HISTORIA
DE
PORTUGAL
RESTAURADO.
PARTE SEGUNDA,
TOMO IV.
7tnJòr>;^/os* c/q. //hòo /c/y/or.
X//.y<j (T,
HISTORIA
PORTUGAL
RESTAURADO,
EM QUE SE DA< NOTICIA DAS MAIS GLORIOSAS
acções aííim politicas , como militares, que obrarão os Portu-
guezes na reílauraçaõ de Portugal , defde o armo de
166*. até ao anno de 1668.
E S C R 11 A POR
D.LUIZ DE MENEZES,
CONDE DA ERICEIRA, DO CONSELHO DE ESTADO
de Sua Mageítade , feu Vedor da Fazenda , e Go-
vernador das Armas da Provincia de Traz
os Montes , &c.
PARTE SEGUNDA,
Terceira vez imprejja , e emendada.
TOMO IV.
LISBOA:
Nà Qffic. de IGNACIO NOGUEIRA XISTO,
Anno de M.DCC.LIX.
Com todas as licenças necetfarhs*
g^affi ^Í*$* $*$$£ fê^n&t £WTc : V%^3?V í^iss^
■
LICENÇAS.
DOSANTO OFFICIO.
PO'de-fe reimprimir o livro, de que fe faz
menção ; e depois voltará confei ido pa-
ra fe dar licença que corra , feiii a qual nao
correrá. Lisboa , no Paço de Palhavan, i$. de
Março de 1759,
. S/Ãw. Trigo/o, Silveira Lobe.
DO ORDINÁRIO.
PO'de-fe reimprimir o livro, de que fe tra-
ta 5 e depois de reimpreflo , e conferido
torne. Lisboa, 5. de Abril de 1759.
P*JoJe$h Avceb. de LaceAemonia.
■
DO
DO PA ao.
Ue fepofía reimprimir, vidas as licen-
ças do Santo OfTicio , e Ordinário , é
depois de impreffo tornará á Mefa pa-
ra fe conferir, taxar, e dar licença para que
corra, e fem iflò naS correrá. Lisboa, j. de
Mayo de 1759*
Carvalho. Emaus. D.Velho. Siqueira.
Do Santo Officio*
POfde correr. Lisboa, no Paço dePalhavanJ
i8» de Setembro de 1759.
Silva, Trigofo. Silveiro Lobo. Mello*
Do Ordinário.
POcde correr. Lisboa i 26, de Setembro de,
1759-
D. J. Arceb. de Lacedemonia,
Do Paço.
Ue poflaô correr, e táxaõ em quinhentos
reis cada Tomo. Lisboa , 27. de Setembro
de 175-9.
Com duas Rubricas-
PRO-
-
PROTESTAÇÃO.
Author deíca obra protefta , que tu-
do , o que eftá nella efcrito , fujei-
ca á cenfura da Santa Igreja Catho-
lica Romana , e fe conforma com os
Decretos dosSummosPontifíces , e em efpe-
ciai com os de Urbano VIII. de 13. de Janeiro
de ifoj.approvados tmi$. dejunho de 16 54
e a modificação feita pelo mefmo Pontífice em
5. dejunho de 1651. :eque noã he a fua ten-
ção que algumas matérias, que contém eira
Hiitoria , que pareção milagres , ou íuccéf-
fos fbbrenaturaes , tenbSo mais credito, ou
authoridade, queaquella, que merece a no-
ticia, que alcançou deites fuccéflbs, como
Hiitoria humana.
O Conde da Ericeira.
HIS-
fi
Pag. i
HISTORIA
D E
PORTUGAL
RESTAURADO.
LI V RO VIL
1662,
SUMMARIO,
EFORC,j4 D. Joaõ de Auftria o ^nnQ
exercito, remia a fortificação de Ge
rumenha , e marcha a Feires : entra
no lugar , vra o Cafteilo% pa(fa a
Monforte , que Je lhe entrega , deixa
a Villa prejttiiada ', chega ao Crato ,
e porque intenta refijíir4be , t:ao
tendo defenía, condemna d morte o Governador ,
e enforca o Sargento Maior : continua a ?narcha
por Alter-Poderofo , manda voar o Ca fi tilo: en-
trega-fe-lhe o AJJumar \, e Ouguella, cujo Gover-
nador | por fer a Praça fortificada , padece o
A caftigo
2 PORTUGAL RESTAURADO ;
Anno cafligo da pua infâmia. Retira-fe D.JoaÔde Auf»
1662» fr*a Para Badajoz > fem achar (ppofiçao nos/eus
% progrejj os .Chegaõ a Lisboa os joccorros de Infanta»
rias e Cav aliaria de Inglaterra. O Marquez de Ma-
rialva confegue licença para voltar d Corte y fica en»
pregue o governo ao Conde de Sc homb erg, que breve
rfíerte paffou também a Lisboa \e fucc cdelhe no g over*
no das Ar mas o General da Anilharia Dmiz de Mel-
lo de Ca flro,ep afloro Côde de Mefquitella a Alentejo
(com titulo de Governa lor das Armasunterprendem os
CaftelbanoS\Sottfel,mas Jew effeiíoye o Conde de Mej-
quitella volta aJLisboa^onde morre, ficando o gçveyjm
outra vez entregue a Diniz de Mello.Sabe ení Cam-
panha o Conde do Prado, primeiro que o exercito dê
Caflella, que com pouca dilação entrou na Provinda
de Entre lòhuro^e Mwhosgovernado por p.Bahbafar
de Roxas Pantojai imputa fiti ar Valença , impede-o
o no ffo exercito ^ e da mefma forte todos, ás progreffos
daquella Campanha , pelejando quafi todos es dias; e
depois de glor tojos fuccefjos je retira D- B ai bojar
com ó~ exercito qmfi deibarmada. Na Provinda de
Trás os Montes governa oT errante General Dmivgos
da Ponte Gallegofem acçaõ digna de memoria,0} dous
Partidos da Beira je unem 'àa Conde deVtU^-Flor\
entra nellei o Duque de O [juna com o exert o de Cn~
flella , começa akvantar hum Forte em > ÈfcalheÓ*
Sabe o Conde de VMa-Flor em Campanha^ e pbrigâ-Q
a fe retirar : aperfeiçoa , e guarnece o Forte, recupe-
ra-o o Duque p->r trato: torna a ganhallo o Conde de
VMa-Flor com baterias, e aprocèes* Chega a Lisboa
a Armada de itspjat errarem bar ca je a Rainha e par-,
te para aquelle Rey o D termina a Rainha Regente
entregar o governa a El Rey feu fHbo,manda prender
António de Conte ,feu irmão, e outras pejjoas indi-
gnas^ que ajpftiaÔ a EIRey : vários difcurjosjobre
ejla
P^RTE II. LirRO Vil, |
eflarejoluçaÓ'. rejohe-fe EIRey a tomar ogm&r* Ant]§
tio. Succéjjos das Embaixadas* Entra a Rainha j ^^ ,
de Inglaterra em Londres com grande appíaufo ,
e magnificas jejlas. Noticia da guerra das Qonqui*
lias.
EM quanto fe pafsavaõ eftes militares movi*
mentos , . difpunha com prompta diligencia
D. Joaõ de Auítria a ruinha dos lugares aber-
tos , que iicavaõ menos diílantes de Gerume-
nha , folicitando com força , e induftria ác-
çrefcentar ao domínio d' EIRey leu pay o maior nume-
ro de vafsallos Portuguezes , que lhe fofse poífível i pa-
ra que o exemplo facilitalse a inclinação dos outros Po-
vos , que iicavaõ mais diítantes. Nove dias fe deteve Reforça Bom
em Gerumenha depois de rendida ; e a vinte e três de Jofi de a»*
Julho poz o exercito em marcha , deixando por Gover-A'*4 VJ^
nador da Praça ao Meílre de Campo D. Fernando àQ ^tificafa-0 jt
Efcovedo , Cavalleiro da Ordem de S. João , com oito- Gerumtnha, e
centos Infantes , e trinta cavallos , e todo o dinheiro, marcha a v»-
e prevê nçoens necefsarias para reedificar as muralhas, ros'
e ruina das calas da Villa. O primeiro alojamento, que
occupou o exercito , Foi íobre a Ribeira de Afseca , hu-
ma legoa de Villa-Viçofa , e diminuído com as mor-
tes , doenças , e feridas , naõ pafsava de oito mil In-
fantes, e quatro mil cavallos. A noticia deíle movi-
mento obrigou ao Marquez a mandar unir ao exercito
todas as tropas das guarniçoens vizinhas. Chamou a
Conlelho , e entre tantos votos , como haviaõ fegui-
do a opinião defedar a batalha ao exercito de Caltel-
la fortificado nas linhas de Gerumenha , houve poucos
que aconíelhafsem atacar-fe em Campanha livre, quando
o exercito inimigo fe via em grande parte diminuido ; .
fuccéfso , que deve acautelar aos Generaes nos accid ati-
tes públicos , quando faõ defordenados por afFedos par-
ticulares. Pafsaraõ os Caítelhanos aquella noite fem al-
gum defafsocego , e ao dia feguinte foraõ alojar á fon-
te dos Sapateiros; marcha, que poz ao Marquez em grã-
A * de
Armo
1662.
4 PORTUGAL RESTAURADO,
de cuidado , por ferem muitas as Praças , para que o ex-
ercito de Ca delia podia pender daquelle fitio» eneíla
conílderaçaõ defpedio gLuruiçoens ás Praças mais impor-
tantes , e com cinco mil Infantes , e dous mil e quinhen-
tos cavallos marchou para o quartel de Eítremoz , e dei-
xou em Villa-Viçofa dous Terços de Infantaria» Logo
que chegámos ao quartel , chamou o Marquez a Coníe-
lho , e fem controvertia concordarão todos os votos em
que fe fuíteiitafse aquelle poíto , por ler o mais impor-
tante de toda a Provinda.
Entranoiugar, Continuou D. Joaõ de Auítria a marcha , pafsou a
-voa o cafteiio \ Veiros , que fe lhe entregou fem reíiítencia; porque,
paffa a Monfjr. naõ fendo fentido das guardas , que eítavaõ avançadas,
MtriZ f' lhe entrou na ^illa '» 4ue he higar aberto , rendendo duas
Companhias de cavallos dos Çapitaens Ruy Pereira da
Silva, e Pedro Luiz Paim , levando a Ruy Pereira com
muitos foldados priíioneiros , e mandou voar o Caltel-
lo , e parte do Caítellejo. Deite lugar adiantou o ex-
ercito a Monforte , que governava António Álvaro Vel-
lez da Silveira Era a Villa de maiores confequencias,
que a de Veiros , emais capaz de defenfa com açuar-
niçaõ de duas Companhias de Iutantaria pagas , qua-
trocentos paizanos , © trinta cavallos: porém naõ ba-
ilando o bom fuccefso deferem rechaçados os primeiros
Deixa a vtiU Caftelhanos , que inveítirao as muralhas, prenderão os
prefidinda. paiZanos a António Álvaro, e o entregarão com a Vil-
la a D. Joaõ de Auítria. Pareceo-lhe conveniente deixai-
la guarnecida com duzentos Infantes, e hum batalhão
de Cavallaria , entregue o governo delia ao Tenente de
Meítre de Campo General D. Joaõ Braz. Oe Monforte
fe adiantarão os Caítelhanos a Alter do Cham , Cabeça
de Vide» e AlterPoderolo , e fem reíiítencia fe rende-
ChegaaoCratr, rd5 ?f padecendo toda a Campanha miferaveis eítragos:
\t7t}id?S\^^§^¥&- chegou O. Joaõ de Auítria á Villa do Cra-
nao tendi de'-to> que governava André de Azevedo de Vafconcellos,
fenfa, conchm- eítando á fita ordem todas as Villas, e Lugares fujei-
na k morte o t ao priorad0 fo Crato. Tinha occupado' o poíto de
Govemadory e . _, t1 - , í . _, ■ * r
enfare* o s«r- Capitão de cavallos com muito boa opinião , e era leu
lemo Mahr. Sargento Maior Gonfalo Gonfalves de Chaves. Con-
fiava
PARTE II. LIVRO VIL 5
ítava a guarnição de oitocentos Infantes Auxiliares, e Atino
Ordenanças, e intentando D. Joaó de Auílria que a
Villa fe rendefse fem refiítencia , lhe nao admittio An- IOÓ2.
dre de Azevedo a propoíla ; porém começando a jogar
a artilharia , íe atemorizarão os paizanos de forte, que
defam pararão as muralhas ; e quando alguns Clérigos,
e Religioíbs começa vaó a tratar das capitulaçoens , en-
trarão os Caftelhanos na Villa , e executarão nella ex-
torçoens exquifitas : e querendo D. Joaó de Auílria ate-
morizar com afeveridade , condemnou á morte a An-
dré de Azevedo, e ao Sargento Maior , por haverem
efperado as baterias da artilharia em hum lugar fem
defenía \ indigna ley da arte militar fazer culpado o
attributo do valor , obrigando-o á mefma pena , com
que o temor deve íer condemnado. André de Azeve-
do achou por interceisores vários Ofriciaes, quetinhao
fido prifioneiros na batalha de Elvas , a quem havia af-
liílido com urbanidade ; e o Sargento Maiorpadeceo
arcabuzeado , moítrando varonilmente , depois de mui-
tos actos Catholicos , delprezar a morte pela defenía
juíta da íua pátria. Ficou priíioneiro André de Azeve-
do, teve depois liberdade, e dignamente eílimaçaó da
fua conílancia. Acompanhou-o o Capitão de cavallos
Diogo Caldeira. Do Crato desfez D. joaó de Auílria a continua a
marcha por Alter-Poderofo , mandou voar o Caílello, marcha por Al-
rerideo-fe-lhe oAfsumar, chegou á villa de Alegre te,' erPfrcl°' é
- r /■-> n. > 1 r t-! ° 1 rrmnaa voar •
que governava La Coite valeroío Francez , e mandan- c^eii0í entre-
dc-lhe propor partidos, e fazer ameaços, lhe refpon-^/e/Â/ o aí-
deo generoiamente , que Sua Alteza era teílimunha òelun,ar > e °u'
como elle lhe havia defendido outras Praças; ecom^V'^
• r u_ /- ti • 1 r~ r , * . 1 i. fernaior , por
graciola confiança lhe enviou deus frafeos de vinho, di- r^apr*ça for-
zendo-lhe que vifse como eraóexcellentes os ô^quel- tifica^a padece
Ja Praça , e qu efe havia de defender até á ultima gotta ? '**'& daÍHa
delle; podendo tanto eíla galantaria , que continuou,w^,ww'
D. Joaó de Auílria a marcha fem lhe fazer damno , e
entrou em Ouguella fem reíiílencia pelo temor do Ca-
pitão Domingos de Ataide Mafcarenhas, que o gover-
nava; ecomo a culpa era taó grave, por fer a Praça ,
ainda que pequena, muito importante , tanto que Do-
A 3 nún^os
~nr
Retira fe D.
fifao nosfeus
progrejjos.
i
6 PORTUGAL RESTAURADO,
AnnO mingos de Ataíde chegou ao exercito , o mandou eh-.
ifúi forcar o Marquez de Marialva , a hum Capitão de In-
00i# fantaria, e a hum Ajudante» monitruoíb effeito dá guer-
ra defeníiva morrerem huns, porque pelejaõ; 'outros,
porque íè entregaò ; porém côm a diíferença da gloria,
ou infâmia poíthuma. D.joaõ de Auítria obrigado dó
rigor do Sol , que occaíionou no exercito enfermida-
des , OTetirou , e perdeo a opportuna occaliaõ de o
3oao díA<ijirla achar armado a mudança do governo da Rainha Re-
f*mJhií*ííp0. gente, occafionada da deliberação d'ElRey íeu filho ,
como em íeu lugar daremos noticia. Teve neíte tem-
po aviío Bartholomeu de Azevedo Coutinho, Gover-
nador de Portalegre , de que em Arronches le eíperava
hum comboi : mandou ao Commiisario geral Joaó do
Crato da Fonfeca com íeis Companhias , e encontra-
do o comboi , o tomou , pondo era fugida cento e vin-
te cavallos , que o conduziaõ , de que fez alguns pri-
íioneiros.
O Marquez de Marialva havia fupportado com gran-
de coração todos os fuccéfsos infelices deita Campa-
nha 5 e arrependido de naó aceitar o parecer dos que
lhe aconfelhavaô a diveríao de Albuquerque , os trata-
va com muita familiaridade , e prof efsava toda a boa,
correspondência rom o- Conde de Schomberg , reconhe-
cendo a grande eítimaçaõ , que merecia o íeu proce-
dimento. O Conde da Torre , de efpirito elevado , iu-
ítentava differente parecer na fciencia militar do Con-
de de Schomberg , leguido de vários Officiaes do ex-
ercito , e todos eítes accidentes ajudavao os progrefsos
dos Caítelhanos ; porque o exercito fe diminuia por
defattençoens, e deíbrdens , fugindo os foldados de ca-
vallo Auxiliares , ecrefcendo ás enfermidades nos Infan-
tes pelos imiteis trabalhos , em que os empregavaõ. Ne-
íta infelice deíbrdem fe achava o exercito , quando
D. João de Auítria íahio de Gerumeaha , e ao meímo
tempo da noticia da fua marcha recebeo o Marquez
de Marialva avizo de Lisboa de que EIRey D. Affon-
fo havia tomado pofse do governo do Reyno , afliíti-
do de pefsoas , com quem o Marquez nao profefsava al-
guma
,
PJRTE Ih L1VKO VIL 7
guma fociedade ; contra-tempo , que o obrigou a avs- ^ rir 0
liar totalmente por abatida a íua fortuna : porém naõ ss
moítrou com apparencia alguma , que o havia pertur- ° **
bado nem hum , nem outro golpe, e com incefsante
íliíVclo trabalhava por coriíervar o exercito > mas as
doenças creíciaó , o dinheiro faltava , a confuíaô da
Coute íe augmentava, com que os remédios íe dirfícul-
tavaô. Sérvio de alivio ao Marquez a. nova de have-
rem chegado ao porto dè Lisboa dous mil Infantes , e
fetecentos cavallos Inglezes, de que era Gabo o Con-
de deSchéquim , erleito da capitulação celebrada com
EIRey da Gram-Bretanha. DeíembarcaraÕ os Inglezes,
epafsaraõa Évora , e reprimio eíta noticia os progreí-
ibs deD.Joao de Auítna , de forte, que dividio o ex-
ercito pelos antigos alojamentos, edeípedio as carrua-
gens. Deo o Marquez de Marialva conta a EIRey s e
com ordem fua licenciou o exercito , e mandou adian-
tar as fortiíicaçoens de Eítremoz , Villa-Viçoia «, e Por-
talegre , para cujas guarniçoens fe levantarão dous Ter-
ços novos , os mais íe reencheraõ , e fe remontou a
Cavallaria , entendendo-fe, que D. Joaõ de Auítria tor-
naria a fahir em Campanha o Outono feguinte ; porém
como o animo do Marquez fe achava defafsocegado na
mudança do governo, qualquer dia, que fe lhe dila-
tava chegar á Corte , tinha porarrifeado , livrando no
poder da fua aíliftencia a melhora da fua fortuna , que
naõ neceííitava de mais fiadores, que os feus mereci-
mentos; por naõ fer precita neíle tempo alua aíliílen-
cia no Alentejo , por fe aquartelarem os exércitos, coít-
feguio licença , e pai tio para Lisboa. Quafi nos meí-
mos dias fez o Conde da Torre a mefma jornada, e
ficou entregue o governo ao Conde deSchomberg,que
mal latisfeito dosfuccéfsos daçuella Campanha, e obri-
gado de varias queixas , havia feito em Villa-Viçofa dei-
xaçaõ do PqftO de Meftre de Campo General , que tor-
nou a continuar obrigado das perfuafoens da Rainha;
porém com protefto de fe lhe naõ faltar ao que com
elle fe capitulara , que fora adiantallo ao Poflo de Go-
vernador das Armas , fahindo o Conde de Atouguia por
A 4 qual-
~w
Anrio
1.66 2.
âJ~
"'■
Sitccede lhe no
ipvtrno das Ar-
mas o General
da Artilharia
Diniz, de Mello
ie Cafire.
% PORTUGAL RESTAURADO,
qualquer accidente daquella occupaçaõ , em que eftavá,
quando a juftara com o Conde de Soure paisar a Portu-
gal. Partido o Marquez , mandou o Conde de Schom-
berg , que incefsantemente aíTiítifsem partidas, mudan-
do-fe humas a outras , fobre as Praças de Badajoz , Oli-
vença , e Albuquerque ; e foi taõ útil efte cuidado ,
que íe delvaneceo o intento de D. Joaõ de Auftria in-
terprender huma noite Villa-Viçoia,facilitand'o-lhe efte
intento o Meílre de Campo Digo Leite de Amaral , que
pelo vil preço de dobro 3 as havia faerificado o leu cre-
dito á conveniência dos inimigos da Pátria- Defcobrio-
fe o trato por huma partida , que fe tomou , com ou-
tras evidencias , que fe manifeftaraó : mandou o Con-
de deSchomberg prender Diogo Leite, remeteo-o a
Lisboa , e depois de larga prizaò , foi defterrado para
a índia, onde acabou a vida com menos caftigo , que
merecia o feu delicio.
Na entrada do Inverno teve o Conde de Schomberg
licença para pafsar a Lisboa : ficou governando Alen-
tejo Diniz de Mello de Caftro, novamente oceupado
em o Poílo de General da Artilharia, por haver pafsa-
do Pedro Jáques de Magalhaens a Meltre de Campo Ge-
neral da Provinda da Beira. Merecia Diniz de Mello
efte , e qualquer outro acerefeentamento pelo grande
valor , com que havia procedido em todos os Poílos »
que exercitara do principio da guerra até aquelle tem-
po , fendo o mais evidente íinal do feu merecimento
naõ haver no exercito Oíliciaes queixofos da fua oceu-
paçaõY Poucos dias governou a Provinda fem fuperior,
pela nomeação, que EIRey fez no Conde de Mef quitei-
la de Governador das Armas da Provinda de Alentejo
com fobordinaçaõ ao Marquez de Marialva , fe acafo
voltafse a ella ; côr , que fe pertendeo dar a efta novi-
dade , por diflimular o efcandalo da eítranheza , que íe
ufava com o Marquez de Marialva , cuja^ authoridade,
e procedimento naõ mereciaò òfienías publicas: porém
prevaleceo nefta occaíiaõ odefejo dcfelegurar ono»
vo governo , entrega ndo-fe as occupaçcens maiores
ás pefsoas , que fe julga vaõ menos dependeates dos
bene-
FARTE II LIVRO VIL 9
benefícios da Rainha 5 e corno o Conde de Schomberg Anno
também era prejudicado na eleição do Conde de Mel- • •_
quitella pela pertençaõ ali ma referida , nac querendo AOD*'
paísar a Alentejo lem novo ajuílamento , ficou em Lis^-
boa exercitando a occupaçaõ de Confelheiro de Guerra.
O Conde de Mefquitella, deixando o governo das yd* Mejquueiu
Armas da Provincia de Trás os Montes , pafsou a K\&i- a AUniejo com
tejo com enganofa confiança deajuílar facilmente te- o timte de Go.
dos os defeoncertos daquella Provincia, occaiionados das v"™£er das
infelicidades da próxima Campanha. Chegou a Eílre- '""''■>
moz , e com poucos dias de aíliílencia teve noticia , de
que os Caftelhanos marchavao de Arronches para Sou- 'f^/W
zel, Villa diílante duaslegoas de Eílremoz , lem mais Sotlzei[mis [tm
defenfa , que hum mal reparado Caltdlo governado pe- (fieito,
lo Capitão de cavallos D.Rafael de Aux valerolo Ca-
talão, fervindo o Caílello de alojamento a três Com-
panhias de cavallos. Com o primeiro avizo mandou o
Conde marchar duzentos cavallos á ordem do lenente
General Joaõ* da Silva de Soula , e fez com grande di-
ligencia avizo a todos os quartéis vilinhos , para que
fe fofse encorp orando com Joaõ da Silva maior trolso
de Cavallaria. Antes que os Caítelhanos chegafsem de
Souzel , foraõ fen tidos , e tiveraõ tempo D. Rafael , D.
Pedro Centelhas, Capitão reformado , também Catalão,
os Capitaens Manoel Luiz Cardofo, e Joaõ da Coíta,de
fe recolherem ao Caílello com alguns Otriciaes , e fol-
dados das Companhias, que unidos aospaizanos, que
governava o Capitão mór Manoel Madeira Saraiva, tia -
taraõ com valerofa , e confiante reíoluçaõ da defenfa
do Caílello , rebatendo o furiofo aisalto dos Caíttlha-
nos , que defenganados fe retirarão com alguns caval-
los , que acharão na Villa. Ao dia feguinte pafsou de
Eílremoz a Souzel o Conde de Mefquitella , mandando
reparar as ruinas do Caílello , e acerefeentou a guarni-
ção. Voltou para Eílremoz , epor horas hia reconhe-
cendo a perigofa confufaõ , em que eílava aquella Pro-
vincia , aíhm pelo pouco numero das Tropas pagas,
como pela perturbação dos Povos , intimidados comos
infortúnios antecedentes. P. Joaõ deAuftria tendo ver-
ejadei-
y
ir
io PORTUGAL RESTAURADO ,
Atino ladeira informação de tudo o referido , e juítamente
- , avaliando-o em beneficio dos íeus progreísos, íblicitava
I Oo Z„ por todos os caminhos facilitar os teus intentos > porém
a entrada do Inverno diffícultava novas operaçoens.Nos
últimos dias de Outubro íahio de Eivas D. Manoel Luiz
de Ataide com cem cavallos a comboiar humas carro-
ças de mu niçoens , que pafsavaõ a Campo- Maior. En-
tregou-as ao Tenente General da Cavaliaria Pedro Ce_
farde Menezes, que o efperava na Atalaia dos Matos,
e chegando de volta á dos C,apateiros , ouvio os eccos
da artilharia deBarbaceia; acodio ao rebate , efes avi,
ío a Pedro Cefar , que lhe défse calor. Chegando á Tor-
re do Baldio , aviltou sento e quarenta cavallos Caíte-
lhanos , que careavaó huma grofsa preza. Diligente-
mente dividió os cem cavallos "èm-frés pequenos cor-
pos, com que inveítio os Caítelhauos, que rompeo com
. mais facilidade , que permittia a deíigualdade do nu-
mero r affi ilido dos Capitães Manoel Pacheco , Manoel
Rodrigues Adíbe , Simaó Borges da Coita , e Domin-
gos Cardofo. Poucos dias depois deite fuccéfso , tendo
noticia D. VenturaTarragoná Governador de Arronches,
que o Conde de Miíquitella pafsava de Eítremozra Por-
talegre com pequeno comboi , confeguindo juntar três
mil cavallos, e três Terços de Infantaria , fahio a ef-
perallo : porém fugindo hum foldado , que avizou ao
Conde de Mifquitèlla , teve tempo de fe recolher fem
damno a Portalegre j e no mefmo dia derrotou o Com-
miísario geral Joaõ do Crato da Fonfeca hum comboi ,
que fahia de Arronches , e fendo íeguido da Cavallatia,
que levava D. Ventura Tarragona , íe retirou a Porta-
legre , pelejando íem receber prejuizo. Voltou o Con-
de de Mifquella para Eítremoz, e deo conta aElRey
das jornadas , que havia feito , individuando os erros ,
que examinara em todas as fortiíícaçoens que vira, prin-
cipalmente na de Eítremoz , e Villa-Viçofa , arguindo
claramente as difpofiçoens do Conde de Schomberg.1
'Chegarão eílas propoíiçosns aoConfelho de Guerra,
onde aííiítia o Conde de Schomberg ; naõ podendo en-
cobridhas a prudência do Vifconde de Villa-Nova , que
o foli-
Armo
i66z.
O Conde de
Aã fqui relia
PARTE II. LIVRO VII. n
ó felicitou 5 fêm alteração lançou o leu voto, e fatifi-
fez inteiramente ás duvidas do Conde de Mefquitella ,
concluindo , que as enfermidades das fortificaçoens eraõ
como as dos corpos humanos , onde os Médicos cura-
vaó fem conformidade. O Conde de Mifquitella pafsou
de Eítremoz a Elvas , differente com quaíi todos os Of-
íiciaes Maiores do exercito ; perturbação, que D. Joaõ
da Silva , e D. Luiz de Menezes , que aíLltiao cm El-
vas , pertendiaõ atalhar, cemo lempre haviaõ feito,
preferindo osinterefses públicos a todas as razoens par-
ticulares : prudência muites temrcs irai explicada dos
que a encontravaõ , e que qualificou a felicidade dos
iucceísos, que correrão por lua centaj e reccnl ecido
deita iociedade palsou a Lisboa com determinação de
adiantar a D. Luiz de Menezes do Icfto cie Meítre de vdta ainha,
Campo ao de General da Cavallaria: porém eítes , e ****'""'"£
r ,,ii t • i~ (atido o goier-
outros intentos lhe atalhou i a morte, que em Lisboa no euíra xtXi
lhe íobreveio , depois de haver exercitado os póílos , tmregue a dí-
que referimos , e ajudado a defenla da fua Pátria com \ nizàt Mtlí*.
grande zelo , valor , e actividade. liceu governandoa
Província de Alentejo Diniz de Mello de Caílro , e naõ
fuecedeo até o fim deite anno encontro capaz de no-
ticia 5 tratando D. Joaó de Auílria íó do augn ente das
Tropas do exercito , com o def gnio dasemprezas pre-
meditadas para a futura Campanha , na confiança da
dçfuniaõ , em que ie pelava o governo de lortugal ,
pela intempeit iva refoluçaõ d'EJRey fe feparar da uniaõ
da Rainha no tempo , em que íeus vaisallos mais ne-
ceíhtavao das luas prudentes direcçoens.
Com o alento adquirido nos felices fucceíros da
Campanha do anno antecedente fe prep arava o Conde
do_ Prado para defender ai rovincia de Entre Douro , e
Minho do grande exercito , que em CallizaJe juntava,
para íaliir em Campanha ao mefmo tempo , que tivefse
principio a da Provinda de Alentejo , para que hurra ,
e outra fe defendeisem , divididas as forças, facilitando-
fe corri efre defignio aconquiíta de ambas. Tanto que
entrou a Primavera , fez o Conde do Trado avizo ao
de S. Joaõ , que aíliília em Tr as os Montes , ( de quem
juíla-
\t.
V
•A
*W
Anno
1662.
m PORTUGAL RESTAURADO,
juítamente fiava a melhor parte dafua fortuna) que
as preparaçoens dos Caítelhanos fe adiantavaó de for-
te » que Hie parecia precilb , que elle marcháíse com a
gente, que lhe foíse poífivel , em feu foccorro. Naô
duvidou o Conde de S. jbaõ de executar eíta advertên-
cia ; porque eile era o íim a que caminhavaõ as fuás dif-
poílçoens , pertendendo adiantar a fua opinião em dif-
ferentes partes , e dLverfas operaçoens \ difficuldade ,
que coítumaõ facilitar os efpiritos generofos. Havia-
lhe chegado Patente de Meítre de Campo General das
duas Províncias , pela promoção dó Conde da Torre a
General daCavallaria do exercito de Alentejo : porém
o Conde de S. João naô quiz aceitar efta Patente, fem
íe lhe declarar que havia de ter exercido em Entre
Douro , e Minho na occupaçaõ de General da Ca valia-
ria j pertençaó , que EIRey lhe concedeoi e por eíte reff
peito fepafsoua D. Francifco de Azevedo patente de
íègundo Meítre de Campo General da Provincia de En-
tre Douro , e Minho , continuando os dous os exercí-
cios deites Poítos da mefma forte , que na Campanha
de Badajoz havia a contecido a André de Albuquerque,
eao Conde de Meíquitella. Elcolheo o Conde de S.
Joaõ a melhor gente de Trás os Montes , deixou as
Praças bem guarnecidas , e a Provincia entregue ao Te-
nente General da Cavalla ria Domingos da Ponte Gal-
lego; e pafsando no principio da Primavera a Entre
Douro , e Minho , diligentemente compoz as Compa-
nhias de cavallos da gente mais nobre. O Conde do
Prado antes de fahir em Campanha, intentou interpren-
der Lapella > e o confeguira pelo defcuido dos Caíte-
lhanos , feasefcadas , que fe arrimarão á muralha,naô
foraõ inferiores á fua altura. Todo o tempo , que du-
rarão as prevençoens da Campanha, recebeo o Conde do
Prado muito importantes avizos de Miguel Carlos de
Távora , que eítava prezo na Curunha ; porque fuppo-
íto que eraó grandes asmoleítias, e apertos que pade-
cia, era maior oefpirito que o animava. DaCurunha
o pafsaraó os Caítelhanos para Bayona , mas naõ con-
seguirão evitar-lhe a çornmunicaçaõ com o Conde do
Prado,
. p^rte n. liv&o vn: m
•r por fer maior a fua induílria , que as cautelas AnriO
dos inimigos. Poucos dias antes de fahirem os exerci- ,>
tos em Campanha , pertenderaõ os Gallegos interpren- looz.
der o Caítello de Caftro Laboreiro. Defendeo-o Pedro
de Faria , que o governava , com muito valor , e re ti-
ra raõ-íe com grande perda. De hu ma , e outra parte ie
retardarão as prevençoens até" o mez de julho , muito
a pezar dos CaVos inimigos , ror verem maMogrado
o intento de campearem ao meimo tempo os feus ex-
ércitos ■-, erro ordinariamente originado da negligencia
dos Miniftros políticos , que coitumaô preferir aos mi-
litares negócios menos importantes: e a que naó acha-
rão emenda os Principes prudentes , rnais que com a re-
foluçaõ de governarem os ieus exércitos , onde fem de-
pendência de confultas nem prejuízo de dilaçoens dif-
curfaó , executaõ , e confeguem , íem queixa do tem-
po perdido , governando-íe pelo que vem , e naõ pelo
que ouvem , com taõ útil difterença , como íuccede ha-
ver do vivo ao pintado ; e íuppoíto , que a grande guer-
ra , que efcrevemos , feja definição contraria deíle axio-
ma j porque os noísos Principes naõ mandarão os feus
exércitos, na,Ô íirva de exemplar a nolsa fortuna. Ob-
ierve-fe no mefmo ieculo a guerra das Monarquias de
França, eCaftella; aquella felice , tendo os Francezés
por Capitão a Luiz XiV -, eira difgraçada , governando
aos Caítelhanos Carlos II , fó como Rey $ e fe recorrê-
ramos a pafsados feculos , enchêramos volumes de verda-
deiros exemplos.
Com grande prudência fe aritieipou o Conde do
Prado aos inimigos em fahir em Campanha j ea nove
de Julho alojou o exercito no diítrido de Çourg. Ser-
viaó na forma , que referimos , o Conde de S. Joaõ , e
X), Francilco de Azevedo os Fólios de Meítre de Cam-
po General r e General da Cavallaria , e em aufencia do
Conde da Caftanheira governava a Artilharia. Miguel de
Lafcol. Conítava o corpo do exercito de oito mil In-
fantes t quatro mil pagos , e quatro mil Auxiliares , e
de mil cavallos. Eraò Meares de Campo dos Terços pa-
gos Diogo de Brito Coutinho , António Soares da Co-
%m ?■
Armo
i66z.
V
t4 FOKFUÕJL KRSXAU&AW t
íla , Rodrigo Pereira Soto-Maior , Manoel Nunes Lei*
taõ * Fernando de Sou ia da Silvai e hum Terço da Pro-
vinda de Trás os Montes governado pelo Sargento Ma-
ior Se baítiaó da Veiga Cabral Dos Auxiliares , pelo feu
fraude pfêítímo reputados como pagos , eraò Meftres
e Campo Manoel5 da Silva Souto-Maior , Balthafar
Fagundes da Foníeca, Franeiíco da Cunha da Silva i
t). Gonlalode Araújo , Luiz de Sanco , e Pedro de Sau-
pter Fraiicezes , e hum governado pelo Sargento Ma«>
ior Luiz de Souía. Era Tenente General da Cavallaria
Fernando deSoufa GsutiniiOj Commiísarios gemes Joaõ
da Cunha Sotto-Maièr de Entre Douro , e Minho, Ma-
noel da Cofta Peisoa de Trás os Montei ; Tenentes de
Mellre de Campo General de Entre Douro , e Minho
João Rebelo Leite , e VermejOn j de Trás os Montes Si*
maõ de Souía Carneiro. Conítava a Artilharia de fete
peças ligeiras* as carruagens com munições V e manti-
mentos éraõ muitas, e em todas as Praças importan-
tes ficarão guarniçpens competentes. Do exercito con-
trario era Capitão General D. Diogo Carrilho Arcebif*
po de Santiago > porque ÊlRey D. Filippe mal latis-
te ito do Marquez de Vianna, lhe tirou oPofto j eele^
geo em íeu lugar ao Marquez de Caracena , que defc
viando-o outros empregos , naõ palsou aeftê govenm;
e como a pouca experiência militar do Arcebifpo necel-
fitava de grande auxilio , foi nomeado Governador das
Armas D: Balthaíar de Roxas Pantoja , que afriftia , co-
mo difsemos , no governo de Guipu£cuâ. Continuava o
Poíto dé General da GaVàílaria D. Luiz de Menezes,
chamado Marquez de Penalva : era General da Artilha-
ria D. Franciíco de Ca ftro : conítava o exercito de del-
ateis mil Infantes , dous mil caVallos , e defafets peças
de artilharia , grande numero de ga fiadores , muniçoens,
inítru mentos de expugnáçaõ' , mantimentos , eJ carrua-
gens : toda a gente do exercito erà de excel lente qua-
lidade; porque o Marquez de Caracena havia efcolhido,
para pafsar a Galiiza , a melhor do exercito de Flandres.
A doze de Julho fe lançou líu ma ponte de barcas
junto a Lapella, por onde pafsou eíle exercito a Entre
PARTE 11'LWKO Vil i r
Douro , e Minho, e no róetiÉqqdáa fahiraó das Eias Am>o
quantidade de embarcaçoe-ns, que fizera-o frente a Via- • /
ná , e Caminha , Villas abertas , a primeira íituada na 1^&*'
foz do rio Lima H a fegunda na do Minho na diítan-
eia de três legoas. Efta noticia d eo ao Conde do Prado
grande cuidado , porque naó deíejava dividir o exerci-
to i porém cedendo á maior nectíídede com o. pare-
cer dos Cabos , e de Joaó Nunes da Cunha , que fe acjia-1
va na Campanha , mandou ao Capitão de Cavallos Dio?,~— —
go,;de Caldas Barboia com cem cavallos , e trezentos
mofqueteiros a alojar entre- Caminha , e Viana , para
acodir a qualquer das partes , que os inimigos inveitii-
íem;, m esforçar as guarniçoens de ambas as Villas:
que as carayellas , que íe achavaó na barra de Viana
guarnecidas de Infantaria , ancorafsem debaixo da For-
taleza ; e defpedido Diogo de Caldas , mudou o Conde
do Prado do- alojamento de Coura para o Caítello de
Trajaó , poílo convenientiíhmo para obfervar os movi-
mentos dos inimigos , e acodir a qualquer, parte , que.
ameaçafseo feu poder. b. Balthaíar lantoja aquarte-
lou o exercito entre Lapella, e Monção, encoitado ao
rio Minho , e taõ. cuidadosamente tratou de o iegurar
com fortiricaçoe.ns , que moítrou recear a batalha. Du-
rou treze: dias> na affritencia deíle íitió , lem poder de*
cífrar-íea cauíaCdeita juípenfaó * queifiiaõJie pequeno
louvor de hum General j quando do iegredo reiultaõ ef-
feitos^ proporcionados aofeu intento. Neíte. intervala
lo nao houve novidade , nem no exercito , nem na Ar-
mada ; eo Conde do Prado cem grande ponderação re?
guiava os avizos , media os movimentos , e compafsa-
va m d iíta ncias % pa ra ie naô dií-com pó r a proporção por
algum accidente.
A vinte etres começou a marchar o exercito ini-
migo por Moreira a< Rio-Bom , ecora muita celerida-
de oceupou à eminebeia das Pereiras:, donde.-domin.ava
hum dos Fortes da Portela de Vés. O Conde i do Prado,
havendo reconhecido todos os íitios , diligentemente
íe poz em marcha , e arrimado pelo privilegio do ter-
íeno ao lado direito do exercito inimigo , paisou a pu-
nida?
ill!
16 PORTUGAL RESTAURADO^
AntlO lhofa , e occupou o poíto do Pedroío , fupeiior ao fe-
■** guado Forte da Portela de Vés; e foi taó útil a bre-
10Ó2. vidacie da marcha do nofso exercito , que naò teve lu-
gar D. Balthafar Pantoja > como desejava, de occupar
opoítoqueellegaihou , donde ficou cobrindo Valen-
ça, o Forte de S. Françifco;, e as Freguezias de Cou-
ra-)--que miniítravaa o fuftento do exercito., fem os ini-
migos poderem òfíeade.r alguma deitas partes pela a f-
pereza do terreno ; e occupada a eminência , fez Mi-
guei de Lafcoi jogar quatro peças de artilharia , que
incommodarao o quartel dos Gallegos. D.Balthaíar man-
dou hum Yolantim ao Capitão Lourenço Craveiro , que
governava hum dos Fortes de Portela de Vé& Naó quiz
aceitaUo, e refpondeo a vários ameaços , que o trom-
beta lhe fez da parte de D. Balthaiar , que o Conde do
Prado daria a refpoíla. Naó fe deo D. Balthafar por en-
tendido ( que os duellos da guerra naó faó taó aper-
tados , corno os da paz ) e gaitou féis dias naquelle fi-
tio , nao havendo mais operação > que baterias inúteis ,
defvanecendo o effeito delias a diítaacia , e os penhaf*
cos , que rebatiaó as pouco vigoro f as balas. Inferio-fe
deita dilação , que D. Balthafar , tendo noticia que a
Armada dos pequenos baxeis fe defcompuzera com hu-
ma-tormenta de Nordeíte , eíperava que íe tornafse a
unir , para continuar a fua empreza. Decifrou elleeíte
difcurfo , pondo o exercito em marcha a vinte , e no-
ve de Julho , baixou pelos Barbeitos ás Choças, e por
Santa Ovaya fe fez na volta dos Arcos de Vai de Vés.
O Conde do Prado fem dilação continuou a marcha pe-
lo lado direito do exercito inimigo , e mandou avan-
çar ao Conde de S.Joaó com a maior parte da Caval-
laria , e mil mofqueteiros á ordem dp.Meftre de Cam-
po António Soares da Coita ; com ordem de ganhar o
poíto de Prozeios, meia legoa diítante dos Arcos, por
fer capaz de fe formar nelle o exercito: com muitas ven-
tagenS do terreno.
D. Balthafar obfervando que a nofsa Cavallaria fe
alargara da Infantaria , chegando ao íitio de Lamas ■,
mandou carregar com tanto ardor o lido eíquerdo do
exer-
TARTE II. LIVRO VIL %7
exercito , que pudera coníeguir felice íuccefso , fe o Anno
Conde do trado defiro ,, e valeroib naò rebatera pef- ,*
ibalmennte aquelle impulío com vinte e três mangas de l *o2.
mofqueteiros , que promptamente occuparaó todas as
ibrtidas , e tantas vezes rechaçarão os Toldados inimi-
gos , ( a que aíliíHa o feu General ) quantas foraó avan-
çados , • e ultimamente fe retirarão os Gallegos com ef-*
trago confideravel. OConde de S. Joaó, entendendo,
que a tenção de D. Balthafar era divertir o intento ,
que elle levava , de occupar o íltio deProzelos, naó
deliftio da marcha , conítando-lhe juntamente , que o
valor , e diípoíiçaô do Conde do Prado nao neceíhtava
deíbccorro: e para mayor fegurança da fua determi-
nação? adiantou ao Tenente General da Cavallaria Fer-
nando de Soufa Coutinho com alguma gente a occu-
par as fortidas, que defembocavaõ no terreno , que per-
tendia ganhar j e chegou a tempo taõ conveniente, que
asguarneceo primeiro, que os inimigos chegafsem a
ellas , e as defendeo de forte , que adiantando-fe os
dous exércitos a dar calor aos troços avançados , nao
confeguiraõ os inimigos mais , que o deíengano do íeu
intento 3 porque o Conde de S. João ganhando tempo ,
e efpalhando valor , como rayo , igualmente luzia , e
abrazava. Fez alto o exercito contrario , e o mefmo
fez o Conde do Prado ; e chamando a Confelho , uni-
formemente concordarão todos os votos , que o exer-
cito com pouco efpaço de defcanço marchafse a occu-
par o fitio de S. Bento , tiro de arcabuz da Villa de Ar-
cos j porque ainda que os inimigos podiaõ desfazer a
marcha , como fuccedeo , e fazer-fe fenhores do quar-
tel da Bulhofa , que o nofso exercito defoccupara , e
ganhar os Fortins da Portela de Vés , era precifo aco-
dir-fe ao mayor perigo , e procurar evitar- fe , que o
exercito contrario nao palsafse a ganhar a Barca , e Bra-
ga , e cahindo fobre Viana , fe pudefse fazer fenhor da-
quella importantiífíma Praça , e communicar-fe D. Bal-
thafar Pantoja , como pertendia com a fua Armada ,
que lhe ficava facilitando osfoccorros marítimos pela
vizinhança das Rias , livrando-fe dos perigos dos com-
B boys„
i8 TORTVGÂL RESTAURADO ,
ÁniO boys, que eraô infalliveis ] e todos eítes damnos fe
1662 evitavaõ, alojando o exercito no pofto de S. Bento , eí-
trada dos lugares referidos , e íitio venta jofo , para fe
• pleitear o progrefso da huina batalha. Tomada efta re-
foluçaõ, fez o Conde do Prado jogara artilharia con-
tra o exercito dos Gallegos toda aquella tarde , e prin-
cipio da noite , confeguindo nao fó o damno que re-
ceberão , mas confundir o eítrondo o ruido da marcha.
Desfilado o exercito , marchou a artilharia na retaguar-
da, continuando fempre as cargas, defendida da afpere-
za do terreno , que íeguravaõ algumas mangas de
mofqueteiros. Ao amanhecer eítava o Conde do Prado
no alojamento pertendido , vencendo na marcha tantas
dirfíçuldades , que houve fuperíKciofas , que julga vaô
por milagrofa. Depois de amanhecer , reconhecendo D.
Balthaíar , que fem atacar a bataria , naõ podia conti-
nuar , nem o caminho dos Arcos , nem o de Ponte de
Lima ; e conhecendo , que naõ era confequencia infal-
livel de dar a batalha , confeguir a vitoria pela quali-
dade , numero , e íitio do exercito , com que havia de
pelejar , tomando confelho mais faudavel , retrocede»
a marcha, e occupou o íitio da Bulhofa, em que o nof-
fo exercito havia aquartelado , e fem demora mandou
intenta fitiar bater os Fortins da Portela deVés. O Conde do Prado
Valença : impe- com fumma brevidade marchou a occupar o fitio de
àe.o on40^ ^* Paredes de Coura , para cobrir as feitorias , dequefe
^"'^//^fuítentava ó exercito , e acodir a Valença > e Villa-
os progrejfos Nova , feacafo D. balthaíar intentafse qualquer deílas
daqueiia c<iot- emprezas ; e ficou com grande fatisfaçaõ de "reconhe-*
PZâo *Jtto-cQr emtodo ° exercito a vaidade de D. Balthaíar fe
J™sJs dill ' *°' defviar do conflicto no quartel de S. Bento , que todos
tiveraõ por infallivel , deíejando expôr-fe antes a dar
a batalha pela contingência de falyar a Província , que
arrifcar-fe a perdella , por naõ dar a batalha. D. Baltha-
far , depois de jogar a artilharia contra os Fortes, man-
dou dar hum aísalto , em que os Gallegos foraò recha-
çados : porém continuando as baterias fe renderão, po
dendo os Oífíciaes, que os governavaó, efcufar eíte em-
penho j porque o Conde do Prado havia deixado ordem
aLou-
PARTE II. LIVRO VIL i9
a Lourenço Carveiro , que em caio que voltafse o exer- A 11 DO
cito inimigo fobre aquelles Fortins , os voaíse para cu- \ ,
)o effeito ficarão minas atacadas , e retiraíse a infanta- í °^2,
ria, o que podia fazer iem perigo pela afpereza do
terreno.Tomados os Fortins, mandou D, Baítiiaíar con-
duzir deJVJojjçaó para o exercito doze meyos canhões,
e tendo o Conde do Prado eíta noticia , entrou em ma- '
yor cuidado. D. Balthafarao dia feguinte , ao que che-
gou a artilharia , poz o exercito em marcha com tan-
ta cautela, que n ao foy ientido das partidas, que o
Conde de S.Joaõ havia mandado avançar fobre o quar-
tel > naõ havendo entre os dous exércitos mais diitan-
cia , que a de huma legoa. Quando amanheceo , reco-
nhecerão as fintinellas , que a retaguarda dos Gallegos
lahia do quartel , e a vanguarda com apreísada marcha
caminhava pela eílrada da Gieíteira com a frente no
Cerro do Bico , que ficava imminente ao quartel de
Grijó , entendendo D. Balthafar , que ganhado aquelle
pofto , podaria defalojar o exercito com a artilharia , e
derrotallo na marcha, atacando-o na confufaõ com gra-
des ventagens no íitio. O Conde do Prado com o pri-
meiro avifo deite accidente mandou pegar nas armas,
e repartindo os Cabos , e Officiaes pelos póílos mais
convenientes , avançou o Conde de S- Joaõ com os ba-
talhoens mais promptos , adiantando Fernando de Sou-
ia Coutinho com os da vanguarda a foccorrer as Com-
panhias , que eítavaõ de guarda , do Capitão António
Gomes de Abreu , e Tenente Ignacio Salema , queem-
baraçavaõ valerofamente a marcha da vanguarda inimi-
ga , e com eíle foccorro fe esforçou o combate ; e o
Conde de S. Joaõ conhecendo, quedo bom fuccefso de-
ite confliclo pendia a confervaçaõ de todo o exercito ,
empenhou toda a Cavalla ria, ecoma efpada na maó
dava valeroíb exemplo aos feus foldados. Aomefmo
tempo intentava o Marquez de Penalva defembaraçar
a eílrada , carregando com todo o vigor oF noísos ba-
talhoens. Eraõ os dous Generaes da CavaUaria , que
cont^ndiaõ , Portuguezes , ambos valeroíiíTimos , hum,
e outra do langue maisilluítre da lua Naçaó : porém
B i havia
IÓÓ2
f!>!
20 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno havia entre elles huma grande diffenÇa1, que o Conde
de S= joa 6 pelejava por defender a ília Pátria ,o Mar-
quez de Penalva. por conquiítalla, e naó fora jufto , que
prevaleceíse contra a lua juítiça. Em quanto durava a
força do combate > trabalhava o Conde do Prado, e D.
Erancifco de Azevedo , fem deicomporém a forma do
exercito , por melhorallo a fitio ventajofo j determina-
ção , que conseguirão taô venturofamente , que occu-
parao o Monte de Labrujo imminente a todo aquelle
território , e fupèrior ao quartel , que D. Balthaíar Pan-
toja intentava occupar , para bater o de Grijó. Ganha-
do o poíto referido , fez o Conde do Prado aviíò ao de
S. joaõ , que podia retirar-fe para aquella parte , onde
feguramente efcava alojado. Naõ era fácil a retirada ao
Conde de S. João ; porque a Cavallaria eítava taó em-
penhada , qne naó podia defembaraçar-fe doconfiiclo
fem grande perigo ; porém reconhecendo a leu favor a
eftreiteza do terreno , valendo-fe utilmente de duzen-
tas bocas de fogo,governadas pelo Sargento Mayor An-
tónio Barbofa , deu ordem ao Tenente General FernacS
de Souía, e ao Commifsario geral Manoel da Coita Paf-
íoa, que com os batalhões da retaguarda pafsafsemhum
callejao , que era o único caminho , que tinhaõ para
ie retirar , e que fizefsemalto em hum valle , em que
o callejao defembocava j porque elle deteria os inimi-
gos, e depois com huma vigoroia carga procuraria tam-
bém retirar-fej e que podendo confeguillo, advertiísem
em atacar vivamente os batalhoens , que o viefsem car*
regando , para que lhe íicafse tempo de os formar , e
foccorrer. Diligentemente executarão os dous eíla or-
dem , e valerofamente confeguio o Conde, quanto ha-
via imaginado,ajudando-o a induílria do Capitão Igna-
cio de França ; porque reparando , que o vento eítava
rijo , e a favor do feu intento , mandou defmontar al-
guns foldados , e pegar o fogo ao pafto íecco , que ar-
deo com tanta velocidade contra a Cavallaria inimiga ,
que a obrigou mayor incêndio a mitigar o ardor , com
que pelejava , e a fogo , e langue pafsaraõ os noíscs«
batalhoens o callejao pleiteando > porém os Gal!egosr
havea-
BBHH
PARTE IL LIVRO VIL ' «
havendo reconhecido outro paiso conveniente , poíto ^nno
que mais diítante , o buícaraõ cóm grande celeridade,
e coníeguiraõ encontrar alguns bataliioens de retaguar- I 6 o 2*
da mandados pelo Conde de S. joao , aíTiífcido de mui-
ta parte de Orliciaes Mayores , e pelsoas particulares y
em que entrava D.Luiz Manoel de Tavora(hoje Conde
da Atalaya) que tendo poucos annos de idade , deu na-
quelle dia valerofo principio ao feu íinalado procedi-
mento.O ultimo esforço, com que os Gallegos foraó re-
batidos , tocou ao Capitão Ignacio de França , que os
obrigou a íè retirarem em tanta diítancia , que toda a
nofsa Cavallaria ficou deíèmbaraçada,e fó parecerão al-
guns Infantes dos duzentos,que levava o Sargento Ma-
yor António Barbofa , e foraõ prifioneiros Manoel da
Coita Leite , e Alexandre de Souía.
Encorporado o Conde de S. Joaó com Fernando de
Soufa Coutinho debaixo da artilharia do quartel de La-
brujo : que já laborava , intentou perfuadir ao Conde
do Prado , que pois a diíferença dos íitios havia muda-
do o femblante á fortuna > fizeíse baixar a Infantaria,
que lèachaíse mais prompta , ao Valle , em que elle
eílava , e que unida com a Cavallaria, carregaria a van-
guarda inimiga , que íem forma defembocava a calejao,
eque elle lhefegurava a felicidade doíhcceíso. Nao
lhe pareceo ao Conde do Prado tomar deliberação taõ
importante , fem o parecer de todos os que fe achavaõ
no Coníelho ; porém o tempo , que gaitou em os con-
vocar , teve D. Balthafar Pantoja para reconhecer o
feu perigo , e com fumma diligencia encorporou o ex-
ercito , e o Conde de S. Joaõ , formada aC avaliaria em
duas linhas com a retaguarda na fralda do monte , em
que o noíso exercito eítava alojado , efperou a delibe-
ração dos inimigos; e o Conde do Prado mandou tre-
zentos moíqueteiros encorporar^fe com a Cavallaria ,
e os Terços,e artilharia accommodou o Meítre de Cam- '
po General D. Francifco de Azevedo em lugares taó
convenientes , que todo o exercito animofamente de-
fejava o conflidto.Moítrou D. Balthafar Pantoja querer
atacar a batalha , movendo o exercito em forma de
B 3 peld-
Anno
1662.
I
H
'V'i
** PORTUGAL RESTAURADO,
pelejar; porém achando na frente da nolsa Cavallaria
hum grande, e diffícil- pântano, que forçofamente ha-
via de paísar, (ventagein de que havia uíado com par-
ticular advertência o Conde de 5. Joaõ ) fez alto ; e co-
mo o exercito eítava taõ vizinho das trezentas bocas' de
fogo formadas no valle , e da artilharia plantada no
monte, foy grande o eítrago , que recebeo. Vendo D.
Balthaíar o embaraço do íitio da vanguarda, mandou
ao Coronel Gaícar, que como leu Regimento de Ale-
mães inveílríse o lado direito da noísa Cavallaria. Mar-
chou o Coronel , e achou valoroía reíiítencia em cem
Infantes , que governava o Capitão de Infantaria Car-
los Malheiro , que defenderão o pafso , que os inimi-
gos pertendiaó facilitar.Mandou ao melmo tempo avan-
çar a Cavallaria extrangeira pelo lado efquerdo; porém
achahdo-o defendido dehumas quebradas , que fazia
a terra , fe retirou j e as horas , que fe gaitarão neílas
infruéhiofasoperaçoens , teve a artilharia , e bocas de
fogo do nofso exercito , para continuarem as cargas
com tanto eífeito , que , dividindo a noite o conflicio,
que havia começado vefpera de S. Lourenço ás nove
horas dó dia , ficarão na campanha mais de mil e qui-
nhentos mortos , em que entrarão muitos Oífí cia es de
importância; retira raó-fe quantidade deferidos, íém
haver padecido o nofso exercito mayor perda , que a
de trinta foldados. Cerrada a noite , fe recolheo o Con-
de de S. Joaó com a Cavallaria, e mofqueteiros ao quar-
teja defcançar com a gloria confeguida naquella ac-
^ao ; eD. Balthafar retirou o exercito a íítio menos
expoíto á fúria das nofsas balas í e toda a noite fez
trabalhar em plataformas , para ie valer da artilharia,
que no combate antecedente naõ tinha jogado , por ie
naó poder conduzir. Amanheceo dia de S. Lourenço , e
laborou com pouco eífeito , por ficar fuperior o nofso
alojamento. D.Balthafar deíejando renovar o conflkto,
mandou ao meyo dia trezentos Infantes ganhar as pe-
dras , ecaliejoeas , que os noísos mofqueteiros haviao
occupado na occafíaõ próxima , efperando confeguira
vingança no mefmo lugar, em que tinha recebido a of-
feníã.
PARTE II. LIVRO VIL í%
fenfa, Acodiraõ a defender eite íltio duas mangas de AntlO
mofqueteiros,que eílavaõ com as Companhias da guar- . ^
da; e o Conde do Prado déitro , e vigilante montou1002'
acavallo , ecorreo á trincheira a reconhecer a cauía
do rebate J e obíervando o intento dos inimigos , or-
denou ao Commiísario geral João da Cunha Sotto-Ma-
yor , que com as quatro Companhias da guarda dos Ca»
pitães Martim Pereira Defsa , Ignacio de França , Dio-
go de Caldas Barbofa , (que havia voltado para o ex-
ercito , depois de defgarrar a tormenta a Armada ini-
miga ) e o Tenente Manoel Rodrigues Távora inve-
ítifse os trezentos Infantes , antes que chegafsem a ga-
nhar oscallejões. Joaõ da Cunha ,coítumado a vencer
mayores perigos t naóinterpoz a menor dilação; def-
ceo velozmente ao valle , e antes que os Infantes pu-
defsem valer-íe do amparo das pedras , os desbaratou
fem refiítencia i porque aprefsa, com que correrão a
ganhar os callejoens , os trazia confufos , e deíanima-
dos. Mandou D. Balthafar foccorrelios com todo o cor-
po daCavallaría j masfoy a tempo , que o Conde de
S. joaõ tinha formado a noísa em lugar competente ,
para fegu rança da empreza -, e fem outro emprego , cer-
rada a noite , fe retirarão todos.
O dia feguinte difpoz D. Balthafar a retirada do Depoit de ,:
exercito com o mayor filencio , que foy poflivel , pa- m/os fuuejfos ,
ra a noite feguinte , reconhecendo odamno irrepara- ;'""><* Dom
vel , que recebia naquella aífiílencia. Naó ignorou o J*^"^
Conde do Prado eíla refoluçaõ j porém naõ quiz fazer desíartt*^- ;
movimento algum , receando expôr-fe de noite a al-
guma defordem ; e deixando amanhecer, fe reconhe-
ceo , que os Gallegos haviaó adiantado a marcha petos
mefmos pafsos do Cerro do Bico com a frente na Vil-
la dos Arcos , intentando D. Balthafar Pantoja fegunda
vez pafsar o Lima para penetrar a Provincia , que era
todo o íeu defejo , tantas vezes mal fuccedido. Efta
demonítraçaõ obrigou ao Conde do Prado a mandar
adiantar alguns batalhoens, porém fem efreito; porque
o exercito levava na marcha muitas horas de ventagem.
O Commifsario geral Joaõ da Cunha , que era o Cabo
B 4 dos
24 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno dos batalkoens avançados-, chegou a dar avifo ao Con-
de do Prado , que o exercito marchava direito á Vií-
léôz.
Ia dos. .Arcos , por cujo reípeito , com o parecer de to-
do o Coníelho j refolveo marchar pelo lado direito do
exercito contrario para o Convento de Refoyos de Có-
negos Regulares , diítante meya lego a de Ponte de Li-
ma ; reíbluçaô , que fó podia defender eíla Villa do
eítrago dos Gallegos. Confeguio-fe elte intento com
exceiíivo trabalho , porque a noite da marcha do exer-
cito foy muito teuebro ia ,eo caminho afperiíílmo ;
dificuldades afsaz difficeis de vencer , principalmente
quando o cançaço , e o fomno combatem a debilidade
natural j mas que impoífivel nao vencem os corações
magnânimos , defejofos de defender a Pátria , e de au-
gmentar a opinião ! Os Gallegos levarão melhor cifra-
da > porém com pafso vagarofo , detidos com o emba-
raço da artilharia grofsa , em dilatadas horas chegarão
aGiela, nobre apofento dos Vifcondes deVilla-Novaj
da outra parte do rio Vés , e junto aos Arcos. Havia o
Conde do Prado deixdo em Giela aBIthafar de Sou*
fa com o Terço de Auxiliares de Tras; os Montes , de
que era Meílre de Campo , com ordem , que tendo no-
ticia , que o exercito inimigo marchava para aquella
parte , fe retirafse para Ponte da Barca , meya legoa di-
ítante, interpoítos os rios Vés , e Lima , que fe vadea-
vaópor duas pontes. Deu o Meítre de Campo a ordem
á execução , e os inimigos fe aquartelarão das Aldeãs
de Azere até Murilhoens , terreno de exceffivas monta-
nhas , e fó commodo para a fegurança dos comboys ,
que vinhaõ. de Monção , defendidos dos Fortins da Por-
tela de Vés , que com efte intento D. Balthafar Pantoja
deixara guarnecidos. Teve o Conde do Prado em Re-
foyos a noticia , de que os Gallegos eítavaò aquartela-
dos em Giela ; e coníiderando o perigo da Cidade de
Braga., aberta , rica , e populofa, e innumeraveis lu-
gares daquelle contorno, chamou a Confelho , e de-
pois de larga conferencia (porque e dificuldade da
eleição do.íitio era graviílima) feafsentou , que o ex-
ercito nwchaíse a alojar em humpoílo chamado o Sou-
to ,
TARTE II. LIVRO VII. ty
to i queíe levantava na Freguezia de Távora fobre o £ nno
rio Lima , e ficava á viria da Barca iuperior a toda a , ,
Campanha) e com muitas commodidades para o exerci- 1 ^°2?
to > e em diítancias proporcionadas para cobrir aqueL-
la. Província de huma , e outra parte do rio Lima , lan-
çando-lhe huma ponte de barcas , e evitando o perigo
de Braga , que era o mais imminente $ porque fe devia
entender , que D. Balthafar naó intentaria aqnella era-
preza de mais eítrondo , que effeito, ficando-lhe diílan-
te cinco legoas , e naõ podendo , íem ganhar outras
Praças , confervar aquella Cidade > e conhecendo que
havia de levar na colla do exercito outro tao valeroío,
como repetidas vezes tinha experimentado , e que ten-
do a medida do tempo na lua eleição , faberiaufar del-
le , como lhe conviefse. Tomada eíla deliberação, mar-
chou o exercito , quejáeílava formado, quando fe aca*
bou o Confelho , pelos Qfficiaes de ordens , que naõ
entra vaó nelle. No dia feguinte ao amanhecer feoc-
cupou o poíto pertendido , e nelle fe acháraõ muito
mayores commodidades , das que fe haviaô coníidera-
do. D. Balthafar com a noticia do alojamento do exer-
cito , o mandou reconhecer por huma Companhia de
cavallos , e duas de Infantaria. Achava-fe montado o
Alferes Miguel de Soufa com trinta cavallos , fahio ao
rebate , e com refoluçaõ , e valor degollou a Compa^
nhia de cavallos , e os Infantes ao mefmo tempo in-»
tentou hum troço de Cavallaria pafsar o váo de Muja
por cima da ponte da Barca. Acodiraõ aembaraçallo o
Capitão Jeronymo da Silva de Menezes ,e Joaõ Cardo-
fo Piçarro ; porém como o numero dos inimigos era iu-
perior, foraõ carregados com perigo. Chegou a foccor-
rellos o Tenente General Fernão de Soufa com dous ba-
talhoens , e unidos obrigarão aos Gallegos , que já eífa-
vao deita parte do Lima ; a tornar a pafsar o váo ; e
achando-fe cortado hum foldado chamado Simaó da
Coíta,rompeo com a efpada na maõ cincoenta Infantes,
çue occupavao hum callejaõ , eatropellando-os , efe-
rindo^os , fem damno algum fe recolheo á fua Compa-
nhia , e os Caítelhanos ao feu quartel. Antes que Fer-
não
Anno
1662.
2 6 PORTUGAL RESTAURADO ,
naõ de Souíà íe retirafse, deixou os váos occupados com
fentinellas, para os íegurar do novo intento dos Galle-
gos. D. Balthalar com a vizinhança do noíso exercito
eítreitou o quartel de Giela, e com os comboys da Mon-
ção je reforçou de muniçoens , e mantimentos : e o
Conde do Prado anticipando as prevençoens aos peri-
gos , mandou Miguel de Lafcol fortificar hum quartel
com dous Terços de Infantaria íobre a Villa da Barca ,
efez lançar pontes de barcas no rio Lima , para faci-
litar o íbccorro , entregando a defenía deite alojamen-
to ao Meftre de Campo Luiz de Sancé , queguarneceo
com ofeu Terço , eo do Meílre de Campo Simaõ de
Távora; e porque os moradores dos lugares vizinhos a
Giela , períuadidos dos Párocos de algumas Preguezias,
fe entregarão ao dominio de Caltella , procedeo íe ve-
ramente contra os que achou culpados , para que naõ
liouveíse outros , que feguiísem exemplo taô prejudi-
cial, '
D. Balthafar Pantoja continuava a fortificação do
quartel de Giela , e da quinta do Vifconde com tanta
attençao , como fe correra por Pua conta a defenfa da-
quelle fitio ,, e naõ* a conquiífa daquella Provinda, que
por aquelle caminho naõ podia confeguirj e a cauia
defta demonítraçaò era , que como o noiso exercito lhe
havia desbaratado todos os intentos daquella Campa-
nha , e fe achava em alojamento taó vizinho promp-
to para adiantar os feus progreísos , naô encontrava D*
Balthafar empreza fegura , com que defempenhar tan-
tos infortúnios ; eporeíle refpeito procurava fuílen-
tar a íua reputação com apparencias , para que aquel-
les, que o defendefsem dos que oarguiaó, pudeísem
dar mais ef paços ásefperanças de altas emp rezas, que*
por ferem fantaíticas , naõ era polfivel decifrarem-íe até
o fim da Campanha ; e em todos os cafos grandes , e
difficultofos nunca a prudência achou caminho menos
arriicado , que ufar do beneficio do tempo , que impe-
ra em todas as operaçoens humanas. Deprefsa fe defva-
neceo a de Giela ; porque D. Balthafar , vendo o pou-
co fruto , que tirava daquella inútil aííifcencia , man-
dou
VARTE II. LIVRO VIL 27
dou lançar huma ponte no váo de Muja , e porella Anno
pafsou o exercito o rio Lima a vinte e nove dcAgo-
ito íem a mais breve demora. Pafsou também por ou- I6Ó2,
tra ponte p Lima o noíso exercito , e tomou alojamen-
to lobre a Yilla da' Barca , cobrindo o quartel , que na-
quelle íitip fe havia levantado ; e D. Balthafar alojou
o exercito em humas montanhas chamadas do Efpi ri-
to Santo, queíeterminaõ em hum levantado penhaf-
co , a que daõ nome de muitos íèculos paísados as rui-
nas de humas paredes , de Caílello da Nóbrega. Entre
Iium, e outro alojamento fe extendia bum valle de ter-
reno taõ embaraçado , que naó dava lugar a mais con-
tenda , que á das bocas ' de fogo ; ellas , e a artilharia
labora vaó incefsantemente de huma, e outra parte com
damno de ambas. Aíoítrava a deliberação de D. Baltha-
íar tomar eíle alojamento , que intentava a empreza
de Braga , ou a de Ponte de Lima ; porque para qual-
quer deites intentos tinha a eílrada livre. Nella íup-
poíiçaó chamou o Conde do Prado a Confelho , e lo-
grando em todo o decurfo daquella Campanha a uni-
formidade dos votos dos Co n telheiros , que he hum
dos mais felices vaticinios da fortuna dos exércitos ,
quando como livros vivos uíaõ da fmceridade -, concor-
darão todos, que Ponte de Lima, e Braga fehaviaõ
de defender com as pontas das eí padas , e que o fuc-
cefso de huma batalha havia de fer a defenía , ou a de-
ítruiçaõ daquella Provinda , fe os inimigos intentafsem
penetralla, levando por objeclo os lugares referidos que
naõ eraô defendidos de outras muralhas > porque algu-
mas antigas , que confervavaô , todas eraó muito def-
baratadas. Tomada eíta deliberação , todo o exercito
fe preparou para pelejar , inferindo pJaufivelmente dos
luccefsos paísados a felicidade futura ; e porque íe en-
tendeo , que o perigo de Braga poderia fer mais pró-
ximo ,' que a promptidaõ da defenfa do exercito , man-
dou o Conde do Prado marchar para aquella Cidade ao
Meftre de Campo Manoel Nunes Leitão com o feu Ter- t
ço, e dous de Auxiliares , e ao Commifsa rio geral Ma-
noel da Coíla Pefsoa com quatro Companhias de cavai-
\Q$j
I
>«;.
Anno
1662.
*í PORTUGAL RESTAURADO,
los , e no meímo tempo partio para o Porto João Nu-
nes da Cunha, por haver noticia, que os Caítelhanos
intentavaóiuterpréder o Caílello de à.Joaõ de Foz com
fete navios j entendendo o Conde do Prado, que na
pefsoa de Joaõ Nunes, no feu zelo , valor, e juízo cou-
íiftia huma das melhores defenfas do Reyno , o que re-
ferio a EIRey em repetidas cartas. O receyo deite in-
tento dos Caítelhanos fe defvaneceo brevemente ; João
Nunes voltou para o exercito , e EIRey nomeou para
o governo das Armas do Porto ao Bailio de Lefsa Dio-
go de Mello Pereira ..; e porque "coníiífcia a melhor de-,
fenía de Entre Douro > e Minho , que fe divertifse nas
Praças maritimas o poder do exercito -t ordenou EIRey
ao Conde de Atouguia , General da Armada , que com
leis fragatas fof se aviltar as Rias de Galliza. A jorna-
da foy breve , e o efeito pouco , porque o Conde che-
gando a Ria de Vigo , bateo as caías da Villa com rfí-.
co manifeíto dos navios da Armada , pela muita arti-
lharia , que jogava fobre elles , que matou , e ferio na
Capitania alguns foldados , affiítindo o Conde valerofa-
mente nos lugares mais arrifcados. Voltou para Lisboa,
e o do Prado , diísuadido das efperanças deite foccofro,
continuou a defenfa de Entre Douro , e Minho.
; D. Balthafar Pantoja na indeterminação em que fe.
achava de pafsar a Braga, ou a Ponte de Lima, pelas dif>.
ficuldades, que lhe repreíentavaõ para confeguir qual-:
quer deitas em prezas , elegeo por mais fácil a interp re-
za do Caítello de Lindofo íituado , entre as afperezas-
da Raya Seca , cinco legoas diítante de ambos os quar-
téis , e féis de Braga-, de caminhos mais intratáveis pe-
la parte de Portugal , que pela de Galliza 5 e como a
çpnfervaçaõ deite Ceítello naõ era de muita importan<
cia , fe achava fem mais preíidio , que alguns paizanos
governados por Manoel de Soufa de Menezes íeu Al-
caide mór. A confeguir eíta empreza marchou* o Ge-
neral da Artilharia D. Francifco de Caílro com dous mil
Infantes , e mil ,e quatrocentos çavall os , eem Lindoío
íe haviaó deencorporar com elles três mil Infantes,
mandados . pelo Arcebifpo de Santiago. Todos a hum
tempo
V
Parte n. livro vil *9
tempo aviltarão o Caílello , e querendo inveílillo , re- Ànno
cearão a reíbluçaõ , com que o Alcaide mór fé difpoz
á defendello. Aguardarão por duas peças de artilharia, J«6-l«
que ie conduzirão do exercito com grande diinculdade,
e depois de cinco dias de bataria, e da perda de hum
Sargento Mayor , quatro Capitães, e muitos íoldados,
íe rendeo o Alcaide mór com honrados partidos. C he-
gou ao Conde do Prado a noticia deíla empreza , hum
dia depois da marcha dos Gallegos : intentou foccorrer
o Caíteilo com muniçoens , e Infantaria , mas íem ef-
feit j j e deixou de marchar com todo o exercito , aí-
fim pela pouca importância daquelle íitio , como pelos
rifcos, a que ficava expoíla toda aquella Provincia. D.
Balthafar os dias , que durou o ataque de Lindoío, pro-
curou, divertir o exercito , intentando queimar a Villa
da Barca vizinha ao feu alojamento, porém fem defen-
fa , e com pouca povoação. Para confeguir eíle inten-
to , fahiraõ do quartel oito batalhoens , e quantidade
de mangas de moí que teiros. O Conde do Prado ven-
do eíta refoluçaó, mandou ao Tenente General Fernão
de Souía com trezentos Infantes a defender a VilJa , o
queconíeguio, obrigando aos inimigos a íe retirarem
com algum damno. Era continuo , o que recebiaó da
vigilância do Conde de S. Joaó; porque hora nas eílra-
das dos eorriboys cortando-os,hora armando ás partidas
deíordenadas , que fahiraõ do exercito a fazer prezas,
poucos dias ha via, que a nofsa Cavallaria fe naõ remon-
taíse de cavallos inimigos. Achava-fe emboícado o Te-
AQn™ André Gonçalves com vinte cavallos na eílrada
de Monção , a tempo que pafsaVa hum Terço de Mili-
cianos para o exercito, que conítava de quatrocentos
imantes , na confiança das continuas partidas da Cavai-
mia i que feguravaó aquella eítrada: iiaõ perdeo o Te-
nente , que era valeroíò , occafiaó taó opportuna J dei-
xou palsar a retaguarda , e entrou por ella com os vin-
te cavallos unidos , correo até a Vanguarda , matando ,
e ferinco com tanto eftrago , que em pouco efpaço fi-
cou a Campanha coberta de mortos, e feridos, eelle
ie retirou para o exercito carragado dedefpojos ,efe-
guido
?o PORTUGAL RESTAURADO,
ÀtUIO guido de prifioneiros , fem receber dam no algum. D.Í
\{(r. ^althafar Pantoja determinou mudar de íitio , como
o enfermo , a que naõ aproveítao remédios , e elegendo
huma noite tempeítuoía , pafsou o Lima , e toruou a.
occupar o quartel de Murilhoens , e Giela; e como a
quantidade da agua , que chovia , fez crefcer o rio de
forte , que cobrio a ponte , que era de madeira , e a
prefsa de pafsar o exercito , iem ferfentido dasnofsas
ímtinellas , foy grande , a muitos íbldados levou a cor-
rente. O fracaço , e o rumor facilitou eíta noticia ao.
Conde do Prado , que determinou feguir os inimigosj
porém naó confentio abalar o exercito de noite, co-
mo pertendeò o Conde de S. Joaõ com o intento de
Hie embaraçar a marcha , fazendo tocar juntamente ar-
ma na retaguarda , que faria prédio deter-fe pelo in-
certo perigo , que a cerração da noite na© deixava di-;
itínguir , e que com eíta dilação chegaria a luz da ma- .
nhãa , e feria fácil derrotar toda a parte do exercito r
que naõ tivefse pafsado a ponte. Porém o Conde do Pra-»
do , que fiava mais do exame dos olhos , que da incer-
teza da fortuna , naõ permittio, que fepelejafse de noi-
te. Logo que amanheceo , chegou ao rio o Conde de
S.Joaõ ,e naõ achando deita parte mais , que o ultimo
batalhão , o carregou com tanta fúria , que fem repa-
rar no perigo , a que fe expunha, pafsou intrepidamen-
te da outra parte com os batalhoens , que o acompa-
nhava Naó dilatou D. Balthafar Pantoja uíar da op-
-portuna occaíiaó de fer author no mefmo pafso , em
que íe conhecera réo taó poucas horas antes ; voltou
com a retaguarda , fez o meímo a vanguarda , que já,
hia chegando a Murilhoens , etodo o exercito fe dif-
poz á vingança de tantos aggravos recebidos nos en-
contros antecedentes : porém o Conde de S. Joaõ , que
nos mayores perigos affinava o valor, e a deítreza, aju-
dado do terreno occupou com partidas de Ca valia ria >
e mofqueteiros todos os pafsos eítreitos , e os defen-
deo com taó invencível conítancia , que fendo repeti- ;
das vezes accometidos; em todas foraõ os inimigos re-,
chaçados j e deu tempo , a que oC onde do Prado , ven-
do
PARTE II. LFKO VII. 51
do o perigo que corria, viefse diligentemente a foccor- Amo
rello , fazendo o Meítre de Campo General marchar o /,
'exercito com tanta preílreza , que brevemente pafsou a l"6*m
ponte contra o parecer de muitos Oíticiaes , que decla-
rarão , e propuzeraõ o perigo , a que feexpunhaó, e
unicamente ficou ^ deita parte do rio o Meílre de Cam-
po Luiz de Sancé com o leu Terço , occupando hum
lítio ta õ ventajolb , que occaííonou com as bocas de fo-
go grande damno aos inimigos. Por todas as partes ie
pelejava entre os dous rios Vés , e Lima taõ furioia-
mente , que a fer o terreno menos embaraçado, naquel-
le dia ie terminarão todos os intentos daquella Campa-
nha. D. Balthafar , vendo taõ invencível refiílencia na
vanguarda , mandou pela retaguarda as Tropas estran-
geiras avançar hum pafso , que defendiao os Capitães
de Infantaria Fernão da Silva e Sou la, Francifco de Fa-
lhares, Marcos de Brito , Joaõ Pereira , e Fernão Ma-
chado com as fuasCoropanhias.Foraó valerolamente re-
cebidos , e furioíamente rechaçados , e ajudados da ef-
treiteza dos callejoens os levarão tanto eípaço , que
ficou o exercito feguro daquelle lado. Nefte tempo ha-
via chegado a noísa artilharia \ e começando a jogar
com maravilhofo efieito , igualmente le pelejava por
todos os lados com ventajem conhecida do nofso ex-
ercito. Porém ainda que o damno , que os Gallegos pa-
deciaõ , era grande, por naõ experimentarem outro
mayor , fe naõ retirarão até cerrar a noite j porque a
marcha era por huma ladeira , com que íe expunhaõ
fem reparo todos os foldados á livre pontaria dos nof-
los moiquetes , e artilharia. Cerrada a noite , fe retirou
D. Balthafar Pantòja deixando na Campanha mortos
quatrocentos homens, naõ havendo cultado mais vidas
que as de trinta Portuguezes. Amanhecerão os Galle-
gos outra vez alojados no quartel de Giela , e o nofso
exercito feguindo-os, tornou a occu par o alojamento
do Souto; edefejando o Conde do Prado occaíionar-
lhzs mayores incommodidades , mudou o quartel para
S. Bento , que ficava taõ vizinho aos inimigos , que fó
o no Vés com muitos países livres fé interpunha en-
tre
i66i.
31 PORTUGAL RESTAURADO,
AnnO tre. os dous quartéis. Com damno de ambos jogava a
artilharia dehuma , e outra parte > e coníiderando o
Conde do Prado , que por huma antiga ponte de ma-
deira recebiaõ os Gallegos commodamente os comboys,
que vinhaó dos Fortes da Portela de Vés , a mandou
huma noite arruinar pelo Cómiísario geral João da Cu-
nha , que naõ achou contradição , que naõ foles vencí-
vel. Quando amanheceo , acodiraô os Gallegos a exa-
minar eíle damno , e acharão occupado o poíto pelo
Conde de S. Joaó com a Cavallaria , e mangas de mof-
queteiros ; e como o rio embaraçava pelejar-íe corpo a
corpo , contenderão as bocas de fogo cinco horas ; e
intentando hum troço de Cavallaria extrangeira paísar
o váo , foy rebatido dos Capitães de cavallos Jeronr-
mo da Silva , e Gonçalo Vaíques da Cunha. Partio a
noite a contenda , e vendo D. Balthafar mal fuccedidas
todas as emprezas difficeis , determinou com as fáceis
deípicar o feu enfado, mandou queimar a Villa dos Ar-
cos de Vai de Vés íituada entre ambos os exércitos íem
défênfa , nem moradores ; e o Conde do Prado havia
deixado de lhe meter guarnição , porque D. Balthafar
varias vezes havia tido occaliaõ de fazer eíteeítrago»
fem o executar. Avifado das chammas mandou oCon-?
de apagar o fogo , e cuítou eíla diligencia a vida ao
Capitão Marcos de Brito , e alguns loldados ; porém
eftava ta õ ateado , que padecerão as calas grande ruí-
na. Prefiítiraõ os Gallegos no quartel da Giela até três
de Outubro , fendo quafi incefsantes as baterias da arti-
lharia , e bocas de fogo. A noite c|o dia referido mar-
chou o exercito com tanto focego , que naõ fentiraõ" o
rumor as fintinellas j e com tanta diligencia , que pelas
oito horas do dia ardiaõ os quartéis defoccupados. Le«.
vava o lado efquerdo coberto com o rio Vés , e ne-
íta confiança pafsou a ponte de Azere , ribeiro, que def-
agua no meímo rio Vés : e pela margem delle fegurou
a paisagem da ponte de Villela. Coníeguido eíte inten-
to > continuou a marcha por íitios taõ embaraçados de
cortaduras , e callejoens , que poucos mofqueteiros ba«
ftavaô, para fegurar na marcha todo o exercito. O nof-
fo
PARTE II. LIVRO VII. 33
fo mandou o Conde cio Prado Jformar com a diligencia Anilo
tantas vezes experimentada , e o fitio moítrou ao Me- ,,
itre de Campo General a forma, em que havia de íe- l0"i«
guir a marcha $ porque a Cavallark, e Infantaria em
huma linha buícou as alturas de Monte Rodondo , le-
vando o exercito inimigo no lado direito , e artilharia,
e carruagem em outra linha coberta com a primeira-
Seguirão a eítrada do Cerro do Bico ; e neíla difpofi-
çaõ marchou o exercito toda a noite , pertendendo o
Conde do Prado adiantar-fea ganhar o poíto de Pedro-
fo ibbre os Fortes da Portella de Vez , por ie livrar do ■
cuidado dos lugares , e officinas de Coura. Amanheceo
na Gieíleira , meya legoa de Pedrofo , e taõ adiantado
ao exercito inimigo , que feguramente mandou fazer
alto para defcançarem os foldados , que valerofos, e
obedientes moílravaó , que o naõ appeteciaô. Informa-
do D. Balthafar da ventagem , que o Conde do Prado
havia confeguido contra tudo , o que o íèu difcurfo ti-
nha imaginado, difse com galantaria : Q.ue e^e íè des-
enganava de que na 6 podia defobrigaríè de fer Quartel
Meílre de ambos os exércitos , porque naó íb nos alo-
jamentos, que ganhava , fenaó nos que pertendia oc-
cupar , fmalava ao nofso exercito os íitios , que o in-
commodavaõje reconhecendo arrifcada a primeira refo-
luçaõ , feguio a eítrada dos Fortes da Portella , e foi
aquartelar-fe no primeiro alojamento, que havia oc-
cupado dos altos das Pereiras , e Mourifca ; o quecon-
feguio com grande trabalho pelo pezado , e numerofo
Trem, que feguia o exercito: e o Conde do Prado com-
modamente alojou no Pedrofo , e ao dia feguinte , que /
íe conta vaõ vinte e fete de Outubro , mandou D. Bal- /
thafar Pantoja conduzir a artilharia grofsa para Mon-
ção i\ e para a fegurar , tomou as armas todo o exerci-
to. Fez o nofso com eíla noticia a mefma diligencia >
e tanto que teve principio a marcha , o teve a efcara-
muça , que trava vaô as Companhias da guarda. Acodio •
a foccorrellas o Conde de S. Joaô , e baixou toda a Ca-
vaílaria inimiga a -fegurar o comboy. Por todos aquela
Xes afperiflimos valles prolongou o Meílre de Campo
C Rodri-
\'0
14 PORTUGAL RESTAURADO,
A IirJ3 Rodrigo Pereira Sotto-Maior mil e quinhentas moí-
queteiros, e os Gallegos efpalharaõ pelos moátes aia-
IÔÔ2, da maior numero de bocas de fogo j porém era larga
a diítancia , e oeítroiido era maior, que o eftrago. Al-
gumas das noísas mangas , a que dava calor o Commif-
íario geral Manoel da Coita Pefsoa com quatro bata-
liioens ,-defcobriraó caminho para inveítir hum Terço,
que fe amparava da ruina de humas cafas , aififrido de
tresbatalhoens de Cavallaria com pouca utilidade; por-
que as cortaduras , e calejoens naõ deixava 6 aos cavai-
• los livre operação. Eíta defconflança , e o próprio re-
ceio obrigou aos Infantes a voltarem as coitas, occa-
fionando a eltreiteza do terreno a fernrazaò de ferem
os últimos , que fugirão , os primeiros que morrerão,
franqueando o pafso a padecerem os da vanguarda o
meímo eítrago. Foraó muitos os prifioneiros , e entre
elles o Capitão D. Filippe Preijo , fobrinho de D. Bal-
thafar Pantoja. Acodio ao confli&o a Cavallaria inimi-
ga , e em foccorro das nofsas mangas o Conde de S.
Joaõ, acompanhado dos Capitães D. António Luiz de
Soufa , Capitão da guarda , e de D. Joaõ de Souía feu
irmaó, que de poucos annos galhardos, e vaterofos erao
imitadores das acçoens do Conde do Prado , a quem co-
mo Pay , como Meítre , e como General obedeciaõ > de
Jeronymo da Silva de Menezes , e da Companhia do
Conde deS. Joaó , governada pelo feu Tenente Amaro
Barbofa. Detiveraõ-fe os inimigos comeíte foccorro ,
e ambos os exércitos pelejavaõ por ambas as partes na
forma, que a eítreiteza do terreno o permittia. Todo o
tempo que duram oconili&o , fuítentou o lado eíquer-
do da Cavallaria o Tenente General Fernão de Soufa
Coutinho , com as Companhias de D. Luiz Manoel de
Távora , que com a nova occupaçaó de Capitão de ca-
vallos defcobria porinítantes os quilates mais fubidos
de valor, e entendimento : de Ignacio de França , ea
do Tenente General , que governava o Tenente Tho-
más. Ribeiro de Sampayo. Durou o combate,o que du-
rou o dia , com defufada operação j porque o terreno
dava a forma a ambos os exércitos comamsima irre-
gulari-
PJRTE TL LIVRO LIV. 5?
gularidade , de que fe compunha , e o meímo terreno A nno
embaraçava o ultimo rompimento pelas varias , e diffi- .:
ceis corta duras , com que fe dividia ; e íó liuma dif- i 6Ó2-.
ferença fe conhecia entre os dous exércitos: que os
Gallegos afíligiaõ-fe de naõ achar eítrada aberta por
onde íe retirafsem 5 e os Portuguezes fentiraõ naõ def-
cobrir caminho defembaraçado para os derrotarem. A
noite facilitou aos Gallegos a retirada com tanto tra-
balho, que enterrarão algumas peças de artilharia grof-
f a , que nao puderaó conduzir , e ficou o exercito alo-
jado na ultima, e mais remontada aípereza daquellas
Serras , em que naõ defcobria outra utilidade , que a
fegurança dos comboys , e neíte alojamento aíliíKo até
treze de Outubro , tempo , em que o Conde do Prado
aguardou no quartel referido a determinação de D.Bál-
tli&íar Pantoja , cujas refoluçoens bufcavaô fempre os
meios de as encontrar. Na madrugada de quatorzè de
Outubro fe puzeraó os inimigos em marcha , e fez avi-
zo ao nofso exercito o eítrondo das minas do Forte
das Pereiras,ehum dos dous da Portella de Vez, a que fe
deofogo, recolhida a guarnição depois de marchar a
retaguarda do exercito. Com eíta noticia mandou O
Conde do Prado pegar nas armas , e com tanta diligen-
cia marchou o nofso exercito , que nao pudéraò os Gal-
legos dar fogo ás minas do Forte do Pedrofo , e o dew
xaraõ fem ruina. Foi logo guarnecido pelas primeiras
três mangas de mofqueteiros , que chegarão , e jogou
a artilharia em grande damno dos Gallegos , e os obri-
gou a aprefsar a marcha , eítimulados ao mefmo tempo
dos batalhoens , com que o Conde ;de S. Joaõ mandou
carregar-lhes a retaguarda -, e havendo caminhado per*
to de duaslegoas,ficou aquartelado nos montes de Lor-
delo,íitio,de que ameaçava Melgaço por Ponte de Moin-
?o, naõ ie retirando para Monçaõ* , eítrada , que tam-
bém lhe ficava livre. O Conde do Prado alojou o exer-
cito no quartel da Bulhofa, próprio para acudir a qual-
quer perigo, que íobreviefse: e D Balthafar Pantoja
baixou da Serra para a margem do Minho , e aquarte-
lou o exercito entre Monçaõ, e o Forte do Mouro, for-
e * tifi.
;
/
tf PORTUGAL TIESTJURADO,
Alino tificando hum quartel no lugar da Barbeita com tanta
,, cautela , que manifeílava o. receio de fer desbaratado
IO0&, 0 niefmo t que havia fahido em Campanha , moítran-
do querer deíàfiar aos maiores perigos. Deíie alojamen-
to mandou D. Balthafar reconhecer Melgaço ; porém
osexploradoresforaõ taõ mal hofpedados da guarnição,
que nao voltarão a inquietalla : e o Conde do Prado
tendo noticia que eítava vizinho Manoel Freire de An-
drade , General da Cavallaria da Beira , com trezentds
" cavallos , e novecentos Infantes , chamou a ConfeUio»
e píopoz que o exercito inimigo com indiísoluvel per-
tinácia períiília na Campanha , e que quanto eraò as
razoens mais forçoías de fe retirar ás fuás Praças , para
fe livrar das inclemências do tempo , e aos paizanos de
Galliza das extorfoens , que padeciaõ no feu fuílento y.
e exorbitâncias dos Extrangeiros, tanto maior cuidada
devia occaíionar a refoluçaõ de I\ Balthaíar Pantoja
fortificar o quartel , que occupava t com tanta atten-<
çaõ , I que parecia o fabricava para paísar nelle todo o
Inverno vque a infelicidade, que D. Balthaíar havia ex-
perimentado em' todos os recontros daquella Campanha
( que.pudéraô fer batalhas , fe o feu receio as naõ def-
•viara) infinuava , que nao haveria reíoluçaõ , por árdua
que fofse , que nao abraçafse , por dar côr aos feus in-
fortúnios : queneíta coníideraçaõ era preciío bufcarfe
meio de deíarraigar os inimigos daquellaProvincia qua-
íi exliauíta de mantimentos , por fer devafsãdá de dous
exércitos tantos dias ; que afsás havia juíliíicado a fua
fertilidade em fuftentalos ., principalmente confiando
naõ fe haverem alterado os preços dos mantimentos :
que elle em fatisfaçaò da virtuofa igualdade dos âni-
mos , que em todos os que aííiíliaõ naquelle ConfeUio,
havia experimentado , de que fe reconhecia agradeci-
do por circunílancias inexplicáveis ■> determinava , fem
interpor juizo , feguir o que fe vencefse em matéria taõ
importante , na fé de que havia de fer o que mais con-
vieíse ao ferviço d' EiRey , e ao credito das fuás Ar-
mas. . |
Ventilou-fe largamente no Çonfelho eíta propor-
ção,
TJRTE II. LWK0V11. n
•Çàô , e refolveo-le , depois de diverfas , e importantes /^nno
confideraçoens , que o exercito pafsaíse a alojar a Tur- ^ ,
peris , que divide o Ribeiro de Gadanha da Campanha 1^0 2»
deCortos , e era fó o embaraço , que ficava feparando
os dous exércitos ; e que na mefma noite, que fe co-
cupafse eíle quartel, íe adiantafse hum corpo de Infan-
taria com mineiros , e mantas,, que em continente íe
arrimafsem ao Caítellg d^Xâpella í porque na diligen-
cia de inveítillo confiiria a certeza de ganhallo , pois
dando-fe tempo aos inimigos de o íbccorrer, leria o in-
tento naõ fó difficultofo , mas quah* impoífivel j e que
neíta contingência fempre era faótivel lograr- fe o in-
tento pertendido de defalojar os Gallegos do quartel ,
em que eítavaõ , e confequentemente de toda a Pro-
vincia. Foi eíta opinião uniformemente feguida de to-
dos os votos , e executada com fumma brevidade, pon-
do-fe o exercito em marcha a nove de Novembro a
occupar o quartel referido: e como muitas vezes até
a demaziada diligencia he nociva,por fer a regularidade
nivelada entre os dous extremos da preísa , e vagar ,
e fó a ordem consuma a perfeição das em prez as , a bre-
vidade de marchar o exercito perturbou a difpofiçaõde
fahirem de vanguarda os mineiros , e inítrumentos de-
ílinados , para íe arrimarem ás muralhas de Lapella ; e
eftedefcuido difficultou aempreza , naõ havendo nel-
le mais difculpa , que ferem ordinariamente as idéas
como as fementeiras, que produzem conforme a terra,
em que fe lança ó. D. Balthafar Pantoja com o primei-
10 avizo do movimento do nofso exercito para Turpe-
ris , largou o alojamento , em que eílava , e fe ar rimou
a Monção , e na mefma noite paisou o Minho , e dif-
poz o foccorro de Lapella, que a noisa artilharia come-
çava a bater com dous meios canhoens , duas peças
de fete , e hum morteiro , e no principio do ataque
fe levantou hum Fortim : porém a empreza fe hia con-
tinuando com infuperavel perigo ; porque D. Balthaíat
feoppoz ao nofso intento com todo o exercito , eent
cinco baterias fez jogar dezanove peças grofsas , que*
íuppoíto fe plantarão da outra parte do. rio , naquella
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58 POKTUGÂL ViESlJUtA&O ,
'Anno ne ta^ eítreito , que fe pôde julgar por fofsD de Lapel-
la K por cujo refpeito todas as balas íe empregarão nos
' nofsos qu ateis : e naõ perdoava D. Balthaíar a diligen-
cia alguma,por naó accrefcentar cora algum novo defar
os infortúnios pafsados*, entendendo , que noferviço
dos Príncipes naó pode o valor , nem a boa difpoíiçaó
evitar fahirem fempre condemnados os infelices. Era
neíta vigilância o mais prejudicado o Meítre de Campo
Luiz de Sancé , a quem o Conde do Prado havia eny
tregue o governo do aproxe , pleiteando-fe-lhe qual
quer palmo de terra, que ganhava, com tanto ardor ,
e multiplicado poder , que nem fer continuamente re-
gada com fangue lhe fazia colher fruto do feu traba-
lho. Chegando porém a alojar-fe tiro de piílola da eí-
tacada de Lapella , laborava a artilharia incefsantemen-
te contra a Praça , crefcendo nas plataformas o nume-
ro das peças ,porém pela eílreitezà dorecincto recebia
maior damno das bombas , que cahiaó no aproxe , on-
de os Cabos aííiíttaõ com valoro fa emulação : e vendo
o Conde de S. Joaõ creícido o nofso exercito ao nume-
ro de treze mil Infantes , e mil e quinhentos cavallcs,
provocava inceísantemente os inimigos a pelejar fora
dosaproxes , porém delles com repetidas fortidas pro-
curava 6 iófufpender a execução do trabalho.Huma das
noites , em que eítava de guarda o Commifsario geral
João da Cunha Soto- Maior com quatro batalhoens, fo-
raó vivamente atacados os Infantes , que trabalhava õ •,
porém taõ valo rofamente defendidos , que os Caítelha-
nos fe retirarão com grande perda. Repetio-íe efte mef-
1110 intento na noite de dezoito de Novembro , eftan-
do de guarda com o mefmo numero de batalhoens p
Tenente General Fernão de Soufa Coutinho •, mas era
taô grande a tem peita de da agua , que competia com
a do fogo , que da Praça , baterias , e exércitos fe re-
petia taõ incefsantemente , que fazia refplandecer o ef-
curo das nuvens , que cobria õ o Ceo , eo tenebroío do
fumo , que occupava o ar. A tempeftade , e o eiirondo
diffimularao o rumor da paisagem de mil cavallos , ou-
tros tantos Infantes , e quantidade de Granadeiros, que
PARTE 11 LIVRO VIL 59
pafsarajS a LagelJâJ por huma ponte lançada em o fun- Anno
do de dous braços , que formão no rio Minho huma * s-
pequena Ilha , e unido elte corpo aos mais àefeh fores I002'
da Praça, inveíliraô tao furioiàmentejoaproxe, que
delalojaraõ todos,os que trabalhavaÔ nelle.Acodio Fer-
não de Souía, e fazendo deter os Infantes, fe travou
huma porfiada contenda, determinando os inimigos
conlervar o que haviaõ ganhado j e Fernão de Soufa re-
ílaurar o que eílava perdido. De hum , -e outro exer-
,cito fe repetirão os íoccorros de forte , que a fer o fi-
tio mais efpaçofo , fe pudera nefte dia travar a bata-
lha. Ultimamente depois de muitas mortes , e difpen-
dio de fa ngue , tornou Fernão de Soufa a recuperar o
aproxe , retirando-fe os Gallegos com perda coníidera-
veb,fignalando-fe nefta occafião D.Luiz Manoel deTa-
vora com tanta particularidade , que merecerão os íeus
poucos annos infinitos applaufos •, o Capitão de cavai-
los Fernão Pinto Bacellar , e o Tenente de Fernão de
Souía, Thomás Ribeiro de Sampayo. Ao mefmo tem-
po deftaiortida , querendo D. Balthafar entregar .fe to-
do á fortuna nefte ultimo combate , mandou inveftir
.por varias partes o nofso quartel •, porém a vigilância
invencivel do Conde do Prado , e dos mais Cabos , e
píflciaes do exercito desbaratou efte empenho, fendo
valoro fomente rechaçados todos , os que furioíamente
inveftirão» A manhãa dividia a contenda , e a prudên-
cia , e induftria de João Nunes da Cunha fez feparar os
.exercitos,quando parecia mais indifsoluvel o empenho,
em que feachavão*, pedindo a reputação das Armas
Portuguezas , que o Conde do Prado não defiíHfse do
intento de ganhar Lapella , e difficultando-o osmnti-
,nuos foccorros , com que fuítentava eíta Praça opo-
derofó exercito contrario.
Nas fufpenfoens das efcaramuças havia tido João
Nunes lugar de introduzir em o Marquez de Penalva
.praticas de ajuítamento das duas Coroas , moftrando-
lhe evidentemente os interefses públicos, e a gloria
particular, que poderia çonfeguir, efcurecendo nella os
íuccefsos paísados , que nas defattençoens de feu pay a
C 3 podião
/•
4o PORTUGAL RESTAUHJDO,
Anno podiaò abater i e conhecendo Joaó Nunes, que naô de£
\66l a3radava° eítaspropoíiçoens ao Marquez de Penalva,
* esforçou o combate politico , e a titulo de familiari-
dade , e confiança lhe communicou que eítava para
fe concluir huma liga com a Coroa de França : e como
o Marquez tinha noticia de que eílã matéria fe tra^
tava, fez-lhe grande impreísaõ entender, que fe con-
cluia •, e reconhecendo-a João Nunes ha fynceridade
do feu animo , penetrou , que fe defcobria caminho
de fe retirar o exercito com reputação. Deo conta ao
Conde doPrado(q naòera menos induítriofo) , e alcan-
çarão ambos permifsaõ da Rainha para fe continuarem
as conferencias ; e tendo o Marquez de Penalva con-
feguido a mefma licença d'ElRey de Caílella , ajudado
de D. Balthafar Pantoja , que defejava acabar a Campa-
nha fem novos infortúnios, a poucos lances, depois
deter principio a conferencia , logrou Joaó Nunes a
induítria, com que havia difpoíto fer o Marquez de P e-
mlya o primeiro , que pediíse fufpenfaó de armas , e
diviíaó dos exércitos , para fe poder tratar mais for-
malmente de matéria taô importante.Aceitou Joaó Nu-
nes promptamente a propelia , e a vinte e três de De-
zembro fe retirarão os exércitos aos leu s alojamentos
com tanta alegria dos Povos de hum , e outro Reyno ,
havendo-íe divulgado a pratica , que os dividio , co-
mo fe virão confeguido o tratado da paz , a que ainda
fe naó havia dado principio. Foijjoaó Nunes conti-
nuando as conferencias,havendo tirado delias a primei-
ra utilidade de livrar o exercito do empenho do fitio
de Lapella ; e fuppoílo que o negocio , que fe trata-
va, naó tinha fundamentos folidos para fe confeguir,
foraõ muito grandes as utilidades, que refultaraó deitas
conferencias , e com ellas tivera ó remate os progrefsos
deíla Campanha venturofamente pleiteada dó valor, e
deítreza do Conde do Prado , e dos mais Cabos , e Of-
iiciaes do exercito ; particularizando-fe com grande ef-
pectalidade o Conde de S. Joaó , affim nos importantes
foccorros de Trás os Montes , como na diligencia, com
que confeguio formar a CavaUaria da gente mais nobre
de
PMTE IT. Limo VIL
de Entre Douro , e "Minho , e Trás .os Montes ; fácil i-
tando-lhe com o exemplo do leu vaior todas as em-
prezas , que fe offereceraó em defenfa daquella Provin-
da , e fendo próprio inítrumento de fe augmentar a
gloria, que o Conde do Prado confeguio naqueJia Cam-
pa alia.-
A Província de Trás os Montes pafsou efte anno
quafi livre das moleítias da guerra , por fe haverem em-
pregado as tropas de Galliza na conquiíla deEntreDou-
ro , e Minho : e por fenao haver quebrado o concerto
de fe ábíter das entradas , e prezas a Cavallaria de hu-
ma , e outra parte , tocando o governo das Armas ao
Tenente General da CavallariaDomingos da Ponte Gal-
lego*, teve avizo no íim de Outubro por hum volantim,
que veio de Monte-Rey , que daquella parte fe havia
por levantado o ajuílamento da lufpenfaô das pilha-
gens. Comeíta advertência dobrou a vigilância , e re-
iultou do Teu cuidado livrar os lavradores da Raya do
prejuízo , a que eíliveraõ expoítos ; porque ao avizo ,
que os Gallegos fizera õ , fefeguio entrarem com cin-
co mil homens na Campanha de Chaves $ porém achan-
do os gados recolhidos , e os paizanos retirados aos lu-
gares mais fortes, fe recolherão fem algum effèito
aos feus prefidios ; e voltando neíte tempo o Conde de
S. Joaõ para Trás os Montes com as tropas vieioriofas,
que havia levado a Entre Douro , e Minho, naõ fó pre-
fervou aquella Provincia dos damnos , que coíhimaraó
padecer aquellas fronteiras \ porém foraó tantos , e taó
contínuos os eílragos , que padecerão os inimigos, que
até o tempo da paz , como referiremos nos annosfe-
guintes, foi a fua ruína occafiaó , pela induítria do
Conde , e pelo feu valor , da melhora , e aug mento das
tropas daquella Provincia.
O Partido de Almeida governava no principio de-
ite anno Joaó de Mello Feyo ; e tendo noticia a vinte
e hum de Janeiro, que o Duque de Ofsuna marcliava
com três mil Infantes', e oitocentos cavallos a ganhar
Almofala , e havia feito alto em Campo Rodondo, por-
que os da Villa fe naõ quizeraõ render a huma partida,
que
4» PORTUGAL RESTAURADO,
Ann'0 que mandou diante a períuadilos,fahio de Almeida com
166 1 t.rezentos eavallos atempo , que os Caílelha aos fe re-
• tilarão obrigados de huma grande tempeítade-, e como
os rios crefceraô com as aguas,vaIendo-fe Joaô de Mel-
lo da oportunidade , derrotou na paisagem delles par-
te da Infantaria , tomou algumas cargas de muniçoens,
e ferramentas , e fe retirou queixofo , de que o Conde
de Villa-Flor o naõ íbcçorrera a tempo, que pudera lo-
grar melhor fuccefso. Poucos dias depois do referido,
apertado de achaques pedio licença á Rainha para lar-
gar o governo. Concedeo-lha,nomeando-o Confelheiro
da Fazenda, e ficarão os dous Partidos entregues á di-
recção do Conde de Villa-Flor. E tendo nefte tempo
avizo do Conde de Schombe rg , que era muito impor-
tante fazer alguma diverfaõ , que feparafse a Cavala-
ria inimiga , que eítava junta mandou ao Meítre de
Campo Diogo Gomes de Figueiredo com quatrocentos
Infantes , e cento e cincoenta cavallos governados pe-
lo Commifsario geral D.Martinho da Ribeira,que mar-
chaíse ainterprendera Villa deEljas rica, e opulenta.
Executou elle a ordem com fegredo , e cuidado , de
quereíultou entrar na Villa, fem fer fentido. Ganharão
logo os foldados todos os poítos necefsarios , para im-
pedirem aos moradores, que fe recolheísem ao CaílellQ,
e fem oppoíiçaõ faquearaó a Villa, em que acharão del-
-pojos,com que puderaó tolerar a falta de pagamentos,
que por dilatada , era muito fenfivel. Retirou-iè Dio-
go Gomes , e o Conde de Villa-Flor prevenio as Pra-
• ças , e teve a gente prompta , por lhe chegarem repe-
p?C tidos avizos , de que o Duque de Ofsuna fe preparava
para fahir em Campanha ao mefmo tempo , que D.
João de Auítria , e D. Balthafar Pantoja défsem princi-
pio aos feus progrefsos nas Provincias de Alentejo , e
Entre J3opro , e Minho •, e não lhe embaraçou efte cui-
dado foccorrer ao Marquez de Marialva com quinhen-
tos Infantes pagos , dous Terços de Auxiliares , dous
mil foldados da Ordenança , e duzentos cavallos , fi-
cando-lhe por efte refpeito muito faltas de muniçoens
dez Praças principaes , e vários Caílellos importantes,
acerei^
PARTE II. LIVRO VII. 43
«accrefcentando-lhe o embaraço a falta de afsento de
paó de munição, e dinheiro para o pagamento dos Sol-
dados j defordem , que attribuia fem caufa á inimizade
do Secretario de Eirado Pedro Vieira da Silva : e che-
gou a taó manifeíta demonítraçaõ, que pedio i Rainha
Miniftro , a quem recorrefse ■, diligencia , que Pedro
Vieira íentio exceílivamente, pela contingência de fe
poder fuppor que preferia paixoens particuJares ao
grande zelo , com que tratava da defenfa do Reyno,
fem fe lembrar fer eíta a forçofa penfaó de qualquer
Miniítro publico -, oiHcio taõ pezado , que nem baila
concorrer a virtude do animo com a felicidade dos fuc-
cefsos para o fazer ligeiro •, porque á fortuna do Mini-
ítro benemérito faz tiros a inveja , a difgraça, e a igno-
rância ; fe ferve puramente > tem por oppoíro o malé-
volo, a quem caítiga : fe defacerta,a mefma culpa, com
que condemna oinnocente: ehe taõ cega a ambição
dos homens , que arrifcaõ naô fó a vida , mas a alma,
por lograr occupaçoens taõ perigofas, que os acertos,
e os erros igualmente pendem para o precipício. Ao
jpafso que crefciaõ as noticias de que o Duque de Of-
iuna íahia em Campanha, lê multiplicava o aperto,
que o Conde de Villa-Flor padecia*, mas vencendo a
lua actividade todos os impoííiveis , tomou fobre o leu
credito o trigo , que era necefsario para o lavor do
paó de munição: pagava com o feu cabedal as carrua-
gens , e as ferragens dos cavallos , e ajudava-íe pára
o remédio de tantos inconvenientes da actividade de
Manoel Freire de Andrade, novamente provido no Po-
flo de General da Cavallaria daquella Província.
Pafsaraõ alguns mezes fem algum encontro : no de
Outubro teve D.Sancho noticia de que a Cavallaria dos
Caftelhanos fe accrefcentava com Companhias de Ca-
talunha, deíaccupada a fronteira de França das guarni-
çpens, com que fe defendia , pelo benefício do ca la-
mento., e paz celebrada entre as duas Coroas. Antes
que os novos hofpedes tomafsem mais conJiecimento
da Campanha , e primeiro que perdefsem o calor dè
moítrar aosiaimigos os contrários os effeitos da fua re*
folu-
Anno
1662.
r
IBP
flir
44 PORTUGAL RESTAURADO ,
AttHO foluçaõ, te a fciencia da fua difciplina , ( vaidade?
■ J, que muitas vezes tem precipitado aos Soldados mais
0 prudentes* e vigilantes ) marchou D.Sancho com du-
zentos e íefsenta cavallos a fe embolcar entre- as Pra-
ças da Sarça , e Salvaterra , e mandou ao Gommilsario
geral D. Martinho da Ribeira , que com hum batalhão
pccupafse hum poíto. vizinho á Sarça^para carregar os
cavallos , que fahiísem delia a defcobrir a Campanha.
Ào amanhecer fahio daquella Praça huma Efquadra, e
foi carregada de huma partida noísa , difpoíta para ef-
teeffeito. Eftavaõ na Sarça alojadas fete Companhias,
de cavallos , cinco de Catalunha, duas da guarnição or-
dinária. Achava õ-fe montadas as do Baraô de Santa
Chriílina , e as de P. António Pinhatello , fobrinho do
Duque de Monte-Leaõ. Tanto que ouvirão tocar arma,
fahiraõ os dous Capitaens em foccorro da Efquadra ; e
como eraõ pouco práticos no terreno , brevemente fe
acharão cortados das Companhias de D. Martinho da
Ribeira. Pertenderaó refiítir , mas foi fem effeito , e
quando quizeraõ retirarfe , as acabou. D. Martinho de
derrotar , falvando-íè unicamente o Baraõ de Santa
Chriítina. Os mais Ofíiciaes, e Soldados foraô mortos, e
prifioiieiros , e entre eítes D. António Pinhatello. Re-
tirou-fe D. Sancho , e os Catalãens fe acautelarão , ef-
carmeutados deite máo fuccefso.
O Duque de Ofsuna applicava, quanto lhe era
poílivel , fahirem Campanha , e o primeiro de Junho
intentou • paísar a Ribeira de Águeda , e entrar no ter^
mo de Caítello-Rodrigo. Teve avizo Manoel Freire ,'
que aíTiília em Almeida í marchou com trezentos cavai-
los , e averiguando que haviaó pafsado o rio mil e
quinhentos Infantes, os mandouinveítir pelo Commif-
la rio geral D. António Maldonado , de que refultou re-
trocederem com alguma perda ; e o Duque de Ofsuna
retira r-fe para Ciudad-Rodrigò. Voltou Manoel Freire
para Almeida ; e dentro de poucos dias chegou o Con-
de de Villa-Flor áquella Praça , entendendo , que toda
a inclinação do Duque de Ofsuna era fazer guerra por
aquelle diítricto } e que juntava tropas para dar á ex-
ecução
PARTE 11. LIVRQ Vil. 45
ecuçaó eíte intento. Com eíta preíumpçaõ unio agen- Anno
te paga , auxiliar , e alguma da Ordenança , e deixan- • ,
do as Praças guarnecidas , marchou para o Sabugal,on- IM^h*
de achou noticia que fe havia deívanecido a determi-
nação do Duque de Ofsuna , e que em Alvergaria ha-
via entrado hum grofso comboy.Entendeu poderia pre-»
judicar-lhe na retirada; e com eíle fim mandou ao Com-
miísario geral D.Martinho da Ribeira com duzentos
cayallos, eteve taõ bom fuccefso , que derrotou o
comboy , e fez priíioneiros duzentos Infantes , e alguns
ca vallos; fendo o Capitão André Tavares de Mendonça,
a quem tocou a melhor parte deite fuccefso , acompa-
nhado de Joaó de Saldanha, e Salvador Corrêa, ambos
eítudantes de pouca idade, que por curioíidade haviao
falsado á Beira ,. e refiíHraõ largo efpaço a muitos Ca-
ítelhanos , com quem pelejarão , até que fendo íbcco.r-
jridos, os desbaratarão. Retirou-fe D. Martinho •, eo
Conde de Villa-Flor pafsou a Almeida , e applicou to-
do o cuidado a acodir aos muitos perigos , que araea-
çavaó aquella Provinda , fendo muito poucos os me-
ios , com que fe achava para reíiítir a taô confideravel
empenho.
Dilatou o Duque de Ofsuna fahir em Campanha até Entr* o *>uqa$
.oito de Julho , determinando utilizar com os feus pro- d.e °^una »<>*
~ r j ' r\ t -» j » /l • •-. n j dous t ai tidos
greisos os de D. João de Auítna. Confiava o corpo do da Beira cot»
exercito, com que marchou , de íeis mil Infantes, oi- o exercito de '
tocentos cavallos , nove peças de artilharia de Campa- CaM*>
nha , quatro meios canhoens , quinhentos carros,quan-
tidade de muniçoens , e vários inílrumentos de expug-
naçaõ; Tomou o primeiro alojamento no Forte de Ga-
, lhegos , três legoas diítante de Almeida , duas de Vai
de la Mula j continuou a marcha pelo termo de Caftel-
lo-Rodrigo, onde queimou alguns lugares abertos, que
o Conde de Villa-Flor havia mandado defpovoar ; fez
alto em Elcalhaõ , e nefte lugar , que fica vizinho da ccmefa a h*
. Raya , de o principio a hum Forte. Achava-fe o Conde ™*^r hlt™
de Villa-Flor com quatro mil Infantes , em que havia %\b(S% *** !
fó hum Terço pago , com féis Companhias de cavai-
los, a que fe união alguns da Ordenança/alto de man-
timea-
A6 PORTUGAL RESTAURADO,
AnnO timentos', e dinheiro, mas com fobrada confiança no
j£> feú esforço , e diligencia. Gom eíta gente tomou alo-
IÓ62. jamento na Ribeira de Aguiar,meya legoa de Efcalhaõ;
porque deite íitio cobria grande parte dos lugares dé
"Ribacoa \ reíbluçaõ, com que atalhou o intento do Du-
que de Ofsuna , que fe achou grandemente embaraça-
do , nao íabendo determinar-fe , nem a pelejar com o
Conde de Villa-Flor no quartel T que havia occupado,
nem ainveítir a Praça guarnecida > e ;efolvendo tomar
a eílrada mais fegura , fe retirou para Ciudad-Rodrigoj
e o Conde de Villa-Flor vendo lograda a fortuna , que
nao efperava , pafsou a Efcalhaõ , e aperfeiçoou o For-
te , que o Duque de Ofsuna havia começado ; e dei-
xando-o guarnecido , fe retirou para Almeida , e fem
dilação licenciou aos foldados Auxiliares , e da Orde-
nança , para acodirem ao remédio das fuás cafas no re-
colhimento das fementeiras. Valeu-fe o Duque de Of-
íuna deita noticia , e havendo-lhe chegado novos foc-
corros , que lhe remeteo D. João de Auítria , mandou
avançar vinte batalhoens de Cavallaria ao Forte de Ef-
calhaõ ; porém reconhecendo-o melhor guarnecido, do
que imaginarão , e a Campanha totalmente falta de
agua, por haver o Conde de Villa-Flor mandando cegar
algumas fontes , que nella Jiavia , a que a força arden-
te do Sol tinha perdoado , voltarão para Ciudad-Ro-
drigo : e vendo oPuque de Ofsuna repetidas as infe-
licidades, intentou, e confeguio atalhar a defgraça com
a induítria. Governava o Forte de Efcalhaõ o Alferes
João Rodrigues do Terço de Bartholomeu de Azevedo:
mandou-lhe por huma intelligencia oíFerecer grandes
partidos , fe lhe entregaíse o Forte. Deo entrada o Al-
feres a eíta propoíiçaõ , e a poucos lances venceo a
ambição a fidelidade , e contratou entregar o Forte. A
vinte e dous de Setembro , íeguro o Duque de Ofsuna
na verdade daoíferta , fahio deCiudad-Rodrigo com
.a Cavallaria , e duzentos Infantes, e fem reíiítencia en-
trou no Forte , por haver o Alferes fechado as armas,
e as muniçoens com tanta íegurança , que nao pude-
ra õ os foldados ufar delias , quando fejitiraõ a chegada
dos
PARTE 11. LIVRO Vil 47
dos Caítelhanos. Adiantou o Duque as fortificaçoens, Aíino
reforçou a guarnição , e retirou-íe para Ciudad-Kodri-
go a premiar ao traidor afortuna, que havia coníe- l^^2t
guido.
Chegou a noticia da perda de Efcalhaõ ao Conde
de Villa-FIor , ebufcou odefafogo do feu ientimento
na refoluçaõ de o tornar a recuperar por rneyos mais
decoro íbs , e com eíte nobre impulíb do valor juntou
diligentemente três mil homens pagos, e Auxiliares,
governando os pagos o Meílre de Campo Diogo Gomes
de Figueiredo , acompanhado de Diogo Dias Sargento
Maior de Bartholomeu de Azevedo ; os Auxiliares o
Meílre de Campo Francifco de Sá Coutinho , e os Sar-
gentos Maipres Joaõ Gonçalves , Luiz da Silva , e Ma-
noel Fernandes Laranjo , e feiscentos cavallos á ordem
do General da Cavallaria Manoel Freire de Andrade,af-
fiítido dos Commifsarios geraes D. Martinho da Ribei-
ra , e D. António Maldonado, quatro meios canhoens,
e duas peças de Campanha entregues ao Tenente Ge-
neral da Artilharia Paulo de Andrade Freire, munições,
e mantimentos necefsarios. Com eíla gente chegou o Toma a ganha-
Conde a Efcalhaõ a treze de Outubro , e com tanta di- lo ° Con^ de
ligencia laborou a artilharia , caminharão os ataques , Yillf .Flor cor*
e íe abrirão as brechas , que depois de mortos muitos */"*« ' *
dos fitiados , fe rendeo D.Chriítoval Girai Governador
do Forte com trezentos Infantes, e vinte e cinco ca-
vallos , prevalecendo no feu animo o medo do alsalto
4efperança derefiílilo, eá certeza , de que o Duque
de Ofsuna. havia de foccorrello pela muita gente , com
que fe achava : e nas duas refoluçoens dos dous Gover-
nadores de Efcalhaõ ficou em duvida , em qual delias
teve maior parte a infâmia. Sentio o Duque de Ofsu-
na , naturalmente colérico , exceíli vãmente eira defgra-
ça , conhecendo-a irremediável pela brevidade , com
que as tropas da Beira , que eíravaõ em Alentejo , ha-
viaõ de voltar para a ma Provincia. Todos os OiEciaes,
que fe acharão neíla empreza , procederão com grande
valor , e com efpecialidade o Meílre de Campo Diogo
Gomes , e nao houve perigo nos aproxes , que nao def-
vane-
.■■
48 PORTUGAL RESTAURADO,
f n a vanecefse ô valor , e a&ividade do Conde de Villa-Flor,
Ann que fe retirou para Almeida com juíto contentamento
1662. pelo fuccefso , que havia logrado ; e dentro de poucos
dias mandou ao Commifsario geral D. António Maldo-
nado com íeis Companhias armar a huma , que eítava
de guarnição em S. Felices : porém antes que elle che-
gafse , teve avizo o Duque de Ofsuna , que mandou fa-
hir de Ciudad-Rodrigo a Cavallaria com tanta diligen*
cia 1 que em poucas horas marchou nove legoas. O Cô-
mifsario ao amanhecer lançou duas partidas a pegar no
gado», que fahio de S. Felices , para obrigar a Compa-
nhia de cavailos ao intento de recuperallo. Governavaõ
as partidas o Capitão Paulo Homem, e António Fer-
rão : carregarão oitenta cavailos alguns batedoresnof-
fos , que forao avançados J porém os dous Capitães,
depois de breve refiítencia , lhes tomarão quarenta, e
quando imaginavaó , que os mais ficaria õ priíioneiros
no alcance , íe acharão com os batalhoens, que eítavao
embofcados , mas a tempo , que elles íizerao alto ; e
os Caílelhanos tabendo o íitio , em que eítava o Com-
mifsario , carregarão para aquella parte, fuppondo que
feria maior o emprego. Achava-fe o Comifsario fem
mais que oitenta cavailos da íua Companhia , e Mili-
cianos: intentou pelejar , mas com pouco effeito. Vol-
tou as coitas, e teve afortuna de naô ficar prifióneM
ro : retirou-fe com trinta foldados, os cincoenta fe ren-
derão. Paulo Homem , e António Ferrão , vendo-fe li-
vres , fe retirarão fem perda , e com os quarenta ca-
vailos , que haviaó tomado. Dentro de poucos dias mar-
chou o General da Cavallaria Manoel Freire com o foc-
corro , que referimos, para Entre Douro, e Minho; no-
ticia, que facilitou ao Duque de Ofsuna entrar na Cam-
panha de Penamacor,e queimar naquelle diítricto quan-
tidade de lugares abertos, fem que o Conde de Villa-
Flor pudefse fazer-lhe oppofiçaõ pela falta de gente >
com que fe achava.
Em quanto três exércitos combatiaò as fronteiras
deite Reyno nao era menos perigofa a guerra domeíti-
ca ; pois com mais arriícadas confequencias deítruia
N4 " °S°í
PARTE II. LIVRO VIL 49
o governo politico. Pleiteavaõ-íe nas Províncias de A nno
Alentejo , Entre Douro , e Minho , Trás os -Montes , e
Beira as contendas militares, hora com adverlos , liora l66l«
com prolperos íucceisos , e a fortuna de huns- contra-
pezava a difgraça de outros. Pelejavão na Corte as pru-
dentes attençoens da Rainha , e íeus Miniítros contra
as deíordens d'ElRey , e íeus aíTiítentes , e cordão íem
alUvio com tão precipitada torrente os infortúnios, que
naõ havia inítante ditoíb , que pudefse fuavizaros dias
infelices. Entre tantas guerras intrinfecas, e externas,
e vencendo outras dificuldades não menos robuítas ,
confeguio a Rainha Regente aconclufaó da partida da
Rainha de Inglaterra. Celebrou-fe em Lisboa o ajulte
do caíamento com cuítolas feitas de fogos , luminá-
rias , e touros , em que tourearão com grande luzimen-
to , e deítreza o Conde de Sarzedas , o da Torre , e
D. Joaõ de Caítro. Havia chegado a Lisboa ( como re-
ferimos ) o Conde da Ponte , a quem a Rainha fez mer-
cê do Titulo de Marquez deSande , alguns mezes an-
tes da Armada de Inglaterra , e ajuítado tudo , o que
continhaõ as capitulaçoens , depois de vencidos gran- ch*f*a*sho*
des obítaculos , chegou a Armada, que confiava de qua- LiZn*.
torze náos de guerra , cinco fumaças. Era feu General
Duarte de Monte-Gui , Conde de Sanduhic com o titu-
lo de Embaixador Extraordinário. Acópanhavao a Rai-
nha, demais do Marquez de Sande Embaixador Extra-
ordinário , Nuno da Cunha de Ataide Conde de Ponte-
vel , D. Francifco de Mello , depois Embaixador a Hol-
landa, e a Inglaterra , Francifco Corrêa da Silva , com
as mais pefsoas da fua família , que pafsavaõ de cento;
Duarte de Monte-Gui primo do General , como Eítri-
beiro mór da Rainha , D. Henrique Zevout Veador da
Rainha may de Inglaterra , Ricardo Ruxel Biipo elei-
to de Portalegre , como feu Eímoler , D. Patrício Clé-
rigo Irlandez com o mefmo cargo , e outras pefsoas de
qualidade ; e feita a função da entrada , partio a Rainha
a vinte etres de Abril na forma feguinte. Sahio daan-
tecamera da Rainha Regente á fua maô direita , edous
pafsos diante ERey, e o Infante D. Pedro , Officiaes
D da
7k.ui
w*-.
jo PORTUGAL RESTAURADO,
Anno ^a ^a^a > Títulos , e Nobreza. Defceraõ pela efcada do
'f, quarto,que então era da Rainha , e baixarão áSala dos
16ÓZ, Xudefcos , e chegando ao Copo da efcada, que vay
ao páteo da Capella , fe deteve a Rainha mãy -, e co-
mo nella era o lugar das ultimas defpedidas da Rainha
fua filha , pertendeo beijar-lhe a maõ (o que naõ con-
fentio a Rainha Regente ) e abraçando-a lhe lançou
a benção com exterior feveridade, porque o interior
carinho folicitava diíFerentes demonftraçoens. Baixou a
Rainha de Inglaterra a efcada entre EIRey \ e o Infan-
te feus Irmãos j e fazendo inítancias para que a Rainha
mãy fe recolhefse , antes de fer precifo volfar-lhe as co-
t lias , o naõ confeguio , porque a Rainha efperou, que
ella entrafse na carroça ; o que fez depois de huma pro-
funda reverencia , a que a Rainha lhe correfpondeo
com outra benção , e voltou as coitas , antes que feus
filhos entra ísem na carroça -9 e quando íem teílimunhas
-pode exprimir as demonftraçoens das faudades , paga-
rão os olhos em dilúvios de lagrimas o que reíiítiraõ
reprimindo-as obrigados dos refpeitos do coração mag-
nânimo , e Real. Entrados os Principes na carroça , a
Rainha á maò direita d'ERey , e o Infante D. Pedro na
cadeira de diante , acompanhados de toda a Nobreza
com luzidillimas galas , feguindo a carroça os Capitães
da Guarda , foraõ pela rua Nova á Sé entre as alas da
Infantaria formada , ornadas as ruas , e janellascom vi-
ifcoíos adereços ; e em quanto fe dilatou o acompanha-
mento em chegar á Sé , fe ouvirão repetidas falvas de
artilharia no rio , Fortalezas , e navios anchorados, que
faziao confufa confonancia com os repiques dos li nos
das Paroquias , e Conventos , e pelas ruas fe encontra-
rão diffèrentes danças , e fe repetia a confonancia de
vários ioftrumentos aíternados com chãramelas.Chega-
rao á Sé pelas nove horas da manhãa : eftava a Igreja ri-
camente adereçada ; e entrando na Capella Mor com o
Cântico do Te Deum laudamus , fe recolherão os Reysr
na cortina, preferindo fempre no melhor afsento a Rai-
nha de Inglaterra ; eem quanto durou a Mifsa fe en-
comendou a vários Fidalgos entretiveísem no Clauftro
da
PARTE II LIPKO Vm 51
da Sé O Embaixador de Inglaterra , e o Eflribeiro mór, Anno
e Veado r da Rainha, e mais Inglezes de qualidade, ..
que havião chegado na Armada a buícar a Rainha , por l 6óz,
lerem de duTerente Religião. Acabada a Mifsa , torna-
rão os Reys a entrar na carroça, e vierão pelo Ter-
reiro do Paço , achando as ruas , por onde novamente
pafsarão , com iguaes adereços aos antecedentes , e to-
dos os Arcos com diferentes , e viílofas arquitectu-
ras fabricados por ordem do Provedor dos Armazéns,
Contador mór , e Provedor da Alfandega. Chegando
á Campainha , havendo-fe aberto o muro do jardim ,
que fica junto da Ribeira das Náos , entrou pela
nova porta fó o coche dos Reys ; e todos , os que
hiaõ no acompanhamento, íe apearão > e fahindo por
outra porta do jardim a huma ponte cuftofamente ade-
reçada , em cujo remate eílavaõ os bargantins , antes de
embarcar a Rainha de Inglaterra , lhe beijarão todos
a maõ , e querendo fazer a mefma ceremonia a EIRey ,
o naõ coníentioem obfequio da Rainha fua Irmãa.En-
trou a Rainha no bargantim, que cuílofamente lheeíla-
va prevenido , levando-a EIRey pela mão : feguio o Embarcai *
Infante os Reys , e depois de todos fentados , entrarão R^nha, e par*
no bargantim a Camereira mór, Damas , e Donas de ho- *£far* a<iUelu
nor , o Embaixador de Inglaterra , o Ellribeiro mór, e *y"'
Veador Inglezes , o Marquez de Sande, Nuno da Cu-
nha ; novamente Conde de Pontevel , Francifco Corrêa
da Silva , e D. Francifco de Mello , que eraó as pefsoas
principaesjque acompanhavaó a Rainha de Inglaterra»
os Ofiiciaes da Cafa d' EIRey , e os feus Gentis-homens
da Camera. Em varias faluas , e gôndolas bem adereça-
das fe embarcou todo o acompanhamento , feparan-
do-fe em outras todos os Tribunaes diítinctos , eem
grande numero de barcas fe repartirão muíicas , danças,
e inílrumentos. Tanto que o bargantim defamarrou, íe
repetirão no rio as falvas da artilharia até a Rainha che-
gar á Capitania de Inglaterra , onde eílava prevenida
huma efeada cómoda para fubir ao alto delia; e entran-
do na Camera ; que eílava ricamente adornada , fedef-
£ediraó da Rainha EIRey , e o Infante feus Irmãos , e
D» lhe
IÓÓ2..
.
y i PORTUGAL RESTAURADO }
Ànil0^ie beijarão a mão com muitas lagrimas as Damas , è
Donas de honor, fendo fó permittida eíta jornada a
Dona Elvira Maria de Vilhena , Condefsa dePontevel,
e a Dona Maria de Portugal Condefsa de Penalva , que
fem caiar, morreo em Inglaterra. A Rainha acompa-
nhou feus irmãos até o primeiro degráo da efcada do na-
vio , naõ querendo voltar para a Camera , por mais in-
itancias que EIRey lhe fez , fem que elle , e o Infan-
te entrafsem no toldo do bargantim,e defpedido do na-
vio , feguio a EIRey todo o acompanhamento , voltan-
do aCamereira mór, Damas , e Donas de honor em
huma falua , que eítava prevenida. Navegou EIRey
para o Paço , fez-fe a Armada á vela , e do fuccefso da
viagem daremos noticia em lugar competente , por to-
car na ordem da hiítoria á Embaixada de Inglaterra.
A Rainha Regente,logo que partio a Rainha de In-?
glaterra,achando-fe defembaraçada deite taõ grade cui-
dado, que tinha vencido, rompendo montes de dificul-
dades, íuperando controveríias, q pareciaõ incontrafta-
veis , e padecendo cenfuras , que puderaõ render outra
conítancia , tratou de dar cafa ao Infante D. Pedro, que
havia chegado á idade de quatorze annos com tantas
efperanças de lograr os dous pólos da vida dos Prínci-
pes , do valor , e entendimento , e com taõ agradável
docilidade , que fazia a Rainha juítamente efcrupulo
de o nao apartar, o mais que fofse pollivel , dos indig-
nos divertimentos , que EIRey infelicemente infmuava
enganado da vileza daspefsoas,que indignamente con-
tinuavaõ na aíiiítencia da fua Camera. Além deita ra-
zão havia outras naõ menos poderofas , que obrigarão
>a Rainha a tomar eíte partido ; a primeira , o intento a
que caminhava de entregar a EIRey o governo do Rey-
no . e gaitar os annos, que lhe reítafsem de vida , nos
exercidos virtuofas de huma claufura ; a fegunda , co-
nhecer que o animo d'ElRey , ou por deítino , ou por
inhabilidade , ou por inveja , era taò oppoíto ás partes
lingulares do Infante, que a domeítica aíiiítencia vatici-
nava á fua vida o perigo infallivel , e á íua authorida-
de defcontos inevitáveis , repetidas vezes j huma e
outra
*-.
TARTE II. LIVRO VIL y5
outra ameaçadas da infupportavel , e irreduzivel cole- Antro
ra d'ElRey ; a terceira , ler eíre o coítume dos antigos
Reys de Portugal, darem caía íéparada aos Infantes com lool.
Ofliciaes de .igual qualidade aos dos Principes. To-
mada eíla deliberação , e approvada por todos os Mi-
niítros, que caminhavaô á mayor fegurança do Reyno,
elege o a Rainha para quarto do Infante as cafas , que
o Marquez de Caftello-Rodrigo havia edificado fobre o
Tejo no íitio da Corte- Real , e nomeou potíeus Gen-
tis-homens da Camera ao Conde de S. Lourenço , do
Confelho de Eílado , e Veado r da Fazenda da reparti*
çaô da Africa; ao Conde de Soure Prefidente do Con-
celho Ultramarino , e Confellieiro de Guerra; Ruy de
Moura Telles do Confelho de Eílado , Preíidente do
íaço , e Eílribeiro mor da Rainha j D. Rodrigo de Me-
nezes Regedor da Juíliça; Jorge de Mello Confellieiro)
de Guerra ., e General das galés ; Joaõ Nunes da Cu-
nha Governador das Armas de Setúbal , e Deputado da
Junta dos Três Eílados -, e juntamente foy eleito para
Sumilher da Cortina Rodrigo da Cunha de Saldanha,
Chantre da Sé de Lisboa , que já havia tido eíla occu-
paçaó no ferviço do Principe D.Theodoíio*, para Secre-
tario António de Soufa Tavares Defembargador do Pa-
•ço ; e porque a debilidade do Prior de Sodofeita o def-
obrigava do exercício de Meítre,foy efcolhido com me-
recida attençaõ Francifco Corrêa de Lacerda. E porque
todas as pefsoas nomeadas , aílim nas virtudes ? como
na qualidade, e merecimento, eraõ das mais capazes do
Reyno para a perfeita educação de hum Principe, foy
geralmente approvada eíta eleição , e fó acontra-
difseraó os que aífiíliaõ aElRey, que reveltidos da
ambição, e interefses próprios, convertiaõ em o ani-
,rno d'ElRey a triaga em veneno, perfuadindo-o que
a Rainha defcobrira na refoluçaõ deita politica, que
determinava tirarlhe a Coroa , e dalla ao Infante , di-
latando por efte caminho a Regência do Reynof El-
Rey como fe transformava fem reflexão no que ouvia
áquelles homens , com que ordinariamente tratava ,
imprimiadoíe-lhe no coração eíre fraudulento difcuríb,
D} efal-
"Determina a
Rainha Regen
74 PORTUGAL RESTAURADO,
AnU^efoltando-la-í prudência para recatar o íeu enfado , o
• , publicou taõ manifeítameate , que todos aquelles, que
IOOZ. folicitavaõ caminhos para a melhorada própria fortu-
na ,' começarão a feparar-fe de forte da aíhítencía do
Infante, que naõ lo defamparar ao a Corte Real , po-
rém com indigna liíbnja fe retiravaò dos lugares pú-
blicos , em que encontrando o Infante deviaõ acom-
panhallo ; e naò tendo mais aííiítencia , que a dos fens
criados , con} madureza fuperior aos annos tolerava
prudentemente eftas defígualdades.
^ A quatro de Junho foy o dia, em que o Infante
fahio para o leu quarto , e no mefmo ponto começou
a Rainha a difpôr entregar a EIRey o governo do Rey-
no , applicando-lhe a brevidade osfalíos rumores , que
te entrevar o ao. rn V Su -> í • ^ ^ *
vemo a ElRey *e elpalhavao de contrários intentos; epara o hm re-
Jtufiifo. ferido mandou declarar pelo Secretario de Eítado Pe-
dro Vieira da Silva a Miniítros efcolhidos em todos os
Tribunaes,que no mez de Agofto feguinte,dia de S.Ber-
nardo , determinava entregar a EIRey o governo do
Reyno; obrigação , que havia dilatado alíim pelos con -
tinuos embaraços da guerra, como pela pouca applica-
çaò , que EIRey moílrava ao governo da Monarquia ;
pertendendo , levada dos carinhofos afFectos de May,
que EIRey entrafse a governar õ Reyno com a melhor
educação, que fofse pollivel: porém que a experiên-
cia lhe moílrava , que nem hum , nem outro intento
permittia Deos, que ella lografsej porque a guerra nun-
ca eílivera mais furioía , nem EIRey mais precipitado ;
que de hum, e outro infortúnio entendia, que era5
caufa feus peccados , e naó occafiaõ a fua negligencia ;
porque á defenfa do Reyno fe tinha applicado com as
attençoens, que era notório , eá criação d'ElRey com
p difvelo , que devia ler manifeíto $ porque as pefsoas
indignas , de queelle fe acompanhava , naõ eraõ aquel-
las , que ella lhe efcolhera para lhe aífiíHrem , eo dou*
trinarem , naõ fendo poderofas as induítriaspara emen-
darem os errqs da natureza > e que fendo , como Mãy ,
fegunda caufa,pudera dalla,e naò efcolhella a feu filho,
refervando Deos como caufa^primeira fó aofeufupre-
mo
PARTE II. LIVRO VII. j»
mo poder eíte beneficio : que naõ ignorava , que entre- AnnO
gar o leme do navio naufragante a Piloto inexperto ,
era o mayor perigo da tormenta? e que por todos os ^O"2»
inconvenientes paisara , íem fazer caío defalfos, rumo-
res ,, de que devia íer iíenta a foberania dos Principes )
e aguardara mayor lbcego em os negócios públicos pa-
ra entregar a ElRey o governo do Reyno ■, f>orém que
eítava de permeyo o obltaculo do riíco do leu refpei-
to , que todas as horas receava profanado da implacá-
vel cólera d'ElRef , provocada da maliciofa aítucia de
feus indignos aíTiítentes j e que como com eíte perigo
naõ poderia outro algum ter igualdade , queria lhe dif-
fefsem a forma , e ceremonias , com que havia de en-
tregar a ElRey o governo } porque a parte , que ella
havia de eleger para pafsar o tempo , que lhe durafse
a vida , tinha já efcolhido , e determinado.
Ouvidas eítas prudentiífímas razoens pelos Mini- vrãrm, d^cur' \
ftros , a quem a Rainha as mandou confultar , tàpon-fyj0^'^" rôi
deraõ , depois de larga conferencia , na fubítancia fe-
guinte : Que todos os Eítados do Reyno fe achavaõ
taó cabalmente fatisfeitos das acçoens heróicas, que
S. Mageítade tinha exercitado no tempo do feu gover-
no , depois da lamantavel morte do Sereniífimo Rey
D. Joaó de eterna memoria , que naõ fe acharia algum
de feus vafsallos , ainda dos que fejulgavaõ menos fa-
vorecidos , que naõ rubricafse com o leu fangue a fua
fatisfaçaõ; porque na guerra os fuccefsos infelices foraõ
inferiores aos profperos: e em negócios políticos as
alianças de Inglaterra , as aífíítencias de França, e a paz
de Hollanda naõ admittiaõ exemplo de mayor felicida-
de, moítrando osinterefses prefentes de toda a Europa;
França por cafamentos unida com Caítella ; Inglaterra
por perturbações dependente de ambas as Coroas; Hol-
landa por máos fuccefsos do Brafil animada a induítrio-
fas vinganças : e que fe a guerra , e a politica , pólos
da côfervaçaõ da Monarquia,teítimunhavaõ as fuás me-
lhoras , como feria poffivelpermittir-fe, que S. Mage-
ítade a defamparafse no tempo , que mais neceílitáVa do
feu prudente governo ? Que feS, Mageítade com a fua
D 4 grau*
j6 PORTUGAL RESTAURADO,
AiinO graíl^eza, çom o feu juizo , e com o feu poder naõ con-
s, ieg aia moderar as inclinaçoens d^lRey , que feria do
JOD2,. Reyno entregue á fua abíoluta difpoíiçaõ , fó regida
por di&ames de homens facinorofos > Que S. Mage-
ítade lembrada da obrigação , em que a puzera o teíla-
mento d'ElRey feu marido , ( que na fua direcção ha-
via livrado as efperanças da coníervaçaõ do Reyno ) e
perfuadida das juítasinítancias de feus vafsallos , devia
ler fervida de mudar de refoluçao , ou ao menos diífe-
rilla o tempo , que lhe parecefse conveniente ; e que
dado cafo ( ó que fenaó eíperava da fua fingular 'pru-
dência) que; nem a huma , nem a outra perfuafaõ fe
accommodafse o feu foberano efpirito , devia confide-
rar o grave efcrupulo , em que incorreria,fe naõ apartaf-
fe do lado d'ElRey , antes de largar o governo , a An-
tónio de Conte , e todos os delinquentes , que o acom-
Eanhavaõ ; devendo S. Mageítade ponderar que a eítes
omens ta ô.infolentes deixava entregue as honras , as
fazendas , e vidas de feus vafsallos , tanto em prejuizo
da fua confciencia , como fe deixava conhecer dos la*
ftimofos effeitos , e triíles efpeclaculos , que ameaça-
va õ toda a Monarquia.
A Rainha depois de larga ponderação , e profun-
do difcurfo fobre as eiKcazes razoens referidas , naõ fe
deixando convencer nem da primeira , nem da fegun-
da propoíiçaõ , julgando o perigo da fua authoridade
luperior a qualquer outro inconveniente , cedeo á ter-
ceira inftancia : obrigada do efcrupulo , quejuítamen-
tefe lhe propunha , mandou a Pedro Vieira tornafse a
convocar os Miniítros , e que da fua parte lhes agrade- .
cefsetudo j o que lhe haviaõ reprefentado \ e que fem
alterar a determinação de entregar a EIRey o governo
do Reyno , intentava , antes deita refoluçao , apartar
da companhia d'ElRey a António de Conte,e aos mais,
.que com taõ culpável defenvoltura infamavaõ as luas
acçoens-, porém que primeiro fe lhe apontafsem os.
meyos, e a forma de fe coníeguir efte bem fundado dií-
cur lo. Muitas vezes foy conferida eíta matéria pelo Du-
que do Cadaval , que tinha grande parte em, os mayo-
res
PARTE 11. LIVRO Vil y7
re$ negocies , fuperando os íeus poucos annos o feu ze- a
lo, e actividade, que os f ratos da doutrina politica co-
ítumaó madurar^-, o Marquez de Marialva , o Marquez 1-663.
de Gouveaj o Conde de Soure, Jorge de Mello , D.
Rodrigo de Menezes , o Bifpo de Targa , eleito de La-
mego , o Prior de Sodofeita , o Padre António Vieira
e o Secretario de Eítado Pedro Vieira da Silva*, eha-
vendo-fe confiderado com grande circunípeçaõ a gravi-
dade deita matéria , é concordado , qae fe a facilitava
fer acçaõ taõ precifa a confervaçaô do Reyno , como
qualquer das mayores , que fe haviaõ executado pela
lua liberdade , por confiítir nella , ou governar EIRey
a Monarquia pormeyos indecoroíbs, e iníupportaveis,
ou por leys ajuítadas , e virtuoías ; a diflicultava fer o
apofento de António de Conte taõ immediato á Carne-
ra d<ElRey , e andar elle taõ prevenido , que ou fahia
fora do Paço ao lado d' EIRey , ou não faiiia : que ha-
ver de fer prezo dentro do Paço era arrifeado , e in-
decorofo, e por confentimento d<ElRey impoilível-,
porque animado do feu favor começava a ter tanta au-
thoridade em os negócios públicos, que era Confe-
rente dos Miniítros extrangeiros , e tinha em feu poder
os papeis mais importãtes da Secretaria de Eítado: e em
duvidas taõ relevantes parecia o remédio mais conve-
niente convocarem-fe Cortes , para que EJRey fem re^
plica houvefse de confentirno afsento comum do Rey-
no«, porém o aperto, em que eítavão os Povos , e as pe-
ngoias negociaçoens de D. João deAuítria, que não
erao totalmente oceultas, faziao arrifeada eíta delibera-
rão •, e achando-íe impenetráveis todos os caminhos
apontados , concordou eíte Congrefso , em que o tem-
po daspnzoens referidas fofse na hora, em que EI-
Rey eftrveise com a Rainha no defpacho ; e que logo
que toísem executadas , íe déíse recado aos Miniítros
dosTribunaes, Nobreza , e principaes do Povo , que
repreíentao corpo de Cortes , e que todos juntos entraf-
lem na cafa do defpacho, e acabado elle, e na fua pre-
iença fedefse conta a EIRey do que fe havia execu-
tado em beneficio da confervaçaô do Reyno.
Eíte
—w
Armo
,\6Ó2t
!|
j* PORTUGAL RESTAURADO ,
-s ; Efte parecer firma do pelos Miniílros referidos pre-í
íentou Pedro Vieira á Rainha , que o approvou como
remédio , íe naó o mais faudavel, o menos difficulto-
fo; e depois de ajuílada afórma da execução, dan-
çadas cuida do lamente em hum papel as razoens , que
o Secretario de Eilado havia de ler em publico a £1-
Rey >, deu- a Rainha ordem ao Doutor Duarte Vaz Dor-
ta Oíòrio /Corregedor da Corte , para que aíiiíuido da
«authortdade do Duque do Cadaval, do Porteiro mór
JLuiz de Mello , e de feu rilho Manoel de Mello , pren-
deíse a António de Conte , íinalarido-lhe o dia de Sab-
Manda prender bado pela manhãa , em que iecontavaõ dezaíeis de Ju-
* António de ni1Q ? tanto que ElRey entraíse.para o defpacho j eas
P^.'//^ prizoens: dos mais pronunciados, que viviaõ fora do
peff"s'iUg»*st Paço,íe encomendarão a vários Miniftros,para que íem
que afífiiao a diftèrença de tempo as executafsem ; e juntamente or-
ElRey. denou a Rainha.. , que eíHvefse hum navio prompto pa-
ra receber os prezos , e que tanto que o Capitão feeji-
tregafse delles ,. fe fizefse avela:, eoslevafse áBahia.
Ajuítadas , e diítribuidas todas eftas ordens , teve El*
Rey recado da Rainha para fe achar no defpacho o
dia deílinado. Nao fe lhe offereceo embaraço 5 e logo
que entrou tiveraõ ordem a Nobreza , eTribunaes , e
pefsoas do Povo , para fubirem ao quarto d' ElRey , e
, aguardarem nova ordem da Rainha do que haviaõ de
executar. Achavaõ-fe confufos todos os que hiaõ che-
gando ás antecameras , por nao fe haver decifrado o
■fim daquelle movimento j e no mefmo ponto , que El-
Rey entrou no defpacho , fubio ao feu quarto Luiz de
Mello, e Manoel de Mello , e havendo-fe dilatado o
Duque do Cadaval a fegurar com íoldados da guarda a
porta da ultima efcada , encontrando Luiz de Mello a
António de Conte,lhe perguntou pelo Duque: reíporw
deo-lhe , que o nao havia viíto J e temendo na incon-
ítancia da fortuna , que lograva , ameaçado o feu preci-
pício , pafsou ácafa interior, que tinha janellas cerra-
das com grades para o eirado , e fechando ligeiramen-
• te a porta , deu volta á chave , deixando-a na fechadu-
ra. Cheeou nefte tempo o Duque , e Duarte Vaz ; in-
& tentou
VARTE II. LlFKO VII. k9
tentou o Duque abrir a porta com a chave meltra achou Arin
a dirfículdade da que eítava por dentro ; e pieíumindo-
fe, que António ^e Conte poderia paísar por outra por- 1 66l.
ta , que havia na caía , ao quarto da Rainha , paísou
Manoel de Mello a feguralla , e o Duque , e Luiz de
Mello pertenderaõ obrigar a Conte a que abrifse a
porta ; o que elle nao quiz fazer, nem refponderaos
repetidos golpes , que deraó nella , pertendendo que a
dilação com a chegada d'ElRey lhe fervifse de refu-
gio ao grande , e perigofo aperto , em que fe acha-
va. Impaciente o Duque deite contratempo, paísou ao
eirado, evio, que António de Conte, havendo com
deíatino do medo metido por força a cabeça entre as
grades da janella , para ver fe defcobria alguma pelsoa,
a quem pediíse loccorro , naõ podia , por mais que for-
cejava , confeguir rocolhella ; correo á janella , e pe-
gando-lhe nos cabellos , moítrou querer matallo Ven-
do o Conte o perigo imminente , difse ao Duque, que
difpuzefse da lua vida como melhor lhQ pareceise ■
reípondeo-lhe o Duque , que aberta a porta , faberia o
que le lhe ordenava: replicou , quefegurando-lhea vi-
da,abnna a porta.Prometteo-lhe o Duque,e largando-o
para executar o que ficava ajuítado , tornou aperfiítir
a nao querer abrir a porta. Exafperado o Duque deita
cavillaçao mandou bufcardous machados á Ribeira das
JSÍaos , e tanto que chegarão , diise a António de Con-
5!t;'tSUe fe ° °^ngâfse » abrir com violência as portas
d ElRey, que havia de pagar com ávida oíer caufa
daquella acçao.Chegou neíte tempo o Conde de Gaitei
io-.vlelhor , que era o Gentil-homem daCamera,que
eítava de femana , e fehavia dilatado na pertença Ó de
dar conta a ElRey , que eítava no deípacho , deites
movimentos ; o que nao pode coníeguir pelas anti ci pa-
das prevençoens da Rainha ; e vendo a deliberação do
Duque , fe oppoz a ella com palavras coléricas , a que
o Duque refpondeo com outras fimilhantes; e fazen-
do a António de Conte o ultimo ameaço, fe rende o
ao receyo de perder a vida na confiança da palavra, que
o Duque lhe tulha dado , eabrio a porta-, logo foy
' Fe?
■"Va
6o, PORTUGAL RESTAURADO,
Atino p^zo Pe*° Corregedor daCorte,eBalthaíar Rrodriguep
&/]' ds Matos moço da guardaroupa , e pelo eirado os le-
*.y °2* varão a Ribeira das Náos , ondeeítava huma falua pre-
venida 5 que osconduzio ao navio ,. que tinha as an-
coras a pique. No meímo tempo foy prezo João de
Matos , que havia fido moço da Eílribeira , e Fr. Lou-
renço Taveira expulíb da Religião de Sãto Agoíliqho:
porém eíle fugindo das mãos dajuftiça , fe precipitou
por hum despenhadeiro , e ficou taõ impofiibilitado,
que nao foy poíiivel conduzillo ao navio , onde já eíta-
va joaõ de Conte , e comos dous irmãos, e joao de
Matos , íe fez á vela , porque Balthafar Rodrigues fi-
cou em terra valendo-lhe as diligencias de feu fogro
Piogo Botelho de Sande , Tenente da Guarda.
Eíperava a Rainha avizo de que fe havia dado á.
execução a ordem das prizoens ; e tanto que o recebeo,
mandou entrar na cafa do defpacho , em que efbva
com EIRey \ os Titulos , Fidalgos , Tribunaes , Sena-
do da Camera , e Cafa dos vinte e quatro , que havia
mandado convocar , eemprefença de todos leu o Secre-
tario deEílado Pedro Vieira da Silva o papel feguinte;
^J A obediência , que a Rainha noísa Senhora deve aos
preceitos de S. Mageftade , que Deos tem , e o muito
que ama a Real pefsoa d' EIRey N.Senhor.q Deos guar-
de , o defejo de alliviar eftes Reynos , e de correípon-
der aos vaísallos delles o bom animo ,* com que fem-
..pre afiiftirao , e trabalharao/na fua defenfa , foraõ os
motivos , que a obrigarão a tomar por fua conta o pe-
iigo de governallos , quando a fua inclinação , ea fua
perda pediaõ refoluçaô differente. Até agora folicitou
governar á fatisfaçaô de todos , fem perdoar a alguma
circumítancia útil a eíle fim j porém reconhece nao tem
' "bailado tantas vigilâncias repetidas para confeguir
taô virtuofo intento , porque os juizos altiífimos de
Deos o riaò permittem até agora -y e porque fe multi-
plica Õ as queixas commuas , a que a Rainha N. Senho-
ra fe acha obrigada a dar fatisfaçaô , teve por conve-
niente convocar na prefença de S.' Mageftade o Reyno,
que em falta de Cortes fexepreienta nos Confelhos ,
• ^ ~r- eTrk
PARTE II. LIVRO VIL 6í
eTribunaes, para lhes communicar os remédios, que Anno
tem applicado ás queixas , de que os confidera oíFendi-
dos,ordeuando-lhes juntamente, que naõ lhes parecen- l6Ó2.
do fufficientes , lhe reprefentem com toda a liberdade
os mais,que tiverem por necefsarios , certificando-le to-
ados , que o feu intento he acertar , no que for mais
conforme ao ferviço de Deos, e bem deite Reyno.
He queixa geral, q ie naô adminiítra juítiça com igual- •
dade J e porque elta he a mais principal obrigação dos
Reys , e que a Rainha N. Senhora traz mais preiente ,
vendo que na o podia reíolver as matérias contencioías,
deliberou mãdar vifitar todos os Tribunaes, e Miniítros
deite Reyno , para que"havendo alguns, que naõ fatis-
façaõ ás ilias obrigaçoens , recebaõ o caítigo , que me-
recer a fua culpa. Sente o Reyno , e a Rainha N. Se-
nhora mais , do que fe pôde declarar,que tendo EIRey
N. Senhor os annos competentes para tomar íobre feus
hombros o pezo do governo do Reyno , de que a Rai-
nha N. Senhora tanto deíeja livrar-fe, 5; Mageítade fe
não tenha applicado á direcção dos negócios com o cui-
dado , que he precifo , e lo abraça exercicios perigo-
fos , e violentos j havendo por eíta caufa repetidas ve-
^zes expoíto a vida a rifcos manifeítos,dependendo del-
ia a confervaçaõ da Monarquia anhelante de ver a Sua
Mageítade todo entregue ás occupaçoens , que fó IKq
podem grangear a graça com Deos , amor com osval-
fallos,e reputação comos extranhos.Neíta confideraçaó
ordena a Rainha N. Senhora , que todos peçamos a EI-
Rey N.Senhor fe lembre de fi, e de nós, gaitando tem-
po em exercicios dignos da fua Real pefsoa , e grande-
za, encaminhando-os a fer taõ grande Rey, como Deos
o fez , confolando os melhores vafsallos, que nu uca tel
veRey, poisfem reparar no íangue, nas perdas dos
filhos , nas deípezas da fazenda , que já naõ tem , ef-
taõ continuamente dando as vidas , fem outro hm mais,
que o de confervarem o nome de vafsallos de Sua Ma-
geítade. Senhor , pelo que V. Mageítade deve a hum
Díos , que ofez taõ grande , á confolaçao de huma tal
Mãy , ao remédio dos taes vafsallos , quechegaõ aos
Reaes
tfíff ■!>
.1
6t PORTUGAL RESTAURADO,
A nno Reaes P^s de V- Mageítade com os coraçoens, rotos de
x dor, e dedefejos nafcidos do mais interior de fuás al-
lóól» mas, deverem a V. Mageftade com íaude nos acha-
ques do animo , aflim como fuás lagrimas a alcançarão
de Deos para V. Mageítade nas doenças do corpo , que
mude V. Mageítade os caminhos porque anda , e que
nos livre por fua Real clemência dos fobrefaltos , em
• que o amor , e o defejo da vida , efaude de V. Mage-
ítade nos traz continuamente. Empregue V. Mageítade
melhor feu talento , feu valor , e generoíidade de feu
animo , imitando , como V* Mageftade tanto defeja, as
virtudes daquelle taó grande Rey , author da nofsa Ur
berdade , cujas memorias , cujas íaudades viviráõ eter-
namente em nofsos coraçoens ; e foffra-nos V. Mageíta-
de fazermos-lhe eftas lembranças, porque lervir os Reys
a feu goíto, he goftoj mas fervillos dizendo-lhe ás ve-
zes o que poderá naõ lhes contentar , he virtude mui-
to própria de vafsallos Portuguezes , e juramos , como
jí temos jurado , e juraremos mil vezes proftrados hu-
mimalilíimente aos Reaes pés de V.Mageftade, a mayor.
obediência , e a mayor reíoluçaõ de dar as vidas pelo
Real ferviço de V. Mageftade.
Naó he menos a queixado Reyno, e o fentimen-
to da Rainha N.Senhora,defe haverem introduzido no
Paço , e muito junto áReal pefsoa d'ElRey N.Senhor,
fujeitos de inferior qualidade , e de taes coftumes, con-
felhos , e artes , que para fe eftabelecerem no poder , e
£avor,que tem tomado, femeaó deíuniao entre os Gran-
des , e divertem a natural benignidade d'ElRey N.Se*
nhor , a fim de feus interefses , procurando perfuadir-
lhe tem necefíidade de fuás pefsoas para conciliar os.
ânimos de feus vafsallos , para os pôr á íua obediência,'
para fer Rey entre os mefmos ; que para que S. Mage-
ftade o feja , lhes parece a cada hum pouco mil vidas,
perturbando com a fombra de S. Mageítade os meyos
do bom governo , e da juftiça , cõmettendo de noite ,
e de dia os delidos , que com tanto efcandalo faõ no-
tórios nefta Corte > que fe EIRey N. Senhor os foube-
ra todos , os caftigara com muito rigor ? atrevendo-fe a
intenr
VARTE II Limo VIL £3
intentar difcordia até no fagrado com difcuríos indig- A nno
nos de toda a imaginação contra o decoro dafé , do nu
fangue , do amor , do reípeito , e da única , e legiti- \66it
ma adoração , que fó eítá na Real peísoa d'ElRey N.
Senhor. Como eíta queixa lie a mayor , e que fó envol-
ve em fi todas as outras , porque fe falta com ellas mui-
to principalmente ájuíHça , e a principal caufa dos di-
vertimentos d'ElRey N, Senhor, e a que muito pertur-
ba , e pode perturbar mais gravemente ao diante o fo-
cego commum no mais interior , e fenfivel do Reyno ,
fe tem reprefentado á Rainha N. Senhora muitas , e
muitas vezes com toda a inítancia por grande parte dos
Miniítros , que fe achaõ prefentes , e por outros , que
onaõeítaó, eporpefsoaszelofas do lèrviço de Deos,
e bem do Reyno , de muita ediílcaçaó na vida , e nas
virtudes j convém muito muito atalhar eíte damno , de
mais de outras razoens , por aplacar a ira de Deos N.
Senhor, que nos caítiga taõ gravemente,tirando de jun-
to á Real pefsoa de S. Mageítade eítes inimigos, que
nos põem a Corte em mayor perigo , do que os Calte-
lhanos nos põem nas fronteiras -, porque eíles , quando
muito , nos tiraõ ávida , e os outros a vida , a repu-
tação , o favor , e mifericordia de Deos. Confcrmando-
ie a Rainha N. Senhora com o commum fentir de tan-
tos, e taõ graves Miniítros, e vafsallos , o tem man-
dado executar aílim , e o quiz fazer a faber a todos os
Tnbunaes juntos . para que tenhaó entendido , epor
elles todo o Reyno , a eftimaçaõ, que S. Mageííade faz,
e tara iempre do zelo , advertências , e confelhos de
fcaes peísoas , e íe certifiquem melhor do grande defe~
)o , que a Rainha N. Senhora tem de fatisfazer ás obri-
gaçoens dafua confciencia , e da Regência do Reyno,
em quanto o tem á fua conta.
Senhor > iílo que tenho referido o mais brevemen-
te que pude , naõ he meu na fubítancia , nem ainda nas
palavras: he, como tenho dito, dos Miniítros, e dos vaf-
ialos , a que o zelo, a confciencia , a honra , eo de-
fejo da faude publica obrigou a reprefentar á Rainha
N. Senhora j e faõ tudo coufas taõ conformes á razão,
ea
«4 PORTUGAL RESTAURADO,
Ànno eajuftiça, de que V. Mageftade he taõ zelofo , que
eíperamos muito confiadamente dojuizode V. Mage-
1662, ftade , da íua clemência , e da inclinação que todos
conhecemos em V. Mageftade , para o melhor do mui-
to que aborrece a liíbnja , eeftima a liberdade , e in-
teireza dos Miniftros , que naõ fó approve o que com
taõ boas coníideraçoens eftá diípoíto , mas que conhe-
ça a igualdade > e o íocego do leu Real animo , e boa
tenção , e o cordeal aífeéío , com que o aconfelhou ,
e obrou o Reyno por meyos de taõ grandes vaísallos ;
affim o pedimos proftrados liumiliífi ma mente diante do
Real acatamento de V. Mageftade.
Acabado de ler efte papel (coph tirada do origi-
nal) beijarão todos , os que eftavaõ preíentes , a maõ a
EIRey, eá Rainha > eElRey naó havendo percebido
em todo aquelle aóto mais , que os eccos das razoens
repetidas por Pedro Vieira , fahio delle muito fatisfeito
do amor , que devia a íua mãy , e a feus vaísallos ; e
perguntou ao Monteiro mór , fe aquelle ajuntamento
íbraò Cortes. Refpondeo-lhecom inteireza , e verdade
folida: que as publicas queixas de todo o Reyno > af-
lim de António de Conte , como de outras pefsoas , de
que fe fabia punhaô a vida de S. Mageftade em perigo,
e a íua authoridade em difcredito , e por confequencia
a confervaçaõ do Reyno em manifeílo rifco , obrigarão
á Rainha a dar ordem , para que os feparafsem da com-*
panhiade S.Mageftade,prendendo-os,e defterrando-os;
o que fe havia executado por confelho dos vaísallos
zelofos, e amantes de S. Mageftade > e que napreíen-
ça dos Tribunaes fe dera a S. Mageftade conta no pa-
pel , que fe lera , deftâ deliberação , para que fofse fer-
vido approvalla , pois nella fe havia acodido ao fervi-
ço de Deos , e ao de Sua Mageftade. Ouvindo EIRey
eftas razoens do Monteiro mór , que devia agredecer-
Ihe, entregue todo aos precipicios da colera,perguntou,
onde eftava António de Conte 5 que queria ir bufcallo.
Refpondeo-lhe o Monteiro mór,que S. Mageftade naó
devia apaixonar-fe j porque aquella acção fora naô em
oftènfa , mas em beneficio íeu > de que devia dar mui-
tas
PARTE II. LIVRO VIL 6$
tas graças á Rainha , e a feus Miniílros , pois que com An no
tanto zelo apartavaô do lado de S. Mageílade homens, iv>
que, tomando-o fó para fi , lhefaziaõ perder o amor cje l6*Ó2.
todos, que deviaõ venerallo com o amor de filhos, e
reípeito de vafsallos , de que íe abílrahiaõ, fem aquela
la ieparação •, epor eíle refpeito os havião embarcado
em hum navio , que já eílava fora da Barra na derrota
da Bahia. Ouvindo EIRey eílas prudentes razoens do
Monteiro mór, ficou focegado,- porém fahindo o Mon-
teiro mór da fua prefença , e entrando nella outros me-
nos zelofos , fendo o mais arrojado hum repoíleiro ,
chamado Manoel Antunes , lhe introduzirão novos in-
centivos de ira,e lhe eníinarao myíteriofa dúTimulacaõ,
que fe lhe defcobrio , pela deíigualdade do animo pou-
co difpoíto a faber ufar das filaclerias da induilria.
No dia feguinte acodio toda a Nobreza a acompa*
nhar EIRey á Tribuna , e o Infante , • que a Rainha ha-
via obrigado a na 6 concorrer nos fuccefsos anteceden-
tes , moítrou a EIRey tanto carinho , e obediência, que,
ie rizera reflexão , pudera conhecer naquelle aclo, que
todas as demonítraçòes executadas haviaó fido em ordem
á íua maior fegurança , e grandeza ". porém como os in-
terefsados na mudança do governo lhes naõ convinha
levar eíia matéria pelos caminhos da razaó , e fó que-
riaó tirar a fubílancia dos íeus intentos da apparencia,
e naõ da realidade , começarão a introduzir no animo
d'EIRey, e a efpalhar na ignorância do Povo , que a
Rainha , e todos os que a aconfelharaó , havia o delin-
quido contra a authoridade Real, dando titulo de ca-
dafalfo , e a fentença de degredo em cabeça alheya ao "
adio de fociedade , que a Rainha na prefença d' EIRey
havia celebrado : accrefcentando, que António de Con-
te , e os mais delinquentes podia ó fer divididos d' EI-
Rey , ecaíligados por caminhos menos efcandaloíbs :
de que-fe conhecia claramente , que todas eílas maqui-
nas foraó formadas para a Rainha fe eternizar no go-
verno fem cenfura dos Povos , que conta vaõ em EIRey
dezanove annos ; pertendeiido moílrar , que a fua inca-
pacidade era a caufa de fe quebrarem as leys do Rey-
£ no
. :
66 PORTUGAL RESTAURADO, '
Ánno nr> havia cinco annos ; fendo a Rainha fó a culpada ms
ss defordens d£E!Rey pela má criação , que lhe dera , com
IÓ62, ofim de o incapacitar para o governo, em que con-
feguia dilatar-fe nelle , e difpollo para entregar o Rey-
noao Infante , que afíèctuofamente amava. Admittiaõ
•com pouco zelo eftes difcurfos os que , attendendo fó
ás conveniências particulares , naò reparavaõ na eítrei-
teza do Reyno,para poder foíFrer ao meímo tempo três
exércitos Caítelhanos , e huma guerra Civil. Porém os
deíinterefsados, e verdadeiramente zelofos da conferva-
çaõ publica , conhecendo a dolofa cavillaçaó deitas ma-
liciofas vozes , diziaõ , que a refoluçao , que a Rainha
havia tomado , fora a mais heróica , e a mais jufta, que
devia celebrar a fama , e a forma fora a mais juítifica-
da , que fe podia efcolher ; porque olhando-fe para o
damno do Reyno , nao podia haver outro mais preju-
dicial , que eftar EIRey aífifHdo , e abfolutamente go-
vernado por homens viciofos , e infolentes , de que ie
feguiao doustaõ graves damnos, como reveítir-íe EI-
Rey com o trato continuo daquelles mefmoscoílumes»
e corromper-fe a juíKça miferavelmente rendida , e vio-
lentada : quefehaviaõ bufcado quantos remédios pu-
dera defcobrir a induftria , para divertir EIRey deíle
taó urgente perigo , e fe experimentara , que nao íó
nao diminuia , mas que por horas multiplicava i e com
eíles profanos exercícios crefcta o rifco manifeíto da
íbberanaauthoridade da Rainha* de que eíKmulada a
fua grande prudência determinara largar o governo,
ainda antes de expulíos António de Conte, efeusfe-
quazes ; o que lhe nao permittiraò os maiores Mini-
ilros ,e pefsoas mais doutas daquella Corte, por fe nao
verem infelicemente entregues á direcção abfoluta de
homens efcandalofosv e poreíte refpeito fe tomara a
louvável refoluçao de fe fazer manifeílo na prefença
d'ElRey o que fe nao podia encobrir, pela publici-
dade, com que fe obrava ; e queeftes forao fempre os
caminhos , por onde os antigos Varoens Portuguezes
procuravao emedar defcaminhos dos íeusPrinctpes mui-
to menos relevantes, dizendo (álèm de outros muitos
exea>
PARTE 11. L1VH0 Vil. 67
exemplos ) a EIRey D. Afíònfo o IV. por ir muitas ve- A nno
sesácaça, que bufcariaõ Rey que os governafse. A
ElRey D. Joaõ o Primeiro , que lhe naõ faltavaó a elíe l6Ó2*
va-sallos para ganhar Tuy, que lhes faltava a elles hum
R^y Artur , que os governaisej porque referir aos Prin-
c pes os feus defacertos na lua prefença era zelo , e vir-
tude dos vafsallos ', na fua aufencia murmuração , e
malicia •, e que era fem duvida naõ poder ter outro al-
gum fim mais , que da confervaçaó do Reyno iêr-fe a
EIRey em publico o papel que fe condemnava •, por-
que os feus deiconcertos deícobrião-fe laftimofamente
pelas fuás obras , não por aquellas palavras •, e aquel-
les , que o irritavão para lhe obedecer , querião emen-
dallo íem attenção ao perigo próprio •, e os que o dif-
culpavão para o governar , tratavão de lifonjeallo , fem
reparar no dairmo publico : que a Rainha na primeira
idade havia dado a EIRey virtuofo Meítre , na mais ro-
buíta generoío Ayo, fazendo que fofse affiítido dos mo-
ços mais nobres , e dos velhos mais prudentes •, fendo
eftas as únicas doutrinas , com que fe podem educar os
Príncipes izentos de caítigos mais rigorofos .• que a
aítucia,e vigilância de António de Conte não dera nun-
ca lugar a poder fer prezo em outra forma •, e que a
Rainha eftava tão fora de querer perpetuar-fe no go-
verno do Reyno , como juítiticava amefma acção , que
íizera, e a forma, com que a executara*, porque fe qui-
mera dilàtar-fe no dominio , para que havia de exafpe-
rar a EIRey feu filho ; fem mais fim,que o da fua emen-
da , podendo eternizallo no encanto dos feus appetites»
íegura por elte caminho de a inquietar na íua regência-,
e fe delejava habilitar o Infante para lhe entregar o
Reyno , que melhor eítrada podia encontrar , que a
xnefma , que EIRey fegu ia , em que tão continuamen-
te arrifcava a vida , e a reputação < razoens fundamen-
taes , de quefe colhia , que todos os que encontravão
efte difcurfo , não querião dar o governo "do Reyno a
EIRey, querião tirallo á Rainha , para ufa rem delieá
medida das fuás conveniências.
Eiíando nos termos referidos com tantos > e tão
E 2 pode-»
68 PORTUGAL RESTJUVLJDO;
ÀntIO poderoíos contrários eíta taó prejudicial contenda ,che-
,, gou o dia de Domingo , ern que era coítume mandar-
Ioóz. fe recado ;ao Gentil-homem da Camera , que havia de
fucceder na femana ao Conde de Caítello- Melhor , que
tinha dado -fim ao feu exercício na antecedente , orde-
nou EIRey , que continuafse a feguinte. Eíta novidade
deo cuidado á Rainha : porém como o feu intento era
entregar a EIRey o governo , naõ tratou de fé acaute-
lar com prevenção alguma , nem ainda com a demon-
ílraçaõ clara de huma carta, que o Conde de Caftello-
Melhor efcreveo da quinta de Alcântara da parte d'El-
Rey ao Secretario de Eítado, perguntando,feera mor-
to António de Conte, e outros particulares, cometer-
mos taõ defabridos , que manifeílamente defcobriaõ to-
da a maquina , que fe fabricava. Voltou EIRey spatá o
Paço , e antes que entrafse no feu quarto , foi f aliar á
Rainha , como coítumava j e no dia feguinte , que era
terça feira , naõ houve novidade , que alterafse o foce-
go publico. A quarta feira , vinte e hum de Junho, pe-
lo meyo dia entrou EIRey em huma liteira com o Con-
de de Caílello-Melhor, e mandou guiar para Alcântara,
íeguido da guarda ordinária, fem dar parte á Rainha,
e ordenou ao Conde de Atouguia fofse em feu fegui-
anento , e a SehaíHaõ Cefar,(folto depois da morte ^EI-
Rey fobre a confiança de lieis carcereiros ) fazendo-o
Conde de Caílello-Meàhor , para facilitar a empreza»
a que fe arrojava , eleição deftes dous Miniftros, affim
pelo grande talento , e capacidade , que nelles reconhe-
cia , como por ferem , os que íe achavaõ menos depen-
dentes do governo da Rainha; porque o Conde de Atou-,
guia confervava no animo o grande aggravo de fe lhe
lia ver tirado fem cauía o governo da Província de Alen-
tejo ; e no coração de Sebaítiaõ Cefar reinava defejo
infaciavel de mqftrar ao mundo, governando, que fabia
reftaurara opinião perdida na prizaó , e caufas delia,
que EIRey D. João juftificou antes de fu a morte. Che-
gou EIRey a Alcântara , e juntos os tres Miniftros, paf-
iarão varias ordens a todos os Títulos , e Fidalgos , que
entenderão não duvidarião de obedeceraellas,para que
viefsem
»■<:■'
PARTE 11. LIVRO Vil 69
viefsem affiítir a EIRey; e chamando EIRey a Pedro Atino
Fernandes Monteiro para Alcântara > elle com louvável ^ ,
zelo efcuíbu com outros pretextos , e com Pedro Viei- 1662.
ra da Silva continuou os recados , que a Rainha man-
dou a EIRey : eícreveraõ aos Governadores das Torres,
e a todas as Províncias do Reyno , que EIRey havia
tomado poíse do governo. Sem controveríia foi aceita,
e obedecida eíta ordem d'EIRey > porque como a Rai-
nha naõ havia intentado encontrala, e íb deíejado ,
que eíta mudança lerizeíse por caminhos mais decoro-
fos, naõ acharão contradição as difpoíiçoens referidas;
fó pareceo conveniente aos Coníelheiros de Eítado,que
a Rainha mandou chamar logo , que lhe chegou a no-
ticia dâ reíoluçaõ d'ElRey, que le defse a ordem a Ma-
noel Pacheco de Mello , para que na Cruz da Eiperan-
ça aguardafse toda a Nobreza,que foíse para Alcântara,
e diíseíse a cada hum dos que chegaisem, que a Rainha
os chamava para lhes fallar , antes de obedecerem á
ordem d' EIRey. Quaíl todos voltarão ao Paço a fallar
á Rainha ; noticia que deo grande cuidado , aos que
aííiítiaó a EIRey , que le deivaneceo depreísa ,• porque
a Rainha depois de informar a todos do feu animo , e
da juíta queixa , com que eítava de fé porem duvida a
determinação , que tinha de entregara EJRey o gover-
no , os mandou para Alcântara, naõ querendo admittir
a opinião de muitos , que lhe aconlelhavaõ , que antes
de largar o governo,caítiga (se os authores da reíoluçaõ,
que EIRey tomara , por naõ ficar eítabelecido exemplo
tao prejudicial. O concurfo da Nobreza deixou livres
aos três Miniítros deite receyo , e a Rainha pelas dez
horas da noite mandou ao Bilpo de Targa com huma
carta a EIRey , que continha as razoens íeguintes.
MUito alto , e pcderofo Príncipe , Eu a Bainha envio
rrniito a [andar aV. Magefiade , eomo acuelle que
f obre todos meus filhos muito amo , e prezo. Agora Jouhe
que havíeis pajjado á quinta dt * Alcântara , e que mandá-
reis levar cama , chamar Fidalgos, e alguns O fiei a es de
vojfa Cafa , o que )unto a me naõ dares noticia de fia )orna-
E 3 dax
I i
70 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno^> carecem indicias de Intentares fepararvos da minha
companhia ,•■ e fuppofio , <p?; e# naÕ faltei ategora ás ebri-
1 662, gàçbèns de M\y , me chego aperfucdir , #«? iw [podereis
arrojar a faltar d obediência de filho ,• e nefie fentido vosrc-
go muito que , parafa-z^r ceffar o rumor d? fie Povo , vos
queirais logo recolher ao Paço , cert ficando-vos , que ne-
nhuma daspeffoas , que vos ajji fiem , vos tem tanto amor
como eu , fiem defe)aõmais,que eu, a voffa conjervaçaÕ , e
augmento , fem me obrigar a efie affeão nenhum rej "peito
particular , porque todos dedico ao maior inter ejfe , e cre*
dito vojjo ,• efe efia voffa acção fe encaminha a querer en-
trar a governar efies Remos yfabe Deos que o defejo mui-
to mais, que vos,- e que fj a efie fim fe encaminharão
algumas refoluçoens, de que vós fem caufa)ufia temarieis
*** fentimento. Comigo deveis tratar efia mataria ,• porque
ajfim podereis confeguir o vofo intento fem efirondos , nem
inquietaçoens , e com afuavidade , e obediência , que deveis
a Deos , e a vojjos Pays. Fofos fcÔ efies Reynos % eeu os
governo em vojfonome ,• e Je for aõ meus -, fá para vós os
quizera. Vinde , como vos peço , e aqui pintaremos o Rey-
'?: tio , como for pojfivel •, e elle , que me entregou efie gover-
■J: m , volo entregará , antes que qualquer dejuniaõ , que en-
•u trenós haja, o entregue a no ff os inimigos , que feachao
com três exércitos poderofos , e com efie ,fe agora Je levan*
tar , maispoderofo que todos , a quem fem duvida fefegui*
„, ráatotalruina. Querei pelo amor de Deos , pelo amar de
vojfos vaffallos , e pelo que vos mereço , confiderar efia ma*
,g teria com madura reflexio \ pois he tio importante , e tanto
para encommenâar a Deos , que guarde a V. Magefiade,
muito alto , e poder of o Príncipe , meufobre todos amado>
e prezada filho , e o encaminhe , como muito [muito defe)or
e lhe peço. Efcrita em Usboa a vinte e hum de Junho de
mil e [eiscentos feffenta edous. VoJJá boa May*
RAINHA.
1
Coma carta referida entrou o Bifpo àe Targa na
pfefença d'ElRey , e entregando-a , lhe encareceo bre-
vemente o animo > com que a Rainha eítava de lhe en-
tre-
PARTE II. LIVRO VIL 71
tregar o governo, íem mais intento, queexecutàr-íe Anno
eíla acção , leni deixar caminho aojuizo dos homens - ,
de parecer violento o que erataõ voluntário , como lô"2"
^onílava á maior parte dos Miniítros , que Iheaíliíliaó.
Depois d'ElRey ouvir cilas razoens do Bifpo , o man-
dou fahir da caia, em que eítavaj porque na ó tinha
permifsaó dos três Miniftros para relponder íem con-
ferencia , e delia relultou tornar a chamar o Biípo , e
dizer-lhe, que ao dia íeguinte mandaria a reporta , e
que efta podia dar á Ilainha. Voltou o jBiípo *, e os
três Miniftros fizeraó logo a repoíla , que ao dia fe-
guinte levou á Rainha D. Thomás de Noronha Conde
de Arcos , e nella fe expunhao as razoens , que fe fe-
guem :
MTJito alta , e poderofa Rainha de Portugal , e dos
Algarve s , dá quem , e dalém mar , em Africa ,
Senhora de Guiné , da Conquijla , Navegação , Ethiopia,
Arábia , Per/ta , e da índia , minha febre todas muito ama-
da , e prezada Mdy , e Senhora \ Eu EIRcy envio muito a
faudar a V. Magejiade. Tendo ref peito ao ejlado , em que
ejle Reyno fe acha com a opprefsáo dos exércitos- dos inimi-
gos defta Coroa , e determinar acodir a elles , como obedien-
te filho de V. Magejiade \ compadecido do continuo traba-
lho , com que V. Magejiade , depois da morte dsElRey meu
Senhor , e Pay , governa ejles Jxeynos , cuja confervaçao fe
deve ao dijvelo , e prudência de V. Magejiade , me refol-
ià a alleviar a V. Magejiade ; pois fegundo as leys de fie
Reyno excedo muito os annos da tutoria , ef per ando com o
favor Divino approvação de V. Magejiade , ajfjlencia , e
conformidade com o Infante D. Pedro meu Irmão , fatis fa-
zer meus Vajfallos , e triunfar dos inimigos defta Ccroa.
Muito alta , e poderofa Rainha de Portugal , e./hó Algar-
ves , minha amada , e prezada May , e Seiíhqtfa nofjò Se-
nhor ha) a a V 'M age fia de em fu a fornia guardfi? Éfcrita em
Alcântara a u de Junho de j 66 1. Èei)a a^ao de F. Ma-
gejiade feu obediente filho.
REY.
E4
; Outra
*m
7t PORTUGAL RESTAURADO ,
Anno Outra carta da meíma lubítancia deita levou ao In*
•^ fante António de Miranda Henriques, e promptamente
IOJ2» 2jle remeteo a repoíla por D. Rodrigo de Menezes , que
continha obíequios , e agradecimentos de lhe partici-
par a lua refol-uçaõ , pedindo-lhe íuavemente quizeíse
tomalla com íatisfaçaó imiveríal na companhia da Rai-
nha lua May, e que para o acompanhar ao dia ieguin-
te na volta para o Paço , pedia a S. Mageítade licença»
A Rainha conílderando as razoens da carta , que lhe
levou o Conde de Arcos; que manifeítavao , que El-
Rey naô determinava voltar ao Paço , esforçou as di-
ligencias por todos os caminhos , que lhe foi pollivel,
para o diísuaiir deite intento t porém todas eraõ artiíi-
ciofamente interpretadas , dizendo-fe a El Rey , que a
Rainha determinava levalo ao Paço , para ficar conti-
nuando o governo em defcredito da íua opinião , e, em
perigo dos que pelo íervirem,fe havião empenhado na-
quelle intento. Voltou o Conde de Arcos com outra car-
ta da Rainha , em que dizia , depois dos titulos coítu-
ma dos :
A Gora acabei de vos efcrever , e ãe vos mandar offe-
recer pelo Bifpo de Targa o mefmo , que me pedis
. wefla voffa carta , \ e vo-lo diffe Sabbado , como vos confia,
depois de vos tirar os impedimentos , que vos podiaõpre-
yjdicar nejla deliberação ,• e Deos he teftimunha , que nem
tive > nem tenho outra referva ,• e fá vos peço filho , pe-
lo que vos mereço , que me naô dificulteis fazer efla ac-
ção , como convém a vós , a mim , e a efes Rey nos. Vol-
tai para vojja Cafa , e efiai certo , que feM hum infante
de dilação* tratará de vos entregar o governo. Fiai-vos de
huma Aãíy , que vos criou com muito amor, e que nenhuma.
toufa d&jfe^^ tanto , como vervos governar cofn grande acer-
to , efelic\xde : afim o efpero na miferipordia de Deos,'
e para que èP* vos ajude , he necejfario entenderdes , que
o que vos tewk^ repetido , he o que vos convém por todos os
ref peitos.
Àelh carta da Rainha não refpondeo EIRey , por-
que
VARTE 71 LIVRO VIL 75
tjiae faltavão pretextos para encontrar os feus pruden- Anno
tiilimos , e verdadeiros rogos tão jultiíkados , que pa- ^,
recia temeridade contradizellos,' e continua do-fe as ne- ^"l.
goceaçoens por outra eítrada , foi ordem ao Secretario
de Eítado Pedro Vieira , para que ao outro dia pela ma-
nhãa fofse f aliar a EIRey. Deo ellQ conta á Rainha ,
que lhe mandou obedeceíse promptamente/e fuppoíto
que EIRey não havia chamado ao Infante, nem deferi-
do á licença , que lhe tinha pedido para lhe aíllítir , lhe
ordenou a Rainha, que pafsafse a Alcântara , e que com
toda afubmifsão,e rendimento perfuadilsea EIRey qui-
zefse voltar para o Paço a aceitar nelle o governo do
Reyno, fazendo-lhe entender que o enganava, quem o
perfuadia , que ella tinha mais intento, que ver-fe li-
vre de carga tão pezada. Obedeceo o Infante leni inter-
por dilação : chegou a Alcântara, fallou a EIRey , e ex-
poz-lhe com efficaciíHmas razoens o muito , que lhe
convinha tomar o governo na forma, que difpunha a
Rainha fua May ; porém EIRey obítinado na íua refo-
lução defpedio o Infante , que voltou para a Corte
Real , e entrou o Secretario de Eítado a fallar-lhe,obe-
decendo á lua ordem. Dilse-lhe EIRey , que havia no-
meado féis Conlelheiros de Eítado , que Uie pafsafte le-
go os defpachos ,• e depois de declarar quem erão , lhe
refpondeo Pedro Vieira , que pedia a S, Mageítade qui-
zeise fufpender ella nomeação ,• porque ainda que to-
dos aquelles Fidalgos fofsem dignos da oceupaçao , pa-
ra que eítavão deítinades , que o tempo fazia a nomea-
ção menos decente , e o numero menos eítimavel ? que
EIRey feu Pay gaftava féis annos para eleolher hum
Confelheiro de Eítado , e Sua Mageítade elegia féis em
huma noite ,• e que fuppoíto , que todos parecia forão
eícolhidos com madura confideração, com tudo , que a
prefsa , a confufaõ , e não haver Sua Mageítade ( como
parecia decoroío ) dado conta á Rainha ,em quem ain-
da eítava o governo do Reyno , e que ordinariamente
nomeaçoens intempeítivas coítumava o mundo a não
julgar por acertadas,* e que jultiíicando-fe naefsencia
ler feita aquella nomeação em Miniltros tão beneme-
xitosj
Anno
1661.
74 PO KTUO A L ít Ç S7J VtADO,
ritos , feria ofFendellos deílruilla na circunílancia : que
Sua Mageílade fofse ièrvido querer voltar para a com-
panhia de íua Mãy» porque nella fe liie entrega ria o
governo pacifico com legitimas ceremonias, iem íer ne-
celsario uíar de meyos nullos , e violentos , dando-íe a
entender ás Naçoens extranlias , que S. Mageílade to-
mava por força o Reyno , que lhe pertencia por fuc-
cefsaõ , lem mais fim , que defauthorizar a refoluçaõ,
que a Rainha fua May tinha, de executar com mui-
ta fuavidade o mefmo, que elle pertendia confeguir
com violência ; e de que eíla era firme , e de mui-
to tempo aísentada deliberaõ da Rainha , devia Sua
Mageílade ter por indubitável , principalmente de-
pois da Rainha lhe haver eferito o mefmo, que elle
lhe fegurava debaixo da fua Firma Real; e que feria fa-
crilega temeridade prefumir-fe podia faltar á fua pala-
vra , quando repetidas , e virtuofas acçoens a coroavaó
Heroína daquelle.feculo. EIRey ouvindo as razoens re-
feridas ficou com a coílumada perplexidade , e foi a
conclulaó do argumento ordenar a Pedro Vieira fizefse
o defpacho aos Confelheiros de Eílado na forma , que
lhe mandara. Obedeceo elle vendo infrudhiofas as re-
plicasse logo chamou EIRey a Confeliio de Eílado,em
que entrarão os féis nomeados , que foraõ o Conde de
Atouguia , o Conde de Arcos, o Vifconde de Villa-No-
va , o Marquez deCafeaes , António de Mendoçi , e o
Conde de Óbidos; e propondo-fe tudo o que fica refe-
rido , defejando o Conde de Atouguia , que fe emen- f
dafsem tantos defeoncertos , diíse : que para S. Mageíla-
de tomar poise do governo do Reyno com decência , e
legalidade , era preciíb ordenar ao Secretario de Eílado
referifse a forma , e o eílylo , com que fe procedia em
íimilhantes adros. Concordarão os mais neíla opinião,
e EIRey mandou a Pedro Vieira referifse o que fabia da-
quella matéria ,• e elle com zelo > e prudência , fem em-
baraço , ou receyo , expoz : Qje os Reys , ainda que
tinhaõ o direito da fuccefsaó , naõ coílumavaõ tomar
por fi poise do governo,* porque fempre era necefsarío,
que o Reyno , ou quem ;0 reprefentafse , fe fujeitafse
era
PJRTE II. LIVRO VII. 7j
em acto publico á fua obediência com os antigos ef- Armo
tyJos, e uzadas ceremonias de cada huma das Naçoens,- *
eque em quanto aqueJle acfo ie naó celebrava, naõ 1ÕÓ2.
eílava introduzido no domínio o fuccefsor do Reyno ,
fazendo-fe inítru mentos públicos , que íerviaó de títu-
los para os preíentes , e de memoria para os vindouros:
que o Reyno em virtude do teítamento d'E!Rey Dom
Joaõ havia entregue o governo á Rainha , dando-lhe os
SqUos , em queeítava vinculado o Real poder , iem os
quaes S. Mageítade ie achava , e por eíta falta tudo, o
que obrava , era com violência , e lem juítiça , e todos
os vaisallos , que lhe obedeciaõ , vinhão contra razão
obrigados do receyo ; porque, iuppoílo que em S. Ma-
geítade eílava a Coroa , e o Sceptro , a Rainha fua May
tinha a regência, e o dominio ,• e que fe aos dous igual-
mente fe devia o decoro da Mageítade , unicamente á
Rainha a obediência dos preceitos : que não quizeíse
S. Mageítade perverter o eílylo íempreobíervado pe-
los antigos Reys de Portugal , fem mais que o errado
fim de querer tomar por força o governo , que a Rai-
nha pertendia entregar-lhe por vontade , arrifeando-íe
com aquellg refolução a fazer menos fauítos os aulpi-
cios do feu futuro governo , não íb no Reyno próprio,
mas nos extranhos, onde a fua determinação havia de
fer julgada ,• e que fe S. Magtítade duvidava do animo
da Raiiha , que foi se fervido mandar qualquer daquel-
Jes Fidalgos á Secretaria de Fitado, que elie lhe daria
a chave de hum eferitorio , em cuja maior gaveta fe
achariao feitas todas as ordens necefsarias para a for-
malidade daquelle atf o ,• e que viítas , e nellas exprefsa
a vontade da Rainha , devia S. Mageítade acommodar-
fe com a fua refolução , e voltar ao Paço , onde fe lhe
faria entrega do governo do Reyno , naó fó fem con-
troverfia , mas com geral applaufo : que iílo era o que
convinha que fe executafse J e que , fendo úteis a to-
dos em geral as juíHficadas acçoens de S. Mageítade ,
tocavao particularmente aos que ;aílííriaó na fua Real
prefença, tendo por obrigação principal aconíelharem-
no juíta , « virtuoíameiíte,
£ítas
Anão
1661.
M:F
76 POfflJGAL VU5S74Ut*DO f
Eílas razosns foraõ taò juítiíicadas, que naõ houve
algum dos Confelheiros de Eílado^queas contradiísef-
íe; porém arbitrando-fe aovo meyo de unir pontos taõ
divididos por linhas imaginarias , difséraó , que entre-
gando o Secretario de Eítado a EIRey os Sellos, ficavaõ
fem contradição todas as ceremonias , que havia referi-
do. Reípondeo elle confiantemente, que naõ tinha po-
der para pedir á Rainha os Sellos , nem ella para os
entregar íenaõ á mefma peísoa d'ElRey, fem que a au-
tliorida.de de Miniílro algum pudeíse interpor-fe em
matéria taõ fagradã ; e que neíle fentido naõ devia Sua
Mageílade fazer acção , em que faltafse,nem á juíliça,
nem á decência. Convencidos ficarão todos os Confe-
lheiros ; porém ainda taõ obllinados , que fe difsolveo
o Confellio fem deliberação alguma. Separados os Mi-
niítros , chamou EIRey particularmente ao Secretario
de Eílado , e perguntou-lhe , fe fe atrevia a fegurar,
que a- Rainha lhe entregaria o governo , voltando pa-
ra o Paço. Refpondeo-lhe , que ainda que naõ_era fá-
cil prometter, o que dependia da vontade allíéyà^prín-
cipalmente nas matérias daquella qualidade j que elle
eílava taõ certo na refóluçaõ da Rainha naquelie par-
ticular , que com a fua peísoa fegurava a S. Mageílade,
que a Rainha lhe havia de entregar logo o governo
com asfolemnidades, que para aquelle adio fe reque-
rião. Mandou EIRey que efperafse na antecamera de
fora , e chamando os três Miniflros , por quem fe go-
vernava , lhes referio a fua promefsa. Ajudarão , que
tornafse a chamallo,e lhe diísefse,que trazendo-lhe hu-
ma carta aíiinada pela Rainha , em que fegurafse o que
elle promettia , EIRey voltaria para o Paço. Beijoulhe
Pedro Vieira a mão , louvando-lhe muito o partido ,
que havia tomado ; efatisfeito de haver triunfado de
tão confufo impoíftvel > voltou ao Paço , e dando con-
ta á Rainha de todo o progrefso da fua commifsão, lhe
deo ordem , que logo fizefse acarta na forma que EI-
Rey a pedia , refultando-ihe grande contentamento de
haver fahido da affliçao , a que a tinha obrigado po-
der-fe entender no mundo , que ella defejara do gover*
PJRTE 11. LIVRO VIL 77
no do Reyno mais , que o trabalho de defendello ■, e j^rmo
áeguralio para o lograr EIRey ieu filho. Não erão pai- . ,
fadas muitas horas, quando chegou o Conde de Pom- J^oz,
beiro á Secretaria de Eítado com ordem d'E!Rey pa-
ra levar a carta , advertindo ao Secretario , que já fe
duvidava delle fatisfazer a promefsa de entregalla. Deo-
Iha Pedro Vieira ., e difse-lhe , que a carta reíponderia
pela fua fé, e verdade. Levou-a o Conde, e aberta dizia:
MUito alto , e poderofo Príncipe , &c. Aí ma-
nhâa ás dez horas do dia teraõ recado os Tribu-
naes , para em fua prefença vos entregai" os Scllos , e
tom elles o governo dejles voffos Reynos na forma, quefe
.cojlumaf e porque nefla matéria naõ haverá duvida al-
guma , vos rogo muito queirais rccolhervos a vojjá Cafa,
Muito alto , e poderofo Príncipe ^ &c.
Convencidos os Miniítros , que aílíítião a EIRey ,
<das razoens deita carta , concordarão , que EJRey ohe-
deceíse á Rainha ,• porque como não havia circunítan-
cia , de que fe pudefse inferir contrario intento , fica-
da a opinião d'ElRey muito prejudicada em continuar
maior violência. Fez avizo á Rainha deita refoluçaõ- e
ella deo promptamente ordem , que ao dia feguinte
■eftivefsern no Paço todos os Tribunaes,Nobreza,e prin-
cipaes do Povo , advertindo , que fep revê nifsem galas.,
e feitas. Ao dia feguinte , que era fexta feira , vefpera
•de S. João Bautiíta , veyo EIRey de Alcântara para o
Paço , acompanhado de toda a Corte ,• e havendo-fe-
Ihe fignificado da parte do Infante , que o queria acom-
panhar á hora deítinada , por conielho dos três Miai-
dtros fe anticipou,eveyo bufcallo á Corte- Pveal. Baixou
•promptamente o Infante, e -entrou na .carroça com EI-
Rey ■> apearao-íe no Paço , e íubiraoi prefença da Rai-
nha , que os eiperava com taô agradável íeveridade , e
animo taô conftante,-que parece rubricava naquelie acx.o
ioda' a excellencia das fuás heróicas :acçoens. Sentou
klReyi maõ direita , e o Infante i efqtíerda , tomaíi-
4q na antecâmara os ieus lugares todos os Tribunaes,
lltu.
7!! PORTUGAL V^ESJJVtADO ,
Ajn-nfo títulos , Fidalgos , e principaes do Povo- Poz o Repo-
, íteiro mor diante d<ElRey huma cadeira raza develu-
Ióoi. do carmezim com almofada do mefmo , e o Secretario
de Eítado fobre ella a bolfa , em que eítava0 os Sellos
Reaes , e a Rainha tomando-os em a me ima bolfa , os
entregou a EIRey , dizendo as palavras fegu íntes :
EJles faõ os Sellos , com que os Reynos de Vof"
' fa Magejlade me entregarão o governo em virtude do
tejlamento dL EIRey meu Senhor , que De os tem : en-
trego-os a VoJJa Magejlade , e o governo , que com
elles recebi •, prazerá a De os , que debaixo do amparo
de Vojfa Magejlade tenhaÕ as felicidades , que eu de~
fejo.
Tomou EIRey os Sellos , fem refponder palavra al-
guma, e beijando todos, os que eítavaõ pre lentes , as _
mãos aos três Príncipes , fe difsolveo o congrefso,fkan-
do EIRey de pofse do appetecido governo do Reyno,
e fem cuidado do poder da Rainha , os que taõ viva-
mente o recearão.
Efté foi o ultimo fuccefso do prudente governo
da Rainha Dona Luiza , naõ a ultima acçaó da lua ge-
nerofa vida , que para eíta havia refervado as mais he-
íoicas circunílancias :, fendo que mereceo immortal lou-
vor a difcreta ponderação , com que coníeguio no ma-
ior combate da fortuna triunfar das falfas cavillaçoens
da emulação, moftrando ao Mundo, que naõ conti-
nuava o governo da Monarquia mais , que pelo interu
to de conlervalla , afpirando fó a immortal , e fupenor
Império , e caftigando , aos que intentarão , que EIRey
lhetirafse o governo por força, em lho entregar por
vontade •, fendo o maior credito do feu varonil , e vir-
tuofo efpirito a calumnia , que fe tomou por pretex-
to para o efcandalo d<ElRey ; pois a refoluçao , e a
forma da prizaò de António de Conte no tempo , que
três Provindas com a invafaò de três exércitos ardiao
em guerra , naò fe conta mais heróica de outro algum
feculo , juíKficando a Rainha , que pela honra deDeos,
e opinião d' EIRey feu filho atropelava todos os incon-
venientes , e perigos humanos ; e naõ foipoderofa to-
PJRTE 11 LIVRO Vil 79
da a iaduítria dos malaffe&os , para fe eícurecerem os Anna
refplandores deita acçaó 9 obrada fem mais politica,que
o defejo fyncero , evirtuofo de «apartar da companhia l^2*
<l'ElRey homens indignos de lugar taó foberano , an-
tes de lhe entregar o Reyno , e lhe dar por adjun&os
ao governo Varoens exemplares , e merecedores de ai-
íiílir á fua Real educação.
Logo que a Rainha fe apartou d<ElRey, mandou
por todos os Conventos dar graças a Deos defahir taó
felicemente de empenho taó arriícado , e tratou cuida-
dofamente da eleição de íirio para fundação de hum
Convento de B^eligiofas AgoiUnhas Delealçasjrecollei-
çaõ, em que havia deliberado recoHier-fe: e achando in-
digna dificuldade em alguns, que intentou, (porque os
homens temporaes ío pelo tempo fe governaó , e fem
attençoens da Jionra fogem dasleys da razão ) veyo a
i aceitar aofferta do Conde da Ponte de hu ma quinta ■>
iituada fobre o Tejo no íitio do Grillo , ç nella come-
çou a fundação do Convento com a maior diligencia,
€ brevidade, que lhe foi poífível , que pareceo vaga*
rofa , aos que a defejavaó mais diílante d«ElRey •, in-
tento , que foi applicado com eíHmulos taó exorbitan-
tes, e indecorofos , que fófora decente referirem-ie,
fe as virtudes efclarecidas daRainJia dependerão de fe
ananifeítar o cryibl , em que fe apurarão.
Separada a Rainha do governo, e reconhecendo o
Conde de Caítello-Melhor osrobuílas hombros, que
eraõ necefsarios para fuílentar o pezo da Monarquia ?q
EIRey infallivelmente havia de entregar á eleição de
primeiro Miniilro*, porque áièm da falta da racional re~
ílexaõ , de que os achaques o haviaó privado , eílava
taó alheyo de todos os fundamentos eíseaciaesde go-
vernar o Reyno, que totalmente ignorava os primei-
ros princípios de lèr , e eferever , que íaó aque31es,com
que os homens fe habilita o para os mais inferiores ex-
ercícios da vida , quanto mais para o governo de taó
dilatada Monarquia.onde nem podia lêr o que lhe cpn-
íultafsem , nem eferever , o que naó quizefse liar de ou-
pà i efsoa ?* p bailava sita privação para fer depoík> d#
governa -
8o PORTUGAL RESTAURADO,
A ntlO governo do Reyno. Determinando o Conde deCaítelío-
,s Melhor fahir de ta o grande- embaraço , oíFereceo ao
1ÓÒ2, Conde de Atouguia o lugar de primeiro Miniltro , re-
-conhecendo nelle virtudes capazes deita luperior occu»
paçaõ ; porém o Conde de Atouguia , que fabia pez ar
as íiias acçoens com medidas certas ,' fó attento á glo-
ria póíHiuma , naó querendo que em algum tempo pa-
receíse , queelle por conveniência própria , e naõ por
zelo publico,havia cooperado na reíbluçaó , que EIRey
tomara, agradecendo ao Conde de Caitello-Melhor a
oííerta que lhe fazia, transferio nelle o domínio, fe~
gurando-lhe inleparavel fociedade ; deliberação , que
^pprovou Sebaítiaó Cefar,porque ie nao achou com po-
der para fer o eleito , e por eíta conformidade ficou o
Conde de Caítello-JVÍelhor logrando , o que muitos an-
} nos antes íe havia vaticinado: porém paísado pouco
tempo do governo o>ElRey , feguio eíta difpohçaô os
-paísos do Trium-Virato Romano , ficando o poder ab-
loiuto no Conde de Caítello-Melhor , e feparando-íe
querxQÍbs os outros dous Miurítros , como veremos,
Mandou EIRey ao Conde , que pafsaíse a fua família
para o quarto y que havia fido do Príncipe D. Theodo-
fio , fem mudança alguma nas portas das ferventias in-
teriores , eefcolheo", por intervenção do Conde > para
lhe aíTiítir nos exercícios domeíticos , a Henrique Hen-
riques de Miranda , filho íegundo de António de Mi-
randa Henriques : e porque poderia parecer odioio o ti-
tulo de primeiro Miniítro, confeguio o Conde o de El-
crivaò da Puridade joccupaçaõ, que havia tido Joaõ Fer-
nandes da Silveira no tempo d'ElRey D. Joaõ o 1 n-
meiro : Nuno Martins da Silveira no d' EIRey D. Duar-
te: Diogo da Silveira no d'ElRey D. Aífonío V. ; o
Cardial D. Miguel da Silva no tempo d' EIRey D, Ma-
noel} MartirnGonfalves da Camera , reinando EIRey
D. Sebaftiaójé outros em íéculos mais diítantes: e por-
que naó foi poffivel defcobrirem-fe documentos para fe
lançar a carta,mandou EIRey ao Secretario de Eítado a
fizefse como o Conde lhe ordenafse. Repugnou elle,
acodindo pelas prerogativas do feu ofíicio :naõ lhe va-
r x lerão
VARTE II. LimO VII. K.
3eraõ as diligencias -, porque já fe na o praticava mais, ,4 , .
que as duas conclufoens , de quero, e mando', ele rf>
pafsou ao Conde a Carta com poder abíoluto de go- *"6-2,
vernar o Reyno , úteis emolumentos , propinas em to-
dos os Tribunaes , e mercê de Confelheiro de Fitado
Ao mefmo tempo nomeou ElRey a Henrique Henri-
ques de Miranda Tenête General da Artilharia do Rey-
no, e Provedor dos Armazéns, compra ndo-fe a proprie-
de deite officio a Luiz Ceíar de Menezes , que o exerci-
tava , por haver íido de feus Avós», e a eilas mercês íe
feguiraõ outras a varias peísoas depédeníes dos três Mi-
niilros, e fe tirou o exercicio aos Gentis-homens daCa-
mera d'ElRey,deixando-lhe nella as entradas livres nas
horas deíbccupadas , e fe ordenou a Franciíco de Sá de
Menezes Marquez de Fontes ferviíse o feu ofíicio de
Camereiro mór j porém nem eíla occupaçaõ nem outra
alguma da Caía Real tinha o feu verdadeiro exercício,
nem havia hora certa para algum emprego *, porque
tudo íe governava pela vontade d'ElRey taõ diísonan-
f e , que naõ difpenfava armonia.
Difpoíhs as fegu ranças domeílicas , fe poz em pra-
tica o defembaraço dos perigos externos , e foraô ef-
colhidas as pefsoas principaes , com que a Rainha íe
•aeonfelhou no papel , que fe deu a ElRey , e prizaÔ
de António de Conte , da ndo-fe a todas camerariamen-
te íentença de deílerro para os lugares mais remotos ;
eao mefmo tempo mandou ElRey fahir da Corte ao
Duque do Cadaval, o Conde de Soure, Manoel de Mel-
lo , o Monteiro mór , o Conde de Pombeiro , ó Secre-
tario de Eftado Pedro Vieira da Silva , e o Padre Antó-
nio Vieira •, e Luiz de Mello teve ordem para fe abfter
de ir ao Paço, havendoíè-lhe primeiro feito mercê do
officio de Porteiro mór para feu filho Chriílovaõ de
Mello, que governava Mazagaó-, e o Capitão da Guar-
da para Manoel de Mello , negoceando-lhe o Conde de
Atouguia eíle allivio na fua difgraça. O Marquez de
Gouvea , vendo-fe deítruido de feus amigos , e de-
fraudados os privilégios do officio de Mordomo mór,
. ,pedio licença para fahir da Corte : negoufe -lhe vpo-
F rém
I
!,>■-»
Si PORTUGAL RESTAURADO ,
AílHO rém inílando , fétee concedeo como preceito de naõ
,\ entrar nella fern ordem d'E!Rey. Faltava Secretario de
lbúl* £ítacJo pelo deílerro de Pedro Vieira, e efcolheo o
Conde de Caítello-Melhor a António de Souía de Ma-
cedo, Confelheiro da Fazenda , e Juiz das Juílificações,
e que havia nas Corte extrangeiras oceupado os luga-
res , que temos referidos , e profefsava além das boas
letras , erudiçoens , e noticias , que lhe grangearaõ me-
lhor fama , em quanto teve menos fortuna» e porque
© Prior de Sodofeita fe retirou voluntariamente para a
ília Abbadia , foi efeolhido para Confefsot d'ElRey, e
«eleito Bifpo de Angra Fr. Pedro de Soufa , tio do Con-
de de Caílello-Melhor, Religiofo da Ordem de S. Ben-
to , onde havia fido Abbade , e Lente de Theologia.
Os primeiros dias, que fuecederaó ao em que EIRey
tomou poise do governo, aíTiílio a algumas acçoens pu-
blicas com pontualidade : porém como naõ podia íof-
frer laços aos feus divertimentos , começou a exerci-
tar huma defordem de acçoens taó inauditas , que re-
cea o animo laíKmado , e zelofo da honra do Reyno.
encontrar termos,com que decorofamente fe expliquem
tantas infelicidades : porém naó he pofíivel deixar de
referillas,aílim para documento da humana fragilidade,
como para jufttíicaçaõ dos fueceísos futuros. Augmen-
tava as deíbrdens d'ElRey de forte aambiçaõ de mui-
tos dos que lhe aífíítiaõ , que aaffiicçaõ da Corte
~c releia por inítantes,ca conrufaõ era taõ exceiliva, que
parecia irremediável \ porque ao mefmo tempo fe re-
petia© as noticias dos progrefsos -dos exércitos de Ca-
jtella. Entre tantas afflicçoens fe dedicava a mayor la-
itima á indeeencia , com que a Rainha era tratada ; por-
que além de lhe tirarem toda a comunicação dos negó-
cios do Reyno, lhe difficultavaõ a aíliílencía das pef-
foas, cnie por obrigação, eporalFe&o defejavaô naõ
faltar da fua antecamera , e folhe era permittido fer-
vir-íè deDonalfabel deCaftro, eDona Maria Fran-
ciíca, viuva cie D. António deCaft.ro, e de algumas
Batinas ; e affiiftirem-lhe Ruy de Moura Telles, íeu E£-
Cribeiro mór , e D. João deSouía $a Silveira fi feu Vea-
«dor i
rj" i
PJRTE II. LlfRO VIL -.8 j
dor: e depois de apurados extraordinários difsabores, àfâfi®
chegou o defacato a tao íiibido ponto , que, não valeu- ]>Y '
do á Rainha o fagrado do Oratório , onde lè recolhia, Ioui.
foraó profanadas com pedras as vidraças das janellas ,
que cahiaó para o eirado : e porque naô ficaíse duvi-
doio o Íacrilegio , e o defatino occulto , feriao o ar iu-
decentiííimas vozes , que lè deixavaó raigar da mágoa
de ouvir que era caíiigada ainnocencia, e a grande-
za abatida. Affiítia EIRey a eíleslaítimoíbs eípedacu-
losj e parecendo-lhe que a noite era confuía teíHmu-
nha deites profanos deíconcertos da ira , bufcou a lua
do dia para os fazer mais manifeítosi e defcendo á Ca-
pella dia da Conceição , eítando a Rainha lua Mãy na
tribuna , lhe negou a cortezia , que devia fazer-lhe
como Rey , ecomo rilho. Explicou o efcandalo geral
o confuío rumor do Povo , em que íó íoavaõ as lagri-
mas como línguas dos coraçoens magoados. Acabou-
ie a feita , retirou-íè a Rainha da tribuna , e não tor-
nou a voltar aella em quanto eileve no Paço. Sen-
tia o Infante D. Pedro profundamente eítes repetidos
pezares , e outros que lhe pertenciãoj porque, reconhe-
cendo-le , que em EIRey creícião os vícios , nelle as
virtudes lè lhe miniílravao inílru mentes de desbaratai-
las, pertenden do juntamente divertillo das liçoens,em
que o oceupava prudentiíTimamente Francilco Corrêa
de Lacerda; mortal veneno, que os Principes com appa-
rencia de fuave bebem nos primeiros annos ; e junta-
mente o perfuadiaõ á aíliílencia do Paço , de que o In-
fante com diíTimulada prudência fe íeparava , reconhe-
cendo os continuos riícos , a que lè expunha na in-
confiderada cólera d'ElRey , originada da natural anti-
patia , que tinha ás luas virtudes.
Achava-lè rieíte tempo o Infante fem numero de
criados , que lhe aííiítifsem ,* porque o Conde de Soure
eítava deíterrado Joaó Nunes da Cunha em Entre Dou-
ro , e Minho,o Conde de S. Lourenço , e Ruy de Mou-
ra Telles com o pretexto das fuás oceupaçoens penden-
do para o partido reynante , deixavaó de tomar íèma-
na , e por eíle refpeito foraõ novamente nomeados pa-
S 2 ra
84 POítTUGAL RESTAURADO;
Al1íiOra Geiítis-homens daCamera do Infante o Conde da
,s Ericeira D. Francifco de Menezes , reílituido por El-
1602. pve^ - £ua ca^a com 0 iUgar je Confelheiro de Guerra,
abíblvendo-o do deíterro, a que a Rainha o havia man-
do ? avaliando por culpa as folidas razoens , que o
Conde teve|para naõ acompanhar a Rainha de Inglater-
, ra; jornada,para que o havia deítinado a Pvainha Regen-
te : a Pedro Cefar de Menezes , Ruy Fernandes de Al-
mada , Rodrigo de Figueiredo , D. Diogo de Menezes,
e António de Miranda Henriques. Concorriaõ em to-
dos merecimentos para aquella occupaçaõ ; e eítes , e
- muitos mais eraó necefsarios para defender ao Infante
dos perigos , a que todas as horas eítava expoílo com
os excefos d' EIRey , ainda que nos primeiros mezes do
feu governo naõ foraó taõ públicos , como depois
fe manifeítaraõ , de que iremos , com pena incompa-
• ravel , dando conta pela ordem dos annos.
Nas Cortes de França , e Roma , como naõ havia
Miniítros neíle tempo , naõ fe offèreceo matéria digna
de memoria , fó em EIRey de França começavaõ atfa-
zer imprefsaõ as diligencias de Inglaterra ; e defatado
o governo daquelle Reyno dos laços políticos do Car-
deal Mafsarino com a fua morte , (como difsemos) foi
EIRey conhecendo claramente , que a união de Portu-
gal era hum dos ma yores esforços daquela Monarquia,
. por fer occaíiaò dos mais fenfitivos damnos , que os Ca-
. íleHianos padeciaõ , eaopafso defte conhecimento fe
foraõ difpondo os foccorros, que depois pafsaraõ a Por-
tugal.
Deixámos a Rainha de Inglaterra embarcada na Ca-
pitania da Armada daquelle Reyno , e a Corte comas
juítas faudades da falta de huma taõ excellente Prinee-
za. Naõ deu o tempo lugar a fahir a Armada fe naõ na
dia vinte e cinco de Abril , e nos três , que íe, dilatou
110 porto, mandou a Rainha incefsantemête faber como
íe achava a Rainha fua rilha com as incommodidades
do navio J e EIRey , e o Infante fe embarcava 6 de
noite, levando comfigo varias faluas de mu ficas para
.divertir a Rainha. Saliio a Armada fora da Barra , e ha-
vendo
PARTE II. LIVRO VIL 8y
vendo navegado com ventos pouco favoráveis, por Annn
correrem muito rijos os Nordeítes » foi precifo entrar *
era huma bahia chamada dos Montes a dezoito de *662»
Mayo, e focegado o vento,tornou a lahir.Sentio a Rai-
nha. o trabalho da navegação , e padeceo grandes do-
res em hum braço $ porém melhorando , foi menor o
cuidado do Marquez de Sande, e Embaixador extraor-
dinário naõ fó de Inglaterra , fenaô de França , fe aca-
fo a fua diligencia pudelse confeguir fem controver-
tia eíta commilsaõ, fiando "a Rainha juítamente do feu
grande talento negócios tao coníideraveis. Na bahia
dos Montes tiveraõ principio os oblequios dos Ingle-
zes á lua nova Rainha , e todos fatisfeitos da benevo-
lência , e agrado , com que os recebeo , e da fua gen-
til difpoíiçaâ , celebrarão no felice defpoforio d'ElRey
a fortuna daquelle Reyno , e por toda aquella Coita
refplandecia o ar com fogos , e retumbavaó oséccos
com falvas de artilharia. Varias vezes efcreveo a Rai-
nha de Inglaterra á Rainha fua May na jornada , e re-
cebendo carta fua das preparaçoens , que os Caílelha-
nos faziaõ para entrar em Portugal, defpachou o feu
Eílribeiro mór com Iiuma carta para EIRey , pedindo-
Ihe com aífecluofo encarecimento remetefse a Lisboa
com a brevidade poífivel a Armada , e tropas da Caval-
gariam Infantaria deítinadas para aíliílir na futura Cam-
panha. Antes de entrar no porto de Porítmouth fe avi-»
ilaraó cinco fragatas, em que vinha o Duque de York,
que reconhecendo a Capitânia , lançou fora huma fa-
lua 5 em que o feu Secretario chamado Conventriz em-
barcou a pedir licença á Rainha , para lhe beijar a mao:
refpondeo-lhe , que qualquer dilação lhe leria penofa.
Sahio o Duque do feu navio em hum cuítofo bargantim,
e entrou na Capitânia com luzido acompanhamento, e
viítofas gallas. Veyo a efperallo o Marquez de Sande,
e os mais Fidalgos : recebeo-o a Rainha no ultimo ca-
marote da popa i que por fer o mais interior, era o mais
próprio para a familiaridade precifa naquella funçatf.
Eftava prevenida huma cadeira de eípaldas á maõ ef-
querda , da em que a Rainha íe fentou , depois defal-
F 3 lai
'
Í6 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno Iar em P^ ao Duque porém elle fenao quiz fentar na-
,, quelle lugar , e puxando por hum a cadeira raza , íe
IÓ52» ientounella. Havia em pé fallado na língua Ingleza ,
e featado continuou na Caílelhana ; e depois de largas
exprefsoens do feu afie&o , e protaítos do feu rendi-
mento , a que a Rainha refpondeo com agradável ur-
banidade , fe levantou o Duque , e a Rainha , e entrou
a beijar-he a mao o Duque de Ormond , que lhe deu
liuma carta d'ElRey, e logo fe feguirao o Conde de
Cheíterfield eleito para feuCamereiro mór , e genro
do Duque de Ormond , e outros Titulos, e pefsoas
principaes. Defpedio-fe o Duque de York , éa Rainha
deu três pafsos , naõ podendo o Duque impedillo, co-
mo intentou , dizendo , que reparafse S. Mageífcade,em
que por elle fer feu General , aquella cafa , em que eí-
tava , era ília. Refpondeo-lhe , que a fua cafa era mui-
to mayor, e ó que ella naó deveíse.por obrigação,
queria fazer por afFe&o j repoíta, de que o Duque ficou,
muito fatisfeito. Todos os dias feguintes veyo o Du-
que faber da Rainha , eella accômodando-fe aos eíty-
los daNaçaó Ingleza , rompendo as claufuras do feu
retiro , lhe fallava no camarote , em que tinha eleito.
Madava a Rainha correfponder a eltas viíitas pelo Con-
de de Pontelve, D.Francifco de Mello, e Francifco
Corrêa , e entrou a Armada em Porílmouth a vinte e
quatro deMayo , feguida a Capitania do Duque de
York , e defembarcou a Rainha , levando-a pela mao
o Duque , da Capitania a embarcar em hum bargantim
dourado ; e adereçado cuílofamente. Acompanhou-a a
Condefsa de Pontelvel , e a de Penalva ficou no navio
fangrada féis vezes mas logo foy conduzida a terra.
Eftava na praya o Governador , asjuítiças, e pefsoas
principaes , e os da governança com maças douradas.
Entrou a Rainha em hum a carroça, veítidaá Ingleza,
e pafsando pelas ruas principaes, ficarão íatisfeitos íeus
vafsallos cabalmente da fua regia, e galharda prefen-
ça- Apeou-íe nas cafas , que lhe eftavaó prevenidas ;
e magnificamente adornadas. Efperava-fe a Condefsa de
SufoJk fua Camareira mór com quatro Damas , e fa-
milia
Uhtta 4 R4j-
nha de Ingla*
Urra em Lon-
dres com fran-
dc appiaufo , e
magnificas je-
PARTE II. LIVRO VIL S7
milia inferior , e ao dia feguinte lhe dtfse Mifsa o Mj- Anno
lord de Aubignyfeu Capellaõ mór. Os dias íeguintes . ,
mandou EIRey faber da Rainha , efcrevendo-lhe varias Iõoi.
cartas , e huma delias trouxe Ruy Telles de Menezes,
e ella lhe efcreveo , mandando a carta pelo íeu Eílri-
beiro mór. Três dias depois da Rainha chegar a terra,
lhe fobreveyo huma defluxaõ na garganta , que lhe naô
permittio levantar-fe da cama ; porém pafsou-lhe tao
brevemente efte achaque , que fe naô deu conta del-
le a EIRey. A Porítmouth chegou ElRey em huma car-
roça a trinta de Mayo acompanhado de toda a Corte
com galas cuíloíiíiimas. Efperava-o o Marquez de San-
de no pátco , e todos os mais Portuguezes : recebeo-os
com grande agrado , e encareceo ao Marquez de Sande
o muito , que eítimava velo naquelle B^eyno na occa-
íiáó da fua mayor fortuna. Ao fubir da efcada inten-
tou o Principe Palatino Roberto , que tinha vindo na
carroça com EIRey , adiantar-fe ao Embaixador , fican-
do mais immediato á pefsoa d'ElRey.Pegou-lhe o Mar-
quez no braço detendo-o , e difse a EIRey , que lhe
áéíss o feu lugar : refpondeo-lhe , que tinha muita ra-
zão , e mandou ao Principe , que fe apartafse , e déf-
fe lugar ao Embaixador , que fe defculpou com o Prin-
cipe deita demonítraçaó , pelas obrigaçoens , em que
o punha o feu exercicicio j e elle o achou tao juílifica-
do , que o tempo , que EIRey fe dilatou em fe veítir
para entrar a ver a Rainha , bufcou o Conde de Pon-
tevel , D. Francifco de Mello , Francifco Corrêa , e ao
Secretario Francifco de Sá de Menezes , e fe lhe ofíe-
receo com grandes cortezias. EIRey depois de fe ve-
ítir , e compor com muita galhardia , entrou na Came-
ra> onde > a Rainha eltava ainda na cama , por lhe nao
permittirem os Médicos , que fe levantafse , e com fl-
niffimas demonílraçoens lhe exprefsou o feu contenta-
mento , que fe diminuirá , fe os Médicos lhe naõ ex-
prefsaraô com as mais feguras affirmaçoens , que o feu
achaque nao era digno do emprego do feu cuidado.
Referio EIRey eítas razoens nalingua Caílelhana , e
a Rainha lhe refpondeo com tanta prudência, e difcrip-
F4 çaõ*
SS PORTUGAL RESTAURADO ,
Ánno Çaí> ? <lue confefsou , depois de voltar para o feu quar-
. /y to , o quanto fe achava fatisfeito da fortuna do feu def-
10(3 * poforio: Toda aquella noite fe gaitou em feitas , e
banquetes : ao dia feguinte fe levantou a Rainha já
melhorada , e havendo-fe prevenido para o primeiro
a cio de íoleranidade tudo , o que era conveniente , de-
pois de jantar fahio a Rainha com EIRey pela mao a
huma grande fala , onde eítava debaixo de hum docel
hum throno com duas cadeiras , em que os dous Reys
fe fentaraó , e diante da Nobreza , e Povo , que con-
correo a eíta celebridade , leu o Secretario d' EIRey o
inítru mento , que EIRey havia dado ao Embaixador,
e o Secretario Francifco de Sá de Menezes , o que o
Embaixador deu a EIRey j e acabada eíta ceremonia,
difse hum dos Bifpos Inglezes em voz alta , que aquel-
la era a mulher , com que EIRey eítava cafado , e to*
dos alegremente refponderaò, que viefse infinitos fe-
culos. Levantou-fe EIRey , e tornando a levar a Rai-
nha pela mao ao feu quarto , onde entrarão abeijar-
Ihe a mao todas as Damas , e pefsoas principaes da Cor*
te j e a Gamereiramór , obíervando o eítylo de Ingla-
terra em íimilhantes actos , tirou todas as íitas , que
a Rainha levara : deu a primeira ao Duque de York,
e repartio as mais pelos Officiaes da cafa , Damas, e
Títulos de mayor fuppofiçaõ. Os dias que a Cortte af-
iiítio em Porítmouth, mandou EIRey hofpedar magni-
ficamente o Embaixador , e todos os Portuguezes , que
acompanharão a Rainha ; e no dia feguinte á função
referida , recebeo huma carta a Rainha May d'ElRey,
que fe achava em Paris , efcrita em língua Franceza ,
em que exprefsava muito afFectuofamente , quanto de-
fejava a fua chegada a Inglaterra , e a grande affeiçaô,
que havia cobrado ás fuás grandes virtudes , de que
íinha larga noticicia. Refpondeo-lhe a Rainha com ren-
didas demonítraçoens da fua eítimaçaõ.
Poucos dias fe deteve a Corte em Porítmouth,
faísãdo os Reys para a quinta de Hampton-Court,pou-
co diíiante da Corte. EIRey continuava as demonítra-
çoens do feu agrado , e multiplicava cada dia as fine-
zas
VAKTE II. LIVKO VIL S9
zas com a Rainha : porém ella como os exercícios era 6 ^\nno
faó dirFerentes , eraõ neceísarias todas as diligencias , e
rogos do Embaixador , para íahir em publico , todas as *oõ2.
vezes que EIRey deíejava. Porém o novo traje Inglez,
a que também íe naõ acomodava , lhe cahio taõ natu-
ralmente , que lhe accrefcentou muito o aítécío daquel-
la Naçaõ.O Marquez Embaixador,íem lhe fazerem em-
baraço as íblemnidades feílivaes , negociou a prompti-
daõ da Armada de Inglaterra no caio , que foíse necef-
faria para a defenía daCofta de Portugal , e juntamen-
te deu principio á negociação de paísar a França na
forma, que a Rainha lhe tinha encomendado^ e haven-
do chegado a Inglaterra o Secretario do Manchai de
.Turena , chamado Hafset , que havia eítado em Portu-
; gal , depois de varias conferencias , que teve com elle
lobre o intento , que a Rainha lhe communicou , de ca-
far EIRey com Madamoyfella de Orleans , que depois
cafou com o Duque de Saboya Carlos Amadeu; contra-
vartido das diligencias dos Caítelhanos , e ajudado da
intervenção d'E!Rey de Inglaterra , tornou a voltar o
Secretario a França , e deixou o Marichal cabalmente
íatisfeito , pelo muito empenho , em que íe achava
nos intereíses de Portugal, das demonítraçoens , que
EIRey da Gram-Bretanha fazia pela conlervaçao deite
Reyno. Porém eraô tantas as dificuldades , que por
parte dos Caítelhanos embaraçavaó a determinação
d'E!Rey de França tratar publicamente de íbccorrer
Portugal , q foi necefsaria toda a induíhia para fe abrir
caminho aeíla útil negociação. Neíte tempo chegou
ao Embaixador avizo da Rainha Regente , de que o ha-
via EIRey nomeado Confelheiro de Eítado: porém naõ
logrou muitos dias o goílo deita noticia lèm o pezar
da mudança do governo; contratempo , que desbaratou
naqnelia occafiaó as negociaçoens de França ; e deu
grande cuidado a EIRey de Inglaterra, íuppoido-íe
juíhuieiiteem hum , e outro Reyno , que a diviíaõdo
governo politico de Portugal no tempo , em que íe
achava invadido de três exércitos de Caítella , poderia
íer a occafiaó da fua total rutea. Recebeo o Marquez
carta
9o P0R7UG AL RESTAURADO,
.•Annocarta do Coiide de Caílello-jVtelhor , a que refpondeo
fA com toda a familiaridade accommodando-fe ao tempo,
I""2,e fazendo muito por divertir o cuidado , que podia ter
o novo governo , do muito , que elle devia aos bene-
fícios da Rainha , e a eíte paíso foy continuando as di-
ligencias da uniaõ de França ; efuccedendo chegara In-
glaterra o Senhor de Eílrades , que paísava por Embai-
xador extraordinário a Hqllanda \ o bufcou o Embaixa-
dor , e tratou com elle osinterefses de Portugal com
tanta induíiria , e fuavidade , que ajudado das diligen-
cias d' EIRey , e do Chança rei , veyo aconíeguir en-
tender do Embaixador, que por mayores que foísem as
diligencias dos Caflelhanos,naò íè poderiaõ extender as
repulfas de França mais , que até o anno íeguinte. A
Rainha de Inglaterra fentio com tãta enleada a demon-
ítraçaó , que a Rainha fua May havia experimentado
em EIRey leu Irmaõ , que lhe lbbreveyo huma febre \
de que eíteve fangrada ; e depois de ter recebido na
quinta , onde eftava > cartas da Rainha de França , e ou-
tras Princezis de Europa , e de haver pafsado três me-
zes naquellaaíTiítencia, ( que era taõ agradável , e íum-
ptuoía, que excedia ao encarecimento) refolveo EIRey
entrarem Londres pelo rio Támaíis a dous de Setembro;
e toda a aífíftencia das fete legoas , que fe contaõ da
quinta a Londres , eílava occupada de foldados , e gen-
te do Povo com tanto luzimento,que encarecia a gran-
deza daquelle Reyno. Os Reys , e o Duque de York
) navegarão em huma falua , cuAofa , e ricamente adere-
çada , e dourada, feguidos de outras muito luzidas? em
que embarcarão todos os que aííiftiaõ a EIRey na quin-
ta. Chegarão os Reys a Londres , e foy magnifico o
apparato do recebimento , e a Rainha de todos os In-
glezes geralmente applaudida , e celebrada pelas gran-
ides virtudes , e íingulares perfeiçoens , que nella con-
corria 6.
Naõ foy poílivel ao Embaixador aíliítlr a eíta fun-
ção , por fe achar impedido de huma grave doença^ Ti-
nha chegado a Londres no meímo tempo a Rainha
Mãy , que com a fua aífrftencia fez mais folemne o re-
cebi-
PARTE II. LIVRO VIL 9i
cebimento da Rainha naquella Corte , que fe celebrou Anno
com os ritos Cathoiicos. Seguiráó-íe cuítqias feíhis,em L ,
quecoítuma aquella Corte oítentar o luzimento , e I^^2,t.
grandeza , de que fe naó deixa exceder das mais cele-
bres da Europa. Porém paísados poucos dias , começou
a Rainha a íeritir os divertimentos d< EIRey 7 e a tole-
rallos com tanta prudência , que deo principio a conhe-
cer o mundo , que era o exemplar da maior conílan-
cia } e o Embaixador , ainda que padecia graviíumos
achaques , temperava todos os inconvenientes, que io-
brevinhaõ com grandiilima prudência ; fendo-lhe tam-
bém necefsaria para accomodar a anciã , com que os
Miniftros Inglezes procuravaô o novo pagamento do
dote da Rainha,obrigando a Duarte da Silva com gran-
des apertos aporem moeda corrente osdiamamtes, e
outros eíFeitos , que havia levado de Portugal para fa-
tisfaçaõ do pagamento do primeiro milhão.
No mefmo tempo continuava o Embaixador as ne-
goceaçpens de França com grande indullria , e applica-
çaó ,• porém com pouco effeito , por maiores que era o
as diligencias, que fazia o Manchai de Turena, fempre
inclinado aos interefses de Portugal,e para moítrar com
maior efficacia a ília vontade , continuava em Londres
a aíiiftencia do leu Secretario ,• e pela lua intelligencia
correo a negoceaçao defe ajuítar o caíamento d'E!Rey
D. AíTonfo com Madamoyfella de Orleans , que breve-
mente fe defvaneceo ,• e eílava tão vigorofo em Fran-
ça o poder dos Caítelhanos , que ailiílindo em Ruão
Duarte Rodrigues Lamego com titulo de Agéte de Por-
tugal, EIRey o mandou fahir daquelle Reyno á inílan-
cia do Marquez dela Fuente Embaixador de Ca ítelía.
Deixamos ao Conde de Miranda negoceando em
Hollanda ajuítar com a ultima confirmação o Tratado 8f"^fs ã*'
da paz entre efta Coroa < e aquelles Eirados , e vencer -m*ãUC"u''
os obítaculos, que os interefses de Inglaterra fomen-
tavão contra aconclufao da paz de Hollanda , perten-
cendo a Rainha , que o Conde de Miranda confèguií-
le , qu2 ou EIRey da Gram-Bretanha defiíHíse dofem-
baraços, com que perturbava a paz, ou feg ura fse os
jfocc©r~
92 PORTUGAL R EST^UKADO ,
Anno i°ccorr°s 9 cotri que havia da aííiítir em Portugal, e na
:"■ , "., índia , fe a. paz por. leu refpeitofe nao ajuílaíse. Aper-
1 66 1* tava5 og Eftados ao Embaixador pela ratificação doTra-
tadoí e como lhe nao havia chegado de Lisboa , buf-
cou o único remédio de recorrer ao Inviado de Ingla-
terra, pedindo-lhe encarecidamente quizefse inflar com
EIRey , que moderafse^s fuás propofiçoens. O Inviado
promette-o ao Conde dar conta a EIRey , e ao Chancel-
ler : fez o Conde a meíma diligencia , remettendo as
cartas a Ruy Telles de Menezes, que continuava na aíV
ílílencia dos negócios deite Reyno na aufencia do Mar-
quez de Saude. Foi a reporta deita inílancia ordenar
EIRey ao Inviado, podia dizer ao Conde Embaixador,
que em caio, que o negocio da paz chegaíse aOgUltir
mo ponto , cederia da pertenção d'ElRey. Bem conhe-
ceo o Embaixador , que cita refoluçaõ' era muito arti-
ficiofa j porque o ponto , que EIRey mandava íe tivef-
fe.por ultimo, havia de fer avaliado pelo leu Mini-
itro , que havendo de pôr a baliza a leu beneplácito,
faria a conclufaõ da paz taõ prolongada, que primeiro
a índia padecefse o damno , a que eítava arrifcada,que
a paz , ou os íbccorros de Inglaterra lhe fervifsem de
remedio:porém diíiimulando eita prudente prefumpçaó,
ufou da cautela de ie dar por fatiSfeito , accreícentan-
do, que o termo do ultimo ponto era chegado J porque
os Eílados o nao queriaó ouvir -, fem lhes entregar ra>
tiflcado o Tratado ,. que levara a Portugal. Pedioo In-
viado dias para applicar asfuas negociaçpens ; conce-
deo-lhos o Embaixador , nao eítendendo o prazo mais
que áquelles , que lhe eraó necefsarios para prevenir a
fua entrada, que defejava dilatar; porque o Tratado ha-
via ficado em Lisboa , efperando a Rainha para o ratifi-»
caro beneplácito d'ElRey de Inglaterra
Deteve-íe a chegada do Tratado mais tempo , do
que o Embaixador imaginava ; (inconveniente , que os
Principes experimentaõ , todas as vezes que em negó-
cios importantes gaítaó inutilmente èm confultas , e
exames o tempo , em que fe deviaõ concluir) ecom
eita dilação creícerao nos Eílados as prefumpções , de
que
PJRTE 11. L1VKO Vil. 95
que o Embaixador artificiofamente o recatava ; acerei- ^nno
centaraô-fe,chegando nefta occafiao a Londres aRain ha
de Inglaterra i eo Embaixador applicando diligente- 36Ó2.
mente anegoceaçaõ do Marquez de Sande, veyo a con-
íeguir a deíifirencia d'ElRey da Gram-Bretanha das per-
tençoens do Comercio ; e ao mefmo tempo , que o Em-
baixador recebeo eíle avizo , lhe chegou a ratificação
do Tratado , que a Rainha Regente remetteo por via
de Inglaterra: e fuecedendo fer a vinte e quatro de Ju-
lho , que era o ultimo termo preícrito para os Tratados
fe ratificarem , no dia feguinte propoz o Embaixador
aosEílados , que elle eílava prompto , como havia fe-
gurado , para a troca dos Trarados , proteflando , que
daquelle dia por diante corriaõ três mezes , que íe ha-
viaõ íignalado para a publicação delles , e que toda a
demora correria por conta dos Eílados. Continuou fem
execução os requerimentos , e os proteítos até nove de
Outubro , dia , em que os Eílados ratificarão o Tratado
da paz ajuíiada em féis de Agoíto do anno anteceden-
te: porém faltarão a huma circunítancia efsencial á
ley , que obfervaõ em cafos fimilhantes , a que cha-
maó reafsumpçaõ , que vem a ler, verem os Tratados no
dia feguinte , ao que os ratificaõ , e fe acafo examinaõ
algum ponto , que juJgaõ preciíb alterarfe , liça inva-
lida a ratificação antecedente. Naô duvidarão as Pro-
víncias de ratificar a paz , porém alterarão o tempo de
a publicarem ■, porque os Co mmifsa rios das três Provín-
cias de Zelândia , Gruniguen, e Gueldria allegaraõ, que
-rs luas Pxovincias naó tinhão confentido na paz , nem
iiaviao coníidèrado nas fuás Juntas provinciaes o ponto
<le haverem de períiftir , ou reduzir-íè as mais , que a
defejavão > por quanto até aquelie tempo fempre eíli-
vera pendente a refolução do voto da Provinda de
VVriísel , que proximamente fe havia refoluto a aceitar
a paz , efperando as Províncias oppoftas , que fe íiliilsé
com ellas j e que fuppoílo, que a paz eítava acordada
por maior numero devotos, era precifo pelos efla tu-
tos da União das Províncias dar-fe tempo para a deli»
beração , e poderem reduzir-fe á opinião. das mais , pe-
94 PORTUGAL RESTAURADO,
Ar.HO dindo de prazo os dias , que fegaitaísem nas Juntas
i ( ( Z Prov^nc^aes > e na°' P°de Lido deixar de fé lhe conceder,,
00 * ijcou firme a ratificação da paz , e a publicação delia
fuípenfa. O Embaixador com a noticia delta reibluçao
fe queixou aos Miniíirosluperiores,dizendo que aquel-
la dilação era cavillofa em beneficio dos progrefsos da
índia , e que neíta coníideraçaõ proteffcava as perdas*
edamnos, que fobreviefsem. Refponderaó que afuf-
peita do Embaixador era imaginaria^ porque o intenta
dos Eítados era ganhar unicamente a Provinda de Ze-
lândia, por íer pode roía no Commercio marítimo, e que
efcula ndq-fe de ratificar a paz , poderia depois íer occa-
íiao de pèrturballa j que, íuppoíto fe havia ajuílado
com cinco Províncias conformes-, íeria mais decente ^
e mais íeguro- ,. que fé ratifkafse naõ fó: com as mef-
mas cinco , mas com todas, porque, havendo os Eíla-
dos de tratar negócios pertencentes á Coroa de Portu-
gal v íeria muito perigofa á concluí ao delles ficarem
Províncias ifeutas da confirmação da paz. Durou a di-
lação da ultima repoíla até quatorze de Dezembro, dia*
em que os Tratados fe trocarão; porém ainda acharão
©sHollandez es caminho de dilatarem a ultima conclu-
iaõ de os publicarem , cedendo ás inítancias dos Dire-
ctores da Companhia Oriental, que propuzeraõ, valen-
do-fe de hum dos capítulos da paz , que exprefsaraõ »
haverem de correr tresmezes do dia , em que fe tro*
eafsem os Tratados r ao em que fe publicafse a paz ; e
deferindofe-lhe na forma da fua propofiçaó fecretamen-
te com o favor da Provinda de Hollanda , tendo no-
ticia o Embaixador t feoppoz com todo o calor aeíta
novidade , fem poder vencella r porque era muito fupe-
ríor o poder da Companhia Oriental ; e conhecendo»
que era já infruAuofa a fua amílencia , afiim porque a
paz citava ajuítada , como porque os Miniítros do no-
vo governo deferia o com pouca attençaó ás fuás pro-
poiiçoens , ufando da licença , que tinha para voltar
a Lisboa , ajuítada a paz , fedefpedio dos Eítados , e
embarcando-fe em hum navio de guerra ,. que lhe con-
cederão , chegou a Lisboa com felice viagem * haven-
do*
PARTE II. LIVRO VIL 9 j
.êo confeguldo, vencidos quaíi iníii juráveis obítaculos ,
Jivrar afua Pátria do perigo, que ameaçava ., fe ao mei-
3iio tempo lhe fofse precifo reíiítk na terra ao poder
d'E!Rey deCaftella, no mar ao de Hollanda
Partido da Praça de Tangereo Conde D.Fernando
•cie Menezes ., e entregue do governo delia -o Conde de
Avintes ., foraó poucos os dias , que logrou de focego,
porque já a iubítaiicia daquella Praça pendia por oc-
cultos * e Divinos myíterios para .o precipício. Anda-
vaó os Mouros embaraçados com algumas guerras do-
xneíbicas, porém naô de forte, que lhes diminuifsem to-
talmente o poder , com que pelejávaõ fempre iupe-
ffiores contra os Cavalleiros daquella Praça. O Conde de
Avintes perfuadido ao contrario deenganofas efpias*
é de repetidas inílancias do Adail Simão Lopes de Men-
doça em varias occaíioens reconhecido por mais valo-
rofo „ que acautelado ^ lhe deu ordem que penetrafse a
ferra , e condnzifse toda a preza ., que fofse poÃvel;
•ó que julgava por indubitável , pela fuppoíla aufencia
dos Mouros àe todos aquelles diítricto&. Marchou o
Adail com parte da Cavallaria da Praça ., entrou na fer-
ra , foi fentido dos Mouros ; e querendo retirar-le, foi
atempo queélles tinha õ tomado os pafsos mais eítrei-
tos., de que refultou. a infelicidade de perder a vida ,
é a de cmcoenta Cavaleiros. Os mais íe retirarão ., e
juntamente chorarão os moradores de Tange re-eftadif*
graça -, e a perda da Praça", porque dentro de .poucos
dias chegou a Armada de Inglaterra com ordem da Rai-
nha para DXutz de Almeida entregar aquella Praça na
forma da capitulação ajuítada comÈlRey da Gram-Bre-
tanha. Executou-ie , pafsou D. Luiz ao Algarve, e a
mayor^arte dos moradores com o íèntimesto,, e lagri-
mas de deixarem a Pátria natural regada do fangue de
valoro fos Cavalleiros, em que .entrava o da Nobreza
mais eíchrecida do Reyno., po,i%efpaço de cento eno-
vento e hum annos-, que fe contarão do tempo, em
gue a tomou ElKej 13. Affiònf© % aeíreanno de íeif-
centos feísanta e^ous,* emi-que -foi entregue. .
O governo .da índia c© ofi nua va Luiz de M-endoça*
An no
1661,
IZv&jSlJL
^ :!&:■■'
9S PORTUGAL RESTAURADO,
Ánno e D. Pedro deAlencaítre com pouco poder , e menos
união , infelicidade, qualquer delias, baítante a deítruit
IÓ0 2, maYor Império. Tiveraõ noticia , que os Hollandezes
a hum meímo tempo íitiavaõ Cochim,eCangranor:de-
Nctiaadapter. terminou D. Pedro de Alencaítre previ nir-lhefoccorro:
ra da índia. approvou Luiz de Mendoça eíta refoluçaõ , mas nao
concorreo com os meyos preciíbs de fe executar : ne-
gou-lhe a gente, que ailiília em Margaõ, governada pe-
lo Capitão mór joaó de Souía Freire -, e da gente des-
obrigada nao acodio aos tituíos , que fe abrirão , mais
que D. Jeronymo Manoel , que havia chegado do Rey-
no por Capitão mór das náos ; Ayres Telles de Mene-
zes, e algumas peísoas da familia de D« Pedro de Alen-
caítre, quefentio eficazmente ver baldado o zelo, com
que fe animava a eíta empreza. Para guarda da Barra
ie formou huma Armada de remo, governada por An-
tónio de Mello de Caítro , que tinha chegado a. Goa do
governo de Bafsaim. Refultou dafua diligencia com-
boyar com bom fuccefso os navios de Moçambique a
Mombaça. Em Moçambique affiítia D. Manoel Mafca-
renhas, e havendo-lhe efcritos os Governadores,que nas
vias era o primeiro nomeado , engeitou o governo, por
naó fer a nomeação abfoluta , e continuou o da Forta-
leza.Os dous Governadores,crefcendo os aviíbs do aper-
to de Cochim , havendo chegado do Norte féis navios
á ordem de Luiz Caítellino de Freitas , os entregarão a
Manoel Salgado , por adoecer Luiz de Caítellino , e
carregados de muniçoens , e mantimentos partirão para
Cochim : e achando a Barra embaraçada com as náos.
Flollandezas , entrou em o porto de Porçá Manoel Sal-
gado , introduzio o foccorro em Cochim , e neíte tem-
po dera õ os Hollandezes hum afsalto # á Fortaleza de
Cangranor, que governava Urbano Fialho Ferreira;
durando o afsalto muitas horas com grande perda dos
Hollandezes , morto Urbano Fialho depois de pelejar
muito valoro famente , ede fer a mayor parte da guar-
nição defpedaçada da artilharia , e bombas fe^retira-
. raò a hum torreão poucos foldados , que ficarão , onde
capitularão, e fe renderão. Mandara õ-nos os Hollande-
zes
i662.
P4RTE 11. LIVKO VIL 97 «
ies para Surrate , levantarão o iltio de Chocim , e jun- Atino
tamerite retirarão as náos da Barra de Goa. Com eíla
certeza mãdaraò os Governadores ao Capitão mor Luiz
daCoila a Cochim com duas galeotas carregadas 'de mu-
niçoens, e mantimentos \ porém como era entrado o
Inverno , fe perderão na Coíla de Canará.
Entrou o mez de Setembro , e* chegou a Chaul ò
Capitão Francifco Ferraz em huma caravella cem a no-
va do cafarnento da Infanta Dona Catharina com El-
Rey de Inglaterra , e que em quatro náos Inglezas pai-
fava a governar a índia António de Mello de Caítro ,
com ordem de entregar aos Inglezes aFortaleza deBom-
baim promettida na capitulação do dote Com difFeren-
tes afièctos foi aceita na índia eíta noticia , avaliando
hunsa perda de Bombaim por coníideravel , outros os
foccorros de Inglaterra por úteis em tempo que o Rei»
no padecia as invafoens de inimigos taõ poderofos.
Chegou António de Mello a Chaul nos últimos de Ou-
tubro j e naõ achando na jorriada a fociedade , que ef-
perava no Conde de Marbur General vdas quatro fraga-
tas; nem podendo confeguir perfuadillo *a íoccorrer Co-
chim, vindo obrigado a aíTílir a todos d& accidentes das
Armas Portuguezas nalndia?refpondeo António deMel-
lo naõ lhe entregar Bombaim 9 fem daí* conta á Rainha
do progrefso da fua jornada. O Conde eítimulado de-
ite contratempo determinou entrar em Bombaim por
força. António de Mello prevenindo eíta refoluçaõ, pu-
xou pela gente da Fortaleza deBalsaim , que marchou
á ordem de Joaõ de Mello Pereira , e com ella íe guar-
neceo o porto de Bombaim , e defendeo a entrada aos
Inglezes. O Conde reconhecendo a dificuldade da em-
preza , mandou deíèrabarcar o Governador , que vinha
para Bombaim , com a guarnição , que havia de preíi-
diar aquella Praça , no llhéo de Angeciva , que fcava
viíinho , e voltou com as náos para Inglaterra. António
de Mello e Caftro apparelhou em Baisaim ic is navios
de remo, para o conduzirem a Goa: porém antes de
partir , chegou Joaõ de Souía Freire com oito , manda-
dos pelos Governadores , para a fua paisagem. Hmbar-
Q cou-íe,
9? PORTUGAL RESTAURADO,
A MIO cou-íe ) e cliegou a Goa nos últimos de Dezembro , on*
. de foi recebido com aceitação merecida dofeu gran-
1 66 2» de valor , e entendimento ; ena forma poííivel foi dif-
" pondo a defenlk daquelle Eftado , que combatido de
tantos, e tao poderofôs inimigos , e quafi exhauílo
dos foccorros do Reyno * havia chegado á maior extre-
•Alidade,
HISTO.
99
HISTORIA
PORTUGAL
RESTAURADO.
L I V RO VIIL
S U M M A R I O.
O ME ASE § Cotiâe de Ff lia- Flor
Governador das Armas de Alentejo:
parte por a Eflremoz a prevenir o ex-
ercitou árias occofwens de/IaProvin*
cia. Sabe Dtw joaó de Au/Iria em
Campanha: fi tia Exora: pocnrfe em
marcha o nojjo exercito para f^ccor-
relia, e acha rendida a Praça cem débil refiftencia.
Intenta o Conde de Villa-Flor ganhar Olivença:def-
vanece-fe a inter preza: Entrada dosCaflclhancs ate
Ale acere do Sal: alteração do Pcvo de Lisboa: fahe
o nojjo exercito do quartel doLandroal, e pajja o rio
G 2 Degebe\
Armo
1663,
í
;
too TORTUGAL RESTAURADO,
Anno Degebe\dejlreza militar 'do Conde deSchowberg.ln-
// tentaô os Cafielbanos pafjar efté rio , enaooconfe-
** guem i perdendo muita geme, Aquartela-je o nofpj
exercito d vi fia dos Cajlelhanos : alter a-fe o Povo
de Évora : pijffaõ os exércitos à rio Tefal ataca
Manoel Freire hum a pert^oj 'a ejcaramuça : voto do
General da Artilharia, Ref Ivem os no [jos Cabos
dar a batalha no fitio do Amexial : forma em que
Jedeoi e perda ãos Cafielhanos Chega de Lisboa
o [occorro « governado pelo Marquez de Marialva*
Reconhecem Évora os nojjos Generaes : refolve-fe
ojítio : forma dos quartéis , e aproxes : Cayitu-
laçoens , com que \e rende a Praça* Volta o Mar-
quez de Marialva a Lisboa , e licenceaÕ-fe as Tro-
pas. Voa accidentaimente parte do Caflello de Ar-
ronches com muita perda dos Cajielhanos. intenta
IX Joaõ de Au /Ir ia i me* prender Elvas : dejvane-
ce-Je o intento : parte fará Madrid , e o Conde de
Vúla-plorpara Lisboa Governa o Conde de Schom-
berg o Alemtep: intenta ganhar Ayamonte: com or-
dem de EIReyfu [pende a empreza : paQa aLisboat
govtrna Dtniz de Mello Alentejo.
Ntrou o anno de feíscentos e fefsenta e fresy
e nelle o principio das maiores felicidades
deite Reyno, refervando Deos por fcus juizos
occultos para o tempo do governo d'ElRey
D.Áffonfo as vitorias mais glorioías, Por mor-
te do Conde de Mifquitella fe achava o exercito de
Alentejo fem Governador das Armas, porque o Marquez
de Marialva ,. reconhecendo que os novos Miniítros,de
quem dependiaõ as direçoens d^ElRey, lhe naõ iníinua*
vao defejo de que elle exercitafse o feu Pofto , ' com
o receyo de fe lhe negar , fe naõ refolveo a pertendel-
lo. Ao Conde de Schomberg fe naõ queria entregar o
abfoluto domínio das Armas, ainda que era notória a
lua
PARTE II. Limo VIU.
101
fua capacidade, afíimpela attençaõ,que fe devia ter aos A nnft
Cabos Portuguezes , como peJa diferença da Religião
joaniie Mendes de Vaíconcellos depois des fuccefsos 1 66 J«
da Campanha de Badajoz havia perdido aqueile grande
conceito , que antes delia fe formava do feu talento.
OConde de Atouguia exercitava a oceupaçaò de 'Ge-
neral da Armada , e naó queria EIRey naquelle tempo
defviallo da ília aíliílencia. Por todas eílas confideracões
veyo a cahir fem contentamento o governo das Armas
de Alentejo na pefsoa do Conde de Villa-Flor ; e reco- w™*'^ ° c°"
nhecerido-le que o Conde da Torre era infeparavel do dt deFíU*Flor
Marquez de Marialva , nomeou EIRey General da Ca- 2H2SÍÍ de
vallaria ao General da Artilharia Diniz de Mello, e Ca- Alentejo.
Uro ; e achando-fe D. Luiz de Menezes o mais antigo
Meítre de Campo do exercito, íe lhe pafsou Patente de
General da Artilharia}e ao Conde de Schomberg de Go-
vernador das ArmasExtrangeiras com o exercido deMe-
ítre de Campo General. OConde de Villa-Flor , lo°-o
quea Penamacor lhe .chegou avizo da fua nova oceu-
pação , pafsou a Lisboa, e com muita diligencia tratou
das prevençoens do exercito.com o Conde de Caílello-
Melhor, por quemjáabfolutamente corria todo o go-
verno doReyno. Enfraquecido o poder do Conde&de
Atouguia , e de Sebáítiaõ Cefar , receava o Conde de
Villa-Flor a authoridade, q o Conde de Schombero- ha-
via adquirido em Alentejo j e por éíle refpeito dilpoz
fortalecer o feu partido , pedindo a EIRey a ereccaò
de dous Poílos de Sargentos Mores de Batalha , âté
aqueile tempo naõ praticados neíte Reyno , tomando
por pretextos trazer immediatos á fua pefsoa Offíciaes
de mais authoridade , que os Tenentes de Meítre de
Campo General , para a diítribuiçaó das ordens conve-
nientes. Approvou-fe eíla propoíiçaó , e foraó eleitos
a feu beneplácito o Tenente General daCavallaria Joaô
da Sylva de Soufa, e Diogo Gomes de Figueiredo, filho
do Meítre de Campo Diogo Gomes Intentou neíte tem-
po o General da Cavallaria Diniz de Mello deítruir féis
barcas,^que os Caftelhanos tinhaõ em Guadiana no por-
to de Geromenha ? para lhes impoíHbilitar os foccorros,
G 3 que
.rói POKTUGAL KESJ^m^DO,
Atino £lue vo Inverno lhe introdnziaõj e mandou, que de Vil-
t 66 ia-Viçofa fahifse a executar efta empreza oTenente Ge-
1 0Õ 3 ' neral da Cavallaria Pedro Cefar de Menezes com as tro-
pas daquelle quartel , e cem Infantes» Executou Pedro
• Cefar eíta ordem com tanto acerto , que em numa noi-
te, queimou as barcas , .ganhou .hum Fortim , que as de-
fendia , !e lhe prifionou a guarnição. Pouco depois fa-
hiraõ de Elvas a fazer huma entrada: Gonfalo Vaz Pe-
rantaó , Tenente da Companhia de eavallos de D. An-
tónio de Almeida , ( hoje Conde de Avintes ) è Anto»
nio Martins Revoltilho , Tenente de Jácome de Mello,
com vinte eavallos : encorporaraõ~fe junto de Oliven-
ça com o Capitão João Mafcarenhás , que com quaren-
ta eavallos vinha de Villa-Viçofa ao me imo fim. Foraõ
íentidos da Cavallaria de Olivença , que correo ain-
veílillos com cento e vinte eavallos. Pareceo a GonlaA
lo Vaz , que fe retiraísem ; e achando aos companhei-
ros com mais temeridade, que prudência, com gene-
rofa defeonfiança bufeou os inimigos , e foi no por-
fiado combate taõ arrazoada a fortuna > que por caíli-
gp da imprudência perderão os nofsos três Cabos a vi-
da , e por premio do valor lograrão os nofsos Solda-
dos a vitoria, retirando-fe os Caílelhanos com perda,
e récolhendo-fe os nofsos com defpojos , e prifionei-
ros.
Pam para e A ISíos primeiros dias de Março partio o Conde para
tremez, a pre> Ellremoz , e checando áquella Praça tratou com gran-
Ut de actividade das prevençoens do exercito , e derenla
4a Província , conílando-lhepor difFerentes avizos,que
D. Joaõ de Auílria , enfinado ácuíla do exercito do ri*
gor do Sol das Campanhas antecedentes , determinava
valer-fe da eítaçaô mais benigna da Primavera, para
confeguircom menos embaraço os progrefsos, que ma-
quinava. Os dous mezes de Janeiro , e Fevereiro havia
X)iniz de Mello g-a fiado em adiantar as fortificaçoens
das Praças , porém com poucos cabedaes ,• porque o
Conde de Caítello-Melhor naó fe deixava perfuadir a
que o poder de CaíleHa era o que íe referia , parecen-
do-lhe mais, que realidade , politica dos Caílelhanos , e
com
PJRTB m LIVRO VÍ1L 103
com eílaefperança diminuía ao Conde de VUIa-Fior Ánno
os íoccorros , que lhe havia promettido ; eeílreitava >>
de forte as difpezas , que, havendo-íe aísentado íahirem l " " 5 •
em Campanha quinze peças de artilharia , e o Trem
competente , naõ pode coníeguir o General mais que
huma pequena quantia para adifpoíiçaó de maquina
taó grande , e lhe foi necelsario valeríe de toda a in-
duílria , para naõ faltar á íatisfaçaõ precifa em matéria
taõ relevante. Foi huma delias ., achando-fe a Cavalla-
iria fem armas de corpo , mandar com pouca difpeza cor-
tar as abas a três mil corpos de coçoletes da Infanteria,
de que já , por naõ uzados, fe naó fazia cafo. O Conde
de Villa-Flor remettia a EIRey noticias repetidas ; que
lhe chegavaó , de que D. Joaõ de Auftria pafsava a Ba-
dajoz , que juntava muita gente, e que as carruagens
erao innumeraveis ; e juntamente lhe reprefentava os
poucos mantimentos , que fe achavaõ em todas as Pra-
ças importantes , a falta de muniçoens , que havia nek
las , e a diminuição dos Terços , e Companhias de ca-
vallos , de que poderia refultar damno irreparável , fe
D. João de Auítria , que naõ ignorava elta opportuni-
dade,fe valefse do nofso defcuido. Eítas mefmas razões
referia ao Conde de Caílello-Melhor o Cõde de Schom-
berg, que ainda fe achava em Lisboa mal convalecido
de huma enfermidade , que padecera : porém vendo o
tempo taõ entrado , e as fuás diligencias pouco fru-
d:uofas,pafsou a Eítremoz com grande defconíiança dos
progrefsos daquella Campanha , fundada nas defatten-
çoens da defenfa do Reyno ; e nem o pequeno alivio
(de taõ vehemente cuidado achou na foriedade do trato
do Conde de Villa-Flor ; porque a poucos dias de com-
municaçaõ erefceraõ de forte entre hum , e outro as
controvertias por leviílimas caufas, que eíteve o Con-
de de Schomberg refoluto; a voltar para Lisboa, e re-
tirar-fe para França* deliberaçaõ,que reprimio com tan- ':'
ta efficacia o General da Artilharia , que ficou defvane-
çida , e o Conde de Villa-Flor com mais attençoens á
importância da pefsoa do Conde »de Schomberg • mu-
dança de opinião , de que depois lhe refultaraõ felicif-
Sroos effeitos: G 4 O
io4 P0R7UGAL RESTAURADO,
Anno O Tenente General da Cavallaria D. João da Silva
,, deo principio aos bons fuccefsos da Campanha deite
10(32, antl0 . pe^0 iicença ao Conde deVilla-Elor para ar-
mar ás Companhias de cavallos , queaftiítiaõ na Praça
varias occafioes de Arronches , e coníeguindo-a , fahio de • Elvas com
dtfla Provhcia quinhentos cavallos daquella guarnição, edeCampo-
Maior , eembofcou-os , fem ferfentido , taõvifinho
de Arronches , que fahindo três batalhoe ns á forragem
com pouca cautella , que era a noticia anticipada , de
que D. Joaõ intentava valerfe j correo a ganhar a por-
ta r para que fe naô retirafsem á Praça , com parte dos
feus batalhoe ns , e os mais , inveítindo os Caílelhanos,
os derrotarão j e o Gommifsario geral Joaõ Ribeira ,
que era o Cabo que os governava, fugindo para os ma-
tos da Codiceira , fe livrou do perigo com os Officiaes,
e Soldados , que o puderaõ feguir t com os mais fe re-
tirou D. Joaõ da Silva. Neíie tempo haviaõ chegado
a Badajoz os foccorros das Naçoens , que D. Joaõ de
Aultria efperava , que fe compunhão de Alemaens, Ita-
lianos , Irlandezes , e algumas Companhias de cavallos
Francezes ; ecomoeíle numero de gente junto ás tro-
pas Caítelhanas formavaõ hum grande exercito , e a
quantidade de carruagens , e prevençoens do Trem de
artilharia iníinuavaõ a grandeza do intento de D. Joaõ
de Auftria , e a viíinhança fazia fem controveríia mani-
feítas as prevençoens , ficou defvanecida toda aeípe-
rança , que o Conde de Gaítello-Milhor teve de fer o
empenho d<ElReyde Gaítella neíta Campanha menos
coníideravel; e ao pafso deita certeza difpoz com gran-
de calor , e aétividade a defenfa da Provinda de Alen-
tejo , para onde fez concorrer repetidas levas , quanti-
dade de dinheiro , e foccorros das Provindas , e para
o Trem da artilharia os tiros de mulas das cavalhari-
ças d'ElRey , e os melhores , que havia na Corte. O
governo das Praças de Elvas , Campo-Maior , e Eílre-
moz entregou EIRey aos Condes de Sabugal , e Torre,
ea Affonfo Furtado de Mendoça, todos três Confelliei-
ros de Guerra : as mais Praças fe fiarão á Soldados de
inteira fatisfaçaõ , c confiança ,• e todos fe guarnecerão
com-
PARTE 11. LIVRO VIU. ioy
competentemente, refpeitando-fe o perigo a que áca- j^nno
vão expoílas. Km E ít rem o z, conforme o eitylo utilmen- <K
te obíervado nas Campanhas antecedente , juntou o I^"3v.
Conde de Villa-Flor as tropas , que íobravao das guar-
niçoens , que fazião o numero de cinco mil Infantes ,
e três mil cavallos com todas as prevençoens do Trem,
e carruagens deílinadas para a Campanha.
Aleis de Mayo mandou D. João da Silva, que
affiítia em Elvas , avizo ao Conde de Villa-Flor , que
D.João deAuílria fahira com o exercito de Badajoz ,
e íkava alojado fobre as barrocas de Caya. Era Capitão s*ie p-Joao de
General deite exercito D. João de Auílria , Governador f*jf** em Cã"
das Armas o Duque de S. German , Me-ítre de Campo a'
General , a General da Cavallaria D. Diogo Cavalhero,
General da Artilharia D. Luiz Ferrer , Conde de Alme-
nara, Os Meíles de Campo , Tenentes Generaes da Ca-
vallaria , e mais Officiaes , todos erão eícolhidos pela
larga experiência de D, João de Auílria com aattenção,
que pedia a árdua empreza > a que ie arrojava. Confia-
va o exercito de doze mil Infantes, féis mil e quinhen-
tos cavallos, dezoito peças de artilharia , em que en-
travão féis meyos canhoens , três morteiros , quantida-
de de muniçoens , e mantimentos conduzidos em três
mil carros , e outra grande multidão de bagagens. Deu
eílas noticias com muita. individualidade Fernão Mar-
tins de Ayala , que do Poíto de Capitão de cavallos
havia pafsado para Caílella , provocado do opprobrio,
que padecia o feu procedimento , como fe a infâmia fo-
ra capaz de emendar a fraqueza; e tomando menos in-
decente partido pafsou , de Badajoz a Elvas , e referio
ao Conde de Villa-Flor todas aquellas noticias , que a
fua diligencia pode alcançar. E como íegurava o gran-
de numero de carruagens do exercito de Caílella , fa-
cilmente conheceo o Conde de Villa-Flor , que a ten-
ção de D. João de Auílria não era fitiar a Praça alguma
das fronteiras 5 porque para intentar qualquer àelhs >
não lhe era necefsario embaraçar-fe com tanto numero
de carruagens, principalmente naqueIJe tempo, em que
,a dilação do Inverno tinha feito a Campanha pouco t ra-
ta vel j
n.
iot PORTUGAL RESTAURADO,
ÂnilO tavel j e eíte difcuríb communicado aos Cabos do ex*
,• ercito, forao de parecer, que fe preíidiaíse a Cidade de
ioòj. £vora . p3i>-que era fó o ponto mais perigofo do centro
da Provinda, que podiaó ameaçar aquellas preparações^
e por efte refpeito mandou o Conde para Évora o Me-
ífcre de Campo Manoel de Soufa e Caítro com o Ter-
ço do Algarve , que conítava de fetecentos Infantes , e
o de Lisboa , de que era Meítre de Campo Roque da
CoílaBarretOjCom quinhentos, governados pelo Sargé-
to Mayor Luiz de Azambuja, por haver Roque da Co-
ita quebrado hum braço de huma queda , que deu de
hum cavallojtrezentos Auxiliares da Provinda de Trás
os Montes , e quatrocentos cavallos governados pelo
Tenente Generalda Cavallaria D. Luiz da Coita , qua-
tro peças de artilharia , e todas as muniçoens , que pa-
recerão necefsarias. DJoaõ de Auítria continuou a mar.^
chaje á onze de Mayo aviltou Eítremoz, e achou aquel-
la Praça com mais defenías, que o anuo antecedente, e
dentro delia formado o corpo de exercito que referi-»
mos , guarnecidos os póítos exteriores de S. Joíeph , e
Santa Barbara , bem artilhada , e provida de munições,
e mantimentos. Eíla noticia , ede que todos os Cabos
do exercito eítavaô dentro de Eítremoz , obrigou a P.
Joaõ de Auítria a nao divertir o intento , que levava*
de fitiar Évora , e a continuar a marcha por entre Eílre-
moz,e Souzel.Sahiraó a reconheCella o Conde deSchõ-»
|?erg, o General da Cavallaria, e Artilharia com duzen-
tos cavallos ; ficando a mais Cavallaria formada fora
da Praça í e como os Olivaes poraquella parte iaõef-
pefsos , e dilatados , e a Campanha , por onde os Caíte-
Ihanos marchavaõ , defembaraçàda , puderaõ obfervar,
que o exercito marchava de coitado com dezafete ef-*
quadroeris delnfanteria divididos em duas linhas, a
primeira de nove , a fegunda de oito ; dez eraõ de Hef-
panhoes , quatro de Italianos , três de Alemães , e Ir-
landezes. Dividia-fe a Cavallaria em noventa batalhões,
quarenta guarneciaõ o lado direito , e quarenta oef-
querdo ; marchavaõ quatro de referva nos lados , e de
retaguarda o Trem , e bagagem com outros quatro ,
que
VARTE II. \AVm VJIL 107
que a feguravaõ , e os das guardas de D. jcaó de Au- ^nnf)
ftria, e o Duque de S. German íe viaô ieguir as fuás
peísoas , todos os corpos hiaó diílinclos , e compafsa- 3^^3«
dos , e a Campanha era viítoíb theatro deíla militar
reprefentaçaõ: os Caílelhanos, vendo fahir de Eílremoz
a noísa Cavallaria , paísaraõ todos os batallicens do láh
do direito ao efquerdo , que nos fazia frente , e todas
as carruagens ao lado direito dalnfanteria i porque ló
da parte deEílremoz podiao recear-fe. AquelJa noite
alojou o exercito de Caítella no Amexial l diílante hu-
ma legoa de Eílremoz para a parte de Évora $ demon-
ítraçaõ , que juílificou o intento de D. Joaòde Auílria,
que também certificarão íefsenta íoldados decavalJo,
que as partidas , que avançarão íbbre o exercito , fize-
ra ó priíioneiros. Voltarão para Eílremoz o Conde de
Schomberg } e os Generaes ; e conferindo com o Con-
de de Villa-Flor o eílado , em que iè achava Évora ,
pareceo reforçar o prefidio daquella Cidade , para que
o numero da gente fupprifse a falta das fortificaçoens,
efervifse de dilatar o íitio o tempo , que baílafse pa-
ra chegarem os ibccorros das Províncias , por lerem
tantas as razoens , que nos perfuadiaõ a ibccorrer Évo-
ra , quantas eraó as que obrigavaõ a D. Joaõ de Au-
ítria aelegella para emprego do íeu exercito j e por-
que entendia,que devia nomear-lhe Governador em lu-
gar de Luiz de Mefquita , que o era aclualmente , te-
mendo que, ainda que naó faltaria Luiz de Mefquita
ás íuas obrigaçoens , naõ tinha a experiência neceí^aria
jDara defender a Praça em forma militar , e que podiao
duvidar obedecer-lhe os Meílres de Campo pagos , de-
flinados para aquella guarnição ; por eíie refpeito , e
por carta que teve d'ElRey a favor de Manoel de Mi-
randa Henriques, o nomeou o Conde de Villa-Flor por
Governador de Évora i attendendo juntamente a que >
Jiavendo fido General da Armada da junta do Comer-
cio , ficava feparada a duvida dos Meílres de Campo ,
que começou a facilitar D. Pedro Qpeífinga , oíFerecen-
do-íe comofeu Terço para marchar ao íoccorro de
Évora $ e perfazei! do-Uie o Conde de Villa-Flor com
qui*
io8 PORTUGAL RESTAURADO,
AíiílO qumhentos Auxiliares o numero de mil Infantes , e
. dsmdo-lhe trezentos cavallos , lhe aceitou a offerta.
ióój» , Marchou diligentemente aquella noite , e arrimando-fe
á Serra de Olsa , entrou , o Governador Manoel de
Miranda , fem contradição em Évora , dous dias antes ,
que chegafse a íitialla o exercito de Caítèila; e chegado
o Ibccorro , confiava $ guarnição de fete mil Infantes
pagos, Auxiliares , e Ordenanças , fetecentos cavallos,
quatro peças de artilharia , muniçoens , e mantimentos
proporcionados , a que pudefsem bailar para a defenfa
da Praça , os dias , que fe dilatafse o foccorro do ex-
ercito , e oitenta mil cruzados , que haviaó chegado
de Lisboa, para íe diílribuirem nas occurrencias , que
fofsem precitas. y
Applicou a vifmhança do perigo a diligencia de fe
adiantar a fortificação , quanto podia permittir a capa-
cidade da muralha antiga. Terraplenou- íe abarbacãa,
cobrirao-fe as portas com meyasLuas, cortaraò-fe ef-
tacadas , recolheraó-fe faxinas , e difpondo as fortifi-
caçoens o Engenheiro mór Seiincur , que na opulência
da Cidade achou todos os meyos necefsarios para a fua
defenía. D. Joaõ de Auftria pafsou do Amexial a alo-
jar o exercito. da outra parte do Terá , rio, que naf-
cendo nas Serras vifinhas a Arroyolos , rega cóm abun-
dantes aguas aquellas fertililTurias Gampanhas,e pafsan-
do pela fralda da remontada iituaçao da Villa de Evora-
Monte , continua acorrente , e perde o nome na Sor-
raya , e dando juntos exercido i ponte do Soro , def-
aguaõ no rio Tejo , que com próprias , e aiheas corren-
tes bufca no Qccidente a fepultura do Oceano. Huma
grande tormenta de vento , e agun embaraçou dous
dias aos Caílelhanos continuarem a marcha. Era hum
dè.lles remeteo D. João de Auílria ao Conde de Villa-
Flor hum trombeta com humvolantim , em que pejlia
o troco de huns prifioneiros , que fe lhe concederão ,
por ler igual o intereíse. Eíle mefm o trombeta coftu-
mava levar a Elvasbolantins de D. João de Auílria ao
General da Artilharia D.Luiz de Menezes, e levado de-
íle conhecimento , e da coílumada arrogância militar ,
lhe
PARTE 77. LWR0VI1I. 1Õ9
lhe mandou dizer , que eíperava da fua boa correfpon- Anno
dencia mandafse ter bem tratadas as mulas do Trem , ,,
para lhe conduzirem o feu fato a Badajoz. Refpon- ^Og.
deo-lhe D. Luiz, depois da permittida cortezia, que te-
ria grande attençaô ao que lhe ordenava ^ e que em
fatisfaçaõ do íeu cuidado lhe pedia fizefse memoria
das forcas Caudinas , íitio,emque os Romanos padece-
rão em Nápoles humá grande afronta, penetrando o in-
terior daquelíe Reino. Correfpondeo depois o fuccef-
io a eíta advertência ; e ficando o trombeta doeste em
Évora , repetia varias vezes o prognoíHco das forcas
Caudinas.
Aplacou a tormenta , continuarão os Caítelhanos
a marcha , e appareceraó formados á vifta da Cidade de
Évora a quatorze de Mayo , havendo antecipadamente sitia Évora,
o General da Cavallaria circulado a Cidade com dous
mil cavallos para evitar os foccorros. D. João de Auítria
com os Cabos, Ingenheiros , eOfficiaes de ordens re-
conhece© os poílos mais importantes: elegeo para quar-
tel da Corte o Convento de N. Senhora do Efpinheiro
cios Religioíbs de S. Jeronymo , menos de meya legoa
diítante da Cidade > parte do exercito íe aquartellou no
Convento da Cartuxa quaíi vifinho á muralha » occu-
pou-fe o de Santo António , que ficava pouco diítante;
e fuppoíto,que aquelle íitio eítava deíenhado para obra
exterior da Cidade •> e íe havia dado principio a hum
Forte , o largarão os íitiados , por naõ eftar a defenfa
proporcionada ao perigo. Junto ao Convento fe levan-
tou huma bateria , e tomarão os Caítelhanos outro alo-
jamento no Convento de N. Senhora dos Remédios ,
fronteiro ao campo de S. Braz , e taõ vilinho á Cida-
de , que fó a eítrada tinha por divifaõ J e como na bre-
vidade de ganhar a Cidade fundava D. João de Auítria
.a maior fortuna, reconhecendo na larga circumvallaçaô
delia invencivel o trabalho de levantar trincheiras, fe
valeo de toda a Cavallaria, para fervir de animado cor-
dão , que fegurafse os foccorros , que podiaó entrar na
Praça. No Convento dos Remédios fe levantou outra
plataforma , e entre elíesj e a Cartuxa occuparaõ os fi-
liados
í
no PORTUGAL RESTAURADO,
ÀnilO ^a^os ° Convento do Carmo communicado com a CU
, . ._ dade por huma linha , que fe fabricou. Incefsantemen-
100 j. te começou a jogar a artilharia contra a débil mura-
lha , e fe dso principio aos aproxes , manifeítando a
pouca induítria dos íitiados , que naó iabiaõ ter mais
operação, que o foffrimeuto.
O Cpii.de de Villa-Flor ao mefmo ponto |em que
teve noticia , que o exercito de Caílella havia pafsado
Terá, fez avizo a todas as Praças guarnecidas com gen-
te paga ^ que ficando nellas Auxiliares , e OrJjeaanÇSs,
márcnafsem os Soldados pagos a fe encorporar como
exercito em Eítremoz, otfleeltava o Trem, e as carrua-
gens promptas. Os íitiados fizerao ao Conde vários avi-
zos,q-ue conti nhaõ poucas eCp tranças de íe defenderem,
naó porfaltar valor aos Soldados , fenaó por carecerem
de quem foubefse governallos;porque Luiz de Mefqui-
, tá dava-íe com razão offendido de felhe lia ver tirado
o governo da Cidade , por fe não achar obrigado a crer
a fuaiaíunicieiícia , que era o pretexto , que perfuadio
oConde de Villa-Flor a fufpeniello,* e Manoel de Mi-
randa achava-fe com pouca faude , e muito alheyo das
noticias, e experiências , de que neceífita o governo
de huma Praça íitiada ,* e que por maiores diligencias,
que fazia o Conde de Vi mio fo (que havia ficado íi ti a-
do em Évora com a fua familia)por accommodar as def-
unioens dos Oífíciaes Maiores , o naó podia confeguir,
de que nafciaó inevitáveis defordens , e perigofiífimos
embaraços. Divulgara ó-fe pelo exercito eítas noticias*
e começou a correr publica voz , naícida > ou de aifei-
çaó , ou de engano , de que o General da Artilharia era
capaz de defender Évora, e remediar os accidentes^que
poriaflantes podiaõ acontecer nas defunioens da 'guar-
nição. Condindo ao Genenl, que corria no exercito
efta opinião, e chamando o Conde de Villa-Flor a Con-
felho , lhe difse, que obrigado da noticia, que lhe
chegara * de que vulgarmente fe entendia no exercito
que elie podia fer útil á defenfa de Evora,eítava promp-
to para marchar a efte emprego na forma , que fe lhe
ordenafse, e com racional confiança de fuccefso felice,
fuppo»
FARTE II. LIVRO VIII. m
fuppofta a vontade Divina-, porque naõ avaliava Dom An^O
João de Auítria por taõ falto de noticias da arte mili-
tar , que quando efperava hum exercito poderoíò , que l ^"3 •
lhe confiava vinha a íoccorrer aquella Praça fituada no
centro de huma Província , que lhe dificultava encor-
porarfe-lhe mais gente , quea que trouxera , fe arrojaí-
íe a dar hum alsalto á Cidade por huma brecha guarne-
cida com fete mil Infantes, eietecentos cavallos, on-
de ou ganhada, ou defendida , havia de encontrai dam-
no irremediável na muita ^ gente , que era precifofal-
tar-lhe em taó diiíicil empreza, ficando exyroítoadar
a batalha com taõ inferior poder , que primeiro a con-
taise perdida , que atacada j e que nelta bem fundada
coníicleraçaõ julgaria pelo mayor beneficio fiarlè-lhe ei-
ta empreza. Approvoa o Conde de fcchomberg a opinião
do General daArtilharia«,olfereceo-fe o General da Ca-
vallaría a introduzillo em Évora cem mil cavalJos *, e
todos os mais, que ie acharão no Ccnielho , avaliarão
elle intento por precilo : porém o Conde de Villa-Plor,
depois de expender muitas razoens a favor do procedi-
mento do General da Artilharia, naõ conientio que lar-
gafse a fua oceupaçaõ, dizendo naõ queria perder a fua
companhiaje promptamente fez avizo a Manoel de Mi-
randa , que marchava com o exercito a ioccorrello a to-
do o rileo % e no mefmo dia chegou huma carta de Ma-
noel de Miranda , em que iegurava a conítancia de de-
fender aquella Cidade , em quanto lhe duraise a vida.
Ajudou o Conde de Villa-Plor eíta reloluçaõ, mandan-
do foccorrello com cem cavallos á ordem do Coronel
Jeremias Jovet, fundando no íeu talento o maycr foc-
corro , por merecer naquelle tempo toda a eltimaçaõ
do Conde de Schomberg. Marchou com fegredo , e di-
ligencia •, e havendo pafsado o rio Degébefela meya
noite, dividio com pouca conilderaçaó os cem cavallos
em três partidas ', e logo que chegeu ao cordão daCa-
vallaria inimiga , que circundava a Praça pela parte da
porta de Alconchel, inveltio a primeira partida , e rom-
pendo os Caítelhanos , entrou na Praça; a fegunda, em
$ue hia Jovet, foy desbaratada ? eelle prifoneiro: a
tercei'*
ih POnTUÕAL VtEtfJVtATX),
AnnO terceira fe retirou fem pelejar. Foi geralmente condem-
nado o erro de Jovet nao intentar efta empreza com os
I""3* cem ca vallos juntos , para que o ímpeto mais vigoro-
fo fuperafse a refiítencia do primeiro rebate , porque fó
deita forte poderia terfelice efièito o ieu intento; e
ainda na divifaõ dos cem cavallos devia inveftir na
primeira partida, porque entre tantos corpos de Caval-
laria y lo no defcuido dos Caílelhancs , naó lendo íen-
tido , devia efperar bom fucceíso , pois o rebate da pri-
meira partida ameaçava ás duas, que afeguiaõ, o ul-
timo perigo. Recebeo o Conde de Villa-Flor eíta noti-
cia , e juntamente Iiuma carta de D. Pedro Opeííinga ,
em que dizia , íem uíar de cifra , que o rifco da Praça
era irremediável , e?fó poderia defender-fe introduzin-
do-íe4he mil cavallos j e moftrando neíte avizo , que
corria por fua conta o governo da Praça , o naõ decla-
rava ao Conde de Villa-Flor , que no meímo inítante
chamou áConíelho , onde examinando o Soldado, que
trouxe a carta , difse , que Manoel de Miranda ficava
doente : e ventilando-fe no Confelho os apertos deites
accidentes , ficou reíbluto , que o único remédio da de-
fenfa de Évora era a brevidade de a foccorrer o exerci-
to , e neíta confideraçaô devia marchar o dia feguinte,
para que os íitiados á viíta do ibccorro trocafsem o def-
alento em conítancia , e os Caítelhanos á viíta do pe-
rigo, que os ameaçava , deixafsem a expugnaçaô , e
trataísem fó de vencer a batalha.
Tomada eíta reíbluçab , e diítribuidas as ordens,.
fahio o exercito de Eítremoz a vinte e dous de Mayo :
conítava de onze mil Infantes pagos , e Auxiliares, di-
vididos em vinte e hum efquadroens , e de três mil
cavallos , repartidos em íefsenta e quatro batalhoensjde
quinze peças de artilharia com todas as muniçoens ne-
cefearias , de carros cobertos , cavallos de friza, ferra-
mentas , e todos os mais inítrumentos, de que depen-
de a maquina volante de hum exercito, que nao in-
tenta expugnaçaô de Praças. Era Governador das Ar-
mas o Conde de Villa-Flor aífiítido idos Cabos já referi-
dos: compunha-íe a vanguarda da Infanteria de nove
efqu^
PARTE II. LIVRO VII I. m
,am-
efquadrões, marchava no lado direito o Meírred*
poSebaíliaõ Corrêa de Lorvela ) feguiãc-fe Lourenço
deSoufa de Menezes , Miguel Batbofa da Franca , Fer- ]
naõ Mafcarenhas , Simaõ de Vaíconielos ê Sou ia , Tri-
ítaó da Cunha, Franeilco da Silva de Moura, Joaõ Fur-
tado de Me ndoça, e cerrava o lado efquérdohum re-
gimento de Inglezes governado pelo Tenente Coronel
Thomás Hut/Compunha-íea iegundá linha de oito ef-
quadroe ns , de que levava o lado direito o Meftre de
Campo Peto Çeíar de Menezes , ( primo de Pedro Ce- .
far de Menezes , que fervio de General da Cavallaria
do Minho; ) luccediaõ os Meftres de Campo D. Diogo
de Faro, Jaques Alexandre Tolon , Alexandre de Mou-
ra , Martim Corrêa de Sá , Joaó da Coita de Brito , Ma-
noel Ferreira RebelJo , fechando o lado eíquerdo o re-
gimento de Inglezes do Coronel D. Diogo Apsley.For-
mavaó a referva os Terços doMeítre de Campo Paulo
de Andrade , Lourenço Garcez , e António da Silva de
Almeida.Guarneciaó a primeira linha de Infa ateria trin-
ta batalhoens de Cavallaiia divididos igualmente nos
lados direito , eefqwerdo; eafegunda linha igual nu-
mero na mel ma forma , ficando quatro na referva ♦ que
cobriaõ as vedorias , e bagagens ; no lado direito da Ca-
vallaria marchava o leu General Diniz de Mello . e Ca*
ftro, e o Tenente General D, João da Silva; no eí-
querdo da mefma linha Manoel Freire de Andrade Ge-
neral da Cavallaria da Beira , que fe encorporou ao
exercito com quinhentos cavallos no fegundo dia da
marcha» A fegunda linha fe encomendou no lado direi-
to ao Tenente General D. Manoel Luiz de' Ataíde, no
efquerdo ao Tenente General da Cavallaria D. Marti-
nho da Ribeira. Os quatro batalhoens da Cavallaria da
referva governa vaõ alternativamente os Com mi fsa rios
geraes Mathias da Cu nha- , Joaó do Crato de Affonfe-
ca , Duarte Fernandes Lobo, , -António de Siqueira y Go-
mes Freire de Andrade , D. António Maldonado , Gon-
ialo da Coita de Menezes, es primeiros da Cavallaria
de Alentejo, os dons que fe feguem da Provinda da
JBeira , o ultimo do Troço de Lisboa , e diitribuiaó as
H ordens
ii4 TORTUGJt VlESTAV&ADÒ;
A nnn orclens P<>r todo ° corpo de Cavallaria. Na vanguarda
/vnn da Infantería afilia Affonfo Furtado de Mendoça , na
1 66}, retaguarda o Conde da Torre , que alcançarão permif-
faod4ElRey para fervirem no exercito o tempo, que
Eftremoz,e Campo-Mayor nao dependefsem da fua af-
fiítencia. O Conde de Villa-Flor, e o de Schomberg af-
fifiidos dos Sargentos Mores de Batalha , e mais Qíiiciaes
de ordens , e o General da Artilharia , ficarão dei emba-
raçados , para acodirem a remediar os accidentes , que
fobreviefsem.
Na forma referida fahio o exercito de Eftremoz a
peleijar com os Caftelhanos na fuppohçaõ de os achar,
contendendo com osdefenfores de Évora, e aaefperan-
ça de confeguir muito felice fucceíso •, porque o exer-
cito de Caítella , fe era fuperior em o corpo de Caval-
laria , era inferior em o numero da Infa ateria , nafup-
pofiçaõ de peleijar a guarnição de Évora*, fitiava huma
Praça no coração da Proviacia: de Alentejo , diftante
quinze legoas da Praça fronteira , que lhe ficava mais
vizinha , e rodeada de muitas nofsas bem fortificadas ,
e guarnecidas vera precifo fuftentar-fe dos mantimen-
tos que conduzira *, parque os poucos, que ha via õ fi-
cado na Campanha , nao lhe podiaó fer úteis á vifta
do nofso exercito. D. João de Auftria nao eíperava ioc-
corro algum ? porque os de Itália , e Alemanha fe acha-
vaõ embaraçados com as diíferenças entre o Pontífice,
eElRey de França •, os de Galliza não queria difpenlar
D. Balthafar Pantoja , mais amante dos léus progrefsos,
que das vitorias de D. João de Auftria. Nas tropas de
Ciudad^Rodrigo podia haver menos delconfiança , por-
que as operaçoeíis do Duque de Ofsuna , pela lua dil-
graça não podiáo fer bem fuccedidas- , e ainda que pu-
defsem fer verdadeiras todas eftas dificuldades, não era
poííivel unirem-fe foccorros ao exercito , interpondo-fe
quinze legoas entre Évora , e as fronteiras de Caítella
occupadas de hum exercito poderofo ; e eftas diíficul-
dades, que embaraçavao os foccorros dos Caftelhanos >
fàcilitavaõ o augmento das nofsas tropas , que todos os
dias fe multiplicavaó com os foccorros de todo o Rey-
no;
PJRTE II LWKO VIU. ti ij
no» e aomefmo pafso fe haviaô do diminuir is dos AnHO
Gaftelhanos nos aproxes , e trabalho do íitio , achando ^
nos dereníbres conítancia para o dilatar. Os aloja me n- IC,"3*
tos, que o exercito havia deoceupar, todos erao fa-
voráveis , e difpoílos á em preza a que caminhava ; por-
que o primeiro era na alta eminência de Evo ra-Monte
guarnecida com quinhentos Infantes, e governada por
Paulo de Andrade , que havia repulfado com muito va-
lor os ameaços, eonertas de D. joaõ de Auílria.
No íegundo dia da marcha íe havia de aquartelar
o exercito iobre o Degebe , rio , que nafcendo na Ser-
ra de Oísa , depois de regar toda aquella fértil Campa-
nha > entra no Guadiana junto a Monçaraz , e corre
huma legoa diílante de Évora • e fuccedendo levantar
D. Joaó de Auítria o lítio , e paísar o Degebe, inten-
tando peleij ar com o noíso exercito , occupando o alo-
jamento de Evora-Monte , lográvamos humaventagem
infuperavel , defendendo a fubida daquelle afpero mon-
te; e perfeverando os Caítelhanos no fitio , que era a
reíblução mais veroíimel , determinávamos paisar o De-
gebe em parte , que não podia recear-fe a oppoíieão ,
e levantar hum quartel na margem do rio , para íe re-
colherem nelle muniçoens , e mantimentos , que a eíte
fim fe conduzirão deEílremoz a Evora-Monte , que fi-
cava pouco diftante deite alojamento. Confeguido
eíte intento , e deixando eíte quartel bem guarneci-
do havíamos de levantar outro; fem mais diílaiicia
deíle, que hum quarto de legoa*, eneíla forma íeha-
vião de ir avançando os alojamentos até ficar o exerci-
to tão perto dosCeílelhanos , que quando deliberal-
fem atacar a batalha, fofse com o inconveniente da
fortida da Praça , e com o perigo de os poder* rebater,
peleijando fortificados', e íe o receyodetão arrifcado
empenho osobrigafse a fuípender eíta determinação,
muito mais perigofa feria a de continuar o íitio abrin-
do brechas , e dando afsaltos a huma Cidade grande, de-
fendida de prefidio numeroíb á viíla de hum bellicoíb '
exercito reíbluto a pelejar , e que na 6 adiava linhas ,
que romper no interior de huma Provincia armada , on-
H| de
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II
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\ m
■v
1 1 6 PORTUGAL RESTAURADO;
AnilO de naõ poderia õ os Caílelhanos em qualquer infortúnio
"ter mais confequencia , que o da prizaõ , ou o da mor-
te) eiuppoílo, que eílesdHcurfos podiaõ , como hu^
manos , íerenganoíos, principalmente fundando-feem
íuccefsos da guerra, em que a fortuna impera com alve-
drio mais infolente , era íem duvida , que todos os dif-
curfos anticipados, permanecendo a conítancia dos de-
fenfores de Ev©ra,prognoílicavaõ a ruina dos Caílelha-
nos : porém no íegundo dia da marcha íe defvaneceraõ
todas as referidas efperanças > porque chegando a Evo-
ra-Monte ás dez horas, da manhãa a vanguarda do ex-
ercito , refoluto a pelejar na confiança de naõ haver
alguma noticia, que iníiuuafse a infelice deliberação dos
fitiados , chegarão ao exercito D. Luiz da Coita , e D.
Pedro Opelíinga 5 que íahiraõ rendidos de Évora, entre-,
gue a D. joaó de Àuílria com pouco honrada defenfa > .
e menos honrofas capitulaçoens ,* porque havendo D.
Joaõ difpoíto as baterias , e encaminhado os aproxes
aos lugares já referidos , havendo os íitiados largado
femoppofiçao os Conventos dos Remédios , e Carmo ,*
que pudera õ pleitear os dias precifos para a chegada do
foccorro, le adiantarão os aproxes até defemboearem.
as minas nas muralhas , fem haver fortida , que os de-
tiveíse , nem contramina, que as defvanecefse , deraó
fogo ás minas , e voando hum grande lanço de mura-
lha, ficou aberta huma dilatada -brecha ,* perigo a que
acodiraõos fitiados, pertendendo defendella com huma
mal fabricada cortadura, Uniraõ-jfe a eítes infelices ef-
feitos perigoías confufoens domeíticas ,* que acabarão
dcdeilruir toda a conftancia dos fitiados. Adoeceo Ma-
noel de Miranda , e tocando o governo , e defenfa da
Praça a D.Pedro Opeííinga , começou a defcobrir in-
duítrias , e fubtilezas , que manifeífcavaõ naõ querer
ceder o governo , nem empenhar-íe no perigo ,• porque
efcuiândo-fe da diiiribuiçaõ das ordens, infundia as in-
íinuaçoens do temor , efpaihando , que naõ alcançava
quartel o prefidio,que efperava afsalto com brecha aber-
ta *• engano , quefó podiaõ crer os ignorantes das bem
fundadas leys da guerra ,• e a eíta fimulada negoceaçaõ
jun-
PARTE II LIVRO VIU. iij
juntou a de lêr em publico vários papeis de D. Joaò de AfMO
Auftria , que continhaõ largas promefsas, e eftrondofos ,*
ameaços , que occafionaraõ em huns temor, e em ou- I0"J#
tros ambição j e todos embaraçodos , e conflitos ( naó
bailando as diligencias do Conde de Vimiofo , D. Luiz
da Cofta, Manoel de Soufa de Gaítro, e outros Officiaes
valorofos , que defejavaõ expor a vida pela defenía da
Cidade ) fe entregarão a D. Joaõ de Auftria as portas
delia com capitulaçoens , de que o Governador, eOf-
flciaes palsariaõ ao nofso exercito com huma peça c'e
artilharia , algumas muniçoens , e bagagens , três rebu-
çados , hum dos quaes foi D. Pedro Opeilinga , porque
era vaísallo d'ElRey de Çaftella , os Soldados , e cavai-
los para Caílella até o fim da Campanha: porém a en-
trega dos cavallos fe explicava com taõ deítra amphi-
bologia,que D.Joaõ de Auítria os julgou por perdidos,
e entrou em Évora triunfando da infufficiencia dos fi-
tiados , e foi recebido com apparentes demonítraçoens
defeíla } porque feparado o medo dadifgraça, conhe-
cerão os rendidos a fua ruina.
Nos primeiros dias de dominantes fegiraõ osCa-
ftelhanos a politica de moftrar aos paizanos de Évora a
fuavidade do leu império , para que efte exemplo faci-
litafse os ânimos dos outros Povos : caftigavaõ aquel-
les , que os oífendiaõ , premiavaõ os que fe lhes mo-
ítravaó afFecfuofos , e fem repugnância permittiaó , que
pudefsem fahir da Cidade com familias , e alfayas todos
aquelles moradores, que fequizeisem ifentar do feu
dominio. Foi o primeiro o Conde de Vimiofo , deípre-
zando generofamente as offertas,que lhe mandou fazer
D. Joaõ de Auftria 5 e moftrando , que a fidelidade her-
dada de íeus Avós era o attributo mais próprio do feu
illuftre fangue. Seguio-fe ao Conde Fr. Luiz de Soufa
Abbade de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo , Gover-
nador daquelle Arcebifpado , e tio do Conde de Caftel-
lo-Melhor, e outros moradores,Òbrigados dos excelsos,
que os CafteJhanos , fem poderem reprimir o ódio re-
concentrado , começavaõ a executar, Manoel de Miran-
da pafsou a Lisboa taõ gravemente enfermo , que che-
H 3 gou
n * PORTUGAL RESTAURADO ,
Ànno S011 ao ultimo período da vida ; osQíficiaes de guerra
,\ na forma capitulada entrarão no exercito : os Toldados
I66-J. governados pelos Alferes das Companhias ficarão em
Évora, reduzidos, comoíe foraõ priíioneiros , a hum
breve recin&o , expoílos á inclemência do tempoY def-
pojados do cabedal , que tinhaô , e "fendo alimentados
com huma taò pequena porção debifcouto , que mui-
tos perderão mi feravel mente as vidas J que a ferem fa-
crificadas nadefenfa de -Évora, puderaò eternizar com
mais gloria.
A noticia da infelicidade da entrega de Évora cau-
fou em todo o exercito incomparável pena j porque
quanto mayor era o alvoroço de a foccorrer , e quan-
to mais infalliveis pareciaõ as efpe ranças de fe lograr
eíte intento , tanto mais efiicaz foi o fentimento de o
ver deívanecido , e expoíla a Provinda dé Alentejo a
manifeíla ruiná.Sem dilação chamou a Confelho o Con-
de de Villa-Flor , e na conferencia foi grande a varie-
dade dos votos. Entendiaò huns , que males grandes
naõ podiao curar-fe fero remédios violentos , e que ne-
íta coníideraçao era precifo arrimar-fe o exercito, o mais
que fofse poífivel , ao quartel dos inimigos , com o fim
de lhe impedir os foccorros de Caítella , e ascommo-
didades da Campanha j e que fe acafo D. Joaõ de Au-
íhia quizefse dar a batalha , ficaria acreditada a opinião
doReyno, eoíucceíso nas mãos da fortuna. Ènten-
diaõ outros, que fe devia caminhar por pafsos , ainda
que mais vagarofos, mais feguros,- porque fuppoíto,
. que o defejo da fatisfaçaó da perda de Évora incitava
os ânimos valorofos, era necefsario antepor os intereí-
fes públicos aos affectos particulares: que a perda de
Évora obrigava a fe defvanecerem todos os intentos
de foccorrella , e fazia fufpender a marcha do exerci-
to , porque lhe faltava o foccorro do numerofo prefí-
dio , que coníiderava pelejando 5 e que expor o exer-
cito a dar huma batalha fem fim precifo , feria indif-
culpável temeridade : que havia tempo para fe pelei-
jar com muitas vantagens , eíperando-fe os foccorros,
que fero faltar haviaó de acodirato do o Reyntr, evi-
tando-
PARTE II LIVRO VIII. u9
tandofe os que podiaó chegar a0s Caílelhanos , eex-^nn0
poudo-os a que com o trabalho , e differença docli- ,,
ma padecefsem as doenças , e calamidades tantas vezes 1UU>*
experimentadas no rigor do Sol do Eílio naquellas Cam-
panhas. Foy dos que ajudarão com grande fervor eíla
opinião o Tenente General D. Joaó da Silva , e fi nalou
para o alojamento do exercito a Villa do Landroal , di-
zendo qué ficava em igal diltancia de todas as Praças
de Caítella , de que podiaõ entrar íoccorros , e com-
boys no exercito inimigo.-que ficávamos cobrindo Mon-
çaraz , Villa-Viçofa , Terena , Praças de grande cqn-
fequencia , e cuidado , aílim pela fua pouca defenia ,
como por abrirem pafso a communicarem os Caftelha-
nos as fuás Praças com a de Évora ; diligencia , de que
tanto neceílitavaó , que , baldandofe-lhe , ficaria inútil
a fortuna coníeguida : que a defenfa de Eítremoz na-
quelle íitio era amais certa: que os comboys de to-
das as Praças principaes fe receberiaõ fem riíco i e que
a fertilidade da Campanha , e a bundancia de aguas , e
ferragens coníèrvaria vigorofos Toldados , e cavallos;
e que fubindo a imaginação a mais alta empreza . fe
poderia confeguir ganhar Olivença por afsalto, mal
guarnecida , por naõ ter receyo de próximo perigo , e
Armazém de todos os mantimentos , e muniçoens dos
Caílelhanos-, com que viríamos a confeguir em huma
fó acçaó ganhar a Praça mais importante , e por con-
fequencia Geromenha , e Évora , unicamente animadas
dos foccorros de Olivença. Ouvidas as razoens de D.
Joaõ da Silva , parecerão taõ bem fundadas , que hou-
ve poucos no Confelho , que as contradifsefsem , e ap-
provadaspelo Conde deVilla-Flor , marchou oexer-
cito para o Landroal, alojamento,em que fe experimen-
tarão muito mayores commodidades , das que fe imagi-
navaõ. Promptamete tratou o Conde com grande fe-
gredo da interpreza de Olivença, crefcendo as efperan- ínmu 0 cen-
ças de confeguir , por íe averiguar , que a guarnição de âe vilU-sior
naõ pafsava de trezentos íoldados , numero taò ixdc- z^r oUvmy
rior á defenfa dos muitos baluartes , e cortinas , de que ?"'
aquella Praça fe compõem, que, fendo afsaltada porva-
H4 rias
lio PORTUGAL RESTAURADO;
Anno rias Partes > parecia impoílivel refííKr a tantos impul-
l66l foS' Dií*P0Z oGsneaal da Artilharia efcadas , e petar-
*uu}" dos £-ê todos os mais inftrmnentos para a interpreza;
e nao havendo mayor dificuldade para o exercito mar-
char a coiileguilla , que efperar-fe , que Guadiana
abaixafse a corrente vígorofa com as muitas aguas , que
a chuva daquelles dias lhe havia augmentado J chegou
avizo, que D. João de Auítria livre da oppofiçao do nof-
fo exercito continuava os progrefsos no interior da Pro-
vinda , fazendo contribuir todos os lugares abertos i e
Entrada ã«s animado a mayores intentos mandara três mil cavallos,
càfteibmos até e dous mil Infantes a Alcacere do Sal , Villa fituada fo-
^"'^^-breorioSado, que junto á Praça de Setúbal defagua
no mar Oceano , perfuadido , a que a vifinhança das
fuás tropas fomentafse o defafsocego , que em Lisboa
havia occaíionado a perda de Évora j porque írrritado o
Povo deita dtfgraça, e incitado do indifcreto zelo, com
que o Secretario de Eítado António de Soufa de Ma-
cedo (defejando que fe accrefcentaíse o numero da gen-
te , que fe preparava para foccorret o exercito ) man-
dou lançar huma linha no meyo do Terreiro do Paço ,
fazendo publicar, que todos aqueiles , que valorofõs a
pafsafsem para aparte do Paço, feriaó efcolhidos no
íòccorro do exercito para a liberdade da Pátria > e con-
correndo innumeravel Povo ataó defuíada gravida-
de , fem mais difcurfo , que a ferocidade natural , com
que coítuma precipitar todas as íiias acçoens , occu-
paraõ o ar defordenadas vozes , trocando-feoimpul-
fo da defenía do Reyno em intuito violento, einíb-
AUeraçAí à» lentes operaçoens \ porque pafsando do Terreirodo Pa-
íovo de zJjím. ço ao dos Arcebifpos , em que vivia Sebaltiaó Cefar ,
á cafa do Marquez de Marialva , e á de Luiz Mendes
de Elvas , rompendo as portas , afsaltando as janellas ,
desbaratarão a mayor parte do preciofo, que havia den-
tro , fem caufar horror o efpeítaculo da multidão dos
amotinados mortos da hydropeíia da fua própria ambi-
ção % e de todo fe deftruiraõ as cafas referidas , e outras
muitas , . que a barbaridade do Povo ameaçava , a naõ
íe oppôr o impenetrável -efcudo da Nobreza , que na
alma
PARTE II. LIVRO VIU. 121
alma da Republica opera com .as attençoens do enten- Armo
dimento , coílumando reprimir o Povo , que exercita as
deíbrdens da vontade por eílabelecidos documentos da *66j,
memoria , fendo hum dos principaes authores deita re-
foluçaó o Conde de Caílello- Melhor : e rompendo o
Conde deSarzedas em cafa do Marquez de Marialva por
todo o furor do Povo com valorofas acçoens , intenta-
va acudir ao perigo da Marqueza de Marialva , e fuás
filhas , que antecipadamente fe haviao retirado ao Con-
vento da Efperança. Porém ainda que em breves ho-
ras fe íocegou o motim , naõ pafsaraõ muitas , fem que
D. Joaõ de Auítria tivefse avizo das intelligencias , que
o interefse, eo receyo lhe haviao facilitado em Lisboa*
€ por eíte movimento mandou a Alcacere as tropas re-
gridas com ordem , que fe valefsem do beneficio do
tempo ^ e conduzifsem ao exercito os mantimentos,que
fofse poííiveli e a noticia deíra marcha obrigou ao Con-
de de Villa-Flor a mudar de intento na interpreza de
Olivença, confiderando , que as aguas de Guadiana fe
achavaõ ainda invadeaveis j que o fuccefso da facção
era incerto , e o damno da Provinda irreparável ;e que
na divifaõ das tropas Caírelhanas fe poderia achar con-
juntura taõ proporcionada, que pudefse refultar delia
algum fuccefso felice; animando efta reíoluçaõ haver
chegado da Beira o Meltre de Campo General Pedro
Jaques de Magalhães com dons mil e quinhentos Infan-
tes , e quinhentos cavallos ; e levados delias pondera-
^oens os mais Cabos , e Officiaes mayores do exercito,
perfuadidos juntamente das repetidas ordens d' ElRey^
e vivas inítancias do Conde de Caitel lo- Melhor , que
abrigava© ao Conde de Villa-Flor a pelejar com os Ca-
itelhanos , advirtindo-o ,de qne o Marquez de Marial-
va havia paísado a Aldeã Gallcga a formar outro novo
exercito 4 marchou o Conde de Villa-Flor do alojamen-
to do Landroal o primeiro de Junho , havendo encor-
porado íis guarniçoens de todas as Praças , que fem pe-
rigo podia© difpenfalas; e partindo por ordem d'El~
Rey a aíliíUr em Elvas o Conde do Sabaigal , para que
afuapef&oa feguraíse atjuella Praça , e o feu cuidado,
te PORTUGAL RESTAURADO,
Anno as £lUe ^ie ficayaô viíinhas , das nove tropas , que fe eu-»
corpora vaõ em Badajoz.
I063. gem contradicçaõ continuou o exercito dous dias a
marcha , e íem embaraço paisou o Degebe ao terceiro,,
e pareçeo viftofa , e militarmente formado em batalha
na Campnha do Rego da Vargea , diítante meyalegoa
de Évora , e por lhe ficar o inimigo na frente , marcha-
va de coitado. Tocou a vanguarda ao lado efquerdo,
e confervavaõ os Terços , e batalhoens de Cavallaria
os lugares , que no primeiro dia da marcha fe lhe ha- '
viaô íignalado , e o Conde deSchomberg com emula*
çaõ generoía de haver de obfervar D. joaõ de Auftria
a compofiçaõ da marcha , empenhou todas as attençóes
na regularidade delia , cobrindo toda a Campanha cor-
pos de Infantaria , e Cavallaria com tanta proporção ,
que naõ havia entre huns, e outros penetrável defigual-
dade. Oito peças de artilharia feguiaõ na linha da van-
guarda o ultimo batalhão de Cavallaria , fete o ultimo
troço de Infanteria : as bagagens , que marcha vaõ na
redaguarda da fegunda linha , cobria a referva. Os Ca-
ílelhanos , fuppoílo que eftavaõ taõ vifmhos , naõ íe
deixava õ divifar , porque D. Joaõ de Auílria formou o
exercito em íitio coberto das obíervaçoens dos nofsos
exploradores. Antes de anoitecer nos achamos no cen-
tro da Campanha do Rego da Vargea. Fez alto o exer-
cito , e voltando as caras ficou de fronte de Évora for-
mado em batalha , determinando o Meítre de Campo
General , que neíla ordem pàfsafse a noite , entenden-
do , que na Campanha raza com os inimigos vifinhos
naõ podia haver alojamento mais feguro , que a forma
da batalha. Naõ fe fatisfez o Conde de Villa-Flor deita
diípoíiçaõ ? pela naõ haver praticado naEfcola de Flan-
dres , èm que aprendera , nem na guerra de Portugal ,
que *havia continuado , tendo fó por eílylo inviolável
alojarem os exércitos de noite , valendo-íè das defen-
fas dos terrenos com a Cavallaria no centro da Infanta-
ria 5 e por eíte refpeito ordenou ao Conde de Schom-
berg , que cobrindo o exercito com os carros das baga-
gens , os guarnecefse de Infanteria , para que de noite
a Ca-
VJKTE II. LIVRO VIII. 123
-aCavallaria íicãfse defendida. Replicou o Conde de
Scomberg , dizendo , que elle avaliava por manifefto
o perigo do exercito naquella forma de alojamento , e
que obrigado deíle diícuríb , naó queria ler executor
de taó remediavel empenho •, e que os Sargentos Mo-
res de Batalha poderiaó dar á execução aquella ordem.
Deu-lha o Conde -, porém elles convencidos de mayor
razaõ o difsuadiraó deite intento , epaísou o exercito
& noite formado em batalha. Os Caffcelhanos attenros
fó ao deíejo de encorporaremas tropas, que haviao paf-
fado a Alcaceremaó fizeraõ de noite movimento algumj
novidade, que poz em mayor difvello ao General da Ar-
tilharia , prefumindo , que para o quarto da Alva po-
diaó refervar o combate ■, e com eíle fentido rondou
toda a noite ; e obfervando que naõ fó os foldados ,
mas a mayor parte dos Officiaes fe deixa vaõ vencer do
íomno, que nos perigos da guerra repre lenta com a
mayor propriedade o retrato da morte , fez montar va-
rias partidas com ordem , que a eí paços tocaísem até
amanhecer vivamente arma por todos os lados do exer-
cito , para que naó houvefse inftante , em que a reío-
luçaõ dos Caftelhanos podefse triunfar do nofso dei*
cuido.
D. Joaõ de Auílria incefsantemente defpedio toda a
noite avizos ao Tenente General da Cavacaria Malsa-
cane /Cabo das tropas , que pafsaraõ a Alcacere , que
íeretiraíse com toda a diligencia. Haviao ellas execu-
tado em Alcacere , onde naó achavaõ reíiftencia , bár-
baros iníultos, eMaísacane logo que lhe chegarão as
apertadas ordens de retirar-fe , parecendo-lhe perigo! o
dar lugar a que o nofso exercito lèalojafse entre Évo-
ra , e as Alcacevas , diíhidTo por onde tiecefcariameiíte
haViaô de paísar , mandou largar aos foldados toda a
preza , que traziaô; e antes de amanhecer , chegou a
Valverde , Covento de Capuchos , diítante huma le*
goa de Évora. Teve o Conde de Villa-Hor efta noticia,
e reconhecendo baldado o intento, com que marchara,
por naó fer já poflivel pelejar . contos Ca ítelh a nos divi-
didos ; tanto que anaanfieeeo mandou retroceder a rmx-
chã
An no
1663.
I '
•114 rORTUGJL RESTAURADO,
Anno eh a do dia antecedente i eobfervando-fe a mefma or-*
\6(i ^em at(^ieSar ao Degebe , fe deícompoz de forte na
/' paisagem do. rio , que feexpuzera a evidente perigo,
fe D. joaÔ de Auílria tivera , como devia , avançado o
corpo da Cavallaria, era que eraíuperior , a obfervar
os acci dentes , que liaviaõ de fucceder na paisagem de
hum rio , ainda que pequeno, taõ alcantilado , que naÔ
fe deixava vadear mais , que por dous eílreitos portos;
e os Generaes nunca fe immortalizaraô , fe naó com as
obíervaçoens deíles accidentes. Livres deite embaraço*
acabamos depafsar o Degebe ástreslioras da tarde , e
começando o Conde de Schomberg adifpor o quartel
na margem do rio , parecerão da outra parte delle os
primeiros batalhoens da vanguarda do exercito de Ca-
ítella -, porque D, Joaõ de Auílria ao mefmo tempo,
que chegarão as tropas de Alcacere , marchou a occu-
par com todo o exercito as mefmas eminências fobre
o Degebe, que poucas horas antes haviam os largado,
conílando-lhe que os moradores de Évora alegres mur-
muravaõ, queelle receava o confUclo , que tanto ha-
via moílrado appetecer. Deixou na Cidade pequena
guarnição , e mandou fabricar huma plataforma na
eminência mais viíinha ao nofsoalojamento,de que co-
meçarão a jogar , quando cerrava a noite , quinze pe-
ças de artilharia.
O Conde de Schomberg melhor prevenido, que
D.Joaõde Auílria para os fuccefsos futuros, reconhe-
cendo , que o intento de D. Joaõ de Auílria , era fazer
dos fogos do noíso alojamento alvo do combate de
hum incêndio contra outro incêndio •, montou acaval-
lo,e o General da Artilharia com os Officiaes de ordens,
e Forrieis dos Terços com as bandeirolas , e antes que
cerrafse a noite , as fez balizas de novo alojamento „
diílante pelo rio acima mil pafsos do que já occupa va-
mos , reduzindo a três linhas o corpo de Infanteria ,
.porque pedia eíla forma o terreno , que eraafpero, e
montuoíb :e o General da Artilharia havendo reconhe-
cido em larga diílancia toda a margem do rio , fez elei-
ção de três montes , e em cada hum delles poz cinco
peças
TJRTE 11. LTVKO VIL 12 j
peças de artilharia , que fe cruzavaó humas a outras , Anil O
para que no dia íeguinte naõ houvefse parte no exerci- . .
to inimigo , que naó padeceíse os damnos deíla militar Io0 3.
tormenta ,• e porque os Caílelhanos nao tinhão mais,
que dous portos para poderem paisar a Ribeira ,.• forti-
ficou o Conde de Schomberg o do lado direito com qui-
nhentos moíqueteiros , e a maior parte da C avalia ria,*
oefquerdo com hum Regimento delnglezes, e qui-
nhentos cavallos á ordenído General da Cavallaria Ma-
noel Freire. Logo que cerrou a noite marchou o exer-
cito com grande íilencio a occupar os poilos figna la-
dos , e ficarão os fogos acceíòs , e as tendas levantadas,
fervindo de inútil emprego ás baterias dos Callelhanos
todo o tempo , que durou a noite , com grande íatis-
fação do exercito em agradecimento do beneficio devi-
do ao Conde de Schomberg , por haver livrado com a
lua prudência muitas vidas do perigo da morte : e o
General da Artilharia não permittio , em quanto naõ
amanheceo , que as baterias jogaisem , porienaõma-
nifeltar a mudança do quartel.
A manhâa de cinco de junho defcobrio aos Calle-
lhanos o engano, que lhes occultavão as ÍÒmbras da noi-
te , e começou a dar glorioíos principies ás maiores fe-
licidades de Portugal. Reconhecemos com a primeira
luz , que os inimigos vinhão demandar os dous portos
da Ribeira com demonílraçoens de quererem palsalla , htentaõ osc*
e atacar o exercito no íitio que oceupava. Era elle tão fitihana paffar
ventajoíb , e a difpofição tão regular , que em todos os eíie "*■ ' Ka°*
Soldados íe reconhecião alegre annuncios da vidtoria. ""iT^JtT
Quaíi ao melmo tempo invellirão os Callelhanos os itnte.
dous portos , porém em ambos acharão valoroía refi-
ílentia, e no que ficava nolododjreito fe particulari-
zouDJoão da Silva ? affi Ilido dos Capitaens Jorge Fur-
tado de Mendoça , Jácome de Mello , e Manoel Pache-
co bolado cíquerdo foi mais forte c combate, por
fer mais fácil a paisagem ,• rrasfella mais diííicil a vi-
goroía dçfenla , que encontrarão em Manoel Freire , a
quem foccorrerão Diniz de Mello , e os outros Cabos.
JSandou D. Jo&o de Auítria por varias vezes esforçar o
con>
ná PORTUGAL RESTAURADO,
AnilO combate com novas tropas : porém reconhecendo, que
. . a oppofiçao das nofsas era impenetrável , mudou de iu-
I063» tento, mas taó vagaroíamente , que os inílantes lhe
multiplica vaô os perigos \ parque a artilharia ailiílida
do leu General jogava furiofamente das três baterias,
eera taò grande, e manifeíto o eíFeito , que íè naó
defpediabala fem conhecido prejuizo dos Caílelhanos}
porque o General igualmente caíligava , e premiava :
e ferviaõ de deículpa aos perigos deita vaidade os ex-
emplos de Júlio Cefar nos íeus Commentarios : Rotiiio,
e Efcauro , celebrados os dous de Cornelio Tácito pela
liberdade , com que ííelm ente referirão as acçoe as pró-
prias: D. Carlos Coloma , Monluc , e Henrique Cata-
rino de Ávila, e outros memoráveis Authores da Hiilo-
ria antiga , e moderna , por fer preciíb , que a verda-
de delia igualmente fe diílribua. D. Joaõ de Auílria re-
conhecendo o inútil perigo, a que expunha todo o
exercito , deu ordem que marcha fse , voltando as caras
ao lado efquerdo , e por naó eílragar a reputação , o
naó quiz defyiar da margem dó rio7 Reconhecida eíta
valoro fa , e temerária deliberação / ordenou o General
da Artilharia , que o íèguifsem todos osfeus Officiaes
com as quinze peças , e marchou com grande diligencia
a occupar dous poítos íbbre o rio , que o dia antece-
dente havia reconhecido fuperiores á marcha , que os
Caílelhanos traziaõ ; e fem experimentar os embaraços,
que coítumaò acontecer nos movimentos rápidos da ar-
tilharia , feguro nas dificuldades da paisagem do rio ,
fe adiantou de todo ó exercito, e ajuílou as baterias,
antes que os Caílelhanos começaísem a empenhar-íe na
perigoía marcha que traziaõ.Chegaraõ os primeiros ba-
talhoens da: vanguarda a expsri^atar o damuo , de
quenaôtinhaó rèceyo > enaó lhes permittíndo o va-
lor deíviar-íe delle, foraó tolerando a fua ruína todos
os mais corpos de Infanteria, e Cavallaria, até chegarem
os últimos da retaguarda, que mais attentos ao perigo,
que á Opinião, deícompo (lamente , perdida a forma,
íe puzeraó em laivo, vale ndo-fe <fo exemplo de mui-
tos Cabos ; '&QMofâm , que virão amparar-fe das pare-
des
PARTE II. LIVRO VIU, 127
des dehuma càfa arruinada ; diligencia obfervada das Anno
baterias; e mandando o General , que todas as peças .,
fizeísèm alvo da parede, e fe difparafsem a hum tem- lt>Gh
po, cahio obrigada do furipíb impulio em grande dam-
no de todos , os que a haviao buícado por remédio. Or-
denou D. Joaõ de Auítria , que o exercito fe deíviafse
das baterias cefsaraó ellas , havendo as quinze peças
diíparado das três horas damanhãa até ás três da tar-
de fetecentas e íeten ta balas , de cujo eíirago ficou a
Campanha coberta de mortos , e entre elles o Meltre
de Campo D. Gonfalo de Córdova, irmaó do Duque de
Cefsa , hum Tenente General da Artilharia, Capitães
de cavallos , e Infanteria , e outros Offíciaes de grande
eítimaçaò > perda que inílituio no exercito tanto def-
alento , como D. Joaò de Auílria confefsou em huma
carta eícrita a EIRey feu Pay depois da batalha , man-
dando no tempo da paz fazer elta mefma confifsaóao
General da Artilharia pelo Ingenheiro Pedro de Santa
Coloma , que foi feu prefioneiro.
O nofso exercito feguio pelo rio acima a marcha
dos Caílelhanos, que depois de tomarem alojamento na
ponte do Degebe com a reclagnarda no Convento do
Efpinheiro , fizemos alto na diilancia de hum quarto de
legoa divididos com a ribeira. Difpoz o Conde de
Schomberg o quartel com grande iegu rança , edeítre-
za 5 porque a linha da vanguarda occupava huma emi-
nência, que correndo direita , era igualmente fupe-
rior á Campanha. O rio íegurava o lado efquerdo , e AquarteU.ft ,
alimentava o exercito. A trincheira, que fe levantou na noff° e,xercit°"
vangnarda , guarneciaõ os Terços, e batalhoens da pri- **£„," Ca^e'-
meira linha na forma , em que marchavaõ , e declinan<-
do a eminência para hum valle dilatado , que occu-
pava a re&aguarda,no fim delle fe levantava huma col-
lina , que precifamente fe devia ganhar , ena6 era fá-
cil confeguir-fe , fem fe mudar na diípoíiçaõ do quar-
tel a forma da marcha, que fe naó queria alterar.Emen-
dou a arte eíte defeito da natureza ; porque conver-
tendo o Conde de Schomberg a fegun da linha em re-
taguarda , por conílar de mais corpos , e a referva em
fecunda
ií? PORTUGAL KESJJUn^DO,
AnnO legunda -linha , ficou occupada a eminência* eoeí*
ercito formado: e para mayor íegurança do quartel íe
1 66 3» tirarão duas linhas pelo lado direito, eeíquerdo da
vanguarda á retaguarda, e no meyo de cada huma del-
ias íe fabricou na trincheira hum angulo reintrante ,
que as flanqueava > com quatro peças de artilharia j e
■. .as linhas íe guarnecerão corn dous Terços , e quatro ba-
talhoens , que íe tirarão com igualdade das linhas da
vanguarda , e retaguarda , eem três baterias íe plan-
tarão onze peças. No centro do quartel alojou a Cor-
te , Vedoria , muniçoens, e bagagens, havendo o Con-
de de Villa-Flor aíliítido a todas as operaçoens daquel-
le dia com grande valor , conítancia, e diligencia , imi-
tado de todos os Cabos ., e Oííiciaes do exercito com
i tanto acerto , e efficacia , que até no levantar das trin-
cheiras foraó os primeiros que trabalharão.
D. Joaó de Auílria havendo obíervado a difpoíiçaõ
do nofso quartel, fediísuadio do intento , que mortrou
ter de pelejar , e determinou confegudr retirar o exer-
cito para Badajoz ,em que livrava toda a íegurança da
empreza de Évora. Diípendeo as horas do dia íeguinte
em encorporar com o exercito o grande numero de car-
ruagens , que havia ficado em Évora ; e a defenía da-
quella Praça entregou ao Meítre de Campo o Conde de
Sertirana , Italiano T de grande valor,e experiencia,com
a guarnição de três mil Infantes divididos em íete Ter-
ços de ríeípanhoes , Italianos , e Alemães , e oitocentos
.; cavallos das meímas .Naçoens , treze peças de artilha-
ria, em que entra vaÔ íeis meyos canhoens , muniçoens,
artifícios de fogo , mantimentos em tanta abundância ,
quebaílaísem a íuítentar hum largo íitio. Ignorava o
Conde de Villa-Flor eíta determinação , e defejando
comprehendella,íahio ao pôr do Sol o Conde de Schom-
berg , os Generaes da Cava liaria , e Artilharia , outros
Oíficiaes , e alguns baralhoens efcolhidos , epaísaado
o rio carregarão as guardas dos Gaítelhanos com tan-
to vigor , que travando-íe huma bem pelejada efcara-
rnuça , coníeguimos retirarmonos com alguns Soldados
prdiqnekos -3 porem por mais que. foraò acertados, naS
; derao
1
PARTE II. UVRÔ VIII n9
deraõ noticia , que desfizefse a duvida ,;em que eíiava- ^^^0
mos. Naquelía noite houve no Povo.de Évora grande
alteração? porque animado com a vizinhança do noíso looj»
exercito, ecom a felicidade do recontro do Degebe,
deiejava facudir o jugo, com que fe achava opprimido. 4Uerd*feofov9
Acodio D.Joaõ de Auítria a reparar eíte iutempeítivo deEv'fra*
movimento , caíHgou algum dos authores delle , tirou
as armas a todos, e chamando pefsoas das principaes
da Cidade , em que entrou o Sargento Maior de Au-
xiliares Manoel Freire, em huma larga oração reprehen-
deo o excefso commettido , efuavemente exhortou á
obediência d<ElRey de Caítellaj e paísando a outros
difcurfos , por moítrar que fe dava por íatisfeito , dif-
fe que havia andado bem na occaíiao pafsada a artilha-
ria de Portugal i refpondeo-lhe com grande alegria o
Sargento Maior , prevalecendo o aííèclo natural contra
o perigo manifeíto : Sim Senhor , dizem , que matou:
muito Caítelhano. Celebrarão eíte inadvertido impul-
fo os Ofriciaes, que íe acharão prefentes , e de nova
conhecerão, que eraõ os ânimos dos Portuguezes in— •
contraítaveis ao feu dominio. Divertido eíte accidente^ ,
e cerrando a noite de féis de Junho , mandou D. João
de Auílria adiantar com oíilencio po.íTivel pela eílràda
das Bruceiras o grande numero de carruagens , que le-
vava o exercito. Quando amanhece© ,fe acharão huma
legoa diítante delle , e para lhe efcufar o evidente pe-
rigo, a que as expunha , mandou rodear de partidas to-
do o noíso quartel , com ordem , que toda a noite to-;
caísem vivamente arma por varias partes 5 o que tao
promptamente executarão, que naõ foi poffivel fazer-
mos mais , que attender á defenfa do quartel» Ao ra-
yardoSol, quedefcobrio as carruagens avançadas, e
o exercito em marcha ^reconhecemos decifradas todas
as duvidas, que nos haviao occultado as fombras da
noite; e como a Campanha era tão defcoberta , e os
noísos olhos eítavão coítumados a fomar fem arithme-
ticas o numero das tropas , julgamos ( o que depois fe
verificou ) que conílava o exercito de dez mil Infan-
tes y entrando os OfHciaes , e de íeis mil cavallos. Eíte
I íiiovi-
Tp PORTUGAL RESTAURADO,
AnitO movimento nos obrigou , fem largas conferencias , a
,, concordar no coafelho , que devíamos marchar promp-
*oo j» ta mente a bufcar a occaíiaõ mais opportuna , que fof-
fe poíTivel , de peleijar com os Caítelhanos , pois para
efte eíFeito fabiramos do Landroal , e aefta reíbluçaó
nos obrigavao as repetidas, e acertadas ordens d'ElRey.
Tomada efta refoluçaó, marchamos pela eftrada de Evo-
ra-Monte , e foi avançado o Capitão Salamon com cem
cavallos , com ordem de feguir a retaguarda dos Cafte-
llianos, e embaraçallos , quanto lhefofse poííivel ; o
que executou com tanto acerto , que íe retirou com
quantidade de priíioneiros.
Pouco diftantes marchava 6 ambos os exércitos, é
Paffao es exer- hum,e outro pertendiao pafsar o rio Terá antes de anoi-
(itts or\o Terá. tecer ? para çQ executarem fem embaraço os progrefsos
premeditados para o dia feguinte. Efte nifcurib fez
aprefsar de forte a marcha , que os Inglezes a tolerarão,
e a força ' do Sol com impaciência , e ao cerrar da noi-
te acabarão ambos os exércitos de pafsar o rio , o nofso
no Porto deEvora-Monte,o dos Caftellianos no daVeji-
ia do Duque. Grandes eraô os cuidados, e vários os dif-
curfos , que fe offereciaó aos Cabos , e Officiaes maio-
res-de hum , e outro exercito , confiderando , que a luz
do dia feguinte havia de fer theatro da gloria .de qual-
quer delles. D. Joaõ de Auftria tinha felicemente con-
ieguido a empreza de Évora, e para naõ baldar a fua
fortuna , defejava confervalla. Para efte fim intentava
chegar com o exercito fem datnno a Arronches , e en-
grofsallo de forte com os foccorrosç que havia Ó chega-
do a Badajoz de Cidad-Kodrigo, Galliza , e outras par-
tes, que pudefse voltar a continuar os feus progrefsos
com tanto poder , que fem temer oppofiçaó abrifse paf-
ío para a communicaçaõ de Évora por Monçaraz , ou
pelo Landroal , fuppondo que o grofso prefidio , que
havia deixado em Évora , reílftiria o nofso combate, re-
folvehdo-^nos a atacalla , até chegar o leu foccorro. Po-
rém eítas confiderações fe defvaneciaõ no conhecimen-
to , de que chegar ', ou naò a Arronches , fem dar ba-
talha , pendia da nofsa refoluçao ; porque o grande nu-
mero
I
P ARTE II. LTV&O VIII. 1 5 1
mero dè carruagens , que comboyava , obrigava todo Anno
o exercito a vagarola marcha J easnoísas naó nosfa- ,*
ziaó impedimento algum* porque na vizinhança- de Eí- 1°° }•
tremoz as deixávamos feguras , e conhecendo a vale-
roía Naçaõ , que tinha por cppoíla, naõ pode achar íb-
cego no pertendido deícançoda noite.
Naó era melhor livrado o Conde de Villa-Flor, que
D- João de Auftria,repreíentando-íe-lhe as grandes dif-
iculdades , que podia achar em qualquer reíbluçaõ , a
que ie arrojaíse. Coníiderava , que deixando os Cafte-
Ihanos Évora bem prefidi&da , e adiantando com gran-
de calor as fortirlcaçoenébcom o fim de facilitar-lhe a
communicaçaõ por Monçaraz , ou Landroal , convinha
pelejar , antes que pudefsem encorporar-íe com maiores
lbccorros , e reítaurar o trabalho padecido nos dias an-
tecede ntesj porque coníeguindo os Caftelhanos fahirem
em falvo do interior daquella Provincia , ficaríamos ne-
cefiitando de formar dous exércitos, hum parafitiar,
Évora , outro para guarnecer as Praças da fronteira ,
que ficavao expoítas á diveríaó dos Caílelhanos , quan-
do íe naó refolveísem a intentar o foccorro de Évora,
rompendo as linhas ; e álèm deitas razoens a impaciên-
cia dos moradores dos lugares abertos havia chegado a
tanto , que fazia preciib evita r-ie perigo taõ manife-
íío. Porém nem todos eíles eílimulos facilitavaõ a re-
foluçao dele dar a batalha > porque o General contra-
rio era hum filho d'ElRey de Caílella , de efclarecidas
virtudes , criado na guerra , e muitas vezes vitorioía
das Naçoens mais bellicolas da Europa , aífiítido de Ca-
bos de grande valor, e experiência , de excellentes Of-
ficiaes , e foldados veteranos. O corpo da Cavallaria
quafi dobrava o numero da nofsa, eao da Infanteria
naó levávamos grandes ventagens j íuppoílo que a for-
ça da juítiça dacauía, que defendíamos, a capacida-
de dos Cabos , a experiência dos Officiaes , a ventagent
de pelejarem em o próprio paiz , e a confiança da pou-
ca diftancia , em que ficava Eítremoz , fervindo de re-
ceptáculo a qualquer contratempo, dobrava de ibrteos
incentivos univeríaes de íe dar a batalha , que fazia in-
I 2 ferio res
:>, ■■■■
131 PORTUGAL RESTAURADO,
AtllO feriorêà todas as diíhcaldades \ e eilas coníideraçoens
fez mais clara a luz dímaaliãa, desfazendo-fe emexe-
' cuçòéns promptas todos os difca rios premeditados.
Ao primeiro crepufculoíe puzeraó em marcha am-
bos os exércitos íuímã legoa diílantes, que fe dimi-
nuía ao pafso > que fe caminhava -, e como o nofso le-
vava as caras em ^Eítremoz , o do inimigo no Ame-
xial * vinha a fer objeflro de ambòfc-o mefmo Horizonte.
Os Caílelhanos moítravaõ intentar retroceder a marcha*
que haviaõ trazido , quando páfsaraó por Eítremoz : e
aíiim o affirmavaõ os pratico&Jna Campanha , dizendo ,
que do lugar, em que fe achava a vanguarda , fe fe-
guia a eílrada da venda de Alcaraviça , que era o que o
exercito trouxera : e á mao efquerda íicava outra , que
parava na Ribeira de Veiros,e tomando alojamento nel-
la os Caílelhanos , íicavaò fó diílantes de Arronches
huma jornada. Ponderadas eítas rioticias,fe ajuílou dei-
Xarmos Eítremoz ámaõ direita , e fizemos alto , fican-
do-nos na rectaguarda , e os Caílelhanos diílantes hum
quarto de légua. O Conde de Schomberg formou o ex-
ercito em íitio fuperior á Campanha , por onde os Ca-
ílelhanos deviaó de pafsar , fe feguirem a marcha , que
haviaõ trazido, quando entrarão $ e fuppoílo que o ter--
íeno era embaraçado com vinhas , e vallados , reconhe-
çia-fetaõvantajofo , que fefolvendo-fe os Caílelhanos
a atacamos nelle , parecia anofsa vantagem quaíi in-
vencível : e dizia o Conde de Schomberg , que quando
fe naò atrevefsem a tomar eíla refoluçaõ , que para
pelejarmos em Campanha igual , íèmpre nos íicava li-
vre •, porque a marcha dos Caílelhanos era taô vagaro-
fa a refpeito da multidão das carruagens , que naó po-
dia fugimos o tempo de dar a batalha , que a mayor
prudência dos Generaes coníiíliaem na 6 perder as van-
tagens , em quanto naô ofFendiao os intentos princi-
paes , a que íe encaminhava. Eíle prudente difeurfo, ou
por emulação , ou por naõ entendido , foi injuílamen-
te mal avaliado de muitos Cabos , e Officiaes do exer-
cito », e porque a razaõ formal o authoriza, naó necef-
íitaniQs de defendello. Deíle embaraço nos livrou hum
avizo
VARTE II. UPSRO mm, 155
avizo dos Capitães de cavallos D. António de Almeida , ÂmiO'
e Filippe de Azevedo , que eftavaõ de guarda , e avan- ss
çados em fitio íuperior á marcha dos Caítelhanos , que tv^i*
referia , que a vanguarda da Cavallaria do exercito co-
meçava aieguir a eítrada de huma grande Serra, que
lhe ficava pouco diítante , e caminhava a Souzel , e
determinando embaraçar-lhe o pafso a reíbluçaõ de al-
guns paizanos efpingardeiros, os haviaô degolado. Eíte
ultimo deíengano - applicou a refoluçaõ de íe dar a ba-
talha , porque já o tempo naõ difpeníava outras con-
íideraçoens. Com eíle valorofo intento ordenou o Con-
de de Villa-Flor a Manoel Freire de Andrade, que com
quinhentos cavallos , o Terço de Joaô Furtado de Men-
doça , e hum de Xnglez anarchafse a defalojar alguns
batalhoens Caílelhanos , que occu pavão huma eminên-
cia pouco diítante , que o exercito neceísa ria mente ha-
via de coroar, para confeguir o intento premeditado.
Marchou Manoel Freire a executar eíla ordem na íup-
poíiçao , de que o exercito lhe havia de dar calor (co-
mo era precifò ) com mais celeridade da que pedia o
embaraço, em que o exercito íe achava no alojamen-
to das vinhas , e vallados , que havia occu pado. Reco-
nhecédo o General daArtilharia as perigoías conlequen-
cias de íe naõ alhanar eíla difliculdade , a mandou ad-
vertir ao Conde de Villa-Flor pelo Ajudante de Tenen-
te de Meílre de Campo General Jacintho de Figueire-
do j porém o Conde , fern dar attençaõ a eíla advertên-
cia , deixou a Manoel Freire continuar a marcha > e
chegando ao alto do monte , defalojou facilmente os
batalhoens inimigos ; e provocado de ardente valor ,
baixou á Campanha com a pouca gente que levava , e
deu principio a fe atacar huma perigoía efcaramuça com ^taca Mat.oel
. j J/-1 11 • • • • 1 Freire hua «rol*
todo o corpo da Cavallaria inimiga , que em duas co- (a èuarawMa,
lunas vinha vagarofamente marchando , e cobrindo as'
carruagens , cujo pafso era inferior ao da Infanteria , e
Artilharia , que D. Joaõ de Auílria havia adiantado ao
alto de duas grandes eminências , que íicavaõ fuperio-
res áquella dilatada Campanha. O General daArtilha-
ria , que fe achava empenhado no difcurío do perigo
1 3 de
134 PORTUGAL RESTAURADO,
ÁlltlO de Manoel Freire , obfervando o vagar , com que o ex-
,, ercito fe defembaraçava das diíEculdades do alojamen-
*" y to , fubio com grande diligencia ao alto do monte, que
Manoel Freire tinha facilitado ? e reconheceo o riíco a
que eítava expoíto} correo a remedeallo , advertindo a
Manoel Freire1 , que o feu empenho havia de ler a 1 iia
ruiiia; porque fe acaíb esforçalse a efcaramuça, era fem
duvida carregarem-lhe os Caítelhanos os batedores com
muito maior poder , do que levava para foccorellos,
e que o exercito , de quem devia liar a fua fegurança,fe
achava taõ diítante , que primeiro feria desbaratado, do
que pudeíseíer foccorrido.MitigouJManoel Freire o feu
ardor á verdade deíla advertência , e mandou retirar os
batedores , e fem defordem tornou a encoítarfe á Serra,
e os Caítelhanos fe confundirão de forte com a primei-
ra viíta deitas tropas , que retirarão para as eminências,
que occupava a Infanteria , as mangas,que marchavao
entre a C avaliaria : e havendo humalegoa de diítancia
entre hum , e outro corpo , fe o exercito dera calor a
Manoel Freire , pudera , pelejando fó contra a Cavai-
la ria' , ganhar pela manhãa a batalha , pela difficuldade
defelhe unir a Infanteria , que facilmente feria deí-
pojo da vitoria. Segurava-fe eíta com que , chegando
os nofsos batedores de vãguarda a occupar a eminência,
que a largo pafso intentava fenhorear D. Joaó de Au-
ftria , reconhecendo quanto era ventajofo aquelle po-
Ito , ao em que nos havíamos de formar precifamente,
carregarão as fuás tropas aos nofsos batedores , e a foc-
correllas íe adiantou toda a fua Ca valia ria com tãta def-
ordem , que defamparou a artilharia, c bagagens ,; que,
por marchar de recT:aguarda,eftava ainda na planície cò-
boyada de poucos Terços de Infanteria, O Conde de
Schomberg , que affiília no lado efquerdo do nofso ex-
ercito , obfervando eíte movimento dos Caítelhanos ,
defejofo de aproveitar occafiaõ taó opportuna , puxou
pelas linhas de Cavallaria , que achou mais perto , e
íe foi pondo em marcha , avizando com toda a promp-
tidaoao Conde de Villa-Flor da refoluçaó , que toma-
va , pelo Commifsario geral Duarte Fernandes Lobo, o
qual
PARTE II. LIVRO VIII. i$j
qual voltou com a mefma preisa , com ordem para que Anno
íe retiraíse. Gbedeceo o Conde deSchombergcom tan- 1' /.
to íentimento , que lhe durou ainda depois de lograr- I aó3'
ie a occaíiaô* tao felizmente.
O nofso exercito íubio á eminência , que ganhou
Manoel Freire adiantando-fe a outra , que íe lhe íeguia
mais ao lado direito; ficarão no efquerdo as duas linhas
daCavallaria daquella parte , e planta raô-fe cinco pe-
ças de artilharia no mefmo fítío , e em dous montes ,
que corriaõ do lado direito , jogarão dez , e em todo o
fitio referido formou o Conde de Schomberg militar-
mente o exercito. Em outros dous montes , que hum
pequeno valle dividia dos referidos,incomparavelmen-
te mais afperos , e eminentes , formou D. João de Au-
ítria a fua Infanteria , e na parte fuperior delles man-
dou fabricar duas baterias de quatro peças cada huma ,
e todo o corpo da Cavallaria eltava formado ao pé do
monte do lado direito em huma dilatada Campanha ,
recolhendo as carruagens,e fegurando huma eítrada, por
onde o exercito forçofamente havia depafsar, a qual,
por fer eítreita , e profunda, lhe deraò os payzanos o
nome do Canal. Entre confufas fufpenfoens durarão as
baterias com pouco damno de ambas as partes , e algu-
mas leves eícaramuças até as três horas da tarde , e no
■difcurib deite tempo íizeraõ os Caítelhanos adiantar as
jfuas carruagens quanto lhes foi poífível , para que a
marcha , quedeterminavaõ fazer, lhe íicafse mais deí-
embaraçada. A hora referida achando-le o General da
Artilharia aííiítindo na bateria do lado efquerdo , que
ficava fuperior á Campanha , obfervou que as peças da
artilharia das baterias dos Caítelhanos a efpaços hiao
diminuindo os tiros ; porque de oito peças que joga?*
vaõ , tiravao fó quatro , e que eíte evidente íinal ma-
nifeítamente declarava, que o exercito íe punha em
marcha ; movimento , que de outra forte fe naò podia
deícobrir pela altura dos montes, que nos ficavaóop-
poitos , que os Caítelhanos tinhaò occupado com o ex-
ercito j eque o fim de DJoão de Auítria era entreter
a nofsa confusão até poder confeguir que as carruagens
I 4 ver-
t ; S PORTUGAL RESTAURADO,
Anno veiiceísem o pafso êílreito da Serra i e logrando eíte in-
/ te ato , ficava fem duvida fegura a marcha , que D. Joaõ
I605. fá /Vuílria com taó prudentes coníideraçoens defejava
coníeguir até a Praça de Arronches. Para fortificar eíte
diícuríb chamou o General da Artilharia todos os prá-
ticos daquellaGampanha,os quaes uniformemente con-
cordarão aílim na eítreiteza da eítrada , por onde for-
çoiamente haviaó de marchar , como na certeza, de que
vencida ella , chegaria o exercito a Arronches fem con-
troveríia alguma.Perfuadido deita noticia montou aca-
vallo o General da Artilharia , e foi bufcar ao Conde
de Villa-Fior , que achou com todos os Cabos , e quaíi
todos os Oíiiciaes maiores do exercito , e pedindo ao
Conde attençaõ ao leu difcurfo , o expoz nas razoens
feguintes.
vou âo General A perda de Évora , e as confequencias deita infe-
âa Artilharia. licidade,nos obrigarão a fahir do quartel do Landroal a
bufcar ( pelas tropas que pafsáraõ a Alcaceve ) na divi-
faó do exercito de Caítella o ultimo rompimento. Tan-
to que pafsámos o rio Degebe , nos expuzemos a pe-
lejar fem mais ventagem , que a dos noisos braços ; e
ficando o atacar o combate na eleição de nofsos inimi-
gos , experimentámos, que D. Joaõ deAuítria fuppoem
mais certa a nofsa ruiua , retirando o exercito para o re-
forçar com novos tropas , que dar a batalha com eítas,
que com taó particular attençaõ fortifica ; o que pro-
vado com. a experiência , fica lem duvida fermos obri-
gados a atalhar os caminhos , por onde os Caítelhanos
intentaó a nofsa deítruiçaó , perfuadidos do muito que
neceílitamos alentar o defmayo dos Povos quaíi des-
confiados do feu remédio ; e he propofiçaó fem contro-
veriia , que para lograrmos eíla refoluçaó , he precifo
pelejarmos , antes que os Caítelhanos cheguem á Pra-
ça de Arronches; efe naõ me engana o ardente de-
íej o de ver logrado eíte intento, a Providencia Divi-
na por lua infinita mifericordia nos moítra claramente
o caminho de dar a batalha , e confeguiravicToria. Na
bateria , em que eítava , reconheci, que os Caítelhanos
le vaò retirando ? porque a efpaçcs diminuem, os tiros
de
106}
PARTE II. imWO VUh 1)7
■de artilharia ; inferência \ que moftra avaópondo em Anno
marcha: chamando os práticos, uniformemente iegu-
raõ , que defronte deftes montes , que vemos, hcaõ ou-
tros, e que entre elles corre numa eítrada taõ eitreita,
que naó dá mais efpaço , que á marcha de hum lerço
de Infanteria formado , e eíta noticia nos eftá moftra n-
doareíoluçaõ , que devemos tomar ; porque os Cafte-
lhanos tem pofto em marcha o exercito , o que le ju-
ftiíica pela oblervação da artilharia , e por não terem
íim , para fazerem nefte fitio maior dilação; o que pro-
vado , fica £em duvida , que já nefte inítante marchão
de vanguarda os quatro mil priíioneiros , que confta
fahirem de Évora , e que eftes íeguem a eítrada eftr ei-
ta comboyados de hum grande grofso de Cavallaria, de-
dicado para a fegurança de companhia tão perigola 5
que a multidão de carruagens feguem a meima derro-
ta , e que a Infanteria desfila pela retaguarda , e a prow
longada linha caminha pelos me fm os pafsos, etodo o
corpo da Cavallaria eípera na Campanha , que cerre a
noite para le ritirar , depois do exercito ter vencida a
dirficuldade da marcha , que leva entre a afpereza das
Serras. Desbaratar eíte corpo ; que he o mais forte do
exercito , he reíbUição que infallivelmente devemos de
tomar, unindo todo o corpo da nofsa CavaHaria, ti-
ra ndo-íe do lado direito as duas linhas , que pela aipe-
reza do terreno eftao formadas daqueila parte,e forma-
da em três linhas parece impoílivel deixar de conièguir
o fim , que pertendemos , aftim pelo valor tantas vezes
experimentado dos nofsos Soldados, como pela necefsa-
iia confusão, em que le hão de ver osCaftelhanos ,•
porque como o exercito marcha em tão prolongada li-
nha , todos os foccorros , que intentarem vir da van-
guarda, á reclaguarda,atropellando os que feguem a eí-
trada , iervirão mais de embaraço , que de utilidade ; e
íea Cavallaria , queeftá formada , não tomar mais fi-
tio na Campanha , do que eftamos vendo (o que lerá
diôicil , atacada com o afsalto improvifo ) toda a que
chegar de ibccorro , fervirá de •confundir os claros , e
perturbar a ordem , íem a qual nunca farão victoriofos
ainda
li í
•
15 « POnTUGAL TLESTJVHADO ,
AlinO ainda mayores exércitos , ajudando a coufuíaô a vizi-i
• • nhança da noite , que coftuma ler embaraço dos yalo-
/• rolos, edíícuipa dos covardes ; e fèacaío (o que eu
nao preíumo ) os Gaftelriánòs rehftirem os impuiíos da
nofsa Cavallaria , humdosdous eíreitos poderão coníe-
guir , ou íegurar fem movimento a marcha dofeuex-.
ercito , que lie o mais racional ,-ou íeguir o alcance
dos batallioens , que rebaterem j e lendo efte ultimo o
mayor dam no v que podemos experimentar , íegura , e
pouco dif cante fica á nofsa Cavallaria a retirada , levan-
do ordem para fe tornar a formar na re&aguarda da
Infauteria , que occupa impenetrável terreno , e fe acha
tap vizinha á Praça de Eftremoz,que fenaõ pôde recear
entre hum , e outro receptáculo coníideravel damno 5
e lendo taõ prudentes as referidas confideraçoens , nao
devemos oíFender a obrigação , em que eftamos, de de-
fender o Reyno , delviando-nos de abraçar os caminhos
de confeguir a nofsa liberdade.
O Conde de Villa-Flor , e todos os Cabos , e OfK-
ciaes mayores , que eítavaõ prefentes, ouvirão efte dif-
curfo com grande attençaõ , e louvaraõ-o com fumma
efrkacia : porém , tomados os votos , foraó muitos os
que tiveraó por arrifcado o propofto empenho; por fer.
( diziaó ) grande a vantagem dos Caílelhanos em pele-
jarem com a nofsa Cavallaria corpo a corpo , achando-
fe fuperiores em numero dobrado , lendo a confiança
de nos igualarmos no poderá uniaó da Infanteria. Efta
opinião ficou firme.., fem fe deixar vencer das confide-
raçoens oppoftas taó indubitáveis , como moftrou a ex-
periência , e por efte refpeito fe dividio o Confelho
fem refoluçaó alguma , e os Cabos , e Officiaes fe fe-
pararaõ para difTerentes partes. O Coronel da Artilha-
ria impaciente de ver baldado o feu difcurfo , . que efti-
mava como próprio ,. e pelas feguranças de bem fun-
dado , nao deíiftio de procurar os caminhos de confe-
guillo 5 e montando a cavallo , e o Conde da Torre, e
Affonfo Furtado, depois de fazerem hum pequeno gy-
ro, por favorável difpoíiçaõ da Divina Providencia, en-
contrarão em hum valle , que dividia os dous exérci-
tos,
1665
PARTE 11. LIVRO VIU. ?59
tos, ao Conde de Scomberg , Pedro Jaques de Maga- Anno
lhaans , Diniz de Mello e Caibo, Manoel Freire de An-
drade , Simão de Vaíconcellos , e D. Joaõ da Silva ; e
vendo o General da Artilharia, que o Conde de Schom-
berg. andava cuidadolàmente examinado opportuna oc-
currencia de atacar a batalha , tornou ardentemente a
esforçar a ília opinião , dizendo , que era engano o dif-
curío contrario , e naô podia haver riíco em coníldera-
çoens taõ bem fundadas , e que os Capitães prudentes
deviaõ na guerra deixar na contingência alguma parte
do difcurfo j e que aquelles , que no preíente embara-
ço olhavaó para os perigos próximos , fe adiantaísem a
confideração a examinar os rifcos futuros,logo reconhe-
ceriaõ quanto mais havia que vencer , fe o exercito de
Caílellaconfeguifseencorporaríe com os novos foccor-
ros , que confiava eílarem em Badajoz , e que com eíla
infallibilidadefó a irrefoluçaófe poderia contar como
maior inimigo. Todos, os que eílavaõ preí entes , eraõ
os que no Coníelho antecedente íe haviaô afíeiçoado
á propoíta do General da Artilharia , e com grande ar-
dor períiítiraó em, que a batalha fe atacafse , e Simão
de Vaíconcellos com grande efricacia , e zelo repetio as
apertadas ordens d'ElRey, para que fepelejaíse , eas
vivas inftancias de íeu irmaó o Conde de Caítello-Me-
lhor. Vendo o Conde de Scomberg , que todos le con-
formavaõ na refoluçaô , que tanto defejava , difse 5 que
fe lhe naõ offèrecia maior diíficuldade,que naô fe achar
prefente o Conde de Villa-Flor , para refolver , o que
uniformemente fe afsentava por aquelles votos.Refpon-
deu-lhe o General da Artilharia, que elle havia reconhe-
cido no Conde tanto defejo de pelejar na forma da fua
-propofiçaó , que fobre íi tomava approvar , o que na-
-quelle Coníelho fe a isentava. Esforçou vivamente Ma-
noel Freire efta inítancia, e o Conde de Scomberg com
alegre refoluçaó difpoz , que fe atacafse a batalha na
difpoíiçno feguinte.
Ordenou ao General da Cavallaria , que com toda nsplcaúsâar
a diligencia , focego , e deílreza pafsaíse as duas linhas * **t*ièm «*
de Cavallaria do lado direito ao ladoeíquerdo, deixan- rg. do fjgg*
do ,.. ---^
Refrli
B
t4o PORTUGAL RESTAURADO,
Atino d° Pam CODrir aquelle coitado cinco batalhoens á or-
dem do Commiísario geral Mathias da Cunha , a que
IÓ63 » de todo o corpo da Cavallaria formafse três linhas, pa-
ra que com menos confufaõ fe atacaíse a batalha. Era
o numero dos batalhoens quarenta e féis, em que fe
contavaõ pouco menos de três mil cavallos. Governa-
va a vanguarda o General da Cavallaria Manoel Freire,
a íegunda linha o Tenente General da Cavallaria Dom
João da Silva, a terceira o Tenente General D. Ma-
noel Luiz de Ataíde ; e o General da Cavallaria Diniz
de Mello efcolheo para aíTiítir todos os póltos , em
que fe pelejafse. Acompanhava Manoel Freire oCom-
mifsario geral Gomes Freire de Andrade; porque o Te-
nente General D. Martinho da Ribeira , e D, António
Maldonado , Commiísario geral , como fe desfez a íe-
gunda linha , que tinha õ a feu cargo, ficarão com os
outros Officiaes pára aífiítirem , aonde fofsem mais ne-
ceísarias as íuas pefsoas. D. João da Silva ficou fem Cô-
miísario 5 porque juítamente fiava muito da fua difpo-
íiçaõ. A D. Manoel Luiz de Ataíde a/fiíHaõ Gonfalo da
Coita de Menezes, e João do Crato da Fonfeca; D. Luiz
da Coita ficou livre para acompanhar o General daCa-
vallaria J e D. António Maldonado , e António de Si-
queira Peítana tiverao ordem para acodirem aos peri-
gos maisimminentes.O tempo, que Diniz de Mello ga-
itou em formar a Cavallaria , teve o Conde de Schom-
berg de dar conta ao Conde de.Villa-Flor da refoluçaó,
que° fe havia tomado no Coníelho em que prefidira ,
e o Conde com valorofa conítancia approvou tudo , o
que eítava determinado,dizendo que aquelle fora fem-
pre o feu intento j eque de pefsoas de conhecida vir-
tude , a quem dava grande credito , tinha felices vati-
cínios , que lhe feguravaõ o bom íuccefso daquelle dia,
e prompta mente deu ordem , que pegafsem nas armas
todos os Terços, eque marchando de coitado, incli-
nafsem , quanto lhes foíse poifivel , para a eminência do
lado efquerdo dominante á Campanha , em que a Ca-
vallaria determinava pelejar.
Era chegado o tempo prefcripto pela Divina Sabe-
doria ,
PARTE 11. L1VK0 Vil. 141
dória , para fe começarem a dicifrar os oráculos de tau- Anno
tos feculos decantados no mundo •, e íuppoíio , que cia- ,/
r^mente entendidos , duvidados, por fe naõ pairar da Io°j«
eíperança ápofse: porém naõ fe perturbando a viva
fé da verificada promefsa , que conleguio no Campo de
Ourique EIRey D. Affoníb Henriques , dada pelo Se-
nhor dos exércitos , e de todo o Univerfo. Por ordem
do General da Cavallaria começarão a atacar a batalha
os Capitães de cavallos D. António de Almeida , e Fi-
Hppe de Azevedo , que eíravaó de guarda , desfazendo
as Companhias em batedores : e D. Joaõ de Alencaítre ,
eme fuílentou galhardamente a efearamuça , e procedeo
na batalha com o valor , que pedia o feu fangue , e ef-
ta efperança defempenhou igualmente D. António de
Almeida , que por ordem, particular atacou com duzen-
tos cavallos huma valoroía efearamuça. Deu-lhes calor
Manoel Freire , avançando com mais prefsa , do que
convinha*, porque ainda naquelle tempo naõeílavaó
acabadas de formar as duas linhas na forma , que íe
havia difpoílo v porque para as reduzir de quatro a
três, era necefsario mais eípaço. Porém acodio a promp-
ta diligencia de D. Joaõ da Silva com lumma brevida-
de aefta deíbrdem , e formou a fegunda linha, antes
de Manoel Freire vir carregado dos inimigos , e Diniz
de Mello correo á vanguarda a introduzir na peleja a
-Manoel Freire , e elle lem mais attençoens , que as do
feu valor , atacou taõ vivamente a primeira linha da
vanguarda dos Caítelhanos , que desbaratada a levou a
buícar ofoccorro da fegunda linha , e adi antou-fe tan-
to neíte impulfo , que hum corpo de Infanteria , que
eítava vizinho , maltratou de forte aquelles batalhoens,
que obrigados deite .damno , do Ímpeto da fegunda li-
nha , que osinveíKo, e da falta de Manoel Freire,
que os governava , ( porque o retirarão iem fentido ,
moribundo de huma bala , que lhe deu pela teíla ) vol-
tarão conforme a ordem a formar-íe nos claros da fegú-
da linha ; diligencia, que Diniz de Mello executou com
louvável acerto. Nefte tempo obfervando os Meftres
cie Campo, eOíliciaes de Infanteria das eminências,
onde
Ht PORWGAL RESTAURADO,
Anno oivdQ eítavaõ formados, a rápida refoluçaõ da Cavai-'
s / laria , levados de emulação generoía, lèm mais ordem
1603. que a je niyfcerioía providencia, fe moverão a íiunx
tempo a inveftir aquelles meímos montes, que os ini-
migos poucas horas antes tinhaõ avaliado por iníupera-
veis. AchavaÓ-íe na ultima eminência do lado efquer-
do o Conde de Villa-Flor , o Conde da Torre , Aííbn-
fo Furtado r e o General da Artilharia ; porém eíles ,
antes que a Cavãllaria começaíse a atacar , vendo que
a terceira linha havia feito alto , pela difficuldade de
Shuma fanja , que achou diante , correo a avançai Ia no
íitio , em que devia formav-íe , para fuítentar as duas,
que pelejavaõ ,• e vendo a refoluçaõ da Infanteria, buf-
cou os Terços do lado elquerdo da vanguarda , para os
governar na batalha. O mefmo fez AíFoníb Furtado, e
ambos chegarão a igual tempo. O Conde da Torre com
grande diligencia foi buícar os efquadroens do lado di-
reito j e o Conde de Villa-Flor pafsou a fegunda linha
a diípor , que marchafse na diílancia conveniente , e a
deter a referva , para que lera confuíao acodifse aos
maiores perigos , dizendo aos Soldados com ardente»
e valorolb impulfo as razoens feguintes^ He chegado
o tempo , valoro los Portuguezes , ( de tantos feculos.
preícripto (de vermos confeguidas as felicidades de Por-
tugal, ejá naõ temos que contar mais efpaços , que
a diílancia de baixar áquelle valle , e fubir ao alto da-
quelles montes guarnecidos de hum exercito em parai*
leio igual , temeroíb , e confiado J temerofo pela def-
ordem , em que fe-conlideraj confiado pelo fitio quê oc-
cupa ; e naõ achou atégora na guerra fortificação na,
tural , ou artificiofa taõ perfeita , que fe naõ rendefse a
hum valor invencível, comoovofso; principalmente
achando-a deíanimada entre os perigos da guarnição
confufa ; opportunidade que logramos na occafiaõ pre-
fente : porque o exercito inimigo fe acha neíle inítan-
te dividido em três corpos \ hum que marcha por huma
eítrada comprida entre doiis montes \ outro queoccti-
pa a entrada da ferra, que divifamos , para fegu rança
de taõ arrifcada marcha..; outro que guarnece a altura
daque*
■
~¥ARTE II. LIVRO Vi II. 145
daquellas duas eminências , que determinamos vencer; AnnO
€ hum exercito tao despedaçado confeisa o rendimento ^ ,
antes de combatido. He fem duvida, que a qualquer lô0í«
das três partes íeparadas nos adiamos íuperiores ,• e ef-
ta , que íe nos oferece por primeiro objecto, íerá in-
falivelmente , fe a contraítarmos , a que nos legue a
vitoria >* porque rota a Infa nteria , a Cavallaria delimi-
ta , e o nofso exercito encorporado ., tendo propicia a
mifericordia Divina na juíHça da caufa , que defende-
mos , como fera poflivel cedermos o triunfo ? Principal-
mente , quando no Degebe , álèm de tantas, e taõ plau-
íiveis memorias antigas , e modernas , vimos a pouca
refoluçaõ , e menos fciencia militar de nolsos contrá-
rios. Acabemos , acabemos agora de apurar-lhes os deí-
enganos , para que feja coníequencia do vofso valor a
liberdade de Évora oprimida , e o defafogo deita Pro-
vinda moleítada do tyranno domínio dos Caítelhanos,
que por efpaço defefsenta annos taõ infelicemente pa-
decemos. Peço-vos , valorofos Soldados, como compa-
nheiro vofso , e mando-vos como vofso General , que
por vos livrardes de trabalhofas confequencias futuras,
11 féis neíta empreza do ultimo efpirito de voísos alen-
tados coraçoens , para que com a gloria incomparável
deite dia guarneçais no tempo da Fama o lugar deítina-
dopara eíta taõ refplandecente memoria.
Nos últimos aísentos deitas palavras começarão a
fubi r os quatro Terços , com que Aííbnfo Furtado, e Forma em am
o General da Artilharia marcha vao á mais altacollina } r^àeH a *>*'<*:
que dominava a Campanha , na qual aíliítia D. Joaõ de
Auítria. Eraõ osMeílres de Campo, que osgoverna-
vaõ , Triítaõ da Cunha , Francifco da Silva de Moura,
Joaõ Furtado de Mendoça, e o Tenente Coronel Inglez
Thomás Hut. O calor com que osOfficiaes, e Solda-
dos marchavaõ a peleijar , naõ quizeraô os dous Cabos
reprimir ,• e dividindo, e compondo os Terços na mar-
cha , íubio Triítaõ da Canha ao monte pelo lado di-
reito , Joaõ Furtado , e Franciíco da Silva pela frente,
os Inglezes pelo lado eíçjuerdo ,• e como eíta parte era
a mais vizinha á Campanha , em que a Cavallaria pelei-
java,
lha.
■£9
144 PORTUGAL RESTAURADO , -
AntlO Java, inveítiraô aos Inglezes quatrocentos cavallos cont
: , , grande reíoluçaÒ,- porém elles cerrando as bocas de fo-
Ióoj. g0 em o centro do troço da picaria, foraõ as cargas
taõ repetidas , ea reíiftencia taõ impenetrável , que ti-
verao lugar os três Terços referidos , govarnados pelos
dousCabos, de vencer a aípereza do monte taõ inac-
ceílivel , que o comparou D. joaõ de Auíhia , quando
chegou a occupallo, aoCaílello de Millaõy e na carta
que eicreveo a EIRey feti Pay , em que lhe deu conta
do iucceísa da batalha , dizia , que a natureza naõ for-
mara melhor , nem mais íegura Praça de Armas , e que
tivera eícrupulo, quando fe achara naquelle íitio , do
demaíiado reíguardo , de que ufara , e que os Portugue-
zes com incrível reibluçaõ lubiraõ a elle (faõ palavras
formaes ) como gateando. Antes de chegarem os Terços
ao alto do monte , matou numa bala o cavallo de Ãf-
fonío Furtado. Acodio o General da Artilharia a re-
mediar eíle embaraço , periuadindo-o , a que montafse
nas ancas do em que marchava. Ao tempo em que cha-
gava a exacutallo , lhe deu outro hum Capellaò de nu-
ma das Companhias de cavallos da Beira. Levavaõ os
Terças ordem para naõ difpara^em as bocas de fogo,
fenaó depois de coroarem o alto da montanha , e eiri
todos os Soldados tinha introduzido o General da Al ri-
lharia íegura cõílança de naò haverem de padecer dant-
no algum o tempo , que durafse a afpereza da fubidaj
porque as armas de fogo inimigas , fendo atacadas
com a prefsa , que pedia o fobrefalto , e o perigo, nao»
era poilivel levarem buxas , e havendo de difparar as
armas á difpoíiçaõ da altura do monte , primeirò as ba-
las haviaô de cahir , que a força da pólvora as impei-»
lifse j e porque era precifo averiguar-fe para a difpofi-
çaó , em que marchafsem os Terços, íe dava calor á In-
fanteria^ que guarnecia o monte algum corpo de^Gaval-
laria , fe offereceo Manoel de Sequeira Perdigão , Sar-
gento Maior do Terço de Francifco dá Silva , a efte
perigoío exame, efubindo ao alto do" monte por en-
tre nuvens de valas , defcobrindo todo o fitio , que fe
naõ deixava divifar dos que marchavaõ ? animou aos
Terços
1 66 j.
PARTE 11. LIVRO VIU. i4j
Terços a que fubifsem , porque naó havia oppoflç.tá de Anno
Cavallaria , que os embaraçafse.
De todas as referidas diipoíiçoens refultou maravi-
lhoío eífeito ,• porque chegando a hum mefmo tempo
os três Terços ao cume da Serra , e dando as bocas de
fogo igual , e furiofa carga , foi de forte o terror dos
Caítelhanos de experimentarem vencida a diíHculdade*
quejulgavaõ infuperavel , que confundindo-lhe o te-
mor o refpeito , que devia õ ter á pefsoa de D. Joaõ de
Auítria , defampararaô huma tapada , que lhe fervia de
trincheira, e quatro peças de artilharia ,• as"quaes no
mefmo inítante mandou DXuiz de Menezes jogar con-
tra elles ,• e antes de experimentarem a fúria dos botes
da picaria , voltarão taò cegamente as coitas , que naó
valeo a D. João de Auítria defmontar-íe valorofamente
do cavallo , dizendo , que aquelle era o tempo de íe
lembrarem das obrigaçoens , com que nafceraõ , do va^
lor, com que em todos osfeculos pelejarão, e de que
íe expunhaõ a maior rifco , dando as coitas aos inimi-
gos , que voltando as caras ,• e que o corpo fuperior da
Cavallaria, que eítava vizinha, baítava a defendellos de
maior perigo. Detiveraó-fe os Gaítelhanos com eíta
perfuafaô , fizeraõ alto em outra eminência menos af-
pêra , e pouco diítante : porém chegando a eíla os dous
Cabos com os três Terços , fugirão os Caítelhanos com
tão defcompoíto receyo , que D. João de Auítria ceden-
do á fortuna , montou a cavallo , e fe retirou para Ar-
ronches.
Ao mefmo tempo , efuperando iguaes diffículda-
des r fubio ò Conde da Torre a outra eminência , que
os Caítelhanos guarnecião , com os Terços dos Meítres
de Campo Lourenço deSoufa de Menezes, Sebaítiao
Corrêa Lo rvelJa , D. Diogo de Faro , Miguel Barbofa
da Franca , Simão de Vafconcellos , e o Meítre de Cam-
po Roque da Coita Barreto mal convalecido da queda,
que lhe impedio o braço direito , por cuja caufa ( coma
referimos) não havia aííiítido com ofeu Terço em Evo*
ra , eD. Pedro Mafcarenhas. Dava calor á Infanteria o
Commifsario geral Mathias da Cunha com es cinco
K bata^
V& TORTUGAL RESTAURADO,
AntlO baí: loens. Os Caítelhanos haviaõ eíte ndido parte dá
, , liiiciíiteria pela emiaencia , e tiveraó na defenía delia
I Oój, majs aiglima coaílaucia : porém obrigados do impulíb
dos Terços , e do impero da Cavallaria , que^idatliias
da Cunha manejou com muito valor , «e acerto , aíliíti-
do dosCapitaens de cavallos Ayres de Saldanha , Ayres
deSoufa , D. Manoel Lobo , e Paulo Homem , volta-
rão as coitas , defamparáraõ outras quatro peças de ar-
tilharia , que, depois de irem.em marcha , retrocederão
para o lugar , onde eà-avaó no primeiro movimento do
exercito. Foi o eítrago , que os Caítelhanos receberão
deita parte , igual ao que haviaõ padecido os Terços do
lado efquerdo , ecom elles fe encorporou o.Condeda
Torre j havendo procedido com tanto ardor , e reíblu-
çaõ , que, pafsando o £eu empenho de Cabo a Soldado
particular , lhe ferirão a cavallo pelejando; imitado
acerto de todos os que o acompanhavaõ. Affoníb Fur-
tado , e o General da Artilharia, depois de haverem def^
baratado os Caítelhanos na fegunda eminencia,fe adian-
tarão á terceira, em que já naõ acharão oppoíiçaô algu-»
ma ; e vendo que a noite cerrava , e as carruagens dos
Caítelhanos eftavaõ muito vizinhas , que podia perigar
a defordem na ambição dos Soldados , e que a Cavalla-
ria fem reconhecer ventagem , ficara pelejando na fua
rectaguarda, intentarão fazer alto para formar os Ter-
ços : porém o calor da vidtoria nao dava lugar á preci-
ia obediência > o que obfervado pelo General da Arti-
lharia , ufou de huma novidade , que acreditou o fuc-
cefso. Obrigou a alguns Officiaes da Terço de Francif-
co da Silva , (de que havia fido Meítre de Campo )
que erao os que marchavaó mais avançados , a que fe
íentafsem : pararão os que os feguiraõ, vendo eíta defu-»
fada operação , e a eíte exemplo foraó fazendo alto to-
dos os Terços } e como com o focego eítiveraó capazes
para o difcurfo , obedecerão formando-fe ao preceito
dos dous Cabos j e chegando a eíte fitio o Conde da
Torre com a gente , que conduzira , fe formarão no-
ve Terços , e fe coroou o monte com militar difpoíi-
çao. Ciiegou a eíte tempo o Conde de Schomberg , que
vendo
PARTE II. LIVRO VIII. u?
vendo abalar a Infanteria . quando começava a pelejar Anno
:om a Cavallaria , acodio a compor o arrebatado ira- ,,
pulib , com que marchava $ e reconhecendo as valoro- Iô0>'
ias acçoens , que fe haviaõ executado , agradeceo com
alegres demonrtraçoens apodos, os quefe achavacv pre-
íentes , tanto o valor , com que inveíriraó , como a dif-
ciplina , com que fe formarão , e voltou para o lugar i
enrque^ainda pelejava a Cavallaria ; porque, havendo
(como diísemos } Diniz de Mello paísado á fegunda li-
nha , emqueeílava D. João da Silva, e dado ordem
que na fua redaguarda fe formafsem os batalhoens,com
que Manoel Freire havia avançado , que vinhaõ carre-
gados da íegunda linha dos Caítelhanos , acodio a lhes
deter a fúria aíTiílido de D. Joaõ da Silva com tanto
valor, e prudente ordem , que fem perder terreno,hou-
ve batalhoens , que duas, e três vezes foraõ inveíli-
dos , fem poderem fer rotos , miniílrando eficazmente
os acertos a prefença de Pedro Jaques de Magalhaens ,
que igualmente mandava, e pelejava. Entre a nofsa Ca-
vallaria, e a inimiga fe interpunha hum pequeno fof-
ío , que, fuppoílo nao impedia o pafsar-fe, a dificul-
dade embaraçava o ultimo rompimento ,• e fazendo D.
Joaó da Silva eíta obfervaçaõ ; mandou advertir a D*
Manoel de Ataide que adiantafse os batalhoens da re-
ferva : e pertendendo D. Manoel dar á execução eíte
avizo , deteve Joaõ do Crato o feu acertado irn pui fo ,
perfuadindo a que era aprefsado ,• engano, que poz em
contingência o fuccefso daqúelle dia.Aeítetempo con-
tinuava a marcha da íegunda linha da Infanteria , que
conftava , começando a contar pelo lado eíquerdo, que
neíle dia deu a forma da batalha , do Regimento de Tu-
glezes do Coronel D.Diogo Apsley j feguiaõ-fe os Ter-
ços de Joaó da Coita de Brito, Manoel Ferreira Rebello,
Alexandre de Moura , Jaques Tolon, Martim Corrêa de
Sá, e Pedro Cefar de Menezes,* e á fua imitação marcha-
vas os Terços da referva dos Meftres de Campo Paulo
de Andrade, Lourenço Garcez, eLuiz da Silva. Subirão
aos montes, onde fe ganhou a batalha , e Jaques Tolon
arrimando-fe á parte , onde a Cavallaria pelejava , lhe
deu grande, calor* K *- In>
■48 PORTUGAL RESTAURADO ,
ÀmiO Impaciente da dilação dos batalhoens de referva
,1 D. Manoel Luiz de Ataíde , vio que marchava o Sar-
Ióó j. gento mór di Batalha Db go Gomes de Figueiredo por
ordem do Conde de Villa-Flor como Terço de Bernar-
do de Miranda Henriques a ajudar a Cavallaria a derro-
tar o ultimo corpo , que os Caítelhenos na entrada da
Serra ainda coníervavão depois de duas horas de furio-
ia , e conítante peleja ; e achando dos batalhoens , que
governava , cinco que o feguirão , occupou com elles
o lado efquerdo do Terço , que ficava deícoberto para
a Campanha , e chegando ao confíl&o , lhe aggregarão
Diniz de Mello , Pedro Jaques , e Dom João da Silva
promptamente outros batalhoens , que eítavão forma-
dos ,* e feguindo eíle exemplo os que ficarão com João
do Crato , inveítio eíte corpo tão furiofamente a Caval-
laria inimiga, que dando o Terço huma acertada carga,
desbaratada a perfiílencia dos Caítelhanos , voltarão^as
çoílas , eem corífufo , e defordenado tropel pafsarão
pelos nove Terços , que occupavão a ultima collina do
Campo da batalha , afiiítidos do Conde da Torre, e Af-
fonfo Furtado, e o General da Artilharia , receberão de-
ite grande corpo huma furiofa carga, que totalmente
acabou de desbaratallos , e ajudados da noite bufcarão
divididos o remédio do perigo , a que fe achavão ex-
pqíto. Siguio-lhe a Cavallaria o alcance , porém com
menos calor , do que convinha > abrandando-fe a fúria
dos Soldados com a ambição dos defpojos das carruages,
que encontrarão ,• enão foi poífivel a D. João da Sil-
va juntar hum corpo , com que pertendeo correr até
ás portas de Arronches, infallivel receptáculo dos fu-
gitivos , acertada refolução , de que fe pudera feguir
confideravel effeito. A noite fuípendeo em todos o^ lu-
gares da batalha a fúria do confli&o, e a Infanteria con-
fervou os poítos , em que de dia ficou formada. Não
divertio o jufto contentamento de tão fmalada viclc-
ria a laftima do horrendo efpeílaculo reprefentado na-
quclla Campanha,* porque ferião o ar infehces gemidos
dos feridos , e moribundos ,• que anciofa , e Catholica-
mente; fe queixavão , e a luz do dia de nove de Junho,
ainda
parte a um® vm. U9
ainda que desbaratou o horror da noite., nao apartou ^^0
dos ânimos prudentes a reflexão da inconítancia da for- % '
tuna, vendo-fe. totalmente desbaratado hum exercito , looj.
que poucas horas antes fe confiderava incontraílavel ,
tanto pela capacidade dos Cabos , e Officiaes , como pe-
lo valor dos Soldados , efortaleza do íitio. O Conde
de Villa-Flor fodo o tempo v que durou a batalha , ha-
via acertadamente diítribu ido as ordens mais precitas,
e acodido aos accidentes mais. perigoíbs. Tanto que
amanheceo,bufcou o Conde da Torre,Affoníb Furtado,
e o General da Artilharia , e com dilatados elogios lhes
fatisfez , e aos Officiaes , e Soldados o trabalho , e a
refoluçaó antecedente. Fez a meíma diligencia com Di-
niz de Mello , e D. Joaõ da Silva , dignamente mere-
cedores dos mayores encómios , pela valor, e íciencia
militar , com que havia o pelejado i e chegando o Con-
de de Schomberg , lhe expoz o de Villa-Flor, o. íeu af-
fedo , dizendo , que nasacçoens daquella batalha ha-
via eternizado os trinta annos daglorioía guerra, em
que aííilHra ; pois defde o primeiro inílante do comba-
te da Cavallaria fe dividira em todos os lugares da ba-
talha em tantas partes , que parecia , que, ao mefmo
tempo pelejara em todas juntas , aíliíHdo dos Sargen-
tos Mores de Batalha Diogo Gomes de Figueiredo , e
João da Silva de Soufa , que pondò-fe diante dos ter-
ços da primeira linha , executou valoroías acçoens.
Foi o Conde de Villa-Flor diílribuindo o feu agrade-
cimento por todos os Officiaes da Cavallaria , e Infan-
te ria , e pelsoas particulares > que foraõ Luiz Pafsanha
de Caftro , a quem matarão o cavallo , e montado em
outro , continuou a peleja ; Jorge Furtado de Mendo-
ça, Luiz de Saldanha da Gama, Jeronymo de Mendoça,
Manoel de Soufa de Cait.ro-* que havia chegado dohV
tio de Évora , e todos os mais , de que nao pôde feí
mappa eítreito papel.
A perda dos Caítelhanos nefta batalha foi taó con-
fideravel , como fe deixa ver na pouca refiítencia, que Perja jotC(tt
fizeraôaos furiofos golpes das efpadas Portuguezas: ri- fitlhanos,
caraõ na Campanha mais de quatro mil mortos de to-
;- -- -- K 3 ^1-— das
■íl
1
1,1.1
rjo PORK/GAL RESTAURADO,
AnfJO ^as Náçoens , e os prifioneiros paísaraó* de féis mil,
>/ em que entrava ó doas mil e quinhentos feridos. Fo-
100/ * rao os OfEciães de maior fuppoílçaó , cinco Mefcres de
Campo Caílelhanos , dous Coronéis Alemães, quatro
Cominiísarios geraes da Cavallaria , hum Tenente de
Meítre de Campo General , onze Capitães dé cavallosj
fetenta e cinco de Infante ria, vinte e dòus reformados,
trinta Alferes , grande numero de Officiaes menores , e
depeísoas de qualidade , entrando nellas o Marquez
da-Liche, herdeiro dé dous validos, e cinco vezes Gran-
de deHelpanha,o Meftre de Campo D. António de Guí-
maò , filho do Duque de Medina de las Torres , o Con-
de de Efcalante , D. João Henriques > e das tropas ex-
trangeiras o Conde Fiefco , o Conde de-But , o Conde
de Locefquein , e outras' muitas peísoas de qualidade
dignas de grande eítimaçaõ. Tomara Ó-íe oito peças de
artilharia , que eraò todas as què trazia1 o exercito *
hum morteiro , grande quantidade de armas, mil e qua-
trocentos ca vallos , que fe tripolaraõ pelas Compa-
nhias, fora outros muitos, de que fe naó fez lifta,
pelos tomarem os paizainos , e os divertirem os Solda-
dos : mais de dous mil carros carregados de fato pre-
riofo, em que entrava quantidade de prata , ouro , é
joyas, dezoito carroças , três delias da pefsoa de D.Joaõ
de Auítria 3 a fua Secretaria com todos os papéis , que
continhaõ os fegredos mais| importantes , os livros de
contas das Vedo rias do exercito, e artilharia, doze ban-
deiras de Infanteria , quantidade de eítandartes da Ca-»
vallaria , e o mais importante para â gloria militar, que
foi o de D. João de Auílria com às Armas Reaes de Ca-
ítella, por huma parte cuítofamente ornadas, e da outra
huma empreza , que moítrava o Sol em campo celeíle,
dando refplandor áLua entre Eílrellas , com huma le-
tra , que dizia : Si no es Sol , fera Detdad.
O defconto de toda a referida felicidade foraõ
as pefsoas , que faltarão na batalha , dignas de grande
eítimaçaõ j entre ellascau fará õ maior ientimento Ma-.
noel Freire de Andrade, General da Ca vallaria da Bei-
ra, pelo feu grande valor , zelo, e a&ividade; Diogo
Soares
VARTE U. LimO VIII. ijri
Soares de Almeida,Meftre de Campo do Terço de Au- Annô
xiliares do Crato , Fernão Martins de Seixas, Tenen- ,
te do Meítre de Campo General , Chriítovaõ de Brito, I003»
Capitão de Arcabuzeiros da guarda do Conde de Vil- >
la-Hor , e os Capitães de cavallos Luiz Vaz de Sequei-
ra , EítevaÕ Soares , João de. Torres de Sequeira, os Ca-
pitaens de Infanteria Paulo Nogueira , João da Silva
Barbofa , Pedro Alvares , João de Moura, Manoel Gon-
falves de Carvalho , Domingos de Almeida , Jeronymo
Moreira. Morrerão mil Soldados Portuguezes , e entre
OíHciaes , e Soldados ficarão feridos quinhentos. Forão
os mais conhecidos o Meítre de Campo Simão de Vaf-
concellos e Soufa com huma perigofa bala pelos peitos,
e Gomes Freire de Andrade com liuma eítocada , o Ca-
pitão de Couraças da guarda Bartholomeo de Barros Ca-
minha com treze fendas , e levarão-o os Caítelhanos
prifioneiro no primeiro encontro da Cavallaria. Luiz
Lobo da Silva Capitão de Cavallos das tropas de Ex-
tremadura recebeo huma bala na mãoefquerda , e ou-
tra em huma perna: Bernardo de Faria Capitão de Cou-
raças ficou com quatro feridas , o Capitão de cavallos
Franciíco de Albuquerque e Caítro com deíanove , e
com poucas menos Filippe Ferreira. Receberão também
quantidade de feridas os Capitães de Infanteria Gonfa-
lo Alvares Corrêa , António da Silveira , Balthazar de
Barros, Diogo de Gongra , e outros Officiaes de po-
ítos inferiores. Das Companhias Francezas morrerão tre-
zentos Soldados, entre elles Labefce, Tenente da Com-
panhia do Conde de Schomberg : ficou ferido íeu filho
mais velho o Marquez de Schomberg , havendo proce-
dido , e fen irmão o Barão com muito grande valor ,
e acerto: ficarão também feridos os Capitaens de ca-
vallos João de Sanclà , © Luiz de Saneia j e das tropas
Inglezas morrerão cincoenta Soldados Infantes , e de
cavallo , em que entrou o Tenente Coronel D. Miguel
de Ogan , e ambas as Naçoens unidas , e competidoras
pelejarão volo roía mente. Os priíioneiros de Évora ven-
do melhorar o nofso partido , e achando-fe livres dos
batalhoens , que os guardavão , avançarão a colher as
K 4 armas»
íji PORTUGAL RESTAURADO,
Ànno armas , que lhes foi poílivel , dos mortos , e rendidos,
,s e, ajudarão a deítruiçaõ dos Caílelha nos , fatisfazendo-
IpOJ. £Q ^QS damnos , e afrontas , que haviaô padecido, e
tomando forma militar , íe encorporaraõ com o exerci-
to depois de amanhecer.
D. Joaõ de Auítria , perdida a batalha , fe retirou
para a Arronches, como refeiimos: na marcha fe lhe en-
corporaraõ dous batàlhoens , e quinhentos Infantes , e
fe lhe unirão D. Diogo Cavalhero, e os Tenentes Ge-
lieraes da Ca vallaria.Qiiando chegarão a Arronches,que
foi pelo meyo dia, acharão o Duque de S. German ,
que na noite antecedente havia entrado naquella Pra-
ça com aprefsada marcha , que D. Joaõ de Auftria repre-
hendeo com colérica feveridade. De todos osSoldados*
que fugirão , íe formou hum corpo de dous mil cavai-
los , ecomellesfe retirou D. Joaõ de Auílriaj para Ba-
dajoz, deixando em Arronches os quinhentos Infantes:
c foraõ de qualidade as demonílraçoens publicas , com
que encareceo ofentimento da fua deígraça , que de-
pois de vários caftigos em Oíiiciaes de acreditada opi-
nião , condemnou a Naçaõ Caítelhana a perder o privi-
■ legio de levar íempre as vanguardas dos exércitos , e
as deu ásNaçoens Extrangeiras ; exemplo até áquelle
tempo nunca acontecido $ e de todas eftascircumítan- "
cias dava conta a ÉlRey feu Pay na carta , que referi-
mos lhe efcreveo depois da batalha , exagerando de
, forte o máo procedimento dos Caílelhanos , que por
naó deixar eterno o labéo dehuma Naçaõ taõvaloro-
fa , nos deixamos perfuadir dos documentos da mode-
ítia, para naõ expor neíta Hiítoria ao mundo ©tras-
lado da carta , fendo taõ digna de fé , como efcrita por
hum Principe obrigado a exaltar a própria Naçaõ? com-
poílo de herqycas virtudes , fuperior a todos s'os Capi-
tães daquella Monarquia , e igual aos melhores da Eu-
ropa.
O Conde de Villa-Hor logo que reconheceo co-
nhecida a viéloria , mandou Jerouymo de Mendoça le-
var a EIRey aquella alegre nova, Chegou a Liboa aj
que era Saobado , nove de junho, dia de-
dica do
dia feguinte
tARTE 11 LWKO VIU. 155
-dicadoáNofsa Senhora , que com o titulo daConçei- Anno
'caõ lie Padroeira do Reino \ e invocação dada ao ex- ,,
ercito na batalha felice j devoção , que havia inítituido Ió°3*
André de Albuquerque.Eraó onze horas da noite, quan-
do Jeronymo de Mendcça entrou no Paço , e divul-
gada a nova , as luzes , e o alvoroço anticiparaõ o dia.
Baixou EIRey , e o Infante á Capella a dar graças ao
Santiffimo Sacramento expoíto ; devida demonítraçaõ a
tanta felicidade rque proítrou de forte o poder de Ca-
ítella , que desbaratou a induítria , com que fazia en-
tender ás Naçoens de Europa, que a duração da Mo-
narquia Portugueza eítava vacilante. O Conde de Caf-
tello-Melhor , que tinha concorrido com todos os in-
ítrurnentos proporcionados para a defenfa do Reino
com louvável zelo , é trabalho ; perfuadio a ElRey,a q
mandafse fazer fufíragios , e dizer quantidade de Mií-
fas pelos Ohiciaes , e Soldados , que morrerão na bata-
lha ; piedofa attençaõ , e universalmente approvada.
Livre a Provincia de Alentejo da opprefsaô , que
havia padecido com o exercito de Caítella , paisou o
Conde de Villa-Flor a Eítremoz a compor os Terços ,
Companhias de cavallos , e Trem da artilharia , para
colher na recuperação de Évora o mais fazo nado fru-
to da vicforia. Cinco dias gaitámos neílas difpoíiçoens,
e aquatorze de Junho marchámos para Évora , e ficou
governando a Praça de Eítremoz Affonfo Furtado de
Mendoça, ede guarnição os Terços dos Meítres de
Campo Joaõ Furtado , João da Coita de Brito , Luiz da
Silva , António de Almeida , Lourenço Garcez , e Jp-
leph de Moraes j e a governar Campo-Mayor paisou o
Conde da Torre com o Terço de Pedro Ceíar de Me-
nezes , e os mais que haviao íicado naquella Praça. Par-
tio para Portalegre Alexandre de Moura com o feu Ter-
ço i para Villa-Viçofa Manoel Lobato com o Terço
de D. Pedro Opeihnga; António Jaques de Payva para
Monçaraz com trezentos Infantes , e os dousíe tinhaó.
achado na batalha , e procedido nella com grande va-
lor.
A falta, queosTerçor referidos fizeraõ no exer-
cito
ij4 P0R1UGAL RESTAURADO,
iAnnOclto ( clue folpreciíà pelo perigo da diverfaõ dos Ca-
/' ítelha nos ) ficou largamente íu pp.rida com a chegada do
1 "° i* corpo de exercito, que em Áldea-Gallega juntou o Mar-
quez de Marialva , que adezaíete de junho fe encor-
porou noDegebe com o Conde de Villa-Flor, Coníta^
va de fete Terços governados pelo Coronel o Conde
de Villar-Mayor , e os Meítres de Campo Febos Moniz
de Sampayo , Jofeph Gomes da Silva , Franciíco de
Barros de Almeida , e pelos Sargentos Maiores Salva-
dor Freire , Martim Nabo, ejeronymo de Alcaceva,
Compunhaõ-fe os Terços de três mil e quinhentos Infã-
tes, e marcharão comelles trezentos cavallos , e qua-
tro peças de artilharia. Servia.de Meítre de Campo Ge-
neral Gil Vaz Lobo, governava o Trem Henrique Hen-
riques de Miranda , e era Tenente de Meítre de Campo
General Joíeph de Soufa Cid. As pefsoas principaes da
Corte , que pafsaraõ a aííiítir no íitio de Évora , foraõ
os Condes de Sarzedas , Santa Cruz, Vidigueira, e Mif-
quitella , D. Lourenço de Alencaílre, D .Franciíco Mas-
carenhas , Luiz de Saldanha de Albuquerque , D. Dio*
go Fernandes de Almeida , António Luiz Coutinho, D.
Joaô deCaílro , Luiz Gonlalves Coutinho , D. Noutel
de Caílro , Fernão de Miranda , António Corrêa Bárem,
Franciíco Pereira da Cunha , Secretário do Confelho de
Guerra. Foi o Marquez de Marialva recebido do Con-
de de Villa-Flor , e de todo o exercito com as demo n-
ítraçoens , e veneração , que merecia fua authoridade,e
o zelo , e focego de animo , com que fem lhe caufat
perturbação a infolencia do Povo commettida contra a
íua caía , paísou, a poucas horas de fuccedida, a Aldeã
Gallega a prevenir o foccorro de Évora. Paísou-íe mo-
ítra a todo o exercito , e achou-fe que confiava de tre-
ze mil Infantes , e dous mil e quinhentos cavallos; nu-
mero proporcionado á empreza , que fe intentava na
confíderaçao de naó teremos Caílelhanos exercito, com
que foccorrerem aquella Praça pela rota fatal , que an-
tecedente havia padecido.
A dezoito do mez referido , ao romper da manhãa,
fe adiantarão o Conde de Schomberg , e os Generaes da
Çavalla-
pakte ii. Lmm vm. ^
Cavallaria , e Artilharia a reconhecer oeítado das for- Anno
tificaçoens de Évora , que acharão muito mais adianta-
das,do que ie ■lúppunhaojporque no Forte de Santo An- 1 °6 3 •
tonio havia dous baluartes em defenfa , de que fahia ó „ ,
i i- i j ~, • ~ -> t Reconhecem
duas linhas de communicaçao ,que rematavao nas por- tvora csnorroí
tas de Aviz , e da lagoa com fóísos altos , e principio Generais,
de eítrada coberta. Ao lado direito deita obra fe levan-
tava na Igreja de S. Bartholomeu hum baluarte ainda
impecfetttri delle corria huma cortina , que fechava
na linha da Forte de Santo António, e acabava na porta
de Aviz. A eíte baluarte fuccedia o dos Apoítolds , que
quafi eítava em perfeição ; jcgavaõ delle três peças de
artilharia ; íeguiafe-lhe hum reducto antigo íem obra
nova , mas em boa defenfa; e em igual diítancia cor-
ria outro da mefma qualidade , que fechava em hum
baluarte , que cobria o Câítello antigo' Na Ermida da
invocação deS. Braz haviaõos Caítellhanos accreícen-
tado á noísa planta huma obra cornua j que eítava em
boa defenfa. A' maó direita corria o baluarte do Prínci-
pe, de que jogava o três peças de artilharia. No Con-
vento dos Remédios levantarão outra obra cornua j del-
ia fahia huma linha , que rematava nas portas de Al-
conchel > onde tinha principio o baluarte dos Penedos,
de que ió as duas frentes eítavaò acabadas $ e como
naó ficava unido á muralha , eftava coberta a gola com
huma cortadura de pedra , e cal guarnecida de fortes
eítacadas : e deite íitio até á porta da Lagoa , em que
havia de diítancia quinhentos pés , fe naô tinha levan-
tado fortificação nova , por {qt aparte , que fe coníi-
derava menos perigofa ,' e a ruina do Convento do
Carmo cobria a linha de communicaçaò , que fahia do
Forte de Santo António , e rematava na porta da La-
goa. Parte das muralhas antigas com a barbacãa ter-
raplenada férviaõ de cortinas aos baluartes ?. porque al-
guns e ítavaôim perfeitos, e naô foíFriao as baterias da
artilharia, que.jogava do alto das ruas, queolJiavaô
para a Campanha da parte , em que cahiaõ.
Reconhecida a Cidade pelos Generaes , íem poder
difficultallo as incefsantes cargas de artilharia , e mof-
quetaria
y6 PORTUGAL RESTAURADO,
•AnnO quiteria, queos defeníores diípararaô , dividiooCon-
K, de de Schomberg o exercito em duas partes, e mandou
I065. cjar principio a dous quartéis. Fabricou-fe o primeiro
... r r na Campanha , que ficava fronteira ao Collegio dos
%TJFórm°a do Patós da Companhia , e entregou-fe o governo delle
'quarta,, e afro- ao Meítre de Campo General Pedro Jaques de Maga-
xts, Jhães , aíTiítido dos Terços do Conde de Villar-Mayor,
Triftaô da Cunha , Manoel Ferreira Rebello, Bernardo
de Miranda , e o de Francifco da Silva de Moura , go-
vernado pelo Sargento Mayor Manoel de Siqueira Per-
digaó,o da Armada pelo Sargento -Mayor Simaõ de Mi-*
randa, o de Santarém pelo Sargento Mayor Jeronyma
de Alcaceva , e dous Regimentos de Inglezes., O corpo
de Cavallaria deite quartel mandava o Tenente General
X), joaõ da Silva aííiítido dos Cómifsarios geraes joaõ da
Crato da Foníeca , Gonfalo da Coita de Menezes, e
D. António Maldonado. Ficou também naquelle quar-
tel o Coronel Jovete com o feu Regimento , o dos In-
gleses , e o do Conde de Schomberg governado pelo
feu Tenente Coronel Rexerdier. As baterias da artilha-
ria mandava o Tenente General Dafontana, e fendo fe-
rido no fegnndo dia de fitio , lhe fuccedeo Vicente da
Silva. O quartel da Corte fe alojou em Val-Bom, quin-
ta dos Padres da Companhia: affiítiaó nelle o Conde
de Villa-Flor , e o Marquez de Marialva com os Oífí-
ciaes de ordens , e peísoas principaes do exercito , que
naó tinhao póítos ; guarneciaó-nos os Meítres de Cam-
po Lourenço de Soufa , Sebaítiaõ Corrêa , Fernão Maf-
carenhas , D. Diogo de Faro , Miguel Barbofa da Fran-
ca , Manoel de Soufa de Caílro , Roque da Coita Bar-
reto , e Martim Corrêa , ambos encorporados , Febos
Moniz de Samp.ayo , Jofeph Gomes da Silva , Manoel
de Lemos, Francifco de Barros , o Sargento Mayor Sal-,
vador Freire com. o Terço de Santarém, Alojava neíta.
parte o General da Cavallaria Diniz de Mello, affiftiaô-
Ihe os Tenentes Generaes D. Manoel Luiz de Ataide ,
D. Luiz da Coita , D. Martinho da Ribeira ,e os Com-^
mifsarios geraes Mathias da Cunha , e Gomes Freire de
Andrade. O General da Artilharia tomou por fua conta
o so-
PARTE 11 LIVRO VIII. 157
o governo de dous aproxes } hum , a que logo fe deu Anno
principio , que iahia do quartel da Corte , e le encarai- *, ■
nhava ao baluarte de S. Bartholomeu , deixando á maó lo0Í%
direita o Forte de Santo António 5 outro , que iahia
do Convento da Cartuxa , e caminhava á muralha oppo-
íh ao Forte de Santo António. Pedro Jaquesde Maga-
lhães deu também principio aoaproxedo ieu quartel,
que caminhava á barbacãa da muralha ? que cahe entre
a porta de Machede , e a da Mefquita.
Gaítou-ie o primeiro dia em algumas breves eíca-
ramuças, e começou a laborar a artilharia contra a Cida-
de dos dous aproxes do General , a quem aíriítiaõ os
Tenentes Generaes Marcos Ra poio Figueira , e Manoel
da Rocha Pereira , e os mais Capitaens , e Oificiaes da
íua repartição. No principio da primeira noite fe come-
çou a trabalhar nos aproxes , e determinou o Conde
de Schombergcom ordem do de Villa-Flor mandar ata-
car o Forte de Santo António ; oppoz-fe o General da
Artilharia a eíta reíoluçaõ, dizendo , que lhe parecia in-
tempeítiva , porque os Caílelhanos , como o Forte de
Santo António era obra exterior , e imperfeita , e naó
havh outra parte em toda a circumferencia da-Cidade ,
que lhesdéfse cuidado pela diftancia dos aproxes , to-
da a guarnição havia de aííiítir á defenfa do Forte , o
que naó fuccederia depois dos aproxes vizinhos ao cor-
po da Praça % e que neíla fuppoílçaô , ou o Forte fe
havia de ganhar á cuíta de muitas vidas , ou defender-
íe a preço da reputação •, e que qualquer dos dous fuc-
ceísos feria nocivo exemplo á aprehenfaó dos Soldados,
de que a prudência devia defviar-fe no principio de em-
preza taò importante. Perfuadio-fe o Conde de Schom-
berg das razoens deita opinião , e conferindo-as com o
Conde de ViUa-Flor , eo Marquez de Marialva, fení
cuja authoridade fe naó tomava refoluçao alguma, con-
cordarão fer eítadifpofiçaõ mais conveniente. P-rinci-
piados os aproxes em ambos os quartéis , caminhou o
do General da Artilharia ao baluarte de S. Bartholomeu,
e entrou de guarda o primeiro dia na cabeça da trin-
cheira o Meítre de Campo Sebaíliao Corrêa Lqryelajda-
va-lhe
•iy* PORTUGAL RESTAURADO,
Ánno va-Hie calor Lourenço de Souía , ficou de retém Jofeph
\( C\ Gomes da Silva. No aproxe do quartel de Pedro Ja-
>' quês entrou de guarda na cabeça da trincheira o Meítre,
de Campo Manoel Ferreira Rebello -9 dava-lhe calor o
Terço da Armada , e ficou de retém o Sargento Maior'
Jeronymo deAlcaceva ; eneíta forma feforaó fucce-
dendo os mais dias os Meítres de Campo pagos liuns
aos outros, affim como fe nomearão na divifáó dos
quartéis , ficando fempre de retém os Auxiliares»
Largo eípaço continuou o trabalho dos aproxes ,
fem os Caftelhanos íentirem o rumor das ferra m entas :
pOrèm tanto que a diítancia foi menor , começou a jo-
gar a artilharia , e mofquetaria com grande força ; po-
rém nao impedio ficar o alojamento de D. Luiz de Me-
nezes fortificado trezentos pafsos da muralha , o de Pe-
dro Jaques quatrocentos. Parou com a manhãa o traba-
lho , mas nao o perigo ; porque o aproxe do General
da Artilharia , que caminhava a S. Bartholomeu , ficou
enfiado coma Igreja íituada no meyo do baluarte, e
fuperior ao aproxe, que da guarnição delia recebia con-
siderável damno J e nao era menor o das baterias do
Forte de Santo António , que ofièndiaõ de través para
o lado direito. O aproxe de Pedro Jaques caminhava
mais coberto , e íó o deícortinava huma rneya Lua*
Sem outro movimento jogarão as baterias até o meyo
dia , hora , em queosíitiados fizeraõ huma fortida con-
tra o aproxe de O. Luiz de Menezes com trezentos ca-
vallos ,e oitocentos Infantes: inveítirao huma caía, que
guarnecia o trinta mofqueteiros \ defendefaõ-fe valoro-
famente;lahioa foccorrellos o Tenente General D.Luiz
da Coita , que eílava de guarda , com féis batalhoensj
acodio promptamente adar-lhe calor o General da Ca-
vacaria, e coma mefma diligencia, fuppoíto que eílava
mais diftante, o Tenente General D. Joaó da Silva com
o troço de Ca valia ria , que governava no quartel de Pe-
dro jaques ; e todos carregarão os Caílelhanos , ajuda-
dos dos Mêítres de Campo Lourenço de Soufa , eSe-
baftiaõ Corrêa Lorvela , que com grande refoluçaô fal-
tarão da trincheira na Campanha com os feus Terços ;
<* nao
V
VARTE II L1PR0 VIU. 159
enaó podendo os da íortida defende r-íe de tanto nu- 4nno
mero de valoroíos combatentes , fe retirarão deiorde- ".
nados com perda de dous Capitaens de cavallos , edé I^^j-
quantidade de Soldados mortos , e feridos , que ficarão
-na Campanha : dos noísos Soldados morrerão íeis , e
íicaraó dezoito feridos. Voltou a Cavallaria para os quar-
téis , continuarão os aproxes , e cerrada a noite , fe
-formarão em os dous quartéis duas baterias de artilha-
ria , que jogarão tiro de piítola da muralha.No dia íuc-
•ceífivo fizera õ os litiados outra íahida , chegarão até a
cabeça da trincheira do General da Artilharia, carregou-
os D. Martinho da Ribeira , que eílava de guarda , e
obrigou-os a fe retirarem com perda de alguns Soldado?.
Anoiteeeo , e havendo o Conde de Schomberg diítri-
buido as ordens precifas , fe difpoz o afsalto do For-
4:e de Santo António , por concordarem todos os Cabos
que era o tempo mais conveniente de intentar eíta em-
preza. Deu-fe ordem ao Meítre de Campo Lourenço de
Soufa , e Sebaíliaõ Corraa , que á meya noite ao final
de duas peças de artilharia inveítiísem o Forte pela
parte da Cartuxa > e reforçaraõ-fe eítes terços com tre-
zentos Inglezes, dos quaes governava cento e cincoen-
ta Manoel da Serra , (que neíta occafiaõ procedeo taõ
valoro famente , como em todas as em que fervio ) ef-
tesfe tirarão do quartel de Pedro Jaques , e ordenou-
fe a Domingos de Matos Sargento Maior de Martim
Corrêa de Sá , que fahifse do aproxe do General da Ar-
tilharia , e atacafse o Forte com trezentos mol quetei-
ros; dando-lhe calor o Tenente General D. Manoel de
Ataíde com féis batalhoens , e o exercito tomou as ar-
mas em todos os quartéis. A< hora linalada fizera õ final
as duas peças de artilharia , e avançando prompta men-
te , os que eílavaõ deífinados para o afsalto , entrarão
no Forte com pouca refiítencia J porque osfitiados di-
vididos na oppoíiçaõ dos aproxes , que ao tempo dó
aísalto a refpeito da diverfaô caminhava õ com mais ca-
lor, e os que no Forte quizeraõ fazer alguma oppoíi-
çaõ , foraõ facilmente degollados.Acodio aCavalJaria
da Praça ao rebate, e rebatêo-a D. Manoel de Ataíde
com
i6o PORTUGAL RESTAURADO,
Anno com tanta reíolução , que a obrigou a fe retirar para
a Praça. Havia dentro no Forte trezentos Soldados, trcs
I0Ó3. peças je artilharia , hum morteiro , armas, e munições;
e no Convento dos Capuchos eílava prezo o Inquifidor
Manoel Corte-Reai, que os Caílelhanos indecentemen-
te tirarão da Cidade i preíumindo poderia fer author
de novidades, que lhes prejudicafsem , e por fer dota-
do de eíuimaveis virtudes , foi recebido com geral acei-.
tacão.
Confeguida eíta empreza , ficou menos difficulto-
fa a reftauraçaó da Praça. Aquella noite fe adiantarão
as baterias a menos de tiro de piílola da muralha , e fe
fabricou outra junto dos arcos da agua da prata , e o
tempo que durou o afsalto , fe avançarão de forte os
aproxes , que ficarão pouco diílantes dos lugares , a que
caminhavão % e no Forte de Santo António fe deu prin-
cipio aofeguudo, qneeftavaá ordem de D. Luiz de
Menezes. Os Meftres de Campo Sebaílião Corrêa , e
Lourenço de Soufano primeiro alojamento ficarão mui-
to vizinhos da muralha *, e vendo o General da Artilha-
ria , queosfitiados fe lhes dobravão os perigos, que
com a noticia da perda da batalha fe lhes defvanecião
asefperanças dofoccorro, mandou fazer huma chama-
da*, pararão as baterias *, porém o Condede Sertirana
não permittio , que ie admittifse pratica , e fó difpen-
fou , que fe recebeíse hum papel, que levava hum Aju-
dante , para que o défse , no cafo , que a pratica fe não
permittifse , que não continha mais razoens, que o ver-
fo do Pfalmo : Nifi Dominus cujiodierit civitatem, fruflra
•vigilat , qiúcuftoàit eam. Sem outra repofta mandarão os
Caílelhanos ao Ajudante, que fe retirafse : e havendo
o General da Artilharia dado ordem , que a hum fó fi-
nal fe difparaíse toda a artilharia das baterias , e toda a
moíquetaria dos aproxes, foi de forte o ellrondo , e
de qualidade o eífeito , que os fitiados padecerão gran-
de horror , e as muralhas grave mina. Amanhecerão a
vinte e três de Junho os aproxes de D. Luiz de Mene-
zes fortificados , o do baluarte de S.Bartholomeu , di-
ílantedellecincoenta pafsos, o do Forte de Santo An-
tónio
PARTE 11 LIVRO VIU. m
tonio , que caminhava junto aos arcos , tão vizinho da Armo
mu ralha , que fe prepararão as mantas > para fe come- ,,
çarem as minas. O aproxe do quartel de Pedro jaques luv?M
amanheceo também fortificado pouco menos de ieísen-
ta paísos da barbacaa , e a brecha da bateria do quartel
de D, Luiz de Menezes eífcava capaz de facilitar o af-
íalto. Obrigado o Conde deSertirana de tantos amea-
ços , fez a primeira chamada pelas duas horas da tarde
pelo aproxe do General da Artilharia ; mandou elle dar
conta ao Conde de Villa-Flor , que lhe ordenou man-
dafse fufpender as baterias , e fe aceitafse hum papel
do Conde de Sertirana. Veyo o papel por hum trom-
beta , e continha , queeílava prompto para entregara
Cidade , e aceitar nella a peísoa , que fe nomeafse pa-
ra a conferencia das capitulaçoens. Deferiofe-lhe com
brevidade a taõ arrezoada propofiçaõ , e elegeo o Con-
de de Villa-Flor ao Sargento mór de Batalha Diogo Go-
mes de Figueiredo , por achar juítamente , que concor-
riaõ nelle todos os requiíitos neceísarios para a melhor
conclufaõ de negocio taõ importante.Pafsou Diogo Go-
mes do exercito á Cidade , e mandou o Governador pa-
ra o exercito hum Coronel Alemão ; e naõ reíultando
da primeira conferencia effèito algum , ( porque os Go-
vernadores , que entregaô Praças , íempre pertendem
vender caro , o que naõ poderão comprar barato) vol-
tou Diogo Gomes para o exercito , e retirou-fe o Co-
ronel para a Cidade.
As armas , que com o Tratado fe haviaõ fufpendi-
do , tornarão a continuar mais vigorofas , para que os
íitiados , queeítavaõ vacilantes, feacabafsem de per-
fuadir com o receyo a fe renderem. Os Inglezes , que
trabalhavaõ nosaproxes do quartel de Pedro Jaques, in-
veítiraõ aquelle noite hu ma meya Lua , e a ganharão
valorofamente ; e pafsando á barbacaa , fe fortificarão
nella. Do aproxe de Dom Luiz de Menezes avançou o
Sargento Maior Manoel da Silva Dorta do Terço de
Fernão Mafcarenhas com duzentos Infantes á orla do
fofso do baluarte de S. Bartholomeo , e três vezes foi
rechaçado pelos Caftelha nos; porém dando ordem o
L Gene-
/
An no
1665.
162 PORTUGAL RESTAURADO,
General da Artilharia , que lhe defsem ealor os Meítres
de Campo Fernão Mafcarenhas, e Miguel Barboía da
Franca, que eítavao de guarda , procederão com tanto
valor,que por entre nuvens de balas de falo] ara 6 osCa-
ílelhanos , e amanheceo Manoel da Silva fortificado no
poíto , que pertendia. Noaproxe, que íahia do Forte
de "Santo António , entrarão de guarda os Meítres de
Campo Martim Corrêa , Roque dá Coita, Manoel de
Soufa de Caítro,que com prompta reíoluçao arrimarão
mantas á muralha , e lhe introduzirão mineiros , que
começarão diligentemente o leu trabalho. AcodiraÕ os
Cafteihanos a embaracailo , e lançando das muralhas
bombas > granadas , barris de pólvora , e grande quan-
tidade de falchichas accefas , íuccedeo attear-fe o fo-
go nas faxinas , com que fe continuavaõ os aproxes í
e commun;cando-fe brevemente ás mantas, eítarerrí
ainda mal cobertas , fem que lhes pudefse íervir de re-
médio a diligencia- dos três Meítres de Campo, que
fem attender aos muitos perigos , a que eítavao expo-
ftos , fe oppuzerao .valorofamente atalhar o incêndio,
arderão féis mantas , depois de retirados os mineiros :
porém os Meítres de Campo apezar de todas as con-
tradiçoens fuítentaraó o poíto, que havia ó ganhado,
e fe fortificarão nelle. Nos combates daquella noite per-
derão as vidas oitenta Soldados > e paísaraõ- de trezen-
tos os feridos > á cura dos. quaes affiítiraõ os Meítres
de Campo com muito louvável piedade. Os íitiados de-
terminarão valerfe daconfufaõ daquella noite, para
falvarem a fua Cavallaria : porém como era grande o
cuidado r que fe havia poíló em^ evitar eíta refoluçao,;
a reprimio o Tenente General D. Luiz da Coita , obri-
gando a todos , os que determinarão fahir da Praça , a
que fe retirafsem aella» Amanheceo vefpera de S. Joaõ
alegre pelas excellencks doOrago ,. e pelas efperancas
da vicloria ; e parecendo-lhe ao Conde de Villa-Flor ,
qde mandando fazer fegunda chamada ao Conde de Ser-
tirana , confeguiria renderfe com as capltulaçoens , que
nos eraò convenientes ;: porque nas que fizer aô^ primei-
ro y nao confentiraõ em entregar os novecentos cavai-
los^
P^RTE II. L1VK0 VIII. i*j
lòs , queeítavaõ dentro na Praça-, propoz noConfe- ^nn0
lho eíte feu difcurfo , e não achando voto contrario , "
tendo-fe por maior inconveniente a dilação do fitio , 10&j»
que naõ íe entregarem os cavallos , mandou aos apro-
xes chamar o General da Artilharia , para tomar a ulti-
ma refolução. Foi elle de parecer contrario , dizendo,
que íe nos anticipafsemos a fazer chamada , delia havia
de argumentar o Governador da Praça o defejo , que tí-
nhamos de dar fim ao íitio , e por confequencia pedir
nas capitulaçoens a condição de não entregar os caval-
los , que era hum dos maiores interefses , que podía-
mos coníeguir naquella empreza , affim pelo numero,
que pàfsavaõ de oitocentos , como paua obrigar aos Ca-
ítelhanos , a que íe iujeitafsem ao rigor da meí ma ley ,
que elles puzerao , quando perdemos aquella Praça 5 e
que íe aguardaísemos , que elles obrigados do aperto,
em que íe achavaõ , fofsem os que nos períuadiisem a
aceitar as capitulaçoens , os haviamos de reduzir a paf-
farem naõ lo por eíte , mas por outro muito mais ri-
goroíojugO; eque efperava que antes de poucas ho-
ras havia de abonar a experiência a lua propoíiçao. Ap-
provarão o Conde de Villa-Flor , o Marquez de Marial-
va , e os mais do Coníelho eíte parecer , e o General
da Artilharia voltou para o aproxe , e ao mefmo tem-
po , que chegou a elle , íizerão os Caítelhanos chema-
da : fufpenderão-íe as armas , entregou hum tambor
hum papel, em que dizia o Conde deSertirana, que
permittindo-fe pafsarem do exercito á Praça três pef-
íbas com poderes de ajuítarem as capitulaçoens por ou-
tras três , que fahirião em reféns , efperava que aquel-
la contenda chegafse á conclufaõ. Promptamente re-
metteo o General da Artilharia ao Conde de Villa-Flor
eíte papel, que com igual brevidade refpondeo aceita-
va a propofição , é mandou a Évora fegunda vez ao
Sargento mór de Batalha Diogo Gomes de Figueiredo ,
ao Meítre de Campo António Soares da Coita, que fer-
via no exercito como particular , e a Claran novamen-
te occupado no Poíto de Meítre de Campo de hum Ter-
ço ., que fe formou dos Italianos , que pafsarão do ex-
L 2 ercito
íèj PORTUGAL RESTAURADO,
ÁnriO ercito de Caítella ao nofso exercito. Sahiraô da Praça o
,., Meítre de Campo D. Pedro da Foníeca y e o Coronel D.
lóòj» Fanciíco Franque ; reféns, com que iè contentarão os
três, que entrarão na Praça. Durou a conferencia até
a meya noite , procurando cada huma das partes adian-
tar as fuás conveniências : ultimamente íe ajuítaraó as
Gapitulaçoens na forma feguinte: Quejahiria o Gover-
nador com toda a guarnição , Officiaes , Soldados de
todas as Naçoehs falvas as vidas , e liberdade, e da
mefma forte todos os Officiaes de íòldo de Provedoria,
e artilharia : que a 'marcha feria pela brecha com as
honras militares devidas aos rendidos de boa fé; que
felhes aííinaria lugar , em que alíííHísem até quinze de
Outubro : que havendo alguns Soldados , que intentaí-
fem ficar fervindo em Portugal , que íe lhes naó impe-
diria : que fuccedendo que alguns Officiaes naõ quizef-
iem eíperar até o fim da Campanha , fe poderia õ reti-
rar feguros a Badajoz : que fe concediaõ ao Governa-
dor duas peças de artilharia com as muniçoens preci-
fas para íe carregarem : que os enfermos , e feridos íe
conduziria o com toda a commodidade a Badajoz , e da
meíma forte fe daria pafsagem livre aos arrieiros , e
vinvandeiros : que poderia© fahir oito rebuçados,e paí-
far logo a Caítella fem impedimento algum: que ha-
vendo-fe tirado alguma "alfaya aos moradores da Praça,
felhes reítituhiria pontualmente: que fe entregariaó
todos os cavallos das Companhias , e todas as munições,
petrechos , e mantimentos , que houvefse na Praça á or-
dem dos Vedores geraes do exercito , e artilharia: que
ao diá feguinte fe entregaria ao amanhecer huma por-
ta da Cidade , para felhe meter guarda 5 e a guarnição,
que fe achafse na Praça , fahiria delia no mefmo dia a
horas competentes. Foraò aílinadas as capitulações por
D. Sancho Manoel, Conde de Villa-Flor, e por D.Fran-
ciíco Gatinara , CondedeSertirana.
A' hora fmalada marchou o Meítre de Campo Lou-
renço de Soufa de Menezes com o feu Terço , que ef-
tava de guarda na trincheira , a guarnecer a porta do
Ilocio. Diante delia fe formou o exercito em batalha,
e o
PARTE 1L LIVRO VIU. i6y
eo General cia Artilharia D. Luiz de Menezes pelo pri- AnilO
vileeio do ièu-po-fto entrou a tomar poise da Cidade , ,,
e deioccupadaa guarnição Caítelhana com os Ofeciaes luur
da lua repartição, os Vedores geraes, e Gfficiaes da
Fazenda , e grande numero de Fidalgos ,e peisoas par-
ticulares , que iizeraò a função mais luzida Eíparavaõ-
na os moradores com as demonílraçoens alegres , que
pedia afortuna da lua liberdade. Seguirão ao General
até a Sé, onde foi dar aDtos as graças de benerlcios
taò finalados , e avizou ao Conde de Sertirana , que
podia fahir da Praça na forma da capitulação j e man-
dou tomar poise dos Armazéns , onde fe acharão quan-
tidade de muniçoens; e fendo huma grande parte del-
ias das que os Caílelhanos renderão na 1 raça , man-
dou o General fazer auto com toda a fclemnidade, para
oue em todo o tempo conftafse , que fe naó entregara
Évora por falta demuniçoens. Ficarão nos baluartes
montadas treze peças de artilharia , em queentravaõ
feismeyos canhoens. SahiraÓ da Praça três mil e du-
zentos Infantes , e .oitocentos e doze cavallos , hum,
e outro corpo demais, que ordinário luzimentc.O
Conde de Vilia-Horefperava junto da porta do Rocio,
e loco que a guarnição paisou peio exercito , íe tira-
rão aos Soldados os cavallos , e as armas , e forao re-
metidos a vários lugares governados pelos Alferes das
Companhias de cavallos , elnfanteria. Nas bagagens,
é na Cidade tiveraó principio alguns excelsos , que
promptamente íe atalharão.
Pafsados três dias , marchou o exercito para Eltre-
moz , e o Conde de ViUa-Flor deu conta a EIRey dos
impoíliveis, que lhe embaraçavaõ continuar mayores
moerefsos, fendo invencíveis difíiculdades o excelido
rigor do Sol , e grande falta de carruagens. Brevemen-
te checou ordem d'EJRey, que fe aquartelafse o exer-
cito , e fe licenceafsem as tropas. Na manhãa , em que nUa .»£
o Marquez de Marialva partio para Lisboa com a gen- ?-^ a ^^
tej que havia conduzido, e o General da Artilharia ijcet!ceaõ.jc as
■para' -Elvas com as guarniçoens daquella Praça , edas trepas.
mais circumvizinhas, iuceedeo pegar-fe accidentalmen-
L3
te
■n»
, e íen-
x66 P0R7UGAL RESTAURADO,
AnnO te ° foS° na pólvora do Caítello de Arronches ,
1 662 ^° a noticia ^ ^ll imPulío a mais verdadeira informa-
IOo3»çaó do feu eítrago , marchou o Conde de Villa-Flor
Vea actidental- para a Ribeira de Veiros , chega ndo-lhe porínítantes
tnenu parte do vários avlzos daruina de Arronches , e avizou ao Mar-
Croamhes ^r"<lHea de Marialva , eao General da Artilharia , que vol-
mmta perda tafsem a feeneorporar com elle no fitio íinalado, e def-
âos ca/lelkaiMs pedio o Conde de Schomberg,e ao General daCavallaria
com oito batalhoens a reconhecer o damno , que o in-
cêndio havia executado. Marcharão todos promptamen-
te,porém voltando o Conde de Schomberg,havendo re-
conhecido, que fó o Caítello de Arronches pela parte
interior padecera o damno da pólvora , ficando inteira
a maralha da Villa , que cingia dous torreões , e duas
cortinas , que arrebatou o incêndio : que D. Diogo Ca-
valhero entrara na Praça com oitocentos cavallos, e
toda a Infanteria,e muniçoens,que pudera tirar de Albu-
querque , e outras Praças vizinhas -tQ como por eíte ref-
peito Arronches íe naõ podia render poralsalto, inten-
tar íitiala feria cahir nos inconvenientes , que fe haviaõ
coníiderado , para fe naô continuarem novas emprezas,
ficando viva a efperança de fe ganhar Arronches por ca-
minho mais fácil. ConformaraÓ-fe com eíta opinião to-
dos os Cabos , e Oiiiciaes do exercito, e divididos toma-
rão a continuar a marcha , que haviaÕ principiado o
Marquez de Marialva o merecido applaufo da conítan-
cia, e zelo,com que íem perdoara algum trabalho aífif-
ília aos interefses da Monarquia. Perderão os Caítelha-
nos no incêndio mais de dous mil homens^ porque a vio-
lência da pólvora levantou as muralhas do Caftello,cujo
robuíto corpo levado do violento impulfo , fubio para
defcer a desbaratar as cafas da Villa, em que perecerão a
fflátor parte das pefsoas, que as habita vaô; e foi de forte
o rapido,e viole ntoexcefso da pólvora, que encontran-
do na muralha a reíiftencia de dous meyos canhoens»
os lançou huma grande diftancia fora delia, trocando-fe
nefte accidente o exercido de hum , e outro inílrumen-
to , por fera pólvora a que arrojou os mefmos inítru-
inentos , que tantas vezes a tinha 6 arrojado?
Ko§
PARTE II. LIV&O VIIL 167
Nos dias , que durou oíitio de Évora , intentou ArMlO
D.Toao deAuftria interprender a Praça de Elvas , que ,,
governava o Conde de Sabugal , valendo-íe de numa ?•
intelligencia, que teve com alguns Oíriciaes Caítelha- InmU DjoaS
nos , que eitaVao alojados com trezentos Soldados,que de Aufina in*
vieraó da batalha, no Gãliello , que rica na muralha terprender El*
para a parte da porta de S. Vicente. Levado deita et- vau
perança íahio de Badajoz com dous mil } e quinhentos
cavallos , e três mil infantes tirados dos íoccorros , que
achou naqueila Praça j e da gente que ie tirou da ba-
talha , intentando, que os prifioneiros o introduzi! sem
pelo fitio , era que eítavaó , dentro da Praça. Foi a
diípoíiçaò taô mal fabricada , que amanheceo a D. Joaó
de Auílria huma legoa antes de chegar a Elvas : deicu-
bertos os Caítelhanos dos AtaJayas , tocarão arma , aco-
dio o Conde de Sabugal a guarnecer as muralhas , e ex- J»™*«*
perimentou D. Joaó de Auftria o ultimo deiengano das
infelicidades daquella Campanha t a que havia dado
principio , com tanto deívanecimento , que hydropico
da gloria , naõfiou de outro algum Cabo oíegredo da
çmpreza de Évora, íenaõ depois de chegar com o ex-
ercito a Eílremoz ,' e perguntando-lhe a razaô de ie ar-
rojar áquelle perigofo intento , os que o dim culta vaô,
refpondeo,que os fundamentos daquella reíoluçaõ eraó
taõ iblidos para o diicurfo , que ou haviaó enganado
a EIRey feu Pay , ou EIRey o enganava aelle j e quau-
do experimentou o defa certo da temeridade , que havia
emprendido , foi a tempo, quenaó pode remedialla,
e veyo a padecer os eítragos , que em quanto viveo ,
lhe foraô penofos , facilitando ás Armas de Portugal
em poucos dias de Campanha differentes , e immortaes
occafioens de gloria ; porque em fitio deiembaraçado
preíentou o nofso exercito aos Caítelhanos a batalha ,
quando eftavaó em Évora ; e conhecendo naõ queria
pelejar, pafsou por di.fficeis poilos , á fua viíta , o rio
Degebe fem contradição, formado da outra parte do
rio elperou , queíe reiolvefsem a pafsallo , ecom pru-
dente induítria ie defviou de noite das baterias da ar-
tilharia , e quando tomarão a refoluçaõ depafsar o rio,
L 4 foraõ
I
x6t POnTUGAL -&ES1 JUKAT>0 ,
AnnO foraõ rebatidos com valoroía conílancia, e maltratados
ss da artilharia com deluíada deítruiçaõ. Fortiiicou-íe o
ÍOp3* nofso exercito á ília viíla , fem haver embaraço , que o
encontraíse ; e reconhecendo que o leu intento era ía-
hir da Província fem pelejar, os ieguimos fem oppoíí-
çaó , e chegando ao lugar deílinado para a batalha ,lhe
deixamos eicolher as vantagens do iitio , e parecendo
quali iníuperaveis, foraó totalmente desbaratados, e ga-
nhada a batalha ; foi fitiada Évora guarnecida de grol-
fo prelidio, e rendida em oito dias á força de baterias*
e aproxes. Pora^^utdo~fícoTr"a Praça de Arronches qua-
fi totalmente arruinada ; e por coníequencia de todos
eítes fucceísos ficarão triunfantes as Armas de Fortu-
Cefsou a guerra , e ficou fenhor da Campanha de
Alentejo o intenfo Sol do Eítio , inimigo cornmum de
ambos os exércitos lempre maltratados , .que ie arroja-
rão a defprèzaUo.Paísou D.Joao de Auítria de Badajoz
pela poítiT a Madrid a tratar com EIRey ieu Pay de
meyos proporcionados para a fatisfaçaõ da próxima of-
fenía. Ficou governado as Armas o Duque de S.German,
e receando asemprezas do exercito victoriofo , tratou
com grande attençaõ da fortificação das Praças. A no-
ticia da a ulencia de Dom Joaó de. Auítria facilitou ao
Conde de Villa-Flor paísar a Lisboa com licença d'El-
Rey. Experimentou no applauío de toda a Corte a me-
recida recompenía da vicloria , que havia alcançado ;
porém paisados os primeiros fervores cortezãos , foi o
premio , que eíperava, tao diíFerente do leu mereci-
mento , que nao fó íe lhe negou a fatisfaçaõ , porém
naõ voltou á Provinda de Alentejo , porque lhe lucce-
deo o Marquez de Marialva : nem á da Beira J porque lè
dividio em dous Partidos , entregando -fe o de Almeida
a Pedro Jaques de Magalhaens , e o de Penamacor a Af-
fonfo Fartado de Mendoça %. porém as femrazoens do
tempo naõ puderaó efcurecerlheas luzes da gloria, que
eoníeguio.
A Provinda de Alentejo ficou governada pelo Con-
e como o feu eípirito fe orrendia do
def-
dede Schomberg j
WARTE II LIVRO VIU 169
^eftanço> intentou ganhar Aya-Monte , porto de mar Armo
de Andaluzia vizinho a Gaílro-Marim no Reynodo Al- s ,
^arve, interpondo-íe o rio Guadiana entre huma , e ou- * °°J •
tra povoação. Deu conta a EIRey deite intento , e pe-
dio alguns navios da Armada para o facilitar. Appro-
vou o Conde de Caítello-MeJhor eila reioluçaõ , a os
meyos de íe executar , efoi eleito Gil Vaz Lobo por
Gabo da gente, que íaltaise cm terra i e para que naô
houveíse embaraço , teve Gil Vaz ordem depaísar aBé*
ja a encontrar-fecom o Conde de Schomberg, para que
conferindo ambos a empreza , pudelse ler mais fácil o
coníeguir-íe. Partio Gil Vaz de Lisboa , e o Conde de
Schomberg marchou para Beja com as tropas , que lhe
parecerão convenientes , tomando difFerentes pretextos
para encobrir o hm da jornada. Chegando os dous a
Beja , conferirão. Voltou Gil Vaz para Lisboa ; porém
nvudando-íe de opinião por difFerentes motivos , dejpa-
chou o Conde de Caitello-Melhor hum corre yo ao Con-
de com carta dvLlKey , para que fe retiraise, toman-
do por fundamento , que o iucceíso era contingente , o
coníervar-fe a Praça difficil > e que íe rompia a íuípen-
íaõ de armas , feita pela parte de Andaluzia. Recebeo
o Conde de Schomberg a noticia deita novidade coin
grande fentimeuto , conhecendo que mais a emulação,
que a duvida da empreza de Aya-Monte a divertira:
porem com a íinguJar prudência , de que era ornado ,
voltou para Lítremoz,íem demonítraçao alguma da íua
queixa , onde íe dilatou ió os dias , que em Lisboa íe
deteve o General da Cavallaria , que foi chamado á
Corte pelo Conde de Caitello-Melhor , para feajuítar
na íua preíença com a Junta do Commercio Geral o aír-
fento dos mantimentos da Cavallaria, deíejando o Con-
de . que fe efeuíalsem os grandes intereíses dos Aisen-
tiítâs. Com eíta refoluçaõ voltou Diniz de Mello para
Eítremoz, e partio o Conde de Schomberg para Lisboa.
A guerra por huma , e outra parte eíteve luipen.
dida ; porque os confii&os antecedentes faziaõ appete-
cido o deícanço. O General da Artilharia , queaíhítia
em Elvas , entendendo eme hum dos mayores damnos,
eme
-
y
170 PORTUGAL RESTAURADO,
Ánno qp2 poderia occaíionar ao exercito de Caftella / feria
1 66 z diminuir-lheo numero dos Soldados extrangeiros , que
l0O>« ierviao nelle , pelo grande culto , que fazia a EIRey O.
Filippe mandallos conduzir a Badajoz de varias partes
de Europa ; deu ordem que íòbre todas as Praças fron-
teiras daquelle diitriíto andaisem partidas ió a eitefim;
e corno uaó podiao conter-íe dentro das muralhas pela
eílreiteza dascommodidades dos alojamentos , breve-
mente íe íizeraõ prilioneiros grande numero delles , e
no mefmo ponto que chegava a Elvas , íe lhes dava
dinheiro , e pafsaportes , em Lisboa íoccorro , e pafsa-
gem çommoda para os portos, que íinalavaó , deixan-
do elcrito todas as utilidades , que grangeavaõ em paf-
farem a Portugal , em diíFerentes papeis , que o Gene-
ral da Artilharia mandou lançar de noite junto das por-
tas das Praças; diligencia, de que refultou diminuirem-
fe confideravelmente no exercito de Caítella as tropas
extrangeiras ; porque naò fó os Soldados Infantes , fe
nao os de cavallo paísaraó a eíte Reyno.
O Conde de Schomberg voltou de Lisboa . e pou-
cos dias depois de chegar a Eítremoz , pafsou a viíitar
as Praças de Portalegre ,eCaítello de Vide; e para que
a jornada fofse mais útil , mandou ao Sargento mór de
Batalha Joaó de Silva de Souía com hum troço de Ca-
vallaria, e duzentos Infantes extrangeiros laquear o lu-
gar de Ferreguella fituado pouco diítanteda Cidade de
Brofsas , e ao mefmo tempo rebanhar 0 gado , que pa-
liava por todo aquelle diítrião , e o Conde ficou com
mil cavallos, e alguns Infantes íobre o rio Ce ver. Exe-
cutou-fe efte intento com grande utilidade dos Solda-
dos no defpojo do lugar , e dos Oíficiaes no numero da
preza. Retirou-fe o Conde , e de caminho fez reparar
as trincheiras de Alter , Veiros, Fronteira , e Mon-
forte.
Ao mefmo tempo teve noticia o Capitão de ca-
vallos Luiz de Saldanha da Gama , que aíliítia em Mou-
ra , que os Ca ftelha nos levava õ huma preza com feten-
ta cavallos. Sahio a bufcallos com igual numero , lar-
ga raô-lhe os Ca ftelhanos a preza, e fugirão antes de
pelejar :
PARTE II. LIVRO VIII. m
pelejar : feguio-os Luiz de Saldanha ate o lugar de AnilO
A.rouche,e vencendo alguma reíiítencia, entrou dentro, ^
faqueou as cafas dos moradores, e retirou-fe fem oppo- I0^3«!
íiçaõ •, e com eílas , e íimilhantes entradas em utilida-
de da Cavallaria , fe rematarão eíle anno os progref-
los da guerra de Alentejo,
insTo-
IJ2
JTX I J I
IA
D E
PORTUGAL
RESTAURADO. :
LIVRO IX.
S U M M A R I O.
CONDE do Prado intenta ganhar
Gayao : confegue-o , e for li fica- fe
ajudada das dherfoenr do Conde de
Saõ João , e de amhas af Provín-
cias : recebem os Reynos de Galli-
za , Cafiella , e LeaÔ grandtfjimo
damno. Na Província da Beira intenta o Duque
de Ojuna ganhar Almeida por interpreza : da o af-
falto, e retira-fe com grande perda.Varins lucce/Jos
daquella Província. Controverfiat dtíferentes na
Corte, de que refulta retirar-fea Rainha D. Luiza
para o Convento das Agoflinhas Defcalças^que ha-
via mandado fabricar .Noticias dos negócios extran-
' A geiros.
PARTE 11. LIVRO IX. 173
geiroSs Eleição do Marquez de Marialva para o go- Armo
mrno dar Armas do exercito de Al eme jo. Sabe em j<j6*
Campanha, forma o. exercito na frevte de Badajoz,
onde ajjíftia D. JvaÕ de Aujtria com o exercito de
Caftella. Refolve faiar a Praça de Valença, çonfe-
gue-a [em oppoftçao. Retira-fe , e os Cajtelbamso
fibecedo a difficuldade deconfervar a Praça de Ar-
ronches , a defmantelaraô. Vários fucce/Jos das três
Provindas de Entre Douro^e Minho.Tras os Mon-
tes, e Betra.Contmua-fe a noticia das difere ças da
Corte , do e fiado das Embaixadas , e da guerra da
Conquifta.
Conde do Prado , que havia confeguido na
Campanha do anno antecedente na Provín-
cia , de Entre Douro, e Minho, os felices íuc-
ceíòs , que em feu lugar referimos , deíe-
jando com generolo fervor augmentar a opi-
nião cabalmente confeguida,pertendeo paisar a Lisboa
a facilitar os caminhos deite intento. Negou-lhe El-
Rey a licença , que pedio , com o authorizado pretex-
to de fer a ília aííiílencia naquella Provinda a mais fir-
me confiança , que aíeguravaj eo Conde parecendo-
Ihe precifo naõ^replicar a preceito taô proporcionado
ao leu grande merecimento, mandou ao Medre de Cam-
po General D. Francifco de Azevedo á Lisboa a repre-
sentar a EIRey todas as circumílancias , que poríiaò
facilitar os progrefsos , e a defenfadaquella Provinda.
Aceitou D. Francifco a commifsaõ , paísou a Lisboa , e
como era dotado de muita prudência, e entendimento,
e o Conde de Caftello-Melhor pedia com particular in-
clinação para concorrer nos prag rei sos de Entre Douro,
e Minho , por ler a guerra , em que fe havia achado,
brevemente facilitou todas as propoíiçoens de D. Fran-
cifco >que tornou a voltar para o Minho fatisfeito de.ha-
ver confeguido tudo , o que intentava. No tempo que
durou a fua auíencia , teve noticia o Conde do Prado,
que o Governador do Forte de S; Luiz Gonzaga íahira
"^ — ~ . . com'
66$
i74 PORTCJG^fL RESTAURADO,
, Atino com trezentos Infantes ,é duas Companhias de cavallos
a laquear huraa Aldeã, que ficava pouco diltante do
Forte. Gomo nã brevidade confiítia oíbccorro daquel-
les miíeraveis paizanos , empenhou o Conde do Prado
na fua defenía afeu filho fegundo D. João de Souía ,
que com grande diligencia entrou na Aldeã , antes que
os 'Gallegos chegafsem a ella , e com tanto valor a de-
fendeo , que os obrigou a fe retitarem , fem coníeguir
o leu intento. Até o mez de Outubro nao houve ou-
tro fucceíso jdigno de memoria , e todo eíte tempo dif-
pendeo o Conde do Prado em prevenir o exercito para
liuma empreza com grande ponderação permeditaoa»
Alguns mezes antes havia o Conde de S. João palsado a
Lisboa da Província de Trás os Montes, onde aiuírial
e tendo conferido com o Conde do Prado , o que de-
terminava propor aElRey, voltou para chaves com
as -ordens, que pertendia ; e o Conde- do Prado havia'
diípoíto a empreza , que era pafsar o Minho defronte
de Villa-Novaj ganhar Gayaõ, fortiíicar-fe naquelle lu-
gar , e meter a guerra no paiz inimigo , para que os
ieus Povos padeceísem o mefmo damno , que os nofsos
experimentâvaó.O Conde de S. João havia entrado com
grande fervor neíte intento , e para que fe naÕ baldaí-
fe , difpoz huma diverfaôem Traz os Montes , que an-
tes de pafsarmos a dar noticia dos fuccefsos daquella
Província , he necefsario referir pela dependência , que
tem hum de outro fucceíso.
O primeiro de Outubro fahio o Conde da Praça
de Chaves com cinco mil e quinhentos Infantes , três
mil pagos , e dous mil e quinhentos Auxiliares , mil e
trezentos cavallos , oito peças de artilharia, munições,
e mantimentos para quinze dias. Toda eíta gente jun-
tou o Conde fem mais foccorros , que algumas Com-
panhias de cavallos do Minho , governadas pelo Gene--
ral da Cavallaria Pedro Cefarde Menezes , e outras da
Beira , que marcharão á ordem do Commifsario geral
D-Antonio Maldonado:porém era taõ ehicaz a fua acli-
vidade , que nunca o feu difcurfo deu lugar a deixar
penetrar-íè de impoíflveis.Com eíte poder marchou pa-
ra
PJRT.E //. LIFKO IX. i75
rao valle de Salas , hum dos mais abundantes de todo Ànfto
iqnelle diílriéto '/. e depois de o penetrar ,_ chegou ate ~ .
Lõrcós , que conrlna com Lindo iò na Província do Mi- I 003.
lho , voltou ibbre o valle de Lima cheyo de povoa-
jOens , e fertilidade,e apezar de innundaçoens de tem-
:>eítadesfurioias deílruio cento e cincoenta Villas , e
Lugares , talou todas aquellas Campanhas , enriqueceo
)s Õíficiaes com prezas, os Soldados com defpojos,e fem
jncontrar mais oppoíiçaõ , que de alguns batalhoens
nimigos , que appareceraõ , e fendo carregados, fe re-
iraraõ : deílruio todo o valle de Monte-Rey , por
mde fe retirou. Fez aíto na Veiga de Chaves, onde
leu principio a hum Forte em Villarelho , ultimo lu-
rar nofso naquella Raya , e poílo muito importante ,
)or ficar huma legoa de Chaves, e cobrir muitos lu-
fares daquelle diítri&o. Os inimigos toda a gente, que
mderaó juntar , meterão em Monte-Rey, e períuadido
3. Balthaíar Pantoja dos clamores dos Povos , íe achou
íbrigadò a marchar com a mayor parte das tropas das
Tonteiras do Minho a íe oppôr aos progreísos do Con-
le de S. João ,* e como eíle era o fim pertendido , no
íiefmo ponto , que o Conde do Prado recebeo em Pon-
e de Lima efte avizo , diítribuio todas as ordens pre-
iías , e eftando em fumma cautela todas as preven-
oens ajuítadas , marchou a dezanove de Outubro com
inço mil Infantes , e quinhentos ca vallos com a fren-
dem Monção , para chamar os inimigos áquella par-
i i e para que a apparencia fofse mais crivei dos Gal-
egos , alojou de dia avilta de Monção. Fez. marchar
lous Terços , antes de anoitecer., a pafsar a ponte do.
/louro , eíogo que cerrou a noite , fe tornarão a en-
orporar com ©exercito r e levantadas as tendas , ac-
efos os fogos , eas venidas occu padas com moíque-
airos , com todo o filencio ,e diligencia marchou pa-
ao íítio- de Bpega ., que fica entre Villa-Nova ,. e La-
lIícÍís , onde fez alto ,e achou que o General da Arti-
haria Fernão deSoiiía Coutinho- , novamente- pro vi-
lo naquella occupaçaõ % eítava em Villa-Nova com to-
las as preparaçoeas pro-mptas para a execução de ta 6
eraa-
i76 PORTUGAL RESTAURADO,
Atino Sratl(^e erílPreza> e como a brevidade era adifpoíiçaõ
,, mais acertada , na manhãa de vinte e cinco de Outubro
1^í?3. chegou o Conde do Prado á margem do rio Minho , e
antes da primeira luz do dia com o íilencio poílivel fe
embarcarão em bateis,que eítavaõ prevenidos,quinhen«
tos Infantes á ordem do Sargento Mayor Diogo Soares
Pereira:porèm o rumor inexcufavel de entrarem os Sol-
dados nos barcos, e apouca largura do rio avizaraõ as
fentinellas inimigas , que tocarão vivamente arma > e
quando Diogo Soares chegou a emproar a terra , achou
( faltando nella) a oppofiçaõ de hum Terço de Infan-
teria, e duas Companhias de ca vallos , que intentarão
taó furiofamente rebatello , que muitos cavallos ficarão
atravefsados nos ferros da picaria dos nofsos Infantes ;
porém unidos, e ajudados do Meítre de Campo Manoel
Nunes Leitão , que chegou a dar-lhes calor com mil e
duzentos Soldados efcolhidosem todos os Terços, obri-
garão os Gallegos a fe retirarem ,• e chegando quafi ao
mefmo tempo o Meftre de Campo do Terço de Auxi-
liares de Viana Balthafar Fagundes da Fonfeca , e co-
meçando a ra ya.v o Sol , avançarão o Forte de Gayaò,
levando a vanguarda com os quinhentos Infantes o Sar-
gento Mayor Diogo Soares. Confiava o Forte de quatro
baluartes , que rodeavaõ huma Torre antiga: havia nel-
le cinco peças de artilharia , e eítava guarnecido com
o Terço , que baixou ao rio , que conílava fó de du-
zentos Infantes , que fe oppuzeraõ valorofamente í
defenfa do Forte : porém os expugnadores atropellandc
impolííveis , fe lançarão ao fofso trinta palmos profun-
do , e arrimando as efcadas , que as mampoílas facili-
tarão, e fe lhe, lançarão de orla do fofso , fubiraó ao
alto do Forte , fendo os primeiros o Capitão Francifca
Pitta Malheiro, que ha vendo-o precipitado do alto do
baluarte , tornou a fubir aelle 5 o Capitão Joaô Perei-
ra Caldas , o Alferes Pa fcoal da Coita , que ficou mor-
to', e o Ajudante Domingos Jorge , que fe retirou feri-
do , e outros que merecerão igual' louvor ; e como a
veíiflencia foi muito valorofa , e o confíicto durou da
' alva até as oito horas da manhãa , poucos dos defenío-
fores
I
PARTE II. LIVRO IX 177
res efcapado com vida, fendo hum dos mortos o Go~ Armo
vernador, e dos expugnadores fó oito forão mortos , ,,
efe retirarão quantidade de feridos. O tempo que du- Io0?°
rou o aisalto , teve o Conde c1 o Prado para paísar o rio
fem oppofição , Valendo-fe para maior íegurança da in-
duítria dè ordenar , quepafsaisem de vanguarda vinte
cavallos com todas as trombetas do exercito , para que
o eílrondo do ataque , e os eccos dos clarins accrefcen-
tafsem os horrores da noite, e a confufaò dos inimi-
gos. Tomado o Forte, deu principio ao quartel o Mer- con&ptt-o , c
Itre de Campo General D. Francifco de Azevedo , que fcrtifica.fe,aju-
comincefsante diligencia havia facilitado todas as ope- %%/% d££rdc
raçoens antecedentes , e a Cavallaria fe efpalhou a cor- jtS. j*ao ,ede
rer a Campanha, por nao achar nella oppofiçâo,* e obri < ambas as pfa
gados do receyo todos os lugares daquelle diítricto, re- wncw.
correrão ao Conde do Prado, que ofFerecendo-lhes toda
a poíTivel commodidade , os obrigou a jurarem vafsal-
lagem , e obediência a EIRey D. Aflonfo. Fortificado
o quartel, mandou o Conde occupar huma eminência
pouco diííante do Forte , e levantar nella outro capaz
de maior guarnição , o qual com o foccorro de Trás os
Montes poz brevernente em defenfa ; porque o Conde
de S. Joaô a vinte e quatro de Outubro , que foi o dia
antecedente ao em que o Conde do Prado pafsou o Mi-
nho , reconheceo Monte-Rey com a Cavallaria , e cor-
reo o General delia Pedro Ceíar de Menezes alguns ba-
talhoens inimigos até junto da Praça; tomou quanti-
dade de cavallos , e faqueou alguns lugares, que na
confiança de ficarem vizinhos a Monte-Rey haviaò re-
colhido o preciofo de outros , que foraô desbaratados.
D BalthafarPantojafufpenfo na refoluçaõ defte movi-
mento , reconheceo acaufa delle , chegando-lhe noti-
cia de que o Conde do Prado pafsara o rio Minho , e
ganhara o Forte de Gayaó -, e deixando o menor pelo
maior perigo , pafsou com grande diligencia ao Minho,
ficando guarnecido Monte-Rey com dons Terços de In-
fanteria , e doze Companhias de cavallos. O Conde.de
S. João recebeoeíla noticia com grande brevidade pe-
las muitas partidas, qne trazia fobre Monte-Rey , e íem
I M a.mc-
r
1663.
í78 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno a meuor dilação mandou marchar ao Capitão dafua
guarda Diogo de Caldas Barboía com féis Companhias
decavallos a íe encorpo rar com oConde do Prado , e
foi em feu feguimento acompanhado de Pedro Ceíar
de Menezes , e dos Sargentos Mayores de Batalha Mi*
guel Carlos de Távora , e António Soares da Coita , e
de Joaõ Nunes- da Cunha , que de Entre Douro , e Mi-
nho havia pafsado .a Trás os Montes aaífíílir naquella
em preza ; e por^ haver naquelle tempo ajuftado o cafa-
mento da fua única filha Dona Maria Caetana com Mi-
guel Carlos , eítando ainda priíioneiro em Caítella , o
havia ido bufcar depois de coníeguir liberdade-. Deixou
o Conde de S. Joaõ ordem que marchafse com a dili-
gencia, que fofse poífivel, outro corpo de Cavallaria ,
e Infanteria y e o dia , que chegou ao Forte de Gayaõ,
pareceo á vjfta dos quartéis o exercito inimigo} por-
que oArcebifpo de Santiago , que fe achava em Re-
dondella, obrigado dos clamores incefsantes dos Povos,
fez conduzir toda a gente, que pode, e convocou a No-
breza de Galliza com voz de que pafsava ao exercito?
e chegando D. Balthafar Pantoja , lho entregou ; e mar-
chando a obíervar o eítado dos quartéis do Conde do
Prado , nao fe arrojou a mayor empenho , què alojar á
viíta delíes, fegurando a reclaguarda na afpereza de
humaferra, que coroou a Infanteria.
Efta vizinhança nao embaraçou o trabalho do For-
te , porque com toda a diligencia fe foi fabricando
de cinco baluartes muito capazes de alojarem humgrof-
fo prefidio. Os inimigos intentarão huma diverfaô por
mar , que desbaratou hum grande furacão , e atacarão
algumas efcaramuças , de que ficarão fempre os peior
livrados i e D. Balthafar em oppofiçaõ do novo Forte
levantou outro em hum monte chamado dos Medos ,
que tomou nome muito próprio naquella occaíião , em
que os fabricadores moílravão claramente o feu receyo,
O Conde do Prado defejando utilizar mais eíta empre-
za , mandou interprender Lindofo , Praça que os inimi-
gos havião ganhado na Campanha antecedente , e me-
lhorado de fortifkaçoens, rodeando o Caítello com cin-
co
PJRTE II. LIVRO IX. 179
co baluartes. Fomentou o Conde do Prado eíteinten- AnnO
to por ficar Lindoíb pouco diítante de Braga , e no-
meou por Cabo daempreza ao Tenente do Meítre de ioo>.
Campo General João Rebello Leite: deu-lhe trezentos
Infantes pagos , quatro Companhias de cavallos gover-
nadas pelo Capitão João Corrêa Carneiro , e ordem pa-
ra conduzir Ordenanças dos lugares vizinhos. Execu-
tou João Rebello todas eítas dilpofiçoens com acerto,
e marchou com diligencia , e íegredo. Chegou á viíta
da Praça ao romper damanhãa, e havendo repartido
os poftos pela Infanteria, inveítirão os Soldados abar-
bacãa, porque a nova fortificação nãoeítavadetodo
perfeita , e fendo algumas horas também atacada co-
mo defendida , cederão os defenfores^, mortos cincoen*
ta , ■ e quarenta prííioneiros. Ficou João Rebello ienhor
da barbacãa á cuíta de duas grandes feridas , que lhe
impofíibilitarão continuar a empreza. Entregou o go-
verno a João Corrêa Carneiro, que deíejando valorosa-
mente aperfeiçoar tão felice principio , fez prompta-
mente arrimar mantas á muralha , abrir fornilhos , ata-
car minas a pezar de nuvens de balas, e de grande quan-
tidade de fogos artificiaes , que os defenfores arrojarão
no fofso , de que foraó* mortos , e feridos muitos Sol-
dados} e intentando defmontar as Companhias de ca-
vallos, para dar o afsalto , chegou opportunamente o
Meítre de Campo Vafco de Azevedo Coutinho com
quinhentos Infantes; foccorro, que viíto pelos Galle-
gos , abraçarão por ultimo deíengano a entrega do For-
te , e o renderão ao fegundo dia do combate. Achara o-
fe nelle féis peças de artilharia , quantidade de muni-,
çoens , e conítava a guarnição de quinhentos Soldados.
Ficou-o governando o feu Alcaide mór Manoel de Sou-
fa de Menezes , que havia lido hum dos que com gran-
de valor o recuperarão. Deixou-lhe Joaó Rebello qui-
nhentos Infantes , e retirou-fe a fe curar á Villa da Bar-
ca , e a mais gente ao exercito , que hia acabando fem
oppoíiçaõ o Forte começado 5 e poíla em perfeição a
cbra , o deixou o Conde do Prado entregue ao Meítre
de Campo Manoel Nunes Leitão com mil Infantes nos
M 2 Terços
iSo PORTUGAL RESTAUKADO,
Anno Terços de D. António Luiz de Soufa feu filho mais ve-
r v^ lho , e Gónfalo Vafques da Cunha , duzentos cavallos,
00 3* oito peças de artilharia , e as mais prevençoens necef-
farias para hum largo li tio , e dividio o exercito pelos
quartéis. O Conde de S. Joaõ voltou para Trás os Mon-
tes com as fuás tropas ; porque D. Balthaíkr Pantoja, ha-
vendo poíloem defenfa o Forte dos Medos, também
aquartelou o exercito , e dous Terços , que novamen-
te chegarão de Flandres * e lio meímo tempo nomeou
EIRey de Caftella Viíb-Rey de Galliza a Luiz Poderi-
co , que havia fido Meftre de Campo General de Dom
Joaõ de Auítria. Hofpédou-o o Conde do Prado , man-
dando o Tenente General da Cavallaria Joaõ da Cunha
Soto-Mayor com feiicentos Infantes , e fetecentos ca*
vallos entrar em Galliza por Chaõ de Caftro, e depois
de queimar, efaquear muitos lugares abertos, fe re-
tirou fem oppoíiçaõ. Ofuccefso daempreza do Forte
deGayaõ foi de muito grandes confequencias , aflim
pelo valor , com que fe cònfeguio , como pelo damno,
que os Gãllegos receberão nas entradas , que íe fizeraõ
por aquella parte , e os Povos de Entre Douro , e Mi-
nho pafsando de conquiftados a conquiftadores, fe ani-
marão a concorrer para novas emprezas.
Na Província de Trás os Montes havia affiítido o
Conde de S. João todo o tempo antecedente ao que
pafsou a Entre Douro , e Minho , e accrefcentando os
Terços , e Companhias de cavallos a tanto , e tão lu-
zido numero de Soldados, que lhe não excedião algu-
mas das outras Provincias •, fendo tão pouca a difpeza,
que parecia incrivel , que a induftria pudefse vencer
tantos impoífives. Forão maravilhofos oseífeitos de-
ltas prudentes attençoens ,• porque não fó deílruio fem
refiftencia todo o paiz confinante , de que fe originou
f a zerfe-lhe tributário*, mas penetrou o centro dos Rey-
Receitmos Rey^ nos de Caftella , Galliza, e Leão , que lhe ficavãofron-
c^/eíu^Lean teiros ' e enriqueceo os Soldados, e paizanos ,• os quaes
ijceila, e Leão , x ~ " " 2" 7~ ' ~.J" "'. r7 " ' ~x '
. opulentos com os delpojosconcorriao anciolamente pa-
_ 1 /"_ _ /-i-i ^-> i . • • -t
grandKfimo da
ao.
ra os progrefsos. Teve o Conde noticia que nos lu-
gares de Souto , Chão , Berrande , e Arçoa eftava alo-
jado
P^RTE II. LIVRO IX. 181
.Sado o Terço do Meílre de Campo D. Diogo deEníe, AntlO
eoutras Companhias de Infanteria , que haviaõ affifti- ,.
doem o-exeráto de Entre DoUro , e Minho. Saiuo de louí'
Monforte avinteedous de Janeiro com ietecentos ca-
vallos,e amanheceò entreTos alojamentos referidos Aem
fer ientido : valendo-fe da conhecida felicidade , entrou
nos lusares , e vencendo toda a confufa oppofiçao, pou-
cos inimigos efcaparao de mortos, e priíioneiros. Re-.
tirou-fe, e repetio as entradas, preparando-fe junta-
mente para a facçaó de Entre Douro , e Minho , de
<me demos noticta pafsando a Trás os Montes. Conti-
nuou até o fim do armo , que efcrevemos , fimilhantes
acçoens fem a menor contradição. #
A Província da Beira governava no principio deite
anno o Conde de VUla-Flor. Foi nomeado para o go-
verno das Armas de Alentejo , e fuccedeo-llie com o ti-
tulo de Meílre de Campo General Fedro Jaques de Ma-
galhães i e como era dotado de valor, zelo , e activida-
de , poz as Praças de importância em defenía , palsou
a Alentejo com os grandes foccorros, de que fizemos
memoria , e deixou a Provinda entregue ao General da
Artilharia Diogo Gomes de Figueiredo , que cuidadola-
mente fe difpoz a defendella , fendo-lhe neceísano to-
da a vigilância pela pouca gente , que lhe havia hcado.
Multiplicou-a com as noticias das prevê nçoens do uu-
que deOfsuna, que com fum ma adi vidade procurava
naõfó divertir os foccorros á Provincia de Alentejo,
mas igualar os progrefsos de D. Joaõ de Auftna: porem
naó pode lograr o intento de fahir em Campanha , an-
tes de confeguida a vitoria na batalha do Canal j por-
que os effeitos naó correfponderaõ ao ardor , com que
os applicava 5 porém naõ defmayaraò as fuás diligen-
cias com avizos da difgraça de Estremadura , antes
íeaugmentarao ; porque fe primeiro pertendia ler emu- ^ Pr9vipcU
lo da gloria de D. Joaó de Auítria , perdida a batalha , da Beira intínm
determinava emendar com a própria felicidade a dif- taoDu^.de
graça alheya. Levado defteimpulfo havendo unido <*£fi?
cinco mil Infantes , e feifcentos cavallos , e todos os initrfre^
inítrumentos preciíos pata fe facilitar huma interpreza,
M 3 mar-
|lí PORTUGAL RESTAURADO,
Anno marchou o primeiro da julho para a Praça de Almei-
1662 da' prefumindo poder ganhalla por afsalto, com ano-
V ticia da pouca guarnição , que a íegurava : e chèyo de
eipiritoío ardor gaitou as horas da marcha em exhor-
tar com palavras , rogos , e promefsas aos Gfficiaes , e
Soldados , infiuuando-lhes a fortuna de fe ganhar a Pra-
ça de Armas da quella Provinda , ehuma das melhores
de Portugal , empreza tanto mais relevante , quanto o
tempo era mais calamitofo ; podendo ler as infelici-
dades de D. Joaõ de Auítria realce da fua gloria , que
a todos fe communicava , lembra ndo-lhes os muitos lu-
gares, ricos , e abundantes , que íicariaó fujeitos ao feu
-domínio , e encarecendo-lhes os interefses , que haviaô
deconfeguirnosdeípojos de Almeida , depoíito do ca-
bedal mais preciofo dos lugares da Raya , por coníide-
rarem os paizanos naquella Praça a mayor íegurança ;
ede toda a Rhetorica antecedente pareceO íer eíta a
maisefficazj porque logo que a proferio , iègurarao
os Soldados ao Duque a reíbluçaó , com que de termi-
na vaõ obedecer-lhe.
O mefmo dia , que os Caítelhanos fahiraô de Ciu-
dad-Rodrigo , entrou Diogo Gomes de Figueiredo em
Almeida •, porque,tendo noticia das prevenções do Du-
que de Ofsuna , refolveo prudentemente íegurar a Pra-
ça mais importante : efoi taõ útil o acerto deite dif-
curfo , que dependeo delle a liberdade de toda aquella
Província,* e fazendo marchar a gentey que achou mais
prompta , conítava a guarnição de duas Companhias
H ap.teria PaSas > de quinhentos Auxiliares do Ter-
ço de Pinhel, e de cento e cincoenta cavallos , em
que entravaò duas Companhias de Trás os Montes , de
que_ eraõ Capitães António de Souía , Senhor de Vai
dei erdizes , e Balthaíar de Carvalho , e quantidade de
paizanos, aíTim da Praça , como dos lugares vizinhos.
As poucas horas , que Diogo Gomes teve dcíe preve-
nir , gaitou em reparar as minas da muralha mais pe-
ngoia, em repartir os póílos, e animar os defenfo-
res ao combate, fe acaíb fofse aquella Praça inveíti-
aa^o que até aquelle tempo ignorava. Duas horas an-
tes
PARTE 11. LIVRO IX. 1*3
tes de romper a manhãa de dous de Julho , fe manife- Anno
ftou a reíolução do Duque de Ofsuna 5 porque , fen- , ^
tindoasAtalayas o rumor da marcha dos Caftelhanos, I0Uv
tocarão a arma , efem fe interpor grande dilação , foi D4gaf,u^
a Praça invertida por cinco partes y três para o empe- reíira.fe com
nho , duas para a diversão. Pelo chafariz , e baluarte grandS£trdat
de S. Franciico íe reconheceo maior o impulfo ; por-
que, arrimando quantidade de efcadas , fubirão os Ca-
ílelhanos ao alto da muralha favorecidos de mampo-
Itas, bombas, e granadas, e quali ao mefmo tempo
arrimarão hum petardo á porta do Barro; que ainda
fez maior damno aos que o conduzirão , que na por-
ta , a que o applicarão 3 porque , rebentando matou , e
ferio os que ficavão mais vizinhos," abrio huma peque-
na brecha , que , iuppoíto não deu mais lugar , que a
poder entrar hum fó homem , houve muitos Officiaes,
que fe arrojarão galhardamente ao perigo, defprezau-
do os efpectaculos dos que acabarão a vida na refolu-
çaõ j porque os valoroíbs defenfores animados do Ge-
neral da Artilharia fe oppuzeraó a todas as partes , por
onde forao inveíHdos , taò heroicamente , que foi ca-
da acçaõ merecedora de hum elogio ; e augmentando
aconfufaõ da noite o horror do combate, desbaratou
a luz da manhãa eíte embaraço , para que naò ficafsera
encobertas tantas acçoens illuftres. Em todas as partes
& pelejava com grande ardor , e a todas acodio Diogo
Gomes com igual vigilância : porém o Duque de Ofsu-
na esforçando osfoccorros, e animando os combates ,
íe confiderava fenhor da empreza. Defenderão a brecha
os Capitães de cavallos de Trás os Montes , e depois
de a fegurarem , acodirao ás partes , onde fe neceífíta-
vamais do leu foccorro. Eraó já oito horas ,• e vendo
Diogo Gomes a perfiítencia do combate , temendo o
perigo da Praça , applicou o ultimo esforço á fua de-
fenfa ^ juntou hum troço de gente , e correo ao baluar-
te de S. Francifco , que os Caítelhanos haviaó entrado,
e encontrando felicemente ao Meítre de Campo, que era
Cabo da gente do afsalto , lhe correo com a deíireza ,
de que era dotado no jogar das armas , huma eítocada,
M4 epaf-
_
y
141
í U PORTUGAL RESTAURADO ,
Anno e pafsando-o por debaixo de hum braço , o precipitou
• ^ da muralha, ebaítou eíle valorofo golpe para dei en-
00 ?f gano de todos, os queeíhvaô dentro da Praça, eiii-
biao pelas eicadas ■, porque logo começarão a moítrar
menos refoluçaó., e de forte a accrefcentaraõ nos de-
feulbres eílas apparencias , que em breve eípaço dei-
empediraõ a Praça detaõ perigofos hofpedes , e jogou
ábbre elles , e fobre a mais gente, que eítava formada
diante da Praça a corpo defcuberto , taõ fu rio lamente
a artilharia , e mofquetaria , que defenganado o Duque
deOísuna de lograr o intento, que havia fabricado,
mandou tocar a recolher , e retirou-íe para Ciudad-Rc-
drigo com perda de quatrocentos InfanteS.Morreraõ na
Praça cincoenta Soldados , eíicáraõ outros tantos feri-
,dos , e logrou Diogo Gomes univeríaí eíHmaçaõ do va-
lor , e acerto , com que preíèrvou na defenfa delia tcda
^quella Provinda. Brevemente chegou a governalla Pe-
dro Jaques de Magalhaens com os foccòrros , que havia
levado a Alentejo ; e dentro 'de poucos dias o nomeou
EIRey Governador das Armas do Partido de Almeida ,
e a Affbnío Furtado de Mendoça do de Penamacor ; e
ambos amigos no trato, e emuios na gloria começa-
rão a augmentar as tropas do» dous partidos com gran-
de acerto : porém tendo Pedro Jaques ordem para man-
dar a Cavallaria , e Infanteria de íòccorro á Provincia
de Trás os Montes , ficou detouido das forças, que
ihe erão necefsarias para cobrir todos os lugares do
;feu Partido ; e os Caílelhanos valendo-fe defta noticia,
jfizerão algumas entradas por Moníanto , Caítello-Me^
Jhor , e outros lugares , de que levarão prezas confide-
raveis. Em fatisfação deite damno mandou Pedro Ja-
ques ao Meítre de Campo Manoel Ferreira Rebello ao
lugar da Redonda com alguma Infanteria ; faqueou-o,
e queimou-o. O mefmo fuccefso teve a ViJia de Pa-
itor. O Duque deOfsuna deefpirito bellicoíb , eini-
jnigo do defcanço , defejando divertir os progreisos do
Conde do Prado , e ajudado das tropas de Extremadu-
ra, iahio em Campanha com cinco mil Infantes, no-
vecentos cavalios } e féis peças de artilharia , e ama-
nheceo
VARTE II. UJSRO IX i#j
nheceo a quatro de Dezembro fobre o Forte Vai de La-
mela fituado huma legoa diftante de Almeida. Era a
fabrica de pedra , e barro , e com pouco terrapleno: go-
v^rnava-o o Capitão Joíeph de Abrunhoia , e guame-
cião-no íefsenta Infantes Auxiliares ■, porem nao ueí-
mayando a confiança do Capitão á vifta do perigo , iof-
freo muitas horas as baterias da artilharia , que lhe ar~
ruinarão totalmente as muralhas. Com efte defengano
rendeo o Forte , capitulando i fahirem os Soldados com
armas , e pafsarem a Almeida íem oífenfa da fua roupa:
porém quebrando-lhe indignamente a capitulação ( la-
béo dos exércitos, que cahem neíle erro ) os deipojarão
do que conduzirão. -■
Pedro Jaques com a noticia deite fuccelso puxou
por toda a gente , que lhe foi poíiivel , avizou a El-
Rey , deípachou correyos a todas as Províncias , guar-
neceo as Praças , mais como podia , que como deiejava,
e mandou dizer ao Duque ; que fe o leu intento era ,
que elle chamafse de foccorro a gente , que tinha de
Entre Douro , e Minho , que era baldada a lua efperan-
ça, porque não neceílitava delia, como o tempo bre-
vemente lhe moítrariai e porque coíhimava ratificar
com as obras as palavras , mandou tomar língua a Gui-
naldo , Villade feifcentos fogos , e que íervia de Pra-
ça de Armas aos Caftelhanos -y e conítando-lhe que ti-
nha ficado com pouca guarnição, ordenou ao Meftre
<te Campo Manoel Ferreira Rebello , que aííiíHa em AU
fayates , três legoas de Guinaldo , que marchaíse a in-
terprender aquella Villa com mil Infantes , ecemca-
vallos , fiando-fe , em que ficava tao diítante de Vai de
la mula , que primeiro Manoel Ferreira fe poderia re-
tirar , queoDuquedeOfsunaopudeíseoírender Vef-
pera da Conceição marchou Manoel Ferreira , a execu-
tar efta ordem , e fuppondo que chegaria a Guinaldo
antes de amanhecer , lhe fuccedeo pelo contrario , por-
que lhe íahio o Sol muito apartado da Villa : por eíta
c-uifa duvidarão os Officiaes a empreza 5 porém Manoel
Ferreira tomando fé no dia do Orago do Reino , e nao
acçoens felicemente executadas nos muitos anrtos de
Solda*
Anno
166 y.
iU PORTUGAL RESTAURADO,
Ànno Soldado ■, os animou á empreza. Com muito valor avan-
1662 cara° tôdos> Villa , efoi Manoel Ferreira o primei-
r ro , que entrou pela porta , e deteve a fúria de alguns.
•Caítelhanos, que corria õ a cerralla. Chegou toda a gen-
te ,. e aísaltando a Villa por varias partes, entrarão den-
tro com pouca refiítencia , e ganharão o Caftello com
a meíma felicidade. Ficou prifiòneiro o Governador , e
alguns Soldados ; faqueou-íea Villa , e queimou-fe.- foi
o defpojo riquiíTimo , e fe multiplicarão os avanços com
huma grande preza de gado , retirando-fe Manoel Fer-
reira íem oppoíiçaô alguma.
O Duque de Ofsuna ,j que.eítava alojado entre Vai
de la mula , e a Aldeã do Biípo , dando principio á fa-
brica de hum Forte , fentio .muito eíte lucceíso , e pa-
ra íe defpicar delle , mandou faquear a Aldeã de Mido;
porém achou-a deipovoada por ordem de Pedro Jaques.
Puzeraõ os Caítelhanos fogo ás choupanas vazias / e
pafsaraó ao lugar da Reygada,. duas legoas de Almeida;
porém acharão dentro algumas Companhias de Auxilia-
res de Trás os Montes , que refolutos a defendelio , o
coníeguiraõ á culta de muitas vidas dos inimigos. Af-
fonfo Furtado tendo noticia do intento do Duque de
Oísuna , pafsou a Almeida nos últimos dias de Dezem-
bro , e no feu Partido naõ fuccedeo eíte anno acção dig-
na de. memo ria.
Deixamos no fim do anno antecedente flu&uan-
do a prudência da Rainha DonaLuiza na tormenta fu-^
rioía de tempos contrários , fem j que a certeza da aura
popular pudefse fegurar-lhe a tranquillidade. Via intro-
duzido no governo do Reino a EIReyD.AíFonfo , co-
mo fempre defejara , mas naõ como convinha. Coníi-
derava no Infante D. Pedro ornado de todas as virtudes,
de que devia comporfe, hum Príncipe perfeito 5 porém
taõ mal cultivadas na forço fa companhia d'ElRey, que
defconfiava de fe poderem adiantar com virtuola tem-
perança. Conhecia, que no governo d'ElRey fe naõ po-
dia efperar adminiítraçaõ por capacidade própria ? ha-
vendo tomado tantas forças a inhabilidade , que o fa-
zia até infeparavel da direcção alheya. Obfervava que
- toda
P^RTE ://. LJFKO IX. !í%
toda a felicidade corria em beneficio do Conde "de Caí- AnriO
tello-Melhor ,' porque as íubtilezas de Sebaítiaõ Ceíar '
arruinavaó toda a kia fortuna, e os deíapegos do Conde x ° ® 3 •
de Atouguia deiíemperavaó toda a fua prudência , e ou
os três íe coníervaíkm , ou qualquer delles prevaleceí-
fe } íempre lhe havia de ler iniupportavel a fortuna de
todos y porque íe conformava ó no diícurío de entende-
rem , que era conveniente á lua coníervaçaõ ieparalla
de leu rilho,* o que íe verificava em vários acciden-
tes : porque, íe acaío EIRey íe moítrava em alguma ac-
ção o menor carinho , logo a Rainha experimentava
occafiaõ de enfado j e havendo- por todos eítes reípei-
tos eícolhido por ultimo receptáculo das fuás virtudes,
e por único templo do íeu decoro o Convento das Re-
ligioías Agoltinhas Deícalças , que tinha mandado fa-
bricar no íitio do Grilo , caminíaavaõ as obras a paíso
mais lento , do que requeria a fortuna do tempo , que
tolerava. Neíta confideraçaò intentou , em quanto íe
dilatavaõ as obras , paísar do Paço para os Paços de
Xabregas (em que vivia aCondeísa de Unhão ) unidos
ao Convento da Madre de Deos , com determinação de
abrir porta interior para íe communicar com aquellas
Religioías; que em exemplar obíervancia da efheiteza
dos preceito da Regra de Santa Clara reftriítos por San-
ta Coleta , e pelos eítylos , em que a devoção afFectuo-
fa das fundadoras (naõ diminuida por todas , até as que
eíte tempo lhe fuccederaõ) íingulares na virtude , e illn-
ítres nofangue, vivem em Angélicos exercicios , mo-
lhando , e íeguindo o caminho verdadeiro da vida eter-
na.Negou-fe-lhe a eonceísaõ deíle deíejo com apparen-
tes demonftraçoens de agrado ,• e neíle tempo paliou
EIRey a Salvaterra, e foi tirado o Infante da tutoria
da Rainha. Voltou no principio da.Quareima: edeíe-
jando os Miniítros , que o governavaó , acabar de íè-
parar a)Rainha da fua comunicação , lhe mandarão in-
firmar da parte d'lilRey , que abbreviaíse a mudança ,
que determinava fazer para o íeu retiro : e entenden-
do prudentemente a Rainha, que aefta advertência íe
poderia feguir preceito menos deçoroíò* deliberou rom-
per
m PORTUGAL RESTAURADO,
.'Aflno PerPe^a -grande difficuldade de liabitar poucas ,. e'im>
, , perfeitas caías , que eflavaõ levantadas na quinta , era
,1063» que fe edificava o Convento, que havia mandado fa-
bricar \ efez avizo a EIRey , que tinha determinado
fahir do Paço para o feu novo apofento , Sabbado vef-
pera de Ramos , em que fecontavaõ dez aí ete de Mar-
ço. Facilmente fe lhe approvou eíla deliberação , por
fer a meíma ,que ancioíamente folicitavaõ , osqueti-
~nhaõ poder para confentilla; e refpondeo EIRey , que
elle eílava prompto para a acompanhar , como era obri-
' gado.
No dia referido fahio a Rainha do Paço acom-
panhada d'ElRey , do Infante , e de toda a Nobreza;
entrou em huma carroça negra , que mandou fazer de-
pois da morte d'ElRey feu marido , e que não teve ex-
ercido mais quenaquelle dia, íérvindo4he de tumu-
lo portátil , que a conduzio a outro nao menos melan-
cólico , em que depofitou o pouco tempo, que lhe
durou a vida , o efperito mais heróico , e o animo mais
Real , que ornou nao fó o prefente , mas os paísados
feculos. EIRey , e o Infante acompanharão até entrar
na carroça , havendo fahido da fua antecamera entre
Jium , e outro Principe \ e depois de entrar nella , a fe-
guiraõ até a quinta, etoda a Nobreza , ePovo, quê
concorreo a admirar , e fentir aquelle efpedtaculo j e
com vozes mudas , que feexprimiaó em differentes con-
ceitos, fe declarava ouniverfal eícandalo, que feac-
crefcentou na ultima acção neíte adio d(ElRey feu fi-
lho ; porque chegando a Rainha á quinta , e tirando-a
EIRey da carroça , a acompanhou até a primeira caía >
e nella lhe voltou as coitas , fem fazer , como era obri^
gado , alguma demonítraçaô de obediência , ou de ca-
rinho ; feguindo o Infante violentado o mefmo exem-
plo , naó querendo expôr-fe em adio taó publico á in-
advertida cólera d'ElRey.A. Rainha fem perturbação al-
guma voltou o roílo para a efcada , em quanto feus fi-
lhos a deícerao , refplandecendo nella taõ mageílofa,e
agradável feveridade , que pudera dar leys ao carinho,
e á circunfpecçad. Beijou-lhe a. maò toda a Nobreza :
' mn huns,
"VÂRTE II. LWfiO IX. 1Í9
huns, porque riaõpuderaõeícufar-fe deita ceremoniai AnflO
outros , porque naó quizeraô faltar á obrigação de ex- .,
ercitalla : aquelles , porque cegamente caminhavao pe- u f*
los errados paísos daliíonja; eítes, porque heroicamen-
te íeguiraõ os documentos da razaò. Voltou ElRey pa-
ra o Paço , e no caminho proferio taõ desconcertadas
razoens contra o reípeito , que devia a Mãy taõ herói-
ca , que naõ pudéraó lavar tantas manchas as lagrimas
generoías , que o Infante derramou piedoiamente,obri-
gado dofentimento de ouvir ElRey , edafaudadede
huma mãy taõ merecedora de fer amada , deíprezando
as reprehenfoens d'ElRey , que lhe condemnou , como
pueril , efta louvável demonftraçao. A Rainha fe reco-
Lheo ao feu apoíento fem mais companhia de pelsoa
principal, que a de Dona Habel deCaftro , que tirou
do Mofteiro dal ncarnaçaõ (de que foi Commendadeira
depois da morte da Rainha) fem mais caufa , que fiar
da fua virtude , e grande entendimento a fiel aíliíten-
cia, que efperava lhefizefse; prudente diicurfo acre-
ditado nefte fuccefso , e em todo o tempo , que lho
durou a vida. Compunha-fe mais a família da Rainha
de algumas Donas da Camera , e outras criadas de ex-
ercício inferior , e rodeada deita limitada Corte, que
com dilúvios de lagrimas exprimia a fua dor, entre pa-
redes fem guarnição da cal , que coítuma aperfeiçoai-
las , efobre taboas mal ajuítadas efpalhado , econfu-
fo o fato, fem diítincçaõ do preciofo ao abatido , fe fen-
tou a Rainha em huma cadeira, e com natural leve-
ridade refpladeeendo mageítade no Régio femblante ,
proferio as razoens feguintes : Depois que a minha
difgraça foi taó poderofa , que me deixou viva pa-
decendo a pena de ver a ElRey, que efta em gloria,
na fepultura , fizeraõ no meu animo os defenganos ha-
bito taó impenetrável a outro fentimento , que poiso
fegurarvos com verdadeira affirmaçaó , qtie naõ íóme
naõ moleftàõ os accidentes da fortuna , que vos fazem
laftima, fenaó que , perfuadindo-me que faõ eífeitos da
Divina Providencia, faço por uzardelles como antído-
to de impulíbs nocivos ao focego do efpirito. Aceitei
ogo-
,1663
ioo PORTUGAL RESTAURADO,
AntíO o governo do Reyno mais por obediência, que po
vontade , em oblervancia da difpofiçaõ do teítament
d'ElRey , e a ppliqueime afazer tudo , quanto me pa
receo conveniente para o confervar , e defender de feu
inimigos , e para que meu rilho o lografse pacifico , <
feguro. Confegui muitas em prezas grandes na mefm;
forma , que as intentei y outras íe medefvaneceraõ
porque me faltarão os homens , que efcolhi para inítru
mentos de fe facilitarem. Solicitei com incanfavel cui
dado defvanecer,e domar as adverfas inclinaçoens d'El
Rey , e com grande dor minha me naó foi poííive
coníeguillo -, porque os achaques , que padeceo no cor
po , lhe defcompuzeraó totalmente as attençoens d(
animo : eos que procurarão governar o Reyno pelo ca
minho de o dominarem , apparentemente pertendera<
moílrar, que tranfplantavaõ em virtudes as fuás dei
ordens , o que puderaõ confeguir fem oífenfa do mel
refpeito , conhecendo ( fuppoíto que publicarão o con
trario) que ha muitos dias, que naõ appeteço mai
felicidade , que o fpcego, que pela mifericordia de Deo
neíte ponto começo a confeguir 5 e que fó me puder
perturbar reconhecer em vós outras de menos contenta
meto do que defejo, quando vos confelso,e feguro per
petuo agradecimento á fineza , com que vos refolveíte
a acompanharme neíte retiro -} epara queleja maior |
minha obrigação , vos peço , que appliqueis eíta íoma
na efsas lagrimas a motivo mais fuperior ; porque m
tempo , em que coníideramos ao Filho de Deos mort(
pelos peccadores , naõ feja jufto que , divertindo-no
deita precifa contemplação , façamos facrilegos os len
timentos.
Refpondeo Dona Ifabel de Caítro a eítas heróica
razoens da Rainha,que as fuás efclarecidas virtudes erac
tão elevadas , quepertender individuallas feria entrai
no riíco de oíFendellas : que todas as que eítavão pre-
íentes proteítavão obfervar osfeus preceitos com con-
ítante obediência , e infeparavel affeclo ; e lançando-
fe , e todas as mais aos pés da Rainha , merecerão que
amorozamente as abraçafse $ epafsando á Tribuna d^
Igreja
PJRTE II LIVRO IX. 191
Treja 5 que eítava adereçada para o culto da Semana AntlO
^nta , deu principio aos íieroycos exercicios , quecon-
ínuou todo o tempo ,.que lhe durou ávida. Ruy de 1063.
doura Telles, D. Joaõ de Soula , e mais criados da Ral-
ha continuarão com grande pontualidade aaífiítencia
e feus officios.
Antes que a Rainha entrafse na lua reclufaõ , ha-
iaõ tido principio algumas difsenfoens entre o Conde
e Atouguia,e o de Caítello-Melhor por differentes mo-
ivos. Fomentava eíta defuniaõ com grande induítria
ebaíliaõ Cefar , folicitando enfraquecer o poder dos
pus competidores , para eítabelecer a fortuna própria
a diígraça alheya. OíFereceo-fe opportuna occafiaõ;
orque partindo EIRey para Salvaterra , o deixou de
^ompanhar o Conde de Atouguia , obrigado de alguns
iconvenientes dómeíticos. Neíte tempo adoeceo Dom
,uiz de Menezes , a quem EIRey havia nomeado Ge-
eral da Artilharia da Província de Alentejo , e a ref-
eito do feu achaque fe juntavaõ em cafa de feu ir-
íaó o Conde D. Fernando , onde elle aíliftia , o Con-
e de Atouguia, Luiz deSoufa , que naquelle tempo
ra Governador da Relação do Porto , agora meritiííi-
10 Cardial Arcebifpo de Lisboa , e Capellaô mór d'El-
,ey ,0 Vifconde de Villa-Nova , Manoel de Saldanha,
epois Bifpo de Vifeu , e Joaõ Nunes da Cunha , ta ru-
em depois Conde de S. Vicente: e naõ havendo na con-
erfaçao mais afsumpto , que o divertimento , fe to-
tou motivo defta accidental fociedade , para, fe fup-
or , que mais alto fim era occaliaõ deíla junta; e paí-
indo-fe do difcurfo á pratica , fe deu noticia ao Con-
e de Caítello-Melhor , que com celeridade deu conta a
.IRey , e fem preceder exame mais jurídico , fe paí-
)U ordem, para que Luiz de Sou ia fofse deíterrado
ara Abrantes , Joaõ Nunes da Cunha para o Porto , e
ntonio de Sou fa Tavares mandou EIRey prender na
ortaleza de Outaõ , fuppondo-o também unido a eíta
afcialidade. Com os mais fe naõ fez demonítraçao al-
uma : o que manifeítou a defigualdade deita refolu-
I© j porque, fendo a culpa igual , era juíto que fofse
igual
i9t PORTUGAL RESTAURADO ,
gando noticia ao Conde de Atouguia como Joaó Nu
nes da Cunha era feu primo com irmaõ , e Luiz de Sou
ia de fua primeira mulher , e ambos iatimos amigo
feus , com arrebatado impulfo paísou a Alcantara,e fal
lou a EIRey em publico , dizendo , que os deírerrado
eraó taõ merecedores da maior eftimaçao , que , fe fÔ
rao permittidos os deíafios públicos , fuílentara a pu
reza das íuas acçoens , e a infallibilidade do feu pro
cedimento ; è fahindò da prefença d' EIRey fem aguar
dar reípoíla , voltou para Lisboa a acompanhar os dei
terrados algumas legoas fora da Cidade. Eíle defabri
mento foi principio de outros , que fucceílivament
acontecerão entre o Conde de Atouguia , e o de Caílel
lo-Melhor , com que quaíi totalmente ficou entre elte
feparada a communicaçaõ.
EIRey depois da reclufaõ da Rainha largou de ta
do a rédea aos feus illicitos divertimentos , fendo hun
dos mais prejudiciaes fahir todas as noites fora do Pa
ço acompanhado de facinorofos , nuns a pé, outros
cavallo , a que fe dava titulo de patrulha alta , e ba:
xa. Eíles infolentes homens fe arrojarão a executar e^
torçoens taõ inauditas, que chegarão a fubir aos termc
de inexplicáveis. Foi entre ellas huma das mais laít
mofas a morte de Pedro Severim de Noronha , Secrí
tario das Mercês , e Expediente , e rilho mais velho d
Gafpar de Faria Severim , fem mais caufa , que recc
lhendo-fe na primeira hora da noite para a fua cafa a ca
vallo pelo arco do Ouro * e encontrando infelicemen
te naquelle fitio a liteira d'ElRey , pedio aos que
conduziaõ, que fe defviafsem para lhe dar caminho
íem conhecer de quem era a liteira: bailou efta incu
pavel propofiçaõ para irritar de íorte a infolencia dí
quelles homens , que inveftindo-o todos juntos , o dei
ribáraó do cavallo , em que vinha , com tantas , e ta
mortaes feridas , que acodindo ao rumor da pendenci
o Conde de Caílello-Melhor do feu quarto , que fteí
vÀÉÈtíii imo n. 193
va vizinho, levou com. grande pena a Pedro Seve rim Alino
para fua caía , que brevemente perdeo nella a vida com ,,
geral fentimento de toda a Corte , aílim pelo etcanda- i0D>'
lo da morte ., como por ler merecedor Pedro Se ve rim
pelas luas boas partes de toda a commiieraçaõ. Aef-
te excelso fe feguiràó outros graviffimos , fendo os mais
eícandalofos profanàr-fe o fogtado nos 'Co tive ri tos das-
Religioías , e exquiíitas exorbitâncias nas cafas das mu-
lheres maisexpoítas , e huma delias efcolheo EIRey , e
lhe deu eítimaçaõ de refpeitada Dama, fem ^ mais di-
vertimento , quefervir deapparente rebuço á iuaim-
poílibilidade.
Neíte tempo chegarão a Lisboa António , ejoaõ
•de Conte , que eftavao deílerrados na Bahia por or-
dem fecreta d' EIRey. Attribuio-fe eíta novidade a di-
ligencias politicas de Sebaftiaó Cefar , fuppondo-fe de-
terminava adquirir com a negoceaçaõ de António de
Conte arbítrio abfoluto ; e f oi taõ efficaz eílaperfuâ-
faó , que íem outra prova concludente foi mandado
Sebaítiaõ Cefar fahir fora da Corte com permif&aõ dè
poder aíiiítif duas legoas delia ,• e António de Conte ,
logo que defembarcou, teve ordem para fe retirar a hu-
ma quinta fua no lugar deOeyras, pouco diftanteda
Corte ,-e ElPvey defejando fummamente tornar a reíli-
tuillo áfua aíliítencia , fe naó refolveo executallo,^ por-
que o ligavaõ prifoens mais forçofas ; porém naõ po-
dendo conter odefejo de lhe fallar, nem impedirlho
os que defejavaó defviallo deite intento , lhe £ aliou va-
rias noites,* econftouque * querendo em huma delias
trazelo para o Paço , o repugnou prudentemente Antó-
nio de Conte , dizendo a EIRey , que eíle feu favor de-
via ter principio em S. Mageílade reílituir os Fidalgos
deílerrados ao focego de fuás cafas , porque eíle leria
o caminho de não tornar a perigar a fua fortuna : po-
rém EIRey, que com facilidade fe divertia das incli-
naçoens , não continuou 110 favor de António de Con-
te ,» e a fua inquietação fe focegou com o ordenado
da apofentadoria de Moço da Guardaroupa , mil cruza-
dos de renda , e a Thefouraria , e Beneficio de S. Mi-
N guel ]
°¥J5
-
í94 POVWGAL "BifiSXJUKAlX) ,
Anno guji 4e freixo Par^ ieu irmão Joaò de Conte ,e ambos
'ss. fe n ie arrojarem a novos embaraços, desfrutarão de-
1005 4 pois focegadamente os interefses , que por íua induílris
haviao adquirido ', confeguindo o Conde de Caítello-
Melhor queElRey mandaíse a António de Conte aífiitit
na Cidade do Porto ; reíulta de huma imaginada confe-
deração, que examinada fem prova alguma publica, foi
deíterradj SebafliaõCefar para o Convento da Batalha,
e D. Theodofio de Mello , irmão do Duque do Cada-
val , mandado apartar cincoenta legoas fora da Corte*e
chegou a tanto extremo a violência d<ElRey , que con-
jeílurando-íe, que Luiz Corrêa de Torres , (a quem a
Rainha coílumava chamar , para lhe applicar alguns re-
médios a vários achaques , que padecia nos dentes ; po-
deria fer inílrumento de íe communicar a Rainha com
alguns Miniítros, o. chamou á íua prefença , e com a
eípada na maõ o examinou , perguntando-lhe a certe-
za deíta.inferencia: porém naõ fe rendendo Luiz Corrêa
ao terror deíles ameaços , feguramente íuílentou a ver-
dade de naõ íaber couía alguma da matéria , que ie lhe
perguntava > inteireza , de que lhe refnltou naõ perigar
a fua innocencia ; privilegio ordinário da virtude, iíen-
tar-le dos excefsos da cólera.
Chegou neíle. tempo de Alentejo a Lisboa Simão
de Vaíconcellos de Souía mal convalecido da fenctã da
balademofquete , que recebeo na batalha do Canal;
e fuccedendo continuar a affiítencia do Infante , coníè-
,guio afortuna de merecer o feu agrado pelo valor ,
com que havia procedido ,* por fereíte o maior íbbor-
110 para obrigar o generofo , e alentado efpirito do In-
fante: e acontecendo padecer naquella occaíiaó huma
grave enfermidade, o tempo , que durou , lhe afíiítio Si-
mão de Vaíconcellos com tanto difvelo , e com tanta
attehçaõ de que naó communicaíse a outra alguma pef-
ioa o feu favor , que fe introduzio entre todos os Gen-
tis-homens da Camera do Infante taõ confiante defcon-
£ança , que logo que o Infante convaleceo da enfer-
midade, que havia padecido , íefepararaõ totalmente
da lua aífiílencia. Foi a noticia da caufa deíla demon-
ftraçaõ
PARTE II. LIVRO VIII. ioy
ftraçaó taò geralmente extranhada , que chegando ao ^nno
Conde de Caílello-Melhor efce vulgar reparo , aconfe- >
lhou prudentemente a EIRey , quechamafse aosGen- Io°5*
tis -homens da Ca mera , e os difsuadifse da lua deter mi-
nação, compondo-lhes a fua queixa com attribuiraos
eíFeitos da doença do Infante qualquer defabrimento ,
que tivefsem experimentado. Teve execução eíte dií-
curfo chamando EIRey aos Gentis-homens da Camera
á íua prefença , e ficou fó exceptuado o Conde da Eri-
ceira D. Fernando de Menezes , entendendo-fe, que fo-
ra a razaô haver-fe feparado do governo o Conde de
Atouguia feu primo comirmaó , e deíejarem os moto-
res deílas politicas atalhar todos os meyos de fe tor-
nar a rellituir a elle i fem fazerem reparo no muito ,
que era útil á educação do Infante o exemplo das vir-
tudes do Conde , e a doutrina útil da fua entendida
fciencia , que pudéramos expor com mais próprios fun-
damentos , dos que teve Tácito para efcrever a vida
de Júlio Agrícola , fe nos naò comprimira a modeítia de
ferem mais apertados os parentefcos.EíHmulado o Con-
de de aggravo taó manifeíto , fe defpedio do ferviço
do Infante i propofiçaõ , que logo EIRey lhe aceitou,
com que ficou mais manifeíta a primeira inferência.
Continuarão os mais o ferviço do Infante até fer no-
meado Simão deVafconcellos feu Gentil -homem da Ca-
mera , e governador da fua cafa ,• e como eíte exerci-
do privava quafi totalmente aos Gentis-homens da Ca-
mera das fuás prerogativas , fe foraõ feparando do fer-
viço do Infante Pedro Cefar de Menezes, Jorge de Mel-
lo , Rodrigo de Figueiredo , António de Miranda , D.
Diogo de Menezes, e Ruy Fernandes de Almada , paf-
fando a Prefidente da Camera. Foi nomeado em feu lu-
gar feu filho Chriítovaó de Almada , e ao mefmo tem-
po foi eleito Secretario do Infante Joaõ de Roxas de
Azevedo , naquelle tempo Defembargador dos Aggra-
vos , e merecedor daquelle exercício , de que fe havia
eícufado António Cabide. O Infante, crefcendo nelle
com os annos o conhecimento do muito , que convi-
nha a fua confciencia , e á fua reputação lepararfe dos
N i efcru-
s\
:
~
h$6 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno^rupulolbs exercícios d' EIRey , íe foi deiviando j
1 66 (luaato 1!le foi P0Í1ÍV31 » ^ iua aífiitencia , e applican-
4O0> do-le á liçiõ da hiítoria , e á pratica das fortificações.
Jogava admiravelmente as armas , manejava ayroía » 1
ícieatemente os cavallos , exercitava deitrameate a ca-
çai e a eílas , e outras utiliifimas doutrinas o inclinava
com inceísaiite ., e louvável difvelo feu Meítre Francif-
co Corrêa de Lacerda \ e eíle exemplo » que pudera fer-
vir a EIRey de emenda , lhe accrefcentava com a in-
veja mais hum defeito; e de forte íe lhe multiplicou
a emulação , que por inítautes foraó creíceudo as cir*
çuniilancias do defabrimeato , e as confequencias dos
perigos da Monarquia , que naquelle tempo mais , que
em algum outro, acreditou o leu grande poder; pois
teve forças para refiíHr aos combates furiofos de tantos»
etaó poderoíbs inimigos domeílicos , e tirar dos peri-
gos da ruína alentos , que lhe facilitarão coroas de im-
mortal gloria , fuperando o poder dos inimigos exter-
nos.
.As negoceaçoens politicas deíle anno nos Reynos
N"£!af trM' ^xtranJl0S correraô todas pela direcção , e prudência do
Marquez de Sande.Em Roma naõ ha via o deixado o po-
der de Caítella mais eftrada , para fe adiantarem as di-
ligencias , que as fe rvo roías , e Catholicas inítancias
da Rainha de Inglaterra , que inflamada na Fé ardente
da verdadeira Religião , confeguio com intervenção d»
Chanceller, e diligencia do Marquez de Saúde mandar
EIRey da Gram-Bretanha a Roma hum írlaadez chama-
do Belling , Catholico de conhecida virtude, intelli-
gent e , e de largas experiências. Diziaõ as inftrucçoens,
quV levou: Que ob ferva fse o eítado , em que íe acha-
va õ as d ifferenças entre o Pontífice , e ElRejr de Fran-
ça , e que d éfse com, toda a brevidade , e legredo par-
ticular noticia ao Chanceller : e a Rainha eicreveo ao
Papahuma larga ? e bem ponderada carta, cuja iub-
ftancia eradar-Ihe conta de haver chegado a Inglaterra;
eque alem de haver aceitado aquella' Coroa pela gran-
deza delia , fora a razão principal o fervoroío deíejo ,
gtie a animava % de, fer vir a Religião Catíioíica Roma>
nac
gecios extran
geirau
PARTE 11. LIVRO 1%. 197
ua: que em poucos mezes de aíTiftencia via confegui-
dppela mifericordia de Deos .effeitos , quepaísando de
liaturaes., fe adiantavaó a parecer railagroios ; felicida-
de que attribuia ao Real , e virtuofo íàngue de Por-
tugal , de que nafcera , por cuja razão ie adiava obri-
gada a repreíenta-r aos pés do Pontífice , que naõ me-
recia menos attenções da Sé Apoítolica o perigo dos fi*
deliííimos Catholicos de Portugal , que oseílragosda
infidelidade de Inglaterra; e que neíla confideraçaõ era
obrigada a expor ao Pontífice pela importoncia da Igre-
ja , e pela juiliça clara , e lèm duvida , as muitas ra-
zoens , que o obrigavaõ a acodir a Portugal , livran-
do-fe do elcandalo , quedava aos Catholicos , e do mo-
tivo , que tomavaõ os Hereges ( ainda falfamente ) de
arguir, que nem fempre na Santa Cadeira deS. Pedro fe
adiava a juiliça igual , que fegurava a afíiílencia do
Efpirito Santo , e que eir.es motivos , que ella reconhe-
cia , e experimentava , não fó como Infante de Portu-
gal, mas como Rainha de Inglaterra , a obrigarão (além
da preciía razão de beijar o pé a Sua Santidade) a man-
dar em qualidade de Inviado a Mon-Senhor Belling , a
quem Sua Santidade poderia dar inteiro credito , a fé a
tudo i quanto dafua parte lhe reprefentafsej fegurando
a Sua Santidade , que na fua mão eflava abrir a porta
a grandes felicidades da Igreja nos Reynos de Inglater-
ra , para que fe achavaõ todas as difpoíiçoens oppor-
tunas , reconhecendo os Hereges , que a juiliça de
Sua Santidade começava a abrir caminho ao remedjo
de Portugal 5 equefuccedendo o contrario , o que não
cfperava^roteftava a S. Santidade o imminente perigo
a que expunha , não íb os principios da refoluçao de In-
glaterra , fenão o rifco da conílancia de Portugal , de
que a união temporal» em que fe achava com Ingla-
terra, pudefse palsar (o que Deos não permittifse ) a
efcrupulos eípirituaes ; e que a Sua Santidade, como
Vigário de Chriílo, tocava attender madura, e deíente-
refsadamente á difpofição do eirado da Religião Portu-
gueza , e Ligleza ; humn para fnftentar-fe, para melho-
rar-fe outra, e que da juiliça» juiz o , clemência , eboa-
"N $ dade
66j
166}
Wf -PORTUGAL RESTAURADO,
Ànno dade de Sua Santidade eíperavaó os dous Reynos o feu
mais; feguro remédio ; e que fuccedendo desbaratar-
' fe tio bem fundado diícurfo , tomava a Deos porteíH-
muaha, de que o único motivo, que a períuadira a
íer 'Rainha de Inglaterra , fora mais , que de Sceptros,
e Coroas , o defejo de fervir á Religião Catholica Ro-
mana , que confeísava , e efperava confefsar até os úl-
timos alentos da vida.Neíla mefma fubílancia efcreveo
a Rainha aos Gardiaes , e principalmente ao CardialUr-
fino , recómendando-lhe também a Milord de Aubing
feu Capellaò mór , para quefofse nomeado Cardial pe-
las luas grandes virtudes , e elevados merecimentos.
Eícreveo EIRey de Inglaterra também a muitos Car-
diaes , com que tinha particular correipondencia , ç
pedia na pertençaõ de Portugal refpoíta formal.
Partindo o Inviado , applicou a Rainha fervorofa-
mente todas as diligencias poííiveis a favor dosCatho-
licos de Inglaterra ,• e fendo muito poderofa a oppofi-
çaó dos Proteílantes , efpalhando que as afíe&uofas di-
ligencias da Rainha períuadiaõ a EIRey a fe declarar
Gatholico , e entendendo EIRey , que em tempo tao
perigoío , e entre ânimos taõ obílinados era necefsario
temperar movimentos revoltofos , chamou a Parlamen-
to , onde deu por efcrito huma proclamação, que con-
tinha circumítancias eísenciaes para a melhor direcção
do governo do Reyno ,* e chegando a fallar nos Catho-
licos , em hum dos capitulos dizia por palavras expreí-
fas as razoens feguintes , miniílradas pelas efficazes di-
ligencias da Rainha: Com a mefma liberdade confeí-
fa.mos ao mundo , que a nofsa tenção naô he excluir
da nofsa piedade nofsos fubditos Catholicos Romanos,
que taô igualmente fe portarão em beneficio nofso nos
fucceíos pafsados , que os fizeraõ merecedores por fuás
acçoens de nofsas Reaes promefsas , efperando da pru-
dência do nofso Parlamento nos aífifta com a fórmaique
lhe parecer conveniente para allivio de tenras conícien-
cias y porque na o feria menos femjuíliça , que áquel-
les, queforao merecedores de premio ,' fel fies negaf-
fe alguma parte da mifericordia , que temos moítrado
áquel-
PJRTE //. LIPKÕ IX. 199
áquelles, que procederão em muito difierente forma ; AnnO
e alem deitas razoens, faõ taò fortes as leys capitães , .>
queeítaõ eítabekcidas contra elles , que iuppolto que LVVr
foisem juítificados no feu rigor pelos tempos, em que
ie promulgarão, confefsamos que nos íena pezado vir
na execução delias , dando morte a alguns dos nofsos
iiibditos lómente pelas matérias da Religião. Porém no
meímo tempo , em que declaramos o mal , que nos pa-
rece eíFufaõ de langue , e nolsas graciolas tentaçoens fe-
i ao para aquelles noísos fubditos Catholicos Romanos,
que viverem pacificamente fem eicandallo , queremos,
queellestodosentendaó, que devem fazer aquillo , a
que faó obrigados pela lua lealdade , e pelo noiso re-
conhecimento , naó offendendo as leys , que já eílaó ,
ou ie fizerem para impedir , ou elpalhar a iua doutrina
em prejuízo da Religião proteftaute i ou ie pela noisa
declaração , conforme a qualidade Lhnifcaa, de nos nao
parecer bem effuíaó de langue fomente por Religião ,
os Sacerdotes tomarem confiança de apparecerem , efe
darem a conhecer em offenia , e elcandallo dos Prote-
ílantes , e das leys em feu vigor contra elles , deprefsa
conhecerão , que fabemos ler feveros , quando a pru-
dência o requere , aflim como iomos brandos, quando
a caridade , e o conhecimento do mérito o pede.
Deita forte difpoz a Rainha o animo d'ElRey , pa-
ra que o tempo , e as diligencias efpiritualmente poli-
ticas foisem com o feu poder, e com afua induítria
enfraquecendo as forças dos Hereges , e todas eítas dif-
poííçoens manejava a grande prudência do Marquez de
Sande com incefsante diívelo , e ao me imo tempo cor-
riaõ por fua conta as negoceaçoens de França , eHol-
landa; porque em França naô havia Mimítro, e em Hol-
landa aíliília António Rapofo com itaõ pouca attençao
dos Miniftros da Corte , que padecia entre os Hollan-
<lezes o opprobrio de defprezado.
Em França fubíiftia de forte a afleiçaó ,. que o Ma-
richal de Turena moítrava a Portugal , que cada dia fe
experimentavaõ maiores efeitos da fua direcção , e
valendo-fe das difsençoens , que havia entre o Pontifi-
N 4 - ce»
""
200 PORTUGAL RESTAURADO,
Á nno' ce , e ÈlRey de França , começou a facilitar os íbccor-
1662 r°S derPortuSaI ajudado da intervenção d'ElRey de In-
V glaterra , de cuja vontade o Marquez deSande difpu-
nha com foccorro fuperior em beneficio de Portugal j
e penetrando os Caílelhanos as forças , que tomava
efte negocio , períuadiraõ a EIRey de França , que da
conferencia , que João Nunes da Cunha continuava em
Entre Douro , e Minho com o Marquez de Penalva , e
D, Balthalar Pantoja , tinha refultado pafsar a Madrid
. . Joaó Nunes da Cunha a ajuítar oTratado da paz em uti-
lidade de Caítella : porém deívanecida eíla fciduítria ,
mandou EIRey de França remeter a Inglaterra cem mil
cruzados ^ que foi o primeiro foccorro , com que fe
abrio caminho aos mais , que depois fe continuarão ■, e
fervia fó de embaraço aos foccorros de Inglaterra , e
França os mios officios , que fazia a Portugal o Con-
de de Cominges , naquelle tempo Embaixador em In-
glaterra , depois de haver íido em Portugal , ganhado
pela diligencia dos Caílelhanos : eo Marquez deSan-
de com taõ grande prudência desfazia todos eiles nu-
blados , que por inftantes hiaó crefcendo as utilidades
de Portugal , ajudando-íè de Haíset Secretario do Ma-
richal de Turena , que com grande intelligencia era ex-
ecutor das ordens doMarichal .Chegou neíle tempo a In-
glaterra D.Francifco Manoel de Mello com ordem d'El-
íley para pafsar a França a folicitar o cafaméto d'ElRey
debaixo da direcção do Marquez de Sande,tornando a
luícitar a pratica do cafamento deMadamoyzella de Or-
leans, que havendo pafsado muito adiante,íè fufpendeo
por ordem d' EIRey ,e nefte intervallo foraõ poderofas
as-negociações da Rainha May de França , e da Rainha
reinante para d ifsuadir a Madamoyzeltado intento,que
te,vcàe cafar em Portugal , facilita ndo-lhepoderfecon-
íeguir o cafamento de D. João de Auítria , dotando-lhe
EIRey de Caílella , ou os Eítados de Flandres , ou o
Eítado de Milaó j eefta induítria foi de taó efficaz ef-
feito , que nao bailarão a reduzir a vontade de Mada-
moyzella, nem o poder d^ElRey de França , nem as ne-
gociaçoens do. Manchai de Turena,* chegando a tan-
to
VARTE II. UVKO IX. 201
to extremo a enleada d< EIRey , que fó por eíte refpei- Afino
to mandou deter a Madamoyzella em Saõ Fragon com ,
diíTimulada prifaõ , até dar a"1 ultima reípoíta fobre oca- » 00> •
famento, que EIRey tanto deíèjava , achando-íeíum-
mamente obrigado de faber, que EIRey D. Aftòníb nao
determinava caiar fem a fúâ approvaçaójoorque os tem-
pos^ a qualidade dos negócios fazem as íubordinações,
e ifençoens dos -Príncipes em igual parallelo louváveis,
e convenientes. No caio que eíte negocio fenao pu-
de íse concluir , declarava a inftrucçaõ , que levou Dom
Francifco Manoel pôr em pratica o caíamento da rilha
mais velha do Duque de Orleans do fegundo matrimo-
nio , ou a Princeza de Parma : e como a negociação
de França eftava taó embaraçada , pareceo ao Marquez
deSande, que D.Franciíco Manoel pafsafse a Roma,fa-
zendo caminlio por Parma,para que vendo aquella Prin-
ceza, tomando as noticias neceísarias,rizelse avizo a EI-
Rey} econfeguio levar cartas para Roma d* EIRey, e
Rainha de Inglaterra , dizendo a Rainha aos Cardiaes ,
que Dom Francifco Manoel hia por lua ordem a aííiítir
áquella Cúria a íblicitar os feus negócios j por fer eíte
o pretexto mais útil para fe efcufar dos embaraços , que
os Miniítros de Caítella haviaõ de fazer ás luas diligen-
cias. Partio D. Francifco , e fendo o principal objedto a
negociação do cafa mento d' EIRey , a foi diipondo na
fua jornada com muito acerto, e depois de fahir de
Inglaterra, recebeo o Marquez de Sande huma carta do
Duque de Guiza , em que lhe referia com razoens ef-
peciofas , quanto lhe parecia conveniente , que o caía-
mento d'ElRey fe nao effeituafse com nenhuma das
Princezas , com quem havia noticia fe tratava \ e fó
lhe parecia útil , que EIRey ajuítafse o feu caíamento
com Madamoyzella de Nemours pelas razoens feguin-
tes , que deduzia em memoria á parte. Os Duques de
Nemours faó Príncipes da Cafa de Saboya , como hoje
íaõ os Condes de Suifons filhos do Príncipe Thomás ,
que cafou com a Princeza deCarrignan fi^ia do Conde
de Suiíons. A mãy de Madamoyzella de Nemours Iv
filha do Duque de Vandofme , por onde fica Neta cT*
Henrj
-
i66y
20^ PORTUGAL RESTAURADO,
Alino Henrique IV , e prima com irmãa d«ElRey Luiz XIV;
fua mãyhe a Duqueza de Mercúrio da Caía de Lorena ,
por onde he parenta do Duque deGuiza. Por "outra
parte he fua prima fegundaMadamoyzella de Nemours,
porque Arma de Eíle , rilha única do Duque de Ferrara»
(em quem fe acabou a linha j foi caiada duas vezes,
a primeira com o Avo do Duque de Guiza , de quem
nafceo o pay do Duque , que hoje vive , e a fegunda
vez com o Duque de Nemours , donde nafceo o Pay
de Madamoyzella , de quem hoje fe trata. Elta Anna
de Eíte era legitima herdeira de Ferrara > Modena , e
Bretanha por leu Pay. No tocante á idade de Mada-
moyzella íaó dezoito annos , muito bella , e fcrmoía 4
as virtudes Angélicas , criada muito fora dos coítumes
Francezes , por ler fua May huma Santa , e naó lhe,
lerá difficultofo accõmodar-fe aos uzos dePortugal,nao
vivendo differentemente. Pelo que toca ao dote , tem
quinhentos mil efcudos de bens patrimoniaes , que de
huma hora a outra fe achará logo o dinheiro effectivo,
O que coíhimaô a dar os Reys de França a fuás pri-
mas , faò cem mil francos > que lerão trinta e três mil
efcudos , iíío he quando cafaô no Reyno } mas quan-
do cafaõ com os Reys , ou Príncipes íbberanos , lhes
dão cem mil efcudos. Amãy fem duvida lhe dará al-
guma fummá confideravel em joyas. Julga-fe eíla Prin*
ceza mui própria para ElRey , e para o Reyno.
Remetteo o Marquez eíla memoria ao Conde de Ca-
Ítelo-Melhor , e foi o primeiro pafso , que fe deu ne-
Ite cafamento , de que adiante daremos mais larga no-
ticia. As diligencias do Marichal de Tu rena hião cref-
cendo em tão conhecido benefício de Portugal, que con-
ieguio permittir ElRey de França a ElRey de Inglater-
ra levantar-fe naquelle Reyno hum Regimento deln-
fanteria para Portugal, por cuja caufa pedio o Marquez
de la Fuente , Embaixador d'E!Rey de Caílella em Pa-
ris , audiência a ElRey,em que expoz mylreriofas quei-
xas , dizendo, quele ericon travão os capítulos da paz
de S.João da Luz oppoíla aos intereíses de Portugal.
Refpondeo-lhe ElRey,que quando comprara Dunquer-
que
PARTE 1L LIVRO IX. 203
que a EIRey de Inglaterra, lhe concedera permifsaõ pa- AntlO
ra levantar gente no íeu Reyno, todas as vezes que lhe- , .
parecefse , com reciproca correípondencia, o que íe ve- >'
rincava,tendo elfe mandado levantar gente para a guer-
ra dos Ghigis , ( que era o titulo , que íe dava á guer-
ra do Pontífice ) com que naó era obrigado a reípon-
der pela parte , a que EIRey de Inglaterra applicaya a
gente , que fazia em França. Eira noticia deu o Mar-
quez de Sande ao Embaixador de França, que por pre-
ceito d'ElRey tratava com mais attençaõ os negócios
de Portugal.
Embaraçou o felice progrefso, com que o Marquez
de Sande augmentava os interefses de Portugal , naó
fó em Inglaterra , fenaó em toda a Europa , e força
quô tomou em Londres o partido dos Proteítantes con-
tra o Cha iceller , que era o melhor director das dili-
gencias do Marquez , e o defeníbr mais feguro da Re-
ligião Catholica , que tinha devido á Rainha a conver-
faõ da Duqueza de Yorch , fendo eíte hum dos mais
gloriofos entre os feus felices progrefsos: porém o Mar-
quez fempre conftante piloto em todas as tormentas ,
naò fe levantava alguma taó poderòía, que o foçobraf-
íe , fendo tantas as contradiçoens , naõ fó dos Mini-
flros extranhos , feinaõ dos naturaes , que merece a fua
memoria muito repetidos elogios- Teve neíle tempo
avizo do Inviado D. Ricardo Belling , ( que a Rainha
de Inglaterra havia mandado a Roma) que o Pontífice
o recebera em audiência publica com grandes demon-
íh-açoens de contentamento , epromeísas de fatisfazer
tudo , o que à Rainha defejafse ; e chegando ao ponto
de dar o Capei lo de Cardial a Aubing , lhe refpondera
o Pontífice porformaes palavras : „ Dizey a EIRey , e
,', á Rainha da Gram-Bretanha , cjue eu lhefarey o Car-
y, dial , que pedem , mas naó lho digais da minha par«
„ te , fenaõ como de vós , e que na primeira promoção
„ lia de fer , dos queíuítentem o pezo da Igreja; e que
,, quando a houver , que toquem aos Príncipes , entrará
,, rteUa fem duvida ,• mas que o naó farey , femvero
„ que determina no primeiro Parlamento fobrea Reli-
204 PORTUGAL RESTAURADO,
AíMO " 8*a° Catholica. Porém o ínviado feguindo a ordem,
//, qu'3 levava d*EJRey , como naõ confeguio a nomeação
1 ° ° ) • logq do Cardial , entregando-lhe o Breve , ( que he o
eílylo , que íe guarda neítes caíbs) naó aceitou refpo-
íta por éícrito , por naó fer formal. Foi a cauía que em-
baraçou efte negocio , opporem-íè á reíbluçaó do Boal
tifice osCardiaes de Aragão , Colona, e Franciíco Bar-
barino facionarios de Caílella , por entenderem , que
elle era o caminho de íe adiantarem os negócios dei
1 . Portugal, que era apedra de efcandalo , que desbara-
tava outros quaefquer interefses •> e Dom Franciíco Ma-
noel , que havia chegado a Roma, fez também avizo ao
Marquez de Sande , que fem fe accõmodarem as diíTe-
renças do Pontífice com EIRey de França , naõ teria
abertura conveniente a negociação de Portugal , pois
fe o temor de França facilitaria tantos impoífiveis : que
eíta çontroveríia pareceria , que naõ poderia ter effei-
to , porque o Papa já concedia a França a reflituiçaô
de Caílro ao Duque de Parma, a de Camacho ao de Mo-
dena: que eítava extinda aguarda dos Corfos : que
o Cardial Imperial feria bandido do Eífado Eccleíiaíti-
co , e D. Mário irmão do Pontífice : que o Nepote iria
por Núncio a França a pedir perdão , e que em Roma
fé levantaria huma pyramide , em que fe efcrevefse to-
do o fuccefso , que naõ referimos , por andar muito re-
petido em outras hiílorias , e naõ pertencer aeíla mais,'
que o que toca ao afsumpto principal. ? que emprende-
mos.
Quando D. Franciíco Manoel partio. de Londres ;
que foi adezafete de Mayo , e eni direitura a París^,
lhe deu o Marquez de Sande ainílruucçaõ feguinte.Cõ-
fiderando as ordens de Sua Mageílade, queDeos guar-
de ■> em que íe me declara , o que devemos feguir , rx>r.
quatro cartas efcritas em quatorze de Novembro pafsa-
do , trinta de Janeiro , primeiro * e nove de Fevereiro
deíle anno ; tirey da fubílancia delias eftas advertên-
cia^ Pelo que. toca á do negocio de Roma , tendes já
recebido as cartas da Sereníífíma Rainha da Gram-B rete-
nha para os Cardiaes , e a do Chanceller para o feu Iu-
viado
PARTE 11 LIVRO IX. Í05
rôado D. Ricardo Belling com pretextos de irdes a íeus AmiO
negócios, que lie o mais decorolo, e conveniente meyo, ,,
que íe pode achar no tempo preíente \ e ailim nos pare- 5 '
ceo , que com o favor de Deos neíta parte eltá tudo
muito bem accómodado. No mais que pertence aos ca-
famentos, eu naó tenho, nem poiso ategora alcançar
refpofla formal do Marichal de 1 urena iobre o caiamé-
to de Madamoyzella de Monpefer, que o noiso def.
cuido , e o cuidado dos Caítelhanos tem perdido , nem
de outro cafamento de lua irmãa, AÍTim vos podeis par-
tir para Itália , e em Génova , ou Roma eiperareis a
minha relpoíta , a qual vos mandarey ., tanto que a ti-
ver do Marichal s eem quanto vos naó chegar, vos ve-
reis com o Padre Jeronymo Claramente , e com as pef-
foas que vos parecer , para começar a pratica do cafa-
mento de Parma na conformidade das vofsas ordens ,
eem virtude delias deveis logo começar a tratar : po-
rém nao concluindo coufa alguma , ienao depois de re-
ceberdes outro avizo meu . Em Paris fareis faber ao Ma-
richal de Tu rena, que eítais alli, porque meaviza quer
fallar comvoíco , o que íerá na forma \ e com a caute-
la , que vos apontar; porque nifío vay muito, confor-
me, os preceitos , que neíta matéria metem poíto; e
na conferencia lhe agradecereis o muito , que lhe de-
ve Portugal ; e lhe fareis entender o eítado , em que
eítamos , e o quanto importa , que fe effeime o cafa-
mento da Mageílade d<ElRey meu Senhor, mas naó lhe
nomeareis as pefsoas , falvo fe elle vos fallar nellas j e
fendo aíTim, lhe repetireis , como eu tenho todos os
poderes para logo celebrar os cafamentos em forma,
que fiquem os PLeys de Portugal \ e de França primei-
ro fervidos,d o que os Caírelhanos tenhaó tempo de nos
embaraçar. De tudo me avizareis , e continuareis vofsa
jornada s para que eu obre com mais acerto fobre as
vofsas noticias, evos com as minhas adianteis asvoi-
fas negociaçoens. lílo he o que me parece» E acerei cen-
tavo ; Amigo ? faço os apontamentos , que vos . dilse ,
por vós mo, mandares y ainda que o julgo por eí cu fa-
do ? tanto porasrazoeus , que vos íao preíeníes ,- co~
"
i65
106 PORTUGAL RESTAURADO,
Alino mo porque a vofsa memoria naó neceílita de tantas lem-
# brancas j mas firvovos pontualmente , como meorde-
'• nais , e digo por artigos.
Primeiro : que pafsadosos cumprimentos , de que
Ceveis uíar com o Marichal de Turena em a forma , que
na minha carta efcrevo , lhe deveis fazer huma relação
do eítado do Reyno , do muito que gaita , da impoífi-
bilidade ,eni que eítá para o continuar , e que em pro-
porção da neceffidéide , tudo o que França der , he li-
mitado , e que vós lho dizeis francamente \ porque íe
a íua tenção , e de Sua Mageítade Chriítianiílima for
de nos ajudar , e manter , também deve íer de naó ar-
rifcar os íeus íbccorros > os quaes, quando forem limi-
tados, teraõ duas propriedades : a primeira, que fao dií-
pendio para França ; e a fegunda , que naõ fao propor-
cionados para nos livrar do maior aperto.
Segundo : que elle confidere, quanto o Reyno pa-
gou , e paga a Inglaterra , e Hollanda , e que os íbccor-
ros , e humores dos Inglezes eítaó em eítado , que Sua
Mageítade ChriítianiiTima pelas conveniências de Fran-
ça (que em tudo fao as nofsas ) havia deapplicaros
Tratados de Inglaterra , e incluir nelles Portugal ,• por-
que de outra maneira, vendo os Inglezes, que feha
indifFerente , e que Caílella fofFre , que elles loccorraò
aos Portuguezes, farão hum Tratado com Caílella, pa-
ra que nao faltaõ inclinaçoens aqui , humas efpalhadas
pelo Conde de Briítol , outras pelos Irlandezes , e ou-
tras pelos mercadores,- equeaífim nao he tempo, de
que o perca França , ao menos fegundo nós podemos
entender.
Terceiro : que França nao fó ha de manter a Por-
tugal com os íbccorros , mas com a reputação , e que
efta naõ a pôde ter Portugal , até Sua Mageítade Chri-
ílianirlima trate publicamente de nos aífiítir em Roma,,
em Hollanda , e em Inglaterra : em a primeira , para
fermosadmittidos ;eema fegunda, para nos ajudarem,
eefperarem apaga, a que nos obrigamos pela paz j
e em a terceira , para que fe appliquem os foccorros,
e fe avantagem os Tratados,,* e fó com ver iíto o mun-
do,
PARTE 11. LIVRO IX, 107
do , Portugal fe defenderá, e S. Mageítade ChriítianiíE-
ma terá aquelle Reyno , e familia Real diípoíta a ieus
verdadeiros interefses.
Quarto : que ao Marichal he prefente , que os Ca-
ftelhanos deíejaõa paz , e que ainda que naò íeja co-
mo os Portuguezes a querem , com tudo a neceflidáde,
a continuação das calamidades da guerra , e falta de
loccorro , ede Embaixador de França em Portugal/pô-
de fazer , que os Portuguezes aceitem os partidos , que
naó devem admittir, fe fe virem aíIiítidos,e aliados com
Sua Mageflade Chriílianilfima , cuja amizade confidera
mais natural , e fegura á familia Real , e de que EIRey
N. Senhor faz aeftimação , que he publica ao mundo.
Quinto : que EIRey de Portugal tem declarado aos
Oaítelhanos , que não virá na paz com elles , fem a
mediação de Sua Mageítade ChriítianiíHma,e Britânica*,
nas que vós , como bom Portuguez , e Francez , folga-
reis que ifto não fó fofse dito pelagenerofidade d' EI-
Rey N". Senhor, e pelo Confelho de léus Miniítros, mas
:me ainda fofse fortificado por hum Tratado entre Fraa-
:a, e Portugal.
Sexto 7 que não fe fazendo eíte com os cafamen-
ios . que ahi fe tratão , terá França o mefmo , que com
ds melhores Tratados , e com iiso acodiremos ao ellado
da familia Real em Portugal.
Sétimo: que o Marichal deve confiderar, que Por-
nigal he remoto de França para os foccorros , e que he
vizinho de Hefpanha para os perigos ,* e que todos os
Miniílros de França fabem , que os Portuguezes por fé,
2 por feus interefses merecem do Marichal toda a aíh-
[lencia, e que nenhuma fera tão própria de prefente,
:omo applicar a Sua Mageftade ChriíHaniíIima , a que
Paca o caí amento com Portugal. Eítas làô as razoens ,
3ue fe me oflèrecem dasgeraes , que pontualmente vos
refiro
Erão tantos os negócios, que manejava o Marquez
zleSande, que não era poílivel deixar de haver muitos
accldentes ,. que os embaraçafseni. Chegou a EIRey de
Eaglaterra noticia da índia , de que António de Mello
de
An no
1665.
"
■i66i
íoS \ PORTUGAL RESTAURADO,
uno de Caílro naô tinha feito entrega de Bombaim ao Gí
neral de Inglaterra pelas razoens , que acima referimos
e como eíta matéria era taõefsencial, alterou , muit<
os ânimos dos Miniítros d' EIRey , e abrio eílrada á
diligencias dos Caíielhaiios, introduzindo em EIRey í
desconfiança de fé lhe haver faltado , ao que fé lh<
promettera no contrato do cafamento : porém o Mar-
quez foube temperar eíte contratempo com tanta de
ítreza , e fuavidade » attribuindo aquella defordem í
accidente naõ imaginado , que moderou todos os im
pulfos , e começou a pôr em pratica a mediação d'El-
B,ey de Inglaterra , para íeajuítar a paz entre Caftcl-
la , e eíte Reyao , íendo o primeiro inílrumento Don
Ricardo Fanfcheon, Embaixador d' EIRey daGraó-Bre
tanha a EIRey D. AíFonío. Para eíte efíèito Ihepaisoi
EIRey as ordens necefsariasí porém fufpendeo-le a ex-
ecução pelo grande poder , com queD. joaó de Auítrií
deu principio á Campanha daquelleanno , quede íor-
te desbaratou com a tomada de Évora todos os negó-
cios , que fehiaó encaminhando, que fez iúipendé
em Paris todas as negociaçoens de D. Francifco Ma
ndelj e fazendo avizò á Rainha de Inglaterra , e a<
Marquez de Sande , fe lhe ordenou , que continuafseí
íua jornada atè Génova, onde com os últimos íucceí
fos da Campanha poderia , ou deter-fè pela infelicida
de, ou pafsar a Roma, chegandò-lhe novas mais alegres
O Marquez de Sande , tanto que recebeo a nova dí
perda de Évora , applicou com incefsante diligencia no-
vos meyos de folieitar foccorros de França , elnglatei
fá , moílrandp com vivas razoes em hum, e outro Rey
no fer aquelle o tempo de fe acodtr a Portugal , mau
dando-fe tropas taõ numerofas , queevitafsem o infal
livel intento , que D. Joaõ de Auftria havia de ter , d
tomar Praças , que facilitafsem a comunicação de Evc
ra com Olivença ; porém fahio deíla tormenta decui
dados coma chegada de Francifco Ferreira Rebello
que EIRey mandou , depois de ganhada a batalha d
Canal , por Inviado a França , com ordem de fazer
joniada por Londres à tomar as inílrucçoèns do Mai
quz
PARTE Ih LIVRO IX. 109
■mes 'de Saade. O alvoroço ,que o Marquez recebeo com
l nova de que eftava dependente o locego doRev-
\o e todas as fuás negociaçoens , manifeítou comfe-
Lios públicos , e no meímo ponto mudarão de iem-
-lante todas as difficuldades , que com a noticia da per-
da de Évora liavião tomado vigor ; e o Conde de Co-
min*es,Embaixador de França,buícou logo o Marquez
mra&lhe. dar o parabém; e o Marquez fez pafsar a Fran-
ca a Francifco Ferreira,dando-llie todas as noticias con-
venientes para confeguir o intento , a que era man-
dado i erecõmendando-llie, que em nenhum caio to-
mafse refoluçaó alguma iem approvaçaõ do Manchai
de Turena , firme columna dos interefses de Portugal, e
de quem EIRey de Franca juftamente fiava os maiores
'acertos, por concorrerem na fua grande peísoa todas
flhuellas heróicas virtudes , que no mundo coítumarao
1 conftituir os Capitães mais celebres , e os Varoens
mais excellentes. Partido Francifco Ferreira, tomou gra-
des forças a conjuração do Conde de Briílol contra o
erandeChanceller, dando capítulos , que perturbarão
muito os interefses de Portugal, e embaraçarão a direc-
ção do poder da Rainha de Inglaterra , que o Chancei-
ler miniftrava com grande cuidado : e fendo elte incon-
veniente muito grande , foi maior ode huma doença ,
cjuefobreveyo á Rainha de Inglaterra , tao pengoía,
aue areduzio ao ultimo periodo davida; e rorao de
qualidade as demonftraçoens do fentimento d'hlKey ,
edosCatholicos de Inglaterra , que mamfeftarao ao
mundo o valor das fuás grandes virtudes. Livrou da
doença , refervando-a a Providencia Divina para maio-
res empregos. .>,■'■•; ,
D.Francifco Manoel fabendo em Génova a nova da
.vicloria da batalha do Canal , pafsou a Roma, como re-
ferimos. . A/r L A
O-Eftado da índia governava António de Mello de
Caftro, depois de fe defembaraçar da controverfia , que
teve com osjnglezes em Bombaim. Defpedio no.mez
de Janeiro aManoel de Saldanha da Gama com cem Sol-
dados , que fe embarcou na Armada do Capitão moc
Anno
166} *
r
no PORTUGÀLRESTAURAro,
ÁnnoJoaò de Soufa Freire com ordem de fe introduzir ent
• • Cochim, levando as mu niçoens, que lhe foíse poíli-
* 00> vel , ou nas almadias de Tanor , ou por terra ,• porque
a Armada pelo aperto do Titio dos Hollandezes naó po-
dia entrar no porto de Cochim : porém foi inútil elta
diligencia/porque quando Manoel de Saldanha chegou
a Tanor , encontrou a Armada de Hollanda, de que era
General Henrique Lobo , que trazia os priíioneiros de
Cochim , e vinha a occupar a Barra de Goa ,• e Manoel
de Saldanha voltou para Cananor , de que era Capitão
António Cardoíb , e introduzio na Fortaleza os cem
Soldados para esforçar aquelle preíidio -9 porém Antó-
nio Çardofo fem refiílencia alguma , mandando-lhe o
General de Hollanda dizer , que fe entregafse , obede-
ce© , com o partido de ler lançada a guarnição na Coita
da Índia. Havia fubfiítido cinco annos a defenfa de Co-
chim , e fuccedido no decurfo deite tempo acções mui-
to memoráveis. Chegando o principio do anno , que
eícrevemos , deraô hum afsalto á Cidade pelo poíto do
Caltéte, onde afíiítia o CapitaÓ mór Luiz da Coita com
féis Companhias da melhor gente do prefidio : fuíten-
tou-íe o aisalto todas as horas , que lhe durou a vida , e
começpu-fe a perder terreno com a fua morte , tiran-
do-lhe a vida huma bala , que lhe acertou pelos pei-
tos. O General Ignacio Sarmento de Carvalho , por cu-
ja conta corria a defenfa de Cochim, mandou acodir
ao perigo , que via imminente , com a maior parte da
gente da Praça á ordem de D.Bernardo de Noronha ;
mas como os Hollandezes haviaõ achado lugar para en-
trar na Praça , fubiraõ tantos a ella , que foi morto
P, Bernardo , e toda a mais gente , que o acompanha-
va , de que fe originou ceder Ignacio Sarmento a tan-
to infortúnio, capitular , e entregar Cochim com o par-
tido de ferem levados a Goa os Officiaes , Soldados ,
e paizanos com todos Os moveis , que pudelsem con-
duzir; o que pontualmente fe obfervou,
[ O tempo, em que os Hollandezes tomarão Cochim,
eGananor, foi o mefmo , que pelos capitu/os da paz»
que o Conde de Miranda celebrou comosEítados de
Hollan-
VARTE II. LlfKO IX. tu
Kóllanda , devia eíhr fufpenfaa guerra da índia, íem Anno
3oder haver hoítilidade de huma , e outra parte ; po- ,{
-émcominduftrias, e amrlbologias dilatarão a reftitui- ,wur
-ao deitas duas Praças; ficando íuípenía a determinação
d-íla matéria , em quanto fe nao offerece occaíiaõ op-
portuna , que facilite duvida taõ mal fundada. Os Hol-
landezes affiítirao na Barra de Goa até os últimos dias
do mez de Mayo , em que fe retirarão.
O Mogor inveílio no meímo tempo com grande
poder as terras do Norte : defendeo-as o General D. Ál-
varo de Ataidecom valor , ea&ividade i eÇ°m°acon_
Itellaçaô era infelice , padeceo António de Mello na
mefma occafiaõ contadas domeiHcas muito prejudiciaes;
porque fuccedendo huma pendência entre Manoel Cor-
te-Real deSampayo , e D. Francifco de Lima , acodio
a ella António de Mello , e tirando hum negro hum
carabinaco , o ferio com huma bala em huma mao ; e
lendo prezo Manoel Corte-Real naFortaleza daAugua-
da. foiprocefsadaafuaculpa com a fevendade , que
era conveniente } e juntamente mandou António de
Mello prender naFortaleza de Murmugao a D. João
Manoel , que era cunhado de Manoel Corte-Keai : e
partindo em Mayo Bartholomeo de Vafconcelos em a
náo Sacramento , o mandou António de Mello embar-
car nella , por fe lhe haverem arguido algumas culpas
graves , de que nao houve inteira prova. Relpirou o
Bftado da índia com a chegada a Gôa no mez de No-
vembro do Capitão André Pereira dos Reys , que trou-
xe a nova da paz celebrada com os Hollandezes ,• e ou-
tra náo , que vinha em fua companhia , arribou a^ Mo-
çambique , onde invernou em virtude da paz. Nao vol-
tarão os Hollandezes á Barra de Gôa,e abrmdo-fe o Co-
mercio , forao mais favoráveis os íuccefsos daqueile
Eftado. _ A
A diíFerença das fortunas augmentava as torças do J\nnO
exercito de Alentejo , e enfraquecia as prevençoens dos J ^
Caítelhanos, porque o fegredo nunca averiguado na in-
telligencia humana das difpofiçoens Divinas desbarata-
va os confelhos dos Caítelhanos, e fortalecia as nof-
O i ^s
21* PORTUGAL RESTAURADO,
Anno f£S difpoíiçoens. No principio do anno defeísentae
,, quatro voltou D. Joaõ de Auftria de Madrid para Bada-
I604. joz j ]lavend0 comunicado com EIRey íeu Pay os cami-
nhos , que lhe parecerão mais proporcionados , de i*e-
itaurar a opinião enfraquecida do fuccefso da batalha
do Canal , confeguindo largas efperanças de engrofsar
o exercito com novas tropas, e empregallas em progref-
fos úteis , e gloriofos.
O Conde de Villa-Flor , depois de rendida Évora,
pafsou a Lisboa , como acima expuzemos j e encadean-
do-fe á pouca fatisfaçaõ de feus ferviços vários deicon-
tentamentos , fe deu por defobrigado do governo das
Armas da Provinda de Alentejo , e foi entregue ao
Marquez de Marialva com o titulo de Capitão Gene-
ral ; porém oiFereceo-fe novo embaraço na eleição do
Marquez na queixa vehemente do Conde de Schom-
berg juíliíicada na fua capitulação, que o eximia de
obedecer a outro Cabo fuperior , que naõ fofse o Con-
de de Atouguiaj e que, havendo cedido duas vezes no
leu juíliflcado requerimento, fe refolvia a naõ conti-
nuar finezas , que lhe prejudicavaõ» Reconhecendo o
Conde de Caítello-Melhor ajuíliça da pertençaõdo
Conde de Scomberg , recorreo á mediação de D. João
da Silva , particular amigo do Conde , que lhe acon-
lelhou introduzifse em EIRey .perfuadir ao Conde de
Schomberg naó quizefse largar a defenfa do Reyno^em
que havia tido tanta parte , e que lhe oílèrecelse o ti-
tulo de Governador das Armas Portuguezas , e Extran-
geiras. Sortio deite arbitrio verdadeiro eíFeito , e ce-
■deo o Conde de Schomberg da fua propoíiçaó : porém
íuccedeo outro embaraço , de que depois refultáraó pe-
rigofas confequencias. Intentou o Marquez de Marial-
va levar á fua devoção Meftre de Campo General , que
vagava com o novo titulo de Governador das Armas
do Conde de Schomberg , e negoceou com o Conde de
Cáítello-Melhor , que fofse nomeado Gil Vaz 'Lobo,
que exercitava o poílo de Meítre de Campo General
de Extremaduía' , compondo-íe as juítas queixas de Di-
niz de Mello deCaftrQ com alguns deípachos , que íb-
licitou
PARTE 11. LIV&O 11. 215
licitou o Marquez de Marialva ; porque allegava , que AntlO
nem por íerviços , nem por merecimentos íelhede- %,
via adiantar peísoa alguma. Decididas eílas duvidas, luUi+'
pafsou Gil Vaz a Alentejo , e foi nomeado o Conde da
Torre Meílre de Campo General da Corte , e Extrema-
dura. O Marquez de Marialva , e os mais Cabos forao
poucos os dias , que íe detiveraõ em Lisboa , e juntos
em Eílremoz , íe deu principio á uniaõ do exercito.
Jimtou-fe a Cavallaria , e os Terços, que iobravaõ das
guarniçoens : chegarão os íbccorros das Provindas , que
forao os mais numero fos , que até áquelle tempo ti-
nhaópaísado a Alentejo 3 porque o Conde deS.Joaõ,
havendo coníeguido licença d<ElRey , fahio de Chaves
com dous mil Infantes , e feifcentos cavallos pagos ,
taõ valorofos , e luzidos , que naõ reconheciaõ a alguns
outros ventagem , acompanhado de feus dous irmã,s
Miguel Carlos de Távora , e Francifco de Távora, hum
Sargento morde Batalha, e outro Tenente General da
Cavallaria, e de feu cunhado D.Miguel da Silveira ,
que no anno de mil feiscentos fefsenta e três havia dei-
xado a Univerjidade de Coimbra , em que tinha feito
nas Letras felice progrefso , para o fazer igualmente
nas Armas.Teve a meíma permifsaô Affonío Furtad ode
Mendoça •, chegou a Eílremoz com mil Infantes , e tre-
zentos cavallos , ainda que inferiores no luzimento ,
iguaes no valor. Com eítes foccorros , as tropas de Lis-
boa , e os Regimentos extra ngeiros fe formou o exerci-
to com de fazeis mil Infantes pagos, fete mil Auxilia-
res , cinco mil cavallos , quinze peças de artilharia ,
quantidade de muniçoens , e carruagens , devendo-fe á
diligencia do Conde de Caítello-Melhor toda a diípofi-
çaó de taõ numerofo exercito em grande beneficio da
defenfa do Reino : porém era difficultofo o emprego
de taõ grande poderj porque conílava ao Marquez de
Marialva, que D.Joaõ de Auítria, tendo experimenta-
do muito inferiores os effeitos dos foccorros ás pro-
mefsas d'ElRey íeu Pay , naõ lhe havia fido poflível
juntar mais , que oito mil Infantes ,e féis mil cavallos;
tropas, que determinava empregar mais na defenfa, que
O 3 na
>
2i4 PORTUGAL RESTAURADO,
AntlO naconquiíta. O Marquez para fahir da juíla duvida;
166a ^m(3Ue íe achava, chamou a confelho lo os Cabos , e
**' Sargentos Maiores de Batalha \ havendo moílrado a ex-
periência , que o grande numero dos Meftres de Cam-
po , e Tenentes Generaes da Cavai laria , que coítuma-
vao entrar no Confelho , occafionavão nelle irreme-
diável confufaô, e que era pouco feguro o fegredo, que
fe devia guardar nas refoluçoens , que fe tomafsem. Fi-
carão os Oíficiaes excluídos exceíli vãmente queixoíbs,
ê o Marquez com a prudência , de que era dotado, em-
pregou varias diligencias para atalhar efte inconvenien-
te , que fó pudera remedear alua authoridade; e no
Coníelho, a que chamou, propoz as razoens feguintes:
Que o numero do exercito era grande , e preciíb em-
pregarfe em empreza , que defempenhafse as difpezas,
que havia feito : Que recebera noticia certa de oue
D. João de Auítria naõ fahia em campanha , e fó tra-
tava de fe defender com oito mil Infantes , e íeis mil
cavallos: Que o rigor,, com que entrava o. calor do
Verão, era inimigo muito poderofo ,èneítas confide-
raçoens pedia a foluçaõ de taô forçofas duvidas.
Foraó diferentes os difcurfos dos que íè acharão
no Confelho \ porque o maior numero de votos con-
corda vaõ , que o exercito naõ devia fahir em Campa-
alia, por fera maior vidoria triunfar-fe em D. João
Aultriadafuberba Caftelhana , obrigando-o depois de
c fS£aratado na baralha do Canal, e de haver EIRey de
Caltella convocado tòdar as Naçoens de Europa para
deiaggravo do feu infortúnio , a naõ fahir em Campa-
nha , refpeitando o nofso poder, e temendo a nofsa re-
ioluçao: Que fitiar Praça de confequencia , era expor
outra nofsa ao mefmo perigo , ou o Paiz a total mina ,
porfer o numero da Cavallaria inimiga muito fuperior,
eque o eítrago do Sol feria maior, que a utilidade da
rraçaconqullrrada-Ve que ultimamente expor todos os
annos o exercito ás contingências de*huma batalha,
iena mdticulpavelmente tentar as inconfiancias da for-
■tuna.
OCon-
PARTE II LIVRO ÍX. 21 j
O Conde de Schomberg, o Conde de S. João , o Ge- ^ nno
neral da Artilharia D. Luiz de Menezes leguirao opi- _
h contraria , dizendo , que aquelle exercito era po- 10.04.
derofiffimo, e em grande parte íupenor ao de Gaitei-
ts por cujo reípeito parecia preciío moftrar-fe ao mun-
do ouanto íuperavaô as forças de Portugal asde Ca-
ílella 5 e os Reys de Inglaterra, e França, que nao mal-
logravao as tropas, e cabedaes , com que nos affi ftia o,
empenhando-os a maiores foccorros:Que o exercito de-
via com toda a brevidade marchar á Codiceira , ganhar
aquelle Forte j empreza fem controverlia pela lua li-
mitação diferentemente julgada por tao grade Author,
como o Conde Mayolino nas fuás guerras Civis ; com
que nao fó fe dava principio á Campanha com credito ,
ienao que fe animava Õ os Soldados a maiores empre-
sas, efe tirava aos Caftelhanos a efcala doscomboys,
que de Albuquerque pafsavão a Arronches : Que na ie-
cunda marcha aviítaíse o exercito Ouguela ; e que, pa-
scendo pelo eftado da fortificação a empreza fácil, le
intentafseje quando fejulgafsediffícil , continuaíseo
exercito a marcha , ealojafse entre os dous rios Caya ,
eCayola, que diítavahuma fó legoa de Badajoz, e
era hum dos melhores , e mais feguros alojamentos,
que fe podia defejar 3 porque formado o exercito em
batalha, ficava coberto pelos dous lados , e pela fren-
te , pelo circulo, que fazia Caya, para entrar em Gua-
diana, e Cayola , para defaguar em Caya: Que as aguas
eraõ excellentes , as farragens muitas , blvas , e um-
po-Mayor pouco diítantes para fegurãça dos comboys ,
a grande defeza de Godinha unida ao quartel , que mi-
niftrava rama para barracas , e troncos para o togo; co-
modidades, que defvaneciao o perigo das doenças,
devendo mais recear-fe a eítreiteza dos alojamentos das
poucas Praças , em que o exercito eítava dividido; pois
nao permittiao abrigo nos quartéis aos Soldados peia
multidão delles , e íer mais prejudicial dormirem nas
Tuasimmundas com o grande concurfo , e ficarem ex-
poílos a padecer naquelies impuros ares omeímo ri- j
£or do Sol , que fe receava na Campanha , em grande
b^ ^ O 4 prejui-
ii6 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno prejuízo dos interefses dospaizanos: Que, tomado efb
\á*4 al°Jarnent0 » fe prefentava a D. João de Auítria a ba-
Auaf talha , que tanto publicava appetecer ; que , refolven-
do-fe a atacalla , que naõ feria pofíivel pelas confide-
raçoens humanas deixar de perdella } porque hum exer-
cito tão numerofo , de tão excellentes Cabos , e valo-
rofos Soldados , fortificado com dous rios caudalofos,
e feguros oscomboys , e mantimentos , íicaría incon-
traftavel a muito maior poder daquelle, que coníta-
va tinha D.João de Auítria para fahir em Campanha-
e que fe acafo o receyo o abíUvefse de bufcar o con-
flicto, naõ poderia haver fuccefso mais gloriofo , nem
de mais relevantes coníequencias , pois ferviria eíla
demonítraçaõ de deíengano a toda a Europa , onde f a-
ziaõ tanta imprefsaõ os fabulolbs manifeílos de Caíle-
lhanos, queeraõ necefsa rias vidorias muito repetidas
para desbaratarem os ameaços , com que determinavaó
efcurecer as forças de Portugal , e que, fuccedendo nao
bufcar D; Joaó de Auftria o nofso^exercito , nos ficaria
o caminho aberto para fe elegeria Praça , que pare-
cefse menos forte, e mais conveniente , para íe atacar
como poder , quebaftafsea conquiitalla , ficando ore-
fto do exercito na defenfa da Provinda.
O Marquez de Marialva depois de ouvir hum , e
outro parecer , fe aífeiçoou ao ultimo, de que havia
hdo author o General da Artilharia , approvado pelos
bondes de S. Joaõ , e Schomberg. Deu promptamente
conta a EIRey com a diíHncçaõ dos votos, que fe acha-
rão no Confelho : e faraó os quefeguiraõ a parte con-
traria , Gil Vaz Lobo , Diniz de Mello , A ff bnfo Furta-
do , o Conde da Vidigueira , naquelle tempo nomeado
General da Cavallaria da Provincia da Beira. Logo que
o Correyo chegou a Lisboa , mandou EIRey , que fe
juntafse o Conlelho de Eílado, e Guerra 5 e examinan-
ao-íe na carta do Marquez de Marialva os fundamen-
tos dehuma , e outra opinião , fe reíolveo , que o ex-
ercito fahiíse em Campanha na forma propoíta pelo
General da Artilharia ; porque , íuppoíto que houve vo-
tos em contrario , o Conde de Caílello-Melhor abra-
çou
PARTE IL LIVRO IX. tt7
çou eHe partido, defejando tirar fruto do trabalho, que
havía tido em juntar tao numeroio exercito ; divida ,
que o Reynocõrifeísava áíuavirtuofa diligencia. To-
madaTeíta reíòluçaõ , foi remettida ao Marquez de Ma-
rialva , que fem dilação alguma , tanto que lhe che-
cou , fahio em Campanha a cinco de junho a buícar
o alojamento de Caya , íem intentar a empreza da Co-
dicMra. Foi o primeiro alojamento o ae Alcaraviça ,
onde íe juntarão todas as tropas divididas pelos quar-
téis vizinhos. Confiava o exercito de doze. mil Infan-
tes Portuguezes , e três mil e trezentos Lxtrangeiros ,
ficando o refto nas guarniçpens das Praças , divididos
em vinte e íete efquadroens , ede cinco mil e trezen-
tos cavallos,em que entravaõ quinhentos Lxtrangeiros,
repartidos todos em oitenta batalhoens. Compunha-fe
a primeira linha de Infanteria de doze corpos; nella
tocou o lado direito a Triflaó da Cunha ; feguiafe-lhe
Simaõ de Vafconcellos , Meítre de Campo do Terço da
Armada , de que fazia , por fer muito numeroio, dous
efquadroens , Francifco da Silva de Moura , Pedro Ce-
lar de Menezes , JoaÕ Furtado de Mendoça , Martim
Corrêa de Sá , Roque da Coita Barreto , Diogo oe Cal-
das Claran , e os dous Regimentos do Conde de Schom-
berg , hum de Francezes , outro de Inglezes , que mar-
chava ao lado efquerdo. A fegunda linha íe formava
de quinze efquadroens; occupava o lado direito Manoel
de Souía de Caítxo, feguido de Jofeph deSoufa Sid, Ja-
ques Tolon , D. Francifco Henriques , Ayres de Salda-
nha ,. Ayres de Soufa de Caftro > Manoel Pacheco de
Mello , dous Regimentos de Francezes s eno lado ef-
querdo hum Regimento de Inglezes. Na referva mar-
chavaõ três Terços , que eraò dos Mefires de Campo
Manoel Lobato Pinto, Balthafar Lopes Tavares, e Ruy
Pereira.As quatro linhas da Cavallaria íe compunhao de
iefsenta e oito batalhoens 5 féis cobriaõ a referva , íeis
aíliítiaõ ás guardas dos Generaes. O lado direito gover-
nava o General da Cavallaria Diniz de Mello de Cair.ro,
affiftido do Tenente General da Cavallaria D, Manoel
Luiz de Ataíde*, o efquerdo o Tenente General D.Luiz
da
Armo
1664.
Sahe em Cam~
panba o Mar'
qitez. de Mait-
alva x Forma o
txertito nafre»
te de Badajoz ,
onde affi/tia D.
joaÕ deAufiria
com o exercito
de Caftslla^
-
I
2i8 POnTUGÂL $lWS!1AV%AD0 ,
Anno óa Cofia ..: o direito da íegundalinlW governava o Con-
166 A de ^a Vic%ueira » a <lue àífiítia o Tenente General Go-
•?u **' mes Freire de Andrade , e o Coronel Jeremias Jó vete >
-o eíquerdo Domingos da Ponte Gallego , General da
Artilharia aã honorem com o exercício de Tenente Ge-
neral da Ca vállaria. O Tenente General D. João da Sil-
va havia mandado prender o Marquez de Marialva no
Caífcello de Marvão, par duvidar eífcar á ordem de Ago-
ftinho de Andrade , a quem EIRey havia mandado paf-
far Patente de General da Artilharia adbomrem , e Go-
vernador da Praça de Elvas \ e como eftes títulos nao
tinhaõ exercido , duvídavaõ obedecer-lhe os Officiaes
maiores j e em D. Joaõ da Silva íempre cahiaô com,
mais força os deíconcertos da fortuna , preparando-o
a Divina Providencia para Te encaminhar com melho-
res direcções, ao defprezo do mundo, Dividio-fe a ar-
tilharia nos claros de duas linhas de Infanteria , eo
exercito marchou de Alcaravíça , á fonte dos. Sapatei-
ros , o dia feguinte á Torre de Sequeras , e a. oito de
Junho ficou alojado entre os dous riosCaya, e Cayo-
la ; e íuccedendo fer eíte o mefmo dia , em que fe eon-
tava hum auno , que fora ganhada a batalha do Canal,
folemnizou aquella noite o exercito efta glõriofa me-
moria com repetidas cargas de artilharia , emofqu etá-
ria , que foando em Badajoz* na pequena diftancia de
huma legoa , donde fem embaraço da vifta , por fer a
planície igual , feeítava reconhecendo o exercito for-
mado, foi mais plauíivel aquella viítofa celebridade
ornada de cuftofas galas dos Cabos , e Officiaes de va-
riedades de cores das cafacas dos Terços, e Companhias
de cavallos , da multidão de plumas , da diveríidade de
adereços , que levavaõ os cavallos dos OHiciaes , e Sol-
dados do corpo da Cavallaria ; e fubindo a mais eleva-
da contemplação do valor , efciencia militar , de que
fe compunha todo o exercito , adquirido hum, e ou-
tro luzimento entre generofas felicidades.
Lograda efta primeira acção , e reconhecendo-fe^
que os Caftelhanos não contribuião em nofso benefi-
cio, querendo pelejar mais que > com a pena da noísa
vaidar
P^RTE II. LIVRO IX. **9
raidade , deliberou o Marquez de Marialva b-ufear em- AnilO
preza, que com realidade acreditalse o poder do exer- 6<,
cito, que governava. Chamou a Conielho , e luppoíto »•
que na primeira conferencia houve variedade nos vo-
tos , conforrnaraó-le todos com a opinião do General
da Artilharia D.Luiz de Menezesem íitiar Valença, dií- Rejche fuw
curíando , que era fácil a conquifta daquella Praça, por « *"(* «* r*
ferem antigas as muralhas , que a defendiao, e que, ga- ifn{*'
nhando-fe , era impoílivel a fubfiftencia da Praça de
Arronches, por ler Valença o lugar , de que com mais
facilidade fe lhe introduziaõ mantimentos ; porque a
eftradade Albuquerque cótinuamente oceupada de par-
tidas de Elvas, e Campo- Maior ., difftcuitava de íorte
os comboys , que naõ entravaôem Arronches fem mui-
to grande trabalho , e diípeza., e ultimamente íet Va-
lença huma Praça varias vezes intentada com máo fuc-
cefso ; defdouro , a que fe devia acodir com particular
attençaõ. Tomada a reíbluçaò referida , tivera 0 ordem,
antes de fe publicar , os Meítres de Campo Ayres de
Saldanha , D. Francifeo Henriques , Martim Corrêa de
Sá , e Manoel Lobato Pinto , para marcharem a Villa-
Viçofa , onde fe abriria huma carta , que fe entregou
ao mais antigo , -e feguiriaó todos a ordem, que ella
continha. Promptamente fe puzeraõ em marcha, e che-
gando a Villa-Viçofa , aberta a carta , entenderão , que
o Marquez ordenava a Manoel Lobato , que ficafse em
Villa-Viçofa com o leu Terço , D. Francifeo Henriques
paisafse aExtremoz , Martim Corrêa aMosaraõ , Ayres
deSoufaa Moura, Ayres de Saldanha a Serpa, Foi a
caufa de que o Marquez tomafse ej:a refoliiçaé que-
rer exeufar-fe das inítancias dos cinco Meftres de Cam-
po , que emulos da gloria dos que ficavao , feriao ef-
licazespertendentesde feguirem o exercito; e quando
os Generaes podem fer obedecidos a beneplácito de to»
<dos os "Solda dos , feguraó os ânimos, e -os acertos.
Partidos os Meftres de Campo 7 e prevenido o Trem
deartilhariagroísa , balas ., emuniçoens proporciona-
das , $>Qiém menos das que eraõ ftecefearias 4 por ferem
as carruagens poucas 9 fianeta-íe o General da Artilharia
i6Ó4>
220 PORTUGAL RESTAURADO,
Atino no provimento dos Armazéns de Portalegre , eCaíte!
ló de Vide , tomou o exercito a onze áde Junho o pri-
liteiro alojamento na Ribeira de Xevora , que como fi-
cava pouco diítante de Ouguela , foi grande o receya
do Governador daquella Praça i cuidado , de que ficou
livre ao dia feguinte , veudo que a marcha feguia a
meíma Ribeira , e que ficava alojado no íitio de nofsa
Senhora do Carriaó , menos de huma legoa diílante de
Albuquerque : e em toda a marcha foi de forte a quan-
tidade da caça grofsa , que levantou o exercito , que,
naõ le podendo conter a obediência dos Soldados , fe-
guindo o exemplo dos Generaes , foraõ taõ repetidos
os tiros, das bocas de fogo , que todos os que ignora-
vaó a caufa , por fer encoberta a marcha pela efpefsura
do mato , pafsaraô todo o dia em continua vigilância.
.Tomado o quartel , perfuadiraô alguns dos Cabos ao
Marquez de Marialva mandafse aquella noite atacar a
Villa, e Arrabalde de Albuquerque, fácil de ganhar,
por naò ter fortificação , que a defendefse ; porém o
Marquez naó querendo exporfe aos accidentes da guer-
ra , na o quiz dividir o poder , e mandou continuar a
marcha. A treze aviítou o exercito o Caítello de Ma-
yorga , íituado em huma afpera eminência i mandou c
Marquez ao Tenente de Meítre de Campo General An-
tónio Tavares de Pina com algumas mangas de mol«
queteiros à ganhar o Caítello. Chegando a.elle, íe ren?
deo hum Ajudante , que eítava dentro com dez Solda-
dos ; e o Caítello fazendo-fe-lhe alguns fornilhos , fe
lhes derao fogo , e ficou desbaratado ; e no melmo dia
entrou o Sargento mór de Batalha Joaõ da Silva de Sou-
fa no lugar de S. Vicente , que ficava pouco diítante ,
occupando-o com dous mil Infantes , e feiscentos ca-
vallos ; e ao dia feguinte chegou o exercito áquelle lu-
gar , onde achou quantidade de mantimentos, que D«
João de Auftriahavia mandado prevenir , para fe intro-
duzirem em Arronches. Adiantou-fe Joaó da Silva a ga-
nhar póftos íbbre Valença , e o General da Artilharia
imndou ao Tenente General Manoel da Rocha , eac
Capitão Manoel Duarte a conduzirem de Caítello &
TT Vidí
Valença-, naoieiuuuncu^tt^fr-«*r-;w^ ---
o, que o trabalho, ^^t^^^^^f con^ajw
e anoitecer reconhecerão a Praça o Conde de ouiom- *
erc , e o General da Artilharia , para determinarem a
VARTE IL Ul/KO IX, $u
Vide a Valença muniçoens , duas peças de vinte "equa-' Anno
tro. etres de dez. No meímo dia chegou o exercito „
a Valença-, nao iem dificuldade pela aípereza do terre- u
no - oue o trabalho , e a induíhia lacilitava ;
de
palie', 3onShàvià6 principiar-íe ôs aproxes , e fòrma-
rem-feas baterias. Conítava o exercito de doze mil In-
fantes , e cinco mil cavallos ■, porque a mais gente fe
tinha dividido pelas guarniçoens das Praças , que fica-
vaõ expoílas ás diverfoens dos Caítelhanos,
Valença , que tem o titulo de Alcântara , para íe
diftinguir de outras do meímo nome, lie huma das mais
principaes , e ricas Villas da Extremadura : eítá fintada
em pofto eminente , f refco , e fadío , fertilizado o ter-
reno de varias ribeiras , e a principal toma o nome
daVilla. Diíla três legoas de Caílello de Vide , outras
três de Portalegre , cinco de Alcântara , celebre lugar
pela ponte , que fobre o Tejo com grande magnificên-
cia fundou o Imperador Trajano. Entre Alcântara , e
Valença corre a ribeira de Solor , e fe extendem os fer-
tiliíTimos campos da Cidade de Broísas. He Valença po-
voação de mil vizinhos , fortificada com huma muralha
antiga defendida de terrapleno natural , e a parte, em
que lhe faltava , fe cobria corri meyas Luas , e outras
obras exteriores. A porta chamada de S. Francifco, que
no íitio efteve fempre aberta , cobria huma meya Lua,
com que também fe defendia hum Convento de Reli-
gioías Francifcanas. A íltUaçaõ do Caítello he na parte
fuperior da Villa, vizinha a huma Serra,que fica nas co-
itas delia, e naô fendo grande a fitúaçaõ , tem boas de-
fenfas. Governava eíla Praça D. Joaõ de Ayala Mexia,
Soldado de merecida reputação. Guarneciao-a três Ter-
ços de Infanteria , e quantidade de payzanos da Villa,
e Lugares vizinhos , e havia nella muniçoens., e man-
timentos para largo fitio. As horas, que durou o dia ,
gaitou o exercito em fe aquartellar , e logo que cerrou
a noite, mandou ò General da Artilharia fabricar hu-
ma plataforma, que acabada antesJ de amanhecer , co-
meça-
;
2íí PORTUGAL RESTAURADO,
A.I1110 meçarao a jogar delia dous meyos canhoens contraí
\6(± raul:âliia da parte do Convento de S. Francifco ,\e qua-
004i tropeças de doze, que combatiaõ as de fenías delia,
Na meíma noite fe deu principio a hum apcoxe , e en-
trou de guarda a elle o Meítre de Campo Triítaõ da Cu-
nha , ede retém Simaó de Vaíconcellos , e ambosxom
incefsante calor adiantarão o trabalho. O corpo do ex-
ercito fe occupou todas as horas referidas em fe forti-
ficar para a parte da Campanha ,• e como as ferras erao
muito levantadas , bailou hum meyo circulo/para ficar
defendido. No dia íeguinte , que fe eontavaó quinze de
junho , jogáraó inceísantemente as baterias , e como fi-
cavaõ menos de tiro de piítola , começou a íe mani-
feílar a minadas muralhas naquella parte , que as «ao
fuíteatava o terrapleno natural ,• defenfa, que reconhe-
cida pelo General da Artilharia , mandou mudar as ba-
terias para outro lanço de muralha oppoíto ao Caítel-
lo >• obíervando-fe , que em hum torreão , que defendia
aquelle diíKi&o , por cerrar dous outeiros , em que a
Villa eílá fundada , naó podia fer taõ levantado o ter-
rapleno natural , como nas mais partes fe reconhecia.
Deo-fe principio ao fegundo aproxe , e mudarão-
fe as guardas do primeiro. Entregou-fe o fegundo ás
Naçoens extrangeiras, e entrarão nelle de guarda o Co-
ronéis Claran , e Xaveri ,• e nos dos Portuguezes o Me-
ítre de Campo Roque da Coita Barreto, e Diogo de
Caldas Barbofa ,• e tiveraò ordem em hum,e outro apro-
xe para arrimarem ao romper da manhãa mantas á mu-
ralha , e cpníeguindo-fe eíte intento , fe introduzifsem
mineiros , que abrindo fornilhos , e atacando as minas,
fofse mais breve a execução daemprèza.Nao correfpon-
òqo o fuccefso ao intento ,• porque a afpereza do terre-
no naò deu lugar a que os Soldados fe cobrifsem de
forte , que pudefsem fupportar a multidão de cargas de
mofquetaria, de pedras, de traves, e de artifícios de
fogo, que os Caítelhanos lançarão fobre elles ,• com que
forão obrigados a fe retirarem , ficando alguns mortos,
e duas mantas arrimadas, que fe não puderão retirar:
e determinando os Meítres de Campo tomar a todo o
riícc
IÓÓ4*
PARTE II. LIVRO IX; m
rifco o empenho de as naõ deixarem junto da mura- AnnO.
lha , lhes mandou o Marquez de Marialva ordem , para
que fe recolhefsem aos aproxes •> porém a tempo , que
era já morto Dofim , Tenente Coronel do Regimento
Francez, que fe havia deixado no Çú arfei, para "Te achar
neíta occahaó como particular : e foi geralmente íen-
tida a lua falta , porque era Soldado de muito valor;
mas ainda acabara mais gloriolamente,íe morrera dian-
te do feu Regimento ,• que naó pode haver na guerra
defordem mais prejudicial , nem mais digna de caftigo,
que fahirem os Officiaes , e Soldados dos feus poítos a
pelejar em outro. Ficou também mal ferido o Sargen-
to mór de Batalha Balandrim , e morrerão os Capitães
Luiz Fernandes da Paz, e Giraldo Pereira, que con-
duzirão as mantas á muralha. Na mefma tarde deite dia,
que fecontavaõ dezafete de Junho , appareceraó á vi-
fta do quartel cinco mil cavallos Caíielhanos, governa-
dos pelo Tenente General da Cavallaria D, Diogo Cor-
rêa,» porque, havendo chegado a Badajoz Alexãdre Far-
nefio, irmão do Duque de Parma, com Patente de Gene-
ral da Cavallaria ,* e duvidando ceder-lhe eítePoíto D,
Diogo Cavalhero, que o exercitava com patente de Me-
ftre de Campo General , fe accendeo de forte a conten-
da entre os Italianos , e Hefpanhoes , que fe perderão
na competência muitas vidas de ignorantes , que cu-
Mando a Deos taõ fubído preço , morrerão portão pe-
quena caufa ,• enganofos laços , em que o Inferno co-
íruma colJier a imprudência humana. Por não paísar a
maiores excefsos efta differença, mandou D.João de Au-
ftria a D. Diogo Corrêa governando a Cavallaria , que
com infelice prognoftico , como adiante diremos , co-
meçou amandalla a dezafete de Junho. Trazia ordem
para animar (vendo-o) aos íitiados , cobrir Alcântara*
e Bvoísas , e intentar foccorrer Valença na forma > que
lhe fofse poílivel.
A naõ e fpe rada vifta deíle grande corpo de Caval-
laria caufou no exercito tanta confuí ao, e embaraço ,
que, confundindo-fe os corpos de Cavallaria , e Infan-,
■
teria
quando intentarão formar-fe em batalha dentro
do
An no
jz4 PORTUGAL RESTAURADO,
do quartel , foi necefsária grande diligencia , para fe
tornarem a compor , em que teve grande parte o Sar«
gento mor de BatalJia Joaô da Silva de Soufa , que pa-
ra fimilliantes operaçoens tinha particular defcreza. Sa-
íiio do quartel o Conde de Scliomberg , Gil Vaz Lobo,
o Conde de S. Joaô , e Aftonfo Furtado com hum cor<
pa de Infanteria, e Cavallaria a reconhecer òs litios, fe-
gurar as entradas das ferras, e a proporcionar todas as
diípofiçoens, para que não houvefse novidade em qual-
quer accidente. O Marquez de Marialva attendendo á
iegu rança do quartel, mandou ordem ao General da
Artilharia, que aíliítia nos aproxes, retirafse das baterias
algumas peças para guarnição do quartel. O General da
Artilharia chegando-lhe efta ordem , lhe pareceo pre-
eifo , antes de a executar, reprefentar ao Marquez oí
inconvenientes , que fe podiaô feguir. Montando a ca-
vallo pafsou ao quartel , diiseao Marquez, que os Ca-
ftelhanos naô traziaõ Infanteria , e que fem ella julga-
va impoííivel foccorrerem a Praça í e que ao tempo quí
fe aviítafse, o que fe não devia fuppôr , confrontando
fe todas as noticias antecedentes, que mais deprefs*
havia de occupar a artilharia os lugares na trincheira
<melhe eítavaõ deltinados , que os inimigos chegafsen
ainveítillos; e que os fitiados não vendo movimente
algum nas baterias , e aproxes ( dèmonílraçaõ , que ma
nifeítava a nofsa confiança ) perderião o alento , qu<
lhes occafionara a vizinhança do foccorro. Approvoi
o Marquez eíle difeurfo , e qualificou-o a experiência
porque D. Diogo Corrêa reconhecendo a diípofição d<
quartel , fe retirou deixando nos fitiados a defeípera
cão de ferem foccorridos, e defvanecida a alegria, coe
que celebrarão a viíta dos feus batalhoens,publicando-
com repetidas cargas , e guarnecendo as muralhas d
bandeiras , que abaterão , vendo a retirada de D. Lho
<ro Corrêa J e ao mefmo tempo mandou o General d
Artilharia arvorar no lado direito da bateria , em qu
eftava , o eftandarte , que coítumava levar no exercit<
com as Armas Reaes, e outro com as fuás Armas,*
ao pé delias1 huma peça de artilharia , entre as quae
«
PARTE II. LIVRO /X, m
fe viaõ humas letras de ouro , que diziaó : Slne qua non* Anil O
As outras baterias,que fe haviao engrofsado com a arti*- ,(
lharia, que- chegou de Caílello de Vide , e os apro- ^ 'v
xes ie guarnecerão de bandeiras, e foraõ as cargas taõ
repetidas , e taõ furiofas , que cahio ao impulío delias
hum torreão, e hum grande lanço de muralha , e inceí-
iantemente occupavaõ o ar as bombas , e padecia a
Praça os eítragos delias ; porém naõ bailarão tantas
tormentas militares para deíanimar aos íitiados ; por-
que com grande valor repararão as ruínas , e embara-
'cavaõ o lavor dos aproxes. Naõ fe haviao elles adian-
tado muito a refpeito daaipereza do terreno, donde
também os muitos , e grandes penedos embaraça vaõ as
ibrtidas. Segunda vez appareceo a Cavallaria inimiga,
ecom poucas horas de preíiftencia tornou a retira r-ie,
deixando aos fitiados na ultima defeíperaçao de lerem
íbccorridos ; mas naõ lhe introduzio tanto receyo , que
deixafsem de. prefiftir na defenfa da Praça com grande
valor j e continuando as baterias , fe acharão entre as
balas de mofquete,que difparavao, algumas de eftanho.
Mandou o General da Artilharia dar parte ao Marquez
de Marialva, que lhe ordenou mandafse advertir ao Go-
vernador naõ continuafse aquelle excefso , por naõ ca*
hir na ultima ira dos Soldados , quando entra isem na
Praça.Tocou ao Tenente General da Artilharia Manoel
da Rocha Pereira a chamada , para íe fazer eíla adver- @
tencia. Ceisarão as armas', eo tempo, que a propoíla
foi ao Governador , gaitou Manoel da Rocha em per-
fuadir aos Officiaes , que lhe f aliarão , o rifco a que fe*
expunhão , continuando a fua contumácia , efperando
que a brecha fofse entrada por aísalto não ió nos Sol-
dados Portuguezes, mas nos extrangeiros, menos empe-
nhados na commiferação. Foi muito efHcaz eíla di-
ligencia ; porque falia ndo com o Governador, pedirão
conferente , e propoíiçoens por efcrito. Voltou Manoel
da Rocha para o aproxe , emandando-o o General da
Artilharia ao Marquez com a noticia deíla novidade,
refultou eleger o Marquez o Sargento mór de Batalha
Diogo Gomes de Figueiredo para ir á Praça a conferir
P as
US P0R7UGAL RESTAURADO ,
as capitulaçoens ,• porém fendo huma delias querer c
Governador efperar quatro dias pelo foccorro do fei
* exercito , nao quiz o- Marquez admittilla', por lhe ha-
ver chegado noticia de que novas levas engrofsavaê
o exercito de Caílella. Retirou-fe Diogo Gomes retor-
narão a jogar taõ furiofamente as baterias , que veyoi
terra huma grande parte da muralha, que era batida:
e reconhecendo-íe efla ruina , mandou o Marquez per-
guntar ao General da Artilharia fe eftava a brecha ca-
paz de fe poder dar o aísalto. Refpondeo-lhe , que aí
defenfas eífcavaò tiradas,ea muralha abatida tudo quan-
to podia difpeníar o terrapleno natural, que era o que
corria por conta da fua obrigação ,• e que reconhecera
capacidade da brecha tocava ao Meílre de Campo Ge-
neral aííiílrido dos Ingenheiros, O Marquez mandou
promptamente fazer eítâ diligencia , e julgou o Meítre
de Campo General , e os Ingenheiros que , fuppoíto
que a brecha eítava alta pelo terrapleno natural , e pe-
los penedos da ruina , e o terreno era taõ embaraçado , q
fe não podia formar nelle Infanteria , como eítas difi-
culdades ferião também de defenfa aos que fubião
pela brecha* poderia dar-fe o aísalto. Approvou o Mar-
quez efta opinião , e deu ordem que o aísalto fe déf-
fe na noite feguinfe , contra o parecer de outros Ca-
bos-, em que entrou o General da Artilharia , que em
m todo o4:empo , que fervio na guerra , encontrou as em-
prezas , que íe intentarão de noite , podendo execu*
tar-fe de dia; entendendo, que nem o valor fe alenta
na confiança do feu merecimento , nem o medo fere-,
ílringe no temor da íua infâmia , nem as ordens fe ob-
íervaoV nem fe confervaõ as formas y os amigos , e ini-
migos igualmente fe ignorão, e igualmente faó con-
trários j o clamor perturba , o rumor embaraça ; final-
mente a gloria , e o inferno do exercito militar con-
ítrue-fedo dia , e da noite ; porque a luz do Sol dá os
prémios iguaes aos merecimentos , e a íbmbra da noi"
te os caíligos femdiítincçaó dos erros dos culpados»
Rei "luto o aísalto , entrarão de guarda aosaproxesos
Meítres de Campo Manoel Pacheco de Mello da Pro-
vinda
PARTE II. LIVKO TÃ.
Trás os Montes , (
íaPravincia da Beira, e no
w
nncia de Trás os Montes , e Balthalar Lopes Tavares AnnO
la Provinda da Beira , e no dos- Estrangeiros o Regi-
aiento Inglez do Gonde de.Schomberg, e o do Coronel ^^
Pizon 5 e todos tiverao ordem , que ao tempo , que lê
diíparafsem leis peças de artilharia juntas , inveíhisem
á brecha > e para o meímo tempo íe diípoz numa ai*
veríaô pelo pofto de S. Francifco , e duzentos trance-
zes fe oíFereceraõ para intentar com efcadas entrar na
Villa pela parte ,■ em que achaísem menos defenía. Na
frente de cada hum dos Terços marcharão vinte e cin-
co Soldados com granadas * feguião-fe rodeleiros ^ar-
cabuzeiros , e o refto da Infanteria havia de íegurar. os
-póftos , que íè ganhafsem. Repetidas as ordens , foi a
execução delias com menos filencio , do que pedia a
vizinhança dos inimigos j porque, avizando-os o rumor
mais que ordinário , os obrigou a fe difporem para a
defenla da Praça. Guarnecerão promptamente as mura-
lhas , pendurarão nellas quantidade de candieiros , que
as allumiavão, e lançarão tantos artifícios de fogo, que,
ateando-fe nas faxinas dos aproxes , occafionarao hum
grande incêndio. Acodirão todos os Cabos , e Ofnciaes
maiores , que eítavaõ nos aproxes , a extinguir o ro-
go ; e durando eíta diligencia largo efpíiço , mandou
ordem o Marquez de Marialva , que havia ficado no
quartel com o exercito em batalha , para acodir a qual-
quer accidente , que fuccedefse , ao Sargento mor de
Batalha António Soares da Coíta,que governava a gen-
te , que havia de atacar pela parte de S. Franciíco , e
aos Francezes , que levavão as efcadas , que fuípendel-
fem as diveríoens pelo embaraço do aísalto da bre-
cha, refpeitando-fe o incêndio. Defpedida eíta ordem,
aplacou o fogo , e deu lugar a que Te intentafse o at-
íalto % ecomo eira refolução dependia do Conde de
Schomberg , que eítava com os mais Gabos no apro-
xe > e a ordem dafufpenfaõ das diverfoens foi do Mar-
quez de Marialva , refultou deita confuíaófufpende-
rem os Cabos das diverfoens a fua operação , e ficar
livre toda a guarnição da Praça para refiítir por hu-
ma fó parte ao impulfo do afsalto , que teve principio
-. . Pi ao
Hl11
PÉ
*i* PORTUGAL RESTAURADO,
Alino ao final das féis peças de artilharia juntas, que íe ti-
l66ã íía PreVenido parafe avançar a brecha. Marcharão os
■•< ^ Terços Portuguezes , e Inglezes , e inveíHrão a brecha
com tão valoroía emulação, que vencendo a eítreiteza,
e difficuldade do terreno , a fúria das cargas , a voraci-
dade-dos artifícios de fogo , montarão a brecha , eos
Inglezes arvorarão nella as fuás bandeiras : porém co-
mo os fitiados fe oceuparão fó em defender pequena
porção de terreno , por eílarem defembaraça dos de o Li-
tros perigos, rebaterão tão furiofamente osexpugna-
dores,que degolando alguns Inglezes,que faltarão den-
tro da Praça , precipitarão os que havião oceupado a
brecha, e ganharão duas bandeiras Iuglezas ; e não dan-
do lugar a afpereza , e pouca capacidade do fitio a m
ronovar o afsalto , íe retirarão os Terços. Ficarão mor-
tos trezentos Infantes Inglezes, e fetenta Portuguezes-,
entre elles os Capitães Francifco Pereira , do Terço de
Manoel Pacheco de Mello , e o Capitão Manoel de
Mello , do Terço deBalthafar Lopes Tavares.
Retirados os Terços ; foi o remédio do damno pa-
decido continuarem promptamente com maior calor os
aproxes , e com maior fúria as baterias , e fabricou na-
quella noite o General da Artilharia outra , que come-
çou a jogar , quando amanheceo, etao pouco diítan-
te da muralha , que receberão os fitiados coriíideravel
damno na brecha reparada com a débil deferi ia de col-
choens , e arcas J e vendo os Caítelhanos , que o bom
fuccefso da defenfa da brecha lhe era muito prejudicial,
por haver acerefeentado o empenho do exercito , e o
perigo evidente das vidas de todos , pois havião coope-
rado na morte dos muitos Soldados valorofos , que
tinha õ acabado no afsalto; e acerefeentando-fea eíte re-
ceyo o eílrago , que fez huma bomba , que cahio en-
tre a pólvora, que eítava no Caítello , e occafionou
muitas mortes, e grande ruina , tratarão de entregar a
Praça , ouvindo as propofiçoens do Commifsario geral
A ntonio Coelho de Góes , feitas em duas horas, que fe
deraô de fiiípeníao de armas, para fe enterraremos
-mortos 5 e. depois de ventiladas varias propofiçoens ,
conce-
PARTE II. LIVRO IX. 119
cõcedeo o Marquez de Marialva ao Governador os qua- Ali 10
tro dias de dilação, que antes do aísalto lhe havia ne- 66
gado ,• parecendo-lhe meno, arriicado eíle empenho na uu^
tfperança, que o exercito deCaílella não eíhya com
numero baftante para íbccorrer a Praça ,e^exporíe a tal-
ta de mantimentos, que pela diminuição das carrua-
gens fe começava a padecer: e tomada eila reíoluçao,
concedeo ao Governador, que pudeíse mandar hum Or-
ficial a dar conta a D.João de Au ít ria do perigo» em
que íe achava, que no termo de quatro dias entrega-
ria a Praça , não lendo foccorrido ,- e que no calo , que
nefte prazo chegaíse D.João de Auítria com o exerci-
to , e conieguiíse introduzir na Praça íbccorro Real ,
fe havia por deíbbrigado o Governador da entrega del-
ia ,' ficando porém íu jeito a capitulação, ainda queluc-
cedefse introduzirem-íe furtivamente na Praça quatro-
centos , ou quinhentos homens : e que no caio , que
dia de S. João ieguinte , em que íe acabavão os quatro
dias , a Praça nao eftivefse foccorrida com rompimen-
to do nofso exercito , ás íete horas da manhãa íe en-
tregariaõ as portas , e Caítello da Praça , onde le acei-
taria fó a guarnição Portugueza ; e fe concedia ao Go-
vernador huma peça de Artilharia do calibre , que eí-
colhefse: que os Religiofos, e Religio ias ficaria a feu
arbitrio fahirem pa Praça , ou ficarem nos Conventos:
que aos Soldados , e paizanos fe farião as mais commo-
didades coítumadas. Firmadas as capitulações pelo Mar-
quez de Marialva , e o Governador , fe fui penderão as
armas, e fe applicou todo o cuidado á fegu rança do
quartel , para, fe impedir o foccorro , por haver noti-
cia que D. Joaõ de Auftria remettera a D. Diogo Cor-
rêa três mil Infantes , que havendo-os unidos a cinco
mil cavacos , eítava alojado na ribeira de Solor em fi-
tio forte cobrindo Alcântara , e os campos de Brofsas,
e folicitando com grande diligencia caminho proporcio-
nado ao intento de foccorrer a Praça.
O Conde de Schomberg mandou guarnecer todos os
poftos vizinhos amuralha , e fez frente á Campanha
com a primeira linha da vanguarda, e entre ella , e a
P 3 fegun-
*jo PQRTUGJLRESTAURADO,
AliaO fegundà linha fe levantou huma trincheira : cerrarao-
1.664. ^e °S doiJS ,cmarteis de s* Francifco , edos Extrangei-
t"' ros: pafsou-íe a artilharia das baterias para os quartéis,
eriçou largo tempo á Cavallaria para pelejar lem con-
fuíaõ 5 e na confiança deitas diípoíiçoens dava pouco
cuidado ao Marquez de Marialva a refolução dos Ca»
itelhanos foccorrerem a Praça. Durando o termo dos
quatro dias , vierãõ os moradores do lugar de S. Vicen-
te , os de Santiago , Carvajo , e outros dar obediência
a EIRey na forma íeguinte :
\Nno do Nafcimento de No (fo Senhor JESUChri*
de mil efef centos fejfenta e quatro annos , aos 'vin-
te e quatro duis do mez de Junho do dito anno em efia
, Campanha de Valença na Tenda do Senhor Marquez de
Marialva , Capitão General dcjle exercito , e Provinda
de Alentejo , fendo alli prefente L>iogo Gomes de Viguei*
redo , Sargento mor de Batalha , perante elle parecer do
o Clero , e Regedores do lugar de Saõ Vicente , Termo de
Valença , epor ellesfoi dito, que elles em nome do Cle-
ro do dito lugar , e os Regedores em nome do Povo vi~
nhdo a EIRey NoJJò Senhor Dom Ajfonfo , que Beos
guarde , e fe confejfavdo por feusleaes vajfallos , efeof-
ferecido voluntária , e fielmente a feu ferviço \ e outro-'
fim promettiào de ndo tomar armas , nem irem em al-
guma matéria contra feu Real ferviço , antes ampara»
rido do modo , que lhes for pojfivel t quaefquer parti*
das, que chegarem dquelle lugar y e fe obrigavdo a aco-
ãir com mantimentos ajjim ao exercito y como á guarni-
çio~ da Praça de Valença \ e nio dardo nenhum avizo ,
que pojja prejudicar ás nojfas armas , antes no lo dardo
a nós , como vafjallos de Sua Magefiade , e o dito Se-
nhor Marquez de Marialva , [General de fie exercito ,
como a taes lhes ajjegura fuás fazendas r moveis , epef-
foas ,' para o que lhes mandou pajfar falvo-ccnduão , de
que Je fez efie Auto , que todos affignario aqui com o
dito Sargento mor de Batalha , e eu Francifco Lopes Ef
trivdo da Auditoria , que ú e fere vi,
Diogo Gomes de Figueiredo* Manoel Garcia de Moura,
Inmcifco
PARTE 11. LIVRO IX. 231
Francifco Gonfalves Marques. L>. Pedro Marques -Cof- AntlO
corro. Alonfo Sanches Rebello. JQiogo Marces Rukon. ^
Diogo Gonfalves Marques.
O Marquez de Marialva lhes pafsou o falvo-condu-
&o feguinte;
POr quanto os moradores do lugar de Saõ tfcentewe-
rdo dar obediência a Sua Mageftade ., que Deos
guarde , fe lhes concede em mme do dito Senhor , que
poífaõ lograr fuás fazendas , e bens livremente ,
trazendo feus gados na Campanha, f em que as partidas
de fie exercito lhes façaõ damno algum ,• para ctt)o ejfei-
to recorrerão ao Governador da Praça de Valença , que
lhes dará Jalvos-conduãos para poderem paftar feus ga-
dos (eguramente ,• advertindo , que em tudo o queje Ihes^
encommendar do Jerviço de Sua Mageftade, fe haverão
£om grande zelo , náo tomando armas contra nos , am-
parando todas as partidas , que por aquelle lugar pafja-
rem , trazendo todos os mantimentos necejjarios a vender
a efte exercito , c Praça deVdença , com coniminaçaõ de
que , procedendo pelo contrario em alguma manara , fe
nfará com elles do ultimo rigor. Dada na Campanha Jo-
bre Valença a vinte e quatro de Junho de mil jeif centos
fejfenta e 'quatro. .
Pafsou-fe o termo dos quatro dias , e não fizerão
os Caílelhanos mais movimento, que apparecerem com
a Cavallaria ao longe á viita do quartel. O ultimo dia
do prazo dos quatro assentados na capitulação íuece-
deo cahir á terça feira , que fe havia aportado a traní-
fomar-fe felice em beneficio do Marquez de Marial-
va , cahindo em dia de S. João Baptiíla ,em que íè
contava hum anno , que havíamos entrado em Évora:
ás quatro horas da tarde entregarão os Cafte1J?anos a
porta de S. Francifco , e entrou nella de guarda o Ter-
ço de Cafcaes , de que era Meftre de Campo Joíeph
deSoufa Sid ; e na brecha entrou de guarda MâTto«&l_
deSoufã deCaítro , Meíbrede Campo do Terço do Al-
P 4 gaive,
Ànno
1664,
252 POUTVGAL RESTAURADO,
garve , e hum troço de Cavallària rodeou amuralha.
Entrou -o General -'da Artilharia 'a tomar poise da Pra-
ça, artilharia, armas , muniçoens , e mantimentos ,'e
a tirar a guarnição Gaitei ha na. Era hum dos Meítres de
Campo D. João de la Carrera , que também havia íído
hum dos rendidos em Évora dia de Si João anteceden-
te j e íuccedendo encontrar-fe logo á entrarda da porta
com o General da artilharia , .lhe diise- com a coítuma-
da agudeza da Nação Caítélhana , que lhe pedia , por
iè livrar de cuidados, lhe apontaíse a parte , para onde
havia de mudar o feu fato o S. João feguinte , viíto ha-
vello duas vezes defacommodado. Erão os outros dous
Meílres de Campo D. Pedro da Fonfeca , que também
fe havia achado em Évora , e D. Franciíco Rucio. Ob-
iervaraô-íe as capitulaçoens com muita pontualidade,
e conílava a guarnição de oitocentos Infantes , quaren-
ta cavallos , e grande numero de paizanos, Entrou na
Praça o Marquez de Marialva comos mais Cabos a lo-
grar' o fruto do trabalho padecido , íignalando-fe com
muita particularidade o Conde de S, João , e AíFoníò
Furtado J porque em quanto durarão os ajsroxes , e ba-
terias , naó iahirão dos lugares mais perigoíbs , traba-
lhando com as pefsoas , e com o exemplo.
O Marquez logo que entrou na Praça , mandou a
nova a EIRey por Simão de Vafconcellos , e foi applau-
dida cam as demonítraçoens de contentamento , de que
era digna *, e o Conde de Caítello-Melhor foi da parte
d< EIRey dar o parabém á Marqueza de Marialva ,- íin-
gularidade merecida das virtudes do Marquez continua-
mente occupado em fervorofo zelo da gloria , e defen*
fa da fua Pátria.
Ao dia feguinte depois da entrega de Valença , de-
lenharão os Ingenheiros a fortificação , que pareceo
precifa para a melhor defenfa daquella Praça, fabrican-
do-fe no Callello huma Cidadela , e accõmodando-fe
a muralha antiga com travezes , fofsos , eftrada cober-
ta ,• e fez o Marquez eleição do Meftre de Campo D
Manoel Henriques de Almeida , que governava Caítel-
lodçVide, para o governo daquella Praça. Deixo u-
Ihe
PARTE 11. LIVRO IX. 233
lhe de guarnição três Terços de Infanteria , o de João Anno
Furtado de Mendoça , Joíeph de Sou a Sid , ^Mm^ód.
Tolon, quatro Companhias de cavacos , municoens, "°4-
e mantimentos ; e reedificadas as rumas da muralha , fe
re^?ou o exercito ; e dentro de breves d.as vierao para
Valença de Lisboa dez peças de artilharia , quantida-
de desmuniçoens, e ferramentas , e mandou EIRey,
mie D Manoel Henriques voltalse para o governo de
SLlio de Vide , e cntregaíse Valença ao Sargento
mt deBat.lha Diogo Gomes W^^tóJ:
ítio nella poucos dias , e fe fez eleição de João Macha-
do Fagundes, que governava o ^F"fi£*£»£
naõderaó lugar a que durafse o cuidado deita Fraca ,
porque logo que o nofto exercito íe retirou , mandou
D. joao dt Auítria o exercito para esieus quartéis , nao
havendo em toda aquella Campanha atacado nem a
mais leve efcaramuça? A vinte e oito de Junho, nos pu-
semos em marcha \ o dia tíM ^-idirao noJ-
tio da Alagôa o Conde de S. Jcao ^{^WjfJ^
com a íua gente , o primeiro para a Av.s , o fegundo £a-
raNifa ; e brevemente tiveraõ ambos ordem d<hlKey ^.^ -
cara voltarem para as fuás Províncias. O Marquez com MaT^ à*
TXdo exercito pafsou a Fronteira, edeu ordempa- *-*«**
^ qHaviaqnaífctempo ctefddo com i excefso a def-
confiança entre o Marquez , e o Conde de ^omberg,
fendo a principal cauíaa defcuberta oppofiça odoMe-
ítre de Campo General Gil VazLobo ao Conde de Scho-
W, e o grande empenho do Marquez em moítrar a
boaSeleiçaõ , que fizera de Gil Vaz para o Pofto ae Me-
ftre de Campo General , que achava parciaes dos léus
interefses ao General da Cavallana , aos Sargentos mo-
res de Batalha , c a outros Cfficiaes do exercito. O Ge-
neral da Artilharia era totalmente oppofro -a iimilhan-
tesdeíunioens, defejando que todos igualmente con-
correrem para a gloria da NaçaÕ , e defenia do Rey-
no. EíHmava por eíte refpeito , como era Jjrtto, as
grandes partes do Conde deSchomberg, conhecendo,
que na fua doutrina militar confiília a melhor direcção
%U POnTVGAL KES74V1MD0,
AntlO-dp governo do exercito. Poreíte refneito , e porque õ
\66a. Conde de Schomberg era dependente do Conde de Sou-
* re, que havia fido caufa delie pafsar de França a Por-
tugal , fuílentava com grande firmeza a ília amizade,de
que lhe refultava íer o Marquez menos agradável a fua
correspondência, do que lhe merecia o leu procedimen-
to ; e entendendo o Marquez que convinha , para fazer
mais poderoio o partido de Gil Vaz, tirar ao General
pA"1 UIÍarí? d° quartel da PraSa de EIvas » onde havia
aliutido deíde o primeiro anno , que começou a fervir,
e grangeado iníeparavel fequito dos Oífíciaes daquella
guarnição , e de outros muitos do exercito , por lha
deverem as luas melhoras , lhe mandou ordem , que de
Fronteira marchafse com o Trem a alojar em Évora.
Quando chegou eíta ordem a D. Luiz de Menezes , pa-
decia fegunda ceíaó , havendo o Marquez fido teftimu-
nhao dia antecedente da primeira; e nao reparando ne-
ita grande diíficuldade , nem tendo lembrança de que,
havendo no principio da Campanha começado as dif-
ieníoens refendas.e conhecendo o General, que o Mar-
quez deíconfiava da íua amizade , lhe havia dito o dia,
. que chegarão lobre a Praça de Valença , queeítavaem
tempo de obfervar quem era o que mais fe appl içava
a detenta do Reino , e augmento da fua gloria ; e aca-
bado o fitio , confefsara o Marquez devia ao voto de D.
Luiz trazello a Valença , e á grande parte do feu traba-
lho ganhar aquella Praça. Foi grande o fentimento ,
que o General da Artilharia teve quando recebeo eíta
ordem ; a que refpondeo promptamente , que elle fe
achava com a enfermidade , que ao Marquez era pre-
fente, e que íendo-lhe precito tratar dos remédios da
lua íaude , lhe nao era poííivel poder pafsar a Évora,
onde nao tinha cafa, nem comodidade alguma ; que
quando melhorafse do achaque, que padecia, trataria de
obedecer ao que fe lhe ordenava. Voltou fem dilação
iegunda ordem do Marquez,que fem embargo da repli-
ca do General paísaíse a Évora. Refpondeo-lhe , que
como General da Artilharia naó duvidava de obedecer,
como era obrigado aporem que, defiílindo deite pofto ,
como
PJRTE II. LIVKO IX. 2 5 y
como logo defiftia , ficava livre para tratar da fua fau- Anno
de,onde melhor lhe pareceíse. O Marquez que nao fup- ,.
punha , que o General tomaíse eíta deliberação , deter- u*«
minou atalhalla , vindo buícallo á Igreja de Fronteira,
onde alojava , atempo queeftava para entrar em hu~
ma carroça , que trazia na Campanha , para partir pa-
ra Elvas : porém eílando a queixa taõ viva , naõ admit-
tio acomodamento, e partio D. Luiz de Menezes para
Elvas deíbbrigado do poíto de General da Artilharia , e
o Marquez para Eítremoz. Ambos defpacharaõ de Fron-
teira Correyos a EIRey , que chegarão a hum tempo á
Lisboa; e mandando EIRey, que no Confelho de Eíla-
tio fe viíse eíla queítao , ventilada nelle , ordenou El- s
Rey , que o Irem fe naò mudaíse da Praça de Elvas,
eícrcvendo ao General , que lhe naõ aceitava a deixa-
çaõ do poíto, referindo os feus ferviços , e o quanto
lhe euo aceitos , com palavras taõ encarecidas , que
naõ tem confiança a modeítia para referillas \ e com ef-
ta carta vinha a copia da que EIRey, efcreveraao Mar-
quez , em que fe lhe ordenava , que o Trem fe nao
mudalse de Elvas. Em quanto fe dilatou elta refoluçaõ,
havia o Marquez mandado governar Elvas ao Meílre
de Campo General , que com a noticia referida le re-
tirou para Eílremoz. Parou a doença do General com
doze fangrias : porém naõ fe diminuio o fentimento
de que o Marquez rral informado lhe défse cccafiaô de
fazer huma demonftraçaõ taõ publica, venerando-d
fummamente tanto pela fu a grande authoridade, co-
mo por cabeça da fua cafa , a que fe juntava a ellrei-
ta amizade, que haviaõ profefsado todos os feus afcen-
dentes , e o tempo ( como referiremos ) veyo a defco-
brir ao Marquez quanto D. Luiz fabia rrerecer-lhe to-
do o favor. Neíte tempo , por ordem do General da
Cavallaria , fahio o Capitão de cavallos Ignacio Coelho
a correr a eltrada de TaJavera com noventa cavallos ,
e encontrando hum comtoy de muniçoens , que hia pa-
ra Badajoz com cincoenta cavallos, Ignacio Coelho lhe
tomou o comboy , e poz em fugida a èfcolta , que
«orreo aunir-fe com o Príncipe de Parma» Voltarão,
eea-
«?v
*}6 PORTUGAL RESTAURADO,
Armo e encorporados carregarão a Ignacio Coelho até a paf-
i66a laSem de Guadiana, onde volta ndo-lhe caras os nof-
Uir fos, receando o Príncipe de Parma emboicada , fez ai-
toi.com que ganhando eíte tempo a nofsa partida, íe
recolheo com toda a preza. Naõ foi menos feliz o íuc-
çef&o , que algum tempo depois teve Manoel Travafsos;
o qual iahindo com cento e cincoenta cavallos a ar-
mar ás tropas de Geromenha , derrotou três , tomando-
lhes trinta e fete cavallos.
. ^ O troço de exercito , que chegou a Eítremoz, e as
carruagens, íè não dividirão, em quanto não conílou ao
Marquez , que os Caítelhaaos aquartelavaõ totalmen-
te o exercito j o que brevemente fuccedeo, eo Mar-
quez, defpedidas as carruagens , tratou das fortificações
de Eítremoz , e das mais Praças com fumma activida-
de , acodindo o Conde de Caítello- Melhor com todo o
dinheiro neceísario para as obras mais preciías. Acha-
va-íe neíle tempo alojado em Monforte o Commifsario
geral António de Siqueira Peilana Jcom duzentos caval-
los, e tinha ordem para defacõmodar a guarnição de
Arronches, quanto lhe foíse poííivel. Teve avizo que
vinha ao Afsumar hum comboy, que feguravão cem ca-
vallos : determinou , dividindo os duzentos daquelle
quartel , cortar os cem , mandando outros tantos ás
cortas de Arronches , e que os que íicafsem , inveílií-
fem o comboy , quando cerrafse a noite. Chegou a ho-
ra da execução , eítando os Caítelhanos já perto de Ar-
ronches , e fendo inveílidos , acodio da retaguarda o
Commifsario geral D.Carlos Eftaço , que vinha por Ca-
bo , e querendo refiítir , achou pouca conftancia nos
Soldados , prefunúudo , que era muito maior o poder.
Voltarão as coitas , forão rotos , e quaíl todos priíio-
neiros, entrando o Commifsario geral , e outros Offi-
ciaes , fem mais perda noísa , que a do Capitão Pedro
Luiz Paim , que havia procedido com muito valor , e
a de cinco Soldados ,• e retirou-fe António de Siqueira a
Monforte convtodo o comboy, que os Caítelhanos le-
vavãor porém como muitas vezes fuccede não ferbem
©vbem .demafiado , occafioaou a felicidade deite fuccef-
fo
PJRTE II. LIFKO IX." i)7
fo o defcuido de naó deixar António de Siqueira aqueí- AnHO
la noite partida fobre Arronches, como ie lhe : havia v
encomendado para fegu rança da guarnição de Cabeça iU <*
de Vide , que governava o Tenente de Meítre de Cam-
po General Manoel de Siqueira Perdigão , e aííiíha de
quartel no lugar o Coronel Briquemont com três Com-
panhias de cavallos, e Xeveri com o leu Regimento.
Naquella me ima noite iàhio de Arronches o lenente
Gmeral daCavallaria D.Belchior Porto-Carrero , le-
vando mil Infantes , e feiscentos cavallos, com que che-
gou de Badajoz , poucas horas depois do lucceíso de
António de Siqueira. Quando amanhecia, aviítou Ca-
beça de Vide , e tocarão arma as partidas , que Brique-
mont tinha fora do Lugar , e teve tempo de retirar-íe ;
exemplo que naó feguio o Capitão Cellirie Maltez ;
porque fem ordem le foi meter no Lugar, podendo
retirar-fe. Avançarão os Caítelhanos , e como as trin-
cheiras erão baixas , as penetrarão facilmente. Xeveri ,
e alguns OíHciaes ie recolherão ao Caítellejo , que ti-
nha pouca defenfa : refiítirão quanto lhes foi poííível,
e. depois de mortos vinte e dous, em que entrou o
Capitão Cellirie , fe renderão , não podendo coníèguk
a diligencia , e valor de Manoel de Siqueira Perdigão ,
que durafse mais a defenía ; porém teve a fortuna da
confuíaõ , e brevidade , com que os Caítelhanos íe re-
tirarão , de que fe originou não ir prifioneiro , ficando
diílimulado entre os paizanos. O Marquez de Marial-
va no mefmo ponto , em que teve noticia deite fuecef-
íb , deípedio os Soldados das ordens , e juntando-fe as
guarniçoens dos quartéis vizinhos , marchou comelles
o Meítre de Campo General; chegou a Cabeça de Vide,
e achando , que os Caítelhanos fe havia 6 retirado, vol-
tou para Eítremoz , e dentro de poucos dias pafsou o
Marquez de Marialva a Lisboa , onde já eítava o Con-
de de Schomberg , e (ficou governando o Alentejo o
Meítre* de Campo General Gil Vaz Lobo, que até o mez
de Setembro pafsou fem novidade digna de memoria.
Neíte tempo teve Gil Vaz noticia , que a Praça de Ar-
ronches fe começava a defmantellar / porque havendo
che-
*
2^ PORTUGAL RESTAURADO,
,-AntiO pegado a -Badajoz o Conde Mareia .defiro , e vaíorofo
1 6 á *?railcsz* ; com ttteloi de Governa dor das Armas, que coi
°°4' «íêçou^a exercitar ,,:.por haver .paísado a Madrid Ujoao
deÀuítria; _e havendo reconhecido Arronches, e jul-
gado que era impoífivel a lua coníervaçaô fem com*
boys &Qàes, porque as continuas partidas, que cor-j
riap de Elvas, Campo-Mayor , Portalegre , e Monfor-
te áeítrada de Albuquerque , naõ deixavaõ communi-
Oí cajiilbanos C£> a SLlarniçaõ de Arronches com outra alguma Praça*
reconhecido a refolveo deimantellalla , e voar as muralhas , que coro
dificuldade de tanto diípendio fe haviaõ levantado. Gaíteraõ-fe alguns
^"ÍVI Ar- dias em desfa>zer as obras exteriores, e atacar as minas
rinches, a dlf no -corpo da Praça. A vinte e íeis de Setembro* fahio dd
manteilaraõ, Badajoz o Conde Marçin com quatro mil Infantes y e
três mil cavallos, carruagens para conduzir a artilharia,
municoens ., e mantimentos. Chegou a Arronches , e
depois de poucas horas de dilação , fe poz em marcha >
mandando dar fogo ás minas, que naõ executarão o.
efrèito, pertendido. Retirou-fe atempo , que Gil Vaz
chegava a. Veyros com três mil cavallos, edousmil
Infantes j e conftando-lhe , que os Caílelhanos fe ha-
via 6 retira do , pafsou a Arronches., donde fez retira r
o fato dos moradores para lugares feguros , em quanta
fe naõ tratava da fortificação daquella Praça»
Naõ foi inferior a fatisfaçaõ , que os Povos tive-
ráõ deite fueceíso, ao contentamento, que confeguirão
nas vi&orias antecedentes; porque as batalhas vencidas,
e as Praças ganhadas recreavaõ-lhe os ânimos pelo bem,
comimimj e Arronches defmantellada focegavalhes os
receyos , que lhes cau fava o, as partidas, quefahiaõda^
quella Praça , e que prejudica vaõ muito íeníivelmente
naõ io aos lugares das fronteiras , mas aos mais interio-.
res de toda aquella Provinda. Havia íido Arronches O;
defempenho dos cabedaes da Campanha do anno de fe-
iscentos fefsenta e hum , e o principio dos progrefsos
deD.Joao de Auítria,encarecida empreza por feus ami-
gos , e louvada acçaõ de feus parciaes. Tinha euftado
a fua fortificação cabedaes muito grandes, e naó havia
feito menor difpendio reformarem-íe as minas, que oc-i
cafio-
PARTE II. LIVRO IY. m
cafionou o incêndio da pólvora , cujo damno havia cau- A 1100
-fado a morte de muitos Soldados , que juntos .aos que .
acabarão de doenças , e em vários encontros , paísaraõ O04-
de nove mil os que renderão as vidas nos três annos,
que os Caftelhanos íuftentáraó efte preíidioi fendo tam-
bém grande o numero de cavallos, que perderão: e
alem deites damnos, deívaneceo efta Praça delmantella-
da todos os encarecimentos,com que D.Jeronymo Maí-
carenhas encheo o Mundo de louvores de D. Joaõ de
Auílria no livro , que imprimio intitulado Campanha
de Portugal , de que já acima fizemos memoria. Retira-
do Gil Vaz , deu conta a EIRey. Foi na Corte recebi-
da a nova dos Caftelhanos largarem Arronches com
grande contentamento , fendo efte alvoroço em benefi-
cio do General da Artilharia D. Luiz de Menezes , por
coníeguir dar-íé-lhe o parabém da parte d<ElRey,e léus
Miniftros, de haver fido author do fitio de Valença,
apontado por confequencia a reftauraçaò de Arronches;
e paísado poucos dias , defmantellarão os Caftelhanos a
Codiceira ; porque, largando Arronches , lhe ficava inú-
til aquelle preíidio.
O Meftre de Campo General defejando fazer plau-
fivelotempo do feu governo, intentou ganhar a Vil-
la de Freixenal , cinco legoas diftante de Mourão para
aparte de Xerez , aberta, mas dilatada, e opulenta.
Marchou com efte intento a Monçaraz com a maior
parte da Cavallaria , e dous mil Infantes ; porém, con-
ítando-lhe , antes de paísar Guadiana , que tinha fugi-
do hum Soldado de cavallo para Caftella , fuípendeo a
jornada , e voltou para Eftremoz. Aomefmo tempo ,
que havia marchado para Monçaraz , mandou ao Saiv
genro mór de Batalha João da Silva de Souía entrar
com novecentos cavallos nos campos de Montijo a di-
vertir a Cavallaria de Badajoz , e Talavéra, que não
'paisífse a Freixenal. Compunha- fe efte troço de Caval-
laria das Companhias derivas, eCampo-Maior , de
hum Regimento deFrancezes,e outro de ínglezesjeão
da Silva adiantou até Montijo a Dom Manoel Lobo
com trezentos cavallos j 'com os feiscentos ofoileguiiv.
o ; " do,
■
""*
An no
1664.
"
240 PORTUGAL RESTAURADO,
do. D. Manoel avançou varias partidas á ordem do Cs
pitaó Ignacio Coelho da Silva , que fez taõ boa dili
geacia , que ao romper da manhãá eílava encorporad»
com D. Manoel , e Joaò da Silva , havendo rebanhadt
iete mil ovelhas. Depois de ia h ir o Sol , apparecend(
dous batalhoens Caítelhanos,que tinhaõ fahido deMon
tijo , mandou Joaò da Silva adiantar a preza a paísa
as ribeiras de Xévora , e Botova , e ficou efperand<
outras partidas , que tinha mandado para a parte dt
Badajoz. Chegarão ellas ao meyo dia , enaóhavendc
até aquelle tempo movimento algum na Cavallaria di
Badajoz, marchou Joaõ da Silva a fe encorporar con
a preza , a que fe unio no cabeço da Alivan , hum
legoa diílante de Çampo-Mayor, duas de Badajozj e a<
meímo tempo teve avifo das partidas , que tinhaõ rica
do na recta guarda , que a toda a diligencia marchava*
a bufallo oito batalhoens. Fez alto , formou a Cavai
la ria , encobrindo-a quanto lhe foi poílivel , e efperoi
que chegafse-D. Diogo Corrêa , que era o Cabo dosba
talhoens,que vinha com exprefsa ordem do Conde Mar
cin de pelejar com qualquer troço , que encontrais^
Esforçou Joaõ Leite de Oliveira o engano de D. Diogc
Corrêa fuppor , que era fó a Cavallaria de Campo-Ma
ior , a que fizera aquella preza, mandando diiparar re
petidas vezes a artilharia , para moftrar , que a aviíav
do feu perigo \ e neíla confideraçaó chegou D, Diog»
a entrar na embofcada fem cautella alguma 5 e reconhe
cendo que era impoflível retira r-fe <, appellou para o re
médio dos valorofos , de fe perder pelejando , e difse
que o engano ''eftava confeguido , que faltava fó mor
fer por EIRey'. e pela honra J e formando os batalhõe
"em huma fó linha , fez alto antes de pafsar huma fan
ja , que difrlcultava fer avançado pela vanguarda. Joa<
da Silva eftava formado em duas linhas, e para obri
gar aos Cafteíhanos , a que fe movefsem , fez avança
quatro batalhoens , qúe foraõ recebidos dos inimiga
com huma carga dê cara vinas ta o bem dada , que íize
rao alto. Soccorreo-os oCommifsario Geral Rixardie
com a linha da vanmiarda , que governava : reíiítiraô c
Caíb
VAKTE II UtfRO IX. 241.
Caftelhanos largo tefpaço > porém , chegando Joaõda AnilO
Silva, foraõ desbaratados quando cerrava a noite, que ^
na6 embaraçou aos Capitães D. João de AlencaAre, Pe- * -
dro de Lima, D. Manoel Lobo, elgnacio Coelho fe-
cuirem-lhe o alcance todo o tempo , que puderao dei-
montar os aue íe retiravao ajudados do favor da noi-
te Os mortos, que dos Caftelhanos perderão mayores
peitos, foraó o Tenente General da Cavallana D. Ale-
xandre Moreira , Portuguez , que haviaficado emCa-
■ftelía quando EIRey íeacclamou , eoflendia naquel-
le exercito as obrigaçoens com que nafcera , três Ca-
pitães decavallos, outros Officiaes , ecem Soldados.
Ficarão prifioneiros o Capitão de cavallos D. temando
de Avalos , o da guarda do Conde Marcin , e D. Fran-
ciíco António Auguítos , e JoaÕ Francifco Dommico ,
Tenente Capitão da Companhia do General da Cavai-
laria , e outros Officiaes , e Soldados feridos. Kepar-
tirao-fe pelas Companhias duzentos cavallos , e cuftou
a peleja as vidas dos Capitães Theodoro Ruisel, e Tho-
mas Madoche Inglezes,eZambronont Fm ncez, Tenen-
te do Conde de Maré. Ficou fendo o Capitão Fedro
Alvares de Abreu, filho de JoaÕ da Silva , com huma
bala pelo roíto , o Ajudante da Cavallaria Domingos
Ferreira,e alguns Soldados. Sentio o Conde Marcm eí-
te fucceíso pela culpável diíciplina , com que havia
mandado pelejar D. Diogo Corrêa fem attençao ao pe-
rigo , com que marchaõ pela Campanha tropas venci-
das , na contingência de a poderem occupar as vidtono-
fas. Retirou-íe JoaÓ da Silva , e logrou merecida eiti-
mação do bom íuccefso , que tinha alcançado , que toi
o ultimo militar daquella Provincia , o armo que es-
crevemos i naò tendo a mefma fufpeníaõ as contendas
politicas , que pelas confequencias naõ eraó menos
si 1*1*1 1 cirlíis*
Continuava a difsenfaó entre o Conde de Schom-
berg, e Gil Vaz Lobo: achava-fe o Conde em Lisboa,
o Marquez de Marialva , e o General da Artilharia > -e
cada hum trabalhava com tenção diverfa ; porque o
Marquez levado das perfuafoens de Gil Vaz , e de léus
<X amigos,
I
ió64«
m PORTUGAL RESTAURADO,
ÂnnOam'§os » tratava de expulíar do Reyno ao Conde de
Schombergje os amigos do Conde trabalhavaõ pelo cô-
fervar nelle , conhecendo o feu merecimento > e a grau-
de eítimaçaõ,que faziaõ das luas partes os Reys de Fra-
ca , e Inglaterra , havendo-lhe entregue o abfoluto do-
mínio das tropas Inglezas, e Francezas , que fervia õ
neíte Reyno. Todo o tempo que durou a Campanha
de Valença , foraõ crefcendoas queixas , que o Meítre
de Campo General publicava do Conde de Schomberg.
Dizia que o Conde lhe embaraçava totalmente o exer-
cício da íua occupaçao : que diílribuia as ordens , man-
dava as tropas ■, difpunha as marchas , elegia os quar-
téis , defenhava as fortificaçoens , e naó confentia , que
os Regimentos Extrangeiros obedecefsem mais que aos
feus preceitos. Deíobrigava-fe o Conde de Schomberg
das razoens deitas queixas , dizendo , que era verdade
tudo , o que o Meftre de Campo General referia } porém
comhuma diílincçaó, queellenaó dava ordem algu-
ma no exercito do Meílre de Campo General , fenaó
quando reconhecia , que alguma das operaçoens, que
fe executavaò , Jiiaõ defencaminhadas : que lhe pare-
cia faltava á fua obrigação , diílimulando erros , que
põdiaõ expor o exercito a manifeíla ruina; qtífe ás tro-
pas Francezas, e Inglezas naò prohibia , que obede-
cefsem a qualquer dos Cabos do exercito nasoccaiiões
em que fe pelejava : porém, que os quartéis eítando de-
baixo da fua ordem por capitulação feita pelos Reys
de França , e Inglaterra , cospo podia permittir , fem
oíFender a lua obrigaçaõ,que recebefsem ordens doMe-
ílre de Campo General dada pelos Oíliciaes Portugue-
ses , fenaõ pelo leu Sargento Maior de Batalha em fua
aufencia ? Pafsaraõ-fe neítas duvidas alguns mezes, fem
fe tomas conclufaõ nellas, e o Conde de Schomberg di-
zia , que naõ havia de ceder da fua propofiçaõ , fem
fer reipoíta dos Reys de França , e Inglaterra , a quem
tinha dado conta da quelle accidente. Deíejavafumma-
mente o General da Artilharia moderar o fentimento
do Conde de Schomberg 5 difpondo o animo de todos
os parentes, e amigos , que tinha na Corte , a favor
das
VJRTE 11. LIFRO IX. *45
las fuás propoliçoens ; porém naõ fe achava com menos Arma
embaraços para voltar ao exercito do feu Poílo , aííim ,,
pela pouca correi pondencia , em que havia ficado com iuuír
o Marquez de Marialva, como por fe haver concertado
para cafar com D. Joatma de Menezes , filha única de
feu irmão o Conde da Ericeira , com a claufula, de que
nao havia de voltar á guerra , ao menos em quanto naó
chegafse a difpenfaçaó do Summo Pontífice , e fe eíFei-
tuafse o cafamento ; e como as deliberaçoens da Corte
nao coílumavaó tomar refoluçaõ, fenaõ nos mezes pró-
ximos á Campanha , ficamos obrigados a dar conta da
deciíaõ deílas no anno feguinte. (
O Conde do Prado Governador das Armas da Pro- vf™\!^£os
vincia de Entre Douro , e Minho , havendo retirado o * zZTdo».
exercito, com que tinha ganhado o Forte da Conceição r0 1 e Minho.
( como referimos no fim do anno antecedente ) deixan-
do entregue o governo delle ao Meítre de Campo Ma-
noel Nunes Leitão com a guarnição do feu Terço , e
os Terços de feu fiího o Conde do Prado, Gonfalo Vaf-
ques da Cunha , o de Auxiliares , de que era Meítre de
Campo João Velho Barreto , e três Companhias de ca-
vallos, de queeraó Capitães Ignacio de França , João
Ferrão de Ca Ítello-B ranço, e AgoíHnho Soares ; chega-
rão eftas noticias a Luiz Poderico novamente eleito Vi-
Íò-Rey, e Capitão General do Reyno de Galliza , e
dando mais credito , a que a fortificação do Forte eílava
imperfeita , que ao numero da guarnição , que lhe fi-
cara , intentou ganhallo a fete de Janeiro , juntando to-
da a Infanteria , e Gavallaria , de que íe compunha o
exercitoj e marchando a eílaempreza , occupou a mina
de humas cafas?que ficavaó defronte do Forte. Chegan-
do a eíle poílo , começou a jogar a artilharia , e moí-
quetaria do Forte com tanta fúria, que brevemente re*
conheceo o feu engano , e fe retirou fem outro efTei-
to. Acodio ao rebate o Conde do Prado , e com a no-
ticia , de que Luiz Poderico aquartelara o exercito , fe
retirou ; e chegando-lhe avizo de Manoel de Barbeira
Governador da Praça de Valença , que a guarnição dó
Forte de S. Luiz fahia fora delle com pouca cautela do
Q 2 Gover-
244 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno Governador, chamado D. João de Taboada , intentou c
\66± Q°^à° Prado ufar deite defcuido , e deu ordem ao
t* Capitão de cavallos António Gomes de Abreu , que cora
quatrocentos cavallos,e trezentos Infantes,governados
por Manoel deBarbeita-, fe emboícaísem em huns gé-
liaes vizinhos ao Forte deS. Luiz 3 e que ao tempo ,
em que de Valença íe difparaise a artilharia , que era
final da guarnição eítar fora do Forte , avançafsem ás
portas , e degollàísem toda a gente, que hcafse na Cam-
panha. Pela huma hora depois do me 70 dia íefez o
íinal em Valença , e ou vido bosque eítavaõ emboíca-
dos, executarão a empreza com tanto acerto , que cor-
rendo a tomar as portas do Forte , lhes ficou fácil de-
gotlar grande numero de Valões , e tomarem cincoen-
ta cavallos , retirando-le fem damno algum; e naó hou-
ve naquella Província eíle anno mais fucceísos dignos
de memoria.
O Conde de S. Joaõ Governador das Armas da Pro-
víncia de Trás os Montes , logo que-íe retirou de Entre
Douro, e Minho , depois de fortificado o Forte da Con-
ceição , pafsou a Chaves , Praça , em que coftumava af-
iiítir ; e como o feu valorofo , e infaciavel efpirito fem-
pre hydropico de emprezas generoías ( que íó na fatis-
raçao de confeguir humas mitigava a fede de inten-
tar outras ) lhe naó permittia algum defcanço ; dando-
Ihe cuidado entender , que eítava unido o exercito de
Galliza , mandou varias vezes , fem effeito , armar ás
Companhias de cavallos da guarnição de Monre-Reyj e
prefumindo , que naõ fahirem daquella Praça , era por
haverem pafsado a Entre Douro , e Minho , querendo
tomar com o defengano partido , mandou ao Tenente
General da Cavallaria Manoel de Paiva Soares com tre-
zentos cavallos, e cem Infantes queimar o lugar de Vil-
Jaça , grande , e rico, com huma cafa forte , e taõ vizi-
nho a Monte-Rey, que ou havia de fahir a Cavalla-
ria a defendello , ou manifeíiarfe, que tinha pafsado ao
Minho , para onde o Conde de S. Joaó com efta certe-
za determinava marchar. Entrou Manoel de Paiva no
lugar de Villaça, e desbaratando-o , ganhou a caía for-
te;
PARTE II LIVRO ÍX. *4y
le> rebate, acme ia hiraõ duzentos e cincoenta cavai- A 11 II O
os de Monte-Rey, e quinhentos Infantes; poder com ({
me determinarão occupar o paíso da montanha para a AV ^
freiga : porém Manoel de Paiva antes de o conlegui-
-em , íe formou por contra-marcha na Campanha , e
os Gallegos nados no excefso da Infanteria determina-
rão pelejar. Amefma refoluçaõ acharão em Manoel de
Paiva r que fem dilação alguma inveftio primeiro com
aCavallaria , enão advertindo , os que a governava o,
íaber valer-fe do calor dos Infantes , nem tendo valor
para refiftir , forão desbaratados \ ecomo tinhaô Mon-
te-Rey pouco diítante , muitos fe livrarão na Praça do
perigo. Não teve a Infanteria igual íucceiso , que inve-
jada pelos nofsos Soldados , quaíi fem renitência foi
rota , e todos os quinhentos Infantes , ou ficarão mor-
tos ., ou íefizerão priíioneiros. Entrarão nos mortos cin-
co Capitães de Infanteria , quatro Alferes , e féis Sar-
gentos : os da no Isa parte foraõ doze , entre elles o Te-
nente Miguel de Soufa. Sinalou-fe neíta occafiaô Ma-
noel de Paiva, Duarte Teixeira, António de Souía ,
fetihor de Vai de Perdizes , e outros Officiaes.
Depois deite fuccefso prevenio o Conde de S. João /a/m rut(t(fos
as tropas , com que pafsou a Alentejo , e ficou gover- da provi„cia de
nandoTras os Montes o Meftre de Campo General Dio- Trás os Montes.
go de Brito Coutinho. O tempo , que o Conde efteve
em Alentejo , padecerão os lugares abertos algumas ho-
ílilidades , de que tomou fatisfação , logo que voltou
ao leu governo. E fem embargo de lhe confiar ,^ que
havia grofso preíidio em Monte-Rey, mandou o Gene-
ral da Cavallaria Pedro Cefar de Menezes com leis ba-
talhoens , e mil Infantes laquear os lugares de Oimbra,
Tamaguelos , Marraços , eTofal -, e nao bailou efte ef-
timulo para fahirem de Monte-Rey a defender eftes lu-
gares fe te batalhoe ns , e três Terços, que feachavão
naquella Praça. Retirou-fe Pedro Cefar. Pa fsados alguns
dias , teve noticia o Conde de S. João , que Pedro Ja-
quês de Magalhães entrava com groíso poder pelos lu-
gares'abertos do feu diílricto , e como o feu zelo era
univerfal ,e o feu valor invencível , refolveo fazer hu-
U6 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno ^a diverfaó , que fofse útil a entrada de Pedro Jaques ,
i66a e marcnou com íeifcentos cavallos , e dous Terços de
4< Infanteria a interprender Villa deBoz, lugar grande]
fortificado , e muito rico , por fe depoíitarem neUe os
moveis dos paizanos de muitos lugares abertos. Dei-
xou Monte-Rey á mão efquerda , chegou ao lugar , e
mandou inveíbir hum Forte , que era toda a íua defen-
fa , pelo Meílre de Campo Francifco de Moraes com o
feu Terço , e de retém o Meilre de Campo Manoel Pa-
checo de Mello. Não quiz render-íe hum Alferes , que
governava o Forte , epadeceo o eítrago dos contuma-
zes j porque dando-fe oafsalto, foi entrado o Forte
á cuíh das vidas de quaíi todos , os que o defendião.
Saqueou-fe o lugar com grande utilidade des Soldados*
porque eftava riquiíTimo; e marchou o Conde de S João
para a Vi lia de Rios , fitio em que fe encorporou com
elle o Meílre de Campo Qiogo de Caldas Barbofa com
fetecentos Infantes do feu Terço , e duzentos cavallos
do quartel de Bragança , deixando defíruidos no diíhi-
ão deJâii. legoas todos os lugares abertos por onde
paísqu,* padecendo igual ruina outros, por onde entrou
o General da Cavallaria ,• e todos unidos com o Conde
de S. João íizeraô retirar a Cavallaria de Monte-Rey >
que intentou cortar algumas partidas , que andavaõ ef-
palhadas ,.• porém recolhendo-as Pedro Cefar, alojou o
Conde de S. Joaó no lugar de Mandim, que com outros
muitos fe fujeitou á obediência d'E3Rey ,* porque ven-
do-fe indefefos das fuás tropas, tratarão deaccommo-
dar-fe com a fortuna dos vencedores, Recolheo-íe o Cô-
de de S. João para Chaves , aquartelou as tropas , dei-
xando os Gallegos taõ atemorizados , que fervia o feu
nome de freyo aos intrépidos , e de terror aos ínnocen-
tes, havendo levado por valorofosinílrumentos das
fuás acçoens feus irmãos, e feu cunhado D.Miguel
da Silveira,- eíte Capitão das fuás guardas, Miguel Car-
los , Sargento mor de Batalha , Francifco de Távora ,
Tenente General da Cavallaria.
Pafsados poucos dias , mandou o Conde de S. João
entrar pela parte de Bragança nos campos de Frieiras
de
W*~
PARTE II. LIVRO IX. 247
âe O ftella a Velha ao Meítre de Campo Diogo de Cal- Anno
dascomfetecentos Infantes, e quatro Companhias de ,
cavallos governadas pelo Commiísano geral Bernardi- ío
nò de Távora, que faqueou cinco lugares , edeítmio
aquellas Campanhas fem oppoíiçao f e ultimamente re-
matou o Conde de S. joao os progreísos deite armo com
huma entrada, que fez no Valle de Salas; e deixando
queimados féis lugares grandes , confeguio fuílentar as
luas tropas com os defpojos , e contribuições dos mí-
micos; huma das attenções mais precifas , e das poli-
ticas mais acertadas , de que devem uiar os Príncipes ,
que pleitearem guerra defenfiva. Varíos fa>Cej*
Deixámos no fim do anno palsado ao Duque ae^ da Provin,
Ofsunaaquartellado junto da Aldeã do Bifpo, fabrican- cUdMr*
do hum Forte, em que imaginava confutia a ruína da
Provinda da Beira: Pedro Jaques de Magalhães grave-
mente enfermo na Praça de Almeida , AíFonío Furtado
de Mendoça com a gente , que pode juntar de ambos
os Partidos , foccorros de Cavallaria de Alentejo , e Trás
os Montes em marcha, para embaraçar por todos os me-
yos , que lhe fofse poífivel , a fabrica do Forre. O pri-
meiro de Janeiro pafsou o rio Tourões com féis mil In-
fantes , e mil cavallos , governados pelo General da Ar-
tilharia ad honorem Domingos da Ponte Gallego , que
tinha a feu cargo a primeira linha do lado direito, a
fegunda D. Martinho da Ribeira (fuppofto que ainda
naõ exercitava o Poíto de Tenente General , que por
queixa particular havia largado. ) A primeira linlia do
ladoeíquerdo governava Gomes Freire de Andrade,Te-
nente General da Cavallaria , alfiftido do Commifsario
geral Jorge Furtado de Mendoça. Coníhva o exercito
dosCaltelhanos , conforme a confifsaò daslinguas , de
fete mil Infantes , e dous mil e quinhentos cavallos j
€ o Forte , que era de quatro baluartes , eftava em de-
fenfa. Affònfo Furtado, quando fahiô de Almeida, co-
mo a diltancia era taó pequena , paísado o rio , tomou,
quartel pouco diftante dos inimigos , que não lhe plei-
tearão ganhar o poíto que pertendia. Levantada a trin-
cheira , reconheceo Afíbnfo Furtado o Forte , e naõ íi-
d4 cou
■
\
M* PORTUGAL RESTAURADO,
Ânno cou muito íatisfeito de ver quatro baluartes levanta-
1664. Í°L' íolso ' eílrada coberta , e effcacada , pareceu do-lhe
n íiiiiicultoía eropreza para a qualidade da Infanteria,que
levava, po^r ie compor a maior parte delia de Auxi-
liares, e Ordenanças ; e neíta confideração era não fó
infru&uoía , masarrifcadaa períiftencia daquelle quar-
tel j e defejando que nao íhfse de todo inútil , inten-
tou cortar alguns combovs , por ficar o quartel para a
parte de Caííella : porém experimentou enganoíasas
noticias de todas as intelligencias , e naõ achou occa-
fiaô de fazer damno aos inimigos; e acabando de re-
conhecer invencíveis os obítaculos,. e infuperaveis as
difficuldades daejuelía empreza , determinou queimar
o Arrabalde deCiudad-Rodrigo, parecendo-lhe, que ef-
te feria o caminho de tirar a Campanha ao Duque de
Ofsuna , e poder pelejar com elle íem o abrigc da trin-
cheira. Para lograr oeffeito pertendido mandou a Al-
meida bufcar mantimentos , e com menos prevenção na
fegu rança do comboy , foiAífonfo Furtado com Do-
mingos da Ponte ,. e outros Cabos a reconhecer põltos ,
onde"aqiae]la noite íèmetefsem guardas de Cavallaria,.
que pudeísem cortar alguns pafsos , por onde os Caíle-
Jhanoserão foccorridos Y mas como elles eftavão tão vi-
zinhos, teve logo ó Duque de Ofsuna eíta noticia , e
determinou derrotar ocomboy. Para eíleefíeito man-
dou lahir do quartel toda a Cavallaria do Forte com
hum Terço de Infanteria na retaguarda ipuxou D.Mar-
tinho da Ribeira pela nofsa Cavallaria para foccorrer o
comboy , e desflllada , a fez pafsar o ribeiro de Vai de
h. Mula y e depois de fubir por ferras , e tapadas „ que
embaraçavão o terreno, achou aos inimigos formados,
que© vierão bufcar. Quizerão os primeiros dosnofsos
batalhoens voltaras coitas Te puzerão em defordemaos
da retaguarda j mas como erao confàclo tão pouco di-
áiante do nofso quartel , íãhio delle Domingos da Pon-
te , e Gomes, Freire a toda a preísa, para iè acharem
na occafião^j e formando feis, batalhoens.,. des que co-
meça vão aretirarfe , fizerão roílo aos, Caftelh anos com
valor mais precipitado,., do que pedia: afua veatagem.
Erã©
m
PARTE II. IIP HO IX. 249
Eraõ dezafete os batalhoens, de que Domingos da Poa- AliriO
te fez duas linhas: confiava a vanguarda de nove , de ,,
oito a referva ,• e fem interpor a menor dilação * atacou- ***
furio lamente a vanguarda dos Cait-elhancs com a nolsa, k
que rompeo com grande facilidade. Acodio a referva ,
voltarão os batalhoens,. que fugiao , e carregarão com
tanto valor a nofsa vanguarda, que a derrotarão. Per-
tendeo Domingos da fonte tornar a cqmgpla , falsan-
do pelos claros da referva ,• porém quando a buí cou ,
havia ella largado o poílo , que devia fuílentar. Agon-
io Furtado vendo- a defordem , com que a Cavallaria
começava a pelejar , fez diligentemente fahir do quar-
tel dous Terços , e quantidade de mangas feitas, e foi
tão útil èíla advertência y que livrou do ultimo perigo
es bata.lhoens,quefuriofamente vinha õ carregados,Íup-
poíto ,• que com muito valor faziao varias voltas ,• po-
rem achando o íoccorro dos Terços , e mangas, que de-
tiveraó o Ímpeto dos inimigos , dando lugar , a que na
iua redtaguarda fe formafsem , e tornafsem a pelejar de
novo,e unidos pelejarão com tanta reíoluçaõ, que obri*
gáraõ os Caltelhanos a le retirar para o quartel, deixan-
do naCampanha quantidade de mortos, e entre mui-
tos prifioneiros a D. Francifco de Angulo , fobrinho do
Secretario de Eítado de Caítella. Cuftou o confii&o as
vidas aos Capitães de cavallos João Corrêa Cardofo ,
Joaõ Alvares Sob oral ,. António Garcez Coutinho , .da
Província de Trás os Montes > e António Tavares , que
liaviaô pelejado com infigne valor, e trinta Soldados1.
Tieáraõ feridos ©Tenente General da Cavallaiia D.Mar-
tinho da Ribeira, os Capitães de ca vallos Carlos de Tor-
ces, e quarenta Soldados* O Duque de Ofsuna vendo }
que a Xnfanteria do nofso quartel fahia a foccorrer a Ca*
paliaria , ( porque Affo nfo Fu rtad o ,■ por í egu rar a occa-
íj-ão , íêgui© os dous Terços com a maior parte da gen-
te' r que lhe ficava ) mandou inveílir o. quartel com a-1
fua Infanteria. Reconheeeo Afibnío Furtado eílai-eíb-
luçao , acodio a íbccorrer ao General da Artilharia Dio-
go Gomesr de Figueiredo-, que tinha ficado no quarí-elr
tam-tr^ Terços da Ordenança > e as Companhias, de
"T
2?o PORTUGAL RESTAURADO,
Anno eavallos do Capitão Fernão Cabral, e a da guarda da
1 6 6 4 Governador das Armas , que governava o Tenente Si-
■+' maõ Dorta Oforio : porém como a diítancia era larga.,
foi nçceisano todo o valor dos defeníòres paraafegu-
rança do quartel ; finalando-fe Diogo Gomes com par-
ticulares acçoens , e Fernão Cabral , a quem fe deveo
grande parte daqmella reíiítencia.Com a chegada de Af-
fonío Furtado fe retirarão os Caílelhanos deienganados
daemprezaj eAffoníb Furtado tornando a dar forma
á Cavallaria , e Infanteria , occupando os lugares dan-
tes deíHnados para a defenfa do quartel,chamou a Con-
íelho propondo a diífículdade daquella empreza. Con-
cordarão todos os Orfíciaes , que ie acharão no Confe-
lho, que era inútil aquella aííiílencia , e ficou diípo-
ila a retirada para o dia feguinte , que fe executou fem
oppofição dos Caítelhanosje Affonfo Furtado chegando
a Almeida pafsou a Penamacor , e voltarão os foccor-
ros para as fuás Provindas com mais prefsa do que re-
queria o perigo , em que ficava aquella fronteira. Quiz
neíle tempo fazer alguma hoílilidade aos inimigos , en-
trando pelas fuás terras : poz-fe em marcha , hindo Go-
mes Freire de vanguarda com a Cavallaria ; e depois de
muito entrada a noite, tocarão arma os batedores:adian-
tárão-fe os primeiros batalhoens para melhorar de ter-
reno , defcobriraõ duas Companhias de Infanteria , que
com dezafete cavallos guardavão hum grande comboy.
Ao rumor da nofsa marcha fe tinhão recolhido , e fei-
tos fortes em huns paredoens de huma venda chamada
a do Cavallo : avançarão as nofsas tropas , por enten-
derem, que podia entrar a Cavallaria naquelle fitio; mas
forão rebatidas , e feridos alguns Soldados, até que che-
gando à nofsa Infanteria , não querendo os Caítelha-
nos render-fe aos partidos , que lhe offereceo o Gover-
nador das Armas , foraò todos degollados , e os dous
Capitães mal feridos , e prifioneiros , trazendo os noí-
fos o comboy , e a efquadra da Cavallaria , que o guar-
dava»
O Duque de Ofsuna , logo que acabou o Forte da
Aldeã do Bifpo , marchou a desfazer a ponte de Riba*
coa
VARTE II. UlSRO IX. a f i
que facilitava o provimento de Almeida. Confe- AntlÔ
guido eíle intento, pafsou a deítruir vários lugares aber- ,
tos , que achou defpavoados , efoi eíle o único reme- 1 ^"4»
dio de que Pédre jaques pode uíar , já convalecido da
doença , que padeceo , para que os paizanos recebei-
íèm maior damno. Recolhendo-fe o Duque de Oísuna a
Ciudad-Rodrigo , deixando muito arruinados todos os
lugares por onde pafsou , e Pedro Jaques tanto que te-
ve eira noticia , iahio de Almeida a reedificar a ponte,
de que precifamente neceílitava a coníervaçaõ daquel-
ía Praça. Executou eíle intento com brevidade , e fa-
bricou junto dapontehumaatalaya , que o Duque ^de
Oísuna intentou derribar , depois de retirado Pedro ja-
ques , que voltou a defendella com mil Infantes, e qua-
trocentos cavallos , e o obrigou a íe retirar com algum
damno ,• e defejando fatisfazer-fe de enfades taõ repe-
tidos , fahio de Almeida com mil e duzentos infan-
tes , e quatrocentos cavallos , a vinte e quatro de Ma-
yo , efói embofear-fe entre Ciudad-Rodrigo , e o For-
te de Fiel com intento de cortar hum comboy , e obri-
gar ao Duque de Oísuna a que fahifse a pelejar na Cam-
panha. Succedeo , que na meíma noite havia fahido do
Forte o General da Artilharia , que o governava , com
quatrocentos cavallos, e trezentos Infantes a tirar o ga-
do , que ficava de noite no foíso da fortificação de Al-
meida , e fendo fentidos os Caílelhanos das partidas ,
que fahiraõ defta Praça , vieraô dar parte. Difpararaõ-
fe cinco peças , final que Pedro Jaques havia deixado
prevenido para luccefso fimilhante j e no meimo pon-
to , que ouvio as cinco peças , marchou com toda a
diligencia, eboa forma para Almeida. Pouco havia ca-
minhado, quando lhe deraõ noticia , as partidas avança-
das da vizinhança dos inimigos, que tendo também
rvizo da nofsa marcha , íe arrimarão ao Forte de Vai
le la Mula , forma ndo-fe junto a eíle , e valendo-fe do
:alor da artilhatia. Pedro Jaques fem reparar na van-
ragem doíitio , que os Caílelhanos oceupavao , man-
lou avançar ao Tenente General D. António Maldona-
lo com íete batalhoens , que bailarão para fazer voltar
as
5j2 PORTUGAL RESTAURADO,
AlinO-35 coitas á Cavailaria inimiga , ficando os miferaveis ftt-
?66a fantes exporá fúria dos Soldados, que fem pieda-
Qt** de degollaraó a maior parte delles, e os que ficarão
vivos , vieraõ prilioneiros. A Cavailaria teve menos per-
da , porque fogio depreisa. Pedro Jaques mandou voar
duas atalayas guarnecidas com mofqueteiros, e retirou-
ie para Almeida.
O Duque de Ofsuna defejando melhorar o íeu Par-
tido , íahio de Ciudad-Rodrigo com a noticia do fuc-
çeíso referido com três mil Infantes , mil cavallos , e
iete peças de artilharia , e parou.todo efte eítrondo em
deílruir as novidades de todos aquelles contornos , íe-
gando humas, e queimando outras. Gaitou fete dias ne-
fte deteítavèi exercício , nunca imitado da piedade
Portuguesa : -Fetirou-íe a Ciudad-Rodrigo , e Pedro ja-
ques tanto que foube, que havia dividido as tropas,
marchou eomdousmil e quinhentos Infantes, e qua-
trocentos cavallos a queimar a Villa de Sobradilho ^ o
que executou , cu Arando a vida ao Tenente de Meílre
de Campo General Domingos da Silva , e huma ferida
em hum braço ao Meílre de Campo Diogo Nunes Pre-
to : e deixou de atacar oCaftello; porque lhe falta-
rão os petardos, impedindo a quem os conduzia huma
trovoada a pafsagem do rio Águeda. Retirou-íe Pedro
Jaques fem oppofiçaò , e o Duque de Ofsuna , que era
de animo belíicofo , difpoz a vingança com o empenho
de todas as tropas,que lhe foi poííivel unir,obrigando-o
juntamente a experimentar tanta falta de cevadas , que
intentava tirar do nofso paiz o fuílento da Cavailaria.'
Levado de huma , e outra coníideraçaõ juntou quatro
mil Infantes , íetecentos cavallos , nove peças de arti-
lharia , quantidade de muniçoens , e grande numero de
carruagens ; e a três de Julho amanheceo fobreCaítel-
lo-Rodrigo , Praça fem mais defenfa , que huma mura-
lha antiga : porém íituada em terreno defenfavel. Go-
vernava-o o Meílre de Campo António Ferreira Ferrão,
Soldado de conhecido valor , porém fem maior guar-
nição , que a de cento e cincoenta Soldados , e pendia
da fubílancia delia a melhor fegurança da Provín-
cia
P^RTE Jí. LIVRO IX, 2J5
♦ia da Beira. O Duque deOfsuna fundando nadiligen- ÀnHO
íaobomfuccefeodaqueUaemprezaconio reçeyo dos ., '
foccorros do Conde de S. Joaõ , e Aííonfo Furtado,que T
:etirando-íe da Campanha de Valença , vinha õ em mar-
eia para as fuás Províncias., e obrigado deite difcurfo
ío mefmo inílante,em que chegou a Caítello-Rodrigo,
formou baterias , deu principio a aproxes , e apertou
Dor todas as partes incefsan temente a Praça. Era mui-
:o valorofa a refiítencia dos defenfores ; porém como
jraô taó poucos , e combatidos por tantas partes, ne-
^ílitavaó de promptiílimo foccorro ; aperto , de que o
Governador fez repetidos avizos a Pedro Jaques. Che-
níraõ-lhe todos , e creceo-lhe juílamente o cuidado de
:onfiderar o perigo daquella Praça taõ vizinho , e mui-
:o diílantes os meyos de foccorrella : porém ajudado em
:anto aperto do feu valorofo , e incanfavel eípirito^
leípedio Correyos a todos os lugares , de onde podiaó
marchar Auxiliares , e Ordenanças } e em poucas horas
fahio em Campanha a efperar os foccorros , que breve-?
mente chegarão aquelles , que era poífivel; e juntos
3ous mil e quinhentos Infantes , quinhentos cavallos,
i duas peças de artilharia de Campanha , fe poz em
marcha com taó poucos mantimentos , que naõ che-
gando o paõ de munição para o fuftento daquelle dia ,
foi neceísario ao Meítre de Campo Manoel Ferreira Re-
bello , que exercitava o poílo de Sargento mór de Ba-
talha , ufar do extraordinário meyo de pedir aos Sol-
dados do feu Terço metade de hum paõ , que cada hum
levava , para íoccorrer hum dos Terços da Ordenança,
que marchavaò fem elle. Alegres , e valoroíos obede-
cerão os Soldados , em todos os feculos gloriofos por
sita acçaõ J pois raramente fe achará exemplo de igual
Eonítancia, e foíi ri mento.
Com èíre pequeno numero de Soldados intentou
Pedro Jaques foccorrer Caílello- Rodrigo , vencendo a
neceílidade de fer foccorrida brevemente a Praça as gran-
des , e perigofas difficuldades , que fe lhe representa-
va 6 ; porque romper o quartel do Duque de Oísuna pa-
recia temeridade impoífivel de vencer pelo numero in-
ferior
254 PORWGAL RESTAURADO,
Atino ferior > e qualidade daqueUe pequeno ttroço ; e tomai*
>j quartel á viíta dos Caítelhanos para lhe dificultar os
-lí>04* aproxes, eafsaltos, naõ opermittia a falta de manti-
mentos, e a de carruagens para os conduzir, que era
invencível : porém fiado na Divina Providencia , de que
parece o fazia õ merecedor as fuás grandes virtudes ,
continuou a marcha , repartindo todas as ordens Manoel
Ferreira Rebello , e governando os quinhentos cavallos
o Tenente General D. António Maldonado. Teve prin-
cipio a leis de Julho , ás quatro horas da tarde , e^on-
tinuando-a com grande íilencio,amanheceo na Serra de
Marofa, que ficava fuperior ao quartel dos Caftelhanos,
naõ fendo lentido das partidas avança das. Naquel la ma-
drugada mandou o Duque de Ofsuna dar hum afsalto á
Praça por todos os poftos , por onde podia íer attaca-
da , e fendo valorofamente combatida > realçou mais a
conítancia , com que foi confervada , executando o
Governador acçoens dignas de particular memoria. Ef»
te fuccefso fervio de maior eftimulo a Pedro Jaques , e a
todos os que o acompanhavaõ, e a luz do Sol lhe defco*
brio ganhada a barbacãa, e na Campanha quantidade de
corpos mortos. Julgou Pedro Jaques efte tempo conve-
niente para intentar o foccorro, entendendo,que os Ca-
ftelhanos eftavão cançados doafsalto, e receando novos
foccorros, que tinha noticia vinhaô marchando a fe en-j
corporarem com o Duque de Ofsuna j fendo os mais
promptoso Cõmifsario geral da Cavallaria D. Joaó Ro-
bles com trezentos cavallos , e o Terço da Serra de Gata
com Infantes , que a noite antecedente haviaõ chegado
a Ciudad-Rodrigo, e eftimulado deites mefmos perigos,
refolveo intentar o foccorro , por naõ accrefcentar o
damno.
Alegre , e refoluto pafsou por todos os Terços , o
Cavallaria , lembrando aos Soldados com femblante ge-
nerofo a injuftiça da cauía , que defendiaõ , o valor de
que erao dotados , os excefsos , que o Duque de Of*
funa havia exercitado naquella Provincia , tirando a vi-
da a miferaveis , e dando fogo ás lementeiras ,• extor-
foens , que obrigavão a clamar ao Ceo os interefsados ,<
eque
PARTE II. LIVRO IX. jj5
: que moítravão pendente o caítigo merecido , e ul- AnnO
Amamente afua felicidade tantas vezes experimenta- .
la. Referidas eítas razoens , e reconhecendo no alvo- 1064.
*oço, com que forão ouvidas, a reíoluçaõ dos Soldados,
:ompoílos os Terços , e as Companhias de cavallos ,
narchou a bulcar os inimigos. O Duque de Qisunaéf-
ava tio fora de padecer efte fobrefalto , que o fom
las trombe tas, e caixas forão os primeiros batedores ,
me lhe derao noticia da refolução de Pedro Jaques ,
intendendo que lhe feria impoífivel tomallá,ièm haver
hegado o Conde deS, João , e Affòníb Furtado , que
fiava feguro fe achavão muito diítantes. Confufo com
íte contra tempo , fem acertar o remédio , nem aco-
lirá defenfa , foi a primeira ordem mandar dar fogo ás
rincheiras das baterias , e áproxes , havendo-fe com-
)oíto de pavèas dos trigos fevadas , arderão facilmente,
acenderão de forte o temor em todos os Soldados Ca-
belhanos , que entre medo , e confufaõ lhes naò occor-
eo mais penlamento , que a retirada. Reconheceo Pe-
Iro Jaques o não imaginado foccorro j com que o Ceo
iifpunha afua felicidade no pânico temor dos Caíle-
hanos ; e com valorofa reíoluçaõ aprefsou a marcha ,
fez adiantar os batalhoens com mangas demofque-
eiros , feguindo-a D. António Maldonado o Terço de
vianoel Ferreira Rebello A pouca terra , que avança-
aõ , fefizeraõ fenhores de huma peça de artilharia , e
orno fofse manifeílo íinal de vidtoria , marchou Pedro
aques a toda a diligencia a dar calor , aos que havia
nandado avançar. Os Caílelhanos pafsáraõ a Ribeira de
lofsa Senhora de Aguiar, que lhe ficava vizinha, e vol-
ando alguns as caras , deraô huma carga tão mal luc-
edida , que não fez damno algum nos que determina-
ão pafsaro porto , que o coníèguiraô fem outra o p-r
«ofiçao ; e reconhecendo o ultimo defmayo dosCaíte-
hanos , os inveítiraô valoro lamente , e em breviílimo
fpaço forao todos desbaratados. O Duque de Ofsuna
rendo fem remédio a fua fatalidade , íeguido de pou-
os cavallos,e com trage diííimulado,pafsou o rio Ague-
la , e ficou na Campanha defpojo. dos noísós Soldados
toda
HE
% j<5 ? ORTVGJtKESTAUKALO,
Ânno tQdaa Infanteria > artilharia , bandeiras , muniçoens, í
,, bagagens, e a maior parte da Cavallaria. Morrerão mi
l«o4'e duzentos Infantes, os mais vieraõ prifioneiros , en-
trando nelles o Tenente General da Cavallaria D. An-
tónio Iísaci , o Capitão de cavallos D. João de Chave!
Maldonado , os Sargentos Maiores D. António Colme
nero , e Chriítovaò Honorato , dezoito Capitães de Ia
fanteria , íeis Ajudantes , vinte , e oito Alferes. Fica-
rão entre os mortos quatro Meftres de Campo , outroí
Oíficiaes , e D. Joaó Giron , filho illegitimo do Duqu<
de Oísuna. As peças de artilharia foraó nove , quatrc
petardos , quinhentas carretas carregadas de munições
e mantimentos , e a Secretaria do Duque de Otsunj
com os íegredos mais Íntimos da íua occupaÇaõ. D;
'nofsa parte naõ houve perda alguma* efinalaraó-fe ne-
He felice fuccefso Manoel Ferreira Rebello , que fo
hum dos que eftimularaõ com grande valor a Pedr<
Jaques a que ataeaíse a batalha, D. António Maldo
nado , António Velofo de Figueiredo , os Capitães d
cavallos Paulo Homem Telles , António Ferraõ de Ca
Ítello-Branco, Joaó Soares de Almeida, Chriílovaó Cor
rea Freire , Martim AíFonib de Mello , o Sargento Ma
ior Jofeph de Figueiredo da Silveira , o Governado
da Comarca de Pinhel Álvaro Saraiva dá Gama, Fran
ciíco Coelho Oíorio , Alcaide mór de Caítello-Mendc
o Sargento Maior António de Figueiredo. O Duque d
Oísuna fe retirou com grande trabalho ; priiicipalmen
te na paisagem do rio : recolheu-le a S. Felices , e lo
go paísou a Ciudad-Rodrigo , onde padeceo na calurr
nia univerfal da fua confiança maiores incentivos a íu
Triunfante fe retirou Pedro Jaques para Almeida
havendo alcançado huma viclroria , fe naõ imagina d£
bem merecida do feu grande valor , e refoluçaõ. Mar
dou a nova a EIRey por feu filho Henrique Jaques , er
quatorze annos de idade imitador do valor de feu pa)
que exercitava o poíto de Capitão delnfantena, ej
fe havia achado na batalha do Canal Celebrou-fe 11
Corte eíla nova com as demonítraçoens , que merec:
...-. - taa
PARTE IL LIVRO IX. *p
tanta felicidade , e Pedro Jaques animado a novos pro- ^nn0
rreísos , haveado-lhe chegado os fòccorros, que remet- . ,
■eo a Alentejo, fahio a três de Agofto de Almeida com iyí,4-
ious mil Infantes, e fetecentos cavallos a queimara
Vúh de Serralvo' em Caftella a Velha , íete legoas di-
ítante de Almeida. Adiantou-fe o Capitão Paulo Hc-
-nem com três batalhoens, pafsou o no Águeda, e ama-
nheceo-lhe junto a Serralvo. Dividia as Companhias em
partidas, e todas fe recolherão com numa grpísa pre-
za a Serralvo , onde já acharão Pedro Jaques , e o Con-
de da Vidigueira , General da Cavallaria de anchos os
partidos. Achava-fe em Almeida o Duque do Cadaval
deíterrado da Corte pelas razoens , que já referimos, e
fatisfazendo aggravos , como favores , fervia de Solda-
do com tanta pontualidade , e rifco de fua pefsoa , que
naó fe orTerecia empenho , nem trabalho algum , a que
ofeuvalor , eo feu zelo naõ défse principie. Achou
Pedro Jaques em Serralvo mais defenía , do que luppu-
nha^ porque o Caítello eílava bem guarnecido,e fortifi-
cado, e rodeava a fortificação huma grofsa eílacada,on.
de fe recolhia todo o gado , e era diíficultofo tirar-fe
delia, porque naõ havia inílrumento algum deexpug-
naçaô, que o facilitafse. Embaraçado Pedro Jaques com
eíte accidente , fe ofFereceo o Meífre de Campo Ma-
noel Ferreira Rebello para romper com o feu Terço as
eítacadas. Com ordem de Pedro Jaques o executou por
entre nuvens de balas á cuíla de algumas vidas , que
eraõ de muito maior preço , que o interefse da preza.
Entrou-fe , e faqueou-fe a Villa : Pedro Jaques fe reti-
rou fem oppofiçaôi porque o Duque de Ofsuna havia
fido chamado a Madrid por EIRey , e fahio de Ciudad*
Rodrigo em occaíiaó taõ perigofa , que avizado Pedro
Jaques por huma intelligencia, adiantou Paulo Homem
com os três batalhoens , e poucas horas , que fe anti-
cipara , encontraria infallivelmente o Duque. Retirou-
fe Pedro Jaques , e tornou a entrar ao dia feguinte ^pa-
ra que o defeuido lhe facilitafse a empreza na confian-
ça da fua retirada , e emboícon-fe junto a Ciudad-Ro-
drigo. Confeguio entrar na embofeada fem fer fentidoj
R. fahio
V
ílam
I
«*
1 5 8 PORTUGAL B.EST JURADO,
Afino íahio-a Companhia da guarda , e ordenou o Conde d
,// Vidigueira a D. Marti uno da Ribeira , que a carregais
1D04* com três batalhoens. Aífim o executou, mandando
Duque do Cadaval o da lado direito j e quando che<*a
rao junto da porta, haviaô íahido da Praça quinhen
tos cavallos em ibccorro da Companhia, que carrega
raõ taõ vivamente , que os obrigarão a íe recolherei!
á Praça com perda couíideravel , e fendo a mais feníi
vel a da reputação. Voltou Pedro Jaques para Almeida
ecom inceísante difvelo , deixando deícançar as tro
pas até dezoito de Outubro , neíles dias prevenio man
tas , petardos , ferramentas , e efcadas $ e no dia refe
rido marchou com três mil Infantes, e oitocentos ca
valiosa interprender a Villa de Freixeneda , grande , <
rica , e defendida com hum Forte bem guarnecido , po
cujo refpeito fervia de alojamento a algumas Compa
ninas de cavallos , de que o termo de Caítello-Rodri
go recebia grande incommodidade. Adiantou-fe o Con
de da Vidigueira a ganhar poftos com aCavallaria ío
bre a Villa , e chegando Pedro Jaques , mandou arri
mar ao Forte, naõ querendo o Cabo render-fe , as man
tas , e o petardo. Fizeraõ-fe fornilhos , deu-iè fogo á,
minas , e ao petardo , e fe abrio brecha capaz do afsal
to , e depois de algumas horas de valorofa refiítencia
foi entrado o Forte. Recolheraõ-íé os defenfores ;
Igreja , que também tinha defenfa ; e mandando Pedrc
Jaques oííerecer-Ihes partido , para que feentregafsem
o naõ quizeraõ acceitar. Arrimou-fe á porta o legundc
petardo ,deu-fe-lhe fogo , e querendo entrar os Solda-
dos pela brecha ,acodiraõ a pedir mifericordia os Sacer-
dotes reveítidos -. e lendo dignamente refpeitados , de-
teve Pedro Jaques,o Duque do Cadaval , e o Conde da
Vidigueira a fúria dos expug na dores , e feparado o fa-
ero do profano , ficáraõ a ley> e a ambição inteiramen-
te fatisfeitas. Sinalou-fe noafsalto o Meftre de Campo
Manoel Ferreira Rebello, que fervio de Sargento mór
de^Batalha , o Meftre de Campo Diogo Nunes Preto ,
o Sarmento maior Jofepli de Figueiredo ; e-aju dando a
inveíHra brecha do Forte a Cavallaria defmoatàda, en-
trou
VARTE Ih UfRO IX. 259
rouna barbacãa o Duque do Cadaval , e o Conde da AllTTÓ
fiàip;ueira , e íubio ao Forte o Tenente General Dom .,
VLartiuho da Ribeira, e outros Oífíciaes, e imitando *fw*'
odos o valor , com que Pedro Jaques diílribuia todas"
is ordens , Tem fazer caio dos maiores perigos. Naõ cu-
cou a empreza mais , que algumas feridas de Soldados
articulares. Mandou Pedro Jaques arrazar o Forte , e
aucimat a Villa , e na marcha da retirada mandou der-
úbarfrairra^aTalaya , que os Caítelhanos haviaõ fevan-
ado lebre o rio Águeda no Porto de S. Martinho % e
-atendendo , que naõ podiaõ confervar o Forte de Fiei
de Vai de la mula , mandarão retirar a guarnição com
tanta prefsa,que, fazendo pouco efteito algumas minas,
que deixarão atacadas , acodiraõ diligentemente Pedro
Jaques , eo Conde da Vidigueira , eacháraõ no Forte
grande quantidade de muniçoens , e mantimentos;por-
que lo a artilharia retirarão os Caítelhanos ; e os luga-
res abertos de todo aquelle diítri&o ficáraõ muito alie-
viados da oppreísaô , que continuamente lhes dava a
guarnição do Forte,
Retirado de Almeida no principio deite anno Ar-
fonio Furtado de Mendoça a Penamacor , e havendo
pafsado a Alentejo , ( como fica eicrito ) ficou entregue
aquelle Partido ao General da Artilharia Diogo Gomes
de Figueiredo com taó pouca gente para o defender ,
que uíbu do único remédio de fazer retirar os gados ,
e mandar recolher a roupa dos paizanos aos lugares for-
tes. Com eíta prevenção foraõ menos fenfiveis as en-
tradas , que os Caítelhanos flzeraõ em quanto Aífbnfo
Furtado eíteve em Alentejo. Logo que voltou para o
feu Partido, intentarão; os Caítelhanos ganhar o Ros-
maninhal , para cujo eíieitoi íahio de Alcântara D.Gui-
lherme Mafsacan com mil infantes , e quinhentos ca-
vallos. Havia na Villa hum Forte , que governava An-
dré Urfino Napolitano, Capitão de Infanteria do Terço
deBalthaíar Lopes Tavares, com a guarnição daíua
Companhia, e dos paizanos da Villa. Chegarão os Ca-
ítelhanos ao Forte com a noticia anticipada da fua mar-
cha. Eítavá prevenido pela diligencia do Governador:
R 2 deraò
™
26o PORTUGAL KEST JURADO,
Afino derao afsalto , e fazendo Mafsacan repetidas diligencias
i66'a PGrSannar ° Forte, fizeraõ os defenfores taôvaloro-
10 04. j-a reiiítencia ? qUe íe retirarão os Caftelhanos deixan-
do as eícadas na muralha, e fefsenta mortos na Cam-
panha , e retirados , cefsáraõ as entradas de liuma , è
outra parte.
Menos felices , que os da guerra , eraó os fnccef-
fos da Corte J porque , crefcendo nos Cortezãos o deíè-
jo de governarão pafso , que as vi&orias repetidas in-
íinua vaõ a fegurança da Monarquia, lhe prognoftica-
yaô o precipicio as difseníbens domeílicas ; porque nem
os vínculos da amizade, nèm a eftreiteza dos parentef-
cos ferviao de meyos proporcionados para a uniaó dos
ânimos j e EIRey entregue iníaciavelniente aos feus di-
vertimento» , naó fe defcobria alguma entre todas as
fuás acçoens , que pudefse dar efperança de que os
annos, e a razão houvefsem de mudar os exercícios 1
que iníinuavaõ pendente o perigo da Monarquia , prin-
cipalmente achando-fe prezos no Caítello de Lisboa
com pouco recato na communicaçaõ o eípirito intré-
pido , e defafocegado do Marquez de Liche, a prudên-
cia de D. Anielo de Gufmaõ , e a induílria de muitos ,
e valorofps Õííiciaes , e Soldados Caftelhanos , que era
razão temerfe poderem fer incentivos das refoiuçoens
domeílicas. Neíle tempo , períuadido EIRey dos gran-
des males , que o Conde de Soure padecia em Loulé ,
ondeeílava defterrado , e inílado de apertadas diligen-
cias de feus amigos , chegando D. Luiz de Menezes a
oíFerecer pelo feu alivio todo o merecimento , e fervi-
ços , que havia feito na guerra , lhe permittio licença
para eleger fitio fora de Lisboa ■', em que pudefse aíli-
ltirá Com eíla permiísaÕ partio de Loulé , e accreícen-
tando-lhe os achaques o abalo do caminho , lhe fobre-
veyo em Palmella taó grave enfermidade , que o che-
gou ao ultimo período da vida. Aeíle lugar veyo de
Alentejo bufcallo D. Luiz de Menezes , e foi de quali-
dade o alvoroço i que o Conde teve de ouvir referir-lhe
v' as circuítancias dos progreísos da Campanha antece-
dente? e da batalha do Canal, que provocado do fer-
vorofo
PARTE II LIVRO IX. 761
vorofo zelo da confervaçaó do Reyno , ie levantou .da Anno
cama. Melhorou o Co no e em Palmella , e partio Dom ,
Luiz para Lisboa , onde o Conde checou em breves; 4-
dias. Confiando a EIRey do perigoio eirado da ua vi-
da , permittio, que em lua caía trataíse da Jua laudes
porém haviaó os males cobrado tanta força , que por
ínais efficazes , que forao os remédios ,.ie de oihtou de
iorte a natureza, que com o verdadeiro conhecimento
da morte, e diípoíiçoens proporcionadas ás luas gran-
des virtudes, veyo a acabar a vicia , faltando nella aQ
Reyno defenla , a feus amigos interelse , e a íeus hinos
mPFoi D. João da Coita rilho deD.Julianes da Co-
ita, e de Dona Franciica de Vafconcellos. De poucos
annos lhe faltarão íeus Pays , deixando-lhe na lua qua-
lidad- as obrigaçoens do leu procedimento ■, íeparaçao,
que deixou alua educação devedora ás virtudes natu-
raes , de que foi compofto , e em ficar único , começou
* conhecer , que devia caminhar á perfeição da iingu-
laridade. De poucos annos pai sou a Madrid a leryir a
RainhaTíona ilabel , mulher d<ElRey D. Pilippe IV, e
oito,que continuou aquella aífiftencia, fervmdo de bra-
ceiro á Rainha , mereceo particular eílimaça o ; porque
oiugenho brotava fubtilezas , diítribuhia-as o juízo ,
aperfeiçoava-as a arte , e elmaltava-as o íemblante , e
todas com tanta excellencia , que voltando a Portugal,
deixou nos annos futuros vivas memorias dos íeus pue-
ris acertos; Logo que chegou a Lisboa , começou a go-
vernar a fua ^cafa de quatorze annos , iem mais aiij-
ítencia , que a fidelidade de alguns criados antigos ael-
-la. Naó fendo muita a fua fazenda , moderou de iorte
•os infeparaveis appetires da primeira idade, que lem
faltar ao luzimento publico , gaitava muito menos , do
<me tinha de renda. Poz efpada , e pafsou a Tangere, .
onde aííiítio três annos com taó airofas acçoens , que
deixou naquella virtiiola guerra raem orias I heróicas do
feuvalorofo procedimento. Voltou a Lisboa ,e de Ior-
te foube temperar as acçoens do valor na jtiírificaçaó
das pendências , que pudera a fuadifpofçaó fazer me-.
R
noá
I
i6z PORTUGAL RESTAURADO,
AnnO nos culpáveis os efcrupulos doduello ; oquefeveri-
1664» ^C£L f á^m ^e GUtros accidentes) no de fa fio ,- que teve
v comFrancifco Moniz ^ occafiaò , em que exercitou taõ
prudentes primores, que, ficando o feu contrario mui-
to ferido-, fem haver faltado ás obrigaçoens daquelle
empenho, foi depois hum dos amigos mais Íntimos,
que D; João teve- Era h uma das exemplares doutrinas,
que coftumaya expor , que poucas vezes tirariaõ os ho-
mens peia eípada- fem razaó , fe coníideraísem os em-
penhos, em que fe punha ò para tornar a embainhalla,
como devia&j e por eíta 'onfideraçaõ praticava h* niífí-
mos documentos para íe e feu 1 arem airofamente as
leves de fconfíanças ■, que coílrumad obrigar os perigo-
íbs empenhos dos deíafios^ introduzindo no tempo da
guerra, a doutrina de fe aprazarem para asoccafioens
dos inimigos dòReyno-, tendo-íe o mais arrojado pe-
lo melhor iuecedido , fem que o competidor ficaíse mal
avaliado» opinião que (conto já difsemos) igualmen-
te praticou André de Albuquerque. Reinou nelle^a mo-
deília com tantas ventagens, que, embaraçando-lhe va-
rias luggeítoens a confciencia , allurrnVdo da razaõ buf-
cou por defenfavel remédio fazer aííiítencia largas ho-
rasdentro- do- horror da própria fepultura. Era o feu
mais agradável divertimento o da lição das letras , e das
Mathem atiças ; e chegando á idade de vinte e nove
annos, fuccedeo â acclamaçaõ d'ElRey D. Joaõ , onde
executou as prudentes, evalorofas acçoens, que refe-
rimos, e ao mefmo tempo^ começou afer diícipulo , e
Meftre de Campo da guerra , comprando na batalha de
Montijo ( tempo , em que exercitava o Poílo de Gene-
ral da Artilharia ) com o preço doíeu langue a defen-
fada íua Pátria » fendo hum dos principaes initrumen-
tos de íe confeguir aquella memorável vi&oria. Paisan^
doaoPofto de Meílre de Campo General logrou , go-
vernando as Armas em Alentejo , feliciíTimos fucceísos;
eencómendando-lhe EIRey D. Joaõ nas ultimas horas
defua vida adefenfa do Reyno , naquelle mefmo in-
ítante foi para Alenleio com o Poíto de Governador
-das Armas, de que a inveja ,, e a emulação o privou.
Foi
PARTE 11. LIVKO IX. *6y
Foi muitos anãos Coníelheiro de Guerra , confeguin- Anno
do nos teus votos grandes melhoras os interelses publi- , ,
cos Todo o tempo, que exercitou a occupaçao de Pre~ iuuá*°
fidente do Confelho Ultramarino , experimentarão as
Conquiítas os acertos de fuás diípoíicoens. Pafsou por
Embaixador a França no tempo mais embaraçado ,e mais
contrario ás conveniências da íua Pátria: porém , aju-
ítando-fe naquelle tempo o caíamento d<ElRey Luiz
XIV. cora a Princeza de CaíteJla , nao foi poderoia to-
da a induílria dos Miniílros Caílelhanos , e Francezes,
para divertirem os foccorros , que confeguio para a de-
fenfa do Reyno , íervindo-lhe de admiração a lua pru-
dência a toda a politica do Cardial Mafsarino. Foi Ge n-
til-homem da Camera do Infante D.Pedro, e exerci-
tou taõ decoro famente eíta occupaçao, que mereceo
confeísar-lhe efta ventagem o melmo Príncipe, a que
íervio. Heroicamente affiílio ás ultimas reíoluçoensda
Rainha , e foi defterrado por zeloío , e confiante. En-
tre tantas virtudes lhe condemnavaaignoranaa como
defeito naó uiar de temperança no ardor da coníerva-
çao do Reino. Algumas vezes lhe fez dam no a con-
fiança do merecimento próprio ,• porém lempre foi em
Gccaíioens , que folicitou empreza em utilidade com-
mua. Teve íingular eloquência , graça natural em tudo
o que referia : lançava os papeis com eminente pro-
priedade : foi na amizade conft antiffimo , e igualmen-
te ofendido da ingratidão ,• porém com tal temperan-
ça , que em muitas occaíioens conhecendo-fe ofrendi-
do antepoz a ley Divina aos impulíbs humanos,* e
por conclufaõ teve todas aquellas qualidades, de que
yirtuofamente fe deve compor hum varaõ perfeito. Foi
demeãa eftatura, branco, e corado, olhos grandes,
e verdes, cabello negro , e comporto. Cafou com Do-
na Francifca de Noronha , filha terceira de D. Pedro
de Noronha, fenhor deVilia Verde, e de Dona Julia-
na de Noronha i morreo de cincoenta e fete annos * te-
ve íete filhos , D. Juliannes da Coita , que lhe fucce-
deo naCafa, e titulo , D. Rodrigo , que hoje vive ,
D. Pedro , D.. Álvaro , D. Mtonio , que morrerão miiu-
R 4 nos,
264 PORTUGAL RESTAURADO,
Ànno nos > Dona Juliana Condefsa de Aveiras , e Dona Hele
l66d. Ua ' que morreo também menina. Foi enterrado na íli;
* ui-* Capella de Sãto Antaó dosReligiofos Agoítinhos. Mui
to mais dilatado fora eífce elogio , feos preceitos irre
vogáveis da hiítoria o permirtiraõj porque as grande
virtudes do Coiide.de Soure foraó merecedoras de par
ticular volume, easfmgulares obrigaçoens, quecon
fefsa mos dever á ília memoria; pediaõ demonfuraçoen
muito mais eíficazes: fem moderar eíte afFeclo a cen
fura daquelles , que no primeiro volume , que demos í
eftampa , injuítamente julgarão a obrigação por excei".
foi parece que intentando , que a amizade caminhai
fe pelos defeitos do ódio , encobrindo-íe a verdade
por naõ incitar a inveja j mas qualquer Hiftoriador ht
obrigado a fer arbitro taó recro , que naó tema os pe-
rigos da emulação j nem receye as calumnias da cen-
fura.
A grande falta , que fazia áconfervaçaõ do Rey-
no a peísoa do Conde de Soure , foi geralmente fenti-
da de todos aquelles , que a deíèjavaõ femattençaô a
interefses próprios, emereceo a íua memoria publicai
demonftracoens-.de fentimento no Infante D. Pedro ,
em cujas excellentes acçoens íe naõ conhecia defigual-
dade. Governava neíte tempo a Cafa do Infante Simad
de Vafconcellos com grande cuidado , e deíinterefse ]
porém com attençaó particular, a que outra alguma
peísoa naó participafse no Infante daquella luz , (imi-
tação do Sol ) que os ■ Príncipes devem comunicar igual-
mente a todos, os que dependem da benignidade das
fuás influencias i ede forte crefcia em Simaõ de Vaf-
concellos o difvello deita diligencia , que até ao Conde
de Caftello-Melhor feu ir maó chegava o fentiméto del-
ia, julgando-a por inítru mento muito arrifcado- á fa-
brica da fua fortuna. Eíles , e outros movimentos fuc-
cediaô na Corte, fem delles ter EIRey mais indivi-
dual noticia , que aquella que bailava para naõ fer ar-
guida como culpa, deixarem de felhe communicar;
ainda que até áquelle tempo naó havia quem encon-
trais o poder do Conde de Cafcello-Melhor , que como
era
PARTE II. LIVRO /X. a<$$
era grande, eutil o zelo com que tratava da defen"Ànt10
fa do Reyno, e os ânimos bellicofos não attendiaõ mais,
eme a efte emprego, reconhecendo-íé em EIReyinven- 1064.
eivei deiattenção , todos le accon.mcdavaó á felicidade
cio Conde : poí f« não . arriicar a conferváçaõ publica
a encontrar inconvenientes mais infuperaveis •;' eera lo
eícandalo univeríal a duração das ineommodidades,que
padeciáo osdeíterrados, fendo principal objecloo Du-
que^ do Cadaval , que além da grandeza da fua Gafa ,
o merecimento das luas acçoens cada dia le acerefeen-
ta vá no exercício da guerra da Beira -y e como íè-naõ
achava pretexto para íimiihante íem-razaô , publicava-
fe , que era vontade d' EIRey > fendo a maior infeli-
cidade de hum Príncipe , roubaremíe-lhe nos benefícios
oseffdtos , queperluadem aaiíeição , e temarem-nos
por inílrumentos dos excelsos , que os embaração no
OUIO.
Os primeiros dias de Janeiro deite anno pafsou EI-
Rey , e o Infante a Santarém a lançar a primeira pedra
em huma Igreja da invocação de Nofsa Senhora da Pie-
dade, Orago , a que a devoção commua attribuio a vi-
d oria do Qanal , afhrmando-le , que fendo de barro a
matéria , de que era formada , le virão na vefpera da-
quelledia na Imagem íacrofanta movimentos lobrena-
turaesáviíla de todo o Povo. Entrou EIRey em San-
tarém pela porta de Leiria adornada fumptuoíamente:
dentro delia eítava levantado hum tJieatro , donde o
Juiz de Fora Francifco Luiz de Caivalhofa referio hu-
ma bem compoíla Oração, e entregou as chaves da
Villa. Foi EIRey acompanhado de toda aNcbrezaa
pé : levava-lhe a rédea do cavallo D. Diogo Fernandes
de Almeida , Alcaide mor daquella Villa, e fó o Vifcon-
de de Villa-Nova , que fervia de Eftribeiro mór, hia
a cavallc. Havia EIRey antes da entrada feito oração
na Igreja da Piedade, e caminhando para a Igreja Ma-
triz , fahio no caminho a beijar-lhe a mio o Monteiro
mór Garcia de Mello , por lhe ter levantado o defterro,
que èSo injuítamente padecia , e lhe hayer reítituido
o exercício dafua occuração.Efperavaa EIRey na Igre-
ja
i
""
266 PQKruGALKESJAUKADO,
Atino Ja ° Siípo de Targa , Capellaõ mór , e eleito Bifpo de
^z Lamego , para llie dar agua benta. Havendo feito o ra-
IÓ64# ^5 g e yifitado outras relíquias , que naquella Vil la
fe coníervao com digniílima venerarão ,. alojou nas ca-
las do Conde de Unha ó;$ queeítavaõ magaiíicameiíte
adereçadas. O dia íeguinte fèz EIRey a função de lan-
çar a primeira pedra ha Igreja de N. Senhora da Pieda-
de , fituada ao Chão da Feira y e íèpultou apedra com
a infcripçaó feguinte.
Deipars Virgini à Pietate denominais
Alphonjus VL -.Lufitaniat Rex >
Qjíoa fcejws ope ad miraculam infigni
Joãnen Auftriacu Pbilippi iF.CafieUa. Regis jiliã
Pugna Ganalenfe ,
Sexto Uus Juntas an. Dm M.DC. LXUl
Ctrca Stremotium commtjfa
ProfligãverU ,
Muitos hoftlum inierfecerit , pluresceperh ,
Totmentis , ar mis. , impedimenús
Potttus Jit :
Hoc Sacellum
Impen/ls fuis faciendum curâvit ,
Primumquefitndamentum lapidem
Própria manum
In ater num grati% devo tique anitni monumentum
tpJM Bi i
Seq. anno ofilavo Kalend, Februar*
De Santarém pafsouElRey , eo Infante a Salva-
terra , enefta livre aíhílenciacrefceraõ de forte as deí-
attençoens d<ElRey, que,fe.ndo para eucarecellas preci-
fo individuallas , por naó faltarmos a ta 6 altos reípei-
tos;, fegnimoso eftylo mais decoro fo de omittillas , ba-
Itando para explicallas o notório excelso de lerem na~
quelle tempo inítrumento das refoluçoens d'ElRey os
delinquentes mais facinorofos da Monarquia , que por
feus
m
PJRTE 11. LIVRO IX. i67
íeus decretos abfolutos pafsavaó do fupplicio para o Pa- ^mi 0
ço. Padeceoneíte tempo grande perigo a peísoad<El-
Rey , e a do Infante , pela aleivoia traição í que lhe uv,^r
forjarão os Inimigos deita Coroa, mondando a Pedro
de Frecur Franeez , que havia íervido em Caítella de
Tenente de eavailos , com cartas para algumas pelsoas,
que não chegou acommuniear. Hofpedou-íe em cafa
dejoaõBecíier também Franeez ;, e Trombeta do In-
fante. A primeira pefsoaya quem participou aleú pre-
verfo intento , o delarou ; e elle , e Joaò Beclier foraõ
condemnados á morte , e ie )hes executou a lentença,
pondo-íe a cabeça de Pedro de Frecur em hum peito
alto. Deitas conjuraçoens houve varias no tempo do
governo da Rainha , e d'E!Rey , e todas deicobrio com
iumma intelligencia Pedro Fernandes Monteiro,que ti-
nha em Caítella quem lhe déise osaviíos com toda a
promptidaõ. Neisas conjuraçoens houve dez condem-
nados7 á morte , alguns defnaturalizados , e outros de-
gradados; entre os últimos foi Diogo Leite v Meâre
de Campo de hum Terço de Alentejo , toda a vida pa-
ra aludia. Franciíco da Silva de Moura fe juítiíicou
deita calumnia , provando a lua innoceneia em huma
prizaõ , quepadeceo fem cauia , ede que fahio livre
juítificando-fe com apurada fidelidade. LIRey por ma-
nifeftar com todas as publicas demonítraçoens o mui-
to , que le agradava dobem que o iervia o Conde de
Caítello-Melhor, nafcendo-lhe hum filho foi leu Com-
padre, honrando a fua cala, onde foi o Baptiímo,
indo aella pela porta interior do Paço acompanhado
do Infante, e de toda a Nobreza. Foi madrinha a Mar-
queza de Çaltello-Melhor , mãy do Conde: baptizou-o
feu tio Frey Luiz de Souia , Eimoler mór d'E]Rey,
Bifpo eleito do Porto. Ailílio o Infante á função, e
toda a Nobreza , e derac-ie neUa pelos mais bem fuc-
cedidos aquelles , a quem tocarão íaleiro , toalha , pra-
to, jarro , e tochas. Todos antes , e depois da aclo
beijarão a maõ a £lRey pela attençaó , com que remu-
nerava os ferviçcs do Conde , applaudidos juítamente^.
porque a pontualidade era grande , o zelo louvável $®
activi- r
;
fe;
PORTUGAL RESTAURADO,
Á nrtO a&ivtdade muita tf re^uiíitos proporcionados para aco-
>, dir ádefenía do Reyno. Brevemente logrou àimaó de
1004. yafçoncellos igual honra do Infante , ieujo íeu com-
padre do primeiro filho , que lhe naíceo. E o Conde
de Gaítello-Melhor ,que eítudava com grande cuidado
os meyos defeaccrefcentarem os cabedaes da Monar-
quia i fez que EIRey toniaíse por lua conta a admini-
ítraçaõ da Companhia do Gommercio Geral do Brafií,
dando4e íatisfaçaõ aos interelsados em juros de vinte
o milhar , afsentados nos direitos do tabaco ( naquelle
tempo menos rendo í os , do que hoje ie experimenta )
ficando obrigados os direitos do comboy , e não haven-
do mudança na forma do Commercio.
Nos negócios políticos de Europa continuava a dif-
Continua-Je a poíiçaõ pela direcção do Marquez deSande * que com
7aUduí°ml!aÍ-&rSL^e prudência , e zelo os encaminhava, e d il punha
xadas. confeguirem-íe conl a felicidade, que teítimunhavaô
•as experiências ;e havendo ( como referimos ( tratado
com a maior attençaó , de queíe ajuftaíse o cafameuto
-d* EIRey com aquella Princeza , de que pudefsem re-
íultarnO Reyno maiores interefses, valendo-ie da gran-
de applicação , e fingular affieclo , com que o Manchai
deTurena íetinha difpoílo ao augmento , e melhoras
■dê Portugal 5 com avifo -íeu, e ordem d'ElRey reíol-
veo paísar a Paris, havendo-lhe chegado todos os po-
deres necèísariòIs para tratar o cafamento d'ElRey com
Madamoyzella de Nemours , remettendo-lhos o Conde
deCafbello-Melhor, de que mandou a copia ao Mari-
chal de Tureua , por lha pedir antes de fahir de Lon-
dres. Erão muitas as razoens \ que moítravão fer eífce
cafamento o mais conveniente , por concorrerem todas
para aclara de mo nítração deferem asmaisfeguras as
alianças de França. Antes do Marquez partir, deu con-
ta a EIRey , e á Rainha da Gram -Bretanha , que ap-
provarão â negociação , e lhe concederão a licença,
promettendo-lhe o fegredo , que lhes pedio ; impor-
tante para fe èonfeguir \ que as diligencias induítriofas
dosCaílelhanos nao deshiratafcem o intento pertenci-
do} e antes que o Marquez partifse , quiz EIRey da
x -. . Gram-
PARTE 11 LIVRO IX 169
Gram-Bretanha , que lhe accômodaíse varias duvidas, Anno
que havia entre os Embaixadores de França , e o de , .,
Inglaterra, que affiítia em França; porque ambos (em ^O^
notório bene^co da reputação do Marquez ) o defeja-
vaó por medianeiro. Sendo os negócios muito graves,
defempenhou o Marquez a confiança, que fizerão da
fua prudência, e deixou íblicitando em Londres os foc-
corros de Portugal ao Padre RuíselBilpo eleito de Por-
talegre , e diípoítos em tão boa forma , que não tive-
rão alteração , fem fervir de embaraço o fuccefso de
Bombaim ■, accidente > de queosCaftelhanos íouberaõ
ufar com muita induftria em damno , entre muitos Mi-
niftros Inglezes , das affiítencias , com que Inglaterra
concorria para a defenía de Portugal. Levou o Marquez
Embaixador em fua companhia o Secretario Franciíco
de Sá de Menezes, a feu fobrinho Ruy Telles, e a Fran-
ciíco de Azevedo , e poucos Gentis-tiomens de fua fa-
mília , por fazer menos íufpeitofa aquella jornada, que
diííimulou, fazendo publicar, que palsava a huma quin-
ta , e deixou a fua caía compoíta , e aberta com a af-
íiítencia de toda a fua família. A inftrucçaó , que lhe
mandou o Marichal de Turena , foi , que não fizeíse
jornada por Caléz, que defembarcafse em Normandia,
que pafsafse a Ruaò , e a Ponthoifa , onde acharia em
huma eftalagem finalada humGentil-homem chamado
Picart , cuja inítrucção feguiria : porém havendo-fe an-
ticipado a chegada do Marquez, ao que o Marichal en-
tendeo , não achando o Gentil-homem na eítalagem,
íe adiantou a S. Diniz , donde avizou ao Marichal a
parte , em que ficava encoberto , pedindo-lhe a ordem
do que devia executar. Promptamente chegou hum
Gentil-homem do Marichal , que o conduzio de noite
ao feu Palácio a Paris , e o introduzio nelle em caia
do feu Capitão da Guarda , que achou bem adereçada,
íemque outra pefsoa alguma ti vefse noticia deita hof-
pedagem. Recebeo-o o Marichal com grandes demon-
ítraçoensdofeu aíFecFo (nunca baftantemente encare-
cido) íegurou ao Marquez á vontade d'ElRey Chriítia-
niilimo j porém que era grande a diligencia , que os
Caíle-
m
»7o PORTUGJLREST.WKAPO,
Ánno Gaftelhanos faziaõ , ajudados do Duque de Lorena, pa-*
ss i*a que MadamoyzeUa deNemours cafafse com o Duque
IÒ04. Carlos de Lorena, herdeiro daquelle Eílado , que Et-
Rey havia largado , reíervando parai! duas Praças ;e,
o Marichal de Turena quan* alsentia neíle embaraço ,
deíejando que a fortuna defer Rainha de Portugal ca-
hiise em Princeza , com que tiveíse mais eítreito paren-
telco ; porém não de íòrte , que fatafse com generofa
reíblução a todas as diligencias poíliveis , para feefTei-
tuar o cafamento de MadamoyzeUa de Nemours ; e da.
meíma forte , e com o mefmo afFe&o procurava adian-
tar osjoccorros dePortugal,moír.rando fazer grande ef-
timação da prudência , e talento do Marquez deSande,
ajudando as negociações do Marichal o Duque de Gui-.
za , e o Marquez de Ruvigni com o mefmo ardor, que
o Marichal lhes influia, por fe acharem fubordinados
á fua direcção ; e o Marquez de Sande continuava a af-
iiílencia da cafa do Marichal com o mefmo recato, com
que havia entrado nella i ea induítria do Marichal di-
llribuia de forte as diligencias politicas de França , que
as tropas daquelleReino,fazendo frente em Italia,obri-
gavão aosCaítelhanosa íufpender tirar gente dos feus
domínios para a guerra de Portugal. Eftando os ne-
gócios de França neftes termos, e apertando o Marquez
de Sande a concluíaõ do cafamento de MadamoyzeUa
deNemours por via do Bifpo de Lans , Duque Par,
e tio de MadamoyzeUa , teve o Marquez noticia que
em cafa de MadamoyzeUa de Nemours mãy da Prince-
za fe fazia junta de Theologos , era que aíliília o Bif-
po ; e defejando averiguar a cauía, foube que Madama
de Nemours defejava deíembaraçar aconfciencia para
ajuítar o cafamento com FJRey , por haver feito al-
gum tempo antes hum contrato com o Principe Fran-
cifco, pay de Carlos de Lorena , que tendo procura-
ção de feu filho fe recebera com MadamoyzeUa de Ne-
mours, e que neíle embaraço íem a reftituição das pro-
curaçoens , que folicitava Madama de Nemours, fe não
podia ajuítar o caíamento; obrigado juntamente de lhe
mandar declarar EIRey ChriíHaniliimo pelo Secretario
de
ióÓ4<
PsíKTÊ II. LIVRq IX. 271
de Eftado Telher , que em nenhum caio confentiria o Armo
caia mento de fita filha com o Príncipe de Lorena. Ef-
teacddente occafionou grande confufaõ ao Marquez
Embaixador, principalmente depois que lhe conítou,
que o Príncipe Carlos eítava na Corte do Imperador,
e que os Caítelhanos fazião exquifitas diligencias , pa->
ra que elie não confentiíse em fe romper o Tratado.
Achando-íe neíta confufaõ , e difpondo dar conta a EI-
Rey, e ao Conde de Caftello- Melhor , do grande ob-
ítaculo , que fe lhe oíFerecera , lhe difse o Marichalde
Tu rena , que entendia , que aquelle negocio não eíta-
va emeltado de fe continuar , por embaraçado , e por
indecoroio , e que em França havia outras Princezas da
meíma qualidade , e belleza , de menos annos , e igual
dote. Refpondeo-lhe o Marquez, que neíta parte, como
em tudo , ieguiria voluntariamente a íua opinião : po-
rém que o opprimia entrar na coníideração de que EI-
Rey feu Senhor , e feus Miniítros íe poderião deixar
penetrar da defco afiança de que em França fe dilata-
va com efperanças o cafamento d'ElRey , defviando os
caminhos de concluillo; e que o eítreito recolhimento t
em que eítava naquella Corte , lhe perturbava acodir
a outros negócios muito importantes , principalmente
os íbccorros de dinheiro , e gente , que eraõ necefsa-
rios para a Campanha futura , que quaíi fe hia chegan-
do j e juntamente , que elle íe achava íem poderes pa-
ra tratar de outro cafamento mus , que do propoíto;
e que quando fe não efièituafse , lhe feria forçofo vol-
tar para Inglaterra a tratar as conveniências de Portu-
gal com os inimigos da Coroa de França ; e que de-
ita fua refolução , e de tudo , que lhe havia referido ,
pedia ao Manchai défse couta a EIRey Chriítiauiíirmo
na hora do defpacho , em que o Mancha! afliftia com
Tellier, Lione , e Colbert , que erão os quatro , de
quem EIRey fiava todos os negócios da Monarquia. Foi
de grande eíFeito eíta reíolução do Marquez ; parque
EIRey Chriftianíninio , e os Miniítros, que lhe aíliitião,
conhecerão , que o maior beneficio da confervação de
França era a união de Portugal , e immediatamente ref-
pou-
27* PORTUGAL RESTAURADO,
AnnO 'pondeo o Manchai ao Marquez , que para que elle co-
u ,y nhecefsè quanto em França fedeíèjava a amizade de
IÓ64* portugal , fe lhe lignaiava igual cafamento ao de Ma-
•damoyzella de Nemours na belleza de Madamoyzella
de piboeuf com a me ima qualidade,com o meímo dote,
e com as meimas condiçoens , que efíavao ajuíladas; e
por ler eíta Princeza prima d'EÍRey, e biíheta de Hen-
rique IV , que, lendo de menos idade , era de Índole car
paciílima de paísar da liberdade da vida de França aos
coítumes de Portugal j e que além deitas razoens , era
feu Tay Governador das Provindas de Picardia , e Ar-
tois , e da Praça marítima de Montevir , por onde o
Duque de Elboeuf, pay de Madamoyzella teria pretex-
to de expedir osfoccorros de França , fem parecer que
ie violava o Tratado da paz pela eftreiteza do parentei-
co : que o Tratado fe faria com o Marichal de Turena,
como procurador do Duque de Elboeuf, e que o Mar-
quez poderia declarar , que não tinha ordem d<£!Rey
para íimilhante ajuílamento : e que, dado calo queEl-
Rey fe não fatisfizefse (o que íenao podia prefumir)
de tão úteis condiçoens , poderia romper o Tratado fem
offenía de França , e que com elle pafsaria o Marquez
a Portugal , aííim para o ratificar , como para moítrar
a EIRey as diípofiçoens , em que França fe achava pa-
ra ibccorrer a Portugal.O Marquez de Sande vendo deí-
vanecido o primeiro intento do cafamento de Mada-
moyzella de Nemours , e aberto o caminho para fe fe-
guirem osinterefses de Portugal, fem fe lhe metter por
condição , que, offerecendo-fe accaíiaõ de fe ajuílar a
paz entre Portugal , e Caítella , não feria necefsario o
beneplácito de França , ponto muito efsencial para o
felice rim de tão grande negocio , admittio a pratica ,
entendendo, que o cafamento de Madamoyzella de El-
boeuf não era de inferiores conveniências pela qualida-
de, pelo parecer, pela idade , e pelo dote,*accreicentan-
do-fe o empenho do Marichal de Turena ; pprèm em
quanto apafsar a Portugal , refpondeo, que era con-
tra o fim da conclufaõ do negocio , e que o caminho
mais fácil para fe confeguir feria entregar o Tratado ao
Secre-
"""
PARTE II. LIVRO IX. 275
Secretario da Embaixada Franciíco de Sá de Menezes,
e que elle eícrevéria , e o faria pratico em todas as cir-
cumítancias , que fofsem mais efseaciaes. Ajuftou-ie o
Marichal com eíta propoíiçao, edifse ao Marquez, que
para aquelle tempo guardava outra propoíla para a lua
peísoa de mayores circumíiancias , e que trabalhara
muito , antes de proferilla, de moita a EIRey de Por-
tugal , que fem interefse algum felicitava as conve-
niências da fua coníervaçaõ , entendendo que era hu-
ma das maiores íeguranças defeaugmentar a grande-
za de França : que por eítes refpeitos fizera toda a di-
ligencia , para que fe ajuítafse ocafamento d' EIRey
com Madamoyzella deMonpeníier, mandando para efte
efíeito o feu Secretario a Portugal , que depois agen-
ceara o caíamento de Madamoyzella de Nemours, e fi-
nalmente o de Madamoyzella de Elboeuf : que havia
aíuftido a D. Franciíco Manoel em França , e Itália , e
da mefmâ forte naquella Corte a Francifco Ferreira Re-
bello , que tinha facilitado os foccorros de França, que
em Portugal íe julgavaó impoííiveis , havendo atfiílido
por eíte refpeito o feu Secretario em Londres dous an-
nos , como conílava ao Marquez ; e que das finezas ,
que havia obrado com a fua pefsoa , fem as explicar,
podia elle fer a mais verdadeira teftimunha, e que a
fatisfaçao , que defejava de todos eíles benefícios , era a
honra defe aparentar com EIRey , reconhecendo a di-
iiancia , que havia da Cafa Real de Portugal á fua, con-
seguindo a fortuna de fe ajuílar o cafamento do Infan-
te D. Pedro com fua fobrinha Madamoyzella de Bovil-
lon , filha de feu irmaõ o Principe de Turena > que pa-
ra eíle eííeito findara dote em dinheiro de contado ,
muito á fatisfaçao d'ElRey: que a fua Cafa tinha o
tratamento em França de Prncipe extra ngeiro , da mef-
ma íorte , que a Cafa de Saboya , e Lorena , e que a
grandeza da fua familia tinha tanta antiguidade , que,
prefumindo-fe poderia faltar a Rainha de Inglaterra da
doença , que antecedentemente tinha padecido , fe ha-
via aberto pratica para EIRey da Gram-Bretanha cafar
com fua fobrinha , a que elle , por na õ ter herdeiros».
S trata-
AnuQ
1664.
-Â
274 PORTUGAL RESTAURADO,
AnilO tratava com o amor de Pay ; e que o maior dote , que
Portugal coníeguia neíte ca lamento , era o empenho,
IO04. em que ficava de acodir á ília defenfa , não fó como
Miniítro tão principal com todas asforças de França,
fenão como parente tão chegado com a fua própria
peisoa em qualquer empenho , que pedifse eíta delibe-
ração ; e que havendo elle participado eíta noticia a
Fermond , intelligente Francez, que âífiítia em Lisboa,
elle a communicara ao Conde de Caítello- Melhor, que
lhe fegurara , que nãò fó lhe parecia praticável o ca-
famento , fenão eflèituavel.
O Marquez parecendo-lhe eíta pratica utiliííima
para a confervação da Monarquia , ofFereceo ao Man-
chai a fua mediação com todas as palavras , demonítra*
çoens , e requifitos , que lhe parecerão necefsarios, pa-
ra ficar fatisfeito o Marichal de Tu rena , de cujas ne-
gociaçoens eíta vaõ dependentes todos os foccorros de
França ; e fe para do do Marichal , difpoz com toda a
brevidade a partida de Francifco de Sá , e efcreveo a
EIRey , expondo com razoens prudentiífimas as que o
havião obrigado , affim a fazer o Tratado com Mada-
moyzella de Elboeuf , fem ter poderes , como o de ad-
mittir a pratica do cafamento do Infante D.Pedro com
Madamo/zelladeBollivon; fendo as principaes haver
de confiderarfe,que naquelles cafamentos, não fó fe de-
via attender , ao que fe ganhava , fenão ao que fe ar-
riícava, defabrindo-fe o Marichal de Turena em tempo,
que Portugal fe achava reíiítindo á grade guerra de Ca-
ítella ^ pouco firme a paz de Hollanda , e Inglaterra
defabrida , por lhe não haver entregue a Bombaim ,
e França feparada pelas capitulaçoens da paz , e cafa-
mento deCaítella, defejando fuítentar em Portugal
hum ramo taõ dependente dos feus intereíses , como
Caítella no Império o da Cafa de Auítria. Antes que
Francifco de Sá fe partifse , avifou ao Marquez o Ma-
richal de Turena queria moítrar-lhe a elle , e a Fran-
cifco de Sá as duas Princezas deítinadas para EIRey , e
o Infante de Portugal ; e aquella noite o levou a fua
cafa, a Francifco de Sá, e a Ruy Telles, e entrou a
velas ,
PARTE II. LIVRO IX. z7;
velas , que eítavão aíliftidas de Madama de Elboeut , e ^nno
admirou nellas excellente for motora; pedioos retratos ,
ao Marichali que remetteo por Franciíco de Sá; porém 1 0O4«
reconhecendo as diípofiçoens da Corte , eícreveo ao
Conde de Caítello-Melhor, pedindo-lhe com grande ef-
icácia aceitaíse os partidos referidos , e favoreceíse a
deliberação que havia tomado , dizendo-lhe juntamen-
te , que receava o que lhe advertia a Rainha de Ingla-
terra , quando partira para França , que fe nao meteise
em fer cafamenteiro de íeus Irmãos , pela incerteza dos
fuccefsos futuros.
Fartio Francifco de Sá com o Tratado feito entre o
Marquez de Sande,e o Marichal de Tu rena com Mada-
moyzellaAnna Eliíabethde Lorena , filha mais velha
do Frincipe Carlos de Lorena , Duque de Elboeuf , e
de íua primeira mulher Eliiàbeth deLaunoy,eem quin-
ze artigos fe exprefsavaõ condiçoens , vantagens , e do-
te de grande confideraçaõ para os termos , em que fe
achava a guerra de Portugal, reprelentando o Marquez
de Sande a EIRey , que naõ fe podiaõ achar em Euro-
pa melhores cafamentos j porque em Suécia naõ havia
Princeza , nem em Dinamarca , nem em Inglaterra , e
que em cafo que as houvefse , feria difficultofo mu-
dança da Religião , que em Hollanda fe achava a filha
do velho Príncipe de Orange J porém que era de mui-
to inferior parecer , eque nao queria mudar de Reli-
gião : que no Império , e em Caítella era impraticável»
ainda em cafo , que houvefse Princezas defembaraçadas
detaò forçofosobílaculosrque ficava fó Parma com ida-
de difFerente , íem dote . e grande difpendio, e difficul-
dade na condução ; e que íem embargo de todos os in-
tereises penderem para a uniaõ de França, o tratado,que
havia feito para o caíamento de Madamoyzella de El-
boeuf , que preferia a todas as mais Princezas pelas ra-
zoens apontadas , hh condicional: que em cafo , que
EIRey o naõ aceitaíse , nem a reputação , nem osinte-
reíses ficavaó prejudicados ; e que ainda eítreitava mais
ajuílar-fe o caíamento , haver noticia , que as diisen-
çoens entre o Pontífice , e EIRey de França eíravaõ.
S i ajuíla-
t76 PORTUGAL RESTAURADO,
Atino ajuítadai-, o que fe tinha por infallivel pela oíferta;
, , que EIRey de Caítella havia feito a EIRey de França
I^&4« de lhe dar paisagem ás fuás tropas pelo Eftado de Mi-
lão , e em caução da fua linearidade a Praça , que efco-
lhefse j juizo , que deprefsafe confirmou no ajuftamen-
to das controverlias , de que o Pontiíice moílrou gran-
de fentimento , queixando-fe de que EIRey de Caítel-
la o mettera no empenho , e o deixara nelle > e de que
EIRey de França o apertafse com tanto excefso , por
entregar todas as fuás refoluçoens fó ao parecer de três
creaturas do Cardial Mafsarino , e fe governar pelo Ma-
richal deTurena , naquelle tempo de diíFe rente Reli*
giaõ j e que neíte accidente poderia facilitar que , reti-»
rando EIRey de França as tropas , que tinha em Italia>
mandaria EIRey de Caítella as de Milaõ, e Nápoles pa-
ra a fronteira de Portugal.
Partio Franciíco de Sá para Lisboa , e o Marquei
de Sande ficou em Paris com grande prudência colhen-
do o fruto das diligencias do Marichal de Turena , nas
efperanças de fe coníeguirem os dous ca lamentos. Che-
goulhe avizo do Conde de Caítello-Melhor do deíab ri-
mento do Conde de Schomberg , originado da conten*
da de Gil Vaz Lobo ; e dando noticia ao Marichal de
Turena ) concordou com eíle eícrever-lhe com tanto
aperto , que foihuma dascaufas , por onde fe facilita-
rão as duvidas neíte particular , que acima referimos,
e juntamente foi fomentando os foccorros , afiim de
França , como de Inglaterra , applicando com o mefmo
fervor adiantar os negócios de Roma , e os de Hollan-
da pela mediação de França ; e chegando neíte tempo
huma carta do Imperador para EIRey Chriftianiífimo,
que lhe prefentou o feu Inviado o Conde Eítrofsy , em
que lhe pedia foccorro contra o Gram Turco; conferin-
do o Marichal deTurena com o Marquez de Sande eíta
ínítancia, ajuítaraô* que fe refpondefse *ao Imperador
que, affiítindo-lhe EIRey de Caítella como mais empe-
nhado nos in terefses da Cafa de Auítria , com as tropas
de Itália, elle o foccorreria com igualnumero; porque ,
ínccedendo aceitar-fe. efta propoíta, ficava livre a guer-
ra
PARTE II. LIVRO IX. 177
ra de Portugal deftes inimigos , e naõ aceitando, (co-ÀniVO
moaconteceo) defobrigava-fe 'EIRey de França deco- ^
rofamente deíteempenho í e dando-lhe o Marquez cm- xuu^
dado a brevidade de fe retirarem de Itália as tropas de
França , confeguio a dilação das ordens todo o tempo ,
que foi conveniente á paisagem das de Caílella para
Hefpanha. . .
Checou nefte tempo Francifco de ba a Lisboa > e
examinada a íubftancia de todas as propofições,que tra-
ria do Marquez de San de, fem prevalecerem as luasm-
ftancias , não ió naõ foi admittida a propofiçao do ca-
famento de Madamoyzella de Elboeuf, lenaõ foicon-
demnada a refoluçao , que o Marquez tomou , de fazer .
o Tratado fem ordem d< EIRey , fem embargo da decla-
ração de fer condicional*Xom brevidade ie lhe refpon-
deo, que tornafse apor em pratica o cafamento de
Madamoyzella de Nemours, e refpondefse ao Manchai
de Tu rena , que empenhando-fe o feu poder de forte,
que efte intento fe confeguifse , fe admittiria a pratica
do cafamento do Infante D, Pedro com Madamoyzella
de Bovillon. Chegou eíla ordem ao Marquez de Sande,
e fentio com grande excefso eíte contra-tempo ^por-
que naõ íuppunha, que fe enjeitafse a propofiçaõ, que
tinha feito , e temia , que o Marichâl de Turena oíten-
dido darepulfa de hum negocio, que havia fabricado
com tanto empenho, fe deíabrifse nos interefses de Por-
tugal ; porém avizando-o de huma quinta (para onde
pafsara daeftreiteza da reclufaó , em que tinha eftado
em cafa do Marichâl ) de lhe haver chegado a refpoíla,
fe aviftaraõ brevemente , e o Marquez compondo com
as melhores razoens , que lhe foi poíTivel , a ordem,
que lhe tinha chegado , perfuadio ao Manchai , a que
continuafse em tomar o efièito delia por lua conta %
pois era o mefmo empenho , que já havia tido , e EI-
Rey urbanamente lhe deferia ao intento principal do-
cafamento do Infante com fua íobrinha. O Manchai,
fuppofto que fentio muito o naõ aceitar EIRey as van-
tagens do Tratado do cafamento de Madamoyzella de
Elboeuf, conhecendo arrazoada a propoíiçao do Mar-.
S $ quez.,
tóá-i.
278 POKTUGAL KES7JVKAD0,
Anti O <luez » ^e refpondeo que elle faria as diligencias , que
lhe foísem poiliveisj o que executou ; ea noite ieguin-
te tornou a dizer-lhe , que Te havia encomendado ao
Manchai de Eítrée, pay do Bifpo de Laans ■, que trata-
va eíle caíamento , fallafse com aperto a Madama de
Nemours, e que,quando não baftafse a fua intervenção,
eítava prompto para ir períuadir o Secretario de Tel-
lier. Agradeceo o Marquez ao Manchai muito eíta dif-
poíição', porém feparados , íepafsárão alguns diasfem
outra reípoíla , e nelles teve noticia que fem interven-
ção fua havia EIRey mandado a Portugal encoberto
hum homem de grande capacidade , chamado Torront,
primo de Colbert , a examinar o eítado das forças de
Portugal , que levava cartas para o Conde de Schom-
berg , e para Formand ,* accidente , de que o Marquez
deu conta a EIRey , moítrando-íe gravemente fentido
de fe não ter aceitado a fua propofiçao , de que havião
refultido asperigofas confequencias , que o tempo hia
defcobrindó ; porém , fem embargo do leu lentimento
feguio com igual zelo a negociação do cafa mento de
Madamoyzella de Nemours , empenhando as diligen-»
cias do Duque de Guiza , com quem tinha particular
communicaçãõ > e as do Marquez de Choupes taõ affei-
coado aos interefses de Portugal , como havia manife-
ítado em muito repetidas experiências , e tomou por
fua conta reprefentar ao Secretario Lione da parte do
Marquez quanto importava aos in te reíses de França
concluirfe o caíamento d'ElRey com Madamoyzella de
Nemours , por não fer precifo tomar-ie outra eílrada,
deque refultafsem prejuízos ás conveniências d» EIRey
ChriíHaniííimo. Pafsou o Marquez de Choupes a Fon-
taynebleu ( onde EIRey aíliítia ) a fallar ao Secretario»
Refpondeo-lhe , xjue elle defejava muito , que o caía-
mento fe effeituafse , e que entendia íe poderia con-
feguif; porém que a concluía õ fe dilataria até voltar
de Portugal Torront , a quem fe havia particularmen-
te encommendado o exame das negociaçoens do Em-
baixador de Inglaterra Franfcheou corri osCafteíhanos
fobre a paz de Portugal i que, nao fendo por interven-
ção
PARTE 11 LIVRO IX. 179
cão d'ElRey Chriftianiffimo,nao poderia concluirfe em Anno
beneficio das fuás conveniências. m í66a
Noeftado referido fe achava efte negocio quan- «004.
do fuccedeo a morte da Madama de Nemours, que aca-
bou em poucos dias de bexigas. Entendeo o Marquez
de Sande , que efte accidente fana defembaraçar as di-
ficuldades , que taõ repetidamente íe haviao offerecido,
que o Marquez entendia procederão de irreioluçao de
JVÍadama de Nemours , edaafieiçao quemoítrava ao
Príncipe 'Carlos de Lorena > e levado defte d ifcu ri o en-
caminhou as diligencias pelo Bifpo de Laans,pelo Con-
de de Eftrée , de quem entendeo , que dependia a von-
tade do Duque de Vandofma , avô de Madamoyzella de
Nemours, e que havia ficado poríeu tutor. Paísados
os primeiros dias das demonftraçoens do fentimento da
Princeza de Nemours, entrou na pratica do leu calamen-
to, emoítrou grande inclinação a ie effeituar em Por-
tugal ; porém declarando, que também fe havia de aju-
ílaro caíameto de fua irmãa Madamoyzella deAumal-
le , de igual belleza , e de Angulares [Virtudes 5 *oieite
novidade cuílofo embaraço para as diípofiçòes do Mar-
quez de Sande J porque como todo o empenho do Ma-
nchai deTurenaera o caíamento de fuafobnnha com
o Infante O. Pedro , desbaratado efte fundamento , ie
cortava totalmente o fio a todos osintereíses de Por-
tugal , dependentes das direcçoens do Manchai de lu-
rena,accrefcentando-fe a efte receyo voltar lorrontde
Portugal , eFrancifco de Sá , o primeiro pouco fatisfei-
to dasinclinaçoensd'ElRey, o fegundocom feyeras re-
prehenfoens ao Marquez de Sande de haver feito o tra-
tado do cafamento d<E!Rey com Madamoyzella de EI-
boeuf : noticias que todas encontravaõ o animo do Ma-
richal de Turena:porém o Marquez Embaixador cobra-
do forças nasdifficuldadas, continuou as diligencias
pelo Marquez de Rouvigni , pelo Duque de Guiza , e
pelo Marquez deChoupes; e chegando as propoliçoes
da parte do Marichal deTurena , do Bifpo de Laans ,e
do Conde de Eftrée a publica conferencia , e havendo
pouca fociedade entre huma , e outra cafa ,torao inex-
r S 4 Pllca"
, IH
I.
a-to PORTUGAL RESTAURADO,
ÂnnO Pecáveis as politicas , que fe interpuzerao para confe-
I 66a gUÍr Cada íluma das Partes o pertendido fim do eaíamen-
1004. to fá Infante D. Pedro , e depois de perigofas conten-
das , le offereceo ao Marichal de Turena por parte do
Du que de Vandofma , que no termo de íeis mezes , de-
Êois de celebrado o caí amento de fua neta com LlRey
►. Affonfo > poderia fazer as diligencias , que lhe pa-
receísem , para fe eíFeituar o caíamento de lua iobri-
j nha com o Infante ,'fem que Madamoyzella de Nemo-
urs, depois da Rainha de Portugal, as encontrafse, Não
quiz o Marichal aceitar effe partido ,: dizendo , que ef.
tas promefsas todas eraó inválidas j porque as negocia-
çoens occultas de Madamoyzella de Nemours depois de
Rainha , não podendo fer manifeftas para a queixa , fe-
ríão convenientes para o intento do defpoforio de Ma-
-■damoyzella de Aumalle. Quando efta contenda eftava
-mais vigoroía > a moderou o novo aecidente da perten-
ção do Duque de Saboya Carlos Emmanuel , viuvo dst
Duqueza Francifcade Lorena /filhado Duque de Or-
liens , quemandou hum Miniftro a Paris a folicitar o
eafamento de Madamoyzella de Nemours,que a poucas
diligencias moílrou afíeiçâo a aceitar efta pratica ; mu-
dança > de que o Marquez teve prompta noticia ; e con-
tando ao Bifpo de Laans , que não podia eita novida-
de effor encoberta ao Marquez , o bulcou , e lhe éifse„
que elle o havia tratado fempre com linceridade , e ze~
Io do ferviço d^EÍRey D. Affonfo, que determinava tãa
ter em qualquer fuccefs© mudança o feu áffecT:o y e ne-
ífoeoníideraçâo vinha dar-íhe noticia r que o Príncipe
Frãcifeo de Lorena tinha mandado oieu Confei&or com
cartas para EIRej Chriítranifiimo T em que lhe pedia
quizefse permittir , que o Príncipe Ca rios leu filho fi-
zefse vida com íua mulher Madamoyzella de Nemours,
eomquem eílava legitimamente ca fado : que ElRey
nãoquizera aceitar as cartas , nem fallar ao Confefsor,
c mandara dizer a elle Rifpo r e a fen pay pelo1 Secreta-
rio^ Tellier , que tivefsem entendido, que em fua vida
mó havia de permittir , que efte caíamento fe celebraf-
íe> por varias xazoens , que convinliaô á confervação
datuel-
P^RTE II. LIVKq IX. 281
íaquelle Re^no : que nefta confideraçaõ poderia adian- ÁnnO
ar , quarito lhes foíse pollivel , a pratica do caíamento , ,
i<JilRey de Portugal , permilòão, em que juíiificava o l0&4»
uTeclo, com que attendia á grandeza da Caia deNe-
nours, facilitando-lhe a fua maior felicidade : que el-
e reípondera ao Secretario , que rendia as graças a El-
ítey pela mercê , que fazia a lua fobrinha , e á lua Ca-
ia : queem quanto ao chamado caíamento do Prinei-
?e Carlos ^elle o tivera íempre por nullo , como varias
rezes havia referido aos Miniltros de ambas as Mage-
tades; que deita meíma opinião erão vários Iheolo-
jos , com quem havia conferido tão importante xn ate-
ia , que brevemente elperava a refolução de Sorbena
laquella tão ventilada queítaõ; eque deite propofit©
> não havião de mudar asexquifltas diligencias da Cala
leAuítria , e da Caía de Lorena , que havião fido tão
xtraordinarias , que fe valerão de vários Religiofos,
)ara introduzir não fó cfcrupulos em Madamoyzella de
Nemours , para não desfazer o caíamento do Príncipe
"arlos, fenão individuaes noticias de invencíveis de-
eitos d4ElRey D* Afíbnfo j informaçoens , que haviaõ
ntroduzido em Maclamoyzella de Nemours tanta con-
uíao , e embaraço , que padecia humas eefoens perigo-
as , que eíperava ceísafsem com os remédios ; porem
[ue lhe pedia não défse noticia, nem aieu pay, do
[ue lhe havia referido. Refpondeo-lhe o Marquez, que
lleíentia com incomparável pena ver aquella matéria
ao eonfufa , que naõ íe pudelse tratar claramente en-
re pays , eíilhos : pedindo a razaõ , que do prato,
[uepreíentava afortuna á Caía deNenours, gaitai-
em todos os dependentes delia com igual iatisfà-
aõ*
Separado o Bifpo do Marquez, veyobufcalJo Rou-
ignir e lhedifse, que havia falJad© com oBilpo de
,aans, eque álèm de lhe referir tudo, o que havia
iito ao Marquez , acerefeentara , que em calo, que naó
bisem vencíveis as dificuldades do caíamento de Ma»
tamoyzella de Nemours, às excellentes virtudes, ilngu-
ar fprmofura , e a igualdade do dote de Madamoyzella
~«P
,ií* POTRUGAL REST WRJDO,
ÀllrtO de Aumalle a naõ faziaõ, menos merecedora da Coro
t ((a ^e ^ort.uSal ' ^ue ^ua irmãa, preferiudo-lhe na conítan
9004. cja ^ e lobrenatural generofidade de efpirito. Naõ ibo
ao Marquez mal eíla pratica , por entender eíteera
caminho de ter effeito o intento do Marichal de Ture
na do cafamento de lua íbbrinha com o Infante} áler
de que lhe parecia in decoro Jfo fer neeeísario , para cí
lar EIRey , haver fentenças de feparação do cafamer
to do Principe Carlos , parecendo-lhe que fe rompia
difficuldades para huma matéria de tão grandes conví
ni^ncias para a Caía de Nemours ; porém como as cai
^ tas d(EiRey , e do Conde de Ca ftello- Melhor , que Ih
havia trazido Prancifco de Sá , lhe prohibiao entrar ei
pratica com outro caíameuto^que não fofse o de Madí
moyzella de Nemours , naõdeferio aeíta propofiçaõ
metendo-a porém nos diários, em que dava conta a H
Rey , para que coníiafse o muito que trabalhava a íu
diligencia em confegnir o cafamento d'ElRey , com
erapreciíb, para fegurar aíuccefsao do Rey no , qu
com louvável zelo applicava o Conde de Caltello-M(
, lhor. Seguiraõ-fe a eitas outras muitas diligencias , jur
tas de Letrados , conferencias deMiniílros , para íe ac;
bat de tomar refolução fobre o cafamento doPrincif
Carlos fer , ou naõ fer válido» e depois de dilatad;
propofiçoens por huma , e outra parte, vierão aenter
der a maior parte dos Theologos que , naõ querend
ailiftir o Principe Carlos, ao Pontiíice tocava tirar <
eícrupulos.; e os Doutores de Sorbona todos ajuítáiã(
que o tratado do cafamento não tinha força alguma
que Madamoyzella de Nemours podia caiar com quer
lhe pareçefse. Porém nefte tempo crefcião as negocea
çoens de Saboya , e a inclinação de Madamoyzella d
Nemours para o cafamento da quelle Príncipe, com qu
ficavão infruduofas todas as outras diligencias; eco
nhecendo o Bifpo de Laans eíta tão grande diffi cu Idade
esforçou quanto lhe foi poílivel o cafamento d'ElRe^
com Madamoyzella de Aumalle , e o Marichal de Tu
rena afsentia neíta propoíição , defejando verfe defem
baraçado , para confeguir o intento de cafar fua fobri
* nh
VJRTE II. LlfRO IX. 285
lha com o Infante, difcurfando a fua prodencia pelas AnnO
articulares noticias, que tinha d'EJRey D. AíTonfo , „
H-ie naõ podia a Coroa de Portugal deixar de efmal- lb°4%
arfe mais tarde , ou mais ledo na cabeça do Infante.:
-orem todas eíias variedades confundido de forte a ne-
foceação do Marquez , que quafi exaíperado buícou ao
Víarichal de 'iu rena , e Jhe difse , que elle fe achava
efolutoemfe partir cbeuella Corte a felicitar em oi>-
ra :$ifamento para EIRey , onde conviefse aFortugal,
iílo ter perdido tanto tempo em apurai a paciência
>arafatisfazer a França, iem maiseífeito, quehumas
[uimeras , e embaraços , que faziaõ inevitável oenle-
0 do labyrintho , em que ie achava naquela Corte :
>orem ricando-lhe lempre na memoria oafíèclo, que
lavia experimentado nos feus benefícios , paranaôlar-
;ar a pratica do cafamento do Infante EX Pedro com
AadamoyzeUa de Bullon. O Marichal achou tão arra-
oada a reíoluçaó do Marquez , que lhe prometteo re-
•reíentallaaElRey GhriíHanillimo; efeparados, teve;
1 Marquez occafião prompta de eicrever a EIRey, dan~
o-lhe conta larga , e prudentemente das confulbens,
m que fe achava , e pedindo refolução do que devia
azer em cinco pontos. O primeiro , o que devia dizer
ocante ao caíamento de MadamoyzelJa de Aumalle
omo Infante j propofição , fem a qual naó havia que
íperar refolução alguma no cafamento d*ElRey , lai-
o le Madamoyfella de Aumalle cafafseem Saboya , ou
.orena , lembrando juntamente o empenho doMari-
hal de Turena para o cafamento de fua fobrinha. Se-
undo , que devia fazer em caio, quelvladamoyzella
e Nemours ledeclaraíse por Saboya. Terceiro, que
efolução havia de tomar , liiccedendo ir a Poma a ap»
ellaçto do Príncipe Carlos fobre a nullidade do ma«
rimonio de Madamoyzella de Nemours ; e feem caio
[ue fe refolveíse , antes de chegar a refolução de Ro~
ia , aajuítaro cafamento cem EIRey, fe poderia re-
ebellaem virtude da procuração , que EIRey lhe havia
[ado. Quarto , fe depois deites calos defvanecidos po~
leria admittir a pratica do cafamento deJMadainoyzella
de
«,
2S4 PÕKTVGAL RESTJVKADO,
Ánno de Aumalle com EIRey. Quinto , fe apertaria pela re
t66á poítade Madamoyzella de Nemours , e fe naõ a tend
I004* cathegoricaem tempo determinado , íe fahiria de Frar
ça , ou fe avizaria a EIRey.
Defpedidas eftas cartas , ficou o Marquez íufter
tando fem decifaõ todas as praticas referidas , e cont
miando as diligencias dos foceorros, parecendo-lhe, qu
erao mais necefsarios pela refoluçaô , que o Imperadc
havia tomado em ajuítar a paz com o Turco fem ii
tervençaõ d'ElRey de França , que havia naquelle ten
po foccorrido o Império com tropi s , e cabedaes j ri
loluçaó , que EIRey fentio vivamente , entendendo qi
EIRey de Caftella fora author daquella novidade » pc
eujo ,refpeito fez efpalhar a pratica , de que lhe toca\
a herança dos Eftados de Flandres , porque pertencia
á Rainha íua mulher pela claufula exprefsa de naõ hí
ver de feguir a linha mafculina a herança daquelles E
tados,;fenaô o filho , ou filha mais velha do ultim
pofsuidor, e com mais clareza na Província de Hanai
Efta demonftraçao d4ElRey começou a dar indicios d
que a paz , que havia celebrado com EIRey de Cafte
la , naõ havia de fer muito durável , entendendo-fe jur
tamente, que »rota a guerra , feriaõ os Caftelhanos (
que folicitaísem a paz de Portugal , por fer impofiive
pela debilidade das forças de Caftella , poder fuftenfc
duas guerras tão formidáveis r fendo a de Portugal tar
to mais fenfivel, que a de França ,. quanto he mais pe
rigofo o achaque , que o coração padece , ao que íeni
qualquer das outras partes, do corpo , fendo ao human
emtudo iimilhante o da Monarquia. Nefte tempo i
hião defcobrindo varias circutiftancias , que clarament
moftravaõ , que não era poífível effeituar-fe o cafamer
todÉElRey com Madamoyzella de Nemours 5 porqu
ainda que fe vencefsetn os embaraços do Príncipe Cai
los de Lorena ,. o que conftava folicitar Madamoyzell
de Nemours com grande efíicaeia , entendia o Marque:
de Saade não fer o íeu fim para ajuítar o cafament
de Portugal* fenaõ concluir odeSaboya, aquefehi
moítrarido notoriamente iacliaadai e manifeftavão mai
efl
PJRTE //. Limo' IX. »Í5
2jla prefumpçaô as apertadas diligencias , que o Bifpo Anuo
de Laans fazia com o Marquez de Sande , para qv.q en-
traíse na pratica do cafamento de Madamoyfella de Au- Í064.
malle,e iignificafse ao Conde de Caftello Melhor quan-
to convinha ao Reyno , e á fua própria coníervaçaò ca-
lir a íorte de Rainha de Portugal em Madamoyfella de
\umalle : (taô incertos fao os juízos do mundo. ) O
Marquez , fuppofto que fe excufou de naõ poder entrar
leira pratica , deu noticia delia ao Conde de Caílello-
Melhor , e foube , que Torront ( que era Baraõ de Che-
âning;fecretamente tratava com Madamoyzella de Au-
nalle , folicitando que a pratica do cafamento d'ElRey
e encaminhafse de forte , que nunca tomafse a delibe-
•açaõ de caiar fora de França ; porque como EIRey
-hriítianiflimo ( como referimos) fe achava eítimulado
la paz , que o Imperador iní pirado d'ElRey de Caítel-
a fez com o Gram Turco fem beneplácito feu , haven-
io-lhe aífiítido com as fuás tropas , defafogava o feu
entimento em beneficio de Portugal , appl içando fem
ilgum rebuço todos os meyos proporcionados para a
11a defenfa 5 e chegando naquelle tempo a Paris o Mar-
juez de Caraççna 7 que EIRey de Caílella havia man-
jado retirar do governo de Flandres , teve EIRey Chri-
Konimmo huma larga conferencia com elle,e dentro de
doucos dias fe divulgou que o Marquez fora chama-
io d' EIRey de Caílella , para o mandar a governar as
Vrmas de Extremadura , prevenindo-íe para a Campa-
lha da Primavera futura hum grande exercito contra
3ortugal , convocando para eíle effèito naô lo as tro-
jas de Itália , fenaó as do Império , e Cantões dos Ef-
juizaros.
Eítas noticias introduzirão em o Marquez He Sande
lovos efpiritos para folicitar os foccorros de França ♦, e
ichando igual, e promptiííimo inftru mento no gene-
'ofo coração do Marichal de Tu rena , foi facilitando
-'udo , o que lhe pareceo conveniente para a defenlá
le Portugal , agenceando-lhe o Marichal grande íocie-
lade com Colbert , de quem naquelle tempo dependiaó
is mais exactas politicas d5 EIRey Cliriítiauiilimo J e ha-
vendo
sU PORTUGAL RESTAURADO,
Vendo dado conta a EIRey de todas eftas difpoilçoens,
e que Jhe parecia já indecente a fua aíliítencia nâquel-
Ja Corte pelas poucas eíperanças de ie ajuítar o ca la-
mento de Madamoyzella de Nemours,teve ordem d<El-
Rey para voltar para Londres, o que promptamen te ex-
ecutou nos últimos de Novembro , defpedindo-fe antes
de partir do Mariachal de Turena, Colbert,e Rouvigni,
e deixãdo-QS inteiramente fatisfeitos da fua grande pru-
dência , zelo , e refoluçaõ. Chegou a Londres , e achou
todos os negócios , que havia deixado entregues ao Bii-
po D. Ricardo Rufsel , encaminhado ao fim que perten-
dia dos foccorros de Portugal ; e de Roma teve avizo de
D.;Francifco Manoel , que o Pontífice fe moítrava incli-
nado ájuítiça de Portugal: porém como Os ameaços
dos Caftelhanos crefciaõ para os progreísos da futura
Campanha , todos os defejos concJuhiaó em efperanças,
apurando-íe mais a conítancia da fe Portugueza nos dis-
favores , que por efpaço de vinte e quatro annos havia
experimentado na Cúria Romana.
O Governador do Eílado da índia continuava Anto-
noticia dagner- nio de Mello de Caílro , e havendo paísado hum anna
ra das Coaqui- daquella atfiítencia, teve principio o titulo de Viíb-Rey,
que comeíla claufula fe lhe havia difpenfado , quando
partio de Lisboa j e como os Hollandezes depois de to-
marem Cochim , declararão, que eítavaõ promptos para
ohfervar a paz , que os Eitados haviaô ajuílado com o
Conde de Miranda , confirmada por EIRey D. Affonib.
ficou deíembaraçada a barra de Goa. Mandou na mon-
ção de Janeiro para o Reino a D. Pedro de Alencaftrc
na náo.N. Senhora do Populo,ea Francifco Rangel Pin-
to na Cafabé : defpedio para o Norte huma Armada dá
remo á ordem de Luiz de Miranda Henriques , por ha-
ver noticia, que o Mogp.r inquietava aquelle diítrictoi
defpachou para a China o Galeão S. Francifco , e livre-
mente navegarão os navios do contrato para as mais
partes da Afia , iem haver fuccefso digno de memoria.
HISTO-
HISTORIA
D E
PORTUGAL
RESTAURADO.
LIVRO X.
S U M M A R I O.
NTENTA Alexandre Fa^nefio Ge- Armo
neral da Covallaria extrangeira do jfâc
exercito de Caflella , inte* prender a
Praça de Valença , e rettra-fe com
mão fuccejfn. Compoem-fe as duvidas
àos Cabos do exercito de Alentejo , e
'ata-fe das prevenções para a futura Câpanha cô
y-ande calor. Elege EIRey D. Filippe por General
o Exercito de Extremadura ao Marquez de Cara»
>.na,e retira-je D.Joaí de AufiriaparaConfiegra.
invoca varias tropas natu^aes , e extrangeiras , e
aja o Marquez de Caraxna de Madrid a Bada*
joz i
i88 PORTUGAL RESTAURADO,
'Ânrso joz ' \unta com aClwdade , e diligencia hum gran
.//, de exercito , com que Cabe em Campanha, Panedt
' * Lisboa o Marquez de Marialva , e previne outn
poder o Jo exercito em oppofiçao do de Caflelía. Mar
chão Marquez de Caracena afitiar Villa-Fi.çoja
defende-} e valorojamente aCidadella.Sahe de E /ire
moz o Marquez de Marialva com o exercito afoc
ccr relia '. intenta o Marquez de Caracena desbara
tallo na marcha : da-fe a batalha , e ficaõ venci
dos os Caflelhanos. Vartos fucceffos confeguidos dt
pois de ganhada a batalha.PajJa o Conde de Schom
berg por ordem d EIRey a Entre Douro , e Mmh
com as trepas de Alentejo : junta-fe naquella Pro
wncta hum poderofo exercito ; fahe em Campanh
o Conde do Prado , entra em Galliza \tm oppofi
çaô , fitía aVilla da Gurda , ganha efta Praça
e deixa-a prefidiada. Retira-fe o exercito , paffa
Conde de S* João de entre Douro, e Minho d (u
Provinda', entra varias vezes fios Rey nos confinan
tes com felices Juccejos. Sitia A 'ff onfo Furtado
Praça da Sarja , eganha-a. Varias controverfta
politicas. Morre EIRey D. Fdtppe ,fica entregue
governo da Monarquia de Caftella d Rainha Don
Marianna deAujlria*Naticia dos negócios poli icos
que fe tratavaônas Cortes de Eurcpu > e da guerr
das Conquijías.
Ntrou o atino de feiscentos e fefsenta e cit
co, tempo,em que chegarão ao mais alto por
toas glorias de Portugal. As noticias das prt
vençoens de Caftella obrigarão ao Conde d
CafteJlo- Melhor (de quem dependiaó todos <
maiores negócios da Monarquia , procurando augmei
talla com.inceísante cuidado ) a folicitar o ajuílament
das duvidas -dos Cabfos da Provinda de Alentejo ame
cada do erande poder de Caftella , como a mais. deln
■■
PARTE 11. LWRO X. 2 8o
quente nos infortúnios daquella Coroa. Continuada o AtlllO
governo das Armas em Alentejo o Meitre de Campo _ ,,
General Gil Vaz Lobo , e com os repetidos aviíos das l°v)'
prevenções dos Caítelhanos naõ permittio as entradas,
que a Cavallaria coílumava a fazer nos annos antece-
dentes , parece ndo-llie mais preciíòfortaleccr-fe com o
deícanço , que procurarem-fe os intereíses das prezas.
A vinte de Março intentou ganhar Valença por inter-
preza o Principe de Parma,General da Cavallaria extran-
geira de Caftelía , com dous mil Infantes , e três mil e
quinhentos cavallos. Sahio de Albuquerque na confian-
ça de que alguns Caílelhanos , que ficarão dentro de
Valença , lhe haviaô de facilitar a entrada da Praça :
aprefsou a marcha , porque no quarto da Alva era a ho-
ra deítinada para a execução da interpreza 5 porém che-
gando á viíta da Praça , e faltando-lhe vários finaes ,
que havia ajuílado com os paizanos , que eílavaò den-
tro , teve por fufpeitofa a execução , que determinava;
porém rompendo amanhãa , e naõ fe havendo total-
mente defenganado , padeceo o dam no das prevenções
do Meítre de Campo Domingos de Matos , que gover-
nava Valença ; porque havendo-lhe chegado anticipa-
cla noticia deite perigo , tinha prevenida a artilharia ,
e guarnecida a muralha com toda a Infanteria J e logo
que a luz do dia defcubrio as tropas Caftelhanas , fo-
raõ tantas as balas , que cahiraõ fobreellas , que o Prin-
cipe de Parma fe retirou com muito grande perda pa-
ra Membrilho J e Domingos de Matos examinando os
Caítelhanos , que foraô comprehendidos naquellefuc-
cefso , fe livrou com toda a diligencia de tão arrifcado
embaraço Melhor fortuna confeguio o Tenente Gene-
ral D. Luiz da Coita , no lugar de S. Silve ítre , algumas
legoas diítantede Serpa > que entrou , e faqueou com
grande utilidade dos Soldados.
Neíle tempo havendo chegado dos Reys de Fran-
ça , e Inglaterra varias diítinçoens fobre o dominio,
que o Conde de Schomberg devia ter nas tropas extran-
geiras , procurou o Conde de Caftello-Melhòr , que o
Meílre de Campo General Gil Vaz Lobo fe accommo-
T dafse
■
*9? PORTUGAL RESTAURADO,
[AntlO daíse a0 exercício do feu Poíto fem novas duvidas; por-<
i66? °*U- ° Conde cíe Schomberg dizia eítar prompto , para
I00)' naõ alterar o que difpunhaõ as ordens de Inglaterra , e
cotnpoem-re as frança:porérn Gil Vaz ; nao querendo mudar de opinião,
^«wí4í áw largou, o Poíto , e paísou ao governo de Setuval ; eo
cabos doexer- Conde de Schomberg ficou com o exercido de Meítre
eito de Aknte* fe Campo General , e o titulo de Governador das Ar-
i?í mas. Faltava por decidir o embaraço , com que fe acha-
va o General da Artilharia D. Luiz de Menezes , aífim
pela controvertia , que ainda durava com o Marquez
de Marialva , como por fe achar obrigado á palavra ,
que havia dado a feu irmaõ o Conde D.Fernando, de
fe feparar do exe^dcio da guerra , em quanto nao che-
gafse de Roma a difpenfaçaõ do Pontífice , para fe ef-
feituar o cafamento aju fiado com fua fobrinha Dona
Joanna de Menezes; e entendendo-fe que era necefsa-
rio alguma efpecialidade , para fe ajuítarem eítas difi-
culdades, lhe ordenou EIRey o acompanhafse na jorna-
da annual da caça de Salvaterra; e a poucos dias de
aíiiílencia daquelle fitiolhe fallou o Marquez de Gou-
vea , Mordomo mór d'ElRey, perfuadindo-o a nao lar-
gar o feu Poíto em occafiaõ , que as Armas de Gaitei-
la , governadas pelo Marquez de Caracena, ameaçavaõ
com formidável poder a Província de Alentejo. Ref-
pondeo-lhe D. Luiz, que nao tinha mais duvida de con-
tinuar o exercido do feu Poíto , que a palavra , que
havia dado a feu irmaõ , que era indifsoluvel , fem a
fua vontade fe accommodar ao defejo,que elle tinha de
continuar a guerra. Levou o Marquez eita refpoíta a
EIRey , e no mefmo dia chamou EIRey a D. Luiz de
Menezes , e lhe encareceo o muito , que eítimava os
ferviços , que lhe havia feito na guerra , dizendo-lhe 7
que ou lhe havia de prometter de voltar ao exercido
do feu Poíto, ou o exercito nao havia de fahir em Cam-
panha a defender o Reino. Reconhecendo D. Luiz o
; muito preço deita iingularidade , beijando a maô a EI-
Rey , lhe pedio licença para dar conta a íeu irmaõ ;
pejmittio-lha , e dando promptamente notícia a feu ir-
mão de todo o referido , lherefpoiídeo , que havendo
fempre
PARTE 11 LIVRO X.
fempre antepoíto os interefses públicos aos particulares, AílílO
Lhe ordenava, que obedecefse , e voltafse ao exercido ^,
do leu Poítoj porque ao grande favor d' EIRey naõ lou>»
era pomVel dar-íe outra reípoíW e levando D. Luiz ef-
ta a EIRey, moítrou fazer grande eftimaçaõ da fua obe-
diência ,• e voltando a Lisboa , como faltava ajuíhr-íe
com o Marquez de Marialva , dizendo-lhe o Conde de
Caílello- Melhor , que o Marquez defejava a fua amiza-
de , o foi bufcar a fua cafa , e ficou ajuítada com tan-
tos, vínculos , que naõ houve induíhia , que pudefse
deíatalos. . T . .
As prevençoens do exercito 'applicadas pelo Conde pr'eJ?'
áe Caílello- Melhor íe adiantarão com muita brevidade, ra a futura '
e nos últimos de Abril pafsou a Alentejo o Marquez de campanha a
Marialva , e os mais Cabos, eOíflciaes do exercito ,' glande calor.
que todos annunciavaô a felicidade futura, fundando-
fe na confiança de vencedores na certeza dos poucos
cabedaes da Monarquia deCaítella, na deíbrdem do feu
governo politico , na deftruiçaõ dos exércitos , no pou-
co alento dos Soldados , na limitada prevenção das Pra-
ças , e muitas delias perdidas , fujeitando-fe á obediên-
cia d< EIRey D. Affonfo os lugares abertos , que as cir*
cundavao , os Povos impacientes com os fubiidios , os
Cabos , e Gfficiaes Maiores , huns mortos , outros pri-
íioneiros , e em defenfa do Reino triunfantes , e nu-
merofos exércitos : porém ainda queeíles diícurfos erao
bem fundados , coníiderava-íè por outra parte , que os
damnos padecidos , e a opinião tantas vezes ultrajada
havião occafionado no animo d'ElRey D. Filippe infa-
ciavel defejo de vingança ,* applicando por eíles refpei-
tos o empenho de todas as fuás attençoens em juntar
)ium poderofo exercito , animando-o, para o confeguir,
a paz ajufíada com EIRey de França , e a que proxi-
mamente o Imperador havia feito com o Gram Turco,
que lhe facilitavaõ engrofsar os exércitos contra Por-»
tugal com as tropas de Alemanha , Itália , e Flandres;
fomentando os feus defignios , e a fua defconfiança
hum filho amado , e hum valido poderofo , ambos ven-
cidos das 4rrr*as Portuguezas em duas infignes batalhas.
T i Com
I
191 PORTUGAL RESTAURADO,
Áíino Comeíla refoluçaõ mandou felicitar , que marchafsen
l66t de Alemanlla tresmil Soldados velhos, para fervirem n;
vu>» Cavallaria , e dous mil Infantes , e ordenou , que no;
Cantões dos Efguizaros , e das guarniçoens de Itália ft
conduzifsem a Cádis dez mil homens, e todas efeas dif
pofiçoens fe executarão pontualmente , e fe alojárac
todos eítes Extrangeiros nos Povos de Andaluzia, e Es-
tremadura mais abundantes. Fizeraõ novas levas de Ef-
panhóes , e remontas de Cavallaria , e foi efeolhido pa-
ra GeneraJ deite exercito o Marquez de Caracena:acha-
va-íe em Flandres , ( como referimos ) "é chegando lhe a
ordem de pafsar a Hefpánha , fazendo a jornada poi
França, conítou , que aífíirmára a vários Cabos daquel-
le Reino , que lhe dava pouco cuidado a conquiífo de
Portugal: porque todos os infortúnios, que Caítella ha-
via padecido naquella guerra , fe originarão mais da ig-
norância dos Cabos , que mandarão aos exércitos , que
do valor dos Portuguezes ; porque todos fe empenha-
rão em conquiítar Praças fronteiras , havendo de fera
principal , e o único objedtq a em preza de Lisboapor-
que fócoríando-fe a cabeça, acabava de hum golpe ci
corpo de hurna Monarquia : que D. Luiz de Aro fora
desbaratado febre a Praça de Elvas , e D. João de Au-
ítria depois de haver ganhado Évora 5 e que fe hum ,
e outro fe naõ houveraõ dilatado neftas emprezas de
1 poucas confequencias , e marcharão a Lisboa , lograrão
o íim pertendido , e naõ deraõ lugar á uniaõ das for-
ças Portuguezas, ao pafso que desbaratavaõ as próprias;
que Scipiaõ fem Carthago naõ triunfara dos Africanosj
e Cefar fem Roma naõ coníeguira o dominio do Im-
pério ; e que fendo o maior perigo dos Conquiítado-
res perder batalhas, que até eíta fortuna dos conquiíta-
dos os deítruia ; porque naõ podendo comprar as vi-
storias fem o preço de muitas vidas , fe arruinavaõ nas
felicidades j e por conclufaõ confiítia a conquilta de
Portugal em ganhar Lisboa , ou ao menos a Villa de
Setuval , para que huma fó acçaõ arraftafse muitas con-
fequencias, eosfoccorros marítimos pudefsem fuíten-
tar hum dos dous lugares , que fecoaquiítafsenu
Eíte
PARTE 11 LIVRO X. aoj
Eftemeímo difcurío , que em França efpalhou o Annô
Marquez de Caracena , expoz , chegando a Madrid,.a
'IRev D. Filippe, que nafe das experiências do leu ">k
Tande merecimento approvou com aceitação as íuas
Iropofiçoens,- e mandando EIRey cómunicallas ao Du-
iue de Aveiro , as approvou com declaração , que pa~
áíeconieguir qualquer das emprezas apontadas , era
lecefsario preparar-fe humaArmada muito poderoía,pa-
a que ao mefmo tempo operafse com o exercito , e
léíse occafião , a que dividido o poder de Portugal ,
mdefse fer mais facilmente desbaratado. O Marquez de
íaracena,dando-lhe EIRey noticia deíle parecer do Du-
me , o julgou por muito acertado , aílim pelas razoes
-undamentaes delle , como por fer em manifeíto bene-
Icio dos feus progrefsos ,• e aconfelhou a EIRey , que
izefse ao Duque executor da fua opinião , nomeando-o
Seneral da Armada j porque com eíla eleição conleguia
muito acertadas politicas , e no valor , e grande quali-
dade do Duque afsentava de molde efte grande empre-
go. EIRey fem dilação alguma , feguindo eíte parecei,
chamou o Duque , e lhe ordenou pafsafse a Cádis com
liuma Patente , em que íe lhe fmalavaõ ampliííimas ju- .
rifdiçoens,para fe aparelharem trinta navios, e vinte ga-
lés , em que fe haviaó de embarcar oito mil Soldados ,
e grande numero de muniçoens , mantimentos , e in-
ftrumentos de expugnação. Partio o Duque para Cádis,
enaõ achando dinheiro algum para preparar a Arma-
da , por fe haver dilatado a frota das Índias , cujos ef-
feitos fe lhe haviaó fignalado para taõ largas defpezas,
foi maior a dilação , do que folicitava o feu ardente
efpirito } o que íentio com grande extremo , naõ que-
rendo conhecer , que era beneficio da fortuna negarlhe
es meyos de fer author das ofFenfas da fua Pátria , par-
ticipando o Marquez de Caracena do feu pezar , na cer-
teza , de que lhe faltava na diverfaõ da Armada hum
dos mais proporcionados inílrumentos das fuás opera-
çoens.
As noticias das grandes prevençoens dos Caftelna-
kos , que por inítantes- fazia mais evidentes a entrada
T 3 d*
294 PORTUGAL RESTAURADO,
Annõ da Primavera, deíenganáraó os difcuribs de muitos Sol
l66s dadoS ' e Gortezâos> «ue duvidavaô da fahida em Cam
*u ^anha do exercito 'de Caílella , defcobrindo o defejo d<
terem menos perigo , e menor trabalho; objecções cort
que pertendião fazer provável a fua opinião j prejudi
eial coílume , que fe não havia desbaratado com as paí
fadas experiências. Defvaneceraô-feeítas mal formadaí
vozes com a certeza de haver chegado o Marquez d(
Caracena a Badajoz no principio de Mayo; avizo r que
applicou as preveuçoens , que eítavão difpoftas pele
incefsante cuidado do Conde de Caílello-Melhor , de
que reíultou coníeguir o Marquez de Marialva juntai
brevemente hum poderofo exercito. Logo que o Mar-
quez de Caracena chegou a Bidajoz , examinou com
acertada ponderação o eftado das Praças daquella Pro^
yincia , a qualidade das tropas, e a quantidade dos man-
timentos , que opinião corria da capacidade dos nofsos
Cabos, e do numero , ediíeiplina do noíso exercito.
Todas as informaçoens , que teve , ( como depois ú
averigou ) diminuirão muito a confiança , com que paí'-
fou de Flandres á conquifta de Portugal ; porque Lis-
o boa eftava diftante , e interpoíra a larga corrente do ria
Tejo , as Praças da fronteira eraó muitas , e bem for-
tificadas , o exercito difpofto para a defenfa do Rei-
no , grande , veterano , e vidoriofo •, os Cabos ornados
de experiências , osOííkiaes de valor , os Soldados de
obediência j qualidades, que fe eítendiaõ avaticinios
de invencíveis. A Campanha era efteril de forragens ,
os lugares abertos eílavaõ deftituidos de mantimentos,
por fe haverem recolhido ás Praças fortes , com que era
necefsario conduzilos em earruagens,que nãoerao mui-
tas. Todos eftes embaraços , e a noticia de fe retardar
a Armada , lhe confundirão o difeurfo , e o obrigarão a
fufpender a deliberação da empreza , a que havia de en-
tregar-fe ; embaraço , de que fe originou fer oceulta ao
Marquez de Marialva , que havia pafsado a Alentejo a
exercitar o feu Poíto ; porque os fueceísos das Campa-
nhas antecedentes tinhaõ moftrado , que não fe occul-
tava o intento dos Caftelhanos mais , que o tempo ,'
que
PAKTE II. LimO X. se,*
aue fe dilatavaõ em refolver a empreza , que haviaõ àe Anno
eSUOtempo, que o Marquez de Caracena gaitou em l6óís
jnir o exercito , e tomar reíbluçao , ganharão osíoc-
;orros das Provindas para chegarem a Alentejo. Foi o
primeiro, que entrou em Eítremoz, o Conde de S.Joaó
;om oitocentos cavallos divididos em quatorze Com-
panhias , de que era General Pedro Ceíar de Menezes,
Tenente General Franciíco de Távora , irmaõ do Con-
de j Commiísario geral Bernardino de Távora. A Infan-
teria conítavade dous mil e fetecentos Infantes , repar-
tidos em quatro Terços , de que eraó Meítres de Cam-
po Manoel Pacheco de Mello , Sebaítiaõ da Veiga Ca-
bral , Franciico de Moraes Henriques , e Diogo de Cal-
das Barbofa , e em todo eíte corpo igualmente fe pra-
ticava a ordem , e o luzimento > porque o cuidado , e
adividade do Conde de S. João naõ dava lugar, a que
tomaíse forças o mais pequeno defcuido.Chegáraõ quafi
a hum mefmo tempo os Terços, e Companhias de ca-
vallos de Lisboa á ordem do Governador daCavallaria
Simaó de Vafconcellos de Soufa. Era Tenente General
da Cavallaria Roque da Coita Barreto , Cõmifsarios ge-
raes Luiz Lobo da Silva , e Diogo Luiz Ribeiro ; e Me-
ítres de Campo dos três Terços da Armada , Lisboa , e
Cafcaes Mathias da Cunha, Goníalo da Coita de Me-
nezes, e Joíeph de Soufa Sid. Conítavaõ os Terços de
dous mil Infantes ,e compunha õ-fe de trezentos asCò-
panhias de cavallos. Mathias da Cunha ficou alojado %
em Beja , e os dous Meítres de Campo , o primeiro em
Monçaraz , o fegundo em Évora , e em Peja fez alto o
Meítre de Campo do Terço do Algarve Manoel de Sou-
fa de Caítro. Governava Beja Francifco. de Brito Freire,
Évora o Conde de Vimiofo. Naõ foi menos numero-
fo o foccorro da Beira , com que marchou Pedro Ja-
ques de Magalhaens; porque conítava de quinhentos
cavallos , governados pelo Tenente General D. António
Maldonado , e de mil e quinhentos Infantes repartidos
em três Terços , de que eraó Meítres de Campo Manoel
Ferreira Rebello , Balthafar Lopes Tavares , e o Terço
T 4 de
m PORTUGAL RESTAURADO,
Annó de Fernão Cabral,que governava o Sargento Maioí Ja-
66 cmto de Figueiredo^ Affonib Furtado de Mendoça 1
7 cou governando ambos os Partidos da Beira com o in-
tento , que em leu Jugar referiremos. Os Terços pa-
gos da Província de Alentejo, e os de Auxiliares íe re-
partirão pelas Praças mais importantes ,• três de Trás os
Montes ficarão em Eftremoz,e o de Franciíco deMora^s
paísou a Villa-Viçofa , os da Beira íicárao também em
Eilremoz, e a maior parte daCavaUaria , que íedivi-
dio em Regimentos , entregues aosCómifsariosgeraes,'
nova diíciplina , de que reíultoii grande utilidade. Da
mefma forte eítava prevenido em Eilremoz o Trem da
artilharia, e juntas as carruagens, efperando o Marquez
de Marialva averiguar a certeza do intento do Marquez
de Caracena , para com ella mandar encorporar asguar-
niçoens das Praças , que ficafsem livres do receyo de le-
rem fitiadas: e ao mefmo tempo prevenio a Armada o
Conde de Caílello- Melhor em Lisboa , e eftavão guar-
necidos todos os portos do mar , que podião ler amea-
çados, ecom particular attençaõ a Praça de Setuval
governada por Gil Vaz Lobo, que adiantou as forti-
ficaçoens com grande cuidado , aílifbido do Meítre de
Campo FernaõMaícarenhas com oTerço daquella guar-
nição , hum de Auxiliares da mefma Comarca , outro
pago , que formou em Lisboa, que foi entregue ao Ge-
neral da Artilharia ad hmorem António de Almeida Car-
valhaes,- dedicando-fe juntamente para a defenfa de Se-
tuval a gente de Lisboa,e íeu termo, que era innumera-
VeVe a governar Cizimbra paísou Jorge Furtado deMê-
doça. No Reino do Algarve o Conde de Avintes eílava
com toda a prevenção necefsaria , e não era o dinricf o,
que dava menos cuidado pela vizinhança de Cádis , em
que fe prevenia a Armada de Caurella ,• e para que a vi*
gilancia correfpondefse a efte cuidado , nomeou EIRey
por Meítre de Campo General do Reino do Algarve
a Joaô Vanichele , que havia chegado de Roma , onde
tinha exercitado com grande aceitação o Poíto de Me£
tre de Campo General do exercito, que o Pontífice Ale-
xandre VII. for mpu para refiítir aos ameaços da guer-
ra
PARTE 11. LIVRO IX. to?
ra de França, originados dos motivos acima meneio- Alino
nados, Algumas pequenas vantagens anima vão os no\~ 66
fos Soldados,porque fahiudo de Gampo-Mayor o Capi- u~t*
tio decavaliosFilippe de Azevedo com oitenta cavai-
los a tomar lingua , derrotou huma partida dos imite*
gos, trazendo muitos prifioneiros : e fendo mandado da
meíma Praça pelo Cõmifsario geral D. Manoel Lobo a
fimilhante diligencia o Tenente Balthaíar Fernandes
com quarenta cavallos , encontrando huma partida de
igual numero , as desbaratou , aprifionando a maior
parte. «
O Marquez de Caracena reconhecendo o prejuízo
de íahirem em Campanha na força do Veraò, vencendo
todas as difficuldades , que fe lhe offereciaõ por initan-
tes , refolveo pôr em marcha o exercito a vinte e dous
de Mayo, e para o regular na forma conveniei té , fi-
cou alojado huma legoa de Badajoz entre os rio;.1 Xevo-
ra , e Botova , quartel abundante de agua , lenha , e
forragem: porém dilatando-fe algumas tropas , que fe
haviao aquartelado em lugares diílantes , fe dilatou
nelie quartel quinze dias;fufpenfaõ,que esforçou varias
cpinioens, que afsentavaõ, que não havião osCaltelha-
nos entrarem Portugal , fem a Armada fahir de Cádis;
cuidado , que deprefsa fe defvaneceo, confiando que as
prevençoens da Armada hiaó muito vagaroías a pezar
das diligencias do Duque de Aveiro , que com extraor-
dinário fervor, e grande deíinterefse, admirado dos Ca-
ítelhanos, folicitava fahir de Cádis , antes que o Mar*
quez de Caracena entraíse em Portugal ; e com a certe-
za defta noticia entendeo o Marquez de Marialva, e to-
dos os mais Cabos do exercito , que ViUa-Viçoía era a
Praça mais arrifcada pela falta de fortificaçoens , por
fer rodeada de padraftos , e não ter mais defenfa , que
o pequeno Caftello circundado de huma Eftrella ,que
fó como prognoftico felice lhe podia fervi r de íegu-
rança, occu pando tão pouco terreno , que nã permit-
ia a numeroía guarnição, de que neceíhtaya a reíiften-
cia de hum exercito tão poderofo , facilitando ( fe os
Caílellianos a gaahaisern) amárdia 'a Setuval , e po-
vm
AntiQ.
■Marcha o Mar.
Villa-Ftfoja,
29% PORTUGAL RESTAURADO,
oendo lervir com a vizinhança de Geromenha de aloja-
mento as tropas extrangeiras em grande defcommodida-
de dos lugares abertos de toda aquella Província , e
embaraço dos comboys , que paísavao de Líbremoz a
hlvas , e Campo-Mayor.
^O primeiro de junho fe poz em marcha o exercito
de yaítella , e aviiando o Meltre de Campo Francilc»
quez. de cara Pacheco Mafcarenhas ao Marquez de Marialva, que fa-
zia ponta a Portalegre , fe engrofsou a guarnição da-
quella Praça , a de Vallença , e Caítello de Vide , fem
embargo dele entender , que era mais diveríaó , que
realidade; o que logo fe verificou , tornando o exerci-
to aoccupar o primeiro quartel , de que havia fahido,
onde fe deteve cinco dias; e a féis alojou emCaya,
aíete paisou eíle rio , e feaqurtelou na Torre dos
Siqueiras > ecomo fe Ma entendendo mais defcuberta-
mente , que os Caílelhanos marchavao a íitiar Villa-Vi-
çola , ao pafso deíle receyo fe augmentaraó as preven-
ções: achava-fe governada por Chriítovaõ de Brito Pe-
reira^ , de cujo procedimento fe efperava inteira fatif-
façao. A Cidadella , que era lo capaz de defenfa, guar-
necião mil e quatrocentos Infantes dos Terços dos Me-
ílres de Campo Manoel Lobato Pinto, Francifco de Mo-
raes Henriques , e algumas Companhias de Auxiliares ,
que governava o Meftre de Campo Thomás de Eftrada:
jogavaò nas muralhas onze peças de artilharia, e ha-
via nos Armazaens grande numero de munições,e man-
timentos.
Villa-Viçofa, como confia de tradições antigas, foi
povoação nobiliíiima em todos os íeculos , e fe afflrma,
que antes da vinda de Chriílo Senhor Nofso a redemic
o mundo , fundou nefte território Maharbal Capitão
Carthaginez hum mag.ítoíb Templo ao Deos Cupido,
e cento e cincoenta annos depois, Lúcio Munio Pretor
Romano outro a Proferpina , onde hoje he a Igreja
de Santiago , voto , que lhe pareceo precifo para alcan-
çar vi&oria dos Lufitanos -y fimulachro tão frequentado
de varias Naçoens , que fe formou naquelle lugar hu-
ma Republica,deíh'uida povoação muitos annos depois
pela
PJRTE //. LIVKO X. »99
pela entrada dos Mouros em Hefpanha. Recuperou-a Anno
EIRey D. Affouio.II. de Portugal no anno de mil e du- *,
zentos e dezaíete ; porem com a continuação das guer- ÍOo5 «
ras padeceo total , e miíeravel mina : reedíficou-a El-
Rey D. Affoníb III. no anno de mil e duzentos e íe-
tenta, concedendo-lhe grandes foros , e privilégios. Foi
cabeça de Marquezado, titulo que deu EIRey D.AíFofi-
fo V. a D. Fernando , filho íegundo do primeiro Daque
de Bragança, Sereniílima Cafa, que a fublimou a maior
grandeza , efelicidade , por íer glorioío berço d'El-
Rey D. Joaõ o IV. de faudofa memoria,heroico Reítau-
rador da liberdade Portugueza, e invicto Heroe daHi-
ftoria , que eícrevemos. Diíta Villa-Viçofa oito legoas
de Évora , quatro de Elvas , duas deEítremoz ; eílá fi-
tuada em ameno , alegre , e laudavel terreno. He ador-
nada do íumptuofo Paço , a que le une huma grande
tapada com três legoas de circumferencia, OCaífccllo
foi levantado por EIRey D. Dioniz : he fertiliiiima de
paò , vinho , azeite , frutas , hortas , caças , e gados.
Afiirma-fe que teve mineraes de prata, e pedras ver-
des , que com eílimação forão conduzidas ao Eícorial.
Tem voto em Cortes , e por armas três Caftellos em
hum Elcudo : hahitão-na pouco mais de mil fogos di-
vididos em duas Parochias : tem cinco Conventos de
Frades , três de Religioías , e quatro fontes tão abun-
dantes de agua , que fórmaõ huma grande Ribeira.
Com o intento de ganhar eíla Villa íeguia a mar-
cha o exercito de Caftella , e na fua vanguarda pafsou
de Elvas a Eftremoz com a Cavallaria daquella guarni-
ção o Tenente General D. Joaõ da Silva , livre dos in-
juítos embaraços , que o haviaô moleftado , deixan-
do em Elvas ao Commiísario geral Bernardo de Faria
com quatro Companhias, que depois le encorporou
com o exercito , e como a advertência deO.joaò co-
íturaava diipôr anticipadamente os accidentes futuros*
derribou na marcha o tanque da fonte dos Sapateiros,
rompeo-lhe os canos , a divertio-lhe a agua ; e foi
eita diligencia occaíiaô, de que o exercito de Caftella,
que havia de occupar aquelle alojamento , neceísaria-
mente
I WM
IO
?oo PORTUGAL RESTAURADO,
AnilO mente pa&alse a Alcaraviça , duas legoas diítante., ort.
de íó havia agua , ientindo os Extra ngeiros com o ca-
lor a marcha de forte , que muitos ficara© naeílrada
mortos , e moribundos , outros impacientes fugirão pa-
ra Elvas. A vizinhança dos inimigos acerei centou ao
Marquez de Marialva os cuidados i porque luppoíto f
que a Villa- Viçofa fe tinha acodido com todas as pre-
vê nçoens, de que era capaz a lua fortificação , oCaftel-
Io , e Eílrella , que era fó o que eftava íu tridente pa-
ra defender- fe , erataõ débil receptáculo , que naófe
podia confiderar, que a defenfa permaneceise muitos-
dias , e pareceria infallivel o íitio de Villa- Viçofa ; por-
que Eftremoz defendido por hum exercito>naó era ima»
gmavel , que os Caftelhanos emprendefsem tão grande
temeridade , como bufear efta em preza. A manhãa de
nove de Junho juítlficou efta opinião , marchando o ex-
ercito de Caílella para Villa- Víçoíà , e oceupando a
vanguarda a Villa de Borba , que eítava fem povoação:,
porém como íó diítava meya legoà de Villa- Viçofa ,
prefidiarao a Villa três Regimentos de Infanteria,e'hum
troço de Cavallaria;
Era Capitão General do exercito de Caítella Dom
Luiz de Benavides Marquez deCarace-na , Meftre de
Campo General D. Diogo Ca vaíhero, General da Cavai-
laria D. Diogo Corrêa , e com titulo de General da Ca-
vallaria extrangeira Alexandre Farneíío, irmão do Prín-
cipe de Parma , General da Artilharia D. Luiz Ferrer ,
Sargentos Mores de Batalha D Francifco de Alarcão, ri-
lho de D. Joaó Soares , D. Manoel Garrafa , e D. Fran-
cifco Roze Italianos. Conítava o exercito de quinze
mil Infantes , fete mil e feifeentos cavallos, quatorze
peças de artilharia, d ous morteiros, grande numero de
muniçoens ,e inítrumentos deexpugnaçaõ, quantidade
de carruagens carregadas de mantimentos. Logo que
chegou a Badajoz o Marquez deCaracena , pafsou para
Madrid o Conde Marfim, que naò quizaccommodar-fe
a obedecer ao Marquez ; e D. João de Auítria , haven-
do prevalecido a parcialidade de fèus inimigos , eftava
retirado em Confuegra s e toda Europa naquelle tempo
defoc-
i66$.
PARTE II LIVRO X. 501
Moccupada de outra guerra , íe applicava com pro-AnilQ
fâada attençaò, e diverfas politicas aos progreísos deite
-xercito. O Marquez deCaracena , quando entrou no
território de Villa-Víçoía , naõ ficou totalmente fatif-
feito , por ver que o occupavaõ moiites aíperos , que
íuccedem huns a outros , todos eminentes á Praça ,
plantados de olivaes , e vinhas , com diverfaô de muros,
i vallados , que feparaó as propriedades humasde ou-
tras , e fazem todos aquelles íitios mais úteis , que tra-
táveis para a marcha de hum exercito , principalmente
aparte que occupa a tapada quaíi impenetrável pe-
la efoefsura dos arvoredos y porém eftas diíHculdades
tamhem ferviaò de defenfa aos Caítelhanos pelos gran-
des embaraços , que o nofso exercito havia de encon-
trar 110 intento deíbccorrer Villa-Viçofa.
O Governador Chriítovao de Brito deíprezando to-
dos os perigos , que o ameaçavão , não querendo tra-
tar fó da defenfa daEíbrella , e Caítello , mandau oc-
cupar as minas do Forte de S, Bento , que dous annos
antes fe havia demolido , por íe julgar inútil confer-
var-íeaquelle íitlo ,e entregou a defenfa das minas ao
Meítre de Campo TJiomás de Eítrada , e aos Capitães
António de Mefquita , Jofeph de MagaUiaens , e Ma-
noel António do Terço de Trás os Montes, que gover-
navaõ cento e cincoenta mofqueteiros.O Capitão Fran-
cifco Carvalho do Terço de Manoel Lobato guarnecia
a porta do Nó , e o Capitão Braz Torrado do mefmo
Terço eítava dentro do Paço. Com pouca aítenção a
eíta defenfa inveílio a vanguarda dos Caítelhanos a
hum mefmo tempo todos eítes póítos; porém fendo
Valorofamente rechaçados com perda de trezentos ho-
mens, fe retirarão para fe lhe encorporar maior foc-
corro , e Chriítovao de Brito , tanto que cerrou a noi-
te , recolheo eíta gente ao Caítello pela certeza de per-
della , ou na mefma noite, ou ao amanhecer , ficando
mortos noconflííto o Capitão Jofeph de Magalhães ,
e quatro Soldados. Os Meltres de Campo Manoel Lo-
bato , e Francifco de Moraes guarnecerão com muito
acerto todos ospófcos conveniente dentro da Eít relia ,
i
502 POTRUGJL RESTAURADO,
An.no eoccu pando os que parecerão necefsarios na Villa-Ve-
.//- lna> por dilatarem o mais tempo, que foíse poilivel ,
u)' o provimentoda agua; porque dentro das fortificaçõeSj
naõ havia mais que huma ciflerna no Caítello , nad
muito abundante, Ao amanhecer acabou de chegar to«
do o exercito , e mandou o Marquez de Caracena re-
partillo : padecerão os paizanos , que ficarão na Villa,
e osReligioíos extraordinárias moleítias.EIegeo o Mar-
quez o Paço para feu alojamento ; porém a artilharia
do Caítello o obrigou a mudar de opinião bufcando í|
tio menos arriícado. Ao dia feguinte atacarão alguns
Terços a meya lua , que cobria a porta de Noísa Se-
nhora dos Remédios , defendida pelo Capitão Manoel
Nogueira do Terço de Franciíco de Moraes, e achãdo-a
impenetrável , arrimarão hum petardo, e eícadas á mu*
ralha jfmas foraõ rebatidos, e defendida a Villa-Velha ,
que por aquella parte eítava mais expofta ao perigo
de fer entrada. Aquartelou-fe o exercito com pouca
regularidade , porque o fitio o não permittia , e foi o
maior cuidado do Marquez mandar occupar as emi-
nências , que entendia podiao facilitar o foccorro da
Praça , e ao mefmo tempo tiverao principio as bate-
rias , e os aproxes. A primeira bateria , que começou
a jogar , foi a do outeiro da forca , a íegunda no ter-
reiro dos Padres da Companhia; porém comoeílavão
diftantes , não era grande o prejuizo dos litiados , re-s
cebendo-o maior da artilharia da Cidadella , que com
grande diligencia fazia jogar o Cômiísario Eítevaó Ma-
ná , de que o General da Artilharia fez eleição para
aquelle emprego , por fer Soldado de conhecido valor*
e experiência. A bateria dos morteiros era mais preju*
dicial aosfitiados pela eítreiteza do terreno.
Diípoítas todas eítas preparaçoens , começarão a
onze de junho a caminhar os aproxes, eera tão pou-
ca a diítancia , que havia das caías da Villa , do Con-
vento das Religiofas da Efperança , e das cafas da Ca*
mera , donde começarão , que facilmente pudera 6 che-
gar os três remaes á eítrada cuberta ; fe o valor dos íl»
tiados os não embaraçara : porque aííiftidos os Solda-
dos
VARTE IL UfROX. 5°3
los do Governador , e Officiaes , pelejavaõ igual , e ma- Anno
ravilhoíamente em todas as defenías. O Marquez de
3atrac8íia deiejando com o receyo do íoccorro a brevi- lõ04«
kde da empreza , dava calor aosaproxes, e mandou
ibrir huma mina contra a muralha da Villa- Velha* Du-
■ou dous dias o trabalho pela dificuldade do terreno ,
leu-íe-lhe fogo > e padecerão os fabricadores o caftigo
[a iníuíRciencia ■, porque rebentou contra elles , matan-
lo , e ferindo os Officiaes , e Soldados , que íe acharão
nais vizinhos. Naquella noite entrou na Praça o Capi-
aõ Fraucifco Carneiro de Moraes , Capitão reformado,
;om carta do Marquez de Marialva para o Governador,
: do Conde de S. Joaõ para o Meítre de Campo Francif-
:o de Moraes , em que os exhortavão á defenía da Pra-
;a , e feguravão o íoccorro delia. Pela melma parte ,
ior onde entrou o Capitão , fahio hum Soldado com a
■efpofta das cartas , quecontinhaõ efficazes proteltos da
■eíbluçao do Governador , e de todo o prelidio. Che-
cou o Soldado a Eftremoz lem perigo ,• de que o Mar-
quez de Marialva , viílo o quecontinhaõ as cartas , re-
ze grande íatisfaçaó. A treze , e quatorze adiantarão
3S Caftelhanos os aproxes , e de huma brecha, que
íbrirão na nvu ralha da Villa- Velha,oftèndiaõ os litiados,
jue hiáo bulcar agua ao poço , porém naõ lhe evita-
/ao levala ,* e vendo o Marquez de Caracena, que con-
tra defenfores tão valorofos erão preciías execuçoens
nais refolutas , mandou á meya noite dar hum furiofo
ifsalto á eítrada encuberta , e três vezes que o repeti-
rão , forão rebatidos os expugnadores com damno con-
siderável. Também o receberão os fitiados , tão ambi-
:iofos dos perigos , que as mefmas granadas , que os nefende-fe m
Caftelhanos lançavão , lhes tornavaô a reftituir , antes lZ°la?'nte a
le rebentarem , defprezando as experiências de muitos, ' * e'
:aie perderão as mãos nefte valo rolo exercício. Antes
Io afsalto entrou na Praça o Sargento Maior Joaó Pe-
reira do Terço do Meítre de Campo Franciíco de Mo-
raes , que chegando de Lisboa a Eftremoz , e achando
ofeuTerço íitiado , o foi bufcar com valoroío exem-
plo , e moftrou no afsalto a grande utilidade da íua
peísoaj
e w
I
?o4 PORTUGAL RESTAURADO,
Ánno -peísoa. O Governador, e os dous Meílres de Campo
( ( ç ' ^P0ÍS c^e ^verem executado no confli&o acçoens mui
I00># toíignaladas , foraó feridos; porém eftimãndo , co
mo deviaõ r mais que a vida , a honra , naõ quizerãc
retirar-íe até o fim da contanda > e lendo maiores a:
feridas do Governador , e Manoel Lobato 5 fe recóllie
raõ á Praça , e ficou Francifco de Moraes aíiiílindon;
eítrada cuberta. Ao dia feguinte , que fe contavaõ quin
ze de junho , intentarão os Caftelhanos queimar a efra
cada ; porém foraõ rebatidos, e perderão os inftrumen
tos deita operação. Na meíma noite mandou o Mar
quez -deCaracena dar dous furiofos afsaltos á eílrada cu
berra , e depois de muitas horas de porfiada contenda
nos que atacarão pela parte do aproxe da Camera , fi
caraô ganhando dous alojamentos em hum angulo d;
eílrada cuberta , e os fitiados em hnma cortadura , qm
havião fabricado , cuílando a valorola defenfa as vida
dos Capitães Manoel da Rocha, e Manoel Nòguein
Valente do Terço do Meftre de Campo Franciíco d(
Moraes , e ficando trezentos feridos , e entre elles (
Capitão Jofeph da Silva , e o Alferes António Gomes
Recebeo o Marquez de Marialva vários avifos do Go
vernador do eirado , em que fe achava a Praça , e en
tendeo ,' que fe havião perdido os Capitães Chriílovac
Dornelas de Abreu do Terço de Francifco da Silva d<
Moura , e António Gomes do Terço de Ayres de Salda
nha com fefsen ta Soldados , que havia mandado de foc
corro á Praça; e por huma , e outra razão reconhe
ceo com os mais Cabos , que lhe afiiítiaõ , que não en
poíTivel dilatar-fe o foccorro ; porque perdida a eítrad;
cuberta , ficava aos fitiados pela eílreiteza das fortifi
caçoens , muito perigo ib o defendelas.
No meffno dia , que os Caftelhanos marcharão pa
ra Villa-Viçoía, fahio o Marquez de Marialva de Eílre
moz a reconhecer o exercito com todos os Cabos , <
Officiaes. Recolherão-fe com a certeza , de que era Vil
la-Viçoía defempenho das idéas do Marquez de Cara
cena. Sem dilação chamou o Marquez a Confelho o
Cabos do exercito , o Conde de S, Joaõ , Pedro Jaque
d(
PARTE II LIVRO X. 30 j
ae Magalhães ,os Sargentos mores de Batalha. Propoz AoilH
d Marquez o numero do exercito deCaítella.,. e a re* .^
folucao que havia tomado o Marquez deCaracena de l°u)'
atacar Villa-Viçofa , taó pouco defenfavel , como a
todos era notório ; e entrarão os do Coníelho a diícur-
far , que as vi&orias pafsadas haviaõ ;deixado as Armas
de Portugal taõ gloriofas , que para fe acreditarem, naó
dependiaõ de refoluçoens arrojadas , quando as caulas
naõ eraó taõ urgentes, que obrigafsem o exercito a
empenhar-fe , por evitar maiores perigos t que os fuc-
cefsos das batalhas eraõ muito contingentes, e as con-
sequências de íe perder huma , taõ relevantes , como
em todos os íeculos as maiores Monarquias haviaõ ex-
perimentado:que a Praça de Villa-Viçofa naõ era a mais
importante daquella Província , affim por ficar entre
Elvas , e Eítremoz , como por fer taõ irregular a lua
Situação , que era quafi impoííivel fortiíicar-fe de forte,
que naõ fofse faciliífimo recuperala: porém depois de
ventiladas todas eítas razoens , que infallivel mente fa-
zia praticáveis o ufo da razaõ , levados todos , os que
fe acháraõ os Confelhos , ou da generofidade valoro la,
( commua á Naçaô Portugueza) ou de eipirito fupe-
rior , que os conduzia á ruina dos Caílelhanos , concor-
darão fem contradição alguma , que Villa-Viçofa havia
de fer foccorrida a todo o rifco do exercito , fundan-
do-fe , em que ficava duas legoas de Eftremoz , e que
©ccupada , feria o inimigo arbitro das eftradas de El-
vas , eCampo-Maior , eficariaõ aquellas Praças expo-
itas a muito grande oppreísaõ pela difficuldade dos com-
hoys : que Borba , Redondo, Landroal , e Terena,lu-
gares dos mais abundantes da Província , e mais accom-
modados para alojamento de hum exercito, ficariaõ fem
remédio fu jeitos á guarnição de Villa-Viçofa , eferiaõ
commodo quartel das tropas extrangeiras , e por eíte
xefpeito ficaria fácil fuítentarem os Caftelhanos a Praça
de Setuval , naõ fó pelos foccorros marítimos , fenaõ
pelos comboys , que deites lugares fe lhe podiaõ in-
troduzir : e ultimamente fendo todas eítas razoens taõ
forçofas , era a mais efsencial venerar-fe o Paço de Vil-
* V la-Vi-
i66j.
HL
jo6 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno l^-Viçofa , como templo coníagrado á memoria do Au<
thor da noísa liberdade.
Tomada eíla reíbluçaõ , que o Marquez de Marial
vaagradeceo a todos , os que aíliíliraõ no Coníelho con
taõ alegre, e valorofo femblante,que era verdadeiro an
núncio de plauíiveis felicidades , deu conta a EIRey
individuando todas as razoens , que fe liaviaõ ventilad(
no Coníelho. Na mefma hora , que o Corre yo chegoi
a Lisboa, mandou EIRey juntar os Confelheiros de Eí
tado , e Guerra, e coníideradas todas as razoens da car
ta do Marquez , myíleriofamente fe conformarão com ;
opinião dos Cabos do exercito ; porque fem iníluencií
•particular encontrava todos os fundamentos da pruden
cia chegar ao maior empenho de huma batalha , fican
do em contingência a confervaçaõ do Reino pelo íoc
corro de hum lugar, que perdido, era muito mais fa
cil reílauralo , e as mais coníideraçoens referidas fica
vaô taó remotas , que deviaô contar- fe por impoffiveis
Approvou EIRey a refoluçao de foccorrer o exercito
Villa-Viçoía : deípedio o Conde de Caílello-Melhor (
Correyo com eíla ordem , e cartas d'ElRey para os Ca
bos de agradecimento , por fe haverem conformado en
opinião taovaleroía, que prognoíticava amaiorglo
ria , e felicidade da Monarchia. O Marquez , logo qu<
chegou eíla ordem , defpedio vários avifos a todas ai
Praças, onde eílavaÕ alojados os foccorros das Proviíi
cias , e guarniçoens do exercito , entrando a gente
que aíTiíKa em Setuval ; por conítar fem duvida , que ;
Armada de Caítella eílava muito dilatada : e para quí
todos os accidentes concorrefsem favoráveis , chegárac
de França em féis dias mil Soldados Infantes , que def
embarcando em Lisboa pafsáraó logo a Alentejo , e cc
eíla nova recluta compoz o Conde de Scomberg óí
Terços daquella Naçaõ , que chegarão , quando toma-
mos Évora*
sabe de E/Ire- Juntas todas as tropas ao tempo , que chegou o avi«
Te^MvZivl*'^0 ao Marquez de Marialva do ultimo afsalto da eílrada
com o" "xeTáte coberta de Villa-Viçofa , onde os Callelhanos ácárad
afocwreiía. alojados , naõ querendo expor-fe ás contingências da
íuccefsa
TAKTE II. L1VKO X. 507
uccefsQ de Évora , deliberou pôr em marcha o exerci- AntlG
o; porém naô era fegurar ofoccorro tomar efta re(o- ,,
uçaõ j porque as difficuldades de confeguir aempreza IP°>«
premeditada pareciaõ quafi infuperaveis , confideran-
lo-íe aeftreiteza, e embaraço do terreno, por onde
íavia de marchar o exercito , occupado de tapadas , oli-
raes, e vinhas, defendidos todos eftes paísos de valo-
oíos inimigos , fendo necefsario abater os vallados pa-
a marchar o exercito em forma de pelejar fem total
3erigo,e ainda depois de fuperada efta diífículdade,dous'
coitos , de que parecia mais fácil introduz ir- fe o foc-
:orro , que eraó o do outeiro da Mina , e outro chama-
lo de Lavra de Noite , o primeiro fuperior ao Forte de
5. Bento , o fegundo á Villa , haviaò os inimigos oc-
cupado com dous Fortes ; e chamando-fe os práticos
Jo paiz , ignorantemente facilitarão a marcha do exer-
cito , provando a fua opinião com a ignorância de di-
zerem , que fem diíliculdade coftumavaõ andará caça
por aquelles fitios ; como fe o corpo de hum exercito
occupára o mefmo terreno , que o corpo de hum ho-
mem. O Marquez para facilitar todos eíles embaraços,
chamou a Coníelho ao Conde de Schomberg , ao Con-
de de S. João , ao General da Cavallaria Diniz de Mel-
lo , ao General da Artilharia D, Luiz de Menezes , e
a Pedro Jaques de Magalhães , e aos Sargentos Maiores
de Batalha-, e depois de ventiladas , e vencidas todas as
referidas difficuldades na melhor forma , quefoipoifi-
vel , fe afsentou , que o exercito fe puzefseem marcha,
quarta feira dezafete de Junho , com ordem, que fe to-
ma fse o primeiro alojamento no fitio de Montes-Cla-
ros, huma legoa diftante de Eftremoz , outra de Vil-
la-Viçofa , confiderando-fe, que nelle fe apartayaõ dous
caminhos , que hiaõ demandar , o da maõ direita^ afer-
ra de Lavra de Noite > o da maó efquerda o outeiro da
Mina í porque com efta refoluçaó obrigávamos aos Ca-
ftelhanos , confufos na perplexidade do nofso intento,a
dividirem o exercito em defenfa dos dous Fortes , que
Jiaviao fabricado, *e para que a nofsa marcha ficafse me-
nos perigofa , na meíma noite de quarta feira havia
V 1 4i^
Anno
308 PORTUGAL RESTAURADO,
deoccupar hum troço do exercito a Serra da Vigaira
que ficava eminente ao outeiro da Mina , e conlegui
do eíle intento , ganha r-fe na meíma noite a Serra d<
Barradas , diítante da Vigaira hum tiro de piítola ,• por
que occupados eíles dous poíto , naõ parecia diffícul
toío foccorrer a Praça na fuppofiçaõ , de que osCaíte-
lhanos naõ haviaõ de largar o alojamento, que tinhac
tomado , com que até aquelles poítos íe confeguirií
fem diííi cu Idade a marcha do exercito ,• e como delle;
até Villa-Viçofa começava a fer o terreno taõ embara
çado , que naô cabiaõ mais , que quatro Terços de fren
te , o meímo terreno eníinou a forma da marcha , oc
cupando-o quatro Terços de vanguarda, dando-lhe calo:
outros quatro batalhoens de Cavallaria , até todos f<
apurarem ,• e como os lados eítavao feguros de fererr
atacados , e éramos íuperiores aos Caíírelhanos no cor
po da Infanteria, parecia fa&ivel todo o intento pre-
meditado : e como o alojamento do exercito de Caílei-
la todo eftava rodeado de montes pouco diílantes , fí
enganados da confiança do feu poder naô pleiteafserr
a dificuldade da marcha do nofso exercito , infallivel
mente ficariaõ expoítos com damno irremediável ás ba-
terias da nofsa artilharia. Porém fuppoílas todas eítaj
giperanças da felicidade do fucceiso , naõ fe ignora-
rão no Confelho os diíferentes effeitos > que coíhimac
a ter eítas anticipadas imaginaçoens , conhecendo-fe I
que o exercito inimigo era muito numerofo , que ú
compunha de excelleníes Cabos, de Soldados vetera-
nos , e valorofos de Naçoens diverfas , que haviaõ de
premeditar os perigos mais evidentes, eoccuparosli-
tios mais ventajofos ,• mas como Vilía-Viçofa , nem ef-
tava em eítado de admittir diverfaõ , nem era capaz
de outra forma defoccorro , com a difpofiçaõ referida
ficou determinada a forma , e marcha do exercito.
Dous dias antes de fahirmos em Campanha , forad
os Condes de Schombérg? eS.Joaõ , eos Generaesda
Cavallaria , e Artilharia , e os mais OfKciaes maiores a
reconhecer a Campanha > por onde havia de marchar o
exercito,* e como os fegurava a maior parte de Cavai-
* lariaj
PARTE * II. LIVRO X ^
lana cArrecaraõ os batalhoens das guardas dos Cafte- Armo
Lhanos até dentro de Borba , em recompenfa de haver ,
S Marquez de Caracena igual reioluçaó no dia W"
antecedente ; ficando na difpoflçao dos Generaes de hu-
rna , e outra parte a eleição dos fitips , que fedeviao
efcolher , para com maiores ventagens melhorarem o
feu partido, O dia antecedente ao da marcha ooexerr
cito Te lhe pafsou moilra , e fe averiguou \\ que confia-
va de -quinze mil Infantes divididos em vinte , e oito
eíquadroens , nao havendo chegado os Terços de Setu-
val, e Valença í que aCavallaria fe compunha de cm-
co mil e quinhentos cavallos , repartida aPortugueza
da Provinda de Alentejo em nove troços governados
por nove Commiísariosi a Extrangeira da meíma Fro-
vincia em cinco Regimentos , quatro de Francezes , e
humdelnelezes; e a todo efte corpo deCavallana te
ajuntava a de Trás os Montes , Beira , e Lisboa , e nel-
leiecontavaô oitenta e dous batalhoens deftros , luzi-
dos, e bem armados; e feita pelo Conde de Schomberg
a forma da batalha , fe compunha a primeira linha de
Infanteria de doze efquadroens. Occupavao lado direi-
to o Meílre de Campo Triftao da Cunha,ieguia-le Fran-
cifco da Silva de Moura , JoaÓ Furtado de Mendoça ,
Pedro Cefar de Menezes , Ayres de Saldanha , Manoel
de Soufa de Caílro , Jaques Alexandre Tolon , Manoel
Ferreira Rebello,Diogo de Caldas,o Regimento deFra-
cezes do Conde de Schomberg dividido em dous cor-
pos , governados pelo Tenente Coronel Defugere , cer-
rando o lado efquerdo o outro Regimento de Inglezes
do mefmo Conde. O lado direito da fegunda linha oc-
cupavao Meílre de Campo Gonfalo da Coita de Me-
nezes , poi naõ haver chegado Fernão Maicarenhas , a
quem tocava ,• feçuiaó-fe Ayres de Soufa , D.Francifco
Henriques, Martim Corrêa de Sá, Alexandre de Mou-
ra Jacinto de Figueiredo , Balthafar Lopes Tavares , o
Coronel Xeveri ^com hum Terço de Francezes , e cer-
rava o lado efquerdo defta linha Claran com o feu Re-
gimento de Alemães,e Italianos. Compunhanha-fe a re-
ferva dos Terços de Auxiliares de Manoel de Lemos
V 3 Mou-
.
^ro PORTUGAL KES74UHJD0,
AnnO Mourão , e António Velez Caítello-Branco , o primei
• > • ro da Comarca de Évora , o fegundo de Avis , e ie aca
100;'íb chegara de Valença o Meílre de Campo Francifcc
Mendes , eltiva deítinado para aíliílir neíle ultimo cor
po. Na vanguarda do exercito marchava António d(
Saldanha , Meftre de Campo de Auxiliares da Cornara
■de Thomar , com quinhentos Infantes de todos os Ter<
<;os de Auxiliares , que levavão ferramentas , para aba-
terem os vallados , e facilitarem os pafsos difficultoíos
Os quatro Terços àos Maítres de Campo Mathias ds
-Cunhai, Joíeph de Soufa , Manoel Pacheco de Mello,
e Perfon Inglez, ordenou o Conde de Schomberg íe for-'
mafsem entre as linhas da Cavallariada vanguarda, par-
tindo-fe cada huma delias em partes iguaes j no lado
direito Mathias da Cunha , Jofeph de Soufa , no ladq
eíquerdo Manoel Pacheco , e Perfon.
O General da Cavallaria Diniz de Mello affiítia no
lado direito da linha da Cavallaria da vanguarda com
dezoito batalhoens > no efquerdo Simão de Vafconcel-
los , Governador da Cavallaria de Lisboa , e com Diniz
de Mello ficou o Tenente General da Cavallaria Roque
daCoíla Barreto , e com Simaõ de Vafconcellos D Joaó
da Silva.Os Commifsarios geraes Joaó do Crato da Fon-
feca, Bernardo de Faria, António Coelho de Goes,Luia
Lobo da Silva , Diogo Luiz Ribeiro , D. Manoel Lobo
governa vaõ os troços , que lhes tocavaô. A fegunda
linha mãdava o Tenente General D. Luiz da Coita com
os Cõmifsarios Duarte Fernandes , Bartholomeu de Bar-
ros, e as Companhias do quartel de Moura governava
© Capitão Luiz de Saneia.
Alinha do lado efquerdo da vanguarda eftava á
ordem do General da Cavallaria do Minho , e Trás o$
Montes Pedro Cefar de Menezes, edo Tenente Gene-
ral dâ Cavallaria Francifco de Távora. Copunha-fe das
Companhias da guarda do Conde de Schomberg , hum
Regimento de Francezes , outro de Inglezes , o do Co-
ronel Jovete , e féis batalhoens da Província de Trás os
Montes , que governava o Commifsario geral Bernardi-
no de Távora. A fegunda linha eftava á ordem do Te-
nente
lente General D. António Maldonado > e formava-íe do Atino
tronei Briquimon, doCommiísario geral Paulo Ho- ..
mem com osbatalhoens da Beira. A reíerva conftava iyo>*
ie íeis batalhoens á ordem do Gommifsano geral Anto-
aio de Siqueira Peítana. # .
Compunha-fe o Trem da artilharia de vinte peças ,
quinze de íete , íeis, e quatro libras, tresdedoze, e
duas de vinte e quatro , com todos os Officiaes , e pre-
vençoens precitas- % para íe moverem íem embaraço.
Marchavaõ as féis mais ligeiras na vanguarda da lnran-
teria , as quatorze na retaguarda da iegunda linha , a
que íuccediaõ as Védorias , e bagagens ; e o hm da con-
dução da artilharia grofsa era ( coroo fica referido ) de
occupar qualquer dos montes eminentes a Villa-Viçoia,
entendendo-fe que o exercito de Ca ire Ha pelo lítio in-
ferior , em que eftava alojado , lhe naó era poííível U*
vrar-fe do grande eílrago das balas da artilharia.
Ao romper da manhãa de dezaíete de Junho , di-
ftribuidas as ordens , efinalados os poílos , fe poz em
marcha o exercito, e foi o primeiro prognoíhco de fe-
licidade aattençaó , com que todos os Cathohcos bul-
caraõ nos Sacramentos das Coníiçoens , e Communhoes
oíocego das confciencias. Repartio-feJhe por nome,
para ufarem no conflidca coftumada invocação da Co-
ceiçaó de N. Senhora , cuja devota Caía ( que foi a pri-
meira , que feinítituhio nefte Reino) eítava fitiada ,j
em Villa-Viçofa } e furwdando-fe as eiperanças da victo-
ria naquella fé, eneíra confiança , ficava muito duvi-
dofa a infelicidade. O dia antecedente havia dado or-
dem o Conde de Schomberg ao Commifsario geral Bar-
tholomeu de Barros , que aquella noite fahifse com íeis
batalhoens, e occupafse a Serra da Vigaira , e outras
quaefquer eminências mais vizinhas ao exercito, que
lhefofsepoífivel, e promptamente fofsè mandando avi-
fos de todos os movimentos , que obfervaíse: porém a
ordem fe diílribuhio taô confufamente , que Bartholo-
meu de Barros naõ fahio de Eftremoz, fenaõ ao ama-
nhecer do mefmo dia da batalha , e puderafer efteerro
caufa de a perdermosjpòrque havendo-fe difcuriado to-
• y 4 dos
3i2 PORTUGAL RESTAUtABO,
Annádososaccidentes, que podiaò aconteceu entre os Cí
l£Açhosáo exercito, naõ tinha entrado em queftaô havt
>* o Marquez de Caraeena de atacar a batalha no prime
ro- dia da marcha , por naõ parecer fuppòfieaó raci
nal , que o Marquez , depois de tantos annos de expi
neneias militares , largai se a ventagem de ocmpa r os í
tios , por onde o noíso exercito determinava entra
no fegundo dia da marcha , e que precipitadamente e>
puzeíseahum fó ponto as confequencias dehumav
dória j efó na tarde antecedente ao dia da batalha
achando-fe o Conde de S. Joaõ , eo General da-Àrt:
Iharia com o Conde" de Schomberg j difseo General d
•Artilharia , quer fe o Marquez de Caraeena qutzeise de
a batalha em Campanha livre ) havia de ler no primei
ro dia da marcha ,* porque do íeguinte por diante tu
doeraôfitios impedidos , e em-braçados: porém eíl
reflexão foi cafu aí mente feita , íem fazer aísen to nel
la nem o que areferio, nem os que a ouvirão; Te
Ve principio a marcha fahiudo de vanguarda todo
Corpo da Cavaílaria ,• porque d exercito inimigo -fica
va na frente. Segaiao-fe íeis, peças de artilharia, e <
corpo da Infanteria na forma já referida,e na redaguar
dada Infanteriaa mais artilharia , e bagagens-, e qua
renta cargas de muniçòes,queí'e ha viaõ de repartir pro
porciònaímente pela re&aguarda de cada hum dos^ Fer
f %álèm de hum arrátel de pólvora- , edoze- balas , qu<
eítava diitribuida por cada rrama das bocas de fogo^Con
o primeiro batalháõ da vãguarda da Cavaílaria fe adian
tou o Conde de S» João , e o General da Artilharia , le
vadosdo cuidado de fe naõ ouvirem a noite antecedeu
te as baterias de Prlla-Viçofa, defejando examinar , f<
poderia fer_aeaufa'ovizinhoeíl;rondo do exercito -p r-
que feacaíohouvelsefuccedidoter capitulado^ Gover
nador , depois de perdida a eílrada coberta-, o que fe
naõ podia cuidar do feu valor , totalmente mudavac
de íubírancia t cías as dií pofiçoens antecedentes , e era
precilo reformarem-fe rodas' as ordens , que íèhaviac
jpafsado ao exercito : porém naõ havendo piza do mm
to teireno. ,. e tenda occupado huma eminência , ouvi"
PJRTE 11. LIVRO X. w
Tâ()diftinaamenteoseccos da artilharia da Praça , que Armo
relas coníequencias, que reíuitavão da lua penitencia,
íizeraõ agradável coníonancia. Neíte tempo marchava ^»>-
avançado do exercito o Côniifsario geral Bartholomeu
de Barros , levando os íeis batalhoens , com que devia
fábir a noite antecedente , (como fica declarado ) per-
tendendo obfervar es mo vime tos dos Caílelhanos de al-
guma das eminências íuperiores áquella Campanha^ iem
reparar que haviãò oceupado o alto da Serra de Vigai-
ra as Companhias da guarda do Marquez deCaracena
conhecidas pelos timbales , eternos de trembetas , em
•que fe difierençavão das mais do exercito j novidade ,
que obíervada pelo Conde de S. joão , e pelo General
da Artilharia , mandarão a Bartholomeu de Barros<qu.e
íizeísealto , por não íeex[ôr íem alguma uíilMadea
manifeílo perigo. Fizerãoavizo ao CeneraLçtaC avalia-
ria dacaufa demandarem fuipender a £m. ordem , e
avizáraôao Conde de Schomberg , c^diligentemen-
oceupou o melmo monte , em queçjjavão os dous Ca-'
bos referidos , afíiílido dos três Sargentos Maiores de
Batalha Portuguezes , e Balaruiíim , que exercitava eíle
porto entre as Naçoens extrafogeiras 5 e eíle melmo avU
zo obrigou ao Marquez4e? Marialva a repartir todos os
Officiaes de Ordens , jp&raque prom piamente formai
fem o exercito.
Chegado o Gáode de Schomberg á eminência, que
■oceu pavão Conde de S. João , eo General da Ai til ha-
ria , obíerváraò r que osbatalheens da CavaUaria ini-
miga JfucceíH vãmente vinhâo iahhido á Campanha , ha-
vendo eftado cobertos com a Serra da Vigaira ,e fe for-
mavao com tanta prelsa, que manifeítaméte deícobrião
a deliberação de pelejar , íendo o Conde de Schomberg
o primeira » que teve por infallivel eíte difeurfo. e com
eíla repentina conlideraça o determinou vencerem hum
inftante na compoíição do exercito , que vinha em mar-
cha , todo o tempo, que parecia faltava para reme dear
tão manifefío perigo ♦, e valendc-fe de tocFas as expe-
riências militares , cie CjUe era compofía alua capacida-
de , ordenou ao General da CavaUaria Pedro Cefardè
- Mene-
1*4 PORTUGAL RESTAURADO,
A nnó Menezes > que fe achava íiaquelle íitio , que com a rrva-
* ior diligencia , que lhe foíse pofíivel , correfse apií-
Ipo/. xar pelas duas linhas da Cavaliaria ,, que já haviaõ oc-
osrpado o lado efquerdo do exercito, conforme a ordem
da batalha , e marchafse com ellas a formallas no lado
direito da Infanteria ; para que aquelle corpo fica (se
fortificado comquatro linhas, e pudeíse refiftir o Ímpe-
to de toda a Cavaliaria deCaftella , que moítrava que-
rello. atacar ; e reconhecendo o General da Artilharia a
utilidade delia ordem do Conde deSchomberg , difse a
Pedro Cefar , que na fua diligencia levava a íegurança
do exercito > e ordenou o Conde de Schomberg , junta-
mente a Pedro Cefar deixafse ficar ao Coronel Jo vete
com cinco batalhoens no lado efquerdo para dar ca-
lor á Infante ria , bailando efte corpo para rbrtificalla,
por fer o fitio , em que íe havia de formar , taô afpero,
e embaraçado , que naõ podia temer os impulfos da
Cavaliaria inimiga. Pedro Cefar , e o Tenente General
da Cavaliaria Franciico de Távora , ornados do valor, e
actividade, executarão efta ordem com tanta diligencia,
que naõ lhe fobrou hum inftante de tempo , fucceden*
do inveílirem osCaftelhanos,quando acavabaô de com-
por o ultimo batalhão. No mefmo inftante , em que
Pedro Cefar foi defpedido , íe dividirão os mais Cabos
a compor o exercito , para que na fua defordem não
lografsem os Caftelhanos o leu intento.
No lado direito em o fim da várzea , onde a fer-
ra de Ofsa tem principio por aquella parté,fe afiignalou
poílo ao primeiro batalhão de Cavaliaria , e era o ter-
reno , que corria para a mão direita , taó embaraçado
de fanjas , e vallados , que ficava a Cavaliaria fegura de
fer atacada por aquelle nanco , porém alterada a forma,
o.ccupou inutilmente efte terreno. Deite íitio para o
lado efquerdo continuava a Campanha raza , o que ba-
ilava para fe formar a primeira linha de Cavaliaria , os
'<àous Terços de Infanteria , que fe lhe interpolavaó , e
-três Terços da linhada vanguarda da Infanteria , e no
fim do ultimo deftes fe hia levantando fuavemente hu-
líia .colliria , que todos os mais Terços daquella linha
da
P^ÍRTE II. L1PK0 X. ?ij
da vanguarda foraô occupando. Eíb meíma* formate j^nno
terreno ^ntinuava até á retaguarda, e não permittia,
que o lado direito , e eíqueulo hum a outro fe defquar- 1 66 J.
tinaíse. Havia hum caiai com huma pequena tapada
Je pedra folta , que ficava immediato ao lado direito
la vanguarda. Efte mandou occupar o General da Ar-
ilharia com duas peças , e cem moíqucteirosá ordem
io Teneríte General Marcos Rapofo Figueira. As três
inhas de Calvallariâ , e a lègunda linha de Infanteria
braó occupando em terreno igual ao referido os cla-
os dos batalhoens , e Terços da vanguarda. O primei-
0 Terço do lado direito era o de Trilho da Cunha,
èguia-fe para o efquerdo Francifco da Silva , e Joaó
?urtado formados' na Campanha raza. OMeílre deCa^
)o Pedro Cefar , e os mais , queie continuavaó confor-
ne a ordem referida, occuparaóa collina , tornando a
)aixalla até topar com as vinhas , que bicava õ ao lado
ifquerdo , e no alto dt -fta eminência plantou o Gene-
al da Artilharia quatro peças ligeiras, que começando
1 jogar , logo que appareceraõ os primeiros batalhoens
Jaítelhanos , ainda que a diftancia era larga , por or-
lem do General da Artilharia fe confeguiraô ao meímo
empo dous grandes eflèitos : o primeiro, que ouvindo-
e em todo o exercito o eítrondo deita militar tormen-
a , todos íe applicáraõ abuiear os póítos , que antici-
Dadamente íe lhe haviaó íignalado,fem dependerem das
►rdens dos Cifíeiaes Maiores ; que fora impoííivel di-
tribuillas , como era preciío , em tão breve tempo ; o
egundo , iervia de alento aos Soldados , que não po-
iiaó examinar as diltancias , entenderem , que os Caíle-
hanos começaváo a receber o damno da artilharia ,acre-
litada em todas as occaíioens dos annes antecedentes.
Is mais peças ligeiras fe introduzirão com grande bre*
idade nos claros dos Terços da vanguarda , e as grot-
as jogáraó em huma collina , que ficava na retaguarda
lo exercito , e dominava toda a Campanha.
O breve tempo , que fe gaílou neílas dif pofiçoens,
iverão os Caftelhanos de formar o exercito , uccupan-
io toda a Infanteria o lado direito 3 toda Cavallaria
i66;
|tà POKTUGAL RESTJV&ADO,
AtltlO'° èfqtíe&Io' í formaia a Cavallaru em quatro linhas, a
Infaiiteria em duas ; e como era eftrêito ^fitio da
Campanha Livre, reftrLigiraõ-fe os batalhoens da Ca-
vallaria mais da que era útil para a regularidade da di-
viíaó dos claro?, que a efbe reíp^ito fe engrofsárao, que
foi liuma das cautas de fer mais vigoro fo o impeto,
com que inveítirão. Alnfaateria marchou por numas
vinhas daquelle diftruto , e peio embaraço do terreno,
e a precifa obrigaçã j d^ vir formacla , foi mais vaga-
roíb o jfeu impulío.A artilharia jogou com pouco dam-
nò nofso de liuma eminência , que ficava na retaguar-
da do feu exercito.
Formados os dous exércitos , fe dividirão os Gene-
raes pelos póffcos mais importantes.O Marquez de Ma-
rialva acompanhado dos Tenentes de Meítre de Camr
po General, dos Meftres de Campo de Auxiliares Antó-
nio da Silva de Almeida , António Ferreira da Came;
ra , e D. Pedro Opeífinga, General da Artilharia do Bra-
íil, occupou a vanguarda da fegunda linha da Jnfante-
ria , depois de haver corrido todos os póftos referidos,
e com alegre , e valoroíb femblante na brevidade , quí
deu lugar o tempo,referio eítas palavras;,, Segunda vez
Valorofos Solda dos,por Divina permifsaõ corre por mi-
nha conta exhortarvos aconfeguirdes , rompendo pe-
los perigos de huma batalha , as conlequencias de hu-
ma viftoria; e fe na primeira , na occafiaõ das linha
de Elvas , julgaíles as minhas razoens forçofas, he ago-
ra razaô , que as avalieis invencíveis ; pois fe multipli-
carão de forte as experiências do vofso valor , e d;
vofsa felicidade , que podeis contar eíla vitoria ( que
fupponho infallivelmente alcançada ) como tributo in-
difpeníavel , que vos paga afortuna. Compunha-fec
pequeno exercito , com que rompemos as linhas de El-
vas , de poucas tropas pagas,as mais Auxiliariares, e Or-
denanças ; e com eíte inferior partido vencemos hum
exercito fortificado , numerofo , e veterano. Seguirão-
fe a efte tão multiplicados , e gloriofos fuccefsos , que,
ainda que o tempo fora mais dilatado, me não pude-
ra dar lugar para referillos ; vai ha-fe cada hum de vós
PARTE 11; LIVRO X. 517
da fua memoria, que he o melhor mappa, em que co- Anil O
íhimaô debuxar-íeas glorias, lembrando-vos porém das , ,
Campanhas antecedentes, porque foraõ muitas as cir- loy)'
cunítancias maravilho fas da batalha do Canal , da re-
cuperação de Évora, da batalha de Caítello-Rodrigo,da
tomada de Valença , e dos progrefsos das Provindas de
Entre Douro , e Minho , Beira , e Traz os Montes, que
naó podendo defenganar a arrogância de nolsos inimi-
gos, eíla os abriga a buícarnos na defordem , tendo-
nos por invencíveis no valor .- porém vencendo as nof-
fas experiências atè a incontraítavel ligeireza do tempo,
temos coníeguido formar o exercito em perfeita regu-
laridade com vantagem fingular no íitio , queoccupa-
mos. Efpero , que rebatemos o primeiro impulio dos
Caítelhanos na certeza , de que eíta primeira acçaõ nos
íegura a vióloria j porque como he taõ diítante a divi-
faõ , que fica entre o corpo da Cavallaria , e Infanteria
inimiga , e tão embaraçado o terreno , diíficultolamen-
te poderá tomar forma o exercito de Caítalla , defva-
necidoo Ímpeto do primeiro combate; e como reco-
nheço , que lbis todos taõ déítros , que não dependeis
de mais ordens , que das vofsas experiências , executay
o que vos eníinarem os accidentes deite confli&o , va-
lendo-vos da doutrina , que aprendeftes nos iuccefsos
pafsados, e confeguireis infallivelmente na prefente oc-
cafiaõ iuperior vi&oria a todas as outras , que tendes
alcançado.
Naó houve Soldado de taó humilde efpirito , que
ouvindo o Marquez , fe nao difpuzefse a executar ac-
ções maravilhofas O Conde de Schomberg naõ fez elei-
ção do lugar certo ; porque entendeo juílamente , que
em todos era necefsaria a fua pefsoa , de que foi infe-
paravel o Sargento Maior de Batalha Miguel Carlos de
Távora , que com iníigne valor , e excellente ingenho
foi digniílimo imitador dos íeus acertos. O General da
Cavallaria elegeo o lado efquerdo da primeira linha da
vanguarda da Cavallaria ; porque o direito pelos emba-
raços do terreno referidos naõ podia fer atacado. O
Conde de SJoaõ>e o General da Artilharia occupáraô o
lado
5lS PORTUGAL RESTAURADO,
Anno *ado direito da ínfanteria. Pedro Jaques de Magalhães
', y governava o lado efquerdo da ínfanteria. Os Sargentos
I00y • Maiores de Batalha Diogo Gomes de Figueiredo,e Joaò
da Silva de Soufa , além da obrigação , que tinhão , pe-
los íeus póftos , de acodirem <x todos os lugares , que
ameaçaíse o maior perigo , tinhão á fua conta o gover-
no da fegunda linha de ínfanteria , em que affiília o
intenta o Mar- Marquez de Marialva.
quez, de Cara- Q Marquez de Caracena fem mais Confelho , qus
"a7onaâmlnh'a ° feu elevado efpirito , e natural refolução , tanto que
teve avizo das partidas , que eítavaó avançadas íbbre o
nofso exercito , que começava a fahir de Eííremoz , de-
terminou inveftilo na marcha , e rompelo nadefordem,
e para efte efleito feparou a Cavallaria da ínfanteria ,
entendendo , que como era mais rápido o movimento
daquelle corpo , feria mais efficaz o emprego delle , e
que evitando tomar forma o nofso exercito , daria lu*
gar, a que a ínfanteria, que mandou avançar pelo la-
do efquerdo , acabaíse de rompelo ; e todo entregue ao
calor deíla imaginação , não admitio as prudentes pon-
derações de outros Cabos, e Officiaes (em que entra-
va com forçofos argumentos o Sargento Maior de Ba-
talha D. Manoel' Garrafa ) que lhe advertirão , que a
maior fegurança do exercito era naõ largar o quartel
tomado ípbre Villa-Viçofa , óccupando todos os póílos3
que podião fer favoráveis á nofsa determinação , e de-
fendendo os paísos , que os embaraços do terreno com
pouca guarnição fazião defenfaveis; e que naó quizef-
íe , feguindo a fua opinião , arrifcar-fe á contingência
de poder reíiílir o exercito de Portugal o primeiro im*
pulfo ; porque logrando , como era poífivel , eíla gran-
de fortuna , confeguiria aquella mefma vantagem , em
que o Marquez determinava ferJhe fuperior , e não fe-
ria poílivel tornar a ordenar hum exercito , a quem fe
jnandava , que atacafsem com defordem. Nãobaftárao
eítas bem confideradas, e prudentes advertências a obri-
gar ao Marquez de Caracena , a que retrocedefse da
opinião permeditadaje accreícentando-lhe a vaidade do
intento nova arrogância , o tempo que gaitou na mar-
cha
PARTE II. LIVRO X. 319
:ha de Villa-Viçofa ao íitio da batalha correndo os Ter-
mos , ebatalhoens, difpendeo nefce difcurfo.
As experiências adquiridas em tão dilatados annos
3e guerra , valoroííimos Soldados me habilitarão a fer
iícolhido para a conquiíla de Portugal, em queconíl-
feè , fem controverfia , não fó o focego , mas o aug-
nento da Monarquia deCaítella, depois de fe haver
ixaminado neíta guerra a fciencia de todos os Cabos de
naior valor , e íuppoíição , naturaes , e extrageiros , e
ultimamente a peísoado fenhor D. João de Auílria , a
:ujas virtudes fe acha unida a grande fortuna , com
3ue ibcegou Nápoles , apazigou Sicilia , foccorreo Va-
iencianes,reftaurou Barcelona,ganhou Arronches, con-
}uiítou Geromenha , e rendeo Évora. Em todos eíles
Zabos foraõ difFerentes os fuccefsos , e em quafi todos
ião correfponderão aos difcurfos , que íizerão anticipa-
iamente : não porque faltafse nos Cabos a capacidade,
nem nos Soldados o valor , fenão porque fe defacertou
o modo de fe lograr o intento deita conquiíla , queren-
do-fe confeguir com hum pleito dilatado , e com hum
procefso infinito , o que devia fer feito fumma rio. He
Portugal muito grande Reino para fe ganha a Praça, e
Praça , e muito pequeno para refiftir á Perda de huma
batalha, principalmente não podendo fer foccorrido dos
feus aliados,fenão pelas incertezas da navegação, adian-
do -fe rodeado de todas as nofsas fronteiras j e conheci-
do o achaque deite débil , e inimigo enfermo , fora im-
prudência não lhe appl içarmos inítrumentos á morte.
Temos preíente a occafião de confeguir eíte tão gran-
de intento ; porque fe ganharmos eíta batalha, pode-
mos fem duvida contar Portugal por conquiítado ; e ie
a perdermos,pouco damno faremos á Monarquia deCa-
ílella 5 e onde o partido he tão defigual , fora impru-
dência não abraçar o empenho, principalmente fendo
infallivel confequencia da viftoria a forma , em que de-
termino atacar a batalha > porque quanto temos por
mais indubitável entenderem os Portuguezes , que não
pôde fer hoje, ( como fe reconhece na marcha , que tra-
zem ) tanto mais devemos animamos. , a não aguardar
o ern«
A mio
1665.
5 to PORWGAL RESTAURADO,
AnriO ° emprendella para a manhãa,defvanecendo o dilcurfo.
. que devem ter feito, de que naõ havemos fahir do quat-
1605 • tel de Villa-Viçofa , valendo-íe das vantagens do terre-
no; e neíla fuppofíçaõ parece,que vem preparados coríi
o numero , e qualidade de Infanteria , em que naó íad
inferiores,para ganhar qualquer das eminencias,que ro-
deão o quartel de Vi.lla-Viçofa,inte.ntando deíalojarnoí
com a Artilharia grofsa, que trazem prevenida, pois nãa
pôde haver outro intento , que os origine a marchai
comeíte embaraço,o que heinfallivel pela confiísaõ da:
linguas j e fendo eíta a arte dos noísos inimigos, deve
mos defvanecella com refoluçaõ,por menos imaginada
mais erFecliva , na certeza , de que o exercito não pód<
trazer forma proporcionada, í afundo do quartel de Ef
tremoz fem intento de pelejar hoje , e não podendo a
tropas Eltrangeiras,e íbccorros das Provincias^fendo eí
te o primeiro dia,que íe juntão ao exercito) conhecer I
por ordens vocaes os poftos , que lhe eílaõ fignalados
porque eíta fciencia,em que coníiíte a certeza das vifto
rias , aprendem-na os Soldados pelos olhos, e não pelo
ouvidos j e os dous Cabos maiores , a quem toca reme
diar eíte manifeíto perigo, ao primeiro ufano com as vi
dorias paísadas,póde faltar a prevenção, porque lhe lo
bra a confiança ; ao fegundo falta a fé , porque fenã<
alimentou do fuave leite da Religião Catholicaí epO
eíles reípeitos , tendo a noíso favor a Providencia Divi
na, e a difpoíiçaó humana , quanto maior for a breyida
de , com que pelejarmos, tanto mais deprefsa confegui
remos a fortuna de vencermos.
Qiiaíi nas ultimas claufulas das razoens referidas í
vÃ*ie a bata- acabau de dividir a Cavallaria da Infanteria , e marcho
Ihâ.lficaõveni cada hum dos corpos feparadosa atacar a batalha > a O
, údos os cafle. vallaria pelo lado efquerdo,a Infanteria pelo lado direi
to do exercito , e o Marquez de Garacena fubio ao alt
da grande Serra da Vigaira, que ficava em igual diftar
cia de hum, e outro corpo , a obfervar fem rifco algui
peísoal , os progreísos da fua refoluçaõ. OsmaisCabc
íe dividirão, D.Diogo Cavalhero a governar a Infaten
com os Sargentos Maiores de Batalha;Alexandre*arní
0 íic
lhanos .
PAKTE 11 LIVKO X. %t\
[io , e D. Diogo Corrêa â mandar a Cavallaria : fendo a AnnO
primeira vez , que os Caileihanos cederão a vanguarda , , _
aos Extrangeiros ; porq as primeiras du as linhas íe com- 1UU>*
puzeraõ da Cavallaria das Ndqoeas, asíegundas duas da
Caítelhana. . . . ,
Aviltado hum , e outro exercito, deu principio a ba-
talha a tempeftade furioía da artilharia,que das baterias
referidas começou a jogar , dando lugar as pauías do ef-
trondo,ás coníbnancias dos clarins, e caixas. Marchava o
exercito de Caftella na forma declarada com igual, e zõ-
poílo pafso a bufcar a linha da vanguarda do lado direi-
to do nofso exercito com a Cavallaria , e a do lado ef-
querdo com a Infanteria,ficando fó livres deite primeiro
encontro todos os batalhoens, q da bateria das duas pe-
ças de artilharia íe eílenderaó para a Serra de Gisa.Pade-
ceraó com mais vigor o primeiro impulíb os Terços de
Triílaõ da Cunha, Francifco da Silva de Moura, e Joaõ
Furtado de Mendoça,que occupavaó o plano , e os bata-
lhoens da Cavallaria,que eítavaõ mais vizinhos ao Ter-
ço de Triítaõ da Cunha aiMidos do General Diniz de
Mello: e o Conde de S. João, e o General da Artilharia,
que occupavaó o claro dos Terços de Trilião da Cunha,
e Francifco da Silva , deraõ ordem , que as peças de ar-
tilharia , que eftavaõ carregadas de facos de balas miú-
das , naõ defsem a primeira carga, fenaô ao tempo, que
os inimigos eítivefsem na diftancia de cincoenta pafso^
e foi taó paufada , e bem compoíta a forma , em que el-
les inveftiraõ, que deu lugar , a que eíta ordem pontual-
mente fe obfervafsej e foi taó notável o damno, que pa-
decerão , que os batalhoens do lado direito , obriga-
dos do receio,voltáraó os meios corpos dos cavallos com
apparencia de quererem fugir, de que fe originarão ale-
gres vozes em toda a nofsa vanguardajrepetindo os Sol-
dados , que os inimigos fugiaó : porém elles tornando
a compor- fe,e obriga ndo-os a defordem do movimento,
que rlzeraó, a occupar para o íeu lado efquerdo os com-
pafsados claros , que traziaó , íicando-lhes por eíte rel-
peito os batalhoens dobrados , inveítiraó valorofaménte
o corpo da Infanteriâ , e Cavallaria , que lhe ficava oo-
X poíta|
322 PORTUGAL RESTAUKADO,
Anno P°fta,e rompédo-o,chegáraõ até á vanguarda da fegun-
^, da linha da ínfãteria,e da terceira da Cavallaria. Acodio
I õo J. D-ín[z de Mello com grande promptidaõ , e valor ao re*
médio deite damno, reforçando a peleja com novos ba»
talhoens, fem perder terreno, nem mudar forma. A mef-
roa conítancia tiveraõ os Terços de Triítaõ da Cunha ,
Francifco da Silva , e Joaõ Furtado : porém ainda quç
repetirão inceísantes cargas,entráraõ mais de mil cavai-
los pelo claro dos Terços de Triílaõ da Cunha , e Fraur
cifco da Silva , onde eítava o General da Artilharia , §
o Conde de S. Joaó , e atropellando algumas mangas de
guarnição do lado direito do Terço de Franciíco da Sil-
va, deixarão ferido ao Meítre de Campo, e mortos t riu-?
ta Officiaes , e Soldados ; porém o Terço , que fe havia
avançado inadvertidamente a efperar o choque , tornou
com grande acordo a occupar opoíto , de que havia fa-*
hido e o Códe de S. Joaô,depois de pelejar largo eípaçq,
unido ao General da A rtilharia,puxou para a defenía da-
quelle lugar pelo batalháô de Joaõ Pinto , e Francifco
de Le dei ma, hum dos da fua Provinda; e á mefma parte
acodio o Capitáõ Joleph Pafsanha de Caftro , e outras
Çompanhias,que do lado direito tirou o General da Car
valia ria para aquelle lugar: porém naõ bailando eíta op-
poíiçaó a reliílir á fúria dos inimigos , chegarão os dous
troços, que inveíliraõ, a íé unir na vanguarda da fegun-
da linha da Infanteria , onde aífiítia o Marquez de Ma-
rialva ,que com valorofo acordo animou oslérços á pre-»
cifa conílancia , e a que com vivo fogo fizefsem pade-
cer aos inimigos os efFeitos da fua temeridade ; porém o
Terço do Meílre de Campo Goníalo da Coíla , que fi-t
cou mais vizinho ao perigo , padeceo o maior dam no. Q
Conde de Schomberg vendo , que nelta parte era mais
vigorofo o conflicto, acodio a ella com tad perigofa re-
foluçaõ , receando mais o damno publico , que o rifeo
particular , que lhe foi precifo romper pelos batalhoens
inimigos para chegar ao poíto , em que eítava o Mar-
quez de Marialva, recebendo o cavallo,em que montava
quantidade de feridas,de que ficou taó defangrado,quea
na'õ fer foccorrido de feus três valprofos iilhos co os feus
frata-
PARTE II. LIVRO X. li)
)atalhoens; do Conde de Roíaócorhâiua Companhia, ArtnO
» do Conde dê Maré com o feu Regimento, pudera per- .
íer a vida, ou a liberdade^ porém todos com maravilho- ruw7»
foeífeito derao lugar, â que o Conde deSchomberg
nontafseem outro cavallo,e chegafse aos Terços da vã-
^uarda da fegunda íinha.Os inimigos perplexos na refo-
uçaô , que deviaó tomar , intentarão romper osbata-
hoens , â que àíliítia Pedro Ceiar , Franciíco de Távo-
ra, e Bernardino de Favora: porém achando-os conftan-
tes , e impenetráveis , voltarão , perdida a refõlução , e
nortos muitos Officiaes , e Soldados, pela mefma parte,
por onde havião inveííido /entendendo poderião rom-
per pela retaguarda os três Terços , com que primeiro
mcontrárão : porém deívaneceo-lhe efta íuppoíiçao o
Conde de S. Joio , e o General da Artilharia , por have-
rem dado ordem ás ultimas três íileiras,que voltafsem as
:aras á retaguarda, cal lada a picaria,e prevenidas as bo-
:as de fogo ; o que proiíipta mente executarão ^ anima-
dos dos Meftres de Campo , e Officiaes, comtãofelice
ifíêito , que obrigarão aos inimigos a voltarem com fu-
•ioía torrente pelo meímo claro , por onde haviao m-
ireíHdo, com evidente perigo dos dous Generaes,que aí-
íílião naquelle pofto,fuceedendo levarem ao General da
\rtilharia , embaraçado da multidão , largo eípaço en-
tre íi os inimigos ; porém felicemente tornou a occupar
:> poíto , de que havia fahido. Efte intervallo deu lu-
gar ao General da Ca vallaria , ajudado do Tenente Ge-
deral Roque da Coíla,e dos Commifsarios geraes Diogo
Luiz Ribeiro , e Luiz Lobo da Silva , de tornar a com-
por os batalhoens desbaratados 5 fendo o que recebeo
1 maior força do primeiro ataque o de D. Miguel da
Silveira, irmão do Conde de Sarzedas, Capitão de Cou-
raças das guardas do Conde de S. João , que eftava for-
mado em o lado efquerdo , e rompeo pelos batalhoenS
inimigos , recebendo D.Miguel com grande valor mui-
tas feridas ; e tem defunir o feu batalhão , ferio com
as próprias mãos ao Principe de Xale , e deu grande ca-
lor a eftes batalhoens o Terço de Manoel Pacheco de
Mello formado na linha da vanguarda j porque na fua
X 2 re&a-
l66j,
324 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno retaguarda fe tornavão a compor o& que vinhão carre-
gados > e o Meílre de Campo fazia fem cefsar labq.
rar as bocas de fogo , de que os inimigos receberão
grande dam no , e igual prejuizo do Terço do Meílre de
Campo Mathias da Cunha formado em huma horta
donde íe flanqueava a maior parte dos feus batalhoens
Ao mefmo tempo , que a Cavallaria inimiga inveílio o
noiso exercito , avançou a Infanteria pelo leu lado di-
reito com tão valoroia reíoUição , derribando pedras,
rompendo tapadas,faltando iànjas , fuperando vaJJados
que a lerem outros os defenibres , pudera fer duvidoia
avicloria. Fizerão os Terços da vanguarda retirar algu-
mas mangas de moíqueteifos , que por ordem do Con-
de de Schomberg eítavão avançados emhumfitio van-
tajoío , e veyo juntamente carregado hum Terço de In-
glezes , que fe adiantou iem mais ordem , que a fua re-
iolução ; porém acodindo ao remédio deíle accidente
Pedro Jaques de Magalhaens,e os Sargentos Maiores de
Batalha com alguma gente, fizerão alto os que fe retira-
vao;e reforça ndoos inimigos o combate com mais Ter-
ços , degollárão parte da Infanteria íblta, com que mar-
chava o Meílre de Campo de Auxiliares António de Sal-
danha na vanguarda do exercito, perdendo elle valoro-
íamente a vida ; e neíte impulfo obrigarão a perder ter-
reno a alguns dos Terços do lado esquerdo , e a def-
compor-íe o Regimento Francez de Fugerè , e o de Xe-
verí. Acodio João da Silva de Soufa a remediar eíle pe-
rigo com o Terço de Auxiliares de Évora, de que era
Meílre de Campo Manoel de Lemos Mourão, que tam-
bém foi desbaratado , e o Meílre de Campo ferido , e
prifioneiro j e o primeiro Terço formado , que deteve o
ímpeto dos Caílelhanos , foi o do Meílre de Campo Se-
baírião da Veiga Cabral , porque os obrigou a fazer al-
to , e ganhou a primeira bandeira. O Conde de Schom-
berg , que com diligencia inexplicável acodia aos ma-
iores confliitos, acompanhado- dos Sargentos Maiores
de Batalha Miguel Carlos de-Tavora , e Diogo Gomes
de Figueiredo , puxou pelos Terços de Manoel de Sou-
fa de Caílro , Alexandre de Moura: ', Martim Corrêa de
Sá;
VARTE 11. Ul/RO X. 5x5
5á , e o de Tolon , e introduziudo-o a pelejar , obriga- Armo
rão todos os Caítelhanos a perder o terreno , que ha- ,.
yião canhado > e ao tempo , que o Coronel Xeverí vi- iUO> •
oha retirando-íe rechaçado , obfervaado o General da
Artilharia do polto , em que pelejava , eíta defordem,
correo á íègunda linha , fez marchar o Terço de Ayres
deSoufa , que com valoroías demonítraçoens de conten-
tamento agradeceo ao General eíte emprego. Subirão
ao monte, que defcia Xeverí desbaratado , compuzerão-
Iheo Terço, aggregou-fe o de Ayres de Saldanha, já fe-
rido em hum braço,defprezando o perigo para augmen-
tar a gloriai eeítes , e os mais Terços nomeados, rebate-
rão de forte a fúria dos Caítelhanos , que perderão não
fó o terreno , quehavião ganhado , mas todo , o que era
livre do embaraço das vinhas ; e o General da Artilharia
deixando feguro eíte fitio , e a artilharia laborando da-
quelle lado , que havia parado , por haverem chegado a
aelle os Caftelhanos}tqrnou a bufcar o Conde de SJoão,
que não tinha largado o primeiro pofto , em que valo-
rofamente fubfijtia : e vendo, que começava a haver fal-
ta de muniçoens ; porque as cargas , que vinhão dividi-
das pelos Terços, havião fugido, deípedio tão repetidas
ordens aEítremoz, antes de íe conhecer a falta, que
chegarão muitas cargas , que mandou Jogo repartir pe-
los Terços ; e no tempo, que íe dilatarão, mandava buí-
calas á re&aguarda do exercito aos Officiaes , que as vi-
nhão pedir , fem dizer , que faltavão , para que eíta di-
lação entretivelse o tempo , que bailou para chegarem,
as que vierão de Eftremoz,
Os inimigos tornarão a pôr em ordem os batalhoens,
que primeiro avançarão, e fegunda vez penetrarão a
nofsavanguirda pelos mefmos pafsos , que a primeira:
porém como os Terços eítavão com maior prevéção, foi
muito maior o eftrago , que padecerão : e Pedro Cefar ,
e Francifco de Tavora,Bernardino de Távora, e os mais
Oílkiaes daquella parte , como eílavaõ deftros com a
primeira experiência , continuarão a mefma conírancia,
e os inimigos fe retirarão pelas mefmas pizadas , e rece-
berão dos Terços da vanguarda , quehavião tornado a
X y fazei
i66$.
?i6 PORTUGAL RESTAURADO.
AnnQ ^azer duas frentes , furioíiílimas cargas : e pafsando eíle
corpo de mil e quinhentos cavallps , andou, todas as ve-
zes que inveítiraõ , entre elles o Conde de S. Joao at-
fiílido de alguns Officiaes, e peisoas particuJar-es , que
o acompanhavaõ com taóiníigne valor, quefuccedeq
varias vezes defcuidar-íe o General da Artilharia do pe-
rigo próprio ,. por admirar as heróicas acçoens deíle in-
fignevaraõ \ e vendo os dous , que os Caítelhanos de-
pois da íegunda inveílida fe detiveraõ largo eípaço iem
operação alguma , prefumiraõ , queefperava a Cavai-
laria Terços de Infanteria para esforçar o combate cora
mais vigor , e melhor efleito i e formado eíle diicurlo:
tendo-o por infallivel, correrão os Terços da vanguarda;
e louvando com multiplicados encómios aos Officiaes >
e Soldados, o valor, com que haviaó pelejado até aque^-
le tempo , osexhortáraõ a permanecer na conílancia ;
para acabar de vencer a batalha. Reíponderaó todo*
quafi ao meímo tempo , lançando os chapéos para o ar,
que antes morreriaó feitos em pedâços,que perder hun
palmo de terreno , em queeílavaó. Com alvoroço , í
alegria inexplicável ouvirão, e agradecerão os dous Ge-
neraeseíle militar impulíb ,ecom fumma brevidade pu-
xarão pelos dous batalhoens dos Capitães Manoel dí
Serra , e Joao de Sanclá , e reforçarão com elles o clarc
dos Terços de Triílaõ da Cunha , e Francifco da Silva
por onde os inimigos duas vezes haviaò avançado? ec
General da Cavallaria , que naõ tinha faltado hum pon<
to , com valor , e fciencia igualmente grande , ás nota
veis , e repentinas obrigaçoens da lua occupaçaò , fo
engrofsando com outros batalhoens de forte o lado ef
querdo , que arrojando-fe os inimigos outras vezes a in-
veftir , naó pafsáraô da vanguarda da primeira linha , t
naó foraô foccorridos das duas , que governava D.Dio-
go Corrêa ; porque temerão (ignorando a qualidade de
terreno ) os batalhoens do lado direito , quegovernaví
Simaõ de Vafconcellos , e D. Joao da Silva , tendo pai
infallivel , quehaviaõde atacallosfem refiílencia pele
coitado. No lado efquerdo da Infanteria , onde aífiítis
Pedro Jaques de Magalhaens com iníigne valor , e acf i-
'. - vidade;
1665.
PAKTE II. LfrKO X. 327
ridade , eílava a batalha mais vigoroía , e os Meftres de & nno
"ampo Manoel Ferreira Rebello , e Diogo de Caldas
metido , que os Cailelhanos intentavaõ delalojar humas
nangas de mofqueteiros , que guarneciao hiuis parc-
loens , que fe contiuuavaó pela deícida de humaenu-
lencia ; occupáraô o alto delia , e á cuíta de muito íart-
Tueacoaterváraõ \ porém nefte tempo achando-íe uni-
la toda a Infantaria inimiga , intentou romper os Ter-
mos , que íe lhe oppunhaô , e o pudera coníeguir, a naõ
icodir o Marquez de Marialva a taõ perigofo accidente
:om valoroía reíbluçaõ :, e alegre íemblante , feguido de
luma parte dos Terços da fegunda linha , com que fez
'ufpendertodo o arrojamento dos Caftelhanos.
Eraõ três horas da tarde , havendo pafsado íete de
:urioíb combate, fem que no decurfo deite tempo hou-
feíse o noíso exercito mudado o fitio , em que íe prin-
:ipiou abatalha,enefte tempo íe começou a reconhecer,
que os inimigos cediaõ a vido ria ; porque a artilharia,
que em larga -diftancia havia jogado , fufpendeo o iexer-
:icio , parou o impulfo da Cavallaria , e a forma da In-
fanteria começou a confundir-íe. Eiras demonftraçoens
reconheceo primeiro , que todos os do exercito , o Te-
nente General D. João da Silva , tendo em todas as oc-
cafioens o ingenho prompto para íaber ufar da fortuna:
e feita efta obierváçaõ , correo do lado direito aoeí-
querdo, e diíse a Diniz de Mello, que elle tinha por m-
fallivel , que a Cavallaria inimiga pertendia retirar-ie
porcontramafcha, e que fe o confeguifse da Campanha,
em que eftava formada , até chegar aos Olivaes de Bor-
ba , que lhe ficavaó na retaguarda , que toda iem du-
vida fe havia de íalvar em Geromenha : que lhe pare-
cia , que o General aballafse os batalhoens , com que
aíTiíKa , e que elle voltava a fazer o meímo com os do
lado direito , defembaraçando-osdasfanjas , ecortadu-
ras , que lhe ficavao na vanguarda; e que eftava ven-
do a Cavallaria inimiga com movimento tão inconftan-
te, que entendia havia de bailar o primeiro impulío
da nofsa , para a obrigar a fugir dèfordenada.^Approvou
Diniz de Mello eíla opinião , marchou D. João a execu-
X 4 tala^
328 PORTUGAL RESTAURADO,
Atino talaj porém vendo^ue fe dilatava o movimento dos ba-
êtíÚH talhoens do lado eiquerdo(como tinha concertado com
* 0D7 * t> General ) tornou a faber a caufa , je acliou que Diniz
de Mello , depois delle haver marchado , acodira a exa-
minar prudentemente o confii<5to da Infanteria , eo eí-
tado , em que fe achava , deixando ordem a Roque da
Coita, que os batalhoens íè naô moveísem , fem que
elle voltaise. D. Joaõ vendo , que os Caítelhanos hiaô
confeguindo o fim , que pertendiaó , de íe retirar ror
eontramarcha , diíse a Roque da Coita, que lhe parecia»
que elle devia aballar os batalhoens , comolhe propu-
nha; porque íe o General alli eítivèra, e vira a occaíiaõ,
que fe perdia , fem duvida os mandara avançar para lo-
gralía. Roque da Coita, que necèiíitava de menos eíti-
mulos para acçoens heroicas,e proteííava em igual gráo
valor , e entendimento , concordou co n a opinião d«
D. Joaó da Silva , que cabalmente fatisfeitó deita reío-
luçaõ , voltou para o lada direito , e ao mefmo tempe
chegou Diniz de Mello, e approvando o partido,que os
dous Tenentes G^neraes haviaô tomado , e mandando
três linhas de Cavallaria,que féguifsém â da vanguarda,
começou à aballar todos os batalhoens com grande or-
dem , e compoítura. O Conde de S. joao , e o General
da Artilharia vendo eite movimento , íizeraõ ao meíme
tempo marchar os Terços da vanguarda , parafegurai
com eite reforço o empenho da Cavallaria , fe acafo oí
Caítelhanos ( como fe devia iuppor ) tiveísem a perfif.
tencia , a que eítavaõ obrigados. O Conde de Sehom-
berg obfervando toda eíta bem regulada deliberação
ordenou ultimamente aos Meítres de Campo Manoel
Ferreira Rebello , e Diogo de Caldas , que marchafserc
a occupar huma collina , na qual, depois de ganhada,fli
eavaõ cortando a retirada da Cavallaria inimiga , que
ainda fuftentava a peleja í porém taòfroxamente , que
deu lugar , a que Pedro Jaques de Magalhães , tendo-é
por vencida , puxaíse pelos cinco batalhoens , que ha-
viaô ficado daquella parte , e obrado infign s acçoens,
governados ( como difsémos ) por Jeremias Jov te* e
marchafse a esforçar com eiles o combate da Cavallaria
P^RTE II. UVVí O X- 3^9
Tá nefte tempo havião Simão de Vafconceljos , e D. AnttO
íoão^da Silva defembaraçado do terreno , em que efta- ,,
vão , os batalhoens do lado direito , e quaíi todo o exer- w >
cito em batalha inveitio a Cavallaria inimiga , que nao
podendo refiftir a tão furiofo impulío ,volt©u as coitas
defordenada , e em defcompoíra fugida , e os Ofhciaes,
s Soldados vendo perdida a opinião , pertenderao har
as vidas , e as liberdades da ligeireza dos cavallos. Fc-
rão íeguidos da noisa Cavallaria até perto de Gerome-
nha -, receptáculo, que a muitos iewio de reparo aos
golpes , que os ameaçarão : ealgvmas horas antes ha-
via chegado áquella Praça o Marquez de€aracena,que
r.ão baixandO!da Serra da Vigaria em todo o fervor da
batalha , não tiverão mais exercício as luas largas expe-
riências , que reconhecer tão antecipadamente, que a
perdia , que fe retirou com menos fobreialtos , antes
do3 3Cêrcito eftar totalmente desbaratado , feguido do
Duque deOfsuna, que como particular havia afliltido
nefta Campanha, e de outros Círiciaes, e peísoas de
grande qualidade. O Marquez de Marialva vendo, que
a Iufanteria ainda períiília em pelejar, marchou comos
Terços da fegunda linha , e rtlerva , e inveíhndo todos
com os inimigos, acabarão totalmente de desbaratallos,
retirando- fe fomente para a Serra quatrol erços forma-
dos , que depois ie renderão : e reconhecendo o Mar-
quez abatida toda a oppofição dos Caltelhanos , victo-
riofo , e triunfante marchou com o exercito para Villa-
Viçofa , rendendo-íe, antes de chegar áquella Praça,
hum grande corpo de Infanteria f que fe havia retirado
a Borba. .
Os valorofos fitiados não havião eftado ociofos o
tempo , que durou a batalha ; porque ficando os apro-
xes guarnecidos com mil e oitocentos Infantes á ordem
de Nicoláo de Langres , que ingratamente havia pafsa-
do a França aoierviço d'ElRey deCaftella , eiqueei-
do dos benefícios , xrue recebera em Portugal, e períua-
dtndo-fe, a que podia coníeguir a gloria de render a Gi-
dadella, que todo o exercito não pudera avançar y man-
dou fazer huma chamada, eperluadir ao Governador
. Chriftu-
il
?3o PORTUGAL RESTAURADO,
Armo Chriftovao de Brito , que fe rendefse , pornaõ experi-
mentar , vencida a batalha , o caítigo da íiia contuma-
' cia ,• e deícobrindo-íe dos aproxes , para infirmar eíta
perfuaçaõ-com mais efficacia , lhe proteítáráõ da mura-
lha, que fe rettfalse,* confelho,que á ma euífca naó quiz
tomar,* eesforçaado-íe afazer novainítancia, recebeo
huma bala pelos peitos, que ao dia ieguinte lhetU
rou a vída , e nella a occaíiaõ de novos defacertos ,• e os
fitiados tauto que reconhecerão no embaraço dos inimi-
gos , que eítavaô nos aproxes , as evidencias da visto-
ria, fizeraó huma fortida todos os que eftavaõ capazes
de tomar armas,e a pezar da porfiada refiitencia ganha-
rão as trincheiras , degolláraõ a maior parte dos inimi-
gos , que as defendiaõ , fizeraõ-fe fenhores da artilha-
ria grofsa , e de hum morteiro , e coroarão com eíta ac-
ção todas , as que valoro famente haviaõ executado na
defenfa da Praça , onde fem damno chegarão os Capi-
tães António de Abreu , e Chriílovaõ Dornelías , que
o Marquez de Marialva havia mandado de Extremoz a
íbccorrella com fefsenta mofqueteiros , como referi-
mos.
Chegou o exercito a Villa-Viçofa , enaõ havendo
em todos aquelles valles ecco , donde naõ retumbaisem
ásfuavesconfonancias da vitoria , ficou taó proítrada,
e abatida a vaidade Gaftelhaaa , que nâo fó Portugal,
mas toda a Europa triunfou da lua dif graça. Particula-
rizar asacçoens dos Cabos, e Oííiciaes , que tiveraò
parte neíte gloriofo fuccefso , fora pertender contraíhr
hum impoffivel ,■ e fica fácil conhecer-fe em todos os fe-
culos , que qualquer dos nomeados , ou na batalha, ou
na forma do exercito, e aquelles que pela eonfufaõ, que
oecafionava á hiítoria , fe nao efp fcificaó , procederão
com tanto valor , que fe conítituíraó invencíveis , e
deixarão no tempo da Fama eternamente confagrada a
fua memoria.
Paísárao de quatro mil os mortos , que ficarão na
Caminha do exercito de Caítella ,• e de íeis mil os pri-
íioneiros.Tomaraó-fe três mil e quinhentos cavallos,que
fé dividirão pelas Companhias , epelo Reino. Os pri-
fionei-
VJRTE 11. L1FK0 X. 351
ioneiros de maior fuppofição foraó o General da Cavai- Anno
ária D. Diogo Corrêa, D. Gaípar de Aro, filho do Con- " ,
3e de Caíbilho (naquelle tempo valido d'ElRey D. Fi- *°°>«
lippe,genro do Marquez de Caracena,e Capitão das fuás
Guardas ) que morreo em Eítremoz das feridas, que re-
:ebeo na batalha, com fouces dias de prizão ,• e a mef-
a*a infelicidade padecerão os Sargentos Maiores de Ba~
:alha D. Manoel Garrafa , e Nicoláo de Landres , que
rambem ficarão priíioneiros : D.Francifco de Alarcão,
hhò de D, João Soares , os Tenentes Generaes da Ca-
irallaria D. Belchior Porto Carrero , e D. Jofeph da la
Reategui , os Commiisarics geraes da Cavallaria D. Jo-
feph Roguera , e D. Garcia Sarmento, o Principe deXe-
te,Coronel de hum Regimento de Cavallaria Franceza,
D^Franciico Flanquet, Coronel de hum Regimento de
Infanteria , o Tenente Coronel lederico Henrique de
Ganceut , os Sargentos Maiores Cláudio Cubim , e li-
burt , o Meftre de Campo reformado D. António Gin-
daíte,o Governador das Guardas do Marquez de Cara-
cena D.Gonfalo de Guerra, o Conde de S. Martim,o Ba-
rão deEílubeque , quatro Capitães de cavallos , trinta
Capitães de Infanteria vivos , vinte eíete reformados,
dezanove Tenentes de Cavallaria,íeis Ajudantes da Ca-
vallaria, cinco de Infanteria; íeísenta e dous Alferes vi-
vos , dezaíete reformados , quatorze í orrieis , ielsenta
edous Sargentos , os Adminiílradores gerats do exer-
cito , e do Holpital , quatorze peças de artilharia , dous
morteiros , quantidade de balas , tedas ?.s ai mas da In-
fanteria ,• porque toda , a que fe achou na batalha vficou
em Portugal : oitenta e féis bandeiras de Infanteria ,
dezoito de Cavallaria , os timbales do Marquez de Ca-
racena , e do Principe de Parma, todos os fornos de fer-
ro , inílrumentosdeexpugnação , e ferramentas , que
trazia o exercito.
A perda , que tivemos , não pafsou de íetecentos
mortos ,• entre elles os Capitães de cavallos João Pinto,
Baltha lar Freire ,.Cuítodio Soares, Francifco de Cli-
vares, Tenente de D. Miguel da Silveira , Bartholomeu
Ferreira, Jacinto de Sampayo , Tenente da Companhia
da
5 f% POTRUGAL RESTAURADO,
An no ^° Sargento Maior de Batalha Miguel Carlos , os Ca-
* , pitães de lnfanteria Franciíco Velho de Avelar , Jofeph
* 005, Fialho , e outros Oíliciaes, Os feridos paísarão de dous
mil ,• os de maior luppoíição forão D.Miguel daSil»
veira com quatro feridas recebidas com o valor, que ha-
vemos referido , D. Manoel Luiz de Ataíde , que havia
deixado o poíto de Tenente General da Cavallaria , pe-
lo haver leu pay cafado , e não querendo faltar em
occaíião tão fignalada, acompanhou na. batalha a D.Mi-
guel da Silveira,* eordenando-lhe no conflito o Gene-
ral da Cavallaria, que introduzilse alguns Batalhoens a
pelejar , recebeo cinco grandes feridas ,• mas nem elle,
nem D. Miguel quizeraó retirar-fe, fem a certeza da vi-
ctoria. Henrique J íques de Magalhães , que de quinze
annos de idade,' e que já fe havia achadojna batalha do
-Canal , recebendo hu ma bala pelo r oito , o obrigarão,
a que fe retiraíse ; e acompanhando-o dous Soldados de
cavallo até os Eílremoz, lhes ordenou do caminho , que
voltafsem para a batalha , dizendo-lhes , que mais fal-
ta fariaõ nella , do que lhe faziaõ a elle: Manoel de
Siqueira Perdigão , Tenente do Meítre de Campo Ge-
neral , Duarte Teixeira Chaves , que exercitava o mef-
mo poíto lia Provinda de Trás os Montes . que acer-
tando-lhe huma bala , e dando-lhe duas grandes feri-
das, fe naõ quiz retirar até o fim da batalha com peri-
go evidente , e arrebatando a hum Alferes de huma
Companhia de Couraças no maior fervor da batalha
hum -Eífcaíidàrre das mãos , o preíéntou valoroíamente
ao General da Artilharia: o Meítre de Campo Franciíco
da Silva de Moura , o Meítre de Campo Ayres de Sal-
danha, que também com louvável valor fe não quiz re-
tirar*, eítando tão mal ferido ; que ainda depois de cura-
do veyo a padecer continuo embaraço : o Capitão de
cavallos Franciíco de Albuquerque deCaítro, que com
ardor implacável recebeo vinte e duas feridas: o Cam-
, taõ de lnfanteria Manoel de Mello. Dos Oíficiaes Fran-
cezeso Tenente Coronel Gheldox, que matáraó:o Con-
de eh Mi ré , e outros de póftos inferiores? porém todos
os defta Naçaõ íizeraó acçoens memora veis,e dignas de
.$$eí tá memoriai
Logo
pjrte n. un.o j. hí
Logo que o exercito chegou a Villa-Viçoía , en- AnnO
rou o Marquez de Marialva na CidadeHa gloriofo,e ,£•-
riunfante , não íó pela grandeza do fuccefso , fenão l°0>»
selo valor , e acerto , com que havia procedido , e com
)s encómios , que era juílo , louvou ao Governador
Chriítovão de Brito , aos Meítres de Campo , emais
Dfficiaes fitiados o fingular valor , com que tinhaô pe-
ejado , e deu graças a todos os Cabos , e mais Ofrkiaes
io exercito , que fe acharão p relentes :e lembrando-fe
ia paisada controverfia , que havia tido com o General
la Artilharia , lhe difre abraçando-o que lhe dava fua
palavra de nunca mais fe deixar enganar de alheyas in-
'ormsçoens; premefsa que lullentou5em quanto lhe du-
rou a vida , com demonílraçoens muito afieduofas ; e
:om poucas horas de dilação mandou Simão de Vaicon-
:ellos a Lisboa com a nova da vicloria.Partio diligente-
nente , e chegou á Corte ao dia leguinte ás fere horas
la tarde. Foi a alegria igual á felicidade: baixou EIRey,
; o Infante á Capella a dar graças a De os por beneíi-
:io taõ fignalado. Fez huma dilcreta Oração Fr.Domin-
gos deSantolhomás, Meítre , e Pregador de grande
ípiniaõ , da Ordem de S. Domingos. Da Capella íahio
ÊlRey até á Sé acompanhando o SantiJli mo Sacramento»
evou-o o Bifpo de Targa, (eleito de Lamego ; ) e vol-
tou ao Paço acompanhado da Nobreza , e leguido do
Povo, que com alegres vozes applaudia na vi&oria con-
feguida o remate de todos os trabalhos padecido em taõ
lilatada guerra na cófideraçaõ do eltrago das forças de
Caítella , e na debilidade dos annos d'ElRey D. Filip-
pe , que era fó quem íuítentava as difgráças da Monar-
quia , por não ceder ás felicidades de Portugal. Reco-
lhido EIRey ao Paço , deípachou o Conde de Caitello-
Melhor hum correyo ao Marquez de Marialva com car-
ta d' EIRey de agradecimento do valor , e acerto ; com
inie havia procedido ) e outra para os Cabos , e OfEciaes
Maiores , e ordem * que continuafse os progrelsos na .
Forma, que julgafse mais conveniente ao credito , e uti-
lidade das fuás Armas,
Eíta foi a ultima das féis batalhas > que os Portu-
suezes
j}4 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno guez es ganharão aos Gaítelhanos depois da Acclamaçai
/^^ venturofa d'EIRey D. Joaõ IV, e a vigeíi ma primeira
,00;« contando a de outros feculos , Como confta de acredi
tados , e diferentes Authores, alem dos memoráveis re
co ntros , efignaladas funçoens , em que por particula
providencia fempre a Naçaó Portugueza fahio vi&ó
riofa. Poucas Nações houve em Europa , q fe naõ achai
ièm na batalha de Montes Claros , te ÍHm unhando nã<
fó o valor , mas a.fciencia , com que foi confeguida eí
ta íignalada victoria , naó havendo accidente , a que o
Cabos , e Oiiiciaes Maiores não acodifsem de partes dif
ferentes com tanta promptidaõ, e deftreza, como fe an
tiçipadamente houvefsem conferido, o que executavão
e todos os Terços , e batalhoens de Cavallaria fouberã<
ufar do beneficio do tempo com tanta arte, que moítrá
raô os Soldados , que não dependiaõ das ordens dos fu
periores , eímaltando eílas virtudes oluzimento gera
de todo o exercito , em que fe defcobria a opulência d<
Reino. O defpojo deita batalha foi menor , que o qu«
fe confeguio na do Canal ; porque como eílava pouc*
diítante a Praça dê Geromenha , o efpaço de oito horas
que durou o confliélo , tiverão os Caflelhanos , que fi
icáraõ nos quartéis , para fe retirarem com as tendas , <
bagagens y fó fe recolherão as armas,muniçoens, e man
timentos , que foraò innumeraveis.
O Marquez de Marialva,tanto que recebeo a orden
d<ElRey de intentar a empreza , que lhe parecefse mai
conveniente , chamou a Confelho , e propoz os inte
refses , é inconvenientes , que podiaõ feguir-fe de fe in
tentarem novas em prezas, Ventilou-feeíta matéria , <
na conferencia houve diíTerentes pareceres. Diziaõhun
que o Sol era tão intenfo, que não podia haver em
preza , que não fofse mais cuftofa, que conveniente pe-
las enfermidades , que ós Soldados haviaó de padecei
fem remédio, como fe tinha experimentado em toda:
as Campanhas antecedentes : que os mantimentos erac
poucos', e as carruagens , que os haviaõ ' dê conduzir I
inferiores áquellas, de que neceíiitava taó grade exerci-
to; qne neíba coaíidóíaçaó parecia o mais prudente con-
felho
PJRTE 77. I7TRO 2. ^y
èlho aquartelar-fe o exercito,para fe empregar em tem- j^nrio
)o menos perigofo. Seguirão diferente opinião o Con-
lede Schomberg , o Conde de S,Joaô , e o General da 1$©J»
artilharia D. Luiz de Menezes , e o Sargento Maior de
^atalha Miguel CarJos de Távora , dizendo, que naõ
>odia haver razaõ para o exercito fufpê^ej>ofrprogre£-
os de huma viciaria taô íignalada,fem haver precedido
rio is trabalho aos Soldados, que hum dia de Campanha,
?m maior perda , que a deíetecentos mortos, e dous
nil feridos ; que a dilação da aííiítencia da Campanha,
sm Ter muito grande» poderia fer muito conveniente,
com muita felicidade íe fuítentaria o exercito fem de-
endencia de quantidade de mantimentos , edemulti-
ao de carruagens i que a Cidade de Merída era muito
acil de ganhar , fendo celebre , e conhecida pela lua
ntiguidade , por não ter mais defenia, que huma anti-
;a , e desbaratada muralha; que o exercito podia mar-
har junto a Guadhna,até chegar a Merída, com que fe
vitava o perigo da faíta de agua ; e que a Cavallaria
>odia fuítentar-fe dos trigos , e cevadas das fementeiras
[aquellas dilatadiílimas , e férteis Campanhas , que não
ftavaó recolhidas : que de fe ganhar Merída fe conie-
,uia a grande utilidade de fe arrazar aquella Cidade en\
,rande prejuízo da confervação de Badajoz j é que por
er rica, e abundante » fervíria aos Soldados de fatisfa-
ao, e premio ao valpr, com que haviaõ padecido: além
iefta empreza , naõ feria menos faclivel a das Cidades
ieXerés , ou Brofsas com outros muitos lugares íitua-
los naquelles diílriclos ; e que na marcha de qualquer
lellas fe encontrarião iguaes çômmodidades , ás que íe
lavião reprefentado na empreza de Merída je que ulti~
namente qualquer intento parecia mais decorofo , que
quartelar-fehum exercito numerofo, e vencedor, fem
riais trabalho , que hum dia de Campanha. O Marquez
le Marialva ; fuppoflo que feguio a opinião contraria»
ião quiz tomar a ultima refolução, fem dar conta a El-
&ey, Def pedido hum correyo com efta propofta , e El-
^ey refolveo , que o exercito fe aquartelafse j delibe-
ração, que logo feexcutom
OMãr*
HW
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■SM
V6 PORTUGAL RESTAURADO,
Atino O .Marquez de Caracena recolhendo em Badajoz a
poucas tropas,que efcapáraõ da batalha ,tornando a com
Iooj>. polas na fórma,qnelhemanifeítavaoaperto,em queí
achava , as d^vidio pelas Praças mais importantes, qu
deviaò temer os progrefsos do exercito vi&oriofo , '
promptamente deu conta a EIRey D. FUippe da infeli
cidade , que havia padecido , dizendo , que obíérvandi
os preceitos militares , atacara a batalha com firmes eí
peranças da vi&oria : que a pleiteara com grande ardo
todo o tempo , que lhe fora poíiivel j porém que de
pois de pafsadas muitas horas de furioíb combate , fio
ra desbaratado com taô coníideravel perda do exercifr
de Portugal , que brevemente determinava penetrar
Provinda de Alentejo;refoluçaõ,de que efperava a con
fequencia de felices progrefsos,- porém que para execu
tar eíte intento neceííitava de foccorros promptos , d
gente , e dinheiro. A carta, que continha eílas razoei
mandou o Marquez por hum confidente feu com order
exprefsa dea entregar nas mãos próprias d^lRey.Che
gou a Madrid , e achando EIRey no Bom-retiro , Ih
entregou a carta , e publicou-fe, que lendo-a até o por
to , em que o Marquez declarava , que o exercito for
desbaratado , lhe cahira das mãos , dizendo : Parecei
quiere Dios , e fem dar outra reípoíta ao Oíticial, que Ih
levou a carta; fe recolheo com moílras de excelíivo fan
timento.Confufamente fe divulgon eíta nova pela Cor
te ; e conforme os afFeétos , e os interefses, fe deu cre
dito ás primeiras noticias. Brevemente chegarão do ex
ercito muitas , que juíliricáraõ a verdade , e fe diílundi<
por toda a Monarquia de Caílella o intimo pezar de tã<
lamentável perda ,■ e como nas difgraças feexaminaó a
caufas pelos eífeitos,condemnavao os Soldados ao Mat
quez de Caracena a mal fundada arrogância de atacar ;
batalha fem forma , Só pelo fundemento imaginário
e incerto , de que o exercito de Portugal a naõ poderi,
tomar, reconhecendo-fe , que vinha em marcha , per
tendendo com huma defordem infalHvel vencer outr;
defordem duvidofa , e expondo-íe ao perigo manifeírx
de naõ poder dar remédio ao erro , que fazia , defvane
cid<
PJRTE -/// LIVKO X. 3?7
-ido o intento que levava. Os Gortezâos culpavaõ a j\rmo
bonde de Caítrilho í porque havia encontrado as nego-
-iaçoens, que antes da batallia infinuavaó accomrno-
damento entre as duas Coroas. Os parciaes de D. Joao
de Auílaa eraó os que menos ientiaõ a perda da batalha
pela arande antipatia,que Djoaõ tinha com o Marquez;
*afuadifgraça fazia menos feníivel a que D. Joao ti-
nha padecido na batalha do Canal : porém como ElRey
naõ achava outro Cabo , que julgalse por mais capaz ,
que o Marquez , a impoíTibilidade o obrigou a diMimu-
lar o fentimento daquelle fuccefso,e a deixar o Marquez
continuando a lua occupaçaõ.
Poucos dias depois de aqnartellado o exercito, con-
feguio o Marquez de Marialva licença para pafsar a Lis-
boa , onde foi recebido com o merecido applaufo do
ieufmalado procedimento. O Conde de S. Joao , e Pe-
droJaques de Magalhães voltarão para as luas Provin-
das i e todo o tempo , que durou o Eítio , ficou o Con-
de deSchomberg governando as Armas; e naô houve
acçaõ digna de memoria, aílim por embaraçar os progref-
fos do exercito o exceílivo calor , como pela falta de
mantimentos para a Cavallaria pela dei ordem, com que
ajunta do Commercio tratou efta adminiílraçaÕ , que
tomou por íua conta.
Na entrada do Outono teve noticia o Conde de
Schomberg que duas léguas de Badajoz , Ribeira aci-
ma do Guadiana , em hum íitio chamado as Charcas
baisavaõ quantidade de mulas do Trem da artilharia , e
alguns cavallos ; e entendendo que feria faclivel , man-
dando pegar neita preza por huma partida , fahir a Ca-
vallaria de Badajoz a reítauralla , na fuppofiçaô de naô
haver mais poder , que a defendefse , que a Cavallaria
de guarnição de Campo-Maior , juntou mil e duzentos
cavallos,e marchou com o General da Cavallaria, os Sar-
gentos Maiores de Batalha, eOfficiaes de Ordens, e
fahindo ao anoitecer de Campo- Maior,fez alto nosma-
Éos deSagrajes , fitio capaz deconfeguir o intento pre-
meditado. Succedeo que no mefmo dia ,em que o Con-
de de Schomberg aguardava cortar a Cavallaria de Ba-
Y dajoz ,
*W
}}« POTRUGAL RESTAURADO,
Aflno dajoz,fahio daquella Praça o Principede Parma com ol
tA*e tocentos cavallos a armar á Cavallaria da guarnição d<
°/# Elvas, que havendo marchado com o Conde , ficárat
por eíte refpeito recolhidos os gados , e o Príncipe íeir
effeito correo aquella Campanha. Governava Elvas Joac
Leite de Oliveira , e logo que os inimigos fe defcobri
raõ, mandou difparar quantidade de artilharia, para q.uc
ouvindo-a o Conde de Sçhomberg , entendelse , que oi
inimigos andava > naquella Campanha , e com eíla no-
ticia frzefse eleição do partido , que julgafse mais con-
veniente. O Conde , tanto que ouvio a artilharia de El
vas, entendeo a razão do final, o que verificou hum lie
ligiofo , que tomou a partida , que foi avançada a pega:
nas mulas , efe retirou íem elías , por não haverem la
hido naquelle dia , dizendo ; que a Cavallaria de Bada
joz marchara para Elvas : porém o Religiofo acerefeen
tou tanto o numero de Cavallaria , com que diíse fahi
ra o Príncipe de Parma , que ahirmou lerem três mi
cavallos , o que erão íó oitocentos. O Conde , e o Ge
neral da Cavallaria re foi verão a retirar-íea Campo -Ma
ior , dando credito a eíla informação , e com effeito í<
puzerão em marcha. O Príncipe de Parma tomando m
Campanha de Elvas alguns priíioneiros , foube , que «
Cavallaria daquelle alojamento tinha paísado a Campo
Maior* porém não teve noticia, que o Conde de Schom
berg , e o General da Cavaliaria havião marchado con
tllaj porque os paizanos fó pela inferência dos gado)
nlo fahirem da Praça affirmárão , que a Cavallaria eíla
V a fora delia. Parecendo ao Príncipe de Parma muite
opportu na aquella occafião , entendendo, que entre a
Companhias de Elvas , e Campo-Maior ( que era fó a
que fuppunha, que tinhão entrado) não pode rião fa
lur á Campanha ,< mais que fetecentos Cavallos , avizoi
ao Marquez de.Caracena, pedindo-lhe , que lhe reme
tefse Infanteria , e as mais Companhias de cavallos
que fe achafsem em Badajoz. O Marquez íem dilaçãc
mãdou encorporar com o Príncipe íeiscentos Infantes, <
trezentos Cavallos , com que marchou oRioXévorc
ôcimacoín tanta diligencia , que havendo andado pou-
■r
PARTE II. LIVRO X. 339
o mais de huma légua , fe encontrarão os batedores de ^
mm , e outro troço, e o Conde de Schomberg, que
■om a noticia antecedente marchava com grande caute-
a , mandou avançar cinco batalhoens com ordem , que
:arregafsem com toda a fúria todos os inimigos, queen*
:ontraísem , o que fe executou com tanta actividade ,
me o Príncipe de Parma havendo deicuberto , que o
íofso numero de batalhoens era maior , do que fiippu-
iha , perplexo na reíòhiçaô de pelejar, ou retirar-ie,to-
rtou intempeftivamente o fegundo partido ; porque a
iiftancia $ que havia entre hum , e outro troço , era taõ
xmca , que ficava o rifco da retirada luperior ao da pe-
leja i principalmente naô fendo tanta a deiigualdade do
lumero da Cavallaria , que a naó pudeísem íupprir os
feifcentòs Infantes. Tomado efte infelice partido , e re-
:ohhecendo-o o Conde de Schomberg, e o General da
Cavallaria , aprefsáraó a marcha , e nella o receyo aos
inimigos , que fe augmentou de qualidade , que os ba-
talhoens defamparáraó a Infanteria , que fem reíiftencia
rendeu as armas, dando lugar, a que a maior parte
da Cavallaria avançafsem aosCaitelhanos ; porém elles
fugirão com tanta brevidade , que os nofsos Cabos, fup-
pondo , que era maior o corpo da Cavallaria , pela no-
ticia i que o Religiofo havia dado , mandarão feguir os
inimigos , fem defcompôr a forma , conhecendo , que
a regra da prevenção he tanto mais fegnra , quanto vai
da prudência de cõfervar o próprio á fortuna de conqui-
íhr o alheyo. Os Caftelhanos correrão até Badajoz, par-
teem que fó fe derao por feguros, e o Conde de Schom-
berg^ o General da Cavallaria chegarão a aviftar aquel-
3a Praça , e a pefsoa do Marquez de Caracena j que do
alto do oiteiro de Santa Engracia obfervava a defgraça
<laquelle fuccefso; e experimentado fuccefliva mente no-
vos eftimulos á cofera demaíiada , de que era compofto,
foi pouco o tempo, que íhe durou ávida, tomando
principio defta pena a enfermidade, de que depois mor-
reo. Perderão os Caftelhanos no alcance quantidade de
cavallos , e poucos fe retirarão , fe a ordem não enfrea-
ra a refoluçaõ. Voltarão para. Elvas os douS Generaes , e
Y í dentro
\ ---
-p
340 PORTUGAL RESTAURADO,
Ánnodei*tro ^e poucos dias mandou EIRey ao Conde <
1 66 « SchomberS paísaíse á Provinda de Entre Douro , e M
1UU>1 nho com três Regimentos de Infanteria , hum" de Al
» «« „ rw* mães ' dous de InSIeZes » e hum de Cavallaria íranc
âíschmkrg za> a reforçar o exercito, com que o Conde do Prado d
por*râm#Ei* terminava fafrir em Campanha a confeguir a emprezs
Rey a Enm que em lugar competente referiremos. -
foTílropt Ficou gove"l_ando a Provinda de Alentejo o Gem
de AUnttj: ral da Cavallaria Diniz de Mello de Caftro , a quem n<
Vãmente EIRey tinha mandado Patente de Meftre t
Campo General da Ca valia ria. Chegou ao Marquez i
Caraceaa noticia que o Conde de Schomberg hav
paísado á Provinda de Entre Douro , e Minho , e nei
'confiança formou hum corpo de dous mil cavallos ,
dous mil Infantes , comquepafsou de Badajoz a Cer»
menha , e marchando por Alcaraviça, chegou á Villa c
Veiros , que duas vezes havia íido arruinada , e nao e
defendida de alguma guarnição. Queimou as poucas c
ias, que achou habitadas de alguns moradores , e co
apreísada marcha paíbu a Fronteira , onde fez o mefir
damno, ecom igual celeridade , á que havia trazida
tomou a voltar para Badajoz. Diniz de Mello com
primeiro avizo , que teve da entrada dos Caítelhano;
juntou diligentemente todas as guarnições dos quarte
mais vizinhos, e pondo-íe em marcha, foube que o Ma
quez de Caraeena , D* Diogo- Cavalhero , e o Princij
de Parma, que o acompanharão, fe haviaô retirado co.
pouco eifeito > e menos- reputação , por ferem fimilhai
tes entradas fó permittidas aos Officiaes inferiores ,
condemnadas aos Cabos fupremos» Ao mefmo temr.
com mais aírofo fuecefso fahio de Moura o Tenente G
neral da Cavalíaria D. Luiz da Coita * e entrou em Ca
tellacom feifcentos cavallos, e outros tantos Infante
Marchou pela parte de Gibraleao , e. chegou ao lugar c
S. Bartholomeu , <]ue era grande , e rico Determin
raõ os moradores defender-le , e naó lhes valendo a r
ioluçao -, foi entrado' o lugar , laqueado , e queimaji
tefpeitando-fe unicamente as Igrejas , e tudo o que t<
cava ao culto Divino > e palsando a Caíltlejo ., Villa <
íeifcei
PARTE II. LIVRO X. 341
nfc-ntos fogos, teveomefmo fucceí^o j e eraô eftes Anno
St priores, que de! Sevilha & ^£ ° l* l665.
^ndio delles com notável confufao daqueUa grande, e t
ffittcSade. Retirou-fe D. Luiz da Coita, trazça-
ros gados daquelles contornos , e os Soldados ricos de
K^Tcno caminho degollou três Companluas d,
Santeria, que marchava Ó a ioccorrer Gibraleao.
De vama , e outra parte íealternavao as entradas
:om Gerentes fuccefio/ todos de J^W^g»
-entre elles houve hum fó digno de memon . Sahu>
eCampo-Maior o Alferes Álvaro Fernandes (por al-
udia oVvrraõ) a tomar lingua com vinte cavall**,
encontrou hum Tenente Caftelhano com trinta , que
EevavaÕ huma preza Xnveíliraõ-fe as duas^ partidas x
UnceraÔ os Caílelhanos,fugio o Alferes ma fendo com
doze Soldados. Vendo-íe livre do perigo , lhe entrou o
fentimento da quebra da reputação, eaffli&o pedio aos
doze Soldados , que o ajudaísem a recuperalia : promet-
teraõ-lhe valorolamente de o acompanharem , ate per-
der as vidas. Voltarão todos , e chegando aos Calteína-
nos, depois de haverem paisado os lugares % da Raya ,
fem temor de malograram o fueceíso , que tinhao con-
ferido , inveíHo o Alferes com elles , e depois de por-
fiada contenda os desbaratou : deíniontou treze , que.
trouxe prifioneiros , fugirão os mais , reigatou a preza,
retirou-ie para Campo-Maior com taõ penetrantes ten-
das , que dentro de poucos dias acabou a valorola vida
çom muito glorioía morte.
O Marquez de Caracena defejava moítrar ao munao
o defeio , com queeílava,de emendar o máo fueceíso cia
batalha de Montes Claros: por eíle ref peito , nao po-
dendo coníeguir maiores progrefsos , fazia varias entra-
das em lugares abertos , e quafi defpovoados , e conie-
guia referirem-fe eftes fuccefsos nas Gazetas Caiteina-
nas , dando-fe titulos de Cidades populofas aos lugares,
em que entra vaôtporém eílas ficçoens naõ erao mais du-
ráveis , que o tempo que fe dilatava defcobrir-fe a ver-
dade , e refultava maior prejuízo aos que determina-
vaõ emendar erros com falfidades. Continuando o Mar-
y } quez
M
341 VORTUGAL RESTAURADO,
AnnO quez de Çaracena ointento referido , mandou entra*
1&6 K mil cavaI]os ' SUe marcharão junto a Elvas , e chegarão
/'ao lugar de S.Eulalia, e achando-o com guarnição, rece*
bendo algumas cargas , paísaraõ a Barbacena, e queima*
rao âs caías do pequeno Arrabalde , que naó tiahaò de*
fenía. Sem mais operação voltarão para Badajoz , eao
meímo tempo entrarão outros mil Ca vallos por Mo n-
carás, íizeraó huma preza ,e queimarão algumas Aldeãs,
Quando fe retiravaó,encontrou huma;partida hum Sol-
dado de cavallo das ordens , que Diniz de Mello com a
noticia deita entrada mandava ao Commiísario geral
Joaô d O Crato , ordenando4he , que marchaíse com to-
da a diligencia a fe encorporar com eMe } efuppondo os
Caítelhanos comeíta noticia,que amefma ordem have-
ria chegado a D. Luiz da Coita , Foitaõ eiiicaz o incon-
siderado receyo , que conceberão, que largarão a preza,
e fugirão com tanta prclsa , e defordem , como feforaó
desbaratados:que eíteseííeitoscoítumaõ produziras Ar-
mas vittorioías.Dentro de poucos diasfahio de Badajoz
o General da Artilharia D. Luiz Ferrer com três mil In-
fantes , edous mil ca vallos. Chegou a Santa Eulália,
que achou lèm moradores,nem preíidió, tirando-íe-lhe,
por na 6 eítar a fortificação capaz de defenfa-, e haver
Diniz de Mello conhecido , que o Marquez de Çara-
cena fe applicava a eítes pequenos empregos. Naquelle
iitio fe detiveraõ os Caítelhanos huma noite, eao dia
feguinte paísáraó pelo Forte de Barbacena,íem ferefol-
verem a atacaílo.
As aguas do Inferno feparára© as entradas de thuma,"
e outra parte, e acabada a Campanha do Minho, vol-
tou o Conde de Schomberg para a Província de Alente-
jo com a gente que havia levado,e com grande âttençao
diípoz os progrefsos da Campanha Futura , entendendo
dos fuccefsos antecedentes, que ou o aperto, em que fe
aehavaó os Caítelhanos, os havia de obrigar a pedirem
a Portugal huma paz mui vantajofa , ou a íua contumá-
cia os havia de chegar i ultima ruinavporque as differen-
ças entre aquella Coroa, e a de França crefciaõ de íorte,
< que .ameaçava© o ultimo rompimento.
\... )
PARTE IL LIVRO ri m
Os progreísos das Campanhas antecedentes- haviaõ AfttlO
abatido de lorte o poder de Galliza , que nao.dava ao ^
Conde do Prado tanto cuidado adefenía da Província .»»«>*
de entre Douro , e Min lio , como a efcolha da conquif-
ta de alguma das Praças mais importantes dos inimigos;
porém áCampanha de Alentejo o obrigou a deferir os
Ímis intentos para o Outono. Nos primeiro» mezes dei,
te anno naõ íuccedeo encontro digno de memoria, bm
o mez de Abril teve o Conde avizo de António Paes de
Sande ( que fervia a occupaçaõ de Corregedor da Praça,
de Monção (que determinava palsar a eíle Reino com
toda a fua familia, por fer nafcido nelle , e ter pafsado a
Caftella no anno de mil feiscentos ecinçpentae cinco,
com fua mulher , e filhos , e com faculdade d'hlRey D.
Joaõ a cobrar fazendas , que tmha em índias» para cujo
efFeito lhe foi precifo fervir aquella Coroa em lugares
de letras. Era muito diíHcultoío o efièito da fua delibe-
ração , por fer grande a vigilância dos Caílelhanos, que
prefidiavaõ aquella Praça: porém o defejo que tinha An-
tónio Paes de voltar para a fua pátria, lhe facilitou o ca-
minho deoconfeguir, peque depois de haver ajuita-
do com o Conde do Prado a forma de pafsar a efte Rei-
no , publicou , que promettera huma Novena a huma
Ermida de nofsa Senhora, que eftava pouco diftante de
Monção , e com eíte pretexto diffimulou de lorte o leu
intento, que em hum dos dias da Novena mandou o
Conde do Prado ao Commifsario geral António Gomes
de Abreu com quatrocentos cavallos a emboícar-le em
hum fitio cuberto , pouco diftante da Ermida. Chegou
a elle com a fortuna de naõ fer fentido , e quando lhe
pareceo hora conveniente , avançou a ganhar a porta
da Ermida , onde achou prompto António Paes com lua
mulher,e filhos para a execução da promeísa,quehaviao
feito. Montarão todos com diligencia nos cavallos, que
o Commifsario geral trazia prevenidos para eíte fim.bar.
hioao mefmo tempo da Praça toda a Cavallaria , e_ In-
fanteria da guarniçaõ:carregáraõ-na os nofsos batalhões»
e fuftentáraõ aefearamuça todo o tempo que baftou,pa-
ra que os novos hofpedes chegafsem alugar feguro , e
a * y ^ com
1
?44 PORTUGAL RESTAURADO,
Armo com efta certeza fe retirou o Commifsariô, havendo te*
i66< mad° aosinimig°scinc°entacàvalÍos. Recebeo o Cort-
>* de do Prado António Paes com a honra > que pedia a
noticia do feu merecimento. Remetteo-o a Lisboa, onde
conleguio a occupaçao de Provedor dos Armazéns , de-
pois de haver pâfsado a primeira vez á índia * e voltan-
do fegunda com o lugar de Confelheiro Ultramarino, e
occupaçaó de Vedor da Fazenda da índia , a governou
quatro annos por morte de D.Pedro de Almeida com
muito aceito.
Junta re n* Começou neíte tempo a haver noticia , que os Gal-
PrrvmcU de %S0S fe Papara vaõ para íahirem em Campanha. Fez o
Entre Douro, e Conde do Prado a mefma diligencia na certeza r de que
Minho bum p0- mmmto dos inimigos era divertir, que as noisas tropas
e*<w'*Vp^aísem a Alentejo. Neítas preparações Te patsou de.
huma, e outra parte ate o mez de Outubro , tempo , em
que ElPvey reíbíveo , que o exercito daquella Provín-
cia com ofoccorro de outras fahiíse em Campanha j e
como eíta determinação eílava premeditada de muitos
mezes antes , havia o Conde do Prado feito asprepara-
çoens para a guerra offerííiva com tanto fegredo , que
naôfeentendeo fedifpunha mais ,que para a defenfa
da Provincia^ Chegou o Conde de Schemberg a Entre
Douro , e Minho com as tropas extrangeiras r que- refe-
rimos, e Pedro Jaqu es de Magalhães com quinhentos ca-
vallos , e mil e quatrocentos Infantes da Provincia da
Beira r do Porto o Conde de Miranda com dous Terços
de Infan teríà , a quem acompanhava feu íilho Dio-
go Lopes de Soufa ; e como particular D. Francifco de
'Sá , Marquez de Fontes -r fe achou no exercito , onde
procede© com o Valor , que acreditava' o feu nobre fan-
guej- de Lisboa o Conde da Torre , Meífre de Campo
General da Extremadura;eda Provincia deTrasos Mon-
tes tirou o Conde de S. Joaô três mil Infantes , e oito-
centos eavaílos , e unidos os referidos foccorros á gente
da Província , eonííaVa o exercito de doze mil Infantesr
c dous mil e quinhentos caValIos. Era Governador das
Armas ©Conde do Prado , Meítres de Campo Generaes
o Conde de S. João , e Dt Franqfco de Azevedo , que
gover»
PARTE 11. LIVRO X. 345
Êovernavaõ cada hum íua femana; General da Cavai Ja* ^nno
ria Pedro Ceiar de Menezes , General da Artilharia
Ferna6deSoufaCoutinho,Sargento Maior de Batalha lOoj.
Miguel Carlos de Távora. Eraõ Meftres de Campo os
quatro da Provinda de Trás os Montes , Sebaíhaoda
Vei°a Cabral , Diogo de Caldas , Francifco de Moraes
Henriques , Manoel Pacheco de Mello. Os dous 1 ér-
eos da Beira não trouxe raõ Meftres de Campo. Gover-
nava hum delles o Sargento Maior Sebaíhão de Eivais ,
o outro o Tenente de Meílre deCampo General João
Alvares Cravo. Os Meftres de Campo pagos da Provín-
cia do Minho eraó D. António Luiz de Soufa , D. Luiz
Manoel de Távora , Manoel Nunes Leitão , e o Terço
de Fernão de Scuía da Silva , governado pelo Sargento
Maior Manoel Ferreira da Foníecajoão Figueira Gaio>
João Rebello Leite. Os Tenentes Generaesda Cavalla-
ria erão Francifco de Távora da Provinda de Trás os-
Montes, D. António Maldonado da Provinda da Beira,
e Manoel da Cofta Peísoa da Provinda do Minho. Con-
liava o Trem de quatorze peças de artilharia,quantida-
de de munições, e de inftrumentos deexpugnaçaõ , e as
carruagens excediaõ ás queeraò necefsarias»
Foi grande a difrerença, que houve entre os Cabos
fobre a empreza , que devia õ eícolher : os mais práticos
propuzeraõ fitiar a Cidade de Tuy, Praça de Armas dos
inimigos , por ferem muito grandes as confequencias,
que refultavao de fe ganhar,e por Ter pouco fortificada,
e muito fácil de atacar > porém prevalecerão os votos ,
que entenderão era mais fácil , e o mais útil faquear o
exercito todo aquelle fertiliílimo paiz , deftruir os mui-
tos lugares íituâdos nelle , e atacar o Forte da Guarda ,
porto de mar , ainda que dos mais inferiores de toda
aquella Cofta, A vinte e oito de Outubro fahio o ex- $ahe em Caml
çrcito em Campanha, paísou o rio Minho junto ao ¥or- panha c condi
te de Gayaõ : deteve-fe dous dias para aperfeiçoar a fór- do Prads, *«?.
ma da marcha I pafsados elles , a continuou em três li- trfea^m cfu™
nhãs. Compunha-fe a primeira de oito Terços de Infan- * W'ííc'
teria , e dezafeis batalhoens de Cavallaría , que levavaó
^ousTerços formados no meio de cada hum dos corpos.
Afe-
$■*< PORWGAL RESTAURADO,
A vmo 4 feSUilda Unha levava fete Terços , e quatorze bata-
,s lhoes: a referva quatro, de Auxiliares :, e três batalhões,
mOj. q primeiro alojamento,que o exercito occupou em Gal*
liza,foi em Vai de Roial.Depois.de faquear todo aqueí-
le diítridro , pafsou aíperifíi nas ferras. , e deílruio os
valles de Minhos , e Fragoio , havendo desbaratado a
Villa de Gondomar. O Conde do Prado, defejando con-
ieguir maior empreza, intentou queimar a Villa deBa-
yona ; mas foi taó excjfliva a tempeilade de vento , e
agua , que divertio o Sargento Maior de Batalha Mi-
guel Carlos , que era Cabo da empreza,a determinação,
e empregou o exercitou em laquear a Villa de Bouçes ,
que fica fobre o mar junto a Vigo. Era de íètecentos vi-
zinhos, rica , e abundante ,e depois de laqueada, fe lhe
poz o fogo, fendo Cabo da empreza o Capitão de cavala
loslgnacio de França. Luiz Poderico Viío-Rey de Gal-
liza juntou cinco mil Infantes, e oitocentos cavallos,
e occupou a Portella de S. Colmado, li tio por onde o
exercito forço famente Jiavia de pafsar , querendo con-
tinuar a marcha* Âcompanhavaõ-no todos os Cabes , e
Qifíciaes do exercito , e períiíUraõ na refoluçaõ de con-
fervarem o pofto , que havião occupado , em quanto
rtaõ ap parecerão os primeiros batalhoens do nofso exer-
cito. Logo que deraõ viftst delles , marcharão para Re-
dondella,epafsáraõ da outra parte da ponte de Sãpayo,
Occupou o nofso exercito o fitio de S. Colmado , e foi
ao dia feguinte queimada a Villa de Porrinho, e nella as
fabricas de farinhas, e bilcoutos , que allimentava o ex-
ercito inimigo. De todas as Villas , e Lugares, de ílru idos
foiinnumeravel o defpojo , ainda que o Inverno efta-
va taõ entrado , que fazia as marchas muito trabalhoías
pela afpereza das lerras,dirHv2Ís de vencer em tépo mais
fuave: porém fuperados. todos os inconvenientes, che-
gou o exercito fobre a Villa da Guarda , cuja defcnfa
coníiftia em hum Forte de quatro baluartes com dez pe»
sina a^ma da ças de artilharia, mile feifcentos Infantes, de guarnição
G '5 eduas Companhias de cavallos. Ganhou a Cava liaria
póííos fobre a Villa: defempararaõ-na r e reduzirão-^
todos aó recinto do Forte^ A doze de Novembro tomou
aloja
PARTE ril LWROX. 347
iTojameto todo o exercito; e dividirao-fe os quarteis,le- Annõ
íaat árac-fe as plataformas y começáraõ-fe os aproxes , e , ,
os Meít :•< s de Campo com valoròía cõpetencia os adian- * " 5 •
tavaõ deibrte , que por inítarfte le introduzia nos íitia-
iosa deíconfiança de íe defenderem , tendo juntamen-
:e por infallivel , que não haviaô de fer íoecorridos ;
me de hum dos melhores vaticinios dos fitíadoreSi por-
jue lem efperança de.gloria , difficil mente fe relblvem
>s Soldados a arrifcar as vidas, principalmente não ien-
3o de grandes^confequencias as Praças que defendem»
Oito dias durou a conílaneia dos íitiados , naó ai-
nitrindo varias chamadas , que fe lhes fizera o ; nelles
íiarido de todos os meyos de defenfa, íe arrojarão a fa-
ier algumas fortidas, porém todas com infelice fueceí-
b; porqueosexpugnadores eraõ déftros, ^valoroíbs,
; impacientes da dilação chegarão os ataques^ eílrada
:uberta , e na mefma noite por três partes lhe deraõ hu
briolb afsalto,em que o^Meílre de Campo Joaó Rebel-
ão Leite ,e o feu Sargento Maior Clemente Rodrigues
klgado ficarão mil feridos , depois de procederem com
nuito valor, e mortos o Capitão de Infanteria JSento
fieira , e oitenta Soldados, todos do Terço de Joaõ Re-
filo. Alojaraó-íè os Terços na eftrada cuberta , eprin-
:ipiaraó a picar a muralha ,ultimodefengano, que obri-
gou aos fitiados-a fazerem chamada, que ielhesadmit-
:io } e começou a capitulação em Sabbado vinte de No-
vembro , dia , em que o Conde àeS. Joaõ, conforme o
ijuítamento nque tinha feito com D. Francifc© de Aze-
redo , havia Jde largar a íemana , para entrar D. Fran-
:ifco ao governo da ieguiutej porém o Conde, queren-
do lograr© fruto do feu valorofo trabalho, reprefentou
ao Conde do'JPrado, que no principio daquellafemana,
que lhe tocava ^ havia começado o íi tio daquelle Forte,
e que fora efFeito da fua diligencia difporem-fe os fitia-
dos a fermderemjoo^e nefta confideraçac>naõ parecia
juílo, que abraça íe entre gafse , fenaõ aoM^iírede
Campo General , que tinha coe pêra do na emana *ên*
$ue gc vernava os aproxes , a fe renderem osíitiados.
Encontrava D. Francifco^e Azevedo «Ilapropoíl-
548 PORTUGAL RESrTAUKADO ,
Afino Çao > dizendo , que nos exercícios militares não podiaS
• • confentir-íe diviíòens , quaado os póítos eraõ Iguaes $
3 * ,t? alternativo o governo delles ; e que os dias das fema-
nas não fe coutavaõ pelas emprezas , fenão pelas horas,
e que eífca forma do contrato,que entre os dous fe hayia
feito , naó permittia interpretaçoens. O Conde do Pra-»
do ornado de prudencia,e fummadeífcreza, não refolveo
eft.i duvi-daypor eíl'ar já celebrada a capitulação por par»
te do Conde de S. João ; e D. Francifco de Azevedo lar-
gou o Poífco de Meítre de Campo General , e fervio co-
mo particular na Companhia de feu filho D.Manoel de
Azevedo , ( que com muito valor feguio em todas as oc-
caíioens o exemplo de feu pay ) e nao tornou a exerci-
tar o Poíto, até que EIRey por huma carta fua , em que
juítamente exprimia as fua grandes virtudes , lhe orde-
nou > que o tornafse a aceitar, fem embargo da lua quei-
xa. O Conde de S. Joaõ logrou o merecido fruto do ap-*
plaufo militar do grande rifco, e trabalho, que havia ti-
do na aífiAencia dosaproxes , acompanhado de feu lm
mao Miguel Carlos , que nao houve inítante , que nad
difpendefse em continuas operaçoens com tanto riíco,e
acerto, que logrou na opinião de tpdo q exercito mere-
cido louvor.
Ajuftadas as capitulaçoens, fe entregou o Forte, e
fahio delle o Governador chamado Jorge de Madureira
com feif centos Soldados pagos , e quinhentos Auxilia-
res. Levava cem feridos, e morrerão na defenfa oitenta
á curta de fefsenta mortos dos expugnadores , e duzen-
tos feridos. Levou o Governador por capitulação huma
peça de artilharia. Os cavallos , e tudo o mais que efta-
va dentro no Forte, fe entregou ao General da Artilha-
ria Fernão de Soufa Coutinho , que tomou pofse delle.
Foi a guarnição comboyada até a Praça de Tuy , per-
mittindo o Conde do Prado aos Soldados, que levaisem
as fuás armas; e ficou o governo do Forte entregue ao
Meítre de Campo Balthazar Fagundes,deixando-lhe no-
vecentos Infantes de guarnição ; e retirou-fe o exercito*
porque o rigor do Inverno nao dava lugar a maioreí
operações. Voltarão os foccorros para as fuás Províncias
VARTE 11. UISRO X. 349
e foi eíta empreza de confequencia ; porque fuppofto ,
que o porto domar era pequeno , cobria o torte da
Conceição , e livrava de hoílil idades o porto de Cami-
nha : porém parecia fem duvida, que fe o exercito fitia-
ra Tuy , como o Conde do Prado intentou , mais facil-
mente confeguira aquella grande empreza , e com mui-
to menos trabalhoso que executou a do Forte ca Guar-
da. Luiz Poderico , e os mais Cabos do exercito de Gah
liza , todos fe conformarão em deixar perder a Guarda
íem oppoílçaó , tendo féis mil Infantes pagos, dous
mil cavallos , e grande numero de Milicianos ; porque
parece , que todos os ânimos dos Caftelhanoscançados
detaô repetidos infortúnios pendiaõ mais parao.loce-
go , que para a guerra. .
AProvincia de Trás os Montes pela grande activi-
dade do Conde de S. Joaõ fe achava taõ abundante de
prevençoens , que até os paizanos moítravaó elpiritos
bcllicofos. Em aufencia do Conde governava as Armas
o Meftre de Campo General Diogo de Brito Coutinho.
Nefte tempo intentavaò os inimigos queimar na Raya
o lugar de Pitoens j atacou-o huma madrugada o Meí-
tre de Campo Dom Jeronymo deQuinones com hum
grandetroço de Infanteria , e Cavallaria, Defenderao-
fe poucos paizanos com tanta perfiftencia , que os ini-
migos fe retirarão com perda confideravel. Voltou o
Conde para a Provinda , e deu ordem a Domingos da
Ponte Gallego entrafse pela parte de Bragança nos lu-
gares 4e Villa-Velba , Peredo, e Sedaes. Queimou-os ,
e a muita neve o obrigou a fe retirar.Igual damno occa-
fionáraô no Valle de Salas os Capitães de cavallos Duar-,
te Teixeira,e Joaõ Cardolb Piçarroje excogitando o Co-
de de S. Joaõ todos os caminhos <le incommodar os ini-
migos , tendo noticia , que no Valle de Salas le ajunta-
va quantidade de paõ para fuílento da Cavallaria , que
liavi , crefci^o em rpprfiçaõ da nofsa^ mandou a D. Mi-
guel da Silve ira, Capitão de Couraças das luas guardas,
examinaT aos mefmos lugares., em que o paõ eíta va re-
colhido, a verdade defta noticia. Brevemente fez D.Mi-
guel eíta diligencia* e voltou ainiòrmar o Conde com
tanta
Anno
1665.
Pajfa o Conde
de 6. João de
tntre Douro, e
Minho á fua
Província ; «»•
tra vftrias ve~
zes nos Remos
confinantes to
fdictsfHCceJfos,
i665
no portugal restaurado,
Anno tanta individualidade, que no mefmo inftante em que
recebeo efle avizo, mandou juntar toda a Cavallaria, e
Infanteria paga, e grande numero de carruagens, o que
íe executou com tanto íegredo do intento premeditado,
que chegou íèm ler íentido aos lugares , em que opaõ
eítava depoíitado, e o fez conduzir a Chaves íem opoíi-
ção alguma,havendo conhecido os inimigos, que qual-
quer reíolução, a que fe arrojaísem, fegurava ao Conde
cie S. João numa nova vi&oria.
Pedro Jaques de Magalhães aíliítio em Almeida nos
primeiros mezes deíle anno,onde prevenio os foccorros
com que marchou para a Provinda de Alentejo. Antes
de fazer efta jornada.aviílou a Ciudad-Rodrigo có dous
mil Infantes, e feifcentos cavallos, e não podendo obri-
gar aos inimigos a fahirem em Campanha, havendo-lhes
rebanhado todo o gado , <\uè andava nella , á viíla da
Cidade,faqueou os lugares de S.Ef pi rito, Moras- Verdes,
e Aldeya de AÍV3, e retirou-fe, deixando deftruida toda
aquella Campanha,'e como a maior parte deíle anno ef*
teve aufente nas Províncias de Alentejo , e Entre Dou-
ro , e Minho , exercitando as fignaladas acções , que fí^
caõ referidas, não houve naquelle Partido occaíiaó,quê
mereça repetida, porque qsjíaílelha nos não tratavão já
naquelle tempo mais que da guerra defeníiva.
Affbnfo Furtado de Mendoça trabalhava com incef-
íante cuidado em adiantar os progrefsos do íeu Partido,
Marchou no principio deíle anno á ferra da Gata com
quatrocentos Infantes, e trezentos cavall 3S , de que e$a
Cabo feu filho mais velho Jorge Furtado de Mendoça ,
Commifsario geral da Cavallaria, que fe adiantou com
eft " troço , e ficou feu pay com os Infantes feguran-
do-lhe o porto de Santa Maria. Correo Jorge Furtado
largamente todo aquelle diílriulo,e fazendo numa grof-
fa preza, a conduzio ? e intentando Os Caíle lhanos em-
baraçar-lhê a marcha em hum pafso eílrêito com hurá
troço de Infanteria , os desbaratou trazendo a preZa , e
feencorpurou com íeu pay, que fe retirou fem outra
t>ppòuçáò , èdéílé tempo ateomez dé Junho não fez
biltra entrada, óceupando-fe em prevènif , pátefitiafa
Villa
PAKTB II. LIVRO X. 351
Villa de Sarfa , Praça , de que todos os lugares abertos AnnO
daquelle Partido recebiao grande dam no. A quinze de «
Junho marchou a confeguir eíla empreza com cinco mil ,6oJ%
Infantes , quinhentos cavallos , féis peças de artilharia,
z todas as muniçoens , e carruagens , que lhe parecerão
convenientes. Chegando a Sarfa ,occupou os póílos me-
nos de tiro de caravina da muralha. Era General da Ar-
tilharia António Soares da Coita: Governava a Cavalla-
ria o Tenente General Gomes Freire de Andrade .Coita-
va a Praça de mil fogos , e algumas fortificações moder-
nas haviao emendado os erros,e ruinas das muralhas an-
tigas. Era governada por Maitim Sanches Pai do , Ge-
neral da Aitilharia ad honormi , e confiava a guarnição
k duzentos infantes pagos > grande numero de paiza-
nos , e cem tavallos,
Affonío Furtado naõ difpendeo muito tempo nas
fortificaçoens da Campanha , por entender, que os Cai-
telhanos naõ podiao introduzir icccorro na fraca facil-
mente. Com brevidade mandou levantar as plataformas,
ã abatido hum lanço da muralha, intentou a Infanteria
entrar pela brecha. Deféderaó-na os inimigosíporém re-
ceando o vigor do fegundo impulfo , fizeraõ chamada,
i tratarão das capitulaçoens ,• as quaes fez o 1 enente
General Gomes Freire , por chegar António Soares de-
pois da Praça fe ter rendido. Concedeo-lhes Aifonlo
Furtado, que os Soldados fahilsem com armas, e os pai-
sanos com a roupa de leu ufo , que pudefsem levar ás
ío.ilas: que os Soldados de cavallo iahiraô deímontado,
mas com as fuás armas: que ao Capitão fe cocediaô dous
cavallos , e hum a cada hum dos outros CfEciaes : e que
fahiriaó féis rebuçados , íem ferem conhecidos.- e ajuí-
tada neíla forma a capitulação , entrou a guarnição na
Praça , e iahindo delia os Caílelhanos, forão comboya-
dos até Alcântara, e depois de faqueada a Villa em gra-
de utilidade dos Soldados , pelos muitos defpojos , que
havia nella , mandou Affonfo Furtado arruinar as mura-4
3has , e queimar as caías com particular attenção, a que
ficafse a Villa totalmente arrazada, para que não fofse
jpoffivel aps Caítelhanos tornar a povoalaj o que foi em
, • ;, grande*
\y
m
?y2 PORTUGAL RESTAURADO,
Anr*G Sraíl^e benefício de todos aquelles Povos pelo grande
. damao ,. que continuamente recebiaõ daquella guarni-
I ou)» çã0/í Affonto Furtado çoníeguio eíta em preza com gra-
de valor ,e acertada difpofição , eíigaalarão-fe nella o
Tenente General Gomes Freire de Andrade, os Meftreí
de Campo Fernão Cabral , Diogo Dias Preto , Manoe]
de Soufa de Refoyos , Eítevão Paes Eílaço, o Commif-
íario geral Jorge Furtado , feu irmão João Furtado, Ca-
pitão das guardas de feu pay , Francifco de Lemos de
Nápoles , Capitão mór de Viíeu, António Ferreira Fer-
rão, Governa dor de Ca ítelIo-Branco. Morrerão neíta oc-
caíião Eftevão Paes Eftaço , e vinte , e dous Soldados,
Recolheo-fe Arfbnfo Furtado a Caftello-Brancoje a vin-
te e três- de Junho mandou a Gomes Freire cora cem ca-
vallos, e á fua ordem o Meítre de Campo Fernão Cabral
com íeifcentos Infantes a queimar aVilla de Ferreira,
-domicilio dos maiores pilhantes daquella Fronteira. Pal-
iou o Tejo , entrou a Vilía , e aprifionou dentro delia a
tropa dos pilhantes , e queirnou-a r porém não rendeo o
Caílello , porque não pôde levar artilharia. Voltou pa-
ra Caftello-Brancoje Aríjnfo Furtado continuou as en-
tradas , queimando muitos lugares , e trazendo groffif-
fimas prezas. Foi ofuccefso de maior importância mar-
char com dons mil, e trezentos Infantes, e íeifcentos
cavallos a intêrprender Vilhanel , que era das mais ricas
Villas da ferra de Gata; o que cohfeguio entrando tam-
bém Villa-Verde , e deftruido todo aquelle paiz , fe
retirou fera oppoíição. Não foi tão feliz ofuccefso do
Meítre de Campo Ruy Pereira da Silva, que marchando
com o feu Terço ( que confiava de pouco mais de qua-
trocentos Infantes) da Villit de Proença para a de Pe-
namacor , em que tinha o feu quartel , e donde havia
fahido a guarnecer as Praças de Salvaterra,e Secura ,im-
penfadamente encontrou mil é duzentos ca vallos , que
vinhão a fazerpreza nos campos da Idanha aNova.For-
mou-fe , e efperando com muito valor os Ca -telha nos ,
foi rota, e degollada a maior parte da gente , perdendo
os inimigos muitos Soldados, e ficando Ruy Pereira fe-
rido , e priíioneiro. De igual perigo, e com melhor fuc-
celso
TJ&TE II. LW&O X. 555
»fso livrou a Gomes Freire o feu valor, efciencia mi- ^jlDO
tarj porque governando quatro tropas de Idanhaa .
íova, tocando-fearma pela parte da Ribeira,duas Com- I0»)«
►anhias, que eítavaõ com as armas na maõ,íahirao ao re-
ate , antes de poder montar a Cavallaria. Mandou Go-
les Freire hum Tenente com quarenta cavallos , que
ofse recolher alnfanteria, e achando-a deíbrdenada,
larchou com oitenta cavallos a incorporar-íe com o
tenente. Os Caftelhanos com fetecentos cavallos tinhao
ahido da embofcada,e derrotando-lhes Gomes Freire os
>rimeiros batalhoens , fez marchar a Infantena a valer-
e de hum cafaráò , e tapada > e fe retirou á Praça pe-
eiando fempre com os inimigos , matando-lhes vinte e
eis Soldados , hum Tenente , e outros Officiaes, ío com
>erdade humCapitaÔ de Infanteria , e onze Soldados;
endendo-fe a Infanteria a partido, fem bailar toda a di-
igencia de Germes' Freire, que a deixou em íitio capaz
le defender-(e.
A grande fortuna dos fuccefsos da guerra accreícen-
:araõ ao Conde de Caftello. Melhor a eítimaçaô,e o po-
ler , e no animo d4È*Rey multiplicava o delembaraço,
>arafeguir íem reparo os feus infelices divertimentos.
Síaõ podia o Conde de Caftelio-Melhor atalhallos,' por-
que a arte era infruótifera , a força perigoia, e a media-
ua entre eftes dous extremos naõa diipeniava a irre-
gularidade dos afFe&os d^ElRey. Neíte tempo havia o
infante D.Pedro por Divina Providencia feito eleição
dos exercidos mais virtuofos ,• deíviando-fe total mente
da aíliflencia d'ElRey , que eraó os mais íeguros paf-
fos da perfiftencia das fuás difpofiçoens. Eíia mudança
no Infante incitou em EIRey o delabrimento , e nos va-
lidos a defconíiança , avaliando por arte eníinada o que
era milagre da natureza por obra daDivina Providencia.
Accrefcentou a controverfia a chegada do Marquez de
Sande de Inglaterra , depois de haver voltado de França
áquelle Reino na forma , que referimos ,• e porque hum
dos pontos da fua commifsaó era ajuítar-fe o cafamento
de MadamoyzelladeBulhon com o Infantep. Pedro,*
pratica, aquefe havia dado principio com involunta-
Z rio
354 PORTUGAL RESTAURADO,
Armo rio confentimento do Infante , havendo declarado, que
1 66 C *"e &fpendefse o tratado por razoens particulares,que fe
/• lhe oflereceraõ para dilatar a refoluçaò do leu cafamen-
to; a qual mudança de animo deu grande fentimento
k ao Conde de Caílello -Melhor , principalmente depois
dechegar o Marquez de Sande , que duvidava voltar a
França íem o cafamento ajuílado pelo manifeíto peri-
go , em que cahia no defabrimento do Marichal de Tu-
rena , em cuja direcção tinhaõ fundamento íbi ido to-
das as conveniências de Portugal ; eporeíle refpeito
mandou EIRey rep.refen.tar ao Infante o muito que con-
vinha á coníervaçaõ do Reino não mudar de opinião y
porque a fua repulfa poderia desbaratar o tratado dofeu
caíatíiento , e ficaria dilatada a fuccefsão do Reino, que
por tão fundamentaes razoens convinha abbreviar-fej e
que, havendo dado a fua palavra , e aílinado o teu con-
ientimento , não erão aquelles os laços , que os Prín-
cipes coílumavão a defatar. Refpondeo o Infante a EI-
Rey , que era coílume muito ordinário no mundo dif-
£olverem-fe os defpoíorios , ainda depois de ajuítedos
com mais apertados vínculos , não;jtó entre os vafsallos,
mas entre os Principes foberaftos ;. que EIRey D. Ma-
noel calara com a Rainha D. Leonor , havendo eftado
contratada para cafar com o Principe D. João: que a In*
fanteD. Beatriz,rilha d'ElRey D. Fernando, caiara com
EIRey D.João o Primeiro de Caítella , depois de jura-
da com D. Fadrique Duque de Benavente ; e com Duar-
te filho deAymon Conde deCambris, e ultimamente
capitulada com o IrafantsD. Fernando filho do mefma
D. João Rey de Caítella j e outros muitos , de que as
Hiílorias fazião memoria : que em quanto a fer a fua
reloluçto embaraço ao cafamento d.' EIRey era inverofi-
mel , por não haver circunftancia alguma., que o infi-
nuafse. O Conde de Caítello-Melhor, conhecendo,que
era invencível a determinação do Infante , recorreofa
EIRey, moítrando-Ihe com vivas razoens o muito, que
eranecefsario perfuadilo com os meyos mais fuaves,que
fofse poffivel. Não duvidou EIRey de feguir efle do-
cumento. : porém perturbado da pouca reflexão , quefa-
® aia
i66j<
PARTE II. LIVRO X. 355
zia na importância dos negócios , efcolheo o eítylo , e Anil O
a hora mais incompetente , que podia achar-ie , para o
effeito , que pertendia } e fallou ao Infante na Tribuna,
Seita feira da femana Santa , ouvindo a conferencia to-
dos os Títulos, e Officiaes da Caía , queaffiíhaõ na Tri-
buna; e fem mais exórdio , ou preparação alguma do ef-
tylo fuave , que pedia o intento , a que caminhava ,
difseao Infante , que caufa tinha para naõ cafar, como
havia promettido ; e que efta refoluçao era , como que-
rer tirar-lhe o Reino por induilria da Rainha lua may.
Alterou-fe de forte com taõ repentina , e defigual pro-
poíla o valor , e prudência do Infante , que lhe foi ne-
cefsario valerfe de todo o feu acordo,para naõ expor em
publicas vozes os eíFeitos do feu fentimento : porém
compondo maduramente o animo ♦ difse focegadamen-
te a EIRey , que Sua Mageítade como Rey, aíTifttdo de
duas Angélicas Intelligencias , reconhecia que naõ de-
via enganar-fe; porém que como homem informado de
efpiritos revoltofos, e inquietos fe enganava no que ha-
via referido j porque nem da doutrina da Rainha fua
mãy ( huma das mais virtuoias , e efclarecidas Princezas
de todo o Univerfo) nem das fuás inclinaçoens havia
aprendido acção, que naõ fofse igual á grandeza do feu
nafcimento : que em quanto á refoluçao de cafar, o nao
poderia obrigar alguma perfuafaõ j porque nem o feu
mefmo entendimento tinha nefta parte império para
perfuadir a fua vontade. E querendo continuar outras
razoens mais forçofas , o atalhou EIRey dizendo , que
o mandaria meterem huma Torre.Refpondeo-lhe o In-
fante ; que como feu Rey naõ tinha duvida a poder
prendello , masque como Rey juíto, o naõ devia cafti-
gar fem culpa. Acabou-fe neíle tempo o Officio na Ca-
pella, efeparou-fe a pratica por Providencia Divina;
porque pelos termos, a que havia chegado,poderia creí-
cer pela cólera d' EIRey a maior rompimento , e o In-
fante fe recolheo ao feu Quarto com implacável fenti-
mento de taõ defordenado accidente.
Ao dia feguinte fahio EIRey da Miísa , chamou a
fua Camera Sknaõ de Vafconcellos,e D.Rodrigo de Me-
■~^_ Z t se^es,
m
356 PORTUGAL RESTAURADO,
ÀntlO neZes »e o Secretario de Eítado, que lhes diise, que El-
1 66 e ^e^ ^eS or^enava re4uziíseni o Infante a aceitar o ca-
IOoj* farnento , que fe lhe havia propoífco j; advertindolhes
que, fe naõ confeguifsem , o que lhes mandava , ie da-
ria por mal fatisfcito do feu procedimento.Reípõderaõ]
que as fuás diligencias chegaria 6 aos termos poífiveis,
com que íatisfaziaô , ao que eraõ obrigados : e referin-
do ao Infante , o que haviaõ" paísado com EIRey , fer-
. virão eítes imprudentes eítimuios de o exafperar de for-
que refolutamente mandou a EIRey o ultimo dei
engano, de que íe naô havia de eíFeituar ocaíameuíc
. propofto ,♦ com que foi precifo voltar o Marquez de
Sande a França com o cuidado deite íucceíso , e com c
receyo das queixas do Marichal -de Tu rena, fundadas na
razaõ dever defvanecida aefperança,em quejuítameu-
te havia empenhado todo o íeu poder ,• e naõ era me-
nor a pena , com que partio o Marquez > dos irremediá-
veis excelsos d' EIRey , e das noticias , que na Corte fe
eípalhavao , de que havia de fer infelice , einfruduo-
ío o matrimonio.
Neíte tempo chegou noticia a Lisboa de que ers
morto EIRey D. Filippey novidade , que accreícentou
asefperanças , de que a Providencia Divina determina-
va defembaraçaroReino de Portugal da opprefsaõ pade<
cida na formidável guerra , que tolerava. Paisava de íeis
-annos, que EIRey D. Filippe eramoleílado de gravei
enfermidades) foraô crefcendo de forte, que,fem lhe va<
ler grandeza, remédios , e diligencias humanas , entre-
„gou ávida ao infallivel arbitrio da morte Quinta ftirc
fere de Setembro deite anno,que efcrevemos,de mil e fe«
ifcentos íeísenta e cinco, ás quatro horas da manhãa,ha-
vendo vivido lefsenta annos , cinco mezes , e nove dias
reinado quarenta e quatro annos , cinco mezes, e de-
zaíete dias , e governado Portugal dezanove annos j
efete mezes. Compoz-fea fua Real pefsoade mais par-
, tes de Cortezaõ , que de Rey ,• porque era difcreto, af-
favel , Cavallèiro , tira dor, Poeta , e no governo da Mo-
"narquia foi omifso , froxo , defcuidado , e irrefoluto-
Deixou governar-fe da indiítria do Códè Duque de Oli-
vare&
PARTE 11. LWRO X. 357
•ares , de D. Luiz de Aro , e ultimamente do Conde de AnnO
;aítrilho. Foi filho d'E!Rey Filippe III. de Caíteila , „
: da Rainha D, Margarida de Auftria. Gafou a primeira lou5«
rçg com a Princeza D.Iiabel de Borbon, de que teve oi-
0 filhos , o Priruipe D. Balthaíar, que morreo homem,
Princeza D. Maria Therefa \ que caiou com EIRey de
rrança Luiz XIV. os íeis morrerão mininos. Caiou le-
;unda vez com a Princeza D. Marhnna de Auílria , de
[ue teve três filhos ,e huma filha, que foi D. Margarita
le Aultria , primeira mulher do Imperador Leopolpo I.
í de que ló vive EIRey D. Carlos , que hoje reina. Foi
1 enterrarão Eicorial , e deixou o governo da Monar-
quia entregue á Rainha, Tiveraõ principio com a lua
norte muito perigoías diíseníoens domeílicas entre a
cUinha , e D.joaò de Auílria , que vieraÕ a tirar á Rai-
iha o goveno , e a D.Joaõ de Auílria a vida.
Deixamos no fim do anno antecedente ao Marquez
ieSande , depois dos embaraços, que padeceo em Fran-
ja , reítituido a Londres ; e poucos dias depois de che-
gado áquella Corte , recebeo avizos d' EIRey , e cartas
ão Conde de Caílello^Melhor em refpoíla, das q havia
ítcrito de França , em que íe lhe dava permiisaõ , para
poder tratar o caíamento de Madamoyzella deAumalle,
dando-íe por defvanecida a pratica de Madamoyzella de
Nomours lua irmãa , por íe entender , que infallivel-
mente íe ajuílava o íeu cafamento com o Duque de Sa-
boya. Logo que recebeo eíle avizo , deu conta a EI-
Rey , e á Rainha de Gram-Bretanha, que approvaraô a
eleição d' EIRey pela noticia , que tinha© das íingulares
partes , e excellentes virtudes daquella Princeza, e fem
interpor dilação alguma,mandou humexpreiso com car-
tas para Madamoyzella de Aumalle , e para o Bilpo Du-
que de Laon , em que lhes dava noticia das ordens, que
havia recebido d; EIRey , e de que paísava a Lisboa a re-
ceber as com que volta ise a Pariz, íígnificiado á Prince-
za o íeu grande contentamento, e o muito que devia ao
empenho;que o Conde de Caílello-MeLhor moílrava na
execução do caíamento.
Tanto que entrou a Primavera , pairou o Marquez
Z 3 de
? j 8 PORTUGAL RES TAVRADO,
ÀnnO ^e Londres a Portugal, como já referimos, edeixou en-
., tregues os negócios de Inglaterra á direcção de D.Fran-
100). clfco ^e Mello, merecedor pela íua grade capacidade da-
quelle emprego. Chegou a Lisboa,e padeceo logo a pe-
na da refoluçaó,q o Infante D.Pedro tomou de naõ que-
rer cafar com Madamoyzella de Bovilhon, pelo grande
fentimento , que lhe conítava havia de padecer o Mari-
ehal de Turena ,♦ ( como acima referimos) recebendo as
ordens,e poderes para ajuítar o cafamêto de Madamoy-
zella de Aumalle -, partio de Lisboa nos últimos de Ou-
tubro em huma fragata de guerra Franceza em compa-
nhia de outras da mefma Naçaõ, e achando ventos con-
trarios,encontrou na altura do Cabo deFinis-Terras cin-
co fragatas de Argel, que pelejarão com os navios Fran-
cezes com artilharia , e mofquetaria muitas horas,* con-
flicto , a que o Marquez aíílílio com muita conítancia, e
lelor. Dei enganados os Mouros da reíiílencia dos Fran-
cezes , os deixarão feguir fua viagem , e chegando á vi-
ila da Arrochella lhes deu huma tormenta , que os- obri-
gou a entrar em Bella-Ilha , onde eíliveraõ oito dias
com outras fragatas de fua conferva ,• e abonançando o
tempo , tornarão a navegar na volta da Arrochella,* po-
rém padecerão outra tormenta mais rigorofa, em que ef-
tiveraô çoçobradas duas fragatas , e o Almirante da Ar-
mada tornou a entrarem Bella-Ilha:e vendo o Marquez
quanto importava a brevidade da fua jornada,fretouhu
barco ,em que levou o feu fato , eempreílando-lhe hum
bergantim o Governador de Bella-Ilha, paísou á Cidade
de Nantes , que diftava oito legoas daquelle porto. Def-
embarcou,*e da Arrochella o veyo buícar Ruy Telles de
Menezes , que tinha chegado áquella Cidade com Pe-
dro de Almeida de Amaral , e lhe deu as noticias do ef-
tado dos negócios de França , encarecendo o muito que
crefcia o valimento do Marichal de Turena com EIRey
Chriílianiííimojnoticiajque fora mais agradável ao Mar-
quez , fe o naõ moleira ra o cuidado da nova , que leva-
va , da refoluçaô do Infante. De Nantes pafsou o Mar-
quez a Pariz , padecendo em cento e fefsenta legoas de
marcha as incommodidades,qiie occafionao rigor do In
verno
PJRTE II HVKO X. tfp
rerno.Duas legoas de Pariz o veyo bufcar o Marquez de AnnO
louvigni , eoconduzio iacogíiito áquella Cidade por ,s«
>rdem d'ElRey,por fer eíte o caminho mais fácil de aju- õ0> *
lar o cafamento;efem dilação affiítido do me imo Rou-
rigni , foi vifitar a Princeza de Aumalle , de quem foi
ecebido com agradáveis demonílraçoens , fazendo-lhe
meixa da ília tardança, que lhe tinha dado cuidado pe-
a iuppofiçaõ das negociaçoens dos Caítelhanos,que naô
;raõ occultas naquelle Reino , entendendo-fe,que pode-
■iaõ côíeguir com a fua induílria, o que nao haviaõ con-
raílado com os íeus exercitaste depois de fe informar da
.aude d'ElRey,e do eítado da Corte,fe deípedio o Mar-
quez , e paisou a bufcar o Marichal de Tu rena, a quem
entregou huma carta d'ElRey,e outra do Conde de Caf-
tello-Melhor,que continhaõ todas aquellas exprefsoens,
> remédios , que eraõ necefsarios para íuavizar o fenti-
mento , que o Marichal padecia , de ver baldada a efpe-
rança docafamento do Infante com fua lbbrinha , que
pelas circunftancias antecedentes contava como pofse; e
depois de dizer ao Marquez Embaixador a muita eíti-
maçaõ , que fazia do favor d'ElRey referido naquella
carta , exagerou a dor implacável , que lhe cuílava en-
tender , que havendo fido até aquelle tempo naquella
Corte objecto da inveja pela grande fortuna , que havia
grangeado á lua Cafa,houvefse de fer afsumpto do ludi-
brio de toda a Europa , quando conílafse , que fe acha-
vaõ deívanecidas efperanças taõ feguras. O Marquez
havia de antemão premeditado todos os caminhos de
atalhar a queixa do Marichal, empenhou toda fua capa-
cidade em o fatisfazer , moítraudo-lhe eítradas , que fe
podiaõ feguir , e infmuaçoens,que vaticinavaõ remédios
convenientes ao rim que pertendia ; mas fem mais pro-
meísa, que as propofiçoens do feu difcurfo, porque aíTim
lho declarava a fua inftrucçaó.O Marichal como era pru-
dentiíftmo , e cheyo de experiências, moftrou entender,
que a mudança do Infante fora originada das negocia-
çoens dos Caílelhanos, e que nefta coníideraçaó efpera-
va cortar o fio ás fuás induítrias , moílrando a EIRey >
e ao Infante,que nao podiaõ achar outra alguma aliança
Z 4 mais
3^0 PORTUGAL RESTAURADO,
AllHO ma^s útil á defenfa , e interefses de Portugal , que á de
^ x . fua Caía, Valeo-fe o Marquez Embaixador deita fuppo-
r v ■/' liaõ do Marichal , e naò esforçou muito as razoe ris de o
difsuadir delia ; porque ou fingida , ou verdadeira, jul-
gava ,_ que era mais conveniente queixar-íe o Marichal
da politica dos Caítelhanos , que da vontade do Infante;
e o Marichal para dourar o feu pezar poderia íucceder,
que abraçaíse eíte pretexto, como mais decoroíb; e paf-
fando eíta matéria á wmmua da uniaó dos Reynos , dif-
ie, queElRey Chriítianirlimo havia mandado as fuás
tropas em foccorro dos Hollandezes contra o Bifpo de
Muníler,e que pafsando pelas Praças de Flandres,lhe re-
ferirão vários Oíficiaes de capacidade as grandes difpo-
fiçoens , que achavaó nos Caítelhanos, para ajuítarem a
paz de Portugal; e que aífím eíperava lhe difsefse,fe tra-
zia alguma inítrucçaó fobre eíta materia.Reípondeo-lhe
o Marquez , que a uniaõ de Portugal com aquella Co-
roa era infeparavel, e que proximamente havia juítifica-
do EIRey a fua finceridade ; porque mandando o Em-
baixador de Inglaterra , D. Ricardo Fanfchon , queaf-
fiítia em Madrid, ao feu Secretario com as propofiçoens
de paz , que offereciaõ os Caftelhanos , EIRey tinha
mandado pelo Conde de Caílello- Melhor dar conta a
GravierMiniítro d'ElRey Chriílianiírimo,que affiítia em
Lisboa , de tudo o que continhaô as propofiçoens; e da
reipoíta, que fe lhe dera ; porém que ainda entendia;
que fe o contagio da peite , que padecia Inglaterra , ti-
vera cefsado , que as pazes puderaõ eítar concluídas:
que eíta noticia lhe dava particularmente, porque os
poderes da fua commifsaô fe naó eítendiaõ a mais , que
a conduzir a Portugal a Princeza de Aumalle. Com eíte
incentivo moítrou o Marichal entrarem cuidado, e dif-
fe ao Marquez , que EIRey de Portugal devia confide-
rar a diflerença , que faziaô as alianças de França ás de
Inglaterra , e pouca duração ; que fe podia eiperar da
paz de Caítella , fem haver precedido hum conveniente
tratado com França , para fe feguir a firme fegurança da
paz,eem quanto fe dilata va,fe poderia remeter daquel-
leReyno hum prompto , e crefcido foccorro a Portu-
gal.
PARTE II. LIVRO X. |S|
poíiçaô era como todas, as que fé formava õ no Seu ele-
vado entendimento •-, porem que para ie facilitarem, era
preâíb ceSsarem as desconfianças , que havia entre os
Eteys de França , e Inglaterra ,* porque eíta deSuniaó fó
;ra útil aosCaítelhanos,e do ajuítaméto das duas Coroas
aeceSsariamente havia dereíultar naôajuílar Portugal
i paz de Caítella, fem beneplácito de França , e que de
Mitra forte feria impraticável feparar-fe EIRey de con-
:luir a paz de Caítella da mediação de feu cunhado EI-
Rey de Inglaterra. Refpondeo o Marichal aeíta propo-
fiçaó , referindo ao Marquez as diligencias , que EIRey
Chriilia liílimo havia feito , por Satisfazer aos lnglezes
3e accidentes , que não tiahão nome , o pouco que ef-
perava França da fé dos Hbllandezes , e o cuidado que
lhe dava, rompendò-fé com Inglaterra , entender , que
ds Ç^ítelhaaos havião de enganar aos lnglezes com as
sfperánças da paz de Portugal , e que neíte intervallo
poderiãj faltar a Portugal os foccorros de França, e de
Inglaterra *, íaiccefso , de que os Caítelhanos poderiao
gfcperar melhor fortuna na conquiíta de Portugal, e qae
deite grande inconveniente íp poderia fer remédio ajuí-
tar-íe numa fó liga entre Portugal, Inglaterra , e Fran-
ça. Concordou o Marquez coméfta propofíçaô, e a fo-
mentou , dizendo, que as prevenções de Caítella, ain-
da que ta itas vezes rebatida, e com a ultima derrota da
batalha de Montes-Claros ainda mais fufTocida \ pode-
riao ler formidáveis pelo grande poder daquella Mo-
narquia, por cujo réfpeitd neceífitava Portugal promp-
tamente dos foccorros , dinheiro , e munições. Promet-
teo o Marichal de fazer preíentea EIRey , o que havia
pafsado naquella conferencia , e ao dia Seguinte voltou
a bufcar ao Embaixador com o Marquez de Rouvigni, e
na fua prefença difse, que EIRey queria mandar accom-
modar o Embaixador na quinta de Lione •, porém que
a PrincezadeAumalle lhe tinha pedido o mandafsehof-
dar em Pariz •, e porque havia inconveniente para el-
Anno
1665.
362 PORTVGJL RSSTJVRADO,
]e íicar em cafa do Duque de Vandofme , ElRey lhe
pedia quizefse afiiítit incógnito naqueile apoíento, que
tinha tomado^ e que podia eítar certo, que o caíamento
fe havia de concluir com a brevidade poíf vel , eiperan-
do que o Marquez foís inftrumento de íe ajuítar a liga
de Portugal com aquella Coroa , ea de Inglaterra O
Marquez naõ teve duvida a ficar em Pariz na forni a, que
ElRey pertendia , e que ajuílado o cafamento fe offere-
cia a pafsar a Inglaterraje fe o contagio o não impecíiíse,
eílarianaquella Gorte em beneficio comum das três Co-
roas , em quanto as prevençoens da jornada da futura
Rainha de Portugal fe acabavaò de ajuílar : que efpera-
ya , que ElRey lhenomeafse a Armada, que havia de
conduzir a Princeza , e o Cabo , que a havia de gover-
nar ; eíperando juntamente fofsem as nomeações com-
petentes á grande função , a que íe deiHnavaõ.Naõ poz
o Manchai duvida a eílas propofiçoens, e acerefeentou,
que fundava a fatisfaçaõ da fua diligencia na interven-
ção das Rainhas de Inglaterra 5e Portugal com o Infan-
te D. Pedro , para que fe refolvefsé a não deixar balda*
das as fuás bê fundadas efperanças no cafamento da lua
fobrinha,para que as alianças daquella Coroa com Por-
tugal ficaísem de todo folidas, e firmes,tendo por infal-
livel, que França havia de romper a guerra de Caítellaj
porque tendo a Rainha mãy eícrito da parte d' ElRey á
Rainha Regente de Caftella a juíHça,que ElRey Chrif-
tianiílimo tinha por duas heranças no Eítado deFlãdres,
ellalhe havia refpondidocom foberania-, dizendo, que
ElRey feu fenhor lhe havia deixado ordenado no feu te-
Itamento , que das Coroas de feu filho , nem amais in-
ferior parte fe défse a França*,e que depois deita refpo-
íla tinha ElRey dado ordem para fe lavantarem vinte
mil Infantes , e dez mil cavallos ,• porém, que o feu in-
tento era não romper a guerra aCaítella , fem ajuílat
a liga com Portugal,e Inglaterra», e que efsa conjunctu-
ra era tão favorável aos interefses de Portugel, que pa-
recia precifo naõ fe perder tão opportuna occafiaõ,-por-
que o tempo fugia f, fe fe deixavaõ malograr os feus
accidentes O Marquez íefpondeo com huma tão efficaz
gene-
PARTE II. LIVRO X. 5<5?
generalidade, que nem ficou obrigado neíh matéria a Armo
?A:mm empenho , nem deixou préfuadir ao Marichal , ,
e. ao Marquez de Rouvigni, que ficara muito penetrado Ióò> •
o feu entendimento de propoíiçoens taó ajudadas, e foi
continuado diligentemente com a negação de fe ajuílar
o ca (amento j eteve com Colbertequafi fimilhantes dif-
:uríbs , dos que havia tido na conferencia do Marichal
de Turena ; e com permifsaõ d'ElRey o vieraõ buícar o
Bifpo de Laans , o Duque de Vandofme , e o Conde de
Trée , a quem deu as cartas , que trazia d'ElRey, e to-
dos com a eftimaçaõ de taò fingular fortuna difcorreraõ
fobre a brevidade da jornada da Princeza ; e o Marquez
com elles lhe foi levar a primeira carta d'ElRey, de que
fez a merecida eftimaçaõ , e a mandou moftrar a EIRey
ChnílianiíTimo,para que de todo fedefvanecefsem as fa-
bulas inventadas pelos Caftelhanos , que haviaô eípa-
lhado em França, queajuítavaô a paz com Portugal fem
intervenção daquella Coroa 5 e que a jornada do Mar-
quez de Sande a Pariz era fantaftica, e fó a fim de evitar
as negociaçoens ,que França podia fazer na conclufao
da paz de Portugal; milagre das felicidades confeguidas
na guerra, trocarem os Caftelhanos em ciúmes amiza-
de de Portugal as arrogantes promeísas , que coftuma-
vaõ fazer ao mundo da fua conquifta.
O Embaixador de Inglaterra,que aíliítia em Paraz,
bufcou o Marquez , havendo concordado com o Mari-
chal de Turena fer necefsaria a fua communicaçaõ,e de-
pois de difcorrerem largamente fobre as controverfias
daquella Coroa , e a de Inglaterra moftroii o Embaixa-
dor admirar-fe da confufao com q D.Ricardo Fanfchou
conferia em Madrid com o Marquez deFuentes,íem lia-»
ver conclufao , de que fe pudefse efperar o ajuftamento
da paz de Portugal , e Caftella , que fó podia , e devia
concluir-fe com a intervenção d'ElRey de Inglaterra:
e que neíla confideraçao fuppunha , que o Marquez vi-
nha a Pariz íó a tratar do caíamento d<ElRey ,• eque
fe acafo determinava declarar-fe Embaixador, que o dia
da íua entrada fahiriaelle de Pariz , c partiria para In-
glaterra. Suavifou o Marquez eíla defconfiança , fegu-
rando
Anno
1665»
364 PORTUGAL REST^URyíDO,
rando ao Embaixador , que a vontade d'E!Rey era fu-
bordinada á de íua irfnãa a Rainha de Inglaterra ,e con-
lequenttmente a d'E!Rey;e que também não merecia a
attenção , com queellehavia fervido aambos os Fria-
cipes , preiumir-ie , que poderia fer inítrumento de ac-
ção , que os dfcigoílaíse.
Chegou naquelle tempo a noticia a Pariz de haver
tomado o Conde do Frado com o exercito do Minho o
Forte da Guarda , e foi grande o contentamento, que o.
Marichal de Tu rena recebeo da conclufao deita empre-'
za j porque delejavão os Francezes fummamente, que
a conquilta de Portugal lè eítendefie por aquella parte
das Rias de Galliza , para lerem mais communicaveis o&
foccorros de França , e mais íeniivel a guerra a Caítella,
que quaíi ie avaliava por indubitável , caminhando a eji
te Hm todas as diípohçoens i porque logo cKve morrei
EIRey de Caítella , começou EIRey Chriítiániffimo a
diípôr Icvantarem-ffe cincoenta mil Infantes , e vintj
mil cavallos , que unidos ao exercito quélu$entâyà|
faziaò oitenta mil Infantes , e trinta mil cavallos , de
que determinava formar quatro exercitou, paraFlandres,
Alemanha , Catalunha, e Itália ,• porem os eiilitos para
íe jfufte n tarem tao poderofos exércitos eraó mmmamen-
te violentos*, porque íe prendião os homens de negocio
com leys novas , de que fe originava grande embaraço,
e extraordinária confuíao ; e o preço dos officios , que
coítumavaõ vender-fe era taó exorbita nte,què hum Fre^
íidente , que havia comprado eíta occupaçao por qua-
renta mil cruzados, que era a taxa ordinária, lho levan-
tarão a cento e cincoenta mil cruzados : e eítes incon-
venientes, e os ameaços da guerra de Inglaterra , que
os Reys não querião , e os Miniítros delejavão, fez ftfíj
pender o fervor , com que EIRey Chriítiániffimo per-
tendia romper a guerra de Ceílella : e de todos eítes ac-
cidentes fabia valeMe o Marquez de Sande com admirá-
vel , e zelofa deítreza em grande utilidade dos interef-
íes cie Portugal , e os mais fuccefsos da fua commiisão
referiremos no anno íeguinte. Nos de Roma , e Hol-
landa não houve novidade digna de memoria,
Con-
PJRTE II. L1VK0 iy 5^5
Continuava o governo da índia o Viíb-Rey Ante- ^ nno
nio de Mello de Caítro , fazendo grande diligencia por
compor o melhor , aue erapoílivel , csigraves damnos, l^°)'
que a dilatada guerra dos Hollandezes , iuípenía coma Nothiad
paz , havia occaíionado. No fim de Janeiro delpedio pa- ra daCcnqliifíít
ra o Reino a náo Nol&a Senhora de Penha de França da índia,
3or conta de D. Franciíco de Lima , e humPataxo.
torneou por Capitão morda Coitado Norte a feu fi-
lho Diniz de Mello de Caibro , e por Capitão mór do
Sul a D. Manoel Lobo da Silveira , e outra Armada
rleremo, que fabricou, foi entregue a Diogo de Frei-
ras de Macedo , e andou íempre unida á do Noite ,
para onde mandou Ignacio Sarmento de Carvalho com
íitulo de General daquellas Fortalezas, em lua com-
panhia foi o Doutor João Alva rt's , Chanceller do Eí-
tado , e Luiz Mendes de Vaíconcellos Veador da Fa- .
zenda , com ordem de entregarem Bombaim ao Gover-
nador da gente Ingleza , que eftava em Engediva ,
chamado Honofre Coque. Chegáraoa Bombaim , e fi-
zeraô entrega da Fortaleza V e porto aos Inglezes , de-
clarando-ie nas condiçoens , que íe firma ràó , que le
receberia õ naquelle porto as noisas embarcaçoens da
meíma forte , que as dos Inglezes , nao permittindo
nelle navios inimigos 3 é que dos moradores da Ilha
naõ tirariaõ mais contribuição * que a dos foros , que
era o tributo , que pagayaô a EIRey dê Portugal. Lo-
go que os Inglezes entrarão de pofse da Ilha , alte-
rarão quaíi todo o capitulado , fazendo-íe íenhores
delia, deílituindo os Portuguezes das íuas fazendas ,
e outras extorfoens , que faziaõ lamentável o leu do-
minio; pafsando também o prejuízo aos moradores de
Baçaim , que com efta vizinhança logravaõ pouco fo-
cego. Neíle tempo chegou á Barra de Goa Dom An-
tónio Mafcarenhas , que partio de Lisboa em a náo
Nofsa Senhora da Guia em companhia, do Capitão
mór Bernardo de Miranda Henriques , que arribou ao
Brafil ,que naquelle tempo governava o Conde de Óbi-
dos j e tendo noticia , que a náo , de que era Capi-
tão mór IX Fedro de Átocaltre ^ havia arribado 3
Mo cana*
3 66 PORTUGAL RESTAURADO;
AnnO' Moçambique, lhe mandou hum pataxo com marinhe
*, ros , e mantimentos , que lhe facilitou feguir a íu
100 J. viagem; e no Eftado da índia naõ houve eíbe ann
guerra » ou íuccefso capaz de referir.
RESTAURADO.
L I V R O XL
S U M M A R I O.
OVERNd as Armas de Alentejo o Armo
Conde -de Schotfiberg : fza humo en- ,,,
irada r>o Condado de Nubla , ganha I£,í)6,
a Filia de Alçaria de la Vuebl arquei*
ma a Vil la , epaffa à de Paymogo\
entregafe-lbe , e deixa-a com prefi-
dio : i árias entradas vejle tempo
om felicefuccejjovjabe dePaymogo S alam ao y e
:ahe em hum a tm bofe a da, em queperâeo vai oro fo-
mente a vida. Querem es Cafie lhanos yecupirar efi>
ta Vtlla i he foccerrida , e retirarao-fe. Sitia o Con-
de de Schomberg S. Lucar de Guadiana : ganha a
Filia,
j*8 PORTUGAL RESTAURADO,
Ánno Filia , e a de Gibraleaft, pondo em contribuição
sss muitos lugares de Andaluzia* Diniz de Mello {que
16 ' tinha jà Patente de Meftre de Campo General) der-
rota duzentos e cincoenta cavai los Caftelhanos >fã>
zem varias entradas mal fabricadas. Joaô da SiU
va de Soufa fe retira com grande perda , efecafti-*
gaõ os culpados nefta dsjordun. Intenta o Conde dt
Schomberg inter prender Geromenha no principio do
anno de 1667. Defvanece-fe a interpreza : variai
occafioens defles últimos dous annos , em que os ini
migos tiver ao algum a s< vantagens» Governa oCon-
de do Prado Entre Douro , e Minho , e o Conde fla^
bleGalliza , que f abe em Campanha com hum grof
fo exercito. Oppoefttfe-the o Conde do Prado fempn
com felicesfuccejfos : retira-fe o Conde ftabíe. Suç;
ceffos dejla Provinda nos dousannor fèguintes .Go
verna T> as os Montes em aufen&ia do Conde deS
João o Me [tre de Campo General Diogo de Britt
Coutinho. Deftroem os Caftelhanos muitos lugares
chega àe Lisboa o Conde de S.Joaõ , e ganha Mi
guel Carlos o lugar de Mefquita: desbarata Pedrc
Cefar, e D. Miguel da Silveira aCavallaria inwn
ga. Governa Pedre Jaqueso Partido de Almeida
ganha Redondo ,eUmbr ales , tfaz priftonetro t
General da Artilharia D, João Salamanques: t
Partido de Penamacor governa nefie tempo o Gene
ral da Artilharia António Smres da Cofia , entu
aViUa de Ferreira , e outras VtUas. SuccetJos di
índia no governo de António de Mello, edo Condi
de$. Vicente. Negócios mblicos da Corte detran
ca. Camtmiento d^ElRey com a Princeza de Au
malle. Parte a Rainha da Arrochella conduzia*
pelo Marquez deSande.
1 .
.. :. -
OCond
VAÈTE 11. LirRO XI
369
Conde de Schomberg , que deixamos no fim ^ntlO
do anno antecedente continuado o governo , ,
das Armas do exercito de Alentejo,depois de I&01**
haver voltado da Provinda de Entre Douro»
e Minho, defejando não ter ociofasas nofsafr
.rmas vi&oriofas, e triunfantes , e accrefcentar aos Caf-
ilhanos o temor dos nofsos progrefsos , para que che-
afse a concluíaó da paz defejada de ambas as Naçoens,
larchou com dous mil cavallos , e dous mil Infantes a
afligar a ingratidão dos Povos do Condado de Niebla,
ue havendo fido prefervados de todas, as hoítilidades
a guerra , refpeitando a eítreiteza do parenteico , que
inha comElRey o Duque de Medina-Sidonia, de quem
raóvafsallos , e as moleítias , que havia padecido por
íte rei peito , fem replica alguma tinhaõ admittido alo-
amentos de Cavallaria, de que aquella fronteira recebia
onfideravel damno 3 e fendo varias vezes amoeítados ,
è haviaõ efcufado com frivolas refpoítas. A vinte e hum
le Janeiro íahio o Conde de Schomberg de Serpa com o
>oder referido , e marchou nove léguas fem fazer alto.
Chegou á Villa de Alçaria de la Puebla , e fem o have-
em fentido , atacou hum Forte , que lhe fervia defe-
«•urança > que rendeo com pouca renitência ; e haven-
lo a Cavallaria lançado hum cordão ao redor da Vil-
a, ficarão dentro quatro Companhias de cavallos de
Uemães do Regime vto de Rabat , que de novo fe ti-
ihaó remontado. Foi a Villa entrada fem renitência ,
* depois de faqueada ^e defmantelado o Forte , pafsou
á Conde de Schomberg á Villa de Paymogo rodeada de
levantadas trincheiras, e defendida- de hum Forte de
quatro baluartes, tao bem fabricado , que entendeo o
Conde de Schomberg , que era maior a empreza , do
que fuppunha : porém livrou-o deite cuidado a boa cor-
irefpõdencia do Governador,que fem querer empenhar-
fe nos perigos doafsalto, entregou o Forte, ehuma
Companhia de cavallos. Pareceo-lhe ao Códe de Schom-
berg deixalo guarnecido com quatro Companhias de In-
fanteria , para grangear a contribuição de muitos luga-
Aa res,
" ■!
iro P0R7VGAL RESTAURADO,
res abertos , que occupavaô todo aquelJe diítriclo. Voi
tou para Serpa com os Soldados t ricos de delpojosj fa-
tisfaçaa,- que unindo-fe ao valor , de que erao dotados
t£conítituia invencíveis.
Ao mefmo tempo, que o Conde de Schomberg mar»
cl ou para o Condado, quinze batalhões de Cava liaria
de Badajoz carregarão as guardas,q feguravaõ a Can pa-
nha de Cãpo-Maior, com intento de as derrotar, e reba-
nhar os gados; mas asguardas fuíkntáraô o impfcífo até
a eítrada encuberta deíta Praça cem tãto valor, que an>
parados da artilhariam mofqueta ria, recolherão osgatSJ
perdendo alguns Soldados Caftelhanos. Pertendeo li-
cença Bernardo de Faria , Commifsario geral da Caval-
laria , para armar á de Badajoz , e fahio com a de Elvas
deCampo-Maiora embofear-íe no Àrcornocali antes de
o confeguir deicobrio hum corpo de Cava Ha ria , e íem
examinar o leu poder , o carregou com tanta força, que
fe retirarão confuíos os inimigos , deixando muito»
mortos, evinteedous prifioneiros. Algum tempo de-
pois teve avizo o General da Cavallaria Diniz de Mello
de Caítro de hum comboy , que intenta vaõ os Caftelha-
nos meter em Geromenha ; mandou ao Capitão de cal
vallos Manoel Travaços com duzentos cavallos , que
na eftrada de Olivença ao amanhecer encontrou a Com-
panhia da guarda delia Praça: inveftio-a,e desbaratou~a,,
e o comboy, que a feguia com hum batalhão de eícolta,.
padeceo a meima difgraça , tomando o comboy, e o Ca-
bo , que o conduzia com feísenta e três prifioneiros.
Mandou neíle tempo Diniz de Mello a Joaò da Sil-
va e Souia a Badajoz com huní corpo de Cavallaria a di-
vertir aquella guarnição , que confeguio fem mais effei-
to , -que a preza de hum comboy. O Marquez de Cara-
cena , defejando contraprazereílas hoílilidades , man-
dou á VTilla do Landroal mil e quinhentos cavallos , e
cem Infantes. Foraó fentidos antes de chegarem , e re-
colheo-feao Caftello,que governava André MendesLo-
bo , o Capitão de cavallos António Botelho com a fua
Companhia. Em quanto durou a noite,faquearaõ os Ca-
ílelliartos as caías do Arrabalde. Logo que amanheceo >
fez
PJRTE 11. LlVKOmXL )7i
fe2 António Botelho huma fortida com toda a gente do ^ nno
Caftello com tão bom íucceíso , que degolláraõ quan- *,
tidadedelafantes, que acháraó nas caías divertidos »o«v#
com os roubos das alfaias delias ; fizeraó hum Coronel,
priíioneiro, e os Caftelhanos íe retiraraó.Dava-lhes gra-
de cuidado o Forte de Paymogo , que governava por
ordem do Conde de Schomberg o Capitão de cavallos
Salamaõ , valo roto Francez: porque em grande dam no
dos lugares daquelle diítrido , que não havião padeci-
do , como os mais , as calamidades da guerra , tinha fei-
to repetidas entradas fempre comfelice íuccefso.Mudou-
fe-lhe a fortuna , por fazer maior confiança, do que era
jufto de hum Caftelhano,que lhe íegurou conduzir hu-
ma grande preza dos Montes de S. Benedicto , féis lé-
guas diftantes de Paymogo. Com efte incerto fundamé-
to fahio do Forte com cento e cincoenta Infantes , e
vinte e cinco cavallos. Chegou ao lugar da preza, con-
duzio-a muito confideravel fem oppofiçaô alguma; po-
rém voltando, e querendo pafsar Malagaõ, achou o Ba-
rão de Santa Chriílina avizado pela efpia , que o eftava
efperandocom quinhentos Infantes , e duzentos e cin-
coenta cavallos. Vendo-fe Salamaõ perdido , dourou o
deíacerto da fua confiança com os últimos quilates do
íeu valor ; porque promptamente deu orclem ao feu Al-
feres , que retirafse os vinte e cinco cavallos a Paymo-
go , e que fizefse avizo a Moura , que com toda a dili-
gencia íe acodifse ao Forte í porque elle ficava pelejan-
do com a Infateria até dar a vida pelo ferviço d'ElRey.
Retirou-ie o Alferes , e Salamaõ deímontado amparou
a Infanteria de huns penedos , e pelejou quatro horas,q
lhe durarão asmuniçoens, que trazia , e ao tempo que
fe lhe acabavaõ , cahio moribundo com féis feridas ,
depois de haver pelejado com admirável reiduçaõ , e
perdido a maior parte dos Officiaes , e Soldados á cu f-
ta de muitas vidas dos inimigos j e faltando defenfa aos
penedos , foraõ entrados , e deraõ os Caítelhenos quar-
tel , aos que acharão vivos; querendo urbanamente, que
fe prefervafsem de morte violenta taõ valorolos Solda-
dos. Retirarão Salamaõ ainda vivo ,' mas durou poucas
***" "-*» Aa i horas,
572 PORTUGAL REST AVRJDO,
AnnofloraSi rnerecendo a fua memoria eternos elogios , de
• ^i? quea Naçaô Franeeza fe fez fempre dignana guerra de
Io66..portugai.
x Ô Barão de Santa Chriítina , querendo executar , o
que a prudência de Salamaõ (nunca mais merecedor dei-
te nome ) havia prevenido , puxou por lnfanteria dg
todoaquelle diftricto , e marchou para Paymogo ; po-
rém quando chegou , achou já no Forte ao Tenente Ge-
neral daCavallariaD. Luiz da Coita avizado pelo Al-
feres, que mandou Salamaõ , com lnfanteria, munições,
e mantimentos , e com efta noticia fe retirou o Baraõ ,
e D Luiz para Moura,deixando entregue o Forte a Ma-
noel Rodrigues Covas , Capitão do Terço de Ayres de
-Soufa <ie Caftro. Sentio o Conde dcSchombefg muito*
-a morte de Salamaõ , porque juítamente eftimava o -íbi*
valor ,* e defejando nao dilatar a fatisfaçaó , diípoz m-
terprender a Praça de S, Lucar He Guadína , fituada fo-'
~bre efte Rio , onde defeníboca no Mar, no Reino do
Algarve defronte de Alcoitim.Antes de intentar o Con-
de eíla empreza, mandou examinar o eftado da defenfa
da Praça , e recebendo individual noticia da facilidade?
com que podia gânhalla, tendo difpoftasiafenfivelmé-
te todas as prevençoens convenientes , fahio de Eílre-
fnoz a vinte entres de Mayo. Chegando a Beja , achou
todos os Terços , e Companhias de cavallos , que tinha
mandado convocar áquella Cidade, e continuou a mar-
cha para S. Lucar com três mil Infantes , e mil e du-
zentos cavallos. Mandou pramptamente adiantar hum
Troço de Cavallaria , e lnfanteria com ordem de occu-
parem os póítos fobre a Praça , para evitar os foccorros*
que íe lhe podíaõ introduzir, tendo os Caftelhanos no-
tícia da marcha.Confeguío-fe efte intento taõ facilmen-
te , que foi entrado o Arrabalde , em que íe achou con-
iideravel defpojo. Recolheo-fe a gente ao Caftello, que
começou a difparar a artilharia com pouco dano dos ex-
pugnadores, e o Governador do Caftello levando (qua-
do fe recolhe o) das cafas da Viíla , hum Soldado prifio-
neiro , o lançou fora com hum papel , em que dizia ,
<jue eftimava muito darfe-lhe occaíiaõ de ganhar honra,
na
PARTE 11 LIVRO XI. }7?
ia defenfa daquelle Caítello.Tornou-lhe a refpoíta por AlMO
íum Gaftelhano também por efcrito, em que ie lhe ad- , „
vertia, que tratafse de fe entregar logo , fenaó queria 10WV'
norrer enforcado , e os mais que eítavaõ dentro no Ca*
[tello. Abateo-lhe deíorte o ardor eíle ameaço , que
nandou hum Official com ordem , que examinafse , fe
:ra o Conde de Schomberg Cabo daquellas tropas. Fal-
Lou-lhe o Conde , e certificado o Governador deita ver-
dade, í em outra inítancia mandou dizer, que queria
render-fe. Aceitou-lhe o Conde a offerta , e concedeo-
ihes fahir com a guarnição para Ayamonte , e ao dia fe-
juinte , que fe contavaó vinte e nove de Mayo , entrou
aoCaíteilo. Os dias, que fe deteve nelle , vieraõdar
abediencia a EIRey muitos lugares circumvizinhos, e os
moradores deS. Lucar quafi todos ficarão nas fuás ca-
ías : e foi grande o terror , que entrou em todos os Po-
vos* de Andaluzia ; porque naõ eftavaõ coítumados a
padecer os eftragos da guerra , quefe acere fentou com
huma entrada , que fez o Tenente General D. Luiz da
Coita com mil cavallos , e cem Infantes para o diítriclio
da Villa de Gibraleaó, Marchava de vanguarda o Baraò
de Schomberg com quatro batalhões; e chegando a hum
Rio junto da Villa, determinou impedir-lhe a pafsagem
o Coronel Rugemont com trezentos cavallos ; porém o
Barao,cujo valor não fabia conhecer receyo,por todas as
qualidades digniílimo filho de tão excellente pay, arro-
jando-fe ao Rio pafsou da outra parte , a tempo que D.
Luiz da Coita chegava com o reíto da gente. Fugira 6
os inimigos , e feguio-lhes o Barão o alcance até á Vil1 a
de Frigueiras , e entrarão pelas ruas os Caftelhanos mif-
turados com a nofsa gente, e defmontando a maior par-
te , faqueárão a Villa. Voltarão fobre Gibraleão , que
ficava quafi três léguas pela retaguarda , e não achando
refiítencia , faqueárão , e queimarão a Villa , e foi o def-
pojo o mais rico , que fe havia trazido de Caítella em
todo o tempo antecedente ; e executando o mefmo dam-
no nos lugares de Cartaya , e Lepe , fe retirou D. Luiz
da Coita , deixando tão amedrontados todos os lugares
daquellgdiílri&o > que chegou o receyo a Sevilha , oiv-
. **•' Aa 3 de
: .'
374 PORTUGAL RESTAURADO,
Atino de íuccederaõ perigo fas alteraçoens. Sahioemfím no
1-666 meZ de ^unho de Cadis a Armada de Caítella,goverria-
• da pelo Duque de Aveiro , e compoíta de quinze na-
vios : reduzira ó-fe os íeus progreísos a ganhar na Coita
do.Algarve hum pequeno Forte chamado a Baieyeira,
que tinha íó três peças de artilharia J e querendo inter-
prender a importante Fortaleza de Sagres, que domi-
na o famofo Cabo de Saõ Vicente , foraò rebatidos,
os que le atreverão a chegar nos batéis, pela artilharia
da Praça, que governava Simaõ Rodrigues Moreira:
pafsou a Armada á pequena Ilha da Berlenga , que rica
três léguas da Cofia de Peniche , e depois de lhes reílítir
dousdiasa pequena guarnição de trinta Soldados , que
defendia hum Forte de pouca importância, o renderão,
edeímantelarao , recolheraõ-fe aos feus portos íem ou-
tra operação» O Conde de Schomberg antes de voltar
para Eftremoz , fez outra entrada no Condado, em que
deílruio muitos lugares , e com poucos dias de delcan-
ço pafsou a Arronches a dar ordem a fe fortificar ; o
que difpoz com a brevidade , e acerto , que coílumava
em todas as acçoens , que emprendia : fendo-lhe Portu-
gal devedor de eterno agradecimento , que EIRey def-
empenhou , dando-lhe o titulo de Conde de Mertola ,
e dezoito mil cruzados de renda , em que entravao os
dei "pachos de feus filhos > conveniências, que todos lo-
grarão em fua vida. A Praça de S.Lucar ficou preíidia^
da , e pela vizinhança do Algarve era fácil o foccorro,
fe os Caítelhanos intentafsem reftauralla.
Diniz de Mello , que aíliftia em Vílla-Viçofa , c
que já governava a Cavallaria com titulo de Meftre de
Campo General , teve noticia , que entrarão por junto
a Tuiena,duzentos e cincoenta ca vai los. Marchou a buf-
callos com pouco mais numero ; e encontrando-os , foi
o mefmo inveílilos, que desbaratallos.Seguio-lhes o al^
rance até Geromenha o Cómifsario geral João do Cra-
. todaFonfeca , e poucos fe recolherão áquella Praça.
Defejava o Marquez de Caracena tomar fatisfoçaõ de
tantos, e tão repetidos infortúnios ; porém todos os in-
tentos fe lhe defvaneciaõ , ou porque a primeira caufa
era
VARTE II. LWRO XI. w
;ra propicia aosPortuguezes , ou porque as fecundas Arino
otalmente enfraquecidas não fabiaõ atinar com os acer- ■'* ^
os. Recorreo o Marquez ao foccorro do Duque de^Me- l°09*
lina-Cceli , que governava Andaluzia , e ajuílaraõ en-
rarem ao mefmo tempo com grofso poder nos Reinos
ie Portugal , e Algarve. Foi grande a preparação , e
lilatadas as efpe ranças , porém o eflèito muito inferior
is diípoíiçoens ; porque a gente do Duque parou junto
i Deleite , três léguas diftantes a Caftro-Marim , e com
nenos difculpa , que a de Annibal em Capua , por não
:orrefponder ao nome o fitio do lugar , entrarão-no du-
zentos Infantes , e quarenta cavallos , e quando anda-
rão mais occu pados no defpojo, acodiraõ de Caftro-Ma-
rim os Capitães Balthafar da Coita , Nicoláo Monteiro,
í Francifco, de Oliveira com pouco mais de duzentos
Infantes , e entrarão pelo lugar , lem ferem fentidos
iosCaftelhanos. Obrigaraó-nos a fahirem delle , ema-
rando, e ferindo muitos,dos que andavaô roubando pe-
las cafas , guarnecerão astrinceiras, e as fizera õ impe-
netráveis , aos que eílavão fora ,• e baftou efte fuccef-
fo, para fui pender a refoluçaõ do Duque de Medina-
~reli , retirando-fe os Caílelhanos fem outro effeito. O
Marquez deCaracena entrou ao mefmo tempo na for-
ma , que havia ajuftado com o Duque de Medina-Cceli,
:om três mil Infantes , e dous mil e quinhentos cavai-
los. Chegou á Cabeça de Vide , e com pouca refiften-
dafelhe rendeo o pequeno Caítellejo. PafsouaAlter
do ChaÕ , e achando o Caítello guarnecido , o comba-
teo dez horas , e recebendo avizo , que Diniz de Mel-
lo íe punha em marcha para íoccorrer o Caítell© , deíl-
ftio daempreza , e voltou para Badajoz.
Dentro de breves dias fez outra entrada , dividin-
do a Cavalla ria em dous troços. Marchou o Marquez
com dous mil cavallos, edous mil Infantes por Gero-
menha , e por Monçarás entrarão mil e quinhentos ca-
vallos j eftes queimarão o lugar de Montouto ,e outras
Aldeyas , e querendo chegar ao Redondo ondetinhao
ordem para feencorporaremcomo Marquez, receberão
outra para fe retirarem -f porque ha vendo-lhe confiado,
'*■-*" -• Aa 4 que
37<5 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno cíue ^ora ^ent^° ^e partidas nofsas , retrocedeo do em-
i 6aa Pen^° começado , e os mil e quinhentos cavallos fe re-
1 066 . tirarão com tanta prefsa , que morrerão muitos na mar-
cha , e entrou efte poder com a aíliftencia de todos os
Gabos Maiores a caíligar os moradores de Alter do
Chão , por haverem faltado áentrega de quatro mil cru-
zados, que havião prometido ao Marquez deCaracena,
por fe livrarem de ferem faqueados os do Arrabalde na
entrada antecedente. Tendo noticia deite movimento o
Commifsario geral da Ca valia ria Franciíco Cabral Bar-
reto , fahio de Portalegre com as tropas daquella Praça,
e as do Conde de Maré, encorporando-fe comoCorn-
mifsario geral António de Siqueira Peítana. Forão fe-
guindo a marcha dos Caítelhanos , epara embaraçar as
íiias hoílilidades, cobrirão o paiz com algumas partidas.
O Príncipe de Parma , que governava a Cavallaria , te-
mendo , anofsafejuntafse /depois de fe alojar aquel-
la noite em Alter , voltou para Albuquerque : obfervá-
rao-lhe a marcha as nofsas tropas; mas tendo os Cafte-
Iha nos avançado diverfas partidas, huma de fefsenta ca-
vallos, que tinha tomado Iingua junto a Portalegre ,
encontrou com os nofso batedores, correrão a valer-fe
dos nofsos batedores , imaginando os primeiros, que
era maior o poder , com demafiado terror cahirão defor-
denados íobre o batalhão da retaguarda , que governa-
va o Capitão de Cavallos Bernardim Freire de Andrade.
Reprefentou-lhe elle com vivas razoens,quanto era in-
tempeílivo aquille movimento , e com as fuás vozes de-
teve o feu temor,acreditando com as acções as palavrasj
voltou com os Oíflciaes, e recuperou os prifioneiros ,
que nos tinhão feito , trazendo outros , e fazendo reti-
rar com perda os contrários; e fuppondo o Marquez ,
que o prefidio de Campo-Maior fahiria a foceorrer Al-
ter y mandou três mil Infantes para Ouguella com or-
dem , que conftando4he , que a guarnição de Campo-
Maior era fahida , marchafsem com toda a diligencia a
interprender aquella Praça ,* porém defvaneeerão-fe to»
dos eítes intentos ,» porque na marcha , tendo o Mar-
quez avizo, que Diniz de Mello, que governava as Ar-
mas^
VJRTE II. LIVRO XI. )77
irias > Por haver paísado o Conde de Schomberg a Lis- Anno
boa , juntava gente para foccorrer Alter , ie retirou pa- . . .
ra Badajoz ,e mandou ordem álnfanteria de Ouguella, iooo.
quevoltafse para aquella Praça. •
Diniz de Mello defejando tirar melhor fruto das
fuás emprezas, do que confeguia o Marquez de Cara ce-
na , e não baldar o 'trabalho da Cavallaría , que havia
mandado fòhitf dos Seus quartéis , marchou com mií e
trezentos cavallos para a parte deFreyxenal, onde fez
hurha coníideravel preza : e Joaô da Silva de Souia no-
vamente provido no poíto de General da Artilharia, va-
go pelas razoens, que adiante referiremos , marchou
com mil e duzentos cavallos a íe emboícar entre Carn-
po-Maior , e Badajoz, avançando com cem aos Capitães
Ignacio Coelho, e Francifco Galvão, com ordem de pe-
garem em alguns boys, que anda vaõ na Campanha-
Executáraõ-na elles com boa difpoíiçaõ , porém foraõ-
carregados de cinco batalhoens, que iahiraõ de Badajoz,
Mandou João da Silva foccorrer os Capitães com parte
da Cavallaria , que levava , e unido èfte corpo , volta-
rão os Caílelhanos as coftas , e perderão cincoenta ca-
vallos. Nefte tempo appareceo o Príncipe de Parma
com mil , e quinhentos cavallos , divididos em duas li-
nhas em diftancias convenientes , e claros proporciona-
dos. Fizeraõ alto os no fsos batalhoens, que hião avan-
çados , e chegou João da Silva a foccorrellos aífiftido
dos Commifsarios geraes António de Siqueira Peitaria,
Bernardo de Faria , João de Sanclá f XX Manoel Lobo ,
e Francifco Cabral , do Meftre de Campo ^Pedro Cefar
de Menezes, e do Tenente de Meftre de Campo Gene-
ral Manoel de Siqueira Perdigão : porém como a chega-
da do Príncipe de Parma com maior grofso de Cavalla-
ria , do que João da Silva iuppunha , foi repentina ,
não teve João da Silva lugar de compor os batalhoens r
para haverem de pelejar na forma conveniente , nem?
de tornar a encorporar os Soldados efcolhidos dos féis
batalhões, que hiaõ na retaguarda ,e foraí es primeiros
carregados , os quaes eraõ de Ignacio Coelho » Francif-
co Galvão j Pedro de Lima, ( que em todas as occafiôes-
$7.8 PORTUGAL RESTAURADO,
Atino nos últimos annos da guerra procedeo com muito va~
Í6á6 ]°l ' fendo em num recontro particular ferido, e prifio-
uou' neiro ) Julião de Campos , Bernardim Freire , e Moa-
íleurdeBuriene , que voltando a encorpo rar-ie com a
íegunda linha, e a vanguarda, as acharão em defor-
denada fugida , e não puderaò refazer-fe , de que ie
originou ficarem todos os batallioens enfraquecidos ,e
pelejarem os melhores Soldados fora da obediência dos
ieus Oífíàaes i ,e coim o temor lie infallivel coafequeu-
cia da confuíao , foi de forte , o que íè diffundio por
tod is os Soldados , que a ites dos Caftelhanos invefti-
rem , voltarão os nolsos batalhoens as cofias tão intem-
peítivamen.te , que todos aquelles Soldados , tantas ve-,
dasull dlsô! ztíSV^toriolbs' e ornados de valor, e diíciplina, fiarão
fl com grande íó as vidas da Hg©*/é?íjí dos cavallos. Seguirão os Caite-
pird*. lhanos o alcance ate Campo-Maior , e fizeraó priíioneí-
ros trezentos e cincoenta Soldados j e os Ofiiciaes , que
entrarão neíle numero $ forãoos Capitães. Ignacio Coe-
lho , Bâlthafar Fernandes , Manoel Pacheco com huma
ferida, dequemorreo em Badajoz dentro em poucos
dias, Í3emardim Freire , aquém matarão o cavai lo no
primeiro encontro , e com huma perigoía eftocada pa-
deceo dezafeis mezes de peuoíiifima prizão 5 Moníieur
de Buriene também ferido , António Cardoíb , e Manoel:
da Serra, o Ajudante de Tenente deMeílrede Campo
General Braz Rodrigues, o Ajudante da Cavallaria Gaf-
par da Fonfeca. Forão feridos o Capitão Francifco Gal-
vão , o Ajudante da C avaliaria Pedro Go,mes , Fernan-
do Alvares de Toledo , filho natural de João da Silva
deSoufa, e outros Soldados. O Príncipe de Parma íe
retirou a Badajoz com a floria de haver vencido com
numero pouco íuperior Soldados , que pelas occaíioens
antecedentes parecjão inveicivHs , de que fe deixa co-
nhecer , que aordem na guerra he mais poderoía , que
o mefmo valor.
■<~~»-~ Co nvpoz Jo ao d a. Si \v.\ a gente que ficava,, dividio,
as Companhias pelos feu-s quartéis , efoi grande o í'qi\i
timentoi, que Diniz de Mello teve, nao fé da infelicUa-
de daquellâ íueceíso. , mas da deiordem, com que fe pro--
\edcoi
/
VARTE II. I/í>RO XI. 379
cedeo. Deu conta aJÊlRey individuando todas as eir-^nrr0
euníbancias, que haviaõ luccedido , e vendo-ie a lua . ,
carta no Confelho de Guerra , ibbiò huma ccniulta,que Ictw.
FIRey logo refolvèo , dando-íe ordem ao Conde de
Schomberg , que havia voltado para Alentejo , que fe-
veramente procedeíse contra os culpados n<^uccefsor*/í'***/«w
referido , aíliftido do Meílre de Campo Genial , e ^fitilL
Auditor geral Ignacio de Gutvara. Os Cfíiciaes , que fa-
hiraõ condemnados , foraó os mel imos , que em outras
oceaíioens obrarão com tanta fatisfaçaô , que nos naó
pareceo juíto deixar a fua memoria cflèndida comhum
accidente , em que poderiaó naõ íer culpados ; e dos
primeiros cinco batalhoens , que fugirão , íè fovtearrô '
os Soldados , para íer arcabuzeado hum de cada bata-
lhão. Executou-fe a fentença j e o terror , que occaíio*
nou no exercito , foi utiliilimo exemplo para o tempo
futuro.
Começou o anno de mil feifcentos e feísenta e fe-
te , e as mais oceaíioens , que houve de huma , e outra
parte , foraõ de taõ pouca coníideraçaõ , que naõ mere-
cem dividir-fe pela ordem dosannos, e todas aí! ."m da
Província de Alentejo , como das mais , ainda que fuc-
cederão nos dous annos futuros , refle as referiremos,
para cxue fem embaraço acabemos eíta obra cem a cipe-
ciíicaçaõ dos movimentos politicos , coroando-a o triun-
fo eíclarecido da paz , pertendido fim em taõ dilatados
annos de guerra. No principio deite anno mandou o
Conde de Schomberg cinceenta cavallos , e cem Infan-
tes , a tomar as barcas , que no Inverno intrcdvziaõ os
foccorros em Geromenha. Confeguiraõ-no , e nellas en^-
trou a nofsa Infanteria fem refftencia até dentro das
obras exteriores daquella Praça. Tomáraõ-fe junto de
Elvas outras barcas, e coníiderando o Conde de Schom-
berg a falta , que fariaõ em Geromenha , o defeuido da
fua guarnição , e ruinas das fertificaçoens , quiz com
o voto dos mais Cabes interprendella.Defvanecce-.fe ef-
ta acçaõ, porque D. Luiz íerrer , e o Príncipe de Par-
ma meterão na Praça ger<te,muniçoens, e mantiir-èntcsj
prevenindo a nofsa reíoluçaõ.
^^^ O Conde
Mi
380 PORTUGAL RESTAURADO,
ÁntlO O Conde de Schomberg fazendo efpeculaçaô da
ASA Parte>on^e P°dia dar algum exercido aos Soldados, in-
iOOO. tentou interprender Albuquerque, difcurfando,q quan-
do naó conieguifse ganhar o Caftello , poderia deítruic
o Arrabalde , que era grande , e povoado dos morado-
res de outros lugares deba ratados. Marchou aeíta em-
preza com quatro mil Infantes , e três mil cavallos. Foi
fentido antes de chegar a Albuquerque : preveniraò-fe
os Caftelhanos , guarnecerão o Caftello , e o Arrabalde»
Chegou a nofsa gente , e fem embargo da oppoíiçaõ,
foi entrado o Arrabalde , e faqueada a Villa , de que
os Soldados tiráraõ grande defpojojporém a grande cul-
to pela morte do Marquez já Duque de Normontier 5
Meílre de Campo do Terço de Caftello da Vide, em
quem refplandeciaó tantas virtudes , tão iníigne valor,
e tão grande qualidade , que o conftituíão merecedor da
affeição de todo o exercito. Morrerão também na Vil-
la quantidade de Soldados , e naó intentou o Conde
de Schomberg ganhar o Caftello, porque a afperezado
fitio o não permittia íèm baterias, e inftrumentos de ex-
pugnação.Os Caftelhanos fizerão huma entrada cora do*
ze batalhoens de Ca valia ria , e duzentos Infantes : che-
garão aosOlivaes deElvas,e voltarão fem mais emprego,
q voar huma atalaya. Pouco depois,íàbendo-fe,que com
toda a fuaCavallaria faziaó hum movimento para a par-
te de Valença , fahio o Ajudante da Cavallaria Pedro
Vaz Mendes a tomar lingua com trinta cavallos; encon-
trou hum grande comboy guardado por igual numero,
derrotou a efcolta, e tomou o comboy. Quiz nefte tem-
po o Governador de Elvas joaó Leite deOlieira tomar
lingua , mandou o Capitão de cavallos António Pereira
da Cunha ( hoje Secretario de Guerra, e que nos últimos
annos delia fervio com mui boa opinião ) com huma
partida $ a qual íeguia o Commiísario geral Sanclá com
trinta cavallos , e Joaõ Leite lhes dava calor com oiten-
ta. Tomou lingua António Pereira , e fahio a refga-
talla a Companhia das guardas de Badajoz: fez-lhe San-
clá alguns prifioneiros ; mas pafsando-fe naquelle dia
moftra á Cavallaria de Badajoz , fahiraõ vinte ,e cinco
bati
PJRTE II. LIVRO XL 3 Si
satalhoens, e carregando aos nofsos , cederão ao nume- ^nno
o, e fem ferem rotos na retirada, fe falváraó em Elvas,
evando os inimigos quinze prifioneiros, entre os quaes lOOO.
~oi António Pereira da Cunha , (a quem cahio o cavai-
o ) hum Tenente , e hum Alferes^ parece que queria a
ibrtuna com taó pequenas vantagens confolar aos Caf-
elhancsde taó grandes -perdas; e como a paz ellava tao
mmediata,intentou moíbar que' a defejavaõ, ainda quã*
io a fua natural vaidade Tem razaó os appellidava vi&o-
ioíbs.Com quinhentos ca vallos carregou D.Carlos Taf-
o ao Tenente General Joaó do Crato , que com as tro-
m de Villa-Viçoía forrajeava junto ao Forte de Ferra-
gudo. Naõ quiz Joaõ do Crato retirar-fe,fem reconhecer
> numera dos inimigos,e fendo taó fuperior, o naõ po-
lé fazer fem perda de quarenta e cinco ca vallos , íican-
lo elle priíioneiro , e feu irmaó Damião do Crato; e fe-
ia maior a perda , íe a Campanha naó fofse taó cuber-
a , que deixafse ao reíto da Cavallaria ampavar-fe em
/illa-Viço-fa. Quizeraõ os Caftelhanos com mil caval-
os interprender a Praça de Serpa , por terem avizo ,
nae a íua guarnição havia marchado paraEítremozimas
ia pouca gente , que acháraõ na Praça, encontrarão taó
ralorofa refiítencia , e fe jretirárao rechaçados , e com
nuitos mortos , e feridos. Teve nefte tempo noticia
^ranciíco Pacheco Mafcarenhas Governador de Campo-
Vlaior , que de Albuquerque para Badajoz havia de fa-
lir hum grande comboy com cincoenta cavallos , e os
noços , que conduziaõ mais de quatrocentas mulas, ar-
nados de bocas de fogo.Mandou ao Commifsario geral
D. Manoel Lobo , quê correfse a tomallo com as tropas
le Campo-Maior $ e valeo-lhe a fua diligencia desbara-
:ar a pezar de valorofa defenfa aguarda do comboy, re-
;olhendo-o todo, e voltado com muitos priíioneiros,e o
Ienente, que governava os cincoéta cavallos muito mal
ferido , fem mais perda , que a do Tenente D. Manoel,
}ue ficou morto , e feridos alguns Soldados. A tropa
3e Geromenha , que conftava de trinta e cinco cavallos,
aprifionou toda o Capitão Santegriza por ordem de Di-
yz de Mello.
Anno
1666
}%z PORTUGAL RESTAURADO,
Pela parte 4e Aya-Monte intentarão os Caftelhanoí
ganhar por interpreza aS. Lutar de Guadiana corh mii^
duzentos Infantes , e cem cavallos. RefiíHo-lhes , e re
bateo-os o Governador de S. Lucar António Tavares d(
fina. falsarão com maior esforço a fitiar Paymogo
q induzindo-lhe de Serpa foccorro , defiltiraõ de am-
bas as emprezas. Da Praça de Moura, de que era Gover
nadorAyres de Saldanha de Menezes, fizeraõ hua entra
da emCaílelIa os Capitães de cavallosjoaõ de Saldanha
e António Lobo de Saldanha ,• fendo em todos os deíh
família o maior abono do leu valor eíle appellido. Fize
rão huma groísa preza , que os Caftelhanosrecupararac
com quatrocentos cavallos , levado prifioneiro Joaõ d»
Saldanha: ialvou-fe a Cavallaria em Mbura, fazédo alt(
os inimigos, por íahirem daquella Praia hum Terço , 1
duas tropas a receberé as noísas.Ayres dg Saldanha, cuj
a&ividade não podia eítar ociofa, cõ faculdade do Goa
de de Schóberg determinou interprender aVilla de C01
tejana; poz-fe em marcha cõ quinhentos Infantes, e tre
zentos cavallos,» os guias regularão mal o tempo, e avi
ítou a Villa três horas depois de íahir o Sol. Entrou
com alguma reílítencia dos moradores, que fe-retirárã
ao Caítello , que deixou de atacar , por não fer capa
de confervar-fe. Saqueou a Villa , e voltarão os Solda
dos ricos de defpojos.O Conde de Charni com quinhen
tos cavallos fahio a talar a Campanha de Monçarás,'ma
tendo avizo de Olivença, que Diniz de Mello o bufeav
com igual numeto, abbreviou a retirada. Com duzento
cavallos fe embofearão os Caílelhanos junto de Arron
ches , etendo fahido o Commifsario geral António 4
Siqueira Pèítana o dia antecedente a armar ás tropas d
Arroyo , acudirão ao rebate as Companhias de Niza ,
Alpalhão, o Tenente, e Alferesda ultima, que com cin
co Soldados fetinhao avançado ácufta das liberdadef
-defcobrirão aemboícada ajs companheiros, eco m o lei
avizo a António de Siqueira. Pafsados poucos dias, fize
rão outra entrada os Caílelhanos, íem mais effeito, qu
arruinar, junto a Elvas a quinta da Torre das Arcas d
D. Fernando da Silva, que fe havia prefefvadojdo furo
*=* _mili
PARTE M LIVRO X/V }g?
militar osa-nnos ç que durou a guerra mais viva. Reti- A Hl? o
Fou-íè o Conde de Sckomberg do Condado de Niebla j .*,,
i pafsados alguns mezes , ajuftou-fe com Affoníb Fur- ®"*f
'ado atacarem o Caítello deFerrèira,prefidio,de que to-
jos os Povos daquelle diílriéto recebião grande prejuí-
zo. Marchou a gente de huma , e. Outra Província nos
iltimos dias de Setembro do anno de íeifcenfcse íefsen*
:a e fete , e -chegarão a ler; eira os dous Governadores
Ias Armas , e formando diligentemente huma bateria
:ontra o Cairelo , a poucos golpes íe renderão es Caí*
:elhanos. Deixou-o preíidiado õ Conde de Schcmbevp-,
\q que tiverão grade iàtisfação te dos os 1 ovos daqueÍFe
HítrieTto. Retirou-ie o Conde , e Aifonio Hirtado íem
)ppofição alguma , que os en baracaJse.
O Conde do Prado continuava o governo das Ar-
ras de Entre Douro , e Minho com tantas vantagens
uperior ao poder contrario , que não lhe culrou gran-
!e cuidado a noticia de ter por oppoíto ao CondeftabJe
le Caítella D.Inhigo Fernande de VaJaico novamente
movido naoccupsção de Capitão General do Reino de
jajliza ? e iuggeridc da lua grande qualidade, econhe-
idò poder, famentava crefcer de forte o numero do ex-
rcito , que pu defse reírau raros damnos padecidos nos
nnos antecedentes. Sahio com grofso exerciro do Forte
e Si. Luiz , e intentou pafsar a ponte de S. Martinho?
nas achando-a defendida de hum corpo de Infanteria y
Cavallaria , Jè retirou iem outro cífeito. O Conde do
rado utilizando melhor as íuas emprezas , mandou fa-
ir do Forte da Guarda trezentos cavallos , e duzentos
nfantes á Ordem de João da Cunha Sottr -Maior , os
uaes amanhecerão junto de Bayona,'e na Freguezia de
raredo , quediíteva a tiro de mofquete daquella Pra-
a, derrotarão huma Companhia de Cavallos,que alo-
»va naquelles lugares, depois de alguma oppoiiçaõ,qiie
acilmentefoi fuperada. Era já nefte tempo Sargento
faior de Batalha o Conde do Prado D. António Luiz
e Souí a , e fuecedendo ' pafsar de Villa-Nova para Va-
ínça , teve noticia , que os CalteJhanos intentava© em-
^raçar-l^eajorpada y íahindo-lhe ao encontro trezen-
/ 4*S —tos
/
Á
!
Atino
1666.
A
>
Oppoemfe-lhe o
Conde da Prado
fempre ctitm fe-
lues jHtcejfis*
384 PORTUGAL RESTAVtADO;
tos cavallos , que o efperavaõ no Forte de S. Luiz. Pre-
venioríe contra eíle intento,puxãdo pelas Companhias*
de cavallos de Valença j e mandou ao Capitão la Rocha
com cem cavallos , com ordem , que ao tempo , que os
Caílellianos avançafsem a lhe cortar a retirada, como
era infallivel haviao de intentar,fizefse elle a mefma di-
ligencia , atalha ndo-lhes o retirarem-fe ao Forte ; ad-
vertindo-lhe , que elle com as mais Companhias , que
perfaziaõo numero de quatrocentos cavallos, o foccor-
reria íem falta. Correfpondeo o fuccefso a tao bem or-
denada difpoíiçaõ ; porque os Gallegos , logo que deraô
viíla do primeiro batalhão do Conde (que he o que fup-
punhaõ,que fó o comboyava) laçarão cem cavallos a cor-
tar-lhe a retirada deValença,ela Rocha correo no mef-
mo ponto a impedir-lhes a de S. Luiz com taÕ bom íuc-
cefso , que duzentos cavallos , que fe haviaõ apartado
do Forte a dar calor a humas mangas de Infan teria j
queoccuparão hum redudto imperfeito * avançados do
Conde , e de la Rocha , forão desbaratados , e rendida
a Infanteria , fendo o Conde o primeiro, que entrou no
perigo. A vizinhança do l^orte de S.Luiz remediou a
defordem dos Gallegos , de que fe originou ferem os
mortos mais , que os priíloneiros. Continuou o Condi
afua jornada , e foi o primeiro , que chegou a dar no-
va afeu pay, ju {lamente amante das fuás acçoens , ç
que fe achava naquelle tempo prevenindo o exercite
para fe oppór aoCondeítable , que com incefsante dili
gencia fe preparava para fahir em Campanha,o que exe^
cutou no principio do mez de Junho com qnatorze mi
Infantes ', mil e fetecentos cavallos , artilharia ,^e toda
as mais prevençoens precifas para fe alimentar tão gran
de corpo , deixando as Praças guarnecidas com grofso
prefidios.
Fez o fConde do Prado oppofição a eíle exercite
com quatro mil e quinhentos Infantes , e mil e cem ca
vailos. Tomarão os inimigos o alojamento de Forcadel
la,e depois de alguns dias de dilação , e de haveren
feito vários gyros » fem confeguirem íucceíso de conte
quencia pela oopofição do Conde do Prado , mudaraí
~o_quar
P^RTE II. L1VKO XI. 3*5
> quartel para a Tamugem, deliberação, que fez enten- AnilO
ler ao Conde do Prado , que o Condeítable intentava ^^
itiar o Forte da Guarda ,• e obrigado defta prudente
:oníideraçaõ mandou com toda a brevidade lançar hu-
na ponte de barcas íobre o Rio Minho, paísou da
mtra parte, e tomou alojamento junto ao Forte. O Retha-fe oCon*
Condeítable vendo com efta anticipada prevenção cfèf- defiable.
ranecido o feu intento, levantou o quartel , e voltou
:>ara Forca dela , fitio em que aíiiftio até quatro de Ju-
no, dia em que paísou a alojar junto do Forte deCa-
30te-Vermelho , communicaudo-fe com o Forte de
5. Luiz. Deteve-fe cinco dias íem operação alguma >• e
reconhecendo o Conde dobrado o leu receyo , de que
3s Povos de Galliza publicamente murmuravaó , deter-
tnimoua cerei centar-lhe o temor, e augmentar a murmu-
ração , lançando ponte no rio Minh • o,epaísando a
Cavallaria ao Forte da Côceiçaò,onde chegarão os Ter-
ços da guarnição de Villa-Nova , e fahindo efte corpo á
Campanha com a guarnição do Forte , bailou efta de-
monftraçaõ para obrigar ao Condeítable a levantar o
quartel, epaísar aTuy com aprefsada marcha; e de
Tuy fe adiantou a Ponte-Nova, que era o primeiro alo-
jamento , que havia oceupado quando fahio em Cam-
panhaDefte quartel defpedio ao Meítre de Campo Ge-
neral O. Balthazar Pantoja com cinco mil Infantes, e
trezentos cavaííos , e ordem de entrarporMoatalegre
na Provinda de Trás os Montes.Chegando efte avizo ao
Conde do Prado , mandou promptamente marchar para
Trás os Montes dous Terços , e íeis Companhias de ca-
vallos daquella Provincia,e da Praça da Conceição fahio
com toda agente,que lhe fobrava , a bufear os inimigos
no quartel da Po nte-Nova; porém achando diíficultofa a
pafsagem de hum rio, tomou quartel entre o Forte dos
Medos,e o deCapote~Vermelho,e Tuy,e defte alojamc-
to mandou varias partidas a deítruir toda acmella Cam-
panha.f O Condeítable nem querendo pelejar , nem fer
teftimunha de tantos damnos , pafsou com o exercito a
alojar a S. Colmado , e o Conde do Prado Gondomar ;
os Gaitemos naó fe dando por feguros no quartel , de
^T^^* Bb que
}«<J PORTUGAL RESTAURADO,
Ànno ^ue haviaó feito eleição ,fe retirarão paraRedondela,e
./// Ponte de Sampayo , receptáculo , onde ficou íemeícru-
1000. puios 0 feu receyo . e 0 Conde do Prado depois de dei-
baratar todos os lugares daquelles fertiliffimos valles,
fem achar oppoíiçaõ alguma no exercito contrario ,
olhando o Condeítable da fegunda Tarpeya os incen-
dias , que padeciaõ os miíeraveis paizanos , fe retirou
com os Soldados ricos , e triunfantes, efoi recebido dos
Povos da fua Provinda com grandes,e merecidos applau-
fos.
sucujfts âejta Depois deite fuccefso naõ houve no anno de fefsen-
provinda ms ta e íeis outro de importância. No feguinte de fe isenta
gZnsm0i '" e fete tomou a Juntar gente o Condeítable,e a oppôr-fe-
lhe o Conde do Prado y e pertendendo divertir os Gal-
legos em beneficio da Provinda de Trás os Montes, que
aameaçáraõ , entrou em Galliza a dezoito de Agoíto,
fem juntar , por naõ íer fentidos , Terços de Auxiliares,
nem carruagens : porém naõ pode coníeguir eíle. inten-
to i porque o Condeítable teve anticipada noticia. Alo-
jou a primeira noite em Gondomar, e achando defpo-
yoados os lugares abertos , couheceo , que fora notó-
ria a fua determinação ,. antes de a executar:, o que fe
juftiricou , apparecendofete batalhoens de Cavallaria ,
ehum Terço de Infanteria , que pertenderaõ embara-
çar a marcha da nofsa' gente ; ( e naõ era difficultofo
pelaafpereza do terreno ) porém prevalecendo a con-
fiança do Conde do Prado pela eleição doCaboj que no-
meou para defalojar os inimigos, ordenou a leu genro
D. Luiz Manoel de Távora , que havia trocado o exer-
cido de Meílre de Campo pelo de Tenente General da
Cavallaria , que com oito batalhoens , e quantidade de
mangas de mofqueteiros inveítiíse osGalkgos; o que
executou com tantoí valor , e boa diípoíiçaõ', que fez
voltaras caras aos batalhoens , e Infanteria , que a naõ
íer favorecidos da noite, que encontrarão emièufoc-
eorro , poucos efcaparaÕ do perigo. Rètirou-fe D. Luiz.
Manoel, e o Conde^determihan do encaminhar a marcha
á Portela de Binços , teve noticia ,. que o Condeítable
Gceiípava aquelle íitio -eom hum grande troço die. exer-,
• - ■ .,(
VJRTE II. LlfKO XI. 387
■feito ; e vendo baldado o feu defignio , paísou a aquar- A.ntlO
elar-ie entre a Cidade deTuy, e o Forte de Capote- ...
Vermelho, e chegando avizo , que o Condeítable oc-luuu'
:upava a Portela de Santo Antaô , que era a eítrada ,
mel lie facilitava pafsara Redondel* i defignio , que o
mcaminhou áquella entrada , e que naõ largando a de
Sinços, mandara lançar ponte por Lapella,para pafsar o
Rio Minho , voltou para a fua Provincia,ddxando def-
truidos grande numero de lugares , e o Condeítable des-
fez promptamante a ponte:e tiveraõ remate os íuccefsos
glorioíbs daquella Província , onde cada hum dos Ge-
neraes foi dignamente merecedor de hum triunfo , e os
Soldados de multiplicadas coroas militares; porque fe
na Provinda de Alentejo fe pelejou com mais força , na
de Entre Douro , e Minho com mais arte ; fe aquella
Província feguio a efcolha de Marcello, eíta a de Fabioj
ficando por eíte reípeito illuítrada a Província de Alen-
tejo em vencer batalhas , a de Entre Douro , e Minho ,
em defender terrenos , e todas as Províncias do Reyno,
€ Conquiítas gloriofas por acçoens fmgulares.
O Conde de S. Joaõ naó afliítio eíte anno na lua Pro-
víncia de Trás os Montes pelo trazerem a Lisboa os ne-
gócios políticos , que referiremos. Governou a Provín-
cia em lua aufencia o Meítre de Campo General Diogo
de Brito Coutinho, e procurou com todo o cuidado con-
fervar o focego dos Povos , e tendo noticia , que o Con-
deítable entrava em Entre Douro , e Minho , foccorreo
ao Conde do Prado com hum Terço pago , e trezentos
.cavallos, e conftando-lhe,que IXBalthaíar Pantoja mar-
chava por ordem do Condeítable a fe encorporar com as
tropas de Monte-Rey , para entrar naquella Província
pela parte de Montalegre, deu ordem, que fe retiraísem
os gados , e fe recolhefsem os paizanos aos lugares inte-
riores da Província Guarneceo as Praças mais importan-
tes , e juntou em Chaves duzentos cavallos. A onze de
Julho entrou D. Balthaíar por Montelegre,e deítruhio,
* queimou todos os lugares daquelle diítridto, naõ per-
doando ás extorfoens mais cruéis. A treze aviítou Cha-
mes, eJahindo daquella Praça o Capitão GafparVaz
**^y ^ Bb % Teixeira
?88 PORTUGAL RESTAURADO,
ÀnilO Teixeira por Cabo de duzentos câvallos , e trava ndo-fe
1666 ílUma bem PeIe3ada efcaranuiça, carregarão os inimigos
* com tanto vigor ao Capitão de cavaUos António deSou-
ía Pereira, que, a naõ ler foccorrido do Capitão Manoel
da Coita de Oliveira , ficara morto , ou fora priíioneiroj
porém ambos fe defenderão com íignaladas acçoens.Se-
parou-fe a eicaramuça , havendo de ambas as partes al-
guns Soldados mortos. Continuou D. Balthazar a mar-
cha , e ao dia feguinte inveítio os lugares de Fayoens,
e Santo Eílevaõ , e os achou defendidos pelo Sarmen-
to Maior de Auxiliares António de Azevedo da Rocha
com duas Companhias da Ordenança da Comarca deVil-
la-Pveal, de que era õ Capitães Manoel Pereira, e An-
dré Corrêa; porém, depois da reíiítencia de algumas ho-
ras, fora o os lugares entrados, degollada a guarnição , e
os Capitães prifioneiros, O Sargento Maior com alguns
Soldados , epaizanosfe retirou ao Caílellejo de Santo
£írevaõ,que procu-rou defender o tempo , que lhe foi
poílivel. Ultimamente le rendeo , capitulando ficarem
livres as vidas dos defenfores : porém quebrou-fe-lhes a
capitulação, matando os inimigos alguns Soldados, e
ferindo outros , e o Sargento Maior recebeo três feri-
das, queeimaltáraô o valor, com que havia pelejado.
D. Balthazar foi continuando a marcha , e de hur
ma,e outra parte do rio Tâmega fez grande deílruiçaó
.nos lugares de todos aquelles contornos. Recolheo-le a
Monte-Rey , e com poucos dias de dilação tornou a en-
trar por Monforte , havendo feito diveriaò por Barrofo
com quarenta ca vai los , a que acodio o Tenente Ge-
neral da Cavallaria Franciico de Távora com féis Com-
panhias. Correo os quarenta cavaUos, tomou alguns,
e cetirou-fe para Chaves a tempo , que D.Balthazar def-
truindo , e queimando todos os lugares , que encontra-
va , havia pafsado a Vinhaes, nobre Villa dos Condes de
Atouguia. Com eira noticia fahio de Chaves o Meítre
de Campo General Diogo de Brito com dous Terços pa-
gos, dous de Auxiliares, e féis Companhias de cavaUos,
entrou no valle de Monte-Rey , queimou Villaça , que
era Villa grande , e rica , e doze lugares. Havia U. Ral-
th&zar
PARTE 11. LIVRO XI. 589
tliazar Pantoja deixado em Monte-Rey duzentos e cm- Atino
coenta cavallos.Sahiraõ ao rebate fora de Veam, forma- >6£
do-íe mais diílantes da Praça f do que lhes fora conve-
niente , na confiança de ferem poucas as nofsas Compa-
nhias, porém Francifcô de Távora ,que media asem-
prezas pelo valor, e naò pelo numero , mveího com
as féis aos inimigos com tanto vigor, que os desbaratou,
e voltando as coitas fuçiraó para a Praça. Perderão no
alcance quarenta cavallos,eFranciíco de Távora depois
de lhe matarem o cavallo, e montar em outro , tez pe-
las fuás mãos prifioneiro com cinco feridas ao Capitão
de cavallos D. Luiz Carrilho. Retirou- íe Diogo de Bri-
to para Chaves , e D. Balthazar Pantoja chegou a Vi-
nhaes , que governava EítevaÕ de Mariz, e nao íe acha-
va com mais Guarnição , que a decincoenra Auxiliares,
e de alguns paizanos , e moradores. Inveíhraoos Galle-
eos de noite a Villajporém reconhecendo,que era maior
a renitência , do que fuppuzeraó , pelejarão ate a ma-
drugada , e confeguindo levar a porta, lhes foi a en-
trada defendida com tanto valor de Eílevao JeMariz,
e dos mais que o acompanhavaõ, que durou o combate
todo odiafeguinte* e julgando D. Balthaiar aempre-
za impoíTivel de confeguir , fe retirou de noite ao lugar
de Mefquitâ , havendo queimado na marcha algumas
Aldeyas.
No mefmo ponto, em que chegou a Lisboa ao Con- che%a àe L:s.
de de S João a noticia dos fucceísos de Trás os Mòh^ boa o conàt àt
tes , pârtio para aquella Província \ e promptamente s^°^Ja'
tratou da fatisfaçao dos damnos antecedentemente pa- £*„ %olugar
decidos ; vingança , que D. Baltliaíar Pantoja naõ qutz de Mtfomt*.
cxperimentar,retirando-fe para Tuy, e o Conde juntan-
do a Cavallaria , e Infanteria , foraô tantas , etaó repe-
tidas as entradas , que fez em todos os lugares , naóió
vizinhos ás fronteiras; mas naquelles, que por muito di-
ftantes íe julgavaõ feguros das extorçoens da guerra ,
que confeguio naquelles Reinos fer admiração dos ho-
mens , e terror dos meninos , ameaça ndo-os os pays pa-
ra a obediência com o nome deConde de S.joao; e
foi taogrande o nume.ro dos lugares > que fe fu jeita-
" v \ Bb ^ rao
1 1
:
39° POFTUGJL REST4WRJD0,
AnriO ra° á Tua difpoílçao , que o feu íubfidio alimentava j
l66ᣠno^a Cavallaria. Foi entre eílas occaíioens mais digna
*006, de memoria a entrada, que fez Miguel Ca rJ os de Tá-
vora , General da Artilharia de Trás os Montes , com
cinco tropas , e o Terço de Bragança , de que era Mef«
tre de Campo Duarte Teixeira , a ganhar o lugar de
Meíquita , rico , povoado , e forte , que varias vezes
havia reíiíUdo a maior poder. Aviltou Miguel Carlos
o lugar , e depois de muitas horas de refiftencia , fazen-
do voar algumas minas, entrou o lugar, perdendo no
afsalto hum Alferes do Meítre de Campo, e alguns Sol-
dados ; queimou-o , e recolheo-íè com mais de quinheu-*
tos prifíoneiros , e os Soldados ricos de defpojos. Che-
gou naquelle tempo a Monte-Rey D. Diogo Gaíconha
com a occupaçaõ de General da Cavallaria , e com altas
propdííções da própria fantafia de emendar os erros dos
léus antecefsores , perfuadido o feu deívanecimento da
ppiniaõ,que havia adquirido nas fronteiras de' Flandres.
Teve efta noticia o Conde de S. joaõ , e determinou
valer-fe da fua arrogância para caítigar a fua ouladia.
Havia D.Diogo Gaíconha mudado o quartel ás Com-
panhias de cavallo , que alojavaõ diítantes de Monte-
Rey , mandando aquartelallas em lugares taõ vizinhos
áquélla Praça , que pudefsem brevemente unir-íè ao fi-
nal de numa peça de artilharia. Informado o Conde de-
ita diípoíiçaó > juntou mil infantes , e oitocentos cavai-
los ? e entrou de noite no valle de Laça, que era o dif-
túíla , em que as Companhias eftavaó aquarteladas i e
dividindo em dous troços agente, que levava» entre-
gou hum ao General da Cavallaria Pedro Ceíar de Me-
nezes , o outro a D. Miguel da Silveira , que já naquel-
le tempo occupava o poíto de Tenente General da Ca-
vallaria , elevarão os dous Cabos ordem, que depois,
dç conduzirem:a prezajque lhes fofse poíTivel rebanhar,.
fe Juntaísem em hum monte,que lhes finalou;e foi o fim
deita divifaõ pertendero Conde fomentar o ardor de D,
Diogo Gafconha, para que obrigado do primeiro avizo,
de que havia entrado menos poder daquelle , que podia
juntar, fe arrojafse a pelejar , e viefse afentir o met-
ano i
PARTE II. LIVRO XI. 391
to damno , que feus anteceisores haviaô padecido. Anno
Amanheceo ,efpalharao fe as partidas por todo o ggg
-alie de Laça , e D.Diogo teve brevemente avizo deita
ntrada, e concorrendo todos os accidentes para alua
lifgraça , fe achavaô na hora do rebate em Monte-Rey
>âísãdo moítra dezanove Companhias de cavallos. Com
'rãde diligencia fahio com ellas o General á Campanha
'examinar a origem do rebate, e brevemente encon-
rou a occafiaó da mina i porque acontecendo nao po-
ler defcobrir mais , que as ultimas Companhias da
ectaguarda do troço de Pedro Cefar-, que paísava
lo valle de Laça para o valle de Limia, fez alto, e gal-
ou grande parte do dia em examinar , íe poderia ter
nais inimigos ? que aquelles que tinha deicoberto; e
>or efte refpeito havia o Conde de S. JoaÕ ( a quem as
«períencias defcobriaõ os fuccefsos futuros ) applica-
ío todas as attençoens em occultar a Infanteria , e o
toco , que mandava D. Miguel da Silveira. Enganado
D Diogo Gafconha deite artificio , fe arrojou a inver-
ir o troço de Pedro Cefar. Achou oppoítos cinco ba-
■alhoens a eíte primeiro impulfo , osquaes vieraõ en-
tretendo os inimigos até os alargar de humas monta-
nhas,que íicavaò vizinhas, que podiaô fervir-lhes de re-
ceptáculo. Havendo confeguido eíte intento , voltarão
as caras, e carregarão taó vigoroiamente, que romperão
os inimigos: tomáraó-lhes trezentos e vinte e lete ca-
vallos , e a noite., que fobreveyo , foi favorável aos
mais, e a D. Diogo Gafconha J o qual emendado com
efta doutrina , naõ tornou a perfiítir nas luas arrogân-
cias. Retirou-fe o Conde , e efta foi a ultima acção me-
morável da guerra entre as duas Coroas , por íucceder
no anno de fefsenta e fete ,• fendo recompenfa da Pro-
videncia Divina premiar as fingulares virtudes do Con-
de de S. Joaõ com o triunfo de claufular o feu valor (le-
sundo Hercules ) as heróicas acções luccedidas em guer-
ra taõ formidável , e dilatada , devendo aos dous Cabos
deita em preza grande parte da fua gloria.
Pedro Jaquesde Magalhães profeguia com grande
fortuna osprogrefsos do feu partido. Nos princípios de
-- a Bb 4 *eYe*
lli
f# PORTUGAL RESTAURADO,
A "no Fevereiro entrou com quinhentos cavallos, emilln-
1 666 fantes a Pr°vocar a refoluçaô do Conde dè Fontana ,que
governava feisícentos cavallos. Naô lhe foi poilivel con-
feguir eíta determinação , e depois degaftar a Campa-
nha , fe retirou , e tornou a entrar dentro de breves dias
com feifeentos Infantes , e oitocentos cavallos. Saqueou
a Villa de Retortilho, cinco léguas de Ciudad-Rodrigo,
onde fez alto , e mandou queimar doze Villas > e luga-
res fituados naquelle diílriclxve íèm encontrar o menor
obibeulo , fe retirou com grandes prezas , edeípo/os a
pezar dos defprezos , com que o General da Artilharia
DJoaô Salamanques (como repetiao vários priíloneiros)
tratava em Ciudad-Rodrigo ao valor dos Portuguezes.
Na entrada do mez de Março mandou Pedro Jaques ao
Tenente General D. António Maldonado baquear a
Villa de Delcarga-Maria ^abundante , e rica ; o que exe-
cutou fem refiftencia alguma ,• e fuccelfivamente depois
de retirado D. António -, fahio de Almeida Pedro jaques
com íeiícentos Infantes pagos, quatrocentos Auxiliares,
e quinhentos cavallos,e marchou a laquear algunsluga-
res no interior do Abadengo , e confeguindo-o fem re-
liltencia,-le retirou com vagaroía marcha,deíejando dar
tempo aosCaílelJianôs a ajuntarem algúas Companhias,
de cavallos* quefabia era poder inferior ao que leva-
Gank* Red*»> va' Naó faltou oiueceíso a torrei ponder ao intento ,•
do >eumhraku Porque aqueUa noite,que aquartelou, cliegou a Umbra-
les, Villa de íeiícentos vizinhos, e bem fortificada,© Ge-
neral da Artilharia D. João Salamanques com quatrocé-
tos cavallos >e quinhentos Infantes , refoJuto a pelejar
com Pedro jaques., que forçosamente havia depaísar
por aquelle diftri&o. Na manhãa do dia feguinte com-
pondo Pedro Jaques a gente, que levava,, marchou jun-
to de Umbrales com afFè&ada prefsà, ib licitando acerei-
centar aos Caâelhanos a confiança de pelejarem. Logo-
que fe apartou de Umbrales , oíèguira© ©s inimigos*
Marchava de retaguarda o Meftrede Campo Manoel
Ferreira Rebello com o feu Terço , que prudentemente
deu ordem aos Soldados , que naô difparafsem as bocas
de fogo,fem que elle o nmndafse,e fó voltando as caras,,
N
TABlTEII/LIVKOXL m
rodas as vezes queps Caftelhanos chegaisem com as par-
idas avançadas,mettefsem os mofquetes ao roftoie que Anno
e os Caftelhanos fizefsem alto, continuarem a marcha,
tté vencer a fubida de hum monte pouco k\ atado, íitio, aooo.
}ue Pedro Jaques hia demandar- pára formar osòolda-
ios na defcida do monte da parte oppoíta á frente , que
levava , íem poder fer vifto dos Caftelhanos, accreícen-
tando com efta induftria o engano, com que marchavaó
lo feu Peceyo. fl t .
O General da Artilharia , que obfervou a preisa»
;om que Pedro Jaques íe retirava , teve por inf allivel
i fortuna de o desbaratar , e deu promptamente ordem
is partidas avançadas, a que davaò calor dous batalhões,
}ue inveftifsem o Terço de Manoel Ferreira ; porém os
Soldados valoroíos , e obedientes á ordem do Meftre de
Clampo , ao tempo que obfervavaõ , que os Caftelhanos
vinliaó chegando a inveftillos, voltavaó as caras , e met-
tiaó os moiquetes ao rofto , e os Caftelhanos reípeitan-
do-os , faziaó alto , dando lugar a que o Terço conti- 3
tiuaíse a marcha •, e fuecedendo varias vezes efta opera-
ção , coníeguio Manoel Ferreira chegar ao monte, on-
de já Pedro jaques eftava formado j e todas as vezes que
voltou a fazer rofto aos Caftelhanhos,executaraó o mel-
mo dous batalhoens , que íeguravaõ os coitados do
Terço. Pedro Jaques, antes que os Caftelhanos odef-
cobrifsem , fez avançara Cavallaria tao vigoroíamentej*
que íem lhes dar tempo a Te formarem , os desbaratou,
e carregando-os , osíeguiraõ até o lugar da Redonda,
onde intentarão tornar a forrharTe; e fendo1 íeguda vez
derrotados , teve a meima difgràça a Infanteria , que os
hia feguindo , fem fazer a menor reliftencia, D. Joaõ
Salamanques, vendo-fe perdido , fe recolheo a Umbra-
les- O Conde de Fontana , e alguns QíRciaes pafsáraõ a
Ciudad-Rodrigo , e todos os Soldados , que efeapáraõ
do alcance , entrarão em Umbrales com o General. Pe-
dro jaques valorofo , e deftro deliberou ufar-db benefi- .
cio da fortuna, fltiand o a: Umbrales , e tornando a for-
mara gente , marchou a ©ecupar os pófíos fobreaquel-
Ja Villaje fez avizo a Almeida com toda a diligencia #a-
M— x P ra
594 PORTUGAL RESTAURADO ;
AnriO ra <lue íe llie remettefsem mantimentos , e a mais gente,
i666 ^ fe Pll^eís^Íuntar5om brevidade. DJoaõ Salamanque*
• venda- íeíítiado , iem attender aos poucos inítrumen-
F*t prlftoneiro tos deexpugnaçaõ , com que Pedro Jaques determinava
^^1 da combater a Villa , e a muita gQtitQ , com que fe achava
jJ èalLan^arã?ráQfcndQr^ naò teve mais conítancia , que para
2««. repulíar a primeira chamada , que fe lhe mandou fazer,
a que naò reípondeo : e Pedro Jaques com grande dili-
gencia , e actividade difpoz os meyos mais proporcio-
nados, quepodeconfeguir, para atacara Villa ; e ha-
vendo gaitado dous dias nefta-duvidoía preparação,
naõ teve o General da Artilharia foifrimento para ex-
perimentar o elieito deites ameaços 5 e pela parte do
Forte, a que eítava arrimado Manoel Ferreira Rebello
com o feu Terço , mandou fazer chamada , e pedir cef-
íaò de armas. Deu Pedro Jaques ordem ao Meítre de
Campo Manoel Ferreira que entraíse na Villa a ajuítar
a capitulação , que elle executou fubindo por huma eí-
cada , que lhe lançarão da muralha : e ventiladas bre-
vemente algumas duvidas , fe ajuítáraõas capitulações,
e nellas tratou DJoaõ de falvar a fua pefsoa, alguns Of-
íiciaes , e cento eíèfsenta cavallosje tudo o mais,que ef-
tava naVilla,entregou á mercê do vencedor.Voltou M -
noel Ferreira com a capitulação affínadaje Pedro Jaques,
que aíTinando-a também entrou na Villa, ufando com os
moradores de tanta piedade , que deixou intacta a rou-
pa , que fe havia recolhido á Igreja , que era o mais pre-
ciofo naô fé daquella Villa , fenao de outros muitos
lugares, que julgavaõ aquelle por mais feguro : e Pedro
Jaques deu ordem , que logo o General marchafse para
Ciudad-Rodrigo , feguido de todos os privilegiados na
ca pitu laçai , ufando com elles, e com D. João de toda a
urbanidade , e cortezia , que coíhima exaltar a gloria
dos vencedores,«e retirou-fe para Almeida com o appbu-
fo , que merecia taó impenfado , e felicefuccefso , fem
lhe haver cuítado o confeguillo mais , queas vidas de
fete Soldados/e com poucos dias de defcanço cótinuou
as. entradas , fem lhe fazer embaraço chegar por Gover-
nador das Armas de Ciudad- Rodrigo Dom Joaõ de Li-:
xvma(
PARTE li LIVRO XI. m
ma . Marquez de Tenório, irmaó mais velho do Viicon- Anno
de de Villa-Nova , que havia fervido muitos annos em '
Caítella com grande opinião > porem Pedro faques go- 1666.
vernava taõ valorolos Soldados; e experimentava taó
favorável fortuna , que varias vezes chegou as portas
de Ciudad-Rodrigo , queimou lugares , e trouxe prezas,
fem receber, prejuízo algum , deixando pela gloria, que
coníeguio naquella Provinda, immortalizada a lua opi-
nião.
Governava neíte tempo o Partido de Penamacor o
General da A rtiJharia António Soares da Coita, por ha-
ver palsado a Lisboa , com licença d<ElRey , Aftonío
Purtado de Mendoça. leve avizo o General, que o Cas-
telhanos tornavaõa reedificar Ferreira , e prornptamen-
te mandou marchar a Caltello-Branco o 1 erço de Auxi-
liares daquella Comarca, com o pretexto de lhe paisar
cnoílraj e tendo prevenido barcas no lejo, ordenou,
:rue com todo o iegredo paisaise o lerço da outra par-
te do rio i e chegando a Perreira lem ier fentido , en-
trou as novas trincheiras j degollou , os que as defen-
são , edeímurou todos os princípios de defenla da-
quelle lugar,quetaõ repetidos damnos havia occafiona-
3o aos paizanos daquelle diltriclo. Retirou-le o 1 erço, •
t mandou António Soares armar á Ca valia ria de Sacara-
yim ao Capitão António Rodrigues Pereira com leísen-
tacavallos; palsou o rio Lagao , e derrotou quarenta,
:aval]os dos inimigos,de que lo hum le livrou, trazendo
prifioneii o o Capitão de cavai! os D.Marcos de Rabanha-
les j e continuáraõ-íe de huma,e outra parte entradas de
:onfequencias pouco relevantes. Ultimamente marchou
António Soares com mil e quatrocentos Infantes , e tre-
zentos e cincoenta cavallos , paísou o lilge , e por junto
a Trevilho chegou á Serra de Gata. Amanheceo Pobre
a; Villa de Hojos , que concava de fetecentos vizinhos,
e tinha de guarnição huma Companhia de Infanteria
paga.Arrimou-fe á Villa por huma parte o SargentoMór
Sebaftiaõ de Elvas Leitaõ com algumas mangas demof-
queteiros, dando-lhe calor o feu Meltre de Campo Ruy
Pereira da Silva , e três batalhoens , c^e governava o
t^/^^N ?erien-
}9« PORTUGAL RESTAURADO,
Armo Tenente General da Cavallaria Jorge Furtado de Meti-
1666 doÇa '' por outra parte o Sargento mór Joaò Fernandes
r Magro , e o Terço de Auxiliares dè Caílello-Branco co-
bertos com dous batalhoens , que governava o Capitai
D.Fernando de Chaves, Arrimou-fe hum petardo á mu-
ralha^ feita a brecha r entrou porella o Terço de Ruj
Pereira , e os batalhoens de Jorge Furtado , e facilitan-
do-fe a entrada aos mais , chegarão ao Forte , e breve-
mente fe rendeo : faqueárao , e queimarão a Villa. An-
tónio Soares fe retirou com os Soldados ricos de muitos
e preciofos defpojos , e fem achar oppofiçaó , voltou
para Caftello-Branco. Naõ he juíto , que fique em íilen-
cio a entrada , que fez D. Chriítovaò Manoel ( hoje
Conde de Villa-Flor ) Capitão de cavallos, eimitadoí
do valor de íeu pay , quefahindo de Idanha no princi-
pio do anno de mil e feifcentqs fefsenta e oito c am cen-
to e fefsenta ca vallos, tendo noticia de huma grofsa par-
tida , que tinhaõ oa Caílelhanos mandado de Alcântara
afoibufcar, es derrotou, tomando-lhe vinte ecincc
cavallos , e deixando os outros mortos , e feridos , e en-
tre os primeiros a hum Tenente Portuguez , que feti-
nhâ pafsado a Caftella , e feito muito damno á fua mel
- ma Pátria; efperando a Providencia Divina até o ultimo
dia da guerra o feu arrependimento, e naõ querendo,
que fe acabafse fem o feu caítigó. Pouco depois D.Chri-
ftovaõ fó com oito cavallos tirou huma preza , que os
inimigos haviaó feito , e com arrojo difculpavel nos
feus annos feguio a partida , que a tomara , mais de cin-
co léguas pela terra dentro. AfFonfo Furtado, acabada a
licença , que teve para pafsar a Lisboa s fe recolheo aa
feu Partido ,• efem maisoccaíiaó digna de memoria, que
a da empreza de Ferreira , que havemos referido , tive-
raõ remate os fucceísos daquelle Partido , havendo a
prudência , e valor de AiTonfo Furtado vencido os obf-
taculos , e diíKculdades , ( de que dêmos noticia ) naõ*
fó para défenfa do feu Partido , fenaó em notório dam-
no dos Caílelhanos ! e fuppoíto que as acçoens ante-
cedentes de todas as Provindas fofsem com tanta diíFe-
rença fuperiores a eílas dos últimos anãos da guerra,nao
PARTE II LTVRO XI. 397
mizemos deixar de individuallas , por nao fahirmos da AtlHO
írdem deita Hiítoria, a que no principio delia nos obri- ...
raraos, e juntamente parecendo precito nao ficarem LU u*
m eíquecimento , ainda os fuccefsos mais inferiores de
•aroens taô dignos de memoria. sucujfos ã* i*
O Vice-Rey da índia António de Mello de Gaftro, ^ »« ^wr»j
,ue pacificamente governava aquelle EíFado , e com * **,** de
■rande prudência remediava os damnos padecidos na di- ¥/£&££
atada guerra dos Hollandezes , defpedio para o Reyno
los primeiros de Fevereiro a D. António Mafcarenhas
m a nio Nofsa Senhora da Guia , e nomeou por Capi-
aô da Armada do Norte a D. Francifco Lobo , e a leu
ilho Jofeph de Mello de Caftro mandou com duas
ragatas por Capitão Mór deCanará , que comboyou as
afilas de baílimentos para Goa , e tomou duas embar-
açoens do Samorí j e o mefmo fucceíso teve Domingas
Jarreto da Silva-, Almirante de D. Francifco Lobo , em
mm navio do Samorí, que trouxe a Goa com hua gran-
[e preza.No mez de Março chegou áquella Barra a náo
!. Pedro de Alcântara , de que era Capitão Mór D.Noi-
el de Caftro, que morreo na viagem : levou eítanáo
nitra de Mouros , que tomou, havendo fahido do por-
o de Miracula-PataÕ ; e fendo muitos os cabedaes, que
e acharão nella, foraó tantos os defcaminhos, que avul-
ou pouco a preza. Hia por Almirante de D.Noitel Fran-
ifco Rangel Pinto na náo Cafavéjinvernou em Moçam-
tique , chegou em Mayo a G *a , e no mez de Outubro
oaõ Nune* da Cunha com o titulo de CÓde de S.Vicen-
e,e nomeado por Vice-Rey da índia, tãto em benefício
[aquelle Eftado pelas fingulares virtudes, de que era
ompoílo , quanto pelo ciúme , que caufava aos Minif-
ros a aííiítencia que fazia aoInfante,que reconhecendo
> feu merecimento ,o eftimava, como era jufto. Entrou
m Goa com as náos Nofsa Senhora da Ajuda , em que
mbarcou,* Nofsa Senhora de Penha de França , de que
òi por Capitão Francifco Gomes do Lago^, e huraa
íáo caravela, que governava Manoal Pereira Coutinhoj
.' todas éítas embarcações levavaô quinhentos Soldados.
)eu o Cande^ principio ao feu governo com prudantil-
?98 PORTUGAL RESTJUR ALO,
Anno^im-3S:;^P°fi|Qens , e como pelas razoens referidas In
i6M Preciio ficarrnos defembaraçados de todos osfuccefos
% ooo, que acontecerão fora do Reino , antes de entrarmos na
ultimas acçoens do governo politico até a felice eonclu
faõ da paz, daremos noticia de tudo o que acontecco n<
Eftado da índia até eíte tempo. Mandou o Vilo-Rey lo
go que entrou no governo aparelhar a náo S. Pedr<
de Alcântara, em que .embarcou António de Mello di
Caítro ,com quem teve os mezes , que aííiftio em Goa
amigável correspondência, fem alterar, a que havia pro
fefsado com elle nos primeiros annos de fua idade. Par
tio em Fevereiro > e para o Norte huma Armada de re
mo governada por D. Ru y Gomes da Silva , com orden
para coduzir a Goa das fortalezas daquelia parte a pol
vora, que lhe fofse poíhvel, e de Baçaim, e Damão os íi
dajgos, que fe achai sem defob fígados até idade de qua
renta annos. Foi o intento deita diligencia determina
o Vifo-Rey prevenir huma Armada de alto bordo , en
que difpoz embaraçarfe,e navegar nella ao;Eftreito a fa
zer guerra aos Arábios 5 que fe achavaô muito podero
íòst Voltou a Armada de remo , e vieraõ nella cem íi
dalgos , e homens nobres , que com grande defpeza , <
luzimento fe difpuzeraó aacompanharo Vifo-Rey, i
na viagem morreo Jorge da Silva de Menezes de hu
ma baila de hum navio de Mouros , com que pelejou
O Vifo-Rey fe entregou com todo o cuidado ao apreílc
da Armada , que confiava da Capitania Nofsa Senhor;
da Ajuda ,em que o Vifo-Rey embarcou, Noísa Senhor;
de Penha de França,entregue a Francifco Gomes do La
go, a fragata S. Joaõ da Ribeira, de que era Capitão D
Francifco Manoel , ê da Fragata S. Paulo Joaõ Pereir;
de Vafconcellos. Manoel Pereira Continho hia embar
cado na náo caravela, em que havia chegado do Reino
e em hum pataxo D. Vafco Luiz da Gama. Servia de Al'
mirante o Capitão mór das náos D. Jeronymo Manoel
e efcolheo para embarcar a náo Nofsa Senhora dos Mi
lagres. Era Capitão da Armada de remo JoâodeSouf;
Freire. Sahio o Vifo-Rey com eíta Armada da Barra d<
Goa nos primeiros de Abril, e levou nella vários iníln
lóée.
PAUTE H. LIPKO XI. 599
lentos de expugnação com intéto de interpr&fer Máf- ^nr^0
ate , naõ fe deixando vencer das opinioens , que o en-
ontravaõ , na confideraçao de fer aíperiífuno o litio/erri
ue a Fortaleza era fabricada ; e ajudado da Arte com
rande attençao*fem poder penetrar a profunda coníi-
eraçaõ , com que difpoz eíla empreza , naõ fó na cer-
iza do defcuido dos Arábios, originado do focego dos
nnos anteeedentes,que occafionou a guerra dosHollan-
ezesj fenão da intelligencia , queconfeguio na com-
vunicaçaÕ de Manoel de Andrade Maqueteiro, que oc-
ulto eíleve em Goa , e depois- de defvanecido eíle in-
snto , íe retirou de Mafcate , onde vivia com fua mãy,
ue naquella Praça o criou de menino , e onde os Ara-
ios faziaó grande confiança delle,e fervio o Eílado da
udia com iummo valor , e prudência," e fuppoílo que
monção era opportuna para o Eílreito de Ormuz, lhe
ao foi poifivel chegar mais , que até Angediva , de-
oito léguas de Goa , onde arribou r trazendo menos a
ragata de D. Francifco Manoel , que havendo-fe apar-
ado Juima noite da Armada , pafsou o Eílreito.
Veado o Viíò-Rey malograda a primeira empreza r
tz viagem para o Norte a bufcar por aquella parte al-
um emprego útil j, porém tornou a arribar depois de
lguns dias de navegação , havendo-íe apartado da íua
onferva os Capitães Francifco Gomes do Lago , Ma-
oel Pereira Coutinho ,e João Pereira de Vaíconcellos,
ue unindo-fe com D. Jeronymo Manoel inventarão
rn Baçaim Os primeiros de Agoíto mandou D. Jero-
ymo duas fragatas á Barra de Bombaim a efperar ai--
;umas prezas } e a fragata de João Pereira de Vafcon-
ellos, que adoeceoventregou a Manoel de Saldanha,
[lie também mandou fahir com o meí mo intento , e a
loucos dias de viagem tomou hnma embarcação do Si-
íe de Daada , que vi nhade Mafcate com carga de caval-
os , e outras drogas ricas. Com eíla preza voltou Ma-
io el de Saldanha a Bombaim, onde chegou Manoel Pi-
eira Coutinho com outra Preza de Mouros , que vinha
ie Maícate , com as mefmas drogas ; e ao Sidefe tornou
i enttegar p cafco da fua embarcarão , porliâver capitui
4oo PORTUGAL RESTAURADO,
■ Atino lac*° &zer-fe feudatario a EIRey , e D Franciico Mano-
t 66A e* vo^tou Para Goa, aonde chegou a vinte e fete deAgof
1 006 to 0 Galeão S. Bento , que havia partido do Reyno en
Abril , e nelle por Capitão Jeronymo Carvalho , qiu
levava cento e vinte Soldados luzidos.
No mez de Outubro entrou o Sevagí na Ilha de Bar
dez rompendo os números , que a defendem pela terr,
firme,tomando por pretexto haver o Vice-Rey ampara
do Alcomocanto humDefsavi das fuás terras, que po
levantado vinha feguindoj porém averiguou-fe, que fo
ra chamado dos Gentios da mefma Ilha , obrigado da
inftancias,- que o Vice-Rey lhes mandara fazer , para 1
reduzirem á Fé de Chriílo; porque o feu zelo , o feu dei
interefse , e a fua piedade íó efte felice cuidado tinh
por objecFo. Achava-fe o Vice-Rey neíta occaíiaõ cor
poucos Soldados em Goa j porém incitado do feu va
lor , fahio daquella Cidade a bu ícaros inimigos açora
pari liado de alguns Fidalgos, e peísoas particulares. Avi
ílou-os ; e por ler quaíi noite , os naõ inveíHo. Antes d
madrugada lhe chegou de Goa mais gente , que dividi
á ordem de Manoel de Saldanha de Távora , D. Vafc
Luiz da Gama , e Manoel Furtado de Mendoça ; e log
que fahio o Sol } marchou a bufcar os inimigos , qu
com o receyo da fua refoluçaõ haviaõ pafsado aquell
noite para as fuás terras. Com eíleavizo ordenou a Mc
noel de Saldanha de Távora , e a Martim de Soufa , qu
os feguifsem : porém reconhecendo , que era a empre
za perigofa , os mandou retirar. Levarão os inimigos a]
guma preza , e degolláraõ três Religiofos , que achara
nas fuás Igrejas. Voltou o Conde para Goa , e dentr
de poucos dias lhe mandou o Sevagí hum Embaixadc
pedindo-lhe paz , que *e ajuítou por intervenção do Pê
dre Gonfalo Martim da Companhia de Jefus , reítituin
do o Sevagí os priíioneiros , e a preza que havia leva
do.
No principio do anno de lefsenta e oito partio par
o Reino a náo Nofsa Senhora da Ajuda , e nella o Ca
pitaô Jeronymo Carvalho , e o Vice-Rey tornou
apreílar a fua Armada , em que intentou fegunda ve,
/* ~ "Nàííibaí
PAUTE 11 Lfr RO XI. 401
mbarcarfe, e pafsar o Eftreito , para onde havia deipe- AllilO
tido em Setembro do anno antecedente a Manoel Men- , , ,
les Superintendente da.Feitoria de Congo, comboyado v •
las fragatas Cafave, e S. Thomé , de que eraõ Capitães
>edro Carvalho , e D. Garcia Henriques , que arribou a
íoa por lhe faltar Piloto/e encontrando hum navio de
Mouros, fem embargo de trazer paísaporte , faltando
l fé publica } lhe tirou a fazenda , que levava , experi-
mentando melhor paisagem em Pedro Carvalho , com
mem primeiro encontrou , que obfervando4he o íeu
srivilegio, continuou a fua viagem ,• e chegando a Con-
*o o Superintendente , cobrou -com muito acerto, e re-
futação os direitos Reaes de todos os navios mercan-
tis , que achou naquelle porto , e voltou para Goa com
fomma confideravel de dinheiro , que o Vice-Rey dil-
pendeo na prevenção da Armada , que poz de verga.de
alto com todas as prevençoens , e mantimentos neceisa-
píos ; porém fahindo da Barra nos primeiros de Março,
tornou a arribar.com grande fentimento leu, porque de-
íejava renovar naquelle Eftado a memoria de feus afeen-
dentes, tendo por objecto asacçoens do grande Nuno
da Cunha. Logo que defembarcou , fe fufpenderaô os
impulíbs do Sevagí , que com a noticia da fua auíencia
intentou rompera guerra , e defpedio para o Eftreito a
D. Jeronymo Manoel com quatro fragatas , e titulo de
General. Eraô Capitães das fragatas Pedro Carvalho,D.
Miguel Henriques , João Borges dã Silva , e Almirante
jófeph de Mello de Caftro. Chegando efta Armada ao
Cabo Rofalgate , encontrou cinco embarcaçoens de vá-
rios portos , em que fez preza confideravel , que íuavi-
fou aos Soldados o grande trabalho, que padeciao. Che-
gando a Congo cobrou os direitos Reaes , e vol-
tou para Goa com trezentos mil xeraíins. Com eíle íoc-
corro determinou o efpirito invécivel do Vice- Re y apre-
ítar huma poderofa Armada , em que intentava terceira
vez embarcarfe com idéas, que naõ quiz fofsem com-
municaveis ; porém atalhou-as a morte , porque nos úl-
timos dias de Outubro lheíòbreveyo hda enfermidade,
fúe lhe tirou a vida, e no Eftado da índia naquelle tem-
Cc pp
402 POKTVGAL KES1 AVIADO,
Anno P° a cfferança de reítaurar a ília ruiua,por concorrerem
y,, em JoaÕ Nunes da Cunha todas as virtudes , que colhia
006. ma5 compor hum varão perfeito;fendo dotada de gran-
de valor >, de muito entendimento , de iumma activida-
de , empregando todas eítas partes no amor da Patria,e
no augmento da floria Portugueza.Morreo de quarenta
e nove annos ,» iueeedeo-lhe no titulo , ecafa Miguel
Gàrlos de Távora ,, hoje Conde de S. Vicente , por iia-
ver cafado( como referimos) com D. Maria Caietana fua
filha mais velha , e fua herdeira , por fallecer depois da
fuamortefeu filho Manoel da Canha. Foi enterrado na
CafaProfefsa dos Padres da Companhia com grade fen-
timento dè todo oEítado da índia : e abertas as vias , fe
acháraó nomeados por Governadores António de Mello
de Caítro , Luiz de Miranda Henriques, e Manoel Cor-
te-&eal de Sampayo. Aehava-fe Luiz de Miranda em
Baçaím, havendo acabado o governo da Fortaleza de
Dio. Para o conduzir a Goa , mandarão os dòus Gover-
nadores féis navios de remo á ordem de Jofeph Pereira
de Menezes ,e huma. fragata, de que eraCapitaõ Antó-
nio de Me fquita; e conhecendo, que D; Manoel7 Maf-
carenhasfe achava juítamente queixo ío de nao vir no-
meado nas vias , o mandarão por General para a Ilha de
Salteie , tendo noticia , que o. Sevagí intentava entrallar
e D. Manoel , que antepunha o ferviço d'ElRey a todas
as razoens particulares; , pafsou a Salfete com a melhor
gente de Goa , e atalhou todos os intentos do Sevagí;
Chegou a Goa a vinte e oito de Dezembro a nova
de que oaze^mbarcaçoens dos Arabios,governadas pela<
General Alima&alu d, haviaõ chegado a Dio, e fermreíif*
tencia lançado gente em terra, e ganhado aCidade,eí-
calandb-a valorofamente. Defpedirao os Governadores-
promptamente a Manoel de Saldanha/de Tavora^a quem
tocava o^govemo daFottaleza de Dio, e partioa foccòr**'
relia com- duas fragatas, e hum navio de remo, e das fra-
gatas, era 6 Capitães Francifco Gomes do Lago ^Antó-
nio de Caítro de.Sande. Levava ordem Manoel de Sal-
danha para feencorporar com huma Armada , que em
Bftçaím havia de ter prevenido o Governador iMfe da;
~
;
BÉRTE TL XJ^RO jÉÈQ 40 f
liranda Henriques. Chegou a Baçaím, e íèm defembar- AnnO
ar, mandou dizer a Luiz de Miranda, queelle determi- ^x*
ava partir logo a foceorrer Dio, por cujo reípeito naò JOOO«
efembarcava. Luiz de Miranda com grande diligencia
:abou de aparelhar a Armada,nomeando por Gabo del-
1 a feu cunhado Thomâs Teixeira de Azevedo , e todos
s fidalgos,e pefsoas principaes deliaçaím o acompanhá-
lo nefta empreza.
Havia fahido alguns dias antes a foceorrer Dio o Ca-
itaõ Mor Joíeph Pereira de Menezes ; o que naõ exe-
atou chegando á Fortaleza , por entender , que eíta-
a ganhada pelos Arábios ,• difeulpa , que ofíendeo
luito a fua opinião. Teve melhor íuccefso o Capitão
Aór da Armada de Dio António da Motta de Oliveira,-
orque tendo noticia em Damaõ queos Arahios haviaõ
efembareado em Dio , partio com poucas embarcações
foceorrer a Fortaleza, e com valorofa refoluçaõ entrou
>ela Barra, e desprezando o perigo da Armada inimiga,
a artilharia dos baluartes da Cidade , que jogava em
eu damno , faltou em terra, e introduzio o foceorro na
«ortaleza,que os Arábios pudera o" ter ganhado, fe a in-
eítiraõ logo que entrarão a Cidade. Governava o Caf-
ello João de Siqueira de Faria, e convocou para fua
lefenfa aos Gafados da Cidade , e aos Religiofos , que
lella aífiítiad Os Arábios eftiveraõ treze dias dentro da
Cidade 5 e no fim delles fe retirarão com três mil priíio-
leiros Gentios , e mais de dous milhoens de preza , e
)ondo-lhe o fogo , a deixarão em laílimofo incêndio,'
: a fer teítimunha deite efpe&aculo chegou Manoel de
Jaldanha depois de treze dias de viagem , ecomgran-
[ezelo, edifvello tratou de reparar taô grande ruina.
/oltou a Armada para Goa , e os Governadores fe dif-
nizeraó com grande cuidado para a vingança do damno
)adecido em Dio. Nomearão por General da Armada do
iftreito a D.jeronymo Manoel, que por morte do
3onde de S. Vicente havia feito deixaçao deite poíto ;
x>rém naó puderaõ confeguir aparelhar mais que as
|uatro fragatas S. Bento , S. João da Ribeira , a náo .
?aravela , eNofsa Senhora dos Milagres, 3e que eraó
' N Cci Capi-
404 PORTUGAL: RESTAURADO,
ÀnnoCaPitãesManoel deSoufa Pereira, António de Caitr<
ió6V> ^e Sande,Pedr.o Carvali>o,e o Almirante Joíèph de Mel
1000. lo.deCaftro ,-e da Armada de remo, que levava íb qua
tro embarcaçoeus, era Capitão Mar João Freire da Coí
ta. Chegou D. Jeronymo á Bahia de Maícate , donde o
Arábios não quizerão fahir a pelejar, e não podendo fa
zer-Jhes outro damno, fe retirou para Congo,* e encon
trando na viagem cinco fragatas dos Arábios , lhes dei
alcance , e ieguindo-as até á Fortaleza de Soar , a cuj(
abrigo fe recolherão, mandou D» Jeronymo lançar o
bateis fora governados porManoel de Saldanha, Martin
de Sou ia deSampayo , D. Jofeph da Coita ,e João An
tunes Portugal , que com valorofa refolução inveítirãc
os navios , e lhe puzerão fogo , jogando contra elles 1
artilharia da Fortaleza , e incessantemente a mofqueta
ria das trincheiras da praya , de que os Soldados dos ba
teis reeeberão grande damno , por não levarem algun
reparo. Recolheo-fe D. Jeronymo para Congo com éí
te bom fuccefso , e tendo avizo, de que os Arábios c
bufcavão com vinte e cinco embarcaçoens, de q era Ge
neral Alirazute, fahto promptamenteapelejarcom el-
les, Qiiafi noite fe aviílarão as eíquadras, e ambas derãc
fundo* em pouca diílancia numas das outras , e todos os
navios aecenderão de noite osfaróeSj com que fe nãc
duvidava da batalha no dia feguinte ,• porém os Arabioí
pela meya noite os apagarão, efazendo-fe ávéía, re-
conlieceo D; Jeronymo ao amanhecer, que havião fu-
gido para Maicate- Recolheo-fe a Congo, e o General
dos Arábios reduzindo os vinte e cinco navios a dezafe-
íe, todos de maior porte, que a nofsa Capitania , cheyoí
de gente de mar , e guerra , e Officiaes Extrangeiros ,
tornarão a bufcar a D. Jeronymo , que tendo eila no-
ticia , tirou a gente dos navios de remo , com que ac-
crefcentou a guarnição ás fragatas, e fahindo corn ellas,
a «poucas horas de viagem encontrou os inimigos ; e de-
pois de haver diftribuido todas as ordens necefsarias , e
lembrado aos Officiaes , e Soldados asacçoens defeus
g 1 oriofos progenitores,queem ta ntos feculos havião en-
úybrecido aaBetrla 5 entrou a pelejar , e fendo a Capita-
'%
PARTE II. LIVRO XI. 4of
nia, e nas mais embarcaçoens furiofamente atacadas dos AtlpO
arábios , fe travou dehgual, e valoroía peleja , encheu- ,,,
Jo a artilharia o mar de eítrondo, e o ar de fumo; e nao 1 00
[b a mofquetaria , mas todas as mais armas , e inítru-
iientos do eíirago , laboravaõ igualmente em todas as
partes; porém D. Jeronymo mandando, e pelejando
[higularmente , e os ruais Capitães , Officiaes ,e Solda-
dos , obráraõ naquelle dia tantas maravilhas , que quaíi
ífgotaraõ os termos de referillas ; e dividindo a noite
a contenda, deícobrio o Sol do dia feguinte , que os
arábios medro íbs , e deítroçados fugirão para Mal cate,
2 D. Jeronymo fe retirou para Congo. Signalaraó-íè ne-
fta occafiao Martim de Soufa de Sampayo embarcado na
fragata S. Joaõ da Ribeira , e prezo nella por hum de-
fafio , que depois de pelejar com infigne valor, perdeo
a vida de huma baila : Pedro de Magalhães Coutinho ,
que havendo recebido huma ferida em huma perna, tor-
nou a pelejar , até que outras lhe tirarão a vida ; e per-
dendo-a juntamente com memoráveis acçoens Francif-
co Paes de Sande , rilho de António Paes de Sande , na-
quelle tempo Veador da Fazenda da índia, que recebeo
do rrincipe D. Pedro huma honrada carta > em que lhe
encarecia o íentimento , que tivera de perder em leu ri-
lho taõ valorofo vafsallo.Morreo também o Capitão Pe-
dro Carvalho,e grande parte da guarnição do feu navio:
e foraó feridos o Capitão Gracia Rodrigues de Távora ,
D- Filippe de Souía , Belchior de Amaral de Menezes ,
D. Vaíco Luiz Coutinho; e eítando a náo caravella , em
que pelejarão , em grande aperto , a foccorreo a Almi-
rante. A Capitania atracarão três navios , e pegando! e-
lhe o fogo no tombadilho , fe queimarão alguns Solda-
dos , e D. Jofeph da Coita cahindo ao mar , achou mais
piedade no alimento da agua , que no do fogo; porque
fe ialvou com tanto acordo , que dentro do mar diise*
que perdera o feu habito , oade os outros vinhaõ a ga-
nhalos.Singularizou-fe nefta occafiao Manoel de Salda-
nha , que governava a artilharia, e achando- a defam-
parada dos Soldados, fe arrimou a huma peça de dezoi-
to , para a fazer jogar, e dando-lhe fogo , rebentou s
Ce £ ecaiuo
'
4o<5 PORTUGAL RESTAl>%ADO,
Ânno e cahio morto.Todos os mais Oifíciaes^oldadosje gente
1666 de mar'e Suerra fizera õ acções muito íinaladas,nao ledo
1000. mais q trezétos,os de q conílava a guarnição dos noísos
navios,averiguando-fe,q os dos Arábios traziaó féis mil.
Logo que D. jeronvmo chegou a Congo , teve
varias embaixadas dos Perlas , e foi tratado com a^vene-
raçaõ , que merecia o íeu valor-, e èxcellente procedi*
mento : pagarao-lhe pontualmente todo o tributo, que
fe devia dos annos antecedentes, e com eíle íoccorro\ e
a gloria confeguida naquella vidtoria voltou para Goa,
onde foi recebido dos Governadores com grade applau-
io , e ialvas de artilharia , e achou , que havia chega-
do áquelle porto a náo N.S.da Ajuda,de que era Capitão
mor Chriílovaõ Ferrão de Caítello-Brauco , e a náo S.
Goníalo governada por Franciíco Ferreira Vai de Vezo,
que vinha a exercitar a occupaçaõ de Vedor geral da Fa-
zenda do Eftado da índia , e trouxera a nova de haver
tomado poise do governo do Reino o Príncipe D. Pe-
dro, eajuítado gloriofa , e felicemente a paz de Caftel-
la ) noticias, que dobrarão o contentamento aos Gover-
nadores , e a todos os Portuguazes , que habitáoas di-
. latadas povoaçoens do Eílado da índia.
cofdTcomáe Deixamos no fim do armo antecedente ao Marquez
iranfa. ^e Sande na Gorte de Pariz , negociando naõ íó os in-
tereísesde Portugal,e França na concluíaó do cafamen-
to d^EIRey , fenaõ-os de Inglaterra com França, e Po-r-
tugal , os de Roma , e Hollanda , e ligados com eíles os
de toda a Europa,difpondo com tanto acordo, prudên-
cia , induílria , refoluçao , e zelo taó graves , e impor-
tantes matérias, que juílamente deve íer contado entre
os Miniilros de maior fuppofiçao,de que fazem memo-
ria os volumes innumeraveis , que contém noticias po-
liticas ,* e no tempo em que continuava as prevençoens
para a jornada da futura Rainha de Portugal , e tratava
com grande attença o do ajuítamento dosReys de Ingla-
terra , e Frnnça , chegou a Pariz o Cardial Virgíneo Ur-
fino,e tendo noticia, de que o Marquez eílava incógni-
to naquella Corte,fallou ao Secretario da EmbaixadalPe-
dro de Almeida de Amaral, pedindo-lhe' quizefse facili-
tar'
\
PARTE II. LIVRO XI. 407
tar poder elle communicar ao Marquez negócios de cõ- AnilO
fideravel importância. Reípondeo-lhe Pedro de Almei- ,
da, que elle reconhecia no Marquez o nieimo defejo, ">0O.
depois que tivera noticia da lua chegada ,• porém que
naõ podia fallar-lhe íèm pçrmifsaõ d'ElReyChriftianif-
fimo , e o naõ devia fazer de outra forte,- por naõ arrif-
car íem neceíTidade urgente do íerviço d^ElRey a boa
opinião do feu retiro , e que a forma em que eíta comu-
nicação íe podia facilitar,era reprefentar elle a Mõíieur
de Leone , que tendo noticia , de que o Marquez eíta-
va naquella Corte , defejava fallar-lhe em matérias mui-
to importantes , e que como Prote&or de Portugal naõ
devia negarfe-lhe eíta permifsaõ.Naõ duvidou o Cardial
de fazer efta diligencia, enaó dificultou. Leone per-
mittir-lhe licença , precedendo fazer avizo ao Marquez
porMonfieur de Rouvignue pedindo o Cardial hora pa-
ra a conferencia ao Marquez, lhe refpondeo, que o naõ
permittia o myfterio da lua reioluçaõ,e que com o reca-
to poffivel iria buícallo , o que executou acompanhado
de Ruy Telles de Menezes ,• e depois de apuradas as ce-
remonias , e cumprimentos , lhe repreientou o Cardial,
o que amava os interefses d'ElRey , a forma , em que o
tinha fervido, os avizos, que havia dado, e as reipoílas,
^e reíbluçoens , de que coníervâva os originaes, que mo-^
ítrou ao'" Marquez em forma de diários diftinclamente
repartidos em hu volume , com que pertendia fortificar
as circunítancias das fuás propoiicoes. Expoz juntamen-
te o modo , com que fempre fe houvera , para tempe-
rar os embaraços do Pontifice , e as deft rezas dos Cafte-
Ihanos , que naquella Corte haviaõ feito varias diligen-
cias,porque naõ fofse nelia admittido d'ElRey Chriítia-
•niílimcpor fer emRoma Mmiíbród'EJRey dePortugal,
e Proteclor de feus Reinos, por cujo réípeito havia per-
dido confideraveis interefses em o Reino de Nápoles ,e
que efperava dos effeitos da fua intervenção ver a paz
de Caítella ajuftada , e corrente a nomeação dos Bifpos,
parecédo-lhe paraefte efleito os meyos mais proporcio-
nados unir-fe EIRey com a Coroa de Frãça,fem dar cre-
dito ás apparentias ingenliòfas dos Caítelhanos , que fó
<N Ce 4 oppn-
40? POtTVGAL RESTOU RJDO,
AtltlO oppnmidos poderiaõ ièí reconciliáveis, e que eíta união
,, feria mais fegura enlaçada com os in te rei ses de Ingla-
166 6 . ferra f e que e(te mefmo difcurfo tinha feito com o Ma-
nchai de Turena Tellier, e Leone ) que fervorofamente
concordarão neíta opiniaõ:Que huma das matérias mais
efsenciaes era naõ alcançarem os Portuguezes. benefícios
Ecclefiaíticos agenciados pelo Embaixador de Caíteila
em Rorna ,' porque os interefses, que coafeguiao deitas
diligencias os Caítelhanos , os incitavaô com novos eíti-
mulos a períuadirem ao Pontífice Alexandre VIL que
Portugal fe naó podia confervar, e o Pontífice naó fazia
grande diligencia por averiguar a verdade deltas noti-
cias '•> porque defejava achar pretextos para dilatar as
refoluçoens , que com tanta juftiça pertendia EIRey de
Portugal : e que o remédio deite damno era ordenar EI-
Rey, que nenhuma pefsoa pudefse alcançarem Roma
Beneficio , fem fervor intervenção do Proteítor j por-
que eíte era o eítylo obfervado de todos os Príncipes Ca-
tholicos: que elle antes de fahir de Roma, havia tallado
ao Papa varias vezes na nomeação dos Bifpos , e que
naõ alcançara outra refpoíta mais que dizer-lhe,que eí-
perav.' por huma refoluçaó da junta feita íobre o Mo-
to próprio , e refpoíta cathegorica d' EIRey : e que per-
guntando ao Cardial, íè entendia elle,que ElPvey aceita-
ria eíte partido , que lhe refponderà , que tinha por in-
dubitável naõ fe admittir tal pratica,principalmente de-
pois cie tantas victorias alcançadas , e de tantos triunfos
-gloriofos confeguidos daNaçaõ Portugueza contra a
Caítelhana , ajudada de varias Naçoens da Europa. E
que o Pontifue devia conliderar profundamente as con-
fequencias da opinião, que vulgarmente corria entre os
maiores Letrados , de que EIRey de Portugal pela tra-
dição da Igreja, e difpoíiçaõ dos Cânones podia ter Bif-
pos no feu Reino fem confirmação do Pontífice , por
ferem muitos os exemplos , que o facilitava"» em ca f os
de muito inferior juítiça ,• e que da afpereza , com que
o Pontífice tomara efta fua propofiçaô , inferia que fó
a piz havia de facilitar a concefsaó dos Bifpos ,• porque
EIRey u fava demais íubmifsaô, da que requeria 6 em
Horna
S
"
VJRTE II UFRO XI. 409
toma os negócios políticos , e que tudo o referido pe- ArMO
ia ao Marquez fizefse prefente a EIRey, Refpondeo-
he o Marquez , que ^elle voluntariamente tomava ella *ooa-
ommiísaõ por lua conta, por reconhecer no feu grande
iícurfo as fuás intençoens ; e que brevemente eiperava
er os negócios de Roma ajuítadcs na certeza,de que os
;afteHiaaos haviaõ deter, os que rogafsem com a paz
EIRey , e aos Fortuguezes , taõ repetidamente vido-
ioios > e dillipadores das mais robuítas forças de Caftel-
a.
Recolheo-í e o Marquez ao leu retiro, e continuou
om brande diligencia os negócios, que corriaò por fua
onta j ecomo era o principal divertir a defconfiança ,
[ue por inítantes hia crefcendo entre os Reys de Fran-
a , Inglaterra , por fer a abertura da guerra entre eítas
nas Coroas o maior beneficio dos Caítelhanos,e por cc-
equencia o mais perigofo embaraço das utilidades de
'ortugal , lhe pareceo precifo eicrever a EIRey de In-
;laterra a carta feguinte :
Sire. Pariz vinte de Janeiro de 666,
CHeguei a efla Corte , e devo fazer prefente aVoffa
Mageftaâe ,• que julguei conveniente afeu ferviçofar
ser efia jornada , fem chegar aos^pésde VJJa Magejtade ,
lelasrazoens , que brevemente feraÕ p>ref entes a Vqjja Ma-
rejlade ,* e parecendo a Milord Cimceller , que o Bifpo de
Portalegre D. Ricardo Rufei paffaffe logo a Inglaterra con-
rórme as ordens df-ElRey meuòlntor , Ih dei todas as que
ruppuz convenientes 3 para que Vo fa Magejlade entende f»
re , e tombem de JD. Francifco de Mello , que EIRey meu
Senhor em minha mfencia lhe ordena faça prefente a Votta
Magejlade as fuás intençoens ,* e que referirá como EIRey
meu Senhor cordealmente põem todos os f eus inter effes nat^
mãos de Fofa Magejlade ; e como eu em Lisboa naò faltei
em lhe reprefentar tudo , o que Voffa Mageftade foi fervi-
do encarfegar-me , de fua grande , e muita bondade efpero,
quefe perfuadird , queftmpre que Vcjía Magefade foi fer-
viâv de me mandar \ me olervife , lhe obedeci com verda-
de
4io PORTUGAL RESTAURADO;
Áflfto ^ ' %el°-> e amor defeu ferviço , como quem conhece , que \
verdadeiro interejje d^ElRsy meu Senhor he infeparavel
• das conveniências de VoJJa Magejiade, e impoJ/ível,em quan
to me durar a vida, deixar de fer de VbJJa magejiade o mai
obrigado , efiel criado.
Com eíta carta, remeteo o Marquez outra para a Rai
nha da Gram-Bretanha. , reprefentando-lhe quanto con
Vinha, que ella empenhafse todo o feu poder, tanto no
interefse de Portugal,quanto em divertir o empenho d
guera , que fe receava entre as duas Coroas de França
e Inglaterra;. e juntamente efcreveo ao Conde de Clari
don,grande Canceller dê Inglaterra, fazendo-lhe a mel
mainífcancia, e com incefsante difvello trabalhava <
Marquez por unir os interefses das maiores Coroas d
Europa ás utilidades de Portugal.
Quando os negócios de França fe achavao no efta
do referido , íuccedeo a vinte de janeiro deíle annc,qu
efcrevemos , de feísenta e féis T a morte da Rainha C
Anna de Auítria , mãy d'ElRey Luiz XIV. Foi a cauf
da lua doença hum catarro , a que lhe fobrevierão excei
fivas dores, de que lhe refultou abrir-le-lhe hurna gran
de chaga fobíe o coração, que a corrompeo de forte, qu
lhe vião os Cí?urgtoens palpitar o coração , e era a cor
rupção tão infojóortavel > que não fe podia aííiíHr na ca
fa , em que eítava doente , fendo poucos dias antes coí
tumada a todas as-áelicias , de que fe ferve oolfato,pe
la grande inclinação , que fempre havia tido a eítaef
ficaz atracção da; grandeza; porém não forão poderofos
nem os contrários effeitos que fentio , nem as dores qu<
padece o , para lhe desbaratarem a conftancia , e fofri
mento , nem a Cathoíica attenção , com que fe difpos
para acabar a vida ,* e fazendo cp-m grande acordo o fei
teílamento, primeiro que lho âpprovafsem, mandou *
Monfieúr TelHer ^ quenafiuaprefençao leSse aElRe}
leu filho , para que emendafse os erros que tivefse ; <
EIRey tomou apenna , e o aílinou . approvando-o,feir
confenttr que fe lef^e r- í e depois de feito o final > diíse i
Rainha, que lhè pedia licença para o lêr. Lançou-lbeeí'
PARTE II LIVRO JL m
a a benção , moítrando grande íatisfaçaõ deita fineza, ;>nr:
í declarava no teltemento a EIRey jj e ao Duque de Gr- ^tino
iens por iguaes herdeiros , reiervando hum milhão de
ivras para fua neta, filha do Duque. Efpirou com gran- looo.
.es finaes de arrependimento. Mandou enterar o íeu co-
ação no Convento de Valle da Graça , que havia fun-
lado , e o corpo em S. Dioniz iem pompa alguma*
Poucos dias depois da morte da Rainha, feinvale-
em as diligencias , e negociaçoens , que fe haviaõ fei-
0 , mandou EIRey publicar a iom de trombetas, e com
:ditaes públicos a guerra de Inglaterra , depois de ha-
rer eigotado todos os meyos de ajuítamento , fendo iní-
rumento principal o Marquez de Sande , que EIRey
miz em grade authoridade da peisoa do Marquez, e da
ua prudência, que foíse mediadortkfta concórdia: po-
ém EIRey de Inglaterra pe riu adido fde feus Miniílrcs,e
le toda a Nação, iempre oppoíia á Franceza,fereiolveo
1 declarara guerra , lendo os pretextos venderem aos
"rancezes Duniquerque , fobre a boa fé de fazerem hu-
na liga , e faltar França a ella , depois -de terem a poise
ia Praça i e naòfó faltar á liga , mas no meímo tempo
igar-fe com feus inimigos os Hollandezes j dando-lhes
'occorro , e livre a pei caria dos arenques , que não con-
sentirão a outra alguma Nação em as luas Coílasj fendo
iíla garantia taõ pezada a Inglaterra , q nunca os Hol-
andezes a puderaõ confeguir,nem no governo do Car-
nal de Reiehellieu , nem no de Màfsarino , naõ obftan-
:e os grandes esforços , que çm França fizeraõ pela al-
:ançar , queixando-fe no méfmo tempo aos Reys de In-
glaterra , e França pelos feus Miniítros , aflim por pala^
zra , como por efcritoi a que os Francezes refponderaõ,
legando a garantia -, e dizendo, que no tratado de Hol-
landa naõ havia nada,que fofse contra Inglaterra* e que
havendo entre França , e Inglaterra hum tratado como
nacional, que celebrarão Luiz XIII. ejaques Reyda
Gram-Bretanha noanno defeifcentos edez, que feus,,
filhos ratificarão , e Carlos II. o tornou a ratificar antes,
êo tratado da liga de França , e Hollanda. Refpondiaó
os Inglezes a egas gueixas , que EIRey de França? fem
S faltar
M
m
412 PORTUGAL RESTAURADO ,
Ànno £altar a tua palavra, naò podia em feu prejuízo celebra |
com os Hollandezes novo tratado ,* e que caio negado
í666> qUe a liga de França foíse juitamente celebrada , era f<
defeníiva , e com declaração , que naõ feria EIRey à
França obrigado a aíliítir aos Hollandezes , íuccedendc
lerem invadidos em Europa {• e que na preíente occafiac
foraó os Hollandezes os primeiros , que romperão cc.i|
Inglaterra , fazendo hoítilidades , naó fó em Europa,
mas em todas as partes do Mundo aos navios Inglezes
e que fendo eíla verdade infalliyel , eftava EIRey d<
França defobrigado de lhes affiftir, e q EIRey da Grani
Bretanha havia defejado com tanta efficacia a amiza
de de França , que experimentando o pouco , que o fel
Embaixador negociava em Pariz , e o muito , que o em
baraçava em Londres o Embaixador de Frãça Monfieu
deCominges, defpachara a Milort Fisharden, feu maio
confidente , e a França com huma carta da fua proprl
maó para EIRey, em que lhe pedia, que pafsando pe
los accidentes fuccedidos, ajuílafsem hum tratado, com<
reciprocamente conviefse aos Eílados de ambos, para cu
)o effeito lhe remetia o Miniílro de maior cõíiança,coii
permifsao de comunicar aquelle tad importante nego
cio com o Marquez de Sande , de quem fiava , reconhe
cendo a fua prudência , que havia de folicitar a amiza
de das duas Coroas pelos interefses, q refultavaó a Por
tugal: e que £em embargo , de que EIRey de Frane
moítrava fazer grande eítimaçaõ deita fineza, e lhe rei
pondera da fua própria maõ, que logo que volt ira par;
Inglaterra Milort Fisharden , e o Marquez de Sand
pafsara a Portugal, tornarão os negócios a ficar comod
antes ; o que reconhecido por EIRey de Inglaterra, in
tentara a mediação dehum terceiro , e elegera o Mar
quez de Sande ; a quem ordenara efcreveíse a Colbert
que tinha aquelle poder; eque tomando EIRey Chril
tianifiimo refoluçaó de fe li£ar com Inglaterra , fe obri
garia a amftir-lhe na conquifta de Flandres, com condi
ção,quelhenãoembaraçafse abater no mar o poder do
Hollandezes ,• a q Colbert refpondcfa fém outra decla
ração , que EIRey lè França mandava três Embaixada
P^RTE II. LIVRO XI: 415
es a Inglaterra a tratar efta , e outras matérias muito AnnO
mportaites. 1666
Eítaserão as razoens dos Inglezes , e fuccedendo pai- * v^v
arem os Embaixadores de França a Londres , reco íhe-
ertdo EIRey da Gram-Bretauha , jme a pròpoíição,que
tavia feito o Marquez deSande,não proíeguia,e as fuás
liligencias vinhao a íer mais como de particular , q co-
no mediator , entendeo , que perdia tempo ; e vendo
untamente quãto oslnglezes fentião verem os feus na-
rios embargados em todos os portos de França, le refol-
reo a foccorrer o Bilpo de Muníter com grande empe-
iho , e difpeudio, remetendo os íbccorros por Oftende,
j Amburgojdeliberação, de que EIRey de França fe deu
por muito íentido , conítando-lhe , que o exercito da-
juelle Prelado íe compunha mais de Caítelhanos ,e Im-
periaes , que de outras Naçoens , e que era huma refer-
ia muito vizinha , com que os Auftriacos fe preparavao
para a defenfa de Flandres ,• conquiíta , em q tinha em-
penhado todo o feu-affe&o, e por efta razão fentia ium-
mamente ver as forças do Bifpo crefcidas com o poder
dos Inglezes , álèm das publicas , e fecretas , com que
o Imperador , e o Marquez de Caftello-Rodrigo lhe af-
fiftião; epor efta razão logo que o Bifpo iahio em
Campanha , e entrou nas jurifdicçoens das Províncias
unidas, as foccorreo com hum corpo de féis mil homens;
e álèm deites motivos havia outro muito efsencial para
o génio d'ElRey Chrifttaniflimo , que era haver feito
huma liga com os Príncipes do Reino, e com ella imagi-
nava , que tinha fechado o Imperador da outra banda
do Rio , e fazia particular eftimaçaò de entender , que
tinha tantos, e tao grandes Príncipes , e Eleitores de-
pendentes da fua direcção % e fendo hum deites o Bifpo
de Munfter, foi grande o fentimanto , que teve de o
ver fahir em Campanha contra o leu goílo 5 e tendo eíta
noticia EIRey da Gram-Bretanha , delejando contrape-
zarefta politica , applicou as negociaçoens do feu Em-
baixador D. Ricardo Fanfchon , para fe cõcluir a paz de
Portugal psla fua mediação; diligencia, que reconhecia
íer muito fenfivel a EIRey de Franç.i : o qual po-reftes.
c íi * reípel-
PORTUGAL RESTAVRÂDO,
Âlino reí peitos continuou defcobertaméte hum Tratado com
. . . as Províncias unidas, e mandou retirar os Embaixadores
IO 06. de Inglaterra , tomando por pretexto o pouco,que a íua
mediação tinha aproveitado , e o que era obrigado a fa-
zer , por dar inteiro cumprimento á fua palavra,naõ ob-
ftante que por ella perdefse os maiores intereíses: e ne-.
íte mefmo tempo , ièm noticia dos Francezes , fe havia
aberto hum Tratado entre Inglaterra , eHollanda 5 e
ElRey Chriílianiííimo , para que os Hollandezs naõ ti-
vefsem pretexto de fe feparar de França,aprefsou a reti-
rada dos feus Embaixadores , com que cefsou a pratica
entre Hollanda , e Inglaterra : e accrefcentou o defabri-
mento entre as duas Coroas a pouca correspondência*
que o Chanceller de Inglaterra teve com o Embaixador
de França Monfieur deCominges,e das muitas occaíiões
de difgoíto , que padeceo com os Miniílros de França
Millord Hollis,por cujo refpeito os inftrumentos da paz
foraò os que miniítraraõ os incentivos da guerraíe veyo
a fer tao publica a contenda entre o Chanceller, e Mon-
fieur de Cominges, que fe declarou parcial do Conde de
Briílol , e Bennet , inimigos do Chanceller , que decla-
rou também , que naõ queria , que tratafsem íenaõ por
efcrito : e o Embaixador de França , por fazer melhor
partido ao Conde de Briílol , publicou, que por fua via*
o Chanceller havia negociado a protecção d<ElRey de
França j de que o Chanceller recebeo taõ grande fenti-
mento, que pediocom grande inítancia ao Marquez de
Sande negociafse com o Mariehal de Turena fizefse re-
tirar de Inglaterra a, Monfieur de Cominges: e naõ po-
dendo coníeguillo,e juítamente obrigado de fe publicar
em Inglaterra, q Dunquerquefe vendera aos Francezes
porque ElRey ChriíHaniífímo lho comprara a ellejpara
juítiíicar afua íinceridade,applicou todas as negociações
ao rompimento das duas Coroas; coítumando fer a ma-
ior deítruiçaõ das Monarquias embaraçarem-fe na fua
confervaçaõ os interefses dos particulares ; cahindo em
igual defconcerto Millord de Hollis, naõ querendo tra-
tar de Excellencia ao Secretario de Eítedo Monlieusde
Leone, que âllegava fer eíte o eftylo , com que fempre
fora
PARTE U. LIVRO XI. w
ora tratado ; e Millord de Hollis dizi^ , que nUnca tal Atino
uçcedera com os Embaixadores de Inglaterra j e que fe l,A
oíse poílivel ajuftar-fe que Monfieur de Cominges déí- lo°G»
i igual tratamento aos Secretários de Eftado d<E!Rey
a Gram-Bretanha, queelle naò teria duvida em fazer o
íefmo; porém, nao íe ajuítando eíla propoíiçaõ , ficou
imbem poreíle refpeitocompo«cacorreípondeTicia,e
jciedade com Tellier , e Colbert , de que fe originou
ao poder confeguir a que intentava , e retirar-fe a
iglaterracom ordem d'ElReyjporém com declaração,
ue naó pediíse audiência , fenaõ depois de lhe conílai*
ue os Embaixadores de França haviaõ fahido de Ingla-
irra; e Millord de Hollis conterio com o Marquez de
ande huma larga , e bem ponderada oraçaÔ , que fez a
IRey Chriftianiflino quando fe defpedio delle, de
ae foi a claufulaqueixar-fe de hum aggravo , que fe
avia feito aos lacayos , que acompan havaoa Embai-
atriz fua mulher ,, de que pedio fatisfaçao ; e negan-
3-lha EIRey» ferefolveo a nad querer aceitar a joya,
ue lhe mandou dar de defpedidaje interpondo-íe nefta
tateria a diligencia do Marquez de Sande com o Mari-
ia! de Turena,e Monfíeur de Rouvigni, nao puderao
srfuadir a EIRey a que lhe mandafse dar fatisfaçao
sm com a politica de quehaveudo-fe refirado os feus
mbaixadores de Inglaterra, e tendo aceitado as joyas,
ueElRey da Gram-Bretanha lhe mandara dar, ficaria
tdecenteenjeitalla Millord de Hollis : o qual vendo a
fpulfa , naõ quiz aceitar hum preciofo diamante , que
te ,foi levar olntrodu&or dos Embaixadores , que ha-
a cuftado três mil dobroens , e EIRey o trouxe alguns
ias no dedo , entendendo-fe , que fora para moflrar o
tlordelle: oqualeílimulado nao fó deite fuccefso ,
ias da noticia de que EIRey da Gram-Bretanha havia
fiílido a huma Comedia r que fe tinha reprefèntado em
tfa da Condefsa deCaftello-Mendo , em cujaidèaen-
ava com indecencía a fua pefsoa , applicou com defejo
articular o rompimento da guerra, e defiftio do inten-
) , que tinha de romper com Cafella- , refervando pa-
i mellior occafiaõ o poder cantinuaUa em beneficio de
Portu-
m PORTUGAL RE8TAV&ABO;
Afino Portugal, e por elU vir a confeguirfer abíoluto media-
1666 CÍor da PaZ ^e^e Rein£> com ° de Caítella , excluindo ,
°0# como defejava,a EIRey de Inglaterra deita negociação;
eíperando também a concluíaõ das propoliçoens , que
Monfieur de S. Romeu havia feito em Portugal ;e que
no tempo , quedurafse a guerra de Inglaterra , fe exa-
mínariaó as negòciaçoens, que haviaõ tido principio em
Conftaiitinopla, Alemanha, e Suécia, e entreteria o Im-
perador , que eftava poderoío, com as tropas, com que
iòccorria o Bíípo de Muníterje no mefmojtempo pode-
ria faltar o Pontifice Alexandre VIL que eílava velho ,
e enfermo, e repugnava dar á execução o Tratado de Pi-
za , naó querendo reítituir Caílro , dizendo o Núncio,
q naó eílava obrigado o Pontifice a eíta reílituiçaó; por
haver confentido naquelle Tratado, facrificãdo a fua re-
putação ao aperto , em quefe achava naquelle tempo a
. Chriltande de Ungria ,• embaraço , que fe podia facili-
tar na eleição de outro Principe inclinado á Coroa de
França : que na guerra de Inglaterra fe exercita riaõ as
tropas Francezas , ainda que excellentes , compoftas de
muitos Soldados novos ,• que coma uniaõ de Hollanda
abateria a prefumpçaõ , com que os Inglezes fe queria o
fazer fenhores do comercio de todos os mares,e que aos
Hollandezes , que afpiravaõ ao mefmo, quebrantaria as
forças de forte , que naõ quizeísem unir-fe com Caílel-
lâ , quando elle intentafse fazer guerra a Flandres: que,
porque o Bifpado de Muníterera hufeminario de Solda-
dos Auftriacos , que íe depofitavaõ nelle para defenia
de Flaadres,ficava utiliíHmo ajuílar-fe EIRey com Hol-
landa , e fazer quanto lhe fofse poííivel , por feajuítar
liga com EIRey de Dinamarca , EIRey de Suécia , e o
Marquez de Brandéburg,*porque com eíla po!itica,ain-
da que em apparencia ajudava aos Hollandezes, em fub-
ítancia fazia EIRey , o que devia áfua palavra ,• enfra-
quecia a huns , e outros inimigos , e com o beneficio do
tempo fortificava as fuás Praças , para com mais vigor ;
e acerto intentar a guerra a Caftella.
A*srazoens referidas, para EIRey Chriílianiílirno
romper a guerra , fé accreíeentou ter ayjzo de Hollan-
PARTE II. LIVRO XI. 4*7
da , que a diviiaõ entre as parcialidades do Príncipe de Anile
Orange, e Monfieur de VVhate eítavaó para fe declarar ,,,
em publica rotura ,• e confideràndo EIRey , que podia ut^:
fucceder cahir a forte a favor da Cafa de Orange , e por
confequencia refultar a ventagem a Inglaterra, apreísou
o rompimento com aquella Monarquia para fortificar o
partido de VVhate:porém primeiro que o fizefse publi-
co , difse á Rainha mãy de Inglaterra , que padecia im-
placável fentimento de haverem fido naquelle negocio
taõ inúteis os remédios , que ferviraõ mais de aggravar,
que de curar o mal , que communicaraó aos dous Rei-
nos J de que havia refultado fer-lhe precifo romper a
guerra com EIRey da Gram-Bretanha feu rilho , e que
Jhe pedia quizefse efcrever-lhe guardafse no feu peito
a boa vontade , que elle no feu coração conlervava pe-
jo amor , e refpeito, com que fempre o tratara,* porque
eleita forte entendia feria mais fácil de vencer a conítel-
laçaó de fe tornarem a unir, do que fora a fatalidade de
fefepararem , epor conclufaõ fe declarou a guerra: e
-foi de forte ô movimento do povo, que o Embaixador
de Inglaterra , receando o perigo próprio , fe valeo do
jVíarquez deSande,que pafsou a fua caía com a gente da
fua familia, e negociou com o Marichal de Turena a fe-
gu rança do Embaixador, e voltar a Inglaterra fatisfeito
da fua correfpondencia , e das difpoíiçpens , que agen-
ciara nos ânimos dos Miniftros da Coroa de França , pa-
ra entenderem , que a guerra naõ feria muito durável/
noticia , que chegando aos Hollandezes , abaterão o
grande goílo , que tiveraõ da uniaõ de França , com o
temor da pouca fegurança daquella liga,* e efta incerte-
za os obrigou a aceitarem de boa vontade as oíFertas do
Marquez de Caftello-Rodrigo, que lhes moítrou pode-
res, para fe ajuírarem com EIRey de Inglaterra fem in-
tervenção de França ,• e como pela incomparável perl-
picacia d'ElRey Chriítianiílimo naó podia nos outros
Príncipes haver fegredo permanente, conftando-lhe de-
íla negociação , fe lhe acerefeentaraó os defejos , que
tinha de romper a guerra de Caílella;
O Marquez de Sa,nde a hum mefmo tempo tratava
Dd os
m PORTUGAL RESTAURADO,
Ánno os negócios referidos em grande utilidade dos interefses
i66d d'EIRey' edifpunha a partida da Rainha com tanto
1 uuu* acerto j que fervia de exemplar aos Miniílros daquelle
caíamfrod->si.ÍQmV°' nao fó de Portugal , mas de toda a Europa, e
ReycomaPan-àpplicàndo o maior fervor á brevidade da jornada da
eeza deAnmai- Rainha , ê a £ e livrar do cuidado dos embaraços , q occa«
h fionava a guerra de Inglaterra, e França,- e conhecendo,
que eraõ os melhores inílrumentos os mais interefsa*
dos na concluíao docaíamento d'ElRey pelo parçntef*
co da Rainha , fe juntarão na fua cafa os Duques de
Vandoíma, deEílrée, edeLaris, Moníieur deNauve
Curador da Princeza,e Monfieur de Martharela,para af-
finarem o contrato do cafamento depois de ajuíladas ai*
gumas duvidas , que fe offereceraõ entre o Duque de
Vandoíma, o Duque de Eítrée* e o Bifpo Duque de La-
on, defejando cada hum delles íer fó por íi, o q ajuílaf-»
fe o cafamento ,* conhecendo porém o Marquez , que a
inclinação da Princeza pendia para o Bifpo de Laon, de
quem fiava toda a direcção dos feus negócios , e con-
correndo ElRey Chriítiamííimo por feus Miniílros em
tudo , o que era beneficio da conclufao do cafamento,.
com attençaô a que Portugal naõ a/uítafse a paz de
Caílella por outra alguma intervenção , que naõ fofse
a^de França, e íeguindo eíta mefma intenção , def-
viou os embaraços occafionados pela Duqueza de Sa*
boya nas partilhas , que fe haviaõ de fazer nos bens
da Cafa de Nemours, de que fe havia de formar a prin-
cipal parte do dote da Princeza > e ultimamente, confe-
guindo o Marquez , que o Bifpo de Lans acompanhai-
fe a Princeza (effeito que ella íummamente defejava >
e que ElRey , e feus Miniílros muito tempo contradif-
feraô) veyo aferafubílancia de todas eíhis propofi-
çoeris a que fe inclue itos Capítulos do Tratado feguhv
te.
/
Contrato
-m
PJRTE 11. L1VK0 XI.
Contrata do caj amento , dote, e arrhau queje ha de
celebrar entre o Serem fflmo , e Poder o fiffimo Se-
nhor D.Affonfo VI. por graça de Deos Rey de
Portugal, e dos Algarves, daauem, e dalém , mar
em Africa, Senhor de Guiné , e daConquifta , na-
vegação, e commercio da Ethiopia , Arab.a, Per-
fia , da índia, &c e a Sereniffima, e Excellentif-
fima Princeza Maria Francifca Ifabel de Sa-
boya , Duqueza de Nemours, e de Aumalle , tra-
tado , e concluído pelo excellente Senhor Francif-
co de Mello de Torres, Marquez de Sande , Con%
de da Ponte , dos Confelhos de E fiado , e Guerra
do dito Senhor , efimo Procurador , c Embaixa-
dor extraoodinario do Serenifftmo , e Poder oftffi-
vw Senhor Rey de Portugal, e pelos excelkntes
Senhores Duque de E/írée, Par, e primeiro Ma-
richal de França, e Ge {ar de Eftrée, Bifpo Duque
de Laon> Par de França , como Procuradores da
Excellentiflima Princeza Maria Francifca Jfa-
bel de Saboya ; £ outro fim dos altos , epoderofos
Príncipes e Senhores Duque deVandnjma,Mada-
ma deVandofma,Tto,e Avó eTutores da Ser eni [fi-
ma Princeza Maria Francifca Ijabel de Saboya.
16660
T) Or quanto ,
depois de coníideradas , e deli-
beradas todas as couías , fe afsentou mutua-
mente entre os ditos excellentes Senhores Francifco de
Mello de Torres , Marquez de Sande , Conde da Ponte,
dos Confelhos de Eftado , e Guerra de Sua Mageítade;
o Duque de Eftrée , Par , e primeiro Manchai de Fran-
ça , e Bifpo Duque de Laon , Par de França , cafar o
Sereriiffimo, e Poderoíiffimo Senhor D.Affonfo VI.Rey
de Portugal com a Sereniffima , e Excellentiífima Prin-
ceza Maria Francifca Ifabel de Saboya Duqueza de Ne*'
jmours , e de Aumalle » com a maior brevidade , que o
Dd 2 negocio
•
4*0 PORTUGAL RESTAURADO,
Armo negocio de tanta confideraçaô , e bem da Chriílandade
1666 pede ' fe conclulo> e reí"olveo , que o excellente Senhor
xuuo*Francifco de Mello de Torres, Marquez deSande,Con«
de da Ponte, em virtude dos poderes , e procuraçoens
efpeciaes , que tem do dito Sereniíiimo Rey de Portu-
gal, receberá em leu nome por Efpofa do dito Serenrf.
ílmo Rey de Portugal a Sereniífíma Princeza Maria Frã-
clfca Ifabel deSaboya,«e eíte a&o de caíamento lerá ce-
lebrado com aquella pefsoa , a quem a SereniiTima Pr in-
ceza terá dado hum íimilhante poder, e procuração eí-
pecial, para receber por feu marido ao dito Sereniíiimo
Key , fegundo a forma, e ceremonias da Igreja Catholi-
ca Apoítolica Romana , preferitas pelos fagrados Câno-
nes, e.pelo Concilio Tridentino, e fegundo os ados
coílumados, que fe ufao nos cafamentos dos Rçys ,• e o
dito excellente Senhor Bifpo Duque de Laon, ou a pef-
foa que celebrar eftea&o , dará os inítrumentos , e cer-
tidoens authenticos ao dito excellente Senhor Marquez
de Sande,e á dita Sereniííima Princeza Maria Francifca
Ifabel de Saboya , queaíTmaráò nelles> como também
as teítlmunhas necefsarias.
t Logo que eíte aclo for celebrado , e inílrumen-
tos dados a luima , e outra parte , o dito excellente Se-
nhor Marquez de Sande reconhecerá a dita Serenulima
Princeza Maria Francifca Ifabel de Saboya por Rainha
de Portugal.
\ Foi convido , e acordado entre os exceílentes
Senhores Marquez de Sande , Duque de Eíirée , e Bifpo
Duque de Laon , que o dote da dita SereniiTima P:
ce2a Maria Francifca Ifabel de Saboya fera de feiicentos
milefcudos, moeda de França , prata boa, e correntes
que fazem hum milha 5, e oitocentas mil livras tornezas:
a íaber , quatrocentos mil efcudos,que ferao levados eni
efpecie a Lisboa } e os outros cem milefcudos em ef-
feitos , s da maneira , que fera declarado no artigo fe-
guinte.
4 Foi acordado entre os ditos Senhores Marquez de
Sande , Duque de Eílrée , e Bifpo Duque de Laon, que
a íim,de q toda Europa^veja pi experiência k grande ef-
^ timaçaõ,
PJRTE 77. LIPKO XI. ^y
dmacaõ, e differença , que as Gafas de Nemours, e Van- Anno
Jofma fazem do cafaméto do Sereniffimo Rey de Portu- . . .
sal a todos os oUtros,o dote da SereniíTima Pnnceza fe- 1UUU*
ria maior , que todos os outros , que até agora fe deraõ
ásPrincezas, que eftas Calas dotarão 5 eaffim acorda-
rão , que o dito dote feria de feifcentos mil efcudos ,
moeda de França , a faber ,. cem mil efcudos , que o ex-
cellente Senhor Marquez de Sande levou o anuo paisa-
ao a Lisboa , de que o excellente Senhor Conde de Ca-
[tello-Melhordeu já recibo a Moníieur Gravier,dedarã-
3o nelle , que os recebia por conta, e por parte do dito
Jote ; e os outros quinjientos mil efcudos , que faltaó
para o cumprimento delle , os ditos excellentes Senho-
res Duque de Eftrée, e Bifpo Duque de Laon íe obngaõ
na dita qualidade de Procuradores a ter apparelhada a
fomma de quatrocentos mil efcudos , moeda de Fran-
ça , que fazení hum milhão , e duzentas mil livras tor-
nezas, prata boa , e corrente, no porto onde a dita
SereniíTima Princeza fe embarcará para paísar a Portu-
gal , e para que o dito dinheiro fe leve nos próprios na-
vios 5 e o dito excellente Senhor Marquez de Sande
em "nome d*ElRey feu Senhor fera obrigado a fegurar a
dita SereniíTima Princeza de todos os riícos, que feu do-
te poderá correr fobre o mar defde c dia que vir em-
barcar a íomma delle nos navios, em que a dita Serenií-
Tima Princeza fe embarcar para pafsar a Portugal, ate o
dia da fua chegada a Lisboa , ou a outro qualquer por-
to de Portugal, onde a dita SereniíTima Princeza deíem-
barcar: e nefte lugar os ditos Senhores Duque de Eítree,
e Bifpo Duque de Laon íe obrigaó a fazer remetera di-
ta fomma de quatrocentos mil efcudos, moeda de Fran-
ça , na mefma natureza, e no mefmo dinheiro corrente,
e em efpecie, ás mãos dos Miniílros do SeremffimoKey
de Portugal ,• que forem deputados para efte effeito
pelo dito Senhor : os quaes daraó todas as quitações,
edefcarcfas necefsarias aos que tiverem poder da Sere-
niflima Princeza , e forem por ella nomeados para eite
effeito , e pelos ditos excellentes Senhores Duque de bl-
trée , e Bifpo Duque Je Laon : e outros cem mil efcu-
Dd 3
dos
422 PORTUGAL RESTAURADO,
Ànno dos reítantes para o cumprimento, e perfeito pagamen-
1666 to do dit° dote ' osexciellentes Senhores Duque deEf-
• trée i e Bifpo Duque de Laon fe obrigaõ aos fazer pa-
gar em Lisboa aos Miniítros de Sua Mageílade em tem-
po de quatro annos , ou antes d Uso , fea difcufsaó dos
bens puder fer feita antes , fegundo a forma fobredita j
fobre a qual fomma de hum milhão , e duzentas mil li-
vras tornezas fe tomará a íbmma de noventa mil livras,
e íe porá nas rnáos da Sereniílima Princeza.paré os gaf-
tos da lua viagem , e para outras coufas , que lhe feraó
convenientes ao tempo da fua partida , íem alguma di-
minuição da dita fomma de hum milhão, e duzentas mil
livras tornezas , a refpeito da reílituiçaô do dote.
5 ; Sua Mageítade o Serenlflimo Re/ de Portugal ,
deiejaddo apaixonadamente moílrar a todo o Mundo a
eítimaçaõ , que faz das grandes qualidades , e virtudes
da Sereniílima , e Excellentiíiima Princeza Maria Fran-
ciica Ííabel de Saboya , quer , que iuccedendo a morte
da Sereniílima Rainha de Portugal fua mãy , e Senhora,
a dita Sereniilima Princeza tenha depois delia a Cidade
de Faro , Alemquer , Cintra , e outras Villas , governos,
Caítellos,jurifdiçoens , nomeaçoens, e difpoíicoens de
Abbadias, e outros Benefícios, e geralmente todas as ter-
ras i que a dita Sereniílima -Rainha mãy goza , e poísue
de preíente , para ferem poísuidas pela dita Sereniílima
Princeza Maria Fiauciica Ií^qI de Saboya em fua vida,
aiiimcomo a dita Sereniííima Rainha mãy,e todas as ou-
tras Senhoras Rainhas de Portugal fempre as lograrão,
e poísuiraõ : os quaes Fitados valem oiteita, ou cem mil
cruzados de renda em cada hum anno- , e algumas vezes
mais. °
a t ° Sereiiiílimo ■ Rey de Portugal formará aCafa
da òeremffima Rainha fua mulher , hum mez depois de
lua chegada a Lisboa, com a mefma grandeza, e ma-
gnificência , que fe fez ás outras Senhoras Raiuhas,fuas
d^Real ^ * G qUG COnvém a feu Efta<io, e lua dignida-
■c 7 í ta}?? ,que a dita Sereniííima Princeza Maria
Francifca ííabel de Saboya chegar a Lisboa, gozará de
todos
"
i666<
PARTE II. LIVRO XI. 425
todos os direitos , privilégios , e faculdades , de que as Anno
ditas Sereniílimas Senhoras Rainhas de Portugal goza-
rão até o tempo prefente nas Alfandegas , Gafa de Con-
quiílas , e em todas as mais partes , onde lhe pertence-
rem;
8 E em quanto a dita Sereniílima Princeza Maria
Francifca Ifabel de Saboya naõ entrar na pofse dos Ef-
tados mencionados no quarto artigo , o Sereniílimo Rey
de Portugal lheaffinará huma renda de trinta mil cruza-
dos em cada hum anno para feus gaílos.
9 Em cafo , que adita Sereniílima Princeza Maria
Franciíca Ifabel de Saboya vença em dias a Sereniííimi
Rainha de Portugal, ou tendo filhos , ou naõ os tendo,
haverá i em quanto viver, os ditos Efíados das Senho-
ras Rainhas de Portugal } para os gozar , e pofsuir da
mefma maneira, que as outras Senhoras Rainhas os pof-
fuiraõ , e gozáraõ , e como a Sereniílima Rainha mãy
os goza de prefente,
ío Eem cafo que a dita Sereniílima Princeza Ma-
ria Franciíca Ifabel de Saboya vença em dias ao Serenif-
íimo Rey feu Efpoío , e a Sereniílima Rainha mãy poí-
fua ainda os Eítados mencionados no quinto artigo , e
que por eíle meyo a dita Sereniílima Princeza os ftaò
pofsa ainda gozar , o Sereniílimo Rey de Portugal per-
mitte , e fe obriga fegundo fua magnificência , e gene-
rofidade coftumada, álèm dos trinta mil cruzados acima
mencionados , de lhe aííinar outros eílabelecimentos, e
rendas j até que ella goze dos Eílados , e em lugar del-
les , que fejaõ convenientes , e proporcionados a feu Ef-
tado , e á fua dignidade Real, e iguaes aos ^tratamen-
tos feitos ás outras Rainhas, que a precederão ,e a eíles
que goza de prefente a Sereniílima Prainha mãy ; porém
de tal maneira , que os trinta mil cruzados , de que fe
faz meação no prefente artigo , faraó parte , e entrarái
na conta dos ditos eílabelecimentos , rendas, e Eítados,
que fe houverem de affinar á dita Sereniílima Princeza
em virtude do mefmo artigo. .
ii Em cafo que a dita Sereniífima Princeza Mana
Francifca Ifabel de Saboya vença em dias a ieu marido o
Dd 4 Sere-
p4 POUTVGAL KESI AUNADO,
Anno Sereniífimo Rey de Portugal , e que iiaõ tenha filhos
• ,z e queira íahir do Reyno , fe lhe tornará a dar o feu in<
*G0O#teirodote j eálèmda reíHtuiçaõ do dito dote, fe lhe
dará também a fomma de quinhentas mil livras torne
zas , que faz hum terço do dote , a qual fomma pode-
rá levar livre, é íeguramente para qualquer lug3r,a que
fe retirar , eda mefma maneira os feusanneis , joyas,
móveis , e baixelas > e afíim os que houver levado eom-
íigo , como aquelles que tiver , ou puder ter adquiri-
do depois , excepto com tudo aquelles, ou aqueilas,
quèconílarem fer da Coroa de Portugal ; e na mefma
férma poderá difpôr , e teftar r íegundo fua vontade, e
Intenção , de tudo, ò que houver adquirido» e lhe cou-
ber por fuccefsaõ > doação, ou por outro modo, em qual-»
quer maneira^que poisa ler, até o a&ual pagamento das
ditas fommas > è gozará inteira , e livremente , ou fejá
em Portugal, ou em qualquer outra parte, dos direitos,
privilégios , prerogativas , hAados, e rendimentos per*
tencentes ás Rainhas de Pòrtugal,e mencionados nos ar*
tigos precedentes : os quaes feraó pagos em três paga-
mentos iguaes em tempo de três a nãos confecuti vãmen-
te i èá proporção r em que os ditos pagamentos íerao
feitos , a Sereniífíma Princeza dimittirá de li os ditos di-
reitos, privilégios , prerogativas , Eílados, rendimentos
abfoluta , e inteiramente depois do adual ,, e real paga-
mento das ditas fommas. -
i * Como também ã dita Sereniilima Princeza ten-
do filhos do feu Matrimonio , e vencendo em dias ao
Sereniilimo Rey de Portugal , emeafoque ella queira
íahir do Reiao , íe lhe tornará íómente a terça parte
do feu dote J e a terça parte das quinhentas mil livras
tornezas dadas de mais do dito dote , do qual ella Sere-
nifiima Princeza poderá difpôr da mefma maneira , que
dos anneis , joyas , móveis , e baixelas, que tiver levada
comíigo , ou que tiver adquirido , exceptos com tudo
aquelles , que forem da Coro^; e da mefma maneira po-
dera difpôr , e teítar de todas as eoufas , que Ihecoube-
rem por fuccefsaõ , doação, ou qualquer maneira qiíe
leja,elevallascomfigo para qualquer ^arte a que fere-
tirei
PAKTE 11. LIVRO XL 4*5
tire i eos outros dous terços do dote , e do terço del-Anno
fe , que monta quinhentas mil livras torne zas , acorda-
das por forma de augmentaçaó do dote , fkaráõ perten- ^co.
cendo a feus filhos } dos quaes a SereniUima Pnnceza te-
rá fomente o ufo,e pofsefsaõ,dos rendimentos,em quan*
te viver , que lhe ieraõ levados fegura , e livremente a
qualquer parte , onde eftiver.
1 * E~fuccedendo primeiro a morte da dita Serenil-
íimaPrinceza Maria Francifca Ifabel deSatoya, hum
terço do feu dote , que importa a fomma de quinhentas
mil livras tornezas,ficará por forma de lucro nupcial ao
Sereniflimo Rey de Portugal, eos outros dous terços
reítantes com íeus anneis, móveis , e joyas , aflim aquel-
les , que tiver levado comfigo , como aquelles , que ti-
ver adquirido , ( tirado com tudo os que pertencerem a
Coroa de Portugal ) como também o mais , que lhe per-
tencer , durante o Matrimonio , por iucceisaõ , doação,
ou de outro modo , e maneira , que pofsa ler , pertence-
rão propriamente a íeus filhos 5 e faltando elles, pafsa-
ràõ a feus herdeiros da fua parte , e linhagem j fem que
com tudo , em confequencia deites artigos , lhefeja ti-
rado o poder , e faculdade de teítar , e difpôr livremen-
te , fegundo fua intenção, e vontade, de todos os bens,
que ella tiver.
14 O dito Sereniflimo Rey de Portugal dará em fa-
vor do Matrimonio da dita Sereniilima Senhora Prince-
za D. Maria Francifca Ifabel de Saboya o valor de qua-
renta mil efeudos em anneis , e joyas , que feraõ eftima-
dos , e avaliados, quando íe entregarem á SerenilEma
Princeza j os quaes poderá levar também comligo , fuc-
cedendo, que vença em dias ao Sereniflimo Senhor Rey
de Portugal , com feu dote , e o mais que lhe for conce-
dido por eftes prefentes artigos.
1.5 A dita Sereniilima Senhora Princeza toma pof
fua conta os gaílos das pefsoas , que a acompanharem,
depois que partir de Pariz até a fua chegada a Lisboa ,
ou a outro qualquer porto do Reyno de Portugal , on-
de defembarcar.
16 Foi também convido j c acordado , que na
fomma
, 42Ó PORTUGAL RESTAURADO;
Ann© *MW de hum milha õ> quinhentas millivras torneza?
lóóií, Prorjettidas em dote , a qual íbmma devem contar, s
• receber os Miniftros do Sereniífimo Rey de Portugal"
como acima fica declarado , nao deve entrar o valor dos
anneisye joyas da dita Sereniílima Princeza Maria Fran,
.pifca lfabel de Saboya , nem os outros moveis, que
ella poderá levar comfigo , de qualquer qualidade que
lejao , os quaes com tudo ferao taes, que os ditos excel-
lentes Senhores Duque de Eílrée , e Biípo Duque de
JLaon julguem ler próprios , e convenientes á grandeza
de huma tal Princeza.
17 E por quanto eftava refoluto , e acordado , que
o excellenti/Timo Senhor Eifpo Duque de Laon pafsafse
a Inglaterra,para alli concluir,e ratificar o que em Fran-
ça havia ajuítado com o excellente Senhor Francifco de
■Mello de Torres Marquez deSande, o que fe ajuftou
por intervenção do Marquez de Rouvigni com appro-
vaçaõ de Suas Mágeftades Britanicas;e porque em o ar-
tigo primeiro defte tratado eftava também refoluto, e
acordado , que o cafamento do Sereniílimo , e Podero-
Mimo Senhor D.ÂíFonfo VI.Rey de Portugal com a Se-
reniíTima , e Excellentifiima Princeza Maria Francifca
Iíabel de Saboya fe devia celebrar na Corte de Inglater-
ra , e em prefença de Suas Mágeftades Britânicas, fendo
a Omnipotência Divina , a que permittio, que o mal de
contagio naquelle Reyno fofse taõ cruel , como fe ex-
perimenta , e o Grande , e Sereniílimo Rey de Portugal
pela grande , e fingular eftimaçaõ. que faz da Pefsoa da
Sereniílima , e ExcellentiíTtma Princeza Maria Francifca
lfabel de Saboya , a naô quer expor a hum taô grande
perigo, fendo para elle huma pefsoa taó fagrada , orde-
nou , que o dito ca fa mento fòfse celebrado na forma
declarada no primeiro artigo em Arrochella,ou na par-
te , onde depois com o decoro devido fe deve em-
barcar adita Sereniílima Princeza, e com magnificên-
cia , e apparato , que convém a fimilhantes Mágefta-
des. °
18 Por quanto em o quarto artigo defte tratado fe
ob ngõ osditos excellentes Senhores^Duque de Eílrée,
eBifpo
VJRTE II. IWRO XI. 427
? Bifpo Duque de Laon , a que em Lisboa fe dará a fom- Áfíno
na de quatrocentos mil eicudos , que fazem hum mi- „ ,
hao , e dizentas mil livras tornezas, boas de receber, l^60*
í do valor , e para o feiviço do Sereniílimo Rey de Por-
:ugal pôde fernecefsa rio valer-íeda parte deite dinhei-
■o , fera dada a dita quantia , ou quantias por huma, ou
luas vezes , ou as mais que quizer , ao Doutor Pedro è&
.\lmeida do Amaral , do Delembargo de Sua Mageíia-
de na Cafa da Relação de Porto, Secretario dcílaErm-
Daixadâ,como Thefoureiío do dote da Sereniílima Prin-
seza , como coníla do leu poder. E todo o dinheiro pe-
lo dito Pedro de Almeida do Amaral recebido , ferále-
/ado em conta , como fe realmente o dito Sereniílimo
&ey de Portnguai o houveles recebido..
19 E finalmente os Senhores Duques de Ellrée, o
Biípo Duque de Laon íe obrigaó , e promettem , que o
lito Senhor Duque de Vandofma , etoda a fuaCaía ie
empregará affim em França , como em qualquer parte,
mi tudo o que tocar aos interefses do Sereniíf mo Se-
ihor Rey de lortugal , e os trará , e procurará como
próprios em todas as cccaíioens j que oflèrecerem } e
para eíle eíFeito o dito Senhor Rey de Portugal poderá
:er em França, e junto á pefsoa do Senho/buque de
yãdofma a pelsoa , que julgar necefsariajcomo também
3 Senhor Duque poderá ter em Portugal , a que lhe
parecer , junto á pefsca de Sua Mageíiade , tudo na
meima forma. E eu Pedro de Almeida do Amaral , Se-
cretario de Sua Mageíiade na Embaixada extraordinária
iSua Mageíiade da Gram -Bretanha , oeícrevi emeafa
do Excellentiílimo Senhor Embaixador extraordinário
Marquez de Sande , em Pariz aos vinte e quatro de Fe-
vereiro de mil feiícentos fefsenta e leis.
Firmados os capítulos, continuou o Marquez as
diligencias dafua partida \ porém atalhou-as hum acci»
dente , que lhe embaraçou por alguns dias a faude , e
reílaurando-a no mefmo trabalho , que lhe havia occa-
íionado o achaque > fe foi dif pondo a partida da
Princeza , e nomeou EIRey por Cabo da Armada , que
aiiaYia de acompanhar , e Monííeur de Rouvigni , fu-
geito
•L'i.
4iS PORTUGAL RESTAURADO,
Anno geito de que fazia merecida eíUmaçaÓ.O Biípo de Laon
s/s depois áe haver confeguido ( como referimos ) licença
IOõõ. d^lRev para acompanhar a Princesa , compoz luzi-
damente a familia , que determinou , qne lhe aífiítiíse \
e juntamente dilpenlou EIRey aMonheur de la Nauve,
Confelheiro do Parlamenta dePariz, que acompanhafse
a Princeza, por haver íi do feu Curador, e Intendente, e
os Capitães de oito fragatas de guerra , de que conílat
va a Armada , todos eraó de. grande qualidade. O Mar-
quez difpunha com grande prudência o animo da Prin-
ceza , para que a nao.tom.afse de fobrefalto , o que ti-
^ nha que vencer no empenho , a que fe arrojava no Ef.
poio , que elegia ; e tratava com grande effrcacia de a
inítruir no muito,que devia ao Conde de Caítello-Me-
lhor,é quanto lhe convinha. fazello infeparavel das luas
direcçoens: e todas e/tas noticias dava o Marquez ao
Conde muito individualmente.
Neíte tempo incitado EIRey ChriítianilTimo do de*
fejo , que tinha de romper a guerra a Gaftella , o que
naó podia feguir , fem fe ajuítar com Inglaterra , man-
dou dizer ao Marquez de Sande , que fazia taõ grande
eítimaçaó da fua prudência , que tinha porinfalhvel,
que fó elle poderia ajuítar as cõtroverfias de Inglaterra,
e França ; e o modo de le confeguir , era fazer elle avi-
zo a EIRey da Gram-Bretanha,que fe acafo quizeíse en-
trar em huma boa paz, e Tratado,cqmo convinha 3 hu,
e outro Reino , ea feus aliados , devia mandar poderes
a Moníieur Hollis feu Embaixador , que fe havia deti-
do naquella Corte mais do que fe fuppunha , para que
juntando-fe com Moníieur VVanig , Miniítro dos Efta-
dos de Hollanda, em caía da Rainha mãy de Inglaterra,
e na prefença do Marquez de Sande , a quem nomeava
por mediador deita concórdia , e dava poder para fazer
as propoíiçoens de huma , e outra parte , para fe poder
ajuítar o accõmodamento de ambas as Coroas. Naó du-
vidou o Marquez de aceitar taò authorizada eõmifsaõ,
e taó utij^aos interefses de Portugal , e dando a EIRey
as devidas graças da honra , que lhe fazia , efcreveo a
EIRey de Inglaterra , e o mefmo fez á Rainha mãy , e
como
PARTE 11. L1PK0 XI. 4*9
fomo era muito importante o fegredo, para que os Caí- AntlO
■ellianos naõ penetrafsem eíte intento, mãdou com eítas „
;artas a Inglaterra a feu ibbrinho RuyTelles,e partindo I00°!
:om toda a diligencia a efta taô honrada cômilsaò , de
íue era muito capaz pelo feu talento , depois 'de fazer
2xadas diligencias, naõ pode confeguir o que intenta*
ia ,• porque os ânimos dos Inglezes eítavaõ totalmente
reparados da concórdia , achando a Rainha mãy menos
àifpofiçoens parao ajuítar ,do que imaginava,- porque
laquelle tempo naõ eílava cabalmente iatisfeita das di-
ligencias do Marquez de Sa nde, tendo-o porauthor
Jo cafamento d<ElRey com a Princeza de Nemours,que
41a naõ havia approvado, havendo preferido ajuftar-fe
\ beneplácito de Caílella com a irmãa do Imperador,ou
com a Princeza deCaífella;
Vendo EIRey Chriftianiííimo deívanecída efta fua
ldtéa,mãdou dizer ao Marquez deSande pelo Marichal
de Turena/quedefejava fallar-lhe,- porque tinha negó-
cios de grande importância , que comunicar com elle»
Refpondeo-lhe o Marquez, que como particular eftava
prompto para lhe obedecer, pois ao titulo de Embala-
dor naõ fe extendiaõ os feifs poderes , e f ó á função de
acompanhar a Princeza felimitavaõ. Recebida eí>a rei-
pofta d'ElRey, mandou a Moníieur de Rouvigni con-
duzir a vinte de Abril ao Marquez de S. German , que
ointroduzio á prefeuça d'ElRey pela porta de hum jar-
dim á galaria de Caítello-Novo , onde EIRey o efpera-
va fó ,'Tem Capitão da Guarda , nem Gentil-homem da
Camera. Recebeo-o cõ extraordinária demonífcraçaõ de
fionrá, e pafsadas as primeira ceremonias, Uie diise,que
liavia dado ordem ao Arcebifpo de Ambrun , que aííií-
tia em Madrid, para oíFerecer a Rainha Regente de Cá-
ítella a mediação da paz de Portugal, que conforme os
avizos 5 que tinha do Arcebifpo , ella a havia aceitado;
e elle refpondera ao Arcebifpo , que fendo as propofi- ^
çons capazes de admittir , pafsaíse a Lisboa a ajuítar a
paz,- e que fendo precifo dilatar-fe , fizefseavizo a Mõ-
íieur de S, Romen , para que comniunicando-o aos Mi-.
niítros dlElRey> fe naõ perdefse tempo em negocio taõ
impor3
430 PORTUGAL RESTAURADO,
AnnO importante, tendo por infallivel ajuílar-fe,peío mife-
1666 Tavel eí*ado» a clue eítava aduzida a Monarquia de Ca
* Di Aella , e felicidade de Portugal , obrigada do valor do:
Cabos , e Soldados , e acerto dos Miniítros ; e que o fei'
defejo era ajuítar-fe huma paz firme , e nunca teria poí
acertada huma tregoa duvidofa:e que por concluía ó po
dia o Marquez-, dizer a EIRey de Portugal da fua partq
que para a paz o teria por garante, ( foraò palavras fop
mães ) e para a guerra por companheiro, naó fó na dei
peza , mas na Campanha.
Deite diícuríb pafsou á guerra de Inglaterra, fegurã.
do ao Marquez, que fe achava muito da parte da íua opi,
niao , deíejando , que fe ajuítafse huma liga entre elle.
e o Reino de Portugal , e Inglaterra , achando-íe arre-
pendido do empenho , que havia tomado com os Hol-
lande^es , de q fe tinha originado a defconfiança d< EI-
Rey de Inglaterra, tendo pelo remédio mais efficaz de£
tes accidentes , querer elle tomar o trabalho de pafsara
Inglaterra j porque fiava da fua prudência , e capacida-
de inteirar a EIRey de Inglaterra da eílimaçaó , que fa-
zia da fuacorrefpondencia -, e que elle tomava por fua
conta ordenar ao Embaixador de Hollanda âzeise toda
a diligencia poffivel por obrigar aos Hollandezes á ref-
tituiçaó de Cochim , e Cananor , que reconhecia ufur-
pavaõ injuítamente a Portugal.
O Marquez, depois de render a EIRey ot>fequioía-
mente as graças da fua benevolência , lhe reprefentou a
verdadeiro conhecimento , em que Portugal fe achava,
das grandes obrigaçoens , que devia á Coroa de França,
e o muito que EIRey defejava gratificalas em beneficio
dos interefses daquelle Reino ; e neíta confideraçaõ ti-
nha por fem duvida,que Sua Mageítade empenharia to-
do o feu poder em íe conf eguir a paz entre a Coroa
pe Portugal , e Gaftella com as vantagens , e feguran-
^ ças , que haviaô grangeado as íinaladas vicíorias alcan-
çadas em Portugal contra as Armas de Caítella 5 e que
em quanto a pafsar a Inglaterra , eílava prompto para
obedecer a Sua Mageítade em tudo , o que naó encon-
trafse as fuás inítrucçoens , reprefentando-lhe o muito,
que
'
PARTE II. LITRO XI. 4ii
que eílava próxima a jornada da futura Rainha de A nn(a
Portugal , e quanto elle era obrigado pela fua com.-
miísaõ atalhar que a partida da Armada íe naõ dila- 1 666*
tafse de forte , que viefse a encontrar na Coita de
Portugal os perigos das tormentas do Inverno. Que
*m quanto á liga , que a Sua Mageítade confiava das
grandes diligencias , que Portugal havia feito por fe
ijuílar , e o muito que fe repulfara no anno , em que
fe tratara a paz dos Pyreneos , fendo certo , fe fe ajulla-
ca naquelle tempo , tivera confeguido a paz de Caílel-
la , e que os Hollandezes naõ tiveraõ violado as leys
Japaz firmada , podendo por eíte caminho lograr toda
Europa a felicidade de huma paz íegura. Aeíta propo-
íiçaõ acodio EIRey dizendo, que Ihenaõdéfseamo-
leltia de fallar na paz dos Pyreneos -, porque o magoava
cerrada politica daquelleajuftamento, originada de in-
terefses alheyos, porém que, fe faltara a Portugal na eí-
fencia , lhe acodira com as circunílancias , concorrendo
:om os esforços para a fua confervaçaõ , de que o Mar-
quez era teílimunha,pois lhe haviaõ corrido pelas mãos
todas as fuás boas intençoens. Sahio o- Marquez da pre-
fénça d* EIRey , naõ havendo demonílraçaô, que naõ
lografse da fua grandeza , e incomparável urbanidade;
e o Marichal de Turena , e Colbert esforçarão , quanto
lhes foi poffivel, as propofiçoens d'ElReyj a que o Mar-
quez fatisfez com generalidade , por lhe parecer juíla-
ttiente impraticável pafsara Inglaterra pelas obrigações
da fua cõmifsaõ ; e tornando o Marichal de Turena a
inflar fobre o cafamanto do Infante com fua iobrinha,
lherefpondeo o Marquez por termos taõ agradáveis ,
eprudentes, e com efpe ranças taõ geraes , eaccõmo-
dadas aos negócios , que tratava , que deixou ao Ma-
richal, fe naõ fatisfeito , perfuadido a que com a che-
gada da Rainha poderia ter conclufaõ afortuna , que
tanto appetecia.
Defejava fummamente o Marquez abbreviar a par-
tida da Princeza>e fazia muito por vencer os muitos em-
baraços , que occafionava o rompimento de França com
Inglaterra \ eparecendo-lhe que, partindo a Rainha pa4»
ra
4?2 PORTUGAL RESTAURADO ,'
Anno ra Arrochella , onde determinava embarcar , mandaria
1 66 C EIRey fílzer Promptas as prevençoens da Armada , qiig
°h* eítavaoporajuílar, perfuadio áPrinceza a que man-
dafse , que íe expedifsem as difpoíições da fua jornada]
e havendo-fe ajuítado, fe defpedio d'ElRey o primeiro
de Mayo , que lhs deu taó obfequiofo tratamento , que
manifeítamente publicou quanto defejava a felicidade
de Portugal , e a fua união. E a Rainha de França > co-
nhecendo a võtade d'ElRey, moílrou á Princeza o mef-
mo agrado ; ê pafsando a fe defpedir da Rainha mãy de
Inglaterra,do Duque, e Duqueza de Orliens,foraõ inex-
plicáveis as domonílraçoens do carinho , que em todos
achou , conhecendo-fe claramente no Duque partícula!
afreóro a Portugal em todas as occaíioens , que fe havia
tratado dos interefses deíle Reino. Os mais Príncipes j
e Princezas da Corte , havendo-lhes EIRey participado
o cafamento da Princeza , a foraõ vilitar , e eftando fi-
nalado o dia quinze de Mayo para a íua partida ^en-
tendendo o Marquez, que Ruy Telles de Menezes nad
poderia dilatar-fe com os pafsaportes d« EIRey de Ingla-
terra , que havia hido bufcar , e juntamente o fato , e
família do Embaixador , lhe chegou avizo » que hum
navio Francez fizera priíioneiro a Ruy Telles , e o ha-
via levado ao porto de Flecing em Zelanda ; noticia ,
que lhe occaíionou grande cuidado pela forçofà dila-
ção , a que o obrigava cite accidente : porém foraõ"
taó apertadas as diligencias , que fez pela reftituiçao
de Ruy Telles , e da fua família , e fato , que o veyo
aconfeguir , e com eíte defembaraço partioa Princezai
níTdeTrro- de Pariz Sabbado vinte e nove de Mayo , viíitando
cheiu conduzi', com grande carinho na ultima defpedida as Religiofas
da pelo Mar* do Convento de Santa Maria de Carmelitas Defcalças*
quest)de sande. retiro a que havia paísado depois da morte da Duqueza
fua mãy.
Acompanharão a Princeza até Arrochella fua Avó
materna a Duqueza de Vandofma, viuva de poucos me-
zes , e feu filho o Duque novamente herdado. Fora de
Pariz , pouca diítancia , a eíperava o Marquez de San-
de com muito luzido acompanhamento , e o Duque de
Eftrée,
PARTE II. LIVRO XI. 45 )
Eftrée , Marichal de França , aíiiítido de íeus filhos o Atino
Marquez de Coeuvres, eoBiípo Duque de Laon Par ...
de França,e Monfieur de laNauve Coafelheiro d4ElRey luuo*
no Parlamento de Pariz \ Curador da Rainha , Superin-
tendente da lua Gafa , ( como difsemos) e outras peísoas
principaes ornadas de viftofo luzimento. Continuou-íe
a jornada para Arrochella, diítante cento e vinte léguas
de Pariz, e em vinte edous dias chegarão áquelle porto.
Em todas as Cidades J e Villas , por onde a Princeza paf-
fou , lhe fizerao por ordem d'ElRey Chriftianiffimo
muitos folemnes recebimentos. Fora de Arrochella a eí-
peravaoDuquedeNayvalles, Par de França, e Gover-
nador daquella C idade com a Infanteria , eCayallaria
da fua guarnição , e todas as maisceremonias militares,
e politicas fe obfervarão fem difFerença alguma ás que
fe coftumavão fazer na entrada dos Reys de França.Ef-
tava Drevenido hum fumptuofo Palácio para a affiíten-
cia da' Rainha; e depois de defcançar do trabalho da jor-
nada , deu audiência ao Marquez deSande, Domingo
á tarde vinte e fete de Junho. Acompanhavaõ-o três
carroças , cada huma de féis cavallos , aífiítidas de de-
fafeis lacaios veíHdos de panno verde , cobertos de páf-
famanes de ouro. Hiaó nas carroças oito Gentis-homens
com varias, cuílolas , e diffèrentes galas , e oito pagens
veftidos de veludo verde, guarnecidos de pafsamanes de
ouro, e forradas as capas de tela branca. Fazia mais
luzido o acompanhamento o Conde de Maré , que com
licença d£E!Rey havia paísado a cafàr-fe a França, e
trazia cem Soldados de cavallo , que fe haviaõ de mon-
tar nefte Reino , com ca facas de panno verde , guarne-
cidas de pafsamanes de prata, cincoenta com partazanas,
e outros cincoenta com ca ravinas. Chegou o Marquez
ao Paço, em que a Rainha eítava com a Duqueza de
Vandofma , e em audiência publica , a que aíTiítiraõ as
Damas principaes da Arrochella, lhe deu acarta de cren-
ça , que levava d'ElRey. Logo baixou á Capella, onde
eftava o Bifpo Duque de Laon, o Bifpo deXaintes,
o Bifpo de Luçon , o Vigário geral do Bifpo de Arro-
chella , o Pároco da Freguezia , ( que era da invocação
Ee de
434 PORTUGAL RESTAL%ADO ,
Anno de S. Barthoíomeu ) o Duque de Vandoíma , o Duque
t/66 ^e Nayvalles > e outras muitas pefsoas principaes, e Da-
1000. maS ^ qUÇ concorreraõ das Cidades vizinhas a efta cele-
bridade. Leo-fe a procuração d'ElRey , que o Marquez
levava , e a da Rainha , que deu ao Duque de Vandof-
ma , e em virtude delia celebrou o cafamento o Bifpo
Duque de Laon na forma ordenada pela Igreja Romana.
Acabada eíta função , íbbiraõ todos, os que fe acha-
rão nella , a huma gíande fala , em que a Rainha eiva-
va tentada debaixo de hum docel collocado fobre huma
taríma de quatro degráos. Eftava fentado no fegundo,
em hum tamborete , o Duque de Vandofma , que era o
lugar,que lhe era permittido diante da Rainha de Fran-
ça» O Marquez deSande com as ceremonias coftumadas
em Portugal chegou aos pés da Rainha, e depois de hu-
ma larga , e bem compoíla Oração , deu á Rainha hu-
ma carta d* EIRey, que trazia prevenida para aquelle
acto : bejou-llie a maó , e as mais pefsoas , que o acom-
panhavaó f e muitos Gentis-homens Francezes , que ur-
banamente lèguiraô efte exemplo. Apartou-fe o Mar-
quez , tomando o lugar , que lhe tocava , e entrou o
Duque de Nayvalles com titulo de Embaixador d'ElRey
Chriílianiilimo a dar o parabém á Rainha. Seguio-a
kum Gentil-homem d'ElRey de Inglaterra com huma
carta lua para efte mefmo rim , e hum Inviado do Du-
que de Saboya. Ultimamente chegou a dar o parabém á
Rainha o Senado , e Governo daArrocellai e acabado*
eíte ado , fe recolheo a Rainha , ordenando } que eíli-
veíse prompta a Armada , para fe haver de embarcará
Quarta feira; íeguin te , em que íecontavaò trinta de
ju nho. No dia finalado fahio do Paço em huma cadeira,
de tela verde, acompanhando-a em outra a Duquezavde
Vandofma.Hia a cadeira daRainha debaixo do hum pai-
lio , cujas varas levavaõ os Magiftrados da Cidade , e
de huma , e outra parte toda a Cavallaria , e Infanteria
da guarnição, rodeando a cadeira a pé toda a mais Cor-
te. Chegou a Rainha ao bergantim , onde fe defpedio
da Duqueza fua Avó com as lagrimas , e faudades » a que
a obrigavaõ a eífreiteza do fatigue > e amor da criaçaõj
effeitos>
FARTE II. LIVRO XI 457
effeitos , de que nao podem iíentar-íe as Mageítades. O
Duque de Nayvalles acompanhou a Rainha até o bordo Atino
da Capitania, e toda a Armada íblemnizou a íua chega- , , ,
da com repetidas ialvas. Conítava ella de dez navios de **>00.
guerra , cinco de fogo , de que era General o Marquez
de Rouvigni. Era Capitania o navio chamado S. Coi-
me , que jogava oitenta peças de artilharia de bronze,
e tinha de guarnição fejtecentos homens ,; adereçada ex-
cellentemente a camera, em que a Rainha veyo; e a ref-
peito da guerra declarada entre França, e Inglaterra,
deu ElRey da Gram-Bretanha falvo condu&o j porque
nao hou vefse encontro , ou embaraço , que moleítaíse
a Rainha j logrando omefmo indulto os navios mer-
cantes , que foraõ naquella conferva , íei vindo a íegu-
rança, nao fó para a paisagem deita A>rmada a Portugal,
íenaõ para a volta delia até Arrochella. Fez-fe á vela
Domingo quatro de Julho, nao lhe dando o tempo con-
trario lugar de fahir com mais brevidade; e o que a Rai-
nha gaitou na navegação , tomaremos para dar noticia
dosiucceisos da Corte no livro feguinte , que he o ulti-
mo , com que remata o fegundo volume deita Hiítoria.
Ee t
HISTO-
HISTORIA
DE
RESTAURADO.
LIVRO XII.
S u M M A R I O.
ASSA ElRey da Cofie a Salvater*
ra: chega dquella VIU a o Embaixa-
dor de Inglaterra, que affiflia na
Corte de Madrid, com propofíçoeus'
de paz , que fe lhe nao admittem : e
de França ordem remetidapelo AbS
Ba de de S,Romen, para fe njuftar a
liga entre a? duas Coroas, que fe cm jegue* Morte da
Rainha mãy , que obriga a E/Rey voltar de Salva-
terra para Lisfoa.Varias dijfenfoem polticas,Che*
ga a Rainha a Lisboa , referem^fe asfeftas , quefe
celebrara®- Sabe o infante da Corte para a quinta
de
"
VAKTE II. LIPK0-X1Í. 4J7
de Queluz , volta d Corte-Real com a per mi jf ao de Atino
nomear Gentis-homens da Camera. Renovciõ-Je de]- l$fá,
confianças entre os dom Príncipes, arma-Je o Faço^
fem fe participar ao Infante: queixafe a ElRey> nao
fe lhe defere. Tomaõ armas as tropas da Corte , di^
vide-fe a Nobreza , affligem-fe os Fovor ifomentaó
es Caftelbanos a guerra Civil com diligencias occul-
tas.jujlifica o Infante a igualdade das fuás acções
com vários Mantfefios. Sabe da Corte o Conde de
Ca '[iello- Melhor : pertende o Infante congraçar-fe
com EIRey refem efeito. Retira-fe a Rainha para
4? Convento das Religiofos da Efperança.Expoem fe
em juizo as caufas de divorcio dd-fejentença a [eu
favor ; confirma-a o Pontífice. Continuados exceffos
^ElRey. Toma o Infante pdffe do governo. Chama
d Cortes \ aju/la-fe o /eu caj amento com a Rainha^
em virtude da feparaçao do Matrimonio. Soliataô
os Caflelhanos por varias diligencias a paz : conje"
guem-a com memorável gloria de Portugal»
M quanto os fuccefsos da guerra concorriaõ fe-
licementeaimmortalizar a gloria de Portugal,
tiverão principio novas contendas politicas,
taõ embaraçadas , e perigo fas , que puzerão em
contingência a fua coníèrvaçaõ ; e como eíla
matéria feja a mais alta de todas, as que contém efta
Hiftoria , e foi o principal motivo , que nos perfuadio
a abraçar a difficultofa empreza de efcrevella , deixamos
de parte todos os outros fuccefsos , para naõ interrom-
permos o fio de negocio tão grave, e de tão importan-
tes confequencias } efperando com fegura confiança,que
a niefma verdade pura , e folida , que fazia parecer dif-
ficultoío individuar accidentes tão revoltofos , nos firva
de fundamento , para fahirmos fem cenfura , nem quei-
xa, de empenho tão coníideravel , e relevante.
No principio do anno de feiícentos fefsenta e féis
Ee 3 paísou
4*S POKTVGAL 'RESJJUnAbO,
Atino Pa^sou EIRey a Salvaterra na forma, que coftumavajpo-
. . . rèm com mais luzido acompanhamento. Fez o Infãte D;
1 ooo, peciro a mefma JQmada,achándo-fe naquelle tempo def-
tituido da aiiiítentcia da Nobreza , feparada delia obri-
gação pelo receyo da cólera d< EIRey , que pertendião
todos não excitar fem occaíião juílificada. Erão os Gen-
tis-homens da Camera , que o lervião unicamente , Si-
mão de Vai concellos , eChriílovão de Almada , pouco
tempo antes provido neíta occupação , e D. Rodrigo de
Menezes , que aííiítia ao Infante , como feu Eítribeira
mór , que fempre alliítio ao Infante com fummo zelo ,
e attenção ; e todos es mais Gentis-homens da Camera
fetinhão apartado de feu ferviço pelas razoens, que
lição referidas. Poucos dias depois de haver EIRey en-
trado em Salvaterra , teve avizo o Conde de Caftello-»
Alelhor de que chegava áquella Villa (havendo partida
da Corte de Madrid; D. Ricardo Fanfchon , do Confe»
Uio de Eirado d' EIRey de Inglaterra , e feu Embaixa*
dor ordinário a EIRey Catbolico,e D.Roberto Sõthuel,'
hum dos Secretários do feu Confelho de Eílado, a pro«*
porem a EIRey meyos de ajuítamento entre as duas Co-
roas de Pertugal, e CaítellaJ porque EIRey de Inglater-
ra perfuadido das inílancias da Rainha fua mulher > das
diligencias do Marquez de Sande ( como referimos ) e
de vários, e importantes interefses políticos , deíejava a
paz ajuítada í e para confeguir eíle intento , havia man-
dado ordem a Madrid ao feu Embaixador,para que ten-
tafse os ânimos dos maiores Miniftros daquella Monar-
quia: e fazendo o Embaixador com grande attenção ef-
ta diligencia , achando-os difpoílos a fe abrir o Trata-
do, deu conta a EIRey, que lhe ordenou pafsafse a*Por«
tugal com as propoíieoens , que os Caltelhanos fizeí-*
fem.
Chegados eíles Miriijbos a Salvaterra , forão hof-
pedados na Villa de Benavente , que fica pouco diílan-
te, com grande magnificência ; e como a Providencia
Bivina declarada pelas íinaladas vidtorias, pouco tempo*
antes confeguidas > dif punha o íbcego gloriofo do Rei-
tú$ de Portugal; atite* dos Mirçj&ro&cíe. Inglaterra decla-
rarem
PARTE K LIVRO X/L 439
rarem as propofiçoens dos Gaítelhanos ,chegou de Fran-
ça Melchior de Harod, Abbade deS. Romen , com hu-
ma carta do Marichal de Turena para oGóde deCaílel-
lo-Melhor.em que lhe dizia da parte d<ElReyChriítia-
niffirno, que défse inteiro credito a tudo quanto o Ab-
bade lhe referifse^e parecendo conveniente lerem ouvi-
das as fuás propofiçôes primeiro, que as do Embaixador
de Inglaterra , áiíse, que EIRey Chriítianiíiimo mãdava
difsefse á EIRey D» Afibnfo , que tendo noticia do de-
íejo , que os Caítelhanos tinhão de ajuítar a paz de Por-
tugal, era de parecer que ,fendo honorifica, e vantajoia,
aaceitafse ; porque elie com fíncero coração a approva-
va , e tinha por precifa ; porém que fe acafo as propo-
ílçoens dos Gaítelhanos não fofsem convenientes , efta-
va promptoparaaíTiítir á guerra de Portugal com tro-
pas , Armadas, e dinheiro á lua eleição, e á medida dos
Íeusin4*srefses. Foi eíte accidente digno de grande ef-
timação; porque deixava os ânimos dos Miniítros d' EI-
Rey deíembaraçados para eleger o mais feguro, ehon-
*ofo partida em occurrencia tão relevante , e com eíta
áefembaraçada confiança forão ouvidas as propoíições
dos Miniítros de Inglaterra : e como no íobreícrito tra-
zião a repulfa, e o defengano, pouco durou a conferen-
cia •, porque difserão , que os Caítelhanos eítavao prom-
ptos para abrir o Tratado da paz , com declaração , que
havia fer de Reino a Reino , e não de Rey a Rey : e
penmntando-lheoConde de Caílello-Melhor ( depois
5e dar conta ao Confelho deEítado) fe trazia alguma
inftrucção fecreta , que derogafse aquelle temerário des-
vanecimento dos Gaítelhanos , e reípondendo , que nao
trazia ordem para abrir de outra forte o tratado da paz,
foi defpedido por opinião conforme de todos os Con-
feiteiros de Eítado com muitas joyas , e regalos ; e íup-
poftoque defejava confeguir o que havia intentado,
eonheceo a juítificada razão,com que era dei pedido, bm
breves jornadas voltou para Madrid, e achou nos Mi-
niftros daquela Corte fentimento de lhe não haverem
dado mais amplas inítrucções ; porque a grande contu-
faõ, e aperto daquella Monarquia, padecido pelaguer-
Ee4 ™
Anno
i6660
Ànno
i666>
PORTUGAL RESTAURADO,
ra de Portugal, os obrigavaa reconhecer que fó na pazí
das fuás Coroas coníiíUa o feu defafogo.
Continuou EIRey alguns dias a- aíFiítencia de Sal-
vaterra com a maior parte da Nobreza da- Corte, que fa-
zia viftofa a Campanha , havendo EIRey dado orôem*
q á fua imitação veíHisem todos cafacasde panno azul
com palsamanes de prata. Partidos os Embaixadores a
vinte edous de Fevereiro , voltarão os Confelheiros de
Eílado para Lisboa, que acharão com prognoílicos me-
nos aprazíveis, por fe aggravarem naquelle tempo as
enfermidades da Rainha D. Luiza , çue padecia muitos
mezes antes, e tolerava com tanta paciência , eíbíFri-
mento , que promettia o feu agradável trato mais dila-
tada vida : porém Quarta feira vinte e quatro de Fevei
reiro começou a Rainha a fentir, que o mal fe augmen*
tava de forte , que requeria remédios mais vigorofosi
-Deu conta aos Médicos, e reconhecendo elles , qfe con-
firmava a hydropifía , que havia tempos receavaõ, e que
conhecidamête a difficu Idade da refpiraçaõ Iheprogno-
íticava poucas horas de vida , fe refolveraó , e iníinuar-,
lho: ecomo aquelle elevado entendimento , eantici-
pada reíígnaçaõ nao neceffitava de muitos incétivos pa-
ra a conformidade na vontade Divina , fe confefsou , e
recebeo o Santiífimo Sacramento do feu Oratório , re-
ceando a dilação pela diftancia da Freguezia. Fez teíla-
mento por mao do feu Secretario Belchior do Rego de
Andrade,* approvou-o , e foraô teítimunhas o Marquez
de Marialva, o Marquez de Niza , o Conde de Arcos f
Ruy de Moura Telles, António de Mendoça, Arcebifpa
eleito de Lisboa, o Bífpo de Targa, eleito de Lamego,D.'
Lucas de Portugal, e Gafpar de Faria Severimj e aífínado
o teftamento-, efcreveo três cartas a feus fil-hostduas mã-
dou remeter logo a Salvaterra , a terceira a Inglaterra*'
Ao dia feguinte teve mais algum focego. Tornou a có-
fefsar-fe geralmente ; e ao Sabbado comungou por Via-
tico da Freguezia,e recebeo a Unçaó com a&os taõ fer-
vorofos , e confiantes , que claramente moílravaõ a pu-
reza do efpirito. E com o Bifpo de Targa , que lhe deu
a Conirniinhao, fez íolemne proteítaçaõ da Fé,e em voz
clara;
w- -w
Vst&TElI.LlVKOXlI. 44i
Èm , e intelligivel pedio perdão a íeus criados do tra- Anno
balho , que lhes havia' dado , e nas copioías lagrimas, f .
que todos derramarão , reconheceo o ientimento , que 1000*
padeciaõ , exprefsado pelofeu Mordomo maior o Con-
de de Santa Cruz. %
Chegou a Salvaterra efta noticia , que as cartas da
Rainha em breve efpaço confirmarão , e lida a queef-
creveo a EIRey , pelo Conde de Caftello-Melhor na ília
prefença , acharão, que continha asdifcretas , e pruden-
tes razoens íeguintes ; Filho ., fico em tal eftaào , que du-
hiidio os Médicos da minha vida , e eu com elles entendo ,
que niopoffb durar muito* Refolvime afazer a Voffa Ma-
veftade efte aviso ,• porque não feife o tempo dará lugar a
mtr a prevenção. No aperto de fia horajó lembra o remédio
úaalma , eachando-me impojjihilitada para o dej cargo deU
la , fó de vos , como meu filho , pojfo fazer ejla confiança.
Tudo vos digo , lembrando-vos , que fou voffa mdy , e tudo
efpero de vos , quando reconheçais as obrigaçoens , com
que naceftes. Aqui efpero a morte entre as lagrimas daquela
les a que falto , fendo o meu maior fentimento o f eu dej am-
paro. Peço-vos , que depois de fazerdes o que deveis pela
minha alma,pagueis por mim o muito que eu devo aos que me
ticompanharaõ ,* e juntamente , que nas minhas fundaçoens
acabeis de fazer o que eu naõ pude , pois Deos ajjimo
quer ,♦ efe elle permittir , que eu acabe , f em que vos veja,
fó a minha benção vos deixo , porque f d efta tenho que dei-
mrvos ,• advertindo-vos , que me nío ha Deos de pedir con-
ta de nâo tratar fempre a Voffa Mageftade , como filhoy
que efpero guarde , e defenda a Voffa Mageftade] largos , e
felices annos. Xabregas , vinte e féis de Fevereiro de mil e
fei f centos Jefienta ejeis*
RAINHA.
No mefmo tempo, emqueouvio EIRey ler efta
carta , lêo o Infante a que a Rainha lhe eícreveo , que
exprefsava as palavras íeguintes: Filho , o tempo, que
me pôde durar a vida , he ta& pouco , que por inftan-
tes me vejo aeaban Sou vojfa mdy j e eftando de cami-
— . — - ^0
—
V
44» PORTUGAL RESTAURADO,
Anno ^ paraafepultura, .não vos quero deixar f em arminhe
1Ú66 m^' £m ella vos encomendo o temor de Deos 9 eaobedi-
*y ' mcia4$mffo irmio , m #»* w^w éb^s a felicidade ,• é
ultimamente , que depois de minha morte vos lembreis da
minha alma , que tudo deveis ao meu amor. Deos vos guar-
de felkes , e dilatados annos, Xabregas , vinte e féis de Fe-
vereiro de mil efeif centos fefjent a efeis.
RAINHA.
Forão diíferentes os eíFeitos \ que produzirão eíhs
cartas da Rainha nos ânimos d< EIRey, e do Infante ,•
porque EIRey fez gala de não fentir a fua morte , e o
infante lu&o do fentimento , accrefcentando>lhe a pe-
na , que padecia , zombar EIRey das muitas lagrimas,
que juílamente derramava , depois de lhe negar licen-
ça , para partir no mefmo iníiante a tomar a benção
a Rainha , valendo-fe EIRey do pretexto , de que fazia>
a mefma jornada. Ambos refponderaÕ ás cartas da Rai-*
»ha. Partioalevar ad<ElRey o Marquez deGouvea*
leu Mordomo maior , e a do Infante Simaó de Vafcon^
cellos.Sabbado ás dez horas chegarão a aprefentar-lhas.
Deu ordem , que entrafsem : beijarão-lhe a maõ, e aber*
tas pelo Secretario, dizia ad'£lRey: Com odifgojlo*
que merece e fia nova , que por carta de Voffa Mageflade re-
cebo , fico de caminho com toda a prefja , pedindo a Deos >
que permitia tenha eu a confolacâo de bei)ar a mío a Vojpt
Mageflade : epara que feja a Voffa Mageflade prefetite ef-
tammharefulaçdo , de f pacho ao Marquez de Gouvea , meu
Mordomo maior , orãenanda-lhe „ que com a maior brevi-
dade chegue aos pés de Voffa Mageflade ,• e acontecendo, que
a dif graça de todos feja de maneira, que eu o níofaca a tem-
po de o dizer a Voffa Mageflade , as obrigaçoens de filho de
Voffa Magefiade , com que nafci , me mio efquecerdõ nunca,
e conforme i fio experimentará as peffbas , eme fervem a Vof-
fa Mageflade , que mais , que fe a mim fora , efiimo eu os,
ferviços , que a Voffa Mageflade tem feito ,• e que as fundai
ç&efis de Voffa Mageflade ajudarei com todo o calor , como
por efia.cana.Gfnço.,eef pêro em Deos, que ha de dar aVoffa
MageJ-
PJRTE II. LIVRO XII. 445
Mageflade muita vida , para que nella experimente Voffa Armo
Mageflade ifto , que refiro. Guarde Deos a Real peffoa de ...
Voffa Mageflade, como defejo,e hei miflew Salvaterra, vinte I(í0 ò*
e íeis de fevereiro de mil e feif centos feffent a efes. Beija as
mios de Voffa Mageflade feu muito obediente filho.
J R E Y.
• Bem íe deixa reconhecer nos termos deita carta a pou-
ca regularidade das acçoens d* EIRey ; e como a verdade
da hiíloria naó permitte mudar a iubftaneia de matérias
taò graves, e he tirada do original, naõ era poílivel dif-
penfar-fe mudarem-fe os termos exprefsos delia.
A carta do Infante continha as razoens , que fe fe-
guem : Minha mãy, e Senhora :fe em taÕ poucas regras pu-
dera explicar as anciãs , com que fica o meu coração , depois
de haver recebido a carta , queVofja Mageflade me fez mer-
cê efcrever , conhecera Voffa Mageflade o como corre fpon-
dem as lagrimas exteriores aofentimento , que a alma pade-
sena confideraçâo da falta de huma tão grande mãy , como
VbJJa Mageflade 5 ede hum tão obediente filho , como eu
fou ije pode crer, que pela doutrina de Voffa Mageflade naô
faltarei nunca no temor de Deos , e na obediência d-ElRey
meu Senhor. Fio da Mifericordia Divina , que me não cafli~
gue tão rigor ojamente , e que ha de dilatar a Voffa Magef-
tade por muitos annosa vida , que hei mifler. A Real peffoa
de Voffa Mageflade guarde Deos , como eu mais, que todos,
defep. Salvaterra , vinte e féis de Fevereiro de mil cjeif-
centos fejfentae féis. Filho mais obediente de Vojfa Magef-
tade»
O INFANTE.
Ouvio a Rainha lêr eftas cartas com grande ternuras
e moftrava notável anciã de ver feus filhos antes de ex-
pirar. Levantou-fe neíle tempo hum rumor na cafa de
que chegava EIRey: chamou a Rainha ao Conde de
Santa Cruz , e lhe ordenou , que fofse recebello: porém, Mme u BaU
defvanecendo-fe eíla noticia > porque EIRey navegava „t,amMy ■ q!i&
com menos prefsa, do que pedia taó relevante sauia ,'*t>tig* a EiRey
Sabbado ás cinco horas da tarde foi a Rainha entrando «^ J^h*.
ii^ultimoparocirmove correndo fegunda voz ?dequeèí(<j4 '
"i - ElRey~
444 PORTUGAL RESTAURADO ;
Ànno EJReychegcWa , ainda a percebeo J porém vendo que
1666* tardava » levantou a maõ, e lançou a benção para a por-
*WJ ta por onde léus filhos havia õ de entrar j e conhecen-
do 4 quefe hia defatando da uniaõ do corpo aquelle in-
vencível , e incomparável efpirito , proteílou com voa
intelligivel , que nunca tivera ódio a pefsoa alguma , e
repetio os acTxjs de amor de Deos com fervor taõ efiicaz;
que vaticinava o premio da verdadeira refígnaçaó , que
a efperava em melhor vida $ e crefcendo o accidente ,
foraô m ultimas palavras , que pronunciou , pedir a to-
iodos , os que eítavaõ prefentes , que lhe perdoafsem,fe
alguma oflènfa fua haviaõ tido , ecom eâa ultima ex-
prefsaó lhe faltou a voz , e neíte tempo dando oito ho-
ras , entrou EIRey, e o Infante á lua prefença, acompa-
nhados do Conde de Caítello-Melhor , e de Simão de
Vafconcellos : puzeraõ-fe de joelhos , e pedirão a fua
mãy , que lhes défse a benção , e não podendo ella ref-
ponder-lhes mais , que com a ternura dos olhos , lhe ti-,
rou a mão, que eííava coberta, D. Ifabel de Caftro, que
com grande fíneza,e conílacia havia affiítido até aquel-
le ponto. Seus filhos lhe beijarão a maõ , e feita eíla ce-
remonia , deixando o Infante copiofas lagrimas por inV
dicio da fua dor, voltarão para o Paço, e a Rainha, paf-,
fando pouco mais de três horas , expirou, Sabbado vin-
te e fete de Fevereiro , ás nove horas da noite. Ao ama-
nhecer fe juntou na mefma quinta o Confelho deEíta-
do,onde entrou o Secretario da Rainha Belchior do Re-
go de Andrade com o teíla mento , que havia feito , e
entregando-fe ao Doutor António Lobo de Torneyo
Corregedor do Civel da Corte , que eítava prefente V
o abrio , e conforme as difpoílçoens delle , fe tratou do
feii enterro , feguindo-fe o meímo, que fe havia execu-
tado no enterro d'ElRey feu marido ; e ordenando-fe ,'
que os feus criados fizefsem naque-lie acto as funçoens
de íeus oíficios,e a 0ccupaça5 de Camereira mayor exer-
citafse D. Luiza de Menezes , que havia fido Guarda
mayor,* e que a Condefsa de Santa Cruz , mulher do
Mordomo mayor, efcrevefse a todas as fenhoras viuvas,
para que viéfsem aífiítir ao corpo d.a Rainha : que as ca-
\, ■-■ ias
V ARTE 11 LIPKO XII. 44$
ias fe adereçafsem com grandeza funeral , e o-corpo fe Ànno
puzefse em hum leito de borcado roxo: que a liteira fbf- ,
íe de veludo negro com franjas de ouro, forrada de bor- * oco.
cado negro : e que o corpo fe depofitafse no Hofpicio
dos Carmelitas Defcalços da rua dos Torneiros, como
a Rainha ordenava , naCapellamor da parte doEvaii-
gelho:que a Miísa de Pontifical difseise o Bifpo de Tar-
ga , os Refponfos o Arcebiípo eleito de Braga , os Bií-
pos eleitos de Leiria , o do Porto Efmoler mór , e o Bif-
po Confefsor ,• e para levarem o caixão , forão nomea-
dos o Marquez de "Marialva , o Marquez de Niza, os
Condes de Miranda , Ericeira , S. João , Arcos , Santa
Cruz , Villa-Verde , Unhaõ , e Ruy Fernandes de Al-
mada. Avizou-fe o Provedor da Miferkordia , para que
efperafse com a Irmandade no terreiro de S. Nicoláo , e
daquelle fitio levafsem ò corpo os Irmãos até a Igreja,
quebrando primeiro os Officiaes da Caia as iníignias dos
feus oíficios ; que pofto o corpo no lugar do depofito ,
fe abrifse o caixão pelo Conde Mordomo mor , e íe
havia de fazer a entrega delle pelo Secretario daRai-
nho com auto aííignado.
Ajuftadas todas eftas difpofiçoens , mudarão o cor-
po da Rainha da cafa , em que morreo , para a que ef-
tava preparada com os Altares , e leito os feus Officiaes
da Cafa, efoi accommodado nelle com a veneração ,
e decência devida por D. Luiza de Menezes, metendo-a
no caixão , e cerrado , entregou a chave ao Conde de
Santa Cruz ,* e dita a Mifsa , e os Refponfos logo que
cerrou a noite , íajiio ElFvey , e o Infante de nu ma ca-
ía , em cmeeílavão recolhidos , a deitar agua benta á
Rainha íua mãy , e na prefença dos feus Principes pe-
garão no caixão as pefsoas nomeadas , e EIRey , e o In-
fante acompanharão o corpo até fe pôr nos varacs, e
fahir á rua , elogo fe recolherão ao Paço , onde eftive-
rão occultos nove dias , e o def pacho dos Tribunaes fe
fuípendeo por quatro , veftindo-fe a Corte , e Reino
de igu ai lucto , ao que fe havia trazido na morte d'El-
Rey D. João.
Sahida a liteira da quinta , caminhou para o Campo
de
\
Ànno
1666,
446 POrrVGAL KESTJUKADO;
de Santa Ciará , entrou pela portada Cruz], fahio á Ri-
beira , pela Rua nova , e rua dos Ourives dó ouro , che-
gou ao terreiro de S, Nicoláo: foraõ diante a cavallo os
Porteiros da Gana: feguirao-fe os dous Corregedores do
Crime da Corte,e em duas alas os Titulos á maõ direita,
os Oificiaes da Cafa á eíquerda,e os Capellães da Capei-
la com fobrepellizes , e tochas entre as duas alas , e no
fim delias o coche de refpeito diante da liteira, que
acompanhava© os moços da Camera com tochas: detraz
delia o Eítribeiro mór ? e os Proficientes, Fidalgos , e
Confelheiros tomáraó os lugares,que lhes pertêciaónos
acompanhamentos ordinários dos Príncipes ;e ultima-
mente hiaõ os Capitães , e Tenentes das Guardas com
os Soldados delias na forma coítumada.Chegando o cor-
po á Igreja , e feitas as ceremonias referidas , fe fechou
no breve depofito de hum cofre a refpeitada cinza da
Rainha D. Luiza Franciíca de Gufmaõ , que logrou
todo o tempo , que lhe durou a vida , as virtudes mais
heróicas , que devem ornar a Princeza mais excel lente.
Caftellalhedeu o ler , Portugal a Coroa: foraõ feus
pays D. Manoel de Gufmaõ , e D. Joanna do Sandóval
Duques de Medina-Sidonia. Nafceoem S. Lucar , Do-
mingo treze de Outubro do anno de mil feiicentos e
treze. Concertaraó-a feus pays para caiar com ElRey
D. João , lendo Duque de Bragança.» recebeo-fe a onze
de Janeiro no anno de mil feiicentos trinta e três. O
tempo que aíTiílio em Villa-Viçofa diípendeo taõ vir.
tuofa , e prudentemente , que era venerada como orá-
culo , e de forte refpeitada do Duque feu marido , que
fiou a decifaõ dos empenhos de Caftella > forjados na
induftria do Conde Duque , da- fuá prudência , de que
fe valeo na duvida de aceitar a Coroa , e de que o livrou
com a opinião generofa , de que era mais conveniente
perigar Rey , que vafsátlo. Sentada no throno , pare-
ceo , qiíe nao fe criara fora delle , logrando1 táò natu-
ral aMageílde,que fora difcredito da fortuna rtaò triun-
far coroada. Em quinto viveo ElRey, lhe comunicou os
negócios mais árduos da Monarquiase íédo muitas vezes
as' refoluçoens acreditadas com o fuccefso, nunca fez ja-
ctância
VÃRTE D. L1FR0 XI. 447
aãcia de fe deverem ao feu difcurfo, avaliando adquirir Anno
louvores a EIRey pela maior gloria j porque o amava ,, ,
taõ affecluofamente , que, fe as illufoens dos ciúmes ,1000«
;om eíHmulo mais poderoib , que o do amor , lhe per-
turba vaõ a conílancia , naó livrava na queixa o deiafo-
50 , e fó atttendia a divertir os inítrumentos da fua ma-
>oa; prudência, com que desbaratava os feusreceyos.
feorre EIRey j nem teve o leu íentimento igualdade,
lema fua fortaleza fimiíhançaj porque o mefmo co-
ação, que era feminil nas lagrimai, foi varonil nas
lifpoíiçpens , com que fe introduzio no governo do
^eino; que acertadamente continuou a pezar dos em-
>araços , que lhe occafionáraÔ contender com hum ti-
no íem difcurfo , e huns Miniítros fem concórdia ,
:onciliando de forte os ânimos de todos , que aaju-
íaraô refiftir á formidável guerra de Caílella , e a tirar
ias reliquias de hum exercito deítruido do contagio
outro vicio riofo,e triunfante«Applicou ás defattençces
i'ElRey feu rilho remédios taõ proporcionados , que
iem receyos de perigofas novidades apartou da fua com-
panhia os principaes incentivos dos feus defconcertos.
Confeguio o caiamento de lua filha a Rainha de Ingla-
terra, tanto com õfim da authoridade do Reino, quan-
to com a politica de fegurar a íua defenfa , defeítiman-
do de forte o Império , que era o feu maior difvelo o
intento de deixallo, de que a divertirão muito tempo os
preceitos dos feus Confefsoi es pelos efcru pulos do ri£-
co , a que expunha a Monarquia, determinação, que fe
juftificou quando entregou a ÉlRey o governo, no, pa-
pel , que fe achou na Secretaria de Eílado eícrito da le-
tra da Rainha de Inglaterra. Viveo no Paço algum tem-
po , fem governar . com igual Mageítadeaquella, que
tuílentou quando imperava > e no dia que pafsou para
a reclufao do Convento , ondemorreo, fe elevou ao
maior auge a fua prudência j porque triunfou de toã&
a mortalidade v e reduzida a fua grandeza a huma breve
dauíura, dilatarão de forte a memoria os feus virtuofcs
exercicios , que parece penetrarão a eeleíHal Esfera *
onde piedofamentefe pode prefumir logrará etername-
" te
■&
448 POKTUGJL RESTAURADO,
i Aíino te ° gl°ri°^° ptemio de feus fuperiores merecimentos
V X/C/S ^oarou ° íeculo, em que viveo ,-com a verdadeira def
l6Ó0.íinrçaQ <fa formofura j porque fe admirava no feu Rea,
fembiante huma compofiçaõ chea de fuaviade , e era
todas as fua acçoans publicas , e domefticas fe venera.
rao taô reíplandecentes circunítancias,que bailara qual.
quer delias aimnortalizar a Princeza no mundo mais
admirável. Morreo decincoentae três annos , evivirá
por gloria em toda a eternidade.
A morte da Rainha cerrou de todo os olhos d4 El-
Rey feu filho j porque,fuppoílo que defprezava os feus
documentos, de alguma forte fe moderava com a fua
doutrina j ecrefceraõ tanto os feus excefsos , que apu-
rarão os termos defe poderem explicar, fendo eíte fó
o beneficio, a que ficou devedora a liberdade da lua
vida : e a oppoíiçao , que tinha á Rainha fua mãy , em-
pregou no Infante feu irmaõ,»e finalmente entregue aos
feus indecentes dívertimeitos.era fem contradicçaõ ab-
foluto o governo do Conde de Caílello-Meihor. Quaíi
no mefmo tempo acabou a vida o Conde de Atouguia
de huma febre maligna , occafio nada das íemrazoens,
que experimentou no governo d'ElRey ; e os repetidos
defenganos introduzirão de forte no feu efpirito o def-
prezo domundo,como moílráraõ as virtuofas attençóes
do fea teftamento , e acabara no feu generofo efpirito
o exemplar dasauisexcellentes virtudes, fe a morte
tivera o poder de triunfar da memoria pofthuma.
Morto o Conde de Atouguia , mandou ElRey para
ó Caftello da Feira a Sebaíliao Cefar , e ficou defemba-
raçsdo de toda a controverfia o abíoluto domínio do
Conde de Ca ítello- Melhor,1 porque o Infante, que com
fuperior efpirito , excellente difcriçaS, e fuave trato
crefciaem virtudes, que lhe podia dar cuidado , fup-
punha , que o fegumva\Com a afiiítencia de íeu irmão
Simão deVafconcellos: porém brevemente defcobrioo
tempo o engano deite difcurío ,* porque crefcíndo no
Infante com os annos as attençoens , que devia appl?-
car ao feu refpetto, e quanto fe achava diminuída a fua
aíliítencia por falta dos Gentis-homens da Camera ,
que
VARTE II UmO XI L 449
EIRey
Cunha , coníiderando a próxima chegada da Rainha ,
pedio licença a EIRey para nomear quatro Gentis-ho-
mensdaGamera , que fem duvida alguma lhe conce-
-deo ; e em virtude defta permifsaó nomeou o Infante a
D. Luiz da Silveira, Conde de Sarzedas, a Miguel Car-
los de Távora , General da Artilharia da Província de
Trás os Montes , a D. Vafco Lobo , Barão de Alvito ,
e Conde de Oriola , e a D. Lourenço de Alencaftro. Pu-
blicou-fe efta nomeação do Infante j e entrando na Ca-
mera. d4 EIRey a agradecer-lha , lhe reípondeo , que ti-
nha razoensparadilatalla,concedendo-lhea nomeação
dos dons últimos , que o Infante náó quiz admittir ,
fem fe lhe concederem os dous primeiros. Sentio o In-
fante fummammenteeíta intempeíliva novidade;porém
fahio da prefença d'ElR ;:y,fem moftrar perturbação al-
guma : e fuccedendo chegar noticia aó dia íeguinte de
que a Rainha havia partido de Pariz , com efte novo
motivo tornou afazer a EIRey fegunda inftancia , e
refpondeo-lhe com tanto defabrimento,que lhe foi fbr-
çoíb feparar-fe (fora das Funçoens publicas) totalmen-
te da fua aíTiftenciaj edefte feu retiro fe tornou a le-
vantar novo receyo , efpalhando-fe no Povo , que per-
tendia acreditar-íe com a modeftia,. e aifabilidade, para
ganhar os ânimos dos mal fatisfeitos da condição d'El-.
Rey , eexcefsos do feu governo ; eefte temor veyo a
fera primeira difpoíiçaó , que tiverão os efpi ritos dos
varoens efclarecidos , e prudentes a livrarem o Reyno
do precipício , a que caminhava.
Nefte tempo chegou a nova de que a Rainha , que
deixamos embarcada na Armada, de França do Porto
da Arrochella , chegava á Coita de Portugal , depois de
trinta dias de viagem i enfadofa navegação , de que fe
originou defencontraraquella Armada outra de quaren-
ta navios , que governava o Duque de Beanfor , grande
Almirante de França, a quem EIRey Chriílianiílimo ha-
via ordenado efperafse a Rainha na Goíta de Portugal,
Ff para
Chega a Rai'
nha a Lisboa.
Anno
1666,
4?o PORTUGAL RESTAURADO,
para fegurança de qualquer intento ; que os CãftelJia-
nos pudeísemter, de embaraçar a íua viagem ;e .a falta
de mantimentos obrigou ao Duque a voltar á Coita de
França , tendo primeiro entrado em Lisboa , e fallado a
EIRey, que como tio da Rainha o recebeo com mui-
to agrado, e deípedio com joyas de grande preço. A
trinta e hum de Julho chegou d :i altu ra da Berlenga car-
ta a EIRey da Rainha , e do Marquez deSánde , e logo
mandou coma repofta em hum barco do alto a Joaõ da
Cafran'heira,Contador mór dos Contos. Dentro de pou-
cas horas chegou com íegunda carta Domingos Ferreira
Laboraó , moço da Guarda-roupa d' EIRey , que havia
paísado a França,que logo voltou com a refpoíla,e hum
grande refreíco , naó faltando EIRey ás corre lponden-
eias , que correrão por conta do cuidado alheyo.
A dous de Agoílo , dia da Porciuncula, ao meyo dia
entrou pelo Rio de Lisboa aArmadn Franceza , ; e deu
fundo defronte da praya da Junqueira. ForaÓ mui-
to repetidas as falvas dos navios , e torres , e no mef-
mo inítante chegou abordo da Capitania o Conde de
■Caftello-Melhor, e a Marqueza fua mãy,a quem EIRey
havia nomeado Camereira mór da Rainha» Era a falua
bern dourada , e três que a íeguiaó com luítroíà familia
do Conde , veftidos os remeiros de efcariata com pafsa-
manes de prata. Foraõ a Marqueza i e o Conde recebi-
dos da. Rainha com grandes demonílraçoens de benevo-
lência^ agrado: ficou a Marqueza afiiítindo-lhe,e oCó-
de voltou a bufcar a EIRey ,e naó pode lograr, fem gra-
de defconto, ©alvoroço de taô alegre função ; porque
achou EIRey ta 6 alheyo das obrigaçoens ; em que o pu-
nhão as forçofas demonftraçoens daquelle dia , que não
havião fido poderofas exquifitasdiligencias, que havia
feito com elle Henrique Henriques , para o perluadirem
a fe embarcar , e ir buíear a Rainha : e vendo Henrique
Henriques, quefegaítavaõ as horrás inutilmente , por
evitara murmuração de toda a Corte , que com luzidas
galas efperava a EIRey , o levou déftramente em huma
liteira a Santo António dos Capuchos com fingido pre-
texto deganharojubileo da Porciuncula , procurando
artili-
"*
PARTE U. LIVRO XII. 45*
irtificiofaraente defmentir a repugnância d'ElRey orí-
nnada do conhecimento próprio. Hia-íe acabando o AntlO
lia , e creícendo em toda a Corte o efpanto da dilação,
Voltou EIRey para o Paço, e applicou o Conde de *™<>«
Caftello-Melhor , e Henrique Henriques tao eftcazes
diligencias , que vencerão o perigo ímmmente , em que
fe achavao , de fe manifeítar ao Mundo a incapaciaade
d' EIRey. Sahio do Paço ás íeis horas da tarde cuítoia-
mente veítido , acompanhado do Infante , em quem ref-
plandeciaó as galas , como efmaltes da galhardia, em-
barcarão na Ribeira das náos em hum bergantim enta-
lhado , e dourado com toldo , cortinas , ealmoradas de
borcado carmezim com ramos , e franjas de ouro, e pra-
ta , e trinta remeiros com veiados de damaíco carme-
zim guarnecidos depaísamanes de ouro , e prata. En-
trarão no bergantim com EIRey o Infante , e os Con te-
lheiros de Eííado. Era hum dclles o Marquez deJMza,
Veador da Fazenda da repartição dos Armazéns, eln*
dia , que exercitou no mar , precedendo a todos os (Jr-
frciaes da Caía as grandes preeminências da lua occui
paçaõ Seguia ao bergantim d'E!Rey outro do In ta ate
naò inferior no adereço, a falua do Veador da Fazenda
muito luzida, a do Provedor dos Armazéns ', e outras
dez , as mais delias com trombetas , qu ■ fazião agradá-
vel confonancia. Embarcárão-fe n lias alguns Fidalgos,
mais por curloíidade, que por ordem j porque a todos
aquelFs, que naó forão chamados p lo Secretario de
Eltado , forão as luas carroças efperar em numa ponte,
que te fabricou na praya da Junqueira, para a Rainha
d jíembarcar , e em igual parallelo deleitava aos olhos o
Rio , e eftrada , navegando os bergantins , e cami-
nhando os coches a hum meímo tempo, e concorren-
do innumeravel povo em falúas,e na praya, alternando-
felucceílivimente falvas, e inítmmentos , erepreíen-
tando-fetodoeítecuílofo, e luzido efpedaculo no lí-
tio de Belém , o mais excellente , e admirável theatio,
que conhece o Univerfo ; que logra efta propriedade ,
por reencontrarem nelle as aguas do no Tejo com aj
do mar Oceano no clina mais benigno , que doara
H 1 o PU-
452 PORTUGAL RESTAURADO,
Aílno ° Ha neta , que he Príncipe de todos.
1 666 t, 91? Sou ° '^rgantini d< EIRey á Capitania , em que
*wuu* a Rainha vmha embarcada, queeílava, e os mais na-
vios da Armada Franceza com toldos viíloíos , e orna-
dos de flâmulas , e galhardetes de difFerentes corts.Aba-
. teo a Capitania a bandeira , diíparou toda a artilharia i
eo meímo íizeraõ os navios da lua coníerva. Deíceoo
Marquez de Sande a beijar a mão a EIRey , e ao infai>
te. Seguio-ie o Biípo de Laans a fignifkar a honra , que
a íua caía recebia naqueJla função , e ambos recebeo
ElKey com benevolência ,• e logo ibbio ao navio , e o
Intante por huma eícada larga > e no primeiro degrúo
delia eftava o Marquez de Rouvigni Geaeral da Arma-
da , aquém EIRey agradeceo (íendo interprete o Mar-
quez de Sande ) as finezas , que havia executado , aíiim
em íe ajuítar o caíameato , . como naquelia jornada. A
Infaiiteria Franceza ejftaVa forma dá'.nj couves, e em ala
a Companhia do Conde de Maré do portalóate a porta
da Carne ra ,. emque eftava a Rainha > onde EIRey , e a
infante entrarão, *e ná primeira vilia.moítrárão os Reys
no íobreíaito , quemanifeílarão nos íemblautes, os fu-
neltos infortúnios daqueUas apparencias de Matrimo*
nio ,* e não foi poderofo todo o iuzimento daquelle dia
a divertir a mágoa, q padecerão os cortezãos de verem
entregue aos deícon certos da vida d* EIRey huma das
mais exçeilentes Princezas da Europa na virtude, na
prudência, no agrado, nadiícriçaô, e na formoiura»
A ■ porta daCamera veyo a receber a EIRey, que lhe
íallou poucas , e eíludadas palavras , explicadas pelo
Marquez de Sande , e também asrazoens , que ella dii-
cretamente lhe reípondeo. Chegou o Infante a bei jar-
IhQ amao r e não confentio r que fe puzeíse de joelhos»
âegutrao-ie todos , os que acompanharão a EIRey, que
iahio logo da Camera com a> Rainha , e deícerão ao ber-
gantim ,' em que entrou a.Marqueza Camereira mór , e
Madama de Puy , que veyo de França com eíla occupa-
çao. Para o Biípo de Laans eítava prevenido hum ber-
gantim , em que o havia de conduzir o Conde da Tor-
re , mas a reípeito de huma indifpofiçao naõ defembar,
cou,
PARTE II LIVRO Xlí. 45$
cou , fénaÕ ao dia ieguinte. Separado da Capitania ô AntlO
bergantim d'ElRey , dií parou ella toda a artilharia ; o , - ,
meimo fizeraõ o navio da Armada Fraceza, os de guer- u •
ra da Coroa , mercantis , e as Torres. Chegou o bergan-
tim á ponte , que eílava levantada com viílofos adere-
ços na prava da Junqueira , e nella toda a Nobreza com
luzidiílimas galas. Deiembarcaraõ os Reys, entrarão em
huma carroça com o Infante, eem outra a Marqueza
Camereira mór , e feguidos de toda a Corte, íe apearão
ia de noite na Igreja das Religiolas Flamengas Reco-
letas da Ordem de S. Franciíco -9 Convento , que fica
unido a quinta d'E!Rey , que eílava prevenida para a
fua affiílencia , os dias que fofsem necefsanos para ie
preparar a fua entrada em Lisboa. Elperavaõ na Igreja
as Damas , meninas , Guarda maior, e Donas de Honor,
que haviaõ de affiílir á Rainha , e entre as luzes , flo-
res , perfumes , e adornos , lançou as bênçãos acs del-
pofados o Bifpo de Targa , eleito da Lamego , e Capel-
laó mór. Acabada eíla ceremonia , tornarão os Reys a
entrar nas carroças,paísaraõ o breve tranfito,que fica da
Igreja á porta da quinta,que eílava magnificamete ade-
reçada. Acompanhou o Infante aos Reys até a porta
da íeguda antecamera,recolheo-fe para a quinta de Luiz
Cefar de Menezes , que íe lhe havia prevenido , por n-
car pouco diílante da d<ElRey : e nao houve quem na o
admirafse em todas as acçoens daquelle actoodeiem-
baraço , e galhardia do Infante , e a prudência , com
que diífimulava os aggravos que padecia. EIRey depois
dedifpender poucas palavras , deixou a Rainha no leu
quarto , e pafsou a outro , em eue o eiperavao os íeus
contínuos aíhílentes , e com elles defafogou a oppreí-
fao , e anciã , que havia padecido o tempo , que durou
a função daquelle dia j e chegadas as horas , em que de-
via voltar para o quarto da Rainha, naõ" houve diligen-
cia , nem perfuafaò alguma, que o obrigafse, tomando
vários pretextos de indiípofiçoens , que acabarão de
deftruir todas as efperanças mal fundadas, que a fua ra-
milia domeftica podia ter da fua fuccefsaó , que de to-
do naô eílava introduzida na defconflanca univerfalpe-
Ff $ las
454 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno Jas repetidas acçoens , com que EIRey as diílimulava.
l666 EÍÍ:aS <JeíattenÇ°ens , ou elles defeitos pertendia EIRey
• encobrir com galanteyos ,emuficas j porém aomeímo
tempo oHendia as apparencias de finezas com tantas im-
prudências , e deíbrdens , que por inftafr-tes crefciaó na
Rainha o pezar , e fentimento da infelicidade , que
tolerava ; havendo achado na Coroa ; em que havia en-
tendido fegurava a fua fortuna , laítiraofcs tffeitos da
lua mconftancia. Para individuar as circunftancias deites
'fucceisos, era neceísario , quefofsem os objedtos menos
iuperiores s porque foraó tantos , e taõ diveríos os ca*
los í que fucceííivamente fe enlaçarão huns com outros,
*que naõpóde difpeafar individualidades nem a gran-
deza daspeisoas , nem a gravidade da Hiítoria.
Poucos dias depois de chegar a Rainha deu EIRey
audiência ao Biípo Duque de Laon , que foi conduzi-
ao pelo Conde da Torre , e fucceffi vãmente ao General»
Marquez áeRouvigni, -que acompanhou D. Lucas de
Portugal , MeítreSala d'£lRey , elpgo a hum ínvia-
do do Duque de Saboya > que veyo dar-lhe o parabém»
por ler o Prmcips-maisintèrefsadonaqueUe caiàmento*
aííim pela eítreiteza doparentefco , como pelo muito,
que a Rainha amava a ília irraãa a Duqueza de Saboya.
1 oucos dias depois partiò a Armada de França , e nel-
la o Biípo , o laviado da Madama de Puy , e a toda
dos mandou EIRey dar joyas de grande preço , e aos
Capitães de navios outras inferiores. Partida a'Armada»
e acabados os arcos triunfantes,entrou EIRey em Lisboa
a vinte e nove de Agofto. Sahio da quinta de Alcântara.
ao meyo dia , e deraò principio ao acompanhamento os
dous Procuradores do Senado feguidos dos MíniAros,
em que elle tem juriídicçaô, todos luzidaméte veíHdos*
com as librés dos lacayos viítofas , e os cavai-los bem
adereçados i feguiaõ-fe féis Porteiros d<ElRey com as
maças aos hombros , logo os Reys de Armas , Arautos,
e Pafsavantes com cotas de armas , ecadêas de ouro; a
eftesos Corregedores do Crime da Corte com asgarna-
Ciias forradas de tela branca, os Juizes do Crime, e mais
Juítiças; procurando cada hum exceder no luzimento a
léus
Ksferem fe a*
fefias^ attefe
P^RTE Ih LlfKO XII. 45J
feuscabedaes. Continuavaó as carroças , e liteiras dou- Anno
radas, e guarnecidas á competência do primor ,ecapn- ^^
cho obiervando-íe o meimo nas libres. Os litulos ,
e mais Nobreza, queasoccupavao , levavao tao excel-
lentes vertidos, e tantas joyas, que naõ podia o mzi-
mentofubir aponto mais alto. Não havia nos coches
precedência ate chegar o do Eftribeiro mor d«ElRey,
a que feguiao os de reípeito do Infante , da Rainha ,e
d'ElRey° A carroça dos Príncipes era a ultima ,• lua El-
Rev fentado á mão direita da Rainha , o Infante na ca-
deira de diante , enoeílribo da mão eiquerda a Mar-
queza Gameleira mór. Não levava acochetegadiLio ,
e reparava o Sol hum chapeo de aamafco carmezim
guarnecido de ouro, que em hum varão dourado leva-
ÇahummeçodaCamera, com que de todas asjanellas
•das ruas , por onde pafsou o acompanhamento, 101 vil-
ta a Rainha com admiração , e laftima , por ler já notó-
rio em toda a Corte os edyples , que padecia a lua tor-
moíura. Caminhava a carroça leguida dos Capitães da
Guarda , Tenentes , e Soldados , e rodeada dos moços
da eítribeira luzidamente vertidos. Era a libré das guar-
das Reaes de panno verde j guarnecida de paísamanes
verdes , e prata. Immediatas a carroça d'E!Rey hiao as
carroças das Damas , Meninas , e Donas de rfonor,ien-
doabelleza das Damas, e a riqueza das galas objecto
dos olhos de toda a Corte. Varias danças, que vierao
de todo o Reino , occu pavão as ruas , ea multidão do
povo as guarnecia , e ornadas as janellas (queoccupa-
vão as Damas da Corte ) com o mais precioío da índia,
€ Europa.
Erão dezafeis os arcos fabricados a dtítancias pro-
porcionadas.Dava principio o primeiro na porta de San-
ta CatharinaJevantado. pelos Italianos , os outros pelos
francezes, Alemães, Inglezes , Flamengos , eMiíte-
res dos officios de Lilboa. A' competência íe adereça-
rão, e enriquecerão de ouro, prata, pedras preciotas,
de emblemas , e infcripçoens. Pouca diíbmcia deite pri-
meiro arco eílava levantado hum theatro, que occu-
pava ©Preíidente do Senado daCamera, Vereadores,
f pf a e mais
456 PORTUGAL RESTAURADO,
Annoemais Mmiílros daquelle Tribunal. Era Chriílovao
%666 Soaresnde Ah/QU Vereador mais antigo , e tocando-lhe
u'por eíte refpeito a Oração coítumada em fimilhantes
funçoens, parando a carroça dos Príncipes , referioas
razoens feguintes.
i
MTJit o altos , e poder of os Reys , Senhores no fios ck~
mentifitmosi Afempre nobre, efempre leal Cida-
de de Ltsboa, Corte de Fo[fas Magefiades, Princeza das Ci-
dades , Metrópole do Reino, vifio Empório do Mundo ,
theatro das Ntçoens , jugo , e naõ tributo do Oceano ,
acompanhada de Illufires , de Nobres Cidadaons , do in-
fignepovo, edefeur homens bons , com ajfeãos de amor,
e de alegria , comfelices aufpicios , com jefiiyos applau-
[os , com arcos triunfaes , pirâmides, e obelifcos , {Índi-
ces das viãorias pa [fadas , e annnnclòs das futuras ) com o
devido acatamento da reverencia prjfunda entrega a Vof-
fas Magzfiades nas chaves das fuás portas as de feus co-
raçoens , repetindo recíprocos parabéns gratulatorios de
tao altas bodas, e dando a Vofiá Magejlade em particu-
lar as graças de haver efcolhido com tanto acerto huma
Princeza digna do Império , para conforte Jua , e Senhora
de feus Reinos , e Vaffallos , Fénix das Rainhas , que na
fragrância das fuás virtudes renova em fio nome das mais
ef clareadas , e excellentes , que encherão o Mundo de ref-
plandor, e admiraçoens , onde o amor com armonia fuave
cantará o epithalamio , e invocará o Rymeneo Real com
as teas ardentes das chanimas amorozas , por ferem fem
numero as glorias , que encerra efle tao grande dia , auefe
contara com pedra de diamante, e a fua memoria efcrtta em
por fido , e trasladada em bronzes apo fiará duraçoens com
ã eternidade,
Vofj a Magejlade, Senhor, como Sol da esfera Por-
tuguesa, Monarca de hum, e outro emisferio , de lugar
no Solto excelfo ao novo Afiro, que amanhece em no/fos ho-
rizontes , que veneramos Vénus celefiial > e Lyrio Francez
emulação da purpiimnte Rofa , queemafpeão benigno com
influencias fecundas vem promettendo faufios , eprofpe-
roí
~
PARTE II LIVRO XII. 457
tos fucce [[os a e fia Monarquia j e quem pe de duvidar , que Anno
detab elevada conjuficçaõ , e do con for cio de tanta luz , e 1^^
tanta fiorha)aÕ defer em o numero } enahlleza osfru- *
ãos efirellasc Ho)e o terno das Graças concorde com o das
Mufas alegres, e propicias compõem as nmficas para as
cantilenas do berço gravado de trcpheos , onde os Infantes
na tenra idade matarão Jerpentes , e naproveãa vencerão
monfiros , e JucceJJores das virtudes , e dotes dor Pays , ef-
maltaraode zelo a Fe, a Jufiiça , e a clemência de magna-'
nimidaâe do valor , daformofurà, da prudência , da dijcri-
çaõ , da liberalidade , da valentia , e das mais artes do li-
vro' de reinar , que enfinaõ os Príncipes a vencer primeiro a
â me fmos , perdoando aos humildes , e debcllando aosfu-
berbos; e na Jua longa, e r obu fia pofieridade gozará Portu-
gal a idadeide ouro,e em repe tidos, e douradas [eculos a glo-
ria dos Hugos y dos Robertos dos Affcnfos , dos Luízes,
dos inviãos Condes de Moriana , dos ieitsbertos , e Car-
los de Saboya , do liberal Lioniz , do grande Manoel , do
Henrique o Grande , de hum Joaõ o Primeiro , ede outro
Quarto , renovando alianças, infinuando os Impérios. De
tantas felicidades participa o ínclito \ e Ser enij/i mo In jan-
te , o irmaÕ único de Vofja Magefiade , em que fe cijruo
todas as virtudes , e todas as e [per ancas , que [u[peudem
es difcurjos , e deleitáo os coraçoens ; e digne-Je a grandeza
de Vofja Magejlade de at tender aejfes rayos vibrados da
ffiêfmã es j era , pendentes de hum aceno , para executarem
prodígios no valor , c acertos na obediência j illujirifiimos
heroes filhos de Marte , que vinculando as acçoens próprias,
e proezas raras ás obngaçoens do nafchncnio , e ao antiga
tronco de f eus maiores , Jaó os Acates fiéis, os Numas
Religiofos , prudentes nos confelhos , nos governos , enos
Tribunaes, ena Campanha hércules valor oj os, e intrépi-
dos Viriato s. Digão-o tantas batalhas efirondofas , tanto
tropel de rendidos , tanto militar triunfo. Quieta algum
dia a Pátria , ejocegada a poder de viãorias , dilata fiko
fem duvida a Fé , eo Império , collocanâo as Quinas San-
tas , e Âeaes além do Nilo , do Ganges , e do Eufra-
tes , para que o docel da Monarquia Lujitana penda ^ de
hum Polo a outro Polo , e fe verifique uquetta admira*
vel
íí;l/,
4J* PR07UGAL RESTAURADO,
Anil O wt conclufaÕ do Príncipe dos Poetas ;
E julgareis qual he mais excellente ,
Se íer do Mundo Rey , fe de tal gentí
E tu feliz argumentofa abelha , fe humilde , fe fimpler
borboleta , a quem por tanta dita coube a honra def-
ta acçaõ , abr azada em glorio Jo incêndio entre abyfe
mos de luzes , e labyrinthos de flores, liba o neãar ce-
lejte , <? livra nas azas , e nos clarins da fama tudo , ao
que nao pode chegar o teu vâo , nem a tua rethoricay
alternando com o coro dosdfnes a ultima voz , que du-
rará nos glorwfos , e immortaes eccos+ Vivao , vivaõ
Ajfonfo, e Maria Reys , e Senhores no (Tos clementifii-
mos.
Acabada a Oração r entregou o Preíidente da Carne-
ra Ruy Fernandes de Almada as chaves da Cidade a El-
Rey , que ordenou as déíse á Rainha > e ella aeeitan-
do-as, lhas tornou a reílituir , e andando a carroça d'El-
Key poucos pafsos , encontrou a cavallo o Marquez de
Marialva , Governador das Armas de Lisboa , e Provín-
cia de Extremadura,o Conde da Torre,Meftre de Cam-
po General , e todos os mais Oiíiciaes de Ordens com
grande luzimento de veítidos , e librés ; e entrando pe-
la porta de Santa- Gatharina , tinha principio a ala de
Infanteria, que continuava até a Sé, baixando pela
rua Nova do Almada, e voltando da Sé até o terreiro da
Paço , ondeeítavao formados os Terços, que fobravaõ,
eaCavallaria. Entrarão os Reys na Sé, que acharão
magnificamente armada. Cantou-fe o Te Deum lauda-
mus: voltarão para o Paçi , que eítava ornado com grã*
ae£a, e mageílide. A Rainha moítrou juntamente nota»
vel íatisfação do applaufo, e magnificencia,com que foi
recebida na Corte, da formofura da Cidade, do luzimen-
to da Nobreza , da gloria antiga , e novamente adqui-
ria pelos Portuguezesj efendo-lhe por concluído tudo
agrada-*
VJRTE II. UVKO XI!. 459
agradável, fó na- pefsoa d< EIRey achava todos os moti* Atino
vos de fentimento, que fe augmentavão, parecendo-lhe
totalmente irremediável afua infelicidade. Ka Corte, IOOO*
onde não erao notórias taõ aggra vantes circUnítancias,
logra vaó-fe feíHvalnéte os apparatos daqueJla função ,
e as eíperanças das feitas , que -citava õ \ revenidas : po-
rém perturbou todoeíle alvoroço a relbluçaõ , que o
Infante tomou o dia íeguinte ao da entrada d'ElRey,
■tíeíahir da Corte coma íua Caía a aíFítir na ; quinta de
Queluz, diítante duas kgoas da Cidade. 1 oi a rcauia
entender, que naó era conveniente alua opinião- di>
latar mais tempo tomar efte partido j porque além das
razoens do íeu jufto enfado, que licaõ referidas , iobre-
-veyo outra , que acabou de confirmar a lua queixa.
Antes que partiise o Marquez de Rouvigni Gene-
Ta! da Armada de França , mandou pedir licença ao
Infante , para lhe fallar , e deipedir-ie. Achava-le a lua
Caía íem mais criados , que D. Rodrigo de Menezes ,
por adoecerem naquelle tempo Simaô de Vakoncellos,
e Chriítovaõ de Almada j por cujo refpeito mandou
EIRey , que aíliíliísem alguns litulos na caía, em
que o Infante deu audiência ao Embaixador. Acabada
•ella , ordenou o Infante ao leu Secretario João de Ro-
xas de Azevedo difsefse ao Conde de Caltello-Melhor
repreíentaise a EIRey ,que era juílo permittir-lhe licen-
ça de poderem afíiítir aofeuferviço os Gentis-homens
da Camera , que havia nomeado ; porque íe achavaõ na
Corte muitos Miniítros,e Gentii>-homens Extrangeiros,
que haviaõ de querer fallar-lhej e que naô era poíli-
vel , que faltafsem na fua Caía criados actuaes, que lhe j
aííiítiisem,por naõ ficar dependente dos que o naõ eraõ.
Defcuidou-íe o Conde defta diligencia , de que o Infan-
te fe deu por mal fatisfeito , e quando chegou a fazei-
la , foi taõ inutilmente , que encontrande-íe o Infante
com EIRey na praya da Junqueira , íem preceder ante-
cedência alguma , Ihedifse EIRey , que pois tinha da^.
do em fer teimoío , que elle eítava reíoluto também em
querer teimar. Refpondeo-lhe o Infante, que como naô
£ avia dado cauía alguma áquella proponçaó } que en-
tendia
4áo PO Uva AL R B.S7 'J\J%ÁDO ,
Ánoo tendia devia originar-íe da inftancia , que fazia de fe
ióóó P0vier ^ervir dos criados , que tinha nomeado , que era
lõoa*tao juíh , como em Sua Mageftade fatisfazer á palavra,
que líie dera de lhe íer permittido nomear os criados ,
que lhe pareceíse , e que havendo-a alterado lem caula
alguma, que folse manifeíta , vinha a entender , que
unicamente , porque Sua Mageftade queria moleftallo,
privava a lua aíliíteacia de Fidalgos taõ beneméritos,
como havia efcolhido para a continuarem; por cuja cau-
la , viíío naõ poder eftar na Corte coma decência, que
era juíto, pedia a Sua Mageftade licença para íafiir
delia. Relpondeo-lhe EIRey , que elle o naõ mandava
iahir da Corte , mas que iè quizefse , o podia fazer.
Beijou-lhe o Infante a mao, determinando íahir da Cor-
te para a lua quinta de Qaéluzo dia depois da entrada
c^ElRey , a que lhe pareceo prudentemente naõ devia
faltar $ e nos dias que íe dilatou , continuando afliftir
a EIRey o tempo , que efteve em Alcântara , lhe difse
EIRey varias vezes , como motejando a fua refoluçaõ,
que razaõ tivera para íe naõ partir j eem todas lhe
refpondeo o Infante com fumma prudência , que a cau-
ia que havia tido , era naõ querer faltar á obriga-
ção de acompanhar a Sua Mageftade o dia , que en-
traíse em Lisboa ; e não pezando EIRey as graves con-
lequencias defta matéria , oífendia ao Infante na for-
ma, com que o tratava na lua refpofta , taõ interior*
mente , que bufcava todas as occafioens de deíafogar o
feu fentimento. Foi a primeira que encontrou , íuc~
ceder , que pafsando da quinta, em que eftava , para a
dcE!Rey em huma carroça , e nos eftribos delia Simaõ
de Vaíconcellos , e D. Rodrigo de Menezes , difse , que
eftava perfuadido , a que na moleftia , que EIRey lhe
dava, eracomprehendido o Conde de CafteUo- Melhor;
porque os affedtos naturaes d' EIRey todos reconhecia
a feu favor, e as refoluçoens communicadas todas fuc#
cediaõem feu damno , e que folgaria muito , que Si-
maõ de Vafconcellos difsefse a íeu irmaõ , que puzefse
grande cuidado na emenda deftes defacertos ; porque o
naõ neceCitafse a tomar outra refoluçaõ? Simaõ de Vaf-
concel-»
PARTE II. LIVRO XII. 4^
toncellos , cujo natural era jummamente arrebatado , Anno
devendo fuavizar a paixaÕ do Infante, ror atalhar es ^x
graves inconvenientes , que podiaõ fobrevir , lhe rei-
pondeo i que viílo Sua Alteza fazer aquelle conceito
de feu irmaõ , que elle le achava obrigado a ie dei pe-
dir de feu ferviço. Reít onde c-lhe o Infante locegada-
rnente, que lhe advertia naõ tornaise a fallar por aquel-
les termos. Replicou dizendo , que efiava himenare-
íoluçaó referida. Difse-lhe o Infante, que confideraí-
fe bem , no que dizia , e que lhe dava de termo o tem-
po , que fe detivelse no Faço -t e que tivefse entendido,
que, íe o naô achate modelado , a.n,o eipeiaya , que
a porta , que tantas vezes achara alerta , havia de ex-
perimentar para itmpre cerrada.
Naõ bailou elta prudentiílima admceílaçaõ do In-
fante, para moderar a cólera de Simaõ de VaiconcUlos,
elevado delia , nao eíperou,que o Infante vcltaíse, pa-
ra o acompanhar atéa carioca. Chegou dt pois de haver
entiado nelia : ordene u-lhe , que tomate o leu .lugar.
Eículou-íe de lhe obedecer : inflou : naô íe periuaciio :
•e vendo o Infante efla imprudência , mane ou , que an-
da fse a carroça , com reioluçSc tão fume de naõ tor-
nar admittir a feu leiviço Simão ce Valconcellcs , que
não forao baílantes as exquifitas diligencias, que deptis
le fizeraõ,para oobrigarem a mudar de refolucão, com
grande fentimento do Conde ce Caftello-Nelhcr , que
reconheceo neíle accidente , que a eclera de feu irmão
tinha dado armas contra a" lua fortuna j tendo rorin-
fallivel , que o Infante naõ huvia de deípedir ce leu
íerviço a Simão de Vafconcelksíem cauía muito rele-
vante > e em quanto ellecontinuafse a feá aílllercia,
e o tempo que ella permanecefse , poucas peltcss hí ve-
ria , que fe relolveísem a tratar cem o Infante r eí ecio
algum , que não fofse em benefeio do Conde : o qual
nefta confideração , vendo apuradas todas as diligen-
cias , que fez por moderar o Infante , tomou a relol li-
ção de lhe fallar > e fem a ccmmunicar a outra pefsoa,
buícando o pretexto de participar ao Infante vários ne-
gócios políticos , foi huma tarde á quinta > em que af-,
45a PORTUGAL RESTAURADO,
Anno fiftia.Deufe-lhe recado, e fahio a fallar-lhe. Fez-lhe o
.. Conde huma larga oração, em que refe rio os grandes
IqOj. ferviços, que havia feito ao Reiuo , e os que particu-
larmente fizera a Sua Alteza , e ultimamente lhe pe-
dio foíse lervido de conhecer a íua jultiíicaçaò , e ad-
rnittillo á lua graça , e a Simaõ de Vafconcellos a feu
ferviço. Refpondeo-lhe o Infante , que as repetidas
fem-razoens , que tinha experimentado em EIRey , o
havia ó obrigado a elcandaJo tao juílo i que confelsava
que, íe acafo conhecera o author daquellazizanu , pa-
gara com a vida os deíconcertos da íua maldade : que
íe o Conde queria juftifkar o quel e havia referido , q
na íua maõ eftava efte remédio , modeaindo as acço ens
d« EIRey ,conhecidamente governadas pela íua di/ecçió,
e que fe confeguifse eíta experiência , daquelle po ntp
por diante íe elqueceria de todos os íucceísos pafsados,
e o teria por diículpado i e que para efta occafiaó reíer-
vava reiponder-lhe á inílancia, que lhe fazia, fobre
tornar a admittir Simaõ de Vafconcellos a feu ler-
viço.
Deípedio-fe o Conde, e nao experimentou o Infan-
te mudança no trrati d<ElRey; defattençaõ, que lhe ac-
crefcentou o efcandalo, e dobrou o fentimento e o Con-
de,naõ tendo por giãde inconveniente,que o Infante fa-
hifse da Corte , muito contra o que convinha á iua con-
fervaçao, o deixou executar efte intento , unicamente
feguido no dia , que fahio da Corte-Real , de D. Ro-
drigo de Menezes, edafamilia inferior da fua caía;
porque Chriftovaõ de Almada eílava mal convaleci-
do da doença , que padecera ,e Simão de Vafcon-
cellos totalmente feparajo do exercício deGeutil-ho-
mem da Camerai porém tanto que fe divulgou a noti*
cia da refoluçaó do Infante, pafsárao a Queluz aquellas
peísoas principaes , que fem attençoens a dependên-
cias co fumava ó a Ííiftir-Ihe na Corte-Real , e eaufou ef-
ta novidade em todo o Reino notável perturbação , e
nos Cafbelhanos ■> que eftivao prifioneir os , alegre con-
fiança de que poderia > na guerra civil coafeguir com
aa mãos dos Portuguezes o que não puierãoJalcançar
co n
FJRTE II LIVRO X\\. fà
com as fuás armas. Reconhecendo o Conde de Csítello» Anno
Melhor efte perigcío efeito da deliberação do Infante, .
entrou juíta mente em veherr.ente cuidado , tendo por 10lu»
infallivel, que a incapacidade d'E4Rey, lo ccnieguin-
do afortuna de naõ ter opfciiçaõ , podia ler tolerada,
principalmente tendo por oppoflasas fin guiares virtu-
des do Infante, que o faziaõ tão amado dos povos,
como aborrecido de lies os deíccnceirosd<ElRey je en-
trando o Conde nelta conilderação , procurou por to-
dos os caminhos periiiadir ao Infante a que voltaíse
para a Corte. Miniítrou o fucceíso opportuna occafiao
de fe ccnfeguir eíte íeu defejo > porque , padecendo a
faude da Rainha os efleitos da grande pena , que inte-
riormente tolerava , e cuírando-lhe huma grande febre
algumas fangrias , entendeo o Infante , que era obri-
gado a naõ faltar naqueJla occaíiaô na aífítencia do Pa-
ço i e varias vezes pafsou da quinta de Queluz á Cor-
te afaber da Rainha , tornando á noite a recolher-fe
para Queluz. A Rainha períuadida das diligencias do
Conde deCaílello-Melhor , diiseao Infante , que por
naõ padecer a moleítia de andar tantas vezes taõ largo
caminho , quizefse ficar na Corte-Rtalcs dias , queou-
raíse a íua doença. Pareceo-lhe ao Infante, que naõ po-
dia deixar de obedecer á períuaíac da Rainha , e ficou
na Corte-Real. Os dias, que ie deteve , crefceraó as ne-
gociaçoens ; e depois de varias prcpc ílas , cue íe lhe íi-
zeraô da parte d<ElF ey, ie ajuírcu c^e , para fe íeparar
a original defconfiança da falta, cem que ieachava
nos Gentis-homens da Camera , que contentando-le de
nomear quatro , em que naõ entrafsem o Conde de Sar-
zedas , e Miguel Carlos , EJReylhe naõ faria embara-
ço. Ao Infante faziafe-lhedifficultofo concordar nefbe
ajuítamento ; porque entendia , que a primeira obri-
gação , que corria por fua conta , era naõ faltar á pala-
vra , que havia dado aos primeiros dous Gentis-homens
da Camera , que nomeara , por ferem dignos pelas fuás
partes , e grande qualidade, de todas as attençoens. Po-
rém reconhecendo , que as confequencias daquellafe-
jparaçaõ , em que eiiava com EIRey > hiaõ crefeend©
464 PORTUGAL &ESTJVKADO;
Anno em damito da Monarquia , por conítar , que a indu feria
r66 doS Caltelhaaos procurava vivamente fomentalas; e en-
1D "• tendendo, que a variedade das relõluçoens d'L!Rey
naó ofíendia a opinião daquelles , que aggravava , por
ier manifelta a lua incapacidade, tendo juntamente pre-
fumido , que os dous Gentis-homens daCamera, que
havia nomeado zeloía ,. e prudentemente , fe accom-
modavaó ■ á. reiòluçaõ , que foise mais útil ao bem do
Reino , e íocego do Infante , cedeu do feu intento ,
e nomeou por- léus Gentis-homens daCamera a Luiz Al-
vares de Távora Conde de S.Joaô , a D. Joaõ Masca-
renhas Conde da Torre , a Luiz da Silva Teílo Conde
de Aveiras , Regedor da Juftiça , e a. Manoel Telles da
Silva Conde de Villar-Mayor. Feita cita eleição ; naó
foi a noticia delia agradável a EIRey , nem aos Minif-
tros , que familiarmente lhe aíiiíHaõ J porém parecendo,
que feria totalmente perigofo fegundo embaraço , fi-
cou appjovada por EIRey, e tornou o Infante com
grande fatisfaçaõ da Corte , e do Reino para a affiften-
cia da Gorte-Real , dando ordem , queie íufpendefsem
as prevençoens , que havia mandado fazer na Viila de
Almada , íitio onde tinha determinado paísar o Inver-
no futuro. O dia íeguinte ao que tomáraó pofse os
novos Gentis-homens da Camera , fe defpedio do fer-
viço do Infante Ghriftovaõ de Almada com pretextos
tao decoro fos, que os louvou o Infante, confeísandoo
muito , que iempre fe dera por fatisfeito da fua aílií-
tencia , pelo amor, zelo, e acerto, com que o ier-
vira.
Socegados eítes perigofos accidentes , e havendo a
Rainha melhorado do achaque , que padecera , conti-
nuarão com grande alvoroço as prevençoens das feitas,
que tiveraó principio a quinze de Outubro. Fabricou-
fea Praça , cortando-fe a do terreiro do Paço a diílan-
cia , que baftou para ficar quadrada. Os dous lados,
que occupavao os palanques , fe levantarão em três or-
dens com igual arquite&ura , a primeira de degráos ,
a fegutida , e terceira de varandas , que fe dividiaó em
arcos com balcões de grades to meadas, pintadas de azul,
e ouro,
V ARTE 1L LIVRO Hl. #y
é ouro , e na parte fuperior eíeudos das Armas Reaes, e Anno
Esferas do Reino , e no alto dos palanquesem diítan- ,,,
cias convenientes faróes grandes dourados com vidra- ÍV%JU*
ças , para eítarem acceios nas feitas , que fe celebraísem
de noite. Armárão-fe os palanques por dentro de telas,
e fedas, e repartirão-fe ( como he coílume nas feitas
Reaes) pelos Tribunaes , eConfeihos , e os mais pe-
la Nobreza , para verem as fuás famílias , íinalando-fe
ao povo os lugares , que íicavão iguaes com^a terra.
Os outros dous lados do terreiro, que occupavao as ja-
nellas do Paço , fe vião armados com muito cuítoíos
adereços , e as varandas , que fe levantarão até o prin-
cipio das janellas , todas fe formarão de arcos , que cor-
refpondião á fabrica dos palanques. A noite anteceden-
te á feita das Canas , que foi a primeira , em que tive-
arão principio,houve no terreiro vários fogos. No meyo
#elle fe formou huma torre, donde fahio huma fer-
mente a contender com hum leão , e gaítárão-fe algu-
imas horas em diíFe rentes artifícios. Ao dia feguinte, á
huma hora da tarde , fahio EIRey , e a Rainha á janel-
la , que eítava prevenida , para verem as feitas , e mag-
nificamente adereçada , e outra para o Infante , que
lhe ficava immediata : as mais para o lado efquerdp cc-
cupárão as Damas , Donas de Honor , e mais família do
Paço ; as do lado direito os Officiaes da Gafa , e Mi-.
niítros Extrangeiros\ Occupava os palanaues o mais lu-
zido da Corte , a Praça quantidade de danças veítkias
de varias fedas , e grande numero de Povo. Logo que
EIRey appareceo na janella , fe começou a regara Pra-
ça , e livre com eíte remédio |da oítenía do pó^ entrou
P.Francifco de Soufa,Capitão da Guarda Alemãa,a dei-
embaraçalla da multidão do povo com grande luzimen-
to , e as ceremonias coítumadas ; e no mefmo inítan-
te , em que fahio da Praça , entrarão nella o Conde de
Miranda , e o Vifconde de Villa-Nova , ambos Confe-
Iheiros deEítada, o primeiro Governador das Armas,
eRelação do Porto, o íegundo Eftribeiro mórd'El-
Rey , e Prefidente da Junta do Commercio , que forão
nomeados, para íerem padrinhos das Canas , .e depois
' Gg àe
Anno
1666,
466 PORTUGAL REST ALIADO ,
de fazerem a primeira função de pedir a EJRey licença
com muito airoío deiembaraço , luzimento , e often-
taçao , tornarão a fahir da Praça , e immedia ta mente
voitarao aella , feguidos cada hum de quatro quadri-
lhas. Eraõ os quadrilheiros oito , o Marquez de Gou-
vea , Mordomo maior d<ElRey , e do Coníelho de E{-
tado , a quem fahio nas fortes das cores , quefe tirarão
na Secretaria de Eftado , a de pardo , e ouro : o Conde
de Caílello^Melhor , do Coníelho de Eítado, Efcrivao
da Puridade , de azul , e ouro : o Marquez de Marial-
va , do Coníelho de Eirado , Veador da Fazenda , Ca-
pitão General da Provinda de Alentejo , Governador
das Armas de Lisboa, e Provinda da Extremadura , no-J
gueirado , e prata : o Conde de Aveiras Gentil-homem>
daCamera do Infante, e Regedor das Juíliças, bran-
co , eouro: o Conde da Torre, Gentil-homem da Ca-,
mera do Infante , do Confelho de Guerra , Meítre de-
Campo General da Corte , e da Província de Extrema-i
dura , acamuçado > e prata : o Conde de Sabugal , Mei-
rinho mór do Reino , e do Confelho de Guerra , en-
carnado , e prata r o Conde de Villa-Flor , do Confelho
de Guerra , laranjado , e prata. A oitava quadrilha
(porque'todas as nomeadas vaó pela ordem, queti-
verao no lugar das Canas) era do Conde de S. JoaÕ ,
GentiUiomem da Càmera do Infante , do Coníelho de
Guerra , Governador das Armas da Provinda de Trás os
Montes , Meílre de Campo General de Entre Douro ,
e Minho , que fahio de verde , eouro. Cada hum dos
quadrilheiros nomeou cinco Fidalgos feus parentes , e
ão feu appellido , com que todas as quadrilhas fe vi-
nhaõ a compdr de quarenta e oito. Deu EIRey ordem,
que nao pudeíse exceder cada hum,dos que entrarão nas
canas , o numere* de dous lacayos, nem os padrinhos de
vinte e quatro. As marlotas , jaezes , e librés forao tão
luzidas , e cuítoias , que nem o difpendio , nem a arte
ppdiaio exceder-fe.
No mefmo inítante , em que os padrinhos fahirao
da Praça, tornárafí a entrar nella , íeguidos das qua-
drilhas, desfiladas em vinte e quatro parelhas, ederaô
princi-
"
PARTE II. LIVRO XII. 467
princípio ahuma efcaramuça de hum fó rio. Apoucas Antlt)
voltas fe dividirão em dous : travaraó-íe varias vezes, e • r s
depois de darem a toda a Praça hum viítofo, e alegre eL- I0D0*
paço , tornarão a fahir delia , correndo cada parelha de
per íi da janella d'ElRey até á porta. Fora da Praça mu-
darão cavallos fem dilação: compuzeraõ-íe as quadri-
lhas , e tornarão a entrar nella pela ordem referida , e
forão occupando os quatro cantos da Praça , e os dous
lados delia , fazendo com viítofa ordem íahidas a feus
tempos, carregando cada numa das quadrilhas a que lhe
ficava oppofta,alternando-íe mais fucceífivamente com
tanta ordem , e tanta deítreza , que por todas as cirum-
jtancias foi eíta feita geralmente applaudidaie depois de
fe gaitar a tarde nefte alegre exercício, leparárão os pa-
drinhos a contenda , e íahirão todos da Praça na forma,
que havião entrado nella.
Em a noite do diafeguinte fe gaitarão algumas ho-
tas em vários fogos diíFerentes dos da primeira , e a tar-
>de fucceíliva foi o primeiro dia de touros, que ^to-
cou ao Conde da Torre , o fegundo a D. JoaÓ de Caf-
tro , o terceiro ao Conde de SJoão, e a feu irmão Fran-
cilco de Távora. As librés forao tão cuítofas , que o
Conde da Torre guarneceo os veítidos de doze lacayos
de alamares de ouro ao martelo. D. João de Caftro le-
vou cento e fefsenta corri trages de varias Naçoens,
veítidos de diferentes ;fedas , guarnecidos de paísama-
nes de ouro , e prata. O Conde de S. João , e Francif*
co de Távora veítirão trezentos homens de diverfas te-
las, e chamelotes de prata com guarniçoens de pafsa ma-
nes de prata , e ouro. Todos fizerâo excellentes fortes,
e igualou o acerto delias o cuíto, e luzimento das librés
dos lacayos , jaezes , e cimas dos cavallos. As mais fei-
tas, que eítavão preparadas, em que entravaó numas;
Juítas , de que era mantenedor Francifco de Távora,
desbaratou o rigor, com que entrarão as tormentas dó
Inverno.
Acabadas as feitas alegres, fe tornarão a renovat
os accidentes triítes; porque , crefcendo em EIRey o
çdio, e inveja f que tinha ao Infante, enão haven*
Gg * do
468 PORTUGAL RESTAURADO,
Ársno^0 ° cuidado> que erajufto em fe atalhar taô perigo
i6£K Í0 emPen3lo> nâo havia dia, que fenãofofsem au
iDOD.gmeatando os defconcertos, Succedeo levantar-íe hu-
ma contenda entre a Marqueza de Caítello-Melhor
Carne reiramór da Rainha , e o Conde de Santa Crua
leu Mordomo mór , fobre preeminências das fuás oc-
cupaçoens. Alterou-fe a duvida entre EIRey , e a Rai-
nha na prefença do Infante. Difse EIRey , que deter-
minava ajuítaila , e juntamente tomar por fua conta o
governo da fua cafa. Approvou o Infante prudente-
mente eíla propofição , e accrefcentou ,. que não fó de-
via governar a fua cafa , fenão também ofeu Reino ,
paradefvanecer as queixas de feus vafsallos opprimidos
de multas íem-razoens , quepadecião. Perfuadio-íe Eh
Rey, que" o Infante lhe fazia eíla advertência com o
fim de favorecer a pertenção do Conde de Santa Cruz
contra a Marqueza- Camereira mór , e levado deita pre-
funçao , defcompondo a ira imprudente todas as attert-
çcens, aqueo.obrigavão a prefença da Rainha , eau-
thondade do Infante, foltou deíconcertadas palavras»
epaísou atao perigofas demonílraçoeas , que foi ne-
ceísario interpor-fe a Rainha comgenerofa jeíoluçâo,
para fe atalhar o excefso , com que EIRey determinava
provocara paciência do Infante taõ mo deíla mente va-
loro fo 5 que não '-fe difbingufa na íeu efpirito em qual
das duas virtudes-era mais fuperior. Confeguio a Rai-
nha fe parar os dous Príncipes do perigo , aqueeltive-
rãoexpoftos: porém as occaíioens era ó tão continuas,
que quafi parecia impoffivel que o foffrimento do In-
fante pudeíse tolerar os aggravos d* EIRey. Succedeo
naquelle tempo a morte de D. Rodrigo da Cunha de
Saldanha, Sumilher da cortina do Infante,que nomeou
para eíla occupação a D. Veriííirno de Alencaílre , do
Conlelho geral do Santo Qfficio , depois Arcebifpo dç
Braga , e Inquiridor geral , hoje Cardial da Igreja , por
íer contado pelas fuás virtudes, e grande qualidade,
por hum dos íujeitós Ecclefiaílicos de maior eílima-
ção. Dando-fe conta a EIRey, negou ao Infante a per-
■íiuísao , que lhe .pedia , e nomeou a l>. Veríílimopor
r
leu
-
.jf*
PARTE 11 LIPKO WM 469
fcu-Sumilnerda cortina, e feguio-íe a eíte defabri*Ani10
snento apartar da affiftencia do Infante , com o pretex- v£>
to de o nomear Cónego da Collegiada de Ourem, a Jo- UUUe
feph ia Fonfeca , Capellaó da Capella Real , que affif-
tia ao Infante com grande amor , e zelo defeu ferviços
refoluçaõ , de que o Infante teve grande pena > porém
recatou-a com o foffrimento , e prudência , que repeti-
damente havia exercitado ,• e coníiderando* que por to-
dos os caminhos fe lhe apuravão os termos da paciên-
cia , elegeo generofo meyo de atalhar os perigos , a que
eftava expoíto , ereprefentou aElRey em hum largo,
e bem ponderado papel , que em virtude de o haver
11 orneado a Rainha fua mãy Capitão General do Reino,
e como Conde ftable delle, lhe tocava paisar á Provin-
da de Alentejo , levando em fua companhia ao Mar-
quez de Marialva, a quem a Rainha havia nomeado
também feu Tenente General , a tratar não fó da de-
•fenfa do Reino, mas de lheextender o dominio com
«ovas conquiftas , porque era tempo de íegurarafua
opinião, moftrando ao Mundo a fua capacidade.
Efta propoíta occafionou grande coafuíaò em to*
dos , os que aíliítião a EIRey ,• porque quanto a confi-
deravão mais juíliíicada , tanto a íuppunhão mais pe-
dgofa /pois conceder ao Infante a occupaçãoj, que pe-
dia , era accrefcentar-lhe o poder , que receavão,- e ne-
garlha feria manifeítarao Mundo a injuftiça , com que
EIRey procedia no trato de hum irmaõ tão benemé-
rito , que fó fe lembrava de acodir á defenfa do Reino,
de que era immediafo fuccefsor , deliberando expor a
vida aos incertos , e perigofos accidentes da guerra ; e
parecendo a EIRep grandes os inconvenientes de qual-
quer das deliberaçoens , elegeo , por confelho dos quô
lheaíliftiaõ, naó refponder ao papel do Infante ; poli-
tica , que deve fer contada pela mais injufta , e mais
efcandalofa dos Principes j porque logo que chega ô aõ
Throno , fe conftituem oráculos viventes , e devem
medir as refpoftas pelas perguntas | e as reioluçoens pe-
las propoítas, e em qualquer outra eítrada , que fe--
guem , manifeítão defeitos reprehenfiveis, e deícobrem».
I , Gg 3 errosi
47$ PORTUGAL RESTMJRÃDO,
erros irremediáveis. Foi grande o fentimento do Infá^
Annp . te i e vendo offencitdo o leu -refpeitò em fe lhe rtao
1666 re*Ponder;>f lidadas as fuás mais appetecidas efpe-
• ranças , perfuadindò-jfe , que lhe podia faltar camooi
em que defcobrifse os realces do feu efpirito, e os alen-
tos do íeu valor , cahio a deliberação da propofta dtf
Infante parada fufpeita de que o Conde deS.Joao , e
o Conde da forre haviaõ fido inílrumentos da fua re*
ioluçao, eíem mais outro exame, que efte difcurfo ,
mandou EIRey ordem aoGonde deS.Joao, que pai-
laíse a continuar o governo das Armas da Província de
Trás os Montes , e ao Conde da Torre , que partifse a
levantar gente na Comarca de Extremadura.NaÕ quiz a
Infante prudentemente oppôr-fe a eíta deliberação , co*
rvhecendoohm, a que caminhava, e mandou dizer a
o yiv3r ^uyuando os feus criados acertafsem a fervir
a Sua Mageítade , os julgaria por mais beneméritos em
íeu íerviço. Partirão os dous , e EIRey mandou , que
ie preveruíse^apreílo da jornada de Salvaterra. Deíe«
jou o Infante levar, álèm dos feus criados , alguns Fi*
dalgos, queoacompanhafsem,daquelles, que EIRey
aao nomeafse, para lhe affiítirem neita jornadl, e de to-
dos, os que eícolheo , depois de grande contradi-
çao, lhe foi fo concedido o Conde de Sarzedas , qué
era hum , dos que o Infante com mais efficacia havia
deíejadojuftamente que; o acompanhafse , por achari
queconcornao naluapefsoa todas as qualidades dignas
da lua eítimaçaõ. °
,;í??m d°s q«e E1^e7 naõdifpenfou ao Infante,
ioiU.Lmz de Meneses, aquém nos annos antece-
dentes havia levado a Salvaterra , fingularizando-o com
finf íCOffa?re8:' que caufár*> cuidado aos que
íundavao a íua fortuna na perfiílencia da valia. Culti-
S ]jP. ^w com efficaz attenção , e zeloio affeflo*
tendo fo por objecto no bom governo d<ElRey , e no
22Í tS /S aCÇ°.enS a co,lferva^õ do Reyno, e com
!t?í%° fím contrlnaou a aííiírencia do Infante , piot
S, à°™QrecQi ° f?u ge"erofo agrado , que com aíFe*
auofa geração reijpatava. Teve EIRey eíta noticia ,
efes
PARTE II. LIVRO XII. 471
•fez tão publicas , e extraordinárias demótifiraçoens .^nilO'
do feu enfado , que atalhaó totalmente a confiança de , ,,
referillasie por ultimo remate mandou ordem a D.Lui-z, J&*&*
que foíse huma noite ao Paço , lingulariZando-lhe nu-
ma cala interior , onde eíieve muitas horas fechado.
No fim delias lhe mandou hum papel , que dizia eftás
palavras : Sua Magejiade manda dizer a Voffa Senho-
ria , que lhe confia , que Vúffa Senhoria fora Quarta
feira á Corte-Real , e que Sua Alteza o levara á fua
eafa de armas , e que lhas oferecera \ è quer Sua Ma-.
geftade , que Fojfa Senhoria declare ao pé âifte papel o
partido , que determina feguir , fe ode Sua Magejiade*
fe o de Sua Alteza ; e que prazerá a Deos , que defja
parte lhe venhaõ as fortunas. Achando-íe D. Luiz na
çonfufaõ de fever conítrangido arefponde-r a tão ex-
traordinária propoíla na forma da ordem d'ElRey ,
lefpondeo ao pé delia as palavras feguintes : He verda-
de , que Sua Alteza me fez mercê dememoflrar Qiiarta
feira na Corte-Real a fua cafa de armeis , fem mais atten-
fdo , que a fua Real género f idade \ deliberei continuar a af-
fiftsncia de Sua Alteza , entendendo , que era o maior fer-
viço, que podia fazer a Sua Magejiade \ porque Jendo
Sua Alteza , como o mais obrigado , o mais attento a dar
gofto a Sua Magejiade , e á confervaçâo do Reyno , ndo
he )ufio , que os vaffallos de Sua Magejiade fe feparem da
communicaçdo de Sua Alteza , afflm para fonientar tâo
jpreeija , como louvável união , como para participação das
fuás fobrenaturaes virtudes ; efe acafo fuecede , que
ha\a alguma pejfoa, que perjuada a Sua Magejiade a opi-
jufiamente merece Jevéro cafiijM ,
encontra a confervaçâo defle Rey^
wao contraria
forque totalmente
no.
V Efta refpofta , como fe fora grande delicio, indignou
de forte o animo d'ElRey , quenaquella mefma noite
teiolveo mandar tirar a vida a D. Luiz , e pafsou ordem
a três dos chamadol valentes, para ferem executores
defte intento.Hum delles reconhecendo aquella fem-ra-
zaõ, bufeou o Padre Jorge da Coita da Companhia de
47% POKIUGVÍL REm^U&ADO,
ÀOKO Jefus ,.e Ihedifse , que ffZefse avizo a D. Luiz , que Te
1 666 recatafse > porq-ue intentavão # rar-lhe a vida J e a mef-
• ma diligencia fez com hum Padre Dominico , Saerif-
tão dos-Hyb.errie.os. Quafi ao mefmo tempo fizerão am-
bos efte avizo ,' e reconhecendo D. Luiz evidentemen-
te a poderofa mão , que lhe procurava a morte, conti-
nuou muitos mea.es. a prevenção , e o recato : porém
partindo EIRçy para Salvaterra, entendeo , queeíiava
deívanecido efte intento , e recolhendo-fe do Paço fem
prevenção em huma carroça com fua mulher , e feu ir-
raaoa Conde D. Fernando deMenezes , íahirão dos uU
tjmos_arcos da Praça do Rocio pela parte do Mofteiro
4eb. Domingos tre&homens a cavallo , e difparárão na
carroça, que hia fechada a refpeito de huma grade tem-
ppftade ,. três bacamartes , e fugirão a toda a fúria dos
cavallos., deixando feridas duas mulas das que tiravão
acarroça, fenx fazer outro damno. Aprefsa*.com que os
aísaiíinosfeaufentárão, nãodeu lugar aos ofFendidos
mais.que a defafogar o fentirnento do aggrefsor com o
iX)ítrimento da innocencia,achandorfe menos prejudica*
áos^ no rilco da vida , que no fobrefaíto , quepadecea
lAJaanna de Menezes,não chegando a dezafeis annos,
expoíèa a tao defuíàdo , e ma nifeAo^ perigo; e vencen-
do heroicamente todo o horror que fentio, forão as úni-
cas palavras,, que pronunciou,, quando os bacamartes
fe diíparárão; que fofse fó a fua vida emprego daquelles
golpes ,, e. detida a fúria das mulas feridas , faltarão,
os dous^carroça ; ecomo pela fugida dos afsaílinos
nao puderao fatisfazer- a concebida cólera ,. recolhei
do a pouca família, que os acompanhava, fe retira-
rão a lua cafa com tão intolerável dor ,. e fentirnento^
como explica o mefmo fuceefso j pois as circumítancias
delle ,- ainda que pudera exprimillas a magoa , iaô me-
lhor explicadas peio entendimento, que pela rheto-
rica* : >
Chegou a Salvaterra a noticia deite fuceefso, eo
Infaí-íte encareceo com; tantas circumítancias a-EX Luiz
o leu .íenttnrento , e lhe oífereceo com tanta eilicaciaa
protecção, da fua grandeza, qu~fá elle alivio pôde fa-
■ l j- ' z.er
•r
'
P^BLTEIÍ, L1VKO X/f. m
ícr tolerável o infortúnio padecido. O Conde de Caf- Armo
tello-Meihor , chegándo-lhe o avizo deite fuceeíso, fez
publica demonítraçaô da pena , quellie caufara , dizen- IO07.
do , que com o próprio fangUe comprara naô ter acon-
tecido. Pafsados alguns dias , determinou EIRey paísar
para Lisboa. Mandou ordem a D. Luiz , que fem dila-
ção fahiíse da Corte a levantar géte ao Condado da Fei-
ta , como lhe havia ordenado , antes que partifsé para
SaWaterra, com circumftanciastaõ myíleriofas ,que pu-
deraò dar cuidado a coração menos innoeente. Orde-
nou-lhe o Infante , que partifsefem réplica , e obede-
cendo , continuou a jornada , e chegando ao Porto, re-
cebeo avizo , que EIRey mandava íeis homensáquella
Cidade a executar , o que os outros naô puderaõ confe-
guir j porém as prevençoens do Conde de Miranda Go-
vernador do Porto , em cuja cafa eftava D. Luiz poufa*
do , desbaratou toios eftes intentos, j e acabada a com*
stiifsaó , voltou D. Luiz para Santarém > onde íéu irmão
tom toda a fua familia aiTiíHa, havendo pafsado de Lis-
boa para aquella Villa, logo que D. Luiz fahio da Cor-
te , parecendo-lhe com grande prudência indecente a
âífiftenci,* delia r e a ordem , que D.Luiz teve d' EI-
Rey para fe poder retirar , foi com declaração , que não
^ahiria de Santarém fem ordem fua , ficandb-lhe o dei-
te rro por premio do ferviço , que havia feito á lua cuf-
ta; porque naó fó> lhe tirarão o foldo de General da Ar-
tilharia , que le lhe devia dar dobrado todo o tempo >
que durafse a fua commifsaô , fenaÔ huma coruluaçao
íie mil cruzados , que fe lhe finalou no Porto ; e quei-
xando-fe de fem-razoens taô manifeítas. r recebeo hum
efcrito do Secretario' de Eftado António de Soufa de
Macedo , em que lhe dizia , que EIRey lhe naó deferia*
porque juítiça fazia a todos , e favores a que tinha
vontade.. Elias matérias íe fubítanciarao o-mais que foi
j>oíTivel»porque fe fe referirão as relevantes circumítan-
cias, e vários cafo&, que a gravidade- delles occulta, ..pu-
$eraó= fer afsumpto de volume féparado..
Todo o tempo ,. que EIRey aMio-em* Salvaterra,
erefceo. de forte a^deiigualdí^ , com que tratava a Rai-*
c ^ha,j
#74 PCM.TUGÀL KESTAVRADO,
Anno nha , que era aquella faberana ,; e innocente Princez»
l6ó6,0^e^odacoramiferâção univerfal; porque as grandes
virtudes , que neila refplandecião , rendiaó juítamente
os coraçoens de todos feus vafsailos , que fem rebuço fe
fbcferavão parciaes da fua razão, e do feu merecimento.
Voltou EIRey para Lisboa , e reconhecendo os Minif-
tros de maior fuppofíçaò , que não fó fe dilatavão as
efperanças de dar ao Reino fuccefsores , fenaõ que fe
avaliava eíta felicidade por impoífivel , apertarão , quê
fe tratafse com todo o cuidado do cafamento do Infan-
te , fendo os M arquezes de Niza , e Sande os que mais
applicavão a brevidade deita deliberação. Reconhecendo
EIRey , que, não era poíTivel encontralla fem efcan-,
dalo rnanifeíto , mãdou dizer ao Infante pelo íeu Con-
fefsor , que era tempo de fe tratar do feu cafamento , e
cfperava v que lhe finalafse as Princezas da Europa , a
que mais fe inclinava. Agradeceo o Infãte a EIRey a re.
ferida propoíição : pedio-lhe licença , para que antes
delle declarar a fua vontade , cómunicafse eíta. matéria
a fua irmâa a Rainha de Inglaterra,e a EIRey da Gram-
B retenha * porque defejava , que a negocio tão grave
precedeíse a approvação daquelles Principes,e para que
eíta diligencia não foi se infru&uofa, efperava da gran-
deza de S. Mageítade lhe finalafse rendas competentes
para fuítentar a familia , e efplendor , que era juíto ti-
veíse com o novo eítado , que tomava ; e para eíte ef-
feito nomeava ao feu Secretario João de Roxas de Aze-
vedo , para que fe ajuítafse com o Miniítro , que Sua
Mageítade foíse fervido finalar-lhe. Approvou EIRey
eíta propofição do Infante , e deu ordem ao Secretario
de Eítado , que conferifse com João de Roxas , para fe
ajuítaremasconfinaçoens, que fehavião deíinalarao
Infante.
No dia deítinado para eíte negocio o interrom-
peo hum novo accidente originado da imprudência do
Secretario de Eítado. Havia-lhe encommendado a Rai-
nha com efficacia a direcção de vários negócios de feu
iervlçr, econítando-lhe, ql]e fe defcuidava de osappli-
car,. fuccedeo kvar-lhe o Secretario hu ma carta do Ser
nado
; PJKTE 11. L1VK0 IIL 47 f
liado da Camera da Cidade de S. Paulo do&eino de An- Armo
gola, e entregando-lha na antecâmera em audiência pu- 6 (&
blica, lhe perguntou a Rainha em que eirado èftavaò *uw^*
os negócios , que lhe havia encommendado* Refpon-
deo-Ihe com pouca advertência , que outros cuidados
o tinhaò divertido de os ap plica r : que devia advertir
a Sua Mageftade, que íe queria confeguillos , fevalefse*
do Conde de Caftello- Melhor. A Rainha eílimulada da
defacordo deita indecencia , lhe refpondeo > que nao
viera a Portugal para depender mais que da vontade
d< EIRey , e que naõ era aquella a primeira yez,que ex-
perimentava poucas attençoensao leu reípeito : de que
juftamente eftava offendida.Repl içou António deSou-
ía de Macedo com tao deíòrdenadas razoens , e def-
concertadas vozes^ encarecendo os merecimentos do
Conde > ©a fem-razaõ da Rainha , que lhe ordenou el-
k y que ou failafse baixo , ou fe folse da fua presença»
Levantou elle mais a voz , dizendo , que pertendia
queoouviíse todo o mundo; e foi continuando com
tanta demafia r*l que a Rainha por atalhar elta impru-
dência íe levantou , pertendendo fahir da antecâmera:
eo Secretario,para confirmar o feu defacordo com o ul-
timo extremo , quando ^ Rainha voltava as coitas , lhe
pegou na roupa para a deter. Voltou a Rainha com tão
íoberana cólera, que o fez defiítir daquelle facrilego
áeíacato , gritando furiofamente , que a Rainha o tra-
tava com os defprezos , que naõ merecião os lerviços >
que havia feito a EIRey , e que toda a culpa era dos
traidores, que a aconfelhavão. Retirou-fe a Rainha, e de
forte irritados todos os Officiaes da Caía , que a acom-
panhavão , que fe a Rainha lhes não mandara fevera-
mente , que andafsem fem fazer cafo daquelle delírio,
pudera o Secretario experimentar no lugar daouladia
O caítigo delia. Com diligencia foi eíle dar conta a
EIRey , antes que a Rainha referífse o feu excefso, ten«
do por mais erHcazes os efFeitos das primeiras informa-
çoens. Queixou-fe a Rainha a EIRey r que lhe promet-
teo caftigar ao Secretario: porém dilatando a execução»
fentio ella de forte eíte defcuido > que haverfcdo-ie da*
do
I
476 PORTUGAL RESTAURADO ,
ÀntlQ do principio á feíla de Santo António , que celebrou ét
1-66.7 penado da Camera com hum dia de touros , naõ quiz
° / * ella affiítir >ao iegundo , por cuja caufa, tomando-íe ou- •
tros pretextos , fe íufpenderaõ ,; e reconhecendo o Con-
de de Caílello-Melhor a conítancia dofentimento da.
Rainha, e quanto era precifo dar-fe fatisfaçaõ ao efcan-
dalo publico do excelso do Secretario , de que podiaõ
rcfultar cóíequencias perigofas, perfuadio a EIRey cha-
mafse a Confelho de Eílado, e fe referifse nelle a culpa,
edefeza de António de Soufa. Teve execução efteinv
tento; e depois de dilatada conferencia , ficou refolu-
to, que EIRey mandafse fahir da Corte ao Secretario,
e que pafsados alguns dias de aufencia , lhe tornafse a
re&ituirafua occupaçaõ. Publicou-fe eíta refoluçaõ, e
crefceo com ella de forte b efcãdalo univerfal,que eíli->
imilado o Infante deíle excefso , e de todos os antece-
dentes , que fe havia d executado contra o feu refpeito,
reconhecendo o rifco , a que eftava expofta entre tan-
tas deíbrdens a confervaçaõ do Reino , gloriofamente
defendido do poder d' EIRey de Caítella , ajudado das
Nàçoens mais bellicofas de Europa,valorofamente deli-
berou fer fegundo Athlante da Monarquia Portugueza,
luzido retrato da Esfera Celefte, e communicando a re-
foluçaõ , que havia tomado com os feus Gentis-homens
da Camera , com feu Meílre Francifco Corrêa , e o feu
Secretario Joaõ de Roxas de Azevedo , fe ajuftou , que
participafse eíte intento ao Marquez de Marialva, ao
Conde de Villa-Flor , ao Conde de Sarzedas , a Miguel
Carlos de Távora, a Luiz de Mendoça Furtado, a Fran-
cifco Corrêa da Silva , a D. Joaõ da Silva , e a eítes fe-
guiaõ outros parentes , e amigos feus , infeparaveis das
luas difpoíiçoens j eno mefmo tempo avizou a D. Luiz
de Menezes, que viefse a Lisboa de Santarém (onde ef-
tava deílerrado) occulto acafade D. Joaõ da Silva, e
na mefma noite* que chegou, conferio o Infante com el-
le a fua heróica determinação , de que também na mef->
ma noite deu noticia ao Duque do Cadaval , que pou->
cos dias antes tinha chegado a Lisboa , levantando-lhe
EIRey o de-fterro , que injuíhmente.havia padecido na
1 h alíiílea-
PARTE 11. LIVRO X1L 477
aíiiíleticiaNda Praça de Almekla, e todos os referidos , AnilQ
e outros muitos, que fe faraó unindo ájuíta reíoluçaõ ,,
do Infante, começarão a difpôr a forma de fe executar,e / •
quaíi todas as diligencias mais efficazes para eíla virtuo-
fe uniaõ applicou o Infante som tanta actividade , pru-
dência , e riíco , que muitas vezes iahia de noite fem
peísoa alguma a conferir a importância de matéria tao
grave com muitos , dps que eítavaó difpoítos á lua obe-
diência ,* porém naõ puderaó eítas difpofiçoens íer tao
occultas , que naó tiveíse o Conde de Caítello-Me~
lhor noticia confufa deite movimento ,' e perfuadido
de que o íeu poder feria alvo dos difcurfos de confe-
rentes tao poderofos , fe refolveo , contra o pare-
cer da prudência de muitos de feus amigos , a armar o
Paço com todas as chamadas patrulhas d' EIRey, de do-
brar as guardas , e ter prevenida a Cavallaria nos quar-
téis, í
Seita feira , que fe contavaò dons de setembro ,
amanheceo ria Corte eíta intempaítiva,e perigo la novi-
dade. Chegando ao Infante a noticia de tão publica de-
monílraçaõ , eoíTendido juítamente de fe lhe não dar
conta da caufa daquelle movimento, de que forço fa-
•mente fe havia de ieguir entender o mundo, que era
elle o objecto de tao manifeíla perturbação,- e jutamen-
»te , que não podia achar recurfo na incapacidade d'El-
Rey, reprefentaudo-lhe pefsoalmente a razaõ da fua
gueixa no perigo da fua opinião, antes de eleger aquel-
de partido, feria arrifcar a fua authoridade na cólera ,
.com que EIRey fem alguma temperança coítumava tra-
-tallo , fazendo avizo aos Fidalgos nomeados , e demais
ao Conde de Villa- Verde , achando-lé todos na Corte-
,Real , refolveo fazer por efcrito huma larga propoíta a
EIRey, cuja fubítancia era a feguinte : Que a noticia
defe armar o Paço , novidade atè aquelle tempo nun-
■ ca acontecida em Portugal , por íer o reípeito * amor , e
.fidelidade dos Portuguezes , a mais fegura defenfa dos
.feus Principes , e a extranha refoluçaó de fe lhe naô dar
parte da caufa. original daquelle efhondoío moviméta,
-o deixara tao confuíò, e tao admirado , que nem acer-
tava
47? POUTVGAL R.ES74UHAD0,
Anno tava a expor a Sua Mageftade o leu fentimeuto j porém
*,* que recorredo aos excefsos antecedétes executados çon-
1 óoõ, traa ceu reipeito , e entendendo não haverem nafcido
dé refoluçoens de Sua Mageftade, vinha a conhecer cla-
ramente , que o preíente arrojamento havia íido fabri-
cado na mefma oíficina , em que fe forjarão osinftru-
mentos anteriores , por cujo refpeito havendo defpre-
zado até aquelle tempo varias advertências , que fe lhe
fizerao , tiara fe refguardar dos perigos , que lhe amea-
çavão a vida , o preíente excefso lhe fervia de cautella,
reconhecendo, que aquelíes, que o deviaõ refpeitar, co-
mo o primeiro defeníof da immunidade do Paço , re-
folvendo-fe a armallo íem lhe dar conta , o publicavaò
por inimigo da confervação da Monarquia ; exorbitân-
cia , de que íe achava tão offeadido , que proftrado aos
pés de Sua Mageftade , a quem venerava como Rey , e
amava como irmão , lhe pedia quizeíse apartar da íua
aíliftencia ao Conde de Caftello-Melhor , a quem como
primeiro Miniftro fe devia attriburr movimêto taó def*
tifado , e executar nelle tão exemplar caftigo , que íi«
eafse fatisfeita a grande culpa commettida contra o feu
rei peito > e que, fuccedendo ( o que não efperava) na©
deferir S.Mageftade á íuajufta pertençaó ,lhe feria pre-
cifo tomar a refoluçaõ de pafsar a Reinos extranhos a
bufcar na diftancia da fua Pátria o deíafogo do feu fen-
timento;
Efte papel levou a EIRey o Secretario Joaó de Ro«
xas*, e EIRey fem penetrar , nem examinar a gravidade
da matéria, que continha , o entregou ao Conde de Ca-
ftello-Melhor: o qual juftamente eonfufo comacciden-
te taò perigofo , recorreo prudentemente ao caminho
mais próprio deentregar a propofiçaõ do Infante ao
exame do Confelho de Eftadoj e fem embargo de ferem
nove horas da noite , fe convocou o Confelho , nao
fe participando èfta refoluçaõ a Joaõ de Roxas , que
fem refpofta alguma d' EIRey , voltou para a Corte-»
Realj e o Infante entendendo, que nao havia novi-
dade , que merecefse cautella , defpedio nao fó aos
Gentis-homensdaCamera, e mais Fidalgos, que cof-
tuma-
PARTE II. LIVRO X/l. 479
tumavaò aíliítir-lhe , fenaõ também todos os criados da 44rino
família inferior , ficando unicamente acompanhado do
Conde de Villar-Maíor , queeftava de Semana , de cu- l666.
fa prudência , e capacidade fiava juítamente o acerto
das melhores direcçoens.
Junto oConlelho de Eftado , em que aíliítio EI-
Rey, e a Rainha , lido ,e examinado o papel do Infan-
te , fe poz na balança da juítiça o pezo deíigual de fa-
h-ir o Infante do Reino , ou o Conde de Caitello-Me-
Uiordo Paço 5 e depois de dilatada conferencia , ficou
efcolhido pelo meyo mais proporcionado , que na ma-
nhãa feguinte diiseise o Marquez de Marialva ao In-
fante da parte d'ElRey , que por juítas razoens , e cau-
tas relevantes mandara armar o Paço , e dobrar as guar-
das ; eque o Marquez procuraíse entender do Infante
fe admittiria o obíequio de ir o Conde de Caítello-Me-
íhor beija r-lhe a mão , e deitar-fe a feus pés ; porque
confiando ao mundo eíta demonítraçaõ , ficafse mais
defembaraçada a queixa do Infante , e mais juítiflcado
d procedimento do Conde. Aceitou o Marquez a com-
miísaó , naô ignorando as dificuldades , que continha.
Na manhãa íeguinte fallou ao Infante , que ouvindo a
propoíta , foi nova a matéria , que accendeo o ardente,
e generofo efpirito , que o illuílrava , coníiderando of-
fendi da alua grandeza no pouco cuidado, que tinha
dado a EIRey , e a feus Miniítros a grave propoííçaõ ,
que havia feito > e que , tendo poíro em publico o íeu
enfado , devia moftrar ao mundo , que naó havia entra-
do ligeiramente em taõ grade empenho fem fundamen-
tos manifeítos , que o conítrangiaõ a embaraçar o foce-
go publico ; e que neíta coníideraçaõ era já fem remé-
dio , que univerfalmente fe conhecefse, que quando fe
lhe faltava á juítiça , negando-fe-lhe os meyos da pró-
pria fegurança , tinha refoluçaõ para fefazer refpeitar,
caítigando todos aquelles , que achafse haviaò delin-
quidò contra a fua grandeza^ e tendo conferido eíte dif-
curfo com todos, os que lhe aíuíliaõ , o approvaraó
com os encómios, que merecia taõ prudente refoluçaõ,
e reconhecendo-a, refpondeo ao Marquez de Marialva,
que
4?o PORTUGAL RESTAURADO,
Ánno <llie a propoíta , que fizera a EIRey , fora fundada em
razoe ns taõ íuperiores, que pediaõ outro género de fa-
I667. tisfaçaô daquelJa , que fe lhe inílnuava ; e que quanto
mais experimentava , que fe fazia eítudo de fe lhe en-
cobrir a caúia de fe armar o Paço, tanto maior era a fuai
defconfiança j porque fó aprefunçaõ , que EIRey de-
via ter de ler elíe authorde novidades , poderia íer a
razaõ defe lhe naõ dar parte de taõ efcandalofo movi«?
mento } e que augmentando-fe taõ forçofos requifitos ,
íe achava de novo obrigado a pedir a EIRey refpofta ca-
thegorica do papel , que lhe tinha remettidoj e que ne*
gandofe-lhe , lhe leria precifo tomar a refoluçaõ , que
nelle havia fegurado j entendendo porém , que naõ ba-
ilaria a fem-razaó a perturbara razaõ d'E!Rey a lhe de^
ferir na forma , que propozura.
Levou o Marquez de Marialva efta propoíta , e a
conftancia inflexivel do Infante accrefcentou em EIRy
o receyo , e no Conde de Caítello-Melhor o cuidado:
e depois de varias Conferencias , que fe fizeraõ, em que
fe ventilarão os meyos defe atalharem tantos perigos,
apontando-fe igualmente os fuaves , e os violentos , to-
dos fe lulpenderaõ; porque os fuaves pareciaõ inúteis,
e os violentos arrifcados : e naõ fe tomando conclufaõ
alguma, fe continuou com mais vigor o eílrondo das
armas , que naõ íervindo de terror ao Infante, nem aos
que lhe aííiftiaõ , eníinados nas largas experiências da
guerra a defprezar perigos , e desbaratar difiiculdades,
era o occafiaó de fe alterar o animo do povo , e de o fa-
zer parcial da juíliça do Infante 5 obíervando-fe , que,
todos eítes ameaços perturbava© tão pouco o feu eípi-
rito valorolo , e invencível , que abertas de dia , e de
noite as portas da Corte-Real , naõ conduzia para a fua
ailiítencia mais refguardo , que a companhia dos feus
Gentis-honiens da Camera , feu Meítre , e as pefsoas da
iua familia dedicadas ao ferviço interior da fua guarda-
roupa ; e os poucos Fidalgos, que o leguiaõ. A refpo-
fta do Infante , que 'levou o Marquez de Marialva , naõ
obrigou a EIRey a mudara refoluçaõ, que havia toma-
do de o perjiiadir á deíiílencia do feu intento, e por çf-
ta
PJRT£ 11. "LIFRO 111. 481
ta caufa ordenou ao Marquez voltafse a dizer ao Infãte, AtlllO
que devia aceitar a propoíta-, que lhe fizera, podendo I(*£7#
entrar na eíperança , de que todas as duvida? ia haviaó £"
de accomodar , pedindo-lhe quizefse ir velo , porque
o deíejav* muito. O Infante vendo , que não havia no-
vidade , que o obrigafse a mudar de refoluçaô , reípon-
deo por eícrito , que eílava refoluto a naò ir aos pés de
Sua Mageftade , íem fe lhe dar fatisfaçaô ao publico ag-
gravo , que íe lhe íizera de ie armar o Paço , íem fe lhe
manifeftar a caufa de taõ grande movimento ; e que pa-
ra o exame deite excelso , ou Sua Mageftade havia de
mãdar fahir do Paço ao Conde de Caíiello-Melhor,com
a fegurança de aaò prejudicar á fua pefsoa o feu retiro,
ouelle havia fahir fora do Reino a bufcar em outra
qualquer parte do mundo mais feguro domicilio. Vol-
tou o Marquez com a refpofta a ElRey , e reconhecen-
do-fe aconítancia do Infante , crefceraooscuidados,em
todos , os que lhe aíTiíHaó , vendo , que por efta caufa
fe achava a Corte alterada , e confuía , admirando to-
dos os zelofos da confervaçaõ do Reino o excelso de
eítarem os Terços de Infanteria arrimados no terreiro
do Paço, dobradas as guardas > multiplicadas as rondas,
prevenida a Cavallaria, e os Caftelhanos prezos no Caf-
tello, e cadêas da Corte, vigilantes , e induítriofos , pa-
ra fufcitarem com diligencias , e cabedaes os empenhos
da guerra civil , fendo eftes fó os effeitos perigolbs dek
tas eftrondofas preparaçoens \ porque como fefaziaô
ièm fim particular , íerviaõ fó de irritarem ao valorofo
efpirito do Infante , havendo entrado na jufta defcon-
íiança de fe defender a immunidade do Paço , moftran-
do-fe ao mundo , que era o receyo da fua peísoa ; e era
taõ pouca a diligencia , que fazia de fe defender de taõ
perigofas armas , que naô íe achava naqueile tempo
com mais aíTiftencia, que a das pefsoas nomeadas , a que
ie unirão o Conde de Villa-Verde , D. Fernando Maf- Divide fb
carenhas , o Conde de Palma Meirinho mór , D. Efte- Núnz*.
vaõ de Menezes , que achando-fe fora da Corte , vieraõ
aíTiftir ao Infante , e no dia que chegarão , forao ao Pa-
ço, e com elles D, Luiz de Menezes, pertendetido mof-
Hh trar,
% PRQWGAL RESTAURADO,
AílllO t-rar » ^ue íam^em viera naquelle dia , porém uío>u-fe
com ellé diíFerenté demonitraçàó , da que EIRey teve
10 07, com Qg tres nomeados j- porque permittindo-lhes , que
pudeísem continuar aaíFiílencia do Paço, ordenou a
D. Luiz , que antes da meya noite partiíse para Santa-
rem.Refpondeo-fhe, que os feus íerviços naõ merecião
aquêlle trato ^ e outras razoens ardentes , e forçpfas ,
que juftificavão o feu fentimento ,• porém não obriga-
rão a EIRey , a que defiítifse da ordem , que lhe dera, e
pafsando immedíatamente a dar conta ao Infante, do
que lhe havia fuecedido , reíblveo , que lago partifse
para Santarém , onde alliíHfse dous dias , para juítificar
a fua obediência , equevoltafse oceulto para Lisboa,
como executou , "fem fazer reparo em vários , e mani-
feílos perigos ,com que depois foi ameaçado. Unirão-
fe a eíles Fidalgos na aííiftêcia do Infante D. Miguel de
Menezes , Pedro Jaques de Magalhães , Gil Vaz Lobo,
Franciíco de Brito Freire, Pedro Fernandes Monteiro,
éfeu fiJho Roque Monteiro , Pedro Vieira da Silva,
e Jofepkda Fonfeca , que da aííiítencia de Ourem lia via
pafsado oceulto a Lisboa , e com zelo , e utilidade em
negócios , que fe tratavaõ , aíliítia ao Infante. OCon-
de da Ericeira ,e Joaõ de Saldanha , que ie achavão e.n
Santarém , foraô chamados do Infante, e á fua obediên-
cia eftavaõ no Porto o Conde de Miranda , e feu irmãã
Luiz de Soufa , e na Província de Trás os Montes o=
Conde de S. Joaó , feu irmaõ Francifco de Távora, fea
cunhado D. Miguel da Silveira , e todos os mais Offí-
ciaes , e Soldados entregues voluntárias , e inseparavel-
mente á direcção do Conde, e á juíliça do Infante , que
livrava o reparo de qualquer infortúnio em ter i lua de-
voção Trás os Montes , e a Cidade do Porto , luece-
dendo obrigallo a violência d'E!Rey a fahir da Corte.
Neíle tempo teve noticia , que a notória razaõ Jo
feu íentimeuto naóera a todos manifeila , e para obviar
eíte inconveniente , deliberou dar conta aos Tribunaes,
ao Senado da Camera , e á Caía dos vinte e quatro , das
razoens juílificadas da fua queixa, e de tudo quanto tifa
Via repintado a EIRey: eao meímo dia , em que
fora®
: PARTE II. LIVRO X/í. 4B3
ibraõ eítes papeis , mandou recado aos Co n telheiros de Armo
Eftado , e ajais Nobreza da Corte , que viefsera fallar- ,
|íie ,, e a todos os que chegarão á fua prefença , infor- ow/'
mou com vivas razoens , e .agradável eloquência indi-
vidualmente de todos os accidentes , e circumílancias,
que haviaõ acontecido na controversa , que a todos era
Notória , e que tanto embaraçava a boa direcção do go-
verno , e o conveniente focego publico. Naõ houve al-
f um , ainda dos mais dependentes dos favores d'E!Rey,
que naó conhecefse a jiiílificada razaò do Infante, prin-
cipalmente chegando ao ponto de expor o fentimento,
com que fe achava, de fe armar o Paço , de fe verem
formadas as tropas da Corte , fem íe lhe participar a
cauía detao defufado movimento jexçefsp » que enca*
recia com taõ arrezoada dor,que atHrmava o havia obri-
gado aquella afíiicçaõ a def prezar totalmente os repeti-
dos avizos , que fe lhe haviaõ feito , para refguardar a
-jua peísoa do perigo de hum veneno ; porque eíhma-
,va muito mais a immortalidade da opiniao,que a da vida
temporal, e caduca.Chegou a EIRey avizo do caminho,
que o Infante utilmente havia tomado para fatisfazer
cabalmente a toda a Corte, e por confequencia a todo o
Reino da juftiricaçaõ do feu procedimento , e a conle-
Ihado dos que mais familiarmente lhe aííiíliaõ, ordenou
ao Marquez de Marialva-, ao Marquez de San de , ea
■Ruy.de Moura Telles foísem dizer ao Infante da lua
.parte, que fem dilação alguma lhe manifeítafsea pel-
foa , de quem foubera , que fe confpirava contra a Jua
vida, para fer juridicamente examinada , e que íem du-
vida alguma mandaria caftigar ao dilinquenre conven-
cido, ou ao delator falfario, e que era razão, que enten-
defse,quanto convinha á confervação do Reino a focie-
-dade de ambos* Ouvio o Infante eíla propofta com im-
paciência , entendendo , que todas as fatisfaçoens , que
fe pertendiaõ dar á fua queixa , eraõ cobertas de dinV
muladas politicas , pois fe lhe não deferia aofentimen-
to principal de fe armar o Paço , íem fe lhe dar conta,
e fe lhe ordenava, que defcobrifse a pefsoa , que aman-
te dalua vida , fe havia fiado da palavra Real-, quelhç
Hh 1 dera,
4«4 PORTUGAL RESTAURADO ,
Atino dera , de co»fervar o fegredo , em que confiília a fegu-
1667 . ran<*a do delator y Pois ? ou fenda falfa , cu verdadeira
'' *a noticia, que dera, fendo defcoberta, íempre eíhva èi£
pofto a padecer a ultima mina » e por todas eítas con-
fideracoens refpondeo o Infante a EÍRey , que por va-
rias vezes havia reprelentado a Sua Mageílade a razão
do leu fentimento , e difficuldade de fe tratarem maté-
rias taõ graves, fubfiítindo o Conde de Caílello-Melhor
no lugar, queoccupava j porque como era já notório
ha ver-fe feito parte por repetidos aãos em todos aquel-
les fuccefsos, naõ era poffivel fem defigualdade da juíti-
ça averiguarem-lè na fua prefença , achando-fe com po-
der abtoluto de primeiro Miniftro-,© dependentes do íèu I
favor , ou da fua paixão- todos os queliouvefsem de fee
Juizes de matérias tao graves;
Voltarão os tres Miniítros com eíta refpoíta r e en~
tendendo-ie, que era ineontraftavel a eoníhmcia do In-
fante pelas diligencias , que havião efcolhido por me-
dianeiras daquella contenda, depois de vários difcurfos,
e differeites pareceres, feelegeo arefoluçao deman-
dar EIRey chamar a hum eongreíso os Canielheiros de
Eítado , o Chancelíer mor , os Defembarga dores do Pa-
ço , e os dos Aggravos , os Juizes da Coroa , o Procu-
rador delia , e o da Fazenda * e dous Miniftros de cada
hum dos Tribunaes, e que a todos íe lefse em publi-
co a propofiçao do Infante , eque livremente votaísem
a forma , em que EÍRey havia de proceder em nego-
cio de confequencias tão importantes. Julgou-fse por
precifa , e prudente a refolução , que o Conde deCaí-
telio-Melhor tomou de feguir eíta eítrada,entendendo,
que íe juftiíicava com o mundo, moítrando-lhe,que não
queria fer occafíaô de inquietaçoens publicas , nem va-
ler-ie da vozd'ElRey,para ufarde meyos violentos con-
tra a Real pefsoa do Infante , em que eíta vão livradas
todas as efperanças da fucceísaõ do Reino , que o Con-
de com muito reíra intenção defejava coníervar ; unin-
do-fe Juntamente aeíte difcurfo» prefumir, que não po-
deria haver Mtniítro na Junta , que não votafse a favor
dos feus intentos, e que relultando eíle efFeito daquel-
te
P ARTE II. LtFRO XII. ? *|f
le conerefso , ficaria livre da cenfura em qualquer par- Anno
tido , que tomais -t e como de fe naõ deivanecer eíle ,,
peníamento, imaginava, que havia de reíultar a lua con- / *
lervaçaõ, naõ perdoou a diligencia alguma para o faci-
litar , chegando ao ultimo ponto de fallar publicamen-
te a todos os Miniítros, que entrava õ na Junta, pedin-
do-lhe , que attendefsem á fua juftiça,e que aconlelhaf-
íem a EIRey, em cuja prefença haviaò de votar , o que
convieíse áconfervaçaõ do Reino. Juntos os Miniítros,
lèo o Secretario de fíílado hum papel feito pelo Conde,
cujo traslado he o feguinte :
Com aoccafiao^e Sua Mageftade mandar dobrar
íu mar das do Paço por razoem , que para tjjo teve , ejcre-
veo o Senhor Infante a Sua Mageftade huma carta , fa-
zendo-lhe prefente o fentimento , com que fe achava , da-
quella demonfiraçaõ , e pedindo-lhe , que pela culpa delia ,
e porque o Conde de Caftello -Melhor havia maquinado
contra afmvida , Sua Mageftade o excluijfe de f eu fer-
iai ço»
Em refpofta defta carta mandou Sua Mageftade de-
clarar ao Senhor Infante , que as prevençoens , de que fa-
zàa a primeira queixa , e de que formava culpa ao Conde ,
fe haviaò feito por mandado de Sua Mageftade \ e quanto
á fegunda , e fiava Sua Mageftade prompto para mandar
caftigar a pejfoa do Conde , como merecia tao grave , e
deteftavel crime, ainda imaginado ; porém que para o fazer
comjuftiça, era nece [fario preceder prova, e que para efte
efeito lhe nomeaffe a pejfoa , que lhe dera aquella noticia;
efuppofto , que fe entendeo por efta , e outras diligencias,
que a queixa do Senhor Infante e flava moderada , de novo
torna a inflar -, que precifamente he neceffano fer o
Conde depofto das fuás occupaçoens , e do grande po-
der , com que as exercita , fahindo da Corte aquellas
léguas , que parecer conveniente para fe fazer efte exa-
me ,' e que afjim deve Sua Mageftade mandar , para
que os mimos dos homens fiquem com a liberdade ne-
cejffaria, para entrarem f em receyo em tao grande nego-
- Hh 3 Suppofi
4Í6 PORTUGAL RESTAWDO,
ÀnnO Stippojlo o referido , quer Sua Magejlade , que Je
i6fv ^ diga i fe conforme a direito , fó pela dita queixa, p*
1 °°7* dêrã)ujlamen.te proceder adefierrado Conde , efujpenfao
do e^cer cicio do feu lugar , confiderando por huma par-
te ajatisfaçío honejla , e decente ,^mte convirá dar ao Se-
nhor Infante em matéria dejla qualidade \ e por outra
fe he ver o f mil o delião arguido , ponderando-fe a fide-
Iklade , fervkos , e zela do Conde , e a ojfenja do credito
dajuapejfoa, e família, no que também Vai intereffàda a
jujliça , e providencia i com que Sua Magejlade deve pro*
ceder em fimilhante matéria , para que depois Jenaõ ache,
que obrou f em baftante fundamento. E confiderando ou-
tro-fim o damno dos negócios publkos , decoro da authori- {
dadei^eal , confequencias * que pUderao refultar dejla no*
vidade com as Naçoens Estrangeiras , e muito principal*
mente com os inimigos dejla Coroa. E fe o receyo , que
fe aponta, da ajjijlencia do Conde , para que as tejlimunhas
deixem de )urar livremente , fe evita , fendo ellas exami-*
nàâas na prefença de Sua Magejlade. Que ef per a do zelo
dos Mmijlros , que votarem nejla matéria , o faceio com a
attençdo , que devem a feu ferviço , ao bem , efocego pu-
blico t á adminijlraçio da )ujliça , e d reputação da Co-
roa.
A forma deita propoíta ., em que não hia incluída a
fubítãcia das queixas do Infante com a individua l^dãdei
que elle as havia expofto a EIRey , foi caufa , que a
maior parte dòs Miniítros , que íe acharão na Junta ,
votafsem a favor 4a juftificação do Conde de Caílello-
Melhor , que com grande ardor havia procurado mof-
trar ao Mundo a lua innocencia,que em crime tão atroz
nunca foi culpado : e difserão , que o Infante não era
Príncipe íu premo , por cuja caufa não fazia a lua afser-
ção plenária prova,- e qwe o retífo, e fufpenfaõ do Con-
de de Caírello -Melhor , não lo era caítigo , mas caítigo
áf rtfntõío para elle , e para feus parentes ,• e que, vilto
(pç a culpa fe não provava , fe não devia executar íimi-
^ã$te caítigo ,-e fem prova legal não feria razão , que
fe díisefse no Mundo, que o primeiro Miniftro do Rei-
no
parte ii. ãima xu. 487
no confpiravacontfa a peísoa do Infante, único fuçcef- AnilO
for delle , de que necessariamente fe havia de feguir aí- , , „
fim o contentamento dos inimigos do Reino, vendo-o *0a/ »
perturbado , como a duvida dos aliados da Coroa , re-
conhecendo contra os íeus intereíses divididos os Vai-
íallos delia : e que EIRey devia pefsoalmente averiguar
aquelle caio , e fegundo o que reíultaíse do exame ,
que fe fizefse, feria o procedimento, que íe tivefse com
o Conde.
SepararaÔ-fe do concurfo deites votos Martim Af-
fonfo de Mello , Deputado do Santo Orneio , e da
Meia da Confciencia , depois Biípo da Guarda , João
de Roxas de Azevedo , e Fedro Fernandes Monteiro ,
dizendo , que EIRey devia mandarão Conde , que íe
aufentaiseda Corte ,* porque eílando nella com abíblu-
to poder , íe não poderia livremente tirar a devaç.i do
íeu procedimento } e que, íe acaío ie averiguaíse a culpa
arguida, íe procedeíse ao caíligo , de que cila foise me-
recedora ; e ie conítalse (como íe devia tuppór ) que eí-
tava innocente , foise reftituido aos íeus lugares com
prémios equivalentes ao Teu merecimento. Conformou-
íe EIRey com a opinião , que íeguiraó os mais votoá , e
lançando-fe a reíoluçaõ,que fevenceo,ordenou, que to-
dos a aííinafsem; porém eximi raó-íe deite preceito , e
deraóos íeus votos íe parados Pantaleão Rodrigues Pa-
checo, Franciíco de Miranda Henriques, Pedro Fernan-
des Monteiro , Martim Aííbnío de Mello, Joaõ de Ro-
xas de Azevedo , Mattheus Mouzinho Procurador da
Coroa, Joíephde Souia de Caílcllo-B ranço, Duarte Vaz
de Orta , e Domingos Antunes Portugal, e todos decla-
rarão , que aquelle negocio era taõ relevante , que ne-
ceffitava de maior exame , e de averiguação mais exa-
cta , para íe tomar nellQ a ultima reíoluçaõ 5 e os três,
que fe haviaõ íe parado no congreíso , lançarão os íeus
pareceres na forma , que haviaõ* votado : porém como
era maior o numero dos votos a favor da juíliíicação
•do Co nd e,baítiraô para EIRey approvar a lua opinião,
por cujo reípeito mandou dizer ao Infante pelos três
Confelheirosde Eítacjo acirua referidos, que conforme
Hh 4 a re-
Anno
1667.
Tomao armas
as tropas da
Certe.
4S8. POKTVGÃL •Bí.ESlJVtADO,
a refoluçao , que eftava afsentada, devia entender, que
as fuás queixas naõ tinhaó vigor, para que dejiiítiça
feparafse da fua aíTiítécia ao Conde de Caftello-Melhor:
e ao mefmo tempo , que foieíle recado ao Infante,
mandou EIRey chamar aos feus Gentis-homens da Ca-
mera , a toda a Nobreza , e Prelados das Religioens , e
lhes difse , que eílava aconfethado pelos Miniftrosde
maior íuppoíiçao deEílado, e letras, que não devia
feparar da fua aíiiítencia ao Conde de Caílello-Melhor
pelas queixas do Infante, e que por juftas coníiderações
declarava , que aquelle pleito era feu , e não do Con-
de , e a muitos dos Fidalgos , a que EIRey fallou , pro-
hibio a aíliftencia do Infante ; e havendo alguns daquel- ^
les , a quem difse , que a caufa era fua , que com enge^
nhoía liberdade lhe refponderaõ, que não podiaõ duvi»
dar , de qué aquella caufa , fendo do Senhor Infaute *
era de Sua Mageílade > replicou , advertindo-lhes , que
não era aquella a razão , porque lhes fazia aquella lem-
brança ; e recolhendo-fe com excelíiva cólera , mandou
chamarão Juiz, e Efcrivão do Povo,e depois de eftron-
. dofos ameaços , lhes notificou o que havia refoluto : e
no mefmo tempo , em que fuccederaõ eílas admoeíta-
çoens , fe defpacháraõ Próprios a todos os Governado-
res das Armas , efcrevendo-lhes EIRey , e declarando-
Ihes a refoluçao , que havia tomado, e com efpeciali-
dade ordenou ao Conde deS.Joaõ, que não fahiíse
da fua Província , nem deixafse fahir delia peisoa algu-
ma , fem exprefsa ordem fua. E fuccedendo andar a Ar-
mada correndo a Coita, mandou EIRey, que logo fe re-
colhefse , e que eítivefse no Rio apparelhada , íem deí-
embarcar a gente de Mar , e Guerra , de que conítava a
fua guarnição , até fegunda ordem.
O Infante fem mais prevenção r que a da fua juítir-
ça , nem mais interefse > que a confervação do Reino,
conferindo a refoluçao , que EIRey lhe havia mandado
intimar , com todos os que mais familiarmente lhe affif-
tiao , concordarão , não podia haver perigo , nem acci-
dente algum , que o obrigafse a retroceder do intento
com tão forçofas confideraçoens premeditado \ pois EI-
Rey
PARTE 11 LIVRO XII 4*9.
Rey por disgraça univerfal obrava íem difcurfo , e os Anno
ieus preceitos naquella matéria ; encontrava* as utilida- . '_
des do Reino, expondo-o a perder rra pefsoa do Infan- luu/'
te a única efperança da lua coníervaçaõ ; e approvando
o Infante efte parecer cora valor invencível , e juízo in-
comparável, refpondeo a EIRey , o que contem o fe-
guinte papel ;
Senhor* Pelos Confelheiros de EJlado , o Marquez
ãe Marialva] o Marquez de Sonde , e Buy de Moura
rpllrr foi Voffa Maeejlade fervido mandar-me dizer , que
SZ ^ o Conde de Cafiello-Melhor não fa-
hiíTe delia Corte , vara o fim de apurar a verdade das mk
^íasqul^ ZXnCcu
res dos Letrados , que foi fervido mandar confultar, cu-
ias votos me trouxerao , dizendo-me juntamente , que
Voffa Maeefiade me ordenava , que me refolvefje arej- ^
vonder loto, por quanto o Reino nío podia efiar na per-
Zb^ofemWfe achava, e rec;fecjndo^uefm
ohrimdo a me accommoâar com a refoluçao de Voffa Ma-
geflade, como fiz em todas as 'minhas accoens, Pfffi>.JP
femwe me fica [alva a liberdade , para pedir a Voffa Ma-
Lflade cm todas as veras fe)a fervido tornar a mandar
tezar efia matéria-, pois fendo licito em negocio de menor
Importância , quanto mais o fera nefle , cu)as confeqnen-
ciaslevão infalivelmente a perder hum imico Infante , ir-
mão % fiÂjJimo vaffallo % Voffa Magefiaàe* E mjh
ro deftarefolucao, que o intento, a que fe encaminha ,
le averimar-fe a minha queixa com mao armada , que-
rendo-fe com a violência amedrontar os ammos, e dijpu-
tar-fe huma matéria civil , em que fe entrou a votar
comexquifitas diligencias antecedentes ajom de tambores,
e trombetas , vendo-fe no Congreffo a minha propoficao too
aprefjadamente , que alguns dos que votarão , amo
Iràerdo , como fe vè das declaracoens, fe/epois
fizer ao ,' e os que votarão a favor do Conde de Laj-
tello-Melhor , tomarão fundamentos contra a verdade ,
do que eu pedia , e contra o effeito , que de o confe-
rir rujultavas porque nem eu pedia , que o Conde
: ' Wn
49o PORTUGAL RESTAURADO,
Anno/^ àefterraffe , nem de Je acartar por alguns dias da af-
1667 fiflen?a ** V°Ba Mageflade % como eu procurava \\ fe
V*lhe fegwa perigo na honra , e nefie fentido ficava fa-
ttsfeipa a pifliça } porque fe acafo fe provajfe a fua
culpa , jujhera , que perde fe honra , e vida,- e quan-
do fe não avenguaffe , tornaria para o feu lugar mui
to mais acreditado , do que fe apartara delle. O que
fuppoflo , parece , que com preffa , e perturbação fe
tonfideraráo os fundamentos de tdo grave negocw ,• e
deve-Je inferir , que melhor o penetrarão os Douto-
resMar um Affonjo de Mello , Jodo de Roxas de Aze-
vedo , e Pedro Fernandes Monteiro , mofirando ejls
ultimo com a pratica de vinte e fete annos , que tra-
tou o crime da Mageflade ofendida , o exemplo de
Francifco de Lucena , que bafidrdo as queixas de al-
guns Fidalgos particulares , para fer poflo em cufto-
dm em huma prizaõ) e refolve-fe agora , que naõ baf-
ta a minha queixa , para que o Conde fe retire das
fuás occupacoent por alguns dias , deixando por de-
fenfor da fua innocencia , naõ menos , que o favor >
e grandeza de Voffa Mageflade, e a feus Reaes lados
feus parentes * confidentes, e feituras , cujo numero
accrefcentou nefie mefmo tempo a perturbação publi-
ca , achando , que era melhor ficar com a nota , de
que fe dejviava da averiguado , que por-fe em hum
perigo da prova ; e confeguw , que Voffa Malfade
aeclarajfe fer a fua caufa particular , própria de Vofja
Mageflade , fendo eu o contendor queixofo ; mojiran-
do Voffa Mageflade nefla refoluçaõ , que faõ os inte-
rejjes do Conde infeparaveis da Coroa , ainda a ref-
peito meu , único Infante , e ho)e immediato fuccef-
for de Vofja Mageflade em quanto d fuccejjaõ , que
efpero ha Vojfa Mageflade de confeguir o náo alterar ■>
e crefcendo de forte o favor , que Vofja Mageflade líoe
faz , quefobw a prohibir Voffa Mageflade , que mio
-viefem ajfifiirme aquelles Fidalgos , que o cofiuma-
vao jazer , armando-fe com nota da minha peffoa , e
de toda a Nobreza , o Paço , e a Corte com Cavai la*
na , e Lnfanterm ,' jufiificando-fe agora aquella minha
primeira
PARTE II. LIVRO XII. 49*
primara queixa, que pofio que\Voj]a Magejlade er> Armo
tende ffe fora outra a canja ^verifica o fuccefjo , que .
aquelle jeria o pretexto, com que Vojja Magejlade fo- 10 07.
ra perfuadido ,' pois com evidencia fe alcança , que fao
contra mim as armas , que fe preparaõ ,' porque , ou eufou
author , e caufa de motim , ou entro no perigo dclle > Se
o primeiro \ contra mim fe tomaõ as armas : fe ofegun-
do ; eu fou huma das peffoas Reaes , a quem fe havia
de defender, por cuja caufa devia Vojfa Magejlade man*
dar-me chamar, para me advertir, que me feguraffe do
perigo, que nos ameaçava, e para me mandar, quefqf*
fe a primeiro , cfue ajfijliffe á defenfa da Cafa Real , e
aefte pajjòfe me devia dar parte , de que por cr ef cero
receyo,fe acere fcentaõ as prevençoens no augmento das ar-
mas. Ecomo todo o procedimento de fie fuccefjo tem fido
taõ contrario , venho claramente a conhecer , que todo
efie ruidofo efirondo das armas ke contra mim , e que por
minha caufa á vi fia da Nobreza , e povo de fie Reynofe^
atemoriza , e perturba o ej£do politico , para que fe naÕ
obre com o yuizo livre em huma caufa , em que he parte
bum irmão de Vofja Magejlade. Porém , Senhor , a for-
tuna de fie titulo , e o alento de fie fatigue me fazem dej-
prezar as armas, que ameaçio , e fendo táo efiimavel ,
rafgara as veas para o efgotar , fe não corre j ponde ffe ás
obrigaesens , com que nafei , para imitar os Reys pro-
genitores de Vojfa Magejlade. E por conclusão torno
com todo o devido rei peito a fegurar a Vojfa Magef-
tade,- que fe Vofja Magpfiade for fervido rdfobver , que
fe me negue o que tenho propoflo , ftín' falta algu-
ma buf corei em domicilio atheyo a igualdade da )ufiiça9
que me falta na Pátria própria , onde ao menos te-
rei fegura a minha vida , a dos meus criadas, e a das
mais pejjoas , que género famente pertendem acompmhar-
me , e terei por premio defembaraçar o Reino , e Vaf-
fallos de Vofja Magejlade da perturbação , que pade*
cem.
Logo que o Infante remetteo a EIRey o papel re-
ferido, tendo reibluto perfiílir na Gorte-Real,coníide-
rando
4pi PORTUGAL RESTAURADO,
Ànno ran^° as dificuldades de confeguir, o que tinha intenta-
,, do , com o voto do Conde de Sarzedas tomou a ultima
I Oõ/. reíòluçaõ de mandar dizer a EIRey, que fe não feparaí-
le o Gonde de Caítello-Melhor , íe íahtria da Corte r e
foraõ as razoens , em q íe fundou o Conde de Sarzedas,
•que depois de ir o primeiro papel , em que elle não ti-
nha votado , aflim por entender, queeraõ poucasarmas
as de hum papel para tão grande empenho , como por-
que Sua Alteza arriícava o feu refpeito , fe naõ execu-
tava o que nelle propunha, eítava Sua Alteza já obriga-
do , a que fe EIRey não feparafse de fi o Conde de Caí-
tello-Melhor,devia de partir-ie da Corte para a Provin-
da de Trás os Montes , entendendo , que o Conde d©
Caítello-Melhor era tão zelofo do bem publico , que
não havia deixar, que chegafse a guerra civil a elle rom-
pimento. Os Condes da Torre , e Villar-Mayor fegui-
raõ o mefmo parecer , reconhecendo, que quando o In-
fante chegafse a partir para a Província de Trás os Mo-
tes , podia nella com mais focego tratar , do que inten-
tava executar na fua partida para fora do Reino , jul-
gando o receptáculo daquella Província pelo mais con-
veniente , e pelo maisfeguro ,• porque no Conde de S.
]oão , a queaíliftiaõ feus dous irmãos Miguel Carlos , e
7rancifco de Távora, e feu cunhado D. Miguel da Sil-
veira com os póílos mais fuperiores , concorriaõ todos
os requefitos relevantes para osintétos decorofos do In-
fante , e todas as pefsoas nomeadas , que lhe aíliíliaò ,
fe 4ilpuzerão a acompanhallo até os últimos perigos da
vida, e a mefma oíferta lhe fizerao o Conde de Mirada,
e feu irmão Luiz de Soufa , que feachavaõ na Cidade
do Porto, pedindo-lhe o Conde licença para fe defobri-
gar da homenagem , que tinha dado a EIRey daquelle
governo.
Foi manifefta na Corte a refoluçaõ do Infante > e
de forte fe introduzio nos ânimos da Nobreza ,} e povo
o ardor , e zelo de fe atalhar eíta ultima calamidade do
Reino i que chegou a fer jufto o receyo de fe declara-
rem eftes aíFectos em périgofo rompimento: noticia, que
obrigou a EIRey, pafsados dous dias, aefcrever hu-
■ - ' ma
TAKTE II. LIVRO XII. 495
ma carta ao Infante com exprefsoens muito carinhofasj Alino
porém fem lhe orTerecer partido algum, que fuavi- - >,
zafse a refoluçaò , que eítava afsentada , demonítraçaõ, * VQ/*
que de novo fez conhecerão Infante , que todas as dili-
gencias eraò excufadas , por cujo reipeito refpondeo a
ElRey com o ultimo defengano da fua partida.
Nefta grande confufaò íè achava a Corte , e neíte Fomentai &s
embaraço toda a Monarquia , fendo diverfos oseffeitos, Gj/Mj™ a
que produziaõ eftas perigofas controverfias , (como he g^^'-
coítume em todos os negócios grandes do Mundo .-; Cltltas%
porque os intereisados avaliavaõ as acçoens a medida
das fuás conveniências, os independentes a favor dos
interefses públicos y e os inimigos prezos noCaftello,
Limoeiro , e mais cadcas do Reino , fundavaõ na guer-
ra civil naô fó a íua liberdade , fenaõ o novo cativei-
ro de Portugal a Caftella , e fomentavaô com exquifitas
diligencias as difsenfoens dos dous Príncipes, e a dei-
uniaô da Nobreza } fendo o veneno taõ mortífero, e pe-
rigofo , que por intentes fe receavão inevitáveis ruínas
com profunda mágoa daquelles , que havendo fido tao
pouco tempo antes não fó gloriofos defenfores da li-
berdade da Pátria , fenão diífipadores das maisrobultas
forças de Caftella, vião desbaratar tantos triunfos he-
róicos dos golpes de emulaçoens intempefhvas, e de am-
biçpensdefordenadas; e crefcer de forte as efperanças,
que entrarão nos primeiros Miniftros da Rainha de Cai-
têlla da guerra civil de Portugal, que fuípenderaõ a
abertura da paz, que haviaõ dado entre as duas Coroas,
que defejavaõ como ultima faude daquella Monarquia.
Porém quando o aperto parecia mais irremediável , e o
perigo mais infaMivel , acodio a Providencia Divina
íempre propicia nos últimos parocifmos,por íeusoccul-
tos , e impenetráveis juizos ao Reino de Portugal , ínl-
pirando no Conde de Caftello-Melhor refoluçao,louya-
vela todas as. luzes , de ceder ás propofiçoens do Infan-
te^ perfuadido de negoeiaçoens prudentiílimas da Rai-
nnà* porque havendo conhecido aquela , em todos os
feculosvirtuofiirima, e difcreta Princeza, as coniequen-
das, que podiâo refultar daaufencia do Infante (de-
■' PQ.1&
49* PORTUGAL RESTAURADO,
Amo Pois <& ter P°r iafallivel a diípofiçaõ do animo do Con-
\Áúv 1e * mandou dizer ao Infante pelo feu Confefsor o Pa-
*LJ/' dreFrancifco de Ville da Companhia de Jefus, feper-
mittiria, antes de porem execução a fua jornada , que
ella interpuzefse a fua mediação , para ficarem fatisfei-
tas as juílas queixas , que publicava, O Infante conhe-
cendo, que nem podia faltar á obediência, e veneração,
qm devia á Rainha , e penetrando , que a Rainha (que
avaliava por prudente na) não havia tomado aquella
i-eloluçaôfem fundamentos folidos, que a deíerabara-
çAísem de tão grande empenho, refpondeo , queelle
eíiava prompto para obedecer ao preceito de Sua Ma-
geftade, à íufpendia a deliberação da fua jornada até íe-
gundo avizoíeu, proteftando obfequiofamente a íua
obrigação , e o feu agradecimento. Voltou o Confeísor
com eíta refpoíla , e a Rainha confiadamente entrou no
ajuítamento , que pertendia , por haver tido anticipada
noticia , de que o Conde de Ca ftello- Melhor reconhe-
cendo», que a deliberação do Infante fahir da Corte era
infallivel , e penetrando , que o povo opprimido dos
defacertos irremediáveis d<ElRey,e defenganado de ha-
ver de dar ao Reino fuccefsores,amava de forte as gran-
des partes do Infante , que havia de romper em furio-
íos^excefsos , fe vifse aufentallo da Corte; e juntamente
naó querendo desbaratar a gloria , que tinha adquirido
na defenfa do Reyno , em que havia tido muito prin-
cipal parte , fervindo de inftrumento da fua ruina , pe-
los quaes fundamentos fe refolvia a deixar aborte , e o
officio de Efcrivaõ da Puridade. Com eíia noticia orde-
nou a Rainha a Pedro Fernandes íMonteiro diísefse ao
Infante , que ella lhe agradecia aceitar a fua mediação,
e fufpender a fua jornada ; e que fuppoíto haver fido
o Conde de Caftello- Melhor principal obje&o da fua
gueixa , íeacafo elle tomafse a refoluçaó de fahir da
Corte i e ElRey o permittifse , em que forma queria o
Infante, que fofse: para que lugar, e como fe havia
defegurar a fua pe&oa: e que viíto dizer o Infante,
que retkando-fe o Conde de Caítello-M&lhor , deixava
aarbitrio da Rainha, o ajuítamento final daquella con-
trovertia,
PJRTE II. L1FKO XII. 49y
troverfia , queria entender ate onde poderia chegar o AllliO
efieito da fua mediação. , ,_
A efte recado* que Pedro Fernandes trouxe por ef- I007 •
crito ao Infante , reípondeo elle na mefma forma , di-
zendo , que reconhecia , que a Rainha com a fua Real
authoridade poderia fer fó quem reduzifse a termos pra*
ticos, e iodáveis os embaraços, e irrefoluçoens , em
que fe achava a confervaçEÕ publica •, e que neíta cer-
teza deixava á fua eleição declarar o lugar , que fedei--
tinafse para a aliiítencia do Conde , o tempo , que du-
rafse a fua auíencia , com attençaô a fer a diftancia , a
que fe coftumava arbitrar em fimilhantes caíos } e que
elle citava prompto para executar , o que Sua Magelta*
deíhe ordenafse para a legurança da peisoa do Conde,
e que logo que elle fahiise da Corte , na eleição' de
Sua Mageitade deixava tudo , quanto Sua Mageftade
difpuzeíse em ordem á confervaçaõ do Reino , e íoce-
go publico. Recebeo a Rainha eíta refpolta do Infante,
e conhecendo, que naõ convinha em os negócios de taõ
grandes coníequencias enfraquecerem-fe as forças das
negociaçoens com os perigos das demoras-, no melmo
ponto , que recebeo a refpoíta do Infante , a mandou
communicar ao Conde deCaftello-Melhorj e tendo por
indubitável a fua refoluçaó , tornou a mandar por eleri-
to dizer ao Infante , que agradecia á deliberação , que
havia tomado de íe conformar com as fuás difpoíiçoens,
lhe pedia quizefse declarar debaixo da fua firma Real ,
que depois da fahida do Conde da Corte feguraVa a
lua pefsoa , e honra >e que na matéria , e fundamento
da queixa do Infante fe naõ fallaria mais em tempo al-
gum , e que remettendo-lhe a carta na forma propoíta,
fahiria o Conde infalivelmente da Corte > porque ava-
liava pela maior fortuna do mundo confeguir a fua
fraca, e que para o fazer mais dèfembáraçadamente ,
efiítia do oíiicio de Efcrivaõ dà:Punidade , e afim lho
mandava exprefsamente declarar.
Refolveo o Infante a naõ alterar a refoluçaó , Cjue
havia tomado , de feguir , o que a Rainha difpuzeíse
aaquellè negocio, fem lhe íervir de embaraço a certè*
49$ PORTUGAL REST JURADO,
A nno za s de q EIRey eítivera deliberado a faliir da. Corte in-
1667 C05a[t.° com ° Conie de Caílello-Melhor,e os mais que
/• lhe aíliílião , determinando pafsar á Provinda de Alen-
tejo i porém que na hora , em que fe havia de executar
efte intento, fe arrependera, dizendo» que poderião fal-
tar-lhe aquelles divertimentos , de que era razão que
fugifse.E pafsando o Infante com geaerofidade , e con-
ítancia por todos eíles intempsítivos accidentes, refpon-
deo á Rainha, que reverentemente proítrado aos pés de
Sua Mageftade lhe agradecia a grande honra , e mercê,
que lhe tinha feito em querer , que com a fua autho-
ridadeRealfeajuftafse taõ importante negocio , eque
na forma da ordem de Sua Mageftade remetia a car-
ta para a fegurança do Conde de Caftello-Melhor ; e
que no mais que ficava por executar,eftava diípofto para
leguir, oquefoíse conveniente ao ferviço d'ElRey ,
coníervaçaò do Reino , bem , e quietação dos vafsaU
los.
Dizia a carta , que foi junta ao recado porefcrito:
Lego que Voffa Mageftade houve por bem querer entrar
«efte. negocio , mepoz na obrigação âe haver de obedecer a
Voffa Mageftade •-, como Voffa Mageftade foffe fervida ,• e
Satisfazendo áquella parte , que Voffa Mageftade me man-
da , dequefegureapeffoa, e honra do Conde deCaftello-
Melhor, prometto a Voffa Mageftade debaixo da minha fé,
de naÕ intentar contra ellas cowJa> que asoffenda. E em
ordem a efte fim, e que elle Conde conheça quam poderofa
foi a mediação de Voffa Mageftade , quero , que na minha
queixa je ponha perpetuo filencio , cmio feanaõ houveffe
intentado. Deos guarde a Real pejfoa de Voffa Mageftade
largos , efeVices annos*
Eraõ onze horas da noite quando chegou á Rainha
a carta do Infante ., e no mefmo ponto , que a recebeo,
a mandou ao Conde de Caftello-Melhor ; o qual tendo
por infalíivel que o Infanta niô havia de pôr duvida
a mandalla , eftava prevenido para íahir da Corte , e no
ineímo tempo, que a carta lhe chegou, foi áprefen-
çad< EIRey a lhe dar noticia dos motivos da fua refolu-
Çaõ;
PARTE II LIVRO AU 497
çao -j e explicando-lhos com todo o acerto, e pruden-^riilo
cia , reconheceo nas fuás defattençoens tao ponco ien- ,,
timento da Tua aufencia , como fe naõ tivera memoria I"ô7*
dos grandes fer viços , que havia feito ao Reino , e do
grande affeclo, de que particularmente lhe era de vedo rj
porque o havia introduzido no governo do Reino fem
capacidade para o governar , fuítentando-lhe a Coroa
contra o formidável poder de Caftella, fem intervenção
do feu alvedrio , e tendo poucas efperanças de dar ao
Reino fuccefsotes , valendo-íe das remotas, que po-
dia confeguir , lhe agenciou o leu cafamento $ e álèm
deites grandes benefícios , haver-lhe feito outros fervi-
dos domefticos , taõ relevantes, que mereciaõ diffe-
rente fatisfação. Experimentando o Conde de Caítello-
Melhor efte penetrante golpe da fortuna inconftante,
fahio da prefença d'ElRey , dizendo , que elle fe au- s*f?
fentava da Corte , e immediatamente fe poz a cavallo °tJ0
fem mais companhia , que a de alguns criados , e com-
boyado da Gavallaria fez alto no Convento dos Reli-
giofos Arrabidos de Nofsa Senhora dos Anjos , fete lé-
guas diftante da Corte. Deite lugar defpedio a Cavalla-
ria , e naquelle dia teve fim o feu grande valimento ,
e principio a fua grande peregrinação ,• porque depois
de andar algum tempo incógnito em Portugal , pafsou
incógnito por Caftella a França , de França a Saboya, e
de Saboya a Inglaterra ; e em dezoito annos , que efte-
ve aufente da fua Pátria , naõ fez acçaõ , que naõ fofse
encaminhada aos interefses, e gloria do Reino /prin-
cipalmente na aíliítencia da Rainha de Inglaterra,quan-
do a fúria dos Hereges fe conjurou contra a fua irino-
cencia , e incomparáveis virtudes. Acreditarão a igual-
dade do feu procedimento varias cartas dos Príncipes,
em cujas Cortes aífiítio, como fejuítifica sm huma da
Duqueza de Saboya para a Princeza fua irmãa de dea
de Outubro de 1675. na ^^ louva ° feu grande zelo,
e attenção aos interefses de Portugal , e pede com inf-
tancia , que lhe feja permittido o defcanço de fua cafa.
O meímo acredita com maiores exprefsoens EIRey Car-
los I. de Inglaterra, em huma carta de maó própria, que
li efcre-
498 PORTUGAL RESTAURADO,
Annaeícreveo ao Conde a vi ate de Ma 70 de 1677. na qua!
1667 J]le aíseSura cora o tratamento de Primo, e outraí
S ' • particulares honras a eítimaçao , que faz da permiísaó,
que o Conde teve do Príncipe D. Pedro para poder ir
vivera Inglaterra. E em outra carta para o meímo Prin-
cipe de vinte e quatro de Janeiro de 1678. faz huma lar-
ga narração dos grandes ferviços, que o Conde fez á
Seremílima Rainha da Gram-Bretanha , e pedefe-lhe
permitta o deicanço da fua Pátria. Da mefma fubftancia
iaõ as cartas de Monfieur de Lione , Secretario de Eíta-
do d'ElRey de França Luiz XIV. e em todas ie confir-
ma a grande eítimaçao, que fe fez em todo o Mundo da
pefsoa do Conde, e da grande adividade, e definterefse,
com que concorreo para a defenía do Reino no tempo
da fua fortuna, e fumma moderação, com que tolerou a
lua diígraça.
Paísados alguns aanos , havendo o Conde de Caíld-
lo-Melhor lolicitado^ por varias vezes voltar para o ío-
cego da lua caía, lhe concedeo EIRey D. Pedro , que
pudefse pafsar a viver na Ilha da Madeira com toda a lua
família \ e teve ordem o Conde da Ericeira , Author dei-
ta Hiítoria , que fervia a occupaçaó de Veador da Fa-
zenda da Repartição da índia , e Armadas, (e que cora
grande calor íolkitava o alivio do Conde na reítituiçao
da íua Patna ) para prevenir huma fragata de guerra ,
em que o. Conde vindo de Londres para o Algarve, paf-
faíse á Ilha unido com a fua familia : porém q\\q naò
aceitou eíta commodidade , e infulindo no leu reque-
rimento ,aju dado da intervenção da Rainha de Inglater-
ra , alcançou licença d<E!Rey no anno de feiscentos oi-
tenta1 e féis para voltar para eíte Reino, eafliítir na
kia Villa de Pombal com a fua familia , logrando EI-
Rey neíta deliberação a aceitação commua ; porque os
Imalados ferviços, que o Conde de Gaftello-Melhor ha-
via feito á fua Pátria , eraó merecedores fde naó acabar
a vida fora delia , e pouco depois U\q foi permittido o
viver em Lisboa.
^ Aufentedaaífiftencía d<ElRey o Conde de Caítello-
Melhor , çateadeo o lufaste , e todos os que ljieatfif-
tiâ&»
PARTE 11. LWRO XII. 499
tiaõ , que fem duvida cefsariaõ os movimentos , que tra- Anno
ziaõconfufo, e perturbado o governo da Monarquia; • •
porq introduzindo-fe o Infante na íociedade d'ElRey i007«
feu irmaô , poderia tomar poríua conta a direcção dos
negócios , deixando a EIRey toda a iuperficial authori-
dade ; e acodindo ao perigo, em que íe achava o Reino,
continuaria o governo delle, Hvrando-o da incapacidade
d<ElRey taõ manifeíla , que naõ formava difcurfo cer-
to em algum negocio , naõ fabia ler hum papel , nem
fazer hum final ; e com eíle virtuofo fim , fem pafsar o
Infante , nem as peísoas que lhe amftiaó , a outro al-
gum intento , folicitou por todos, quantos caminhos Penenâe « /»;
fe puderao deícobrir , congraçar-fe com EIRey, e apar-/-«^-f*r;
tar-lhe do animo todo o receyo ,e deíconriança, que mi^mepit0t
lhe tivefse introduzido : porém por mais apertadas , e
exqui fitas , que foraõ as diligencias , que o Infante fez,
todas fahiraõ baldadas ; porque EIRey alterado de va-
rias infpiraçoens , concebeo contra o Infante em taõ
luramo gráo os dous maiores oppoílos á iociedade , te-
mor , e ódio , que nem o dilcuriò lhe deixarão livre pa-
ra a dilfimiilaçaõj e fuccedendo pafsar o Infante da Cor-
te-Realao Paço , e pondo- fe de joelhos diante d* EIRey
para lhe beijar a maô , dizendo-lhe o gofto , com que
vinha lançar-fe a feus pés , e ailiíHr-lhe com o carinho,
a que o inclinava o feu aíTecro , EIRey naõ lhe refpon-
deo palavra alguma , e lo pedindo-lhe o Infante licen-
ça para fallar á Rainha , abaixando a cabeça , moftrou,
que lha concedia. Levantou-fe o Infante ,e vendo , que
a fua aíTiftencia fervia a EIRey de embaraço, emolef-
tia , pafsou ao quarto da Rainha a fallar-lhe , e agrade-
cer-lhe os eíFeitos da lua intervenção , e achou na lua
refpofta difcreta correfpondencia, fegurando-lhe conti-
nuar todas as diligencias , que fofsem úteis , para fe
confeguir b focego publico. Voltou o Infante para a
Gorte-Real, e defejando naõ faltar á aíTiftencia d<ElRey
com o fim de ir temperando a fua defconíiança , teve
pvízo da Rainha , que Jfe abftivefse de ir ao Paço , em
quanto durava a nova cólera , que reconhecia em EI-
Rey , incitada de todos aquelles homens de vil nafci-
li i isento»
:;í.
joo PROTUGAL RES1AURJDÔ,
Anti O mento-, que temiaõ na mudança do governo o caítfgo
1667 * **? feu5 8randes <íeK<aos.A«Íèm deíh advertência da Rai-
' n«a , fe manifeítáraó da parte d<ElRey outras demon-
Itraçoens, dequele inferio , que fe alterava o asdifpo-
íiçoens do íocego perteadido , dos que defejavaõ a con-
íervaçaõ do Reino * porque nos Terços , que eítavaõ ar-
rimados , efperando-fe , que tivefsem ordem d<ElRey
para fe recolherem aos íeus quartéis , fe dobrou o refor-
ço , e a cautela , e das patrulhas fahião indecentes amea-
ços contra osoppoítGS aos malefícios. Foi intenfiííimo
o fentimento , que o Infante , e todos os que lhe affi-
lhao ttveraõ deíle contratempos porque haviaõ perfu-
rmdo (comodifsemos) que com aaufencia do Conde
de Caítello-Melhor ficava totalmente cefsando toda
a-queÍÍ-COnt:,roverlia * e ° Infarlte tem embaraço pode- '
na aífiíhr , e aliviar a EMej do peso do governo,con-
íervando-lhe a veneração da Coroa , que naô pertendia
liíurpar-lhe , abraçando eíta opinião com tal efficacia,
eomo depois infalivelmente acreditarão as experiên-
cias»
Adoeceo neita occaáao Henrique Henriques de Mi-
randa, ©moítrou EIRey grande lèntimento dafua en-
fermidade , que naõ foi prejudicial aos negócios públi-
cos pela pouca fatisfação > que o Infante tinha das
luas diligencias , e ficiraô confervando o maior agra-
do d'ElRey o Secretario, de Eítado António de Soufa de;
Macedo ,, e Manoel Antunes , moço da Camera , de hu-
milde nafcimento , natural de Villa-Viçefa , déílro , ca-
vilofo , e apto para fuícitar defafocegos r e perturba-
çoens: porém como a capacidade dosdous fe não exten-
dia a tratarem com prudência as elevadas matérias , que
perturbava© o governo da Monarquia , crefcia de forte
a confufao ,. que todo o Paço, eralabyrintho dedefor-
dens .- porém naõ obííante toda a aversão j que EIRey
tinha ao infante r chegando-lhe noticia, de que era eí-
candalo univerfal a feparaçao , em que eftava com el-
le , por atalhar o perigo deíle rumor , períuadio a Rai-
nha , a que mandafse dizer ao Infante quizeíseachar-íe
em num Coníelho deEítado, queiejuntava* para fe
xonfe-
— ■
\66j.
PARTE LL LIVRO XII. joi
conferirem negócios de grande importanciás.Elegeo pa- Anno
ràeftacommiísaõ ao Conde de Santa Cruz, Mordomo
mor da Rainha , e chegando a dar o recado ao Infante,
ouvindo-o ; ponderou com útil coníideração a deíigual-
dade , que havia deite recado da Rainha ao avizo , que
antecedentemente lhe havia feito ; e fui peitando , que
poderia haver naquella novidade mais myfterio, do que
defcobria na íuperíicie , refpondeo por efcrito na for-
ma feguinte; Que por ordem da Rainha fua Senhora
trazia pelo Conde de Santa Cruz a vinte e dous do mez
de Setembro , que corria , ratificada , e aífignada pelo
meímo Conde , fora Sua Mageftade fervida mandar-
Ihe dizer quizefse abíter-fe de ir ao Paço; porque íenti-
ria que entre elle, e ElRey pudefse haver accidente,
que os defgoftafse", e porque íuppunha , que ao recado
da Rainha íua Senhora teria ElRey dado cofentimento,
fentiriacomo era juíto , que ElRey feu Senhor , depois
de lhe haver concedido a honra de ir a feus pés , fem
accrefcer caufa nova,queo íizefse indigno della,lhe pro-
hibiíse a felicidade de poder aífíftir todas as horas , ea
todo o tempo aos pés de feu irmão ^ feu pay, e feu Rey;
pena, que excedia a toda a culpa, não havendo commet-
tido outra alguma mais , que o cuidado incerto , com
que andava , não do modo , com que havia de agradar
a Sua Mageftade , mas de forma , com c\ue Sua Magef-
tade fe daria por bem fervido do feu afiè&o ; e que nef-
tes termos pedia á Rainha fua Senhora, quizeísepon-
derar,que fubfiftia aquella anterior coníideração de Sua
Mageftade do perigo de não fervir de agrado a ElRey
a fua aíTiílencia, nem o recado prefente dava por levan-
tada aquella prohibiçaõ geral, nem individuava ter cei-
fado a caufa delia, e unicamente era chamado como
Confelheiro de Eftado ; o que iuppofto parecia naõ ef-
tava capaz de aconfelhar a ElRey quem padecia a dif-
graça da fua indignação , ou folse com caufa, ou fem
ella : e que fuppofto , que fe achava prompto para obe-
decer a todas as ordens da Rainha fua Senhora , enten-
dia , pondo em igual balança o primeiro , e o fegundo
recado,que Sua Mageftade havia* de approvar a íua opi-
Ii z nião,
502 PORTUGAL RESTAURADO,
Armo nia° ' em °iuailt(> naó reconhecia no agrado d<ElRey
1 66 7 ^eU ^enílor a )uíta íatisfaçao , que devia ao muito , que
1 007« o amava , e ao deíejo , que tinha de eílar continuamen-
te aos pés .de Suas Mageílades.
O tempo , que íè dilatou eíla refpofta do Infante, fo-
raô á Corte-Real repetidos recados por moços da Ca me-
ra , dizendo , que o Confelho de Eílado eíperava pelo
Infante : porém naó querendo elle ouvir a tão indecen-
tes embaixadores , e conílrangido EIRey do empenho,
em que eítava , mandou efcrever huma carta ao Infan-
te , que lhe levou António de Mendoça , Coníelheiro
de Eílado , Prefidente da Mefa da Confciencia , Com-
mifsario da Bulia da Cruzada , eleito Arcebiipo de Bra-
ga^ , ultimamente Arcebiípo de Lisboa , que com grande
e/ficaeia defejava evitar a controverfia d'ElRey,e do In-
fante , não fó pelo focego publico , fenaô porque EI-
Rey havia chamado , para lhe affiftir , ao Conde de Vai
de Reys , que com igualdade , e prudência defejava me-
dir as íiíasacçoens pelos regulados paísos do acerto ; e
lhe aíHília também o Conde de Santiago, e D. Pedro
de Almeida, que facilmente ie ajuítáraõ com o Infante.
Dizia a carta :
Minto honrado Infante , e multo amado , e prezado ir-
mão ■ Eu El Rey vos envio a f andar , como aquelle , a que
muito amo , e prezo. Pareceo-me ordenarvos por ejía car-
ta , que venhais hoje fallar-me , e e filmarei , que feja lo-
go , porque vos quero mofirar , e que todos entendaõ , como
he ramo , a efihnaçáo ,. que faço da vojja pe/Joa , conforme
as obrigaçoens , em que me põem ofer vojfo Rey , e vojfo
ir ma''* ,e ter vos emíugar âe filho, Defia maneira Ireis con-
tinuando na forma , que me reprefentou da vofia parte a
Rainha, minha febre todas muito canada, e prezada mu-
lher.
Recebida eíla carta , entendco o Infante , que naô
ppdia negar-fe á obediência d;E!Rey , iuppofto , que
conhecia , queaquella demonílraçaõera períuadida , e
naó voluntária ; porque os in linimentos , queopude-
raõ fer da conformidade , todo? eílavaõ de (temperados,
ediisonantes, e EIRey combatido dereceyo, e cdio
naó
t
PARTE IL LWRO XÍI. yo5
não fe deixava penetrar de terceiro affedo, que cora in- AtltlO
fiuencias mais benévolas desbaratafse os furio los im pui- x*{i7 ■
fos de coiítrarios taô tormeutofos , e o leu delatado dif- °7*
curíb , qual baixel fem Piloto naufragante, perigava
era qualquer tempeftade.Promptamente pafsou o lufan-
te da Corte-Real ao Paço com particular eitudo de per-
iuadir a EIRey a conformidade , de que tanto dependia
o focego do Reino. Não achou no ieuagazalho , nem
ainda o artificio de mudar de trato , ou de iemblante>:
porém caminhando pelas pizadas da prudência , não íe
abíleve de continuar a ailiítencia d« EIRey o tempo,que
íe interpoz ao dia , em que fe delcobrio novo acciden-
te , que deílruio todas as concebidas efperanças de con-
córdia.
Continuava a fuípensão de António de Sou la de
Macedo no exercido de Secretario de Eílado, pelo fuc-
ceíso acima referido , e todos aquelles , que aíliíliaõ a
EIRey , e que temião o poder do Infante , bufcavao
com intemperanças de prejudiciaes aíTecTros meyos pa-
ra fuílentarem a lua fortuna j e como António de Sou-
ía era avaliado por totalmente oppofto ás dispoíiçoens
da Rainha , e do Infante , introduzirão no animo d'El-
Rey , queoreílituiíse á lua occupaçao pelo caminho
de períuadir-á Rainha , que lhe perdoa Ise , e que fenão
convenceise a lua paixão com inílancias , lhe declaraf-
fe, que não devia cahir naíem-juítiça de extender ao
Secretario o prazo da lua aulencia mais tempo , do
que explicava o aísento do Coníelho de Eftado , que
o delterrara. Satisfeito EIRey defte parecer , fallou va-
rias vezes á Rainha , que tomando o jufto pretexto da
confervaçaó da lua authoridade , fe negou á permiisaó,
que EIRey pertendia , e com Real conílancia fe naó
deixou convencer das fuás exceffivas perfuaçoens. Vendo
EIRey , que era invencivel o leu intento com efta di*
ligencia , por juftiíicara fua reíblução, mandou moftrar
á Rainha o afsento do Confelho de Eftado , que conti-
nha as feguintes razoens : Propondo-fe aos Miivjlros
abaixo afjignados a pratica , que o Secretario de E (li-
do António de Souja de Macedo teve com a Ré-
li 4 nha
5o4 VOKWGAL HES7JV1MD0;
Anno nha nojfa Senhora , que confia do papel , que o dito Secre-
1667 tm° the °ffereceo 1 ecomo adita Senhora affirma , que o
Secretario lheperdeo o ref peito , pareceo , que nao obftan-
te)ujt'ficar-fe o Secretario, com que feria mal entendido
da Rainha mfja Senhora > pois fó ofeu zelo o efiimulara a
pertender difjuadir a Sua Megefiade , de que a Naçio Por*
tugueza procurava rej peitar , e venerar a Sua Mageâade,
enaô encontrar a fita grandeza, como refere o papel, que
expiem efte fuccejjb. Por vários ref peitos deve Sua Ma-
gefiade mandar , que o Secretario de E fiado Je retire fora
da Corte por efpaço de dez , ou doze dias , e que nelles ve~
nha fervir ofeu oficio António Cabide j e que ElRey no (To
Senhor deve fazer prefente d Rainha nofja Senhora, que
executa efia demonfiraçdo fó por lhe dar gofio , e que em
fimilhantes occafioens fenío empenhe, pelas ruins confe-
quencias y que do contrario podem refultar á boa direc*
ç.io do governo , afiim de prefente , como de futuro. Us-
boa trinta e hum de Agofto denúl ef eif centos feffent a e
Jete. " * M
^ Chegando efte papel as mãos da Rainha , o lêo com
tao exceílivo pezar , que naó foi poffivel a toda a fua
prudência confeguir recatallo ; porque coníiderava, que
a fua queixa fora ao Cõfelho de Eftado taó mal enten-
dida , ou tao defprezada , que fe caftigara ao Secreta-
rio com a leve auíencia de dez dias , e a ella com huma
fevéra reprehenfao , não fó para o tempo prefente , fe
naõ para o futuro } e parecendo-lhe , que não convinha
aofeu decoro focegar-fe com aquella refoluçaõ , fez
hum papel , que continha o feu grande fentimento ,
procedido tanto do excelso do Secretario , como do af-
lento do Confelho de Eítado, por cujas relevantes cau-
faspediaaEllleydejuftiça, qu.e António deSoufáde
Macedo fofse julga do,e caftigado conforme as Leys ef-
tabelecidas contra os criminofos de lefa Mageftade.
Entrogou-fe a ElRey efte papel , e conferindo-o
com os parciaes de António de Soufa , afsentarao , que
El-Rey o recolhefse , e nao tivefse delle noticia o Con-
felho de Eftado, e que logo mãdaíse vir o Secretario pa-
' ra
w
PARTE 11. LIVRO Xfí. 505
ía o Paço a exercitar o feu orficio. Teve a Rainha prom- Atino
pta noticia deita reíoiuçaõ , e levada da pena , que lhe . ,
cuítou , tomou por expediente rçtirar-fe a hum apofen- 1UU/*
to interior, fem admittir mais communicaçaô , que a de
algumas Francezas ,• porque além deite motivo , e dos
que ficaõ referidos , fe multiplicarão taõ indecentes
ameaços d< EIRey , q íizeraõ preciia a refoluçao da Rai-
nha, para fegurança da fua authoridade. Accrefceo a ef-
ta taõ perigoía novidade manifeítar-fe o Secretario de
Eítado na caía > onde coítumava exercitar a fua occu-
paçaõ, aííiítido de numerola familia armada depiítolas,
e caravinas , e renovarem-fe com tanto myíterio as or-
dens aos Terços , e Companhias de cavallos , para que
eítiveísem todos promptos ao primeiro avizo, que ten-
do o Infante eíta noticia , e fazendo diligencia por ex-
pecular a caufa , lhe conítou , que EIRey determinava
feparar-fe com violência do enfado , e opprefsaõ , em
que fe achava , que lhe faziaõ parecer mais horrorofa
aquelles,queo defejavaô unicamente dominado das dif-.
pofiçoens dos feus interefses. Confiderando o Infante
os perigos deita reíoiuçaõ , e juntamente as grandes op-
prefsoens, que a Rainha padecia, reconhecendo ler-lhe
devedor, poucos dias antes do defembaraço das diffi-
culdades, e empenhos , em que eítivera, deliberou com
generofo impulib lançar fora do Paço António de Sou-
fa de Macedo , entendendo , que naõ eraõ os motivos
prefentes inferiores, aos que haviaó obrigado a Rainha
iiia mãy a apartar com heróica refoluçao a António de
Contes da aíiiítencia d'ElRey , e communicando eíte
jfeu intento a todos os que lheaíliítiaõ , uniformemen-
te o approvaraõ,e como para naõ mal-lograraqueliâ re-
foluçao , era neceísario naõ a deferir ,• porque fe não
^nticipafsem as prevençoens d' EIRey , fahio da Corte-
Keal , Quarta feira pela manhãa , cinco de Outubro do
tmno , que efcrevemos de mil e íeifcentos feísenta e
fete , íeguido da maior parte da Nobreza , e de muita
■gente do povo , queconcorreo áquella novidade. En-
trou no Paço , e achando , que EIRey eítava recolhido,
-efperou , que fe abrifse a porta da Camera. Tanto que
joá PORTUGJL RESTAURADO,
Ânno eíleve aberta , entrou , e íocegando a perturbação, que
1 6Ó7 recou!leCeo era E1Rey, com deraonftraçóes obíeqmoías,
/ -c reverentes depois de lhe parecer, que o havia coníe-.
gmdo, laefallounaiubftancia feguinte :
^snãcfaens » $enhor, que tem par objeão os intentos
dejinterejjaâas , e virtuofos , cofiumxo a introduzir nos
mmor , dos que as emprendem tão fegura confiança , que-
de] prezando a iniquidade dos f alfas rumor es\ bufe ão fá
nos acertos o premio dos feus intentos. Levado dejie ph«
piujo deliberei vir aos pés de Vo[fa Mogejlade a foliei*
tar na luz da razdo a claridade , de que necefjitào as tre-
vas, em que fe precipita o governo de fia Monarquia ,
conjuja , e de j ordenada pela infelicidade de chegara am-<
btçao dos homens , que fe introduzirão no governo politu
co , cegos da profperidade , a preferir as conveniências
particulares aos intereffes públicos , ordinariamente caiifa
total da defrmçío dos Impérios. Nao duvido eu , que as
foberanas intençoens de Fofa Magejlade concorre [Tem fem-
pre para os maiores acertos , mas também conheço , que
os aãos virtuofos , nío fe lhe feguindo execuçoens con-
venientes , qual fé Jem obras , fe exhalao nos difeur-
J 'os , como luzes de relâmpagos noãurnos , que mofirão
os ejlragos das t empe fades, deixande-as mais horror o-
Jas, Exaltou a Providencia Divina as Armas de fie Rei-
no a gloria tão Juperior , que efquecidas as viãorias em
todos os feculos celebradas , venera o Mundo -, como as
mais fubhmes , as valor of as acçoens dos Vaffallos gene*
rofos de Vojja Magejlade , que venturofamente temeon*
fegutâo conhecer todo o Unherfo , que a paz , ou a guer-
ra, dfa Coroa depende da deliberação de Vojfa Magef-
tade. Sendo pois, Senhor , infallhel 'efe difeurfo, como
poae fer razão , que imprudências fem freyo , e refolu-
çoens fem ordem , foçobre no porto feguro da fortu-
na o Baixel deflroçado da Monarquia', e como fera )iif-
to , que vaffallos tão merecedores de prémios , e de
triunfos padeção violências , e ca figos pelas intem-
peranças do governo politico l Efia grande calami-
dade intentei atalhar , logo que a comecei a conhe-
ceri
w*~
PAR.TE 77. LIPRO J1L jo7
ter , fem outro algum fim mais, que o ob)ecwfias obriga* AntlO
çoens , e>n queme pozoReal Jangue de JroJ]ã Magefiade, , ,
de que a minha vida felice mente Je alimenta^ propofiçio l()^7*
tao verdadeira , como )ufificxo , náojo os fuccejfos paf-
fados i fenio o cafo prejente \ e ni9 dej merece quem tan-
tas vezes tem expofio aos últimos perigos a própria Jegí.-
rança , por exaltar a gloria de Voffa Magejiade , que dan-
do Voffa Magejiade credito áfynceridade , com que proce-
do , fie accommoâe alguma vez com o meu parecer , e na ef-
per anca de que hei de alcançar de Vofij a Magefiade e fie , e
outros favores , me animo de pedir ajeus pésjeja fervi-
do per nvtt.r •> que António de Soufa de Macedo , que in-
dignamente exercitou cecupaçao de Secretario de Efiado na
çccafiáo , em que a Rainha minha Senhora )ufiamente fe
ofende o dos f eus exeeffos , fahindo fora de fia Corte , fe
retire dos olhos de todos os que yjfiamente fe irritaõ da
efeandaloja afiifiencia , que nefie Faço continua. Com efia
dcmonfiraçio a todas as luzes preeijas fatisfard Vojfa
Magefiade á \ufi ficada queixa da Rainha minha Scnijc-
ra, e aplacará o feu arrezoado fentimento , Jocegar-
fe-kw os ânimos de feus Vdfjallos coléricos de tao pe-
rigo] os dejeoncertos , . tomarão forma os negócios pú-
blicos , ter do direcçio as dfpofiçoens militares , e to-
dos com amor , e zelo ajfifiiremos a Vc[fa Magefiade ,
para que fem a menor occafiáo de pena , nao jó logre ,
mas dilate a gloria , que tdo airofa , e fcíiccwente lhe
tem adquirido as heróicas acçoens de feus valorofos Vaf-
fallos.
Eftas razoens que o Infante proferio taõ fe rvo ro-
la , ecadnhoíamente , que pude raõ domeíticar a mais
indómita ferocidade, produzirão em ElRey tao contra-
rio eííeito > que oceu pado de cólera implacável, pedio
aeípada, que não havia poíío na cinta , com taõ deí-
ordenadas vozes, que fe ouvirão nas mais exteriores an-
tecameras. O Infante qne havia por Divina influen-
cia ligado os incentivos do valor aos documctosda pru-
dência , atalhou eíce excelso com impuliò heróico , ti-
rando a efpada da bainha , e ofFerecendo-a egregiame.n-
■jo8 PORTUGAL RESTAURADO,
Anho te a EIRey , , lhe diíse : „ Senhor , íe Vofsa Mageftade;
1667 "neceíIita da efpadapara fatisfaçaõ de alguma inad-
/ * „ vertencia da minha iynceridade , aqui tem eíla pa-,
„ ra deíafogo da lua paixão .- fe determina empregalía
„ no caftigo de alheyos deIiétos,eu ferei o melhorexe-
7, cutor dos feus preceitos. Refpondeo EIRey a taó de-'
coroiosf obfequios com palavras taõ indecentes, e impla-
caveis,que as naô puderaô atalhar as inítancias dos que
eítavao prefentes,que pertenderaõ moderalasje de iorte
creíceo o ruido , eaconfufaõ, que chegando noticia
a Rainha da perturbação , qUe havia no quarto d 'EI-
Rey, determinou varonilmente remedialla , e com
eíte intento paisou do feu quarto á Camcra , onde EI-
Rey , e o Infante eílavaõ ; e empenhando todo o feu
elevado diicurfo em expender prudentiííímas razoens,
na5 podeconfeguir, que EIRey íemoderafsej porque
havia imaginado , que o Secretario de Eirado era mor-
to , repetindo muitas vezes , que todos os comprehen-
didos naquelle delido haviaõ de pagar o excelso do ho-
micídio, Desfez eíte engano o Duque do Cadaval , que
eítava prefente,- porque entendendo que era necefsario,
para aplacara ira d'ElRey, trazer á fua prefença Antó-
nio de Soufa de Macedo , fahio a bufcallo , e achando,
que obrigado do temor de perder a vida,eítava fechada
em huma cafa,bateo á porta. Duvidou António de Sou-
fa abnlla : porém tirando-lhe o Duque com a fegu rança
da fua palavra o receyo , que tinha de perder a vida , a
fe manifeítou com a eípada na cinta , e hum Chrifto na
mao. Períuadido do Duque , fahio com elle para o con-
duzir á Camera d'ElRey por entre o cocurfo da Nobre-
za , e Povo, que eílava ho Paço ,• porém alteraraô-fe de
forte os ânimos , dos que julgavaó ao Secretario cau-
fa de tão perigofa perturbação, que reconhecendo o
Duque a occafião deftearrifcado rumor, levantou a voz
com valoro fa authoridade,e difse : António de Soufa vai
comigo ;e bailou eira acertada advertência , para atalhar
todo aquelle impulíb , e entrando com o Secretario na
Camera d'ElRey , o deíenganou , de que naó era mor-
to y mas não lhe aplacou a paixão , porque continuou
com
V ARTE 11. UVRO XII. fo9
com o mefmo excefso ,* e entendendo a Rainha , e o In- Afino
fante , que era o remédio mais próprio , para defafoga- .,
rem a cólera d'ElRey , deixarem-no fó com o Secreta- ' *
tio , prefumindo juntamente, que o Secretario penetra-
do do perigo , a que eftava expofto , pede na a EIRey
licença , para íe retirar a fitio mais feguro , íahiraõ da
prefença d' EIRey para a antecamera immediata , e a
Rainha íe recolheo ao feu quarto. Paisado algum eipa-
ço , íe levantou huma voz incerta entre todo aquelle
concurfo de que eltava focegada aquella contenda , e
de forte crefceo o rumor , que voltou a Rainha ao qnar-
to d* EIRey a tempo , que elle íahia da fua Camera
com o Secretario , e poríuadido do feu confelho , levou
para huma das janellas , que cahem para o terreiro do
Paço , a Rainha , e o Infante , com intento de per-
fuadir ao Povo , que eftava no terreiro , que nao havia
defuniaõ alguma em damno da coníervaçaõ do Reino.
Applaudiraó as vozes populares efta demonftraçaõ , e
recolheraõ-íe osPrincipes dajanella ,• porém como to-
dos eftes remédios eraò iem fim determinado , aggrava-
vaõ por inftantes os males,que recrefciaõ,fendo da mel-
ma natureza huma voz, qusfoou, repetindo, que EI-
Rey perdoava a todos. Foi o Conde de Sabugal o pri-
meiro , que fe offendeo deite intempeftivo indulto , e
com valorofa , e illuftre refoluçaô replicou diante d'El-
Rey , dizendo : Perdoo naõ ,* mercê ,fimt Refpondeo-lhe
EIRey , que perdão , e mercê ,• e naõ tolerando o Con-
de efte compofto , tornou a repetir , que fó queria fim-
pks mercê.
Recolheo-fe EIRey para o apofento ,• de que havia
íahido , e quando os ânimos de todos osqueficavaõ e.C-
perando o defenleyo de tantos embaraços,fe occnpavaô
com maior elficacia noreceyo, de que EIRey acompa-
nhado da muita gente armada, que lhe aíiifíia ,rompef-
íe em algum notável excelso ,• nem EIRey conheceo o
perigo em que eftava , nem os que o feguiaò , fe atreve-
rão a livrallo delle. Vendo por conclnfaõ o lnfante,que
EIRey femadmittir confelho fe obíHnava na- perfiften-
«ia de António deSoufade Macedo na fua oecupaçaõ*
pubUr
,1
yio PORTUGAL RESTAURADO,
Afino publicamente difse , que eítava no Paço , e que não de-
\f&-? tsrníimavaíaa*rdeIIe * ^em executar o que juítamen-
1007* te h^ia emprendido. Ghegou eíta noticia a António de
Soufa, e concebendo penetrante temor daíua contu-
mácia , mandou dizer ao Infante , que logo iahira do
Paço , fe'nto receara a ira do Povo i mas que lhe íegu-
rava , que em cerrando a noite , fe aufentaria para parte
tão occulta , que o naó achafsem as ordens d'ElRey ,
íè tornafse a intentar trazello para o Paço , dando por
fiador deita promefsa a Lourenço de Soufa Conde de Sã-
tiago,e a D.Pedro de Almeida irmão do Conde de Avin-
tes , que fervorofamente continuavaó a aífiítencia d'El-
Rey. Aceitou o Infante eíta promefsa T e acompanhado
de toda a Nobreza com acclamaçoens do Povo , íe reco-
Ihéo para a Corte-Real.Naquella noite lhe mandou Ma-
noel Antunes pedir licença , para fe auíentar da Corte,
edo Reino , com fegurança do perigo , que podia cor-
rer. Concedéo-lha o Infante , tendo por muito conve-
niente apartar d< ElRey a preverfa malícia dos feus con-
felhosS
Amanheceo o dia fucceífivo , e conítando a ElRey,
que António de Soufa, e Manoel Antunes fe haviaõ au-
fentado, forao exce/Tivas as fuás demonítraçoens,e gran-
des as diligencias , que mandou fazer , para defcobrir a
parte , em queeítavaó retirados.Recommendou-as com
particularidade aos Meítres de Campo Gonfalo daCof-
ta de Menezes , e Jofeph de Soufa Sid , e ao Tenente
General da Cavallaria Diogo Luiz Ribeiro , ordenando
aos dous correfsem os lugares , e Conventos vifmhos a
Lisboa , e a Diogo Luiz pafsafse á Província de Alente-
jo ; e voltando todos fem noticia alguma dos aufentes,
defafogou ElRey eíte pezar, affirmando, que fe não ha-
viaõ de corrrer huns touros , que eítavaó no terreiro do
Paço com tantos dias de demora ( que íerviaõ de zom-
baria aos que obfervavaõ eíta irregularidade ) em quan-
to naõ apparecefsem António de Soufa , e Manoel An-
tunes ; e accrefcentando-fe eíte motivo aos mais , que
provocavaó a fua paixão contra o Infante , rompeo em
ameaçostão públicos , e furiofos , que tendo o In-
fante
H
PARTE II. LIVRO XII. 511
fante efta noticia , prudentemente fe abíteve de ir ao Anno
Paço , e de iorte foi crefcendo a confufaõ , e o emba-
raço do governo» que totalmente faltava forma nos ne- lo© 7.
gocios,e recurío ás partesjporque nem EIRey governa-
va o Reino , nem deixava governar-fe de peísoa al-
guma , fendo invencível o feu animo aos rogos da Rai-
nha , ás advertências do Infante , ás perfuafoens da No-
breza , ás inítancias dosEccleiiaílicos, e aos clamores
do Povo.
Confideradas taõ importantes difliculdades por to-
dos os que zelavaõ a confervacaó da Monarquia , pare-
ceo o remédio mais faudavel convocarem-le Cortes, pa-
ra que com a uniaõ dos Três Eftados fe defse forma ao
governo do Reino , e fe pudefsem atalhar novidades ef-
caudalofas. Approvou o Infante efta opinião ; porque
fó attendia ao publico íbcego , eáíegurança mais li r-
medo Império: porém como a união das Cortes depen-
dia da vontade d'ElRey,totalmenteoppofta aeíte Con-
grefso, por eftar períuadido de informaçoens contrarias
ao pertendido íbcego > que a união das Cortes era indu-
ítria do Infante , e que havia de fer a fua total ruí-
na »nãQ era poffivel affeiçoallo a coníentir em fe chama-
rem Cortes. Para fe facilitar efte grande inconveniente,
lhe fez o Senado da Camera de Lisboa huma larga con-
fulta , em que reprefentava as muitas , e grandes ma-
térias , que preciíamente pediaó a uniaõ dos Três Eífca-
dos do Reyno , por naó fer poílivel determinarem-fe ,
fem eítarem juntos. Cuvio EIRey referir, o que a Cou-
fulta continha , e tomou por expediente não rei ponder
ao Senado,não bailando a obrigallo repetidas inítancias,
quefe lhe fizerão. E parecendo ao Senado, que era pre-
cifo confeguir o feu intento , efcreveo aos Cabidos , e
Cameras de todo o Reino » dando-lhes conta do que
havia executado , e pedindo-lhes esforçafsem a fua di-
ligencia , efcrevendo a EIRey o muito , que convinha
áconfervação defeus valsados convocarem-fe Cortes.
Mas EIRey infiílio em não coníentir , que fe eonvocaf-
efm Cortes , havendo-o períuadido. fervorofamente to-
dos osCoafelhwiosde Eilado.Nefta perplexidade hou-
ve
jt» PORTUGAL RESTAURADO,
Ánno ve varias opinioens» quepuzeraô em pratica entregar-
, • íe o governo á Rainha, e ao Infante, ficando em EIRey
í&í>7* a authoridade Real fèm outra operação alguma; Foi o
Marquez de Sande o primeiro, que propoz eíta matéria
em hum largo , e prudente papel , queléo no Confelho
de Eftado , em que expoz taó efficazes razoens , que
foi uniformemente approvado por todos os Confelhei-
ros ; porém não confeguio outrp fruto do feu louvável
zelo , mais que hum grande ódio d* EIRey. Naô fe ab-
ileve o Marquez de Sande , tendo eíle noticia das di-
ligencias , que lhe parecerão úteis á coníervaçaó do
Reino , e ajudado dos mais , que feguindo as direcções
<fo Infante concorriaõ a eíte fim , acháraõ meyos de
reduzirem a EIRey em confentir , que íe chamefsem
Cortes ; porém com declaração , que não haviaô deter
principio , fenão depois de voltar da jornada de Salva-
terra , para onde determinava partir , como fempre cof-
tumava, a dezanove de Janeiro doanno feguinte. E
como eíta claufula offendia na dilação os eâèitos prin-
cipaes ,para que as Cortes fe convocavão , fendo hum
delles as prevençoens da futura Campanha , fe fizerão
com EIRey novas inítancias, e obrigado delias , e de
outros eftimulos interiores , tornou a intentar fahir da j
Corte i excefso , de que o Infante promptarnente teve '
avizo , e o atalhou com prudentes negociaçoens j mas
naó bailarão todas, para perfuadirem a EIRey aaíii-
nar as cartas , em que havia de mandar , que os Procu-
radores de Cortes eftivefsem em Lisboa o primeiro dia
de Janeiro. Quãdo eíta negociação mais fervorofamen-
teíe aplicava, íòbreveyo novo , e relevante accidente ,
que multiplicou as confuiòens , e augmentou os emba-
raços , deíatando-fe furiofamente os effeitos de todas
as conftellaçoens infelices em funeítos vaticínios da ul-
tima calamidade d4 EIRey a pezar das generofas diligé-
cias , que o Infante applicava , para lhe fuftentar a Co-
roa na cabeça, de que a facodia a defordem dos feus ex-
cefsos , e precipitava a variedade dos feus intentos.
Achava-fe a Rainha reduzida a taó grande afflicçaõ,
que naó lhe era poílivel encontrar exemplar , que pu-
defse
w
PARTE IL LIVRO XII. p \
deíse fervir-lhe de alivioj porém fendo muito exceíhvas ^nno
as indecencias ■• que tolerava, era taofupenor a regula-
ridade das fuás virtudes, que fem deiatogo entregara 100.7-
o leu heróico efpirito á clauíura do fotfnmento , íenao
paísárao as luas infelicidades do rigor das penas de mal-
tratada aosdefaíocegos da coníciencia ofendida ^por-
que as afnicçoens da vida pôde, edeve iopportalla» a
temperança do animo generoíoiPorem os eícrupulos da
alma , nem deve , nem pód,e recatallos huma vida timo-
rata , evirtuofa , que afpira a merecer pela pureza da
coníciencia a immortalidade da gloria. Perfu adida deite
verdadeiro conhecimento fe diípoz a Rainha atropelan-
do por todos os inconvenientes, que lelhe reprefen-
táraô , e vencendo todas as difhculdades , que fe lhe of-
ferecerâo , a feparar-fe da companhia d<ElRey , conhe-
cendo , que a vigoroía força dos males , que na menor
idade tinha padecido, o haviaÕ incapacitado a fer valido
o Matrimonio, fem fe poderem delatar os laços defte
vinculo.Depois de vários difcurfos, e efpintuaes confe-
rencias ,elegeo o Convento da Efperança de Religioías
deS.Francifco para receptáculo da lua reíolucao , af-
fim pela Religião exemplar , que nelle le protetea , co-
mo por ferem as Religiofas da Nobreza principal do
Reino. Teve efTeito cfte virtuoio intento Segunda
feira vinte ehum de Novembro do anno que eícreve-
mos ,• e havendo a Rainha fahido do Paço pelas três ho-
ras da tarde , aíTiítida da familia , qne coílumava acom-
panhalla , entrou na Efperança,elogo entregou ao leu
Mordomo maior o Conde de Santa Cruz huma carta ,•
que levava efcrita, para EIRey , que continha as fegum-
tes razoens; Deixei a Pátria , a cafa , os parentes, e ven-
di minha fazenda , por vir acompanhar a Vojja Nagejta-.
de com defe)o de o fazer d fua fatisfação , e^temoo
fentido muito a dif graça de o nío poder conjegmr,
por mais , que o procurei,' e obrigada da mmha conj-
ciência me refolvi em tornar para França nos mvios
de guerra , que aqui chegarão. Peço a Vojfe Mageh
t ode me faça mercê de dorme licença para iffo , ed,e
me mandar entregar o meu dote ., pois que Vojja Ma-
Kk geftade
ji4- PORTUGAL RESTAURADO,
Annò taâefabe muito bem , que nao ejlou cafaâa com elle • c efpe-
%6Ó7* r° da ^ran^em de Voffa Magejlade me mande fazer , a (fim
' entrega do meu dote , como também o favor , que merece
humaPrmcezaextrangeim , e def amparada nefles Reinos
eque veyo a bufcar a Foja Magejlade de parte taõdiflan-
te*
Tanto que a Rainha remetteo a carta a EIRey, cha-
mou as Donas de Honorbe as Damas,que a acompanha-
rão , ecom manifeflo fentimento lhesdifse , que as ra-
zoens , que a havia© obrigado a íe retirar áquelle Con-
vento , feparando-fe d'E!Rey , l|ie moítravao, <w na5
devia períuadillas a continuarem a affiítencia , que lhe
haviaõ feito até áquelle tempo; porque o efcru pulo ,
que á obrigam a depor a Coroa , lhe prohibia as cere-
mornas , e obíequios , que eoílumavaõ dedicar ás Rai^
nhãs de Portugal í fegurando-lhes , que em quanto a vi-
da íe lhe dilatafse , lhe duraria a lembrança do affe&o
que lhes devia. Foi grande a confuíad de todas as que
ouvirão a Rainha,pelas tomar de improvifo aquella no-
vidade , cuítando-lhes grandes pezar a infelicidade da
Rainha , e as confequencias da refoluçaõ , que tomara;
conhecendo porém da fua virtude, e fingular entendi-
mento, que fem infallivel encargo da lua confciencia fe
nao relolvera a arrojar-fe a taó perigofa deliberação
iem fundamentos muito juítificadosje formado eíle bre-
ve diícu rio , refponderaõ á Rainha com a muda rhetori-
ca da tníteza dos femblantes , e a eloquente língua das
lagrimas; e determinando todas continuarem a fua aííif-
tencia , ie renderão ao embaraço da claulura , e ficarão
unicamente D. Antónia da SiIva,D.de Honor, mulher,q
havia fido de Triítão da Cunhaje do numero das Damas
D. Antónia Mauricia da Silva, eD. Ifabel Francifcada
Silva , a primeira filha de Martim Corrêa da Silva , a fe-
gunda de D. Luiz de Almada.
Chegou neíte tempo ao Paço o Conde de Santa
Cruz , e achou , que EIRey havia mandado prevenir
carroças, que o aguardavão para fahir ao campo. En-
trou a fallar-lhe, entregou-lhe a carta, que mandou lêr,
e das razoens , que ella continha , concebeo tão defor-
denada
■
PARTE 11 LIVRO XII. jiy
flenada paixão, que fem conferir aquella , por todos AnnÒ
os requiíitps gravilíima matéria, com Jtfiniífcro , ou pai- (££-
foa alguma, ppr entender, que íeria o íeu maior op- /*
probrio publicar-íe a ília incapacidade para a íucceísaõ
do Reino,entrou em huma carroça íeguido , dos queei-
tavaô detonados para o acompanharem,ecom eílrondo-
fa celeridade paísou ao Convento da Efperança, e acha-
do as portas cerradas por ordem da Rainha , mandou
com furiofas vozes , que lhe troxefsem machados para
fe quebrarem i porém foi a tempo , que o Infante o
divertio deita reíbluçaõ ; porque chegando-lhe avizo á
Corte-Real daquelle naõ efperado accidente, iahio a
íemediallo com a poíTivel diligencia , feguido dos que
lhe aíliíiiaô , e veyo concorrendo parte da Corte á aflil-
tencia de ambos os Principes , e temperou a ira d'ElRey
fallando-lhe íbcegada , e prudentemente com a adver-
tência de que a refp.lujaô , que a Rainha havia tomado,
não era poíllvel atalhar-fe com violência , por fe achar
defendida das immuriidades da claufura , e das atten-
çoens , que fe deviaõ aofeu refpsito , pelas quaes ra-
zoe ris era precifo recplherem-íe ao Paço , para fe tratar
matéria tão grave com acircumfpecçaõ , que merecia.
Perfuadio-fe EIRey de propofiçoens tão bem fundadas,
e voltou para o Paço acompanhado do Infante , e de
toda a Nobreza \. e dentro de poucas horas moítrou,que
totalmente fe efquecia do fuccefso antecedente , entre-
gando-íe aos melmos divertimentos , a que inutilmente
coítumava applicar-fe.
Na manhãa do dia feguinte mandou a Rainha pea
dirão Infante quizefse ir fallar-lheá grade da Igreja d-
Efperança. Antes que elle lhe obedecefse , deu conta a
EIRey , pedindo-lhe licença ; concedeo-lha , e chega ti-
po a fallar á Rainha com o mefmo obfequio , reveren-
cia , e íubmifsão, que fempre coítumara , lhe re ferio el-
la com eloquentes razoens acaufa , que tivera, para fe
feparar d'ElRey , fem mais attenção , que ado encar-
go da fua confciencia , e que para oconíeguir , evol-
tar a França coma íentença da feparação do Matrimo-
nio , e reítituição do dote , que trouxera , implorava o
Kk x íeu.
m\w.
■I \
jid PORTUGAL RESTJOnADO,
ÀntlO feu favor, Refpondeo-lhe o Infante, que elle eftava
1667 PTQmPto Para Jlle obedecer coma efficacià , em que o
*uu/' empenhava a fua obrigação , falva a authoridade , e re-
putação do Reino. Voltou para o Paço j e dando a El-
Rey conta , do que a Rainha lhe havia referido , lhe
refpoudeo com termos taò indecentes,pertertdendo dií-
fimular a fua manifeíta impoffibilidade , que o Infante
uaõ querendo altercar razoens em matéria taõ impor-
tante, ferecolheo para aCorte-Real; e a Rainha fez
comos Coníelheiros deEítado , e Títulos a melma di-
ligencia , que havia feito com o Infante , declarando
a todos , que a fua pertençaõ era juítificar em Juí-
zo , que o Matrimonio eílava inválido i e informada
a Rainha , de que ao Cabido da Sé de Lisboa tocava fer
Juiz da caufa do divorcio , lhe efcreveo liuma carta, que
continha as razoens íeguintes 1
Hxtaemhem Apartei~me âa companhia de Sua Magejlade , que ,
'^Z^caTfac Deos guwde , por 'mo haver tido ej) 'eito o Matrimonio ,em
que nos concertámos , epornaÕ poder fojfrermais tempo os
efcrupulos ~de minha conj ciência , que me fez dijjimular
até gora o amor , que tenho , e me merecem efies Remos. EJ-
pero rque Sua Magejlade , como melhor tefiimunha da mi-
nha razão , a declare , para me recolher brevemente a
França fem embaraço a minha pejjba ; e rogo ao Cabi-
do da Santa Sé' âejla Cidade , a quem porfeus Minif-
tros toca jer Juiz defia cauja , a queiraõ mand,ar abbre-
jviar i quanto for poffivel , favorecendo em tudo o que for
)uJioahuma Estrangeira magoada da di) graça demo po-*
der viver na terra , que vejo de t do longe bufcar com tan- .
tò gojlo f epóâx muito confiadamente entender de mim o
Cabido , que em taâa a parte , em que' ajjiflir ,. faberei
reconhecer-, e agradecer a corte fia, comque me tratar ío.
Lisboa vinte edous de Novembro de mil efeifcentos fejfenta
efete.
Maria Francifcaljabel de Saboya,
■ Juntou-feo Cabido , e lida neffe a carta referida, ref«
pondeo a ella na fornia; r que iè. legue ; Leo-fe nefle
Çabi-
w
PJRTE 11. L1VKO 111. 517
Cabido com grande Jenúmento acartadeVofJa Magejlade, Atino
efcrita em vinte e dom do corrente , por ficarmos entende* {66
do a refolucaó , que VoJJa Magejlade havia tomado de fe
recolher nefíe Convento, com determinação de fe voltar a
França, de f amparando a Portugal , onde het do amada , e
venerada, e de procurar fe annulle no jmzoda Igreja o
Matrimonio contrahido entre Elliey nojfo Senhor , e Vofja
agej ãQs'temos ^ SenjJ0ra . ordinarios da )ujliça , que
fepermittem a qualquer pejjoa particular ., mal Je podem
negar a Voffa Magejlade , quando as matenas cheguem ae^
te e fiado ; porém concorrem nefte negocio tantas circunjkm-
áasdlmas de ponderação , que pedimos a VoJJa Magejlade
licença, para que antes de entrar nelle , o encommendemos,
e façamos encommendar a Deos , ejperands dafuamfer;-
çordia fe)a fervido de o encaminhar a f eu Janto inten-
te, bemuniverfal dejle Reino , e confervaçáo de VoJ-
ja Magejlade , a quem o mejmo Senhor guarde por feli-
ces, e largos annos , como todos lhe pedimos, e deje)a-
mos*
Tanto que a Rainha recebeo a referida carta do
Cabido, conhecendo , que era neceisarioapplicar todas
as poííiveis diligencias a hum negocio , de que e.tavao
dependentes confequencias tao relevantes, relolveo
mandar a França a Luiz de Verju , que aíliftia em Lis-
boa com titulo delnviado dos Duques de Vaiidoima,
informando-o dasjuílificadas acçoens do leu proceu -
mento , e da certeza infallivel , com que íe achava , de
íahir a í"eu favor a fentença do divorcio , por lerem tao
folidos os fundamentos da fua juíHça,que antes de pro-
cefsada a caufa,a julgavao contra EIRey todos íeus val-
lallos informados por aftos repetidos , e notórios da m-
habilidade, que padecia para a iucceísao do Remo,
originada da leíaõ , com que ficara na enfermidade, que
padecera nos feus primeiros annos. D, . ,
Trabalho inútil he ularmos dos termos da Kneto-
rica, nem valermonos das vozes da eloquência, para que
reconheçaõ , os que lerem efe Hiítoria , a grande con-
5i 8 PORTUGAL RESTAURADO,
Ànno fu%o , e imminentc perigo , em que fe achava a confer-
I&6^.Va(*a° da ^oroa de Portugal ; porque a variedade , e
/ grandeza dos extraordinários fuccefsos , que temos re-
ferido , iiicukão a certeza defta propofição , por cujo
tefpeito opprimidos, eduvídofos todos, os que zelavao
á coniervaçao da Monarquia, procuravao achar meyos
f»roporcionados,para reduzirem a ÈlRey a entregar íem
eítrondo , nem defafocego o governo do Reino ao In-
fante , reíeryando para quietação da fua vida os dous
poios eítimados dos venturofos de defcanço , eautho-
i-idade > porque ajuílando-fe amigavelmente eíte útil
partido, nem ficava á reputação do Reino , que defe-
lar , nem á malícia dos homens * que arguir: porém to-
das as diligencias , que fe applicavao para fe conferir
efte intento , eraõ inúteis , e todas as negociaçoensm-
fruCtuoias ; porque fe achavaó oppoftos ânimos contu-
mazes , e invencíveis á razaóve prudência , e dependia
da vontade d<E!Rey, e dos que lhe aíTiftião , ofelice
hm deite aditamento ; í\aÔ podendo ElRejr, opprimido
de temor, eodio, íoíírer a companhia do Infante,nem
os delinquentes, efacinorofos , a que dava credito,
ameaçados das fuás culpas, e atemorizados do caíK-
gojufto, quemerecião, querião aceitar mais partido,
que o deíaíocego , nem mais razão , que a violência ,
conhecendo , que fó podia fer durável o tempo, que
fclKey permaneceíseno governo do Revno. Efta infeli-
cidade foiacauíatotaldariima^EIRev, naÓ poden-
do veneelio »4 períuaíoens do Infante, as advertências
dos ^omehieiros de Eirado , os rogos dos doutos , e vir-
'. „ -. wwy.âwa W.UÍUCIUUW5, qUeOCOlll-
tiangiaoaotàtal precipício, que por ínítantes o amea-
çava. Reconhecendo ?0is eila in vencível contumácia
os Coiifelhenos de Êíbdo , e a Nobreza , e Povo de
Lisboa , determinarão acodir ao perigo manifeíto da
Monarquia, ^ que íludtuava na ultima defefperação de
taltar ao Remo governo, e a EIRey fuccefsores , o
yiaa todos concordarão, em fe entregar á direcção do
Infan-
FARTE Ih UnkOKU. 519
Infante por im mediato fuccefsor d'ElRey , epordef- AilflO
cobrirem dezanove annos de idade muito angulares ycà"
partjes , que eraò os requifitos, e remedios,de que necef- - / *
íltaváo os males publicos,por muitas circunftancias mais,
perigoíos , que os que fe havião experimentado , quan-
do foráo chamados ao governo do Reino os dous In-
fantes D. Aff^níb , e Ç>. Pedro , o primeiro peia incapa-
cidade d'E!Rey D. Sancho Capelo , o iegundo pela m&
noridaded'£lReyP. AffoníoV,
Gonítou ao Infante, quehia tomando torça elta
voz commua,e deíejando atalhar com effiçaz affecfo fa-
zer-íe preciío o luccefso de fe chegar com EIRey a vipr
leneia, e concorrendo nefta digna urbanidade todas as
peísoas , que familiarmente lheaíliítião , le esforçarão
com todo o calor as diligencias , para que EIRey qui-
zeise eoníentir e-m rica r logrando a authondade Real , e
o Infante exercitando o poder abfoluto. E apuradas to-
das as diligencias, que parecerão mais precitas , foi a ul-
tima juntarem-íe osGonfelheiros deEítado , ( que va-
rias vezes temos nomeado ) e entravem na Camera d'El-
Reya periuadillo , econvencellona fua repugnancia;e
nomefmo dia, em que íeafsento.u efta reíoluçaõ , f al-
iarão ao Infante os Miniftros do Senado da Camera , e
a CaCa dos vinte e quatro do Povo , e com ardente , e
zeloíb aperto lhe pedirão quizeíse entrega r-fe do g -
verno do Reino. Re fpondeo-lhes em palavras geraes be-
névolos agradecimentos, e diíse-lhes, que ao dia íeguin-
te eítiveísem juntos, porque delejava , que o íeu inten-
to le a juftafse muito á íatisfaçaõ d<ElRey , que era o
que todos feus Vafsallos deviaõ pertender. Efta genero-
fa modeília do Infante fundada na diligencia , que ha-
vião de fazer com EIRey os Con telheiros de Eitado ,
que julgava effecfiva , inflammou mais os ânimos ,dos
" que defejavaõ coroallo:porêm obedecerão ao feu precei-
to, e no dia feguinte deftinado para os Çonfelheiros de
Eftado fallarem a EIRey , foi o primeiro , queentrou no
Paço o Marquez de Cafcaes, anticipando-fe com zeloío,
e prudente eíludo á hora dedicada para o intento , que
eftava premeditado, pelejando ardentemente,por maior
fU PORTUGAL RESTAURADO ,
Anno <lue todos nos annós , e naô inferior a algum na autho-
16*67 í1(?ack> reduzir a EÍRey particularmente a tomara re^
4 wv/ • ioluçaõ , que mais convinha ao feu decoro Real , e
que mais importava á confervaçaõ da Monarquia Com
efte intento chegou á antecamera immediata á caía, em
que eftava EIRey , e eonftando-lhe , que dormia , bateo
taó vigorofamente á porta , que o acordou , e mandou,
que lhe abrifsem. Entrou o Marquez , e chegando á ca-
ma d< EIRey com liberdade reverente , e zelo em todos
os ieculos louvável , lhe difse , que naò era tempo de
dormir com tanto deícançoj porque o ameaçava ine-
vitável ruinare infallivel precipício; porém que fe açor.
daíse do letargo ?> em que eítava^ como dofomnoque
dormia , que com a meíma facilidade, que acordara, fa-
hina do nico , a que eítava expoíto-; e que pois a na tu» 1
reza lhe negara por impenetrável Providencia Divina
asacçoens da prudência para o governo r e da fecun-
didade para a geração , que fe naò negafse pela fua con-
tumácia, ao que léus Vafsallos eítavaõ promptos para
lhe permittir , que era eonfervallo na authoridade Real
em íua fegura liberdade, e obedecer todos á direcção do
Infante no governo do Reino/e que o infante era quem
emcazmente pertendia eíta forma fociavel de ainítamé-
to , de queerafeguro fiador o feu modele© , e tempe-
rado animo , taó igual , e definterefsado , que feeicu-
lava de tomar a Coroa , que o Reino lhe offerecia , fó
por lhe confervar a authoridade , lendo infallivel certe-
za , que naõ lhe tiraria depois com engano „ o que de
uroanidade l.He deixava : que os Príncipes aliados o tra-
taria©, como Rey , e os Vafsallos , como Senhor: que as
rencidades do Reino feriaô contadas como fuás , as dif-
graçascomoalheyas: que naó haveria divertimento li-
cito , quenaolograíse,. nem.cabedal abundante , que
nao- tivefse í e que finalmente , ie fe refojyefse a tomar
ó leu confelho , alcançaria tudo quanto odifeurfo lhs
podia propor para íeuíocego, edefeançoje pelo contra^
no íe quizefse deíviar-fe das juítas propoficões , q com
tanto amor lhe apontava, padece ri a todos quantos traba-
lhos pesares a fua enganada imaginação. naõ checava
a comprehender., A eíta
PARTE IM LIPKO xn. m
A eíta prudente porpoíta do Marquez de Caícaes Anno
'xefpondeo EIRey com tao defconcertadas palavras , e „
defordenada itoptóteocte^** depois de repetidas , e /
inúteis admoeítaçoens, reconhecendo, quenao era pol-
fivel convencelo , òqu lugar ás inftancias dos mais Con-
felheiros deEftado, que já eftavao juntos, que entrarão
á prefença d'ElRey : porém cançando-fe largo tempo
em bufcarem eíRcaz , e fervo rola mente todos os cami-
nhos de o reduzirem , vendo-le EIRey apertado , lhe
creíceo de forte a defefperaçaõ, ea ira, que deiengana-
dos, de que era irremediável a íua diígraça, reíolveraõ,
que o Duque do Cadaval fofse dar conta ao Infante do
pouco efeito , que havia refult?do da fua diligencia.
Pafsou o Duque á Corte-Real , e achou o Infante acom-
panhado de todos , os que havemos nomeado , que fa-
miliarmente lhe aflifíiaõ, e dando-lhe conta do delabri-
mento^ em que fe achava EIRey, e da pouca efperança,
que ficava de fe reduzir á pèrtendida fociedade , foi in-
explicável a affiicção , em que o Infante entrou , reco-
nhecendo binipòffivel de acodir ao aperto do Reyno,
fem pafsar pela pena de o haver de executar pelo cami-
nho de concorrer na difgraça da rec tufão d'ELRey , lem
a qual,confideíáda'a íua contumacia,fe não podia livrar
deeítragos infalliveis , e de perigos inevitáveis; po-
rém levado dó defejo de apurar todos os remédios , pa-
ra atalhar o inconveniente da cenfura maliciofa dos ho-
mens ,-que depois havião de julgaras luas accoens, per-
guntou a todos , os que fe achavão prefentes , ié deico-
briaé algum;meyo entre os dous extremos , a que eíra-
va reduzido , que Vencefse a íua perplexidade, e depois
de vários, e prudentiffimos difcurios,todos concordarão,
que confiderada a inluffi ciência d4E!Rey , a impoffibíli-
dade de ter fuccefsao , asinjuftas operacoens , que ha-
via executado, a opprefsaó dos Povos,a recluíaó da Rai-
nha , as negociaçoeiís dos Caírelhanos, e a . conftifaõ
do governo do Reino , que o Infante naõ fó podia -, mas
era obrigado no foro da confcieneia * como Í:umediato!
íu ccefsor d4 El R ey , a to mar pêísú do governo da Mo-
narquia por qualquer caminho, que fofee fãdUve-1,. viífo
x teir
522 PORTUGAL RESTAURADO
Annoter apurado todas as diligencias para reduzir a EíRev
fi ** Pf 3 eíte fi™ com fervoroío mio to Jos,os qu~
eílavaoPreíentes,eosmais, quefe achavaó prompU
ife bcediencia' e q^e defte parecer eraõ os; maiores
*PSSSSfS?!!f â coafultado eíle taó s«i
2*w* oinfan- :_ Convencido o Infante de razoens tao funqamen-
í/,í * g°' 81 iff° rPd* fu* fepttgnaocia , e refolho á imita-
ção d<ElRey leu pay ]lbertar a glorioía patria da e^
r.a^°PSre faÕAqUe padecia- CQm eíle intento fahio da
t.oite-Keal , Quarta feira vinte e três de Novembro do
annodemil eieifcentosíefseuta eíete pelas três horas
m tarde acompanhado da maior parte da Nobreza de
^oa ,, do Senado da Camera , e Cafa dos vinte, e
quatro , e de innumeravel gente do Povo, havendo to-
do§ concorrido, tanto que,íè.ittvulgou, que o-Confelho
deLícado entrara na Camera d<ElRey iem ordem fua.
&jWtk o Infante de hua carroça no pátio da Capella;
^m^ÍCãll° °S «WA««wU de Eítado ,iobio ao
qiuito d'ElRey com tao íèvèra , e deiembaraçada refo-
luçao, que ate aquelles, que a temerão , a applaudiaõ,
iornarao a entrar os Confeiteiros de Eítado 'fazendo
a . blKey novas mítan cias, e como. o Infante vio,que to,
^as erao inúteis , chegou aporta da Camera , em que
E.Rey etfava ja veítido, e cerrou-a pela parte de fora,
£ ordenando a íegurança dele naó poder abrir, fizerão
yanaspeísoas a meíma diligencia nas mais portas, que
ie commumcavaô.. pela parte interior com a caía , em
que EIRey eftava. Huma delias , que rka imraediata á
e cada docorredor da íala-dos Todeícos , arrombarão
alguns dos moços, da Camera, e patrulhas d'ElRey,
que acodirao ao rumor pela parte do eirado. Obriga,
rao-nos , a que íe retiraísem, e medroíos do caíligo dos
leusdehaos^deíarnpararaó o Paço , cuja circunferência
ie occupou de fentinellas,e rondas dos Terços da guar-
nição da Corte , eriçou EIRey acompanhado das pel-
icas , que parecerão precifas ., para afliítirem a leu fer-
viço, e tao laítimolamente allieyo do excelso da lua
' difgra- ,
Tym.TE II. L 1VKO X U. 5i 5
drfgraça , que continuou fem memoria do leu infortu-
nio todos aquelles extravagantes exercidos domefticos,
que haviaô íido init.ru mentos da íua mina» moílrando '
ter delles a meíma fatisfaçaõ,quemanifeítava no tempo
da íua liberdade. Foi António Cabide ( que fervia a El-
Rey de Secretario de Eílado)hu dos que o Infante man-
dou entrar na íuacamera,' e havendo tido com ellehu-
ma larga conferencia^ por íiia intervenção alunou El-
Rev o papel ieguinte eícrito da letra de António Ca-
bide.
EIRey nojfo Senhor tendo rej peito ao ejlado , em
•que. o Reino fe acha \ % ao que ^e reprefentou o Confelho
de E fiado , e a outras muitas caufas , e razoens , que a
ijfo o obrigarão , de feu moto próprio, poder Real , eab-
fòluto ha portem fazer iefifiencia de fie sf eus Reinos , a f
fim , eda maneira , que os pqffue , de hoje em diante pa-
ra todbfempre , em apefiba do Senhor 'Infante D. Pedro
feuirmaÕ*, e em f eus legítimos defcendentes 9 com decla-
ração \ que do melhor pafado das rendas delles referva cem
mil cruzados de renda em cada hum anno , dos quaes pode-
rá tejlar por tempo de dez annos ; e outro fim referva a
Cafa de Bragança com todas fias pertenças \ Eemfé , e
verdade de Sua Magefiade afim o mandar cumprir , e
guardar, me mandou fazer efte , e o firmou. António Ca-
bide o fez em Lisboa a vinte e três de Novembro de mil e
feil centos felfenta e fete.
J RE Y.
Achava-feo Infante no Coníelho de Eirado, quan-
do António Cabide , pedindo-lhe licença para entrar a
fali ar- lhe, lhe entregou o papel referido. Agradeceo-
]he \ como era )uír.o , taõ importante diligencia , e
mandou ler o papel peio Doutor Pedro Vieira da -Silva,
a quem havia reítituido a oceupaçaò de Secretario de
Eftado, aílim pela injuítiça , com que fe lhe tirara, co-
mo pela íua grande capacidade exercitada dilatado tem-
po com geral íatisfaçaõ. Lido o papel , depois de larga
conferencia , refoluto o Infante a aceitar o governo, ô
naõ a Coroa , mandou pafsar os defpachos, que .era a ne-
ceísa-
J*4 . PORTUGAL RESTAURADO,
ÁnnO cefsanos y para quefe feparaísem os eífeitos, que EIRey
mandava relervarpara feu IMento , e confedado-ie no
Coníelha de Eítado a parte, onde EIRey havia de aflií-
tir , fe afsentou , que foíse mo mefmo quarto, em aue
eítava , nomeando-íe-lhe para o fervirem as pefsoas ,"de
que mais íe agradeíse : e manda ndo-lhe o Infante per-
guntar, quaeséra fervido efcolher , apontou unicamen-
te hum moço , que tratava do fuítento dos cães da caça;
deílernperauça dedilcurío , que mereceo género fas la-
grimas do Infante, quando lho referirão, parecendo-Ihe
por todos os requifitos. ler EIRey o exemplar mais pró-
prio, do defenganodo Mundo j porque chegando a lo-
grar a maior veneração paio nafcimento , e.pela gran-
deza , veyo a padecer a mais feníivel infelicidade pelos
achaques, e pelo deía certos. Aquella noite dormio o
Infante no Paço aíIííHdo de íeus criados , do Duque do
Cadaval , o Conde de Sarzedas , MigueLCarlos , e algu-
mas outras pelsoas,e ao dia feguinte le def paeháraó Pró-
prios a todo o Reino com cartas em nome d^lRey af-
choma a Cor» iignadas pelo Infante , era que ordenava , que no pri-
meiro dia do mez de Janeiro do anno feguinte eílivef-
feiTLem Lisboa os Procuradores de Cortes das Cidades,
e Villas, que coítumao máhdallos a fimiihantes congref-
íós. E paísados alguns dias , divulgando-fe a renuncia,
que EIRey havia feito do Reino no Infante, foi de
qualidade a eríicacia , com que abraçou toda a Corte a
opinião , de que o Infante tomafse a Coroa , aceitando
a renuncia, que le achou elle obrigado a pafsar o fe-
guinte decreto , para que viíto pelas pefsoas nelle no-
^meadas , íelhe confultafse , o que entendefsem , que
-era mais juíto , e mais conveniente á confervaçaõ do
Reino : D, Rodrigo de Menezes , Gentil-homem da
minha Camera , e meu Eflribeiro mor , avize da mi-
nha parte aos Doutores Pedro Fernandes Monteiro ,
do • Confelho d1- EIRey meu Senhor , e feu Def embarga-
■dor do Faço , Martim AffonÇo de Mello , Deputado
da Mefa da Confáencia , e Ordens , Jofeph Pinheiro ,
do Confelho da Fazenda , Luiz Fernandes Teixeira ,
Juiz dos feitos da Coroa , João , Lamprèa de Vargas ,
Corre*
tti%
PARTE II. LIVftO Xlí. fij-
Corregedor do Crime da Corte , "joio ds Roxas e -dzeve- Anuo
do , meu Secretaria , e Defembargador dos Aggravos *s
da Caía da Supplicaçío , para que Je achem na cajá , que *
o dito D. Rodrigo occupa no Paço ) e me digío com a con-
fideraçxo , que a matéria pede , fe conforme ao ejiado ,
em qlip je acha a pefla dlElRey meu Senhor , e efies
feus Remos , hei de continuar nas Cortes , e paffadas
ellas , o governo com o titulo de Curador de Sua Ma--
aeflade f e Governador defles Reinos , que he o de que.
ateara ufei ,- ou fe devo confentir , que me dem o titu-
lo *e mais qualidades deRey >• e fe devo ujardarenun-
r ; que Sua Mageftade me fez , do direito de fia
Coroa, pouco depois deejlar reclujo , ou do que o direito
àfpoem para as pejjoas incapazes , por qualquer titulo ,
Vara governar feus bens : advertindo , que quando to-
mei o* governo defles Reinos, nio foi com cobiça , ambi-
ção , ou outro fim meu particular , fendo fo por acodir
d faude publica , e ao remédio , e confervaçâo do Reino ,
livrando os vafallos das molejlias y que lhes via pade-
cer , e por dar fatisfaçxo ás infandas , que continua-
mente me faziáo ,.- e me dirão por efcrito , o que lhes
parecer Cem diflwçdo de votos , declarando fo , o que
pela maior parte fe vencer. Em Lisboa a dez de Dezem-
bro de mil feijcentosjeffenta ef£pJNTE
Juntos os Miniítros , depois de ventilarem larga-
mente as grades circumítancias, e relevantes confequen-
eias das propofiçoens do decreto , pedirão tempo , para
coníiderarem matérias taõ graves,Paísados alguns dias,
entregarão os feus votos ao Infante , que ordenou fe
leisem na prefença dos Gentis-homens da Camera , (em
que \k entrava o Conde de S. João , que havia chegado
da Provinda de Trás os Montes) e de outros Mililitros,
Forao diverfos os pareceres de todos , os que fe coniul-
•táráo; diziãohuns, que o Infante tinha plenamente
moílrado ao mundo em todo o progreíso das luas he-
róicas acçoens, que lo obrigado do perigo publico, íem
attencão alguma a utilidade particular , tratara de pie-
yitf PORTUGAL KES74V1LAT>0,
Altno^n.ir remédios adequados aos males, que a Monarquia
l6.67íInaír°íameI1J:fDt0lSrara: qUe emreP^^ occafioens
'^/•períuadiraaElRey, que moderafse os feus excefsos ,
que governafse o Reino com o acerto , a que era obri-
gado ; e que deitas advertências nao tirara interefse al-
gu, antes o expuzerao a manifeítos rifcos, occafionados
da cólera detordenada d<ElRey , que nunca pudera ex-
tmguir alua paciência ; e que era infalJivel conhece-
rem , os que difcuFÍafsem com fynceridade eítes fuecef-
íos , que, íe o Infante appetecera o governo do Reino,
que ornais próprio caminho de o confeguir era deixar
engolfar EIRey no perigo dos feus erros , para que íe
precipitafse na lua meíma imprudência: que a todos
era notório o aperto , que em varias occafioens fe ti-
nha feito ao Infante para aceitar a Coroa , e a modeítia,
com que procurara iuítentar a EIRey na authoridade
Real i íociavel ajuftamento , que EIRey nunca quizera
admittir;que era infallivel fer mais prompta a obediên-
cia dos valsallos, reconhecendo ao Infante por feu Rey
que nomeando-o por feu Governador;porque neíla for-
ma haviaó de ter por mais certa a liberdade dos feus pri-
vilégios : que os indultos deite Meítre das Ordens Mili-
tares melhor feajuítavaónosReys, que nos Governa-
dores: que os Príncipes da Europa poderiaõ ter duvida
na igualdade da corrrefpondencia, e no tratamento dos
Embaixadores: que por conclufaõ a defiítencia, que EI-
Rey fizera do governo do Reino , renunciando-o no
Infante , desfazia qualquer embaraço , que difficultaíse
tomar a precifa refoluçaô de fe coroar.
Expunhaó os que íuítentavaõ contrario parecer ,
que as acçoens dos Príncipes naõ fó deviaõ íer juf-
tas no foro interior da coníciencia , fe naõ também no
exterior da opinião; que fuppoíto fer infallivel , que
o Infante naõ attendera na refoluçaô, que tomara, mais
que no perigo da confervaçaõ do Reino , que qual bai-
xel fem Piloto experto naufragava na torméta dos dei-
acertos , ficaria duvidofa na malicia dos homens eira re-
cta intenção , fe o Infante ao mefmo tempo, que tiraf-
le a EIRey a liberdade , lheufurpafse a Coroa; porque
eíta
PARTE II. LIVRO XII. ;27
eftaacçaó não era necefsaria para governar o Reino , Anno
em quanto EIRey foíse vivo , e f ó depois, de morto íi- , >„
cava precita , e obrigatória ; porque os Povos conheceu- * & o 5.
do a indubitável incapacidade d'E!Rey , mais affecluo-
famente fe havia de lugeitar a obedecer ao Infante , co-
mo tutor da infuffi ciência de leu irmaô, que como Rey,
que lhe tirava naõ íb a liberdade , fenaô a Coroa ; que
em quanto aos Embaixadores , maudando-os o In*
fante em nome d'ElRey , tiravaò a duvida , que fe ava-
liava por muito difficil de ajuílar ; e que neíta mefma
forma feria corrente o tratamento das cartas do Reys
amigos : que os privilégios de Meftre ficavão a EIRey,
pois o não privavão da Coroa, com que ceísava o efcru-
pulo deita matéria , que devendo íuppôr-fe pela ordem
geral da natureza , e pelos achaques d'ElRey , que o
Infante lhe excederia nos annos da vida , neíte cafo
lograria o Infante airofaméte coroar-fe fem receyo dos
diícurfos do feculo prefente , e fem temor dos juízos
dos futuros; pois como immediato fuccefsor d' EIRey,
naturalmente viria a confeguir o que naquelle tempo
íe lhe podia extranhar.
Approvou o Infante eíle parecer com grande con-
tentamento; porque era a fua maior opprefsaó fazerle-
Ihe precifo , como repetidamente havemos referido , to-
mar a Coroa em vida d'E]Rey.
Néfte tempo tinhaõ chegado a Lisboa os Procura-
dores de Cortes , e juntos na Sala dos Tudeícos a vinte
e fete de Janeiro de mil e feifcentos fefsenta e oito os
TresEíhdos do Reyno , foi o Infante jurado Prínci-
pe na feguinte forma } havendo referido D, Manoel de
Noronha (poucos mezes depois Bifpo de Coimbra) hu-
ma larga , e bem compofta Òraçad , em que moílrou as
juílas cauías , com que o Infante íe introduzira no go-
verno do Reino , obrigado das inítancias de léus vafsal-
los , que pertenderão politicamente coníervallo , co-
mo militarmente com heróicas acçoens havião confe-
guido.
furamos aos Santos Evangelhos corporalmente
com mijas mios tocados , e declaramos, que reconhe-
cemos y
|lí PORTUGAL RESTAURADO ,
AlIOO^w^ ? * recebem as por nojfo verdadeiro A e natural
l<$5g Príncipe , e. Senhor , ao muito Alto, e muito Excel-
* lente Príncipe D. Pedro , J?/iw legitimo âlElRey D,
■Joaô o IK e âa Rainha D. Luiza fua mulher , e IrmM
do muito Alto , e muito Poderofo Rey D. Affonfo VL
ncffo Senhor , feu verdadeiro » e natural fuccejjor na
Coroa, àefies Reinos , e como feus verdadeiros , e na-
turaes fubditos , e vajjallos , que fomos , lhe fazemos
pleito , e homenagem ; e promettemos , que depois dos
dias de Sua Mageflade , fallecendo fem filhos legítimos,
o reconheceremos , e receberemos por nvjjò verdadeiro ,
e natural Rey , e Senhor defies Reinos de Portugal,
e dos Algarves , daquem , e dalém mar , em Africa ,
Senhor de Cuiné , e daConquifia , Navegação , Com*
merçio da Ethiopia , Arábia , Per fia, e índia , &c.
e lhe obedeceremos em tudo , e por tudo , e a Jeus man~
dados , e juízos no alto , e no baixo , e faremos por
elle <« guerra , e manteremos paz a quem nos mandar ,
e naÕ obedeceremos , nem reconheceremos outro algum
Rey , Jalvo a elle t e tudo o fobredito )uramos a beos,
e a efta Cruz , e aos Santos Evangelhos , em que cor-
poralmente pomos noffas mãos , de ajfim em tudo , e
por tudo guardar , e em final de fugeiçaõ , obediên-
cia , e reconhecimento do dito Senhorio Real beijamos
a mao a Sua Alteza , que efid prefente.
Celebrado o juramento do Príncipe, tiveraõ princi-
pio os congrefsos de cada hum dos Três Eftados do Reir
no: o da Nobreza na Caía Profefsa de S. Roque da Co*
panhia dejeíusi o dos Povos emS. Franciíco da Cida-
de da Obfervancia j o dos Eccleíiafticos no de S. Domin-
gos da Ordem dos Pregadores ; e no primeiro dia , que
■ie juntarão, fe lêo em todos os três braços o decreto , e
papel feguinte , que o Príncipe mandou a elles: ^] Ve-
• ja-ie naEítado dos Povos, o papel, quefe me oífereceo,
e lerá incluío neíle decreto , que he feito com relação
verdadeira ,. do que pafsou na occaíiaò , em que tomei
o governo , das caufas , que tive para ifso , e titulo de
Curador da pefsoa d'ElRey meu Senhor , e Governador
de
PARTE II LIVRO X\L jf$$
Je feus Reinos , com que recolhia fua Realf peísoa 5 AnnO
porque huma,e outra cauta fejuílificabem nas razoens **a
do papel incluíb, recommendo muito lê approvem , e I00**
fe .declarem ,fe hey de continuar o governo com aqueJle
titulo ., e íe parece , que feja com outro , e qual , e con-
forma ndo-fe cada hum dos braços com os outros, no que
reíolverem > como efpero , feito , e tomado aísentq da
refoluçaô, em que concordarem, jurarei os foros, e iien-
çoens deites Reinos na forma coílumada ■, e-elles me ju-
raráo lealdade, e obediência , em quanto me durar o
governo.
Dizia o papel : % Pofto quefaõtaò patentes as ra-
zoens ,, que Sua Alteza , e o principal defte Reino teve5
para remover do governo a EIRey D.ArTonfo noíso Se-
nhor, he conveniente manifeítallas por eíte papel ao
mefmo Reino ,e ao Mundo $ porque de numa coufataõ
publica , e taò grande , he preciíb fe publiquem os fun-
damentos. E como raras vezes ha refoluçaô , que ou da
malícia, ou da ignorância naõ padeça controverfias,com
*fta publica noticia íe atalhará aos mal intencionados ,
efe dará luz aos menos noticiofos.
Os defacertos de hum Rey mancebo mal aconfe-
lhado(cujos Miniftros.e Vaísallos podendo atalhar a fua
ruína , o naõ íizeraõ ) nos reduzirão de conquiftadores
r conquiftados, de receber a pagar tributo , de fenhores
do Mundo a efcravos de Caítella,e aos que pelas glorias
de tantos triunfos adquiridos na terra , e no mar pare-
cia, que dominávamos afortuna, dameima fortuna
nos íizeraõ trágico ludibrio. Porque com a perda d'El-
Rey D. Sebaftiaõ . governado fó pelo feu valor impru-
dente , e por pefsóas, que lhe falia vao á vontade, a Na-
çaõ Portugueza) aquella que naõ cabendo nos dous
Reinos , que occupa na Europa , tinha pafsado a con-
quiftar o melhor da Africa , da Afia , e da America , fa-
zendo mais dilatada a fua Monarquia, do que foi a
dos Gregos, e a dos Romanos , competindo com o Sol
íia jurifdiçaõ, com que dominava as terras, èm que naí-
ce * e as em que morre: aquella que fe naõ contentou
fomaconcuiíla.daterra, mas também adquirio ofe-
^ t&- ■'.'' ~ nhono.
ÍÍV
*mmm
m PORTUGAL RESTAURADO,
AtiftO ahorio do mar na mais larga , na mais nova, e na mafo
è44Í Pen§oía navegação, que os homens emprenderãò: a
^»¥#» que tez-ao íeu Príncipe verdadeiro Monarqua,- avafsal-
lando-lhe tantos Reys poderoíos , que lhe pagavão tri-
buto : ( prerogati va fingular de Portugal entre todos os
Inneipes^eeulares de Europa) a que levou abandei-
ra ée Uirilto as Naçoens mais barbaras do univerfo,en-
ím*ndo-as a conhecer , e adorar a verdade ; a que pude-:
2* magoar-íe (não como Alexandre de haver conquiíla-
do tao pequena parte do Mundo , mas de não ter outro
Mundo, que conquiílar) vio com feus olhos eclipfa-
*» tantas glorias , e adormecidos tantos alentos, equafi
lepultados no eíquecimento tantos brios porefpaço de
íelsenta annos ; o duro cativeiro de Caítella , em que a-
metteo o precipício cego (pofto que valorofo) daquelle
&ey mal logrado» u
• Mas no primeiro dia do ultimo mez daquelles annos,
quando a Igreja nos manda acordar do íbmno > para eí-
perar o- Verdadeiro Rey ,. fe levantou defperta , facu-
dmdo asemzasdasbrazas de feu antigo valor , a buí-'
car o fen Rey natural, e o trouxe tão ditofamente,
que ío com a voz de fuás trombetas ( como os muros de
Jericó } rendeo a íeus pés tanto Mundo ,. e em quanto
viveo, tnunfoudeíeus inimigos nas fronteiras , e nas
conqmltas, ate que deixando-nos aquel la antiga liber-
dade , que tínhamos perdido , e tao gloriofamente nos
reltanrou. com obrigação muito particular a cada hum
cleno^ea todos em commum, de anão tornarmos a
perder,, em quanto nao perdermos a vida , fe foi áíè-
, pultura.com- tantos louros , como lagrimas , @ perpetuas- .
áaudades, dos que lograrão feu governo, que tendo tan-
to de ferro > pareceo de ouro.
Perdermos em fim eíte Monarqua, poílò que ia em
annos maduros ,. ainda floridos , eíte vaticinado, e dele-.
jado de tantos v verdadeiro cultor da ju/Hca , amorofo
pay da Pátria ,. tao alheyo de vaidades ., mie declarou
nas ultimas horas, que o nao obrigarão a recuperar , e
sweifer a Coroa as utilidades próprias v as ventagens de
aríulia, o e^léndor de íua afamais illuftre, e
máà
PJRTE //. LIPRO XII, yji
roais rica , que todas asde Hefpanha , fenaõ o duro ca- AilOO
tiveiro j que via padecer á íua Naçaõ , e o deíejo , e x/ff
obrigação, de lhe procurar liberdade, ainda quefofsecõ ^áo*
evidente riíco leu , e dos feus. E bem tinha provado a
experiência eíta lua verdade , pois aapplicaçaõ conti-
nua , com que fempre fe cccupava , e trabalhava no go-
verno de feus Reynos , moílrava , que naõ tratava tan-
to de viver para íi , quanto para feus vaísallos.
Confolou-nos eíta dor ( que lerá eterna em nofsas
memorias) a mais defconfolada,e prejudicada nefta pei-
da , a Sereniffima Raina D. Luiza , digna conforte de
taõ grande Príncipe. Tomou o leme, com ifenta das
fragilidades , do fexo , e governou a barca nas grandes
tormentas , que contra ella então fe levantarão ; porque
recolhida em numa caía, de que naõ falua, acodio a tu-
do , como fefora p relente a tudo , pafsando , quando
o pediaó as occafioens , as noites inteiras fem ctefcan-
^o , e os dias em continuo trabalho. Defendeo-nos ,
em fim , fazendo taõ cuítofa mente tantos exércitos,
taó bem providos, e fuílentado todo oVeraô, lem
mais moleftia dos vafsallos , que a ordinária da guerra.
Acodio ás Conquiílas, naõ fe perdendo nellasemfeu
tempo , nem huma pequena Praça. Aparentou-nos com
alianças, e amigos poderofos. Foi commumente tida
por huma das maiores matronas.E coítumava dizer del-
ia hum grande Principe; quê pudera o capello da Rai-
nha de Portugal, o que naõ podia todo Portugal.E dif-
fe delia EIRey feu marido no teítamento, com que fal-
leceo , que ; porque a conhecia muito bem , lhe deixa-
va entregues a feus filhos , nomeando-a por fna única
Guradora ; os Reinos , e Senhorios , nomeando-a por
fua única Governadora ; e a fua alma , nomeando-a por
fua única teítementeira*
Toda-via , como era humana fpoíto que o naõ pa-
recia) fe foi rendendo aquelíe grande valor , aquela
altiveza dojuizo, aquella rara igualdade de animo ,
naõ ao trabalho , mas a defprezos , e ingratidoens . que
fempre foraõ inimigos defcobertos da virtude , e foraõ
■á Rainha mais íenfiveis , porque o faõ as injurias , «tos
LI 2 que
fr
>j* TOKTVGAL JELÊ9IAV%dÉO,.
ÁftttO °iue mãls & amaõ , e erao muitas , as que recebia , dos
ifiso que mais as deviaõ amar. Quiz pois largar o governo,
*¥¥$* e recolher-fe a vida particular, e bem particular. As cau-
ías , que para ifso teve » fera atrevimento referillas por
outra lingua \ quando fe achaô declaradas pela fua em
hum papel , queella diclou , eeícreveo á Serenimma
Rainha de Inglaterra da fua maó. Eífcá com huma cu-
berta , enella hum fobrefcrito de letra da Rainha , que
diz: Papel de mirefolucion. E porque pela peísoa ; que O
Ciciou , e pela que o eícreveo , por fe moílrar por ef-
te breve rayo, qual era a luz do Juizo j dç que fahio,
e contem algumas couías, que conduzem para o preíen-
te fuccefso , fe traslada aqui fielmente. E nós o naõ re-
petimos , por ficar referido em. lugar competente. E o
papel propoílo continuava dizendo com verdadeiras, e
clariííimas exprefsoens tudo ,. quanto havemos referido
do governo da Rainha , e dos excefsosd' EIRey: Narra-
va o papel, que fe lêv na prefençad* EIRey na expulíaô
de António de Contes, exagerava as indignidades, ein-
desorofas politicas ,,c.ora que a Rainha fora tirada do
governo , e recolhida naclaufura> em que acabara a vi-
da , encarecendo as fuás grandes virtudes , moílrava as
exorbitâncias, etyrannias, com que EIRey tratara a feus
vafsalios o tempo ,, que os governara , por direcçoens
alheyas ,. declarando as notórias evidencias da fua inca-
pacidade, por cujo refpeito a Nobreza* e Povos haviaõ
perfuadido ao Infante, que^tomafse o governo j propo-
ílçaõ, que nunca quizera aceitar com oflènfa d< EIRey.
Individuava todos os caminhos , que o Infante , e os
que feguiraóa fuo opiniaó,.bufcaraõ , para que EIRey
confentifse , emque o. Infante governafse o Reino em
feu nome, deixando-lhe livre a authoridade Real V e
toda a grandeza , e commodidades,. que devia appe*
. tecer ,. outro qualquer Principe digno de Império. Re-
feria a deíiítencia, que EIRey fizera por efe rito no mef-
mo dia da fua reclufao ; e ultimamente juítificava eíta
acçaõ do Infante , e provava a razaõ , com que fe intro-
duzia no governo , com asrazoe.ns ieguintes,
Aprimeira, a incapacidade. d^lRey , para o gover-
y no
P^RTE II. L1VK0 X1L j j*
no da Monarquia! a fegunda, o abufo do governo, com AnnO
que em muitas acçoens degenerara em tyrannico: a ter- ,,g
ceira , a diifipaçao dos bens , e fazenda Real.
Suppoem-fe , (dizia) para fe proceder com clare-
za, e brevidade, por matéria fem duvida , que o Rei-
no pôde juftamente privar o feu Principe,ainda que íeja
legitimo , quando no exèrcicio hè tyranno j eno Reino
de Portugal naô padece duvida efta propoíiçaó , como
verificarão as razoens de hum livro, em que fe moftrou,'
que os Reys de Caftella , dado , e naó concedido , que
iuccedefsem legitimamente na Coroa de Portugal , pelo
leu governo tyrannico podiaõ fer legitimamente ex-
pulfados. E prova-fe eíle permifso taõdouta,e plenaria-
mente , que naó ficou novidade, que fe pudefse accref-
centar,nem que com íblido fundamento entralse em du-
vida ; e juntamente fe provou , que a incapacidade do
Rey era principio , ou origem da tyrannia.
Naõ fe duvida , que EIRey D.AfTonfo , quanto ao
titulo , e dominio do Reino , he nofsoRey , e Senhor
natural j aífim o confefsamos , e reconhecemos, e da
mefma forte efta mos promptos para defender a Coroa,
que lhe tocou por morte d* EIRey nofso Senhor D. João
o IV, de faudofa memoria} porém quanto ao exercício
do governo faõ taõ notórias as três caufas capitães , que
íicaõ apontadas , que ninguém tratou a Sua Mageftade,
ninguém fabe o eftado , em que achou , e em que dei-
xou eftes Reinos : ninguém tem noticia da prodigalida-
de , com que deítruio totalmente os bens da Coroa , e
as contribuiçoens dos Vafsallos, que palpavelmente nao
veja a verdade do referido. E fuppofto a notoridade de
fado , he confequencia também fem duvida , que para
efta depoíiçaõ do exèrcicio do governo naõ era neceí-
fario citar a Sua Mageftade * porque nas coufas notó-
rias , em que manifeftamente confta nao haver efcufa,
nem defefa , naõ fe requere citação ; e o que mais he,
que quando fora necefsario , bem fe tinha fatisféito a
ella , não fó como papel , que felèo a Sua Mageftade,
•que he , o que fica trasladado , quando fuccedeo a ex-
culfaõ de António de Contes; mas também com as re-
r LI 3 petidas*
ft 4 PORTUGAL RESTAURADO,
Atino Pefcidasíiipplicas, requerimentos, admoeílaçoens , e ad-
IÓ6 8 ZTf CIas' ^e a£ai.a> fua mã>> o Coafelho de
£ltacl° > e outros Mlniftrôs, e Grande do Reino lhe
ilzerao , pedindo-Ihe com incefsantes rogos , quizefse
emendar o feu modo de vida , e do governo Nem pa^
\t Cleãu ã • y havia feSuro accefs(> > pois: ninguém
lne rallana direitamente nefta matéria , que naõ fofse
com marufeílo perigo da vida,- porque nas matérias1,
que o deígoítavaõ , naõ coítumava remeter o cafttgo do
leu enfado aos Minillros dejuftiça,- porque elle o da-
va, ou pelas fuás próprias mãos , ou pelas dosfacino^
rolos , que lhe aíiiítiaõ , a que dava titulo de valen-
tes , e eíte perigo notório também faz eí cu lar a cita-
ção.
Com e-ftas fuppoíiçoens pafsaremos a tratar dos três
pontos principaes , a que temos reduzido eíta matéria.
He a primeira cauía da depofiçaõ d'ElRey nofso Senhor
áo governo a fíua incapacidade , que teve principio
em huma doença , que padeceo na fua infância , tad
grave .t que as lagrimas, e oraçoens da Rainha fua mã y,
que eítá em gloria , parece , que alcançarão de Deos
alua vida no ultimo perigo delia; mas por feusjuítos
)uizos naõ quiz Deos Nofso Senhor dará Sua Magef-
tade a faude inteira ,• ou para que os achaques,com que
íicou, lhe lembraísem a mercê, que Hie fizera emoli-
vrar da morte j ou para caíligar com elles noisos pecca-
dos porque no cor^o iicou Mo no braço , e perna direi-
ta , e no entendimento com tanta debilidade, comoíe
tem apontado por todos osaitos, queíicaõ referidos;
porem ate eíte ponto naõ era o achaque culpa d*EI-
Rey,era ruína do Reino; porque juntando a todos osde-
reitosj? inadvertencia,com que favoreceo tanto na pue-
rícia, como naadoleícencia a homens indignos potnaf-
cimonto, eliíongeiros por arte, que fó tratarão de
o agradar, mfinuando-lhetudo quanto era mais contra-
rio a : aúthoridade , e eftado Real , e ao governo de feus
Kemos , por cuja cauía era força o governar-fe fem
eleição^ nem refoluçaõ própria ,■ difgraça tao notória,
que nao lo fe chorou em Portugal, mas chegou aos
Reinos
PARTE 11 LIVKO Xil. jjí
Reinos eft ranhos , e por quantas línguas ie falia 6 em ^nno
Europa , fe manifeftou a Infelicidade , . que neíla. parte ,^ ^
padecemos.
O que íuppoíto , nâõ tendo EIRey capacidade pa-
ta adminiílrar feus bens , ie as leys mandão acodir com
Curador a qualquer pefsoa particular , que fGr incapaz,
naó fearriicando na fuaadnúniítraçaõ mais,que o pou-
co , que cada hum pofsue ,• quanto mais fe deveacodir
com efte remédio a hum Rei , em quem periga o efta-
cfeí de feus Reinos , e a eonfervaçaó de feus Vaisallos i
Efte remédio , com que fe acode aos Reis negligentes,
incapazes , ou imiteis ( como lhe chama o Direito ) pa-
ra governar feus Reinos , eítá canonizado por repeti-
das refoluçoens dos Summos Pontífices, e praticado pe-
lo exemplo de muitos Príncipes , a quem fe tirou a ad-
núniftraçaõ dos liei nos pelas ditas cauías.
Seja o primeiro do nolso Reino de Portugal. Era EI-
Rey D.Sancho o fegundo , Príncipe bom, ejuftoem
fuapefsoa. Deu na falta de fe fervir de homeas de má
vida, que á fua fombra faziaó aggravos , e moleílias
aos, Vaisallos ■", fem que os atalhalse , ou reprimi í se a
natural ré mifsaõ da quelle Rey. Faltarão ao Reino me-
ios féguros , com que o poder tirar, do governo lem
perigo , de que a repugnância dos léus Vaísallo occafio-
nafse algumas alteraçoens. Recorreo-fea Roma, pedin-
<3o-fe favor ao Pontiíice Innocencio IV. o qual appro-
vou -a privação d' EIRey do governo , e a entrega , que
delle íe fez ao Cqnde de Bolonha feti irmaõ,que depois
foi EIRey D. Afibnfo III. e deita refoluçaò do Pontí-
fice lefez hum texto de Direito Canónico ,• celebre de-
cifaõpara fimilhantes cafos.
Segundo exemplo , e fegunda decifao , fe acha dos
Grandes , e Povo de França, os quaes pelo feu Rey Chi-
derico fer inepto no governo do Reino , e na adminif-
traçaõ da juftiça , o removerão , e puzeraõ em feu lu-
gar a Pipino , filho de Carlos Martelo, a qual remoção
foi também approvada , e delia procedeo outro texto
de Direito Canónico , cuja glofa fuppoem , que já em
tempo de outro Pontífice havia fuccedido cafo fimi- ,
Li 4 lhante/
51<J PRÕ7VGAL RES7AVRJD0,
Armo Ihante ; porque affim fe colhe do mefmo texto.
166% O terceiro exemplo he d'ElRey de França Filippe }
lW0* chamado Formofo , a quem o Papa Bonifácio' VIII. pri-
vou do Reino por caufa , afiada que naõ em tudo íimi-
lha ates ás noísas.
O quarto temos em EIRey Duarte III. que por admi-
niílrar mal o Reino de Inglaterra , foi depoíto delle , e
prezo em Gloceítria no Convento deS. Pedro , onde
falleceo.
O quinto fe refere de Theodorico L do nome , filho
de Clodoveo II. Rey de França •, o qual por naõ fazer
acçaô digna de hum Rey, e deixar a léus v, li dos todo o
governo do Reino , naõ tratando mais , que de appeti-
tes*e fenfualidades , foi depoíto da Coroa pelos feus Po-
vos juntos em Cortes, e acclamado Rey feu irmão ChiU
derico no anno de feifcentos íetenta e cinco , e o depof-
to Rey Theodorico lè metteo Frade no Convento da
Abbadia deS Dionyílo.
O Sexto íè yioem Carlos o Gordo , filho de Luiz
Rey de Germânia , o qual depois de fer eleito Impera*
dor por morte de fralbo , pelos achaques que tinha , af-
fim nov corpo,como no animo, foi depoíto do Reino por
feus Valsai los , e eleito feu fobritiho Ârnulfo , dando-fe
ao dito Carlos alguns lugares, de cuja remia feíuíten-
tou em quarvto viveo, efoi eíte fuccelso no anno de
oitocentos e oitenta.
O fetimo exemplo experimentou Duarte II. chamai
do de Cavernao , Kcj de Inglaterra, que depois de mui-
tas guerras , que teve' £om feus Vafsa&osv e pelai defor-
denada afeição, que tin/u* a fe& valido, e compadre Pe-
dro Ganefcu, que femprw* o havia inclinado a feguir
toda a forte de vicios, foi prezo r e defamparadò de
fua mulher Ifabel , Filha d'ÊIRcy 4e França Filippe o>
Formofo , no anno de mil trezentos e quatro.
Outros muitos exemplos feachúiõ nas Hiftorias ;,
que fe naõ repeterrt , por naõ fazer mais; largoeíte dif-
carfo , è matéria taõ indubitável j mas petos referidos,
e por todos os mais fe vê , que he coítume geral , e di-
reito das gentes privar dos Reinos, ou pelo meios dia;
adninii-
PARTE II tlVRO XIL fr?
adminiítraçaõ delles aos Réys incapazes de os governar, Anno
pois univedalmente fe ufa íubítituir-lhe outros , que os ~ *
governem > eeíle he o geral coílume das Naçoens , e
o que fe chama direito das gentes.
E naõ pôde fazer duvida intervir em alguns dos di-
tos exempíos a authoridade do Summo Pontiíice , para
ie imaginar, que também nós neceífi ta vamos delia. Por-
que fe deve advertir , que nos cafos, em que interveyo
a dita authoridade acerca dos Reys , que naõ conhecem
fuperior , foi porque os Povos naotinhaõ forças baf-
tantes para expulfar a violência dos validos , e por eíle
reípeito implorarão o favor do Papa i lendo certo , que
do meimo modo , que fe valerão das armas Ecclefiaíti-
ças ,' por fer remédio mais íuave , fe puderõ valer de
qualquer Princip efecular , onde efse remédio poieria
lermais violento -, o que fe confirma efpecialmente pe-
lo nofso exemplo d<ElRey D. Sancho II. do qual refe-
rem as Hiftorias , que eraô muito poderofos os validos,
que violentamente queriaõdefender a adminiítraçaõ do
Reino na fua pefsoa , por cuja caufa fe recorreo ao po-
der do Pontífice. Nem podia haver outra raziõ, porque
he certo, conforme a doutriaa dos Efcritores , a/Tm
Theologos , como Juriílas , que o Papa naõ difpoen
couta alguma nas matérias temporaes fobre os Principjs
foberanos , que não reconhecem fuperior. E como o
.nofso Reino de Portugal pelas mefmas caufas , que o
cie Caftella , he foberano , e independente , claro eftá,
que naquellaoccafiaõ d'E!Rey D. Sancho II. era necef-
fario por via dejurifdicçaó temporal valer- fe da autho-
ridade do Papa,nemtambemagora neíla privação d<El-
Key D. Affonfo VXfenenecefTttava do feu confentimen-
to : o que procede mais fem duvida na occaíiaõ piefea-
tej porque Sua Alteza , e os Grandes da Corte tinhao
tanto poder , poreítar da fua parte o concurfo da No-
breza, e de todo o Povo, que lhe naõ era neceísario
pedir foccorros de fora. Maiormente , que dado , nia?
naõ concedido, que neceffitaísem da authoridade do Sd -
mo Pontífice ( o que naõ neceíTitaviõ , como fica mof-
trado) ainda nefsecafo por -hora fe podia obrar fem el-
la
um
5?» POKTUGÀL kESTAURADO,
Atino h por muitas razoens. Primeira , porque Sua Santidade
*66tAtFtkn*? nar ouvf ^^PpHcas deita Coroa , nem
dd-ere a ellas : fegunda 5 porque a neceffidade precifa
de le acodir promptaraente a taó graves damnos naõ co-
le fltia retardar-fe o remédio: terceira} porque com a di-
lação JiáVia manifefto perigo de fe armarem os dilin-
quentes , e fui citarem algum rumor prejudicial ao Po-
vo. .jNem íe pôde duvidar , que o governo, eadminif-
traçap do Remo nos termos , em que eítamos , perten-
ça direitamente ao Sereniífimo Infante D.Pedro, por
ler o parente mais chegado deSua MageAade , aquém
toca imediatamente a legitima fuccefsao do Reino ,
taiiecendo LIRey íem filhos legítimos,- pois eíte foi
num. dos fundamentos, com que o Pontifica Innocen-
cio IV. approvou a pefsoa do Conde de Bolonha D. Af-
ronto para Curador d'E!Rey D. Sancho feu irmaõ.
a c [?Zaõ de fer Sua AIteza ° mais próximo aguado
de bua Mageftade , a quem pertence a fuccefsao do Rei-
no , convence , que pela incapacidade d'ElRey lhe toca
o leu gorveno ( que he menos ,• } donde fe infere , que
bua Alteza podia por fua próprio authoridade tomar a
poise do dito governo. E também porque em Sua Alte-
za concorrem todas as Rea es virtudes , que fe podem
confiderar no Principe mais perfeito,- porque íoube jun-
tar a madureza do juizo com o verdor dos annos, a juf-
tiça com a clemência , a liberalidade com a parfimonia*
íummo amor , e temor de Deos , hum pio refpeito á
Igreja , enaõ menos mifericordía para os miferaveis ,
grande atteiçaô, e nenhum temor dos homens , ler mui-
to reípeitado, e amado pelo grave, e pelo agradável
de feu femblante , humano no trato , e em todas as ac-
çoens excellente , deixando de referir muitas , que fo-
bre perfeito Principe , o fazem também perfeito Cavai-
leiro , e logra em gráo taõ fupremo o definterefse , que
iabendo , que muitas pefsoas nas Cortes lhe queriaõ dar
o titulo deRey , encontrou efta pratica , afíirmandoás
peísoas de fua confiança , que em quanto feu irmão for
vivo., o naõ ha de aceitar , nem fazer defpeza alguma á
Coroa, íuítentando a fua cafa fó com as fuás próprias
fendas,
■
PJRTE 11. LIVRO Xlt. fâ§
relidas , ecom eítas grandes qualidades , e o direito que Atino
fica referido . , ninguém poderá duvidar , que legitima- ^o
mente fe devia a Sua Alteza oferCtirador d<EJReyfeu l°°°4
irmaõ , e pelo coiiíeguinte o governo deites Reinos,
viíto fer Sua Mageítade incapaz para a adminiílraçao
delles.
Segunda caufa de privação de Sua Magejlade , que con-
fifie em o Jeu governo fer tyramko,
SEa remifsao , e deícuido dos Reys , como temos
moftrado , he baílante , para fe lhes tirar o governo
de feus Reinos , naõ he muito com igual , e maior ra-
zão o feja a tyrannia i porque com o meímo nome de
Rey feja temerofo , e horrível para os Povos , como fe
vê nos Romanos , que por hum Rey foberbo , que ti-
veraõ , íacudiraõ de (i para fempre o jugo deite titulo,
e em outras muitas Naçoens , que governando-fe por
outros modos , o naõ quizeraõ experimentar , he necef-
fario, que os Príncipes o adocem muito com o exercício
da juítiça , temperado com o da maníidaõ , ufando bem
daquelle feu abfoluto poderíleal,para ferem igualmen-
te amados , e temidos de feus Vafsallos com o affedo, e
com o refpeito , que convém aos Príncipes foberanos.
Os Portuguezes logramos quafi fempre eíta ventu-
ra , que os nofsos Reis pela maior parte amarão a feus
Vaísallos como pays , e os Vafsallos fempre lhes tiveraò
no amor refpeito de filhos , e quanto maior foi fempre
efte favor dos nofsos Reys , de que e (lavamos de po íse,
tanto mais extranhamos as experiências contrarias. Bem
fe pôde crer , que Sua Mageítade naõ entendia o mal,
que obrava , e confentia íe obrafse j mas o certo he, que
a fua ignorância naõefcolava de tyrannicasas acçoens
do feu governo, e as que executavaõ muitos homens fa-
cinorofos, queeílavaó á fua iombra.
Chriílerno Rey de Dinamarca , Noroega ,e VVan-
dália, por fer muito cruel, foi privado do Reino por
Federico Duque de Slevins feu tio. Duarte V. Rey de
Inglaterra no armo de mil e quatroceoto$ oitenta e três,
por
mmm
$$ TOVIVGAL REST^UR^rO;
Ánnopor íèrtyranno, e cruel, foi privado do Reino pela
1668 ^T°^reza c5elle* Carlos Rey de Napolos ,e Sicília, poc
* fer infolente , e governar com tyrannia , o privarão feus
vafsallos do Reino , donde teve origem , pelo que toca-
J va a Sicilia , aquelle provérbio dasvefperas Sicilianas.
D. Pedro chamado Cruel, Rey de Caílella , fendo mor-
to por feu irmaõ D. Henrique , approvou todo o Rei-
no lua morte , e fem embargo de naõ fer legitimo D:
Henrique , o acclamou aquelle Rein© por feu Rey , pe-
las virtudes , de que era dotado. £ eílaõ as Hiílorias
cheyas de fimilhantes exemplos, que os Doutores re-
ferem, e ninguém pôde negar, que Sua Mageílade exei>
citou muitas acçoens tyrannas ; como foi a defobedien-
cia á Rainha lua mãy , ea irreverência , com que a tra-
tou, Delterrar as pelsoas grandes , e eminentes do Rei-
no , fendo os mefmos , de que EIRey feu pay fazia a
maior confiança , e que pela defenía da Reino haviao
derramado muitas vezes o fangue-, bufcand© para a fua
domeílica aííiítécia os homens mais facinorolos da Re*
publica , em que fe verifica , e manifeílamente fe pro-
va , que o feu governo era tyrannico. Levantar , e ad-
mittir a honras ; e dignidades homens indignos , faci-
norofos , e cruéis , e darlhes confiança , e oufadia para
continuarem íeus máos coítumes á fombra do feu vali-
mento: venderem-fe as horas , e officios públicos, que
faõ o thefouro da Republica , com o qual fem fe em-
pobrecer o património Real , fe remuneraõ os benemé-
ritos; e pelo contrario vem aquellas honras a perdera
fua eíUmaçaõ , quando fe experimenta , que fe alcança
com o dinheiro , e naô com o merecimento pefsoal de
cada hum. r
Eílas acçoens tão repetidamente exercitadas, ac*
crefcentando-fe a ellas a crueldade , com que EIRey
maltratava , e a violência , com que confentia maltra-
tar todos feus vafsallos, de modo , que parecia andavao
em competência os mefmos vafsalios a querer dar a vida
em feu ferviço , e EIRey a oíFendellos , e afiontallos,
moílraô concludentemente, que o governo d' EIRey era
tyrannico , e em confequencia, que Sua Alteza, e a No-
breza do Paço lho podiaô tirar. Ter*
P ARTE Ih hWRQ ML 54Í
Antio
Terceira caufa da privação do governo de Sua Magef- tffâ^
tade , que cwfifte na diffipaçaõ dos bens da Co-
roa , e do k&no.
;-iB$'
Tinha efte Reino orçado os rendimentos da Coroa,
e-ascoRtribuiçoeiís dosVaísallos com taõ aditado
computo para as defpezas da paz , e da guerra, que ien-,
do tantas as occafioens degaílo nos exercites , que ta o
repetidamente íe puzerao em Campanha nos annoç an-
tecedentes ao governo de Sua Mageílade , iuílentan-
dô-ie Veroens inteiros, e provendo-íe com toda a abun-
dância, nunca houve faltas, que obrigalsem a empenhar
os rendimentos futuros, nem a deixar de acodir a ou-
tras grandes deipezas , em que entrou a do dote de m-
glatenai „ «
Tomou Sua Mageílade pófse do governo J e poíto
que naõ achaíse fobras , por andar ajuílada a receita
com a defpeza , também naõ achou dividas de gran-
de confideraçaõ. Nosannos, que durou o leu gover-
no , creíceo a Fazenda Real com o dote da Kainlia ,
com os foccorros extrangeiros , com o novo cunho da
moeda , e com outros meyos , que fe buicáraõ para a
accreícentar ; e diminuiraõ-fe as defpezas pelos poucos
dias, que os exércitos períiítiraõ na Campanha , dimi-
nuindo-fe o tempo coma felicidade das vitorias , que
os Soldados valoro famente alcançarão,, negando-lhes os
pagamentos, que lhes eraõ devidos, e achando-íe asfor-
tificaçoens iem melhora alguma ,e faltando todas eftas
defpezas , naõ fó fé confumiraÔ todas as rendas , e effei-
tos ordinários ,e extraordinários , queaccreíeeraê,mas
ainda felizeraÕ' empenhos adiantados para muitos an-^
nos. r
Eíie he o eílado , em que Sua Mageílade achou el-
te Reino, eeíle he o eílado, em que o leu governo
o deixou , diilipondo-fe tudo com tanto defperdiço , «
taõ fora do que pedia o bem ccmmum , a queeílava
applicado , que poucos dias mais , que durafse a ína-àd*-
i *L t ■ ir.iníílra^.
*F
|*| POWUGAL RESTJUULADO, I
Anno miniftraçao , fe experimentaria© irremediáveis os dam-
1662 nos,.da ^orurquia- Eí^s deípezas fem ordem , e as\m-
• módicas ! doacoens , e mercês de tenças , de mezadas , de
ajudas de culto , que fem caufa , e íem neceffidade fe fa-
ziao , era numa manifeíta diffipaçao dos bens da Coroa-
a qual os Reys nao podem exercitar; porque naó fó
iao obrigados aos nao diminuir fem precita neceffidade
mas ainda a acrefcentallos. E neíte tempo eraeítadifl
oíipaçao muito mais prejudicial pelo evidente perieo,
em que nos punha de nos perdermos , exhauftos todos
os meyos da nofsa defenía. E fe quando o-diffipador de
qualquer morgado defrauda os" bens delle, deve ler pri-
vado da adminiílração ., e reítituilla *o feu fuccefsor
com muito mais razão o pofsuidor de hum Reino'
lendo diffipador dos bens da Coroa , fe deve privar
do governo delle, reítitumdo-íe ao fuccefsor im medi.
to ; porque no morgado fe não arrifca mais , que a fa-
zenda de huma peísoa particular , e no Reyno ie põem
a pengo a confervaçao univerfal de toda a MonaVquia
De que fe :fegue,que licita, e injuítamente fe tirou a ad-
miniílraçao deíles Reynos aSua Mageftade,-porque dif.
Upava íem moderação alguma os bens delles,e íe entre-
gou ao Sereniffimo Infante D. Pedro feu immediato e
legitimo fuccefsor , a quem direitamente pertencia não
ie aiiíi parem * nem perderem.
Eílas fao as caufas principaes , que teve o Serenií-
fimo Infante D. Pedro affiítido da Nobreza, e Povo pa-
ra remover do governo do Reino a EIRey D. AíFonfo
VI. noíso Senhor, e deixão de fe referir algumas circun-
Itancias muito aggravantes , porque como confefsamos
a bua Mageítade por nofso Rey , não confente o refpei-
to , que lhe temos , referir mais , que aquilío , que pre-
cilamente he necefsario para juftificar eira privação, e
informar ao Reino da razão forçofa , com quefe che-
gou a efte extremo com taõ conforme uaião , e afsen-
to geral de todos, que não houve contradição ateuma
em executalla.E finalmente he de notar a grande van-
tagem, que nefta ocçafião fe fez a outras , em que os
&eys forao privados do governo/pois fuecedédo a mui-
tos
P^RTE II. LIVRO XII. |45
fos haverem padecido ofíênfas inexplicáveis no gòver- Annd
rio d'ElRey,naõ houve neíta mudança quem procurafse ^x©
1 fatisfaçao > antes Sua Mageftade foi tratado com to- I"Oo^
da a veneração devida á fua Real pefsoa , e os que in-
dignamente lhe alliítião , não padecerão a menor def-
compoíiçaÕ , moítrando quem obrava neftas matérias,
que íómente ie tratava de acodir ao damno , e periga
commum , mas de nenhum modo de procurar vinganças
particulares } e deixão de referir-fe os excefses , que fe
ufarão com a Serenilfima Rainha D» Maria , por lerem
taô notórios , que le impoífibilitão es termos de fe ex-
plicarem j fendo eíle hum dos maiores motivos de fe
verificarem na pefsoa d'ElRey para incapacidade do go-
verno as três propoiiçoens , queficaõ referidas , e todas
as deíie papel erão elegantemente authorizadas com al«
legaçoens de Direito , e exemplas da Hiítoria j e fó na
terceira caufa da depoíição d<EJRey era mais difficil a
prova,* porque o gaito dos exércitos forão exceiTivos ,
e a limpeza do Conde de Caftellc-Melhor juíHficada , e
fó fe deve entender eíla propofição rio muito , que El-
Rey difpendia com os íeus divertimentos. Foi em to-
dos os três Eílados uniforme o applaufo da juílificação
do Príncipe explicada no papel referido, reconhecendo
a igualdade, epuro intento de todas asíuasacçoens,
'e unicamente difeordarão na propofição defe haver de
coroar , ou confervar o titulo de Governador ,-' porque
o Príncipe ainda que, como referimos ■', eítava refolu-
to a não tomar a Coroa , crefeerão de forte os rumores
dos Povos fobre eíle particular , que entende© era obri-
gado a mandar propor nas Cortes matéria tão importan-
te ao governo do Reino.
No eftado dos Povos , lido o Decreto , e papel", &
que fe referia , votarão todos os Procuradores ■, que o>
Príncipe devia coroa r-fer porque todos os inconvenien-
tes ojppoítòs. a eíta refolução erão inferiores ás razoensy
q preciíamente pediâo empenhar o Sceptro para maior
authoridade do. Reino , e çonfervação dos Vafsallòs. Os
EccleâaílicoSj, e Nòb-reza refervárãò â deliberação, pa—
aa;fe^indb3'congrdso \\ e no dia que: fe. celebrou-,., lhes.
manda»
■»■
,. f 44 PORTUGAL RESTAURADO,
ÂrtUO iftâudárao os Povos dar conta pelo Marquez de Marial-
ssq va , e pelo Doutor Pedro Fernandes Monteiro , Procu-
loóô» raíJores de Lisboa , da deliberação , que havtaõ tomado,
de que faziaó confulta ao Príncipe. Conferirão os dous
'braços tudo quãtofe podia ventilarem negocio taõ im-
portante , e depois de largos difcurfos , de que hum a
(OUtrò fe derao conta, afsentou o EftadoEccleíiaftico,que
jurafsem o Príncipe Governador , por fer caminho mais
proprio,e mais decente de manifeftar ao Mundo as fuás
generoías intençoens. O Eftado da Nobreza afsentau
fazer prefente ao Príncipe , que antes de íe tomar reío-
luçaõtao importante, devia mandar communicalla aos
Letrados, Theologos , e Juriftas , que fofsem avalia-
dos por mais doutos , por feraquella matéria tanto de
eftado, quanto de confciencia , e de Direito , e deita de-
liberação foi dar conta o Duque do Cadaval ,eo Con-
de do Prado ao Eftado Eccleftaftico , e ao dos Povos.
OsEccleíiafticos naó quizeraó admittir efta propofta %
por Harém mais das fuás letras , que das alheyas. No-
dos Povos houve maior perturbação , porque fem ad-
mittirem votar-fe na propofta , acclamáraô o Príncipe
Rey: porém chegando ao Príncipe efta noticia , ea$
confultas, fe conformou com a da Nobreza, e foraò no-
meados para fatisfaçaô , do que ella propunha , o Padre
Nuno da Cunha, da Companhia dejefus , dotado das
virtudes, de que havemos dado noticia , o Padre Frey
Valério de S. Raymúndo , Religiofo da Ordem dos Pre-
gadores, Prior do Convento de S. Domingos de Lisboa,
Deputado do Santo Ofíicio .( depois Bifpo de Elvas ) o
Padre Frey Fernando Soeiro da mefma Religião , Me-
ftre de Theologla , e Pregador d'ElRey , Frey Joaõ de
Mello , da Ordem dos Eremitas de Santo Agoftinho ,
Definidor, Viíitador, Commifsario Apoftolico,e Pro-
vincial da fua Ordem, e Meftre de Theologia , os Dou-
tores Joaô Velho Barreto , Chanceller mór do Reino,
Manoel Delgado de Mattos , Lente de Leys , e Chan-
celler da Caía da Supplicaçaó, Luiz Gomes deBafto,
Confelheiro da Fazenda, Duarte Vaz Dor ta Oforio,
Lente da mefma faculdade > Confelheiro da Fazenda,
Cluifto-
"
PJRTE 11. LIVKO XII, y4y
Chriítovaõ Pinto de Paiva , Deputado da Mefa da Con- Atino
fciencia, e Ordens j e no dia que fe convocou eílaju n- ,.*
ta ,'antes devotarem os que fe acharão nelia , lhe mau- luua«
dou dizer o Príncipe por leu Meílre Frãcifco Corrêa de
Lacerda , que tivessem entendido , que o intento, com
que fe introduzia no governo do Reino , fora unica-
mente pelo livrar do perigo , a que eftivera expoílo, li-
vre de toda a imaginação de querer uíurpar a íeu irmaó.
a Coroa , e que para eíle fim o titulo de Governador
<lo Reiao bailava , para fe confeguir o bem publico :
que naô lhes mandara fazer eíta advertência , por duvi-
dar , que votariaõ conforme as letras , que profefsavaó,
pondo diante o temor deDeos, porque osefcolhera,
reconhecendo o íeu merecimento j lenaõ para que en-
trarem a votar em taõ grave matéria , tendo entendido
a fmceridade do leu animo.
A todos fatisfez , como era razão , eíta advertên-
cia do Príncipe , e alguns a celebrarão com lagrimas , e
entrando na conferencia, que durou muitas horas, pon-
dcradis largamente as razoens dehuma , e outra opi-
nião , concordarão, que o Príncipe devia de tomar o ti-
tulo de Governador , e unicamente votou o contrario
João Velho Barreto , deixando de aífiílir na junta por
doentes Duarte Vaz, e Manoel Delgado. Affiaada a con-
fulta , fe remetteo ao Príncipe , que com grande iatts-
façaõ do que eila continha a mandou aos três Eílados:
e examinada , e difeutida nelles a ponderação, com que
fora lançada, fevenceo nos Ecclefiaílicos , e Nobreza
que o Príncipe tomafse~ o titulo de Governador , em
quanto durafse a vida d<ElRey , e os Povos firmemente
perfiítiraò , em que devia coroar-fe ,e o Príncipe gene-
roíamente declarou , que fe conformava com os Eccle-
fiaílicos , e Nobreza , agradecendo aos Povos o aííeclo ,
e zelo , com que haviaó votado ; porém elles mal fatis-
feitos de naõ confeguirem o feu intento , pertenderão
acclamar o Príncipe o primeiro dia , que fmifse em pu-
blico 5 mas chegando-lhe eíla noticia, atalhou com pru-
dentes diligencias aquelle empenho , e coníervou o ti-
tulo de Priacipe , e Governador até a morte d'ElRey,
Mm que
54* PORTUGAL RESTAURADO,
Anno <Iue íuccedeo no Palácio de Cintra a doze de Setembro
1668 cí° anno ^e mil e fei^centos oitenta e três , e foi íepul-
' tado no Convento Real de Belém, fendo em todo o
tempo r que lhe durou ávida , fervido , e refpeitado,
como era juílo , e com taõ finas attençoens do cuidado
do Frincipe, que he difficii poderem-fe exprimir, e por.
ferem uniyerialmente notórias , deixamos de exorei-
íalas. *
No tempo,que fe gaitou em fe tomarem as refolu-
çoens referidas ( fendo a mais alta , e de maiores con-
sequências a paz de Caífcella , de que daremos conta em
lugar mais próprio, por fer preciíb, havendo dado prin-
cipio a eíta obra com a guerra,rematalla com a paz) cor-
ria a caufa da nullidadedo Matrimonio da Rainha (ten-
do eleito por feu Procurador ao Duque do Cadaval,
que em aceitar eíta commifsaõ deu o primeiro teítimu-
nho de juíliça da Rainha; porque a naó tomara por fua
conta, fe a tivera por duvidofa) procefsando-a D. Fran-
ciíco Sotto-Mayor , Bifpo de Targa , Coadjutor, e Pro-
viíor do Arcebifpado da Sé Metropolitana de Lisboa, os
Doutores Valentim Feyada Morta , Cónego da mefma
Sé , e Vigário Geral do mefmo Arcebifpado , Pantaleaõ
Rodrigues Pacheco, do Confelho d'El-Rey , do Geral
do Santo Officio , eleito Bifpo de Elvas ; e falecendo
antes da fentença , entrou em leu lugar Antaõ de Faria
da Silva, Cónego da mefma Sé , Deputado do Santo
Officio, e da Mefa da Confciencia , e Ordens , efcre-
vendo na CaulaSebaítiaõ Diniz Velho, Defembargador
■da Relação Ecclefiaítica , Prior na Igreja de Santa Ma-
rinha : e obíervados todos os termos leeaes , concluíb a
final o procefso relatado pelo Bifpo Coadjutor , votan-
do , além dos que o actuarão, Manoel de Saldanha, Su-
milher da cortina d'ElRey, depois Bifpo de Viieo,Fran-
ciico Barreto , do Conielhod<glRey , do Geral do San-
to Officio , depois Bilpo do Algarve , Nuno da Cunha
Defsa , que com louvável exemplo não aceitou o Bif-
-pado de Miranda , Pedro de Ataide de Caítro , Inquiíi-
dor aa Inqmfição de Coimbra, todos Cónegos da Sé de
Lisboa, * .os Defembargadores da Relação Ecclefiaítica,
os
1
P ARTE 11. limo XII. J47
os Doutores Gonfalo Peixoto da Silva , Cónego na mel- \x\XlO
ma Sé i Gafpar Barata de Mendoça, Prior da Igreja de * ,-
Santa Engracia, Joaõ dePafsosde Magalhães , da de S. looo»
Juliaõ , Joaó Serrão , da de S. Thomé , todos Juizes no-
meados pelo Cabido. E na Cafa delle em preiença dos
Capitulares examinado o procefso por cada hu dos Jui-
zes com diligente inquirição , e coníideração madura,
Sabbado vinte e quatro de Março do anno de mil e fêi£
centos feísenta e oito , fuecedendo fer vefpera de Ra-
mos , que foi o meímo dia , em que a Rainha D. Luíza
fe retirou para o Convento , em que faleceo , padecen-
do os pezares , que havemos referido , occaíionados por
íeu filho , fe proferio a feguinte fentença.
AcordaÕ em Relaçxo feita emprefença do Cabido , rerentãii
efiando pref entes , além dos Miniflros ordinários delia , os a *eifav0r, '
Juizes nomeados pelo Cabido, por votar na caufa-, &c.
Que viftos eftes autos , libello da Rainha noffa Senhora
Maria Franci/ca Ifabel de Saboya , que lhe foi recebido ,
xontejlaçaõ por negação do Promotor em defeito da parte
... na forma do eftylo , prova dada: Mojlra-fe , que a dita
^Senhora contrabio Matrimonio de prefente m facie Ec-
-clefiae com o SereniJJimo Senhor D. AJfonfo FL Rcy de
Portugal em vinte e fete de Junho do anno de mil e
feifeentos fejfenta e féis na Cidade da Rochella , Reino de
França , donde a dita Senhora veyo a ejla Cidade , e
nella no Palácio Real os ditos Senhores viver aÕ por ef-
paço de dezafeis mezes , fazendo nefte tempo vida mari-
tal. Moftra-fe , que no efpaço deíles , intentando ambos
confummar o dito Matrimonio , o nio puder aô fazer ,
jipplicando a diligencia moral , que fomente de direito fe
requere , por caufa da impotência do dito Senhor , pro-
cedida da enfermidade , que teve , fendo menino , na dita
idade incurável , e )ã agora irremovivel por arte huma-
na; o que tudo fe prova fuperabundant emente ; pelos me-
yos approvados por Direito , com os quaes o dito impedi-
mento fica em termos de certeza, ao menos moral) nos
quaes termos fe não requere infpecçdo , nem experiên-
cia triennal , ou de outro tempo arbitrario% 0 que tudo
Mm i v*M
548 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno^í^ com ornais dos autos , edfpoficao de direito, )uT-
1668 ^ ° ^t0 Matrimonio contrahido entre os ditos Sereníffi-
« u • mos Senhores, por contrahido defaão , e naõ de Direito,
e o de ciar io por nullo , e que os ditos Senhores poderão
fazer de fi o que bem lhes parecer , e que haja divi-
zio de bens , na forma de feus contratos.
Publicou-fe a fentença referida , e fabendo a Rai-
nha , que eftava defobrigada dos laços do Matrimonio,
mandou declarar a cada hum dos três Eítados , que em
virtude da feu tença dada a feu favor , determinava fem
dilação voltar-fe para França , o que naó podia conjfe-
guir fem a reílituiçaô do feu dote; e que reconhecen-
do a inteireza das ÍQys, e a verdade dos ânimos dos Por-
tuguezes, eíperava , que fem embaraço , nem demora
ie lhe entregafse o feu dote : e no mefmo tempo , que
executou eíta diligencia, fez avizo pela poíta a Luiz de
.Varju Inviado dos Duques de Vandofma , que aíliítia
.em Lisboa , e a Rainha havia mandado a Pariz , ( como
já referimos ) o dia feguinte ao em que fe recolheo no
Convento da Eíperança , a dar conta a EIRey , e a feus
parentes dos juítiflcados motivos da fua refoluçaó; e de
que muito tempo antes de a tomar , fendo manifeíta a
Incapacidade d'ElRey,era voz commua,que feria a ma-
ior utilidade do Reino celebrar-fe o feu cafamento com
o Principe D. Pedro : o qual por todas as acçoens an-
tecedentes ie entendia , que naõ havia de defviar-íe de
executar tudo,quanto feus vafsallos reco nhecefsem, que
era utilidade do Reino.
Lêo-fe em cada hum dos três Eítados o papel , que
a Rainha remetteo , e a cópia da fentença dada a íeu fa-
vor na feparaçaõ do Matrimonio , e uniformemente fe
entendeo , que convinha á coníervaçaõ do Reino ajuí-
tar-fe ocalamento da Rainha com o Principe D.Pedro,
'jijuja fe o ca~ aílim pelas grandes partes , e fmgulares virtudes , e que
(amèto doprin- era dotada , como por fe confeguir a brevidade, que re-
7h*ZJin»de ^ueria ° caíaméto do Principe, por fe confervarem uni-
daieparaçat carnente na íua pefsoa as efperanças da fucçefaó do Rei-
do .Matrimonia no , é juntamente pela dilHcuIdade , que fe coníiderava
em
V ARTE II. LIVRO XII. m
em fe haver de reftituir com brevidade á Rainha o íeu Anna
dote » que fe tinha deípendido nas guerras antecedentes i/o
com todos os maisefíeitos , de que podia fahir ette dei- looo.
era bolço $ e por todas eftas prudentes confideraçoens ,
depois de dilatadas conferencias, fez cada hum dos três
braços confulta ao Príncipe , em que largamente fe lhe
moitrava os motivos das íuas coniideraçoens , pedindo-
lhe com a ultima eíficacia quizeíse accommodar-le ao
commum coníentimento , e utilidade do Reino , e ao
rneímo tempo fez igual diligencia o Senado da Camera;
Vio o Principe as coníultas , e lêo a fentença , e primei-
ro que fe deliberafse -, mandou naõ fó em Lisboa , mas
em outras partes do Reino encommendar fervorofa-
mente a Deos pelas pefsoas devida mais exemplar o
acerto daquella refoluçaõ , ecomeíle faudavel princi-
pio ,o parecer dos Letrados mais doutos, dos Miniítros
mais empenhados nos feus acertos,e do Confelho de Ef-
lado refpondeo , queelle eítava prompto para executar,
.o que fofse mais ferviço de Deos , e intereíse da Mo-
narquia precedendo a vontade da Rainha.Oqrn a repol-
ta do Principe reprefentáraõ á Rainha o detejo univer-
sal de todo o Reino \ de naõ perder a fortuna de a ter
-por Senhora,e lhe pedirão aíFedtuolàmente naõ quizeíse
jnal-lograr taõ bem fundadas propofíçoens com a íua
repugnância, confentindo aconclufaõ deíeajuílar o
feu def poio rio com o Principe D. Pedroi
A Rainha depois de haver ponderado largamente
todos os fucceísos palsados, e todas as circunftancias
prefentes , e tratado com Deos ( refignando-fe na fua
vontade) matéria taõ importante , refpondeo, que obri-
gada do aíTe&o , que devia aos Portuguezes , e das ra-
zoens politicas-, que fe lhe haviaõ reprefentado conve-
nientes áconfervaçaõ do Reino , feajuftaria, ao que
parecefse, que era mais juftificado , e mais útil ao bem
commum. Conformes as vontades de ambos os Príncipes
com geral contentamento de todos os vafsallos , foraõ
nomeados, para ajuílarem os contratos, por Procurado-
res do Principe o Marquez de Niza, e D. Rodrigo de
Menezesje da Rainha o Duque do Cadaval,e o Marquez
Mm 3 de
"5jo PORTUGAL RESTAURADO ,
Anno de Marialva,que diligentemente ajuftáraó todas as pro-
íbo 8 Poíi9oens? que parecerão mais adequadas ao fim perten-
dido.
O tempo, que fe gaitou nas diligencias referidas, te-
ve Luiz de Verju, (avizando-o repetidamente a Rainha
da vontade do Reino na concluía õ do feu cafamentò )
para negociar em França com grande prudência, e acti-
vidade , o caminho de fe naõ dilatar; porque fucceden-
do achar-fe o Cardial Luiz Duque de Vandofma , Lega-
do á latere , com poderes amplilíimos , que lhe havia
dado o Pontífice Clemente IX. , em virtude delles , e á
Inftancia de Luiz de Verju , pafsou hum Breve, em que
diípenfava , pelos fundamentos da íentença dada a fa-
vor da Rainha na feparaçaô do Matrimonio , no impe-
dimento de publica honeítidade , para fe poder tratar o
caiamento entre os Príncipes D.Pedro de Portugal , e
Maria Frãcifca Iíabel de Saboya com as rneímas razões,
com que fe difpenfara aos Reys de Polónia Segifmundo,
e Joaõ Cafimiro „ que ambos cafaraõ com Luiza Maria
Gonzaga, Princesa de Nemours, fuccedendo ofegun-
do irmaõ ao primeiro no Reinado, e no Matrimonio.
Nomefmo inftante , em que Luiz de Verju alcan-
çou o Breve , recebendo cartas d'£lRey , e de todos os
parentes da Rainha, em que applaudiraô o acerto da re-
ioluçaó do cafamentò do Príncipe , partio pela pofta,
e chegou em breves dias a Lisboa , onde foi recebido
çom univerfal contentamento; porém a Rainha queren-
do neítaacçaó , como era todas * a maior juítifieaçaõ,
e a melhor feg u rança da coníciencia , mandou a Roma
ao. feu Confefsor o Padre Francifco de Villes,da Compa-
nhia de Jefus,a impetrar Breve efpecial do Summo Pon-
tífice, que declarafse tudo , quanto fofse conveniente ,
para naõ haverem matéria taõ grave o menor efcrupu-
loje o Príncipe ordenou, que o Confefsor fofse aíliítido
com tudo , o que era preciíb para conféguir a brevidade
da fua)ornada,queem pouco tempo fel icemen te execu-
tou , e voltou a Lisboa , havendo alcançado do Pontífi-
ce o Breve , que fe fegue.
Aos
P^RTE II. LIVRO XII. jyr
1
Atino
Aos amados filhos Diogo de Souja primeiro Inquifi* j^g
dor no O flicto da lnquifiçaõ contra os Hereges
vos Reinos de Portugal, e dos Algarves, António
de MendoçaCommtffario geral da Bulia da Cru-
zada, e Deputado no mefmoOfficio dahiqutfiçaÕ,
Luiz de Souja, Deão da Igreja do Porto , e Ma*
noel de Magalbaens de Menezes , Arcediago da
Igreja de Évora,
CLEMENTE PAPA IX.
AMados filhos , faude , e Apoítolica bençaõ.Pe- cen/irmaoP*»*
de o cargo do Officio Paftoral , que Deos nos «M
tem dado, que por quanto nos he concedido
do Ceo , fegundo as leysda juítiça, e da pru-
dência , procuremos de prover no eítado , e
quietação de todos os Fiéis de Chriíto, e principalmente
das pefsoas altas.E porque o conteúdo de huma petição,
que nos foi dada ha pouco tempo por parte do muito
amado filho , Varaó Nobre* Pedro Príncipe de Portugal,
eda muito amada em. Chriíto rilha, Mulher Nobre,
Maria Iíabel deSaboya , Princeza de Nemours , que a
dita Maria Ifabel Princeza, depois de haver contrahido
o caiamento por palavras de prefente com o muito ca-
ro em. Chriíto rilho nofsoAttòníb Rey de Portugal , e
dosAlgarves, e viver com ella por eipaço de dezaíeis
mezes em forma de caiados , havendo experimentado
a impotência delle para confummar o Matrimonio
çom copula carnal , e havendo julgado , que a dita im-
potência era perpetua, foi adita Princeza neceflitada
de fua coíciencia . a intentar juizo fobre a invalidade do
dito caf mento diante dos amados filhos o Vigário Ca-
pitular da Igreja de Lisboa , deputado legitimamente
naquella Sé Ar quiepil copal vagante , e diante do Ca-
pitulo , e Cónegos da meíma Sé de Lisboa , que por
razaô da dita Séifcr vaga tinhao a jurifdicçaõ ordina-
Mm S úz>
tf* PR07UGAL RESTAURADO,
Ânno l°ia » e diante de outros Juizes deputados pelo mefmo
I<5Ó8 9apítuío ' cCQn?g°s juntamente com o dito Vigário
* Capitular , por melhor conhecimento do negocio,e por
mais madura determinação da caufa , fahio delles hu-
ma íentença declaratória danullidade do dito Matrimo-
nio por cauía da lbbredita impotência ; a qual íenten-
ça fendo lida , e manifeítada , ao dito Rey Affbnfo ,
foi por elle Rey em voz , e em efcrito aceita. De
mais que querendo , e confentindo a meíma Maria Ifa-
beiPrinceza, eodito Pedro Príncipe , irmã õ do dito
Rey AíTonfo corttrahir Matrimonio entre fi a rogo
das Cortes do Reino , que entaó eftavaõ juntas na
Cidade de Lisboa , para procurar por eíle meyo a quie-
tação , e tranquillidade do mefmo Reino ; e haven-
do duvidado os ditos Príncipes , que queriâõ contra-
hir, fe do primeiro Matrimonio podia refultar entre
elles algum impedimento de publica honeílidade , de
juitiça recorrerão ao amado Filho nofso Luiz de Van-
doíma Cardial da Santa Romana Igreja , que entaõ era
Legado á latere nofso , e da Sé Apoitolica ao muito
charo em Chriílo filho noiso Luiz Rey ChriiHaniífi-
mo de França : o qual Cardial Legado havendo con-
cedido o Breve da difpenfaçaó , que felhe pedia fobre
o impedimento da publica honeftidade , de juitiça di-
rigido ao dito Vigário Capitular , eao OíSekl de Lis-
boa , e a cada hum delles in fatiium , foi diípenfado
por hum delles fobre o mefmo impedimento da pu-
blica honeíHdade de juitiça com os ditos Pedro Prín-
cipe , e Maria Princeza ; os quaes depois contrahirao
com boa fé o Matrimonio entre fi na face da Igreja,
e na forma do Sagrado Concilio Tridentino, eocon-
iuminaraó com copula carnal com próxima efperança
•de^futura-fuccefsaõ ; mas porque (como a mefma peti-
ção dizia) os ditos Pedro Príncipe, e Maria Ifabel
Princeza , como muito obfequiofos , e muito devo-
tos filhos nofsos, e da Sé Apoítolica,defejao lummamen-
te, que por nós le dê alguma provífâô em tudo, o
que nos fizeraõ expor para a feguridade da con-
lcienc\a dtites , e juntamente pela tranquillidade do
dito
PARTE II LIVRO XIL jjj
dito Reino : Nós havendo .primeiramente coníultadó XfiriO
com grande madureza tudo ifto com alguns dos vene- ,,„
raveis irmãos , nofsos Cardiaes da mefma Santa Roma- * 00 * .
na Igreja , e com outros Varoens graviíiimos , e emi-
nentes na doutrina dos fagrados Cânones, eTheolo-
gia , na fabedoria , e prudência , e negócios muito ver-
iados , e querendo por quanto podemos em Deos > fa~
vorecer benignamente os ditos Pedro Principe , e Ma-
ria Iíabel Princeza , abfolvemos, e por abíol vidas jul-
gamos em virtude deitas letras ambas as pefsoas dos di-
tos Principes de todas as excommunhóes , íufpenfoens ,
interditos , e de todas as mais Eccleíiaíticas ienten-
ças , ceníuras , e penas d )ure vel ab homine , que eriiT
qualquer occaíiaô , ou por qualquer caufa fofsem en-
corados ( fe em alguma maneira puderaõ encorrer) pa-
ra que poísaó fomente confeguir oseffeitos deitas nof-
fas letras.
E havendo nós por bem confentir ás petiçoenv
que em nome delles nos foraó humildemente repre-
fentadas , e confirmadas, e confiando muito em Deos da
vofsa fé , doutrina , prudência , e inteireza , para com-
nofco, com a mefma Sé Apoítolica,e não tendo Nós no-
ticia certa de tudo o acima dito , que em nome dos
mefmos Principes nos foi reprefentado ; ordenamos,
e mandamos á vofsa difcripçaõ ,i em virtude das prefen-
tes letras , que vós todos juntos , ou ao menos três
de vós , fe algum for legitimamente impedido , e nao
poisa aíliftir , tomeis do que fe me tem reprefentado
diligente inquirição, eexá&a informação ; e fe pela
dita inquirição , e informação vos confiar da verdade
domefmo , que fe nos repreíentou , e particularmen-
te ,. que o dito primeiro caía mento entre o dito Affon-'
fo Rey, e a dita Maria Iíabel Princeza, como fe diz-
contrahido , nunca foi confummado com copula car-
nal,íobreo que encarregamos grayemente a confciencia
de cada hum de vós , com authoridade nofsa Apoftoli-
ca \ em quanto for necefsario , rafgueis d ifso lavais ,
rompais, eannulleis, ainda contra a vontade do dito \
Aíibnfo. Rey , o vinculado primeiro $*b Matrimoniai
contra-
n
1
fU POVfVGAL RESTAURADO,
A-nnOCOIltrahicío> c°mo íe diz , entre adita Maria Ifabel
éfâáê ppirtõeza, eomeimo Affonio Rey, depois declarado
'nullo, nem confummadó nunca com copula carnal,
e também em caio , que confiou no principio , e de
prefente coníta , ou em algum tempo pofsa parecer ,
que conftcu , e coníle , que fo ise ,- e ièja valido. E vos
mandamos também , que com a mfma noísa authori-
dade difpenfeis os ditos Pedro Principe , e Maria Ifa<-
bel Princeza nefte impedimento de publica honeftida-
de , de juítiça , em tal maneira , que pofsaô livre , e
licitameute continuar no ditoiegundo cafamento ,nao
obíbante o meímo impedimento, etudo ornais refe-
íidp acima , e quaefquer outros impedimentos , oue
j>ude£sem haver em qualquer maneira , ou que pufk"-
fem reiultar, e apparecer em algum tempo; naó ob-
ítaiite também quaefquer ConíHtuições Apoítolicas de
Concilios Geraes , Provinciaes , e Synodaes , e qual-
quer outra mais eípecial , ou geral , que íeja. Quere-
mos também , que vós determineis com a nolsa mer-
ina aufhoridade > que tudo o acima dito, que haveis
de fazer , e conceder em virtude das prelentes letras,
aproveite , e valha em tudo ; e por tudo aos ditos Pe-
dro Principe , e Maria Iíabei Princeza , do dia , que fe
contrahió o dito íegundo Matrimonio j e como.feef-
tas prefentes letras foraõ concedidas antes do contra-
to delle ; e executada por vós na forma , e conteúdo
nellas , declarando, pronunciando, e determinando por
legitima a fuccefsaõ concebida , ou nafcida , e também
a de conceber-fe:, ounaícerdo ditofegundo Matrimo-
nio contrahido (como lediz ) com boa fé.,- e na face da
Igreja ; porque Nós com todo o poder Apoílolico vos
damos, e concedemos em virtude deitas letras facul-
dade para fazer todas , e cada huma das coufas acima
referidas. Decretamos mais , que ainda' que o dito Af-
fonfo Rey , ou outras quaefquer pefsoas dignas de fer
exprefas , e nomeadas efpecifica , e individualmente ,
portarem as ditas coufas algum intereíse , ou quepof-
iaõ em qualquer maneira pertender de havello , nem
hajaõ confentido., nem fejaõ eirado chamados , cita-
dos,
PARTE II. LWRO X/7. )fà
dos , e ouvidos, e ainda, que as caufas, pelas quaes foraó Anno
dadas eitas letras , naò fejaò fufficientemente verifi- ~
cadas, e juftificadas, ou par outra qualquer caufa le- *«P*
gitima , juridica , e privilegiada ; ou por qualquer côr,
e pretexto tirado ainda do Direito , eítas prefeates le-
tras ; etudo o conteúdo nellas , nunca , e em nenhum
tempo poísaó fer notadas , retratadas , ou violadas com
algum pretexto de fubrepçaó , obrepçaõ , ou nullida-
de, nem qualquer defeito da nofsa intenção, ou do
confenfo , dos que tem , ou podem ter interefse , ou
por qualquer outro defeito por grande , e fubítancial,
quefeja, e que requeira huma particular ,'e indivi-
dual declaração , nem contra ellas qualquer pefeoa pof-
fa intentar, ou impetrar nenhum remédio de Direito
de fado , ou de graça , nem valer-fe , e aproveitar-íe
delle, feja impetrado, feja concedido de moto pró-
prio, e com total poder de authoridade Apoítolicaj mas
queremos, e decretamos, que eítas me imas letras fi-
quem para fempre firmes , e valiofas , e tenhaõ feu in-
teiro efFeito , eque valhaò em tudo, e por tudo fem
limitação, ao dito Pedro Principe, e Maria Iiabel Prin-
ceza , e a todos os mais , que de prefente , e em qual-
quer outro tempo pôde pertencer. E aílim , e neíte
i ó , e naó em algum outro modo , queremos., que fe
julgue , e. determine fobre o acima referido , por to-
dos os Juizes ordinários , e delegados , fejaõ Audito-
res das cautas do Palácio Apoítolico , fejaó Cardiaes da
Santa Romana Igreja , ainda Delegados delatere/ou
Núncios da Sé Apoílolica, ou quaefquer outros, que te-
nhaó , ou fpofsaõ ter qualquer preeminência^ e poder:
aos quaes, e a cada qual delles tiramos toda a facul-
dade , e authoridade de julgar , e determinar em ou-
tra maneira. E declaramos vaô , e nullo tudo, o que fe
attentará fobre eítas coufas por qualquer pefsoa; com
qualquer authoridade fciente, ou ignorantemente >na4
òbítatite todas as caufas acima ditas , e a regra da nofsa
Chancellaria Apo itálica de jure quzfito non tollendo da
bemaventurada memoria de Bonifácio Papa VIII. nol-
fo predecefsor por huma parte da, dita regra do Conci-
lio
556 PORTUGAL RESTAURADO,
Armo lio GeraI ♦ : por duas partes , e todas as mais Conítitui-.
çoens , e Ordenaçoens Apoítolicas feitas nos Coníeliios
Geraes, Provinciaes,., e Synodaes, e qua/íqtier outras
çoufas em contrario. Dada em Roma perto de Santa
Maria Maior debaixo do annel pifcatorio , aos dez dias
cie Dezembro de mil e íèiícentos feísenta e oito , e do
nofso Pontificado o anno fegundo.
Depois de recebido o Breve relatado , e admittido
o Príncipe ao reconhecimento da Sé Apoílolica, haven-
do paísado vinte e fete annosde conítantes , e Ca th ©li-
ças diligencias , (como largamente havamos referido
neíla , e na primeir a parte deita Hiíloria) deu o Prin-
.cipe as graças ao Pontífice da concefsaò do Breve , e re*
çebeo a relpoíta feguinte.
Ao muito Alto^ ao muito amado noflo filho em Chrii
Jto o Pr it) cipe D.Pedro , trmaÕd'ElReyde
Portugal , e dos Algarves
CLEMENTE PAPA IX,
•Uito amado Filho nofso em Chriíto, íaude,
e Àpoítolica benção. Certameteobrámos em
vofsa prefente caufa com todo aquelle favor
que os fagrados Cânones permittenij e íabé-
do agora por vofsa carta ojnuito , q agrade-
cefteseíle Pontifical beneficio , recebemos deita fignifi*
caçaõdevofso animo grãdiííimocontentamento.Porém
as graças, que não menos pia, queafFe&uofamente nos
dias, que o mefmo negocio requere ,eNós juntamente
volo pedimos as queirais principalmente dever á benig-
nidade deita Santa Sé, e reconhecer delia o beneficio
recebido , o que cumprireis perfeitamente , femoítrar-
dè^como verdadeiramentefazeis , terçada vez maior
cuidado , e afíeiçaõ para com as coufas pertencentes
i mefma Santa Sé , e á Religião Catholica , imitando
nifto a antiga devoção" dos Príncipes de Portugal, ea
gloria,
PARTE II. LIPKO Xll. tf?
gloria , que puzeraõ em obedecer á mefma Sé, Porque AnilO
■iè foi em algum tempo necefsario procurar de reíHtuir ss»
ascouías tocantes á igreja, e ao culto Divino ao feu uo*
primeiro efplendor , hoje particularmente o requerem
a muita falta de Paílores , e os tempos de huma guer-
ra taó prolongada. Mas confiamos , que brevemente
fe repararão todoseftes detrimentos com o fingular ze-
lo , e prudência , com que haveis de ajudar nolsos cui-
dados ., e a applicaçaõ dos Bifpos. No tocante á mifsao
de hum Embaixador de obediência , de que efcreveis,
quando chegar , o receberemos com boa vontade, e ho-
norificamente , como hc juífco. Entre tanto, muito ama-
do filho , vos damos com o mais fyncero affè^lo , que
podemos , a Apoftolica benção. Efcrito em Roma jun-
to a S. Pedro íbb o aunei do Pefcador aosdous dias de
Abril, oanno do Senhor de mil e feifcentos fefsenta e
.nove , o íegundo do noíso Pontificado.
Juftificadas as premiísas do Breve de Sua Santidade,
de que foraó Juizes Diogo de Souía, ( depois Arcebifpo
de Evçra ) António de Mendoça , e Luiz de Soula , que
também foraó depois Arcebiipos de Lisboa , Martim
Affonfo de Mello, depois Bifpo da Guarda , e Manoel
de Magalhães de Menezes, foi porelles dada a feguinté
Tenrença.
Chrifti ttomme ínvocato.
Vlftoseítes autos, Breve de Sua Santidade , pelo
qual nos commette a difpoíiçaõ do impedimen-
to publica honeflatis , de que nelle fe faz menção , arti-
gos juftiíicativos , e prova a elíes dada, documentos
juntos , e mais certidoens juntas : Moílra-fe que , fen-
do ca fado o Sereniííimo Senhor Rey D. Affònfo VL de
Portugal , e dos Algarves , com a Serenifíima Senhora
• Princeza de Nemours Maria Frãcifca Ifabel de Saboya,
a dita Senhora obrigada de fua confciencia propoz em
juízo a nullidade do dito Matrimonio, que de fado
havia contrahido com o dito Senhor Rey D. Afibnfo
por
55$ PORTUGAL RESTAURADO,
Anuo Por cau& da impotência perpetua , que nelle havia,
1668 Para Poder coiífunimar o dito Matrimonio , como em
V{JÕ* effeito naõ havia coníiimmado em difcurfo de dezaièis
mezes , que viverão , como marido , e mulher ; a qual
cauía correo diante do Vigário Geral deite Aicebiipa-
$o de Lisboa , e dos Juizes nomeados pelo Cabido Se-
de vacante , a quem pertencia o conhecimento delia
conforme a Direito. Moítra-íe , que na dita caufa fe
procedeo até final fentença , na qual fe julgou , e de-
clarou por nullo o dito Matrimonio contraindo entre
os ditos Senhores , por cauía da dita impotência per-
petua do dito Senhor Rey D. AfFonfo , para poder con-
fumar o dito Matrimonio com a dita SereniíTima Senho-
ra Princeza Maria Francifca Ifabel deSaboya. Moftra-
fe , que eíta fentença foi publicada , e notificada judi-
cialmente ao dito Senhor Rey D. Affonfo , o qual de-*
clarou por termo feito pelo EfcrivaÕ dos autos , e af-
fignadd pelo mefmo Senhor , que queria , que fe cum-
prifse , nem queria appellár da dita fentença. Moítra-
fe , que os três Eítados do Reyno de Portugal , e dos
Algarves , queeítavaô no dito tempo juntos em Cor-
tes, pedirão» e requererão ao SereniUimo Senhor D.
Pedro Príncipe de Portugal , e Regente do Reino qui*
zefse cafar com a Sereniffima Senhora Princeza Maria
Francifca Ifabel de Saboya > para quietação do Reino,
e fegurança de fua Real iiiccelsaõ j e o mefmo requeri-
mento , e petição fizeraõ á dita Sereniffima Princeza.1
Moítra^fe, que em razaõ do impedimento publica hs*
nefiatis , que havia pata o dito Sereniííimo Senhor Prín-
cipe D. Pedro contrahir efte Matrimonio com a dita
Senhora Princeza , íe recorreo ao Eminentiííimo Se-
nhor Cardial de Vandofma , Legado álatere de Sua
Santidade, e da Santa Sé Apoítolica , ao muito Chriítia-
niíTimo Senhor Rey de França Luiz XIV. para que dif-
penfafse nefte impedimento publica honeftatis. Moítra-
íe que , vindo o Breve da difpeníaçaô do dito Senhor
Eminentiífimo Cardial commettido ao Vigário, pupffi-
tial do Arcebifpado de Lisboa , íeapréfentou ao Bifpo
cie Targa , que no dito tempo fervia de Provifor do di-
to
PARTE II. LIVRO XII. ys9
to Arcebiípado , o qual conforme aos poderes , que lhe Ànnp
erao comraettidos , e fazendo as diligencias coítuma- ..^
das difpenfou no dito impedimento piihhcahcmejlatis *uvw
com os ditos Senhores Principes. Moílra-ie, que em
virtude deíla diípeníaçaô , e com, boa fe delia , fe^ra- •
ceb-o oSereniffimo Senhor Príncipe D. Pedro na for-
ma do fagrado Concilio Tridentino com a dita Serenif-
íima Senhora Princeza Mana Franciica Ifabel de Sa-
boya \ e confummáraò Matrimonio. Moítra-íe , que el-
tando os ditos Senhores. Principes em boaie caiados ,
e recebidos em face de Igreja , fazendo vida marital ,
para maior fegurança de fuás confciencias , ele livra-
rem d&eicru pulos , e quietação do Reino , recorrerão
a Sua Santidade , para que approvafse , confirmai se , e
ratiflcafse o dito Matrimonio, tirando-lhes todos^os
efcrupulos , que delle poderiaõ reíultar , o que Sua
Santidade lhes fez graça conceder pelo Breve junto,
commettendo eira caufa aos Juizes delle nomeados, e
para que achando que foi verdadeira a fupplica dos
ditos Senhores Principes impetrantes, e fazendo as di-
ligencias, e informaçpens neceísarias para fe informa-
rem da verdade delia, pudefsem diipeniar no dito im*
-pedimento publica honefiaús com os ditos Senhores Prin-
cipes , e outros quaeíquer impedimentos , que reíul-
taísem , extinguindo , e declarando por nullo o vinculo
"do primeiro Matrimonio , coatrahido entre o Sereniíh-
■mo Senhor . Rey DiAífbnlb, e a Sereniíiima Senhora
Princeza Maria Francifca líabel de Saboya. O que tu-
do viílo , e coníiderado , e o mais , que dos autos , e do
ôppenfo a elles junto coníta , au&orirate Apoítolica
a nós commettida , havemos a narrativa da íup-
plica dos ditos Sereniílimos Senhores Principes ^im-
petrantes por verdadeira , e as premifsas por juítirica-
-das ; e na forma do dito Breve difpenfamos com os di-
tos Sereniílimos Senhores Principes , para que pofsaó
-ratificar , continuar , permanecer no Matrimonio , que
tem contraindo válida , e licitamente , fem embargo
•do dito impedimento publica honeftatis , que refultou do
t rimeiro Matrimonio nullo ,• e declaramos por legiti-
í ma
ma.
i668.
56o PORTUGAL RESTA0I{AD0 ,
Atino ma > e.naícida de legitimo Matrimonio a Senhora Ia-,
fanta D. Iiabel , que Deos Noíso Senhor foi fervido ,
que nafcefse deíle fegundo Matrimonio , e por legíti-
mos , e de legitimo Matrimonio nafcidos todos os mais
filhos, que delles naícerem daqui por diante , lera
embargo de quaefquer Ordenaçoens , e Conítituiçoens
Apoílolicas em contrario. Lisboa , dezoito de Feve-
reiro de mil e íeifcentos íèfsenta e nove. Diogo de
Soufa. António de Mendoça. Luiz deSouía. Martim
AfTonfo de Mello. Manoel de Magalhaens de Mene-
zes.
Tanto que chegou de França Luiz de Verju com o
Breve do Gardial de Vandofma , íe difpoz a forma da
celebridade do cafamento do Principe ; e naõ querendo
elle folemnidade , ou ceremonia alguma mais , que as
indiípenfaveis , íinalou para fe receber a primeira oita-
va da Pafcoa , em que fe contavaõ dous do mez de Abril
defte ultimo anno , que efcrevemos, de mil feifcen*
tos fefsenta e oito j e nomeando-fe por Procuradores q
Marquez de Marialva do Principe > e o Duque do Cada-
val da Rainha , osrecebeo no Paço o Bifpode Targa ,
aíliílindo a eíte adio unicamente os Gentis-homens da
Camera do Principe. No dia linalado pela manhãa , ás
três horas da tarde fahio o Principe do Paço acompanha-
do de toda a Corte : chegou ao Convento da Efperança,
apeou-fe , e achou a Princeza ( que depoz pela feguran-
^a da confciencia a vaidade da Coroa , fujeitando-fe
iem repugnância á vontade , e refoluçaõ do Principe) na
Portaria do Convento. Sahindo delia , entrarão ambos
os Principes na carroça , paísaraó á quinta de Alcântara,
Chegando a ella , entrarão no Oratório , em que eítava
o Bifpo de Targa , e receberão delle as bênçãos matri-
moniaes taõ felices , que pafsado pouco tempo , ti verão
principio asefperanças da defejada fucceísaó do Princi-
pe; e refultou delias inflammarem-fe de novo os ânimos
dos Povos na pertençaõ de coroallo, renovando exquiíi-
tas diligencias pelo confeguir;porém o Principe confian-
te na refoluçaõ , que afsentara , pafsou hum Decreto,
para que os três Eítados fejuntafsem a nove de Junho
. na
^
PARTE II. LIVRO XII. jói
ffà fala dos Tu dei cos , para ler jurado Governador do^nno
Reino, e jurar os foros, e privilégios , que era obri- ,.~
gado a conceder a íeus vafsallos. No dia fmalado fe ce- 1 0o 8#
lebrou o juramento feguinte com as ceremonias cof-
tumadas em fimilhantes aftos , e com univeríal ap-
plaufo.
Juro , eprometto com a graça de Deos regervos,
e govemarvos bem , e direitamente , e adminifirarvos
inteiramente jufiiça , quanto a humana fraqueza per-
mitte , e de vos guardar vojjbs bons coftumes , privi-
légios , graças , mercês , liberdades , e franquezas,
que pelos Reys meus predecejfores vos faraó dados , ou-
torgados, e confirmados. '_, ~ *i
EostresEílados do Reino fizerao a Sua Alteza o
feguinte juramento.
Juramos aos Santos Evangelhos corporalmente
com nojfag mãos tacados , que reconhecemos , e recebe-
mos por nojfo Governador , e Regente de fies Remos r,
pelo impedimento perpetuo de Sua Mageftade , na for-
ma que- o temos julgado , ao muito Alto , e muito
Excellente Príncipe D. Pedro , filho legitimo d'ElRey
Z>. João o IV. > e da Rainha D.Luiza fua mulher ,
irmaõ , e Curador do muito Alto , e muito Podervfo
Rey D. Afonfo yl. feu verdadeiro , e natural /ucceffòr
na Coroa de fies Reinos i e como verdadeiros , * naturaes
fubditos , que fomos de Sua Alteza , lhe fazemos pleito,
e homenagem ajfim , e da maneira , que o fizemos aEl-
Rey D. JoaÕ o IV feu pay , e a EIRey D. Apnfofeu
irmaõ , que agora por f eus impedimennos privamos do go-
verno , e coma mefma )urifdicçaõ , poder , e authorida-
de , com que fempre fe )uraraõ os Reys , e Senhores de fi-
ta Coroa , e obedeceremos em tudo , e por tudo a jeus
mandados , e pizos no alto , e no baixo , e faremos por
elle guerra , e manteremos paz , a quem nos mandar ,"
e naõ obedeceremos , nem reconheceremos outro _ algum
Rey , e Senhor , falvo a elle. E tudo ofobredito )uramos
a Deos , e a efta Cruz , e aos Santos Evangelhos , em
que corporalmente pomos noffas mãos , e éífftm em tu-
e por tudo o
e em final dafu)eiçaÕ , ohe*
JSÍn
jòi PORTUGAL RESTAIKADO,
Ârmodencia , e reconhecimento do dito Senhorio, e)urifàic~
668 $aS ^ea^ ^ÍamoJ ama* a Sm alteza , que eftá pre-
Feitos os juramentos , fe pafsaraõ em nome do Prin-
eipe , como Governador, e Regente do Reino pelo per-
petuo impedimento d'ElRey, todas as ordens , e def-
pachos námefmg forma, que fe expediaó quando o In-
fante D. Affonfo Conde de Bolonha pela incapacidade
d'EÍRey D.Sancho feu irmaó governou o Reino, e com
o poder a&ual, que os três Eítados, reparando a deítrui-
çaó da Republica , e folicitando o feu ellabelecimento,
a entregarão ao Príncipe , ficou elle abfoluto , e pacifi-
co Governador , eRey em todos os Reinos , e Senho-
rios de Portugal íem contradicçaõ alguma, fendo reco-
nhecido por eíta forma do Pontífice , dos Reys de Fran-
ça , Caftella , e Inglaterra , que receberão feus Embai-
xadores , e Inviados na mefma forma , e com as mefmas
preeminências , que aceitavaõ a todos , os que lhe eraó
mandados pelos mais Reys da Europa; merecida fatis-
façaõda igual, e prudente juíliça do Príncipe ,juftifi-
cada em todos os aclos , que exercitou , principalmente
na igualdade,com que procedeo no trato de feus vafsal-
los i porque entre os que juramente alfiíliraõ a EIRey,
até o dia da fua reclufaõ , e os que dignamente o acom-
panharão na juíla empreza da confervaçaõ do Reino,
que infalivelmente durando o governo d'E!Rey pade-
ceria a ultima ruina , naôfez , nemno trato , nem nas
occupaçoens, nem nas mercês diíFerença alguma , fa-
zendo as repartiçoens iguaes aos merecimentos , conhe-
cendo , que todos , ainda que por diverfos caminhos,
concorrerão nas guerras , e nas politicas , para a defen-
ia , e fegurança da Monarquia.
No tempo que fe ventilarão nas Cortes as matérias
referidas , e outras não menos relevantes , fe ajuítou o
mais importante negocio, de que eftava dependente a
firmeza ímmortal da gloria das Armas Portuguezasjpor-
queos íuccefsos contingentes da guerra naõ íe podem
chamar felices fem 9s fegu ranças infalliveis da paz,que
desbarata os receyos das inconílancias da fortuna. Con-
tinuava
^
PARTE II LIVRO XII. $6>
tinuava a prizaó do Marquez de Elche no Caftello de AnflQ
Lisboa , onde também fe achava õ , como havemos re- ^g
ferido , os prifioneiros de maior fuppofiçaó das bata- l°09'
lhas do Canal , e Montes Claros , que eraó em grande
numero 5 e como na prizaò lograva toda a licita liber-
dade , naõ lhe eraô occultos os fegredos do governo,
e com as noticias , que alcançava , havia defcoberto o
grande defejo , que os Povos em Cortes por feus Pro-
curadores moftravão de fe verem livres das oppofiçoens,
que dá a guerra, ainda aos vencedores^ e por outra par-
te reconhecia o grande a perto,em que eftava a Monar-
quia deCaftella , tanto pelas defordens do feu governo,
quanto pela pertendida acção, que EIRey de França
Luiz XIV. moílrava ter aos Eítados de Flandres , rom-
pendo a guerra , por avaliar invalida a deíiílencia da
Rainha fua mulher , quando na prefença d'ElRey D.
Filippe IV.fe ajuítou em S. Joaõ da Luz o feu cafamen-
to , e a paz entre as duas Coroas. Com eftas confidera-
çoens , e fer a paz o caminho da fua liberdade , inten-
tou , e confeguio o Marquez de Elche ajudado de feus
parentes , e de todos aquelles , queeraõ apparentados
com os mais prifioneiros da primeira condição , que os
Miniftros de Caílella , com quem a Rainha Regente ie
aconfelhava , lhe íizefsem entender , que era impoffivel
confervar-fe aquella Monarquia no eílado , ara queíe
achava , fe foise obrigada a fuítentar a hum mefmo
tempo as formidáveis guerras de Portugal, e França. E
como a neceífidade extrema deítroe todos os impoííiveis,
e desbarata todas as vaidades,depoíta aquellas tantas ve-
zes efpalhada arrogância dos Caílelhanos , e aquelles
tão reperidos ameaços á Coroa de Portugal , que tmhao
todo o mundo por teítimunha,ufando do coníelho íau-
davel , e cedendo ás inftancias dos mefmos authoresdos
males pafsados , deliberou a Rainha Regente conceder
poderes ao Marquez de Elche , para negociar que o
Príncipe de Portugal admittifse Tratado de paz de Rey
a Rey , decorofa , e útil á fua Coroa, e promptamente ™«»9spgr •
fe lhe pafsarão todas as ordens, e poderes neceisanos varias diligen:
para confeguir eíle intento. Recebe-as o Marquez de (us*^,
r Nn * biche
5^4 PORTUGAL RESTAURADO,
Anno Elche com o contentamento fundado nas efperanças da
l66S ÍUa libeFdade > e no remédio da fua Pátria j e a primeira
• diligencia , que executou, e teve por mais conveniente,
foi o publicar em Lisboa , e em todo o Reino por todos
os caminhos , que lhe foi poilivel , que tinha poderes da
Rainha de Caítella , para tratar da paz com todos os in-
terefses , que Portugal quizefse.
Os plaufiveis eccos deitas fuaves vozes foarão com
agradável conionancia nos coraçoens dos Povos , e to-
marão nelles forças tão vigorofas,que deíejando o Prín-
cipe atalhallas , por felhe oíferecerem razoens muito
forçofas, para entrar em outras coníideraçoens, lhe não
foipoifivel confeguillo, porfer maior o Poder Divi-
no., que confundia as fuás diligencias» A caufa mais po-
de roía y que obrigava ao Príncipe a não querer admit-
tir a paz de Caítella , era o Tratado da liga offeníiva , e
defenfiva , que EIRey D. Aíibnfo havia ajuítado com
EIRey de França pelo Àbbade de S. Romem , que veyo
a eíte Reyno fó a coníe&uir eíta negociação , como aci-
ma referimos r e mereceo por ella o titulo de Embaixa-
dor , e juntamente pelas muitas partes, de q.ueera dota-*
do* Tanto que o Abbade teve noticia da anciã implacá-
vel , com que os Caífcelhanos folicitavão a-paz , deter*
minou atalhar as diligencias do Marquez de Eliche , e
embaraçar o prejuízo, que no ajuítamento da paz pade-
cia a Coroa de França; e obrigado deitas confidera-
çoens , reprefentou com prudente ardor ao Príncipe >
a todos feus Miniítros, e aos Procuradores das Cortes as*
grandes re forçofas razoens , que o Príncipe tinha , pa-
ra não quebrar a liga r e conféquentemente não ajuítar
a pazcom osCaítelhanos, não fópela obrigação de fuí-
tentar o Tratado,que EIRey feu irmão havia feito com
EIRey de França j pois tomara com o Reyno as obri-
gaçoens da Coroa , fenão pelas attençoens , e benefí-
cios , que Portugal devia a EIRey Chriítianiiíimo , pois
feempenhara íempre com innumeraveisdemonítraçôes,
e difpezas de fazenda , efangue de feus vaflallos , pela
fuadefenfaj e juntamente por naõ fer poínVel confe-
g^ir-fé , quea paz d^ Caítella fe ajuítafse com feguras
vanta-
r"
VA&TE II LIPKO XII. 56?
vantagens a Portugal na forma , que fe propunha; pois &mo
faltava a intervenção d^lRey de França , em quem ío g
confiftia a certeza de fe nao quebrantarem a prometo , *00 P«
econdiçoensdo tratado da paz i porque os Caftelna-
nos receofos dos exércitos de França , e Portugal acei-
taria*) a paz com todas as propoíiçoens , que o Prín-
cipe, e como vencedor, quizefse impor-lhes , ate que
com o beneficio do tempo pudefsem reftaurar osaper-
tos, que padeciao; que poucos dias de dilação nao
eraÕ perder a conjuntura , fendo tao pouca a àiMwm
de Portugal a França,que avizafse o Príncipe a LlKey ,
remettendo-lhe a cópia das propoítas dos Caílelhanos,
eque com a fua refpoíla deliberafse o que entendefse,
<gue era mais conveniete á confervaçao de feus vafsallosj
confiderando, que os Caílelhanos fó attentos, fem outra
dependência, aos próprios interefses, naõ fuftentariao o
tratado da paz , como em repetidas occafioens haviao
feito , mais que o tempo , que lhe duraíse a ímpoíhbi-
lidade de continuar a guerra 5 multiplicando-lhes o ódio
antizo , e entranhavel , que fem pre tivera o aos Por-
tucuezes , as próximas infelicidades , de que os léus va-
lorofos braços haviaõ fido inílrumentos ; por cujo rei-
peito em todos osfeculos futuros procuranao ou por
força , ou por arte , ou por alianças unir outra vez a
Coroa de Portugal á Coroa de Caítella , para coniegui-
rem vingança taõcruel , que íicafse memoria da No-
breza , efpalhando por todo o mundo os que elcapal-
i>m dos tormentos, e venenos; nem nos Povos cabe-
daes, com que pudefsem outras vez confeguir íacodirem
© feu tyranno , e pezado jugo»
No mefmo ponto , que chegou eíta propoíta as
mãos do Marquez de Eliehe * que foi poucas horas de-
pois de a oíferecer ao Principeo Abbade de S. Romem ,
confeguindo as inteíligêcias do Marquez nao fe lhe di-
latar eíte avizo , fez hum papel , em que contradizia as
propoíiçoens do Abbade , que efpalhou naõ fó pela
Corte, mas por todo o Reino, cuja fubílancia era i
que os artifícios de França , para augmentar o feu po-
der , diminuindo «forças alheyas, eraõ taô notórios
Nn 3 PP
iM
I
HH
$66 PORTUGAL RESTAURADO ,
Anno no mundo., que faó graades encarecimentos os caíbs
l662.osrzlao matufeít°s, eque neíte fentido era íbm du-
vida , nem controverfia alguma , que os f occorros , que
osFrancezes haviaodado a Portugal no tempo, em que
durara a guerra , foraõ íó com ointento deabater com
as mãos alheyas o formidável poder de Caítella , para
que com eíta politica pudefsem ficar poderoíbs contra
ambos os Príncipes.; e que naõ podia haver prova mais
certa delta verdade , nem demonítraçaõ mais clara da-
quella lafallivel propofiçaõ , que a paz celebrada em
à. João da Luz , onde EIRey de França havia promet-
tido pefsoalmente a EIRey D. Filippe IV. e firmado nas
capitulaçoens do cafamento, que confeguio com a Prin-
ceza fua filha , que naõ ajudaria a Portugal a fe defen-
der das Armas de Caítella , e que ao meímo tempo ,
íem pretexto algum juítificado , o foccorrera com di-
nheiro, Cabos, Offíciaes, e Soldados, e tendo com
aquella promeísa confeguido a grande fortuna do cafa-
mento da Princeza , e juntamente declarado ,( para o
facilitar com todas quantas claufulas podiaõ feguir-fe
em direito ) com horrendos juramentos , que em ne-
nhum tempo nem elle, nem feus fuccefsores , teriaõ
^cçaõ alguma á herança dos Reinos, e Senhorios de
Caítella , rompera a guerra áquella Monarquia; faltan-
do ás promefsas , e tratado , e fe arrojava a procurar,
que Portugal naofizefse a paz , para que diílipadas as
forças de Caítella , e acontecendo , por falta de fuccef-
íbres poder-íe introduzir por forças nos Senhorios da-
quelles Reinos , pudéfse com a mefma fem juítica con-
quiítar Portugal, ufando do pretexto , que tomara para
romper a guerra a Caítella, de naõ poder defraudar feus
herdeiros da herança de taõ dilatado Senhorio ; poden-
do juntar a eíta lem-razaõa de querer conquiítar os
Reinos de Portugal pelo direito , que a elles perten-
cera ter EIRey D. Filippe, que naquella occaíiaô en-
contrava : que o Príncipe naô fora , o que fizera a li-
ga de:Fraiiça,que a ajuítáraõ politicas intrinfecas, como
era notório, íem confentimento "dos Povos , eque fe
EIRey de França; rompera a guerra a Caítella com o
• ' pretex-
""
PJRTE 11. TJV&O 111. 0f
pretexto de naõ tirar a feus herdeiros a íuccefsaõ do AnnO
qup podia pertencerlhes j quebrando por eíierefpeito ,,*
as capitulaçoens , o Príncipe com maisforçofas cauías louo'
naõ devia tirar aos feus Povos a felicidade da paz,íendo
decorofa , e conveniente , depois de vinte e iete annos
de furioía guerra , e o único tim , porque íe continuara
tempo taó dilatado : e que fe a guerra pafsada pela de-
fenía natural fe podia chamar juíta \ a futura íem mais
fim, que a conquiíta de Reinos alheyos, que nem a Por-
tugal , nem a França pertenciaõj feria mjuíla, e deiagra-
davel a Deos, e por confequencia infeliceje que por con-
clufaõ , que os feus poderes eraõ reftridós a dias limita-
dos , porque a Primavera entrava , e a Rainha Regente
-determinava repartir os feus exércitos com regularidade
conveniente, e nefta confideraçaõ, pedia, que ou o Prín-
cipe lhe finalafse conferentes para tratar da paz , ou íe
dava por defobrigado daquella commiisao , ficando ío-
breaconfciencia do Principe oseítragos da guerra, e os
"damnos, emoleítia de grande numero de pníioneiros,
que occupavaó as cadêas.
As circumítancias deita matéria erao tantas , e tao
grandes , que juítamente entrou o Principe , e os Mini-
ftros , que lhe alliíliaõ , em profundas confideraçoens
do partido mais útil ao Reino , que íe devia eícolher;
porque as razoens do Abbade de S. Romem erao muito
fuíliricadas , e apontavaõ offertas muito convenientes,
tanto para a melhora dos partidos da paz , quanto para
afegurança delia > e as do Marquez de Elichefenao o
ponto mais efsencial da íegurança da Monarquia , e pe-
netravaõ de forte os ânimos dos Povos , que parecia m-
contraítavel o defejo , que tinhaó de confeguir a paz .,
fendo decorofa , e útil , de que íe naó duvidava pelo
manifeíto aperto , emqueeílavaó os Caftelhanos , nao
fó por falta de gente , e dinheiro , fenaõ pela contu-
faõ do governo , que he a ultima defolaçaõ dos Impé-
rios. O Principe defejava fervo rofa mente a guerra , por
manifeílar ao Mundo os fubidos realces do feu valor ,
,e os relevantes quilates do feu entendimento ; porém
reprimia heroicamente eft.es fervorofos aífeclos na con-
r Nn 4 fidera-
Í6% PORTUGAL RESTAURADO,
ÁntlO fideraçaõ do amor , e finezas , que devia a feus Vafsal-
l66% ' los' e no e^cruPul° de líies impedir os intereíses , cora
#-q«e pertendiaõ a paz , deixando-os expóftos aos damnos
irreparáveis da guerra , que fe podia ter porinjuíh, ce-
dendo EIRey de Caílella do pertendido direito, que
imaginava tinha á Coroa de Portugal.
Os Miaiítros militares, e todos os Cabos , eOíH-
ciaes dos exércitos, aíiignados do valor dos Soldados ia*
flammados , e glorioíòs com as repetidas, e memoráveis
victorias , que proximamente haviao alcançado, clama-
vaò pela fubfiílencia da guerra, publicando, que era ju-
lto , que fe continuafse até o tempo , em que na con^'
quiíla dos Reinos vizinhos nos fatisfizefsemos dos innu-
meraveis cabedaes , que os Caftelhanos haviao ufurpa-
do aos Reinos, e Senhorios de Portugal em feísenta
annos da injulla pofse , com que o dominarão $ delido,
que já confefsavaõ na paz , que pediaõ.
Os Miniftros politico* , os Cortezãos* e os Eccle-
fiafticos , inííavaõ pela paz , encarecendo os efcrupulos
de fe continuar a guerra; porque appeteciao a quietação
do Reino , e defejavaô o augmento das fazendas , que
muitos tinhaò nas Rayas , e o commercio de Caílella*
<jue a todos era conveniente*
No tempo , em que eftavaõ mais vivas , e fe expen-
dias mais vigorofas as razoens de nua , e outra õpiniaô,
«entrou em Lisboa , fem haver precedido avizo anticipa-
do , o Conde de Sanduick Duarte Montegu Embaixa-
dor extraordinário d^ElRey da Gram-Bretanha na Corte
de Madrid , obrigando-o a efta jornada as inítancias da
Rainha Regente ^ porque logo que todos feus Minif-
tros lhs declararão a fern-juftiça , com que EIRey feu
marido fizera guerra a Portugal, e ella a continuara no
tempo de feu governo com pofse de má fé, por fe livrar
ia íi , e a alma d* EIRey de efcrupulos tao perigofos* vir-
tuofamente timorata folicítou todos os caminhos mais
próprios de coníeguir a £>az de Portugal $ e entendendo
feria mais certa intervenção a do Embaixador de Ingla-
terra pelo empenha , que EIRey iem pre moítrara de
concordar as duvidas das Cordas , ^erfuadio ao Em-
baixador;
PARTE lã LIVRO XIL 569
-baixador , a que paisaíse a Portugal , encobrindo o in- AnilO
•tento da fua .^nada , quanto foísepoffivel , equenaó m
perdoando a diligencia alguma , unido com o Mai quez
íe Eliche, folicitafse aconclufao da paz. Q Erobafca-
dor uíando das ordens , que tinha *ElRey de Inglater-
ra , para esforçar a mediação por todos os caminhos ,
,que a lua induftria pudeíse defcobnr , nao dilatou obe-
decer ao preceito da Rainha. Com a fua chegada rece-
beo o Marquez de Eliche grande contentamento j por-
que fuppofto , que levado de natural fummamente am-
biciofo de gloria , defejava , que a fua Patna lhe devef-
■ fe a fortunado focego, e o beneficio da paz , .conhecia
que erao em Portugal tantas, e tao poderofas as opiniões
dos que a defprezavaÕ , etao forçoias as diligencias. do
Embaixador de França, que aao fiava fo da lua indus-
tria a conclufaõ da grande empreza , a que fe animava.
•Checando o Embaixador , teve audiência do Príncipe,
-e fallou aos Confellieiros de Eftado , e de íorte fe appli-
cou a naô perder inítante de diligencia , nem hora de
negociação ., unindo-fe a eíle fim em hum mefmo tem-
poas diligencias do Marquez de Eliche, que vierao a
-confeguir fazerem-fe parciaes .do feu intento a maior
parte dos três Eílados unidos em Cortes , e a opinião
do Povo ; e levados deite impulfo , precedendo bene-
plácito do Principe, a quem amantes ,e obedientes íu-
jeitavaõ nos alvedrios naô fó as vontades , fenaõ os en-
tendimentos , fubiraõ quatro confusas ás mãos do Prín-
cipe , três do Congreíso das Cortes, e numa do Senado
daCamera , que continhaõ varias , eforçolas razoens,
para fe ajtiftar a paz , e moílravaô , que o Principe nao
podia negalla afeus Vafsailos depois de vinte e fete an-
nos de furiofa , e langui nolenta guerra ., que íuftenta-
raõ com o jufto fim da feparaçaõ das duas Coroas, tan-
to por fe entregarem á obediência dos feus Príncipes na-
turaes, e Senhores verdadeiros , quanto por fe Jivrareni
■do ju-go mfupportavel 5 que os Portuguezes padecerão
xom o domínio dos Ca ftelha nos , por ferem de féculas
immemoravek taõ oppoílos os ânimos , e-tao diveríos
<ús mteatos.de huma ?e outra Nação, qus eraimpoíli-
57o PORTUGAL RESTAURADO,
A OílO vel umrem-íe em tempo algum íem total mina da Na-
1 66% çaó Foi"tugueza > iuppondo-fe ; que a paz , que os Caf-
tellianos pertendiao , fe havia de iegurar , capitulando-
ie de Rey a Rey , defiítiudo a Rainha Regente do di-
reito , que EIRey D. Filippe pertendera ter á Coroa de
Portugal ; por íer uíurpada contra juítica , e direito, por
força , e negociação á Duqueza D.Catharina, a quem a
íuccefsaõ do Reino pertencia por filha do Infante D.
Duarte ; porém que e ra conveniente , que a paz fe ajuf-
tafse fem oífenía algua da Coroa de França, cuja corres-
pondência , e amizade devia íer infeparavel , attenden-
do-ie aos benefícios recebidos em todo o tempo,que ha-
via durado a guerra.
-Eiras coníultas , as propoítas do Marquez de El-
che, e do Embaixador de Inglaterra, mandou o Prínci-
pe ver no Coníelho de Eítado , e juntos todos os Con-
felheiros, depois de larguiffimas conferencias , examina-
das todas as razoens politicas, votáraõ uniformemen-
te , que o Príncipe devia fem duvida alguma nomear
conferentes, para tratarem das condiçoens da paz com
o Marquez de Elche , e o Embaixador de Inglaterra j
e que ao meímo tempo mandafse manifeítar ao Embai-
xador de França o fentimento , com que fe achava , de
lhe nao fer poílivel pelas forçofas razoens , que lhe erao
notórias, fazer avizo a EIRey Chriítianiffimo do eíta-
do daquella matéria , nem dilatar o Tratado da paz com
Gaitei! a , pelas incontraítaveis inítancias , com que os
três Eftados do Reino juntos em Cortes lhe pediaõ a
concluíaõ delia , fendo os mefmos Vafsallos , aquém
devia livremente o Reino taõ pouco tempo arttes dos pe-
rigos , a que eítivera expoíto nas guerras externas , e
nas difseníòens domeíticas ; fegurando-lhe porém, que
reconhecia de forte as obrigaçoens , que o Reino devia
a EIRey Chriítianiííimo , que nao haveria interefse al-
gum , que pude {se obrigallo a ofFenderos refpeitos da
fua amizade , nao fó nas condiçoens da paz , fénaoem
todas as occafioens f que fobreviefsem nos tempos futu-
ros,
Conformou-fe o Priucipecom o parecer do Confe-
lho
. PARTE II LIVRO XII. frt
lho deEítado , e mandou fazer avizo ao Embaixador Anno
de França, na forma referida ; o qual prudentemente jggft
rendeo á razaõ manifeíta do Príncipe todas as fuás dili- i0° *
geftciasj temperança , que lhe naõextranhou a incom-
parável ponderação d'ELRey ChriítianiJlimo , conhe-
cendo claramente os obítaculos, e impotíibilidades, que
o Príncipe teve para tomar a relbluçaõ de tratar a paz,
fèm lhecommunicar os motivos deite empenho , pelo
aperto dos Povos , e eílreiteza dos poderes do Marquez.
de Eliche.
Ajuíladaefta grande diífículdade , nomeou o Prín-
cipe ao Duque do Cadaval , aos Marquezes de Marial-
va , Niza , e Gouvea , e ao Conde de Miranda ( hoje
Marquez de Arronches) por Plenipotenciários , para
tratarem da paz , aíTiílindo ás Conferencias , que fe ce-
lebrarão no Convento de Santo Eloy , o Secretario de
Eítado Pedro Vieira da Silva , que promptamente tive-
raõ principio , e depois de varias difHculdades, que os
Plenipotenciários , e o Marquez de Eliche ofTerecerao,
e que concordou^ diligencia, e mediação do Embaixa-
dor de Inglaterra , fe deraõ por ajuítidos os capítulos da
paz^fegumtes , a dez de Fevereiro do anno de mil feif-
centosfe isenta e oito.
D. AfTonfo , por graça de Deos Rey de Portu-
gal , e dos Algarves , da quem , e dalém , Mar em Afri-
ca , Senhor de Guiné , e da Conquiíla , Navegação ,
Commercio da Ethiopia , Arábia , Períia , e da índia, .
&c. Faço faber a todos , os que eíta minha carta paten-
te de approvaçaó , ratificação , e confirmação virem,
que neíla Cidade de Lisboa , no Convento de Santo
Eloy , em os treze dias do mez de Fevereiro deite an-
no prefente de mil feiícentos fefsenta e oito , fe ajuf-
tou , concluio, e affinou hum tratado de paz entre mim,
e meus fuccefsores , e meus Reinos , e o meu Alto , e
Sereniffimo Príncipe D. Carlos II. Pvey Catholico das
Hefpanhas, e feus fuccefsores, e feus Reinos com D.
Gafpar de Haro , Gufmaò, e Aragão, Marquez dei Car-
pio , Commifsario deputado para efte efTeito em yirtu
de do poder , e procuração da muito Alta, e Sereniííima
Rainha
IH
$7% TOWTVGAL VLÊS7^V<nJ*D0,
Anno Ramna D.Maria Ao na de Auítria,como Tutora da ReaT
6f o Peí*oa d'ElRey Catholico íeu filho , e Governadora de
10004 todos os feus Reinos , e Senhorios de huma parte , e da
outra os Cõmifsarios deputados por mim abaixo decla-
rados ; intervindo também como mediador , e fiador do
dito tratado em nome do muito AIto,e Sereniílimo Prin*
cipe Carlos II. Rey da Gram-Bretanha,meu bom irmão,
o Conde de Sanduik feu Embaixador extraordinária
com poder» que para o dito efeito aprefentou , do qual
dito tratado reduzido a treze artigos , e poderes, o teor
lie o que fe fegue.
Artigos de paz entre o muito Alto , e SeremíTima
PrincipeD. Carlos II. Rey Catholico , feus fuçcefsores,
e feus Reinos , e o muito Alto , e Sereniílimo Príncipe
0. Affonfo VI. Rey de Portugal, feus fuccefsores,e feus
Reinos , á mediação do muito Alto, e Sereniílimo Prin-
cipe Carlos II. Rey da Grarri-Brefanha , irmão de hum,
e aliado muito antigo de ambos , ajuítados por D. Gaf-
par de Haro , Gufmaô , e Aragão, Marquez dei Carpio,
como Plenipotenciário de Sua Mageítade Catholica , e
D. Nuno Alvares Pereira , Duque do Cadaval , D.Vaf-
co Luiz da Gama , Marquez de Niza , D. Joaõ da Silva,
Marquez de Gouvea , D. António Luiz de Menezes ,
Marquez de Marialva , Henrique de Soufa Tavares da
Silva , Conde de Miranda , e Pedro Vieira da Silva , co-
mo Plenipotenciário de Sua Mageítade de Portugal , e
. Duarte Conde.de Sanduick , Plenipotenciário de Sua
Mageítade da Gram-Bretanha, mediador,e fiador da di-
ta paz , em virtude dos poderes íeguintes.
D. Carlos II. por la gracia de Dias Rey de las He f-
paiiis, de las dos Sicilias , de Hieru falem, de las índias,
&c. Archi-Duque de Auítria , Duque de Borgofía , de
Miranda, Conde de Afpurg, y deTyrol, &c, y la Reyna
D. Maria Anna de Auítria fu Madre , Tutora , y Cura-
dora de fu Real perfona , y Governadora de todos fus
Reynos , y Senorios. Por quanto el Sereniílimo Princi-
pe Carlos II. Rey dela Gran-Bretana movido dei zelo
de! bien, y repofo comun de la Chriítiandad,y defeo de
que íe termlnen Jas diferencias entre eíta Corona, y&
de
PARTE 11. LIVRO XII 575
de Portugal , ha interpuefto en diferentes tiempos repe- Annõ
tidas inftaucias ,ofreciendofu mediacion , y amigablès 6*o
officios ai fin referidos , y ultimamente embiado aeftalu
Corte a Eduardo Conde de Sanduick , y Biíconde de
Hirtchinbrooch , Baron Montegu de San-Neote , Vice-
Almirante de Inglaterra, Maeítro de la Gran-Guardaro-
pa,delosGonfejosfecretos,yGavaliero de laOrden de
lajarretea por fu Embaxador extraordinário para tratar
algun ajuítamento de reciproca fatisfacion entre ambas
Coronas com los poderes necefsarios para elloiy havien-
dome infinuádo el dicho Conde de Sanduick , que po-
dria íer ei mejor médio para confeguir efte intento , el
deunabuena paz con elhermano de fu Rey D. Alon-
ío VI. Rey de Portugal , fe han fuperado las difficulta-
des , que han occurrido; y finalmente por lo mucho que
defeo complacer ai dicho Sereniílimo Rey de la Gran-
Bretafia, fe han ajuílado los treze capitulos de paz, que
van pueftos enun proje&o a parte,para cuya mas prom-
pta execucion fe ha ofrecido el dicho CÓde de Sanduick
a hir en perfona a Lisboa a participar ai dicho D. Alon-
fo VI. Rey de Portugal todo lo difpueílo , y tratado
por fu mediacion , y a procurar en nombre defuRey ,
que fe llegue a la conclufiott : y porque para que fe con-
figa con la brevedad, que fe requiere, es necefsario,que
haya en aqaellaCiudad perfona de authoridad,calidad,
prudência , y zelo , que tenga poder mio , para ajuítar
en forma devida los dichos articulos de paz , por tanto
concurriendo ( como concorren las dichas , y otras bue-
nas partes , y calidades en vos D. Gafpar de Haro, Guf-
man , y Aragon, Marquez dei Carpio , Duque de Mon-
toro , Conde Duque de Olivares , Conde de Moronte,
Marquez de Eliche , Seíior dei Eílado de Sorbas , y de
la Villa de Lueches , Alcaide perpetuo de los Alcáceres,
de la Ciudad de Córdoba , y Cavalleriço Mayor de fus
Reales Cavallariças , Alguazil mayor perpetuo de la
ínifma Ciudad , y de la Santa Inquificion delia , Alcai-
de perpetuo de los Reales Alcáceres , y Taraçanas de
Sevilla, Gran Chanceller de las índias, Comendador
maior de la Orden de Alcântara , Gentil-hombre de la
Carne-
574 PR07UGAL RES1AURAD0,
A mia Camçra, Montero Mayor, y Alcaide de los Reales íítios
16-68 • Pardo < Balíain j y Zarzuela ) os doy , y concedo eti
• virtud de la preíente tan cumplido , y baílante poder,
CòmiíTion i y facultad , como es necefsario , y fe riquie-
re, para qiie por elSereniflímo Rey, mimuy charo,
y muy amado hijo , y en íu Real nombre , y en el mio
podais tratar , ajuílar , capitular , y concluir con el De-
putado , y Commifsario , ó los Deputados, ó Commif-
iarios deliobredkho D, AJonfo VI. Rey de Portugal en
vxrtud dei poder , que prefentaren del dicho Rey Lufi-
tano, una paz perpetua conforme ai tenor de dichos ca-
pitulos , ó en la forma que mas bien pareciere , y obli-
gar ai Rey mi hijo,y a mi ai cumplimiento de lo que an-
il ajuítareis, e firmareis^Y declaro,y dey mi palabra Re-
al , que todo lo que fuere hecho, tratado , y concertado
por vós el dicho Marquez dei Carpio , defde aora para
entonces lo conííento , y apruebo , y lo tendre fiempré
por firme , y valedero , y pafsarè por ello , como por
cofa liecha en nombre del Rey mi hijo , y mio , y por
mi voluntad,yauthoridadiy alfi mifmo ratificaré,y apro-
baré en efpecial , y conveniente forma con todas las
fuerças , y demás requiíitos necefsarios, que en femejan-
tes cafos ie acoítumbra J todo lo que en razon deito
concluireis , afsentáreis , y firmareis , para que todo ello
fea firme , valido , y eítable con precifa condicion , que
fe haya de fenecer,y firmar dichoTratado de paz dentro
de quarenta dias, defde el dia de la fecha deite poder;
de manera , que fe eíte plazo fe pafsare, fui quedar con-
cluido> y firmado dicho tratado, doy defde aora para
entonces por nulo eíte poder, y todas las claufulas,
que en el fe çontienen , y quanto en fu virtude huviera
propueíio „ ó començado a tratar , en cuya declaracion
he mandado defpzchar la prefente firmada de mi mano,
fellada con el fello fecreto, y ref rendada de mi infra ef-
crito Secretario de Eítado. Dada en Madrid a cinco de
Enero de mil y feiícentos iefsenta y ocho,
YO LA REYNA.
Don Pedro Fernandes del Campo , y Angulo*
D. Affonfo
mmmm livro xjj. 575
. D. Aflbnfo por graça de Deos Rey de Portugal , e Anno
dos Algarves, daque , e dalém Mar, em Africa Se- ,•«
nhor de Guiné , e daCoíiquifta , Navegação , Commer- 100 «•
cio de Ethiopia , Arábia , Perfia , e da índia , &c. Pela
prefente dou todo o poder , e faculdade a D. Nuno Ak
vares Pereira , Duque do Cadaval , Marquez de Ferrei-
ra , Conde de Tentúgal , fenhor das Villas de Povoa de
Santa Chriílina , Villa-Nova de Anços , Rabaçal , Arè-
ga , Alvayazere , Buarcos , Anobra ,Carapito , Mortá-
gua, Pena-Çova, Villa-Ruiva , Albergaria, Agua de
Peixes , Operai , Avermelha , Cercal , Commendador
da Crandala da Ordem de Santiago, do meu Confelho de
Eftado , e meu muito amado , e prezado fobrinho : a
D. Vafco Luiz da Gama , Marquez de Niza , Conde da
Vidigueira, Almirante da Índia, fenhor das Villas de
brades , e Trovo ens , Commendador da Commenda de
Santiago de Beja, da Ordem de Chrifto, do meu Confe-
lho de Eítado , e Veador de minha Fazenda! a D. Joaò
da Silva , Marquez de Gouvea , Conde de Portalegre ,
fenhor *das Villas de Selorico , S. Romaõ , Muymenta ,
Vallezim , Villa-Nova , Neipereira , Naboínhos , Rio
Torto , Villa-Cova , Acoelheira , e das Ilhas de S. Ni-
coláo , e S. Vicente , Commendador da Commenda de
Santa Maria de Almada,da Ordem de Santiago, do meu
Confelho de Eftado , Preftdente da Mefa do Defembar-
go do Paço , meu Mordomo Mayor , e meu muito pre-
zado fobrinho : a D. António Luiz de Menezes , Mar-
quez de Marialva , Conde de Cantanhede , fenhor das
Villas de Meltes , Mondin , Cerva, Atem, Ermelho,
Bilho , Villar de Ferreiras, Avelhans do Caminho, Leo-
mil , Penella , Povoa , e Val-Longo , fenhor do Mor-
gado de Medello , e S. Silveftre , Commendador da
Commenda de Santa Maria de Almonda , da Ordem de
Chrifto, do meu Confelho de Eftado, Veador de minha
Fazenda, Governador das Armas de Lisboa, da Praça de
Caícaes,e daProvincia da Extremadura,e Capitão Gene-
ral do exercito, e Provinda de Alentejo : a Henrique de
Soufa Tavares da Silva , Conde de Miranda^jfenhor
das Villas de Podentes , Vouga , Fo/lgozinhos , Olivei-
ra
l\\
Itá POWTUGAL REST^UR JDO ,.
A-HHO ra db Bairro. , Germelho, Soza, Arrancada , Alcaide mór
• •o de Arronches , e Alpalhaô , GómendadordasCornmen-
I0°õ* das de Alvalade , Villa-Nova de Alvito , Proenfa , Al-
palhaô ,'das Ilhas Terceira , S, Miguel , e Madeira, do
meu Confelho de Eítado , Governador da Relação , e
Caía do Porto , e das Armas da mefma Cidade , e leu di-
ítriclio : e a Pedro Vieira da Silva , do meu Confelho ,
e meu Secretario de Eítado , para por mim , eem meu
nome tratarem , conferirem , e ajuílarem numa paz per-,
petua entre mim , meus fuccefsores , e meus Reinos ,
e a muito Alta, eSereniílima Rainha D. Maria Anna
de Auítria, como Tutora da Real pelsoa do muito Alto,
e Sereniffimo Príncipe D. Carlos II. íeu filho , Rey Ca-
tholico das Hefpanhas , das duas Sicilias , de Jeru-
falem , e das índias Occidentaes , Archi-Duque de Bor-
gonha , e deMilaò , Conde de Afpurg , e de Tirol , e
Governadora de íeus Reinos , e Senhorios, e entre feus
iuccefsores , e Reinos , por meyo de D. Gaípar de Haro,
Gufmaõ, e Aragão, Marquez delCarpio, Duque de
Montoro, Conde Duque de Olivares, Conde de Moren-
te , Marquez de Eliche , fenhor do Eítado de Sorbas,
da Villa de Lueches , Alcaide perpetuo dos Alcaçares
da Cidade de Cordova,Cavalhariço de fuás Reaes Cava-
lhariças , Alguazil Mayor perpetuo da mefma Cidade»
c da Santa Inquifição delia, Alcaide perpetuo dos Reaes
Alcaçares , e Atarazanas de Sevilha , Gram-Chanceller
das índias, Commendador Mayor da Ordem de Alcânta-
ra ,: Gentil-homem da Camera, Monteiro mór , e Alcai-
de dos Reaes íitios do Pardo , Balçaim , e Zarzuela , co-
mo Plenipotenciário deputado para eftecafo pelo dito
Sereniffimo Príncipe D. Carlos, e com intervenção,
mediação ,e fegurança de Duarte , Conde deSanduick,
Bifcònde deHinchingrooch , Baião de Montegu deS;
Neote,Vice-Almirãte de Inglaterra, dos Confelhos mais
iecretos do muito Alto , e Sereniffimo Príncipe Carlos
II. Pvey da Gram-Bretanha , meu bom irmaõ , emfeu
nome , e como íeu Embaixador extraordinário deílina-
do para eíte mefmo negocio , tudo na forma , e com as
condiçoens , declara çoens , e claufulas , que lhes pare-
./ cerem
■
PARTE 11. LIVRO Xll 577
cerem convenientes ao íbcego,bem cominam, amlzades AnftO
e uniaõ entre ambas as Coroas , e Vaísallos delias ; e o , _
por elles feito , eajuítado nefta parte, me obrigo em l»6 o»
meu nome , e no de meus íucceísores , e meus Reinos,
ao cumprir , manter , e guardar debaixo da fé , e pala-
vra de Principe , e o haverei por bom , firme, e valio-
fo , como íe por mim fora feito , e acordado , e iílo íem
embargo de quaeíquer leys , direitos , capitulos de Cor-
tes , e coítumes , que haja em contrario > porque todos
hei por derogados para efíe calo , como fe delíes fize-
ra aqui particular , e exprefsa menção, tudo de meu mo-
to próprio , certa fciencia , poder Real , e ablòluto no
melhor modo , e forma, que de Direito poiso ,e devo. E
por firmeza de tudo,que dito he, mandei pafsar eíta car-
ta por mim aííignada , e íellada com o fello grande de
minhas Armas. Dada nefta Cidade de Lisboa,aos quatro
dias do mez de Fevereiro. Luiz Teixeira de Carvalho a
fez, anno do Nafcimento de Nofso Senhor Jefu Chrifto
de mil e ieifcentos fefsenta e oito. Pedro Vieira da Silva
a liz efcrever.
O PRÍNCIPE.
Carolus Secundus Dei gratia magnas Britaniíe ,
Francis , & Hybemiac Rex , Hdei Defenibr , &c. Om-
níbus, & fmgulis hafce literas infpeííuris íalutem. Cum
nihil raagis regium,autChriít.ianum fit,quàm compone-
rediffidia , inimicitias confopire,& inveteratas odiorum
radices ita penitús evellere , ut, armis depoíitis, & pace
redintegrata, populis tranquillitas,commercio íecuritas,
legibus authoritas reftituatur, Principibus denique iub-
ditorum fuorum plaufus , & apprecationes undique be-
nedicant: Nosquidem,qui regnaHifpanias,ac Portugal-
liae eodem fmu,'& affettu comple£tirnur,bellum illud in-
ter continguas.nationes totannis geftum , tot funeribus
maculatum, non fine ineflabili dolore ihtueri potuimus,
optantes ideiitidem , ut ficut illuítria f o rtitu d inis ex-
empla inaliis regionibus adveríus alios hoíles ede-
rentur: tandem curnpropitium Numen itavotis, &
Oo gemU
i -
p% PORTUGAL RESTAURADO,
Atino geaíi-ttibus noítris refponderit , ut Príncipes utriufque
IÓ68 Partls ac* para ta coafilia quaíi fponteíua flecti videan-
OÕ'tur, iuceptum tam pium , &optabiIe nobis ornai ífcir-
ciio fovendum , & animorum utrinque non modo re-
conciliationem \ fed conjunctionem etiam mediatio-
ne npítra ítabiliendam eíse ceníuimus, Quod opus
ut felicius ineatur , & expeditius ad finem perduca-
tur , legatum noítrum extraordinarium ad Príncipes
utriufque partis milimus , virum è nobilitate noítra
primarium , utrique Corona? asque addidtum , eòque
aufpicatius , apud utruirique legatione hac pacifica
deftm&urum , pradileélum , ÒV per quàm fidelem con-
fanguineum noítrum Eduardum Comitem de Sanduick,
Vice-Comitem de Hinchingrooch , Baronem Monta-
cutinm de Saneio Neote, Anglise Vice-Admirallum >
magna? Garderobse noítra Magiítrum , nobis à íecre*
tioribiis confiliis antiquiííimi , nobiliíiirrnque Grdinis
Perifcelibisequitem. Sciatis igitur , quòd nos.fide,
induftria, judicio , ac prudentia di&i Comitis de San-
duick Legati noítri extraordinarii plurimum confifí- ,
ípfum veru-m , & indubitatum Commifsarium , ac Pro-
cura to rera noítrum fecimus , ordinavimus , & deputa-
vimus, acperpraefentes facimús , ordinamus , & de-
puçarnus, dantes eidem , & committentes pleuara , &
omnimodam poteftafem , atque authoritatem pariter ,
6c mandatum generale » & fpeciale nomlne noítro
cu-m- praefa tis Principibus utriu%e partis, vel ipío-
nimMmiftris.congrediendi, ac fermones habendi , &
cu.rn i ípforum Commifsariis , Deputatis , & Procura-
tonbus ad hoc íufficientem poteítatem habentibus
C°fJlr1u- m ' vel íeParath™ *n confiniis Regnorum,
vel alibi, ubi commodius vifuni fuerit, de & fuper pa-
v Perpetua inter Coronas , & Regna Hifpaai* , &
Aortugalliae , vel de & fuper muítorum annorum in-
Quciis nter eafdem , eademque utiliffimis , & maxi-
me convenientibus articulis , & conditionibus ítabi-
íienda, vel ítabíliendis f méméh de & fuper triplici
tffiiere , ac coníbeiatione internos > didtofqtie Prin-
cipás uttiuíque partis prpcoaiiBuai, ac mutua regno-
rum
PJRTE //. ZTVKO. XII. ^79 Atoo
rum noítrorum defeníione communicandi , tradaudi , i66S*
cqnveniendi , & concludeadi , casteraque pmn.ia %-
cieadi , qúas adpraedidos fines, vel quoslibet eorum
faciant, & conducant , atqúe iiiper iis artículos , literas,
& inítrumenta neceísaria conficiendi , & ab alteris par-
tibus conjundim , vel feparatim petendi , & recipiendi.
Denique omnia ea , quse ad praemifsa , vel circa eadem
quovis modo erunt neceísaria , & oportuna expedien-
4i. Promittentes bona fide,& in verbo régio nos omnia,
& íingula,qua; inter Príncipes utriuíque partis,eorumve
Procuratores , Deputatos , aut Commíisarios , atque
prsenominatum Legatum noítrum extraordinaríum
conjundim, vel íeparatim in prsemiílis , leu pnemiíso-
rum aliquo erunt fada, pada , & concluía, rata , grata,
&: firma habituros , nec unquam contra ipiorum ali-
quid , aut aliqua contra venturosi quin potius quidquid
nomine noílro promiísum , aut in quovis prsemiísorum
conçluíum fuerit , non íolúm ex parte noftra fandè ,
& inviolabiliter obíervaturos , íe.d fide juísuros , &
íponíores futuros , idem ab alteris quoque partibus ,
& earum alterutra fandè , & inviolabiliter oblerva-
tumiri; in cujus rei teftimonium haíce literas fieri ,
manuque noílra fignatas magno Anglias figillo commu-
niri fecimus : quse dabantur apud Palatium noítrum
VVeímonaílerii , íexto decimo' die meníis Februarii,
armo Domini millefimo fexcenteftmo fexagefimo quin-
to , Regni noílri decimo odavo.
CAROLUS REX%
n
Anno
•5Í0 PORTUGAL RESTAURADO,
1 66$. Em nome da Santljjima Trindade , Padre , Fi.
lho , e Ejpirito Santo, três Pejjoas 9 e hum
Jò Deos verdadeiro.
p
ARTIGO I. T^ Rimeiramente declarag os Se^
nhores Reys Catholicps , e de
Portugal, que pelo prefente Tra-
tado fazem, e eftabelecem em feus nomes, de fuás
Coroas , e de feus Vafsallos huma paz perpetua , fir-
me, e inviolável, que começará do dia da pubicaçao
deite Tratado,que fe fará em termo de quinze diasj cef-
fando defde logo todos os actos de hoftilidade , de qual-
quer maneira que fejaõ , entre fuás Coroas , por terra , e
por mar em todos feus Reinos , Senhorios , e Vafsallos
de qualquer qualidade , e condição , que fejaõ, fem ex-
cepção de lugares,nem de pefsoas; e fe declara, que haõ
de fer quinze dias para ratificar o Tratado , e quinze
para fe publicar.
ARTIGO II. E porque a boa fé, com que fefaz
eíle Tratado de paz perpetua, riaõ permitte cuidar-fe
em guerra para o futuro, nem em querer cada huma
das partes achar-fe para eíte caío em melhor partido »
íe acordou em fe reítituirem a Portugal as Praças , que,
durando a guerra , lhe tomarão as Armas d<ElRey
Catholico ; e a EIRey Catholico , as que durando a
guerra , lhe tomarão as Armas de Portugal , com todos
feus termos , aífím , e da maneira, que pelos limites,
e confrbntaçoens , que tinhaó antes da guerra j e todas
as fazendas de raiz fe reílituiráó a feus antigos pof-
íuidores , ou a feus herdeiros , pagando elles as bem-
feitorias úteis , e necefsarias , e nem porifso fe pode-
rão pedir as damnificaçoens , que fe attribuem á guer-
ra , e ficará nas Praças a artilharia , que tinhaó quan-
do fe occuparaõ ; e os moradores , que naô quize-
rem ficar , poderio levar todo o movei , e venceriõ os
frutos do que tiverem iemeado ao tempo da publica-
ção
"
PARTE. II LIPRO XII. 5?i
çaõ da paz^e efta reftituiçaõ das Praças fe fará em termo Ajií*o>
de dots mezes , que começarão do dia da publicação da ' '
paz^ Declarão porém , que íuíla reíbtuição das £r;çaá ■ *>***■*
não entra a Cidade de Ceuta , que ha de ficar em poder
d'ElRey Catholico peías razoens ., que para ifso íe con-
fiderão. Efe declara , que as fazendas, queíe polsuifem
com outro titulo, que não íeja o da guerra,poderáo dif-
pôr delias feus donos livremente.
ARTIGO III. Os Vaísallos ,. e moradores das terras
pofsuidas de hum> e de outro Rey, teraõ toda a boa cor-
refpondencia , e amizide, km moftrar ientimento das
oíFenfas, e dam nos pafsados , e poderáõ communicar,en««
trar , e frequentar os limites de hum , e de outro, e ufar*
e exercitar commercio com toda a íegu rança por terra, e
por mar , aflim , e da maneira , que fe ufava em tempo
d«ElReyD.Sebaftiâo.
ARTIGO IV. Os ditos Vaísallos , e moradores de
huma , e outra parte, teraõ reciprocamente a mefma fe-
gurança, liberdades , e privilégios , que eítaõ acordados
com os fubditos do Sereniílimo Rey da Gram-Bretanha,
pelo Tratado de vinte e três de Mayo do anno de feif-
centos fefsenta e fete , e de outro anno de feifcentos e
trinta , no em que eíle Tratado eítá ainda em pé , aflim,
e da maneira , como fe todos aquelles Artigos em razão
do commercio,e immunidades tocantes a elle foraõ aqui
expreísaméte declarados fem excepção deArtigo algum,
mudando fomente o nome em favor de Portugal; e dei-
tes mefmos privilégios ufará a Nação Portugueza nos
Reinos de Sua Mageílade Catholica , aííim , e da manei-
ra, que o ufarão em tempo do dito Rey D.Sebaftião.
ARTIGO Vj E porque he necefsario hum largo
tempo para poder publicar eíle Tratado nas partes mui
diítantes dos Senhorios de hum , e outro Rey , para cei-
farem entre elles todos os aclos de hoítilidade , íe acor-
dou , que eíta paz começará nas ditas partes da publi- >
cação , que delia fe fizer em Hefpanha , a hum anno fe-
guinte > mas fe O avizo da paz puder chegar antes aquel-
les lugares , cefsaráó defde então todos os aclos de hof-
tilidadeí eíeVpaisado o dito anno , fe commetter por
Ç/o j qual.
$1 PORTUGAL KESTJVRJDO,
A,000 qualquer das partesràlguni aão de hoírilidáde ■', fe fatis-
srq fará todo o damno > que âelle naícer.
100 5. ARTIGO VI. • Todos os priíioneiros da guerra >
ou em ódio delia , de qualquer Naçaô quefejaõ , Tem
idilaeaõ , ou embarga algum feraõ poítos em fua liber-
dade, aJlim dehuma, como de outra parte , lem excep-
ção de peísoa alguma , e de razão , ou pretexto , que fe
queira tomar em contrario ,• e eíia liberdade começará
do dia da publicação em diante.
ARTIGO VIL E para que eíla paz feja melhor guar-
dada , promettem reípediva mente os ditos Reys Ca-
tholico , e de Portugal de dar livre., e fegura paisagem
por mar > ou rios navegáveis contra a invafaó de quaef-
quer Piratas , ou outros inimigos , que procura õ tomar,
e caítigar com rigor, dando toda a liberdade ao com-
mercio.
ARTIGO VIII. Todas as privaçoens de heranças ,
e difpoíiçQçns feitas com ódio da guerra, faõ declaradas
por nenhumas, e como naó acontecidas; e os dous Re/s
perdoaõa culpa a huus, e a outros Vafsallos em virtu-
de deite Tratado, havendo-fe de reítituir as fazendas ,
que eíli verem no Fiíco , e Coroa , ás pelsoas , ás quaés
Jem intervenção deita guerra haviaò de tocar , ou per-
tencer, para poderem livremente ufar delias j mas ús
frutos ,e rendimentos dos ditos bens até o dia da pu-
blicação da paz ficaráõ* aos que es tem pofsuidb , du-
rante a guerra ; e porque fe podem offerecer fobre iíto
algumas demandas , que convém abbreviar para o fo-
cego da Republica, fera obrigado cada hum dos perten-
dentes a intentaras demandas dentro dehumartno,e fe
determinarão breve, e íummaria mente dentro de outro;
ARTIGO IX. E fe contra o difpoílo nefte Trata-
do alguns moradores fem ordem , e mandado dos Reys
rei peclivamente fizerem algum damno, fe reparará, e
caíligará o damno , que fizerem , fendo tomados os de-
linquentes; mas naó fera licito poreftacaúfa tomaras
armas , e romper a paz. E em caio de fénao faáer juí-
tiça, fe poderáò dar cartas de marca,- ou repre ia lias con-
tra os delinquentesfia fórmi, que fe coita ma.
ARTI-
PARTE II LIVRO X\í. ?8j
ARTIGO X. A Coroa de Portugal pelos iate reíses, AnnO
que reciproca , e infeparavel mente tem com á de Ingla- ^
terra , poderá entrar á parte de qualquer liga , ou ligas, l»«**
ofíenfiva , e defeníiva , que as duas Coroas de IugJatei>
ra ,. e Cathúlica fizerem entre Ti , juntamente com qua-
efquer confederados íeysj e as condiçoens, e obrigações"
recíprocas , que em tal caio íe aju iterem , ou íe accref-
ceutarem ao diante , íe terão , e guardarão inviolável-
menteem virtude deite li ratado , aílim , e da maneira ,
como fe eítiveraõ particularmente exprefsadas nelle , e
eítiveraõ já nomeados os coligados.
ARTIGO XI. Promettemos os fobreditos Reys Ca-
tholico , e de Portugal de na õ fazer uadacontra , eem
prejuízo deita paz , nem coníentir íe faç \ direcla , ou
indirectamente ,• eíeacafo íe fizer , de o reparar fem
nenhuma dilação. E para obfervancia de tudo o acima
conteúdo , íe obrigaó com o Sereniílimo Rey da Gram-
Bretanha , como mediador , e fiador deita paz ,• e para
firmeza de tudo renunciaõ todas as leys , coitumes , ou
coufa , que faça em contrario.
ARTIGO XII. Eíta paz feri publicada por todas
as partes , onde convier , o mais brevemente , que íer
poisa , depois da ratificação deites Artigos pelos fenho-
res ReysCatholico, e de Portugal, e entregues recipro-
camente na forma coílumeda.
ARTIGO XIII, Finalmente ferao os prcfente.? Ar-
tigos \ e paz nelles conteúda ratificados também, e reco-
nhecidos pelo Sereniílimo Rey da Gram-Bretanha ^co-
mo mediador ., e fiador delia por cada huma das partes,
dentro de quatro mezes depois da íua ratificação.
Todas as quaes coufas neítes Artigos referidas fo-
raõ acordadas , eítabelecidas , e concluidas por nós D.
Gafpar de Haro , Gufmaô, e Aragão, Marquez dei Car-
pio , Duarte Conde de Sanduick", D. Nuno Alvares Pe-
reira , Duque do Cadaval, D.Vafco Luiz da Gama,
Marquez de Niza, D. João da Silva Marquez de Gou-
vea , D. António Luiz de Menezes , Marquez de Ma-
rialva , Henrique de Soufa Tavares da Silva , Conde
de Miranda \ e Pedto Vieira da Silva , Commiísarios de-
Oo 4 putados >
J§4 PORTUGAL RESTAURADO
Atino Peados para eíle eríèito j em virtude das Plenipóten-
IÓ68 ;;l;1V^UerCao ^^âaseai nómade Suas Mageíta-
des Catnolicas , da Gram-Bretanha , e de Portueal , em
cuja fe , hvmza , e teítimunho de verdade fizemos eíle
premente i ratado firmado de nofsas maos,e íeJlado com
aíedo de rioísas Armas. Em Lisboa no Convento de
fcanto fclpi- aos treze de Fevereiro de mil feifcentos fef-
lentaeoito. D. Gaipar de Haro , Guímaó, e Aragaõ
O Conde de&mduick. O Duque Marquez de S£
Aiarquez de Niza,Almirante da India.JVíarquez de Goul
vea, Mordomo maior. Marquez de Marialva. Conde
de Miranda. Pedro Vieira da Silva.
Havendo eu viíto o dito Tratado de paz perpetua ,
depois de confiderado, e examinado com toda aatten-
çao , hei por bem aceitallo , approvalJo, ratificalío , e
connrmallo , como em effeito poreíta minha carta pa-
tente o aceito , approvo, ratifico , e confirmo , promet-
tendo eni meu nome , no dos meus fuccefsores , e meus;
nemos de obíervar, guardar, e cumprir inviolavelmen-
te todas as coufasnelleconteúdas, fem admittir, que
por modo algum , que haja, ou poisa haver r direáa,
ou indirectamente ie contradiga , ou vá. contra elle ; e
íq ie houver feito , ou fe fizer em alguma maneira ani-
la em contrario, de o mandar reparar fem dificuldade»
ou dilação alguma -y eaíligar , e mandar caftigar os que
forem niíso complices , com todo o rigor ; e tudo o re-
ferido prometto , eme obrigo guardar debaixo da fé , e
palavra de Rey em meu nome , no de meus fuccefsores,
e Reinos, e da hypoteca , e obrigação de todos os bens,
rendas geraes T e eípeciaes , prefentes , e futuras delles.
Eemfe , e firmeza de tudo mandei pafsar a prefente
carta por mim affinada , e fellada com o fello grande de
minhas Armas, Dada na Cidade de Lisboa aos três dras
do mez de Março. Luiz Teixeira de Carvalho a fez,an-
no do Naftimento de nofso Senhor Jelu Chrífto de mit
e feifcentos fefsenta e oito. Pedro Vieira da Silva o fiz
^ , TT t O príncipe.
D. Carlos II. por la gracia de Dios Rey de las Hef-
^^^^ÈS^J^Wg^^j d? las índias ,
&c.
VARTE II. UP^O 711. 585 v
&c; Archi-Duque de Auítria , Duque de Borgona , de AlttlC
Milan , Conde de Afpurg , y de Tirol , &c. y la Reyna j fá&
Dona Maria Anna de Auítria fu Madre, Tutora , y Cu-?
radora de fu Real perlona , y Governadora de todos fus
Reinos , e Sefloíios. Por quanto D. Gafpar de Haro ,
Gufman , y Aragon , Marquez dei Carr io, &c. en vir-
tud dei poder , que le concedi , ha ajuíiado ,concluido,
y firmado en treze dei prefente mz un Tratado de paz
con los Miniílros Commifsarios infra efcritos deputados
para eíte eflecto por el muy Alto ,* y Sereniííimo Prín-
cipe D. Alonfo VI. Rey de Portugal , &c. intervenien-
do tanbien , como mediador , y fiador en nombre dei
muy Alto, y Sereniííimo Príncipe Carlos II. Rey dela
Gran-Bretafia , &c. el Conde de Sanduick fu Embaxa-
dor extraordinário con poder , que para ello tuvo íuyo,
el qualdicho Tratado vá aqui infierto reduzido a treze
artículos , cuyo tenor traduzido de lengua Portugueza
en Caftellana , es como ie fiegue.
Artículos de paz entre el muy Alto , y Sereniííimo
Principe D. Carlos II. Rey Catholico , fus fuccefsores,
yfusReynos, y el muy Alto, y Sereniííimo Principe
D. Alonfo VI. Rey de Portugal, k\s fuccefsores, y
fus Reynos , por mediacion dei muy Alto ,ySereniífi-
mo Principe Carlos II. Rey de laGran-Bretafia: her-
mano dei uno , e aliado muy antigo de ambos , avu-
ltados por D. Gafpar de Haro , Guiman , y Aragon ,
Marquez dei Carpio, como Plenipotenciário de Su Ma-
seítad Catholica , y D. Nuno Alvares Pereira , Duque
de Cadaval f D. Vafco Luiz da Gama , Marquez de Ni-
za, D. Luiz da Silva Marquez de Gouveá , D. António
Luiz de Menezes , Marquez de Marialva, Henrique de
Soufa Tavares da Silva , Conde de Miranda , y Pedro
iVieira da Silva , como Plenipotenciário de Su Magef-
tad de Portugal > y Duarte Conde de Sanduick , Ple-
nipotenciário de SuMageítad de la Gran-Bretafla media-
neiro , y fiador dela dicha paz en virtud de los poderes
ièguientes.
D
fH PORTUGAL KES7AUH4D0,
RATIFICACION,
*- p^r tanto havienioviílo , confíderado , yexamina-
X: doea miConfejo maduramente dic ho Tratado yo
por mi , y por el muy Alto , ySereniifimo Príncipe Car-
los II. Rey de las Hefpaíías , &c. nueílro muy charo,
y muy amado hijo , hemos reíuelto aprovarle , y ratifi-
carie, como en general, ecada punto en particular le
aprovamos, y rati.<icamos por nós, y nueílroj herederos,
y iuccefsores , comoaífi mifmo por los vafsaílos , fu-bdí-""'
tos , y habitantes de tod js nueítros Reynos , Paizes y
Senonos, aíHm en Europa, como fuera delia , fm exce-
ptuar ninguno ,recebieudoel dicho Tratado, y todo lo
quecontiene, y cada punto dei en particular en todas
lus partes porbueno, firme ,ey valedero , prometien-
do en fé , y palabra Real p k nós , y nueílros íucc iso-
res Reyes , Príncipes , y herederos fyacera mente, y con
bueaa fé feguir, obfervar, y cumprile inviolable, y pon-
tualmente legun íu forma , y tenor , y hazerle feguir
obíervar , y cuniplir de la mifmi manera, como fi le hu-
vieramos tratado por nu eílra própria perfoua ,fm hazer,
ni permitir, que en ninguna manera fe haga cofa en con-
trario direita, ni indirectamente en qualquier modo,
que fer pueda : y fi fe huviere hecho, o fi fe hiziere con-
travencion en alguna manera, hazerla reparar fin diffí-
cultad , ni dilacion alguna , ca (ligar, y mandar caítigar a
losquehuvieren coitravenido con to ío o rigor,lin gra-
da , ni perdon , obligan Jo para el efe<£l ) de lo íufodi-
cho todos , y cada uno de nueílros Rey ios , Paizes , y
Seííoi'ios,como tambien todos nueílros o.ros bien^spre-
fentes,y venideros fm exceptaar nadie,y para la firmeza
defta obligacion , renunciamos todas las leyes, coflum-
bres , y todas otras cofas. contrarias a ello. Enfé d lo
qual man Íamos defpachar la prefente firmada de mi ma-
no, fellada con nueílro fello fecreto, y refrenada dei in-
fra efcrlto Secretario de Eíla Jo. Dada en Madrid a vinte
e três de Febrero de mil feifcientos fefsenta y ocho afios,
YO Lã REYJA.
Doa Pedro Fernandes dd Qamp , y Angulo.
Dilatou-
"
PARTE II. LIVRO XJ7. 587
Dilatou-fe vinte e oito dias levarem-íe a Madrid as ArillO
condiçoens da paz nos capitules referidos* e firmados *sa
pela Rainha Regente de Caftella D. Maria Anna de Au- * 0O°*
tfria,e pelo Principe D. Pedro de Portugal , íe publicou
a dez de Março folemnemente em Lisboa, e em Madrid
com inexplicável alegria dos Povos de huma , e outra
Coroa , iendo os motivos diffèrentes ; porque os Portu-
guezes celebravaó a gloria da liberdade, que cõíeguiaó,
e das memoráveis vi&orias , que haviaõ alcançado i e os
Caílelhanos eíHmavaõ a fortuna de fe verem livres dos
grandes damnos,queos ameaçavaõ; excedendo aos mais
no contentamento pelo próprio prejuízo os moradores,
nao fó dos lugares da Raya,fenaõ dos que habitavaõ em s
outros vinte , e vinte cinco léguas pelo interior dos Rei-
nos circumvizinhos: e entregues de huma, e outra parte
as Praças promettidas nas capitulaçoens ; reformados os
exércitos, que conítavaõ de quarenta mil Infantes, e dez
mil cavallos, reíervando-íe corpos competentes para de-
fenfa,e fegurança do Reino,deipedidas as tropas extran-
geiras, fatisfeitas de íe lhes ajuítarem as contas dos feus
foldos, entregando-íe-lhes pontualmente tudo, o que fe
lhes devia , finaladas confi nações certas aos Aisentiílas,
para ie embolfarem dos cabedaes dei pendidos nos con-
tratos das muniçoens, e mantimentos, e ajultados os ne-
gócios referidos ? e outros naõ menos confideraveis, def-
pedio o Principe D.Pedro as Cortes,e em todo o Mundo
foaraõ pela confonancia do clarim da fama harmónicos
applaufos da fua grande prudência , por haver fido au-
thor , na paz ajultada com a Coroa de Caítella, da clau-
fula immortal da gloria da Naçaõ Portugueza , que de-
pois de porfiada , efanguinolenta guerra collocou no
throno do Império a feus legitimes , e foberanos Prínci-
pes, confefsando na paz capitulada a fua juítiça os mef-
mos,que fefsenta annos de injuíta pófse , e vinte efete
de furiofa guerra a ufurparaõ , e contradifseraõ,
LAUS D E O,
PROa
V
5$9
m&mfssf±fM^mm^m
m,
'lS£85f&&Í»
ÍNDICE
DAS P E S S O A S , E COUSAS MAIS
notáveis , que Te contém nos féis livros
deita fecunda Parte , e Tomo IV.
A
AEibade deS. Romen , Inviado d'E!Rey de
França , propõem a EIRey D. Affonfo a
approvaçaõ das pazes de Portugal com
Caftella , que as íufpirava ; e que naó fen-
do mui honorificas á Coroa Portugueza,
EIRey de França eftava prompto para to-
do o auxilio de fe profeguir a guerra , Pag. 459. Pro-
cura tenazmente eftorvar a paz entre Portugal,e Cal-
5 tella , que anciofamente a defeja , ^64.
Abfurdo do Marquez deCaracena em largar o quartel
no fitio de Villa-ViçoCa , 318. ^
Acção intrépida do Soldado Simão da Cofta , i$.
Acção gloriofa do Tenente André Gonfalves, 29.
D. Affbnfo o VI. Rey de Portugal reíblvè-fe a tomar
o governo , 68. Entrado nelle , extermina as pefsoas,
que intervierad na refoluçaõ de lhe apartarem: Anto-
r- mo
11
(!)
».|í índice
niò de Conte , e provê çs officios da Cajfa. 8 r . Cheça-
lhe a .nova da vitoria do Ameixial, baixa a Capella
com o Infante a dar graças j e piamente advertido do
Conde de Caítello-Meíhor , manda oífèrecer muitos
fuífragios pelos que morrerão na batalha, r?$. Com
a recluíaó da Rainha ília mãy, que lhe dimittio o go-
verno , crefcem as dei ordens , a que o incitava a vi-
leza da peble faoinoroia , qne'0 acompanhava ,192,
Ajuíta-fe em França o leu c afamento com a Princeza
deAumalle, 413. Primeiras villas d' El Rey, e Rai-
nha chegada a Lisboa , 45 1. Concebe defconfianças
contra o Infante , e arma-le o Paço , 476, e 477. Di-
vide-ie a Nobreza , 48 1. Propõem em grave Junta o
deíterro do Conde , 485. e feg." Larga o governo ao
Infante , e he recluiò ,713. Sua morte , J46.
Aftonío Furtado , vai, fítiar a Praça da Sarça de mil fo*
gos,a qual íe rende,e he arrazada, deixando deíafom-
brados osnofsos confins, que delia recebiaô graves
damnos. 35:1:. Manda queimar a Villa de Ferreira, co-
vil dos maiores pilhantes daquella Fronteira , aos
quaes fez prifíoneiros,} j*. Interprende Vilhanel,hu-
ma das mais ricas Villas da Serra da Gata, deftroe to-
do aquellePaiz , e fem oppofiçaõ fe retira. Ibid.
Albuquerque, Villa opulenta de Caitella , he por in-
ter preza entrada , e faqueada pelo Conde de Schom-
berg , 380.
Alexandre Farneíio , General da Cavailaria extrangeira
inimiga, Príncipe de Parma , determina interprender
Valença de Alcântara .por trato de priíioneirbs Cafte-
Ihanos; e baldada eíta a ílucía , com grande damno.ie
retira, 189.
Almeida,he invadida de grande poder,com que o Duque
de Oisuna lhe dá hum furioíò , e repentino afsalto $
mas defendida com o valor , a deílrezii de Diogo (Jó-
mes Js-Figueiredo, faò rechaçados os inimigos,e bal-
dada a confiança do Duque, 181. até 184.
D. AnfelodeGuímaô , Meftrede Campo, filho do Du-
7que de Medina de las Torres,fica prifioneiro na bata-
lha do Ameixial? 15*0.
D.An-
ÍNDICE. f9i
D António Luiz de Menezes Conde de Cantanhede , e
Marquez, de Marialva, confegue licença para voltar á
Corce í fica o governo ao Conde de Schomberg , que
i pouco depois paísa a Lisboa , y. Solicita o íõccorro
i\ para recuperar Évora, i f 4 Conleguida a emprseza,
volta a Lisboa, e licenceão-le as tropas ,165". He ou-
tra vez -Eleito com titulo de Capitão General doAlem-
tejo , i\ t. Sahe em campanha , forma o exercito na
frente de Badajoz, onde aíliftia D.Joaõ deAuftria
com o exercito de Caílella y 2 1 7. Sitia, e expugna Va-
lença , que fe lhe entrega , e a deixa fortificada, 1 1 9.
. até i$t. Parte a Alemte)o a prevenir outro poderolo
exercito em oppofiçao do de Caítella,e promptamen-
te lhe chegio os foecorros das Provindas para o exer-
cito , 294. Sahe de Extremoz com o exercito a foccor-
rer Villa-Viçofa fitiada , $06. Exhorta os Soldados á
batalha , 316 Conleguida felizmente a vidoria , en-
tra triunfante na Praça , ecom urbana gratulaçaõ
louva os Cabos , eOfflciaes , $33. He nomeado por
Plenipotenciário das pazes entre Portugal , e Caílel-
la, 575-.
António de Conte,he prezo,e deportado com feu irmão
para o Btafil ,60.
Armada de Inglaterra chega a Lisboa para conduzir a
Rainha , 49.
Arronches , accidentalmente voa parte de feu Caírello
com muita perda dos Caftelhanos , 166. Reconhecem
os Caftelhanos difícil a confervaçaôi edefmantelada
a deíamparaó , 238,
Ayres de Saldanha , Meftre de Campo , milita valoroía-
mente na batalha de Montes Claros, na qual perfeve-
ra até ao fim da vidoria, fem fe querer retirar grave-
mente ferido , $32.
B
D
0m Balthazar de Roxas Pantoja>governa hum po-
deroío exercito de Caílella , que entra na Provín-
cia
59* ÍNDICE.
cia do Minho, 13.614. Depois defruftrada a fua con-
fiança , e diligencia , íe retira com o exercito quaíi
desbaratado, 23 Edifica o Forte dos Medos , moítran-
do o que tinha das entradas , com que o Conde do
Prado infeítava aquelle diífrido , 178. Em aufencia
do Conde de S.Joaó entra na Província de Trás os
Montes, onde deílroe muitos lugares , 387.
Batalha do Ameixial , 1 39. e feg.
Batalha^deCaílello-Rodrigo , em que he desbaratado o
exercito do Duque de Oísuna > *£4« e feg.
Batalha de Montes Claros , 3 20.
Bizarria militar , com que D. Joaõ de Auílria pafsa fem
oíFender Alegrete, agradado do bom humor, com que
lhe reíponde íèu Governador la Coité , para fe nao
render , f. A com que refponde D. Luiz de Menezes
ao arrogante, e gracioío recado do meímo D.joaõ*
109. A com que Pedro Jaques de Magalhaens aviza ao
Duque de Oísuna, que íe prepare , e acautele, 1 8 5.
c
CApitulaçoens , com que fe entrega Évora ao noísa
exercito, 164.
Carlos II.Rey de Inglaterra, moílra-íe defcobertamente
benigno aos Catholicos , effeitos íubminiftrados pelo
religioío zelo da Rainha D. Catharina , 1 98.
Carta da Rainha Regente a EIRey íeu filho, perfuadin-
do-o a tornar para o Paço,de que inconíideredo íe au-
fentara\ 69. Sua reípoíla , 71 . Segunda carta íobre o
meímo , 7 2, Terceira carta , fegurando-lhe a entrega
do governo , yy%
.Carta para EIRey íeu filho , deíenganada que morria ;
441. Outra para o Infante D. Pedro , que com EIRey
íeu irmaó íe achavaõ em Salvaterra. Ibid.
C^tas da Rainha Franceza,em que expõem o eícrupu-
lo da nu llidade de íeu Matrimonio» implora a decifao
deHe com reílituiçaõ do íeu dote,para voltar a Fran-
ça, 513. e yrtf.Reípoílas de,huma, e outra _para_a Rai-
- nhav Ibidí e 5 17. I
D.Chrif-
índice, m
D. Chriítovaõ Manoel , filho do Conáede Villa-Flor,
Capitão de Cavallos, derrota humagroísa partida' do
inimigo , 396. Com oito cavallos recupera numa pre-
za, que levao os Caílelhanos ,e com temerário arro-
jo, diículpavel nos poucos annos, legue, a partida ini-
miga mais de cinco léguas pela terra dentro. Ibid.
Conde deS. Joaó , junta poder , fahe de Chaves , entra
nas terras inimigas , devaíta cento e cincoenta Villas,
e lugares,e felizmente fe recolhe com os Soldados ri-
cos , 174. Torna a entrar nos Reinos de Gallizá , Ca-
ítella , e Leaõ com grave damno do inimigo, utilida-
de dos invaíores , e credito do Conde, 108. Entra
nas terras inimigas , toma a Villa de Bós , que pade-
ce fatal eílrago pela reíiítencia obítinada de leu Gaí-
tello; ecomriquiílimo defpojofe recolhe, 146. Su-
ieita muitos lugares á obediência d<ElRey de Portu-
gal. Ibid- Faz entrada no Valle de Salas , queima leis
lugares populofos , com cujos defpojos fuftentaíuas
tropas , 147. Adquire grande.parte do triunto na vi-
toria de Montes Claros ,317. Soceorre o exercito do
Minho ; volta áfua Provinda , e dahi faz varias en-
tradas nos Reinos confinantes profperamente , *4?«
Voltando de Lisboa á fua Provinda infeftada do ini-
migo , toma latisfaçaõ do damno recebido , 389.
Conde de Miranda , o Príncipe o nomea Plenipotenciá-
rio para concordar a paz entre Portugal , c GaiteUa ,
Conde do Prado , junta o exercito, e fahe em campa-
nha primeiro, que o de Caftella, que brevemente en-
tra na Província de Entre Douro , e Minho , 13. In-
tenta ganhar Gayaõ , 174- Confegue-o proípera-
mente, e fortifica-fe , ajudado das diverfoens do Con-
de de S. João , e de ambas as Províncias , 1 77. Recu-
pera Lindozo, 179. Difpoem entrada em Galhza por
Chaõ deCaílro ; e faqueados muitos lugares , ie re-
colhe anofsa partida fem oppofiçaò, 180. Ajunta
poderofo exercito J entra em Galliza fem refiítencia,
^44. e feg. Devaíta as Villas , e lugares daquelle par-
tido j chega á Villa da Guarda , que fitia 3 e rendida a
Pp deixa
594 ÍNDICE.
deixa preíídiada , 346. , efeg. Junta exercito para fe
oppôrao do Condeítablé deCaítella, 383. Impede-
Ihe todos os progrefsos , fenhoreando a campanha,
com que atemoriza aos Gallegos , e obriga a que fe
retirem, 386.
Coade de Sanduick, Embaixador de Inglaterra na Corte
de Madrid,pafsa a Lisboa com poderes de feu Rey,co-
mo mediador , e fiador da paz entre Portugal , e Caf-
tella , e com elle fe ajuíla , 578.
Conde de Scomberg, marcha no exercito r que vai foc-
correr Évora, 114. Deítreza militar,com que difpoem
o exercito no rio Degébe , 1 22. Eítrago no exercito
inimigo pela boa difciplina do Conde ,1 27. Fica go-
vernando o Alemtejo s intenta ganhar Aya-Monte,e
ElRey lhe fufpende a empreza , 16*9. Viíita as Pra-
çâs , manda jfaquearFerreguela , donde fe recoflíem
os Soldados com boa preza , 170* Compoem-fe as du-
vidas entre o Conde, e Gabos do exercito de Alem-
tejo , 290. Moítra fua deítreza , e vigilância na bata-
lha de Montes Claros , 317. Pafsa a Entre Douro , e
Minho com as tropas de Alemtejo , 340. Governa as
Armas de Alemtejo, entra no Condado de Nieblâ,ga-
nha , e faquêa a Villa de Alçaria de la Puebla , pafsa
a Paymogo, que etitregue íica com prefidio , 36 9. Faz
varias entradas prosperamente, 370, Sitia S. Lu ca r
de Guadiana t e ganhada a Villa com a de GibraléaõV
põem em contribuição muitos lugares de Andaluzia,,
372. Faz outra entrada no Condado, aísola muitos
lugares r fortifica Arronches; he remunerado com o
titulo de Condéde Mertola r e dezoito mil cruzados
de foTdo em quanto viver , 374. Caftiga os culpados;
na retirada , a que os obrigou o Príncipe de Parma ,
379-
Condeítablé de Caítella, entre a governar as Armas de
Galliza, e cóm poderofo exercito difpoem fazer guer-
ra no Minho ,, 385. Sem confeguir empreza alguma
atemorizado fe retira, 385. efeg.
Conde déCátfello- Melhor. Veja-fe Luiz de Souía de
Vaícdncèllós.
Conde
índice.
Conde da Ericeira. Veja-íe D. Luiz de Menezes.
Conde de Miíquitella. Veja-feD. Rodrigo de Caibro.
Conde deSoure. Veja-feD. Joaó da Coita.
Conde da Torre. Veja^fe D. JòaÒ Mafcarenhas.
Conde de Villa-Flor. Veja-feD. Sancho Manoel.
Contrato do cafamento d'ElRey D. Arlonlo VI. com a
Princeza de Aumaíle Duqueza de Nemours , 41 9.
Crato, intenta reííítir ao exercito de D. Joaò de Auitna,
que irritado (por fer lugar aberto ) condemna a mor-
te o Governador, e manda arcabuzear ao Sargento
maior, c. O Governador efcapa da morte por ínter-
cefsoens, e o Sargento maior varonil , e cathoiica-
mente padece a morte arcabuzeado. lbid,
D
Diniz de Mello de Caílro,fica governando as Armas
noAlemtejoem aufencia do Marquez de Marialva,
e Conde de Schomberg , 8. Torna ao governo em fal-
ta do Conde de Miíquitella, 11. He nomeado Gene-
ral da Cavallaria ,101. Marcha no exercito í 1 loccor-
rer Évora 1 ix. Governa em auíencia dos Condes de
Villa-Flor, eScomberg, 169. Marcha no exercito ,
que foccorre Villa-Viçoía, 310. Feito Meftre de Cam-
po General derrota duzentos e cincoenta cavaUos
Caílelhanos , que fazem varias entradas mal fuccedi-
D^iogo^Correa, General da Cavallaria Caftelhana ,
por mandado de D. Joaô de Auítria vai i ocorrer |a-
lença de Alcântara fitiada do nofso exercito , ca viita
delia perde a efperança de lograr o effeito , e ie reti-
ra,! 14. Fica prifioneiro na batalha de Montes Claros,
Diolo Gomes de Figueiredo, acode folicitamente a pife.
venir a defenfa de Almeida, q o Duque, de Olsuna in-
tenta conquiítar,i 8 2. Renite com hum porfiado com-
bate, e com grande eftrago dos inimigos faz que_úQ-
liítao da empreza,e que o Duque retroceda Pa™^
í96 ÍNDICE.
dad-Rodrigo com perda de quatrocentos Infantes ,'
li 84. Milita felizmente na batalha de Montes Claros,
318.
Duque de Aveiro , he nomeado General de huma Arma-
da , para vir contra Portugal , e pafsa a Cádis fem ef-
feito , 193; Com outra Armada de quinze navios vai
ao Algarve , ganha hum pequeno Forte, intenta ren-
der a Fortaleza de Sagres , donde he rebatido ; palsa
á pequena Ilha da Berlenga guarnecida de trinta Sol-
dados, rende feu limitado Forte , e fem mais opera-
_Çaõfe retira, 374.
Duque do Cadaval , na oceafiaõ de feu oftracifmo acha*
fe na expugnaçaó da Villa de Serralvo , fete léguas
dentro de Caftella a 'Velha, onde dá evidente prova
de feu valor , 1 j7. He defignado Plenipotenciário pa-
ra concordara paz entre Portugal , eCaítella , £75-.
Duque de Ofsuna, entra /com novo exercito nos dous
partidos da Beira , 46. Intenta ganhar Almeida por
mterpreza , dá-lhe afsalto , e retira-fe com grande
perda, i8í. até 183. Irritado das que lhe caufaõas
_ diligencias de Pedro Jaques de Magalhães, entra com
grande eítrondo nas terras confínantes,e põem o fogo
impiamente ás fearas , e fem maior facção íe recolhe,
JP-Jai fobre Caítello-Rodrígo , que animofamente
le defende até chegar Pedro Jaques de Magalhães , o
qual com mui deíigual poder derrota o exercito con-
trario ; foge o Duque , e lograó os nofsos o defpojo
da campanha, i5$. Na batalha de Montes Claros com
© Marquez de Caracena conhece a derrota do feu ex-
ercito, e antes de lhe ver o ultimo íim fe põem em
laivo, 329. r
E
EMbaixador de Inglaterra aElRey de Caftella par-
te de Madrid a Portugal com propofta de paz , que
íelhe naô admitte , 438.
EfcalhaÕ, Forte, que o Duque de Ofsuna começara,
he
IXDICE. 597
he recuperado por D. Sancho Manoel, que o guar-
nece , 46 Recobra-o o Duque por trato de hum vil
Alferes , que fe deixa corromper. Ibid. Torna a ga-
nhalo o Conde de Villa Flor mais decorofamente com
batarias , eaproxes, 47.
Évora he prefidiada , por fe conje&urar , que a ella ie
dirigia o exercito Caítelhano , icó. He íitiada pelo
exercito de D. Joaó de Aultria , 109. Rende-íe com
débil rehítencia, 1 1 1. Altera-fe o Povo informado da
perda dos Caftellianos norioDegébe, 129. A fim
de a recuperar, chegaõ os nofsos Generaes a reconhe-
cella, 15 f. Refolve-fe o fitio , forma do quartel ,e
aproxes , 1 56. Entrega-fe ao noíso exercito ,164.
Exercito no Minho , com que o Conde do Prado íe op-
poem ao deGalliza , numero dos Cabos, gente , e pe-
trechos de ambos , 1 3. e 1 4. O do inimigo ameaça fi-
tiar Valença; o nofso lho impede , e todos os progrei-
fos, pelejando quafi todos os dias , 18.
Exercito, com que fahe D. JoaÕ de Auílria dirigido a
Évora , io<. Difpofiçaó da lua marcha, 106.
Exercito , com que D. Sancho Manoel intenta íoccorrer
Évora , fua marcha , e certeza de efíar rendida , 11 1.
Vai aquartelar-íe ao Landroal , e torna a paísar o rio
Degébe, izt.e m Ocontrario intenta paísar eite
rio , e fem o coníeguir , padece mui coníideravel el-
trago , 125. O nolso fe aquartela á viíla dos Caste-
lhanos , 127. Paísaô ambos os exércitos o no Terá,
Exercito que governa o Marquez de Marialva , fe def-
creve , 21 3. e feg. Vai íbbre Valença de Alcântara ,
que depois de porfiada refiftencia fe entrega , 11 9. ate
jii, ■
Exercito inimigo , com que o Marquez deCaracena vai
íitiar Villa-Viçofa, Cabos, e Officiaes, numero de gen-
te , e petrechos bellicos , ;oo. Defcreve*fe o nolso,
quevaifocçorreraPraça, 309.
Exercito numerofo , que no Minho .forma o Conde elo
Prado, 344<
?P3
Per-
f9t
ÍNDICE.
F
FErreira,Viíla de Caítella, queinfeilava muito nof-
fos lugares , he rendida, e fica com preiidio Portu-
guez , e alleviado aquelle diftri&o , 383.
D. Filippe Rey de Caítella , empenha-fe em vingar os
damnos recebidos , e opinião perdida nas duas bata-
lhas de Elvas , e Ameixial , 191, Elege por General
do exercito da Extremadura ao Marquez de Garacena,
.quelheafsegura fácil eonquiíta , 292. Sua morte.
D. Francifco de Alarcão , filho de D. Joaô Soares, mili-
ta contra íua Pátria na batalha de Montes Claros ,
na qual he rendido , e fica priíioneiro > $$1.
Franciico; de Mello r Conde da Ponte , chega a Lisboa
com a Armada Ingieza para conduzir a Rainha , com
titulo de Marquez de Sande , 49.
G
GAlantaria donofa de hum Meftre de Campo Caf-
telhano , que íe rendera no meímo dia de S. Joaõ
antecedentes pedio ao General da Artilharia D.Luiz
de Menezes , lhe apontafse o lugar feguro de o dela-
lojarem cada S. Joaõ , porque naquelle dia corria a
melma fortuna, 23».
D. Galparde Aro , filho do Conde de Caftrilho , genro
do Marquez de Garacena , e Capitão de fuás Guardas,
nca pnfioneiro na batalha de Montes Claros , i *».
Ui Vaz Lobo,feito Meílre de Campo General, fica go-
vernando as Armas no Alemtejo, ^.Intenta a inter-
preza de Freixenal , que fedefvanece* mas o poder
empe, ihado nella desbarata ao General da Cavallaria
Caíteihana D. Diogo, Corrêa com grande triunfo da
milícia Portugueza , que íe recolhe com alguns OíK-
ciaesprifioneiros, e boa preza, 239, eieg.
Henri-
H Enrique Jaques de Magalhaens, em idade de quin-
ze annos imita o raro valor de feu pay, achando-
fe na batalha do Ameixial e na de Montes Claros;
he ferido de numa bala, 3$2«
DOmJoao deAuítria reforça o exercito, renova a
fortificação de Geromenha rendida , e marcha a
Veiros , z. Entra no lugar aberto , voa o Caftello,
pafsa a Monforte , que fe lhe entrega, 42/a1 a Alter-
Poderofo, manda voar o Caítello; rende-le-lhe o Ai-
fumar , e Ouguella , 5*. Retira-fe a Badajoz íem op-
pofiçró, 6. Sahe em campanha com mais groíso exer-
cito , feu numero , e apparato, 10?. Sitia Évora, que
fe rende i entrega feu governo ao Conde de ^tirana,
e delibera-íe a retirar o feu exercito , 1 18. Perde a ba-
talha do Amexial i e delia le retira , 14*- intenta in-
terprender Elvas de balde » 167.
D. Joaõ da Coita , Conde de Soure , elogio da íua vida,
Toa2Ó do Crato da Fonfeca, Commifsario geral da Caval-
laria, com féis companhias toma hum comboy con-
duzido de cento e vinte cavallos , que põem em tugi-
D "joaõ Mafcarenhas , Conde da Torre , marcha no ex-
ercito , que vai foccorrer Évora ,114.
D Joaõ da Silva marcha no exercito para decorrer Evo
ra,i 1 *.Na batalha de Montes Claros exercita fua pru-
dente diícipHna , 5 IO. n .
JoaÔ da Silva de Souia, com hum troço de Cavallaria ,
e duzentos Infantes, vai faquear olugar de lerri-
gnella, recolhendo-fe com rico deípojo ,_ #W^
legado, 170. Logra igual fehce luccelso , desbara-
rJt T"
6oo ÍNDICE.
tando ao Meftre de Campo da Cavallaria inimiga D
Diogo Corrêa , 240. e feg. Participa do triunfo na bá-'
talha de Montes Claros , 318.
Llndozp rendido ao inimigo , è melhorado de forti-
ficação , he «pugnado , e reílituido aos nofsos,
170. eíeg. '
D. Luiz da Coita no poílo de Tenente General afs<a;
e íaquea olugar de S Silveítre , 280. Faz outra en-
trada, toma por afsalto o lugar de S. Bartholomeu,
que íaquea , refervando as Igrejas , e entrega o lugar
ao W O mefmo eítrago fente a Villa de Caítellijo
de íeiicentosvifinhos,e recolhendo-fe rico de defpo-
jos , egado, dególla no caminho três companhias
340. Entra com grande eítrago em Andaluzia, 27i[
D. Luiz de Menezes fobe a General da Artilharia, | rei
cebe hum recado gracioío de D. João de Auítria , a
que reiponde com igual defenfado , lembrando-lhe as
torças caudinas, 109. Loboriofa promptidaó , com
quedilpoem asoperaçoens da artilharia no confliélo
do no Degebe com fatal eítrago do exercito cotrario,
À> ? ? u ? ?L, fundado » com que perfuade , que fé
• erc^oS do Amexial, ,3^ pVuU ir o noíso eX?
ercito íobie Valença ; he aprovado efte voto , e tem a
empreza feJice effeito , tÍ9. Na batalha de kontâ
C aros exercita o leu Poíto com o coítumado valor, e
militar íciencia ,317. Iajuítas defconfianças, quecon-
má C°Tbe EJRe^ D- Affonfo > e Produzem abo-
mináveis effeitos , 47o. e ^g.
iZr altunha íahe a imPedir huma preza levada pe-
7l OS' aos ^uaes P°eni em fugida, e cobrada
niS^f3' entra nolu§ardeArouche, que deixa fa-
Ll!^efouía de Vaíconcellos , Conde de Caílello-Me-
írl « J°grâ ?' lcn*r*&6 de P«meiro Miniítro, e diri-
ge o &0\ei no do «Reino j attande ao provimento das
fron-
ÍNDICE. 601
fronteiras , e portos marinos , 8o. Concebe o Infan-
te defconfianças Xontra a fua fidelidade , eoGoade
cede ás inftancias do Infante,fahindo da Gorte, 495.
e 49^.Sua peregrinação, e lealdade. Ibid. He reftitui-
do ao Reino , e acreditado leu re&o procedimento ,
498.
M
MAnoel Freire de Andrade acode ao exercito de
Alemtejo em foccorro de Évora ,113. Marcha no
nofso exercito á viíla do contrario,e ataca huma gra-
ve efcaramuça ,133. Ardor impaciente , com que in-
verte ao inimigo, e ferido de huma bala o retiraõ mo-
ribundo ,141»
Marquez de Caracena entra na Provincia do Minho com
mui poderofo exercito , 1 4. Pafsa de Flandes a Gene-
ral dasArmas na Extremadura,em Badajoz junta mais
poderofo exercito , e afloxa a confiança , com que fa-
cilitava a conquiíta de Portugal, 294. Marcha a fitiar
Villa-Viçofa, 298. Intenta desbaratar o nofso exerci-
to na marcha ,318. Reconhece a batalha perdida , e
fem efperar o fim delia, defampara o exercito, e fe re-
tira com o Duque de Ofsuna , 319.
Marquez deEliche , cinco vezes Grande deHefpanha,
fica prifioneiro na batalha do Amexial , 1 50. Rece-
be ordens da Rainha de Caítella para tratar a paz de
Rey a Rey ,563. Recebe poderes da mefma Rainha
para ajuítar a paz com Portugal , e tem effeito,,
Marquez de Gouvea he hum dos Plenipotenciários pa-
ra o ajuíle da paz entre Portugal , e Caítella , 575.
Marquez de Marialva, veja-fe D. António Luiz de Me-
nezes.
Marquez de Niza he pelo Príncipe deítinado Plenipo-
tenciário dã paz entre Portugal , e Caítella , 57 5"-
Marquez de Sande , veja-fe Francifco de Mello,
Miguel Caries de Távora exercita o pofto de Sarmento
maior de Batalha na de Montes Claros com infigne
, valor,
6oi ÍNDICE.
valor , e militar diíciplina , 3 17. No pcfto de Gene-
ral da Artilharia de Iras os iMontes ganha o lagar de
Meíquita rico , povoado , e forte , 390.
D.Miguel da Silveira Tenente General da Ca valia ria de
Trasos Montes , derrota a do inimigo, 391.
Monforte Villa aberta rechaça a entrada do exercito
Caílelhano , a quem fe oppoem íeu Governador An-
tónio Álvaro Vellez da Silveira; mas prezo pelos pai-
zanos , he entregue com a Villa ao inimigo , 4.
N
NEgociospoliticos da Gorte de França no anno de
1666. , conducentes a Portugal , 406.
Nicoláo de Langres , Ingenheiro Francez , que muitos
annos íervira em favor de nolsas Armas , e infielmen-
te ie pafsara ás de Caítella , vem no feu exercito fitiar
Villa- Viçofa , onde numa bala lhe tira a vida , ecafti-
ga íua vil ingratidão , 329. e feg.
Nobreza , e Fidalguia da Corte Portugueza pafsa com
o foccorro para recuperar Évora , 1 54.
Noticias da conquiíla de Tangere no anno de i66t„9$l
Da guerra da índia. Ibid«, e 96. Dos negócios extran-
geiros 110 anno de 16630196.D0 eítado das Embaixa-
das no anno de 16640*68. Dos negócios políticos nas
Cortes deEuropa no anno de 1665: >3f7«Da guerra da
índia , 365". Do partido de Penamacor no anno de
1666. 39J.
O
Fíiciaes , e Cabos do nofso exercito , que anciofa-
mente deíejaô dar a batalha do Amexial , com ra-
ro valor ihvefterh as tropas inimigas , e accendem o
combate , n8.e 139.
Oração , que fez o Vereador mais antigo do Senado na
entrada da Rainha Franceza , 45'6«
Ouguella fe rende ao exercito inimigo fem a devida re-
fiftencia?
"
IN Dl CE. 6o)
íiftencia > e o Capitão , que a governava , com outro
de Infante ria , e hum Ajudante , íaó punidos com
morte vil de forca , f . e 6.
PApel , que fe lêo a EIRey £>• Aifonfo , juílificando
a prizaõ de António de Conte , leu irmaô , e ou*
tros , que o diftrahiaò , 6 o. e feg.
Paymogo i Villa no Condado de Niebla , fe rende ao
Conde de Schomberg , que a deixa prefidiada , 369.
Querem os Caftelhanos recuperar efta Villa j heioc-
corrida, e retiraõ-ie , 372.
Pazes , que ofièrece Caftella a Portugal de Reino a Rei-
no, iaõ generofamente repudiadas , 439. OsCafte-
lhanos prifioneiros asíolicitaõ , 563. Empenho , com
que por parte de França a eftorvaó , 564. Por Caftella
iaó anciolamente folicitadas, e confeguidas, fóf.Paf-
fa a Lisboa o embaixador de Inglaterra em Madrid,
e com a mediação de feu Rey fe ajuftaó, $?wté 581 .
Pedro Ceiar de Menezes, no pofto de General da Caval-
laria , desbarata a inimiga , 391.
Pedro Jaques de Magalhães,acha-ie na batalha do Ame-
xial, 147. Reftituido a Almeida, manda defenfadada-
. mente hum recado ao Duque de Oisuna, e interpren-
de a Villa de Guinaldo , que íe ganha por atealto , e
delia fe tira riquiílimo deipojo, 185. Faz luima en-
trada para provocar ao Duque j eavizado que o ini-
migo vinha roubar o gado de Almeida , acode logo,
põem em fugida quatrocentos cavallos, que defampa-
raõ trezentos Infantes, e a maior parte perece Dc{-
pict-fe da impiedade, com que o Duque queima as
íearas , vai a Sobradilho , que entrega ao fogo, 251.
e feg.Soccorre a toda a prefsa Caftello-Rodrigo íitia-
do pelo Duque, q acceleradamente foge desbaratado
-de mui inferior poder, 25-3. e feg. Em outra entrada
faquêa , e queima Serrai vo , 157. Interprende Freixe-
neda , que obftiaada refifte i e rendida ; lie laqueada,
604 ÍNDICE.
2 58. Dilata feus triunfos na batalha de Montes Claros,
318. A' viíta de Ciudad-Rodrigo faquêa três lugares,
e com muito gado, e a campanha deílruida fe recolhe,
3 5" a. Saquêa Retortilho , manda queimar doze Villas,
e lugares , e em falvo retira fua gente rica de ■delpo-
jos ,391. Com valor , e deítreza ganha Redondo , e
Umb rales í exercitando generofa clemência cora os
rendidos. Ibid.
D. Pedro Infante , e depois Rey de Portugal , trata a
Rainha íuamãy dar-lhe caía , porfenaõ inficionai:
com os indecentes exercícios d'ElRey feu irmaô, £2.
Reíentido dos defabrimentos , que no irmaõ acha, fe
lhe queixa , e pede licença para fe retirar da Corte ,
46x5ahe da Corte para a quinta de Queluz, 46 2.V0I-
ta á Corte-Real com a permifsaõ de nomear Gentis-
homens da Camera,que lhe aífiítaõ,463.Fomentaõ os
Caílelhanos prifioneiros as defconíianças do Infante
com EIRey , 464. Crefce a averfaõ d' EIRey para com
o Infante,e com rara prudência a dilíimula , 468.Re-
noyaõ-íeas defconíianças, refolve-fe o Infante a ata-
lhar a difsoluçaõ d'ElRey , o que participa ás pefsoas
mais qualificadas da Corte, 476. Sabendo, que o Paço
fe armava fem lhe dar conta , queixa-fe a EIRey pe-
dindo-lhe , que a parte de íi o valido , como inítru-
mento delia myíleriofa novidade, 477. Divide-fea
Nobreza fegundo a inclinação a cada qual dos Prínci-
pes , 481. Procura congraçar-fe com EIRey (auíen-
tado o Conde valido ) fem effeito , 499. Perturbações
da Corte, 508. Toma poise do governo, 522. Heju.
rado em Cortes por Príncipe , e Governador, ^27-
Nellas fejuítificaõ as caufas da depofiçaõ d^lRey;
5i9.Ajuíla-fe o cafamentodo Príncipe com a Rainha,
invalidado por fentença o primeiro Matrimonio, 548.
Vem difperifaçaõ do Lagado do Papa em França na
impedimento de publica honeítidade, e depois a con-
firma o Papa , ^5*0. efeg. Celebra-fe o cafamento,
560. Juramento , que faz como Príncipe , e Gover-
nador do Reino , 561. Admitte a paz , queCaítella
âhe offerece,na qual he mediador EIRey de Inglater-
ra,
ÍNDICE. 6o?
ra , $70. Norriea Plenipotenciários para o Tratado de
paz , 57 1 . Ajufta-fe r e publica-íe a paz entre Portu-
gal , eCaftálla com geral applaufo de ambas as Co-
roas. Ibid. até 5 86-
Principe de Parma , General da Cavallaria extrangeira
inimiga, defifte da interpreza de Valença de Alcânta-
ra com perda coníideravel pela boa vigilância de feu
prefidio,i89. Sahe de Badajoz em oppoíiçaõ de huma
entrada, e preza confeguida dos nofsos , que deforde-
nada , e conf ufamente mal lograó a empreza , pade-
cendo total derrota , 377. e ieg.
Q
QUeixas do Infante D. Pedro a EIRey , com que fe
recolhe a Queluz , 460. e 489
Queixas do Meílre de Campo General Gil Vaz Lo-
bo , com que juíUfica as defavenças com o Conde de
Sehomberg , e por efte bem diículpadas , 141. e feg.
Queixas da Rainha Regente, com que exprime a mágoa
dos defabrimentos padecidos , 189.
R
RAinha de Inglaterra Dona Catharina, fua deípedi-
da da Rainha mãy , e mageftofa difpofiçaõ , com
que fe embarca,49. e feg.Defembarca em Porftmouth
. cõduzida a terra pelo Duque de York com geral agra-
do , 86 e feg. Entra em Londres , onde he recebida
com magnifico apparato , 9 x Manda feu Inviado a
Roma,implorando a benignidade do Papa a favor da-
quelle Reino , e de Portugal , 196.
Rainha D. Luiza viuva d4 EIRey D. João o IV. dá cafa,
enomea Oííiciaes ao Infante, 51. e 53. Determina en-
tregar o governo a EIRey feu filhoje vários difcurfos
íobreeftarefoluçao,54.e 55 Manda préder a António
de Conte,» íeu irmaõ,e a outras pefsoas indignas,que
perver-
w
606 ÍNDICE.
pervertião a EIRey, 58. Entrega osáejlos í e governo
a EIRey , 78. contir-a eíiaie deíènfjféaa averíaõ, e in-
iolencia da vil plebe , que achava afylo nos indecoro-
fos divertimentos d'ElRey, a eite çompaíso delentoa
a veneração , que devia 'hum. filho a tão benemérita
mãy , 82. Retira-fe ao Convento de Agoítinhas Def-
calças,queedificara,i86- e íeg. Aggraya-íe-lhe mortal
doença , efcreve aos Jilhos a Salvaterra , e com herói-
cos ac~tos.de piedade Chriítãa morre no íeu Convento,
44*. e feg. Difpofição do funeral , 444. Elogio de fua
vida , 44a.
Rainha D. Maria Francifca Ifabel de Saboya fe embarca
na Arrochella para Portugal, 432. Chega a Lisboa,
he recebida com geral applaufo da Corte, e pouco al-
voroço d'ElRey,449-e leg. Feítas,com cjue íe celebra
a entrada, 45:4. Continuaõ-fe fumptudías feitas ap-
plaudindo o caíamento , 464, Novo accidente , que
exafpéra a prudência da Rainha , 475. Retira-fe ao
Convento da Efperança , 5*13. Expoem-fe emjuizo
as caufasdo divorcio, fi6» Dá-fe fentença,julgando-
fe o Matrimonio por nullo, 5" 47. Inítaõ os três braços
das Cortes pelo eafamento com o Príncipe D. Pedro,
para o qual he impetrada difpenfaçaó Apoítolica, 548
e feg. Celebra-fe o Matrimonio , 5*60
Repofta com donayre dela Coité, valorofo Francez,que
governava Alegrete , a D. Jpaó de Auítria íobre não
entregara Villa , que fica fem offenfa , ç.
Rey de França,convida ao de Portugal com a liga deitas
duas Coroas, e promettetodo o auxilio para cótinuar-
mos guerra cõtra os Caítelhanos,e firma-fe a ligado.'
D. Rodrigo de Ca ítro, Conde de Mifquitella, paísa a
Alemtejo com o titulo de Governador das Armas , 9*
Volta a Lisboa , onde fallece , ir.
Qm Sancho Manoel , (aheem campanha contra o
exercito do Duque de Ofsuna, e obriga-o a retirar-
-
ÍNDICE. 6o7
fe , 46. Aperfeiçoa , e guarnece o Forte de ÊfcaUiao,
que o Duque começara. Ibid. E fendo entregue por
trato vil aos Gaítelnanos, torna a ganhallo com bate-
rias, e aproxes , 47. He nomeado Governador das Ar-
mas de Alemtejo,. 101. Parte para Eítremoz a pre-
venir o exercito , 102. Marcha afoccorrer Evora,que
acha rendida com debii reíiítencia > 1 1 2. Intenta ga-
nhar Olivença, 1 i9.0ccurrencias,que defvanecem eíla
empreza, iie. Approva o parecer de íe dar a batalha
do Amexial, 140. Exhorta o exercito com prudentes
razoes, 14 2. Logra os applaufosda vidtoria, gratulan-
do aõs Cabos, eOíficiaes o valor da difcipHna , com
que íe confeguio aquelle triunfo, 149. Difooem ao
exercito para recuparar Evora,e marcha para cita Pra-
ça, 1 $ £. Tendo-a fitiado , fe lhe entrega , 1Í4.
Simáõ de Vafconcellos, Governador daCavallaria de
Lisboa, marcha no exercito, que vaifoccorrer Villa.
Viçofa , 310. ,
Soccorros de Infantería , e Cavallaria de Inglaterra cie-
gaô a Lisboa, 7.
Soccorro deLisboa chega a incorporar-le.com
to , que fe difpoem para recuperar Évora ,
Souzel, Villa no Alemtejo, intentaõ osCafteU
interpreza , e faó valorofamente rebatidos
Succeísos das Embaixadas no anno de 1 66 2. ,
na Provinda deTras os Montes no anno de
Vários do anno de 166+ no Minho, 24 j.Varbs defte
anno em Trás os Montes , 245:. Vários depanno na
Beira, 147? Vários confeguidos depois d/ganhada a
batalha de Montes Claros no anno de réW-» l$7 • ®s
da Província de Entre Douro , e Minho és ânuos de
%66?.Q 1668 -^86.0s da índia no anno 4 1^6., i97
execi-
inos Tua
Vários
.3,184
T
TÀngere , Praça de Armas em Africa Je entrega aos
ínglezes em cumprimento do Tratai fobre o cala-
mento da Infanta D. Caiharioa comE^Uy da Gram-
Bretanha , $$•
■f
Três Eftados do Reino juraõ ao Príncipe pôr Governa-
e Curador d* EIRey ièu irmaõ , yór.
60%
índice.
dor
Tunittlto no Povo de Lisboa, alterado com a nova defe
tênder Évora, 110.
V
VAI de la mula, he afsaltado pelo Meítre de Campo
Manoel Ferreira Rebello,que valorofamente entra
na Praça , e a íaquéa , e queima, retirando-fe com ri-
co deítfojo,e preza de gado fem oppoíiçaójiSj. e feg*!
Valença/ie Alcântara , he íitiada pelo exercito do Mar-
quez de Marialva, expugnada, e rendida, 2 1 ç.Perten*
de r^cobralla por interpreza Alexandre Farnezio Ge-
iieral da Cavallaria extrangeira inimiga , eretira-íe
<pm máo fuccefso , 289.
Veros, lugar aberto,he entrado do exercito de D. João
■Jp Auftria , 4.
Vila- Viçofa, pátrio folar da Sereniífíma Cafa de Bragan-
d , reítauradora da Mageftade Portuguezajdefcreve-
f^ívu fundação , e excellencias , 298. He íitiada pelo
nameofo exercito deCaílella, 299. Defende-fe valo-;
rofarrpnteaGidadella,30}.Sahe de Eftremoz o Mar-
quez b Marialva como exercito aloccorrella , 30&
Dá-fi batalha , eficaô vencidos os Caítelhanos em
Monii Claros, $ 1&. Morrem mais de quatro mil ini-
migoaeficaõ mais de féis mil priíioneiros, e três mil e
quinhètos cavallos j contaõ-fe os Cabos, e Officiaes
mortos\í o grande defpojo do exercito , 3 $o.e feg.
F I M
DEíTE QUARTO TOMO.
ClSl
£68k
V.4