forma e disposi^Ho de Escfaollas Geraes e acrecentamos
OS sallarios aos Lentes e Officiaes; e hordenamos que ouvesse Cathedra
de Vespera de Theologia, e Cathedra de Philosophia Moral. E porque
havia muitos Estatutos, Accordos e Ordenan9a8 diversas, que segando
a yariedade dos tempos agora xAo sSo proyeitosos: Queremos e Orde-
namos, que d'aqui em diante a Universidade de nosso Estudo de Lis-
boa seja regida e govemada por estas Ordenan;as seguintes, etc.» Es-
tes Estatutos, que come9am pelo titulo Qtie nào possa fazer Estatutos
sem ElRey ou Protector, na copia que existe no tomo primeiro do Livro
das ProvisSes da Universidade, nfto apresentam data; comtudo ella pode
ser fixada pelas referencias do preambulo à doaqào das Escholas geraes
em 18 de Janeiro de 1503, e ao provimento da Cathedra de Vespera de
Theologia, em 5 de Janeiro de 1504, a qual fora creada nos mesmos
Estatutos com o salario de vinte mil réis. ' Como estes Estatutos esti-
I
D. Henriqne, comprado em 1448, coDfaDdindO'O com* as casas doadas em 1431. IH-
gaeirda eiplica o motivo por que se acbam no Cartono os titaloB do palacio do
infante: «Comprou mais o Infante D. Henrìque a D. Alvaro de Castro, senhor de
Cascaes, e a sua mulher D. Isabel, umas casas com seu quintal no bairro dos Es-
colares, que partiam com outras snas por pre90 de 400 dobras de onro, das quaes
OS vendedores se deram por entregues por 44 panos de Castella, qne receberam,
feita eserìptura no 1.° de septembro de 1443. N2o consta que o Infante desse es-
tas casas à Universidade, e se meteu no Cartono d'ella està escriptura por que
devem ser as mesmas de que depois El Bey D. Manoel Ihe fez mercé.» (Vide An-
nuario da Universidade de Coimbra^ para 1874, p. 241.)
1 LeitSo Ferreira, Noticias chronologieas da Universidade, Add. ao n.^ 615.
' 0 visconde de Villa Maìor, na Exposi^ào succinta da Organisofào actual
da Universidade de Ccimhra, adopta a data entre 1499 e 1504 com o segninte ar-
gumento: «Estabelecem elles (Estatutos) que para o cargo de Reitor seja eleito
sempre «m fdalgo ou pessoa constituida em dignidade; e para o anno de 1500 foi
eleito 0 Bispo de Fez, talvez j& em virtude das dt8posÌ9oe8 dos novos Estatutos.»
(Op. cit, p. 41.) 0 bispo de Fez, D. Francisco Femandes, fora pedagogo de D. Ma*
miei e anteriormente Unba a dignidade de Mestre Eschola.
ESTATUTOS MANUEUNOS 295
veram em vigor até novembro de 1 537, em que D. JoSo in dea & Uni-
versidade, ji entSo em Coimbra, um novo Regimento^ foi remettido para
Coimbra o livro dos EstatutoB manuelìnos, para os casos omissos e
praxes tradicionaeB; o testo authentico assignado por D. Manael per-
deu-se, conBervando-se o apographo a que fialta a data. Em alvarà de
16 de agosto de 1537 estabelece D. JoSo iii: cmando que emquanto
nSo prover essa Universidade de novos Estatutos, usees e yos rejaes
peloB Statutos que foram dos Studos de Lisboa, de que vos mando per
bo doTitor Francisco Mendes bo proprio livro d'elles assinado por el
rei meu senhor e padre que santa gloria aja.»
Muitas das dÌ8po8Ì9SeB da reforma de 1504: nSo foram cumpridas
pela Universidade, corno se infere de um alvarà de D. JoSo iii, mas
essa instituiyfto pedagogica da Edade mèdia acabou por annullar-se
diante da monarchia absoluta, comò as garantias foraleiras se extin-
guiram com a Ordena9So ou codigo real. Desde que a Universidade
perdeu de todo o seu caracter de corpora9ao livre, deixava de acom-
panbar o movimento scientifico da Europa, que se operou pelo esfor(o
das capacidades individuaes isoladas. A Universidade foi melhor do-
tada, teve mais opulencia, mas acbou-se sem destino na època da Re-
naBcen9a. Tambem com a extincgSo das garantias foraleiras a nacio-
nalidade portugueza acbou-se sem vigor; Sa de Miranda queixava-se
de que tudo concorrìa a Lisboa, receiando que o barco mettesse a pròa
ao fundo. Extincta a vida locai, acabou todo o elemento de resistencia
que fizera das antigas behetrias ou cidades livres a na9So portugueza,
nunca encorporada até ao ultimo quartel do seculo xvi na unidade cas-
telhana. À reforma da Universidade sob D. Manuel so pode ser bem
apreciada buscando o pensamento que a determinou nos factos politi-
cos que tomaram o poder monarchico absoluto ou independente. No
préambulo faz o rei a concessSo de novo edificio para as escholas, au-
gmento de ordenados aos lentes, e justifica os motivos por que vae co-
dificar a legisla9lo universitaria em umas Ordena98e8:
cPrimeiramente mandamos que o Reitor da Universidade do Es-
tudo de Lisboa, Conselheiros, Lentes e todolos Officiaes juntos, nSo
possam fazer Estatuto sobre o regimento da dita Universidade; e quando
occorrer algum caso em que pare9a ser necessario novo Estatuto, po-
derSo requerer ao Protector, e por sua auctoridade se farà o Estatuto
que fòr necessario. »
Foi este excesso de poder real sobre a Universidade que fez com
que ella mais tarde podesse ser entregue aos Jesuitas, que fizeram
d'ella 0 ponto de apoio para reagirem centra o espirito scientifico da
296 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Rena8cen9a. O exame da reforma manuelina descobre-nos factos im-
portantesy nSo so sobre a organisafSo administrativa da Universìdade,
corno sobre a situa9So dos estudos. Insistiremos sobre està parte em
especial; e no que respeita aos costumes escholares. Desde que os Es-
tatutos eram urna ordeiia9So real, tomava-se necessario dal-os a conhe-
cer aos estudantes: cMandamos que o reitor mande a todos os Estu-
dantes sob pena prestiti juramenti, qiie em cada bum anno ySo ouvir
OS Estatutos e OrdenagScs da dita Universidade, os qaaes o Bedel e o
EscrivSo do dito Estudo lerà alta e intelligivel vox no Geral das ditas
Eschollas huma véz cada anno, o terceiro dia das Outavas do Natal,
depois de corner; e o mandado do Reitor seri publicado pelo Bedel &
Vespera de Natal.»
Os cargos da Universidade, Reitor, seis Conselheiros, dez Depa-
tadoS; Conservador, Sindico, Bedel, EscrivSes, Taixadores, Sacador do
Recebedor, Enqueredor, Guarda das Escholas e SoUicitador ctodos es-
tes officiaes serào eleitos pela Unìversidade, e confirmados pelo Fro-
tector; tirando o officio de Chanceller, que Queremos que o tenha sem-
pre 0 que for Lente de Prima de Leys.» Vè-se que por està reforma
0 Chanceller, que representara o poder pontificai nas Universidades,
adquiria agora um caracter regalista, independente de eleiyilo, e pri-
vativo de um Lente de prima em Leis. Mais tarde, na regressSo ele-
ncai do reinado de D. JoSo ui, o cargo de Cancellano toma-se outra
vez autonomico com o de Reitor, e um privilegio exclusivo dos Prio-
res de Santa Cruz de Coimbra.
Vejamos qual o quadro dos estudos por està reforma de 1504:
cOrdenamos que na dita Universidade haja sempre Cadeira de Prima
de Thedoffia, e outra de Vespera, e tres Cadeiras de Canones, a sa-
ber: De Prima, Ter9a e Vespera. E de Philosophia Naturai huma, e
outra de Philosophia moral. Tres Cadeiras de Leys: Prima, Terga e
Vespera. De Medicina duas: de Prima e de Vespera. Huma Cadeira
de Logica e outra de Orammatica,'^
Os titulos da6 cadeiras eram derivados da divisSo liturgica das ho-
ras canonicas; ^ principiava o trabalho escholar por uma missa ao rom-
per do sol, e em seguida comegavam as ligSes dos lentes de prima:
cem sahindo o Sol comesse a Missa, e em fim d'ella comegar^ os Len*
^ 0 cardeal de Arag§o, D. Fedro de Luna (papa com o nome de Benedicto ^
zni), na reforma que fez da Universidade de Salamanca, depois de 1381, fonda
tres cadeiras de Theologia, ordenando que urna se lésse à hora de Prima^ outra &
kora de Ter^, e outra & de Ve^peraa.
ESTATUTOS MANUELINOS 297
tea de Prima a ler. . .» Ainda hoje se chama lente de prima ao de-
cano da faouldade, perdida a tradigSo das horas canonicas.
Um doa estimulos da reforma da Universidade por D. Manuel foi
o augmento dossalarioa doa lentea: cOrdenamos queaCadeira de Prima
de Theologia haja em cada anno doze marcoa de prata, aegondo se con-
tém no Testamento do Infante Dom Henriqne, pelos quaes Ihe man-
damos dar trinta mil reis; e à Cadeira de Vespera vinte mil reis; e às
Cadeiras de Prima de Canones e Lejs, trinta mil reis cada huma^ e
àa de Vespera de Canonea e Leys, vinte mil reis cada huma ; e às Ca-
deiraa de Ter^a de Canones e Leja, dez mil reis cada huma; e & Ca-
deira de Prima de Medicina, vinte mil reis; e à Cadeira de Vespera,
quinze mil reis; e à Cadeira de Philosophia Naturai, vinte mil; e à
Cadeira de Metaphysica vinte e trez mil reis; e à Cadeira de Logica
dez mil; e à Cadeira de G^rammatica dez mil.»
E immensamente curiosa a persistencia da tradigiLo pedagogica
conservada na Universidade ainda hoje; na reforma de D. Manuel en-
contram-se jà estatuidas certas particularidades, que se observam au-
tomaticamente: eque OS lentes de prima leam cada dia que for de l^r
quase ìiora e mela, e os outros lentes huma hora; e em firn de sua li-
gào, decendo da Cadeira estarcb hum pouco de tempo para responder a
OS dumdas e perguntas dos Eschollarea ; os quaes lentes come9arSo a
ier hum dia depois de S3,o Lucas, e continuarlo athé Santa Maria
d'Agosto inclusive. . .» * E a tradÌ9So da quinta-feira: e quando na se-
mana nSbO houver festa de guarda, deiacarSo de ter a juinta-feira corno
sempre se costumou,^ As insignias doutoraes conservam ainda o mesmo
aymbolismo: cos theologos boria branca, e os canonistas verde, e os
legistas vermdha, e os medicos amar dia, e os artistas azuloi...i^ À trans-
formagSo da classe de Artes na faculdade de Philosophia fez com que està
c6r se conservasse comò peculiar da nova disciplina. As precedencias
das faculdades sSo ainda as mesmas determinadas por D. Manuel: cos
mestres e doutores terSo està ordem antro si : primeiro os mestres em
theologia; segundo os doutores canonistas; terceiro os doutores legis-
tas; quarto os doutores medicos; em fim os mestres em artes. E os Re-
gentes precederSo aos nom Regentes em sua faculdade e guardarlo em
cada sciencia as antiguidades dos seus gràos.»
Em uma nota do reitor Figueirda às Noticias chronólogicas de
1 Segando ce Estatutos da Universidade de Salamanca, de 1422, formulados
por Martinho v, as li^oes prìncipiavam em dia de 8, Lttcoa, e acabavam em dia
da Virgem de Settembre
298 HISTORIA DA UNIVERSIDÀDE DE COIBIBRA
LeitSo Ferreira (74 ao % 924), observa-se qne a abertura das aulas era
em 18 de outubro, come^ando o anno escholastico em dia de Sam La-
cas, no qual se recitava a Ora^ de Sapientìa; oste costume dnrou até
ao anno de 1530^ mudando-se a abertura dos cursos para o dia de S.
Remigio, que era no primeiro de outubro.' E o que se determina pe-
los documentosy sem comtudo existir uma ordem formai para està mo-
dificafSo. O lente da cathedra de prima de Theologìa, pela disposÌ9So
do infante D. Henrique, é que era obrigado a recitar a Oraqao de Sa-
pientìa; apparece por vezes està prerogativa exercida por lentes da fa-
culdade de Artes especialmente. Em 18 de outubro de 1519^ o lente
de Logica, Francisco Valentim, faz a ora9£o do come^ do estudo ; em
1534 fez mestre André de Bezende, sem ser lente da Universidade,
a Or€Uio prò rostris; em 1535, o lente de PkUosophia naturai, Duarte
Gomes^ licenciado em Medicina; em 1536 recitou-a o mestre de Gram-
matica, 0 afamado Jeronymo Cardoso.' Attribuimos este facto ao con-
servar-se na Universidade a tradÌ9&o da antiga preeminencia da Fa-
culdade de Artes nas Universidades, devida à importancia numerica
com que os alumnos artistas preponderavam nas eleijSes dos Beitores
annuaes e dos Lentes. A grandeza dos cursos de Artes é que fez com
que se desdobrassem fora da Universidade sob a regencia particular,'
e viessem ainda no seculo xvi a constituir o ensino mèdio.
O quadro das disciplinas escholares era oonstituido por grios de
Bacharel, Licenciado e Doutor, aos quaes correspondiam varias fre-
quencias e exames: eque os eschoUares que ouverem de recebergrào
de bacharel em artes cursem ao menos tiez cursos a saber: hum curso
ouvindo texto de logica e deus de philoeophia naturai, os quaes trez
cursos se fari em trez annos ouvindo por a maior parte de cada hum
anno, e provando os cursos per testemunhas juradas perante o scrivSo
do studo e o Rector ou mestre que ho bade graduar. E se ho mestre
de quem ouvir jurar que he sufficiente poderaa receber grào de bacha-
1 Vide IfutitiUo, t. zzT, p. 259.
< lUdem, p. 277.
' «Por estes tempos (1505) e tambem depois eram permittidas escholas par-
ticulares nSo sómente de Grammatica, mas de qualquer scienda, com duas con-
di^òes : a primei^^ qae so eram permittidas no bairro da$ Enkoloi gtro/t»^ e a se-
gnnda que fossem graduados os mestres, ou examinados e approvados pela Uni-
versidade, OS quaes, 'ainda que n2o tinham salario algum n*ella, nem entravam
nos conselhoB, gozavam de todos os privilegios da mesma Universidade e Ihe eram
sujeitos e ella Ihes dava leis, etc» (Nota do reitor Figueirda is NùtìeioM ehrùno»
logica»^ ap. Inttituto, t xnr, p. 260.)
ESTATUTOS MANUEUNOS 299
rei em artes posto que nom tenha acabados os cursos lendo prlmeiro
trez ligoens disputadas, apontadas de hum dia pera ho outro. Ho que
ouver de receber grào de bacharel em theologia fari cinco cursos do
mestre das senten^ ouvindo per a maior parte de cada bum anno, aos
quaes cinquo annos se ouver cadeira de brivia fari dous cursos, e nom
poderi receber grio em theologia sem primeiro ser bacharel em artes.
E ho canonista ouvìri outros cinque, e se ouver cadeira de decreto ou-
virà dous cursos n'estes cinquo annos. E ho que houver de ser bacha-
rel em medicina ouviri outros cinquo annos em medicina, corno dito
he, e antes que tome grào em medicina sera bacharel em artes. i Ainda
hoje OS cursos das faculdades constam de cinco annos, e o bacharelato
em artes perdeu o titulo honorifico, ficando reduzido aos preparatorios
elementarcB para as disciplinas superiores.
0 grào de bacharel era conferido com variadas cereraonias sjm-
bolicas, das quaes subsiste apenas o receber a boria na cabe9a. Na re-
forma de D. Manuel o bacharelando pagava para a arca do strido urna
dobra de ouro de banda, e outra para o escrivSo (secretano) e bedel:
ce hum harrete com hum par de luvas ao padrinho que ihe bade dar
o grào, e luvas ao Rector e lentes que prezentes forem ao auto; e sera
obrigado o Rector com a universidade e ho bedel diante com sua maya
hir pollo graduando a a sua pousada se for no bairro, e ho trarSo a as
schollas honradamente onde lego em principio do auto farà hvla aren-
gua e depois lerà bua liyfto e acabada a IÌ9S0 e disputa se fòr em ar-
tes, medicina ou theologia pedirà o grào arengando, e despois d'iste se
darSo as luvas aos sobreditos e farà juramento em as mSos do scrivSo
e bedel. . . e assi avemos por bem que qualquer que se graduar arme
ho goral de pannos finos por honra do auto.» *
Os que faziam curso de licenciatura eram argumentados pelo lente
mais antigo da faculdade, em theses publicaJas dois dias antes. 0 ce-
remonial do acto de licenciatura merece tomar-se conhecido: e quando
algum se ouver de fazer licenciado, depois de ser feita a repetiySo e
asinado ho dia do exame, loguo polla mànhS iraa o bacharel com seus
amiguos e ho padrinho e ho scrivilo aa see e ouvirSLo missa do spirito
1 0 alto bom senso do grande renovador da pedagogia na Renascen^, Fe-
dro Bamus, protestava con tra estes usos da Universidade de Paris : «Para que
servem estas assignatnras e séllos do reitor, do procurador, do recebedor, do prin-
dpal? E que argumento sufficiente tém as luvas^ os barretes, os banquetes^ para
provar a diligencia e a sufficiencia do discipnlo?» E comtudo estes symbolos fo-
ram 0 segrede da importancia das Universidades depois da Edade mèdia.
300 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
santo, e acabada a missa assentar-se-ha o Cancellano e ho padrinho,
e o Cancellano veri ho livro se estSo postos alguns sinaes e ho padri-
nho 0 tomaraa e abriraa em trez partes, e em urna d'ellas escolheri
0 bacharel a IÌ930 que bade ler, e ho scrivSo assentarà em seu livro
titulo e lei que 0 bacharel bade ler, e este esento enviaraa ho scriv&o
aos mestres oa doutores que hSo d'arguir, e entSLo se hiraa 0 bacharel
pera sua casa e estudaraa esse dia e outro seguinte até taxde, e nes-
tes dois dias enviaraa a cada mestre ou doutorhuma Canada de vinho
branco, e otUra de vermelho bom e huma gallinha, e ao Rector e ao scri-
vSo e bedely e levarlo esto dobrado ho cancelario e padrinho. ^ Oa pon-
tos dos artistas serSo estes, a saber: bua IÌ9SI0 no texto de logica, e
outra no texto de phUosophia naturai. E ao medico assinarSo huma
lÌ9ào no avicena e outra na arte. Ao legista huma IÌ9IL0 de codiguo e
outra de digesto velho. E ao canonista bua IÌ9SI0 nas decretaes e outra
no decreto; ho theologuo leraa duas liyòes em dous lìvros das senten-
^08. No dia seguinte despois dos pontos aa tarde, ir2o os mestres ou
doutores da faculdade e assi toda a universidade a casa do bacharel,
e 0 bedel com sua ma9a, e os mestres ou doutores em seu habito irS
todos ordenadamente pera a see e ante elles birfto mo90s com tantas
tochas quantas sSo necessarias, a saber: duas pera 0 cancellario, duas
pera 0 padrinho, e ho Rector e mestres ou doutores da faculdade se-
^ Tendo anterionnente observado corno a corporaQ^o nniversitaria foi mol-
dada pelas associa^oes obreiras (p. 65), corno se ve pela identidade das dcsigna-
9068 hierarchicas, approximamos agora as proptnas dos exames, quo pagavam os
mestres dos officios mechanicos. Escreve Lacroix (Bibliophìle Jacob) na Hiatoirt
dea Cordonnitra: «As despezas que tinba a supportar 0 novo mestre craux couside-
raveis. Por um decreto do parlamento de 1614, a cada um dos jurados do officio,
ao mestre dos mestres, e aos seis bachareis que assistiam à confec^^ dà obra aca-
bada desdc 0 seu comedo até ao firn, elle devia pagar um escudo pelos seus traba-
Ihos, salarios e vaca^oes. Aj unte-se a isto um tributo pela occupa92o da camara
dos jurados, e o da obra acabada, que Ihes ficava pertencendo. Em Fon tolse pa-
gava-se 20 soldos parisis ao rei, outros tantos aos jurados, 2 escudos & confraria,
e umjantar ao» meatrea ejuradoa. Os estatutos de Saumur taxavam os novos mes-
tres em 20 soldos tornezes para a receita ordinaria de Saumur, 20 soldos para os
jurados, e 10 soldos para a tocha da aagragào^ que era em honra e reverenda de
Nosso Senhor. A recep9llo custava em Amboise 3 escudos cobrados para o rei, 1
escudo aos tres jurados que tinham presidido ao exame, e umjantar a eatea tdH'
moa, aaaim corno aoa procuradorea da companhia. — Finalmente, na Guienne, quem
acabava de ficar mestre, pagava 7 francos bordelezes, dos quaes metade se appli-
cava 4s despezas das festas de Nossa Senhora e de S. Chrispim e Chrispiniano ;
fimia além d'iaao aa deapezaa de um hanqiiete^ mas sómente para os quatro jurados
que tinham dirigido o seu exame e approvado a sua obra acabada.» (Op. dt,, p. 135.)
ESTATUTOS MANUEUNOS 301
nhas tochas e ao bedel outra e a cada hum destes hama caixa de con-
feitos. E faram de tal maneira que entrem em exame pouquo antes de
sol posto, e entrarSo em luguar pera isso apparelhado onde ficarào so
08 mestres ou doutores da faeuldade, Cancellano, Rector e scrivSo, e
terSo soas mezas aparelhadas pera isso com livros e castÌ9aes com suas
yellasy e oome^arà a ler o bacharel suas liyoens as qtiaes nom consen-
tirlo que passem de duas horas, a saber, bua bora em cada IÌ9&0, por-
que tenham luguar pera arguir. E acabadas as ligoens ho bacbarel
sairaa fora da casa do exame aparelhando-se aos argumentos. E entSo
trarlo consoada honrada e honesta pera 0 Cancellano e os outros na
qual se deterSo pouquo, e logo sera chamado 0 bacbarel ho qual se
assentaraa a par do padrinho, e cometari a arguir 0 mais novo doutor
ou mestre e assi per ordem; e acabado de arguir ho bacharel se iraa
pera sua casa honradamente com seus amiguos, e entlo os mestres ou
doutores comunicarSo <^ merecimentos do bacharel ...» Segue-se a ce-
remonia da vota9So comò se usa ainda hoje no exame privado da Uni-
versidade, sendo 0 licenciado obrigado a dar «ao scrlvSo e bedel bufa
loba de pano fino de seis covados ou dous mil reis pera ella, ho qual
ficarà em elleigSo do graduado. » O gr^o era confondo na sé pelo can-
cellano cpoendo-lhe 0 barrete na cabega, estando o licenciado em gio-
Ihos ... 9
As ceremonias sjmbolicas do doutoramento sSo pittorescamente
dramaticas, e merecem ser conhecidas, para que se avalie a estabili-
dade da nossa tradigSo universitaria:* «ho dia do magisterio ou dou-
toramento pella manhSa hirSo os doutores ou mestres e os da univer-
sidade que ho quizerem honrar a eaza do que bade réceber 0 grào, 0
qual hirà vestido de hua roupa rogagante co seu capello vestido e sem
barrete na cabe9a, e se for frade em seu habito, e leval-o-ha honrada-
mente aa see onde ouvirSo missa do spirito santo, em fim da qual su-
birSlo OS mestres ou doutores e assentar-se-hS em seus luguares orde-
nadamente cada hu em seu habito, ho cancellano estaraa assentado em
meo, e 0 Rector aa mSo direita e todollos outros de bua banda e ou-
tra per ordem, e ho que bade receber o grào ficaraa em baixo assen-
tado em bua cadeira e diante bua mesa com seu banqual, e estarSlo
1 E curiosa està confissSo do visconde de Yillar Maior, reitor da Universi-
dade, na sua Expoai^ào succinta, p. 43, ao descrever os Estatutos de D. Manuel :
« 0 ceremontcU dPutea actoé academicoa^ apenai modificados fCalguns pontoa^ ainda
hoje Bepratioa. . . » (1877.)— Nos Estatutos da Universidade de Salamanca, de 1538,
tambem se descrevem os beberetes que 0 graduando tem de dar aos ezaminado-
res. {Menu hi$U da UniverHdade de iScdamanca, de Vidal 7 Dias, p. 78.)
302 HISTOBIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
com elle doas bachareis ou licenceadoB e leraa huma breve IÌ9&0, e ar*
guirà prìmeiro centra elle 0 Kector brevemente e depois algans mes-
tres ou doutore^ de sua faculdade e acabado esto daraa luvas a todol-
los 08 bachareis e aos lecenceados, e doutores barretes e luvas, e aos fi-
dalguos luvas, e assi aos officiaes de studo e ao Cancellano e padrinho
barretes e luvas dobrado; e acabado esto bum homem honrado louvaraa
entSo letras e costumes do graduando e em lingìuigem per pàlavras hO'
nestas diraa alguns defectos graciosos pera folguar que nom sejam muùo
de sentir, e n'iste 0 scrivSo Ihe darà juramento em forma antes que
suba a receber 0 grào; e acabado esto louvarSo 0 doutorando diante
do padrinho e estando em pee no terceiro degr&o em baixo do padri-
nho pediraa o grào per sua breve arengua e 0 padrinho louvando as
letras do graduando Ihe daraa ho grào* com suas insignias estando em
giolhos ante elle a saber barrete com sua boria e anel e beijo na face,
0 que assi acabado hirseh&o a comer e comerào com dles todollos dou-
tores e mestres e toda a universidade e ho mestre em artes convidaraa
sómente a jantar os doutores e mestres da universidade e os officiaes,
e alem dos sobreditos guastos ho que ouver de receber grào de doutor
ou mestre daraa pera a arqua de studo cince dobras douro de banda e
ao scriv2lQ e bedel trez mil reis conformai^do-nos com 0 statuto anti-
guo que Ihe dava veste forrada.» As offertas das luvas transformaram-
se depois da reforma pombalina em um embrulhinho com 1;$6(X) réis,
dado a cada um dos doutores que assistia ao doutoramento, comò pro-
pina do abraQo; ainda no nosso tempo eram obrigatorios a pitan9a ou
almoyo do exame privado, os pratos de dece de fructa offerecidos ao
reitor, aos arguentes das theses e oradores do capello, e 0 jantar que
se tomou facultativo.
0 costume de increpar 0 doutorando «em linguagem per pàlavras
honesias de alguns defectos pera folguar, que nom syam muito de sentìri^
era ao que nas Universidades hespanholas se chamava 0 Vejamen. No
seu estudo sobre Alarcon, escreve Guerra y Orbe àcerca d'este cos-
tume, imitado na Universidade do Mexico: e Los Vejamens habianse in-
troducido en EspaSa à imitacion del gimnasio de Paris, sustituyendo ó
parodiando con picantes burlas j sazonados dictos los enfadosos pane-
gyricoB. Dabanse raras veces por un doctor; muchas por un licenciado;
en no pocas se lucia con esa liberdad un estudiante. Su objecto fué
amansar la vangloria del trìumfo academico, j solemnisar mas alegre-
mente la fiesta. Lhamase Ve/amen el de los medicos e juristas, j se
escribia en lengua castellana; pero decian gallo, actus gaUicus (acto
francés) corno alusion de su origen, al de los teologos pronunciado com-
ESTATUTOS ÌIANUELINOS 303
mumente en latin.»' Na litteratnra portagueza esiste urna pega que
serviu de Vgamen no firn do secalo xvi, escrìpta pelo licenciado Fer-
nEo Rodrigaes Lobo Soropita, com o titulo Satyra, na data de umas
cadeiras a um fidano de Figuevredo que era torto de um olho; e a um
fidano Correa, judeu :
Ah que dei-rei, que morren
O nesso Pero dos Beis !
Porque yem a ensinar leis
Um tortoles com mn judea !
Acuda-me o poyo men,
Que é necessario gram peito
Para vèr que sem respeito
Andam jogando as pancadas
Um judeu com leis sagradas,
Um torto com o direito.
Vede qne boas li^oes
Estes dois yos podem dar !
Um póde cabras goardar,
Outro, por cabras, cabr5e8.
Quem Ihe tirara os cal^òes
P*ra sacudir-lhe o cotSo !
Pois nnnca vos seryirio
Nem de pouco nem de mnito,
Urna figueira sem fraito,
Urna Correia de cSo.
0 judea e o zardlho
Ambos se deram de pé ;
Porque um manqneja da fé,
Outro manqneja de um olho.
Quem OS puzera n^um mólho,
Como o bom Sylva deseja,
Para que n'elles se veja
Cumprìda a lettra perfeita :
Tarde o torto se endireita,
Cfuardar do cào que manqueja.
Certo é para sentir,
MeuB senhores estadantes,
F
^ Don Juan Buiz de Alarcon^ p. 132. Madrid, 1871. — Ao contrario do Vefa-
men existia o Victor na Uniyersidade de Salamanca, que era urna manifestammo de
homenagem que se fazia à porta do graduado.
304 HISTORIÀ DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
Ver lentes a dois bragantes
Que muito s2o para rir !
Que dSo se sabem vestir,
E vem n*e8ta occasiao
Por alta ordena92o
A lér nas nossas Gkraes
Dois cerrados animaes,
Um por burro, outro por cSo. ^
Transcrevemos apenas estas estrophes para ee conhecer a indole
do Vyamen, que com o tempo decaiu na troga dos grdos aos ccdouros.
Na vida de Ignacìo de Loyola, por Gonzales, cita-se a cerimonia
grotesca a que se expunham os escholares quando se-preparavam para
o exame de bacharel. Quicherat allude a ella^ sem comtudo conhecer
que era commum às Universidadee de Paris, Hespanha e Portugal.
Transcrevemos as palavras de Quicherat: «Està prova era precedida
de uma cerimonia que se chamava la prue de la pierre. Procuràmos
debalde em que é que consistia. Era sem duvida alguma divertimento
pago pelo candidato aos seus condiscipulos. Era certo que, para pren-
dre la pierre, se pagava um escudo de oiro, e que Ignacio hesitou longo
tempo antes de se submetter a isso. Deu parte dos seus escrupulos a
meetre JoSo Penna, que o persuadiu a conformar-se com o costume.
Elle tomou entào SLpedra, e foi censurado por aquelles que espiavam
continuamente os s'eus actos. Provavelmente teria side tambem censu-
rado se se recusasse a proceder comò os outros.»^ Evidentemente a
prise de la pierre era a parodia de um symbolo da antiga p^ialidade me-
dieval, em que desappareceu o objecto, ficando a men9So do acto. Por-
ter la pierre, era o castigo que se dava aos altercadores; e nas prati-
cas universitarias o bacharel dava as suas provas mostrando que era
insigne em sustentar uma determinada opiniSo. Importa avivar a pe-
nalidade symbolica da prise de la pierre, porque pelas fórmas da legis-
la92o consuetudinaria se comprehenderà comò a pedra (a que allude
a nossa I0CU9S0 popular pedra de escandalo) se mudou noa Vgamens
das Universidades em um camei/ro^ levado às costas pelo bacharel.
cSe duas mulheres altercarem até se espancarem, injuriando-se ao
mesmo tempo, ellas levarSo por teda a cidade e pela rua principal duas
1 PoutCLs e ProscUj p. 95 a 99.
' HUioire du Collège de Sainte Barbe, 1 1, p. 197.
3 No celtico Kam, pedra, ara no cimo das montanhas, onde sacrificava o
Eaimeach ou druida. (Belloguet, GloMaire gauLciè, p. 289.)
ESTATUTOS MANUEUNOS 305
jpedras prezas por cadèas...»^ «Se acontecer que urna mulher sem
consequencia diga a urna donzella palavras offensivas da sua honra^
prender-se-lhe-ha ao pescogo duas pedras para Ì8to destinadas^ e os offi-
ciaes de justiya a levarSo publicamente pela cidade, e tocarUo trom-
beta adiante e atraz para a apuparem e chacotearem.» ' Transcreve-
mos as palavras da legÌ8la9So symbolica antiga, para se comprehender
o valor da phrase «jpn'^e de la pierrei^: «La femme que dirà vilonie à
autre, si comme de putage, payera, ou elle porgerà lapierre, toute nue
an chemise^ à la procission . . . » ' Na Universidade de Paris conservou-
ee a tradi(So da pedra symbolica; nas Universidades de Hespanha o
ActiM gallicus, chamado assim em rasSLo da sua proveniencia, recebeu
o nome de Vyartien, pela inten$So moral; porém na Universidade de
^Lisboa invectivava-se o graduado por defecios graciosos, vindo com a
mudanga para Coimbra a revivescer a cerimonia segundo o costume
de outras Universidades, levando o graduado um cameiro às costas.*
Pela reforma de D. Manuel vè-se que nem todos os lentes eram
graduados em doutores, e beneficiava-os nas despezas caso se douto-
rassem. «E asi mandamos que os lentes de prima se fa^m doutores
ou mestres dentro de hu anno, do tempS que ouverem a cathedra, e
OS que agora sam de prima se fa9am dentro em bum anno.)»
NoB Estatutos manuelinos acham-se prohibÌ9SeB, pelas quaes se
caracterisam os oostumes escholares no seculo xvi, taes comò o dos
estudantes espadachins e as focarias: «Mandamos que nenhum Escol-
lar entro nas Eschollas com armas offencivas nem defencivas, e o que
o contrario fezer, perca as armas, etcì» E em novo articulado: «Item.
1 Jacob Grimm, Poeéie im Becht^ p. 721; Jura Tremonensia; apud Miche-
let, Origine» du Droii fran^ais^ cap. zìi.
2 Droit de Hambourg, 1497. Grimm, op. cit., p. 720.
' Documento de 1247 ; Ducange, Gloaa, Apud Michelet, ibid. — As vestes ta-
lares dos doutores sSo, em um proverbio, equiparadas a saias, «muitas fraldas e
pouca sciencia.» (Vide p. 31.) D*aqai tambem a rela^So da parodia com o symbolo
penai.
4 Quando a Universidade se mudou para Coimbra, o costume do Vexamt con-
servou-se com tal auctoridade que até os proprìos Jesuitas recem-chegados de Pa-
ris se submettiam a elle. Le- se na Chronica da Companhia, do P. Balthazar Tel-
les, cap. zzii : «Doutorado o P.* Melchior Barrato, ordenou-lhe o P.* SimSo Rodri-
gues que fosse levar às costas um cameiro erfolado a D. Marcos Romeo, cathc-
dratico de Theologia e Mestre do Infante D. Duarte, sen padrìnho no grào. 0 ca-
thedratico ficou admirado com o caso, e o novo doutor disse-Ihe: «Este he,senhor
Doutor, o Vexajne que, depois do meu doutoramento, me d& a Companhia de Jesu,
a fim de me graduar no espirito da mortifica^am e desprezo do mundo.»
mST. fou 20
306 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COUfBRA
Mandamos, quo os Eschollares nfto tenham em sua caza molher su-
speita continuadamente, sob pena de mil reis para a arca do Estudo, e
a metade para quem o accuzar, nem terS caens, nem aves de ca$ar.
E andem honestamente vestidos e calgadoB, a saber, nSo tragSo pelo-
tes, nem capuzes, nem barretes^ nem giboens yermelhos^ nem ama-
rellos, nem verdegai^ nem cintos laurados d'ouro sob pena de perde-
rem os ditos vestidos^ eto Eram estes os costumes abusivos que mais
exaltavam os escholares de Paris.
0 tjpo do estudante espadacbimi prevalecendo sobre a antiga
physionomia clerica! do escholar, e que se acha implicito na gradua-
9S0 universitaria do Bachdeor (bas chevalier), teve sob Luiz xi na
Universidade de Paris o seu pieno desenvolvimento, quando este mo-
narcha, insti tuindo uma especie de guarda nacional^ quiz que 0 corpo,
docente usasse tambem armas. cFormou-se no scio das escholas uma
classe de professores valentSes e espadachins, que argumentavam pu-
xando pelos cópos; e ainda mais, os discipulos das dasses superiores
auctorisavam-se com 0 esemplo para trazerem debaixo da capa a es-
pada curta,\) bacamarte, que Rabelais nSo deixou de pendurar ao lado
de Pantagruel; e està abomtnafSo nunca a Universidade conseguiu ex-
tinguil-a, mesmo quando sob os reinados ulteriores reconquistou o seu
privilegio de clericatura.»^ Nas Universidades allemSs prevaleceu este
typo do estudante espadachim e duellista; na peninsula hispanica houve
no seculo xvi a monomania da valentia, que dominou da nobreza até
aos guapos e temerones populares, e em que 0 estudante occupava na-
turalmente uma POSÌ9IL0 intermedia.
Apesar de se crearem as Universidades corno a preponderancia
do ensino leigo centra a educa9So das CoUegiadas, esses centros de re-
novayHo pedagogica nunca perderam completamente 0 caracter de de-
ricatura; e apesar de, na lucta das doutrìnas dos Jurisconsultos cen-
tra 0 arbitrio dos barSes feudaes, prevalecer 0 aphorismo : Cedant arma
togae, os homens doutrinarios nSo deixaram de imitar na sua hierar-
chia o espirito de classe da aristocracia militar, comò nos Condes pa-
latinos. Estas antinomias eram resultantes da inconsciente dissolu9So
do regimen catholico-feudal, que se estava operando.
A festa dos Reis Magos era um dos divertimentos escholares mais
favoritos do firn da Edade mèdia; as Universidades, filhas da protec-
9210 real, nSo podiam deixar, n'essa fórma de divertimento, de protes-
1 Quicherat, Histaire du Collège de SatìUe-Barbe, 1. 1, p. 25.
ESTATUTOS MANUELINOS 307
tar contra a absorpySo clerica! do ensino. No latim das escholas cha-
mava-se a està festa, regalia. Escreve Qaicherat sobre este costume:
«N'este dia as portas dos coliegios ficavam abertas, e os escholares,
livrea de teda a vigilanoia, saiain cobertos de andrajos e com o fato
do aveeso, oa com qaalquer outro arranjo rìdiculo. lam a um legar
formar uma grande assemblèa, aonde se ajantava a elles toda a moci-
dade dos conventos, das sacristias e das officinas da cidade. Ali no-
meava-se por acclama9So o roi dea sota.i^ * Até aqui o costume geral a
todas as Universidades; em Paris, em 1469, este congresso do voi dea
soia causou um motim sangrento, ficando essa cerimonia extincta, em
rela^So &s arruayas, mas transformada na sua fórma: cOs costumes se-
culares, continua Quicherat, nSo se extinguem de boje para àmanhS.
Por uma tran8ac9Sk>, para a qual se fez vista grossa, as regalia perpe-
tuaram-se no inteiior dos Coliegios. Cada um teve o seu rei, nSo jà
dea aota, mas dafava, celebrando-se a eleÌ9&> d'este monarcha de um
dia com repre3enta93es de far9as, que davam pretexto a decentes ca-
racterisagSes.»' Em uma carta règia de 4 de julho de 1541, em que
8e prohibem as Soigaa dispendiosas que os estudantes faziam, vè-se que
este costume francez (dea aota) era jà antigo na Universidade.
Pelos Estatutos manuelinos foi regularisado na Universidade de
Lisboa 0 costume que tinham os lentes de se ausentarem das cadeiras,
confiando a regencia a um alumno, e recebendo o salario na ociosidade.
Este costume era corrente nas Universidades, comò vèmos pelas cen-
«uras que faz Fedro Ramus ao que se passava na Universidade de Pa-
ris. A approximaQSo dos factos esclarece-os. Eis o que estabelecem os
Estatutos manuelinos: cE se por ventura o Lente prezente nSo poder
lér por doen9a: Mandamos, que elle possa pdr bum substituto aa sua
Cadeira — ad vota audientium, — o qual primeiro sera apresentado ao
Conselbo, e o dito Lente neste cazo de doen9a, contentarda o avhatituto,
e 0 mais da renda ficarà para elle; etc.» Compayré, referìndo o facto
consignado por Fedro Ramus na Universidade de Paris, mostra a ex-
tensSo do abuso: cNas faculdades superiores, direito, medicina, theo-
logia, Ramus accentua abusos mais graves ainda. Os mestres tinham
quasi completamente supprimido o ensino, nenhumas lÌ93es davam, e
descan9avam no trabalho particular dos discipulos, ou, quando muito,
de obscuros mestres em artes, que, por algumas moedas de paga, en-
1 Hisioire du CoUkge de SaitUe-Barbe, 1. 1, p. 23.
2 Ibidem,
20«
308 mSTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
sinavam em logar d'elles. Contentavam-se de assistir de longe em longe
ao8 actoB publicos, aos exames.» ^ Ramus^ condemnando està burla dos
doutoree^ resultante do formuliamo immovel dos textos pelos quaes se
ensinava, chega & conclusSo superior de qué a melhor parte do ensino
està implicita na palavra do mostre: e A viva voz de um douto e sa-
bio professor iQstrue e ensina muito mais commodamente o discipulo,
do que a leitura muda de um auctor^ por grande que elle seja.»'
A fórma das substituifSes conhecida pelos Estatutos manuelinos
ad vota audientiumj e por indicaySo do lente proprietario, é que nos
explica o encontrar-se na vida de Sa de Miranda, por D. Ghonyalo Cou-
tinhoy a referencia a ter regido varias cadetras de Leis na Universidade
de Lisboa. E certo que em 1516 jA apparece o seu nome, Dr. Fran-
cisco de Sa, eìtsdo com a honra do grdo academico no Cancioneiro gè-
Tal, de Gharcia de Resende; é portante depois d'està* data e antes da sua
viagem à Italia (1521 a 1527) que o grande renovador da poesia portu-
gueza occupou uma cadeira na Universidade €8Ómente por subatituigào^ ^
comò referem alguns manuscriptos genealogicos. ' Porque nSo ficarìa
Sa de Miranda no magisterio da Universidade? A sua grande cultura
humanista, completada pela viagem & Italia, separara-o do scholasti-
cismo que durante o reinado de D. Manuel prevaleceu na Universidade
de Lisboa. O erudito, que lia Homero no testo originai e o commen-
tava, que conferenciara com Ruscellai e Lactancio Tolomei, nSo podia
escravisar-se ao formulismo medieval, que o fez abandonar a carreira
da Universidade, da mesma fórma que nSo pdde entender-se com a
reac$So catholica, deixando o conflicto da cdrte, onde era estimado,
pelo remanso contemplativo da vida de provincia. Podemos considerar
o nome de Sa de Miranda, na tradiySo da Universidade de Lisboa,
corno um protesto do espirito da Renascen^a centra a retina scholasti-
ca, que veiu a ser combatida quando o proprio D. JoSo 'm convidava
Erasmo para a sua projectada reforma pedagogica.
Em 1516, por carta de 11 de Janeiro, o rei D. Manuel participa
1 Htstoire eritique dea Doctrinea de VEducalion en Franee, 1. 1, p. 141.
' É digno de coxiBÌderar-se que RamtiB, precedendo Comte na importaiicia
pedago^ca das Mathematicas, «tsans leaqueUtB touit Vautre philosophie est aveugle»
tambem aqui se encontra com o principio formulado na SyrUheae mbjeciiva^ sobre
a necfiBsidade de urna elaborando pessoal subordinada às li^oes oraea antes de io-
das as leituras theoricas. (Op. cit., p. vu.)
3 CuTBo de HUtoria da Litteratura portugueta^ p. 280. D. Carolina MicbacIiB»
Poetùu de Sa de Miranda, p. vin.
ESTATUTOS HANUELINOS 309
à Universidade que yae mandar vir de Fran9a o Dr. Diogo de Gouvéa
para ser oppositor & cadeira de vespera de Theolo^a. Diogo de G-ou-
yéa apparece na hìstoria com urna singular reputa9Zo e importancia,
formando parte da commiasSo de censura para o esame do texto grega
dos Evangelhos impresso pelo grande hellenista Robert Etienne. Pelo
seu tino e maneiras distinctas^ era o Dr. Diogo de G-ouvéa um corno
encarregado de negocios do rei de Portagal na c6rte de Franca; a sua
chamada a Lisboa obedecia a uma necessidade de reformas na instruc-
fftO; e a yinda do sabio pedagogo ao plano que concebera de concen-
trar OS Estudantes de El-Rei, que frequentavam os estudos de Paris,
em um collegio especial. Diogo de Gouvèa, por este motivo, nSo accei-
tou a cathedra de vespera de Theologia^ sendo previde n'ella em 1517
Mestre Jofto Francez, que se doutorou em S. Vicente em 1521.^ D.
Manuel, obedecendo à influencia franceza, tratou de fundar o Collegio
de Som Thomaz, no mosteiro de S. Domingos, para quatorze coUegiaeii^
da ordem dominicana e seis da hieronymitana, abrindo-se os eatudos
em 28 de Janeiro de 1517. Ainda no reinado de D. Manuel, Diogo de
Gouvéa procurou comprar a propriedade do Collegio de Santa Barbara
a Robert Dugast; Quicherat allude a este facto: cMas comprar Santa
Barbara apresentava difficuldades insuperaveis. Robert Dugast, de pro-
prietario dos edificio^ e terrenos, que primeiramente era, tomou-se pro-
prietario do estabelecimento, e nSo queria ceder a posse por dinheiro
algum. Diogo de Gouvèa so conseguiu ser arrendatario, e pelos liti-
gios que surgiram pouco depois é que se conheceu com quem tratava:
tèndo entrado na posse em 1520, foi citado e condemnado no Chate-
let, em fevereiro de 1523, por um atrazo no pagamento de sua renda.»
Este atrazo deve attribuir-se à circumstancia do fallecimento de D. Ma-
nuel, em 1521, e à suspensSlo do subsidio ou bolsas que dava o rei, e
que o seu successor manteve em numero de cinquenta e duas.
Entro OS planos de reforma de instruc9&o publica, e talvez pelo
influxo de Diogo de Gouvèa, pretendia D. Manuel erigir uma nova
1 Escreve Sempere, na Hiètoria del DerexAo eapanol: «No anno de 1508 a
fama dos philosophos e theologos nominalistas de Paris tinha-se espalhado tanto
que a Universidade de Salamanca, para que Ihe nSo faltasse nada do que as ou-
tras poBsuiam, mandou certoB commissarioB à capital de Franca para qne, com
grandes salarioB, troiuessem ob mais doutoB d^essa eschola, e assim vieram os
mais famoBos, os quaes estabeleceram a cathedra de Durando^ e quatfo de Logica
e PhiloBophia, dois dos nominalùlas e dois dos cbamados realisUu, pelo modo e
fórma que se usava em Paris.» (P. 336.)
310 mSTORIA DA UNIYERSroADE DE GOIMBRA
Universidade em Evora, em 1520: cnSo contente com a Universidade
de Lisboa, comprou na cidade de Evora, junto ao Moinho de Vento^
nm ch£o que era do Coudel-Mór FranciBCO da Silveira e de Bua ma-
Iher D. Margarida de Noronha, para n'elle fazer o Estudo que orde-
nava. Foi iato no anno do Senhor de 1520; e pode ser que està fosse
a causa de escolher el-rei D. Henrique, seu filho, està mesma cidade
para assento da Universidade, que ali fnndou com tanta grandeza corno
hoje yèmos.9 ^ Pelo menos, em 1535 a cidade de Evora representaya
a D. JoSlo m a conveniencia de mudar-se para ali a Universidade de
Lisboa, que Coimbra tambem ambicionava, desde os projectos de D.
Afifonso V.
A època em que D. Manuel fundou o CoUegio de 8..Thomaz coin-
cide com as bases consignadas no Heptadogma, de Robert Qoulet, para
0 estabelecimento de qualquer Collegio nas capitaes europSas. Em pri-
meiro legar recommendava o typo francez, coino o dos CoUegios de Na-
varrà, Montaigu ou* de Santa Barbara. As relaySes de D. Manuel com
0 Dr. Diego de Gouvéa facilitavam a implantaffto do systema francez,
que so veiu a realisar-se em 1547 por D. JoSo in. Devia ser dirigido
por um PrinctpoZ, de um saber geral, porém melhor grammatico do
que orador e logico, a cuja escolha ficariam os regentes, com estabili-
dade e pouco affectos ao lucro. A mesa do collegio devia lér-se a Bi-
hlia e a Legenda Sanctorum, para o espirìto se alimentar juntamente
com 0 corpo, e ali applicar os castigos corporaes para escarmento de
todos OS alumnos. NSo se admitte a leitura dos Poetas, nem o proprio
Catfto ou Sulpicia, sem que saibam bem o Donato e Dominus quaepars,
passando depois ao Dovtrinal de Alexandre Villa Dei; para os mais
velhos deve adoptar-se Perrotus, Augustinus Datus, Sulpicio e Des-
pauterio. As leituras devem restrìngir-se, em a poesia a Virgilio, para
a oratoria a Cicero. Da Grammatica passava-se para a Dialectica e
Rhetorica; seguia-se Arìstoteles na Logica, pelas Summvlas de Pedro
Hispano, com os commentarios que Ihe fez Jorge Bruxellense, ou os
de Lefòvre d'Étaples, ou principalmente os que entXo professava o es-
cossez John Mair no collegio de Montaigu. A Logica devia ser dada
nas escholas menores até aos livros das Perìhermeneias; todos os dias
se deve exercer a argumentaffto, em repeti93es, sabbatinas e conclu-
sSes. ' Tal era o typo francez de um Collegio, emquanto à sua parte
doutrinarìa, antes de 1518. Ainda ali se dava o Doutrinal de Alexan-
1 Brandio, Monarchia lusitana, P. v, liy. 11, cap. 73.
> Apud Quicherat, Eiataire du Colàge de Sainte-Barbe, t. x, p. 825 a 881.
ESTATUTOS IIANUELINOS 311
dre^ quando jà os hamanistas àllemSles e italianos Ihe chamavam com
desdem Alexandri glossa cacahUis, e outros epithetos nUo menos lim-
po8. Em Logica imperavam as Summidas de Fedro Hispano, susten-
taculo da tradigSo da Edade mèdia, contra todas as tentativas de re-
novafSo philosophica. Os CoUegios preparavam para a Universidade
de Paris, e nSlo podiam adiantar-lhe o passo; so depois que a nova
corrente humanista penetrou na Universidade, reconciIiando*se os len-
tes em 1521 com o critico JoSo Luiz Vives, é que nos Collegios se
tenl^ modificar os methodos de ensino da Edade mèdia. No Collegio
de Navarra tomou essa iniciativa reformaclora Lefèvre d'Étaples; no
Collegio de Montaigu, John Mair desertava um ponce do nominalismo
francez, professando as doutrinas de Dons Scot, e tornando-se pela
sua extrema subtileza um quasi chefe da philosophia. Como se ve pela
descrip9lo do Heptadogma, eram d'Étaples e Mair os commentadores
recommendados que se deviam ajuntar &s Summidas de Fedro Hispano.
Mair caiu no descredito pelas facecias de Rabelais, que o catalogava
na Livraria grotesca de Sam Victor, Majoris, De modo faciendi bon-
dinosj e d'Étaples jà nSo quebrava lan9as por Fedro Hispano, cujo re-
sumé do Organum de Aristoteles se aprendia de cor no comeyo dos
cursos de Artes. Foi entSo que entro os estudantes hespanhoes se le-
vantou um enthusiasmo desvairado para salvarem a honra do compa-
triota Fedro Hispano, ezaggerando-se o furor dialectico e o requinte
das distinc9Ses casuisticas. Tomaram-se regorgitantes os cursos philo-
sophicos de Joào Celaya, cavalleiro de Valencia, especie de Quixote
scholastico, que a si se dava o epitheto de Doctor resolutissimus, e que,
seguindo os vdos de John Mair, fundia o scotismo com o thomismo,
com a mais audaciosa improvisa9So, e sob as suggestSes de Ockham.
Os Collegios disputavam a regencia de JoSo Celaya, e para satisfazer
OS porcionistas hespanhoes, o Collegio de Santa Barbara conseguiu
attrahir o novo chefe de eschola, que ali regeu dois cursos philosophi-
cos durante sete annos. Insistimos sobre oste ponto, porque o Collegio
de Santa Barbara era entlo frequentado por estudantes portuguezes, e
Jo£o Celaya escolheu para fazer um desdobramento do seu curso a
portuguez JoSo Ribeiro. Os discipulos do valenciano disting^iam-se pela
admira92o hyperbolica pelas doutrinas a que chamaram o Cdcdsmo, e
defenderam desesperadamente o mostre contra as criticas acerbas do
professor allemSLo Waim, que o caracterisava comò charlatSo. Quiche-
rat, expondo oste episodio da doutrina celaica, escreve alg^mas linhas
àcerca de JoSo Ribeiro, que vamos encontrar capellSo de el-rei em Lis-
boa, levando por opposÌ9So a cadeira de Logica na Universidade em 20
312 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
de fevereiro de 1527^ e desistindo depois em 1530, sendo a regencia
d'ella provida por encommenda no Dr. Fedro Nunes.^ JoSo Ribeiro, corno
todos OS estudantes que se gradaavam em theologia, regia, corno o pro-
prio Celaya, a cathedra de Philosophia. Aproveitemos a noticia de
Qaicherat àcerca de JoSo Ribeiro: cEUe oome90u por se entregar ao
commercio. Arrainado em uma viagem que fez & Abjssinia, pensou^ao
repatriar-se em congrassar-se com as letras, de que tinba uma incom-
pleta cultura. Era no tempo do rei D. Manuel. Seguiu as liySes em
Coqueret, assistindo às estreias brilhantes de Celaya n'este colico,
ligando se desde entào ao professor valenciano, que foi para elle comò
um idolo. Tendo repetido as suas IÌ9oes de Dialectica em Beauvais,
veiu metter-se em Santa Barbara, quando Celaya ali fixou domicilio,
para melhor se impregnar da sua doutrina sobre a metaphysica. As
suas mSos foi confiado. o facho do celaismo, depois da retirada do mos-
tre para o seu paiz. Ribeiro conservou-o firme durante os primeiros
annos do principalato de Diego de Gouvèa, sendo auxiliado n'este cui-
dado piedoso por um professor champanhez chamado Joào Papillon,
que fora seu criado, e que morreu vinte annos depois grUo -mostre do
collegio de Navarra, De JoSo Ribeiro resta-nos uma carta curiosa, que
elle escreveu em 1517 a seu irmSo Gon9alo Dias, camarista do pa90,
para o converter à philosophia, e attrahil-o para junto de si n'este col-
legio, onde elle tinha encontrado a felicidade.»'
1 Notas de Fig^eiroa às Nótìdcis chronologicas. {InstUutOy t. xit.)
> HUtoire du Collie de ScùtUe-Barbt, 1. 1, p. 138. Trauscrevemos em seguida
a alludida carta, cujo originai latino se acha no firn da ezposifSo de Celaja sobre
a Physica, e reproduzida por Quicherat (ibid., p. 336):
Carta de Joào Ribeiro a 9eu irmào Gongolo Dias
« Joao BibeirOy naturai de Lisboa, sauda a seu irm&o Gonzalo Dias, man-
cebo de boa indole, e mo^o da camara do felicissimo rei dolB Luzitanos.
«ZenSo, a principio um simples negociante, e mais tarde chefe da eachola
dos estoicos, quando navegava da Phenicia, na^ào a mais commercial, para Atbe-
nas, afirontou um naufragio tSo borrivel, que, perdidos todos os seus cabedaes,
teve de refìigiar-se semi-nù no porto mais prozimo. Immediatamente virado para
as letras, na espectativa de carìciosa fortuna, fez-se em Athenas discipulo de
Crates, philosopho jà insigne n*aqaella edade; ahi, comò em breve saboreasse
OS beneficios da philosophia, frequentemente costumava declarar que elle nunca
tinha navegado com tao prospero sdpro dos ventos comò n'aquella mesma yiagem,
pela qual tomara parte, n&o no lucro de um commercio contingente, mas no com-
plemento daa boas disciplinas.
«Eu, carissimo irm2o, quando revolvo na mente os meus destinos, parece*me
ter-me succedido o mesmo que aconteceu a ZenSo; porque, tentando em algum
ESTATUTOS MANUELINOS 313
Quem fo88e este JoSo Ribeiro, tSo apaixonado pelo Cdaismo, o
altimo lampejo da Philosophia scholastica em Paris, so poderemos co-
nhecel-o por algamas referencias dos livros de linhagens; com este
nome apparece-nos uin fidalgo da casa rea! e commendador da ordem
de Christo, aendo-lhe concedido brazSo em 1530. Era seu pae^ Gon-
9alo Bìbeiroy senlior de Aguiar de Neiva e Conio de CarvoeirO; no al-
ftempo 0 caminho de urna vida vulgar, levado pela esperanQa insensata do lucrOy
embarquei prìmeiramente para a Ethiopia. D^aqni, enfastiado da vida commer-
cial, visto que a fortuna com pouca felicidade me favorecia, passei para a Fran9a;
TÌndo depois para Paris, para me reconciliar com as letras, das quaes me havia
divorciado, coube-me nm preceptor tal, comò nem o proprio ZenSo, nem ea mesmo
nunca mais tive. Pelo qae, comò o sabio, posso na verdade affirmar nunca ter na-
vegado com tio felizes yentos comò n*aquella viagem para a Ethiopia, na qual
julgando eu que a fortuna se revoltava centra mim com um rancor de madrasta,
comecei a experimentar-lhe a benignidade de mae ; nem cousa algoma me podia
prodnzir tanto ouro ethiopico quanto me adveiu d*aquelle precal^o, por cujo mo-
tivo tudo se transformou para mim em vantagem, com o auzilio, segundo creio,
da clemenda celeste. Portante eu costumo ser grato k minha fortuna, tanto mais
que (Avi que tu, retirado do convivio intimo do nosso serenissimo rei, a quem eras
dedicado por obediencia, estavas j& inclinado às nossas Artes. A suprema provi-
dencia quiz dispór tudo de sorte que nós ambos, a quem lun mutuo afFecto e um
ardor fraterno ligou fortemente, fossemos levados com a mesma oppress2o de es-
pirito para o mesmo horoscopo : pois que tu, arrancado do scio da córte para o
meio das ondas, e eu, corno tu, navegando pelo profundo e tormentoso oceano, an-
coràmos no mesmo porto da tranquillidade.
«Porém apenas nos devemos congratnlar por uma tal fortuna tua tanto quanto
devemos lamentar que em melhor occasiSo nào tivesses vìndo a Paris no tempo
conveniente, de fórma que eu te visse discipulo do meu illustradìssimo preceptor,
cujo merecimento e valor debalde, segundo creio, eu demonstraria, quando jà em
teda a Europa n2o ha pessoa alguma, que se dedique ao estudo das Artes libe-
raes, a quem nSp tenha chegado a fama do nome de Cdaya. Houve multa gente
— ò que é importante para a presente narra^So — que por differentes processos, no
intuito de ajudar as nossas Artes, escreveu multo e com erudÌ9£o, mas quem as
tenha illustrado com tanto fulgor e lucidez comò Cdaya (seja-me licito dizel-o)
ninguem. É jà bastantemente sabido que nenhuns escrìptos sSo hoje tSo vulgari-
sados entro os estudantes parìsienses comò os seus; nenhumas doutrinas theori-
cas siU) hoje reeebidas com mùor applauso e com maior acolhimento. Sempre que
o acompanhei em publico, vi fizados n*elle os olhos da multidào circumfiisa, apon-
tando-o uns aos outros, de sorte que se julgarìa ver n'aquelle homem mortai algo
de immortai, elevado sobre o fastigio da humanidade : por estes successos da sua
gloria crescente vé-se bem que em breve succederà que teda a turba de Artistas,
repudiados os escrìptos dos outros, imitarà sómente a doutrìna de Cdaya, digna,
digo eu (nio tomeis iste a mal), de ser preferida a todas as outras, e a qual sera
adoptada em todas as escholas. Porque, além de todas as partes da Dialectica,
314 HISTORU DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
moxarifado de Fonte de Lima; em um documento judiciario de 1552
falla-se em seu filho JoSLo Ribeiro, €jmmo co-irmSo de Bemardim Ri-
heiro, Jidalgo principal, conheddo pdos seus versos intìtulados Menika
E M09A.» Emquanto 0 primo se apaixonava pela formosa Aonia| e es-
crevia a inimitavel pastoral das Saudades, ^ JoSo Ribeiro empregava
todos OS recursos da sua imagina98o e enthnsiasmo para attrahir sen
qua elle tratou com admiravel clareza em nove volumes, ezistem mais os livros de
sciencias pliysicas e outros volomes de philosophia, pelos quaes elle tAo sabia
quanto felizmente disBertoa, de maneira qne nao so mereceu o lonvor doB prìnci-
paes escriptores, mas nem deizou legar ao louvor dos vindooros. Quando come90
a analysiar este successo, o mais auspicioso que se pode descrever, espero na ver-
dade que succederà que elle n&o tenha chegado ao Bm dos seus trabalhos sem que
nos deize aplanadas todas as difficuldadea de toda a Philosophia moral e descober-
tos todos OS segredos da Theologia, tanto quanto alguem se tenha j4 alrevido a
esperar do mais eloquente dos homens.
«Mas ve tu, rogo-t'o, quam mìsera é a condi^ào d'aquelles que nSo sabem
mais do que corromper os louvores alheios : homens mediocres e mesquinhos comò
se acham jazendo na obscuridade nSo supportam vèr os outros na luz ; nem para
elles ha cousa alguma mais obnozia e mais invisivel do que a propria virtuie e a
sciencia, a qual, por isso que mais refulge em Celaya, mais acremente é perse-
guida pelo aguilhSo da inveja. Este furor de despeito mostra daramente o valor
de um homem tal, visto que a inveja nSo se prende com os humildes e com os in-
significantes, mas, comò o fogo, procura os mais elevados, os que estSo mais alto.
«Todavia, pelo que respeita aos teus estudos, eu nunca pedi com tanta ve-
hemencia cousa alguma ao Todo Poderoso corno a tua vinda para este celeberrimo
emporio de disciplinas, onde em breve realisarias as tuas aspira^es. Na verdade,
j& que nSo se effectuou o que desejavas, aprende com atten^fto 0 que s6 o talento
de Cdaya pode dar-te. *
«£u aconselho-te a que acceites com ambas as m£o6 està oocasiSo, agora mi-
raculosamente offerecida para o teu desenvolvimento, necessario porque todo 0
corpo de sciencias physicas, a principio concebido de um modo rude e inculto,
orna- se hoje com 0 incremento das mirificas doutrinas, que os primeiros creado-
res da Philosophia nSo quizeram indagar nem poderam ezplorar n'esse mesmo
preambulo da sciencia incipiente.
«Por todos OS modos, meu bom Grondalo, e com os meus rogos, supplico-te, e,
em nome d*esta auctoridade qne liga dois irmSos, ezorto-te a qne te desenvolvas
n*este determinado estudo tanto quanto poderes. Podes quanto quizeres, porque
ainda devemos & natureza està gra^a, 0 nfto querer que cousa alguma seja impos-
sivel ao grande e8for90. Adeus. Paris.» (Devemos està traduc^flo ao nosso disci-
pulo o sr. Anselmo Yieira.)
1 Manuel da Silva liascarenhas, fidalgo govemador da fbrtalesa do Out2o,
na edifio que fez da ifentna e Mo^^ di-se por «parente do Autor, que eTa|>rtmo
co-irm&o de meu av6.» Isto confinna a referenda do processo judiciario a que allu-
dimoB.
ESTATUTOS MANUEUNOS 315
irmSo Gonjalo a frequentar as escholas de Paris corno discipulo de
Celaya e a vir sustentar a Philosophia escholastìca, que succumbia aos
prìmeiros golpes dos humanistas da RenaBcenfa.
Por este mesmo tempo frequentava a Universidade de Paris en-
tro portuguezy o mathematico D. Francisco de Hello (1514-1517), ^ e
Francisco Martins da Costa doutorava-se em direito na mesma UniTer-
sidade. A època nSo era boa para a influencia franceza; ainda Pedro
Bamus e JoSo Luiz Vives nfto tinham atacado o seu velho scholasti-
cismOy nem Bude tentara a fundaySo do Collegio de Fran9a. £ por
isso que a Universidade de Lisboa^ sob todo o reinado de D. Manuel
(1499 a 1521)| permaneceu esteril, sem lentes celebres,^ nem acgSo
sobre o paiz, porque qs estudantes portuguezes iam de preferencia dou-
torar-se a Salamanca. As grandes reformas sob D. JoSLo in foram mo-
tivadas pela transformajSo dos estudos francezes^ e até certo ponto pela
ac9So directa deVives, que luctara no come9o dos seus estudos pelos
meihodos medievaes.
A funda9SLo da cadeira de Astronomia^ por D. Manuel, obedecia
mais & credulidade do monarcha pela Astrologia judiciaria do que à re-
nova9So do espirito scientifico. Escreve Ribeiro dos Santos': <o mesmo
rei foi dado a ella em tanto, que ao partir das nàos para a India, ou
no tempo que se esperavam, mandava tirar juizo por um afamado as-
trologo portuguez, Diego Mendes Visinho ... e depois d'este fallecer
por Thomaz de Torres, seu Fysico, homem mui acreditado assim na
Astrologia comò em outras sciencias . . . TSlo valida andava entSo a As-
trologia por toda a parte que chegou o seu estudo a ser galhardia en-
tro OS Letrados; que deu occasiSo às galhardias do comico Gii Vicente,
que, qual outro Aristophanes escamecedor, motejou dos astronomos no
1 Existe na Torre do Tombo urna ordem ao Feitor de Flandres para pagar
a D. Francisco de Mello o subsidio de tres annos que esteve nos estudos de Pa-
ris (7 de fevereiro de 1514), e ordem para Ihe serem pagos SSi^lGO réis da des-
peza que fez emquanto frequentou a Universidade de Paris (20 de fevereiro de
1617).
' Apenas se cita o nome do Dontor Frei JoSo Claro. Na Epistola dedicato-
ria do mathematico Femel a D. JoSo ni, ofierecendo-lhe o seu livro da CosmO'
theoria, cita-Uie comò afamados em theologia o alludido cisterciense : «In theolo-
gUun coronam eomndem adminictilis relati sunt Johannes Clanu, ordinis cister-
densis, et Jacobns de Govea, vir snmma emditione snmmaqne pmdentia conspi-
cuufl.» (4 de fevereiro de 1529.)
' Memorias de lÀUeratura, da Academia, t. viii, p. 167.
316 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
Livro I das suas Ohras de Devagam, posto quo confundia a Astrono*
mia verdadeira com a Astronomia jadiciarìa:
E porque eatronomia
Anda agora mui maneira,
Mal sabida e lisongeira;
Eu & honra d^este dia
MuitOB presumem saber
Ab Opera^es dos Cèca,
E que morte hSo de morrer:
E cada bum sabe o que monta
Nas estrellas que olbou,
E ao mo^o que mandou
NSo Ibe sabe tornar conta
D'um vintem que Ihe entr^gon.»
A cadeira de Astronomia foi provlda em Mestre Filippe^ medico
de D. Manuel; obrigando-se a ama IÌ9S0 por semana, designado 0 dia
e a bora pelo Reitor.^ Regea até 1521, succedendo-lhe o castelhano
Thomaz de TorreS| physico do rei, e antigo mestre de D. Jolo m,
tomando posse em 19 de outubro d'esse anno e lendo até 1537, quando
se fez a mudanga da Universidade. Assim comò Vires, no seu libello
In Psevdo dicdecttcos, imputa aos castelbanos a conserya9So prolongada
do scholasticismo na Universidade de Paris, ^ podemos comproval-o
emquanto & Universidade de Lisboa, e em especial pela vinda de aven-
tureiros scientificos de Hespanha, que concorriam a explorar as pro-
digalidades do monarcba portuguez.
Na far9a dos Physicos, escripta depois de 1519, introdaz Gii Vi-
cente 0 physico Thomaz Torres em uma consulta medica, satyrisando
o estado de atrazo em que se achava entSo a sciencia:
Bbazia : Aqui yem o Fisico Torres.
Torres : Ora bem, Deos vos ajnde,
E YOB de muita saude,
1 Por alvarà de 29 de outubro de 1513 consta que é lente. (Ribeiro dos San-
tos, Memoria» de Litteraiura, t. vnx, p. 175, 2.* ed.)
* «D^esta maneira elles prestam & Universidade de Paris nm detestavel ser-
vilo, de a rìdicularìsar aos olhos da Europa, porque é j& proverbiai que em Paris
instrue-se a moeidade para nSo saber cousa alguma, a nSo ser dizer dislates com
inesgotavel loquacidade.» (Apud Quicherat, BUtoire du Collège de SaxnU'Bairbe^
t. ly p. 118.
ESTATUTOS MANUEUNOS
Iato nSo BerSo amores?
Hontem quiz yìr e n&o pude.
Topei alli com mestre Gii,
E com Lnìz Mendes, assi
Que praticàmos alli
0 Leste e o Oesie, e o Brazil,
E là Ihe dei raz&o de mi.
Este mal he jà de dias ?
Clebigo : H07 bay diez que asi estó.
Tobbsb: a que horas vob tomo?
Clebigo: Alli à las ayemarias.
Y de maflana comenzó.
ToBBES : Dez dias de manbS cedo,
Estava Saturno em AriéB . . .
Doem-vos bb pontas dos pés?
Olebioo : Ay mezquino, que no puedo
Decir mi mal de que es !
Tobbsb: Biaexto he 0 anno agora,
Em Pìscìb estava Jupiter,
Saturno hade desfazer
Quanto natura melhora :
Bem ha aqui que guarecer.
. Tambem em Pìbcìs a lua,
IsBO foi em quartafeira;
Mercurio & hori^ primeira :
K&o vejo cousa nenbua
Pera febre verdadeira.
E tambem d^cBte ajuntamento
Dos planetas d*eBta èra. . .
NSo Bei. . . nSo sei. . . mas per mera
Estrologia. . . nSo sei, en sento
NSo sei que he, nem que era.
Mas bade saber quem curar
Os pasBOB que dà bua estrella,
E hade Bangrar por ella,
E hade saber julgar
Ab aguas n'uma panella.
E hade saber proporfòes
No pulso se he ternario.
Se altera, se he binario.
Mostrae c& ora, e veremos
Este polso que nos diz.
Oys? qu'altera; ora chis,
317
318 mSTORIA DA UNIYERSIDADB DE GOIMBRA
Que antes que nos casemoB
Haverà outro jtiiz.
Iato procede do ba^o,
Bem 0 moBtram essas corea.
Tendes tób nas costaa dores?
NSo coma senSo lentilhas,
Si, ou abobora cosida,
Si', e assi Deos Ihe dar& yida.
Si, e dem-lhe caldo d*ervilhafl,
Si, que està febre he panda.
Agua cosida Ihe dareis
Com avenca. . . si, entSo
Amenhan Ihe tirarlo
Algum sangue. . . si, entendeis?
Si. . . entao. . . si, logo he sSo.
Porém, a fallar verdade.
Segando seu pulso est&,
£ segando os dias que ha,
E segando a viscosidade,
E segando ea sinto cà,
E segnando està o Zodiaco,
E segando està retrogrado
Jupiter, confessado
Ha mister, qae està mai fraco,
Si. . . si. . . si, bem trabalhado.^
G-il Vicente caracterisa admiravelmente o estado da Medicina as-
trologica antes da renovaySo dos estudos pela valgarìsajSo dos livroB
de Hippocrates; com urna gra9a molieresca envolve tambem na mesma
far9a Mestre Filippe, porventura esse boticario de Sevilha, que depois
de se tornar famigerado no jogo do xadrez, veiu & córte de Lisboa
apresentar o seu novo invento da observa(!Lo das longitudes.
Por 1519 apresentou-se em Lisboa um castelhano, Filippo Gkd-
Ihem, muito palavroso e arrotando um saber excepcional de Logica,
1 Obraa de Gii Yicente, t. in, p. 317. No Auto dos Fyticoa dllade a nm outro
medico do rei D. Manuel, mestre Nicolào, que apparece em 1515 corno formando
parte do jury que examinou o boticario Diogo Yelho. (Conde de Ficalho, Oardok
da Otta e 0 seu tempo, p. 310) :
B qnam Uto n&o soab«r
Vàie beber dMaao mesmo.
B meitn Nieoldo qner
* B outrcM eorar a esmo.
ESTATUTOS MANUEUNOS 319
combinando os conhecimentos da Mathematica com a arte de trovar,
com que se &zia admirar na córte; vinha oflferecer a D. Manuel um
invento sea, a Arte de Leste a Oeate, para a qual navega9So possuia
um astrolabio de tornar o sol a qualquer bora. 0 rei mandou que o ma-
thematico D. Francisco de Mello desse parecer sobre o invento, e diante
da conclusao favoravel concedeu ao castelhano urna ten9a de cem mil
réis com habito e a corretagem da Casa da India. É provavel que a
Arte de Leste a Oeste fosse dìscutida por outros espiritos mais praticos,
comò aconteceu com o algarvio SimSo Femandes, que provou a falsi-
dade do systema em 1519; Filippo Guilhem fugiu de Lisboa, sondo
preso em Aldeia Gallega por ordem do monarcha. Gii Vicente nSo se
esqueceu de tirar o partido d'està comica situa9So:
A muchos hizo espantar
Vuesa pròspera fortuna,
Pues nunca vistes la mar
Ni arroyo ni laguna,
Supistes muy bien pescar. . .
Ansi que por està via
Ea de los sabios el cabo,
Que sin ver astrolomia
£1 toma el sol por el rabo
£n qualquiera bora del dia.
Bespo^^eron ai contrario,
Diciendo: No esverdad;
Porqne dende cbica edad
No fue sino boticario,
Hasta ver està ciudad.^
Nas grandes navega93e8 do seculo xvi, o phenomeno recentemente
1 Obnu, t. in, p. 377. Na Historia geral do Brazil, de Yamhagen, 1. 1, p. 459,
vem mais noticias sobre Filippe Guilhem, por onde se infere que ficou ao 8eryi90
de Portugal : «Foi primeiro, em 1527, empregado na Casa da India. Em 1538 pas-
sou.^o Brazil com Vasco Femandes. £m 1551 partiu para a Bahia; ahi perdeu a
mulher e um filho que tinha, e foi com os tres filhos que Ihe ficaram exercer em
Porto Seguro um emprego de fazenda. Com as novas de curo que ahi teve enthu-
siasmou-se, e escreveu a Thomé de Scusa inculcando-se para a empreza. Chegou
a ser para ella escolhido, porém adoeceu e voltou para a Bahia, onde, quando me-
Ihorou, foi encarregado da abertura do caminho da cidade para a Bibeira, etc.
Voltou depois a Porto Seguro corno Provedor, e àinda ali vivia aos 12 de mar^o
de 1561, com 74 annos de edade, pois se conserva uma carta que entSo escreveU)
em que de novo reconmiendava a perseverane nas descobertas das minas, etc.
£m 1551 havia side feito Cavalleiro de Christo, com a ten9a annual de 50 jOOO rs.»
320 HISTORIÀ DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
conliecido da yarìa(!Lo da agulha preoocupou os pilotoB e cosmogra-
phosy qne procuravam por ella determinar a longitade geograpbica.
Formavam taboas de declinaySo da agulha magnetica para deduzirem
urna Arte de Leste e Oeste, ou um principio scientifico para a nave-
gajHo; era urna especie de monomania. Ao fallar de FemSo de Maga-
IhSes, 0 chronista Barros allude a està vesania commum : tsempre an-
dava com Pilotosy Cartas de marcar, e altura de Leste, Oeste^ maU'
ria qua tem lang^do a perder mais portuguezes ignorantes, do que sSo
ganhados os doutos por ella, pois ainda nSo vimos algum que o po-
zesse em effeito.»^ Este juizo de Barros mostra-nos corno o problema
da determina^So da longitude no mar, conhecido com o nome vulgar
de ponto jixo e navegagào Leste Oeste, havia de encontrar na cdrte de
D. Manuel um interesse tal que seduzisse a imaginagSo de aventurei-
ros e utopistas, corno o castelbano Filippe Guilhem.
Ao mathematico D. Francisco de Hello, recem-chegado dos es-
tudos de Paris, onde frequentara a expensas de D. Manuel, que deu
opiniSo sobre a Arte de Leste a Oeste, joga tambem Gii Vicenté um
acerado epigramma:
£ se Francisco de Mello
* Que sabe sciencia avendo,
Diz qne o Céo he redondo,
E 0 Sol sobre amajgello;
Diz yerdade, nSo lh*o ascondo.
Qae se o Céo fora qnadrado
NSo fora redondo, senhor.
E se e sol fora azulado
D*azul fdra sua cor.*
1 Decada t, livro 8.
* Obras de Gii Yicente, 1. 1, p. 151. Transcrevemos da Memoria de Ribeiro
dos SantOB sobre D. Francisco de Mello, os documentos por onde ee ve que fre-
quentara 08 estudos de Paris entre 1514 e 1519. Eis o attestado do bedel da Uni-
verndade de Paris icerea da sua frequencia, para pastificar o recibo da peivBÌU>:
«Ego Petrus meresse Bedellus facultatie Artium venerande nationis francie pari-
sias. Certtfioo omnibus et singulis quibus interest, aut interesse potest honorandum
et nobilem dominum magistrum Franciscum de Mello in artibus liberalibus ma-
gistrum continuum fuisse ac presenti esse in parìsiensi hac Universitate Scholas-
ticum. In cujus rei testimonium signum meum, etc. Die 2. Julii 1514. — P. me-
resse.» Em seguida vem o recibo: «£u Francisco de Mello I^dalgo da Casa del
Rei Nesso Senhor, Mestre em Artes, e Estndante ao presente de Parìa Confesso
haver recebido de Silvestre Nunes, Criado e Feitor de sua Alteza em Frandes a
somma de 38^160 rs. moeda de Portugal, qne se monta na minha moradia e ce-
ESTATUTOS MANUEUNOS 321
Em Paris, D. Francisco de Hello frequentara mathematica com
o celebre medico Pierre Brissot, que em 1514 fòra admittido comò
lente na Facnldade de Medicina, onde luctara para introduzir as dou-
trinas de Hippocrates em sabstituÌ9So das doutrinas dos Arabes. Pierre
Brissot ensinara philosophia nos dez annos anterìores, sondo no ultimo
anno da sua regencia, que D. Francisco de Mollo se graduou Mestre
em Artes. Quando Brissot se achou em conflicto com a Universidade
de Paris, por causa do seu hellenismo, resolveu viajar, para adquirir
conhecimentos em Botanica, e veiu para Portugal, demorando-se em
Evora, onde teve outro conflicto com o medico do rei sobre a questuo
se a sangrìa devia em uma pleuresia effectuar-se do lado affectado se
do contrario. 0 medico francez morreu em Evora em 1529. ^ D. Fran-
vada do presente anno de 1514 da qaal me tinha feito mercè por tres annos El Bei
NoBSO Senhor dos quaes este he o prìmeiro que se comefou ho Janeiro passado
derradeiramente da dita èra corno no alvara da dita mercè se expressa a qaal me
he assignada na Feitoria de Frandis e por ser isso verdade e descarrego do dito
Feitor Ihe fiz està segunda quitan^a feita e assignada de minha mSo em Pariz o
tefceiro de Julho de 1514. — Francisco de Mello.» {Corpo chron., P. i, Ma^. ziv,
Doc. 66.) A gra^a règia, foi prorogada nos annqs de 1517 e 1518; eis a copia do
alvarà que a prorogou pelos annos de 1519 e 1520^
«Nos £1 Rei, etc. Mandamos a vós Francisco Pereira nosso Feitor em Frandes
que pagueis a Francisco de Mallo fidalgo da nossa Casa, filho de Manuel de Mello
sua moradia e cevada por tempo de dous annos que se come^aram por este Janeiro
que ora passou d està èra presente de 1519 e acabardm por Dezembro de 1520 da
qual Ihe fazemos merece pera sua mantenga no estudo e monta-se-lhe por anno
quarenta e sete mil e trezentos e setenta réis a razSo de tres mil e quatro centos
reis de moradia por mez, e alqueire e meio de Cevada por dia segundo yimos por
CertidSo de Bras da Costa EscrivILo de nossa Cosinha em que dava sua fee que
ficava posta verba comò havia de haver o dito pagamento, etc. Feito em Almeirim,
a 11 de Fevereiro de 1519.» (Corp, chron.j P. i, Ma9. 24, doc. 28. — Mem, de Litt.,
t. VII, p. 238.)
1 NouveUe Biographie generale, de Didot, t. ▼n,p. 443. Os homens de sciencia,
pela curìosidade e investigasse eram no seculo xvi agitados por um certo cosmo-
politismo. Uns velo & India estudar novas plantas, comò o nosso Dr. Garda d'Orta,
outros percorrem as Escholas da Europa à procura dos segredos profissionaes.
Paracelso, na sua Ghrande Cirurgia^ falla em Portugal comò um dos paizes que
visitara : «Tendo viajado pela Franca, Allemanha e Italia, e visitado as Univer-
sidades para saber os seus preceitos e fimdamentos, pareceu-me todavia que me
nSo era plausivel subordinar-me às suas opinioes por muitas causas : mas tendo
caminhado mais alèm, e atravessado a Hespanha, Portugal^ Inglaterra, Dinamarca,
Polonia, Lithuania, Prussia, Hungria, Transjlvania, quasi todas as nafoes da
Europa, eu diligentemente procurei e interroguei nao sómente os Medicos, mas
tambem os Cirurgioes, mestres de Estufas, mulheres, magicos, alchjmistas, nos
HIST. UM. 21
322 HISTORIA DA UNIYERSIDABE DE GOIMBRA
CÌ8C0 de Mello, logo que chegou a Portagal acboa-se envolvido em ne-
gocia93es politicas, qae o embarafaram de se entregar à coltura da
Mathematica; corno bomenagem de gratidfto dedicou ao rei D. Manuel
um Commentario em latim sobre a Theoria da Optica e Pertpectìva,
attribuida a Euclidea, ^ que sob o titulo de Specularia e Perspectwa
(Optica e Catoptrica) apparecera em Veneza em 1508 na terceira edlQSo
do mathematico grego, pela prìmeira vez traduzida em latim por Bar-
tholomeu Zamberto. D. Francisco de Mello considerava os commen-
tarios de Tbeon ao tratado da Optica, que Zamberto Ihe additara, comò
multo incorrectosy e considerava a ommissSo do tratado nas edÌ93es
de 1509 de Lucas de Borgo, e de 1516 de Lefòvre d'Étaples, comò
um desprezo dos sabios do seu tempo contra o qual reagirà seu mostre
Pierre Brissot. Allude aos Commentarios de Brissot, que andavam em
copias nas mSos dos seus dìscipulos, e lamenta que apenas possua al-
guns inintelligiveis fragmentos, de que mal se pode aproveitar para re-
construir o seu novo Commentario. Hoefer, na Bistoria da Phynca,
caracterisa assim a obra attribuida a Euclides: e A Optica nSo é mais
que uma reuniSo de Tbeoremas de perspectiva. Seg^do Kepler, o
auctor d'este tratado, na sua qualida^le de pjthagorico, procurava de-
monstrar, pela perspectiva. dos corpos celestes, o verdadeiro systema
do mundo tal comò o havia ensinado Pythagoras antes de Copernici. —
Na Catoptrica, Euclides ensina que o raio visual é quebrado, refra-
ctado pela agua e pelo ar. — Distingue a refracg&o (diaclasis) da reflexSo
(anaclasis) em que, na prìmeira os angulos dos raios refractados ou
emergentes nfto s2Lo eguaes (excepto para os raios perpendiculares) aos
angulos dos raios incidentes. Explica pela refrac^So que os raios expe-
rìmentam no ar, o engrandecimento do sol e da lua no horìzonte. Mas
nSo diz positivamente que pelo effeito da refrac9So os astros nSo oc-
cupam exactamente (excepto no zenith) o legar em que os vemos.» *
D. Francisco de Mello, comò discipulo do medico Brissot, conhecia o
apparelho da visflo, seguindo n'este ponto os mathematicos gregos
mosteiros, nas cassa nobres e ignobeis, quaes eram os melhores e os mais excel*
lentes remedios que usayam e tinham usado para curar as doen^as.» (Ap. Darem-
berg, HUtoirt dea Sciences médicales, 1. 1, p. 368.)
1 Pelo titulo da obra : In JEktdidia Magarensis Philosophi cUque Mathemaiiei
praestanHssimi Perspectiva^ Commentario^ conHece-se que D. Francisco de Mello
seguiti o erro do seculo zvi, confondindo o mathematico alezandrino com o fandador
da eschola philosophìca de Megara, que o antecedeu um seculo. Este erro fora
propagado por Boccio, desde o seculo v da nossa èra.
* Hoefer, Histoire de la Physique^ p. 170.
ESTATUTOS HANUEUNOS 323
Heliodoro de Larìssa e Ptolomeu. «E na Optica de HelìodorOi que se
acha pela primeira vez expoato, que os raios luminosos que determi-
nam a visSo formam um cóne cujo vertice se apoia na pupilla do olho
emquanto a base abrange a superficie do objecto apercebido. Tam-
bem ahi se acha urna definÌ9So exacta do angulo visual, variavel de
graudeza segundo vemos os objectos maiores ou mais pequenos.» ^ O
tratado de Optica attribuido a Ptolomeu^ traduzido para latim de urna
versSo arabe, traz pela primeira vez a exposÌ9fio minuciosa dos prìn-
cipaes phenomenos da refracfSo, corno a passagem da luz atravez de
oorpos transparentes de densidade differente. Foi preciso o desenvolvi-
mento da Trignometria, para que Descartes fixasse a lei d'este phe-
nomeno na constancia de relsL^o dos senus de incidencia e de refracySo.
D. Franoisco de Hello emprehendeu um ouiro commentario ao
livro de Archimedes, Dos corpos fltictuante$ aóbre a agua, que entSo
ainda estava inedito. Archimedes, que levara a Geometria ao seu ma-
xime desenvoivimento, sentiu a parte incompleta da Mathematica, &
qual faltava ainda uma Mechanica. As rela93es entro a Geometria e a
Mechanica fìcaram assentes pela sua Theorìa dos centros de gravidade
ou Isorropica. Pelo conjuncto dos trabalhos de Archimedes, diz Comte:
tSou levado a julgar por elles os esforgos de Archimedes para comegar
a preencher a principal lacuna do systema mathematico, fondando a
Theoria abstracta do equilibrio. Mas, privado de teda a racionalidade
positiva no que respeita o movimento, um tal trabalho permanecia
desprovido da sua origem philosophica; de sorte que nSo comportava
senfto successos inductivos, nos quaes o incomparavel geometra mani-
festou sob um novo aspecto a sua plenitude montai. O seu principio
da alavanca nSlo podia satisfazer senfto a casos parciaes, e a sua induc-
9&0 hydrostatica nUo consegaia sen2o o suscitar uma nova ordem de
questSes geometricas em rela9So à situa9&o de equilibrio de um corpo
fluctuante. Comtudo, uma tal tentativa bastava por si para fazer con-
tinuamente avultar a lacuna jà conhecida do systema maihematico, de
modo a melhor assignalar as rela93es directas d'este complemento ne-
cessario com 0 conjuncto da philosophia naturai.» ' So depois que Ke-
pler deduziu a conBtituÌ93o final da geometria celeste, é que Galileo^
completado por Huyghens pode fundar a Mechanica racional, e por
ultimo Newton a Mechanica celeste. ' Como se ve, D. Francisco de
1 Hoefer, Histoire de la Physique, p. 170.
' SyaÙmt de PóUUqut poaitìvej t. ni, p. 319.
3 Ibidem, p. 565.
21*
324 HISTORIA DA UNIVERSIDÀDE DE COIBIBRA
Mello tentando a explica9[lo d'estea dois tratados de Archimedea (Peri
qnpedon isorropica, e Peri ton udatì ephistamenon) pouco Be podia
elevar acima dos casos inductivos, mas revela pela importancia que
Uiea ligava a necessidade de entrar no dominio da Medianica. ^ £ pena
qne estes trabalhos permane^am ineditos; publicadoB com um estndo
critico-historicOy relacionariam Portngal de um modo digno com o mo-
vimento intellectnal da Renascen9a. D. Francisco de Mello tomaratam-
bem o gr&o de Licenciado em Theologia; nomeado para o conselho de
D. JoSo Ili em 1529, foi Beitor da Universidade de Lisboa de 1531
a 1533, e em 1534 eleito bispo de GSa, fallecendo em Evora, em 27
de abril de 1536 com quarenta e seis annos de edade. NSo chegou a
cooperar na grande reforma dos estudos come9ada em 1537; assim
comò o oonhecimento da lingua grega o approximara do estudo dos
mathematìcoB alexandrinos, outros espiritos se achavam egualmente
fortalecidos para incitarem D. JoSo ili a uma remodelajSo de ensino
publico.
O eonhecimento da lingua grega, que tanto actuou na transforma9So
dos estudos na Renascen9a, achava-se no come90 do seculo xvi forte-
mente radicado em Portugal. Escreve o bibliophilo Ribeiro dos Santos:
cEntre outros muitos se esmeraram JoSo Rodrigues de Sa e Menezes,
que commentava Homero e Pindaro; Francisco de Sa de Miranda, que
traduziu o mesmo Homero; Antonio Ferreira, que lia e imitava a Ana-
ereonte, a Moacho e a Theocrito; Ambrozio Nunes, que esdarecia os
Aphorismos de Hipocrates; Francisco Giraldes e Jeronymo Lopes, que
liam pelos originaes de Galeno; JoSo Rodrigues de Castello Branco,
1 Os tratados attrìbuidos a Euclidea tem nos ms. de D. Frandsco de Mello
08 tituloB : Perspectiva Euclidis, cum DrancUci de Mdlo CommentariiSf e In EucU'
dia MegareimSy Speculariam Commentaria. 0 liyro de Archimedea, tambem corno
OS outroa doia tratados, dedicado ao rei D. Manuel (1521) tem por titulo : Archi-
ta edis, De inàdentibus in humidis cum Francisci de Metto Commentariis, Sobre a
pr ovenieiicia d^eatea manuscriptoa, eacreve Ribeiro doa Santoa : «que eziatem hoje
na real Bibliotheca de Lisboa, que foram da magnifica doa^Sò que Ihea fez o mnito
douto e pio Biapo de Beja. .. Arcebiapo de Evora, D. Fr. Manuel do Cenaculo
Vili aaboaa.» Mem. de Liti, port, t. viii, p. 174 (2.* ed.) Em ontro legar accreacenta:
« D'eatea tratadoa teve um exemplar o Coamographo-mór d'eatea reinoa Luiz SerrSo
Pimentel, Lente de Mathematica, com primoroaaa illumina^oea, de que depoia fez
prezente ao Marquez de Liche, quando foi yiaitar a aua Livraria, comò refere o
erudito Abbade de Sever. 0 exemplar que d*ellea tem a real Bibliotheca de Liaboa
he eacripto em foi. em bom caracter, que parece aer mais moderno e doa fina do
seculo xYi, principioa do xyn, e com figoras geometricas naa Demonslrac^s.»
Menu de lÀU,^ t. vu,'p. 248.
ESTATUTOS MÀNUELINOS 325
que illastrava o texto grego do Dioscorides; Jorge Coelho, |t quem
devemos a versSo latina da Densa Sjria, de Luciano; D. Fr. Antonio
de Sousa, que trasladava o philosopho Epitecto; Antonio Luiz, que
nas aulas explicava Aristoteles e Oaleno, pelo texto grego, e traduzia
A este ultimo, e os commentarios de S. CyrUlo a Isaias; etc.» ^ Tanto
em Portugal, corno em Fran9a, era d'entro os humanistas que no se-
culo XVI se destacavam os mathematicos, os astronomos, e os medicos,
OS quaes pelo conhecimento do grego achayam as condijSes para rea-
tarem a corrente scientifica interrompida depois dos trabalhos funda-
mentaes de Archimedes, de Hipparco e de Hippocrates. Por essa di-
rec9So nova conseguiiam actuar nas Universidades fazendo-as transigir
com 0 espirito da Renascen9a. '
Vives, que recebeu as suas primeiras lÌ93es de Jeronymo Amigue-
tus, professor da Universidade de Valencia, reagirà desesperadamente
contra a renovaySo dos estudos philologicos em Hespanha, iniciada por
Nebrixa quando regreseara da Italia; sob a influencia do seu antigo
mostre, Vives atacou vivamente a Nebrixa, vindo porém mais tarde a
reconhecer a direcySo e o espirito critico da Renascen9a, e a prestar-
Ibe urna piena tomenagem, sondo um dos seus epigones.
Em Paris, quando foi completar os seus estudos na celebre Uni-
versidade, achou tambem por professores de philosophia, e adscriptos
ao velho methodo dialectìco, a JoSo Dullard e Gaspar Lax (1505-1512);
semente depois que chegou a Louvain e recebeu a direcfSo inteÙe-
ctual de Erasmo é que se tomou um dos grandes corypheus da Re-
na8cen9a. Quando Vives tomou a Paris, em 1521, depois da sua cri-
tica acerba In Paeudodicdecticos, os mestres francezes nSo se melin-
draram com elle, e declararam-lhe eque a direc9So dos espiritos era
outra actualmente, e nSo a do tempo em que ali estudara», comò elle
relata em uma carta a Erasmo.
Tambem Pedro Ramus, o grande reformador da Instruc9Sk) supe-
rior, na Renascen9a, descreve o estado da Universidade, que se con-
servava hostil ao movimento pedagogico: e Quando vim para Paris cahi
1 Mem. de LiUeratura^ t. vin p. 78, (2.* ed.)
' Escreve Qaicherat, na HUicirt du CoUége de Sainte-Barbe^ 1. 1, p. 150: «A
Universidade de Parìa resentiu-se sob Luiz xi dos primeiros impulsos da Renas-
'Cen9a; mas nSo os ezperimentou directamente senio no meio do reinado de Fran-
-dsoo I. Foi-lhe preciso mais de sessenta annos para passar do espirìto da Edade
mèdia para o espirìto moderno, menos plastica n'isto de que as escholas da Alle-
manhai que desde o come90 do seculo xvi estavam j& convertidas.»
326 mSTORIA DA UNIYERSIDADE DB COIHBRA
nas Bubtilezas dos sophistas, e ensinaram-me as artes liberaes por pei^
guntas e argomentagSes. . . Depois que fui nomeado e gradoado mos-
tre em ArteSy o meu espirilo nfto se achava satisfeito, e no meu fóro
intimo jalguei que estas disputas nSo me haviam trazido mais do que
a perda de tempo.» * Nos Avertissementa au Sai sur la reformation de
rUhivergité de Paris, RamuSy condemnando o excesso de symbolismo
nas cerimonias academicas, que pelas suas despezas se tomavam urna
receita dos lentes e se antepunham à disciplina scientifica, caracterisa
0 estado deploravel em que se achava o ensino nas Faculdades: o en-
sino da Philosophia era altercatorio e questionario; o do Direito era mais
canonico do que civil; o da Medicina, sem dissecySes, mas com eter-
nas disputas, so se adquiria fora das escholas, matando os doentes:
(cD'où se dicton: de nouveau médecin cimmetière boussuii)^ a Theologia,
embrulhada em objecfSes e refuta95es, nfto se exercia sobre os textoft
hebreus do Velbo Testamento, nem sobre os gregos dos Evangelhos.
Em summa, o espirito e fórma de ensino na Universidade de Paris
synthetisou-os Ramus na phrase mordente de urna ^contentieuse etpe-
rilleuse altercatìon de precy^tes,9
André FalcSo de Resende, em uma Satyra a iKogo Beruardes,
lonvando a vida religiosa, tra9a em alguns tercetos o quadro da educa-
9S0 universitaria portugueza, depois das grandes descobertas maritimas^
censurando-a pelo seu destino exdusivamente pratico:
Nasce o filho primeiro e 0 segundo,
Nasce 0 terceiro e quarto; nasce 0 quinto:
A Deos nao dà nenhum ; todos ao mundo ;
Porque dos bens da terra b6 faminto,
Quanto mais d*elles tem, mais se amofina,
Pois nio gosou OS vazos de Coryntho.
E assim mandar ordcna um filho à China,
Instructo e chatim jà na mercancia,
Nos resgatés das ilhas, Guiné e Mina;
Inhabil na christà Philosophia,
Porque o pae cego o tendo por affronta,
Diz qne qualquer fradinho isto sabia;
1 BemofUranee au CoMeU prive. Apud Compayré, Histoire eriUque des Do-
^Mnes de VÉàttoaHon en Franee, 1 1, p. 188.
ESTATUTOS MANUELINOS 327
«
Mas contador ezperto em caiza e conta,
Sabe comprar barato e vender caro,
Que para sua cobÌ9a iato é o que monta.
E jà se embarca, e é so seu norie e pharo
Sempre o negro interesse, e nelle a prda,
Deiza atraz patria, o pae, e o amìgo caro.
JÀ o mar bravo aos mìmos de Lisboa,
A Vida e alma antepondo a fazenda
Dobrando cabos, climas, chega a GU>a.
Tira seu fato, e faz taverna e venda;
Trampeia, engana, troca, jura, mente,
Como um buforinheiro emfim p5e tenda.
E em que redobre o resto, e que accrescente
Sempre ao cabedal, mais se desvela
Por navegar os mares de Oriente.
Tenta outra vez Neptuno, dando k velia,
Costeia rios, ilhas, enseadas,
Faz viagem à China, até dar nella.
Compra na vernala as mais prézadas
Mercadorias; e as que traz, vendendo,
Nas embarca^5es toma carregadas.
Mas co' dinheiro o amor d*elle crescendo
Faz a cobÌ9a, que inda em vSo fonSéja
As medidas Ihe encher, fundo nfto tendo.
Enfastia avareza tfio sobeja;
A fortuna e o tempo conjorada
Levantam sobre as ondas m& peleja.
Sópra 0 tnflo com furia costumada,
Ergue e mistura o mar com as areias.
De quanto achando vai, n^ deiza nada.
Os galeòes, navios e n&os cheias
D*ouro, de prata, seda, e gente avara,
Ao fundo V&0 do reino das sereias.
Desce, e perde- se assi a fazenda cara,
E o afbgado senbor d'ella ao profundo,
Que até o Cocjto negro emfim nSo para.
328 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
A morte d*este avisa o irmSo segando,
Qae a pé enzuto siga, e nSo do Oceano
Um caminho mais catto e mais jucando ;
Um caminho direito, que Ulpiano
Scevola^ e outros fizeram, e, ainda eseuro,
Com outros o abriu mais Jusiiniano.
DSo senten9a final, que é mais seguro
(Ou seja emfim direito, ou seja torto)
Baldo e Jazào seguir, que Palinuro :
Que este, no mar, da gàvea caiu morto;
Ess*outros de cadeira em dia darò
Levaram seus navios a bom porto.
£ por isso a este filho o pae avaro
Quer- que em Leis se gradue, até ser nellas
Das bulras e das trampas casa e amparo.
Estuda mais que Cèpola, Cautelas
So de pane lucrando escreve e trata,
Refaz demandas mil sem refazel-as.
Intento sempre a juntar ouro e prata,
Morre emfim mal e pobre este trampista,
Que nunca de ser rico a sède mata.
Ao irm2o terceiro o pae faz Canonista,
Dos falsos ; e por mais te honrar, BCafoma,
Depois de em contas ser fino algorista,
A pràtica mandal-o assenta a Roma,
Que as Dtcisoe» da Rota e a Curia veja,
£ fa^a de conlnios grande somma:
E por manha ou dinheiro, inda que seja
Como SimSo, que a Gra9a compra e vende,
Trabalbe de acquirir dos bens da Egreja.
E eis o coitado em Boma, e eis so que entende
Em Reservas, Regressos, Benuficios
£ nelles rico e visto ser pretende.
A cobi^a do pae, que, comò tinha
Aos filbos na cabe9a se pegava,
Ao quarto e ao quinto ao mào firn encaminha.
ESTATOTOS MANUEUNOS 329
DÌ2 que segata a vida assim Ihee dava,
Sem vèr o triste, qne era dar-lhes morte
E quSo mal da perpetua os guardava.
E aos deus meuores dà por melhor sorte,
Que a seu rei soldo e moradia ven^am
Ora na córte, ora na armada cohorte ;
Mandaodo-lhe sob pena de sua ben^am,
Que o seu despendam so corno onzejieiros,
Que se uma moeda dSo, dez descompensam :
Deixem o primor d'houra aos cavalletros,
Deizem armas e o ferro, tractem d*ouro
Que este os farà fidalgos verdadeiros . . ^
Saidas das revoIu95e8 politicas da Edade mèdia, as Universida-
des chegaram a constituir-se corno esboQOS de um Poder tempora! e es-
piritual, pela maneira corno intervinham nas questSes da egreja com
a realeza, e corno resistiam aos arbitrios da soberania; e principalmente
ainda pelas garantias extraordinarias com que se acobertava a classe
escholastìca nas soas rela95e3 com a vida civil. Na Universidade de
Paris tomavase o juramento ao Preboste da cidade e à sua guarda ao
entrarem em func(5es; os burguezes nSLo podiam exigir fiadores aos
estudantes pelos alugaeres das casas, e na sua resistencia centra a au-
ctoridade real, a Universidade suspendia as lÌ95es, vencendo sempre
pelo effeito poderoso d'este interdicto. Porém està fórma nova do Po-
der tempora! e espiritual, apesar de importante, tinha o defeito da con-^
fascio doapoderes, centra a qual luctava ainda a Edade mèdia; por isso,
com 0 desenvolvimento da monarchia absoluta, a Universidade perdeu
o seu individualismo, e ficou reduzida a uma institui^ào paga pelo rei,
por elle protegida e discricionariamente reformada. Diz Cantu : « Quando,
depoÌB de Luiz xi, os reis se tomaram absolutos, trataram lego de di-
minuir pouco.a pouco o poder temporal que a Universidade adquirira
pela auctoridade da sciencia. Ella mesma deixou de caminhar na van-
guarda do progresso intellectual; os conhecimentos desenvolveram-se
1 Poesiaa de André Falcio de Resende, p. 294 a 297. (Està edi^ao da Im-
prensa da Universidade n2o chegou a ser terminada, e està fora do commercio ; fi -
cou interrompida a p. 480, onde come^avam os versos em castelhano» Està parta
està hoje quasi inteiramente publicada nos Aulorta portuguuu que escribieran en
cagteUano, do Dr. Garcia Perez, p. 161 a 205.)
330 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
fora das escholas; a Imprensa propagou-os, e està corporajSo illustre
acabou por tomar-se impopniar.» ^ SubordinadaB ao poder real, as Uni-
versidades procuraram o respeito, nSo no fervor scientìfico, mas no
perstigio officiai; a sciencia immobilisou-se, agarrada à auctoridade dos
antigos escriptores, e esse circolo de doutrlnas atrazadas, sustentado
pela dialectica, que encobria com arte o pedantismo doutoral, veiu a
chamar-se Schólastìca. Emquanto as Universidades se fechavam n'este
reducto da auctoridade doutrinaria, pensadores isolados e fora da cor-
pora9So foram-se reunindo, communicando as suas observa95e8, e as-
sim nasceu esse movimento scientifico experimental que caracterisa o
faeculo XYI. Deu-se n'este phenomeno o mesmo processo que nos se-
culos xì e xn determinara a organisa9So das Universidades: em roda
de certas capacidades agrupavam-se espontaneamente os alumnos, e
por està fórma Constantino o Africano iniciou a funda9&o da Eschola
de Salerno, e Imerio a Eschola de Bolonha. Fora das Universidades,
pensadores mais audazes comefam as suas invest]ga98es sobre os phe-
nomenos cosmicos e physicos, reagem centra o vazio das argumenta-
9808 dialecticas^ e espontaneamente fundam essas gloriosas Academias,
que determinaram o movimento scientìfico do seculo xvn, de Bacon a
Descartes, d'onde dimana todo o progresso intellectual moderno. E no
seculo XVI que a realeza define o seu caracter absoluto ; as Universi-
dades, tornando-se tambem absolutas no dogmatismo e esclusivismo
pedagogico, immobilisaram-se, findaram 0 seu destino, ficando fora da
historia. Como corpora9So vfto atravessando outras épocas, fortaleci-
das pelas dota98es do erario, pelas categorias dos empregos, pela pompa
das cerimonias doutoraes, mas 0 seu poder espiritual transformou-se
em uma pedantocracia, de que novas fórmas politìcas vieram um dia
a aproveitar-se.
Este estado mental sustentado pelas Universidades no seculo xvi,
quando come9ava a grande renova9&o do criterio humano, synthetisa-
se n'aquelles versos do Fausto^ em que Goethe invectiva a inanidade
do saber dialectìco: cPhilosophia, Jurisprudencia, Medicina, e tu tam-
bem pobre Theologia, eu vos estudei bastante, com 0 suor do meu
roste. E agora, eis-me, pobre louco, tSo sabio comò de antes era. Sim,
chamam-me mestre, e doutor, e jà li vSo dez annos, pouco mais ou
menos, que levo os meus alumnos pelo nariz, e eu vejo que nós nada
podemos saber.»
1 Historia Universal, xx època, cap. 24,
ESTATUTOS MANUEUNOS 33 i
Tabula Legentium i
1506
licenciado Diogo Lopes, lenta de Ter^a dos sagrados Canonee.
Bacharel Gabriel Gii, subetitnto da Cadeira de Vespera, w»g<u
Doutor Jofto do Bego, lente de prima de Medicina.
O Bispo D. Martinho, lente de Metaphyaica, substituido por Mestre Rodrigo, snc-
oedendo-lhe depois de 161d :
Frei JoSo Gandavo, oa Framengo, até 1530.
Mestre Frei Luiz de Baz, lente de Fhilosophia naturai, até 1521, em qne morreo.
Fedro Bhombo, lente de Grammatica, até 1533, em que morreu.
Doutor Buy Lopes, lente da Cadeira de prima de Canones, até 1510.
Doutor Estevio Jorge, lente da Cadeira de prima de Leu.
Doutor Gonzalo Vaz Finto, lente da Cadeira de Vespera, e depois de prima.
Licondado Agostinho Affonso, lente da Cadeira de Ter^a de Leis; provido na de
V'esperà, desistindo em 1521, por ser nomeado Desembargador.
Mestre Affonso, Doutor por Montpellier, p Doutor da Ilka, lente de Yespera de Me-
dicina, até 1517, em que foi nomeado Fhysico-Mér.
1506 a 1507
Faltam : Frei JoSo Claro, de Yespera de Theologia.
D. Martìnho, de Metaphjsica.
Mestre Jofto de Magdalena.
Mestre Bodrigo, lente de Yespera e substitnto de Fhilosophia.
Frei Francisco, lente de Fhilosophia.
1507 a 1508
Mestre Joio Claro (Come^ou a lér em 9 de junho de 1508.)
Mestre Bodrigo.
Mestre Martinho, Bispo.
Mestre Luiz Yaz, lente de Fhilosophia naturai (Come^ou a I6r por Mestre JoSo
Claro em 21 de fevereiro.)
Frei Francisco, lente de Fhilosophia.
1 Notai de Figueirda às Notieias chronologieas, not. 74, ao $ 924. (Irutiiuto,
L ziT, p. 259.) «Diz mais que costumavam os bedeìs no principio de cada um dos
annos escholasticos escrever o nome de todos os Lentes d*aquelle anno, o que in-
titulavam Tabula Legentium^ o que tambem se obcrervou depois que a UniTersi-
dade se mudou para Coimbra, mas por pouco tempo, e o que fariam oom tal con*
ftis&o que com difficuldade se pode conhecer o que queriam dlzer, porquanto nem
observavam ordem entro as faculdades, nem entro as cadeiras de cada urna d'el-
hui, e ou escreviam semente o primeiro nome do lente ou o sobrenome, e que raras
▼ezea Ihe declaravam a cadeira de que eram lentes, e algumas semente Ih'a no-
meavam, comò v. g. o Unte de logica.»
332 HISTORIA DA UNIYERSIDÀDE DE COIMBRA
1510
Doutor Ruy Lopes, lente de prima dos sagrados Canones.
Bacharel Joào Vaz, Ter^a de Canones.
Agostinho Micas, Philosophia naturai em 1510, em que parece ter sido creada.
Mestre Martinho, Bispo, 1510, lente de Metaphysica, auaonte.
Agostinho HenriqueS) licenciado ém Medicina, léra a Cadeira de Logica em 1510.
JoS.0 MonteirOy licenciado, 16ra a Cadeira de prima de Canones.
Buy Gon^alves Mareschotte doutorou-se em Canones e léa n^esta Cadeira de prima
até 1521.
Francisco Femandes, lente de Yespera de Canones, passa a sua cadeira para Sal-
vador Femandes, licenciado in utroque por ama Universidade de
Fran9a.
Bacharel Francisco Gentil, Ter^a de Canones.
0 Licenciado Francisco Femandes, Cadeira de ter^a de Canones, em 1506 ; eleito
para Yespera em 1509.
Bacharel Gabriel Gii, lente de ter^u dos sagrados Canones em 1506, auaentou-se
sem licen9a em 1507, deizando-a vaga.
Bacharel Estevào Dourado, provido na cadeira de ter9a, por opposi^^o, em 23 de
outubro de 1506.
Doutor Gon9alo Yaz Finto, lente de prima' de Leis, vaga pelo fallecimento do Dou-
tor EstevSo Jorge ; acompanhoù a Universidade para Coimbra.
Agostinho AfPonso, lente de ter9a de Leis em que se lia a Instituta, passa i de
Yespera, sendo provido na antecedente :
Gt)n9alo Louren^o, em 24 de novembre de 1507; rege até 1532?
Doutor JoSo do Rego, lente de prima de Medicina, jubilado ao fim de 20 annos;
regeu até 1513, fallecendo em 1518.
Diogo Freixenal, bacharel em Medicina em 2 de dezembro de 1508, nomeado para
a cadeira de Yespera de Medicina, em substitui^^o do Doutor da
lUia.
; 1513 a 1518
Doutor Jofto Femandes, lente da cadeira de Medicina ou Phjsica, provido em
1518 pela morte de JoSo do Rego, proprietario.
Estevio Cavalleiro, leu na cadeira de Logica em 1513, 1514 e 1515.
Mestre Filippe, doutor em Medicina, provido na cadeira de Mathematica, creada
por alvarà de 29 de outubro de 1513.
Frei Joao de Gandavo, cadeira de Metaphysica, em 15 de fevereiro de 1514, re-
geu até 1530; provido na de prima de Theolog^a em 1532.
Luiz Afionso, Yespera de Canones, 1516.
Francisco Yalentim, cadeira de Logica, 1517.
Mestre Gii, cadeira de Yespera de Medicina, 1517.
Francisco Gentil, Yespera de Canones, 1518. *
Doutor Jorge Femandes, Sexta de Canones, 1518.
Jorge Cabrai, cadeira de Codigo, 1518.
Agostinho Micas, Prima de Medicina, 1518.
D. Fedro de Menezes, Philosophia moral, 1517.
CAPITULO ni
OS Hnmanlstas e a reforma da UnlTersidade (1621-1637)
0 duplo trabalho doB Humanistas no secalo xvi, litterario e scientifico, actua
na reforma das Universidades Da RenaBcenQa. — Ob HumanistaB promovem
em Portugal as reformas pedagogicas de D. Joao ui. — Contraste da dimi-
nata instruc^So do monarcha com os grandeB esforQOB para a renova^So da
Instruc^So publica. — A reputa^^ doB BabioB e philologOB portugaezeB nacr
UniyenddadeB de Paris, SalamaDca, Padua e Louvain. — D. Joio ui decla-
ra-se Protector da UniverBÌdade, e procura realisar as aspira^es dos sabios*
portuguezes no estrangeiro. — 0 Doutor Diogo de Grouvéa, com o auzilio de
D. JoSo m, obtem o Collegio de Santa Barbara e cincoenta bolsas para os
Estudantes d*£l-rei. — A peste de 1525; a Universidade representa para ser
encerrada. — Resolu^So do Conselho de 16 de dezembro de 1525 para que se
nao confundam os methodos da Arte de Pastrana com a de Nthrixa» — Or-
deua-se a construc^^o ^^ dois Collegios, de Santo Agoetinho e S. Joào Bn^
ptista, junto ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. — Reformas emprehen-
didas no Mosteiro de Santa Cruz por Frei Braz de Barros, corno prelimina-
res para a reforma da Universidade. — Dota^^o da Universidade com as ren-
das do Priorado-mór de Santa Cruz. — \) Doutor Garcia d*Orta entra no ma-
gisterio. — Devàssa de 1532 Bobre as irregularidades praticadas no provi-
mento das cadeiras.— Pensamento da mudan^a da Universidade implicito na
clausula: Emquanto o Estudó nào mudar. — Representa^So da Camara de
Coimbra, pedindo para ser sède da Universidade; resposta de D. JoSo m,
em carta de 9 de jnnho de 1538. — Nas cortes de Torres Novas, de 1535,
Evora reclama para si a Universidade. — 0 arcebispo de Braga pede para
trasladar-se a Universidade para a cidade de Braga on para o Porto. — Os
lentes da Universidade, receando que o Estudo seja mudado de Lisboa, re-
presei^tam em 14 de dezembro para fundar-se urna nova Universidade. — In-
fluencia de Jo2o Luiz Vives e do seu livro De Disciplinia, dedicado a D.
JoSo III em 1531, sobre a reforma dos Estudos em Portugal. — Rela9oes de
Erasmo com André de Resende e DamiSo de Gk>es. — D. JoSo ui encarrega
a DamiSo de Goes, em 1533, de oonvidar Erasmo para a Universidade por»
tugueza. — D. Damifto é encarregado em 1535 de contractar lentes para a
Universidade. — Abundancia de mestres de Artes em Paris. — Carta de D..
Jo^ m, de 8 de novembro de 1535, a Frei Braz de Barros, sobre os mea*
334 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
tres francezeB. — Por carta de 11 de mar90 é orgaDfsado em Coimbra o Carso
de Artes. — 0 Doutor Garda d*Orta deiza a Universidade em 1534, aoom-
panhando para a India Martim Afionso de Sousa. — 0 Doutor Fedro Nunea.
— Portnguezes illudtreB que ensinam em Salamanca ou ali se graduaram. —
A córte portngneza acompanha o ferver homanista. — Ajrea Barbosa cha-
mada a Portugal em 1521 para dirigir a educa^So dos infantes D. Afionso e
D. Henriqne. — André de Resende chamado a Portugal em 1534 para a ednca-
9ao do infante D. Duarte. — Nicolào Clenardo e sua influencia' na cdrte« —
* Carta de Clenardo, de 26 de mar90 de 1535, em que descreve os costu&es e
pratìcas pedagog^cas em Portugal. — A elei^So dos lentes. — 0 Ludìu ou a
Eschola secundaria. — A cultura exclusiva da memoria. — A ArU de LaUm
por D. Maximo de Sousa, 1535, prevalece no ensino até 1555. — A Graomia-
tica de Clenardo, de 1538. — Mudan^a da Universidade de Lisboa para Coim-
bra em mar9o de 1537. — Sèrie dos Reitores da Universidade de Lisboa até
1537.
As Universidades, que se mostraram hostis & renoya9So dos es-
tudos no principio do secolo xvi, luctando pela conserya9So do scho-
lasticismOy tìveram de tranaigir com o novo espirito, emquanto aos me-
thodoB e desenvolvimento de disciplinas acientificas. Ob humanistas
apresentavam-Be sob dois aspectos, jà corno phihlogos, reconstituindo *
08 textoB doB livros classicos deturpados por anonjmoB commentado-
res, jà corno sabios, especialmente mathematicos, aatronomos e medi-
coBy a quem a litteratura grega interessava para continuar a marcha
interrompida das sciencias. No seu combate centra o Bcholasticismo
fortificado nas Universidades, os humanistas venceram; a transforma-
980 e reformas universitarias da seculo xvi vieram de fóra^ de indi-
viduos extranhos às corporafSes doutoraes. Na Universidade de Lou-
vain, onde preponderava a direc9Ao de Erasmo^ embora nSo perten-
cesse a essa oorpora9&o, luctavam centra a velha Scholastica os cele-
bres eruditos Martin Dorpius, Alaert de Amsterdam, Jacques Latomus
ou Masson, JoSo de Coster, Jacques Oeratinus ou Yan Hom, Fran-
cisco Cromeveld e JoSo Paludanus. Citamos de preferencia està Uni-
versidade porque a frequentaram portuguezes que directamente influi-
ram nas reformas sob D. JoSo m, corno André de Resende, DamiSo
de Goes, ambos amigos pessoaes de Erasmo, e 0 louvavel reitor Frei
Diego de Murya. '
Em Hespanha tambem triumphara 0 Humanismo, personificado
na pessoa do erudito Nebrixa; Vives falla do tempo em que 0 com-
batera para Usongear os doutores, e come se converteu às novas dou-
trinas. A Arte nova penetrou na Universidade a par da Grammatica
de Pastrana, ou Arte vdha. Em um assento do conselho escholar, de
OS HUMANISTAS E A REFORHA DA UNIYERSIDADE 335
16 de dezembro de 1525, deliberou-se e por evitar as diversas opiniSes
que OS mestres de Grammatica segaiam em prejuizo dos estadantes,
que fossem notificados para que os ensinassem pela Arte de Pastrana
ou pela de Nebrixa, sem mistorarem ama com a outra.»* Vé-se que
a inflaencia humanista^ assim corno nos entrava por via da Belgica,
tambem atacava a UniverBidade de Lisboa pelo kdo da Hespanha. A
Universidade de Paris rendeu-se ao assalto critico de JoSo Luiz Vives^
no midoso pamphleto In Pseudos-dialecticoe; é certo que Vives dedi-
cou a D. JoSo in o celebre livro De Tradendis Disciplinis, em 1531,
livro que determinoa o pensamento da reforma da Universidade de
Lisboa, annunciado pelo monarcha em 1532. Porém a influencia dos
humanistas francezes deve fixar-se por 1527, quando D, JoSo ili, por
via do Doutor Diogo de G-ouvéa, e por via de Frei Braz de Barros,
protege a empreza do Collegio de Santa Barbara, em Paris, e procede
à reformaf&o dos conegos de Santa Cruz de Coimbra e & funda9So de
dois Collegios no opulento mosteiro.
Os mestres que D. JoSo m, no comefo do seu reinado, chamou
a Portugal para a educa9So de seus irmftos, eram portuguezes que se
distinguiam nas Universidades da Europa, onde sustentavam as novas
doutrinas humanistas.
Ayres Barbosa, que frequentara o humanismo na Italia com An-
gelo Policiano, regeu durante vinte annos as cadeiras de latim e grego
em Salamanca; foi chamado a Portugal, por 1521, para vir ser mostre
dos infantes D. Affonso e D. Henrique.
Pedro Margalho, que se doutorara em Paris, regendo depois uma
cathedra de Philosophia moral em Salamanca, foi tambem chamado a
Portugal, por ordem de D. JoSo in, para vir ser mostre do cardeal D.
A£Fonso. O rei, segundo se le em uma carta de Clenardo a D. JoSo Pe-
tit, bispo de Cabo Verde, deu-lhe uma conezia em Evora, e além de
tengas um legar no Desembargo do Pago.
Depois d'està deliberagSo, aproveita a vinda de DamiSo de Goes
a Portugal, em 1533, para o encarregar de um convite a Erasmo para
vir reger uma cadeira na Universidade de Lisboa. Em 1534 chama An-
dré' de Besende para dirigir a educa$So do infante D. Duarte, encar-
regando-o ao mesmo tempo de ir a Salamanca a convidar o erudito Ni-
colào Clenardo para o coadjuvar na sua missXo. Emfim, o Doutor Pe-
1 Nota de Pigueiróa, n.* 76, Ab NoUdaa chronologicas, § 933. (Ap. Inatituto,
t. XIV, p. 260.)
336 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIBIBRA
dro Nunea é em 1532 encarregado de ensinar mathematica e astrono-
mia ao infante D. Luiz e ao cardeal D. Henrìque, a cujaB lÌ93e8 assis-
tia tambem o futuro e glorioso vice-rei da India, D. JoSo de Castro^
A educagAo dos principes, induzindo o rei a procurar os melhores pro-
fessores, levou-o a proteger officialmente os philologos e a admittir as-
Buas doutrinas na Universidade. Quando a Companhia de Jesus pene-
tròu em Portugal teve de desviar o animo do monarcha d'està cor-
rente; D. Jofto III chamou a Portugal DamiSo de Goes em 1545 para
vir ser mestre do principe D. JoSo, mas o padre SimSo Rodrigues teve
arte para evitar essa nomea9&o, sondo o grande philologo substituido
pelo Doutor Antonio Piiiheiro, que ensinara rhetorica em Paris em nm
dos periodos gloriosos do Collegio de Santa Barbara. Està instabili-
dade de caracter de D. Jofto m resultava da sua mediocridade men-
ta!, facilmente sujeito a escrupulos religiosos.
A educa92io litteraria de D. JoSo in, cuja rudeza nSo escapou aos
cautelosos euphuismos de Frei Luiz de Scusa, nSo farla suppdr que
no seu reinado recebesse a inBtruc92o publica uma remodelaySo capi-
tal, comò a que se observa nas Escholas de Santa Cruz, na transfe-
rencia da Universidade para Coimbra, e na fandagSo do Collegio recti.
Frei Luiz de Scusa descreve a cultura que o monarcha recebera : <pa-
receo novidade mandar elRey vir ao pa9o, para dar IÌ9SL0 de escrever
ao Princepe, humpohre homem, que por bom escrivSo, tìnka eschola aberta
na cidade, Chamava-se Martim Affonso. Do que colUgimos duas cou-
sas : primeyra, que devia ser insigne na arte ; segunda, que nSo averla.
entSLo homem nobre, que 0 fosse n'eUa. DavSo-se em aquelle tempo to-
dos 08 nobres tanto às armas, e tSo pouco às letras, comò se fòra ver-
dade, que a pena embotasse a lan9a. Vicio e culpa que n'este reyno
durou mujtos annos, e cujo remedio devemos so a este Princepe, polla
honra que despois que reynou, soube fazer às letras e a todas as boaa
artes. . . Tratou elRey de o applicar aos estudos de Grammatica e La-
tinidade, e dar-lhe nelles pessoas autorizadas pera mestres. Foram na
Grammatica Diego Ortiz de Vilhegas famoso letrado e pregador, cas-
telhano de na9&o. . • O outro mestre foy 0 Doutor Luiz Teixeira, filha
do Doutor JoSo Teixeira, Chan9arel-mór que fora del Rey Dom JoSo
segundo. Era Luiz Teixeira vindo de fresco de Italia com fama de ho-
mem eminente, tanto nas letras humanas, em que fora ouvinte de An-
gelo Policiano, comò no Direito civil, sobre que escrevera doutamente.
D'estes deus mestres ouviu 0 Princepe varios livros de Latinìdade. Do
segundo chegou a tomar principios da lingua Grega, e ouvir parte da
InstUuta, que he porta e entrada pera 0 estudo do direyto civil. • »
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 337
Para tudo teve o Princepe bom naturai, acompanhado de grande me-
moria, que he hama das partes que mais se requerem nos qne estu-
dam qualquer sciencia: que se assi tevera a appIica92lo, que Ihe to-
Ihiam OS passatempos que costumam senhorear a idade juvenil, ou os
mestres se atreverSo a uzar com elle huma pouea mais de jurdÌ9St0;
podera ficar com perfeito x^onhecimento da Latinidade, e de outras ar-
tes, que elRey seu pay dezejou que soubesse: principalmente as Ma-
ihematìcasj de que Thomaz de Torres, medico e bom Astrologo, Ihe leo
alguns principios, assi dos movimentos dos Planetas, comò da consti-
tuÌ9lo do mundo, em terra e mares . . . Porém de todo este cuidado se
Ihe ncto pegou mais que huma boa incUna^ào para as Letras e letra-
dos, . .» *
Herculano, na Origem e estahdecimento da Inquisigào em Portugal,
leva as affirma95es pej orati vas muito mais longe: e Durante a vida de
seu pae muitos havia que o conceituavam corno intellectualmente im-
becil, ou que pelo menos o diziam. O proprio D. Manuel mostrava re-
ceios do predominio que, em tenra edade, exerciam no seu espirito
homens indignos.» Eram os seus favoritos Martim Àffonso de Sousa e
seu primo D. Antonio de Athayde. Nas allusoes mordazes dos linha-
gistas, nos nobiliarios manuscriptos, explica-se a influencia do conde
da Castanheira, «porque Ihe deixava tocar a mulher, quando era in-
fante.» Animo facilmente suggestivel, quando de todos os lados os es-
piritos se interessavam pelo humanismo litterario e scientifico, e a in-
telligencia portugueza occupava logares proeminentes nas principaes
Universidades da Europa, com o que a naySo se ufanava, D. JoSo ili
acompanhou a corrente, cobrindo a sua mediocridade com uma boa in-
clina9llo para as letras.^ Ao come9ar a reac9ào do Scholasticismo, su-
stentada pelos Jesuitas, verdadeiros continuadores dos Nominalistas, a
8ubmiss3o de D. JoSLo in serviu-lhes para se apoderarem do ensino e
lan9arem de Portugal os mestres francezes. D'està instabiUdade do
animo do rei resultam tres phases caracteristicas nas reformas da In-
struc9So publica portugueza:
A primeira decorre de 1521 até 1537, em que, depois da cha-
1 Annaes de D. Joào III, p. 8.
2 Escreve Villar Maior, na Noticia stiC4nnia da Universidade de Coimbra, ape-
sar do seu respeito officiai : «inclina9ào que quasi se converteu em mania, querendo
a todo o custo formar sabios e principalmente theologos; pois basta vermos que
8Ó em Paris sustentava, segando affirma o auctor da Monarchia lusitana^ setenta
estudanies d*aquella sciencia.» (P. 52.)
HI8T. UH. 22
338 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
mada de mestres eminentes para 08 infantes, o rei determina a reforma
dos Conegos regrantes e a fiinda^dlo dos CoUegios de Santa Cruz de
Coimbra, para os quaes vieram regentes portuguezes de Franca.
A segunda efifectua-se entre 1537, em que se faz a tra8lada9fto da
Universidade de Lisboa para Coimbra, para a qual sào chamados sa-
bios estrangeiros, até 1547, em que chega a Portugal Mestre André de
Gouvéa com um completo corpo docente, de verdadeiras capacidades,
para regerem as disciplinas do novo Collegio real.
A terceira phase cometa pela perseguiamo aos mestres francezes,
em que figura o detestavel cardeal D. Henrique, até 1555, em que D.
Joào III entrega o Collegio recti aos Jesuitas, que desde esse momento
se acharam dirigindo a educa9So publica portugueza.
Depois do fallecimento de D. Manuel, em 1521, a Universidade
nSo teve ensejo de eleger o novo monarcha para seu Protector; gras-
sava entSo uma terrivel epidemia em 1522; a corte abandonava Lis-
boa, e OS lentes nSo se reuniam para os actos academicos, comò o da
eleÌ9llo do reitor. * D. JoHo ni sentiu-se da falta da homenagem da Uni-
versidade, e ao firn de dois annos lembrou-lhe a eleiySlo do Protector.
A boa vontade do monarcha manifestou-se pela carta règia de 1523,
augmentando os salarios aos lentes de prima de Canones e Leis; aos
de prima e vespera de Medicina; aos de Canones e Leis de ter^a; aos
de Sea^ e Codigo; aos de Grammatica e Logica; ao de Theologia de
vespera; aos de Philosophia naturai, de Meta/jhysica, Philosophia mo-
ral e Astronomia; tambem angmentou o salario do Conservador da Uni-
versidade. *
Duas provisoes de D. JoSo ui, de 17 de novembre e de 6 de de-
zembro de 1525, manifestam a interven9S[o do poder real na Univer-
sidade; na primeira manda que se fa9a a eleiySo do reitor^ em dia de
S. Martinho (corno se usava em Salamanca), sentindo que nilo cum-
pram os estatutos manuelinos; na outra estabelece que os cargos es-
1 D*e8ta peste de 1522 falla Frei^uiz de Sousa, Annaea de Z>. Joào III, p.
44 a 46 e 59. Meyrelles, Epidemologia portugueea^ p. 236.
' Cari, da Fazenda da Univereidade. Patrim. ant. Grav. 3, M. 5, n.» 2. (Calai,
peryam. n.<* 51, p. 23.)
' Escreve Figueirda : «està elei^So do Reitor se fez por ordem de S. Mages-
tade em 25 de novembro de 1525, e que antes de se votar se praticoa sobre as
pesBoas mais dignas para està occupa9ào, e se fallou no Bispo Ambrosio, que sup-
pue era D. Ambrosio Brandào ou Pereira, bispo de Bostiona, e no Desembarga*
dor Jorge Co tao, que assim se acha escripto, e que oste foi prcf erido.» (Notas às
Noticias chronologicas, not. 104; Instituto, t. xiv, p. 279.)
OS HUAiÀNISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 339
cholares nSo podem darar mais do que um anno. Havia urna certa qne-
bra ^6 disciplina na Universidade, mas deve isso attribuir-se aos con-
stantes rebates da peste que assaltava JLisboa. Em 1525 a peste re-
crudesceu fortemente, ^ a ponto de ter a Universidade de representar
ao rei para ser fechada, pelo grande perigo que corria o pessoal do-
cente.
Em 9 de maio de 1525 representou a Universidade a D. JoSo ui:
cSenhor. 0 Reitor, Lentes e Conselheiros e Deputados do vesso Es-
tudo e Universidade da vessa Cidade de Lisboa com o acatamento que
devemos, beijamos as reaes mSos de Y. A. a que fazemos saber que
a dita Cidade està tHo impedida corno V. A. sabe; e por que Senhor,
OS dias passados faleceo ho Doutor Micas ' de peste, que foi urna grande
perda do dito Estudo por ser bum letrado tSo famoso e de que recebia
tanto proveito e fruito ; e porque Senhor, os bons letrados nom se fa-
zem se nam com multo trabalho e longo tempo, e os que bora lemos
no dito Estudo desejamos conservar nossa vida pera que mais annos
sirvamos V. A. e fa9amos servÌ90 no dito Estudo onde se criam e saem
OS letrados que governam Vossa JustiQa e ensinam salvar as almas e
curar os corpos, e por que etc. Assinados: fflacarote, Reitor. Ho Ba-
charel Jorge Calvo; Doutor Luiz Affonso, Antonius Soare"^; Franciscus
Valentinus, Artium Magisteri Petrus Bhombus: Balthasar Lupus.» ^
A peste de 1525 tornou-se mais intensa; D. JoSo in fugiu para
Coimbra em 1526* e ali se conservou ató fins de 1527;^ Gii Vicente,
1 Livro dcu Vereaqòea de Coimbra, de 1525, fi. 17 e 22. MeyrelleB, Epidemo'
logia portugueea, p. 238.
2 Em urna nota do reitor Figaeiróa ao § 955 das Noticiaa chronologicas, lé-se
àcerca d'este lente: «Agostinho Micas principiou a lér a cadeira de Philosophia
moral n'este anno de 1510, em que el-rei D. Manuel parece que a creou de novoi
por nSo se achar duella até aqui algum vestigio.» (Ap. Instituto, t. zit, p. 262.) De-
pois d'està data tomou o grào de doutor em Medicina, e levou por opposi^ào em
9 de mar^o de 1518 a cadeira de prima da mesma faculdade. (Ibid., p. 277.)
5 Ap. Cuidados litterarioa, p. 247. Frequentavam a Universidade D. Joao de
Castro, Fernao Vaz Dourado, Martinho de Figueiredo, Grarcia d*Orta e Chrysto-
vam Africano. (Ib.) D'este Fedro Rombo falla Cenacolo, corno discipulo de An-
tonio Martins, tendo impresso em 1500 : Anionu Martini primi quandam hujiu Artis
FASTBANE in alma Universitate Ulixbonensipreceptorig: maUriarum editio a baculo
eecorum hreviter coUecta.
* Regimento de 27 de setembro de 1526, em que allude ao decrescimento da
peste.
^ Allude a ella Amato Lusitano, Curationum Medieinalium Centuriae septem,
p. 719. Meyrelles, Epidemologia portugueza, p. 239.
22*
340 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
que acompanhava a córte, escreveu e representou em Coimbra a Far^
doB Almocreves e o Auto da Serra da Estrella, em que glorifica as fa-
milias nobres da terra. Foi durante està permauencia do rei em Coim-
bra que elle se persuadiu da vantagem de fixar ali a Universidade de
Lisboa.
Em 1527 jà Francisco de Sa de Miranda se achava em Coimbra^
de volta da Italia, onde se demorara desde 1521, na convivencia dos
prìncipaes litteratos; d'ali tinha trazido conhecimento das obras de Pe-
trarcha e de Sanazarro, de Bembo, de Aretino e Ariosto, e ao vir en-
contrar em Portugal os velhos metros octonarios das coplas de Gancio-
neiro, e urna ignorancia completa dos metros endecasyllabos, jà usados
em Hespanha por Bosc2o e Garcilasso, emprehendeu a retorma da poe-
sia portugueza, iniciando assim a esplendida època quinhentista. Noe
seus versos conhecem-se referencias à lucta de urna eschola nova cen-
tra o perstigio tradicional de urna poetica em parte palaciana, da per-
sistencia trobadoresca, e em parte popular. Sa de Miranda, no prologo
da sua comedia Estrangeiros, combate contra o uso dos dramas em verso
e com rima, e mais ainda contra a denominammo barbara de Auto em
vez de Comedia; era comò que \xm ataque directo a Gii Vicente, o in-
oomparavel representante da tradifSo medieval. Gii Vicente achava-se
em Coimbra em 1527 ; jà em 1523, na f arja de Inez Pereira, re-
pellira os ataques de certos homens de bom saher, que negavam a ori-
ginalidade dos seus Àutos. Esses homens de bom saber eram os hu-
manistas, que estavam extasiados com a leitura das comedias de Plauto
e Terencio, pallidos reflexos da comedia menandrina, e com as come-
dias italianas, apagado vislumbre do theatro classico. Sa de Miranda
foi secundado por novos talentos, que se lan^aram & imitamSo da poesia
italiana; mas a importancia do facto nSo estava em fazer bem endeca-
syllabos e imitar os petrarchistas, mas em introduzir na idealieagSLa
poetica a profundidade philosophica, dando universalidade ao senti-
mento. Foi isso 0 que destacou CamSes dos outros quinhentistas. A re-
nova9So litteraria achou no meio academico uma enthusiastica adhes20|
come vémos em Jorge Ferreira de Vasconcellos e em Antonio Ferreira,
emprehendendo a composiySo do drama classico; e na preoccupafSo de
uma epopèa virgiliana em varìos espirìtos, que foram supplantados por
CamSes. Alludimos aqui a està revoluySo na Litteratura, porque egual
transformas&o se operou na Architectura, substituindo-se o gothico pe-
las ordens gregas, e porque a queda do Scholasticismo nas Universi-
dadeSy provocada pelos humanistas^ tomou possivel a renovamSo das
Bciencìas e necessaria a forma^So de uma nova Bjnthese montai.
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIYERSIDADE 341
Àpesar da imita9lo academica que predominou nas Litterataras
uà època da Ilenascen9a classica, em que os modelos eram tomados
de Virgilio para a Epopèa, de Horacio para o Lyrismo e de Terencio
para o Drama, ainda assim o genio nacional achou expressSo nos gran-
des escriptores, corno em CamSes, Lope de Yega e Cervantes, Molière
e Shakespeare. Mas o que modificava profundamente o caracter das
Litterataras nSo era a imita9So mais ou menos calta, era a separa9Ìo
«ffectuada entre os escriptores e o povo. Emqaanto este continaava a
repetir aatomaticamente as suas tradiySes, cada vez oom menps com-
prehensSo do sea sentido intimo, os escriptores entregavam-se à col-
tura da expressSo litteraria sem preoccupaQllo de um destino social.
Perdiam-se assim a disciplina do sentimento *e o uso d'està immensa
forfa modificadora das vontades. £ o que foram os Scholasticos do firn
da Edade mèdia, desenvolvendo a Dialectica nos claustros e nas aulas,
sem terem em vista actuar sobre as opini(!les do vulgo, o mesmo foram
na B.enascen9a os Humanistas, enriquecendo as Litteraturas nacionaes
com imita93es dos livros da antiguidade e separando-se completamente
do povo.
Emquanto D. JoEo iii se achava em Coimbra, emprehendeu a re-
forma do mosteiro de Santa Cruz, em cujas rendas estava encorporado
o Priorado-mór, que era de padroado real. Como o rei gastava com as
obras do mosteiro uma grande parte das avultadissimas rendas do
Priorado-mór, entendeu intervir na reorganisa9So dos conegos, para o
que obteve os còmpetentes breves apostolicos. Encarregou da realisa-
9S0 d'este plano 0 provincial da ordem hieronymita, Frei Antonio de
Lisboa, e Frei Braz de Barros, parente do futuro auctor das Decade»,
come9ando na empreza em 13 de outubro de 1527 ; eram extranhos &
Congrega92o dos conegos regrantea, e por isso n&o foram bem consi-
derados os seus trabalhos de reforma9fto. ^ Frei Braz de Barros è que
apparece mais em evidencia, exercendo 0 governo do mosteiro, e co-
operando em todos os actos relacionados com a reforma das Escholas
de Santa Cruz e com a trasiada9So da Universidade para Coimbra. Os
conegos de Santa Cruz nSo tinham obriga9SLo claustral; pela reforma
de Frei Braz de Barros foram for9ados a adoptarem a clausura, esta-
belecendo-se assim uma separa9So entre os que se nSo submetteram e
1 Sobre 0 caracter da reforma doe Conegos regrantes, por Frei Braz de Bar-
ros, falla com amargura D. Nicol&o de Santa Maria, dizendo : «cuja reformaQSo
parca em tirar as rendas aos nossos Conegos de Santa Cruz para a Univeraidad e
de Coimbra. . . » (Chr, doa B^antes, liv. vi, p. 354.)
342 fflSTOIUA DA imiVERSIDADE DE COIMBRA
OS que adheriram^ qae ficaram Bujeitos ao governo de um Prior claus-
treiro, eleito entro elles. Entro os eonegos qne acceitaram o regimen
claustral figura D. Bento de CamSos, quo veiu a ser eleito Prior claus-
treiro no anno em que a Universidade foi mudada para Coimbra, e que
por està circumstancia recebeu a dignidade de primeiro Cancellano da
Universidade^ inherente aos Priores de Santa Cruz. Desde 1527 come-
Saram a adquirir grandes creditos o Collegio de 8. Miguel, dentro do
mosteiro, porque o seu edificio ostava em construcfSo^ irequentado pela
nobreza, e o Collegio de Todos os Santos; e pela superioridade do ensino
que ali professavam alguns eonegos que haviam estudado em Franfa, es-
tabeleceu-se uma corrente na arìstocracia portugueza, que para ali man-
dava OS seus filhoB para serem educados. 0 desenvolvimento extraordi-
nano d'estes dois CoUegios e a grande concorrencia de alumnos da fi-
dalguia foram uma das causas que levaram D. JoSo in a determinar-se
pela escolha de Coimbra para assento da Universidade, e à funda(So de
mais dois Collegios, de Santo Agostinho e de S, Joào Baptista, junìo
do mosteiroy e à custa das rendas do Priorado-mór.
0 cardeal infante D. Affonso, irmSo de D. JoSo ili, renunciou o
Priorado-mór de Santa Cruz em seu irmSo o infante D. Henrique,
sendo-lhè concedida essa faculdade por Clemente vii, em bulla de se-
tembro de 1527. Como tutor do infante, e comò padroeiro do Priora-
do-mór, entendeu D. JoSo m applicar uma parte das suas avultadis-
simas rendas para a su8tenta98o dos eonegos claustraes, para a fun-
da^fto dos dois bispados de Leiria e Portalegre, e para a dotaySo da
Universidade. Por carta de 19 de Janeiro de 1530* D. JoSo iii, com
o consentimento do seu tutelado, que era administrador perpetuo de
Santa Cruz de Coimbra, e consentimento dos eonegos e convento, cfea
a separasse das rendas d'elle, (;^ixando aos ditos eonegos para seu
mantimento, vestiaria e cal9ado, corno para todo outro provimento da
1 No livro doB Breveg da uniào cUu rendas de Santa CrvM* e Conesias, fi. 62,
vem a provisSo de 19 de Janeiro de 1530, sobre a reforma ordenada por D. Joio m:
«D. Joio etc. fa^o saber, que vendo eu, corno o Mosteiro de Santa Cruz de Coim-
bra era do B. S. Agostinho, e ob ReligioBOS d*elle Conegos Regrantes; que eram
obrigadoB a guardar a dita Ordem e Regra, e viver nas ObBervancias regnlares
d*ella,. . . e querendo provér, corno a dita Ordem e Regra fosse inteiramente gnar-
dada, e ob Conegos e Religiosos vivaBsem n*eUa, assim religioBamente, corno de-
vilo e cumpria; por servilo de Nobbo Senhor e descaigo de conBcienda do Infante
D. Henzique, meu muito amado e prezado irmio, Administrador perpetuo do dito
MoBteiro, o mandei reformar, e asfiim os Religiosos d'elle, na dita Ordem e Re-
gra.. .» (Ap. Dr. Silva Leal, Mem. da Acad. de Hitt. em ITSS, P. i, p. 120.)
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 343
vida em communi, as rendas de Quiaios, dos Redondos, das Alhadas
e Maiorca, de Cadima, de Vemde, de Murtede de Orvieira, de Anta-
nhol dos Frades, de Condeixa a Velha, de Bordallo, de AnciSo, dos
SebSes e Rio de Gallinhas, e assim mais de todo o azeite, e vinho das
pensòes do dicto mosteiro e todos os cameiros, aves, e ovos dos fóros,
e penscHes de todos outros quaesquer logares, que até este tempo fo-
ram da Meza do Priorado-mór; e outrosim que para a vestiaria, e en-
fermarla dos dictos conegos e frades, e anniversarios e missas, tives-
sem tambem todas as rendas, que até aqui tinham da sua Meza con-
ventual, e que tudo possuissem, govemassem e administrassem e re-
colhessem corno Ihes bem viesse, por si ou por seus officiaes, sem
n'isto o dicto infante, nem seus officiaes se intrometterem . . . que os
dictos conegos escolherSo e nomearlo & sua vontade as mencionadas
rendas, as quaes valiam e rendiam em cada anno por ayaIia9lo e es-
tima certa, que d'ellas se havia feito um conto e mU e duzentos e trinta
quatro reta; que bem Ihes poderiam bastar para seu mantimento, e
para outro provimento d'aquella real casa, de que todos foram mui
contentes; e que haveriam as dictas rendas de Janeiro de 1528 em
diante. ..»* 0 infante D. Henrique acceitou està separa9So por ou-
torga de 28 de Janeiro do anno de 1530, e os conegos de Santa Cruz
a 22 de abril, sob a clausula da confirma9llo do papa. ^ Estas resolufSes
foram convertidas em instrumento publico em 23 de agosto de 1535. Em
consequencia d'està separagSo das rendas do Priorado-mór, D. JoSLo in
encarregou Frei Braz de Barros em 1536 de mandar edificar os dois
CoUegios de Santo Agostinho e de S, JoSo Baptùta, de estudos meno-
res, de Artes e Humanidades, e para onde se destinaram depois algu-
mas dieci plinas da Universidade na trasladaQSo de 1537.
As reformas que D. JoSlo ili mandou fazer no mosteiro de Santa
Cruz de Coimbra, e fundagSo de CoUegios junto d'elle, ligavam-se ao
projecto da mudàn9a da Universidade de Lisboa: cdispoz prudente-
mente de longe os meios de effectuar està mudan9a, determinando que
no real mosteiro de Santa Cruz de Coimbra se desse principio a Es-
tudos publicos, pelos annos de 1528.»^ Em outubro d'este anno come-
yaram a reger-se os cursos regulares com alguns Mestres vindos de
Paris, em fórma de Universidade; a fama d'estes estudos fez no anno
1 Notas de Pigueiróa, n.« 111. Ap. Instituto, t. xiv, p. 282.
2 Bulla de Paulo ni, de vii kal. mail de 1536, confirmando a separa^ào.
3 Dr. Silva Leal, Collec^am de Documenios e Memorias da ^cademia de Eie-
taria, 1733, P. i, p. 402.
344 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
de 1529 convergir a Santa Cruz um grande numero de jovens fidai-
gos, yendo-se por està circumstancia forfado o reformador Frei Braz
de Barros a proceder em 1530 à construcgSo de dois Collegios^ para
receber os alumnos. Defronte do mosteiro^ na rua da Sophia, e à custa
das rendas da ordem^ edificou-se o Collegio de Todos os Santos, para
Theologos e Philosophos, e o de Sam Migud, para Canonistas e Theo-
logos. Os primeiroB gastos, em que se dispenderam pouco mais de
mil cruzados, foram cobrados de um deposito que se achava na Uni*
versidade de Lisboa; as restantes despezas foram & custa das rendas
do Priorado-mór e do proprio mosteiro de Santa Cruz. Nos Estatutos
d'estes dois CoUegios se Ha: oOrdenaroos, que as Collegiaturas dos nos-
sos CoUegios sejam dezoito, nove em o Collegio de Todoa os Santos,
e nove em o Collegio de S, Miguel, Em cada um Collegio haja trez
Familiares para servÌ90 do Collegio. O primeiro Collegio seja de Theo-
logos e Artistas, e o segundo de Canonistas, ou mixto de Theologos.»^
0 Collegio de Todos os Santos era mais pequeno e ficou lego
prompto, nio chegando os seus alumnos a viverem no mosteiro. Eram
conhecidos pjelo nome de Pardos, da c6r do seu habito; os do Collegio
de S, Miguel tinham a denominagSo de Roxos.^
0 Collegio de S. Miguel teve maiores propor53es, levando por
isso multo tempo na sua construc9ào; por este motivo^ e para se admit-
tirem coUegiaes ao mesmo tempo, emquanto as obras proseguiam, es-
tabeleceu-se dentro do mosteiro,* na casa grande chamada do Ghdeào,
junto à torre dos sinos e casa dos Priores-móres, onde foram rocolhi-
dos provisoriamente coUegiaes e porcionistas fidalgos. Os alumnos nSo
chegaram a sair do mosteiro para o seu Collegio, porque quando se
acharam concluidas as obras D. JoSo lu apoderou-se d'elle por em-
prestimo, em 1547, para ahi estabelecer o Collegio real, sob o princi-
palado de Mestre André de Gouvèa.
Junto do mosteiro de Santa Cruz tambem fundara Frei Braz de
Barros os outros dois CoUegios, de S. Jodo Baptista e de Santo Agosti-
fiho, que subsistiram até ao anno de 1537, lendo-se ainda ali por algum
tempo latim por cima da parochial de S. Jo9o, e a aula dos Quodlibe-
tos e Augustiniana entre a egreja e a portaria, ao lado direito.
1 Conservavam-se estes Estatatos no Cartorio de Santa Cruz, armario 14.
Silva Leal, op, cit.^ p. 404.
* «O habito dos coUegiaes de Todos os Santos sera huma loba de panna
pardo, que quasi cubra os pés, e capello singello do mesmo panno ; e o habito dos
oollegiaes de S. Miguel he lobas roxas sem collar, e do dito comprìmentoi e huma
baca com rosea do mesmo panno.» (Estat., const. 4; ap. Silva Leal, op. dt,, p. 405.)
OS HUHANISTÀS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 345
Na Descripgam e debuxo do moesteyro de Sancta Cruz de Coimbra
ha urna apreciavel referencia & tjpographia em qae trabalhavam os
conegos regrantes depois da vinda de Paris dos mestres Fedro Hen-
rìques; Goii9alo Alvares, e o hellenista Vicente Fabrìcio: «Em estas
casas (de stipar) sem nhua pessoa secalar aiudar aos relìgiosos^ vereis
corno se exercitIL em o officio de cZpoedorea, dùtribuidorea, outros em
0 de correytores, outros em hatidores, outros em tiradoresj e todos em
silencìo observantissimos guardadores.»^
A influencia do humanismo francez apparece-nos de um modo mais
directo no Doutor Diego de Gouvèa, que occupava em Franga uma mis-
s2Lo qualquer sob D. Manuel; em uma carta de 9 de margo de 1513, de
Jacome Monteiro ao rei, noticia-lhe: «comò o Dr. Diego de Gouvéa par-
tira para Ruào, munido das provisSes necessarias para tratar da cobranga
do euro que havia side toinado pelos francezes, o qual, segundo aca-
bava de Ihe escrever, havia jà pela mór parte em seu poder. . . »* No
principio de 1522 foi mandado regressar a Portugal o embaixador que
fora a Francisco l reclamar contra as piratarìas que os francezes fa-
ziam à marinha portugueza, «ficando em Paris Pedro Oomes Teixeira
para proseguir conjunctamente com Mestre Diogo de Gouvea no re-
querìmento de algumas cousas de sua fazenda, e assistir aos portugue-
zes em suas reclamagSes.»^ Em outra carta de 23 de abril de 1522 dà
0 embaixador em Franga conta a D. JoSo iii da entrega do galeSo e
caravella aprezados pelos francezes, e de que o Doutor Diogo de Goa-
vèa partirà para RuSo, d'onde o devia informar àcerca dos projectos
de um aventureiro que pretendia ir descobrir o Catayo. * Como vimos,
D. Manuel chamara a Portugal em 1516 o Doutor Diogo de Gouvèa
para o magisterio da Universidade, mas o activo doutor pediu excusa,
expondo ao rei o seu plano de concentrar em um Collegio em Paris
todos 08 Estvdantes d'el-rei. Emprehendera comprar o antigo Collegio
de Santa Barbara, onde imprimisse uma certa uniformidade de ensino
e de disciplina, para assim tornar mais proficuos os esforgos dos seus
1 Dr. Scusa Viterbo, Mantiel Correa Monte Negro, p. 13.
Ainda hoje se chama ao apparelho em que se vSo reunindo as letras com-
ponedor, e compoiitor ao que as reune ; batedor é o que dà tinta, embora jà se n2o
usem as balas com que se batia na fórma tjpographica, communicando-lhe a tinta;
ainda se diz tirar e retirar ao imprimir por uma e outra banda, mas impresaor ao
que faz este trabalho.
^ Yisconde de Santarem, Quadro Elementare t. ni, p. 178.
3 Idem, ibid., p. 199.
* Idem, ibid., p. 206.
346 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
patrìcios e os Intuitos do monarcha. Diogo de Gouvèa apenas conse-
guiu do proprietario do Collegio o arrendamento em 1520; porrentura
a morte de D. Manuel causou-lhe algum transtomo, porque em feve-
reiro de 1523 apparece-nos condemnado no tribunal por atrazo de ala-
gueres. De D. JoSo in obteve entSo cinquenta bolsas ou subsidios para
estiidantes, collegiaturas que foram tambem coadjuvadas pelo cardeal
infante D. Affonso. Este auxilio garantiu a existencia do Collegio de
Santa Barbara, que desde 1526 entrou em urna actividade normal, e
onde Diogo de Gouvèa mostrou as mais extraordinarias aptidSes pe-
dagogicas. Ahi entraram logo com o grào de me&tres Mar9al de Gou-
vèa, André de Gouvèa, Diogo de Gouvèa, o novo, e Antonio de Gou-
vèa, sobrinhos do famoso Principal, que teve por alumnos os mais as-
Bombrosos espiritos da Rena8cen9a. Na giria escholar era conhecido
pela alcunha de Smapivonis (Engole-moatàrda), termo conservado por
Francisco Rabelais, e applicado tambem a André de Gouvèa; està al-
cunha referia-se à mansuetude e benignidade com que supportavam as
fadigas do magisterio, vencendo as coleras violcntas em que de ordi-
nario càem OS que aturam alumnos indisciplinados. ^ Além d'està re-
forma do methodo pedagogico, Diogo de Gouvèa n2o se aterrava com
a liberdade mental dos seus collegiaes, e diante da crise diffidi do Scho-
lasticismo, que decaia luctando, e do experimentalismo da Renascen9a,
que penetrava na Universidade de Paris, elle deixou invadir o Collegio
de Santa Barbara pela corrente das doutrinas humanistas, comò vèmos
nas homenagens de veneratilo que Ihe consagraram os regentes dos mais
ruidcsos cursos, o philosopho JoSo Gelida e o mathematico Femel. Para
obter as cinquenta bolsas ou collegiaturas, o Doutor Diogo de Gouvèa
veiu a Portugal para apresentar o seu pedido a D. JoSo iii; em prin-
cipio de 1526 ainda se achava em Lisboa. No Collegio de Santa Bar-
bara, 0 talentoso JoSo Fernel, que para ali entrara comò alumno em
1523, regia um curso de Philosophia, explicando com a maior lucidez
0 texto de Aristoteles desannuviado dos commentadores, e juntamente
com està disciplina encetara um curso de Mathematica, para o qual
compoz uma obra a pedido do Principal Diogo de Gouvèa. Foi em
1527 que Fernel publicou o seu Monalosphaerium, dedicando-o a Diogo
de Gouvèa; fóra consagrado ao primeiro anno do seu curso,' frequen-
1 A loca9So : Chegar a mostarda ao nari*^ significa a explosSo da colera nSo
reprimida. Revela-nos o seiìtido da alcunha rabelaisiana.
< TranscrevemoB em seguida a importante Carta de Fernet a Diogo de Gouvèa:
•Ao varào perfeitisaimo e sem èenào, e cdé>errimo douior em Sagrada TheolO'
OS HUMANISTAS E A KEFORMA DA IJNIVERSIDADE 347
«
tado por muitos alumnos portugaezes, hoje totalmente desconhecidos,
corno JoSo Baptista^ JoSo Ximenes^ Manuel de Teyve.
0 curso do segando anno foì intitulado Cosmotheoria, e professado
em 1528. Fernel dedicou a obra a D. Jofto in, em reconhecimento dos
altos beneficfes que o Collegio de Santa Barbara Ihe devia; e apresen-
tando 0 9ea trabaiho mostra esperanQa de qùe os seus novos methodos
già, Diogo de Gouvèa^ Joào Fernet, naturai de Amiena, apresenta o$ eeus respeito»
809 cumprimentoa.
Quando andavas a dispdr as cpusas, 6 varSo integcmmo, para urna partida
longinqua e exposta a vaiios perigos, para o serenissimo rei dos portugnezes, mais
do que urna vez me rogaste que, na tua ausencia, imaginasse eu alguma cousa por
meio da qual os espiritos festivos e brincalfaoes dos mancebos (mórmente d'aquel-
les que tinhas acreditado deverem ser por mim educados) podessem colher as flo-
rinhas e as abastauQas suavissimas das disciplinas mathematicas, e comò por um
accrescentamento de joias estrangeiras tomassem as outras artes, com as quaes
se misturassem, mais ìllustres e mais apreciaveis.
Pois s&o com effeito de tal natureza que acarretam brilho e esplendor 4s
cousas yulgares, e conseryam durante toda a rida o espirito no corpo corno que
banhado por um certo e incrivel deleite: o que a nobreza parece conseguir n'aquillo
a que se applica.
Porém, emquanto ao que me diz respeito, com o firn de fazer alguma cousa
digna do teu pedido, ordenei immediatamente ao meu animo aqnillo que eu co-
nheci — que tu beijavas e abra^avas piedosamente este genero de afagos. A estas
cousas accresceu tambem um frequente e quasi diario pedido da mocidade estu-
diosa, a qual eu conhecera d^isso ter ainda mais desejos. Pertanto, apresentados
estes preambulos nSo yulgares, para um tal fim, à obra do uso de urna s6 Esphera,
ha jà multo tempo come^ado, Ihe puz jd a ultima demSo, com a qual obra se abrisse
um caminho mais ezpedito a todos para os segredos das mathematicas. Isto s6 na
verdade para a habita^ao de cada um, e àquem e além do equador basta que
accommodes as utilidades sem nenhum trabaiho, de modo que, regulando-te pelos
prìncipios astrologicos, nada pareva teres omittido.
Porém, se alguem, apesar d'isto, entregando-se a impertinentes censuras, as-
severar que aquelle mesmo instrumento, ao qual dèmos o nome de Monaloephae-
ritmif apresenta semelhan^s eom o Astrolabio, com certeza n£o o negaremos — tem
parecen^as com o Astrolabio : porém com mais presteza, e na realidade mais em
geral, abaia e esparse por baizo a agua.
£ por isto todos hào de julgar que o mesmo deve ser preferido ao Astrola-
bio, por isso que sSo mais nobres as artes quanto menos trabaiho dSo. Como se
alguma arte, visto o céo, ensinasse a abarcar todas estas utilidades, julgaremos
todavia està mais digna do que aquella, carecendo de urna ezplica^o enorme, nSo
so dos volumes, mas tambem dos orgSos.
Porém este trabalhinho, seja là apreciado comò for, comò se estivesse pre-
parando para a edi^So, por qualquer parte que (bem comò ave come^ando a co-
brir-se de pennugem, a qual pela prìmeira vez sae do ninho momo), olhou em volta
•350 HISTORIA DÀ UNIVERSIDADE DE COIMBRA
A par de Fernel figura no professorado de Santa Barbara o va-
lenciano JoSo Gelida, patricio de Celaya, mas antagonista implacavel
do Schoiasticismo. Gelida tinha sido discipulo de Joilo Bibeiro^ o en-
thusiasmado celaysta, porém o estudo do grego, auxiliado pelo seu do-
mestico Postel, fel-o comprehender que Aristoteles era multo differente
do que propagavam os commentadores medievaes (idèa que sustentou
em que faz finca-pé,.com as quaes a triste ignorancia é afugentada, e as mentes
se patenteiam mais divinas.
Por todas as partes estes teus immortaes feitos proclamam que o teu animo
é propenso a beneficiar os estudiosos, e de ti fallam corno se fosses nm verdadeiro
asylo.
£ls porque tenho eaperan^as que a nossa CosMOTHKOBLà ha de chegar com
mais 8eguran9a às tuas màos regias, e ha de ser ataviada com mais esplendor.
E pofltas de parte estas cousas, narrare nSo so as grandezas dos elementos,
mas tambem as grandezas dos globos celestes, os sitios, a composiQSo das partes,
mas tambem esplicare, em geral e com lucidez os movimentos dos astros.
Cada urna das quaes cousas se por acaso alguem jolgar talvez fìngidas, e
(comò dizem) feitas diante de urna tela ou panno de armar, por parecer arduo e
temerario definir aquellas cousas que s&o com effeito dlfficeis para serem defini*
das, esse sem duvida tem a consciencia de ser um nesdo.
Pois as agglomera^oes dos astros, as opposi^òes, os eclipses, vémoNos occor-
rerem exactamente nos proprios momentos em que os astronomos mais eruditos
com antecedencia declararam que ha viri m de apparecer.
£ por acaso este indicio nào convence mais do que cabalmente de que exis-
tem razòes dos movimentos celestes nsU) ignoradas? Oxalà que aquelles logares
das terras de que a cada passo os nauticos nos estSo fallando os marcassem tam*
bem com suas latitudes e longìtudes ! £is porque se alguem disputar àcerca das
grandezas dos orbes, esse, trocaudo o gr&o para as demonstra95es de Ptolomeo,
cederà immediatamente do seu campo victorioso : pois a ninguem foi dado destruir
estas, e nem sequer vel-as, tamanha é a for^a d'ellas, e tanta a ezcellencia da sua
evidencia.
Eis porque determinai seguir n'este trabalho corno anctoridades de primeira
ordem a este auctor, com Affonso, rei de Castella, e a Alphragano (Alfergani)
com o fim de que se alguma cousa parecer ardua ou digna de admira^So u£o seja
eu so tido comò auctor de tal asser^ào, mas tambem elles. Pois d^estes tambem
colhemos documentos, os quaes para com elles sendo tidos corno invenciveis de*
moustra^oes, os submettemos ao nosso trabalho, comò uns certos principios e fun-
damentos da arte astronomica ; n'estes finalmente tudo quanto resta da obra se
baseia completamente e teve o seu incremento mais solido. Mas para que houvesse
de ser de mais utilidade, terminamos a Cosmothisobu. com o Planethodio: instru-
mento o qual à primeira vista, sem incommodo algom de calculo, apresenta os lo»
gares dos astros e suas phases em cada um dos dias, patenteando ao mesmo tempo
um comò registro das opera^oes.
S&o estas, pois, ó magnifico rei, as cousas que eu tinha para consagrar à tua
serenidade, com o fim de que a ellas teu nome desse esplendor, corno astro matu-
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 351
tambem Antonio de Gouvèa na celebre pugna com Fedro Ramus), e
tratou de remodelar a educa9So da saa intelligencia, vindo a merecer
do eradito Vìves o epitheto de cAristoteles do seu tempo». Gelida de-
dicou ao Doutor Diego de Gouvéa a sua obra De quinque UniversalUms,
onde compara o Collegio de Santa Barbara^ na demoIiySo do regimen
intellectual da Edade mèdia, com o cavallo de Troja, d'onde saiam os
tino, e o movimento das estrellas se tornasse mais esplendido com o accrescenta-
mento de nm novo astro.
Ncm julgnei eu na verdade que taes cousas houvessem de ser dissonantes
ao teu festivo engenho, sendo, corno na realidade é, tHo admiravelmente organi-
sado para os segredos da natureza, e patenteando um arder tlo vivido para as
emprezas difficeis.
Abra^ando tu pertanto està contemplammo celeste, tens patente a contempla-
mmo de todo 0 mondo.
Visto, pois, estar j& sob a inspecmSo dos tens olhos a grandeza do orbe, de
maneira que d'elle nada te seja occulto, e os mais remotos confins do globo te se-
rem patentes pela industria dos reis teus antepassados, e com um tal nome nSo so o
povo christào, mas tambem toda a corda dos cosmographos do nosso seculo, urna
aurèola de gloria cinge o nome luzitano, nSo menor & que cingiu o nome dò alexan-
drino Ptolomeo. Aquella na verdade, porque jà totalmente foi destruido por varìoa
o commercio com os turcos de ter aromas para vender : estes, porèm, porque as ez-
tremidades do austro e do oriente, até agora desconhecidos pelos nossos homens,
abriram caminho para o nosso seculo. Nem eu j&mais tinha ezaltado com os seus
devidos louvores aquelle Henrique, illustre prole de JoSo primeiro d'este nome, o
qual, 0 primeiro de todos, se entranhou pelas praias africanas e ethiopicas com o fim
de visitar taes logares, e além dHsso abriu caminho para o promontorio da Etbiopia,
com incremento nào vulgar de todo o relno. Depois do qual, Bartholomeu Dias e
Fedro Cao, grandemente conhecedores da arte de navegar, desde o promontorio da
Etbiopia até k ilha de S. Thomé, d'aqui passando além d^aquelle cabo antartico da
Boa Esperan^a, foram os primeiros que (pelo menos por este caminho) alli chega-
ram. Os quaes, no reinado de D, JoSo u, com o cognome de bom agouro — de Boa
EsperanQa, — em Sophala, regiSo da Arabia (a qual julgamos que fora chamada
Ophir e Sophir, no segundo livro do Paralipomenos)^ hastearam a cada passo as
bandeiras da Lusitania, indicando bastantemente o arder de que estavam devo-
rados de augmentarem e territorio de Portugal.
Porém, come a estes de nenhum mode fosse licito avan^r mais além, pas-
sados alguns annos maior desejo dominou a D. Manuel, rei illustrissimo, e Vasco
da Gama e Paulo da Gama, irmlos, se fizeram ao mar, os quaes nlo semente se
apossaram de Sophala, mas tambem de Callicut, e se apoderaram tambem das re-
giòes ulteriores e opulentissimas da India.
Na maior parte dos logares foram levantadas 4 for^a fortifica^Ses, defendi-
das por machinas bellicas, e dispostos présidios em varios pentos, para que sem
grandes difficuldades fossem repellidos os ataques dos infieis enraivecidos. E to-
das estas cousas tu agora conservas com cmdado e augmentas 4 custa de despe-
zas, ampliando e teu imperio cuidadosamente. Um novo mundo se ergue, sendo tu
352 UISTORIÀ DA UNIVERSIDÀDE DE COIMBRA
priBcipaes talentos da Renascenja. * 0 Doutor Diogo de Gouvéa achou-
se envolvido nas questue» religiosas do secalo xvi, mas o seu espirita
toleraate, no meio das mais exaltadas pugnas theologicas, fez com que
OS adversarios, corno Robert Etienne e De Thou, apenas Ihe jogassem
urna ou outra phrase sarcastica, mais mordente para a Sorbonne do
que para o venerando pedagogo.
mesmo d'elle o fundador, o qual nem Alexandre macedooioo, nem Ptolomeo ale-
xandrino, jàmais dirSo sereni d'elle fundadores, ou que o houvessem conhecido.
Aquelle ourO| o qual antigamente o Sophir mandava com frequencia a Salerno,
esse BÓ a ti hoje é concedido. Finalmente aquellas madeiras de cedro, aromas e
pedras que recebeu da Persia, para ti s&o remettidas, corno se emquanto 4 or-
dem tu houvesses succedido a SalomSo. Aquelles que para elle corriam de toda
a parte, com o fim de haurircm d'elle a sabedoria, procuram-te com mais ardentes
desejos, com o fim de tu os confirmares na fé de Christo. Indicam-n'o esses que
nao so agora junto de ti s^ emissrios do reino ethiopico de Manicongo, mas tam-
bem do amplissimo potcntado do Preste Joào daa Indias. E eis que a quarta parte
do mundo, à qual os nossos pozeram o nome de America, n'uma grande parte em
tua honra abaixa os feixes e os estandartes : onde, a 36 gr4os, para a latitude bo-
real, um immenso e riquissimo rio se apresentou no anno passado k vista dos teus,
do qual (cousa inaudita) a barra se alarga por vinte e oito milhas, e até mesmo
dizem que a agua potavel corre para o mar por e8pa90 de vinte milhas. Porém
nós realmente nao nos encarregamos de narrar prodigios taes senSo para que el-
les sejam apregoados comò cousas dignas de serem sabidas por toda a parte. Pois
jÀ alcan^aram tanta extensào, que passam jà comò em adagio.
Recebe, pois, ó serenissimo rei, por tua augusta benevolencia e vulto riso-
nho, nossas lucubra^oes àcerca da contempla9So do mundo : para que nSo so todos
confessem que a Lusitania produzira isto comò uma novidade, e aguce os dentéÌB
Theoninos firmado no favor da tua magestade, e assim ligaràs com maior aperto
na verdade a Femel em alguma cousa que Ihe fór dedicada. Adeus, 6 indTto rei,
8upplico-te que descobertas as partes das terras para a luz, Christo as acceite nos
céos. Paris, um dia antes das nonas de fevereiro, anno 1528.»
(Da dedicatoria da Cosmoiheoria, libros duos complexa; reprodnzida por Qui-
cherat, op, cit., 1. 1, p. 352. Devemos a traduc^&o ao professor Manuel Bemardes
Branco )
1 Archivamos aqui a tradnc92o da Carta de Odida a Diogo de Grouvèa:
tjoào Gelida apretenta seus mui respdtosos cumprimentos a Diogo de Gouvèa,
gravissimo professor das sagradas lelras.
N'estes ultimos dias amplific4moB, 6 varSo eruditissimo, a razSo de discor^
rermos àcerca das ciuco vozes, e passadas algumas horas de molestissimo traba-
Iho, pareceu conveniente entregal-o ao teu nome para Ihe dares luz: nSo porque
julgue eu que este t2o insignificante opusculo sega proprio para se apresentar
a um vario tSo illustre, mas sim porque eu fa^o aquillo que é do meu dever : ou
para melhor dizer, que nem sequer cnmpro em harmonia oom o men dever aquillo
que a humanidade e a religiosa integridade dos costumes exigem em multo maior
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 353
A publicafSo quo Robert Etienne fez dos Evangelhos pela pri-
meira vez sobre manuscriptos gregos, collacionando-Ihes as yariantes,
produziu um immenso roido na Universidade de Paris. Os doutores re-
clamaram dos poderes publicos urna anctorisa9So para nada ser publi-
cado; attenta a necessidade de manter a orthodoxia, sem o seu exame
prèvio. Robert Etienne ficou envolvido na réde da argumenta9So ca-
escala. E sendo tu pois para com o rei de Portugal um varslo de tamanha aucto-
rìdade e lealdade, que d*elle recebes alumnos para por ti Berem edueados, todos
hSo de julgar pienamente racional que està primeira prodac9So do meu engenho
te haja de ser consagrada, dadìva qne em harmonia com a condi^ào do meu animo
e Yontade, espero que tu sem grande custo has de acceitar. Pois é proprio de um
homem liberal (e todos dizem que o és) o mostrar magnanimidade, e nSo o receber
dadivas. Porém, se na occasiào presente eu me esfor^asse em narrar os teus lou-
vores, e os da nossa casa de Santa Barbara, de que és Principal diligentissimo, na
oecasiào presente eu me esfor^arìa para continuar, e emprehenderìa percorrer um
vasto mar, no qual teria eu de me arreceiar antes do naufragio, do que da salva-
9S0. Quem ignora, pois, ó deuses immortaes, que do collegio de Santa Barbara, corno
de um cavallo de Troya, tém saido varoes fortissimos, os quaes tém combatido e
combatem sempre com ardor nos arraiaes dos medicos e dos theologos. Entre os
quaes poderemos mencionar JoSo Major, varSo na realidade nunca assaz louvado.
Porém, se voltarmos as atten^oes para os acampamentos Justinianeos, veremos
que a maioria é do Senado parìsiense, produzida pela nossa fecundissima Bar-
bara, da qual manam fontes de todo 0 genero de doutrìna, nio sendo fora de pro-
posito o affirmar que ella é um comò centro em volta do qual giram nossas aca-
demias, estando aquella sempre presente às nossas vistas. Eìs porque te devo dar
08 parabens, 6 varSo peritissimo, por seres tu a causa de florescer t2o notavel-
mente Barbara, e por melo de seus servi^os ainda tenha de floreseer mais e mais.
Apresento-te, pois, este opusculo dedicado ao teu nome, e pe^o-te que o acceites
para que elle possa com mais valentia resistir às calumnias, e arrostar com mais
denodo os ataques dos invejosos. Pois com efieito eu auguro que nào tém de fal-
tar calunmiadores, os quaes talvez pretendam attentar contra o nosso proposito.
Mas julguei que d*elles nenhum caso deverìamos fazer, mórmente corno ninguem
se tenha julgado de urna classe t2o abjecta, que n2o haja lucrado alguma cousa
com taes estudos.
E eis porque, se por conselho de Aristoteles (corno refere Quintiliano) seja
vergonhoBO 0 ficar calado, e, comò Isocrates diz, o softrer, nSo fica 0 nosso traba-
Iho esposto a labéo, com a manifestammo de taes cousas, as quaes dizem respeito
à intclligencia das ciuco vozes, e por outros foram passadas em claro, e annuindo
a quotidianos pedidos eu n'ellas trabalhei. Adeus, pois, 6 sectarìo da doutrina de
Paulo e acerrimo refutador dos lutheranos, e continua a favorecer com a tua cos-
tumada benevolencia ao teu Gelida. Do Collegio de Santa Barbara, a seis das ka-
lendas de outubro do anno 1527.»
(Publicada à frente da obra De quinque Univeraalibua, e reproduzida em la-
tim por Quicherat, op. ciL, 1. 1, p. 850. Devemos a traduc^So ao professor Manuel
Bomardes Branco.)
HIST. UN. 23
354 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Buistica doB doutores, que nSo Babiam grego ; quando se via for9ado a
sair de Eran9a, contou.os sena trabalhoB n'am opuscido: Ab cemuraa
do8 Theologos de Paris, pdas quaea tìnham falsamente candemnado as
Bibliqs impressas por Robert Etienne. N'este escrìpto figura entre os
censores o nosso Doutor Diogo de Gouvèa, o velho: cEu voltei ao tri-
bunal; pe90 que. elles presentes digam o que tém contra mim e que
produzam o resto dos seus articulados. Assiin for^adosy vieram dez, se
bem me lembr0| entre ob quaes estava Odoacro, seu orador, Picard, e
Govea 0 antigo^ Entraram no couBelho apertado, que estava reunido
em multo maior numero que de costume; porque todos ob oardeaes e
bispoB seguiam o tribunal e ali estaram ; o oondestaveli segundo depois
do rei| e o chanceller.— Estes dez, em nome de todos, me davam o com-
bate a mim so. Depois deuse-lhes ordem para que apresentassem os
artigos ou erro8| se assim Ihe quizerem chamar. Tendo debatido mui-
tas couBaS) com grandea risadaB de toda a assemblèa, por causa daa
Buas birras tumultuosas, porque elles discordavam entre si, enraireci-
dos um contra o outro, deblaterando ambos, foi-mé ordenado de re-
sponder immediatamente e fallar por mim. Croio que na minha defeza
a objurgajSo de que usci pareceu muito dura aos dez embaixadores;
comtodo, a yerdade da cousa obrigou a alguna d'elles a testemunhar
que as minhas annotaySes eram muito uteis.» No mesmo folheto de-
screve o esame ao exemplar dos Evangelhos, feito pelos theologos da
Universidade : e Finalmente, eu Ihe apresento no seu conclave nos Ma-
thurins o Novo Testamento por mim impresso; e entSo presidiam Gh-
vea e Le Bouz, que me tinham grande inimisade, homenB muito igno-
rantes, mas bastante cautelosos fabricadorea de ratoeiras contra inno-
centes. Elles vSem que é grego o que esti impresso. Pedem que Ihes
tragam um velho exemplar. Pensaes que era para lèr n'elle!. . . Por
fim concordaram que o encargo de lér està obra sera confiado a dois
de entre elles que sabam grego.»' Nfto admira que o Doutor Diogo de
G-ouvda n&o fosse um hellenista; era o estudo do grego alheio à sua
època escholar, comò observa Quicherat, que nota a fraqueza dos ata-
ques dos adversarios theologicos contra tSlo eminente individualidade.
Na adminiatra9&o e governo litterario do Collegio de Santa Barbara,
era o Principal auxiliado por seu sobrinho André de Gk>uvèay le plus
grand principal de France, corno Ihe chamava Montaigne, e que vere-
1 Ghwnde parte d*68te folheto foi publicado por Firmin Didot, na Biographia
de Boberi Etienne*
OS HUMANISTAS E A BEFORIIA DA UNIYERSIDADE 355
BIOS mais tarde convidado por D. JoSo m para fondar o Collegio retd
em Coimbra. Quando Mestre André de Qouvda come9oa a govemar
Samta Barbara, segaiu a doutrina da Renascen^ai em rivalidade com o
Ci^egio de Montaigay qae se mantinha nos velho3 methodoB aolioUuk
ticos. André de G-ouvèa ohamou para o Collegio o celebre LatomnSy
amigo de Erasmo e um renovador da Dialeotica pelo seu criticismo.
LatomuB, propagando em Franca o livro revolacionarìo de Bodolpho
Agricola, De inventione Diaìectica, poz em alarme todo o corpo theo-
logico, que achava isso um desacato a Arìstoteles. Beconhecido & prò-
tec9So de André de Goavéa^ Latomos dedicou-lhe o resumé da obra
de Agrìcola. * Bastam estes simples faotos para nos revelar comò a in-
1 Transcreyemos em segaida a Carta de Bartholomeu Latofnm a Mestre An"
dré de Chuvèa:
«Ck>mo de todo o genero de artes seja grande a utilidade, ó André de €K>q*
yds, varSo hUmanissimo, mas mai principalmente d*aqaella parte & qual dfto o
nome de — Arte de discorrer — , parte da qual nSo so colhemos fructos, mas tam-
bem adquirimos uma certa rasfio para formarmos joizos, e para adquirirmos todos
06 conhecimentos das bellas artes. Pois nem a natnreza, postoque a possoamos
optima, basta por si s6, se nSo fdr resguardada oom um tal presidio; nem em ge-
nero algom de artes ou de letras alguem é felismente versadp, a nio ser que bfja
side imbuido n*iun tal modo de discorrer, o qual n2o so concorre com aquillo que
oom mais certeza encaminba a mente d*aquelles que se entregaram és letras, mas
tambem deslinda questoes que nSo pertencem à Letteratura. E penetrando no àmago
das (jaestSes, expliea-nos as difficuldades e os embara^os difficeis,eazTeda-no8 os
trope^os. Eis porque, e com rasSo, os homens, mesmo os mais doutos, julgaram
sempre que deyia ser procurada edm o maxime empenho. £, com effeito, nSo sd-
mente elles mesmos a abra9aram com grande ardor e desyelo, mas tambem nol*a
apresentaram enriquecida com a diligencia e estudo d'elles : e ainda tambem nol-a
atayiaram com o seu engenho e industria amplissimamente, destinando-a para fru-
cto da sclencia e dos conhecimentos.
Mas corno duas scgam as partes em que ella se divide, — a 4e enslnar e ade
follar, a urna das quaes chamam Dialeotica, e dando A entra o nome de Ehetoxicat
— ^muitas cousas por ellas, tanto n*um corno n'outro genero, nos foram transmitti-
das com grande utilidade. Mas, segundo o meu modo de pensar, na segunda parte
trabalbou com grandissimo fructo Bodolpho Agricola. Pois escreveu este yarSo
&cerca da inven^So dialeotica um trabalho exacto e grandemente desenyolyìdo, no
qual, além da doutrina e modo de tratar as cousas, o qual com a maxima oonye*
nieneia apresentoa urna tal el^gancia no discurso, que pareee ter n*este genero
supplantado a todos, no conceito de todos os homens eruditos. E, oom effeite, corno
estes liyvos ha multo tempo andam naa mSos de todos, e por causa da sua utili-
dade sejam lidos nas escholas, hayendo sido escriptos com maior desenyolfim^tOi
de modo que nSo podem ser lidos dentro de um curto praso, tratei de os résumir,
28*
356 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
fluencia da Renascen9a actnava no espirito de D. Jo&o in, e qaal o-
caracter da projectada reforma da Universidade de Lisboa.
O elemento scholastico come9oa a ser expungido systematicamente
da Universidade ; D. JoSo m mandou por 1529 que mestre Frei JoSo
de Gandavo, ou Framengo, dominico, mestre em Artes e Theologia
pela Universidade de Paris, renunciasse a cadeira de Metaphyrica, que
alcangara por oppo8Ì9So em 15 de fevereiro de 1514; no conselho de
15 de Janeiro de 1530 mestre Frei JoSo de Gandavo apresentoa a sua
renuncia de lente de Metaphysica, pelo que o rei, em compensajSo, e
tocado da sua obediencia, o jubilou com 13^000 réis de ordenado, por
provisfto de 22 de abril de 1530. Vé-se claramente que era um golpe
no scholasticismo, porque Frei Jo3o de Gandavo, estando vagas as ca-
deiras de prima e vespera de Theologia, concorreu a ellas, e, nllo appa-
recendo outro oppositor, foi previde em 15 de fevereiro de 1532 na
de prima. ^ A faculdade de Theologia fechava-se A corrente humanista,
e comò protesto abriu o seu seio ao sustentaculo do scholasticismo.
Tambem por mandado de D. JoSo m, Frei Luìz, da ordem de S. Fran-
cisco dos Claustraes, renuncia a cadeira de Physica em 9 de abril de
1530, pelo que Ihe mandou dar urna ten9a de llf$000 réis, das rendas
da Universidade. ' As cadeiras de Philosophia eram especialmente prò-
vidas em medicos, prevalecendo sobre a especula9So subjectiva o cri-
terio^ da observaySo e da experiencia, que desde Hippocrates e Galeno
caracterisou està categoria de sabios. Era um symptoma auspicioso da
Renascenya; a Physica (De Natura), a Metaphjsica (Prima phUoso-
pMa) e a Logica (Censura veri) iibertavam-se do imperio das entida-
des mentaes. Assim vamos encontrar Pedro Nunes, ainda bacharel em
Medicina, cbamado & regencia de uma cadeira de Philosophia maral; e
no anno passado, e agora finalmente, pondo o maior empenho em que resumidos
foimassem um compendio, e depob,lendo-08 outra ves, tratei de oe dar 4 lue para
utilidade dos estadìoecs. E està ultima edi^io, 6 André de Gouvéa, julgaei que
t'a devia dedicar n*iim tempo em que és o Principal n'om amplissimo Collegio.
£ eis porque t*a dedico, comò é de justi^a, prestando-te este preito da minha he-
menagem.
Adeus. 15 das kalendas de outubro (17 de setembro) anno 1588.»
(Vem pnblicada & finente do Epitome eommentariorum dtalecHeaednveaUoms
Bodolpki Agrioolae; reprodnzida por Qoicherat, op. dt,, 1. 1, p. 860. Traduca do
professor Manuel Bernardes Branco.)
1 NaUu de FigueirÓa, n.» 85, ao g 960 das ^o^tocM ehronoloffieae. Àp. Iiuth-
Udo, t zzY, p. 268.
* Ibidem^ nota 98.
OS HUBIANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 357
Garcia d'Orta, que em 1525 regresaara de Salamanca graduado em
medicina; chamado A regencia de um curso de PhilosapJua naturai e
4e Swnmvlas, Estes dois eminentes homens de sciencia; e as maìorea
^lorias da Universidade, figuram ao mesmo tempo^ quando a corpo-
ra9So jà estava ameayada de sair de Lisboa; ambos se acham relacio-
nados com a grande figura historica de Martim A£Fon80 de Scusa. Var
,gando a cadeira de PhUoaophia morale que regia Frei Affonso de Me-
dina, e se ausentou d'ella, por chamado de D. JoSo ili, em 1529, foi
provido em 8ubstituÌ9lo, em 4 de dezembro, Fedro Nunes, entSo ba-
charel em medicina, com a obriga9So de ièr duas li$8es, uma theorica
e outra pratica. Em 15 de Janeiro de 1530 renunciou a cadeira de Lo-
.gica JoSo Bibeiro, e o conselho escholar a encommendou ao Doutor Fe-
dro Nunes, lendo mais està cadeira, tendo de salario 20f$000 réis. Ea*
creve Figueirda: a attendendo a que fazia pouco fructo na de Logica,
por falta de onvintes, Ihe encommendou a de Metaphysica, a qual leu
por um anno.» A cadeira de Metaphysica ficara vaga pela renuncia
de Frei Jofto de Gandavo, em 15 de Janeiro de 1530. Fedro Nunes dei-
.xou a Universidade, figurando ainda no exame privado de Luiz Nunes
de Santarem, em 16 de novembre de 1535, e no exame privado de Ma-
.nuel de Loronha, em 21 de Janeiro de 1537 ; cporém depois devia de
ir para Salamanca, pois de là veiu para lér a cadeira de Mathematica
-na Universidade de Coimbra, de que se Ihe passou previsto em 16 de
outubro de 1544, na qual cadeira jubilou por provisSo de 4 de feve-
reiro de 1562, tendo sómente treze annos de leitura, e se Ihe levaram
em conta tres annos que leu Fhilosophia em Lisboa, e quatro que por
ordem d'el-rei assistiu na cdrte entendendo nas Cartas de marcar e
exame de pilotos, para completar os vinte que se requerem para a ju-
bila9So.»^
Fedro Nunes foi mostre do infante D. Luiz, ensinando-lhe cFhi-
losophia, Arithmetica, Geometria, Acustica e Astronomia; tambem en-
sinou ao Cardeal D. Henrique, além da Arithmetica e Geometria, o
tratado da Esphera, as theoricas dos Flanetas, parte da grande com-
posigSo dos astros de Ftolomeo, a Mechanica de Aristoteles, e teda a
Cosmographia.»' Exercia este cargo por 1532, comò se infere da de-
dicatoria do tratado De Crepuscìdis a D. Jo&o ili. A sua reputa$2o
^ Figaeirda, net. 108, às NoUeioa ehronologicas; IrutiMOf t. xiy, p. 281.
* Bibeiro dos Santos, Da Vida e EacriptoB de Fedro Nttnea. (Mem. de Liiie»
raturOf t. vn, p. 251.)
358 mSTORIA DA tTNIVERSIDAOE DE GOIHBRA
corno nmthematieo fez com que em 1533, ao chegaar Martini A£Foii80
de Sousa a LÌ8boa, da expedi^fto a que fòra mandado com una ar*
mada a esplorar as costas austraes do Brazil e a reconhecer o Kio da
Pirata (1530), Ihe apresentou nota de algons phenomenos aatronomicot,
de que Ihe pediu a explica^So scientifica. Fedro Nnnes compoz, para
satiafazer a Martini Àffonso de Scasa, o Tratado sabre certaa duvida»
da Navega^. Eis as duvidas que Ihe formxdara o valente capitSo : cera
a primeira, que estando ho sol na linha em todos os logares em que
se achou Ihe nacia em leste, e se Ihe punha no mesmo dia em oéste:
iste egualmente sem nenhila defereren^ ora se achase da banda do norte
ora da banda do sul. • . À segunda cousa era que elle se achara em
XXXV gréos da outra banda da linha, no tempo em que o sol ostava
no tropico do capricomio e Ihe nacia ao sueste e quarta de leste, e se
Ihe punha no mesmo dia ao sudoéste quarta de loéste, comò aos que
▼ivem na mesma altura desta parte do norte: e que nam via corno pò-
dia iste ser: porque per rasam: assi avia de nacer aos que vivem da
outra banda do sul quSdo ho sol anda per os signos da mesma parte:
comò nace a nós quando anda desta uosa banda.» A observa(fto do
nascimento e pùmento do sol era um dos processos de determinar a
altura do polo, e Fedro Nunes explicou geometricamente as causas dos
phenomenos que Martim A£Fonso de Scusa observara nos mares do sul.
£ com rela^o i segunda duvida concine: cE tudi) isto se demostra ser
assi porque a propor^So que tS'o sino do comprimente da altura em
^alquer régiSo: cS o sino universal do circulo: essa mesma ha do sino
da declina9So ^ tem o sol em qualquer dia: ao sino do rumo em que
nace: o quo craramente se prova per Tolomeo, no segundo do Altnor
gesto. Do qual se segue quam facil cousa seja: resguardando polla me*
nhft 0 sol no seu nacimento: com a agulha bem verificada: ou com li-
nha meridiana: se for na terra: saber per conta sem mais instrumento
a altura do polo em que nos achamos: o que eu em todo tempo sem
saber a bora Q he nem ter linha meridiana: c8 instrumentos fa$o.»
Como n'este trabalho Fedro Nunes contradictava opiniSes auctoritarìas
de Jeronymo Cardan, de Jole de Monteregio, de Riccio, de Zeigler, de
Copernico e de outros, soffireu algumas censuras dos homens praticos,
por nunoa ter enJiarcado;^ refutando essas criticas, escreveu o Tra-
1 VarnhagenY na HiHoria geral do Bmsil, 1 1, p. 467 (not 83), julga que o
Dr. Fedro Nnnea, que em 1519 foi 4 India corno védor da fasenda, e do qual eas*
lem na Torre do Tombe cartas de 1521, 1522 e 1523, é o mesmo Dr. Fedro Nimes
illustre mathematico e astronomo; para està identifica^io funda-se na quasi simi»
OS HUMANISTAS E A REFORMÀ DA UNIYBRSIDADE 359
iado em defensam da Carta de marear, onde iniciou o estudo da Lo-
xodromia, ou propriedade das lìnhas oarvas. Hoefer escreve sobre este
facto: «A loxodromia ou Hnha loxodromica, sendo a linha percorrida
por am navio sempre dirigido sobre e mesmo rumo de vento, é urna
curva de dupla curvatura, tra9ada sobre o spheroide terrestre; ella é^
corno 0 reconheceu Halley^ a profecgSo atereographica da spirai loga-
rithmica. Wright, Stevin e Suellius estudaram depois de Nunes as pro-
priedades da loxodromia.» ^ No seu livro De CrepuscuHs, publicado em
1542, Fedro Nunes apresentou a S0IU9&0 do problema: — Achar 0 dia
do anno em que o crepusculo é mais breve, — problema qua J. Ber-
noulli procurara longo tempo debalde ;{n 'este livro se diz «existirem ele-
mentos da theoria de Newton sobre as c8res.» No seu trabalho De Er-
ratis Orontii Finei, combate os paralogismos algebricos do mathema-
tico francez, que pretendia ter resolvido o problema da quadratura do
circulo. 0 facto principal em que assenta a reputasse de Fedro Nunes
è a descoberta de um instrumento de precis&o, para supprir as peque-
nas divisSes nos apparelhos astronomicos; é 0 Nonio, Tycho Brahe e
o Dr. Hallej fizeram um grande uso d'està divisSo, que tomou 0 nome
do seu auctor, e se conservou até hoje entro os nauticos e os astrono*
mos. ' O quadrante mathematico proposto por Fierre Vemier em 1631
Ihan^a das assignatnras manuscriptas : ha doctar jp.° nunie. 0 facto do provedor-
mór da Fazenda na India se intitular doctor, é que torna improcedente a concia-
bSo tirada da paridade das aesignaluras ; porqne em 1529 Fedro Nunes era ainda
baeharel em Medicina, corno se ve na sua provisSo de substituto da cadeira de Phi-
losophia naturai. Que elle n2o fez viagem algama infere -se de uma passagem da
Defata da Carta de marear, em que allude & m& vontade com que os pilotos rece-
bem as ezplica^òes nauticas dadas por aquelles que nunca embarcaram : «Bem sey
quam mal sofrem os pilotos que fale na India quem nunca foy nella; e pratique
no mar quem nelle nSo entrou : mas justificam-se mal : poys nós sofremos a elles,
que com sua maa linguagem e tam barbaros nomes ialem no sol e na lua e nas
estrellaS) nos seus cìrcnlos, movìmentos e dedina^oes, etc.» Fedro Nunes era tam*
bem combatido por tbeorìcos auctoritarios, comò Diego de Sa, que em Paris pn-
blicou a obra De NavigatUme, libri tre». Ribeiro dos Santos, na memoria sobre Fe-
dro Nunes» deu aviso àcerca da possibilidade d'està confusSo : «por aquelles tem-
pOB bouve outro do mesmo nome, com quem se n2o deve confdndir o nosso Nu-
nes, 0 qual se intitula o Dputor Pedro Nunes, Veder da Fazenda da India em 1520»
talvez 0 mesmo que se diz Cbanceller da Casa da Supplica^ por 1584 e Juiz dos
FeitoB d*Alfandega de Lisboa no mesmo anno (Mtmoriae da Aeademia, t. vxr,
p. 255.) O erro de Vamhagen jà apparece em eircula^fto na Eutoire dee Màthé^
mathiqueaf de Hoefer, p. 849.
1 HiHoire dea MàthémaUqueBy p. 849.
* NcuveUe BieginipMe generale, de Didot
360 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
•
é urna imita9fto do instrumento inventado cem annos antes em Porta-
gai. Ribeiro dos Santos, na apreciavel biographia de Fedro Nunes, toca
0 verdadeiro ponto de vista critico por onde o seu genio mathematico
deve ser considerado : «Em verdade^ que se conhece bem o seu alto me-
recimento olhando para os annos em que a escreveu (a Algebra); isto
é, desde 1532 ou 1533, tempos em que nSo apparecia em scena escri*
pto algum de gregos e romanos, e nem talvez existia outro, senSo o
das Questdes arithmeticaa do aloxandrino Diophante, que lanQOU n'ellas
algumas sementes da Ànaljse, obra que ainda entào se nSo tinha di^
vulgado; tempos em que apenas corria o livro de Qebre d'entre os ara-
beS) e OS tratados mais modemos dos italianos, Fr. Lucas de Borgo,
Cardan e Tartaglia, escriptores contemporaneos do mesmo Nunes; tem-
pos alfim, em que ainda se nào tinha dado à EquajSo huma nova fórma,
mais commoda para as opera95es, nem raiado ainda o luminoso astro
de Descartes, que as fez mudar de aspecto, e os de Leibnitz, de Ber-
nouilli e de Newton, que estendeu os seus confins. » ^ Fedro Nunes foi
chamado do 8ervi90 da Universidade para vir ensinar Mathematica ao
rei D. SebastiSo, fixando a sua residencia em Lisboa, em 1572, por
convito do monarcha. ' 0 ultimo anno conhecido da sua existencia é o
de 1574, porque em o alvarà de 12 de agosto d'esse anno se Ihe faz
a mercé de passarem padrSes de 30^000 réis ao filho ou filha que o
Doator Fedro Nunes nomear no seu testamento. '
1 Vida e Eserìptos de Fedro Nune$, nas Memoriaa da Academia, t. yn, p. 250
a 283.
2 Antonio de Marìz, na Dedicatoria da edi^o de Coimbra de 1573 do tra-
tado De Arie cUque rcUiane naviffotianis,
' Fedro Nunes recebeu mnitas tenQas, cnjas cartas Ribeiro dos Santos dta
na sua biographia. Transcrevemos mais està, que <a n*aquclle estudo, e que e«-
palha urna certa luz moral : «Mt.^ ylustre sor. — £u fai a S. M. sabado ho qual me
remeteo a V. S. co que heu mt.® folguei que pois meu requirimento estÀ em mSo
de y.* senhoria nS se ade perder minha justi^a; o que pedi a el Rey noso sfior foy
OS cem mil reis de meu hordenado que m*os de sua A. para roeus filhos e que ho
hoficio dalfandegua que me tem dado para minha f.' que me dd satisfa^io dele em
algna cooza boa e honrada para a hindia para ajuda de a Sncaminhar, e os meus
trinta mil Rs. de ten^a que eu coprei por me dr.^ para mynha mulher histo para
o que mere^ é mt® pouquo, e pore fazSndo està merce a meus filhos fiquarey co-
solado que comò disse a Y. S. estft todas por Squaminhar e pois me en esqueci
de 'mynha mulher e delles por servir sua A. bem seri que me fa^ merces para
elles por descarreguo de sua oonsdencia que para my hir me ey fazer hermita para
icomSdar a da^. a S. A. e a Y. S. — aqui m2do parte de meus servi^os a Y. senho*
ria certefiquo Ihe que v2o mt.* menos esciitos que gA parte dos que eu fiz pc^o a
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIYERSIDADE 361
«
Vimos a inflaencia que as viagens do destemido Martim Affonao
de Sousa exerceram sobre as estudos mathematicos do Doutor Fedro
Nunes; vejamos agora corno iK^ompanhando este capitSo-mór do mar
para a India o Doutor Qarcia d'Orta se liberta das queatSes estereis
dos medicos hellenistas e arabistas, indo à explora9&o directa da Na-
tareza, corno um heroe da Bciencia positiva. Martim A£Fon8o de Sousa
tinha chegado a Lisboa^ da exploragSo das costas austraes do Brazil^
em 1533, e logo em 1534 era despachado para a India com um cargo
difficil e laborioso, mas subalterno do vice-rei; largava o Tejo em 12
de maryo com ciuco nàos: a Rainha, em que ia por capitSo, acompa*
nbado de muitos jovens fidalgos, que nunca o deixaram nos lances ar-
riscados; a Santa Cruz, a Santo Antonio, a Oraga e a Sam Miguel.
Attentas as antigas rela95e8 de amisade do Doutor G-arcia d'Orta com
Martim Affonso de Sousa, a quem na velhice dedicou o seu livro dos
Colloquios dos Simplices, é muito provavel que o doutor fosse compa-
nheiro de viagem da nào Rainha, e conversasse sobre o tempo da vida
escholar em Salamanca, onde tambem se achara o capitSo-mór do mar.
Martim Affonso de Sousa era um d'aquelles mancebos favoritos de D.
Jo2o III, quando principe, comò o foram D. Luiz da Silveira e mesmo
Sa de Miranda. Quando D. Manuel emprehendeu o seu terceiro casa-
mento com D. Leonor, irmS de Carlos v, que o principe D. JoSo pre-
tendia para si, o rei afastou da córte todos os que nSo approvaram
esse tresloucado consorcio, e em especial os amigos do principe. Em
1521 Sa de Miranda foi viajar pela Italia, e Martinf Affonso de Sousa,
viajando pela Hespanha, visitou Salamanca, onde se demorou, namo-
rando-se e casando ali com a gentilissima D. Anna Pimentel, filha do
regedor de Salamanca e Talavera, D. Aryas Maldonado. Depois do fai-
y. S. por que é que veja tudo mt.^ bem corno de seu servidor e com histo beijo
suas m2o8 a quS noso sfior acrecente vi(da) e estado por mt.^ anos.^- servidor de
V. S.
ho dolor
p.^ nunit.
(Pablicada pela primeira vez por Yarnhagen, na HUtoria geral do Brcuil^
t I, p. 468.)
^ N'esta carta refere-se Fedro Nunes ao alvarà de lembran^a de 21 de outa-
bro de 1557, da mercé de um officio no reino cu na India, para a pessoa que boa-
vesse de casar com urna de suas filbas, e correspondente & categoria da pessoa;
ficou sem effeito, porque se trocou pelo officio de contador da camara, comò se ve
da nota marginai do escrìv&o da Torre do Tombe, de 22 de abril de 1562. (Kibeiro
dos Santos, Und,, p. 254.)
362 flISTOBU DA UKIYERSIDADB DB OOiMBRA
lecimento de D. Manuel; em 1521 , Martim Affomo de Soosa oontinuou
em Salamanca & esperà que o novo rei e seu antigo «migo o chamasse;
0 rei demorou-se a fazel-o, com oertesii inflaenciada pelo peraimo ca-
racter do valido D. Antonio de Athayde, aquelle que maie soube captar
o monarcha. D. Luiz da Silveira retiroa-se para a sua casa da Sorte-
Iha; Si de Miranda foi fruir a commenda das Duas Egrejas para o Mi*
nho; e Martim A£Fon80 de Scusa parece ter side afastado syatematica-
mente da córte pelas expedijSes maritimas de 1530 e 1534. Estes fa-
ctos nos explicam as relafSes de constante amisade do Doutor Garcia
d'Orta com Martim Affonso de Scusa. 0 novo medico chegara a Por-
tugal em 1526, estabelecendo-se em Castello de Vide;^ a sua vinda
para a c6rte seria talvez por influxo de Martim Affonso. E certo pò*
rem que elle se dirigiu ao magisterio da Universidade de Lisboa, accei-
tando a regencia da cadeira de Philoaopkia naturai em 1530, por en-
eommenda do Conselho escholar em 5 de novembre.^ A encommenda
era uma especie de sub8tìtuÌ9So, que so se tornava effectìva quando a
cadeira era declarada vaga e se abria concurso cu opposigSo ; mesmo
o candidato votado em concurso exercia o magisterio por encommenda
até receber o provimento ou despacho regio. Em 27 de Janeiro de 1532
1 Transcreyemos aqui a carta regìa que o aactorìsava a curar em Portngal :
«D. Joham etc. a quantos està mÌDha carta virem fa^o saber comfiando eu
nas letras e ciemcia do ieterado guarda d orta morador em castello de vide e no
eiame que fez o meu fisyquo moor cm o quali ho achou auto e Bofidemte e jdonjo
e Boficiemte asy na teorica comò na pratica queremdolhe fazer gra^a e merce
oomffiamdo nele que sempre o farà asy bem e comò compre a servjQO de deus e
meu e saude do meu povo tenho por bem e Ihe don lugar e licem^a que eie posa
curar de fìsyca por todos meus Begnos e senhorjos. £ mamdo as mynhas justi^as
oficiaes e pesoas a que o conhecymento pertemcer que livremente o leyxen usar
de sua cyemcia e aver ob proes e percalle omrras e liberdades de que por seu
grao ezame e eyemcia Ibe dereytamente pertence aver. £ eie jurara em a mynha
cham^leria aos samtos avamgelhos que asy bem e corno deve e com sua demcia
e asy comò compre a servy^o de deus e meu e booa saude do povo. £ mando que
se algum fisyco em meus Regnos e senhoryos sem amostrar mynha carta pasada
pelo meu fisiquo moor posto que graduado seja emcorra em pena de trimta dobras
oomteudas em meu Regimento e sondo Beqnerìdo pello lecemoeado grada d orta
as mynhas justi^as o constrangeram que paguen a dita pena. Dada em almeyrym
ao X dia do mes dabrìll. £lBei o maodou polo doutor diogo lopes cavaleyro da
ordcfm de ohrìsto e fisyco moor em seos Begnos e senhorìos Amtonio de farla a
fez anno do nacyrnento de noso senhor Jesnu cbHsto de jb'xzvj.» (Cktmo^, de D,
Joào III, liv. 36, fl. 97 ; publieada pela prìmefara vez na QoMtm de Pharmaeia, de
1867, p. 45.)
* Notai de iìgueirda às Natìoioi ehronólogica»; ap. LuUMo^ t jov, p. 281.
OS HUMANISTAS E A RfiFORMA DA UNIVERSIDADE 363
foi declarada Taga, além de oatras cadeira^, a de Sumimulas, ficando
o concorso aborto por vinte dìas, e sendo a 8al>8titnÌ9So por tres an-
nos; mas n'osse mesmo conselho se concordou eque a cadeira de su-
mas a lese gracia dorta até Sam Lacas, e isto por eTnccmmenda, . . »^
As SummulaB eram o celebre resuino de Fedro Hispano^ quo se dava
ainda nas Escholas de Paris e em Salamanca. Na Tahdla Legentium da
segunda terja do anno lectivo de 1534^ figura L,^ orta, e a nota: caos
desaseys dias do mes de mar^o come90u a ler ayres de luna a cadeyra
d'artes q foj do L.^^ orta.» Na nota de Figueirda:' deu até um de
mar90 de 1534 por estar de partida para a India.»
0 Doutor Garcia d'Orta tinha partido no dia 12 de mar9o; nos
CoUoquioè (fl. 177 ^) descreve o come90 da viagem: «Eu vim de Por^
tugal um anno antes, e trouxe pouca fazenda (corno se acontece a mni-
tos), entro a qual trouce ciuco quintaes de pào chamado guaia^^, o
qual ao tempo de agasalhar, nSo foi bem alojadó, e tomaram-me d'elle
0 que quizeram as pessoas que o queriam tomar; e chegando a està
terra, achei que pereciam muitas pessoas de talpariaa, e de outras cha-
gas de soma castdhana, e a muitas d'ellas nSo aproveitava o remedio
das unturas. E chegando a està terra, eu fui muito festejado por tra-
zer oste pio, porque jà se haviam curado com elle algumas pessoas,
is quaes havia succedido bem, e assi esperavam por elle de Portugal,
e eu vendi o que trouxe por mil cruzados ; etc. » 0 Doutor Garcia d'Orta
ia estudar na India as plantas medicamentosas, que na Europa eram
mal conhecidas pelas incompletas descrip93es dos Arabes. No seculo xvi
1 No importante livro do conde de Ficalbo, Garcia da Orta toaeu tempo,
vém estes docamentos transcrìptos do t. u, fl. 90 e y das ProvUoes de Lisboa, que
estio no Archivo da Universidade:
«ÀOB vimte sete dias do mea de Janeiro de mil e quinbentos e trimta e dous
annos no estndo de Lix.' na capela do dito eitudo pelo Sor Beitor Lemtes conse-
Iheiros depatadoB foi acordado ^ m cadeiras de canones e. de prima e vespera e
' sezta foaem postas por yagas e asi de prima de fisica e a de sumulas. Q em dem-
tro de tres dias se venha qnem quìzer opoer a ellas e porq asi foi acordado Man-
daram os ditos Soros asi asemtar pera o asinarem. Vagas som.'* a sustituiram.*
Depois das assignatoras segue :
<£ a cadeira de iumulas se opoerà por vimte dias demtro dos quaes se opoe>
ram, e està anstitai^am be de tres annos.»
E no y da foiba: Fas par gracia doria»»
«E loguo no dito dia atraz esprito foy acordado no dito cSselbo c[ a cadeira
de sunuu a lese gracia dorta até Sam Lucas e isto per encomenda, por emtam se
farà elei^am da dita catedra por tres annos.»
s Ma, dos Consdhos, t n, fl. 80 f, Conde de Ficaiho, op. eit,^ p. 46.
364 HISTORU DA UNIYERSIDADB DE GOIHBRA
a Medicina, que se renovava pelo estado do methodo de Hippocrates,
suggerida por novas mveBtigafSea anatomicas e por tentativas de ex-
plica9lo phjsiologica, achou-se embara9ada pelo alto interesse que a
Materia medica e a Pharmacologia adquiriram, por effeito da desco-
berta da America e da India. Muitos medicos distinctos tomaram-se
botanicoSy comò Manardi, Buellio, e o nosso Doutor Oarcia d'Orta. A
•descoberta das novas Floras da America e India coincidia com o es-
plendor dos estudos classicos, e os principaes botanicos da antiguidade,
comò Theophrasto, Dioscorides e Plinio, achavam eruditos cómmenta-
dores em Theodoro de Gaza, Hermolio Barbaro, em Nicolào Leoni-
cenus e André Mathioli;^ os proprios grammaticos faziam dicciona-
rios de plantas e medicamentos, corno Nebrixa e outros. D'està rela-
9^0 dos estudos botanicos com o do testo dos escriptores classicos nas-
ceu um certo desdem pelos medicos arabes e um enthusiasmo fervente
pelos gregos.
0 Doutor Garcia d'Orta refere-se muitas vezes a este antago-
nismo de eschola, e faz justÌ9a aos Arabes, comprovando os factos con-
«ignados nos seus escriptos com os dados positivos da sua observa-
92o directa. Mesmo a fórma do Dialogo, adoptada nos CoUoquioB, pa-
rece intencional, comò notoa o conde de Ficalho; Raano é o espirito
submisso à auctoridade dos livros e à tradÌ9&o da eschola, Orta é o li-
vre investigador, que corta a direito centra arabes, ou gregos, quando
08 factos se Ihe apresentam com outro aspecto. Comprehende-se assim
0 espirito da obra, implicito em trechos comò estes: cNfto me ponhaes
mede com IHoscorides nem Oalsno, porque eu nZo ey de dizer senSo
a verdade, e o que sej. . .» Ao que Ruano replica atemorisado: <Pa-
rece-me que destruis a todos os escriptores antigos e modemos, por
isso oulhai o que fazeis. . .» E alludìndo k auctoridade das escholas:
e Fez isso porque avia mede de dizer cousa centra os Gregos, e nSo
vos maravilhcis d'isto, porque eu estando em Espanha nào ousaria de
dizer couaa àlgìla contra Galeno e cantra oa Gregos, t^ Era està liber-
dade mental que o Doutor Garcia d'Orta nSo podia encontrar na Uni-
versidade de Lisboa, e ella dà ao seu livro a suprema importancia.
Emquanto os seus contemporaneos chatinavam para enriquecer-se, Gar-
cia d'Orta envelheceu estudando e fazendo bem. CamSes, escrevendo
a celebre Ode ao conde de Redondo, em encomio do sabio, aente-se
commovido perante aquelle vulto:
^ Hoefer, Histairt de la BoUudqut^ p. 98.
OS HUMANISTAS E A REPORMA DA UNIVERSIDADE 36S
£ vede, carregado
D*aimoB, letras e longa experìencia,
Um velho, que ensinado
Das gangeticas Musas na sciencia
Podalirìa sutil e arte silvestre
Vence o velho Chiron, de Àchilles meatre.
Vede que em vosso tempo se mostrou
0 fructo d'aquella horta, onde florecem
Prantas novas, què os doutos nSo conhecem.
Era està immensa curiosidade de espirito qae levava para a In-
dia, na armada de Martim Affonso de Sousa, o grande professor da
Universidade de Lisboa Garcia d'Orta, em 1534, onde tivera urna ca-
deira de Fhilosophia naturai, quando veiu dos estudos de Salamanca e
Alcalà. A Europa deve-Ihe a primeira descrip9&o do Cholera asiatico, *-
exposta nos seus Cólloquioa dos Simplices e drogas, publicados em Goa
em 1563, e generalisados ,na Europa na traducySo latina de Carolus
Clusius, em 1567, tirando-Ihes a fórma dialogistica. Na Dedicatoria do
Liceneiado Dimas Bosque, ao leitor, vém alguns tra90s biographicos :
chomem que do principio da sua edade até auctorisada velhice, nas le-
tras e faculdade de medicina gastou seu tempo, com tanto traballio e
diligencia, que duvido achar na Europa quem em seu estndo Ibe fi-
1 Tambem descreveu pela primeira vez a palmeira artea e o arbusto que
produz a noz vomica (Strychna nux vomica). — Lé-se no Discurso do professor
Stokvis, da Faculdade de Medicina de Amsterdam, na inaugura^&o do Congresso
intemacional dos Medicos das Colonias, em 6 de setembro de 1883 : «Bendamos a.
Cesar o que Ihe é devido ! Saudemos com reconhecimento a Hespanha e Portugal,
corno OS colonisadores mab antigos, e rendamos sobretudo homenagem a esse no-
bre portuguez Garcia d'Orta, medico do vice-rei da India, que n*um livro afamadò
com rasSo fez conhecer primeiro que ninguem, no meado do seculo xvi, em 1563,
um grande numero de plantas medicas das Indias orientaes, desconheddas até en-
tSo na Europa. Mas convém advertir que esse livro, uma das grandes glorias da.
sciencia portugueza, esse livro, no qual o anctor, primeiro que todos os medicos
europeus, nos dà uma descrip9So tSo viva comò exacta do cholera, nSo teria j&-
mais despertado a admira^ao da Europa inteira se nsLo fosse traduzido do portu-
guez em latim. Foi a Carolus Clusius, um dos prìmeiros e dos mais sabios profes-
sores de botanica em Leyde, que coube a bonra de ter feito conhecer este traba-
llio notavel ao mundo scientifico. Mudou-lhe a fórma, deizando-lhe intacto o fundo;
ajuntou-lhe as suas proprias investiga^oes, as suas descrip^òes de plantas e de
raizes mtertropicaes trazidas à Europa por Francisco Drake e outros, e foi assim»
que o mundo póde aproveitar as descobertas do celebre portuguez.» (Diario de
Notidaa, n.« 6:344, 1883.)
366 HISTORIA DA UNIYERSIOADE DE GOIMBRA .
zesse vantagem; saindo ensinado nos prìncipioa da eoa faculdade das
insignes Umversidades de Àlcalà e Salamanca;^ trabalhando de com-
municar o bem da sciencia; que nas terras alheias tinha alcanjado com
sua propria patria^ lendo nos Estados de Lisboa por alguns annoa, com
muita diligencia, e exercitando-se na cura dos doentes até yir a està
parte da Asia^ onde por espa90 de trìnta annos, curando muita diver-
sidade de gentes, nSo sómente na companhia dos viso-reis e govema-
dores d'està orientai Indiai mas em algumas cSrtes de reis mouros e
gentios, communicando com medicos e pessoas curiosas^ trabalhoa de
saber e descobrir a verdade das medicinas simples, que n'esta terra
nascem, das qoaes tantos enganos e fabulas nBo sómente os antigos
mas muitos dos modemos escreveram, e o que elle por tantos aimoB e
por tXo diversas partes alcan90Uy quis que o curioso leitor n'este breve
tratado visse e entendesse; o qual teve comesado em lingua latina^ e
por ser mais familiar a materia de que escreviai por ser importunado
dos sens amigos e fSEOniliares, para que o proveito fosse mais commu-
nicado, detemùnou escrevel-o na lingua portugueaa a modo de dialogo;
e isto causa algumas vezes apartar-se da materia medicinal e tratar de
algumas oousas, que està terra tem dignas de serem sabidas.» D'està
dedicatoria, datada de Goa em 2 de abrìi de 1563| inferem-se precio-
SOS dados para a vida scientifica de Garoia d'Orta^; e poderemos con-
cluir qual a influencia da Universidade de Salamanca, em rela$So aos
estudos da Medicina e da li^thematica, em Portugal.
A importancia dos estudos na Universidade de Salamanca, no se-
culo xviy resultou da facilidade com que aquella corporagSo adheriu ao
novo espirito da Renascen9a, e & tenas opposiflo que apresentou con*
tra o estabelecimento da influencia jesuitica. A mocidade portngueia
frequentava de preferencia a Universidade de Salamanca, onde ficavam
no magisterio os nossos principaes talentos; naa varias reformas da
Universidade portugueza por D. Jolo ui era aos doutores de Sala-
manca, ordinariamente, que o monarcha recorria, convidando-os oom
bons salarios. 0 esplendor da Universidade de Salamanca synthetisa-se
em alguns nomes celebres na època da Renascenja; transcrevemos de
Vidal 7 Dias: «entro os infinitos escriptores que a Universidade pro-
1 Gkireìa d*Orta, referindo-se a Frei Domingof de Baltaoas, dis : «En oo-
nheci esse frade em Sakananea. • . > (Coli., £L 168.) — coonhed em Akalà a on^ir
Medieina um, que se chamava Tordelagnna» o qnal havia sido botioarìo e sabia
algom poaco de araUo. . .» (Ib.> fl: 224) Estas refarenctas ooofinnam a notida dos
seos estudos dada pelo licendado Dimas Bosqne.
OS IfUMANISTAS E A REFORÌIA DA UNIVERSIDADE 367
duziu destacam-se os celebres Arias Montano^ qua dirìgiu a segonda
Biblia polyglota, o reetaarador da Theologia dogmatica Victoria^ o da
JarìspraHencia civil e canonica Antonio Aguetin, o descobridor das fon*-
tes d'onde emanam as verdades etemas Melchior CanO; Fedro Ponce
que consegaiu fazer fallar ob surdoB-madoSy Fedro Monzon que im-'
plantou em Hespanha o methodo de ensinar ob elementos da Arithme'*
tica e da Geometria anteB da FhiloBophia, segaindo o conBcIho de Pia*
tSOy Fernando Nufiesi profeBsor da eschola destinada a tradazir Plinio^
escrevendo icerca d'elle doutaB obBerya98eBy o afamado cego Francisco
Salinas, que foi ensinar Musica & Italia e que adquirìu um nome ea*
ropeu com Bete livroB que escreveu sobre està arte divina^ o immartal
Frei Luiz de LeBo, tfto persegoido em sua vida, corno hoje é vene*
rado, Francisco Sanchez de Brozas, que em sua Minerva fez germinar
OS principioB philosophicos da Grammatica goral, e FemSo Perez de
Olivai Pedro CJhaocm, Zurita, Oovarruvias, Salgado, Lagono, Medina,
0 astronomo JoSo d' Aguilera, o doutor parisiense e cathedratico de Phi»
losophia em Salamanca Afibnso de Cordova, e o grande jurisconsulto
Bartholomeu de laa Casas^ e o commentador biblico Aleixo Gomez de
Aldearrubia, o orador sagrado Affonso de Orozco, e San Thomaz de
Villa-Nova, que antes de ser firade augustiniano foi cathedratico de
Philosophia moral, e o medico de Carlos v , Francisco Lopez de Villa*
loboB, e tantoB outròs, emfim, que honraram a Salamanca n'este seculo
tSo fecundo em glorias hespanholas. . . » ^
^ Memoria hUtortea de la Uninenidad de Salamanea, p. 244. Publieamos em
segnida a sèrie dea:
Fortiigiiezes ilIucitreB que ensinaraTii em Salamanca
cu que ali se graduaram
Ayrea Barbosa^ ensinou Bhetorìca n*aqnella Universidade. Imprimia em Sa*
lamanea differeates ofaras littenrias (sem data).
Gaapar Alvaree da Vtiffa, natozal de Freizo de Espada & Cinta; ensinou
Orammàtica.
Amato Lusntano ( JoSo Bodrigaes de Castello Branco)» foi Doutor em Medi-
dna por flaìamanca.
Frasuisco Caldaa Pereira de Castro, naturai de Braga ; estudou Diretto, vindo
depois para a Universidade de Coìmbra.
Eduardo Caldàroj segaiu a Facnldade de Direito, sendo disoipulo do cele-
bre Diego Covarruvias e de Manuel da Costa.
Bodrigo de Contro, doutorou-se em Philosot^hiaeUedioina, e estabeleoeu-se
cm Hamburgo.
368 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
A influencia sdentijica da Universidade de Salamanca, e em geral
de outras Universidades heapanholas, deve-se attribuir & vantagem que
nos novos estudos da Kena8ce]i9a offerecia o conhecimento da lìngua
arabe; em que estavam traduzidas as principaes obras dos mathemar
ticos e medicos gregos. Porém a influencia phUólogica cu propriamente
humanista reflecte-se em Portugal por via das Escholas de Paris e de
Louvain, e por uma acySo mais ou menos immediata de Erasmo, de
JoSo Luiz Vives e de Budeus, o grande triumvirato dos humanistas da
Renascenfa. Erasmo n&o acceitou o convite de D. JoSo m para vir
occupar uma cathedra nos novos estudos que ordenava em Coimbra;
Vives apresentou-lhe um valiosissimo plano de refbrmas pedagogioas;
e a crea9So de Budeus, o Collegio d» Fran^, serviu de typo para a
Manuel da Costa, seguiti Direito, sendo lente em Coimbra e depois em Sa-
lamanca.
Sébasiiào Gomea de Figueiredo, ensinon PhiloBophia na Universidade. Im-
primia varioB livros asceticos.
Henrique Jorge Hcnriqttes, naturai da Guarda; ensinou Artes em Salamanca,
e passou a reger a cadeira de Àvicena em Coimbra. Era medico do duque d'Alba.
Henrique Femandes, Doutor em Artes e Medicina; cathedratico de prima
de PhiloBophia naturai.
Luiz de Lemos, naturai de Fronteira; philosopho e Doutor em Medicina; en-
sinou Philosophia em Salamanca, na sua mocidade, indo exercer o mister da Me-
dicina para Llerena.
Garda Lopea, cursou Medicina, e escreveu De varia rei Medicete lectione, An-
tuerpia, 1564.
Frei Antonio Ludovico, franciscano e professor de Direito dvil e canonico;
aos cinquenta annos tomou-se celebre pelos estudos que fez do hebraico.
Fedro Margotto, tendo estudado Artes e Theolo^ em Paris, obteve a ca-
thedra de Philosophia moral em Salamanca, e fez opposi^io & cathedra de prima
de Theolo^a eom Mestre Frei Francisco de Victoria. Yeiu depois para Portugal,
chamado por D. JoSo m. Imprimiu em Salamanca, em 1520, um Fkgsices Coni'
pendùtm»
Frandèco Martins, naturai da Beira; durante vinte e dois annos desempe-
nhon em Salamanca a cathedra de Grammatica. Deixou varìos escrìptos.
Manuel Mendee de Castro, naturai de Lisboa; foi lente de prima de Leis em
Salamanca, e depois de Direito dyìl em Coimbra.
Affonso de Miranda, cursou a Faculdade de Medicina em Salamanca, e foi
medico da camara de D. Sebastiio.
D. Jeronymo Oeorio, aos treze annos eursou em Salamanca Letras latinas e
gregas, e, depois de ter ali segnido a Faculdade de Direito, foi continuar os seus
estudos em Paris.
Fedro de Feramato, Doutor em Medicina, e primeiro medico do duque do
Medina Sidonia; escreveu Opera medioinalia, 1576.
' OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 369
fanda9So do novo Collegio recti, Como o mathematico Fernel, tambem
JoSo Luiz Vives falla com eloquencia do facto da descoberta do ca-
minho maritimo da India, na dedicatoria a D. JoSo ni do livro De
Disciplinis, As idéas de Vives Bobre questSes de pedagogia foram pu-
blicadas em 1531, em urna serie de tratados com os titulos De comiptis
Artihus, De tradendis Disciplinis e De Artibus; estes tratados foram a
fonte de consulta de todos os reformadores, precedendo gloriosamente
OS escriptos de Bacon, empenhado tambem na reforma dos methodos
scientificos. D. JoSo ni acceitou a offerta do eminente philologo, e gra-
tificou-o generosamente, comò elle proprio confessa em uma carta a Da-
miSo de Goes, de 17 de junho de 1533. *
Depois de ter considerado ^ caasa da decadencia dos estados no
Frei ffeitor Finto, cursou Direito em Salamanca, antes de professar na or-
dem de S. Jeronjmo.
André de Eesende, discipulo de Nebriza em Alcalà ; em Salamanca estudou
Theologia com Barbosa, passando a completar os seus estados em Paris e Louvain*
Thomaz Bodrìgues da Veiga, Doutor em Medicina por Salamanca, onde ob-
teve uma cathedra por oppo8Ì9ao, sendo ainda muito mo90. Commentou Graleno
(1564) e Hippocrates (1586).
Manuel Soares de Bibeira, discipulo de Antonio Oomes na Faculdade de Leis
em Salamanca, onde foi cathedratico de vespera de Direito canonico.
Fedro Vaz, medico pela Uuiversidade de Salamanca ; escreveu obras de Me-
dicina, 1566.
Ayrea Finhel, lente de Direito da Uuiversidade de Coimbra, e cathedratico
de y.espera na de Salamanca.
Doutor Garda d'Orta, depois de ter frequentado os estudos medicos em Sa-
lamanca, frequentou tambem a Uuiversidade de Alcalà.
Doutor Fedro Nunea^ depois de ter regido uma cadeira de Artes na Uuiver-
sidade de Lisboa, vae a Salamanca frequentar Mathematica.
Luiz Nunes de Santarem, foi frequentar Salamanca depois de graduado em
Lisboa. Na reforma da Uuiversidade e mudan9a para Coimbra, foi convidado para
roger a cadeira de Mathematica, de que se Ihe passou provisSo em 16 de outubro
de 1544.
1 Ad Damianum Goesium: «Desejo-vos uma feliz viagem; prodUrae, por fa-
vor, achar melo de ofPerecer a um rei, que tambem é ò meu assim corno vosso, por
seus beneficios, as minhas humilissimas sauda^oes, e a homenagem da minha de-
dicarlo; agradecei-lhe da minha parte o magnìfico testemunho da sua magnificen-
eia que eu recebi o anno passado. Està offerta é para mim tanto mais preciosa,
que ella veiu encontrar-me em um momento tal, que n&o poderia vir mais a pro-
posito.» (Ap. Namèche, Sur la vie et ha écrita de Jean Louia Vives, p. 32.) Foi
n'este regresso de Damilo de Goes a Portugal, em 1533, que D. JoSo m o encar-
regou do convite a Erasmo.
HIST. UH. 24
370 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
tratado De causia corruptarum Artium, Vives, na obra dedicada a D.
JoSlo m, De tradendia Disciplinis, propSe as reformas pedagogica^ quo
entende necessarias à cultura do acculo xvi. E dividido o tratado em
cinco livros, que summariaremos para se formar urna idèa do Bea in-
tuito. No priuieiro livro^ attentas as circumstancias que na època da
Renascenya punham em desconfianga os estudos philologicos^ procura
conciliar a rasSLo com a fé. Despreza as vSs curiosidades de espirito,
corno a Magia, e estende esse desprezo até às obras de pura imagina-
$&o, corno as Faiulas milesianas. A sua inteiligencia lucida compre-
bende a necessidade de urna classificafSo dos conbecimentos bumanos
para dirigir por ella a instruc93o^ e propSe a seguinte bierarcbia sub-
j ceti va:
^.. ^ ... (Accessiveb immediatamente aos sentidos.
(AcceBsiveiB so a mtelligencia cu a sua essencia.
Svbeianeiae invinveia^ cu espirituaes.
Assim passa logicamente a determinar a materia e limites do en-
sino no segundo livro; apresenta observa^Ses apreciaveis sobre o logar
em que se deve ministrar o ensino, escolba dos methodos e condÌ93eB
especiaes dos mestres. Para Vives é indispensavel que um estabeleci-
mento de instruc9So seja situado em uma localidade saudavel, cbegando
a preferir o campo à cidade, e mesmo que a vida nfto seja dispendiosa,
nem as causas de dissipa9So se apresentem com frequencia. D. JoSo ni,
no empenho de mudar a Universidade de Lisboa para Coimbra, (de
Coryniho para Aihenas, comò dizem os documentos da època) encon-
trava na auctoridade de Vives a juBtifica9So do seu plano.
Emquanto aos mestres, o grande humanista n&o se contentava que
elles possuissem exclusivamente a sciencia, queria uma qualidade, a
que ainda boje tao pouco se attende, a aptid&o para communical-a. É
està aptid&o que faz com que a influencia do mestre seja sempre maior
que a do livro, aptidSo que se perde quando se interrompe o habito
profissionai, comò o notara Comte. Merece cònsignar-se essa outra ob-
Berva9ào de Vives, condemnando a avidez de dinheiro da parte dos
professores, avidez que ainda boje se manifesta na explora9&o dos com-
pendios escholares. Fara um tal inconveniente quer que o%profes8ores
sejam pagos pelo estado, evitando que recebam salario ou minervaes
dos alumnoB, o que é incompativel com a sua independencia. Està idèa
foi realisada no desenvolvimento da Instruc9So publica na Europa; as
Universidades perderam o caracter de corpora93e8 autonomas, e a iìinc^
9S0 do ensino tomou-se uma attribuÌ9ào do estado, com vantagem du-
rante o interregno montai de verdadeiras concep95eB positivas. Tam*
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSmADE 371
bem condemnava o phìlologo, com oin naturai bom senso e experien-
cia, OS frequentes exercicios publicos ou (ictos de ostenta^j propondo
ao mesmo tempo que se abolissem os gràos, ou quando multo se con-
ferissem excepcionalmente. E apesar de terem decorrido tres seculos,
a preoccupagSo do exame tomou-se o objectivo do ensino, falsificando
a Bciencia e abrindo as portas às me^iocridades. A vaidade do gr&o,
que tanto ensoberbece as Universidades, é appetecida pelas Polytechni-
cas e Escholas especiaes, chegando a vesania individuai a pavonear-se
com o diploma de doctor in absentia. N'estes pontos^ Vives foi multo
além do seculo corrente. Desejava um pouco a vida em commum en-
tro OS profesfiores; era talvez o modo de crear urna corporagSo, forti-
ficando-se pelo poder espiritaal ; queria que a nomea9&o dos lentes nSo
fosse feita pelos estudantes^ porque eram incompetentes para conhecer
o merito professerai e obedeciam muitas vezes a motìvos viciosos. A
eleifSLo dos lentes pelos estudantes era a naturai consequencia do sala-
rio que estes pagavam^ constituindo as Universidades comò verdadei-
ras cooperati vas de enslno; desde que as Universidades ficaram sob a
dictadura monarchica, a nomea9ào dos lentes e seus salarios tomaram-
se um attributo da realeza.
Vives determina o fim categorico do enslno — o aperfeigoamento
do alumno. Alnda hoje oste fim moral nSo se acha bem comprehendido.
Lembra tambem a necessidade de formarem conferencias entro os pro-
fessores para julgarem sobre as capacidades mentaes dos alumnos. Està
deficiencla faz com que ainda hoje os alumnos passem durante um longo
curso Inteiramente desconbecidos aos seus mestres. Discutindo as fór-
mas do enslno domestico ou publico, Vives dà toda a preferencla ao
enslno publico, pela ac(So que os condiscipulos se exercem mutuamente.
Entra depois em consideragSes psychologicas àcerca da variedade das
aptidoes dos alumnos, e n'isto deixa evidente a sua alta capacidade pe-
dagogica^ affirmando esse outro principio fundamental, de que a sym-
pathìa entro o mostre e os discipulos fecunda o enslno. A falta de com-
prehensfto d'este principio tSo saudavel faz com que ainda hoje um
grande numero de professores procurem systematicamente tornar- se an-
tipathicos, Impondo-se pela severidade brutal centra o ridlculo das al-
ounhas afiErontosas por que sSo conhecidos. Vives re velava o genio da
Renascenfa em todos os seus aspectos; elle recommenda os bons mo-
delos da antlguidade classica (Demosthenes^ Cicero, Homero, Virgilio),
mas proclama com mais inslstencla que se nSo deve abandonar a im-
pressilo directa da Natureza — «a fonte de todas as artes, o prlmeiro
de todos OS modelos.»
24*
372 HISTOBU DA UNIYERSIDADE DE GOIBfBRA
0 terceiro livro do De tradendis Disciplinù nfto é menos precioso;
consagra-o ao ensino das lingaas. Comefa desde ob primeiros sona 9X*
ticulados da infancia. Para elle o Latim impSe-se pela belleza e gravi*
dade, corno a lingua oniversal da sciencia, protegendo a eradi$&o dos
assaltos da ignorancia; e por ser de mais a mais a lingua màe dos prin-
cipaes idiomas europeus. De facto, aie ao firn do seculo xvm o latim
foi a linguagem preferida pelos sabios para os seus livros, circurnstan^
eia que retardou algum tanto o desenvolvimento do espirito publico.
Quanto & lingua grega entende que é necessaria para melhor com*
prehender o latim. Era urna intuÌ9So do methodo comparativo que
fundou a nova sciencia da glottologia. Verbera o pedantismo dos gram-
maticos, e explica comò os exemplos sSo para d'elles se deduzirem a»
regras, devendo por isso serem tirados de bons auctores. Para a com-
prehensSo dos auctores entende que devem as suas obras ser interpre^
tadas pela sua vida, descrevende os logares, os climas, os animaes, aa
plantas a que alludem. No trato dos discipulos ha de o mestre incutir-
Iheó o habito de redigir em vulgar, de traduzir para latim, quer na
fórma de cartas, quer explanandv pensamentos, e procedendo as cor*
rec95es de modo que nSLo provoquem o desanimo. Assim é naturalmente
levado à imposÌ9SLo que superiormente caracterisa o genio da Renas-
cen9a: que no mestre a bondade prevale^ aobre a severidade. Mereoem
notar-se os livros que Vives aponta para o ensino; para os elementos
grammaticaes Erasmo e Despauterio; lamenta a falta de bons diccio-
narios. Liga uma grande importancia às no98eB de historia e de geogra-
phia, recommendando para està Pomponio Mela. Emquanto aos està-
dos hellenicoB, divide-os em dois gràos, recommendando para o primeiro
Esopo, Luciano, Isocrates e S. JoSo Chrysostomo ; para o segundo, De-
mosthenes, PlatSo, Aristoteles, Aristophanes, Euripides, e sobretuda
Homero.
Depois do estudo das linguas, Vives passa no quarto livro a tra-
tar das sciencias, das quaes as linguas sào um instrumento e comò que
o vestibulo. Reoommenda pois que se passe naturalmente das Linguas
para a Logica; condemna as disputas ou argumenta9Se8, preferindo o
methodo socratico. PropSe para estudo a Dialectica de Aristoteles, o
philosopho de todas as edades, mas observa a necessidade de regres-
sar-se à natureza, de examinar a realidade, corrigindo o excesso daa
especi alidades, tendo sempre em vista o uso da vida ordinaria. N'este
ponto Vives é um precursor do positivismo. Sómente depois de ter
chegado à Metaphysica (Prima Philosophia), para o estudo da qual
recommenda a solid&o e passeios campestres, trata da Dialectica (Ar^
OS HUÌIANISTAS E A REFORHA DA UNIYERSmADE 373
^mentorum inventio), estabelecendo entre ella e a Logica (Censura
veri) ama cabai dÌ8tmc9ào. Para o estudo da Rhetorica recommenda
exercicio3 gradaados pelos tratados de Aristoteles^ Cicero e Quintiliano.
£ depois d'estas disciplinaEkque passa à Mathematica^ recommen-
dando cautella com os excessos intellectuaes, e dando por terminada a
coltura theorica aos vinte e cince annos de edade. D'aqui em diante
come9a a vida pratica^ que^ segundo Vives, é dividida emquanto às re-
lafSes moraes (De rebus spiritualthus) e emquanto à conserva9SLo dos
corpos (Ars medica).
. O quinto livro trata de urna parte d'este schema da vida pratica,
cultivando a saude da alma 'pelo juizo e pela experiencia. A leitura dos
bons auctores aperfei$da o juizo ; e para este fim recommenda a leitura
de PlatSOy Aristoteles, Cicero, Seneca, Quintiliano, Plutarcho, Orige-
nes, S. Jo3o Chrysostomo, Santo Ambrosio e Lactancio. Quanto à ex-
periencia reconhece que é grande mostra a Historia, supprindo nós por
ella a que pessoalmente nos falta. Aquelle luminoso espirito compre-
hende que o estudo da Historia deve ser feito por bons resumos, con-
tendo OS factos capitaes, de modo que se alcance uma vista de conjun-
cto. E depois de ter assentado este principio, a que ainda nSo chega-
ram os nossos fabricantes de compendios, manifesta a seguranga ver-
dadeiramente admiravel do seu criterio, recommendando a leitura de
Froissard, de Monstrelet e de Commines, tdignos de serem conhecidos
corno muitos historiadores gregos e rovMmos.n Vives, que comò erudito
da Renascen9a reprovara com desdem os poemas da Edade mèdia, res-
gata-se, mostrando uma alta comprehensUo das fórmas modernas da
Historia, nas linguas vulgares creadas n'essa mesma Edade mèdia.
Trata da Philosophia moral, pondo a par dos livros sagrados as obras
de PlatSo, Aristoteles, Cicero q Seneca, e recommenda S. Thomaz (seri-
ptor de Schola omnium sanissimuSj oc minime ineptus) j untamente com
Boccio e Petrarcha. Em seguida apresenta nofSes sobre conhecimentos
economicos e politicos, esbojando depois a sciencia legislativa. Reser-
va-se para n'um futuro estudo expdr os lineamentos da Theosophia e
da Theologia. Vé-se, pela època em que escreveu o tratado De traden-
dis Disciplinisj que Vives nSo podia apresentar um elenco theorico das
sciencias, porque apenas se restaurara o primeiro par encjclopedico
(Mathematica e Astrtmomia) ; o segundo par (Physica e Chimica) tinha
de absorver a actividade intellectual dos seculos xvii e xvm; o terceiro
par (Biologia e Sociologia) è a corSa do seculo presente. Vives nSo
podia antecipar-se à marcha da civilisa9So. 0 seu tratado termina com
as regras que devem dirìgir o erudito, para que desconfie de si prò-
374 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
prio, àcerca da sua modestia, rela9Ses affectìvas, uso legitimo da cri»
tica, consciencia na revisSo, e cumprimento absoluto da maxima recom-
mendada pelo papa Adriano vi: nunca interpretar à mi parte as pa-
lavras de outro escriptor. '
D. JoSo III Boube agradecer a Vives a homenagem do seu tratado^
corno este o confessa na carta a DamiSo de Goes; é naturai que essaa
doutrìnas pedagogicas actuassem nas reformas projectadas pelo monar-
cha; pelo menos revelaram-lhe a sua urgencia e activaram-as. 0 pro-
prio Dami&o de Goes, que viveu na intimidade dos principaes espiri-
tos da Bena8cen9a; corno Erasmo, Bembo, Sadoleto, Melanchton, Vives
e outros muitos, tambem coadjuvara o monarcha para aproveitar o in-
fluxo da grande corrente humanista. Pelos documentos ulteriores da
reac9So jesuitica é que se recompSe està phase mal conhecida da re-
novay&o pedagogica em Portugal.
Na traducfSo do livro de Cicero chamado CatSo Maiar, ou Da Ve--
IMce, feita por DamiSo de Goes, e publicada em 1538 em Veneza, vèm
alguns dados curiosos da sua yida. Beferindo-se à difficuldade da tra-
duc9So, allude à sua amisade com Erasmo e aos annos que andou au-
sente de Portugal: cNS deixarei de recitar o que d'aquelle prudentis-
simo e gravissimo Erasmo Boterodamo n'este nesso aureo e doctissimo
seculo principe de teda doctrina, e eloquencia, sobr'este negocio alguas
vezes, j untamente com outras muytas sanctissimas confiftbulagSes (per
spafo de cinque mezes que com elle em Friburgo de Brisgoia pousei)
entro noos ouvi. Affirmava nS ter achada no estudo cousa mais ardua
que tralladar, nem digna de moor louvor fiazendo-se ben, nem pela
contrario de moor reprehSsam.» E justificando a falta de vemaculidade
da traducfSo, accrescenta: cO que ousei cometer confiando levarSme
em conta sua doctrina e modera9am, todo erro que na policia e oma-
meto de nossa lingoagem portuguesa n'elle cometer. Visto que em
dezaseis annos (da for9a e frol de minha edade) quatro meses soomen-
tes quis minha sorte estar nestes Reihos e corte, lugar da minha honra^
e cria9am, o que m'envejando a fortuna lego dahi me rechafou. A qual
longueza de tempo (principalmente misturada com tantas e tam varios
generoB de linguas e costumes) he assaz suficiente, nS tam soomentes
a homem ser barbaro em sua lingua, mas ainda, a de todo a esquecer.»
As rela95es litterarias de DamiSo de Goes evidenciam-se peloa
1 0 exame das obras de Vives merece lér-se no estudo de Namòche, Mémci^
rt» eourotméè de VAcadémie de Bdffiqke^ t. xv, 1840-1842.
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 375
nomes dos sabios que estavam com elle em correepondencia; taes sSo:
Panlo SperatuB, Vives, Bonifacio Amerbachio, Conrado Gloclenio, Fe-
dro Bembo, Jacobo Sadoleto, Nicoiào Clenardo, Lazaro Bonamico,
Christophoro Madruchlo, Sigismundo Gelenio, Glareano, Tideman 6i-
81118^ Jorge Coelho, JoSo Rodrìgues de Sa, Adam Carolas, Joanes Ma-
gnus, Beato Rhenano, Jacob Frugger, Guilherme Zenosaras Agrìppa,
Paulo in, Fedro Nannio, André de Resende, Bernardino Sandrio, Cor-
nelio Grapheo, Guilhelmo Bemato, Jeronjmo Cardoso, infante D. Luiz
e cardeal D. Henriqne. ^ NSo citàmos o nome de Erasmo, para desta-
car mais a importancia das suas Cartas dirigidas a DamiSo de Goes:
11 de Janeiro de 1534; dà-lhe noticia da sympathia qne desper-
tara em Bembo, a quem o recommendara por carta, à qua! Bembo re-
spondera em 11 de novembre de 1533.
5 de mar9o de 1534. (Conservou-se inedita, mas està publicada
pelo conego Ram.)
11 de abril de 1534; offerecendo a DamiSo de Goes a hospitali-
dade da maneira mais cordial.
3 de julho de 1534; desculpando-se da doenga, causa de o nSo
ter recebido, oa esquecido depois da visita em Friburgo.
25 de agosto de 1534; offerecendo-lhe a sua hospitalidade.
21 de maio de 1535; dizendo-lhe que a amisade de Damiào de
Goes é um allivìo & sua doen9a.
18 de agosto de 1535; falla-lhe dos seus'trabalhos litterarios e
das luctas religiosas na Inglaterra.
15 de dezembro de 1535; sobre o assumpto anterior.
« ? Janeiro de 1536; preoccupa-se com o seu firn proximo por causa
da doen9a. A està carta respondeu Goes, de Fadua, em 26 de Janeiro
de 1536, communicando-lhe o pezar pelos seus soffrimentos, partindo
em seguida para Basilea, para onde Erasmo se transportara de Fri- .
burgo, a firn de acompanhal-o na angustiosa doen^a. Existe uma carta
attrìbuida a DamiSo de Goes, descrevendo os ultimos momentos de
Erasmo. '
Lé-se no Frocesso de DaroiHo de Goes, no Santo Officio: «Depois
que vim a Fortugal, no anno de 1533, chamado para o officio de the-
zoureiro da Casa da India, El Rei que santa gloria haja, e os Infantea
seuB irmSLos, e outros senhores do reino, me perguntaram com muito
1 0 sr. J. de Vasconcellos tem preparada uma edi^ào de todas as Cartas la-
tinas dirigidas a Daxniào de Goes, de que traz o elenco na Gouiana, p. 21 a 24.
2 BuUetin de VAcadémie de Bruxelles, t. ix, p. 462.
376 HISTORU DA UMVERSIDADE DE COIMBRÀ
gostp; e mui particolarmente pelo diBcorso de minhas peregrinagSes,
fallando-me em Luthero, e nas coasas de Allemanha; Beis, e principes
d'ella^ e por ElBei que santa gloria haja saber que vira eu jà Erasmo
Rotherodamo e que eramos amigos, me perguntoa por alguas vezes
se 0 poderia eu fazer vir a oste Regno pera se d'elle servir em Goimbra,
onde jà tinha ordenado de fazer os estudos que fez^ ao que Ihe re-
spondi 0 que me d'isso parecia: etc.»
As reIa98eB pessoaes de DamiUo de Goes com Erasmo datavam
de 1532, quando depois de deixar a Feitoria de Flandres, fora estudar
para a Universidade de Louvain ; depois de estar alli oito a nove mezes
adoeceu dos olhos, e por conselho dos medicos partiu para Friburgo:
conde estava Erasmo de assento, e Ihe deu uma carta do seu hospede
de Louvaina que se chamava Rupeiros Reecius, e o dito Erasmo o
convidou pera jantar, comò de feito elle confessante foi jantar com elle
e praticaram cousas de humanidade ...» Damilo de Goes voltara para
Louvain «a estudar, e estudou latinidade, e nào ouviu nenhuma outra
faculdacle.» D. Jo2k) lu chamara-o d'alli a Lisboa, para o despachar
thezoureiro da Casa da India: ce para isso o mandara chamar a Lo-
vaina: e elle se escusou disse o melhor que pode, e por S. A. o nSo
haver por escuso foi se espedir delle, e Ihe podio licen9a para ir a
SSLo Thiago : e elle Ih'a deu e de là escreveu uma carta, que se ia es-
tudar, e se foi ter onde estava Erasmo que foi no anno de trinta e
quatro: e ali esteve e pousou com elle por espa90 de quatro mezes
pouco mais ou menos, e depois foi a Frandes a negociar suas cousas,
e vse tornou a casa do dito Erasmo onde pousou o tempo que tem dito :
etc. — e se partio de casa de Erasmo para a Italia acabar seu estu^o
onde residiu seis annos...» Em 1533, quando DamiSo de Goes se
dirigiu para Padua para frequentar os estudos, Erasmo recommendou-o
calorosamente a Pietro Bembo, secretarlo de LeSlo x, a quem Paulo ili
fizera cardeal.
Em carta de 11 de novembre de 1533, Bembo respondeu a Erasmo
fazendo o mais rasgado elogio de Dami^ de Goes. Em carta de 11
de Janeiro de 1534 Erasmo deu conta a Damilo de Goes da sympathia
que elle soubera inspirar a Bembo. Na coUec^So das cartas de Erasmo
existem outo dirigidas por elle a DamiSo de Goes; e uma d'este para
o eximio phìlologo. No Processo citam-se outras relagSes: cDedarei
que estando em *Padua estudando nos annos de mil quinhentos e trinta
e quatro, até ao anno de mil quinhentos e trinta e oito, me escre-
veu 0 Cardeal Jacob de Sadoleto, Bispo de Carpentras, uma carta,
mandando-me outra pera Phelippe Melanchthon, à ten9So que pode-
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIYERSIDADE 377
rìamoB trazer este homem ao suave jugo da Igreja romana: a qual
carta com outra minha Ih^ eu mandei por via de mercadores allemSes,
residentes em Veneza.» «estando em Padua^ o Cardeal Jacobo Sado-
loto escreveu a elle confessante urna carta em que Ihe rogava que
mandasse outra que com ella Ihe mandoa a Filippe Malanchthon: e
iste por cousa de Ihe dizer imi gentilhomem bohemio que se chamava
Petrus Behimos que foi seu companheiro no estudo que elle confes-
sante andara por teda a AUemanha, e que estiverà em Witemberg onde
fallara com Martin Luthero e Filippe Malanchthon: e por isso Ihe man-
dava està carta que Ihe mandasse comò de feito Ih'a mandou por o
dito cardeal Ihe escrever que a dita carta era para o trazer à fé. E
tSobem elle confessante Ihe escreveo ao dito Felipe Malanchthon uma
carta com a do dito Cardeal em que Ihe rogava que quisesse seguir o
conseiho do dito Cardeal, da qual nUo houve resposta.»
Em outro legar da sua allegag&o, Damilo de Groes toma a referir
as suas peregrinafSes: «Depois de eu vir a este Regno no anno de
mil quinhentos e trinta e tres, ^ comò jà tenho dito, por El Rei que
1 Foi na occasi&o d'està viagem a Portugal que Erasmo Ibe escreveu a se-
guinte carta :
nAo darissimo varào Damiào de Goee^ Lusitano^ Thezoureiro da Fazenda real,
no ràno da Ludtania.
S. P. — Estimo que te chegasse às mSos a minha Carta, preclarissimo DamiSo,
e pela tua e a d'aqueiroutro que por teu mandado me escreveu, estimo que tivesses
encargos palacianos a que pretendia responder mas de que até aqui nao me chega-
ram novas ; e no entretanto a gota de tal sorte me prendeu a deztra, que nem se-
quer um jota eu posso tramar. E a tua carta era do genero d'aquellas a que nio se
responde ^cilmente. Nào julguei, porém, dover apressar-me em escrever, receando
que a minha carta te podesse melindrar. Alias escreverei brevemente, assim que
a dextra m'o permittir. Muito desejo saber onde para e o que faz o nosso Besende,
o homem mais candido que tenbo conbecido, da parte do qual eu nada mere^Of
nem me parece que j&mais possa merecer. Li a poesia, que descreve as pomposa s
festas que se fizeram em Bruxellas pelo nascimento do filbo do rei, na qual elle
pinta de tal sorte e poe tudo diante dos olbos, que muito mais vejo pelo poema,
do que se estivesse presente. Beli a carta que elle escreveu de Batisbona, à qual
nSo respondi entào porque farla uma fabula motoria. Se souber onde elle para»
6screver-lbe-ei copiosamente. *
Grapbeu ainda ìse queixa de ma saude e para o consolar mandei-lbe cinquenta
fiorins do meu bolsinbo. £ vario digno de melhor fortuna e melbor saude.
Esteve hoje commigo Bonifacio Amerbachio, mas jà muito atrambolbado ^
• Ha ama carta de Braimo a André de Reaende, datada de i7 de Jnlho de 1581. (Opera
BroMmi, t. m, p. 1406.)
378 HISTORU DÀ UNIVERSIDADE DE COIHBBÀ
santa gloria haja nSo me querer escusar do oi&cio de Thesoureiro da
Casa da India, de que a Rainha nossa senhpra e o Cardeal sSo boas
testemunhas, eu me fai desta cidade de Lisboa em romana a Santiago
de Galliza^ donde escrevi urna carta ao dito senhor, que sua Alteza
tomou bem, e com ferventissimo desejo dos estudos me fui caminho
de Allemanha, onde fui hospedado de Erasmo Rotherodamo quatro ou
cince mezes, o qual entam morava na Universidade de Friburgo de
brisgosa, universidade e cidade catholica do senhorio da casa d'Aus-
tria: e dahi me fui aos estudos de Padua, do senhorio de Veneza, onde
residi quatro ou cince annos: e dahi me tornei a Frandes, ^ onde com
licenfa d'EIRei que santa gloria haja, me casei no condado de Hol-
landa: o qual senhor, no anno de mil quinhentos e quarenta e cince,
e assi a rainha Nossa senhora, me mandaram chamar per suas cartas,
escrevendo me viesse lego a oste regno com minha mulher, casa e fi-
Ihos, por que era pera de mim se servirem: o que lego fiz com muita
diligencia, vindo eu pela pósta, e minha mulher por jornadas, e minha
casa e filhos per mar, no que despendi mais de mil e quinhentos cru-
zados: etc.»
Pediu-me que te saadasse em seu nome com a maior sympathia e amizade. £ tam-
bem tea em espirito Henrìque Glareano, que nSo sei se te escreverà, porque està
occupadissimo com as Musas.
Passa bem. Friburgo Brisg. 5 de mar9o de 1534.
A respeito das pylepias, que desejavas, faltou-me um typographo; a nio
ser iste porém ^z o que pude. Tratei de traduzir a cai-ta ao bispo em allemio, e ac-
crescentei-a ao opuscalo traduzido em aliemfto que relatava a obediencia do rei dos
Ethyopes prestada ao pontifico.
Tomou-me a apparecer a gota, de sorte que so a custo posso assignar.
Erasm. Bot. mea numu,»
(Està t^arta inedita de Erasmo, foi pela primeira vez publicada pelo conego
Ram, em um estudo Sur Uà rapporta d'Eraame avec Damien de Goe»^ nos Bulletìns
de l'Académie de Bruxelles, t. iz, P. 2 (1842) p. 431 e 436.
^ «Em 1542 quando Longueval e Van Bossem, o primeiro general francez, e o
segnndo, chefe do esercito do duque de Gueldre, se apresontaram diante de Lou-
vain para pdr-lhe cérco, os professores foram adjuntos ao magistrado para tra-
tarem da defeza da cidade, e chamaram-se os estudanti^s para pegarem em armas
dando-lhes por chefe academica auctarUate, um mancebo oavcdleiro portuguez cha-
mado Dami2o Gocs, permittindo-lhe escolher um ajudante que foi o frisfto Severin
Feiten. Està pequena guerra foi celebrada em verso por Livinus Torientius, que
veiu a ser bispo d^Angers.» (Reiffenberg, Sur Uà deux prémiera SihcUa de VUniver-
aiU de LouvcUn, Mem. de TAcadem. de Bruz., t vii, p. 21). «0 proprio Damiio de
Goes escreveu nma descrìp^So d^este cérco, Urbis Lovamm&U óbMio, que foi
publicada em Lisboa em 1546.»
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 379
O servilo para o qaal Damilo de Goes fora instantemente cha-
mado por D. Jofto iii (1543 a 1545) era para Ihe confiar a educagSo do
principe D. Jo2o, crianfa intelligentissima, tao prematuramente morta.
0 jesuita padre Simfto Bodrigues, que implantara a Companhia de Je-
sus em Portugal, tratou de contrariar oste empenho do rei, apresen-
tando-se a 5 de setembro de 1545, na casa do despacho da InquÌ8Ì$&o
de Evora, a accusar DamiSo de Goes corno herege, por isso que o co-
nhecera em Padua pelo anno de 1536. A aocusa9Sk) produziu o seu
ejBTeito; Damilo de Goes escapou entSlo às garras dos inquisidores, por
ter sido chamado expressamente a Portugal pelo rei, para uma m issilo
de seu seryÌ9ò, mas n^ Ihe foi confiada a educaySo do principe D.
Joào, corno o machinara o padre SimSo Rodrigues, que aspirava a esse
encargo. Damiào de Goes, victima jà na velhice de uma accusafào se-
creta, pendente sobre a sua cabefa durante vinte e sete annos, conhe-
ceu com teda a lucidez d'onde Ihe provinha o malvado e perfido ata-
que: «o dito Mestre SimSLo, chegando eu à cidade de Evora meado do
mez de Agosto do anno de mil quinhentos e quarenta e ciuco, lego no
de Setembro do mesmo anno testemunhou, a qual pressa corno se cla-
ramente ve foi para me estorvar t) bem para que eu fora chamado por
cartas de El Rei, que santa gloria haja, e da Rainha Nossa Seuhora,
para ser mostre e guarda roupa do Principe D. Jo2Lo, que santa gloria
haja (-f- 1554) pai del Rei Nesso Senhor (D. SebasstiSo), comò foi pu-
blica voz e fama, do qual senhor Principe elle era mestre de doutrina
e pretendia, segundo se pode suspeitar, o ficar tambem por seu mos-
tre das lettras, o que n^ alcan90u, e o que se me estorvou a mim se
deu a Antonio Pinheiro, Bispo que agora é de Miranda, pelo que a
seu testemunho se nSo deve dar fé.»
Entro OS mais distinctos alumnos do afamado Collegio de Santa
Barbara figura Antonio Pinheiro, portuense, de uma familia humilde,
admittido por influencia do Doutor Diogo de Gouvéa na lista dos Ea-
tudantes de EUrd. Depois de graduado mestre em Artes, entrou lego
no ensino das Humanidades no mesmo Collegio de Santa Barbara, pu-
blicando em 1538, no fim do seu curso, uma interpretammo completa
do terceiro livro das Inatittdgdes oratorias de Quintiliano, a primeira
que entao appareceu na Europa, corno observa Quicherat. * A regen-
cia de Antonio Pinheiro fora sob o principalado de Diogo de Gouvèa,
1 Hietoire du CoUhge de SairUe-Barbe, t. i, p. 138. Este auctor chama-lhe
Fin, da fórma latina Pinus; e eqoivoca-se, dizendo que veiu ser mastre de D. Se-
basti^o.
380 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
0 mago: cO ensino de Antonio Plnheiro é d'este tempo. Ob nomea de
Laberìus e de Turnébo fonnam com o d'este portuguez ama trìndade
que bastarà para a gloria da administraySo sob a qual regentaram.»^
Antonio Pinheiro abàndonou o magisterio para seguir o corso de Theo-
logia; succedea-Ihe na cadeira de Rhetorica o immortai erudito Tur-
nébo, que attrahiu as atten93es dos criticos para os textos dos escri-
ptores classicos; Fedro Ramus, combatendo-o sob o pseudonymo de
Omer Talon, nSo se esquece de amesquinhal-o, pondo-o em confronto
com 0 Yulto de Antonio Pinheiro: «Lembra-te qual foi o teu ensino em
Santa Barbara, quando eu encetava a classe de primeira em Dormans.
Tu succedias a mestres consummados na arte de instruir a'mocidade,
a um Jacob Strebeu, a um Antonio Pinheiro.»' É naturai que o curso
de Theologia frequentado por Antonio Pinheiro fosse terminado por
1543; a sua grande reputa9So nas escholas de Paris é que influìu para
ser chamado para mestre do principe D. JoSo. Porventura o proprio
SimSo Rodrigues, que fora condiscipulo de Antonio Pinheiro em Santa
Barbara, sob o principalado do Doutor Diego de Gouvèa, o velho, comò
n2Lo podia obter para si o cargo de pedagogo, apresentou-o em substi-
tuÌ93o de DamiSo de Goes, oppondo a orthodoxia das escholas de Pa-
ris ao racionalismo das da AUemanha e mesmo da Italia.
Emquanto Damifto de Goes era desconsiderado em Portugal pela
influencia da reac92Lo jesuitica, publicava-se em Louvain, em 1544,
urna obra inedita de Erasmo, o Compendio de Rhetorica, escripto e de-
dic:ido a Damilo de Goes. ^ A necessidade de definir a corrente hu-
manista da Renascen9a, que actuou nas reformas pedagogicas de D*
JoSo III, fez-nos antecipar o quadro tenebroso da reao9So do scholas-
ticismo, de que os Jesuitas se tomaram os restauradores. Esse quadro
é de si vasto, e tanto melhor sera comprehendido, quanto mais pro-
fundamente se conhecer a influencia das doutrinas e dos methodos da
Renascen9a em Portugal.
As grandes reformas emprehendidas nas Escholas do mosteiro de
Santa Oruz de Coimbra, pelo Prior goral Frei Braz de Barros, em
1528, e a enorme concorrencia da mocidade aristocratica para esses
estudos brilhantemente regidos por professores recem-chegados de Paris,
1 Qaicherat, HiaUnrt du Collège de Sainte-Barbe^ t, i, p. 243.
' Idem, i&id., p. 246 ; traduzido do texto da Admoniito TcUaei, de Fedro Ramus.
' Dea. Eras. Roterod. Compendium Rhetorice», ad Damianum a Gk>e8, equi-
tem Lusitanum. Lovanii, 15i4. Tambem em 1535 Gklenias dedicara a Damifto de
Goes iV8 Buas CastigcUiones Plinii. ^
OS HUUANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 38 i
seriam porventura o movel immediato do regresso da Universidade
para Coimbra, ao firn de dois seculos. Pelos menos, o rei seguiu com
interesse esse fòco de cattura que se abria em Santa Cruz de Coimbra,
e coadjuvou-o opulentamente, mandando construir junto ao mosteiro
mais dois Collegios. Ao passo que os estudos progrediam em Coim-
bra, na Universidade de Lisboa davam-se terriveis quebras de disci-
plina, comò se ve pela devassa de 1532 sobre as irregularidades pra-
ticadas no provimento das cadeiras. 0 estudo do grego floresceu em
Coimbra, nas Escholas do mosteiro de Santa Cruz, antes da mudan9a
da Universidade. Escreve Ribeiro dos Santos; cOs dois portuguezes
Fedro Henri ques e Gon9alo Alvares, que em 1528 vieram de Paris
para ensinar o grego, e Vicente Fabricio . . . tanto progresso se havia
feito n'estes estudos, que jà quando Clenardo ali chegou se espantou
do seu adiantamento, parecendo-Ihe aquella cidade outra Athenas.» E
alludindo ao desenvolvimento da typographia grega, accrescenta: «jà
em 1534 se achava com assento e domicilio no real mosteiro de Santa
Cruz de Coimbra, entSo luzida eschola de litteratura portugueza; e foì
està a primeira de caracteres gregos quanto parece, que se estabeleceu
em Portugal. Contribuiu muito para ella o doutìssimo Vicente Fabricio,
que ali primeiro ensinou o grego ; . . . Em verdade tEo adiantada a
achou Clenardo, que escrevia e aconselhava a seu amigo Vasco, que
se queria ter provimento de Livros gregos, se houvesse com Vicente
Fabricio, que d'aquella Officina Ihes poderia mandar commodamente,
e com isso se animariam os Conegos Regulares a imprimir niella muitas
obras. D'està oficina sahiu entro outras, em 1534 a edÌ92o de Boecio
De Divisionibus et DefinitionibuSj em 4.® em que jà vem alguns lo-
gares de caracteres gregos perfeitamente trabalhados, que mostram
bem, quanto floreciam aquelles prélos.» * Foi tambem no Mosteiro de
Santa Cruz que se imprimiu a primeira Orammatica latina, pelo cruzio
D. Maximo de Scusa. D'elle escreve o chronista dos Regrantes: «Foi
0 melhor Grammatico do seu tempo, foi grande Filosofo e mui consum-
mado Theologo. Por occasiSo de ensinar grammatica a alguns prin-
cipe» e senhores d'este reino, que se criavam com o nesso habito no
mosteiro de Santa Cruz, compoz a primeira Arte de Latim, e Gram-
matica, que se imprimiu n'este reino por ordem deirei Dom JoSo no
mesmo mosteiro no anno 4e 1535, e por ella se ensinou Latim e Gram-
matica nas escholas menores de Coimbra muitos annos; e ainda depois
1 Memorici de Litteratura portugueza^ t. vm, p. 79.
382 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DB C0IBI6RA
que se deram estas Escholas menores aos Padres da Companhia, peloB
annos de 1555, ensinavam Grammatica pela Arte do P. D. Maximo,
até que o P. Manuel Alves compoz a Arte por onde agora ensinam.» '
O pensamento da mudanga da Universidade para Coimbra impunha-se
comò urna necessidade, e desde 1532 que apparece jà nos documentos
officiaes, ou nos despachos de lentes, a clausula: emquanto o Estudo
nào mudar. Ab inten93e8 que està clausula revela nSo passaram desa-
percebidas para a Universidade de Lisboa, e o plano de urna trasla-
da9SLo dos estudos teve seu ecco nos principaes centros pedagogicos do
paiz; a Camara de Coimbra, comò veremos, enviou urna petÌ9So, em
1533, para que a Universidade se estabelecesse alli, ao que foi respon-
dido que o rei ainda n&o tinha resoIu9So definitiva. Tambem no pro-
cesso que a Inquisl9&o de Lisboa promoveu contra o grai^de chronista
DamiSLo de Goes, se le, que D. JoSo m, chamando-o a Portugal em
1533, Ihe perguntara se poderia attrahir Erasmo para Coimbra conche
jd tinha ordenado de fazer oa Estudos qtie fez.3
Sabendo a verea9ào de Coimbra, que D. JoSo m pensava em re-
mover a Universidade de Lisboa, representou-lhe para que vindo essa
mudan9a a effectuar-se fosse preferida Coimbra, onde por mais de
urna vez tivera sède. E crivel, mesmo que D. JoSo m provocasse està
representa93o, para assim se libertar das exigenciasde Evora, que aspi-
rava a ter um Estudo Geral. Em carta de 9 de junho de 1533, D.
Joào III mandou participar à Camara de Coimbra, que tornava em
lembran9a o que Ihe era pedido. Este documento, exarado quatro annos
antes de se effeituar a traslada9llo da Universidade para Coimbra, vem
completar os elementos do plano da grande reforma pedagogica de
1537.' Coimbra vendo applicar os rendimentos do Priorado mór de
Santa Cruz para as despezas da Universidade, alentava a esperan9a
1 D. Nioolào de Santa Maria, Chronica dos Begrantes, Liv. z, p. 326.
* £Ì8 a Carta regia de 9 de junho de 1533 em reaposta ao pedido da Camara
de Coimbra: «Juiz, vereadores, procuradorea dea povos da minila cidade de Coim-
bra. £u el rei vos envio muito saudar. Vi a carta que me escrevestes, em qiie me
daes conta, que os primeiros reis que foram d^eate reino, que por muitoa aervi^oa
que da dita Cidade receberam, entre oa muitoa prìvilegioa e homraa que a dotaram,
houveram por bem, que o Tomba do Beino e Estudos Oerass eativeaaem em ella,
e que peloa reia passadoa meus anteceaaorea forai& mudadoa para minha cidade de
Lisboa ; e que ora por terdea informa^&o, que oa mandava mudar para outra parte,
me pedisy que nào ha vendo de eatar em Lisboa, e fazendo d*ellea alguma mudan^a,
fosse para essa cidade, onde primeiro estiveram. £u vi bem voaaa carta, e aa ra-
zoes que para iaao daea, e voa agradefo a lembran^a que me d^iaao fazeis; eporém
OS HUfilANISTAS E A REFORHA DA UNIVERSIDADE 383
de que esse facto era am indicio, além da reforma das Escholas de
Santa Cruz, de que tornaria a receber o seu antigo Estudo Geral. Por
seu turno a Universidade' em 1534 fez tambem urna calorosa repre-
senta9ao centra tal plano. Nas Cortes de Evora, de 1535^ foi lembrado
que a Universidade deveria ser trasladada para Evora. ^ A mudan^a
veiu a effectuar^se por fins de mar90 de 1537.
Nos seuB ultimos annos, a Universidade de Lisboa tinha perdido
lentes eminentissimos, ' corno Frei Balthazar Limpo^ que regeu a cadeira
de prima de Theologia até 1530, e o Dr. Garcia d'Orta que em 1534
embarcara para a India, na companhia de Martim Àffonso de Scusa,
attrahido pela novidade dos phenomenos das regiSes orientaes.
A actividade de Frei Braz de Barros, doutor pela Universidade
de Louvain, corre^pondia ao empenho de D. JoSo m na reforma dos
Estudos; 08 Collegios de Santa Cruz de Coimbra tomaram-se o nucleo
para as refonnas fundamentaes, preparando assim o plano da traslada-
(ào da Universidade. Em urna carta de 8 de novembre de 1535, es-
crevia D. JolU) in perguntando a Frei Braz de Barros o estado da re-
forma da Faculdade de Artes, e dos lentes francezes chamados para os
Collegios de Santa Cruz. Transcrevemos o trecho principal d'essa carta:
aE quftto ao trabalho que dizes que levastes em asetar co doutor
Prado em a regra das Artes e os francezes que vierS de paris eu creo,
que seria asy e folgarej que me screvaees quantos lentes sam, e de
que faculdades. E asj qùStos escolares e estudantes j& ouvem em cada
ciancia ou arte.» ^
até ao presente eu ii2o tenho n*Ì880 assentado couBa alguma; e havendo-ee algama
coasa de fazer, eu terei lembran^a do que me enviaes dizer.
«£ quanto ao que dizeis que essa cidade recebe pena, por os juizes de fora
0 mais do tempo n£o estarem em ella, por serem maito occupados em diligencias,
que por mea mandado vSo fazer fora duella, e me pedis os nSo occupe nas ditas
diligencias, d'isso se terà tambem lembran9a, e o mais que se puder eecusar se
farà; e ahi està agora o corregedor, que, quando o dito joiz fór fora, vos farà jus-
ti9a. Escripta em Evora a 9 de junho — Fernando da Costa a fez, de 1533. Rei.»
(Ap. Martins de Carvalho, no tomo iz, p. 32, da Hiat das Estabdecimentoa sden-
tificoSf de Silvestre lUbeiro.)
^ Partugal pittoresco, t i, p. 125.
^ Yillar liaior, Notida succinta da Universidade de CoiwJbra^ p. 48.
' Ap. Ayres de Campos, ìnstUuto de Coimbra, mar^o de 1889 — n.* 9, p. 584.
Estes documentos foram extrahidos de um volume manuscripto, de 225 folhas, que
pertenceu ao Mosteiro de Santa Cruz, cnjo titulo era : Cartas de reis e infantes sabre
varios aasumptos tocantes ao mosteiro de Santa Cria, à Universidade, e a cUguns
Collegios, desde 1518 a 151 L*
384 HISTORIA DA UNIVERSIDADB DE COIMBRA
Em outra carta datada de Evora de 11 de mar90 de 1536, es-
creve D. JoSo in a Frei Braz de fiarros activando a reorganÌBa9So da
Faculdade de Artes nos Collegios de Santa Gruz^ para proceder à ex-
tincfSo d'essa Facaldade em Lisboa, e chamar os bolseiros (Estudantes
de el-rei) que estSo em Paris. O contendo d'essa carta é de nm grande
interesse historico:
«Padre frei Bras eu ElRei vos envio muito saudar. Vos avieis
de poer no ffim de Setembro deste ano bum mestre que lea as sumìda»
por entam ffazer bum ano que agora le o curso de logica, e dabi a bum
ano outro mestre que lea jUosoffia que sam os tres cursos das artes.
E posto que atee bo dito tempo nam seja necesario ordenar os ditos
mestres por atee entam os conigos nam terem necesidade deles, folgaria
ordenardes de os poer logo e mandardelos buscar que sejam pessoas
pera isso sofficientes. asy comò fizestes aos que agora temdes. por que
queria que as« artes se nam leam mais em Lixboa e mandar que os
meus bolseiros de Paris se venbam os que ainda ouvem as ditas artes
e nam pasarS baa tbeologia o que nS seria rezam mandalos revogar
nam tendo asi os estudantes que as ouvem em Lixboa comò os de
Paris outro estudo bonde as possam ouvir nestes reinos e perderiam bo
trabalbo que tem nisso levado pollo qual vos agrade^eroj fazerdelo
logo. E comò 0 teverdes feito escrevedemo pera logo mandar revogar
08 de Lisboa e mandar vyr os de Paris. E isto de revogar de Lixboa fol-
garey que tenbaès em segredo porque nS queria que se soubesse ante
de OS eu mandar revogar, encommendovos muito que o fagaes asy.
Anrique da Mota a fez em Evora, aos xj dias de mar90 de 1536, Rey.
Pera frei Bras de Braga.»
A preoccupa9So da mudan9a dos Estudos de Lisboa cbegava até
a interessar as localidades, que se offereciam para sède da Universi-
dade, comò Evora e o Porto: cnas cortes que fez D.JoSo ni em Tor-
res Novas em 1525, nas de Evora do anno de 1535, que se publicaram
com as respostas que a ellas deu, e nas que fez, em 29 de novembro
de 1538, no cap. 159 requeriam os procuradores d'ellas que mandasse
acabar os Estudos d'Evora que sHo comegados, e que ahi se ordenem
lentes e que as duas prebendas da Sé que scio ordenadas para um Theo-
logo e para um Canonista, que rendem dozentos mil réis cada urna, e as
obras da Sé que nào sSo appropriadas para cousa alguma senàopara as
ditas obras e rendem novecentos mil réis cada anno se apriquem aos ditos
Estudos, e sera azo que hajam mais letrados em seu reino e que nSo se
leve 0 dinheiro para fora do reino que os estudantes la gastam: a que
ElBei respondeu: Agradego-vos a lembranga.»
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 385
«Porem ao capitalo 172, que contém o segainte: Item: pedem a
V. A. que mande aprender de Physica quarenta ou cincoenta christSos
yelhos que para isso tenham habilidade, porque està sciencia nSo anda
agora senSo em cliristSos novos, dando V. A. esperan9a na dita orde-
na9So de os honrar e Ihes fazer mercè, porquanto d'isto se seguirSo
muitos proveitos e muito repouso a seus Reinos e senhorios. Deu ei-
rei efita resposta: Eu ordeno em Coimbra une Estvdos em que se lerd
Medicina, e poderSo ajprender os que quizerem,'» *
Por 1535, cursando Theologia na Universidade de Paris, o conego
cruzio D. DamiSo foi encarregado por D. Jo2o m de contractar alguns
lentes para a Universidade que ia mudar para Coimbra; em carta de
3 de outubro d'esse anno escrevia D. DamiSo ao seu Prior geral: «por
quanto tenho esento largamente a ElRej nesso senhor e a vessa Pa-
temidade, poUos Regentes que d'està Universidade de Pariz vSo pera
ler n'essa nova de Coimbra, pela ordem que tive del Rey nesso Senhor
pera os mandar. Jà agora là serSo, e comegarà a florecer essa Univer-
sidade, que espero seja resplandor do Reyno e lume da religiào cfaristS.
NSo se agaste vessa Patemidade se dei grande Partido aos Mestres,
porque d'outra maneira n2Lo foi possivel movellos a irem; mas comò a
Universidade for povoad^ se acharSo outros muitos^ e por menos esti-
pendio; que quanto Mestres de Artes se forem necessarios, lego os man-
darci e contentarci por ametade de quinhentos cruzados, que dei aos
que là vSo; porque Mestres em Artes achào-se cà às duzias, e todos
pela major parte doutos e idoneos pera ensinarem. Avize-me Vessa Pa-
temidade se se contenta d'esses Mestres e de suas leti'as, e diligencia
em ensinar e bons costumes. etc.» Por està carta tambem se sabe que
D. Jo&o in nomeara o conego D. DamiSo para a regencia de urna ca-
deira de Theologia: <0s duzentos cruzados que Vessa Patemidade me
mandou pera livros Ihe tenho muito em caridade e assi a Cadeira de
Theologia que me tem alcanfado del rey nesso Senhor pera eu iSr n'essa
Universidade ; porque tanto que tiver embarca9So logo me heide par-
tir a tomar posse d'ella.»'
0 cardeal infante tambem se lisongeava que a Universidade fosse
transferida para o seu arcebispado de Braga ou pelo menos para o Porto;
elle tambem fundara um Collegio em Braga, ao qual dava a dota(So e
0 desenvolvimento de um Estudo geral. Escreve Cenaculo: «0 Arce-
1 Ap. Instituto, de Coimbra, t. xiv, p. 278.— (1871.)
2 Ap. D. Nicoiào de Santa Maria, Chron, dos Begrantes, liv. vn, p. 61.
BIST. UN. 25
386 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
bispo de Braga inclinava (a mudanga da Universidade) para a sua Au-
gusta ou para a Cidade do Porto. Os Lentes de Lisboa interpozeram
recurso, mas inutil, dizendo a Eirei D. JoSo ili: Que muito provetto
sera a seus Reinos o haver hi duas Univeraidades pois em oidros Rei*
nos ha mmtas mais. Foi escripta a carta a 14 de dezembro de 1536
assignada entre outros pelos Doutores Fedro Nunes e Gon9alo Vaz ...» *
O infante D. Henrique, arcebispo de Braga, fundou ali um Collegio,
que era regido por JoSo Vasèo, naturai de Bruges, tendo vindo de Sa-
lamanca;^ ]b)icolào Clenardo, que escreveu para esse Collegio umas
InstitiUiones Orammaticae latinae (Braga, 1538), dà noticia d'està es-
chola, escrevendo para Louvain, a Francisco Hoverio, em data de 27
de fevereiro de 1538, e a Jacomus Latomus, de Granada, em 12 de
julho de 1539. Foi n'este anno que o arcebispo infante uniu ao Col-
legio as rendas das egrejas de Santa Maria de Negrellos, S. JuliSo de
Val-Pa§ós e Santa Maria do Vimieiro, augmentando o edificio, para
n'elle haver estudos gratuitos. Em provisSo d'este mesmo anno manda
unir aos rendimentos do Collegio seiscentos ducados das egrejas que
fossem vagando, e prové-o de Mestres de Grammatica, Poetica, Rhe-
torica, Philosophia, Canones e Theologia. O arcebispo infante, nSo po-
dendo alcangar a tra8lada9So da Universida(^e para o Porto, tratou de
approximar o seu Collegio do typo de um Estudo geral. ^
Nas biographias das principaes individualìdades portuguezas re-
sume-se em breves tra90s, muitas vezes, o quadro do ensino em urna
època, ou a fórma corno os conhecimentos se adquiriam. Exeinplifique-
mos: D. Alvaro Paes, o auctor do livro De pianeta Ecclesiae, apre-
1 Ouidadoa Litterarioe, p. 243. — -Este Doutor Fedro Nunes nSo deve ser con-
fundido com o mathematico ; era o desembargador e chanceller do rei, o ultimo
Beitor da Universidade até à sua traslada^fio para Coimbra.
2 Differentes cartas de Clenardo a Joào Vaséo trazem importantes noticias
sobre as reformas que precederam a trasladaQSo da Universidade ; em urna carta
falla-lhe de Mestre Fabricio, allemSo, que ensinava grego nas Escholas de Santa
Cruz, e allude a urna carta que este Ihe escreveu lego que soubera da sua cheg^da
a Fortugal; em outra carta, de 1537, diz que fora visitar a Universidade a Coim-
bra, mas, comò eram ferias, nSo póde vèr funccionar as Escholas ; apenas viu ali
comò ensinava grego Mestre Vicente Fabricio ; em outra carta refere- se à typo*
grapbia do mosteiro de Santa Cruz, recommendando-lhe que, se quizesse livros
gregos, OS pedisse a Vicente Fabricio, porque no mosteiro se imprimiam admira-
velmente.
' Joao Vaséo tambem imprimin em Braga, em 1538, a sua CoUeetanea Rht'
iorices, dedicada ao cardeal infante.
OS HUMÀNISTÀS E A REFORBfA DA UNTVERSIDADE 387
senta nos seus e8tado3; no secalo xiVy a situagSo das duas Universi-
dades que dirigiram a pedagogia europèa: cElIe; posto que portagaez,
passou na sua mocidade a estudar Direito na Universidade de Bolonka;
tomou 0 habito seraphico e professou em Assis; e^ ainda que voltando
a Lisboa, residiu algum tempo no seu convento da mesma cidade, ainda
voltou a frequentar cts atdas de Theólogia em PariSs^ ^
. O filho do chronista Ray de Pina, o celebre FernSo de Pina, que
fez a reforma dos Foraes, por meio da qual se extinguiu a autonomia
locai dos concelhos, substituindo-se às garantias populares a vontade
do rei na Ordena^ Manudina^ completou a sua educa9So fora de Por-
tngal^ no firn do seculo xv. JoSlo Pedro Ribeiro falla da sua cultura hu-
manista: dnstruido fora do reino nas linguas latina e grega, tendo
mesmo no reinado de D. JoSo il viajado a Inglaterra corno secretano
de urna embaixada, nSo Ihe podiam ser extranhas as obras de Plutar-
cho, nem mesmo as Epistolas de Cicero, j& vulgares pelo prelo.» *
A reforma da Uaiversidade de Lisboa, por D. Manuel, decretada
nos Estatutos ou Ordenan^as de 1504, veiu a realisar-se por uma influen-
eia nSo officiai e externa a esse corpo docente, pelo desenvolvimento dos
estudos humanistas em Portugal ; porque nas principaes Universidades
da Europa floresciam, corno professores e alumnos, portuguezes que.
honravam a sua patria, corno Ayres Barbosa, que estudara na Italia e
ensinara vinte annos em Salamanca, regendo as cadeiras de grego e
latim; Henrique Caiado, discipulo de Cataldo Siculo e de Angelo Po-
liciano; Antonio Pinheiro, que estudara no Collegio de Santa Barbara,
onde era principal André de Gouvèa, o mostre insigne de Montaigne;
Pedro Margalho, que se doutorara em Paris e ensinara em Salamanca;
DamiSo de Goes, que se formou em Padua; André de Resende, que
estudou na Universidadc de Louvain; Jorge Coelho, Alvaro Gomes,
Antonio Luiz, Jeronymo Cardoso, e tantos outros portuguezes que co-
operaram no ferver philologico e critico da Rena8cen9a. ^ Os humanis-
1 J. Pedro Ribeiro, Refl. hUtoriccu.
* Ibidem, U i, p. 50.
3 TranBcrevemoB do Anno historieo, do padre Francisco de Santa Maria,
t. in, p. 120 a 122, a lista dos professores portuguezes que ensinaram nas Uni-
versidades estrangeiras : «Mas porque se nSx) diga que a na^lU) portugueza deve
às estrangeiras em grande parte a cultura das sciencias, e que Ihes està n'essa di-
vida, mostraremos aqui o excesao com que Ihes correspondeu, e daremos uma abre-
viada lista dos grandes Mestres, que de Portugal sairam para Lentes das mais fa-
mosas Universidades da Europa, advertindo qae, sem duvida, deizamos de referir
25*
388 mSTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
tas eram as potencias da època, e os reis nSo sómente os attrahiam
para as fiuas cfìrtes, corno Ihes entregavam a educaySo dos prìncipes.
Ayres Barbosa foì chamado de Salamanca, em 1521, para vir dirìgir
a educa9&o dos principes D. Affonso e D. Henriqae, irmSos de D.
JoSo m ; André de Besende foi chamado tambem a Portogal para mos-
tre do infante D. Bnarte, em 1534, indo n'esse mesmo anno a Sala-
manca contractar a vinda de Nicolào Clenardo para o Estudo goral de
Lisboa e para o ensino do infante D. Henrique. Fallaya*se latim nas
mtiitos, por falta de noticias ; e porque a Universidade de Salamanca nos fica mais
perto, come^aremos por ella:
Salauanca
Frei Diogo Femandes, franciscano, lente de prima de Theologia,
Alvaro Gomes, lente de Theologia (e tambem na Universidade de Lutecia.)
FemUo Ayres de Meza, lente de vespera e de prima de Canone, idem.
Fedro Margalho, id.
Miguel da Costa, id.
D. JoSo Altamirano, id.
Vasco Rodrìgues, id.
Belchior Comejo, id.
Fr. Luiz de S. Francisco (antes de entrar Beligioso),id.
Manuel da Costa, lente de prima de Leia,
AjreB Pinhel, id.
Heitor Bodrigues, id.
Ascenso Gromes, lente de vespera.
Nuno da Costa, id.
D. Francisco de Fuga, id.
Ayres Barbosa, lente de Leis.
Francisco Caldeira Phebo, id.
Antonio Gromes, id.
Amador Bodrigues, id.
Jeronymo de MiltU) Fragoso, lente de InstUuUi,
Duarte Femandes, lente de prima de Medicina.
Ambrosio Nunes, lente de vespera de Medicina.
Agostinho Nunes, id.
Francisco Femandes, lente de Philosophia e 3lédtctfia.
Thomé Bodrigues da Veiga, id.
Luiz de Lemos, id.
Jo2o Soarea de Brito. lente de PhUciophia.
SebastiSo Gomes de Figneiredo, id.
B^pbaci Nogueira, lente de McUhemaiica,
Qabrìel Gomes, lente de ÀMirclcgia,
Francisco Homem de Abreo, lente de Shetoriea.
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 389
«scholas do palacio e nas aulas da Universidade; André de Resende
4escreye este oso^ na Vida do Infante D* Duarte: cEstando Elrey quo
Deus guardo, em Evora, quando eu vìm de Franca e Fiandes, no anno
de 1534, fiz-lh'e men92o da erudÌ9So e virtudes do licenciado Niool&o
Clenardoy flamengOy que eu de Lovaina conhecia, e com quem me exer-
citaya na lingua hebraica bum pouco de tempO; e contratara entro elle
e D. Fernando Colon, sevilhano, quomo se viesse a Hespanha; e log^
€om promessa que se Elrey nesso senhor se quizesse servir d'elle, vi-
JoSo Femandes, lente de prima de Bhetorica {(ò a leu na Universidade de
Alcali.)
Francisco Martina, lente de prima de HumanidadeM.
Manuel de Azevedo, id.
Gaspar Alves da Vóga, id.
Manuel de Oliveira, id.
Ayres Barbosa, primeiro lente de Grtgo em Salamanca e em toda Hespanba.
Henrìque Jorge Henrìques, da Guarda, regente de Aiies.
Pabis
D. JoSo Froes, conego de Santa Cruz de Goimbra, e depois cardeal, lente
de Theologia.
D. Fedro Sardinba, id.
Freì Gaspar dos Beis, dominico, id.
Frei Jorge de Santiago, id.
Frei Jo2o da Cruz, agostinho, id.
Frei Duarte, id., ibid.
D. Frei Diogo Soares de Santa Maria, franciscano, lente de Theologia e Con^
travenia (e tambem na Universidade de Lovajna.)
Diogo de Gouvéa, o velho, lente de prima de Theologi€u
André de Gouvéa, seu sobrinho, successor na mesma cadeira.
Diogo de Gouvéa, sobrinho do vclho, lente de Arte».
Marcai de Gouvéa, tambem sobrinho do velho, lente de Artea e Humamdade».
Diogo da Silva, lente de Medicina,
D. Antonio Pinheiro, depois Bispo de Miranda, lente de Humanidaiei.
Sapibhcia Romaìza.
Frd Gregorio Nunes, agostinho, lente de Theologiau
Francuco da Costa, jesuita, id.
Diogo Seco, id.
Jorge Calhandro, lente de Canone».
Paulo Calhandro, seu filho, lente de InMuda^
Gabriel FalcSo, id.
Manuel Constantino, lente de Bhetarioa e PhUoaopMa.
JoSo Vaz da Motta, lente de Bhet&riea e Logica.
390 HISTORIA DÀ imiVERSIDADE DE COIMBRA
ria pera este remo. Ora, ao tezopo qae ea vim, elle estava em Sala-
manca jà fora D. Fernando, e lia em aquella Universidade com multa
honra e irequencia; dei conta a Elrey que me parecia multo pera mos-
tre do Infante D. Henrique, que segula o estado eccleBiastico. Qua-
drou Isto a El-rey, e mandou-me a Salamanca pera o persuadir que
Tiesse, e em nome de sua Alteza, assentasse com elle o partido que
me parecesse rasoado e honesto. Eu o fiz assim e o trouxe commigo,
e depois de beijarmos a mSo a Elrej, o levei ao Infante D. Henrìque
Thomaz Correa, lente de Humanidadea (e tambem na UDÌversidade de Bo-
lonha.)
Achilles Estate, lente de Humanidcuies.
Frei Francisco de Santo Agostinho Macedo, franciscano, lente de Contro^
versias e Hùioria Eedesiasiica (e, na Universidade de Padua, de FMlosophia Na-
turai.)
LOYATKA
Frei Antonio de Sena, dominico, lente de Thedogia,
Frei Luiz de Sottomayor, dominico, id. (e tambem na Universidade de Alcalà.)
Frei Agostinho da Gra^a, eremita agostinho, lente de ITieologia.
D. Frei Diogo Soares de Sanità Maria, franciscano, lente de Controversia.
Filippo MontaJto, lente de Medicina,
Pisa
Bénto Pinhel, lente de Leis.
Diogo Lopes de Ulhoa, id.
Filippe Eliano Montalto^ lente de PhUosophia,
Gabriel da Fonseca, id.
Martina de Mesquita, id.
Jorge de Moraes, lente de Medicina,
Rodrigo da Fonseca, id. (e tambem em Padua.)
£stev&o Bodrignes de Castro, lente de prima de Medicina,
BOLOHHA
D. Frei Alvaro Paes, franciscano, lente de Canone».
Manuel Bodrignes Navarro, id.
Frei Luiz de Bcrja, agostinho, lente de Eécriptura.
Thomaz Correa, lente de Bhetoriea (e tambem em Roma.)
FSBRABA
Luiz Teixeira, lente de Leia,
Amato Luzitano (alias Jo2o Rodrigues de Castello Branco) , lente de Medicina.
Padua
£stev2o das NeVes Cardeira, lente de Leis.
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 391
pera o mesmo. Fez-lhe Clenardo urna breve falla, e o Infante Ihe disse
que Ihe respondesse e dixesse quanto com saa vinda folgava. Eu por
lego come9ar a desenovelar o Infante Ihe respondi : — Senhor, boca tem
Y. À. elle per sim Iho diga, e pois ha de ser seu mestre^ nom se aco-
varde a Ihe falar em latim. 0 Infante o fez, que comejou e ajudei-o
eu. E pareceu-lhe tSlo bem o que eu fiz em o constranger a fallar la-
tim, que logo assentou que d'ahi em diante quomo o mostre vìesse e
estivessem & IÌ9S0, todos os presentes fallassem latim. Muitos houve
Duarte Madeira, lente de prima de Medicina,
Rodrigo da Fonseca, id.
Frei Francisco de Santo Agostinho Macedo, franciscano, lente de PhUoeO'
phia moral.
TUBIM
Fedro de Barros, lente de Medicina,
Tolosa
Antonio de Gouvéa, lente de Leis (e tambem em AvinhSo.)
Fedro Vaz Castello, lente de Medicina.
Francisco Sanches, id.
MOMFILHEB
FemSo Meudes, lente de Medicina,
Lazaro Ribeiro, id.
André Louren^o Ferreira, id. (Foi Cancellano da mesma Universidade, do
Conselho de Henrique iv de Franca, e seu Physico-mór.)
AviNHAO
Antonio de Gouyéa, lente de Leis (e tambem em Tolosa.)
Bordeaux
D. Frei Francisco Soares de Vilhegas, carmelita, lente de Fhilosophia e
Theologia.
Babceloha
Frei Tbomaz Tostado, carmelita, lente de prima de Theologia,
Lébida
Frei Agostinho Osorio, eremita agostinho, lente de Theologia.
Sbtilha
Dionisio Velho, lente de Anatomia,
OssuxA
Frei Fedro de Abrea, fìranciscano, lente de Theologia.
392 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
que tinham opini&o ab letrados, quo per nSo descobrirem o fio de quam
mal sabiam fallar latim, escolheram antes n&o ir & lì^Suo nem entrar
emquanto o mestre la estivesse, e nom he necessario nomeal-os. O In-
fante Dom Duarte corno principe discreto, e que em publico nom que«
ria que se Ihe enxergasse qualquer falta, me chamoa a seu aposento,
e dixe-me : Bem vistes quomo o Infante meu senhor, poz ley, que to-
dos fallassem latim ; as lÌ95es se come9arào d'aqui a tres dias, folgaria
que se nom enxergasse tanto em mim oste defeito; qualquer afronta
Frei Alberto de Farla, carmeiita, lente de Eacriptura.
Aifonso Nunes de Castro, lente de Medicina.
^▲BAGO^A DE AjIAoIo
Frei Fedro de Alverca, trino, lente de prima de Theologia.
Gandia
Padre Manuel de S4, jesuita, lente de Theologia,
Santiago
Frei Placido de lima, benedictino, lente de Thiologia»
Aucxlì
Frei Thimotheo de Seabra, carmeltta, lente de Philosophia e Theoloffia.
Paulo Correa, lente de vespera de Theologia.
Frei Jofio de Santo Thomas, domini co, lente de prima de Theologia.
Thomaz de Aguiar, lente de Medicina.
Valhadolid
Frei G-aspar de Hello, agostinho, lente de prima de Escriptura.
Frei Nicol&o Coelho do Amarai, trinitario, lente de Theologia.
Frei Seraphim de Freitaa, mercenario, lente de prima de Canones.
OZONIA
Frei Antonio de Lisboa, Sanciscano, lente de Theologia.
Athkm
Frei Jo2o Sobrìnho, carmeiita, lente de prima de Theologia.
Pbboaxo
Frei Quilherme de Portagal, franciscano, lente de Uieologia.
Cantabbxoia
Frei Thomé de Portugal, franciscano, lente de Theologia.
Ji DnuiroA
Padre Manuel dk Veiga, jesuita, lente de prima de Theologia.
OS HUMANISTÀS E A REFORMÀ DA UNIVERSIDADE 393
que por isso houver de receber seja antes aqui com vosco so. Alegrei-
me em extremo, e louvei-lhe muito isto, e comecei logo a fallar-lhe em
latim^ e fazello fallar e desempenar a lingua; foi a coisa em tres dias,
de maneira que perdido o prìmeiro medo se desenvolveu tanto que,
quando veyo à primeira IÌ9&0 fez espanto aos que tal nom esperavam
vèr, quam facil e nom laboriosamente fallava.» (Cap. 10.)^
A influencia da Universidade de Louvain, que f5ra um dos centros
onde mais cedo fioresceram os estudos da Renascen^a, tambem se re-
flectiu em Portugal, de thu modo directo, pela vinda a este paiz do
flamengo Kleinarts (nottie que elle latinisou em Clenardó) em 1534.
Nicolào Clenardó contava entSo trinta e nove annos, e jà era conhecido
pela sua eruditilo latina e grega, patenteada em valiosos livros ele-
mentares, * e por um profundo conhecimento do hebreu ^ que elle por
urna alta intuiQSo philologica approximara nos seus estudos da lingua
arabe. Clenardó, tendo alcan9ado o Psalterio de Nebio, aprendera com-
sigo 0 alphabeto arabe, e applicando as analoglas com 0 hebreu chegara
a poder traduzir 0 Koran. Este resultado enthuziasmou-o, e com esse
espirito aventuroso dos grandes humanistas da Renascen9a, que levava
OS sabios a explorarem 0 Oriente, 0 philologo projectava uma viagem
à Hespanha, para aperfeifoar-se no arabe, visitando sobre tudo as
ruinas do extincto reino de Granada. Urna circumstancia casual faci-
litou a Clenardó a realisa9fto d'este projecto; chegara a Louvain 0 filha
do almirante que descobrira as Indias occidentaes, Fernando Colombo,
com 0 fim de comprar livros para a bibliotheca de Sevilha; combinou
trazel-o em sua companhia para Hespanha, partindo em 1532 com
elle. Vieram por Paris Clenardó e Fernando Colombo, onde se demo-
raram dois mezes; passaram a Aquitania, a Touraine, e atravessando
a Cantabria entraram em Hespanha. Em Salamanca teve Clenardó uma
proposta para tratar da educa9ÌLo do vice-rei de Napoles, em conse-
quencia do que teve de partir para Madrid, e frequentar a cdrte de
Carlos v, onde se demorou um anno, cercado de admira9Ses. A vida
1 Na Oratio prò roetris, recitada em 1534, por André de Besende, na aber-
tara da Universidade de Lisboa, allade-se a este ezimio humanista : a Vidi ego in
celebri Parrliisioram academia sub hoc Nicolao Clenardó, qui eradiendo Henrico
principi, regia liberalitate in Lozitania est adcitus, senes qainquaginta annis ma-
jores, prima graecarum litterarum fondamenta jecisse, et gnaviter nec sine laude
fnisse progrsssos.»
* InatUtUianea Unguae graecae, Louvain, 1530. MedUcUionea graecanieae in ar*
Um grammaticam, Louvain, 1531.
3 Tàbìdam in grammaticam Hebraeam. Louvain, 1525, in-8.®
I
394 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
litteraria que entrevira em Salamanca seduzia-O; e regressou para Sa-
lamanca, onde Ihe fizeram toda as vantagens para o fixar no magÌB-
terio. Foi no ruido das escholas que Ihe apresentoa André de Resende
a proposta para vir para Portugal por convite de D. JoSo in, para
encarregar*se da educarlo do infante D. Henrique. Seduziu-o a per-
spectiva de uma vida tranquilla, e acceitou o convite do monarcha. As
cartas latinas escrìptas de Portugal aos seus professores da Universi-
dade de Louvain, Latomus e Hoverius, pintam de um modo pittoresco
0 novo viver social e o nesso estado mentak
cEntrando-se nas cidades d'este pequeno reino julga-se entrar
nas habita^òes dos diabos; todos os creados, (que ahi se acham em
abundancia), sSo negros, tanto homens comò mulheres. A terra nSo me
agradou là muito, e a n^ ser o meu amigo JoSo Petit, doutor pari-
siense, hoje rico conego nas margens do Tejo, de pobre mestre que ou-
tr'ora fora nas do Sena, teria abandonado depressa as terras luzitanas.
Comtudo, este é o paiz do euro, e os Francezes sabem-no bem; pelo
que, se encontra um grande numero d'elles em Portugal, e muito con-
tentes. £ certo que tudo aqui é de uma carestia horrivel. Mas o que
é mais desagradavel, talvez, é a immundicie das casas! Ah! que nSo
se parece com a minha patria; nSo ha a atten9So, os cuidados, o es-
mero das nossas boas donas de casa flamengas; comtudo pela anciedade
estrema de ver e apprender, eu me affalo aos costumes portuguezes;
dou-me com alguns homens instruidos, e tenho a felicidade de encontrar
Francezes que vieram aqui estabelecer-se no tempo do rei D. Manuel.
Oh, que sSo os cidadSos do mundo ! com elles nunca se julga estar
fora da sua patria.» etc.
As suas primeiras impressSes e a situaySo de mestre junto do in-
fluite acham-se assim descriptas por Clenardo: cEis-me feito um se-
nhor, de mesquinho estudante de Louvain, que eu era. Dependia de
mim 0 figurar comò os outros, frequentar os bailes, os tomeos, entre-
gar-me a aventuras amorosas (o que aqui se toma por uma virtude)
andar à ca9a, matar o tempo e saborear todos os prazeres usuaes da
corte dos reis aborecedendo-me d'elles. Fui bastante lorpa, em nSo se-
guir estes divertimentos tfto apetecidos, e afastar d'elles meu irmSo,
que gesta muito d'isso. Eu acordo no meio das grandezas, e vem-me
saudades dos bons mestres de Salamanca. Julgae os meus sentimentos
por essas vossas doutas reuniSes, oh meus caros compatriotas de Lou-
vain! por essas conversas instructivas que nós tinhamos diante da
loja de Jaspar, pelos nossos deliciosos passeios, e pela felicidade que
gosavamos em estar jontos. Se eu nSo estivesse longe da minha patria,
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIYERSIDADE 395
6U seria o mais feliz dos homens. O meu estado é tranquillo, e bri-
Ihante ; o real infante que eu educo estima-me muitO; e eu me apartarei
com pezar d'elle; é o sangue dos heroes, e o precioso ren6vo d'esses
grandes reis, que, senhores de um pequeno Estado, alcangaram tanta
gloria; é da mesma terra d'esses homens, que, altivos rivaes dos Hes-
panhoes, se atreveram sob o magnanimo Àlbuquerque a affrontar os
fogos da aurora, a penetrar na Ethiopia, a dobrar o chinai de Mo9am-
bique, e que subjugaram tantos povos, t^o numerosos e tSo potentes
confinadoff no extremo do globo. Mas; ai. Por isso mesmo que este
principe està rodéado de tanta gloria, mais dif&cil Ihe sera o sentir
paixSLo por ella; està jà, desde cedo habituado a isso. Desde o ber90
tel-ohSo imprudentemente familiarisado com o que Ihe deveriam ter
deixado desejar. TerSo antecipado o momento do enthuziasmo, esse
momento critico da vida dos reis; e a sua alma capaz de apossar-se
fortemente de uma grande ideia permanecerà por ventura fria, por
isso que nSo terà novidade para si. Que filho de um rei perfeito pode
jà Bubstituil-o aos subditos pezarosos? Àntes de mim, o meu augusto
dÌBcipulo nSo conheceu ainda a desgra9a, multo melhor mostre do que
eu. Eu tomo conta d'elle sob a purpura, e entregam-no nos braQos
da moleza. Voltando a cabefa, elle observa a baixeza, que se roja
diante da sua pessoa; ouve a lisonja mentirosa repetir os seus elogios;
a mole indulgencia suspira; o interesse pessoal sob a mascara de de-
dica9So se entemece; fazei, diante d'isto, ouvir os viris accentos da
verdade, a voz severa da virtude, os grandes principioà da moral; se-
meae a erudÌ9&o em um campo tSo abandonado, tlUo estragado, e tal-
vez jà tSlo desnaturado. — Eis aqui o meu encargo.»
Clenardo retratava magistralmente o infante D. Henrique, essa
natureza fria e incapaz de um enthuziasmo moral; e apesar de todas
as vantagens que o rei Ihe apresentava, absorvia-o a ideia de ir a
Granada, a Fez, a Ceuta, para se aperfeÌ9oar no estudo do Àrabe, cuja
importancia Ihe parecia cada vez maior para os estudos philologicos.
Nicolào Clenardo falla da sua vinda a Portugal em outra carta da-
tada de Evora em 26 de mar90 de 1535, e d'ella se tiram importantes
revela98es para o estado do ensino n'essa època que precedeu a re-
forma da Universidade. * Come9a por explicar o motivo por que deixou
a Universidade de Salamanca para vir ser mostre do pa90 em Por-
1 Foi publicada pelo barSo de Reiffenberg, traduzida em frances e incluida
na memoria sobre as Eda^òea antigas da Belgica e de Portugal* (Mem. da Aca-
demia daa Sciencias de Bmxellas, t. xiv, 1841.)
396 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
tugal; Clenardo detestava o ruido dos Geraes, odiava o systema da
eleijSLo dos lentes pelos estudantes, e nSo se conformava com o uso de
ser interrogado o lente & porta da aula para satisfazer ou esclareeer
as duvidas da IÌ930. Estes mesmos usos existiam na Universidade de
Lisboa, e ainda hoje em Coimbra 0 lente espera & porta da aula a
sahida dos estudantes, nSLo para dar explicagòes, mas para receber as
cortezias. Clenardo nSLo professou n'esta Universidade nem em Coimbra
em 1537, comò pretendem Mariz e Barbosa Machado. Escreve o no-
tavel humanista: e Croio meu querido mostre, que j& tereis ouvido
dizer com que condÌ93es deixei Salamanca para vir a Portugal, con-
vidado pelo rei. Confesso que me agradou essa Universidade tSo fa-
mosa, onde havia encontrado amigos i&o dedicados e de um tSo vasto
saber, que de bom grado, se podessem, me converteriam em barra,
com 0 proposito de conservar, pelo etemo attractivo do curo, um es-
trangeiro que poderia escapar-lhes. E croio que 0 teriam conseguido
se me deixasse ficar entre elles mais tempo, porque 0 vosso discipulo,
apesar da sua mediocridade, havia adquirido uma goral estima, elle,
que sempre se torna mais acanhado quando Ihe cumpre lisonjear al-
guem ou tomar-se amavel. E todavia as propostas de um rei desataram
de repente os meus la90B. NSo é contar aqui com um rendimento su-
perior ao que recebia na Universidade, que além d'isso para ao diante
promettia ser mais avultado; mas comò sou inimigo do tumulto e su-
spiro pela solidSo, a vida que tenho agora deixa-me mais senhor de
miin. — Eu previa entretanto que me tornarla a victima do publico de
um modo que nào convinha nem à minha indole nem aos meus estudos.
Por isso acceitei 0 que Portugal espontaneamente me offerecia, sem que
o podesse adivinhar; e dou gra9a8 a Deus de ter fortalecido a minha
coragcm no meio do assembro de Salamanca inteira. Recuperei com
effetto a tranquilidade e 0 repouso, aos quaes jà niLo me era permit-
tido aspirar. Vou a casa do principe, irmfto do rei, às duas ou tres
horas depois do meio dia. Acabado 0 meu trabalho, volto para casa,
e nada mais tenho a fazer na cdrte. 0 trabalho que me sustenta é
muito menos consideravel do que aquelle por que recebia cem philip-
pus, e em vez de phiHppus é 0 dobro em bons ducados, e algumas
vezes mais, com que Portugal me gratifica. Todavia, n2o me cumpre
encarecer estes lucros pecuniarios em que nada ha de excessivo; por-
que eu tambem nfto desejo outra cousa senSo satisfazer as minhas ne-
cessidades presentes e nSo me v8r exposto de novo às difficuldades
que me atormentavam na patria. Como assim, direis vós, contaes por
pouco 500 thalers do RhenO| porque està quantia equivale a lOOjiOOO
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 397
réis em Portugal?» ^ Clenardo nSo se conformava com o costume da
Universidade de Salamanca, em que os lentes ficavam depois da IÌ9S0
à porta da aula para responderem às duvidas dos estudantes. Este cos-
tume existia na Universidade de Lisboa, corno vimos j& pela disposi-
9II0 dos estatutos de D. Manuel. Clenardo protesta centra isso: «De-
mais a mais é uso d'este paiz, que reina egualmente na Italia, que de-
pois da IÌ9IL0 OS professores se deixem consultar por teda a gente corno
verdadeiros oraculos; qualquer necedade que accommette o espirito,
ou que anda nos labios do estudante menos atilado, se 0 professor se
nega a escutal-a com benevolencia, e a responder comò se fosse uma
cousa seria, parece haver commettido um crime de lesa-magestade.»
Clenardo liga a subserviencia dos lentes, em attender os alumnos, &
depcndencia dos votos com que os alumnos elegiam os seus mestres:
<0 caso nSo fica aqui: e se mais tarde vaga qualquer cadeìra, 0 pe-
queno malvado, o unico de quem se nSo devia receiar, vinga-se, es-
condido no scio da multidSo: tira-vos a maior parte dos votos, e de
nada vos serve possuir vastos conhecimentos. Nunca vistes em Lou-
vain, diante da loja do livreiro Jaspar, esses circulos que se denomi-
nam a chanceUaria dos ineptoaì Mui bem. Em Salamanca sSo tantos
OS professores comò os grupos de estudantes no meio dos quaes os des-
venturados experimentam maior tormento do que emquanto dura a bora
1 Està carta foi traduzida da versSo de Reifienberg, e publicada por Lopes
de Mendon^a, AnnaeB daa Seienciaa e Lettras, 1. 1, p. Idi a 146. «O barao de Reiffen-
berg promettia, n*uina das Notas da sua memoria, a traduc9ao das Cartas deOiey*
narts, com observa^oes criticaB sobre a historia litterarìa do tempo; mas 0 distia-
cto academico nSo teve ensejo, jalgamos oós, para cumprir a sua promessa, e uma
morte recente roubou-o & sciencia e is letras ...» (Ibid,, p. 131.) O er. Joaquim
de VasconcelloB tem desde 1878 impressa (nSo publicada) uma nova edi^So das
Cartas latinas de Clenardo, in-^^* pequeno, de 285 paginas, feita sobre as edi^oes
de 1551, 1566 e 1606, contendo ao todo cinquenta e tres Cartas; traz sete Cartas
a mais do que nas edi^Ses mais completas. Emquanto Clenardo esteve em Evora
esTsreveu a Martino a Yorda, a Joào Vaséo, a Jacobo Latomus, Rescio, Francisco
Hoverio, Polites e Jorge Coelho, ao todo vinte Cartas; quando esteve em Braga
escreveu novamente a Latomus, Vaséo, Hoverio e ao Archidiacono del Alcor, iato
è, cinco Cartas. Quando 0 grande humanista, que presentirà a unidade das linguas
semiticas, se achou em Fez, escreveu a D. Joao Petit, bispo de Cabo Verde, refOi*
rindo-se multo louvavelmente a Fedro Margalho. Nas Cartas a JoSo Vaséo allude
às reformas pedagogicas, e & imprensa no mosteiro de Santa Cruz. 0 estudo das
Cartas dirigidas pelos sabios da Renascen^a a DamiSo de Groes, e 0 estudo das
Cartas de Clenardo, sSo 0 elemento fundamental para um livro precioso, que bem
merece ser eecripto, sobre a Historia do Humanismo em Portuffol.
398 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
da IÌ9S0. Mas o maior numero applaude-se da sua miseria; porque tira
d'ahi iim agouro favoravel para os successos das luctas academicas;
por esse modo pode-se proximamente apreciar 0 numero d'aquelles que
Ihe hHo de conceder os seus votos. E ainda que alguns se encontram
que nada tém a esperar, e jà gosam as cadeiras mais lucrativas, to-
davia este uso prevaleceu de tal maneira, que todos se sujeitam a elle.
Além de que ha um regulamento qne estatue que qualquer cathedra"
tico (é a expressilo consagrada) ha de ficar & porta da sua aula para
responder is duvidas dos seus ouvintes. Eu resignava-me a arrastar
està cadeia, mas deixava perceber que estes interrogatorios me nSo
eram agradaveis, e que nSLo estava acostumado a semelhantes praticas. »
A pratica da eleÌ9£o do lente pelos votos dos estudantes, que vèmos
em Salamanca, foi tambem deeretada por D. Jo3o ili; por disposÌ9So
datada de Evora em 29 de junho de 1534. A eleÌ9So dos lentes veiu
a ser substituida pela nomea9ào règia, mas a tradÌ9&o pedagogica per-
sistiu nas Universidades allemSs, modificada na fórma dos Privat-Do-
centen, verdadeiros impulsores de renoya9llo do ensinO; apoiando na
frequencia dos ouvintes 0 direito para entrarem no quadro do magis-
terio officiai.
Na supracitada dÌ8posÌ9So de 1534 D. JoSo ili estabelece a re-
gra para a eleÌ9SLo dos lentes: cEu El-rei fa90 saber a vós Rector, len-
tes e conselheiros da Universidade do studo da minha cidade de Lix-
boa, que por alguas justas causas que me a isso movem, me praz que
d'aqui em diante nas vacaturas das cadeiras do dito studo que seja de
propriedade ou de substituÌ9ao nom votem soomente vós dito Rector c8
08 conselheiros e ouvintes que segundo seus statutos devem votar, e
graduados na faculdade de que for a tal cadeira a saber: em theolo-
gia votarlo soomente com 0 dito Rector os graduados, conselheiros e
ouvintes que teverem cursos pera votar da faculdade de theologia; e
nas de direito e em huas e em outras polla conformidade das faculda-
des votarlo com o dito Rector legistas e canonistas que segundo os
statutos devem votar. E nas de medicina soomente os medicos com 0
dito Rector. E nas de artes votarSo theologos, medicos e artistas gra-
duados ou ouvintes que teverem cursos conforme àos statutos pera po-
derem votar com 0 dicto Rector, por serem faculdades subordinadas.
E por tanto vos mando que assi 0 cumpraes, e guardees d'aqui em
diante e fa9aes comprir e guardar sem embargo de qualquer statuto, etc.»
A subordina9So das faculdades era apenas uma vaga intuÌ9?lo da
necessidade de uma hierarchia theorica, para dirigir 0 ensino, neces-
sidade realisada sobre uma base subjectiva por Bacon. Aqui vèmos o
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 399
endino secundario do antigo trivium medieval ainda ìncorporado na
Universidade. Fernao de Oliveira, na sua Grammatica portugueza, al-
lude às luctas de competencia entre os varios gradaados em Artes:
«Mas OS Qrammaticos zombam dos Logicos, e os Summulistas apupam
08 Rheitoricos.t (Ghramm., cap. 38.) *
A reforma da Universidade de Lisboa e sua trasIada9ao para Coim-
bra, em 1537^ foi precedida de um primeiro desenvolvimento do en-
sino secundario, que os Jesuitas mais tarde continuaram de um modo
esclusivo. Acompanhavam os principes nos seus estudos elementares
OS mo9os fìdalgos; as casas nobres, a exemplo do pa90, tambem con-
tractavam pedagogos, e os bispos nas suas dioceses sustentavam escho-
las de latim. FernSo de Oliveira, que redigiu a primeira Grammatica
da lingua portugueza, publicada em 1536; fora mostre em casa de D.
Antào de Almada, eapitSo goral de Portugal: «cria com muito cuidado
Dom AntSo seu filho a quem Deus guardo e prospere; para cuja dou-
trina com mujta despeza me trouxe a sua casa e graciosa'e compri*
damente me conserva n'ella.» A educa9SLo das classes pobres fazia-se
accidentalmente nos mosteiros; diz FernSo de Oliveira, explicando cer-
tas fórmas dialectaes do portuguez: «sendo eu mogo pequeno, fui creado
em Sam Domingos de Evora, onde faziam zombaria de my os da terra,
por que eu assi pronunciava, segundo o que aprendera na Beira.» (Ib,^
cap. 47.) Femfio de Oliveira confessa que a sua Grammatica foi a pri-
meira tentativa que em Portugal se fez da lingua nacional: ae corno
escrevi sem ter outro exemplo antes de mi, e iste muito mais escusadl
0 defeito da ordem que tive em meu proceder se foi errada.» (Cap. 50.)
A tentativa, embora continuada por JoSlo de Barros, em uma Gram-
matica composta para uso do principe D. Filippo, a quem ensinava o
prégador Frei JoSo Soares, nSo fructificou, porque todo o empenho con-
vergia para o estudo exclusivo do latim. O proprio FernSo de Oliveira
estava sob a auctoridade dos velhos grammaticos e rhetoricos da deca-
dencia romana e da Edade mèdia, cujas doutrinas resurgiram na Re-
nascen9a; estudava os phenomenos da lingua nacional, abonando-se
com Marciano Capella, Quintiliano, Marco VarrSo, Probo Grammatico,
e, dos modemos, com Nebrixa.
1 Era corrente na Universidade de Paris, no seculo xy, o aphorismo : «iBon
gramìnairien, mauvais logieien.» (Quicherat, Hiatoire du CoUhge de Sainte-Barbe,
1. 1, p. 36.) — Montaigne, nos seus Enaaios, conta a anecdota do desdem com que
um regente de logica dizia, referindo-se ao conde de La Rochefoucault : «NSo é
nm gentilhomem, é um grammatico, emquanto eu son um logico.»
400 HISTORIÀ DA UNrVERSIDADE DE COIBIBRA
Em 1537 jà florescìa em Coimbra a eachola de Grammatica de
Lopo Gallego; Gabriel Pereira, erudito eborense, que inventariou os
documentOB do archivo da Universidade, escreve: cDa escóla de Gram-
matica de mestre Lopo Galego^ ha urna relagSo de 1537 com o titalo
Caidogus schólasticorum grammatices artis sub lupo galateo preceptore
anno MDXXXVII conimbricensis universitatis, que menciona 43 alum-
nos. Parece que a esche la soffirera decadencia em 1540. > ' Em um al-
vara de D. JoSo m, de 4 de julho de 1541, dirìgido ao Bispo Reitor,
disp3e-se sobre o ensino da Grammatica: ce quanto ao que dizees da
falta que hi ha da prìmeira regra de Grammatica por ChristovSo de
AbreU; mestre della, ter muitos scholares, eu tenho ora previde de ou-
tros deus mestres, que hftde comesar a ler o prìmeiro dia de outubro
deste presente anno nas casas que o Cancellarlo jà pera isso tem or-
denadas.» Em outro al vara de 5 de julho de 1541 diz o rei: «que eu
ei por bem e me praz por alguas rezoens que a elio me movem, que
OS scholares da grammatica da prìmeira e segunda regra e assi os da
schola de Lopo Qaleguo nS paguem os cruzados que per outra provi-
sSo minha tinha mandado que paguasse pera ajuda da pagua dos mes-
tres, e per este mando que se nSo use mais da dita provisfto por quanto
eu ei por revoguada e mando a Dioguo d'Azevedo, bedel, a quem ti-
1 Boletim da Sociedade de Geographia, 2/ sene, n.° 2, p. 119 (1880). — Apre-
sentamos a lista das Grammaticas latioas por onde se ensinava em Portugal an-
tes do predominio da Grammatica do jesuìta padre Manuel Alvares :
1501 — Thesaurus Paupemm, sive Speculum puerorum, em A.*^ goth. Com o
Baeulo dea Cegas, de Antonio Martins, e feito indo emendado e correcto por JoSo
Yaz, bacharel. Lisboa.
1513 — ArU da Grammatica, de Mestre Jofio Pastrana. (Depois d'està data
é desthronada està Grammatica pelos partidarios de Nebrixa.)
1516 — Ars Virginis Mariae, nova Grammatica, impressa em Lisboa, por Va-
lentim Femandes ; é dividida em cinco livros.
1522— ilr<e de Pastrana. Lisboa.
? — Arte de Estevam Cavalleiro (Stephanus EguesJ
1535 — Arte de Grammatica latina, de D. Maximo de Sousa, conego regrante
de Santa Cruz de Coimbra.
1538 — Institutiones Grammatice Latinae, de Nicol&o Clenardo. Braga.
1540 — Tratado de Verborum Conjugatione, de M. André de Resende, 1 voi. 4."
1553 — Budùnenia Grammatieae.
1555 — Crrammatica DespauterU, (Becommendada por Yiyes.)
1557 — Compendio de GrammaHoOf de Diogo Soares.
1565— Perifraze ao Livro i? De Construetione, de Nebrìxa, por Cadaval Gra-
zio (Antonio de Cadaval Yalladores e Souto Major.)
1572— G'ramma^ico de Fernando Soares Homem. Evora.
OS HUMANISTAS E A REFORHA DA UNIYERSIDADE 401
nha dado carguo de arrecadar os ditos cruzados, que nft falle mais
n'isso ...» A necessidade imperioso, de fallar em latim dentro das au-
las da Universidade fazia com que o estudo da grammatica se tornasse
da maxima urgencia. Quando o infante D. Henrique, discipulo de Cle-
nardo, foi nomeado arcebispo de Braga, chamon para a sua diocese o
celebre bumanista, que regeu n'aquella cidade urna cadeira de latim,
comò se sabe por uma carta dirigida por Clenardo a Francisco Hove-
riuB, datada de Braga em 27 de fevereiro de 1538; elle descreve o pru-
rido que dominava entfto no estudo do latim: «Se alguma ycz Braga
possuiu realmente o nome de Augusta, deveria ella ser denominada au-
gustissima, durante a minha permanencia alli; porque a propria Soma
difficilmente viu tantos Bispos, Cardiaes, Patriarckas e outros digna-
tarios comò eu criei n'esta cidade n'um abrir e fechar de olhos. Accres-
centae a isto senadores, consules e outros magistrados, que pela rua
caminhavam, nSo desdenbando algumas vezes de comprarem alfaces
na feira. • .» Estas palavras alludem ao costume das antigas escbolas,
em que os alumnos tomavam titulos sagrados e greco-romanos, para
se distinguirem nas classes. Estes costumes duraram no ensino publico
europeu até à reforma fundamental realisada sob a Conven^SLo fran-
ceza; Lacroix, nos seus Essate sur VEnseignement en general, descre-
vendo essas reformas assombrosas da pedagogia pelo espirito revolu-
cionario servido por Lagrange, Laplace e Garat, aponta esses usos
escbolares conservados até ao firn do seculo xviii: «As fórmas roma-
nas, que se tinha introduzido. comò meio de emula9ào nas classes, nUo
merecem importancia diante de espiritos sérios. Estes Imperadores,
Consules, e Cadeiras, ligados a grandes recorda98es, quer em reIa9So
aos homens, quer em rela9So às cousas, depois de degradados pelas
applica95es infantis, nàó faziam senSLo servir de alimento ao pedan-
tismo do mostre, que se empavonava no governo dos seus marmanjos,
comò um dictador n'aquelle da na^^o que tivesse conquistado o impe-
rio do mundo.» (Op. cit., p. 113.)
Clenardo empregava este velho systema de emula93o, que ainda
encontràmos na nossa infancia em uma escbola primaria dividida em
duas classes, Grecia e Troia, com as suas bandeiras, erg^das ou aba-
tidas, segundo o merito das sabbatinas. Continua Clenardo, descrevendo
a sua escbola de latim: cHavia em Braga umas trìnta pessoas que se
occupavam de bellas Jettras ; eu nILo me preoccupeì com ellas, resol-
vido comò estava a estabelecer uma escbola sobre bases sérias. Que-
rendo fazer um ensaio da intelligenda das crian9as, tentei ensinar pu-
blicamente alguns pequenos por tal modo ignorantes da lingua latina,
HI8T. UR. 26
402 HISTOfìlA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
que nem mesmo tivessem ouvido pronunciar d'ella urna syllaba. Ape-
nas constou està noticia, a novida^e do projccto atrahiu em torno de
mìm urna mnltidSo tal, que o locai a nào podìa center. Nenhuma edade
<ava: vinham individuos de teda a parte. Com crian9a8 de cince an-
no8, concorriam padres, escravos mouros, una e outros jà entrados em
edade. Ainda mais, até paes vinham com os filhos, prestando ao mes-
tre tanta deferencia corno os mais obedientes discipulos. Sósinho no
meio de tSLo diversos espiritos, nSlo proferindo urna palavra que nSo
fosse latina, e iste diante de pessoas que nada sabiam d'està lingua,
tive a satisfa9So de vèr, em poucos mezes, que, grafas a esse uso quo-
tidiano, entendiam-se quasi correntemente, e que os mais pequenos
mesmo papagueavam em latim, quando nem comegado haviam ainda
a aprender o alphabeto. De resto eu fiigia cuidadosamente de apresen-
tar aos meus discipulos qualquer cousa que os podesse desgostar, e nSo
era por antiphrase que a minha eschola se denominava Ludu$j visto
que eu brincava niella a valer.» E aqui que vèmos definir-se a fórma
methodologica do ensino por seducgao em vez do emprego dsipancada.
O Lvdus de Clenardo derivava da tradÌ9Jlo escholar da Maison Joyeuse,
fundada no seculo xv pelo celebre pedagogo Victorino de Feltro, mos-
tre dos filhos do marqnez de Gonzaga; o sy stema da pancada, susten-
tado pelo latinista Sterck, mais conhecido pelo nome de Fortius, pre-
valeceu em Portugal até à primeira metade do seculo xix, comò adiante
veremos. Eis corno Clenardo descreve um dos seus divertiraentos escho-
lares: «Possuia tres escravos... Estavam longe de serera profundos
grammaticos ; aconteceu porém haverem contrahido o habito de me per-
ceberem quando eu fallava latim, e de me responderem n'esse idioma^
embora peccassem contra as regras de Prisciano. Levava-os para a
aula, fazia-os travar dialogos diante dos meus discipulos, e conversava
com elles àcerca de um sem numero de assumptos, e o meu auditorio
nao perdia palavra, olhando comò um prodìgio que um africano fallasse
latim. — ^Vamos, Dente-Comprido, dizia eu, vira-te! E elle dava duas
cabriolas, e os espectadores riam. — Tu, Negrinko, anda de gatasl E
quando o escravo punha as màos no chSo, as gargalhadas iflU) tinham
fim. Carvào, tendo recebido ordem para correr, cumpria-a no mesmo
instante. D'este modo eu ensinava mil cousas menos com a voz do que
com 0 gesto, e os termos & sembra d'estes brinquedos, ficavam grava-
dos na memoria das criangas . . . » Os Jesuitas, quando tomaram conta
do ensino publico, adoptaram estes divertimentos escholares nos seus
Liuti prioria e Ludi solemnes, porém com o tempo tomaram-se violen-
t08, cahindo no regimen da pancada, de que os accusa Verney. Cle-
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 403
nardo publicou em Braga, em 1538, as snas Institutianes Orammaticae
Latinae; elle nSo quiz tornar parte na reforma da Uaiversidade por
D. Jo2to m, saiado de Portugal em 1540. No emtanto, por uma carta
dirigida a JoiLo Vasèo, Clenardo allade a uma visita aos estados de
Coimbra em 1537, por ventura na sua passagem de Evora para Braga,
em occasiSo de férias; n'essa carta falla do ensino da lingua grega pelo
allemSo Vicente Fabricio, nas Escholas de Santa Cruz, que entfto era
o fòco mais activo dos estudos elementares, onde convergia teda a mo-
cidade da aristocracia. O uso «de fallar latim nas aulas da Universidade
foi novamente decretado por D. Jolo ili, no Redimento dos Lentes e
Estiidantes, assignado em 9 de novembre de 1537, em que se contém
a reforma da Universidade; alli se diz: aPrimeiramente bei por bem
que 08 lentes leiam em latim, e o Bector mandaraa que se cumpra assi.
E acabada a lÌ9am farà circulo aa porta dos geeraes honde lerem, e re-
sponderào aas perguntas qm os scholares Ihejlzerem, e nSo o cumprindo
0 Bector os mandaraa apontar, e assi mandaraa, que os scholares dos
portas das scholas pera dentro falem latim, segundo fórma da provisi
que eu jà sobre isso passei, a qual o Bector veraa e mandaraa com-
prir.» *
Depois de ter descripto a sua viagem a San Thiago de Compos-
tella, tendo passado por Coimbra e Braga, e fallando do empenho que
tem em achar um captivo mouro que saiba bem o arabe, diz em uma
carta a Latomus: aBir-vos-heis de mim; e, podendo agora viver feliz
e tranquillo, eu vos pare9o um insensato, a correr assim o mundo e a
atormentar-me para me instruir. Que dirieis vós, meu amigo, se me
tivesseis visto n'esta paixSo que me absorve subir a algumas montanhas
e a arriscar-me em precipicios, a ladrSes e & morte? Porém, aquelles
que correm atraz do barrete vermelho nSlo se dSo a maiores trabalhos;
chimera por chimera, deixae-me a minha, que me diverte.» E insis-
tindo sobre o estndo do Arabe e sua importancia: a Torno outra vez
ao meu grande projecto; nenhum christSo, que eu saiba, ensinou ainda
o arabe. O Fsalterio do bispo de Nebio, até hoje, nSo produziu ne-
nhum discipulo. Os livros classicos d'estes infieis nSo nos sSo bastante
conhecidos, para que possàmos afSrmar cousa alguma comò certa àcerca
dos seus principios; e seguramente nSLo ha na Europa um homem in-
struido em arabe, comò temos milhares em grego. E jà que Deus me
«Lé-se em um velho regulamento de Oxford, que os esoholares d'està Uni-
versidade nao tinham permissào de conversarem entre si senSo em latim ou fran-
cez.» (Villemain, Tableau du Moyen-Age, p. 666.)
26 #
404 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
poz em estado e capaz de ser o primeiro a profìindar està lingua, quero
aproveitar-me.
cEis aqui a minha resoInslLo. Se me nSo faltarem ob livrea, vou
tradozir em latim todas as obras religiosas dos Arabes; come9arei pelo
AlcorSo, e juntar-lhe-hei scholios e notas. — ^Vós confessareis, Lato-
mus, que este projecto é mais proprio de um theologo, que ea vos tra-
dazisse alguma obra profana da antiga Grecia. Eu abrirei urna nova
carreira aos conbecimentos bumanos e à eloquencia, mesmo em Lou-
vain, onde vós nSo fazeis mais que repetir-vos. Eu revelarei os fruetos
desconbecidos da imagina9ào dos Arabes, e eu vos farei conheoer a
picante delirio do Suna.
«Estou ainda em Granada, entro o desejo de penetrar na Africa^
da qual estou porto, e o de percorrer a Italia e a Aliemanha. Emquanto
me nSo decido, vou fazer uma viagem a Portugal, para vèr o rei e o
meu principe. Pedi ao céo que me illumine n'estas andadas. Adeus.
Quando vos poderei tornar a vèr, e a todos os meus amigos? escre-
vei-me, dae-me conselbos; eu receberei as vossas cartas se as entre-
gardes promptamente aVosterman, impressor de Anvers. Dirìgi-as para
Granada, para casa do senbor marquez vice-rei.»
Em uma carta a Joaquim Polites explica Clenardo o pensamento
superior que o attrae para o estudo do Arabe, comò meio de desco-
brir por um processo indirecto a intelligencia das obras primas da Gre-
cia: cLeopoldo de Austria, tio do imperador, e reitor actual da Uni-
versidade de Salamanca, acaba de me offerecer uma cadeira de Arabe;
todos OS sabios d'aquelle paiz ajuntam os seus pedidos a este convite
glorioso. Para me seduzirem, lisonjeando a minha vaidade, proclamam
que eu sou o primeiro sabio da Europa; a sua amisade encanta-me
mais do que as suas lisonjas; porém nSo posso fixar-me em Salamanca.
e Ha aqui alguns medicos que entendem muito bem Avicenna;
mas quanto à Grammatica ella é t&o extranba aos Hespanhoes comò
aos nosBOs marinbeiros de Zelandia ou aos nossos carroceiros de Bra-
bant. Ultimamente, um estudante de medicina, grande partidario de
Galeno, veiu ter commigo a Coimbra, e pedìu-me algumas no^Ses gram-
maticaes sobre o arabe; temei o primeiro capitulo do livro de Avi-
cenna sobre 0 cerehro e expliquei-lb'o. Passados alguns dias, que le*
vara a seguir o meu processo, disse-me que tinba feito mais progres-
8 OS em tSo pouco tempo sobre o ambe, do que fizera em seis annos
sobre os auctores gregos que Ihe tinham explicado em Salamanca.
cMen amigo, eu tenho notado uma cousa, que poderia ser muito
util à alta lìtteratura. Nós temos perdido muitos auctores e obras gre-
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 405
gas; e os Arabes; unica na9SLo na Europa actualmente, cujos antepas-
sados communicaram com os Gregos, conbecem perfeitamente as suas
artes e as suas descobertas. EUes traduziram na sua lingua todas as
produc93e8 da Grecia, as mais sérias e as mais sublimes, corno as mais
simples e as mais ligeiras. Por meio d'estas traducQSes, nós poderiamos
recuperar tudo o que nos falta do povo mais instruido e mais amavel
da antiguidade. Estimulado por està idèa, eu a tenbo realisado em parte,
e com a maior satisfa92o, comparando os auctores gregos aos auctores
arabes. Eu proseguia no meu trabalho com este encanto incomprehen-
sivel, que se sente ao fazer urna grande descoberta, quando as minu-
cias da córte vieram interrompel-o; eu o reatarei quando voltar ao unico
legar da terra (Louvain) que hoje serri aos meus olhos.:»
Em uma outra carta de Clenardo, escripta a Francisco Hoverius,
depois da sua chegada a Lisboa, falla-lbe da viagem e do seu discipulo:
cNada me pode mais levar a emprehender viagens; morre-se a cada
instante com saudades de ter deixado o ijue se ama. Dia e noite penso
na minha patria; imagino estar em Malines, em Louvain; julgo con-
versar comvosco, com Latomus. E preciso absolutamente que na prò-
xima primavera realise este sonho. — Comtudo, meu amigo, eu encon-
trei aqui um principe tal que nada ha egual, e que me sera querido
até ao ultimo alento. Mas, vede a minha ingratidSo, ou antes, quanto
as paixSes fortes nos tyrannisam; aquella que sinto pelo estudo vin-
culava-me a Salamanca, a ponto de as suas cartas mais affectuosas nio
poderem arrancar-me d'ali. Que grosserias causa està paixSb, condem-
navel sem duvida, porque ella é desenfreada, porque se antepSe aos
deveres da sociedade, e até cobre os sentimentos do coragSo; que gros-
serias me nSo tem feito commetter para coni està boa nobreza hespa-
nhola e tantos senhores cuja grandeza em nada é obstàculo à littera-
tura, e que tèm a longanimidade de me estimarem comò eu vos es-
timo? Ah, se me desse na cabesa ser cortezSo, seria aqui, ao pé do
meu principe, que eu fixaria a minha residencia; e estaria bem certo
de me nSLo endurecer na molicie e no orgulho; elles proprios, pelo seu
esemplo, m'o impediriam; mas, oh minha patria! oh sentimento irre-
sistivel e docel é-me impossivel viver longe de Louvain; os meus ca-
bellos brancos m'o reclamam mais do que nunca; tenho necessidade
de viver, em fim de contas, para mim; rico ou pobre, que me dà d'isso?
NSo é pelo cora9&o, e sómente pelo cora9&o, que se vive? Oh Louvain,
tu me attraes; o principe Emmanuel irà commigo. — NSo sois vós de
opiniSo, Hoverius, que este principe estude primeiramente a IHals'
lecticaf Elle gosta da Theologia, é preciso portante que antes de tudo
406 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Beja um dialectico. Tomarà 08 seus gréòs entre nós ; bacharel ou licen-
ciado; regreesarà a Lisboa de ama maneira mais honrosa para elle^
para o rei, para os seus compatriotas, para nós tambem e para a nossa
Universidade. — O ponto essencial é quo elle sinta o valor do tempo, e
que elle dispenda d'està vida t&o corta nenhuma parte, para a ociosi-
dade ou para o remorso. — Come9ando pela Dialectica elle poderà sor
mestre em Artes em tres annos; nas suas classes, fallando latim, ad-
quirirà o habito d'està lingua e aperfeÌ9oarBe-ha. Sem ser um grsnde
orador, poderà facilmente tomar-se um bom theologo scbolastico. Além
d'isso, é multo estudioso, e estou certo de ^ue nas suas horas vagas
applicar-se-ha de motu proprio à litteratura latina.»
Em -um momento, a Egreja transigiu coni a educa(So humanista.
A maneira do arcebispo de Braga, tambem o bispo de Ceuta, Frei
Diego da Silva, por provisSo.de 22 de Janeiro de 1539, instituiu em
0Iiven9a eque do monte maior do celleiro da mesma villa se dessem
todos 08 annos pela festa da Assumpyào sete moios de trigo a um mes-
tre, que alli ensinasse Grammatica e Poetica latina aos estudantes do
bispado, e que deva ser eleito de dois em dois ^nnos pelos proprioa
discipulos.» ^ Acompanhando a Renascenga do seculo xvi na sua phase
philologica, a reforma da Universidade nasccu d'està corrente huma-
nista, da qual os Jesuitas se serviram para reagirem centra as nova»
doutrinas theologico-criticas e scientifico-philosophicas.
Além do abuso do exaggerado humanismo, o ensino estava viciado
pelo emprego exdusivo da memoria, que conduzia a sciencia & confu-
sSo com o pedantismo doutoral. Do abuso da memoria podemos tornar
um facto da Vida do Infante D. Duarte, contado pelo seu mestre An-
dré de Resende, e que é ao mesmo tempo um esbofo dos objectos do
estudo dementar: cposso dar testemunho do exceliente engenbo e pas-
mesa memoria de que nesso Senhor o dotou. Liamos ha tempo em Lis-
boa a Dialectica, e depois de Ihe ter lido os principios por a arte de
Jeanne Cetario, tomamo-nos a Artes; foi o Infante D. Henrique visi-
tal- o huma sèsta estando nós em IÌ9S0, levantei-me eu e dava-Ihe es-
payo pera pratica e conversa9&o. Nom, nom, dixe 0 Infante D. Hen- '
riqae; eu nom quero interromper a IÌ9ÌL0, sentai-vos e prosegui. Yirei-
me ao Infante D. Duarte e disse-lhe: Pois, Senhor, o Infante vesso
irmSo quer estar à IÌ9S0, bem sera que saiba quanto V. A. tem apro-
veitado c3 Iho ouvir de sua bocca. Cerrou 0 Infante 0 livro, e em la-
1 Levy Maria Jordio, Hisioria teóUtiastiea ultramarina, 1 1, p. i6.
1 _
OS HUMANISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 407
tim competente resumiu o tratado de Porphirio De PredicaiUibus, * e
as Categorias de Artes e Perihermeneas, tSlo solta e deserapachadamente^
que o Infante seu irmlo ficou attonito. Nom é iste tanto quanto o que
agora direi: liamos tambem o livro De Officiis, e lèramos este dia o
capitulo De Justìtia. Repitiu de coor assi quomo jaz, e des que aca-
bou Ihe disse agora: Esto Iho quero dizer às versas. E come90u da
derradeira palavra proseguindo até à, primeira sem titubar nem fazer
intervallo. O que eu hei por cousa digna de admiragEo, porque dizer
de coor urna pagina ou capitulo per sua recta ordem, o entendimento
vai ajudando a memoria e minìstrando-lhe as palavras, que a sentenya
requere; mas ao revez em que a 8enten9a se desturba e totalmente
desbarata, póde cada hum em si experimentar quam difficil e laboriosa
cousa he, e reter ordem de palavras em tanta desordem de sentenja.i^
André de Resende admirava està violencia da memoria diante dos exem-
ploa da antiguidade: «Ora louvem os escriptores quanto quizerem a
memoria de Marco Cato, ou de Cyro, ou de Cyneas embaixador de
Pirro; eu està do Infante haveria por digna de maior admirajào.»
(Gap. 10.) Rabelais, no quadro da educarlo de Gargantua, allude ao
habito pedagogico das repetigSes de cor de traz para diante. Està des-
grayada cultura da memoria, que na expressSlo popular se identifica
com a intelligencia, continuou a ser considerada comò o objecto do en-
sino. Bendo urna tal direcgSo deploravelmente continuada e exaggerada
^ob a direc9So dos Jesuitas.
Em uma carta a Polites, descreve Clenardo a impressSo que Ihe
causou a noticia da morte de Erasmo, e corno se achou espontanea-
mente compondo uma elegia latina a esse successo, elegia que o reve-
lou poeta, e que elle communicou a André de Resende: <Ao saber da
morte de Erasmo, deixei cahir tudo quanto tinha nas mSos; puz-me a
chorar; julgava estar vendo Erasmo. A dòr leva ao delirio. Comecei
entSo uma elegia, que eu dediquei a Resende; eis aqui o prìmeiro di-
stico :
Spirantem vulgus qnod non tolerabat Erasmum,
Defunctum sero queret h abere aenem. '
«Depois d'està bella elegia, com a cabe^a sempre cheia de minha
1 Vé-se que pre^alecia na educa^So philosophica em Portugal a eschola No-
minalista, porventnra ji entSo reflexo das doutrinas do Collegio de Santa Barbara,
d^'onde regressavam estadantes portagnezes.
2 Eroquanto vivo a Erasmo o vulgo nSo adora,
Depois de morto, eia tarde e com saudade o ebora.
408 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
d6r e do meu enthuziasmo^ ea fiz urna Ode tao bella corno a de Ho-
racio a Virgilio sobre a morte de Quintilio, e foi tambem ao desven-
turado Resende que eu dediquei està segunda obra prima. (Transcrer
ve-a.) Pois bem, meu caro Polites, direis vós agora que eu nSio sou tSo
bom poeta corno grande orador? — Eu mostrei todas estas producQÒes
ao meu principe, que as acbou bellas; os outros dilectos das musas,
roendo as unbas e batendo nas suas desgra9adas escrevaninbas, farSo
melhor do que eu no vosso entender? O ponto essencial é que eu es-
tou contente commigo, e> t2k> satisfeito que eu deixo fazer a critica dos
meus versos aos meus rivaes e mesmo os apódos aos meus amigos; po-
dem fazer comò quizerem, n^o arrancarlo os louros immortaes que me
cingem a fronte. Eu sou mais fecundo do que vós todos; e urna vez
que comecei jà nào posso acabar. Fiz uma composÌ9ào sapfaica mais
longa do que todas as de Horacio, e pareyo-me com Cicero, cujas obras
mais extensas eSio sempre as melhores. Mas Resende é um casmurro;
entreguei-lbe uma noite todas as minbas Odes, com rjrthmos novos, e
no dia seguinte veiu ter commigo todo pesaroso: — Fizestes-me passar
a noite em claro, disse-me elle; onde fostes vós descobrir estas maldi-
tas medÌ95es? Folheei Terencio de cabo a rabo, e nada achei ahi que
se Ihe parecesse? — Terencio? retruqui-lhe eu; pois tendes o atrevi-
mento de me comparar a esse mesquinho escravo da Africa? Ficae sa-
bendo, meu amigo, que eu dSìo imito ninguem, e que eu posso ser ori-
ginai, comò qualquer outro! — Meu caro Polites, eu prevéjo que à for9^
de querer-se imitar os antigos nós nos tornaremos servis. Quem pode
deixar de se rir à custa do sabio Dolet e dos outros ciceronianos, seus
similhantes, que nSo se atrevem a empregar versiculare, versificar, por*
que està palavra nSo se acha em Cicero? Estes litteratos delicados nSo
fazem caso algum de Tito Livio, dos dois Plinios, dos outros grandes
escriptores de Roma? Demais, uma grande parte dos escriptos de Ci-
cero està perdida; sabem elles se estas palavras e tantas outras que
reprovam n^ foram empregadas pelo proprio Cicero? Elles ignoram
que as expressSes nào s&o senSk) fórmas, e que cada gerafSo as produz
novas. O tempo, deixando de parte os artistas, faz tambem revolu98e8
nas artes, e em tudo cada paiz tem as suas modas.»
Em uma especie de Post-scriptum d'està carta a Hoverius, falla
Clenardo de uma senhora erudita entre os humanistas, a celebre Joanna
Vaz: cAdeus, meu amigo, eu vou-me lan9ar com delicias nos brayos
das Musas. A Litteratura tomou-se o gesto dominante e uma exigen-
eia necessaria na Europa; obedefo-lhe. A belleza tambem se associa
a nós; Joanna Vaz, donzella encantadora e amiga dos nossos traba-
OS HUMANISTAS E A R£F0R1IA DA UNIVERSIDADE 409
Ihos, egoala-BOB em eradÌ9llo tanto quanto o seu sexo nos vence em
délicadeza e gra9a8. Vós terìeis querido fazer obras corno as que acabo
de vèr d'ella. — Ea ensino Utteratura aos meus escravos negros ; um dia
OS resgatarei, e terei o meu Diphilus corno Crasso, e o meu Tiron corno
Cicero. Escrevem jà muito bem, e come9am a perceber o latim; o mais
esperto faz-me a leitura à mesa. Emqiianto comò, ensino-os, e cada dia
vejo 0 fructo do trabaiho, corno o jardineiro. — Quando estou can9ado
de estudar distraio-me com elles. VSo commigo ao passeio, divertem-
me, fazem-me rir, e até crian$a; creio que foram elles que me fize-
ram poeta à forga de Ihes ouvir dizer Musa, Musae. — Nào ha receios
em Portugal de guerra, mas sim de peste ou fome. Cada paiz, meu
amigo, tem o seu flagello; a desgra^a é o nosso ambiente necessario;
«por mim, trato de romper oste ambiente e safar-me; eu engano o in-
fortunio, e é porventura so n'isto que se é feliz. Abrafa Hoverius e
Sphiter. »
Em uma ultima carta a Polites sobre a sua situa9lU): cAcho-me
em Evora; n'este momento acabo de receber a vessa carta^ e àmanbS
levarSLo a minha resposta para Lisboa; nSo tenho pertanto senfto o
tempo bastante para vos dizer qual é a minha situa92Lo actual. — 0 meu
principe està em Braga ha jà tres mezes; àmanhSL regressa a Evora;
voltaremos para Lisboa no primeiro de Janeiro, e o vesso amigo fica
obrigado n'este grande dia a ir expSr-se ao ridiculo, apresentando-se
perante o rei, com a nobreza e os cortezios. — Falle! ao meu principe
no desejo de regressar à minha patria no proximo ver&o, se o céo e a
fortuna me derem vida até esse tempo. Elle bem queria conservar-me
para sempre em Portugal, o que apressaria a minha morte. NSo me
atrevi a dizer-lhe que todas as minhas aspira93es se localisam em Lou-
vain; contentei-me a representar-lhe que elle estava sempre ausente,
no exercito, nas revistas, nas fronteiras, para onde nSo podia acompa-
nhal-o, e onde Ihe era por conseguinte inutil; elle molesto u-se com a
minha resoluglo. E eu, outro tanto comò elle; mas que fazer? eu nSo
tenho mais do que uma vida, da qual percorri jà uns dois teryos sem
me poder entregar ao estudo. A ausencia refor(a as grandes paixSes;
todas as minhas paixSes concentram-se em Louvain; ahi pretendo en-
velhecer no meio das letras.»
Clenardo salu de Evora, passou por Coimbra e demorou-se algum
tempo em Braga, dirigindo-se depois para Hespanha, sempre preoccu-
pado do seu pensamento do estudo do Arabe; demora-se em Granada,
onde emprehende a viagem a Fez e a Ceuta. Escreve a Latomus: «Es-
tou jà feito um arabe, e participo-vos que vou partir para Fez. Vós
410 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
sabeis que està cidade é para a Africa corno Paris é para a Fraii9a.
E a mais sabedora eschola do mahometismO; e a mais rica em gran-
des mestres. Eu nSo gosto do repouso, e estou ardendo para ir & fonte
da religiSo do propheta. Na minha volta qiiantas cousas terei a contar-
Yos! Vou embarcar, e acho-me aqui em Gibraltar ha tres semanas.
Neptuno furioso prende-nos no porto todo este tempo, quando o tra-
jecto é de quatro horas. Vamos a Ceuta, onde os portuguezes tèm urna
forte giiarnÌ9lLo. EUes estSo em paz com o rei de Fez ba onze annos.
Conto nada ter a receiar penetrando n'este reino infici. Fez estd a dis-
tancia de Ceuta umas trinta leguas. Durante està viagem nSo escre-
vereis uma pobre cartinha ao vesso amigo exilado na Africa?» Em ou-
tras cartas descreve Clenardo a impressSo da passagem do estreito, o
aspecto de Fez, a vida ehtre os arabes, as suas inve8tiga95e8; voltoa
depois a Granada, e quando a sua reputa9Slo s^ tornava europèa, e es-
tava destinado a exercer a maxima infiuencia nos estudos da Renas-
cen9a, morre cm 1542, com quarenta e seis annos de edade, sem ter
tornado a Louvain! *
Yèmos até aqui que a corrente scientifica estava bem reprentada
em Portugal, mas todos estes elementos foram improficuos, porque D.
JoSo in deu aos Dominicanos o poder de terrorisarem as consciencias
com OS Autos de Fé, e aos Jesuitas o privilegio de imbecilisarem as
intelligencias. Estes dois irmSos do monarcha protegiam devotadamente
as duas càfilas, o Cardeal-Inquisidor os Dominicanos, e o Infante D. Luic
08 Jesuitas. E facii de prevèr que em uma tal sociedade deveriam dar-
se permanentes conflictos entro a religiHo e a sciencia; o clero apro-
veitava a impressSo ^os pbenomenos naturaes para conservar o povo
sob o jugo do maravilboso, e os homens de sciencia tinham de reves-
tir-se de uma sublime coragem para explicarem esses pbenomenos por
leis physicas. Gii Vicente, em uma Carta que. mandou de Santarem a
D. Joào III, conta comò os frades subiram ao pulpito por occasiSo do
tremor de terra de 26 de Janeiro de 1531, hallucinando o povo crèdulo
para fazer a matan9a dos chrìstSos-novos ; o velho poeta, servindo-se
das doutrinas physicas, convocou os frades no claustro, e explicou-lhes
que OS terramotos enun effeitos de causas naturaes, que elles nSo pò-
diam prevèr: co tremor de terra ninguem sabe comò he, quanto mais
^ Consalt&moB para este trabaiho sobre Clenardo o bello estado do medie-
vista Achille Jnbinal : Études critique*: Voyagt en Espagne et en PortugcU cm XVI.*
9Ìèele, Vem na Mevue upagnoU, poriugaise, brcuUierme et hitpanO'americame, U it^
p. 236 a 253 e p. 374 a 397. (1857.)
OS HUHANISTAS E A REFORHA DA UNIVERSIDADE
4il
quando sera e quammanho sera. Se dizem que por estrologia, que he
Bciencia^ o sabem: nSo digo eu os d'agora^ que a nSo sabem soletrar^
mas he em si tSo profandìssima, que nem os da Grecia^ nem Moyséa,
nem Joannea de Mont®io alcangaram da verdadeira judicatura peso
de urna OU930; etc.» ^ Este Joannes de Monteregio é 0 celebrado Re-
giomontanuB (1436-1476) que traduziu as principaes obras dos astro-
nomos gregos, e resumiu em epitome 0 Almagesto. So em 1531, època
em que Gii Vicente escreve a carta a D. JoSo iii, é que foram dados
à publicidade os resultados das observagSes de Regiomontano do no-
tavel cometa de 1472. Em um paiz sujeito a constantes terramotos, e
a grandes pestes, comò observou Buckle, com certeza 0 perstigio do
Bobrenatural havia de encontrar no povo urna adhesSlo absoluta, e um
certo desprezo pelas idéas deduzidas das observa95e8 scientifìcas. O rei
e a sua familia eram epilepticos, e victimas d'essa organisa9ào deram
todo 0 seu poder às duas hordas de obscurantistas, que atacaram o vi-
gor e a existencia da nacionalidade portugueza no seculo xvi. Portu-
gal foi sequestrado ao movimento scientifico da Renascenga; as tres
reformas da Universidade, em 1537, 1547 e 1555, foram tres deca-
dencias. A tra8lada9&o da Universidade para Coimbra foi um erro de-
ploravel, sob pretexto de tirar esse Estudo do bulicio de uma cidade
maritima e mercantil;' 0 seu isolamento afastou-a da realidade da vida,
perpetuando a inanidade medieval em todas as suas dìsciplinas peda-
gogicas. Sob a influencia dos Gouvéas, floresceram de um nv)do exclu-
sivo 08 estudos hamanistas, porém jà deslocados, mas facilitando 0 as-
salto da Universidade aos Jesuitas em 1555, d'onde dominaram a in-
8truc9So publica portugueza até à reforma de Pombal. Historìemos
cada uma d'estas tres phases do ensino portuguez na Renascen9a, sem
0 que nào se expUca corno é que as Academias, que na Europa foram
corpora95es essencialmente scientificas, em Portugal ficaram banalmente
litterarias, fócos de um imbecil culteranismo.
Em uma das cartas de Erasmo a André de Resende, datada de
Friburgo em 18 de junho de 1531, agradecendo-lhe uns versos que
Ihe mandara, avisa-o da preponderancia da corrente fradesca, que lu-
ctava centra as novas doutrinas philologicas; dizia-lhe que, depois das
1 Ohrasy t. ni, p. 385.
' 0 breve de 1537, que concede a uniSo de varias egrejas para o rendimento
da Universidade, compara Lisboa a CoryrUho e Coimbra a Aihenas. Està compa-
ra^fto rhetorica conservou-se na tradÌ9So escholar, repetindo-se nas prosas acade-
mieas a periphrase 2jusa Athenas para designar Coimbra.
412 HISTORIÀ DÀ UmVERSIDADE DE GOIMBRA
quatro grandes Monarchias dos Assyrios, Qregos, Medas e Romanos,
estavamos ameafados do Quinto imperio dos Frades e dos Imbecis (re-
gnum monaehorum ac sUdtorum.) Depois de 1536, Portagal caia sob o
pezado obscurantismo da InquisÌ9à0y e em 1542 entrava n'esta vigo-
rosa nacionalidade o virus jesaiticO; que, com a lenda do sebastianismoi
tomou verdadeiro o epigramma do Quinto imperio dos tolos.
O encontro d'estas duas correntes doutrinarias synthetisa-se em
poucas palavras. Os humanistas conciliam o saber antigo com a tradi-
9S0 evangelica; creando esse estado moral àe philantropia ou caridade,
qae se chamon a Philosophia christS, (expressSo laminosa de Erasmo)
emquanto a Egreja ou 0 clero, constituindo-se em partido politico, le-
vavam a Realeza às grandes perseguÌ93es religiosas da InqaisÌ9S0y
Saint-Barthélemy e Dragonadas.
OS HUMÀNISTAS E A REFORMA DA UNIVERSIDADE 413
TabtQa Legentlnm
1521
Mestre Jo3o Francez, toma o grào de doutor em 22 de fevereiro.
Doutor Jorge Femandes, lente de vespera de Leia, em 15 de novembre (rege ainda.
em 1532.)
Frei Loiz, fìranciscano claustral, leva por opposi^Ho a cadeira de Philosophia Na^
turala em 29 de abril.
Toma poBse da cadeira de Mathematica o lieenciado Thomaz de Torres^ em 19 de
outubro, por mercé do rei, (da cadeira de Astrologia, que el-rei nosso senhor
novamente fez com outo mil reis de salario.)
Lniz Afionso, lieenciado, provido em 31 de outubro na cadeira de prima de Cono*
nes, (Conservou-a até à mudan9a da Universidade.)
1522
Lieenciado Diniz Gon^alves, provido na cadeira de ter^a de Canones em 21 de
Janeiro.
AntSo Soares, provido na cadeira de sesta de Canonea em 22 de fevereiro. (Foi o
ultimo proprietario duella em Lisboa.)
Lieenciado Joào Alves Fafes, provido na cadeira de ter^a de Leis, em que se lia
Instituta, em 8 de fevereiro. (Conservou-a até à mudan^a.)
1524
Doutor Diogo Franco, provido na substituÌ9So da cadeira de vespera de Medicina
em 5 de outubro.
Doutor Martim de Figueiredo, provido na substituÌ9So da cadeira de Philosophia
moral, para lèv de Oratoria, em 3 de dezembro.
1525
Frei Afionso de Medina, provido na cadeira de PhUosophia maral, por encommen-
da^io, em 13 de junho. (Era proprietario D. Fedro de Menezes.)
Jorge Calvo.
Doutor Luiz ÀfiEonso.
Antonio Soares.
Frandsco Valentinus, mestre de Arte»,
Fedro Rhombo, mestre de Gframmatioa da Arte de Paatrana,
Balthazar Lopea.
1526
Mestre Gii, leva a cadeira de prima de Medicina, por opposiySo, em 31 de Janeiro,.
conservando-a até ìl mudan^a da Universidade.
Doutor Diogo Franco, provido na propriedade da cadeira de vespera de Medicina,
em 5 de mar^o.
Frei Affonso de Medina, provido na propriedade da cadeira de PhUosophia morcU,
por carta de D. JoSo in, de 3 de junho.
414 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
1527
JoSo Ribeiro, capellao de el-rei, leva por opposi^So a cadeira de Logica, em 20 de
fevereiro.
1528
Diogo de Aguiar, provido na flubstitui^ào da cadeira de sexta de Canones.
P*^^^ m"*^^*^ )^^*™ Gramwio^wa dentro do Bairro das Escho-
Fero a ma f i^g . ^^1 conselho de 13 de agosto se assen-
e erigo ^ . . , , . f tou que os doie ultimos nfto léssem flem a
D. Affonso Preto (sobnnho do rei i tt . «j j
, ^ ^ ^ I Univeraidade os approvar.
do Congo) 1 . Mrr ^
1529
Fedro Nunes (ainda bacharel em Medicina) provido em 4 de dezembro na cadeira
de Philo8ophia maral j com a obriga^Ho de duas li^oes, urna theorica e otUm
pratica»
1530
Fedro Nunes, rege por encommenda a cadeira de Logica,
Garcia d'Orta, licenciado em Medicina^ provido por encommenda^o na cadeira de
Phtlosophia naturai, pelo conselho, em 5 de novembro. (Leu até 1 de mar^o
de 1534, por estar de partida para a India.)
Luiz Nunes de Santarem, provido na cadeira de Summtdas, por oppoBÌ9ào, em 31 de
outubro. (Leu até 1533.)
Fedro Margalho, provido na cadeira de prima de Theologia, por provisUo de D.
JoS.0 III, de 2 de maio, e con vite do conselho em 2 de abril.
1531
Fedro Nunes, deixa a cadeira de Logica, e rege por encommenda a de Metaphy-
sica, vaga pela renuncia de Fr. Joào Framengo. *
1532
D. Gonzalo Bodrigues Santa Cruz, castelhano, provido na cadeira de vespera de
Leia, por oppo8Ì9ào, em 6 de outubro.
Francisco Godines, levou por opposi^^ a cadeira de SimimuUu em 12 de outa-
bro. (Doutorou-se em Medicina.)
Faulo Antonio, lente de Grammaiica no bairro das Escholas; regea uma cadeira
de Chrammaiica na Sé.
1533
Gonzalo Bodrigues de Santa Cruz, provisUo de 16 de setembro, de D. Jo2o ni,
para que lésse a cadeira de vespera de Leia emquanto o Eatudo se nào mu-
dasse de Lisboa.
Luiz Nunes de Santarem, provisio de 16 de outubro para lér Summulas por mids
tres annos.
Frei Fedro de Aveiro, licenciado em Theologia, provido na cadeira de prima de
Theologia em 10 de novembro de 1533, com a clausula: — Mostrando aa le-
tras do mestre da ordem de come he graduado, tome o grio de Doutor.
OS HUMÀNISTÀS E A REFORHA DA UNTVERSIDADE 415
Ayres de Luna, provieSo de 9 de mar^o para lér a cadeira de Philosophia natu-
ralf até ao concurso.
Duarte Gk>me8, licenciado em Medicina^ provido por opposi^Io na cadeira de Phi- .
loaophia naturai em 9 de novembre ; leu até à mudan^a para Coimbra.
1584
Ajres de Luna: «aos desasejs dias do mes de mar^o come^ou aler ayres de luna
a cadeira dartes q foi do h.^ orta.» (T. ii, fl. 80, d^aProvi^ea, e Tcibula
Legentium de 1534.)
1535
Thomaz de Torres, Physico-mór, reintegrado na cadeira de Mathematica por al-
vara de D. JoSo lu, de 6 de fevereiro; proveu-se a substitui^ào em 15 de
dezembro.
Doutor Francisco de Mon^on, lente de prima de Jlieologiaf por mercé de D. JoSo ni,
por tres annos, pela provisao de 3 de setembro. Leu até 1537.
Francisco Godines, teve permissio para lér SummiiUu por mais tres annos, por pro-
visao de 25 de maio, datada de Evora.
1536
Bacharel Agostinho Femandes Trava^s,. lia a cadeira de Codigo,
Licenciado JoSo Alvares Fafes, lente da cadeira de ter9a de Zieis, encommendado
na substitui^So da cadeira de prima ; e porque nio seguiu a Universidade
para Coimbra, ficou privado da sua cadeira, recebendò uma ten9a de 7;|iOOO,
por previsto de 30 de julho de 1537.
Bacharel Baltbazar de Paiva, substitue na cadeira de Leie o licenciado Alvares
Fafes ; e corno nSo seguiu a Universidade para Coimbra, recebeu em com-
pen8a9So ten^a de 7j|S000 réis, por previsto de 30 de julho de 1537. — Sub-
stitue em 30 de mar9o na cadeira de Codigo o bacharel Agostinho Femandes
Trava^os.
416 HISTOBIA DA UNIVERSIDADE DE G0IM6RA
Rettore s da Universidade de Lisboa, no primeiro tergo do seonlo XVI
1506-1511
Braz Affonso Correa, do Desembargo. (Foi vice-reitor JoSo Gii, chantre da Sé de
Lisboa.)
1511-1512
Diogo da Gama (servia por elle Ruy G^usalves Manichete, do Desembargo.)
1512-1513
Dr. Jo3o Alvares de Elvas, da Casa de £l-rey e seu Desembargo.
1513-1518
D. JoSo, Bispo de Saphim.
I51&-1519
Buy Gronsalves Maruchote, do Desembargo de El-rey.
1524-1525
Maracote (ut supra).
1525-1526
Dr. Jorge Cota, do Desembargo do Bey, e seu Corregedor.
1526-1627
Dr. Cbristovam da Costa, do Desembargo d'El-rey.
1527-1528
Dr. Fernando Àlvarcs de Almeida, do Desembargo.
152&-1529
0 Bispo de Lamego (servindo por elle o Dr. Fernando Alvares de Almeida.)
1529-1531
Francisco de Mollo, do Conselhp do Bey. (Seryin por elle em 1530 Fedro Marga-
Iho, lente de prima de Theologia,) *
1531-1532
Gonzalo Pires (serviu por elle Francisco de Mollo.)
1532-1533
Francisco de Mello (serviu por elle Alvaro Esteves.)
1533-1534
Alvaro Esteves, do Desembargo del Bey.
1534-1535
0 mesmo, e por sua recusa foi eleito o P.* Agostinbo, Bbpo Eleito das Ilhas.
1535-1536
0 Dr. Jorgc Femandes, do Desembargo del rey.
1536-1537
O Dr. Fedro Nunes, do Desembargo del rey, e Chanceller, que serviu até a Uni-
versidade ser transferida para Coimbra.
(Fìgueiróa, Ms.^ Annuario da Univerndade, de 1876 para 1877, p. 216.)
CAPITULO IV
i Liinuria da Oni?ersldade no secolo XYI (1618-iHi)
0 espirito do Scholasticismo conserrado nas obras que compòem a Bibliotheca da
Universidade. — O legado do Doutor Diogo Lopes, de 1513, compoe-ae de
cinqnenta e nove volomes, deixados à Universidade. — Exame d'esses Livros.
— Inventario dos Livros da Bibliotheca da Universidade de Lisboa, segundo
nm Catalogo de IbM, — Livros de Direito canonico, de Theologia e Medicina
enviados para Coimbra. — Exame bibliographico d^essas obras. — 0 novo es-
pirito da Renascen^a em urna Livraria scientifica fora da Universidade. — A
Livraria do Doutor Garcia d^Orta (1534 a 1564). — A reac^o catholica co-
meta pela censura dos Livros, em Portugal. — Cartas do Cardeal Infante a
DamiSo de Croes sobre a censura dos Livros. — Indice ezpurgatorio organi-
sado por Alvaro Gomes. — Outros Indices ezpurgatorios do seculo xyi.
O quadro das faculdades^ fechado emquanto is disciplinas scìen-
tìficas transinittìdas pela tradijSo pedagogica da Edade mèdia, era
urna das cansas por -que as Universi&ades estacionavam, extranhas ou
hoBtis ao desenvolvimento das sciencias experimentaes do seculo xvi.
O exclusivo destino docente fazia com que as Universidades despre-
aassem as novas doutrinas, porque nSo serviam para habilitar os es-
cholares praticamente aos misteres de theologos, canonistas, legistas e
medicos. Essas curiosidades de espirito, além de perturbarem a har-
monia quadrìvial, tinham um perigo, porque abalavam a auctoridade
doutoral e a orthodoxia religiosa. É por isso que fora das Universida-
des cometa essa poderosa elaboratilo mental, que é a gloria e a suprema
miBBfto das Academias do seculo xvn. A fiitua9So mental universitaria
reflecte-se com todo o rigor nas Livrariaa do Studo, corno as acbamos
descriptas nos inventarìos do seculo xvi. Emquanto a Imprensa uni-
versalisava os monumentos ignorados da sciencia e Philosophia da
Grecia, e as novas concep^Ses crìticas e syntheticas da Benascenya
HisT. mi. 27
418 m STORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
trìumphante, o poder clerica! reagia centra està actividade das Intel-
ligencìas pela censura dos livros e Indices exporgatorios das obras prò-
hibidas. As Universidades, que apoiaram està reac9lL0y so admittiam
nas suas Livrarias as obras approvadas, e especialmente aqaellas que
serviam para o fini pratico e compendiario do estudo. Como jà tivemos
occasifto de notar, nSo se conhece documento algum por onde se infira
que até ao principio do seculo xvi a Universidade de Lisboa possuisse
Liyraria propria. Na Breve notìda da Livraria da Universidade de
Coimhra, escripta pelo lente Bernardo de Serpa Pimentel, ^ affirma-se
nSo ter apparecido documento anterior a 1573, por onde se conhega
providencia ou diligencia tendente a reparar a falta de Livraria na
Universidade: «No longo periodo que decorre desde a fundagSo da
Universidade em Lisboa (cérca de 1290) até à sua terceira e ultima
transferencia para Coimbra, em 1537, e ainda por mais de quarenta
annos àquem d'està època, nSo possuia a Universidade por certo casa
especial de bibliotheca, nem livraria propria, que fossem proporciona-
das à importancia d'este instituto scientifico.
cNào conlie9o documento algum d'essa època, em que se falle da
Livraria da Universidade, nem escriptor que d'ella de noticia. — NSo
sei de providencia ou diligencia alguma dirigida a reparar està falta,
que fosse anterior a 1573.» Os documentos nSo se apresentam a quem
nfto se entrega a estudos historicos. Por um recibo de 17 de fevereiro
de 1513, sabe-se que junto à Livraria do Studo estava reunido o le-
gado de cinquenta e outo volumes encadernados, que o Licenciado Diego
Lopes, lente de terja de Canones, provido em 1505, deixara por sua
morte, em 1508, à Universidade. Estes livros eram de theologia, ca-
nones, leis e artes; por isso o s^ conbecimentc so nos interessa na
parte que nos revela o quadro das disciplinas ensinadas. 0 Recebedor
do Estudo era a cargo de quem estava a administra^Io da Livraria,
comò vémos por oste documento de 1513, e ainda por outro de 4 de
julho de 1541. 0 erudito Gabriel Pereira, quando inventariava o Ar^
chivo da Universidade em 1881, encontrou no L. 1.® dos L.®' da Univ.^
de Lix.^, de 1506 a 1526, um curiosissimo Inventario da Livraria do
Studo, a que se procedeu por occasifto de um conflicto com o Recebe-
dor, que se rècusara a mandar reparar um cane na livraria: cE o re-
ctor Ihe disse e se vos mandar penhorar nom o fares e per elle foj dicto
1 Vem na Exposigào tueointa da ùrgdnitOQào actual da Ufnvtrndadt, pelo
visconde de Villar Maior, p. 470.
A LIYRARIA DO STUDO 419
que se o mandassem penhorar que darìa ha penhor e que se o man-
^dassem a cadea qne eie se yrìa la e que em nenhama maneìra nom
avìa de fazer o dicto cano nem oatra obra algua. . . i Sm conseqaencìa
d'està recusa formai foi ordenada ao Recebedor a entrega da chave da
Idvrarìa ao bedel: •com todolos Idvros gue netta stamper efnventario,^
A entrega dos livros fez-se em presenta do bacbarel Fernilo Gbnjal-
TeSy nomeado para assistir a esse acto, passando-se recìbo ao bedel na
seguinte fórma^ em 17 de fevereiro de 1513: cO dicto Recebedor nos
entregou cyncoenta e oyto volomes de livros de tbeologia^ canones, lex
e artes que leixou o L.^ Diego Lopes per sa morte ao dicto Stado
lodos encademados e bem asi entregou setenta livros de teda stientia
que estavam na dita Livraria nas Scholas velhas os livros asi todolos
entregues Ihe dey ea bedel ha conhicimento per mi fecto e asinado
per ambos ...» ^ 0 bedel que assigna o inventario é Nicolio Lopes. O
Inoentairo da Livraria do Studo acha-se deslocado em outro mana-
scripto, na 2.* parte do T. 2.^ dos L^^ da Unfi'' de Lix.^ de 1526 té
1537 a fl. 62 e 63.^ Vamos transcrever este inventario dos livros da
Bibliotheca da Universidade^ que em 8 de junho de 1536 estavam para
ser remettidos para Coimbra, sondo o portador d'elles Nicolào LeitSo^
corno veremos pela carta de 4 de julho de 1541. Muitos dos titulos dos
livros slo descriptos segando a fórma por que eram designados na lin-
guagem habitual das escholas ; pelas indicafScs bibliographicas se no-
tarfto claramente as correntes doutrinarias dominantes no ensino da
Universidade. Vé-se que antes da reforma de 1537 o espirito da Re-
nascenya nSo penetrara n'aquelle baluarte do scholasticismo:
1 «Està nota é extractada do Liv, i.» dos Z<.<" da Univerddadt de Lisboa de
1506 a 1626.* Gabriel Pereira, Boletim de BiUiographia portugueM, voi. n,p. IdS.
* 0 recibo d'este inventario é de 1536; comtudo Grabrìel Pereira observa:
«tletra identica à do inventano se encontra n'este volume, fonnado de cademos
mai diversoB, sobre differentes assnmptos, com diversas pagina^òes. ••»
27*
420 HISTORU DA UNIVERSmADE DE GOUIBRA
iTemtayro da Lirraria do Stndo
prìmeiramente na entrada da liyraria da m2o esquerda haohainos
huaa decretaea de toitea ^
ha decreto de marqa grande'
outro decreto mannal solto
1 Cremos ser Tartes o nome de um impressor ; vimos algumas edi^òes da Im-
prensa de David Tartas, oom a èra jadaica de 5449.
O titillo de Decretaes era dado à legÌ8la9So canonica formulada pelOB papas^
especialmente desde Alexandre m, qne organiaou aprìmeira collec^; s^gaiu-se
una segunda por Alexandre iy; urna terceìra e quarta por Luiocencio ui; a quinta
eoUec^So pertence a Honorìo ni; a sexta e ultima a Gregorio ix. A imitalo do
Direito romano, systematisava-se gradualmente o Corpus juris eancniei, conforme
o papado procurava fortificar-se ou invadir a esphera do Direito civil. Boni&cìo
vili (1291) completa o Sexto corpo d'està Ipgìsla^Io com as conatitui^òes dadas por
Innocencio iv, Gregorio x, e por elle proprio ; e Clemente v reune as suas consti-
tui^oes Ab do concilio de Vienna sob o nome de Clementinas. A està parte segui-
ram-se as Extravagantts communes, em ciuco livros, de Joao xx e de outros ponti-
fiees. Lerminier accentua os elementos organicos das Decretaes e a sua sjstemati-
sa^ So imitada do Direito romano : «A Escriptura, as tradi^oes, os concilios, as de*
cretaes, constitui^oes e bullas dos papas, e até as leis publicadas pelas auctori*
dades temporaes, concorreram para formar o Direito canonico, yu^eotiontcum. — Nao
representa tanto o espirito da Egreja, comò as transac^oes e rela^oes a que se
prestava diante do que nSo era ella. Assim o Corpus jvris canonici cncerra frag-
mentoB do Codigo Theodosiano, compila^oes justinianas, Capitulares dos reis fran-
Ic^B e leis dos imperadores allemSes. — N'esta codificarlo successiva os papas qui-
zeram rivalisar com o Direito romano. Deram a fórma de Pandectas ao DecrHo
de Gradano, do Ck)digo às Decretaes; o Sexto, as Clementinas e as Extravagantes
foram redigidas segundo o plano das Novellas de Justiniano.» (PhUos. du Droity
cap. ui, p. 243. Bruxelles^ 1836.) No exame das Bibliothecas portuguezas do se-
culo xnr se vera a quantidade de livros de direito canonico que se guardavam com
eaniero, corno o Sexto, as Clementinas, (p. 51) Decretaes de Gregorio ix e de Inno-
cencio, (p. 52) um Sesiimo, (a collec^So formada por Bonifacio vin) e o TercetrOf
o corpo de direito canonico formado por Honorìo iv (p. 54.)
2 Dava-se o nome de Decreto à colicelo dos elementos dispersos de lej^s-
la^So ecclesiastica, complicada e tumultuaria, organisada no seculo xii pelo cele-
bre canonista italiano, creador d'està nova jurisprudencia, Gradano. Elle procurou
um principio de ordem para as collec^ues d'antes come^das, dando-lhes unidade,
rcalisando assim o titulo de Discordaniia concordantia Canonum, 0 titulo de Z^-
creta foi 'dado a està coUec^So do nome especial sob que eram resumidas em fórma
aphorìstica ou imperativa, em frente de cada texto, as doutrinas contidas n'elle.
Està fórma de plural acha-se na antiga designarlo portugueza Degredos, A obra
nflo teve auctorìdade legai, mas pela sua fórma systematìca tomou*se um perfeito
compendio da jurisprudencia canonica, recebendo urna Verdadeira auctorìdade
A, UYRARIA DO STUDO 4Stft^
hxk sexto de tortes de marqa grande ^
ha segunda parte de domitiico sobre o M0to en ha Telarne'
zabarMa sobre as crementinas en ha belarne'
arcediagao ^ vm.
e iato na primeira ostante.
na seganda stante sete velomes iaibades. ' vn.
na 3/ stante hu velame de conodhos dabade.
mais cmUmio tv/raete (carsete)
mais hfoas deoiretoRi de tortes mavqa grande
ha sexto com eremvniina» todo de pena
scientifica na Universidade de Bolonha. 0 liyro de Gradano, assim espedalisado
noB cursoB de direito canonico, ficou a cbamar-se o Deoretum. Os seos elementos
doutrìnarìoB derìvam-se de excerptos patrologicos, de Santo Agostinho principal-
mente, da Ordo romanua, do Pontificalisy do Libér diumuB, firagmentos de direito
romano, e de trechos historìcos, corno de Raffino e Caasiodoro. O Decrtto de Gra-
ziano é diyidido em tres partes: De Miniaterits, conhecida depois pela designasse
oommum de DisHnctianea; De Negotiis, a que nas escholas se dea a deùgnag&o de
Cauaae; e De SacramentUf ou maisVaigarmente De ConèeorcUione, De om dos prìn-
cipaes discipalos e oommentadores da obra de Graciano, Hogacdo (GhdchumJ,
cpjos trabalhoB de interpretammo ficaram ineditos, ezistia em Portugal um ooomien-
tarìo, na Livraria do bispo D. Vicente (p. 53). Nas Livrarìas portagaezas do secalo
xxY fignram mnitos exemplares do Decreto de Gradano (p. 52 e 53).
1 £ o Liber aextua, de Bonifacio viu (1298), assim cbamado por servir de
supplemento aoB dnco livroB das Decretàes.
* £ este canonista o celebre Dominici de Dominids, anctor da Rejbrmatiimi
romanae Curiae, 1495 ; e do Liber de Dignitari episcopali,
' As OleiAentinai s^o as Constitai^des de Clemente ▼, cuja primeira odi^ é
*de 1460; foram promolgadas em 21 de mar^o de 1813. Foram tambem oonbeddas
pelo titulo de Seaiimo, por se segairem ao Scado; foram auciorisadas com o nomo
de ClcmenUmoB por Jo2o zzn.
ZcibanUa é o auctor do Commcntarii in DéorcUxlcB et dcmcntinae, do deao*
minado Cardeal de Fiorenza, Francisco Zabarella (n. 1389; m. 1417). Tendo ter-
minado os estndos em Bokmba, professoa em Fiorenza, em Padaa, e o papa JoSo
xxuz o nomeou cardeal. No Concilio de Constan^a, de 1414, Zabarella é qae diri*
gin OS trabalbos, preparando a depod^fto do papa, e expiraado por efidto da exal*
ta^fto das polemicas.
^ É o A{)parato sobre o Sexto, de Tancfedo da Coraeto, mais eonkeddo pelo
nome de Arehidiaeonuc.
^ £ a fórma abreviada de designar os Commmtaria Abbatis PanormitaiiL
Pdos antigos Estatatos da Universidade (Liv. ni, tit 44) para ser admittido ao
acto de bacbarel era preciso jostificar por certidfto possoir, sondo Legista, Bàa*
THoiiOB, e, sendo Canonista, Abbades, além dot Textoa.
422 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
hu volume de dominico em duaB partes juntas no mesmo ▼olome
zavairela sobre as crementinat en hu volume. vi.
Quarta itanto
quatro volumes de Johan andre^
huas duaB partes s. primeira e segunda damirigw hoym. vi.
Quinta stante
quatro volumes do eapeculador e deus deles com reportoiros'
ha primeira parte de haldo sobre as dkoretaea^
ha primeira parte de Iwnocencio sobre as decretaés. ^ vi.
Sesta stanta
cinque volumes dabades antiguos '
ha 3/ parte de Johanes andre en hu volume de pena. vi..
Setima stante
tres volumes de Bartoquino s. primeira, segunda, terceira partes
en elles*
hu volume que se chama margarita baldi''
1 £ a nova compila^fto de Gloaa» d* Decretae§ de Gregorio ix fata por Jo*
liamies Andreae (1270-1848), que ìntitaloa Novella. Era a mais preferìda das £s- '
cholas.
* Nome eseholar do anctor do Speeuhm, Guilherme Durand, com as amplia-
^Ses de Johsn André, feitas em 1846. £m um entro inventario chama-se-lhe Qui»
ìkdmo e9picidador,
' Obra do jnrìseonsnlto italiano Fedro Baldo, rivai de Bartholo, conbedda
pelo titolo MargarUa Baìdu
^ É o papa Innocendo iv, auctor do ApparaHu super Decntalei, muitas ve-
les reimpresso.
& Està designa^ indica a obra: Per illustriwn Dodiorum in Librit Deere-
(aUum Commentariif videlicet Abbatis Ahtiqui cum additionibns 8eb. Medicis, Ber-
nardi Compostellani, Guidonis Papae, etc.
* É o celebre canonista Johannes Bertachini, auctor do Tradatus de E/pie*
oppili; ha una edi^ de Leio, de 1589.
^ Vide n.» 8.
A UYRARIA DO STUDO 423
riuas partes de dominico sobre o sexto
ha volume de pena sem nenha titoUo. 'vn.
RVL
OytaTa itante
tres partes de JUlino
ha repertorio de nicolas de rmlis
douB livros de pena multo antiguos — n livros — vi.
Nona stanto
hua statuta de tortes
hua parte de baldo de pena
hua repetÌ9am de pcdacio rubyo *
hua parte de alexandre'^
ha velame de azenmdus sobre o codeguo^
ha reportorìo com seus conselhos de ludovico baioni. ^
Decima stante
sete volumes de bartolo antigo. v de pena e dous de forma.^ xiii.
1 É o celebre canonista Joào Lopes de Palacios Ruvios; estudou em Sala-
manca em 1484, comò collegìal de S. Bartholomeu, e foi encarregado por Fernando
• Catholico para ooordenar as Leis do Toro; a obra inventarìada é a B^i>etiiU
rubrieae et eap. Per veètrtu, de Donaticnibus irUer virum et uxorem, Pmdae, 1503;
Salmanticae, 1525.
A Repeti^am era tambem mna das fórmas dotitrinaes das escholas canonis-
taSy onde se usavam as Repetionea^ Segulae, Casoé, DispuUUùmea, Questianeé, e
conforme os dias da semana eram denominados estes exercicios Sabòcitinas, Da-
mùncales, Venereales, Mercuriale^.
* Porventnra ama das tres partes do DodrincUe puerorum de Alexandre
Villa Dei.
' Sera Azo de Ramenghis, genro de Joham André, auctor de RepetUmes so-
lare o texto do Decreto?
^ É a edi^So dos CorniUa de Ludovico Bolognini, feita em Bolonha em 1499»
Este jurìsconsulto professou na Universidade de Bolonha, sua patria, e na de Fer-
rara. Ezerceu altos cargos janto de Innocendo vm, Carlos vin de Franca e do du-
que d^ M ilio. S2o nnmerosas as suas obras Interpretatìones, Emandaiùmes, de di-
leito romano e canonico.
^ 0 celebre jurìsconsulto que ensinou Diretto em Pisa e depois em Perusa
(1313-1356). Du Moulin cbama-lhe o corypheu dos interpretes.
424 HISTORIÀ DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRÀ
Undecima gtanta
hu8 dous volumes de reportorios de Fedro brigiensù ^
hu velume de Jacobum alvarogpan com seu repertorio no cabo ^
ha velame sobre o codegru) de Johanes de colonia
hu velume de pena 2.* parte de bartolo sobre o digesto novo
amgdus, de maleficiis. ' vii.
Duodecima itante
ha primeira parte de dominico sobre o sexto
hu volume de francisco maxencius de poesia e reitorìca
hu livro multo velho de purgaminho em lingoagem que falla dos
casamentos e desposoiros. ^
XXX aqui estam vynte e nobe.
Na primeira stante da mSo direita
hua bribia
bua segunda parte de gS thoma» de aquino
hua segunda parte do mes. tomas de aquino sobre as questSes
hua primeira parte de s&o tomas
hu voqabtdairo de cosaanotredo '
1 É 0 jnrisconBolto FetruB Brixienais, auctor do Repertornim utriuique ;t»rjf>
impresso em Bolonha em ]ì.oooclxx. Bernard^ na obra De Varigine et de$ debuU de
l'Jniprimerie^ t. u, p. 235, dias que «o unico esemplar oonhecìdo fiàs parte da Bi-
Uiotheca do Cardeal de Bei^;amo.»
' Sera Jacob de Albenga, glosador da OempHatìo qidtUa, cu Deeretaes de Ho-
nono ni. (1216-1227.)
' Ai^elo de AngeUs, professor da Universidade de Padoa, no seculo xv; era
filho de outro celebre jurisconsulto, Paulo de Castro. Como advogado consistorìal
distinguiu-se no direito canonico. Escreven Jwria PùaUfiaii quaettiones teUetae.
^ £ a traduc^&o do livro De re uxoria, do italiano Francesco Barbaro (1398-
1454); tambem foi tradusido em frances por Claude Joly, VÉlat du Mariane.
^ Nas Bihliothecas da Edade mèdia assim se chamava a um diccionario da
BibUa de Giovani Marchesini, intitolado MAiofBTBixmjs. Rabelais, no Cfarganfua
(ci^p. xxv), e PcuUagrud (ci^. vn), chama^lhe Marmoirei. Na Livraria Viscontir
Sforaa, do seculo xv, vem descripto um exemplar com o titulo Liber MàrmoireU^
(Vid. Oiomale itorioo della LeUeraknra italiana, voi. i, fase. 1, p. 44.) Marchesini
era frade minorità; para soccorrer a igaoranda monadial, emprehendea este afa*
A UVRARIA DO STUDO 425
bn volume de teologia super potentiam dwinam
ha volume s. sumairo dos casos de tìteólogia
hu volume de theologia de s&o thomas sobre aa castìks. vili.
2.* gtanta
bua parte de sSo tamas, em letra de pena, velbo sobre as eticas
bu volume .s. archidicicanus
bu quaderno de pena em papel, multo velbo sem titolo
bu volume de filosopbia sobre os Costwmes e vida das hwnens
bu hrebiayro romfto
bu volume .s. radonal de tìieologia
ba ultima parte da vita cristi^
bua arte que se ebama tisu ditaminis ^
mado VoixiJbuUirio de todas as palavras empregadas na Bibita, e terminalo em
1466. Deu-lhe o nome de Mammothreptus (chupa na teta),.que se corrompeu na
^inà, das escholas em Mamotret, Momotrtdo. No romance picaresco bespanhol La
LoMona andaluea, os capitulos sSo denominados Mamotrecos; na lingaagem Tulgar
portngueza ainda se designa o peda90 de pao com a palavra motreco. A primeira
edi^o da obra de Marchesini é de l^yence^ 1470.
1 A obra de Ludolfo Cartnsiano, multo lida em Portugul no seculo xv.
* Era propriamente o que modernamente se chama om Secretano, com nor-
mas de correspondencia e modelos epistolares. Um dos mais notaveis livros d*este
genero é a At9 dickuninia, do poeta inglez Qaufridi, composto para as escholas ;
e em espedal a obra de Boncompagno, mestre de Grammatica na Universidade
de Bolonha, An dictaminis, em seis livros, em que trata das fórmas das eartas
entro estudantes, para a curia romana, para os papas ; para o imperador e rei, e
d'estes para os inferiores; de prelados e dos sujeitos & jurisdic^So ecclesiastica,
e por fim das eartas dos nobres, das cidades e dos privados, com um appendice
sobre os artìficios da phrase, advertencias aos escholares sem educaQ^o, e lon-
vores da seienda. Na Higtaria liUeraria de Ihranfa dta-se (t. xxu, p. 27) um Ms.
de Maitre QuiUaome, intitulado Ar» dictatoria on An dictammis; è uma arte de
eaorever eartas, em que esige seis predicados: a Sauda^ào, a Captagào, o Pro-
verbio^ a Narragào, a PeUgào e a Cond/usào: «A Sauda^to ensina em que termos
se deve dirigir a cada pessoa, segundo a categoria que occupa. Mestre Guillaume
n&o se esquece mesmo do caso em que se tenha de escrever a um judeu ou pagfto.
A Capta9£o tem por fìm ganhar a confian^a. Por Proverbios entende o auetor as
nmilhancas que devem ser aproprìadas ao assumpto: assim, o marinheiro que
procura um porto centra a tempestade, é uma boa figura para o caso de um filho
que, batido pela miseria, procura um refìigio sob o tecto patemal. A Peti^So é o
qoe se pretende. Finalmente, a Condosào indica as fórmas diversa pelas quaes
as carta» derem terminar.»
A Arte dietaiofia conservou-se no uso aind-i muito depois da Edade mèdi a
426 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
hu volume qne se chama dimeta maito velho de purgaminho *
hu volume de pena mnito velho sem titoUo. vii.
3.* stanta
sete volumes pequenos multo velhos sem sumarìos soltos. vn.
Quarta stante
huas duas partes em dous volumes de gentili medicina mareiliua^
hu volume de medicina, de pena
bua parte de gravieU petri
hu volume de pena velho. vi.
As B. stantes
volume de nicoldo de lira^ sobre a bribria e com ella seis volumes
muito velhos de pena. vn.
em Portugal, oomo se ve pela C6rU na Aidea, de Francisco Rodrigues Lobo, qne
ahi discute as fórmas e estylos das cartas.
1 0 codigo da parte sul do paiz de Gkdles, mandado organisar por 920 por
Howel 0 Bom ao doutor em leis Blegywìrd, em tres livros, era denominado, se-
gando a terra em qne vigorava, DsmcTiAy ou a Cralles meridional. (TaOliar, Pré'
eia de VHietoirt dee InatUuHons dea Peuplea de VEurope occidentale au Moyen-Affe,
p. 47.)
* É a obra do medico italiano Gentile Gentili {-\- 1348) que vivia na prìmeira
metade do secnlo ziy, e ffira discipnlo de Thaden de Fiorenza. As suas explica-
9Òes das obras de Avicena é qne Ihe deram a reputa^fto, posto que n^esses com-
mentarìos nào apparerà a verdadeira no^Io da Physiologia nem da Therapeutioa.
Sio numerosas as suas obras medicas, porém a obra de que se trata, attendendo
a que constituia duoi partee, pareoe-nos ser a EaspoeiHo cum eommentio Atffidinuh
naehi benedieHom, Ubri Ds judiciis vRULABUif , et libri Dx pin^siBUS. Daremberg, na
HisUma das Sdendo» Medieae (t. z, p. 296), falla dos Conailia de G^tilis e da
sua importancia scientifica; «Entre os eruditos e os rìcos enoontram-se tambemos
Coneelhos e os Commentarios de Gentilis de Foligno.» (Ib., p. 315.)
Mabsilius designa aqui o celebre cirurgiSo de seculo zv, Marcellus Cuma-
nus, auctor de ObeervafÒes, em que ha referendas evidentes & syphilis. (Assim se
esplica as duas partes, e ao mesmo tempo dois volumes, da descrìp^So.)
3 Ezimio esegeta do seculo xnr, e professor de Theologia na Universidade
de Paris (1270 a 1840). Pelo conhecimento do grego e do hebreu, e tendo fie-
quentado as escholas dos rabbinos, tomou-se de urna assombrosa critica interpre-
tativa do Velho Testamento, no que se referia 4 parte ethnographiea. A obra de
A UVRARll DO SLUDO 427
Ab ft6Ì8 gtantag
ha volume de conselhas de Fedro amearrano, e com elle sinquo
volumes de livroB de porgamìnho moito velhos. ^ yi«
Setlma stante
ha seasto de pena
ha volume de pena chamado spectdum judidale
oatro volume de pena. m.
livros B e vn em està lauda
• Oytava itante
hua mima sabre as decretaes de purgaminho
hu volume chamado vitalem de Campania^
outro livTo de pena quo nom serve de nada semente hfis items
antigoB
ha sesto de pena
huas qestoes de pena sàbre as decretaes
hu quarto livro de huas ordena^es antigas. vi.
Nona stante
hu digesto novo de pena
que aqui se trata é a PoMiUa perpetuae, sive breria Commentaria in universa Bi-
bita. Boma, 1471-1472, em 5 voi. Os outros livros de penna, ou manuscriptos, sob
0 nome de Lyra, ser&o: MoralitaUs in ir Evangelia; Commentaria in tv libros
SenUntiarum; Quodlibeta iheologica; Traetatus de Animae CIombìto; Concordouiiia
Evamgdicruim; Sermones, DièttncUonea et Gloesae, qne ficaram inedìtos. Do poder
critico de NicolÀo de Lira dizia-se nas escholas do seculo ziv:
Si Lyra non llraiiet,
Totnf mimdai deliraat«t.
1 Petrus de Ancharano é auctor dos Commentaria in ▼ libros Deoretalium et
super CUmentÙMU, eum schaliis, 5 voi. E tambem do In Deeretales Bepertorium.
Morren em 1415.
* Parece-nos a ani2o dos dois nomes Vital de Thebas e JosU> de Chapnis,
que colligiram as Extrauagantes depois das CUmenttMu.
42S HISTORIA DA UNIVERfiDADG DE GOIMBRA
hu tratado pequeno de castoea ^
ho prìmeiro das decretaes Innocencio sobre elle em ha volarne
ha aparato de gesalino de pena
haa parte de Joham amdre de pena
ha tratado de pena chamado harhariamo
ha cademo de pena sem nenham titoUo qae irata qestoès
ha velame chamado herhyairo estravagante»^ yni%
Decima stante
haa statata de pargaminho
ha qaademo de pena
ha codeguo de pena
ha velame de pena d& items
oatro qademo de pargaminho de pena. B»
Undecima stanto
seis velames em està stante sem samas nem titollos nil valent.
VI.
Dnodecima stante
Azam em ha velame'
haa parte de nicolao
ha velame de pena
1 Porventora as QuaeitianeB sabbatinae, de Azo, qua cfrcalayain manuscri*
ptas, e que se repetiam aos sabbados nas escholas de direito ; ha outras referen«
tes aos domingos, eie. Era d'ette afamado jurìsoonsulto qae conia o proverbio:
Ohi non ha Ano
no TftdA a palaDco.
> É 0 Breuiarium de Bernardo (1190).
«Pouco tempo depois de Gradano, o direito ecclesiastico enriqaecea«se con
decretos noyos dos concilios oecumenicos, e em consequenda da aaetoridade po-
tente de que gosava a Santa Sé, decretaes e rescriptos se espalharam em todas as
direc^oes. Como estas pe9as circulavam iboladamente fora da coUec^So usoal, cha-
maya^se-lhes EzTBATAOAirrBS.» (Walter, Mamtd du DroU eoelesùutiqve, p. 135.)
3 É a obra do celebre jurisconsnlto Perdo Azzo, da Universidade de Bolo*
nha, fallecido em 1200. 0 resumo das suas li^es, feito por um dos seas disila*
los, intitolava-se : Azonis, Ad singuku l. zn Ubr. Cod. iuH eommentarium et magntu
apparaius.
A LIYRARIA DO STUDO 429
ha quarta parte dabade
bua segonda parte dàbade.
B.
aqui estam xxx livroB em està laada xxx.
acrecentaraose mais neste emventairo seis volumes de livros per resti-
taijaS que se furtaraB segundo se disse .s. 1.^ parte de hoficis e tres
partes dabade e bua vita ocpi e ha vocabtdarium juris e por que de to-
dos me dou por entregue eu nicólau lopez o escrepvi asinei aqui oje
Yin junho de 1 b^^xxxvi anos
nicolao
lopes bedel.»
Gabriel Pereira encontrou a fl. 60 do mesmo manuscripto um ou-
tro inventario mais antigo, que julgamos ser o fìmdo da livraria da
Universidade de Lisboa^ antes de enriquecida com o legado do Licen-
ciado Diego Lopes:
tlnTentairo dos livros da livraria deste estudo e universidade feito per os pa-
dres luis cardoso e joaò landeiro conselheiros do dito estudo e per mim
bedel.
primeiramente achamos na dita livraria todos os ter90B de cano-
nes .s. duas decretaes de tortis de marca grande e dous de-
cretos de tortis hu de marca grande e outro porteli
dois seoctoB hu de tortis e outro de pena
hu dtminico a segunda parte delle sobre o sesto
hu graduai sabre as dementinas
archediaguo sabre o decreto
todos OS volumes dabade e com seis conselhos e repertorio diguo
seu repertorio
hu repertorio de antonio cursete
outra parte de dominico .s. a primeira
hu ftJ^ de zcAareUis sobre as decretaes
quatro volumes de joanes andreas nas decretaes
dois volumes de anrigue hoym
tres volumes de guUhdmo espicìdador com seu repertorio
hu volume de baldo sobre o primeiro das decretaes
fl. 60 V. — cinque partes dabade antiguo e na primeira parte bua
430 HISTORIA DA UNIYERSIDÀDE DE G0IM6RA
obra de antonio de biUrio .8. o titolo da translcttùme epor.
(episooporum) usque ad titulom de offici *^
bua novella de Johanea andreàs sobre a terceira parte das cZ^cre-
taea em purgaminho de pena
tres partes de bartochinos .s. repertorios
outra lettura de baldo sobre as decretaes ìacìpiUmargarida
dona volumes de dominico sobre o eexto.'h ^
Por estes inventarios se fórma uìna idèa do estado da nossa litte-
ratura jnridica na primeira metade do secolo xvi; havia urna grande
pobreza de livros impressos, e a typograpbia achava-se profondamente
atrazada, comò o confessa André de Resende na Oratio prò rostrisy de
1534^ e em oma carta de 16 de mar9o de 1547 a D. JoSo de Castrò»
Em carta de 4 de jolho de 1541 mandoo escrever o rei icerca
da Livraria da Universidade: «E qoanto aa Livraria qoe mandei pera
essa Universidade e dizees que até bora se nH pos nas scholas avendo
disse moita necessidade^ vós vos informai de NicoUo LeitSo, qoe le-
voo OS ditOB livros, e vede as casas dos pa90s e escolhee a qoe milhor
e mais aota vos parecer pera estar a dita Livraria, e eo escrevo a
Vasco Ribeiro qoe voi de, e" mando provisSo pera o Rd.®' da Univer-
sidade fazer as estantes pera os ditos livros estarem pela ordenan9a
que vos bem parecer. d Por oste docomento se ve qoe a Livraria ainda
estava a cargo do Recebedor da Universidade, comò fòra de costome
em Lisboa.
A Livraria do Stodo constava principalmente de obras de Direito
canonico e dos seos complicativos commentadores, e das collec98es do
Direito romano, e dos principaes civilistas da Eschola de Bolonha, corno
Bartholo, Baldo e Azze. O Direito feodal estava decahido em completo
esqoecimento, em consequencia das transforma^Ses sociaes do reinado
de D. JoSo II, e da nova codificaySo segondo o espirito das leis romsi-
nas na OrdenoQSo Mcmuelina. NSo havia portante a necessidade de con-
formar estes dois systemas de legislagSo ; mas o habito dos antigos jo-
rìsconsoltos, que exerceram esse processo de concilia9So, prevaleceu
na jorisprodencia, entregando-se os dootores ao trabalho de um eccle-
tismo banal, ora confrontando leis romanas com leis romanas, ora ex-
plicando as contradÌ98e8 dos tratadistas, e conciliando as suas opiniSes^
1 E o anctor da obra Monarckae super v lUn'OB Deerttalium CommeniariL
> Ap. Boletim de bibUographia por(Mguasa, t ii, p. 193 a 19a (Coimbra, 188
A LIVRARIA DO STUDO 431
para as converterem em prìncipios imperativos. Està època da jurìa-
prudencia era, corno Ihe chama Villa Nova Portugal, o reinado da Opi-
niSo. Os commentadores eram tanto oa mais importantes do quo a lei
qae glossavam: cOs auctores qae pertencem ao reinado de D. JoSo m,
corno Jeronymo Osorio, Navarro, sen discipolo Pinello, Costa, Gouvèa,
mostram este gosto da Jarìspnidencia — conciliar as Leis romanas en- *
tre si, e conciliar as OpiniSes: Bartholo, Baldo, Alberico, Anchar e
Decio sSlo citados corno chefes; etc.» ^ Em ama carta de D. JoSo in,
de 31 de Janeiro de 1539, estabelece-se comò se deve evitar no ensino
o alarde de opinSks^ dizendo a que se reprova oa approva, e allegando
dois oa tres doutores. No emtanto urna grande revola9ào se ia operar
no estado da jurispradencia, na Europa; cabia a gloria d'essa iniciativa
ao portugnez Antonio de Gouvèa, o rivai de Cajacio, e seu companheiro
na Universidade de Tolosa. Debalde tentoa D. JoSo in attfahil-o para
as novas reformas que projectava; G-oavea, costamado à liberdade de
espirito, nlo podia viver intellectualmente fora da atmosphera da Franga.
As doatrinas reformadoras de Antonio de Goavéa, emquanto à Juris-
pradenda, era desbravar o texto das leis romanas da vegetagfto para-
sitaria e obscurecente dos interpretes, abandonando as suas opinSks e
descobrindo-lhe por um processo historìco o seu verdadeiro sentido pri-
mitivo. Para elle a Philosophìa e a Historia eram o poderoso criterio
para comprehender ama civilisagSLo, explicando por ella as saas leis
civis. O mesmo espirito revelou na lacta a favor de Aristoteles centra
Fedro Ramus: vindicar a racionalidade do grande philosopho, restau-
arando philosophica e historìcamente o sea texto paro das sabtilezas dos
seas commentadores, qae imperavam nas escholas. Na reforma dos es-
tudos jaridicos, Antonio de Goavèa atacoa o Bartholismo ; sobre este
methodo escreve Caillemer, professor de direito em Grenoble : cO qae
distingaia o ensino de Gouvèa era a originalidade do seu methodo, que,
ao regimen intolerante das auctoridades de uma outra edade, substi-
tuia o principio do livre exame, e sustentava a causa da independen-
eia doutrinal. Afogadas por glossas que geragSes inteiras tinham amon-
toado sobre as leis de Justiniano, ellas quasi que estavam obliteradas.
O jurisconsulto, na sua n^ligencia pela obra primitiva, cujos motivos
Ihe escapavam, hesitante, no meio de um dedalo de opiniSes contra-
dictorias, sobre o caminho que devia seguir, abdicava a maior parte
das vezes diante da forga do numero ; e fossem quaes fossem as resis-
1 Memorias de LiUeratura, da Àcademia das Sciencias, t. v, p. iOL
432 HISTORIA DA UNIVERSIDÀDE DE COIMBRA
tencias do &eu espirito, corno os juizes do seculo de Valentimano iii e
de Theodosio n, elle Bubmettia o sèu pensamento a urna aviltante es-
crayidSo. — Nfto eram os Bomanos mais segoros gnias do qae os glos-
sadores? Sustentar qne a leitura das soas obras immortaes n&o podkt
por si so esdarecer a sna legisla$Xo, nSo era confessar a fraqueaa e
impotencia do seu espirito? 0 Direito romano tinha por muito tempo
subsistido sem interpretes, e Jostìniano, comò todos os legisladores,
pensava qae os commentarios prejadicavam mais do que aproveitavam
à sua obra. Regressemos entfto, dizia Antonio de Gouvéa, ao estudo
paciente dos jarisconsultos de Roma; tentemos dissipar as trevas que
pairam sobre suas obras; evitemos estas sabtilezas qae falséam o juizo,
e que os émulos de Accursio encastellaram por fórma que nem tres
edades de Nestor chegariam para conseguir dissipal-as; entSo o Di*
reito romano brilharà com um novo esplendor e em toda a sua luz.»*
Està tendencia dos jurisconsultos eminentes da Renascenga para o li-
vre exame dos textos romanos tomava-se suspeitosa, e os sectarios de
Bartholo e do imperio das cpinides deixavam correr o adagio: bonus
jureconsuUus, ergo malus chrùtianus. Por està explorafSo do fanatismo
religioso era combatida a renoya9So da jurisprudenda no seculo xvi.
Isto nos explica o atrazo scientifico revelado pela Livrarìa do Studo
da Universidade.
A sciencia medica acha-se ali inferiormente representada; com-
tudo, recompondo-se a Libraria de medicina, que possuia o antigo lente
da Universidade o Doutor Garcia d'Orta, colligindo as numerosas ci-
tagSes dos seus CoUoquios dos Simplices, fórma-se uma idèa da elabo-
rasse scientifica da prìmeira metade do seculo xvi. Como na reforma
dos estudos da Jurìsprudencia, tambem* na Medicina se dea o impor-
tante traballio de libertar o x^rìterìo da auctorìdade dos commentadores
que pretendiam conciliar as opiniSes de Galeno com a dos Arabes;
tambem os humanistas, pretendendo restaurar o texto de Hippocrates,
antepondo-o aos interpretes arabes, exaggeravam a erudisco & custa
das investiga^Ses experimentaes (da anatomia, physiologia e clinica.)
O Doutor Garcia d'Orta, comò medico e escrìptor scientifico, appa-
rec&*no8 entro estas duas correntes, a dos concUiadores, ou partidarìos
dos Arabes, e a dos eruditos gredstas, conservando a sua independen-
cia montai pela preponderancia qne ligou aos estudos da Botanica, oomo
meio de desenvolver a materia medica e ampliar os recursos da thera-
1 Caillemer, Étuék sur Antoine de Govèa (1M)5-1566), p. 27.
A LIYRARIÀ DO STUDO 433
peutica. CoUigindo pois os nomea dos auctores citados nos ColloquioB,
systematìBam-Be facilmente em tres grapos, segnndo a marcha da sden-
cia no meado do.seculo xvi:
Ob Gbegos, OS Arabes e os Modernos.
1.^ — Keonimos com os escriptores gregos os romanos, juntando
aos seuB nomea os titulos das obras, segando as edi^Ses correntes na
època do Doutor Qarcia d'Oria;
Bippocrates^
Theophrasto^
Paulo Egineta^
Dioacorides *
Aetius^
Galeno *
Celso ^
1 Cita o aphorismo 6.^ do livro i. Servimo-nos do trabalho bìbliograpMco
do sr. conde de Ficalho, Garda d'Oria e oseu tempo, p. 285: Hipp. Coi Opera per
Fabium Calvum, etc. Basileae, 1526. E Hipp. apkorismi cum Galehi commeniariis,
interprete Nicolao Leoniceno, ParÌBiis, 1532.
2 Tbeophrastì, De Historia et De cavata plantarum, libroB ut latinos legere-
muB, Theodoras de Gaza, etc. Trevieii, 1483. 0 conde de FiCalho suppoe que Orta
oonheceria Tbeophrasto pelas referenciàs dos commentadoreB Laguna, Brasavola
e outroB naturalistas.
' É o auctor do resumo das obras de Oribase. P. Aeoiretji, de re medica li'
bri aeptem, Parigiis, 1532; e P. Axq, pliarmaca aimplieia, Othone Brunfelsio inter-
prete, Argentorati, 1510.
* A sua unica obra existente, sobre Materia medica, foi impressa em Veneza
por Aldo Manudo, em 1499 ; ha outra edi^So de 1518.
^ Medico da córte de Byzancio, compilador do que hayia de mais importante
na medicina dos aniàgos: Teirabibloa, Basilea, 1533 e 1535. — AxTn AjinocHsin
(se Amideni) medici de eognoacendia et eurandia morbia Sermonea aexjam primum
in lucem, Basileae, 1513, in-foL Boerhave considerava a obra de Accio tSo neces-
saria ao medico comò as Pandectas de Justiniano ao jurisconsulto.
* Foram as obras de Galeno publicadas pela primeira vez em latim, em dois
Yolumes, Veneza, 1490. Outra edi^ em folio, de 1541. Orta estudaya de prefe-
rencia os tratados que se referiam & materia medica e pharmada; cita o De aim*
plicibua Medicamtntia, dedicado ad Patemiamim, com a fórma abreviada: «ad Pat.
cap. 5.»
"^ A primeira edi^So do tratado De Medicina de Celso é de Fiorenza, fol. de
1478, por Barth. Fontius. Depois d'està seguiram-se-lhe na Europa mais de trinta
edi^oes.
HXST. mi. 28
434 HISTORIA DA UNIYERSIDÀDE DE GOIBIBRA
Serapio^
Aciuarius '
Plinio.^
2.^ — Os livros arabea de Medicina eram muito conhecidos em Hes-
panha, corno notou Clenardo, e iste nos ezplica a causa da saperìoii-
dade dos estados medicos em Salamanca e na Univerùdade de Àlcali,
fireqnentados por Qarcia d'Orta. Nfto se infere da leitora dos CoUq-
quio8 que o sabio lente conhecesse a lingua arabe ; comtudo obedeceu
a essa corrente doutrinarìa, corrigindo-a ou fortificando-a com as suas
observa93e8 directas na India. Eis os principaes auctores arabes que
abonam as suas descripsSes de materia medica:
Averroes '
Avicena ®
1 Um dos melhores representantes da Medicina dos romanos; Daremberg
tem melhorado alguns dos seos Tratados e achado outros que estavam ignorados.
(Histoire dea Soiences médicalea, 1. 1, p. 190.)
^ Medico empirista da eschola de Alexandria, julgado por Celso e Galeno.
Orta cita nm outro medico Serapio (Serabi) da eschola dos Arabes.
' Medico do Baixo Imperio; o nome de ActuariuB era o titulo dado aos me-
dicos da córte de Constantinòpla. Na obra MtthoduB Medmdi^ libri sex, impressa
em Veneza em 1554, falla-se na agua distillada, corno a de rosas, e do uso do senev
da coassia e do manna. De MedieamerUorum eompositione, Parisiis, 1539.
* C. PlinìuB Secundos, Historia naturalis, Veneza, 1469 ; està obra, que Lit-
tré compara com o Cosmos de Humboldt, em rela^So & syntbese scientifica de urna
ciyilisa^o, era ama das que o Doutor Garda d'Orta citava com mais frequencia
(trinta e tres yezes) e a que ligava grande auctoridade.
O Doutor Garda d'Orta cita tambem no seu livro auctores dassicos, philo-
sopbos, poetas e historiadores, o que nos evidencda a sua superior cultura buma-
nista: Ariatoteles, Platào, Herodoto, Strab&o, OmdiOf Terenoio, Santo Agaitinho.
^ Garda d'Orta cita das obras do grande medico arabe a Kitab-el'KuUiygat
(o Livro de tudo), conheddo nas escholas pelo nome de ColligeL Constava a obra
de sete partes: l.« Anatomia; 2.* Saude; 3." Doen^as; 4.* Signaes da Saude e das
Doen^as; 5.* Alimentos e Medicamentos; 6.* Regimen da Saude, 7.* Tratamento
das Doen^as. A traduc^fto latina: Incipit liber De Medicina averoyè, qui dicitur
coliget, Yenetiae, 1482.
^ A prindpal obra de Avicena é Kitab-el-kanuni fi-t-tibbi (Livro do Canon
da Medicina), conhecido pela traduc^ao latina, feita por Gerardo de Cremona, com
o titulo Canon Medicinae, sem data, nem logar de impressSo. Segundo Cboulant,
fizeram-se qnatorze tradnc^oes do Canon antes do firn do «eculo xv e treze no se-
A LIVRÀRIÀ DO STUDO 435
Avenzoar^
Alcanzi^
Alhatari '
Mhazar^
Isac^
HàUrodoam^
Serapiào. •
eulo xvi. 0 Doutor Oria cita com frequencia ob commentadores do Canon, taes
comò Jacob De Partìbos (CcUoquioB, £i. 8), Matheus de Gradis (erradamente Gra-
dibas) e Andrea Alpago Bellonense (ib., fi. 20, 45, 53, etc.), Geraldo Cremonense
• ^b., fl. 48 y), provavelmente a traduc^ào supracitada com a revisSo de André
Alpago.
1 A obra de Abenzoar, citada por Orta (fl. 12 e 50 y), é yersfto latina do Ki--
taìln^d'TeÌ8Ìr-fi'Mad(maUina-teéUnri (Livro da AsBistencia no Tratamento e Regi-
gimen). £ mùs conhecido pelo nome de Teisir (a A8aÌ8tencia).De uma tradao^o
^ebraica servia-se Pathavinus para a sua traduc^io latina, com o titalo Aé^yrnen-
tum de medda et regtmene, impressa em Veneza em 1490. Janto com o Teisir tam-
•bem se Imprimin moitas vezes o AnHdotario, attriboido a Abenzoar.
* É o celebre Alkindi, auctor De medecinarum eompoaitarum gradibus invea-
Ugandia ItbeUus, qne pretendia preparar os remedios conforme as regras da Arith-
^metica e da Musica. Cardan considerava-o um dos espìritos subtis do mundo.
3 Elminthar? qne escreveu sobre bygìene.
^ Porventura Ali AbboM.
^ A obra do medico judeu Isac j& se encontrava na Livraria do Infante Santo
(p. 280). Ha uma edi^ latina: Omnia opera Ysaak in hoc volumine coniinerUa, etc.
Lugduni, 1515. É um dos grandes auctores de Encydopedias medicaB, comò Mesue,
Bhases e Serapion, os mais vulgarisados na Europa por todo o seculo xt.
^ Masoniab, conbecido pelo nome de JoSo, em contraposÌ9So a seu irmSo Mi-
guel ; mnitos dos seus numerosos tratados foram traduzidos e publicados separa-
damente no seculo xy : De ConsolaUone medecinarum aoltUitxirum, etc. MilSo, 1473;
Qrabctdin, quod est aggregoHo et antidoiarium eleetuariorum, sem legar nem anno.
Ha uma traduc^fto das obras completas de Mesue, de Veneza, em 1471, cm 3 voi.
foL Imperava na medidna europèa. Cita Mesue o antigo. (Mansarunge, fl. 69 e
184 y.)
^ Um dos commentadores de Galeno, cujos trabalhos vém na collec^io cha-
mada Articella; escreve-se Haly Rodoam.
* Mohamed, conhecido pelo nome de Razes, da sua terra natal; a sua obra
de Medicina intitula-se El Manéoun, por ser dedicada a um kalifa de Bagdad, Al-
manzor. Libri ad Almansorem, liber di-visionum, dejuncturia de morbi» infanium, etc.
MilSo, 1481. Garda d*Orta dta o ad Almansorem, e dà-lhe o nome Ibn-Zacaria, a
qne chamam Benzacaria. (CoUoquios, fl. 5 e 7.)
9 Medico judeu, Serabi, de que fizeram Serapio e Serapion. E auctor do tra-
28*
436 HISTOBIA DÀ UNIVERSIDADE DE COIBfBRA
3.^ — Entro os escrìptores modemos, o Doutor Garcia d'Orta cita
08 que commentaram as obrasde materia medica dos gregos e dos ara-
bea; mesmo na India ostava ao corrente de todas as obraa da sua os-
pocialidade quo se publioaram na Europa desde 1534 a 1560 :
MaOieua Platearius^
Simào de Cordo ^
Maiheus Sylvaticus^
Chrktophorus de Honestìa^
Hermoldo Barbarus^
Theodoro de Oaza^
Antonius Quainerus'^
tado de materia medica Liber Serapionis aggregatus in medieinia simplicibue trana-
laHo SinumU Jcumentu interprete Abraham Judaeo. Mil2o, 1473. — Junto com està
obra tém-se impresso as obras de Jo&o Serapio (Jahiah ben Serabi), coxihecido
pelo nome de — senior. E nm dos escrìptores de materia medica mais citados por
Orta^pelo menos qoarenta e cinoo yeses.
1 Medico salernitano, auctor de um catalogo alphabetico de drogas, conhe.
cido pelo nome vulgar de Circa insicms: Mathei Platearii liber de Hmplici medi-
dna 9. Circa insana, Lugdnni, 1512.
' Auctor da Clavia aancUionis, catalogo de drogas em ordem alphabetiea, im-
presso em Yeneza em 1514. Orta chama-lhe SimSo Genuense (fl. 219).
3 Ghurcia d*Orta cita a obra d^este escriptor com o tìtolo de Pandeeta (fl« 37 f)
e Pandetairio (fl. 73 y, 81 y, 83, 99 y e 122 y dos CoUoquioa). Nas edi^oes do se-
colo XT era o titolo da obra: Liher pandeetarum medicinae e Opua pandectarum
Mathsei Sylyatìci, cum Simone Janoenais, ete. 1498. Ha edi^oes de 1507, 1526, etc
* Commentador da obra de Mesoe ; a sua obra anda jonta à do medico arabe
impressa em 1480 e 1490.
* Um dos grandes bumanistas da renascen^ italiana, e celebre pelos seni
oommentarios critìcos: CaatigaUonei Plinianae Hermolai Barbari, Aqoilensis pon-
tificis, Bomae, 1492. Caatigaiionea aeetmdae, etc. Garcia d^Orta cita a obra de Te-
mistìo (fl. 50 y) tambem emendada por Hermol&o Barbaro: TusiosTn peripateUei
ìuaidiaaimi Paraphraaia in Ariatatelia poateriora et Phyaioa; in Ubroa item de Anima,
memoria oc reminiacencia, aomno et vigilia, inaomniia et divinatione, Yeneza, 1480.
DxosoouDxB AxAZÀXBi de medicinali materia libri y iatinitate primom donati ex yer-
sione Hermolai Barbari, etc Yeneza, 1516.
* Pbilologo bjzantino refugiado na Italia no secolo xy; entro as soas nome»
zosas tradoo^des do grego, exercen oma grande infloenda na Benascen^a sdentì-
flca a soa tradoc^io de Theophrasto: Hiataria planiarum, libri x, e De oauaiaplan'
tonim, libri yi. Treyise, 1488.
"^ Medico pratico do meado do secolo xy, aoctor do Opuepraeelarvm adpraa^
Logdoni, 1584. Daremberg, na Hiataria daa Scieneiaa medicaa, 1. 1, p. 845, trai um
remedio de Goaineros oontra a picadella yenenosa, eonsistindo em oollocal-a no
▲ LIVRARIA DO STUDO 437
Sympharien Champier^
Michael Savonarda^
Nicolaua Leonieenus^
Johannes Màfuirdua^
Johannes BueUiua^
Amato Lusitano^
Valeriua Cordua'^
aniuB de uzn frango, previamente depennado n'esse legar, e apertando-lhe o bico,
para elle, tendo de respirar, sugar o yeneno pelo anns.
1 Celebre medico francez (1422-1533), mais vaidoso do que eabio» e aactor
de obras eztravagantes. Ghurcia d'Orta cita-o a proposito do lignum alata, porveo-
tara referido no Myroer dea apoìhiquairea, pina Lea Luneotea dea cyrurgiena, Lyon,
in-8.« goth. (sem data); Paris, 1539.
^ Jo3o Migael Savonarola, medico da Universidade de Ferrara, tio do cele-
bre dominicano Savonarola. Além de outras obras, escreveu Praelica de aegriiU'
dinibua, a capite uaque od pedea. Colli, 1479. — De balmia amrdbua ItaHae aieque U^
tàua orina. Ferrara, 1485. — Pratica canonica de febtibua, de pulaibua, de urinia, Ye-
neza, 1498. — De compoaitione mediafiarmn. Strasburgo 1533, in-4.<^ Tem o de£aito
das idéas supersticiosas da sua època, e das subtilezas scholastìcas.
' Um dos grandes commentadores da Bena8Cen9a, medico e philologo, e por
isso explicando superiormente os dassicos gregos e latinos. De PlinU et aliorum
medicoTum in tnecitctna errorihua, Ferrara, 1492, in-4.<* — OpuaeuUi medica. Basi-
lea, 1531.
4 Celebre botanico italiano (1462-1536), que nas suas Epiatoku medicinaUa
primeiro combateu os Arabes comò plagiarios inintelligentes doe Gregos. — Spia-
tolarum medidnalium Libri zx, etc. cum ^tudem in Meaue aimplida et compoaita
aamotationea et cenawrae. Basileae, 1540.
& Jean Buel (1479-1537), decano da faculdade de medicina de Paris, medico
de Francisco i, auctor da importante obra De natura aiirpium libri m. Paris, 1536.
-Garcia d*Orta cita-o quinze vezes, e refere-se a està obra Da natureta daaplantaa
e a ama tradnc92o de Dioscorìdes.
* Tambem conbecido pelo nome de JoSo Bodrìgues de Castello Branco, de
origem judaica; teve grandes polemicas com o celebre Mathioli, sendo por isso
denandado & Inquisisse. Escreveu, além de outras obras, o conunentario a Dios-
eorides In Dioacoridia de materia medica libroa v, enumeraUonea. Veneza, 1553. Orta
cita-o urna vez so (fi. 61 i\
"^ Um dos melbores botanicos do principio do seculo zvi, discipulo de Me-
lanobton nas li^oes sobre os Alexipharmaea de Nicandro. Emprehendeu a reforma
da Pharmacia, fazendo ezplora^òes directas pela Europa meridional. A sua morte
prematura foi urna perda enorme para a scienda. Os seas papeis foram coUigidos
por C. Gesner em um volume, contendo, além de ontros tratados : AwnotaHonea in
Dioacoridia de materia medica libroa v, em Strasburgo em 1561. Garcia d'Orta, re-
ferindo-se a està edi^So de 1561, diz de Valerio Cedro «diligente escriptory que
afferà eaoreveu sobre Dioscorìdes omas addi^des.» N2o sabia que o escrìptor qua
J
438 msTORU da universidadb db goimbra
Pietro Andrea Mattioli
André Laguna^
Leonardus FuchsiuB^
Antonio Musa Brasavola^
Ferdinandua de Septdveda^
Vescdius ^
Ulrich von Hutten^
Antonio de Lebrija^
Pie de la Mirandola^
admirava fallecera em 1544, sendo a sua obra posthuma. Comtudo vé-se qne em
Goa segiua o movimento scientifico europea.
1 Commentador do Dioscoridefi cum ampliisimi diécorsi e commenti, Yeneza^
1544. Milito criticado pelos eruditosi mas notayel pelas informa^oes sobreas plaa-
tas da Asia Menor, que Ihe communicou o medico Quakelbeen, embaixador do im*
perador da Allemanha em Confitantinopla. (Hoefer, Histoiredela Botaniqut, p. 106.)
Orta chama-lbe Senes, e Senense, da terra da sua naturalidade.
2 Estudou medicina em Paris e Toledo; fez-se oonhecido pelos seus commen»
tarios a Dioscorides : AnnotcUtones in Dioscaridem, etc., Lugduni, 1554; e pelati*^
duc^io castelhana. Lutrodnziu o systema das gravuras das plantas em cobre.
3 Medico notavel pelo tratamento da suette, ou epidemia miliar, que invadia
a Inglaterra em 1529 ; tomou-se celebre nos estudos botanlcos pela De hittoria
etirpium commentarti inaignis, Basileae, 1542. Orta escreve-lhe o nome Fuchno
(fl. 219 y e 224) e Fucio (fi. 191 y).
* Discipulo de Manardi, receben de Francisco i o titulo de Mttaa, por oaosa
de umas theses que sustentou em Paris. Escreveu Eoxanen omnium timpUcium me-
dicamentorum, Bomae, 1536; e De sirupis, Lugduni, 1540. Orta cita-o com o nome
de Antonio Musa umas vinte e tres vezes.
^ Escreveu o Manipultu medicinarum, in quo continentur omnes medicinaef tam
iintpliees quam eompositae, secundum quod in utu apud dootore» hahenL%ur: utiU$mè*
dieis, neonon aromatariit, nuper ediius Salmanticae, 1528.
* Citado a fl. 178 f dos CoUoquios, referindo-se & Epistola rationem modmn
que propinandi radieig Chinae deeocti, quo nuper invietisiimus Carlo$ V impenUor
USU8 est Venetiis, 1546.
^ Nos Colloquioi apenas allude a Ulrich von Hutten nas palavras «bum £•
dalgo alemà escreve bum livro de seus louvores (o guaeam, contra a sypbilia) em
multo copioso estilo e mui puro Latin ...» (Fl. 178 f.) É o tratado De Ouaiaei me-
dieina et morbo gàllico liber unus, Moguntiae, 1519.
* Humanista hespanhol, que, comò os italianos da Renaseen^a, ooadjuvoa a
lestaura^So dos teztos dassioos das obras sdentifieas. Escreveu o Lexicon artie
fnedieamentariae. Compiuti, 1518. Orta, a fl. 16 y, cita o Dioetofiartttin loHno-hUpa^
maum, de 1492.
^ Qarcia d'Orta cita a obra Apologia J. Pici Mircmdulani, Coneordiae oomir
09, 1489. Chama-lhe Pioo Mirandulano (fl. 216).
A UVRARIA DO STUDO 430
Francisco Tamara^
Frei Domingos de Battana^
Ghnzalo Hemcmdes de Oviedo^
Ludovico Varihema^
Oaepar Barreiros. '
Comparada a Livraria da Universidade com a do Doutor Garcia
d'Orta, vè-se que urna se mantinha na estabìlìdade e conservantismo
doB anctores Bcholasticos^ e a outra, com as instantes coriosidades do
espirito indivìdaalista, era constantemente posta ao corrente do mo-
vimento scientifico da sua època. N'esta crise mental do seculo xvi,
as collectivìdades; theologicas ou nniversitarias, propendem para a
manatenySo das concepgSes antigas, e facilmente acceitam o regimen
da censura estabelecido pelo ezame e prohibÌ9So dos livros pela au-
ctoridade ecclesiastica; as individualidades pensadoras exercem-se iso-
ladamQntCy da fórma a mais audaciosa, comò vémos em Francisco San-
òhes ou Giordano- Bruno, até que os livres espiritos vSo constituir
no seculo xvii as Academias, fócos ìntensos de renoya9Bo scientifica.
Sigamos a parte regressiva d'està crise. As ITniversidades come9aram
• no meado do grande seculo a publicar Indices de livros prohibidos;
1 Auctor da obra Dt las cosiunibrea de todas laa gentea, Antuerpiae, 1556. Orta
cita-o com desdem (fi. 64 e 168).
' Auctor do Compendio de eenteneùu moralea, y de cUguruu eogtu notablee de
Eepaha; y la conquista del Beino de Granada. Hispali, 1555. Orta cita-o a fl. 168
dos CoUoquios,
' Auctor da importante Historia general y naturai de las Infiias ooddentales»
Toledo, 1526. Ali se ac^am preciosas noticias das plantas da America, comò a
mandioca, o goiaveiro, o gujac, a cabala, a batata. Orta interessava-se na leitura
d*e8ta obra.
* Garcia d'Orta cita este celebre viajante (fl. 29 y), a quem chama Ludovico
Vortomano, auctor de um livro de Tiagens traduzido em latim com o titolo : Lvd^
Varihomani Novum itinerarium Aethiopiae, Aegypti, tUriusque Aralnae, PereiaCf Sy-
riae, et Indiai intra et extra Gangem, Mil&o, 1508. Barthema era um simples fmi-
didor, e n2o sabia observar os phenomenos naturaes ; mas pela variedade das suas
viagens eonsignou factos curiosos e eztraordinarios. Ferdinand Denis recommenda
o confronto d'estas viagens de Barthema com o Esmeraldo do Mar^ de Duarte
Faeheco.
^ Orta cita a Corographia, impressa em Coimbra em 1561. Vé-se que se
mantinha ao corrente das publica^Ses feitas em Portugal, comò aoompanhava o
progresso das sciencias na Europa, segundo observàmos na cita^So de Valerio
Cordo.
440 HISTORIÀ DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
a Univeroidade de Louvain publfca o seu primeiro Index em 1540, e
por ordem de Carlos y os seas doutores formaram am novo Indice,
publicado em 1546, succedendo-se outros em 1550 e 1552. ^ Sabe-se
a influencia que exercia Carlos v na politica portugueza, pela revela-
9S0 de Capodiferro icerca do estabelecimento da InquÌ8Ì9^, para aqui
fechar 0 asylo aos judeus emigrados de Hespanha; a censura dos li-
vros, pela època em que cometa a ser exercida, coincide com a ordem
de Carlos v à Universidade de Louvain. No processo de DamiSo de
Goes na InquisÌ9fto de Lisboa acham-se duas cartas dirigidas pelo car-
deal D. Henrique ao sabio humanista, explicando os motivos porque
prohibira em Portugal a leitura do seu livro intitulado Fides, Rdigio,
moresque Aetiopum, impresso em Paris em 1541, e dedicado a Paulo ni.
0 texto d'essas cartas interessa-nos, para se observar comò se operou
0 ecclipse total da intelligencia portugueza antes da perda da naciona*
lidade :
cDamiSo de GFoes. — Por ser qua ordenado que os livros nóvos
que vierem de fora primeiro que se vendam sejam vistos por bum offi-
ciai da santa inquisiyfto, comò a vessa obra que veyo foy ter à sua
mio, 0 qual achou nella muitas cousas muito boas, semente alguma
cousa 0 offendeo as razSes que 0 embaxador de preste nella daa sobre
as cousas da fé centra o bispo adaaym e mostre margalho hirem mui
fbrtes (e as que elles dam centra o embaixador serem mais fracas) e
dando-me elle conta disto sem embargo de eu saber vós serdes tal pes-
soa e de tSo boa consciencia comtudo assim pollo cargo que tenho corno
polla obriga92o em que vos som por nam se dar occasiam a ninguem
dizer mal asentey que sobreestivesse na venda dos ditos livros por me
parecer que vós asi 0 averieis por bem pollo que dito tenho. E vos
rogo pois sabeys que gente he a portugueza e quanto folga de repre-
hender que d'aqui em diante emprehendais antes obra d'outra quali-
dade que eu sey que bem vós sabereys fazer. E vos agradecerei muyto
me escreverdes novas de Allemanha e da dieta e particularidades della
porque folgarey de 0 saber por carta vessa. Esenta em Evora vinte
e cito de Julho. Jorge Coelho secretarlo o fez de mil quinhentos qua-
renta e hum. Infante Dom Anrique.»
cDamiSo de Goes. — Os dias passados recyby duas cartas vossas
huma em resposta do que vos escrevy, é a outra mais comprida em que
^ Reiffenberg, Sur Us deuao premiers ntclea de VUmvenUé de Louvain, (Me-
moires de l'Académie de Bruxelles, t tu, p. 15.)
A UYRARIÀ DO STUDO 441
vos aggravaes de mim por ter mandado que a vessa obra se nSo venda,
e alegaes muitas razSes pera se nSo dever tal cousa mandar e do que
recebj maito desgosto por vèr quSo mal informado estaveis da ver-
dade e quanta culpa e reprehenslo merece o que vos fez tornar tal
paizam e deu entendimento tam desviado do que ouvera de dar ao que
eu mandey: eu comò em outra vos escrevi vos tive sempre e tenho
naquella boa conta que he rasSo e fuy e som mui satisfeito de vós e
vos mostre! muito amor o que eu croio que vós deveis saber e ter co-
nhecido de mim: pollo que m'espanto crerdes que vos tenha em outra
conta, e que por ter alguma m& sospeita de vessa consciencia mandey
que OS livreiros sobrestivessem na venda da vessa obra. E porque eu
vos tenho agora na mesma conta de tHo bom homem e t2o bom christZo
comò sempre vos tive bey por escusado responder às rasSes que me
daes porque eu o creo asy corno dìzeys. E quanto à obra vejo bem que
a primeira parte della é muito boa e està nam mandey eu que se nom
vendesse nem deyxasse de leer semente na segunda em que se trata
das cousas da fee e super8tÌ9So que tem os etiopios por serem no vesso
livro aprovadas polo embayxador do preste com raz5es trazidas por
elle e auctoridades da sagrada escritura mal entendidas e aver neste
reino tantos cristSos novos e muytos delles culpados de herezia pare-
ceo a mim e aos inquisidores que em tempo que nestes reynos se co-
meta de novo a santa. inquisi$am se nom devia ler tal obra, porque
aquelles que mal sentissem da fé nom favorecessem seu erro com a mi
opiniam dos etiopios mayormente que segundo som informado o em-
bayxador do preste que fez iste apresenta muitas cousas de sua cabega
que nio ha em etiopia e huma cousa he relatar simpresmente os rìtos
de huma nayam e outra querellos corroborar com ras5es falsas comò
fez oste embajrxador sem aver lego confuta^am dellas porque oste é o
costume dos hereges e se segue disso muitas vezes muito escandalo e
dano. E assy comò eu som certo que nom tendes nenhuma culpa nem
mereceis reprehensam, o que sabem todos e semente nesta parte fos-
tes fiel interprete assy confio se estivereis cà e visseis a cousa comò
anda que vós mesmo houvereis por bem e me aconselharieis que se
nam lera està parte do vesso livro ao menos em Portugal (e alem disto
offendeo cà gabardes e dardes tanta auc^ridade a este embaixador por
onde 0 que diz parece que he mais firme e autorisado) mas bem vejo
que escrevestes ysso por nom serdes bem informado de quam mào ho-
mem elle era e quam desonestamente vivia e come na sua propria terra
era avido por erege, e se iste bem soubereis certo que nSo dereis tanto
credito a suas palavras e sondo fora desta terra os louvores que Ihe
442 HISTORIA DA UNIYER5IDABE IS COIMBRA
daes 0 08 queununes que elle nft soa narrajam fius de o tratarem ci
mal: nSo sey que honra nisso ganhari este Beynoy e assy que por es-
tas causas e nSo por outra nenhuma mi nem suspeita ó que possa ter
de tam bo8 homem comò vós soes, mandey que por agora se nom ven-
desse aquella parte semente que disse da vessa obra na qual couiia se
nam prejudica nada a vessa honra, as quais rasSes eu confio que vos
avereis por boas, e vos agradecerey muyto o crerdes assy e que vos
tenho agora naquella conta que sempre vos tìve, e nZo dareis credito
a outra nenhuma informasAo, e que heyde folgar muito de fazer por
vós e vossas cousas quanto em mim fór, e vos agrade^o muito as no-
vas que me mandastes d'Alemanha, e vos encommendo que assy o fin-
9aÌB sempre e tambem m'as manday de vós : esenta em Lisboa treze
de dezembro. Jorge Coelho secretano a fiz de mil quinhentos e qua-
renta e um. Iffante Dom Anrique.»^
A prohibifSo casual de um ou outro livro converteu-se em sys-
tema, e, com os Indices expurgatorios a que foram submettidas as obras
ji consagradas pelo passado, crearam-se tribunaes para licenciarem con-
venientemente e morosamente os lìvros novos. As foculdades de Theo-
logia formavam as listas prohibitivas : cN'este reino promoveu Alvaro
Comes que o Cardeal Infante D. Affonso^ bispo de Lisboa, declarasse
as doutrinas erradas, e vedasse os prejuizos d'ellas formando um Ca-
talogo das que havia reprovado a Faculdade de Theologia de Paris.
Outros erros compendiou o Doutor Paio Kodrìgues do Yillarinho, de
Beja, e escreveu a Consulta que no fim do seculo xvi fez a Faculdade
de Theologia de Coimbra para o exame e censura dos erros. O espi-
rito de OS acautelar, que assistia e guiava a estes sabios varSes, mo-
veu 0 Cardeal Infante D. Henrique a publicar em 4 de Julho de 1551
hum Boi de Livroapor elle defesos, repetindo-se a edijZo em 1561. Elle
mesmo fez sua depois a publica^JLo do Indice romano impresso em Lis-
boa em 1564 com a PrefasSo de Frei Francisco Foreiro ao mesmo In«
dice, e accrescentou o mesmo Cardeal a prohibi$So de outros mais li-
vros. Davam auctoridade competente a estes Catalogos para se acre-
ditarem no publico as assignaturas de Fr. Jeronymo da Azambuja, Fr.
Francisco Foreiro e Fr. Manuel da Yeiga. — Por aquelle mesmo tempo
publicou em Coimbra o Catalpgo dos prohibidos o Bispo D. Fr. JóSo
Soares. . .»^
1 Armae» da$ Sdeneiaa e Leitnu, L u, p. 830 a 888.
> Cuidado9 litUrario9 do Biepo de B^a, Frei Manuel do Cenacolo, p. 529.
A liYRARIA DO STtJBO 443
Em ama carta do philologo portugaez Vicente Nogueira^ escripta
de Boma em 1646, ezplica-se o processo da prohibi^Bo dos lìvros:
cE para qae este tSo curioso senhor fique bem pratico, e possa ler de
cadeira na materia da probibigfto dos livros, darei aqtii bua noticia qae
pode ser folgae de vfir. . . A probibÌ9So dos livros ou he feita pollo
Papa na inqttisÌ9fto de Boma, e està vai em todo o mando; e assi quem
qaer que os ler, alem do peccado mortai, incorre em excommunhfto;
e destes taes livros, so o Papa pode dar licenza: ou he feita pellas in-
quÌBÌ93es particulares de Castella ou de Portugal, e està so obriga no
distrìcto das dictas inquisÌ93es, fora da qual cada hom pode lellos sem
peccado nem censura; e d'este podem os mesmos inquisidores dar li-
cenya, etc.» ^ A censura dos livros actuou profundamente na decaden-
cia da lìtteratura portugueza, consummindo-se a actividade montai quasi
que de um modo exclusivo na producjfto de obras de Theologia scho-
lastica durante a segunda metade do secalo xvi. Precisamos conhecer
o quadro dos livros theologicos d'este periodo historico; pela Livraria
do Studo conhecem-se os auctores dominantes nas doutrìnas do direito
canonico e civil; pelas cita93es do Doutor Garcia d'Orta conhecem-se
OS conflictos doutrinarios dos hellenistas, arabistas e conciliadores em-
quanto aos estudos medicos, e os empiristas que se disciplinaram pe-
las inve8tiga93es da Botanica e enriqueceram a Therapeutica; o quadro
das obras de Theologia scholastica acha-se no Boi da Livraria de S..
Fvn8, mosteiro incorporado por Paulo in no Collegio dos Jesuitas de
Coimbra em 1546. Esse catalogo nos mostra corno a Theologia, afas-
tada do conhecimento das fontes biblicas por effeito do abandono do
estudo do hebraico e do grego, se tomou a expressSo de concep98es
subjectivas e individuaes, comò a Gra9ft efficaz de Molina e o conr
gruismo de Soares. O abandono do criterio historico foi causa de todas
essas aberra98es, que mantiveram a Theologia sob o individualismo
Bcholastico. ^
1 BoUHm de Bibliographia partugueta, voi. ii, p. 25.
' EeuBB, na Histoire de la Theologie chréiierme, 1. 1, p. 9, define este aspecto:
e A Theologia da eschola, cu, para nos servinnos de um termo j& consagrado, a
Theologia eeJudasHca, é a theologia ensinada por cada qual corno a expressSo das
snas convic^Òes particulares, qaer ellas Ihe perten^am corno proprias, quer as com-
partilhe com urna numerosa communidade. Este nome de scholastica nÌo deve ame-
drontar nin^em. N2o exprìme censura, nfto allude de preferencia aos theologos
do secolo XII, mas simplesmente & presenta do elemento racional ou snbjecdvo no
trabalho scientifico que preceden o ensino. Nós, porém, distinguimos da theologia
scholastica orna outra sdeneia, nSo menos importante, se o nfto é mais, tendo etti
444 HISTORIÀ DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRÀ
O mosteiro de S. Fina das FrìestaS; de cujas riqaezas os JeeuitaB
8e apoderarani; a pretexto de ter so tres firades, que viviam deshones-
tamente e dissolutamente com as snas egrejaS; com cara e sem cara,
corno se allega na bolla de Paulo in, de 1548, unindo-o perpetuamente
ao Collegio de Jesus de Coimbra, possuia tambem uma grande Livra-
ria. Consta isto do Rol que se fez quando o mosteiro foi visitado pelo
padre provincia! Antonio Mascarenhas, em 1605; ^ a descrip^fto dos li-
vros é feita com abreviaturas incomprebensiveis, e so à for9a de in-
vestigagSes bibliographicas se pode avaliar o seu caracter e ìmportancia:
Rol da LiTraria de S. Fins
Glossa in script, de retortis
Bihlia inseg
Bib tomis divisa^
Catena aur. D. Th.'
S. Qreg. moralia. t. 2*
S. Greg, opera oia (omnia)
Hugo in Euang. ^
Catena in ps.^
Barrad. tres tom. ^
Maldon. in Euang, ^
Viegas in ApoccHyp, •
Rih in Apocalyp. *^
Tetel. in Job *«
Idem in Ecdes.
parte a mesma base que a primeira, mas differindo d*ella relativamente ao seu
firn, ao san conteùdo, aos seus meios e ao sen methodo : é a thtologia Mtlica. A
theologia biblica é por conseguinte uma scienda csBencialmente historìca. N2o
demoDStra, conta.»
1 No Inventario de S, Fins, fi. 81 a 85. Pnblicado diplomaticamente por Ga-
briel Pereira, no Boletim de Bibliograpkia portuguasa, p. 199.
2 Grlosaa in Scripturam, ed. de Tortis; Biblia in sequencia, bis tomis divisa.
' Catena aurea in quatuor Evangelia, Divi Thomae. Parisiis, 1540, in-fl.
4 Ck)mmentario sobre o livro de Job, conhecido pelo titolo de Moraes. — Opera
omnia, Àntuerpiae, 1572, in-fl.
^ Cardeal Hugo a S. Charo, Opera omnia in vniversum Vetus et Novum Tee*
tamentum.
* Catena aurea in gtdnquaginta Ptaìmos davidicos, interprete Daniele Bar*
baro. Venetiis, 1569, in-fl.
"^ Barradas (Sebast.) Commentarla in Cancordiam et hiitoriam quatuor Evan-
gdiatarum, Antuerpiae, 1613, 4 t. in-fl.
* Maldonado (Joio) Comm/sntaria in guatuor Evangelistas, Mogontiae, 1602, fl.
' Viegas (Blasii) Commentarti exegeiiei in Apoealypnn, Eborae, 1601, in-fl.
10 iUbera (Frane.) In Apooaìypwn Beati Johannis, quHnu adjunU mmt libri de
templi et de hi», quae ad temphan pertineni. Salmanticae, 1591, in-8.*
11 Titelmani (Frane.) Elueidatio paraphraatiea in librwn Job, Parisiis, 1547 e
1550, in-8.® — Commeatarii in Eoeleaiaeten eum annotationibitè ex hebraito, et edUione
graeca. Parisiis, 1552, in-16.
A LIVRARIA DO STDDO
445
Magai, in cani, mosis^
Flores doctorum, tom. 2.
LuiS; conciones
Royardi sum.^
S. Vincentìi aermones^
Joanes Ecci. serm. et humil, ^
Thesaurus novus
Raulim. '
Pandecta in Evang,
SimUitud. et coU.^
Suma. Viri, duos tom. ^
Sylva, conc. Osorii*
Osorii tom. quadrag.
Yalderrama quadrag. ^
Et de sanctis ^^
Broych. opuscala^^
Gema predicantium
Thomas, in Math. "
Aureum opus
Platu desta, religiosi lat. et hisp. ^^
Homii» Royardi
Cass. duo**
Fr.«> Soares 1. 2. 4 tom. in 3 p.**^
idem de legtbus
idem de relig.^ tom. 2.
Molina de just^ tom. 3. *•
Idem de concordia ejasdem
Henriq. tom. 2.*^
1 Magaliani (Cosine) Commentarla in Moisis cantica^ et òenedictione patriar*
eharum. Lugduni, 1619, in-^
2 Hoyardi (Joannes) HomUiae. Parìsiis, 1558, in-8.<^, 7 voi.
' Vincentìi (S.) Ferrer Sermonea aeativales cum adìwiationes Damiani Dias.
Antuerpiae, 1570, in-8.* — Sermonea hyemalta. Lugduni, 1530, in-8 ^ goth.
^ Eckins (Joannes) Sermonea et Homiliae. — Deprimatu Petri adveravs Ludde-
rum. Parisiis, 1521, in-fl.
^ Baulin (Joannes) Opua aermonum quadrageaimalium, auper Epiatolaa et Evan'
geiia. Lngduni, 1518, 2 voi. in-4.<* goth.
^ Similitudinea et CoUationea.
"^ Summa Virtutum,
^ Osorii (Johannes) Concionea. Salmanticae, 1591, in*4.<>, 5 voi.
' Yalderrama y Haro, Esctemporaneam Releetionem ad cap, finalen de Prae^
aoriptùmibua. Salmanticae.
10 Petrus (Natalis) De Sanetù.
11 Braehyologua, opuaculajuridioa.
^ Thomae (Divi) Commentaria in Matheum evangeliakm, etc. Lngdunì, 1531,
ÌD-8.^ goth.
- — Catena aurea (vid. n. 3.)
1' Piati (Hyeronimi) De bono atatita rdigioaL Lngdnni, 1592, in-8.«
1^ Cassiani (Joannes) De coenobiorvm inatitutia, et de vUiia eapitalUma, nec non
de CoUationibua Patrum. Coloniae, 1540, in-fl.
1^ Snares (Frane.) De legibua ae Deo legialatore. Conìmbrìcae, 1612, u>-fl. —
Opera omnia, etc.
1* Molina (Luiz) De Juatitia et Jure, Antuerpiae, 1615, 4 voi. inr-fl.
— Concordia liberi arbitrii cum gratiae donia, divina praeadentia, provideaar
Ha, praedeaiinatione et reprobatione. Olyssipone, 1588, in-4.<^
1'' Henrici (Cardinalis) Mediiationea et HomUiae in aliqua myateria aalvaUonia
et in nonnulla Evangeliia loca. Olyssipone, 1576, in-12.
446
HISTORIA DA UNTVERSIDADE DE COIMBRA
retortis
Sanch. tom. 3. ^
Conciones Costa et Merìlho
Babelo de joatic.
Concordaniiae, doas, noY^ nna.'
Partes D. Thomae »
Inatruct. luis lopes.
Ju8 civile
Jus canonicum
Bartholi opera
Panormit. opera^
OrdincU. regni sjitiqìiA et nova toin.2
Francus in 6, decretai,
Jason de actìoniius
Imola 8uper clementinas '
Dedgianes G-amae^
Cabedii opusculum^
Aluar Vallea de Bhvphy, ^
Caldas de Empky. '
Nayarr. manualia àliquoU ^^
Stima emanuelis roiz
Ejosdem cptis in huUam crac.
Eiud. additUmes
Suma Jacob, de Oratiis
CaUpinue antiquis^^
Ara Emanuelis. ^'
Vocab. Cardosi*^
Petr. Navarr. de retiti
Med. instr, confèse.^^
Ciceronis epUt. fam. cum com.
Cunha. eacpl. bull. eapedUa et eoi*
lidtantes in comp, ^^ .
Calendarium recitatorum Bapt.^
Minoritae
Cruci irag,^^
1 SancheB (Thomaz) De Matrimomok Antaerpiae, 1617, in-fl., 8 yoL
2 Concordaniiae Bibliorum tUriueque TeatamenH. Basileae, 1506.
' Prima tecundae, et Seconda secundae Summae Theologiae. Antaeipiae, 1569,
in-4.", 2 voi.
^ Panormitani (Abb.) Consilia, juriaque responaa, ae quaeationea. Logdani,
1586, in-fl.
^ Immola (Abb.) Joamies, Cammentarìa in quinque Decretalium libroB. Ve-
iietiis, 1575, 3 voi. in-fl.
^ Gama (Antonii) Deeisiones aupremi Senatua Luaitaniae. Ulyssipone, 1578^
in-fl.
"^ Jorge Cftbedo, De Patronalibua Eedeaiarwn, OlyBsipo^e, 1602, in-4.®
^ Alvaro Vallasco, Praacis partitionem et coUaiionem inter haeredoa. Conim-
bricae, 1603, in-fl.
9 Francisco Caldas Pereira e Castro.
^^ Navarro (Martinus) Enchirìdion siw Manuale confeaaariorum et poeniien-
tium, Romae, 1573, in-4.'
11 Calepinus ( Ambrosius) Dictionarium in odo linguartmi. Ed. de Reggio, 1502.
^ Arte de Grammatica do padre Manuel Alvares, pablicada com o tìtulo De
JnatUutione grammatica, libri tres. -Lisboa, 1572, in-^j^
13 Jeronymo Cardoso, Dictionarium Latino-lutitanum, Conimbrìcae, 1569.
1^ Medina (Joao) Commentariue in Otultim de Poeniteniia, 1549, in-fl.
15 D. Bodrìgo da Cunha, De Confiaaariis aolicUantibua. Benaventi, 1611.
1^ Padre Luiz da Cruz, Tragediaa, Lyon, 1605. CoIlec^So de sete tragediai
latinas para serem representadas pelos estadantes do Collegio das Artes de Coim-
bra.
A UVRARIA DO STUDO
447
Fr. Luis de Orai. '
MMiita^ do P. Ponte tom. 2. '
Tractatua legum capi, ^
Virg. 2
Ovid. 1 .
£Bh. ecd. Easebii iat. et hisp.
Àdriaiiì quodlib.^
Vitaè Patrum latine de tortis.
Kavarri de redibibm apolog. '
Orai, Perpiniani^
BÌBt. pontìf. Ulutt. tom. 2
Smn. Carit. tom. 2
Nayar. in cap^ levU. ^
Jardim spual em italiano
Gomes in ps. miserere
Petrus a Natal de «.'" «
Cartaa do Japào de varìos annos
Lucena vita p. Fr. ^
LivrinhoB d'exerdeias, censi, e re-
grò», e outros livrinhos de pouoo
porte
8wna Toleti. tom. 3. ^
8vma Syly. tom. 3
P. Natalia cwn iconibiAS applicatua ^^
Aphariamos de Saa^'
Mediia^Sea do rosario
Speeidum perfectUmis
ConeU. Brac.
Conca. Trident.
Cottedanea mer. Granatensis ^^
Leones pontificom '^
Vita p. Ignota. 2. **
Bened. pr.' in Joanem ^^
Assor. tom. 3.*^
1 Padre Laix de Castro P§checo, OrcUio habita cui Sebcutianam regem. Co-
nimbricae, 1570.
^ LudoyicuB de Ponte, Bkapontio morali$ in Caniicum eantieorum. Parìsiis,
1622, in-fl., 2 tomos.
3 TrcictcUuB legum Capitularitmn,
* Adrianus CarthuBianas, QuodliÒeta.
^ Navarri (Emman.) Traetatua de virtiUibua theologieis. Salmanticae, 1617, in-fl.
6 Perpiniani (Patri) Oratianee duodeviginti. Bomae, 1587, in-B.^»
"^ Martim Navarro.
* Pier de* Natali, agiographo veneziano do firn do secnlo zzv, escreven Vita
de' Santi, precedendo a Voragine. Vid. liraboschi, Hiataria della Letteratura ita-
liana, t. V, p. 180.
9 Padre JoSo de Lucena, Vida do P. M, Frandaco de Xavier^ e do qua fise-
ram na India oa Bdigioaos da Companhia. Lisboa, 1600, ia-fl.
^^ Toleti (Frane.) Summa caauum Conacientiae. Veneliis, 1613.
" Vid. not. 8.
^ S& (Emmanaelia) Aphoriami eonfeaaariorum, Coloniae, 1603; Matriti,' 1601;
in.l2.
13 Granatensis (Lndovicas).
1* Leonia (Magn.) Opera omnia.
1' lUbadenejra (Petrus) Vita Ignatii de Loiolae, Nespoli, 1572.— No Cartorio
da Universidade de Coimbra enste ms. em um grande rolo de pergaminbo : •In-'
quiri^dea aobre a Vida, milagrea ete, do beato Ignacio de Loyola, para a aua cano-
niaagào. ..»
1^ Benedictus Pereira, Opera theologioa quotquot extani omnia.
^"^ Azorii ( Joan.) Inatitutionea moralea. Lugduni, 1610, iur-fl., 3 voi.
448 HISTORIA DA UMIVERSIDADE DE COIMBRA
D. August. opuscula aliquot
Delrius*
Ha algons livrinhos de pouco porte
e alguns prohibidos que podem
ir a Coimbra e ci estSo recoUii-
doB.»
Pelo exame d'este catalogo yS-se que a Liyraria do MoBteiro de
S. Fina das Friestas era especialmente de escriptores jesuìtaB. Esti
ali 0 typo inmioyel de toda a litteratora theologica e juridica^ que em-
bara90u a enirada em Portugal da luz da syntbese cartesiana e do me*
thodo baconiano. Difficilmente poderìa florescer a Universidade na sua
reforma e mudan^a para Coimbra, desde que a atrazada erudÌ9&o me-
dieval fosse restaurada e continuada pelos Jesuitas. No Boi da Livraria
de S'. Fins sSo dignas de reparo as indica93es para a expurga9So de
certos Yolumes: toLguns prohibidos que podem ir a CoinJ>ra.3 O afa-
mado poeta e humanista Doutor Antonio Ferreira, que viu o esplendor
da Universidade sob a influencia dos mestres francezes, lamenta em
urna carta a Vasco da Silyeyra a desgrafada situa9&o em que se en-
contrava a intelligencia em Portugal sob o regimen da censura eccle-
siastica:
Olha 0 medo, senhor, olha oj>erigo
Em qne bum aprite raro e bom se crìa,
Que nem louvor Ihe dSo, nem acba abrìgo.
Escuro e triste foy aquelle dia
Que ao saher e ingenho hujuisfoy dado,
Que iwnca ao cloro sol olhos abria,^
1 Ifartinus Delrìo, Disguitionea magicae, e as outras obras d^este demono-
logista.
' Poemcu iugitanos, Carta zn.
CAPITULO V
IndaBfa da Unlversldade para Coimbra- (1637-1548)
A organisa^fio da Universidade em Coimbra em 1537 sena urna simples madan^a
oa urna nova funda^So? — Condi^oes em que é feita a reforma da Univerei-
dade. — Eatado moral da córte de D. Joào iii revelado nas Instruc^oes da-
das ao nuncio Capodiferro. — Parte das aalaa da Universidade (Theologia,
Linguas latina e grega, Artes e Medicina) ficam até 1544 nos Collegios de
Santa Cruz ; outra parte (Direito civil e canonico, Mathematica, Rhetorica
e Musica) nas casas de D. Garcia de Almeida, k Porta de Belcouce. — Pas-*
Barn 08 estudoB para os pa^os reaes, na cidade alta, que ficam denominados
Pago8 das Escholas. — Os Prìores de Santa Cruz recebem a dignidade de
CancellarioB da Universidade. — Corpo docente convidado por D. JoSo iii
para a Universidade de Coimbra. — 0 governo de D. Agostinho Ribeiro,rei*
ter durante cinco annos. — Periodo brilbante da reitoria de Frei Diogo de
Mur9a, de 1543 a 1554. — Reflexo dos estudos de Louvain em Coimbra. —
Ac92o de Frei Braz de Barros, doutor por Louvain, na reorganisa^io da
Universidade de Coimbra. — Florescencia dos estudos secundarios nos Col-
legios de Santa Cruz.— Os Mouiinhos, ou creados do Prior geral de Santa
Cruz. — Necessidade de promover o ensino de Grammatica da primeira re-
gra. — Mudan^a do anno escbolar do dia de 8am Luca» (15 de outubro) para
o de 8am Remigio (1.° de outubro). — Numero total dos alumnos que fre-
quentavam a Universidade em 1540. — Garantias para os que se v2o graduar
a Coimbra. — 0 Doutor Aspilcueta Navarro. — Disposi^òes legislativas sobre
OS methodos de ensino das Leis e Canones. — Li^oes apontadas segundo o
que se costumava em Salamanca. — Quadro das cadeiras das differentes fa-
culdades, e distribuiamo do servilo pelas cadeiras grandes e catbedrilhas. —
Rendimento da Universidade elevado a 6:500)^000 réis. — Apropria9ao das
rendaa do Prìorado-mór. — Costumes escbolares: Musicas, invectivas, car-
tas, trovas de mal dizer, soi^as. — Os Estudanies pobres e as Ra^vtè cubtrtaa.
— Ab céas dos ezames piivados, e confronto com ob estjlos de Salamanca.
— Entrada dos Jesuitas em Coimbra, sua allicia^So dos estudantes, e ballu-
àlBT. UH. 29
450 mSTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
cina^So que provocam na cidade. — Carta do padre Hermes Poen, de 31 de
julho de 1545. — Funda^So do Collegio daa Artes, e aerilo preponderante do
padre SimSo Rodrigues. — Os Jesuitas proeuram apoderar-se do ensino.
À Uniyersidade de Lisboa^ depois de todas as reformas prepara-
torias^ era finalmente transferida para Coimbra, corno se confirma pela
passagem dos lentes que segairam o novo estabelecimentO; pela con-
8erva9&o dos Estatutos manuelinos revigorados por D. Jofto ni; e pela
entrega do archivo e liyraria. NSo existia soIa9ào de continuidàde; o
Estudo geral, que tivera sède em Lisboa^ fòra por auctoridade real
mudado para Coimbra^ nào devendo portante perder nenhum dos seus
privilegios. Nfto o entenderam assim os casuistas do tempo; para elles,
D. JoSo in fundara uma nova Universidade em Coimbra, sem rela9So
com 0 Estudo geral extincto em Lisboa, e para funccionar devida-
mente carecia de obter a sancgUo pontificia para ahi se darem os gràos
de Theologia e Canones. Vèmos que, apesar de tudo, prevaleceu està
apprehensàOy porque, por alvarà de 28 de novembre do 1537, deter-
mina-se que o reitor D. Agostinho Ribeiro servisse de Cancellario, dando
por sua auctoridade os gràos de Licenciado e Doutor em Leis e Medi-
cina, ficando suspensos os gràos em Canones e Theologia, até que de
Roma fosse concedida a auctorÌ8a9So papaL Passado mais de um anno,
Paulo m concedeu esse poder por bulla de 12 de fevereiro de 1539.
So entZo ficou a Universidade de Coimbra pienamente constituida, ^
realisando-se o pensamento dos que suggeriam a D. JoSo in o incita-
mento para a funda^^o de uma nova Universidade.'
A data da reforma emprehendida por D. JoSo ni parece à pri-
meira vista relacionar este facto com o movimento critico e scientifico
1 A idèa de qne a Uniyersidade de Coimbra era uma nova funda^So, cujos
principioB datavam de 1537, parece predominar na portarla de 30 de maio de 1 H60
que commissionou o Doutor Antonio José Teizeira, lente de mathematica, para
colligìr OS documentos do archivo e coordenal<os para escrever a Historia littera-
ria da Universidade de Coimbra, desde 1631 até ao presente,
* Frei Francisco de Ossuna, em uma dedicatoria a D. JoSo in: «meo decreto
consultius ageret si apad regnam suum crearet aliquam insignem Universitatem»
quam procul dabio eisdem solis expensis manuteret* Qae sustentaria a nova fua-
da^io com os subsidios que dispendia com os estudantes que tinha em Paris. (Vid.
Cenaculo, Mem. hist. do ministerio do pulpito, p. 124.) Fallando da frequencia dog
estudantes portuguezes em Paris, accrescenta o padre Balthazar Telles : «aonde
acudiam os Portuguezes por até entào nSo termos ck Universidade, que introdu-
ziu 0 senhor rei Dom Jo&o in.» (Chron. da Companhia, liv. i, cap. v.)
MUDAN^A DA UNIVERSIDADE 451
da Benascenja; porém a desIoca9So da Universidade de Lisboa para
Coimbra obedecea ao plano de reacfSo religiosa, coine9ando o rei por
afastal-a da corrente das idéas novas que mais facilmente se introdn-
ziam na capital. D. JoSo m seguia o pensamento de Carlos Y, que as-
sim jostificava a per8egaÌ9So aos latheranos : cNSo póde haver repouso,
nem prosperidade aonde nSo houver conformidade de doatrina, assim
comò aprendi por experiencia na Allemanha e em Flandres.» À con-
cordia dos espiritos, resaltante da unanimidade das opiniSes e da mu-
toalidade dos interesses, era considerada comò am prodacto da auctori-
dadcy que impunha pela violencia sanguinaria a abdica9So da conscien-
eia diante da cren9a catholica. Nas Instn^i^es dadas (W Nuncio de 8.
S. que passava a Portugal no reinado de D. JoSo III, Mg/ Q-irolamo
Capodiferro, em 1537, acham-se alIusSes secretas a factos que nos
pintam com c8res de um realismo crù a c6rte de D. JoSo m. Tran-
screvemos algans trechos para que se conheya o meio palaciano, hy-
pocrita e intrigante, onde era impossivel ser avaliado o genio da Re-
nascenga e o espirito das reformas pedagogicas. Di^em as Instrucqdes:
«0 Rey, e ao seu esemplo toda a Nobreza que o cerca, dà gran-
dissimo credito aos Frades; ou seja pela sua diligencia e ambÌ9&o im-
mensa, oa pela negligencia dos Prelados, ou descaido*8eu, tem-se con-
vertido erri tyranuos d'aquelle Rey, jà por via da confissSo, e jd por
via da prèdica.^
«Frei JoSk) Soares, Confessor de El-Rei: é frade de poucas lettras,
mas de grande audacia, ambiciosissimo, de opiniSes pessimas e dara-
mente inimìgo da Sede Apostolica, de que faz profissSo, (e para dizer
n'uma palavra) muito heretico. . . Todos o conhecem por tal, excepto
EI-Rei; por cujo motivo, e porque o frade faz negocios de toda a es-
pecie debaixo do pretexto da confìssalo, todos o respeitam.» Adiante
explica està submisslo do rei ao confessor: «Na ordem de S. Jero-
nymo ha um frade valenciano que se chama Fr. Miguel, reputado ho-
mem de vida optima e independentissimo, e que falla com liberdade a
quem confessa, que é cousa rara entre frades; tanto que, por nSlo querer
absolver El-Rei urna vez, nSo foi chamado mais para o confessar; e
por isso entrou em seu logar o sobredito Frei JoSo Soares, de Santo
Agostinho. 0 infante Dom Luiz pode muito para com El-Rey, por au-
ctoridade que elle mesmo tem tomado quasi violentamente; e o Conde
da Castanheira, pelo grande amor que o rei Ihe tem. 0 Conde é ho-
mem malignissimo ; mas faz profissào de consciencia e santidade, para
^ Ed. de Londres, de 1824, p. 14.
29 «
452 HISTORIÀ DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
86 introdozir por oste meio com os Frades que £Allam a El-Rei conti-
nnamente. O pai do Conde foi traidor e expulso^ e o irmSo mais ve-
Iho.pelo mesmo crime foi publicamente esquartejado*»^
cDizem qae a Rainba de boa vontade toma parte nos negocios, e
quer fazer muitas cousas, e parecer que as faz: he senhora religiosa;
conyem mostrar-lhe e recommendar-lhe sempre os negocios de S. S.
e da Egreja, comò huma pessoa (alem de ser Rainba) santa e temente
a Deus, e sobretudoi fallando com ella, repetir todas as cousas o mais
que for possivel... fazendo sempre men$%o da consciencia, do outro
mondo, e perigo da berezia presente, e censuras da Egreja, e em summa
tado o quo costuma causar modo às senhoras religiosas, sendo dito à
Rainba^ari bastante fructo, o que parece a melbor via e o modo, que
mais convem aos ministros do Papa em todo o tempo, legar e negocio.^
«Portugal està presentemente reduzido a taes termos, que tem
pouquissimas forgas, e o Rey (alem de ser pobrìssimo) tem grandes di-
▼idas dentro e fora do Reino, e grandes interesses a pagar: geralmente
be mal visto do povo, e muito mais na nobreza, nSo por m& indole sua
(que se elle obrasse seguindo os ditames d'ella n2Lo seria assim) mas
pela conducta pessima e pessimos conselbos d'aquelles que o cercam;
e as cousas de Portugal com Franca, pelas differen9as das navega93e8,
e da irmS, (filba da Rainba de FranQa), que os francezes pedem, e
com 0 Imperador por outras paizSes secretas, estSo reduzidas a tal es-
tado, que se teme talvez a sua totalissima ruina. . .^
E curioso 0 motivo do espirito de atrocidade que dirigia a Inqui-
sisco em Portugal; Carlos v exigia o maximo rigor, para que se nào
refugiassem em Portugal os judeus fìigidos de Hespanba, e para que,
OS que abandonassem Portugal se refugiassem nos seus estados de Flan-
dres, recebendo ali dinbeiro d'elles pela tolerancia que Ibes concedia.
Iste affirmam as Instruc^es: <E bom que o Nuncio saiba ainda, que
se diz que o Infante D. Luiz està muito enraivecido a respeito d'està
Inquisisse por Ibe ser assim ordenado pelo Imperador, o qual deseja
que se fasa o mais rigorosa possivel em Portugal, por muitas causas,
entro as quaes sSo as principaes, — que teme que o exemplo de Por-
tugal sirva para reduzir um dia a sua Inquisi^So aos mesmos termos
comò esteve para o ser no tempo de LeSo. . . A outra causa que move
a isso o Imperador, é que a LiquìsisSo de Portugal tira aos Castelba-
^ Instrucgdes, Ed. de Londres, de 1824, p. 16.
« Ibid., p. 46.
3 TUIA « AT
3 Ibid.,p. 47.
MUDAN(A DA UNIVfiRSIDADE 453^
noB aquelle refogio qua tinham quando em Castella erammaltratados,.
e juntamente aquelles que fogem de Portugal, todoB ou por urna vìa^
ou por outra ficam em poder do Imperador. Na Fiandre» ha um numero -
grande, e todos, quando o Imperador precisa, dSo dinbeiro: etc.»^ A
InqaÌ8Ì9So recebeu para este firn teda a 8anc9&o da auctoridade tem^
perai, chegando em Portngal o proprio rei a escreyer urna carta a
D. Fedro de Mascarenhas, confessando-Ihe que bem desejaya ser in-
quisidor. A bulla que instituiu em Portugal a Inquisif&o foi expedida
em 23 de maio de 1536, sondo recebida lego em julho; o infante D.
Henrique, irmSo do rei, foi nomeado inquisidor em 1539, e os Autos
de Fé come9aram em 1540, em 20 de setembro, sondo queimadas vinte
e tres pessoas.
Reformar a Universidade sob o impulso d'està allucina9So fanatica
era separal-a da influencia do humairfsmo da Renascenga. 0 huma-
nismo, pelo conhecimento das linguas classicas e das obras-primas da
antiguidade, favorecia o desenvolvimento da critica comparativa appli-
cada à Biblia e aos Padres da Egreja. Convinha pois reagir centra o
humanismo; as consequencias yiram*se immediatamente. Na resposta
em carta de 26 de julho de 1541 à consulta do Reitor, escre via-se :
cE quanto ao que dizees da folta que ha neasa Universidade nos prin-
dpios da laJtinidade, e que cu devia mandar vir a mi ho mostre JoSo
Femandes eouvil-o sobre iste, vós.o praticae com o dito JoSo Fer-
nandes, e escrevermees ho que Ihe parece que se nisto deve fazer.» Foi
*esta decadencia que provocou entfto em 1547 a introducgSo da nova
corrente humanista franceza, sob a influencia pedagogica dos GouvSas.
O fanatismo, porém, receava que està admiragSo da antiguidade eman*
cipasse OS espiritos da subordinagAo catholica; a Egreja acceitou a im-
POSÌ9&0 dos estudos humanistas, mas apropriou-se d'elles pela institui-
ffto da Companhia de Jesus, destinada exclusivamente ao ensino mèdio,
tornando-se os seus socios os mais disciplinados pedagogos, e assaltando
deliberadamente o governo das Universidades, O estudo das huma-
nidades em Coimbra, reorganisado pelos G-ouvéas, em bem ponce tempo
cahiu sob 0 dominio dos Jesuitas, por està corrente historica que era go-
ral a teda a Europa. Para comprehender as pretendidas reformas uni-
versitarias de D. JoSo in, importa ter presente os dois factos capitaes
dentro dos quaes estSo circumscriptas — o estabelecimento da Inquisì*
9S0 e o predominio absorvente da Companhia de Jesus.
Na trasladagSo da Universidade de Lisboa para Coimbra, D. JoSo m
1 Littruegdu, p. 33.
454 UISTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIHBRA
mandou que contìnuassem a vigorar 08 Estatutos dados por D. Manuel:
«mando que emquanto nam prover essa XTniversidade de novos Està-
tutOBy useeS| e vos rejaes pelos Statutos que foram doB Studos de Lis-
boa, de que tob mando per ho doutor Francisco MendeB ho propria
livro dellcB asBinado por el rei meu senhor e padre que santa gloria
aja.i^ Este alvari, com data de 16 de juiho de 1537, indica-nos o mo-
mento mais activo da reforma da Universidade; porém em 9 de no-
vembre d'esse mesmo anno foi decretado o Begimento de Lentea e Es-
tudant€8j que se póde bem considerar comò um additamento aos Esta-
tutos. As novas dÌ8posÌ9Se8 àcerca de frequencias, exames e gràos su-
scitaram duvidas na pratica, e em resposta à consulta do Jleitor foram
decretados Vinte cinco Capihdos e Respostaa de 8, A. do modo que se
tem no dar do8 gràos e outras cousas, com data de 20 de setembro de
1538.«
NSo havia um pensamento na trasIada^So da Universidade ; todas
as necessidades da nova instalIa(2o foram decretadas em breves prò*
viBSes e alvards, conforme os Reitores reclamavam no meio de con-
stantes hesitafCes. 0 que o rei, ou quem usava a sua auctoridade, mais
insistia era, que se fallasse latim na Universidade de Coimbra, orde-
nando no alvarà de 16 de julho : «E para que os Scholares se costu-
mem a, fallar latim e entendello, ei por bem e mando que os lentes
1 Ob Estatutos authenticos dados por D. Manuel & Universidade e revigora-
dos por D. Joio ni, perderam-se, corno o revelam os Auctores do Compendio his"
iorico: «Tambem estes seguudos Estatutos ou compilalo do senhorrei D.Manuel
cahiram porénì no mumo somidouro do$ aniecedenteé, attestando-o assim o mesmo
Francisco LeitSo Ferreira.» Os Estatutos dados por D. Jolo nz, tambem se per-
deram, corno confessa Figueiróa : «Nem estes Estatutos (refere-se aos de 1592)
nem alguns que se Jkeram anies doa tmpressoe em 1698 e dos actuaes porque se go-
Tema a Universidade, estào n'este Cartono, e a causa deve ser porque para se fo-
zerem os novos, se levaram todos os antigos para Lisboa e n2o se tomaram a re-
stituir, e se poderio achar no Cartono do Tribunal da Mesa da Consclencia.» Nós
tìvemos a fortuna de encontrar em um alfarrabista um grosso volume manuscripto
com lettra do firn do seculo zyiii, em que se acbam nao so os Estatutos de D. Ma-
nuel, corno OS de D. Jo3o ni, compri hendendo os principaes documentoa da tzas-
lada^&o da Universidade para Coimbra até a introducano dos Jesuitas. Em uma
das guardas do Ms. lé-se : Do Principal Ccutro. E por tanto multo naturai que
aquelle erudito se apoderasse do manuscripto esquecido no Tribunal da Mesa da
Consciencia. Sobre estes documentos totalmente desconhecidos é que baseamos a
noBsa historìa pedagogica na primeira metade do seculo iti.
' Bibeiro doB Santos aponta comò tendo sido impressa por Gtorm2o Gkdhardo
uma Ordenanga para os Esiudanies da Universidade de Coimbra, sobre eriadcs,
bestas, trajos e cuiras cousas. 1589. (Mem. de Litteratura, t vin, p. 118 (2.* ed.)
MUDANQA DA UNIVERSIDADE 455
leant em latim snas Ii98e8; e nam leram em linguagemy e assi as con-
ferencias qne os schollares antre si fizerem e pergantas aos lentes e
respostas a ellas que se costumom fazer acabadas as ligoens e todo o
mais que fallarem das portas a dentro das scholas seja em latim^ sem
cousa aJguma falarem em linguagem sob pena do que ho contrario
fezer paguar por cada vez que fallar linguagem ho que ao Rector bem
parecer.»' O isolamento da Universidade para uma cidade de provin-
cia, comò para separal-a do grande movimento das idéas que agitava
a Europa, e o absurdo da imposÌ9So da lingua latina nos cursos e trato
academico desenvqlvendo o pedantismo doutoral, eram circumstancias
que esterilisavam a reforma pedagogica, obrigando o poder real a no-
vas e constantes remodela93es legislativas.
Pelo alvarà de 1 de mar90 de 1537, dirigido aos lenteà, officiaes
e estudantes da Universidade de Coimbra timquanto n&o for degido
Rector para reger esses .studos segundo forma dos statutos delles ou
por minha provisSo» foi nomeado D. Garcia de Àlmeida. D'està data
em diante acabou o principio electivo, continuando os Reitores a se-
rem nomeados por provisSo regia.
Para a accommoda9So das aulas da Universidade em Coimbra,
contava-se com os aposentos dos Collegios de Santa Cruz; eram insuf-
ficientes, e n'esta angustia, o reitor D. Garcia de Àlmeida, que em
1 de mar90 f6ra nomeado pelo rei para dirigir a implanta9So dos es-
tudoB, viu-se for9ado a dividir as Faculdades: nos Cdllegios de Santa
Cruz ficaram as cadeiras de Theologia, Linguas latina e grega, Artes
e Medicina; as cadeiras de Direito civil e canonico, de Mathematica,
Rhetorica e Musica estabeleceram-se temporariamente na residencia
do proprio Eeitor, nas casas sitas d Porta de Belcouce junto ao Arco
da Estrella, (onde depois foi o Collegio dos PP. da Provincia da Con-
ceÌ92lo) come9ando a fìinccionarem em 2 de mar90 de 1537. O poder
do Reitor nSo podia exercer-se no mosteiro de Santa Cruz, onde go-
vernava o reformador Frei Braz de Barros, e d'està fórma era impos-
sivel um regimen serio de disciplina e sem conflictos. Pelas instantes
representa95es do reitor, o rei declarou em 23 de setembro d'esse
mesmo anno que ia dar ordens para a construc9&o de Escolas geraes,
onde ficassem reunidas todas as cadeiras, mandando que provisoria-
mente pàssassem as aulas da residencia do Reitor para os Pa90s reaes,
1 Nos Estatutos da Universidade de Salamanca, de 14 de outubro de 1588,
vem : Os leitores hào deltrem UUim, e nSo fallario em romance senio para referi-
lem alguma lei do rei, ezcepto o de Grammatica de menores, Archeologia e Musica.
456 HISTORU DA imiYERSIDADE DE COIMBRA
eque ficaram sendo desde entfto os Pdgoa dcu EbcoIcu, onde ainda hoje
està a sède principal da Universidade. § ^ A incorporayfto dos estudos,
que estavam nas Escolas de Santa Cruz, na Universidade, nfto se con*
seguiu facilmentei sendo preciso fazer determinadas concessSes ao
Mosteiro.
Quando se fez a mudan9a da Universidade para Coimbrai as Es-
cholas permaneceram desde 1537 até 1544 junto do Mosteiro de Santa
CruZ| passando depois para os Pa9os do rei, na cidade alta. Da pri-
m^ira sède da Universidade junto do Mosteiro de Santa Cruz, escreve
D. Nicolào de Santa Maria: «Para iste mandou edificar junto ao Mos*
teiro de Santa Cruz deus polidos e concertados CoUegios coin suas
aulas, urna i mSo direita do Mosteiro e outro k esquerda, e a razSo
que moveo a El rei em p8r a Universidade n'aquelle sitio tam junto
ao MosteirO; tSo observante e reformado corno o de Santa Cruz, foi
para que os estudantes aprendessem j untamente Letras e virtudes. . .
O primeiro d'estes Collegios tinha ciuco aulas, ou geraes ladrilhados
e mui bem forrados de bdrdo com suas cadeiras para os Mestres feitas
por grande arte; e n'este Collegio se liam as Ii93e8 de Theclogia es-
peculativa e moral, e da sagrada Escriptura e sagrados Canone». O
segundo Collegio se chamava de S. Joào Baptista, e tinha outras tantas
aulas e cadeiras, em que se liam as Leiè^ Medicina e Mathematica. As
Artes, Bhetorica e Chammatica, e Linguas de Chrego e Hebraico se
liam no Collegio de Todos os Santos.» * Os dois Collegios das Escholas
maiores denominavam-se de 8. Jo9jo Baptista e de Santo Agostinho.
Acerca da construc9So d'estes Collegios é curiosa a carta de D. JoSo in
ao Prior geral D. Manuel de Araujo, datada de 9 de fevereiro de 1537 :
cPrìor Crasteiro. Eu Eirei vos envio multo saudar. Vi a carta
que me escrevestes c3 o debuxo que me enviastes d'essa obra dos
EstudoSy com os apontamentos em que vem a declarafSLo da largura e
altura das paredes, e grandura dos portaes das aulas e Geraes de
Theclogia, Canones, Leis e Medicina; agrade9o-Tos a diligencia c3 que
estas obras se fizeram, que tudo procede de vesso bom zelo e animo
virtuoso. Eu sempre fiz fundamento, quando mandei fazer esses Es-
tudos de assentar ahi Universidade e Escolas geraes, pelo sentir assi
Ber mais servilo de Deus e bS de mous vassallos; e por que os Lentes
que ora vSo pera come9arem a ler Theologia, Canones, Leis e Medi-
cina, hfto de Ber nessa cidade por todo este mez de Fevereiro, pera
1 Villar ÌCaior, Estpoti^ mooinia, etc, p. 54.
2 D. NioolAo de Santa Maria, Ckrmdòa do» Begrantes, Liv. x, p. 998.
MUDANQA DA UNIVERSIDADE 457
come^arem a ler em 1 de Mar^o que ora yeni; mandareis preparar
esaes Geraes com cadeiras pera os ditos Lentes, e bancos pera os £^-
tudantes, e tudo o mais que for necessario. E as Artes se lerfto n'esse
vesso Collegio de Todos oa Santos. E por que pera o Regimento dessa
Universidade he necessario haver Reytor, corno em todas as oatras
Universidades, o qual ao presente qSo pode ser por eleÌ9llo, eu encarrego
ora d'este cargo o Reitor D. G-arcia de Almeiday e a Nicolào LeitSo
vai ProvisSo do Cardeal mea muito amado e prezado irmSo, pera pa-
gar aos ditos lentes daa rendas do Priorado mór d'esse Mosteiro. An-
rique da Mota a fez em E vera, aos 9 de Fevereiro do anno de 1537.
Rey.» *
Na Descripjfto do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra mandada
ao Papa Paulo ili em 1540, ^ falla-se da anima$2Lo que reinava nos
novos esludos: cSobre este terreirO| em altura de quatro degr&os, està
um tavoleiro ladrilhado de pedras quadradas, e cercado de grades de
ferroy sobre o qual estSo formadas as bases do soberbo portai da ma-
gestade e Torres e Igreja do dito Mosteiro. Em este tavoleiro ha
;grande concurso de Estudantes, que continuamente confirem entro si,
huns em Grammatica, outros em Rhetoricaj outros em Logica e Phi-
losopkia, outros em Santa Theologia, outros em a Medicina ^ da vida
e saude humana reparadora; e a todos he oprobrìo falar salvo em a
lingua Latina ou Grega. Estes estudantes saem comò enxames de abe-
Ihas de deus polidos e concertados Collegios, que osti um & dextra,
outro & sestra d'esse Mosteiro, e nSo era pequeno ornamento seu.
D'estes Collegios o primeiro se diz de 3. Agostinho pay dos Conegos
regulares, e o segundo de S. Joào Bautista; sSk) as Aulas ou Gcraes,
em elles, dez, ladrilhados e forrados e providos de cathedras muy
artificiosas.» * Na Carta de D. JoSo in, de 15 de dezembro de 1539,
em que dà aos Priores geraes de Santa Cruz a dignidade de Cancel-
larios da Universidade, comò compensammo pela cedencia dos Collegios,
diz: ce pela dita maneira bei por unidos e incorporadoa os ditoa Col-
legios com a dita Universidade; e mando que d'aqui em diante todo
aeja e se chame htla Univerjsidade, e todos juntamente hajam e gozem
1 Ap. D. Nicol&o, Op» cU.f Liv. x, p. 294.
2 Sousa Viterbo. 0 mosteiro de Santa Cruz de Coimbra^ Annota^es e Do-
eumentoB.
3 Em Carta de 16 de Janeiro de 1538 manda D. Jo&o in, qae a Medicina se
lésse nos Collegios de Santa Cruz, pela rela^So qne està sdencia tem com as Artes,
* Chron, dos Regr,, Lit. vii, p. 89.
458 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIBfBRA
de huns mesmos prìvilegios, assi dos que aie aqui Ihe sSo concedidos^
corno de todos os que ao diante se concederem i dita Universidade.i ^
0 desenvolvimento do corpo escholar perturbava o recolhimento e clau-
sura dos Regrantes, e o Prior goral D. Diooisio, entSo Cancellano da Uni-
yersidade, escreveu a D. JoSo m pedindo*lhe para passar a Universi*
dade dos estudos para a cidade alta para os Pa90s d'£l-rei. D. JoSo m
attendeu-o em carta de 22 de outubro de 1544, escripta de Evora.
DespoYoou-se o Collegio de S. Agostinho; conservando apenas para
memoria uma aula onde os Theologos faziam acto de Augustiniana e
1 Dom Joào por gra^ de Dece Rej de Portugal e dos Algarves d*4quem e
d'além mar em Africa, Senhor de Guiné e da Conquista, navega^So e commercio
de Ethiopia, Arabia, Persia e da India. A qnantos està minha Carta virem, fa90
saber, que considerando eu corno em o Mosteiro de Santa Cruz de Coimlira jazem
OS corpos do Reys de gloriosa memoria, a t»aber : del-Rey Dom Affonso Henriques
e del-Rey Dom Sancho seu filho, prìmeiros Rcys d'este Beyno de Portugal; e
bem as0Ì havendo respeito ao dito Mosteiro ser ora por minha ordenan^ tambem
reformado, e estar em tanta obeervancia, e se fazer em elle tanto servilo a Nosso
Senhor, e em os Collegìos que em elle mandei fazer, tanto frncto e proveito de
meuB Beynos e Senhorios, em as Linguas, Artes e Theologia, pelas quaes coueas
recebendo eu multo prazer e contentamento.
E querendo acrescentar, honrar e fazer mercé ao dito Mosteiro de meu pn>-
prio motu hei por bem e me praz fazer mercé, comò de feito fa^o ao Prior do dito
Mosteiro e Geral da Congrega9ao que ora he, e pelle tempo for, do Officio de Can-
cellarlo da Universidade da dita Cidade de Coimbra, do qual officio Ihe fa^o mercé
com todas as honras e privil^os, antecedendas, preferencias e prerogativas, com
que o tiverito e d*elle uzarSo sempre os Cancellarios, que foram em està Cidade
de Lisboa até o tempo que d*ella mudei os estudos pera a dita Cidade de Coimbra.
£ por està mando ao Reytor, Lentes, Conselheiros, Deputados e Estudantes
da dita Universidade, que ora sÌo, e ao diante forem, que hajam pelle sobredito
modo o dito Prior, que bora he, e aos que pelo tempo forem por Cancellarlo da
dita Universidade ; e que todos os gràos de Licen^as, Doctorados, e Magisterios
se dem pelo dito Cancellarlo em o dito Mosteiro, onde se farSo os ezames; e os
ditos grioB se dar£o pela Bulla e Privilegio concedido & dita Universidade pelo
Santo Padre a minha instancia em Theologia, e Canones ; e em Leis, Medicina e
Artes se derio sempre por minha auctoridade, comò até ao presente se darlo, se-
gundo a forma de meu Regimento e Estatutos da Universidade. Dos quaes grios
o dito Cancellario passare Cartas em fórma aos graduados, com declaraySo da an-
toridade por que foram dados expressa nas ditas Cartas feitas pollo escrivSo da
Universidade e assinadas por elle dito Cancellario.
£ mando que das portas a dentro do dito Mosteiro, e da sua Capella de S.
Joao, e de todos os seos Collegios, a saber do Collegio de S. Joào, e do Collegio
de Santo Ago$ttnho, e do Collegio de Todoe oe Santoe, o dito Padre Cancellario
haja e tenha teda a jurisdic^o em os Mestres, estudantes e officiaes que em elles
lerem, estudarem e servirem. A qual jurisdi^io se entender& em os Mestres so.
MUDANgA DA UNIVERSIDADE 459
de QuocUibetoSj e no Collegio de S. JoSo ficou ama aula para Artes^
qua 80 liam aos conegos. ^
Por carta de 22 de outabro de 1544, ordenou D. JoSo lu, em
conformidade com o pedido da UniverBidade; que os lentes dos Col-
legios de Santa Cruz foBsem ler aos pajos reaes, nSo bavendo differenjaa
entro os estudantes, ficando todos sob a auctoridade do Reitor.
VejamoB corno se estabeleceu o quadro docente das Faculdades,
quando a Universidade comeyou a funccionar em Coimbra* Para a Fa-
culdade de Theologia vieram os seguintes Lentes:
Cadeira de Prima: Doutor Affonao do Prado; veiu de Alcaldi
sondo mais tarde Reitor da Universidade.
Cadeira de Vespera: Doutor Francisco de Monson, pela Univer-
sidade de Alcal&i mestre em Artes; lèra em Lisboa, em cuja sé tinha
o beneficio de uma conezia doutoral. D. JoSo m mandou que passasse
mente em o que tocar &8 li^ene, e faltas dos lentes, e em o fazer dos ezercicios
6 disputas, e em as horas que hSo de lér, e em Ihes dar as licen^as pera irem
fora, e pera lerem outros por elles, e em Ihes mandar pagar seus salarìos, e em os
mandar multar em elles, quando em as sobreditae cousas Ihe forem deeobcdientes.
E em OS estudantes e CoUegiaes em Ihes dar licen9aB, e em os reprebender e
emendar, quando forem escandalosos, mal eneinados ou desbonestoe, e em as
cousas que dfio torva^So a bem estudar. Porem se algum commetter algum crime
dentro em os ditos Collegios, ou quizer demandar outro judicialmente, ou fazer
Gousa por que seja necessario fazer d*elle justi^a, ao Conservador pertencerà a tal
jurìsdicySo, scudo Leigos, e se fcrem RelìgioBos, ou Clerigos de Ordens sacras, per--
tencerà a seus Prelados : e mando que das portas a fora do dito Mosteiro, Capella
e Collegios, o dito Cancellano nSo tenba jurisdi^So algua em os sobreditos Mes-
tres, estudantes e officiaes, mas ficarà toda ao Reytor e Conservador da dita Uni-
versidade.
£ quando acontecer o dito Conccllarìo ser ausente, ou ter outro impedimento,
tenba suas vezes em o dito officio aquelle Religioso que as tiver em a goveman^a
do dito Mosteiro, e pella dita maneira bei por unidos e incorporados os ditos Col-
legios com a dita Universidade ; e mando que daqui em diante todo seja e se
cbame bua Universidade, e todos juntamente bajam, e gozem de buns mesmos pri*
vilegios, assi dos que até qui Ibe sSo concedidos, comò de todos os que ao diante
se concederem à dita Universidade. E por està mando aos ditos Cancellarìos,
Reytor, Conservador, Lentes, Conselbeiros, Deputados e a todos os outros offi«
ciaes da dita Universidade, que sem embargo algum que a elio ponbam, guardem
todas as cousas sobreditas, assi, e per aguiza que aqui hecontbeudo, por que assi
be minba mercé, e por certeza d elio mandei passar està minba carta. Dada em a
Cidade de Lisboa, aos 15 dias do mez de Dezembro. Anrique da Mota a fez. Anno
do Nascimento de N. Senbor Jesu Cbristo, de 1589 annos. Hey.» (Apud D. Ni-
coIAo de Santa Maria, Chronica dos BegrarUea^ Liv. vix, cap. 14, p. 55.)
1 Ibidem, p. 89.
460 HISTORIA DA UMVERSIDADE DE GOIMBRA
a reger a Cadeira de Escriptura^ transferindo para a de Vespeca Frei
Martinho de Ledesma, frade dominicano do mosteiro de Santo Estevam
de Salamanca, e ao qaal prohibiu o ensino particolar no Bea Collegio
de S. Thomaz. Ledesma foi deputado do Santo Officio de Coimbra, e
lente de prima na faculdade de Theologia.
Cadeira de Ter9a: Mestre Frei Joào Pedraza, dominicano.
Àlém d'estes lentes, vieram tambem Frei OuUherme Oomertj para
a cathedra de Theologia, e Frei Antonio de Affomeca, doutor pela Uni-
yersidade de Paris, dominicano, para urna cathedra de Escrìptura, ob<
quaes regeram por poaco tempo.
Sob 0 goyerno do activo reitor Frei Diego de Mur9a, doutor por
Louvain, mandou o rei vir de Paris, para lerem na Faculdade de Theo-
logia, 08 doutores:
Marcos Eomeiro, para lér Escrìptura, passando depois para a de
yespera de Theologia.
Payo Bodrigues de VUlarinhOj para lér Testamento Novo, sondo
mais tarde Principal do Collegio Recd pelo fallecimento de André de
Gouvéa.
Dora Damiào veiu tambem de Paris para a Faculdade de Theolo-
gia, onde leu até Ì^4À,
Para a Faculdade de Canones:
Cadeira de Prima: o Licenciado Francisco Codhoj Desembargador
de Aggravos, voltando para Lisboa lego que em 1538 o Doutor Mar-
tinho AspUcueta Navarro veiu de Salamanca, onde Ha havia sete an-
nos, para Coimbra, por influencia de Carlos v.
O Bacharel Manuel Vaz (de Andrade).
Sob o governo do reitor D. Frei Bernardo da Cruz, para a:
Cadeira de Vespera: Joào Peruchio de Mogrovyo,^ que ensinava
em Salamanca, sendo licenciado, e recebendo o gr&o de doutor em
Coimbra.
Cathedrilha: Doutor Bartholomeu FUippe, simples bacharel, rece-
bendo 0 grào de doutor em Coimbra, e passando para a regencia de
Decreto.
1 D. Jo2o de Mogfrovejo estudoa em 8alamaaca Jurìspradencia, corno oolle-
gial de S. Salvador de Oviedo, recebendo a beca em 29 de setembro de 1689; de«
pois de ser lente em Coimbra, por convite de D. JoSo nz, acceiton da Universi-
dade de Salamanca a cathedra de Prima de Leia e ama Coneaia dontoral, fidle-
cendo em 1566. (Yidal j Dias, Memoria historioa da Univtmdadt de Salamaiwt
p. 463.)
MUDAN^A DA UNIVERSIDADE 46 1
Para a Faculdade de Leis:
Cadeira de Prima: o Doutor Gongolo Vaz Finto, que regia na Uni-
versidade de Lisboa havia trinta annos, e era do Desembargo do Pa90.
Cadeira de Vespera: o Doutor Lopo da Costa (ia utroque jure),
lea por poaco tempo.
Cadeira de Ter^a: o bacharel Antonio Dias, que se doutorou de-
pois.
Cadeira de Codigo: Manud da Costa, o Sutil; veiu de Salamanca,
por onde era bacharel, e cà se doutorou, regressando mais tarde para
a sua antiga Universidade. ^ ,
Cadeira de Sexto : o Licenciado por Salamanca Luiz de AlarcSo,
castelhano, que se doutorou em Coimbra.
Vieram mais quatro bachareis de Salamanca para quatro cadeiras
de Leis, sondo ao todo quatro lentes de Canones e sete de Leis.
E sob 0 governo do reitor D. Agostinho, vieram para:
Vespera de Leis: Antonio Soares, licenciado por Salamanca; ci
tomou 0 grào de doutor e foi lente de Prima.
Doutor Gongolo Rodrigues de Santa Cruz, castelbano, tendo lido
na Universidade de Lisboa, onde se graduara.
Dovior Ayres Pinhel, bacharel por Salamanca; doutorou-se cà;
seguiu as cadeiras de Leis até à de Vespera, regressando para Sala-
manca.
Sob 0 governo do reitor Frei Diego de Murya, vieram para està
Faculdade:
Cadeira de Prima : Fabio Arcaa de Namia (Amania), doutor in
utroque; veiu de Soma contractado pelo salario de 360i9KXX) réis, e para
casas 22i9iOOO réis.
Cadeira de Vespera: Ascanio Escotto, doutor in utroque, sondo
por vezes vice-Cancellario.
1 D'aste Manuel da Costa le- se na Memoria historica da Universidade de
Salamanca^ por Vidal j Dias, p. 433 : «rComeQou desde muito crian9a o estudo do
Direito na Universidade de Salamanca, sob os auspicios da imperatriz D. Isabel,
mulher de Carlos y, e tfob a direc^ào de Martin de Aspilcueta. Tomou-se lente
distincto de Direito na Universidade de Coimbra, e tendo vagado a cathedra de
Prima da dita faculdade na Eschola de Salamanca fez oppo8Ì9ào a ella com o ce-
lebre Leon Pinelo, e o Clanstro d'està Universidade, em vista do estraordinario
merito de ambos os opposi tores, concordon, centra o que entSo se praticava, con-
servar a ambos comò professores da cathedra de Prima de Direito civil.» Todas as
suas pttblìca^òes foram incorporadas em um tomo, impresso em Salamanca em
1582.
462 iOSTORIÀ DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Consta que eram dezoito os lentes de Leis^ caja lista se completa
com 08 segnintes nomes:
Luiz de Qastro Pacheco, lente de Decreto.
Doutor Luiz da Guarda, lente de Institata.
Bachard Rodriguo Alves, idem.
Bachard Bastiào Bemaldes, id.
Bachard Antonio Roiz, id.
Licenciado Alvaro do Quintal, Cathedrilla de Decreto.
Doutor Manuel Vaz (passou de C^nones).
Braz de Alvide.
Para a Faculdàde de Medicina:
Cadeira de Prima: o Doutor Henrique de Oudlar, portuguez.
Cadeira de Vespera: o Doutor Thomaz Rodrigues da Veiga, av6
do afamado procurador da corda Thomé Pinheiro da Veiga.
Doutor Antonio Barbosa, qae recebeu o grào j& em Coimbra.
Doutor Luiz Nunes, nas mesmas circumstancias.
Sob 0 governo de D. Frei Diego de Murfa^ vieram para a vaga da:
Cadeira de Prima: o Doutor Diogo ou Rodrigo Reynoso,
Cadeira de Àvicena: o Doutor Francisco Franco, valenciano.
Cadeira de Anatfaomia e Sargia: Affonso Rodrigues de Gfuevara,
licenciado por Sigaen9a; recebendo em Coimbra o gr&o de doutor.
Cadeira de Galeno e de Aristoteles (em grego) Antonio Luiz (o
Doutor Luiz Grego).
Para a cadeira de Mathematica:
O Doutor Fedro Nunes, mostre do Infante D. Luiz, doutor em
Medicina, lente em Lisboa (1530) de Logica, e depois de Metaphysica*
Falta aqui o quadro docente da Faculdàde de Àrtes; essa direc-
9&0 ficou entregue ao mosteiro de Santa Cruz, em cujos CoUegios se
ensinaram até & organisayllo do Collegio real.
e . . . nSo havia parte em Coimbra, em que podessem lèr-se todas
as sciencias juntas^ por ser grande o numero de Mestres e ouvintes em
todas ellas. Liam-se Canones, Leis e Medicina nos Pajos reaes da Ci-
dade, depois de mudadas para ella estas faculdades das casas de D.
Garcia de Almeida; Theologia, Artes e Humanidades nos CoUegios de
S. Joào e Santo Agostinho, junto ao Mosteiro de S. Cruz; e no anno
1544 por carta do mesmo Rei (D. Jofto in) de 22 de outubro se man-
darlo ler todas as sciencias, que se liam nos ditos Colle^os, nos Pa(Os
da Universidade, pela inquieta98o que o Padre Reformador Fr. Braz
MUDAN(A DÀ UNIVERSIDADE 463
de Barros julgoa causava a visinhan^a dos CoUegios e leitaras pabli-
caa àquella observantissima Casa.» ^
Depois do governo de D. Garcia de Àlmeida, mestre do infante
D. Daarte^ e veder do prìncipe D. Jofto, segaia-se-lhe ainda n'esse
mesmo anno^ por nomea^So règia, o prìmeiro Bispo de Àngra, D. Agos-
tinho Ribeiro, que teve outras dignidades ecclesiasticas, taes corno Bispo
de Lamego e govemador do bispado do Porto. Està mudanya é indi-
cativa da preoccupafSo em que andava o fanatico monarcha, pensando
em entregar o governo da Universidade à auctoridade episcopal, corno
garantia da orthodoxia das doutrìnas alli professadas. Amedrontava-o
a corrente humanista. 0 governo de D. Agostinho Ribeiro duron cince
annos e sete mezes, periodo em que se encerram os trabalhos de in-
stalla$io e oi^anisa$So da Universidade de Coimbra. D. Agostinho re-
nanciou o bispado de Lamego, recolhendo-se corno simples frade ao
convento de S. Bento de Enxobregas, obedecendo ao seu caracter mais
ascetico do que pedagogico. D. JoSo ili nomeou reitor em 1543 D .
Bernardo, bispo de S. Thomé, que n&o chegoa a tomar posse do cargo,
sendo substituido por Frei Diego de Mar9a, doutor em Theologia pela
Universidade de Louvain, e antigo mestre do infante D. Duarte. Lé-se
no alvari de 5 de novembre de 1543: «por eu encarregar dom ber-
nardo bispo de sam thomé em cousas de 8ervÌ90 de Deus, e meu, e
nSLo poder ir servir de Rector d'essa Universidade de que o tinha en-
carregado, confiando eu das virtudes e prudencia do padre Frei Diego
de Mur9a, mestre em theologia, que n'isso servirà comò convem a ser-
VÌ90 de Deus e bem da dita Universidade pela experìencia que d'elle
tenho em outros carguos de que foi encarreguado, ho encarreguei ora
de rector da dita Universidade come verès pela provisSo minha que
vos sera mostrada.» Frei Diego de Mur9a frequentara a Universidade
de Louvain na grande època da impIanta9SLo dos. estudos humanistas,
e dava pertanto garantias de imprìmir à sua direc9So uma superiorì-
dade tendente a collocar a Universidade de Coimbra a par das melho-
res Universidades estrangeiras. O governo de Frei Diogo de Murga
durou doze annos, os quaes correspondem à època mais gloriosa da
Universidade de Coimbra; era elle o unico reitor capaz de p8r em obra
0 plano de reformas pedagogicas de Frei Braz de Barros, tambem gra-
duado pela Universidade de Louvain, porque ambos comprehendiam
as necessidades mentaes da Renascen9a. Por fim, a ab6orp9So dos Je-
1 Dr. Silva Leal, CoUeQ. de Doc e Mem, da Acad. de Hist, 1733, p. 476.
464 HISTORIÀ DÀ imiVERSIDADE DE GOIMBRA
Buitas, que se apoderarani do animo de D. JoSo lu, deBgostara o rei-
ter Frei Diogo de Mur9a, que se refugiou das perfidias da Companhia
no Bea mosteìro de Refoios de Basto. À sua retirada foi urna verda-
deira calamidade, e um comego de decadencia da Universidade de
Coimbra.
Ob estudoB menores ou secundarios que existiam no mosteiro de
Santa Cruz ficaram ainda independentes do governo da Universidade:
e por quanto no que teca aos Collegios de Santa Cruz entenderà ho pa-
dre frei Braz de Bragua (Barros) govemador do dito moesteiro.» A in-
corporagSo d'estes Collegios na Universidade^ pouco depois, fez-se pela
concessSo da dignidade de Cancellano da Universidade aos Friores-
móres de Santa Cruz de Coimbra^ e do privilegio dos gràos serem con-
feridos com todo o apparato no mesmo mosteiro. Na carta règia de 29
de dezembro de 1540, estatue-se: «e por fazer mercé e honra ao moes-
teiro de Santa Cruz dessa cidade, bei por bem que o priol crasteiro
delle que ora he, e pollo tempo for, seja Cancellario dcssa Universi-
dade, e que todollos gràos de licongas, doctorados e magisterios que se
em ella ouverem de dar em todas as sciencias e faculdades se d£m no
dito moesteiro, onde se faram os exames e os ditos gràos se deram ...»
Depois de definir os poderes do Cancellano, termina a carta: <E assi
me praz unir e encorporar os ditos Collegios aa dita Universidade pera
que tudo seja huu corpo e bua Universidade segundo mais comprìda-
mente na dita carta se contem. . . » A carta a que se allude foi trazida
para Santa Cruz por Frei Braz de Barros: ce ho padre frei Braz que
ora là vai e leva outra tal carta, comò a que envio à Universidade ...»
Em carta règia ao reitor, datada de 25 de Janeiro de 1545, oonbece-se
que houve alguma difficuldade n'esta incorporagSo : «vi a carta que me
escrevestes, e quanto ao que dizeis que vistes là bua carta minha em
que se contém as mercés e bonras que ora fiz aos Collegios do Moes*
teiro de Santa Cruz, eu ho fiz tanto por fazer mercS a essa Universi-
dade corno aos ditos Collegios e assi estaa manifesto se bem quizer
olbar, e folguarei que tanto que acabardcB de assentar com o padre
frei Braz ho modo em que essas cousas bS de ficar pera se escusarem
paixoens ao diante come na dita carta dizees, me enviees ho que nisso
ambos fizerdes e assentardes, por que folgarei de ho ver.» A florescen-
cia doB èstudos secundarioB nas EscholaB de Santa Cruz fez com que
a Universidade alcaufasse um epbemero vigor na sua transplantagSo
para Coimbra; pelo alvarà de 29 de dezembro de 1540 os exames fei-
toB no moBteiro valiam para os gràos da Universidade: caos que estu-
dam e lem nos Collegios do dito Mosteiro de Santa Cruz que se qui-
MUDANgA DA UNIVERSIDADE 465
zerem graduar de Bacharees, lecenceados oa doutores e mestres, se
faram os exàmes na forma e modo que se ora fazem pelo Regimento
qne nos ditos Collegios tem, e assi ei por bem de encorporar os ditos
Collegios, lentes e studantes delles em essa Universìdade e que todo
seja hSu corpo e hSa Universidade, e os lentes e studantes delles guo-
zem dos mesmos privilegios de que guozam os da Universidade e se-
jam regidos e guovemados pollos statutos e Regimentos da Universi-
dade . . . » O primeiro Cancellano da Universidade de Coimbra foi o
prior goral de Santa Cruz, D. Bento de CamSes, eleito em 5 de maio
de 1539; ei'a irmSo de SimSo Vaz de CamSes, que casara em Santa-
rem, e cujo filho, Luiz de CamSes (hachard latino), o futuro èpico da
nossa nacionalidade, frequentava entSo os estudos da Universidade.
Alguns dos professores das Escholas de Santa Cruz, corno Mes-
tre Fedro Henriques e Mestre Gon9alo Alvares, doutorados pela Uni-
versidade de Paris, passaram a ensinar grego e hebraico na nova Uni-
versidade.
Pela Chronica dos Conegos regrantes, de D. Nicolào de Santa Ma-
ria, se conhece a organisa^So dos Collegios de Santa Cruz, desde o des-
envolvimento que receberam em 1527,. pela iniciativa de Frei Braz de
Barros, reformador d'aquella congrega9&o. A nobreza de Portugal man-
dava OS filhos para o Collegio de Som Migriel (dos Roxos), dentro do
mosteiro, para a parte do norte, junto das torres. Os creados do Prior
goral de Santa Cruz continuavam ainda a tradifSo dos antigos Mousi-
nhos: «sSo de ordinario doze em numero, dormem juntos em dormitorio
e comem em seu refeitorio apartados dos outros creados, e tem à meza
uma Li(So cantada, servem o Mosteiro até saberem Latim, para o que
tem mostre que Ihes dà IÌ9S0 -duas vezes ao dia. Depois que sabem
Latim OS vestem de baeta e Ihes dBo casas fora do Mosteiro, e raySo
todos 08 dias para estudarem na Universidade.»^ Em consequencia da
incorporaySo dos Collegios na Universidade, deixaram os alumnos de
occupar o mosteiro em 1544. As outras ordens monasticas tambem tra-
taram de fundar em Coimbra os seus Collegios junto da Universidade,
systema que prevaleceu até 1834. Nos dois Collegios junto do mosteiro
de Santa Cruz, que tinham side fuùdados para o ensino de Artes e Hu-
manidades, passou a ensinar-se, no de Santo Agostinho, Theologia es-
peculativa e moral, Escriptura sagrada e Canones; no de Sam JoSo
Battista, estabeleceram-se cince aulas para Leis, Medicina e Mathema-
tica. No Collegio de Todos os Santos (dos Pardos) ensinavam-se Artes,
1 D. Nicolào de' Santa Maria, Chronica dos Regrantes, Liv. vii, p. 53.
HI8T. UH. 30
466 HISTORIÀ DÀ UNIVERSIDADE DE COIHBRA
Bhetorica e Grammatica grega e hebraica; a Arte de Latim, de D. Ma-
ximo de Soasa, e o Vocabtdario de Orego e Hehraico, de D. Heliodoro
de Paiva, adoptados no ensino, eram impressos na typographia do pro-
prio mosteiro de Santa Cmz^ em 1532 e 1535. Em carta de 4 de jolho
de 1541, responde o rei ayarias perguntas do Reitor: cEm quanto ao
que dizees da falta que hi ha da primeira regra de Q-rammatìca por
ChristovSbo d'Abrea mestre della ter muitos acholares, eu tenho ora
previde doutros deus mestres que hamde comeQar a ler o primeiro dia
d'octubro deste presente anno nas casas que o Cancellario jà pera isso
tem ordenado.»
À actividade escholar lego no primeiro anno da traslada^So da
Universidade para Coimbra é difficil de estabelecer, porque no seu Ar-
chivo apenas existem fragmentos de rela9&o de alguns cursos que se
referem a 1537. ELa porém noticias de 1540, que nos interessam bas-
tante. Gabriel Pereira, que inventariou o archivo da Universidade, in-
forma-nos: «Folheando um dos grossos tomos dos Autoa e Provas, de-
parei com um grupo completo de relaySes de matriculados relativo à
segunda ter9a (o anno lectivo dividia-se em ter9a8) de 1540, sob o ti-
tulo Matricula hujua almae colibriensis Uhiversitatis in natali Sancii
Remigii feticiter incepit. ^ Contando os nomes de taes rela95es forme!
a seguinte statìstica:
Theologia 15
Canonistas 142
Legistarum institutariorum ^ 66
Codecistas 68
Legistas 129
Medicos 10
Dialecticos, 25
Philosophos 10
I Primeira regra 30
Segunda regra 37
Terceira regra 6
Grammaticos de Lopo Galeguo 8
RhetoricoB 48
Medicos (segundo) 18
"612 «
1 O anno escholar comeQava em dia de S. Lucob (15 de outubro), e em 1530
mudou-se para o dia de 8. Remigio (1 de outubro).
> Boktim da Sodedade de Geograpfna, de Liòboa, 2.» seri^, n.» 2, p. 119 (1880).
MUDANgA DA UNIYERSIDADE 467
Vejamos corno se desenVolvea a freqaencia dos escholares na Uni-
Versidade, em grande parte jà provocada pela conoorrencia da moci*
dade aristocratica aos Collegios de Santa Cruz de Coimbra.
Na reforma da Universidade houve em vista o pensamento da cen*
tralÌBa9So do ensino^ invalidando os gràos tomados nas Universidades
estrangeiras; no alvari de 18 de jolho de 1538 estabelece D. JoSo ni:
«hei por bem por o aver assi por mea servilo e bem d'essa Universi-
dade, que OS Schoiares qae se qaizerem gradoar de bachareis, e de-
pois de terem feitos seas carsos e lido saas lÌ9oens nessa Universidade
se forem graduar em outros Studos, nam gozem em meus reinos e se-
nhorios das honras e liberdades do dito gr&o. E assi bei por bem que
OS bacharees que se forem fazer lecenceados em outros studos depois
de terem hi feitos seus cursos e repetÌ98e3 nam gozem dos prìvilegios
e liberdades dos lecenciados nos ditos meus reinos e senhorios, etc.»
D. Jo2o m avocava & Universidade de Coimbra ps priviiegios que na
Edade mèdia se arrogaram as Universidades de Paris e Bolonhai e de-
pois Oxford e Orleans, que so reconheciam os gr&os por ellas conferi-
dos, e exigiam novo exame aos graduados n'outras Universidades. Era,
porém, tarde quando D. JoSo ni quiz impor este centralismo ; nas Uni-
versidades estrangeiras, em Hespanha, Italia e Fran9a, brilhavam alum-
nos e mestres portuguezes, que por està disposÌ9So n2o pensariam mais
em regressar a Portugal. Em outro alvarà, de 5 de novembre de 1539,
ha uma concessSo para que os que cursaram outras Universidades fos-
sem graduar-se em Ooimbra: ceu ei por bem que os studantes cane-
nistas que teverem comprìdo seus cursos em Salamanqua os nam obri-
guem a ouvir Instituta e se fagam bacharees posto que a liam tenham
ouvida. — E por que sam enformado que algnns Bacharees que vieram
de Salamanqua e assi outros schoiares estS nessa cidade sem ir aas
schoUas, e dizem que se vem hi reculher pera cumprir o tempo dos
annos contheudos em meu Regimento, ho que nUo bei por bem, vos
encommendo e mando que com estes se guardo o que he decrarado no
Statuto no titulo dos cursos e autos, ho qual diz que todo o studante
que estiver na Universidade oufa lÌ9am de prima da sciencia em que
for graduado, e nfto o comprindo assi que nSo guoze do privilegio do
studo, nem Ihe aproveitem os cursos que fizer, etc«» No alvari de 13
de abril de 1538 responde-se à consulta do reitor, sobre o que se deve
fazer àcerca dos estrangeiros que entSo concorreram a tornar grio em
Coimbra: evi a carta que me escrevestes S que dizees que a essa Uni-
versidade vem alguns Bacharees feitos em outros studos para se gra-
duarem & sufficiencia, comò ora dizees que he vindo bum, e tendes du-
30*
468 HISTORU DÀ UNIYERSIDADB DE COIMBRA
Tida se noe taaes bacharees que assi tS de fora se bade guardar o ipeu
Begimento per que mando que os iecenceados se fa9am juntos e per
primeiro e segundo luguar e que se de as taes licengas de dous eii^
dous annos. Eu ei por bem que ho dito Regimento se guardo nos que
vierem doutros studos assi comò se bade guardar nos que cursam nessa
Uniyersidadei por que doutra maneira seria perjuizo dos que cursas*
som nesses studos e teriam os que vem de fora melbor condigam que
08 filbos da Universidade. — E aos que vierem doutros studos pera se
graduarem de Iecenceados levarselbe ba S conta os cursos de lectura
que teyerem feitos nos ditos studos e assi as repetÌ98es se as em elles
jà feitas teverem, etc.» As precedencias que competem aos graduados
em Universidades estrangeiras foram estabelecidas no alvarà de 27 de
setembro de 1540: eque aos mestres doutores e Iecenceados doutras
Universidades Ibes seja dado luguar nos autos pubrìcos que n'essa Uni-
versidade se fizerem abaixo dos da Universidade segundo seus gr&os
e antiguidades.» Para a matrìcula da Universidade admittia-se a prova
testemunbal da frequencia em Universidades estrangeiras, comò se ve
por està disposigZo do alvarà de 3 de novembre de 1539: ce quanto,
aos studantes que ora vieram e daqui por diante vierem de Salaman-
qua oa doutras Universidades, que non trazerem certidoens pubricas
dos annos e tempos que nas ditas Universidades cursaram, ei por bem
que dando elles provas per testemunhas que per direito abaste pera
prova dos ditos cursos, Ibe seja recebida e os cursos que provarem
Ihe sejam levados em conta e sejam avidos corno se os em essa Uni-
versidade tiveram cursado ...»
Na reforma de 1537 foram chamados lentes estrangeiros, sondo
equiparados nos grios aos da Universidade de Lisboa ou de Coimbra
segundo suas antiguidades; assim no alvarà de 2 de novembre de 1537
estabelece-se: cei por bem por algumas justas causas que a isso me
movem e por julgar de fazer grafa e mercé aos letrados que vierem
de outras Universidades a ler cadeiras nessa Universidade, pera que
com melbor vontade venham, que os lentes que lerem na dita Univer-
sidade de Coimbra cadeiras snas com salairo se guardem os privile-
gios, preeminencias e precedencias dos gràos que teveram segundo as
sciencias e fietculdades em que forem graduados, e suas antiguidades
corno for direito, sondo graduados em Universidade de Studo goral, e
que OS nZo precedam os graduados na Universidade que foi de Lisboa
ou de Coimbra. • . » Na resposta a uma consulta do reitor, datada de
Lisboa em 16 de maio de 1538| estabelece-se mais: ce quanto ao que
me escrevees sobre os Ihutore$ feitoè em Lerida e outras semelhante»
MUDANgA DA UNIYERSIDADE 469
Universidades, eu hei por bem qae assi estes de Lerìda corno todoUos
outros feitos em oatras Universidades se precedam hans aos ontros se-
gando as antig^idadeji de seus grios, tirando os qae forem feitos em
Lisboa e nessa Universidade de Coimbra, por qae nestes se goardaraa
o Statato.»
D. JoSo m tratoa de chamar professores estrangeirosy conceden*
do-Ihes excepcionaes privilegios. L@-se no alvari de 7 de dezembro de
1538: cea provi ora da cadeira de Canones dessa Universidade ao doa-
tor Martim de Aspilcaeta, segando vemos pelas provisoens minhas qae
vos elle mostraraa, e por qae ea qaeria qae elle nessa Universidade
recebesse todo favor e gaasalho; segando saa bondade e letras, e ho.
desejo com qae me vem servir merecem : vos encamendo maito que Ihe
fayaes todo favor e bom gaasalhado qae poder ser e nam consintaes
Ihe ser feito nenhSa sem rezam^ nem coasa de qae elle deva receber
desprazer. E porqae ao tempo qae se fez a provisam dos lentes depa*
tados fieoa ha laguar vagao pera ea depois prover, ei por bem qae
elle seja ho dito lente previde. E assi vos encamendo qae des ordem
corno 0 dito doator seja bem aponsentado e em bom lagaar em qaanto
se consertam huas casas qae ea Ihe mando dar pera sea apoasenta-
mento, encamendovos que o fafaes assi. E agradecervos ei multo ter-
des modo comò nenhum lente dessa Universidade tenha com elle d^-
ferengas nos assentos e precedencias e oras de lectara, pois elle per
direito precede aos outros lentes legistas e canonistas que nessa Uni-
versidade leem nos ditos assentos e precedencias de seus gràos.» No
alvarà de 7 de Janeiro de 1539 allude-se à posse do Doutor Aspilcueta
Navarro: «vi a carta que me escrevestes em que me dais coAta da che-
gada do doctor Navarro, a essa cidade e de comò foi bem apousen-
tado e do gaasalhado que o Bispo Ihe fez eu ouve dello prazer e vos
aguardeyo multo ho que por vessa parte fizestes e assi folguei por es-
tarem tam conformes elle e ho doctor G*.® Vaz; encomendovos que te-
nhaes lembran9a de fazer conservar està amisade quanto em vos for.»
Està circumstancia da boa amisade entro os dois lentes contrasta com
0 que se le no alvarà de 23 de setembro de 1538^ em que se relata
que «aas vezes acontece os lentes nas lÌ98es que 18m e nos autos pu-
bricos que se fazem dizerem palavras de que os outros lentes ou le-
trados que nos ditos autos estS presentes recebem escandalo^ e assi os
ditos lentes nas li^oUs que li se poi a contar historias fora da materia
da ligS S que guasta ho tempo sem provetto ei por bS que ho lente que
cada huua das ditas cousas fezer por cada vez perqua ho ordenado da
lift daquelle dia, e se for em outro auto tftbS perqua ho ordenado da
4 70 HISTORIA DA UNnERSlDADfi DE C0IM6RÀ
li{S de hnfi dia. Notificovolo assi e mando que mandees ao bedel que
lite aponte as ditas perdas dos ditos ordenados. . •» Foi notificado no
conselho dos lentes em 10 de ontubro, e justifica a minuciosa regola-
inenta9So dcerca das disciplinas de cada corso.
Em varias dÌ8po8Ì9Se8 legaes de 1539 encontramoB indicados corno
lentes de Instìtata o Dr. Luiz da Guarda e os BachareÌB Rodrìgno Al^
ues, Bastilo Bemaldes e Antonio Roiz; nas cadeiras pequenas de De»
creio apontam-86 corno lentes o Lieenciado Alvaro do Quintal, o Dr.
Manuel Vaz; Dr. Bertholameu Philippe e Braz de Alvide; o Dr. An*
ionio Soares era lente da cadeira de yespera de LeU,
SSo immensamente curiosas as disposigSes legislativas de 1539
sobre os cursos de Digesto Yelho e Instituta^ e sobre o modo de en-
sinar ou lér os Canones e as Leis; come^amos por transcrever a carta
de 31 de Janeiro de 1539: cReverendo Bispo Rector amiguo; eu el-
Rei vos enyio mnito saudar. Eu sam enformado que os lentes das ca-
deiras pequenas dessa Uniyersidade assi das Decretaea comò Codigo^
Dijesto Velho e Institutay que devem ler a passar, comò decrarar os
textos e grossas e seus entendimentos sem mais materia, se detém em
ler materias e em quererem mostrar suas sufficiencias, ho que é grande
perda dos ouvintes; pollo qual vos encomendo que pratiquees isto em
Qonseiho e provejaes nisso e assinees a cada hSu dos ditos lentes cor-
tes livros ou titulos que ajam de passar, e ter passados ao cabo do
anno, sob pena de perderem a derradeira ter9a; e assi Ihe mandae que
passem egualmente todo o anno e nSo se dètenham aguora no princi-
pio do anno e depois queiram passar tanto que nflo fa9& fruito nem de-
crarem ho necessario. E os livros ou titulos que a cada hfiu se assi-
narem seram aquelles que elles possom passar e gue se cosiumam as-
sinar em Salamanqua ^ e em outras Universidades aos lentes de cadei-
ras pequenas pera passarem em hi!u anno, e tambem aos lentes das
cadeiras grandes se assinarà ho que se sóe e costuma assinar nas ditas
Universidades para haverem de passar em huu anno e nam passando
cada huu ho que Ihe for assinado n& Ihe sera pagua a derradeira
tersa, salvo mostrando a vos e ao conselho justa causa...» Està mesma
1 Tra&screvemoB sobre este ponto parte dos titulos dos Eatatntos da Uni-
versidade de Salamanca, approvados em Claustro pieno de 14 de ontnbro de 1&88:
«Tit zn. lo qne an de leer los quatro catedraticos de catedras menores de
Gaiioiixs:
«£n el primer alio un Catedratico hade leer desde el titnlo de eansUtutiani-
MUDANCA DA UNIVERSIDADE 471
disposifSo foi refor^ada por outra carta règia de 31 de agosto de 1 540.
A intervenfSo do poder real chegava i extrema regalamenta(8o dos
horarioB das cadeiras e dos methodos dos lentes, corno se y@ pela carta
règia oa Ordenan9a de 12 de setembro de 1539; é um documento da
maxima importancia, porqne nos retrata a vida escholar e pedagogica
na Universidade nos primeiros annos da sua traslada^So : caveraa qua-
tro lentes de Institùta, e leraa cada hiiu huu bora cada dia; dous le-
ram pela menbaft e dous aa tarde, e estes quati*o lentes passarBo cada
anno os quatro livros da Instìtuta, e bo Rector e Conselbeiros no co-
medo do anno Ibe repartirSo bo que cada hiiu ouver de ler, em modo
que todos acabem de ler os ditos quatro livros da Instituta em cada buu
anno, e os quatro lentes que ei por bem que este anno leftm, «sam bo
Doctor Luiz da Guarda, que leraa pela menbaS do principio do studo
até a pascoa das nove boras aas dez, e da pascoa até fim do anno das
outo boras aas nove. E o Bacbarel Rodriguo Alves leraa pela menbaà
do principio do studo até pascoa das dez aas onze, e da pascoa até fim
do anno das nove aas dez. E o Bacbarel BastiS Bemaldes leraa aa tarde
bue hasta el de offi, de leg. esclusive : el otre desde el titillo de ojffi. de leg» basta
el fin del primer libro. Los otros dos Catedraticos en el diebo ailo leeran, el uno
el segando libro desde el principio basta el titolo de Jld. inairu, y el otro desde
este basta el fin.
«El segundo afio ban de leer un Catedratico el tercer libro basta el titolo de
tepuL, y otro desde este titulo basta el fin; otro Catedratico leera el un coarto li-
bro el titolo de trU. exeomu, y de verb. fig, y de reg. jurie, y el otro desde el prin-
cipio del libro qointo basta el titolo de sent, exeo.
«Tit XIII. corno an de leer los catedraticos de Codigo:
«Se leerà en tres afios de la forma siguìeute: en el primer afio on Catedra-
tico lèerà los libros primero y segundo, y otro tercero y noveno ; en el segundo
uno leerà el coarto, y otro el sesto, y en el tercer a2o ono leerà el qointo y el sé-
ptimo basta el titolo de apell, y otro desde este titolo basta el fin del octavo libro.
«lit. zrv. de lo qoe an de leer los catedraticos de Instituta :
«La an de leer en on afio, on Catedratico el libro primero y segando, y otro
el tercero y coarto.
«lit. ZY. de lo qoe ade leer el catedratieo de Digesto nsoo :
«Se leera en coatro afios: £1 primero de iustUia etjure de U. de offi* eiua
todo el segondo de procur. de neg. gestis de eo quod metus eausa, de dolo ex quibus
eauèÌ8 matorea, £1 segando afio de iudi. in offi testa, de peti. her. ai pars Aer. pet-
de rei. ven. de publiei de usujr. de usu et habit. £1 tercero las servidombres famUie
her. comuni divid, ad exhibendum. el doodecimo libro. El coarto, Comodali pignor,
aeti, prò sofia, mand. eonir. erup. preser. ver, locati, iure dot. donati, inter vinim et
uxorem.
flit. zvi. de las liciones eztraordinarias :
472 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
do principio do studo atee pascoa das doas aas trez, e da pascoa atee
firn do anno das trez aas quatro. E o Bacharel Antonio Roiz leraa a
tarde do principio do studo atee pascoa das quatro aas dnquOy e da
pascoa até firn do anno das cinque aas seis; as quaes li^oens lerS to-
das em huS casa que ho Rector pera isso Ihes ordenaraa, e ho man-
damento que ham d'aver levam decrarado per outras minhas provi-
soens, e estes quatro lentes lerSo a passar na forma seguinte:
cItS, pori 0 caso por inteiro ho mais breve e craramente que pò-
derem e diram a duvida que se perguntou ao que fes a lei, e dirft huft
soo rezS principal ou fundamento per que parecia ho contrairo do que
se determinou, e dirS loguo corno se determinou o contrairo do que pa-
recia e^darJL a rez& principal e fundamental per que se assi determi-
noU| e iste tudo brevemente sem allegar textos ou grossas mais que huu
ou dou8| e se parecer necessario maiormente pera os principiantes^ po-
nha-se o caso duas vezes, e lego lerS e decrararSo a letra com os vo-
cabulos que aas vezes sam escuros, e depois disto decrarar&o comò o
summarìo se tira do texto e se em alguS das grossas se tocarem as
«Los que no siendo Catedraticos quieren leer leccioncB estraordinarias se
bande ajustar à lo estabeleddo:
«Si Ics de Catedrilhas de Canones leyeren el libro primero j segundo de
DeeretaUa, Ics Lectores estraordinarios leeran Ics otros tres libros ; y si de Cate-
dra se leyeren estos, Ics estraordinarios lean el prìmero y segando, guard&ndose
el mismo orden en las lecturas de Codigo.
«Los Canonistas, bajo la pena de perder curso, no han de oir en Ics dos prì-
meros aiios mas que Decreto y Decretalea; el tercero Sexto j Clementinas, y el cuarto
Itietituta; y del mismo modo los Legista» solo oir&n el primer aiio InMtiUUOf f\ se-
gundo Codigo, y el tercero Codigo y Digesto»,
«Tit. zYiii. de lo que an de leer los catedraticos de Teologia y medicina, y
filo»ofia ncUural y moraZ y corno han de oyr en estas faculdades :
«Los Catedraticos de Teologia de Prima e Vesperas leeran los quatro libros
de las Sentendo»; el de Biblia leerà un aflo del Nuevo Testamento, y otro del
viejo, y el de parte» de Santo Tom&s, asi comò el do E»coto solo de dictos autores.
«El Catedratico de prima de Medicina leerà la parte de Avicena que la mayo-
ria de los oyentes le pediere.
«£1 catedratico de Filo»ofia naturai leeri este tratado y el de Metafisica de
Aristotelesy y el de MorcU, la Etica, PoUtica e Canonica del mismo autor.
«Dispone para la Catedra de SuvMiku el testo de Fedro Hispano, e para la
de Logica el de Àristoteles.»
(Yidal y Dias, Memoria hi»toriea da Univer»ìdade de Salamanoaf p. 71.)
MUDANgA DA UNIYERSIDADE 473
diificuldades do entendimento do texto e do verdadeiro sammarìo, guar-
darlo a decrara9fto do entendimento do texto pera quando a lerem, no-
tarlo ho texto nos princìpaes notados pera que ho notem os doutores
cu pera que ao lente parecer sem se deterem nas materias dos nota-
dos, e sem alleguar mais que duas ou tres cotas t>u similes, e iste feito
loguo lerSo as grossas, e sé nas grossas se nSo tocarem as difficulda-
des do entendimento do texto, ho lente tirado o summario do texto
fiindallo-a per deus outros fundamentos ou motivos breves que colheraa
do que os doctores dizem ou a elle parecer, e responderaa a deus ou
trez dos principaes contrairos que ho dito entendimento do summario
tever, e quando Ihe parecer outro entendimento milhor que o do sum-
mario dilo ha per o dito modo sem se deter em poer mais contrairos
nem mais fundamentos de dous ou trez dos principios, e sem resar mais
de duas ou trez cotas pera cada cousa, e acabado de tirar o summario
comò dito he, tirarà os notados do texto, na forma acima dita, e aca-
bados lerft as grossas, e nS se deterS em decrarar todas as ditas gros-
sas mas soomente as que forem de pezo e substancia, e as outras pas-
sarlo breve e summariamente, e nio curarlo de decrarar todas as ma-
terias que as grossas tocam, mas soomente no principal que notam ou
perguntam ou opp5e, nem curarlo de induzir os textos similes que as
grossas alleguam pera provar as opinioens ou os de que oppoem, mas
soomente induzirlo hu ou dous dos principios, e approvarlo ou repro-
varlo as opinioens das grossas dizendo brevemente isto se reprova per
08 doctores, nomeando dous ou trez dos que aprovam ou reprovam,
dizendo hu ou dous fundamentos per que se aprova ou reprova, e nio
mais com hua ou duas cotas e passarlo loguo sem mais opinioens de
doctores nem mais materias- a outro texto.» 0 curso da Instituta era
obrigatorio para a frequencia do Direito canonico e civil, com excep9lo
dos clerigos de ordens sacras, beneficiados ou theologos; os eschola-
res eram «obriguados levar seus livros pera ouvirem as lijoens com
OS seus livros diante.»
E tambem importante o Regimento de 13 de outubro de 1539,
estabelecendo .0 modo que se ade ter no lev Cananee e Lete; n'elle se
repetem as mesmas indica93es pedagocicas sobre a apre8enta9lo dos
casos, glosas da lei e opiniSes dos doutores. Transcrevemos as passa-
gens mais accentuadamente historicas: cOrdeno que d'aqui por diante
aja na dita Universidade as lÌ9oens de Canones seguintes, a saber, hul
IÌ9I de prima, a qual leraa 0 dottor Navarro pela menhi aas horas
acostumadas, que si no inverno das sete e mea atee as nove, e no vera
das seis e mea atee as cito.
474 HISTORIÀ DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
altem averaa huS IÌ92 de vespera que se leraa no inverno daa
tres horas aas quatro, e no verSo das quatro aas cinque^ a qual leraa
0 lente que eu pera isso ordenar per outra minha provisSo. Os quaes
lentes assi de prima corno de vespera leraS sete meses prìmeiros nas
Decretaea e deus mezes logo seguintes no Sexto, e o decimo mez nas
Crementinas os titulos que pelo Rector e Conselheiros forem ordena-
dos. . .» Quanto ao modo de professar, manda que declarem bem os
textos e*glo8as d'elles cem modo que os textos com suas materias fi-
quem bem entendidos e decrarados, dizendo sobre isso ho necessario
do que os doutores escreverSo e do que mais os lentes por seus bons
engenbos e trabalhos poderem ader. . • E quando lerem slgumas ma-
terias ou questSes em que ha opinioens, studemnas em suas casas mui
bem; em modo que vam em ellas resolutos pera averem de ler e se
poderem resolver na parte que Ihes parecer verdadeira, e nS curarem
de guastar 0 tempo em referir muitas opinioens dos doctores. • . »
«E averaa huSl lifft de Decreto, que se leraa pela menhS no in-
verno das nove horas aas dez, e no verft das dito aas nove, a qual le-
raa ho lente que eu nomearei per outra minha provisXo . . • Item, averaa
quatro cadeiras pequenas, as quaes lerSo os lentes seguintes, a saber,
ho lecenceado Alvaro do Quintal, do meu dezembargo, leraa huft IÌ9S0
pela menhB, das dez aas onze no inverno, e das nove aas dez no ve-
r&o. E 0 doctor Manuel Vaz leraa outra IÌ9&0 aa tarde da huS aas duas
no inverno e no verft das duas aas trez. E 0 doutor Bertolameu Phi"
lippe leraa outra lÌ9ft aa tarde das duas aas trez no inverno, e no verS
das trez aas quatro ; e Braz d'Alvide leraa outra liyft das quatro aas
cinque no inverno, e das cinque aas seis no verS aa tarde. Os quaes
quatro lentes lerSo os sete mezes prìmeiros das Decretaes e os deus
seguintes do Sexto e 0 decimo mez das Crementinas os titulos que 0
Rector e os conselheiros Ihe assinarem, avendo respeito que hS de ler
a passar. • .» Em carta règia de 26 de julho de 1541 determinam-se
OS titulos que se devem ler nas cadeiras de Instìtuta, Leia e Canones,
concluindo: aeu ei por be que todas as cadeiras d'essa Universidade
syS avidas por peguenasy e fa^ft suas concrusoens, tirando as quatro
decraradas que o Regimento manda que repitam e assi ei por bem que
aas cadeiras pequenas se assine ho que h& de ler corno aas outras grS-
des e que agora se assine loguo pera ho anno que vS e di endiante...»
Depois d'estas disposigSes legislativas sobre 0 methodo do ensino
na Universidade, importa conhecer o schema goral das disciplinas pro-
fessadas em cada Faculdade, e ^ sua distrìbuigSo correlativa ou theo-
rìca:
MUDAN^A DA UNITERSIDADE 475
Quadro das disciplinas na Universidade
Facnldada de Theologia
Cadeira de Prima: Mtétrt da» SenUnqa:
» Vespera : A» Parte» de Sam Thomaz.
• Ter^a: Ewrìptwra.
> Noa: EsooTo.
(Constituiam ae chamadas Cadeiras maiores ou Cathedras.^)
1 — DURAHDO.
Cathedrilhas temporarias de 3 aimos { 2 — Eseripiura (Velho e Novo Testamento).
3— Sam Thoxàs.
Facnldade de Canones
Cadeira de Prima : Decretae».
» Vespera: Deoretae».
9 Ter^a: Decreto.
• Noa : Sexto da» Decretae».
Cathedrilhas : 1 — Decretae».
» 2 — Clementina».
Facnldade de Leis
Cadeira de Prima: Esforgado.^
a Vespera : Dige»to naw>.
» Ter^a : Digesto velho.
» Noa: Codigo.
Catbedrilhas : 1 — Codigo.
9 2 — In»tituta.
Facnldade de Medicina
/ Tegne de Galeuo ) »
l T^ 1 . ^ .. [nosSannos.
De loci» afectte )
Cadeira de Prima { De morbo et Symptomatae, no é.^
De differeniii» Febrium, no h.^
De 8ifnplicUm»f no 6.*
1 D*aqni o nóme de Cathedratico ao lente efPectivo ou proprietario.
' Vide, Bobre està disialo do Digesto, p. 70.
476
HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Aphorwnos de Hippogràtsb.
^ - . . ^ ,0 nono ad àlxaksobbic.
Cadeira de Vespera < -. .. . ^ j rr
'^ • ^ De rcUtone victtu de Hippoobatbs.
Blpidemias e Progno$ticoB.
Cadeira de Aticbma.
> » Noa: Anatomia.
Cathedrilha de Galeno.
1.* anno
(Logica)
2.^ anno
(PhiloBophia naturai)
d.« anno
(Idem)
4.<> anno
(Pliilosophia moral)
Facnldade de Artes
Isagoge ou Introduogào.
Predicaveis de Pbophtrio.
Pred%camento9.
Perihermeneias de Abibtoteles.
Priore» de Akibtotblbs.
Posteriore».
Topicoa.
Elenco».
6 lib. de Physioa de Abzstoteles.
2 lib. de Phynca (De Coelo).
Metaphysioa.
Meteoro».
Parva naturalia de Abibtoteles.
De Generatione.
De Anima.
Ethieaa.
/.* e 2.* de Sam Thoicae.
1 anno
Mathematica
EUCLIOBB,
Tratado da Esphera.
Theorica dos Pianeta».
cEm sea tempo lia-se Euclidea, o Tratado da Esphera e a Theo-
rica dos Planetas. O eatudo da Geometria pareceu entSo fundamental
para todas as sciencias, que se mandou que elle precedesse ao da Lo-
gica, corno se coUige da Ora9So latina de Belchior Belliago, o que muito
acredita a sabedoria da reforma litterarìa d'aqaelles tempos.i (Allude
à Ora9So De disciplinarum omnium Studile, impressa em 1548.) Ape-
nas havia urna cadeira para a Mathematica, subsidiando-se nove de
Theologia, sete de Canones, oito de Leis, seis de Medicina, cince de
Linguas e quatro de Artes. ^
1 Ribeiro dos Santos, Memoria» de LiUeratura da Aeademia, t. vm, p. 178.
MUDANQA DA UNIVERSIDADE 477
Os rendìmentos da Universidade de Coimbra foram augmentados
generosamente por D. JoSo m, que separou as rendas do Priorado-
mór de Santa Cruz, incorporando-lh'as na sua receìta, e obtendo de
Paolo III, em 1543, as letras da penitenciaria, para a reduc$ào do en-
cargo das misaas em favor da Universidade. Para està reduc9So acei-
tou Paulo in o fondamento dos grandes salarios que se pagavam aos
lentes estrangeiros que o rei attrahira a Portugal. Gabriel Pereira, no
exame que fez do Archivo da Universidade de Coimbra, diz que che-
gou a ter cnos primeiros annos da segunda metade do seculo xvi uma
receita de 6:500^000 réis, e so SrOOOfJOOO de despeza, quantia muito
avultada para aquelle tempo; estacionando depois (no que respeita i
fazenda) e sofirendo mesmo no tempo do dominio hespanbol uma ex-
ploraj^Lo systematica na sua fazenda, nos seus cofres e nos dos estabe-
lecimentos ou instituijSes annexas. . • j>^ D. Jo&o iil nSo olhava a des-
pezas para sustentar o esplendor da Universidade, a ponto de se achar
em um documento de 1542, citado por Frei Luiz de Sousa, um pro-
testo directo: cConsta que os gastos da Universidade tiraram dema-
siadamente polla fazenda real, e disse avia queùcas, por sobejarem es-
tudantes e faltarem soldados,^^
Cabe aqui apontar alguns costumes escholares que se procuraram
introduzir na mudanga da Universidade para Coimbra. Pelo alvarà de
26 de agosto de 1538 prohibiu-se aos estudantes eque nSo tragam pu-
nhal nem dagua.i Pelo alvarà de 20 de julho de 1539 vé-se eque al-
guns studantes dessa universidade nom esguardando o que cumpre a
serviyo de Deus e meu e aa honestidade de suas pessoas andam de
noite com armas fazendo musicoa e outros autos nSo mui honestos por
essa cidade do que se segue escandalo aos cidadaons e moradores e
pouqua authoridade e honrra aa universidade . . . i Estes costumes ainda
hoje persistem sob o nome de tro^. Pelo alvarà de 23 de setembro
1 Catalogo doè Fergaminhos do Cartario da Univerndade de Coimbra, p. 127.
— . . . «pera a Universidade de Coimbra appHcou b6 o dito Pontifice (Paulo m) das
rendas do Priorado-Móry trez mil duzentos e smooenta cruzados.» (D. Nicolào de
Santa Maria) Chronioa doè JRegranteè^ Liv. z, p. 292. Bolla de Paulo ni, de 8 de
jonho de 1545.) No emtanto o reitor Fr. Diego de Mur^a apoderoa-se para a Uni-
versidade de todas as rendas do Priorado-mór, havendo um prolongado litigio en»
tre o Mosteiro de Santa Cruz e a Universidade, que dnrou até 1606, em que Phi-
lippe m mandou ao Mosteiro que desistisse do seu direito, e recebesse annual-
mente da Universidade 200jf 000 de juro perpetuo, por Provisfto de 80 de setem-
bro de 1606. {Ibidem, p. 293.)
2 Apud Atmaei de D. Joào JJI, p. 404.
478 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE G0IM6RA
de 1539 vèmos ern que consistia a troga dentro das aulas: calgans
studantes nS esgaardando ho qae compre a sea habito e aa sua honra
desses studos por algSas leves causas que os a isso movem estando nas
scholas ouvindo os lentes, pateam com os pés e batem com os tmt^ros
(WS que vSo tarde a ouvir e a outros.i Pelo alvar& de 25 de novembro
de 1539 v§-Be que ji na Universìdade figorava um grande edbuia cha-
mado Araujo: cea sam enformado que h3 atadante dessa aniversidade
que se chama Araujo he homem que nam vive honestamente nem studa^
corno deve fazer e despende mal o que Ihe seu pai daa, e porque isto
além de ser perda pera elle he mao esemplo pera os outros encomendo
que ho mandees chamar e amoestai e aconselhai que se emende e stude
corno bom studante deve fazer, por que nam se emendando eu prove-
rei nisso comò ouver por bem e mandarci que naS estee no studo, nem
na cidade.» As trovas satyrìcas e invectivas insultuosas nos gràos dos
doutorandos chegaram a prQvocar uma prohibijSo severa pelo alvar&
de 1 de julho de 1541 : «Eu eirei fa90 saber a vós lecenceado EstevaS
Nogueìra, conservador da universidade de Coimbra, que eu hei por
. bem e me praz que quando se pozerem algumas invectivas ou cartas
ou trovas de mal dizer aas portas das scholas que sejam defamatorias
contra alguas pessoas, que possaes tirar devassa sobre quem as taes
invectivas^ cartas ou trovas fez e assi sobre quem as pos nas ditas
schollasy e achando alguas pessoas culpadas as prenderees e procede-
rees contra ellas comò vos parecer ja3tÌ9a. . . i As cantigas latinas dos
goliardos sSo o tjpo d'este genero de litteratura das escholas; umas das
mais celebres trovas que correram em Coimbra no seculo xvi foram
as que se intitularam da ctUilada, dirigidas a D. Guiomar Nunes, filha
do lente e cosmographo-mór Fedro Nunes. ' Em carta règia de 4 de
julho de 154X prohibem-se as soigas dos estudantes : cquanto aa soiga
multo Gustosa que alguns studantes este anno fizerS de que vos escan*
dalizastes por nSo ser cousa de studantes, ei por bem avendo respeito
ao que dizees que se nam fa9a mais e vós Ihe defendee.i Pela època
da prohibigfto se infere que a soiqa seria o divertimento por occasiSo
do ponto, que ainda hoje se pratica, e a que se di o nome de tocar as
kUas, O typo do Estudante póbre ainda conservou no seculo xvi o seu
antigo caracter medieval; depois que a Universidade se mudou para
Coimbra, D. JoSo ili mandou que vinte e quatro ragSes que distribuia
0 Mosteiro de Santa Cruz por intengSo do seu fundador S. Theotonio
1 Vide Candaneiro popìdar, p. 205.
MUDANgA DA UNIYERSIDADE 479
foBsem exolusivamente applicadas a aaxiliar eatudantes pobres, conser-
vando a mesma inten9fto; oste coatume ainda persistìa no seculo xvii.
Transcrevemoa as palavraa de D. Nicolào de Santa Maria: eque se or-
denou qae eataa 24 ra93ea ae deaaem pela meama ten9So a 24 Estu-
dantes pobres e de bona ,coatames pera eatudarem na Univeraidade,
corno hoje em dia ae faz, e de maitoa aabemoa que com eata ra9So que
vem buscar & portarla, nfio aó eatudaram, maa tambem ae graduaram
na dita Univeraidade, e vieram a aer Dezembargadorea e Julgadorea
delrey, e Avogadoa haa prìncipaea cidadea.»^ Entro aa rendaa do moa-
teiro de S. JoSo daa Conegaa, que D. Jo&o ili mandou applicar para
a suatentagào do Collegio de S. Paulo, figurava A renda do pào das
raqZes cubertas, aaaai chamadaa, diz D. Nicolào de Santa Maria^ por-
que em tempo doa Prìorea mórea . . . ae punham duaa ra98ea na meaa
principal e traveaaa do Refeitorio, ambaa cubertas, além da que ae pu-
nha para o Prior Mór corner; e pera eata§ ra986s ae ama9avam todoa
OS dias doua alqueirea de trigo, de que aó ae faziSo 14 pSea, 7 pera
cada ragào cuberta, que ae davSo acabada a meaa a pobrea honradoa,
hua ra9So em nome delRey, e outra em noine do Prìor Mór. E ainda
estas ra^ks cubertas ae pozerSo na mesa do Refeitorìo a El rei D. JoSo ili,
quando veiu a Coimbra, e pouzou em S. Cruz no anno de 1550, e elle
aa deacobriu pera vèr oa paea, e tomou de bum dellea bua fatia, e
mandou dar tudo o maia aoa pobrea. » * Entro oa costumes do seculo xvi
que ainda hoje peraistem na Univeraidade é o de dar um beberete aoa
lentes no exame prìvado; D. JoSo ili prohibira «que oa lecenceadoa
noa examea privadoa na3 deaaem céas, e aomente deaaem conaoadaa
pera fazerem menoa gaatoa naa taea conaoadaa, ae Ihe accrecenta ora
mais deapeza peliaa muitaa fruitas que dS, e oa doutorea que eatam aoa
ditos examea ficam mal contentes por Ihes nSo darem de. cear, e que-
rendo a isso prover, ei por bem que oa lecenceadoa de de cear no cabo
dos examea privadoa aoa doutorea que a isao forem preaentea, e fica-
ram desobriguadoa daa conaoadaa, e porS nam daram maia iguarìaa que
hua galinha ou perdiz aaaada a cada doutor e ate duaa fruitaa hSa na
entrada e outra na aahida, e ae for dia de peacado darS bua aoo igua-
na de peacado e duaa fruitaa comò dito he.»^ Maia ou menoa ainda
1 D. Nicol&o de Santa Maria, Chranioa dos Eegrantee, Liv. vii, p. 64.
* Ibidem, Liv. x, p. 333.
3 Nos EstatutOB da Univeraidade de Salamanca, approvados em 1538, esta-
belece-se aa propinas que o graduado tem de aatisfazer aos examinadores : «£1
que se vuelve de examinar sea obligado a dar a cada uno de Ics examinadores
480 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
soffremos no nosso doutoramento em 1 868 està explora9fto regularisada
por D. JoSLo ni por alvarà de 2 de setembro de 1539. Foi eete espi*
rito de estabilidade e conservantismo qae ob Jesuitas ezploraram quando,
para se apoderarem do movimento humanista da Renascen9a, se apoia-
ram nas Universidades.
NSo trataremos n'este logar da forma9So historica da Companhia
de JesoS; que apparece no meado do secalo xvi sjstematisando a re-
ac^So contra a dis8olu9&o do regimen catholico-feudal. No meio da acti-
yidade dos novos estados em Coimbra, surgem ali algans socios da
recente Companhia, perturbando o espirito popular com hallucinadas
devofSes, captando para o seu instituto os filhos da prìncipal nobreza,
e fundando um Collegio, que pretendia rivalisar com os florescentes
CoUegios de S^nta Cruz. Està nota discordante nas reformas pedago-
gicas de D. JoSo in precisa ser relatada rapidamente, para que se com-
prebenda a marcha dos acontecimentos. Fiado na auctoridade scienti-
fica e moral do Doutor Diogo de Gouvéa, o celebre Principal do Col-
legio de Santa Barbara, D. Jo&o ni, pretendendo educar a mocidade
fidalga da sua cSrte, convidou para isso algans membros da Compa-
nhia de Jesus. ^ O pensamento das missSes da India, com que o rei
se preoccupava, levara tambem o embaixador em Roma, D. Fedro de
doctores o maestres que presentes fueren de su faculdad dos doblas de cabe^a o
castellanoB j una hacha y una caia de diacitron y una libra de confites y tres pa-
res de gallinas : y por quel tiempo es largo del examen quel dicho licenciado la
noche dei examen sea oblìgado a dar una cena con tanto que no sea obligado a
dar mas de una perdiz o pollo o dos tortolas y una escudilla de manjar bianco y
una fruta antes : y otra despues y su vino y pan. La qual cena se de en el mismo
logar del examen al tiempo que al maestre eeicuela y doctores pareciere: y de mas
desto no se pue'da dar otra cosa alguna de comer ni de bever assi en el dicho lu-
gar corno fuera del por si ni por interposita persona ni por ninguna via: y si lo
contrario se hiciere al que lo diere no le sea dada la carta por un ado y de mas
pagne diez ducados para el hospital : y el maestre escnela y doctores y maestros
que lo redbieren pierdkn los derechos de aquel grado: en los quales si el dicho
maestre escuela no lo esecutare pierda los derechos ; las gallinas y diacitron y
confites los embiaran antes de entrar en examen, los castellanos despues de aca-
bado el examen antes de la aprovacion, las hachas al tiempo que entraren en el
examen; . . . que se les de a t$ada uno de los bedeles dos pares de gallinas, etc.»
(Apud Yidal y Diaz, Memoria hittorioa de la Ufdvenidad de SàUmanca, p. 78.)
1 . . . «deu este alvitre a elrey o Doutor Diogo de Gk>uvéa, portugues, e pes-
soa de grande auctoridade, que tinha side Beytor no Collegio de Santa Barboni,
n^aquellas celebres Escholas de Paris, quando ali estudaram Santo Ignacto e seus
oompanheiros.» (Padre Balthasar Telles, Ckroniea da Companhia, Idy. i, cap. iv,
p. 15.)
MUDANQA DA UNIVERSIDADE 481
Mascarenhas^ a lembrar a D. JoSo m o convite aoB padres jesuitas.
Foì encarregado o Doator Dxogo de Gouvéa de escrever a Ignacio de
Loyola, para satisfazer o empenho do monarcha. Mandado para Por-
tugal o padre SimSo Rodrigues, vela encontral-o jà aqm em 17 de
abril de 1540 o navarro Francisco Xavier. Denominaram-Be os apas*
tóloa novos, e, pelas praticas devotas fora de uso, os franchinotes. O
padre Francisco Xavier encarregou-se da missSo da India, e o pa-
dre SimSo Rodrigues fundoa a Provincia de Portagal em bases taes
que a tomaram o sustentaculo da Companhia. SimSo Rodrigues fora
companheiro de Ignacio de Loyola nas Escholas de Paris, e pertenceu
ao conloio secreto em que se estabelecea o novo instituto. D'elle es-
creve o padre Balthazar Telles: «Criou Catherina de Azevedo com
todo 0 cnidado seu filho; e tendo ji annos bastantes, o mandoa estn-
dar com seu irmSo SebastiSo de Azevedo a Universidade de Paris, que
eraotheatro aonde n'aquelle tempo mais campeavam as lettras, e aonde
accudiam os Portuguezes, por até ontani nSo termos cà Universidade,
que introduziu o senhor rej D. JoSo m. Eram ambos os irmXos su-
jeitos de qualidade, que se podiam chamar estudantea ddrey, por que
elrey os mandava estudar àquella Universidade com outros, à custa
da sua real fazenda.}» ^ SimSo Rodrigues era um caracter exaltado, mas
deddido; comò instrumento do instituto de que fazia parte, desempe-
nhava firmemente o seu papel de homem morto para o mundo, porque
ao passar junto da villa de Bousella, onde nascerà, nSo quiz tornar a
vèr OS logares da sua infancia, nem a irmS e parentes que ali viviam.
O padre SimSo Rodrigues dirigiu-se para Coimbra a fundar o CoUegio
de Jesus, em 1542. O padre Ignacio de Lojola mandara-lhe alguns
Bocios: Diego Miram, valenciano, mecer Poncio, francez, e Francisco
de Roxas, castelhano, que estudavam em Paris; iste tambem em 1542.
Poucos mezes depois foram mandados ao provincial o padre Cypriano
Soares e Francisco de Villa Nova, ambos castelhanos, Francisco Gallo,
francez, Angelo de Paradiso, Isidoro Brilino e Martino Parmesano,
italiano, e o padre Manuel Godinho. ^ O governo do Collegio fundado
pelo padre SimSo Rodrigues foi dado ao padre Gon9alo de Medeiros^
em 9 de junho de 1542, tendo além dos ji citados os companheiros
Antonio Cardoso, Manuel FemandcB e Lanzarote de Seizas. SimSo
Rodrigues recebeu ainda uma nova remessa de companheiros estran-
geiroB: padre Martim de Santa Cruz, castelhano (foi o segundo reitor
1 Chronica da CompanAta, Liv. i, eap. t.
2 llndem, eap. XTin.
mun, UH. 31
482 HISTORIÀ DA UNIVEaSIDADE DE COIMBRA
do Collegio), padre Antonio Criminal, italiano, padres NicoUo Lanci-
noto e Hercules Bucero, italiano», e Guilherme C>>duro, francez. (Ib,, e.
XX.) O provincial via-se contrariado pela remessa de tantos socios estran -
geiros, para operar o seu assalto ao corpo escholar e à populafSo bur-
gueza de Coimbra. No emtanto come90u a pdr em ac9lio a sua estra-
tegia. O corpo escholar era attrahido por meios habeis. 0 padre Ma-
nuel Godinbo apresentava-se cvestido em trajo de estudante, pera quo
d'està maneira o admittissem pelo habito alem de ser muj conhecido
pela pessoa. Vivia elle e tratava com os estudantes, era religioso e moa-
trava-se secular.,.it (Ib.^c. XXI.) Estas captaySes tornaram-se escandalo-
sas, e OS raptos de alguns mancebos das mais nobres familias, corno um
da casa de Bragan9a (D. Theotonio), outro da familia dos Silveiras (D.
Gon9alo da Silveira, com vinte annos), e D. Rodrigo de Menezes, pro-
vocaram um inquerito ou devassa àcerca da nova Companhia; proce-
deu ao inquerito o reitor da Universidade, Frei Diego de Murfa, mas
uada encontrou centra a orthodoxia, e a Companhia continuou a sua
obra de intrigas em piena impunidade.
Em 1543 tinham entrado para o instituto jesultico Melchior Nu-
nes Barreto, naturai do Porto, e que se prestara à ceremonia doutorai
do Vexame pela humildade para com a Companhia; Melchior Carneiro,
que veiu a ser o primeiro reitor do Collegio de E vera; Luiz da Gram^
que chegou a ser reitor do Collegio de Coimbra; Antonio Correa e pa-
dre Nuno Ribeiro. Estava lan^ada a discordia nos espiritos.
A influencia exercida pelos novos apostolos na populaySLo de Coim-
bra era devida a meios baixos, incompativeis com o estado da civili-
sa9So portugueza e com a eleva9ÌLo intellectual do seculo xvi. Explo-
ravam primeiramente a curiosìdade pelas fórmas insolitas de préga^So,
depois a emoy&o da surpreza, revestindo-se de uma austeridade thea-
tral que seduzia os incautos. Servia-lhe està adhesSlo da classe bur-
gueza para se ìmporem aos poderes publicos; e pela intriga diploma-
tica, comò por exemplo a reconcilia92o entre D. JoSo iii e Paulo in,
conseguiara todas as benevolencias régias, para mais fundamentalmente
radicarem a sua influencia. Nào é preciso reconstruir o quadro dos ar-
dis empregados para attrahirem a si a multidSLo desprevenida; fallem
OS seus proprios documentos.
Em uma carta datada de 31 de julho de 1545, dirigida ao padre
Pedro Fabro, para Valiadolid, descreve o padre Hermes Poen o estado
de exaIta9lio religiosa que a Companhia de Jesus despertara em Coim-
bra: aPara dar a V. R. alguma conta de nossas cousas, resolvi escre-
vcr-lhe o que tem executado os irm3os da nossa Companhia, os quaes
MUDANgA DA UNIVERSIDADE 483
«e tém exercitado na mortificagSo da carne de tal maneira, qae tem
commovido a todoa os habitantes de Coimbra; deram occasiSo aos pec-
cadores de se arrependerem e grangearam para si o menosprezo do
mando. 0 genero d'este exercicio tem sido differente em diversos; por
qae uns no pino do dia sairam com vestes andrajosas, e cantaros aos
hombros acarretando agaa por meio da pra9a; outros andavam men^
•digando de porta em porta; oatros, no silencio da noite, ao som de
ama campainha, despertavam os cidadftos com terriveis vozes; pelas
ruas, qae moriam ao horror da morte e do dia de jaizo, e iste por di-
Tersas vezes. O que entoavam era n'esta fórma:
Temed, ò pecadores,
de las penas etemas los rìgores !
Repara, hombre obstinado,
que la mayor miseria es el pecado !
Pecador, alerta, alerta,
que la muerte està à la puerta.
«Com estas e semelhantes vozes clamavam aos oavidos dos pec-
cadores. Porém, nilo penetraram seas peitos tanto estes clamores corno
08 SermSes nocturnos. Porqae pregavam os nossos em descampado^
pouco depois do sol posto, na pra^a baixa, aonde entro as mulheres
que yendiam, corno é costume, hortelÌ9as, se levantou um alto pulpito
aos prégadores da divina palavra, que occuparam em diversas noites
alguns dos nossos. Foi entre elles o principal orador o P. Francisco
Estrada, o qual, no proprio dia de S. Maria Magdalena, estendeu o
sermSo desde as outo até às dez da noite, a que assistiu tanta multi-
dAo de homena, comò nunca vi maior nem mais repentina. De toda a
parte acudiam magotes de cidadSos, uns em cavallos, outros em mu-
las; e comò o espectaculo era novo e nunca ouvido, procuravam tornar
legar & compita. Uns subiam para cima de mesas, outros de cadeiras ;
alguns em escadas e outros pelas janellas. A Ina com sua claridade
animava o divino obsequio.» Depois de resumir o conteùdo do sermSo,
di conta da ìmpressSo no publico: «Feito iste, muitos, movidos de ad-
mira9ÌLo pergantavam, que significava este extraordinario modo de pre-
gar, de clamar e de mendigar? Uns diziam que estavamos loucos ou
nescios; outros pensavam que nos opprimia alguma necessidade; ou-
iros affirmavam nSLo haver mais motivo que a nossa mortifìca9So . . . > ^
1 Padre Bartholome Alcazar, ChronO'historia de la Compa'hia de Jesus en la
Provincia de Toledo, Parte i, p. 52.
81 #
484 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Com eates melos isferìores é que se apresentavam osjesuitas na lucia
da exDancipa9So intellectual do secnlo xvi! A propaganda religiosa era
urna transformagSo das aventuras cavalbeirescas, e osjesuitas compre-
henderam este espirito de miliciai que foi fortificado ainda com a im-
poBsibilidade de abandonar a Oompanhia. O modo comò se intromette»
ram nos estudos de Coimbra, desde 1542 até 1555| em que ficaram ab-
solutos senbores do ensino, resume-se na pbrase com que o jesuita Mar-
tim Gonsalves da Camara justificava a expuIsSo dos mestres francezes
trazidos a Portugal por André de Gouvéa, dizendo que queria os estu»
dantes — mata caiholicos e menos loHnosA È n'esta concorrencia dos Col-
legios; em volta da Universidadci que se dà a batalba decisiva, em que
triumpba o plano do retrocesso mental e com elle as condigSes para a
mina proxima da nacionalidade portugueza»
1 O Doutor Diogo de GouTéa, que tanto influirà no animo de D. Joio in
para admittir os Jesuitas em Portugal, reconhecendo o genio fanatico do rei, es-
plora essa ezalta^io, pedindo um subsidio para o doutoramento de um certo frade
em Paris, pelo alto meredmento de atacar os hereges, na falta de argamentos theo-
logìcoB, a morrò fechado. E interessante essa carta do respeitado Principal do
CoUegio de Santa Barbara, pela tendencia que tomam as questòes religiosas a
dirimirem-se pela yiolencia bmtal e pelas grandes camificinas, comò a de Saint-
Barthélemy: «Senhor. Ja Vossa Alteza sabe, que eu ei de trabalhar por edificar
pedras viyas, e sempre me prazei d^este officio, e se por usar disto me nom fise-
rom o que he feito a outros, por edifficarem pedras mortas, com toda minha po-
breza me tenho por mais rico e mais prospero, que elles, com todas as dinidades
do mundo, e nem por isso nom ei de deizar de continuar meu officio, de que sem-
pre me prazei, e prezarei, em quanto viver, que he de dar modo que nese Beino
iga homens Letrados, e que ijam de fazer o officio que fez o Filho de Deus neste
mundo. Vossa Alteza fez merce, e esmola ho Padre Frei Duarte, de trinta cmza-
dos cadano pera sua sustenta^am, emquanto estivesse em Paris; elle sta ja no
come^ de ser Licenciado daqui a dois annos, nos quaes compre que fa9a seus au-
tos, a saber, soriana grande, ordinaria e peguena, e pera iste elle nom tem, se
Vossa Alteza o nom ajudaf, comò fez aos outros. Elle por ser t2o bom Religioso,
e trabalhar, comò £az polla feé, merece toda esmola e merce, porque he bum dos
pìllares della nesta terra, e mais na sua Ordem, que sta mui gastada, que assi
Deos me salve està alma, que ouvi dizer à mmha meza Doutores da sua Ordem,
que sam verdadeiros Catholicos, estas proprias palavras : Deos nos trouxe qua
este homem pera grande bem nesso : porque elle quando nom pode per beat msdes
e palavras converttUotj te he em Ivgar onde o nom vem, nomfoM oontcUnda de kvar
ho htrtge peUo eabe^am, e aervillo do punho seco: iste he certo, que o fez a muitos;
por isso, e por sua vida merece toda merce e esmola, que Ihe fizer Vossa Altesa:
ha qual Nosso Senhor queira conservar com acrecentamento de seu estado, assi
comò em meus sacrifidos Ihe pe^o. De Paris, oje tres de Fevereiro de mil qui»
nhentos e quarenta e oito.— Criado de Vessa Alteza-* Oouvéa Doctor Senior.»
(Archivo nac, Corpo chronologieo, Part. i, Ma^. 80, n.* 25. Apud J. P. Bibeiro.)
CAPITULO VI
0 Collejilo reni e a fondafio de novos CoUegios Jnnto di Universidade
(1M7-1666)
Transforma^So da Faculdade de Artes, reduzida a ensino secimdario ott mèdio.
— O Collegio real, de Francisco x, ou Collegio de Franga, toma-se o typo de
urna Faculdade philologica saperìor. — D. Jolo uz funda o Collegio real em
Coimbra^ para se lérem Artes, Mathematica, Rhetoriea, Hamanidades e Lm-
guas. — £ chamado de Bordéos Mestre André de Gk)avéa com nm corpo do-
cente para a nova funda92o. — 0 mosteiro de Santa Cruz empresta os dois
CoUegios de S. Miguel e Todos os Santos para n*elles se recolher o Colico
de Mestre André, emquanto o rei nSo manda construir um edificio especial
(Collegio de S. Paulo). — E inaugurado o Collegio real em 28 de junho de
1548. — 0 Regimento do Collegio real, de 16 de novembro de 1547, isenta-o
da jurÌ8dic9So do reitor da Universidade. — Classes de porcionistas. — Aneto-
ridade excepdonal concedida a Mestre André de Gouyéa, e comò o rei con-
seguiu que elle largasse o Collegio de Guyenne. — A grande reputa^So de pe-
dagogista que André de Gouyéa gosaya em Fran9a. — Qual era a oiganisa^
dos CoUegios que elle dirigia. — Corpo docente, ou Collegio de Mestre André,
trazido de Franca. — Fallecimento inesperado de André de Gouyèa; é substi-
tuido no Prindpalato por seu sobrinho, em 10 de agosto de 1548. — ^Diogo de
Teive, o sub-principal Dr. Jofto da Costa e Jorge Buchanan sSo denunciados
à Inquisi^fto, e prezos, em 1550. — ^Eztraordinarias revela^Ses dos seus tres pro-
cessos no Santo Officio de Lisboa. — Os dois bandos: parisieruea e bordelezea.
— Serie dos Principaes até à entrega do Collegio real aos Jesuitas. — No Re-
gimento dado ao Collegio em 1549 volta & auctoridade do reitor da Univer-
sidade.—Questoes resultantes do emprestimo dos dois Colle^os de Santa
Cruz. — Humanistas portuguezes que yieram de Franca para ensinarem em
Coimbra. — A dinastia pedagogica dos Gouvéaa. — ^Visita de D. JoSo m a
Coimbra em novembre de 1550. — Orazio redtada por Ignacio de Moraes no
recebimento do monarcha.— Assiste ao gr&o de D. Antonio, a cuja festa se
representa a tragedia de GoUaa. — Outros diyertimentos dramaticos na Uni-
yersidade. — Os Jesuitas intiigam centra os Mestres francezes. — Persegui-
^Òes centra Buchanan, Yinet e Grouchj.— A morte prematura do principe
D. Jo&o.— Trata-se de entregar o Collegio real aos Jesuitas. — PenieguÌ9llo
486 HISTOBIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
do corrector da Imprensa da Univereidade.— Carta de 10 de setembro de-
1555, a Diogo de Teiye, para entregar o CoUtgio rea! ao padre Mirio, pro-
vincia! do8 Jesuitas: dispersio dos seus professorea. — Quadro pedagogico
do8 JeBuitas. — Como elles fundem em um so o Collegio real e o Collegio de
Jesus no afamado Collegio da» Arie». — Como se apoderam da bella quinta
de Villa Franca. — Sua ingratidSo para com o Collegio de Santa Barbara. —
Os clerigoB por lettradura. — De8crip9So dos CoUegios que cercavam a Uni-
▼ersidade no Conimbricae encotnium de Tgnacio de Moraes : Collegio de S. Fe-
dro (1545), ou do8 Borra», seguindo 08 C08tume8 dos Collegios de Salamanca.
— O Collegio de S. Thomaz, mudado para Coimbra em 1539. — 0 Collegio da
Gra^a, concluido em 1548. — O Collegio do Carmo, ou do Bispo do Porto. —
O Collegio de S. Boavcntura.— O reitor Frei Diogo de Mur^a funda os Col-
legios de 8. Jeronymo, de S. Sento e de 8. Paulo, para derìgos pobres. —
Questito de prima zias entro ob Collegios de S. Fedro, ou dos Borra», e o de
S. Faulo, ou dos Mangancha». — As ra^oes cubertas. — Quando cometa a fune-
clonar, e os seus primeiros collegiaes. — A actividade dos Collegios nSo salva
a Univerfiidade da irremediavel decadenda, comò aconteceu tambem Ab Uni-
versidades de Franca e de Inglaterra.
As profundas tran8forina9Se6 que soffreu o ensìno das Artes, ou
dÌ8ciplinas humasistas^ na època da Reiia8cen(ay determÌDaram a iun-
dafSo de um grande numero de Collegios junto das Universidades; es-
888 Collegios eram classifieados de maiores e menores, conforme se des-
tinavam à cultura de estudantes jà graduados que sómente faziam
esame perante a Univeraidadei ou a escbolares que se habilitavam nas
dÌBciplinas preparatorias para as faculdades superiores. Estas cathego-
rias correspondem mais ou menos à indole das disciplinas pedagogi-
ca8 e à fórma que estas tomaram no seculo xvi, porque assim comò
as Faculdados de Artes^ eob a influencia dos Jesuitas, decaem de im-
portancia, convertendo-se em um ensino mèdio, eecundario ou elemen-
tare tambem pela funda9So do Collegio real, sob Francisco i, e pela
iniciativa de Fedro Hamus^ o ensino humanista adquire uma elevada
importancia scientifica, sendo por via d'elle que entram na Instruc^So
publica novas disciplinas que nfio achavam logar no quadro tradicio-
nal das Faculdades universitarias. Estaa duas correntes pedagogicts
nos apparecem junto da Universidade de Coimbra, onde D. JoSo m
funda em 1547 o Collegio real de Humanidades, à imita9Zo do Collège
Boyal, ou de Fran9a, e onde o Collegio de Jesus, inaugurado pelos Je-
suitas em 1542, imprime ao ensino humanista o caracter dementar da
in8truc9So secundaria. £Ì8 os doÌ8 problcmas do ensino publico, na 8ua
simplìcidade, taes corno os propos o seculo xvi; resolveu-se pratica-
mente e de uma maneira definitiva a crea9Ìo da InstrucgSo publica
0 COLLEGIO REAL 487
fcccuridaria^ porém o estabelecimento de urna Faculdade humanista^
philologiea e pbilosophica superior é que ainda oSo' foi completamente
coneeguido. Em Portugal deu-8e o conflicto entre estas duas corren-
tes, e a abdica^fio moral de D. Jo2o ni diante dos seus directores je-
BxiitaB, dando-lbes o dominio absolufo sobre o Collegio real, determinou
a effectiva decadencia da Faculdade de Artes e exclusiva cultura do
ensino secundario.
Com a vinda de mestres de Fran9a, Hespanha e Italia, ainda sob
o reitorado de D. Agostinho Hibeiro, e pelo grande numero de estu-
dantes que affluiam a Coimbra, as aulas ficaram divididas. Liam-se^
comò jà 0 deixàmos relatado, Canones, Leis e Medicina noe Pa908 reaes
da cidade, mudadas as aulas do palacio de D. Grarcia de Almeida;
Theologia, Artes e Humanidades liam-se nos Collegios de ;S^. Joào e
Santo Agofstinho, que pertenciam ao mosfteiro de Santa Cruz. Por al-
varà de 22 de outubro de 1 544 foram mudados os estudos de Theolo-
già e Artes d'et-tes Collf gips, por prejudicarem a clausura do mosteiro,
sendo as aulas de Theologia distribuidas pelos Collegios de outras Or-
dens monasticas; e as clnsses de Grammatica foram collocadas nas ca-
sas conhecidas pelo nome dos Estudos velhos (onde estiverà na origem
a Universidade, e depois se edi£cou o Collegio de S. Paulo). O pa^o
real era ins ufficiente para abrigar todas as cathedras; està circumstan-
eia levou D. Joao iii a concentrar abi apenas as quatro faculdades das
Sciencias maiores, Theologia, Canones, Leis e Medicina,^ e estabele-
1 A ioiciaf iva de D. JoSo in chegava a ser perturbadora. Em carta de 11 de
maio de 1545 escrevia o reitor Frei Diogo de Mui-ya a D. Jo2o lu, àcerca dos des-
pachoB de leDtes : «qua me disserào que alguns estudautes sao hidos a V. A. a pe-
dirlhc buma cadeira de instituia qua hora vaga : pare^eme que V. A. a nom deve
de dar se nom por opposìgao porque ha aqui muitos que a bem merecem, jd filhos
da Uoiversidade, que de noyte e de dia trabalhsm com esperan^a de poderem per
seus trabalboa aver alguma cousa Desta Universidade ; e se virem que V. A. dà
estas cadeiras pequenas por aderencia, muito Ibes quairào animo de trabalharem,
e birseam la a negociar aderencia e leizarào o estudo, e vendo que sco seu traba-
Ibo e justi^a Ibes bade valer, darseam de todo ao estudo, corno sgora fazem, que
nom ba Universidade no mundo cm que aja tanto ezercicio comò nesta: por tanto
convem muito a servilo de V. A. nom Ibes ser quebrado este fio, mas antes per
t cdolas vias ee Ibe deve dar ajuda e eeperan^a que seus trabalbos averSo gallar-
dào, e a condi^ao nossa be que mais estimamos o pouquo ganbado polla penta da
1 an^a (corno dìzem) que o muito per entra via, porque a groria e contentamento se
estima mais que tudo.
«Sobre buma substitui^^o (corno a V. A. screvi) ouve agora lÌ9oes de oppo-
sifio tam bcnrradas, que nom ouve quem nom louvàsee: e forfto ellas tais que em
488 HISTORIA DA UNTVERSIDADE DE GOIMBRA
cendo ama separa9So para os estudos humanisticos, procurou fuadar
om estabelecimento proprio para se lerem Artes, Mathematica, Bheto-
rica, Humanidades e Lingwis, i imita9&o do Collegio de Franca, fìm*
dado por Francisco i. Tal foi a origem do CMegio real, instituido por
D. JoSo m^ para o qual mandou vir mestres de Franca, sob a direo-
9S0 do Principal André de GouvSa, quando ainda nSo tinha edifido
apropriado. A chegada do corpo docente f Collegio de Mestre André) a
Lisboa^ em julho de 1547^ fez com que D. JoSo ni, para seguir o
costume francez, dando-lhe edificio em que lessem e assistissem^ e os
conservasse independentes da Universidade^ emprehendesse logo a con*
struc9ào do edificio^ mas mandando-o abrigar nos CoUegios de S. Mi-
guel e de Todos os Santos, que pediu por emprestimo ao mosteiro de
Santa Cruz.
Antes de entrarmos na expo8Ì9So dos trabalhos para a constitui-
92L0 do Collegio real, è indispensavel conhecer a grande figura historica
de André de Gouvèa^ o prìmoiro pedagogista da Renascenga, e os in-
sistentes esforyos empregados por D. JoSo iii para 0 attrahir a Por-
tugaly aproveitando-se do seu vasto talento para a renovagSo dos estu-
dos em Coimbra. André de Gouvèa achava-se no firn de J533 com o
Principalato de Santa Barbara, em ama das crises mais difficeis d'aquelle
estabelecimento, quando as doutrinas da Reforma ali penetravam por
influxo de Nicolào Kopp; André de Gouvèa era querido da mocidade
escholar, comò um homem novo em todo 0 sentido, na edade e na adhe-
sSo às idéas luminosas do seu seculo, e pela aUian9a excepcional do
talento com 0 caracter. ^ Foi com estes recursos que venceu a terrivel
crise. Quìcherat descreve assim a sua direc9So no principalato: ctres
palavras resumem a sua historia: tranquillidade, prosperidade e con-
siderafSo. Tal foi a continuajSo da obra de Diego de Gouvèa por um
homem capaz tambem de a aperfeÌ9oar. Nunca a disciplina foi mais
religiosamente observadai nem o quadro do pessoal docente melhor
provido. Com Marciai, Antonio e Diego de Gouvèa, 0 mo^, com Teive
teda parte do mando onde se fizerào, forào louvadas e estimadas : e estas cousas
ezcitilo muito os estudantes e damlhe grande animo a trabalharem, esperando a
gloria qne se recebe de semelhantes trìumfos : eates lentes est&o muito agastados
por a paga desta ter^a se deffirir tanto; beyarey as m&os de V. A. mandar donde
se ha daver dinheiro pera este pagamento por que com està esterelidade de p2o
ereceo a necessydade a todos : a gra^a do sperita santo sempre com Y . A. amen :
de Coimbra a xi de maio de 1545. Frey Diogo de Mur^a.» (Àxcb. nac., Corpo chro^
nologieo, Part. i, Sia^. 76, doc. bl,—Inttituto, t. zxzyiii, p. 626.)
1 Qoicherat, Histoirt du CoUhge de Saintt-Baròt, 1. 1, p! 221.
0 COLLEGIO REAL 489
e Belliago, a constella^So portagueza brilhava em todo o Bea esplen-
dor; Strébée contiiiaava a formar rhetoricos; pelos cuidados do joven
Principal^ um dos corsos extraordinarios em que todas as novidadea
podiam aer apresentadas, coabe a um mestre que andava nas tubas
da fama, a Bartholomeu Latomus. . . amigo de Erasmo e um repre-
sentante da philosophia allemS.» Em breve Latomus foi raptado por
Francisco i para a sua recente crea9So do Collegio de Franga, e An-
dré de Gouvèa^ perdendo tambem a coopera9So de Strébée, acceitou
a proposta do Conselho municipal de Bordéos, que Ihe offerecia a di-
reciso do Collegio de Ouyenne. Se o prìncipalato de André de GouvSa
deixou no Collegio de Santa Barbara um traf o luminoso e inolvidavel,
no Collegio de Quyenne, cujo governo manteve desde 1534 a 1547,
revelou-se por tal fórma o seu genio organisador, que MontaignCi que
frequentara aquelle estabeiecimento, o proclamava nos seus Ensaios ^le
plus grand Principal de France.ì^ Està parte da vida gloriosa de An-
dré de Gouvèa acha-se ampiamente relatada na obra importante de
Ernest Gaullieur sobre a Hietoria do Collegio de Ouyenne, de que nos
aproveitaremoSy ampliando-a com documentos sobre os lentes perse-
guidos pela InquisÌ9fto de Lisboa.^ D. JoSo iii fòra bem aconselhado,
quando se dirìgiu a André de Gouvèa para vir reorganisar em Portu-
gal 03 estudos humanistas; o eminente pedagogista n&o podia cortar
repentinamente a sua carreira, comò se deprehende dos esfor90s em-
pregados por D. JoSo ili desde 1543 até 1547 para resolvel-o a vir
para Coimbra temporariamente.
O Collegio de Ouyenne (ou da provincia da Aquitania) fora en-
tregue em 1532 à direc9&o de JoSo de Tartas, o celebre principal do
Collegio de Lisieux em Paris, que se distinguira, comò se sabe pelos
cxtraordinarios louvores que Ihe consagrou Nicolào Clenardo, pelo
grande desenvolvimento que déra ao estudo das linguas orientaes. O
Collegio, dotado por bons rendimentos, contava com accommodagòes
para trezentos e trinta e seis porcionistas ou intemos, quando foi inau-
gurado em 24 de maio de 1533. Tartas soube reunir comò regentes do
Collegio OS principaes eruditos da Renascenga, taes comò Joachim Po-
lites, Robert Brìtannus, mas faltava-lhe aquelle espirito conciliador in-
dispensavel para harmonisar os caracteres. Achou-se ìnopinadamente
cercado de uma animadversSo t!lo goral, que a Jurade de Bordéos viu-se
1 Histoire du CoUkgt de Ouyenne, d*après un grand nombre de Documents
inedita, par Ernest Gaullieur, archiviste de la Ville de Bordeaux. Paris, 1874,
voi. ÌU'Q.^ grande de xxz-57B pp.
4d0 HISTORIA DA UKIVERSIDADE DE COIMBRA
na neceesìdade de destituil-o do cargo de Principal em abril de 1534.
Foi n'estas circumBtancias que o Conselho municipaly ou da Jurade,
escreveu em 19 de abril para Paris convidando André de Gouvèa a
occupar o legar de Principal do Collegio de Ovytnne. O celebre Prin-
cipal de Santa Barbara acceitou o convite, pelo que o Conselho^ de-
pois de unaa sessSo em 28 de maio de 1534, o chamou para tornar
conta do eeu cargo: ^que, attendu que Von vouloit recepvoir Principal
du Collège de Guytrme, il foUoit qu^U se remvast de Paria pour vendre
8on office et mentr ha régene tn cesie ville. 3^ André de Gouvèa entrc-
gou o governo do Collegio de Santa Barbara a seu tio, o doutor ve-
Iho Diego de Gouvèa, e tornando conselho com o seu intimo amigo
JoSo Gèlida, tratou de escolber os regentes que deviam acompanhnlo,
com 06 quaes partiu para Bordéos, aonde chegou n'um sabbado, 12 de
julho de 1584, sondo recebido pelos membros da Jurade em casa do
presidente Sauvat de Pomiers. Ko dia 15, na sesbfto do palacio da
municipalidade, recebeu a nomea9&o o£5cìal de Principal do Collegio
de Gvyenne, André de Gouvèa, aproveitando-se de um grande numero
de regentes escolhidos por Tartas, de um merito reconhecido, levara
comsigo de Paris cquatro profcEsores do mais alto merito, os quaes so
por si bastavam para fazerem a reputa^fto de um Collegio: Diego de
Teive, NicoMo Grouchy, Guilherme Guérente e Antonio de Gouvèa,
irmSo do Principal. Todos os quatro tinham ensinado em Santa Barbara
sob a direc(ào de André de Gouvèa, e conbecendo a sua habilidade
comò adniinistrador, nSo tinham hesitado em srguil-o.»^ Pelo seu lado,
André de Gouvèa conhecia a superior capacidade d'estes regentes,
para contar com ell^ na transformafSo do Collegio de Ovytnne, e
para mais tarde os trazer a Portugal a pedido de D. JoSo in, para a
inaugnray&o do Collegio real. Nào anteciparemos aqui os tragos bio-
graphicos de Grouchy, Guérente, Vinet, Fabricio, Buchanan, Teive e
JoSo da Costa, de que elle soube cercar-se, para nSo demorarmos o seu
encontro com D. Jofto iii. André de Gouvèa era doutor em theologia
pela Sorbonne, corno se sabe além do testemunho de Theodoro de
Béze, por um documento coevo; està circumstancia era uma comò ga-
rantia do seu governo, em uma època perturbada pela critica religiosa,
e quando se decretavam severas prohibÌ93es centra a leitura de deter-
minados livros, comò Bibita», Catechismos e Escudoa, espalhados pelos
propagandistas protestantes. No CoUegio de Guyenne tinham pene-
1 Ap. Gaullieur, Eistoire du Collège de Gtiyfrme, p^ 79.
2 Idem, ib., p. 86 O tio ficou-o por iste odiando mortabnente*
0 COLLEGIO REAl 491
trado est^B livros por via dos Martinets ou estudantes externos; de
sorte que no regreeBO de André de Gouvéa em 13 de novembro de
1534, da viagem a Paris para contractar novos regentes, foi intimado
pelo tribunal por consentir no Collegio livros prohibidos pela Sorbonne.
£m 21 de novembre d'esse mesmo anno teve André de Oouvèa de ir
outra vez a Paris, sendo o principalato confiado temporarìamente ao
dominicano Ooynelli; em Janeiro de 1535 regressou a Bordéos tra-
zendo comsigo cince regentes, Mathurin Cordier, Claude Budin, JoSo
da Costa, Jnnio Babirius e Arnaldo Fabrlcio, de Bazae. Sobre este
novo pessoal, diz Gaullieur: «Alguns d'estes recem-chegados, mas tres
principalmente, Cordier, Budin e JoSo da Costa, tiveram urna influen-
eia capital sobre os destinos do Collegio de Guyenne.»^ Jà dos ante-
cedentes profesEores escrevera o erudito archivista: «Foi com estes
quatorze profesEores, todos elles homens de uma erudÌ9So notavel,
e alguns dos quaes adquiriram uma justa celebridade, que André de
Gouvéa come^ou a reforma do Collegio de Guyenne, guiado por este
admiravel espirito de organiBa^So que fazia com que Britannus dissesse
d'elle, que parecia que a natureza o tinha creado para o principalato,
e que pela sua intelligencia e pela natureza dos seus estudos estava
destinado a occupar este posto. — Com um Principal dotado de tio pre-
ciosas qualidades, e uma tal reuniSLo de homens eminentes, o exito nSLo
era duvidoso; assim nào se demorou, e de 15 de julho a 15 de novem-
bro, 0 numero de alumnos augmentou de uma maneira consideravel,
além de teda a espectativa.»' Em uma carta de Britannus, de novem-
bro de 1534, a Pierre Lagnier, lé-se: «Se desejas noticias do Collegio,
elle entra largamente e seriamente na via da prosperidade, gragas ao
merito e a actividade de André de Gouvea, jd celebre no pnncipaUtto,
Os professores sSo homens instruidos e graves. 0 numero de discipu-
los é grande jà. Assim podemos esperar dentro em pouco vèr flores-
cer n'esta institui(So a eloquencia e o culto das bellas-lettras.» E em
outra carta dirigida directamente para Paris, a André de Gouvea, na
ultima viagem de 21 de novembro, escreveu-lhe Robert Britannus : «Cau-
saram-me um grande prazer as cartas que dirigiste a algumas pessoas
mais notaveis de Bordéos; porque, pelo que deprehendi, sei que che-
gaste a Paris s8o e salvo. Soube-Oicom extrema satisfa^So, porque nSo
EÓ comò homem particular eu te devo o meu auxilio e concurso, mas
sobretudo, porque do teu exito depende o exito e a dignidade de mui-
1 Gaullieur, Op. cit., p. 95.
2 Idem, ib., p. 91.
492 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
tos outros. A existencia do Collegio de Guyenne està intimamente li-
gada à tua. Todos os que amam as lettraS| aquelles que passam a sua
Vida no estado das artes liberaes, desejam com arder o tea regresso;
elles consideram que nada do que tSm emprehendido poderà ficar aca-
bado sem ti. Rir-te-has, talvez, e pensas que eu procuro lisonjear-te.
NSlo, com certeza; nSo tenho tanta complacencia, e dir-te-hei porque
motivos te escrevo n'este sentido. Desde a tua partida de Bordéos, o.
Collegio tem side administrado com um cuidado e um tino tal, que,
quanto outr'ora parecia cambaleante, tanto hoje parece solidamente
estabelecido e florescente. De sorte que teda a gente de bem colloca
em ti sua espectativa. Os fiindamentos do Collegio foram solidamente
assentes depois da tua partida, e todos contam com o teu regresso
para o acabamento da obra e o auxilio material que Ihe é necessario;
porque, se assim me posso exprimir, outr'ora nada era completo, e
nada dava indicio da creaySo de um verdadeiro Collegio. £ & tua ho-
nestidade, à tua habilidade, à tua prudencia que estava reservado o
mister de acabar o que estava comegado; eu sei, além d'isso, que tu
podes corresponder a està espectativa, e que nSo te queres eximir a
ella. Àpressa pois o teu regresso, para que nos dSs a todos um grande
prazer, e uma grande alegria.»*
Logo que o Collegio de Guyenne entrou em 1535 definitivamente
sob a direc9SLo de André de Gouvèa, nomeou sub-principal a JoSo da
Costa^ dotado de um extraordinario tino administrativo. cEncarregou
NicoMo Grouchy do curso de Dialectica, que elle conservou durante
treze annos, o que é uma prova do successo extraordinario que teve
o ensino philosophico do joven professor rouenez. Um certo numero
de alunmos, attrahidos pela justa nomeada das suas ligSes, deixaram
a Universidade de Paris para virem ouvir a Bordéos os sabios com-
mentarios sobre Aristoteles, que Grouchy, por innova9So arrojada, e
que nSo teve imitadores, dictava na propria lingua do texto.»'
Fallando do regulamento interno do Collegio, redigido por André
de Gouvéa, dotado de qualidades particularissimas, de excellente erga-
nisador, nota nfto ter esquecido nenhum detalhe relativo, quer & marcha
geral dos estudos, quer à disciplina propriamente dita. cMas, o que
ainda mais do que tudo isto veiu auxilial-o no seu successo, foi a sua
rectidAo e amenidade perfeitas. Depois de se ter cercado de professores
de um grande merito, viveu com elles fraternalmente, evitando teda
1 Roberti Brìtanni, EpUtolcte, fi. 38. — Apud Gaullieur, Op. cit,, p. 93.
* Gaullieur, Op. eU., p. 102.
0 COLLEGIO REAL 493
a occasiSo de os melindrar, tratando-os corno aeus pares, em um pé
de perfeita egualdade; em urna palavra, elle soube fazer-se amar e
crear asBim preciosos auxiliares.»^ Contrastava com seu tio o Doutor
velho, qiie era rancoroso^ e que o ficara odiando por ter deixado o
Collegio de Santa Barbara.
André de Goavèa alargando as rela93e8 dos discipulos com os
mestresy e prohibindo as pancadas no Collegio, achava da parte dos
alumnos um ardente enthnziasmo no estudo. Britannus escrevia ao in-
fluente Jean Ciret, relatando-lhe o estado do Collegio: cisto que es-
crevo dà na vista; todos os que véem o Collegio administrado com
tanta equidade e tino, e que assistem aos nossos colloquios e aos nossos
exercicios publicos, reconhecem que nSo é uma in8tituÌ9So de pouca
importancia que nós possuimos, mas uma illustre e gloriosa academia,
que pode estar na mesma linha que as de Paris.» Montaigne tambem
considerava o Collegio de Guyenne <o melhor Collegio de Frcmga.^^
Efifectivamente a sua prosperidade crescente levou a Jurade de Bor-
déos a elevar os honorarios de André de Gouvéa de 500 livras a 700,
por proposta do advogado Louis Girard, em 21 de abril de 1537; e
sobre os mesmos progressos escrevia Britannus em 1536 a Joào Ciret,
que propuzera a chamada de André de Gouvéa para Bordéos: aHoje
a gloria da Aquitania resplandece entre as nagSes; hoje, està cidade
illustra-se no estudo da lingua, da litteratura e das obras primas ora-
torìas de todos os povos; Bordéos tem comprehendido que pela cultura
das letras, e gra9aB & sua influencia, os costumes serSo em breve mais
suaves e mais ordenados. Ah! que digo? Em breve? Agora mesmo,
este resultado apparece aqui de uma maneira notavel. As intelligencias
desenvolvem-se, os estudos, cujo nivel se alevanta, crescem e multipli-
cam-se. Estes excellentes resultados s8o devidos, nunca me cansarei de
0 repetir, ao merito particularissìmo do Principal André de Gouvéa,
cujo saber eguala a sua modestia e gravidade; o Collegio de Guyenne
deve consideravelmente à perseveranja e à firmeza com que elle o di-
rige, mas com certeza, tambem vos deve multo. >^ Quando André de
Gouvéa acceitara o convite para dirigir o Collegio de Guyenne, entre
as clausulas do contraete figurava a de se Ihe conceder carta de natu-
ralisasSo assignada por Francisco i. Effectivamente em 1537, Pedro
Eyquem, pae do immortai Miguel Montaigne, entregou a André de
1 QauUieur, Op, eiL, p. 107.
2 EuaUj liv. I, cap. 15.
3 Soberti Britamii, Epiitdae, fl. 49 y.— Apud Gaullieor, Op. eit, p. 432.
494 HISTORIA DÀ lUNVERSIDADE DE GOIMBRA
Goavéa a carta de natiiraIisa9So exigìda. Està naturalisafSo era am
meio de garantir-se centra qualquer yiolBQcia a que estavam expostos
OS portuguezes, confandidos com oa castelhanos nas gaerras entre Fran^
cieco I e Carlos v. Àssim pdde offerecer azylo a Diego de Teive. Como
cidadSlo firancez André de Gouvèa podia servir melhor os seas patriciosi
comò 0 mostrou por varìas vezea, facilitaado-lhes a» transacySes oom-
merciaes: cem virtude da sua posifSo e iofluencia de que gosava em
Bordéos^ era uma verdadeira providencia para todos os seas compatrio-
tas que tinham rela98e8 freqaentes com està cidade, ou aU se achavam
em difficuldades. Algumas vezes despachava por sua conta expedÌ93e3
commerciaes.»^ A sua influencia, com a valiosa coopera^^o de Diego
de Teive e JoJLo da Costa, fez com que o Collegio de Guyenne rece-
besse um grande numero de estudantes de Portugal. Além do respeito
que D. Joao in tinha pelo velho Dr. Diego de Gouvea^ e de ter no-
meado André de Gouvèa seu procurador na cdrte de Franca, na ques--
tao do dote da rainfaa D. Leonor, viuva do rei D. Manuel, a flores-
cencia do Collegio de Guyenne provocava-o a chamar para Portugal
0 homem mais geralmente admirado no ensino das humanidades na
Europa. Parece que havia uma lucta de favores para fisar André de
Gouvèa em Franga; o bispo de Bazas nomeou-o conego da coUegiada
de Sào Jole de Bazas, assignando comò conego theologal em 1541, e
recebendo depois a dignidade de ségrestain da catfaedral, cujo rendi-
mento importava em 400 a 500 livras por anno (mais de 8.400 fran-
cos da moeda actual). Estas conezias nSo exigiam o estado de sacer-
docio; bastava pertencer ao ensino superior de theologia ou do direi to
para ser remunerado com uma conezia magistral ou doutoral. Além
dos beneficios ecclesiasticos de que gosava, o bispo de Bazas deu-lhe
o priorado de le Sendat, com muitos annexos; e em 1543 foram-lhe
todos confirmados pelo bispo que succedeu na sède de Bazas. Foi
n'este anno de 1543 que D. JoSLo in escreveu a André de Gouvèa
para vir a Portugal conferenciar sobre a fanda$So de um Collegio real
em Coimbra. Escreve Gaullieur, sobre documentos directos : cD. JoXo in
desejando fundar em Coimbra uma institui$&o de primeira ordem, di-
rigiu-se pessoalmente a Gouvèa. Mas as cousas nSo se fizeram com
tanta facilidade comò crèem os que escreveram sobre este assumpto:
OS convenios relativos à funda9So do Collegio de Coimbra duraram o
decurso de annos. Em 1543, D. JoSo in escreveu a Gouvèa a aper-
1 Gaulliear, Op. cit., p. 166.
0 COLLEGIO RE\L 495
tar com elle para vir a Portugal, para se entender com elle icerca da
nova iastltuifSo; a sua partida para Lisboa seria pelo meado de ju-
nho.B^ Em 11 de jaiiho de 1543^ André de Goavèa entrega por urna
procara92lo o governo do Collegio de Gayeane ao sab-principal JoSo
da Costa com o poder de escolher novos professores, caso n%o fosse
obedecido por algiim regente e tivesse de despedil-o: ^Commoctre et
dapputer, qiuxnt mesHer sera, regena ydoines, suffimns^, pour regenter
(XiidU colliege^ et expuher les desoheisaane^t Urna procurafào de 14 de
junho de 1543 , de um mercador de Bordéos , auctorisa André de
Gouvèa a receber em Lisboa a quantia de 80 dacados de oiro, que
estavam na mSos de Estevam de Aragfto. Depois d-estes factos con-
due GauUieur: «A partir de 15 de junho de 1543 até 24 de maio do
anno seguinte, nSo se acha nenhum indicio da presen9a de André de
Gouvèa no collegio; todos os actos relati vos & direcylo aSo passados
em nome do subprincipal JoSo da Costa, ao qual algumas vezes se
accrescenta o epitheto àe president awCoUiege de Guyenne.^^ Nào fala-
remos agora do governo admiravel de JoSLo da Costa durante a ausen-
eia do principal no intervallo de um anno» Sabe-se que em 24 de maio
de 1544| André de Gouvéa jà estava em Bordéos, por um recibo pas-
sado por Thomyon Faure, de ter recebido de «M. M.® André de Gou-
vèa docteur en theologie, Principal du Collège de Guyenne, iUoc pre-
sentii 100 escudos de oiro.'^ Foi por este tempo, entre 11 de junho e
16 de novembro que o filho mais velho do celebre Scaligero foi por-
clonista do Collegio de Guy enne.
D. Joào IH compromettia-se a nfto desviar André de Gouvea do
seu Collegio de Bordéos, além de dois annos ; tal era a base da con-
cessào da licenza ao famoso principal. Em 6 de Janeiro de 1545, tendo
Joào Gèlida chegado a Bordéos, celebraram ambos urna escriptura,
pela qual André de Gouvea Ihe entregava o Principalato do Collegio
de Guy enne, com o consentimento previo do Concelho municipal, e
com 0 privilegio de poder tornar a occupar o seu legar tant que bo7ì
luy semblera.^ O valor moral e intellectual de Gèlida jà o deixamos
indicado, quando nos referimos às luctas centra o scholasticismo. E
certo porém que André de Gouvea n2Lo deixou o collegio immediata-
mente, nem Gèlida se despediu do Collegio do Cardeal Lemoine; no-
1 GaulUeur, Op. di,, p. 168.
2 Idem, p. 169. No Processo da laquisi^ao de Lisboa, allude a este titulo.
3 Ibidem, p. 177.
* Transcrevemoa algumas clausulas d'este contraete: «Les dita seigneurs
496 HISTORU DÀ UNIVERSIDADE DE COIMBRA
yo8 beneficioB ecclesìasticos choveram sobre André de Grouvéa, corno
se que o quizeseem reter com tantas liberalidades. D. JoSo ili instava
com frequentes cartas para a partida de André de Gouvèa; em 1546
fez 0 celebre Principal urna doayZo a urna sua afilhada no caso de
fallecer durante a viagenoi a Portugal: tdesirant aller et /aire voyage
au Royaulme de Portugal, considerant aux périlz et fortunu que sou-
viennent chaque jouur. . .» Està doa9&o foi reyogada em 21 de Janeiro
de 1547, depois do sevi regresso a Bordéos. André de Gouvèa tratou
de contractar os regentes que o haviam de acompanhar a Portugal;
ninguem melhor do elle conhecia os bons professores, e o corpo docente
que escolheu era de primeira ordexn. Interessa-nos especie Imente tra-
duzir a narrativa da partida dos mestres firancezes para Portugal, tal
corno a apresenta Gaullieur: e A partida de Gouvèa e dos seus profes-
Bores para Coimbra estando definitivamente combinada, o Principal
tratou logo de prevenir d'isso os Jurats, que nSo ficaram surprehen-
didoB, porque as viagens d'este a Lisboa deviam tel-os esclarecido a
tal respeito. O golpe, ainda que previsto, nSo era menos terrivel para
a instituigfto de que elles eram os fnndadores. Se Gouvèa tivesse par-
tido sósinho, por ventura podel-o-hiam substituir; mas elle levava com-
sigo a flèr do corpo docente: JoSo da Costa, Elie Vinet, Diogo de
Teive, Nicol&o Grouchy, Guilherme Guérente, Amaud Fabrice, de
Bazas, e um joven portuguez chamado Antonio Mendes, que segundo
Jacques Susine (na Vida de Gèlida) professava tambem n'esta època
no Collegio de Guyenne. Assim, sem contar o Principal e o sub-prin-
cipal, isto é, OS dois homens sobre os quaes assentava todo o pezo da
administra$So, seis dos melbores professores, que pela celebridade do
seu ensino attrahiam alumnos de todas as partes da Franca, e mesmo
do estrangeiro, iam repentinamente deixar Bordéos.
e Como compensa9&Oy é verdade, JoSo da Costa deixava no Colle-
subz-maire et jurats, amprès avoir traicté et oommnniqaé avecques les dits trente
conseillers de la dite ville de ce que dessiu, voyant que c*est le grand bien et utìlité
d'ieellny ooUiege et de la chouse publiqne pour la notborietéj souffizance, grand
scavoir desdits de Gh>avéa et Oélida, voolans satisfaire à la resqueste d'icelluy
de €k>avda, en faveor et contemplation des services, petnes et labeurs qu*il a souf-
fertz pour rinstitoitìon de la jeunesse da ditcoIIiegeetcontiniiationd'icelleinBti-
tutioD, ont accordé et accordent par ces présentes. . . que le dlt Gouvèa demeurera
6B liberté, sa vie dorant, tant que bon luy semblera, de penvoir retoonier an dit
colliège, 7 tenir et ezercer le dit estat de PHncipal saos que le dit de Gèlida, ni
anitre, luy puiaee baìller empeschement, ni se dire chef du dit colliege, sa vie da-
rant.»
0 COLLEGIO REAL 497
gio de Gayenne seu irm2o JeronjmOi que André de Gouvéa trouxera
comsigo de Lisboa na sua anterìor viagem ; e quanto a oste ultimo, ti-
nba escripto a Beu irmSo Antonio de Gouv6a, um dos homens mais
notaveis da primeira metade do seculo xvi, de que jà fallAmos rapida-
mente, e que acabava de chegar a Bordéos para o substituir.
«Ab! que viria de ora em diante procurar a Bordéos amoeidade
portugueza, àvida de ensino? NSo ia ella possuir agora em Coimbra,
no centro do reino, estes mesmos professores, dos quaes anteriormente
ia ao longe ouvir as Ii98e8? D'ora avante podia poupar uma viagem
dispendiosa, sempre penìvel e cbeia de perigos.
cNào parece que André de Gouvèa se preoccupasse muito com o
futuro do Collegio de Guyenne ; porque, se dermos credito a Jacques
Busine, elle escreveu a Gèlida, designado entretanto comò seu suc-
cessor em Bordéos, a propor-lhe para o acompanhar para Portugal.
Gèlida recusou-se catbegoricamente, apesar das propostas verdadeira-
mente regias que Ihe foram feitas em nome D. Jo^o m (Magnis regio
nomine propositù stipendiis),
cGouvéa foi mais feliz junto de Jorge Buchanan; o poeta acha-
va-se entfto em Paris, d'onde partiu com seu irmSo Patricio, com o
fim de se reunir & colonia de professores que embarcava em Bordéos
para levar a outras partes os beneficios do ensino . . .
«Parece, apesar de tudo, que està partida de Gouvèa para Por-
tugal nSo dep5e em seu favor; prova que, cheio de honras e proven-
tos durante a sua longa pennanencia em Bordéos, elle se ligara pouco
a este Collegio de Guyenne, do qual fizera a reputagSo, mas que tam-
bem contribuirà para fazer a sua fortuna.
aUm motivo, que é preciso ter em vista, apressou a sua partida:
a peste, ou pelo menos a molestia contagiosa assim chamada, que re-
bentou em Bordéos. Gouvèa e os seus professores tiveram de se em-
barcar para Lisboa nos ultimoa dias de mar90 de 1547, assim comò o
indicam ciuco procura98es pelo conego e pelo sub-principal passadas
a diversas pessoas.» *
André de Gouvèa passou as suas tres procura93es em 21 de mar90
de 1547, para o recebimento das rendas dos seus beneficios ecdesias-
ticoB e arrendamentos de diversas prebendaB. Ficava com o governo
do Collegio seu irmSo Antonio de Gouvèa: «ninguem mais do que elle
era capaz, pelo brìlho da sua reputa9So, de salvar o Collegio de Bor-
1 Gaullieur, Op. cit., p. 204 a 207.
msT. UH. 32
498 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRÀ
(iéos. — Tratava de tornar o governo d*esta instituigSo^ quando no mez
de maio, iato é, pouco mais ou menos cinco oa seis semanas depois da
partida de seu irmSlo, via cfaegar de Paris Gèlida, ao qual os Jorats
tinham escripto propondo-lfae para tornar a direcgSo do Collegio, e qae
acabava de acceder aos seus desejos pelas instancias do cardeal Du Bel-
laj. » * Havia urna certa incompatibilidade pfailosopfaica entre Antonio
de Goavèa e Gèlida, e depois de urna lacta de influencias pessoaes
Gèlida foi nomeado Principal em 7 de novembro de 1547.
Em julho d'este mesmo anno chegava a Lisboa Mestre André de
Gouvèa com o seu pessoal pedagogico;^ o rei nSo tinha ainda edificio
em Coimbra para os receber, e para isso teve de pedir por empres-
timo, em setembro, ao mosteiro de Santa Cruz, os dois Collegios de
Sam Miguel e de Todos os Santoa, emquanto nSo mandava construir
um edificio especial. Desde 1544 estes dois collegios estavam fora do
mosteiro, na ma da Sophia, construidos com as rendas do Priorado-
mór; foi n'elles que se estabeleceu prò visoriamente o Collegio reaL Eia
a carta do rei, pedindo os Collegios por emprestimo ao Prior geral de
Santa Cruz, comò a extrahiu do Archivo do mosteiro D. Nicolào de
Santa Maria:
«Padre Prior Geral. Eu El rei vos envio muito saudar. Eu mando
bora assentar n'essa cidade bum Collegio, em que se hSo de ler todas
as ArteS| do qual bade ser Principal o Doutor Mestre André de Oou-
vea, que para isso mandei vir de Franfa com alguns lentes que logo
comsigo trouxe para o dito Collegio; e por nSo haver n'essa cidade
aposentamento conveniente para elle, em que logo se possa recolher,
comò be necessario, vos rogo que me queiraes para isso emprestar e
largar as casas, e posentamento dos dous Collegios, que esse mosteiro
tem feito de novo, emquanto se nSLo fizerem as que tenho ordenado de
mandar fazer para o dito Collegio. E vos encomendo muito, que vós
e vesso Convento dos Conegos sejais d'isto muito contentes, pois con*
vem a meu servijo, e bem d'essa Universidade; e que mandeis logo
entregar os ditos Collegios e as casas d'elles a pessoa que o dito Mes-
tre André de Gouvea a isso manda. Os quaes Collegios e casas vos eu
mandarci despejar e tornar, tanto que forem feitas as casas que mando
fazer pera o dito Collegio, que seri o mais cedo que puder ser. E os
1 G-aullieur, Op. oU., p. 217.
2 Em Conselho de 19 de julho de 1547 resolveu-se pedir ao rei que o CoUe^
gio de Mestre André n^ ficasse em Lisboa, mas que o mandasse para a Univer-
sidade.
0 COLLEGIO REAL 499
Collegiaes que nos ditos CoUegios estSo, tornareis a recolher nos sena
aposentos e Collegios dentro d'esse Mosteiro. E de assi o fazerdes logo
receberei contentamentOi e vol-o agradecerei e terei em multo servilo.
Baltezar da Costa a fez em Lisboa^ a 9 dias de Setembro de 1547.
Manuel da Costa a fez escrever. Rei.»*
0 Prior goral D. Affonso tratou de dar logo cumprimento à or-
dem do rei; os Collegiaes de S. Migud recusaram-se a recolherem ao
mosteiro ce largaram as heccUj com que se desfez este Collegio. i^ Os es-
tudantes pobres do Collegio de Todos os SarUos despiram tambem as
becas por ordem do Prior goral, que clhes deu a todos casas em que
morassem em Montarroyo, junto do Mosteiro, corno ainda hoje (1668)
i^z a certo numero de Esitidantes pobres honrados, aos quaes dà ra9So
e casas.» ' Àssim se desfez tambem o Collegio de Todos os Santos.
Comprehende-se que ficaria um germen de ma yontade contra o
novo Collegio recH, e que se estabelecessem intrigas contra os mostre s
francezes trazidos pelo Principal André de Q-ouvèa. Os Padres da Com-
panbia é que exploraram essa ma yontade, apoderando-se do Collegio
real em 1555, comò yeremos. D. JoSo in mandou construir desde logo
o Collegio de S. Paulo ^ para sède definitiya do Collegio real, e mas em
sua yida nSo o pdde acabar. . . » ^
1 Apud D. Nicolào de Santa Maria, Chronica dot Regranies, Liv. x, cap. ▼,
p. 301.
^ Ibidem.
' Ibidem, cap. xy. — O architecto Diego de Castilho, restaurador do mosteiro
de Santa Cmz, é que fez as obras necessarìas para a adapta^io do palacio real
para pa9o das Escholas da Universidade, e construiu o CoUegio real, ou das Artes.
Transcrevemos em segoida a summa dos docnmentos relativos a Diogo de Cas-
tilho, que interessam à questao da Universidade de Coimbra e Collegio das Artes;
acham-se indicados em um trabalho biograpbico do Dr. Sousa Viterbo:
1545 — 18 de abril. Carta de D. JoSo ni aos vereadores da Camara de Coimr
bra para que deixem ao Collegio das Artes comprar as casas de Diogo de Casti-'
Iho Sem Ihe leyarem Terradego.
1547 — 18 de mar^o. Alyarà nomeando Diogo de Castilho, cayalleiro da casa
real, mestre das obras de pedraria e alvenaria da Universidade, comò até ali o
fora das obras de Santa Cruz.
1548—11 de maio. Recebe Diogo de Castilho 200^000 réis para as obras do
Collegio das Artes de Coimbra, seguo do a fórma do seu contracto.
1549 — 7 de maio. Alvarà determinando a maneira comò se devem levar em
conta ao recebedor Antào da Costa as despezas que elle fizer nas obras do CoUe^
gio das Artes, fora do contracto e obriga^So de Diogo de Castilho.
1551 — 10 de agosto. Carta de D. JoSo ni ao Doutor Payo Rodrigues Villa-
32*
500 HISTOBIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
No8 dormitorìos dos dois CoUegios foram albergados os meatres
francezes, e entre amboB e nas officinas do Collegio de S. Miguel fo-
ram oonstmidas as aulas noa mezes de outubro, novembro e dezembro.
As aulas bó ficaram promptas em junbo de 1548; embora os mestres
francezes jà se achassem em Coimbra no mez de Janeiro d'esse anno.'
0 Collegio real^ foi inangurado em 28 de janho, corno se prova por
ama Ora^ de sapienda de André de Resende, recitada no anniver-
sario da installaySo em 1551. ^ No Primeiro regimento, que el-rei Dom
Jo9x> 111 diu ao Collegio das Artes no tempo em que n'elle leram os fran"
eezes, em 16 de novembro de 1547 ^ estabelece-se o caracter pedago-
gico d'està institaÌ9S0y analoga ao Collegio de Franga, e corno desen-
Yolvimento dos estudos superiores independentes da Universidade; lè-se
no preambnlo d'esse Regimento: e vendo eu quanto servi$o de Deus e
proveito da republica sera haver um Collegio geral em que bem pos-
Barn ser doutrinados e ensinados todos, os que a elle quizerem ir apren-
òej Latim, Crrego, Hebraico, Mathematicas, Logica e Philosophia: de*
termino mandar fazer o dicto Collegio na cidade de Coimbra, onde j&
està instituida a Universidadci que ordenei que n'ella houvesse para
todas as sciencias. E quero que a pessoa, que bade ter o cai^o da go-
yeman9a do dito Collegio se chame Principal d'elle, e que o Reitor
da dieta Universidade, nem outra alguma pessoa, tenha superioridade
sobre o dicto Collegio, e Principal, etc.» ^ A independencia do Colle-
ri ubo Bobre as obraa do Collegio da$ Artes; refere-se a Diego de Castilho, que trar^
balhava no lan^o em que se faz a aula das disptdas e autos puÒUeos.
1552 — 2 de maio. Àlvarà ordenando a ezproprìa92o de tres moradas de ca^
sas juntas ao Collegio das Artes para o mesmo Collegio, sendo omas de Diogo de
Castilho, outras de SimSo de Figueiró e outras de um pedreiro.
1 Livro dos Concelhos de 1548, fi. 69. Àp. Silya Leal, Menu ciL, p. 478.
^ «A semeUian^a dVste Collegio (de Franca, ou CoUhge Boyal) deram os Pro*
fesaores do das Artes de Coimbra ao seu, em que tambem, por funda^Io e des-
pesa rea], lia um grande numero de Mestres as Sciencias, e Lbguas, o titolo de
Collegio reaLm (Silva Leal, Mem. cit,, p. 485.)
' L. Àndrae Resendii Oratio hahiia Conimbricae in Gymnasio regis, aftfttver-
«Orio efus dedicatùnds die 4 hai. Jtd, ann. kdli.
* Este Regimento foi publlcado pelo Dr. Antonio José Teixeira, na lUvisia
de Educalo e Ensino, anno iv, p. 104 a 111 (1889). 0 reitor Figueirda diz naa
Buas Memorias da Universidade de Coimbra àcerca do Collegio real: «Den Eirei
Regimento, pelo qua! este novo Collegio se havìa de governar, isentando-o totsl-^
mente da jurìsdic^So do Reitor e da Universidade; e sem dnvida, que havia da
mandar ordens à mesma Universidade, mas nào se acham no Cartorio d*dla. Consta
porém, por outroa documentos que o primeiro Reitor on Principal d*este Collegio
0 COLLEGIO REAL 501
gio para com a Uniyersidade comprehende-se^ desde que se observe o
caracter do ensino superior do Collegio real; depois dos mestres fran*
cezes, 08 Jeanitas reduziram o ensino das Artes & fórma elementar oa
secundaria, querenda^omtado manter a antiga independencia^ o que
era absurdo.
Pelo refendo Regimento conhece-se a organÌBa9So interna do Col-
legio: eque haja nu dicto Collegio deseseis regentes^a saber: dois para
ensinar a ler, escrevery declinar e conjugar; e outo para lerem Gram-
matica; Rhetorica e Poesia; e tres para o corso das Àrtes; e os outros
tres para lerem Hebraico, Grego e Mathematicas; os quaes regentes
serSo aquelles; que eu por minhas provisSes nomear. . •> Pretendia-se
centralisar o ensino n'aquelle novo instituto: cPorque no dicto Colle-
gio se bade ensinar Grammatica, Rbetorica, Poesia, Logica, Philoso-
phia, Mathematicas, Grego e Hebraico, comò dicto he, nào haverd diaso
escholas privadaa nem publicas, na dieta cidade e seu termo, salvo nas
Escholas geraes, em que bei por bem que haja uma IÌ9S0 de Grego e
outra de Hebraico, e outra de Mathematicas, e oatra de Philosophia
moral, e assim nos conventos dos religiosos que na dieta cidade ha, nos
quaes os dictos religiosos sómente, e os seus servidores, e achegados^
que elles mantiverem à sua custa, poder^o ouvir e aprender as dictas
Ii95e8, outros alguns nSo.»' 0 trajo dos alumnos do Collegio real era
^da feÌ93lo e maneira, de que por minhas provisSes tenho mandado,
que andem os estudantes da Universidade.» Àinda hoje os estudantes
do Paleo (Lyceu) sSk) obrigados ao trajo dos que frequentam as aulas
da Universidade.
No Collegio real havia tres classea de porcionistas: os que paga^
yam por anno trinta e cince cruzados, os que pagavam trinta, e os de
vinte e ciuco, aos semestres adiantados. No Regimento do Collegio sa-
bre as tres porgdes acham-se indicadas as fórmas de alimenta9So que
competiam a cada urna d'essas tres classes. Eis a por9llo de vinte e ciuco
cruzados: «Dar-se-ba a cada um porcionista tres pSes alvos cada dia^
de peso de doze on9as cada um, a saber: um ao almo90, e outro ao
foi André de Gouvéa, Doutor em Theologia, ao qual, jontamentecom seus irmSos
Marcai e Antonio de Gouvéa, tinha £1 rei mandado estudar a Paris, e todos apro-
veitaram bem o tempo na companhia de seu tio 0 Doator Diogo de Gronvéa, qne
sa dita Universidade era Reitor cu Principal do Collegio de Sonia Barbara. . .»
1 £m uma Carta règia de D. Joao. i, de 3 de outubro de 1384 (Livro Verdtf
fl. 46), jà se estabelecia este centralismo: a Que os bachareis e escholares na Arte
grammatical leiam nas escholas publicas para evitar erros e inoongntidades.»
502 HISTORU DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
jantar, e outro & ceia; e nos dias de carne se Ihe darà um arratel e
meio de carne, a saber: tres quartas de vacca ao jantar, com omaes-
cudella de caldo, e outras trea quartàs de cameiro à ceìa. E nos diaa
de pescado se Ihe darà a valia da carne em peacado, e potagem de
grSo e hervas.» Na porgSo de trinta cruzados, a dìfferen9a consiatia
em doiB arrateis de cameiro cada dia, tendo algom dia na semana carne
de vacca; e dois réis de firucta todoB os dias. Na por$So de trinta e cince
cruzados havia mais urna quarta de cameiro em piccado, carne i ceia,
e tres réis de fructa. cAs quaes por9Se8 Ihe mandare dar o Principal
no refeitorio do Collegio, onde todos os porcionistas comerSo na ma-
neira seguinte, a saber: Vira a carne juncta para quatro em um prato
grande; e porém cada um comerà em prato sobre si, e assim cada um
em sua escudella de caldo per si.» No Regimento, artigo 18.®, estabe-
lece-se: cNo dicto Collegio bavera casa de refeitorio, onde comer& o
Principal, ou quem seu cargo tiver, e assim todos os porcionistas, e
emquanto asma comerem se lerd alguma cousa da Sagrada Escriptura,
assim corno se costuma fazer nos conventos dos religiosos.»
Ko fiih do Regimento do Collegio real vem expressamente consi-
gnado: c£ a pessoa, que bei por bem, que seja o Principal do dicto
Collegio, é 0 Doutor Mestre André' de Gouvéa. — E elle irà com sua
gente nas procissSes da Universidade, onde forem cruzes, diante dos
religiosos, em ord€nan9a de procisslo, e nfto serSo obrigados os do di-
cto Collegio a ir nas outras procissSes, que forem por modo untvemm.»
O Collegio real habilitava especialmente comò preparatorio para
OS cursos da Universidade; para ouvir Leis ou Canones era preciso
certid&o passada pelo Principal comò frequentara um anno de Logica ;
para ser recebido a ouvir Theologia ou Medicina era obrigatorio o ter
ouvido 0 curso inteiro de Artes. O Collegio era situado na rua da So-
pbia, na cidade baixa; por isso no alvarà de 6 de abrìl de 1548 vem
a rubrica: e Que nenhum estudante seja recebido a ouvir em ctmasem
licenja do Principal.» ' Por um alvarà de 16 de fevereiro de 1548 man-
1 «Eu EU Rei fa^o saber a yób Beitor, lentes, deputados e conselheiTOB da
UniTersidade de Coiinbra, que hei por bem e me praz, que pessoa algama nio seja
d^aqui em deante recebida a ouvir Leis ou CanoneSi sem Certidfto do Principal
do Collegio das Artes, de corno n'elle ouyiram um anno de Logica; e assim n2o
sera nenhum recebido a ouvir Tbeologia ou Medicina, sem mostrar certidSo do
dito Principal, de comò no dicto Collegio ouviu o curso inteiro das Artes. Notifico-
vol-o assim, e mando que assim o cumpraes e fa^aes cumprir, posto que este nSo
B€ja passado pela chancellarìa. Balthasar da Costa o fez em Lisboa a 6 de Abrìl
de 1548i Manuel da Costa o fez escrever. — KeL»
0 COLLEGIO REAL 503
dava D. JoSo m ao Corregedor da comarca de Coimbra, juiz de fora
da cidade e Conservador da Universidade, que fossem desoccupadaB
as caaaB da ma de Santa Sophia, que o Doutor Mestre André de Gou-
véa requisitasse para aposentar os Regentes do Collegio real, e que
elle cnSo tenha ras&o de se d'isso aggravar; etc.» SSo muitos os alva-
ràs concedendo privilegios ao Collegio das Artes, em tudo similhantes
aos da Universidade; quando mais tarde o Collegio foi entregue por
ordem do rei aos Jesuitas, elles trataram de os confirmar todos em seu
beneficio proprio.
Para formarmos urna idèa da organisa^So do Collegio real, feita
por André de Gouvèa, servimo-nos indirectamente do quadro do regi-
men intemo do Collegio de Ouyenne, que Jules Quicherat, servindo-se
tambem do processo indirecto, considera corno <a imagem dos regula-
mentos que estavam em vigor em Santa Barbara^ imagem aperfei$oa-
da, é verdade, por ter podido realisar meihoramentos, a que se oppu-
nha a for9a das tradÌ9Se6 universitarias, n'aquella terra virgem do Bor-
delez.»
Depois que Elie Vinet abandonou Portugal, em 1549, e se achou
em Bordéos, onde JoSo Gèlida era o Principal do Collegio de Guyenne,
conversou com elle sobre a necessidade de redigirem um livro, em que
ficassem consignados os principios pedagogicos de Mestre André de
Gouvéa, que tendiam a perder-se, em consequencìa do seu fallecimento.
JoSo Gèlida approvou a idèa, que nSo pdde logo ser posta em pratica,
por ter fallecido pouco tempo depois. Vinet nSo se esqueceu do seu
projecto, e passados muitos annos coUigiu todas as suas reminiscencias
Bobre OS methodos de ensino e organisa^fto escholar de André de Gou-
véa, publicando o livro intitulado Schola Aquitanica, em Bordées, em
J583. * Por via d'este livro conseguiu Quicherat reconstruir a organi-
sa^So interna do Collegio de Santa Barbara, que mais ou menos devia
reflectir-se no Collegio de Guyenne; tendo Elie Vinet regentado sob o
principalato de Gouvéa em Bordéos, e depois em Coimbra, é logico
reconstruir pela Schola Aguitanica a organisa9So doutrinaria do Colle-
gio real, d'onde elle proprio fora um dos gloriosos professores. * Eia
1 Schola Aguitanica, Burdigalae, apud S. Millangium typographum regiom,
2 Eia as palavras com que elle jnatifica a publica^ào da Schola Aguitanica:
«Andreas Gk)veaDU8, Lusìtanus, Scholae Burdigalensi praefectus, homo ad juven-
tutem recte ìnstituendam factus, Maturino Corderie, Claudio Budino, alliisque Gal-
lis praeceptoribuB ejusdem rei peritÌBsimis in coneilium adhibitis ludum suom opti-
504 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIBfBRA
corno Jules Quicherat resumia as dontrinas contidas no rarissimo livro
da Schola Aquiianica, onde se encerram os principaes topicos do re-
gimen pedagogico de André de Gouvéa:
<Àpplicou-se André de Gouvéa a pdr em pratica a doutrina dos
humanistas, que queriam que os jovens espiritos fossem familiarisados'
antes com as fórmas oratorias do pensamento do que exercitados na
investigag^ da sua natureza. Reduziu a dois annos o Curso de Philo-
sophia, o qual era de tres em Paris; baniu dos estudos litterarios todo
o exercicio preparatorio sobre Logica.
cEmpregou depois uma solicitude, para a qual todo o louvor é
pouco, para que os alumnos de cada classe tirassem proveito dos cui-
dados do professor. Com este intuito augmentou o numero das classes
ditas de Grammatica, elevando-as de dez a doze, e quiz que cm todas
as classes, particularmente nas baixas, faouvesse algumas secfSes, em
que OS estudantes, repartidos segundo as capacidades respectivas, fos-
sem submettidos a exercicios graduados. Fez-se isto sem alargar o
tempo dos estudos, havendo exames continuos no decurso do anno (exa-
mes de freguenciaì) para comprovarem os progressos feitos, e para fa-
zerem passar os alumnos de uma sec9So ou de uma classe para a sec-
9ào ou classe superior.
<As classes, comò em Paris, eram comparaveis com as LegiSes
romanas, e os que as compunham designados, assim comò antigamente
OS Legionarios, por seu adjectivo ordinai, desde os Primarios, que cor-
respondiam aos rhetoricos actuaes, até aos Decumanos ou principian-
tes. As duas classes addicionadas por Gouvéa formaram subdivisSes
da septima e da sexta; os estudantes, conforme elles aprendiam n'uma
ou na outra subdivisào, ajuntavam à sua denomina9lLo ordinaria o epi-
theto majores ou minores,
«Dominava a ordem e o asseio nas salas destinadas às lL95es. Os
meninos nSo se rostilhavam pelo chSo ; estavam assentados em banqui-
nhos rigorosamente alinhados. A nona e a citava classes, incompara-
velmente mais frequentadas do que as outras, por se dar n'ellas a in-
m& dÌ8CÌplÌD& et ezactà ratione docendi informaverat Quam post discessum ejus
in patriam, ac obitam, quam paulatim corrompi cemerem, Joanni Gelidae Valen-
tino, qui in praefectura illi snccesserat, aactor fìieram ut veteram illam et scitam
docendi rationem in litteras referret, qao posset quisque praeceptomm ex libello
noBse, quem anctorem praelegeret, ac quemadmodum sibi docendum foret. Consi-
lium probaverat Ludimagister utriusque linguae doctisrimus : sed serias rem ag-
gresBam perficere fata non penniserunt» (Ap. Gktalliear, Op, dt., p. 865.)
0 COLLEGIO REAL 505
strucQSo elementar safficiente para o maior numero^ estavam dispostas
em amphitheatrOi e os banquinhos separados em dez 8609808 sobre onze
estrado8 successi vos.
cTres vezes no dia, segando 0 antigo uso, tocava a campainha
para os alumnos virem & presenga dos seus professores: as horas eram
mudadas. A classe curta reunia-se ao meio dia, depois do jantar; as
duas classes de duas horas reuniam-se, de manhE, ds 8 horas, e de
tarde às 3.
<À classe de meio dia era para a exposÌ9So dos principios; as da
manhS e da tarde para a expIica9So dos auctores. Tudó isto se dava em
pequena dose. A partir da citava, copiavam os alumnos alguns trechos
de um auctor, ou urna regra do rudimento, as quaes deviam servir de
texto A lÌ9ào, e o que elles tinham copiado eram obrigados a sabel-o
de cor. Um d'elles recitava 0 primeiro membro da passagem transcri-
pta, um outro fazia a paraphrase d'ella em latim, um terceiro traduzia
palavra por palavra para francez, e assim por diante. 0 mostre intro-
duzia a pouco e pouco as ob8erva93es que julgava convenientes, e fi-
nalisava por um genero de interroga95es 0 mais util possivel, alterando
de todos OS modos o pensamento do auctor explicado, e perguntando
o que queria dizer n'estc ou n'aquelle caso. Os meninos aprendiam
por este meio a propriedade dos termos, ao mesmo tempo que se fa-
miliarisavam com as regras da grammatica e com os recursos da
syntaxe.
«Emquanto ao rèiho processo das disputas, jà se nSlo conservava
isso senào comò exercicio da memoria nas classes de Grammatica,
sondo reservada som ente urna meia hora depois da classe da manhS
para que os estudarites, som deixarem os seus logares, se interrogas-
sem mutuamente dcerca d'aquillò que acabavam de ouvir. 0 tempo que
Ihes sobrava, depois do cumprimento dos deveres do cada dia, empre-
gavam-o em compdr themas ou versos latinos àcerca de materias di-
ctadas pelo mestre, trazendo-os para serem copiados publicamente.
cAs classes do sabbado eram empregadas na recita9So goral de
tudo quanto se tinha aprendido durante a semana. As disputas (scAba-
tinas) d'oste dia erara mais prolongadas e visando outro intuito. Con-
sistiam em um verdadeiro examo, pelo qual seis estudantes de cada
classe, cada um por sua vez, eram examinados por outros seis estu-
dantes da classe superior; assim os Primarii eram juizos dos Secun-
darii, 08 secundarios dos Tertiarii, etc. A prova consistia em compo-
8Ì98e8 oscriptas, cujo assumpto era deixado à escolha de seus aucto-
res. Faziam-se copias em letras garrafaes, que se affixavam & entrada
506 HISTORIA DA UIOVERSIDADE DE COIMBRA
de cada classe. Os examinadores liam, £aziam em voz alta suas obser-
Ta(8e8^ discutiam as objec9Se8 de quem Ui'as queria apresentar, e clas-
sificavam por ultimo pela ordem do xnerecimento as seis copias, das
quaes nSo declaravam os auctores senfto depois da sentenza dada.
e Està parte que a mocidade tornava no cosino so se dava a par-
tir da outava; nas daas classes inferiores o professor fazia tudo, exee-
ptuando o dos Decumanosy o qual delegava aos mais fortes dos seus
triarios o cuidado de ensinarem suas letras aos novos que as nSo sa-
biam. Toda a parte do programma relativa i instruc^So dementar foi
escripta sob o dictado do bom Cordier, que Ihe infundiu a temura do
seu corayZo para com a edade infantil. £ncontram-se n'ella minucias
encantadoras, comò por exemplo a tolerancia recommendada ao mestre.
«Cicero, Terencio e o rudimento de Despauterio eram a base do
ensino do Latim. Na quinta come9avam a compdr versos, e a explica-
{fto de Ovidio era addicionada à dos prosadores. So comeyavam com
Virgilio na segunda e com Horacio na primeira. Os preceitos da Khe-
torica eram expostos desde a terceira, A classe do meio dia, na se-
gunda e na primeira, era consagrada ao estudo da Historia em confor-
midade com Justino e Tito Livio. Havia além d'isto, para os prima-
riosy concursos de dedamajSo, que tinham logar aos domingos, na sala
grande^ diante de todas as classes juntas. Foi para estes exercicios
que Bucbanam escreveu as tragedias de S. Joào Baptista e Alcestes,
sendo està ultima traduzida de Euripedes. Guerente, e Muret, que se
estreiou em Bordéos em 1543, trabalharam tambem para o mesmo re-
pertorio. Aquelles dos discipulos que melhor recitavam eram escolhi-
dos para desempenharem a pe9a com o apparato scenico, perante o
publico convidado. Montaigne louva muito este divertimento.
e Ciuco classes superiores, com accesso franco aos ouvintes exter-
nos, representavam ao mesmo tempo, no Collegio de Guyenne, o du-
plo curso de Philosophia e as lifSes extraordinarias de Santa Barbara.
Eram primeiramente os dois annos de Philosophia, cujos discipulos se
distinguiam pelos nomes de Dialectici e de Physici. Os exercicios es-
tavam aqui regulados comò nas classes de Grammatica, salvo durarem
OS argumentos duas horas. Cada anno teve seu professor, em contra-
rio da usan9a de Paris, em que um so regente era encarregado de toda
a instruc9ào philosophica de uma mesma promosso de estudant^. Em-
quanto Gouvèa foi Principal em Bordéos, a cadeira de Dialectica foi
occupada por Nicolio Grouchy. Este sabio mandou imprimir um re-
sumé das suas li$8es, que Elias Vinet considerava comò obra prima
n'este genero. Eram as Praectptiones dialecticae.
0 COLLEGIO REAL 507
cDuas outras cadeiras^ urna para o Orego e outra para as Mathe-
xnaticasi estavam estabelecidas em condifSes ìnteiramente differentes.
Davaxn todoB 08 dias ali urna IÌ9&0 de urna bora, do intervallo que me-
diava entre a classe do meio dia e a da tarde. Todos os estudantes de
Orammatica, desde a quinta, eram obrigados a frequentar 0 carso de
Orego. A assistencia ao de Matbematicas era obrigatoria sómente para
08 Secundarii, Primarii e PhUosophos. Como 0 curso de Matbematicas
dorava dois annos, d'aqni resultava a obriga9l[o de que^ quando cbe-
gavam ao fim dos seus estudos, 0 tinbam frequentado duas vezes . . •
cO quinto curso publico, instituido no Collegio de Ouyenne, con-
sistia n'uma UfSc de Tbeologia^ que tinba legar no primeiro domingo
de cada mez. . .
cA ordem dos estudos, comò se vé^ assentava sobre uma excel-
lente disciplina^ tendo por base a unidade do governo.
«André de Gouvéa foi um verdadeiro monarcha no seu meio, e
um monarcba segundo 0 ideal da Edade média^ iste é; governava com
a assistencia dos seus pares. Tinba corno taes todos os seus professo-
resy para quem nSo guardava reservas, exigindo d'elles egual fran-
queza. Todos tinbam direito de inspec92Lo e correcgSo sobre todas as
partes do Collegio, mantendo a egualdade qualquer que fosse 0 obje-
cto ou 0 grio de ensino entre os proféssores^ a quem definia a sua mis-
sSo comò um sacerdocio.»
Por este quadro rapido podemos vèr o caracter pedagogico que
André de Gouvéa imprimiu ao Collegio redi de Coimbra, para 0 qual
transplantou a tradÌ9So parisiense^ que elle n&o pudera modificar em
Bordéos.
Na memoria de Frei Fortunato de S. Boaventura, Do come^, prò-
gresèos e decadencia da Litteraiura grega em Portugal, fallando do Col-
legio real, tambem considera a Schola Aquitanica comò contendo os ele-
mentos da organisa9So dada por André de Gouvéa & funda9&o de D.
JoZo lU: cexporei sómente a ordem de estudos adoptada por André
de Gouvéa no seu Collegio de Bourdeaux, que certamente elle abra90u
quando estabelecia 0 de Coimbra. • •» Frei Fortunato de S. Boaven-
tura recebeu as noticias bistoricas àcerca do Collegio de Bordéos^ de
I. F. Adry, bibliotbecario da Congrega9&o do Oratorio em Fran9a, *
1 Auctor de um trabalho especial : NotidcLs do Collegio da Aquitanta ou de
BourdeauXf eendo principcU André de Gouvéa, em 1584; nas Ohra^ de Bandovil-
lìers, voL i, p. 229. Vid. Hùtoria e Memoriae da Academia da^ Sciendas, t. vm,
Fart I. (Memorias do» Correspondentes, p. 18.)
508 HISTORIA DA UNIVERSIDÀDE DE GOIMBRA
que Ihe mandou um resumo do opuscolo de Elie Vinet: «Haria dez
classes. A decima, chamada dos Abecedarios, era doB meninos de sett
ou menos annos de edade, que, sabendo ler, escrever e declinar, pas-
savam i nona, onde se aperfeÌ9oavam as no93es bebidas na antece*:
dente, e viam-se os Diaticos de CatSio em duas linguas, e observava-se
0 costume de entregar a IÌ9S0 escripta primeiro que fosse recitada. Na
oitava liam-se algumas Cartas escolhidas de Cicero, um extracto dos
CoUoquios de Mathurin Cordier, e algumas scenas de Terencio. Na se-r
tima continuava a explica9So dob mesmos auctores, porém s^uidos, o
que tambem se praticava na sexta. Alguns livros por inteiro das Car-
tas de Cicero, urna comedia de Terencio e alguns livros de Ovidio eram
explicados na quinta, e chegando à quarta concluia-se 0 estudo de Des-
pauterio, explanava-se um livro das Epistolas de Cicero, cujas Ora--
^68 mais faceis, bem comò as Tristea de Ovidio, ou os seus livros De
Ponto, e algumas comedias de Terencio, pertenciam a està classe. Na
terceira, depois de se explioarem algans livros inteiros de Cartas a.d
Familiares, ad Atticunij ad Brutum, ad Quintum, algumas Ora^ks do
mesmo Cicero, urna comedia de Terencio, os Fastos ou Metamorphoses
de Ovidio, estudavam os preceitos de Rhetorica tirados de alguni bom.
auctor. Na segunda, OragSes e algumas das obras rhetoricas de Cicero,
alguns historiadores, alguma cousa de Virgilio, as Metamorphoses de,
Ovidio e a Pharsalia de Lucano jà habilitavam os discipulos para
maiores emprezas, e d'ahi veiu proporem-se n'esta classe assumptos
de verso para serem tratados de repente, e fazerem-se diversos ensaios
de composÌ9lo e dechuna9SLo. Os da primeira classe davam-se princi-
palmente ao estudo mais profondo da Rhetorica, e tratavam de esqua-
drinhar 0 fiel desempenho das suas regras nos Historiadores, Poetas
e Oradores. Tal era, pouco mais ou menos, a ordem dos estudos das
Humanidades em Coimbra. — De ordinario, combinavara o Grego com
o Latim ; e era tanta a familiaridade d'aquelles sabios com a primeira
d'estas linguas, que Nicolào Grouchy fazia em Grego a explicaQlLo das
obras de Aristoteles; mas pelo andar do tempo André de Gouvèa es-
tabeleceu uma cadeira privativa da Lingua grega, e quasi todos os es-
tudantes da quinta e mais classes superiores assistiam & prelecgSo, que
durava uma bora, repartida entre a explicagào da Arte de Theodoro
Gaza e a interpreta9SLo de Homero e Demosthenes, e os Poetas e Ora-
dores que mais se approximassem d'aquelles grandes modelos da Poesia
e da Eloquencia.»*
1 JBdem. dt., p. 18.
0 COLLEGIO REAL 509
Come90u o Collegio real a funccionar em 2 de fevereiro de 1548
com 0 seg^inte pessoal:
Artes: Mestre Diego de Gouvéa, naturai de Santarem; Luiz ÀI-
vares Cabrai; Nicoiào Grouchy^ francez, e o Doutor Bordalo.
Latim e Grego: 1.^ classei Mestre George Baechanan^ eeeossez;
2.*, Doutor Diogo de Teive; 3.% Mestre Guillaume Garìnteus (Gue-
reiite)^ fraucez; 4.', Mestre Arlando Patricio^ escossez; 5.% Mestre Ar^
naud Pabricio, francez; 6.*, Mestre Elie Vinet, francez; 7.% Mestre
Antonio Mendes; 8.^, Mestre Fedro Henriques^ que lèra em Santa Cruz;
9.^, Mestre Gonyalo Alvares, que tambem lèra em Santa Cruz; 10.*,
Mestre Jacques, francez; 11.% Manuel Thomaz.
Grego: o Doutor Fabricio.
Hehraico: o Doutor Rosette.
Shetorica: Mestre JoSo Femandes (que lèra em Salamanca e Al-
cali.)
Principal: o Doutor em Theologia Mestre André de Gouvéa.
Sub'prindpal: o Doutor em Leis JoSo da Costa.
Procurador: o Licenciado Agostinho Pimentel.
Recebedor: AntSo da Costa.
Tambem ensinarnm no Collegio real, em substituigòes, o Doutor
Lopo Gallego, Ignacio de Moraes, Belchior Belleago, André de Re-
Bende e Cajado, eque foram eminentes em letras de humanidades.» ^
O Collegio real era denominado tambem Collegio das Artes e HuTnani-
dade, e vulgarmente Collegio novo e Collegio dos Fraricezea, mas se-
mente depois de ter passado para a direcfSo dos Jesuitas, em 1555,
ficou com 0 nome de Collegio das Artes, ccm que se tomou conhecido.
O fallecimento inesperado de Mestre André de Gouvéa, em 9 de
junho de 1548, veiu modificar as condi(3es prosperas do estabeleci-
mento do Collegio real. Succedeu-lhe temporariamente no Principalato
um seu sobrìnho, Mestre Diogo de Gouvéa, comò se ve pelo alvar& de
10 de agosto de 1548: cfafo saber a vós, Mestre Diogo de Gouvéa,
que ora mando por Principal do Collegio das Artes da cidade de Coim-
bra. . . » E em alvarà de 12 de novembre: cE por o dicto Mestre An-
dré de Gouvéa ser faUecido, bei por bem e vos mando, que cumpraes
o alvari acima escrìpto corno se n'elle contem, ao Doutor Mestre Diogo
de Gouvéa, meu capellSo, que ora é Principal do dito Collegio.» Suc-
cedeu no governo do CoUegio o terceiro Principal, o Doutor Mestre
1 D. Nicoiào de Santa Maria, Chronica dos Regrantes, Liv. x, cap. v.
510 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
JoSo da Costa, corno se ve pelos alvaràs de 12 de novembro de 1549,
21 de dezembro do mesmo anno, 9 e 20 de agosto de 1550. 0 quarto
Principal, o Doutor Pajo Rodrigaes Villarinho, ^ apparece com este
cargo no alvarà de 2 de maio de 1551, e figara ainda em 1554. O
quinto e ultimo Principal, antes da entrega do Collegio aos jesuitaa,
foi, postoque nSo use este titulo, o Doutor Diego de Teive.
A morte do Doutor André de Gouvéa veiu alterar fimdamental-
m ente a organisaySo do Collegio real; escreve Villar Maior, na Expo^
81^0 succinta, p. 59: «NSo se conservou tambem muito tempo o Cd-
legio daa Artea fora da jurÌ8dic9So do Reitor e Conselho da Universi-
dado, porque em novembro de 1549 deu Eirei novo regimento ao Col-
legio, pondo-o debaixo da inspec$&o e auctorìdade superior da Univer-
s idade.» No Livro dos Concdhos do anno de 1660, fl. 87 ^, lèse: cApre-
sentou 0 Doutor Jofto da Costa, que bora tem carrego do Collegio Real,
huma carta, com bum Regimento do que Sua Alteza mandava que se
guardasse no dito Collegio ; e na carta do dito Senhor, que vinha para
a Universidade, se continha: que elle por justos respeitos, que a isso
o moverSo, annexava o dito Collegio d Universidade, e que Ihe encom-
1 Em um poemeto latino, CorUmbricae Encomium, por Ignacio de Moraes, an-
tigo mestre do infante D. Daarte, e publicado em 1554, faz-se a descrìp^So do
Collegio realf sob o p'rincipalato do Doator Payo Rodrìgues Villarinho :
Gyinnasia aspicies, quae rex ingentibus orsis
In coelom nuper toUere caepit humo.
Die novem musis sedes bi destinat amplas:
Nomen et authoris regia tecta trahnnt.
Hic juvenum ingenuas grex informatur ad artes,
Atque bonos mores, ingeniumque oolit.
Certatim discanta feriont damoribos anras .
(G-lorìa dat stimalos suppliciique metus)
Qaàm muUos Progne diffundit gutture cantus
Vere novo, arguto stumas et ore sonos.
Tanti operis curam, et coetus libi froena, Pelagi,
Oceani domitor, Lysiadumque dcdit.
Namque bonae decorant te artca, atque indjta virtus,
FalladoB et sacrae Laureus omat apex.
Tuque agmen reddis docile, et moderarla habenis,
Exemploque vocas facta ad honesta tuo.
(Elogio de Coimbra, p. 26. Ed. Simoes de Castro. Coimbra, 1887.)
0 COLLEGIO REAL 511
mendava que aa cousas delle favorecesBem e olhaBsem, e se o dito Doa-
tor JoSo da Costa, qae mandava por Principal do dito Collegio, al-
gama coùsa Ihe requeresse.» ' Havia incerteza de opiniSes sobre a in-
dependencia dos CoUegios; assim, em carta de 10 de abril de 1537,
o rei ordenara que nos CoUegios de Santa Cruz se léssem Latim,
Grego e Àrtes liberaes com tres cadeiras de Theologia, independente--
mente da Uhiversidade; e depois de sustentar està dÌ8posÌ9So na carta
de 12 de julho de 1537, manda em 1540 que os CoUegios sejam in-
corporados na Universidade.
0 emprestimo dos CoUegios de S, Miguel e de Todos os Santos
tomou-se cessSo definitiva, e o monarcha teve de dar urna indemnisa-
(So ao mosteiro de Santa Cruz.' No emtanto a falta dos dois CoUe-
gios incorporados no CoUegio real fez com que, conhecida a urgente
necessidade dos escholares, o reitor EVei Diego de MurQa impetrasse
de D. JoSo m a fundajSo de um novo Collegio, que se denominou de
S. Pavlo.
Pelos processos de Diego de Teive e do Sub-principal JoSo da
Costa conhecem-se os trabalhos da partida do corpo docente para Por-
tugal; Diego de Teive tinha ido a Paris buscar os lentes e comprar o
material typographico para a Imprensa da Universidade. Quando se
metteram a caminho era pela quaresma, e està circumstancia veiu a
ser mais tarde um motivo de accusagSo, por terem comido carne nas
estalagens em que pemoitavam. Os lentes dividiram-se em dois gru-
pos, para n£o serem embara9ado3 por onde passassem; quatro lentes
francezes, Meatres NicoUo G-rouchj, Guilherme Guerente, Arnaldo Fa-
bricio e Jorge Buchanan, formavam um bando, uma comò companhia
de actores ambulantes, que iam exhibir a sua sciencia em uma terra
desconhecida. De facto, Buchanan era compositor de exceUentes tra-
gedias latinas, e na sua vida escholar estava costumado a ensaiar e a
dirigir as representafSes scenicas das férias coUegiaes. 0 outro grupo
era composto de tres lentes portuguezes e um francez, os Doutores
1 Doutor Silva Leal, ibid., p. 480.
^ « . . . dou8 iostramentos se fizeram por auctorìdade judicial, quando os Pa-
dres de Santa Cruz pediram ao senlior rei D. Sebastiao Ihe pagasse os CoUegios
de T<>d'>è os Santos e de Sam Migud, que seu avo Ihe tomara para estabclecer
n'elie o CoUegio real; o primeiro, feito perante o Doator Ambrosio de Sa, Conego
de Coimbra, Conservador Ecclesiastico do Mosteiro, em Mar^o de 1560, e o se-
gando perante Simio Rangel de Csustello Branco, Yereador e Juiz pela Ordena^io
da Cidade de Coimbra, em Dezembro de 1565 ...» (Cartorio de Santa Cruz, Arm.
14, com o titulo de CanceUario e CoUegios; visto em 1731, por Silva Leal.)
512 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIBIBRA
Diogo de Teive, JoSo da Costa, Antonio Mendes e Elie Vinet, que vi-
nha bastante adoentado. A viagem fez-se por terra, tendo de atraves-
j3ar a Hespanha, albergando-se em pousadas e hospicios monachaes, e
yindo ter a Salamanca. As fadigas da jomada e o estado de doenja
em que algans professores se achavam, e mesmo a falta de recursos
nas hospedarias hespanholas, fez com que se alimentassem com carne.
Isto bastou para entrarem em Portugal comò suspeitos de despreza-
rem a disciplina da egreja, e foi a base principal da intriga com que
OS Jesuitas dissolveram o florescente Collegio reaL D. JoSo ili estava
com a corte em Almeirim quando os lentes chegaram a Lisboa; An-
dré de Gouvéa foi apresentar-lh'os. 0 grande pedagogo jà devia saber
por Diogo de Teive o odio implacavel que Ihe votava se^ tio, o velho
Doutor Diogo de Oouvéa; Teive levava procuraySo para resignar no
velho doutor urna conezia theologal, e elle repellira essa generosa offerta,
dizendo que nada acceitaria de um luttierano. Vista a intimidade e con-
fian9a entre D. JoSo ui e o velho doutor, é naturai que este Ihe es-
crevesse contra o sobrinho, acoimando-o de lutherano, comò o fazia por
toda a parte; isto explica a frieza do monarcha, e a facilidade com
que deu ouvidos às intrigas urdidas pelo partido dos parisienaes e pelo
partido dos apostolos ou franchinotes. André de Oouvéa metteu-se re-
solutamente ao trabalho, secundado pela intelligente actividadc do sub-
principal Jofto da Costa, e venceu todos os embarasos, mas fallccia
quatro mezes depois da installaffSo do Collegio real,
Como vimoB, André de Gouvèa escolhera para seu Sub-principal
A Mestre JoSo da Costa,^ naturai de Villa Nova de PortimSo; na secca
noticia àcerca dos regentes vindos de Franfa, um Collegio inteiro, que
nos deixou Fedro de Mariz, nSo se suppSe qual a superioridade e o
caracter extraordinario d'este homem. Segundo urna referencia de Jac-
ques Busine, na Vita Gdidae, JoSo da Costa era Doutor em Theolo-
gia, Mestre em Artes, e fòra reitor da Universidade de Bordéos. Ke-
gentou no Collegio de Ouyenne, quando André de Gouvéa fi5ra a Pa-
ris buscar novos professores para aquella instituijSo; o grande Princi-
pal teve entSo conhecimento do seu forte espirito de disciplina e de ad-
ministragSo, e mais ainda quando teve de vir a Portugal ao chamado
de D. JoSo m. Sobre JoSo da Costa escreve Gaullieur, na Hiatoria
do Collegio de Ghiyenne: ca sua influencia no Collegio de Ouyerme,
corno administrador, foi das mais consideraveis e das mais felizes.»^
» Op. cit, p. 100.
0 COLLEGIO REAL 513
Quando André de Gouvéa accedendo aos desejos de D. JoSo ni teve de
vir a Lisboa em 1543, entregou o principalato do Collegio de Oujenne
ji JoSo da Costa, com os maximos poderes. ^ Qual o governo exercido
por JòSo da Costa, na ausencia de André de Gouvéa, e que mostra a
sua alta capacidade administrativa, toma-se para isso indispensavel tra-
duzir as proprias palavras do historiador do Collegio de Guyenne:
cEzn 15 de junho de 1543, JoSo da Costa tomou a direc9to do
Collegio de Gujenne. Nunca um homem collocou t2o bem a sua con-
fian$a corno GouvSa n'esta occasiSo. Deixou ao Sub-principal o Collegio
em um estado florescente, veiu encontral-o ainda mais florescente. JoSo
da Costa, exceliente administrador, occupava-se pessoalmente de todas
as minucias, velava de modo que nada se perdesse ou desperdifasse,
tirava partido das menores parcellas, e occupava-se activamente na co-
bran9a das dividas, que por bondade ou por falta de tempo André de
Oouvea deixara em atrazo.
cQuanto aos fornecimentos, e ao mesmo tempo para uma multi-
dZo de outros arranjos materiaes, Jo2o da Costa poz-se em relaySes
directas com um rico mercador de Guitres, encantadora aldeola a al-
gumas legoas de Bordéos na confluente do Tlsle e do Larry. 0 mer-
cador, chamado Thomyon Faure, tinha um filho que estudava no Col-
legio d'Aquitania; elle fomecia cada anno ao Sub-principal, lenha, vi-
nho e trigo necessarios aos gastoa d'aquella instituijSo.
cEra no mez de maio, isto é, regularmente, que JoSo da Costa
costumava fazer as suas provisSes. — Uma parte do pre$o da compra
era paga pelo Sub-principal de contado, e outra ou o resto era encon-
trado com a pensSo de JoSo Faure, filho do vendedor.
cO pSo necessario & alimenta93o dos professores e dos alumnos
era cozido no Collegio, onde a municipalidade tinha mandado construir
um forno com grandeza sufficiente. Realisavam-se assim grandes eco-
nomias, da mesma forma que na carne do talho, que se nSo comprava
fora. — JoSo da Costa, dotado de um excellente espirito pratico, utili-
sava todas as cousas, velando para que nada se perdesse.»^
1 «tSpeciallement et espressement, est-il ajouté, pour et au nom d'icelluy
oonstitaant, regir, gouvemer et administrer au Colliege de Guyenne ; prendre et
recepvoir toutes et chascanes les aommes à luy deues et qui proviendront tant
pour raison dea pentionnidres estantz en icelluy, marfinetz, que autres estudians
andìt Colliege; d'ìcelles bailber quictances, bonnes et valables, les contraindre
par jnstice et par toutes autres voyes deues et raisonnables, etc.» (Ap. Gaullìeut,
4)p, cit,^ p. 168.)
2 Ibidem, p. 171, 175 e 176.
HI8T. im. 33
514 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA,
Comprehende-se que André de Goavéa para desempenhar-se do
seu comprommisso com D. JoSo ui, ao vir a Portugal em 1547 para a
fìindagSo do Collegio recd, contasse com a capacidade administrativa
de JoSo da Costa para ter assegurado o exito da emprezai podendo
regressar a Bordéos ao firn de dois annos. O Sub-principal do Collegio
de Guyenne veiu com egaal cargo no Collegio de Mestre André. ^ JoSo
da Costa tinha em dezembro de 1540 side nomeado Reitor da Univer-
sidade de Bordéos^ e o seu grào de Theologia tornava-se essencial para
o cargo de Sub-prìncip^I f^pour faire les aermons et admonitvms aux
écoliers.i^
Na contesta$So ao libello contra JoSo da Costa pela InquisigZo de
Lisboa, em outubro de 1550, elle descreve os seus trabalhos no Col-
legio de Bordéos, e recorda os grandes esfor903 que empregou para
dirigir as obras do Collegio ì'eaL em Coimbra depois da morte inespe-
rada do Principal André de Goavéa, tendo de manter a disciplina de
mil e quinhentos estudantes fidalgoS; e de provèr à Iiabita9ÌLo e ali-
mentaglo dos porcionistas e professores, no meio das intrigas do Don-
tor Diego de Gouvèa, sobrinho, que ficara resentido por Ihe ser reti-
rado 0 principalato. Ao apresentar a defeza na simples narrativa das
soas innumeras occapa93es, deixa ama rapida descripsSo da vida in*
tema do Collegio real, que tanto se parecia na organisagSo e disciplina
com o Collegio de Guyenne:
cEntende provar que os lentes que vieram de Franya na coresma
erSo por todos oyto, e vinhSo partidos em duas bandas, quatro em cada
bua, e bua banda partio diante e erSo nella quatro francezes .s. Mes-
tre NicolàO| Mestre Guilherme, Mestre Jorge, Mestre Fabricio e tra-
ziSo sua despeza; e a banda do rèo partio depois algus dias, e nella
1 Sobre a actividade de Jo2o da Costa, acerescenta Qaolliear : «Ab mil pre-
occupa^òes que envolviam a direc^io do Colico de Guyenne, e de que temos
dado ama ideia, n2o impediam Jo2o da Costa de prestar servi^ aos seus com-
patriotas e accucQr-Ihes nas difficuldades. Piiatas normandos tinham apresado o
navio portqguez Santa Maria d'Alup, e condnziram-no a BordéoS| teimando qu»
o navio era hespanhol, pois que haviam recomeQado as guerras entre Carlos t e
Francisco i. O capitflo da Santa Mariaf Antonio Martins, naturai de Tavira, no
reino de Portugal, teve a felix idèa de recorrer ao seu compatriota Jo2o Feman-
des da Costa, Sub-prìncipai do Colico de Guyenne, a quem deu plenos poderes
para demandar os marinheiroa normandos. A causa foi apresentada ao jais do al-
mirantado; este, tendo achado provado que a Santa Maria era realmente urna ca-
ravella portugueza, mandou entregal-a ao seu Intimo proprietario^ e oondemnoa
OS normandos a pagarem a Jo2o da Costa a somma de 120 escudos de curo, do
que passou recibo, e entregou a Antonio Martins.» {Op. ciL, p. 176.)
0 COLLEGIO REAL 515
yinhSo tres portngaezes, .8. Diogo de Teive, Mestre Antonio Mendes
e elle rèo e Mestre Helias eoo frances o qaal era muito doente, e assjr
elle reo vinha milito doente de hum bra(o que tem aleijado, qae on-
vera de perder^ qne Ihe foy cauterisado e Ihe tìrarXn delle muitos oe-
sosy do que tem mtiitas dores e nos rins e he muito suj^ito a vomitos
e ha enxaquequa, que chamXo em Fran9a migreyna^ e comtudo non-
qua qùis corner carne por ser coresma nS nenhii da companhia posto
que achassem carne em muitas vendas pello caminho e ob hospedes o
i^nyidassem a isso dicendo que por Espanha todos os caminhantes a
<K>miKo, e éomente he lembrado que a comeu corno jà tem confessado
em Salamanqua e na Torre de MScorVo com multa necessidade e por
mais nfio poder pelo que nÌo pode ser verdade o que diz a Justiya.
cEntende provar que em Coymbra sempre teve muitos e gran-
dèa trabalhos assy no regimento do Colico e dar ordem a se averem
matitimentos pera hos collegiaes e pessoas delle corno tambem nas
obraSy porqne nSo se fazia nada nellas sem sen mandado e sem elle
intrevir em tudo^ e assy em governar petto de mil e quinhentos estu-
dantes desvàirados de condÌ9So, gente* nossa portugueza e muito fi*
dalga, que Ihe moySo os ossos e a vida, e em ler tambem aIgSs vezes
por lentes, que er3o ausentes, ou estavSo doentes; e por rezAo destes
immensos trabalhos e sua ma disposifSo do brayo, enxaqueqna, vomi-
tus e ictiritia que teve algumas vezes, comeo carne em dias prohibidos^
corno jà tem confessado^ e seriXo cinque ou seis vezes em todo o tempo
que esteve em Coymbra, o que fez com multa necessidade, e tambem
9eou em alguns dias de jejum, comò ja tem confessado, o que tambem
fez com muita necessidade, e diz que os lentes do Collegio tem mui-
tos e immensos trabalhos em ler seis horas de IÌ9S0 cada dia, e em
dat latins a seus disdpulos e Ihos emendar, e em estudar suas Ii$8es
de noyte por Ihe nSo fiquar tempo de dia, e que tem pera si que al-
gSfs que com elle nos taes dias cearXo 0 nZo fariSo sem necessidade,
pollo que nSo he de crer 0 que diz a JustÌ9a.9
Em outros articulados por maneira de defeza de Mestre JoSo da
Costa acha-se mmuciosamente descripta a vida intema do Collegio
realj em tudo similhante ao de Bordéos:
cEntende provar que no Collegio de Coymbra todos os dias ou-
via missa com os seus coUegiaes e os amoestava muitas vezes que fos*
sem bona e virtuosos e amigos do servilo de Deca e que nXo fisdtaasem
nunqua de vir ha missa, e que faltando-lhe na li^o Ihe perdoaria mas
se Ihe faltassem na missa que Ihe nXo aviarie perdoar, e tinha sena
apontadores que Ihe apontavam os que nSo vinhSo, e eUe reo os caa-
88*
516 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIUBRA
tigava e reprendiai e tinha oh piquininos na missa junto comsigo pera
OS ver rezar por que se nfto descnidassem ou palrassem estando loroge;
« OS £azia todos confessar sete vezes no anno e os amoestava e inci-
tava a isso, e confessav&ose bespera da purificafSo de nossa sSra, o
prìmeiro sabado da coresma, sabado de Ramos, bespera de pentecoste,
bespera dastinip9So de nossa sSra, bespera de todos os santos, bespera
de nat^l, o que tudo fazia corno muyto bom catholico christSo que he
e estas obras e outras muitas que fez que aqui nSo p8y o manifestào»
cEntende provar que elle he o prìmeiro que nestes reinos insti-
toia irem os coUegiaes do Collegio corner em refeitorio com muito si-
leDcio e honestidade e que se Ihes lesse ao corner algua cousa do Novo
Testamento corno se faz nos conventos dos religiosos, e se fizesse a
ben9So da mesa pollo principal ou lente que em seu lugar estivesse e
dissessem as grafas os coUegiaes muito devotamente, e os mais peque-
nos o Pater noster entoado, e outrosy instituio que se dissesse todo&
OS dias ha noyte hum hynmo, que come9a: Christe qui lux es, et diesj,
c3 suas antiphonas e ora$8es e commemora95es dos sanctos, segundo a
tempo, e que se dissesse todos os sabados e besperas de nossa s5ra a
Salve regina pollo mesmo modo, e da pascoa até pentecoste Regina
codi laetare, e com muita devo9So tudo cantado pollo mestre de canto
e coUegiaes com vellas e tochas accesas todos em giolhos e elle reo
sempre com elles, e depois de acabado o hymno hos mandava reco*
Iher, o que tudo elle reo constituio e fez pera servi90 de nosso s8r e
aumenta9So da deva9fto e para que os seus cstudantes fossem cres-
fendo em vertude, as quaes obras todas sSo de muito bom e fiel chris-
tSo que eUe he e sempre foy.
cEntende provar, que em muitas festas do anno fez dizer missa
solemne na capeUa do Collegio^ e rogava a àlguns clerìgos de fora que
viessem .ajudar a fazer o officio, e Ihes mandava as vezes pagar seu
trabalho ou dar de jantar, e assy nas precÌ93e8 solenes que eUe fazia^
nas quaes levava todo o CoUegio assy lentes comò estudantes todos
em ordem e os piquininos diante c8 suas horas nas mSos razando^
mandava a todos os derigos que vem ouvir ao CoUegio que viessem
ha precÌ9So com suas sobrepeUzes, e elle reo as mandava pidir em-
prestadas para aa dar a algus que as nSo tinham. . .
cEntende provar que no CoUegio de Bordéos do qual foy muitoa
annos presidente ouvia todos os dias missa com os seus coUegiaes e oa
amoestava que fossem bons e virtuosos e Ihe dava, muito boa e catho*
lica dotitrìna, e tinha seus apontadores que Ihe apontavam os que fai*
tavam ha missa, e eUe reo os assentava e reprendia muito asperamente^
0 COLLEGIO RE AL 517
« 08 fazia todos cSfessar sete vezes no anno, que tudo sSo obras de
maito bom e fiel christSo. E diz que por rezSo dos carregos qne tinha
<asy do Collegio corno tatnbem por ser Reytor da Universidade todos
OB annos e mnitas vezes ser ellegido vìfecSsellarìo^ muitas pessoas ti-
nhSo negocios com elle reo e vinhSo a sua casa, mas nSo conversava
nunqua pessoa de suspeita^ antes as pessoas que conversava eram
inulto nobres e virtuosas, nem he sua lembran9a reprender friàmente
pessoas que fallassem mal da fee ...»
A familia dos Gouvèas era comò urna dynastia de humanistas e
pedagogos; D. Manoel e D. JoSo m, pretendendo os melhores mes-
tres em theologia ou humanidades, dirigiram-se sempre aos Goavèaa
a quem consultavam nas suas reformas. Pela s'abia direc(Ao que mos-
travam no principalato dos Cóllegioa de Santa Barbara, em Paris, e
-de Gnyenne em BordéoS; eram admirados em toda a Europa. Quicherat
«screveù a Historia do Collegio de Santa Barbara, onde tanta gloria
refulge sobre o genio portuguez; ^ e a Historia do Collegio de Ouyenne,
escriptà por Ernest GauUieur, completa o quadro surprehendente da
Renascenja mostrando a ac$So directa dos portuguezes n'essa criae
^suprema da intelligencia europèa. Resumiremos ialgumas noticias so-
bre 0 Collegio onde André de Qouvèa come90ù o seu principalato; o
Collegio de Santa Barbara fìSra fundado em 1460 por Geeflfroy Lenor-
mant, um dos mais afamados professores do tempo de Carlos vii. O
titulo do Collegio era tomado da designagSo dialectica de Barbara (ra-
«cìocinio em Barbara, Celarent, Baroeo, e em Baralipton) o argumento
èlementaf, o syllogismo articulado pela maior^ menor e consequencia
sobre generalidades positivas; Barbistas era o nome dado aos alamnos
^0 Collegio por onde passaram os maiores espiritos' do seculo xvi. Na
sèrie dos Principaeè Lenormant, Lemaistro, Baret^ De fV)ntenayy Pel»
lier e Morel, destacasi-se por um singular talento pedagogico os por-
tuguezes: Doutor Diego de GouvSa^ o velbo, em 1520; André de
Gouvéa, emi 1533; Diego de Gouvéa, o mo90) qtiegovemoa seis an-
nos, e outra vez o Doutor Diògo de Gouvèa^ que falleceu em 1558:
Aléiii d^estesi figura pelo saber e talento pedagogico Marcia! de
Gouvèà, sobriiìho mais velho'de Diego de GouvSa o antigo; come*
•90U a carreira de professor ensinando Ghrammàtica ne Collegio de
43anta Bàrbara, e Kbetorica em Poitiers; tinha ji a sua reputarlo for--
1 Jule^ Quicherat, Histoire de SairUe-Barbe, CoUégtf etc. PaHs, 186Q^ 3 voL
>— Ganllieuk', HiiUnre du Coltesi de Guyeme^ Paris, 1874, 1 vòL in-8L*
518 mSTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIliBRA
mada quando veia para o Collegio real de Coimbra. Qoicberat dis qne
elle imprìmira em 1534 luna Grammatica latina pelo systema da da
Donato, oom o titolo Jmtitutiones in odo Orationis partea. Foi disci-
pulo no Collegio de Fran^ (entflo CoUegio real) do prìmeiro professor
de hebraioo, Paulo Paradis, e oompunha versos latinoa com Cacilidade
e elegancia.
Antonio de GouvSa, ainda mais celebre que o inn2o, pelos con-
flictoB philoBophicos com Fedro Ramus sobre o Aristotelismo, nSo quiz,
acompanhal-o para Portugal, por conbecer a terrivel pressSo do fana-
tìsBio que atrophiava a sua patria. Antonio de Gouvéa professou em
difTerentes Universidadea meridionaes, renovando o estudo do direita
romano pelas relafSes com a vida social revelada nos poetas latinos, e
rebabilitando a obra de Aristoteles pelo conbecimento directo do texto
grego separado dos absurdos dos commentadores, Calvino, em 1550,»
accusava Antonio de Gouvéa de livre-pensador, e Ronsard, seu amigo,
disia d'elle, de Buchanan e de Tumebo, que tinham do pedagogo ape-
nas a loba e o gorre (illos homines nihU peàagogi praeierjuam togam
fUeam habuùee). Era entSa costume serem os professores celibatarios^
e com um certo aspecto sacerdotal. VS-se qual o espirito de malevo^
lencia que em Portogal viria intrigar os mestres francezes no animo
de D, JoZo III, jA dominado pelos Jesuitas,
Acompanbou tambem a André de Gouvéa, e a Marciai, Diego da
Gouvéa, filho do Doutor Gonfio de Gouvéa, de Santarem, cjiamada
de Paris para lente de Theologia na XJniversidade de Coimbra; foi co-
nego da sé de Lisboa, e importa nSo confondil-o com Diego de Gou-
véa, o mo$o, que Coi Principal em Sonia Barbara, que pertenda |K)a
Gouvéas do ramo dos Ayalas. Outros membros d'està ianùlia nos
apporecem florescendo nos estudos de Paris, corno se sabe -pelo termo
de jnramento do grio na faculdade de Artes; Quicherat, na Historia
do CoUegio de Santa Barbara^ cita os nomes de Roque de Gouvéa e
SimSo de Gouvéa, graduados em 1525; Damilo, JoSo e Miguel de
Chmyéa, graduados em 1527; e Diego Rodrìgues de Gouvéa, em 1533»
Emfim, pela Bietaria da Univereidade de Pari», de Buleus, e pela re-
finrida obra de Qui^ecat, figura um outro Antonio de Gouvéa, de
Evora, rogando um curso de Philosophia, em 1542.
Entro oa i^geiites portogueses, que André de Gouvéa trouxe par»
Portugal, era um dos mais distinctos Diogo de Teive, Doutor em Leis,,
que o acompanbara de Paris, onde professava Humanidades, para ^
CMegio de Chq/ewne, em 1534. Desde os tempo|i de frequencia do CoU
de Santa Barbara^ urna estreita amisade o ligara a Antonio de
0 COLLEGIO REAL 519
OouvSa e a George Buchanan.^ £m 1528, seu primo Manuel de Teive
era dìscipulo em Mathematicas do celebre JoSo FemeL Como os Tei-
yesy de Braga, achamos um Antonio LeitSo, seu conterraneo, occu-
pando a cadeira de Physica, desde 1547, no Collegio de Santa Bar-
haruj e em 1553 a cadeira de Philoaophia.
Entre os sabios estrangeiros, que André de OouvSa trouxe para
o Collegio reàl, era um doB mais vantajosamente conbecidos na Europa
George Buchanan, eximio poeta latino, A sua vida foi immensamente
accidentada por desastres de familia e pela liberdade de um espirito
critico. Da sua autobiographia, escripta dois annos antes da morte,
tiram-se noticias que esclarecem a situajSo dos bumanistas em uma
època de uma grande actividado mental e de uma terrivel reac9So theo-
logica. Nascerà Buchanan em 1506, na Escossia, ficando muito cedo
orfSn de pae, com mais sete irmSos reduzidos & miseria; um tio o man-
don -para os estudos de Paris, mas passados dois annos a morte tirou-
Ibe està protec9Sò, tendo por effeiio de grave doenja de regressar &
Escossia. Em 1523, tendo uma esquadra franceza feito um desembarque
nas costas da Escossia, Buchanan correu &s armas com os highlanders,
adoecendo outra vez, em consequencia do rigoroso inverno. Na conva-
lescenza, relacionou-se com o celebre professor Jo2o Maior, que o
trouxe para Paris em 1534, onde se manifeatou centra as doutrinas
do Scholasticismo, adherìndo ao movimento religioso iniciado por Le-
fevre d'EtapIes. Sob as mais duras privaySes Buchanam completou ao
firn de dois annos os estudos, recebendo o barrete de Mestre em Ar-
tes, e pela sua crescente reputazSo mereceu entrar corno regente de
Grammatica para o Collegio de Santa Barbara, cargo que occupou du-
rante tres annos. Foi aqui que André de Gouvéa conheceu o seu alto
valor. Contractado comò preceptor de um joven conde ^scossez, vol-
tou i patria, sendo escolhido por Jacques v para dirìgir a educafSo
de um filho naturai. A sua perfei(Só na metrica latina, e uma tenden-
cia especial para o epigramma, amotinaram contra elle a raiva dos fra-
des franciscanos, por causa dos poemetos saQrricòs Somnium e Fran-
€Ìscanu8, Perseguido pelo odio do cardeal Beatone, fugiu para Inglater-
ra, d'onde passoa segunda vez para Franza; foi n'esta situasse que
André de Gouvéa o encontrou em It^aris e o contractou comò professor
para o Collegio de Guyenne. Em Bordéos contriahiu amisade com os
celebres professores que levaram aquella institui^Zo £ maior celebri-
*
1 Qanlliear, Op. eit,, p. 89. , j
520 HISTORIÀ DA UNIVERSIDÀDE DE COIMBRA
dade, merccendo a mais intima affeÌ92lo de Elie Viuet^ que conser*
vou até aos ultimos dias da vida. Na coltura da poesia latina fug^u-
Ihe espontaneamente a musa para o epigramma, levantando centra ai
o odio dos dominicanos e dos frades de Santo ÀntSo. As persegui*
(Ses religiosas exerceram-se em Bordéos pelas fogueiras inqaisitoriaes,
e quando Buchanan julgava ter encontrado um asylo nas terras do pae
de Montaigne^ soube que o cardeal Beaton o denunciara ao arcebispo
de Bordéosy senhorio directo d'essas terras. Foi por 1541, no arder
mais selvagem das perseguigSes, que Buchanan fugiu para Paris, onde
em 1542 o foi encontrar Elie Vinet, que deixara o Collegio de Out/etme
por motivo de doen9a. Guerente tenciooava tambem ausentar-se do
Collegio, mas revogou esse intento. Quando André de Gouvèa foi a
Paris completar o quadro dos regentes para o Collegio real ahi encon-
trou George Buchanan, que acceitou o convite de vir com elle,^}ara
Portugal, bem comò seu irmSLo Patricio Buchanan. No Collegio de
Guyenne existia um regente, Mestre JoSo Talpin, que emprestara a
André de Gouvéa seis escudos de ouro, e quo, ao saber da viagem do
Principal a Lisboa, Ih'os reclamara instante tnente; a divida era de
1540, e André de Gouvéa afiBrmava jà o ter embolsado d'ella. ' Jo2o
Talpin enfureceu-se e abandonou o Collegio. Està circumstancia nSo
deve passar desapercebida, porque JoSo Talpin, que veiu a ser conego
theologal de Périgueux, foi um dos accusadores de Buchanan & Inqui-
sigSo de Lisboa, e promoter da perseguij&o que soffreram oa meatres
francezes, denunciando-os comò lutherÌEinos.
A pleiada brilhante dos professores do Collegio de Guyenne per*
tencia tambem Elie Vinet, chamado em 1539 por André de Gouvéa.
D'elle escreve Gaullieur: cDe todos os professores eminentes que en-
sinaram no Collegio d'està cidade, neiihum ficou mais popular; o que
se explica facilmente, porque Vinet passou, por diversas vezes, um
quarto de seculo em Bordéos, sondo um dos seus melhores historìa*
dores e am dos primeiros archeologos que tiveram a idèa de interro-
gar OS restos do esplendor passado, para mostrar i posteridade qual
fòra, no tempo dos Cesares, a importancia e a riqueza de Bnrdigala.»*
Os tra90s biographicos de Vinet q2o sSo menos pittorescoa do q^ue os
do seu intimo amigo Buchanan; frequentou a Univeraidade de Poitiers
& custa do ensinò particular, em que se tornou distincto, alcan9àiido
1 Oaullieor, Op. eii., p. 169.
> IbideIx^ p. 137.
0 COLLEGIO REAL 521
f>or perseverantes economias os recursos para ir continuar os seus es-
tados em Paris, onde apprendeu o Grego e as Mathematicas. Quando
Teiu para o Collegio de Quyenne jà tinha regentado em Santa Barbara,
segundo as memorias de Bellet, o que é plausivel pela circnmstancia
do convite de André de Oouvèa. Em Paris, depois de ter deixado Bor-
déo8 por doen9a, publicou urna tradncgSo do Tratado da Sphera, de
Froclusy que servia de compendio nos recentes estudob da Mathematica.
Apontaremos mais algumas particularìdades da sua vida, depois que as
perseguÌ98cs de Coimbra o fizeram regressar a Franfa.
Kicoldo de Grouchj, que La Croix du Maine caracterisou coma
^grande philosopho e muito versado no conhecimento das sciencias hu-
manasp, era naturai de Rouen, onde nascerà em 1510. D'elle escreve
-Òaullieur: «Era effectivamente um professor de grande merito. De-
pois de ter terminado de um modo distinctò os estudos, e conquistado
gloriosamente os seus grios, foi para Paris, onde durante um anno,
pouco mais ou mcnos, professou no Collegio de Santa Barbara, André
de Gouvèa, habil em discemir o valor particular de cada um dos pro-
fessores que o rodeavam, convidou Grouchy a acompanhal-o para Bor-
<[éos, 0 que elle acceitou promptamente. Foi um dos que mais contri-
buiram para estabelecer a justa reputagSo de superioridade que teve
«durante muito tempo o Collegio de Guyènne. Segundo o juizo do faisto-
riador de Thou, Nicolào Grouchjr era homem de rara erudito; foi o
primeiro que se servlu da lingua grega para explicar e commentar
Aristoteles, em uma època em que em Franca ainda havia poucos hel-
lenistas notaveis. Gouvéa cohfiou-lhe a cadeira de Dialectica, que oo*
cupou até 1547, isto é, durante treze annos, com um grande exito.
Orouchj resumiu as suas li^Ses em um livro que imprimiti com o ti-
tulo de Praeceptiones dialecticae, que Elie Vinet considerava corno uma
obra prima dò genero, p ^ GauUieur mostra a importancia dos seus cur-
^os: cN2o se pode apresentar uma melhor prova do successo extra-
ordinario que teve o ensinò philosophico do joven professor rouennes.
Um certo numero de estudantes^ attràfaidos pela justa nomeada das
«uas liySeSi deixaram a Universidade de Paris para vir a Bordéos oa-
^r 08 eruditos commentarios sobre Aristotéles, que Grouchy, por uma
innovagSo andaz que nSo teve imitadores, dictava na lingua do proprie
texto.B^ Grouchy abra^ara secretamente as doutrinas religiosas do pro-
t Op. di., p. 90.
< Ibidem, p. 102.
522 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
teetantismo. Montaigne cita-o corno eeu meetre. Grouchy conservou
urna profonda amisade pelo sea patrìcio Guillaume de Guérente, que
viera tambem para o Collegio real de Coimbra; eecreve Quicheratr
cGrouchy e Guérente^ quer corno alumnos, quer corno profe88orc8| ti-
nham passado por Santa Barbara; a ambos, normandos e gentis-homens^
unia-OB urna amisade exemplar, em que a communhSo do talento era.
o prìncipal la9o: Guérente humanista, Grouchy philosopho e antiqua-
rio. Os 8CU8 nome8 bSo inseparaveis em todo8 08 livroB em que 8e trata
d'elles.»* Guérente exercera prìmeiramente a Medicina, ante8 de se
entregar ao8 e8tudo8 das Humanidades; André de Gouvéa, convidanda
Grouchy para Bordéo8 e depoÌ8 para Coimbra, nSo podia deixar de
contar tambem com Guérente.
Um outro profeBBor, Arnold Fabricio, naturai de Bazas, que An-
dré de GouYéa contractara para o Collegio de Guyenne, acompanhou-o*
tambem para Portugal. Como diz Gaullieur: tFabrlcio pa88ava por um-
do8 primeiro8 oradore8 do seu tempo; a88im comò Britannus e o im-
pre88or lyonez Scba8tiSo GrypfaiuB, foi amigo do deagra^ado e tZo in-
tereB8ante Etienne Dolet, que tinha abra9ado a8 idéas da Reforma, e
que foi uma daa victimas do fanatÌ8mo cego d'està època, t' Arnold
Fabrìcio deixou Portugal por falta de Bande, porventura antevendo as
perBeguifSes que se tramavam centra ob profesBorcB do Collegio real. ^
Na Vida de Buchanan falla-8e da amisade que unia CBtcB profcssorcBr
lErant enim plerique per multoB annoB summa benevolentiaconjuncti...»
Quatro mezes depoÌB da in8talIa92o do Collegio real fallecia em
Coimbra McBtre André de Gouvéa, em 9 de junho de 1548. Qiuche-
rat diz que elle exprimira, antcB de morrer, o deaejo que Diogo de
Teive Ihe BuccedeBBC no principalato em Coimbra, e JoSo Gèlida em
BordéoB. Na abertura dos OBiudoB, no primeiro dia de outubro d^cBse
anno, Belchior Belliago alludiu na Ora92o de Sapientia a eate deplora-
vel acontecimento : «hnnc nobiB tristia et importuna fata hac ultima
aestate eripuerunt, et illiuB morte magnum litterarum omamentum ab»
tolerunt. » ^ André de Gouvéa foi Bepultado no moBteiro de Santa Cruz^
a Bua obra ficou incompleta e sujeita aoB aBsaltOB da intriga dos Jesui-
taB, que conspiravam centra ob mestres francezcB, fazendo valer aa
1 HiHoirt de SainU-Baròe, t, i, p. 229.
^ Hit(4nre du Collège de Gyyenwtf p. 100.
3 iUciem, p. 245.
^ De diiciplinarum omuMfm Mtmtiii ad Umveream Acad. Conimbr. (Ap« Bar-
iMMa Ifachado, BiU. Lmitana.)
0 COLLEGIO REAL 523
BUBpeitas de protestantismo centra e^es. Belchior Belliago nSo podia
esquecer-Be dos epigrammas de Buchanan e do rigor disciplinar de
Diogo de Teive; foi effectivamento este o primeiro professor accuaado,
Bendo preso na InquisigSo desde 1550 a 1551. JoSo Talpin, e Ferre-
riu8| que residia no mosteiro. de Kinlorsi na Escossia^ carregaram com
as Buas dela^Ses a accusa^So centra Buchanan. NSo eram ob epigram-
mas 0 que se allegava centra o celebre professor; a questuo da Gra$a
efficiente, que os Jesuitas tanto combateram, aqui apparece conio um
pdmo de discordia, porque Buchanan era. entSo accusado de abra9ar
as opiniSes de Santo Agostinho. ^ Em urna carta de Martim Gonsal*
VCB da Camarai de 21 de maio de 1570, allude-se a estas prisSes dos
mestres francea^es: «Os Padres da Companhia se encarregaram do Coir
legio real, em tempo em que alguns do9 principaes Mestres d^eUeforam
presos na Inqum^; e se arreceiava que tambem nós o viessemos a
Ber, comò discipulos que eramos seus*» Elle e o irm2o foram uns mi-
seraveis accusadores. Fazendo com que fossem presos por heterodoxia
as tres grandes summidades do Collegio real, Buchanan, Teive e JoSo
da Costa, e despedidos Elie Vinet, Nicol&o Grouchy e Guillaume Gué*
rente, os Jesuitas conseguiram annullar lego em 1550 a importancia da
obra de André de Gouvéa e fundamentar a sua preponderancia. Se-
gando Hamilton, na Demonstratio Calvinianae confusione, o proprio
Cardeal-infante D. Henrique dirigiu os interrogatorios a que foi sub-
mettìdo Buchanan, e tratou-o oom todo o furor do fanatismo.^
Diante d'està indigna per8eguÌ92o, em que jà se trabalhava silen-
ciosamente em 1549, Arnold Fabrìcio pretextou o CBtado de doen9a
para despedir-se do seu cargo no Collegio real e voltar aos àres pa-
trios; Patricio Buchanan, informado dos rigores da InquisigSo, fugiu
de Coimbra e foi para Paris esperar o seu amigo Elie Vinet, que em
junho de 1549, jv^ìo com Guérente, tambem deixou Portugal, talvez
despedidos da euBino pelo proprio monarcha, aterrrado pelas delagSea
da sua heterodoxia. Grouchy foi o ultimo a partir de Coimbra, nSo
1 Na defeza de Bachantn, escripta em latim, vè-se comò os Jesuitas de Coim-
bra Gonspiravam na sembra centra elle: «De bis vero qui opot^oZì vocabantar non
id onmn reprehendi quod pueroB impabres solicitarent contra morem aliarum re-
Ilgionnm, sed alia qoaedam qoae de eis jactabantar, quarum renim querelas ad
Jaoobum Gk>veanam gymnaaiarcha saepe detuli mi que in vulgus effudi.* (Pro*
cmo do Santo Officio, nJ" 6:469, Àrclu Nac).
2 Por ordem do Cardeal*infante Inquisidor geral^ datada de Evora a 18 de
dezembro de 1551, Buchanan foi solto dq>oÌ8 de ter feito abjnraf^ publica e es-
lado em penitencia n*am mosteiro.
524 HISTOBIA DA UN!V£RSIDADE DE COIMBRA
tanto pelo amor que revelara pelo estado da lingua e litteratura por-
tngueza, corno por se achar detido para um processo que nSo foi por
diante. Quicherat refere-se & persegui$2lo de Grouchy: cEmquanto a
Grouchy^ tendo querido dar aos estudantes de Coimbra urna edi(2o
latina de Aristoteles^ tomou para base da sua traducgSo a que o be-
nedictino Joachin Périon publicara em Paris annos antes. Era obra bem
escripta, maculada porém por alguns contrasensos, que Grouchj cor-
rigiu. Um exemplar da edigSo portugueza caiu em mfto de Vasconsàn,
o qual propoz a Grouchj que reimprimisse & parte a Logica. O vo-
lume appareceu com o titulo Aristotelù Logica eruditUmnis ab homini"
hus conversa. Trazia um prefacio de Guérente, em que se prestava ho*
menagem ao talento de Périon; porém, corno os auctores nSo estSo
^ispostos a concordarem qué se enganaram, mesmo quando os louvam
por aquillo em que andaram bem^ Périon melindrou-se, berrou por toda
a parte que o tinham barbariaado, e para se vingar abrìu contra Grou-
chj um tiroteio de folhetos dififamatorios, que produziram grande ruido
em Portugal, ruido que se prolongou ainda depois do seu regresso a
Fran9a.p Grouchj regentou até 1551, comò se infere de uma prova do
Carso de Artes. * Depois da perseguigSo dos eminentes professores do
Collegio real nSo podemos deixar de os acompanhar na sua partida,
para que se veja que cUes continuaram a sua missSo gloriosa fora de
Fortugal, que se afundava no mais deploravel obscurantismo.
Apoz a saida de Coimbra, Nicol&o Grouchj partiu para a Nor-
mandia, demorando-se na parochia de La Caùchie, em 1551, onde con-
tinuava a trabalhar nas suas Praeceptiones dialecticae, come^adas em
Coimbra em 1547, comò se infere por uma carta datada de setembro,
^irigida a Guérente e a Buchanan, ex domo patema. Em 1553 estava
ainda em Normandia, entreg^e ìeio estudo do direito civil; seu visinha
ò visconde de Longueville, tendo visto em seu poder o primeiro vo-
lume da Historia do descobrimento da India, por Fem2k)' Lopes de Cas-
tanheda, publicado em Coimbra em 1551, pediu-lhe para que o tradu-
zisse em francez. Effectivamente a traducfào foi publicada em Paris
em 1553. ^ A actividade litteraria de Grouchj achou-se asaim desper-
1 No8 LioroM dos Autos e Gràos, de 1554, a fi. 8 i^, aclia-se o assento das'pro-
Yas do carso de tr^ aÌDDOS, quo ouviram a Mestre Nicol&o Grouchj, neceasartoa
para se gradoarem licendados em Àrtes, Prei Braz de CaiValho e Frei Antonia
Leal, da Ordem do Canno.
^ UHiàtoirt des Inde» de Porlugalf cofUenani commenl l'Inde a està deseou-
verte par le commandemenl du Boy Éimanuel et ta guerre qite tei càpOainès Portm*
0 COLLEGIO RE AL 525
tada, publicando em 1554 em Paris o tratado De Generatione meteoro-
logica, e em 1555, em Veneza, o Hvro De Comitiis Romanonim, tSo
consultado por Groevius no seu l'hesaurus Antiquitatum. Depoìs de
1557 Grouchy casou, e durante as persegui93es religiosas il fui eiTant,.
corno diz de Tbou, perdendo todos os Beus livros. Em 1567 deu lifSos
em Paris, com grande applauso, regrcssando com sua familia em 1571
para a Normandia. Fundado o Collegio de La Rochdle, foi convidado
para regcn^tar urna cadeira; obedecendo aos pedidos de Colignjr^ Joanna
d'Albert e de seu filbo Henriqne de Navarra, partiu adoentado para
a Rochella, onde falleceu em 1572, tres dias depois da sua chegada.^
Durante os dois annos de prisSo que soffreu Buchanan na Inqui-
8Ì9ao de Lisboa, occupara-se na Paraphrasia Psalmorum Davidis poe-
tica; recobrada a liberdade, em 1551, partiu para Inglaterra, onde as
perturbaQSes politicas o nSo deixaram permanecer, voltando para Pa-
ris. Ali se demorou até 1560, voltando outra vez para a Escossia, sem*
pre occupado em trabalhos pedagogicos, jà corno preceptor de Maria
Stuart, jà comò reformador das Universidades. Seguiu a causa politica
de Jacques Vi, seu antigo discipulo. Em 1582 ainda escrevia de Es-
cossia ao seu antigo collega Elie Yinet, recommendando-lhe um pro-
fessor escossez; contava entSo setenta e tres annos, e presentia a morte
proxima: «Agora so penso em me retirar sem ruido e morrer socega-
do, porque o traete com os vivos n!to convém a um homem que se con-
sidera jà comò morto.» Pouco tempo depois Yinet recebia a noticia do
fallecimento de Buchanan, em 28 de sctembro d'esse anno, apoz uma
longa existencia de lucta.
Elie Vinet deixou Coimbra em 1549, e chegara a Bordéos em 2
galois ont menée pour la conqueete d^icelle. Paris, cbez Michel Vasconsan, 1553»
Gaullienr cita mna outra edi^ao d'este mesmo anno, de Anvers, de Jehan Stelico,
e mais duas edi^es de Paris, d^ 1576 e 1581. Lé-sc em frente da primeira edÌ9^:
«Pierre Delamarre, vicomte du ducbé de Longueville, au lecteur, salut. . . Ce qui
a esté cause que sachant que Monsieur de Grouchy, nostre voisin et singulier
ami, avoit depuis son retour de Portugal receu un livre de VHUtoire de Vlnde,.
deseùuverte par les Portugalois, je Taye fort affectueusement prie de desrober quel-
ques heures à son estude de droit civil, qu*il s'cstoit pour lors remis à reyoir, pour
nous mettre en fran9oy8 ce premier livre qu'il avoit entro ses mains, tant à fin
que ses amys puissent jouir du bien qu'ilz ne pouvoyent sans ce moyen avoir,
que à fin qu*il se fiet par ses escripts fran^oys aussi bien cognoistre comme il avoit
faict naguerre par la traduction et correction latine d'Aristote.»
1 Todos estes dados sSo resumidos do importante trabalho de Gaullienr^
Hiitoire du Collège de Crugeime, p. 210 a 215.
526 HISTORIA DA UMVERSIDADE DE COIMBRA
de julho d'esse anno, para visitar o seu amigo Gèlida, entSo prinoipal
no Collegio de Guyenne. No prefacio da obra La Manière de fabriquer
les solaires et cadrans conta elle: «Eu estava em Portugal, no anno de
154^, quando a Gabella causou o levantamento da communa da nossa
Guyenne. Regressei no anno seguinte, e cheguei a Bordéos no segando
dia de julho, que eu achei muito triste e um silencio desacostumado
na pobre cidade.» Vinet referia-se ao effeito da repressSo produzida
pelos dois exercitos do condestavel de Montmorency e do dnque d' An-
male, que tinham dominado a revolta contra o imposto do sai, fazendo
terriveis execugSes e levantando pesados impostos de guerra. Escreve
Gaullieur : cEste encontro de Elie Vinet e de Gèlida, corno os conso-
larla a ambos! tantas cousas tinham succedido durante a sua separaffto.
Vinet contar-lhe-hia, ao seu antigo collega, os ultimos momentos de An-
dré de Gouvea. Gèlida fez-lhe a narrativa de todas as suas trìbula-
98es, pedindo-lhe para retomar o seu legar mais tarde no Collegio de
Gtiyenne. Vinet assim Ihe prometteu, e partiu para Paris...» Ali rece*
beu uma carta de Gèlida, de setemhro d'osse anno, dando-lhe noticia
do apparecimento da peste em Bordéos ; e, obedecendo aos seus instan-
tes pedidos, Vinet foi em prìncipios de Janeiro de 1550 tomar conta
da classe de Mathematicas no Collegio de Guyenne, onde foi recebido
com enthusiasmo. Elie Vinet succedeu em fevereiro de 1555 a Gèlida
no prìncipalato do Collegio; em carta de 26 de marfo de 1556, Arnold
Fabricio felicitou-o por està nomeagSo, alludindo i probidade, erudi-
sse e facilidade de trato que o distinguiam para bem desempenhar am
tal cargo. O partido clerical conseguiu, por uma ordenanga real, que
puzessem em seu legar o fanatico Mongelos, que ahi se conservou até
1562. No meio das luctas religiosas, Vinet esteve refugiado desde 1559
em Saintonge, onde se entregou aos estudos arcbeologicos. Mongelos
reconheceu a usurpasSo do prìncipalato, %eaào este dado outra ves a
Vinet em 29 de julho de 1562. Escréve Gimlliettr, relatando as diffi-
culdades dp governo do Collegio : e A sua actividade era estrema, e sem
fallar das sua9 ligSes, que eram previamente preparadas, dividia o
tempo entre o.estodo das Mathematicas, a annotasSo crìtica e a oor-
rec93o dos differente» testo» de Ausonio e aa investigasSes archeolo»
gicas, que se alliavàm tSo bem ao Commentario que elle preparava so*
bre 0 poeta bordalez.* 0 governo de Elie Vinet foi um periodo de es-
plendor para o Collegio de Ouyenne; os Jesuitaa tambem tentaram
» Op. dt, p. 277,
0 COLLEGIO REAL 527
^poderar-se d'elle, mas Balvou-o a popalaridade e respeito par Vinct,^
que fòra eleito quinze vezes reitor da Universidade. Publicou em 1583
a Schda Aquitanica, em que relatou o methodo. pedagogico de André
•de GouvSa; em 1585 a peste tornou a devastar Bordéos, e ao reabrir
o Collegio de Guyenne Vinet fai atacado repentinamente, fallecendo em
14 de maio de 1586.»^
A tempestade levantada contra o Collegio real era-Ihe tambem
«oprada pelos lentes que pertenciam ao mosteiro de Santa Cruz, os
quaes tinham estudado em Paris; vé-se portante que a entrega repen-
tina dos dois CoIIegios de Sam Miguel e de Todos os Santoa para n'el-
les se installar o Collegio real provocoa este antagonismo, que em
Ooimbra se conbeceu nos dois bandos ou parcialidades com os nomea
de parisienses e bordàlezes. Mestre Pero Henriques, quo lèra nos Col-
legios de Santa Cruz, era um dos corypheos na lucta contra os horda-
lezea, corno o reconheceu o Doutor Diego de Teive nas contradictas
que apresentou quando estava no carcere da Inquisitilo em Lisboa.
Com a coopera9llo dos Apostolo» (os Jesuitas) o bando dos parisienses
ameafava publicamente de langar fora do Collegio os lentes que tinham
vindo de Bordéos. Coadjuvou-os a intriga jesuitica, explorando a an-
tiga rivalidade que existiu entre o Collegio de Santa Barbara, de Pa-
ris, e o Collegio de Chiyenne, de Bordéos. Quando André de Gouvèa
acceitou o principalato de Guyenne, seu tio o veiho Doutor Diego de
Gouvéa enfureceu-se por entender que isso enfraquecia a sua institui-
$3o; e nos impetos do seu caracter ferrenho e intransigente, comò se
sabe pelo depoimento de Diego de Teive, chegou a accusar o sobrinho
de lutherano. Os parisienses, mantendo a rivalidade contra os borda-
lezes, obedeciam & ImpressSo incutida por Diego de Gouvèa, tmuy ve-
hemente em suas paixdes epertinaz no que hua vez encaixou na cabegai^y
comò o relata Diego de Teive. Formavam o grupo dos parisienses os
lentes do proprio Collegio real, que jà estavam em Portugal quando
chegou Mestre André; taes eram Mestre Pedro Henriques, Belchior
Belliago, Mestre Gongalo, Manuel Thomaz, Mestre Jo2o Femandes e
Ignacio de Moraes. Comprehende-se comò Belliago se atiraria contra
OS bordalezes; quando frequentava o Collegio de Santa Barbara, em
Paris, OS condiscipulos chamavam-lhe o Judeu, por ser muito forreta^
ou agarrado ao dinhetro.
1 Op. cU., p. 297.
< Ibidem, p. 363.
528 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Buchanan fizera a Belliago om Epigramma, que vem no Endecc^
syUabum liher, sobre a sua alcunha:
Belleago cnncfas tractat artes coinmode,
Has praeter iinaB, quas docet,
Nec foeneratur alter ilio doctior,
Ncc caupo quiaqaam argutior.
Belliago nZo deìxaria de Tingar-se, lembrando os nomes dos ini*
migos pesBoaes de Buchanan, Joio Talpin e JoSo Ferrarius, os quae»
opportunamente apparecem depondo por. escripto contra o grande hu-
manista no processo que Ihe instaurou a Inquisì 9&0 de Lisboa. Eni
Coimbra continuou Belliago a exercer o vicio da usura, e Diego de
Teive, defendendo-se contra as suas perfidas dela98es ao Santo Offi-
cio, insiste sobre a sua negligencia no curso que regia no Collegio real,
occupando-se principalmente em negocios da compra e venda de ca-
vallos. Belliago foi compensado pelo esforyo da sua intriga, sendo no-
meado para reger uma cadeira de Theologia; o torri vel fanatico Car-
deal-infante, que era entSo Inquisidor goral, tanta seguranga tinha
niello que 0 nomeou seu coadjutor e bispo de Fez. Foi uma das vieti-
mas da peste grande de 1569.
A Belchior Belliago succedeu na regencia da cadeira de Huma-
nidades Ignacio de Moraes, que foi cncarregado de fazer o discurso
de recep92o na visita de D. JoSo ili à Universidade. Vé-se que es-
tava nas gra9a8 do partido da reacySo.
D. JoSo III, por carta passada em 21 de Janeiro de 1541, convi-
dara o distincto humanista, que ent2o era um dos afamados alumnoa
da Universidade de Paris, Ignacio de Moraes, para vir reger a cadeira
de (Trammahca na Universidade de Coimbra;* regeu-a por pouco tempo,
passando pouco depois para a cadeira de Poesia latina, mais em har-
monia oom a sua vasta erudÌ9&o. Os dois documentos que existem no
Archivo da Universidade icerca d'està nomeafSo tSm a importancia
de nos indicarem as horas da aula e 0 salario: cEu elRei fago saber
a vós padre rector, lentes, deputados e conselheiros da minha univer-
aidade de Coimbra que eu hei por bem e me praa que Ignacio de Mo-
raes lea nessa universidade uma cadeira do poesia por tempo de um
anno que come9arà do primeiro dia de outubro que vem d'este anno
presente de 1546 em diante a qual cadeira lerà duas horas cada dia
1 Barbosa Macbado, Bihlioiheca Luzitana,
0 COLLEGIO REAL 529
urna pela manhft e outra i tarde em que lerà arte e os auctores qne
Ihe forem ordenados pelo consellio do Rector e conBelheiroB e bavera
com ella sessenta mil reis de salario pelo dito anno que Ihe vós man-
dareis pagar no recebedor das rendas das escolas às ter9a8 segundo
ordenanya d'ellaB e este nSo passarà pela cbancelaria. JoSo de Seixas
o fez em Santarem a 30 de setembro de 1546. Manoel da Costa o fez
escrever e Antonio Martins escriySo do conselho o tresladei do pro>
prie.» Com està carta de provisSo foi mandada ordem de pagamento
ao recebedor: «Eu ElRei mando a vós Nicoiau LeitSo recebedor das
rendas da universidade de Coimbra que deis e pagueis a Ignacìo de
Moraes vinte mil reis por tempo de um anno que comegarà do pri-
meiro dia d'outubro que vem deste anno presente de 1546 em diante
OS quaes Ihe dareis e pagareis às terfas do dito anno lendo nessa uni-
versidade 0 dito anno uma cadeira de poesia segundo leva por minha
provìsSo e iste alem dos sessenta mil reis do salario que Ihe com ella
ordenei pelo dito anno e por este com seu conhecimento e certidSo do
rector de comò le a dita cadeira vos serSo os ditos 20,000 rs levados
em conta. JoSo de Sexas o fez em Santarem a 30 de Setembro de 1546*
E este nSo passarà pela cbancelaria. Manoel da Costa o fez. Antonio
Martins escriv2o do Conselho o trasladei do proprio.» ^ Moraes era ad-
mirado pelos humanistas do seu tempo, Jeronymo Cardoso, André de
Resende, Antonio Cabedo, Fedro Sanches e Manuel da Costa.
A campanha dos Jesuitas centra o Collegio redi era surda; empre-
gavam todos os melos para Ihe raptarem os alumnos, provocando-lhes
apprehensSes de escrupulos, que Bordéos estava minada de heresias
lutheranas, e que se achavam infectos todos os que d'ali vinham. E ha*
bilmente e laboriosamente iam organisando os fios de um complicado
trama junto dos inimigos pessoaes dos mais celebres lentes do Collegio
reai, aos quaes se pediram depois depoimentos esmagadores, ditados
pelo odium theologicum; assim vieram a accumular-se centra elles os
testemunhos terriveis dos antigos regentes expulsos de Bordéos, Mes-
tres Jean Talpin, Antoine Langlois, Antoine Ledere, Jean Ferrarius,
Mongelos e Susaneo. Em Fortugal eram espiados os lentes sobre as
conversas que tinham, os livros que liam, e os manjares que comiam;
assim vèmos os termos do testemunho de Martim Oon^alves da Camara,
jurando que vira da sua janella os tres lentes George Buchanan, Diego
1 Pablicados pela primeira vez pelo dr. Simoes de Castro, no opusculo El<h
giù de Coimbra tm vereoè latinos por Ignaeio de Moraes, p. 7. Coimbra, 1887.
XX8T. UH. 34
530 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
de Teive e Doutor Jo2o da Costa cearem em urna qainta oq aexta feira
de endoen9a8| da primeira quaresma que passaram em Coimbra; e
seu irmSo Raj Gon^alves da Camara jorava que Joào dii Costa dizia
ser doente para corner carne em dias defezos, sendo sempre bem dis-
posto. Ao mesmo tempo tentava envolver Mestre Guilherme Gaérente,
a quem imputava ter dito que tao peccado era furtar urna penna corno
trinta ou quarenta moedas.
Para completar o plano do assalto centra o Collegio, prendendo-
Ihe 08 lentes mais afamados nos carceres do Santo Officio, e disper-
sando os restantes, aproveitaram o despeito do Doutor Diego de Gou-
vSa, conego em Lisboa, e sobrinho querido do doutor velho, desde que
tivera de entregar o governo do Collegio reci ao Doutor Jofto da Costa.
Persuadiram-n'o que està substituijSo fóra provocada pelos mestres firan-
cezes; tanto bastou para ir fazer uma denuncia centra elles ao Car-
deal-infimte D. Henrique, Inquisidor geral, que ordenou immediata-
mente um inquerito ao Licenciado Braz de Alvide, em Paris, em 17 de
outubro de 1549, e ao Doutor Ambrosio Campello a in8taura93o do
processo na InquisÌ9So de Lisboa, em 18 de outubro de 1550, onde jA
estavam presos os tres lentes George Buchanan, Diego de Teive e JoSo
da Costa. A visita de D. JoSo m a Coimbra, em 8 de outubro de 1550,
e o singnlar favor com que tratou os apostoios, bem revela que o for-
9aram a està viagem officiai, para apagar a impressfto da monstmosa
bmtalidade oom que foram presos aquelles sabios lentes, e do descre-
dito em que lan^saram o CoUeffio real,
Transcrevemos em seguida as principaes declara^Ses que Diego
de Teive apresentou em sua defetta, quando no oareere da Inquisirlo
de Lisboa Ihe foi apresentado, em 18 de outubro de 1550, o libello de
accasarlo. Essas declararSes tSm por veaes a importancia de ama auto-
Inographia, em que Diego de Teive desoreve os seus primeiros cata-
dos, OS trabalhos do magtsterio, as relaoSes com os sabios eoropeus, e
mesmo certos tra^os do caracter de algumas individualidades histori-
cas. Transcrevemos pela oxcepotonal importanoia as snas proprias pa*
lavraa, em que contraria o segointe libello:
«Bnteftde provar, que ostando elle R. (Diego de Teive) no Col-
legio de Bordeos, no tempo quo vier em- vordade, em pratica» que teve
com pessoasy zombava e esoanteoia da ReligiKo e das ConstitaÌ98e8 da
Igreja; e dizia que os homens ordenarS a coresma, e o advento, c8 n8
corner carne, e outras viandas; e que xpS ordenara n8 aver d'aver dif-
feren^a nos comeres, e que mandara aos apostolos que comesem tudo
0 que Ihes fosse posto diante; e que ni ordenara as ReligiSes se n8 os
0 COLLEGIO REAL 521
homSs; e dizia a bua certa pessoa de Religiik), por que se apartava
do estado commu, e com muitas rezSes dissaadia a outra pessoa que
hia pera entrar em ReligiSo, que n5 entrasse nella; e dezia tambem
que 08 santos erS homens, e podii errar, e que a Igreja podia errar,
allagando pera iato aquella aatoridado' mt^Zto» corpora venerantur. . • •
de maneira que qnem o ouvia se escandalìzavai e non podia oatra coosa
crer do R. senS que era verdadeiro lutherano.
«Entende provar que no tempo outrosi que elle R« esteve em
Fran9a, conversava com pessoas suspeitas e avidas por lutheranos, e
estava em sua companhia; e de suas palavras e maneiras de viver, se
mostrava suspeito nos errores lutheranos; pelle que era tido por pes-
aoa que sentia mal da fee; e por elio se apartava da sua conversSo
que ho por tal tinha; e nom semente do sobredito mais ainda era in-
famado da seita dos atheos, que tem a alma dos bomens juntamente
se acabar com o corpo comò a das alimarìas irracionaes, e que tem os
dileites por summo bem; e conversava elle R. com verdadeiras suspei-
tas nesta secta.
«Entende provar, que vindo o R. de Franga para este Reino quando
ora veo pera ler em Coimbra, sondo na ooresma, e vindo elle R. bem
desposto, comia carne sem fazer differenga algua, e depois de estar na
dita cidade averà ciuco ou seis mezes (o tempo que vier em verdade)
estando elle R. sSo, em bua sesta feira convidou a bua certa pessoa
com pedagos de perdiz. . . .
«Entende provar, que servindo elle R* de principal no Cotttgio
real de Coimbra, foy aobade bui mogo por nome Martinote o3 bum li»
¥n> lutherano e muito prcjadieial, que se intitala ImtUui^ a^àiS de
CaÌFÌno em linguagem francez; e por elio foy o mogo trazido oom o
livro ao R» comò princtpal; e sabendo elle R. ser o livro lutherano, e
o mo^o infamado disse, ho leizou ir e langou fora do Coilegio.de noite,
sem 0 descobrir nem accusar, antes tomou o dito livro e o goardou e
o teve sempre, e quando ora fby preso Ihe fey achado o dito livro na
sua camara, risoado e notado em-mnitos logares auspeitOi}; e assi soube
e sentiu de outras pessoas sevem lu&eranos e apartados da fee,. e non
oa aoeosou nem detoubriu, póllo que nom ha.duvida o R. aeri apartado
da fee, e sintir mal della e das cousaa da Igreja, e par tal dover ser
jttlgado* De que he pubrica voz e fanut.
CofUrariando:
tEntende provar que de mogo pequeno ho mandou seu pay a Pa>
ris, onde' estudou em letras e virtudes, e foy sempre inclinado a vir-
84«
532 mSTORIA DA imrVERSIOADE DE COIMBRA
tuo808 coBtnmeB desde sua mocidade até agora e multo axnìgo de DeoB,
e assi em Fraiì9a corno na cidade de Coimbra sempre foi avido e lido
por mnìto bom christSo, ouvindo sempre missa e confessando-se e to-
rnando 0 santissimo sacramento ao tempo que manda a s. m. Igr. da
qoal nimca se apartou, nem zombou das snas ConstitoifSes e detenni*
na^SeSi mas sempre fez autos de fiel verdadeiro e catholico christSo
comò he, e com o seu bom viver e obras vertuosas dea sempre bom
exempro a hos que ho viXo e conversavXo/
«Entende provar que elle reo ensinou muitos annos em Franga e
nos estudos de Coimbra nas artes liberaes, e serviu de principal e so-
principal do Collegio recti, no qual tempo sempre ensinou seus disci-
pulos bons costumes e virtudes^ amoestando-lhes muitas vezes que se
confessassem e tomassem o santissimo sacramento, e assi amoestou os
ouvintes que ao Collegio v8 ouvir e os que no Collegio moram que fe-
zessem o mesmo e que ouvissem cada dia missa e que rezassem suaa
horas e os sete salmos e se encommendassem a nesso senhor tudo com
zollo de hos fazer vertuosos e amìgos de Deos, e todos pubricamente
iste nelle viam e conheciSo e ho muito estimavam asy por ser vertuoso
e catholico christSo, comò tambem por ser douto nas lettras e pollo
grande fruito que fazia em bem ensinar e doutrìnar seus discipulos, e
por tanto nam he de crer que disse o contendo do libello.
cFrovarà que asy em Franga onde estudou, leo e insinou comò
em Coimbra e outras partes, sempre conversou pessoas vertuosas, re-
ligiosas e nobres e amigos de Deos, assi portuguezes comò castelha-
noB e francezes sem Ihes saber algum erro na fee, e se algum bora
conversou algum, o que nSo he em sua lembranga mais do que tem
dito aas perguntas seria pera o reprehender e lego se apartar delle, e
todos OS que conhecerXo o R. assi o dirSo e quam bom chrìstSo e ca-
tholioo sempre fby.
cEntende provar que elle teve sempre em grande estima as casaa
e ordens da ReligiSo, em tanto que desejou e ainda deseja servir a
Deos em religilo, e muitas vezes neste reino pediu conselho a alga-
mas pessoas que sabiam de religiXo em que ordem se meteria pera que
milhor e mais quieto podesse servir a Deos, e confessa que algamas
vezes em praticas que teve com homens seus amìgos zombou de fra-
des comò foy de hu sobrinho do bispo de Tangere que se foy metter
frade por seu tio Ihe nam dar um gibZo de seda, e assi doutros* que
entraram em religiSo com outras taes entengSes que herSo hypocritas
e que por qualquer leve cousa se tomavam a tirar da religiSo, e que
eram as cidades cheas destes frades e asy dos que seguiBo as cortes
0 COLLEGIO REAL 533
dos principes. Disto murmarava com outros homens e nam da religiSo
corno qoalqner homem em soa casa costuma às vezes praguejar, e iato
tudo com entenySo de verdadeiro chrìatSo e nam por sentir mal das
eousas da religifto e nossa santa fee catholica; e qae esteve em Fran9a
perto de vinte e cinco annos e sempre conversoa grandes senhores e
pesBoas christianissimas sem nonqua se presomir delle nenhama falta
na nossa santa fee, e se tal fora de crer he qae em tanto tempo qae
andoa em fVan$a fora accasado^ e por tanto nam he de crer o qae se
diz no libello.
• ••••••••••••••••••• ••••••••••••••••• •••••••••••••••••«••
cProvara qae o Daqae de Bragan^a Ihe escreveo qae dicesse a
sea irmSo Dom Theotonio qae estava na ordem dos Apostólos, qae se
tornasse pera donde saira, e elle R. Ihe disse da parte do Daque sea
irmXo comò qaalqaer bom homem e catholico fizera, o qae Ihe querem
attribair a mal sondo saa ten9So boa; e confessa qae per algamas ve-
ees aconselhou a alg^ns de seas discipalos fidalgos e riqaos qae nam
entrassem nesta religiSo por ver a maneira qae tinham pera os levar
a dita religifto sabendo qae eram riqaos com adala98es e a(agos, vendo
que as oatras religiSes prepoS no comego trabalhos e asperezas, e oa-
vindo dizer qae està Companhia por que elles assi se chamXo nam hera
ainda confirmada pelo santo padre^ e tambem per que eram mogos o que
parecia de sua idade que nam saberiam ainda escolher o que seria
mais de sua salva9lo, e o que disse foj por asy Ihe parecer, e qual-
quer homem bom catholico christSo dissera asy, mas sua entenfam nS
foy desestimar a religiSo.
«Entende provar qae he pubrica voz e fama por teda cidade e
grande parte do reino que està desaventura nam Ihe veo senam por
mal e enveja dalguns seus ìnimigos os quaes se directamente o troa-*
xeram a este inconveniente foy por vias obliquas e meos sutis que as
vezes 08 homens buscam pera se vingar, e que seja asy comò arriba
disse, por que em todo o tempo qae em Franga esteve nunqua foy de
ninguem accusado nem por tal repntado mas antes dos bons e catholi-
cos christSos bom e catholico estimado, e a doutrina que dea a seus
discipuloB asy em Franga comò em Coimbra foy muy santa e verda»
deira, e algumas obras que tem compostas asy em verso comò em prosa
podem dar bom testemunho do que sente e das opiniSes que tem que
«fto santas e catholicas e conformes a ho que goarda e manda a santa
madre igreja, e se al cuidara e a sua consciencia o condanara, nuda
de trez mezes antes que fosse preso soube por cartas qae vierl de Pa-
ris que se faziam em Franga centra elles grandes dUigenoias^ e por
534 mSTORIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
qne confando-se no senhor Deos e na sua innocencia nam Ihe veo por
peneamento bulir comsigo nem Ihe pareceu qua havia rez2o pera isso.
cEntende provar que vindo de Franfa nam corneo carne maie do
qne ja tem confessado de (Salamanqua) e iste com muita necessidade
asy por Tir quebrantado do grande trabalho do caminho corno tamben
por sua mi dÌBposifSo, qoe he doente de collka e o toma moitas ve-
zes que o tem comò morto, e he Bugeito a Tomitos e a destila^Ses do
cerebrOy que bSo doen9as que commumente acodem mais a hos homena
estudiosos, que a hos outros; por està causa e tambem poUos immen-
808 trabalhos que teve continuadamente em Coìmbra onde sempre leo
seis horas de Ii(So cada dia e leo livros muito escuros e muito difficot
tOBos Bobre os quaes Ihe era necessario estudar muitas horas, e asy
tarabalhou muito em esercitar seus diecipulos na compo&Ì9Ao de v^soa
e ora98e8 no que fez muj grande fruito corno se vee craramente, e oom
eates trabalhos, canceiras e doengas has vezes nam podia jejuar, nent
ho fez por Ihe parecer que sem pecado o podia fazer, por que oada
Tea que se achava em dispo8Ì9lo .pera isso jejuava. • .
cEntende proyar, que sendo4he o mo9o Martinot trazido corno a
pessoa que a tal tempo sèrvia de principal e o livro contendo no libello
comò j& tem confessado, elle reo lego com muita efficacia e diUgencia
o mandou tomar por quatro lentes e Ihe deram por sua mSo muy grave
castigo e muitos infindos a^outes e depois de muito bem castigado e
a9outado, elle reo o reprendeo gravemente por ter um tal livro, e £a*
zendo centra o dito mo$o grandes ezclamagSes Ihe mandou que lego
se fesse fora do reino de Portugal e que mais nelle nam pareoesse, e
iato por nSo fazer unifto e por nam eeoandalisar a companhia e huma
tàL religiSo, o que tudo fez oom boa ten98o comò bom catholico chris-
tSo pareoendo-lhe que asj faaendo nam errava, e asy tomou o livxso
pera o queimar com coaselho dos que pera o tal caso ohamara.
cEntende provar quo lego aaqueUe teno^ quando o dito caso
aconAecera foy tempo tam breve e os dias todos de lÌ9to e os tcaba-
Ihos e enidados tantos que eUe no tal tempo tinha ta&to ^por ler soaa
S^Ses ordinarias conio por servir de principal, que nam teve ten^
nem opportunidade pera por em ooncmzlo queimar-se o livro com con»
aelho corno tinha determinado, e aam o deixou de fazer por nam ter
pera iste vontade de maneira que indo o sobredito fez por asy o es-
tender e mais nam poder ao quo Ihe paawoe que nam tem culpa, coma
o diz a justi^a. E quanto as notas e nsoos elle taes nSo fez o que se
pedo facifanente ver se aSo eonfermes aos que hz nos seus liwofli e
0 COLLEGIO REAL 535
aua enten$So nunqua £07 sentir mal fee, mas sempre £oj moito boa e
cathoUca, e he sem culpa do que Ihe poS^ e porem se em algoma cousa
das que ditas tem errou elle Reo^ se somete a correÌ9So da a. m. Igr.'
por que nam he theologo e deve ser absolto.
DiOGO DE Teive.
1.^ Joh2o Rodrìgues Pereira filho d'Antonio Pereira, em liisboa.
Diego Castilho, em Coimbra
Mestre Antonio Mendes, id.
Lourenyo Vieira CarvaUio, id.
2.^ D. Francisco de Noronha, em Lisboa
O Doutor Payo Roiz, em Coimbra
AntSo da Costa, id.
Mestre Antonio Mendez, id.
3.^ e 4.^ Os Padres da serra d'Ossa
0 Prior de Santa Cruz, em Coimbra
Mestre Jacques Tapia, id.
5.^ D. Sancho, em Coimbra
D. Fulgencio, id.
Dom Diogo de Almeida, id.
Dom Jorge de Tayde, id.
6.^ Joh2o Rodrìgues Pereira, em Lisboa
AntSo da Costa, em Coimbra
Antonio Mendes, id.
Lourenyo Vieira, id.
Fedro da Costa, id.
7.^ Dois padres Elois
Dois padres do Carme
André Maldonado
Fedro de Sousa.
8.^ Mestre Jorge Bucanano
Mestre JohSo da Costa
Mestre Nicolao GrucU, em Coimbra.
9.^ e 10.^ Mestre Antonio Mendes
Mestre Nicolào Gmchi
Mestre Jorge Bucanano
Mestre Jaques Tapia.
536 HISTORIA DA UNIYERSIDÀDE DE GOIBfBRA
cEstas testemuiihas que em baixo aqui nomeio as qoaes ji em
rìba nomeej por quanto sabem muito de minha vida pe^o a Vossaa
Mercès preguntem em todos os artigos poUos quaes ha 7 coosas espa-
Ihadas de que sabem dar conta:
Em Lisboa: Jofto Bodrìgues Pereira
Diego de Castilho
Mestre Antonio Mendes
Lourengo Vieira
AntSo da Costa
Mestre Jaques Tapia
Pero da Costa.
f Todos estes estSo no Collegio de Coimbra. Se tambem for neces-
sario preguntar de minha vida e doutrina a hos meus discipulos, a es-
tes se pode preguntar:
Dom Diego de Almeida
D. Jorge de Tajde
Barrosy sobrinho do Bispo de Leirea
PinheirOy sobrinho do Bispo d'Angra
Braz Bemardes
Camello de Coimbra
Deus padres do Carmo, e mais se mais qoizerem.
Confessores: Hum padre da serra d'Ossa 0 mais mo^o
0 padre Lobato, lente no Collegio
0 padre superior dos Bemardos.
DiOGO DE Teive.
RezSes de cofUradictas:
cPosto que os ditos d'alguas testemunhas que me mostrou o sr.
Doutor Ambrosio Campello sSo taes que elles mesmos se contrariam
c8 tudo nam deixarei de decrarar alguas causas particulares que mo-
veram as testemunhas pera que dessem taes testemunhos centra mim ,
as quaes eu provarci se for necessario; pollo que pe9o a V. V. mercés
6 Ihe requeiro polla morte e paixXo de nesso sSr JIìb. Christo que quei-
rBo bem ezaminar os ditos das testemunhas que centra mim depuserSo
0 COLLEGIO REAL 537
e considerar as coiitradic98eB e falsidades qae nelles ha, e achando que
nam he necessaria mais larga prova, queirS tornar concmsSo neste
meu negocio e me tirar dna tam grande tribala98o na qual estou ha
tantos meses, e tenho soffrido o que nosso sSr sabe.
cÀ primeira testemunha he hum^rei «7o8o Pinheiro a ho qual nam
don outra contradita senft qae he hua so testemunha podendo elle al-
legar outras que se acharSo ahj e sabem corno passoa o negocio asi
qae nam he de crer o que hSa so testemunha diz ainda que fosse omni
exceptione maior, quanto mais que a zombarla que ea delle fiz assi
nas palavras que disse (que pois elle entrara na religiSo por que seu
tio Ihe nSo dera hum gibXo de seda asi sairia della dando-lhe seu prior
hu de grS, querendo dizer disciplina) comò tambem por eu Ihe deitar
hum ponce de caldo de carne nos ovos que comia Ihe causarla algum
odio, e assi a historia das titellas de gallinha, que Ihe contei zombando
delle comò no principio que aqui vim contei a v.y. mcès. Item, pode
ser que o odio que elle tem a mestre Jole da Costa causou que tam-
bem a mim me accusasse por que estamos juntos e nam podia boamente
accusar hu sem o outro, e azedou o caso e o fez grave sondo tudo
zombarla e riso comò creo que sabem Mestre Antonio Mendes, Miguel
Jacome de Luna naturai de Viana, e Francisco de Lucena naturai de
Setuvel, que n'aquelle tempo estavam no Collegio de Bordeos.
cA segunda testemunha parece ser nosso mestre D.^ de Qouvea, o
Doutor velho, homem multo honrado e multo vertuoso a ho qual todos
somos em grande obriga9&o por elle ser hua das causas principaes de
termos as boas letras neste reino; e porém he muj vehemente em suas
paix8es, e pertinaz no que hua vez encaixa na cabota; elle foj o que
diffamou Mestre André seu sobrinho de Luterano e nam allegou outra
cousa centra elle senSo ser amigo de Lopo, e que elle deitasse està
fama muitas pessoas o sabem que o ouviram e poderSo disto testemu-
nhar corno D. Francisco de Noronha e o Bispo de Tangere que forSo
embaixadores em Franga. E a rezSo que o move a dizer que eu fa-
zia OS negocios de luteranos he que indo eu a Paris em servigo del-
rey Nosso sSr buscar os lente» e as matrices pera emprimeria levei hfia
precura$So de mestre André pera resìgnar a ho d. doutor velho hua
conesia theologal que o dito m. André tinha em a cidade de Bazas e
outros beneficios, e levei huma carta do d. m. André pera o Bispo de
Tangere que nisto trabalhasse e acabasse com seu tio que tomasse os
ditos beneficios, no que multo trabalhamos sem nunqua podermos com
elle acabar. Dava por reposta que dum Lutherano e tam mdo homem
nam avia de tomar nada, e que pollo milhor bispado de Franga nam
538 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
perderla a occasiSo que tinha de dizer mal de hi! tam mào ladrfto, e
nunqna cessava de dizer mal delle corno maito bem sabem os dd. em-
baixadores e mostre Diogo de Gouvéa seu sobrinho.
cNam sey quem possa sor osta terceira testemunha. Da conver-
sagSo de Sa Martìnho j& tenho confessado do qae mais diz^ que bum
foSLo que fora lente em Bordeos me tinha por Luterano. No quinto tea-
temunbo fallare! dalguns lentes que me queriam mal.
aEste ou 0 que arriba testemunbou parece ser Manoel D'araujo,
que me quis grande mal asy por bua espada e talabartes que me le-
Tou de casa a qual nunqua mais pude aver^ e o reprendi asperamente
em presenfa de Mestre JoSo da Costa e doutros que nSo estSo no reino,
corno tambem porquanto elle Manoel de Araujo com pretesto de vir
ver mestre Jorge e a mim andava pera enganar a nossa hospeda que
bera filha dum escossez e parenta de mestre Jorge, e bum dia Ibe dei-
xou nas mSos bua bolsa com dez cruzados e se foy e ella se aqueizoa
lego 0 marido que se cbama Robert gran Joung e a nós, de que eu
fui muy pesante, e o reprendi e Ibe disse palavras asperas donde fi-
camos multo inimigos. Disto nSo tenbo outra testemunba no reino senK
Mestre Jorge, e eu depois que n'esta casa entrei sempre cramei do
odio deste bomem e contei iste corno passou algumas vezes a Inacio
Kunes. Das virtudes deste Arabujo dirlo os criados de D. Francisco
de Noronba e quantos o conbecem.
a A quinta testemunha, se nXo he Suscmeo,^ meu imigo mortai
nam sey qual fosse tam mdo bomem que tam falsamente ousasse dizer
taes cousas de mim. Alguns inimigos tive, e foram Mestre JohSo Talr
pim, Mestre Antonio LangUns, e Mestre Antonio Ledere e outros qua
nam nomee por nam me lembrarem os nomes; estes foram regentea
em Bordeos, e por sediciosos e mios os deitaram fora; com elles pe-
lejei muitas vezes comò sabem Mestre Jorge, Antonio Mendes, e An-
tfto da Costa e os mais que em Bordeos aquelle tempo estavam. Quanto
mais que a falsidade do seu testemunbo fSaz que se Ibe nam devia dar
nenbum credito. • •
cEste nono testemonbo corno me a mim parece nam pode ser dou-
trem se nSo dum Manoel de Meequita, capelllo e escrivSo do Collegio,
onde prouvera a Ds. que elle nunqua entrara porque foy causa de mui-
tas differenfas e paixSes que ouve entre os principaes e entro os mes-
1 Habert 8u$sanoeu», um dos que ajudou oom os seus ataques oontra Joilo
Tartas a titar^se-lbe o prineipalato do ColUfio de Guyemie. (Ganllieur, op. eiL^
p. 65.)
0 COLLEGIO REAL 539
treB e dìscipulos comò toda Coimbra sabe, por quo no mnndo nam ha
major mechedor nem homem mais perigoso; elle me quis sempre
grande mal por ser daquella mi condijSo e difamador de todos os bons
o qoal odio mostron craramente quando o d. Mestre Dioguo de Gouvea
yeo a corte, por que fiqaey ea por prìncipal do Collegio por mandado
delRej nesso sr. e sondo elle obrigado a correr as classes cSmigo e
antes sempre o tivesse feyto com os outros principaes, nunqua o quiz
iazer commìgo^ dizendo que ha tal homem comò ea nam avia de ser-
vir e outras palavras descortezes. Deste odio s2o boas testemunhas
Mestre JobSo, o escossez Antonio Portano despenseiro do Collegio,
Mestre Dioguo ds Casfilho, Pero da Costa, Braz Enes e outros mil,
mas parece desnecessario pollas manifestas falsidades que contém està
deposijSo comò he comer eu carne sesta feira dendoen9as em Coim-
bra ostando eu em Braga, comò se provara poUos que arriba nomeei,
e por outros muitos.
cEste he hum Pero LeitSo, que teve commigo differen9as por
quanto eu encomendei a hum irmSo do capitSo da ilha meu discipulo
que fosse figura com outros mo$os fidalgos nua tragedia a qual eu fiz
representar em santa "f n'um auto selene que fazia o snSr Dom An-
tonio filho do IfFante dom Luiz e querendo o d. meu discipulo fazer o
que Ihe eu encommendava elle Pero LeitSo que he seu ajo mostran-
dosse multo imperioso Iho defendeo que em nenhuma maneira o fizesse
posto que Ihe eu chamei ingrato e mal cortes e Ihe disse outras pala-
vras, e elle me escreveu huma carta muito injuriosa e elle mesmo dou
por testemunho disto, o qual nSo nega que teve commigo rezSes. Quanto
mais que sua deposi^So he tam leve e està tam mal provado o que diz,
que me nam pode prejudicar.
cA meu parecer oste he Manod Cerveira ou Pero Anriquea, ou
aigus dos outros que liSo em Humanidades em Coimbra antes que vies-
semos, OS quaes forSo muito pesantes da nossa vinda por se verem
dbatidos e. a nós muito favorecidos de S. A. e assi nos verem em Coim-
bra andar hSrrados em mulas com mo^os e com mayor poder e autò-
lidade no Collegio. De modo que faziam parcialidades e bandos cha-
mandosse os partrienèes «e a nós os hordatesea, e diziam que ainda nos
aviam de deitar fora do Collegio corno de feito deitaram com estas suaa
fidsidades. E da eUes terem os animoe assi danados centra nós serSo
testemunhas Mestre Diego da Costa, Mestre JohSo Escossez, Antonio
Portano, e estes nocneo por «vitar dilaglo do tempo que se faria em
ir « Coimbra, onde posso nomear muitos. E creo verdadeiramente que
540 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIBfBRA
w. mercés ter&o piedade de me rerem tanto tempo ha nesta prisSo e
foIgarSo de dar firn a este negocio. Està testemunha diz que Ihe tenho
ma vontade, tambem ouvera de dizer que m'a tem pior e quanto diz
no seu testemunho tudo diz de ouvido.
«Certamente pareceme que este he Mestre Marciai de Qouvia o
qual he meu grande imigo, e muitas vezes veo o Collegio com espada
pera empecer a Mestre JoliSo da Costa e a mi. A rezfto principal do
odio que me tem he por quanto elle residente em Braga Ihe empres-
tou meu pay certo dinheiro, o qual Ihe deveo mais de quatro annos,
nem ainda Iho acabou de pagar, e querendo arrecadar tendolhe antes
muitas cartas escriptas sobre isso e nam aproveitando nada, mandon
expressamente hum homem a Coimbra pera o citar e demandar, o que
pareceo a ho d. Mestre Marciai que nascia de mi, e daqui me teve
muy grande odio; e tambem por rezSo dum mancebo que aqui anda
por nome Antonto d'Aveiro, que foj criado de Mestre Dioguo de Gou-
vèa, que quiz mais estar c3migo que com elle, e teve pera si que eu
0 sobomara, e por estas rezSes me teve grande odio e me escreveo
cartas muy injuriosas, as quaes ainda me parece que se acharXo entro
OS meus papeis. Deste odio todo mundo he sabedor, e aqui està Anto-
nio d'Aveiro que pode contar o que passou; o mesmo creo que sabe-
rSo lambem os que arriba nomeej Mestre Dioguo da Costa, M. JohSo
EscoBses, Antonio Portano etc, se virem ser necessario de mandarse
iato em Coimbra. Eu me queixei delle a ho oonego Antonio de Q-oa-
y6a e a ho protonotario seu irmSo que sSo parentes do d. Mestre Mar*
cial, e disto tambem sSo sabedores Diego de Castilho, Pero da Costa,
Bras Anes que vinham muitas vazes ó Collegio e sabiam o que nelle
passava.
«Pareceme que este he Mestre Antonio Caiado, e diz que me vio
algumas vezes cear em dias de jejum, o que jà confessei, e porem elle
deichou de dizer que algumas destas vezes ceava cSmigo.
«Tambem BeUiago me tem grande odio porque o tempo que eu
servi de principal o reprendi muitas vezes, por que nam entrava na
classe pera ler senam multo tarde e depois de todos, o que Ihe eu ti-
nha a muito mal, reprendendo que nJl fazia bem seu officio. Testemu-
nhas, Mestre Antonio Mendes, Mestre Jorge, e elle mesmo o nJl ne-
gare. E por quanto seus discipulos se aqueixavSo que elle nXo està-
dava e que perdilo o tempo, ho amoestava e o reprendia comò per-
tencia a meu officio, dizendolhe que deixasse as mercadorias que tra-
zia entro mios de cavallos, de panos de linho e doutras couaaa, e qua
0 COLLEGIO REAL 541
deixasse de mandar emprìmir livros alheos pera ganar dinheiro. Tes-
temuiihas sSo AntSo da Costa que Ihe comprou bum cavallo^ Mestre
JoSo Escossezi os frades de Sfto Francisco seus discipulos. — Diogo
DE Teive.»
«Sendo eu de idade de doze annos pouco mais ou menos me man-
dàrSo a Paris a bus primos meus, que entfto la estavSo, Baltazar e Ma-
noel de Teìve daquelle ferro estive em Paris no Collegio de Santa
Barbara sete annos ou mais; a minba conver8a9So n'aquelle tempo
bora c5 os mo^os da minba idade, das cousas que pertenciam ou a
nossos estados ou a folgar; d'aquelle tempo nam se pode ter de mim
sospeita nenbua nem menos ba de que.
«Depois destes sete annos passados vim a Portugal cbamado de
meu pay que antSo partia pera India, e mandaraSme a Salamanqua,
onde estive estudando leis dous annos pouco mais ou menos^ e por
quanto nam me achava bem na terra e avia nella muitos jogOB e pas-
satempos que distrabiS os estudos e tambem por nam aver bomens se-
nam muy poucos que sabià latim e as letras em que me criara, deter-
minei de tornar pera Franja. Como vivi em Salamanqua pode teste-
munbar o Doutor Antonio Soares que bora be dezembargador de S. A.
Dom Hieronimo que naquelle tempo se meteo em religiSo, o sSr Bispo
de Sam Tbome, que entfto estava em Salamanqua^ e sabia bem de mi-
nba Vida e custumes.
«Fui direito a Tbolosa sabendo quft bSrrada Universidade bora
e abi estive sobre mim porto de bu anno, no qual tempo fuy muy en-
sarrado e recolbeito, tantos eram os meus desejos destudar, que com
trez palavras nft tinba conversa^fto ; a bo cabo deste tempo faltoume
a despeza, e acudiome bua doen$a muito forte na qual me socorreo b5
bomS douto que em Paris me conbecera; depois que cobrei saude, pollo
meo deste bomS fiiy conbecido em casa de bu desembargador bomem
fidalgo e de muita renda, que tinba bu filbo ó qual ensinava latim e
nam leicbava dir ouvir minbas li{8es ordinarias; estive em casa deste
desembargador por nome Mozer de Nuptis mais de bum anno, aby me
dei a conbecer a muitos fidalgos e bomens principaes da terra, que
ainda podem testemunbar da minba vida.
«Neste tempo estava o emperador na Proven9a, digo a par de
Marcelba com grande exercito, e quantos estudantes bespanboes ou
navarros por la entftm avia, todos os mandaram prender, e por quanto
eu tinba com alguns delles amizade, arreceava que com elles junta-
mente me metessem, porque sabem Id mal fazer dififeren^a entre por-
tuguezes e castelbanos; neste ensejo me escreveo Mestre André de
f
542 HISTOBIA DA UNIVERSIDÀDE DE GOIMBRA
Gouvéa, quo Deus aja, bua carta quo me fosse pera elle, e que maj
Begoramente me podia estar no seu Collegio de Bordeos, qae ali heram
bem differenciadoB ob portuguezes da outra gente espanhola. De ma*
neira que fìii ter a Bordeos, onde ensinei dois annos na primeira re-
gra, que he a may» alta, onde se ensinft rhetorica e poesia; n'este tempo
houTe muitos em Bordeos accusados de heresia, entre os quaes houye
alguem do Collegio e principalmente um Zd}edeu^ que se aeolheo e bum
que cbamavfto Mestre Thibau, este foj prezo e esteve tres dias na
prisSo, e dabi o mandarlo que o nSo vissem mais naquella terra; em
todo este tempo nunqua bouve qu8 em mim boca posesse, nem, lou-
vado npsBO s8r, eu dava occasifto pera isso. Mestre André nestes na-
gocios sempre bera chamado do Arcebispo, nem se condenava cu ab-
solvia pessoa algSa que nam fosse presente.
cAcabando de ler estes dous annos determinei de hir a Paris pera
estudar algua parte do tempo as letras gregas nas quaes era mal exer*
citado e a outra parte do tempo empregar em meus estudos de leis, o
que &s por espa90 de dous annos. Naquelle tempo conheci bum SS
Martìnho estudante em Medicina douto em grego e Mathematicas com
o qual vim deepois em Gasconha em companhia de dous grandes fidai*
gos que me conheciS do tempo que estive em Gasconba doutrinar aeas
filhos alguns mezes na terra, depois traasellos a Paris. 0 cabo de sete
ou outo mezes SSo Martinho se tomou com os filhos daquelles fidalgos*
E eu diamado de hSa cidade onde ha j Universidade, que chamam
MontalvSo, fuj ler ahj hvl anno, e isto por ahi estar h3 portuguea de
Viseu, homem douto e hSrrado que cbamSo Miguel Vigoso, o qual hoje
ainda ahi està casado e hBrrado ; no fim deste anno me dert novas que
1 a André Zebedeu era, segundo o diier de Britannas, am homem de ama
eradi^ a teda a prova, qae jantava a urna grande vivacidade de Intelligeneia
um gosto perfeito e ama estrema delicadesa nas obras de espirito.» (Epitt^, fi. 60 f,)
Dado 0 devido desconto, pois é extrema a aflPéi^flp qae Brìtannus deixa irromper
nas Buas cartas por Zebedeu, importa notar qae elle recebia de honòrarios ses-
«enta livras por anno, salarlo malto mais elevado do qae o da maior parte dos seos
oollegas. — «fistes contrairam logo para eom elle ama grande amisade, e quando
tentoa partir para Hespanha, no anno de 1&85, empregaram todoe os melos para
detel-o. Saia de Bordéos, mas depois de ter-lhes promettido que voltarla.— Do»
pois da sua salda do CoUegio de Quyenntf Zebedeu, que tìnha abra^ado as idéas
da Reforma, fol para a Sulssa, onde eneetou os estudos theologicos. Poi nomeado
pastor em Orbe, aldeóla dependente da Bepublica de Berne. As suas rela95es com
Calvino, qae, à fialta de amisade, foram de estima, datam de 1688.» (Gjiaullieurt
HieUnre du CoUége de Ouifemie, p. 82.)
0 COLLEGIO REAL 543
Slo Martinho estava prezo por certos papeis que espalharSo em Paris
c8 outroBi e dahi a seis mezes soube corno hera fora e que se achara
nam ser elle cuipado; depois o vi xnuitas vezes em Paris e agora està
casado e doutor, se ontra consa Ihe nSo aconteceo depois da minha
partida.
«Depois do anno de MontalvSo, por que mais Ihes nSo prometti,
me fili a Poitiers^ famosa Unìversidade de Leis onde m'ensarrei de tal
maneira com meos livros que com ninguem tive conversa9So, e acon-
teceosse passar portugues e estar ahi quatro dias cumprindolhe cSmigo
fallar, preguntando por mim e n2Lo me poder descobrir. Dom Francisco
de Noronha^ que entam hera embaixador naquelle tempO; esteve mui-
tos dias em Poitiers e eu sempre o visitava; elle sabe multo de minha
fazenda^ e em que reputasse vivia, e quanto trabalhou por me tra-
zer em sua companhia, que jà entonces andava em vesperas de se
tornar.
«Depois desta minha estada em Poitiers vim ter a Bordeos cha-
mado de Mestre Andre por que Ihe era necessario vir a Portugal, e
rogoume que juntamente com Mestre JohSo da Costa ficasse em Bor-
deos pera Ihe ajudar a governar o Collegio. Desta volta que Mestre
Andre fez me trouze carta de S. A. que o viesse servir a este reino
e que ajudasse Mestre André nas cousas que de mim tevesse necessi-
dade; desde aquelle tempo me empreguei em 8ervÌ9o de S. A. muitas
vezes fìij a Paris ajustar os lentes^ outras vezes buscar as matrices e
letras de impressSo, até que vim polla posta com Mestre André a este
reino, e tornei depois fiz coinpanhia a hos lentes até hos pdr em Al-
meirim onde entonces estava a cdrte.
«Em todo este tempo que andei em IVan9a foy conhecido de mui-
tos homSs fidalgos e homSs de letraB, nunqua se teve de mim ma so-
speita, nunqua fuy chamado em juìzo, nem tam semente pera dar hil
teartemonho. Somente o Doutor velho Mestre D!t>go de Gt)uvèa, por
que me criara no Collegio e hera amigo de meu pay dizem-mó que di-
zia que 0 ladram de Mestre André heretico maldito me avia de danar.
Tinha està opinilo de Mestre André, por quanto se fora pera Bordeos
de Paris centra sua vontade, e dizia que suas conversa98es hert com
velhacos Intheranos e chamavam luteranos homens que sabiS grego e
philosophia e estavam mal com a sofistaria.
«Em Portugal, depois de nossa vinda vivi comò todos sabem;
nem pubricamente, nem em privado fiz cousa que meresa este castigo,
nS negando que sam pecador, e fa$o mil offensas centra o s8r, porem
contra a nossa fé catholica e o que manda a santa madre Igreja nem
544 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
em paiavra nem em obra me parece ter offendidoi o qual se fiz e m'o
moBtrarem nSo desejo mais outra cousa quo ser ensinado.
a A fonte donde este mal nasse sospeito ser Mestre Diogo de Gou-
yèa^ conego da see de Lisboa, porqne tem pera si que os firancezes e
eu somos causa que elle saisse do Collegio. E com està opiniSo foj fa-
zer queixume ao Cardeal que heramos bus perdidos, e sua Al. pare-
cendolhe que seria assi, pois bua tal pessoa o dizia com bu santo zollo
que elle todas as cousas faz, mandou degassar de nós, e podìalbe bem
segundar nisto o velbo Doutor, tanto pollo odio que sempre teve a
Mestre André e as suas cousas comò pera vingar o sobrinbo. Isto se
nam foj feito direitamente por està maneira indireitamente d'aqui pro-
cede.'— DiOGUO DB Teivb.»
a Como quer que eu fuy ter a Franya multo mo$o e conversey
sempre mais com os firancezes bomens Uvres em suas praticas, e que
muitas vezes dizem mais do que cuidSo, e o contrario sempre me apar-
tei da companbia de muitos portuguezes, e isto em tempo que Franga
andava multo danada, e tambem porque estive em Bordeos em com-
panbia de Mestre Andre, o qual os mesmos portuguezes per amor do
tio tinbam em ma reputagSo que nunqua deixava de dizer mil males
delle, por estas rezSes por que de meu naturai eu sd facil e conversa-
vel c3 todos e principalmente c8 bomens de letras, tiverSo poUaventura
algus ma opinifto de mim, digo, alguus dos portuguezes que em Paris
estavam, de cuja companbia me eu apartava e algumas vezes me foy
dito, por que bora tanto firancez e fiigia da companbia dos portugue-
zes, que podia ser que em algum tempo me poderia disse arrepender.
Respondia que eram multo melancolicos e maldizentes, e que estando
em Franga vivida a bo modo dos firancezes, e quando em Portugal
estevesse trabalbaria entam de me accomodar a seus costumes. Estas
sSo as causas principalmente por que me alguns portuguezes tinbSo
por sospeito ou por muyto fi*ancez. As pessoas das quaes se podia ter
sospeita com as quaes as vezes eu fallava e conversava em Bordeos
forSo Zebedeo, Mestre Thibao, Corderò,^ Estaphet medico. Em Paris,
1 0 nome de Cordeiro era urna fórma alatinada de Cordier (corno se ve pela
poesia latina, dedicada a Mathurìn Cordier, Ad Corderitan, por Voalté). Evidente-
mente, Diogo de Teive referìa-se a Mathurin Cordier, que em 1535 André de Goa-
Tea tinha trazido para professor no Colico de Guyenne. £ extraordinario o me-
recimento pedago^co de Mathurìn Cordier (1479-1564); toda a sua avan^ada edade
foi despendlda no enaino. Frequentou a Universidade de Paris, e ensinou noe ciuco
Collegios de Reims, Liseuz, La Marche, Navarra e Santa Barbara, Calvino con-
0 COLTJIGIO REAL 545
SS Martinho, * Mestre Pero Ruffo, Tartas, Gcdandis, ChShroy, Mestre
Robert Butrào, Brigar, protonotario o s3r da Lobeira.^ Estes princi*
palmente sSo os homens com os quaes muitas vezes me achava^ e corno
digo herSo homens de letras, e às vezes, corno he o costume dos fran-
cezeS; falavam alguas cousas desatentadamente, e porem corno Deus
he yerdade, nSo sSLo particularmente alembrado dos propositos que se
tinham, tanto por eu nSo applicar a isso minha fantesia corno por tam-
bem nam ter boa memoria. A conversaglo que com estes homens ti-
nha deu occasiSo a hos portuguezes a cuidarem mal de mim e nam ha
7 duvida comò confesso que alguas vezes se tratavam disputas ou de
theologia ou de philosophia come de tempore, de codo, de mundo, de
anima, e mais nestes tempos que heram comò digo livreS; e todo mundo
nisto &llava. De maneira, se neste tempo ou em outrO; alguma cousa
feBBon publicamente, nos sens Commentarios ao Novo Testamento, que se algum
merito havia nos seuB escriptoB devia-OB a seu mestre Cordier. Em casa do cele-
bre impressor Robert Étiemie é que elle comprehendea que, aBsim corno os espi-
ritoB se emancipavam pela critica do pedantismo scholaBtico, tambem careciam
fugir da 8uperBtÌ9ao derical para a simplicidade evangelica. Por causa da reac^io
contra as idéas da Reforma, em 1534, Mathurin Cordier escondeu-se, vindo no anno
seguinte para o Collegio de Guyenne, que se Ihe tomou um refugio, onde esteve
dez annoB, aoziliando André de Gouvéa na reorganisa^So d'aqnelle Collegio. (Gaul-
lieur, Histoirt du CoUége de Guyenne^ p. 95, 128 e 152 ; e Quicherat, Hiatoire de
Sainte-Barbe, 1. 1, p. 152 e 253.)
1 Na defeza de Diogo de Teive falla por vezes em Sam Martinho; é eviden-
temente a fórma descuidada de SamartJianum, traducalo latina do nome de Char-
les de Sainte-Martbe, Mestre em Artes, regente no Collegio de Bordéos. D'elle
escreve Gaullieor: «Sabe-se que este nome de Sainte-Marthe foi illustrado por
toda uma familia de escriptores, de poetas e de sabios, originarios de Poitou.
Pode-se considerar o joven professor, de que aqui se trata, comò o cbefe d'està
brillante successào de homens notaveis. Era o segando dos doze filhos de Gau-
cher de Saintc>Marthe, medico de Francisco i, e desde crian^a revelou talento. —
Charles de Sainte-Marthe, cujas obras chegaram até nós, foi um poeta de talento.
Depois de uma vida multo agitada, depois de ter abertamente seguido as idéas
da Reforma, e atravessado as mais crucis prova^oes, foi cumulado de honras por
Margarida de Navarra, irmS de Francisco i.» (Hiat, du Collège de Guyenne, p. 55.)
Sainte-Marthe deizou o Collegio de Bordéos em 1534, indo graduar-se em direi to
em Poitiers em 1536. Aqui segniu as doutrinas de Calvino, sendo preso por lu-
therano em Grenoble, onde jazeu no carcere perto de tres annos, livrando-se pelo
ardii de se fingir louco. Depois de solto foi para Lyon, em cujo Collegio ensinou
o hebraico, o grego, o latim e o francez. Mereceu a protcc9ào da rainha de Na-
varra, morrendo multo novo do rompimento de um aneurisma. (Ibidem, p. 77.)
* Pierre de Cruilloche, senhor de la Lomhikre, um dos fundadores do Collegio
de Guyenne. (Gaullieur, Op. cit., p. 116.)
HisT. lur. 35
546 HISTORU DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
soltei temerariamente ou por mais nam saber, ou stttdio contradicendi
em maneira de disputa ou referindo algiia opinilo de philosopho ou
decrarando algum proposito que ouvira pregar de qaalqaer modo que
fosse digo minha culpa e peyo a Deos misericordia^ e a vós senhores,
por que minha ten9&o e proposito nunqua foj outro senSo viver e mor-
rer na santa fee catholica comò manda a santa madre Igreja, e posto
que por muitas vezes ouvi e li muitas opiniSes falsas e erroneas nun-
qua Ihes dei credito nem me parecerSo bem, mas se por ceguidade em
algua cousa cahi daqui digo a Deos minha culpa, e se tenho offendido
meu creador gravemente me arrependo de o ter feito com proposito e
efficas vontade de o nSo offender mais. £ vos pe90 sres poUas ciuco
chagas de nesso sSr Jhs. christo vista està minha confissSo, que te-
nham algum respeito a minha pessoa, a ser de S. A. a oste reino cha-
mado, a ter nelle feito algum fructo a alguas letras com que posso
servir, a hum dom de gra9a que nam he concedido a todos de que me
nosso s5r fez algua parte hum estilo em latim pera poder em algum
tempo escrever as cousas deste reino e feitos excellentes dos portu-
guezes. Com està confiss&o pe90 a està meza que nam deve querer a
morte do pecador mas a 8alva9So, que cubra minhas faltas com a capa
de sua misericordia e me restitua minha hSrra e me dem animo pera
que possa fazer obras dinas de perpetua memoria de servilo de Ds,
de h5rra deste reino, e queirSo vendo està minha justa petÌ9So num so
homem conservar e goardar a muitos, a irmSos e irmSs paj e mftj ca-
sados e honrados, hua gera^So teda que fica deshonrada se o eu for.
E nam queira por amor de nosso s8r ir mais com iste adiante por que
nam houve cousa que mais danasse Alemanha e depois a Fran9a que
querem escoadrinhar multo as cousas e dalas a entender ó povo;
cubram iste caladamente, e concedam &s letras tres homens que tanto
as honravam e alevantavam n'este reino. E pois todo mundo sabe comò
nestes tres annos vivemos em Coimbra quantos exemplos de virtude
de nós demos e quam bons catholicos e verdadeiros christSos somos
cuide 0 mundo comò pode cuidar que a todos os homens vem traba*
Ihos e que pintavam polla ventura as cousas mais feas de que herSo e
que 0 arripindimento siguio a culpa, e ainda que pareya iste fora do
que se accustuma, tenhasse algum respeito a nossas pessoas e a nossas
letras, por que se uns querem e vai iste a ho cabo comò sSo cousas
de tSo longos tempos e de tam longas terras, nunqua se acabarSo e
nos deixaremos de fazer multo serviyo a ds. e a ho reino. Principal-
mente sendo manifesto a muitos que a major parte dos portuguezes
que em Paris estavam tanto pollo Doutor veiho corno por enveja que
0 COLLEGIO REAL 547
tinham a hos de Bordeos por quo vift que herS favorecidos de S. A.
BOB queriam grande mal. A isto se ajontoa ine Mestre Diego do Col-
legio, o que tem pera si ser por nesso meo, mas de tado Db. e S. A.
sabem a verdade. — DiOGO de Teiye.
«Quanto a minha conversa^fto em Paris, da qual a primeira tes-
temunha e as tres seguintes fallam, eu conversei em Paris com os mais
hSrradoB homens da Universidade, .s. muitos doutores em Theologia
e publicos leitores de Leis; nem tinha rezSo ninguem de fogir de mi-
nha conversa9&o. As pessoas que cSmumente em Paris conversei sSo
estas: o Doutor Mestre Dioguo de Gouvèa que bora està nesta cidade,
o Dr. Paio Rodrigues, o Dr. Mestre Alvaro da Fonseca, o Dr. Mestre
Mongdos, nesso Mestre Jo&e principal do Collegio Dareoourt, (d'Har-
<20urt) nesso Mestre Combert e seu irmSo religioso, tambem doutor em
Theologia; nesso Mestre BoutrS, Monsieur Tomebus,^ Mons. Estrase-
lius, Galandius principal de BScourt;^ Mestre Miguel Garnier princi-
pal do Collegio de Plessi, o Doutor Lopo SerrSo medico. Tambem
conversei com algSs homSs mancebos estudiosos de letras gregas, que
naquelle tempo erS sospeitas a algumas pessoas que tem cSmumente
por sospeitos todos os homSs bons latinos e gregos. Quanto ao que diz
que negociava as cousas dos luteranos o Doutor veiho suscitou està sua
opiniSo contra Mestre André e os que com elle estavam e pubricamente
Ihes chamava a todos luteranos. Os negocios que eu fiz forSo vir a
Paris em servilo de elrej n. s. e ajuntar os lentes que vierSo a Coim-
bra e buscar as milhores matrices que se entZo poderSo achar em Pa-
ris, as quaes trouxe e dellas se usa em Coimbra. E se eu tal fama te-
vera comò querem dizer estas testemunhas nS me rogara a mim muitas
vezes Mestre Dioguo de Gouvéa o velho e seu sobrinho que nesta ci-
1 Adrien Tamebus, (1512-1565) um dos maiores emditos da Renascen^a ;
ensinou bellas-letras na Universidade de ToIoBa, em 1533, vindo substituir seu
mestre Toussain na cadeira de grego no Collegio de Franca ; todos os critìcos da
RenascenQa, Montaigne, Pasqnier, THopital Camerarius, Scaligero e Scioppius, aio
eonformes em admirar o Ben vasto saber e lucìdez na regencia da cadeira e na in-
terpreta^ao dos classicos gregos e latinos. Pendia para as dontrinas da Reforma.
TumebuB regentou no Collegio de Santa Barbara, em 1538 quando o portugaez An-
tonio Pinbeiro largou a cadeira da Rhetorìca para frequentar o curso de Theolo-
gia; d*alii passou para o Collegio de Franca em 1547. fQuicherat, Eistoire de
Sainte-Barbe, 1. 1, p. 245 a 249.)
3 Pierre Galland, (1510-1559) Mestre em Artes em 1537, foi pftncipal do Col-
legio de Boncourt em 1538, e em 1545 profesBor de Eloquencia no Collegio de
Franca.
35*
548 HISTORIA DA UKIVERSIDADE DE COIMBRA
dade està, que lesse na prìmeira classe no Collegio de Santa Barbara,
pollo que se mostra craramente que tinham elles de mim boa opiniSo.
Quanto a Sàmartìnho jà confesse! que conversara com elle, e que fora
preso por bus libellos defamatorios corno se dezia, e nam por caso de
beresia, dos quaes se livrou, e eu o yì depois em Paris doutor em Me-
dicina e casado bSrradamente. Quanto a bo que diz a quarta testemu-
nba, que passando certas pessoas por Bordeos Ibe escreverSo bua ou
duas dellas de certas cousas que passarlo com os do Collegio de Bor-
deos, sintindo d'elles que sintiam mal da fee, estes que as taes cousaa
escreverSo ouverSo de ser perguntados e decraradas e examinadas as
praticas que se tratarSo. Eu verdadeiramente de tal disputa nam so
lembrado.
e Quanto a bo quinto testemunbo escripto em latim nam pode dei-
xar de ser de algum meu imigo mortai, visto as cousas tam graves e
tam abominaveis que me asaca centra toda verdade; o qual segundo
meu parecer be bu Susaneo muito mào bomem, ou outra algua por elle
sobornado. Este Susaneo me quer muito grande mal corno jà disse a
vv. mces, e eu pelejei com elle e Ibe dei muitas punbadas e bofetadas
em Paris junto das Escolas do Decreto. Este testemunbo quer seja de
Susaneo quer de outro, tras cSsigo a contradita, por que a rezSo que
da pera provar que so daquella scita, be dizer que eu fui muito fami-
liar de Dolete. Considerem vv. mces por amor de nesso s3r iste e assi
Ibo requeiro da parte de Ds por que està be a mayor falsidade que
nunqua se disse. Vossas mces bà de saber, e assi Ibo juro jper deum
trinum et unum, que eu nunqua vi Doleto, ^ nem o conbeci, nem creo
que me cbeguei junto donde elle residia cem legoas, por que ó tempo
que estava em Tbolosa (1532) estava eu em Salamanqua e bora muito
mo$o, e quando vim a Tbolosa (1537) jà passava de tres annos que elle
bera fora e diziasse que estava em LiSo, e era livreiro e imprimidor,
1 Diogo de Teive deiende-se da accusa^ào de ter tido rola9oes com Etienne
Dolet, o celebre humanista francez, que por ter traduzido ama phrase do Dialogo
de Platùo Axiochus, que a Faculdade de Theologia de Paris julgou heretica con-
forme ao espìrito dos Saduceoe e dos Epicuristas, foi condennado à morte e quei-
mado yìvo na pra^a Maubert em 3 de agosto de 1546.Tambem se considera comò
uma das causas da sua condemna^ao o ter impresso em 1544 a historia de Gar»
gantua e de Pantagrud. Os trabalhos a que se refere Diogo de Teive fi itos por
Dolet em Lyon, eao o Commentariorum Linguae Latinae, (1536-1538) em 2 voi.
in-fol. O gran(](e humanista dedicara-ae tambem a tjpographia comò Henri Etienne;
a sua morte é uma das maiores affroutas & humanidade feita pela reac^Io religiosa
que perturbou a transforma^ào intellectuai do seculo xvi.
0 COLLEGIO RE AL 549
onde sempre residio até que o prenderlo (1542). E eu nunqua fui enL
LiSo, e 0 tempo que o prenderlo eu estava em Bordeos, no que se
mostra a grande falsidade e malicia desta testemunha quem quer que
he; e desta testemunha parece que tomou Fr. JohSo Pinheiro o que
diz no testemunho acerqua deste negocio. — Doime o cora9lLo de falar
e cuidar cousas tam feas, por amor de nosso s3r Jhs. Christo pe90 a
vv. mces que queirSo olhar minha vida^ meus estudos e recolhimento,
o bom exemplo que de mim sempre dey e comò vivi em Coimbra e
insinei, que sempre trabalhei mais por ensinar o amor de ds que as
letras, e todas as vesperas de festas solenes trazia hSa oraflo cuidada
que dizia a hos meus discipulos adhortandos que se confessassem e
preposessem a todas as cousas o servÌ90 de nosso s3r. Està foj sem-
pre minha doutrina, isto cata o que fiz e o que escrevi, isto me deixa-
rfto meus avós por heran9a; isto aprendi dum pay e dua m&j que te-
nho velhos os quaes ds. quis goardar a té agora pera receberem a
major dor que pode ser donde esperavSo a major consoIafSo. E pera
eu mais sentir meus trabalhos e afflif&o nosso sSr por sua santa mi-
sericordia me receba todos estes meus trabalhos em descSto de meus
pecados.
«Neste nono testemunho se contem muitas cousas is quaes bre-
vemente responderei; diz que Ihe dice hum moyo que eu com outros
Mestres e com dous mo908 fidalgos comi carne bua sesta feira^ que he
grande falsidade; ouverSono de preguntar a ho mo90 e os mo908 fidal-
gos. Diz mais que sesta feira dendoen9as da derradeira coresma ouvira
dizer que comi carne com outros Mestres em Coimbra; verdadeira-
mente nSo sei comò possa ser, por que o tal tempo eu estava em Braga
em casa de meu paj e parti pera la o sabado de ramos e tornei pera
Coimbra depois da Pascoella. . .
«Quanto a ho que diz que nos vio almor9ar sesta feira dendoen9a8
he verdade que estando Mestre Jorge muito faminto por que saira dtta
doen9a muito grande, depois do officio no Collegio acabado, estando
nós em casa de Mestre JohSo da Costa, onde aquelle dia jantàmo8|
come90u de comer o dito Mestre Jorge passeandosse polla casa espe-
rando pollo jantar e logo por seu respeito nos posemos è, mesa, e bem
me parece que herS antes das horas. Isto segundo minha lembranga
passou asi. Quanto a ho romance j& o tenho confessado mas nam me
pode lembrar que difinisse trinta annos porque nem o exempro que
XenophSte tras de Hercoles diz que veo àquelles dous caminhos omde
topou a Verdade e a Deleita9So senam in aetaie pubertatìa podesse muy
j
550 HISTORIA DA UNIVERSIDADE D£ C0IM6RA
bem ainda o dito Romance achar, e se tal disse seria c5 maita ira^
por que cada dia nos tiravSo os apostoloB os estudantes jidalgos do Cd'
leffio. A ho que diz Pero Arriques me contrariou este romSce tal ver*
dadeiramente me nSo lembra nem elle tal creo dirà. Do costume diz
que tevera cSmigo aIgSas rezSes mas que agora era meu amigo; os
amigos ireconciliados em Portugal comumente sSo piores que inimigos
porque com aquellas dissimnlafSes de falsas amisades cobrem o odia
que tem escondido e assi estSo esperando occasiSo de algua YÌngan9ay
e porém se elle bem olbara a doutrina que eu dei a hos seus e as
boas amisades que Ihe eu fiz nam me dera occasiSo a Ihe eu dizer que
hera ingrato.
cNeste tempo pouco mais ou menos estive muito doente de colica,
e logo depois saltarlo cSmigo febres e fui duas vezes sangrado e pode
ser que convidasse està pessoa a peda$os de perdiz, e trabalhei muito
cSmigo por o trazer a memoria, e nunqua me pode lenbrar nem ainda
em Coimbra. Nem a testemunha diz que eu de tal perdiz comesse.
Diz mais que ouvio dizer que eu andei dizendo em Bordeos proposi-
gSes erroneas e nam dis quaes forSo, e que fui disse perdoado. Sres.
se tal cousa no mundo se achar eu quero sofrer toda pena. Nunqua
fui accusado, nunqua chamado em juizo, nem tam somentes pera dar
hu testemunhOy e se alguem de mim tem algua sospeita sera polla fama
que Mestre Diogo de Gouvea, o velho, tem deitada de Mestre André
seu sobrinho^ e dos que com elle esteverS; as deferenyas qiie cSmigo
teve forSo ameasarme de me matar e a Mestre JohSo da Costa e vir a
ho Collegio com espada debaixo da loba, e dar com ella, e as causas
da defferen9a sabeas toda Coimbra onde o muito bem conhecem.
cJà tenho confessado que muitas vezes ceei em dias de jejum, e
nam pude jejuar por causa dos muitos trabalhos que sempre tive no
Collegio, (os meus trabalhos eram muito grandes, que lia scia horas
cada dia, n3 me lembra almor9ar seis vezes em todo o tempo que es-
tive em Coimbra.)»
O processo de Diogo de Teive terminou em 14 de setembro de
1551 y mandando-se-lhe por sentenya fazer acto publico de abjuraySo
dos seus erros, e sondo em seguida enviado para o Mosteiro de Belem,
para fazer penitencia e ser doutrinado, ficando em clausura até quando
ao Conselho do Santo Officio parecesse. Foi-lhe porém dada em 22 de
setembro d'esse mesmo anno por cumprida a doutrina$ao e peniten-
cia, voltando para Coimbra, onde Ihe estava reservada a affironta de
ser elle proprio que havia de fazer a entrega do Collegio real aos
Jesuitas.
0 COLLEGIO REAL 55 i
O processo de Mestre JoSo da Costa nSo é menos importante do
que o de Diogo de Teìve ; jà d'elle deixàmos transcrìptas algumas pas-
sagens sobre o modo comò vieram para Portagal os mestres francezes,
e corno era a vida interna do CoUegio reaL Limitamo-nos por tanto a
extrair as passagens do libello e contrariedade que se referem aos li-
vros prohibidos achados em poder do activo sub-principal, e ao de-
poimento do velho Doutor Diogo de Gouvéa, qae pelo seu fanatismo
senil accusava de lutheranos todos os amigos de seu sobrinho André
de GouTéa. O processo centra os lentes do Collegio real comecara
mnito de longe ; talvez fdra essa a causa da morte repentina de André
de Gouvéa ao saber do odio de seu tio. De Lisboa foi mandada com
data de 17 de outubro de 1549 urna precatoria para Paris, onde se
achava o Licenciado Braz de Alvide em missSo diplomatica, para in-
terrogar diversos doutores àcerca de Joào da Costa, Diogo de Teive
e Jorge Buchanan. Procedeu-se ao interrogatorio em 27 de novembro
de 1549, cujo conteudo serviu para architectar o processo. Copiamo»
aqui o testemunho do velbo Doutor Diego de Gouvéa, para se vèr
comò era explorado o odio senil centra o sobrinho jà fallecido com
tanto que servisse de instrumento para lan9ar os lentes fora do Colle-
gio real:
«O doutor Mestre Diogo de Gouvea 4.* t.* perguntado pelo con-
theudo na dita provisSo — distse que era verdade que elle conhecia
Mestre Jo3o da Costa portuguez o qual fora escholar del Rei nesso s3r,
e discipulo de hum Kegente que fora do seu Collegio de Santa Barbara
chamado o Cops ' mèdicO| que por outro mestre regentara no Collegio
do Cardeal Moine, o qual Mestre André sobrinho d'elle o metera no
seu Collegio estando elle em Portugal, o qual Cops era grande luthe-
1 0 Doutor Diogo de Gouvéa referia-se a Mestre Nicoiào Copus, que em
1533 era mestre de Philosophia no Collegio de Santa Barbara ; sobre este regente,
escreve Qnicherat, na obra jà tantas vezes citada : «Uma das cadeiras de philo-
sophia era entSo occupada em Santa Barbara por Nicolio Copua ou Kopp, allem2o
de origem, mas francez de nascimento, porque era filho do medico de Francisco i,
Gnilherme Kopp, nm dos antigos e gloriosos sustentaculos da Universidade de
Paris. £8te Nicolào Kopp adherin a Calvino, a ponto de, ao ser nomeado reitor
para o ultimo trimestre do anno de 1533, nSo via n'esta honra senSo nm ensejo de
servir as idéas de seu mestre e de encaminhar a Universidade para a Beforma.»
(Histoire de Sainte-Barbt, 1 1, p. 214.) Tendo de pregar no dia de Todos os San-
tos, na egreja dos Mathurìn, diante do corpo docente, os franciscanoa denunciaram
as suas idéas heterodozas, e quando iam para prendel-o, largou os vestes douto-
xaes e fugiu, indo refugiar-se em B&le.
1
552 HISTOBIA DA UNIYERSIDADE DE COIMBRA
rano corno està prò vado por justÌ9a na corte do parlamento desta vila,
e depoìs viu elle testemunba conversar o dito Mestre JoSo da Costa
com OS frades da terceira ordem de San Francisco deste Regno os
quaes todos sSlo avidos por grandes luteranos^ donde elle testemunha
sempre teve sospeita que pela dita conversa9ào o dito Mestre Jo2Lo da
Costa com elles e depois se foy a Ouvemia, onde teda a terra estava
gastada deste mal do Luther^ e dahi se £07 a Bordeos estando em
companhia do dito Mestre André e de Mestre JoSLo Gelida e de Mes-
tre Jorge Escossez, e Regnaut Piloet; que segando 0 que dizem he
grande luterano segando Ihe ja ouvio dizer ao Doutor Mestre Nicoldo
MongdoB ^ ao qual mesmo ouvio dizer que todos os nomeados n5 vali!
nada. Diz mais elle testemunha, da conversa9So d' elles, muitos homens
de bem e bons christlos eram mal edificados quanto a està seita, se*
gundo ouvio dizer ao padre de Supersanctis, commissario da observan-
eia da Gascunha e Fr. Clement Faract da mesma ordem, e ao segando
presidente de Bordeos chamado Decalvinos, 0 qual presidente Ihe di-
xera que 0 Collegio de Bordeos era uma Casa de perdÌ9llo de toda
Gascunha.
cE quanto a Mestre Diogo de Teive nSo sabe elle testemunha ou-
tra cousa semente velo sempre conversar com os sobreditos Mestre
Andre e Gelida e estar sempre no Collegio de Bordeos e negocear os
negocios do dito Mestre Andre.
«Quanto a Mestre Jorge Escoces que està no Collegio de Coim-
bra, ouvio elle testemunha dizer que fugira de Escossea por hereje e
Judeu, dizendo que podia celebrar 0 agno paschal com os cinque que
com elle usSo d^esta heresia, os quaes todos cinque foram queimados
vivos e por o dito Mestre Jorge ser Mestre de hum filho do rei da
Escossia Ihe foy dado perdio, bua casa donde fugiu e veiu ter a està
cidade ha para seis ou sete annos pouquo mais ou menos, onde o Car-
1 0 Ben nome era Nicolào Hirigaray, naturai da aidca de Mongelos, na Bis-
caya. D*elle escreve Granllieur, quando narra o modo corno se introduziu no go-
verno do Collegio de Guyenne por auctoridade de Henrique 11, contra a elei^So
de Elie Vinet: «Nascerà na terra basca, no burgo de Mongelos, de que tomara o
nome, mais fìicil de reter do que 0 een; doutor em Theologia pela Universidade
de Paris, sem ter 0 merito de Elie Vinet, nSo era destituido de erudi^fto, porque
tinha side professor de philosophia no Collegio de Lisieuz, illustrado por Jo2o de
Tartas, depois no Collegio de Santa Barbara, onde regera a classe de Physica em
1&S9-1540. N'esta epoca foi procurador da naQào de Franca.» (Histoirt du Collège
de Guyenne, p. 247.) 0 seu exaggerado fanatismo approzimara-o do Doutor Diogo
de Grouvéa.
0 COLLEGIO REAL 553
deal da Escossia que estava aqaì por embaixador o quisera fazer pren-
der; e o dito EscoBses se salvou e se foy a Bordeos donde foy para
Portugal, o que tudo elle t.^ ouviu dizer ao doutor Mestre Sìnson ...»
No libello contra Mestre Johào da Costa: «Entendo provar, que
sendo em Coimbra por duas vezes pubricado o Boi dos Livros suspei-
to8 e defezos pollo Cardeal Infante noso sn5r, e fixado às portas da see
da dita cidade; e sabendo o R. e tendo o treslado delle, elle R. n5
deu nem entregou os livros defezos que tinha, segando era obrigado
fazer, antes ao tempo qae foy preso Ihe forS tomados e achados na sua
camara os livros siguintes: It. precaiides christans, Unio dissidcintium,
praxis divine scripture, annotatlones Sebastiani Mosteri, Evangelia math.
a bribia em linguagem frances, os quaes livros todos sam lutheranos
e reprovados pollo que outrosi incorreo em excommunhào que foy posta
a quem tivesse os ditos livros e os nao entregasse logo, na qual excom-
munhSo se leixou andar elle R. por mais de hu anno por haver mais
de bu anno que foy pubricada na dita cidade a provisi de sua alteza
sobre os ditos Livros c3 pena de excommunhSLo Pollo que elle R. deve
ser avido por pessoa apartado da fee e que sinte mal della e das in-
stituiySes e determinajSes da santa madre egreja.» Defende-se:
«Entende provar que elle reo nSo soube dos livros defezos nem
foy denunciado, e elle pidio ao doutor Mestre Payo corno t§ confessado
e forào tantas suas acupajSes e as deferen9a8 que teve e trabalhos com
Mestre Diogo de Gouvea e com vir tres vezes a està corte, que nun-
qua teve tempo nem vagar para revolver seus livros e os cotejar com
ho rol, desejandoho multo, nem pidio o rol a Mestre Payo c5 outra
enteuQào, e diz que nunqua Ihe pareceo que tinha livro nenhum de-
feso, por que logo ho queimara ou o entregara, pollo que Ihe parece
que nSo errou, e se errou e incidise em excommunhSU) pede que ho
absolvào .... 9
Entre as testemunhas de defeza que Mestre JoSo da Costa apre-
senta, do tempo que esteve em Fran9a, vem os seguintes:
Mestre SymSo
Mestre Gonyalo Medeiros
Doutor SebastiSo Ruyz
Doutor Antonio Pinheiro
Doutor Dom Christovan de Mello
Mestre Antonio Mendes
Mestre Jacques Tapia
Antonio Portano.
554 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIBIBRA
< A primeira vez que ouvy fallar em lutheranos foy em Paris^ no
tempo que ali preguava hu clerigo da rainha de Navarra por nome
Mestre Gerardo, o qual ea nunqua yì, nem oavi; dizia-se comnmente
que este era luterano. O prìmeiro homem que ouvi fallar mal foy hS
allemào ja homem, que andaTa no curso das Artes onde eu andava;
dÌ86e-me huma vez no Collegio de Santa Barbara, que mais folgava de
ler bua foiba do Novo Testamento que ouvir bua missa, e me ebamou
algumas vezes papista; eu era moyo, nSo attentava nisso, nSo o accusei
nem disse nada a ninguem.
«Lembra-me que parti de Paris c3 liceD(a do doutor velbo Mestre
Diego de Gouvéa pera Ouvergne (Auvergne) pera ler em Issoyre, e
fuy em companbia de um Mestre Antonio de Reje frances, que tam-
bem bla pera ler na dita villa. . . .
«Logo me fui pera Orleans, que està d^ali quinze legoas, onde
estive dous annos ; abi veo ter um mancebo naturai da villa per nome
Mestre J.^ des Periers, que estiverà em Allemanba e sabia latim e
grego ; os consules da villa o tomaram pera ler tambem nas escollas
onde eu lya, e o avogado delrey o tinba em sua casa e Ibe insinava
bum filho. Este mancebo muitas vezes vinha a minba casa e me mos-
trou bum livro; o titulo era Lambertus, Super Cantica canticorum, e
algumas vezes me leo delle e me gabava muito outras obras de Lam-
berto e me dizia que fora frade de Sam Francisco e escrevera centra
OS da sua ordem que tinbSo muita riqueza. . . .
cLembra-me que vim d'Orlels a Bordeos cbamado de Mestre An-
dré, e sempre em Bordeos vivi dentro do Collegio, e sempre em essas
pousadas comy e beby muitas vezes com Mestre André e converse!
com elle e nunqua delle ouvy cousa que fosse centra a nossa fé e cen-
tra 0 que manda a santa madre Igreja. Foy acusado bua vez de lute-
rano per madama Marta d'Astrae princesa de Candalla, e foy desta ma-
neyra: Tinba elle Mestre André em sua casa no Collegio dous filhos
do principe de Candalla que era fallecido, bu se cbamava Cbarles Mo-
senor e outro CbristovSo Mosenor, a mSy andava em demanda com o
filho morgado e desejava de ter estes mininos consiguo pera ter resSo
de pidir suae legitimas que estavSo em poder do irmSo; fez uma peti-
9%o ao parlamei^to dizendo que seus filhos estavam muito mal no Col-
legio cbeoB de sama e nSo corno filbos de quem eram, e estavam em
poder de Mestre André que era bomem suspeito na fee e luterano. Foy
dada a vista da pitÌ92o a Mestre André, respondeu a ella e tratouse
grande demanda, sayo sentenga por Mestre André centra a princesa
0 COLLEGIO REAL 555
de Candalla muito aspera, a qnal sentenga esti escripta em ha livro
grande que ora està em poder de Francisco Barradas em que Mestre
André mandava assentar as cousas notaveis do Collegio per mSo de
notano publico. Nem jà lente do Collegio em quanto ea aly estive foy
accusado semente ha mogo criado de ha estadante foy accasado e con-
denado no parlamento, qae Ihe dessem a salla no Collegio, o qaal sendo
Mestre André aosente me fuy trazido per ha conselheiro e hu huchier
e ea ajontei todos os lentes e oavintes e Ihe dey a salla em pablico.
Depois disto forSo accasados deus estadantes do dito Collegio, e pre-
SOS, mas lego os soltarSo. Oavy ea dizer qae no tempo antes qae ea
viesse ao Collegio, oave nelle ha lente qae se chamava Zebedeu e ou-
tro qae tinham ma fama e se forSo daly, e oste Zebedea fiqaara do
tempo de Tartas, qae foy o primeiro prìncipal do Collegio.
<Lembra-me qae qaando nos ajantavamos na Universidade de
Bordeos praticava maitas vezes com os doatores e argamentavamos
sagrada Escriptara principalmente ea e doas theologos, nesso Mestre
de Arrìsio e do Gaardesio. Tambem argamentey em conclasSes pabri-
cas e algas dos argamentos me lembram.
cLembra-me que tive em Bordeos os Colloquias d'Erasmo e Amo-
ria e comò soabe qae erSo defesos qaeimeyos. Tive tambem o Ecde-
siattes; agora o nSo tenho, nSo me lembra o qae fiz delle; nSo sei se
he defeso. Tive os artigos da Sorbona grosados em frances oa em la-
tim grosseyro nSo me lembra bem e qaeymeios todos haa vez, mas
de nenhna coasa 910 lembra, semente d'am argamento sobre 0 Parga-
torio e he este: opera dei sunt perfecta, ergo si Deus toUit cìdpam et
poenam quae debetwr culjxxe. Tenho a Bibita em frances qae comprey
pera mandar ao doator Jorge Nanes qae m'a encommendoa qaando
estava nos Jaizos de Baiona, desfizeraose os Jaizos e elle veose nSo
Iha mandey nem oatro livro em leis qae tinha para Ihe mandar que me
elle tinha encommendados. Tenho am volume Dissidentium nao sey se
he livro defeso; em Franga vende-se pubricamente outro livro de lu-
terano, que nSo tenho nem tive nunqua.
«Este septembro fari tres annos que estou em Coimbra e servi
sempre Elrey nosso sSr na govemanga e administras^o do seu Col-
legio das Artes e muytas vezes amoestey os ouvintes e collegiaes delle,
e OS fago confessar seis vezes no anno. • . .
«Disse a alguns meus collegiaes que se nào metessem apostollos,
que no Collegio aprendiSo e serviSo a nosso sSr, e que nSo tinhSo
aynda idade pera poderem escolher avida mais santa; que em outras
religiSes se podiam tambem salvar comò naquella, e mais que aquella
556 HISTORIA DA UMVERSIDADE DE COIMBRA i
ainda nào tinha forma de religiSLo, e que la nSo chamavSo senKo os ri- I
quos 0 nào os pobres.
aOntem, que forSLo XX dias deste mes dagosto me perguntarSo
vv. mm. se me lembrava ter algu livro defeso alem dos que jà tinha
decrarados; respondi-lhe que dalgus me lembrava que eu nSo vy certo
serS defesos, que eu os poria em rol e o daria a vv. mm., o que fis.
«Lembra-me que estando eu em Coimbra parejeme que foy de-
pois do fallecimento de Mestre Andre me fuy a casa do doutor Mestre
Paio Roiz e Ihe perguntey se tinha elle o Cataloguo dos livros que erSo
defesos nestes reinos polla sancta InquisÌ9Slo; elle me disse que si ti-
nha, roguey-lbe que m'o mandasse emprestar, que queria ver se avia
algu defeso antro os meus livros; emprestou-m'o elle e eu o fiz tres-
ladar e lembra-me ho tresladou hum collegial per nome Hector Nunes
de Goes, filho de Fruitus de Goes; eu o ly todo e me pare9eo que nSo
trazia nenhu livro dos que aly erao nomeados, comtudo determinava
eu de revolver todos os meus livros e Ihes ver os titulos por mais se-
guridade, o que niLo fiz com os muitos e grandes trabalhos que todo
aquelle tempo que eu servi de principal no Collegio tive, coro fiquarS
as cousas desmanchadas c3 a morte do principal e por ser a erey95o
e comejo do Collegio muito novo e ter necessidade de muita ordem e
vigilancia pera se conservar, e assy tambem m'o mandou Elrey noso
sSr que emquanto elle nSo previa de principal que tivesse eu vigilan-
cia e bom cuydado da ordem e governan9a delle e outrosy que desse
ordem que fossem as obras por diante. SocederSto depois c3 a vinda do
Mestre Diego o Coneguo, mil paixSes e deferenjas que eu tive com
elle e outros muitos trabalhos e vir eu tres vezes a està corte e hua
vez ao Algarve, de maneira que nunqua tive tempo nem vagar pera
poder revolver os livros e ver os titulos e os cotejar com o Catalogo,
nem tive tempo pera poder estudar nelles, porque Ihe juro em boa ver-
dade que tenho muitos livros em que nSlo estudei ha quinze annos, e
outros depois que os tenho os nSo abry, e o mór estudo que fiz em
Coimbra depois que pera aly vim foy ver hu argumento em Logica ou
Fhilosophia pera disputar aos sabados, porque cada sabado fa90 fazer
disputas geraes asy aos grammaticos corno aos dos Cursos e todos os
tres cursos se ajuntfto e cada curso da suas concrusSes e disputamos
na capella do Collegio tres horas antes de jantar e duas depois. Os
livros de que nSo estou certo se sSo defesos sSo os seguintes. Primei-
ramente em francez tenho: le bcUimls dea Receptes; Clement Marot;
ha quatre livree d'Amadia; les Economtques d'Aristote; nSo sey se te- ,
nho mais. Em italiano, tenho Petrarcha; el Dante; la Pazzia; d Cor'
0 COLLEGIO REAL 557
Usano; d Decamerone; le egìogue di Cenazaro, n2o me lembra se te-
nho mais. £m latim, tenho bua dialectica ou Rlietorica de Melancton,
a qual nSo vy, nem ly ha mais de quinze annos. Comprey bus livri-
nhoB em Bordeos ha partida: .s. Virgilius, TerStios, Lucanos^ Ouvi-
dios, e com elles dnas Precationes, nào sey se sSo defessas, e os Testa-
mentos novos d'Erasmo; em Franga se vendem as Precationes e os Tee-
tamentos pubricamente, e nlto ho defendem; nenbum livro destes que
nomeey tenho por defeso, nem a Biblia em frances, e Unto que jà no-
meey, por que Unio em Franga se vende pubricamente, e a Biblia bem
sabia eu em Franga que era defesa mas em Portugal cuydey que nSo
por que m'a mandava pidir o doutor Jorge Nunes, que me nSlo avìa de
mandar pidir livro defeso^ e mais juro a W. mm. que nunqua ly por
ella des que a comprey; outro livro nenhum tenho que seja defeso que
me lembre, nem me parece que ho tenho. Todos os meus livros estSo
em Coimbra. Vv. mm. os podem mandar ver e saber se ha a hy algus
mais. A dialectica ou rhetorica de Melancton me nSo lembrou tella de-
pois que m'a derSo e creo que m'a deu Antonio Pinheiro sondo nós
discipulos, senio agora, e aynda nSo estou bem seguro se a tenho.
cEu trouxe em Bordeos bua demanda com hu homS que me de-
via xxxb cruzados ; foy condenado, dizia-me que nSo tinha dinheiro^
que me daria bus pouquos de livros que elle herdara de hù avogado
em parlamento que se cham'ava Costagis no prego em que Ih'os derSo;
eu fuy contente, mandou-m'os a casa em duas canastras; erSo quasi
todos em leis e alguns vinhào pequenos que eu nSo vy nS sey se ve-
ria na volta algu livro defeso por que muito pouquos dias antes que
partissemos os ouve e nSo tive vagar de os vèr.»
N'esta lucta dos parisienses centra os bordaUzes, vamos encontrar
0 Infante D. Luiz dando o seu apoio moral às escholas do Mosteiro de
Santa Cruz, onde conservava comò intemo o seu filho naturai Dom
Antonio, desconsiderando assim o Collegio real. Em 1548 o Infante
visita 0 Mosteiro por ventura chamado a Coimbra pela facgSo que tra-
tava de afastar os alumnos do Collegio real; * em uma carta ao Prior
de Santa Cruz, datada de 20 de fevereiro de 1549, o Infante D. Luiz,
dizia, que em relagSo i educagSo de D. Antonio antepunha a religiSlo
ao estudo: «O que d'elle quero, he que ame e tema a Deos, e que seja
muito virtuoso e se esmere em todas as cousas que convém i religìSo ;
depois disso que seja diligente em seu estudo. . . » Quando em iìns de
1 D. Nicolào de Santa Maria, Chronica dos Rtgrantts, p. 313.
558 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIHBRA
1549 come9ou o processo contra os lestes do Collegio real, os oposto-
lo8, que receavam alguma perturbarlo na Universidade por causa da
indignissima perseguiySo contra sabios tSo respeitaveis, trataram de
desTaìrar as attenrSes, fazendo com que D. JoSo m realisasse urna
visita officiai e apparatosa à Universidade de Coimbra.
No comeyo das aulas da Universidade em 1550 constou que D.
Jolo ni resolvera visitar os estudos de Coimbra; o corpo docente rea-
niu-se em conselho, para resolver àcerca do cerimonial com que o rei
deveria ser recebido ; lavrou-se o seguinte assento do tmodx> q se tera
no Eecibim.*^ del Rei nosso S/3 :
CÀOS dous dias doctubro de 1550 anos na cidade de Coimbra na
salla grande dos pa90s del Rei noso S.^'' sondo hi presente o S.^** frei
D.^ de murra Bector e os doctores lentes, deputados e cSselheiroS; e
oficiaes de toda a universidade juntos en cSselho pieno e cSselho &-
zendo segundo seu costume, logo elle Rector propos comò ElRei nosso
S.^' vinha a està cidade e q p.^ tamanha vinda era necessario prati-
car-se corno a universidade o sairia a rereber se a pee se acavallo e
donde, e os autos e exercicios q nas esoollas se Ihe deviS fazer e vindo
a ouvir algum auto na salla q maneira se tera no gasalhado e asento
de suas altezas e que mais mostras se Ihe deviS de fazer p.* sua alteza
ver quam bem empregado tem seus pensam.^^' nesta sua universidade,
asentouse da maneira seguinte
praticouse q vindo sua alteza as escoUas se seria milhor inacio de mo-
raesj a quem he encomendada a oraySo do Recebim.^^ fazerlha logo em
chegando na salla ou ouvir p'meiro as lirSes dos doctores de p'ima e
por aver nisso algua diferenra se asentou que ficase a vStade e ellei-
9S0 de sua alteza. . . » *
A visita de D. JoSo in a Coimbra era um acto de boa adminis-
trarSo, e tendia a dar aos estudos o ferver que na falta de estimulos
Ihes faltava. O rei foi acompanhado pela rainha D. Catherina, pelo
principe D. JoSo, joven de talento e estremamente apaixonado pela
poesia, e pela infanta D. Maria, altamente instruida, a qual no pago
chegara a estabelecer umas canferencias de estado, que se altemavam
com assembléas mtisicaes. ^ A viagem era comò que uma excursSo pe-
dagogica. Um Prestito de Capellos foi esperar 0 rei à entrada da ponte,
1 Publicados pelo dr. Simoes de Castro, no opusculo Elogio de Cotmòro, p. 8.
2 J. Silvestre Ribeiro, Luùsa Sigia, p. 5.
0 COLLEGIO REAL 559
e d'ali o acompanharam até ao Mosteiro de Santa Croz, onde fora al-
bergar-se; em segaìda Tisitoa a Universidade no dia 8 de novembre,
onde Ihe foi recitada a oraySo do recebimento, corno consta do termo
lanjado pelo escrivSo do conselho : caos oito dias do dito mes suas al-
tezas vieram onvir misa à capella dos sena pa^os e onvida se forSo a
sua salla grande donde estava teda a Universidade se. o Rector e do-
ctores e m.^'^ em sens logares q p.^ elles sSo feitos p.^ estarem aos
autos de RepetigSes e doutoram.^^* e outros da Vniversidade e de(r3te
da cadeira estava bum theatro de seis degràos de catorze palmos em
largo e dezoito de través o qua! estava muy*^ bem alcatifado e éSgeT-
tado donde suas altezas se assentàrSo em suas cadeìras p.^ ouvir a
ora9SLo do Recebim.'^ que Ihe fez o m.*** ynoHo de moraes, que foi m.*"
do S.^' d3 duarte f.^ del Rei, a qual durou por espayo de bua ora e foi
muj^^ louvada e de muj^^ autoridade. . .» '
No Mosteiro de Santa Cruz foi appresentado ao rei o filho natu-
rai do infante D. Luiz, D. Antonio, posteriormente conhecido pelo ti-
tulo de Prìor do Orato, de repugnante memoria; o rei agradou-se da
sua humildade, e entre as festas escholares que Ihe foram exhibidas,
nSo foi urna das menos interessantes a de assistir ao grào de D. An-
tonio, por occasiSo do qual os estudantes representaram na portaria do
mosteiro a tragicomedia latina de Golias. ^ Sobre os divertimentos dra-
maticos dos estudantes fallaremos adiante ; com uma tragedia latina ti-
nha Diego de Teive de celebrar em bem pouco tempo o fallecimento
prematuro do principe D. JoSo. Depois da visita a Coimbra realisa-
ram-se as festas pelo casamento do principe, em breve morto por ex-
cesso de prazeres ou antes pela terrivel heran^a da epilepsia que vi-
1 Publicado pelo Dr. Simoes da Castro, op. cit., p. 8. A Ora^ào publicou-se
com o titulo : Oratio Panegyrica ad invictUsimum Luaitaniae Regem D, Joannem m,
nomint totiua Academiae Conifnbricensis in guaderà scholia haMta ipaa etiam Regia
canjuge augustissima Diva Catherina Lusitaniae Regina, et regni ìiaerede Principe
filio D, Joanne Serenissimo, efusdem que Regis Sor ore Diva Maria Serenissima
praesentibus, Sem data; no firn yem uma Ode saphica a D. JoSo in de ejus urbem
Conimbricam adventu. D'aste opusculo diz o Dr. Simoes de Castro : cnSo logrdmos
ainda ver esemplar algam — apesar das diligencias que para isso temos empre-
gado.» Ignacio de Moraes imprìmia outros opusculo s por JoSo Barreira e JoSo
Alvares empremidores da Universidade (cf. Tratado da Confissào, de 1547.)
^ A narrativa d'està yiagem de D. JoSo in a Coimbra pode vér-se emD. Ni-
oolào de Sahta Maria, Chroniea dos Regrantes, Liv. z, p. 315 a 319. No Processo
de Diogo de Teive, allude elle a uma tragedia que fez representar em Santa Graz
n'um odo solemne de Dom Antonio.
560 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
ctimou todos os outros seus irmSos. A morte do principe em 1554 pro-
daziu ama funda impressSOi qua se estendeu até à India; onde CamSes
a celebrou em urna sentida Ecloga. D. JoSLo ili nSLo pode resistir a este
golpe da perda do seu ultimo filho e do herdeiro do throno, fallecendo
em 1557. É naturai que n'este estado de depressSo de espirito fosse
mais facilmente fanatisado pelos jesuiias; e por està causa se pode
esplicar a absurda determinafSLo de mandar entregar o Collegio real
aos padres da Companhia, cujo Collegio visitara tambem na excursSo
a Coimbra.
Nos Estatutos da Universidade de Salamanca, approvados em 14
de outubro de 1538, estabelecem-se os divertimentos escholares, que
eram communs a quasi todas as Universidades : «La pascua de Natal,
cames toliendas, pascua de Resureccion j Pentecostes de un alio sal-
dran estudiantes de cada uno de los Colegios a orar e hazer declama-
ciones publicamente. Item, de cada Colegio cada afio se representara
una comedia de Plauto o Terencio, o tragicomediai la primera el prì-
mero domingo de las octavas de Corpus xpi j las otras en los domin-
gos sìguientes: y el regente que mejor hiziere y representare las di-
chas comedias o tragedias se le den seis ducados del arca del estudio
y sean juezes para dar este premio el retor y maestre escuela.» ^ Este
costume apparece-nos na Universidade de Coimbra; e pode- se dizer
que a primeira tentativa dramatica de CamSes, que cursara a Facul-
dade de Àrtes, foi o seu Auto dos EnfatriZes, imitagSo livre de Plauto,
consagrada a estes divertimentos escholares, que adquiriram maior des-
envolvimento quando os costumes pedagogicos fìrancezes se implanta-
ram em Coimbra com a vinda do chamado Collegio de Mestre André.
No Auto d'eUrei Seleuco allude CamSes a està pratica: «Tu fazes ji
melhores argumentos que mo^s de estudo por dia de Sam Nicoldo.^^
O costume foi conservado pelos jesuitas nos Ludi dos seus Collegios.
1 Yidal 7 Dias, Memoria hisiorica de la Universidad de Salamanca, p. 94.
2 Adolphe Fabre, no seu livro Les Clercs du PcUais, explica este uso com-
mumatodas as Universidades: tSam Nicolào parece ter sidoo patrono dos clercs
(amanaenses) corno dos eatudantes. A Bazoche do Chatelet fazia celebrar, no dia
da festa d^este santo urna musa solemne, dava um jantar e arraial a que assìstlam
OS magistrados. ,.» A lenda dos trez eatudantes mortos por nm estalujadeiro e re-
suscitadoB por milagre de S. Kicoiào, era o principal argumento das representa-
^ues dos escholares: «Està lenda de S. Kicoiào pósta em versos leoninos, especie
de drama liturgico, representava- se à maneira de Mysterio. Era notado em can-
tochào e terminava por um Te Deum, assim comò o indica ama nota que vem no
fim do manuscripto, etc.» fOp. cit,, p. 112 e 116.)
0 COLLEGIO REAL 561
Os divertìmentos dramaticos^ qtie yemos em uso na Universidade
de Coimbra, e que eram freqnentes na Universidade de Salamanca,
constituiam urna corno parte pratica do estudo das Homanidades. An-
dré de Goavéa déra a estes divertìmentos scenicos um grande relevo
no Collegio de Gnyenne, em Bordeos; Montaigne, o insigne moralista,
conta nos seus Essaia (liv. i, cap. 25) : ceu desempenhei os prìnieiros
personagens nas tragedias latinas de Buchanan, de Guerente e de Mu-
ret, que se representaram no nesso Collegio de Guyenne com digni-
dade; n'iste, Andreas Ooveanus, nesso Principal, comò em todas as
outras partes do seu cargo, foi sem comparasse o maior Principal de
Fran9a.» As tragedias latinas de Buchanan, que se representaram nos
folguedoB escholares, eram Joannes Baptista, e JepJUe;^ as suas tra-
ducsSes da Medea e Aheste, de Euripides, influiram no conhecimento
da estructura da tragedia grega, que o Dr. Antonio Ferreira revelou
na sua tragedia Castro.^ Sobre estes usos no Collegio de Guyenne,
que se reflectiram em Portugal, escreve GauUieur: <No Collegio de
Guyenne, o theatro era em certa maneira uma parte da educas^o.
Desde a sua fundasSo, em 1533, vè-se Tartas exigir aos professores
> JulgamoB qne a tragedia de Jepkte era conhecida em Portugal, porque Bu-
chanan defendendo-se na Inquisi^fto por o accuaarem de n2o reeonhecer os votos
rdigiosoB, allega essa composi^So em contrario : «De yotis scrìpto in tragaedia de
voto Jephte meam aententiam estendi cujus disputationis hae somma est vota quae
licite fiunt omnia servanda ac molti etiam sciont Conimbrìcae me orationem Bart.
Latomi super bac se contra Boterom et legere libenter solitom et semper laudare.»
(Processo da Inquisisse de Lisboa, Areh. nac)
2 Pelo titolo da edi^^U) da Castro, de 1587, vè-se que ella foi representada
em Coimbra, o qoe jostifica o conhecimento que teye d'essa tragedia o hnmanista
francez Grouchy. Eia o titolo do rarissimo monomento bibliographico :
Tragedia muy serUida e elegante de D. Ignez de Castro, a guai foy represen-
tada na Cidade de Coimbra. Agora novamente acre^entada. Impressa com licenza,
por Manoel de Lyra. 1587, ìn-8A
Barbosa ALichado (BibL kiiit., l, 273) allude a urna tradoc^So d*esta trage-
dia feita para francei^ por Nicolào Grrouchy e dedicada ao Conde de Atbougaia>
a cojo fLlho o celebre homanista ensinara latim. A tradocsSo considera-se perdida,
mas nem por isso o facto perde o seu yalor para a historia d'està època do buma-
nismo. Sendo a edi^iò da Ntse de Hermodes de 1576, a tradoc^ da Castro era
inquestionaveimente anterior, por que Grouchy oeeupava«se de traduc^Ses portu-
guezas por 1558.
Tambem a primeira tentativa de imita^So da comedia classica pelo Dr. An-
tonio Ferreira teve por modelo os Addphos de Terencio, sob a direc^So do cele-
bre hnmanista Diogo de Teive, a qnem o poeta tanto celebra nos seus Poemas
bmtanos.
BIST. ux. 36
562 HISTORIA DA UNIVERSIDADB DE GOIBIBRA
que trouxe de Paris, que soubessem — camposer et prononcer oràisona,
harangìieSj dialogues et comedies, — e effectivamente constatamos que j&
n'esta època se organisavam representa^Ses, que nem sempre eram le-
vadas a cabo, corno o prova urna carta de Britanus. (Lib. m, fl. 96 ^)
Gouvèa ligava urna grande importancia às representa93es theatraee;
durante a sua direc9So, o Collegio de Quyenne adquirìu, sob està re-
la9So, urna verdadeira primazia, e chegou, segundo o affirma Montai-
gne, a um gr&o de perfeÌ9SLo notavel. — O theatro comprehendido d'este
modo, tinha por motivo principal familiarisar os alumnos com a poesia
latina; era em certo modo um complemento dos estudos classicos, e o
Collegio de Bordeos nSLo podìa contar com ter poetas latinos do valor
de Buchanan e de Muret. A tragedia cedeu o legar is faryas e alle-
gorias, que pelas suas gaiatices e allusSes satyricas, correspondiam
verdadeiramente ao espirìto do seculo xvi, època de agitagSo e de
luctas . . . » ^
Quando os Jesuitas tomaram conta do ensino publico, trataram de
restaurar o uso escholar, fazendo com que os seus mestres de Rheto-
rica compuzessem tragedias latinas para serem representadas pelos es-
tudantes de Artes. Citaremos alguns factos comò comprova9So.
<Oferecendo-se a occasiSo da peste no mesmo anno, (1569) que
foi aquella a que chamSo grande, pelo extraordinario estrago que fez
em Lisboa, ElRey com a cdrte passou a morar em Evora, e se enten-
deu fora nisto muyta parte o Cardeal. Fez a Universidade huma en-
trada a ElRey e ao Cardeal tSo pomposa e grandiosa que seria largo re-
ferìl-a. Entro outras plausibilidades se representou no Pateo da Univer-
sidade huma tragedia sobre o Rico AvarétUe e o Pobre Lazaro, vestida
de tantas perspectivas e varìedades que nSo cabia em si o Cardeal de
vèr cousa tSo cheya. ElRey Dom SebastiSo a via com tanto gesto, que
quasi sempre esteve em pé, pela vèr melhor, perguntando algumas pa-
lavras, ma^ poucas, ao Fad^re Provincia!, que e&tava com elle dentro
na cortina: assim o acho escrìpto nas memorias.daquelle anno.»* Em
urna distribuisse de premios em 1573: «Representou-se antes a histo-
ria de Dionysio tiranno de Sicilia. . . As figuras fizeram seus papeis
com tanta acgSo e tanto agrado de todos, que os examinadores julga*
ram, se Ihe deviam tamb^m dar seus premios • . • » ^
Quando D. JoSo in visitou em 1550 os estudos de Coimbnt| moa-
1 Gaollieor, Op. eiL, p. 253 a 265.
2 Padre Antonio FrancOi Ima^em da Virtude no Novidado d'Evortt, p. 36.
' Idem, ibidem, p. 57.
0 COLLEGIO REAL 563
troa o maior interesse pelo Collegio nascente dos Jesnitas, qne era
«ntSo frequentado por quarenta alomnos de Theologia. O astato padre
SìmSo RodrigaeSy nSo déixarìa escapar a circnmstancia de se acharem
«ntSo presos por heterodoxia tres dòs principaesmestres francezes, e
de incutir no animo do rei aqaella maxima jà citada da carta de Mar-
tins Gon9alve8. da Càmara: Mais catholico» e menos latinos! Àssim pre-
parou as cousas para ser entregne à Còmpanhia por um modo abra-
pto o Collegio real. Esinreve Quicherat: cSimSo Rodrigues tendo to-
rnado um imperio absoluto sobre o espìrito de Dom JoSo m, arrancou
da sua fraqueza essa medida para snbmetter a Universidade de Coim-
bra à Companbia de Jesus. Sic vos non vobis. Os qne tinbam vindo de
tSo longe para dotarem Portagal com nm dos seas mais famosos esta-
belecimentos litterarios tiveram nma tal recompensa dos seus trabalhos,
e o mais darò para elles foi qae deveram isto a nm seu cmtigo condis*
cqndo.9
Constaya em Coimbra qne o Collegio real ia ser entregue aos Je-
suitas; em Conselho da Universidade de 15 de junho de 1555, foi
apresentada ama peti^Io do Licenciado Antonio do Soato, lente de
om corso de Artes no Collegio real «para se graduar Doator em Me-
dicina, comò lente, sem pagar propinas, por ser pobre, e Ihe haverem
de tirar em ootubro o carso para ser entregae o Collegio aos CoUe-
giaes de Jèsa e ter o dito Collegio ProvisSo por que se igaalam os seas
Lentes aos da Universidade.» ^ Sómente em 10 de setembro de 1555
é qne foi passada a seguiate carta a Diogo de Teive, entSo principal
do Collegio real, para o entregar aos padres dò Collegio de Jesus,
fimdado no b&irro alto da cidade de Coimbra:
f Doator Diego de Teive. Eu Elreì vos envio multo saudar. Man-
«do-vos que entregaeis esse Collegio das Artes e o governo delle mui
ijBteiramente ao Padre Diego MirSo Pì'ovincial da Còmpanhia de Jesus,
o.qual assim Ihe ^xtregareis no prìmeiro do mez de Outubro que vem,
deste presente anno de 1555, em diante, por que assi hei por bem e
meu BervÌ90, comò ji vos tinha escripto; e tsobrareis està minha Carta
com seu coidiecimento para vessa guarda. E assim entregareis os or-
namentoB, prata e movel da Capella do Collègio, e as létfas e matri-
zes que vos foram entregaes, a FemSò Lopes de Castanh'eda, Guarda
dò Oactorio da Universidade, para tudo ter a bom recado até Eu man-
dar 0 contrario. E cobrareis conhecimento em forma do dito FemSo
1 lAvro dos Concelhoè, de 1556,>fl. 71. Vid. SilTa Deal, op: cit,, p. 481.
86*
564 HISTORU DA UNIYERSIDADG D£ GOIMBRA
Lopes, feito pelo EsciìySo de sen cargo, e asBinado por ambos, em
qua declare Ibe ficam as taes cousas carregadaa em receitay porqae
pelo dito conhecimento em forma vos serSo levadas em conta. E por
està mando ao dito Femio Lopes as receba, e vos passe dellas conhe-
cimento em forma. JoSo de Seixas a fez em Lisboai a dez dias de
Septembro de 1555.» ^ Na sua defeza no Santo Officio Diego de Teive
falla do8 typos e matrizes que tronxera de Paris.
Em 1549 fóra creado o officio de carreUor da ImpressSo da Uni*
versidade, com a responsabilidade das doutrinas dos livros ahi pnblica-
dos. Apparece-noB esercendo estas fanc93e8 por provisSo règia de 10
de dezembro de 1554 o licenciado FemSo d'Oliveira, derigo de missa
com o ordenado annual de vinte mil réis. Na provisSo é encarregado
de um mister difficile quando se achava tSo apertada a censiura eccle-
siastica: eque vÌ9ej emendasse e provesse toda a escretura que se auvesse
de imprimir ha dyta ympressào, de maneira que se ymprimise em toda
prefeÌ9So.» Em 1555 FemSo d^Oliveira foi encarcerado nalnquisi^^,
sondo snbstituido por Christovam Nones por nomeaj^ de 6 de onta-
brOy comò para compensal-o da expolia^So da sua cadeira no Collegio
real: <Nas Casas do Fafo del Bey nesso Senhor, onde osti assentada
a ImpressSo da Universidade, eu Diego de Azevedo, por virtude de
uma provisSo del Bey nesso Senhor, e mandado do Cònceiho, dey posse
de corrector da ImpressSo a ChristovSo Nunes, lente que foy do Col-
legio real, e elle a tomou, etc.» ' O ter side do Collegio real prejadi*
cou-o, por que em 3 de marfo de 1557 era substituido pelo allemSo
SebastiSo Stockamer, que acompanhara o lente Fabio Arcas. '
A entrega do Collegio real aos Jesuitas, depois da persegui$Bo
aos Doutores JoSo da Costa e Diego de Teive, acabou de esclarecer
o criterio do reitor Frei Diego de Mur9a, que fizera e inquerito aos
Jesuitas no seu apparecimento em Coimbra. Agora estavam fortes com
a posse da vontade real; o intelligente reitor viu terminado o seu glo-'
rioso governo, e excusou-se do cargo para refugiar-se contra estaa
tempestades sangrentas do fiuiatìsmo no seu mosteiro de Befbios do
Lima. Assim em 23 de aetembro de 1555 succedia-lhe na reitorìa a
Doutor Affonso do Pxado, graduado em theologia pela Universidade
de AJcaU, cuja disciplina regera no mosteiro de Santa Cruz de Coim-
bni. Està circumstancia bem revela que elle era do partido contraria
1 Compendio historioo, p. 4. Deduc Chron., P. i, Div. n» gg 57 a 61.
2 Livro dos Concdhos, anno de 1656, fl. 82 f. SOva Leal, ibidem, p. 482.
3 Sooaa Viterbo, Mamod Correa MotUenegrOf p» 18.
0 COLLEGIO REAL 565
BOB mestres francezes, dando apoìo à lacta dos chamados apastolos para
OS ezpulsarem de Coimbra. Nomeado um reitor à feÌ9So dos jesuitas,
foi mandado a Coimbra, por provisSo de 11 de oatnbro de 1555, o
licenciado Balthasar de Faria, corno yìsitador e reformador da Uni-
yersidade. NSo havia perda de tempo em aproveitar o trìumpho; Bal-
thasar de Faria entrou em £111109808 em 19 de fevereiro de 1556, e no
dauBtro pieno de 27 d'oBse mez pedia que cada um doB membros da
Universidade Ihe mìniatraBBe Becretamente os boub apontamentos para
a reforma. O claastro resolveu que bo reuniBsem isoladamente aa Fa-
culdadoB, e que cada urna elegesBO doiB membroB para se entender
com Balthasar de Faria.
Pela faculdade de Theologia, Bahiram eleitoB, o Doutor Martinho
de Ledesma, lente de vespera, e MarcoB Romero, lente de terya.
Catnones: Doutor JoSo de Mogrovejo, lente de prima, e Oaapar
Gonjalves, de vespera.
LeU: OB DoutoreB Manoel da CoBta e AyroB Pinhel.
Medicina: o Doutor Thomas BodrigucB da Veiga, lente de vespera.
Maihemaiica: o Doutor Fedro Nunes.
Artes: 0 Doutor Diego de Gouvéa, e Ignacio de Moraes.
Depois de ter conferenciado com estes delegados da Universidade,
Balthasar de Faria partiu para Lisboa em setembro de 1556 ; é natu-
rai que entro estes membros nSo predominasse o partido dos Jesuitas,
apesar de vérmos os nomes de Gaspar Gonfalves e do Doutor Diego
de Gouvéa, 0 maior inimigo dos mestres franceses. Os professores do
Collegio real que eram estrangeiros sahiram de Portugal; a Diego de
Teive foi dado um canonicato em Miranda, a JoSo da Costa a egreja
de Sam Miguel de Àveiro, e o erudito André de Resende, que em
1534 fisera a Ora^fto de. Sapientia na Universidade de Lisboa, e a
acompanhara na reforma para Coimbra em 1537, onde em 1551 re-
cita urna outra OraySo de Sapientia, posto assim tSo indignamente fora
do ensino de humanidades, regressou contristado para Evora, e ali se
dedioou de novo ao ensino particular. Os Jesuitas, explorando o fana-
tismo do rei.cbnvenceram-no que nSo era proficuo 0 ensino sem a'prap»*
tica da deyo9So, e que sómente elles é que faziam a allian^a da reli*-'
giSo com 0 ensino; levaram 0 Cardeal em 1559 a prohibir em Evolra
todo 0 ensino que nSo fosse ministrado pelos Jesuitas. André de Be-
sende vendo que so por um favor especial se Ihe tolerava aberta a
sua eschola, abandonou 0 magisterio, e entregou-se no seu isolamento
0 desgosto aos estudos de archeologia.
D. Nicolio de Santa Maria expende algumas das rasSes que. le-
566 HISTORIA DA UNIYEBSIDADE DE GOIMBRA
Y&ram D. Jo2o ni a mandar entregar o Collegio real aos Jesnitas, qa&
procuravam monopolisar a inatruc^So publica em todos os paizes: cA
QccasiSo que eirei D. Jofto ili teve para tirar este Collegio das Esco-
las menores aos Mestres seculares e estrangeiros, que tinha mandado
vir de Paris, e o entregar à Companhia, foi vèr o grande proveito qoe
recebiam osestudantes de Lisboa debaixo da doatrina e disciplina do»
Padres da Companhia do Colico de S. AntSo, e o trabalho que Ihe
davam os Mestres estrangeiros por serem màos de contentar em seos
sabtriosy e pelo continuo cuidado que o mesmo rei tinha de provdr
aquelle Collegio de Lentes substitutos, despacbando a huns e aposen-
tando a outros, e accrescentando a todos por causa de os traeer con-
tentes e bem applicados a suas cadeiras, e de tudo iste se livrara com
entregar as ditas Escholas menores aos Padres da Companhia.» ^
A substituigSo dos Mestres francezes foi assim ordenada e desem-
penhada por jesuitas:
PhUosophia: 1.^ Curso, P. Mar9al Vaz; 2.^ Curso, P. Jorge Ser-
rSo; 3.^ Curso, P. Pedro da Fonseca, e substituto P. SebastiSo de
Moraes.
Latìm e JRhetorica: 1.* Classe, o P. Cyprianno Soares; 2.* P. Pero
PerpinhiLo, etc, sendo substituto de todas as Classes o P. Manoel Al-
vares, que compoz a celebre Grammatica, que depois de 1555 substi-
toiu em todas as escholas a Arte de Latim de D. Maximo de Scusa.
^Ficou Principal ou Perfeito dos Estudos o P. Miguel de Scusa.
Estavam os Jesuitas occupados com a construcfSlo do seu Colle-
ge, cuja primeira pedra fora lan^ada em abril de 1547, quando se
adbaram repentinamente de posse do Collegio real em 1555. A presa
embara9aya-os. No Collegio de cima, €no alto da cidade, no fundo da
rua nova de eirei, pouco distante do muro da cidadej nlo havia agna
e custaya multo a acarretal-a do rio; o provincial Miguel de Torres
entendeu pedir a D. JoSo m, que cedesse definitivamente & Compa-
nhia o Collegio real situado na baixa, e que o rei tomara por empres»
timo ao Mosteiro de Santa Cruz. D. Jofto in, em 14 de setembro de
1556 escreveu ao Prior geral D. Francisco de Mendanha, para que
cedesse para sempre a propriedade dos CoUegios aos Jesuitas, obri-
gtfido-se a indemnisar o Mosteiro, o que nio chegou a satisfaseer por
tcf faUecido em 11 de junho de 1557. Os Jesuitas conservaram o Col*
1 Chromca dos BegranUs, liv. x, 08{>. tn, p. 806. Lopes Pta^, Hut. da Phi»
loeophia em Portugal^ p. 140.
0 COLLEGIO REAL 567
leglo de citDa, e là incorporaram o Collegio real, cedendo os CoUegios
da Sophia ao cardeal D. Henrìque para estabelecimento da InquÌBÌ9So,
recebendo em troca a bella quinta de Villa Franca para sea recreio.
A sombra da confusSo do Collegio real com o das Artes, propria-
mente jesuiticoy a Companbia fóra obtendo para si varios privilegios,
corno: cqae os IrmSos da Companhia de Jesu, que bora tem carrego
do Collegio reci das Artes, se podessem graduar Bachareis, Licencia-
doB e Mestres em as ditas Artes, sem pagarem propinas, etc.» ^ Por
fim usaram o titulo de Reitores do Collegio daa Artes, quando j& nSo
precisaram da distincfSo.
<Eu ElRey vos envio muito sandar. Por assim o haver por multo
8ervÌ90 de Nesso Senhor, e por quietajSo da Universidade, e partes
tSo principaes d'ella, corno sSo o Collegio real, em que se lem as Ar-
tes liberaes, e sSo tambem todas as outras faculdades: Fallej com o
Padre Mestre Frei Martinho de Ledesma sobre alguns melos, que po-
dia hayer, para se concordarem algumas duvidas, que a Universidade
tem com o dito Collegio, que por nSo serem determinadas, d&o ao dito
Collegio torva^SLo, e inquieta9ào à Universidade; e porque importa muito
cessarem as ditas duvidas, e todos serdes unidos, e muito conformes,
e eu de assim se ordenar levarey muito contentamento, vos encom-
méndo: Que ouvido o dito Padre Fr. Martinbo, procureis de vos re-
solver no mais facil mejo, que poder ser, e me escrevais vessa ultima
Tesolu9So, ouvido o Principal do dito Collegio em nome dos Padres
da Companhia de Jesu, que por meu mandado o tem a cargo, etc.9 ^
Quando D. JoSlo in mandou entregar o Collegio real aos Jesui-
tas, em 1555, a Companbia apoderou-se d'elle immediatamente, como-
dando em outubro d'esse anno os cursos de Artes e Humanidades, ha-
bitando ahi Mestres, collegiaes religiosos e porcionistas seculares. O
Collegio de Jesus, que o padre Simào Hodrigues fìmdara na cidade
alta foi fechado, por causa do embara9o que Ihes causava a adminis-
tra^So do Collegio real (de 8. Miguel e de Todos os Santos); ficaram
n'eate até ao anno de 1566. Como a ac9!lo dos Jesuitas se alargava,
o Collegio real tomou-se acanhado, e os padres voltaram para a cidade
àha onde ampliaràm o eeu Collegio à custa do Cardeal-rei e das ren-
das da Universidade, das quaes recebiam 1:430<$0(X) réis para salario
das cadeiras pelo sophisma da incorpora9So do Collegio real no das
1 Livro dos Coneelhos (em 1560), fi. 135 y. Em daustro de 17 de agosto. Àp.
Dr. Silva Leal, Metn. eU., p. 490.
' Dr. Silva Leal, ibid., p. 489.
568 HISTORIA DA UMVERSIDADE DE GOIBIBRA
Artes. 0 Beitor do Collegio das Artes^ para manter osta illusSo inti*
tulava-se tambem e Principal do Collegio real. 0 edificio que perten-
cera ao Collegio real foi eedido ao Tribunal da InqaÌBÌ980y pelo qae o
Mosteiro de Santa Cruz foi indemnisado. A Universidade nfto ae con-
formava oom o sophisma jesuitico, da sobreyivencia do Collegio real
dentro do Collegio das Artes; e D. SebastiSoi instrumento passivo dos
Jesuitas, escreveu em 2 de dezembro de 1563 ao Beitor da Universi-
dade para que cessassem todas as dissidencias a contento dos padres
da Companhia. ^ Urna vez entregue o Collegio real aos Jesuitas toda essa
rena8cen9a litteraria se apagou. Os Jesuitas conservaram o Collegio real
da ma da Sophia até 1568; e achando penoso o trabalho de dois Col-
legiosy incorporaram-no no Collegio de Jeeua do bairro alto, para o qual
attrahiram os mius inauditos privilegios, tornando-se independentes e
superiores & Universidade.
A suppressSo do Collegio real fez-se por meio de urna transacfSo
interesseira dos Jesuitas com o Cardeal Inquisidor D. Henrique. £m
1567 installava-se o Santo Officio em Coimbra; estava-lhe destinado o
Pa90 da Condessa de Cantanhede, ^ porém o cardeal sabendo do in-
tuito da incorpora9So dos dois CoUegios, pediu aos Jesuitas para ce-
derem à InquisÌ9So o edificio da rua da Sophia. Os Jesuitas aprovei-
taram-se do pretesto do pedido, para fugirem à difficuldade da regen-
cia dos dois CoUegios, mas corno habeis pediram urna compensagSo
pela cedencia que faziam. Estavam presos no Santo Officio uns espo*
SOS que eram proprietarios da bella quinta de Villa Franca, na mar-
gem direita do Mondego; pelo facto de cairem nas garras inquisito-
riaes Diego Rodrigues e sua mulher D. Guiomar da Costa, a quinta
de Villa Franca foi-lhes confiscada para a Corda. Os Jesuitas trataram
de obter a quinta de Villa Franca, para recreio dos seus alumnos, se-
gundo 0 pensamento da Monita secreta, que é uma verdadeira systema-
tisa9lo dos seus actos: cintroduzam-nos com opportunidade nos CoUe-
gios e expliquem-lhes aquelias cousas que Ihes forem mais agradaveis
de qualquer modo, comò sSo aa muitas quintas, vinhas e Qa»a» de campo
aonde os nossos se recreiam, para que melhor abracem a Companhia;
eie.» (Cap. vm.) A pretesto de compra, obtiveram pela influencia do
j esulta Luiz Oonsalves junto de D. SebastiSo, que a quinta de Villa
1 Do Livro I daa ProvUdes e Cartas, fl. 239 : «Re^rtor e Concelho da Univer-
sidade da CSdade de Coimbra.»
> Na ma das Solas, onde se acha o BecoUvmeato das Convertidas do Fo^
do Conde, segando o sr. Martins de Carvalho.
0 COLLEGIO REAL
569
Franca Ihes fosse entregae em 1571, e depois de maitas evasivas na
fÓEma da acquisÌ9Sa eonseguiram que a venda por parte da corda se
transformasse em esmola, por carta de 9 de novembre de 1577.
Depois qae os Jesnitas tomaram posse do governo do Collegio
real, trataram de se tornar independentes da obediencia ao reitor da
Universidade. O proprio padre Balthazar Telles, na Chronica da Com-
fonhia, reconhece a necessidade da dependencia hierarchìca dos esta-
dos: fassim pedia a rasfto,'qae os Mestres das Escholas menores fos-
sem, comò membros das maiores, stijeitos todos ao mesmo Beitor. A
està duvida se respondeu por parte de ElRei Dom Jo2o ni, por urna
sua provisfto passada no anno de 1557: — Que nSo obstante a repa-
gnancia da Universidade, Elle queria e mandava qae o nosso Collegio
das Escholas menores tivesse total Ì8emp9So das maiores e de seu Bei*
tor e mais officiaes. — » NSo contentes com este atropelo da organisa-
9S0 do ensino, alcan9aram os Jesuitas ama boa parte dos rendimentos
da propria Universidade, e de usurpa^So em asarpa9Slo consegairam
tornar conta do governo d'ella, fazerem-lhe novos Estatatos e sabmet-
terem-na & dependencia do seu Collegio das Artes. NSo antecipemos
OS factos. No systema pedagogico dos seas Collegios de Artes, os Je*
auitas nSo fizeram mais do qae reprodazir os methodos asados no Col-
legio de Santa Barbara, iniciados pelos Gouvéas, seus mestres, conser-
vando OS mesmos horarios, e as mesmas predilec98es hamanistas.
Os Jesaitas, edacados no Collegio de Santa Barbara, trataram de
afastar d'aqaelle Collegio a mocidade portugueza qae ainda concorria
aos estados de Paris; D. Theotonio, filho do Daqae de Braganga, vae
para Paris, mas para o Collegio de Boargogne. Figuram ainda em Pa-
ris, Alvaro da Fonseca, Jeronymo Osorio e Antonio de Senna. Sob a
influencia dos Jesuitas, D. JoSo m esquecia-se de auxiliar os estudan*
tes portuguezes em Paris, a ponto de um fidalgo, D. Fernando Ruy de
Almada, notando que alguns d'elles se viam forjados a abandonarem os
estudos, patrocinal-Os galhardamente fondando novas bolsas. Em ama
carta de Diego de GouvSa a D. Jolo m, de 2 de fevereiro de 1545,
pede-lhe o auxilio para 0 doutoramento de Frei Duarte 0 do punbo
secco. As cartas do Dr. Ayres Pinhel, qaeixando-se do atrazo dos
seas ordenados de lente, nSo deizam equivoco a este respeito.
No principalato do Collegio de Santa Barbara, succederà a André
de Gouvéa seu primo Diego de Gouvèa o mo90, governando por sete
annos. Eoi sob a sua regencia que estudou entre os barbistas Antonio
Pinheiro, 0 qual em 1537 regeu um carso de Quintiliano, sondo de-
pois chamado a Portugal para mostre do principe berdeiro D. JoSo.
570 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIÌiBRÀ
Pinheiro tinha sido discipulo de Luiz Strébée, e teve por suceessor o
eximio Tumebo. Na eIeÌ9So para reitor da Universidade de Paris em
16 de dezembro de 1538 foi prodamado cpor nnanimidade e por inspi-
ragSLo do Espirilo Santo, homem scientifico e cavalheiro consammado,
mostre Diego de Gouyéa, vigilantissimo Principal da casa de Santa
Barbara.» ^ É certo porém que Diogo de Gouvèa no come90 de 1540
abandonou a direc$So do Collegio^ attribaindo-se isso a desgostos por
indisciplina escholar. D. JoSo lu, nomeou-o para o representar no Con-
cilio de Trento, onde elle foi encontrar dirigindo as cabalas papistas
OS antigos alumnos de Santa Barbara Salmeron e Laynez, ' da recente
Companbia de Jesus reconhecida por Paulo in. Ao firn de dez annos
de ausencia, Diogo de Gouvéa retomou o principalato de Santa Bar^
bara, mas novos desgostos o assaltaram por embarafos financeiros,
fixando-se a sua morte em 1558.
Portugal achou-se assim fora do movimento da Renascen^, ape-
sar de ter dado à Europa os principaes philologos do seculo xvi; o
fanatismo do poder real esterilisava as mais generosas reformas peda-
gogicas e as opulentas dotafSes dos estabelecimentos litterarios. A Im-
prensa do seculo xvi decabiu no seu desenvolvimento material, come
vemos pelas queixas de André de Resende; e a sua actividade foi dis-
pendida em dar publicidade a livros de tbeologia scholastica.
O qué vémos pela estatistica da imprensa no seculo xvi, obser-
va-se na concorrencia exdusiva para os estudos humanistas comò ha-
bilitagào para as ordens ecclesiasticas, unica occupaySo social em que
se tinha a existencia garantida sem trabalbo; JoSo Pedro Ribeìro falla
de uma nova classe de clerigos que se ordenavam por httradura, para
serem providos em beneficios ecdesiasticos: «Tivemos no mesmo se-
culo (o xvi) um titulo de Ordena9&o, o da lettradura ou litteratura,
desconhecido em direito commum. Em data dos Idus de Outubro de
I568y concedeu S. Pio v a instancias dos Bispos d'este reino, que o
Infante D. Henrique, entSo Legado Apostolico, podésse facultar aos
Mestres, Doutores, Licenciados e Bachareis formados em Tbeologia on
Canones, ou que tìvessem estudado em qualquer Universidade as mes-
mas faculdades com aproveitamento, ordenarem-se a titulo de suas let-
tras, sendo os seus Ordinarios obrìgados a provel-os nos Beneficios
que primeiro vagassem. Este Breve foi ampliado por outro de 25 de
1 Quicherat, Histoire de SainU-Barbtj 1. 1, p. 256.
2 Vid. CflorU de D. Frei Bartliolomeo dos Martyres, e Banke, Hiit. dot Papoi.
0 COLLEGIO B£àL 571
Agosto de 1569 a instancias do rei D. SebastiSo em attenySo & neces-
aidade de maior numero de clerigos, estendendo-o a favor dos que ti-
yeasem estudado com aproveitamento os casos de consciencìa em qoal-
quer Universidade oa Collegio por trez auios, sondo os Ordinarios
obrìgados a soccorrel-'OB, para nSo serem sujeitos a mendigar em quanto
OS nSo provessem em Beneficios.» ^ Assim se achou derrogada a bulla
de Innocencio iv^ de 1254, que prohibia que se dessem os beneficios
ecclesiasticos a quem se n2o dedicasse especialmente & Theologia. A
forte corrente dos estudos humanistas impunha-se por fórma, que os
Jesuitas, sfto, dentro da Egreja, o 68for90 desesperado para tomar a
direc$So d'essa nova disciplina dos espiritos. Toda a cultura litteraria
reduzia-se a esplorar ociosamente esses Beneficios; foi a està deplora-
vel situagSo social que o povo applicou o aphorismo sarcastico: Otu
lettras, ou tretca, e porventura deverà considerar-se iste comò a causa
que levou o systema pedagogico dos Jesuitas a consistir no desenvol-
vìmento exclusivo da InstrvtcgSìx) secundaria na evolu9So da pedagogia
europèa. Assim se perverteu a bella corrente do Humanismo da Be-
nascenga. A Universidade ficou assoberbada pelos Collegios.
Dos differentes Collegios, que estavam juntos à Universidade de
Coimbra, falla Ignacio de Moraes no seu Encomium:
Multa alila hie doctis coUegia eulta Camoenia :
Et tempia aspicies, addita cuique suum.
Caenobium haud parvo cernes fundamine coeptum,
Divi Bernardi quod sacra turba eolit.
HenrìcuB jussit condi, justissirnuB heros,
Cui Banctae incumbit religioniB onus,
Ezemplum Henricus probitatis, regia proles,
Quem decorat sacri cardinìs ultus honos:
Cui frons Puniceo splendet redimita galero,
Et pariter tjrìo palla colore rubet:
Marmoreis sequitur délnbmm insigne columnis,
Cui de Carmelo nomen origo dedit.
Balthasar erexit, tuus est qui, Bracchara, praesul,
Quem merita in tanto constituere loco.
Praeterea Charitae dictum de nomine templum
Eminet, immensi grande laboris opus.
Fundavit monachi Lodovici industria, docto
Qui populum mores edocet ore pios.
1 B^eùtòeB historica^, t x,.>p. 85.
r
■
F
572 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
I
I
1 Ed. de 1887. Nas siglas marginaes que aeompanbam eates yenos, diz^se
que 0 ColUgio de S. Bernardo é fandanie do Cardeal D. Henrìque, o Collegio do»
CarmdUas é de Frei Balthazar Limpo, arcebispo de Braga, o Collegio da Ora^a
de Frei Loiz de Montoya, o Collegio de S. Fedro de Rodrigo Lopes CarvaUio, o
Collegio de S. Domingoe de Frei Martinho de Ledesma.
2 Litro I do$ BegiHoè, fi. 124. Ap. Silva Leal^ Menu cU., p. 677.
ì
Namqne Auguatini vitame moresque profesBus, ^
£ terris rectam monstrat in aatra yiam.
Tu quoque musoeon Petro Roderice sacrasti
Nobile, divitiis aedificasque tuis. |
Docte senex, tibi victurum per saecoia nomen
Dant sacri Oanones, vitaque labe carena.
Templum etiam Dominiee tibi candore refulget,
Atqne novum extmitur non procni à veterì.
Praefectus statuit Martinus Pallade doctus
Codesti, atque idem relligiosus boroo.
Omniaqne haec opibns surgunt adjuta Joannis,
Qui merito patriae dicitur esse pater.
At Fmaeitoanoe aretant nunc hospita tecta.
Hnjus, paupertas, est (puto) causa mali.
Sed domus bis etiam quondam spadosa patebit,
(Sic sperare decet) gymnasiumqne capax. ^
Antes d' eates CoUegios, Ignacio de Moraea faz pomposas referen*
cias no Conimbricae Encomium, ao Collegio daa Artea, dos Jesuitas^
e ao Collegio de S. Jeronjmo:
Agmina Apostolicos vise bine imitantia ritus,
Qnae muro urbano tecta propinqua tenent.
Fnndunt se variis habitacula multa meandris,
Quae sancta coetus simplicitate colit.
Contiguas habitant, divine Hieronyme, sedes,
Qui te sectantur relligione ducem.
Qui tamen interea dum conditur altera sedes
Latior, angustos hic subiere lares.
Descreveremos cada um d'estes collegios conforme a sua succes-
sSo historica. I
O Collegio de 8. Fedro, para derìgos pobres, foi fondado em 1540
pelo Dr. Rodrigo Lopes de Carvalho, gradnado em ambos os direitos,
e que veìu a ser bispo de Miranda. Em 1543 come9oa a construc9lo,
e foi povoado em 1545. Por alvarà de 17 de Janeiro de 1549, D. JoS m
incorporou-o na Universidade de Coimbra. ' Para alargamento do edi-
ficioy cedea D. JoZo lu um terreno perteneente ao Mosteiro de Santa
0 COLLEGIO RBÀL 573
Cruz, de accordo com Frei Bras de Barros, que ainda conservava ob
poderes de reformador d'aquella congregaySo. O edificio so ficou ter-
minado completamente em 1562. £m 1549 recebera a approvasse pon-
tificia. As rendaa do Collegio sairam do Padroado real, a que perten-
ciam as egrejas de Santa Maria de Alijó, e as suas quatro annexas,
e a de S. Fedro de GoSes, no arcebispado de Braga. 0 Dr. Rodrigo
Lopes de Carvalho comproa bens nos arredores de Coimbra para do-
tar 0 Collegio, auctorisado por alvarà de 16 de Janeiro de 1549.
Comesando a fnnccionar o Collegio de S. Fedro em 1545, esteve
sem Estatutos até 1551, em que Rodrigo Lopes de Carvalho, jà entSo
bispo de Miranda, os formulou em oitenta e nove capitulos, mandando
seguir os costumes dos Collegios de Salamanca, e dos CoUegios maio-
res de Santa Cruz de Valhadolid, e de S. Udefonso, de Alcalà, e sem
que 06 seus succcEsores os podessem alterar. Fara conservasse da dis-
ciplina do Collegio de 8. Fedro, pediu o fondador ao Prior geral de
Santa Cruz de Coimbra, Cancellano da Universidade, em 1558, que
fosse visitador d'elle; encargo que foi acceito em Cabido de 27 de fe-
vereiro d'esse anno. ^
Constava o Collegio de doze coUegiaes Theologos e Canonistas,
com o grào de hachareis; era por isso considerado comò Collegio maior.
Como 0 Collegio era em sitio insalubre e longe das escholas, foi mndado
para junto da Universidade em 1572, onde ficou até à sua extincgSo.
Teve a sua primeira coUocasSo na rua da Sophia, onde depois
estiveram os Frandscanos da Fenitencia, e ahi se conservou até 1572,
^ 0 Dr. Silva Lesi, cita o ms. dos AuenlOM e retdugdei do Cotwento nas ma-
tericu que m Ihe propuMeranif t, i, liv. n, fi. 48 : « Aos 27 dias do mez de Feverdro
de 1&58 annoB, foram jmitos os Irmios Capitulares em Capitalo, e logo foy pro-
posto pelo padre Prior, corno o Bispo de Miranda fizera o CcUegio de S. Fedro em
està cidade^ e por quanto desejava, que o Prior d^eiite Mosteiro o TiBitasse, Iho
mandiira pedir, e mostrara os Estatutos do dito Collegio, ob qoaes elle padre Prior
mandara vèr ao InnSo D. JoSa, de que elle fizera certos apontamentos, do que se
oontinha em os ditos Estatutos, que logo foram lidoB ante todos; e depois de com»
municado, foy asBentado pela maior parte dos ditos Capitulares, — que a dita obrì-
ga^ se acceitasse, moderando o dito Bispo algumas cousas que estavam nos di-
tos apontamentos : ^S^ querer ohrigar ao Frior que peasocUmenle vUUe o dito Col-
legio; e que tomejuramento ao principio da vieitOQào; e que se appeUe do Frior para
o Begtor da Univet8Ìdade;9m quaes cousas eram multo duras, e poueo eonvenien-
tes ao DOSSO modo de viver; e que conoextaBdo iato tndo, adma dito, dando o Ca-
pitulo geral consentimento a isso, fo1gari2o de a aceeitar, pelo amor que tinbam
ao dito Bispo, e devo^, que Ihe viSo de deizar cBte Collegio debaixo do amparo
d'està Casa.» (Mem. dt,, p. 118.)
574 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIlfBRA
època em que D. SebastiSo Ihe mandou erìgir nova sède em urna parte
da Universidade. Os doze logares eram distribaidos por ecdesiasticoa
e secolares que cursaBsem Theologia, Canones e Leis; os seus estatit-
tos eram os mesmos que se seguiam nos CoIIegios de Salamanca, e os
seas visitadores eram os Priores do mosteiro de Santa Criu, cnja jn-
rÌ8dic9So conservaram até 1660, em que o Collegio ficon sob a inspeo*
fSo dos Reitores da Universidade. D. Nicol&o de Santa Maria traz ama
extensa lista de homens publicos do seculo xvi e xvii qne foram eda«
cados no Collegio de S. Fedro, e entro elles figura o infeliz Antonio
Leitào Homem, lente de vespera e de prima de Cànones, conego don*
toral da sé de Coimbra e deputado do Santo Officio. *
O seu edificio pertence hoje ao Theatro academico. Era conhecido
pela alcunha vulgar de Collegio dos Borra».
0 bispo fundador morreu em 13 de agosto de 1559, passando a
adminÌBtra9&o do Collegio para seu sobrinho Christovam Freire de Car-
Talho. Este diminuiu o numero dos collegiaes, disfructando os rendl-
mentos do Collegio, centra o qual houve protestos e demandas, de que
resultou entregar-se o edificio ao administrador, e ser passado o Col*
legio da ma da Sophia por ordem de D. SebastiSo em 1572 para uma
parte do Palacio real.
Na lucta dos Collegiaes de S. Fedro com Christovam Freire de
Carvalho, sobrinbo do bispo fundador, abandonaram-lhe o edificio da
ma da Sophia, para onde elle foi morar, arrendàndo^o a estudàntes.
Como fidalgo prodigo, teve de ser execatado por um seu maior ore*
dor, Rodrigo Ajres, que ficou com o Collegio para pagamento; arren-
dando-o entSo por 50^9000 réis por anno aos religiosos Terceiros que
vinham frequentar a Universidade. ^ Em 1586 fez-lhes a dóa98o dò edi-
ficio, com a obriga98o de um annual de missas e dois officios perpe-
tuos, ficando elle padroeiro do Collegio e seus euccesBores. D'està doa-
980 resultou um violento processo de seu neto Louren^o Ayres de Si,
revindicando^o por lesSo enormissima; durou até 14 de abril de 1664|
e terminou por uma composi^So com os religiosos, que se obrigaram a
dar 0 pre90 por que Rodrigo Ayres 0 recebera de Òuristovam Freire,
ficando porém isentos dos encargo^ das n4s«a9, .
1 (Jhromea dos Ckmtgoè BegranU», Liv. z^ cap* xs, p. 860. >
^ D'este facto resulta o «qnivooo da considerar 0 CoUegio de & Beèn corno
sendo da Tereeira ordem da Penitencia de &. Francisco, corno se ve na BmìtnoOcia
do8 CoUegioa, Ccnventos e MosidTo$fwihdado8 no9 diairiatoa de Cambroy AvetroeLd"
ria, do sr. Dr. Antonio José Teizeira. (Bevuta de Educai^ e EnnnOf anno v, p. 489.)
0 COLLEGIO REAL 575
O Collegio de 8. Thomaz, corno tivemos occasiKo de notar^ fòra
Aindado e dotado pelo rei D. Manoel, em 28 de Janeiro de 1517, para
seis frades da ordem de S. Jeronymo, e qaatorze dominicanos. Rece-
bea este titillo por ter side inaagurado no dia da trasIada9So de S. Tho-
maz de Aquino. Era a sua dota920y em dinheiro, 130^000 réis aoa
qnarteis adiantadamente; em generos, vinte moios de trigo e vinte pi-
pas de vinho. Era obrìgatorìo que o reitor fosse um dominico; os seas
estatutos obtiveram approva9So apostolica por LeSo x, em 10 de juiho
de 1517. Em 1522, por alvarà de 27 de fevereiro, D. JoSo iii con-
firmou a dota9So do Collegio de 8. Thomaz, com a dansala de jaris-
dic9So sobre os lentes e estadantes, camprimento dos estatatos e sua
reforma. Depois de algumas doa98e8y D. JoSo in mudoa o Collegio de
S. Thomaz para o Mosteiro da Batalha nos prìncipios de 1538, aucto-
risado por balla de Paulo m, de 7 de novembre de 1539; em 16 de
outubro d'este mesmo anno o rei jà o tinha transferido para Coimbra
para o sitìo do Chda da Torre à Figueira velha. Era entSo reitor do
Collegio Frei Lopo de Santarem, cujo governo durou até 1541; suc-
cedeu-lhe por elei^fto Frei Martinho de Ledesma, castelhano, lente de
Theologia na Universidade. Em consequencia das grandes cheias do
Mondego, teve de se proceder à demolisse do convento onde estava o
Collegio, e à construcfHo de novos edificios separadamente para os fra-
des e para os coUegiaes. 0 Collegio de S. Thomaz teve o seu novo
come90 em 1546, e veiu a ficar concluido em 1566 ; por accasìSo d'es-
tas obras, separaram-se os padres collegiaes de S. Jeronymo, conse-
guindo tambem um Collegio proprio, por alvarà datado de Santarem a
16 de outubro de 1546. Em carta de 6 de outubro de 1539, D. JoSo in
manda a Frei Braz de Barros que entregue ao vigario goral dos do-
minicos um chSo para a oon9tmc98o do convento e collegio; em outra
de 31 de Janeiro de 1543 insiste na urgencia de ser edificado o con*
vento com o Colk^gio; e em carta de 23 de agosto de 1544 dà ordem
ao reformador que ceda um cbSo no valor de 200f$[000 réis para o Col-
legio de S. Thomaz, ^un^o ds casa$ queforam de Jorge Vox, ondejd o
Collegio e$td comegado, e compensando-o com outros terrenos, e com
algupnas renda* da Meiui do Frìoirado m^r. ^ Era feitor e recebedor
d'este Collegio de S. Thomaz em 1563, o celebre Simlo Vaz de
1 Naiieiat do ColUgio real de Santo ThomoM da Ctdade de CMmbra, por Fr.
Joio de Franca (na Historia todegiaBiiea de Coimbra, t in), Ms. da Bibliotheca
nacional. Dr. Antonio José Teiieira^ Semita de Edueagào e Enrino, anno ▼, p. 551
e seguintes.
576 HISTORIA DA UmVERSIDADE DE COIMBRÀ
CamSes, primo do grande èpico portugueas. O Collegio foi incorpo-
rado na Universidade por D. Sebastilo, em alvarà de 20 de jonho
de 1577.*
O Collegio da Graga, foi fundado por D. JoSo ni^ * encarregando
da dìrec9So da obra o firade graciano hespanhol Frei Luiz de Mon-
toya; principiaram as obras em 13 de Janeiro de 1543, vindo a ficar
conclnidas em 1548. Està actaalmente occapado pelo quartel militar.
Foi incorporado na Universidade por alvari de 12 de outubro de 1549.^
Os Conegos do Mosteiro de Santa Cruz tiveram de ceder & pres*
sSo de D. JoSo m, doando os terrenos em que se fundaram além d'es-
tes dois CóttegioB, de 8. Thomaz e da Qraqa, ontros Collegios, comò
o de 3. Boaventwra, o do Carmo e o do Espirito Santo» ^ O Collegio de
S. Boaventura foi ftindado pelos franciscanos da provincia de Portogal
no edificio onde D. Fedro Malheiro, bispo de Amyclas, fundara em
Coimbra em 1552 o Collegio para Estudantes póbres, sendo depois ex-
tinctOy e as suas rendas annexadas ao Hospital Lateranense de Roma. '
O Collegio de Nossa Senhora do Carmo, tambem conhecido no seu tempo
pelo nome de CoUegio do Bispo do Porto, foi fundado por D. Fr. Bal-
thassar Limpo em 1540, e incorporado na Universidade por alvarà de
7 de setembro de 1571.^
1 lAvro z doé B^taa, fi. 18d.
2 vProviiào de Elrd para $e edificar o CoUegio de Nosea Senhora da Graga
na rua de Santa Sophia em Coimbra: Jqìz, vereadores e procimdores. £u ElBei
TOB envio multo saudar. £u desejo qua nessa cidade se fa^a um Collegio e Mo»-
teiio de Nossa Senhora da GraQa, e folgarìa que se fisesse no ch2o que està adiante
do Collegio do Bispo do Porto; e por que é necessario tomar-se um caminho que
passa por cima do dito chSuo^ em que o dito Collegio se hade fazer, vos Enoom*
mendo muito que pela obra ser de tanto seryi^ de 'Nesso Senhor, e tSo necessa-
ria, folgueis de dar o dito caminho e entro o CeUegio do Bispo do Porto e este de
Nossa Senhora da Gra^a ficarà urna rua de tres bra^as de largo, pela qnal pos^
sam ir à rua de Santa Sophia, os que vierem pelo dito caminho; e de o assim fn-
zerdes, comò confio que o fareis, Beccherei muito contentamento^ e vol*o agrade-
cerei. Escripta em Lbboa, a 30 de Outubro de 1542. — Bei.» 0 CoUegio do Bispo
do Porto, era o Collegio do Carmo, fundado por D. Fr. Balthasar limpo para os
derigos do seu bispado em 1642; foi ampliado e oondiudo por Fr. Amador Arraes
para os frades carmelitas em 1597. Dr. A. J. Teixeira, Bevista de Eduoagào e En^
sinOf anno ti, p. 86.
' lÀvro dos Begistos, fl. Ili.
^ D. Niool&o de Santa Maria, Chroniea dos BegrasUu, Liv. z, cap. ▼.
^ Fr. Fernando da Soledade, Historia seraphica, liv. m, cap. zxii, n. 660.
* Liv, yn dos Privilegios de D. SébasliàOf fl. 120 f, Arch. nac
0 COLLEGIO REAL 577
Os CoUegioB de S. Jeronymo,^ de 8. Bento^ e o àe 8. Paulo^
foram fundados pelo incansavel reitor Fr. Diego de Mar9a. 0 CoUe-
giù de 8cmio Agostinho, de Santa Cruz de Coimbra, transferìdo para
o chamado Collegio novo, tambem foi incorporado na Universidade. ^
O Collegio de 8. Bernardo foi sabmettido egualmente ao regimen da
Universidade. *
O facto da extincfSo ou incorpora9So doB antigos CoUegios de
Todos OS 8anto8 e de 8. Miguel, que pertenceram ao mosteiro de Santa
Cruz, no Collegio real em 1547^ onde D. JoSo ni estabeleceu os Mes-
tres francezes sob o prìneipalado de André de Gouvéa, fez com que
o diligente reitor Frei Diego de Murga reconbecesse està importante
falta no regimen da Universidade. Pediu o reitor a D. JoSo in, para
que fundasse um novo Collegio para Clerigos pohres, k imita^So do
Collegio de 8. Fedro; o rei attendeu-o em 1549, applicando-lbe algu-
mas verbas das rendas do Priorado-mór de Santa Cruz, taes comò
quatorze jpàes do Refettorio, e raqdes da coberta da Meza doa Priore»
móres, e as ra95e8 vagas e que fossem vagando das Donas e Merciei-
ras do Hospital de S. Jo3o. Foram estes parcos rendimentos lan9ado8
em deposito para se fazerem as despezas da construc9So do edificio do
Collegio, que comejou em 1550. Quiz o rei que se denominasse o Col-
legio de 8. Paulo, comò para continuar o espirito da in8tituÌ9So do
Collegio de 8. Pedro, embora este fosse Maior, ou propriamente de
Mestres, e aquelle Menor ou de escholares. Come90u-se a con9truc9So
do Collegio noB Estudos Velhos, demolindo-se uns pardieiros que tinham
pertencido às Escholas no tempo em que a Universidade estiverà em
Coimbra, e aonde ainda em 1550 se ensinava Ghtunmatica. Para alar-
gar o terreno deu ordem o rei para que a Universidade tomasse em
escambo à egreja de S. Pedro uns pardieiros e um quinta!, ficando o
Collegio de S. Paulo obrigado a um fòro. Em imi Assento do Livro
Primeiro da Fazenda da Universidade, do anno de 1549, acha-se a
fl. 26 % a noticia d'este escambo.^ Continuava a obra ainda em 1554^
1 Incorporado na Universidade por alvarà de 19 de dezembro de 1563. (Li-
vro I do8 Registosy fl. 152 i.)
2 Ibidem.
3 N'este Collegio estiveram recolhidos os de S. Bento e de S. Jeronyino, até
1568 em qne foi directamente povoado. Foi incorporado 4 Universidade por alvarà
de 23 de ontubro de 1562.
^ Por alvarà de 17 de ontobro de 1559. Liwo i dos B^fistos, fl. 280.
^ Por alvar& de 1 de mar^o de 1560. Ibidem, fl. 517.
* 0 Dr. Silva Leal, na citada memoria trauscreve-o : «Aos 15 de Abril de
HIBT. UH. 37
À
578 HISTOBIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
quando D. Jo2o m abandonou a obra do Collegio doando-o à Univer-
sidade, que ficou com a obriga^Slo de terminal-o. Sem duvida o terri-
vel desgosto da perda do seu herdeiro, o principe D. JoSo^ influia n'esta
delibera9Slo do monarcha. Frei Diego de Mur^a, tambem desgostoao,
ausentara-se para o seu mosteiro de Refoios de Basto de que era Com-
mendatarioy interrompendo-se assim as obras do Collegio. Por carta
règia de 2 de agosto de 1 558 foi dada ordem ao Vice-reitor para ter-
minar as obras do Collegio, e recolher n'elle os coUegiaes no proximo
outubro. * De 1559 a 1561 estabeleceram-se as opposÌ98es para as col-
legiaturasy mas pelas grandes despezas da Universidade so pode abrir-se
0 Collegio em 1562, comò se estatuiu na carta règia de 16 de Janeiro
d'esse anno: «me parece bem, que se espere, e dilate a poyoa9&o do
dito Collegio, e entrada dos CoUegiaes, atè o primeiro dia do mez de
Outubro deste presente anno de 1562, e que com o rendimento, que jà
corre por conta do dito Collegio, e com o mais, que das rendas da
Universidade se poder para elle commodamente applicar, os ditos Col-
legiaes tenham a sua sustenta^So, e mantenja certa, e firme, e n'este
meio tempo se apurarSo os Oppositores, e diligencias das Collegiatu-
ras; e pareceu-me muito bem fazerem-se as nomea93es por mim, vis-
tas as informafoens e diligencias no despacho da Mesa da Conscien-
eia. . . » * Emquanto o Collegio nSo funccionou, n'elle foram albergados
08 frades de S. Bento, emquanto estavam edificando o seu Collegio;
ali se guardou tambem o Cartono da Universidade no anno de 1557 ;
1549, pelo Rejtor e Deputados foj celebrado escambo com os Benefeciados da
Igreja de S. Pedro d'està Cidade, e dea a Universidade à. dita Igreja humas casas
e quintal defronte das casas do Biepo d^esta Cidade, que trazia em duas vidas a
mulher de Joào Vaz Tanoeiro, de que pagava cada anno 125 réis, por huns par-
dieiros, quintal e casas come^adas da dita Igreja defronte d'ella o torna-
ram-se para o Collegio de S. Paulo, que Sua Alteza ahi manda fazer defronte da
dita Igreja, no qual se estas propriedades meteram; e assim fica o Collegio obrì-
gado a pagar cada anno de foro 125 & Universidade, durando as vidas dos inqui-
linoB das propriedades que foram da Universidade.»
1 nD. Jorge de Almeida. £u ElBej vos envio muito saudar. Hey por bem,
e mandovos, que do dinheiro do rendimento das ra9oen6 das Donas de S. Joào, e
pao da Coberta, que estào vagas, que sào applicadas para a obra do Collegio de
S. Paulo, fa^ais logo lagear o pateo do dito Collegio, e fazer as gradcs para a
Capella, e mais obras necessarias, pelo modo que estao ordenadas : para se pode-
rem recolher os CoUegiaes do dito Collegio de Outubro por di ante, conforme o que
vos escreveu o Reitor D. Manoel de Menezes, etc.» Livro i daa Cart€u originaes,
fl. 116. Ap. Dr. Silva Leal, Mem, cit, p. 419.
* Livro I daa Cartas e Provisdea originaes, fl. 120. Ap. Silva Leal, p. 421,
0 COLLEGIO REÀL 579
^i tambem bo recolheram os frades de S. Jeronjmo emqaanto faziam
-o seu Collegio, e habitoa por algam tempo em 1563 o reitor da Uni-
versidade D. Jorge de Almeida. ^
Depois que se conciaia a obra da constrac9So do Collegio de S.
Paulo, foram incorporados nos rendimentos da Universidade ob qua-
torze pSes do Refeitorio, e ragSes da coberta da Meza dos Priores-
móres bem corno as das Donas e Mercieiras do Hospital de S. JoSo ;
desde entSo ficea a cargo da Universidade o Collegio, que ella dotou
com 0 rendimento approximado de 309^000 réis, em que entravam as
rendas do antigo Collegio fundado pelo Dr. Diego Àffonso de Man-
gancha. No Assento feito em Concdho-mór (Claustro pieno) da Uni-
versidade, em 25 de fevereiro de 1561, se acha estabelecida a dota9So
do Collegio.*
Na linguagem do tempo, era por isso o Collegio de S. Paulo co-
nhecido pelo nome vulgar dos Manganchas; nome que era tornado i
ma parte pelos collegiaes, que nSo gostavam da referencia d'estes ren-
dimentos, que constava do Alvarà de D. SebastiSLo de 7 de dezembro
de 1562: co qoal ha muitos annos o occultam, por fallar na applicarlo
das rendas do Doator Mangancha; (corno se fosse huma grande inju-
ria para o Collegio o ser dotado com ellas)» ^ N^estas quest5es de pre-
cedencias, os collegiaes, por terem casa nos Estudos vdhos imagina-
1 Livro I da$ Cartas t ProvUòea originaeSf fl. 120. Ap. Silva Leal, p. 425.
2 Livro dos Concelhos do anno de 1560, fl. 123 : «£ logo o Senbor Reitor
(D. Jorge de Almeida) propoz ao dito Concelho a muita necessidade, que està Uni-
versidade Unba de acabar de eff situar o Collegio de S. Paulo, que ba dous annos
que estava feito. ... e pedio o Senbor Reytor a todos os seus votos, e todos assen-
taram de ser muito necessario a està Universidade, e ao Beyno haver o dito Col-
legio ; e nem bavia duvida, por que estava claro ser muy necessario, e muj prò*
veitoso; e assentarào, que logo devia come^ar o mais cedo que podesse; e para
isto 0 dito Senbor Reytor appresentou bi os Estatutos do dito Collegio, e buma
ProvisSo del Rey nosso Senbor sobre os servidores, e outras cousas pertencentes
ao dito Collegio. Tratou-se logo corno, e onde se Ibe darla de comer aos Collegiaes,
que entrassem, e todo o necessario ; assentàrào que come^asse com a esmola das
Donas, que forao de S. JoSo de Santa Cruz, da qual tem supplicado ao Santo Pa-
dre, que conceda em dar estas, que sao vagas, e que inda vagarem, a este uso do
Collegio, que tem por obra pia que com isto, e com a Igreja de Val de Ermijo,
que està assentado para o dito Collegio, come^assem ; e bem assim com os bens,
que forSo do Doutor Mangancba, de que a Universidade està de posse muito tempo
ha, que conforme o testamento do dito Doutor, parece que insti tuiu para Colle-
giaes ... e com isto podia come9ar o Collegio, que sSo perto de trezentos mil reis
de renda; e n'isto assentar^o.» (Ap. Dr. Silva Leal, Mem. cit., p. 429.)
3 Dr. Silva Leal, Mera, cU., p. 431.
37 «
580 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
vam-se continoadores da Universidade de Coimbra, desde 1308, por-
que ali tivera a sua sède; ontros querìam provar a sua aristocracia,
julgando-se continoadores do Collegio de S. Miguel, extincto ezn 1547.
«O nome mais vulgar com que sSo conhecìdos, desdc o tempo
antigo, na Universidade os CoUegi'aes de S. PaalO| é o de Mangan-
chasj por qae entro as coasas, com que a Universidade o doutou,
quando Ih'o doira o senhor rei D. JoSLo in, foram algons bens do Col-
legio antigo, que o Doutor Diego Affonso Mangancha fundara na Uni-
versidade de Lisboa; e mais é certo, que aquelle Collegio nunca feas
proprio, nem se valeu d'oste nome, antes procurou sempre pól-o em
esquecimento . • . » ^
O Collegio de 8. Paulo, era junto das Escholas maiores da Uni-
versidade, cno proprio sitio e legar onde no tempo de eirei D. Dùiiz
foram as Escholas geraes da mesma Universidade. 9 ^ O edificio so ficea
terminado em 1563 no tempo de D. Sebastifto, sendo inaugurado em
2 de maio, d'esse anno. Os seus primeiros coUegiaes foram, em Theo*
logia, Ignacio Dias, D. Affonso de Castel-Branco, e Pero Louren90 de
Tavora; em Canones, Louren90 MourSo, Ruy de Scusa, Bxxj BrandSo
e Bodrigo Ayres; em Leis, Antonio Salema, Antonio de Castiiho, guar-
da-mór da Torre do Tombe e amigo do poeta Dr. Antonio Ferreira;
e em Medicina, Manoel Cardim.
Resta-no0 recompfìr o estado dos trabalhos intellectuaes em Coim-
bra, n'este periodo de ferver, que estava prestes a extinguir-se; ser-
vimo-nos de um meio indirecto, percorrendo a bibliographia d'essa
època.
Com a vinda dos mestres francezes para Coimbra, em 1548, trou-
xera tambem Diego de Teive uma typographia para a Universidade;
o reitor Frei Diego de Murja installou-a nos pa908 de el-rei, e centra-
ctou 08 dois jà entto celebres impressores Jo8o Barreira e JoSo Alva-
res, Eendo confirmado esse ajuste por provisSo de 21 de mar90 de 1548.
A actividade typographica exercera-se até entSo principalmente den-
tro do mosteiro de Santa Ciuz; antes, porém, da nomeajSo dos dois
impressores, jà elles trabalhavam para a Universidade; transcrevere-
mos algnns dos titulos dos livros que imprimiram sobre assumptos es-
cholares:
1542 — Martini ab Aspilcueta Kavarri Jurisconstdti in tres depoe-
1 Dr. Maaoel Pereira da Silva Leal, Àcademia de Historia, CoUecam de Do*
cumerUos e Memorias, 1731, P. x, p. 93.
^ D. NicoUo de Santa Maria, Chroniea doi Regrante», Liy. z, cap. zr, p. 383-
0 COLLEGIO REAL 581
nitentia distmctiones posteriorea Commentarli: ex Officina Joannis Ai-
vari et Joannis Barrerii.
1544 — Commento en Romance a manera de repeiieion latina, y
echolastica de Juristas, sobre el Capitido Inter verba xi. q. m. Com-
pueato por d Doctor Martin de Aspilcudta Navaro; Catfiedratico de
prima en Cananee de la Universidad de Coimbra, etc. Ibi.
1545 — Commentarios ao Con, Scindite corda vestra de consecrat.
Dist. I. Do mesmo Doutor Navarro. (Ha um outro commentario de
Bartholomeu Philippe, ao mesmo canon, impresso em Lisboa, por Luiz
Rodrigaes, em 1539.)
1546 — De Arte atque ratione navigandij de Fedro Nanes. In-4.®
— De Erratie Orontii Finei regii Mathemat. Lutetiae professoris,
do mesmo. Fol.
1547 — Pradectio in C. Accept, de Resi, SpóliaJt., do Doutor
Navarro.
— Meditalo da innocentissima morte e payocam de noseo s^ior em
estilo metrificado, novamente composta. Goth. de 138 folh. inn. cFoy
visto e aprovado oste presente livro pelo doutor Mestre Payo (Rodri^
gues Villarinho): por comissam e mandado do Cardeal Infante. Fola
qual o mesmo doutor mandou que se imprimisse. E foi impressa a
presente obra em a muy nobre e sempre leal cidade de Coymbra por
Joam da Barreira e JoSo Alvares, empressores da Universidade. A
custa do muyto illustre e reverendo senhor Dom Bras Bispo de Leyria.
E acabouse aos xxix dias do mes de Juiho de mdxlvu.» Este livro é
attribuido a IVei Antonio de Fortalegre, franciscano da provincia da
Piedade. Ha n'este livro uma declara9So do livreiro-impressor, de um
grande interesse litterario: e Ho reverendissimo senior dom Bras Bispo
de Leyria mSdou empremir està precedente meditarlo a sua propria
custa pera a dar por amor de d's a religiosos e religiosas e a outras
pessoas devotas. Forque Ihe pareceo cousa prò vey tosa pera suas ai-
mas. E depois de ser empremida mandou a mi Joam da barreyra em-
pressor del Rey nesso s£ior em està catholica Universidade que ajun-
tasse aa mesma medita9am as seguintes trovas, por Ihe parecerem de-
votas e proveitosas especialmente pera muytos religiosos e religiosas
que sam grandes musicos, e por falta de cousas espirituaes muytas ve-
zes tangem e cantam cousas seculares e profanas. Por isso os avisa e
Ihes roga que em legar das vaidades mundanas cantem e tanjam estas
spirituaes e devotas. E por que o romance que aqui vay acharam sin-
gularmente apontado por Badajoz, musico da camera del rey nesso
sSor; e o vUScete do parto da seSiora se ha de cantar por o duo que
582 HISTORIA DA UNIYERSIDADE DE GOIMBRA
compoz Torres, da letra inimiga foy madre; e ho ào pronto da $^iorai
caminho do monte calvario por a cSposiyam do motete Fili mi AbsaIS,,
do qtial foy a letra tomada. E d'està maneira sera deos louvado in
chordis e organo, e o spirita sancto que foy o primeyro inventor &
mostre da arte da metrificadura seri servido. Etc.»
Por està passagem se ve que o activo bispo querìa reagir contra
o novo costume de se p8rem em musica os romances velhos da tradi-
9S0 peninsular. 0 compositor Luiz Milan dedicara em 1537 0 seu Li--
Irò de Musica a D. JoSo III; n'esse livro traz a letra dos romancea
Telhos Mis arreos son las armas e Sospiraste Baldovinos. Outros com-
positores, comò Yalderràbano, Salinas, Fuenllana, Pisador e Narvaea,
notavam em musica esses velhos romances, de que entSo se formavam
as bellas coUecQSes de Sevilha e Anvers. A indica9So de Frei Braz de
Barros corresponde à apropria9So que comegou a dar-se da musica maia
Yulgarisada d'esses romances ao divino. Infelizmente pouco durou està
elaboragUo artistica, porque os Indices expurgatorios do cardeal infante
prohìbiram todos os romances ao divino, infloindo directamente na.
decadencia da tradirlo popular. Entro as musicas pro&nas, corno vi-
mos pelas referencias de Antonio Prestes, predominavam Sisjusjuina»,.
ou de Josquin dea Près.
Além d'este livro da PaixSo m^trificada, Frei Braz de Barros ti-
nha mandado tambem imprimir na typographia do mosteiro de Santa
Cruz a sua traducalo latina do EspeTho de Perfeiq34), de Frei Henri-
que Harphi, que dedicou a D. JoSo ni. Tiuha no fim: Imprimia-sepor^
os Conegos de Santa Cruz: em 0 anno da encama^o de Nosso Senhor
Jesu Christo 1633 anno sexto da re/orma^ do dito mosteiro.
1547 — Tractado da segunda parte do Sacramento da PenUenciaj,
por D. Sancho de Noronha. In-4.^
1548 — Amoldi Falricii Aguitani, De lÀberalium Artium StudUs
Oraiio, Conimhricae habita in Gymnasio Regio pridiè quam ludus ape--
riretur IX. Cai. Mariti 1547. 1 voi. in-4.®
— Mdchioris BeUiago Portuensis, De Disdplinarum omnium Shi^
diis Oratìo ad universam Academiam Conimbricensem habita. Col. Octo^
Iris 1548.
— Joannis Femandis Oratìones duae ad Joannem III PortugaUiae
et Algarbiorum Regem, De celebritate Academiae Conimhrieensis, e Ora-
Ho funebris habita in funere Eduardi filii D. N. R. 1 voi. in-8,®
— Diego de Teive, Comment. de rebus gestis in India ad Dium^
etc. In-4.® N'este livro escreveu 0 Principal Jofto da Costa 0 poemeto
iOarmen ad LusUaniam.
0 COLLEGIO REAL 583
1548 — Do mesmo, OraHo in laudem Nuptiarum Joannù et Joan"
noe lUust, Prineipum, etc. In-4.^
— Comment. in § Et quid sit tant. L, OaUus, por Manuel da Costa,
0 Stibta. Fol.
1549 — Aristotelis de Reprehensionibus Sophistarum liber unus: Ni-
caldo Chrouchio Rhotomagensi interprete. 1 voi. in-S.^ Este volume foi
impresso à custa de Belchior Belliago para explora9So ; refere-se a isto
Diego de Teive no processo.
— Bdckior Belliago, De Diahctica^ um breve resumé de Logica,
impresso, segundo elle diz, a pedido dos seus discipulos, e dedicado
a D. Jofto Affonso de Menezes.
— Ad L. Si ex cautione, etc., por Manuel da Costa. Fol.
— Indice dos Chiliadas de Erasmo, por Vasco, mostre de Latim, e
dedicado por Jofto Barreira ao Doutor Martim de Aspilcueta Navarro.
— Ad Invict, Lus, Eegem Joannem III Oratio, ou poema latino
em louvor de D. JoSo m, por Fedro Mendes.
— Tratado vnoral de Louvores e perigos de alguns estados secula-
ree, e das obrigaqZea que n'eUes ha, com eocortagào em cada estado de gue
se trata\ composto por D. Sancho de Noronha. Officina de Francisco
Correa, impressor do Collegio reoL.
1550 — Cartiiiha para ensinar a ler e escrever, do bispo D. Frei
JoSo Soares, com o Tratado dos Remedios contra os sette peccados. In-12.^
— LiÒellus de TerraemotUy De vario amore Edoga, De Disciplina-
rum omnium laudilus oratio, por Jeronymo Cardoso. In-8.®
— Oratio in laudem CI. Principis Joannis I, por SimBo de Cas-
tro. In-4.®
— Panegyris Alphonsi I, Lusitanorum Regis, pelo Prior do Crato,
D. Antonio.
— Rhetorica breve de Joaquim Rhingelbergio.
— Colloquios de Erasmo, dedicados a D. JoBo lu e ao cardeal in-
fante, por JoSo Femandes de Sevilha, professor de Rhetorica em
Coimbra.
— Axiomaium Christianorum libri tres, por D. BVei Gaspar do
Casal.
— Chronica geral de Marco Antonio Coccio SabeUico, des o comego
do mundo atee nosso tempo, traduzida em lingoagem por D. Leonor de
Noronha. Fol. P. i.
-—Antonio da Costa, JE^ngramma a Jeronymo Cardoso.
1551 — Historia do descobrimento e conquista da India pelos Por-
tuguezes, de FemSo Lopes de Castanheda, bedel da Universidade.
584 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIHBRA
1551 — SdecL interpretationum circa conditìones, etc., libri diu),
por Manuel da Costa. Fol.
— Ad L. Cum tede §. Si arbitrata D. etc., do mesmo.
— Oratio habita Conimbricae, por André de Resende. In-4.*'
— Dictionarium Juventuti studiosae admodum frugiferum. In-8.®
(Outra de 1562.) Por Jeronymo Cardoso.
— Logica de Trapezuncio, com as notas de Diogo de Contreras.
N'este tempo jà trabalhava em Coimbra Antonio Mariz, que tambem
veiu a ser impressor da Universidade : ConstituiySes do Bispado de
Coimbra.
155? — Ad Serenissimum Limtaniae Principem Joannem Filium
D. N. Regia Joannis III jam fdiciter Regem designatum Elementa
Orammatices cum adnotationibus in eadem per Joannem Femandum
Hispcdensem Rhetorem Regum in indyta Conimbrice, In-8.^
1552 — Arte de Rhetorica, do jesuita Cjpriano Soares, valenciano.
— Oratio de omn, Philosophia part. laadibus, et studiis, por Hi-
lario Moreira. In-4.°
— De sito et alieno posthumo, por Manuel da Costa. In-4.®
— Carmen heroico-latino, do jurisconsulto Manuel da Costa, no ca-
samento do infante D. Duarte com D. Isabel.
— Bhtoria do Descobrimento e conquista da Lidia, de Castanheda.
Fol. Em 1552 (segundo e terceiro), 1553 (quarto e quinto) e 1554
(sexto e septimo), comprehendendo sete livros.
— Segunda Parte da Chronica geral de Marco Antonio Coccio Sa-
bellico, traduc92o de D. Leonor de Noronha. Fol. — Tambem imprimi-
ram As vidas de alguns Santos da Ordem dos Prégadores, etc. Fol.
1553 — Fr. Francisco de Barcellos, Scdutiferae Crucis Triumphus;
na Epistola dedicatoria a D. JoSo ui faz referencias à grande influen-
eia de Frei Braz de Barros no desenvolvimento dos estudos em Coimbra.
— Rudimenta Grammaticae,
— Ignota Moralis, Ciceronis Proemium Rhet. In-4.®
— Oratio ad. Reg. Joan. Ili, do mesmo. In-4.®
— Epiikalam. Seren. Princip. Joannes et Joannae, do mesmo.
In.4.«
— Panegyris D. Antonio Principia Ludovici Filio, In-4.® Apud
Barreira.
— Edoga guae Sylenis inscribitur, aliaque Poemata, por Jeronymo
Cardoso. In-8.®
1554 — Historia de Eusebio de Cesarea, traduzida por Frei JoSo
da Cruz, da Ordem dos Prégadores da Provincia de Portogal.
0 COLLEGIO REAL 585
1554 — Monastickon de primis Hispanorum Regibìis, por Frei Ni-
colào Coelho; e Chronologia seu Ratio Temporum, do mesmo. 1 voi.
— Oratio de Scient. disciplinarumque omn. lavdxbus hahita Co-
nirribr., por Henrique de Brito. In-8.°
— Cartinha para ensinar a ler, etc, por D. Frei JoSo Soares.
In.l2.«
— Ignota Moralis, in Interitu Principis Joannis^ Elegiae dtuie;
item cum ejusdem duobtis epUaphiis. Deplorat Joanna suavissimum ma-
ritum. Elegia latina. Oatra, tendo por argomento: Joannes Princ&ps
recenti fato functus et Maria ejua soror in Olimpo collo juuntur. Outra:
Ad ncucentem prolem Sereniseimas Joannae.
— Conimhricae Encomium. Descrip^Ho de Coimbra dedicada a D.
Antonio, filho do infante D. Luias. Apud Barreira.
— Hietoria do comedo de nossa Redempgcto, que se fez para conso-
lagSo dos que nào sabem Latita^ publicada por mandado de D. Leonor
de Noronha.
— Historia da vida e martirio de Santo Thomaz de Cantuaria, por
Diego Affonso, secretario do cardeal D. Affonso.
— André Rodrigues, Loci communes Sententìarum. In-4.° (Outra
de 1567 e 1569.)
— Triumphos de Sagramor, em que se tratam osfeitos dos cavallei-
ros da segunda Tavola Bedonda, por Jorge Ferreira de Vasconcellos.
1555 — Grammatica Despauterii.
— Arte de Guerra de mar, de FernSo de Oliveira. In-4.^
— Ignota Moralis, In interitum Principis Ludovici Elegia. Apud
J. Alvarem.
— Oratio de Scientiarum laude, de Antonio Finto.
1556 — Hieronymus Opera. Fol. — Constitui^ksdoBispado de Vìseu.
1557 — Ignota Moralis, Oratio funebris in interitum Serenissimi
Regis Joannis ad Patres Conscriptos Conimbricensis Academiae.
— Ayres Pinhel, Ad Ruòric. etc. L. II Cod. De rescindendo Fin-
dit. CommenL Fol.
— Confessionario ou interrogatorio breve, por D. Frei JoSo Soares.
1558 — De quaestione Patrui et nepotis, etc, por Manuel da Costa,
In.4.«
1559 — L. Annes Senecae Cordubensi, Tragoediae duae (Thyestes
e Troas), para uso das Escholas Jesuiticas. Em casa de Antonio Mariz.
1560 — Senecae, Hercules furens e Medea.
— Cartinha com o fazimento de Oragas, do bispo Frei JoSo Soa-
res. JoSo de Barreira. Traz a Regra de Viver empaz, de Drogo Ferraz.
586 HISTORIA DA UNI YERSIDADE DE GOIMBRA
1560 — Comedia dos Vilhalpandòs,àe Francisco de Si de Miranda.
Officina de Antonio Marìs.
— Itinerario de Antonio Tenreiro, Ibi.
— Tractado notavd de urna practica, que hum Laorador ieve com
hum Rei da Persia gpie se ckamava Arsano, Jeito por hum Persio par
nome Codro Rufo, redvzido em Portuguezpor Fr. Jeronymo, Monge de
Alcohaga, estando em Paris. In-4.^ goth. Em casa de JoSo de Barreira.
— Comedia Euphrosina, de Jorge Ferreira. In-8.**
— Mstoria Belli Hydrwntini, de D. Garcia de Meneases.
— Vida e mUagres de 8, Isabel, rainha de Portagci, por Diego
Affonso. In-4.^
— OragSo latina que disse D. Garda de Menezes em pieno Consis-
torio, etc. In-4.**
1561 — Ho octavo Livro da Historia de Castanheda. Fol. 3 voi.
Em casa de JoSo de Barreira; saia posthuma.
— Chorographia de alguns lugares, que estào em caminho que fez
Oaspar Barreiros. In-4.® Officina de JoXo Alvares. No mesmo livro:
Censuras sobre M. Portio Catam, Beroso Chaldeo, Manethon Egy-
pcio e Q. Fabio Pictor Romano, In-4.^ Ibidem.
Commefntario de Ophyra Regione.
OragSo latina de D. Garcia de Menezes, que cometa: 8i ita ab
immortali Deo.
— De monetis, penderib., menswris, etc., por Jeronymo Cardoso.
No fim : Genethliac. Emman. pueri. In*8.^
1561 — Commentarii in Matìiaeum, de Frei JoSo Soares, impressa
por JoSo Barreira in aedis Calcographis Regis.
— SermSo das Exequias délrey D. Affonso Henriques, por D. Frei
JoSo Soares.
1562 — Oratio habita ab Joanne Teixeira, cum Marchionatus digni"
tas coUata tributaque fuit illustri magnifico Domino Petra Menesto, VH-
lae Regalis Marchiani, Comitique Uraniae, anno 1489. Impresso por
JoSo Alvares. E no mesmo anno a tradacySo em portagaez, feita por
Migael Soares. 1 voi. in-4.^
'^'Dialago de Perfei^Bio e partes que sSo necessaria^ ao barn ife-
dico. In-4.**
— Comament. in Evang,, por Frei JoSo Soares.
— IgnaJtii Maralis, In quasdam Dialecticos, ac Ghrammatìcos prò
jure peritìs Carmen, et alia quaedam ejusdem poemata. Apad Barreira.
1563 — Lnagem da vida christam, de Frei Heitor Finto. (Ontra de
1565.)
0 COLLEGIO REAL 587
1564 — Deeretos e Determifìagdes do Concilio Tridentino, tirados
em linguagem vulgar. In-8.® Officina de JoSo Barreira.
— Sylvarum lih. unus, por Jeronymo Cardoso. No firn: Epithalam.
Seren. Joannae^ Cari. V. JU.
— Exposigl8e$ de Pendo de Palado ao Evangdho de S. Matheus.
Fol. Na officina de JoBo Barreira.
— Naufragio da Nào Som Sento, por Perestrello. In-8.®
— Cartas que os PP. da Companhia escreveram do Japào. In-4.**
1565 — Itinerario de Antonio Tenreiro. Officina de Barreira. In-8.®
1567 — Memoricd da» Proezas da Segunda Tavola Bedonda, de
Jorge Ferreira de Vasconcellos. In-4.^ Na officina de Barreira.
— VeritcUia repertorium in Hebreos, per Fratem Franciscum aSccm-
fim, Doctorem Parisienei. Apad Jean. Barreira. In-4.^
1568 — Avhdaria, Captivi, Stichua et Trinumus, Flauti.
— Tratado da vida e martyrio dos cinco Martyresde Marrocos. Goth.
1 569 — Comedia dos Estrangeiros, de Francisco de S& de Miranda.
Apad Barreira. In-4.^
— Dictionarium Latino-Luaitan., por Jeronymo Cardoso.
— Summario dos Chronicas dos Reis de Portugal, de Christovam
Rodrigues Acenheiro.
1570 — Falla que se fez a ElRei Dom Sebastiào na entrada de
Coimbra, aos 13 de Outubro. Officina de Jo&o Alvares. In-4.®.
— OraJtio habita ad Sébast. Regem, de Luiz de Castro Pacheco.
1571 — Petri Nonii Sàlaciensis De crepusctdis. Apud Mariz. — De
erratis Oronti, liber unus. Ibi.
1573 — Summa Castana, de Frei Diego do Rosario. In-8.^
1577 — Grammatìces duo compendia eo modo in meihodum contra-
da, vi nHiil redundet, avi desit, por Fernando Soares Homem, mestre
do Duque de Bragansa. In-4.*^
— Historia dos vidas e feitos heroicos, e obras insignes dos Santos,
por Frei Diego do Rosario. 2 t. Fol.
1578 — Annot. d Mechanica de Aristoteies e ds Theoricas dos Pia»
netas de Purbackio com a Arte de Navegar, por Fedro Nunes. Fol.
1579— Frei Heitor Finto, Comm. in Daniel. Fol.
— Reportorio dos Tempos, por JoSo Barreira. In-4.^ (Ibi, 1582.)
1582 — Brevis disceptatio medica, et Oratio in laud, Seren. Prin-
dpis, por Jeronymo de Sa Souto Maior. In-8.^
— Condusianes Medicae, do mesmo. In-12.^
1584 — Tratado dd Consto y de los Consejeros de los Princepes
por Doutor Bartholomé Felippe. 1 voi. In-4.®
58S HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
1588 — Sylvae iUustriorum AtUhorum; é urna Selecta dos Jesuitas
para uso das aulas de grego e latim.
1589 — 0 Primeiro Cerco de Diu, de Francisco de Àndrade.
— Relagcb das grandes alteragdes e mudangas que houve em os rei-
no8 do Japào, pelo padre Luiz Froes. In-4.® Officina de Antonio Bar-
reira.
— Dialogos de D. Frei Amador Arraes. In-4.°
1590 — Repertorio dos tempos, por André de Avellar. In-4.® Apud
J. Barreira.
1591 — Martyrólogio \romano.
1593 — Liwro da Esfera, de André de Avellar, Lisbonense. In-8.®
E tambem: Sphaerae utriusque Tabella.
1594 — Manual de Epicteto Filosofo, traduzido do grego em Ufi"
guagem, do bispo D. Frei Antonio de Sousa. Officina de Mariz.
— Diversorum Juris argument. Itb. tres, por Gon9alo Mendes de
Vasconcellos Cabedo. In-4.°
1596 — Romances de Francisco Rodrigues Lobo. In-16.
— Relagào das Rdiquias que foram da Sé para Santa Cruz, pelo
padre Gaspar dos Reis. In-8.°
Por estes pequenos annaes da imprensa de Coimbra, * onde nSLo
incluimos os trabalhos da typographia do mosteiro de Santa Cruz,
vé-se que effectivamente houve um periodo de actividade, que vae as-
censionalmente até 1562; d'ahi por diante, tirando alguns trabalhos
propriamente dos Jesuitas e novas edi^Ses, parece que n'esse fòco scien-
tifico se apagou todo o esplendor da intelligencia.
Ainda no meado do seculo xvi persistia no ensino o livro dos Dis-
ticos, de CatSo; nos processos centra os mestres francezes do Collegio
redi allude-se a està pratica: e Alvaro Lobato, que foy frade de Sam
Domingos e agora le o Catào aos mininos no Collegio. • .» A leitura
era em latim, explicando em seguida cada um dos disticos, que ou se
versificavam em épodos, ou se commentavam com explica98es moraes.
Por urna carta de D. JoSo lu a Frei Braz de Barros, datada de
3 de julho de 1536, recommendando-lhe um escholar pobre, escudeiro
da casa do cardeal infante D. Affonso, vè-se comò as disciplinas ensi-^
nadas nSo eram perfeitamente compativeis com as edades: cPadre irei
bras de bragua. en elrej vos emvio muyto saudar. manuel thomaas que
1 Està lÌBta bibliographica é em grande parte tirada da Memoria de A. Bi-
beiro dos Santos Sóbrt a hUtoria da Typographia portuguesa no seculo XVI (Me*
morias de LiUeraturOj t. yui), e de Barbosa Maohado e Imiocencio.
0 COLLEGIO REAL 589
vos està daraa com hu menino seu filho vam per meu mandado aprem.
der a esses estudos. mujto vos Sncomendo que do menyno fa9aes ter
especiall cuidado pera latinidade e greguo ha daprender por q sondo
de tao pequena jdade tem jaa aliga principio no latim corno là vereis.
e em tudo o q Ihe a elle e a seu pay comprir folgarei que recebSLo de
vos todo 0 favor e goasalhado que fór rezSo e volto agaardecerej muyto.
screpta S Evora a tres de julho. Manuel da Costa a fez de 1536. Bey*
Encomenda ao padre frei bras de bragua sobre m.^' tomas e seu f.^»*
Ha urna outra recommenda9So de D. JoSo iii, em carta de 30 de ju-
nho de 1544: «Padre Frey bras. eu elrey vos emvio muyto saudar.
emcomSdovos muyto que queyraaes receber por colegiall no colegio
dese mosteiro de samta cruz a femào de pyna estudante nos estudos
desa 9idade avendo allgu lugar vaguo e se nSo no primeiro que vagar
por que receberey diso prazer e volo agardeyerey e terey e servigo.
Manuel da Costa a fez S evora a xxx dias de junho de 1544. jF?ey.»'
Em outra carta de 10 de junho de 1547 recommenda Francisco Pi-
nheiro, estudante pobre, de Pombal, para continuar os seus estudos no
Collegio de Santa Cruz. ^ Por està insistencia se avalia a necessidade
que tinha o rei em coadjuvar a funda(So de numerosos collegios junto
da Universidade de Coimbra; nSo corresponderam, porém, a està boa
vontade.
Os numerosos Collegios^ que se achavam incorporados na Univer-
sidade, nSo coadjuvavam o desenvolvimento do ensino, comò era de es-
perar; disputavam entro si precedencias nos préstitos ou procissSes da
Universidade, e por todas as fórmas procuravam manter urna vida in-
dependente d'aquella sua alma mater; em provisio datada de 28 de
fevereiro de 1544, D. JoSo in, depois de ter ouvido o parecer dos
Doutores Morgovejo e Bartholomeu Ulippe, estabeleceu as preceden-
cias dos Collegios, as quaes nSo poderam ser levadas à pratica. O reitor
Frei Diogo de Mur^a, escreveu em 11 de maio de 1545 uma carta ao
rei em que se queixava da sua impotencia: cSenhor. — 0 anno passado
se tomou assento sobre a differenga que avia entro os religiosos men-
dicantes, que estSo nos Collegios d'està Universidade quando se ajun-
tavam nas procissSes que a dita Universidade ordena: que o primeiro
lugar era dos dominicos; o 2.^ dos franciscanos; o 3.^ dos augostinhos,
e 0 4.^ dos carmelitas; e por direito commum se aohou que elles de-
^ Carta» dos ReU e dos Infanteé, InstUuto, 2.* sèrie, voL zzzti, p. 655.
2 Ibidem, voi xzztii, p. 51.
3 Ibidem, p. 124.
590 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
Tiam goardar està ordem entre sj avendo respeito as confirma93e8 das
ditas ordens: os dominicanos, franciscanos e aagastinhos foram entSo
contentes de hir desta maneira nas ditas procissSes, por dizerem que
tambem està ordenaii9a Ihes convinha segando a fimda9So de seus col-
legioB nesta Universidade; os carmelitas, nSo quizeram estar por està
8enten(a, dizendo que devilo ter outro legar asj por sua ordem ser
mais antiga, corno por seu college n'esta Universidade vir primeiro:
ysto tudo screvi a V. A. e logo mandou que os outros coUegios fossem
na ordenansa que acima disse, e que os carmelitas fossem ouvidos in-
teiramente de sua justÌ9a. Vista està resposta de V. A. assynamos aos
ditos carmelitas termo até o pintycoste do anno passado que viessem
com seus privilegios e com todo o que tinham per que pertendiam ter
outro logar nas procissSes; e nom quiseram vir; e neste inverno pas-
sado por causa das muitas auguoas ordenamos huma procissfto, e man-
dey chamar os ditos coUegios que viessem a ella comò dantes tinham
de costume; e nom soo nom quiserSo vir os carmelitas; mas os fran-
ciscanos e augustinhos tambem se deitarSLo fora de vir e nom vierSo.
Agora por causa da grande sequa, que nesta terra faz multo dano or-
denamos outra procissSo geral, e tomej a mandar chamar os ditos col-
legios de sam francisco, augustinho, e carmos, tSo pouquo quis^rSo
vir, e soo o collegio de sam domingos vem as ditas procissSes ; os con-
ventos'de sam francisco e o de sam domingos a meu chamado vem de
multo boa vontade as ditas procissSes; e de nom virem os coUegios
por causa da competencia que entre sy tem se causa escandalo na
Universidade e cidade e pare9e muito mal. Fa9o saber ysto a V. A.
pera que proveja comò vir que he milhor: a meu ver nom he serviyo
de deus nem de V. A. hir este negocio por està via, por que ao diante
se syguirSo alguns inconvenientes; e pois estes coUegios sSo membros
da Universidade nestas cousas pias e santas de vem estar sobjeitos a
ella: elles se vSo pouquo e pouquo isentando, e aos actos publicos de
Theologia pouquos e pouquas vezes veem: se V. A. os ajunta aqui
pera delles fazer letrados he necessario que sejam sojeitos a Univer-
sidade e precedSo nas cousas principaes segundo os estatutos della: se
acha cada collegio fizer per sy huma so cabe9a em tudo, sera grande
confusào e pouquo proveito : he necessario, que V. A. agora logo nes-
tes principios acuda a ysto antes que eUes tomem mais posse : e parere
que se poderiam concertar per està maneira. s. que V. A. mando cha-
mar OS prelados de suas ordens, e Ihes diga a ordem que ha por bem
que estes religiosos tenham nas procissSes e nas mais cousas em que
se ajuntarem, e que a elles a mandem goardar nos ditos coUegios: e
0 COLLEGIO REAL 59 1
poderseSo colloqoar por està ordenan9a. 8. qae os dominicos pois sSo
primeiros tenham a mSo direita no coa^e da procissSo, e os francisca-
DOS a mSo esquerda; os angastinhos a mio direita diante dos domini-
cosy e OS carmelitas a esquerda diante dos franciscanos : e asy me pa-
re9e qae estava bem; e se nom seja de qualquer outra maneira eom
tanto que venham e nom aja mais divissSo : e polla maneira que forem
nas procissSes barn tambem dargumentar nos actos guodltbeticoa, e por
ysso be necessario darlbe regra pera todo, qae nom torvem a boa or-
dem que nestas cousas publiquas se requere e muito reluz; e pois el-
les de y. A. recebem tantas esmolas e Ibe faz os oollegios e dà a sus-
tentagfto bem he que se sometam em toda ordenan9a que for pera bem
da Universidade : e eu affirmo a V. A. que be muito necessario estar
tudo o que toqua a està Universidade debaixo de buma soo cabe9a que
doutra maneira sempre avera discordia de que se siguirà pouquo pro-
veito.» *
Este principio da dependencia dos Coliegios da Univerddade era
um dos problemas pedagogicos mais importantes do secolo' x^^i; resol-
veu-se diversamente em alguns paizes da Europa^ corno taeio de vi-
vificar o ensino nas Universidades, que tendiam a cair na estabilidade.
D. JoSo in, obedecendo &s sugestSes vagabundas com que legislava
sobre instrucySo, depois de ter determinado a independencia db Colle-
gio recti em 1547, submette-o em 1549 & in8pec9So supertor da Uni-
versidade, tornando «no^ óbstante a repugnancia da Universidadei^ a
conceder-Ihe completa independencia em 1557 j& sob o regimen dos
Jesuitas. A mesma instabilidade se dà com o Collegio dos Artes, in-
corporado na Universidade por carta de 5 de setembro de 1561, com
a acquiescencia dos Jesuitas, e pela provisSo de 1564 outra vez isento
da jarìsdic9So do reitor.
Como jà observàmos, o problema teve diffèrentes soluQcSes; em
Fran9a as Universidades absorveram os Coliegios, caminhando para o
desideratum da unifica^SLo do ensino que veiu a realisar-se na Univer-
sidade franceza, mas apesar d'este vigor as Universidades estaciona-
ram ficando extranhas ao movimento scientifico do seculo xvii. Na
Inglaterra appareceu outra soln9So: os Coliegios conservaram a sua
absoluta independencia e mantiveram os seus bens livres, e regimen
disciplinar autonomo com uma tenacidade tal que esse systema ainda
1 Aich. nac, Corpo chronologicoj P. i, ma^o 76, doc. 51. Ap. Instituto, de Coim-
bra, voi. xxxvui, p. 625, no estudo do Dr. A. J. Teixeira, Preatitos e Procièsoes da
Universidade.
592 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
persiste actaalmente; nem por isso as Universidades ioglezas se trans-
formaram tornando parte na renova9So seientifica provocada pelas syn-
theses baconìana e cartesiana. Yé-se portante que ha urna causa mais
profonda que em tSo diversas condi^Ses produziu a^mesma estabili-
dade. Como poderia a Universidade de Ccnmbra, quer mantivesse uma
direc92k) piena sobre os Collegios, ou sob à preponderancia dos Jesui-
tas, em que ficou desde 1555, resistir a està causa tSo poderosa de
retrocesso, que esterilisava outras corporaySes mais fortes? Os Jesui-
tas ficaram com a responsabilidade de uma decadencia, a que elles
mesmos foram fatalmente arrastados. Verdadeiramente a historia intel-
lectual das Universidades termina no meado do seculo xvi; d'ahi em
diante sSo um corpo morto que fluctua. A Universidade de Coimbra
acompanha as vicissitudes politicas da nacionalidade, subsistindo in-
tellectualmente & sombra da sua tradÌ9So: stai rruigni nominis umbra.
FDf DO TOMO I
INDICE
PÀO.
PEELIMINAR VH
INTBODUCQAO.— A fandagfio das Unlversidades e a disBolxiQEo do
reglmen oatholioo-fendal:
Caracter da Civilisa^do occidental.— 0 qne foi a Edade mèdia: Conatitui^ào
doB Poderes em que assenta o regimen catholico-feudal. — O qne cara-
cterìsa a Edade moderna: Dissoln^So d'esse regimen. — 0 Poder espiri*
tual da Synthese theologica decae : a descoberta da Logica de Aristote-
les. — A descoberta das Pandectas e o estabelecimento da Dictadara tem-
poial. — A crìse do seculo xux: aspecto da primeira BenaBcen9a. — A Re-
vola9So occidental no seu aspecto intellectual toma o caracter metaphy-
sico dos Ontologistas. — ^A crea^So das Universidades corresponde a està
crìse intellectual; ficaram na Europa comò centro de especula^&o meta-
physica, embara^ando a constitui^ào do novo Poder espirìtual da Scien-
cia e o predominio da Synthese positiva 1
PRIMEIRA ÈPOCA
(SECULO ZIXI A XV)
FUNDAgÀO DA UNIVERSIDADE EM LISBOA,
E SEUS ANTECEDENTES PEDAGOGICOS
CAPITULO I.— O Enslno das OoUegladas:
A tradi^So religiosa das Escholas episcopaes e abbaciaes : CoUegia compita-
mia e CoUegia sodaliiia. — 0 Cabiscol, Chantre, Mestre-Eschola e Mózi-
nhos. — A Eschola episcopal de Coimbra (1086); o Collegio dos Santos
Paulo, Eloy e Clemente (1266); a Eschola abbacial de Alcoba^a (1269);
Conezia magistral da Collegiada de GuimarSes. — 0 que se ensinava nas
Escholas das Colle^das. — Os Clerici^ e os Bachdeur (bas chevalier). —
0 cnsino orai e o Lente. — Desprezo pelas Artes liberaes e seu restabe-
lecimeuto pelos Pontifices. — 0 Trivium e Quadrivium. — Ab Escholas de
Rhetorica, Dialectica e Philosophia comò prìmeiro rudimento das Uni-
versidades. — A licenciatura e a faculdade ubique docendù — Bibliothecas
dos Bispos e Cabidos do seculo xxu e ziy em PortugaL 27
BIST. UK. 38
594 HISTORU DA UNIVERSIDADE DE GOIMBRA
PAG.
CAPITULO n.— O Estndo Geral em Lisboa e a faooldade Ubiqxie do*
oendi (1288-1880):
EmancipaQ^o do theologismo no seculo xni e o grande interesse pelos estu-
dos homanìstas. — Bela^fio intima entre a Pedagogia e a Politica: As
Universidades seculares e o advento do Terceiro estado. — Influencia das
tradnc^oes arabes sobre a propagando dos estudos hamanistas. — A Ca-
thedraj germen de ama Universidade medieval ; a Schola, do tjpo juridico
e rhetorico de Roma e Constantinopla, reapparece pelo desenvolvìmento
da Cathedra em mn Estudo geral. — Ferver pelo estudo das Leis, e o en-
sino das Factddades permtUidas, — Prìmeira accep^io da palavra Univer»
eidade, dada à coUectividade dos Mestres e Estndantes. — Fórma da in-
corporanSo da classe escholar à maneira da Gnild ou das Irmandades
penìnsulares, d'onde a fnnc^ao do Eector e do Conciliano, — A investidara
do gr&o corno de peqaeno Cavalleiro (Basckdor) e a Birreta symbolo ro-
mano da manumissio. — Os papas coadjuvam centra vontade a funda^
das Universidades. — Nicol&o iv e as tres universidades de Montpellier,
Macerata e Lisboa sob o sen pontificado. — D. Diniz conhecc a necessi-
dade de fondar nm Estudo geral em Lisboa. — A lucta com o clero supe-
rior por causa das Jurisdic^es demora-o na realisa^o do seu pensa*
mento. — Representa^fto de varios Prioree e Abbades offerecendo para o
Estudo geral parte dos seus rendimentos. — D. Diniz acceita-os, e fnnda
antes de 1288 a Universidade em Lisboa. — Representa^So dos Priores e
Abbadiss a Nicolào rr pedindo a concessSo para a cedencia de parte dos
seus rendimentos. — Bulla de confirma^So. — A concessio do fóro eccle-
siastico aoB escholares, e lucta d'estes com os burguezes. — Influenda de
Affonso o Sabio em seu neto D. Diniz, e influxo da Universidade de Sa-
lamanca na crealo da de Lisboa. — O ensino da Theologia particulari-
sado &8 ordens dos Dominicanos e Franciscanos, representantes dos No-
minalistas e Bealistas. — Traslada^io da Universidade para Coimbra em
1307 ; reposta em Lisboa em 1338 ; outra vez transferida para Coimbra
em 1354; fìxa-se em Lisboa depois de 1377. — A Universidade obtem a
faculdade Ubique docendi em 1380. — Centralisa^ dos Estudos. 59
CAPITULO ni.— A Universidade sob a Diotadura monarchica (1384
a 1604):
Na desorienta^lU) metaphysica a disciplina social concentra-se na Dictadura
monarchica no seculo xv. — Ac^So dos Jurisconsultos, prevalecendo sobre
08 Ontologbtas. — D. JoSo i, definindo a dictadura monarchica, fixa a Uni-
versidade em Lisboa, em 1384, e invade a sua autonomia com a nomea-
^fto de um Preveder. — Factos analogos sob D. Afibnso v e D. Jofto n. —
Estado de angustia economica da Universidade, pela resistencia do clero
em contribuir conforme ordenava a bulla de 1411. — 0 Infante D. Henri-
que toma-se Protector da Universidade, por 1418, talvez pelas antigas
dependencias da Universidade com o Mestrado de Chrìsto, e pela resis-
tencia centra a absorp^ do Poder real.— 0 Estudo da Mathematica e
da Astronomia, ou a continua^ào do prìmóro par encyclopedico dos gre-
gos. — A doa9ao do InfEuitc D. Henrique, em 1431, de uma8 casas para
INDICE S95
PÀO.
88 aulaa da UinverBidade. — O eimmo da Theologia appareee aalarìado
desde 1400; dotado com doze marcos de prata annnaéB das rendas doe
duimoB do Mestrado de Christo na ilha da Madeira. — PeBsoal docente
em 1430. — Ob litigioB oom ob yìgarioB daB egrejaB annezadaB à Uxdv«r*
BÌdade proloxigam-Be até 1461. — Estado de ignorancia do clero portugaez,
attcBtado na bulla de 20 de dezembro de 1474. — Origem daB Conezias
magietraeB e doatoraes. — Ob EBtudanteB pobreB, Bob D. JoSo i e D. Doarte.
•—0 Infante D. Fedro reconhece a neccBBÌdade da funda^ doB Collegiot
jonto da Univenidade, à maneira de Oxonia e Paris. — Natureza d'estes
CollegioB. — 0 Infante D. Fedro projecta em 1446 a fonda^ào em Coim-
bra de urna UniverBidade de Leis, CanoneB, Theologia e Artee, dotada
pelaB rendaB da egr^a de S. Thiago de Almalaguez. — D. AffonBO y^por
proTÌB2o de 1450, pretendeu tornar efieetiva a creando da nova Univer-
Bidade de Coimbra. — O coUeetwn (colheita) ou talha naB EscholaB medie-
vaeB. — Ob Estudantes pobreB de S. Nicolào, Cofodarea, MartintU, So-
pietas e ob Goliardos. — Institui^io do Collegio do Doutor Mangancha para
EBcholarcB pobres, em 1448 — ConcluBÒeB defendìdas pelo Doutor ìian-
gancha, em Pisa, diante de EneaB Sylvius, em 1437. — Estatutos feitos pela
Univeraidade em 1431. — D. Affonso v, por alvarà de 1471, estabelece nm
novo Begimento ou Estatuto para a Uniyersidade. — A coeziBtencia dos
doÌB ReitoreB. — 0 pedido dos Povos nas cortes de Vianna sobre ob estn-
dos da Nobreza. — 0 desenvolvimento dos estudos humanistas no seculo zv
e a Arte nova, — Os tres aspectOB do Humanismo: italiano (Angelo Foli-
ciano e Cataldo Sìculo) ; germanico (Clenardo); efrancez (os €k)uyéaB). —
Ob Legistas tomam-se impotentes para resolverem o problema da reor-
ganisa^^o do Poder temperai. — Oe Ontologistas ou MetapLysicoB absor-
vem-se na erudifào clasBica, e reapparecem dirigindo comò humanifltaB e
seculo zvx 125
CAFITULO IV. — Ab Livrarias mannsoriptais do seoalo XV e a des*
ooberta da Imprensa :
Ab LrvrariaB das Collegiadas e episcopaes succedem-se as magnificas Livra*
rias dos reìs e principes. — A opulencia das copias e illuminuras e exag-
gera^ào dos pre906 dos livros manuscrìptOB. — Caracter historico e litte*
rario das Livrarias principescas do seculo zt. — As bibliothecas princi-
pescas abundam em traduc^oes. — Os livros destinados ao uso pnblico, ou
Eìncadeadoa. — Cine de Pistoia e Bartholo. — livros facultados pelo Mu«
nidpio de Lisboa para a consulta publica. — Encadeados da Universi-
dade. — 0 Corpo das Leiz deizado pelo Doutor Fedro Nunes ao Municipio
e emprestado aos escholares. — O costume dos EncadeadoB da Livraria
dos mongCB do Pa^o de Sousa. — Os livros probibidos eram tambem enca-
deados para se nSo poderem abrir. — A descoberta da Imprensa coadjuva
o ferver dos Humanistas pela antiguidade classica, e faz esquecer ou des*
prezar as obras poeticas e historìcas das Litteraturas da Edade mèdia. —
Causa da ruina e desmembra^fto das Livrarias principescas.— Recons trac-
9S0 da Livraria do rei Dom Joao I, que se divide pelos seus filhos. — Li»
vraria do rei Dom Duarte, conhecida pelo Catalogo dos seu^-lwroa de uso,
d8#
596 HISTORIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBHA
PAG.
— De8crip9ào dos prìncipaes livros d'està Bibliotheca. — A Livraria do In-
fante Dom Fernando; seu caracter mjBtico. — A Livraria do Condestavd
de Portugal, D. Fedro, que foi rei de Aragao. — 0 Bea inventario officiai
em aragonez. — A Livraria de Dom Affonso V, reconstruida pelaB referen-
cias do chronista Azurara. — Comparalo com as Livrarias celebres da
Rainha Isabel a Catholica, do Prìncipe de Viana e do Duque Filippe
Sforza. — Ontras bibliothecas particalares do secolo xv, de que ha noti*
eia: Livraria do Douior Mangancha^ de Joào Vatques, de D. Vasco Per»
digào, bispo de Evora. — Os eruditos desprezam a Litteratora da Edade
mèdia, prevalecendo a erudi^So classica desde o firn do seculo tv. — A
quebra da solidariedade e continuidade bistorìca toma mais diffidi a so-
In^io da crìse da reorganisa^So do poder espirìtual. — A descoberta da
Polvora e da Imprensa tomam systematica a grande crìse 191
SEGUNDA ÈPOCA
(SSOULOS ZVI E ZVU)
A UNIVERSIDADE SOB A INFLUENCIA DA RENASCENgA
E DA REACgÀO CONTRA 0 PROTESTANTISMO
sEogÀo 1."
O Hnmanismo firanoez attuando na Renasoenga em Portugal
(1604-1655)
CAPITULO I. — A orlse peda^gioa na Europa determinada pela Re-
nasoenga:
Fórma sistematica da dissolutilo do regimen catholico-feudal nos tres seculos
zYi, zvii e zvui. — A revolu^So religiosa sob os sens tres aspectos : Lvihe-
raniimo (dissolu^So da disciplina); Calvinismo (dissolu^So da hierarchia);
Soeinismo (dis8ola9ao do dogma). — ^A revolu^So politica nos seus tres as-
pectoB de: Soberania nacional (BevoiU9So dos Paizes Baixos); Egualdade
(Bevolu^So da Inglaterra); Liberdade pclitioa (Revolu^&o franceza).—
N'esta grande crise estabelece-se urna reac9So da parte do regimen ca-
tholico-feudal : Concentra92o do Poder temporal, e a Theoria da Monar*
chia universal. — Tentativa de restaurammo do Poder espirìtual e do Po-
der theocratico: Inquisi^fto e Companhia de Jesus. — Allianfa dos dois
Poderes para se sustentarem: Autos de Fé, Saint-Bartbélemy, Revoga-
9&0 do Edito de Nantes. — ^Yicissitndes dos Estudos humamstas entre està
corrente de dissolu^So e de reac^o.-— O saber medieval, auctorìtario, li-
yresco e interpretativo persiste nas Universidades no prìmeiro quartel
do seculo XVI. — Descredito d'esse saber : Erasmo e o Elogio da Louaura;
de Hutten e as Epistokte obscurorum Virorum; Rabelais e a satyra de
Gargantua. Protestos de Vives oontra a persistencia da velha Dialeetica.
— O saber da Renascenfa, individuai, ezperìmentalista e de Livre esame,
-r— Renova^fto do estudo do Orego, do Latim e do Hebraico: Erasmo e o
esplcndor do. Collegio Trilingue.— Bndé cria o prìmeiro nucleo do Colle-
INDICE 597
PAG.
gio de Fran^ novo tjpo pedagogico da Irutruc^ào superior liberta do
molde quadiivial das Universidades. — Os Humanistas entre a reac^ào ea-
tholica e o Protestantismo. — Os Jesaitas desenyolvem o typo da Inslrue-
fào secundariaé — Os Protestantes proseguem na tradi^&o christS e fun-
dam a lustrucgào primaria ou popular. — Os Experimentalistas iniciam a
fórma Polytechnica ou especial da Instrucgào superior. — Os grandes pe-
dagogistas praticos : os Qouvéas. — As Universidades libertam-se da tra-
di^So medieval, mas tomam a cahir sob a inanidade dialectica pela di-
rec9&o dos Jesuitas 247
CAPITULO U. — Os Estatutos mannelinoa e a persistenoia do Soho-
lastioismo (1504-1521):
Às descobertas portuguezas e o aspecto geral do reinado de D. Manuel. — A
edifica9ào das Escholas Geraes. — Organìsa9lU> dos Estatutos de 1504.^ —
Porque se nSo desenvolvem os estudos humanistas? — Leis contra os Ju-
deus e eztinc^ào da l^pographia bebraica. — Decadencia da Litteratura
grega. — O Doutor Diogo de Gouvéa chamado de Paris para a reforma dos
Estudos em Lisboa. — ^Recrudescencia do Nominalismo. — Funda^o do Col-
legio de S. Thomaz, em 1517. — Influencia de Joao Celaya em Paris. — Joào
Ribeiro substitue Celaya na defeza da Scholastica. — D. Francisco de
Mello e 08 estudos matbematicos. — A abertura dos Estudos em dia de
S. Lucas. — ^A Orando de Sapientia pelos lentes de Artes. — André de Re-
sende. — ^Escholas particulares de Grammatica, no bairro das Escbolas. —
A Arte nova. — Respostas às duvidas dos Escholares. — 0 Vejamen ou
Actus gaUicua na Llnivcrsidade de Lisboa. — Sa de Miranda lente substi-
tuto ; porque nào prosegue no magisterio. — Projecto de funda^ao de urna
Universidade em Evora sob D. Manuel (1520). — Diogo de Gouvéa pre-
tende adquirir o Collegio de Santa Barbara para os Estudantes de Ei-
rei.— ^Tabula legentium do primeiro quartel do seculo xvi 289
CAPITULO III.— Os Humanistas e a reforma da Uziiversidade (1521-
1537):
0 duplo trabalho dos Humanistas no seculo xvi, litlerario e scientifico, actua
na roforma das Universidades na Renascen^a. — Os Humanistas promo-
vem em Portugal as reformas pedagogicas de D. Jo£o ni. — Contraste da
diminuta in8truc92o do monarcha com os grandes e8for90s para a renova-
9^0 da Instruc^ào publica. — A reputaQao dos sabios e pbilologos portu-
guezes nas Universidades de Paris, Salamanca, Padua e Louvain. — D.
Jo&o ui declara-se Protector da Universidade, e procura realisar as as-
pira^oes dos sabios portuguezes no estrangeiro. — 0 Doutor Diogo de Gou-
véa, com o auxilio de D. Jo&o iii, obtem o Collegio de Santa Barbara e
cincoenta bolsas para os Estudantes de El-rei. — A peste de 1525 ; a Uni-
versidade representa para ser encerrada. — Resolu^ào do Conselho de 16
de dezembro de 1525 para que se nào confundam os methodos da Arte
de Pastrana com a de Nebrixa, — Ordena-se a construc^^ de dois Colle-
gios, de Santo Agostinho e S. Joào Baptista, junto ao Mosteiro de Santa
Cruz de Coimbra. — Reformas emprehendidas no Mosteiro de Santa Cruz
598 HISTOtUA DA UNnfeR^DADÈ DE GOIMBRA
PAO.
por Frei Bras de Banros, oomo preliminares para a reforma da Univer-
sidade. — ^Dota^&o da Uniyerùdade com as rendas do Priorado-mór de
Santa Cruz. — 0 Doutor Garcia d'Orta entra no magisterio. — ^Devaasa de
1532 Bobre as irregularìdades praticadas no proyimento dae cadeiras. —
Pensamento da mudan9a da Universidade implicito na clausnla: Emquanto
0 Eitudo nào mudar, — ^Bepresenta^fto da Camara de Coimbra, pedindo
para ser sède da Universidade; respoata de D. Joao m, em carta de 9 de
jnnho de 1533. — ^Nas cortes de Torres Koyas, de 1535, Evora reclama
para si a Universidade. — 0 arcebispo de Braga pede para trasladar-se a
Universidade para a cidade de Braga ou para o Porto. — Os lentes da
Universidade, receando que o Estudo seja mndado de Lisboa, represen*
tam em 14 de dezembro para fimdar-se urna nova Universidade. — In-
fluencia de Jo&o Luiz Vives e do sen livro De Disdplinis, dedicado a D.
Jo&o III em 1531, sobre a reforma dos Estudos em Portngal. — ^Bela^òes
de Erasmo com André de Besende e Damiio de Goes. — D. Joio m en-
carrega a Dami&o de Gk)es, em 1533, de convidar Erasmo para a Univer*
sidade portugueza. — D. Damiio é encarregado em 1535 de oontractar len-
tes para a Universidade. — Abundancia de mestres de Artes em Paiis.-^
Carta de D. JoSo ni, de 8 de novembro de 1535, a Frei Braz de Barros,
sobre os mestres francezes. — Por carta de 11 de mar90 é organisado em
Coimbra o Corso de Artes. — ^0 Doutor Garcia d'Orta deixa a Universi-
dade em 1534, aoompanhando para a India Martim Affonso de Soosa. —
0 Doutor Pedro Kunes. — ^Portuguezes illustres que ensinam em Sala*
manca oa ali se graduaram. — A córte portugueza acompanha o ferver ho*
manista. — Ajres Barbosa chamado a Portngal em 1521 para dirigir a
educasse dos infantes D. Afionso e D. Henrique. — André de Besende cha-
mado a Portngal em 1534 para a educa^ do infante D. Duarte. — Nico-
Ido Clenardo e sua influencia na córte. — Carta de Clenaido, de 26 de
mar^ de 1535, em que descreve os costumes e praticas pedagogicas em
Portngal. — A eleÌ9ao dos lentes. — O Ludua ou a Eschola seeundaria. —
A cultura exdusiva da memoria. — ^A Arte de LaUm por D. Maximo de
Scusa, 1535, prevalece no ensino até 1555. — A Grammatica de Clenardo,
de 1538. — Mudan^a da Universidade de Lisboa para Coimbra em mar^
de 1537.-- Sèrie dos Reitores da Universidade de Liisboa até 1537 383
CAPITULO IV.--A Livraria da Universidade no aeoolo XVI (1612-
1541):
0 espirìto do Scholasticìsmo conservado nas obras que compòem a Bibliotheca
da Universidade. — 0 legado do Doutor Diego Lopes, de 1513, compoe-se
de cinquenta e nove volumes, deizados à Universidade. — Ezame d'esses
Livros. — Liventario dos Livros da Bibliotheca da Universidade de Lis-
boa, segnndo um Catalogo de 1534. — Livros de Direito canonico, de Theo-
logia e Medicina enviados para Coimbra. — Exame bibiiographico d'essaa
obras. — 0 novo espirito da Renascen^a em uma Livraria scientifica fÓra
da Universidade. — A Livraria do Doutor Garcia d'Orta (1534 a 1564). —
A reac9So catholica cometa pela censura dos Livros, em Portngal. — Car-
tas do cardeal infiante a Damifto de Goes sobre a censura dos Livros. —
INDICE 599
PAO.
Indice espurgatorio organisado por Alvaro Gomes.— OutroB Indicea ex-
purgatorìoB do sedilo xvi ^^ •
CAPITULO V.— Mndaaga da Universidade para CtoimTira (1637-1548):
A organisa^Jo da Universidade em Coimbra em 1537 seria urna simples mu-
dan9a ou urna nova funda^So? — Condi^Ses em que é feita a reforma da
Universidade.— Estado moral da córte de D. JoSo m reveiado nas Instmc-
j5e8 dadas ao nuncio Capodiferro.— Parte das aulas da Universidade (Theo-
logia, Linguas latina e grega, Artes e Medicina) ficam até 1544 nos Col-
legios de Santa Cruz; outra parte (Direito civil e canonico, Mathematica,
Bhetorìca e Musica) nas casas de D. Garda de Almeida, à Porta de Bel-
conce. — ^Passam os estudos para os pa^os reaes, na cidade alta, que ficara
denominados Pa^os das Eacholos.—Oa Priores de Santa Cruz recebem a
dignidade de Cancellarìos da Universidade.— Corpo docente convidado
por D. JoSo in para a Universidade de Coimbra.— 0 governo de D. Agos-
tinho Ribeiro, reitor durante ciuco annos. — Periodo brilhante da reitoria
de Frei Diogo de Mur^a, de 1543 a 1654.— Reflexo dos estudos de Lou-
vain em Coimbra. — Ac^So de Frei Braz de Barros, doutor por Louvain,
na reorganisa^So da Universidade de Coimbra. — Florescencia dos estu-
dos secundarios nos Collegios de Santa Cruz. — Os Mousinhos, ou creados
do Prior geral de Santa Cruz. — Necessidade de promover o ensino de
Grammatica da primeira regra. — ^Mudan^ do anno escholar do dia de
8am Lncas (15 de outubro) para o de Som Remigio (1 » de outubro). — •
Numero total dos alumnos que frequentavam a Universidade em 1540.—
Garantias para os que se vào ^aduar a Coimbra. — 0 Doutor Aspilcueta
Navarro. — Disposi^oes legislativas sobre os methodos de ensino das Leis
e Canones. — Li^oes apontadas segundo o que se costumava em Sala*
manca. — Quadro das cadeiras das differentes faculdades, e distribuii
do servilo pelas cadeiras grandes e cathedrilhas. — ^Rendimento da Uni»
versidade elevado a 6:50011000 réis.— Apropria^So das rendas do Prio-
rado-mór. — Costumes escholares : Musicas, invectivas, cartas, trovas de
mal dizer, soi^as. — Os Estudantes pohrea e as Bagoes cuhertas. — As céas
dos ezames privados, e confronto com os estylos de Salamanca. — ^Entrada
dos Jesuitas em Coimbra, sua allicia^So dos estndantes, e hallucina^So
que provocam na cidade. — Carta do padre Hermes Poen, de 31 de julho
de 1545. — Funda9ao do Collegio das Artes, e ac^So preponderante do pa-
dre SimSo Rodrigues. — Os Jesuitas procuram apoderar-se do ensino. . . , 449
CAPITULO VI.— O Collegio real e a fondagSo de novos Collegiofl
Junto da Universidade (1647-1655)
Transforma^Ao da Faculdade de Artes, reduzida a ensino secundario ou me-
dio.— 0 Collegio real, de Francisco i, ou Collegio de Franga, toma-se o
tjpo de urna Faculdade philologica superior. — D. JoSo m funda o Cotte*
già real em Coimbra, para se lérem Artes, Mathematica, Rhetorica, Hu-
manidades e Linguas. — £ chamado de Bordéos Mestre André de G^uvéa
com um corpo docente para a nova fiinda^ao. — O mosteiro de Santa Cruz
empresta os dois Collegios de S. Miguel e Todos os Santos para n'elle^