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Full text of "Historia de Portugal restaurado, em que se dá noticia das mais gloriosas acções assim politicas, como militares, que obráraõ os portuguezes na restauraçaõ de Portugal, : desde o primeiro de dezembro de 1640, até ao principio do anno de 1643."

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HISTORIA 


DE 


PORTUGAL 

RESTAURADO. 

PARTE  SEGUNDA, 

TOMO  IV. 


7tnJòr>;^/os*  c/q.    //hòo  /c/y/or. 


X//.y<j  (T, 


HISTORIA 

PORTUGAL 

RESTAURADO, 

EM    QUE    SE    DA<    NOTICIA    DAS    MAIS    GLORIOSAS 
acções  aííim  politicas ,  como  militares,  que  obrarão  os  Portu- 
guezes  na  reílauraçaõ  de  Portugal  ,  defde  o  armo  de 
166*.  até  ao  anno  de  1668. 

E  S  C  R  11  A     POR 

D.LUIZ  DE  MENEZES, 

CONDE  DA  ERICEIRA,  DO  CONSELHO  DE  ESTADO 
de  Sua  Mageítade ,   feu  Vedor  da  Fazenda ,   e  Go- 
vernador das  Armas  da  Provincia  de  Traz 
os  Montes  ,  &c. 

PARTE  SEGUNDA, 

Terceira  vez  imprejja  ,  e  emendada. 


TOMO  IV. 


LISBOA: 

Nà  Qffic.  de  IGNACIO  NOGUEIRA  XISTO, 

Anno  de  M.DCC.LIX. 


Com  todas  as  licenças  necetfarhs* 


g^affi  ^Í*$*  $*$$£  fê^n&t  £WTc    :  V%^3?V  í^iss^ 


■ 


LICENÇAS. 

DOSANTO  OFFICIO. 

PO'de-fe  reimprimir  o  livro,  de  que  fe  faz 
menção ;  e  depois  voltará  confei ido  pa- 
ra fe  dar  licença  que  corra  ,  feiii  a  qual  nao 
correrá.  Lisboa ,  no  Paço  de  Palhavan,  i$.  de 
Março  de  1759, 

.    S/Ãw.     Trigo/o,     Silveira  Lobe. 


DO  ORDINÁRIO. 

PO'de-fe  reimprimir  o  livro,  de  que  fe  tra- 
ta 5  e  depois  de  reimpreflo ,  e  conferido 
torne.  Lisboa,   5.  de  Abril  de  1759. 

P*JoJe$h  Avceb.  de  LaceAemonia. 

■ 


DO 


DO   PA  ao. 

Ue  fepofía  reimprimir,  vidas  as  licen- 
ças do  Santo  OfTicio ,  e  Ordinário  ,  é 
depois  de  impreffo  tornará  á  Mefa  pa- 
ra fe  conferir,  taxar,  e  dar  licença  para  que 
corra,  e  fem  iflò  naS  correrá.  Lisboa,  j.  de 
Mayo  de  1759* 

Carvalho.  Emaus.  D.Velho.  Siqueira. 


Do  Santo  Officio* 

POfde  correr.  Lisboa,  no  Paço  dePalhavanJ 
i8»  de  Setembro  de  1759. 

Silva,    Trigofo.    Silveiro  Lobo.    Mello* 

Do  Ordinário. 

POcde  correr.    Lisboa  i  26,  de  Setembro  de, 
1759- 

D.  J.  Arceb.  de  Lacedemonia, 

Do  Paço. 

Ue  poflaô  correr,  e  táxaõ  em  quinhentos 
reis  cada  Tomo.  Lisboa  ,  27.  de  Setembro 
de  175-9. 

Com  duas  Rubricas- 

PRO- 


- 


PROTESTAÇÃO. 

Author  deíca  obra  protefta  ,  que  tu- 
do ,   o  que  eftá  nella  efcrito  ,    fujei- 
ca  á  cenfura  da  Santa   Igreja  Catho- 
lica  Romana  ,  e  fe  conforma  com  os 
Decretos  dosSummosPontifíces ,  e  em  efpe- 
ciai  com  os  de  Urbano  VIII.  de  13.  de  Janeiro 
de  ifoj.approvados  tmi$.  dejunho  de  16 54 
e  a  modificação  feita  pelo  mefmo  Pontífice  em 
5.  dejunho  de  1651.  :eque  noã  he  a  fua  ten- 
ção que  algumas  matérias,  que  contém  eira 
Hiitoria  ,  que  pareção  milagres ,  ou  íuccéf- 
fos  fbbrenaturaes ,   tenbSo  mais  credito,  ou 
authoridade,  queaquella,  que  merece  a  no- 
ticia, que  alcançou  deites  fuccéflbs,  como 
Hiitoria  humana. 

O  Conde  da  Ericeira. 


HIS- 


fi 


Pag.  i 


HISTORIA 


D  E 


PORTUGAL 

RESTAURADO. 

LI  V  RO    VIL 


1662, 


SUMMARIO, 

EFORC,j4  D.  Joaõ  de  Auftria o  ^nnQ 
exercito,  remia  a  fortificação  de  Ge 
rumenha ,  e  marcha  a  Feires  :  entra 
no  lugar  ,  vra  o  Cafteilo%  pa(fa  a 
Monforte ,  que  Je  lhe  entrega ,  deixa 
a  Villa  prejttiiada ',  chega  ao  Crato  , 
e  porque  intenta  refijíir4be  ,  t:ao 
tendo  defenía,  condemna  d  morte  o  Governador , 
e  enforca  o  Sargento  Maior :  continua  a  ?narcha 
por  Alter-Poderofo  ,  manda  voar  o  Ca fi tilo:  en- 
trega-fe-lhe  o  AJJumar \,  e  Ouguella,  cujo  Gover- 
nador |  por  fer  a  Praça  fortificada  ,   padece   o 

A  caftigo 


2      PORTUGAL  RESTAURADO  ; 

Anno  cafligo  da  pua  infâmia.  Retira-fe  D.JoaÔde Auf» 
1662»  fr*a  Para  Badajoz  >  fem  achar  (ppofiçao  nos/eus 
%  progrejj os  .Chegaõ  a  Lisboa  os  joccorros  de  Infanta» 
rias  e  Cav aliaria  de  Inglaterra.  O  Marquez  de  Ma- 
rialva confegue  licença  para  voltar  d  Corte y  fica  en» 
pregue  o  governo  ao  Conde  de  Sc homb erg,  que  breve 
rfíerte paffou  também  a  Lisboa \e  fucc cdelhe  no  g over* 
no  das  Ar  mas  o  General  da  Anilharia  Dmiz  de  Mel- 
lo de  Ca flro,ep afloro  Côde  de  Mefquitella  a  Alentejo 
(com titulo  de Governa  lor  das Armasunterprendem  os 
CaftelbanoS\Sottfel,mas  Jew  effeiíoye  o  Conde  de  Mej- 
quitella  volta  aJLisboa^onde  morre, ficando  o  gçveyjm 
outra  vez  entregue  a  Diniz  de  Mello.Sabe  ení  Cam- 
panha o  Conde  do  Prado,  primeiro  que  o  exercito  dê 
Caflella,  que  com  pouca  dilação  entrou  na  Provinda 
de  Entre  lòhuro^e  Mwhosgovernado  por  p.Bahbafar 
de  Roxas  Pantojai  imputa  fiti ar  Valença ,  impede-o 
o  no ffo  exercito  ^  e  da  mefma  forte  todos,  ás  progreffos 
daquella  Campanha  ,  pelejando  quafi  todos  es  dias;  e 
depois  de  glor tojos  fuccefjos  je  retira  D-  B ai  bojar 
com  ó~ exercito  qmfi  deibarmada.  Na  Provinda  de 
Trás  os  Montes  governa  oT  errante  General  Dmivgos 
da  Ponte  Gallegofem  acçaõ  digna  de  memoria,0}  dous 
Partidos  da  Beira  je  unem  'àa  Conde  deVtU^-Flor\ 
entra  nellei  o  Duque  de  O [juna  com  o  exert o  de  Cn~ 
flella  ,  começa  akvantar  hum  Forte  em >  ÈfcalheÓ* 
Sabe  o  Conde  de  VMa-Flor  em  Campanha^  e  pbrigâ-Q 
a  fe  retirar :  aperfeiçoa ,  e  guarnece  o  Forte,  recupe- 
ra-o  o  Duque  p->r  trato:  torna  a  ganhallo  o  Conde  de 
VMa-Flor  com  baterias,  e  aprocèes*  Chega  a  Lisboa 
a  Armada  de  itspjat  errarem  bar  ca  je  a  Rainha  e  par-, 
te  para  aquelle  Rey  o  D  termina  a  Rainha  Regente 
entregar  o  governa  a  El  Rey  feu  fHbo,manda  prender 
António  de  Conte ,feu  irmão,  e  outras pejjoas  indi- 
gnas^ que  ajpftiaÔ  a  EIRey :  vários  difcurjosjobre 

ejla 


P^RTE  II.  LirRO  Vil,  | 

eflarejoluçaÓ'.  rejohe-fe  EIRey  a  tomar  ogm&r*  Ant]§ 
tio.    Succéjjos  das  Embaixadas*  Entra  a  Rainha  j  ^^ , 
de  Inglaterra  em  Londres  com  grande  appíaufo , 
e  magnificas  jejlas.  Noticia  da  guerra  das  Qonqui* 
lias. 

EM  quanto    fe  pafsavaõ  eftes  militares  movi* 
mentos  , .  difpunha    com  prompta  diligencia 
D.  Joaõ   de  Auítria  a  ruinha  dos  lugares  aber- 
tos ,  que  iicavaõ  menos  diílantes  de  Gerume- 
nha ,  folicitando  com  força  ,  e  induftria  ác- 
çrefcentar  ao  domínio  d' EIRey  leu  pay  o  maior  nume- 
ro de  vafsallos  Portuguezes  ,  que  lhe  fofse  poífível  i  pa- 
ra que  o  exemplo  facilitalse  a  inclinação  dos  outros  Po- 
vos ,  que  iicavaõ  mais  diítantes.  Nove  dias  fe  deteve  Reforça  Bom 
em  Gerumenha  depois  de  rendida  ;  e  a  vinte  e  três  de  Jofi  de  a»* 
Julho  poz  o  exercito  em  marcha  ,  deixando  por  Gover-A'*4  VJ^ 
nador  da  Praça  ao  Meílre  de  Campo  D.  Fernando  àQ  ^tificafa-0  jt 
Efcovedo ,  Cavalleiro  da  Ordem  de  S.  João  ,  com  oito-  Gerumtnha,  e 
centos  Infantes  ,  e  trinta  cavallos ,  e  todo  o  dinheiro,  marcha  a  v»- 
e  prevê nçoens  necefsarias  para  reedificar  as  muralhas, ros' 
e  ruina  das  calas  da  Villa.  O  primeiro  alojamento,  que 
occupou  o  exercito  ,  Foi  íobre  a  Ribeira  de  Afseca  ,  hu- 
ma  legoa  de  Villa-Viçofa ,  e  diminuído  com  as  mor- 
tes ,  doenças ,  e  feridas ,  naõ  pafsava  de  oito  mil  In- 
fantes, e  quatro  mil  cavallos.  A  noticia  deíle  movi- 
mento obrigou  ao  Marquez  a  mandar  unir  ao  exercito 
todas  as  tropas  das  guarniçoens  vizinhas.  Chamou  a 
Conlelho ,  e  entre  tantos  votos ,  como  haviaõ  fegui- 
do  a  opinião  defedar  a  batalha  ao  exercito  de  Caltel- 
la  fortificado  nas  linhas  de  Gerumenha  ,  houve  poucos 
que  aconíelhafsem  atacar-fe  em  Campanha  livre,  quando 
o  exercito  inimigo  fe  via  em  grande  parte  diminuido ;  . 
fuccéfso  ,  que  deve  acautelar  aos  Generaes  nos  accid ati- 
tes públicos  ,  quando  faõ  defordenados  por  afFedos  par- 
ticulares. Pafsaraõ  os  Caítelhanos  aquella  noite  fem  al- 
gum defafsocego  ,  e  ao  dia  feguinte  foraõ  alojar  á  fon- 
te dos  Sapateiros;  marcha,  que  poz  ao  Marquez  em  grã- 

A  *  de 


Armo 
1662. 


4     PORTUGAL  RESTAURADO, 

de  cuidado ,  por  ferem  muitas  as  Praças  ,  para  que  o  ex- 
ercito de  Ca  delia  podia  pender  daquelle  fitio»  eneíla 
conílderaçaõ  defpedio  gLuruiçoens  ás  Praças  mais  impor- 
tantes ,  e  com  cinco  mil  Infantes  ,  e  dous  mil  e  quinhen- 
tos cavallos  marchou  para  o  quartel  de  Eítremoz  ,  e  dei- 
xou em  Villa-Viçofa  dous  Terços  de  Infantaria»  Logo 
que  chegámos  ao  quartel ,  chamou  o  Marquez  a  Coníe- 
lho  ,  e  fem  controvertia  concordarão  todos  os  votos  em 
que  fe  fuíteiitafse  aquelle  poíto  ,  por  ler  o  mais  impor- 
tante de  toda  a  Provinda. 
Entranoiugar,  Continuou  D.  Joaõ  de  Auítria  a  marcha  ,  pafsou  a 

-voa  o  cafteiio  \  Veiros  ,  que  fe  lhe  entregou  fem  reíiítencia;  porque, 
paffa  a  Monfjr.  naõ  fendo  fentido  das  guardas  ,  que  eítavaõ  avançadas, 

MtriZ  f'  lhe  entrou  na  ^illa '»  4ue  he  higar  aberto  ,  rendendo  duas 
Companhias  de  cavallos  dos  Çapitaens  Ruy  Pereira  da 
Silva,  e  Pedro  Luiz  Paim ,  levando  a  Ruy  Pereira  com 
muitos  foldados  priíioneiros  ,  e  mandou  voar  o  Caltel- 
lo  ,  e  parte  do  Caítellejo.  Deite  lugar  adiantou  o  ex- 
ercito a  Monforte  ,  que  governava  António  Álvaro  Vel- 
lez  da  Silveira   Era  a  Villa  de  maiores  confequencias, 
que  a  de  Veiros ,  emais  capaz  de  defenfa  com  açuar- 
niçaõ  de  duas  Companhias  de  Iutantaria  pagas  ,  qua- 
trocentos paizanos ,  ©  trinta  cavallos:  porém  naõ  ba- 
ilando o  bom  fuccefso  deferem  rechaçados  os  primeiros 
Deixa  a  vtiU  Caftelhanos  ,  que  inveítirao  as  muralhas,  prenderão  os 
prefidinda.       paiZanos  a  António  Álvaro,  e  o  entregarão  com  a  Vil- 
la a  D.  Joaõ  de  Auítria.  Pareceo-lhe  conveniente  deixai- 
la  guarnecida  com  duzentos  Infantes,  e  hum  batalhão 
de  Cavallaria  ,  entregue  o  governo  delia  ao  Tenente  de 
Meítre  de  Campo  General  D.  Joaõ  Braz.  Oe  Monforte 
fe  adiantarão  os  Caítelhanos  a  Alter  do  Cham  ,  Cabeça 
de  Vide»  e  AlterPoderolo ,  e  fem  reíiítencia  fe  rende- 
ChegaaoCratr,  rd5  ?f  padecendo  toda  a  Campanha  miferaveis  eítragos: 
\t7t}id?S\^^§^¥&-  chegou  O.  Joaõ  de  Auítria  á  Villa  do  Cra- 
nao  tendi  de'-to>  que  governava  André  de  Azevedo  de  Vafconcellos, 
fenfa,  conchm-  eítando  á  fita  ordem  todas  as  Villas,  e  Lugares  fujei- 
na  k  morte  o  t      ao  priorad0  fo  Crato.  Tinha  occupado'  o  poíto  de 

Govemadory   e  .      _,  t1  -        ,  í    .    _, ■       *  r 

enfare*  o  s«r- Capitão  de  cavallos  com  muito  boa  opinião  ,  e  era  leu 
lemo  Mahr.  Sargento  Maior  Gonfalo  Gonfalves  de  Chaves.    Con- 
fiava 


PARTE  II.  LIVRO  VIL  5 

ítava  a  guarnição  de  oitocentos  Infantes  Auxiliares,  e  Atino 
Ordenanças,  e  intentando  D.  Joaó  de  Auílria  que  a 
Villa  fe  rendefse  fem  refiítencia ,  lhe  nao  admittio  An-  IOÓ2. 
dre  de  Azevedo  a  propoíla  ;  porém  começando  a  jogar 
a  artilharia  ,  íe  atemorizarão  os  paizanos  de  forte,  que 
defam pararão  as  muralhas  ;  e  quando  alguns  Clérigos, 
e  Religioíbs  começa vaó  a  tratar  das  capitulaçoens  ,  en- 
trarão os  Caftelhanos  na  Villa  ,  e  executarão  nella  ex- 
torçoens  exquifitas :  e  querendo  D.  Joaó  de  Auílria  ate- 
morizar com  afeveridade  ,  condemnou  á  morte  a  An- 
dré de  Azevedo,  e  ao  Sargento  Maior  ,  por  haverem 
efperado  as  baterias  da  artilharia  em  hum  lugar  fem 
defenía  \  indigna  ley  da  arte  militar  fazer  culpado  o 
attributo  do  valor ,  obrigando-o  á  mefma  pena  ,  com 
que  o  temor  deve  íer  condemnado.  André  de  Azeve- 
do achou  por  interceisores  vários  Ofriciaes,  quetinhao 
fido  prifioneiros  na  batalha  de  Elvas  ,  a  quem  havia  af- 
liílido  com  urbanidade ;  e  o  Sargento  Maiorpadeceo 
arcabuzeado  ,  moítrando  varonilmente ,  depois  de  mui- 
tos actos  Catholicos  ,  delprezar  a  morte  pela  defenía 
juíta  da  íua  pátria.  Ficou  priíioneiro  André  de  Azeve- 
do, teve  depois  liberdade,  e dignamente  eílimaçaó  da 
fua  conílancia.  Acompanhou-o  o  Capitão  de  cavallos 
Diogo  Caldeira.  Do  Crato  desfez  D.  joaó  de  Auílria  a  continua  a 
marcha  por  Alter-Poderofo  ,  mandou  voar  o  Caílello,  marcha  por  Al- 
rerideo-fe-lhe  oAfsumar,  chegou  á  villa  de  Alegre  te,'  erPfrcl°'  é 

-  r      /■->    n.  >        1         r    t-!  °  1         rrmnaa    voar  • 

que  governava  La  Coite  valeroío  Francez  ,  e  mandan-  c^eii0í  entre- 
dc-lhe  propor  partidos,  e  fazer  ameaços,  lhe  refpon-^/e/Â/  o  aí- 
deo  generoiamente  ,  que  Sua  Alteza  era  teílimunha  òelun,ar  >  e  °u' 
como  elle  lhe  havia  defendido  outras  Praças;  ecom^V'^ 

•    r      u_     /-  ti  •  1  r~     r         ,  *     .    1  i.    fernaior  ,  por 

graciola  confiança  lhe  enviou  deus  frafeos  de  vinho,  di-  r^apr*ça  for- 
zendo-lhe   que  vifse  como  eraóexcellentes  os  ô^quel- tifica^a  padece 
Ja  Praça  ,  e  qu  efe  havia  de  defender  até  á  ultima  gotta  ?  '**'&  daÍHa 
delle;  podendo  tanto  eíla  galantaria  ,  que  continuou,w^,ww' 
D.  Joaó  de  Auílria  a  marcha  fem  lhe  fazer  damno  ,  e 
entrou  em  Ouguella  fem  reíiílencia  pelo  temor  do  Ca- 
pitão Domingos  de  Ataide  Mafcarenhas,  que  o  gover- 
nava; ecomo  a  culpa  era  taó  grave,  por  fer  a  Praça  , 
ainda  que  pequena,  muito  importante ,  tanto  que  Do- 

A  3  nún^os 


~nr 


Retira  fe     D. 


fifao  nosfeus 

progrejjos. 


i 


6     PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnnO  mingos  de  Ataíde  chegou   ao  exercito  ,  o  mandou  eh-. 
ifúi    forcar  o  Marquez  de  Marialva ,  a  hum  Capitão  de  In- 
00i#  fantaria,  e  a  hum  Ajudante»  monitruoíb  effeito  dá  guer- 
ra defeníiva  morrerem  huns,   porque  pelejaõ; 'outros, 
porque  íè  entregaò  ;  porém  côm  a  diíferença  da  gloria, 
ou  infâmia  poíthuma.   D.joaõ  de  Auítria  obrigado  dó 
rigor  do  Sol  ,  que  occaíionou  no  exercito  enfermida- 
des ,  OTetirou  ,  e  perdeo  a  opportuna  occaliaõ    de  o 
3oao  díA<ijirla  achar  armado  a  mudança  do  governo  da  Rainha  Re- 
f*mJhií*ííp0.  gente,  occafionada  da  deliberação   d'ElRey  íeu  filho , 
como  em  íeu  lugar  daremos  noticia.  Teve  neíte  tem- 
po aviío  Bartholomeu  de  Azevedo  Coutinho,  Gover- 
nador de  Portalegre  ,  de  que  em  Arronches  le  eíperava 
hum  comboi :   mandou  ao  Commiisario  geral  Joaó  do 
Crato  da  Fonfeca   com  íeis  Companhias  ,  e  encontra- 
do o  comboi ,  o  tomou  ,  pondo  era  fugida  cento e  vin- 
te cavallos ,  que  o  conduziaõ  ,  de  que  fez  alguns  pri- 
íioneiros. 

O  Marquez  de  Marialva  havia  fupportado  com  gran- 
de coração  todos  os  fuccéfsos  infelices  deita  Campa- 
nha 5  e  arrependido  de  naó  aceitar  o  parecer  dos  que 
lhe  aconfelhavaô  a  diveríao  de  Albuquerque  ,  os  trata- 
va com  muita  familiaridade  ,  e  prof efsava  toda  a  boa, 
correspondência  rom  o-  Conde  de  Schomberg  ,  reconhe- 
cendo a  grande  eítimaçaõ  ,  que  merecia  o  íeu  proce- 
dimento. O  Conde  da  Torre  ,  de  efpirito  elevado  ,  iu- 
ítentava  differente  parecer  na  fciencia  militar  do  Con- 
de de  Schomberg  ,  leguido  de  vários  Officiaes  do  ex- 
ercito ,  e  todos  eítes  accidentes  ajudavao  os  progrefsos 
dos  Caítelhanos ;  porque  o  exercito  fe  diminuia  por 
defattençoens,  e  deíbrdens  ,  fugindo  os  foldados  de  ca- 
vallo  Auxiliares  ,  ecrefcendo  ás  enfermidades  nos  Infan- 
tes pelos  imiteis  trabalhos  ,  em  que  os  empregavaõ.  Ne- 
íta  infelice  deíbrdem  fe  achava  o  exercito  ,  quando 
D.  João  de  Auítria  íahio  de  Gerumeaha  ,  e  ao  meímo 
tempo  da  noticia  da  fua  marcha  recebeo  o  Marquez 
de  Marialva  avizo  de  Lisboa  de  que  EIRey  D.  Affon- 
fo  havia  tomado  pofse  do  governo  do  Reyno  ,  afliíti- 
do  de  pefsoas ,  com  quem  o  Marquez  nao  profefsava  al- 
guma 


, 


PJRTE  Ih  L1VKO  VIL  7 

guma  fociedade  ;  contra-tempo  ,  que  o  obrigou  a  avs-  ^  rir  0 
liar  totalmente  por  abatida  a  íua  fortuna  :  porém  naõ     ss 
moítrou  com  apparencia  alguma ,  que  o  havia  pertur-     °   ** 
bado  nem  hum  ,  nem  outro  golpe,  e  com  incefsante 
íliíVclo  trabalhava  por  coriíervar  o  exercito  >  mas  as 
doenças  creíciaó  ,  o  dinheiro  faltava  ,  a  confuíaô  da 
Coute íe augmentava,  com  que  os  remédios íe  dirfícul- 
tavaô.  Sérvio  de  alivio  ao  Marquez  a.  nova  de  have- 
rem chegado  ao  porto  dè  Lisboa  dous  mil  Infantes ,  e 
fetecentos  cavallos  Inglezes,  de  que  era  Gabo  o  Con- 
de deSchéquim ,  erleito  da  capitulação  celebrada  com 
EIRey  da  Gram-Bretanha.  DeíembarcaraÕ  os  Inglezes, 
epafsaraõa  Évora  ,  e  reprimio  eíta  noticia  os  progreí- 
ibs  deD.Joao  de  Auítna  ,  de  forte,  que  dividio  o  ex- 
ercito pelos  antigos  alojamentos,  edeípedio  as  carrua- 
gens. Deo  o  Marquez  de  Marialva  conta  a  EIRey  s  e 
com  ordem  fua  licenciou  o  exercito  ,  e  mandou  adian- 
tar as  fortiíicaçoens  de  Eítremoz  ,  Villa-Viçoia «,  e  Por- 
talegre ,  para  cujas  guarniçoens  fe  levantarão  dous  Ter- 
ços novos  ,  os  mais  íe  reencheraõ  ,  e  fe    remontou  a 
Cavallaria ,  entendendo-fe,  que  D.  Joaõ  de  Auítria  tor- 
naria a  fahir  em  Campanha  o  Outono  feguinte  ;  porém 
como  o  animo  do  Marquez  fe  achava  defafsocegado  na 
mudança  do  governo,  qualquer  dia,  que  fe  lhe  dila- 
tava chegar  á  Corte  ,  tinha  porarrifeado  ,  livrando  no 
poder  da  fua  aíliftencia  a  melhora  da  fua  fortuna ,  que 
naõ  neceííitava  de  mais  fiadores,  que  os  feus  mereci- 
mentos; por  naõ  fer  precita  neíle  tempo  alua  aíliílen- 
cia  no  Alentejo  ,  por  fe  aquartelarem  os  exércitos,  coít- 
feguio  licença  ,  e  pai  tio  para  Lisboa.  Quafi  nos  meí- 
mos  dias  fez  o  Conde  da  Torre  a  mefma  jornada,  e 
ficou  entregue  o  governo  ao  Conde  deSchomberg,que 
mal  latisfeito  dosfuccéfsos  daçuella  Campanha,  e  obri- 
gado de  varias  queixas ,  havia  feito  em  Villa-Viçofa  dei- 
xaçaõ  do  PqftO  de  Meftre  de  Campo  General ,  que  tor- 
nou a  continuar  obrigado  das  perfuafoens  da  Rainha; 
porém  com  protefto  de  fe  lhe  naõ  faltar  ao  que  com 
elle  fe  capitulara  ,  que  fora  adiantallo  ao  Poflo  de  Go- 
vernador das  Armas ,  fahindo  o  Conde  de  Atouguia  por 

A  4  qual- 


~w 


Anrio 
1.66  2. 


âJ~ 


"'■ 


Sitccede  lhe  no 
ipvtrno  das  Ar- 
mas o  General 
da  Artilharia 
Diniz,  de  Mello 
ie  Cafire. 


%       PORTUGAL  RESTAURADO, 

qualquer  accidente  daquella  occupaçaõ  ,  em  que  eftavá, 
quando  a juftara  com  o  Conde  de  Soure  paisar  a  Portu- 
gal. Partido  o  Marquez  ,  mandou  o  Conde  de  Schom- 
berg  ,  que  incefsantemente  aíTiítifsem  partidas,  mudan- 
do-fe  humas  a  outras ,  fobre  as  Praças  de  Badajoz  ,  Oli- 
vença ,  e  Albuquerque ;  e  foi  taõ  útil  efte  cuidado , 
que  íe  delvaneceo  o  intento  de  D.  Joaõ  de  Auftria  in- 
terprender  huma  noite  Villa-Viçoia,facilitand'o-lhe  efte 
intento  o  Meílre  de  Campo  Digo  Leite  de  Amaral  ,  que 
pelo  vil  preço  de  dobro 3  as  havia  faerificado  o  leu  cre- 
dito á  conveniência  dos  inimigos  da  Pátria-  Defcobrio- 
fe  o  trato  por  huma  partida  ,  que  fe  tomou  ,  com  ou- 
tras evidencias ,  que  fe  manifeftaraó :  mandou  o  Con- 
de deSchomberg  prender  Diogo  Leite,  remeteo-o  a 
Lisboa  ,  e  depois  de  larga  prizaò  ,  foi  defterrado  para 
a  índia,  onde  acabou  a  vida  com  menos  caftigo  ,  que 
merecia  o  feu  delicio. 

Na  entrada  do  Inverno  teve  o  Conde  de  Schomberg 
licença  para  pafsar  a  Lisboa :  ficou  governando  Alen- 
tejo Diniz  de  Mello  de  Caftro,  novamente  oceupado 
em  o  Poílo  de  General  da  Artilharia,  por  haver  pafsa- 
do  Pedro  Jáques  de  Magalhaens  a  Meltre  de  Campo  Ge- 
neral da  Provinda  da  Beira.  Merecia  Diniz  de  Mello 
efte  ,  e  qualquer  outro  acerefeentamento  pelo  grande 
valor ,  com  que  havia  procedido  em  todos  os  Poílos » 
que  exercitara  do  principio  da  guerra  até  aquelle  tem- 
po ,  fendo  o  mais  evidente  íinal  do  feu  merecimento 
naõ  haver  no  exercito  Oíliciaes  queixofos  da  fua  oceu- 
paçaõY  Poucos  dias  governou  a  Provinda  fem  fuperior, 
pela  nomeação,  que  EIRey  fez  no  Conde  de  Mef quitei- 
la  de  Governador  das  Armas  da  Provinda  de  Alentejo 
com  fobordinaçaõ  ao  Marquez  de  Marialva  ,  fe  acafo 
voltafse  a  ella ;  côr  ,  que  fe  pertendeo  dar  a  efta  novi- 
dade ,  por  diflimular  o  efcandalo  da  eítranheza  ,  que  íe 
ufava  com  o  Marquez  de  Marialva  ,  cuja^  authoridade, 
e  procedimento  naõ  mereciaò  òfienías  publicas:  porém 
prevaleceo  nefta  occaíiaõ  odefejo  dcfelegurar  ono» 
vo  governo  ,  entrega ndo-fe  as  occupaçcens  maiores 
ás  pefsoas ,   que  fe  julga vaõ  menos  dependeates  dos 

bene- 


FARTE  II  LIVRO  VIL  9 

benefícios  da  Rainha  5  e  corno  o  Conde  de  Schomberg  Anno 
também  era  prejudicado  na  eleição  do  Conde  de  Mel-    •  •_ 
quitella  pela  pertençaõ  ali  ma  referida  ,  nac  querendo  AOD*' 
paísar  a  Alentejo  lem  novo  ajuílamento  ,  ficou  em  Lis^- 
boa  exercitando  a  occupaçaõ  de  Confelheiro  de  Guerra. 

O  Conde  de  Mefquitella,  deixando  o  governo  das  yd*  Mejquueiu 
Armas  da  Provincia  de  Trás  os  Montes  ,  pafsou  a  K\&i- a  AUniejo  com 
tejo   com  enganofa  confiança  deajuílar  facilmente  te-  o  timte  de  Go. 
dos  os  defeoncertos  daquella  Provincia,  occaiionados  das  v"™£er  das 
infelicidades  da    próxima  Campanha.  Chegou  a  Eílre-    '""''■> 
moz  ,  e  com  poucos  dias  de  aíliílencia  teve  noticia  ,  de 
que  os  Caftelhanos  marchavao  de  Arronches  para  Sou-  'f^/W 
zel,  Villa  diílante  duaslegoas  de  Eílremoz  ,  lem  mais  Sotlzei[mis  [tm 
defenfa  ,  que  hum  mal  reparado  Caltdlo  governado  pe-  (fieito, 
lo  Capitão   de  cavallos  D.Rafael  de  Aux  valerolo  Ca- 
talão, fervindo  o  Caílello  de  alojamento  a  três  Com- 
panhias de  cavallos.  Com  o  primeiro  avizo  mandou  o 
Conde  marchar  duzentos  cavallos  á  ordem  do  lenente 
General  Joaõ*  da  Silva  de  Soula ,  e  fez  com  grande  di- 
ligencia avizo  a  todos  os  quartéis  vilinhos  ,  para  que 
fe  fofse  encorp orando  com  Joaõ  da  Silva  maior  trolso 
de  Cavallaria.  Antes  que  os  Caítelhanos  chegafsem  de 
Souzel ,  foraõ  fen  tidos ,  e  tiveraõ  tempo  D.  Rafael ,  D. 
Pedro  Centelhas,  Capitão  reformado ,  também  Catalão, 
os  Capitaens  Manoel  Luiz  Cardofo,  e  Joaõ  da  Coíta,de 
fe  recolherem  ao  Caílello  com  alguns  Otriciaes ,  e  fol- 
dados  das  Companhias,  que  unidos  aospaizanos,  que 
governava  o  Capitão  mór  Manoel  Madeira  Saraiva,  tia  - 
taraõ  com  valerofa  ,  e  confiante  reíoluçaõ  da  defenfa 
do  Caílello  ,  rebatendo  o  furiofo  aisalto  dos  Caíttlha- 
nos  ,  que  defenganados  fe  retirarão  com  alguns  caval- 
los ,  que  acharão  na  Villa.  Ao  dia  feguinte  pafsou  de 
Eílremoz  a  Souzel  o  Conde  de  Mefquitella  ,  mandando 
reparar  as  ruinas  do  Caílello  ,  e  acerefeentou  a  guarni- 
ção. Voltou  para  Eílremoz  ,  epor  horas  hia  reconhe- 
cendo a  perigofa  confufaõ  ,  em  que  eílava  aquella  Pro- 
vincia ,   aíhm   pelo  pouco  numero  das  Tropas  pagas, 
como  pela  perturbação  dos  Povos  ,  intimidados  comos 
infortúnios  antecedentes.  P.  Joaõ  deAuftria  tendo  ver- 

ejadei- 


y 


ir 


io      PORTUGAL  RESTAURADO , 

Atino  ladeira  informação  de  tudo  o  referido ,  e  juítamente 
-  ,      avaliando-o  em  beneficio  dos  íeus  progreísos,  íblicitava 

I  Oo  Z„  por  todos  os  caminhos  facilitar  os  teus  intentos  >  porém 
a  entrada  do  Inverno  diffícultava  novas  operaçoens.Nos 
últimos  dias  de  Outubro  íahio  de  Eivas  D.  Manoel  Luiz 
de  Ataide  com   cem  cavallos  a  comboiar  humas  carro- 
ças de  mu niçoens ,  que  pafsavaõ  a  Campo- Maior.  En- 
tregou-as  ao  Tenente  General  da  Cavaliaria  Pedro  Ce_ 
farde  Menezes,  que  o  efperava  na  Atalaia  dos  Matos, 
e chegando  de  volta  á  dos  C,apateiros ,  ouvio  os  eccos 
da  artilharia  deBarbaceia;  acodio  ao  rebate  ,  efes  avi, 
ío  a  Pedro  Cefar  ,  que  lhe  défse  calor.  Chegando  á  Tor- 
re do  Baldio  ,  aviltou  sento  e  quarenta  cavallos  Caíte- 
lhanos  ,  que  careavaó  huma  grofsa  preza.  Diligente- 
mente dividió   os  cem  cavallos  "èm-frés  pequenos  cor- 
pos, com  que  inveítio  os  Caítelhauos,  que  rompeo  com 
.    mais  facilidade ,  que  permittia  a  deíigualdade  do  nu- 
mero r  affi  ilido  dos  Capitães  Manoel  Pacheco  ,  Manoel 
Rodrigues  Adíbe  ,  Simaó  Borges  da  Coita  ,  e  Domin- 
gos Cardofo.  Poucos  dias  depois  deite  fuccéfso  ,  tendo 
noticia  D. VenturaTarragoná  Governador  de  Arronches, 
que  o  Conde  de  Miíquitella  pafsava  de  Eítremozra  Por- 
talegre com  pequeno  comboi ,  confeguindo  juntar  três 
mil  cavallos,  e  três  Terços  de  Infantaria  ,  fahio  a  ef- 
perallo  :  porém  fugindo  hum  foldado  ,  que  avizou  ao 
Conde  de  Mifquitèlla  ,  teve  tempo  de  fe  recolher  fem 
damno  a  Portalegre  j  e  no  mefmo  dia  derrotou  o  Com- 
miísario  geral  Joaõ  do  Crato  da  Fonfeca  hum  comboi , 
que  fahia  de  Arronches  ,  e  fendo  íeguido  da  Cavallatia, 
que  levava  D.  Ventura  Tarragona ,  íe  retirou  a  Porta- 
legre ,  pelejando  íem  receber  prejuizo.  Voltou  o  Con- 
de de  Mifquella  para  Eítremoz,  e  deo  conta  aElRey 
das  jornadas  ,  que  havia  feito  ,  individuando  os  erros , 
que  examinara  em  todas  as  fortiíícaçoens  que  vira,  prin- 
cipalmente na  de  Eítremoz ,  e  Villa-Viçofa  ,  arguindo 
claramente  as  difpofiçoens  do  Conde  de  Schomberg.1 
'Chegarão  eílas  propoíiçosns  aoConfelho  de  Guerra, 
onde  aííiítia  o  Conde  de  Schomberg ;  naõ  podendo  en- 
cobridhas  a  prudência  do  Vifconde  de  Villa-Nova ,  que 

o  foli- 


Armo 
i66z. 


O  Conde  de 
Aã  fqui relia 


PARTE  II.  LIVRO  VII.  n 

ó  felicitou  5  fêm  alteração  lançou  o  leu  voto,  e  fatifi- 
fez  inteiramente  ás  duvidas  do  Conde  de  Mefquitella  , 
concluindo ,  que  as  enfermidades  das  fortificaçoens  eraõ 
como  as  dos  corpos  humanos  ,  onde  os  Médicos  cura- 
vaó  fem  conformidade.  O  Conde  de  Mifquitella  pafsou 
de  Eítremoz  a  Elvas  ,  differente  com  quaíi  todos  os  Of- 
íiciaes  Maiores  do  exercito ;  perturbação,  que  D.  Joaõ 
da  Silva  ,  e  D.  Luiz  de  Menezes  ,  que  aíLltiao  cm  El- 
vas ,  pertendiaõ   atalhar,  cemo  lempre  haviaõ  feito, 
preferindo  osinterefses  públicos  a  todas  as  razoens  par- 
ticulares :  prudência  muites  temrcs  irai  explicada  dos 
que  a  encontravaõ  ,  e  que  qualificou  a  felicidade  dos 
iucceísos,   que  correrão  por  lua  centaj  e  reccnl  ecido 
deita  iociedade  palsou  a  Lisboa  com  determinação  de 
adiantar  a  D.  Luiz  de  Menezes  do  Icfto  cie  Meítre  de  vdta  ainha, 
Campo  ao  de  General  da  Cavallaria:  porém  eítes ,  e  ****'""'"£ 

r  ,,ii  t  •  i~  (atido  o  goier- 

outros  intentos  lhe  atalhou  i  a  morte,  que  em  Lisboa  no  euíra  xtXi 
lhe  íobreveio  ,  depois  de  haver  exercitado  os  póílos ,  tmregue  a  dí- 
que  referimos  ,  e  ajudado   a  defenla  da  fua  Pátria  com \  nizàt Mtlí*. 
grande  zelo  ,  valor  ,  e  actividade.  liceu  governandoa 
Província  de  Alentejo  Diniz  de  Mello  de  Caílro  ,  e  naõ 
fuecedeo  até  o  fim  deite  anno  encontro  capaz  de  no- 
ticia 5  tratando  D.  Joaó  de  Auílria  íó  do  augn  ente  das 
Tropas  do  exercito  ,  com  o  def  gnio  dasemprezas  pre- 
meditadas para   a  futura  Campanha ,  na  confiança  da 
dçfuniaõ  ,  em   que  ie  pelava  o  governo  de  lortugal , 
pela  intempeit iva  refoluçaõ  d'EJRey  fe  feparar  da  uniaõ 
da  Rainha    no  tempo  ,  em  que  íeus  vaisallos  mais  ne- 
ceíhtavao  das  luas  prudentes  direcçoens. 

Com  o  alento  adquirido  nos  felices  fucceíros  da 
Campanha  do  anno  antecedente  fe  prep arava  o  Conde 
do_  Prado  para  defender  ai  rovincia  de  Entre  Douro  ,  e 
Minho  do  grande  exercito  ,  que  em  CallizaJe  juntava, 
para  íaliir  em  Campanha  ao  mefmo  tempo  ,  que  tivefse 
principio  a  da  Provinda  de  Alentejo  ,  para  que  hurra  , 
e  outra  fe  defendeisem  ,  divididas  as  forças,  facilitando- 
fe  corri  efre  defignio aconquiíta  de  ambas.  Tanto  que 
entrou  a  Primavera  ,  fez  o  Conde  do  Trado  avizo  ao 
de  S.  Joaõ  ,  que  aíliília  em  Tr as  os  Montes ,  (  de  quem 

juíla- 


\t. 


V 


•A 


*W 


Anno 
1662. 


m      PORTUGAL  RESTAURADO, 

juítamente  fiava  a  melhor  parte  dafua  fortuna)  que 
as  preparaçoens  dos  Caítelhanos  fe  adiantavaó  de  for- 
te »  que  Hie  parecia  precilb  ,  que  elle  marcháíse  com  a 
gente,  que  lhe  foíse  poífivel ,  em  feu  foccorro.  Naô 
duvidou  o  Conde  de  S.  jbaõ  de  executar  eíta  advertên- 
cia ;  porque  eile  era  o  íim  a  que  caminhavaõ  as  fuás  dif- 
poílçoens  ,  pertendendo  adiantar  a  fua  opinião  em  dif- 
ferentes  partes ,  e  dLverfas  operaçoens  \  difficuldade , 
que  coítumaõ  facilitar  os  efpiritos  generofos.  Havia- 
lhe  chegado  Patente  de  Meítre  de  Campo  General  das 
duas  Províncias ,  pela  promoção  dó  Conde  da  Torre  a 
General  daCavallaria  do  exercito  de  Alentejo  :  porém 
o  Conde  de S.  João  naô  quiz  aceitar  efta  Patente,  fem 
íe  lhe  declarar  que  havia  de  ter  exercido  em  Entre 
Douro  ,  e  Minho  na  occupaçaõ  de  General  da  Ca  valia- 
ria  j  pertençaó ,  que  EIRey  lhe  concedeoi  e  por  eíte  reff 
peito  fepafsoua  D.  Francifco  de  Azevedo  patente  de 
íègundo  Meítre  de  Campo  General  da  Provincia  de  En- 
tre Douro  ,  e  Minho  ,  continuando  os  dous  os  exercí- 
cios deites  Poítos  da  mefma  forte  ,  que  na  Campanha 
de  Badajoz  havia  a  contecido  a  André  de  Albuquerque, 
eao  Conde  de  Meíquitella.  Elcolheo  o  Conde  de  S. 
Joaõ  a  melhor  gente  de  Trás  os  Montes ,  deixou  as 
Praças  bem  guarnecidas ,  e  a  Provincia  entregue  ao  Te- 
nente General  da  Cavalla ria  Domingos  da  Ponte  Gal- 
lego;  e  pafsando  no  principio  da  Primavera  a  Entre 
Douro  ,  e  Minho  ,  diligentemente  compoz  as  Compa- 
nhias de  cavallos  da  gente  mais  nobre.  O  Conde  do 
Prado  antes  de  fahir  em  Campanha,  intentou  interpren- 
der  Lapella  >  e  o  confeguira  pelo  defcuido  dos  Caíte- 
lhanos ,  feasefcadas  ,  que  fe  arrimarão  á  muralha,naô 
foraõ  inferiores  á  fua  altura.  Todo  o  tempo  ,  que  du- 
rarão as  prevençoens  da  Campanha, recebeo  o  Conde  do 
Prado  muito  importantes  avizos  de  Miguel  Carlos  de 
Távora  ,  que  eítava  prezo  na  Curunha  ;  porque  fuppo- 
íto  que  eraó  grandes  asmoleítias,  e  apertos  que  pade- 
cia, era  maior  oefpirito  que  o  animava.  DaCurunha 
o  pafsaraó  os  Caítelhanos  para  Bayona ,  mas  naõ  con- 
seguirão evitar-lhe  a  çornmunicaçaõ  com  o  Conde  do 

Prado, 


.  p^rte  n.  liv&o  vn:     m 

•r  por  fer  maior  a  fua  induílria ,  que  as  cautelas  AnriO 
dos  inimigos.  Poucos  dias  antes  de  fahirem  os  exerci-  ,> 
tos  em  Campanha  ,  pertenderaõ  os  Gallegos  interpren-  looz. 
der  o  Caítello  de  Caftro  Laboreiro.  Defendeo-o  Pedro 
de  Faria  ,  que  o  governava ,  com  muito  valor ,  e  re ti- 
ra raõ-íe  com  grande  perda.  De  hu ma  ,  e  outra  parte  ie 
retardarão  as  prevençoens  até"  o  mez  de  julho  ,  muito 
a  pezar  dos  CaVos  inimigos  ,  ror  verem  maMogrado 
o  intento  de  campearem  ao  meimo  tempo  os  feus  ex- 
ércitos ■-,  erro  ordinariamente  originado  da  negligencia 
dos  Miniftros  políticos  ,  que  coitumaô  preferir  aos  mi- 
litares negócios  menos  importantes:  e  a  que  naó  acha- 
rão emenda  os  Principes  prudentes  ,  rnais  que  com  a  re- 
foluçaõ  de  governarem  os  ieus  exércitos  ,  onde  fem  de- 
pendência de  confultas  nem  prejuízo  de  dilaçoens  dif- 
curfaó  ,  executaõ ,  e  confeguem  ,  íem  queixa  do  tem- 
po perdido  ,  governando-íe  pelo  que  vem  ,  e  naõ  pelo 
que  ouvem  ,  com  taõ  útil  difterença  ,  como  íuccede  ha- 
ver do  vivo  ao  pintado ;  e  íuppoíto  ,  que  a  grande  guer- 
ra ,  que  efcrevemos  ,  feja  definição  contraria  deíle  axio- 
ma j  porque  os  noísos  Principes  naõ  mandarão  os  feus 
exércitos,  na,Ô  íirva  de  exemplar  a  nolsa  fortuna.  Ob- 
ierve-fe  no  mefmo  ieculo  a  guerra  das  Monarquias  de 
França,  eCaftella;  aquella  felice ,  tendo  os Francezés 
por  Capitão  a  Luiz  XiV  -,  eira  difgraçada ,  governando 
aos  Caítelhanos  Carlos  II ,  fó  como  Rey  $  e  fe  recorrê- 
ramos a  pafsados  feculos ,  enchêramos  volumes  de  verda- 
deiros exemplos. 

Com  grande  prudência  fe  aritieipou  o  Conde  do 
Prado  aos  inimigos  em  fahir  em  Campanha  j  ea  nove 
de  Julho  alojou  o  exercito  no  diítrido  de  Çourg.  Ser- 
viaó  na  forma  ,  que  referimos  ,  o  Conde  de  S.  Joaõ  ,  e 
X),  Francilco  de  Azevedo  os  Fólios  de  Meítre  de  Cam- 
po General  r  e  General  da  Cavallaria  ,  e  em  aufencia  do 
Conde  da  Caftanheira  governava  a  Artilharia. Miguel  de 
Lafcol.  Conítava  o  corpo  do  exercito  de  oito  mil  In- 
fantes t  quatro  mil  pagos  ,  e  quatro  mil  Auxiliares ,  e 
de  mil  cavallos.  Eraò  Meares  de  Campo  dos  Terços  pa- 
gos Diogo  de  Brito  Coutinho ,  António  Soares  da  Co- 


%m  ?■ 


Armo 
i66z. 


V 


t4    FOKFUÕJL  KRSXAU&AW  t 

íla ,  Rodrigo  Pereira  Soto-Maior ,  Manoel  Nunes  Lei* 
taõ  *  Fernando  de  Sou  ia  da  Silvai  e  hum  Terço  da  Pro- 
vinda de  Trás  os  Montes  governado  pelo  Sargento  Ma- 
ior Se  baítiaó  da  Veiga  Cabral  Dos  Auxiliares ,  pelo  feu 
fraude  pfêítímo  reputados   como  pagos  ,  eraò  Meftres 
e  Campo    Manoel5  da  Silva  Souto-Maior  ,  Balthafar 
Fagundes  da  Foníeca,  Franeiíco  da  Cunha    da  Silva  i 
t).  Gonlalode  Araújo ,  Luiz  de Sanco  ,  e  Pedro  de  Sau- 
pter  Fraiicezes  ,  e  hum  governado  pelo  Sargento  Ma«> 
ior  Luiz  de  Souía.  Era  Tenente  General  da  Cavallaria 
Fernando  deSoufa  GsutiniiOj  Commiísarios  gemes  Joaõ 
da  Cunha  Sotto-Maièr  de  Entre  Douro  ,  e  Minho,  Ma- 
noel da  Cofta  Peisoa  de  Trás  os  Montei ;  Tenentes  de 
Mellre  de  Campo  General  de  Entre  Douro  ,  e  Minho 
João  Rebelo  Leite ,  e  VermejOn  j  de  Trás  os  Montes  Si* 
maõ  de  Souía  Carneiro.  Conítava  a  Artilharia  de  fete 
peças  ligeiras*  as  carruagens  com  munições V  e  manti- 
mentos éraõ  muitas,  e  em  todas  as  Praças  importan- 
tes ficarão  guarniçpens  competentes.  Do  exercito  con- 
trario era  Capitão  General  D.  Diogo  Carrilho  Arcebif* 
po  de  Santiago  >  porque  ÊlRey  D.  Filippe  mal  latis- 
te ito  do  Marquez  de  Vianna,  lhe  tirou  oPofto  j  eele^ 
geo  em  íeu  lugar  ao  Marquez  de  Caracena ,  que  defc 
viando-o  outros  empregos  ,  naõ  palsou  aeftê  govenm; 
e  como  a  pouca  experiência  militar  do  Arcebifpo  necel- 
fitava  de  grande auxilio ,  foi  nomeado  Governador  das 
Armas  D:  Balthaíar  de  Roxas  Pantoja  ,  que  afriftia  ,  co- 
mo difsemos  ,  no  governo  de  Guipu£cuâ.  Continuava  o 
Poíto dé  General  da  GaVàílaria  D.  Luiz  de  Menezes, 
chamado  Marquez  de  Penalva :  era  General  da  Artilha- 
ria D.  Franciíco  de  Ca  ftro  :  conítava  o  exercito  de  del- 
ateis mil  Infantes ,  dous  mil  caVallos ,  e  defafets  peças 
de  artilharia  ,  grande  numero  de  ga  fiadores ,  muniçoens, 
inítru  mentos  de  expugnáçaõ'  ,  mantimentos  ,   eJ  carrua- 
gens :  toda  a  gente  do  exercito  erà  de  excel lente  qua- 
lidade;  porque  o  Marquez  de  Caracena  havia  efcolhido, 
para  pafsar  a  Galiiza ,  a  melhor  do  exercito  de  Flandres. 
A  doze  de  Julho  fe  lançou  líu ma  ponte  de  barcas 
junto  a  Lapella,  por  onde  pafsou  eíle  exercito  a  Entre 


PARTE  11'LWKO  Vil        i  r 

Douro ,  e  Minho,  e  no  róetiÉqqdáa  fahiraó  das  Eias  Am>o 
quantidade  de  embarcaçoe-ns,  que  fizera-o  frente  a  Via-     •  / 
ná ,  e Caminha ,  Villas  abertas  ,  a  primeira  íituada  na  1^&*' 
foz  do   rio   Lima H  a  fegunda  na  do  Minho  na  diítan- 
eia  de  três  legoas.  Efta  noticia  d eo  ao  Conde  do  Prado 
grande  cuidado  ,  porque  naó  deíejava  dividir  o  exerci- 
to i  porém  cedendo  á  maior    nectíídede  com  o.  pare- 
cer dos  Cabos  ,  e  de  Joaó  Nunes  da  Cunha  ,  que  fe  acjia-1 
va  na  Campanha  ,  mandou  ao  Capitão  de  Cavallos  Dio?,~— — 
go,;de  Caldas  Barboia  com    cem  cavallos  ,  e  trezentos 
mofqueteiros  a  alojar  entre- Caminha ,  e  Viana  ,  para 
acodir  a  qualquer  das  partes ,  que  os  inimigos  inveitii- 
íem;,   m  esforçar  as  guarniçoens    de  ambas  as  Villas: 
que  as   carayellas  ,  que  íe  achavaó  na  barra  de  Viana 
guarnecidas  de  Infantaria  ,  ancorafsem  debaixo  da  For- 
taleza ;  e  defpedido  Diogo  de  Caldas  ,  mudou  o  Conde 
do  Prado  do-  alojamento  de  Coura  para  o  Caítello  de 
Trajaó  ,  poílo  convenientiíhmo  para  obfervar  os  movi- 
mentos  dos  inimigos ,  e  acodir  a  qualquer,  parte  ,  que. 
ameaçafseo  feu    poder.  b.  Balthaíar  lantoja  aquarte- 
lou o  exercito  entre  Lapella,  e  Monção,  encoitado  ao 
rio  Minho  ,  e  taõ.  cuidadosamente  tratou  de  o  iegurar 
com  fortiricaçoe.ns  ,   que  moítrou  recear  a  batalha.  Du- 
rou treze:  dias>  na  affritencia  deíle  íitió  ,  lem  poder  de* 
cífrar-íea  cauíaCdeita  juípenfaó  *  queifiiaõJie  pequeno 
louvor  de  hum  General  j  quando  do  iegredo  reiultaõ  ef- 
feitos^  proporcionados  aofeu  intento.  Neíte.  intervala 
lo  nao  houve  novidade  ,  nem  no  exercito  ,  nem  na  Ar- 
mada ;  eo  Conde  do  Prado  cem  grande  ponderação  re? 
guiava  os  avizos ,  media  os  movimentos  ,  e  compafsa- 
va  m  d  iíta ncias %  pa ra  ie  naô  dií-com pó r  a  proporção  por 
algum  accidente. 

A  vinte  etres  começou  a  marchar  o  exercito  ini- 
migo por  Moreira  a<  Rio-Bom  ,  ecora  muita  celerida- 
de oceupou  à  eminebeia  das  Pereiras:,  donde.-domin.ava 
hum  dos  Fortes  da  Portela  de  Vés.  O  Conde  i do  Prado, 
havendo  reconhecido  todos  os  íitios  ,  diligentemente 
íe  poz  em  marcha ,  e  arrimado  pelo  privilegio  do  ter- 
íeno  ao  lado  direito  do  exercito  inimigo ,  paisou  a  pu- 
nida? 


ill! 


16     PORTUGAL  RESTAURADO^ 

AntlO  lhofa  ,  e  occupou  o  poíto  do  Pedroío  ,  fupeiior  ao  fe- 
■**     guado  Forte  da  Portela  de  Vés;  e  foi  taó  útil  a  bre- 
10Ó2.  vidacie  da  marcha  do  nofso  exercito  ,  que  naò  teve  lu- 
gar D.  Balthafar  Pantoja >  como  desejava,  de  occupar 
opoítoqueellegaihou ,  donde  ficou  cobrindo  Valen- 
ça, o  Forte  de  S. Françifco;,  e  as  Freguezias  de  Cou- 
ra-)--que  miniítravaa  o  fuftento  do  exercito.,  fem  os  ini- 
migos poderem  òfíeade.r  alguma  deitas  partes    pela  a f- 
pereza  do  terreno  ;  e  occupada   a  eminência  ,  fez  Mi- 
guei de  Lafcoi  jogar   quatro  peças    de  artilharia  ,  que 
incommodarao  o  quartel  dos  Gallegos.  D.Balthaíar  man- 
dou hum  Yolantim  ao  Capitão  Lourenço  Craveiro  ,  que 
governava  hum  dos  Fortes  de  Portela  de  Vé&  Naó  quiz 
aceitaUo,  e  refpondeo  a  vários  ameaços  ,  que  o  trom- 
beta lhe  fez  da  parte  de  D.  Balthaiar ,  que  o  Conde  do 
Prado  daria  a  refpoíla.  Naó  fe  deo  D.  Balthafar  por  en- 
tendido (  que  os  duellos  da  guerra  naó  faó  taó  aper- 
tados ,  corno  os  da  paz  )  e  gaitou  féis  dias  naquelle  fi- 
tio  ,  nao  havendo  mais  operação  >  que  baterias  inúteis  , 
defvanecendo  o  effeito  delias  a  diítaacia ,  e  os  penhaf* 
cos  ,  que  rebatiaó   as  pouco  vigoro f as  balas.  Inferio-fe 
deita  dilação  ,  que  D.  Balthafar  ,  tendo    noticia  que  a 
Armada  dos  pequenos  baxeis  fe  defcompuzera  com  hu- 
ma-tormenta  de  Nordeíte  ,  eíperava  que  íe  tornafse  a 
unir  ,  para  continuar  a  fua  empreza.  Decifrou  elleeíte 
difcurfo  ,  pondo  o  exercito  em  marcha  a  vinte ,  e  no- 
ve de  Julho  ,  baixou  pelos  Barbeitos  ás  Choças,  e  por 
Santa  Ovaya  fe  fez  na  volta  dos  Arcos  de  Vai  de  Vés. 
O  Conde  do  Prado  fem  dilação  continuou  a  marcha  pe- 
lo lado  direito  do  exercito  inimigo ,  e  mandou   avan- 
çar ao  Conde  de  S.Joaó  com  a  maior  parte  da  Caval- 
laria  ,  e  mil  mofqueteiros  á  ordem  dp.Meftre  de  Cam- 
po António  Soares  da  Coita ;  com  ordem  de  ganhar  o 
poíto  de  Prozeios,  meia  legoa  diítante  dos  Arcos,  por 
fer  capaz  de  fe  formar  nelle  o  exercito:  com  muitas  ven- 
tagenS  do  terreno. 

D.  Balthafar  obfervando  que  a  nofsa  Cavallaria  fe 
alargara  da  Infantaria ,  chegando  ao  íitio  de  Lamas  ■, 
mandou  carregar  com  tanto  ardor  o  lido  eíquerdo  do 

exer- 


TARTE  II.  LIVRO  VIL  %7 

exercito  ,  que  pudera  coníeguir  felice  íuccefso  ,  fe  o  Anno 
Conde  do  trado  defiro  ,,  e  valeroib  naò  rebatera  pef-  ,* 
ibalmennte  aquelle  impulío  com  vinte  e  três  mangas  de  l  *o2. 
mofqueteiros  ,  que  promptamente  occuparaó  todas  as 
ibrtidas  ,  e  tantas  vezes  rechaçarão  os  Toldados  inimi- 
gos ,  ( a  que  aíliíHa  o  feu  General )  quantas  foraó  avan- 
çados ,  •  e  ultimamente  fe  retirarão  os  Gallegos  com  ef-* 
trago  confideravel.  OConde  de  S.  Joaó,  entendendo, 
que  a  tenção  de  D.  Balthafar  era  divertir  o  intento , 
que  elle  levava ,  de  occupar  o  íltio  deProzelos,  naó 
deliftio  da  marcha  ,  conítando-lhe  juntamente  ,  que  o 
valor  ,  e  diípoíiçaô  do  Conde  do  Prado  nao  neceíhtava 
deíbccorro:  e  para  mayor  fegurança  da  fua  determi- 
nação? adiantou  ao  Tenente  General  da  Cavallaria  Fer- 
nando de  Soufa  Coutinho  com  alguma  gente  a  occu- 
par as  fortidas,  que  defembocavaõ  no  terreno  ,  que  per- 
tendia  ganhar  j  e  chegou  a  tempo  taõ  conveniente,  que 
asguarneceo  primeiro,  que  os  inimigos  chegafsem  a 
ellas  ,  e  as  defendeo  de  forte  ,  que  adiantando-fe  os 
dous  exércitos  a  dar  calor  aos  troços  avançados ,  nao 
confeguiraõ  os  inimigos  mais  ,  que  o  deíengano  do  íeu 
intento  3  porque  o  Conde  de  S.  João  ganhando  tempo  , 
e  efpalhando  valor  ,  como  rayo  ,  igualmente  luzia  ,  e 
abrazava.  Fez  alto  o  exercito  contrario  ,  e  o  mefmo 
fez  o  Conde  do  Prado ;  e  chamando  a  Confelho  ,  uni- 
formemente concordarão  todos  os  votos ,  que  o  exer- 
cito com  pouco  efpaço  de  defcanço  marchafse  a  occu- 
par o  fitio  de  S.  Bento ,  tiro  de  arcabuz  da  Villa  de  Ar- 
cos j  porque  ainda  que  os  inimigos  podiaõ  desfazer  a 
marcha  ,  como  fuccedeo ,  e  fazer-fe  fenhores  do  quar- 
tel da  Bulhofa  ,  que  o  nofso  exercito  defoccupara  ,  e 
ganhar  os  Fortins  da  Portela  de  Vés  ,  era  precifo  aco- 
dir-fe  ao  mayor  perigo  ,  e  procurar  evitar- fe  ,  que  o 
exercito  contrario  nao  palsafse  a  ganhar  a  Barca  ,  e  Bra- 
ga ,  e  cahindo  fobre  Viana  ,  fe  pudefse  fazer  fenhor  da- 
quella  importantiífíma  Praça  ,  e  communicar-fe  D.  Bal- 
thafar Pantoja  ,  como  pertendia  com  a  fua  Armada  , 
que  lhe  ficava  facilitando  osfoccorros  marítimos  pela 
vizinhança  das  Rias ,  livrando-fe  dos  perigos  dos  com- 

B  boys„ 


i8     TORTVGÂL  RESTAURADO , 

ÁniO        boys,  que  eraô  infalliveis  ]  e  todos  eítes  damnos  fe 
1662  evitavaõ,  alojando  o  exercito  no  pofto  de  S.  Bento  ,  eí- 

trada  dos  lugares  referidos  ,  e  íitio  venta  jofo  ,  para  fe 
•    pleitear  o  progrefso  da  huina  batalha.  Tomada  efta  re- 
foluçaõ,  fez  o  Conde  do  Prado  jogara  artilharia  con- 
tra o  exercito  dos  Gallegos  toda  aquella  tarde  ,  e  prin- 
cipio da  noite  ,  confeguindo  nao  fó  o  damno  que  re- 
ceberão ,  mas  confundir  o  eítrondo  o  ruido  da  marcha. 
Desfilado  o  exercito  ,  marchou  a  artilharia  na  retaguar- 
da, continuando  fempre  as  cargas,  defendida  da  afpere- 
za  do  terreno  ,   que  íeguravaõ  algumas  mangas  de 
mofqueteiros.  Ao  amanhecer  eítava  o  Conde  do  Prado 
no  alojamento  pertendido  ,  vencendo  na  marcha  tantas 
dirfíçuldades ,  que  houve  fuperíKciofas ,  que  julga vaô 
por  milagrofa.  Depois  de  amanhecer ,  reconhecendo  D. 
Balthaíar  ,  que  fem  atacar  a  bataria ,  naõ  podia  conti- 
nuar ,  nem  o  caminho  dos  Arcos  ,  nem  o  de  Ponte  de 
Lima  ;  e  conhecendo  ,  que  naõ  era  confequencia  infal- 
livel  de  dar  a  batalha  ,  confeguir  a  vitoria  pela  quali- 
dade ,  numero  ,  e  íitio  do  exercito  ,  com  que  havia  de 
pelejar  ,  tomando  confelho  mais  faudavel  ,  retrocede» 
a  marcha,  e  occupou  o  íitio  da  Bulhofa,  em  que  o  nof- 
fo  exercito  havia  aquartelado  ,  e  fem  demora  mandou 
intenta  fitiar  bater  os  Fortins  da  Portela  deVés.  O  Conde  do  Prado 
Valença :  impe-  com  fumma  brevidade  marchou  a  occupar  o  fitio  de 
àe.o  on40^ ^*  Paredes  de  Coura  ,  para  cobrir  as  feitorias  ,  dequefe 
^"'^//^fuítentava  ó  exercito  ,  e  acodir  a  Valença  >  e  Villa- 
os  progrejfos    Nova  ,  feacafo  D.  balthaíar  intentafse  qualquer  deílas 
daqueiia  c<iot- emprezas  ;  e  ficou  com  grande  fatisfaçaõ  de "reconhe-* 
PZâo  *Jtto-cQr  emtodo   °  exercito  a  vaidade  de  D.  Balthaíar  fe 
J™sJs  dill ' *°'  defviar  do  conflicto  no  quartel  de  S.  Bento  ,  que  todos 
tiveraõ  por  infallivel ,  deíejando  expôr-fe  antes  a  dar 
a  batalha  pela  contingência  de  falyar  a  Província  ,  que 
arrifcar-fe  a  perdella  ,  por  naõ  dar  a  batalha.  D.  Baltha- 
far ,  depois  de  jogar  a  artilharia  contra  os  Fortes,  man- 
dou dar  hum  aísalto  ,  em  que  os  Gallegos  foraò  recha- 
çados :  porém  continuando  as  baterias  fe  renderão,  po 
dendo  os  Oífíciaes,  que  os  governavaó,  efcufar  eíte  em- 
penho j  porque  o  Conde  do  Prado  havia  deixado  ordem 

aLou- 


PARTE  II.  LIVRO  VIL  i9 

a  Lourenço  Carveiro  ,  que  em  caio  que  voltafse  o  exer-  A 11  DO 
cito  inimigo  fobre  aquelles  Fortins  ,  os  voaíse  para  cu-    \  , 
)o  effeito  ficarão  minas  atacadas ,  e  retiraíse  a  infanta-  í  °^2, 
ria,  o  que  podia  fazer  iem  perigo  pela  afpereza  do 
terreno.Tomados  os  Fortins,  mandou  D, Baítiiaíar  con- 
duzir deJVJojjçaó  para  o  exercito  doze  meyos  canhões, 
e  tendo  o  Conde  do  Prado  eíta  noticia  ,  entrou  em  ma-      ' 
yor  cuidado.  D.  Balthafarao  dia  feguinte  ,  ao  que  che- 
gou a  artilharia ,  poz  o  exercito  em  marcha  com  tan- 
ta cautela,    que  n  ao  foy  ientido  das  partidas,  que  o 
Conde  de  S.Joaõ  havia  mandado  avançar  fobre  o  quar- 
tel >  naõ  havendo  entre  os  dous  exércitos  mais  diitan- 
cia ,  que  a  de  huma  legoa.  Quando  amanheceo  ,  reco- 
nhecerão as  fintinellas ,  que  a  retaguarda  dos  Gallegos 
lahia  do  quartel ,  e  a  vanguarda  com  apreísada  marcha 
caminhava  pela  eílrada  da  Gieíteira  com  a  frente  no 
Cerro  do  Bico  ,  que  ficava  imminente  ao  quartel  de 
Grijó  ,  entendendo  D.  Balthafar ,  que  ganhado  aquelle 
pofto  ,  podaria  defalojar  o  exercito  com  a  artilharia  ,  e 
derrotallo  na  marcha,  atacando-o  na  confufaõ  com  gra- 
des ventagens  no  íitio.  O  Conde  do  Prado  com  o  pri- 
meiro avifo  deite  accidente  mandou  pegar  nas  armas, 
e  repartindo  os  Cabos ,  e  Officiaes  pelos  póílos  mais 
convenientes ,  avançou  o  Conde  de  S-  Joaõ  com  os  ba- 
talhoens  mais  promptos  ,  adiantando  Fernando  de  Sou- 
ia  Coutinho  com  os  da  vanguarda  a  foccorrer  as  Com- 
panhias ,    que  eítavaõ  de  guarda  ,  do  Capitão  António 
Gomes  de  Abreu  ,  e  Tenente  Ignacio  Salema  ,  queem- 
baraçavaõ  valerofamente  a  marcha  da  vanguarda  inimi- 
ga ,  e  com  eíle  foccorro  fe  esforçou  o  combate ;  e  o 
Conde  de  S.  Joaõ  conhecendo,  quedo  bom  fuccefso  de- 
ite confliclo  pendia  a  confervaçaõ  de  todo  o  exercito , 
empenhou  toda  a  Cavalla  ria,  ecoma  efpada  na  maó 
dava  valeroíb  exemplo  aos  feus  foldados.  Aomefmo 
tempo  intentava  o  Marquez  de  Penalva  defembaraçar 
a  eílrada  ,  carregando  com  todo  o  vigor  oF  noísos  ba- 
talhoens.  Eraõ  os  dous  Generaes  da  CavaUaria ,  que 
cont^ndiaõ ,  Portuguezes ,  ambos  valeroíiíTimos ,  hum, 
e  outra  do  langue  maisilluítre  da  lua  Naçaó  :  porém 

B  i  havia 


IÓÓ2 


f!>! 


20      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  havia  entre  elles  huma  grande  diffenÇa1,  que  o  Conde 
de  S=  joa 6  pelejava  por  defender  a  ília  Pátria  ,o  Mar- 
quez de  Penalva. por  conquiítalla,  e  naó  fora  jufto ,  que 
prevaleceíse  contra  a  lua  juítiça.  Em  quanto  durava  a 
força  do  combate  >  trabalhava  o  Conde  do  Prado,  e  D. 
Erancifco  de  Azevedo  ,  fem  deicomporém  a  forma  do 
exercito  ,  por  melhorallo  a  fitio  ventajofo  j  determina- 
ção ,  que  conseguirão  taô  venturofamente ,  que  occu- 
parao  o  Monte  de  Labrujo  imminente  a  todo  aquelle 
território  ,  e  fupèrior  ao  quartel ,  que  D.  Balthaíar  Pan- 
toja  intentava  occupar  ,  para  bater  o  de  Grijó.  Ganha- 
do o  poíto  referido  ,  fez  o  Conde  do  Prado  aviíò  ao  de 
S.  joaõ ,  que  podia  retirar-fe  para  aquella  parte ,  onde 
feguramente  efcava  alojado.  Naõ  era  fácil  a  retirada  ao 
Conde  de  S.  João ;  porque  a  Cavallaria  eítava  taó  em- 
penhada ,  qne  naó  podia  defembaraçar-fe  doconfiiclo 
fem  grande  perigo ;  porém  reconhecendo  a  leu  favor  a 
eftreiteza  do  terreno ,  valendo-fe  utilmente  de  duzen- 
tas bocas  de  fogo,governadas  pelo  Sargento  Mayor  An- 
tónio Barbofa  ,  deu  ordem  ao  Tenente  General  FernacS 
de  Souía,  e  ao  Commifsario  geral  Manoel  da  Coita  Paf- 
íoa,  que  com  os  batalhões  da  retaguarda  pafsafsemhum 
callejao  ,  que  era  o  único  caminho  ,  que  tinhaõ  para 
ie  retirar  ,  e  que  fizefsemalto  em  hum  valle  ,  em  que 
o  callejao  defembocava  j  porque  elle  deteria  os  inimi- 
gos, e  depois  com  huma  vigoroia  carga  procuraria  tam- 
bém retirar-fej  e  que  podendo  confeguillo,  advertiísem 
em  atacar  vivamente  os  batalhoens  ,  que  o  viefsem  car* 
regando  ,  para  que  lhe  íicafse  tempo  de  os  formar  ,  e 
foccorrer.  Diligentemente  executarão  os  dous  eíla  or- 
dem ,  e  valerofamente  confeguio  o  Conde,  quanto  ha- 
via imaginado,ajudando-o  a  induílria  do  Capitão  Igna- 
cio  de  França ;  porque  reparando  ,  que  o  vento  eítava 
rijo ,  e  a  favor  do  feu  intento  ,  mandou  defmontar  al- 
guns foldados ,  e  pegar  o  fogo  ao  pafto  íecco  ,  que  ar- 
deo  com  tanta  velocidade  contra  a  Cavallaria  inimiga  , 
que  a  obrigou  mayor  incêndio  a  mitigar  o  ardor  ,  com 
que  pelejava ,  e  a  fogo  ,  e  langue  pafsaraõ  os  noíscs« 
batalhoens  o  callejao  pleiteando  >  porém  os  Gal!egosr 

havea- 


BBHH 


PARTE  IL  LIVRO  VIL  '       « 

havendo  reconhecido  outro  paiso  conveniente  ,  poíto  ^nno 
que  mais  diítante  ,  o  buícaraõ  cóm  grande  celeridade, 
e  coníeguiraõ  encontrar  alguns  bataliioens  de  retaguar-  I  6  o  2* 
da  mandados  pelo  Conde  de  S.  joao ,  aíTiífcido  de  mui- 
ta parte  de  Orliciaes  Mayores  ,   e  pelsoas  particulares  y 
em  que  entrava  D.Luiz  Manoel  de  Tavora(hoje  Conde 
da  Atalaya)  que  tendo  poucos  annos  de  idade  ,  deu  na- 
quelle  dia  valerofo  principio  ao  feu  íinalado  procedi- 
mento.O  ultimo  esforço,  com  que  os  Gallegos  foraó  re- 
batidos ,  tocou  ao  Capitão  Ignacio  de  França ,  que  os 
obrigou  a  íè  retirarem  em  tanta  diítancia  ,  que  toda  a 
nofsa  Cavallaria  ficou  deíèmbaraçada,e  fó  parecerão  al- 
guns Infantes  dos  duzentos,que  levava  o  Sargento  Ma- 
yor  António  Barbofa  ,  e  foraõ  prifioneiros  Manoel  da 
Coita  Leite  ,  e  Alexandre  de  Souía. 

Encorporado  o  Conde  de  S.  Joaó  com  Fernando  de 
Soufa  Coutinho  debaixo  da  artilharia  do  quartel  de  La- 
brujo  :  que  já  laborava  ,  intentou  perfuadir  ao  Conde 
do  Prado  ,  que  pois  a  diíferença  dos  íitios  havia  muda- 
do o  femblante  á  fortuna  >  fizeíse  baixar  a  Infantaria, 
que  lèachaíse  mais  prompta  ,  ao  Valle  ,  em  que  elle 
eílava  ,  e  que  unida  com  a  Cavallaria,  carregaria  a  van- 
guarda inimiga  ,  que  íem  forma  defembocava  a  calejao, 
eque  elle  lhefegurava  a  felicidade  doíhcceíso.  Nao 
lhe  pareceo  ao  Conde  do  Prado  tomar  deliberação  taõ 
importante  ,  fem  o  parecer  de  todos  os  que  fe  achavaõ 
no  Coníelho  ;  porém  o  tempo ,  que  gaitou  em  os  con- 
vocar ,  teve  D.  Balthafar  Pantoja  para  reconhecer  o 
feu  perigo  ,  e  com  fumma  diligencia  encorporou  o  ex- 
ercito ,  e  o  Conde  de  S.  Joaõ ,  formada  aC  avaliaria  em 
duas  linhas  com  a  retaguarda  na  fralda  do  monte  ,  em 
que  o  noíso  exercito  eítava  alojado ,  efperou  a  delibe- 
ração dos  inimigos;  e  o  Conde  do  Prado  mandou  tre- 
zentos moíqueteiros  encorporar^fe  com  a  Cavallaria  , 
e  os  Terços,e  artilharia  accommodou  o  Meítre  de  Cam-  ' 
po  General  D.  Francifco  de  Azevedo  em  lugares  taó 
convenientes ,  que  todo  o  exercito  animofamente  de- 
fejava  o  conflidto.Moítrou  D.  Balthafar  Pantoja  querer 
atacar  a  batalha ,  movendo  o  exercito  em  forma  de 

B  3  peld- 


Anno 
1662. 


I 


H 


'V'i 


**     PORTUGAL  RESTAURADO, 

pelejar;  porém  achando  na  frente  da  nolsa  Cavallaria 
hum  grande,  e  diffícil- pântano,  que  forçofamente  ha- 
via de  paísar,  (ventagein  de  que  havia  uíado  com  par- 
ticular advertência  o  Conde  de  5.  Joaõ  )  fez  alto ;  e  co- 
mo o  exercito  eítava  taõ  vizinho  das  trezentas  bocas'  de 
fogo  formadas  no  valle  ,  e  da  artilharia  plantada  no 
monte,  foy  grande  o  eítrago  ,  que  recebeo.  Vendo  D. 
Balthaíar  o  embaraço  do  íitio  da  vanguarda,  mandou 
ao  Coronel  Gaícar,  que  como  leu  Regimento  de  Ale- 
mães inveílríse  o  lado  direito  da  noísa  Cavallaria.  Mar- 
chou o  Coronel ,  e  achou  valoroía  reíiítencia  em  cem 
Infantes ,  que  governava  o  Capitão  de  Infantaria  Car- 
los Malheiro ,  que  defenderão  o  pafso ,  que  os  inimi- 
gos pertendiaó  facilitar.Mandou  ao  melmo  tempo  avan- 
çar a  Cavallaria  extrangeira  pelo  lado  efquerdo;  porém 
achahdo-o  defendido  dehumas  quebradas  ,  que  fazia 
a  terra  ,  fe  retirou  j  e  as  horas  ,  que  fe  gaitarão  neílas 
infruéhiofasoperaçoens  ,  teve  a  artilharia  ,  e  bocas  de 
fogo  do  nofso  exercito ,  para  continuarem  as  cargas 
com  tanto  eífeito ,  que  ,  dividindo  a  noite  o  conflicio, 
que  havia  começado  vefpera  de  S.  Lourenço  ás  nove 
horas  dó  dia ,  ficarão  na  campanha  mais  de  mil  e  qui- 
nhentos mortos ,  em  que  entrarão  muitos  Oífí cia  es  de 
importância;  retira raó-fe  quantidade  deferidos,  íém 
haver  padecido  o  nofso  exercito  mayor  perda  ,  que  a 
de  trinta  foldados.  Cerrada  a  noite ,  fe  recolheo  o  Con- 
de de  S.  Joaó  com  a  Cavallaria,  e  mofqueteiros  ao  quar- 
teja defcançar  com  a  gloria  confeguida  naquella  ac- 
^ao ;  eD.  Balthafar  retirou  o  exercito  a  íítio  menos 
expoíto  á  fúria  das  nofsas  balas í  e  toda  a  noite  fez 
trabalhar  em  plataformas  ,  para  ie  valer  da  artilharia, 
que  no  combate  antecedente  naõ  tinha  jogado  ,  por  ie 
naó  poder  conduzir.  Amanheceo  dia  de  S.  Lourenço ,  e 
laborou  com  pouco  eífeito  ,   por  ficar  fuperior  o  nofso 
alojamento.  D.Balthafar  deíejando  renovar  o  conflkto, 
mandou  ao  meyo  dia  trezentos  Infantes  ganhar  as  pe- 
dras ,  ecaliejoeas  ,  que  os  noísos  mofqueteiros  haviao 
occupado  na  occafíaõ  próxima  ,   efperando  confeguira 
vingança  no  mefmo  lugar,  em  que  tinha  recebido  a  of- 

feníã. 


PARTE  II.  LIVRO  VIL  í% 

fenfa,  Acodiraõ  a  defender  eite  íltio  duas  mangas  de  AntlO 
mofqueteiros,que  eílavaõ  com  as  Companhias  da  guar-  .  ^ 
da;  e  o  Conde  do  Prado  déitro ,  e  vigilante  montou1002' 
acavallo  ,  ecorreo  á  trincheira  a  reconhecer  a  cauía 
do  rebate  J  e  obíervando  o  intento  dos  inimigos  ,  or- 
denou ao  Commiísario  geral  João  da  Cunha  Sotto-Ma- 
yor  ,  que  com  as  quatro  Companhias  da  guarda  dos  Ca» 
pitães  Martim  Pereira  Defsa  ,  Ignacio  de  França  ,  Dio- 
go de  Caldas  Barbofa  ,  (que  havia  voltado  para  o  ex- 
ercito ,  depois  de  defgarrar  a  tormenta  a  Armada  ini- 
miga )  e  o  Tenente  Manoel  Rodrigues  Távora  inve- 
ítifse  os  trezentos  Infantes ,  antes  que  chegafsem  a  ga- 
nhar oscallejões.  Joaõ  da  Cunha  ,coítumado  a  vencer 
mayores  perigos  t  naóinterpoz  a  menor  dilação;  def- 
ceo  velozmente  ao  valle  ,  e  antes  que  os  Infantes  pu- 
defsem  valer-íe  do  amparo  das  pedras  ,  os  desbaratou 
fem  refiítencia  i  porque  aprefsa,  com  que  correrão  a 
ganhar  os  callejoens  ,  os  trazia  confufos  ,  e  deíanima- 
dos.  Mandou  D.  Balthafar  foccorrelios  com  todo  o  cor- 
po daCavallaría  j  masfoy  a  tempo ,  que  o  Conde  de 
S.  joaõ  tinha  formado  a  noísa  em  lugar  competente  , 
para  fegu  rança  da  empreza  -,  e  fem  outro  emprego ,  cer- 
rada a  noite  ,  fe  retirarão  todos. 

O  dia  feguinte  difpoz  D.  Balthafar  a  retirada  do  Depoit  de   ,: 
exercito  com  o  mayor  filencio  ,  que  foy  poflivel ,  pa-  m/os  fuuejfos , 
ra  a  noite  feguinte  ,  reconhecendo  odamno  irrepara- ;'""><*  Dom 
vel ,  que  recebia  naquella  aífiílencia.   Naó  ignorou  o  J*^"^ 
Conde   do  Prado  eíla  refoluçaõ  j  porém  naõ  quiz  fazer  desíartt*^-  ; 
movimento  algum ,  receando  expôr-fe  de  noite  a  al- 
guma defordem  ;  e  deixando  amanhecer,  fe  reconhe- 
ceo  ,  que  os  Gallegos  haviaó  adiantado  a  marcha  petos 
mefmos  pafsos  do  Cerro  do  Bico  com  a  frente  na  Vil- 
la  dos  Arcos  ,  intentando  D.  Balthafar  Pantoja  fegunda 
vez  pafsar  o  Lima  para  penetrar  a  Provincia  ,  que  era 
todo  o  íeu  defejo  ,  tantas  vezes  mal  fuccedido.  Efta 
demonítraçaõ  obrigou  ao  Conde  do  Prado  a  mandar 
adiantar  alguns  batalhoens,  porém  fem  efreito;  porque 
o  exercito  levava  na  marcha  muitas  horas  de  ventagem. 
O  Commifsario  geral  Joaõ  da  Cunha ,  que  era  o  Cabo 

B  4  dos 


24     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  dos  batalkoens  avançados-,  chegou  a  dar  avifo  ao  Con- 
de do  Prado  ,  que  o  exercito  marchava  direito  á  Vií- 


léôz. 


Ia  dos. .Arcos  ,  por  cujo  reípeito  ,  com  o  parecer  de  to- 
do o  Coníelho  j  refolveo  marchar  pelo  lado  direito  do 
exercito  contrario  para  o  Convento  de  Refoyos  de  Có- 
negos Regulares  ,  diítante  meya  lego  a  de  Ponte  de  Li- 
ma ;  reíbluçaô  ,  que  fó  podia  defender  eíla  Villa  do 
eítrago  dos  Gallegos.  Confeguio-fe  elte  intento  com 
exceiíivo  trabalho  ,  porque  a  noite  da  marcha  do  exer- 
cito foy  muito  teuebro ia  ,eo  caminho  afperiíílmo  ; 
dificuldades  afsaz  difficeis  de  vencer  ,  principalmente 
quando  o  cançaço  ,  e  o  fomno  combatem  a  debilidade 
natural j  mas  que  impoífivel  nao  vencem  os  corações 
magnânimos  ,  defejofos  de  defender  a  Pátria  ,  e  de  au- 
gmentar  a  opinião  !  Os  Gallegos  levarão  melhor  cifra- 
da >  porém  com  pafso  vagarofo  ,  detidos  com  o  emba- 
raço da  artilharia  grofsa  ,  em  dilatadas  horas  chegarão 
aGiela,  nobre  apofento  dos  Vifcondes  deVilla-Novaj 
da  outra  parte  do  rio  Vés ,  e  junto  aos  Arcos.  Havia  o 
Conde  do  Prado  deixdo  em  Giela  aBIthafar  de  Sou* 
fa  com  o  Terço  de  Auxiliares  de  Tras;  os  Montes ,  de 
que  era  Meílre  de  Campo  ,  com  ordem  ,  que  tendo  no- 
ticia ,  que  o  exercito  inimigo  marchava  para  aquella 
parte ,  fe  retirafse  para  Ponte  da  Barca ,  meya  legoa  di- 
ítante,  interpoítos  os  rios  Vés  ,  e  Lima  ,  que  fe  vadea- 
vaópor  duas  pontes.  Deu  o  Meítre  de  Campo  a  ordem 
á  execução  ,  e  os  inimigos  fe  aquartelarão  das  Aldeãs 
de  Azere  até  Murilhoens ,  terreno  de  exceffivas  monta- 
nhas ,  e  fó  commodo  para  a  fegurança  dos  comboys , 
que  vinhaõ.  de  Monção  ,  defendidos  dos  Fortins  da  Por- 
tela de  Vés  ,  que  com  efte  intento  D.  Balthafar  Pantoja 
deixara  guarnecidos.  Teve  o  Conde  do  Prado  em  Re- 
foyos a  noticia  ,  de  que  os  Gallegos  eítavaò  aquartela- 
dos em  Giela  ;  e  coníiderando  o  perigo  da  Cidade  de 
Braga.,  aberta  ,  rica  ,  e  populofa,  e  innumeraveis  lu- 
gares daquelle  contorno,  chamou  a  Confelho  ,  e  de- 
pois de  larga  conferencia  (porque  e  dificuldade  da 
eleição  do.íitio  era  graviílima)  feafsentou  ,  que  o  ex- 
ercito nwchaíse  a  alojar  em  humpoílo  chamado  o  Sou- 
to , 


TARTE  II.  LIVRO  VII.  ty 

to  i  queíe  levantava  na  Freguezia  de  Távora  fobre  o  £  nno 
rio  Lima  ,  e  ficava  á  viria  da  Barca  iuperior  a  toda  a      ,  , 
Campanha)  e  com  muitas  commodidades  para  o  exerci-  1  ^°2? 
to  >  e  em  diítancias  proporcionadas  para  cobrir  aqueL- 
la. Província  de  huma  ,  e  outra  parte  do  rio  Lima  ,  lan- 
çando-lhe  huma  ponte  de  barcas  ,  e  evitando  o  perigo 
de  Braga  ,  que  era  o  mais  imminente  $  porque  fe  devia 
entender  ,  que  D.  Balthafar  naó  intentaria  aqnella  era- 
preza  de  mais  eítrondo  ,  que  effeito,  ficando-lhe  diílan- 
te  cinco  legoas  ,  e  naõ   podendo  ,  íem  ganhar  outras 
Praças  ,  confervar  aquella  Cidade  >  e  conhecendo  que 
havia  de  levar  na  colla  do  exercito  outro  tao  valeroío, 
como  repetidas  vezes  tinha  experimentado  ,  e  que  ten- 
do a  medida  do  tempo  na  lua  eleição  ,  faberiaufar  del- 
le ,  como  lhe  conviefse.  Tomada  eíla  deliberação,  mar- 
chou o  exercito  ,  quejáeílava  formado,  quando  fe  aca* 
bou  o  Confelho  ,  pelos  Qfficiaes  de  ordens  ,  que  naõ 
entra vaó  nelle.  No  dia  feguinte  ao  amanhecer  feoc- 
cupou  o  poíto  pertendido  ,  e  nelle  fe  acháraõ  muito 
mayores  commodidades  ,  das  que  fe  haviaô  coníidera- 
do.  D.  Balthafar  com  a  noticia  do  alojamento  do  exer- 
cito ,  o  mandou  reconhecer  por  huma  Companhia  de 
cavallos  ,  e  duas  de  Infantaria.  Achava-fe  montado  o 
Alferes  Miguel  de  Soufa  com  trinta  cavallos  ,  fahio  ao 
rebate ,  e  com  refoluçaõ  ,  e  valor  degollou  a  Compa^ 
nhia  de  cavallos  ,  e  os  Infantes  ao  mefmo  tempo  in-» 
tentou  hum  troço  de  Cavallaria  pafsar  o  váo  de  Muja 
por  cima  da  ponte  da  Barca.  Acodiraõ  aembaraçallo  o 
Capitão  Jeronymo  da  Silva  de  Menezes  ,e  Joaõ  Cardo- 
fo  Piçarro ;  porém  como  o  numero  dos  inimigos  era  iu- 
perior, foraõ  carregados  com  perigo.  Chegou  a  foccor- 
rellos  o  Tenente  General  Fernão  de  Soufa  com  dous  ba- 
talhoens  ,  e  unidos  obrigarão  aos  Gallegos  ,  que  já  eífa- 
vao  deita  parte  do  Lima  ;  a  tornar  a  pafsar  o  váo  ;  e 
achando-fe  cortado  hum  foldado  chamado  Simaó   da 
Coíta,rompeo  com  a  efpada  na  maõ  cincoenta  Infantes, 
çue  occupavao  hum  callejaõ  ,  eatropellando-os  ,  efe- 
rindo^os ,  fem  damno  algum  fe  recolheo  á  fua  Compa- 
nhia ,  e  os  Caítelhanos  ao  feu  quartel.  Antes  que  Fer- 
não 


Anno 
1662. 


2  6     PORTUGAL  RESTAURADO , 

naõ  de  Souíà  íe  retirafse,  deixou  os  váos  occupados  com 
fentinellas,  para  os  íegurar  do  novo  intento  dos  Galle- 
gos.  D.  Balthalar  com  a  vizinhança  do  noíso  exercito 
eítreitou  o  quartel  de  Giela,  e  com  os  comboys  da  Mon- 
ção je  reforçou  de  muniçoens  ,  e  mantimentos  :  e  o 
Conde  do  Prado  anticipando  as  prevençoens  aos  peri- 
gos ,  mandou  Miguel  de  Lafcol  fortificar  hum  quartel 
com  dous  Terços  de  Infantaria  íobre  a  Villa  da  Barca  , 
efez  lançar  pontes  de  barcas  no  rio  Lima  ,  para  faci- 
litar o  íbccorro  ,  entregando  a  defenía  deite  alojamen- 
to ao  Meftre  de  Campo  Luiz  de  Sancé  ,  queguarneceo 
com  ofeu  Terço  ,  eo  do  Meílre  de  Campo  Simaõ  de 
Távora;  e  porque  os  moradores  dos  lugares  vizinhos  a 
Giela  ,  períuadidos  dos  Párocos  de  algumas  Preguezias, 
fe  entregarão  ao  dominio  de  Caltella ,  procedeo  íe  ve- 
ramente contra  os  que  achou  culpados  ,  para  que  naõ 
liouveíse  outros ,  que  feguiísem  exemplo  taô  prejudi- 
cial,   ' 

D.  Balthafar  Pantoja  continuava  a  fortificação  do 
quartel  de  Giela  ,  e  da  quinta  do  Vifconde  com  tanta 
attençao ,  como  fe  correra  por  Pua  conta  a  defenfa  da- 
quelle  fitio  ,,  e  naõ*  a  conquiífa  daquella  Provinda,  que 
por  aquelle  caminho  naõ  podia  confeguirj  e  a cauia 
defta  demonítraçaò  era  ,  que  como  o  noiso  exercito  lhe 
havia  desbaratado  todos  os  intentos  daquella  Campa- 
nha ,  e  fe  achava  em  alojamento  taó  vizinho  promp- 
to  para  adiantar  os  feus  progreísos  ,  naô  encontrava  D* 
Balthafar  empreza  fegura  ,  com  que  defempenhar  tan- 
tos infortúnios ;  eporeíle  refpeito  procurava  fuílen- 
tar  a  íua  reputação  com  apparencias ,  para  que  aquel- 
les,  que  o  defendefsem  dos  que  oarguiaó,  pudeísem 
dar  mais  ef paços  ásefperanças  de  altas  emp rezas,  que* 
por  ferem  fantaíticas ,  naõ  era  polfivel  decifrarem-íe  até 
o  fim  da  Campanha  ;  e  em  todos  os  cafos  grandes  ,  e 
difficultofos  nunca  a  prudência  achou  caminho  menos 
arriicado  ,  que  ufar  do  beneficio  do  tempo  ,  que  impe- 
ra em  todas  as  operaçoens  humanas.  Deprefsa  fe  defva- 
neceo  a  de  Giela  ;  porque  D.  Balthafar ,  vendo  o  pou- 
co fruto  ,  que  tirava  daquella  inútil  aííifcencia  ,  man- 
dou 


VARTE  II.  LIVRO  VIL         27 

dou  lançar  huma  ponte  no  váo  de  Muja ,  e  porella  Anno 
pafsou  o  exercito  o  rio  Lima  a  vinte  e  nove  dcAgo- 
ito  íem  a  mais  breve  demora.  Pafsou  também  por  ou-  I6Ó2, 
tra  ponte  p  Lima  o  noíso  exercito  ,  e  tomou  alojamen- 
to lobre  a Yilla  da' Barca  ,  cobrindo  o  quartel ,  que  na- 
quelle  íitip  fe  havia  levantado  ;  e  D.  Balthafar  alojou 
o  exercito   em  humas  montanhas  chamadas  do  Efpi ri- 
to Santo,  queíeterminaõ  em  hum  levantado  penhaf- 
co  ,  a  que  daõ  nome  de  muitos  íèculos  paísados  as  rui- 
nas  de  humas  paredes  ,  de  Caílello  da  Nóbrega.  Entre 
Iium,  e outro  alojamento  fe  extendia  bum  valle  de  ter- 
reno taõ  embaraçado  ,  que  naó  dava  lugar  a  mais  con- 
tenda ,  que  á  das  bocas '  de  fogo ;  ellas  ,  e  a  artilharia 
labora vaó  incefsantemente  de  huma,  e  outra  parte  com 
damno  de  ambas.  Aíoítrava  a  deliberação  de  D.  Baltha- 
íar  tomar  eíle  alojamento  ,  que  intentava   a  empreza 
de  Braga  ,  ou  a  de  Ponte  de  Lima ;  porque  para  qual- 
quer deites  intentos  tinha  a  eílrada  livre.  Nella  íup- 
poíiçaó    chamou  o  Conde  do  Prado  a  Confelho  ,  e  lo- 
grando em  todo  o  decurfo  daquella  Campanha  a  uni- 
formidade dos  votos  dos  Co  n  telheiros  ,  que  he  hum 
dos  mais  felices  vaticinios  da  fortuna  dos  exércitos  , 
quando  como  livros  vivos  uíaõ  da  fmceridade -,  concor- 
darão todos,  que  Ponte  de  Lima,  e  Braga  fehaviaõ 
de  defender  com  as  pontas  das  eí padas  ,  e  que  o  fuc- 
cefso  de  huma  batalha  havia  de  fer  a  defenía  ,  ou  a  de- 
ítruiçaõ  daquella  Provinda ,  fe  os  inimigos  intentafsem 
penetralla,  levando  por  objeclo  os  lugares  referidos  que 
naõ  eraô  defendidos  de  outras  muralhas  >  porque  algu- 
mas antigas  ,  que  confervavaô  ,  todas  eraó  muito  def- 
baratadas.  Tomada  eíta  deliberação  ,  todo  o  exercito 
fe  preparou  para  pelejar  ,  inferindo  pJaufivelmente  dos 
luccefsos  paísados  a  felicidade  futura ;  e  porque  íe  en- 
tendeo  ,  que  o  perigo  de  Braga  poderia  fer  mais  pró- 
ximo ,'  que  a  promptidaõ  da  defenfa  do  exercito  ,  man- 
dou o  Conde  do  Prado  marchar  para  aquella Cidade  ao 
Meftre  de  Campo  Manoel  Nunes  Leitão  com  o  feu  Ter-         t 
ço,  e  dous  de  Auxiliares  ,  e  ao  Commifsa rio  geral  Ma- 
noel da  Coíla  Pefsoa  com  quatro  Companhias  de  cavai- 

\Q$j 


I 


>«;. 


Anno 
1662. 


*í     PORTUGAL  RESTAURADO, 

los  ,  e  no  meímo  tempo  partio  para  o  Porto  João  Nu- 
nes  da  Cunha,  por  haver  noticia,  que  os  Caítelhanos 
intentavaóiuterpréder  o  Caílello  de  à.Joaõ  de  Foz  com 
fete  navios  j  entendendo  o  Conde  do  Prado,  que  na 
pefsoa  de  Joaõ  Nunes,  no  feu  zelo  ,  valor,  e  juízo  cou- 
íiftia  huma  das  melhores  defenfas  do  Reyno  ,  o  que  re- 
ferio  a  EIRey  em  repetidas  cartas.  O  receyo  deite  in- 
tento dos  Caítelhanos  fe  defvaneceo  brevemente ;  João 
Nunes  voltou  para  o  exercito  ,  e  EIRey  nomeou  para 
o  governo  das  Armas  do  Porto  ao  Bailio  de  Lefsa  Dio- 
go de  Mello  Pereira ..;  e  porque "coníiífcia  a  melhor  de-, 
fenía  de  Entre  Douro  >  e  Minho  ,  que  fe  divertifse  nas 
Praças  maritimas  o  poder  do  exercito  -t  ordenou  EIRey 
ao  Conde  de  Atouguia  ,  General  da  Armada ,  que  com 
leis  fragatas  fof se  aviltar  as  Rias  de  Galliza.  A  jorna- 
da foy  breve  ,  e  o  efeito  pouco ,  porque  o  Conde  che- 
gando a  Ria  de  Vigo  ,  bateo  as  caías  da  Villa  com  rfí-. 
co  manifeíto  dos  navios  da  Armada  ,  pela  muita  arti- 
lharia ,  que  jogava  fobre  elles  ,  que  matou  ,  e  ferio  na 
Capitania  alguns  foldados  ,  affiítindo  o  Conde  valerofa- 
mente  nos  lugares  mais  arrifcados.  Voltou  para  Lisboa, 
e  o  do  Prado  ,  diísuadido  das  efperanças  deite  foccofro, 
continuou  a  defenfa  de  Entre  Douro  ,  e  Minho. 
;        D.  Balthafar  Pantoja  na  indeterminação  em  que  fe. 
achava  de  pafsar  a  Braga,  ou  a  Ponte  de  Lima,  pelas  dif>. 
ficuldades,  que  lhe  repreíentavaõ  para  confeguir  qual-: 
quer  deitas  em  prezas  ,  elegeo  por  mais  fácil  a  interp re- 
za do  Caítello  de  Lindofo  íituado  ,  entre  as  afperezas- 
da  Raya  Seca  ,  cinco  legoas  diítante  de  ambos  os  quar- 
téis ,  e  féis  de  Braga-,  de  caminhos  mais  intratáveis  pe- 
la parte  de  Portugal ,  que  pela  de  Galliza  5  e  como  a 
çpnfervaçaõ  deite  Ceítello  naõ  era  de  muita  importan< 
cia ,  fe  achava  fem  mais  preíidio  ,  que  alguns  paizanos 
governados  por  Manoel  de  Soufa  de  Menezes  íeu  Al- 
caide mór.  A  confeguir  eíta  empreza  marchou*  o  Ge- 
neral da  Artilharia  D.  Francifco  de  Caílro  com  dous  mil 
Infantes  ,  e  mil  ,e  quatrocentos  çavall os  ,  eem  Lindoío 
íe  haviaó  deencorporar  com  elles  três  mil  Infantes, 
mandados .  pelo  Arcebifpo  de  Santiago.  Todos  a  hum 

tempo 


V 


Parte  n.  livro  vil       *9 

tempo  aviltarão  o  Caílello  ,  e  querendo  inveílillo  ,  re-  Ànno 
cearão  a  reíbluçaõ  ,  com  que  o  Alcaide  mór  fé  difpoz 
á  defendello.  Aguardarão  por  duas  peças  de  artilharia,   J«6-l« 
que  ie  conduzirão  do  exercito  com  grande  diinculdade, 
e  depois  de  cinco  dias  de  bataria,  e  da  perda  de  hum 
Sargento  Mayor  ,  quatro  Capitães,  e  muitos  íoldados, 
íe  rendeo  o  Alcaide  mór  com  honrados  partidos.  C  he- 
gou  ao  Conde  do  Prado  a  noticia  deíla  empreza  ,  hum 
dia  depois  da  marcha  dos  Gallegos  :  intentou  foccorrer 
o  Caíteilo  com  muniçoens ,  e  Infantaria  ,  mas  íem  ef- 
feit  j  j  e  deixou  de  marchar  com  todo  o  exercito  ,  aí- 
fim  pela  pouca  importância  daquelle  íitio  ,  como  pelos 
rifcos,  a  que  ficava  expoíla  toda  aquella  Provincia.  D. 
Balthafar  os  dias ,  que  durou  o  ataque  de  Lindoío,  pro- 
curou, divertir  o  exercito  ,  intentando  queimar  a  Villa 
da  Barca  vizinha  ao  feu  alojamento,  porém  fem  defen- 
fa  ,  e  com  pouca  povoação.  Para  confeguir  eíle  inten- 
to ,  fahiraõ  do  quartel  oito  batalhoens ,  e  quantidade 
de  mangas  de  moí que teiros.  O  Conde  do  Prado  ven- 
do eíta  refoluçaó,  mandou  ao  Tenente  General  Fernão 
de  Souía  com  trezentos  Infantes  a  defender  a  VilJa ,  o 
queconíeguio,  obrigando  aos  inimigos  a  íe  retirarem 
com  algum  damno.  Era  continuo  ,  o  que  recebiaó  da 
vigilância  do  Conde  de  S.  Joaó;  porque  hora  nas  eílra- 
das  dos  eorriboys  cortando-os,hora  armando  ás  partidas 
deíordenadas  ,  que  fahiraõ  do  exercito  a  fazer  prezas, 
poucos  dias  ha  via,  que  a  nofsa  Cavallaria  fe  naõ  remon- 
taíse  de  cavallos  inimigos.  Achava-fe  emboícado  o  Te- 
AQn™  André  Gonçalves  com  vinte  cavallos  na  eílrada 
de  Monção  ,  a  tempo  que  pafsaVa  hum  Terço  de  Mili- 
cianos para  o  exercito,  que  conítava  de  quatrocentos 
imantes  ,  na  confiança  das  continuas  partidas  da  Cavai- 
mia  i  que  feguravaó  aquella  eítrada:  iiaõ  perdeo  o  Te- 
nente ,  que  era  valeroíò  ,  occafiaó  taó  opportuna  J  dei- 
xou palsar  a  retaguarda  ,  e  entrou  por  ella  com  os  vin- 
te cavallos  unidos ,  correo  até  a  Vanguarda  ,  matando  , 
e  ferinco  com  tanto  eftrago ,  que  em  pouco  efpaço  fi- 
cou a  Campanha  coberta  de  mortos,  e  feridos,  eelle 
ie  retirou  para  o  exercito  carragado  dedefpojos  ,efe- 

guido 


?o      PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÀtUIO  guido  de  prifioneiros ,  fem  receber  dam  no  algum.  D.Í 
\{(r.  ^althafar  Pantoja  determinou  mudar  de  íitio  ,  como 
o        enfermo  ,  a  que  naõ  aproveítao  remédios  ,  e  elegendo 
huma  noite  tempeítuoía  ,  pafsou  o  Lima ,  e  toruou  a. 
occupar  o  quartel  de  Murilhoens ,  e  Giela;  e  como  a 
quantidade  da  agua ,  que  chovia  ,  fez  crefcer  o  rio  de 
forte  ,  que  cobrio  a  ponte  ,  que  era  de  madeira  ,  e  a 
prefsa  de  pafsar  o  exercito  ,  iem  ferfentido  dasnofsas 
ímtinellas  ,  foy  grande  ,  a  muitos  íbldados  levou  a  cor- 
rente. O  fracaço  ,   e  o  rumor  facilitou  eíta  noticia  ao. 
Conde  do  Prado  ,  que  determinou  feguir  os  inimigosj 
porém  naó  confentio  abalar  o  exercito  de  noite,  co- 
mo pertendeò  o  Conde  de  S.  Joaõ  com  o  intento  de 
Hie  embaraçar  a  marcha  ,  fazendo  tocar  juntamente  ar- 
ma na  retaguarda  ,  que  faria  prédio  deter-fe  pelo  in- 
certo perigo  ,  que  a  cerração  da  noite  na©  deixava  di-; 
itínguir  ,  e  que  com  eíta  dilação  chegaria  a  luz  da  ma- . 
nhãa  ,  e  feria  fácil  derrotar  toda  a  parte  do  exercito  r 
que  naõ  tivefse  pafsado  a  ponte.  Porém  o  Conde  do  Pra-» 
do  ,  que  fiava  mais  do  exame  dos  olhos ,  que  da  incer- 
teza da  fortuna ,  naõ  permittio,  que  fepelejafse  de  noi- 
te. Logo  que  amanheceo  ,  chegou  ao  rio  o  Conde  de 
S.Joaõ  ,e  naõ  achando  deita  parte  mais ,  que  o  ultimo 
batalhão  ,  o  carregou  com  tanta  fúria ,  que  fem  repa- 
rar no  perigo  ,  a  que  fe  expunha,  pafsou  intrepidamen- 
te da  outra  parte  com  os  batalhoens  ,  que  o  acompa- 
nhava Naó  dilatou  D.  Balthafar  Pantoja  uíar  da  op- 
-portuna  occaíiaó  de  fer  author  no  mefmo  pafso  ,  em 
que  íe  conhecera  réo  taó  poucas  horas  antes ;  voltou 
com  a  retaguarda  ,  fez  o  meímo  a  vanguarda  ,  que  já, 
hia  chegando  a  Murilhoens  ,  etodo  o  exercito  fe  dif- 
poz  á  vingança  de  tantos  aggravos  recebidos  nos  en- 
contros antecedentes :  porém  o  Conde  de  S.  Joaõ  ,  que 
nos  mayores  perigos  affinava  o  valor,  e  a  deítreza,  aju- 
dado do  terreno  occupou  com  partidas  de  Ca  valia  ria  > 
e  mofqueteiros  todos  os  pafsos  eítreitos  ,  e  os  defen- 
deo  com  taó  invencível  conítancia  ,  que  fendo  repeti- ; 
das  vezes  accometidos;  em  todas  foraõ  os  inimigos  re-, 
chaçados  j  e  deu  tempo  ,  a  que  oC  onde  do  Prado ,  ven- 
do 


PARTE  II.  LFKO  VII.         51 

do  o  perigo  que  corria,  viefse  diligentemente  a  foccor-  Amo 
rello  ,  fazendo  o  Meítre  de  Campo  General  marchar  o     /, 
'exercito  com  tanta  preílreza  ,  que  brevemente  pafsou  a  l"6*m 
ponte  contra  o  parecer  de  muitos  Oíticiaes  ,  que  decla- 
rarão ,  e  propuzeraõ  o  perigo  ,  a  que  feexpunhaó,  e 
unicamente  ficou  ^  deita  parte  do  rio  o  Meílre  de  Cam- 
po Luiz  de  Sancé  com  o  leu  Terço  ,  occupando  hum 
lítio  ta õ  ventajolb  ,  que  occaííonou  com  as  bocas  de  fo- 
go grande  damno  aos  inimigos.  Por  todas  as  partes  ie 
pelejava  entre  os  dous  rios  Vés  ,  e  Lima  taõ  furioia- 
mente  ,  que  a  fer  o  terreno  menos  embaraçado,  naquel- 
le  dia  ie  terminarão  todos  os  intentos  daquella  Campa- 
nha. D.  Balthafar  ,  vendo  taõ  invencível  refiílencia  na 
vanguarda  ,  mandou  pela  retaguarda  as  Tropas  estran- 
geiras avançar  hum  pafso  ,  que  defendiao  os  Capitães 
de  Infantaria  Fernão  da  Silva  e  Sou  la,  Francifco  de  Fa- 
lhares, Marcos  de  Brito  ,  Joaõ  Pereira  ,  e  Fernão  Ma- 
chado com  as  fuasCoropanhias.Foraó  valerolamente  re- 
cebidos ,  e  furioíamente  rechaçados ,  e  ajudados  da  ef- 
treiteza  dos  callejoens  os  levarão  tanto  eípaço ,  que 
ficou  o  exercito  feguro  daquelle  lado.  Nefte  tempo  ha- 
via chegado  a  noísa  artilharia  \  e  começando  a  jogar 
com  maravilhofo  efieito  ,  igualmente  le  pelejava  por 
todos  os  lados  com  ventajem  conhecida  do  nofso  ex- 
ercito. Porém  ainda  que  o  damno  ,  que  os  Gallegos  pa- 
deciaõ  ,  era  grande,  por  naõ  experimentarem  outro 
mayor  ,  fe  naõ  retirarão  até  cerrar  a  noite  j  porque  a 
marcha  era  por  huma  ladeira  ,  com  que  íe  expunhaõ 
fem  reparo  todos  os  foldados  á  livre  pontaria  dos  nof- 
los  moiquetes  ,  e  artilharia.  Cerrada  a  noite ,  fe  retirou 
D.  Balthafar  Pantòja  deixando  na  Campanha  mortos 
quatrocentos  homens,  naõ  havendo  cultado  mais  vidas 
que  as  de  trinta   Portuguezes.  Amanhecerão  os  Galle- 
gos outra  vez  alojados  no  quartel  de  Giela  ,  e  o  nofso 
exercito  feguindo-os,  tornou  a  occu par  o  alojamento 
do  Souto;  edefejando  o  Conde  do  Prado  occaíionar- 
lhzs  mayores  incommodidades  ,  mudou  o  quartel  para 
S.  Bento ,  que  ficava  taõ  vizinho  aos  inimigos  ,  que  fó 
o  no  Vés  com  muitos  países  livres  fé  interpunha  en- 
tre 


i66i. 


31     PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnnO  tre.  os  dous  quartéis.  Com  damno   de  ambos  jogava  a 
artilharia  dehuma  ,  e  outra  parte  >  e  coníiderando  o 
Conde  do  Prado  ,  que  por  huma  antiga  ponte  de  ma- 
deira recebiaõ  os  Gallegos  commodamente  os  comboys, 
que  vinhaó  dos  Fortes  da  Portela  de  Vés  ,  a  mandou 
huma  noite  arruinar  pelo  Cómiísario  geral  João  da  Cu- 
nha ,  que  naõ  achou  contradição  ,  que  naõ  foles  vencí- 
vel. Quando  amanheceo  ,  acodiraô  os  Gallegos  a  exa- 
minar eíle  damno  ,  e  acharão  occupado  o  poíto  pelo 
Conde  de  S.  Joaó  com  a  Cavallaria  ,  e  mangas  de  mof- 
queteiros  ;  e  como  o  rio  embaraçava  pelejar-íe  corpo  a 
corpo  ,  contenderão  as  bocas  de  fogo  cinco  horas ;  e 
intentando  hum  troço  de  Cavallaria  extrangeira  paísar 
o  váo ,  foy  rebatido  dos  Capitães  de  cavallos  Jeronr- 
mo  da  Silva  ,  e  Gonçalo  Vaíques  da  Cunha.  Partio  a 
noite  a  contenda ,  e  vendo  D.  Balthafar  mal  fuccedidas 
todas  as  emprezas  difficeis ,  determinou  com  as  fáceis 
deípicar  o  feu  enfado,  mandou  queimar  a  Villa  dos  Ar- 
cos de  Vai  de  Vés  íituada  entre  ambos  os  exércitos  íem 
défênfa  ,  nem  moradores  ;  e  o  Conde  do  Prado  havia 
deixado  de  lhe  meter  guarnição  ,  porque  D.  Balthafar 
varias  vezes  havia  tido  occaliaõ  de  fazer  eíteeítrago» 
fem  o  executar.  Avifado  das  chammas  mandou  oCon-? 
de  apagar  o  fogo  ,  e  cuítou  eíla  diligencia  a  vida  ao 
Capitão  Marcos  de  Brito  ,  e  alguns  loldados  ;  porém 
eftava  ta  õ  ateado  ,  que  padecerão  as  calas  grande  ruí- 
na. Prefiítiraõ  os  Gallegos  no  quartel  da  Giela  até  três 
de  Outubro  ,  fendo  quafi  incefsantes  as  baterias  da  arti- 
lharia ,  e  bocas  de  fogo.  A  noite  c|o  dia  referido  mar- 
chou o  exercito  com  tanto  focego ,  que  naõ  fentiraõ"  o 
rumor  as  fintinellas  j  e  com  tanta  diligencia ,  que  pelas 
oito  horas  do  dia  ardiaõ  os  quartéis  defoccupados.  Le«. 
vava  o  lado  efquerdo  coberto  com  o  rio  Vés ,  e  ne- 
íta  confiança  pafsou  a  ponte  de  Azere ,  ribeiro,  que  def- 
agua  no  meímo  rio  Vés :  e  pela  margem  delle  fegurou 
a  paisagem  da  ponte  de  Villela.  Coníeguido  eíte  inten- 
to >  continuou  a  marcha  por  íitios  taõ  embaraçados  de 
cortaduras ,  e  callejoens ,  que  poucos  mofqueteiros  ba« 
ftavaô,  para  fegurar  na  marcha  todo  o  exercito.  O  nof- 

fo 


PARTE  II.  LIVRO  VII.        33 

fo  mandou  o  Conde  cio  Prado  Jformar  com  a  diligencia  Anilo 
tantas  vezes  experimentada  ,  e  o  fitio  moítrou  ao  Me-     ,, 
itre  de  Campo  General  a  forma,  em  que  havia  de  íe-  l0"i« 
guir  a  marcha  $  porque  a  Cavallark,  e  Infantaria  em 
huma  linha  buícou  as  alturas  de  Monte  Rodondo ,  le- 
vando o  exercito  inimigo  no  lado  direito  ,  e  artilharia, 
e  carruagem  em  outra    linha  coberta  com  a  primeira- 
Seguirão  a  eítrada  do  Cerro  do  Bico ;   e  neíla  difpofi- 
çaõ  marchou  o  exercito  toda  a  noite  ,  pertendendo  o 
Conde  do  Prado  adiantar-fea  ganhar  o  poíto  de  Pedro- 
fo  ibbre  os  Fortes  da  Portella  de  Vez  ,  por  ie  livrar  do     ■ 
cuidado  dos  lugares  ,  e  officinas  de  Coura.  Amanheceo 
na  Gieíleira  ,  meya  legoa  de  Pedrofo  ,  e  taõ  adiantado 
ao  exercito  inimigo  ,  que  feguramente  mandou  fazer 
alto  para  defcançarem  os  foldados  ,  que  valerofos,  e 
obedientes  moílravaó  ,  que  o  naõ  appeteciaô.  Informa- 
do D.  Balthafar  da  ventagem  ,  que  o  Conde  do  Prado 
havia  confeguido  contra  tudo  ,  o  que  o  íèu  difcurfo  ti- 
nha imaginado,  difse  com  galantaria  :  Q.ue  e^e  íè  des- 
enganava de  que  na 6  podia  defobrigaríè  de  fer  Quartel 
Meílre  de  ambos  os  exércitos  ,  porque  naó  íb  nos  alo- 
jamentos, que  ganhava ,  fenaó  nos  que  pertendia  oc- 
cupar  ,  fmalava  ao  nofso  exercito  os  íitios ,  que  o  in- 
commodavaõje  reconhecendo  arrifcada  a  primeira  refo- 
luçaõ  ,  feguio  a  eítrada  dos  Fortes  da  Portella  ,  e  foi 
aquartelar-fe  no  primeiro  alojamento,  que  havia  oc- 
cupado  dos  altos  das  Pereiras ,  e  Mourifca  ;  o  quecon- 
feguio  com  grande  trabalho  pelo  pezado  ,  e  numerofo 
Trem,  que  feguia  o  exercito:  e  o  Conde  do  Prado  com- 
modamente  alojou  no  Pedrofo  ,  e  ao  dia  feguinte ,  que     / 
íe  conta vaõ  vinte  e  fete  de  Outubro  ,  mandou  D.  Bal-    / 
thafar  Pantoja  conduzir  a  artilharia  grofsa  para  Mon- 
ção i\  e  para  a  fegurar ,  tomou  as  armas  todo  o  exerci- 
to. Fez  o  nofso  com  eíla  noticia  a  mefma  diligencia  > 
e  tanto  que  teve  principio  a  marcha  ,  o  teve  a  efcara- 
muça  ,  que  trava vaô  as  Companhias  da  guarda.  Acodio     • 
a  foccorrellas  o  Conde  de  S.  Joaô  ,  e  baixou  toda  a  Ca- 
vaílaria  inimiga  a -fegurar  o  comboy.  Por  todos  aquela 
Xes  afperiflimos  valles  prolongou  o  Meílre  de  Campo 

C  Rodri- 


\'0 


14      PORTUGAL  RESTAURADO, 

A  IirJ3  Rodrigo  Pereira  Sotto-Maior  mil  e  quinhentas  moí- 
queteiros,  e  os  Gallegos  efpalharaõ  pelos  moátes  aia- 

IÔÔ2,  da  maior  numero  de  bocas  de  fogo  j  porém  era  larga 
a  diítancia  ,  e  oeítroiido  era  maior,  que  o  eftrago.  Al- 
gumas das  noísas  mangas  ,  a  que  dava  calor  o  Commif- 
íario  geral  Manoel  da  Coita  Pefsoa  com  quatro  bata- 
liioens  ,-defcobriraó  caminho  para  inveítir  hum  Terço, 
que  fe  amparava  da  ruina  de  humas  cafas  ,  aififrido  de 
tresbatalhoens  de  Cavallaria  com  pouca  utilidade;  por- 
que as  cortaduras ,  e  calejoens  naõ  deixava 6  aos  cavai- 
•  los  livre  operação.  Eíta  defconflança  ,  e  o  próprio  re- 
ceio obrigou  aos  Infantes  a  voltarem  as  coitas,  occa- 
fionando  a  eltreiteza  do  terreno  a  fernrazaò  de  ferem 
os  últimos  ,  que  fugirão  ,  os  primeiros  que  morrerão, 
franqueando  o  pafso  a  padecerem  os  da  vanguarda  o 
meímo  eítrago.  Foraó  muitos  os  prifioneiros ,  e  entre 
elles  o  Capitão  D.  Filippe  Preijo  ,  fobrinho  de  D.  Bal- 
thafar  Pantoja.  Acodio  ao  confli&o  a  Cavallaria  inimi- 
ga ,  e  em  foccorro  das  nofsas  mangas  o  Conde  de  S. 
Joaõ,  acompanhado  dos  Capitães  D.  António  Luiz  de 
Soufa  ,  Capitão  da  guarda  ,  e  de  D.  Joaõ  de  Souía  feu 
irmaó,  que  de  poucos  annos  galhardos,  e  vaterofos  erao 
imitadores  das  acçoens  do  Conde  do  Prado  ,  a  quem  co- 
mo Pay ,  como  Meítre  ,  e  como  General  obedeciaõ  >  de 
Jeronymo  da  Silva  de  Menezes  ,  e  da  Companhia  do 
Conde  deS.  Joaó  ,  governada  pelo  feu  Tenente  Amaro 
Barbofa.  Detiveraõ-fe  os  inimigos  comeíte  foccorro  , 
e  ambos  os  exércitos  pelejavaõ  por  ambas  as  partes  na 
forma,  que  a  eítreiteza  do  terreno  o  permittia.  Todo  o 
tempo  que  duram  oconili&o  ,  fuítentou  o  lado  eíquer- 
do  da  Cavallaria  o  Tenente  General  Fernão  de  Soufa 
Coutinho  ,  com  as  Companhias  de  D.  Luiz  Manoel  de 
Távora  ,  que  com  a  nova  occupaçaó  de  Capitão  de  ca- 
vallos  defcobria  porinítantes  os  quilates  mais  fubidos 
de  valor,  e  entendimento :  de  Ignacio  de  França  ,  ea 
do  Tenente  General ,  que  governava  o  Tenente  Tho- 
más. Ribeiro  de  Sampayo.  Durou  o  combate,o  que  du- 
rou o  dia  ,  com  defufada  operação  j  porque  o  terreno 
dava  a  forma  a  ambos  os  exércitos  comamsima  irre- 

gulari- 


PJRTE  TL  LIVRO  LIV.         5? 

gularidade  ,  de  que  fe  compunha ,  e  o  meímo  terreno  A  nno 
embaraçava  o  ultimo  rompimento  pelas  varias  ,  e  diffi-  .: 
ceis  corta  duras  ,  com  que  fe  dividia ;  e  íó  liuma  dif-  i  6Ó2-. 
ferença  fe  conhecia  entre  os  dous  exércitos:  que  os 
Gallegos  afíligiaõ-fe  de  naõ  achar  eítrada  aberta  por 
onde  íe  retirafsem  5  e  os  Portuguezes  fentiraõ  naõ  def- 
cobrir  caminho  defembaraçado  para  os  derrotarem.  A 
noite  facilitou  aos  Gallegos  a  retirada  com  tanto  tra- 
balho, que  enterrarão  algumas  peças  de  artilharia  grof- 
f a  ,  que  nao  puderaó  conduzir  ,  e  ficou  o  exercito  alo- 
jado na  ultima,  e  mais  remontada  aípereza  daquellas 
Serras  ,  em  que  naõ  defcobria  outra  utilidade  ,  que  a 
fegurança  dos  comboys ,  e  neíte  alojamento  aíliíKo  até 
treze  de  Outubro  ,  tempo  ,  em  que  o  Conde  do  Prado 
aguardou  no  quartel  referido  a  determinação  de  D.Bál- 
tli&íar  Pantoja  ,  cujas  refoluçoens  bufcavaô  fempre  os 
meios  de  as  encontrar.  Na  madrugada  de  quatorzè  de 
Outubro  fe  puzeraó  os  inimigos  em  marcha  ,  e  fez  avi- 
zo  ao  nofso  exercito  o  eítrondo  das  minas  do  Forte 
das  Pereiras,ehum  dos  dous  da  Portella  de  Vez, a  que  fe 
deofogo,  recolhida  a  guarnição  depois  de  marchar  a 
retaguarda  do  exercito.  Com  eíta  noticia  mandou  O 
Conde  do  Prado  pegar  nas  armas  ,  e  com  tanta  diligen- 
cia marchou  o  nofso  exercito ,  que  nao  pudéraò  os  Gal- 
legos dar  fogo  ás  minas  do  Forte  do  Pedrofo ,  e  o  dew 
xaraõ  fem  ruina.  Foi  logo  guarnecido  pelas  primeiras 
três  mangas  de  mofqueteiros ,  que  chegarão  ,  e  jogou 
a  artilharia  em  grande  damno  dos  Gallegos ,   e  os  obri- 
gou a  aprefsar  a  marcha  ,  eítimulados  ao  mefmo  tempo 
dos  batalhoens ,  com  que  o  Conde  ;de  S.  Joaõ  mandou 
carregar-lhes  a  retaguarda  -,  e  havendo  caminhado  per* 
to  de  duaslegoas,ficou  aquartelado  nos  montes  de  Lor- 
delo,íitio,de  que  ameaçava  Melgaço  por  Ponte  de  Moin- 
?o,  naõ  ie  retirando  para  Monçaõ* ,  eítrada  ,  que  tam- 
bém lhe  ficava  livre.  O  Conde  do  Prado  alojou  o  exer- 
cito no  quartel  da  Bulhofa,  próprio  para  acudir  a  qual- 
quer perigo,  que  íobreviefse:  e  D  Balthafar  Pantoja 
baixou  da  Serra  para  a  margem  do  Minho  ,  e  aquarte- 
lou o  exercito  entre  Monçaõ,  e  o  Forte  do  Mouro,  for- 

e  *  tifi. 


; 


/ 


tf    PORTUGAL  TIESTJURADO, 

Alino  tificando  hum  quartel  no  lugar  da  Barbeita  com  tanta 
,,      cautela  ,  que  manifeílava  o. receio  de  fer  desbaratado 

IO0&,  0  niefmo  t  que  havia  fahido  em  Campanha  ,  moítran- 
do  querer  deíàfiar  aos  maiores  perigos.  Deíie  alojamen- 
to mandou  D.  Balthafar  reconhecer  Melgaço ;  porém 
osexploradoresforaõ  taõ  mal  hofpedados  da  guarnição, 
que  nao  voltarão  a  inquietalla :  e  o  Conde  do  Prado 
tendo  noticia  que  eítava  vizinho  Manoel  Freire  de  An- 
drade ,  General  da  Cavallaria  da  Beira  ,  com  trezentds 
"  cavallos  ,  e  novecentos  Infantes  ,  chamou  a  ConfeUio» 
e  píopoz  que  o  exercito  inimigo  com  indiísoluvel  per- 
tinácia períiília  na  Campanha  ,  e  que  quanto  eraò  as 
razoens  mais  forçoías  de  fe  retirar  ás  fuás  Praças  ,  para 
fe  livrar  das  inclemências  do  tempo  ,  e  aos  paizanos  de 
Galliza  das  extorfoens  ,  que  padeciaõ  no  feu  fuílento  y. 
e  exorbitâncias  dos  Extrangeiros,  tanto  maior  cuidada 
devia  occaíionar  a  refoluçaõ  de  I\  Balthaíar  Pantoja 
fortificar  o  quartel ,  que  occupava  t  com  tanta  atten-< 
çaõ  ,  I  que  parecia  o  fabricava  para  paísar  nelle  todo  o 
Inverno  vque  a  infelicidade,  que  D.  Balthaíar  havia  ex- 
perimentado em' todos  os  recontros  daquella  Campanha 
(  que.pudéraô  fer  batalhas  ,  fe  o  feu  receio  as  naõ  def- 
•viara)  infinuava ,  que  nao  haveria  reíoluçaõ  ,  por  árdua 
que  fofse  ,  que  nao  abraçafse  ,  por  dar  côr  aos  feus  in- 
fortúnios :  queneíta  coníideraçaõ  era  preciío  bufcarfe 
meio  de  deíarraigar  os  inimigos  daquellaProvincia  qua- 
íi  exliauíta  de  mantimentos  ,  por  fer  devafsãdá  de  dous 
exércitos  tantos  dias  ;  que  afsás  havia  juíliíicado  a  fua 
fertilidade  em  fuftentalos  .,  principalmente  confiando 
naõ  fe  haverem  alterado  os  preços  dos  mantimentos : 
que  elle  em  fatisfaçaò  da  virtuofa  igualdade  dos  âni- 
mos ,  que  em  todos  os  que  aííiíliaõ  naquelle  ConfeUio, 
havia  experimentado  ,  de  que  fe  reconhecia  agradeci- 
do por  circunílancias  inexplicáveis  ■>  determinava  ,  fem 
interpor  juizo ,  feguir  o  que  fe  vencefse  em  matéria  taõ 
importante  ,  na  fé  de  que  havia  de  fer  o  que  mais  con- 
vieíse  ao  ferviço  d' EiRey  ,  e  ao  credito  das  fuás  Ar- 
mas. .  | 
Ventilou-fe  largamente  no  Çonfelho  eíta  propor- 
ção, 


TJRTE  II.  LWK0V11.      n 

•Çàô  ,  e  refolveo-le  ,  depois  de  diverfas ,  e  importantes  /^nno 
confideraçoens  ,  que  o  exercito  pafsaíse  a  alojar  a  Tur-    ^  , 
peris  ,  que  divide  o  Ribeiro  de  Gadanha  da  Campanha  1^0  2» 
deCortos  ,  e  era  fó  o  embaraço  ,  que  ficava  feparando 
os  dous  exércitos ;  e  que  na  mefma   noite,  que  fe  co- 
cupafse  eíle  quartel,  íe  adiantafse  hum  corpo  de  Infan- 
taria com  mineiros  ,  e  mantas,,  que  em  continente  íe 
arrimafsem  ao  Caítellg  d^Xâpella  í  porque  na  diligen- 
cia de  inveítillo  confiiria  a  certeza  de  ganhallo  ,  pois 
dando-fe  tempo  aos  inimigos  de  o  íbccorrer,  leria  o  in- 
tento naõ  fó  difficultofo  ,  mas  quah*  impoífivel  j  e  que 
neíta  contingência  fempre  era  faótivel  lograr- fe  o  in- 
tento pertendido  de  defalojar  os  Gallegos  do  quartel , 
em  que  eítavaõ  ,  e  confequentemente  de  toda  a  Pro- 
vincia.  Foi  eíta  opinião  uniformemente  feguida  de  to- 
dos os  votos  ,  e  executada  com  fumma  brevidade,  pon- 
do-fe  o  exercito  em  marcha  a  nove  de  Novembro  a 
occupar  o  quartel  referido:  e  como  muitas  vezes  até 
a  demaziada  diligencia  he  nociva,por  fer  a  regularidade 
nivelada  entre  os  dous  extremos  da  preísa  ,  e  vagar , 
e  fó  a  ordem  consuma  a  perfeição  das  em  prez  as  ,  a  bre- 
vidade de  marchar  o  exercito  perturbou  a  difpofiçaõde 
fahirem  de  vanguarda  os  mineiros  ,  e  inítrumentos  de- 
ílinados  ,  para  íe  arrimarem  ás  muralhas  de  Lapella  ;  e 
eftedefcuido  difficultou  aempreza  ,  naõ  havendo  nel- 
le  mais  difculpa ,  que  ferem  ordinariamente  as  idéas 
como  as  fementeiras,  que  produzem  conforme  a  terra, 
em  que  fe  lança ó.  D.  Balthafar  Pantoja  com  o  primei- 
10  avizo  do  movimento  do  nofso  exercito  para  Turpe- 
ris  ,  largou  o  alojamento ,  em  que  eílava  ,  e  fe  ar rimou 
a  Monção  ,  e  na  mefma  noite  paisou  o  Minho  ,  e  dif- 
poz  o  foccorro  de  Lapella,  que  a  noisa  artilharia  come- 
çava a  bater  com  dous  meios  canhoens  ,  duas   peças 
de  fete ,  e  hum  morteiro  ,   e  no  principio  do  ataque 
fe  levantou  hum  Fortim :  porém  a  empreza  fe  hia  con- 
tinuando com  infuperavel  perigo  ;  porque  D.  Balthaíat 
feoppoz  ao  nofso  intento  com  todo  o  exercito  ,  eent 
cinco  baterias  fez  jogar  dezanove  peças  grofsas  ,  que* 
íuppoíto  fe  plantarão   da  outra  parte  do.  rio ,  naquella 

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58     POKTUGÂL  ViESlJUtA&O , 

'Anno  ne  ta^  eítreito  ,  que  fe  pôde  julgar  por  fofsD  de  Lapel- 
la  K  por  cujo  refpeito  todas  as  balas  íe  empregarão  nos 
'  nofsos  qu  ateis :  e  naõ  perdoava  D.  Balthaíar  a  diligen- 
cia alguma,por  naó  accrefcentar  cora  algum  novo  defar 
os  infortúnios  pafsados*,  entendendo  ,  que  noferviço 
dos  Príncipes  naó  pode  o  valor ,  nem  a  boa  difpoíiçaó 
evitar  fahirem  fempre  condemnados  os  infelices.  Era 
neíta  vigilância  o  mais  prejudicado  o  Meítre  de  Campo 
Luiz  de  Sancé  ,  a  quem  o  Conde  do  Prado  havia  eny 
tregue  o  governo  do  aproxe  ,  pleiteando-fe-lhe  qual 
quer  palmo  de  terra,  que  ganhava,  com  tanto  ardor  , 
e  multiplicado  poder ,  que  nem  fer  continuamente  re- 
gada com  fangue  lhe  fazia  colher  fruto  do  feu  traba- 
lho. Chegando  porém  a  alojar-fe  tiro  de  piílola  da  eí- 
tacada  de  Lapella ,  laborava  a  artilharia  incefsantemen- 
te  contra  a  Praça  ,  crefcendo  nas  plataformas  o  nume- 
ro das  peças  ,porém  pela  eílreitezà  dorecincto  recebia 
maior  damno  das  bombas ,  que  cahiaó  no  aproxe  ,  on- 
de os  Cabos  aííiíttaõ  com  valoro fa  emulação :  e  vendo 
o  Conde  de  S.  Joaõ  creícido  o  nofso  exercito  ao  nume- 
ro de  treze  mil  Infantes ,  e  mil  e  quinhentos  cavallcs, 
provocava  inceísantemente  os  inimigos  a  pelejar  fora 
dosaproxes  ,  porém  delles  com  repetidas  fortidas  pro- 
curava 6  iófufpender  a  execução  do  trabalho.Huma  das 
noites ,  em  que  eítava  de  guarda  o  Commifsario  geral 
João  da  Cunha  Soto- Maior  com  quatro  batalhoens,  fo- 
raó  vivamente  atacados  os  Infantes  ,  que  trabalhava õ  •, 
porém  taõ  valo rofamente  defendidos ,  que  os  Caítelha- 
nos  fe  retirarão  com  grande  perda.  Repetio-íe  efte  mef- 
1110  intento  na  noite  de  dezoito  de  Novembro  ,  eftan- 
do  de  guarda  com  o  mefmo  numero  de  batalhoens  p 
Tenente  General  Fernão  de  Soufa  Coutinho  •,  mas  era 
taô  grande  a  tem  peita  de  da  agua  ,  que  competia  com 
a  do  fogo ,  que  da  Praça  ,  baterias  ,  e  exércitos  fe  re- 
petia taõ  incefsantemente  ,  que  fazia  refplandecer  o  ef- 
curo  das  nuvens  ,  que  cobria  õ  o  Ceo  ,  eo  tenebroío  do 
fumo  ,  que  occupava  o  ar.  A  tempeftade  ,  e  o  eiirondo 
diffimularao  o  rumor  da  paisagem  de  mil  cavallos ,  ou- 
tros tantos  Infantes ,  e  quantidade  de  Granadeiros,  que 


PARTE  11  LIVRO  VIL  59 

pafsarajS  a  LagelJâJ  por  huma  ponte  lançada  em  o  fun-  Anno 
do  de  dous  braços  ,  que  formão   no  rio  Minho  huma     *  s- 
pequena  Ilha  ,  e  unido  elte  corpo  aos  mais  àefeh  fores  I002' 
da  Praça,  inveíliraô  tao  furioiàmentejoaproxe,  que 
delalojaraõ  todos,os  que  trabalhavaÔ  nelle.Acodio  Fer- 
não de  Souía,  e  fazendo  deter  os  Infantes,  fe  travou 
huma  porfiada  contenda,  determinando  os  inimigos 
conlervar  o  que  haviaõ  ganhado  j  e  Fernão  de  Soufa  re- 
ílaurar  o  que  eílava  perdido.  De  hum  , -e outro  exer- 
,cito  fe  repetirão  os  íoccorros  de  forte  ,  que  a  fer  o  fi- 
tio  mais  efpaçofo ,  fe  pudera  nefte  dia  travar  a  bata- 
lha. Ultimamente  depois  de  muitas  mortes  ,  e  difpen- 
dio  de  fa ngue  ,  tornou  Fernão  de  Soufa  a  recuperar  o 
aproxe ,  retirando-fe  os  Gallegos  com  perda  coníidera- 
veb,fignalando-fe  nefta  occafião  D.Luiz  Manoel  deTa- 
vora  com  tanta  particularidade  ,  que  merecerão  os  íeus 
poucos  annos  infinitos  applaufos  •,  o  Capitão  de  cavai- 
los  Fernão  Pinto  Bacellar  ,  e  o  Tenente  de  Fernão  de 
Souía,  Thomás  Ribeiro  de Sampayo.  Ao mefmo  tem- 
po deftaiortida  ,  querendo  D.  Balthafar  entregar  .fe  to- 
do á  fortuna  nefte  ultimo  combate  ,  mandou  inveftir 
.por  varias  partes  o  nofso  quartel  •,  porém  a  vigilância 
invencivel  do  Conde  do  Prado  ,  e  dos  mais  Cabos ,  e 
píflciaes  do  exercito  desbaratou  efte  empenho,  fendo 
valoro  fomente  rechaçados  todos  ,  os  que  furioíamente 
inveftirão»  A  manhãa  dividia  a  contenda  ,  e  a  prudên- 
cia ,  e  induftria  de  João  Nunes  da  Cunha  fez  feparar  os 
.exercitos,quando  parecia  mais  indifsoluvel  o  empenho, 
em  que  feachavão*,  pedindo  a  reputação  das  Armas 
Portuguezas ,  que  o  Conde  do  Prado  não  defiíHfse  do 
intento  de  ganhar  Lapella  ,  e  difficultando-o  osmnti- 
,nuos  foccorros  ,  com  que  fuítentava  eíta  Praça  opo- 
derofó  exercito  contrario. 

Nas  fufpenfoens  das  efcaramuças  havia  tido  João 
Nunes  lugar  de  introduzir  em  o  Marquez  de  Penalva 
.praticas  de  ajuítamento  das  duas  Coroas  ,  moftrando- 
lhe  evidentemente  os  interefses  públicos,  e  a  gloria 
particular,  que  poderia  çonfeguir,  efcurecendo  nella  os 
íuccefsos  paísados ,  que  nas  defattençoens  de  feu  pay  a 

C  3  podião 


/• 


4o      PORTUGAL  RESTAUHJDO, 

Anno  podiaò  abater  i  e  conhecendo  Joaó  Nunes,  que  naô  de£ 
\66l  a3radava°  eítaspropoíiçoens  ao  Marquez  de  Penalva, 
*  esforçou  o  combate  politico ,  e  a  titulo  de  familiari- 
dade ,   e  confiança  lhe  communicou  que  eítava  para 
fe  concluir  huma  liga  com  a  Coroa  de  França  :  e  como 
o  Marquez  tinha  noticia  de  que  eílã  matéria  fe  tra^ 
tava,  fez-lhe grande impreísaõ  entender,  que  fe  con- 
cluia  •,  e  reconhecendo-a  João  Nunes  ha  fynceridade 
do  feu  animo  ,  penetrou  ,  que  fe  defcobria  caminho 
de  fe  retirar  o  exercito  com  reputação.  Deo  conta  ao 
Conde  doPrado(q  naòera  menos  induítriofo)  ,  e  alcan- 
çarão ambos  permifsaõ  da  Rainha  para  fe  continuarem 
as  conferencias  ;  e  tendo  o  Marquez  de  Penalva  con- 
feguido  a  mefma  licença  d'ElRey  de  Caílella  ,  ajudado 
de  D.  Balthafar  Pantoja ,  que  defejava  acabar  a  Campa- 
nha fem  novos  infortúnios,  a  poucos  lances,  depois 
deter  principio  a  conferencia  ,  logrou  Joaó  Nunes  a 
induítria,  com  que  havia  difpoíto  fer  o  Marquez  de  P  e- 
mlya  o  primeiro  ,  que  pediíse  fufpenfaó  de  armas  ,  e 
diviíaó  dos  exércitos  ,  para  fe  poder  tratar  mais  for- 
malmente de  matéria  taô  importante.Aceitou  Joaó  Nu- 
nes promptamente  a  propelia  ,  e  a  vinte  e  três  de  De- 
zembro fe  retirarão  os  exércitos  aos  leu s  alojamentos 
com  tanta  alegria  dos  Povos  de  hum  ,  e  outro  Reyno  , 
havendo-íe  divulgado  a  pratica  ,  que  os  dividio ,  co- 
mo fe  virão  confeguido  o  tratado  da  paz  ,  a  que  ainda 
fe  naó  havia  dado  principio.  Foijjoaó  Nunes  conti- 
nuando as  conferencias,havendo  tirado  delias  a  primei- 
ra utilidade  de  livrar  o  exercito  do  empenho  do  fitio 
de  Lapella  ;  e  fuppoílo  que  o  negocio  ,  que  fe  trata- 
va,  naó  tinha  fundamentos  folidos  para  fe  confeguir, 
foraõ  muito  grandes  as  utilidades,  que  refultaraó  deitas 
conferencias ,  e  com  ellas  tivera ó  remate  os  progrefsos 
deíla  Campanha  venturofamente  pleiteada  dó  valor,  e 
deítreza  do  Conde  do  Prado  ,  e  dos  mais  Cabos ,  e  Of- 
iiciaes  do  exercito  ;  particularizando-fe  com  grande  ef- 
pectalidade  o  Conde  de  S.  Joaó ,  affim  nos  importantes 
foccorros  de  Trás  os  Montes  ,  como  na  diligencia,  com 
que  confeguio  formar  a  CavaUaria  da  gente  mais  nobre 

de 


PMTE  IT.  Limo  VIL 

de  Entre  Douro  ,  e "Minho  ,  e  Trás  .os  Montes  ;  fácil  i- 
tando-lhe  com  o  exemplo  do  leu  vaior  todas  as  em- 
prezas ,  que  fe  offereceraó  em  defenfa  daquella  Provin- 
da ,  e  fendo  próprio  inítrumento  de  fe  augmentar  a 
gloria,  que  o  Conde  do  Prado  confeguio  naqueJia  Cam- 
pa alia.- 

A  Província  de  Trás  os  Montes  pafsou  efte  anno 
quafi  livre  das  moleítias  da  guerra  ,  por  fe  haverem  em- 
pregado as  tropas  de  Galliza  na  conquiíla  deEntreDou- 
ro  ,  e  Minho :  e  por  fenao  haver  quebrado  o  concerto 
de  fe  ábíter  das  entradas ,  e  prezas  a  Cavallaria  de  hu- 
ma  ,  e  outra  parte  ,  tocando  o  governo  das  Armas  ao 
Tenente  General  da  CavallariaDomingos  da  Ponte  Gal- 
lego*,  teve  avizo  no  íim  de  Outubro  por  hum  volantim, 
que  veio  de  Monte-Rey  ,  que  daquella  parte  fe  havia 
por  levantado  o  ajuílamento  da  lufpenfaô   das  pilha- 
gens. Comeíta  advertência  dobrou  a  vigilância ,  e  re- 
iultou  do  Teu  cuidado  livrar  os  lavradores  da  Raya  do 
prejuízo  ,  a  que  eíliveraõ  expoítos ;  porque  ao  avizo  , 
que  os  Gallegos  fizera õ  ,  fefeguio  entrarem  com  cin- 
co mil  homens  na  Campanha  de  Chaves $  porém  achan- 
do os  gados  recolhidos ,  e  os  paizanos  retirados  aos  lu- 
gares mais  fortes,    fe  recolherão  fem  algum  effèito 
aos  feus  prefidios  ;  e  voltando  neíte  tempo  o  Conde  de 
S.  Joaõ  para  Trás  os  Montes  com  as  tropas  vieioriofas, 
que  havia  levado  a  Entre  Douro ,  e  Minho,  naõ  fó  pre- 
fervou  aquella  Provincia  dos  damnos  ,  que  coíhimaraó 
padecer  aquellas  fronteiras  \  porém  foraó  tantos  ,  e  taó 
contínuos  os  eílragos  ,  que  padecerão  os  inimigos,  que 
até  o  tempo  da  paz  ,  como  referiremos  nos  annosfe- 
guintes,  foi  a  fua  ruína  occafiaó  ,  pela  induítria  do 
Conde ,  e  pelo  feu  valor  ,  da  melhora  ,  e  aug mento  das 
tropas  daquella  Provincia. 

O  Partido  de  Almeida  governava  no  principio  de- 
ite anno  Joaó  de  Mello  Feyo  ;  e  tendo  noticia  a  vinte 
e  hum  de  Janeiro,  que  o  Duque  de  Ofsuna  marcliava 
com  três  mil  Infantes',  e  oitocentos  cavallos  a  ganhar 
Almofala ,  e  havia  feito  alto  em  Campo  Rodondo, por- 
que os  da  Villa  fe  naõ  quizeraõ  render  a  huma  partida, 

que 


4»     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ann'0  que  mandou  diante  a  períuadilos,fahio  de  Almeida  com 
166 1   t.rezentos  eavallos  atempo  ,  que  os  Caílelha  aos  fe  re- 
•  tilarão  obrigados  de  huma  grande  tempeítade-,  e  como 
os  rios  crefceraô  com  as  aguas,vaIendo-fe  Joaô  de  Mel- 
lo da  oportunidade  ,  derrotou   na  paisagem  delles  par- 
te da  Infantaria  ,  tomou  algumas  cargas  de  muniçoens, 
e  ferramentas  ,  e  fe  retirou  queixofo  ,  de  que  o  Conde 
de  Villa-Flor  o  naõ  íbcçorrera  a  tempo,  que  pudera  lo- 
grar melhor  fuccefso.  Poucos  dias  depois  do  referido, 
apertado  de  achaques  pedio  licença  á  Rainha  para  lar- 
gar o  governo.  Concedeo-lha,nomeando-o  Confelheiro 
da  Fazenda,  e  ficarão  os  dous  Partidos  entregues  á  di- 
recção do  Conde  de  Villa-Flor.  E  tendo  nefte  tempo 
avizo  do  Conde  de  Schombe rg  ,  que  era  muito  impor- 
tante fazer  alguma  diverfaõ  ,  que  feparafse  a  Cavala- 
ria inimiga  ,  que  eítava  junta  mandou  ao  Meítre  de 
Campo  Diogo  Gomes  de  Figueiredo  com  quatrocentos 
Infantes  ,  e  cento  e  cincoenta  cavallos  governados  pe- 
lo Commifsario  geral  D.Martinho  da  Ribeira,que  mar- 
chaíse  ainterprendera  Villa  deEljas  rica,  e  opulenta. 
Executou  elle  a  ordem  com  fegredo  ,  e  cuidado ,  de 
quereíultou  entrar  na  Villa, fem  fer  fentido.  Ganharão 
logo  os  foldados  todos  os  poítos  necefsarios  ,  para  im- 
pedirem aos  moradores,  que  fe  recolheísem  ao  CaílellQ, 
e  fem  oppoíiçaõ  faquearaó  a  Villa,  em  que  acharão  del- 
-pojos,com  que  puderaó  tolerar  a  falta  de  pagamentos, 
que  por  dilatada  ,  era  muito  fenfivel.  Retirou-iè  Dio- 
go Gomes  ,  e  o  Conde  de  Villa-Flor  prevenio  as  Pra- 
•     ças ,  e  teve  a  gente  prompta  ,  por  lhe  chegarem  repe- 
p?C  tidos  avizos  ,  de  que  o  Duque  de  Ofsuna  fe  preparava 
para  fahir  em  Campanha  ao  mefmo  tempo  ,  que  D. 
João  de  Auítria  ,  e  D.  Balthafar  Pantoja  défsem  princi- 
pio aos  feus  progrefsos  nas  Provincias  de  Alentejo  ,  e 
Entre J3opro  ,  e  Minho  •,  e  não  lhe  embaraçou  efte  cui- 
dado foccorrer  ao  Marquez  de  Marialva  com  quinhen- 
tos Infantes  pagos ,  dous  Terços  de  Auxiliares  ,  dous 
mil  foldados  da  Ordenança  ,  e  duzentos  cavallos ,  fi- 
cando-lhe  por  efte  refpeito  muito  faltas  de  muniçoens 
dez  Praças  principaes ,  e  vários  Caílellos  importantes, 

acerei^ 


PARTE  II.  LIVRO  VII.         43 

«accrefcentando-lhe  o  embaraço  a  falta  de  afsento  de 
paó  de  munição,  e  dinheiro  para  o  pagamento  dos  Sol- 
dados j  defordem  ,  que  attribuia  fem  caufa  á  inimizade 
do  Secretario  de  Eirado  Pedro  Vieira  da  Silva  :  e  che- 
gou a  taó  manifeíta  demonítraçaõ,  que  pedio  i  Rainha 
Miniftro  ,  a  quem   recorrefse  ■,  diligencia  ,  que  Pedro 
Vieira  íentio  exceílivamente,  pela  contingência  de  fe 
poder   fuppor  que  preferia  paixoens  particuJares  ao 
grande  zelo ,  com  que  tratava  da  defenfa  do  Reyno, 
fem  fe  lembrar  fer  eíta  a  forçofa  penfaó  de  qualquer 
Miniítro  publico  -,  oiHcio  taõ  pezado  ,  que  nem  baila 
concorrer  a  virtude  do  animo  com  a  felicidade  dos  fuc- 
cefsos  para  o  fazer  ligeiro  •,  porque  á  fortuna  do  Mini- 
ítro  benemérito  faz  tiros  a  inveja  ,  a  difgraça,  e  a  igno- 
rância ;  fe  ferve  puramente  >  tem  por  oppoíro  o  malé- 
volo, a  quem  caítiga  :  fe  defacerta,a  mefma  culpa,  com 
que  condemna  oinnocente:  ehe  taõ  cega  a  ambição 
dos  homens  ,  que  arrifcaõ  naô  fó  a  vida  ,  mas  a  alma, 
por  lograr  occupaçoens  taõ  perigofas,  que  os  acertos, 
e  os  erros  igualmente  pendem  para  o  precipício.  Ao 
jpafso  que  crefciaõ  as  noticias    de  que  o  Duque  de  Of- 
iuna  íahia  em  Campanha,  lê   multiplicava  o  aperto, 
que  o  Conde  de  Villa-Flor  padecia*,  mas  vencendo  a 
lua  actividade  todos  os  impoííiveis  ,  tomou  fobre  o  leu 
credito  o  trigo ,  que  era   necefsario  para    o  lavor  do 
paó  de  munição:  pagava  com  o  feu  cabedal  as  carrua- 
gens ,  e  as  ferragens  dos  cavallos ,  e  ajudava-íe  pára 
o  remédio  de  tantos  inconvenientes  da  actividade  de 
Manoel  Freire  de  Andrade,  novamente  provido  no  Po- 
flo  de  General  da  Cavallaria  daquella  Província. 

Pafsaraõ  alguns  mezes  fem  algum  encontro  :  no  de 
Outubro  teve  D.Sancho  noticia  de  que  a  Cavallaria  dos 
Caftelhanos  fe  accrefcentava  com  Companhias  de  Ca- 
talunha, deíaccupada  a  fronteira  de  França  das  guarni- 
çpens,  com  que  fe  defendia  ,  pelo  benefício  do  ca  la- 
mento., e  paz  celebrada  entre  as  duas  Coroas.  Antes 
que  os  novos  hofpedes  tomafsem  mais  conJiecimento 
da  Campanha ,  e  primeiro  que  perdefsem  o  calor  dè 
moítrar  aosiaimigos  os  contrários  os  effeitos  da  fua  re* 

folu- 


Anno 
1662. 


r 

IBP 
flir 

44     PORTUGAL  RESTAURADO , 

AttHO  foluçaõ,  te  a  fciencia  da   fua  difciplina  ,  (  vaidade? 
■  J,      que  muitas  vezes  tem  precipitado  aos  Soldados  mais 
0        prudentes*  e  vigilantes  )  marchou  D.Sancho  com  du- 
zentos e  íefsenta  cavallos  a  fe  embolcar  entre-  as  Pra- 
ças da  Sarça  ,  e  Salvaterra ,  e  mandou  ao  Gommilsario 
geral  D.  Martinho  da  Ribeira  ,  que  com  hum  batalhão 
pccupafse  hum  poíto. vizinho  á  Sarça^para  carregar  os 
cavallos  ,  que  fahiísem  delia  a  defcobrir  a  Campanha. 
Ào  amanhecer  fahio  daquella  Praça  huma  Efquadra,  e 
foi  carregada  de  huma  partida  noísa  ,  difpoíta  para  ef- 
teeffeito.  Eftavaõ  na  Sarça  alojadas  fete  Companhias, 
de  cavallos ,  cinco  de  Catalunha,  duas  da  guarnição  or- 
dinária.   Achava õ-fe  montadas  as  do  Baraô  de  Santa 
Chriílina  ,  e  as  de  P.  António  Pinhatello  ,  fobrinho  do 
Duque  de  Monte-Leaõ.  Tanto  que  ouvirão  tocar  arma, 
fahiraõ  os  dous  Capitaens  em  foccorro  da  Efquadra  ;  e 
como  eraõ  pouco  práticos  no  terreno ,  brevemente  fe 
acharão  cortados  das  Companhias  de  D.  Martinho  da 
Ribeira.  Pertenderaó  refiítir ,  mas  foi  fem  effeito  ,  e 
quando  quizeraõ  retirarfe  ,  as  acabou.  D.  Martinho  de 
derrotar ,  falvando-íè  unicamente  o  Baraõ   de  Santa 
Chriítina.  Os  mais  Ofíiciaes,  e  Soldados  foraô  mortos,  e 
prifioiieiros  ,  e  entre  eítes  D.  António  Pinhatello.  Re- 
tirou-fe  D.  Sancho  ,  e  os  Catalãens  fe  acautelarão  ,  ef- 
carmeutados  deite  máo  fuccefso. 

O  Duque  de  Ofsuna  applicava,  quanto  lhe  era 
poílivel  ,  fahirem  Campanha  ,  e  o  primeiro  de  Junho 
intentou  •  paísar  a  Ribeira  de  Águeda  ,  e  entrar  no  ter^ 
mo  de  Caítello-Rodrigo.  Teve  avizo  Manoel  Freire  ,' 
que  aíTiília  em  Almeida  í  marchou  com  trezentos  cavai- 
los  ,   e  averiguando  que  haviaó  pafsado  o  rio  mil  e 
quinhentos  Infantes,  os  mandouinveítir  pelo  Commif- 
la  rio  geral  D.  António  Maldonado  ,  de  que  refultou  re- 
trocederem com  alguma  perda ;  e  o  Duque  de  Ofsuna 
retira r-fe  para  Ciudad-Rodrigò.  Voltou  Manoel  Freire 
para  Almeida ;  e  dentro  de  poucos  dias  chegou  o  Con- 
de de  Villa-Flor  áquella  Praça ,  entendendo  ,  que  toda 
a  inclinação  do  Duque  de  Ofsuna  era  fazer  guerra  por 
aquelle  diítricto }  e  que  juntava  tropas  para  dar  á  ex- 
ecução 


PARTE  11.  LIVRQ  Vil.        45 

ecuçaó  eíte  intento.  Com  eíta  preíumpçaõ  unio  agen-  Anno 
te  paga  ,  auxiliar ,  e  alguma  da  Ordenança  ,  e  deixan-  •  , 
do  as  Praças  guarnecidas ,  marchou  para  o  Sabugal,on-  IM^h* 
de  achou  noticia  que  fe  havia  deívanecido  a  determi- 
nação do  Duque  de  Ofsuna  ,  e  que  em  Alvergaria  ha- 
via entrado  hum  grofso  comboy.Entendeu  poderia  pre-» 
judicar-lhe  na  retirada;  e  com  eíle  fim  mandou  ao  Com- 
miísario  geral  D.Martinho  da  Ribeira  com  duzentos 
cayallos,  eteve  taõ  bom  fuccefso  ,  que  derrotou  o 
comboy ,  e  fez  priíioneiros  duzentos  Infantes  ,  e  alguns 
ca  vallos;  fendo  o  Capitão  André  Tavares  de  Mendonça, 
a  quem  tocou  a  melhor  parte  deite  fuccefso  ,  acompa- 
nhado de  Joaó  de  Saldanha,  e  Salvador  Corrêa,  ambos 
eítudantes  de  pouca  idade,  que  por  curioíidade  haviao 
falsado  á  Beira  ,.  e  refiíHraõ  largo  efpaço  a  muitos  Ca- 
ítelhanos  ,  com  quem  pelejarão  ,  até  que  fendo  íbcco.r- 
jridos,  os  desbaratarão.  Retirou-fe  D.  Martinho  •,  eo 
Conde  de  Villa-Flor  pafsou  a  Almeida  ,  e  applicou  to- 
do o  cuidado  a  acodir  aos  muitos  perigos ,  que  araea- 
çavaó  aquella  Provinda  ,  fendo  muito  poucos  os  me- 
ios ,  com  que  fe  achava  para  reíiítir  a  taô  confideravel 
empenho. 

Dilatou  o  Duque  de  Ofsuna  fahir  em  Campanha  até  Entr*  o  *>uqa$ 
.oito  de  Julho  ,  determinando  utilizar  com  os  feus  pro-  d.e  °^una  »<>* 

~      r  j '  r\   t       -»  j      »     /l  •       •-.       n  j      dous  t ai  tidos 

greisos  os  de  D.  João  de  Auítna.  Confiava  o  corpo  do  da  Beira  cot» 
exercito,  com  que  marchou  ,  de  íeis  mil  Infantes,  oi-  o  exercito  de ' 
tocentos  cavallos  ,  nove  peças  de  artilharia  de  Campa-  CaM*> 
nha  ,  quatro  meios  canhoens ,  quinhentos  carros,quan- 
tidade  de  muniçoens  ,  e  vários  inílrumentos  de  expug- 
naçaõ;  Tomou  o  primeiro  alojamento  no  Forte  de  Ga- 

,  lhegos ,  três  legoas  diítante  de  Almeida  ,  duas  de  Vai 
de  la  Mula  j  continuou  a  marcha  pelo  termo  de  Caftel- 
lo-Rodrigo,  onde  queimou  alguns  lugares  abertos,  que 
o  Conde  de  Villa-Flor  havia  mandado  defpovoar  ;  fez 
alto  em  Elcalhaõ  ,  e  nefte  lugar  ,  que  fica  vizinho  da  ccmefa  a  h* 

.  Raya  ,  de  o  principio  a  hum  Forte.  Achava-fe  o  Conde  ™*^r  hlt™ 
de  Villa-Flor  com  quatro  mil  Infantes  ,  em  que  havia  %\b(S%  ***       ! 
fó  hum  Terço  pago ,  com  féis  Companhias  de  cavai- 
los,  a  que  fe  união  alguns  da  Ordenança/alto  de  man- 

timea- 


A6    PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnnO  timentos',  e  dinheiro,  mas  com  fobrada  confiança  no 
j£>      feú  esforço ,  e  diligencia.  Gom  eíta  gente  tomou  alo- 
IÓ62.  jamento  na  Ribeira  de  Aguiar,meya  legoa  de  Efcalhaõ; 
porque  deite  íitio  cobria  grande  parte  dos  lugares  dé 
"Ribacoa  \  reíbluçaõ,  com  que  atalhou  o  intento  do  Du- 
que de  Ofsuna  ,  que  fe  achou  grandemente  embaraça- 
do ,  nao  íabendo  determinar-fe  ,  nem  a  pelejar  com  o 
Conde  de  Villa-Flor  no  quartel  T  que  havia  occupado, 
nem  ainveítir  a  Praça  guarnecida >  e  ;efolvendo  tomar 
a  eílrada  mais  fegura ,  fe  retirou  para  Ciudad-Rodrigoj 
e  o  Conde  de  Villa-Flor  vendo  lograda  a  fortuna ,  que 
nao  efperava  ,  pafsou  a  Efcalhaõ  ,  e  aperfeiçoou  o  For- 
te ,  que  o  Duque  de  Ofsuna  havia  começado  ;   e  dei- 
xando-o  guarnecido  ,  fe  retirou  para  Almeida  ,  e  fem 
dilação  licenciou  aos  foldados  Auxiliares ,  e  da  Orde- 
nança ,  para  acodirem  ao  remédio  das  fuás  cafas  no  re- 
colhimento das  fementeiras.   Valeu-fe  o  Duque  de  Of- 
íuna  deita  noticia  ,  e  havendo-lhe  chegado  novos  foc- 
corros  ,  que  lhe  remeteo  D.  João  de  Auítria ,  mandou 
avançar  vinte  batalhoens  de  Cavallaria  ao  Forte  de  Ef- 
calhaõ ;  porém  reconhecendo-o  melhor  guarnecido,  do 
que  imaginarão ,  e  a  Campanha  totalmente  falta  de 
agua,  por  haver  o  Conde  de  Villa-Flor  mandando  cegar 
algumas  fontes  ,  que  nella  Jiavia  ,  a  que  a  força  arden- 
te do  Sol  tinha  perdoado  ,  voltarão  para  Ciudad-Ro- 
drigo  :  e  vendo  oPuque  de  Ofsuna  repetidas  as  infe- 
licidades, intentou,  e  confeguio  atalhar  a  defgraça  com 
a  induítria.  Governava  o  Forte  de  Efcalhaõ  o  Alferes 
João  Rodrigues  do  Terço  de  Bartholomeu  de  Azevedo: 
mandou-lhe  por  huma  intelligencia  oíFerecer  grandes 
partidos  ,  fe  lhe  entregaíse  o  Forte.  Deo  entrada  o  Al- 
feres a  eíta   propoíiçaõ  ,  e  a  poucos  lances  venceo  a 
ambição  a  fidelidade  ,  e  contratou  entregar  o  Forte.  A 
vinte  e  dous  de  Setembro  ,  íeguro  o  Duque  de  Ofsuna 
na  verdade  daoíferta  ,  fahio  deCiudad-Rodrigo  com 
.a  Cavallaria  ,  e  duzentos  Infantes,  e  fem  reíiítencia  en- 
trou no  Forte ,  por  haver  o  Alferes  fechado  as  armas, 
e  as  muniçoens  com  tanta  íegurança  ,  que  nao  pude- 
ra õ  os  foldados  ufar  delias ,  quando  fejitiraõ  a  chegada 

dos 


PARTE  11.  LIVRO  Vil        47 

dos  Caítelhanos.  Adiantou  o  Duque  as  fortificaçoens,  Aíino 
reforçou  a  guarnição  ,  e  retirou-íe  para  Ciudad-Kodri- 
go  a  premiar  ao  traidor  afortuna,  que  havia  coníe-  l^^2t 
guido. 

Chegou  a  noticia  da  perda  de  Efcalhaõ  ao  Conde 
de  Villa-FIor ,  ebufcou  odefafogo  do  feu  ientimento 
na  refoluçaõ  de  o  tornar  a  recuperar  por  rneyos  mais 
decoro  íbs  ,  e  com  eíte  nobre  impulíb   do  valor  juntou 
diligentemente  três  mil  homens  pagos,  e  Auxiliares, 
governando  os  pagos  o  Meílre  de  Campo  Diogo  Gomes 
de  Figueiredo  ,  acompanhado  de  Diogo  Dias  Sargento 
Maior  de  Bartholomeu  de  Azevedo  ;  os  Auxiliares  o 
Meílre  de  Campo  Francifco  de  Sá  Coutinho  ,  e  os  Sar- 
gentos Maipres  Joaõ  Gonçalves ,  Luiz  da  Silva  ,  e  Ma- 
noel Fernandes  Laranjo  ,  e  feiscentos  cavallos  á  ordem 
do  General  da  Cavallaria  Manoel  Freire  de  Andrade,af- 
fiítido  dos  Commifsarios  geraes  D.  Martinho  da  Ribei- 
ra ,  e  D.  António  Maldonado,  quatro  meios  canhoens, 
e  duas  peças  de  Campanha  entregues  ao  Tenente  Ge- 
neral da  Artilharia  Paulo  de  Andrade  Freire,  munições, 
e  mantimentos   necefsarios.  Com  eíla  gente  chegou  o  Toma  a  ganha- 
Conde  a  Efcalhaõ  a  treze  de  Outubro ,  e  com  tanta  di- lo  °  Con^  de 
ligencia  laborou  a  artilharia  ,  caminharão  os  ataques ,  Yillf  .Flor  cor* 
e  íe  abrirão  as  brechas  ,  que  depois  de  mortos  muitos  */"*«  '  * 
dos  fitiados ,  fe  rendeo  D.Chriítoval  Girai  Governador 
do  Forte  com  trezentos  Infantes,  e  vinte  e  cinco  ca- 
vallos ,  prevalecendo  no  feu  animo  o  medo  do  alsalto 
4efperança  derefiílilo,  eá  certeza  ,  de  que  o  Duque 
de  Ofsuna. havia  de  foccorrello  pela  muita  gente  ,  com 
que  fe  achava  :  e  nas  duas  refoluçoens  dos  dous  Gover- 
nadores de  Efcalhaõ   ficou  em  duvida  ,  em  qual  delias 
teve  maior  parte  a  infâmia.   Sentio  o  Duque  de  Ofsu- 
na ,  naturalmente  colérico  ,  exceíli vãmente  eira  defgra- 
ça ,  conhecendo-a  irremediável  pela  brevidade  ,  com 
que  as  tropas  da  Beira  ,  que  eíravaõ  em  Alentejo  ,  ha- 
viaõ  de  voltar  para  a  ma  Provincia.  Todos  os  OiEciaes, 
que  fe  acharão  neíla  empreza  ,  procederão  com  grande 
valor ,  e  com  efpecialidade  o  Meílre  de  Campo  Diogo 
Gomes  ,  e  nao  houve  perigo  nos  aproxes  ,  que  nao  def- 

vane- 


.■■ 


48      PORTUGAL  RESTAURADO, 

f    n  a  vanecefse  ô  valor  ,  e  a&ividade  do  Conde  de  Villa-Flor, 
Ann     que  fe  retirou  para  Almeida  com  juíto  contentamento 
1662.  pelo  fuccefso  ,  que  havia  logrado  ;  e  dentro  de  poucos 
dias  mandou  ao  Commifsario  geral  D.  António  Maldo- 
nado com  íeis  Companhias  armar  a  huma  ,  que  eítava 
de  guarnição  em  S.  Felices  :   porém  antes  que  elle  che- 
gafse ,  teve  avizo  o  Duque  de  Ofsuna  ,  que  mandou  fa- 
hir  de  Ciudad-Rodrigo  a  Cavallaria  com  tanta  diligen* 
cia  1  que  em  poucas  horas  marchou  nove  legoas.  O  Cô- 
mifsario  ao  amanhecer  lançou  duas  partidas  a  pegar  no 
gado»,  que  fahio  de  S.  Felices  ,  para  obrigar  a  Compa- 
nhia de  cavailos  ao  intento  de  recuperallo.  Governavaõ 
as  partidas  o  Capitão  Paulo  Homem,  e  António  Fer- 
rão :  carregarão  oitenta  cavailos  alguns  batedoresnof- 
fos  ,  que  forao  avançados  J  porém  os  dous  Capitães, 
depois  de  breve  refiítencia ,  lhes  tomarão  quarenta,  e 
quando  imaginavaó  ,  que  os  mais  ficaria õ  priíioneiros 
no  alcance  ,  íe  acharão  com  os  batalhoens,  que  eítavao 
embofcados  ,  mas  a  tempo ,  que  elles  íizerao  alto  ;  e 
os  Caílelhanos  tabendo  o  íitio  ,  em  que  eítava  o  Com- 
mifsario ,  carregarão  para  aquella  parte,  fuppondo  que 
feria    maior  o  emprego.  Achava-fe  o  Comifsario  fem 
mais  que  oitenta  cavailos  da  íua  Companhia  ,  e  Mili- 
cianos: intentou  pelejar ,  mas  com  pouco  effeito.  Vol- 
tou as  coitas,  e  teve  afortuna  de  naô  ficar  prifióneM 
ro  :  retirou-fe  com  trinta  foldados,  os  cincoenta  fe  ren- 
derão. Paulo  Homem ,  e  António  Ferrão  ,  vendo-fe  li- 
vres ,  fe  retirarão  fem  perda ,  e  com  os  quarenta  ca- 
vailos ,  que  haviaó  tomado.  Dentro  de  poucos  dias  mar- 
chou o  General  da  Cavallaria  Manoel  Freire  com  o  foc- 
corro ,  que  referimos,  para  Entre  Douro,  e  Minho;  no- 
ticia, que  facilitou  ao  Duque  de  Ofsuna  entrar  na  Cam- 
panha de  Penamacor,e  queimar  naquelle  diítricto  quan- 
tidade de  lugares  abertos,  fem  que  o  Conde  de  Villa- 
Flor  pudefse  fazer-lhe  oppofiçaõ  pela  falta  de  gente  > 
com  que  fe  achava. 

Em  quanto  três  exércitos  combatiaò  as  fronteiras 
deite  Reyno  nao  era  menos  perigofa  a  guerra  domeíti- 
ca ;  pois  com  mais  arriícadas  confequencias  deítruia 
N4  "  °S°í 


PARTE  II.  LIVRO  VIL  49 

o  governo  politico.  Pleiteavaõ-íe  nas  Províncias  de  A  nno 
Alentejo  ,  Entre  Douro  ,  e  Minho  ,  Trás  os -Montes ,  e 
Beira  as  contendas  militares,  hora  com  adverlos  ,  liora  l66l« 
com  prolperos  íucceisos ,  e  a  fortuna  de  huns- contra- 
pezava  a  difgraça  de  outros.  Pelejavão  na  Corte  as  pru- 
dentes attençoens  da  Rainha  ,  e  íeus  Miniítros  contra 
as  deíordens  d'ElRey  ,  e  íeus  aíTiítentes ,  e  cordão  íem 
alUvio  com  tão  precipitada  torrente  os  infortúnios,  que 
naõ  havia  inítante  ditoíb ,  que  pudefse  fuavizaros  dias 
infelices.  Entre  tantas  guerras  intrinfecas,  e  externas, 
e  vencendo  outras  dificuldades  não  menos  robuítas  , 
confeguio  a  Rainha  Regente  aconclufaó  da  partida  da 
Rainha  de  Inglaterra.  Celebrou-fe  em  Lisboa  o  ajulte 
do  caíamento  com  cuítolas  feitas  de  fogos ,  luminá- 
rias ,  e  touros  ,  em  que  tourearão  com  grande  luzimen- 
to  ,  e  deítreza  o  Conde  de  Sarzedas  ,  o  da  Torre  ,  e 
D.  Joaõ  de  Caítro.  Havia  chegado  a  Lisboa  (  como  re- 
ferimos )  o  Conde  da  Ponte ,  a  quem  a  Rainha  fez  mer- 
cê do  Titulo  de  Marquez  deSande  ,  alguns  mezes  an- 
tes da  Armada  de  Inglaterra  ,  e  ajuítado  tudo  ,  o  que 
continhaõ  as  capitulaçoens  ,  depois  de  vencidos  gran-  ch*f*a*sho* 
des  obítaculos  ,  chegou  a  Armada,  que  confiava  de  qua-  LiZn*. 
torze  náos  de  guerra  ,  cinco  fumaças.  Era  feu  General 
Duarte  de  Monte-Gui ,  Conde  de  Sanduhic  com  o  titu- 
lo de  Embaixador  Extraordinário.  Acópanhavao  a  Rai- 
nha, demais  do  Marquez  de  Sande  Embaixador  Extra- 
ordinário ,  Nuno  da  Cunha  de  Ataide  Conde  de  Ponte- 
vel ,  D.  Francifco  de  Mello ,  depois  Embaixador  a  Hol- 
landa,  e  a  Inglaterra  ,  Francifco  Corrêa  da  Silva  ,  com 
as  mais  pefsoas  da  fua  família  ,  que  pafsavaõ  de  cento; 
Duarte  de  Monte-Gui  primo  do  General ,  como  Eítri- 
beiro  mór  da  Rainha  ,  D.  Henrique  Zevout  Veador  da 
Rainha  may  de  Inglaterra  ,  Ricardo  Ruxel  Biipo  elei- 
to de  Portalegre  ,  como  feu  Eímoler  ,  D.  Patrício  Clé- 
rigo Irlandez  com  o  mefmo  cargo  ,  e  outras  pefsoas  de 
qualidade ;  e  feita  a  função  da  entrada  ,  partio  a  Rainha 
a  vinte  etres  de  Abril  na  forma  feguinte.  Sahio  daan- 
tecamera  da  Rainha  Regente  á  fua  maô  direita  ,  edous 
pafsos  diante  ERey,  e  o  Infante  D.  Pedro ,  Officiaes 

D  da 


7k.ui 


w*-. 


jo      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  ^a  ^a^a  >  Títulos  ,  e  Nobreza.  Defceraõ  pela  efcada  do 
'f,      quarto,que  então  era  da  Rainha  ,  e  baixarão  áSala  dos 
16ÓZ,  Xudefcos ,  e  chegando  ao  Copo   da  efcada,  que  vay 
ao  páteo  da  Capella ,  fe  deteve  a  Rainha  mãy  -,  e  co- 
mo nella  era  o  lugar  das  ultimas  defpedidas  da  Rainha 
fua  filha  ,  pertendeo  beijar-lhe a maõ  (o  que  naõ con- 
fentio  a  Rainha  Regente  )  e  abraçando-a   lhe  lançou 
a  benção  com  exterior  feveridade,  porque  o  interior 
carinho  folicitava  diíFerentes  demonftraçoens.  Baixou  a 
Rainha  de  Inglaterra  a  efcada  entre  EIRey  \  e  o  Infan- 
te feus  Irmãos  j  e  fazendo  inítancias  para  que  a  Rainha 
mãy  fe  recolhefse ,  antes  de  fer  precifo  volfar-lhe  as  co- 
t      lias  ,  o  naõ  confeguio ,  porque  a  Rainha  efperou,  que 
ella  entrafse  na  carroça  ;  o  que  fez  depois  de  huma  pro- 
funda reverencia  ,  a  que  a  Rainha  lhe  correfpondeo 
com  outra  benção  ,  e  voltou  as  coitas ,  antes  que  feus 
filhos  entra ísem  na  carroça  -9  e  quando  íem  teílimunhas 
-pode  exprimir  as  demonftraçoens  das  faudades ,  paga- 
rão os  olhos  em  dilúvios  de  lagrimas  o  que  reíiítiraõ 
reprimindo-as  obrigados  dos  refpeitos  do  coração  mag- 
nânimo ,  e  Real.  Entrados  os  Principes  na  carroça ,  a 
Rainha  á  maò  direita  d'ERey ,  e  o  Infante  D.  Pedro  na 
cadeira  de  diante  ,  acompanhados  de  toda  a  Nobreza 
com  luzidillimas  galas ,  feguindo  a  carroça  os  Capitães 
da  Guarda  ,  foraõ  pela  rua  Nova  á  Sé  entre  as  alas  da 
Infantaria  formada ,  ornadas  as  ruas  ,  e  janellascom  vi- 
ifcoíos  adereços ;  e  em  quanto  fe  dilatou  o  acompanha- 
mento em  chegar  á  Sé  ,  fe  ouvirão  repetidas  falvas  de 
artilharia  no  rio ,  Fortalezas ,  e  navios  anchorados,  que 
faziao  confufa  confonancia  com  os  repiques  dos  li  nos 
das  Paroquias ,  e  Conventos ,  e  pelas  ruas  fe  encontra- 
rão diffèrentes  danças ,  e  fe  repetia  a  confonancia  de 
vários  ioftrumentos  aíternados  com  chãramelas.Chega- 
rao  á  Sé  pelas  nove  horas  da  manhãa :  eftava  a  Igreja  ri- 
camente adereçada ;  e  entrando  na  Capella  Mor  com  o 
Cântico  do  Te  Deum  laudamus  ,  fe  recolherão  os  Reysr 
na  cortina,  preferindo  fempre  no  melhor  afsento  a  Rai- 
nha de  Inglaterra  ;  eem  quanto  durou  a  Mifsa  fe  en- 
comendou a  vários  Fidalgos  entretiveísem  no  Clauftro 

da 


PARTE  II  LIPKO  Vm       51 

da  Sé  O  Embaixador  de  Inglaterra  ,  e  o  Eflribeiro  mór,  Anno 
e  Veado r  da  Rainha,  e  mais  Inglezes  de  qualidade,  .. 
que  havião  chegado  na  Armada  a  buícar  a  Rainha ,  por  l  6óz, 
lerem  de  duTerente  Religião.  Acabada  a  Mifsa  ,  torna- 
rão os  Reys  a  entrar  na  carroça,  e  vierão  pelo  Ter- 
reiro do  Paço  ,  achando  as  ruas ,  por  onde  novamente 
pafsarão  ,  com  iguaes  adereços  aos  antecedentes  ,  e  to- 
dos os  Arcos  com  diferentes  ,  e  viílofas  arquitectu- 
ras fabricados  por  ordem  do  Provedor  dos  Armazéns, 
Contador  mór  ,  e  Provedor  da  Alfandega.  Chegando 
á  Campainha ,  havendo-fe  aberto  o  muro  do  jardim  , 
que  fica  junto  da  Ribeira  das  Náos  ,  entrou  pela 
nova  porta  fó  o  coche  dos  Reys  ;  e  todos ,  os  que 
hiaõ  no  acompanhamento,  íe  apearão  >  e  fahindo  por 
outra  porta  do  jardim  a  huma  ponte  cuftofamente  ade- 
reçada ,  em  cujo  remate  eílavaõ  os  bargantins ,  antes  de 
embarcar  a  Rainha  de  Inglaterra  ,  lhe  beijarão  todos 
a  maõ  ,  e  querendo  fazer  a  mefma  ceremonia  a  EIRey , 
o  naõ  coníentioem  obfequio  da  Rainha  fua  Irmãa.En- 
trou  a  Rainha  no  bargantim,  que  cuílofamente  lheeíla- 
va  prevenido  ,  levando-a  EIRey  pela  mão :  feguio  o  Embarcai  * 
Infante  os  Reys ,  e  depois  de  todos  fentados ,  entrarão  R^nha,  e  par* 
no  bargantim  a  Camereira  mór,  Damas ,  e  Donas  de  ho-  *£far*  a<iUelu 
nor  ,  o  Embaixador  de  Inglaterra  ,  o  Ellribeiro  mór,  e  *y"' 
Veador  Inglezes  ,  o  Marquez  de  Sande,  Nuno  da  Cu- 
nha ;  novamente  Conde  de  Pontevel ,  Francifco  Corrêa 
da  Silva ,  e  D.  Francifco  de  Mello  ,  que  eraó  as  pefsoas 
principaesjque  acompanhavaó  a  Rainha  de  Inglaterra» 
os  Ofiiciaes  da  Cafa  d' EIRey  ,  e  os  feus  Gentis-homens 
da  Camera.  Em  varias  faluas  ,  e  gôndolas  bem  adereça- 
das fe  embarcou  todo  o  acompanhamento  ,  feparan- 
do-fe  em  outras  todos  os  Tribunaes  diítinctos  ,  eem 
grande  numero  de  barcas  fe  repartirão  muíicas ,  danças, 
e  inílrumentos.  Tanto  que  o  bargantim  defamarrou,  íe 
repetirão  no  rio  as  falvas  da  artilharia  até  a  Rainha  che- 
gar á  Capitania  de  Inglaterra  ,  onde  eílava  prevenida 
huma  efeada  cómoda  para  fubir  ao  alto  delia;  e  entran- 
do na  Camera ;  que  eílava  ricamente  adornada ,  fedef- 
£ediraó  da  Rainha  EIRey  ,  e  o  Infante  feus  Irmãos  ,  e 

D»  lhe 


IÓÓ2.. 


. 


y  i     PORTUGAL  RESTAURADO } 

Ànil0^ie  beijarão  a  mão  com  muitas  lagrimas  as  Damas  ,  è 
Donas  de  honor,  fendo  fó  permittida  eíta  jornada  a 
Dona  Elvira  Maria  de  Vilhena  ,  Condefsa  dePontevel, 
e  a  Dona  Maria  de  Portugal  Condefsa  de  Penalva ,  que 
fem  caiar,  morreo  em  Inglaterra.  A  Rainha  acompa- 
nhou feus  irmãos  até  o  primeiro  degráo  da  efcada  do  na- 
vio ,  naõ  querendo  voltar  para  a  Camera  ,  por  mais  in- 
itancias  que  EIRey  lhe  fez  ,  fem  que  elle ,  e  o  Infan- 
te entrafsem  no  toldo  do  bargantim,e  defpedido  do  na- 
vio ,  feguio  a  EIRey  todo  o  acompanhamento  ,  voltan- 
do aCamereira  mór,  Damas  ,  e  Donas  de  honor  em 
huma  falua  ,  que  eítava  prevenida.  Navegou  EIRey 
para  o  Paço  ,  fez-fe  a  Armada  á  vela  ,  e  do  fuccefso  da 
viagem  daremos  noticia  em  lugar  competente  ,  por  to- 
car na  ordem  da  hiítoria  á  Embaixada  de  Inglaterra. 

A  Rainha  Regente,logo  que  partio  a  Rainha  de  In-? 
glaterra,achando-fe  defembaraçada  deite  taõ  grade  cui- 
dado, que  tinha  vencido, rompendo  montes  de  dificul- 
dades, íuperando  controveríias,  q  pareciaõ  incontrafta- 
veis  ,  e  padecendo  cenfuras  ,  que  puderaõ  render  outra 
conítancia ,  tratou  de  dar  cafa  ao  Infante  D.  Pedro,  que 
havia  chegado  á  idade  de  quatorze  annos  com  tantas 
efperanças  de  lograr  os  dous  pólos  da  vida  dos  Prínci- 
pes ,  do  valor ,  e  entendimento  ,  e  com  taõ  agradável 
docilidade  ,  que  fazia  a  Rainha  juítamente  efcrupulo 
de  o  nao  apartar,  o  mais  que  fofse  pollivel ,  dos  indig- 
nos divertimentos  ,  que  EIRey  infelicemente  infmuava 
enganado  da  vileza  daspefsoas,que  indignamente  con- 
tinuavaõ  na  aíiiítencia  da  fua  Camera.  Além  deita  ra- 
zão havia  outras  naõ  menos  poderofas ,  que  obrigarão 
>a  Rainha  a  tomar  eíte  partido  ;  a  primeira  ,  o  intento  a 
que  caminhava  de  entregar  a  EIRey  o  governo  do  Rey- 
no  .  e  gaitar  os  annos,  que  lhe  reítafsem  de  vida ,  nos 
exercidos  virtuofas  de  huma  claufura  ;  a  fegunda  ,  co- 
nhecer que  o  animo  d'ElRey  ,  ou  por  deítino  ,  ou  por 
inhabilidade ,  ou  por  inveja  ,  era  taò  oppoíto  ás  partes 
lingulares  do  Infante,  que  a  domeítica  aíiiítencia  vatici- 
nava á  fua  vida  o  perigo  infallivel ,  e  á  íua  authorida- 
de  defcontos  inevitáveis  ,  repetidas  vezes  j  huma  e 

outra 


*-. 


TARTE  II.  LIVRO  VIL  y5 

outra  ameaçadas  da  infupportavel ,  e  irreduzivel  cole-  Antro 
ra  d'ElRey ;  a  terceira ,  ler  eíre  o  coítume  dos  antigos 
Reys  de  Portugal, darem  caía  íéparada  aos  Infantes  com  lool. 
Ofliciaes    de  .igual   qualidade  aos  dos  Principes.  To- 
mada eíla  deliberação  ,  e  approvada  por  todos  os  Mi- 
niítros,  que  caminhavaô  á  mayor  fegurança  do  Reyno, 
elege  o  a  Rainha  para  quarto  do  Infante  as  cafas ,  que 
o  Marquez  de  Caftello-Rodrigo  havia  edificado  fobre  o 
Tejo  no  íitio  da  Corte- Real  ,  e  nomeou  potíeus  Gen- 
tis-homens  da  Camera  ao  Conde  de  S.  Lourenço  ,  do 
Confelho  de  Eílado  ,  e  Veado r  da  Fazenda  da  reparti* 
çaô  da  Africa;  ao  Conde  de  Soure  Prefidente  do  Con- 
celho Ultramarino  ,  e  Confellieiro  de  Guerra;  Ruy  de 
Moura  Telles  do  Confelho  de  Eílado  ,  Preíidente  do 
íaço  ,  e  Eílribeiro  mor  da  Rainha  j  D.  Rodrigo  de  Me- 
nezes Regedor  da  Juíliça;  Jorge  de  Mello  Confellieiro) 
de  Guerra  .,  e  General  das  galés  ;  Joaõ  Nunes  da  Cu- 
nha Governador  das  Armas  de  Setúbal ,  e  Deputado  da 
Junta  dos  Três  Eílados  -,  e  juntamente  foy  eleito  para 
Sumilher  da  Cortina  Rodrigo  da  Cunha  de  Saldanha, 
Chantre  da  Sé  de  Lisboa  ,  que  já  havia  tido  eíla  occu- 
paçaó  no  ferviço  do  Principe  D.Theodoíio*,  para  Secre- 
tario António  de  Soufa  Tavares  Defembargador  do  Pa- 
•ço ;  e  porque  a  debilidade  do  Prior  de  Sodofeita  o  def- 
obrigava  do  exercício  de  Meítre,foy  efcolhido  com  me- 
recida attençaõ  Francifco  Corrêa  de  Lacerda.  E  porque 
todas  as  pefsoas  nomeadas ,  aílim  nas  virtudes  ?  como 
na  qualidade,  e  merecimento,  eraõ  das  mais  capazes  do 
Reyno  para  a  perfeita  educação  de  hum  Principe,  foy 
geralmente    approvada    eíta  eleição  ,  e  fó  acontra- 
difseraó  os  que  aífiíliaõ  aElRey,  que  reveltidos  da 
ambição,  e  interefses  próprios,  convertiaõ  em  o  ani- 
,rno  d'ElRey  a  triaga  em  veneno,  perfuadindo-o  que 
a  Rainha  defcobrira  na  refoluçaõ  deita  politica,  que 
determinava  tirarlhe  a  Coroa ,  e  dalla  ao  Infante  ,  di- 
latando por  efte  caminho  a  Regência  do  Reynof  El- 
Rey  como  fe  transformava  fem  reflexão  no  que  ouvia 
áquelles  homens ,  com  que  ordinariamente  tratava , 
imprimiadoíe-lhe  no  coração  eíre  fraudulento  difcuríb, 

D}  efal- 


"Determina    a 
Rainha  Regen 


74      PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnU^efoltando-la-í  prudência  para  recatar  o  íeu  enfado  ,  o 
•  ,  publicou  taõ  manifeítameate  ,  que  todos  aquelles,  que 
IOOZ.  folicitavaõ  caminhos  para  a  melhorada  própria  fortu- 
na ,'  começarão  a  feparar-fe  de  forte  da  aíhítencía  do 
Infante,  que  naõ  lo  defamparar  ao  a  Corte  Real  ,  po- 
rém com  indigna  liíbnja  fe  retiravaò  dos  lugares  pú- 
blicos ,  em  que  encontrando  o  Infante  deviaõ  acom- 
panhallo  ;  e  naò  tendo  mais  aííiítencia  ,  que  a  dos  fens 
criados ,  con}  madureza  fuperior  aos  annos  tolerava 
prudentemente  eftas  defígualdades. 

^  A  quatro  de  Junho  foy  o  dia,  em  que  o  Infante 
fahio  para  o  leu  quarto  ,  e  no  mefmo  ponto  começou 
a  Rainha  a  difpôr  entregar  a  EIRey  o  governo  do  Rey- 
no ,  applicando-lhe  a  brevidade  osfalíos  rumores  ,  que 

te  entrevar  o  ao.  rn    V    Su  ->    í  •    ^  ^      * 

vemo  a  ElRey  *e  elpalhavao  de  contrários  intentos;  epara  o  hm  re- 
Jtufiifo.         ferido  mandou  declarar  pelo  Secretario  de  Eítado  Pe- 
dro Vieira  da  Silva  a  Miniítros  efcolhidos  em  todos  os 
Tribunaes,que  no  mez  de  Agofto  feguinte,dia  de  S.Ber- 
nardo ,  determinava  entregar  a  EIRey  o  governo  do 
Reyno;  obrigação  ,  que  havia  dilatado  alíim  pelos  con  - 
tinuos embaraços  da  guerra,  como  pela  pouca  applica- 
çaò  ,  que  EIRey  moílrava  ao  governo  da  Monarquia  ; 
pertendendo ,  levada  dos  carinhofos  afFectos  de  May, 
que  EIRey  entrafse  a  governar  õ  Reyno  com  a  melhor 
educação,  que fofse  pollivel:  porém  que  a  experiên- 
cia lhe  moílrava  ,  que  nem  hum ,  nem  outro  intento 
permittia  Deos,  que  ella  lografsej  porque  a  guerra  nun- 
ca eílivera  mais  furioía  ,  nem  EIRey  mais  precipitado ; 
que  de  hum,  e  outro  infortúnio  entendia,  que  era5 
caufa  feus  peccados ,  e  naó  occafiaõ  a  fua  negligencia  ; 
porque  á  defenfa  do  Reyno  fe  tinha  applicado  com  as 
attençoens,  que  era  notório  ,  eá  criação  d'ElRey  com 
p  difvelo ,  que  devia  ler  manifeíto  $  porque  as  pefsoas 
indignas ,  de  queelle  fe  acompanhava ,  naõ  eraõ  aquel- 
las  ,  que  ella  lhe  efcolhera  para  lhe  aífiíHrem  ,  eo  dou* 
trinarem  ,  naõ  fendo  poderofas  as  induítriaspara  emen- 
darem os  errqs  da  natureza  >  e  que  fendo ,  como  Mãy , 
fegunda  caufa,pudera  dalla,e  naò  efcolhella  a  feu  filho, 
refervando  Deos  como  caufa^primeira  fó  aofeufupre- 

mo 


PARTE  II.  LIVRO  VII.          j» 

mo  poder  eíte  beneficio  :  que  naõ  ignorava  ,  que  entre-  AnnO 
gar  o  leme  do  navio  naufragante  a  Piloto  inexperto  , 
era  o  mayor  perigo  da  tormenta?  e  que  por  todos  os  ^O"2» 
inconvenientes  paisara  ,  íem  fazer  caío  defalfos,  rumo- 
res ,,  de  que  devia  íer  iíenta  a  foberania  dos  Principes  ) 
e  aguardara  mayor  lbcego  em  os  negócios  públicos  pa- 
ra entregar  a  ElRey  o  governo  do  Reyno  ■,  f>orém  que 
eítava  de  permeyo  o  obltaculo  do  riíco  do  leu  refpei- 
to  ,  que  todas  as  horas  receava  profanado  da  implacá- 
vel cólera  d'ElRef ,  provocada  da  maliciofa  aítucia  de 
feus  indignos  aíTiítentes  j  e  que  como  com  eíte  perigo 
naõ  poderia  outro  algum  ter  igualdade  ,  queria  lhe  dif- 
fefsem  a  forma  ,  e  ceremonias  ,  com  que  havia  de  en- 
tregar a  ElRey  o  governo }  porque  a  parte  ,  que  ella 
havia  de  eleger  para  pafsar  o  tempo  ,  que  lhe  durafse 
a  vida  ,  tinha  já  efcolhido  ,  e  determinado. 

Ouvidas  eítas  prudentiífímas  razoens  pelos  Mini-  vrãrm,  d^cur'  \ 
ftros ,  a  quem  a  Rainha  as  mandou  confultar ,  tàpon-fyj0^'^"  rôi 
deraõ  ,  depois  de  larga  conferencia  ,  na  fubítancia  fe- 
guinte :  Que  todos  os  Eítados  do  Reyno  fe  achavaõ 
taó cabalmente  fatisfeitos  das  acçoens  heróicas,  que 
S.  Mageítade  tinha  exercitado  no  tempo  do  feu  gover- 
no ,  depois  da  lamantavel  morte  do  Sereniífimo  Rey 
D.  Joaó  de  eterna  memoria  ,  que  naõ  fe  acharia  algum 
de  feus  vafsallos  ,  ainda  dos  que  fejulgavaõ  menos  fa- 
vorecidos ,  que  naõ  rubricafse  com  o  leu  fangue  a  fua 
fatisfaçaõ;  porque  na  guerra  os  fuccefsos  infelices  foraõ 
inferiores  aos  profperos:  e  em  negócios  políticos   as 
alianças  de  Inglaterra ,  as  aífíítencias  de  França,  e  a  paz 
de  Hollanda  naõ  admittiaõ  exemplo  de  mayor  felicida- 
de, moítrando  osinterefses  prefentes  de  toda  a  Europa; 
França  por  cafamentos  unida  com  Caítella  ;  Inglaterra 
por  perturbações  dependente  de  ambas  as  Coroas;  Hol- 
landa por  máos  fuccefsos  do  Brafil  animada  a  induítrio- 
fas  vinganças :  e  que  fe  a  guerra ,  e  a  politica ,  pólos 
da  côfervaçaõ  da  Monarquia,teítimunhavaõ  as  fuás  me- 
lhoras ,  como  feria  poffivelpermittir-fe,  que  S.  Mage- 
ítade a  defamparafse  no  tempo  ,  que  mais  neceílitáVa  do 
feu  prudente  governo  ?  Que  feS,  Mageítade  com  a  fua 

D  4  grau* 


j6    PORTUGAL  RESTAURADO, 

AiinO  graíl^eza,  çom  o  feu  juizo  ,  e  com  o  feu  poder  naõ  con- 
s,  ieg  aia  moderar  as  inclinaçoens  d^lRey ,  que  feria  do 
JOD2,.  Reyno  entregue  á  fua  abíoluta  difpoíiçaõ  ,  fó  regida 
por  di&ames  de  homens  facinorofos  >  Que  S.  Mage- 
ítade  lembrada  da  obrigação  ,  em  que  a  puzera  o  teíla- 
mento  d'ElRey  feu  marido  ,  (  que  na  fua  direcção  ha- 
via livrado  as  efperanças  da  coníervaçaõ  do  Reyno  )  e 
perfuadida  das  juítasinítancias  de  feus  vafsallos  ,  devia 
ler  fervida  de  mudar  de  refoluçao  ,  ou  ao  menos  diífe- 
rilla  o  tempo  ,  que  lhe  parecefse  conveniente  ;  e  que 
dado  cafo  (  ó  que  fenaó  eíperava  da  fua  fingular 'pru- 
dência) que;  nem  a  huma  ,  nem  a  outra  perfuafaõ  fe 
accommodafse  o  feu  foberano  efpirito  ,  devia  confide- 
rar  o  grave  efcrupulo ,  em  que  incorreria,fe  naõ  apartaf- 
fe  do  lado  d'ElRey ,  antes  de  largar  o  governo  ,  a  An- 
tónio de  Conte  ,  e  todos  os  delinquentes  ,  que  o  acom- 
Eanhavaõ  ;  devendo  S.  Mageítade  ponderar  que  a  eítes 
omens  ta  ô.infolentes  deixava  entregue  as  honras  ,  as 
fazendas ,  e  vidas  de  feus  vafsallos  ,  tanto  em  prejuizo 
da  fua  confciencia ,  como  fe  deixava  conhecer  dos  la* 
ftimofos  effeitos  ,  e  triíles  efpeclaculos  ,  que  ameaça- 
va õ  toda  a  Monarquia. 

A  Rainha  depois  de  larga  ponderação  ,  e  profun- 
do difcurfo  fobre  as  eiKcazes  razoens  referidas  ,  naõ  fe 
deixando  convencer  nem  da  primeira  ,  nem  da  fegun- 
da  propoíiçaõ  ,  julgando  o  perigo  da  fua  authoridade 
luperior  a  qualquer  outro  inconveniente  ,  cedeo  á  ter- 
ceira inftancia :  obrigada  do  efcrupulo  ,  quejuítamen- 
tefe  lhe  propunha  ,  mandou  a  Pedro  Vieira  tornafse  a 
convocar  os  Miniítros ,  e  que  da  fua  parte  lhes  agrade-  . 
cefsetudo  j  o  que  lhe  haviaõ  reprefentado  \  e  que  fem 
alterar  a  determinação  de  entregar  a  EIRey  o  governo 
do  Reyno  ,  intentava ,  antes  deita  refoluçao  ,  apartar 
da  companhia  d'ElRey  a  António  de  Conte,e  aos  mais, 
.que  com  taõ  culpável  defenvoltura  infamavaõ  as  luas 
acçoens-,  porém  que  primeiro  fe  lhe  apontafsem  os. 
meyos,  e  a  forma  de  fe  coníeguir  efte  bem  fundado  dií- 
cur lo. Muitas  vezes  foy  conferida  eíta  matéria  pelo  Du- 
que do  Cadaval ,  que  tinha  grande  parte  em,  os  mayo- 

res 


PARTE  11.  LIVRO  Vil         y7 

re$  negocies ,  fuperando  os  íeus  poucos  annos  o  feu  ze-  a 
lo,  e  actividade,  que  os  f ratos  da  doutrina  politica  co- 
ítumaó  madurar^-,  o  Marquez  de  Marialva ,  o  Marquez  1-663. 
de  Gouveaj  o  Conde  de  Soure,  Jorge  de  Mello  ,  D. 
Rodrigo  de  Menezes  ,  o  Bifpo  de  Targa  ,  eleito  de  La- 
mego ,  o  Prior  de  Sodofeita  ,  o  Padre  António  Vieira 
e  o  Secretario  de  Eítado  Pedro  Vieira  da  Silva*,  eha- 
vendo-fe  confiderado  com  grande  circunípeçaõ  a  gravi- 
dade deita  matéria  ,  é  concordado  ,  qae  fe  a  facilitava 
fer  acçaõ  taõ  precifa  a  confervaçaô  do  Reyno  ,  como 
qualquer  das  mayores  ,  que  fe  haviaõ  executado  pela 
lua  liberdade ,  por  confiítir  nella  ,  ou  governar  EIRey 
a  Monarquia  pormeyos  indecoroíbs,  e  iníupportaveis, 
ou  por  leys  ajuítadas  ,  e  virtuoías ;  a  diflicultava  fer  o 
apofento  de  António  de  Conte  taõ  immediato  á  Carne- 
ra  d<ElRey  ,  e  andar  elle  taõ  prevenido  ,  que  ou  fahia 
fora  do  Paço  ao  lado  d' EIRey  ,  ou  não  faiiia  :  que  ha- 
ver de  fer  prezo  dentro  do  Paço  era  arrifeado  ,  e  in- 
decorofo,  e  por  confentimento  d<ElRey  impoilível-, 
porque  animado  do  feu  favor  começava  a  ter  tanta  au- 
thoridade  em  os  negócios  públicos,  que  era   Confe- 
rente dos  Miniítros  extrangeiros ,  e  tinha  em  feu  poder 
os  papeis  mais  importãtes  da  Secretaria  de  Eítado:  e  em 
duvidas  taõ  relevantes  parecia  o  remédio  mais  conve- 
niente convocarem-fe  Cortes ,  para  que  EJRey  fem  re^ 
plica  houvefse  de  confentirno  afsento  comum  do  Rey- 
no«,  porém  o  aperto,  em  que  eítavão  os  Povos  ,  e  as  pe- 
ngoias  negociaçoens  de  D.  João  deAuítria,  que  não 
erao  totalmente  oceultas,  faziao  arrifeada  eíta  delibera- 
rão •,  e  achando-íe  impenetráveis  todos  os  caminhos 
apontados ,  concordou  eíte  Congrefso ,  em  que  o  tem- 
po daspnzoens  referidas  fofse  na  hora,  em  que   EI- 
Rey eftrveise  com  a  Rainha   no  defpacho ;  e  que  logo 
que  toísem  executadas  ,  íe  déíse  recado  aos  Miniítros 
dosTribunaes,  Nobreza  ,  e  principaes  do  Povo  ,  que 
repreíentao  corpo  de  Cortes ,  e  que  todos  juntos  entraf- 
lem  na  cafa  do  defpacho,  e  acabado  elle,  e  na  fua  pre- 
iença  fedefse  conta  a  EIRey  do  que   fe  havia  execu- 
tado em  beneficio  da  confervaçaô  do  Reyno. 

Eíte 


—w 


Armo 

,\6Ó2t 


!| 


j*     PORTUGAL  RESTAURADO , 

-s    ;  Efte  parecer  firma  do  pelos  Miniílros  referidos  pre-í 
íentou  Pedro  Vieira  á  Rainha  ,  que  o  approvou  como 
remédio  ,  íe  naó  o  mais  faudavel,  o  menos  difficulto- 
fo;  e  depois  de  ajuílada  afórma  da  execução,  dan- 
çadas cuida  do  lamente  em  hum  papel  as  razoens  ,  que 
o  Secretario    de  Eilado  havia  de  ler  em  publico  a  £1- 
Rey >,  deu- a  Rainha  ordem  ao  Doutor  Duarte  Vaz  Dor- 
ta  Oíòrio  /Corregedor  da  Corte  ,  para  que  aíiiíuido  da 
«authortdade  do  Duque  do  Cadaval,  do  Porteiro  mór 
JLuiz  de  Mello  ,  e  de  feu  rilho  Manoel  de  Mello  ,  pren- 
deíse  a  António  de  Conte  ,  íinalarido-lhe  o  dia  de  Sab- 
Manda  prender  bado  pela  manhãa  ,  em  que  iecontavaõ  dezaíeis  de  Ju- 
*  António  de     ni1Q  ?  tanto  que  ElRey  entraíse.para  o  defpacho  j  eas 
P^.'//^  prizoens:  dos  mais  pronunciados,  que  viviaõ  fora  do 
peff"s'iUg»*st  Paço,íe  encomendarão  a  vários  Miniftros,para  que  íem 
que  afífiiao  a    diftèrença  de  tempo  as  executafsem ;   e  juntamente  or- 
ElRey.  denou  a  Rainha.. ,  que  eíHvefse  hum  navio  prompto  pa- 

ra receber  os  prezos  ,  e  que  tanto  que  o  Capitão  feeji- 
tregafse  delles  ,.  fe  fizefse  avela:,  eoslevafse  áBahia. 
Ajuítadas  ,  e  diítribuidas  todas  eftas  ordens ,  teve  El* 
Rey  recado  da  Rainha  para  fe  achar  no  defpacho    o 
dia  deílinado.  Nao  fe  lhe  offereceo  embaraço  5   e  logo 
que  entrou  tiveraõ  ordem  a  Nobreza ,  eTribunaes  ,  e 
pefsoas  do  Povo  ,  para  fubirem  ao  quarto  d' ElRey  ,  e 
,  aguardarem  nova  ordem  da  Rainha  do  que  haviaõ  de 
executar.  Achavaõ-fe  confufos  todos  os  que  hiaõ  che- 
gando ás  antecameras  ,  por  nao  fe  haver  decifrado   o 
■fim  daquelle movimento  j  e  no mefmo  ponto  ,  que  El- 
Rey entrou  no  defpacho ,  fubio  ao  feu  quarto  Luiz  de 
Mello,  e  Manoel  de  Mello ,  e  havendo-fe  dilatado  o 
Duque  do  Cadaval  a  fegurar  com  íoldados  da  guarda  a 
porta  da  ultima  efcada  ,  encontrando  Luiz  de  Mello  a 
António  de  Conte,lhe  perguntou  pelo  Duque:  reíporw 
deo-lhe  ,  que  o  nao  havia  viíto  J  e  temendo  na  incon- 
ítancia  da  fortuna  ,  que  lograva  ,  ameaçado  o  feu  preci- 
pício ,  pafsou  ácafa  interior,  que  tinha  janellas  cerra- 
das com  grades  para  o  eirado  ,  e  fechando  ligeiramen- 
•     te  a  porta  ,  deu  volta  á  chave  ,  deixando-a  na  fechadu- 
ra. Cheeou  nefte  tempo  o  Duque ,  e  Duarte  Vaz ;  in- 
&  tentou 


VARTE  II.  LlFKO VII.        k9 

tentou  o  Duque  abrir  a  porta  com  a  chave  meltra  achou  Arin 
a  dirfículdade  da  que  eítava  por  dentro  ;  e  pieíumindo- 
fe,  que  António  ^e  Conte  poderia  paísar  por  outra  por-  1  66l. 
ta  ,  que  havia  na  caía  ,  ao  quarto  da  Rainha  ,  paísou 
Manoel  de  Mello  a  feguralla  ,  e  o  Duque  ,  e  Luiz  de 
Mello  pertenderaõ  obrigar  a  Conte  a  que  abrifse  a 
porta  ;  o  que  elle  nao  quiz  fazer,  nem  refponderaos 
repetidos  golpes ,  que  deraó  nella  ,  pertendendo  que  a 
dilação  com  a  chegada  d'ElRey  lhe  fervifse  de  refu- 
gio ao  grande  ,  e  perigofo  aperto  ,  em   que  fe  acha- 
va. Impaciente  o  Duque  deite  contratempo,  paísou  ao 
eirado,  evio,  que  António  de  Conte,  havendo  com 
deíatino  do  medo  metido  por  força  a  cabeça  entre  as 
grades  da  janella ,  para  ver  fe  defcobria  alguma  pelsoa, 
a  quem  pediíse  loccorro ,  naõ  podia ,  por  mais  que  for- 
cejava ,  confeguir  rocolhella  ;  correo  á  janella  ,  e  pe- 
gando-lhe  nos  cabellos  ,  moítrou  querer  matallo  Ven- 
do o  Conte  o  perigo  imminente  ,  difse  ao  Duque,  que 
difpuzefse  da  lua  vida    como  melhor  lhQ  pareceise  ■ 
reípondeo-lhe  o  Duque ,  que  aberta  a  porta  ,  faberia  o 
que  le  lhe  ordenava:  replicou  ,  quefegurando-lhea  vi- 
da,abnna  a  porta.Prometteo-lhe  o  Duque,e  largando-o 
para  executar  o  que  ficava  ajuítado  ,  tornou  aperfiítir 
a  nao  querer  abrir  a  porta.  Exafperado  o  Duque  deita 
cavillaçao  mandou  bufcardous  machados  á  Ribeira  das 
JSÍaos ,  e  tanto  que  chegarão  ,  diise  a  António  de  Con- 

5!t;'tSUe  fe  °  °^ngâfse  »  abrir  com  violência  as  portas 
d  ElRey,  que  havia  de  pagar  com  ávida  oíer  caufa 
daquella  acçao.Chegou  neíte  tempo  o  Conde  de  Gaitei 
io-.vlelhor  ,  que  era  o  Gentil-homem  daCamera,que 
eítava  de  femana  ,  e  fehavia  dilatado  na  pertença  Ó  de 
dar  conta  a  ElRey ,  que  eítava  no  deípacho  ,  deites 
movimentos  ;  o  que  nao  pode  coníeguir  pelas  anti ci pa- 
das prevençoens  da  Rainha ;  e  vendo  a  deliberação  do 
Duque  ,  fe  oppoz  a  ella  com  palavras  coléricas  ,  a  que 
o  Duque  refpondeo  com  outras  fimilhantes;  e  fazen- 
do a  António  de  Conte  o  ultimo  ameaço,  fe  rende  o 
ao  receyo  de  perder  a  vida  na  confiança  da  palavra,  que 
o  Duque  lhe  tulha  dado ,  eabrio  a  porta-,  logo  foy 

'  Fe? 


■"Va 


6o,    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  p^zo  Pe*°  Corregedor  daCorte,eBalthaíar  Rrodriguep 
&/]'  ds  Matos  moço  da  guardaroupa  ,  e  pelo  eirado  os  le- 
*.y  °2*  varão  a  Ribeira  das  Náos  ,  ondeeítava  huma  falua  pre- 
venida 5  que  osconduzio  ao  navio  ,.  que  tinha  as  an- 
coras a  pique.  No  meímo  tempo  foy  prezo  João  de 
Matos  ,  que  havia  fido  moço  da  Eílribeira  ,  e  Fr.  Lou- 
renço Taveira  expulíb  da  Religião  de  Sãto  Agoíliqho: 
porém  eíle  fugindo  das  mãos  dajuftiça  ,  fe  precipitou 
por  hum  despenhadeiro ,  e  ficou  taõ  impofiibilitado, 
que  nao  foy  poíiivel  conduzillo  ao  navio  ,  onde  já  eíta- 
va  joaõ  de  Conte  ,  e  comos  dous  irmãos,  e joao  de 
Matos  ,  íe  fez  á  vela  ,  porque  Balthafar  Rodrigues  fi- 
cou em  terra  valendo-lhe  as  diligencias  de  feu  fogro 
Piogo  Botelho  de  Sande  ,  Tenente  da  Guarda. 

Eíperava  a  Rainha  avizo  de  que  fe  havia  dado  á. 
execução  a  ordem  das  prizoens ;  e  tanto  que  o  recebeo, 
mandou  entrar  na  cafa  do  defpacho ,  em  que  efbva 
com  EIRey  \  os  Titulos ,  Fidalgos ,  Tribunaes ,  Sena- 
do da  Camera  ,  e  Cafa  dos  vinte  e  quatro  ,    que  havia 
mandado  convocar ,  eemprefença  de  todos  leu  o  Secre- 
tario deEílado  Pedro  Vieira  da  Silva  o  papel  feguinte; 
^J  A  obediência  ,  que  a  Rainha  noísa  Senhora  deve  aos 
preceitos  de  S.  Mageftade  ,  que  Deos  tem  ,  e  o  muito 
que  ama  a  Real  pefsoa  d' EIRey  N.Senhor.q  Deos  guar- 
de ,  o  defejo  de  alliviar  eftes  Reynos  ,  e  de  correípon- 
der  aos  vaísallos  delles  o  bom  animo  ,*  com  que  fem- 
..pre  afiiftirao  ,  e  trabalharao/na  fua  defenfa  ,  foraõ  os 
motivos ,  que  a  obrigarão  a  tomar  por  fua  conta  o  pe- 
iigo  de  governallos ,  quando  a  fua  inclinação  ,  ea  fua 
perda  pediaõ  refoluçaô  differente.  Até  agora  folicitou 
governar  á  fatisfaçaô  de  todos  ,  fem  perdoar  a  alguma 
circumítancia  útil  a  eíle  fim  j  porém  reconhece  nao  tem 
'    "bailado   tantas   vigilâncias  repetidas    para  confeguir 
taô  virtuofo  intento  ,  porque  os  juizos  altiífimos  de 
Deos  o  riaò  permittem  até  agora  -y  e  porque  fe  multi- 
plica Õ  as  queixas  commuas  ,  a  que  a  Rainha  N.  Senho- 
ra fe  acha  obrigada  a  dar  fatisfaçaô  ,  teve  por  conve- 
niente convocar  na  prefença  de  S.' Mageftade  o  Reyno, 
que  em  falta  de  Cortes  fexepreienta  nos  Confelhos , 
•         ^  ~r-  eTrk 


PARTE  II.  LIVRO  VIL  6í 

eTribunaes,  para  lhes  communicar  os  remédios,  que  Anno 
tem  applicado  ás  queixas  ,  de  que  os  confidera  oíFendi- 
dos,ordeuando-lhes  juntamente,  que  naõ  lhes  parecen-  l6Ó2. 
do  fufficientes  ,  lhe  reprefentem  com  toda  a  liberdade 
os  mais,que  tiverem  por  necefsarios ,  certificando-le  to- 
ados ,  que  o  feu  intento  he  acertar ,  no  que  for  mais 
conforme  ao  ferviço  de  Deos,  e  bem  deite  Reyno. 
He  queixa  geral,  q  ie  naô  adminiítra  juítiça  com  igual-  • 
dade  J  e  porque  elta  he  a  mais  principal  obrigação  dos 
Reys  ,  e  que  a  Rainha  N.  Senhora  traz  mais  preiente , 
vendo  que  na  o  podia  reíolver  as  matérias  contencioías, 
deliberou  mãdar  vifitar  todos  os  Tribunaes,  e  Miniítros 
deite  Reyno  ,  para  que"havendo  alguns,  que  naõ  fatis- 
façaõ  ás  ilias  obrigaçoens  ,  recebaõ  o  caítigo  ,  que  me- 
recer a  fua  culpa.  Sente  o  Reyno  ,  e  a  Rainha  N.  Se- 
nhora mais  ,  do  que  fe  pôde  declarar,que  tendo  EIRey 
N.  Senhor  os  annos  competentes  para  tomar  íobre  feus 
hombros  o  pezo  do  governo  do  Reyno  ,  de  que  a  Rai- 
nha N.  Senhora  tanto  deíeja  livrar-fe,  5;  Mageítade  fe 
não  tenha  applicado  á  direcção  dos  negócios  com  o  cui- 
dado ,  que  he  precifo  ,  e  lo  abraça  exercicios  perigo- 
fos ,  e  violentos  j  havendo  por  eíta  caufa  repetidas  ve- 
^zes  expoíto  a  vida  a  rifcos  manifeítos,dependendo  del- 
ia a  confervaçaõ  da  Monarquia  anhelante  de  ver  a  Sua 
Mageítade  todo  entregue  ás  occupaçoens  ,  que  fó  IKq 
podem  grangear  a  graça  com  Deos  ,  amor  com  osval- 
fallos,e  reputação  comos  extranhos.Neíta  confideraçaó 
ordena  a  Rainha  N.  Senhora  ,  que  todos  peçamos  a  EI- 
Rey N.Senhor  fe  lembre  de  fi,  e  de  nós,  gaitando  tem- 
po em  exercicios  dignos  da  fua  Real  pefsoa  ,  e  grande- 
za, encaminhando-os  a  fer  taõ  grande  Rey,  como  Deos 
o  fez  ,  confolando  os  melhores  vafsallos,  que  nu  uca  tel 
veRey,  poisfem  reparar  no  íangue,  nas  perdas  dos 
filhos  ,  nas  deípezas  da  fazenda  ,   que  já  naõ  tem  ,  ef- 
taõ  continuamente  dando  as  vidas ,  fem  outro  hm  mais, 
que  o  de  confervarem  o  nome  de  vafsallos  de  Sua  Ma- 
geítade. Senhor  ,  pelo  que  V.  Mageítade  deve  a  hum 
Díos  ,  que  ofez  taõ  grande  ,  á  confolaçao  de  huma  tal 
Mãy  ,  ao  remédio  dos  taes  vafsallos ,   quechegaõ  aos 

Reaes 


tfíff    ■!> 

.1 


6t     PORTUGAL  RESTAURADO, 

A  nno  Reaes  P^s  de  V-  Mageítade  com  os  coraçoens,  rotos  de 
x      dor,  e  dedefejos  nafcidos  do  mais  interior  de  fuás  al- 

lóól»  mas,  deverem  a  V.  Mageftade  com  íaude  nos  acha- 
ques do  animo  ,  aflim  como  fuás  lagrimas  a  alcançarão 
de  Deos  para  V.  Mageítade  nas  doenças  do  corpo  ,  que 
mude  V.  Mageítade  os  caminhos  porque  anda  ,  e  que 
nos  livre  por  fua  Real  clemência  dos  fobrefaltos ,  em 
•  que  o  amor  ,  e  o  defejo  da  vida  ,  efaude  de  V.  Mage- 
ítade nos  traz  continuamente.  Empregue  V.  Mageítade 
melhor  feu  talento ,  feu  valor  ,  e  generoíidade  de  feu 
animo  ,  imitando  ,  como  V*  Mageftade  tanto  defeja,  as 
virtudes  daquelle  taó  grande  Rey  ,  author  da  nofsa  Ur 
berdade  ,  cujas  memorias  ,  cujas  íaudades  viviráõ  eter- 
namente em  nofsos  coraçoens ;  e  foffra-nos  V.  Mageíta- 
de fazermos-lhe  eftas  lembranças, porque  lervir  os  Reys 
a  feu  goíto,  he  goftoj  mas  fervillos  dizendo-lhe  ás  ve- 
zes o  que  poderá  naõ  lhes  contentar  ,  he  virtude  mui- 
to própria  de  vafsallos  Portuguezes  ,  e  juramos  ,  como 
jí  temos  jurado  ,  e  juraremos  mil  vezes  proftrados  hu- 
mimalilíimente  aos  Reaes  pés  de  V.Mageftade,  a  mayor. 
obediência  ,  e  a  mayor  reíoluçaõ  de  dar  as  vidas  pelo 
Real  ferviço  de  V.  Mageftade. 

Naó  he  menos  a  queixado  Reyno,  e  o  fentimen- 
to  da  Rainha  N.Senhora,defe  haverem  introduzido  no 
Paço  ,  e  muito  junto  áReal  pefsoa  d'ElRey  N.Senhor, 
fujeitos  de  inferior  qualidade  ,  e  de  taes  coftumes,  con- 
felhos  ,  e  artes  ,  que  para  fe  eftabelecerem  no  poder ,  e 
£avor,que  tem  tomado,  femeaó  deíuniao  entre  os  Gran- 
des ,  e  divertem  a  natural  benignidade  d'ElRey  N.Se* 
nhor  ,  a  fim  de  feus  interefses  ,  procurando  perfuadir- 
lhe  tem  necefíidade  de  fuás  pefsoas    para  conciliar  os. 
ânimos  de  feus  vafsallos ,  para  os  pôr  á  íua  obediência,' 
para  fer  Rey  entre  os  mefmos  ;  que  para  que  S.  Mage- 
ftade o  feja  ,  lhes  parece  a  cada  hum  pouco  mil  vidas, 
perturbando  com  a  fombra  de  S.  Mageítade  os  meyos 
do  bom  governo ,  e  da  juftiça ,  cõmettendo  de  noite  , 
e  de  dia  os  delidos ,   que  com  tanto  efcandalo  faõ  no- 
tórios nefta  Corte  >  que  fe  EIRey  N.  Senhor  os  foube- 
ra  todos ,  os  caftigara  com  muito  rigor  ?  atrevendo-fe  a 

intenr 


VARTE  II  Limo  VIL       £3 

intentar  difcordia  até  no  fagrado  com  difcuríos  indig-  A  nno 
nos  de  toda  a  imaginação  contra  o  decoro  dafé  ,  do        nu 
fangue  ,  do  amor  ,  do  reípeito  ,  e  da  única  ,  e  legiti-  \66it 
ma  adoração  ,  que  fó  eítá  na  Real  peísoa  d'ElRey  N. 
Senhor.  Como  eíta  queixa  lie  a  mayor  ,  e  que  fó  envol- 
ve em  fi  todas  as  outras  ,  porque  fe  falta  com  ellas  mui- 
to principalmente  ájuíHça  ,  e  a  principal  caufa  dos  di- 
vertimentos d'ElRey  N,  Senhor,  e  a  que  muito  pertur- 
ba ,  e  pode  perturbar  mais  gravemente  ao  diante  o  fo- 
cego  commum  no  mais  interior ,  e  fenfivel  do  Reyno , 
fe  tem  reprefentado  á  Rainha  N.  Senhora  muitas ,  e 
muitas  vezes  com  toda  a  inítancia  por  grande  parte  dos 
Miniítros  ,  que  fe  achaõ  prefentes  ,  e  por  outros  ,  que 
onaõeítaó,  eporpefsoaszelofas  do  lèrviço  de  Deos, 
e  bem  do  Reyno ,  de  muita  ediílcaçaó  na  vida  ,  e  nas 
virtudes  j  convém  muito  muito  atalhar  eíte  damno  ,  de 
mais  de  outras  razoens ,  por  aplacar  a  ira  de  Deos  N. 
Senhor,  que  nos  caítiga  taõ  gravemente,tirando  de  jun- 
to á  Real  pefsoa  de  S.  Mageítade  eítes  inimigos,  que 
nos  põem  a  Corte  em  mayor  perigo  ,  do  que  os  Calte- 
lhanos  nos  põem  nas  fronteiras  -,  porque  eíles  ,  quando 
muito  ,  nos  tiraõ  ávida  ,  e  os  outros  a  vida  ,  a  repu- 
tação ,  o  favor ,  e  mifericordia  de  Deos.  Confcrmando- 
ie  a  Rainha  N.  Senhora  com  o  commum  fentir  de  tan- 
tos, e  taõ  graves  Miniítros,  e  vafsallos  ,  o  tem  man- 
dado executar  aílim ,  e  o  quiz  fazer  a  faber  a  todos  os 
Tnbunaes  juntos  .  para  que  tenhaó  entendido  ,  epor 
elles  todo  o  Reyno ,  a  eftimaçaõ,  que  S.  Mageííade  faz, 
e  tara  iempre  do  zelo  ,  advertências  ,  e  confelhos  de 
fcaes  peísoas  ,  e  íe  certifiquem  melhor  do  grande  defe~ 
)o ,  que  a  Rainha  N.  Senhora  tem  de  fatisfazer  ás  obri- 
gaçoens  dafua  confciencia  ,  e  da  Regência  do  Reyno, 
em  quanto  o  tem  á  fua  conta. 

Senhor  >  iílo  que  tenho  referido  o  mais  brevemen- 
te que  pude  ,  naõ  he  meu  na  fubítancia  ,  nem  ainda  nas 
palavras:  he,  como  tenho  dito,  dos  Miniítros, e  dos  vaf- 
ialos  ,  a  que  o  zelo,  a  confciencia  ,  a  honra  ,  eo  de- 
fejo  da  faude  publica  obrigou  a  reprefentar  á  Rainha 
N.  Senhora  j  e  faõ  tudo  coufas  taõ  conformes  á  razão, 


ea 


«4      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ànno  eajuftiça,  de  que  V.  Mageftade  he  taõ  zelofo  ,  que 
eíperamos  muito  confiadamente  dojuizode  V.  Mage- 
1662,  ftade  ,  da  íua  clemência  ,  e  da  inclinação  que  todos 
conhecemos  em  V.  Mageftade  ,  para  o  melhor  do  mui- 
to que  aborrece  a  liíbnja  ,  eeftima  a  liberdade  ,  e  in- 
teireza dos  Miniftros  ,  que  naõ  fó  approve  o  que  com 
taõ  boas  coníideraçoens  eftá  diípoíto ,  mas  que  conhe- 
ça a  igualdade  >  e  o  íocego  do  leu  Real  animo  ,  e  boa 
tenção  ,  e  o  cordeal  aífeéío  ,  com  que  o  aconfelhou  , 
e  obrou  o  Reyno  por  meyos  de  taõ  grandes  vaísallos ; 
affim  o  pedimos  proftrados  liumiliífi  ma  mente  diante  do 
Real  acatamento  de  V.  Mageftade. 

Acabado  de  ler  efte  papel  (coph  tirada  do  origi- 
nal) beijarão  todos ,  os  que  eftavaõ  preíentes  ,  a  maõ  a 
EIRey,  eá  Rainha  >  eElRey  naó  havendo  percebido 
em  todo  aquelle  aóto  mais  ,  que  os  eccos  das  razoens 
repetidas  por  Pedro  Vieira ,  fahio  delle  muito  fatisfeito 
do  amor  ,  que  devia  a  íua  mãy  ,  e  a  feus  vaísallos  ;  e 
perguntou  ao  Monteiro  mór  ,  fe  aquelle  ajuntamento 
íbraò  Cortes.  Refpondeo-lhecom  inteireza  ,  e  verdade 
folida:  que  as  publicas  queixas  de  todo  o  Reyno  >  af- 
lim  de  António  de  Conte  ,  como  de  outras  pefsoas  ,  de 
que  fe  fabia  punhaô  a  vida  de  S.  Mageftade  em  perigo, 
e  a  íua  authoridade  em  difcredito  ,  e  por  confequencia 
a  confervaçaõ  do  Reyno  em  manifeílo  rifco  ,  obrigarão 
á  Rainha  a  dar  ordem  ,  para  que  os  feparafsem  da  com-* 
panhiade  S.Mageftade,prendendo-os,e  defterrando-os; 
o  que  fe  havia  executado  por  confelho  dos  vaísallos 
zelofos,  e  amantes  de  S.  Mageftade  >  e  que  napreíen- 
ça  dos  Tribunaes  fe  dera  a  S.  Mageftade  conta  no  pa- 
pel ,  que  fe  lera  ,  deftâ  deliberação  ,  para  que  fofse  fer- 
vido approvalla  ,  pois  nella  fe  havia  acodido  ao  fervi- 
ço  de  Deos  ,  e  ao  de  Sua  Mageftade.  Ouvindo  EIRey 
eftas  razoens  do  Monteiro  mór  ,  que  devia  agredecer- 
Ihe,  entregue  todo  aos  precipicios  da  colera,perguntou, 
onde  eftava  António  de  Conte  5  que  queria  ir  bufcallo. 
Refpondeo-lhe  o  Monteiro  mór,que  S.  Mageftade  naó 
devia  apaixonar-fe  j  porque  aquella  acção  fora  naô  em 
oftènfa  ,  mas  em  beneficio  íeu  >  de  que  devia  dar  mui- 
tas 


PARTE  II.  LIVRO  VIL         6$ 

tas  graças  á  Rainha  ,  e  a  feus  Miniílros  ,  pois  que  com  An  no 
tanto  zelo  apartavaô  do  lado  de  S.  Mageílade  homens,  iv> 

que,  tomando-o  fó  para  fi ,  lhefaziaõ  perder  o  amor  cje  l6*Ó2. 
todos,  que  deviaõ  venerallo  com  o  amor  de  filhos,  e 
reípeito  de  vafsallos  ,  de  que  íe  abílrahiaõ,  fem  aquela 
la  ieparação  •,  epor  eíle  refpeito  os  havião  embarcado 
em  hum  navio  ,  que  já  eílava  fora  da  Barra  na  derrota 
da  Bahia.  Ouvindo  EIRey  eílas  prudentes  razoens  do 
Monteiro  mór,  ficou  focegado,-  porém  fahindo  o  Mon- 
teiro mór  da  fua  prefença ,  e  entrando  nella  outros  me- 
nos zelofos  ,  fendo  o  mais  arrojado  hum  repoíleiro , 
chamado  Manoel  Antunes  ,  lhe  introduzirão  novos  in- 
centivos de  ira,e  lhe  eníinarao  myíteriofa  dúTimulacaõ, 
que  fe  lhe  defcobrio  ,  pela  deíigualdade  do  animo  pou- 
co difpoíto  a  faber  ufar  das  filaclerias  da  induilria. 

No  dia  feguinte  acodio  toda  a  Nobreza  a  acompa* 
nhar  EIRey  á  Tribuna ,  e  o  Infante ,  •  que  a  Rainha  ha- 
via obrigado  a  na 6  concorrer  nos  fuccefsos  anteceden- 
tes ,  moítrou  a  EIRey  tanto  carinho  ,  e  obediência,  que, 
ie  rizera  reflexão  ,  pudera  conhecer  naquelle  aclo,  que 
todas  as  demonítraçòes executadas  haviaó  fido  em  ordem 
á  íua  maior  fegurança  ,  e  grandeza ".  porém  como  os  in- 
terefsados  na  mudança  do  governo  lhes  naõ  convinha 
levar  eíia  matéria  pelos  caminhos  da  razaó  ,  e  fó  que- 
riaó  tirar  a  fubílancia  dos  íeus  intentos  da  apparencia, 
e  naõ  da  realidade  ,  começarão  a  introduzir  no  animo 
d'EIRey,  e  a  efpalhar  na  ignorância  do  Povo  ,  que  a 
Rainha  ,  e  todos  os  que  a  aconfelharaó  ,  havia  o  delin- 
quido  contra  a  authoridade  Real,  dando  titulo  de  ca- 
dafalfo  ,  e  a  fentença  de  degredo  em  cabeça  alheya  ao  " 
adio  de  fociedade  ,  que  a  Rainha  na  prefença  d' EIRey 
havia  celebrado  :  accrefcentando,  que  António  de  Con- 
te ,  e  os  mais  delinquentes  podia  ó  fer  divididos  d' EI- 
Rey ,  ecaíligados  por  caminhos  menos  efcandaloíbs : 
de  que-fe  conhecia  claramente  ,  que  todas  eílas  maqui- 
nas foraó  formadas  para  a  Rainha  fe  eternizar  no  go- 
verno fem  cenfura  dos  Povos  ,  que  conta vaõ  em  EIRey 
dezanove  annos  ;  pertendeiido  moílrar ,  que  a  fua  inca- 
pacidade era  a  caufa  de  fe  quebrarem  as  leys  do  Rey- 

£  no 


.  : 


66     PORTUGAL  RESTAURADO,  ' 

Ánno  nr>  havia  cinco  annos ;  fendo  a  Rainha  fó  a  culpada  ms 
ss      defordens  d£E!Rey  pela  má  criação ,  que  lhe  dera  ,  com 

IÓ62,  ofim  de  o  incapacitar  para  o  governo,  em  que  con- 
feguia  dilatar-fe  nelle  ,  e  difpollo  para  entregar  o  Rey- 
noao  Infante  ,  que  afíèctuofamente  amava.  Admittiaõ 
•com  pouco  zelo  eftes  difcurfos  os  que  ,  attendendo  fó 
ás  conveniências  particulares ,  naò  reparavaõ  na  eítrei- 
teza  do  Reyno,para  poder  foíFrer  ao  meímo  tempo  três 
exércitos  Caítelhanos  ,  e  huma  guerra  Civil.  Porém  os 
deíinterefsados,  e  verdadeiramente  zelofos  da  conferva- 
çaõ  publica ,  conhecendo  a  dolofa  cavillaçaó  deitas  ma- 
liciofas  vozes  ,  diziaõ ,  que  a  refoluçao  ,  que  a  Rainha 
havia  tomado ,  fora  a  mais  heróica  ,  e  a  mais  jufta,  que 
devia  celebrar  a  fama  ,  e  a  forma  fora  a  mais  juítifica- 
da  ,  que  fe  podia  efcolher ;  porque  olhando-fe  para  o 
damno  do  Reyno ,  nao  podia  haver  outro  mais  preju- 
dicial ,  que  eftar  EIRey  aífifHdo  ,  e  abfolutamente  go- 
vernado por  homens  viciofos  ,  e  infolentes  ,  de  que  ie 
feguiao  doustaõ  graves  damnos,  como  reveítir-íe  EI- 
Rey com  o  trato  continuo  daquelles  mefmoscoílumes» 
e  corromper-fe  a  juíKça  miferavelmente  rendida ,  e  vio- 
lentada :  quefehaviaõ  bufcado  quantos  remédios  pu- 
dera defcobrir  a  induftria ,  para  divertir  EIRey  deíle 
taó  urgente  perigo  ,  e  fe  experimentara  ,  que  nao  íó 
nao  diminuia  ,  mas  que  por  horas  multiplicava  i  e  com 
eíles  profanos  exercícios  crefcta  o  rifco  manifeíto  da 
íbberanaauthoridade  da  Rainha*  de  que  eíKmulada  a 
fua  grande  prudência  determinara  largar  o  governo, 
ainda  antes  de  expulíos  António  de  Conte,  efeusfe- 
quazes ;  o  que  lhe  nao  permittiraò  os  maiores  Mini- 
ilros  ,e  pefsoas  mais  doutas  daquella  Corte,  por  fe  nao 
verem  infelicemente  entregues  á  direcção  abfoluta  de 
homens  efcandalofosv  e  poreíte  refpeito  fe  tomara  a 
louvável  refoluçao  de  fe  fazer  manifeílo  na  prefença 
d'ElRey  o  que  fe  nao  podia  encobrir,  pela  publici- 
dade, com  que  fe  obrava  ;  e  queeftes  forao  fempre  os 
caminhos ,  por  onde  os  antigos  Varoens  Portuguezes 
procuravao  emedar  defcaminhos  dos  íeusPrinctpes  mui- 
to menos  relevantes,  dizendo  (álèm  de  outros  muitos 

exea> 


PARTE  11.  L1VH0  Vil.         67 

exemplos  )  a  EIRey  D.  Afíònfo  o  IV.  por  ir  muitas  ve-  A  nno 
sesácaça,  que  bufcariaõ  Rey  que  os  governafse.  A 
ElRey  D.  Joaõ  o  Primeiro  ,  que  lhe  naõ  faltavaó  a  elíe  l6Ó2* 
va-sallos  para  ganhar  Tuy,  que  lhes  faltava  a  elles  hum 
R^y  Artur  ,  que  os  governaisej  porque  referir  aos  Prin- 
c  pes  os  feus  defacertos  na  lua  prefença  era  zelo  ,  e  vir- 
tude dos  vafsallos  ',  na  fua  aufencia  murmuração  ,  e 
malicia  •,  e  que  era  fem  duvida  naõ  poder  ter  outro  al- 
gum fim  mais ,  que  da  confervaçaó  do  Reyno  iêr-fe  a 
EIRey  em  publico  o  papel  que  fe  condemnava  •,  por- 
que os  feus  deiconcertos  deícobrião-fe  laftimofamente 
pelas  fuás  obras ,  não  por  aquellas  palavras  •,  e  aquel- 
les  ,  que  o  irritavão  para  lhe  obedecer  ,  querião  emen- 
dallo  íem  attenção  ao  perigo  próprio  •,  e  os  que  o  dif- 
culpavão  para  o  governar ,  tratavão  de  lifonjeallo  ,  fem 
reparar  no  dairmo  publico  :  que  a  Rainha  na  primeira 
idade  havia  dado  a  EIRey  virtuofo  Meítre  ,  na  mais  ro- 
buíta  generoío  Ayo,  fazendo  que  fofse  affiítido  dos  mo- 
ços mais  nobres  ,  e  dos  velhos  mais  prudentes  •,  fendo 
eftas  as  únicas  doutrinas ,  com  que  fe  podem  educar  os 
Príncipes  izentos  de  caítigos  mais  rigorofos  .•  que  a 
aítucia,e  vigilância  de  António  de  Conte  não  dera  nun- 
ca lugar  a  poder  fer  prezo  em  outra  forma  •,  e  que  a 
Rainha  eftava  tão  fora  de  querer  perpetuar-fe  no  go- 
verno do  Reyno ,  como  juítiticava  amefma  acção  ,  que 
íizera,  e  a  forma,  com  que  a  executara*,  porque  fe  qui- 
mera dilàtar-fe  no  dominio ,  para  que  havia  de  exafpe- 
rar  a  EIRey  feu  filho  ;  fem  mais  fim,que  o  da  fua  emen- 
da ,  podendo  eternizallo  no  encanto  dos  feus  appetites» 
íegura  por  elte  caminho  de  a  inquietar  na  íua  regência-, 
e  fe  delejava  habilitar  o  Infante  para  lhe  entregar  o 
Reyno ,  que  melhor  eítrada  podia  encontrar ,  que  a 
xnefma  ,  que  EIRey  fegu ia  ,  em  que  tão  continuamen- 
te arrifcava  a  vida ,  e  a  reputação  <  razoens  fundamen- 
taes  ,  de  quefe  colhia  ,  que  todos  os  que  encontravão 
efte  difcurfo  ,  não  querião  dar  o  governo  "do  Reyno  a 
EIRey,  querião  tirallo  á  Rainha ,  para  ufa rem  delieá 
medida  das  fuás  conveniências. 

Eiíando  nos  termos  referidos  com  tantos  >  e  tão 
E  2  pode-» 


68     PORTUGAL  RESTJUVLJDO; 

ÀntIO  poderoíos  contrários  eíta  taó  prejudicial  contenda  ,che- 
,,     gou  o  dia  de  Domingo  ,  ern  que  era  coítume  mandar- 

Ioóz.  fe  recado  ;ao  Gentil-homem  da  Camera  ,  que  havia  de 
fucceder  na  femana  ao  Conde  de  Caítello- Melhor  ,  que 
tinha  dado  -fim  ao  feu  exercício  na  antecedente  ,  orde- 
nou EIRey ,  que  continuafse  a  feguinte.  Eíta  novidade 
deo  cuidado  á  Rainha :  porém  como  o  feu  intento  era 
entregar  a  EIRey  o  governo  ,  naõ  tratou  de  fé  acaute- 
lar com  prevenção  alguma  ,  nem  ainda  com  a  demon- 
ílraçaõ  clara  de  huma  carta,  que  o  Conde  de  Caftello- 
Melhor  efcreveo  da  quinta  de  Alcântara  da  parte  d'El- 
Rey  ao  Secretario  de  Eítado,  perguntando,feera  mor- 
to António  de  Conte,  e  outros  particulares,  cometer- 
mos taõ  defabridos ,  que  manifeílamente  defcobriaõ  to- 
da a  maquina ,  que  fe  fabricava.  Voltou  EIRey  spatá  o 
Paço  ,  e  antes  que  entrafse  no  feu  quarto  ,  foi  f aliar  á 
Rainha ,  como  coítumava  j  e  no  dia  feguinte ,  que  era 
terça  feira ,  naõ  houve  novidade  ,  que  alterafse  o  foce- 
go  publico.  A  quarta  feira  ,  vinte  e  hum  de  Junho,  pe- 
lo meyo  dia  entrou  EIRey  em  huma  liteira  com  o  Con- 
de de  Caílello-Melhor,  e  mandou  guiar  para  Alcântara, 
íeguido  da  guarda  ordinária,  fem  dar  parte  á  Rainha, 
e  ordenou  ao  Conde  de  Atouguia  fofse  em  feu  fegui- 
anento  ,  e  a  SehaíHaõ  Cefar,(folto  depois  da  morte  ^EI- 
Rey fobre  a  confiança  de  lieis  carcereiros  )  fazendo-o 
Conde  de  Caílello-Meàhor  ,  para  facilitar  a  empreza» 
a  que  fe  arrojava ,  eleição  deftes  dous  Miniftros,  affim 
pelo  grande  talento ,  e  capacidade ,  que  nelles  reconhe- 
cia ,  como  por  ferem  ,  os  que  íe  achavaõ  menos  depen- 
dentes do  governo  da  Rainha; porque  o  Conde  de  Atou-, 
guia  confervava  no  animo  o  grande  aggravo  de  fe  lhe 
lia  ver  tirado  fem  cauía  o  governo  da  Província  de  Alen- 
tejo ;  e  no  coração  de  Sebaítiaõ  Cefar  reinava  defejo 
infaciavel  de  mqftrar  ao  mundo,  governando,  que  fabia 
reftaurara  opinião  perdida  na  prizaó  ,  e  caufas  delia, 
que  EIRey  D.  João  juftificou  antes  de  fu a  morte.  Che- 
gou EIRey  a  Alcântara  ,  e  juntos  os  tres  Miniftros,  paf- 
iarão  varias  ordens  a  todos  os  Títulos  ,  e  Fidalgos  ,  que 
entenderão  não  duvidarião  de  obedeceraellas,para  que 

viefsem 


»■<:■' 


PARTE  11.  LIVRO  Vil         69 

viefsem  affiítir  a  EIRey;  e  chamando  EIRey  a  Pedro  Atino 
Fernandes  Monteiro  para  Alcântara  >  elle  com  louvável  ^  , 
zelo  efcuíbu  com  outros  pretextos  ,  e  com  Pedro  Viei-  1662. 
ra  da  Silva  continuou  os  recados  ,  que  a  Rainha  man- 
dou a  EIRey :  eícreveraõ  aos  Governadores  das  Torres, 
e a  todas  as  Províncias  do  Reyno  ,  que  EIRey  havia 
tomado  poíse  do  governo.  Sem  controveríia  foi  aceita, 
e  obedecida  eíta  ordem  d'EIRey  >  porque  como  a  Rai- 
nha naõ  havia  intentado  encontrala,  e  íb  deíejado  , 
que  eíta  mudança  lerizeíse  por  caminhos  mais  decoro- 
fos,  naõ  acharão  contradição  as  difpoíiçoens  referidas; 
fó  pareceo  conveniente  aos  Coníelheiros  de  Eítado,que 
a  Rainha  mandou  chamar  logo  ,  que  lhe  chegou  a  no- 
ticia dâ  reíoluçaõ  d'ElRey,  que  le  defse  a  ordem  a  Ma- 
noel Pacheco  de  Mello  ,  para  que  na  Cruz  da  Eiperan- 
ça  aguardafse  toda  a  Nobreza,que  foíse  para  Alcântara, 
e  diíseíse  a  cada  hum  dos  que  chegaisem,  que  a  Rainha 
os  chamava  para  lhes  fallar ,  antes  de  obedecerem  á 
ordem  d' EIRey.  Quaíl  todos  voltarão  ao  Paço  a  fallar 
á  Rainha  ;  noticia  que  deo  grande  cuidado  ,  aos  que 
aííiítiaó  a  EIRey  ,  que  le  deivaneceo  depreísa  ,•  porque 
a  Rainha  depois  de  informar  a  todos  do  feu  animo  ,  e 
da  juíta  queixa  ,  com  que  eítava  de  fé  porem  duvida  a 
determinação  ,  que  tinha  de  entregara  EJRey  o  gover- 
no ,  os  mandou  para  Alcântara,  naõ  querendo  admittir 
a  opinião  de  muitos ,  que  lhe  aconlelhavaõ  ,  que  antes 
de  largar  o  governo,caítiga (se  os  authores  da  reíoluçaõ, 
que  EIRey  tomara  ,  por  naõ  ficar  eítabelecido  exemplo 
tao  prejudicial.  O  concurfo  da  Nobreza  deixou  livres 
aos  três  Miniítros  deite  receyo  ,  e  a  Rainha  pelas  dez 
horas  da  noite  mandou  ao  Bilpo  de  Targa  com  huma 
carta  a  EIRey ,  que  continha  as  razoens  íeguintes. 

MUito  alto  ,  e  pcderofo  Príncipe ,  Eu  a  Bainha  envio 
rrniito  a  [andar  aV.  Magefiade  ,  eomo  acuelle  que 
f  obre  todos  meus  filhos  muito  amo  ,  e  prezo.  Agora  Jouhe 
que  havíeis  pajjado  á  quinta  dt *  Alcântara  ,  e  que  mandá- 
reis levar  cama  ,  chamar  Fidalgos,  e  alguns  O  fiei  a  es  de 
vojfa  Cafa  ,  o  que  )unto  a  me  naõ  dares  noticia  de  fia  )orna- 

E  3  dax 


I  i 


70     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno^>  carecem  indicias  de  Intentares  fepararvos  da  minha 
companhia  ,•■  e  fuppofio ,  <p?;  e#  naÕ faltei  ategora  ás  ebri- 
1 662,  gàçbèns  de  M\y  ,  me  chego aperfucdir ,  #«?  iw [podereis 
arrojar  a  faltar  d  obediência  de  filho  ,•  e  nefie  fentido  vosrc- 
go  muito  que ,  parafa-z^r  ceffar  o  rumor  d? fie  Povo ,  vos 
queirais  logo  recolher  ao  Paço  ,  cert  ficando-vos ,  que  ne- 
nhuma daspeffoas  ,  que  vos  ajji fiem  ,  vos  tem  tanto  amor 
como  eu  ,  fiem  defe)aõmais,que  eu,  a  voffa  conjervaçaÕ ,  e 
augmento ,  fem  me  obrigar  a  efie  affeão  nenhum  rej "peito 
particular ,  porque  todos  dedico  ao  maior  inter ejfe  ,  e  cre* 
dito  vojjo  ,•  efe  efia  voffa  acção  fe  encaminha  a  querer  en- 
trar a  governar  efies  Remos  yfabe  Deos  que  o  defejo  mui- 
to mais,  que  vos,-  e que  fj  a  efie  fim  fe  encaminharão 
algumas  refoluçoens,  de  que  vós  fem  caufa)ufia  temarieis 
***  fentimento.  Comigo  deveis  tratar  efia  mataria  ,•  porque 
ajfim  podereis  confeguir  o  vofo  intento  fem  efirondos ,  nem 
inquietaçoens ,  e  com  afuavidade  ,  e  obediência  ,  que  deveis 
a  Deos  ,  e  a  vojjos  Pays.  Fofos  fcÔ  efies  Reynos  %  eeu  os 
governo  em  vojfonome  ,•  e  Je  for aõ  meus  -,  fá  para  vós  os 
quizera.  Vinde  ,  como  vos  peço  ,  e  aqui  pintaremos  o  Rey- 
'?:  tio  ,  como  for  pojfivel  •,  e  elle ,  que  me  entregou  efie  gover- 
■J:  m  ,  volo  entregará  ,  antes  que  qualquer  dejuniaõ ,  que  en- 
•u  trenós  haja,  o  entregue  a  no  ff  os  inimigos  ,  que  feachao 
com  três  exércitos  poderofos  ,  e  com  efie  ,fe  agora  Je  levan* 
tar ,  maispoderofo  que  todos  ,  a  quem  fem  duvida  fefegui* 
„,    ráatotalruina.  Querei  pelo  amor  de  Deos ,  pelo  amar  de 
vojfos  vaffallos ,  e  pelo  que  vos  mereço  ,  confiderar  efia  ma* 
,g    teria  com  madura  reflexio  \  pois  he  tio  importante  ,  e  tanto 
para  encommenâar  a  Deos ,  que  guarde  a  V.  Magefiade, 
muito  alto  ,  e  poder of o  Príncipe  ,  meufobre  todos  amado> 
e  prezada  filho  ,  e  o  encaminhe ,  como  muito  [muito  defe)or 
e  lhe  peço.  Efcrita  em  Usboa  a  vinte  e  hum  de  Junho  de 
mil  e  [eiscentos  feffenta  edous.  VoJJá  boa  May* 

RAINHA. 

1 

Coma  carta  referida  entrou  o  Bifpo  àe  Targa  na 
pfefença  d'ElRey ,  e  entregando-a  ,  lhe  encareceo  bre- 
vemente o  animo  >  com  que  a  Rainha  eítava  de  lhe  en- 
tre- 


PARTE  II.  LIVRO  VIL  71 

tregar  o  governo,  íem  mais  intento,  queexecutàr-íe  Anno 
eíla  acção  ,  leni  deixar  caminho  aojuizo  dos  homens     -  , 
de  parecer  violento  o  que  erataõ  voluntário  ,  como  lô"2" 
^onílava  á  maior  parte  dos  Miniítros ,  que  Iheaíliíliaó. 
Depois  d'ElRey  ouvir  cilas  razoens  do  Bifpo  ,  o  man- 
dou fahir  da  caia,  em  que  eítavaj  porque  na ó  tinha 
permifsaó  dos  três  Miniftros  para  relponder  íem  con- 
ferencia ,  e  delia  relultou  tornar  a  chamar  o  Biípo  ,  e 
dizer-lhe,  que  ao  dia  íeguinte  mandaria  a  reporta  ,  e 
que  efta  podia  dar  á  Ilainha.  Voltou  o  jBiípo  *,  e  os 
três  Miniftros  fizeraó  logo  a  repoíla  ,  que  ao  dia  fe- 
guinte  levou  á  Rainha  D.  Thomás  de  Noronha  Conde 
de  Arcos  ,  e  nella  fe  expunhao  as  razoens  ,  que  fe  fe- 
guem : 

MTJito  alta  ,  e  poderofa  Rainha  de  Portugal ,  e  dos 
Algarve s  ,  dá  quem ,  e  dalém  mar  ,  em  Africa  , 
Senhora  de  Guiné  ,  da  Conquijla  ,  Navegação  ,  Ethiopia, 
Arábia  ,  Per/ta ,  e  da  índia  ,  minha  febre  todas  muito  ama- 
da  ,  e  prezada  Mdy  ,  e  Senhora  \  Eu  EIRcy  envio  muito  a 
faudar  a  V.  Magejiade.  Tendo  ref peito  ao  ejlado  ,  em  que 
ejle  Reyno  fe  acha  com  a  opprefsáo  dos  exércitos-  dos  inimi- 
gos defta  Coroa  ,  e  determinar  acodir  a  elles  ,  como  obedien- 
te filho  de  V.  Magejiade  \  compadecido  do  continuo  traba- 
lho ,  com  que  V.  Magejiade  ,  depois  da  morte  dsElRey  meu 
Senhor  ,  e  Pay ,  governa  ejles  Jxeynos  ,  cuja  confervaçao  fe 
deve  ao  dijvelo  ,  e  prudência  de  V.  Magejiade  ,  me  refol- 
ià  a  alleviar  a  V.  Magejiade  ;  pois  fegundo  as  leys  de  fie 
Reyno  excedo  muito  os  annos  da  tutoria  ,  ef per  ando  com  o 
favor  Divino  approvação  de  V.  Magejiade  ,  ajfjlencia ,  e 
conformidade  com  o  Infante  D.  Pedro  meu  Irmão ,  fatis fa- 
zer meus  Vajfallos  ,  e  triunfar  dos  inimigos  defta  Ccroa. 
Muito  alta ,  e  poderofa  Rainha  de  Portugal ,  e./hó  Algar- 
ves  ,  minha  amada  ,  e  prezada  May  ,  e  Seiíhqtfa  nofjò  Se- 
nhor ha)  a  a  V 'M age  fia  de  em  fu  a  fornia  guardfi?  Éfcrita  em 
Alcântara  a  u  de  Junho  de  j  66 1.  Èei)a  a^ao  de  F.  Ma- 
gejiade feu  obediente  filho. 

REY. 


E4 


;  Outra 


*m 


7t      PORTUGAL  RESTAURADO , 

Anno        Outra  carta  da  meíma  lubítancia  deita  levou  ao  In* 
•^     fante  António  de  Miranda  Henriques,  e  promptamente 
IOJ2»  2jle  remeteo  a  repoíla  por  D.  Rodrigo  de  Menezes  ,  que 
continha  obíequios ,  e  agradecimentos  de  lhe  partici- 
par a  lua  refol-uçaõ  ,  pedindo-lhe  íuavemente  quizeíse 
tomalla  com  íatisfaçaó  imiveríal  na  companhia  da  Rai- 
nha lua  May,  e  que  para  o  acompanhar  ao  dia  ieguin- 
te  na  volta  para  o  Paço  ,  pedia  a  S.  Mageítade  licença» 
A  Rainha  conílderando  as  razoens  da  carta  ,  que  lhe 
levou  o  Conde  de  Arcos;  que  manifeítavao ,  que  El- 
Rey  naô  determinava  voltar  ao  Paço  ,  esforçou  as  di- 
ligencias por  todos  os  caminhos  ,  que  lhe  foi  pollivel, 
para  o  diísuaiir  deite  intento  t  porém  todas  eraõ  artiíi- 
ciofamente  interpretadas ,  dizendo-fe  a  El  Rey  ,  que  a 
Rainha  determinava  levalo  ao  Paço  ,  para  ficar  conti- 
nuando o  governo  em  defcredito  da  íua  opinião  ,  e,  em 
perigo  dos  que  pelo  íervirem,fe  havião  empenhado  na- 
quelle  intento.  Voltou  o  Conde  de  Arcos  com  outra  car- 
ta da  Rainha ,  em  que  dizia  ,  depois  dos  titulos  coítu- 
ma  dos  : 

A  Gora  acabei  de  vos  efcrever  ,  e  ãe  vos  mandar  offe- 
recer  pelo  Bifpo  de  Targa  o  mefmo  ,  que  me  pedis 
.  wefla  voffa  carta ,  \  e  vo-lo  diffe  Sabbado  ,  como  vos  confia, 
depois  de  vos  tirar  os  impedimentos  ,  que  vos  podiaõpre- 
yjdicar  nejla  deliberação  ,•  e  Deos  he  teftimunha  ,  que  nem 
tive  >  nem  tenho  outra  referva  ,•  e  fá  vos  peço  filho  ,  pe- 
lo que  vos  mereço  ,  que  me  naô  dificulteis  fazer  efla  ac- 
ção ,  como  convém  a  vós  ,  a  mim  ,  e  a  efes  Rey  nos.  Vol- 
tai para  vojja  Cafa ,  e  efiai  certo  ,  que  feM  hum  infante 
de  dilação*  tratará  de  vos  entregar  o  governo.  Fiai-vos  de 
huma  Aãíy  ,  que  vos  criou  com  muito  amor,  e  que  nenhuma. 
toufa  d&jfe^^  tanto ,  como  vervos  governar  cofn  grande  acer- 
to ,  efelic\xde :  afim  o  efpero  na  miferipordia  de  Deos,' 
e  para  que  èP*  vos  ajude  ,  he  necejfario  entenderdes  ,  que 
o  que  vos  tewk^  repetido  ,  he  o  que  vos  convém  por  todos  os 
ref peitos. 

Àelh  carta  da  Rainha  não  refpondeo  EIRey ,  por- 
que 


VARTE  71  LIVRO  VIL         75 

tjiae  faltavão  pretextos  para  encontrar  os  feus  pruden-  Anno 
tiilimos ,  e  verdadeiros  rogos  tão  jultiíkados  ,  que  pa-  ^, 
recia  temeridade  contradizellos,' e  continua do-fe  as  ne-  ^"l. 
goceaçoens  por  outra  eítrada  ,  foi  ordem  ao  Secretario 
de  Eítado  Pedro  Vieira ,  para  que  ao  outro  dia  pela  ma- 
nhãa  fofse  f aliar  a  EIRey.  Deo  ellQ  conta  á  Rainha  , 
que  lhe  mandou  obedeceíse  promptamente/e  fuppoíto 
que  EIRey  não  havia  chamado  ao  Infante,  nem  deferi- 
do á  licença  ,  que  lhe  tinha  pedido  para  lhe  aíllítir  ,  lhe 
ordenou  a  Rainha,  que  pafsafse  a  Alcântara  ,  e  que  com 
toda  afubmifsão,e  rendimento  perfuadilsea  EIRey  qui- 
zefse  voltar  para  o  Paço  a  aceitar  nelle  o  governo  do 
Reyno,  fazendo-lhe  entender  que  o  enganava, quem  o 
perfuadia ,  que  ella  tinha  mais  intento,  que  ver-fe  li- 
vre de  carga  tão  pezada.  Obedeceo  o  Infante  leni  inter- 
por dilação  :  chegou  a  Alcântara,  fallou  a  EIRey ,  e  ex- 
poz-lhe  com  efficaciíHmas  razoens  o  muito  ,  que  lhe 
convinha  tomar  o  governo  na  forma,  que  difpunha  a 
Rainha  fua  May ;  porém  EIRey  obítinado  na  íua  refo- 
lução  defpedio  o  Infante  ,  que  voltou  para  a  Corte 
Real ,  e  entrou  o  Secretario  de  Eítado  a  fallar-lhe,obe- 
decendo  á  lua  ordem.  Dilse-lhe  EIRey ,  que  havia  no- 
meado féis  Conlelheiros  de  Eítado  ,  que  Uie  pafsafte  le- 
go os  defpachos  ,•  e  depois  de  declarar  quem  erão  ,  lhe 
refpondeo  Pedro  Vieira  ,  que  pedia  a  S,  Mageítade  qui- 
zeise  fufpender  ella  nomeação  ,•  porque  ainda  que  to- 
dos aquelles  Fidalgos  fofsem  dignos  da  oceupaçao  ,  pa- 
ra que  eítavão  deítinades  ,  que  o  tempo  fazia  a  nomea- 
ção menos  decente  ,  e  o  numero  menos eítimavel  ?  que 
EIRey  feu  Pay  gaftava  féis  annos  para  eleolher  hum 
Confelheiro  de  Eítado  ,  e  Sua  Mageítade  elegia  féis  em 
huma  noite  ,•  e  que  fuppoíto ,  que  todos  parecia  forão 
eícolhidos  com  madura  confideração,  com  tudo  ,  que  a 
prefsa  ,  a  confufaõ ,  e  não  haver  Sua  Mageítade  (  como 
parecia  decoroío  )  dado  conta  á  Rainha  ,em  quem  ain- 
da eítava  o  governo  do  Reyno  ,  e  que  ordinariamente 
nomeaçoens  intempeítivas  coítumava  o  mundo  a  não 
julgar  por  acertadas,*  e  que  jultiíicando-fe  naefsencia 
ler  feita  aquella   nomeação  em  Miniltros  tão  beneme- 

xitosj 


Anno 
1661. 


74    PO  KTUO  A  L  ít  Ç  S7J  VtADO, 

ritos  ,  feria  ofFendellos  deílruilla  na  circunílancia  :  que 
Sua  Mageílade  fofse  ièrvido  querer  voltar  para  a  com- 
panhia de  íua  Mãy»  porque  nella  fe  liie  entrega  ria  o 
governo  pacifico  com  legitimas  ceremonias,  iem  íer  ne- 
celsario  uíar  de  meyos  nullos  ,  e  violentos  ,  dando-íe  a 
entender  ás  Naçoens  extranlias  ,  que  S.  Mageílade  to- 
mava por  força  o  Reyno  ,  que  lhe  pertencia  por  fuc- 
cefsaõ  ,  lem  mais  fim  ,  que  defauthorizar  a  refoluçaõ, 
que  a  Rainha  fua  May  tinha,  de  executar  com  mui- 
ta fuavidade  o  mefmo,  que  elle  pertendia  confeguir 
com  violência ;  e  de  que  eíla  era  firme  ,  e  de  mui- 
to tempo  aísentada  deliberaõ  da  Rainha  ,   devia  Sua 
Mageílade  ter  por  indubitável  ,  principalmente  de- 
pois da  Rainha  lhe  haver  eferito  o  mefmo,  que  elle 
lhe  fegurava  debaixo  da  fua  Firma  Real;  e  que  feria  fa- 
crilega  temeridade  prefumir-fe  podia  faltar  á  fua  pala- 
vra ,  quando  repetidas  ,  e  virtuofas  acçoens  a  coroavaó 
Heroína  daquelle.feculo.  EIRey  ouvindo  as  razoens  re- 
feridas  ficou  com  a  coílumada  perplexidade  ,  e  foi  a 
conclulaó  do  argumento  ordenar  a  Pedro  Vieira  fizefse 
o  defpacho  aos  Confelheiros  de  Eílado  na  forma  ,  que 
lhe  mandara.  Obedeceo  elle  vendo  infrudhiofas  as  re- 
plicasse logo  chamou  EIRey  a  Confeliio  de  Eílado,em 
que  entrarão  os  féis  nomeados  ,  que  foraõ  o  Conde  de 
Atouguia  ,  o  Conde  de  Arcos,  o  Vifconde  de  Villa-No- 
va  ,  o  Marquez  deCafeaes  ,  António  de  Mendoçi  ,  e  o 
Conde  de  Óbidos;  e  propondo-fe  tudo  o  que  fica  refe- 
rido ,  defejando  o  Conde  de  Atouguia  ,  que  fe  emen-  f 
dafsem  tantos  defeoncertos  ,  diíse  :  que  para  S.  Mageíla- 
de tomar  poise  do  governo  do  Reyno  com  decência  ,  e 
legalidade ,  era  preciíb  ordenar  ao  Secretario  de  Eílado 
referifse  a  forma  ,  e  o  eílylo ,  com  que  fe  procedia  em 
íimilhantes  adros.  Concordarão  os  mais  neíla  opinião, 
e  EIRey  mandou  a  Pedro  Vieira  referifse  o  que  fabia  da- 
quella  matéria  ,•  e  elle  com  zelo  >  e  prudência  ,  fem  em- 
baraço ,  ou  receyo  ,  expoz  :  Qje  os  Reys  ,  ainda  que 
tinhaõ  o  direito  da  fuccefsaó  ,  naõ  coílumavaõ  tomar 
por  fi  poise  do  governo,*  porque  fempre  era  necefsarío, 
que  o  Reyno  ,  ou  quem  ;0  reprefentafse  ,  fe  fujeitafse 

era 


PJRTE  II.  LIVRO  VII.         7j 

em  acto  publico  á  fua  obediência  com  os  antigos  ef-  Armo 
tyJos,  e  uzadas  ceremonias  de  cada  huma  das  Naçoens,-  * 
eque  em  quanto  aqueJle  acfo  ie  naó  celebrava,  naõ  1ÕÓ2. 
eílava  introduzido  no  domínio  o  fuccefsor  do  Reyno  , 
fazendo-fe  inítru mentos  públicos  ,  que  íerviaó  de  títu- 
los para  os  preíentes ,  e  de  memoria  para  os  vindouros: 
que  o  Reyno  em  virtude   do  teítamento  d'E!Rey  Dom 
Joaõ  havia  entregue  o  governo  á  Rainha  ,  dando-lhe  os 
SqUos  ,  em  queeítava  vinculado  o  Real  poder ,  iem  os 
quaes  S.  Mageítade  ie  achava ,  e  por  eíta  falta  tudo,  o 
que  obrava ,  era  com  violência  ,  e  lem  juítiça  ,  e  todos 
os  vaisallos  ,  que  lhe  obedeciaõ  ,   vinhão  contra  razão 
obrigados  do  receyo  ;  porque,  iuppoílo  que  em  S.  Ma- 
geítade eílava  a  Coroa  ,  e  o  Sceptro  ,  a  Rainha  fua  May 
tinha  a  regência,  e  o  dominio  ,•  e  que  fe  aos  dous  igual- 
mente fe  devia  o  decoro  da  Mageítade  ,  unicamente  á 
Rainha  a  obediência  dos  preceitos :  que  não  quizeíse 
S.  Mageítade  perverter  o  eílylo  íempreobíervado  pe- 
los antigos  Reys  de  Portugal ,  fem  mais  que  o  errado 
fim  de  querer  tomar  por  força   o  governo  ,  que  a  Rai- 
nha pertendia  entregar-lhe  por  vontade ,  arrifeando-íe 
com  aquellg  refolução  a  fazer  menos  fauítos  os  aulpi- 
cios  do  feu  futuro  governo  ,  não  íb  no  Reyno  próprio, 
mas  nos  extranhos,  onde  a  fua  determinação  havia  de 
fer  julgada  ,•  e  que  fe  S.  Magtítade  duvidava  do  animo 
da  Raiiha  ,  que  foi  se  fervido  mandar  qualquer  daquel- 
Jes  Fidalgos  á  Secretaria  de  Fitado,  que  elie  lhe  daria 
a  chave  de  hum  eferitorio  ,  em  cuja  maior  gaveta  fe 
achariao  feitas  todas  as  ordens  necefsarias  para  a  for- 
malidade daquelle  atf  o  ,•  e  que  viítas ,  e  nellas  exprefsa 
a  vontade  da  Rainha  ,  devia  S.  Mageítade  acommodar- 
fe  com  a  fua  refolução  ,  e  voltar  ao  Paço  ,  onde  fe  lhe 
faria  entrega  do  governo   do  Reyno  ,  naó  fó  fem  con- 
troverfia  ,  mas  com  geral  applaufo  :  que  iílo  era  o  que 
convinha  que  fe  executafse  J  e  que ,  fendo  úteis  a  to- 
dos em  geral  as  juíHficadas  acçoens  de  S.  Mageítade , 
tocavao  particularmente  aos  que  ;aílííriaó  na  fua  Real 
prefença,  tendo  por  obrigação  principal  aconíelharem- 
no  juíta ,  «  virtuoíameiíte, 

£ítas 


Anão 
1661. 


M:F 


76    POfflJGAL  VU5S74Ut*DO  f 

Eílas  razosns  foraõ  taò  juítiíicadas,  que  naõ  houve 
algum  dos  Confelheiros  de  Eílado^queas  contradiísef- 
íe;  porém  arbitrando-fe  aovo  meyo  de  unir  pontos  taõ 
divididos  por  linhas  imaginarias  ,  difséraó  ,  que  entre- 
gando o  Secretario  de  Eítado  a  EIRey  os  Sellos,  ficavaõ 
fem  contradição  todas  as  ceremonias  ,  que  havia  referi- 
do. Reípondeo  elle  confiantemente,  que  naõ  tinha  po- 
der para  pedir  á  Rainha  os  Sellos ,  nem  ella  para  os 
entregar  íenaõ  á  mefma  peísoa  d'ElRey,  fem  que  a  au- 
tliorida.de  de  Miniílro  algum  pudeíse  interpor-fe  em 
matéria  taõ  fagradã ;  e  que  neíle  fentido  naõ  devia  Sua 
Mageílade  fazer  acção  ,  em  que  faltafse,nem  á  juíliça, 
nem  á  decência.  Convencidos  ficarão  todos  os  Confe- 
lheiros ;  porém  ainda  taõ  obllinados  ,  que  fe  difsolveo 
o  Confellio  fem  deliberação  alguma.  Separados  os  Mi- 
niítros ,  chamou  EIRey  particularmente  ao  Secretario 
de  Eílado  ,  e  perguntou-lhe ,  fe  fe  atrevia  a  fegurar, 
que  a- Rainha  lhe  entregaria  o  governo  ,  voltando  pa- 
ra o  Paço.  Refpondeo-lhe  ,  que  ainda  que  naõ_era  fá- 
cil prometter,  o  que  dependia  da  vontade  allíéyà^prín- 
cipalmente  nas  matérias  daquella  qualidade  j  que  elle 
eílava  taõ  certo  na  refóluçaõ  da  Rainha  naquelie  par- 
ticular ,  que  com  a  fua  peísoa  fegurava  a  S.  Mageílade, 
que  a  Rainha  lhe  havia  de  entregar  logo  o  governo 
com  asfolemnidades,  que  para  aquelle  adio  fe  reque- 
rião.  Mandou  EIRey  que  efperafse  na  antecamera  de 
fora  ,  e  chamando  os  três  Miniflros  ,  por  quem  fe  go- 
vernava ,  lhes  referio  a  fua  promefsa.  Ajudarão  ,  que 
tornafse  a  chamallo,e  lhe  diísefse,que  trazendo-lhe  hu- 
ma  carta  aíiinada  pela  Rainha  ,  em  que  fegurafse  o  que 
elle  promettia  ,  EIRey  voltaria  para  o  Paço.  Beijoulhe 
Pedro  Vieira  a  mão  ,  louvando-lhe  muito  o  partido , 
que  havia  tomado  ;  efatisfeito  de  haver  triunfado  de 
tão  confufo  impoíftvel  >  voltou  ao  Paço  ,  e  dando  con- 
ta á  Rainha  de  todo  o  progrefso  da  fua  commifsão,  lhe 
deo  ordem  ,  que  logo  fizefse  acarta  na  forma  que  EI- 
Rey a  pedia  ,  refultando-ihe  grande  contentamento  de 
haver  fahido  da  affliçao  ,  a  que  a  tinha  obrigado  po- 
der-fe  entender  no  mundo  ,  que  ella  defejara  do  gover* 


PJRTE  11.  LIVRO  VIL       77 

no  do  Reyno  mais  ,  que  o  trabalho  de  defendello  ■,  e  j^rmo 
áeguralio  para  o  lograr  EIRey  ieu  filho.  Não  erão  pai-      .  , 
fadas  muitas  horas,  quando  chegou  o  Conde  de  Pom-  J^oz, 
beiro  á  Secretaria  de  Eítado  com  ordem  d'E!Rey  pa- 
ra levar  a  carta  ,  advertindo  ao  Secretario  ,  que  já  fe 
duvidava  delle  fatisfazer  a  promefsa  de  entregalla.  Deo- 
Iha  Pedro  Vieira .,  e  difse-lhe  ,  que  a  carta  reíponderia 
pela  fua  fé,  e  verdade.  Levou-a  o  Conde,  e  aberta  dizia: 

MUito  alto ,  e  poderofo  Príncipe  ,  &c.  Aí  ma- 
nhâa  ás  dez  horas  do  dia  teraõ  recado  os  Tribu- 
naes ,  para  em  fua  prefença  vos  entregai"  os  Scllos  ,  e 
tom  elles  o  governo  dejles  voffos  Reynos  na  forma,  quefe 
.cojlumaf  e  porque  nefla  matéria  naõ  haverá  duvida  al- 
guma ,  vos  rogo  muito  queirais  rccolhervos  a  vojjá  Cafa, 
Muito  alto  ,  e  poderofo  Príncipe  ^  &c. 

Convencidos  os  Miniítros  ,  que  aílíítião  a  EIRey , 
<das  razoens  deita  carta  ,  concordarão  ,  que  EJRey  ohe- 
deceíse  á  Rainha  ,•  porque  como  não  havia  circunítan- 
cia  ,  de  que  fe  pudefse  inferir  contrario  intento  ,  fica- 
da a  opinião  d'ElRey  muito  prejudicada  em  continuar 
maior  violência.  Fez  avizo  á  Rainha  deita  refoluçaõ-  e 
ella  deo  promptamente  ordem ,  que  ao  dia  feguinte 
■eftivefsern  no  Paço  todos  os  Tribunaes,Nobreza,e  prin- 
cipaes  do  Povo  ,  advertindo  ,  que fep revê nifsem  galas., 
e  feitas.  Ao  dia  feguinte  ,  que  era  fexta  feira  ,  vefpera 
•de  S.  João  Bautiíta ,  veyo  EIRey  de  Alcântara  para  o 
Paço  ,  acompanhado  de  toda  a  Corte  ,•  e  havendo-fe- 
Ihe  fignificado  da  parte  do  Infante ,  que  o  queria  acom- 
panhar á  hora  deítinada ,  por  conielho  dos  três  Miai- 
dtros  fe  anticipou,eveyo  bufcallo  á  Corte- Pveal.  Baixou 
•promptamente  o  Infante,  e -entrou  na  .carroça  com  EI- 
Rey ■>  apearao-íe  no  Paço  ,  e  íubiraoi  prefença  da  Rai- 
nha ,  que  os  eiperava  com  taô  agradável  íeveridade  ,  e 
animo  taô  conftante,-que  parece  rubricava  naquelie  acx.o 
ioda'  a  excellencia  das  fuás  heróicas  :acçoens.   Sentou 
klReyi  maõ  direita ,  e  o  Infante  i  efqtíerda  ,  tomaíi- 
4q  na  antecâmara  os  ieus  lugares  todos  os  Tribunaes, 

lltu. 


7!!     PORTUGAL  V^ESJJVtADO , 

Ajn-nfo  títulos  ,  Fidalgos  ,  e  principaes  do  Povo-  Poz  o  Repo- 

,      íteiro  mor  diante  d<ElRey  huma  cadeira  raza  develu- 

Ióoi.  do  carmezim   com  almofada  do  mefmo  ,  e  o  Secretario 

de  Eítado  fobre  ella  a  bolfa  ,  em  que  eítava0  os  Sellos 

Reaes  ,  e  a  Rainha  tomando-os  em  a  me  ima  bolfa  ,  os 

entregou  a  EIRey ,  dizendo  as  palavras  fegu íntes  : 

EJles  faõ  os  Sellos ,  com  que  os  Reynos  de  Vof" 
'  fa  Magejlade  me  entregarão  o  governo  em  virtude  do 
tejlamento  dL  EIRey  meu  Senhor ,  que  De  os  tem  :  en- 
trego-os  a  VoJJa  Magejlade  ,  e  o  governo  ,  que  com 
elles  recebi  •,  prazerá  a  De  os  ,  que  debaixo  do  amparo 
de  Vojfa  Magejlade  tenhaÕ  as  felicidades  ,   que  eu  de~ 

fejo. 

Tomou  EIRey  os  Sellos  ,  fem  refponder  palavra  al- 
guma, e  beijando  todos,  os  que  eítavaõ  pre  lentes  ,  as  _ 
mãos  aos  três  Príncipes ,  fe  difsolveo  o  congrefso,fkan- 
do  EIRey  de  pofse  do  appetecido  governo  do  Reyno, 
e  fem  cuidado  do  poder  da  Rainha ,  os  que  taõ  viva- 
mente o  recearão. 

Efté  foi  o  ultimo  fuccefso  do  prudente  governo 
da  Rainha  Dona  Luiza  ,  naõ  a  ultima  acçaó  da  lua  ge- 
nerofa  vida  ,  que  para  eíta  havia  refervado  as  mais  he- 
íoicas  circunílancias :,  fendo  que  mereceo  immortal  lou- 
vor a  difcreta  ponderação  ,  com  que  coníeguio  no  ma- 
ior combate  da  fortuna  triunfar  das  falfas  cavillaçoens 
da  emulação,  moftrando  ao  Mundo,  que  naõ  conti- 
nuava o  governo  da  Monarquia  mais  ,  que  pelo  interu 
to  de  conlervalla  ,  afpirando  fó  a  immortal  ,  e  fupenor 
Império  ,  e  caftigando  ,  aos  que  intentarão  ,  que  EIRey 
lhetirafse  o  governo  por  força,  em  lho  entregar  por 
vontade  •,  fendo  o  maior  credito  do  feu  varonil ,  e  vir- 
tuofo  efpirito  a  calumnia  ,  que   fe  tomou  por  pretex- 
to para  o  efcandalo  d<ElRey  ;  pois  a  refoluçao ,  e  a 
forma  da  prizaò  de  António  de  Conte  no  tempo  ,  que 
três  Provindas  com  a  invafaò  de  três  exércitos  ardiao 
em  guerra ,  naò  fe  conta  mais  heróica  de  outro  algum 
feculo  ,  juíKficando  a  Rainha  ,  que  pela  honra  deDeos, 
e  opinião  d' EIRey  feu  filho  atropelava  todos  os  incon- 
venientes ,  e  perigos  humanos ;  e  naõ  foipoderofa  to- 


PJRTE  11  LIVRO  Vil         79 

da  a  iaduítria  dos  malaffe&os ,  para  fe  eícurecerem  os  Anna 
refplandores  deita  acçaó  9  obrada  fem  mais  politica,que 
o  defejo  fyncero ,  evirtuofo  de  «apartar  da  companhia  l^2* 
<l'ElRey  homens  indignos  de  lugar  taó  foberano  ,  an- 
tes de  lhe  entregar  o  Reyno  ,  e  lhe  dar  por  adjun&os 
ao  governo  Varoens  exemplares  ,  e  merecedores  de  ai- 
íiílir  á  fua  Real  educação. 

Logo  que  a  Rainha  fe  apartou  d<ElRey,  mandou 
por  todos  os  Conventos  dar  graças  a  Deos  defahir  taó 
felicemente  de  empenho  taó  arriícado  ,  e  tratou  cuida- 
dofamente  da  eleição  de  íirio  para  fundação  de  hum 
Convento  de  B^eligiofas  AgoiUnhas  Delealçasjrecollei- 
çaõ,  em  que  havia  deliberado  recoHier-fe:  e  achando  in- 
digna dificuldade  em  alguns,  que  intentou,  (porque  os 
homens  temporaes  ío  pelo  tempo  fe  governaó  ,  e  fem 
attençoens  da  Jionra  fogem  dasleys  da  razão  )  veyo  a 
i  aceitar  aofferta  do  Conde  da  Ponte  de  hu ma  quinta  ■> 
iituada  fobre  o  Tejo  no  íitio  do  Grillo  ,  ç  nella  come- 
çou a  fundação  do  Convento  com  a  maior  diligencia, 
€  brevidade,  que  lhe  foi  poífível ,  que  pareceo  vaga* 
rofa  ,  aos  que  a  defejavaó  mais  diílante  d«ElRey  •,  in- 
tento ,  que  foi  applicado  com  eíHmulos  taó  exorbitan- 
tes, e  indecorofos ,  que  fófora  decente  referirem-ie, 
fe  as  virtudes  efclarecidas  daRainJia  dependerão  de  fe 
ananifeítar  o  cryibl ,  em  que  fe  apurarão. 

Separada  a  Rainha  do  governo,  e  reconhecendo  o 
Conde  de  Caítello-Melhor  osrobuílas  hombros,  que 
eraõ  necefsarios  para  fuílentar  o  pezo  da  Monarquia  ?q 
EIRey  infallivelmente  havia  de  entregar  á  eleição  de 
primeiro  Miniilro*,  porque  áièm  da  falta  da  racional  re~ 
ílexaõ  ,  de  que  os  achaques  o  haviaó  privado  ,  eílava 
taó  alheyo  de  todos  os  fundamentos  eíseaciaesde  go- 
vernar o  Reyno,  que  totalmente  ignorava  os  primei- 
ros princípios  de  lèr  ,  e  eferever  ,  que  íaó  aque31es,com 
que  os  homens  fe  habilita  o  para  os  mais  inferiores  ex- 
ercícios da  vida  ,  quanto  mais  para  o  governo  de  taó 
dilatada  Monarquia.onde  nem  podia  lêr  o  que  lhe  cpn- 
íultafsem ,  nem  eferever ,  o  que  naó  quizefse  liar  de  ou- 
pà  i  efsoa  ?*  p  bailava  sita  privação  para  fer  depoík>  d# 

governa  - 


8o       PORTUGAL  RESTAURADO, 

A  ntlO  governo  do  Reyno.  Determinando  o  Conde  deCaítelío- 
,s     Melhor  fahir   de  ta  o    grande-  embaraço  ,  oíFereceo  ao 
1ÓÒ2,  Conde  de  Atouguia  o  lugar  de  primeiro  Miniltro  ,  re- 
-conhecendo  nelle  virtudes  capazes  deita  luperior  occu» 
paçaõ  ;  porém  o  Conde  de  Atouguia  ,  que  fabia  pez  ar 
as  íiias  acçoens  com  medidas  certas  ,'  fó  attento  á  glo- 
ria póíHiuma  ,  naó  querendo  que  em  algum  tempo  pa- 
receíse ,  queelle  por  conveniência  própria  ,  e  naõ  por 
zelo  publico,havia  cooperado  na  reíbluçaó ,  que  EIRey 
tomara,  agradecendo  ao  Conde  de  Caitello-Melhor  a 
oííerta  que  lhe  fazia,   transferio  nelle  o  domínio,  fe~ 
gurando-lhe  inleparavel  fociedade  ;  deliberação  ,  que 
^pprovou  Sebaítiaó  Cefar,porque  ie  nao  achou  com  po- 
der para  fer  o  eleito  ,  e  por  eíta  conformidade  ficou  o 
Conde  de  Caítello-JVÍelhor  logrando  ,  o  que  muitos  an- 
}    nos  antes  íe  havia  vaticinado:  porém  paísado  pouco 
tempo  do  governo  o>ElRey  ,  feguio  eíta  difpohçaô  os 
-paísos  do  Trium-Virato  Romano  ,  ficando  o  poder  ab- 
loiuto  no  Conde  de  Caítello-Melhor  ,  e  feparando-íe 
querxQÍbs  os  outros  dous  Miurítros  ,  como  veremos, 
Mandou  EIRey  ao  Conde  ,  que   pafsaíse  a  fua  família 
para  o  quarto  y  que  havia  fido  do  Príncipe  D.  Theodo- 
fio  ,  fem  mudança  alguma  nas  portas  das  ferventias  in- 
teriores ,  eefcolheo",  por  intervenção  do  Conde  >  para 
lhe  aíTiítir  nos  exercícios  domeíticos  ,  a  Henrique  Hen- 
riques de  Miranda  ,  filho  íegundo  de  António  de  Mi- 
randa Henriques :  e  porque  poderia  parecer  odioio  o  ti- 
tulo de  primeiro  Miniítro,  confeguio  o  Conde  o  de  El- 
crivaò  da  Puridade  joccupaçaõ,  que  havia  tido  Joaõ  Fer- 
nandes da  Silveira  no  tempo  d'ElRey  D.  Joaõ  o  1  n- 
meiro :  Nuno  Martins  da  Silveira  no  d' EIRey  D.  Duar- 
te: Diogo  da  Silveira  no  d'ElRey  D.  Aífonío  V.  ;  o 
Cardial  D.  Miguel  da  Silva  no  tempo  d' EIRey  D, Ma- 
noel} MartirnGonfalves  da  Camera  ,  reinando  EIRey 
D.  Sebaftiaójé  outros  em  íéculos  mais  diítantes:  e  por- 
que naó  foi  poffivel  defcobrirem-fe  documentos  para  fe 
lançar  a  carta,mandou  EIRey  ao  Secretario  de  Eítado  a 
fizefse  como  o  Conde  lhe  ordenafse.  Repugnou  elle, 
acodindo  pelas  prerogativas  do  feu  ofíicio  :naõ  lhe  va- 
r        x  lerão 


VARTE  II.  LimO  VII.        K. 

3eraõ  as  diligencias  -,  porque  já  fe  na  o  praticava  mais,  ,4  , . 
que  as  duas  conclufoens  ,  de  quero,  e  mando',  ele  rf> 
pafsou  ao  Conde  a  Carta  com  poder  abíoluto  de  go-  *"6-2, 
vernar  o  Reyno  ,  úteis  emolumentos ,  propinas  em  to- 
dos os  Tribunaes ,  e  mercê  de  Confelheiro  de  Fitado 
Ao  mefmo  tempo  nomeou  ElRey  a  Henrique  Henri- 
ques de  Miranda  Tenête  General  da  Artilharia  do  Rey- 
no, e  Provedor  dos  Armazéns,  compra  ndo-fe  a  proprie- 
de  deite  officio  a  Luiz  Ceíar  de  Menezes  ,  que  o  exerci- 
tava ,  por  haver  íido  de  feus  Avós»,  e  a  eilas  mercês  íe 
feguiraõ  outras  a  varias  peísoas  depédeníes  dos  três  Mi- 
niilros,  e  fe  tirou  o  exercicio  aos  Gentis-homens  daCa- 
mera  d'ElRey,deixando-lhe  nella  as  entradas  livres  nas 
horas  deíbccupadas  ,  e  fe  ordenou  a  Franciíco  de  Sá  de 
Menezes  Marquez  de  Fontes  ferviíse  o  feu  ofíicio  de 
Camereiro  mór  j  porém  nem  eíla  occupaçaõ  nem  outra 
alguma  da  Caía  Real  tinha  o  feu  verdadeiro  exercício, 
nem  havia  hora  certa  para  algum  emprego  *,  porque 
tudo  íe  governava  pela  vontade  d'ElRey  taõ  diísonan- 
f e  ,  que  naõ  difpenfava  armonia. 

Difpoíhs  as  fegu ranças  domeílicas  ,  fe  poz  em  pra- 
tica o  defembaraço  dos  perigos  externos  ,  e  foraô  ef- 
colhidas  as  pefsoas  principaes ,  com  que  a  Rainha  íe 
•aeonfelhou  no  papel ,  que  fe  deu  a  ElRey ,  e  prizaÔ 
de  António  de  Conte  ,  da  ndo-fe  a  todas  camerariamen- 
te  íentença  de  deílerro  para  os  lugares  mais  remotos  ; 
eao  mefmo  tempo  mandou  ElRey  fahir  da  Corte  ao 
Duque  do  Cadaval,  o  Conde  de  Soure,  Manoel  de  Mel- 
lo ,  o  Monteiro  mór ,  o  Conde  de  Pombeiro  ,  ó  Secre- 
tario de  Eftado  Pedro  Vieira  da  Silva  ,  e  o  Padre  Antó- 
nio Vieira  •,  e  Luiz  de  Mello  teve  ordem  para  fe  abfter 
de  ir  ao  Paço,  havendoíè-lhe  primeiro  feito  mercê  do 
officio  de  Porteiro  mór  para  feu  filho  Chriílovaõ  de 
Mello,  que  governava  Mazagaó-,  e  o  Capitão  da  Guar- 
da para  Manoel  de  Mello  ,  negoceando-lhe  o  Conde  de 
Atouguia  eíle  allivio  na  fua  difgraça.  O  Marquez  de 
Gouvea  ,  vendo-fe  deítruido  de  feus  amigos  ,  e  de- 
fraudados os  privilégios  do  officio  de  Mordomo  mór, 

.  ,pedio  licença  para  fahir  da  Corte :  negoufe -lhe  vpo- 

F  rém 


I 


!,>■-» 


Si     PORTUGAL  RESTAURADO , 

AílHO  rém  inílando ,  fétee  concedeo  como  preceito  de  naõ 
,\  entrar  nella  fern  ordem  d'E!Rey.  Faltava  Secretario  de 
lbúl*  £ítacJo  pelo  deílerro  de  Pedro  Vieira,  e  efcolheo  o 
Conde  de  Caítello-Melhor  a  António  de  Souía  de  Ma- 
cedo, Confelheiro  da  Fazenda  ,  e  Juiz  das  Juílificações, 
e  que  havia  nas  Corte  extrangeiras  oceupado  os  luga- 
res ,  que  temos  referidos  ,  e  profefsava  além  das  boas 
letras  ,  erudiçoens  ,  e  noticias ,  que  lhe  grangearaõ  me- 
lhor fama  ,  em  quanto  teve  menos  fortuna»  e porque 
©  Prior  de  Sodofeita  fe  retirou  voluntariamente  para  a 
ília  Abbadia  ,  foi  efeolhido  para  Confefsot  d'ElRey,  e 
«eleito  Bifpo  de  Angra  Fr.  Pedro  de  Soufa  ,  tio  do  Con- 
de de  Caílello-Melhor,  Religiofo  da  Ordem  de  S.  Ben- 
to ,  onde  havia  fido  Abbade ,  e  Lente  de  Theologia. 

Os  primeiros  dias,  que  fuecederaó  ao  em  que  EIRey 
tomou  poise  do  governo,  aíTiílio  a  algumas  acçoens  pu- 
blicas com  pontualidade  :  porém  como  naõ  podia  íof- 
frer  laços  aos  feus  divertimentos ,  começou  a  exerci- 
tar huma  defordem  de  acçoens  taó  inauditas ,  que  re- 
cea  o  animo  laíKmado ,  e  zelofo  da  honra  do  Reyno. 
encontrar  termos,com  que  decorofamente  fe  expliquem 
tantas  infelicidades :  porém  naó  he  pofíivel  deixar  de 
referillas,aílim  para  documento  da  humana  fragilidade, 
como  para  jufttíicaçaõ  dos  fueceísos  futuros.  Augmen- 
tava  as  deíbrdens  d'ElRey  de  forte  aambiçaõ  de  mui- 
tos dos  que  lhe  aífíítiaõ ,  que  aaffiicçaõ  da  Corte 
~c releia  por  inítantes,ca  conrufaõ  era  taõ  exceiliva,  que 
parecia  irremediável  \  porque  ao  mefmo  tempo  fe  re- 
petia© as  noticias  dos  progrefsos  -dos  exércitos  de  Ca- 
jtella.  Entre  tantas  afflicçoens  fe  dedicava  a  mayor  la- 
itima  á  indeeencia ,  com  que  a  Rainha  era  tratada ;  por- 
que além  de  lhe  tirarem  toda  a  comunicação  dos  negó- 
cios do  Reyno,  lhe  difficultavaõ  a  aíliílencía  das  pef- 
foas,  cnie  por  obrigação,  eporalFe&o  defejavaô  naõ 
faltar  da  fua  antecamera ,  e  folhe  era  permittido  fer- 
vir-íè  deDonalfabel  deCaftro,  eDona  Maria  Fran- 
ciíca,  viuva  cie  D.  António  deCaft.ro,  e  de  algumas 
Batinas  ;  e  affiiftirem-lhe  Ruy  de  Moura  Telles,  íeu  E£- 
Cribeiro  mór ,  e  D.  João  deSouía  $a  Silveira  fi  feu  Vea- 

«dor  i 


rj"  i 


PJRTE  II.  LlfRO  VIL      -.8  j 

dor:  e  depois  de  apurados  extraordinários  difsabores,  àfâfi® 
chegou  o  defacato  a  tao  íiibido  ponto  ,  que,  não  valeu-  ]>Y  ' 
do  á  Rainha  o  fagrado  do  Oratório  ,  onde  lè  recolhia,  Ioui. 
foraó  profanadas  com  pedras  as  vidraças  das  janellas  , 
que  cahiaó  para  o  eirado  :  e  porque   naô  ficaíse  duvi- 
doio  o  Íacrilegio  ,  e  o  defatino  occulto  ,  feriao  o  ar  iu- 
decentiííimas  vozes  ,  que  lè  deixavaó  raigar  da  mágoa 
de  ouvir  que  era  caíiigada  ainnocencia,  e  a  grande- 
za abatida.  Affiítia  EIRey  a  eíleslaítimoíbs  eípedacu- 
losj  e  parecendo-lhe  que  a  noite  era  confuía  teíHmu- 
nha  deites  profanos  deíconcertos  da  ira  ,  bufcou  a  lua 
do  dia  para  os  fazer  mais  manifeítosi  e  defcendo  á  Ca- 
pella  dia  da  Conceição  ,  eítando  a  Rainha  lua  Mãy  na 
tribuna  ,  lhe  negou  a  cortezia ,  que  devia  fazer-lhe 
como  Rey  ,  ecomo  rilho.  Explicou  o  efcandalo  geral 
o  confuío  rumor  do  Povo  ,  em  que  íó  íoavaõ  as  lagri- 
mas como  línguas  dos  coraçoens  magoados.  Acabou- 
ie  a  feita  ,  retirou-íè  a  Rainha  da  tribuna  ,  e  não  tor- 
nou a  voltar   aella  em  quanto  eileve  no  Paço.  Sen- 
tia o  Infante  D.  Pedro  profundamente  eítes  repetidos 
pezares  ,  e  outros  que  lhe  pertenciãoj  porque,  reconhe- 
cendo-le ,  que  em  EIRey  creícião  os  vícios ,  nelle  as 
virtudes  lè  lhe  miniílravao  inílru mentes  de  desbaratai- 
las,  pertenden  do  juntamente  divertillo  das  liçoens,em 
que  o  oceupava  prudentiíTimamente  Francilco  Corrêa 
de  Lacerda;  mortal  veneno,  que  os  Principes  com  appa- 
rencia  de  fuave  bebem   nos  primeiros  annos ;  e  junta- 
mente o  perfuadiaõ  á  aíliílencia  do  Paço  ,   de  que  o  In- 
fante com  diíTimulada  prudência  fe  íeparava  ,  reconhe- 
cendo os  continuos  riícos  ,  a  que    lè  expunha  na  in- 
confiderada  cólera  d'ElRey ,  originada  da  natural  anti- 
patia ,   que  tinha  ás  luas  virtudes. 

Achava-lè  rieíte  tempo  o  Infante  fem  numero  de 
criados  ,  que  lhe  aííiítifsem  ,*  porque  o  Conde  de  Soure 
eítava  deíterrado  Joaó  Nunes  da  Cunha  em  Entre  Dou- 
ro ,  e  Minho,o  Conde  de  S.  Lourenço  ,  e  Ruy  de  Mou- 
ra Telles  com  o  pretexto  das  fuás  oceupaçoens  penden- 
do para  o  partido  reynante ,  deixavaó  de  tomar  íèma- 
na  ,  e  por  eíle  refpeito  foraõ  novamente  nomeados  pa- 

S  2  ra 


84    POítTUGAL  RESTAURADO; 

Al1íiOra  Geiítis-homens  daCamera  do  Infante  o  Conde  da 

,s     Ericeira  D.  Francifco  de  Menezes  ,  reílituido  por  El- 

1602.  pve^  -  £ua  ca^a  com  0  iUgar  je  Confelheiro  de  Guerra, 

abíblvendo-o  do  deíterro,  a  que  a  Rainha  o  havia  man- 
do ?  avaliando  por  culpa  as  folidas  razoens ,  que  o 
Conde  teve|para  naõ  acompanhar  a  Rainha  de  Inglater- 

,  ra;  jornada,para  que  o  havia  deítinado  a  Pvainha  Regen- 
te :  a  Pedro  Cefar  de  Menezes  ,  Ruy  Fernandes  de  Al- 
mada ,  Rodrigo  de  Figueiredo  ,  D.  Diogo  de  Menezes, 
e  António  de  Miranda  Henriques.  Concorriaõ  em  to- 
dos merecimentos  para  aquella  occupaçaõ  ;  e  eítes ,  e 

-  muitos  mais  eraó  necefsarios  para  defender  ao  Infante 
dos  perigos  ,  a  que  todas  as  horas  eítava  expoílo  com 
os  excefos  d' EIRey  ,  ainda  que  nos  primeiros  mezes  do 
feu  governo  naõ  foraó  taõ  públicos  ,  como  depois 
fe  manifeítaraõ  ,  de  que  iremos ,  com  pena  incompa- 

•  ravel ,  dando  conta  pela  ordem  dos  annos. 

Nas  Cortes  de  França  ,  e  Roma  ,  como  naõ  havia 
Miniítros  neíle  tempo  ,  naõ  fe  offèreceo  matéria  digna 
de  memoria ,  fó  em  EIRey  de  França  começavaõ  atfa- 
zer  imprefsaõ  as  diligencias  de  Inglaterra  ;  e  defatado 
o  governo  daquelle  Reyno  dos  laços  políticos  do  Car- 
deal Mafsarino  com  a  fua  morte ,  (como  difsemos)  foi 
EIRey  conhecendo  claramente  ,  que  a  união  de  Portu- 
gal era  hum  dos  ma yores  esforços  daquela  Monarquia, 

.  por  fer  occaíiaò  dos  mais  fenfitivos  damnos  ,  que  os  Ca- 

.  íleHianos padeciaõ  ,  eaopafso  defte  conhecimento  fe 
foraõ  difpondo  os  foccorros,  que  depois  pafsaraõ  a  Por- 
tugal. 

Deixámos  a  Rainha  de  Inglaterra  embarcada  na  Ca- 
pitania da  Armada  daquelle  Reyno  ,  e  a  Corte  comas 
juítas  faudades  da  falta  de  huma  taõ  excellente  Prinee- 
za.  Naõ  deu  o  tempo  lugar  a  fahir  a  Armada  fe  naõ  na 
dia  vinte  e  cinco  de  Abril ,  e  nos  três ,  que  íe,  dilatou 
110  porto,  mandou  a  Rainha  incefsantemête  faber  como 
íe  achava  a  Rainha  fua  rilha  com  as  incommodidades 
do  navio  J  e  EIRey  ,  e  o  Infante  fe  embarcava 6  de 
noite,  levando  comfigo  varias  faluas  de  mu  ficas  para 

.divertir  a  Rainha.  Saliio  a  Armada  fora  da  Barra  ,  e  ha- 
vendo 


PARTE  II.  LIVRO  VIL         8y 

vendo  navegado   com  ventos    pouco  favoráveis,  por  Annn 
correrem  muito  rijos  os  Nordeítes  »  foi  precifo  entrar  * 
era  huma  bahia  chamada  dos  Montes   a  dezoito  de  *662» 
Mayo,  e  focegado  o  vento,tornou  a  lahir.Sentio  a  Rai- 
nha. o  trabalho  da  navegação  ,  e  padeceo  grandes  do- 
res em  hum  braço  $   porém  melhorando  ,  foi  menor  o 
cuidado  do  Marquez  de  Sande,  e  Embaixador  extraor- 
dinário naõ  fó  de  Inglaterra ,  fenaô  de  França ,  fe  aca- 
fo  a  fua  diligencia  pudelse  confeguir  fem  controver- 
tia eíta  commilsaõ,  fiando  "a  Rainha  juítamente  do  feu 
grande  talento  negócios  tao  coníideraveis.  Na  bahia 
dos  Montes  tiveraõ  principio  os  oblequios  dos  Ingle- 
zes  á  lua  nova  Rainha  ,  e  todos  fatisfeitos  da  benevo- 
lência ,  e  agrado  ,  com  que  os  recebeo ,  e  da  fua  gen- 
til difpoíiçaâ  ,  celebrarão  no  felice  defpoforio  d'ElRey 
a  fortuna   daquelle  Reyno  ,  e  por  toda  aquella  Coita 
refplandecia  o  ar  com  fogos  ,  e  retumbavaó  oséccos 
com  falvas  de  artilharia.  Varias  vezes  efcreveo  a  Rai- 
nha de  Inglaterra  á  Rainha  fua  May  na  jornada  ,  e  re- 
cebendo carta  fua  das  preparaçoens  ,  que  os  Caílelha- 
nos  faziaõ  para  entrar  em  Portugal,  defpachou  o  feu 
Eílribeiro  mór  com  Iiuma  carta  para  EIRey ,  pedindo- 
Ihe  com  aífecluofo  encarecimento  remetefse  a  Lisboa 
com  a  brevidade  poífivel  a  Armada  ,  e  tropas  da  Caval- 
gariam Infantaria  deítinadas  para  aíliílir  na  futura  Cam- 
panha. Antes  de  entrar  no  porto  de  Porítmouth  fe  avi-» 
ilaraó  cinco  fragatas,  em  que  vinha  o  Duque  de  York, 
que  reconhecendo  a  Capitânia  ,  lançou  fora  huma  fa- 
lua 5  em  que  o  feu  Secretario  chamado  Conventriz  em- 
barcou a  pedir  licença  á  Rainha  ,  para  lhe  beijar  a  mao: 
refpondeo-lhe ,  que  qualquer  dilação  lhe  leria  penofa. 
Sahio  o  Duque  do  feu  navio  em  hum  cuítofo  bargantim, 
e  entrou  na  Capitânia  com  luzido  acompanhamento,  e 
viítofas  gallas.  Veyo  a  efperallo  o  Marquez  de  Sande, 
e  os  mais  Fidalgos  :  recebeo-o  a  Rainha  no  ultimo  ca- 
marote da  popa  i  que  por  fer  o  mais  interior,  era  o  mais 
próprio  para  a  familiaridade  precifa  naquella  funçatf. 
Eftava  prevenida  huma  cadeira  de  eípaldas  á  maõ  ef- 
querda  ,  da  em  que  a  Rainha  íe  fentou  ,  depois  defal- 

F  3  lai 


' 


Í6     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  Iar  em  P^  ao  Duque  porém  elle  fenao  quiz  fentar  na- 
,,      quelle  lugar  ,  e  puxando  por  hum  a  cadeira  raza ,  íe 

IÓ52»  ientounella.  Havia  em  pé  fallado  na  língua  Ingleza , 
e  featado  continuou  na  Caílelhana  ;  e  depois  de  largas 
exprefsoens  do  feu  afie&o  ,  e  protaítos  do  feu  rendi- 
mento ,  a  que  a  Rainha  refpondeo  com  agradável  ur- 
banidade  ,  fe  levantou  o  Duque ,  e  a  Rainha  ,  e  entrou 
a  beijar-he  a  mao  o  Duque  de  Ormond  ,  que  lhe  deu 
liuma  carta  d'ElRey,  e  logo  fe  feguirao  o  Conde  de 
Cheíterfield  eleito  para  feuCamereiro  mór ,  e  genro 
do  Duque  de  Ormond  ,  e  outros  Titulos,  e  pefsoas 
principaes.  Defpedio-fe  o  Duque  de  York  ,  éa  Rainha 
deu  três  pafsos  ,  naõ  podendo  o  Duque  impedillo,  co- 
mo intentou  ,  dizendo ,  que  reparafse  S.  Mageífcade,em 
que  por  elle  fer  feu  General ,  aquella  cafa  ,  em  que  eí- 
tava  ,  era  ília.  Refpondeo-lhe  ,  que  a  fua  cafa  era  mui- 
to mayor,  e  ó  que  ella  naó  deveíse.por  obrigação, 
queria  fazer  por  afFe&o  j  repoíta,  de  que  o  Duque  ficou, 
muito  fatisfeito.  Todos  os  dias  feguintes  veyo  o  Du- 
que faber  da  Rainha  ,  eella  accômodando-fe  aos  eíty- 
los  daNaçaó  Ingleza  ,  rompendo  as  claufuras  do  feu 
retiro ,  lhe  fallava  no  camarote  ,  em  que  tinha  eleito. 
Madava  a  Rainha  correfponder  a  eltas  viíitas  pelo  Con- 
de de  Pontelve,  D.Francifco  de  Mello,  e  Francifco 
Corrêa ,  e  entrou  a  Armada  em  Porílmouth  a  vinte  e 
quatro  deMayo  ,  feguida   a  Capitania  do  Duque  de 
York ,  e  defembarcou  a  Rainha  ,  levando-a  pela  mao 
o  Duque ,  da  Capitania  a  embarcar  em  hum  bargantim 
dourado  ;  e  adereçado  cuílofamente.  Acompanhou-a  a 
Condefsa  de  Pontelvel  ,  e  a  de  Penalva  ficou  no  navio 
fangrada  féis  vezes    mas  logo  foy  conduzida  a  terra. 
Eftava  na  praya  o  Governador  ,  asjuítiças,  e  pefsoas 
principaes ,  e  os  da  governança  com  maças  douradas. 
Entrou  a  Rainha  em  hum  a  carroça,  veítidaá  Ingleza, 
e  pafsando  pelas  ruas  principaes,  ficarão  íatisfeitos  íeus 
vafsallos  cabalmente  da fua regia,  e  galharda  prefen- 
ça-  Apeou-íe  nas  cafas  ,  que  lhe  eftavaó  prevenidas ; 
e  magnificamente  adornadas.  Efperava-fe  a  Condefsa  de 
SufoJk  fua  Camareira  mór  com  quatro  Damas ,  e  fa- 

milia 


Uhtta  4  R4j- 
nha  de  Ingla* 
Urra  em  Lon- 
dres com  fran- 
dc  appiaufo  ,  e 
magnificas  je- 


PARTE  II.  LIVRO  VIL         S7 

milia  inferior ,  e  ao  dia  feguinte  lhe  dtfse  Mifsa  o  Mj-  Anno 
lord  de  Aubignyfeu  Capellaõ  mór.  Os  dias  íeguintes      .  , 
mandou  EIRey  faber  da  Rainha  ,  efcrevendo-lhe  varias  Iõoi. 
cartas ,   e  huma  delias  trouxe  Ruy  Telles  de  Menezes, 
e  ella   lhe  efcreveo  ,  mandando  a  carta  pelo  íeu  Eílri- 
beiro  mór.  Três  dias  depois  da  Rainha  chegar  a  terra, 
lhe  fobreveyo  huma  defluxaõ  na  garganta ,  que  lhe  naô 
permittio  levantar-fe  da  cama ;  porém  pafsou-lhe  tao 
brevemente  efte  achaque  ,  que  fe  naô  deu  conta  del- 
le  a  EIRey.  A  Porítmouth  chegou  ElRey  em  huma  car- 
roça a  trinta  de  Mayo  acompanhado  de  toda  a  Corte 
com  galas  cuíloíiíiimas.  Efperava-o  o  Marquez  de  San- 
de  no  pátco  ,  e  todos  os  mais  Portuguezes :  recebeo-os 
com  grande  agrado  ,  e  encareceo  ao  Marquez  de  Sande 
o  muito  ,  que  eítimava  velo  naquelle  B^eyno  na  occa- 
íiáó  da  fua  mayor  fortuna.  Ao  fubir  da  efcada  inten- 
tou o  Principe  Palatino  Roberto  ,  que  tinha  vindo  na 
carroça  com  EIRey  ,  adiantar-fe  ao  Embaixador ,  fican- 
do mais  immediato  á  pefsoa  d'ElRey.Pegou-lhe  o  Mar- 
quez no  braço  detendo-o  ,  e  difse  a  EIRey  ,  que  lhe 
áéíss  o  feu  lugar  :  refpondeo-lhe ,  que  tinha  muita  ra- 
zão ,  e  mandou  ao  Principe  ,  que  fe  apartafse  ,  e  déf- 
fe  lugar  ao  Embaixador ,  que  fe  defculpou  com  o  Prin- 
cipe deita  demonítraçaó  ,  pelas  obrigaçoens  ,  em  que 
o  punha  o  feu  exercicicio  j  e  elle  o  achou  tao  juílifica- 
do ,  que  o  tempo  ,  que  EIRey  fe  dilatou  em  fe  veítir 
para  entrar  a  ver  a  Rainha  ,  bufcou  o  Conde  de  Pon- 
tevel ,  D.  Francifco  de  Mello  ,  Francifco  Corrêa  ,  e  ao 
Secretario  Francifco  de  Sá  de  Menezes  ,  e  fe  lhe  ofíe- 
receo  com  grandes  cortezias.  EIRey  depois  de  fe  ve- 
ítir  ,  e  compor  com  muita  galhardia ,  entrou  na  Came- 
ra>  onde  >  a  Rainha  eltava  ainda  na  cama  ,  por  lhe  nao 
permittirem  os  Médicos  ,  que  fe  levantafse ,  e  com  fl- 
niffimas  demonílraçoens  lhe  exprefsou  o  feu  contenta- 
mento ,  que  fe  diminuirá  ,  fe  os  Médicos  lhe  naõ  ex- 
prefsaraô  com  as  mais  feguras  affirmaçoens ,  que  o  feu 
achaque  nao  era  digno  do  emprego  do  feu  cuidado. 
Referio  EIRey  eítas  razoens  nalingua  Caílelhana  ,  e 
a  Rainha  lhe  refpondeo  com  tanta  prudência,  e  difcrip- 

F4  çaõ* 


SS     PORTUGAL  RESTAURADO , 

Ánno  Çaí>  ?  <lue  confefsou  ,  depois  de  voltar  para  o  feu  quar- 
.  /y  to  ,  o  quanto  fe  achava  fatisfeito  da  fortuna  do  feu  def- 
10(3  *  poforio:  Toda  aquella  noite  fe  gaitou  em  feitas  ,  e 
banquetes  :  ao  dia  feguinte  fe  levantou  a  Rainha  já 
melhorada  ,  e  havendo-fe  prevenido  para  o  primeiro 
a  cio  de  íoleranidade  tudo  ,  o  que  era  conveniente  ,  de- 
pois de  jantar  fahio  a  Rainha  com  EIRey  pela  mao  a 
huma  grande  fala ,  onde  eítava  debaixo  de  hum  docel 
hum  throno  com  duas  cadeiras  ,  em  que  os  dous  Reys 
fe  fentaraó  ,  e  diante  da  Nobreza  ,  e  Povo  ,  que  con- 
correo  a  eíta  celebridade ,  leu  o  Secretario  d' EIRey  o 
inítru  mento  ,  que  EIRey  havia  dado  ao  Embaixador, 
e  o  Secretario  Francifco  de  Sá  de  Menezes  ,  o  que  o 
Embaixador  deu  a  EIRey  j  e  acabada  eíta  ceremonia, 
difse  hum  dos  Bifpos  Inglezes  em  voz  alta  ,  que  aquel- 
la era  a  mulher ,  com  que  EIRey  eítava  cafado  ,  e  to* 
dos  alegremente  refponderaò,  que  viefse  infinitos  fe- 
culos.  Levantou-fe  EIRey  ,  e  tornando  a  levar  a  Rai- 
nha pela  mao  ao  feu  quarto  ,  onde  entrarão  abeijar- 
Ihe  a  mao  todas  as  Damas  ,  e  pefsoas  principaes  da  Cor* 
te  j  e  a  Gamereiramór  ,  obíervando  o  eítylo  de  Ingla- 
terra em  íimilhantes  actos ,  tirou  todas  as  íitas  ,  que 
a  Rainha  levara :  deu  a  primeira  ao  Duque  de  York, 
e  repartio  as  mais  pelos  Officiaes  da  cafa  ,  Damas,  e 
Títulos  de  mayor  fuppofiçaõ.  Os  dias  que  a  Cortte  af- 
iiítio  em  Porítmouth,  mandou  EIRey  hofpedar  magni- 
ficamente o  Embaixador ,  e  todos  os  Portuguezes ,  que 
acompanharão  a  Rainha ;  e  no  dia  feguinte  á  função 
referida  ,  recebeo  huma  carta  a  Rainha  May  d'ElRey, 
que  fe  achava  em  Paris ,  efcrita  em  língua  Franceza  , 
em  que  exprefsava  muito  afFectuofamente  ,  quanto  de- 
fejava  a  fua  chegada  a  Inglaterra  ,  e  a  grande  affeiçaô, 
que  havia  cobrado  ás  fuás  grandes  virtudes  ,  de  que 
íinha  larga  noticicia.  Refpondeo-lhe  a  Rainha  com  ren- 
didas demonítraçoens  da  fua  eítimaçaõ. 

Poucos  dias  fe  deteve  a  Corte  em  Porítmouth, 
faísãdo  os  Reys  para  a  quinta  de  Hampton-Court,pou- 
co  diíiante  da  Corte.  EIRey  continuava  as  demonítra- 
çoens do  feu  agrado  ,  e  multiplicava  cada  dia  as  fine- 
zas 


VAKTE  II.  LIVKO  VIL        S9 

zas  com  a  Rainha :  porém  ella  como  os  exercícios  era 6  ^\nno 
faó  dirFerentes  ,  eraõ  neceísarias  todas  as  diligencias ,  e 
rogos  do  Embaixador  ,  para  íahir  em  publico  ,  todas  as  *oõ2. 
vezes  que  EIRey  deíejava.  Porém  o  novo  traje  Inglez, 
a  que  também  íe  naõ  acomodava  ,  lhe  cahio  taõ  natu- 
ralmente ,  que  lhe  accrefcentou  muito  o  aítécío  daquel- 
la  Naçaõ.O  Marquez  Embaixador,íem  lhe  fazerem  em- 
baraço as  íblemnidades  feílivaes  ,  negociou  a  prompti- 
daõ  da  Armada  de  Inglaterra  no  caio  ,  que  foíse  necef- 
faria  para  a  defenía  daCofta  de  Portugal  ,  e  juntamen- 
te deu  principio  á  negociação  de  paísar   a  França  na 
forma,  que  a  Rainha  lhe  tinha  encomendado^  e  haven- 
do chegado  a  Inglaterra  o  Secretario  do  Manchai  de 
.Turena  ,  chamado  Hafset ,  que  havia  eítado  em  Portu- 
;  gal ,  depois  de  varias  conferencias  ,  que  teve  com  elle 
lobre  o  intento ,  que  a  Rainha  lhe  communicou  ,  de  ca- 
far  EIRey  com  Madamoyfella  de  Orleans  ,  que  depois 
cafou  com  o  Duque  de  Saboya  Carlos  Amadeu;  contra- 
vartido  das  diligencias  dos  Caítelhanos  ,  e  ajudado  da 
intervenção  d'E!Rey  de  Inglaterra  ,  tornou  a  voltar  o 
Secretario  a  França  ,  e  deixou   o  Marichal  cabalmente 
íatisfeito ,  pelo  muito  empenho  ,  em  que   íe  achava 
nos intereíses  de  Portugal,   das  demonítraçoens ,  que 
EIRey  da  Gram-Bretanha  fazia  pela  conlervaçao  deite 
Reyno.  Porém  eraô  tantas  as  dificuldades ,   que  por 
parte  dos  Caítelhanos   embaraçavaó    a  determinação 
d'E!Rey  de  França  tratar  publicamente  de  íbccorrer 
Portugal ,  q  foi  necefsaria  toda  a  induíhia  para  fe  abrir 
caminho  aeíla  útil  negociação.  Neíte  tempo  chegou 
ao  Embaixador  avizo  da  Rainha  Regente  ,  de  que  o  ha- 
via EIRey  nomeado  Confelheiro  de  Eítado:  porém  naõ 
logrou  muitos  dias  o  goílo  deita  noticia  lèm  o  pezar 
da  mudança  do  governo;  contratempo  ,  que  desbaratou 
naqnelia  occafiaó   as  negociaçoens  de  França  ;  e  deu 
grande  cuidado  a  EIRey  de  Inglaterra,  íuppoido-íe 
juíhuieiiteem  hum  ,  e  outro  Reyno  ,  que  a  diviíaõdo 
governo  politico  de  Portugal  no  tempo  ,  em  que  íe 
achava  invadido  de  três  exércitos  de  Caítella  ,  poderia 
íer  a  occafiaó  da  fua  total  rutea.  Recebeo  o  Marquez 

carta 


9o     P0R7UG AL  RESTAURADO, 

.•Annocarta  do  Coiide  de  Caílello-jVtelhor  ,  a  que  refpondeo 
fA  com  toda  a  familiaridade  accommodando-fe  ao  tempo, 
I""2,e  fazendo  muito  por  divertir  o  cuidado  ,  que  podia  ter 
o  novo  governo  ,  do  muito ,  que  elle  devia  aos  bene- 
fícios da  Rainha  ,  e  a  eíte  paíso  foy  continuando  as  di- 
ligencias da  uniaõ  de  França ;  efuccedendo  chegara  In- 
glaterra o  Senhor  de  Eílrades  ,  que  paísava  por  Embai- 
xador  extraordinário  a  Hqllanda  \  o  bufcou  o  Embaixa- 
dor ,  e  tratou  com  elle  osinterefses  de  Portugal  com 
tanta  induíiria  ,  e  fuavidade ,  que  ajudado  das  diligen- 
cias d'  EIRey  ,  e  do  Chança  rei ,  veyo  aconíeguir  en- 
tender do  Embaixador,  que  por  mayores  que  foísem  as 
diligencias  dos  Caflelhanos,naò  íè  poderiaõ  extender  as 
repulfas  de  França  mais  ,  que  até  o  anno  íeguinte.  A 
Rainha  de  Inglaterra  fentio  com  tãta  enleada  a  demon- 
ítraçaó  ,  que  a  Rainha  fua  May  havia  experimentado 
em  EIRey  leu  Irmaõ  ,  que  lhe  lbbreveyo  huma  febre  \ 
de  que  eíteve  fangrada  ;  e  depois  de  ter  recebido  na 
quinta  ,  onde  eftava  >  cartas  da  Rainha  de  França ,  e  ou- 
tras Princezis  de  Europa  ,  e  de  haver  pafsado  três  me- 
zes  naquellaaíTiítencia,  (  que  era  taõ  agradável ,  e  íum- 
ptuoía,  que  excedia  ao  encarecimento)  refolveo  EIRey 
entrarem  Londres  pelo  rio  Támaíis  a  dous  de  Setembro; 
e  toda  a  aífíftencia  das  fete  legoas  ,  que  fe  contaõ  da 
quinta  a  Londres  ,  eílava  occupada  de  foldados ,  e  gen- 
te do  Povo  com  tanto  luzimento,que  encarecia  a  gran- 
deza daquelle  Reyno.  Os  Reys  ,  e  o  Duque  de  York 
)  navegarão  em  huma  falua  ,  cuAofa ,  e  ricamente  adere- 
çada ,  e  dourada,  feguidos  de  outras  muito  luzidas?  em 
que  embarcarão  todos  os  que  aííiftiaõ  a  EIRey  na  quin- 
ta. Chegarão  os  Reys  a  Londres  ,  e  foy  magnifico  o 
apparato  do  recebimento  ,  e  a  Rainha  de  todos  os  In- 
glezes  geralmente  applaudida ,  e  celebrada  pelas  gran- 
ides  virtudes  ,  e  íingulares  perfeiçoens  ,  que  nella  con- 
corria 6. 

Naõ  foy  poílivel  ao  Embaixador  aíliítlr  a  eíta  fun- 
ção ,  por  fe  achar  impedido  de  huma  grave  doença^  Ti- 
nha chegado  a  Londres  no  meímo  tempo  a  Rainha 
Mãy  ,  que  com  a  fua  aífrftencia  fez  mais  folemne  o  re- 
cebi- 


PARTE  II.  LIVRO  VIL  9i 

cebimento  da  Rainha  naquella  Corte  ,  que  fe  celebrou  Anno 
com  os  ritos  Cathoiicos.  Seguiráó-íe  cuítqias  feíhis,em     L  , 
quecoítuma  aquella  Corte  oítentar  o  luzimento  ,  e  I^^2,t. 
grandeza  ,  de  que  fe  naó  deixa  exceder  das  mais  cele- 
bres da  Europa.  Porém  paísados  poucos  dias  ,  começou 
a  Rainha  a  íeritir  os  divertimentos  d<  EIRey  7  e  a  tole- 
rallos  com  tanta  prudência  ,  que  deo  principio  a  conhe- 
cer o  mundo  ,  que  era  o  exemplar  da  maior   conílan- 
cia  }  e  o  Embaixador ,  ainda  que    padecia   graviíumos 
achaques  ,  temperava  todos  os  inconvenientes,  que  io- 
brevinhaõ  com  grandiilima  prudência  ;  fendo-lhe  tam- 
bém necefsaria  para  accomodar  a  anciã  ,  com  que  os 
Miniftros  Inglezes  procuravaô  o  novo  pagamento  do 
dote  da  Rainha,obrigando  a  Duarte  da  Silva  com  gran- 
des apertos  aporem  moeda  corrente  osdiamamtes,  e 
outros  eíFeitos ,  que  havia  levado  de  Portugal  para  fa- 
tisfaçaõ  do  pagamento  do  primeiro  milhão. 

No  mefmo  tempo  continuava  o  Embaixador  as  ne- 
goceaçpens  de  França  com  grande  indullria  ,  e  applica- 
çaó  ,•  porém  com  pouco  effeito  ,  por  maiores  que  era  o 
as  diligencias,  que  fazia  o  Manchai  de  Turena,  fempre 
inclinado  aos  interefses  de  Portugal,e  para  moítrar  com 
maior  efficacia  a  ília  vontade  ,  continuava  em  Londres 
a  aíiiftencia  do  leu  Secretario  ,•  e  pela  lua  intelligencia 
correo  a  negoceaçao  defe  ajuítar  o  caíamento  d'E!Rey 
D.  AíTonfo  com  Madamoyfella  de  Orleans  ,  que  breve- 
mente fe  defvaneceo  ,•  e  eílava  tão  vigorofo  em  Fran- 
ça o  poder  dos  Caítelhanos  ,  que  ailiílindo  em  Ruão 
Duarte  Rodrigues  Lamego  com  titulo  de  Agéte  de  Por- 
tugal, EIRey  o  mandou  fahir  daquelle  Reyno  á  inílan- 
cia  do  Marquez  dela  Fuente  Embaixador  de  Ca  ítelía. 

Deixamos  ao  Conde  de  Miranda  negoceando  em 
Hollanda  ajuítar  com  a  ultima  confirmação  o  Tratado  8f"^fs  ã*' 
da  paz  entre  efta  Coroa  <  e  aquelles  Eirados  ,  e  vencer  -m*ãUC"u'' 
os  obítaculos,  que  os  interefses  de  Inglaterra  fomen- 
tavão  contra  aconclufao  da  paz  de  Hollanda  ,  perten- 
cendo a  Rainha  ,  que  o  Conde  de  Miranda  confèguií- 
le ,  qu2  ou  EIRey  da  Gram-Bretanha  defiíHíse  dofem- 
baraços,  com  que  perturbava  a  paz,  ou  feg  ura  fse  os 

jfocc©r~ 


92     PORTUGAL  R  EST^UKADO , 

Anno  i°ccorr°s  9  cotri  que  havia  da  aííiítir  em  Portugal,  e  na 
:"■  , ".,      índia  ,  fe a. paz  por. leu  refpeitofe  nao  ajuílaíse.  Aper- 
1 66 1*  tava5  og  Eftados  ao  Embaixador  pela  ratificação  doTra- 
tadoí  e  como  lhe  nao  havia  chegado  de  Lisboa  ,  buf- 
cou  o  único  remédio  de  recorrer  ao  Inviado  de  Ingla- 
terra, pedindo-lhe  encarecidamente  quizefse  inflar  com 
EIRey  ,  que  moderafse^s  fuás  propofiçoens.  O  Inviado 
promette-o  ao  Conde  dar  conta  a  EIRey ,  e  ao  Chancel- 
ler  :  fez  o  Conde  a  meíma  diligencia  ,  remettendo  as 
cartas  a  Ruy  Telles  de  Menezes,  que  continuava  na  aíV 
ílílencia  dos  negócios  deite  Reyno  na  aufencia  do  Mar- 
quez de  Saude.  Foi  a  reporta  deita  inílancia  ordenar 
EIRey  ao  Inviado,  podia  dizer  ao  Conde  Embaixador, 
que  em  caio,  que  o  negocio  da  paz  chegaíse  aOgUltir 
mo  ponto  ,  cederia  da  pertenção  d'ElRey.  Bem  conhe- 
ceo  o  Embaixador ,  que  cita  refoluçaõ'  era  muito  arti- 
ficiofa  j   porque  o  ponto  ,  que  EIRey  mandava  íe  tivef- 
fe.por  ultimo,  havia  de  fer  avaliado  pelo  leu  Mini- 
itro ,  que  havendo  de  pôr  a  baliza  a  leu  beneplácito, 
faria  a  conclufaõ  da  paz  taõ  prolongada,  que  primeiro 
a  índia  padecefse  o  damno  ,  a  que  eítava  arrifcada,que 
a  paz  ,  ou  os  íbccorros  de  Inglaterra  lhe  fervifsem  de 
remedio:porém  diíiimulando  eita  prudente  prefumpçaó, 
ufou  da  cautela  de  ie  dar  por  fatiSfeito  ,  accreícentan- 
do,  que  o  termo  do  ultimo  ponto  era  chegado  J  porque 
os  Eílados  o  nao  queriaó  ouvir  -,  fem  lhes  entregar  ra> 
tiflcado  o  Tratado  ,.  que  levara  a  Portugal.  Pedioo  In- 
viado dias  para  applicar  asfuas  negociaçpens  ;  conce- 
deo-lhos  o  Embaixador ,  nao  eítendendo  o  prazo  mais 
que  áquelles  ,  que  lhe  eraó  necefsarios  para  prevenir  a 
fua  entrada,  que  defejava  dilatar;  porque  o  Tratado  ha- 
via ficado  em  Lisboa  ,  efperando  a  Rainha  para  o  ratifi-» 
caro  beneplácito  d'ElRey  de  Inglaterra 

Deteve-íe  a  chegada  do  Tratado  mais  tempo  ,  do 
que  o  Embaixador  imaginava  ;  (inconveniente  ,  que  os 
Principes  experimentaõ  ,  todas  as  vezes  que  em  negó- 
cios importantes  gaítaó  inutilmente  èm  confultas  ,  e 
exames  o  tempo ,  em  que  fe  deviaõ  concluir)  ecom 
eita  dilação  creícerao  nos  Eílados  as  prefumpções ,  de 

que 


PJRTE  11.  L1VKO  Vil.       95 

que  o  Embaixador  artificiofamente  o  recatava  ;  acerei-  ^nno 
centaraô-fe,chegando  nefta  occafiao  a  Londres  aRain ha 
de  Inglaterra  i  eo  Embaixador  applicando  diligente-  36Ó2. 
mente  anegoceaçaõ  do  Marquez  de  Sande,  veyo  a  con- 
íeguir  a  deíifirencia  d'ElRey  da  Gram-Bretanha  das  per- 
tençoens  do  Comercio ;  e  ao  mefmo  tempo  ,  que  o  Em- 
baixador recebeo  eíle  avizo  ,  lhe  chegou  a  ratificação 
do  Tratado  ,  que  a  Rainha  Regente  remetteo  por  via 
de  Inglaterra:  e  fuecedendo  fer  a  vinte  e  quatro  de  Ju- 
lho ,  que  era  o  ultimo  termo  preícrito  para  os  Tratados 
fe  ratificarem  ,  no  dia  feguinte  propoz  o  Embaixador 
aosEílados  ,  que  elle  eílava  prompto  ,  como  havia  fe- 
gurado  ,  para  a  troca  dos  Trarados  ,  proteflando  ,  que 
daquelle  dia  por  diante  corriaõ  três  mezes  ,  que  íe  ha- 
viaõ  íignalado  para  a  publicação  delles  ,  e  que  toda  a 
demora  correria  por  conta  dos  Eílados.  Continuou  fem 
execução  os  requerimentos  ,  e  os  proteítos  até  nove  de 
Outubro ,  dia  ,  em  que  os  Eílados  ratificarão  o  Tratado 
da  paz  ajuíiada  em  féis  de  Agoíto  do  anno  anteceden- 
te:  porém  faltarão  a  huma  circunítancia  efsencial  á 
ley  ,  que  obfervaõ  em  cafos  fimilhantes ,  a  que  cha- 
maó  reafsumpçaõ  ,  que  vem  a  ler,  verem  os  Tratados  no 
dia  feguinte  ,  ao  que  os  ratificaõ  ,  e  fe  acafo  examinaõ 
algum  ponto ,  que  juJgaõ  preciíb  alterarfe  ,  liça  inva- 
lida a  ratificação  antecedente.  Naô  duvidarão  as  Pro- 
víncias de  ratificar  a  paz  ,  porém  alterarão  o  tempo  de 
a  publicarem  ■,  porque  os  Co mmifsa rios  das  três  Provín- 
cias de  Zelândia  ,  Gruniguen,  e  Gueldria  allegaraõ,  que 
-rs  luas  Pxovincias  naó  tinhão  confentido  na  paz  ,  nem 
iiaviao  coníidèrado  nas  fuás  Juntas  provinciaes  o  ponto 
<le  haverem  de  períiftir  ,  ou  reduzir-íè  as  mais  ,  que  a 
defejavão  >  por  quanto  até  aquelie  tempo  fempre  eíli- 
vera  pendente  a  refolução   do  voto  da  Provinda  de 
VVriísel ,  que  proximamente  fe  havia  refoluto  a  aceitar 
a  paz  ,  efperando  as  Províncias  oppoftas  ,  que  fe  íiliilsé 
com  ellas  j  e  que  fuppoílo,  que  a  paz  eítava  acordada 
por  maior  numero  devotos,  era  precifo  pelos  efla  tu- 
tos  da  União  das  Províncias  dar-fe  tempo  para  a  deli» 
beração  ,  e  poderem  reduzir-fe  á  opinião. das  mais ,  pe- 


94      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ar.HO  dindo  de  prazo  os  dias ,  que  fegaitaísem  nas  Juntas 
i  (  (  Z  Prov^nc^aes  >  e  na°'  P°de  Lido  deixar  de  fé  lhe  conceder,, 
00   *  ijcou  firme  a  ratificação  da  paz  ,  e  a  publicação  delia 
fuípenfa.  O  Embaixador  com  a  noticia  delta  reibluçao 
fe  queixou  aos  Miniíirosluperiores,dizendo  que  aquel- 
la  dilação  era  cavillofa  em  beneficio  dos  progrefsos  da 
índia ,  e  que  neíta  coníideraçaõ  proteffcava  as  perdas* 
edamnos,  que  fobreviefsem.  Refponderaó  que  afuf- 
peita  do  Embaixador  era  imaginaria^  porque  o  intenta 
dos  Eítados  era  ganhar  unicamente  a  Provinda  de  Ze- 
lândia, por  íer  pode  roía  no  Commercio  marítimo,  e  que 
efcula  ndq-fe  de  ratificar  a  paz  ,  poderia  depois  íer  occa- 
íiao  de  pèrturballa  j  que,  íuppoíto  fe  havia  ajuílado 
com  cinco  Províncias  conformes-,  íeria  mais  decente  ^ 
e  mais  íeguro- ,.  que  fé  ratifkafse  naõ  fó:  com  as  mef- 
mas  cinco ,  mas  com  todas,  porque,  havendo  os  Eíla- 
dos  de  tratar  negócios  pertencentes  á  Coroa  de  Portu- 
gal v  íeria  muito  perigofa  á  concluí  ao  delles  ficarem 
Províncias  ifeutas  da  confirmação  da  paz.  Durou  a  di- 
lação da  ultima  repoíla  até  quatorze  de  Dezembro,  dia* 
em  que  os  Tratados  fe  trocarão;  porém  ainda  acharão 
©sHollandez es  caminho  de  dilatarem  a  ultima  conclu- 
iaõ  de  os  publicarem  ,  cedendo  ás  inítancias  dos  Dire- 
ctores da  Companhia  Oriental,  que  propuzeraõ,  valen- 
do-fe  de  hum  dos  capítulos  da  paz ,  que  exprefsaraõ  » 
haverem  de  correr  tresmezes  do  dia  ,  em  que  fe  tro* 
eafsem  os  Tratados  r  ao  em  que  fe  publicafse  a  paz  ;  e 
deferindofe-lhe  na  forma  da  fua  propofiçaó  fecretamen- 
te  com  o  favor  da  Provinda  de  Hollanda ,  tendo  no- 
ticia o  Embaixador  t  feoppoz  com  todo  o  calor  aeíta 
novidade ,  fem  poder  vencella  r  porque  era  muito  fupe- 
ríor  o  poder  da  Companhia  Oriental ;  e  conhecendo» 
que  era  já  infruAuofa  a  fua  amílencia  ,  afiim  porque  a 
paz  citava  ajuítada  ,  como  porque  os  Miniítros  do  no- 
vo governo  deferia  o  com  pouca  attençaó  ás  fuás  pro- 
poiiçoens  ,  ufando  da  licença  ,  que   tinha  para  voltar 
a  Lisboa  ,  ajuítada  a  paz  ,  fedefpedio  dos  Eítados  ,  e 
embarcando-fe  em  hum  navio  de  guerra  ,.  que  lhe  con- 
cederão ,  chegou  a  Lisboa  com  felice  viagem  *  haven- 
do* 


PARTE  II.  LIVRO  VIL  9 j 

.êo  confeguldo,  vencidos  quaíi  iníii  juráveis  obítaculos  , 
Jivrar  afua  Pátria  do  perigo,  que  ameaçava .,  fe  ao  mei- 
3iio  tempo  lhe  fofse  precifo  reíiítk  na  terra  ao  poder 
d'E!Rey  deCaftella,  no  mar  ao  de  Hollanda 

Partido  da  Praça  de  Tangereo  Conde  D.Fernando 
•cie  Menezes  .,  e  entregue  do  governo  delia  -o  Conde  de 
Avintes .,  foraó  poucos  os  dias ,  que  logrou  de  focego, 
porque  já  a  iubítaiicia  daquella  Praça  pendia  por  oc- 
cultos  *  e  Divinos  myíterios  para  .o  precipício.  Anda- 
vaó  os  Mouros  embaraçados  com  algumas  guerras  do- 
xneíbicas,  porém  naô  de  forte,  que  lhes  diminuifsem  to- 
talmente o  poder ,  com  que  pelejávaõ  fempre  iupe- 
ffiores  contra  os  Cavalleiros  daquella  Praça.  O  Conde  de 
Avintes  perfuadido  ao  contrario  deenganofas  efpias* 
é  de  repetidas  inílancias  do  Adail  Simão  Lopes  de  Men- 
doça  em  varias  occaíioens  reconhecido  por  mais  valo- 
rofo  „  que  acautelado  ^  lhe  deu  ordem  que  penetrafse  a 
ferra  ,  e  condnzifse  toda  a  preza .,  que  fofse  poÃvel; 
•ó  que  julgava  por  indubitável ,  pela  fuppoíla  aufencia 
dos  Mouros  àe  todos  aquelles  diítricto&.  Marchou  o 
Adail  com  parte  da  Cavallaria  da  Praça  .,  entrou  na  fer- 
ra ,  foi  fentido  dos  Mouros  ;  e  querendo  retirar-le,  foi 
atempo  queélles  tinha  õ  tomado  os  pafsos  mais  eítrei- 
tos.,  de  que  refultou.  a  infelicidade  de  perder  a  vida  , 
é  a  de  cmcoenta  Cavaleiros.  Os  mais  íe  retirarão .,  e 
juntamente  chorarão  os  moradores  de  Tange  re-eftadif* 
graça  -,  e  a  perda  da  Praça",  porque  dentro  de  .poucos 
dias  chegou  a  Armada  de  Inglaterra  com  ordem  da  Rai- 
nha para  DXutz  de  Almeida  entregar  aquella  Praça  na 
forma  da  capitulação  ajuítada  comÈlRey  da  Gram-Bre- 
tanha.  Executou-ie  ,  pafsou  D.  Luiz  ao  Algarve,  e  a 
mayor^arte  dos  moradores  com  o  íèntimesto,,  e  lagri- 
mas de  deixarem  a  Pátria  natural  regada  do  fangue  de 
valoro  fos  Cavalleiros,  em  que  .entrava  o  da  Nobreza 
mais  eíchrecida  do  Reyno.,  po,i%efpaço  de  cento  eno- 
vento  e  hum  annos-,  que  fe  contarão  do  tempo,  em 
gue  a  tomou  ElKej  13.  Affiònf©  %  aeíreanno  de  íeif- 
centos  feísanta  e^ous,*  emi-que  -foi  entregue.    . 

O  governo  .da  índia  c©  ofi  nua  va  Luiz  de  M-endoça* 


An  no 

1661, 


IZv&jSlJL 


^  :!&:■■' 


9S      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ánno  e D.  Pedro  deAlencaítre  com  pouco  poder  ,  e  menos 
união ,  infelicidade,  qualquer  delias,  baítante  a  deítruit 
IÓ0  2,  maYor  Império.  Tiveraõ  noticia  ,  que  os Hollandezes 
a  hum  meímo  tempo  íitiavaõ  Cochim,eCangranor:de- 
Nctiaadapter.  terminou  D.  Pedro  de  Alencaítre  previ nir-lhefoccorro: 
ra  da  índia.      approvou  Luiz  de  Mendoça  eíta  refoluçaõ  ,  mas  nao 
concorreo  com  os  meyos  preciíbs  de  fe  executar  :  ne- 
gou-lhe  a  gente,  que  ailiília  em  Margaõ,  governada  pe- 
lo Capitão  mór  joaó  de  Souía  Freire  -,  e  da  gente  des- 
obrigada nao  acodio  aos  tituíos  ,  que  fe  abrirão  ,  mais 
que  D.  Jeronymo  Manoel ,  que  havia  chegado  do  Rey- 
no  por  Capitão  mór  das  náos ;  Ayres  Telles  de  Mene- 
zes, e  algumas  peísoas  da  familia  de  D«  Pedro  de  Alen- 
caítre, quefentio  eficazmente  ver  baldado  o  zelo,  com 
que  fe  animava  a  eíta  empreza.  Para  guarda  da  Barra 
ie  formou  huma  Armada  de  remo,  governada  por  An- 
tónio de  Mello  de  Caítro  ,  que  tinha  chegado  a. Goa  do 
governo  de  Bafsaim.  Refultou  dafua  diligencia  com- 
boyar  com  bom  fuccefso  os   navios  de  Moçambique  a 
Mombaça.  Em  Moçambique  affiítia  D.  Manoel  Mafca- 
renhas,  e  havendo-lhe  efcritos  os  Governadores,que  nas 
vias  era  o  primeiro  nomeado  ,  engeitou  o  governo,  por 
naó  fer  a  nomeação  abfoluta ,  e  continuou  o  da  Forta- 
leza.Os  dous  Governadores,crefcendo  os  aviíbs  do  aper- 
to de  Cochim  ,  havendo  chegado  do  Norte  féis  navios 
á  ordem  de  Luiz  Caítellino  de  Freitas  ,  os  entregarão  a 
Manoel  Salgado  ,   por  adoecer  Luiz  de  Caítellino  ,  e 
carregados  de  muniçoens  ,  e  mantimentos  partirão  para 
Cochim :  e  achando  a  Barra  embaraçada  com  as  náos. 
Flollandezas  ,  entrou  em  o  porto  de  Porçá  Manoel  Sal- 
gado ,  introduzio  o  foccorro  em  Cochim ,  e  neíte  tem- 
po dera õ  os  Hollandezes  hum  afsalto  #  á  Fortaleza  de 
Cangranor,  que  governava  Urbano  Fialho  Ferreira; 
durando  o  afsalto  muitas  horas  com  grande  perda  dos 
Hollandezes  ,  morto  Urbano  Fialho  depois  de  pelejar 
muito  valoro famente  ,  ede  fer  a  mayor  parte  da  guar- 
nição defpedaçada  da  artilharia  ,  e  bombas  fe^retira- 
.     raò  a  hum  torreão  poucos  foldados ,  que  ficarão ,  onde 
capitularão,  e  fe  renderão.  Mandara õ-nos  os  Hollande- 

zes 


i662. 


P4RTE  11.  LIVKO  VIL       97  « 

ies  para  Surrate ,  levantarão  o  iltio  de  Chocim ,  e  jun-  Atino 
tamerite  retirarão  as  náos  da  Barra  de  Goa.  Com  eíla 
certeza  mãdaraò  os  Governadores  ao  Capitão  mor  Luiz 
daCoila  a  Cochim  com  duas  galeotas  carregadas 'de  mu- 
niçoens,  e  mantimentos  \  porém  como  era  entrado  o 
Inverno ,  fe  perderão  na  Coíla  de  Canará. 

Entrou  o  mez  de  Setembro  ,  e*  chegou  a  Chaul  ò 
Capitão  Francifco  Ferraz  em  huma  caravella  cem  a  no- 
va do  cafarnento  da  Infanta  Dona  Catharina  com  El- 
Rey  de  Inglaterra  ,  e  que  em  quatro  náos  Inglezas  pai- 
fava  a  governar  a  índia  António  de  Mello  de  Caítro  , 
com  ordem  de  entregar  aos  Inglezes  aFortaleza  deBom- 
baim  promettida  na  capitulação  do  dote  Com  difFeren- 
tes  afièctos  foi  aceita  na  índia  eíta  noticia  ,  avaliando 
hunsa  perda  de  Bombaim  por  coníideravel ,  outros  os 
foccorros  de  Inglaterra  por  úteis  em  tempo  que  o  Rei» 
no  padecia  as  invafoens  de  inimigos  taõ  poderofos. 
Chegou  António  de  Mello  a  Chaul  nos  últimos  de  Ou- 
tubro j  e  naõ  achando  na  jorriada  a  fociedade ,  que  ef- 
perava  no  Conde  de  Marbur  General  vdas  quatro  fraga- 
tas; nem  podendo  confeguir  perfuadillo  *a  íoccorrer  Co- 
chim, vindo  obrigado  a  aíTílir  a  todos  d&  accidentes  das 
Armas  Portuguezas  nalndia?refpondeo  António  deMel- 
lo  naõ  lhe  entregar  Bombaim  9  fem  daí*  conta  á  Rainha 
do  progrefso  da  fua  jornada.  O  Conde  eítimulado  de- 
ite contratempo  determinou  entrar  em  Bombaim  por 
força.  António  de  Mello  prevenindo  eíta  refoluçaõ,  pu- 
xou pela  gente  da  Fortaleza  deBalsaim  ,  que  marchou 
á  ordem  de  Joaõ  de  Mello  Pereira  ,  e  com  ella  íe  guar- 
neceo  o  porto  de  Bombaim  ,  e  defendeo  a  entrada  aos 
Inglezes.  O  Conde  reconhecendo  a  dificuldade  da  em- 
preza ,  mandou  deíèrabarcar  o  Governador  ,  que  vinha 
para  Bombaim  ,  com  a  guarnição  ,  que  havia  de  preíi- 
diar  aquella  Praça  ,  no  llhéo  de  Angeciva  ,  que  fcava 
viíinho  ,  e  voltou  com  as  náos  para  Inglaterra.  António 
de  Mello  e  Caftro  apparelhou  em  Baisaim  ic is  navios 
de  remo,  para  o  conduzirem  a  Goa:  porém  antes  de 
partir ,  chegou  Joaõ  de  Souía  Freire  com  oito  ,  manda- 
dos pelos  Governadores  ,  para  a  fua  paisagem.  Hmbar- 

Q  cou-íe, 


9?     PORTUGAL  RESTAURADO, 

A  MIO  cou-íe )  e  cliegou  a  Goa  nos  últimos  de  Dezembro ,  on* 

.     de  foi  recebido  com  aceitação  merecida  dofeu  gran- 

1 66  2»  de  valor ,  e  entendimento ;  ena  forma  poííivel  foi  dif- 

"    pondo  a  defenlk  daquelle  Eftado  ,  que  combatido  de 

tantos,  e  tao  poderofôs  inimigos ,  e  quafi  exhauílo 

dos  foccorros  do  Reyno  *  havia  chegado  á  maior  extre- 

•Alidade, 


HISTO. 


99 


HISTORIA 


PORTUGAL 

RESTAURADO. 

L  I  V  RO     VIIL 


S  U  M  M  A  R  I  O. 

O  ME  ASE  §  Cotiâe  de  Ff  lia- Flor 
Governador  das  Armas  de  Alentejo: 
parte  por  a  Eflremoz  a  prevenir  o  ex- 
ercitou árias  occofwens  de/IaProvin* 
cia.  Sabe  Dtw  joaó  de  Au/Iria  em 
Campanha:  fi tia  Exora:  pocnrfe  em 
marcha  o  nojjo  exercito  para  f^ccor- 
relia,  e  acha  rendida  a  Praça  cem  débil  refiftencia. 
Intenta  o  Conde  de  Villa-Flor  ganhar  Olivença:def- 
vanece-fe  a  inter  preza:  Entrada  dosCaflclhancs  ate 
Ale  acere  do  Sal:  alteração  do  Pcvo  de  Lisboa:  fahe 
o  nojjo  exercito  do  quartel  doLandroal,  e  pajja  o  rio 

G   2  Degebe\ 


Armo 
1663, 


í 


; 


too  TORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  Degebe\dejlreza  militar 'do Conde  deSchowberg.ln- 
//    tentaô  os  Cafielbanos  pafjar  efté  rio ,  enaooconfe- 
**  guem  i  perdendo  muita  geme,  Aquartela-je  o  nofpj 
exercito  d  vi  fia  dos  Cajlelhanos  :  alter  a-fe  o  Povo 
de  Évora  :  pijffaõ  os  exércitos  à  rio  Tefal  ataca 
Manoel  Freire  hum  a  pert^oj 'a  ejcaramuça  :  voto  do 
General  da  Artilharia,  Ref  Ivem  os  no [jos  Cabos 
dar  a  batalha  no  fitio  do  Amexial :  forma  em  que 
Jedeoi  e  perda  ãos  Cafielhanos    Chega  de  Lisboa 
o  [occorro  «  governado  pelo  Marquez  de  Marialva* 
Reconhecem  Évora  os  nojjos  Generaes  :  refolve-fe 
ojítio  :  forma  dos  quartéis  ,  e  aproxes  :  Cayitu- 
laçoens  ,  com  que  \e  rende  a  Praça*  Volta  o  Mar- 
quez de  Marialva  a  Lisboa  ,  e  licenceaÕ-fe  as  Tro- 
pas. Voa  accidentaimente  parte  do  Caflello  de  Ar- 
ronches com  muita  perda  dos  Cajielhanos.  intenta 
IX  Joaõ  de  Au /Ir  ia  i me* prender  Elvas :  dejvane- 
ce-Je  o  intento  :  parte  fará  Madrid ,  e  o  Conde  de 
Vúla-plorpara  Lisboa  Governa  o  Conde  de  Schom- 
berg  o  Alemtep:  intenta  ganhar  Ayamonte:  com  or- 
dem de  EIReyfu  [pende  a  empreza :  paQa  aLisboat 
govtrna  Dtniz  de  Mello  Alentejo. 

Ntrou  o  anno  de  feíscentos  e  fefsenta  e  fresy 
e  nelle  o  principio   das  maiores  felicidades 
deite  Reyno,  refervando  Deos  por  fcus  juizos 
occultos  para  o  tempo  do  governo  d'ElRey 
D.Áffonfo  as  vitorias  mais  glorioías,  Por  mor- 
te do  Conde  de  Mifquitella  fe  achava  o  exercito  de 
Alentejo  fem  Governador  das  Armas, porque  o  Marquez 
de  Marialva  ,.  reconhecendo  que  os  novos  Miniítros,de 
quem  dependiaõ  as  direçoens  d^ElRey,  lhe  naõ  iníinua* 
vao  defejo  de  que  elle  exercitafse  o  feu  Pofto , '  com 
o  receyo  de  fe  lhe  negar ,  fe  naõ  refolveo  a  pertendel- 
lo.  Ao  Conde  de  Schomberg  fe  naõ  queria  entregar  o 
abfoluto  domínio  das  Armas,  ainda  que  era  notória  a 

lua 


PARTE  II.  Limo  VIU. 


101 


fua  capacidade,  afíimpela  attençaõ,que  fe  devia  ter  aos  A  nnft 
Cabos  Portuguezes  ,  como  peJa  diferença  da  Religião 
joaniie  Mendes  de  Vaíconcellos  depois  des  fuccefsos  1 66  J« 
da  Campanha  de  Badajoz  havia  perdido  aqueile  grande 
conceito  ,  que  antes  delia  fe  formava  do  feu  talento. 
OConde  de  Atouguia  exercitava  a  oceupaçaò  de 'Ge- 
neral da  Armada ,  e  naó  queria  EIRey  naquelle  tempo 
defviallo  da  ília  aíliílencia.  Por  todas  eílas  confideracões 
veyo  a  cahir  fem  contentamento  o  governo  das  Armas 
de  Alentejo  na  pefsoa  do  Conde  de  Villa-Flor ;  e  reco-  w™*'^  °  c°" 
nhecerido-le  que  o  Conde  da  Torre  era  infeparavel  do  dt  deFíU*Flor 
Marquez  de  Marialva  ,  nomeou  EIRey  General  da  Ca-  2H2SÍÍ  de 
vallaria  ao  General  da  Artilharia  Diniz  de  Mello,  e  Ca-  Alentejo. 
Uro ;   e  achando-fe  D.  Luiz  de  Menezes  o  mais  antigo 
Meítre  de  Campo  do  exercito,  íe  lhe  pafsou  Patente  de 
General  da  Artilharia}e  ao  Conde  de  Schomberg  de  Go- 
vernador das  ArmasExtrangeiras  com  o  exercido  deMe- 
ítre  de  Campo  General.  OConde  de  Villa-Flor ,  lo°-o 
quea  Penamacor  lhe  .chegou  avizo  da  fua  nova  oceu- 
pação  ,  pafsou  a  Lisboa,  e  com  muita  diligencia  tratou 
das  prevençoens  do  exercito.com  o  Conde  de  Caílello- 
Melhor,  por  quemjáabfolutamente  corria  todo  o  go- 
verno doReyno.  Enfraquecido  o  poder  do  Conde&de 
Atouguia  ,  e  de  Sebáítiaõ  Cefar ,  receava  o  Conde  de 
Villa-Flor  a  authoridade,  q  o  Conde  de  Schombero-  ha- 
via adquirido  em  Alentejo  j  e  por  éíle  refpeito  dilpoz 
fortalecer  o  feu  partido  ,  pedindo   a  EIRey  a  ereccaò 
de  dous  Poílos  de  Sargentos  Mores  de  Batalha  ,  âté 
aqueile  tempo  naõ  praticados  neíte  Reyno  ,  tomando 
por  pretextos   trazer  immediatos  á  fua  pefsoa  Offíciaes 
de  mais  authoridade ,  que  os  Tenentes  de  Meítre  de 
Campo  General ,  para  a  diítribuiçaó  das  ordens  conve- 
nientes. Approvou-fe  eíla  propoíiçaó  ,  e  foraó  eleitos 
a  feu  beneplácito  o  Tenente  General  daCavallaria  Joaô 
da  Sylva  de  Soufa,  e  Diogo  Gomes  de  Figueiredo,  filho 
do  Meítre  de  Campo  Diogo  Gomes  Intentou  neíte  tem- 
po o  General  da  Cavallaria  Diniz  de  Mello  deítruir  féis 
barcas,^que  os  Caftelhanos  tinhaõ  em  Guadiana  no  por- 
to de  Geromenha  ?  para  lhes  impoíHbilitar  os  foccorros, 

G  3  que 


.rói  POKTUGAL  KESJ^m^DO, 

Atino  £lue  vo  Inverno  lhe  introdnziaõj  e  mandou,  que  de  Vil- 
t  66      ia-Viçofa  fahifse  a  executar  efta  empreza  oTenente  Ge- 
1 0Õ  3 '  neral  da  Cavallaria  Pedro  Cefar  de  Menezes  com  as  tro- 
pas daquelle  quartel ,  e  cem  Infantes»  Executou   Pedro 
•  Cefar  eíta  ordem  com  tanto  acerto  ,  que  em  numa  noi- 
te, queimou  as  barcas ,  .ganhou .hum  Fortim  ,  que  as  de- 
fendia ,  !e  lhe  prifionou  a  guarnição.  Pouco  depois  fa- 
hiraõ  de  Elvas  a  fazer  huma  entrada:  Gonfalo  Vaz  Pe- 
rantaó  ,  Tenente  da  Companhia  de  eavallos  de  D.  An- 
tónio de  Almeida ,  (  hoje  Conde  de  Avintes )  è  Anto» 
nio  Martins  Revoltilho  ,  Tenente  de  Jácome  de  Mello, 
com  vinte  eavallos :  encorporaraõ~fe  junto  de  Oliven- 
ça com  o  Capitão  João  Mafcarenhás ,  que  com  quaren- 
ta eavallos  vinha  de  Villa-Viçofa  ao  me  imo  fim.  Foraõ 
íentidos  da  Cavallaria  de  Olivença ,  que  correo  ain- 
veílillos  com  cento  e  vinte  eavallos.  Pareceo  a  GonlaA 
lo  Vaz  ,  que  fe  retiraísem  ;  e  achando  aos  companhei- 
ros com  mais  temeridade,  que  prudência,  com  gene- 
rofa  defeonfiança  bufeou  os  inimigos ,  e  foi  no  por- 
fiado combate  taõ  arrazoada  a  fortuna  >  que  por  caíli- 
gp  da  imprudência  perderão  os  nofsos  três  Cabos  a  vi- 
da ,  e  por  premio  do  valor  lograrão  os  nofsos  Solda- 
dos a  vitoria,  retirando-fe  os  Caílelhanos  com  perda, 
e  récolhendo-fe  os  nofsos  com  defpojos  ,  e  prifionei- 
ros. 
Pam  para  e A         ISíos  primeiros  dias  de  Março  partio  o  Conde  para 
tremez,  a  pre>  Ellremoz  ,  e  checando  áquella  Praça  tratou  com  gran- 
Ut  de  actividade  das  prevençoens  do  exercito  ,  e  derenla 

4a  Província  ,  conílando-lhepor  difFerentes  avizos,que 
D.  Joaõ  de  Auílria ,  enfinado  ácuíla  do  exercito  do  ri* 
gor  do  Sol  das  Campanhas  antecedentes  ,  determinava 
valer-fe  da  eítaçaô  mais  benigna  da  Primavera,  para 
confeguircom  menos  embaraço  os  progrefsos,  que  ma- 
quinava. Os  dous  mezes  de  Janeiro  ,  e  Fevereiro  havia 
X)iniz  de  Mello  g-a  fiado  em  adiantar  as  fortificaçoens 
das  Praças ,  porém  com  poucos  cabedaes  ,•  porque  o 
Conde  de  Caítello-Melhor  naó  fe  deixava  perfuadir  a 
que  o  poder  de  CaíleHa  era  o  que  íe  referia  ,  parecen- 
do-lhe  mais,  que  realidade  ,  politica  dos  Caílelhanos ,  e 

com 


PJRTB  m  LIVRO  VÍ1L     103 

com  eílaefperança  diminuía  ao  Conde  de  VUIa-Fior  Ánno 
os  íoccorros  ,  que  lhe  havia  promettido ;  eeílreitava     >> 
de  forte  as  difpezas ,  que,  havendo-íe  aísentado  íahirem  l "  "  5  • 
em  Campanha  quinze  peças  de  artilharia ,  e  o  Trem 
competente  ,  naõ  pode  coníeguir  o  General  mais  que 
huma  pequena  quantia  para  adifpoíiçaó  de  maquina 
taó  grande  ,  e  lhe  foi  necelsario  valeríe  de  toda  a  in- 
duílria ,  para  naõ  faltar  á  íatisfaçaõ  precifa  em  matéria 
taõ  relevante.  Foi  huma  delias .,  achando-fe  a  Cavalla- 
iria  fem  armas  de  corpo  ,  mandar  com  pouca  difpeza  cor- 
tar as  abas  a  três  mil  corpos  de  coçoletes  da  Infanteria, 
de  que  já  ,  por  naõ  uzados,  fe  naó  fazia  cafo.  O  Conde 
de  Villa-Flor  remettia  a  EIRey  noticias  repetidas  ;  que 
lhe  chegavaó  ,  de  que  D.  Joaõ  de  Auftria  pafsava  a  Ba- 
dajoz ,  que  juntava  muita  gente,  e  que  as  carruagens 
erao  innumeraveis  ;  e  juntamente  lhe  reprefentava  os 
poucos  mantimentos  ,  que  fe  achavaõ  em  todas  as  Pra- 
ças importantes  ,  a  falta  de  muniçoens ,  que  havia  nek 
las ,  e  a  diminuição  dos  Terços  ,  e  Companhias  de  ca- 
vallos ,  de  que  poderia  refultar  damno  irreparável ,  fe 
D.  João  de  Auítria  ,  que  naõ  ignorava  elta  opportuni- 
dade,fe  valefse  do  nofso  defcuido.  Eítas  mefmas  razões 
referia  ao  Conde  de  Caílello-Melhor  o  Cõde  de  Schom- 
berg, que  ainda  fe  achava  em  Lisboa  mal  convalecido 
de  huma  enfermidade ,  que  padecera :  porém  vendo  o 
tempo  taõ  entrado ,  e  as  fuás  diligencias  pouco  fru- 
d:uofas,pafsou  a  Eítremoz  com  grande  defconíiança  dos 
progrefsos  daquella  Campanha  ,  fundada  nas  defatten- 
çoens  da  defenfa  do  Reyno  ;  e  nem  o  pequeno  alivio 
(de  taõ  vehemente  cuidado  achou  na  foriedade  do  trato 
do  Conde  de  Villa-Flor  ;  porque  a  poucos  dias  de  com- 
municaçaõ  erefceraõ  de  forte  entre  hum ,  e  outro  as 
controvertias  por  leviílimas  caufas,  que  eíteve  o  Con- 
de de  Schomberg  refoluto;  a  voltar  para  Lisboa,  e  re- 
tirar-fe  para  França*  deliberaçaõ,que  reprimio  com  tan-     ':' 
ta  efficacia  o  General  da  Artilharia  ,  que  ficou  defvane- 
çida ,  e  o  Conde  de  Villa-Flor  com  mais  attençoens  á 
importância  da  pefsoa  do  Conde  »de  Schomberg  •  mu- 
dança de  opinião ,  de  que  depois  lhe  refultaraõ  felicif- 
Sroos  effeitos:  G  4  O 


io4  P0R7UGAL  RESTAURADO, 

Anno  O  Tenente  General  da  Cavallaria  D.  João  da  Silva 

,,     deo  principio  aos  bons  fuccefsos  da  Campanha  deite 
10(32,  antl0  .  pe^0  iicença  ao  Conde  deVilla-Elor  para  ar- 
mar ás  Companhias  de  cavallos  ,  queaftiítiaõ  na  Praça 
varias  occafioes  de  Arronches ,  e  coníeguindo-a  ,  fahio  de  •  Elvas  com 
dtfla Provhcia  quinhentos  cavallos  daquella  guarnição,  edeCampo- 
Maior  ,  eembofcou-os  ,  fem  ferfentido  ,  taõvifinho 
de  Arronches ,  que  fahindo  três  batalhoe ns  á  forragem 
com  pouca  cautella  ,  que  era  a  noticia  anticipada  ,  de 
que  D.  Joaõ  intentava  valerfe  j  correo  a  ganhar  a  por- 
ta r  para  que  fe  naô  retirafsem  á  Praça  ,  com  parte  dos 
feus  batalhoe  ns  ,  e  os  mais ,  inveítindo  os  Caílelhanos, 
os  derrotarão  j  e  o  Gommifsario  geral  Joaõ  Ribeira  , 
que  era  o  Cabo  que  os  governava,  fugindo  para  os  ma- 
tos da  Codiceira  ,  fe  livrou  do  perigo  com  os  Officiaes, 
e  Soldados  ,  que  o  puderaõ  feguir  t   com  os  mais  fe  re- 
tirou D.  Joaõ  da  Silva.  Neíie  tempo  haviaõ  chegado 
a  Badajoz  os  foccorros  das  Naçoens  ,  que  D.  Joaõ  de 
Aultria  efperava  ,  que  fe  compunhão  de  Alemaens,  Ita- 
lianos ,  Irlandezes ,  e  algumas  Companhias  de  cavallos 
Francezes  ;  ecomoeíle  numero  de  gente  junto  ás  tro- 
pas Caítelhanas  formavaõ  hum  grande  exercito  ,  e  a 
quantidade  de  carruagens  ,  e  prevençoens  do  Trem  de 
artilharia  iníinuavaõ  a  grandeza  do  intento  de  D.  Joaõ 
de  Auftria ,  e  a  viíinhança  fazia  fem  controveríia  mani- 
feítas  as  prevençoens  ,  ficou  defvanecida  toda  aeípe- 
rança  ,  que  o  Conde  de  Gaítello-Milhor  teve  de  fer  o 
empenho  d<ElReyde  Gaítella  neíta  Campanha  menos 
coníideravel;  e  ao  pafso  deita  certeza  difpoz  com  gran- 
de calor ,  e  aétividade  a  defenfa  da  Provinda  de  Alen- 
tejo ,  para  onde  fez  concorrer  repetidas  levas ,  quanti- 
dade de  dinheiro  ,  e  foccorros  das  Provindas  ,  e  para 
o  Trem  da  artilharia  os  tiros  de  mulas  das  cavalhari- 
ças  d'ElRey  ,  e  os  melhores  ,  que  havia  na  Corte.  O 
governo  das  Praças  de  Elvas  ,  Campo-Maior  ,  e  Eílre- 
moz  entregou  EIRey  aos  Condes  de  Sabugal ,  e  Torre, 
ea  Affonfo  Furtado  de  Mendoça,  todos  três  Confelliei- 
ros  de  Guerra  :  as  mais  Praças  fe  fiarão  á  Soldados  de 
inteira  fatisfaçaõ ,  c  confiança  ,•  e  todos  fe  guarnecerão 

com- 


PARTE  11.  LIVRO  VIU.       ioy 

competentemente,  refpeitando-fe  o  perigo  a  que  áca-  j^nno 
vão  expoílas.  Km  E ít rem o z, conforme  o  eitylo  utilmen-     <K 
te  obíervado  nas  Campanhas  antecedente  ,  juntou  o  I^"3v. 
Conde  de  Villa-Flor  as  tropas  ,  que  íobravao  das  guar- 
niçoens ,  que  fazião  o  numero  de  cinco  mil  Infantes  , 
e  três  mil  cavallos  com  todas  as  prevençoens  do  Trem, 
e  carruagens  deílinadas  para  a  Campanha. 

Aleis  de  Mayo  mandou  D.  João  da  Silva,  que 
affiítia  em  Elvas  ,  avizo  ao  Conde  de  Villa-Flor ,  que 
D.João  deAuílria  fahira  com  o  exercito  de  Badajoz  , 
e  íkava  alojado  fobre  as  barrocas  de  Caya.  Era  Capitão  s*ie  p-Joao  de 
General  deite  exercito  D.  João  de  Auílria  ,  Governador  f*jf**  em  Cã" 
das  Armas  o  Duque  de  S.  German  ,   Me-ítre  de  Campo        a' 
General ,  a  General  da  Cavallaria  D.  Diogo  Cavalhero, 
General  da  Artilharia  D.  Luiz  Ferrer ,  Conde  de  Alme- 
nara,  Os  Meíles  de  Campo ,  Tenentes  Generaes  da  Ca- 
vallaria ,  e  mais  Officiaes  ,  todos  erão  eícolhidos  pela 
larga  experiência  de  D,  João  de  Auílria  com  aattenção, 
que  pedia  a  árdua  empreza  >  a  que  ie  arrojava.  Confia- 
va o  exercito  de  doze  mil  Infantes,  féis  mil  e  quinhen- 
tos cavallos,  dezoito  peças  de  artilharia  ,  em  que  en- 
travão  féis  meyos  canhoens  ,  três  morteiros  ,  quantida- 
de de  muniçoens  ,  e  mantimentos  conduzidos  em  três 
mil  carros  ,  e  outra  grande  multidão  de  bagagens.  Deu 
eílas  noticias  com  muita. individualidade  Fernão  Mar- 
tins de  Ayala  ,  que  do  Poíto  de  Capitão  de  cavallos 
havia  pafsado  para  Caílella ,  provocado  do  opprobrio, 
que  padecia  o  feu  procedimento  ,  como  fe  a  infâmia  fo- 
ra capaz  de  emendar  a  fraqueza;  e  tomando  menos  in- 
decente partido  pafsou ,  de  Badajoz  a  Elvas ,  e  referio 
ao  Conde  de  Villa-Flor  todas  aquellas  noticias  ,  que  a 
fua  diligencia  pode  alcançar.  E  como  íegurava  o  gran- 
de numero  de  carruagens  do  exercito  de  Caílella  ,  fa- 
cilmente conheceo  o  Conde  de  Villa-Flor  ,   que  a  ten- 
ção de  D.  João  de  Auílria  não  era  fitiar  a  Praça  alguma 
das  fronteiras  5  porque  para  intentar  qualquer  àelhs  > 
não  lhe  era  necefsario  embaraçar-fe  com  tanto  numero 
de  carruagens,  principalmente  naqueIJe  tempo,  em  que 
,a  dilação  do  Inverno  tinha  feito  a  Campanha  pouco  t  ra- 
ta vel  j 


n. 


iot      PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÂnilO  tavel  j  e  eíte  difcuríb   communicado  aos  Cabos  do  ex* 
,•      ercito,  forao  de  parecer,  que  fe  preíidiaíse  a  Cidade  de 

ioòj.  £vora  .  p3i>-que  era  fó  o  ponto  mais  perigofo  do  centro 
da  Provinda, que  podiaó  ameaçar  aquellas  preparações^ 
e  por  efte  refpeito  mandou  o  Conde  para  Évora  o  Me- 
ífcre  de  Campo  Manoel  de  Soufa  e  Caítro   com  o  Ter- 
ço do  Algarve  ,  que  conítava  de  fetecentos  Infantes  ,  e 
o  de  Lisboa  ,  de  que  era  Meítre  de  Campo  Roque  da 
CoílaBarretOjCom  quinhentos,  governados  pelo  Sargé- 
to  Mayor  Luiz  de  Azambuja,  por  haver  Roque  da  Co- 
ita quebrado  hum  braço  de  huma  queda  ,  que  deu  de 
hum  cavallojtrezentos  Auxiliares  da  Provinda  de  Trás 
os  Montes  ,  e  quatrocentos  cavallos  governados  pelo 
Tenente  Generalda  Cavallaria  D.  Luiz  da  Coita ,  qua- 
tro peças  de  artilharia  ,  e  todas  as  muniçoens  ,  que  pa- 
recerão necefsarias.  DJoaõ  de  Auítria  continuou  a  mar.^ 
chaje  á  onze  de  Mayo  aviltou  Eítremoz,  e  achou  aquel- 
la  Praça  com  mais  defenías,  que  o  anuo  antecedente,  e 
dentro  delia  formado  o  corpo  de  exercito  que  referi-» 
mos  ,  guarnecidos  os  póítos  exteriores  de  S.  Joíeph  ,  e 
Santa  Barbara  ,  bem  artilhada  ,  e  provida  de  munições, 
e  mantimentos.  Eíla  noticia  ,  ede  que  todos  os  Cabos 
do  exercito  eítavaô  dentro  de  Eítremoz  ,  obrigou  a  P. 
Joaõ  de  Auítria  a  nao  divertir  o  intento ,  que  levava* 
de  fitiar  Évora  ,  e  a  continuar  a  marcha  por  entre  Eílre- 
moz,e  Souzel.Sahiraó  a  reconheCella  o  Conde  deSchõ-» 
|?erg,  o  General  da  Cavallaria,  e  Artilharia  com  duzen- 
tos cavallos  ;  ficando  a  mais  Cavallaria  formada  fora 
da  Praça  í  e  como  os  Olivaes  poraquella  parte  iaõef- 
pefsos  ,  e  dilatados ,  e  a  Campanha ,  por  onde  os  Caíte- 
Ihanos  marchavaõ  ,  defembaraçàda  ,  puderaõ  obfervar, 
que  o  exercito  marchava  de  coitado  com  dezafete  ef-* 
quadroeris   delnfanteria  divididos  em  duas  linhas,  a 
primeira  de  nove  ,  a  fegunda  de  oito ;  dez  eraõ  de  Hef- 
panhoes  ,  quatro  de  Italianos ,  três  de  Alemães ,  e  Ir- 
landezes.  Dividia-fe  a  Cavallaria  em  noventa  batalhões, 
quarenta  guarneciaõ  o  lado  direito  ,  e  quarenta  oef- 
querdo  ;  marchavaõ  quatro  de  referva  nos  lados  ,  e  de 
retaguarda  o  Trem  ,  e  bagagem  com  outros  quatro  , 

que 


VARTE  II.  \AVm  VJIL        107 

que  a  feguravaõ  ,  e  os  das  guardas  de  D.  jcaó  de  Au-  ^nnf) 
ftria,  e  o  Duque  de  S.  German  íe  viaô  ieguir  as  fuás 
peísoas  ,  todos  os  corpos  hiaó  diílinclos  ,  e  compafsa-  3^^3« 
dos  ,  e  a  Campanha  era  viítoíb  theatro  deíla  militar 
reprefentaçaõ:  os  Caílelhanos,  vendo  fahir  de  Eílremoz 
a  noísa  Cavallaria  ,  paísaraõ  todos  os  batallicens  do  láh 
do  direito  ao  efquerdo  ,  que  nos  fazia  frente  ,  e  todas 
as  carruagens  ao  lado  direito  dalnfanteria  i  porque  ló 
da  parte  deEílremoz  podiao  recear-fe.  AquelJa  noite 
alojou  o  exercito  de  Caítella  no  Amexial  l    diílante  hu- 
ma  legoa  de  Eílremoz  para  a  parte  de  Évora  $  demon- 
ítraçaõ  ,  que  juílificou  o  intento  de  D.  Joaòde  Auílria, 
que  também  certificarão  íefsenta  íoldados  decavalJo, 
que  as  partidas  ,  que  avançarão  íbbre  o  exercito  ,  fize- 
ra ó  priíioneiros.  Voltarão  para  Eílremoz  o  Conde  de 
Schomberg  }  e  os  Generaes  ;  e  conferindo  com  o  Con- 
de de  Villa-Flor  o  eílado ,  em  que  iè  achava  Évora  , 
pareceo  reforçar  o  prefidio  daquella  Cidade  ,  para  que 
o  numero  da  gente  fupprifse  a  falta  das  fortificaçoens, 
efervifse  de  dilatar  o  íitio  o  tempo  ,  que  baílafse  pa- 
ra chegarem  os  ibccorros  das  Províncias  ,  por  lerem 
tantas  as  razoens  ,  que  nos  perfuadiaõ  a  ibccorrer  Évo- 
ra ,  quantas  eraó  as  que  obrigavaõ  a  D.  Joaõ  de  Au- 
ítria aelegella  para  emprego  do  íeu  exercito  j  e  por- 
que entendia,que  devia  nomear-lhe  Governador  em  lu- 
gar de  Luiz  de  Mefquita  ,  que  o  era  aclualmente ,  te- 
mendo que,  ainda  que  naó  faltaria  Luiz  de  Mefquita 
ás  íuas  obrigaçoens  ,  naõ  tinha  a  experiência  neceí^aria 
jDara  defender  a  Praça  em  forma  militar  ,  e  que  podiao 
duvidar  obedecer-lhe  os  Meílres  de  Campo  pagos  ,  de- 
flinados  para  aquella  guarnição ;  por  eíie  refpeito  ,  e 
por  carta  que  teve  d'ElRey  a  favor  de  Manoel  de  Mi- 
randa Henriques,  o  nomeou  o  Conde  de  Villa-Flor  por 
Governador  de  Évora  i  attendendo  juntamente  a  que  > 
Jiavendo  fido  General  da  Armada  da  junta  do  Comer- 
cio ,  ficava  feparada  a  duvida  dos  Meílres  de  Campo  , 
que  começou  a  facilitar  D.  Pedro  Qpeífinga  ,  oíFerecen- 
do-íe  comofeu  Terço  para  marchar  ao  íoccorro  de 
Évora  $  e  perfazei!  do-Uie  o  Conde  de  Villa-Flor  com 

qui* 


io8     PORTUGAL  RESTAURADO, 

AíiílO  qumhentos  Auxiliares  o  numero  de  mil  Infantes  ,  e 
.  dsmdo-lhe  trezentos  cavallos  ,  lhe  aceitou  a  offerta. 

ióój» ,  Marchou  diligentemente  aquella  noite  ,  e  arrimando-fe 
á  Serra  de  Olsa  ,  entrou  ,  o  Governador  Manoel  de 
Miranda  ,  fem  contradição  em  Évora  ,  dous  dias  antes  , 
que  chegafse  a  íitialla  o  exercito  de  Caítèila;  e  chegado 
o  Ibccorro  ,  confiava  $  guarnição  de  fete  mil  Infantes 
pagos,  Auxiliares  ,  e  Ordenanças ,  fetecentos  cavallos, 
quatro  peças  de  artilharia  ,  muniçoens  ,  e  mantimentos 
proporcionados  ,  a  que  pudefsem  bailar  para  a  defenfa 
da  Praça  ,  os  dias  ,  que  fe  dilatafse  o  foccorro  do  ex- 
ercito ,  e  oitenta  mil  cruzados ,  que  haviaó  chegado 
de  Lisboa,  para  íe  diílribuirem  nas  occurrencias ,  que 
fofsem  precitas.  y 

Applicou   a  vifmhança  do  perigo  a  diligencia  de  fe 
adiantar  a  fortificação  ,  quanto  podia  permittir  a  capa- 
cidade da  muralha  antiga.  Terraplenou- íe  abarbacãa, 
cobrirao-fe  as  portas  com  meyasLuas,  cortaraò-fe  ef- 
tacadas ,  recolheraó-fe  faxinas  ,  e  difpondo  as  fortifi- 
caçoens  o  Engenheiro  mór  Seiincur  ,  que  na  opulência 
da  Cidade  achou  todos  os  meyos  necefsarios  para  a  fua 
defenía.  D.  Joaõ  de  Auftria  pafsou   do  Amexial  a  alo- 
jar o  exercito. da  outra  parte  do  Terá  ,  rio,  que  naf- 
cendo  nas  Serras  vifinhas  a  Arroyolos  ,  rega  cóm  abun- 
dantes aguas  aquellas  fertililTurias  Gampanhas,e  pafsan- 
do  pela  fralda  da  remontada  iituaçao  da  Villa  de  Evora- 
Monte  ,  continua  acorrente  ,  e  perde  o  nome  na  Sor- 
raya ,  e  dando  juntos  exercido  i  ponte  do  Soro  ,  def- 
aguaõ  no  rio  Tejo  ,  que  com  próprias  ,  e  aiheas  corren- 
tes bufca  no  Qccidente  a  fepultura  do  Oceano.  Huma 
grande  tormenta  de  vento  ,  e  agun  embaraçou  dous 
dias  aos  Caílelhanos  continuarem  a  marcha.  Era  hum 
dè.lles  remeteo  D.  João  de  Auílria  ao  Conde  de  Villa- 
Flor  hum  trombeta  com  humvolantim  ,  em  que  pejlia 
o  troco  de  huns  prifioneiros  ,  que  fe  lhe  concederão  , 
por  ler  igual  o  intereíse.  Eíle  mefm o  trombeta  coftu- 
mava  levar  a  Elvasbolantins  de  D.  João  de  Auílria  ao 
General  da  Artilharia  D.Luiz  de  Menezes,  e  levado  de- 
íle  conhecimento  ,  e  da  coílumada  arrogância  militar , 

lhe 


PARTE  77.  LWR0VI1I.      1Õ9 

lhe  mandou  dizer ,  que  eíperava  da  fua  boa  correfpon-  Anno 
dencia  mandafse  ter  bem  tratadas  as  mulas  do  Trem ,     ,, 
para  lhe  conduzirem  o  feu  fato  a  Badajoz.  Refpon-  ^Og. 
deo-lhe  D. Luiz,  depois  da  permittida  cortezia,  que  te- 
ria grande  attençaô  ao  que  lhe  ordenava  ^  e  que  em 
fatisfaçaõ  do  íeu  cuidado  lhe  pedia  fizefse  memoria 
das  forcas  Caudinas  ,  íitio,emque  os  Romanos  padece- 
rão em  Nápoles  humá  grande  afronta,  penetrando  o  in- 
terior daquelíe  Reino.  Correfpondeo  depois  o  fuccef- 
io  a  eíta  advertência  ;  e  ficando  o  trombeta  doeste  em 
Évora ,  repetia  varias  vezes  o  prognoíHco  das  forcas 
Caudinas. 

Aplacou  a  tormenta ,  continuarão  os  Caítelhanos 
a  marcha  ,  e  appareceraó  formados  á  vifta  da  Cidade  de 
Évora  a  quatorze  de  Mayo  ,  havendo  antecipadamente  sitia  Évora, 
o  General  da  Cavallaria  circulado  a  Cidade  com  dous 
mil  cavallos  para  evitar  os  foccorros.  D.  João  de  Auítria 
com  os  Cabos,  Ingenheiros  ,  eOfficiaes  de  ordens  re- 
conhece© os  poílos  mais  importantes:  elegeo  para  quar- 
tel da  Corte  o  Convento  de  N.  Senhora  do  Efpinheiro 
cios  Religioíbs  de  S.  Jeronymo  ,  menos  de  meya  legoa 
diítante  da  Cidade  >  parte  do  exercito  íe  aquartellou  no 
Convento  da  Cartuxa  quaíi  vifinho  á  muralha  »  occu- 
pou-fe  o  de  Santo  António  ,  que  ficava  pouco  diítante; 
e  fuppoíto,que  aquelle  íitio  eítava  deíenhado  para  obra 
exterior  da  Cidade  •>  e  íe  havia  dado  principio  a  hum 
Forte  ,  o  largarão  os  íitiados ,  por  naõ  eftar  a  defenfa 
proporcionada  ao  perigo.  Junto  ao  Convento  fe  levan- 
tou huma  bateria ,  e  tomarão  os  Caítelhanos  outro  alo- 
jamento no  Convento  de  N.  Senhora  dos  Remédios  , 
fronteiro  ao  campo  de  S.  Braz  ,  e  taõ  vilinho  á  Cida- 
de ,  que  fó  a  eítrada  tinha  por  divifaõ  J  e  como  na  bre- 
vidade de  ganhar  a  Cidade  fundava  D.  João  de  Auítria 
.a  maior  fortuna, reconhecendo  na  larga  circumvallaçaô 
delia  invencivel  o  trabalho  de  levantar  trincheiras,  fe 
valeo  de  toda  a  Cavallaria,  para  fervir  de  animado  cor- 
dão ,  que  fegurafse  os  foccorros  ,  que  podiaó  entrar  na 
Praça.  No  Convento  dos  Remédios  fe  levantou  outra 
plataforma ,  e  entre  elíesj  e  a  Cartuxa  occuparaõ  os  fi- 
liados 


í 


no    PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÀnilO  ^a^os  °  Convento  do  Carmo  communicado  com  a  CU 
,  .  ._  dade  por  huma  linha  ,  que  fe  fabricou.  Incefsantemen- 

100  j.  te  começou  a  jogar  a  artilharia  contra  a  débil  mura- 
lha ,  e  fe  dso  principio  aos  aproxes  ,  manifeítando  a 
pouca  induítria  dos  íitiados  ,  que  naó  iabiaõ  ter  mais 
operação,  que  o  foffrimeuto. 

O  Cpii.de  de  Villa-Flor  ao  mefmo  ponto  |em  que 
teve  noticia  ,  que  o  exercito  de  Caílella  havia  pafsado 
Terá,  fez  avizo  a  todas  as  Praças  guarnecidas  com  gen- 
te paga  ^  que  ficando  nellas  Auxiliares  ,  e  OrJjeaanÇSs, 
márcnafsem  os  Soldados  pagos  a  fe  encorporar  como 
exercito  em  Eítremoz,  otfleeltava  o  Trem,  e  as  carrua- 
gens promptas.  Os  íitiados  fizerao  ao  Conde  vários  avi- 
zos,q-ue conti nhaõ  poucas eCp tranças  de  íe  defenderem, 
naó  porfaltar  valor  aos  Soldados ,  fenaó  por  carecerem 
de  quem  foubefse  governallos;porque  Luiz  de  Mefqui- 
,  tá  dava-íe  com  razão  offendido  de  felhe  lia  ver  tirado 
o  governo  da  Cidade  ,  por  fe  não  achar  obrigado  a  crer 
a  fuaiaíunicieiícia  ,  que  era  o  pretexto  ,  que  perfuadio 
oConde  de  Villa-Flor  a  fufpeniello,*  e  Manoel  de  Mi- 
randa achava-fe  com  pouca  faude  ,  e  muito  alheyo  das 
noticias,  e  experiências  ,  de  que  neceífita  o  governo 
de  huma  Praça  íitiada  ,*  e  que  por  maiores  diligencias, 
que  fazia  o  Conde  de  Vi  mio  fo  (que  havia  ficado  íi  ti a- 
do  em  Évora  com  a  fua  familia)por  accommodar  as  def- 
unioens  dos  Oífíciaes  Maiores  ,  o  naó  podia  confeguir, 
de  que  nafciaó  inevitáveis  defordens  ,  e  perigofiífimos 
embaraços.  Divulgara  ó-fe  pelo  exercito  eítas  noticias* 
e  começou  a  correr  publica  voz  ,  naícida  >  ou  de  aifei- 
çaó  ,  ou  de  engano  ,  de  que  o  General  da  Artilharia  era 
capaz  de  defender  Évora, e remediar  os accidentes^que 
poriaflantes  podiaõ  acontecer  nas  defunioens  da 'guar- 
nição.  Condindo  ao  Genenl,  que  corria  no  exercito 
efta  opinião,  e  chamando  o  Conde  de  Villa-Flor  a  Con- 
felho ,  lhe  difse,  que  obrigado  da  noticia,  que  lhe 
chegara  *  de  que  vulgarmente  fe  entendia  no  exercito 
que  elie  podia  fer  útil  á  defenfa  de  Evora,eítava  promp- 
to  para  marchar  a  efte  emprego  na  forma  ,  que  fe  lhe 
ordenafse,  e  com  racional  confiança  de  fuccefso  felice, 

fuppo» 


FARTE  II.  LIVRO  VIII.        m 

fuppofta  a  vontade  Divina-,  porque  naõ  avaliava  Dom  An^O 
João  de  Auítria  por  taõ  falto  de  noticias  da  arte  mili- 
tar  ,  que  quando  efperava  hum  exercito  poderoíò  ,  que  l  ^"3  • 
lhe  confiava  vinha  a  íoccorrer  aquella  Praça  fituada  no 
centro  de  huma  Província  ,  que  lhe  dificultava  encor- 
porarfe-lhe  mais  gente  ,  quea  que  trouxera  ,  fe  arrojaí- 
íe  a  dar  hum  alsalto  á  Cidade  por  huma  brecha  guarne- 
cida com  fete mil  Infantes,  eietecentos  cavallos,  on- 
de ou  ganhada,  ou  defendida  ,  havia  de  encontrai  dam- 
no  irremediável  na  muita  ^  gente  ,  que  era  precifofal- 
tar-lhe  em  taó  diiíicil  empreza,  ficando  exyroítoadar 
a  batalha  com  taõ  inferior  poder ,  que  primeiro  a  con- 
taise  perdida  ,  que  atacada  j  e  que  nelta  bem  fundada 
coníicleraçaõ  julgaria  pelo  mayor  beneficio  fiarlè-lhe  ei- 
ta  empreza. Approvoa  o  Conde  de  fcchomberg  a  opinião 
do  General  daArtilharia«,olfereceo-fe  o  General  da  Ca- 
vallaría  a  introduzillo  em  Évora  cem  mil  cavalJos  *,  e 
todos  os  mais,  que ie  acharão  no  Ccnielho  ,  avaliarão 
elle  intento  por  precilo  :  porém  o  Conde  de  Villa-Plor, 
depois  de  expender  muitas  razoens  a  favor  do  procedi- 
mento do  General  da  Artilharia,  naõ  conientio  que  lar- 
gafse  a  fua  oceupaçaõ,  dizendo  naõ  queria  perder  a  fua 
companhiaje  promptamente  fez  avizo  a  Manoel  de  Mi- 
randa ,  que  marchava  com  o  exercito  a  ioccorrello  a  to- 
do o  rileo  %  e  no  mefmo  dia  chegou  huma  carta  de  Ma- 
noel de  Miranda ,  em  que  iegurava  a  conítancia  de  de- 
fender aquella  Cidade  ,  em  quanto  lhe  duraise  a  vida. 
Ajudou  o  Conde  de  Villa-Plor  eíta  reloluçaõ,  mandan- 
do foccorrello  com  cem  cavallos  á  ordem  do  Coronel 
Jeremias  Jovet, fundando  no  íeu  talento  o  maycr  foc- 
corro ,  por  merecer  naquelle  tempo  toda  a  eltimaçaõ 
do  Conde  de  Schomberg.  Marchou  com  fegredo  ,  e  di- 
ligencia •,  e  havendo  pafsado  o  rio  Degébefela  meya 
noite,  dividio  com  pouca  conilderaçaó  os  cem  cavallos 
em  três  partidas ',  e  logo  que  chegeu  ao  cordão  daCa- 
vallaria  inimiga  ,  que  circundava  a  Praça  pela  parte  da 
porta  de  Alconchel,  inveltio  a  primeira  partida ,  e  rom- 
pendo os  Caítelhanos ,  entrou  na  Praça;  a  fegunda,  em 
$ue  hia  Jovet,  foy desbaratada ?  eelle  prifoneiro:  a 

tercei'* 


ih  POnTUÕAL  VtEtfJVtATX), 

AnnO  terceira  fe  retirou  fem  pelejar.  Foi  geralmente  condem- 
nado  o  erro  de  Jovet  nao  intentar  efta  empreza  com  os 

I""3*  cem  ca vallos  juntos ,  para  que  o  ímpeto  mais  vigoro- 
fo  fuperafse  a  refiítencia  do  primeiro  rebate  ,  porque  fó 
deita  forte  poderia  terfelice  efièito  o  ieu  intento;  e 
ainda  na  divifaõ  dos  cem  cavallos   devia  inveftir  na 
primeira  partida,  porque  entre  tantos  corpos  de  Caval- 
laria  y  lo  no  defcuido  dos  Caílelhancs ,  naó  lendo  íen- 
tido ,  devia  efperar  bom  fucceíso ,  pois  o  rebate  da  pri- 
meira partida  ameaçava  ás  duas,  que  afeguiaõ,  o  ul- 
timo perigo.  Recebeo  o  Conde  de  Villa-Flor  eíta  noti- 
cia ,  e  juntamente  Iiuma  carta  de  D.  Pedro  Opeííinga  , 
em  que  dizia  ,  íem  uíar  de  cifra  ,  que  o  rifco  da  Praça 
era  irremediável ,  e?fó  poderia  defender-fe  introduzin- 
do-íe4he  mil  cavallos  j  e  moftrando  neíte  avizo ,  que 
corria  por  fua  conta  o  governo  da  Praça  ,  o  naõ  decla- 
rava ao  Conde  de  Villa-Flor  ,  que  no  meímo  inítante 
chamou  áConíelho  ,  onde  examinando  o  Soldado,  que 
trouxe  a  carta  ,  difse  ,  que  Manoel  de  Miranda  ficava 
doente :  e  ventilando-fe  no  Confelho  os  apertos  deites 
accidentes  ,  ficou  reíbluto ,  que  o  único  remédio  da  de- 
fenfa  de  Évora  era  a  brevidade  de  a  foccorrer  o  exerci- 
to ,  e  neíta  confideraçaô  devia  marchar  o  dia  feguinte, 
para  que  os  íitiados  á  viíta  do  ibccorro  trocafsem  o  def- 
alento  em  conítancia ,  e  os  Caítelhanos  á  viíta  do  pe- 
rigo, que  os  ameaçava  ,  deixafsem  a  expugnaçaô  ,  e 
trataísem  fó  de  vencer  a  batalha. 

Tomada  eíta  reíbluçab ,  e  diítribuidas  as  ordens,. 
fahio  o  exercito  de  Eítremoz  a  vinte  e  dous  de  Mayo  : 
conítava  de  onze  mil  Infantes  pagos  ,  e  Auxiliares,  di- 
vididos em  vinte  e  hum  efquadroens  ,  e  de  três  mil 
cavallos  ,  repartidos  em  íefsenta  e  quatro  batalhoensjde 
quinze  peças  de  artilharia  com  todas  as  muniçoens  ne- 
cefearias  ,  de  carros  cobertos  ,  cavallos  de  friza,  ferra- 
mentas ,  e  todos  os  mais  inítrumentos,  de  que  depen- 
de a  maquina  volante  de  hum  exercito,  que  nao  in- 
tenta expugnaçaô  de  Praças.  Era  Governador  das  Ar- 
mas o  Conde  de  Villa-Flor  aífiítido  idos  Cabos  já  referi- 
dos: compunha-íe  a  vanguarda  da  Infanteria  de  nove 

efqu^ 


PARTE  II.  LIVRO  VII I.        m 


,am- 


efquadrões,  marchava  no  lado  direito  o  Meírred* 
poSebaíliaõ  Corrêa  de  Lorvela  )  feguiãc-fe  Lourenço 
deSoufa  de  Menezes  ,  Miguel  Batbofa  da  Franca ,  Fer-  ] 
naõ  Mafcarenhas ,  Simaõ  de  Vaíconielos  ê  Sou  ia  ,  Tri- 
ítaó  da  Cunha,  Franeilco  da  Silva  de  Moura,  Joaõ  Fur- 
tado de  Me ndoça,  e  cerrava  o  lado  efquérdohum  re- 
gimento de  Inglezes  governado  pelo  Tenente  Coronel 
Thomás  Hut/Compunha-íea  iegundá  linha  de  oito  ef- 
quadroe ns ,  de  que  levava  o  lado  direito  o  Meftre  de 
Campo  Peto Çeíar  de  Menezes ,  (  primo  de  Pedro  Ce- . 
far  de  Menezes  ,  que  fervio  de  General  da  Cavallaria 
do  Minho; )  luccediaõ  os  Meftres  de  Campo  D.  Diogo 
de  Faro,  Jaques  Alexandre  Tolon  ,  Alexandre  de  Mou- 
ra ,  Martim  Corrêa  de  Sá  ,  Joaó  da  Coita  de  Brito  ,  Ma- 
noel Ferreira  RebelJo  ,  fechando  o  lado  eíquerdo  o  re- 
gimento de  Inglezes  do  Coronel  D.  Diogo  Apsley.For- 
mavaó  a  referva  os  Terços  doMeítre  de  Campo  Paulo 
de  Andrade ,  Lourenço  Garcez ,  e  António  da  Silva  de 
Almeida.Guarneciaó  a  primeira  linha  de  Infa  ateria  trin- 
ta batalhoens  de  Cavallaiia  divididos  igualmente  nos 
lados  direito  ,  eefqwerdo;  eafegunda  linha  igual  nu- 
mero na  mel  ma  forma  ,  ficando  quatro  na  referva  ♦  que 
cobriaõ  as  vedorias ,  e  bagagens ;  no  lado  direito  da  Ca- 
vallaria marchava  o  leu  General  Diniz  de  Mello  .  e  Ca* 
ftro,  e  o  Tenente  General  D,  João  da  Silva;  no  eí- 
querdo da  mefma  linha  Manoel  Freire  de  Andrade  Ge- 
neral da  Cavallaria  da  Beira  ,  que  fe  encorporou  ao 
exercito  com  quinhentos  cavallos  no  fegundo  dia  da 
marcha»  A  fegunda  linha  fe  encomendou  no  lado  direi- 
to ao  Tenente  General  D.  Manoel  Luiz  de' Ataíde,  no 
efquerdo  ao  Tenente  General  da  Cavallaria  D.  Marti- 
nho da  Ribeira.  Os  quatro  batalhoens  da  Cavallaria  da 
referva  governa  vaõ  alternativamente  os  Com  mi  fsa  rios 
geraes  Mathias  da  Cu  nha- ,  Joaó  do  Crato  de  Affonfe- 
ca  ,  Duarte  Fernandes  Lobo, , -António  de  Siqueira  y  Go- 
mes Freire  de  Andrade  ,  D.  António  Maldonado  ,  Gon- 
ialo  da  Coita  de  Menezes,  es  primeiros  da  Cavallaria 
de  Alentejo,  os  dons  que  fe  feguem  da  Provinda  da 
JBeira ,  o  ultimo  do  Troço  de  Lisboa  ,  e  diitribuiaó  as 

H  ordens 


ii4  TORTUGJt  VlESTAV&ADÒ; 

A  nnn  orclens  P<>r  todo  °  corpo  de  Cavallaria.  Na  vanguarda 
/vnn  da  Infantería  afilia  Affonfo  Furtado  de  Mendoça  ,  na 
1 66},  retaguarda  o  Conde  da  Torre ,  que  alcançarão  permif- 
faod4ElRey  para  fervirem  no  exercito  o  tempo,  que 
Eftremoz,e  Campo-Mayor  nao  dependefsem  da  fua  af- 
fiítencia.  O  Conde  de  Villa-Flor,  e  o  de  Schomberg  af- 
fifiidos  dos  Sargentos  Mores  de  Batalha ,  e  mais  Qíiiciaes 
de  ordens ,  e  o  General  da  Artilharia  ,  ficarão  dei  emba- 
raçados ,  para  acodirem  a  remediar  os  accidentes  ,  que 
fobreviefsem. 

Na  forma  referida  fahio  o  exercito  de  Eftremoz  a 
peleijar  com  os  Caftelhanos  na  fuppohçaõ  de  os  achar, 
contendendo  com  osdefenfores  de  Évora,  e  aaefperan- 
ça  de  confeguir  muito  felice  fucceíso  •,  porque  o  exer- 
cito de  Caítella  ,  fe  era  fuperior  em  o  corpo  de  Caval- 
laria ,  era  inferior  em  o  numero  da  Infa ateria  ,  nafup- 
pofiçaõ  de  peleijar  a  guarnição  de  Évora*,  fitiava  huma 
Praça  no  coração  da  Proviacia:  de  Alentejo  ,  diftante 
quinze  legoas  da  Praça  fronteira  ,  que  lhe  ficava  mais 
vizinha  ,  e  rodeada  de  muitas  nofsas  bem  fortificadas  , 
e  guarnecidas  vera  precifo  fuftentar-fe  dos  mantimen- 
tos que  conduzira  *,  parque  os  poucos,  que  ha  via  õ  fi- 
cado na  Campanha ,  nao  lhe  podiaó  fer  úteis  á  vifta 
do  nofso  exercito.  D.  João  de  Auftria  nao  eíperava  ioc- 
corro  algum  ?  porque  os  de  Itália  ,  e  Alemanha  fe  acha- 
vaõ  embaraçados  com  as  diíferenças  entre  o  Pontífice, 
eElRey  de  França  •,  os  de  Galliza  não  queria  difpenlar 
D.  Balthafar  Pantoja  ,  mais  amante  dos  léus  progrefsos, 
que  das  vitorias  de  D.  João  de  Auftria.  Nas  tropas  de 
Ciudad^Rodrigo  podia  haver  menos  delconfiança  ,  por- 
que as  operaçoeíis  do  Duque  de  Ofsuna  ,  pela  lua  dil- 
graça  não  podiáo  fer  bem  fuccedidas- ,  e  ainda  que  pu- 
defsem  fer  verdadeiras  todas  eftas  dificuldades,  não  era 
poííivel  unirem-fe  foccorros  ao  exercito  ,  interpondo-fe 
quinze  legoas  entre  Évora  ,  e  as  fronteiras  de  Caítella 
occupadas  de  hum  exercito  poderofo  ;  e  eftas  diíficul- 
dades,  que  embaraçavao  os  foccorros  dos  Caftelhanos  > 
fàcilitavaõ  o  augmento  das  nofsas  tropas ,  que  todos  os 
dias  fe  multiplicavaó  com  os  foccorros  de  todo  o  Rey- 

no; 


PJRTE  II  LWKO  VIU.      ti ij 

no»  e  aomefmo  pafso  fe  haviaô  do  diminuir  is  dos  AnHO 
Gaftelhanos  nos  aproxes  ,  e  trabalho  do  íitio  ,  achando     ^ 
nos  dereníbres  conítancia  para  o  dilatar.  Os  aloja  me  n-  IC,"3* 
tos,  que  o  exercito  havia  deoceupar,  todos  erao fa- 
voráveis ,  e  difpoílos  á  em  preza  a  que  caminhava  ;  por- 
que o  primeiro  era  na  alta  eminência  de  Evo ra-Monte 
guarnecida  com  quinhentos  Infantes,  e  governada  por 
Paulo  de  Andrade  ,  que  havia  repulfado  com  muito  va- 
lor os  ameaços,  eonertas  de  D.  joaõ  de  Auílria. 

No  íegundo  dia  da  marcha  íe  havia  de  aquartelar 
o  exercito  iobre  o  Degebe  ,  rio  ,  que  nafcendo  na  Ser- 
ra de  Oísa  ,  depois  de  regar  toda  aquella  fértil  Campa- 
nha >  entra  no  Guadiana  junto  a  Monçaraz  ,  e  corre 
huma  legoa  diílante  de  Évora  •  e  fuccedendo  levantar 
D.  Joaó  de  Auítria  o  lítio  ,  e  paísar  o  Degebe,  inten- 
tando peleij ar  com  o  noíso  exercito  ,  occupando o  alo- 
jamento de  Evora-Monte  ,  lográvamos  humaventagem 
infuperavel  ,  defendendo  a  fubida  daquelle  afpero  mon- 
te; e  perfeverando  os  Caítelhanos  no  fitio  ,  que  era  a 
reíblução  mais  veroíimel ,  determinávamos  paisar  o  De- 
gebe em  parte  ,  que  não  podia  recear-fe  a  oppoíieão  , 
e  levantar  hum  quartel  na  margem  do  rio  ,  para  íe  re- 
colherem nelle  muniçoens  ,  e  mantimentos  ,  que  a  eíte 
fim  fe  conduzirão  deEílremoz  a  Evora-Monte  ,  que  fi- 
cava pouco  diftante  deite  alojamento.  Confeguido 
eíte  intento  ,  e  deixando  eíte  quartel  bem  guarneci- 
do havíamos  de  levantar  outro;  fem  mais  diílaiicia 
deíle,  que  hum  quarto  de  legoa*,  eneíla  forma  íeha- 
vião  de  ir  avançando  os  alojamentos  até  ficar  o  exerci- 
to tão  perto  dosCeílelhanos ,  que  quando  deliberal- 
fem  atacar  a  batalha,  fofse  com  o  inconveniente  da 
fortida  da  Praça  ,  e  com  o  perigo  de  os  poder*  rebater, 
peleijando  fortificados',  e  íe  o  receyodetão  arrifcado 
empenho  osobrigafse  a  fuípender  eíta  determinação, 
muito  mais  perigofa  feria  a  de  continuar  o  íitio  abrin- 
do brechas  ,  e  dando  afsaltos  a  huma  Cidade  grande,  de- 
fendida de  prefidio  numeroíb  á  viíla  de  hum  bellicoíb  ' 
exercito  reíbluto  a  pelejar  ,  e  que  na  6  adiava  linhas  , 
que  romper  no  interior  de  huma  Provincia  armada ,  on- 

H|  de 


\ 


II 

!; 

%66y 


\  m 


■v 


1 1 6     PORTUGAL  RESTAURADO; 

AnilO  de  naõ  poderia  õ  os  Caílelhanos  em  qualquer  infortúnio 
"ter  mais  confequencia  ,  que  o  da  prizaõ  ,  ou  o  da  mor- 
te) eiuppoílo,  que  eílesdHcurfos  podiaõ  ,  como  hu^ 
manos ,  íerenganoíos,  principalmente  fundando-feem 
íuccefsos  da  guerra,  em  que  a  fortuna  impera  com  alve- 
drio mais  infolente ,  era  íem  duvida  ,  que  todos  os  dif- 
curfos  anticipados,  permanecendo  a  conítancia  dos  de- 
fenfores  de  Ev©ra,prognoílicavaõ  a  ruina  dos  Caílelha- 
nos :  porém  no  íegundo  dia  da  marcha  íe  defvaneceraõ 
todas  as  referidas  efperanças  >  porque  chegando  a  Evo- 
ra-Monte  ás  dez  horas,  da  manhãa  a  vanguarda  do  ex- 
ercito ,  refoluto  a  pelejar  na  confiança  de  naõ  haver 
alguma  noticia,  que  iníiuuafse  a  infelice  deliberação  dos 
fitiados  ,  chegarão  ao  exercito  D.  Luiz  da  Coita ,  e  D. 
Pedro  Opelíinga  5  que  íahiraõ  rendidos  de  Évora,  entre-, 
gue  a  D.  joaó  de  Àuílria  com  pouco  honrada  defenfa  > . 
e  menos  honrofas  capitulaçoens  ,*  porque  havendo  D. 
Joaõ  difpoíto  as  baterias ,  e  encaminhado  os  aproxes 
aos  lugares  já  referidos  ,  havendo  os  íitiados  largado 
femoppofiçao  os  Conventos  dos  Remédios  ,  e  Carmo  ,* 
que  pudera  õ  pleitear  os  dias  precifos  para  a  chegada  do 
foccorro,  le  adiantarão  os  aproxes  até  defemboearem. 
as  minas  nas  muralhas  ,  fem  haver  fortida  ,  que  os  de- 
tiveíse ,  nem  contramina,  que  as  defvanecefse  ,  deraó 
fogo  ás  minas ,  e  voando  hum  grande  lanço  de  mura- 
lha, ficou  aberta  huma  dilatada  -brecha  ,*   perigo  a  que 
acodiraõos  fitiados,  pertendendo  defendella  com  huma 
mal  fabricada  cortadura,  Uniraõ-jfe  a  eítes  infelices  ef- 
feitos  perigoías  confufoens  domeíticas  ,*  que  acabarão 
dcdeilruir  toda  a  conftancia  dos  fitiados.  Adoeceo  Ma- 
noel de  Miranda  ,  e  tocando  o  governo  ,  e  defenfa  da 
Praça  a  D.Pedro  Opeííinga ,  começou  a  defcobrir  in- 
duítrias ,  e  fubtilezas ,  que  manifeífcavaõ  naõ  querer 
ceder  o  governo ,  nem  empenhar-íe  no  perigo  ,•  porque 
efcuiândo-fe  da  diiiribuiçaõ  das  ordens,  infundia  as  in- 
íinuaçoens  do  temor ,  efpaihando  ,  que  naõ  alcançava 
quartel  o  prefidio,que  efperava  afsalto  com  brecha  aber- 
ta *•  engano  ,  quefó  podiaõ  crer  os  ignorantes  das  bem 
fundadas  leys  da  guerra  ,•  e  a  eíta  fimulada  negoceaçaõ 

jun- 


PARTE  II  LIVRO  VIU.        iij 

juntou  a  de  lêr  em  publico  vários  papeis  de  D.  Joaò  de  AfMO 
Auftria  ,  que  continhaõ  largas  promefsas,  e  eftrondofos     ,* 
ameaços  ,  que  occafionaraõ  em  huns  temor,  e  em  ou-  I0"J# 
tros  ambição  j  e  todos  embaraçodos  ,  e  conflitos  ( naó 
bailando  as  diligencias  do  Conde  de  Vimiofo  ,  D.  Luiz 
da  Cofta,  Manoel  de  Soufa  de  Gaítro,  e  outros  Officiaes 
valorofos  ,  que  defejavaõ  expor  a  vida  pela  defenía  da 
Cidade )  fe  entregarão  a  D.  Joaõ  de  Auftria  as  portas 
delia  com  capitulaçoens ,  de  que  o  Governador,  eOf- 
flciaes  palsariaõ  ao  nofso  exercito  com  huma  peça  c'e 
artilharia  ,  algumas  muniçoens ,  e  bagagens  ,  três  rebu- 
çados ,  hum  dos  quaes  foi  D.  Pedro  Opeilinga ,  porque 
era  vaísallo  d'ElRey  de  Çaftella ,  os  Soldados ,  e  cavai- 
los  para  Caílella  até  o  fim  da  Campanha:  porém  a  en- 
trega dos  cavallos  fe  explicava  com  taõ  deítra  amphi- 
bologia,que  D.Joaõ  de  Auítria  os  julgou  por  perdidos, 
e  entrou  em  Évora  triunfando  da  infufficiencia  dos  fi- 
tiados  ,  e  foi  recebido  com  apparentes  demonítraçoens 
defeíla  }  porque  feparado  o  medo  dadifgraça,  conhe- 
cerão os  rendidos  a  fua  ruina. 

Nos  primeiros  dias  de  dominantes  fegiraõ  osCa- 
ftelhanos  a  politica  de  moftrar  aos  paizanos  de  Évora  a 
fuavidade  do  leu  império ,  para  que  efte  exemplo  faci- 
litafse  os  ânimos  dos  outros  Povos :  caftigavaõ  aquel- 
les  ,  que  os  oífendiaõ  ,  premiavaõ  os  que  fe  lhes  mo- 
ítravaó  afFecfuofos ,  e  fem  repugnância  permittiaó  ,  que 
pudefsem  fahir  da  Cidade  com  familias  ,  e  alfayas  todos 
aquelles  moradores,  que  fequizeisem  ifentar  do  feu 
dominio.  Foi  o  primeiro  o  Conde  de  Vimiofo  ,  deípre- 
zando  generofamente  as  offertas,que  lhe  mandou  fazer 
D.  Joaõ  de  Auftria  5  e  moftrando  ,  que  a  fidelidade  her- 
dada de  íeus  Avós  era  o  attributo  mais  próprio  do  feu 
illuftre  fangue.  Seguio-fe  ao  Conde  Fr.  Luiz  de  Soufa 
Abbade  de  Alcobaça  da  Ordem  de  S.  Bernardo  ,  Gover- 
nador daquelle  Arcebifpado  ,  e  tio  do  Conde  de  Caftel- 
lo-Melhor,  e  outros  moradores,Òbrigados  dos  excelsos, 
que  os  CafteJhanos  ,  fem  poderem  reprimir  o  ódio  re- 
concentrado  ,  começavaõ  a  executar,  Manoel  de  Miran- 
da pafsou  a  Lisboa  taõ  gravemente  enfermo ,  que  che- 

H  3  gou 


n  *     PORTUGAL  RESTAURADO  , 

Ànno  S011  ao  ultimo  período  da  vida  ;  osQíficiaes  de  guerra 
,\      na  forma  capitulada  entrarão  no  exercito  :  os  Toldados 

I66-J.  governados  pelos  Alferes  das  Companhias  ficarão  em 
Évora,  reduzidos,  comoíe  foraõ  priíioneiros  ,  a  hum 
breve  recin&o  ,  expoílos  á  inclemência  do  tempoY  def- 
pojados  do  cabedal  ,  que  tinhaô  ,  e  "fendo  alimentados 
com  huma  taò  pequena  porção  debifcouto  ,  que  mui- 
tos perderão  mi feravel mente  as  vidas  J  que  a  ferem  fa- 
crificadas  nadefenfa  de -Évora,  puderaò  eternizar  com 
mais  gloria. 

A  noticia  da  infelicidade  da  entrega  de  Évora  cau- 
fou   em  todo  o  exercito  incomparável  pena  j  porque 
quanto  mayor  era  o  alvoroço  de  a  foccorrer  ,  e  quan- 
to mais  infalliveis  pareciaõ  as  efpe ranças  de  fe  lograr 
eíte  intento  ,  tanto  mais  efiicaz  foi  o  fentimento  de  o 
ver  deívanecido  ,  e  expoíla  a  Provinda  dé  Alentejo  a 
manifeíla  ruiná.Sem  dilação  chamou  a  Confelho  o  Con- 
de de  Villa-Flor  ,  e  na  conferencia  foi  grande  a  varie- 
dade dos  votos.  Entendiaò  huns ,  que  males  grandes 
naõ  podiao  curar-fe  fero  remédios  violentos  ,  e  que  ne- 
íta  coníideraçao  era  precifo  arrimar-fe  o  exercito,  o  mais 
que  fofse  poífivel ,  ao  quartel  dos  inimigos  ,  com  o  fim 
de  lhe  impedir  os  foccorros  de  Caítella  ,  e  ascommo- 
didades  da  Campanha  j  e  que  fe  acafo  D.  Joaõ  de  Au- 
íhia  quizefse  dar  a  batalha  ,  ficaria  acreditada  a  opinião 
doReyno,  eoíucceíso  nas  mãos  da  fortuna.  Ènten- 
diaõ  outros,  que  fe  devia  caminhar  por  pafsos  ,  ainda 
que  mais  vagarofos,  mais  feguros,-  porque  fuppoíto, 
.    que  o  defejo  da  fatisfaçaó  da  perda  de  Évora  incitava 
os  ânimos  valorofos,  era  necefsario  antepor  os  intereí- 
fes  públicos  aos  affectos  particulares:   que  a  perda  de 
Évora  obrigava  a  fe  defvanecerem  todos  os  intentos 
de  foccorrella  ,  e  fazia  fufpender  a  marcha  do  exerci- 
to ,  porque  lhe  faltava  o  foccorro  do  numerofo  prefí- 
dio  ,  que  coníiderava  pelejando  5  e  que  expor  o  exer- 
cito a  dar  huma  batalha  fem  fim  precifo ,  feria  indif- 
culpável  temeridade :  que  havia  tempo  para  fe  pelei- 
jar  com  muitas  vantagens  ,  eíperando-fe  os  foccorros, 
que  fero  faltar  haviaó  de  acodirato do  o Reyntr,  evi- 
tando- 


PARTE  II  LIVRO  VIII.        u9 

tandofe  os  que  podiaó  chegar  a0s  Caílelhanos ,  eex-^nn0 
poudo-os  a  que  com  o  trabalho  ,  e  differença  docli-    ,, 
ma  padecefsem  as  doenças  ,  e  calamidades  tantas  vezes  1UU>* 
experimentadas  no  rigor  do  Sol  do  Eílio  naquellas  Cam- 
panhas. Foy  dos  que  ajudarão  com  grande  fervor  eíla 
opinião  o  Tenente  General  D.  Joaó  da  Silva  ,  e  fi  nalou 
para  o  alojamento  do  exercito  a  Villa  do  Landroal ,  di- 
zendo qué  ficava  em  igal  diltancia  de  todas  as  Praças 
de  Caítella ,  de  que  podiaõ  entrar  íoccorros ,  e  com- 
boys  no  exercito  inimigo.-que  ficávamos  cobrindo  Mon- 
çaraz  ,  Villa-Viçofa ,  Terena  ,  Praças  de  grande  cqn- 
fequencia  ,  e  cuidado  ,   aílim  pela  fua  pouca  defenia  , 
como  por  abrirem  pafso  a  communicarem  os  Caftelha- 
nos  as  fuás  Praças  com  a  de  Évora ;  diligencia  ,  de  que 
tanto  neceílitavaó  ,  que  ,  baldandofe-lhe  ,  ficaria  inútil 
a  fortuna  coníeguida  :  que  a  defenfa  de  Eítremoz  na- 
quelle  íitio  era  amais  certa:  que  os  comboys  de  to- 
das as  Praças  principaes  fe  receberiaõ  fem  riíco  i  e  que 
a  fertilidade  da  Campanha  ,  e  a  bundancia  de  aguas  ,  e 
ferragens  coníèrvaria  vigorofos  Toldados ,  e  cavallos; 
e  que  fubindo  a  imaginação  a  mais  alta  empreza  .  fe 
poderia  confeguir  ganhar  Olivença  por  afsalto,  mal 
guarnecida  ,  por  naõ  ter  receyo  de  próximo  perigo  ,  e 
Armazém  de  todos  os  mantimentos  ,  e  muniçoens  dos 
Caílelhanos-,  com  que  viríamos  a  confeguir  em  huma 
fó  acçaó  ganhar  a  Praça  mais  importante  ,  e  por  con- 
fequencia  Geromenha ,  e  Évora  ,  unicamente  animadas 
dos  foccorros  de  Olivença.  Ouvidas  as  razoens  de  D. 
Joaõ  da  Silva  ,  parecerão  taõ  bem  fundadas  ,  que  hou- 
ve poucos  no  Confelho  ,  que  as  contradifsefsem  ,  e  ap- 
provadaspelo  Conde  deVilla-Flor  ,  marchou  oexer- 
cito  para  o  Landroal,  alojamento,em  que  fe  experimen- 
tarão muito  mayores  commodidades  ,  das  que  fe  imagi- 
navaõ.  Promptamete  tratou  o  Conde  com  grande  fe- 
gredo  da  interpreza  de  Olivença,  crefcendo  as  efperan-  ínmu  0  cen- 
ças  de  confeguir  ,  por  íe  averiguar  ,  que  a  guarnição  de  âe  vilU-sior 
naõ  pafsava  de  trezentos  íoldados  ,  numero  taò  ixdc- z^r  oUvmy 
rior  á  defenfa  dos  muitos  baluartes  ,  e  cortinas  ,  de  que  ?"' 
aquella  Praça  fe  compõem,  que,  fendo  afsaltada  porva- 

H4  rias 


lio    PORTUGAL  RESTAURADO; 

Anno  rias  Partes  >  parecia  impoílivel  refííKr  a  tantos  impul- 
l66l    foS'  Dií*P0Z  oGsneaal  da  Artilharia  efcadas  ,  e  petar- 
*uu}"  dos  £-ê  todos  os  mais  inftrmnentos  para  a  interpreza; 
e  nao  havendo  mayor  dificuldade  para  o  exercito  mar- 
char a  coiileguilla  ,  que  efperar-fe  ,  que   Guadiana 
abaixafse  a  corrente  vígorofa  com  as  muitas  aguas  ,  que 
a  chuva  daquelles  dias  lhe  havia  augmentado  J  chegou 
avizo,  que  D.  João  de  Auítria  livre  da  oppofiçao  do  nof- 
fo  exercito  continuava  os  progrefsos  no  interior  da  Pro- 
vinda ,  fazendo  contribuir  todos  os  lugares  abertos  i  e 
Entrada  ã«s    animado  a  mayores  intentos  mandara  três  mil  cavallos, 
càfteibmos  até  e  dous  mil  Infantes  a  Alcacere  do  Sal ,  Villa  fituada  fo- 
^"'^^-breorioSado,  que  junto  á  Praça  de  Setúbal  defagua 
no  mar  Oceano  ,  perfuadido  ,  a  que  a  vifinhança  das 
fuás  tropas  fomentafse  o  defafsocego  ,  que  em  Lisboa 
havia  occaíionado  a  perda  de  Évora  j  porque  írrritado  o 
Povo  deita  dtfgraça,  e  incitado  do  indifcreto  zelo,  com 
que  o  Secretario  de  Eítado  António  de  Soufa  de  Ma- 
cedo (defejando  que  fe  accrefcentaíse  o  numero  da  gen- 
te  ,  que  fe  preparava  para  foccorret  o  exercito  )  man- 
dou lançar  huma  linha  no  meyo  do  Terreiro  do  Paço  , 
fazendo  publicar,  que  todos  aqueiles  ,  que  valorofõs  a 
pafsafsem  para  aparte  do  Paço,  feriaó  efcolhidos  no 
íòccorro  do  exercito  para  a  liberdade  da  Pátria  >  e  con- 
correndo innumeravel  Povo  ataó  defuíada   gravida- 
de ,  fem  mais  difcurfo  ,  que  a  ferocidade  natural ,  com 
que  coítuma  precipitar  todas  as  íiias  acçoens  ,  occu- 
paraõ  o  ar  defordenadas  vozes  ,  trocando-feoimpul- 
fo  da  defenía  do  Reyno  em  intuito  violento,  einíb- 
AUeraçAí  à»   lentes  operaçoens \ porque pafsando  do  Terreirodo  Pa- 
íovo  de  zJjím.  ço  ao  dos  Arcebifpos ,  em  que  vivia  Sebaltiaó  Cefar , 
á  cafa  do  Marquez  de  Marialva ,  e  á  de  Luiz  Mendes 
de  Elvas ,  rompendo  as  portas  ,  afsaltando  as  janellas , 
desbaratarão  a  mayor  parte  do  preciofo,  que  havia  den- 
tro ,  fem  caufar  horror  o  efpeítaculo  da  multidão  dos 
amotinados  mortos  da  hydropeíia  da  fua  própria  ambi- 
ção %  e  de  todo  fe  deftruiraõ  as  cafas  referidas ,  e  outras 
muitas , .  que  a  barbaridade  do  Povo  ameaçava ,  a  naõ 
íe  oppôr  o  impenetrável  -efcudo  da  Nobreza ,  que  na 

alma 


PARTE  II.  LIVRO  VIU.       121 

alma  da  Republica  opera  com  .as  attençoens  do  enten-  Armo 
dimento  ,  coílumando  reprimir  o  Povo  ,  que  exercita  as 
deíbrdens  da  vontade  por  eílabelecidos  documentos  da  *66j, 
memoria  ,  fendo  hum  dos  principaes  authores  deita  re- 
foluçaó  o  Conde  de  Caílello- Melhor  :  e  rompendo  o 
Conde  deSarzedas  em  cafa  do  Marquez  de  Marialva  por 
todo  o  furor  do  Povo  com  valorofas  acçoens  ,  intenta- 
va acudir  ao  perigo  da  Marqueza  de  Marialva  ,  e  fuás 
filhas  ,  que  antecipadamente  fe  haviao  retirado  ao  Con- 
vento da  Efperança.  Porém  ainda  que  em  breves  ho- 
ras fe  íocegou  o  motim ,  naõ  pafsaraõ  muitas ,  fem  que 
D.  Joaõ  de  Auítria  tivefse  avizo  das  intelligencias  ,  que 
o  interefse,  eo  receyo  lhe  haviao  facilitado  em  Lisboa* 
€  por  eíte  movimento  mandou  a  Alcacere  as  tropas  re- 
gridas com  ordem ,  que  fe  valefsem  do  beneficio  do 
tempo  ^  e  conduzifsem  ao  exercito  os  mantimentos,que 
fofse  poííiveli  e  a  noticia  deíra  marcha  obrigou  ao  Con- 
de de  Villa-Flor  a  mudar  de  intento  na  interpreza  de 
Olivença,  confiderando  ,  que  as  aguas  de  Guadiana  fe 
achavaõ  ainda  invadeaveis  j  que  o  fuccefso  da  facção 
era  incerto  ,  e  o  damno  da  Provinda  irreparável  ;e  que 
na  divifaõ  das  tropas  Caírelhanas  fe  poderia  achar  con- 
juntura taõ  proporcionada,  que  pudefse refultar delia 
algum  fuccefso  felice;  animando  efta  reíoluçaõ  haver 
chegado  da  Beira  o  Meltre  de  Campo  General  Pedro 
Jaques  de  Magalhães  com  dons  mil  e  quinhentos  Infan- 
tes ,  e  quinhentos  cavallos ;  e  levados  delias  pondera- 
^oens  os  mais  Cabos  ,  e  Officiaes  mayores  do  exercito, 
perfuadidos  juntamente  das  repetidas  ordens  d' ElRey^ 
e  vivas  inítancias  do  Conde  de  Caitel  lo- Melhor ,  que 
abrigava©  ao  Conde  de  Villa-Flor  a  pelejar  com  os  Ca- 
itelhanos ,  advirtindo-o  ,de  qne  o  Marquez  de  Marial- 
va havia  paísado  a  Aldeã  Gallcga  a  formar  outro  novo 
exercito  4  marchou  o  Conde  de  Villa-Flor  do  alojamen- 
to do  Landroal  o  primeiro  de  Junho  ,  havendo  encor- 
porado  íis  guarniçoens  de  todas  as  Praças ,  que  fem  pe- 
rigo podia©  difpenfalas;  e  partindo  por  ordem  d'El~ 
Rey  a  aíliíUr  em  Elvas  o  Conde  do  Sabaigal ,  para  que 
afuapef&oa  feguraíse  atjuella  Praça ,  e  o  feu  cuidado, 


te      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  as  £lUe  ^ie  ficayaô  viíinhas  ,  das  nove  tropas ,  que  fe  eu-» 
corpora vaõ  em  Badajoz. 

I063.         gem  contradicçaõ  continuou  o  exercito  dous  dias  a 
marcha  ,  e  íem  embaraço  paisou  o  Degebe  ao  terceiro,, 
e  pareçeo  viftofa  ,  e  militarmente  formado  em  batalha 
na  Campnha  do  Rego  da  Vargea  ,  diítante  meyalegoa 
de  Évora  ,  e  por  lhe  ficar  o  inimigo  na  frente ,  marcha- 
va de  coitado.  Tocou  a  vanguarda   ao  lado  efquerdo, 
e  confervavaõ  os  Terços  ,  e  batalhoens  de  Cavallaria 
os  lugares  ,  que  no  primeiro  dia  da  marcha  fe  lhe  ha-  ' 
viaô  íignalado  ,  e  o  Conde  deSchomberg  com  emula* 
çaõ  generoía  de  haver  de  obfervar  D.  joaõ  de  Auftria 
a  compofiçaõ  da  marcha  ,  empenhou  todas  as  attençóes 
na  regularidade  delia  ,  cobrindo  toda  a  Campanha  cor- 
pos de  Infantaria  ,  e  Cavallaria  com  tanta  proporção  , 
que  naõ  havia  entre  huns,  e  outros  penetrável  defigual- 
dade.  Oito  peças  de  artilharia  feguiaõ  na  linha  da  van- 
guarda o  ultimo  batalhão  de  Cavallaria  ,  fete  o  ultimo 
troço  de  Infanteria  :  as  bagagens  ,  que  marcha vaõ  na 
redaguarda  da  fegunda  linha  ,  cobria  a  referva.  Os  Ca- 
ílelhanos  ,  fuppoílo  que  eftavaõ  taõ  vifmhos  ,  naõ  íe 
deixava  õ  divifar ,  porque  D.  Joaõ  de  Auílria  formou  o 
exercito  em  íitio  coberto  das  obíervaçoens  dos  nofsos 
exploradores.  Antes  de  anoitecer  nos  achamos  no  cen- 
tro da  Campanha  do  Rego  da  Vargea.  Fez  alto  o  exer- 
cito ,  e  voltando  as  caras  ficou  de  fronte  de  Évora  for- 
mado em  batalha  ,  determinando  o  Meítre  de  Campo 
General ,  que  neíla  ordem  pàfsafse  a  noite  ,  entenden- 
do ,   que  na  Campanha  raza  com  os  inimigos  vifinhos 
naõ  podia  haver  alojamento  mais  feguro  ,  que  a  forma 
da  batalha.  Naõ  fe  fatisfez  o  Conde  de  Villa-Flor  deita 
diípoíiçaõ  ?  pela  naõ  haver  praticado  naEfcola  de  Flan- 
dres ,  èm  que  aprendera  ,  nem  na  guerra  de  Portugal , 
que  *havia  continuado  ,  tendo  fó  por  eílylo  inviolável 
alojarem  os  exércitos  de  noite  ,  valendo-íè  das  defen- 
fas  dos  terrenos  com  a  Cavallaria  no  centro  da  Infanta- 
ria 5  e  por  eíte  refpeito  ordenou  ao  Conde  de  Schom- 
berg  ,  que  cobrindo  o  exercito  com  os  carros  das  baga- 
gens ,  os  guarnecefse  de  Infanteria ,  para  que  de  noite 

a  Ca- 


VJKTE  II.  LIVRO  VIII.        123 

-aCavallaria  íicãfse  defendida.  Replicou  o  Conde  de 
Scomberg  ,  dizendo  ,  que  elle  avaliava  por  manifefto 
o  perigo  do  exercito  naquella  forma  de  alojamento  ,  e 
que  obrigado  deíle  diícuríb  ,  naó  queria  ler  executor 
de  taó  remediavel  empenho  •,  e  que  os  Sargentos  Mo- 
res de  Batalha  poderiaó  dar  á  execução  aquella  ordem. 
Deu-lha  o  Conde  -,  porém  elles  convencidos  de  mayor 
razaõ  o  difsuadiraó  deite  intento  ,  epaísou  o  exercito 
&  noite  formado  em  batalha.  Os  Caffcelhanos  attenros 
fó  ao  deíejo  de  encorporaremas  tropas,  que  haviao  paf- 
fado  a  Alcaceremaó  fizeraõ  de  noite  movimento  algumj 
novidade, que  poz  em  mayor  difvello  ao  General  da  Ar- 
tilharia ,  prefumindo  ,  que  para  o  quarto  da  Alva  po- 
diaó  refervar  o  combate  ■,  e  com  eíle  fentido  rondou 
toda  a  noite  ;  e  obfervando  que  naõ  fó  os  foldados , 
mas  a  mayor  parte  dos  Officiaes  fe  deixa vaõ  vencer  do 
íomno,  que  nos  perigos  da  guerra  repre lenta  com  a 
mayor  propriedade  o  retrato  da  morte  ,  fez  montar  va- 
rias partidas  com  ordem  ,  que  a  eí paços  tocaísem  até 
amanhecer  vivamente  arma  por  todos  os  lados  do  exer- 
cito ,  para  que  naó  houvefse  inftante ,  em  que  a  reío- 
luçaõ  dos  Caftelhanos  podefse  triunfar  do  nofso  dei* 
cuido. 

D.  Joaõ  de  Auílria  incefsantemente  defpedio  toda  a 
noite  avizos  ao  Tenente  General  da  Cavacaria  Malsa- 
cane  /Cabo  das  tropas  ,  que  pafsaraõ  a  Alcacere  ,  que 
íeretiraíse  com  toda  a  diligencia.  Haviao  ellas  execu- 
tado em  Alcacere ,  onde  naó  achavaõ  reíiftencia  ,  bár- 
baros iníultos,  eMaísacane  logo  que  lhe  chegarão  as 
apertadas  ordens  de  retirar-fe  ,  parecendo-lhe  perigo!  o 
dar  lugar  a  que  o  nofso  exercito  lèalojafse  entre  Évo- 
ra ,  e  as  Alcacevas  ,  diíhidTo  por  onde  tiecefcariameiíte 
haViaô  de  paísar  ,  mandou  largar  aos  foldados  toda  a 
preza  ,  que  traziaô;  e  antes  de  amanhecer  ,  chegou  a 
Valverde ,  Covento  de  Capuchos  ,  diítante  huma  le* 
goa  de  Évora.  Teve  o  Conde  de  Villa-Hor  efta  noticia, 
e  reconhecendo  baldado  o  intento,  com  que  marchara, 
por  naó  fer  já  poflivel  pelejar . contos  Ca  ítelh  a  nos  divi- 
didos ;  tanto  que  anaanfieeeo  mandou  retroceder  a  rmx- 

chã 


An  no 
1663. 


I ' 


•114     rORTUGJL  RESTAURADO, 

Anno  eh  a  do  dia  antecedente  i  eobfervando-fe  a  mefma  or-* 
\6(i  ^em  at(^ieSar  ao  Degebe  ,  fe  deícompoz  de  forte  na 
/'  paisagem  do.  rio  ,  que  feexpuzera  a  evidente  perigo, 
fe  D.  joaÔ  de  Auílria  tivera  ,  como  devia  ,  avançado  o 
corpo  da  Cavallaria,  era  que  eraíuperior  ,  a  obfervar 
os  acci dentes  ,  que  liaviaõ  de  fucceder  na  paisagem  de 
hum  rio  ,  ainda  que  pequeno,  taõ  alcantilado  ,  que  naÔ 
fe  deixava  vadear  mais ,  que  por  dous  eílreitos  portos; 
e  os  Generaes  nunca  fe  immortalizaraô ,  fe  naó  com  as 
obíervaçoens  deíles  accidentes.  Livres  deite  embaraço* 
acabamos  depafsar  o  Degebe  ástreslioras  da  tarde  ,  e 
começando  o  Conde  de  Schomberg  adifpor  o  quartel 
na  margem  do  rio  ,  parecerão  da  outra  parte  delle  os 
primeiros  batalhoens  da  vanguarda  do  exercito  de  Ca- 
ítella -,  porque  D, Joaõ  de  Auílria  ao  mefmo tempo, 
que  chegarão  as  tropas  de  Alcacere  ,  marchou  a  occu- 
par  com  todo  o  exercito  as  mefmas  eminências  fobre 
o  Degebe,  que  poucas  horas  antes  haviam  os  largado, 
conílando-lhe  que  os  moradores  de  Évora  alegres  mur- 
muravaõ,  queelle  receava  o  confUclo  ,  que  tanto  ha- 
via moílrado  appetecer.  Deixou  na  Cidade  pequena 
guarnição  ,  e  mandou  fabricar  huma  plataforma  na 
eminência  mais  viíinha  ao  nofsoalojamento,de  que  co- 
meçarão a  jogar  ,  quando  cerrava  a  noite ,  quinze  pe- 
ças de  artilharia. 

O  Conde  de  Schomberg  melhor  prevenido,  que 
D.Joaõde  Auílria  para  os  fuccefsos  futuros,  reconhe- 
cendo ,  que  o  intento  de  D.  Joaõ  de  Auílria  ,  era  fazer 
dos  fogos  do  noíso  alojamento  alvo  do  combate  de 
hum  incêndio  contra  outro  incêndio  •,  montou  acaval- 
lo,e  o  General  da  Artilharia  com  os  Officiaes  de  ordens, 
e  Forrieis  dos  Terços  com  as  bandeirolas ,  e  antes  que 
cerrafse  a  noite  ,  as  fez  balizas  de  novo  alojamento  „ 
diílante  pelo  rio  acima  mil  pafsos  do  que  já  occupa va- 
mos ,  reduzindo  a  três  linhas  o  corpo  de  Infanteria  , 
.porque  pedia  eíla  forma  o  terreno  ,  que  eraafpero,  e 
montuoíb  :e  o  General  da  Artilharia  havendo  reconhe- 
cido em  larga  diílancia  toda  a  margem  do  rio  ,  fez  elei- 
ção de  três  montes  ,  e  em  cada  hum  delles  poz  cinco 

peças 


TJRTE  11.  LTVKO  VIL       12 j 

peças  de  artilharia  ,  que  fe  cruzavaó  humas  a  outras  ,  Anil  O 
para  que  no  dia  íeguinte  naõ  houvefse  parte  no  exerci-  .  . 
to  inimigo  ,  que  naó  padeceíse  os  damnos  deíla  militar  Io0  3. 
tormenta  ,•  e  porque  os  Caílelhanos  nao  tinhão  mais, 
que  dous  portos  para  poderem  paisar  a  Ribeira  ,.•  forti- 
ficou o  Conde  de  Schomberg  o  do  lado  direito  com  qui- 
nhentos moíqueteiros  ,  e  a  maior  parte  da  C  avalia  ria,* 
oefquerdo  com  hum  Regimento  delnglezes,  e  qui- 
nhentos cavallos  á  ordenído  General  da  Cavallaria  Ma- 
noel Freire.  Logo  que  cerrou  a  noite  marchou  o  exer- 
cito com  grande  íilencio  a  occupar  os  poilos  figna  la- 
dos ,  e  ficarão  os  fogos  acceíòs ,  e  as  tendas  levantadas, 
fervindo  de  inútil  emprego  ás  baterias  dos  Callelhanos 
todo  o  tempo  ,  que  durou  a  noite  ,  com  grande  íatis- 
fação  do  exercito  em  agradecimento  do  beneficio  devi- 
do ao  Conde  de  Schomberg  ,  por  haver  livrado  com  a 
lua  prudência  muitas  vidas  do  perigo  da  morte  :  e  o 
General  da  Artilharia  não  permittio  ,  em  quanto  naõ 
amanheceo  ,  que  as  baterias  jogaisem  ,  porienaõma- 
nifeltar  a  mudança  do  quartel. 

A  manhâa  de  cinco  de  junho  defcobrio  aos  Calle- 
lhanos o  engano,  que  lhes  occultavão  as  ÍÒmbras  da  noi- 
te ,  e  começou  a  dar  glorioíos  principies  ás  maiores  fe- 
licidades de  Portugal.  Reconhecemos  com  a  primeira 
luz  ,  que  os  inimigos  vinhão  demandar  os  dous  portos 
da  Ribeira  com  demonílraçoens  de  quererem  palsalla ,  htentaõ  osc* 
e  atacar  o  exercito  no  íitio  que  oceupava.  Era  elle  tão  fitihana  paffar 
ventajoíb  ,  e  a  difpofição  tão  regular ,  que  em  todos  os  eíie  "*■ '  Ka°* 
Soldados  íe  reconhecião  alegre  annuncios  da  vidtoria.  ""iT^JtT 
Quaíi  ao  melmo  tempo  invellirão  os  Callelhanos  os  itnte. 
dous  portos ,  porém  em  ambos  acharão  valoroía  refi- 
ílentia,  e  no  que  ficava  nolododjreito  fe  particulari- 
zouDJoão  da  Silva  ?  affi  Ilido  dos  Capitaens  Jorge  Fur- 
tado de  Mendoça  ,  Jácome  de  Mello  ,  e  Manoel  Pache- 
co bolado  cíquerdo  foi  mais  forte  c  combate,  por 
fer  mais  fácil  a  paisagem  ,•  rrasfella  mais  diííicil  a  vi- 
goroía  dçfenla ,  que  encontrarão  em  Manoel  Freire ,  a 
quem  foccorrerão  Diniz  de  Mello  ,  e  os  outros  Cabos. 
JSandou  D.  Jo&o  de  Auítria  por  varias  vezes  esforçar  o 

con> 


ná     PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnilO  combate  com  novas  tropas :  porém  reconhecendo,  que 
.  .      a  oppofiçao  das  nofsas  era  impenetrável ,  mudou  de  iu- 

I063»  tento,  mas  taó  vagaroíamente  ,  que  os  inílantes  lhe 
multiplica  vaô  os  perigos  \  parque  a  artilharia  ailiílida 
do  leu  General  jogava  furiofamente  das  três  baterias, 
eera  taò  grande,  e  manifeíto  o  eíFeito ,  que  íè  naó 
defpediabala  fem  conhecido  prejuizo  dos  Caílelhanos} 
porque  o  General  igualmente  caíligava  ,  e  premiava : 
e  ferviaõ  de  deículpa  aos  perigos  deita  vaidade  os  ex- 
emplos de  Júlio  Cefar  nos  íeus  Commentarios  :  Rotiiio, 
e  Efcauro  ,  celebrados  os  dous  de  Cornelio  Tácito  pela 
liberdade  ,  com  que  ííelm ente  referirão  as  acçoe as  pró- 
prias: D.  Carlos  Coloma  ,  Monluc  ,  e  Henrique  Cata- 
rino de  Ávila,  e  outros  memoráveis  Authores  da  Hiilo- 
ria  antiga  ,  e  moderna ,  por  fer  preciíb  ,  que  a  verda- 
de delia  igualmente  fe  diílribua.  D.  Joaõ  de  Auílria  re- 
conhecendo o  inútil  perigo,  a  que  expunha  todo  o 
exercito  ,  deu  ordem  que  marcha fse  ,  voltando  as  caras 
ao  lado  efquerdo  ,  e  por  naó  eílragar  a  reputação  ,  o 
naó  quiz  defyiar  da  margem  dó  rio7  Reconhecida  eíta 
valoro fa  ,  e  temerária  deliberação  /  ordenou  o  General 
da  Artilharia ,  que  o  íèguifsem  todos  osfeus  Officiaes 
com  as  quinze  peças  ,  e  marchou  com  grande  diligencia 
a  occupar  dous  poítos  íbbre  o  rio  ,  que  o  dia  antece- 
dente havia  reconhecido  fuperiores  á  marcha  ,  que  os 
Caílelhanos  traziaõ ;  e  fem  experimentar  os  embaraços, 
que  coítumaò  acontecer  nos  movimentos  rápidos  da  ar- 
tilharia ,  feguro  nas  dificuldades  da  paisagem  do  rio  , 
fe  adiantou  de  todo  ó  exercito,  e  ajuílou  as  baterias, 
antes  que  os  Caílelhanos  começaísem  a  empenhar-íe  na 
perigoía  marcha  que  traziaõ.Chegaraõ  os  primeiros  ba- 
talhoens  da:  vanguarda  a  expsri^atar  o  damuo  ,  de 
quenaôtinhaó  rèceyo  >  enaó  lhes  permittíndo  o  va- 
lor deíviar-íe  delle,  foraó tolerando  a  fua  ruína  todos 
os  mais  corpos  de  Infanteria,  e  Cavallaria,  até  chegarem 
os  últimos  da  retaguarda,  que  mais  attentos  ao  perigo, 
que  á  Opinião,  deícompo  (lamente  ,  perdida  a  forma, 
íe  puzeraó  em  laivo,  vale ndo-fe  <fo  exemplo  de  mui- 
tos Cabos ;  '&QMofâm  ,  que  virão  amparar-fe  das  pare- 
des 


PARTE  II.  LIVRO  VIU,        127 

des  dehuma  càfa  arruinada  ;  diligencia  obfervada  das  Anno 
baterias;  e  mandando  o  General ,  que  todas  as  peças  ., 
fizeísèm  alvo  da  parede,  e  fe  difparafsem  a  hum  tem-  lt>Gh 
po,  cahio  obrigada  do  furipíb  impulio  em  grande  dam- 
no  de  todos  ,  os  que  a  haviao  buícado  por  remédio.  Or- 
denou D.  Joaõ  de  Auítria  ,  que  o  exercito  fe  deíviafse 
das  baterias  cefsaraó  ellas  ,  havendo  as  quinze  peças 
diíparado  das  três  horas  damanhãa  até  ás  três  da  tar- 
de fetecentas  e  íeten ta  balas  ,  de  cujo  eíirago  ficou  a 
Campanha  coberta  de  mortos  ,  e  entre  elles  o  Meltre 
de  Campo  D.  Gonfalo  de  Córdova,  irmaó  do  Duque  de 
Cefsa  ,  hum  Tenente  General  da  Artilharia,  Capitães 
de  cavallos  ,  e  Infanteria  ,  e  outros  Offíciaes  de  grande 
eítimaçaò  >  perda  que  inílituio  no  exercito  tanto  def- 
alento  ,  como  D.  Joaò  de  Auílria  confefsou  em  huma 
carta  eícrita  a  EIRey  feu  Pay  depois  da  batalha  ,  man- 
dando no  tempo  da  paz  fazer  elta  mefma  confifsaóao 
General  da  Artilharia  pelo  Ingenheiro  Pedro  de  Santa 
Coloma  ,  que  foi  feu  prefioneiro. 

O  nofso  exercito  feguio  pelo  rio  acima  a  marcha 
dos  Caílelhanos,  que  depois  de  tomarem  alojamento  na 
ponte  do  Degebe  com  a  reclagnarda  no  Convento  do 
Efpinheiro  ,  fizemos  alto  na  diilancia  de  hum  quarto  de 
legoa  divididos  com  a  ribeira.  Difpoz  o  Conde  de 
Schomberg  o  quartel  com  grande  iegu  rança  ,  edeítre- 
za  5  porque  a  linha  da  vanguarda  occupava  huma  emi- 
nência, que  correndo  direita  ,  era  igualmente  fupe- 
rior  á  Campanha.  O  rio  íegurava  o  lado  efquerdo ,  e  AquarteU.ft  , 
alimentava  o  exercito.  A  trincheira,  que  fe  levantou  na  noff°  e,xercit°" 
vangnarda  ,  guarneciaõ  os  Terços,  e  batalhoens  da  pri-  **£„,"  Ca^e'- 
meira  linha  na  forma  ,  em  que  marchavaõ ,  e  declinan<- 
do  a  eminência  para  hum  valle  dilatado ,  que  occu- 
pava a  re&aguarda,no  fim  delle  fe  levantava  huma  col- 
lina  ,  que  precifamente  fe  devia  ganhar ,  ena6  era  fá- 
cil confeguir-fe  ,  fem  fe  mudar  na  diípoíiçaõ  do  quar- 
tel a  forma  da  marcha,  que  fe  naó  queria  alterar.Emen- 
dou  a  arte  eíte  defeito  da  natureza  ;  porque  conver- 
tendo o  Conde  de  Schomberg  a  fegun da  linha  em  re- 
taguarda ,  por  conílar  de  mais  corpos ,  e  a  referva  em 

fecunda 


ií?   PORTUGAL  KESJJUn^DO, 

AnnO  legunda -linha  ,  ficou  occupada  a  eminência*  eoeí* 
ercito  formado:  e  para  mayor  íegurança  do  quartel  íe 

1 66 3»  tirarão  duas  linhas  pelo  lado  direito,  eeíquerdo  da 
vanguarda  á  retaguarda,  e  no  meyo  de  cada  huma  del- 
ias íe  fabricou  na  trincheira  hum  angulo  reintrante  , 
que  as  flanqueava >  com  quatro  peças  de  artilharia  j  e 
■. .as  linhas  íe  guarnecerão  corn  dous  Terços ,  e  quatro  ba- 
talhoens  ,  que  íe  tirarão  com  igualdade  das  linhas  da 
vanguarda  ,  e  retaguarda  ,  eem  três  baterias  íe  plan- 
tarão onze  peças.  No  centro  do  quartel  alojou  a  Cor- 
te ,  Vedoria ,  muniçoens,  e  bagagens,  havendo  o  Con- 
de de  Villa-Flor  aíliítido  a  todas  as  operaçoens  daquel- 
le  dia  com  grande  valor ,  conítancia,  e  diligencia  ,  imi- 
tado de  todos  os  Cabos  .,  e  Oííiciaes  do  exercito  com 
i  tanto  acerto  ,  e  efficacia  ,  que  até  no  levantar  das  trin- 
cheiras foraó  os  primeiros  que  trabalharão. 

D.  Joaó  de  Auílria  havendo  obíervado  a  difpoíiçaõ 
do  nofso  quartel,  fediísuadio  do  intento  ,  que  mortrou 
ter  de  pelejar ,  e  determinou  confegudr  retirar  o  exer- 
cito para  Badajoz  ,em  que  livrava  toda  a  íegurança  da 
empreza  de  Évora.  Diípendeo  as  horas  do  dia  íeguinte 
em  encorporar  com  o  exercito  o  grande  numero  de  car- 
ruagens ,  que  havia  ficado  em  Évora  ;  e  a  defenía  da- 
quella  Praça  entregou  ao  Meítre  de  Campo  o  Conde  de 
Sertirana  ,  Italiano  T  de  grande  valor,e  experiencia,com 
a  guarnição  de  três  mil  Infantes  divididos  em  íete  Ter- 
ços de  ríeípanhoes ,  Italianos  ,  e  Alemães  ,  e  oitocentos 
.;  cavallos  das  meímas  .Naçoens  ,  treze  peças  de  artilha- 
ria,  em  que  entra vaÔ  íeis  meyos  canhoens  ,  muniçoens, 
artifícios  de  fogo ,  mantimentos  em  tanta  abundância , 
quebaílaísem  a  íuítentar  hum  largo  íitio.  Ignorava  o 
Conde  de  Villa-Flor  eíta  determinação  ,  e  defejando 
comprehendella,íahio  ao  pôr  do  Sol  o  Conde  de  Schom- 
berg  ,  os  Generaes  da  Cava  liaria ,  e  Artilharia ,  outros 
Oíficiaes  ,  e  alguns  baralhoens  efcolhidos ,  epaísaado 
o  rio  carregarão  as  guardas  dos  Gaítelhanos  com  tan- 
to vigor ,  que  travando-íe  huma  bem  pelejada  efcara- 
rnuça ,  coníeguimos  retirarmonos  com  alguns  Soldados 
prdiqnekos -3  porem  por  mais  que.  foraò  acertados,  naS 
;  derao 


1 

PARTE  II.  UVRÔ  VIII        n9 

deraõ  noticia  ,  que  desfizefse  a  duvida  ,;em  que  eíiava-  ^^^0 
mos.   Naquelía  noite  houve  no  Povo.de  Évora  grande 
alteração?  porque  animado  com  a  vizinhança  do  noíso  looj» 
exercito,  ecom  a  felicidade  do  recontro  do  Degebe, 
deiejava  facudir  o  jugo,  com  que  fe  achava  opprimido.  4Uerd*feofov9 
Acodio  D.Joaõ  de  Auítria  a  reparar  eíte  iutempeítivo  deEv'fra* 
movimento  ,  caíHgou  algum  dos  authores  delle ,  tirou 
as  armas  a  todos,  e  chamando  pefsoas  das  principaes 
da  Cidade  ,  em  que  entrou  o  Sargento  Maior  de  Au- 
xiliares Manoel  Freire, em  huma larga  oração  reprehen- 
deo  o  excefso  commettido ,  efuavemente  exhortou  á 
obediência  d<ElRey  de  Caítellaj  e  paísando  a  outros 
difcurfos  ,  por  moítrar  que  fe  dava  por  íatisfeito  ,  dif- 
fe  que  havia  andado  bem  na  occaíiao  pafsada  a  artilha- 
ria de  Portugal i  refpondeo-lhe  com  grande  alegria  o 
Sargento  Maior ,  prevalecendo  o  aííèclo  natural  contra 
o  perigo  manifeíto  :  Sim  Senhor  ,  dizem  ,  que  matou: 
muito  Caítelhano.  Celebrarão  eíte  inadvertido  impul- 
fo  os  Ofriciaes,  que  íe  acharão  prefentes ,  e  de  nova 
conhecerão,  que  eraõ  os  ânimos  dos  Portuguezes  in— • 
contraítaveis  ao  feu  dominio.  Divertido  eíte  accidente^ , 
e  cerrando  a  noite  de  féis  de  Junho ,  mandou  D.  João 
de  Auílria  adiantar  com  oíilencio  po.íTivel  pela  eílràda 
das  Bruceiras  o  grande  numero  de  carruagens  ,  que  le- 
vava o  exercito.  Quando  amanhece©  ,fe  acharão  huma 
legoa  diítante  delle  ,  e  para  lhe  efcufar  o  evidente  pe- 
rigo,  a  que  as  expunha  ,  mandou  rodear  de  partidas  to- 
do o  noíso  quartel ,  com  ordem  ,  que  toda  a  noite  to-; 
caísem  vivamente  arma  por  varias  partes  5  o  que  tao 
promptamente  executarão,  que naõ foi poffivel fazer- 
mos mais ,  que  attender  á  defenfa  do  quartel»  Ao  ra- 
yardoSol,  quedefcobrio  as  carruagens  avançadas,  e 
o  exercito  em  marcha  ^reconhecemos  decifradas  todas 
as  duvidas,  que  nos  haviao  occultado  as  fombras  da 
noite;  e como  a  Campanha  era  tão  defcoberta ,  e  os 
noísos  olhos  eítavão  coítumados  a  fomar  fem  arithme- 
ticas  o  numero  das  tropas ,  julgamos  (  o  que  depois  fe 
verificou  )  que  conílava  o  exercito  de  dez  mil  Infan- 
tes y  entrando  os  OfHciaes  ,  e  de  íeis  mil  cavallos.  Eíte 

I  íiiovi- 


Tp    PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnitO  movimento  nos  obrigou  ,  fem  largas  conferencias  ,  a 
,,  concordar  no  coafelho  ,  que  devíamos  marchar  promp- 
*oo  j»  ta  mente  a  bufcar  a  occaíiaõ  mais  opportuna  ,  que  fof- 
fe  poíTivel ,  de  peleijar  com  os  Caítelhanos  ,  pois  para 
efte  eíFeito  fabiramos  do  Landroal ,  e  aefta  reíbluçaó 
nos  obrigavao  as  repetidas,  e  acertadas  ordens  d'ElRey. 
Tomada  efta  refoluçaó, marchamos  pela  eftrada  de  Evo- 
ra-Monte  ,  e  foi  avançado  o  Capitão  Salamon  com  cem 
cavallos  ,  com  ordem  de  feguir  a  retaguarda  dos  Cafte- 
llianos, e  embaraçallos ,  quanto  lhefofse  poííivel ;  o 
que  executou  com  tanto  acerto ,  que  íe  retirou  com 
quantidade  de  priíioneiros. 

Pouco  diftantes  marchava 6  ambos  os  exércitos,  é 
Paffao  es  exer-  hum,e  outro  pertendiao  pafsar  o  rio  Terá  antes  de  anoi- 
(itts  or\o  Terá.  tecer  ?  para  çQ  executarem  fem  embaraço  os  progrefsos 
premeditados  para  o  dia  feguinte.  Efte  nifcurib  fez 
aprefsar  de  forte  a  marcha  ,  que  os  Inglezes  a  tolerarão, 
e  a  força '  do  Sol  com  impaciência  ,  e  ao  cerrar  da  noi- 
te acabarão  ambos  os  exércitos  de  pafsar  o  rio  ,  o  nofso 
no  Porto  deEvora-Monte,o  dos  Caftellianos  no  daVeji- 
ia  do  Duque.  Grandes  eraô  os  cuidados,  e  vários  os  dif- 
curfos  ,  que  fe  offereciaó  aos  Cabos  ,  e  Officiaes  maio- 
res-de  hum  ,  e  outro  exercito  ,  confiderando  ,  que  a  luz 
do  dia  feguinte  havia  de  fer  theatro  da  gloria  .de  qual- 
quer delles.  D.  Joaõ  de  Auftria  tinha  felicemente  con- 
ieguido  a  empreza  de  Évora,  e  para  naõ  baldar  a  fua 
fortuna  ,  defejava  confervalla.  Para  efte  fim  intentava 
chegar  com  o  exercito  fem  datnno  a  Arronches  ,  e  en- 
grofsallo  de  forte  com  os  foccorrosç  que  havia  Ó  chega- 
do a  Badajoz  de  Cidad-Kodrigo,  Galliza  ,  e  outras  par- 
tes, que  pudefse  voltar  a  continuar  os  feus  progrefsos 
com  tanto  poder ,  que  fem  temer  oppofiçaó  abrifse  paf- 
ío  para  a  communicaçaõ  de  Évora  por  Monçaraz  ,  ou 
pelo  Landroal ,  fuppondo  que  o  grofso  prefidio  ,  que 
havia  deixado  em  Évora  ,  reílftiria  o  nofso  combate,  re- 
folvehdo-^nos  a  atacalla  ,  até  chegar  o  leu  foccorro.  Po- 
rém eítas  confiderações  fe  defvaneciaõ  no  conhecimen- 
to ,  de  que  chegar ',  ou  naò  a  Arronches  ,  fem  dar  ba- 
talha ,  pendia  da  nofsa  refoluçao  ;  porque  o  grande  nu- 
mero 


I 

P ARTE  II.  LTV&O  VIII.      1 5 1 

mero  dè  carruagens ,  que  comboyava  ,  obrigava  todo  Anno 
o  exercito  a  vagarola  marcha  J  easnoísas  naó  nosfa-     ,* 
ziaó  impedimento  algum*  porque  na  vizinhança- de  Eí-  1°°  }• 
tremoz  as  deixávamos  feguras ,  e  conhecendo  a  vale- 
roía  Naçaõ  ,  que  tinha  por  cppoíla,  naõ  pode  achar  íb- 
cego  no  pertendido  deícançoda  noite. 

Naó  era  melhor  livrado  o  Conde  de  Villa-Flor,  que 
D- João  de  Auftria,repreíentando-íe-lhe  as  grandes  dif- 
iculdades ,  que  podia  achar  em  qualquer  reíbluçaõ  ,  a 
que  ie  arrojaíse.  Coníiderava  ,  que  deixando  os  Cafte- 
Ihanos  Évora  bem  prefidi&da  ,  e  adiantando  com  gran- 
de calor  as  fortirlcaçoenébcom  o  fim  de  facilitar-lhe  a 
communicaçaõ  por  Monçaraz  ,  ou  Landroal ,  convinha 
pelejar ,  antes  que  pudefsem  encorporar-íe  com  maiores 
lbccorros  ,  e  reítaurar  o  trabalho  padecido  nos  dias  an- 
tecede ntesj porque  coníeguindo  os  Caftelhanos  fahirem 
em  falvo  do  interior  daquella  Provincia  ,  ficaríamos  ne- 
cefiitando  de  formar  dous  exércitos,  hum  parafitiar, 
Évora  ,  outro  para  guarnecer  as  Praças  da  fronteira  , 
que  ficavao  expoítas  á  diveríaó  dos  Caílelhanos  ,  quan- 
do íe  naó  refolveísem  a  intentar  o  foccorro  de  Évora, 
rompendo  as  linhas ;  e  álèm  deitas  razoens  a  impaciên- 
cia dos  moradores  dos  lugares  abertos  havia  chegado  a 
tanto  ,  que  fazia  preciib  evita  r-ie  perigo  taõ  manife- 
íío.  Porém  nem  todos  eíles  eílimulos  facilitavaõ  a  re- 
foluçao  dele  dar  a  batalha  >  porque  o  General  contra- 
rio era  hum  filho  d'ElRey  de  Caílella  ,  de  efclarecidas 
virtudes  ,  criado  na  guerra  ,  e  muitas  vezes  vitorioía 
das  Naçoens  mais  bellicolas  da  Europa  ,  aífiítido  de  Ca- 
bos de  grande  valor,  e experiência ,  de excellentes Of- 
ficiaes ,  e  foldados  veteranos.  O  corpo  da  Cavallaria 
quafi  dobrava  o  numero  da  nofsa,  eao  da  Infanteria 
naó  levávamos  grandes  ventagens  j  íuppoílo  que  a  for- 
ça da  juítiça  dacauía,  que  defendíamos,  a  capacida- 
de dos  Cabos  ,  a  experiência  dos  Officiaes ,  a  ventagent 
de  pelejarem  em  o  próprio  paiz ,  e  a  confiança  da  pou- 
ca diftancia  ,  em  que  ficava  Eítremoz  ,  fervindo  de  re- 
ceptáculo a  qualquer  contratempo,  dobrava  de  ibrteos 
incentivos  univeríaes  de  íe  dar  a  batalha ,  que  fazia  in- 

I  2  ferio  res 


:>,  ■■■■ 


131      PORTUGAL  RESTAURADO, 

AtllO  feriorêà  todas  as  diíhcaldades  \  e  eilas  coníideraçoens 
fez  mais  clara  a  luz  dímaaliãa,  desfazendo-fe  emexe- 
'  cuçòéns  promptas  todos  os  difca rios  premeditados. 

Ao  primeiro  crepufculoíe  puzeraó  em  marcha  am- 
bos os  exércitos  íuímã  legoa  diílantes,  que  fe  dimi- 
nuía ao  pafso  >  que  fe  caminhava  -,  e  como  o  nofso  le- 
vava as  caras  em  ^Eítremoz  ,  o  do  inimigo  no  Ame- 
xial  *  vinha  a  fer  objeflro  de  ambòfc-o  mefmo  Horizonte. 
Os  Caílelhanos  moítravaõ  intentar  retroceder  a  marcha* 
que  haviaõ  trazido  ,  quando  páfsaraó  por  Eítremoz  :  e 
aíiim  o  affirmavaõ  os  pratico&Jna  Campanha  ,  dizendo , 
que  do  lugar,  em  que  fe  achava  a  vanguarda  ,  fe  fe- 
guia  a  eílrada  da  venda  de  Alcaraviça  ,  que  era  o  que  o 
exercito  trouxera :  e  á  mao  efquerda  íicava  outra  ,  que 
parava  na  Ribeira  de  Veiros,e  tomando  alojamento  nel- 
la  os  Caílelhanos ,  íicavaò  fó  diílantes  de  Arronches 
huma  jornada.  Ponderadas  eítas  rioticias,fe  ajuílou  dei- 
Xarmos  Eítremoz  ámaõ  direita  ,  e  fizemos  alto  ,  fican- 
do-nos  na  rectaguarda ,  e  os  Caílelhanos  diílantes  hum 
quarto  de  légua.  O  Conde  de  Schomberg  formou  o  ex- 
ercito em  íitio  fuperior  á  Campanha  ,  por  onde  os  Ca- 
ílelhanos deviaó  de  pafsar  ,  fe  feguirem  a  marcha  ,  que 
haviaõ  trazido,  quando  entrarão  $  e  fuppoílo  que  o  ter-- 
íeno  era  embaraçado  com  vinhas  ,  e  vallados  ,  reconhe- 
çia-fetaõvantajofo  ,  que  fefolvendo-fe  os  Caílelhanos 
a  atacamos  nelle ,  parecia  anofsa  vantagem  quaíi  in- 
vencível :  e  dizia  o  Conde  de  Schomberg  ,  que  quando 
fe  naò  atrevefsem  a  tomar  eíla  refoluçaõ  ,  que  para 
pelejarmos  em  Campanha  igual  ,  íèmpre  nos  íicava  li- 
vre •,  porque  a  marcha  dos  Caílelhanos  era  taô  vagaro- 
fa  a  refpeito  da  multidão  das  carruagens ,  que  naó  po- 
dia fugimos  o  tempo  de  dar  a  batalha  ,  que  a  mayor 
prudência  dos  Generaes  coníiíliaem  na 6  perder  as  van- 
tagens ,  em  quanto  naô  ofFendiao  os  intentos  princi- 
paes ,  a  que  íe  encaminhava.  Eíle  prudente  difeurfo,  ou 
por  emulação  ,  ou  por  naõ  entendido  ,  foi  injuílamen- 
te  mal  avaliado  de  muitos  Cabos  ,   e  Officiaes  do  exer- 
cito »,  e  porque  a  razaõ  formal  o  authoriza,  naó  necef- 
íitaniQs  de  defendello.  Deíle  embaraço  nos  livrou  hum 

avizo 


VARTE  II.  UPSRO  mm,        155 

avizo  dos  Capitães  de  cavallos  D.  António  de  Almeida  ,  ÂmiO' 
e  Filippe  de  Azevedo  ,  que  eftavaõ  de  guarda  ,  e  avan-     ss 
çados  em  fitio  íuperior  á  marcha  dos  Caítelhanos  ,  que  tv^i* 
referia  ,  que  a  vanguarda  da  Cavallaria  do  exercito  co- 
meçava aieguir  a  eítrada  de  huma  grande  Serra,  que 
lhe  ficava  pouco  diítante  ,  e  caminhava  a  Souzel ,  e 
determinando  embaraçar-lhe  o  pafso  a  reíbluçaõ  de  al- 
guns paizanos  efpingardeiros,  os  haviaô  degolado.  Eíte 
ultimo  deíengano  -  applicou  a  refoluçaõ  de  íe  dar  a  ba- 
talha ,  porque  já  o  tempo  naõ  difpeníava  outras  con- 
íideraçoens.  Com  eíle  valorofo  intento  ordenou  o  Con- 
de de  Villa-Flor  a  Manoel  Freire  de  Andrade,  que  com 
quinhentos  cavallos  ,  o  Terço  de  Joaô  Furtado  de  Men- 
doça  ,  e  hum  de  Xnglez  anarchafse  a  defalojar  alguns 
batalhoens  Caílelhanos  ,  que  occu pavão  huma  eminên- 
cia pouco  diítante  ,  que  o  exercito  neceísa ria  mente  ha- 
via de  coroar,  para  confeguir  o  intento  premeditado. 
Marchou  Manoel  Freire  a  executar  eíla  ordem  na  íup- 
poíiçao  ,  de  que  o  exercito  lhe  havia  de  dar  calor  (co- 
mo era  precifò  )  com  mais  celeridade  da  que  pedia  o 
embaraço,  em  que  o  exercito  íe  achava  no  alojamen- 
to das  vinhas  ,  e  vallados  ,  que  havia  occu  pado.  Reco- 
nhecédo  o  General  daArtilharia  as  perigoías  conlequen- 
cias  de  íe  naõ  alhanar  eíla  difliculdade  ,  a  mandou  ad- 
vertir ao  Conde  de  Villa-Flor  pelo  Ajudante  de  Tenen- 
te de  Meílre  de  Campo  General  Jacintho  de  Figueire- 
do j  porém  o  Conde  ,  fern  dar  attençaõ  a  eíla  advertên- 
cia ,  deixou  a  Manoel  Freire  continuar  a  marcha  >  e 
chegando  ao  alto  do  monte ,  defalojou  facilmente  os 
batalhoens  inimigos ;  e  provocado  de  ardente  valor , 
baixou  á  Campanha  com  a  pouca  gente  que  levava  ,  e 
deu  principio  a  fe  atacar  huma  perigoía  efcaramuça  com  ^taca  Mat.oel 

.     j  J/-1         11      •       •     •      •  1  Freire  hua  «rol* 

todo  o  corpo  da  Cavallaria  inimiga  ,  que  em  duas  co-  (a  èuarawMa, 
lunas  vinha  vagarofamente  marchando  ,  e cobrindo  as' 
carruagens  ,  cujo  pafso  era  inferior  ao  da  Infanteria  ,  e 
Artilharia  ,  que  D.  Joaõ  de  Auílria  havia  adiantado  ao 
alto  de  duas  grandes  eminências ,  que  íicavaõ  fuperio- 
res  áquella  dilatada  Campanha.  O  General  daArtilha- 
ria ,  que  fe  achava  empenhado  no  difcurío  do  perigo 

1 3  de 


134     PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÁlltlO  de  Manoel  Freire  ,  obfervando  o  vagar  ,  com  que  o  ex- 
,,     ercito  fe  defembaraçava  das  diíEculdades  do  alojamen- 

*"  y  to  ,  fubio  com  grande  diligencia  ao  alto  do  monte,  que 
Manoel  Freire  tinha  facilitado  ?  e  reconheceo  o  riíco  a 
que  eítava  expoíto}  correo  a  remedeallo  ,  advertindo  a 
Manoel  Freire1  ,  que  o  feu  empenho  havia  de  ler  a  1  iia 
ruiiia;  porque  fe  acaíb  esforçalse  a  efcaramuça,  era  fem 
duvida  carregarem-lhe  os  Caítelhanos  os  batedores  com 
muito  maior  poder ,  do  que  levava  para  foccorellos, 
e  que  o  exercito  ,  de  quem  devia  liar  a  fua  fegurança,fe 
achava  taõ  diítante  ,  que  primeiro  feria  desbaratado,  do 
que  pudeíseíer  foccorrido.MitigouJManoel  Freire  o  feu 
ardor  á  verdade  deíla  advertência  ,  e  mandou  retirar  os 
batedores  ,  e  fem  defordem  tornou  a  encoítarfe  á  Serra, 
e  os  Caítelhanos  fe  confundirão  de  forte  com  a  primei- 
ra viíta  deitas  tropas ,  que  retirarão  para  as  eminências, 
que  occupava  a  Infanteria  ,  as  mangas,que  marchavao 
entre  a  C  avaliaria  :  e  havendo  humalegoa  de  diítancia 
entre  hum  ,  e  outro  corpo  ,  fe  o  exercito  dera  calor  a 
Manoel  Freire ,  pudera  ,  pelejando  fó  contra  a  Cavai- 
la  ria'  ,  ganhar  pela  manhãa  a  batalha  ,  pela  difficuldade 
defelhe  unir  a  Infanteria ,  que  facilmente  feria  deí- 
pojo  da  vitoria.  Segurava-fe  eíta  com  que ,  chegando 
os  nofsos  batedores  de  vãguarda  a  occupar  a  eminência, 
que  a  largo  pafso  intentava  fenhorear  D.  Joaó  de  Au- 
ftria  ,  reconhecendo  quanto  era  ventajofo  aquelle  po- 
Ito  ,  ao  em  que  nos  havíamos  de  formar  precifamente, 
carregarão  as  fuás  tropas  aos  nofsos  batedores ,  e  a  foc- 
correllas  íe  adiantou  toda  a  fua  Ca  valia  ria  com  tãta  def- 
ordem ,  que  defamparou  a  artilharia,  c  bagagens ,;  que, 
por  marchar  de  recT:aguarda,eftava  ainda  na  planície  cò- 
boyada  de  poucos  Terços  de  Infanteria,  O  Conde  de 
Schomberg  ,  que  affiília  no  lado  efquerdo  do  nofso  ex- 
ercito ,  obfervando  eíte  movimento  dos  Caítelhanos , 
defejofo  de  aproveitar  occafiaõ  taó  opportuna  ,  puxou 
pelas  linhas  de  Cavallaria  ,  que  achou  mais  perto  ,  e 
íe  foi  pondo  em  marcha  ,  avizando  com  toda  a  promp- 
tidaoao  Conde  de  Villa-Flor  da  refoluçaó  ,  que  toma- 
va ,  pelo  Commifsario  geral  Duarte  Fernandes  Lobo,  o 

qual 


PARTE  II.  LIVRO  VIII.      i$j 

qual  voltou  com  a  mefma  preisa  ,  com  ordem  para  que  Anno 
íe  retiraíse.  Gbedeceo  o  Conde  deSchombergcom  tan-  1'  /. 
to  íentimento  ,  que  lhe  durou  ainda  depois  de  lograr-  I  aó3' 
ie  a  occaíiaô*  tao  felizmente. 

O  nofso  exercito  íubio  á  eminência  ,  que  ganhou 
Manoel  Freire  adiantando-fe  a  outra  ,  que  íe  lhe  íeguia 
mais  ao  lado  direito;  ficarão  no  efquerdo  as  duas  linhas 
daCavallaria  daquella  parte ,  e  planta raô-fe  cinco  pe- 
ças de  artilharia  no  mefmo  fítío  ,  e  em  dous  montes , 
que  corriaõ  do  lado  direito  ,  jogarão  dez  ,  e  em  todo  o 
fitio  referido  formou  o  Conde  de  Schomberg  militar- 
mente o  exercito.  Em  outros  dous  montes  ,  que  hum 
pequeno  valle  dividia  dos  referidos,incomparavelmen- 
te  mais  afperos  ,  e  eminentes  ,  formou  D.  João  de  Au- 
ítria  a  fua  Infanteria ,  e  na  parte  fuperior  delles  man- 
dou fabricar  duas  baterias  de  quatro  peças  cada  huma  , 
e  todo  o  corpo  da  Cavallaria  eltava  formado  ao  pé  do 
monte  do  lado  direito  em  huma  dilatada  Campanha  , 
recolhendo  as  carruagens,e  fegurando  huma  eítrada, por 
onde  o  exercito  forçofamente  havia  depafsar,  a  qual, 
por  fer  eítreita  ,  e  profunda,  lhe  deraò  os  payzanos  o 
nome  do  Canal.  Entre  confufas  fufpenfoens  durarão  as 
baterias  com  pouco  damno  de  ambas  as  partes  ,  e  algu- 
mas leves  eícaramuças  até  as  três  horas  da  tarde  ,  e  no 
■difcurib  deite  tempo  íizeraõ  os  Caítelhanos  adiantar  as 
jfuas  carruagens  quanto  lhes  foi  poífível ,  para  que  a 
marcha  ,  quedeterminavaõ  fazer,  lhe íicafse mais  deí- 
embaraçada.  A  hora  referida  achando-le  o  General  da 
Artilharia  aííiítindo  na  bateria  do  lado  efquerdo  ,  que 
ficava  fuperior  á  Campanha ,  obfervou  que  as  peças  da 
artilharia  das  baterias  dos  Caítelhanos  a  efpaços  hiao 
diminuindo  os  tiros  ;  porque  de  oito  peças  que  joga?* 
vaõ  ,  tiravao  fó  quatro  ,  e  que  eíte  evidente  íinal  ma- 
nifeítamente  declarava,  que  o  exercito  íe  punha  em 
marcha  ;  movimento  ,  que  de  outra  forte  fe  naò  podia 
deícobrir  pela  altura  dos  montes,  que  nos  ficavaóop- 
poitos  ,  que  os  Caítelhanos  tinhaò  occupado  com  o  ex- 
ercito j  eque  o  fim  de  DJoão  de  Auítria  era  entreter 
a  nofsa  confusão  até  poder  confeguir  que  as  carruagens 

I  4  ver- 


t  ;  S    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  veiiceísem  o  pafso  êílreito  da  Serra  i  e  logrando  eíte  in- 
/  te  ato  ,  ficava  fem  duvida  fegura  a  marcha  ,  que  D.  Joaõ 
I605.  fá  /Vuílria  com  taó  prudentes  coníideraçoens  defejava 
coníeguir  até  a  Praça  de  Arronches.  Para  fortificar  eíte 
diícuríb  chamou  o  General  da  Artilharia  todos  os  prá- 
ticos daquellaGampanha,os  quaes  uniformemente  con- 
cordarão aílim  na  eítreiteza  da  eítrada  ,  por  onde  for- 
çoiamente  haviaó  de  marchar ,  como  na  certeza,  de  que 
vencida  ella  ,  chegaria  o  exercito  a  Arronches  fem  con- 
troveríia  alguma.Perfuadido  deita  noticia  montou  aca- 
vallo  o  General  da  Artilharia  ,  e  foi  bufcar  ao  Conde 
de  Villa-Fior ,  que  achou  com  todos  os  Cabos  ,  e  quaíi 
todos  os  Oíiiciaes  maiores  do  exercito  ,  e  pedindo  ao 
Conde  attençaõ  ao  leu  difcurfo  ,  o  expoz  nas  razoens 
feguintes. 
vou  âo  General  A  perda  de  Évora  ,  e  as  confequencias  deita  infe- 
âa  Artilharia.  licidade,nos  obrigarão  a  fahir  do  quartel  do  Landroal  a 
bufcar  (  pelas  tropas  que  pafsáraõ  a  Alcaceve  )  na  divi- 
faó  do  exercito  de  Caítella  o  ultimo  rompimento.  Tan- 
to que  pafsámos  o  rio  Degebe  ,  nos  expuzemos  a  pe- 
lejar fem  mais  ventagem  ,  que  a  dos  noisos  braços ;  e 
ficando  o  atacar  o  combate  na  eleição  de  nofsos  inimi- 
gos ,  experimentámos,  que  D.  Joaõ  deAuítria  fuppoem 
mais  certa  a  nofsa  ruiua  ,  retirando  o  exercito  para  o  re- 
forçar com  novos  tropas ,  que  dar  a  batalha  com  eítas, 
que  com  taó  particular  attençaõ  fortifica  ;  o  que  pro- 
vado com.  a  experiência  ,  fica  lem  duvida  fermos  obri- 
gados a  atalhar  os  caminhos  ,  por  onde  os  Caítelhanos 
intentaó  a  nofsa  deítruiçaó  ,  perfuadidos  do  muito  que 
neceílitamos  alentar  o  defmayo  dos  Povos  quaíi  des- 
confiados do  feu  remédio  ;  e  he  propofiçaó  fem  contro- 
veriia  ,  que  para  lograrmos  eíla  refoluçaó  ,  he  precifo 
pelejarmos  ,  antes  que  os  Caítelhanos  cheguem  á  Pra- 
ça de  Arronches;  efe  naõ  me  engana  o  ardente  de- 
íej  o  de  ver  logrado  eíte  intento,  a  Providencia  Divi- 
na por  lua  infinita  mifericordia  nos  moítra  claramente 
o  caminho  de  dar  a  batalha  ,  e  confeguiravicToria.  Na 
bateria  ,  em  que  eítava ,  reconheci,  que  os  Caítelhanos 
le  vaò  retirando  ?  porque  a  efpaçcs  diminuem,  os  tiros 

de 


106} 


PARTE  II.  imWO  VUh       1)7 

■de  artilharia ;  inferência  \  que  moftra  avaópondo  em  Anno 
marcha:  chamando  os  práticos,  uniformemente  iegu- 
raõ  ,  que  defronte  deftes  montes ,  que  vemos,  hcaõ  ou- 
tros, e  que  entre  elles  corre  numa  eítrada  taõ  eitreita, 
que  naó  dá  mais  efpaço  ,  que  á  marcha  de  hum  lerço 
de  Infanteria  formado  ,  e  eíta  noticia  nos  eftá  moftra  n- 
doareíoluçaõ  ,  que  devemos  tomar ;  porque  os  Cafte- 
lhanos  tem  pofto  em  marcha  o  exercito  ,  o  que  le  ju- 
ftiíica  pela  oblervação  da  artilharia  ,  e  por  não  terem 
íim  ,  para  fazerem  nefte  fitio  maior  dilação;  o  que  pro- 
vado ,  fica  £em  duvida  ,  que  já  nefte  inítante  marchão 
de  vanguarda  os  quatro  mil  priíioneiros  ,  que  confta 
fahirem  de  Évora  ,  e  que  eftes  íeguem  a  eítrada  eftr  ei- 
ta  comboyados  de  hum  grande  grofso  de  Cavallaria,  de- 
dicado para  a  fegurança  de  companhia  tão  perigola  5 
que  a  multidão  de  carruagens  feguem  a  meima  derro- 
ta ,  e  que  a  Infanteria  desfila  pela  retaguarda  ,  e  a  prow 
longada  linha  caminha  pelos  me fm os  pafsos,  etodo  o 
corpo  da  Cavallaria  eípera  na  Campanha  ,  que  cerre  a 
noite  para  le  ritirar  ,  depois  do  exercito  ter  vencida  a 
dirficuldade  da  marcha  ,  que  leva  entre  a  afpereza  das 
Serras.  Desbaratar  eíte  corpo ;  que  he  o  mais  forte  do 
exercito  ,  he  reíbUição  que  infallivelmente  devemos  de 
tomar,  unindo  todo  o  corpo  da  nofsa  CavaHaria,  ti- 
ra ndo-íe  do  lado  direito  as  duas  linhas  ,  que  pela  aipe- 
reza do  terreno  eftao  formadas  daqueila  parte,e  forma- 
da em  três  linhas  parece  impoílivel  deixar  de  conièguir 
o  fim  ,  que  pertendemos  ,  aftim  pelo  valor  tantas  vezes 
experimentado  dos  nofsos  Soldados,  como  pela  necefsa- 
iia  confusão,  em  que  le  hão  de  ver  osCaftelhanos  ,• 
porque  como  o  exercito  marcha  em  tão  prolongada  li- 
nha ,  todos  os  foccorros  ,  que  intentarem  vir  da  van- 
guarda, á  reclaguarda,atropellando  os  que  feguem  a  eí- 
trada ,  iervirão  mais  de  embaraço  ,  que  de  utilidade  ;  e 
íea  Cavallaria  ,  queeftá  formada  ,  não  tomar  mais  fi- 
tio na  Campanha  ,  do  que  eftamos  vendo  (o  que  lerá 
diôicil ,  atacada  com  o  afsalto  improvifo  )  toda  a  que 
chegar  de  ibccorro  ,  fervirá  de  •confundir  os  claros  ,  e 
perturbar  a  ordem ,  íem  a  qual  nunca  farão  victoriofos 

ainda 


li  í 


• 


15 «    POnTUGAL  TLESTJVHADO , 

AlinO  ainda  mayores  exércitos ,  ajudando  a  coufuíaô  a  vizi-i 
•  •  nhança  da  noite  ,  que  coftuma  ler  embaraço  dos  yalo- 
/•  rolos,  edíícuipa  dos  covardes  ;  e  fèacaío  (o  que  eu 
nao  preíumo  )  os  Gaftelriánòs  rehftirem  os  impuiíos  da 
nofsa  Cavallaria  ,  humdosdous  eíreitos  poderão  coníe- 
guir  ,  ou  íegurar  fem  movimento  a  marcha  dofeuex-. 
ercito  ,  que  lie  o  mais  racional  ,-ou  íeguir  o  alcance 
dos  batallioens ,  que  rebaterem  j  e  lendo  efte  ultimo  o 
mayor  dam  no  v  que  podemos  experimentar ,  íegura  ,  e 
pouco  dif  cante  fica  á  nofsa  Cavallaria  a  retirada  ,  levan- 
do ordem  para  fe  tornar  a  formar  na  re&aguarda  da 
Infauteria ,  que  occupa  impenetrável  terreno  ,  e  fe  acha 
tap  vizinha  á  Praça  de  Eftremoz,que  fenaõ  pôde  recear 
entre  hum  ,  e  outro  receptáculo  coníideravel  damno  5 
e  lendo  taõ  prudentes  as  referidas  confideraçoens  ,  nao 
devemos  oíFender  a  obrigação  ,  em  que  eftamos,  de  de- 
fender o  Reyno  ,  delviando-nos  de  abraçar  os  caminhos 
de  confeguir  a  nofsa  liberdade. 

O  Conde  de  Villa-Flor ,  e  todos  os  Cabos  ,  e  OfK- 
ciaes  mayores  ,  que  eítavaõ  prefentes,  ouvirão  efte  dif- 
curfo  com  grande  attençaõ ,  e  louvaraõ-o  com  fumma 
efrkacia  :  porém  ,  tomados  os  votos ,  foraó  muitos  os 
que  tiveraó  por  arrifcado  o  propofto  empenho;  por  fer. 
(  diziaó  )  grande  a  vantagem  dos  Caílelhanos  em  pele- 
jarem com  a  nofsa  Cavallaria  corpo  a  corpo  ,  achando- 
fe  fuperiores  em  numero  dobrado  ,  lendo  a  confiança 
de  nos  igualarmos  no  poderá  uniaó  da  Infanteria.  Efta 
opinião  ficou  firme..,  fem  fe  deixar  vencer  das  confide- 
raçoens  oppoftas  taó  indubitáveis ,  como  moftrou  a  ex- 
periência ,  e  por  efte  refpeito  fe  dividio  o  Confelho 
fem  refoluçaó  alguma  ,  e  os  Cabos ,  e  Officiaes  fe  fe- 
pararaõ  para  difTerentes  partes.  O  Coronel  da  Artilha- 
ria impaciente  de  ver  baldado  o  feu  difcurfo  , .  que  efti- 
mava  como  próprio  ,.  e  pelas  feguranças  de  bem  fun- 
dado ,  nao  deíiftio  de  procurar  os  caminhos  de  confe- 
guillo  5  e  montando  a  cavallo  ,  e  o  Conde  da  Torre,  e 
Affonfo  Furtado,  depois  de  fazerem  hum  pequeno  gy- 
ro,  por  favorável  difpoíiçaõ  da  Divina  Providencia,  en- 
contrarão em  hum  valle ,  que  dividia  os  dous  exérci- 
tos, 


1665 


PARTE  11.  LIVRO  VIU.       ?59 

tos,  ao  Conde  de  Scomberg  ,  Pedro  Jaques  de  Maga-  Anno 
lhaans  ,  Diniz  de  Mello  e  Caibo,  Manoel  Freire  de  An- 
drade ,  Simão  de  Vaíconcellos  ,  e  D.  Joaõ  da  Silva  ;  e 
vendo  o  General  da  Artilharia,  que  o  Conde  de  Schom- 
berg. andava  cuidadolàmente  examinado  opportuna  oc- 
currencia  de  atacar  a  batalha  ,  tornou  ardentemente  a 
esforçar  a  ília  opinião  ,  dizendo  ,  que  era  engano  o  dif- 
curío  contrario  ,  e  naô  podia  haver  riíco  em  coníldera- 
çoens  taõ  bem  fundadas  ,  e  que  os  Capitães  prudentes 
deviaõ  na  guerra  deixar  na  contingência  alguma  parte 
do  difcurfo  j  e  que  aquelles ,  que  no  preíente  embara- 
ço olhavaó  para  os  perigos  próximos ,  fe  adiantaísem  a 
confideração  a  examinar  os  rifcos  futuros,logo  reconhe- 
ceriaõ  quanto  mais  havia  que  vencer  ,  fe  o  exercito  de 
Caílellaconfeguifseencorporaríe  com  os  novos  foccor- 
ros  ,  que  confiava  eílarem  em  Badajoz  ,  e  que  com  eíla 
infallibilidadefó  a  irrefoluçaófe  poderia  contar  como 
maior  inimigo.  Todos,  os  que  eílavaõ  preí entes  ,  eraõ 
os  que  no  Coníelho  antecedente  íe  haviaô  afíeiçoado 
á  propoíta  do  General  da  Artilharia ,  e  com  grande  ar- 
dor períiítiraó  em,  que  a  batalha  fe  atacafse  ,  e  Simão 
de  Vaíconcellos  com  grande  efricacia  ,  e  zelo  repetio  as 
apertadas  ordens  d'ElRey,  para  que  fepelejaíse  ,  eas 
vivas  inftancias  de  íeu  irmaó  o  Conde  de  Caítello-Me- 
lhor.  Vendo  o  Conde  de  Scomberg  ,  que  todos  le  con- 
formavaõ  na  refoluçaô  ,  que  tanto  defejava  ,  difse  5  que 
fe  lhe  naõ  offèrecia  maior  diíficuldade,que  naô  fe  achar 
prefente  o  Conde  de  Villa-Flor  ,  para  refolver  ,  o  que 
uniformemente  fe  afsentava  por  aquelles  votos.Refpon- 
deu-lhe  o  General  da  Artilharia, que  elle  havia  reconhe- 
cido no  Conde  tanto  defejo  de  pelejar  na  forma  da  fua 
-propofiçaó  ,  que  fobre  íi  tomava  approvar  ,  o  que  na- 
-quelle  Coníelho  fe  a  isentava.  Esforçou  vivamente  Ma- 
noel Freire  efta  inítancia,  e  o  Conde  de  Scomberg  com 
alegre  refoluçaó  difpoz  ,  que  fe  atacafse  a  batalha  na 
difpoíiçno  feguinte. 

Ordenou  ao  General  da  Cavallaria ,  que  com  toda  nsplcaúsâar 
a  diligencia  ,  focego ,  e  deílreza  pafsaíse  as  duas  linhas  *  **t*ièm  «* 
de  Cavallaria  do  lado  direito  ao  ladoeíquerdo,  deixan-  rg.  do  fjgg* 

do  ,..  ---^ 


Refrli 


B 


t4o  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  d°  Pam  CODrir  aquelle  coitado  cinco  batalhoens  á  or- 
dem do  Commiísario  geral  Mathias  da  Cunha ,  a  que 
IÓ63 »  de  todo  o  corpo  da  Cavallaria  formafse  três  linhas,  pa- 
ra que  com  menos  confufaõ  fe  atacaíse  a  batalha.  Era 
o  numero  dos  batalhoens  quarenta  e  féis,  em  que  fe 
contavaõ  pouco  menos  de  três  mil  cavallos.  Governa- 
va a  vanguarda  o  General  da  Cavallaria  Manoel  Freire, 
a  íegunda linha  o  Tenente  General  da  Cavallaria  Dom 
João  da  Silva,  a  terceira  o  Tenente  General  D.  Ma- 
noel Luiz  de  Ataíde  ;  e  o  General  da  Cavallaria  Diniz 
de  Mello  efcolheo  para  aíTiítir  todos  os  póltos  ,  em 
que  fe  pelejafse.  Acompanhava  Manoel  Freire  oCom- 
mifsario  geral  Gomes  Freire  de  Andrade;  porque  o  Te- 
nente General  D.  Martinho  da  Ribeira ,  e  D,  António 
Maldonado  ,  Commiísario  geral ,  como  fe  desfez  a  íe- 
gunda linha  ,  que  tinha  õ  a  feu  cargo,  ficarão  com  os 
outros  Officiaes  pára  aífiítirem  ,  aonde  fofsem  mais  ne- 
ceísarias  as  íuas  pefsoas.  D.  João  da  Silva  ficou  fem  Cô- 
miísario  5  porque  juítamente  fiava  muito  da  fua  difpo- 
íiçaõ.  A  D.  Manoel  Luiz  de  Ataíde  a/fiíHaõ  Gonfalo  da 
Coita  de  Menezes,  e  João  do  Crato  da  Fonfeca;  D.  Luiz 
da  Coita  ficou  livre  para  acompanhar  o  General  daCa- 
vallaria  J  e  D.  António  Maldonado  ,  e  António  de  Si- 
queira Peítana  tiverao  ordem  para  acodirem  aos  peri- 
gos maisimminentes.O  tempo,  que  Diniz  de  Mello  ga- 
itou em  formar  a  Cavallaria  ,  teve  o  Conde  de  Schom- 
berg  de  dar  conta  ao  Conde  de.Villa-Flor  da  refoluçaó, 
que°  fe  havia  tomado  no  Coníelho  em  que  prefidira , 
e  o  Conde  com  valorofa  conítancia  approvou  tudo  ,  o 
que  eítava  determinado,dizendo  que  aquelle  fora  fem- 
pre  o  feu  intento  j  eque  de  pefsoas  de  conhecida  vir- 
tude ,  a  quem  dava  grande  credito  ,  tinha  felices  vati- 
cínios ,  que  lhe  feguravaõ  o  bom  íuccefso  daquelle  dia, 
e  prompta mente  deu  ordem  ,  que  pegafsem  nas  armas 
todos  os  Terços,  eque  marchando  de  coitado,  incli- 
nafsem  ,  quanto  lhes  foíse  poifivel ,  para  a  eminência  do 
lado  efquerdo  dominante  á  Campanha  ,  em  que  a  Ca- 
vallaria determinava  pelejar. 

Era  chegado  o  tempo  prefcripto  pela  Divina  Sabe- 
doria , 


PARTE  11.  L1VK0  Vil.       141 

dória  ,  para  fe  começarem  a  dicifrar  os  oráculos  de  tau-  Anno 
tos  feculos  decantados  no  mundo  •,  e  íuppoíio ,  que  cia-     ,/ 
r^mente  entendidos ,  duvidados,  por  fe  naõ  pairar  da  Io°j« 
eíperança  ápofse:  porém  naõ  fe  perturbando  a  viva 
fé  da  verificada  promefsa  ,  que  conleguio  no  Campo  de 
Ourique  EIRey  D.  Affoníb  Henriques  ,  dada  pelo  Se- 
nhor dos  exércitos  ,  e  de  todo  o  Univerfo.  Por  ordem 
do  General  da  Cavallaria  começarão  a  atacar  a  batalha 
os  Capitães  de  cavallos  D.  António  de  Almeida  ,  e  Fi- 
Hppe  de  Azevedo  ,  que  eíravaó  de  guarda  ,  desfazendo 
as  Companhias  em  batedores  :  e  D. Joaõ  de  Alencaítre  , 
eme  fuílentou  galhardamente  a  efearamuça  ,  e  procedeo 
na  batalha  com  o  valor  ,  que  pedia  o  feu  fangue  ,  e  ef- 
ta  efperança  defempenhou  igualmente  D.  António   de 
Almeida ,  que  por  ordem,  particular  atacou  com  duzen- 
tos cavallos  huma  valoroía  efearamuça.  Deu-lhes  calor 
Manoel  Freire ,  avançando  com  mais  prefsa  ,  do  que 
convinha*,  porque  ainda  naquelle  tempo  naõeílavaó 
acabadas   de  formar  as  duas  linhas  na  forma ,  que  íe 
havia  difpoílo  v  porque  para  as  reduzir   de  quatro  a 
três,  era  necefsario  mais  eípaço.  Porém  acodio  a  promp- 
ta  diligencia  de  D.  Joaõ  da  Silva  com  lumma  brevida- 
de aefta  deíbrdem  ,  e  formou  a  fegunda  linha,  antes 
de  Manoel  Freire  vir  carregado  dos  inimigos  ,  e  Diniz 
de  Mello  correo  á  vanguarda  a  introduzir  na  peleja  a 
-Manoel  Freire  ,  e  elle  lem  mais  attençoens  ,  que  as  do 
feu  valor  ,  atacou  taõ  vivamente  a  primeira  linha  da 
vanguarda  dos  Caítelhanos  ,  que  desbaratada  a  levou  a 
buícar  ofoccorro  da  fegunda  linha  ,  e  adi antou-fe  tan- 
to neíte  impulfo  ,  que  hum  corpo  de  Infanteria  ,  que 
eítava  vizinho  ,  maltratou  de  forte  aquelles  batalhoens, 
que  obrigados  deite  .damno  ,  do  Ímpeto  da  fegunda  li- 
nha ,  que  osinveíKo,  e  da  falta  de  Manoel  Freire, 
que  os  governava  ,  (  porque  o  retirarão  iem  fentido  , 
moribundo  de  huma  bala  ,  que  lhe  deu  pela  teíla  )  vol- 
tarão conforme  a  ordem  a  formar-íe  nos  claros  da  fegú- 
da  linha  ;  diligencia,  que  Diniz  de  Mello  executou  com 
louvável  acerto.  Nefte  tempo  obfervando  os  Meftres 
cie  Campo,  eOíliciaes  de  Infanteria  das  eminências, 

onde 


Ht   PORWGAL  RESTAURADO, 

Anno  oivdQ  eítavaõ  formados,  a  rápida  refoluçaõ  da  Cavai-' 
s  /      laria  ,  levados  de  emulação  generoía,  lèm  mais  ordem 
1603.  que  a  je  niyfcerioía  providencia,  fe  moverão  a íiunx 
tempo  a  inveftir  aquelles  meímos  montes,  que  os  ini- 
migos poucas  horas  antes  tinhaõ  avaliado  por  iníupera- 
veis.  AchavaÓ-íe  na  ultima  eminência  do  lado  efquer- 
do  o  Conde  de  Villa-Flor  ,  o  Conde  da  Torre  ,  Aííbn- 
fo  Furtado  r  e  o  General  da  Artilharia ;  porém  eíles , 
antes  que  a  Cavãllaria  começaíse  a  atacar ,  vendo  que 
a  terceira  linha  havia  feito  alto ,  pela  difficuldade  de 
Shuma  fanja  ,  que  achou  diante  ,  correo  a  avançai  Ia  no 
íitio  ,  em  que  devia  formav-íe  ,  para  fuítentar  as  duas, 
que  pelejavaõ  ,•  e  vendo  a  refoluçaõ  da  Infanteria,  buf- 
cou  os  Terços  do  lado  elquerdo  da  vanguarda  ,  para  os 
governar  na  batalha.  O  mefmo  fez  AíFoníb  Furtado,  e 
ambos  chegarão  a  igual  tempo.  O  Conde  da  Torre  com 
grande  diligencia  foi  buícar  os  efquadroens  do  lado  di- 
reito j  e  o  Conde  de  Villa-Flor  pafsou  a  fegunda  linha 
a  diípor  ,  que  marchafse  na  diílancia  conveniente  ,  e  a 
deter  a  referva ,  para  que  lera  confuíao  acodifse  aos 
maiores  perigos  ,  dizendo  aos  Soldados  com  ardente» 
e  valorolb  impulfo  as  razoens  feguintes^  He  chegado 
o  tempo  ,  valoro  los  Portuguezes  ,  (  de  tantos  feculos. 
preícripto  (de  vermos  confeguidas  as  felicidades  de  Por- 
tugal, ejá  naõ  temos  que  contar  mais  efpaços ,  que 
a  diílancia  de  baixar  áquelle  valle ,  e  fubir  ao  alto  da- 
quelles  montes  guarnecidos  de  hum  exercito  em  parai* 
leio  igual ,  temeroíb  ,  e  confiado  J  temerofo  pela  def- 
ordem  ,  em  que  fe-conlideraj  confiado  pelo  fitio  quê  oc- 
cupa ;  e  naõ  achou  atégora  na  guerra  fortificação  na, 
tural ,  ou  artificiofa  taõ  perfeita  ,  que  fe  naõ  rendefse  a 
hum  valor  invencível,  comoovofso;  principalmente 
achando-a  deíanimada  entre  os  perigos  da  guarnição 
confufa  ;  opportunidade  que  logramos  na  occafiaõ  pre- 
fente  :  porque  o  exercito  inimigo  fe  acha  neíle  inítan- 
te  dividido  em  três  corpos  \  hum  que  marcha  por  huma 
eítrada  comprida  entre  doiis  montes  \  outro  queoccti- 
pa  a  entrada  da  ferra,  que  divifamos  ,  para  fegu rança 
de  taõ  arrifcada  marcha..;  outro  que  guarnece  a  altura 

daque* 


■ 


~¥ARTE  II.  LIVRO  Vi II.        145 

daquellas  duas  eminências  ,  que  determinamos  vencer;  AnnO 
€  hum  exercito  tao  despedaçado  confeisa  o  rendimento  ^  , 
antes  de  combatido.  He  fem  duvida,  que  a  qualquer  lô0í« 
das  três  partes  íeparadas  nos  adiamos  íuperiores  ,•  e  ef- 
ta  ,  que  íe  nos  oferece  por  primeiro  objecto,  íerá  in- 
falivelmente ,  fe  a  contraítarmos  ,  a  que  nos  legue  a 
vitoria  >*  porque  rota  a  Infa  nteria ,  a  Cavallaria  delimi- 
ta ,  e  o  nofso  exercito  encorporado .,  tendo  propicia  a 
mifericordia  Divina  na  juíHça  da  caufa  ,  que  defende- 
mos ,  como  fera  poflivel  cedermos  o  triunfo  ?  Principal- 
mente ,  quando  no  Degebe  ,  álèm  de  tantas,  e  taõ  plau- 
íiveis  memorias  antigas  ,  e  modernas  ,  vimos  a  pouca 
refoluçaõ  ,  e  menos  fciencia  militar  de  nolsos  contrá- 
rios. Acabemos ,  acabemos  agora  de  apurar-lhes  os  deí- 
enganos  ,  para  que  feja  coníequencia  do  vofso  valor  a 
liberdade  de  Évora  oprimida  ,  e  o  defafogo  deita  Pro- 
vinda moleítada  do  tyranno  domínio  dos  Caítelhanos, 
que  por  efpaço  defefsenta  annos  taõ  infelicemente  pa- 
decemos. Peço-vos  ,  valorofos Soldados,  como  compa- 
nheiro vofso  ,  e  mando-vos  como  vofso  General ,  que 
por  vos  livrardes  de  trabalhofas  confequencias  futuras, 
11  féis  neíta  empreza  do  ultimo  efpirito  de  voísos  alen- 
tados coraçoens ,  para  que  com  a  gloria  incomparável 
deite  dia  guarneçais  no  tempo  da  Fama  o  lugar  deítina- 
dopara  eíta  taõ  refplandecente  memoria. 

Nos  últimos  aísentos  deitas  palavras  começarão  a 
fubi r  os  quatro  Terços  ,  com  que  Aííbnfo  Furtado,  e  Forma  em  am 
o  General  da  Artilharia  marcha vao  á  mais  altacollina  }  r^àeH  a  *>*'<*: 
que  dominava  a  Campanha  ,  na  qual  aíliítia  D.  Joaõ  de 
Auítria.  Eraõ  osMeílres  de  Campo,  que  osgoverna- 
vaõ  ,  Triítaõ  da  Cunha  ,  Francifco  da  Silva  de  Moura, 
Joaõ  Furtado  de  Mendoça,  e  o  Tenente  Coronel  Inglez 
Thomás  Hut.  O  calor  com  que  osOfficiaes,  e  Solda- 
dos marchavaõ  a  peleijar ,  naõ  quizeraô  os  dous  Cabos 
reprimir  ,•  e  dividindo,  e  compondo  os  Terços  na  mar- 
cha ,  íubio  Triítaõ  da  Canha  ao  monte  pelo  lado  di- 
reito ,  Joaõ  Furtado  ,  e  Franciíco  da  Silva  pela  frente, 
os  Inglezes  pelo  lado  eíçjuerdo  ,•  e  como  eíta  parte  era 
a  mais  vizinha  á  Campanha ,  em  que  a  Cavallaria  pelei- 

java, 


lha. 


■£9 


144    PORTUGAL  RESTAURADO ,  - 

AntlO  Java,  inveítiraô  aos  Inglezes  quatrocentos  cavallos  cont 
:  , ,  grande  reíoluçaÒ,-  porém  elles  cerrando  as  bocas  de  fo- 
Ióoj.  g0  em  o  centro  do  troço  da  picaria,  foraõ  as  cargas 
taõ  repetidas ,  ea  reíiftencia  taõ  impenetrável ,  que  ti- 
verao  lugar  os  três  Terços  referidos  ,  govarnados  pelos 
dousCabos,  de  vencer  a  aípereza  do  monte  taõ  inac- 
ceílivel ,  que  o  comparou  D.  joaõ  de  Auíhia  ,  quando 
chegou  a  occupallo,  aoCaílello  de  Millaõy  e  na  carta 
que  eicreveo  a  EIRey  feti  Pay  ,  em  que  lhe  deu  conta 
do  iucceísa  da  batalha ,  dizia ,  que  a  natureza  naõ  for- 
mara melhor ,  nem  mais  íegura  Praça  de  Armas ,  e  que 
tivera  eícrupulo,  quando  fe  achara  naquelle  íitio  ,  do 
demaíiado  reíguardo ,  de  que  ufara  ,  e  que  os  Portugue- 
zes  com  incrível  reibluçaõ  lubiraõ  a  elle  (faõ  palavras 
formaes )  como  gateando.  Antes  de  chegarem  os  Terços 
ao  alto  do  monte  ,  matou  numa  bala  o  cavallo  de  Ãf- 
fonío  Furtado.  Acodio  o  General  da  Artilharia  a  re- 
mediar eíle  embaraço  ,  periuadindo-o ,  a  que  montafse 
nas  ancas  do  em  que  marchava.  Ao  tempo  em  que  cha- 
gava a  exacutallo  ,  lhe  deu  outro  hum  Capellaò  de  nu- 
ma das  Companhias  de  cavallos  da  Beira.  Levavaõ  os 
Terças  ordem  para  naõ  difpara^em  as  bocas  de  fogo, 
fenaó  depois  de  coroarem  o  alto  da  montanha  ,  e  eiri 
todos  os  Soldados  tinha  introduzido  o  General  da  Al  ri- 
lharia íegura  cõílança  de  naò  haverem  de  padecer  dant- 
no  algum  o  tempo  ,  que  durafse  a  afpereza  da  fubidaj 
porque  as  armas  de  fogo  inimigas  ,  fendo  atacadas 
com  a  prefsa  ,  que  pedia  o  fobrefalto  ,  e  o  perigo,  nao» 
era  poilivel  levarem  buxas  ,  e  havendo  de  difparar  as 
armas  á  difpoíiçaõ  da  altura  do  monte  ,  primeirò  as  ba- 
las haviaô  de  cahir  ,  que  a  força  da  pólvora  as  impei-» 
lifse  j  e  porque  era  precifo  averiguar-fe  para  a  difpofi- 
çaó  ,  em  que  marchafsem  os  Terços,  íe  dava  calor  á  In- 
fanteria^  que  guarnecia  o  monte  algum  corpo  de^Gaval- 
laria  ,  fe  offereceo  Manoel  de  Sequeira  Perdigão  ,  Sar- 
gento Maior  do  Terço  de  Francifco  dá  Silva  ,  a  efte 
perigoío  exame,  efubindo  ao  alto  do"  monte  por  en- 
tre nuvens  de  valas ,  defcobrindo  todo  o  fitio  ,  que  fe 
naõ  deixava  divifar  dos  que  marchavaõ  ?  animou  aos 

Terços 


1 66  j. 


PARTE  11.  LIVRO  VIU.      i4j 

Terços  a  que  fubifsem ,  porque  naó  havia  oppoflç.tá  de  Anno 
Cavallaria  ,  que  os  embaraçafse. 

De  todas  as  referidas  diipoíiçoens  refultou  maravi- 
lhoío  eífeito  ,•  porque  chegando  a  hum  mefmo  tempo 
os  três  Terços  ao  cume  da  Serra  ,  e  dando  as  bocas  de 
fogo  igual ,  e  furiofa  carga ,  foi   de  forte  o  terror  dos 
Caítelhanos  de  experimentarem  vencida  a  diíHculdade* 
quejulgavaõ  infuperavel ,  que  confundindo-lhe  o  te- 
mor o  refpeito  ,  que  devia õ  ter  á  pefsoa  de  D.  Joaõ  de 
Auítria  ,  defampararaô  huma  tapada  ,  que  lhe  fervia  de 
trincheira,  e  quatro  peças  de  artilharia  ,•  as"quaes  no 
mefmo  inítante  mandou  DXuiz  de  Menezes  jogar  con- 
tra elles  ,•  e  antes  de  experimentarem  a  fúria  dos  botes 
da  picaria  ,  voltarão  taò  cegamente  as  coitas  ,  que  naó 
valeo  a  D.  João  de  Auítria  defmontar-íe  valorofamente 
do  cavallo ,  dizendo  ,  que  aquelle  era  o  tempo  de  íe 
lembrarem  das  obrigaçoens ,  com  que  nafceraõ  ,  do  va^ 
lor,  com  que  em  todos  osfeculos  pelejarão,  e  de  que 
íe  expunhaõ  a  maior  rifco  ,  dando  as  coitas  aos  inimi- 
gos ,  que  voltando  as  caras  ,•  e  que  o  corpo  fuperior  da 
Cavallaria,  que  eítava  vizinha,  baítava  a  defendellos  de 
maior  perigo.  Detiveraó-fe  os  Gaítelhanos  com  eíta 
perfuafaô  ,  fizeraõ  alto  em  outra  eminência  menos  af- 
pêra  ,  e  pouco  diítante :  porém  chegando  a  eíla  os  dous 
Cabos  com  os  três  Terços  ,  fugirão  os  Caítelhanos  com 
tão  defcompoíto  receyo  ,  que  D.  João  de  Auítria  ceden- 
do á  fortuna  ,  montou  a  cavallo  ,  e  fe  retirou  para  Ar- 
ronches. 

Ao  mefmo  tempo  ,  efuperando  iguaes  diffículda- 
des  r  fubio  ò  Conde  da  Torre  a  outra  eminência  ,  que 
os  Caítelhanos  guarnecião  ,  com  os  Terços  dos  Meítres 
de  Campo  Lourenço  deSoufa  de  Menezes,  Sebaítiao 
Corrêa  Lo  rvelJa  ,  D.  Diogo  de  Faro ,  Miguel  Barbofa 
da  Franca  ,  Simão  de  Vafconcellos ,  e  o  Meítre  de  Cam- 
po Roque  da  Coita  Barreto  mal  convalecido  da  queda, 
que  lhe  impedio  o  braço  direito  ,  por  cuja  caufa  ( coma 
referimos)  não  havia  aííiítido  com  ofeu  Terço  em  Evo* 
ra  ,  eD.  Pedro  Mafcarenhas.  Dava  calor  á  Infanteria  o 
Commifsario  geral  Mathias    da  Cunha  com  es  cinco 

K  bata^ 


V&  TORTUGAL  RESTAURADO, 

AntlO  baí:   loens.  Os  Caítelhanos  haviaõ  eíte ndido  parte  dá 
,  ,      liiiciíiteria  pela  emiaencia  ,  e  tiveraó  na  defenía  delia 
I  Oój,  majs  aiglima  coaílaucia :  porém  obrigados  do  impulíb 
dos  Terços ,  e  do  impero  da  Cavallaria  ,  que^idatliias 
da  Cunha  manejou  com  muito  valor  ,  «e  acerto ,  aíliíti- 
do  dosCapitaens  de  cavallos  Ayres  de  Saldanha  ,  Ayres 
deSoufa  ,  D.  Manoel  Lobo  ,  e  Paulo  Homem  ,  volta- 
rão as  coitas  ,  defamparáraõ  outras  quatro  peças  de  ar- 
tilharia ,  que,  depois  de  irem.em  marcha ,  retrocederão 
para  o  lugar  ,  onde  eà-avaó  no  primeiro  movimento  do 
exercito.  Foi  o  eítrago  ,  que  os  Caítelhanos  receberão 
deita  parte ,  igual  ao  que  haviaõ  padecido  os  Terços  do 
lado  efquerdo  ,  ecom  elles  fe  encorporou  o.Condeda 
Torre  j  havendo  procedido  com  tanto  ardor  ,  e  reíblu- 
çaõ  ,  que,  pafsando  o  £eu  empenho  de  Cabo  a  Soldado 
particular  ,  lhe  ferirão  a  cavallo  pelejando;  imitado 
acerto  de  todos  os  que  o  acompanhavaõ.  Affoníb  Fur- 
tado ,  e  o  General  da  Artilharia,  depois  de  haverem  def^ 
baratado  os  Caítelhanos  na  fegunda  eminencia,fe  adian- 
tarão á  terceira,  em  que  já  naõ  acharão  oppoíiçaô  algu-» 
ma  ;  e  vendo  que  a  noite  cerrava  ,  e  as  carruagens  dos 
Caítelhanos  eftavaõ  muito  vizinhas ,  que  podia  perigar 
a  defordem  na  ambição  dos  Soldados  ,  e  que  a  Cavalla- 
ria fem  reconhecer  ventagem  ,  ficara  pelejando  na  fua 
rectaguarda,  intentarão  fazer  alto  para  formar  os  Ter- 
ços :  porém  o  calor  da  vidtoria  nao  dava  lugar  á  preci- 
ia  obediência  >  o  que  obfervado  pelo  General  da  Arti- 
lharia ,   ufou  de  huma  novidade ,  que  acreditou  o  fuc- 
cefso.  Obrigou  a  alguns  Officiaes  da  Terço  de  Francif- 
co  da  Silva  ,  (de  que  havia  fido  Meítre  de  Campo  ) 
que  erao  os  que  marchavaó  mais  avançados ,  a  que  fe 
íentafsem  :  pararão  os  que  os  feguiraõ,  vendo  eíta  defu-» 
fada  operação  ,  e  a  eíte  exemplo  foraó  fazendo  alto  to- 
dos os  Terços }  e  como  com  o  focego  eítiveraó  capazes 
para  o  difcurfo ,  obedecerão  formando-fe  ao  preceito 
dos  dous  Cabos  j  e  chegando  a  eíte  fitio  o  Conde  da 
Torre  com  a  gente ,  que  conduzira  ,  fe  formarão  no- 
ve Terços  ,  e  fe  coroou  o  monte  com  militar  difpoíi- 
çao.  Ciiegou  a  eíte  tempo  o  Conde  de  Schomberg  ,  que 

vendo 


PARTE  II.  LIVRO  VIII.        u? 

vendo  abalar  a  Infanteria  .  quando  começava  a  pelejar  Anno 
:om  a  Cavallaria  ,  acodio  a  compor  o  arrebatado  ira-     ,, 
pulib  ,  com  que  marchava  $  e  reconhecendo  as  valoro- Iô0>' 
ias  acçoens  ,  que  fe  haviaõ  executado  ,  agradeceo  com 
alegres  demonrtraçoens  apodos,  os  quefe  achavacv  pre- 
íentes ,  tanto  o  valor  ,  com  que  inveíriraó  ,  como  a  dif- 
ciplina  ,  com  que  fe  formarão  ,  e  voltou  para  o  lugar  i 
enrque^ainda  pelejava  a  Cavallaria ;  porque,  havendo 
(como  diísemos }  Diniz  de  Mello  paísado  á  fegunda li- 
nha ,  emqueeílava  D.  João  da  Silva,  e  dado  ordem 
que  na  fua  redaguarda  fe  formafsem  os  batalhoens,com 
que  Manoel  Freire  havia  avançado  ,  que  vinhaõ  carre- 
gados da  íegunda  linha  dos  Caítelhanos ,  acodio  a  lhes 
deter  a  fúria    aíTiílido  de  D.  Joaõ  da  Silva  com  tanto 
valor,  e  prudente  ordem  ,  que  fem  perder  terreno,hou- 
ve  batalhoens ,  que  duas,  e  três  vezes  foraõ  inveíli- 
dos  ,  fem  poderem  fer  rotos  ,  miniílrando  eficazmente 
os  acertos  a  prefença  de  Pedro  Jaques  de  Magalhaens  , 
que  igualmente  mandava,  e  pelejava.  Entre  a  nofsa  Ca- 
vallaria, e  a  inimiga  fe  interpunha  hum  pequeno  fof- 
ío ,  que,  fuppoílo  nao  impedia  o  pafsar-fe,  a  dificul- 
dade embaraçava  o  ultimo  rompimento  ,•  e  fazendo  D. 
Joaó  da  Silva  eíta  obfervaçaõ ;  mandou  advertir  a  D* 
Manoel  de  Ataide   que  adiantafse  os  batalhoens  da  re- 
ferva :  e  pertendendo  D.  Manoel  dar  á  execução  eíte 
avizo  ,  deteve  Joaõ  do  Crato  o  feu  acertado  irn  pui  fo  , 
perfuadindo  a  que  era  aprefsado  ,•  engano,  que  poz  em 
contingência  o  fuccefso  daqúelle  dia.Aeítetempo  con- 
tinuava a  marcha  da  íegunda  linha  da  Infanteria  ,  que 
conftava  ,  começando  a  contar  pelo  lado  eíquerdo,  que 
neíle  dia  deu  a  forma  da  batalha  ,  do  Regimento  de  Tu- 
glezes  do  Coronel  D.Diogo  Apsley  j  feguiaõ-fe  os  Ter- 
ços de  Joaó  da  Coita  de  Brito, Manoel  Ferreira  Rebello, 
Alexandre  de  Moura  ,  Jaques  Tolon,  Martim  Corrêa  de 
Sá,  e  Pedro  Cefar  de  Menezes,*  e  á  fua  imitação  marcha- 
vas os  Terços  da  referva  dos  Meftres  de  Campo  Paulo 
de  Andrade,  Lourenço  Garcez,  eLuiz  da  Silva.  Subirão 
aos  montes,  onde  fe  ganhou  a  batalha  ,  e  Jaques  Tolon 
arrimando-fe  á  parte  ,  onde  a  Cavallaria  pelejava  ,  lhe 
deu  grande, calor*  K  *-  In> 


■48     PORTUGAL  RESTAURADO  , 

ÀmiO  Impaciente  da  dilação  dos  batalhoens  de  referva 

,1      D.  Manoel  Luiz  de  Ataíde  ,  vio  que  marchava  o  Sar- 

Ióó  j.  gento  mór  di  Batalha  Db  go  Gomes  de  Figueiredo  por 
ordem  do  Conde  de  Villa-Flor  como  Terço  de  Bernar- 
do de  Miranda  Henriques  a  ajudar  a  Cavallaria  a  derro- 
tar o  ultimo  corpo ,  que  os  Caítelhenos  na  entrada  da 
Serra  ainda  coníervavão  depois  de  duas  horas  de  furio- 
ia  ,  e  conítante  peleja ;  e  achando  dos  batalhoens  ,  que 
governava  ,  cinco  que  o  feguirão ,  occupou  com  elles 
o  lado  efquerdo  do  Terço ,  que  ficava  deícoberto  para 
a  Campanha  ,  e  chegando  ao  confíl&o  ,  lhe  aggregarão 
Diniz  de  Mello  ,  Pedro  Jaques  ,  e  Dom  João  da  Silva 
promptamente  outros  batalhoens  ,  que  eítavão  forma- 
dos ,*  e  feguindo  eíle  exemplo  os  que  ficarão  com  João 
do  Crato  ,  inveítio  eíte  corpo  tão  furiofamente  a  Caval- 
laria inimiga,  que  dando  o  Terço  huma  acertada  carga, 
desbaratada  a  perfiílencia  dos  Caítelhanos ,  voltarão^as 
çoílas  ,  eem  corífufo  ,  e  defordenado  tropel  pafsarão 
pelos  nove  Terços ,  que  occupavão  a  ultima  collina  do 
Campo  da  batalha  ,  afiiítidos  do  Conde  da  Torre,  e  Af- 
fonfo  Furtado,  e  o  General  da  Artilharia  ,  receberão  de- 
ite grande  corpo  huma  furiofa  carga,  que  totalmente 
acabou  de  desbaratallos  ,  e  ajudados  da  noite  bufcarão 
divididos  o  remédio  do  perigo  ,  a  que  fe  achavão  ex- 
pqíto.  Siguio-lhe  a  Cavallaria  o  alcance ,  porém  com 
menos  calor  ,  do  que  convinha  >  abrandando-fe  a  fúria 
dos  Soldados  com  a  ambição  dos  defpojos  das  carruages, 
que  encontrarão  ,•  enão  foi  poífivel  a  D.  João  da  Sil- 
va juntar  hum  corpo ,  com  que  pertendeo  correr  até 
ás  portas  de  Arronches,  infallivel  receptáculo  dos  fu- 
gitivos ,  acertada  refolução ,  de  que  fe  pudera  feguir 
confideravel  effeito.  A  noite  fuípendeo  em  todos  o^  lu- 
gares da  batalha  a  fúria  do  confli&o,  e  a  Infanteria  con- 
fervou  os  poítos ,  em  que  de  dia  ficou  formada.  Não 
divertio  o  jufto  contentamento  de  tão  fmalada  viclc- 
ria  a  laftima  do  horrendo  efpeílaculo  reprefentado  na- 
quclla  Campanha,*  porque  ferião  o  ar  infehces  gemidos 
dos  feridos  ,  e  moribundos  ,•  que  anciofa ,  e  Catholica- 
mente;  fe  queixavão  ,  e  a  luz  do  dia  de  nove  de  Junho, 

ainda 


parte  a  um®  vm.    U9 

ainda  que  desbaratou  o  horror  da  noite.,  nao  apartou  ^^0 
dos  ânimos  prudentes  a  reflexão  da  inconítancia  da  for-  %  ' 
tuna,  vendo-fe.  totalmente  desbaratado  hum  exercito  ,  looj. 
que  poucas  horas  antes  fe  confiderava  incontraílavel , 
tanto  pela  capacidade  dos  Cabos  ,  e  Officiaes  ,  como  pe- 
lo valor  dos  Soldados  ,  efortaleza  do  íitio.  O  Conde 
de  Villa-Flor  fodo  o  tempo v  que  durou  a  batalha  ,  ha- 
via acertadamente  diítribu  ido  as  ordens  mais  precitas, 
e  acodido  aos  accidentes  mais.  perigoíbs.  Tanto  que 
amanheceo,bufcou  o  Conde  da  Torre,Affoníb  Furtado, 
e  o  General  da  Artilharia  ,  e  com  dilatados  elogios  lhes 
fatisfez ,  e  aos  Officiaes ,  e  Soldados  o  trabalho ,  e  a 
refoluçaó  antecedente. Fez  a  meíma  diligencia  com  Di- 
niz de  Mello  ,  e  D.  Joaõ  da  Silva  ,  dignamente  mere- 
cedores dos  mayores  encómios  ,  pela  valor,  e  íciencia 
militar  ,  com  que  havia  o  pelejado  i  e  chegando  o  Con- 
de de  Schomberg  ,  lhe  expoz  o  de  Villa-Flor,  o.  íeu  af- 
fedo  ,  dizendo  ,  que  nasacçoens  daquella  batalha  ha- 
via eternizado  os  trinta  annos  daglorioía  guerra,  em 
que  aííilHra  ;  pois  defde  o  primeiro  inílante  do  comba- 
te da  Cavallaria  fe  dividira  em  todos  os  lugares  da  ba- 
talha em  tantas  partes  ,  que  parecia  ,  que,  ao  mefmo 
tempo  pelejara  em  todas  juntas  ,  aíliíHdo  dos  Sargen- 
tos Mores  de  Batalha  Diogo  Gomes  de  Figueiredo  ,  e 
João  da  Silva  de  Soufa  ,  que  pondò-fe  diante  dos  ter- 
ços da  primeira  linha  ,  executou  valoroías  acçoens. 
Foi  o  Conde  de  Villa-Flor  diílribuindo  o  feu  agrade- 
cimento por  todos  os  Officiaes  da  Cavallaria  ,  e  Infan- 
te ria  ,  e  pelsoas  particulares >  que  foraõ  Luiz  Pafsanha 
de  Caftro  ,  a  quem  matarão  o  cavallo  ,  e  montado  em 
outro  ,  continuou  a  peleja ;  Jorge  Furtado  de  Mendo- 
ça,  Luiz  de  Saldanha  da  Gama,  Jeronymo  de  Mendoça, 
Manoel  de  Soufa  de  Cait.ro-*  que  havia  chegado  dohV 
tio  de  Évora  ,  e  todos  os  mais ,  de  que  nao  pôde  feí 
mappa  eítreito  papel. 

A  perda  dos  Caítelhanos  nefta  batalha  foi  taó  con- 
fideravel ,  como  fe  deixa  ver  na  pouca  refiítencia,  que  Perja  jotC(tt 
fizeraôaos  furiofos  golpes  das  efpadas  Portuguezas:  ri-  fitlhanos, 
caraõ  na  Campanha  mais  de   quatro  mil  mortos  de  to- 
;-  --  --  K  3      ^1-—  das 


■íl 

1 

1,1.1 

rjo    PORK/GAL  RESTAURADO, 

AnfJO  ^as  Náçoens ,  e  os  prifioneiros  paísaraó*  de  féis  mil, 
>/  em  que  entrava  ó  doas  mil  e  quinhentos  feridos.  Fo- 
100/  *  rao  os  OfEciães  de  maior  fuppoílçaó  ,  cinco  Mefcres  de 
Campo  Caílelhanos  ,  dous  Coronéis  Alemães,  quatro 
Cominiísarios  geraes  da  Cavallaria  ,  hum  Tenente  de 
Meítre  de  Campo  General ,  onze  Capitães  dé  cavallosj 
fetenta  e  cinco  de  Infante  ria,  vinte  e  dòus  reformados, 
trinta  Alferes  ,  grande  numero  de  Officiaes  menores  ,  e 
depeísoas  de  qualidade  ,  entrando  nellas  o  Marquez 
da-Liche,  herdeiro  dé  dous  validos,  e  cinco  vezes  Gran- 
de deHelpanha,o  Meftre  de  Campo  D. António  de  Guí- 
maò  ,  filho  do  Duque  de  Medina  de  las  Torres  ,  o  Con- 
de de  Efcalante  ,  D.  João  Henriques  >  e  das  tropas  ex- 
trangeiras  o  Conde  Fiefco  ,  o  Conde  de-But ,  o  Conde 
de  Locefquein  ,  e  outras'  muitas  peísoas  de  qualidade 
dignas  de  grande  eítimaçaõ.  Tomara Ó-íe  oito  peças  de 
artilharia  ,  que  eraò  todas  as  què  trazia1  o  exercito  * 
hum  morteiro  ,  grande  quantidade  de  armas,  mil  e  qua- 
trocentos ca vallos  ,  que  fe  tripolaraõ  pelas  Compa- 
nhias, fora  outros  muitos,  de  que  fe  naó  fez  lifta, 
pelos  tomarem  os  paizainos  ,  e  os  divertirem  os  Solda- 
dos :  mais  de  dous  mil  carros  carregados  de  fato  pre- 
riofo,  em  que  entrava  quantidade  de  prata  ,  ouro ,  é 
joyas,  dezoito  carroças ,  três  delias  da  pefsoa  de  D.Joaõ 
de  Auítria  3  a  fua  Secretaria  com  todos  os  papéis  ,  que 
continhaõ  os  fegredos  mais|  importantes  ,  os  livros  de 
contas  das  Vedo  rias  do  exercito,  e  artilharia,  doze  ban- 
deiras de  Infanteria ,  quantidade  de  eítandartes  da  Ca-» 
vallaria  ,  e  o  mais  importante  para  â  gloria  militar,  que 
foi  o  de  D.  João  de  Auílria  com  às  Armas  Reaes  de  Ca- 
ítella,  por  huma  parte  cuítofamente  ornadas,  e  da  outra 
huma  empreza  ,  que  moítrava  o  Sol  em  campo  celeíle, 
dando  refplandor  áLua  entre  Eílrellas ,  com  huma  le- 
tra ,  que  dizia  :  Si  no  es  Sol ,  fera  Detdad. 

O  defconto  de  toda  a  referida  felicidade  foraõ 
as  pefsoas  ,  que  faltarão  na  batalha  ,  dignas  de  grande 
eítimaçaõ  j  entre  ellascau fará õ  maior  ientimento  Ma-. 
noel  Freire  de  Andrade,  General  da  Ca  vallaria  da  Bei- 
ra, pelo  feu  grande  valor  ,  zelo,  e  a&ividade;  Diogo 

Soares 


VARTE  U.  LimO  VIII.        ijri 

Soares  de  Almeida,Meftre  de  Campo  do  Terço  de  Au-  Annô 
xiliares  do  Crato ,  Fernão  Martins  de  Seixas,  Tenen-        , 
te  do  Meítre  de  Campo  General ,  Chriítovaõ  de  Brito,  I003» 
Capitão  de  Arcabuzeiros  da  guarda  do  Conde  de  Vil- > 
la-Hor  ,  e  os  Capitães  de  cavallos  Luiz  Vaz  de  Sequei- 
ra ,  EítevaÕ  Soares  ,  João  de.  Torres  de  Sequeira,  os  Ca- 
pitaens  de  Infanteria  Paulo  Nogueira ,  João  da  Silva 
Barbofa  ,  Pedro  Alvares ,  João  de  Moura,  Manoel  Gon- 
falves  de  Carvalho ,  Domingos  de  Almeida  ,  Jeronymo 
Moreira.  Morrerão  mil  Soldados  Portuguezes  ,  e  entre 
OíHciaes  ,  e  Soldados  ficarão  feridos  quinhentos.  Forão 
os  mais  conhecidos  o  Meítre  de  Campo  Simão  de  Vaf- 
concellos  e  Soufa  com  huma  perigofa  bala  pelos  peitos, 
e  Gomes  Freire  de  Andrade  com  liuma  eítocada  ,  o  Ca- 
pitão de  Couraças  da  guarda  Bartholomeo  de  Barros  Ca- 
minha com  treze  fendas  ,  e  levarão-o  os  Caítelhanos 
prifioneiro  no  primeiro  encontro  da  Cavallaria.  Luiz 
Lobo  da  Silva  Capitão  de  Cavallos  das  tropas  de  Ex- 
tremadura  recebeo  huma  bala  na  mãoefquerda  ,  e  ou- 
tra em  huma  perna:  Bernardo  de  Faria  Capitão  de  Cou- 
raças ficou  com  quatro  feridas  ,  o  Capitão  de  cavallos 
Franciíco  de  Albuquerque  e  Caítro   com  deíanove ,  e 
com  poucas  menos  Filippe  Ferreira.  Receberão  também 
quantidade  de  feridas  os  Capitães  de  Infanteria  Gonfa- 
lo  Alvares  Corrêa  ,  António  da  Silveira  ,  Balthazar  de 
Barros,  Diogo  de  Gongra  ,  e  outros  Officiaes  de  po- 
ítos  inferiores. Das  Companhias  Francezas  morrerão  tre- 
zentos Soldados,  entre  elles  Labefce,  Tenente  da  Com- 
panhia do  Conde  de  Schomberg :  ficou  ferido  íeu  filho 
mais  velho  o  Marquez  de  Schomberg  ,  havendo  proce- 
dido ,  e  fen  irmão  o  Barão  com  muito  grande  valor  , 
e  acerto:  ficarão  também  feridos  os  Capitaens  de  ca- 
vallos João  de  Sanclà  ,  ©  Luiz  de  Saneia  j  e  das  tropas 
Inglezas  morrerão  cincoenta  Soldados  Infantes ,  e  de 
cavallo  ,  em  que  entrou  o  Tenente  Coronel  D.  Miguel 
de  Ogan  ,  e  ambas  as  Naçoens  unidas  ,  e  competidoras 
pelejarão  volo roía  mente.  Os  priíioneiros  de  Évora  ven- 
do melhorar  o  nofso  partido  ,  e  achando-fe  livres  dos 
batalhoens ,  que  os  guardavão  ,  avançarão  a  colher  as 

K  4  armas» 


íji      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ànno  armas  ,  que  lhes  foi  poílivel  ,  dos  mortos  ,  e  rendidos, 
,s      e,  ajudarão  a  deítruiçaõ  dos  Caílelha nos  ,  fatisfazendo- 
IpOJ.  £Q  ^QS  damnos  ,  e  afrontas  ,  que  haviaô  padecido,  e 
tomando  forma  militar  ,  íe  encorporaraõ  com  o  exerci- 
to depois  de  amanhecer. 

D.  Joaõ  de  Auítria  ,  perdida  a  batalha  ,  fe  retirou 
para  a  Arronches,  como  refeiimos:  na  marcha  fe  lhe  en- 
corporaraõ dous  batàlhoens  ,  e  quinhentos  Infantes  ,  e 
fe  lhe  unirão  D.  Diogo  Cavalhero,  e  os  Tenentes  Ge- 
lieraes  da  Ca vallaria.Qiiando  chegarão  a  Arronches,que 
foi  pelo  meyo  dia,  acharão  o  Duque  de  S.  German  , 
que  na  noite  antecedente  havia  entrado  naquella  Pra- 
ça com  aprefsada  marcha  ,  que  D.  Joaõ  de  Auftria  repre- 
hendeo  com  colérica  feveridade.  De  todos  osSoldados* 
que  fugirão  ,  íe  formou  hum  corpo  de  dous  mil  cavai- 
los  ,  ecomellesfe  retirou  D.  Joaõ  de  Auílriaj  para  Ba- 
dajoz, deixando  em  Arronches  os  quinhentos  Infantes: 
c  foraõ  de  qualidade  as  demonílraçoens  publicas  ,  com 
que  encareceo  ofentimento  da  fua  deígraça  ,  que  de- 
pois de  vários  caftigos  em  Oíiiciaes  de  acreditada  opi- 
nião ,  condemnou  a  Naçaõ  Caítelhana  a  perder  o  privi- 
■    legio  de  levar  íempre  as  vanguardas  dos  exércitos ,  e 
as  deu  ásNaçoens  Extrangeiras  ;  exemplo  até  áquelle 
tempo  nunca  acontecido  $  e  de  todas  eftascircumítan- " 
cias  dava  conta  a  ÉlRey  feu  Pay  na  carta  ,  que  referi- 
mos lhe  efcreveo  depois  da  batalha  ,  exagerando  de 
,  forte  o  máo  procedimento  dos  Caílelhanos  ,  que  por 
naó  deixar  eterno  o  labéo  dehuma  Naçaõ  taõvaloro- 
fa  ,  nos  deixamos  perfuadir  dos  documentos  da  mode- 
ítia,  para  naõ  expor  neíta  Hiítoria  ao  mundo  ©tras- 
lado da  carta  ,  fendo  taõ  digna  de  fé  ,  como  efcrita  por 
hum  Principe  obrigado  a  exaltar  a  própria  Naçaõ?  com- 
poílo  de  herqycas  virtudes ,  fuperior  a  todos  s'os  Capi- 
tães daquella  Monarquia ,  e  igual  aos  melhores  da  Eu- 
ropa. 

O  Conde  de  Villa-Hor  logo   que  reconheceo  co- 
nhecida a  viéloria  ,  mandou  Jerouymo  de  Mendoça  le- 
var a  EIRey  aquella  alegre  nova,  Chegou  a  Liboa  aj 
que  era  Saobado  ,  nove  de  junho,  dia  de- 
dica do 


dia  feguinte 


tARTE  11  LWKO  VIU.       155 

-dicadoáNofsa  Senhora  ,  que  com  o  titulo  daConçei-  Anno 
'caõ  lie  Padroeira  do  Reino  \  e  invocação  dada  ao  ex-  ,, 
ercito  na  batalha  felice  j  devoção  ,  que  havia  inítituido  Ió°3* 
André  de  Albuquerque.Eraó  onze  horas  da  noite, quan- 
do Jeronymo  de  Mendcça  entrou  no  Paço  ,  e  divul- 
gada a  nova  ,  as  luzes  ,  e  o  alvoroço  anticiparaõ  o  dia. 
Baixou  EIRey  ,  e  o  Infante  á  Capella  a  dar  graças  ao 
Santiffimo  Sacramento  expoíto ;  devida  demonítraçaõ  a 
tanta  felicidade  rque  proítrou  de  forte  o  poder  de  Ca- 
ítella  ,  que  desbaratou  a  induítria  ,  com  que  fazia  en- 
tender ás  Naçoens  de  Europa,  que  a  duração  da  Mo- 
narquia Portugueza  eítava  vacilante.  O  Conde  de  Caf- 
tello-Melhor  ,  que  tinha  concorrido  com  todos  os  in- 
ítrurnentos  proporcionados  para  a  defenfa  do  Reino 
com  louvável  zelo  ,  é trabalho  ;  perfuadio  a  ElRey,a  q 
mandafse  fazer  fufíragios  ,  e  dizer  quantidade  de  Mií- 
fas  pelos  Ohiciaes ,  e  Soldados  ,  que  morrerão  na  bata- 
lha ;  piedofa  attençaõ  ,  e  universalmente  approvada. 

Livre  a  Provincia  de  Alentejo  da  opprefsaô  ,  que 
havia  padecido  com  o  exercito  de  Caítella  ,  paisou  o 
Conde  de  Villa-Flor  a  Eítremoz  a  compor  os  Terços  , 
Companhias  de  cavallos  ,  e  Trem  da  artilharia  ,  para 
colher  na  recuperação  de  Évora  o  mais  fazo nado  fru- 
to da  vicforia.  Cinco  dias  gaitámos  neílas  difpoíiçoens, 
e  aquatorze  de  Junho  marchámos  para  Évora  ,  e  ficou 
governando  a  Praça  de  Eítremoz  Affonfo  Furtado  de 
Mendoça,  ede  guarnição  os  Terços  dos  Meítres  de 
Campo  Joaõ  Furtado  ,  João  da  Coita  de  Brito  ,  Luiz  da 
Silva  ,  António  de  Almeida  ,  Lourenço  Garcez  ,  e  Jp- 
leph  de  Moraes  j  e  a  governar  Campo-Mayor  paisou  o 
Conde  da  Torre  com  o  Terço  de  Pedro  Ceíar  de  Me- 
nezes ,  e  os  mais  que  haviao  íicado  naquella  Praça.  Par- 
tio  para  Portalegre  Alexandre  de  Moura  com  o  feu  Ter- 
ço i  para  Villa-Viçofa  Manoel  Lobato  com  o  Terço 
de  D. Pedro  Opeihnga;  António  Jaques  de  Payva  para 
Monçaraz  com  trezentos  Infantes ,  e  os  dousíe  tinhaó. 
achado  na  batalha  ,  e  procedido  nella  com  grande  va- 
lor. 

A  falta,  queosTerçor  referidos  fizeraõ  no  exer- 
cito 


ij4    P0R1UGAL  RESTAURADO, 

iAnnOclto  ( clue  folpreciíà  pelo  perigo  da  diverfaõ  dos  Ca- 
/'     ítelha nos  )  ficou  largamente  íu pp.rida  com  a  chegada  do 

1 "° i*  corpo  de  exercito, que  em  Áldea-Gallega  juntou  o  Mar- 
quez de  Marialva  ,  que  adezaíete  de  junho  fe  encor- 
porou  noDegebe  com  o  Conde  de  Villa-Flor,  Coníta^ 
va  de  fete  Terços  governados  pelo  Coronel  o  Conde 
de  Villar-Mayor ,  e  os  Meítres  de  Campo  Febos  Moniz 
de  Sampayo  ,  Jofeph  Gomes  da  Silva ,  Franciíco  de 
Barros  de  Almeida ,  e  pelos  Sargentos  Maiores  Salva- 
dor Freire  ,  Martim  Nabo,  ejeronymo  de  Alcaceva, 
Compunhaõ-fe  os  Terços  de  três  mil  e  quinhentos  Infã- 
tes,  e marcharão  comelles  trezentos  cavallos  ,  e  qua- 
tro peças  de  artilharia.  Servia.de  Meítre  de  Campo  Ge- 
neral Gil  Vaz  Lobo,  governava  o  Trem  Henrique  Hen- 
riques de  Miranda  ,  e  era  Tenente  de  Meítre  de  Campo 
General  Joíeph  de  Soufa  Cid.  As  pefsoas  principaes  da 
Corte  ,  que  pafsaraõ  a  aííiítir  no  íitio  de  Évora  ,  foraõ 
os  Condes  de  Sarzedas  ,  Santa  Cruz,  Vidigueira,  e  Mif- 
quitella  ,  D.  Lourenço  de  Alencaílre,  D  .Franciíco  Mas- 
carenhas ,  Luiz  de  Saldanha  de  Albuquerque  ,  D.  Dio* 
go  Fernandes  de  Almeida  ,  António  Luiz  Coutinho, D. 
Joaô  deCaílro  ,  Luiz  Gonlalves  Coutinho  ,  D.  Noutel 
de  Caílro  ,  Fernão  de  Miranda  ,  António  Corrêa  Bárem, 
Franciíco  Pereira  da  Cunha  ,  Secretário  do  Confelho  de 
Guerra.  Foi  o  Marquez  de  Marialva  recebido  do  Con- 
de  de  Villa-Flor  ,  e  de  todo  o  exercito  com  as  demo n- 
ítraçoens  ,  e  veneração  ,  que  merecia  fua  authoridade,e 
o  zelo  ,  e  focego  de  animo  ,  com  que  fem  lhe  caufat 
perturbação  a  infolencia  do  Povo  commettida  contra  a 
íua  caía  ,  paísou,  a  poucas  horas  de  fuccedida,  a  Aldeã 
Gallega  a  prevenir  o  foccorro  de  Évora.  Paísou-íe  mo- 
ítra  a  todo  o  exercito  ,  e  achou-fe  que  confiava  de  tre- 
ze mil  Infantes  ,  e  dous  mil  e  quinhentos  cavallos;  nu- 
mero proporcionado  á  empreza  ,  que  fe  intentava  na 
confíderaçao  de  naó  teremos  Caílelhanos  exercito, com 
que  foccorrerem  aquella  Praça  pela  rota  fatal ,  que  an- 
tecedente havia  padecido. 

A  dezoito  do  mez  referido  ,  ao  romper  da  manhãa, 
fe  adiantarão  o  Conde  de  Schomberg ,  e  os  Generaes  da 

Çavalla- 


pakte  ii.  Lmm  vm.    ^ 

Cavallaria  ,  e  Artilharia  a  reconhecer  oeítado  das  for-  Anno 
tificaçoens  de  Évora  ,  que  acharão  muito  mais  adianta- 
das,do  que  ie ■lúppunhaojporque  no  Forte  de  Santo  An-  1  °6  3  • 
tonio  havia  dous  baluartes  em  defenfa  ,  de  que  fahia  ó  „      , 

i  i-    i         j  ~,       •      ~    ->  t  Reconhecem 

duas  linhas  de  communicaçao  ,que  rematavao  nas  por-  tvora  csnorroí 
tas  de  Aviz  ,  e  da  lagoa  com  fóísos  altos  ,  e  principio  Generais, 
de  eítrada  coberta.  Ao  lado  direito  deita  obra  fe  levan- 
tava na  Igreja  de  S.  Bartholomeu  hum  baluarte  ainda 
impecfetttri  delle  corria  huma  cortina ,  que  fechava 
na  linha  da  Forte  de  Santo  António,  e  acabava  na  porta 
de  Aviz.  A  eíte  baluarte  fuccedia  o  dos  Apoítolds ,  que 
quafi  eítava  em  perfeição  ;  jcgavaõ  delle  três  peças  de 
artilharia ;  íeguiafe-lhe  hum  reducto  antigo  íem  obra 
nova  ,  mas  em  boa  defenfa;  e  em  igual  diítancia  cor- 
ria outro  da  mefma  qualidade  ,  que  fechava  em  hum 
baluarte  ,  que  cobria  o  Câítello  antigo'  Na  Ermida  da 
invocação  deS.  Braz  haviaõos  Caítellhanos  accreícen- 
tado  á  noísa  planta  huma  obra  cornua  j  que  eítava  em 
boa  defenfa.  A'  maó  direita  corria  o  baluarte  do  Prínci- 
pe, de  que  jogava  o  três  peças  de  artilharia.  No  Con- 
vento dos  Remédios  levantarão  outra  obra  cornua j  del- 
ia fahia  huma  linha  ,  que  rematava  nas  portas  de  Al- 
conchel  >  onde  tinha  principio  o  baluarte  dos  Penedos, 
de  que  ió  as  duas  frentes  eítavaò  acabadas  $  e  como 
naó  ficava  unido  á  muralha  ,  eftava  coberta  a  gola  com 
huma  cortadura  de  pedra  ,  e  cal  guarnecida  de  fortes 
eítacadas :  e  deite  íitio  até  á  porta  da  Lagoa  ,  em  que 
havia  de  diítancia  quinhentos  pés  ,  fe  naô  tinha  levan- 
tado fortificação  nova  ,  por  {qt  aparte ,  que  fe  coníi- 
derava  menos  perigofa ,'  e  a  ruina  do  Convento  do 
Carmo  cobria  a  linha  de  communicaçaò  ,  que  fahia  do 
Forte  de  Santo  António  ,  e  rematava  na  porta  da  La- 
goa. Parte  das  muralhas  antigas  com  a  barbacãa  ter- 
raplenada férviaõ  de  cortinas  aos  baluartes  ?.  porque  al- 
guns e ítavaôim perfeitos,  e  naô  foíFriao  as  baterias  da 
artilharia,  que.jogava  do  alto  das  ruas,  queolJiavaô 
para  a  Campanha  da  parte ,  em  que  cahiaõ. 

Reconhecida  a  Cidade  pelos  Generaes  ,  íem  poder 
difficultallo  as  incefsantes  cargas  de  artilharia  ,  e  mof- 

quetaria 


y6    PORTUGAL  RESTAURADO, 

•AnnO  quiteria,  queos  defeníores  diípararaô  ,  dividiooCon- 
K,      de  de  Schomberg  o  exercito  em  duas  partes,  e  mandou 
I065.   cjar  principio  a  dous  quartéis.  Fabricou-fe  o  primeiro 
...    r     r    na  Campanha  ,  que  ficava  fronteira  ao  Collegio  dos 
%TJFórm°a  do  Patós  da  Companhia  ,  e  entregou-fe  o  governo  delle 
'quarta,,  e  afro-  ao  Meítre  de  Campo  General  Pedro  Jaques  de  Maga- 
xts,  Jhães  ,  aíTiítido  dos  Terços  do  Conde  de  Villar-Mayor, 

Triftaô  da  Cunha  ,  Manoel  Ferreira  Rebello,  Bernardo 
de  Miranda  ,  e  o  de  Francifco  da  Silva  de  Moura  ,  go- 
vernado pelo  Sargento  Mayor  Manoel  de  Siqueira  Per- 
digaó,o  da  Armada  pelo  Sargento  -Mayor  Simaõ  de  Mi-* 
randa,  o  de  Santarém  pelo  Sargento  Mayor  Jeronyma 
de  Alcaceva  ,  e  dous  Regimentos  de  Inglezes.,  O  corpo 
de  Cavallaria  deite  quartel  mandava  o  Tenente  General 
X),  joaõ  da  Silva  aííiítido  dos  Cómifsarios  geraes  joaõ  da 
Crato  da  Foníeca  ,  Gonfalo  da  Coita  de  Menezes,  e 
D.  António  Maldonado.  Ficou  também  naquelle  quar- 
tel o  Coronel  Jovete  com  o  feu  Regimento  ,  o  dos  In- 
gleses ,  e  o  do  Conde  de  Schomberg  governado  pelo 
feu  Tenente  Coronel  Rexerdier.  As  baterias  da  artilha- 
ria mandava  o  Tenente  General  Dafontana,  e  fendo  fe- 
rido no  fegnndo  dia  de  fitio  ,  lhe  fuccedeo  Vicente  da 
Silva.  O  quartel  da  Corte  fe  alojou  em  Val-Bom,  quin- 
ta dos  Padres  da  Companhia:  affiítiaó  nelle  o  Conde 
de  Villa-Flor  ,  e  o  Marquez  de  Marialva  com  os  Oífí- 
ciaes  de  ordens  ,  e  peísoas  principaes  do  exercito  ,  que 
naó  tinhao  póítos ;  guarneciaó-nos os  Meítres  de  Cam- 
po Lourenço  de  Soufa  ,  Sebaítiaõ  Corrêa  ,  Fernão  Maf- 
carenhas  ,  D.  Diogo  de  Faro  ,  Miguel  Barbofa  da  Fran- 
ca ,  Manoel  de  Soufa  de  Caílro  ,  Roque  da  Coita  Bar- 
reto ,  e  Martim  Corrêa  ,  ambos  encorporados ,  Febos 
Moniz  de  Samp.ayo  ,  Jofeph  Gomes  da  Silva ,  Manoel 
de  Lemos,  Francifco  de  Barros  ,  o  Sargento  Mayor  Sal-, 
vador  Freire  com.  o  Terço  de  Santarém,  Alojava  neíta. 
parte  o  General  da  Cavallaria  Diniz  de  Mello,  affiftiaô- 
Ihe  os  Tenentes  Generaes  D.  Manoel  Luiz  de  Ataide  , 
D.  Luiz  da  Coita  ,  D.  Martinho  da  Ribeira  ,e  os  Com-^ 
mifsarios  geraes  Mathias  da  Cunha ,  e  Gomes  Freire  de 
Andrade.  O  General  da  Artilharia  tomou  por  fua  conta 

o  so- 


PARTE  11  LIVRO  VIII.       157 

o  governo  de  dous  aproxes  }  hum  ,  a  que  logo  fe  deu  Anno 
principio  ,  que  iahia  do  quartel  da  Corte  ,  e  le  encarai-     *,  ■ 
nhava  ao  baluarte  de  S.  Bartholomeu  ,  deixando  á  maó  lo0Í% 
direita  o  Forte  de  Santo  António  5  outro  ,  que  iahia 
do  Convento  da  Cartuxa  ,  e  caminhava  á  muralha  oppo- 
íh  ao  Forte  de  Santo  António.  Pedro  Jaquesde  Maga- 
lhães deu  também  principio  aoaproxedo  ieu  quartel, 
que  caminhava  á  barbacãa  da  muralha  ?  que  cahe  entre 
a  porta  de  Machede  ,  e  a  da  Mefquita. 

Gaítou-ie  o  primeiro  dia  em  algumas  breves  eíca- 
ramuças,  e  começou  a  laborar  a  artilharia  contra  a  Cida- 
de dos  dous  aproxes  do    General  ,  a  quem  aíriítiaõ  os 
Tenentes  Generaes  Marcos  Ra  poio  Figueira  ,  e  Manoel 
da  Rocha  Pereira ,  e  os  mais  Capitaens ,  e  Oificiaes  da 
íua  repartição.  No  principio  da  primeira  noite  fe  come- 
çou a  trabalhar  nos  aproxes  ,  e  determinou  o  Conde 
de  Schombergcom  ordem  do  de  Villa-Flor  mandar  ata- 
car o  Forte  de  Santo  António ;  oppoz-fe  o  General  da 
Artilharia  a  eíta  reíoluçaõ,  dizendo  ,  que  lhe  parecia  in- 
tempeítiva  ,  porque  os  Caílelhanos  ,  como  o  Forte  de 
Santo  António  era  obra  exterior  ,  e  imperfeita  ,  e  naó 
havh  outra  parte  em  toda  a  circumferencia  da-Cidade  , 
que  lhesdéfse  cuidado  pela  diftancia  dos  aproxes  ,  to- 
da a  guarnição  havia  de  aííiítir  á  defenfa  do  Forte ,  o 
que  naó  fuccederia  depois  dos  aproxes  vizinhos  ao  cor- 
po da  Praça  %  e  que  neíla  fuppoílçaô  ,  ou  o  Forte  fe 
havia  de  ganhar  á  cuíta  de  muitas  vidas  ,  ou  defender- 
íe  a  preço  da  reputação  •,  e  que  qualquer  dos  dous  fuc- 
ceísos  feria  nocivo  exemplo  á  aprehenfaó  dos  Soldados, 
de  que  a  prudência  devia  defviar-fe  no  principio  de  em- 
preza  taò  importante.  Perfuadio-fe  o  Conde  de  Schom- 
berg  das  razoens  deita  opinião  ,  e  conferindo-as  com  o 
Conde  de  ViUa-Flor ,  eo  Marquez  de  Marialva,  fení 
cuja  authoridade  fe  naó  tomava  refoluçao  alguma,  con- 
cordarão fer  eítadifpofiçaõ  mais  conveniente.  P-rinci- 
piados  os  aproxes  em  ambos  os  quartéis  ,  caminhou  o 
do  General  da  Artilharia  ao  baluarte  de  S.  Bartholomeu, 
e  entrou  de  guarda  o  primeiro  dia  na  cabeça  da  trin- 
cheira o  Meítre  de  Campo  Sebaíliao  Corrêa  Lqryelajda- 

va-lhe 


•iy*     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ánno  va-Hie  calor  Lourenço  de  Souía  ,  ficou  de  retém  Jofeph 
\( C\  Gomes  da  Silva.  No  aproxe  do  quartel  de  Pedro  Ja- 
>'  quês  entrou  de  guarda  na  cabeça  da  trincheira  o  Meítre, 
de  Campo  Manoel  Ferreira  Rebello  -9  dava-lhe  calor  o 
Terço  da  Armada ,  e  ficou  de  retém  o  Sargento  Maior' 
Jeronymo  deAlcaceva  ;  eneíta  forma  feforaó  fucce- 
dendo  os  mais  dias  os  Meítres  de  Campo  pagos  liuns 
aos  outros,  affim  como  fe  nomearão  na  divifáó  dos 
quartéis  ,  ficando  fempre  de  retém  os  Auxiliares» 

Largo  eípaço  continuou  o  trabalho  dos  aproxes , 
fem  os  Caftelhanos  íentirem  o  rumor  das  ferra m entas  : 
pOrèm  tanto  que  a  diítancia  foi  menor ,  começou  a  jo- 
gar a  artilharia ,  e  mofquetaria  com  grande  força  ;  po- 
rém nao  impedio  ficar  o  alojamento  de  D.  Luiz  de  Me- 
nezes fortificado  trezentos  pafsos  da  muralha ,  o  de  Pe- 
dro Jaques  quatrocentos.  Parou  com  a  manhãa  o  traba- 
lho ,  mas  nao  o  perigo ;  porque  o  aproxe  do  General 
da  Artilharia  ,  que  caminhava  a  S.  Bartholomeu  ,  ficou 
enfiado  coma  Igreja  íituada  no  meyo  do  baluarte,  e 
fuperior  ao  aproxe,  que  da  guarnição  delia  recebia  con- 
siderável  damno  J  e  nao  era  menor  o  das  baterias  do 
Forte  de  Santo  António  ,  que  ofièndiaõ  de  través  para 
o  lado  direito.  O  aproxe  de  Pedro  Jaques  caminhava 
mais   coberto  ,  e  íó  o  deícortinava  huma  rneya  Lua* 
Sem  outro  movimento  jogarão  as  baterias  até  o  meyo 
dia  ,  hora  ,  em  queosíitiados  fizeraõ  huma  fortida  con- 
tra o  aproxe  de  O.  Luiz  de  Menezes  com  trezentos  ca- 
vallos  ,e  oitocentos  Infantes:  inveítirao  huma  caía, que 
guarnecia  o  trinta  mofqueteiros  \  defendefaõ-fe  valoro- 
famente;lahioa  foccorrellos  o  Tenente  General  D.Luiz 
da  Coita  ,  que  eílava  de  guarda  ,  com  féis  batalhoensj 
acodio  promptamente  adar-lhe  calor  o  General  da  Ca- 
vacaria, e  coma  mefma  diligencia,  fuppoíto  que  eílava 
mais  diftante,  o  Tenente  General  D.  Joaó  da  Silva  com 
o  troço  de  Ca  valia  ria ,  que  governava  no  quartel  de  Pe- 
dro jaques  ;  e  todos  carregarão  os  Caílelhanos  ,  ajuda- 
dos dos  Mêítres  de  Campo  Lourenço  de  Soufa  ,  eSe- 
baftiaõ  Corrêa  Lorvela  ,  que  com  grande  refoluçaô  fal- 
tarão da  trincheira  na  Campanha  com  os  feus  Terços ; 

<*  nao 


V 


VARTE  II  L1PR0  VIU.      159 

enaó  podendo  os  da  íortida  defende r-íe  de  tanto  nu-  4nno 
mero  de  valoroíos  combatentes ,  fe  retirarão  deiorde-  ". 
nados  com  perda  de  dous  Capitaens  de  cavallos ,  edé  I^^j- 
quantidade  de  Soldados  mortos ,  e  feridos  ,  que  ficarão 
-na  Campanha  :  dos  noísos  Soldados  morrerão  íeis  ,  e 
íicaraó  dezoito  feridos. Voltou  a  Cavallaria  para  os  quar- 
téis ,  continuarão  os  aproxes  ,  e  cerrada  a  noite  ,  fe 
-formarão  em  os  dous  quartéis  duas  baterias  de  artilha- 
ria ,  que  jogarão  tiro  de  piítola  da  muralha.No  dia  íuc- 
•ceífivo  fizera õ  os  litiados  outra  íahida  ,  chegarão  até  a 
cabeça  da  trincheira  do  General  da  Artilharia,  carregou- 
os  D.  Martinho  da  Ribeira  ,  que  eílava  de  guarda  ,  e 
obrigou-os  a  fe  retirarem  com  perda  de  alguns  Soldado?. 
Anoiteeeo  ,  e  havendo  o  Conde  de  Schomberg  diítri- 
buido  as  ordens  precifas  ,  fe  difpoz  o  afsalto   do  For- 
4:e  de  Santo  António  ,  por  concordarem  todos  os  Cabos 
que  era  o  tempo  mais  conveniente  de  intentar  eíta  em- 
preza.  Deu-fe  ordem  ao  Meítre  de  Campo  Lourenço  de 
Soufa  ,  e  Sebaíliaõ  Corraa  ,  que  á  meya  noite  ao  final 
de  duas  peças  de  artilharia  inveítiísem  o  Forte  pela 
parte  da  Cartuxa  >  e  reforçaraõ-fe  eítes  terços  com  tre- 
zentos Inglezes,  dos  quaes  governava  cento  e  cincoen- 
ta  Manoel  da  Serra  ,  (que  neíta  occafiaõ  procedeo  taõ 
valoro famente  ,  como  em  todas  as  em  que  fervio  )  ef- 
tesfe  tirarão  do  quartel  de  Pedro  Jaques  ,  e  ordenou- 
fe  a  Domingos  de  Matos  Sargento  Maior  de  Martim 
Corrêa  de  Sá  ,  que  fahifse  do  aproxe  do  General  da  Ar- 
tilharia ,  e  atacafse  o  Forte  com  trezentos  mol  quetei- 
ros;   dando-lhe  calor  o  Tenente  General  D.  Manoel  de 
Ataíde  com  féis  batalhoens ,  e  o  exercito  tomou  as  ar- 
mas em  todos  os  quartéis.  A<  hora  linalada  fizera  õ  final 
as  duas  peças  de  artilharia  ,  e  avançando  prompta men- 
te ,  os  que  eílavaõ  deífinados  para  o  afsalto  ,  entrarão 
no  Forte  com  pouca  refiítencia  J  porque  osfitiados  di- 
vididos na  oppoíiçaõ  dos  aproxes  ,  que  ao  tempo  dó 
aísalto  a  refpeito  da  diverfaô  caminhava õ  com  mais  ca- 
lor, e  os  que  no  Forte  quizeraõ  fazer  alguma  oppoíi- 
çaõ  ,  foraõ  facilmente  degollados.Acodio  aCavalJaria 
da  Praça  ao  rebate,  e  rebatêo-a  D.  Manoel  de  Ataíde 

com 


i6o      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  com  tanta  reíolução  ,  que  a  obrigou  a  fe  retirar  para 
a  Praça.  Havia  dentro  no  Forte  trezentos  Soldados,  trcs 

I0Ó3.  peças  je  artilharia  ,  hum  morteiro  ,  armas,  e  munições; 
e  no  Convento  dos  Capuchos  eílava  prezo  o  Inquifidor 
Manoel  Corte-Reai,  que  os  Caílelhanos  indecentemen- 
te tirarão  da  Cidade  i  preíumindo  poderia  fer  author 
de  novidades,  que  lhes prejudicafsem  ,  e  por  fer  dota- 
do de  eíuimaveis  virtudes ,  foi  recebido  com  geral  acei-. 
tacão. 

Confeguida  eíta  empreza  ,  ficou  menos  difficulto- 
fa  a  reftauraçaó  da  Praça.  Aquella  noite  fe  adiantarão 
as  baterias  a  menos  de  tiro  de  piílola  da  muralha  ,  e  fe 
fabricou  outra  junto  dos  arcos  da  agua  da  prata  ,  e  o 
tempo  que  durou  o  afsalto  ,  fe  avançarão  de  forte  os 
aproxes  ,  que  ficarão  pouco  diílantes  dos  lugares ,  a  que 
caminhavão  %  e  no  Forte  de  Santo  António  fe  deu  prin- 
cipio aofeguudo,  qneeftavaá  ordem  de  D.  Luiz  de 
Menezes.  Os  Meftres  de  Campo  Sebaílião  Corrêa  ,  e 
Lourenço  de  Soufano  primeiro  alojamento  ficarão  mui- 
to vizinhos  da  muralha  *,  e  vendo  o  General  da  Artilha- 
ria ,  queosfitiados  fe  lhes  dobravão  os  perigos,  que 
com  a  noticia  da  perda  da  batalha  fe  lhes  defvanecião 
asefperanças  dofoccorro,  mandou  fazer  huma  chama- 
da*, pararão  as  baterias  *,  porém  o  Condede  Sertirana 
não  permittio ,  que  ie  admittifse  pratica ,  e  fó  difpen- 
fou  ,  que  fe  recebeíse  hum  papel,  que  levava  hum  Aju- 
dante ,  para  que  o  défse  ,  no  cafo  ,  que  a  pratica  fe  não 
permittifse  ,  que  não  continha  mais  razoens,  que  o  ver- 
fo  do  Pfalmo :  Nifi  Dominus  cujiodierit  civitatem,  fruflra 
•vigilat ,  qiúcuftoàit  eam.  Sem  outra  repofta  mandarão  os 
Caílelhanos  ao  Ajudante,  que  fe  retirafse :  e  havendo 
o  General  da  Artilharia  dado  ordem ,  que  a  hum  fó  fi- 
nal fe  difparaíse  toda  a  artilharia  das  baterias  ,  e  toda  a 
moíquetaria  dos  aproxes,  foi  de  forte  o  ellrondo  ,  e 
de  qualidade  o  eífeito  ,  que  os  fitiados  padecerão  gran- 
de horror  ,  e  as  muralhas  grave  mina.  Amanhecerão  a 
vinte  e  três  de  Junho  os  aproxes  de  D.  Luiz  de  Mene- 
zes fortificados  ,  o  do  baluarte  de  S.Bartholomeu  ,  di- 
ílantedellecincoenta  pafsos,  o  do  Forte  de  Santo  An- 
tónio 


PARTE  11  LIVRO  VIU.       m 

tonio  ,  que  caminhava  junto  aos  arcos  ,  tão  vizinho  da  Armo 
mu  ralha ,  que  fe  prepararão  as  mantas  >  para  fe  come-     ,, 
çarem  as  minas.  O aproxe  do  quartel  de  Pedro  jaques  luv?M 
amanheceo  também  fortificado  pouco  menos  de  ieísen- 
ta  paísos  da  barbacaa  ,  e  a  brecha  da  bateria  do  quartel 
de  D,  Luiz  de  Menezes  eífcava  capaz  de  facilitar  o  af- 
íalto.  Obrigado  o  Conde  deSertirana  de  tantos  amea- 
ços ,  fez  a  primeira  chamada  pelas  duas  horas  da  tarde 
pelo  aproxe  do  General  da  Artilharia  ;  mandou  elle  dar 
conta  ao  Conde  de  Villa-Flor ,  que  lhe  ordenou  man- 
dafse  fufpender  as  baterias ,  e  fe  aceitafse  hum  papel 
do  Conde  de  Sertirana.  Veyo  o  papel  por  hum  trom- 
beta ,  e  continha  ,  queeílava  prompto  para  entregara 
Cidade  ,  e  aceitar  nella  a  peísoa  ,  que  fe  nomeafse  pa- 
ra a  conferencia  das  capitulaçoens.  Deferiofe-lhe  com 
brevidade  a  taõ  arrezoada  propofiçaõ  ,  e  elegeo  o  Con- 
de de  Villa-Flor  ao  Sargento  mór  de  Batalha  Diogo  Go- 
mes de  Figueiredo  ,  por  achar  juítamente ,  que  concor- 
riaõ  nelle  todos  os  requiíitos  neceísarios  para  a  melhor 
conclufaõ  de  negocio  taõ  importante.Pafsou  Diogo  Go- 
mes do  exercito  á  Cidade ,  e  mandou  o  Governador  pa- 
ra o  exercito  hum  Coronel  Alemão ;  e  naõ  reíultando 
da  primeira  conferencia  effèito  algum ,  (  porque  os  Go- 
vernadores ,  que  entregaô  Praças ,  íempre  pertendem 
vender  caro  ,  o  que  naõ  poderão  comprar  barato)  vol- 
tou Diogo  Gomes  para  o  exercito ,  e  retirou-fe  o  Co- 
ronel para  a  Cidade. 

As  armas  ,  que  com  o  Tratado  fe  haviaõ  fufpendi- 
do  ,  tornarão  a  continuar  mais  vigorofas ,  para  que  os 
íitiados ,  queeítavaõ  vacilantes,  feacabafsem  de  per- 
fuadir  com  o  receyo  a  fe  renderem.  Os  Inglezes  ,  que 
trabalhavaõ  nosaproxes  do  quartel  de  Pedro  Jaques,  in- 
veítiraõ  aquelle  noite  hu ma  meya  Lua  ,  e  a  ganharão 
valorofamente ;  e  pafsando  á  barbacaa  ,  fe  fortificarão 
nella.  Do  aproxe  de  Dom  Luiz  de  Menezes  avançou  o 
Sargento  Maior  Manoel  da  Silva  Dorta  do  Terço  de 
Fernão  Mafcarenhas  com  duzentos  Infantes  á  orla  do 
fofso  do  baluarte  de  S.  Bartholomeo  ,  e  três  vezes  foi 
rechaçado  pelos Caftelha nos;  porém  dando  ordem  o 

L  Gene- 


/ 


An  no 
1665. 


162     PORTUGAL  RESTAURADO, 

General  da  Artilharia ,  que  lhe  defsem  ealor  os  Meítres 
de  Campo  Fernão Mafcarenhas,  e  Miguel  Barboía  da 
Franca,  que  eítavao  de  guarda  ,  procederão  com  tanto 
valor,que  por  entre  nuvens  de  balas  de  falo]  ara  6  osCa- 
ílelhanos  ,  e  amanheceo  Manoel  da  Silva  fortificado  no 
poíto  ,  que  pertendia.  Noaproxe,  que  íahia  do  Forte 
de  "Santo  António  ,  entrarão  de  guarda  os  Meítres  de 
Campo  Martim  Corrêa  ,  Roque  dá  Coita,  Manoel  de 
Soufa  de  Caítro,que  com  prompta  reíoluçao  arrimarão 
mantas  á  muralha  ,  e  lhe  introduzirão  mineiros  ,  que 
começarão  diligentemente  o  leu  trabalho.  AcodiraÕ  os 
Cafteihanos  a  embaracailo ,  e  lançando  das  muralhas 
bombas  >  granadas ,  barris  de  pólvora ,  e  grande  quan- 
tidade de  falchichas  accefas  ,  íuccedeo  attear-fe  o  fo- 
go nas  faxinas  ,  com  que  fe  continuavaõ  os  aproxes  í 
e  commun;cando-fe  brevemente  ás  mantas,  eítarerrí 
ainda  mal  cobertas ,  fem  que  lhes  pudefse  íervir  de  re- 
médio a  diligencia- dos  três  Meítres  de  Campo,  que 
fem  attender  aos  muitos  perigos ,  a  que  eítavao  expo- 
ftos  ,  fe  oppuzerao  .valorofamente  atalhar  o  incêndio, 
arderão  féis  mantas ,  depois  de  retirados  os  mineiros : 
porém  os  Meítres  de  Campo  apezar  de  todas  as  con- 
tradiçoens fuítentaraó  o  poíto,  que  havia ó  ganhado, 
e  fe  fortificarão  nelle.  Nos  combates  daquella  noite  per- 
derão as  vidas  oitenta  Soldados  >  e  paísaraõ-  de  trezen- 
tos os  feridos  >  á  cura  dos.  quaes  affiítiraõ   os  Meítres 
de  Campo  com  muito  louvável  piedade.  Os  íitiados  de- 
terminarão valerfe  daconfufaõ  daquella  noite,  para 
falvarem  a  fua  Cavallaria  :  porém  como  era  grande  o 
cuidado  r  que  fe  havia  poíló  em^ evitar  eíta  refoluçao,; 
a  reprimio  o  Tenente  General  D.  Luiz  da  Coita ,  obri- 
gando a  todos ,  os  que  determinarão  fahir  da  Praça  ,  a 
que  fe  retirafsem  aella»  Amanheceo  vefpera  de  S.  Joaõ 
alegre  pelas  excellencks  doOrago  ,.  e  pelas  efperancas 
da  vicloria  ;  e  parecendo-lhe  ao  Conde  de  Villa-Flor  , 
qde  mandando  fazer  fegunda  chamada  ao  Conde  de  Ser- 
tirana  ,  confeguiria  renderfe  com  as  capltulaçoens  ,  que 
nos  eraò  convenientes  ;:  porque  nas  que  fizer aô^  primei- 


ro y  nao  confentiraõ  em  entregar  os  novecentos  cavai- 
los^ 


P^RTE  II.  L1VK0  VIII.     i*j 

lòs ,  queeítavaõ  dentro  na  Praça-,  propoz  noConfe- ^nn0 
lho  eíte  feu  difcurfo  ,  e  não  achando  voto  contrario  , " 
tendo-fe  por  maior  inconveniente  a  dilação  do  fitio  ,  10&j» 
que  naõ  íe  entregarem  os  cavallos  ,  mandou  aos  apro- 
xes  chamar  o  General  da  Artilharia  ,  para  tomar  a  ulti- 
ma refolução.  Foi  elle  de  parecer  contrario  ,  dizendo, 
que  íe  nos  anticipafsemos  a  fazer  chamada  ,  delia  havia 
de  argumentar  o  Governador  da  Praça  o  defejo  ,  que  tí- 
nhamos de  dar  fim  ao  íitio  ,  e  por  confequencia  pedir 
nas  capitulaçoens  a  condição  de  não  entregar  os  caval- 
los ,  que  era  hum  dos  maiores  interefses  ,  que  podía- 
mos coníeguir  naquella  empreza  ,  affim  pelo  numero, 
que  pàfsavaõ  de  oitocentos  ,  como  paua  obrigar  aos  Ca- 
ítelhanos ,  a  que  íe  iujeitafsem  ao  rigor  da  meí ma  ley , 
que  elles  puzerao  ,  quando  perdemos  aquella  Praça  5  e 
que  íe  aguardaísemos ,  que  elles  obrigados  do  aperto, 
em  que  íe  achavaõ  ,  fofsem  os  que  nos  períuadiisem  a 
aceitar  as  capitulaçoens ,  os  haviamos  de  reduzir  a  paf- 
farem  naõ  lo  por  eíte  ,  mas  por  outro  muito  mais  ri- 
goroíojugO;  eque  efperava  que  antes  de  poucas  ho- 
ras havia  de  abonar  a  experiência  a  lua  propoíiçao.  Ap- 
provarão  o  Conde  de  Villa-Flor ,  o  Marquez  de  Marial- 
va ,  e  os  mais  do  Coníelho  eíte  parecer  ,  e  o  General 
da  Artilharia  voltou  para  o  aproxe  ,  e  ao  mefmo  tem- 
po ,  que  chegou  a  elle ,  íizerão  os  Caítelhanos  chema- 
da  :  fufpenderão-íe  as  armas ,  entregou  hum  tambor 
hum  papel,  em  que  dizia  o  Conde  deSertirana,  que 
permittindo-fe  pafsarem  do  exercito  á  Praça  três  pef- 
íbas  com  poderes  de  ajuítarem  as  capitulaçoens  por  ou- 
tras três ,  que  fahirião  em  reféns  ,  efperava  que  aquel- 
la contenda  chegafse  á  conclufaõ.  Promptamente  re- 
metteo  o  General  da  Artilharia  ao  Conde  de  Villa-Flor 
eíte  papel,  que  com  igual  brevidade  refpondeo  aceita- 
va a  propofição  ,  é  mandou  a  Évora  fegunda  vez  ao 
Sargento  mór  de  Batalha  Diogo  Gomes  de  Figueiredo  , 
ao  Meítre  de  Campo  António  Soares  da  Coita,  que  fer- 
via no  exercito  como  particular ,  e  a  Claran  novamen- 
te occupado  no  Poíto  de  Meítre  de  Campo  de  hum  Ter- 
ço .,  que  fe  formou  dos  Italianos ,  que  pafsarão  do  ex- 

L  2  ercito 


íèj     PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÁnriO  ercito  de  Caítella  ao  nofso  exercito.  Sahiraô  da  Praça  o 
,.,      Meítre  de  Campo  D.  Pedro  da  Foníeca  y  e  o  Coronel  D. 

lóòj»  Fanciíco  Franque  ;  reféns,  com  que  iè contentarão  os 
três,  que  entrarão  na  Praça.  Durou  a  conferencia  até 
a  meya  noite  ,  procurando  cada  huma  das  partes  adian- 
tar as  fuás  conveniências :  ultimamente  íe  ajuítaraó  as 
Gapitulaçoens  na  forma  feguinte:  Quejahiria  o  Gover- 
nador com  toda  a  guarnição  ,  Officiaes  ,  Soldados  de 
todas  as  Naçoehs  falvas  as  vidas ,  e  liberdade,  e  da 
mefma  forte  todos  os  Officiaes  de  íòldo  de  Provedoria, 
e  artilharia  :  que  a  'marcha  feria  pela  brecha  com  as 
honras  militares  devidas  aos  rendidos  de  boa  fé;  que 
felhes  aííinaria  lugar  ,  em  que  alíííHísem  até  quinze  de 
Outubro :  que  havendo  alguns  Soldados  ,  que  intentaí- 
fem  ficar  fervindo  em  Portugal  ,  que  íe  lhes  naó  impe- 
diria :  que  fuccedendo  que  alguns  Officiaes  naõ  quizef- 
iem  eíperar  até  o  fim  da  Campanha ,  fe  poderia õ  reti- 
rar feguros  a  Badajoz  :  que  fe  concediaõ  ao  Governa- 
dor duas  peças  de  artilharia  com  as  muniçoens  preci- 
fas  para  íe  carregarem  :  que  os  enfermos  ,  e  feridos  íe 
conduziria  o  com  toda  a  commodidade  a  Badajoz  ,  e  da 
meíma  forte  fe  daria  pafsagem  livre  aos  arrieiros ,  e 
vinvandeiros :  que  poderia©  fahir  oito  rebuçados,e  paí- 
far  logo  a  Caítella  fem  impedimento  algum:  que  ha- 
vendo-fe  tirado  alguma  "alfaya  aos  moradores  da  Praça, 
felhes  reítituhiria  pontualmente:  que  fe  entregariaó 
todos  os  cavallos  das  Companhias  ,  e  todas  as  munições, 
petrechos  ,  e  mantimentos  ,  que  houvefse  na  Praça  á  or- 
dem dos  Vedores  geraes do  exercito  ,  e  artilharia:  que 
ao  diá  feguinte  fe  entregaria  ao  amanhecer  huma  por- 
ta da  Cidade ,  para  felhe  meter  guarda  5  e  a  guarnição, 
que  fe  achafse  na  Praça  ,  fahiria  delia  no  mefmo  dia  a 
horas  competentes.  Foraò  aílinadas  as  capitulações  por 
D.  Sancho  Manoel,  Conde  de  Villa-Flor,  e  por  D.Fran- 
ciíco  Gatinara ,  CondedeSertirana. 

A'  hora  fmalada  marchou  o  Meítre  de  Campo  Lou- 
renço de  Soufa  de  Menezes  com  o  feu  Terço  ,  que  ef- 
tava  de  guarda  na  trincheira  ,  a  guarnecer  a  porta  do 
Ilocio.  Diante  delia  fe  formou  o  exercito  em  batalha, 

e  o 


PARTE  1L  LIVRO  VIU.      i6y 

eo  General  cia  Artilharia  D.  Luiz  de  Menezes  pelo  pri-  AnilO 
vileeio  do  ièu-po-fto  entrou  a  tomar  poise  da  Cidade  ,     ,, 
e  deioccupadaa  guarnição  Caítelhana  com  os  Ofeciaes  luur 
da  lua  repartição,  os  Vedores  geraes,  e  Gfficiaes  da 
Fazenda  ,  e  grande  numero  de  Fidalgos  ,e  peisoas  par- 
ticulares ,  que  iizeraò  a  função  mais  luzida  Eíparavaõ- 
na  os  moradores  com  as  demonílraçoens  alegres ,  que 
pedia  afortuna  da  lua  liberdade.  Seguirão  ao  General 
até  a  Sé,  onde  foi  dar  aDtos  as  graças  de  benerlcios 
taò  finalados  ,  e  avizou  ao  Conde  de  Sertirana  ,  que 
podia  fahir  da  Praça  na  forma  da  capitulação  j  e  man- 
dou tomar  poise  dos  Armazéns  ,  onde  fe  acharão  quan- 
tidade de  muniçoens;   e  fendo  huma  grande  parte  del- 
ias    das  que  os  Caílelhanos  renderão  na  1  raça  ,   man- 
dou o  General  fazer  auto  com  toda  a  fclemnidade,  para 
oue  em  todo  o  tempo  conftafse  ,  que  fe  naó  entregara 
Évora  por  falta  demuniçoens.  Ficarão  nos  baluartes 
montadas  treze  peças  de  artilharia  ,  em  queentravaõ 
feismeyos  canhoens.  SahiraÓ  da  Praça  três  mil  e  du- 
zentos Infantes  ,  e  .oitocentos  e  doze  cavallos  ,  hum, 
e  outro  corpo  demais,  que  ordinário  luzimentc.O 
Conde  de  Vilia-Horefperava  junto  da  porta  do  Rocio, 
e  loco  que  a  guarnição  paisou  peio  exercito  ,  íe  tira- 
rão aos  Soldados  os  cavallos ,  e  as  armas  ,  e  forao  re- 
metidos a  vários  lugares  governados  pelos  Alferes  das 
Companhias  de  cavallos  ,   elnfanteria.  Nas  bagagens, 
é  na  Cidade  tiveraó  principio  alguns   excelsos  ,  que 
promptamente  íe  atalharão. 

Pafsados  três  dias  ,  marchou  o  exercito  para  Eltre- 
moz  ,  e  o  Conde  de  ViUa-Flor  deu  conta  a  EIRey  dos 
impoíliveis,  que  lhe  embaraçavaõ  continuar  mayores 
moerefsos,  fendo  invencíveis  difíiculdades  o  excelido 
rigor  do  Sol  ,  e  grande  falta  de  carruagens.  Brevemen- 
te checou  ordem  d'EJRey,  que  fe  aquartelafse  o  exer- 
cito ,  e  fe  licenceafsem  as  tropas.  Na  manhãa  ,  em  que  nUa  .»£ 
o  Marquez  de  Marialva  partio  para  Lisboa  com  a  gen-  ?-^  a  ^^ 
tej  que  havia  conduzido,  e  o  General  da  Artilharia  ijcet!ceaõ.jc  as 
■para' -Elvas  com  as  guarniçoens  daquella  Praça  ,  edas  trepas. 
mais  circumvizinhas,  iuceedeo  pegar-fe  accidentalmen- 


L3 


te 


■n» 


,  e  íen- 


x66    P0R7UGAL  RESTAURADO, 

AnnO te  °  foS°  na  pólvora  do  Caítello  de  Arronches  , 
1 662   ^°  a  noticia  ^  ^ll  imPulío  a  mais  verdadeira  informa- 
IOo3»çaó  do  feu  eítrago ,  marchou  o  Conde  de  Villa-Flor 
Vea  actidental-  para  a  Ribeira  de  Veiros  ,  chega ndo-lhe    porínítantes 
tnenu  parte  do  vários  avlzos  daruina  de  Arronches  ,  e  avizou  ao  Mar- 
Croamhes  ^r"<lHea  de  Marialva  ,  eao  General  da  Artilharia  ,  que  vol- 
mmta  perda   tafsem  a  feeneorporar  com  elle  no  fitio  íinalado,  e  def- 
âos  ca/lelkaiMs  pedio  o  Conde  de  Schomberg,e  ao  General  daCavallaria 
com  oito  batalhoens  a  reconhecer  o  damno  ,  que  o  in- 
cêndio havia  executado. Marcharão  todos  promptamen- 
te,porém  voltando  o  Conde  de  Schomberg,havendo  re- 
conhecido, que  fó  o  Caítello  de  Arronches  pela  parte 
interior  padecera  o  damno  da  pólvora  ,  ficando  inteira 
a  maralha  da  Villa  ,  que  cingia  dous  torreões ,  e  duas 
cortinas  ,  que  arrebatou  o  incêndio  :  que  D.  Diogo  Ca- 
valhero  entrara  na  Praça  com  oitocentos  cavallos,  e 
toda  a  Infanteria,e  muniçoens,que  pudera  tirar  de  Albu- 
querque ,  e  outras  Praças  vizinhas  -tQ  como  por  eíte  ref- 
peito  Arronches  íe  naõ  podia  render  poralsalto,  inten- 
tar íitiala  feria  cahir  nos  inconvenientes  ,  que  fe  haviaõ 
coníiderado  ,  para  fe  naô  continuarem  novas  emprezas, 
ficando  viva  a  efperança  de  fe  ganhar  Arronches  por  ca- 
minho mais  fácil.  ConformaraÓ-fe  com  eíta  opinião  to- 
dos os  Cabos ,  e  Oiiiciaes  do  exercito,  e  divididos  toma- 
rão a  continuar  a  marcha  ,  que  haviaÕ  principiado  o 
Marquez  de  Marialva  o  merecido  applaufo  da  conítan- 
cia,  e  zelo,com  que  íem  perdoara  algum  trabalho  aífif- 
ília  aos  interefses  da  Monarquia.  Perderão  os  Caítelha- 
nos  no  incêndio  mais  de  dous  mil  homens^ porque  a  vio- 
lência da  pólvora  levantou  as  muralhas  do  Caftello,cujo 
robuíto  corpo  levado  do  violento  impulfo  ,  fubio  para 
defcer  a  desbaratar  as  cafas  da  Villa,  em  que  perecerão  a 
fflátor  parte  das  pefsoas,  que  as  habita  vaô;  e  foi  de  forte 
o  rapido,e  viole  ntoexcefso  da  pólvora,  que  encontran- 
do na  muralha  a  reíiftencia  de  dous  meyos  canhoens» 
os  lançou  huma  grande  diftancia  fora  delia, trocando-fe 
nefte  accidente  o  exercido  de  hum ,  e  outro  inílrumen- 
to  ,  por  fera  pólvora  a  que  arrojou  os  mefmos  inítru- 
inentos ,  que  tantas  vezes  a  tinha 6  arrojado? 

Ko§ 


PARTE  II.  LIV&O  VIIL       167 

Nos  dias  ,  que  durou  oíitio  de  Évora  ,  intentou  ArMlO 
D.Toao  deAuftria  interprender  a  Praça  de  Elvas ,  que     ,, 
governava  o  Conde  de  Sabugal ,  valendo-íe  de  numa  ?• 

intelligencia,  que  teve  com  alguns  Oíriciaes  Caítelha-  InmU  DjoaS 
nos ,  que  eitaVao  alojados  com  trezentos  Soldados,que  de  Aufina  in* 
vieraó  da  batalha,  no  Gãliello ,  que  rica  na  muralha  terprender   El* 
para  a  parte  da  porta  de  S.  Vicente.  Levado  deita  et-  vau 
perança  íahio  de  Badajoz  com  dous  mil }  e  quinhentos 
cavallos ,  e  três  mil  infantes  tirados  dos  íoccorros  ,   que 
achou  naqueila  Praça  j  e  da  gente  que  ie  tirou   da  ba- 
talha ,  intentando,  que  os  prifioneiros  o  introduzi! sem 
pelo  fitio  ,  era  que  eítavaó  ,  dentro  da  Praça.  Foi  a 
diípoíiçaò  taô  mal  fabricada  ,  que  amanheceo  a  D.  Joaó 
de  Auílria  huma  legoa  antes  de  chegar  a  Elvas  :  deicu- 
bertos  os  Caítelhanos  dos  AtaJayas  ,  tocarão  arma  ,  aco- 
dio  o  Conde  de  Sabugal  a  guarnecer  as  muralhas ,  e  ex-  J»™*«* 
perimentou  D.  Joaó  de  Auftria  o  ultimo  deiengano  das 
infelicidades  daquella  Campanha  t    a  que  havia  dado 
principio  ,  com  tanto  deívanecimento  ,  que  hydropico 
da  gloria  ,  naõfiou  de  outro  algum  Cabo  oíegredo  da 
çmpreza  de  Évora,  íenaõ  depois  de  chegar  com  o  ex- 
ercito a  Eílremoz  ,'  e  perguntando-lhe  a  razaô  de  ie  ar- 
rojar áquelle  perigofo  intento  ,  os  que  o  dim culta vaô, 
refpondeo,que  os  fundamentos  daquella  reíoluçaõ  eraó 
taõ  iblidos  para  o  diicurfo  ,  que  ou  haviaó  enganado 
a  EIRey  feu  Pay  ,  ou  EIRey  o  enganava  aelle  j  e  quau- 
do  experimentou  o  defa certo  da  temeridade ,  que  havia 
emprendido  ,  foi  a  tempo,  quenaó  pode  remedialla, 
e  veyo  a  padecer  os  eítragos  ,  que  em  quanto  viveo  , 
lhe  foraô  penofos  ,  facilitando  ás  Armas  de  Portugal 
em  poucos  dias  de  Campanha  differentes  ,  e  immortaes 
occafioens  de  gloria ;  porque  em  fitio  deiembaraçado 
preíentou  o  nofso  exercito  aos  Caítelhanos  a  batalha  , 
quando  eftavaó  em  Évora ;  e  conhecendo  naõ  queria 
pelejar,  pafsou  por  di.fficeis  poilos ,  á  fua  viíta ,  o  rio 
Degebe  fem  contradição,  formado  da  outra  parte  do 
rio  elperou  ,  queíe  reiolvefsem  a  pafsallo  ,  ecom  pru- 
dente induítria  ie  defviou  de  noite  das  baterias  da  ar- 
tilharia ,  e  quando  tomarão  a  refoluçaõ  depafsar  o  rio, 

L  4  foraõ 


I 


x6t    POnTUGAL  -&ES1  JUKAT>0 , 

AnnO  foraõ  rebatidos  com  valoroía  conílancia,  e  maltratados 
ss     da  artilharia  com  deluíada    deítruiçaõ.  Fortiiicou-íe  o 
ÍOp3*  nofso  exercito  á  ília  viíla  ,  fem  haver  embaraço  ,  que  o 
encontraíse  ;  e  reconhecendo  que  o  leu  intento  era  ía- 
hir  da  Província  fem  pelejar,  os ieguimos fem  oppoíí- 
çaó  ,  e  chegando  ao  lugar  deílinado  para  a  batalha ,lhe 
deixamos  eicolher  as  vantagens  do  iitio  ,  e  parecendo 
quali  iníuperaveis,  foraó  totalmente  desbaratados,  e  ga- 
nhada a  batalha  ;  foi  fitiada  Évora  guarnecida  de  grol- 
fo  prelidio,  e  rendida  em  oito  dias  á  força  de  baterias* 
e  aproxes.  Pora^^utdo~fícoTr"a  Praça  de  Arronches  qua- 
fi  totalmente  arruinada  ;  e  por  coníequencia   de  todos 
eítes  fucceísos  ficarão  triunfantes  as  Armas  de  Fortu- 

Cefsou  a  guerra  ,  e  ficou  fenhor  da  Campanha  de 
Alentejo  o  intenfo  Sol  do  Eítio  ,  inimigo  cornmum  de 
ambos  os  exércitos  lempre  maltratados  ,  .que  ie  arroja- 
rão a  defprèzaUo.Paísou  D.Joao  de  Auítria  de  Badajoz 
pela  poítiT  a  Madrid  a  tratar  com  EIRey  ieu  Pay  de 
meyos  proporcionados  para  a  fatisfaçaõ  da  próxima  of- 
fenía.  Ficou  governado  as  Armas  o  Duque  de  S.German, 
e  receando  asemprezas  do  exercito  victoriofo  ,  tratou 
com  grande  attençaõ  da  fortificação  das  Praças.  A  no- 
ticia da  a ulencia  de  Dom  Joaó  de.  Auítria  facilitou  ao 
Conde  de  Villa-Flor  paísar  a  Lisboa  com  licença  d'El- 
Rey.  Experimentou  no  applauío  de  toda  a  Corte  a  me- 
recida recompenía  da  vicloria  ,  que  havia  alcançado ; 
porém  paisados  os  primeiros  fervores  cortezãos  ,  foi  o 
premio  ,  que  eíperava,  tao  diíFerente  do  leu  mereci- 
mento ,  que  nao  fó  íe  lhe  negou  a  fatisfaçaõ  ,  porém 
naõ  voltou  á  Provinda  de  Alentejo  ,  porque  lhe  lucce- 
deo  o  Marquez  de  Marialva :  nem  á  da  Beira  J  porque  lè 
dividio  em  dous  Partidos  ,  entregando -fe  o  de  Almeida 
a  Pedro  Jaques  de  Magalhaens ,  e  o  de  Penamacor  a  Af- 
fonfo  Fartado  de  Mendoça %.  porém  as  femrazoens  do 
tempo  naõ  puderaó  efcurecerlheas  luzes  da  gloria,  que 
eoníeguio. 

A  Provinda  de  Alentejo  ficou  governada  pelo  Con- 
e  como  o  feu  eípirito  fe  orrendia  do 

def- 


dede  Schomberg  j 


WARTE  II  LIVRO  VIU        169 

^eftanço>  intentou  ganhar  Aya-Monte  ,  porto  de  mar  Armo 
de  Andaluzia  vizinho  a  Gaílro-Marim  no  Reynodo  Al-     s  , 
^arve,  interpondo-íe  o  rio  Guadiana  entre  huma  ,  e  ou-  *  °°J  • 
tra  povoação.  Deu  conta  a  EIRey  deite  intento  ,  e  pe- 
dio  alguns  navios  da  Armada  para  o  facilitar.  Appro- 
vou  o  Conde  de  Caítello-MeJhor  eila  reioluçaõ  ,  a  os 
meyos  de  íe  executar  ,  efoi  eleito  Gil  Vaz  Lobo  por 
Gabo  da  gente,  que  íaltaise  cm  terra  i  e  para  que  naô 
houveíse  embaraço  ,  teve  Gil  Vaz  ordem  depaísar  aBé* 
ja  a  encontrar-fecom  o  Conde  de  Schomberg,  para  que 
conferindo  ambos  a  empreza ,  pudelse  ler  mais  fácil  o 
coníeguir-íe.  Partio  Gil  Vaz  de  Lisboa  ,  e  o  Conde  de 
Schomberg  marchou  para  Beja  com  as  tropas  ,  que  lhe 
parecerão  convenientes  ,  tomando  difFerentes  pretextos 
para  encobrir  o  hm  da  jornada.  Chegando  os  dous  a 
Beja  ,  conferirão.  Voltou  Gil  Vaz  para  Lisboa ;  porém 
nvudando-íe  de  opinião  por  difFerentes  motivos ,  dejpa- 
chou  o  Conde  de  Caitello-Melhor  hum  corre yo  ao  Con- 
de com  carta  dvLlKey  ,  para  que  fe  retiraise,  toman- 
do por  fundamento  ,  que  o  iucceíso  era  contingente  ,  o 
coníervar-fe  a  Praça  difficil  >  e  que  íe  rompia  a  íuípen- 
íaõ  de  armas  ,  feita  pela  parte  de  Andaluzia.  Recebeo 
o  Conde  de  Schomberg  a  noticia   deita  novidade  coin 
grande  fentimeuto  ,  conhecendo  que  mais  a  emulação, 
que  a  duvida   da  empreza  de  Aya-Monte  a  divertira: 
porem  com  a  íinguJar  prudência  ,  de  que  era  ornado  , 
voltou  para  Lítremoz,íem  demonítraçao  alguma  da  íua 
queixa  ,  onde  íe  dilatou  ió  os  dias  ,  que  em  Lisboa  íe 
deteve  o  General  da  Cavallaria ,  que  foi  chamado  á 
Corte  pelo  Conde  de  Caitello-Melhor  ,  para  feajuítar 
na  íua  preíença  com  a  Junta  do  Commercio  Geral  o  aír- 
fento  dos  mantimentos  da  Cavallaria,  deíejando  o  Con- 
de .  que  fe  efeuíalsem  os  grandes  intereíses  dos  Aisen- 
tiítâs.  Com  eíta  refoluçaõ  voltou  Diniz  de  Mello  para 
Eítremoz,  e  partio  o  Conde  de  Schomberg  para  Lisboa. 
A  guerra  por  huma  ,  e  outra  parte  eíteve  luipen. 
dida  ;  porque  os  confii&os  antecedentes  faziaõ  appete- 
cido  o  deícanço.  O  General  da  Artilharia  ,  queaíhítia 
em  Elvas ,  entendendo  eme  hum  dos  mayores  damnos, 

eme 


- 


y 


170     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ánno  qp2  poderia  occaíionar  ao  exercito  de  Caftella  /  feria 
1 66  z  diminuir-lheo  numero  dos  Soldados  extrangeiros ,  que 
l0O>«  ierviao  nelle ,  pelo  grande  culto  ,  que  fazia  a  EIRey  O. 
Filippe  mandallos  conduzir  a  Badajoz  de  varias  partes 
de  Europa  ;  deu  ordem  que  íòbre  todas  as  Praças  fron- 
teiras daquelle  diitriíto  andaisem  partidas  ió  a  eitefim; 
e  corno  uaó  podiao  conter-íe  dentro  das  muralhas  pela 
eílreiteza  dascommodidades  dos  alojamentos  ,  breve- 
mente íe  íizeraõ  prilioneiros  grande  numero  delles  ,  e 
no  mefmo  ponto  que  chegava  a  Elvas ,  íe  lhes  dava 
dinheiro ,  e  pafsaportes  ,  em  Lisboa  íoccorro  ,  e  pafsa- 
gem  çommoda  para  os  portos,  que  íinalavaó  ,  deixan- 
do elcrito  todas  as  utilidades  ,  que  grangeavaõ  em  paf- 
farem  a  Portugal ,  em  diíFerentes  papeis  ,  que  o  Gene- 
ral da  Artilharia  mandou  lançar  de  noite  junto  das  por- 
tas das  Praças;  diligencia,  de  que  refultou  diminuirem- 
fe  confideravelmente  no  exercito  de  Caítella  as  tropas 
extrangeiras  ;  porque  naò  fó  os  Soldados  Infantes  ,  fe 
nao  os  de  cavallo  paísaraó  a  eíte  Reyno. 

O  Conde  de  Schomberg  voltou  de  Lisboa  .  e  pou- 
cos dias  depois  de  chegar  a  Eítremoz  ,  pafsou  a  viíitar 
as  Praças  de  Portalegre  ,eCaítello  de  Vide;  e  para  que 
a  jornada  fofse  mais  útil ,  mandou  ao  Sargento  mór  de 
Batalha  Joaó  de  Silva  de  Souía  com  hum  troço  de  Ca- 
vallaria,  e  duzentos  Infantes  extrangeiros  laquear  o  lu- 
gar de  Ferreguella  fituado  pouco  diítanteda  Cidade  de 
Brofsas ,  e  ao  mefmo  tempo  rebanhar  0  gado  ,  que  pa- 
liava por  todo  aquelle  diítrião  ,  e  o  Conde  ficou  com 
mil  cavallos,  e  alguns  Infantes  íobre  o  rio  Ce  ver.  Exe- 
cutou-fe  efte  intento  com  grande  utilidade  dos  Solda- 
dos no  defpojo  do  lugar  ,  e  dos  Oíficiaes  no  numero  da 
preza.  Retirou-fe  o  Conde  ,  e  de  caminho  fez  reparar 
as  trincheiras  de  Alter  ,  Veiros,  Fronteira  ,  e  Mon- 
forte. 

Ao  mefmo  tempo  teve  noticia  o  Capitão  de  ca- 
vallos Luiz  de  Saldanha  da  Gama  ,  que  aíliítia  em  Mou- 
ra ,  que  os  Ca  ftelha  nos  levava õ  huma  preza  com  feten- 
ta  cavallos.  Sahio  a  bufcallos  com  igual  numero  ,  lar- 
ga raô-lhe  os  Ca  ftelhanos  a  preza,  e  fugirão  antes  de 

pelejar : 


PARTE  II.  LIVRO  VIII.        m 

pelejar :  feguio-os  Luiz  de  Saldanha  ate  o  lugar  de  AnilO 
A.rouche,e  vencendo  alguma  reíiítencia,  entrou  dentro,    ^ 
faqueou  as  cafas  dos  moradores,  e  retirou-fe  fem  oppo-  I0^3«! 
íiçaõ  •,  e  com  eílas ,  e  íimilhantes  entradas  em  utilida- 
de da  Cavallaria ,  fe  rematarão  eíle  anno  os  progref- 
los  da  guerra  de  Alentejo, 


insTo- 


IJ2 


JTX  I  J    I 


IA 


D  E 


PORTUGAL 

RESTAURADO.   : 

LIVRO    IX. 


S  U  M  M  A  R  I  O. 

CONDE  do  Prado  intenta  ganhar 
Gayao  :  confegue-o  ,  e  for  li  fica- fe 
ajudada  das  dherfoenr  do  Conde  de 
Saõ  João  ,  e  de  amhas  af  Provín- 
cias :  recebem  os  Reynos  de  Galli- 
za ,  Cafiella  ,  e  LeaÔ  grandtfjimo 
damno.  Na  Província  da  Beira  intenta  o  Duque 
de  Ojuna  ganhar  Almeida  por  interpreza :  da  o  af- 
falto,  e  retira-fe  com  grande  perda.Varins  lucce/Jos 
daquella  Província.  Controverfiat  dtíferentes  na 
Corte,  de  que  refulta  retirar-fea  Rainha  D.  Luiza 
para  o  Convento  das  Agoflinhas  Defcalças^que  ha- 
via mandado  fabricar  .Noticias  dos  negócios  extran- 
' A  geiros. 


PARTE  11.   LIVRO  IX.        173 

geiroSs  Eleição  do  Marquez  de  Marialva  para  o go-  Armo 
mrno  dar  Armas  do  exercito  de  Al  eme jo.  Sabe  em  j<j6* 
Campanha,  forma  o.  exercito  na  frevte  de  Badajoz, 
onde  ajjíftia  D.  JvaÕ  de  Aujtria  com  o  exercito  de 
Caftella.  Refolve  faiar  a  Praça  de  Valença,  çonfe- 
gue-a  [em  oppoftçao.  Retira-fe ,  e  os  Cajtelbamso 
fibecedo  a  difficuldade  deconfervar  a  Praça  de  Ar- 
ronches ,  a  defmantelaraô.  Vários  fucce/Jos  das  três 
Provindas  de  Entre  Douro^e  Minho.Tras  os  Mon- 
tes, e  Betra.Contmua-fe  a  noticia  das  difere ças  da 
Corte  ,  do  e fiado  das  Embaixadas  ,  e  da  guerra  da 
Conquifta. 

Conde  do  Prado ,  que  havia  confeguido  na 
Campanha  do  anno  antecedente  na  Provín- 
cia ,  de  Entre  Douro,  e  Minho,  os  felices  íuc- 
ceíòs  ,  que  em  feu  lugar  referimos  ,  deíe- 
jando  com  generolo  fervor  augmentar  a  opi- 
nião cabalmente  confeguida,pertendeo  paisar  a  Lisboa 
a  facilitar  os  caminhos  deite  intento.  Negou-lhe  El- 
Rey  a  licença  ,  que  pedio  ,  com  o  authorizado  pretex- 
to de  fer  a  ília  aííiílencia  naquella  Provinda  a  mais  fir- 
me confiança  ,  que  aíeguravaj  eo  Conde  parecendo- 
Ihe  precifo  naõ^replicar  a  preceito  taô  proporcionado 
ao  leu  grande  merecimento, mandou  ao  Medre  de  Cam- 
po General  D.  Francifco  de  Azevedo  á  Lisboa  a  repre- 
sentar a  EIRey  todas  as  circumílancias  ,  que  poríiaò 
facilitar  os  progrefsos  ,  e  a  defenfadaquella  Provinda. 
Aceitou  D.  Francifco  a  commifsaõ  ,  paísou  a  Lisboa  ,  e 
como  era  dotado  de  muita  prudência,  e  entendimento, 
e  o  Conde  de  Caftello-Melhor  pedia  com  particular  in- 
clinação para  concorrer  nos  prag rei sos  de  Entre  Douro, 
e  Minho  ,  por  ler  a  guerra  ,  em  que  fe  havia  achado, 
brevemente  facilitou  todas  as  propoíiçoens  de  D.  Fran- 
cifco >que  tornou  a  voltar  para  o  Minho  fatisfeito  de.ha- 
ver  confeguido  tudo  ,  o  que  intentava.  No  tempo  que 
durou  a  fua  auíencia  ,  teve  noticia  o  Conde  do  Prado, 
que  o  Governador  do  Forte  de  S;  Luiz  Gonzaga  íahira 
"^ — ~      .  .  com' 


66$ 


i74  PORTCJG^fL  RESTAURADO, 

, Atino  com  trezentos  Infantes  ,é  duas  Companhias  de  cavallos 
a  laquear  huraa  Aldeã,  que  ficava  pouco  diltante  do 
Forte.  Gomo  nã  brevidade  confiítia  oíbccorro  daquel- 
les  miíeraveis  paizanos  ,  empenhou  o  Conde  do  Prado 
na  fua  defenía  afeu  filho  fegundo  D.  João  de  Souía  , 
que  com  grande  diligencia  entrou  na  Aldeã ,  antes  que 
os  'Gallegos  chegafsem  a  ella  ,  e  com  tanto  valor  a  de- 
fendeo  ,  que  os  obrigou  a  fe  retitarem  ,  fem  coníeguir 
o  leu  intento.  Até  o  mez  de  Outubro  nao  houve  ou- 
tro fucceíso  jdigno  de  memoria  ,  e  todo  eíte  tempo  dif- 
pendeo  o  Conde  do  Prado  em  prevenir  o  exercito  para 
liuma  empreza  com  grande  ponderação  permeditaoa» 
Alguns  mezes  antes  havia  o  Conde  de  S.  João  palsado  a 
Lisboa  da  Província  de  Trás  os  Montes,  onde  aiuírial 
e  tendo  conferido  com  o  Conde  do  Prado ,  o  que  de- 
terminava propor  aElRey,  voltou  para  chaves  com 
as -ordens,  que  pertendia  ;  e  o  Conde- do  Prado  havia' 
diípoíto  a  empreza  ,  que  era  pafsar  o  Minho  defronte 
de  Villa-Novaj  ganhar  Gayaõ,  fortiíicar-fe  naquelle  lu- 
gar ,  e  meter  a  guerra  no  paiz  inimigo  ,  para  que  os 
ieus  Povos  padeceísem  o  mefmo  damno  ,  que  os  nofsos 
experimentâvaó.O  Conde  de  S. João  havia  entrado  com 
grande  fervor  neíte  intento  ,  e  para  que  fe  naÕ  baldaí- 
fe  ,  difpoz  huma  diverfaôem  Traz  os  Montes  ,  que  an- 
tes de  pafsarmos  a  dar  noticia  dos  fuccefsos  daquella 
Província  ,  he  necefsario  referir  pela  dependência ,  que 
tem  hum  de  outro  fucceíso. 

O  primeiro  de  Outubro  fahio  o  Conde  da  Praça 
de  Chaves  com  cinco  mil  e  quinhentos  Infantes  ,  três 
mil  pagos ,  e  dous  mil  e  quinhentos  Auxiliares  ,  mil  e 
trezentos  cavallos  ,  oito  peças  de  artilharia,  munições, 
e  mantimentos  para  quinze  dias.  Toda  eíta  gente  jun- 
tou o  Conde  fem  mais  foccorros ,  que  algumas  Com- 
panhias de  cavallos  do  Minho  ,  governadas  pelo  Gene-- 
ral  da  Cavallaria  Pedro  Cefarde  Menezes  ,  e  outras  da 
Beira  ,  que  marcharão  á  ordem  do  Commifsario  geral 
D-Antonio  Maldonado:porém  era  taõ  ehicaz  a  fua  acli- 
vidade ,  que  nunca  o  feu  difcurfo  deu  lugar  a  deixar 
penetrar-íè  de  impoíflveis.Com  eíte  poder  marchou  pa- 
ra 


PJRT.E  //.  LIFKO  IX.  i75 

rao  valle  de  Salas  ,  hum  dos  mais  abundantes  de  todo  Ànfto 
iqnelle  diílriéto  '/.  e  depois  de  o  penetrar  ,_  chegou  ate     ~    . 
Lõrcós  ,  que  conrlna  com  Lindo  iò  na  Província  do  Mi-  I  003. 
lho ,  voltou  ibbre  o  valle  de  Lima  cheyo   de  povoa- 
jOens , e fertilidade,e  apezar  de  innundaçoens  de  tem- 
:>eítadesfurioias  deílruio  cento  e  cincoenta  Villas ,  e 
Lugares  ,  talou  todas  aquellas  Campanhas ,  enriqueceo 
)s  Õíficiaes  com  prezas, os  Soldados  com  defpojos,e  fem 
jncontrar  mais  oppoíiçaõ ,  que  de  alguns  batalhoens 
nimigos  ,  que  appareceraõ  ,  e  fendo  carregados,  fe  re- 
iraraõ  :  deílruio  todo  o   valle  de   Monte-Rey  ,  por 
mde  fe  retirou.  Fez  aíto  na  Veiga  de  Chaves,  onde 
leu  principio  a  hum  Forte  em  Villarelho ,  ultimo  lu- 
rar nofso  naquella  Raya ,  e  poílo  muito  importante  , 
)or  ficar  huma  legoa  de  Chaves,  e  cobrir  muitos  lu- 
fares daquelle  diítri&o.   Os  inimigos  toda  a  gente,  que 
mderaó  juntar  ,  meterão  em  Monte-Rey,  e  períuadido 
3.  Balthaíar  Pantoja  dos  clamores  dos  Povos  ,  íe  achou 
íbrigadò  a  marchar  com  a  mayor   parte  das  tropas  das 
Tonteiras  do  Minho  a  íe  oppôr  aos  progreísos  do  Con- 
le  de  S.  João  ,*  e  como  eíle  era  o  fim  pertendido  ,  no 
íiefmo  ponto  ,  que  o  Conde  do  Prado  recebeo  em  Pon- 
e  de  Lima  efte  avizo ,  diítribuio  todas  as  ordens  pre- 
iías ,  e  eftando  em  fumma  cautela  todas  as  preven- 
oens  ajuítadas ,  marchou  a  dezanove  de  Outubro  com 
inço  mil  Infantes  ,  e  quinhentos  ca vallos  com  a  fren- 
dem Monção  ,  para  chamar  os  inimigos  áquella  par- 
i  i  e  para  que  a  apparencia  fofse  mais  crivei  dos  Gal- 
egos ,  alojou  de  dia  avilta  de  Monção.   Fez.  marchar 
lous  Terços  ,  antes  de  anoitecer.,  a  pafsar  a  ponte  do. 
/louro  ,  eíogo  que  cerrou  a  noite  ,  fe  tornarão  a  en- 
orporar  com  ©exercito  r  e levantadas  as  tendas  ,  ac- 
efos  os  fogos  ,  eas  venidas  occu padas  com  moíque- 
airos  ,  com  todo  o  filencio  ,e  diligencia  marchou  pa- 
ao  íítio-  de  Bpega .,  que  fica  entre  Villa-Nova  ,.  e  La- 
lIícÍís  ,  onde  fez  alto  ,e  achou  que  o  General  da  Arti- 
haria  Fernão  deSoiiía  Coutinho- ,  novamente-  pro vi- 
lo  naquella  occupaçaõ  %  eítava  em  Villa-Nova  com  to- 
las as  preparaçoeas  pro-mptas  para  a  execução  de  ta 6 

eraa- 


i76  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  Sratl(^e  erílPreza>  e  como  a  brevidade  era  adifpoíiçaõ 
,,  mais  acertada  ,  na  manhãa  de  vinte  e  cinco  de  Outubro 
1^í?3.  chegou  o  Conde  do  Prado  á  margem  do  rio  Minho  ,  e 
antes  da  primeira  luz  do  dia  com  o  íilencio  poílivel  fe 
embarcarão  em  bateis,que  eítavaõ  prevenidos,quinhen« 
tos  Infantes  á  ordem  do  Sargento  Mayor  Diogo  Soares 
Pereira:porèm  o  rumor  inexcufavel  de  entrarem  os  Sol- 
dados nos  barcos,  e  apouca  largura  do  rio  avizaraõ  as 
fentinellas  inimigas  ,  que  tocarão  vivamente  arma  >  e 
quando  Diogo  Soares  chegou  a  emproar  a  terra ,  achou 
(  faltando  nella)  a  oppofiçaõ  de  hum  Terço  de  Infan- 
teria,  e  duas  Companhias  de  ca vallos  ,  que  intentarão 
taó  furiofamente  rebatello  ,  que  muitos  cavallos  ficarão 
atravefsados  nos  ferros  da  picaria  dos  nofsos  Infantes  ; 
porém  unidos,  e  ajudados  do  Meítre  de  Campo  Manoel 
Nunes  Leitão  ,  que  chegou  a  dar-lhes  calor  com  mil  e 
duzentos  Soldados  efcolhidosem  todos  os  Terços,  obri- 
garão os  Gallegos  a  fe  retirarem  ,•  e  chegando  quafi  ao 
mefmo  tempo  o  Meftre  de  Campo  do  Terço  de  Auxi- 
liares de  Viana  Balthafar  Fagundes  da  Fonfeca  ,  e  co- 
meçando a  ra ya.v  o  Sol ,  avançarão  o  Forte  de  Gayaò, 
levando  a  vanguarda  com  os  quinhentos  Infantes  o  Sar- 
gento Mayor  Diogo  Soares.  Confiava  o  Forte  de  quatro 
baluartes ,  que  rodeavaõ  huma  Torre  antiga:  havia  nel- 
le  cinco  peças  de  artilharia  ,  e  eítava  guarnecido  com 
o  Terço  ,  que  baixou  ao  rio  ,  que  conílava  fó  de  du- 
zentos Infantes  ,  que  fe  oppuzeraõ  valorofamente  í 
defenfa  do  Forte  :  porém  os  expugnadores  atropellandc 
impolííveis ,  fe  lançarão  ao  fofso  trinta  palmos  profun- 
do ,  e  arrimando  as  efcadas ,  que  as  mampoílas  facili- 
tarão, e  fe  lhe, lançarão  de  orla  do  fofso  ,  fubiraó  ao 
alto  do  Forte ,  fendo  os  primeiros  o  Capitão  Francifca 
Pitta  Malheiro,  que  ha  vendo-o  precipitado  do  alto  do 
baluarte  ,  tornou  a  fubir  aelle  5  o  Capitão  Joaô  Perei- 
ra Caldas  ,  o  Alferes  Pa fcoal  da  Coita  ,  que  ficou  mor- 
to', e  o  Ajudante  Domingos  Jorge ,  que  fe  retirou  feri- 
do ,  e  outros  que  merecerão  igual'  louvor  ;  e  como  a 
veíiflencia  foi  muito  valorofa  ,  e  o  confíicto  durou  da 
'  alva  até  as  oito  horas  da  manhãa ,  poucos  dos  defenío- 

fores 


I 


PARTE  II.  LIVRO  IX        177 

res  efcapado  com  vida,  fendo  hum  dos  mortos  o  Go~  Armo 
vernador,  e  dos  expugnadores  fó  oito  forão  mortos ,     ,, 
efe  retirarão  quantidade  de  feridos.  O  tempo  que  du-  Io0?° 
rou  o  aisalto  ,  teve  o  Conde  c1  o  Prado  para  paísar  o  rio 
fem  oppofição  ,  Valendo-fe  para  maior  íegurança  da  in- 
duítria  dè  ordenar ,  quepafsaisem  de  vanguarda  vinte 
cavallos  com  todas  as  trombetas  do  exercito  ,  para  que 
o  eílrondo  do  ataque  ,  e  os  eccos  dos  clarins  accrefcen- 
tafsem  os  horrores  da  noite,  e  a  confufaò  dos  inimi- 
gos.  Tomado  o  Forte,  deu  principio  ao  quartel  o  Mer- con&ptt-o  ,  c 
Itre  de  Campo  General  D.  Francifco  de  Azevedo  ,  que  fcrtifica.fe,aju- 
comincefsante  diligencia  havia  facilitado  todas  as  ope-  %%/%  d££rdc 
raçoens  antecedentes ,  e  a  Cavallaria  fe  efpalhou  a  cor-  jtS.  j*ao  ,ede 
rer  a  Campanha,  por  nao  achar  nella  oppofiçâo,*  e  obri  <  ambas  as  pfa 
gados  do  receyo  todos  os  lugares  daquelle  diítricto,  re-  wncw. 
correrão  ao  Conde  do  Prado,  que  ofFerecendo-lhes  toda 
a  poíTivel  commodidade  ,  os  obrigou  a  jurarem  vafsal- 
lagem ,  e  obediência  a  EIRey  D.  Aflonfo.  Fortificado 
o  quartel,  mandou  o  Conde  occupar huma eminência 
pouco  diííante  do  Forte  ,  e  levantar  nella  outro  capaz 
de  maior  guarnição  ,  o  qual  com  o  foccorro  de  Trás  os 
Montes  poz  brevernente  em  defenfa  ;  porque  o  Conde 
de  S.  Joaô  a  vinte  e  quatro  de  Outubro  ,  que  foi  o  dia 
antecedente  ao  em  que  o  Conde  do  Prado  pafsou  o  Mi- 
nho ,  reconheceo  Monte-Rey  com  a  Cavallaria  ,  e  cor- 
reo  o  General  delia  Pedro  Ceíar  de  Menezes  alguns  ba- 
talhoens  inimigos  até  junto  da  Praça;  tomou  quanti- 
dade de  cavallos ,  e  faqueou  alguns  lugares,  que  na 
confiança  de  ficarem  vizinhos  a  Monte-Rey  haviaò  re- 
colhido o  preciofo  de  outros ,  que  foraô  desbaratados. 
D  BalthafarPantojafufpenfo  na  refoluçaõ  defte  movi- 
mento ,  reconheceo  acaufa  delle  ,  chegando-lhe  noti- 
cia de  que  o  Conde  do  Prado  pafsara  o  rio  Minho ,  e 
ganhara  o  Forte  de  Gayaó  -,  e  deixando  o  menor  pelo 
maior  perigo  ,  pafsou  com  grande  diligencia  ao  Minho, 
ficando  guarnecido  Monte-Rey  com  dons  Terços  de  In- 
fanteria  ,  e  doze  Companhias  de  cavallos.  O  Conde.de 
S.  João  recebeoeíla  noticia  com  grande  brevidade  pe- 
las muitas  partidas,  qne  trazia  fobre  Monte-Rey  ,  e  íem 
I  M  a.mc- 


r 


1663. 


í78     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  a  meuor  dilação  mandou  marchar  ao  Capitão  dafua 
guarda  Diogo  de  Caldas  Barboía  com  féis  Companhias 
decavallos  a  íe encorpo rar  com  oConde  do  Prado  ,  e 
foi  em  feu  feguimento  acompanhado  de  Pedro  Ceíar 
de  Menezes  ,  e  dos  Sargentos  Mayores  de  Batalha  Mi* 
guel  Carlos  de  Távora  ,  e  António  Soares  da  Coita  ,  e 
de  Joaõ  Nunes-  da  Cunha  ,  que  de  Entre  Douro  ,  e  Mi- 
nho havia  pafsado  .a  Trás  os  Montes  aaífíílir  naquella 
em  preza  ;  e  por^  haver  naquelle  tempo  ajuftado  o  cafa- 
mento  da  fua  única  filha  Dona  Maria  Caetana  com  Mi- 
guel Carlos  ,  eítando  ainda  priíioneiro  em  Caítella  ,  o 
havia  ido  bufcar  depois  de  coníeguir  liberdade-.  Deixou 
o  Conde  de  S.  Joaõ  ordem   que  marchafse  com  a  dili- 
gencia, que  fofse  poífivel,  outro  corpo  de  Cavallaria , 
e  Infanteria  y  e  o  dia  ,  que  chegou  ao  Forte  de  Gayaõ, 
pareceo  á  vjfta  dos  quartéis  o  exercito  inimigo}  por- 
que oArcebifpo  de  Santiago  ,  que  fe  achava  em  Re- 
dondella,  obrigado  dos  clamores  incefsantes  dos  Povos, 
fez  conduzir  toda  a  gente,  que  pode,  e  convocou  a  No- 
breza de  Galliza  com  voz  de  que  pafsava  ao  exercito? 
e  chegando  D.  Balthafar  Pantoja ,  lho  entregou ;  e  mar- 
chando a  obíervar  o  eítado  dos  quartéis  do  Conde  do 
Prado  ,  nao  fe  arrojou  a  mayor  empenho  ,  què  alojar  á 
viíta  delíes,  fegurando  a  reclaguarda  na  afpereza  de 
humaferra,  que  coroou  a  Infanteria. 

Efta  vizinhança  nao  embaraçou  o  trabalho  do  For- 
te ,  porque  com  toda  a  diligencia  fe  foi  fabricando 
de  cinco  baluartes  muito  capazes  de  alojarem  humgrof- 
fo  prefidio.  Os  inimigos  intentarão  huma  diverfaô  por 
mar ,  que  desbaratou  hum  grande  furacão ,  e  atacarão 
algumas  efcaramuças  ,  de  que  ficarão  fempre  os  peior 
livrados  i  e  D.  Balthafar  em  oppofiçaõ  do  novo  Forte 
levantou  outro  em  hum  monte  chamado  dos  Medos , 
que  tomou  nome  muito  próprio  naquella  occaíião  ,  em 
que  os  fabricadores  moílravão  claramente  o  feu  receyo, 
O  Conde  do  Prado  defejando  utilizar  mais  eíta  empre- 
za  ,  mandou  interprender  Lindofo ,  Praça  que  os  inimi- 
gos havião  ganhado  na  Campanha  antecedente  ,  e  me- 
lhorado de  fortifkaçoens,  rodeando  o  Caítello  com  cin- 
co 


PJRTE II.  LIVRO  IX.        179 

co  baluartes.  Fomentou  o  Conde  do  Prado  eíteinten-  AnnO 
to     por  ficar  Lindoíb  pouco  diítante  de  Braga ,  e  no- 
meou por  Cabo  daempreza  ao  Tenente  do  Meítre  de  ioo>. 
Campo  General  João  Rebello  Leite:  deu-lhe  trezentos 
Infantes  pagos  ,  quatro  Companhias  de  cavallos  gover- 
nadas pelo  Capitão  João  Corrêa  Carneiro  ,  e  ordem  pa- 
ra conduzir  Ordenanças  dos  lugares  vizinhos.  Execu- 
tou João  Rebello  todas  eítas  dilpofiçoens  com  acerto, 
e  marchou  com  diligencia ,  e  íegredo.  Chegou  á  viíta 
da  Praça  ao  romper  damanhãa,  e  havendo  repartido 
os  poftos  pela  Infanteria,  inveítirão  os  Soldados  abar- 
bacãa,  porque  a  nova  fortificação  nãoeítavadetodo 
perfeita ,  e  fendo  algumas  horas  também  atacada  co- 
mo defendida  ,  cederão  os  defenfores^,  mortos  cincoen* 
ta  ,  ■  e  quarenta  prííioneiros.  Ficou  João  Rebello  ienhor 
da  barbacãa  á  cuíta  de  duas  grandes  feridas  ,  que  lhe 
impofíibilitarão  continuar  a  empreza.  Entregou  o  go- 
verno a  João  Corrêa  Carneiro,  que  deíejando  valorosa- 
mente aperfeiçoar  tão  felice  principio ,  fez  prompta- 
mente  arrimar  mantas  á  muralha  ,  abrir  fornilhos ,  ata- 
car minas  a  pezar  de  nuvens  de  balas,  e  de  grande  quan- 
tidade de  fogos  artificiaes  ,  que  os  defenfores  arrojarão 
no  fofso  ,  de  que  foraó*  mortos ,  e  feridos  muitos  Sol- 
dados} e  intentando  defmontar  as  Companhias  de  ca- 
vallos,  para  dar  o  afsalto  ,  chegou  opportunamente  o 
Meítre  de  Campo  Vafco  de  Azevedo  Coutinho  com 
quinhentos  Infantes;  foccorro,  que  viíto  pelos  Galle- 
gos  ,  abraçarão  por  ultimo  deíengano  a  entrega  do  For- 
te ,  e  o  renderão  ao  fegundo  dia  do  combate.  Achara  o- 
fe  nelle  féis  peças  de  artilharia  ,  quantidade  de  muni-, 
çoens  ,  e  conítava  a  guarnição  de  quinhentos  Soldados. 
Ficou-o  governando  o  feu  Alcaide  mór  Manoel  de  Sou- 
fa  de  Menezes  ,  que  havia  lido  hum  dos  que  com  gran- 
de valor  o  recuperarão.  Deixou-lhe  Joaó  Rebello  qui- 
nhentos Infantes ,  e  retirou-fe  a  fe  curar  á  Villa  da  Bar- 
ca ,  e  a  mais  gente  ao  exercito  ,  que  hia  acabando  fem 
oppoíiçaõ  o  Forte  começado  5  e  poíla  em  perfeição  a 
cbra  ,  o  deixou  o  Conde  do  Prado  entregue  ao  Meítre 
de  Campo  Manoel  Nunes  Leitão  com  mil  Infantes  nos 

M  2  Terços 


iSo  PORTUGAL  RESTAUKADO, 

Anno  Terços  de  D.  António  Luiz  de  Soufa  feu  filho  mais  ve- 
r  v^      lho  ,  e  Gónfalo  Vafques  da  Cunha  ,  duzentos  cavallos, 
00 3*  oito  peças  de  artilharia  ,  e  as  mais  prevençoens  necef- 
farias  para  hum  largo  li  tio  ,  e  dividio  o  exercito  pelos 
quartéis.  O  Conde  de  S.  Joaõ  voltou  para  Trás  os  Mon- 
tes com  as  fuás  tropas ;  porque  D.  Balthaíkr  Pantoja,  ha- 
vendo poíloem  defenfa  o  Forte  dos  Medos,  também 
aquartelou  o  exercito  ,  e  dous  Terços  ,  que  novamen- 
te chegarão  de  Flandres  *  e  lio  meímo  tempo  nomeou 
EIRey  de  Caftella  Viíb-Rey  de  Galliza  a  Luiz  Poderi- 
co  ,  que  havia  fido  Meftre  de  Campo  General  de  Dom 
Joaõ  de  Auítria.  Hofpédou-o  o  Conde  do  Prado ,  man- 
dando o  Tenente  General  da  Cavallaria  Joaõ  da  Cunha 
Soto-Mayor  com  feiicentos  Infantes  ,  e  fetecentos  ca* 
vallos  entrar  em  Galliza  por  Chaõ  de  Caftro,  e  depois 
de  queimar,  efaquear  muitos  lugares  abertos,  fe  re- 
tirou fem  oppoíiçaõ.  Ofuccefso  daempreza  do  Forte 
deGayaõ  foi  de  muito  grandes  confequencias ,  aflim 
pelo  valor ,  com  que  fe  cònfeguio  ,  como  pelo  damno, 
que  os  Gãllegos  receberão  nas  entradas ,  que  íe  fizeraõ 
por  aquella  parte ,  e  os  Povos  de  Entre  Douro  ,  e  Mi- 
nho pafsando  de  conquiftados  a  conquiftadores,  fe  ani- 
marão a  concorrer  para  novas  emprezas. 

Na  Província  de  Trás  os  Montes  havia  affiítido  o 
Conde  de  S.  João  todo  o  tempo  antecedente  ao  que 
pafsou  a  Entre  Douro ,  e  Minho ,  e  accrefcentando  os 
Terços  ,  e  Companhias  de  cavallos  a  tanto ,  e  tão  lu- 
zido numero  de  Soldados,  que  lhe  não  excedião  algu- 
mas das  outras  Provincias  •,  fendo  tão  pouca  a  difpeza, 
que  parecia  incrivel ,  que  a  induftria  pudefse  vencer 
tantos  impoífives.  Forão  maravilhofos  oseífeitos  de- 
ltas prudentes  attençoens  ,•  porque  não  fó  deílruio  fem 
refiftencia  todo  o  paiz  confinante ,  de  que  fe  originou 
f a zerfe-lhe  tributário*,  mas  penetrou  o  centro  dos  Rey- 
Receitmos  Rey^  nos  de  Caftella ,  Galliza,  e  Leão  ,  que  lhe  ficavãofron- 
c^/eíu^Lean  teiros  '  e  enriqueceo  os  Soldados,  e  paizanos  ,•  os  quaes 


ijceila,  e  Leão  ,  x    ~ "    "  2"    7~  '  ~.J"       "'.     r7    "  '  ~x    ' 

.  opulentos  com  os  delpojosconcorriao  anciolamente  pa- 

_  1 /"_      _      /-i-i  ^->  i  .  •     •  -t 


grandKfimo  da 
ao. 


ra  os  progrefsos.  Teve  o  Conde   noticia  que  nos  lu- 
gares de  Souto ,  Chão ,  Berrande  ,  e  Arçoa  eftava  alo- 
jado 


P^RTE  II.  LIVRO  IX.        181 

.Sado  o  Terço  do  Meílre  de  Campo  D.  Diogo  deEníe,  AntlO 
eoutras  Companhias  de  Infanteria  ,  que  haviaõ  affifti-     ,. 
doem  o-exeráto  de  Entre  DoUro ,  e  Minho.  Saiuo  de  louí' 
Monforte  avinteedous  de  Janeiro  com  ietecentos  ca- 
vallos,e  amanheceò  entreTos  alojamentos  referidos  Aem 
fer  ientido :  valendo-fe  da  conhecida  felicidade  ,  entrou 
nos  lusares ,  e  vencendo  toda  a  confufa  oppofiçao,  pou- 
cos inimigos  efcaparao  de  mortos,  e  priíioneiros.  Re-. 
tirou-fe,  e  repetio  as  entradas,  preparando-fe junta- 
mente para  a  facçaó  de  Entre  Douro  ,  e  Minho  ,  de 
<me  demos  noticta  pafsando  a  Trás  os  Montes.  Conti- 
nuou até  o  fim  do  armo  ,  que  efcrevemos ,  fimilhantes 
acçoens  fem  a  menor  contradição.  # 

A  Província  da  Beira  governava  no  principio  deite 
anno  o  Conde  de  VUla-Flor.  Foi  nomeado  para  o  go- 
verno das  Armas  de  Alentejo  ,  e  fuccedeo-llie  com  o  ti- 
tulo de  Meílre  de  Campo  General  Fedro  Jaques  de  Ma- 
galhães i  e  como  era  dotado  de  valor,  zelo  ,  e  activida- 
de ,  poz  as  Praças  de  importância  em  defenía  ,  palsou 
a  Alentejo  com  os  grandes  foccorros,  de  que  fizemos 
memoria  ,  e  deixou  a  Provinda  entregue  ao  General  da 
Artilharia  Diogo  Gomes  de  Figueiredo ,  que  cuidadola- 
mente  fe  difpoz  a  defendella  ,  fendo-lhe  neceísano  to- 
da a  vigilância  pela  pouca  gente  ,  que  lhe  havia  hcado. 
Multiplicou-a  com  as  noticias  das  prevê nçoens  do  uu- 
que  deOfsuna,  que  com  fum ma  adi vidade  procurava 
naõfó  divertir  os  foccorros  á  Provincia  de  Alentejo, 
mas  igualar  os  progrefsos  de  D.  Joaõ  de  Auftna:  porem 
naó  pode  lograr  o  intento  de  fahir  em  Campanha  ,  an- 
tes de  confeguida  a  vitoria  na  batalha  do  Canal  j  por- 
que os  effeitos  naó  correfponderaõ  ao  ardor  ,  com  que 
os  applicava  5  porém  naõ  defmayaraò  as  fuás  diligen- 
cias com  avizos  da  difgraça   de  Estremadura  ,  antes 
íeaugmentarao  ;  porque  fe  primeiro  pertendia  ler  emu-  ^  Pr9vipcU 
lo  da  gloria  de  D.  Joaó  de  Auítria  ,  perdida  a  batalha ,  da  Beira  intínm 
determinava  emendar  com  a  própria  felicidade  a  dif-  taoDu^.de 
graça  alheya.  Levado  defteimpulfo     havendo  unido  <*£fi? 
cinco  mil  Infantes  ,  e  feifcentos  cavallos  ,  e  todos  os  initrfre^ 
inítrumentos  preciíos  pata  fe  facilitar  huma  interpreza, 

M  3  mar- 


|lí      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  marchou  o  primeiro  da  julho  para  a  Praça  de  Almei- 
1662  da'  prefumindo  poder  ganhalla  por  afsalto,  com  ano- 
V  ticia  da  pouca  guarnição  ,  que  a  íegurava  :  e  chèyo  de 
eipiritoío  ardor  gaitou  as  horas  da  marcha  em  exhor- 
tar  com  palavras  ,  rogos ,  e  promefsas  aos  Gfficiaes  ,  e 
Soldados  ,  infiuuando-lhes  a  fortuna  de  fe  ganhar  a  Pra- 
ça de  Armas  da quella  Provinda  ,  ehuma  das  melhores 
de  Portugal ,  empreza  tanto  mais  relevante ,  quanto  o 
tempo  era  mais  calamitofo  ;  podendo  ler  as  infelici- 
dades de  D.  Joaõ  de  Auítria  realce  da  fua  gloria  ,  que 
a  todos  fe  communicava  ,  lembra  ndo-lhes  os  muitos  lu- 
gares, ricos  ,  e  abundantes  ,  que  íicariaó  fujeitos  ao  feu 
-domínio ,  e  encarecendo-lhes  os  interefses  ,  que  haviaô 
deconfeguirnosdeípojos  de  Almeida  ,  depoíito  do  ca- 
bedal mais  preciofo  dos  lugares  da  Raya ,  por  coníide- 
rarem  os  paizanos  naquella  Praça  a  mayor  íegurança ; 
ede  toda  a  Rhetorica  antecedente  pareceO  íer  eíta  a 
maisefficazj  porque  logo  que  a  proferio  ,  iègurarao 
os  Soldados  ao  Duque  a  reíbluçaó  ,  com  que  de  termi- 
na vaõ  obedecer-lhe. 

O  mefmo  dia  ,  que  os  Caítelhanos  fahiraô  de  Ciu- 
dad-Rodrigo  ,  entrou  Diogo  Gomes  de  Figueiredo  em 
Almeida  •,  porque,tendo  noticia  das  prevenções  do  Du- 
que de  Ofsuna ,  refolveo  prudentemente  íegurar  a  Pra- 
ça mais  importante  :  efoi  taõ  útil  o  acerto  deite  dif- 
curfo  ,  que  dependeo  delle  a  liberdade  de  toda  aquella 
Província,*  e  fazendo  marchar  a  gentey  que  achou  mais 
prompta ,  conítava  a  guarnição  de  duas  Companhias 
H  ap.teria  PaSas  >  de  quinhentos  Auxiliares  do  Ter- 
ço de  Pinhel,  e  de  cento  e  cincoenta  cavallos ,  em 
que  entravaò  duas  Companhias  de  Trás  os  Montes ,  de 
que_  eraõ  Capitães  António  de  Souía  ,  Senhor  de  Vai 
dei erdizes ,  e Balthaíar  de  Carvalho  , e quantidade  de 
paizanos,  aíTim  da  Praça ,  como  dos  lugares  vizinhos. 
As  poucas  horas  ,  que  Diogo  Gomes  teve  dcíe  preve- 
nir ,  gaitou  em  reparar  as  minas  da  muralha  mais  pe- 
ngoia,  em  repartir  os  póílos,  e  animar  os  defenfo- 
res  ao  combate,  fe  acaíb  fofse aquella  Praça  inveíti- 
aa^o  que  até  aquelle  tempo  ignorava.  Duas  horas  an- 
tes 


PARTE  11.  LIVRO  IX.        1*3 

tes  de  romper  a  manhãa  de  dous  de  Julho  ,  fe  manife-  Anno 
ftou  a  reíolução  do  Duque  de  Ofsuna  5  porque  ,  fen-       ,  ^ 
tindoasAtalayas  o  rumor  da  marcha  dos  Caftelhanos,  I0Uv 
tocarão  a  arma  ,  efem  fe  interpor  grande  dilação  ,  foi  D4gaf,u^ 
a  Praça  invertida  por  cinco  partes  y  três  para  o  empe-  reíira.fe  com 
nho  ,  duas  para  a  diversão.  Pelo  chafariz  ,  e  baluarte grandS£trdat 
de  S.  Franciico  íe  reconheceo  maior  o  impulfo ;  por- 
que, arrimando  quantidade  de  efcadas  ,  fubirão  os  Ca- 
ílelhanos  ao  alto  da  muralha  favorecidos  de  mampo- 
Itas,  bombas,  e granadas,  e  quali  ao  mefmo  tempo 
arrimarão  hum  petardo  á  porta  do  Barro;  que  ainda 
fez  maior  damno  aos  que  o  conduzirão  ,  que  na  por- 
ta ,  a  que  o  applicarão  3  porque  ,  rebentando  matou  ,  e 
ferio  os  que  ficavão  mais  vizinhos,"  abrio  huma  peque- 
na brecha  ,  que  ,  iuppoíto  não  deu  mais  lugar  ,  que  a 
poder  entrar  hum  fó  homem  ,  houve  muitos  Officiaes, 
que  fe  arrojarão  galhardamente  ao  perigo,  defprezau- 
do  os  efpectaculos  dos  que  acabarão  a  vida  na  refolu- 
çaõ  j  porque  os  valoroíbs  defenfores  animados  do  Ge- 
neral da  Artilharia  fe  oppuzeraó  a  todas  as  partes  ,  por 
onde  forao  inveíHdos ,  taò  heroicamente ,  que  foi  ca- 
da acçaõ  merecedora  de  hum  elogio ;  e  augmentando 
aconfufaõ  da  noite  o  horror  do  combate,  desbaratou 
a  luz  da  manhãa  eíte  embaraço  ,  para  que  naò  ficafsera 
encobertas  tantas  acçoens  illuftres.  Em  todas  as  partes 
&  pelejava  com  grande  ardor  ,  e  a  todas  acodio  Diogo 
Gomes  com  igual  vigilância :  porém  o  Duque  de  Ofsu- 
na esforçando  osfoccorros,  e  animando  os  combates  , 
íe  confiderava  fenhor  da  empreza.  Defenderão  a  brecha 
os  Capitães  de  cavallos  de  Trás  os  Montes  ,  e  depois 
de  a  fegurarem  ,  acodirao  ás  partes  ,  onde  fe  neceífíta- 
vamais  do  leu  foccorro.  Eraó  já  oito  horas  ,•  e  vendo 
Diogo  Gomes  a  perfiítencia  do  combate ,  temendo  o 
perigo  da  Praça ,  applicou  o  ultimo  esforço  á  fua  de- 
fenfa  ^  juntou  hum  troço  de  gente  ,  e  correo  ao  baluar- 
te de  S.  Francifco  ,  que  os Caítelhanos  haviaó  entrado, 
e  encontrando  felicemente  ao  Meítre  de  Campo, que  era 
Cabo  da  gente  do  afsalto  ,  lhe  correo  com  a  deíireza  , 
de  que  era  dotado  no  jogar  das  armas ,  huma  eítocada, 

M4  epaf- 


_ 


y 


141 


í  U    PORTUGAL  RESTAURADO , 

Anno  e  pafsando-o  por  debaixo  de  hum  braço  ,  o  precipitou 
•  ^      da  muralha,  ebaítou  eíle  valorofo  golpe  para  dei  en- 
00  ?f  gano  de  todos,  os  queeíhvaô  dentro  da  Praça,  eiii- 
biao  pelas  eicadas  ■,  porque  logo  começarão  a  moítrar 
menos  refoluçaó.,  e  de  forte  a  accrefcentaraõ  nos  de- 
feulbres  eílas  apparencias  ,  que  em  breve  eípaço  dei- 
empediraõ  a  Praça  detaõ  perigofos  hofpedes ,  e  jogou 
ábbre  elles  ,  e  fobre  a  mais  gente,  que  eítava  formada 
diante  da  Praça  a  corpo  defcuberto  ,  taõ  fu  rio  lamente 
a  artilharia  ,  e  mofquetaria  ,  que  defenganado  o  Duque 
deOísuna  de  lograr  o  intento,  que  havia  fabricado, 
mandou  tocar  a  recolher  ,  e  retirou-íe  para  Ciudad-Rc- 
drigo  com  perda  de  quatrocentos  InfanteS.Morreraõ  na 
Praça  cincoenta  Soldados ,  eíicáraõ  outros  tantos  feri- 
,dos ,  e  logrou  Diogo  Gomes  univeríaí  eíHmaçaõ  do  va- 
lor ,  e  acerto  ,  com  que  preíèrvou  na  defenfa  delia  tcda 
^quella  Provinda.  Brevemente  chegou  a  governalla  Pe- 
dro Jaques  de  Magalhaens  com  os  foccòrros ,  que  havia 
levado  a  Alentejo ;  e  dentro  'de  poucos  dias  o  nomeou 
EIRey  Governador  das  Armas  do  Partido  de  Almeida  , 
e  a  Affbnío  Furtado  de  Mendoça  do  de  Penamacor ;  e 
ambos  amigos  no  trato,  e emuios  na  gloria  começa- 
rão a  augmentar  as  tropas  do»  dous  partidos  com  gran- 
de acerto :  porém  tendo  Pedro  Jaques  ordem  para  man- 
dar a  Cavallaria  ,  e  Infanteria  de  íòccorro  á  Provincia 
de  Trás  os  Montes  ,  ficou  detouido  das  forças,  que 
ihe  erão  necefsarias  para  cobrir  todos  os  lugares  do 
;feu  Partido ;  e  os  Caílelhanos  valendo-fe  defta  noticia, 
jfizerão  algumas  entradas  por  Moníanto  ,  Caítello-Me^ 
Jhor ,  e  outros  lugares ,  de  que  levarão  prezas  confide- 
raveis.  Em  fatisfação  deite  damno  mandou  Pedro  Ja- 
ques ao  Meítre  de  Campo  Manoel  Ferreira  Rebello  ao 
lugar  da  Redonda  com  alguma  Infanteria  ;  faqueou-o, 
e  queimou-o.  O  mefmo  fuccefso  teve  a  ViJia  de  Pa- 
itor.  O  Duque  deOfsuna  deefpirito  bellicoíb  ,  eini- 
jnigo  do  defcanço  ,  defejando  divertir  os  progreisos  do 
Conde  do  Prado  ,  e  ajudado  das  tropas  de  Extremadu- 
ra,  iahio  em  Campanha  com  cinco  mil  Infantes,  no- 
vecentos cavalios }  e  féis  peças  de  artilharia  ,  e  ama- 

nheceo 


VARTE  II.  UJSRO  IX         i#j 

nheceo  a  quatro  de  Dezembro  fobre  o  Forte  Vai  de  La- 
mela fituado  huma  legoa  diftante  de  Almeida.  Era  a 
fabrica  de  pedra ,  e  barro  ,  e  com  pouco  terrapleno:  go- 
v^rnava-o  o  Capitão  Joíeph  de  Abrunhoia  ,  e  guame- 
cião-no  íefsenta  Infantes  Auxiliares  ■,  porem  nao  ueí- 
mayando  a  confiança  do  Capitão  á  vifta  do  perigo  ,  iof- 
freo  muitas  horas  as  baterias  da  artilharia  ,  que  lhe  ar~ 
ruinarão  totalmente  as  muralhas.  Com  efte  defengano 
rendeo  o  Forte  ,  capitulando i  fahirem  os  Soldados  com 
armas  ,  e  pafsarem  a  Almeida  íem  oífenfa  da  fua  roupa: 
porém  quebrando-lhe  indignamente  a  capitulação  ( la- 
béo  dos  exércitos,  que  cahem  neíle  erro  )  os  deipojarão 
do  que  conduzirão.  -■ 

Pedro  Jaques  com  a  noticia  deite  fuccelso  puxou 
por  toda  a  gente  ,  que  lhe  foi  poíiivel ,  avizou  a  El- 
Rey  ,  deípachou  correyos  a  todas  as  Províncias ,  guar- 
neceo  as  Praças  ,  mais  como  podia  ,  que  como  deiejava, 
e  mandou  dizer  ao  Duque ;  que  fe  o  leu  intento  era  , 
que  elle  chamafse  de  foccorro  a  gente  ,  que  tinha  de 
Entre  Douro  ,  e  Minho  ,  que  era  baldada  a  lua  efperan- 
ça,  porque  não  neceílitava  delia,  como  o  tempo  bre- 
vemente lhe  moítrariai  e  porque  coíhimava  ratificar 
com  as  obras  as  palavras ,  mandou  tomar  língua  a  Gui- 
naldo  ,  Villade  feifcentos  fogos  ,  e  que  íervia  de  Pra- 
ça de  Armas  aos  Caftelhanos  -y  e  conítando-lhe  que  ti- 
nha ficado  com  pouca  guarnição,  ordenou  ao  Meftre 
<te  Campo  Manoel  Ferreira  Rebello  ,  que  aííiíHa  em  AU 
fayates  ,  três  legoas  de  Guinaldo  ,  que  marchaíse  a  in- 
terprender  aquella  Villa  com  mil  Infantes  ,  ecemca- 
vallos ,  fiando-fe  ,  em  que  ficava  tao  diítante  de  Vai  de 
la  mula  ,  que  primeiro  Manoel  Ferreira  fe  poderia  re- 
tirar ,  queoDuquedeOfsunaopudeíseoírender  Vef- 
pera  da  Conceição  marchou  Manoel  Ferreira  ,  a  execu- 
tar efta  ordem  ,  e  fuppondo  que  chegaria  a  Guinaldo 
antes  de  amanhecer  ,  lhe  fuccedeo  pelo  contrario  ,  por- 
que lhe  íahio  o  Sol  muito  apartado  da  Villa  :  por  eíta 
c-uifa  duvidarão  os  Officiaes  a  empreza  5  porém  Manoel 
Ferreira  tomando  fé  no  dia  do  Orago  do  Reino  ,  e  nao 
acçoens  felicemente  executadas  nos  muitos  anrtos  de 

Solda* 


Anno 

166  y. 


iU     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ànno  Soldado  ■,  os  animou  á  empreza.  Com  muito  valor  avan- 
1662  cara°  tôdos>  Villa  ,  efoi  Manoel  Ferreira  o  primei- 
r  ro  ,  que  entrou  pela  porta  ,  e  deteve  a  fúria  de  alguns. 
•Caítelhanos,  que  corria õ  a  cerralla.  Chegou  toda  a  gen- 
te ,.  e aísaltando  a  Villa  por  varias  partes,  entrarão  den- 
tro com  pouca  refiítencia ,  e  ganharão  o  Caftello  com 
a  meíma  felicidade.  Ficou  prifiòneiro  o  Governador  ,  e 
alguns  Soldados ;  faqueou-íea  Villa  ,  e  queimou-fe.-  foi 
o  defpojo  riquiíTimo ,  e  fe  multiplicarão  os  avanços  com 
huma  grande  preza  de  gado  ,  retirando-fe  Manoel  Fer- 
reira íem  oppoíiçaô  alguma. 

O  Duque  de  Ofsuna  ,j  que.eítava  alojado  entre  Vai 
de  la  mula  ,  e  a  Aldeã  do  Biípo  ,  dando  principio  á  fa- 
brica de  hum  Forte  ,  fentio  .muito  eíte  lucceíso  ,  e  pa- 
ra íe  defpicar  delle  ,  mandou  faquear  a  Aldeã  de  Mido; 
porém  achou-a  deipovoada  por  ordem  de  Pedro  Jaques. 
Puzeraõ  os  Caítelhanos  fogo  ás  choupanas  vazias  /  e 
pafsaraó  ao  lugar  da  Reygada,. duas  legoas  de  Almeida; 
porém  acharão  dentro  algumas  Companhias  de  Auxilia- 
res de  Trás  os  Montes  ,  que  refolutos  a  defendelio  ,  o 
coníeguiraõ  á  culta  de  muitas  vidas  dos  inimigos.  Af- 
fonfo  Furtado  tendo  noticia  do  intento  do  Duque  de 
Oísuna  ,  pafsou  a  Almeida  nos  últimos  dias  de  Dezem- 
bro ,  e  no  feu  Partido  naõ  fuccedeo  eíte  anno  acção  dig- 
na de.  memo  ria. 

Deixamos  no  fim  do  anno  antecedente  flu&uan- 
do  a  prudência  da  Rainha  DonaLuiza  na  tormenta  fu-^ 
rioía  de  tempos  contrários  ,  fem  j  que  a  certeza  da  aura 
popular  pudefse  fegurar-lhe  a  tranquillidade.  Via  intro- 
duzido no  governo  do  Reino  a  EIReyD.AíFonfo  ,  co- 
mo fempre  defejara ,  mas  naõ  como  convinha.  Coníi- 
derava  no  Infante  D.  Pedro  ornado  de  todas  as  virtudes, 
de  que  devia  comporfe,  hum  Príncipe  perfeito  5  porém 
taõ  mal  cultivadas  na  forço fa  companhia  d'ElRey,  que 
defconfiava  de  fe  poderem  adiantar  com  virtuola  tem- 
perança. Conhecia, que  no  governo  d'ElRey  fe  naõ  po- 
dia efperar  adminiítraçaõ  por  capacidade  própria  ?  ha- 
vendo tomado  tantas  forças  a  inhabilidade  ,  que  o  fa- 
zia até  infeparavel  da  direcção  alheya.  Obfervava  que 
-  toda 


P^RTE  ://.  LJFKO  IX.         !í% 

toda  a  felicidade  corria  em  beneficio  do  Conde  "de  Caí-  AnriO 
tello-Melhor ,'  porque  as  íubtilezas  de  Sebaítiaõ  Ceíar  ' 
arruinavaó  toda  a  kia  fortuna,  e  os  deíapegos  do  Conde  x  °  ®  3  • 
de  Atouguia  deiíemperavaó  toda  a  fua  prudência  ,  e  ou 
os  três  íe  coníervaíkm  ,  ou  qualquer  delles  prevaleceí- 
fe  }  íempre  lhe  havia  de  ler  iniupportavel  a  fortuna  de 
todos  y  porque  íe  conformava ó  no  diícurío  de  entende- 
rem ,  que  era  conveniente  á  lua  coníervaçaõ  ieparalla 
de  leu  rilho,*  o  que  íe  verificava  em  vários  acciden- 
tes :  porque,  íe  acaío  EIRey  íe  moítrava  em  alguma  ac- 
ção o  menor  carinho  ,  logo  a  Rainha  experimentava 
occafiaõ  de  enfado  j  e  havendo-  por  todos  eítes  reípei- 
tos  eícolhido  por  ultimo  receptáculo  das  fuás  virtudes, 
e  por  único  templo  do  íeu  decoro  o  Convento  das  Re- 
ligioías  Agoltinhas  Deícalças  ,  que  tinha  mandado  fa- 
bricar no  íitio  do  Grilo  ,  caminíaavaõ  as  obras  a  paíso 
mais  lento  ,  do  que  requeria  a  fortuna  do  tempo  ,  que 
tolerava.  Neíta  confideraçaò  intentou  ,  em  quanto  íe 
dilatavaõ  as  obras  ,  paísar  do  Paço  para  os  Paços  de 
Xabregas  (em que  vivia  aCondeísa  de  Unhão  )  unidos 
ao  Convento  da  Madre  de  Deos  ,  com  determinação  de 
abrir  porta  interior  para  íe  communicar  com  aquellas 
Religioías;  que  em  exemplar  obíervancia  da  efheiteza 
dos  preceito  da  Regra  de  Santa  Clara  reftriítos  por  San- 
ta Coleta ,  e  pelos  eítylos  ,  em  que  a  devoção  afFectuo- 
fa  das  fundadoras  (naõ  diminuida  por  todas  ,  até  as  que 
eíte  tempo  lhe  fuccederaõ)  íingulares  na  virtude  ,  e  illn- 
ítres  nofangue,  vivem  em  Angélicos  exercicios  ,  mo- 
lhando ,  e  íeguindo  o  caminho  verdadeiro  da  vida  eter- 
na.Negou-fe-lhe  a  eonceísaõ  deíle  deíejo  com  apparen- 
tes  demonftraçoens  de  agrado  ,•  e  neíle  tempo  paliou 
EIRey  a  Salvaterra,  e  foi  tirado  o  Infante  da  tutoria 
da  Rainha.  Voltou  no  principio  da.Quareima:  edeíe- 
jando  os  Miniítros  ,  que  o  governavaó  ,  acabar  de  íè- 
parar  a)Rainha  da  fua  comunicação  ,  lhe  mandarão  in- 
firmar da  parte  d'lilRey ,  que  abbreviaíse  a  mudança  , 
que  determinava  fazer  para  o  íeu  retiro  :  e  entenden- 
do prudentemente  a  Rainha,  que  aefta  advertência  íe 
poderia  feguir  preceito  menos  deçoroíò*  deliberou  rom- 
per 


m     PORTUGAL  RESTAURADO, 

.'Aflno  PerPe^a  -grande  difficuldade  de  liabitar  poucas ,.  e'im> 
,  ,      perfeitas  caías  ,  que  eflavaõ  levantadas  na  quinta  ,  era 

,1063»  que  fe  edificava  o  Convento,  que  havia  mandado  fa- 
bricar \  efez  avizo  a  EIRey  ,  que  tinha  determinado 
fahir  do  Paço  para  o  feu  novo  apofento  ,  Sabbado  vef- 
pera  de  Ramos  ,  em  que  fecontavaõ  dez  aí  ete  de  Mar- 
ço. Facilmente  fe  lhe  approvou  eíla  deliberação  ,  por 
fer  a  meíma  ,que  ancioíamente  folicitavaõ  ,  osqueti- 
~nhaõ  poder  para  confentilla;  e  refpondeo  EIRey  ,  que 
elle  eílava  prompto  para  a  acompanhar  ,  como  era  obri- 
'  gado. 

No  dia  referido  fahio  a  Rainha  do  Paço  acom- 
panhada d'ElRey ,  do  Infante  ,  e  de  toda  a  Nobreza; 
entrou  em  huma  carroça  negra  ,  que  mandou  fazer  de- 
pois da  morte  d'ElRey  feu  marido  ,  e  que  não  teve  ex- 
ercido mais  quenaquelle  dia,  íérvindo4he  de  tumu- 
lo portátil ,  que  a  conduzio  a  outro  nao  menos  melan- 
cólico ,  em  que  depofitou  o  pouco  tempo,  que  lhe 
durou  a  vida ,  o  efperito  mais  heróico  ,  e  o  animo  mais 
Real ,  que  ornou  nao  fó  o  prefente  ,  mas  os  paísados 
feculos.  EIRey  ,  e  o  Infante  acompanharão  até  entrar 
na  carroça  ,  havendo  fahido  da  fua  antecamera  entre 
Jium ,  e  outro  Principe  \  e  depois  de  entrar  nella  ,  a  fe- 
guiraõ  até  a  quinta,  etoda  a  Nobreza  ,  ePovo,  quê 
concorreo  a  admirar ,  e  fentir  aquelle  efpedtaculo  j  e 
com  vozes  mudas  ,  que  feexprimiaó  em  differentes  con- 
ceitos, fe  declarava  ouniverfal  eícandalo,  que  feac- 
crefcentou  na  ultima  acção  neíte  adio  d(ElRey  feu  fi- 
lho ;  porque  chegando  a  Rainha  á  quinta  ,  e  tirando-a 
EIRey  da  carroça ,  a  acompanhou  até  a  primeira  caía  > 
e  nella  lhe  voltou  as  coitas  ,  fem  fazer ,  como  era  obri^ 
gado  ,  alguma  demonítraçaô  de  obediência  ,  ou  de  ca- 
rinho ;  feguindo  o  Infante  violentado  o  mefmo  exem- 
plo ,  naó  querendo  expôr-fe  em  adio  taó  publico  á  in- 
advertida cólera  d'ElRey.A.  Rainha  fem  perturbação  al- 
guma voltou  o  roílo  para  a  efcada  ,  em  quanto  feus  fi- 
lhos a  deícerao  ,  refplandecendo  nella  taõ  mageílofa,e 
agradável  feveridade  ,  que  pudera  dar  leys  ao  carinho, 
e  á  circunfpecçad.  Beijou-lhe  a.  maò  toda  a  Nobreza  : 
'    mn  huns, 


"VÂRTE  II.  LWfiO  IX.         1Í9 

huns,  porque riaõpuderaõeícufar-fe  deita  ceremoniai  AnflO 
outros  ,  porque  naó  quizeraô  faltar  á  obrigação  de  ex-  ., 
ercitalla  :  aquelles  ,  porque  cegamente  caminhavao  pe-  u  f* 
los  errados  paísos  daliíonja;  eítes,  porque  heroicamen- 
te íeguiraõ  os  documentos  da  razaò.  Voltou  ElRey  pa- 
ra o  Paço  ,  e  no  caminho  proferio  taõ  desconcertadas 
razoens  contra  o  reípeito  ,  que  devia  a  Mãy  taõ  herói- 
ca ,  que  naõ  pudéraó  lavar  tantas  manchas  as  lagrimas 
generoías ,  que  o  Infante  derramou  piedoiamente,obri- 
gado  dofentimento  de  ouvir  ElRey ,  edafaudadede 
huma  mãy  taõ  merecedora  de  fer  amada  ,  deíprezando 
as  reprehenfoens  d'ElRey ,  que  lhe  condemnou  ,  como 
pueril ,  efta  louvável  demonftraçao.  A  Rainha  fe  reco- 
Lheo  ao  feu  apoíento  fem  mais  companhia  de  pelsoa 
principal,  que  a  de  Dona  Habel  deCaftro  ,  que  tirou 
do  Mofteiro  dal  ncarnaçaõ  (de  que  foi  Commendadeira 
depois  da  morte  da  Rainha)  fem  mais  caufa  ,  que  fiar 
da  fua  virtude ,  e  grande  entendimento  a  fiel  aíliíten- 
cia,  que  efperava  lhefizefse;  prudente  diicurfo  acre- 
ditado nefte  fuccefso  ,  e  em  todo  o  tempo  ,  que  lho 
durou  a  vida.  Compunha-fe  mais  a  família  da  Rainha 
de  algumas  Donas  da  Camera  ,  e  outras  criadas  de  ex- 
ercício inferior  ,  e  rodeada  deita  limitada  Corte,  que 
com  dilúvios  de  lagrimas  exprimia  a  fua  dor,  entre  pa- 
redes fem  guarnição  da  cal ,  que  coítuma  aperfeiçoai- 
las  ,  efobre  taboas  mal  ajuítadas  efpalhado  ,  econfu- 
fo  o  fato,  fem  diítincçaõ  do  preciofo  ao  abatido  ,  fe  fen- 
tou  a  Rainha  em  huma  cadeira,  e  com  natural  leve- 
ridade  refpladeeendo  mageítade  no  Régio  femblante  , 
proferio  as  razoens  feguintes  :  Depois  que  a  minha 
difgraça  foi  taó  poderofa  ,  que  me  deixou  viva  pa- 
decendo a  pena  de  ver  a  ElRey,  que  efta  em  gloria, 
na  fepultura  ,  fizeraõ  no  meu  animo  os  defenganos  ha- 
bito taó  impenetrável  a  outro  fentimento  ,  que  poiso 
fegurarvos  com  verdadeira  affirmaçaó  ,  qtie  naõ  íóme 
naõ  moleftàõ  os  accidentes  da  fortuna  ,  que  vos  fazem 
laftima,  fenaó  que  ,  perfuadindo-me  que  faõ  eífeitos  da 
Divina  Providencia,  faço  por  uzardelles  como  antído- 
to de  impulíbs  nocivos  ao  focego  do  efpirito.  Aceitei 

ogo- 


,1663 


ioo     PORTUGAL  RESTAURADO, 

AntíO  o  governo  do  Reyno  mais  por  obediência,  que  po 
vontade ,  em  oblervancia  da  difpofiçaõ  do  teítament 
d'ElRey  ,  e  a ppliqueime  afazer  tudo  ,  quanto  me  pa 
receo  conveniente  para  o  confervar ,  e  defender  de  feu 
inimigos  ,  e  para  que  meu  rilho  o  lografse  pacifico  ,  < 
feguro.  Confegui  muitas  em  prezas  grandes  na  mefm; 
forma ,  que  as  intentei y  outras  íe  medefvaneceraõ 
porque  me  faltarão  os  homens ,  que  efcolhi  para  inítru 
mentos  de  fe  facilitarem.  Solicitei  com  incanfavel  cui 
dado  defvanecer,e  domar  as  adverfas  inclinaçoens  d'El 
Rey ,  e  com  grande  dor  minha  me  naó  foi  poííive 
coníeguillo  -,  porque  os  achaques  ,  que  padeceo  no  cor 
po  ,  lhe  defcompuzeraó  totalmente  as  attençoens  d( 
animo :  eos  que  procurarão  governar  o  Reyno  pelo  ca 
minho  de  o  dominarem  ,  apparentemente  pertendera< 
moílrar,  que  tranfplantavaõ  em  virtudes  as  fuás  dei 
ordens ,  o  que  puderaõ  confeguir  fem  oífenfa  do  mel 
refpeito  ,  conhecendo  ( fuppoíto  que  publicarão  o  con 
trario)  que  ha  muitos  dias,  que  naõ  appeteço  mai 
felicidade  ,  que  o  fpcego,  que  pela  mifericordia  de  Deo 
neíte  ponto  começo  a  confeguir  5  e  que  fó  me  puder 
perturbar  reconhecer  em  vós  outras  de  menos  contenta 
meto  do  que  defejo,  quando  vos  confelso,e  feguro  per 
petuo  agradecimento  á  fineza  ,  com  que  vos  refolveíte 
a  acompanharme  neíte  retiro  -}  epara  queleja  maior  | 
minha  obrigação  ,  vos  peço ,  que  appliqueis  eíta  íoma 
na  efsas  lagrimas  a  motivo  mais  fuperior ;  porque  m 
tempo  ,  em  que  coníideramos  ao  Filho  de  Deos  mort( 
pelos  peccadores  ,  naõ  feja  jufto  que  ,  divertindo-no 
deita  precifa  contemplação ,  façamos  facrilegos  os  len 
timentos. 

Refpondeo  Dona  Ifabel  de  Caítro  a  eítas  heróica 
razoens  da  Rainha,que  as  fuás  efclarecidas  virtudes  erac 
tão  elevadas  ,  quepertender  individuallas  feria  entrai 
no  riíco  de  oíFendellas :  que  todas  as  que  eítavão  pre- 
íentes  proteítavão  obfervar  osfeus  preceitos  com  con- 
ítante  obediência  ,  e  infeparavel  affeclo  ;  e  lançando- 
fe  ,  e  todas  as  mais  aos  pés  da  Rainha  ,  merecerão  que 
amorozamente  as  abraçafse  $  epafsando  á  Tribuna  d^ 

Igreja 


PJRTE  II  LIVRO  IX.         191 

Treja  5  que  eítava  adereçada  para  o  culto  da  Semana  AntlO 
^nta  ,  deu  principio  aos  íieroycos  exercicios ,  quecon- 
ínuou  todo  o  tempo  ,.que  lhe  durou  ávida.  Ruy  de  1063. 
doura  Telles,  D.  Joaõ  de  Soula  ,  e  mais  criados  da  Ral- 
ha continuarão  com  grande  pontualidade  aaífiítencia 
e  feus  officios. 

Antes  que  a  Rainha  entrafse  na  lua  reclufaõ  ,  ha- 
iaõ  tido  principio  algumas  difsenfoens  entre  o  Conde 
e  Atouguia,e  o  de  Caítello-Melhor  por  differentes  mo- 
ivos.  Fomentava  eíta  defuniaõ  com  grande  induítria 
ebaíliaõ  Cefar  ,  folicitando  enfraquecer  o  poder  dos 
pus  competidores  ,  para  eítabelecer  a  fortuna  própria 
a  diígraça  alheya.  OíFereceo-fe  opportuna  occafiaõ; 
orque  partindo  EIRey  para  Salvaterra  ,  o  deixou  de 
^ompanhar  o  Conde  de  Atouguia  ,  obrigado  de  alguns 
iconvenientes  dómeíticos.  Neíte  tempo  adoeceo  Dom 
,uiz  de  Menezes  ,  a  quem  EIRey  havia  nomeado  Ge- 
eral  da  Artilharia  da  Província  de  Alentejo  ,  e  a  ref- 
eito do  feu  achaque  fe  juntavaõ  em  cafa  de  feu  ir- 
íaó  o  Conde  D.  Fernando  ,  onde  elle  aíliftia ,  o  Con- 
e  de  Atouguia,  Luiz  deSoufa  ,  que  naquelle  tempo 
ra  Governador  da  Relação  do  Porto  ,  agora  meritiííi- 
10  Cardial  Arcebifpo  de  Lisboa  ,  e  Capellaô  mór  d'El- 
,ey  ,0  Vifconde  de  Villa-Nova  ,  Manoel  de  Saldanha, 
epois  Bifpo  de  Vifeu ,  e  Joaõ  Nunes  da  Cunha  ,  ta  ru- 
em depois  Conde  de  S.  Vicente:  e  naõ  havendo  na  con- 
erfaçao  mais  afsumpto  ,  que  o  divertimento  ,  fe  to- 
tou  motivo  defta  accidental  fociedade ,  para,  fe  fup- 
or ,  que  mais  alto  fim  era  occaliaõ  deíla  junta;  e  paí- 
indo-fe  do  difcurfo  á  pratica  ,  fe  deu  noticia  ao  Con- 
e  de  Caítello-Melhor  ,  que  com  celeridade  deu  conta  a 
.IRey ,  e  fem  preceder  exame  mais  jurídico  ,  fe  paí- 
)U  ordem,  para  que  Luiz  de  Sou  ia  fofse  deíterrado 
ara  Abrantes  ,  Joaõ  Nunes  da  Cunha  para  o  Porto  ,  e 
ntonio  de  Sou fa  Tavares  mandou  EIRey  prender  na 
ortaleza  de  Outaõ  ,  fuppondo-o  também  unido  a  eíta 
afcialidade.  Com  os  mais  fe  naõ  fez  demonítraçao  al- 
uma :  o  que  manifeítou  a  defigualdade  deita  refolu- 
I©  j  porque,  fendo  a  culpa  igual ,  era  juíto  que  fofse 

igual 


i9t  PORTUGAL  RESTAURADO , 


gando  noticia  ao  Conde  de  Atouguia  como  Joaó  Nu 
nes  da  Cunha  era  feu  primo  com  irmaõ ,  e  Luiz  de  Sou 
ia  de  fua  primeira  mulher ,  e  ambos  iatimos  amigo 
feus  ,  com  arrebatado  impulfo  paísou  a  Alcantara,e  fal 
lou  a  EIRey  em  publico  ,  dizendo  ,  que  os  deírerrado 
eraó  taõ  merecedores  da  maior  eftimaçao  ,  que  ,  fe  fÔ 
rao  permittidos  os  deíafios  públicos  ,  fuílentara  a  pu 
reza  das  íuas  acçoens  ,  e  a  infallibilidade  do  feu  pro 
cedimento  ;  è  fahindò  da  prefença  d' EIRey  fem  aguar 
dar  reípoíla ,  voltou  para  Lisboa  a  acompanhar  os  dei 
terrados  algumas  legoas  fora  da  Cidade.  Eíle  defabri 
mento  foi  principio  de  outros ,  que  fucceílivament 
acontecerão  entre  o  Conde  de  Atouguia  ,  e  o  de  Caílel 
lo-Melhor  ,  com  que  quaíi  totalmente  ficou  entre  elte 
feparada  a  communicaçaõ. 

EIRey  depois  da  reclufaõ  da  Rainha  largou  de  ta 
do  a  rédea  aos  feus  illicitos  divertimentos  ,  fendo  hun 
dos  mais  prejudiciaes  fahir  todas  as  noites  fora  do  Pa 
ço  acompanhado  de  facinorofos  ,  nuns  a  pé,  outros 
cavallo ,  a  que  fe  dava  titulo  de  patrulha  alta ,  e  ba: 
xa.  Eíles  infolentes  homens  fe  arrojarão  a  executar  e^ 
torçoens  taõ  inauditas,  que  chegarão  a  fubir  aos  termc 
de  inexplicáveis.  Foi  entre  ellas  huma  das  mais  laít 
mofas  a  morte  de  Pedro  Severim  de  Noronha ,  Secrí 
tario  das  Mercês  ,  e  Expediente ,  e  rilho  mais  velho  d 
Gafpar  de  Faria  Severim  ,  fem  mais  caufa  ,  que  recc 
lhendo-fe  na  primeira  hora  da  noite  para  a  fua  cafa  a  ca 
vallo  pelo  arco  do  Ouro  *  e  encontrando  infelicemen 
te  naquelle  fitio  a  liteira  d'ElRey  ,  pedio  aos  que 
conduziaõ,  que  fe  defviafsem  para  lhe  dar  caminho 
íem  conhecer  de  quem  era  a  liteira:  bailou  efta  incu 
pavel  propofiçaõ  para  irritar  de  íorte  a  infolencia  dí 
quelles  homens  ,  que  inveftindo-o  todos  juntos ,  o  dei 
ribáraó  do  cavallo  ,  em  que  vinha  ,  com  tantas  ,  e  ta 
mortaes  feridas  ,  que  acodindo  ao  rumor  da  pendenci 
o  Conde  de  Caílello-Melhor  do  feu  quarto ,  que  fteí 


vÀÉÈtíii  imo  n.      193 

va  vizinho,  levou  com.  grande  pena  a  Pedro  Seve  rim  Alino 
para  fua  caía  ,  que  brevemente  perdeo  nella  a  vida  com     ,, 
geral  fentimento  de  toda  a  Corte  ,  aílim  pelo  etcanda-  i0D>' 
lo  da  morte .,  como  por  ler  merecedor  Pedro  Se ve rim 
pelas  luas  boas  partes  de  toda  a  commiieraçaõ.  Aef- 
te  excelso  fe  feguiràó  outros  graviffimos ,  fendo  os  mais 
eícandalofos  profanàr-fe  o  fogtado  nos  'Co  tive  ri  tos  das- 
Religioías  ,  e  exquiíitas  exorbitâncias  nas  cafas  das  mu- 
lheres maisexpoítas  ,  e  huma  delias  efcolheo  EIRey  ,  e 
lhe  deu  eítimaçaõ  de  refpeitada  Dama,  fem  ^  mais  di- 
vertimento ,  quefervir  deapparente  rebuço  á  iuaim- 
poílibilidade. 

Neíte  tempo  chegarão  a  Lisboa  António  ,  ejoaõ 
•de  Conte ,  que  eftavao  deílerrados  na  Bahia  por  or- 
dem fecreta  d' EIRey.  Attribuio-fe  eíta  novidade  a  di- 
ligencias politicas  de  Sebaftiaó  Cefar ,  fuppondo-fe  de- 
terminava adquirir  com  a  negoceaçaõ  de  António  de 
Conte  arbítrio  abfoluto  ;  e  f oi  taõ  efficaz  eílaperfuâ- 
faó ,  que  íem  outra  prova  concludente  foi  mandado 
Sebaítiaõ  Cefar  fahir  fora  da  Corte  com  permif&aõ  dè 
poder  aíiiítif  duas  legoas  delia  ,•  e  António  de  Conte  , 
logo  que  defembarcou,  teve  ordem  para  fe  retirar  a  hu- 
ma quinta  fua  no  lugar  deOeyras,  pouco  diftanteda 
Corte  ,-e  ElPvey  defejando  fummamente  tornar  a  reíli- 
tuillo  áfua  aíliítencia  ,  fe  naó  refolveo  executallo,^ por- 
que o  ligavaõ  prifoens  mais  forçofas ;  porém  naõ  po- 
dendo conter  odefejo  de  lhe  fallar,  nem  impedirlho 
os  que  defejavaó  defviallo  deite  intento  ,  lhe  £ aliou  va- 
rias noites,*  econftouque  *  querendo  em  huma  delias 
trazelo  para  o  Paço  ,  o  repugnou  prudentemente  Antó- 
nio de  Conte ,  dizendo  a  EIRey  ,  que  eíle  feu  favor  de- 
via ter  principio  em  S.  Mageílade  reílituir  os  Fidalgos 
deílerrados  ao  focego  de  fuás  cafas  ,  porque  eíle  leria 
o  caminho  de  não  tornar  a  perigar  a  fua  fortuna :  po- 
rém EIRey,  que  com  facilidade  fe  divertia  das  incli- 
naçoens  ,  não  continuou  110  favor  de  António  de  Con- 
te ,»  e  a  fua  inquietação  fe  focegou  com  o  ordenado 
da  apofentadoria  de  Moço  da  Guardaroupa  ,  mil  cruza- 
dos de  renda  ,  e  a  Thefouraria  ,  e  Beneficio  de  S.  Mi- 

N  guel  ] 


°¥J5 


- 


í94   POVWGAL  "BifiSXJUKAlX) , 

Anno  guji  4e  freixo  Par^  ieu  irmão  Joaò  de  Conte  ,e  ambos 
'ss.    fe  n  ie  arrojarem  a  novos  embaraços,  desfrutarão  de- 
1005 4  pois  focegadamente  os  interefses  ,  que  por  íua  induílris 
haviao  adquirido  ',  confeguindo   o  Conde  de  Caítello- 
Melhor  queElRey  mandaíse  a  António  de  Conte  aífiitit 
na  Cidade  do  Porto  ;  reíulta  de  huma  imaginada  confe- 
deração, que  examinada  fem  prova  alguma  publica,  foi 
deíterradj  SebafliaõCefar  para  o  Convento  da  Batalha, 
e  D.  Theodofio  de  Mello  ,  irmão  do  Duque  do  Cada- 
val ,  mandado  apartar  cincoenta  legoas  fora  da  Corte*e 
chegou  a  tanto  extremo  a  violência  d<ElRey  ,  que  con- 
jeílurando-íe,  que  Luiz  Corrêa  de  Torres  ,  (a  quem  a 
Rainha  coílumava  chamar  ,  para  lhe  applicar  alguns  re- 
médios a  vários  achaques  ,  que  padecia  nos  dentes  ;  po- 
deria fer  inílrumento  de  íe  communicar  a  Rainha  com 
alguns  Miniítros,  o.  chamou  á  íua  prefença ,  e  com  a 
eípada  na  maõ  o  examinou  ,  perguntando-lhe  a  certe- 
za deíta.inferencia:  porém  naõ  fe  rendendo  Luiz  Corrêa 
ao  terror  deíles  ameaços  ,  feguramente  íuílentou  a  ver- 
dade de  naõ  íaber  couía  alguma  da  matéria ,  que  ie  lhe 
perguntava  >  inteireza  ,  de  que  lhe  refnltou  naõ  perigar 
a  fua  innocencia ;  privilegio  ordinário  da  virtude,  iíen- 
tar-le  dos  excefsos  da  cólera. 

Chegou  neíle.  tempo  de  Alentejo  a  Lisboa  Simão 
de  Vaíconcellos  de  Souía  mal  convalecido  da  fenctã  da 
balademofquete  ,  que  recebeo  na  batalha  do  Canal; 
e  fuccedendo  continuar  a  affiítencia  do  Infante  ,  coníè- 
,guio  afortuna  de  merecer  o  feu  agrado  pelo  valor  , 
com  que  havia  procedido  ,*  por  fereíte  o  maior  íbbor- 
110  para  obrigar  o  generofo  ,  e  alentado  efpirito  do  In- 
fante: e  acontecendo  padecer  naquella  occaíiaó  huma 
grave  enfermidade,  o  tempo  ,  que  durou  ,  lhe  afíiítio  Si- 
mão de  Vaíconcellos  com  tanto  difvelo  ,  e  com  tanta 
attehçaõ  de  que  naó  communicaíse  a  outra  alguma  pef- 
ioa  o  feu  favor  ,  que  fe  introduzio  entre  todos  os  Gen- 
tis-homens  da  Camera  do  Infante  taõ  confiante  defcon- 
£ança  ,  que  logo  que  o  Infante  convaleceo  da  enfer- 
midade, que  havia  padecido  ,  íefepararaõ  totalmente 
da  lua  aífiílencia.  Foi  a  noticia  da  caufa  deíla  demon- 

ftraçaõ 


PARTE  II.  LIVRO  VIII.        ioy 

ftraçaó  taò  geralmente  extranhada  ,  que  chegando  ao  ^nno 
Conde  de  Caílello-Melhor  efce  vulgar  reparo  ,  aconfe-      > 
lhou  prudentemente  a  EIRey  ,  quechamafse  aosGen- Io°5* 
tis -homens  da  Ca  mera  ,  e  os  difsuadifse  da  lua  deter  mi- 
nação,  compondo-lhes  a  fua queixa  com  attribuiraos 
eíFeitos  da  doença  do  Infante  qualquer  defabrimento  , 
que  tivefsem  experimentado.  Teve  execução  eíte  dií- 
curfo  chamando  EIRey  aos  Gentis-homens  da  Camera 
á  íua  prefença  ,  e  ficou  fó  exceptuado  o  Conde  da  Eri- 
ceira D.  Fernando  de  Menezes ,  entendendo-fe,  que  fo- 
ra a  razaô  haver-fe  feparado  do  governo  o  Conde  de 
Atouguia  feu  primo  comirmaó  ,  e  deíejarem  os  moto- 
res deílas  politicas  atalhar  todos    os  meyos  de  fe  tor- 
nar a  rellituir  a  elle  i  fem  fazerem  reparo  no  muito  , 
que  era  útil  á  educação  do  Infante  o  exemplo  das  vir- 
tudes do  Conde  ,  e  a  doutrina  útil  da  fua  entendida 
fciencia  ,  que  pudéramos  expor  com  mais  próprios  fun- 
damentos ,  dos  que  teve  Tácito  para  efcrever  a  vida 
de  Júlio  Agrícola  ,  fe  nos  naò  comprimira  a  modeítia  de 
ferem  mais  apertados  os  parentefcos.EíHmulado  o  Con- 
de de  aggravo  taó  manifeíto  ,  fe  defpedio  do  ferviço 
do  Infante  i  propofiçaõ  ,  que  logo  EIRey  lhe  aceitou, 
com  que  ficou  mais  manifeíta  a  primeira  inferência. 
Continuarão  os  mais  o  ferviço  do  Infante  até  fer  no- 
meado Simão  deVafconcellos  feu  Gentil -homem  da  Ca- 
mera ,  e  governador  da  fua  cafa  ,•  e  como  eíte  exerci- 
do privava  quafi  totalmente  aos  Gentis-homens  da  Ca- 
mera das  fuás  prerogativas  ,  fe  foraõ  feparando  do  fer- 
viço do  Infante  Pedro  Cefar  de  Menezes,  Jorge  de  Mel- 
lo ,  Rodrigo  de  Figueiredo  ,  António  de  Miranda  ,  D. 
Diogo  de  Menezes,  e  Ruy  Fernandes  de  Almada  ,  paf- 
fando  a  Prefidente  da  Camera.  Foi  nomeado  em  feu  lu- 
gar feu  filho  Chriítovaó  de  Almada ,  e  ao  mefmo  tem- 
po foi  eleito  Secretario  do  Infante  Joaõ  de  Roxas  de 
Azevedo  ,  naquelle  tempo  Defembargador  dos  Aggra- 
vos  ,  e  merecedor  daquelle  exercício  ,  de  que  fe  havia 
eícufado  António  Cabide.  O  Infante,  crefcendo  nelle 
com  os  annos  o  conhecimento  do  muito ,  que  convi- 
nha a  fua  confciencia  ,  e  á  fua  reputação  lepararfe  dos 

N  i  efcru- 


s\ 


: 


~ 


h$6     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno^rupulolbs  exercícios  d' EIRey  ,  íe  foi  deiviando  j 
1 66  (luaato  1!le  foi  P0Í1ÍV31  »  ^  iua  aífiitencia  ,  e  applican- 
4O0>  do-le  á  liçiõ  da  hiítoria  ,  e  á  pratica  das  fortificações. 
Jogava  admiravelmente  as  armas  ,  manejava  ayroía  »  1 
ícieatemente  os  cavallos  ,  exercitava  deitrameate  a  ca- 
çai e  a  eílas  ,  e  outras  utiliifimas  doutrinas  o  inclinava 
com  inceísaiite .,  e  louvável  difvelo  feu  Meítre  Francif- 
co  Corrêa  de  Lacerda  \  e  eíle  exemplo  » que  pudera  fer- 
vir  a  EIRey  de  emenda  ,  lhe  accrefcentava  com  a  in- 
veja mais  hum  defeito;  e  de  forte  íe  lhe  multiplicou 
a  emulação  ,  que  por  inítautes  foraó  creíceudo  as  cir* 
çuniilancias  do  defabrimeato  ,  e  as  confequencias  dos 
perigos  da  Monarquia  ,  que  naquelle  tempo  mais  ,  que 
em  algum  outro,  acreditou  o  leu  grande  poder;  pois 
teve  forças  para  refiíHr  aos  combates  furiofos  de  tantos» 
etaó  poderoíbs  inimigos  domeílicos  ,  e  tirar  dos  peri- 
gos da ruína  alentos  ,  que  lhe  facilitarão  coroas  de  im- 
mortal  gloria ,  fuperando  o  poder  dos  inimigos  exter- 
nos. 

.As  negoceaçoens  politicas  deíle  anno  nos  Reynos 
N"£!af  trM'  ^xtranJl0S  correraô  todas  pela  direcção  ,  e  prudência  do 
Marquez  de  Sande.Em  Roma  naõ  ha  via  o  deixado  o  po- 
der de  Caítella  mais  eftrada  ,  para  fe  adiantarem  as  di- 
ligencias ,  que  as  fe rvo roías  ,  e  Catholicas  inítancias 
da  Rainha  de  Inglaterra  ,  que  inflamada  na  Fé  ardente 
da  verdadeira  Religião  ,  confeguio  com  intervenção  d» 
Chanceller,  e  diligencia  do  Marquez  de  Saúde  mandar 
EIRey  da  Gram-Bretanha  a  Roma  hum  írlaadez  chama- 
do Belling ,  Catholico  de  conhecida  virtude,  intelli- 
gent e  ,  e  de  largas  experiências.    Diziaõ  as  inftrucçoens, 
quV levou:  Que  ob  ferva  fse  o  eítado  ,  em  que  íe  acha- 
va õ  as  d  ifferenças  entre  o  Pontífice ,  e  ElRejr  de  Fran- 
ça ,  e  que  d éfse  com, toda  a  brevidade  ,  e  legredo  par- 
ticular noticia  ao    Chanceller  :  e  a  Rainha  eicreveo  ao 
Papahuma  larga  ?  e  bem  ponderada  carta,  cuja  iub- 
ftancia  eradar-Ihe  conta  de  haver  chegado  a  Inglaterra; 
eque  alem  de  haver  aceitado  aquella'  Coroa  pela  gran- 
deza delia  ,  fora  a  razão  principal  o  fervoroío  deíejo  , 
gtie  a  animava  %  de,  fer vir  a  Religião  Catíioíica  Roma> 

nac 


gecios  extran 
geirau 


PARTE  11.  LIVRO  1%.        197 

ua:  que  em  poucos  mezes  de  aíTiftencia  via  confegui- 
dppela  mifericordia  de Deos .effeitos ,  quepaísando  de 
liaturaes.,  fe  adiantavaó  a  parecer  railagroios  ;  felicida- 
de  que  attribuia  ao  Real ,  e  virtuofo  íàngue  de  Por- 
tugal ,  de  que  nafcera  ,  por  cuja  razão  ie  adiava  obri- 
gada a  repreíenta-r  aos  pés  do  Pontífice  ,  que  naõ  me- 
recia menos  attenções  da  Sé  Apoítolica  o  perigo  dos  fi* 
deliííimos  Catholicos  de  Portugal ,  que  oseílragosda 
infidelidade  de  Inglaterra;  e  que  neíla  confideraçaõ  era 
obrigada  a  expor  ao  Pontífice  pela  importoncia  da  Igre- 
ja ,  e  pela  juiliça  clara  ,  e  lèm  duvida ,  as  muitas  ra- 
zoens  ,  que  o  obrigavaõ  a  acodir  a  Portugal ,  livran- 
do-fe  do  elcandalo  ,  quedava  aos  Catholicos ,  e  do  mo- 
tivo ,    que  tomavaõ  os  Hereges  (  ainda  falfamente  )  de 
arguir,  que  nem  fempre  na  Santa  Cadeira  deS.  Pedro  fe 
adiava  a  juiliça  igual ,  que  fegurava  a  afíiílencia  do 
Efpirito  Santo  ,  e  que  eir.es  motivos  ,  que  ella  reconhe- 
cia ,  e  experimentava  ,  não  fó  como  Infante  de  Portu- 
gal, mas  como  Rainha  de  Inglaterra  ,  a  obrigarão  (além 
da  preciía  razão  de  beijar  o  pé  a  Sua  Santidade)  a  man- 
dar em  qualidade  de  Inviado  a  Mon-Senhor  Belling  ,  a 
quem  Sua  Santidade  poderia  dar  inteiro  credito  ,  a  fé  a 
tudo  i  quanto  dafua  parte  lhe  reprefentafsej  fegurando 
a  Sua  Santidade ,  que  na  fua  mão  eflava  abrir  a  porta 
a  grandes  felicidades  da  Igreja  nos  Reynos  de  Inglater- 
ra ,  para  que  fe  achavaõ  todas  as  difpoíiçoens  oppor- 
tunas  ,  reconhecendo  os  Hereges  ,  que  a  juiliça  de 
Sua  Santidade  começava  a  abrir  caminho  ao  remedjo 
de  Portugal  5  equefuccedendo  o  contrario  ,  o  que  não 
cfperava^roteftava  a  S.  Santidade  o  imminente  perigo 
a  que  expunha  ,  não  íb  os  principios  da  refoluçao  de  In- 
glaterra ,  fenão  o  rifco  da  conílancia  de  Portugal  ,  de 
que  a  união  temporal»  em  que  fe  achava  com  Ingla- 
terra, pudefse  palsar  (o  que  Deos  não  permittifse  )  a 
efcrupulos  eípirituaes ;  e  que  a  Sua  Santidade,  como 
Vigário  de  Chriílo,  tocava  attender  madura,  e  deíente- 
refsadamente  á  difpofição  do  eirado  da  Religião  Portu- 
gueza  ,  e  Ligleza ;  humn  para  fnftentar-fe,  para  melho- 
rar-fe  outra,  e  que  da  juiliça»  juiz  o  ,  clemência  ,  eboa- 

"N  $  dade 


66j 


166} 


Wf    -PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ànno  dade  de  Sua  Santidade  eíperavaó  os  dous  Reynos  o  feu 
mais;  feguro  remédio  ;  e  que  fuccedendo  desbaratar- 
'  fe  tio  bem  fundado  diícurfo  ,  tomava  a  Deos  porteíH- 
muaha,  de  que  o  único  motivo,  que  a  períuadira  a 
íer  'Rainha  de  Inglaterra  ,  fora  mais  ,  que  de  Sceptros, 
e  Coroas  ,  o  defejo  de  fervir  á  Religião  Catholica  Ro- 
mana ,  que  confeísava ,  e  efperava  confefsar  até  os  úl- 
timos alentos  da  vida.Neíla  mefma  fubílancia  efcreveo 
a  Rainha  aos  Gardiaes  ,  e  principalmente  ao  CardialUr- 
fino  ,  recómendando-lhe  também  a  Milord  de  Aubing 
feu  Capellaò  mór  ,  para  quefofse  nomeado  Cardial pe- 
las luas  grandes  virtudes  ,  e  elevados  merecimentos. 
Eícreveo  EIRey  de  Inglaterra  também  a  muitos  Car- 
diaes  ,  com  que  tinha  particular  correipondencia  ,  ç 
pedia  na  pertençaõ  de  Portugal  refpoíta  formal. 

Partindo  o  Inviado  ,  applicou  a  Rainha  fervorofa- 
mente  todas  as  diligencias  poííiveis  a  favor  dosCatho- 
licos  de  Inglaterra  ,•  e  fendo  muito  poderofa  a  oppofi- 
çaó  dos  Proteílantes  ,  efpalhando  que  as  afíe&uofas  di- 
ligencias da  Rainha  períuadiaõ  a  EIRey  a  fe  declarar 
Gatholico  ,  e  entendendo  EIRey  ,  que  em  tempo  tao 
perigoío  ,  e  entre  ânimos  taõ  obílinados  era  necefsario 
temperar  movimentos  revoltofos ,  chamou  a  Parlamen- 
to ,  onde  deu  por  efcrito  huma  proclamação,  que  con- 
tinha circumítancias  eísenciaes  para  a  melhor  direcção 
do  governo  do  Reyno  ,*  e  chegando  a  fallar  nos  Catho- 
licos  ,  em  hum  dos  capitulos  dizia  por  palavras  expreí- 
fas  as  razoens  feguintes ,  miniílradas  pelas  efficazes  di- 
ligencias da  Rainha:  Com  a  mefma  liberdade  confeí- 
fa.mos  ao  mundo ,  que  a  nofsa  tenção  naô  he  excluir 
da  nofsa  piedade  nofsos  fubditos  Catholicos  Romanos, 
que  taô  igualmente  fe  portarão  em  beneficio  nofso  nos 
fucceíos  pafsados ,  que  os  fizeraõ  merecedores  por  fuás 
acçoens  de  nofsas  Reaes  promefsas ,  efperando  da  pru- 
dência do  nofso  Parlamento  nos  aífifta  com  a  fórmaique 
lhe  parecer  conveniente  para  allivio  de  tenras  conícien- 
cias  y  porque  na  o  feria  menos  femjuíliça  ,  que  áquel- 
les,  queforao  merecedores  de  premio  ,'  fel  fies  negaf- 
fe  alguma  parte  da  mifericordia ,  que  temos  moítrado 

áquel- 


PJRTE  //.  LIPKÕ  IX.        199 

áquelles,  que  procederão  em  muito  difierente  forma  ;  AnnO 
e  alem  deitas  razoens,  faõ  taò  fortes  as  leys  capitães ,     .> 
queeítaõ  eítabekcidas  contra  elles  ,  que  iuppolto  que  LVVr 
foisem  juítificados  no  feu  rigor  pelos  tempos,  em  que 
ie promulgarão,  confefsamos  que  nos íena pezado  vir 
na  execução  delias  ,  dando  morte  a  alguns  dos  nofsos 
iiibditos  lómente  pelas  matérias  da  Religião.  Porém  no 
meímo  tempo  ,  em  que  declaramos  o  mal ,  que  nos  pa- 
rece eíFufaõ  de  langue ,  e  nolsas  graciolas  tentaçoens  fe- 
i ao  para  aquelles  noísos  fubditos  Catholicos  Romanos, 
que  viverem  pacificamente  fem  eicandallo ,  queremos, 
queellestodosentendaó,  que  devem  fazer  aquillo  ,  a 
que  faó  obrigados  pela  lua  lealdade  ,  e  pelo  noiso  re- 
conhecimento ,  naó  offendendo  as  leys  ,  que  já  eílaó  , 
ou  ie  fizerem  para  impedir ,  ou  elpalhar  a  iua  doutrina 
em  prejuízo  da  Religião  proteftaute  i  ou  ie  pela  noisa 
declaração  ,  conforme  a  qualidade  Lhnifcaa,  de  nos  nao 
parecer  bem  effuíaó  de  langue  fomente  por  Religião  , 
os  Sacerdotes  tomarem  confiança  de  apparecerem  ,  efe 
darem  a  conhecer  em  offenia  ,  e  elcandallo  dos  Prote- 
ílantes ,  e  das  leys  em  feu  vigor  contra  elles ,  deprefsa 
conhecerão  ,  que  fabemos  ler  feveros  ,  quando  a  pru- 
dência o  requere ,  aflim  como  iomos brandos,  quando 
a  caridade ,  e  o  conhecimento  do  mérito  o  pede. 

Deita  forte  difpoz  a  Rainha  o  animo  d'ElRey ,  pa- 
ra que  o  tempo  ,  e  as  diligencias  efpiritualmente  poli- 
ticas foisem  com  o  feu  poder,  e  com  afua  induítria 
enfraquecendo  as  forças  dos  Hereges  ,  e  todas  eítas  dif- 
poííçoens  manejava  a  grande  prudência  do  Marquez  de 
Sande  com  incefsante  diívelo  ,  e  ao  me  imo  tempo  cor- 
riaõ  por  fua  conta  as  negoceaçoens  de  França  ,  eHol- 
landa;  porque  em  França  naô  havia  Mimítro,  e  em  Hol- 
landa  aíliília  António  Rapofo  com  itaõ  pouca  attençao 
dos  Miniftros  da  Corte  ,  que  padecia  entre  os  Hollan- 
<lezes  o  opprobrio  de  defprezado. 

Em  França  fubíiftia  de  forte  a  afleiçaó  ,.  que  o  Ma- 
richal  de  Turena  moítrava  a  Portugal ,  que  cada  dia  fe 
experimentavaõ  maiores  efeitos  da  fua  direcção  ,  e 
valendo-fe  das  difsençoens ,  que  havia  entre  o  Pontifi- 

N  4  -  ce» 


"" 


200     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Á  nno'  ce  ,  e  ÈlRey  de  França ,  começou  a  facilitar  os  íbccor- 
1662   r°S  derPortuSaI  ajudado  da  intervenção  d'ElRey  de  In- 
V  glaterra  ,  de  cuja  vontade  o  Marquez  deSande  difpu- 
nha  com  foccorro  fuperior  em  beneficio  de  Portugal  j 
e  penetrando  os  Caílelhanos  as  forças  ,   que  tomava 
efte  negocio  ,  períuadiraõ  a  EIRey  de  França  ,  que  da 
conferencia  ,  que  João  Nunes  da  Cunha  continuava  em 
Entre  Douro  ,  e  Minho  com  o  Marquez  de  Penalva  ,  e 
D,  Balthalar  Pantoja  ,  tinha  refultado  pafsar  a  Madrid 
.    .      Joaó  Nunes  da  Cunha  a  ajuítar  oTratado  da  paz  em  uti- 
lidade de  Caítella  :  porém  deívanecida  eíla  fciduítria  , 
mandou  EIRey  de  França  remeter  a  Inglaterra  cem  mil 
cruzados  ^  que  foi  o  primeiro  foccorro  ,  com  que  fe 
abrio  caminho  aos  mais  ,  que  depois  fe  continuarão  ■,  e 
fervia  fó  de  embaraço  aos  foccorros  de  Inglaterra ,  e 
França  os  mios  officios  ,  que  fazia  a  Portugal  o  Con- 
de de  Cominges ,  naquelle  tempo  Embaixador  em  In- 
glaterra ,  depois  de  haver  íido  em  Portugal ,  ganhado 
pela  diligencia  dos  Caílelhanos  :  eo  Marquez  deSan- 
de com  taõ  grande  prudência  desfazia  todos  eiles  nu- 
blados ,  que  por  inftantes  hiaó  crefcendo  as  utilidades 
de  Portugal ,  ajudando-íè  de  Haíset  Secretario  do  Ma- 
richal  de  Turena  ,  que  com  grande  intelligencia  era  ex- 
ecutor das  ordens  doMarichal  .Chegou  neíle  tempo  a  In- 
glaterra D.Francifco  Manoel  de  Mello  com  ordem  d'El- 
íley  para  pafsar  a  França  a  folicitar  o  cafaméto  d'ElRey 
debaixo  da  direcção  do  Marquez  de  Sande,tornando  a 
luícitar  a  pratica  do  cafamento  deMadamoyzella  de  Or- 
leans,  que  havendo  pafsado  muito  adiante,íè  fufpendeo 
por  ordem  d' EIRey  ,e  nefte  intervallo  foraõ  poderofas 
as-negociações  da  Rainha  May  de  França ,  e  da  Rainha 
reinante  para  d  ifsuadir  a  Madamoyzeltado  intento,que 
te,vcàe  cafar  em  Portugal ,  facilita ndo-lhepoderfecon- 
íeguir  o  cafamento  de  D.  João  de  Auítria  ,  dotando-lhe 
EIRey  de  Caílella  ,  ou  os  Eítados    de  Flandres ,  ou  o 
Eítado  de  Milaó  j  eefta  induítria  foi  de  taó  efficaz  ef- 
feito  ,  que  nao  bailarão  a  reduzir  a  vontade  de  Mada- 
moyzella,  nem  o  poder  d^ElRey  de  França  ,  nem  as  ne- 
gociaçoens  do.  Manchai  de  Turena,*  chegando  a  tan- 
to 


VARTE  II.  UVKO  IX.         201 

to  extremo  a  enleada  d<  EIRey  ,  que  fó  por  eíte  refpei-  Afino 
to  mandou  deter  a  Madamoyzella  em  Saõ  Fragon  com  , 
diíTimulada  prifaõ  ,  até  dar  a"1  ultima  reípoíta  fobre  oca-  »  00>  • 
famento,  que  EIRey  tanto  deíèjava  ,  achando-íeíum- 
mamente  obrigado  de  faber, que  EIRey  D.  Aftòníb  nao 
determinava  caiar  fem  a  fúâ  approvaçaójoorque  os  tem- 
pos^ a  qualidade  dos  negócios  fazem  as  íubordinações, 
e  ifençoens  dos  -Príncipes  em  igual  parallelo  louváveis, 
e  convenientes.  No  caio  que  eíte  negocio  fenao  pu- 
de íse  concluir  ,  declarava  a  inftrucçaõ  ,  que  levou  Dom 
Francifco  Manoel  pôr  em  pratica  o  caíamento  da  rilha 
mais  velha  do  Duque  de  Orleans  do  fegundo  matrimo- 
nio ,  ou  a  Princeza  de  Parma :  e  como  a  negociação 
de  França  eftava  taó  embaraçada  ,  pareceo  ao  Marquez 
deSande,  que  D.Franciíco  Manoel  pafsafse  a  Roma,fa- 
zendo  caminlio  por  Parma,para  que  vendo  aquella  Prin- 
ceza, tomando  as  noticias  neceísarias,rizelse  avizo  a  EI- 
Rey} econfeguio  levar  cartas  para  Roma  d*  EIRey,  e 
Rainha  de  Inglaterra  ,  dizendo  a  Rainha  aos  Cardiaes , 
que  Dom  Francifco  Manoel  hia  por  lua  ordem  a  aííiítir 
áquella  Cúria  a  íblicitar  os  feus  negócios  j  por  fer  eíte 
o  pretexto  mais  útil  para  fe  efcufar  dos  embaraços  ,  que 
os  Miniítros  de  Caítella  haviaõ  de  fazer  ás  luas  diligen- 
cias. Partio  D.  Francifco ,  e  fendo  o  principal  objedto  a 
negociação  do  cafa mento  d' EIRey  ,  a  foi  diipondo  na 
fua  jornada  com  muito  acerto,  e  depois  de  fahir  de 
Inglaterra,  recebeo  o  Marquez  de  Sande  huma  carta  do 
Duque  de  Guiza  ,  em  que  lhe  referia  com  razoens  ef- 
peciofas  ,  quanto  lhe  parecia  conveniente  ,  que  o  caía- 
mento d'ElRey  fe  nao  effeituafse  com  nenhuma  das 
Princezas  ,  com  quem  havia  noticia  fe  tratava  \  e  fó 
lhe  parecia  útil ,  que  EIRey  ajuítafse  o  feu  caíamento 
com  Madamoyzella  de  Nemours  pelas  razoens  feguin- 
tes  ,  que  deduzia  em  memoria  á  parte.  Os  Duques  de 
Nemours  faó  Príncipes  da  Cafa  de  Saboya  ,  como  hoje 
íaõ  os  Condes  de  Suifons  filhos  do  Príncipe  Thomás  , 
que  cafou  com  a  Princeza  deCarrignan  fi^ia  do  Conde 
de  Suiíons.  A  mãy  de  Madamoyzella  de  Nemours  Iv 
filha  do  Duque  de  Vandofme  ,  por  onde  fica  Neta  cT* 

Henrj 


- 


i66y 


20^     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Alino  Henrique  IV  ,  e  prima  com  irmãa  d«ElRey  Luiz  XIV; 
fua  mãyhe  a  Duqueza  de  Mercúrio  da  Caía  de  Lorena  , 
por  onde  he  parenta  do  Duque  deGuiza.  Por  "outra 
parte  he  fua  prima  fegundaMadamoyzella  de  Nemours, 
porque  Arma  de  Eíle  ,  rilha  única  do  Duque  de  Ferrara» 
(em  quem  fe  acabou  a  linha  j  foi  caiada  duas  vezes, 
a  primeira  com  o  Avo  do  Duque  de  Guiza  ,  de  quem 
nafceo  o  pay  do  Duque  ,  que  hoje  vive  ,  e  a  fegunda 
vez  com  o  Duque  de  Nemours ,  donde  nafceo  o  Pay 
de  Madamoyzella  ,  de  quem  hoje  fe  trata.  Elta  Anna 
de  Eíte  era  legitima  herdeira  de  Ferrara  >  Modena ,  e 
Bretanha  por  leu  Pay.  No  tocante  á  idade  de  Mada- 
moyzella íaó  dezoito  annos ,  muito  bella  ,  e  fcrmoía  4 
as  virtudes  Angélicas  ,  criada  muito  fora  dos  coítumes 
Francezes  ,  por  ler  fua  May  huma  Santa ,  e  naó  lhe, 
lerá  difficultofo  accõmodar-fe  aos  uzos  dePortugal,nao 
vivendo  differentemente.  Pelo  que  toca  ao  dote  ,  tem 
quinhentos  mil  efcudos  de  bens  patrimoniaes ,  que  de 
huma  hora  a  outra  fe  achará  logo  o  dinheiro  effectivo, 
O  que  coíhimaô  a  dar  os  Reys  de  França  a  fuás  pri- 
mas ,  faò  cem  mil  francos  >  que  lerão  trinta  e  três  mil 
efcudos  ,  iíío  he  quando  cafaô  no  Reyno }  mas  quan- 
do cafaõ  com  os  Reys  ,  ou  Príncipes  íbberanos  ,  lhes 
dão  cem  mil  efcudos.  Amãy  fem  duvida  lhe  dará  al- 
guma fummá  confideravel  em  joyas.  Julga-fe  eíla  Prin* 
ceza  mui  própria  para  ElRey ,  e  para  o  Reyno. 

Remetteo  o  Marquez  eíla  memoria  ao  Conde  de  Ca- 
Ítelo-Melhor ,  e  foi  o  primeiro  pafso  ,  que  fe  deu  ne- 
Ite  cafamento  ,  de  que  adiante  daremos  mais  larga  no- 
ticia. As  diligencias  do  Marichal  de  Tu  rena  hião  cref- 
cendo  em  tão  conhecido  benefício  de  Portugal, que  con- 
ieguio  permittir  ElRey  de  França  a  ElRey  de  Inglater- 
ra levantar-fe  naquelle  Reyno  hum  Regimento  deln- 
fanteria  para  Portugal,  por  cuja  caufa  pedio  o  Marquez 
de  la  Fuente  ,  Embaixador  d'E!Rey  de  Caílella  em  Pa- 
ris ,  audiência  a  ElRey,em  que  expoz  mylreriofas  quei- 
xas ,  dizendo,  quele  ericon  travão  os  capítulos  da  paz 
de  S.João  da  Luz  oppoíla  aos  intereíses  de  Portugal. 
Refpondeo-lhe  ElRey,que  quando  comprara  Dunquer- 
que 


PARTE  1L  LIVRO  IX.         203 

que  a  EIRey  de  Inglaterra,  lhe  concedera  permifsaõ  pa-  AntlO 
ra  levantar  gente  no  íeu  Reyno,  todas  as  vezes  que  lhe-     ,  . 
parecefse  ,  com  reciproca  correípondencia,  o  que  íe  ve-  >' 

rincava,tendo  elfe  mandado  levantar  gente  para  a  guer- 
ra dos  Ghigis  ,  (  que  era  o  titulo  ,  que  íe  dava  á  guer- 
ra do  Pontífice  )  com  que  naó  era  obrigado  a  reípon- 
der  pela  parte  ,  a  que  EIRey  de  Inglaterra  applicaya  a 
gente  ,  que  fazia  em  França.  Eira  noticia  deu  o  Mar- 
quez de  Sande  ao  Embaixador  de  França,  que  por  pre- 
ceito d'ElRey  tratava  com  mais  attençaõ  os  negócios 
de  Portugal. 

Embaraçou  o  felice  progrefso,  com  que  o  Marquez 
de  Sande  augmentava  os  interefses  de  Portugal ,  naó 
fó  em  Inglaterra  ,  fenaó  em  toda  a  Europa  ,  e  força 
quô  tomou  em  Londres  o  partido  dos  Proteítantes  con- 
tra o  Cha  iceller  ,  que  era  o  melhor  director  das  dili- 
gencias do  Marquez  ,  e  o  defeníbr  mais  feguro  da  Re- 
ligião Catholica  ,  que  tinha  devido  á  Rainha  a  conver- 
faõ  da  Duqueza  de  Yorch  ,  fendo  eíte  hum  dos  mais 
gloriofos  entre  os  feus  felices  progrefsos:  porém  o  Mar- 
quez fempre  conftante  piloto  em  todas  as  tormentas  , 
naò  fe  levantava  alguma  taó  poderòía,  que  o  foçobraf- 
íe  ,  fendo  tantas  as  contradiçoens  ,  naõ  fó  dos  Mini- 
flros  extranhos  ,  feinaõ  dos  naturaes  ,  que  merece  a  fua 
memoria  muito  repetidos  elogios-  Teve  neíle  tempo 
avizo  do  Inviado  D.  Ricardo  Belling  ,  (  que  a  Rainha 
de  Inglaterra  havia  mandado  a  Roma)  que  o  Pontífice 
o  recebera  em  audiência  publica  com  grandes  demon- 
íh-açoens  de  contentamento  ,  epromeísas  de  fatisfazer 
tudo  ,  o  que  à  Rainha  defejafse ;  e  chegando  ao  ponto 
de  dar  o  Capei  lo  de  Cardial  a  Aubing  ,  lhe  refpondera 
o  Pontífice  porformaes  palavras :  „  Dizey  a  EIRey  ,  e 
,',  á  Rainha  da  Gram-Bretanha  ,  cjue  eu  lhefarey  o  Car- 
y,  dial ,  que  pedem  ,  mas  naó  lho  digais  da  minha  par« 
„  te ,  fenaõ  como  de  vós  ,  e  que  na  primeira  promoção 
„  lia  de  fer  ,  dos  queíuítentem  o  pezo  da  Igreja;  e  que 
,,  quando  a  houver  ,  que  toquem  aos  Príncipes ,  entrará 
,,  rteUa  fem  duvida  ,•  mas  que  o  naó  farey  ,  femvero 
„  que  determina  no  primeiro  Parlamento  fobrea  Reli- 


204    PORTUGAL  RESTAURADO, 

AíMO  "  8*a°  Catholica.  Porém  o  ínviado  feguindo  a  ordem, 
//,  qu'3  levava d*EJRey  ,  como  naõ  confeguio  a  nomeação 
1  °  ° )  •  logq  do  Cardial  ,  entregando-lhe  o  Breve  ,  (  que  he  o 
eílylo  ,  que  íe  guarda  neítes  caíbs)  naó  aceitou  refpo- 
íta  por  éícrito  ,  por  naó  fer  formal.  Foi  a  cauía  que  em- 
baraçou efte  negocio  ,  opporem-íè  á  reíbluçaó  do  Boal 
tifice  osCardiaes  de  Aragão  ,  Colona,  e  Franciíco  Bar- 
barino  facionarios  de  Caílella  ,  por  entenderem  ,  que 
elle  era  o  caminho  de  íe  adiantarem  os  negócios  dei 
1  .  Portugal,  que  era  apedra  de efcandalo  ,  que  desbara- 
tava outros  quaefquer  interefses  •>  e  Dom  Franciíco  Ma- 
noel ,  que  havia  chegado  a  Roma,  fez  também  avizo  ao 
Marquez  de  Sande  ,  que  fem  fe  accõmodarem  as  diíTe- 
renças  do  Pontífice  com  EIRey  de  França ,  naõ  teria 
abertura  conveniente  a  negociação  de  Portugal ,  pois 
fe  o  temor  de  França  facilitaria  tantos  impoífiveis  :  que 
eíta  çontroveríia  pareceria  ,  que  naõ  poderia  ter  effei- 
to  ,  porque  o  Papa  já  concedia  a  França  a  reflituiçaô 
de  Caílro  ao  Duque  de  Parma, a  de  Camacho  ao  de  Mo- 
dena:  que  eítava  extinda  aguarda  dos  Corfos  :  que 
o  Cardial  Imperial  feria  bandido  do  Eífado  Eccleíiaíti- 
co  ,  e  D.  Mário  irmão  do  Pontífice :  que  o  Nepote  iria 
por  Núncio  a  França  a  pedir  perdão  ,  e  que  em  Roma 
fé  levantaria  huma  pyramide ,  em  que  fe  efcrevefse  to- 
do o  fuccefso  ,  que  naõ  referimos  ,  por  andar  muito  re- 
petido em  outras  hiílorias  ,  e  naõ  pertencer  aeíla  mais,' 
que  o  que  toca  ao  afsumpto  principal.  ?  que  emprende- 
mos. 

Quando  D.  Franciíco  Manoel  partio.  de  Londres ; 
que  foi  adezafete  de  Mayo  ,  e  eni  direitura  a  París^, 
lhe  deu  o  Marquez  de  Sande  ainílruucçaõ  feguinte.Cõ- 
fiderando  as  ordens  de  Sua  Mageílade,  queDeos  guar- 
de ■>  em  que  íe  me  declara  ,  o  que  devemos  feguir ,  rx>r. 
quatro  cartas  efcritas  em  quatorze  de  Novembro  pafsa- 
do  ,  trinta  de  Janeiro  ,  primeiro  *  e  nove  de  Fevereiro 
deíle  anno  ;  tirey  da  fubílancia  delias  eftas  advertên- 
cia^ Pelo  que.  toca  á  do  negocio  de  Roma  ,  tendes  já 
recebido  as  cartas  da  Sereníífíma  Rainha  da  Gram-B rete- 
nha para  os  Cardiaes ,  e  a  do  Chanceller  para  o  feu  Iu- 

viado 


PARTE  11  LIVRO  IX.         Í05 

rôado  D.  Ricardo  Belling  com  pretextos  de  irdes  a  íeus  AmiO 
negócios,  que  lie  o  mais  decorolo,  e  conveniente  meyo,     ,, 
que  íe  pode  achar  no  tempo  preíente  \   e  ailim  nos  pare-  5 ' 

ceo  ,  que  com  o  favor  de  Deos  neíta  parte  eltá  tudo 
muito  bem  accómodado.  No  mais  que  pertence  aos  ca- 
famentos,  eu  naó  tenho,  nem  poiso  ategora  alcançar 
refpofla  formal  do  Marichal  de  1  urena  iobre  o  caiamé- 
to  de  Madamoyzella  de  Monpefer,  que  o  noiso  def. 
cuido  ,  e  o  cuidado  dos  Caítelhanos  tem  perdido  ,  nem 
de  outro  cafamento  de  lua  irmãa,  AÍTim  vos  podeis  par- 
tir para  Itália  ,  e  em  Génova  ,  ou  Roma  eiperareis  a 
minha  relpoíta  ,  a  qual  vos  mandarey .,  tanto  que  a  ti- 
ver do  Marichal  s  eem  quanto  vos  naó  chegar,  vos  ve- 
reis com  o  Padre  Jeronymo  Claramente  ,  e  com  as  pef- 
foas  que  vos  parecer ,  para  começar  a  pratica  do  cafa- 
mento de  Parma  na  conformidade  das  vofsas  ordens  , 
eem  virtude  delias  deveis  logo  começar  a  tratar  :  po- 
rém nao  concluindo  coufa  alguma  ,  ienao  depois  de  re- 
ceberdes outro  avizo  meu .  Em  Paris  fareis  faber  ao  Ma- 
richal de  Tu  rena,  que  eítais  alli,  porque  meaviza  quer 
fallar  comvoíco  ,  o  que  íerá  na  forma  \  e  com  a  caute- 
la ,  que  vos  apontar;  porque  nifío  vay  muito,  confor- 
me, os  preceitos ,  que  neíta  matéria  metem  poíto;  e 
na  conferencia  lhe  agradecereis  o  muito  ,  que  lhe  de- 
ve Portugal ;  e  lhe  fareis  entender  o  eítado  ,  em  que 
eítamos  ,  e  o  quanto  importa  ,  que  fe  effeime  o  cafa- 
mento da  Mageílade  d<ElRey  meu  Senhor,  mas  naó  lhe 
nomeareis  as  pefsoas  ,  falvo  fe  elle  vos  fallar  nellas  j  e 
fendo  aíTim,  lhe  repetireis ,  como  eu  tenho  todos  os 
poderes  para  logo  celebrar  os  cafamentos  em  forma, 
que  fiquem  os  PLeys  de  Portugal  \  e  de  França  primei- 
ro fervidos,d o  que  os  Caírelhanos  tenhaó  tempo  de  nos 
embaraçar.  De  tudo  me  avizareis ,  e  continuareis  vofsa 
jornada  s  para  que  eu  obre  com  mais  acerto  fobre  as 
vofsas  noticias,  evos  com  as  minhas  adianteis  asvoi- 
fas  negociaçoens.  lílo  he  o  que  me  parece»  E  acerei  cen- 
tavo ;  Amigo  ?  faço  os  apontamentos ,  que  vos .  dilse  , 
por  vós  mo,  mandares  y  ainda  que  o  julgo  por  eí cu  fa- 
do ?  tanto  porasrazoeus  ,  que  vos  íao  preíeníes ,-  co~ 


" 


i65 


106  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Alino  mo  porque  a  vofsa  memoria  naó  neceílita  de  tantas  lem- 
#  brancas  j  mas  firvovos  pontualmente  ,  como  meorde- 
'•  nais  ,  e  digo  por  artigos. 

Primeiro  :  que  pafsadosos  cumprimentos  ,  de  que 
Ceveis  uíar  com  o  Marichal  de  Turena  em  a  forma  ,  que 
na  minha  carta  efcrevo  ,  lhe  deveis  fazer  huma  relação 
do  eítado  do  Reyno  ,  do  muito  que  gaita  ,  da  impoífi- 
bilidade  ,eni  que  eítá  para  o  continuar  ,  e  que  em  pro- 
porção da  neceffidéide  ,  tudo  o  que  França  der  ,  he  li- 
mitado ,  e  que  vós  lho  dizeis  francamente  \  porque  íe 
a  íua  tenção ,  e  de  Sua  Mageítade  Chriítianiílima  for 
de  nos  ajudar  ,  e  manter ,  também  deve  íer  de  naó  ar- 
rifcar  os  íeus  íbccorros  >  os  quaes,  quando  forem  limi- 
tados, teraõ  duas  propriedades :  a  primeira,  que  fao  dií- 
pendio  para  França  ;  e  a  fegunda  ,  que  naõ  fao  propor- 
cionados para  nos  livrar  do  maior  aperto. 

Segundo :  que  elle  confidere,  quanto  o  Reyno  pa- 
gou ,  e  paga  a  Inglaterra  ,  e  Hollanda ,  e  que  os  íbccor- 
ros ,  e  humores  dos  Inglezes  eítaó  em  eítado  ,  que  Sua 
Mageítade  ChriítianiiTima  pelas  conveniências  de  Fran- 
ça (que  em  tudo  fao  as  nofsas  )  havia  deapplicaros 
Tratados  de  Inglaterra  ,  e  incluir  nelles  Portugal  ,•  por- 
que de  outra  maneira,  vendo  os  Inglezes,  que  feha 
indifFerente  ,  e  que  Caílella  fofFre  ,  que  elles  loccorraò 
aos  Portuguezes,  farão  hum  Tratado  com  Caílella,  pa- 
ra que  nao  faltaõ  inclinaçoens  aqui  ,  humas  efpalhadas 
pelo  Conde  de  Briítol ,  outras  pelos  Irlandezes  ,  e  ou- 
tras pelos  mercadores,-  equeaífim  nao  he  tempo,  de 
que  o  perca  França ,  ao  menos  fegundo  nós  podemos 
entender. 

Terceiro :  que  França  nao  fó  ha  de  manter  a  Por- 
tugal com  os  íbccorros  ,  mas  com  a  reputação  ,  e  que 
efta  naõ  a  pôde  ter  Portugal ,  até  Sua  Mageítade  Chri- 
ílianirlima  trate  publicamente  de  nos  aífiítir  em  Roma,, 
em  Hollanda  ,  e  em  Inglaterra  :  em  a  primeira  ,  para 
fermosadmittidos  ;eema  fegunda,  para  nos  ajudarem, 
eefperarem  apaga,  a  que  nos  obrigamos  pela  paz  j 
e  em  a  terceira  ,  para  que  fe  appliquem  os  foccorros, 
e  fe  avantagem  os  Tratados,,*  e  fó  com  ver  iíto  o  mun- 
do, 


PARTE  11.  LIVRO  IX,         107 

do  ,  Portugal  fe  defenderá,  e  S.  Mageítade  ChriítianiíE- 
ma  terá  aquelle  Reyno  ,  e  familia  Real  diípoíta  a  ieus 
verdadeiros  interefses. 

Quarto  :  que  ao  Marichal  he  prefente  ,  que  os  Ca- 
ftelhanos  deíejaõa  paz  ,  e  que  ainda  que  naò  íeja  co- 
mo os  Portuguezes  a  querem  ,  com  tudo  a  neceflidáde, 
a  continuação  das  calamidades  da  guerra  ,  e  falta  de 
loccorro  ,  ede  Embaixador  de  França  em  Portugal/pô- 
de fazer ,  que  os  Portuguezes  aceitem  os  partidos  ,  que 
naó  devem  admittir,  fe  fe  virem  aíIiítidos,e  aliados  com 
Sua  Mageflade  Chriílianilfima  ,  cuja  amizade  confidera 
mais  natural ,  e  fegura  á  familia  Real ,  e  de  que  EIRey 
N.  Senhor  faz  aeftimação  ,  que  he  publica  ao  mundo. 
Quinto  :  que  EIRey  de  Portugal  tem  declarado  aos 
Oaítelhanos  ,  que  não  virá  na  paz  com  elles ,  fem  a 
mediação  de  Sua  Mageítade  ChriítianiíHma,e  Britânica*, 
nas  que  vós  ,  como  bom  Portuguez  ,  e  Francez  ,  folga- 
reis que  ifto  não  fó  fofse  dito  pelagenerofidade  d' EI- 
Rey N".  Senhor,  e  pelo  Confelho  de  léus  Miniítros,  mas 
:me  ainda  fofse  fortificado  por  hum  Tratado  entre  Fraa- 


:a,  e  Portugal. 


Sexto  7  que  não  fe  fazendo  eíte  com  os  cafamen- 
ios  .  que  ahi  fe  tratão  ,  terá  França  o  mefmo  ,  que  com 
ds  melhores  Tratados  ,  e  com  iiso  acodiremos  ao  ellado 
da  familia  Real  em  Portugal. 

Sétimo:  que  o  Marichal  deve  confiderar,  que  Por- 
nigal  he  remoto  de  França  para  os  foccorros  ,  e  que  he 
vizinho  de  Hefpanha  para  os  perigos  ,*  e  que  todos  os 
Miniílros  de  França  fabem  ,  que  os  Portuguezes  por  fé, 
2  por  feus  interefses  merecem  do  Marichal  toda  a  aíh- 
[lencia,  e  que  nenhuma  fera  tão  própria  de  prefente, 
:omo  applicar  a  Sua  Mageftade  ChriíHaniíIima  ,  a  que 
Paca  o  caí  amento  com  Portugal.  Eítas  làô  as  razoens  , 
3ue  fe  me  oflèrecem  dasgeraes ,  que  pontualmente  vos 
refiro 

Erão  tantos  os  negócios,  que  manejava  o  Marquez 
zleSande,  que  não  era  poílivel  deixar  de  haver  muitos 
accldentes  ,.  que  os  embaraçafseni.  Chegou  a  EIRey  de 
Eaglaterra  noticia  da  índia  ,  de  que  António  de  Mello 

de 


An  no 
1665. 


" 


■i66i 


íoS \  PORTUGAL  RESTAURADO, 

uno  de  Caílro  naô  tinha  feito  entrega  de  Bombaim  ao  Gí 
neral  de  Inglaterra  pelas  razoens  ,  que  acima  referimos 
e  como  eíta  matéria  era  taõefsencial,  alterou  ,  muit< 
os  ânimos  dos  Miniítros  d' EIRey ,  e  abrio  eílrada  á 
diligencias  dos  Caíielhaiios,  introduzindo  em  EIRey  í 
desconfiança  de  fé  lhe  haver  faltado  ,  ao  que  fé  lh< 
promettera  no  contrato  do  cafamento :  porém  o  Mar- 
quez foube  temperar  eíte  contratempo  com  tanta  de 
ítreza  ,  e  fuavidade  »  attribuindo  aquella  defordem  í 
accidente  naõ  imaginado  ,  que  moderou  todos  os  im 
pulfos ,  e  começou  a  pôr  em  pratica  a  mediação  d'El- 
B,ey  de  Inglaterra  ,  para  íeajuítar  a  paz  entre  Caftcl- 
la  ,  e  eíte  Reyao  ,  íendo  o  primeiro  inílrumento  Don 
Ricardo  Fanfcheon,  Embaixador  d' EIRey  daGraó-Bre 
tanha  a  EIRey  D.  AíFonío.  Para  eíte efíèito  Ihepaisoi 
EIRey  as  ordens  necefsariasí  porém  fufpendeo-le  a  ex- 
ecução pelo  grande  poder  ,  com  queD.  joaó  de  Auítrií 
deu  principio  á Campanha  daquelleanno  ,  quede  íor- 
te  desbaratou  com  a  tomada  de  Évora  todos  os  negó- 
cios ,  que  fehiaó  encaminhando,  que  fez  iúipendé 
em  Paris  todas  as  negociaçoens  de  D.  Francifco  Ma 
ndelj  e  fazendo  avizò  á  Rainha  de  Inglaterra  ,  e  a< 
Marquez  de  Sande  ,  fe  lhe  ordenou  ,  que  continuafseí 
íua  jornada  atè  Génova,  onde  com  os  últimos  íucceí 
fos  da  Campanha  poderia  ,  ou  deter-fè  pela  infelicida 
de,  ou  pafsar  a  Roma,  chegandò-lhe  novas  mais  alegres 
O  Marquez  de  Sande ,  tanto  que  recebeo  a  nova  dí 
perda  de  Évora ,  applicou  com  incefsante  diligencia  no- 
vos meyos  de  folieitar  foccorros  de  França  ,  elnglatei 
fá  ,  moílrandp  com  vivas  razoes  em  hum,  e  outro  Rey 
no  fer  aquelle  o  tempo  de  fe  acodtr  a  Portugal ,  mau 
dando-fe  tropas  taõ  numerofas ,  queevitafsem  o  infal 
livel  intento  ,  que  D.  Joaõ  de  Auftria  havia  de  ter  ,  d 
tomar  Praças ,  que  facilitafsem  a  comunicação  de  Evc 
ra  com  Olivença  ;  porém  fahio  deíla  tormenta  decui 
dados  coma  chegada  de  Francifco  Ferreira  Rebello 
que  EIRey  mandou  ,  depois  de  ganhada  a  batalha  d 
Canal  ,  por  Inviado  a  França  ,  com  ordem  de  fazer 
joniada  por  Londres  à  tomar  as  inílrucçoèns  do  Mai 

quz 


PARTE  Ih  LIVRO  IX.        109 

■mes 'de  Saade.  O  alvoroço ,que  o  Marquez  recebeo  com 
l  nova  de  que  eftava  dependente  o  locego  doRev- 
\o    e  todas  as  fuás  negociaçoens  ,  manifeítou  comfe- 
Lios  públicos  ,  e  no  meímo  ponto  mudarão  de  iem- 
-lante  todas  as  difficuldades ,  que  com  a  noticia  da  per- 
da de  Évora  liavião  tomado  vigor ;  e  o  Conde  de  Co- 
min*es,Embaixador  de  França,buícou  logo  o  Marquez 
mra&lhe.  dar  o  parabém;  e  o  Marquez  fez  pafsar  a  Fran- 
ca a  Francifco  Ferreira,dando-llie  todas  as  noticias  con- 
venientes para  confeguir  o  intento  ,  a  que  era  man- 
dado i  erecõmendando-llie,  que  em  nenhum  caio  to- 
mafse  refoluçaó  alguma  iem  approvaçaõ  do  Manchai 
de  Turena ,  firme  columna  dos  interefses  de  Portugal,  e 
de  quem  EIRey  de  Franca  juftamente  fiava  os  maiores 
'acertos,  por  concorrerem  na  fua  grande  peísoa  todas 
flhuellas  heróicas  virtudes ,  que  no  mundo  coítumarao 
1  conftituir  os  Capitães  mais  celebres  ,  e  os  Varoens 
mais  excellentes.  Partido  Francifco  Ferreira,  tomou  gra- 
des forças  a  conjuração  do  Conde  de  Briílol  contra  o 
erandeChanceller,  dando  capítulos  ,  que  perturbarão 
muito  os  interefses  de  Portugal,  e  embaraçarão  a  direc- 
ção do  poder  da  Rainha  de  Inglaterra  ,  que  o  Chancei- 
ler  miniftrava  com  grande  cuidado  :  e  fendo  elte  incon- 
veniente muito  grande ,  foi  maior  ode  huma  doença , 
cjuefobreveyo  á  Rainha  de  Inglaterra ,  tao  pengoía, 
aue  areduzio  ao  ultimo  periodo  davida;  e  rorao  de 
qualidade  as  demonftraçoens  do  fentimento  d'hlKey , 
edosCatholicos  de  Inglaterra ,  que  mamfeftarao  ao 
mundo  o  valor  das  fuás  grandes  virtudes.  Livrou  da 
doença ,  refervando-a  a  Providencia  Divina  para  maio- 
res empregos.  .>,■'■•;  , 

D.Francifco  Manoel  fabendo  em  Génova  a  nova  da 
.vicloria  da  batalha  do  Canal ,  pafsou  a  Roma,  como  re- 
ferimos. .  A/r  L    A 
O-Eftado  da  índia  governava  António  de  Mello  de 
Caftro,  depois  de  fe  defembaraçar  da  controverfia  ,  que 
teve  com  osjnglezes  em  Bombaim.  Defpedio  no.mez 
de  Janeiro  aManoel  de  Saldanha  da  Gama  com  cem  Sol- 
dados ,  que  fe  embarcou  na  Armada  do  Capitão  moc 


Anno 
166}  * 


r 


no  PORTUGÀLRESTAURAro, 

ÁnnoJoaò  de  Soufa  Freire  com  ordem  de  fe  introduzir  ent 
•  •     Cochim,  levando  as  mu  niçoens,  que  lhe  foíse  poíli- 
*  00>  vel ,  ou  nas  almadias  de  Tanor ,  ou  por  terra  ,•  porque 
a  Armada  pelo  aperto  do  Titio  dos  Hollandezes  naó  po- 
dia entrar  no  porto  de  Cochim  :  porém  foi  inútil  elta 
diligencia/porque  quando  Manoel  de  Saldanha  chegou 
a  Tanor ,  encontrou  a  Armada  de  Hollanda,  de  que  era 
General  Henrique  Lobo ,  que  trazia  os  priíioneiros  de 
Cochim  ,  e  vinha  a  occupar  a  Barra  de  Goa  ,•  e  Manoel 
de  Saldanha  voltou  para  Cananor ,  de  que  era  Capitão 
António  Cardoíb ,  e  introduzio  na  Fortaleza  os  cem 
Soldados  para  esforçar  aquelle  preíidio  -9  porém  Antó- 
nio Çardofo  fem  refiílencia  alguma  ,  mandando-lhe  o 
General  de  Hollanda  dizer ,  que  fe  entregafse  ,  obede- 
ce© ,  com  o  partido  de  ler  lançada  a  guarnição  na  Coita 
da  Índia.  Havia  fubfiítido  cinco  annos  a  defenfa  de  Co- 
chim ,  e  fuccedido  no  decurfo  deite  tempo  acções  mui- 
to memoráveis.  Chegando  o  principio  do  anno ,  que 
eícrevemos  ,  deraô  hum  afsalto  á  Cidade  pelo  poíto  do 
Caltéte,  onde  afíiítia  o  CapitaÓ  mór  Luiz  da  Coita  com 
féis  Companhias  da  melhor  gente  do  prefidio :  fuíten- 
tou-íe  o  aisalto  todas  as  horas ,  que  lhe  durou  a  vida ,  e 
começpu-fe  a  perder  terreno  com  a  fua  morte  ,  tiran- 
do-lhe  a  vida  huma  bala  ,  que  lhe  acertou  pelos  pei- 
tos. O  General  Ignacio  Sarmento  de  Carvalho  ,  por  cu- 
ja conta  corria  a  defenfa  de  Cochim,  mandou  acodir 
ao  perigo  ,  que  via  imminente ,  com  a  maior  parte  da 
gente  da  Praça  á  ordem  de  D.Bernardo  de  Noronha  ; 
mas  como  os  Hollandezes  haviaõ  achado  lugar  para  en- 
trar na  Praça ,  fubiraõ  tantos  a  ella  ,  que  foi  morto 
P,  Bernardo ,  e  toda  a  mais  gente  ,  que  o  acompanha- 
va ,  de  que  fe  originou  ceder  Ignacio  Sarmento  a  tan- 
to infortúnio,  capitular ,  e  entregar  Cochim  com  o  par- 
tido de  ferem  levados  a  Goa  os  Officiaes  ,  Soldados , 
e  paizanos  com  todos  Os  moveis  ,  que  pudelsem  con- 
duzir; o  que  pontualmente  fe  obfervou, 

[  O  tempo,  em  que  os  Hollandezes  tomarão  Cochim, 
eGananor,  foi  o  mefmo  ,  que  pelos capitu/os da  paz» 
que  o  Conde  de  Miranda  celebrou  comosEítados  de 

Hollan- 


VARTE  II.  LlfKO  IX.        tu 

Kóllanda ,  devia  eíhr  fufpenfaa  guerra  da  índia,  íem  Anno 
3oder  haver  hoítilidade  de  huma  ,  e  outra  parte  ;  po-     ,{ 
-émcominduftrias,  e  amrlbologias dilatarão  a  reftitui-  ,wur 
-ao  deitas  duas  Praças;  ficando  íuípenía  a  determinação 
d-íla  matéria ,  em  quanto  fe  nao  offerece  occaíiaõ  op- 
portuna  ,  que  facilite  duvida  taõ  mal  fundada.  Os  Hol- 
landezes affiítirao  na  Barra  de  Goa  até  os  últimos  dias 
do  mez  de  Mayo  ,  em  que  fe  retirarão. 

O  Mogor  inveílio  no  meímo  tempo  com  grande 
poder  as  terras  do  Norte :  defendeo-as  o  General  D.  Ál- 
varo de  Ataidecom  valor  ,  ea&ividade  i  eÇ°m°acon_ 
Itellaçaô  era  infelice ,  padeceo  António  de  Mello  na 
mefma  occafiaõ  contadas  domeiHcas  muito  prejudiciaes; 
porque  fuccedendo  huma  pendência  entre  Manoel  Cor- 
te-Real  deSampayo  ,  e  D.  Francifco  de  Lima  ,  acodio 
a  ella  António  de  Mello  ,  e  tirando  hum  negro  hum 
carabinaco  ,  o  ferio  com  huma  bala  em  huma  mao  ;  e 
lendo  prezo  Manoel  Corte-Real  naFortaleza  daAugua- 
da.  foiprocefsadaafuaculpa  com  a  fevendade ,  que 
era  conveniente }  e  juntamente  mandou  António  de 
Mello  prender  naFortaleza  de  Murmugao  a  D.  João 
Manoel ,  que  era  cunhado  de  Manoel  Corte-Keai :  e 
partindo  em  Mayo  Bartholomeo  de  Vafconcelos  em  a 
náo  Sacramento ,  o  mandou  António  de  Mello  embar- 
car nella  ,  por  fe  lhe  haverem  arguido  algumas  culpas 
graves ,  de  que  nao  houve  inteira  prova.  Relpirou  o 
Bftado  da  índia  com  a  chegada  a  Gôa  no  mez  de  No- 
vembro do  Capitão  André  Pereira  dos  Reys ,  que  trou- 
xe a  nova  da  paz  celebrada  com  os  Hollandezes  ,•  e  ou- 
tra náo  ,  que  vinha  em  fua  companhia ,  arribou  a^ Mo- 
çambique ,  onde  invernou  em  virtude  da  paz.  Nao  vol- 
tarão os  Hollandezes  á  Barra  de  Gôa,e  abrmdo-fe  o  Co- 
mercio ,  forao  mais  favoráveis  os  íuccefsos  daqueile 

Eftado.  _  A 

A  diíFerença  das  fortunas  augmentava  as  torças  do  J\nnO 
exercito  de  Alentejo ,  e  enfraquecia  as  prevençoens  dos  J  ^ 
Caítelhanos,  porque  o  fegredo  nunca  averiguado  na  in- 
telligencia  humana  das  difpofiçoens  Divinas  desbarata- 
va os confelhos  dos  Caítelhanos,  e  fortalecia  as  nof- 

O  i  ^s 


21*     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  f£S  difpoíiçoens.  No  principio  do  anno  defeísentae 
,,  quatro  voltou  D.  Joaõ  de  Auftria  de  Madrid  para  Bada- 
I604.  joz  j  ]lavend0  comunicado  com  EIRey  íeu  Pay  os  cami- 
nhos ,  que  lhe  parecerão  mais  proporcionados  ,  de  i*e- 
itaurar  a  opinião  enfraquecida  do  fuccefso  da  batalha 
do  Canal ,  confeguindo  largas  efperanças  de  engrofsar 
o  exercito  com  novas  tropas,  e  empregallas  em  progref- 
fos  úteis  ,  e  gloriofos. 

O  Conde  de  Villa-Flor ,  depois  de  rendida  Évora, 
pafsou  a  Lisboa ,  como  acima  expuzemos  j  e  encadean- 
do-fe  á  pouca  fatisfaçaõ  de  feus  ferviços  vários  deicon- 
tentamentos ,  fe  deu  por  defobrigado  do  governo  das 
Armas  da  Provinda  de  Alentejo ,  e  foi  entregue  ao 
Marquez  de  Marialva  com  o  titulo  de  Capitão  Gene- 
ral ;  porém  oiFereceo-fe  novo  embaraço  na  eleição  do 
Marquez  na  queixa  vehemente  do  Conde  de  Schom- 
berg juíliíicada  na  fua  capitulação,  que  o  eximia  de 
obedecer  a  outro  Cabo  fuperior ,  que  naõ  fofse  o  Con- 
de de  Atouguiaj  e  que,  havendo  cedido  duas  vezes  no 
leu  juíliflcado  requerimento,  fe  refolvia  a  naõ  conti- 
nuar finezas  ,  que  lhe  prejudicavaõ»  Reconhecendo  o 
Conde  de  Caítello-Melhor  ajuíliça  da  pertençaõdo 
Conde  de  Scomberg  ,  recorreo  á  mediação  de  D.  João 
da  Silva  ,  particular  amigo  do  Conde ,  que  lhe  acon- 
lelhou  introduzifse  em  EIRey  .perfuadir  ao  Conde  de 
Schomberg  naó  quizefse  largar  a  defenfa  do  Reyno^em 
que  havia  tido  tanta  parte  ,  e  que  lhe  oílèrecelse  o  ti- 
tulo de  Governador  das  Armas  Portuguezas ,  e  Extran- 
geiras.  Sortio   deite  arbitrio  verdadeiro  eíFeito  ,  e  ce- 
■deo  o  Conde  de  Schomberg  da  fua  propoíiçaó  :  porém 
íuccedeo  outro  embaraço  ,  de  que  depois  refultáraó  pe- 
rigofas  confequencias.  Intentou  o  Marquez  de  Marial- 
va levar  á  fua  devoção  Meftre  de  Campo  General ,  que 
vagava  com  o  novo  titulo  de  Governador  das  Armas 
do  Conde  de  Schomberg  ,  e  negoceou  com  o  Conde  de 
Cáítello-Melhor ,  que  fofse  nomeado  Gil  Vaz 'Lobo, 
que  exercitava  o  poílo  de  Meítre  de  Campo  General 
de  Extremaduía' ,  compondo-íe  as  juítas  queixas  de  Di- 
niz de  Mello  deCaftrQ  com  alguns  deípachos  ,  que  íb- 

licitou 


PARTE  11.  LIV&O  11.        215 

licitou  o  Marquez  de  Marialva ;  porque  allegava  ,  que  AntlO 
nem  por  íerviços ,  nem  por  merecimentos  íelhede-    %, 
via  adiantar  peísoa  alguma.  Decididas  eílas  duvidas,  luUi+' 
pafsou  Gil  Vaz  a  Alentejo  ,  e  foi  nomeado  o  Conde  da 
Torre  Meílre  de  Campo  General  da  Corte ,  e  Extrema- 
dura.  O  Marquez  de  Marialva  ,  e  os  mais  Cabos  forao 
poucos  os  dias  ,  que  íe  detiveraõ  em  Lisboa  ,  e  juntos 
em  Eílremoz  ,  íe  deu  principio  á  uniaõ  do  exercito. 
Jimtou-fe  a  Cavallaria  ,  e  os  Terços,  que  iobravaõ  das 
guarniçoens :  chegarão  os  íbccorros  das  Provindas  ,  que 
forao  os  mais  numero  fos  ,  que  até  áquelle  tempo  ti- 
nhaópaísado  a  Alentejo  3  porque  o  Conde  deS.Joaõ, 
havendo  coníeguido  licença  d<ElRey ,  fahio  de  Chaves 
com  dous  mil  Infantes ,  e  feifcentos  cavallos  pagos , 
taõ  valorofos  ,  e  luzidos ,  que  naõ  reconheciaõ  a  alguns 
outros  ventagem  ,  acompanhado  de  feus  dous  irmã,s 
Miguel  Carlos  de  Távora  ,  e  Francifco  de  Távora,  hum 
Sargento  morde  Batalha,  e  outro  Tenente  General  da 
Cavallaria,  e  de  feu  cunhado  D.Miguel  da  Silveira , 
que  no  anno  de  mil  feiscentos  fefsenta  e  três  havia  dei- 
xado a  Univerjidade  de  Coimbra  ,  em  que  tinha  feito 
nas  Letras  felice  progrefso  ,  para  o  fazer  igualmente 
nas  Armas.Teve  a  meíma  permifsaô  Affonío  Furtad  ode 
Mendoça  •,  chegou  a  Eílremoz  com  mil  Infantes  ,  e  tre- 
zentos cavallos ,  ainda  que  inferiores  no  luzimento  , 
iguaes  no  valor.  Com  eítes  foccorros  ,  as  tropas  de  Lis- 
boa ,  e  os  Regimentos  extra ngeiros  fe  formou  o  exerci- 
to com  de  fazeis  mil  Infantes  pagos,  fete  mil  Auxilia- 
res ,  cinco  mil  cavallos ,  quinze  peças  de  artilharia , 
quantidade  de  muniçoens  ,  e  carruagens  ,  devendo-fe  á 
diligencia  do  Conde  de  Caítello-Melhor  toda  a  diípofi- 
çaó  de  taõ  numerofo  exercito  em  grande  beneficio  da 
defenfa  do  Reino :  porém  era  difficultofo  o  emprego 
de  taõ  grande  poderj  porque  conílava  ao  Marquez  de 
Marialva,  que  D.Joaõ  de  Auítria,  tendo  experimenta- 
do muito  inferiores  os  effeitos  dos  foccorros  ás  pro- 
mefsas  d'ElRey  íeu  Pay  ,  naõ  lhe  havia  fido  poflível 
juntar  mais ,  que  oito  mil  Infantes  ,e  féis  mil  cavallos; 
tropas,  que  determinava  empregar  mais  na  defenfa,  que 

O  3  na 


> 


2i4     PORTUGAL  RESTAURADO, 

AntlO  naconquiíta.  O  Marquez  para  fahir  da  juíla  duvida; 
166a  ^m(3Ue  íe achava,  chamou  a  confelho  lo  os  Cabos  ,  e 
**'  Sargentos  Maiores  de  Batalha  \  havendo  moílrado  a  ex- 
periência ,  que  o  grande  numero  dos  Meftres  de  Cam- 
po ,  e  Tenentes  Generaes  da  Cavai laria  ,  que  coítuma- 
vao  entrar  no  Confelho  ,  occafionavão  nelle  irreme- 
diável confufaô,  e  que  era  pouco  feguro  o  fegredo,  que 
fe  devia  guardar  nas  refoluçoens  ,  que  fe  tomafsem.  Fi- 
carão os  Oíficiaes  excluídos  exceíli  vãmente  queixoíbs, 
ê  o  Marquez  com  a  prudência  ,  de  que  era  dotado,  em- 
pregou varias  diligencias  para  atalhar  efte  inconvenien- 
te ,  que  fó  pudera  remedear  alua  authoridade;  e  no 
Coníelho,  a  que  chamou,  propoz  as  razoens  feguintes: 
Que  o  numero  do  exercito  era  grande  ,  e  preciíb  em- 
pregarfe  em  empreza  ,  que  defempenhafse  as  difpezas, 
que  havia  feito :  Que  recebera    noticia  certa  de  oue 
D.  João  de  Auítria  naõ  fahia  em  campanha  ,  e  fó  tra- 
tava de  fe  defender   com  oito  mil  Infantes ,  e  íeis  mil 
cavallos:  Que  o  rigor,,  com  que  entrava  o.  calor  do 
Verão,  era  inimigo  muito  poderofo  ,èneítas  confide- 
raçoens  pedia  a  foluçaõ  de  taô  forçofas  duvidas. 

Foraó  diferentes  os  difcurfos  dos  que  íè  acharão 
no  Confelho  \  porque  o  maior  numero  de  votos  con- 
corda vaõ  ,  que  o  exercito  naõ  devia  fahir  em  Campa- 
alia,  por  fera  maior  vidoria  triunfar-fe  em  D.  João 
Aultriadafuberba  Caftelhana ,  obrigando-o  depois  de 
c fS£aratado  na  baralha  do  Canal,  e  de  haver  EIRey  de 
Caltella  convocado  tòdar as  Naçoens  de  Europa  para 
deiaggravo  do  feu  infortúnio  ,  a  naõ  fahir  em  Campa- 
nha ,  refpeitando  o  nofso  poder,  e  temendo  a  nofsa  re- 
ioluçao:  Que  fitiar  Praça  de  confequencia  ,  era  expor 
outra  nofsa  ao  mefmo  perigo  ,  ou  o  Paiz  a  total  mina  , 
porfer  o  numero  da  Cavallaria  inimiga  muito  fuperior, 
eque  o  eítrago  do  Sol  feria  maior,  que  a  utilidade  da 
rraçaconqullrrada-Ve  que  ultimamente  expor  todos  os 
annos  o  exercito  ás  contingências  de*huma  batalha, 

iena  mdticulpavelmente  tentar  as  inconfiancias  da  for- 

■tuna. 

OCon- 


PARTE  II  LIVRO  ÍX.  21  j 

O  Conde  de  Schomberg,  o  Conde  de  S.  João  ,  o  Ge-  ^  nno 
neral  da  Artilharia  D.  Luiz  de  Menezes  leguirao  opi-     _ 

h    contraria  ,  dizendo  ,  que  aquelle  exercito  era  po-  10.04. 
derofiffimo,  e  em  grande  parte  íupenor  ao  de  Gaitei- 
ts  por  cujo  reípeito  parecia  preciío  moftrar-fe  ao  mun- 
do ouanto  íuperavaô  as  forças  de  Portugal  asde  Ca- 
ílella  5  e  os  Reys  de  Inglaterra, e  França,  que  nao  mal- 
logravao  as  tropas,  e  cabedaes  ,  com  que  nos  affi  ftia  o, 
empenhando-os  a  maiores  foccorros:Que  o  exercito  de- 
via com  toda  a  brevidade  marchar  á  Codiceira ,  ganhar 
aquelle  Forte  j  empreza  fem  controverlia  pela  lua  li- 
mitação diferentemente  julgada  por  tao  grade  Author, 
como  o  Conde  Mayolino  nas  fuás  guerras  Civis  ;  com 
que  nao  fó  fe  dava  principio  á  Campanha  com  credito , 
ienao  que  fe  animava Õ  os  Soldados  a  maiores  empre- 
sas, efe  tirava  aos  Caftelhanos  a  efcala  doscomboys, 
que  de  Albuquerque  pafsavão  a  Arronches  :  Que  na  ie- 
cunda  marcha  aviítaíse  o  exercito  Ouguela  ;  e  que,  pa- 
scendo pelo  eftado  da  fortificação  a  empreza  fácil,  le 
intentafseje  quando  fejulgafsediffícil ,  continuaíseo 
exercito  a  marcha ,  ealojafse  entre  os  dous  rios  Caya  , 
eCayola,  que  diítavahuma  fó  legoa  de  Badajoz,  e 
era  hum  dos  melhores  ,  e  mais  feguros  alojamentos, 
que  fe  podia  defejar  3  porque  formado  o  exercito  em 
batalha,  ficava  coberto  pelos  dous  lados ,  e  pela  fren- 
te ,  pelo  circulo,  que  fazia  Caya,  para  entrar  em  Gua- 
diana, e  Cayola ,  para  defaguar  em  Caya:  Que  as  aguas 
eraõ  excellentes  ,  as  farragens  muitas ,  blvas  ,  e  um- 
po-Mayor  pouco  diítantes  para  fegurãça  dos  comboys  , 
a  grande  defeza  de  Godinha  unida  ao  quartel ,  que  mi- 
niftrava  rama  para  barracas  ,  e  troncos  para  o  togo;  co- 
modidades, que  defvaneciao  o  perigo  das  doenças, 
devendo  mais  recear-fe  a  eítreiteza  dos  alojamentos  das 
poucas  Praças ,  em  que  o  exercito  eítava  dividido;  pois 
nao  permittiao  abrigo  nos  quartéis  aos  Soldados  peia 
multidão  delles  ,  e  íer  mais  prejudicial  dormirem  nas 
Tuasimmundas  com  o  grande  concurfo  ,  e  ficarem  ex- 
poílos  a  padecer  naquelies  impuros  ares  omeímo  ri-  j 
£or  do  Sol ,  que  fe  receava  na  Campanha  ,  em  grande 
b^  ^  O  4  prejui- 


ii6  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  prejuízo  dos  interefses  dospaizanos:  Que,  tomado  efb 
\á*4    al°Jarnent0  »  fe  prefentava  a  D.  João  de  Auítria  a  ba- 
Auaf  talha  ,  que  tanto  publicava  appetecer ;  que ,  refolven- 
do-fe  a  atacalla  ,  que  naõ  feria  pofíivel  pelas  confide- 
raçoens  humanas  deixar  de  perdella }  porque  hum  exer- 
cito tão  numerofo  ,  de  tão  excellentes  Cabos ,  e  valo- 
rofos  Soldados ,  fortificado  com  dous  rios  caudalofos, 
e  feguros  oscomboys  ,  e  mantimentos ,  íicaría  incon- 
traftavel  a  muito  maior  poder  daquelle,  que  coníta- 
va  tinha  D.João  de  Auítria  para  fahir  em  Campanha- 
e  que  fe  acafo  o  receyo  o  abíUvefse  de  bufcar  o  con- 
flicto,  naõ  poderia  haver  fuccefso  mais  gloriofo  ,  nem 
de  mais  relevantes  coníequencias  ,  pois  ferviria  eíla 
demonítraçaõ  de  deíengano  a  toda  a  Europa ,  onde  f a- 
ziaõ  tanta  imprefsaõ  os  fabulolbs  manifeílos  de  Caíle- 
lhanos,  queeraõ  necefsa rias  vidorias  muito  repetidas 
para  desbaratarem  os  ameaços ,  com  que  determinavaó 
efcurecer  as  forças  de  Portugal ,  e  que,  fuccedendo  nao 
bufcar  D;  Joaó  de  Auftria  o  nofso^exercito  ,  nos  ficaria 
o  caminho  aberto  para  fe  elegeria  Praça  ,  que  pare- 
cefse  menos  forte,  e  mais  conveniente  ,  para  íe  atacar 
como  poder  ,  quebaftafsea  conquiitalla , ficando  ore- 
fto  do  exercito  na  defenfa  da  Provinda. 

O  Marquez  de  Marialva  depois  de  ouvir  hum  ,  e 
outro  parecer  ,  fe  aífeiçoou  ao  ultimo,  de  que  havia 
hdo  author  o  General  da  Artilharia  ,  approvado  pelos 
bondes  de  S.  Joaõ  ,  e  Schomberg.  Deu  promptamente 
conta  a  EIRey  com  a  diíHncçaõ  dos  votos,  que  fe  acha- 
rão no  Confelho  :  e  faraó  os  quefeguiraõ  a  parte  con- 
traria ,  Gil  Vaz  Lobo ,  Diniz  de  Mello  ,  A  ff bnfo  Furta- 
do ,  o  Conde  da  Vidigueira  ,  naquelle  tempo  nomeado 
General  da  Cavallaria  da  Provincia  da  Beira.  Logo  que 
o  Correyo  chegou  a  Lisboa  ,  mandou  EIRey ,  que  fe 
juntafse  o  Conlelho  de  Eílado,  e  Guerra  5  e  examinan- 
ao-íe  na  carta  do  Marquez  de  Marialva  os  fundamen- 
tos dehuma  ,  e  outra  opinião  ,  fe  reíolveo ,  que  o  ex- 
ercito fahiíse  em  Campanha  na  forma  propoíta  pelo 
General  da  Artilharia ;  porque ,  íuppoíto  que  houve  vo- 
tos em  contrario ,  o  Conde  de  Caílello-Melhor  abra- 
çou 


PARTE  IL  LIVRO  IX.         tt7 

çou  eHe  partido,  defejando  tirar  fruto  do  trabalho,  que 
havía  tido  em  juntar  tao  numeroio  exercito  ;  divida  , 
que  o  Reynocõrifeísava  áíuavirtuofa  diligencia.  To- 
madaTeíta  reíòluçaõ  ,  foi  remettida  ao  Marquez  de  Ma- 
rialva ,  que  fem  dilação  alguma  ,  tanto  que  lhe  che- 
cou ,  fahio  em  Campanha  a  cinco  de  junho  a  buícar 
o  alojamento  de  Caya ,  íem  intentar  a  empreza  da  Co- 
dicMra.  Foi  o  primeiro  alojamento  o  ae  Alcaraviça , 
onde  íe  juntarão  todas  as  tropas  divididas  pelos  quar- 
téis vizinhos.  Confiava  o  exercito  de  doze.  mil  Infan- 
tes Portuguezes  ,  e  três  mil  e  trezentos  Lxtrangeiros , 
ficando  o  refto  nas  guarniçpens  das  Praças  ,  divididos 
em  vinte  e  íete  efquadroens  ,  ede  cinco  mil  e  trezen- 
tos cavallos,em  que  entravaõ  quinhentos  Lxtrangeiros, 
repartidos  todos  em  oitenta  batalhoens.  Compunha-fe 
a  primeira  linha  de  Infanteria  de  doze  corpos;  nella 
tocou  o  lado  direito  a  Triflaó  da  Cunha ;  feguiafe-lhe 
Simaõ  de  Vafconcellos  ,  Meítre  de  Campo  do  Terço  da 
Armada  ,  de  que  fazia  ,  por  fer  muito  numeroio,  dous 
efquadroens ,  Francifco  da  Silva  de  Moura  ,  Pedro  Ce- 
lar  de  Menezes  ,  JoaÕ  Furtado  de  Mendoça  ,  Martim 
Corrêa  de  Sá ,  Roque  da  Coita  Barreto  ,  Diogo  oe  Cal- 
das Claran  ,  e  os  dous  Regimentos  do  Conde  de  Schom- 
berg  ,  hum  de  Francezes  ,  outro  de  Inglezes ,  que  mar- 
chava ao  lado  efquerdo.  A  fegunda  linha  íe  formava 
de  quinze  efquadroens;  occupava  o  lado  direito  Manoel 
de  Souía  de  Caítxo,  feguido  de  Jofeph  deSoufa  Sid,  Ja- 
ques  Tolon  ,  D.  Francifco  Henriques ,  Ayres  de  Salda- 
nha ,.  Ayres  de  Soufa  de  Caftro  >  Manoel  Pacheco  de 
Mello  ,  dous  Regimentos  de  Francezes  s  eno  lado  ef- 
querdo hum  Regimento  de  Inglezes.  Na  referva  mar- 
chavaõ  três  Terços  ,  que  eraò  dos  Mefires  de  Campo 
Manoel  Lobato  Pinto,  Balthafar  Lopes  Tavares,  e  Ruy 
Pereira.As  quatro  linhas  da  Cavallaria  íe  compunhao  de 
iefsenta  e  oito  batalhoens  5  féis  cobriaõ  a  referva ,  íeis 
aíliítiaõ  ás  guardas  dos  Generaes.  O  lado  direito  gover- 
nava o  General  da  Cavallaria  Diniz  de  Mello  de  Cair.ro, 
affiftido  do  Tenente  General  da  Cavallaria  D,  Manoel 
Luiz  de  Ataíde*,  o  efquerdo  o  Tenente  General  D.Luiz 

da 


Armo 
1664. 


Sahe  em  Cam~ 
panba  o  Mar' 

qitez.  de  Mait- 
alva  x  Forma  o 
txertito  nafre» 
te  de  Badajoz  , 
onde  affi/tia  D. 
joaÕ  deAufiria 
com  o  exercito 
de  Caftslla^ 


- 


I 


2i8    POnTUGÂL  $lWS!1AV%AD0 , 

Anno  óa  Cofia  ..:  o  direito  da  íegundalinlW  governava  o  Con- 
166 A  de  ^a  Vic%ueira  »  a  <lue  àífiítia  o  Tenente  General  Go- 

•?u  **'  mes  Freire  de  Andrade  ,  e  o  Coronel  Jeremias  Jó  vete  > 
-o  eíquerdo  Domingos  da  Ponte  Gallego ,  General  da 
Artilharia  aã  honorem  com  o  exercício  de  Tenente  Ge- 
neral da  Ca vállaria.  O  Tenente  General  D.  João  da  Sil- 
va havia  mandado  prender  o  Marquez  de  Marialva  no 
Caífcello  de  Marvão,  par  duvidar  eífcar  á  ordem  de  Ago- 
ftinho  de  Andrade  ,  a  quem  EIRey  havia  mandado  paf- 
far  Patente  de  General  da  Artilharia  adbomrem ,  e  Go- 
vernador da  Praça  de  Elvas  \  e  como  eftes  títulos  nao 
tinhaõ  exercido  ,  duvídavaõ  obedecer-lhe  os  Officiaes 
maiores  j  e  em  D.  Joaõ  da  Silva  íempre  cahiaô  com, 
mais  força  os  deíconcertos  da  fortuna  ,  preparando-o 
a  Divina  Providencia  para  Te  encaminhar  com  melho- 
res direcções,  ao  defprezo  do  mundo,  Dividio-fe  a  ar- 
tilharia nos  claros  de  duas  linhas  de  Infanteria  ,  eo 
exercito  marchou  de  Alcaravíça ,  á  fonte  dos. Sapatei- 
ros ,  o  dia  feguinte  á  Torre  de  Sequeras ,  e  a. oito  de 
Junho  ficou  alojado  entre  os  dous  riosCaya,  e  Cayo- 
la ;  e  íuccedendo  fer  eíte  o  mefmo  dia  ,  em  que  fe  eon- 
tava  hum  auno  ,  que  fora  ganhada  a  batalha  do  Canal, 
folemnizou  aquella  noite  o  exercito  efta  glõriofa  me- 
moria com  repetidas  cargas  de  artilharia  ,  emofqu etá- 
ria ,  que  foando  em  Badajoz*  na  pequena  diftancia  de 
huma  legoa  ,  donde  fem  embaraço  da  vifta  ,  por  fer  a 
planície  igual ,  feeítava  reconhecendo  o  exercito  for- 
mado,  foi  mais  plauíivel  aquella  viítofa  celebridade 
ornada  de  cuftofas  galas  dos  Cabos ,  e  Officiaes  de  va- 
riedades de  cores  das  cafacas  dos  Terços, e Companhias 
de  cavallos ,  da  multidão  de  plumas  ,  da  diveríidade  de 
adereços  ,  que  levavaõ  os  cavallos  dos  OHiciaes  ,  e Sol- 
dados do  corpo  da  Cavallaria  ;  e  fubindo  a  mais  eleva- 
da contemplação  do  valor ,  efciencia  militar  ,  de  que 
fe  compunha  todo  o  exercito  ,  adquirido  hum,  e ou- 
tro luzimento  entre  generofas  felicidades. 

Lograda  efta  primeira  acção  ,  e  reconhecendo-fe^ 
que  os  Caftelhanos  não  contribuião  em  nofso  benefi- 
cio, querendo  pelejar  mais  que  >  com  a  pena  da  noísa 

vaidar 


P^RTE  II.  LIVRO  IX.        **9 

raidade  ,  deliberou  o  Marquez  de  Marialva  b-ufear  em-  AnilO 
preza,  que  com  realidade  acreditalse  o  poder  do  exer-    6<, 
cito,  que  governava.  Chamou  a  Conielho  ,  e  luppoíto  »• 

que  na  primeira  conferencia  houve  variedade  nos  vo- 
tos ,  conforrnaraó-le  todos  com  a  opinião  do  General 
da  Artilharia  D.Luiz  de  Menezesem  íitiar  Valença,  dií-  Rejche  fuw 
curíando  ,  que  era  fácil  a  conquifta  daquella  Praça,  por  «  *"(*  «*  r* 
ferem  antigas  as  muralhas  ,  que  a  defendiao,  e  que,  ga-  ifn{*' 
nhando-fe ,  era  impoílivel  a  fubfiftencia  da  Praça  de 
Arronches,  por  ler  Valença  o  lugar  ,  de  que  com  mais 
facilidade  fe  lhe  introduziaõ  mantimentos ;  porque  a 
eftradade  Albuquerque  cótinuamente  oceupada  de  par- 
tidas de  Elvas,  e  Campo- Maior .,  difftcuitava  de  íorte 
os  comboys  ,  que  naõ  entravaôem  Arronches  fem  mui- 
to grande  trabalho  ,  e  diípeza.,  e  ultimamente  íet  Va- 
lença huma  Praça  varias  vezes  intentada  com  máo  fuc- 
cefso  ;  defdouro  ,  a  que  fe  devia  acodir  com  particular 
attençaõ.  Tomada  a  reíbluçaò  referida ,  tivera  0  ordem, 
antes  de  fe  publicar ,  os  Meítres  de  Campo  Ayres  de 
Saldanha  ,  D.  Francifeo  Henriques  ,  Martim  Corrêa  de 
Sá  ,  e  Manoel  Lobato  Pinto  ,  para  marcharem  a  Villa- 
Viçofa  ,  onde  fe  abriria  huma  carta  ,  que  fe  entregou 
ao  mais  antigo  , -e  feguiriaó  todos  a  ordem,  que  ella 
continha.  Promptamente  fe  puzeraõ  em  marcha,  e  che- 
gando a  Villa-Viçofa  ,  aberta  a  carta  ,  entenderão  ,  que 
o  Marquez  ordenava  a  Manoel  Lobato  ,  que  ficafse  em 
Villa-Viçofa  com  o  leu  Terço  ,  D.  Francifeo  Henriques 
paisafse  aExtremoz  ,  Martim  Corrêa  aMosaraõ  ,  Ayres 
deSoufaa  Moura,  Ayres  de  Saldanha  a  Serpa,  Foi  a 
caufa  de  que  o  Marquez  tomafse  ej:a  refoliiçaé  que- 
rer exeufar-fe  das  inítancias  dos  cinco  Meftres  de  Cam- 
po ,  que  emulos  da  gloria  dos  que  ficavao ,  feriao  ef- 
licazespertendentesde  feguirem  o  exercito;  e  quando 
os  Generaes  podem  fer  obedecidos  a  beneplácito  de  to» 
<dos  os  "Solda  dos  ,  feguraó  os  ânimos,  e -os  acertos. 

Partidos  os  Meftres  de  Campo  7  e  prevenido  o  Trem 
deartilhariagroísa  , balas  .,  emuniçoens  proporciona- 
das ,  $>Qiém  menos  das  que  eraõ  ftecefearias  4  por  ferem 
as  carruagens  poucas  9  fianeta-íe  o  General  da  Artilharia 


i6Ó4> 


220      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  no  provimento  dos  Armazéns  de  Portalegre  ,  eCaíte! 
ló  de  Vide  ,  tomou  o  exercito  a  onze  áde  Junho  o  pri- 
liteiro  alojamento  na  Ribeira  de  Xevora  ,  que  como  fi- 
cava  pouco  diítante  de  Ouguela  ,  foi  grande  o  receya 
do  Governador  daquella  Praça  i  cuidado  ,  de  que  ficou 
livre  ao  dia  feguinte  ,  veudo   que  a  marcha  feguia  a 
meíma  Ribeira  ,   e  que  ficava  alojado  no  íitio  de  nofsa 
Senhora  do  Carriaó  ,  menos  de  huma  legoa  diílante  de 
Albuquerque :  e  em  toda  a  marcha  foi  de  forte  a  quan- 
tidade da  caça  grofsa  ,  que  levantou  o  exercito  ,  que, 
naõ  le  podendo  conter  a  obediência  dos  Soldados  ,  fe- 
guindo  o  exemplo  dos  Generaes  ,  foraõ  taõ  repetidos 
os  tiros,  das  bocas   de  fogo  ,  que  todos  os  que  ignora- 
vaó  a  caufa  ,  por  fer  encoberta  a  marcha  pela  efpefsura 
do  mato  ,  pafsaraô  todo  o  dia  em  continua  vigilância. 
.Tomado  o  quartel ,  perfuadiraô  alguns  dos  Cabos  ao 
Marquez  de  Marialva  mandafse  aquella  noite  atacar  a 
Villa,  e  Arrabalde  de  Albuquerque,  fácil  de  ganhar, 
por  naò  ter  fortificação  ,  que  a  defendefse  ;  porém  o 
Marquez  naó  querendo  exporfe  aos  accidentes  da  guer- 
ra ,  na  o  quiz  dividir  o  poder ,  e  mandou  continuar  a 
marcha.  A  treze  aviítou  o  exercito  o  Caítello  de  Ma- 
yorga  ,  íituado  em  huma  afpera  eminência  i  mandou  c 
Marquez  ao  Tenente  de  Meítre  de  Campo  General  An- 
tónio Tavares  de  Pina  com  algumas  mangas  de  mol« 
queteiros  à  ganhar  o  Caítello.  Chegando  a.elle,  íe  ren? 
deo  hum  Ajudante  ,  que  eítava  dentro  com  dez  Solda- 
dos ;  e  o  Caítello  fazendo-fe-lhe  alguns  fornilhos  ,  fe 
lhes  derao  fogo ,  e  ficou  desbaratado ;  e  no  melmo  dia 
entrou  o  Sargento  mór  de  Batalha  Joaõ  da  Silva  de  Sou- 
fa  no  lugar  de  S.  Vicente  ,  que  ficava  pouco  diítante  , 
occupando-o  com  dous   mil  Infantes  ,  e  feiscentos  ca- 
vallos  ;  e  ao  dia  feguinte  chegou  o  exercito  áquelle  lu- 
gar ,  onde  achou  quantidade  de  mantimentos,  que  D« 
João  de  Auftriahavia  mandado  prevenir ,  para  fe intro- 
duzirem em  Arronches.  Adiantou-fe  Joaó  da  Silva  a  ga- 
nhar póftos   íbbre  Valença ,  e  o  General  da  Artilharia 
imndou  ao  Tenente  General  Manoel  da  Rocha  ,  eac 
Capitão  Manoel  Duarte  a  conduzirem  de  Caítello  & 
TT  Vidí 


Valença-,  naoieiuuuncu^tt^fr-«*r-;w^ --- 

o,  que  o  trabalho,  ^^t^^^^^f  con^ajw 
e  anoitecer  reconhecerão  a  Praça  o  Conde  de  ouiom-        * 
erc  ,  e  o  General  da  Artilharia  ,  para  determinarem  a 


VARTE  IL  Ul/KO  IX,        $u 

Vide  a  Valença  muniçoens  ,  duas  peças  de  vinte  "equa-' Anno 
tro.  etres  de  dez.  No  meímo  dia  chegou  o  exercito     „ 
a  Valença-,  nao  iem  dificuldade  pela  aípereza  do  terre-    u 
no  -  oue  o  trabalho  ,  e  a  induíhia  lacilitava ; 
de 

palie',  3onShàvià6  principiar-íe  ôs  aproxes  ,  e  fòrma- 
rem-feas  baterias.  Conítava  o  exercito  de  doze  mil  In- 
fantes ,  e  cinco  mil  cavallos  ■,  porque  a  mais  gente  fe 
tinha  dividido  pelas  guarniçoens  das  Praças  ,  que  fica- 
vaõ  expoílas  ás  diverfoens  dos  Caítelhanos, 

Valença  ,  que  tem  o  titulo  de  Alcântara  ,  para  íe 
diftinguir  de  outras  do  meímo  nome,  lie  huma  das  mais 
principaes  ,  e  ricas  Villas  da  Extremadura :  eítá  fintada 
em  pofto  eminente  ,  f  refco  ,  e  fadío  ,  fertilizado  o  ter- 
reno de  varias  ribeiras  ,  e  a  principal  toma  o  nome 
daVilla.  Diíla  três  legoas  de  Caílello  de  Vide  ,  outras 
três  de  Portalegre  ,  cinco  de  Alcântara  ,  celebre  lugar 
pela  ponte ,  que  fobre  o  Tejo  com  grande  magnificên- 
cia fundou  o  Imperador  Trajano.  Entre  Alcântara  ,  e 
Valença  corre  a  ribeira  de  Solor  ,  e  fe  extendem  os  fer- 
tiliíTimos  campos  da  Cidade  de  Broísas.  He  Valença  po- 
voação de  mil  vizinhos ,  fortificada  com  huma  muralha 
antiga  defendida  de  terrapleno  natural  ,  e  a  parte,  em 
que  lhe  faltava  ,  fe  cobria  corri  meyas  Luas  ,  e  outras 
obras  exteriores.  A  porta  chamada  de  S.  Francifco,  que 
no  íitio  efteve  fempre  aberta  ,  cobria  huma  meya  Lua, 
com  que  também  fe  defendia  hum  Convento  de  Reli- 
gioías  Francifcanas.  A  íltUaçaõ  do  Caítello  he  na  parte 
fuperior  da  Villa,  vizinha  a  huma  Serra,que  fica  nas  co- 
itas delia,  e  naô  fendo  grande  a  fitúaçaõ  ,  tem  boas  de- 
fenfas.  Governava  eíla  Praça  D.  Joaõ  de  Ayala  Mexia, 
Soldado  de  merecida  reputação.  Guarneciao-a  três  Ter- 
ços de  Infanteria  ,  e  quantidade  de  payzanos  da  Villa, 
e  Lugares  vizinhos ,  e  havia  nella  muniçoens.,  e  man- 
timentos para  largo fitio.  As  horas,  que  durou  o  dia  , 
gaitou  o  exercito  em  fe  aquartellar ,  e  logo  que  cerrou 
a  noite,  mandou  ò  General  da  Artilharia  fabricar  hu- 
ma plataforma,  que  acabada  antesJ  de  amanhecer  ,  co- 
meça- 


; 


2íí     PORTUGAL  RESTAURADO, 

A.I1110  meçarao  a  jogar  delia  dous  meyos  canhoens  contraí 
\6(±  raul:âliia  da  parte  do  Convento  de  S.  Francifco  ,\e  qua- 
004i  tropeças  de  doze,  que  combatiaõ  as  de fenías  delia, 
Na  meíma  noite  fe  deu  principio  a  hum  apcoxe ,  e  en- 
trou  de  guarda  a  elle  o  Meítre  de  Campo  Triítaõ  da  Cu- 
nha ,  ede  retém  Simaó  de  Vaíconcellos ,  e  ambosxom 
incefsante  calor  adiantarão  o  trabalho.  O  corpo  do  ex- 
ercito  fe  occupou  todas  as  horas  referidas  em  fe  forti- 
ficar para  a  parte  da  Campanha  ,•  e  como  as  ferras  erao 
muito  levantadas ,  bailou  hum  meyo  circulo/para  ficar 
defendido.  No  dia  íeguinte ,  que  fe  eontavaó  quinze  de 
junho  ,  jogáraó  inceísantemente  as  baterias  ,  e  como  fi- 
cavaõ  menos  de  tiro  de  piítola  ,  começou  a  íe  mani- 
feílar  a  minadas  muralhas  naquella  parte  ,  que  as  «ao 
fuíteatava  o  terrapleno  natural  ,•  defenfa,  que  reconhe- 
cida pelo  General  da  Artilharia  ,  mandou  mudar  as  ba- 
terias para  outro  lanço  de  muralha  oppoíto  ao  Caítel- 
lo  >•  obíervando-fe ,  que  em  hum  torreão  ,  que  defendia 
aquelle  diíKi&o  ,  por  cerrar  dous  outeiros  ,  em  que  a 
Villa  eílá  fundada  ,  naó  podia  fer  taõ  levantado  o  ter- 
rapleno natural ,  como  nas  mais  partes  fe  reconhecia. 
Deo-fe  principio  ao  fegundo  aproxe  ,  e  mudarão- 
fe  as  guardas  do  primeiro.  Entregou-fe  o  fegundo  ás 
Naçoens  extrangeiras,  e  entrarão  nelle  de  guarda  o  Co- 
ronéis Claran  ,  e  Xaveri  ,•  e  nos  dos  Portuguezes  o  Me- 
ítre de  Campo  Roque  da  Coita  Barreto,  e  Diogo  de 
Caldas  Barbofa  ,•  e  tiveraò  ordem  em  hum,e  outro  apro- 
xe para  arrimarem  ao  romper  da  manhãa  mantas  á  mu- 
ralha ,  e  cpníeguindo-fe  eíte  intento  ,  fe  introduzifsem 
mineiros ,  que  abrindo  fornilhos ,  e  atacando  as  minas, 
fofse  mais  breve  a  execução  daemprèza.Nao  correfpon- 
òqo  o  fuccefso  ao  intento  ,•  porque  a  afpereza  do  terre- 
no naò  deu  lugar  a  que  os  Soldados  fe  cobrifsem  de 
forte  ,  que  pudefsem  fupportar  a  multidão  de  cargas  de 
mofquetaria,  de  pedras,  de  traves,  e  de  artifícios  de 
fogo,  que  os  Caítelhanos  lançarão  fobre  elles  ,•  com  que 
forão  obrigados  a  fe  retirarem  ,  ficando  alguns  mortos, 
e  duas  mantas  arrimadas,  que  fe  não  puderão  retirar: 
e  determinando  os  Meítres  de  Campo  tomar  a  todo  o 

riícc 


IÓÓ4* 


PARTE  II.  LIVRO  IX;        m 

rifco  o  empenho  de  as  naõ  deixarem  junto  da  mura-  AnnO. 
lha ,  lhes  mandou  o  Marquez  de  Marialva  ordem  ,  para 
que  fe  recolhefsem  aos  aproxes  •>  porém  a  tempo  ,  que 
era  já  morto  Dofim  ,  Tenente  Coronel  do  Regimento 
Francez,  que  fe  havia  deixado  no  Çú  arfei, para  "Te  achar 
neíta  occahaó  como  particular  :  e  foi  geralmente  íen- 
tida  a  lua  falta ,  porque  era  Soldado  de  muito  valor; 
mas  ainda  acabara  mais  gloriolamente,íe  morrera  dian- 
te do  feu  Regimento  ,•  que  naó  pode  haver  na  guerra 
defordem  mais  prejudicial ,  nem  mais  digna  de  caftigo, 
que  fahirem  os  Officiaes  ,  e  Soldados  dos  feus  poítos  a 
pelejar  em  outro.  Ficou  também  mal  ferido  o  Sargen- 
to mór  de  Batalha  Balandrim  ,  e  morrerão  os  Capitães 
Luiz  Fernandes  da  Paz,  e  Giraldo  Pereira,  que  con- 
duzirão as  mantas  á  muralha.  Na  mefma  tarde  deite  dia, 
que  fecontavaõ  dezafete  de  Junho  ,  appareceraó  á  vi- 
fta  do  quartel  cinco  mil  cavallos  Caíielhanos,  governa- 
dos pelo  Tenente  General  da  Cavallaria  D,  Diogo  Cor- 
rêa,» porque,  havendo  chegado  a  Badajoz  Alexãdre  Far- 
nefio, irmão  do  Duque  de  Parma,  com  Patente  de  Gene- 
ral da  Cavallaria  ,*  e  duvidando  ceder-lhe  eítePoíto  D, 
Diogo  Cavalhero,  que  o  exercitava  com  patente  de  Me- 
ftre  de  Campo  General  ,  fe  accendeo  de  forte  a  conten- 
da entre  os  Italianos  ,  e  Hefpanhoes  ,  que  fe  perderão 
na  competência  muitas  vidas  de  ignorantes  ,  que  cu- 
Mando  a Deos  taõ  fubído  preço ,  morrerão  portão  pe- 
quena caufa  ,•  enganofos  laços ,  em  que  o  Inferno  co- 
íruma  colJier  a  imprudência  humana.  Por  não  paísar  a 
maiores  excefsos  efta  differença, mandou  D.João  de  Au- 
ftria  a  D.  Diogo  Corrêa  governando  a  Cavallaria ,  que 
com  infelice  prognoftico  ,  como  adiante  diremos  ,  co- 
meçou amandalla  a  dezafete  de  Junho.  Trazia  ordem 
para  animar  (vendo-o)  aos  íitiados  ,  cobrir  Alcântara* 
e  Bvoísas  ,  e  intentar  foccorrer  Valença  na  forma  >  que 
lhe  fofse  poílivel. 

A  naõ  e fpe rada  vifta  deíle  grande  corpo  de  Caval- 
laria caufou  no  exercito  tanta  confuí  ao,  e  embaraço  , 
que,  confundindo-fe  os  corpos  de  Cavallaria ,  e  Infan-, 


■ 


teria 


quando  intentarão  formar-fe  em  batalha  dentro 

do 


An  no 


jz4    PORTUGAL  RESTAURADO, 

do  quartel  ,  foi  necefsária  grande  diligencia  ,  para  fe 
tornarem  a  compor  ,  em  que  teve  grande  parte  o  Sar« 
gento  mor  de  BatalJia  Joaô  da  Silva  de  Soufa  ,  que  pa- 
ra fimilliantes  operaçoens  tinha  particular  defcreza.  Sa- 
íiio  do  quartel  o  Conde  de  Scliomberg  ,  Gil  Vaz  Lobo, 
o  Conde  de  S.  Joaô  ,  e  Aftonfo  Furtado  com  hum  cor< 
pa  de  Infanteria,  e  Cavallaria  a  reconhecer  òs  litios,  fe- 
gurar  as  entradas  das  ferras,  e  a  proporcionar  todas  as 
diípofiçoens,  para  que  não  houvefse  novidade  em  qual- 
quer accidente.  O  Marquez  de  Marialva  attendendo  á 
iegu  rança  do  quartel,  mandou  ordem  ao  General  da 
Artilharia,  que  aíliítia  nos  aproxes,  retirafse  das  baterias 
algumas  peças  para  guarnição  do  quartel.  O  General  da 
Artilharia  chegando-lhe  efta  ordem  ,  lhe  pareceo  pre- 
eifo  ,  antes  de  a  executar,  reprefentar  ao  Marquez  oí 
inconvenientes  ,  que  fe  podiaô  feguir.  Montando  a  ca- 
vallo  pafsou  ao  quartel ,  diiseao  Marquez,  que  os  Ca- 
ftelhanos  naô  traziaõ  Infanteria ,  e  que  fem  ella  julga- 
va impoííivel  foccorrerem  a  Praça  í  e  que  ao  tempo  quí 
fe  aviítafse,  o  que  fe  não  devia  fuppôr ,  confrontando 
fe  todas  as  noticias  antecedentes,  que  mais  deprefs* 
havia  de  occupar  a  artilharia  os  lugares  na  trincheira 
<melhe  eítavaõ  deltinados ,  que  os  inimigos  chegafsen 
ainveítillos;  e  que  os  fitiados  não  vendo  movimente 
algum  nas  baterias  ,  e  aproxes  ( dèmonílraçaõ  ,  que  ma 
nifeítava  a  nofsa  confiança )  perderião  o  alento  ,  qu< 
lhes  occafionara  a  vizinhança  do  foccorro.  Approvoi 
o  Marquez  eíle  difeurfo ,  e  qualificou-o  a  experiência 
porque  D.  Diogo  Corrêa  reconhecendo  a  diípofição  d< 
quartel  ,  fe  retirou  deixando  nos  fitiados  a  defeípera 
cão  de  ferem  foccorridos,  e  defvanecida  a  alegria,  coe 
que  celebrarão  a  viíta  dos  feus  batalhoens,publicando- 
com  repetidas  cargas  ,  e  guarnecendo  as  muralhas  d 
bandeiras  ,  que  abaterão  ,  vendo  a  retirada  de  D.  Lho 
<ro  Corrêa  J  e  ao  mefmo  tempo  mandou  o  General  d 
Artilharia  arvorar  no  lado  direito  da  bateria  ,  em  qu 
eftava  ,  o  eftandarte  ,  que  coítumava  levar  no  exercit< 
com  as  Armas  Reaes,  e outro  com  as  fuás  Armas,* 
ao  pé  delias1  huma  peça  de  artilharia ,  entre  as  quae 
« 


PARTE  II.  LIVRO  /X,         m 

fe  viaõ  humas  letras  de  ouro  ,  que  diziaó :  Slne  qua  non*  Anil  O 
As  outras  baterias,que  fe  haviao  engrofsado  com  a  arti*-     ,( 
lharia,  que- chegou  de  Caílello  de  Vide  ,  e  os  apro-  ^    'v 
xes  ie  guarnecerão  de  bandeiras,  e  foraõ  as  cargas  taõ 
repetidas  ,  e  taõ  furiofas  ,  que  cahio  ao  impulío  delias 
hum  torreão,  e  hum  grande  lanço  de  muralha ,  e  inceí- 
iantemente  occupavaõ  o  ar  as  bombas ,  e  padecia  a 
Praça  os  eítragos  delias  ;  porém  naõ  bailarão  tantas 
tormentas  militares  para  deíanimar  aos  íitiados  ;  por- 
que com  grande  valor  repararão   as  ruínas  ,  e  embara- 
'cavaõ  o  lavor  dos  aproxes.  Naõ  fe  haviao  elles  adian- 
tado muito  a  refpeito  daaipereza  do  terreno,  donde 
também  os  muitos  ,  e  grandes  penedos  embaraça vaõ  as 
ibrtidas.  Segunda  vez  appareceo  a  Cavallaria  inimiga, 
ecom  poucas  horas  de  preíiftencia  tornou  a  retira  r-ie, 
deixando  aos  fitiados  na  ultima  defeíperaçao  de  lerem 
íbccorridos ;  mas  naõ  lhe  introduzio  tanto receyo  ,  que 
deixafsem  de.  prefiftir  na  defenfa  da  Praça  com  grande 
valor  j  e  continuando  as  baterias  ,  fe  acharão  entre  as 
balas  de  mofquete,que  difparavao,  algumas  de  eftanho. 
Mandou  o  General  da  Artilharia  dar  parte  ao  Marquez 
de  Marialva, que  lhe  ordenou  mandafse  advertir  ao  Go- 
vernador naõ  continuafse  aquelle  excefso  ,  por  naõ  ca* 
hir  na  ultima  ira  dos  Soldados ,  quando  entra  isem  na 
Praça.Tocou  ao  Tenente  General  da  Artilharia  Manoel 
da  Rocha  Pereira  a  chamada ,  para  íe  fazer  eíla  adver-  @ 
tencia.  Ceisarão  as  armas',  eo  tempo,  que  a  propoíla 
foi  ao  Governador  ,  gaitou  Manoel  da  Rocha  em  per- 
fuadir  aos  Officiaes  ,  que  lhe  f aliarão  ,  o  rifco  a  que  fe* 
expunhão  ,  continuando  a  fua  contumácia ,  efperando 
que  a  brecha  fofse  entrada  por  aísalto  não  ió  nos  Sol- 
dados Portuguezes,  mas  nos  extrangeiros,  menos  empe- 
nhados na  commiferação.  Foi  muito  efHcaz   eíla  di- 
ligencia ;  porque  falia ndo  com  o  Governador,  pedirão 
conferente  ,  e  propoíiçoens  por  efcrito.  Voltou  Manoel 
da  Rocha  para  o  aproxe  ,  emandando-o  o  General  da 
Artilharia  ao  Marquez  com  a  noticia  deíla  novidade, 
refultou  eleger  o  Marquez  o  Sargento  mór  de  Batalha 
Diogo  Gomes  de  Figueiredo  para  ir  á  Praça  a  conferir 

P  as 


US    P0R7UGAL  RESTAURADO , 

as  capitulaçoens  ,•  porém  fendo  huma  delias  querer  c 
Governador  efperar  quatro  dias  pelo  foccorro  do  fei 
*  exercito  ,  nao  quiz  o- Marquez  admittilla',  por  lhe  ha- 
ver  chegado  noticia  de  que  novas  levas  engrofsavaê 
o  exercito  de  Caílella.  Retirou-fe  Diogo  Gomes  retor- 
narão a  jogar  taõ  furiofamente  as  baterias  ,  que  veyoi 
terra  huma  grande  parte  da  muralha,  que  era  batida: 
e  reconhecendo-íe  efla  ruina ,  mandou  o  Marquez  per- 
guntar ao  General  da  Artilharia  fe  eftava  a  brecha  ca- 
paz de  fe  poder  dar  o  aísalto.  Refpondeo-lhe  ,  que  aí 
defenfas  eífcavaò  tiradas,ea  muralha  abatida  tudo  quan- 
to podia  difpeníar  o  terrapleno  natural,  que  era  o  que 
corria  por  conta  da  fua  obrigação  ,•  e  que  reconhecera 
capacidade  da  brecha  tocava  ao  Meílre  de  Campo  Ge- 
neral aííiílrido  dos  Ingenheiros,  O  Marquez  mandou 
promptamente  fazer  eítâ  diligencia  ,  e  julgou  o  Meítre 
de  Campo  General  ,  e  os  Ingenheiros  que  ,  fuppoíto 
que  a  brecha  eítava  alta  pelo  terrapleno  natural ,  e  pe- 
los penedos  da  ruina  ,  e  o  terreno  era  taõ  embaraçado  ,  q 
fe  não  podia  formar  nelle  Infanteria  ,  como  eítas  difi- 
culdades ferião  também  de  defenfa  aos  que  fubião 
pela  brecha*  poderia  dar-fe  o  aísalto.  Approvou  o  Mar- 
quez efta  opinião  ,  e  deu  ordem  que  o  aísalto  fe  déf- 
fe  na  noite  feguinfe  ,  contra  o  parecer  de  outros  Ca- 
bos-, em  que  entrou  o  General  da  Artilharia  ,  que  em 
m  todo  o4:empo  ,  que  fervio  na  guerra  ,  encontrou  as  em- 
prezas ,  que  íe  intentarão  de  noite  ,  podendo  execu* 
tar-fe  de  dia;  entendendo,  que  nem  o  valor  fe  alenta 
na  confiança  do  feu  merecimento  ,  nem  o  medo  fere-, 
ílringe  no  temor  da  íua  infâmia  ,  nem  as  ordens  fe  ob- 
íervaoV  nem  fe  confervaõ  as  formas  y  os  amigos ,  e  ini- 
migos igualmente  fe  ignorão,  e  igualmente  faó  con- 
trários j  o  clamor  perturba  ,  o  rumor  embaraça  ;  final- 
mente a  gloria  ,  e  o  inferno  do  exercito  militar  con- 
ítrue-fedo  dia  ,  e  da  noite ;  porque  a  luz  do  Sol  dá  os 
prémios  iguaes  aos  merecimentos  ,  e  a  íbmbra  da  noi" 
te  os  caíligos  femdiítincçaó  dos  erros  dos  culpados» 
Rei  "luto  o  aísalto  ,  entrarão  de  guarda  aosaproxesos 
Meítres  de  Campo  Manoel  Pacheco  de  Mello  da  Pro- 
vinda 


PARTE  II.  LIVKO  TÃ. 

Trás  os  Montes  ,  ( 
íaPravincia  da  Beira,  e  no 


w 


nncia  de  Trás  os  Montes  ,  e  Balthalar  Lopes  Tavares  AnnO 
la  Provinda  da  Beira  ,  e  no  dos- Estrangeiros  o  Regi- 
aiento  Inglez  do  Gonde  de.Schomberg,  e  o  do  Coronel  ^^ 


Pizon  5  e  todos  tiverao  ordem ,  que  ao  tempo  ,  que  lê 
diíparafsem  leis  peças  de  artilharia  juntas  ,  inveíhisem 
á  brecha  >  e  para  o  meímo  tempo  íe  diípoz  numa  ai* 
veríaô  pelo  pofto  de  S.  Francifco  ,  e  duzentos  trance- 
zes  fe  oíFereceraõ  para  intentar  com  efcadas  entrar  na 
Villa  pela  parte ,■  em  que  achaísem  menos  defenía.  Na 
frente  de  cada  hum  dos  Terços  marcharão  vinte  e  cin- 
co Soldados  com  granadas  *  feguião-fe  rodeleiros  ^ar- 
cabuzeiros ,  e  o  refto  da  Infanteria  havia  de  íegurar.  os 
-póftos  ,  que  íè  ganhafsem.  Repetidas  as  ordens  ,  foi  a 
execução  delias  com  menos  filencio  ,  do  que  pedia  a 
vizinhança  dos  inimigos  j  porque,  avizando-os  o  rumor 
mais  que  ordinário  ,  os  obrigou  a  fe  difporem  para  a 
defenla  da  Praça.  Guarnecerão  promptamente  as  mura- 
lhas ,  pendurarão  nellas  quantidade  de  candieiros  ,  que 
as  allumiavão,  e  lançarão  tantos  artifícios  de  fogo,  que, 
ateando-fe  nas  faxinas  dos  aproxes  ,  occafionarao  hum 
grande  incêndio.  Acodirão  todos  os  Cabos  ,  e  Ofnciaes 
maiores  ,  que  eítavaõ  nos  aproxes  ,  a  extinguir  o  ro- 
go ;  e  durando  eíta  diligencia  largo  efpíiço  ,  mandou 
ordem  o  Marquez  de  Marialva  ,  que  havia  ficado  no 
quartel  com  o  exercito  em  batalha  ,  para  acodir  a  qual- 
quer accidente  ,  que  fuccedefse  ,  ao  Sargento  mor  de 
Batalha  António  Soares  da  Coíta,que  governava  a  gen- 
te ,  que  havia  de  atacar  pela  parte  de  S.  Franciíco  ,  e 
aos  Francezes ,  que  levavão  as  efcadas  ,  que  fuípendel- 
fem  as  diveríoens  pelo  embaraço  do  aísalto  da  bre- 
cha,  refpeitando-fe  o  incêndio.  Defpedida  eíta  ordem, 
aplacou  o  fogo  ,  e  deu  lugar  a  que  Te  intentafse  o  at- 
íalto  %  ecomo  eira  refolução  dependia  do  Conde  de 
Schomberg  ,  que  eítava  com  os  mais  Gabos  no  apro- 
xe  >  e  a  ordem  dafufpenfaõ  das  diverfoens  foi  do  Mar- 
quez de  Marialva  ,  refultou  deita  confuíaófufpende- 
rem  os  Cabos  das  diverfoens  a  fua  operação  ,  e  ficar 
livre  toda  a  guarnição  da  Praça  para  refiítir  por  hu- 
ma  fó  parte  ao  impulfo  do  afsalto  ,  que  teve  principio 
-.        .  Pi  ao 


Hl11 

PÉ 


*i*     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Alino  ao  final  das  féis  peças  de  artilharia  juntas,  que  íe  ti- 
l66ã  íía  PreVenido  parafe  avançar  a brecha.  Marcharão  os 
■•<     ^  Terços  Portuguezes  ,  e  Inglezes  ,  e  inveíHrão  a  brecha 
com  tão  valoroía  emulação,  que  vencendo  a  eítreiteza, 
e  difficuldade  do  terreno  ,  a  fúria  das  cargas  ,  a  voraci- 
dade-dos  artifícios  de  fogo  ,  montarão  a  brecha  ,  eos 
Inglezes  arvorarão  nella  as  fuás  bandeiras  :  porém  co- 
mo os  fitiados  fe  oceuparão  fó  em  defender  pequena 
porção  de  terreno  ,  por  eílarem  defembaraça dos  de  o  Li- 
tros perigos,  rebaterão  tão  furiofamente  osexpugna- 
dores,que  degolando  alguns  Inglezes,que  faltarão  den- 
tro da  Praça ,  precipitarão  os  que  havião  oceupado  a 
brecha,  e  ganharão  duas  bandeiras  Iuglezas  ;  e  não  dan- 
do lugar  a  afpereza  ,  e  pouca  capacidade  do  fitio  a  m 
ronovar  o  afsalto  ,  íe  retirarão  os  Terços.  Ficarão  mor- 
tos trezentos  Infantes  Inglezes,  e  fetenta  Portuguezes-, 
entre  elles  os  Capitães  Francifco  Pereira  ,  do  Terço  de 
Manoel  Pacheco  de  Mello  ,  e  o  Capitão  Manoel  de 
Mello  ,  do  Terço  deBalthafar  Lopes  Tavares. 

Retirados  os  Terços  ;  foi  o  remédio  do  damno  pa- 
decido continuarem  promptamente  com  maior  calor  os 
aproxes  ,  e  com  maior  fúria  as  baterias  ,  e  fabricou  na- 
quella  noite  o  General  da  Artilharia  outra  ,  que  come- 
çou a  jogar  ,  quando  amanheceo,  etao  pouco  diítan- 
te  da  muralha  ,  que  receberão  os  fitiados  coriíideravel 
damno  na  brecha  reparada  com  a  débil  deferi  ia  de  col- 
choens  ,  e  arcas  J  e  vendo  os  Caítelhanos  ,  que  o  bom 
fuccefso  da  defenfa  da  brecha  lhe  era  muito  prejudicial, 
por  haver  acerefeentado  o  empenho  do  exercito  ,  e  o 
perigo  evidente  das  vidas  de  todos ,  pois  havião  coope- 
rado na  morte  dos  muitos  Soldados  valorofos  ,  que 
tinha  õ  acabado  no  afsalto;  e  acerefeentando-fea  eíte  re- 
ceyo  o  eílrago  ,  que  fez  huma  bomba  ,  que  cahio  en- 
tre a  pólvora,  que  eítava  no  Caítello  ,  e  occafionou 
muitas  mortes,  e  grande  ruina  ,  tratarão  de  entregar  a 
Praça  ,  ouvindo  as  propofiçoens  do  Commifsario  geral 
A  ntonio  Coelho  de  Góes  ,  feitas  em  duas  horas,  que  fe 
deraô  de  fiiípeníao  de  armas,  para  fe  enterraremos 
-mortos  5  e.  depois  de  ventiladas  varias  propofiçoens  , 

conce- 


PARTE  II.  LIVRO  IX.         119 

cõcedeo  o  Marquez  de  Marialva  ao  Governador  os  qua-  Ali  10 
tro  dias  de  dilação,  que  antes  do  aísalto  lhe  havia  ne-    66 
gado  ,•  parecendo-lhe  meno,  arriicado  eíle  empenho  na    uu^ 
tfperança,  que  o  exercito  deCaílella  não  eíhya  com 
numero  baftante  para  íbccorrer  a  Praça ,e^exporíe  a  tal- 
ta  de  mantimentos,  que  pela  diminuição  das  carrua- 
gens fe  começava  a  padecer:  e  tomada  eila  reíoluçao, 
concedeo  ao  Governador,  que  pudeíse  mandar  hum  Or- 
ficial  a  dar  conta  a  D.João  de  Au  ít  ria  do  perigo»  em 
que  íe  achava,  que  no  termo  de  quatro  dias  entrega- 
ria a  Praça  ,  não  lendo  foccorrido  ,-  e  que  no  calo ,  que 
nefte  prazo  chegaíse  D.João  de  Auítria  com  o  exerci- 
to ,  e  conieguiíse  introduzir  na  Praça  íbccorro  Real  , 
fe  havia  por  deíbbrigado  o  Governador  da  entrega  del- 
ia ,'  ficando  porém  íu jeito  a  capitulação,  ainda  queluc- 
cedefse  introduzirem-íe  furtivamente  na  Praça  quatro- 
centos ,  ou   quinhentos  homens :  e  que  no  caio  ,  que 
dia  de  S.  João  ieguinte ,  em  que  íe  acabavão  os  quatro 
dias  ,  a  Praça  nao  eftivefse  foccorrida  com  rompimen- 
to do  nofso  exercito  ,   ás  íete  horas  da  manhãa  íe  en- 
tregariaõ  as  portas  ,  e  Caítello  da  Praça  ,  onde  le  acei- 
taria fó  a  guarnição  Portugueza  ;  e  fe  concedia  ao  Go- 
vernador huma  peça  de  Artilharia  do  calibre ,  que  eí- 
colhefse:  que  os  Religiofos,  e  Religio ias  ficaria  a  feu 
arbitrio  fahirem  pa  Praça ,  ou  ficarem  nos  Conventos: 
que  aos  Soldados ,  e  paizanos  fe  farião  as  mais  commo- 
didades  coítumadas.  Firmadas  as  capitulações  pelo  Mar- 
quez de  Marialva  ,  e  o  Governador ,  fe  fui  penderão  as 
armas,  e  fe  applicou  todo  o  cuidado  á  fegu  rança  do 
quartel ,  para,  fe  impedir  o  foccorro  ,  por  haver  noti- 
cia que  D.  Joaõ  de  Auftria  remettera  a  D.  Diogo  Cor- 
rêa três  mil  Infantes  ,  que  havendo-os  unidos  a  cinco 
mil  cavacos  ,  eítava  alojado  na  ribeira  de  Solor  em  fi- 
tio  forte  cobrindo  Alcântara  ,  e  os  campos  de  Brofsas, 
e  folicitando  com  grande  diligencia  caminho  proporcio- 
nado ao  intento  de  foccorrer  a  Praça. 

O  Conde  de  Schomberg  mandou  guarnecer  todos  os 
poftos  vizinhos  amuralha  ,  e  fez  frente  á  Campanha 
com  a  primeira  linha  da  vanguarda,  e  entre  ella  ,  e  a 

P  3  fegun- 


*jo  PQRTUGJLRESTAURADO, 

AliaO  fegundà  linha  fe  levantou  huma  trincheira  :  cerrarao- 

1.664.  ^e  °S  doiJS  ,cmarteis  de  s*  Francifco  ,  edos  Extrangei- 
t"'  ros:  pafsou-íe  a  artilharia  das  baterias  para  os  quartéis, 
eriçou  largo  tempo  á  Cavallaria  para  pelejar  lem  con- 
fuíaõ  5  e  na  confiança  deitas  diípoíiçoens  dava  pouco 
cuidado  ao  Marquez  de  Marialva  a  refolução  dos  Ca» 
itelhanos  foccorrerem  a  Praça.  Durando  o  termo  dos 
quatro  dias  ,  vierãõ  os  moradores  do  lugar  de  S.  Vicen- 
te ,  os  de  Santiago  ,  Carvajo ,  e  outros  dar  obediência 
a  EIRey  na  forma  íeguinte : 

\Nno  do  Nafcimento  de  No (fo  Senhor  JESUChri* 
de  mil  efef centos  fejfenta  e  quatro  annos  ,  aos  'vin- 
te e  quatro  duis  do  mez  de  Junho  do  dito  anno  em  efia 
,    Campanha  de  Valença  na  Tenda  do  Senhor  Marquez  de 
Marialva  ,  Capitão  General  dcjle  exercito  ,  e  Provinda 
de  Alentejo  ,  fendo  alli  prefente  L>iogo  Gomes  de  Viguei* 
redo  ,  Sargento  mor  de  Batalha ,  perante  elle  parecer  do 
o  Clero  ,  e  Regedores  do  lugar  de  Saõ  Vicente ,  Termo  de 
Valença ,  epor  ellesfoi  dito,  que  elles  em  nome  do  Cle- 
ro do  dito  lugar ,  e  os  Regedores  em  nome  do  Povo  vi~ 
nhdo  a  EIRey  NoJJò  Senhor  Dom   Ajfonfo  ,  que  Beos 
guarde  ,  e  fe  confejfavdo  por  feusleaes  vajfallos  ,  efeof- 
ferecido  voluntária  ,  e  fielmente  a  feu  ferviço  \  e  outro-' 
fim  promettiào   de  ndo  tomar  armas ,  nem  irem  em  al- 
guma matéria  contra  feu  Real  ferviço  ,  antes  ampara» 
rido  do  modo  ,  que  lhes  for  pojfivel  t  quaefquer  parti* 
das,  que  chegarem  dquelle  lugar  y  e  fe  obrigavdo  a  aco- 
ãir  com  mantimentos  ajjim  ao  exercito  y  como  á  guarni- 
çio~  da  Praça  de  Valença  \  e  nio  dardo  nenhum   avizo , 
que  pojja  prejudicar  ás  nojfas  armas ,  antes  no  lo  dardo 
a  nós  ,  como  vafjallos  de  Sua  Magefiade ,  e  o  dito  Se- 
nhor Marquez   de  Marialva  ,  [General  de  fie  exercito , 
como  a  taes  lhes  ajjegura  fuás  fazendas  r  moveis  ,  epef- 
foas  ,'  para  o  que  lhes  mandou  pajfar  falvo-ccnduão  ,  de 
que  Je  fez  efie  Auto ,  que  todos  affignario  aqui  com  o 
dito  Sargento  mor  de  Batalha  ,  e  eu  Francifco  Lopes  Ef 
trivdo  da  Auditoria ,  que  ú  e fere  vi, 

Diogo  Gomes  de  Figueiredo*  Manoel  Garcia  de  Moura, 

Inmcifco 


PARTE  11.  LIVRO  IX.        231 

Francifco Gonfalves  Marques.  L>.  Pedro  Marques -Cof-  AntlO 

corro.  Alonfo  Sanches  Rebello.  JQiogo  Marces  Rukon.  ^ 
Diogo  Gonfalves  Marques. 

O  Marquez  de  Marialva  lhes  pafsou  o  falvo-condu- 
&o  feguinte; 

POr  quanto  os  moradores  do  lugar  de  Saõ  tfcentewe- 
rdo   dar  obediência   a  Sua  Mageftade .,   que   Deos 
guarde ,  fe  lhes  concede  em    mme  do  dito  Senhor  ,  que 
poífaõ    lograr   fuás  fazendas  ,     e   bens  livremente , 
trazendo  feus  gados  na  Campanha,  f em  que  as  partidas 
de  fie  exercito  lhes  façaõ  damno  algum  ,•  para  ctt)o  ejfei- 
to  recorrerão  ao  Governador  da  Praça  de  Valença  ,  que 
lhes  dará  Jalvos-conduãos  para  poderem  paftar  feus  ga- 
dos (eguramente  ,•  advertindo  ,  que  em  tudo  o  queje  Ihes^ 
encommendar  do Jerviço  de  Sua  Mageftade,  fe  haverão 
£om  grande  zelo ,  náo  tomando  armas  contra  nos  ,  am- 
parando todas  as  partidas  ,  que  por  aquelle  lugar  pafja- 
rem  ,  trazendo  todos  os  mantimentos  necejjarios  a  vender 
a  efte  exercito ,  c  Praça  deVdença  ,  com  coniminaçaõ  de 
que ,  procedendo  pelo  contrario  em  alguma  manara  ,  fe 
nfará  com  elles  do  ultimo  rigor.   Dada  na  Campanha  Jo- 
bre  Valença  a  vinte  e  quatro  de  Junho  de  mil  jeif centos 
fejfenta  e  'quatro.    . 

Pafsou-fe  o  termo  dos  quatro  dias  ,  e  não  fizerão 
os  Caílelhanos  mais  movimento,  que  apparecerem  com 
a  Cavallaria  ao  longe  á  viita  do  quartel.  O  ultimo  dia 
do  prazo  dos  quatro  assentados  na  capitulação   íuece- 
deo  cahir  á  terça  feira  ,  que  fe  havia  aportado  a  traní- 
fomar-fe  felice  em  beneficio  do  Marquez  de  Marial- 
va ,  cahindo  em  dia  de  S.  João  Baptiíla  ,em  que  íè 
contava  hum  anno  ,  que  havíamos  entrado  em  Évora: 
ás  quatro  horas  da  tarde  entregarão  os  Cafte1J?anos  a 
porta  de  S.  Francifco  ,  e  entrou  nella  de  guarda  o  Ter- 
ço de  Cafcaes  ,  de  que  era  Meftre  de  Campo  Joíeph 
deSoufa  Sid ;  e  na  brecha  entrou  de  guarda  MâTto«&l_ 
deSoufã  deCaítro  ,  Meíbrede  Campo  do  Terço  do  Al- 

P  4  gaive, 


Ànno 
1664, 


252    POUTVGAL  RESTAURADO, 

garve  ,  e  hum  troço  de Cavallària  rodeou  amuralha. 
Entrou -o  General  -'da  Artilharia 'a  tomar  poise  da  Pra- 
ça, artilharia,  armas  ,  muniçoens  ,  e  mantimentos  ,'e 
a  tirar  a  guarnição  Gaitei  ha  na.  Era  hum  dos  Meítres  de 
Campo  D.  João  de  la  Carrera  ,  que  também  havia  íído 
hum  dos  rendidos  em  Évora  dia  de  Si  João  anteceden- 
te j  e  íuccedendo  encontrar-fe  logo  á  entrarda  da  porta 
com  o  General  da  artilharia  ,  .lhe  diise-  com  a  coítuma- 
da  agudeza  da  Nação  Caítélhana  ,  que  lhe  pedia  ,  por 
iè  livrar  de  cuidados,  lhe  apontaíse  a  parte ,  para  onde 
havia  de  mudar  o  feu  fato  o  S.  João  feguinte  ,  viíto  ha- 
vello  duas  vezes  defacommodado.  Erão  os  outros  dous 
Meílres  de  Campo  D.  Pedro  da  Fonfeca  ,  que  também 
fe  havia  achado  em  Évora  ,  e  D.  Franciíco  Rucio.  Ob- 
iervaraô-íe  as  capitulaçoens  com  muita  pontualidade, 
e  conílava  a  guarnição  de  oitocentos  Infantes  ,  quaren- 
ta cavallos  ,  e  grande  numero  de  paizanos,  Entrou  na 
Praça  o  Marquez  de  Marialva  comos  mais  Cabos  a  lo- 
grar'  o  fruto  do  trabalho  padecido ,  íignalando-fe  com 
muita  particularidade  o  Conde  de  S,  João  ,  e  AíFoníò 
Furtado  J  porque  em  quanto  durarão  os  ajsroxes  ,  e  ba- 
terias ,  naó  iahirão  dos  lugares  mais  perigoíbs  ,  traba- 
lhando com  as  pefsoas ,  e  com  o  exemplo. 

O  Marquez  logo  que  entrou  na  Praça  ,  mandou  a 
nova  a  EIRey  por  Simão  de  Vafconcellos  ,  e  foi  applau- 
dida  cam  as  demonítraçoens  de  contentamento  ,  de  que 
era  digna  *,  e  o  Conde  de  Caítello-Melhor  foi  da  parte 
d< EIRey  dar  o  parabém  á  Marqueza  de  Marialva  ,-  íin- 
gularidade  merecida  das  virtudes  do  Marquez  continua- 
mente occupado  em  fervorofo  zelo  da  gloria ,  e  defen* 
fa  da  fua  Pátria. 

Ao  dia  feguinte  depois  da  entrega  de  Valença ,  de- 
lenharão  os  Ingenheiros  a  fortificação  ,  que  pareceo 
precifa  para  a  melhor  defenfa  daquella  Praça,  fabrican- 
do-fe  no  Callello  huma  Cidadela  ,  e  accõmodando-fe 
a  muralha  antiga  com  travezes ,  fofsos  ,  eftrada  cober- 
ta ,•  e  fez  o  Marquez  eleição  do  Meftre  de  Campo  D 
Manoel  Henriques  de  Almeida  ,  que  governava  Caítel- 
lodçVide,  para  o  governo  daquella  Praça.  Deixo  u- 

Ihe 


PARTE  11.  LIVRO  IX.        233 

lhe  de  guarnição   três  Terços  de  Infanteria  ,  o  de  João  Anno 
Furtado  de  Mendoça  ,  Joíeph  de  Sou  a  Sid  ,  ^Mm^ód. 
Tolon,  quatro  Companhias  de  cavacos ,  municoens,  "°4- 
e  mantimentos  ;  e  reedificadas  as  rumas  da  muralha ,  fe 
re^?ou  o  exercito  ;  e  dentro  de  breves  d.as  vierao  para 
Valença  de  Lisboa  dez  peças  de  artilharia  ,  quantida- 
de desmuniçoens,  e  ferramentas  ,  e  mandou  EIRey, 
mie  D  Manoel  Henriques  voltalse  para  o  governo  de 
SLlio  de   Vide  ,  e  cntregaíse  Valença  ao  Sargento 

mt  deBat.lha  Diogo  Gomes  W^^tóJ: 
ítio  nella  poucos  dias  ,  e  fe  fez  eleição  de  João  Macha- 
do Fagundes,  que  governava  o  ^F"fi£*£»£ 
naõderaó  lugar  a  que  durafse  o  cuidado  deita  Fraca  , 
porque  logo  que  o  nofto  exercito  íe  retirou  ,  mandou 
D.  joao  dt  Auítria  o  exercito  para  esieus  quartéis  ,  nao 
havendo   em  toda  aquella  Campanha  atacado  nem  a 
mais  leve  efcaramuça?  A  vinte  e  oito  de  Junho,  nos  pu- 
semos em  marcha  \  o  dia  tíM  ^-idirao  noJ- 
tio  da  Alagôa  o  Conde  de  S.  Jcao  ^{^WjfJ^ 
com  a  íua  gente  ,  o  primeiro  para  a  Av.s  ,  o  fegundo £a- 
raNifa  ;  e  brevemente  tiveraõ  ambos  ordem  d<hlKey  ^.^  - 
cara  voltarem  para  as  fuás  Províncias.  O  Marquez  com  MaT^  à* 
TXdo  exercito  pafsou  a  Fronteira,  edeu  ordempa- *-*«** 

^  qHaviaqnaífctempo  ctefddo  com i  excefso  a  def- 
confiança  entre  o  Marquez  ,  e  o  Conde  de ^omberg, 
fendo  a  principal  cauíaa  defcuberta  oppofiça  odoMe- 
ítre  de  Campo  General  Gil  VazLobo  ao  Conde  de  Scho- 
W,  e  o  grande  empenho  do  Marquez  em  moítrar  a 
boaSeleiçaõ  ,  que  fizera  de  Gil  Vaz  para  o  Pofto  ae  Me- 
ftre  de  Campo  General  ,  que  achava  parciaes  dos  léus 
interefses  ao  General  da  Cavallana  ,  aos  Sargentos  mo- 
res de  Batalha  ,  c  a  outros  Cfficiaes  do  exercito.  O  Ge- 
neral da  Artilharia  era  totalmente  oppofro -a  iimilhan- 
tesdeíunioens,  defejando  que  todos  igualmente  con- 
correrem para  a  gloria  da  NaçaÕ  ,  e  defenia  do  Rey- 
no.  EíHmava  por  eíte  refpeito  ,   como  era  Jjrtto,    as 
grandes  partes  do  Conde  deSchomberg,  conhecendo, 
que  na  fua  doutrina  militar  confiília  a  melhor  direcção 


%U   POnTVGAL  KES74V1MD0, 

AntlO-dp  governo  do  exercito.  Poreíte  refneito ,  e porque õ 
\66a.  Conde  de  Schomberg  era  dependente  do  Conde  de  Sou- 
*   re,  que  havia  fido  caufa  delie  pafsar  de  França  a  Por- 
tugal ,  fuílentava  com  grande  firmeza  a  ília  amizade,de 
que  lhe  refultava  íer  o  Marquez  menos  agradável  a  fua 
correspondência,  do  que  lhe  merecia  o  leu  procedimen- 
to ;  e  entendendo  o  Marquez  que  convinha  ,  para  fazer 
mais  poderoio  o  partido  de  Gil  Vaz,  tirar  ao  General 

pA"1  UIÍarí?  d°  quartel  da  PraSa  de  EIvas  »  onde  havia 
aliutido  deíde  o  primeiro  anno  ,  que  começou  a  fervir, 

e  grangeado  iníeparavel  fequito  dos  Oífíciaes  daquella 
guarnição  ,  e  de  outros  muitos  do  exercito ,  por  lha 
deverem  as  luas  melhoras ,  lhe  mandou  ordem  ,  que  de 
Fronteira  marchafse  com  o  Trem  a  alojar  em  Évora. 
Quando  chegou  eíta  ordem  a  D.  Luiz  de  Menezes ,  pa- 
decia fegunda  ceíaó  ,  havendo  o  Marquez  fido  teftimu- 
nhao  dia  antecedente  da  primeira;  e  nao  reparando  ne- 
ita  grande  diíficuldade  ,  nem  tendo  lembrança  de  que, 
havendo  no  principio  da  Campanha  começado  as  dif- 
ieníoens  refendas.e  conhecendo  o  General,  que  o  Mar- 
quez deíconfiava  da  íua  amizade  ,  lhe  havia  dito  o  dia, 
.  que  chegarão  lobre  a  Praça  de  Valença  ,  queeítavaem 
tempo   de  obfervar  quem  era  o  que  mais  fe  appl içava 
a  detenta  do  Reino  ,  e  augmento  da  fua  gloria  ;  e  aca- 
bado o  fitio ,  confefsara  o  Marquez  devia  ao  voto  de  D. 
Luiz  trazello  a  Valença  ,  e  á  grande  parte  do  feu  traba- 
lho ganhar  aquella  Praça.  Foi  grande  o  fentimento , 
que  o  General  da  Artilharia  teve  quando  recebeo  eíta 
ordem ;  a  que  refpondeo  promptamente  ,  que  elle  fe 
achava  com  a  enfermidade  ,  que  ao  Marquez  era  pre- 
fente,  e  que  íendo-lhe  precito  tratar  dos  remédios  da 
lua  íaude  ,  lhe  nao  era  poííivel  poder  pafsar  a  Évora, 
onde  nao  tinha  cafa,  nem  comodidade  alguma ;  que 
quando  melhorafse  do  achaque,  que  padecia,  trataria  de 
obedecer  ao  que  fe  lhe  ordenava.  Voltou  fem  dilação 
iegunda  ordem  do  Marquez,que  fem  embargo  da  repli- 
ca do  General  paísaíse  a  Évora.  Refpondeo-lhe ,  que 
como  General  da  Artilharia  naó  duvidava  de  obedecer, 
como  era  obrigado  aporem  que,  defiílindo  deite  pofto  , 

como 


PJRTE II.  LIVKO  IX.        2  5  y 

como  logo  defiftia  ,  ficava  livre  para  tratar  da  fua  fau-  Anno 
de,onde  melhor  lhe  pareceíse.  O  Marquez  que  nao  fup-     ,. 
punha  ,  que  o  General  tomaíse  eíta  deliberação ,  deter-       u*« 
minou  atalhalla  ,  vindo  buícallo  á  Igreja  de  Fronteira, 
onde  alojava  ,  atempo  queeftava  para  entrar  em  hu~ 
ma  carroça ,  que  trazia  na  Campanha ,  para  partir  pa- 
ra Elvas :  porém  eílando  a  queixa  taõ  viva  ,  naõ  admit- 
tio  acomodamento,  e  partio  D.  Luiz  de  Menezes  para 
Elvas  deíbbrigado  do  poíto  de  General  da  Artilharia  ,  e 
o  Marquez  para  Eítremoz. Ambos  defpacharaõ  de  Fron- 
teira Correyos  a  EIRey ,  que  chegarão  a  hum  tempo  á 
Lisboa;  e  mandando  EIRey,  que  no Confelho  de Eíla- 
tio  fe  viíse  eíla  queítao  ,  ventilada  nelle  ,  ordenou  El-  s 
Rey  ,  que  o  Irem  fe  naò  mudaíse  da  Praça  de  Elvas, 
eícrcvendo  ao  General ,  que  lhe  naõ  aceitava  a  deixa- 
çaõ  do  poíto,  referindo  os  feus  ferviços  ,  e  o  quanto 
lhe  euo  aceitos  ,  com  palavras  taõ  encarecidas ,  que 
naõ  tem  confiança  a  modeítia  para  referillas  \  e  com  ef- 
ta  carta  vinha  a  copia   da  que  EIRey,  efcreveraao  Mar- 
quez ,  em  que  fe  lhe  ordenava ,  que  o  Trem  fe  nao 
mudalse  de  Elvas.  Em  quanto  fe  dilatou  elta  refoluçaõ, 
havia  o  Marquez  mandado  governar  Elvas  ao  Meílre 
de  Campo  General ,  que  com  a  noticia  referida  le  re- 
tirou para  Eílremoz.  Parou  a  doença  do  General  com 
doze  fangrias  :  porém  naõ  fe  diminuio  o  fentimento 
de  que  o  Marquez  rral  informado  lhe  défse  cccafiaô  de 
fazer  huma  demonftraçaõ  taõ  publica,  venerando-d 
fummamente  tanto  pela  fu a  grande  authoridade,  co- 
mo por  cabeça  da  fua  cafa  ,  a  que  fe  juntava  a  ellrei- 
ta  amizade,  que  haviaõ  profefsado  todos  os  feus  afcen- 
dentes  ,  e  o  tempo  (  como  referiremos  )  veyo  a  defco- 
brir  ao  Marquez  quanto  D.  Luiz  fabia  rrerecer-lhe  to- 
do o  favor.  Neíte  tempo  ,  por  ordem  do  General  da 
Cavallaria  ,  fahio  o  Capitão  de  cavallos  Ignacio  Coelho 
a  correr  a  eltrada  de  TaJavera  com  noventa  cavallos , 
e  encontrando  hum  comtoy  de  muniçoens ,  que  hia  pa- 
ra Badajoz  com  cincoenta  cavallos,  Ignacio  Coelho  lhe 
tomou   o  comboy ,  e  poz  em  fugida  a  èfcolta  ,  que 
«orreo  aunir-fe  com  o  Príncipe  de  Parma»  Voltarão, 

eea- 


«?v 


*}6    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Armo  e  encorporados  carregarão  a  Ignacio  Coelho  até  a  paf- 
i66a  laSem  de  Guadiana,  onde  volta ndo-lhe  caras  os  nof- 
Uir  fos,  receando  o  Príncipe  de  Parma  emboicada  ,  fez  ai- 
toi.com  que  ganhando  eíte  tempo  a  nofsa  partida,  íe 
recolheo  com  toda  a  preza.  Naõ  foi  menos  feliz  o  íuc- 
çef&o  ,  que  algum  tempo  depois  teve  Manoel  Travafsos; 
o  qual  iahindo  com  cento  e  cincoenta  cavallos  a  ar- 
mar ás  tropas  de  Geromenha  ,  derrotou  três ,  tomando- 
lhes  trinta  e  fete  cavallos. 

.    ^  O  troço  de  exercito  ,  que  chegou  a  Eítremoz,  e  as 
carruagens,  íè  não  dividirão,  em  quanto  não  conílou  ao 
Marquez  ,  que  os  Caítelhaaos  aquartelavaõ  totalmen- 
te o  exercito  j  o  que  brevemente  fuccedeo,  eo  Mar- 
quez, defpedidas  as  carruagens  ,  tratou  das  fortificações 
de  Eítremoz  ,  e  das  mais  Praças  com  fumma  activida- 
de ,  acodindo  o  Conde  de  Caítello- Melhor  com  todo  o 
dinheiro  neceísario  para  as  obras  mais  preciías.  Acha- 
va-íe  neíle  tempo  alojado  em  Monforte  o  Commifsario 
geral  António  de  Siqueira  Peilana  Jcom  duzentos  caval- 
los, e  tinha  ordem   para  defacõmodar  a  guarnição  de 
Arronches,  quanto  lhe  foíse  poííivel.  Teve  avizo  que 
vinha  ao  Afsumar  hum  comboy,  que  feguravão  cem  ca- 
vallos :  determinou  ,  dividindo  os  duzentos  daquelle 
quartel ,  cortar  os  cem  ,  mandando  outros  tantos  ás 
cortas  de  Arronches ,  e  que  os  que  íicafsem ,  inveílií- 
fem  o  comboy ,  quando  cerrafse  a  noite.  Chegou  a  ho- 
ra da  execução  ,  eítando  os  Caítelhanos  já  perto  de  Ar- 
ronches ,  e  fendo  inveílidos ,  acodio   da  retaguarda  o 
Commifsario  geral  D.Carlos  Eftaço ,  que  vinha  por  Ca- 
bo ,  e  querendo  refiítir  ,  achou  pouca  conftancia  nos 
Soldados  ,  prefunúudo  ,  que  era  muito  maior  o  poder. 
Voltarão  as  coitas ,  forão  rotos ,  e  quaíl  todos  priíio- 
neiros,  entrando  o  Commifsario  geral ,  e  outros  Offi- 
ciaes ,  fem  mais  perda  noísa  ,  que  a  do  Capitão  Pedro 
Luiz  Paim  ,  que  havia  procedido  com  muito  valor  ,  e 
a  de  cinco  Soldados  ,•  e  retirou-fe  António  de  Siqueira  a 
Monforte  convtodo  o  comboy,  que  os  Caítelhanos  le- 
vavãor  porém  como  muitas  vezes  fuccede  não  ferbem 
©vbem  .demafiado ,  occafioaou  a  felicidade  deite  fuccef- 

fo 


PJRTE  II.  LIFKO  IX."       i)7 

fo  o  defcuido  de  naó  deixar  António  de  Siqueira  aqueí-  AnHO 
la  noite  partida  fobre  Arronches,  como  ie  lhe :  havia  v 
encomendado  para  fegu rança  da  guarnição  de  Cabeça  iU  <* 
de  Vide ,  que  governava  o  Tenente  de  Meítre  de  Cam- 
po General  Manoel  de  Siqueira  Perdigão  ,  e  aííiíha  de 
quartel  no  lugar  o  Coronel  Briquemont  com  três  Com- 
panhias de  cavallos,  e  Xeveri  com  o  leu  Regimento. 
Naquella  me  ima  noite  iàhio  de  Arronches  o  lenente 
Gmeral  daCavallaria  D.Belchior  Porto-Carrero ,  le- 
vando mil  Infantes  ,  e  feiscentos  cavallos,  com  que  che- 
gou de  Badajoz  ,  poucas  horas  depois  do  lucceíso  de 
António  de  Siqueira.  Quando  amanhecia,  aviítou  Ca- 
beça de  Vide  ,  e  tocarão  arma  as  partidas  ,  que  Brique- 
mont tinha  fora  do  Lugar  ,  e  teve  tempo  de  retirar-íe ; 
exemplo  que  naó  feguio  o  Capitão  Cellirie  Maltez  ; 
porque  fem  ordem  le  foi  meter  no  Lugar,  podendo 
retirar-fe.  Avançarão  os  Caítelhanos  ,  e  como  as  trin- 
cheiras erão  baixas  ,  as  penetrarão  facilmente.  Xeveri  , 
e  alguns  OíHciaes  ie  recolherão  ao  Caítellejo  ,  que  ti- 
nha pouca  defenfa :  refiítirão  quanto  lhes  foi  poííível, 
e.  depois  de  mortos  vinte  e  dous,  em  que  entrou  o 
Capitão  Cellirie  ,  fe  renderão  ,  não  podendo  coníèguk 
a  diligencia  ,  e  valor  de  Manoel  de  Siqueira  Perdigão  , 
que  durafse  mais  a  defenía ;  porém  teve  a  fortuna  da 
confuíaõ  ,  e  brevidade  ,  com  que  os  Caítelhanos  íe  re- 
tirarão ,  de  que  fe  originou  não  ir  prifioneiro  ,  ficando 
diílimulado  entre  os  paizanos.  O  Marquez  de  Marial- 
va no  mefmo  ponto  ,  em  que  teve  noticia  deite  fuecef- 
íb  ,  deípedio  os  Soldados  das  ordens  ,  e  juntando-fe  as 
guarniçoens  dos  quartéis  vizinhos  ,  marchou  comelles 
o  Meítre  de  Campo  General;  chegou  a  Cabeça  de  Vide, 
e  achando  ,  que  os  Caítelhanos  fe  havia 6  retirado,  vol- 
tou para  Eítremoz  ,  e  dentro  de  poucos  dias  pafsou  o 
Marquez  de  Marialva  a  Lisboa  ,  onde  já  eítava  o  Con- 
de de  Schomberg  ,  e  (ficou  governando  o  Alentejo  o 
Meítre* de  Campo  General  Gil  Vaz  Lobo, que  até  o  mez 
de  Setembro  pafsou  fem  novidade  digna  de  memoria. 
Neíte  tempo  teve  Gil  Vaz  noticia  ,  que  a  Praça  de  Ar- 
ronches fe  começava  a  defmantellar  /  porque  havendo 

che- 


* 


2^      PORTUGAL  RESTAURADO, 

,-AntiO  pegado  a -Badajoz  o  Conde  Mareia  .defiro  ,  e  vaíorofo 
1 6  á      *?railcsz* ;  com  ttteloi  de  Governa  dor  das  Armas,  que  coi 
°°4'  «íêçou^a  exercitar ,,:.por haver .paísado  a  Madrid  Ujoao 
deÀuítria;  _e  havendo  reconhecido  Arronches,  e jul- 
gado que  era  impoífivel  a  lua  coníervaçaô  fem  com* 
boys  &Qàes,  porque  as  continuas  partidas,  que  cor-j 
riap  de  Elvas,  Campo-Mayor ,  Portalegre  ,  e  Monfor- 
te áeítrada  de  Albuquerque  ,  naõ  deixavaõ  communi- 
Oí  cajiilbanos  C£>  a  SLlarniçaõ  de  Arronches  com  outra  alguma  Praça* 
reconhecido  a  refolveo  deimantellalla  ,  e  voar  as  muralhas ,  que  coro 
dificuldade  de  tanto diípendio  fe  haviaõ  levantado.  Gaíteraõ-fe  alguns 
^"ÍVI  Ar-  dias  em  desfa>zer  as  obras  exteriores,  e  atacar  as  minas 
rinches,  a  dlf  no -corpo  da  Praça.  A  vinte  e  íeis  de  Setembro*  fahio  dd 
manteilaraõ,    Badajoz  o  Conde  Marçin  com  quatro  mil  Infantes  y  e 
três  mil  cavallos,  carruagens  para  conduzir  a  artilharia, 
municoens .,  e  mantimentos.  Chegou  a  Arronches  ,  e 
depois  de  poucas  horas  de  dilação  ,  fe  poz  em  marcha  > 
mandando  dar  fogo  ás  minas,  que  naõ  executarão  o. 
efrèito,  pertendido.  Retirou-fe  atempo  ,  que  Gil  Vaz 
chegava  a.  Veyros  com  três  mil  cavallos,  edousmil 
Infantes  j  e  conftando-lhe  ,  que  os  Caílelhanos  fe  ha- 
via 6 retira  do  ,  pafsou  a  Arronches.,  donde  fez  retira  r 
o  fato  dos  moradores  para  lugares  feguros  ,  em  quanta 
fe  naõ  tratava  da  fortificação  daquella  Praça» 

Naõ  foi  inferior  a  fatisfaçaõ ,  que  os  Povos  tive- 
ráõ  deite  fueceíso,  ao  contentamento,  que  confeguirão 
nas  vi&orias  antecedentes;  porque  as  batalhas  vencidas, 
e  as  Praças  ganhadas  recreavaõ-lhe  os  ânimos  pelo  bem, 
comimimj  e  Arronches  defmantellada  focegavalhes  os 
receyos  ,  que  lhes  cau  fava  o,  as  partidas,  quefahiaõda^ 
quella  Praça ,  e  que  prejudica vaõ  muito  íeníivelmente 
naõ  io  aos  lugares  das  fronteiras  ,  mas  aos  mais  interio-. 
res  de  toda  aquella  Provinda.  Havia  íido  Arronches  O; 
defempenho  dos  cabedaes  da  Campanha  do  anno  de  fe- 
iscentos  fefsenta  e  hum ,  e  o  principio  dos  progrefsos 
deD.Joao  de  Auítria,encarecida  empreza  por  feus  ami- 
gos ,  e  louvada  acçaõ  de  feus  parciaes.  Tinha  euftado 
a  fua  fortificação  cabedaes  muito  grandes,  e  naó  havia 
feito  menor  difpendio  reformarem-íe  as  minas,  que  oc-i 

cafio- 


PARTE  II.  LIVRO  IY.         m 

cafionou  o  incêndio  da  pólvora  ,  cujo  damno  havia  cau-  A 1100 
-fado  a  morte  de  muitos  Soldados  ,  que  juntos  .aos  que  . 
acabarão  de  doenças  ,  e  em  vários  encontros  ,  paísaraõ  O04- 
de  nove  mil  os  que  renderão  as  vidas  nos  três  annos, 
que  os  Caftelhanos  íuftentáraó  efte  preíidioi  fendo  tam- 
bém grande  o  numero  de  cavallos,  que  perderão:  e 
alem  deites  damnos,  deívaneceo  efta  Praça  delmantella- 
da  todos  os  encarecimentos,com  que  D.Jeronymo  Maí- 
carenhas  encheo  o  Mundo  de  louvores  de  D.  Joaõ  de 
Auílria  no  livro  ,  que  imprimio  intitulado  Campanha 
de  Portugal ,  de  que  já  acima  fizemos  memoria.  Retira- 
do Gil  Vaz  ,  deu  conta  a  EIRey.  Foi  na  Corte  recebi- 
da  a  nova  dos  Caftelhanos  largarem  Arronches  com 
grande  contentamento  ,  fendo  efte  alvoroço  em  benefi- 
cio do  General  da  Artilharia  D.  Luiz  de  Menezes  ,  por 
coníeguir  dar-íé-lhe  o  parabém  da  parte  d<ElRey,e  léus 
Miniftros,  de  haver  fido  author  do  fitio  de  Valença, 
apontado  por  confequencia  a  reftauraçaò  de  Arronches; 
e  paísado  poucos  dias  ,  defmantellarão  os  Caftelhanos  a 
Codiceira ;  porque,  largando  Arronches ,  lhe  ficava  inú- 
til aquelle  preíidio. 

O  Meftre  de  Campo  General  defejando  fazer  plau- 
fivelotempo  do  feu  governo,  intentou  ganhar  a  Vil- 
la  de  Freixenal ,  cinco  legoas  diftante  de  Mourão  para 
aparte  de  Xerez  ,  aberta,  mas  dilatada,  e  opulenta. 
Marchou  com  efte  intento  a  Monçaraz  com  a  maior 
parte  da  Cavallaria  ,  e  dous  mil  Infantes ;  porém,  con- 
ítando-lhe  ,  antes  de  paísar  Guadiana  ,  que  tinha  fugi- 
do hum  Soldado  de  cavallo  para  Caftella  ,  fuípendeo  a 
jornada  ,  e  voltou  para  Eftremoz.  Aomefmo  tempo  , 
que  havia  marchado  para  Monçaraz  ,  mandou  ao  Saiv 
genro  mór  de  Batalha  João  da  Silva  de  Souía  entrar 
com  novecentos  cavallos  nos  campos  de  Montijo  a  di- 
vertir a  Cavallaria  de  Badajoz  ,  e  Talavéra,  que  não 
'paisífse  a  Freixenal.  Compunha- fe  efte  troço  de  Caval- 
laria das  Companhias  derivas,  eCampo-Maior ,  de 
hum  Regimento  deFrancezes,e  outro  de  ínglezesjeão 
da  Silva  adiantou  até  Montijo  a  Dom  Manoel  Lobo 
com  trezentos  cavallos  j  'com  os  feiscentos  ofoileguiiv. 
o   ;  "  do, 


■ 


""* 


An  no 
1664. 


" 


240     PORTUGAL  RESTAURADO, 

do.  D.  Manoel  avançou  varias  partidas  á  ordem  do  Cs 
pitaó  Ignacio  Coelho  da  Silva  ,  que  fez  taõ  boa  dili 
geacia  ,  que  ao  romper  da  manhãá  eílava  encorporad» 
com  D.  Manoel ,  e  Joaò  da  Silva  ,  havendo  rebanhadt 
iete  mil  ovelhas.  Depois  de  ia h ir  o  Sol ,  apparecend( 
dous  batalhoens  Caítelhanos,que  tinhaõ  fahido  deMon 
tijo  ,  mandou  Joaò  da  Silva  adiantar  a  preza  a  paísa 
as  ribeiras  de  Xévora  ,  e  Botova  ,  e  ficou  efperand< 
outras  partidas ,  que  tinha  mandado  para  a  parte  dt 
Badajoz.  Chegarão  ellas  ao  meyo  dia  ,  enaóhavendc 
até  aquelle  tempo  movimento  algum  na  Cavallaria  di 
Badajoz,  marchou  Joaõ  da  Silva  a  fe  encorporar  con 
a  preza  ,  a  que  fe  unio  no  cabeço  da  Alivan  ,  hum 
legoa  diílante  de  Çampo-Mayor,  duas  de  Badajozj  e  a< 
meímo  tempo  teve  avifo  das  partidas ,  que  tinhaõ  rica 
do  na  recta  guarda  ,  que  a  toda  a  diligencia  marchava* 
a  bufallo  oito  batalhoens.  Fez  alto  ,  formou  a  Cavai 
la  ria  ,  encobrindo-a  quanto  lhe  foi  poílivel ,  e  efperoi 
que  chegafse-D.  Diogo  Corrêa  ,  que  era  o  Cabo  dosba 
talhoens,que  vinha  com  exprefsa  ordem  do  Conde  Mar 
cin  de  pelejar  com  qualquer  troço ,  que  encontrais^ 
Esforçou  Joaõ  Leite  de  Oliveira  o  engano  de  D.  Diogc 
Corrêa  fuppor ,  que  era  fó  a  Cavallaria  de  Campo-Ma 
ior  ,  a  que  fizera  aquella  preza,  mandando  diiparar  re 
petidas  vezes  a  artilharia ,  para  moftrar  ,  que  a  aviíav 
do  feu  perigo  \  e  neíla  confideraçaó  chegou  D,  Diog» 
a  entrar  na  embofcada  fem  cautella  alguma  5  e  reconhe 
cendo  que  era  impoflível  retira r-fe  <,  appellou  para  o  re 
médio  dos  valorofos  ,  de  fe  perder  pelejando  ,  e  difse 
que  o  engano  ''eftava  confeguido  ,  que  faltava  fó  mor 
fer  por  EIRey'.  e  pela  honra  J  e formando  os  batalhõe 
"em  huma  fó  linha  ,  fez  alto  antes  de  pafsar  huma  fan 
ja ,  que  difrlcultava  fer  avançado  pela  vanguarda.  Joa< 
da  Silva  eftava  formado  em  duas  linhas,  e  para  obri 
gar  aos  Cafteíhanos  ,  a  que  fe  movefsem  ,  fez  avança 
quatro  batalhoens  ,  qúe  foraõ  recebidos  dos  inimiga 
com  huma  carga  dê  cara  vinas  ta  o  bem  dada  ,  que  íize 
rao  alto.  Soccorreo-os  oCommifsario  Geral  Rixardie 
com  a  linha  da  vanmiarda ,  que  governava  :  reíiítiraô  c 

Caíb 


VAKTE  II  UtfRO  IX.        241. 

Caftelhanos  largo  tefpaço  >  porém  ,  chegando  Joaõda  AnilO 
Silva,  foraõ  desbaratados  quando  cerrava  a  noite,  que    ^ 
na6  embaraçou  aos  Capitães  D.  João  de  AlencaAre,  Pe-         *  - 
dro  de  Lima,  D.  Manoel  Lobo,  elgnacio  Coelho  fe- 
cuirem-lhe  o  alcance  todo  o  tempo  ,  que  puderao  dei- 
montar  os  aue  íe  retiravao  ajudados  do  favor  da  noi- 
te  Os  mortos,  que  dos  Caftelhanos  perderão  mayores 
peitos,  foraó  o  Tenente  General  da  Cavallana  D.  Ale- 
xandre Moreira  ,  Portuguez  ,  que  haviaficado  emCa- 
■ftelía  quando  EIRey  íeacclamou  ,  eoflendia  naquel- 
le  exercito  as  obrigaçoens  com  que  nafcera  ,  três  Ca- 
pitães decavallos,  outros  Officiaes  ,  ecem  Soldados. 
Ficarão  prifioneiros  o  Capitão  de  cavallos  D.  temando 
de  Avalos  ,  o  da  guarda  do  Conde  Marcin  ,  e  D.  Fran- 
ciíco  António  Auguítos  ,  e  JoaÕ  Francifco  Dommico  , 
Tenente  Capitão  da  Companhia  do  General  da  Cavai- 
laria  ,  e  outros  Officiaes  ,  e  Soldados  feridos.  Kepar- 
tirao-fe  pelas  Companhias  duzentos  cavallos  ,  e  cuftou 
a  peleja  as  vidas  dos  Capitães  Theodoro  Ruisel,  e  Tho- 
mas  Madoche  Inglezes,eZambronont  Fm  ncez,  Tenen- 
te do  Conde  de  Maré.  Ficou  fendo  o  Capitão  Fedro 
Alvares  de  Abreu,  filho  de  JoaÕ  da  Silva  ,  com  huma 
bala  pelo  roíto  ,  o  Ajudante  da  Cavallaria  Domingos 
Ferreira,e  alguns  Soldados.  Sentio  o  Conde  Marcm  eí- 
te  fucceíso   pela  culpável  diíciplina  ,  com  que  havia 
mandado  pelejar  D.  Diogo  Corrêa  fem  attençao  ao  pe- 
rigo ,  com  que  marchaõ   pela  Campanha  tropas  venci- 
das ,  na  contingência  de  a  poderem  occupar  as  vidtono- 
fas.  Retirou-íe  JoaÓ  da  Silva  ,  e  logrou  merecida  eiti- 
mação  do  bom  íuccefso  ,  que  tinha  alcançado  ,  que  toi 
o  ultimo  militar  daquella  Provincia  ,  o  armo  que  es- 
crevemos i  naò  tendo  a  mefma  fufpeníaõ  as  contendas 
politicas  ,  que  pelas  confequencias  naõ  eraó  menos 

si  1*1*1 1  cirlíis* 

Continuava  a  difsenfaó  entre  o  Conde  de  Schom- 

berg,  e  Gil  Vaz  Lobo:  achava-fe  o  Conde  em  Lisboa, 
o  Marquez  de  Marialva  ,  e  o  General  da  Artilharia  > -e 
cada  hum  trabalhava  com  tenção  diverfa ;  porque  o 
Marquez  levado  das  perfuafoens  de  Gil  Vaz ,  e  de  léus 

<X  amigos, 


I 


ió64« 


m    PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÂnnOam'§os »  tratava  de  expulíar  do  Reyno   ao  Conde  de 
Schombergje  os  amigos  do  Conde  trabalhavaõ  pelo  cô- 
fervar  nelle  ,  conhecendo  o  feu  merecimento  >  e  a  grau- 
de  eítimaçaõ,que  faziaõ  das  luas  partes  os  Reys  de  Fra- 
ca ,  e  Inglaterra  ,  havendo-lhe  entregue  o  abfoluto  do- 
mínio das  tropas  Inglezas,  e  Francezas  ,  que  fervia õ 
neíte  Reyno.  Todo  o  tempo  que  durou  a  Campanha 
de  Valença  ,  foraõ  crefcendoas  queixas  ,  que  o  Meítre 
de  Campo  General  publicava  do  Conde  de  Schomberg. 
Dizia  que  o  Conde  lhe  embaraçava  totalmente  o  exer- 
cício da  íua  occupaçao :  que  diílribuia  as  ordens  ,  man- 
dava as  tropas  ■,  difpunha  as  marchas ,  elegia  os  quar- 
téis ,  defenhava  as  fortificaçoens  ,  e  naó  confentia  ,  que 
os  Regimentos  Extrangeiros  obedecefsem  mais  que  aos 
feus  preceitos.   Deíobrigava-fe  o  Conde  de  Schomberg 
das  razoens  deitas  queixas ,  dizendo ,  que  era  verdade 
tudo  ,  o  que  o  Meftre  de  Campo  General  referia  }  porém 
comhuma  diílincçaó,  queellenaó  dava  ordem  algu- 
ma no  exercito  do  Meílre  de  Campo  General ,  fenaó 
quando  reconhecia  ,  que  alguma  das  operaçoens,  que 
fe  executavaò  ,  Jiiaõ  defencaminhadas  :  que  lhe  pare- 
cia faltava  á  fua  obrigação  ,  diílimulando  erros  ,  que 
põdiaõ  expor  o  exercito  a  manifeíla  ruina;  qtífe  ás  tro- 
pas Francezas,  e Inglezas naò  prohibia  ,  que  obede- 
cefsem a  qualquer  dos  Cabos  do  exercito  nasoccaiiões 
em  que  fe  pelejava  :  porém,  que  os  quartéis  eítando  de- 
baixo da  fua  ordem  por  capitulação  feita  pelos  Reys 
de  França ,  e  Inglaterra ,  cospo  podia  permittir ,  fem 
oíFender  a  lua  obrigaçaõ,que  recebefsem  ordens  doMe- 
ílre  de  Campo  General  dada  pelos  Oíliciaes  Portugue- 
ses ,  fenaõ  pelo  leu  Sargento  Maior  de  Batalha  em  fua 
aufencia  ?  Pafsaraõ-fe  neítas  duvidas  alguns  mezes,  fem 
fe  tomas  conclufaõ  nellas,  e  o  Conde  de  Schomberg  di- 
zia ,  que  naõ  havia  de  ceder  da  fua  propofiçaõ ,  fem 
fer  reipoíta  dos  Reys  de  França  ,  e  Inglaterra  ,  a  quem 
tinha  dado  conta  da quelle  accidente.  Deíejavafumma- 
mente  o  General  da  Artilharia  moderar  o  fentimento 
do  Conde  de  Schomberg  5  difpondo  o  animo  de  todos 
os  parentes,  e  amigos ,  que  tinha  na  Corte  ,  a  favor 

das 


VJRTE  11.  LIFRO  IX.        *45 

las  fuás  propoliçoens ;  porém  naõ  fe  achava  com  menos  Arma 
embaraços  para  voltar  ao  exercito  do  feu  Poílo  ,  aííim     ,, 
pela  pouca  correi pondencia  ,  em  que  havia  ficado  com  iuuír 
o  Marquez  de  Marialva,  como  por  fe  haver  concertado 
para  cafar  com  D.  Joatma  de  Menezes ,  filha  única  de 
feu  irmão  o  Conde  da  Ericeira ,  com  a  claufula,  de  que 
nao  havia  de  voltar  á  guerra  ,  ao  menos  em  quanto  naó 
chegafse  a  difpenfaçaó  do  Summo  Pontífice  ,  e  fe  eíFei- 
tuafse  o  cafamento  ;  e  como  as  deliberaçoens  da  Corte 
nao  coílumavaó  tomar  refoluçaõ,  fenaõ  nos  mezes  pró- 
ximos á  Campanha  ,  ficamos  obrigados  a  dar  conta  da 
deciíaõ  deílas  no  anno  feguinte.  ( 

O  Conde  do  Prado  Governador  das  Armas  da  Pro-  vf™\!^£os 
vincia  de  Entre  Douro  ,  e  Minho ,  havendo  retirado  o   *  zZTdo». 
exercito,  com  que  tinha  ganhado  o  Forte  da  Conceição  r0 1  e  Minho. 
(  como  referimos  no  fim  do  anno  antecedente )  deixan- 
do entregue  o  governo  delle  ao  Meítre  de  Campo  Ma- 
noel Nunes  Leitão  com  a  guarnição  do  feu  Terço  ,  e 
os  Terços  de  feu  fiího  o  Conde  do  Prado,  Gonfalo  Vaf- 
ques  da  Cunha  ,  o  de  Auxiliares  ,  de  que  era  Meítre  de 
Campo  João  Velho  Barreto  ,  e  três  Companhias  de  ca- 
vallos,  de  queeraó  Capitães  Ignacio  de  França  ,  João 
Ferrão  de  Ca Ítello-B ranço,  e  AgoíHnho  Soares  ;  chega- 
rão eftas  noticias  a  Luiz  Poderico  novamente  eleito  Vi- 
Íò-Rey,  e  Capitão  General  do  Reyno  de  Galliza  ,  e 
dando  mais  credito ,  a  que  a  fortificação  do  Forte  eílava 
imperfeita  ,  que  ao  numero  da  guarnição  ,  que  lhe  fi- 
cara ,  intentou  ganhallo  a  fete  de  Janeiro  ,  juntando  to- 
da a  Infanteria  ,  e  Gavallaria  ,  de  que  íe  compunha  o 
exercitoj  e  marchando  a  eílaempreza ,  occupou  a  mina 
de  humas  cafas?que  ficavaó  defronte  do  Forte.  Chegan- 
do a  eíle poílo  ,  começou  a  jogar  a  artilharia  ,  e  moí- 
quetaria  do  Forte  com  tanta  fúria,  que  brevemente  re* 
conheceo  o  feu  engano  ,  e  fe  retirou  fem  outro  efTei- 
to.  Acodio  ao  rebate  o  Conde  do  Prado  ,  e  com  a  no- 
ticia ,  de  que  Luiz  Poderico  aquartelara  o  exercito  ,  fe 
retirou ;  e  chegando-lhe  avizo  de  Manoel  de  Barbeira 
Governador  da  Praça  de  Valença  ,  que  a  guarnição  dó 
Forte  de  S.  Luiz  fahia  fora  delle  com  pouca  cautela  do 

Q  2  Gover- 


244     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  Governador,  chamado  D.  João  de  Taboada  ,  intentou  c 
\66±  Q°^à°  Prado  ufar  deite  defcuido  ,  e  deu  ordem  ao 
t*  Capitão  de  cavallos  António  Gomes  de  Abreu  ,  que  cora 
quatrocentos  cavallos,e  trezentos  Infantes,governados 
por  Manoel  deBarbeita-,  fe  emboícaísem  em  huns  gé- 
liaes  vizinhos  ao  Forte  deS.  Luiz  3  e  que  ao  tempo  , 
em  que  de  Valença  íe  difparaise  a  artilharia  ,  que  era 
final  da  guarnição  eítar  fora  do  Forte  ,  avançafsem  ás 
portas  ,  e  degollàísem  toda  a  gente,  que  hcafse  na  Cam- 
panha. Pela  huma  hora  depois  do  me 70  dia  íefez  o 
íinal  em  Valença  ,  e  ou  vido  bosque  eítavaõ  emboíca- 
dos,  executarão  a  empreza  com  tanto  acerto  ,  que  cor- 
rendo a  tomar  as  portas  do  Forte ,  lhes  ficou  fácil  de- 
gotlar  grande  numero  de  Valões  ,  e  tomarem  cincoen- 
ta  cavallos  ,  retirando-le  fem  damno  algum;  e  naó  hou- 
ve naquella  Província  eíle  anno  mais  fucceísos  dignos 
de  memoria. 

O  Conde  de  S.  Joaõ  Governador  das  Armas  da  Pro- 
víncia de  Trás  os  Montes  ,  logo  que-íe  retirou  de  Entre 
Douro,  e  Minho  ,  depois  de  fortificado  o  Forte  da  Con- 
ceição ,  pafsou  a  Chaves  ,  Praça  ,  em  que  coftumava  af- 
iiítir ;  e  como  o  feu  valorofo  ,  e  infaciavel  efpirito  fem- 
pre  hydropico  de  emprezas  generoías  (  que  íó  na  fatis- 
raçao  de  confeguir  humas  mitigava  a  fede  de  inten- 
tar outras  )  lhe  naó  permittia  algum  defcanço  ;  dando- 
Ihe  cuidado  entender  ,  que  eítava  unido  o  exercito  de 
Galliza  ,  mandou  varias  vezes ,  fem  effeito  ,  armar  ás 
Companhias  de  cavallos  da  guarnição  de  Monre-Reyj  e 
prefumindo  ,  que  naõ  fahirem  daquella  Praça  ,  era  por 
haverem  pafsado  a  Entre  Douro  ,  e  Minho  ,  querendo 
tomar  com  o  defengano  partido  ,  mandou  ao  Tenente 
General  da  Cavallaria  Manoel  de  Paiva  Soares  com  tre- 
zentos cavallos,  e  cem  Infantes  queimar  o  lugar  de  Vil- 
Jaça  ,  grande ,  e  rico,  com  huma  cafa  forte  ,  e  taõ  vizi- 
nho a  Monte-Rey,  que  ou  havia  de  fahir  a  Cavalla- 
ria a  defendello  ,  ou  manifeíiarfe,  que  tinha  pafsado  ao 
Minho  ,  para  onde  o  Conde  de  S.  Joaó  com  efta  certe- 
za determinava  marchar.  Entrou  Manoel  de  Paiva  no 
lugar  de  Villaça,  e  desbaratando-o  ,  ganhou  a  caía  for- 
te; 


PARTE  II  LIVRO  ÍX.  *4y 

le>  rebate,  acme  ia hiraõ  duzentos  e  cincoenta  cavai-  A 11 II O 
os  de  Monte-Rey,  e  quinhentos  Infantes;  poder  com    ({ 
me  determinarão  occupar  o  paíso  da  montanha  para  a  AV   ^ 
freiga  :  porém   Manoel  de  Paiva  antes  de  o  conlegui- 
-em  ,  íe  formou  por  contra-marcha  na  Campanha  ,  e 
os  Gallegos  nados  no  excefso  da  Infanteria  determina- 
rão pelejar.  Amefma  refoluçaõ  acharão  em  Manoel  de 
Paiva  r  que  fem  dilação  alguma  inveftio  primeiro  com 
aCavallaria  ,  enão  advertindo  ,  os  que  a  governava  o, 
íaber  valer-fe  do  calor  dos  Infantes  ,  nem  tendo  valor 
para  refiftir  ,  forão  desbaratados  \  ecomo  tinhaô  Mon- 
te-Rey pouco  diítante  ,  muitos  fe  livrarão  na  Praça  do 
perigo.  Não  teve  a  Infanteria  igual  íucceiso  ,  que  inve- 
jada pelos  nofsos  Soldados  ,  quaíi  fem  renitência  foi 
rota  ,  e  todos  os  quinhentos  Infantes  ,  ou  ficarão  mor- 
tos .,  ou  íefizerão  priíioneiros.  Entrarão  nos  mortos  cin- 
co Capitães  de  Infanteria  ,  quatro  Alferes  ,  e  féis  Sar- 
gentos :  os  da  no  Isa  parte  foraõ  doze  ,  entre  elles  o  Te- 
nente Miguel  de  Soufa.  Sinalou-fe  neíta  occafiaô  Ma- 
noel de  Paiva,  Duarte  Teixeira,  António  de  Souía  , 
fetihor  de  Vai  de  Perdizes  ,  e  outros  Officiaes. 

Depois  deite  fuccefso  prevenio  o  Conde  de  S.  João  /a/m  rut(t(fos 
as  tropas  ,  com  que  pafsou  a  Alentejo  ,  e  ficou  gover-  da  provi„cia  de 
nandoTras  os  Montes  o  Meftre  de  Campo  General  Dio-  Trás  os  Montes. 
go  de  Brito  Coutinho.  O  tempo  ,  que  o  Conde  efteve 
em  Alentejo  ,  padecerão  os  lugares  abertos  algumas  ho- 
ílilidades ,  de  que  tomou  fatisfação  ,  logo  que  voltou 
ao  leu  governo.  E  fem  embargo  de  lhe  confiar  ,^  que 
havia  grofso  preíidio  em  Monte-Rey,  mandou  o  Gene- 
ral da  Cavallaria  Pedro  Cefar  de  Menezes  com  leis  ba- 
talhoens  ,  e  mil  Infantes  laquear  os  lugares  de  Oimbra, 
Tamaguelos  ,  Marraços  ,  eTofal  -,  e  nao  bailou  efte  ef- 
timulo  para  fahirem  de  Monte-Rey  a  defender  eftes  lu- 
gares fe te  batalhoe  ns  ,  e  três  Terços,  que  feachavão 
naquella  Praça.  Retirou-fe  Pedro  Cefar. Pa fsados  alguns 
dias ,  teve  noticia  o  Conde  de  S.  João  ,  que  Pedro  Ja- 
quês  de  Magalhães  entrava  com  groíso  poder  pelos  lu- 
gares'abertos  do  feu  diílricto  ,  e  como  o  feu  zelo  era 
univerfal  ,e  o  feu  valor  invencível ,  refolveo  fazer  hu- 


U6     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  ^a  diverfaó  ,  que  fofse  útil  a  entrada  de  Pedro  Jaques , 
i66a  e  marcnou  com  íeifcentos  cavallos  ,  e  dous  Terços  de 
4<  Infanteria  a  interprender  Villa  deBoz,  lugar  grande] 
fortificado  ,  e  muito  rico  ,  por  fe  depoíitarem  neUe  os 
moveis  dos  paizanos  de  muitos  lugares  abertos.  Dei- 
xou Monte-Rey  á  mão  efquerda  ,  chegou  ao  lugar  ,  e 
mandou  inveíbir  hum  Forte  ,  que  era  toda  a  íua  defen- 
fa  ,  pelo  Meílre  de  Campo  Francifco  de  Moraes  com  o 
feu  Terço  ,  e  de  retém  o  Meilre  de  Campo  Manoel  Pa- 
checo de  Mello.  Não  quiz  render-íe  hum  Alferes  ,  que 
governava  o  Forte  ,  epadeceo  o  eítrago  dos  contuma- 
zes j  porque  dando-fe  oafsalto,  foi  entrado  o  Forte 
á  cuíh  das  vidas  de  quaíi  todos  ,  os  que  o  defendião. 
Saqueou-fe  o  lugar  com  grande  utilidade  des  Soldados* 
porque  eftava  riquiíTimo;  e  marchou  o  Conde  de  S  João 
para  a  Vi  lia  de  Rios  ,  fitio  em  que  fe  encorporou  com 
elle  o  Meílre  de  Campo  Qiogo  de  Caldas  Barbofa  com 
fetecentos  Infantes  do  feu  Terço  ,  e  duzentos  cavallos 
do  quartel  de  Bragança ,  deixando  defíruidos  no  diíhi- 
ão  deJâii.  legoas  todos  os  lugares  abertos  por  onde 
paísqu,*  padecendo  igual  ruina  outros,  por  onde  entrou 
o  General  da  Cavallaria  ,•  e  todos  unidos  com  o  Conde 
de  S.  João  íizeraô  retirar  a  Cavallaria  de  Monte-Rey  > 
que  intentou  cortar  algumas  partidas ,  que  andavaõ  ef- 
palhadas  ,.•  porém  recolhendo-as  Pedro  Cefar,  alojou  o 
Conde  de  S.  Joaó  no  lugar  de  Mandim,  que  com  outros 
muitos  fe  fujeitou  á  obediência  d'E3Rey  ,*  porque  ven- 
do-fe  indefefos  das  fuás  tropas,  tratarão  deaccommo- 
dar-fe  com  a  fortuna  dos  vencedores,  Recolheo-íe  o  Cô- 
de  de  S.  João  para  Chaves  ,  aquartelou  as  tropas  ,  dei- 
xando os  Gallegos  taõ  atemorizados ,  que  fervia  o  feu 
nome  de  freyo  aos  intrépidos ,  e  de  terror  aos  ínnocen- 
tes,  havendo  levado  por  valorofosinílrumentos  das 
fuás  acçoens  feus  irmãos,  e  feu  cunhado  D.Miguel 
da  Silveira,-  eíte  Capitão  das  fuás  guardas,  Miguel  Car- 
los ,  Sargento  mor  de  Batalha  ,    Francifco  de  Távora , 
Tenente  General  da  Cavallaria. 

Pafsados  poucos  dias ,  mandou  o  Conde  de  S.  João 
entrar  pela  parte  de  Bragança  nos  campos  de  Frieiras 

de 


W*~ 


PARTE  II.  LIVRO  IX.         247 

âe  O  ftella  a  Velha  ao  Meítre  de  Campo  Diogo  de  Cal-  Anno 
dascomfetecentos  Infantes,  e  quatro  Companhias  de       , 
cavallos  governadas  pelo  Commiísano  geral  Bernardi-  ío 
nò  de  Távora,  que  faqueou  cinco  lugares  ,  edeítmio 
aquellas  Campanhas  fem  oppoíiçao  f  e  ultimamente  re- 
matou o  Conde  de  S.  joao  os  progreísos  deite  armo  com 
huma  entrada,  que  fez  no  Valle  de  Salas;  e  deixando 
queimados  féis  lugares  grandes  ,  confeguio  fuílentar  as 
luas  tropas  com  os  defpojos  ,  e  contribuições  dos  mí- 
micos;  huma  das  attenções  mais  precifas ,  e  das  poli- 
ticas mais  acertadas  ,  de  que  devem  uiar  os  Príncipes , 
que  pleitearem  guerra  defenfiva.  Varíos  fa>Cej* 

Deixámos  no  fim  do  anno  palsado  ao  Duque  ae^  da  Provin, 
Ofsunaaquartellado  junto  da  Aldeã  do  Bifpo,  fabrican-  cUdMr* 
do  hum  Forte,  em  que  imaginava  confutia  a  ruína  da 
Provinda  da  Beira:  Pedro  Jaques  de  Magalhães  grave- 
mente enfermo  na  Praça  de  Almeida  ,  AíFonío  Furtado 
de  Mendoça  com  a  gente  ,  que  pode  juntar  de  ambos 
os  Partidos ,  foccorros  de  Cavallaria  de  Alentejo  ,  e  Trás 
os  Montes  em  marcha,  para  embaraçar  por  todos  os  me- 
yos  ,  que  lhe  fofse  poífivel ,    a  fabrica  do  Forre.  O  pri- 
meiro de  Janeiro  pafsou  o  rio  Tourões  com  féis  mil  In- 
fantes ,  e  mil  cavallos ,  governados  pelo  General  da  Ar- 
tilharia ad  honorem  Domingos  da  Ponte  Gallego  ,  que 
tinha  a  feu  cargo  a  primeira  linha  do  lado  direito,  a 
fegunda  D.  Martinho  da  Ribeira  (fuppofto  que  ainda 
naõ  exercitava  o  Poíto  de  Tenente  General ,  que  por 
queixa  particular  havia  largado. )  A  primeira  linlia  do 
ladoeíquerdo  governava  Gomes  Freire  de  Andrade,Te- 
nente  General  da  Cavallaria ,  alfiftido  do  Commifsario 
geral  Jorge  Furtado  de  Mendoça.  Coníhva  o  exercito 
dosCaltelhanos ,  conforme  a  confifsaò  daslinguas  ,  de 
fete  mil  Infantes  ,  e  dous  mil  e  quinhentos  cavallos  j 
€  o  Forte ,  que  era  de  quatro  baluartes  ,  eftava  em  de- 
fenfa.  Affònfo  Furtado,  quando  fahiô  de  Almeida,  co- 
mo a  diltancia  era  taó  pequena  ,  paísado  o  rio  ,  tomou, 
quartel  pouco  diftante  dos  inimigos  ,  que  não  lhe  plei- 
tearão ganhar  o  poíto  que  pertendia.  Levantada  a  trin- 
cheira ,  reconheceo  Afíbnfo  Furtado  o  Forte ,  e  naõ  íi- 

d4  cou 


■ 


\ 


M*     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ânno  cou  muito  íatisfeito  de  ver  quatro  baluartes  levanta- 
1664.  Í°L'  íolso ' eílrada  coberta  ,  e  effcacada  ,  pareceu  do-lhe 
n  íiiiiicultoía  eropreza  para  a  qualidade  da  Infanteria,que 
levava,  po^r  ie  compor  a  maior  parte  delia  de  Auxi- 
liares, e  Ordenanças  ;  e  neíta  confideração  era  não  fó 
infru&uoía  ,  masarrifcadaa  períiftencia daquelle  quar- 
tel j  e  defejando  que  nao  íhfse  de  todo  inútil ,  inten- 
tou cortar  alguns  combovs  ,  por  ficar  o  quartel  para  a 
parte  de  Caííella :  porém  experimentou  enganoíasas 
noticias  de  todas  as  intelligencias ,  e  naõ  achou  occa- 
fiaô  de  fazer  damno  aos  inimigos;  e  acabando  de  re- 
conhecer invencíveis  os  obítaculos,.  e  infuperaveis  as 
difficuldades  daejuelía  empreza ,  determinou  queimar 
o  Arrabalde  deCiudad-Rodrigo,  parecendo-lhe,  que  ef- 
te  feria  o  caminho  de  tirar  a  Campanha  ao  Duque  de 
Ofsuna  ,  e  poder  pelejar  com  elle  íem  o  abrigc  da  trin- 
cheira. Para  lograr  oeffeito  pertendido  mandou  a  Al- 
meida bufcar  mantimentos  ,  e  com  menos  prevenção  na 
fegu  rança  do  comboy  ,  foiAífonfo  Furtado  com  Do- 
mingos da  Ponte ,.  e  outros  Cabos  a  reconhecer  põltos , 
onde"aqiae]la  noite  íèmetefsem  guardas  de  Cavallaria,. 
que  pudeísem  cortar  alguns  pafsos  ,  por  onde  os  Caíle- 
Jhanoserão  foccorridos  Y  mas  como  elles  eftavão  tão  vi- 
zinhos, teve  logo  ó  Duque  de  Ofsuna  eíta  noticia  ,  e 
determinou  derrotar  ocomboy.  Para  eíleefíeito  man- 
dou lahir  do  quartel  toda  a  Cavallaria  do  Forte  com 
hum  Terço  de  Infanteria  na  retaguarda ipuxou  D.Mar- 
tinho da  Ribeira  pela  nofsa  Cavallaria  para  foccorrer  o 
comboy  ,  e  desflllada  ,  a  fez  pafsar  o  ribeiro  de  Vai  de 
h.  Mula  y   e  depois  de  fubir  por  ferras ,  e  tapadas  „  que 
embaraçavão  o  terreno,  achou  aos  inimigos  formados, 
que©  vierão  bufcar.  Quizerão  os  primeiros  dosnofsos 
batalhoens  voltaras  coitas Te  puzerão  em  defordemaos 
da  retaguarda  j  mas  como  erao  confàclo  tão  pouco  di- 
áiante  do  nofso  quartel ,  íãhio  delle  Domingos  da  Pon- 
te ,  e  Gomes,  Freire  a  toda  a  preísa,  para  iè  acharem 
na  occafião^j  e  formando  feis,  batalhoens.,.  des  que  co- 
meça vão  aretirarfe  ,  fizerão  roílo  aos, Caftelh anos  com 
valor  mais  precipitado,.,  do  que  pedia:  afua  veatagem. 

Erã© 


m 


PARTE  II.  IIP HO  IX.        249 

Eraõ  dezafete  os  batalhoens,  de  que  Domingos  da  Poa-  AliriO 
te  fez  duas  linhas:  confiava  a  vanguarda  de  nove  ,  de  ,, 
oito  a  referva  ,•  e  fem  interpor  a  menor  dilação  *  atacou-  *** 
furio  lamente  a  vanguarda  dos  Cait-elhancs  com  a  nolsa,  k 
que  rompeo  com  grande  facilidade.  Acodio  a  referva  , 
voltarão  os  batalhoens,.  que  fugiao  ,  e  carregarão  com 
tanto  valor  a  nofsa  vanguarda,  que  a  derrotarão.  Per- 
tendeo  Domingos  da  fonte  tornar  a  cqmgpla  ,  falsan- 
do pelos  claros  da  referva  ,•  porém  quando  a  buí cou  , 
havia  ella  largado  o  poílo  ,  que  devia  fuílentar.  Agon- 
io Furtado  vendo-  a  defordem  ,  com  que  a  Cavallaria 
começava  a  pelejar  ,  fez  diligentemente  fahir  do  quar- 
tel dous  Terços  ,  e  quantidade  de  mangas  feitas,  e  foi 
tão  útil  èíla  advertência  y  que  livrou  do  ultimo  perigo 
es  bata.lhoens,quefuriofamente  vinha õ  carregados,Íup- 
poíto  ,•  que  com  muito  valor  faziao  varias  voltas  ,•  po- 
rem achando  o  íoccorro  dos  Terços  ,  e  mangas,  que  de- 
tiveraó  o  Ímpeto  dos  inimigos  ,  dando  lugar  ,  a  que  na 
iua  redtaguarda  fe  formafsem  ,  e  tornafsem  a  pelejar  de 
novo,e  unidos  pelejarão  com  tanta  reíoluçaõ,  que  obri* 
gáraõ  os  Caltelhanos  a  le  retirar  para  o  quartel,  deixan- 
do naCampanha  quantidade  de  mortos,  e entre  mui- 
tos prifioneiros  a  D.  Francifco  de  Angulo  ,  fobrinho  do 
Secretario  de  Eítado  de  Caítella.  Cuftou  o  confii&o  as 
vidas  aos  Capitães  de  cavallos  João  Corrêa  Cardofo , 
Joaõ  Alvares  Sob  oral  ,.  António  Garcez  Coutinho  ,  .da 
Província  de  Trás  os  Montes  >  e  António  Tavares  ,  que 
liaviaô  pelejado  com  infigne  valor,  e  trinta  Soldados1. 
Tieáraõ  feridos  ©Tenente  General  da  Cavallaiia  D.Mar- 
tinho da  Ribeira,  os  Capitães  de  ca vallos  Carlos  de  Tor- 
ces, e  quarenta  Soldados*  O  Duque  de  Ofsuna  vendo  } 
que  a  Xnfanteria  do  nofso  quartel  fahia  a  foccorrer  a  Ca* 
paliaria  ,  ( porque  Affo nfo  Fu  rtad o  ,■  por  í  egu  rar  a  occa- 
íj-ão  ,  íêgui©  os  dous  Terços  com  a  maior  parte  da  gen- 
te' r  que  lhe  ficava  )  mandou  inveílir  o.  quartel  com  a-1 
fua  Infanteria.  Reconheeeo  Afibnío  Furtado  eílai-eíb- 
luçao  , acodio  a  íbccorrer  ao  General  da  Artilharia  Dio- 
go Gomesr  de  Figueiredo-,  que  tinha  ficado  no  quarí-elr 
tam-tr^  Terços  da  Ordenança  >  e  as  Companhias,  de 


"T 


2?o    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  eavallos  do  Capitão  Fernão  Cabral,  e  a  da  guarda  da 
1 6  6  4  Governador  das  Armas  ,  que  governava  o  Tenente  Si- 
■+'  maõ  Dorta  Oforio  :  porém  como  a  diítancia  era  larga., 
foi  nçceisano  todo  o  valor  dos  defeníòres  paraafegu- 
rança  do  quartel ;  finalando-fe  Diogo  Gomes  com  par- 
ticulares acçoens  ,  e  Fernão  Cabral ,  a  quem  fe  deveo 
grande  parte  daqmella  reíiítencia.Com  a  chegada  de  Af- 
fonío  Furtado  fe  retirarão  os  Caílelhanos  deienganados 
daemprezaj  eAffoníb  Furtado  tornando  a  dar  forma 
á  Cavallaria  ,  e  Infanteria  ,  occupando  os  lugares  dan- 
tes deíHnados  para  a  defenfa  do  quartel,chamou  a  Con- 
íelho  propondo  a  diífículdade  daquella  empreza.  Con- 
cordarão todos  os  Orfíciaes ,  que  ie  acharão  no  Confe- 
lho,  que  era  inútil  aquella  aííiílencia ,  e  ficou  diípo- 
ila  a  retirada  para  o  dia  feguinte  ,  que  fe  executou  fem 
oppofição  dos  Caítelhanosje  Affonfo  Furtado  chegando 
a  Almeida  pafsou  a  Penamacor  ,  e  voltarão  os  foccor- 
ros  para  as  fuás  Provindas  com  mais  prefsa  do  que  re- 
queria o  perigo  ,  em  que  ficava  aquella  fronteira.  Quiz 
neíle  tempo  fazer  alguma  hoílilidade  aos  inimigos ,  en- 
trando pelas  fuás  terras  :  poz-fe  em  marcha ,  hindo  Go- 
mes Freire  de  vanguarda  com  a  Cavallaria  ;  e  depois  de 
muito  entrada  a  noite,  tocarão  arma  os  batedores:adian- 
tárão-fe  os  primeiros  batalhoens  para  melhorar  de  ter- 
reno ,  defcobriraõ  duas  Companhias  de  Infanteria  ,  que 
com  dezafete  cavallos  guardavão  hum  grande  comboy. 
Ao  rumor  da  nofsa  marcha  fe  tinhão  recolhido ,  e  fei- 
tos fortes  em  huns  paredoens  de  huma  venda  chamada 
a  do  Cavallo :  avançarão  as  nofsas  tropas  ,  por  enten- 
derem, que  podia  entrar  a  Cavallaria  naquelle  fitio;  mas 
forão  rebatidas ,  e  feridos  alguns  Soldados,  até  que  che- 
gando à  nofsa  Infanteria  ,  não  querendo  os  Caítelha- 
nos render-fe  aos  partidos  ,  que  lhe  offereceo  o  Gover- 
nador das  Armas ,  foraò  todos  degollados  ,  e  os  dous 
Capitães  mal  feridos  ,  e  prifioneiros  ,  trazendo  os  noí- 
fos  o  comboy  ,  e  a  efquadra  da  Cavallaria ,  que  o  guar- 
dava» 

O  Duque  de  Ofsuna  ,  logo  que  acabou  o  Forte  da 
Aldeã  do  Bifpo  ,  marchou  a  desfazer  a  ponte  de  Riba* 


coa 


VARTE  II.  UlSRO  IX.         a  f  i 

que  facilitava  o  provimento  de  Almeida.  Confe-  AntlÔ 
guido  eíle  intento,  pafsou  a  deítruir  vários  lugares  aber-      , 
tos  ,  que  achou  defpavoados  ,  efoi  eíle  o  único  reme-  1  ^"4» 
dio  de  que  Pédre  jaques  pode  uíar ,  já  convalecido  da 
doença  ,  que  padeceo  ,  para  que  os  paizanos  recebei- 
íèm  maior  damno.  Recolhendo-fe  o  Duque  de  Oísuna  a 
Ciudad-Rodrigo  ,  deixando  muito  arruinados  todos  os 
lugares  por  onde  pafsou  ,  e  Pedro  Jaques  tanto  que  te- 
ve eira  noticia  ,  iahio  de  Almeida  a  reedificar  a  ponte, 
de  que  precifamente  neceílitava  a  coníervaçaõ  daquel- 
ía  Praça.  Executou  eíle  intento  com  brevidade  ,  e  fa- 
bricou junto  dapontehumaatalaya  ,  que  o  Duque ^de 
Oísuna  intentou  derribar ,  depois  de  retirado  Pedro  ja- 
ques ,  que  voltou  a  defendella  com  mil  Infantes,  e  qua- 
trocentos cavallos ,  e  o  obrigou  a  íe  retirar  com  algum 
damno  ,•  e  defejando  fatisfazer-fe  de  enfades  taõ  repe- 
tidos ,  fahio  de  Almeida  com  mil  e  duzentos  infan- 
tes ,  e  quatrocentos  cavallos  ,  a  vinte e  quatro  de  Ma- 
yo  ,  efói  embofear-fe  entre  Ciudad-Rodrigo  ,  e  o  For- 
te de  Fiel  com  intento  de  cortar  hum  comboy  ,  e  obri- 
gar ao  Duque  de  Oísuna  a  que  fahifse  a  pelejar  na  Cam- 
panha. Succedeo  ,  que  na  meíma  noite  havia  fahido  do 
Forte  o  General  da  Artilharia  ,  que  o  governava  ,  com 
quatrocentos  cavallos,  e  trezentos  Infantes  a  tirar  o  ga- 
do ,  que  ficava  de  noite  no  foíso  da  fortificação  de  Al- 
meida ,  e  fendo  fentidos  os  Caílelhanos  das  partidas , 
que  fahiraõ  defta  Praça ,  vieraô  dar  parte.  Difpararaõ- 
fe  cinco  peças  ,  final  que  Pedro  Jaques  havia  deixado 
prevenido  para  luccefso  fimilhante j  e  no  meimo  pon- 
to ,  que  ouvio  as  cinco  peças  ,  marchou  com  toda  a 
diligencia,  eboa  forma  para  Almeida.  Pouco  havia  ca- 
minhado, quando  lhe  deraõ  noticia  ,  as  partidas  avança- 
das da  vizinhança  dos  inimigos,  que  tendo  também 
rvizo  da  nofsa  marcha  ,  íe  arrimarão  ao  Forte  de  Vai 
le  la  Mula ,  forma ndo-fe  junto  a  eíle  ,  e  valendo-fe  do 
:alor  da  artilhatia.  Pedro  Jaques  fem  reparar  na  van- 
ragem  doíitio  ,  que  os  Caílelhanos  oceupavao  ,  man- 
lou  avançar  ao  Tenente  General  D.  António  Maldona- 
lo  com  íete  batalhoens  ,  que  bailarão  para  fazer  voltar 

as 


5j2      PORTUGAL  RESTAURADO, 

AlinO-35  coitas  á  Cavailaria  inimiga  ,  ficando  os  miferaveis  ftt- 
?66a  fantes  exporá  fúria  dos  Soldados,  que  fem  pieda- 
Qt**  de  degollaraó  a  maior  parte  delles,  e  os  que  ficarão 
vivos ,  vieraõ  prilioneiros.  A  Cavailaria  teve  menos  per- 
da ,  porque fogio  depreisa.  Pedro  Jaques  mandou  voar 
duas  atalayas  guarnecidas  com  mofqueteiros,  e  retirou- 
ie  para  Almeida. 

O  Duque  de  Ofsuna  defejando  melhorar  o  íeu  Par- 
tido ,  íahio  de  Ciudad-Rodrigo  com  a  noticia  do  fuc- 
çeíso  referido  com  três  mil  Infantes  ,  mil  cavallos  ,  e 
iete  peças  de  artilharia  ,  e  parou.todo  efte  eítrondo  em 
deílruir  as  novidades  de  todos  aquelles  contornos  ,  íe- 
gando  humas,  e  queimando  outras.  Gaitou  fete  dias  ne- 
fte  deteítavèi  exercício  ,    nunca  imitado  da  piedade 
Portuguesa  : -Fetirou-íe  a  Ciudad-Rodrigo  ,  e  Pedro  ja- 
ques tanto  que  foube,   que  havia  dividido  as  tropas, 
marchou  eomdousmil  e  quinhentos  Infantes,  e  qua- 
trocentos cavallos  a  queimar  a  Villa  de  Sobradilho  ^  o 
que  executou  ,  cu  Arando  a  vida  ao  Tenente  de  Meílre 
de  Campo  General  Domingos  da  Silva  ,  e  huma  ferida 
em  hum  braço  ao  Meílre  de  Campo  Diogo  Nunes  Pre- 
to :  e  deixou  de  atacar  oCaftello;  porque  lhe  falta- 
rão os  petardos,  impedindo  a  quem  os  conduzia  huma 
trovoada  a  pafsagem  do  rio  Águeda.  Retirou-íe  Pedro 
Jaques  fem  oppofiçaò  ,  e  o  Duque  de  Ofsuna  ,  que  era 
de  animo  belíicofo ,  difpoz  a  vingança  com  o  empenho 
de  todas  as  tropas,que  lhe  foi  poííivel  unir,obrigando-o 
juntamente  a  experimentar  tanta  falta  de  cevadas  ,  que 
intentava  tirar  do  nofso  paiz  o  fuílento  da  Cavailaria.' 
Levado  de  huma  ,  e  outra  coníideraçaõ  juntou  quatro 
mil  Infantes  ,  íetecentos  cavallos  ,  nove  peças  de  arti- 
lharia ,  quantidade  de  muniçoens  ,  e  grande  numero  de 
carruagens  ;  e  a  três  de  Julho  amanheceo  fobreCaítel- 
lo-Rodrigo  ,  Praça  fem  mais  defenfa  ,  que  huma  mura- 
lha antiga  :  porém  íituada  em  terreno  defenfavel.  Go- 
vernava-o  o  Meílre  de  Campo  António  Ferreira  Ferrão, 
Soldado  de  conhecido  valor  ,  porém  fem  maior  guar- 
nição ,  que  a  de  cento  e  cincoenta  Soldados  ,  e  pendia 
da  fubílancia   delia   a  melhor  fegurança  da  Provín- 
cia 


P^RTE  Jí.  LIVRO  IX,        2J5 

♦ia  da  Beira.  O  Duque  deOfsuna  fundando  nadiligen-  ÀnHO 
íaobomfuccefeodaqueUaemprezaconio  reçeyo  dos  .,  ' 
foccorros  do  Conde  de  S.  Joaõ  ,  e  Aííonfo  Furtado,que  T 

:etirando-íe  da  Campanha  de  Valença  ,  vinha õ  em  mar- 
eia para  as  fuás  Províncias.,  e obrigado  deite difcurfo 
ío  mefmo  inílante,em  que  chegou  a  Caítello-Rodrigo, 
formou  baterias  ,  deu  principio  a  aproxes  ,  e  apertou 
Dor  todas  as  partes  incefsan temente  a  Praça.  Era  mui- 
:o  valorofa  a  refiítencia  dos  defenfores ;  porém  como 
jraô  taó  poucos  ,  e  combatidos  por  tantas  partes,  ne- 
^ílitavaó  de  promptiílimo  foccorro  ;  aperto  ,  de  que  o 
Governador  fez  repetidos  avizos  a  Pedro  Jaques.  Che- 
níraõ-lhe  todos  ,  e  creceo-lhe  juílamente  o  cuidado  de 
:onfiderar  o  perigo  daquella  Praça  taõ  vizinho  ,  e  mui- 
:o  diílantes  os  meyos  de  foccorrella  :  porém  ajudado  em 
:anto  aperto  do  feu  valorofo  ,  e  incanfavel  eípirito^ 
leípedio  Correyos  a  todos  os  lugares  ,  de  onde  podiaó 
marchar  Auxiliares  ,  e  Ordenanças }  e  em  poucas  horas 
fahio  em  Campanha  a  efperar  os  foccorros  ,  que  breve-? 
mente  chegarão  aquelles ,  que  era  poífivel;  e  juntos 
3ous  mil  e  quinhentos  Infantes  ,  quinhentos  cavallos, 
i  duas  peças  de  artilharia  de  Campanha ,  fe  poz  em 
marcha  com  taó  poucos  mantimentos ,  que  naõ  che- 
gando o  paõ  de  munição  para  o  fuftento  daquelle  dia  , 
foi  neceísario  ao  Meítre  de  Campo  Manoel  Ferreira  Re- 
bello  ,  que  exercitava  o  poílo  de  Sargento  mór  de  Ba- 
talha ,  ufar  do  extraordinário  meyo  de  pedir  aos  Sol- 
dados do  feu  Terço  metade  de  hum  paõ  ,  que  cada  hum 
levava  ,  para  íoccorrer  hum  dos  Terços  da  Ordenança, 
que  marchavaò  fem  elle.  Alegres  ,  e  valoroíos  obede- 
cerão os  Soldados  ,  em  todos  os  feculos  gloriofos  por 
sita  acçaõ  J  pois  raramente  fe  achará  exemplo  de  igual 
Eonítancia,  e  foíi  ri  mento. 

Com  èíre  pequeno  numero  de  Soldados  intentou 
Pedro  Jaques  foccorrer  Caílello- Rodrigo ,  vencendo  a 
neceílidade  de  fer  foccorrida  brevemente  a  Praça  as  gran- 
des ,  e  perigofas  difficuldades  ,  que  fe  lhe  representa- 
va 6  ;  porque  romper  o  quartel  do  Duque  de  Oísuna  pa- 
recia temeridade  impoífivel  de  vencer  pelo  numero  in- 
ferior 


254    PORWGAL  RESTAURADO, 

Atino  ferior  >  e  qualidade  daqueUe  pequeno  ttroço ;  e  tomai* 
>j      quartel  á  viíta  dos  Caítelhanos  para  lhe  dificultar  os 

-lí>04*  aproxes,  eafsaltos,  naõ  opermittia  a  falta  de  manti- 
mentos, e  a  de  carruagens  para  os  conduzir,  que  era 
invencível :  porém  fiado  na  Divina  Providencia ,  de  que 
parece  o  fazia õ  merecedor  as  fuás  grandes  virtudes  , 
continuou  a  marcha ,  repartindo  todas  as  ordens  Manoel 
Ferreira  Rebello  ,  e  governando  os  quinhentos  cavallos 
o  Tenente  General  D.  António  Maldonado.  Teve  prin- 
cipio a  leis  de  Julho  ,  ás  quatro  horas  da  tarde  ,  e^on- 
tinuando-a  com  grande  íilencio,amanheceo  na  Serra  de 
Marofa,  que  ficava  fuperior  ao  quartel  dos  Caftelhanos, 
naõ  fendo  lentido  das  partidas  avança  das.  Naquel  la  ma- 
drugada mandou  o  Duque  de  Ofsuna  dar  hum  afsalto  á 
Praça  por  todos  os  poftos  ,  por  onde  podia  íer  attaca- 
da  ,  e  fendo  valorofamente  combatida  >  realçou  mais  a 
conítancia  ,  com  que  foi  confervada ,  executando  o 
Governador  acçoens  dignas  de  particular  memoria.  Ef» 
te  fuccefso  fervio  de  maior  eftimulo  a  Pedro  Jaques  ,  e  a 
todos  os  que  o  acompanhavaõ,  e  a  luz  do  Sol  lhe  defco* 
brio  ganhada  a  barbacãa,  e  na  Campanha  quantidade  de 
corpos  mortos.  Julgou  Pedro  Jaques  efte  tempo  conve- 
niente para  intentar  o  foccorro,  entendendo,que  os  Ca- 
ftelhanos eftavão  cançados  doafsalto,  e  receando  novos 
foccorros,  que  tinha  noticia  vinhaô  marchando  a  fe  en-j 
corporarem  com  o  Duque  de  Ofsuna  j  fendo  os  mais 
promptoso  Cõmifsario  geral  da  Cavallaria  D. Joaó  Ro- 
bles com  trezentos  cavallos  ,  e  o  Terço  da  Serra  de  Gata 
com  Infantes ,  que  a  noite  antecedente  haviaõ  chegado 
a  Ciudad-Rodrigo,  e  eftimulado  deites  mefmos  perigos, 
refolveo  intentar  o  foccorro ,  por  naõ  accrefcentar  o 
damno. 

Alegre  ,  e  refoluto  pafsou  por  todos  os  Terços  ,  o 
Cavallaria  ,  lembrando  aos  Soldados  com  femblante  ge- 
nerofo  a  injuftiça  da  cauía  ,  que  defendiaõ  ,  o  valor  de 
que  erao  dotados ,  os  excefsos ,  que  o  Duque  de  Of* 
funa  havia  exercitado  naquella  Provincia  ,  tirando  a  vi- 
da a  miferaveis  ,  e  dando  fogo  ás  lementeiras  ,•  extor- 
foens ,  que  obrigavão  a  clamar  ao  Ceo  os  interefsados  ,< 

eque 


PARTE  II.  LIVRO  IX.  jj5 

:  que  moítravão  pendente  o  caítigo  merecido  ,  e  ul-  AnnO 
Amamente  afua  felicidade  tantas  vezes  experimenta-  . 
la.  Referidas  eítas  razoens  ,  e  reconhecendo  no  alvo-  1064. 
*oço,  com  que  forão  ouvidas,  a  reíoluçaõ  dos  Soldados, 
:ompoílos  os  Terços  ,  e  as  Companhias  de  cavallos , 
narchou  a  bulcar  os  inimigos.  O  Duque  de  Qisunaéf- 
ava  tio  fora  de  padecer  efte  fobrefalto  ,  que  o  fom 
las  trombe  tas,  e  caixas  forão  os  primeiros  batedores  , 
me  lhe  derao  noticia  da  refolução  de  Pedro  Jaques , 
intendendo  que  lhe  feria  impoífivel  tomallá,ièm  haver 
hegado  o  Conde  deS,  João  ,  e  Affòníb  Furtado  ,  que 
fiava  feguro  fe  achavão  muito  diítantes.  Confufo  com 
íte  contra  tempo  ,  fem  acertar  o  remédio  ,  nem  aco- 
lirá  defenfa  ,  foi  a  primeira  ordem  mandar  dar  fogo  ás 
rincheiras  das  baterias  ,  e  áproxes  ,  havendo-fe  com- 
)oíto  de  pavèas  dos  trigos  fevadas  ,  arderão  facilmente, 

acenderão  de  forte  o  temor  em  todos  os  Soldados  Ca- 
belhanos ,  que  entre  medo  ,  e  confufaõ  lhes  naò  occor- 
eo  mais  penlamento  ,  que  a  retirada.  Reconheceo  Pe- 
Iro  Jaques  o  não  imaginado  foccorro  j  com  que  o  Ceo 
iifpunha  afua  felicidade  no  pânico  temor  dos  Caíle- 
hanos  ;  e  com  valorofa  reíoluçaõ  aprefsou  a  marcha  , 

fez  adiantar  os  batalhoens  com  mangas  demofque- 
eiros ,  feguindo-a  D.  António  Maldonado  o  Terço  de 
vianoel  Ferreira  Rebello  A  pouca  terra  ,  que  avança- 
aõ ,  fefizeraõ  fenhores  de  huma  peça  de  artilharia  ,  e 
orno  fofse  manifeílo  íinal  de  vidtoria ,  marchou  Pedro 
aques  a  toda  a  diligencia  a  dar  calor ,  aos  que  havia 
nandado  avançar.  Os  Caílelhanos  pafsáraõ  a  Ribeira  de 
lofsa  Senhora  de  Aguiar,  que  lhe  ficava  vizinha,  e  vol- 
ando  alguns  as  caras  ,  deraô  huma  carga  tão  mal  luc- 
edida ,  que  não  fez  damno  algum  nos  que  determina- 
ão  pafsaro  porto  ,  que  o  coníèguiraô  fem  outra  o p-r 
«ofiçao  ;  e  reconhecendo  o  ultimo  defmayo  dosCaíte- 
hanos  ,  os  inveítiraô  valoro  lamente  ,  e  em  breviílimo 
fpaço  forao  todos  desbaratados.  O  Duque  de  Ofsuna 
rendo  fem  remédio  a  fua  fatalidade  ,  íeguido  de  pou- 
os  cavallos,e  com  trage  diííimulado,pafsou  o  rio  Ague- 
la  ,  e  ficou  na  Campanha  defpojo.  dos  noísós  Soldados 

toda 


HE 


%  j<5  ?  ORTVGJtKESTAUKALO, 

Ânno  tQdaa  Infanteria  >  artilharia  ,  bandeiras ,  muniçoens,  í 
,,     bagagens,  e  a  maior  parte  da  Cavallaria.  Morrerão  mi 

l«o4'e duzentos  Infantes,  os  mais  vieraõ  prifioneiros  ,  en- 
trando nelles  o  Tenente  General  da  Cavallaria  D.  An- 
tónio Iísaci ,  o  Capitão  de  cavallos  D.  João  de  Chave! 
Maldonado  ,  os  Sargentos  Maiores  D.  António  Colme 
nero  ,  e  Chriítovaò  Honorato ,  dezoito  Capitães  de  Ia 
fanteria  ,  íeis  Ajudantes ,  vinte ,  e  oito  Alferes.  Fica- 
rão entre  os  mortos  quatro  Meftres  de  Campo  ,  outroí 
Oíficiaes  ,  e  D.  Joaó  Giron  ,  filho  illegitimo  do  Duqu< 
de  Oísuna.  As  peças  de  artilharia  foraó  nove ,  quatrc 
petardos ,  quinhentas  carretas  carregadas  de  munições 
e  mantimentos  ,  e  a  Secretaria  do  Duque  de  Otsunj 
com  os  íegredos  mais  Íntimos  da  íua  occupaÇaõ.  D; 
'nofsa  parte  naõ  houve  perda  alguma*  efinalaraó-fe  ne- 
He  felice  fuccefso  Manoel  Ferreira  Rebello ,  que  fo 
hum  dos  que  eftimularaõ  com  grande  valor  a  Pedr< 
Jaques  a  que  ataeaíse  a  batalha,  D.  António  Maldo 
nado  ,  António  Velofo  de  Figueiredo  ,  os  Capitães  d 
cavallos  Paulo  Homem  Telles  ,  António  Ferraõ  de  Ca 
Ítello-Branco,  Joaó  Soares  de  Almeida,  Chriílovaó  Cor 
rea  Freire  ,  Martim  AíFonib  de  Mello  ,  o  Sargento  Ma 
ior  Jofeph  de  Figueiredo  da  Silveira ,  o  Governado 
da  Comarca  de  Pinhel  Álvaro  Saraiva  dá  Gama,  Fran 
ciíco  Coelho  Oíorio  ,  Alcaide  mór  de  Caítello-Mendc 
o  Sargento  Maior  António  de  Figueiredo.  O  Duque  d 
Oísuna  fe  retirou  com  grande  trabalho  ;  priiicipalmen 
te  na  paisagem  do  rio  :  recolheu-le  a  S.  Felices ,  e  lo 
go  paísou  a  Ciudad-Rodrigo  ,  onde  padeceo  na  calurr 
nia  univerfal  da  fua  confiança  maiores  incentivos  a  íu 

Triunfante  fe  retirou  Pedro  Jaques  para  Almeida 
havendo  alcançado  huma  viclroria  ,  fe  naõ  imagina d£ 
bem  merecida  do  feu  grande  valor  ,  e  refoluçaõ.  Mar 
dou  a  nova  a  EIRey  por  feu  filho  Henrique  Jaques  ,  er 
quatorze  annos  de  idade  imitador  do  valor  de  feu  pa) 
que  exercitava  o  poíto  de  Capitão  delnfantena,  ej 
fe  havia  achado  na  batalha  do  Canal  Celebrou-fe  11 
Corte  eíla  nova  com  as  demonítraçoens  ,  que  merec: 
...-.       -  taa 


PARTE  IL  LIVRO  IX.  *p 

tanta  felicidade  ,  e  Pedro  Jaques  animado  a  novos  pro-  ^nn0 
rreísos  ,  haveado-lhe  chegado  os  fòccorros,  que  remet-     .  , 
■eo  a  Alentejo,  fahio  a  três  de  Agofto  de  Almeida  com  iyí,4- 
ious  mil  Infantes,  e  fetecentos  cavallos  a  queimara 
Vúh  de  Serralvo'  em  Caftella  a  Velha  ,  íete  legoas  di- 
ítante  de  Almeida.  Adiantou-fe  o  Capitão  Paulo  Hc- 
-nem  com  três  batalhoens,  pafsou  o  no  Águeda,  e  ama- 
nheceo-lhe  junto  a  Serralvo.  Dividia  as  Companhias  em 
partidas,  e  todas  fe  recolherão  com  numa  grpísa  pre- 
za a  Serralvo  ,  onde  já  acharão  Pedro  Jaques  ,  e  o  Con- 
de da  Vidigueira  ,  General  da  Cavallaria  de  anchos  os 
partidos.   Achava-fe  em  Almeida  o  Duque  do  Cadaval 
deíterrado  da  Corte  pelas  razoens  ,  que  já  referimos,  e 
fatisfazendo  aggravos  ,  como  favores  ,  fervia  de  Solda- 
do com  tanta  pontualidade ,  e  rifco  de  fua  pefsoa  ,  que 
naó  fe  orTerecia  empenho  ,  nem  trabalho  algum  ,  a  que 
ofeuvalor  ,  eo  feu  zelo  naõ  défse  principie.  Achou 
Pedro  Jaques  em  Serralvo  mais  defenía  ,  do  que  luppu- 
nha^  porque  o  Caítello  eílava  bem  guarnecido,e  fortifi- 
cado, e  rodeava  a  fortificação  huma  grofsa  eílacada,on. 
de  fe  recolhia  todo  o  gado  ,  e  era  diíficultofo  tirar-fe 
delia,  porque  naõ  havia  inílrumento  algum  deexpug- 
naçaô,  que  o  facilitafse.  Embaraçado  Pedro  Jaques  com 
eíte  accidente ,  fe  ofFereceo  o  Meífre  de  Campo  Ma- 
noel Ferreira  Rebello  para  romper  com  o  feu  Terço  as 
eítacadas.  Com  ordem  de  Pedro  Jaques  o  executou  por 
entre  nuvens  de  balas  á  cuíla  de  algumas  vidas  ,  que 
eraõ  de  muito  maior  preço  ,  que  o  interefse  da  preza. 
Entrou-fe  ,  e  faqueou-fe  a  Villa  :  Pedro  Jaques  fe  reti- 
rou fem  oppofiçaôi  porque  o  Duque  de  Ofsuna  havia 
fido  chamado  a  Madrid  por  EIRey ,  e  fahio  de  Ciudad* 
Rodrigo  em  occaíiaó  taõ  perigofa  ,  que  avizado  Pedro 
Jaques  por  huma  intelligencia,  adiantou  Paulo  Homem 
com  os  três  batalhoens ,  e  poucas  horas ,  que  fe  anti- 
cipara  ,  encontraria  infallivelmente  o  Duque.  Retirou- 
fe  Pedro  Jaques  ,  e  tornou  a  entrar  ao  dia  feguinte  ^pa- 
ra que  o  defeuido  lhe  facilitafse  a  empreza  na  confian- 
ça da  fua  retirada  ,  e  emboícon-fe  junto  a  Ciudad-Ro- 
drigo.  Confeguio  entrar  na  embofeada  fem  fer  fentidoj 

R.  fahio 


V 


ílam 


I 


«* 


1 5 8     PORTUGAL  B.EST JURADO, 

Afino  íahio-a  Companhia  da  guarda  ,  e  ordenou  o  Conde  d 
,//      Vidigueira  a  D.  Marti  uno  da  Ribeira  ,  que  a  carregais 
1D04*  com  três  batalhoens.  Aífim  o  executou,  mandando 
Duque  do  Cadaval  o  da  lado  direito  j  e  quando  che<*a 
rao  junto  da  porta,  haviaô  íahido  da  Praça  quinhen 
tos  cavallos  em  ibccorro  da  Companhia,  que  carrega 
raõ  taõ  vivamente  ,  que  os  obrigarão  a  íe  recolherei! 
á  Praça  com  perda   couíideravel ,  e  fendo  a  mais  feníi 
vel  a  da  reputação.  Voltou  Pedro  Jaques  para  Almeida 
ecom  inceísante  difvelo ,  deixando  deícançar  as  tro 
pas  até  dezoito  de  Outubro  ,  neíles  dias  prevenio  man 
tas  ,  petardos ,  ferramentas  ,  e  efcadas  $  e  no  dia  refe 
rido  marchou  com  três  mil  Infantes,  e  oitocentos  ca 
valiosa  interprender  a  Villa  de  Freixeneda  ,  grande  ,  < 
rica  ,  e  defendida  com  hum  Forte  bem  guarnecido  ,  po 
cujo  refpeito  fervia  de  alojamento  a  algumas  Compa 
ninas  de  cavallos ,  de  que  o  termo  de  Caítello-Rodri 
go  recebia  grande  incommodidade.  Adiantou-fe  o  Con 
de  da  Vidigueira  a  ganhar  poftos  com  aCavallaria  ío 
bre  a  Villa  ,  e  chegando  Pedro  Jaques  ,  mandou  arri 
mar  ao  Forte,  naõ  querendo  o  Cabo  render-fe  ,  as  man 
tas  ,  e  o  petardo.  Fizeraõ-fe  fornilhos ,  deu-iè  fogo  á, 
minas  ,  e  ao  petardo  ,  e  fe  abrio  brecha  capaz  do  afsal 
to  ,  e  depois  de  algumas  horas  de  valorofa  refiítencia 
foi  entrado  o  Forte.    Recolheraõ-íé  os  defenfores  ; 
Igreja  ,  que  também  tinha  defenfa ;  e  mandando  Pedrc 
Jaques  oííerecer-Ihes  partido  ,  para  que  feentregafsem 
o  naõ  quizeraõ  acceitar.  Arrimou-fe  á  porta  o  legundc 
petardo  ,deu-fe-lhe  fogo  ,  e  querendo  entrar  os  Solda- 
dos pela  brecha  ,acodiraõ  a  pedir  mifericordia  os  Sacer- 
dotes reveítidos  -.  e  lendo  dignamente  refpeitados ,  de- 
teve Pedro  Jaques,o  Duque  do  Cadaval ,  e  o  Conde  da 
Vidigueira  a  fúria  dos  expug  na  dores ,  e  feparado  o  fa- 
ero  do  profano  ,  ficáraõ  a  ley>  e  a  ambição  inteiramen- 
te fatisfeitas.  Sinalou-fe  noafsalto  o  Meftre  de  Campo 
Manoel  Ferreira  Rebello,  que  fervio  de  Sargento  mór 
de^Batalha  ,  o  Meftre  de  Campo  Diogo  Nunes  Preto , 
o  Sarmento  maior  Jofepli  de  Figueiredo  ;  e-aju  dando  a 
inveíHra  brecha  do  Forte  a  Cavallaria  defmoatàda,  en- 
trou 


VARTE  Ih  UfRO  IX.        259 

rouna   barbacãa  o  Duque  do  Cadaval ,  e  o  Conde  da  AllTTÓ 
fiàip;ueira  ,  e  íubio  ao  Forte  o  Tenente  General  Dom     ., 
VLartiuho  da  Ribeira,  e  outros  Oífíciaes,  e imitando  *fw*' 
odos  o  valor ,  com  que  Pedro  Jaques  diílribuia  todas" 
is  ordens  ,  Tem  fazer  caio  dos  maiores  perigos.  Naõ  cu- 
cou a  empreza  mais  ,  que  algumas  feridas  de  Soldados 
articulares.  Mandou  Pedro  Jaques  arrazar  o  Forte  ,  e 
aucimat  a  Villa ,  e  na  marcha  da  retirada  mandou  der- 
úbarfrairra^aTalaya  ,  que  os  Caítelhanos  haviaõ  fevan- 
ado  lebre  o  rio  Águeda  no  Porto  de  S.  Martinho  %  e 
-atendendo  ,  que  naõ  podiaõ  confervar  o  Forte  de  Fiei 
de  Vai  de  la  mula  ,  mandarão  retirar  a  guarnição  com 
tanta  prefsa,que,  fazendo  pouco  efteito  algumas  minas, 
que  deixarão  atacadas ,  acodiraõ  diligentemente  Pedro 
Jaques  ,  eo  Conde  da  Vidigueira  ,  eacháraõ  no  Forte 
grande  quantidade  de  muniçoens  ,  e  mantimentos;por- 
que  lo  a  artilharia  retirarão  os  Caítelhanos  ;  e  os  luga- 
res abertos  de  todo  aquelle  diítri&o  ficáraõ  muito  alie- 
viados  da  oppreísaô  ,  que  continuamente  lhes  dava  a 
guarnição  do  Forte, 

Retirado  de  Almeida  no  principio  deite  anno  Ar- 
fonio  Furtado  de  Mendoça  a  Penamacor ,  e  havendo 
pafsado  a  Alentejo ,  (  como  fica  eicrito )  ficou  entregue 
aquelle  Partido  ao  General  da  Artilharia  Diogo  Gomes 
de  Figueiredo  com  taó  pouca  gente  para  o  defender  , 
que  uíbu  do  único  remédio  de  fazer  retirar  os  gados , 
e  mandar  recolher  a  roupa  dos  paizanos  aos  lugares  for- 
tes. Com  eíta  prevenção  foraõ  menos  fenfiveis  as  en- 
tradas ,  que  os  Caítelhanos  flzeraõ  em  quanto  Aífbnfo 
Furtado  eíteve  em  Alentejo.  Logo  que  voltou  para  o 
feu  Partido,  intentarão;  os  Caítelhanos  ganhar  o  Ros- 
maninhal ,  para  cujo  eíieitoi  íahio  de  Alcântara  D.Gui- 
lherme Mafsacan  com  mil  infantes  ,  e  quinhentos  ca- 
vallos.  Havia  na  Villa  hum  Forte  ,  que  governava  An- 
dré Urfino  Napolitano,  Capitão  de  Infanteria  do  Terço 
deBalthaíar  Lopes  Tavares,  com  a  guarnição  daíua 
Companhia,  e  dos  paizanos  da  Villa.  Chegarão  os  Ca- 
ítelhanos ao  Forte  com  a  noticia  anticipada  da  fua  mar- 
cha. Eítavá  prevenido  pela  diligencia  do  Governador: 

R  2  deraò 


™ 


26o   PORTUGAL  KEST JURADO, 

Afino  derao  afsalto  ,  e  fazendo  Mafsacan  repetidas  diligencias 
i66'a   PGrSannar  °  Forte,  fizeraõ  os  defenfores  taôvaloro- 
10  04.  j-a  reiiítencia  ?  qUe  íe  retirarão  os  Caftelhanos  deixan- 
do as  eícadas  na  muralha,  e  fefsenta  mortos  na  Cam- 
panha ,  e  retirados  ,  cefsáraõ  as  entradas  de  liuma  ,  è 
outra  parte. 

Menos  felices ,  que  os  da  guerra  ,  eraó  os  fnccef- 
fos  da  Corte  J  porque  ,  crefcendo  nos  Cortezãos  o  deíè- 
jo  de  governarão  pafso  ,  que  as  vi&orias  repetidas  in- 
íinua vaõ a  fegurança  da  Monarquia,  lhe prognoftica- 
yaô  o  precipicio  as  difseníbens  domeílicas  ;  porque  nem 
os  vínculos  da  amizade,  nèm  a  eftreiteza  dos  parentef- 
cos  ferviao  de  meyos  proporcionados  para  a  uniaó  dos 
ânimos  j  e  EIRey  entregue  iníaciavelniente  aos  feus  di- 
vertimento» ,  naó  fe  defcobria  alguma  entre  todas  as 
fuás  acçoens ,  que  pudefse  dar  efperança  de  que  os 
annos,  e  a  razão  houvefsem  de  mudar  os  exercícios  1 
que  iníinuavaõ  pendente  o  perigo  da  Monarquia  ,  prin- 
cipalmente achando-fe  prezos  no  Caítello  de  Lisboa 
com  pouco  recato  na  communicaçaõ  o  eípirito  intré- 
pido ,  e  defafocegado  do  Marquez  de  Liche,  a  prudên- 
cia de  D.  Anielo  de  Gufmaõ  ,  e  a  induílria  de  muitos  , 
e  valorofps  Õííiciaes  ,  e  Soldados  Caftelhanos ,  que  era 
razão  temerfe  poderem  fer  incentivos  das  refoiuçoens 
domeílicas.  Neíle  tempo  ,  períuadido  EIRey  dos  gran- 
des males  ,  que  o  Conde  de  Soure  padecia  em  Loulé  , 
ondeeílava  defterrado  ,  e  inílado  de  apertadas  diligen- 
cias de  feus  amigos  ,  chegando  D.  Luiz  de  Menezes  a 
oíFerecer  pelo  feu  alivio  todo  o  merecimento  ,  e  fervi- 
ços ,  que  havia  feito  na  guerra  ,  lhe  permittio  licença 
para  eleger  fitio  fora  de  Lisboa ■',  em  que  pudefse  aíli- 
ltirá  Com  eíla  permiísaÕ  partio  de  Loulé  ,  e  accreícen- 
tando-lhe  os  achaques  o  abalo  do  caminho  ,  lhe  fobre- 
veyo  em  Palmella  taó  grave  enfermidade ,  que  o  che- 
gou ao  ultimo  período  da  vida.  Aeíle  lugar  veyo  de 
Alentejo  bufcallo  D.  Luiz  de  Menezes  ,  e  foi  de  quali- 
dade o  alvoroço  i  que  o  Conde  teve  de  ouvir  referir-lhe 
v'  as  circuítancias  dos  progreísos  da  Campanha  antece- 
dente? e  da  batalha  do  Canal,  que  provocado  do  fer- 

vorofo 


PARTE  II  LIVRO  IX.         761 

vorofo  zelo  da  confervaçaó  do  Reyno  ,  ie  levantou  .da  Anno 
cama.  Melhorou  o  Co  no  e  em  Palmella  ,  e  partio  Dom        , 
Luiz  para  Lisboa  ,  onde  o  Conde  checou   em  breves;         4- 
dias.  Confiando  a  EIRey  do  perigoio  eirado  da  ua  vi- 
da ,  permittio,  que  em  lua  caía  trataíse  da  Jua  laudes 
porém  haviaó  os  males  cobrado  tanta  força  ,  que  por 
ínais  efficazes ,  que  forao  os  remédios  ,.ie  de oihtou  de 
iorte  a  natureza,  que  com  o  verdadeiro  conhecimento 
da  morte,  e  diípoíiçoens  proporcionadas  ás  luas  gran- 
des virtudes,  veyo  a  acabar  a  vicia  ,  faltando  nella  aQ 
Reyno  defenla  ,  a  feus  amigos  interelse  ,  e  a  íeus  hinos 

mPFoi  D.  João  da  Coita  rilho  deD.Julianes  da  Co- 
ita, e  de  Dona  Franciica  de  Vafconcellos.  De  poucos 
annos  lhe  faltarão  íeus  Pays  ,  deixando-lhe  na  lua  qua- 
lidad-  as  obrigaçoens  do  leu  procedimento  ■,  íeparaçao, 
que  deixou  alua  educação  devedora  ás  virtudes  natu- 
raes  ,  de  que  foi  compofto  ,  e  em  ficar  único  ,  começou 
*  conhecer  ,  que  devia  caminhar  á  perfeição  da iingu- 
laridade.  De  poucos  annos  pai  sou  a  Madrid  a  leryir  a 
RainhaTíona  ilabel ,  mulher  d<ElRey  D.  Pilippe  IV,  e 
oito,que  continuou  aquella  aífiftencia,  fervmdo  de  bra- 
ceiro  á  Rainha  ,  mereceo  particular  eílimaça o  ;  porque 
oiugenho  brotava  fubtilezas  ,  diítribuhia-as  o  juízo  , 
aperfeiçoava-as  a  arte  ,  e  elmaltava-as  o  íemblante  ,  e 
todas  com  tanta  excellencia  ,  que  voltando  a  Portugal, 
deixou  nos  annos  futuros  vivas  memorias  dos  íeus  pue- 
ris acertos;  Logo  que  chegou  a  Lisboa  ,  começou  a  go- 
vernar a  fua  ^cafa  de  quatorze  annos ,    iem  mais  aiij- 
ítencia  ,  que  a  fidelidade  de  alguns  criados  antigos  ael- 
-la.  Naó  fendo  muita  a  fua  fazenda  ,  moderou  de  iorte 
•os  infeparaveis  appetires  da  primeira  idade,  que  lem 
faltar  ao  luzimento  publico  ,  gaitava  muito  menos  ,  do 
<me  tinha  de  renda.  Poz  efpada  ,  e  pafsou  a  Tangere,     . 
onde  aííiítio  três  annos  com  taó  airofas  acçoens ,   que 
deixou  naquella  virtiiola  guerra  raem orias  I heróicas  do 
feuvalorofo  procedimento.  Voltou  a  Lisboa  ,e  de  Ior- 
te foube  temperar  as  acçoens  do  valor  na  jtiírificaçaó 
das  pendências  ,  que  pudera  a  fuadifpofçaó  fazer  me-. 


R 


noá 


I 


i6z     PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnnO  nos  culpáveis  os  efcrupulos  doduello ;  oquefeveri- 

1664»  ^C£L  f  á^m ^e  GUtros  accidentes)  no  de fa fio  ,-  que  teve 
v  comFrancifco  Moniz  ^  occafiaò  ,  em  que  exercitou  taõ 
prudentes  primores,  que,  ficando  o  feu  contrario  mui- 
to ferido-,    fem  haver  faltado  ás  obrigaçoens  daquelle 
empenho,  foi  depois  hum  dos  amigos  mais  Íntimos, 
que  D;  João  teve-  Era  h uma  das  exemplares  doutrinas, 
que  coftumaya  expor  ,  que  poucas  vezes  tirariaõ  os  ho- 
mens peia  eípada-  fem  razaó  ,  fe  coníideraísem  os  em- 
penhos, em  que  fe  punha ò  para  tornar  a  embainhalla, 
como  devia&j  e  por  eíta 'onfideraçaõ  praticava  h* niífí- 
mos  documentos    para    íe  e  feu  1  arem   airofamente  as 
leves  de fconfíanças ■,  que  coílrumad  obrigar  os  perigo- 
íbs  empenhos  dos  deíafios^  introduzindo  no  tempo  da 
guerra,  a  doutrina  de  fe  aprazarem  para  asoccafioens 
dos  inimigos  dòReyno-,  tendo-íe  o  mais  arrojado  pe- 
lo melhor  iuecedido ,  fem  que  o  competidor  ficaíse  mal 
avaliado»  opinião  que  (conto  já  difsemos)  igualmen- 
te praticou  André  de  Albuquerque.  Reinou  nelle^a  mo- 
deília  com  tantas  ventagens,  que,  embaraçando-lhe  va- 
rias luggeítoens  a  confciencia ,  allurrnVdo  da  razaõ  buf- 
cou  por  defenfavel  remédio  fazer  aííiítencia  largas  ho- 
rasdentro-  do- horror  da  própria  fepultura.  Era  o  feu 
mais  agradável  divertimento  o  da  lição  das  letras  ,  e  das 
Mathem atiças ;  e  chegando  á  idade  de  vinte  e  nove 
annos,  fuccedeo  â  acclamaçaõ  d'ElRey  D.  Joaõ  ,  onde 
executou  as  prudentes,  evalorofas  acçoens,  que  refe- 
rimos,   e  ao  mefmo  tempo^  começou  afer  diícipulo  ,  e 
Meftre  de  Campo  da  guerra ,  comprando  na  batalha  de 
Montijo  (  tempo  ,  em  que  exercitava  o  Poílo  de  Gene- 
ral da  Artilharia  )  com  o  preço  doíeu  langue  a  defen- 
fada  íua  Pátria  »  fendo  hum  dos  principaes  initrumen- 
tos  de  íe  confeguir  aquella  memorável  vi&oria.  Paisan^ 
doaoPofto  de  Meílre  de  Campo  General  logrou  ,  go- 
vernando as  Armas  em  Alentejo  ,  feliciíTimos  fucceísos; 
eencómendando-lhe  EIRey  D.  Joaõ  nas  ultimas  horas 
defua  vida  adefenfa  do  Reyno  ,  naquelle  mefmo  in- 
ítante  foi  para  Alenleio  com  o  Poíto  de  Governador 
-das  Armas,  de  que  a  inveja ,,  e a  emulação  o  privou. 

Foi 


PARTE  11.  LIVKO  IX.         *6y 

Foi  muitos  anãos  Coníelheiro  de  Guerra  ,  confeguin-  Anno 
do  nos  teus  votos  grandes  melhoras  os  interelses  publi-     , , 
cos    Todo  o  tempo,  que  exercitou  a  occupaçao  de  Pre~  iuuá*° 
fidente  do  Confelho  Ultramarino  ,  experimentarão  as 
Conquiítas  os  acertos   de  fuás  diípoíicoens.  Pafsou  por 
Embaixador  a  França  no  tempo  mais  embaraçado ,e  mais 
contrario   ás  conveniências  da  íua  Pátria:  porém  ,  aju- 
ítando-fe  naquelle  tempo  o  caíamento  d<ElRey  Luiz 
XIV.  cora  a  Princeza  de  CaíteJla  ,  nao  foi  poderoia  to- 
da a  induílria  dos  Miniílros  Caílelhanos  ,  e  Francezes, 
para  divertirem  os  foccorros  ,  que  confeguio  para  a  de- 
fenfa  do  Reyno  ,  íervindo-lhe  de  admiração  a  lua  pru- 
dência a  toda  a  politica  do  Cardial  Mafsarino.  Foi  Ge n- 
til-homem  da  Camera  do  Infante  D.Pedro,  e  exerci- 
tou taõ  decoro famente  eíta  occupaçao,  que  mereceo 
confeísar-lhe  efta  ventagem  o melmo  Príncipe,  a  que 
íervio.  Heroicamente  affiílio  ás  ultimas  reíoluçoensda 
Rainha ,  e  foi  defterrado  por  zeloío  ,  e  confiante.  En- 
tre tantas  virtudes  lhe  condemnavaaignoranaa    como 
defeito  naó  uiar  de  temperança  no  ardor  da  coníerva- 
çao  do  Reino.  Algumas  vezes    lhe  fez  dam  no  a  con- 
fiança do  merecimento  próprio  ,•  porém  lempre  foi  em 
Gccaíioens  ,   que  folicitou  empreza  em  utilidade  com- 
mua.  Teve  íingular  eloquência  ,  graça  natural  em  tudo 
o  que  referia :  lançava  os  papeis  com  eminente  pro- 
priedade :  foi  na  amizade  conft antiffimo  ,  e  igualmen- 
te ofendido  da  ingratidão  ,•   porém  com  tal  temperan- 
ça ,  que  em  muitas  occaíioens  conhecendo-fe  ofrendi- 
do  antepoz    a  ley   Divina  aos  impulíbs  humanos,*  e 
por  conclufaõ  teve  todas  aquellas  qualidades,  de  que 
yirtuofamente  fe  deve  compor  hum  varaõ  perfeito.  Foi 
demeãa  eftatura,  branco,  e corado,  olhos  grandes, 
e  verdes,  cabello  negro  ,  e comporto.  Cafou  com  Do- 
na Francifca  de  Noronha  ,  filha  terceira  de  D.  Pedro 
de  Noronha,  fenhor  deVilia  Verde,  e  de  Dona  Julia- 
na de  Noronha  i  morreo  de  cincoenta  e  fete  annos  *  te- 
ve íete  filhos  ,  D.  Juliannes  da  Coita  ,  que  lhe  fucce- 
deo  naCafa,  e  titulo  ,  D.  Rodrigo  ,  que  hoje  vive  , 
D.  Pedro  ,  D.. Álvaro  ,  D.  Mtonio  ,  que  morrerão  miiu- 

R  4  nos, 


264   PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ànno  nos  >  Dona  Juliana  Condefsa  de  Aveiras  ,  e  Dona  Hele 
l66d.  Ua  '  que  morreo  também  menina.  Foi  enterrado  na  íli; 
*  ui-*  Capella  de  Sãto  Antaó  dosReligiofos  Agoítinhos.  Mui 
to  mais  dilatado  fora  eífce  elogio  ,  feos  preceitos  irre 
vogáveis  da  hiítoria  o  permirtiraõj  porque  as  grande 
virtudes  do  Coiide.de  Soure  foraó  merecedoras  de  par 
ticular  volume,  easfmgulares  obrigaçoens,  quecon 
fefsa mos  dever  á  ília  memoria;  pediaõ  demonfuraçoen 
muito  mais  eíficazes:  fem  moderar  eíte  afFeclo  a  cen 
fura  daquelles ,  que  no  primeiro  volume  ,  que  demos  í 
eftampa ,  injuítamente  julgarão  a  obrigação  por  excei". 
foi  parece  que  intentando  ,  que  a  amizade  caminhai 
fe  pelos  defeitos  do  ódio  ,  encobrindo-íe  a  verdade 
por  naõ  incitar  a  inveja  j  mas  qualquer  Hiftoriador  ht 
obrigado  a  fer  arbitro  taó  recro  ,  que  naó  tema  os  pe- 
rigos da  emulação j  nem  receye  as  calumnias  da  cen- 
fura. 

A  grande  falta  ,  que  fazia  áconfervaçaõ  do  Rey- 
no  a  peísoa  do  Conde  de  Soure  ,  foi  geralmente  fenti- 
da  de  todos  aquelles  ,  que  a  deíèjavaõ  femattençaô  a 
interefses  próprios,  emereceo  a  íua  memoria  publicai 
demonftracoens-.de  fentimento  no  Infante  D.  Pedro  , 
em  cujas  excellentes acçoens  íe  naõ  conhecia  defigual- 
dade.  Governava  neíte  tempo  a  Cafa  do  Infante  Simad 
de  Vafconcellos  com  grande  cuidado  ,  e  deíinterefse  ] 
porém  com  attençaó  particular,  a  que  outra  alguma 
peísoa  naó  participafse  no  Infante  daquella  luz  ,  (imi- 
tação do  Sol )  que  os ■  Príncipes  devem  comunicar  igual- 
mente a  todos,  os  que  dependem  da  benignidade  das 
fuás  influencias  i  ede  forte  crefcia  em  Simaõ  de  Vaf- 
concellos o  difvello  deita  diligencia  ,  que  até  ao  Conde 
de  Caftello-Melhor  feu  ir maó  chegava  o  fentiméto  del- 
ia, julgando-a  por  inítru mento  muito  arrifcado- á  fa- 
brica da  fua  fortuna.  Eíles  ,  e  outros  movimentos  fuc- 
cediaô  na  Corte,  fem  delles  ter  EIRey  mais  indivi- 
dual noticia ,  que  aquella  que  bailava  para  naõ  fer  ar- 
guida como  culpa,  deixarem  de  felhe  communicar; 
ainda  que  até  áquelle  tempo  naó  havia  quem  encon- 
trais o  poder  do  Conde  de  Cafcello-Melhor ,  que  como 

era 


PARTE  II.  LIVRO  /X.  a<$$ 

era  grande,  eutil  o  zelo  com  que  tratava  da  defen"Ànt10 
fa  do  Reyno,  e  os  ânimos  bellicofos  não  attendiaõ  mais, 
eme  a  efte  emprego,  reconhecendo-íé  em  EIReyinven-  1064. 
eivei  deiattenção  ,  todos  le  accon.mcdavaó  á  felicidade 
cio  Conde  :   poí  f«  não .  arriicar  a  conferváçaõ  publica 
a  encontrar  inconvenientes  mais infuperaveis •;'  eera  lo 
eícandalo  univeríal  a  duração  das  ineommodidades,que 
padeciáo  osdeíterrados,  fendo  principal  objecloo  Du- 
que^ do  Cadaval ,  que  além  da  grandeza  da  fua  Gafa  , 
o  merecimento  das  luas  acçoens  cada  dia  le  acerefeen- 
ta vá  no  exercício  da  guerra  da  Beira  -y  e  como  íè-naõ 
achava  pretexto  para  íimiihante  íem-razaô ,  publicava- 
fe  ,  que  era  vontade  d' EIRey  >  fendo  a  maior  infeli- 
cidade de  hum  Príncipe  ,  roubaremíe-lhe  nos  benefícios 
oseffdtos  ,  queperluadem  aaiíeição  ,  e  temarem-nos 
por  inílrumentos  dos  excelsos ,  que  os  embaração  no 

OUIO. 

Os  primeiros  dias  de  Janeiro  deite  anno  pafsou  EI- 
Rey ,  e  o  Infante  a  Santarém  a  lançar  a  primeira  pedra 
em  huma  Igreja  da  invocação  de  Nofsa  Senhora  da  Pie- 
dade, Orago ,  a  que  a  devoção  commua  attribuio  a  vi- 
d oria  do  Qanal ,  afhrmando-le  ,  que  fendo  de  barro  a 
matéria  ,  de  que  era  formada ,  le  virão  na  vefpera  da- 
quelledia  na  Imagem  íacrofanta  movimentos  lobrena- 
turaesáviíla  de  todo  o  Povo.  Entrou  EIRey  em  San- 
tarém pela  porta  de  Leiria  adornada  fumptuoíamente: 
dentro  delia  eítava  levantado  hum  tJieatro ,  donde  o 
Juiz  de  Fora  Francifco  Luiz  de  Caivalhofa  referio  hu- 
ma bem  compoíla  Oração,  e  entregou  as  chaves  da 
Villa.  Foi  EIRey  acompanhado  de  toda  aNcbrezaa 
pé  :  levava-lhe  a  rédea  do  cavallo  D.  Diogo  Fernandes 
de  Almeida  ,  Alcaide  mor  daquella  Villa,  e  fó  o  Vifcon- 
de  de  Villa-Nova  ,  que  fervia  de  Eftribeiro  mór,  hia 
a  cavallc.  Havia  EIRey  antes  da  entrada  feito  oração 
na  Igreja  da  Piedade,  e  caminhando  para  a  Igreja  Ma- 
triz ,  fahio  no  caminho  a  beijar-lhe  a  mio  o  Monteiro 
mór  Garcia  de  Mello  ,  por  lhe  ter  levantado  o  defterro, 
que  èSo  injuítamente  padecia  ,  e  lhe  hayer  reítituido 
o  exercício  dafua  occuração.Efperavaa  EIRey  na  Igre- 
ja 


i 


"" 


266    PQKruGALKESJAUKADO, 

Atino  Ja  °  Siípo  de  Targa  ,  Capellaõ  mór ,  e  eleito  Bifpo  de 
^z  Lamego  ,  para  llie  dar  agua  benta.  Havendo  feito  o ra- 
IÓ64#  ^5  g  e  yifitado  outras  relíquias  ,  que  naquella  Vil  la 
fe  coníervao  com  digniílima  venerarão  ,.  alojou  nas  ca- 
las do  Conde  de  Unha ó;$  queeítavaõ  magaiíicameiíte 
adereçadas.  O  dia  íeguinte  fèz  EIRey  a  função  de  lan- 
çar a  primeira  pedra  ha  Igreja  de  N.  Senhora  da  Pieda- 
de ,  fituada  ao  Chão  da  Feira  y  e  íèpultou  apedra  com 
a  infcripçaó  feguinte. 

Deipars  Virgini  à  Pietate  denominais 

Alphonjus VL  -.Lufitaniat  Rex  > 

Qjíoa fcejws  ope  ad  miraculam  infigni 

Joãnen  Auftriacu  Pbilippi  iF.CafieUa.  Regis  jiliã 

Pugna  Ganalenfe , 

Sexto  Uus  Juntas  an.  Dm  M.DC.  LXUl 

Ctrca  Stremotium  commtjfa 

ProfligãverU , 

Muitos  hoftlum  inierfecerit ,  pluresceperh  , 

Totmentis  ,  ar  mis.  ,  impedimenús 

Potttus  Jit : 

Hoc  Sacellum 

Impen/ls  fuis  faciendum  curâvit , 

Primumquefitndamentum  lapidem 

Própria  manum 

In  ater  num  grati%  devo  tique  anitni  monumentum 

tpJM  Bi  i 
Seq.  anno  ofilavo  Kalend,  Februar* 

De  Santarém  pafsouElRey  ,  eo  Infante  a  Salva- 
terra ,  enefta  livre  aíhílenciacrefceraõ  de  forte  as  deí- 
attençoens  d<ElRey,  que,fe.ndo  para  eucarecellas  preci- 
fo  individuallas  ,  por  naó  faltarmos  a  ta 6  altos  reípei- 
tos;,  fegnimoso  eftylo  mais  decoro  fo  de  omittillas  ,  ba- 
Itando  para  explicallas  o  notório  excelso  de  lerem  na~ 
quelle  tempo  inítrumento  das  refoluçoens  d'ElRey  os 

delinquentes  mais  facinorofos  da  Monarquia ,  que  por 

feus 


m 


PJRTE  11.  LIVRO  IX.        i67 

íeus  decretos  abfolutos  pafsavaó  do  fupplicio  para  o  Pa-  ^mi  0 
ço.  Padeceoneíte  tempo  grande  perigo  a  peísoad<El- 
Rey ,  e  a  do  Infante  ,  pela  aleivoia  traição  í  que  lhe    uv,^r 
forjarão  os  Inimigos  deita  Coroa,  mondando  a  Pedro 
de  Frecur  Franeez  ,  que  havia  íervido  em  Caítella  de 
Tenente  de  eavailos  ,  com  cartas  para  algumas  pelsoas, 
que  não  chegou  acommuniear.  Hofpedou-íe  em  cafa 
dejoaõBecíier  também  Franeez ;,   e  Trombeta  do  In- 
fante. A  primeira  pefsoaya  quem  participou  aleú  pre- 
verfo  intento  ,  o  delarou  ;  e  elle  ,  e  Joaò  Beclier  foraõ 
condemnados  á  morte  ,  e  ie  )hes  executou  a  lentença, 
pondo-íe  a  cabeça  de  Pedro  de  Frecur  em  hum  peito 
alto.  Deitas  conjuraçoens  houve  varias  no  tempo  do 
governo  da  Rainha  ,  e  d'E!Rey  ,  e  todas  deicobrio  com 
iumma  intelligencia  Pedro  Fernandes  Monteiro,que  ti- 
nha em  Caítella  quem  lhe  déise  osaviíos  com  toda  a 
promptidaõ.  Neisas  conjuraçoens  houve  dez  condem- 
nados7 á  morte  ,  alguns  defnaturalizados ,  e  outros  de- 
gradados; entre  os  últimos  foi  Diogo  Leite  v  Meâre 
de  Campo  de  hum  Terço  de  Alentejo  ,  toda  a  vida  pa- 
ra aludia.  Franciíco  da  Silva  de  Moura  fe  juítiíicou 
deita  calumnia  ,  provando  a  lua  innoceneia  em  huma 
prizaõ  ,  quepadeceo  fem  cauia  ,  ede  que  fahio  livre 
juítificando-fe  com  apurada  fidelidade.  LIRey  por  ma- 
nifeftar  com  todas  as  publicas  demonítraçoens  o  mui- 
to ,  que  le agradava  dobem  que  o  iervia  o  Conde  de 
Caítello-Melhor,  nafcendo-lhe  hum  filho  foi  leu  Com- 
padre, honrando  a  fua  cala,  onde  foi  o  Baptiímo, 
indo  aella  pela  porta  interior  do  Paço  acompanhado 
do  Infante,  e  de  toda  a  Nobreza.  Foi  madrinha  a  Mar- 
queza  de  Çaltello-Melhor  ,  mãy  do  Conde:  baptizou-o 
feu  tio  Frey  Luiz  de  Souia ,  Eimoler  mór  d'E]Rey, 
Bifpo  eleito  do  Porto.  Ailílio  o  Infante  á  função,  e 
toda  a  Nobreza  ,  e  derac-ie  neUa  pelos  mais  bem  fuc- 
cedidos  aquelles  ,  a  quem  tocarão  íaleiro ,  toalha  ,  pra- 
to, jarro  ,  e  tochas.  Todos  antes  ,  e  depois  da  aclo 
beijarão  a  maõ  a  £lRey  pela  attençaó  ,  com  que  remu- 
nerava os  ferviçcs  do  Conde ,  applaudidos  juítamente^. 
porque  a  pontualidade  era  grande ,  o  zelo  louvável  $® 

activi-    r 


; 


fe; 


PORTUGAL  RESTAURADO, 

Á nrtO a&ivtdade muita  tf  re^uiíitos  proporcionados  para  aco- 
>,  dir  ádefenía  do  Reyno.  Brevemente  logrou àimaó  de 
1004.  yafçoncellos  igual  honra  do  Infante  ,  ieujo  íeu  com- 
padre do  primeiro  filho ,  que  lhe  naíceo.  E  o  Conde 
de  Gaítello-Melhor  ,que eítudava  com  grande  cuidado 
os  meyos  defeaccrefcentarem  os  cabedaes  da  Monar- 
quia i  fez  que  EIRey  toniaíse  por  lua  conta  a  admini- 
ítraçaõ  da  Companhia  do  Gommercio  Geral  do  Brafií, 
dando4e  íatisfaçaõ  aos  interelsados  em  juros  de  vinte 
o  milhar ,  afsentados  nos  direitos  do  tabaco  (  naquelle 
tempo  menos  rendo í os  ,  do  que  hoje  ie  experimenta  ) 
ficando  obrigados  os  direitos  do  comboy  ,  e  não  haven- 
do mudança  na  forma  do  Commercio. 

Nos  negócios  políticos  de  Europa  continuava  a  dif- 
Continua-Je  a  poíiçaõ  pela  direcção  do  Marquez  deSande  *  que  com 
7aUduí°ml!aÍ-&rSL^e  prudência  ,  e  zelo  os  encaminhava,  e  d  il  punha 
xadas.  confeguirem-íe  conl  a  felicidade,  que  teítimunhavaô 

•as  experiências  ;e  havendo  (  como  referimos  (  tratado 
com  a  maior  attençaó  ,  de  queíe  ajuftaíse  o  cafameuto 
-d*  EIRey  com  aquella  Princeza  ,  de  que  pudefsem  re- 
íultarnO  Reyno  maiores  interefses,  valendo-ie  da  gran- 
de applicação  ,  e  fingular  affieclo  ,  com  que  o  Manchai 
deTurena  íetinha  difpoílo  ao  augmento  ,  e  melhoras 
■dê Portugal  5  com  avifo  -íeu,  e  ordem  d'ElRey  reíol- 
veo  paísar  a  Paris,  havendo-lhe chegado  todos  os  po- 
deres necèísariòIs  para  tratar  o  cafamento  d'ElRey  com 
Madamoyzella  de  Nemours  ,  remettendo-lhos  o  Conde 
deCafbello-Melhor,  de  que  mandou  a  copia  ao  Mari- 
chal  de  Tureua  ,  por  lha  pedir  antes  de  fahir  de  Lon- 
dres. Erão  muitas  as  razoens  \  que  moítravão  fer  eífce 
cafamento  o  mais  conveniente  ,  por  concorrerem  todas 
para  aclara  de  mo  nítração  deferem  asmaisfeguras  as 
alianças  de  França.  Antes  do  Marquez  partir,  deu  con- 
ta a  EIRey  ,  e  á  Rainha  da  Gram -Bretanha  ,  que  ap- 
provarão  â  negociação  ,  e  lhe  concederão  a  licença, 
promettendo-lhe  o  fegredo  ,  que  lhes  pedio ;  impor- 
tante para  fe  èonfeguir  \  que  as  diligencias  induítriofas 
dosCaílelhanos  nao  deshiratafcem  o  intento  pertenci- 
do} e  antes  que  o  Marquez  partifse  ,  quiz  EIRey  da 
x  -.  .  Gram- 


PARTE  11  LIVRO  IX         169 

Gram-Bretanha ,  que  lhe  accômodaíse  varias  duvidas,  Anno 
que  havia  entre  os  Embaixadores  de  França  ,  e  o  de  , ., 
Inglaterra,  que affiítia  em  França;  porque  ambos  (em  ^O^ 
notório  bene^co  da  reputação  do  Marquez  )  o  defeja- 
vaó  por  medianeiro.  Sendo  os  negócios  muito  graves, 
defempenhou  o  Marquez  a  confiança,  que  fizerão  da 
fua  prudência,  e  deixou  íblicitando  em  Londres  os  foc- 
corros  de  Portugal  ao  Padre  RuíselBilpo  eleito  de  Por- 
talegre ,  e  diípoítos  em  tão  boa  forma  ,  que  não  tive- 
rão  alteração ,  fem  fervir  de  embaraço  o  fuccefso  de 
Bombaim  ■,  accidente  >  de  queosCaftelhanos  íouberaõ 
ufar  com  muita  induftria  em  damno  ,  entre  muitos  Mi- 
niftros  Inglezes ,  das  affiítencias  ,  com  que  Inglaterra 
concorria  para  a  defenía  de  Portugal.  Levou  o  Marquez 
Embaixador  em  fua  companhia  o  Secretario  Franciíco 
de  Sá  de  Menezes,  a  feu  fobrinho  Ruy  Telles,  e  a  Fran- 
ciíco de  Azevedo  ,  e  poucos  Gentis-tiomens  de  fua  fa- 
mília ,  por  fazer  menos  íufpeitofa  aquella  jornada,  que 
diííimulou,  fazendo  publicar,  que  palsava  a  huma  quin- 
ta ,  e  deixou  a  fua  caía  compoíta ,  e  aberta  com  a  af- 
íiítencia  de  toda  a  fua  família.  A  inftrucçaó  ,  que  lhe 
mandou  o  Marichal  de  Turena  ,  foi ,  que  não  fizeíse 
jornada  por  Caléz,  que  defembarcafse  em  Normandia, 
que  pafsafse  a  Ruaò  ,  e  a  Ponthoifa  ,  onde  acharia  em 
huma  eftalagem  finalada  humGentil-homem  chamado 
Picart ,  cuja  inítrucção  feguiria  :  porém  havendo-fe  an- 
ticipado  a  chegada  do  Marquez,  ao  que  o  Marichal  en- 
tendeo  ,  não  achando  o  Gentil-homem  na  eítalagem, 
íe  adiantou  a  S.  Diniz ,  donde  avizou  ao  Marichal  a 
parte ,  em  que  ficava  encoberto ,  pedindo-lhe  a  ordem 
do  que  devia  executar.  Promptamente  chegou  hum 
Gentil-homem  do  Marichal ,  que  o  conduzio  de  noite 
ao  feu  Palácio  a  Paris  ,  e  o  introduzio  nelle  em  caia 
do  feu  Capitão  da  Guarda  ,  que  achou  bem  adereçada, 
íemque  outra  pefsoa  alguma  ti vefse noticia  deita  hof- 
pedagem.  Recebeo-o  o  Marichal  com  grandes  demon- 
ítraçoensdofeu  aíFecFo  (nunca  baftantemente  encare- 
cido) íegurou  ao  Marquez  á  vontade  d'ElRey  Chriítia- 
niilimo  j  porém  que  era  grande  a  diligencia ,  que  os 

Caíle- 


m 


»7o  PORTUGJLREST.WKAPO, 

Ánno  Gaftelhanos  faziaõ  ,  ajudados  do  Duque  de  Lorena,  pa-* 
ss      i*a  que  MadamoyzeUa  deNemours  cafafse  com  o  Duque 

IÒ04.  Carlos  de  Lorena,  herdeiro  daquelle  Eílado ,  que  Et- 
Rey  havia  largado  ,  reíervando  parai!  duas  Praças  ;e, 
o  Marichal  de  Turena  quan*  alsentia  neíle  embaraço  , 
deíejando  que  a  fortuna  defer  Rainha  de  Portugal  ca- 
hiise  em  Princeza  ,  com  que  tiveíse  mais  eítreito  paren- 
telco  ;  porém  não  de  íòrte  ,  que  fatafse  com  generofa 
reíblução  a  todas  as  diligencias  poíliveis  ,  para  feefTei- 
tuar  o  cafamento  de  MadamoyzeUa  de  Nemours  ;  e  da. 
meíma  forte ,  e  com  o  mefmo  afFe&o  procurava  adian- 
tar osjoccorros  dePortugal,moír.rando  fazer  grande  ef- 
timação  da  prudência  ,  e  talento  do  Marquez  deSande, 
ajudando  as  negociações  do  Marichal  o  Duque  de  Gui-. 
za  ,  e  o  Marquez  de  Ruvigni  com  o  mefmo  ardor,  que 
o  Marichal  lhes  influia,  por  fe  acharem  fubordinados 
á  fua  direcção  ;  e  o  Marquez  de  Sande  continuava  a  af- 
iiílencia  da  cafa  do  Marichal  com  o  mefmo  recato,  com 
que  havia  entrado  nella  i  ea  induítria  do  Marichal  di- 
llribuia  de  forte  as  diligencias  politicas  de  França  ,  que 
as  tropas  daquelleReino,fazendo  frente  em  Italia,obri- 
gavão  aosCaítelhanosa  íufpender  tirar  gente  dos  feus 
domínios  para  a  guerra  de  Portugal.  Eftando  os  ne- 
gócios de  França  neftes termos,  e  apertando  o  Marquez 
de  Sande  a  concluíaõ  do  cafamento  de  MadamoyzeUa 
deNemours  por  via  do  Bifpo  de  Lans  ,  Duque  Par, 
e  tio  de  MadamoyzeUa  ,  teve  o  Marquez  noticia  que 
em  cafa  de  MadamoyzeUa  de  Nemours  mãy  da  Prince- 
za fe  fazia  junta  de  Theologos  ,  era  que  aíliília  o  Bif- 
po ;  e  defejando  averiguar  a  cauía,  foube  que  Madama 
de  Nemours  defejava  deíembaraçar  aconfciencia  para 
ajuítar  o  cafamento  com  FJRey  ,  por  haver  feito  al- 
gum tempo  antes  hum  contrato  com  o  Principe  Fran- 
cifco,  pay  de  Carlos  de  Lorena  ,  que  tendo  procura- 
ção de  feu  filho  fe  recebera  com  MadamoyzeUa  de  Ne- 
mours, e  que  neíle  embaraço  íem  a  reftituição  das  pro- 
curaçoens ,  que  folicitava  Madama  de  Nemours,  fe  não 
podia  ajuítar  o  caíamento;  obrigado  juntamente  de  lhe 
mandar  declarar  EIRey  ChriíHaniliimo  pelo  Secretario 

de 


ióÓ4< 


PsíKTÊ  II.  LIVRq  IX.         271 

de  Eftado  Telher  ,  que  em  nenhum  caio  confentiria  o  Armo 
caia  mento  de  fita  filha  com  o  Príncipe  de  Lorena.  Ef- 
teacddente  occafionou  grande  confufaõ  ao  Marquez 
Embaixador,  principalmente  depois  que  lhe  conítou, 
que  o  Príncipe  Carlos  eítava  na  Corte  do  Imperador, 
e  que  os  Caítelhanos  fazião  exquifitas  diligencias  ,  pa-> 
ra  que  elie  não  confentiíse  em  fe  romper  o  Tratado. 
Achando-íe  neíta  confufaõ  ,  e  difpondo  dar  conta  a  EI- 
Rey, e  ao  Conde  de  Caftello- Melhor ,  do  grande  ob- 
ítaculo  ,  que  fe  lhe  oíFerecera  ,  lhe  difse  o  Marichalde 
Tu  rena  ,  que  entendia  ,  que  aquelle  negocio  não  eíta- 
va  emeltado  de  fe  continuar  ,  por  embaraçado  ,  e  por 
indecoroio  ,  e  que  em  França  havia  outras  Princezas  da 
meíma  qualidade  ,  e  belleza ,  de  menos  annos  ,  e  igual 
dote.  Refpondeo-lhe  o  Marquez,  que  neíta  parte,  como 
em  tudo  ,  ieguiria  voluntariamente  a  íua  opinião  :  po- 
rém que  o  opprimia  entrar  na  coníideração  de  que  EI- 
Rey feu  Senhor  ,  e  feus  Miniítros  íe  poderião  deixar 
penetrar  da  defco  afiança  de  que  em  França  fe  dilata- 
va com  efperanças  o  cafamento  d'ElRey  ,  defviando  os 
caminhos  de  concluillo;  e  que  o  eítreito  recolhimento  t 
em  que  eítava  naquella  Corte  ,  lhe  perturbava  acodir 
a  outros  negócios  muito  importantes  ,  principalmente 
os  íbccorros  de  dinheiro  ,  e  gente  ,  que  eraõ  necefsa- 
rios  para  a  Campanha  futura  ,  que  quaíi  fe  hia  chegan- 
do j  e  juntamente  ,  que  elle  íe  achava  íem  poderes  pa- 
ra tratar  de  outro  cafamento  mus  ,  que  do  propoíto; 
e  que  quando  fe  não  efièituafse  ,  lhe  feria  forçofo  vol- 
tar para  Inglaterra  a  tratar  as  conveniências  de  Portu- 
gal com  os  inimigos  da  Coroa  de  França ;  e  que  de- 
ita fua  refolução  ,  e  de  tudo  ,  que  lhe  havia  referido  , 
pedia  ao  Manchai  défse  couta  a  EIRey  Chriítiauiíirmo 
na  hora  do  defpacho  ,  em  que  o  Mancha!  afliftia  com 
Tellier,  Lione  ,  e  Colbert ,  que  erão  os  quatro  ,  de 
quem  EIRey  fiava  todos  os  negócios  da  Monarquia.  Foi 
de  grande  eíFeito  eíta  reíolução  do  Marquez ;  parque 
EIRey  Chriftianíninio  ,  e  os  Miniítros,  que  lhe  aíliitião, 
conhecerão  ,  que  o  maior  beneficio  da  confervação  de 
França  era  a  união  de  Portugal ,  e  immediatamente  ref- 

pou- 


27*      PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnnO  'pondeo  o  Manchai  ao  Marquez  ,  que  para  que  elle  co- 
u  ,y  nhecefsè  quanto  em  França  fedeíèjava  a  amizade  de 
IÓ64*  portugal ,  fe  lhe  lignaiava  igual  cafamento  ao  de  Ma- 
•damoyzella  de  Nemours  na  belleza  de  Madamoyzella 
de  piboeuf  com  a  me  ima  qualidade,com  o  meímo  dote, 
e  com  as  meimas  condiçoens  ,  que  efíavao  ajuíladas;  e 
por  ler  eíta  Princeza  prima  d'EÍRey,  e  biíheta  de  Hen- 
rique IV  ,  que,  lendo  de  menos  idade ,  era  de  Índole  car 
paciílima  de  paísar  da  liberdade  da  vida  de  França  aos 
coítumes  de  Portugal  j  e  que  além  deitas  razoens ,  era 
feu  Tay  Governador  das  Provindas  de  Picardia  ,  e  Ar- 
tois ,  e  da  Praça  marítima  de  Montevir ,  por  onde  o 
Duque  de  Elboeuf,  pay  de  Madamoyzella  teria  pretex- 
to de  expedir  osfoccorros  de  França  ,  fem  parecer  que 
ie  violava  o  Tratado  da  paz  pela  eftreiteza  do  parentei- 
co  :  que  o  Tratado  fe  faria  com  o  Marichal  de  Turena, 
como  procurador  do  Duque  de  Elboeuf,  e  que  o  Mar- 
quez poderia  declarar  ,  que  não  tinha  ordem  d<£!Rey 
para  íimilhante  ajuílamento  :  e  que,  dado  calo  queEl- 
Rey  fe não fatisfizefse  (o que  íenao  podia  prefumir) 
de  tão  úteis  condiçoens  ,  poderia  romper  o  Tratado  fem 
offenía  de  França  ,  e  que  com  elle  pafsaria  o  Marquez 
a  Portugal ,  aííim  para  o  ratificar  ,  como  para  moítrar 
a  EIRey  as  diípofiçoens  ,  em  que  França  fe  achava  pa- 
ra ibccorrer  a  Portugal.O  Marquez  de  Sande  vendo  deí- 
vanecido  o  primeiro  intento  do  cafamento  de  Mada- 
moyzella de  Nemours  ,  e  aberto  o  caminho  para  fe  fe- 
guirem  osinterefses  de  Portugal,  fem  fe  lhe  metter  por 
condição  ,  que,  offerecendo-fe  accaíiaõ  de  fe  ajuílar  a 
paz  entre  Portugal ,  e  Caítella  ,  não  feria  necefsario  o 
beneplácito  de  França  ,  ponto  muito  efsencial  para  o 
felice  rim  de  tão  grande  negocio  ,  admittio  a  pratica  , 
entendendo,  que  o  cafamento  de  Madamoyzella  de  El- 
boeuf não  era  de  inferiores  conveniências  pela  qualida- 
de, pelo  parecer,  pela  idade  ,  e  pelo  dote,*accreicentan- 
do-fe  o  empenho  do  Marichal  de  Turena  ;  pprèm  em 
quanto  apafsar  a  Portugal ,  refpondeo,  que  era  con- 
tra o  fim  da  conclufaõ  do  negocio  ,  e  que  o  caminho 
mais  fácil  para  fe  confeguir  feria  entregar  o  Tratado  ao 

Secre- 


""" 


PARTE  II.  LIVRO  IX.         275 

Secretario  da  Embaixada  Franciíco  de  Sá  de  Menezes, 
e  que  elle  eícrevéria  ,  e  o  faria  pratico  em  todas  as  cir- 
cumítancias  ,  que  fofsem  mais  efseaciaes.  Ajuftou-ie  o 
Marichal  com  eíta  propoíiçao,  edifse  ao  Marquez,  que 
para  aquelle  tempo  guardava  outra  propoíla  para  a  lua 
peísoa  de  mayores  circumíiancias ,  e  que  trabalhara 
muito  ,  antes  de  proferilla,  de  moita  a  EIRey  de  Por- 
tugal ,  que  fem  interefse  algum  felicitava  as  conve- 
niências da  fua  coníervaçaõ  ,  entendendo  que  era  hu- 
ma  das  maiores  íeguranças  defeaugmentar  a  grande- 
za de  França  :  que  por  eítes  refpeitos  fizera  toda  a  di- 
ligencia ,  para  que  fe  ajuítafse  ocafamento  d' EIRey 
com  Madamoyzella  deMonpeníier, mandando  para  efte 
efíeito  o  feu  Secretario  a  Portugal ,  que  depois  agen- 
ceara  o  caíamento  de  Madamoyzella  de  Nemours,  e  fi- 
nalmente o  de  Madamoyzella  de  Elboeuf :  que  havia 
aíuftido  a  D.  Franciíco  Manoel  em  França  ,  e  Itália ,  e 
da  mefmâ  forte  naquella  Corte  a  Francifco  Ferreira  Re- 
bello  ,  que  tinha  facilitado  os  foccorros  de  França,  que 
em  Portugal  íe  julgavaó  impoííiveis  ,  havendo  atfiílido 
por  eíte  refpeito  o  feu  Secretario  em  Londres  dous  an- 
nos ,  como  conílava  ao  Marquez  ;  e  que  das  finezas  , 
que  havia  obrado  com  a  fua  pefsoa ,  fem  as  explicar, 
podia  elle  fer  a  mais  verdadeira  teftimunha,  e  que  a 
fatisfaçao  ,  que  defejava  de  todos  eíles  benefícios  ,  era  a 
honra  defe  aparentar  com  EIRey  ,  reconhecendo  a  di- 
iiancia  ,  que  havia  da  Cafa  Real  de  Portugal  á  fua,  con- 
seguindo a  fortuna  de  fe  ajuílar  o  cafamento  do  Infan- 
te D.  Pedro  com  fua  fobrinha  Madamoyzella  de  Bovil- 
lon  ,  filha  de  feu  irmaõ  o  Principe  de  Turena  >  que  pa- 
ra eíle  eííeito  findara  dote  em  dinheiro  de  contado  , 
muito  á  fatisfaçao  d'ElRey:  que  a  fua  Cafa  tinha  o 
tratamento  em  França  de  Prncipe  extra ngeiro  ,  da  mef- 
ma  íorte  ,  que  a  Cafa  de  Saboya  ,  e  Lorena  ,  e  que  a 
grandeza  da  fua  familia  tinha  tanta  antiguidade  ,  que, 
prefumindo-fe  poderia  faltar  a  Rainha  de  Inglaterra  da 
doença  ,  que  antecedentemente  tinha  padecido  ,  fe  ha- 
via aberto  pratica  para  EIRey  da  Gram-Bretanha  cafar 
com  fua  fobrinha ,  a  que  elle  ,  por  na õ  ter  herdeiros». 

S  trata- 


AnuQ 

1664. 


-Â 


274    PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnilO  tratava  com  o  amor  de  Pay  ;  e  que  o  maior  dote  ,  que 
Portugal  coníeguia  neíte  ca  lamento  ,  era  o  empenho, 
IO04.  em  que  ficava  de  acodir  á  ília  defenfa ,  não  fó  como 
Miniítro  tão  principal  com  todas  asforças  de  França, 
fenão  como  parente  tão  chegado  com  a  fua  própria 
peisoa  em  qualquer  empenho  ,  que  pedifse  eíta  delibe- 
ração ;  e  que  havendo  elle  participado  eíta  noticia  a 
Fermond  ,  intelligente  Francez,  que  âífiítia  em  Lisboa, 
elle  a  communicara  ao  Conde  de  Caítello- Melhor,  que 
lhe  fegurara  ,  que  nãò  fó  lhe  parecia  praticável  o  ca- 
famento ,  fenão  eflèituavel. 

O  Marquez  parecendo-lhe  eíta  pratica  utiliííima 
para  a  confervação  da  Monarquia  ,  ofFereceo  ao  Man- 
chai a  fua  mediação  com  todas  as  palavras  ,  demonítra* 
çoens ,  e  requifitos  ,  que  lhe  parecerão  necefsarios,  pa- 
ra ficar  fatisfeito  o  Marichal  de  Tu  rena  ,  de  cujas  ne- 
gociaçoens  eíta vaõ  dependentes  todos  os  foccorros  de 
França  ;  e  fe  para  do  do  Marichal ,  difpoz  com  toda  a 
brevidade  a  partida  de  Francifco  de  Sá  ,  e  efcreveo  a 
EIRey  ,  expondo  com  razoens  prudentiífimas  as  que  o 
havião  obrigado  ,  affim  a  fazer  o  Tratado  com  Mada- 
moyzella  de  Elboeuf ,  fem  ter  poderes  ,  como  o  de  ad- 
mittir  a  pratica  do  cafamento  do  Infante  D.Pedro  com 
Madamo/zelladeBollivon;  fendo  as  principaes  haver 
de  confiderarfe,que  naquelles  cafamentos,  não  fó  fe  de- 
via attender  ,  ao  que  fe  ganhava ,  fenão  ao  que  fe  ar- 
riícava,  defabrindo-fe  o  Marichal  de  Turena  em  tempo, 
que  Portugal  fe  achava  reíiítindo  á  grade  guerra  de  Ca- 
ítella  ^  pouco  firme  a  paz  de  Hollanda  ,  e  Inglaterra 
defabrida ,  por  lhe  não  haver  entregue  a  Bombaim  , 
e  França  feparada  pelas  capitulaçoens  da  paz  ,  e  cafa- 
mento deCaítella,  defejando  fuítentar  em  Portugal 
hum  ramo  taõ  dependente  dos  feus  intereíses  ,  como 
Caítella  no  Império  o  da  Cafa  de  Auítria.  Antes  que 
Francifco  de  Sá  fe  partifse  ,  avifou  ao  Marquez  o  Ma- 
richal de  Turena  queria  moítrar-lhe  a  elle  ,  e  a  Fran- 
cifco de  Sá  as  duas  Princezas  deítinadas  para  EIRey ,  e 
o  Infante  de  Portugal ;  e  aquella  noite  o  levou   a  fua 
cafa,  a  Francifco  de  Sá,  e  a  Ruy  Telles,  e  entrou  a 

velas , 


PARTE  II.  LIVRO  IX.         z7; 

velas  ,  que  eítavão  aíliftidas  de  Madama  de  Elboeut ,  e  ^nno 
admirou  nellas  excellente  for  motora;  pedioos  retratos       , 
ao  Marichali  que  remetteo  por  Franciíco  de  Sá;  porém  1 0O4« 
reconhecendo  as  diípofiçoens   da  Corte  ,  eícreveo  ao 
Conde  de  Caítello-Melhor,  pedindo-lhe  com  grande  ef- 
icácia aceitaíse  os  partidos  referidos ,  e  favoreceíse  a 
deliberação  que  havia  tomado  ,  dizendo-lhe  juntamen- 
te ,  que  receava  o  que  lhe  advertia  a  Rainha  de  Ingla- 
terra ,  quando  partira  para  França  ,  que  fe  nao  meteise 
em  fer  cafamenteiro  de  íeus  Irmãos  ,  pela  incerteza  dos 
fuccefsos  futuros. 

Fartio  Francifco  de  Sá  com  o  Tratado  feito  entre  o 
Marquez  de  Sande,e  o  Marichal  de  Tu  rena  com  Mada- 
moyzellaAnna  Eliíabethde  Lorena  ,  filha  mais  velha 
do  Frincipe  Carlos  de  Lorena  ,  Duque  de  Elboeuf  ,  e 
de  íua  primeira  mulher  Eliiàbeth  deLaunoy,eem  quin- 
ze artigos  fe  exprefsavaõ  condiçoens  ,  vantagens  ,  e  do- 
te de  grande  confideraçaõ  para  os  termos  ,  em  que  fe 
achava  a  guerra  de  Portugal,  reprelentando  o  Marquez 
de  Sande  a  EIRey ,  que  naõ  fe  podiaõ  achar  em  Euro- 
pa melhores  cafamentos  j  porque  em  Suécia  naõ  havia 
Princeza  ,  nem  em  Dinamarca  ,  nem  em  Inglaterra  ,  e 
que  em  cafo  que  as  houvefse  ,   feria  difficultofo  mu- 
dança da  Religião  ,  que  em  Hollanda  fe  achava  a  filha 
do  velho  Príncipe  de  Orange  J  porém  que  era  de  mui- 
to inferior  parecer  ,  eque  nao  queria  mudar  de  Reli- 
gião :  que  no  Império  ,  e  em  Caítella  era  impraticável» 
ainda  em  cafo  ,  que  houvefse  Princezas  defembaraçadas 
detaò  forçofosobílaculosrque  ficava  fó  Parma  com  ida- 
de difFerente  ,  íem  dote  .  e  grande  difpendio,  e  difficul- 
dade  na  condução ;  e  que  íem  embargo  de  todos  os  in- 
tereises  penderem  para  a  uniaõ  de  França, o  tratado,que 
havia  feito  para  o  caíamento  de  Madamoyzella  de  El- 
boeuf ,  que  preferia  a  todas  as  mais  Princezas  pelas  ra- 
zoens apontadas  ,  hh  condicional:  que  em  cafo  ,  que 
EIRey  o  naõ  aceitaíse  ,  nem  a  reputação  ,  nem  osinte- 
reíses  ficavaó  prejudicados ;  e  que  ainda  eítreitava  mais 
ajuílar-fe  o  caíamento  ,  haver  noticia  ,  que  as  diisen- 
çoens  entre  o  Pontífice ,  e  EIRey  de  França  eíravaõ. 

S  i  ajuíla- 


t76    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  ajuítadai-,  o  que  fe  tinha  por  infallivel  pela  oíferta; 
, ,  que  EIRey  de  Caítella  havia  feito  a  EIRey  de  França 
I^&4«  de  lhe  dar  paisagem  ás  fuás  tropas  pelo  Eftado  de  Mi- 
lão ,  e  em  caução  da  fua  linearidade  a  Praça  ,  que  efco- 
lhefse  j  juizo  ,  que  deprefsafe  confirmou  no  ajuftamen- 
to  das  controverlias  ,  de  que  o  Pontiíice  moílrou  gran- 
de fentimento  ,  queixando-fe  de  que  EIRey  de  Caítel- 
la o  mettera  no  empenho  ,  e  o  deixara  nelle  >  e  de  que 
EIRey  de  França  o  apertafse  com  tanto  excefso  ,  por 
entregar  todas  as  fuás  refoluçoens  fó  ao  parecer  de  três 
creaturas  do  Cardial  Mafsarino  ,  e  fe  governar  pelo  Ma- 
richal  deTurena ,  naquelle  tempo  de  diíFe rente  Reli* 
giaõ  j  e  que  neíte  accidente  poderia  facilitar  que  ,  reti-» 
rando  EIRey  de  França  as  tropas ,  que  tinha  em  Italia> 
mandaria  EIRey  de  Caítella  as  de  Milaõ,  e  Nápoles  pa- 
ra a  fronteira  de  Portugal. 

Partio  Franciíco  de  Sá  para  Lisboa  ,  e  o  Marquei 
de  Sande  ficou  em  Paris  com  grande  prudência  colhen- 
do o  fruto  das  diligencias  do  Marichal  de  Turena  ,  nas 
efperanças  de  fe  coníeguirem  os  dous  ca  lamentos.  Che- 
goulhe  avizo  do  Conde  de  Caítello-Melhor  do deíab ri- 
mento  do  Conde  de  Schomberg  ,  originado  da  conten* 
da  de  Gil  Vaz  Lobo  ;  e  dando  noticia  ao  Marichal  de 
Turena )  concordou  com  eíle  eícrever-lhe  com  tanto 
aperto  ,  que  foihuma  dascaufas  ,  por  onde  fe  facilita- 
rão as  duvidas  neíte  particular  ,  que  acima  referimos, 
e  juntamente  foi  fomentando  os  foccorros  ,  afiim  de 
França  ,  como  de  Inglaterra ,  applicando  com  o  mefmo 
fervor  adiantar  os  negócios  de  Roma  ,  e  os  de  Hollan- 
da  pela  mediação  de  França  ;  e  chegando  neíte  tempo 
huma  carta  do  Imperador  para  EIRey  Chriftianiífimo, 
que  lhe  prefentou  o  feu  Inviado  o  Conde  Eítrofsy ,  em 
que  lhe  pedia  foccorro  contra  o  Gram  Turco;  conferin- 
do o  Marichal  deTurena  com  o  Marquez  de  Sande  eíta 
ínítancia,  ajuítaraô*  que  fe  refpondefse  *ao  Imperador 
que,  affiítindo-lhe  EIRey  de  Caítella  como  mais  empe- 
nhado nos  in terefses  da  Cafa  de  Auítria  ,  com  as  tropas 
de  Itália,  elle  o  foccorreria  com  igualnumero;  porque , 
ínccedendo  aceitar-fe.  efta  propoíta,  ficava  livre  a  guer- 
ra 


PARTE  II.  LIVRO  IX.        177 

ra  de  Portugal  deftes  inimigos  ,  e  naõ  aceitando,  (co-ÀniVO 
moaconteceo)  defobrigava-fe  'EIRey  de  França  deco-    ^ 
rofamente  deíteempenho  í  e  dando-lhe  o  Marquez  cm-  xuu^ 
dado  a  brevidade  de  fe  retirarem  de  Itália  as  tropas  de 
França  ,  confeguio  a  dilação  das  ordens  todo  o  tempo  , 
que  foi  conveniente  á  paisagem  das  de  Caílella  para 

Hefpanha.  .         . 

Checou  nefte  tempo  Francifco  de  ba  a  Lisboa  >  e 
examinada  a  íubftancia  de  todas  as  propofições,que  tra- 
ria do  Marquez  de  San  de,  fem  prevalecerem  as  luasm- 
ftancias  ,  não ió  naõ  foi  admittida  a  propofiçao  do  ca- 
famento de  Madamoyzella  de  Elboeuf,  lenaõ  foicon- 
demnada  a  refoluçao  ,  que  o  Marquez  tomou  ,  de  fazer  . 
o  Tratado  fem  ordem  d<  EIRey ,  fem  embargo  da  decla- 
ração de  fer  condicional*Xom  brevidade  ie  lhe  refpon- 
deo,  que  tornafse  apor  em  pratica  o  cafamento  de 
Madamoyzella  de  Nemours,  e  refpondefse  ao  Manchai 
de  Tu  rena  ,  que  empenhando-fe  o  feu  poder  de  forte, 
que  efte  intento  fe  confeguifse ,  fe  admittiria  a  pratica 
do  cafamento  do  Infante  D,  Pedro  com  Madamoyzella 
de  Bovillon.  Chegou  eíla  ordem  ao  Marquez  de  Sande, 
e  fentio  com  grande  excefso  eíte  contra-tempo  ^por- 
que naõ  íuppunha,  que  fe  enjeitafse  a  propofiçaõ,  que 
tinha  feito  ,  e  temia  ,  que  o  Marichâl  de  Turena  oíten- 
dido  darepulfa  de  hum  negocio,  que  havia  fabricado 
com  tanto  empenho,  fe  deíabrifse  nos  interefses  de  Por- 
tugal ;  porém  avizando-o  de  huma  quinta  (para  onde 
pafsara  daeftreiteza  da  reclufaó  ,  em  que  tinha  eftado 
em  cafa  do  Marichâl )  de  lhe  haver  chegado  a  refpoíla, 
fe  aviftaraõ  brevemente  ,  e  o  Marquez  compondo  com 
as  melhores  razoens  ,  que  lhe  foi  poíTivel ,  a  ordem, 
que  lhe  tinha  chegado  ,  perfuadio  ao  Manchai  ,  a  que 
continuafse  em  tomar  o  efièito  delia  por  lua  conta  % 
pois  era  o  mefmo  empenho  ,  que  já  havia  tido  ,  e  EI- 
Rey urbanamente  lhe  deferia  ao  intento  principal  do- 
cafamento  do  Infante  com  fua  íobrinha.  O  Manchai, 
fuppofto  que  fentio  muito  o  naõ  aceitar  EIRey  as  van- 
tagens  do  Tratado  do  cafamento  de  Madamoyzella  de 
Elboeuf,  conhecendo  arrazoada  a  propoíiçao  do  Mar-. 

S  $  quez., 


tóá-i. 


278    POKTUGAL  KES7JVKAD0, 

Anti  O  <luez  »  ^e  refpondeo  que  elle  faria  as  diligencias ,  que 
lhe  foísem  poiliveisj  o  que  executou ;  ea  noite  ieguin- 
te  tornou  a  dizer-lhe  ,  que  Te  havia  encomendado  ao 
Manchai  de  Eítrée,  pay  do  Bifpo  de  Laans  ■,  que  trata- 
va eíle  caíamento  ,  fallafse  com  aperto  a  Madama  de 
Nemours,  e  que,quando  não  baftafse  a  fua intervenção, 
eítava  prompto  para  ir  períuadir  o  Secretario  de  Tel- 
lier.  Agradeceo  o  Marquez  ao  Manchai  muito  eíta  dif- 
poíição', porém  feparados  ,  íepafsárão  alguns  diasfem 
outra  reípoíla  ,  e  nelles  teve  noticia  que  fem  interven- 
ção fua  havia  EIRey  mandado  a  Portugal    encoberto 
hum  homem  de  grande  capacidade  ,  chamado  Torront, 
primo  de  Colbert ,  a  examinar  o  eítado  das  forças  de 
Portugal ,  que  levava  cartas  para  o  Conde  de  Schom- 
berg  ,  e  para  Formand  ,*  accidente  ,  de  que  o  Marquez 
deu  conta  a  EIRey  ,  moítrando-íe  gravemente  fentido 
de  fe  não  ter  aceitado  a  fua  propofiçao  ,  de  que  havião 
refultido  asperigofas  confequencias ,  que  o  tempo  hia 
defcobrindó  ;  porém  ,  fem  embargo  do  leu  lentimento 
feguio  com  igual  zelo  a  negociação  do  cafa mento  de 
Madamoyzella  de  Nemours  ,  empenhando  as  diligen-» 
cias  do  Duque  de  Guiza ,  com  quem  tinha  particular 
communicaçãõ  >  e  as  do  Marquez  de  Choupes  taõ  affei- 
coado  aos  interefses  de  Portugal ,  como  havia  manife- 
ítado  em  muito  repetidas  experiências ,  e  tomou  por 
fua  conta  reprefentar  ao  Secretario  Lione  da  parte  do 
Marquez  quanto    importava  aos  in te reíses  de  França 
concluirfe  o  caíamento  d'ElRey  com  Madamoyzella  de 
Nemours  ,  por  não  fer  precifo  tomar-ie  outra   eílrada, 
deque  refultafsem  prejuízos  ás  conveniências  d» EIRey 
ChriíHaniííimo.  Pafsou  o  Marquez  de  Choupes  a  Fon- 
taynebleu  (  onde  EIRey  aíliítia  )  a  fallar  ao  Secretario» 
Refpondeo-lhe  ,  xjue  elle  defejava  muito  ,  que  o  caía- 
mento fe  effeituafse ,  e  que  entendia  íe    poderia  con- 
feguif;  porém  que  a  concluía õ  fe  dilataria  até  voltar 
de  Portugal  Torront ,  a  quem  fe  havia  particularmen- 
te encommendado  o  exame  das  negociaçoens  do  Em- 
baixador de  Inglaterra  Franfcheou  corri  osCafteíhanos 
fobre  a  paz  de  Portugal  i  que,  nao  fendo  por  interven- 
ção 


PARTE  11  LIVRO  IX.        179 

cão  d'ElRey  Chriftianiffimo,nao  poderia concluirfe em  Anno 
beneficio  das  fuás  conveniências.  m  í66a 

Noeftado  referido  fe  achava  efte  negocio  quan-  «004. 
do  fuccedeo  a  morte  da  Madama  de  Nemours,  que  aca- 
bou em  poucos  dias  de  bexigas.  Entendeo  o  Marquez 
de  Sande  ,  que  efte  accidente  fana  defembaraçar  as  di- 
ficuldades ,  que  taõ  repetidamente  íe  haviao  offerecido, 
que  o  Marquez  entendia  procederão  de  irreioluçao  de 
JVÍadama  de  Nemours  ,  edaafieiçao      quemoítrava  ao 
Príncipe 'Carlos  de  Lorena  >  e  levado  defte  d  ifcu  ri  o  en- 
caminhou as  diligencias  pelo  Bifpo  de  Laans,pelo  Con- 
de de  Eftrée  ,  de  quem  entendeo  ,  que  dependia  a  von- 
tade do  Duque  de  Vandofma  ,  avô  de  Madamoyzella  de 
Nemours,  e  que  havia  ficado  poríeu  tutor.  Paísados 
os  primeiros  dias  das  demonftraçoens  do  fentimento  da 
Princeza  de  Nemours, entrou  na  pratica  do  leu  calamen- 
to,  emoítrou  grande  inclinação  a  ie  effeituar  em  Por- 
tugal ;  porém  declarando,  que  também  fe  havia  de  aju- 
ílaro  caíameto  de  fua  irmãa  Madamoyzella  deAumal- 
le  ,  de  igual belleza  ,  e  de  Angulares [Virtudes  5  *oieite 
novidade  cuílofo  embaraço  para  as  diípofiçòes  do  Mar- 
quez de  Sande  J  porque  como  todo  o  empenho  do  Ma- 
nchai deTurenaera  o  caíamento  de  fuafobnnha  com 
o  Infante  O.  Pedro  ,  desbaratado  efte  fundamento  ,  ie 
cortava  totalmente  o  fio  a  todos  osintereíses  de  Por- 
tugal ,  dependentes  das  direcçoens  do  Manchai  de  lu- 
rena,accrefcentando-fe  a  efte  receyo  voltar  lorrontde 
Portugal ,  eFrancifco  de  Sá  ,  o  primeiro  pouco  fatisfei- 
to  dasinclinaçoensd'ElRey,  o  fegundocom  feyeras  re- 
prehenfoens  ao  Marquez  de  Sande  de  haver  feito  o  tra- 
tado do  cafamento  d<E!Rey  com  Madamoyzella  de  EI- 
boeuf :  noticias  que  todas  encontravaõ  o  animo  do  Ma- 
richal  de  Turena:porém  o  Marquez  Embaixador  cobra- 
do forças  nasdifficuldadas,  continuou  as  diligencias 
pelo  Marquez  de  Rouvigni  ,  pelo  Duque  de  Guiza  ,  e 
pelo  Marquez  deChoupes;  e  chegando  as  propoliçoes 
da  parte  do  Marichal  deTurena  ,  do  Bifpo de  Laans  ,e 
do  Conde  de  Eftrée  a  publica  conferencia  ,  e  havendo 
pouca  fociedade  entre  huma  ,  e  outra  cafa  ,torao  inex- 
r  S  4  Pllca" 


,  IH 

I. 


a-to     PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÂnnO  Pecáveis  as  politicas ,  que  fe  interpuzerao  para  confe- 

I  66a  gUÍr  Cada  íluma  das  Partes  o  pertendido  fim  do  eaíamen- 
1004.  to  fá  Infante  D.  Pedro  ,  e  depois  de  perigofas  conten- 
das ,  le  offereceo  ao  Marichal  de  Turena  por  parte  do 
Du  que  de  Vandofma  ,  que  no  termo  de  íeis  mezes ,  de- 

Êois  de  celebrado  o  caí  amento  de  fua  neta  com  LlRey 
►.  Affonfo  >  poderia  fazer  as  diligencias ,  que  lhe  pa- 
receísem ,  para  fe  eíFeituar  o  caíamento  de  lua  iobri- 
j  nha  com  o  Infante ,'fem  que  Madamoyzella  de  Nemo- 
urs, depois  da  Rainha  de  Portugal,  as  encontrafse,  Não 
quiz  o  Marichal  aceitar  effe  partido ,:  dizendo ,  que  ef. 
tas  promefsas  todas  eraó  inválidas  j  porque  as  negocia- 
çoens  occultas  de  Madamoyzella  de  Nemours  depois  de 
Rainha  ,  não  podendo  fer  manifeftas  para  a  queixa  ,  fe- 
ríão  convenientes  para  o  intento  do  defpoforio  de  Ma- 
-■damoyzella  de  Aumalle.  Quando  efta  contenda  eftava 
-mais  vigoroía  >  a  moderou  o  novo  aecidente  da  perten- 
ção  do  Duque  de  Saboya  Carlos  Emmanuel ,  viuvo  dst 
Duqueza  Francifcade  Lorena  /filhado  Duque  de  Or- 
liens  ,  quemandou  hum  Miniftro  a  Paris  a  folicitar  o 
eafamento  de  Madamoyzella  de  Nemours,que  a  poucas 
diligencias  moílrou  afíeiçâo  a  aceitar  efta  pratica  ;  mu- 
dança >  de  que  o  Marquez  teve  prompta  noticia  ;  e  con- 
tando ao  Bifpo  de  Laans ,  que  não  podia  eita  novida- 
de effor  encoberta  ao  Marquez  ,  o  bulcou  ,  e  lhe  éifse„ 
que  elle  o  havia  tratado  fempre  com  linceridade ,  e  ze~ 
Io  do  ferviço  d^EÍRey  D.  Affonfo,  que  determinava  tãa 
ter  em  qualquer  fuccefs©  mudança  o  feu  áffecT:o  y  e  ne- 
ífoeoníideraçâo  vinha  dar-íhe  noticia  r  que  o  Príncipe 
Frãcifeo  de  Lorena  tinha  mandado  oieu  Confei&or  com 
cartas  para  EIRej  Chriítranifiimo  T  em  que  lhe  pedia 
quizefse  permittir  ,  que  o  Príncipe  Ca  rios  leu  filho  fi- 
zefse  vida  com  íua  mulher  Madamoyzella  de  Nemours, 
eomquem  eílava  legitimamente  ca fado  :  que  ElRey 
nãoquizera  aceitar  as  cartas  ,  nem  fallar  ao  Confefsor, 
c  mandara  dizer  a  elle  Rifpo  r  e  a  fen  pay  pelo1  Secreta- 
rio^ Tellier  ,  que  tivefsem  entendido,  que  em  fua  vida 
mó  havia  de  permittir ,  que  efte  caíamento  fe  celebraf- 
íe>  por  varias  xazoens ,  que  convinliaô  á  confervação 

datuel- 


P^RTE  II.  LIVKq  IX.        281 

íaquelle  Re^no  :  que  nefta  confideraçaõ  poderia  adian-  ÁnnO 
ar  ,  quarito  lhes  foíse  pollivel ,  a  pratica  do  caíamento  ,  , 
i<JilRey  de  Portugal  ,  permilòão,  em  que  juíiificava  o  l0&4» 
uTeclo,  com  que  attendia  á  grandeza  da  Caia  deNe- 
nours,  facilitando-lhe  a  fua  maior  felicidade  :  que  el- 
e  reípondera  ao  Secretario ,  que  rendia  as  graças  a  El- 
ítey  pela  mercê  ,  que  fazia  a  lua  fobrinha  ,  e  á  lua  Ca- 
ia :  queem  quanto  ao  chamado  caíamento  do  Prinei- 
?e  Carlos  ^elle  o  tivera  íempre  por  nullo  ,  como  varias 
rezes  havia  referido  aos  Miniltros  de  ambas  as  Mage- 
tades;  que  deita  meíma  opinião  erão  vários  Iheolo- 
jos ,  com  quem  havia  conferido  tão  importante  xn ate- 
ia ,  que  brevemente  elperava  a  refolução  de  Sorbena 
laquella  tão  ventilada  queítaõ;  eque  deite  propofit© 
>  não  havião  de  mudar  asexquifltas  diligencias  da  Cala 
leAuítria  ,  e  da  Caía  de  Lorena  ,  que  havião  fido  tão 
xtraordinarias  ,  que  fe  valerão  de  vários  Religiofos, 
)ara  introduzir  não  fó  cfcrupulos  em  Madamoyzella  de 
Nemours  ,  para  não  desfazer  o  caíamento  do  Príncipe 
"arlos,  fenão  individuaes  noticias  de  invencíveis  de- 
eitos  d4ElRey  D*  Afíbnfo  j  informaçoens ,  que  haviaõ 
ntroduzido  em  Maclamoyzella  de  Nemours  tanta  con- 
uíao  ,  e  embaraço  ,  que  padecia  humas  eefoens  perigo- 
as ,  que  eíperava  ceísafsem  com  os  remédios ;  porem 
[ue  lhe  pedia  não  défse  noticia,  nem  aieu  pay,  do 
[ue  lhe  havia  referido.  Refpondeo-lhe  o  Marquez,  que 
lleíentia  com  incomparável  pena  ver  aquella  matéria 
ao  eonfufa ,  que  naõ  íe  pudelse  tratar  claramente  en- 
re  pays  ,  eíilhos  :  pedindo  a  razaõ ,  que  do  prato, 
[uepreíentava  afortuna  á  Caía  deNenours,  gaitai- 
em  todos  os  dependentes  delia  com  igual  iatisfà- 
aõ* 

Separado  o  Bifpo  do  Marquez,  veyobufcalJo  Rou- 
ignir  e  lhedifse,  que  havia  falJad©  com  oBilpo  de 
,aans,  eque  álèm  de  lhe  referir  tudo,  o  que  havia 
iito  ao  Marquez ,  acerefeentara ,  que  em  calo,  que  naó 
bisem  vencíveis  as  dificuldades  do  caíamento  de  Ma» 
tamoyzella  de  Nemours,  às  excellentes  virtudes, ilngu- 
ar  fprmofura ,  e  a  igualdade  do  dote  de  Madamoyzella 


~«P 


,ií*     POTRUGAL  REST  WRJDO, 

ÀllrtO  de  Aumalle  a  naõ  faziaõ,  menos  merecedora  da  Coro 

t  ((a  ^e  ^ort.uSal '  ^ue  ^ua  irmãa,  preferiudo-lhe  na  conítan 

9004.  cja  ^  e  lobrenatural  generofidade  de  efpirito.  Naõ  ibo 

ao  Marquez  mal  eíla  pratica  ,  por  entender  eíteera 

caminho  de  ter  effeito  o  intento  do  Marichal  de  Ture 

na  do  cafamento  de  lua  íbbrinha  com  o  Infante}  áler 

de  que  lhe  parecia  in decoro Jfo  fer  neeeísario  ,  para  cí 

lar  EIRey ,  haver  fentenças  de  feparação  do  cafamer 

to  do  Principe  Carlos ,  parecendo-lhe    que  fe  rompia 

difficuldades  para  huma  matéria  de  tão  grandes  conví 

ni^ncias  para  a  Caía  de  Nemours  ;  porém  como  as  cai 

^  tas  d(EiRey  ,  e  do  Conde  de  Ca  ftello- Melhor ,   que  Ih 

havia  trazido  Prancifco  de  Sá ,  lhe  prohibiao  entrar  ei 

pratica  com  outro  caíameuto^que  não  fofse  o  de  Madí 

moyzella  de  Nemours  ,  naõdeferio  aeíta  propofiçaõ 

metendo-a  porém  nos  diários,  em  que  dava  conta  a  H 

Rey  ,  para  que  coníiafse  o  muito  que  trabalhava  a  íu 

diligencia  em  confegnir  o  cafamento  d'ElRey ,  com 

erapreciíb,  para  fegurar  aíuccefsao  do  Rey  no  ,  qu 

com  louvável  zelo  applicava  o  Conde  de  Caltello-M( 

,  lhor.  Seguiraõ-fe  a  eitas  outras  muitas  diligencias  ,  jur 

tas  de  Letrados ,  conferencias  deMiniílros ,  para  íe  ac; 

bat  de  tomar  refolução  fobre  o  cafamento  doPrincif 

Carlos  fer  ,  ou  naõ  fer  válido»  e depois  de  dilatad; 

propofiçoens  por  huma  ,  e  outra  parte,  vierão  aenter 

der  a  maior  parte  dos  Theologos  que  ,  naõ  querend 

ailiftir  o  Principe  Carlos,  ao  Pontiíice  tocava  tirar  < 

eícrupulos.;  e  os  Doutores  de  Sorbona  todos  ajuítáiã( 

que  o  tratado  do  cafamento  não  tinha  força  alguma 

que  Madamoyzella  de  Nemours  podia  caiar  com  quer 

lhe  pareçefse.  Porém  nefte  tempo  crefcião  as  negocea 

çoens  de  Saboya  ,  e  a  inclinação  de  Madamoyzella  d 

Nemours  para  o  cafamento  da quelle  Príncipe,  com  qu 

ficavão  infruduofas  todas  as  outras  diligencias;  eco 

nhecendo  o  Bifpo  de  Laans  eíta  tão  grande  diffi  cu  Idade 

esforçou  quanto  lhe  foi  poílivel  o  cafamento  d'ElRe^ 

com  Madamoyzella  de  Aumalle  ,  e  o  Marichal  de  Tu 

rena  afsentia  neíta  propoíição ,  defejando  verfe  defem 

baraçado  ,  para  confeguir  o  intento  de  cafar  fua  fobri 

*  nh 


VJRTE  II.  LlfRO  IX.         285 

lha  com  o  Infante,  difcurfando  a  fua  prodencia  pelas  AnnO 
articulares  noticias,  que  tinha  d'EJRey  D.  AíTonfo  ,     „ 
H-ie  naõ  podia  a  Coroa  de  Portugal  deixar  de  efmal-  lb°4% 
arfe  mais  tarde  ,  ou  mais  ledo  na  cabeça  do  Infante.: 
-orem  todas  eíias  variedades  confundido  de  forte  a  ne- 
foceação  do  Marquez  ,  que  quafi  exaíperado  buícou  ao 
Víarichal  de  'iu rena  ,  e  Jhe  difse  ,  que  elle  fe  achava 
efolutoemfe  partir  cbeuella  Corte  a  felicitar  em  oi>- 
ra  :$ifamento  para  EIRey  ,  onde  conviefse  aFortugal, 
iílo  ter  perdido  tanto  tempo  em  apurai  a  paciência 
>arafatisfazer  a  França,  iem  maiseífeito,  quehumas 
[uimeras  ,  e  embaraços  ,  que  faziaõ  inevitável  oenle- 

0  do  labyrintho  ,  em  que  ie  achava  naquela  Corte  : 
>orem  ricando-lhe  lempre  na  memoria  oafíèclo,  que 
lavia  experimentado  nos  feus  benefícios  ,  paranaôlar- 
;ar  a  pratica  do  cafamento  do  Infante  EX  Pedro  com 
AadamoyzeUa  de  Bullon.  O  Marichal  achou  tão  arra- 
oada  a  reíoluçaó  do  Marquez ,  que  lhe  prometteo  re- 
•reíentallaaElRey  GhriíHanillimo;  efeparados,  teve; 

1  Marquez  occafião  prompta  de  eicrever  a  EIRey,  dan~ 
o-lhe  conta  larga ,  e  prudentemente  das  confulbens, 
m  que  fe  achava  ,  e  pedindo  refolução  do  que  devia 
azer  em  cinco  pontos.  O  primeiro ,  o  que  devia  dizer 
ocante  ao  caíamento  de  MadamoyzelJa  de  Aumalle 
omo  Infante  j  propofição  ,  fem  a  qual  naó  havia  que 
íperar  refolução  alguma  no  cafamento  d*ElRey ,  lai- 
o  le  Madamoyfella  de  Aumalle  cafafseem  Saboya  ,  ou 
.orena  ,  lembrando  juntamente  o  empenho  doMari- 
hal  de  Turena  para  o  cafamento  de  fua  fobrinha.  Se- 
undo  ,  que  devia  fazer  em  caio,  quelvladamoyzella 
e  Nemours  ledeclaraíse  por  Saboya.  Terceiro,  que 
efolução  havia  de  tomar ,  liiccedendo  ir  a  Poma  a  ap» 
ellaçto  do  Príncipe  Carlos  fobre  a  nullidade  do  ma« 
rimonio  de  Madamoyzella  de  Nemours  ;  e  feem  caio 
[ue  fe  refolveíse  ,  antes  de  chegar  a  refolução  de  Ro~ 
ia  ,  aajuítaro  cafamento  cem  EIRey,  fe  poderia  re- 
ebellaem  virtude  da  procuração  ,  que  EIRey  lhe  havia 
[ado.  Quarto  ,  fe  depois  deites  calos  defvanecidos  po~ 
leria  admittir  a  pratica  do  cafamento  deJMadainoyzella 

de 


«, 


2S4   PÕKTVGAL  RESTJVKADO, 

Ánno  de  Aumalle  com  EIRey.  Quinto ,  fe  apertaria  pela  re 
t66á   poítade  Madamoyzella  de  Nemours ,  e  fe  naõ  a  tend 
I004*  cathegoricaem  tempo  determinado  ,  íe  fahiria  de  Frar 
ça  ,  ou  fe  avizaria  a  EIRey. 

Defpedidas  eftas  cartas  ,  ficou  o  Marquez  íufter 
tando  fem  decifaõ  todas  as  praticas  referidas  ,  e  cont 
miando  as  diligencias  dos  foceorros,  parecendo-lhe,  qu 
erao  mais  necefsarios  pela  refoluçaô  ,  que  o  Imperadc 
havia  tomado  em  ajuítar  a  paz  com  o  Turco  fem  ii 
tervençaõ  d'ElRey  de  França ,  que  havia  naquelle  ten 
po  foccorrido  o  Império  com  tropi s  ,  e  cabedaes j  ri 
loluçaó ,  que  EIRey  fentio  vivamente  ,  entendendo  qi 
EIRey  de  Caftella  fora  author  daquella  novidade »  pc 
eujo  ,refpeito  fez  efpalhar  a  pratica ,  de  que  lhe  toca\ 
a  herança  dos  Eftados  de  Flandres ,  porque  pertencia 
á  Rainha  íua  mulher  pela  claufula  exprefsa  de  naõ  hí 
ver  de  feguir  a  linha  mafculina  a  herança  daquelles  E 
tados,;fenaô  o  filho  ,  ou  filha  mais  velha  do  ultim 
pofsuidor,  e  com  mais  clareza  na  Província  de  Hanai 
Efta  demonftraçao  d4ElRey  começou  a  dar  indicios  d 
que  a  paz  ,  que  havia  celebrado  com  EIRey  de  Cafte 
la ,  naõ  havia  de  fer  muito  durável ,  entendendo-fe  jur 
tamente,  que  »rota  a  guerra ,  feriaõ  os  Caftelhanos  ( 
que  folicitaísem  a  paz  de  Portugal ,  por  fer  impofiive 
pela  debilidade  das  forças  de  Caftella  ,  poder  fuftenfc 
duas  guerras  tão  formidáveis  r  fendo  a  de  Portugal  tar 
to  mais  fenfivel,  que  a  de  França ,.  quanto  he  mais  pe 
rigofo  o  achaque ,  que  o  coração  padece  ,  ao  que  íeni 
qualquer  das  outras  partes,  do  corpo ,  fendo  ao  human 
emtudo  iimilhante  o  da  Monarquia.  Nefte  tempo  i 
hião  defcobrindo  varias  circutiftancias ,  que  clarament 
moftravaõ  ,  que  não  era  poífível  effeituar-fe  o  cafamer 
todÉElRey  com  Madamoyzella  de  Nemours  5  porqu 
ainda  que  fe  vencefsetn  os  embaraços  do  Príncipe  Cai 
los  de  Lorena  ,.  o  que  conftava  folicitar  Madamoyzell 
de  Nemours  com  grande  efíicaeia ,  entendia  o  Marque: 
de  Saade  não  fer  o  íeu  fim  para  ajuítar  o  cafament 
de  Portugal*  fenaõ  concluir  odeSaboya,  aquefehi 
moítrarido  notoriamente  iacliaadai  e  manifeftavão  mai 

efl 


PJRTE  //.  Limo' IX.         »Í5 

2jla  prefumpçaô  as  apertadas  diligencias  ,  que  o  Bifpo  Anuo 
de  Laans  fazia  com  o  Marquez  de  Sande  ,  para  qv.q  en- 
traíse  na  pratica  do  cafamento  de  Madamoyfella  de  Au-  Í064. 
malle,e  iignificafse  ao  Conde  de  Caftello  Melhor  quan- 
to convinha  ao  Reyno  ,  e  á  fua  própria  coníervaçaò  ca- 
lir  a  íorte  de  Rainha  de  Portugal  em  Madamoyfella  de 
\umalle  :  (taô  incertos  fao  os  juízos  do  mundo.  )  O 
Marquez ,  fuppofto  que  fe  excufou  de  naõ  poder  entrar 
leira  pratica  ,  deu  noticia  delia  ao  Conde  de  Caílello- 
Melhor ,  e  foube  ,  que  Torront  (  que  era  Baraõ  de  Che- 
âning;fecretamente  tratava  com  Madamoyzella  de  Au- 
nalle  ,  folicitando  que  a  pratica  do  cafamento  d'ElRey 
e  encaminhafse  de  forte  ,  que  nunca  tomafse  a  delibe- 
•açaõ  de  caiar  fora  de  França ;  porque  como  EIRey 
-hriítianiflimo  (  como  referimos)  fe  achava  eítimulado 
la  paz  ,  que  o  Imperador  iní pirado  d'ElRey  de  Caítel- 
a  fez  com  o  Gram  Turco  fem  beneplácito  feu  ,  haven- 
io-lhe  aífiítido  com  as  fuás  tropas  ,  defafogava  o  feu 
entimento  em  beneficio  de  Portugal ,  appl içando  fem 
ilgum  rebuço  todos  os  meyos  proporcionados  para  a 
11a  defenfa  5  e  chegando  naquelle  tempo  a  Paris  o  Mar- 
juez  de  Caraççna  7  que  EIRey  de  Caílella  havia  man- 
jado retirar  do  governo  de  Flandres  ,  teve  EIRey  Chri- 
Konimmo  huma  larga  conferencia  com  elle,e  dentro  de 
doucos  dias  fe  divulgou  que  o  Marquez  fora  chama- 
io  d' EIRey  de  Caílella  ,  para  o  mandar  a  governar  as 
Vrmas  de  Extremadura  ,  prevenindo-íe  para  a  Campa- 
lha  da  Primavera  futura  hum  grande  exercito  contra 
3ortugal ,  convocando  para  eíle  effèito  naô  lo  as  tro- 
jas  de  Itália  ,  fenaó  as  do  Império  ,  e  Cantões  dos  Ef- 
juizaros. 

Eítas  noticias  introduzirão  em  o  Marquez  He  Sande 
lovos  efpiritos  para  folicitar  os  foccorros  de  França  ♦,  e 
ichando  igual,  e  promptiííimo  inftru mento  no  gene- 
'ofo  coração  do  Marichal  de  Tu  rena  ,  foi  facilitando 
-'udo  ,  o  que  lhe  pareceo  conveniente  para  a  defenlá 
le  Portugal ,  agenceando-lhe  o  Marichal  grande  íocie- 
lade  com  Colbert ,  de  quem  naquelle  tempo  dependiaó 
is  mais  exactas  politicas  d5 EIRey  Cliriítiauiilimo  J  e  ha- 
vendo 


sU    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Vendo  dado  conta  a  EIRey  de  todas  eftas  difpoilçoens, 
e  que  Jhe  parecia  já  indecente  a  fua  aíliítencia  nâquel- 
Ja  Corte  pelas  poucas  eíperanças  de  ie  ajuítar  o  ca  la- 
mento de  Madamoyzella  de  Nemours,teve  ordem  d<El- 
Rey  para  voltar  para  Londres,  o  que  promptamen te  ex- 
ecutou nos  últimos  de  Novembro  ,  defpedindo-fe  antes 
de  partir  do  Mariachal  de  Turena,  Colbert,e  Rouvigni, 
e  deixãdo-QS  inteiramente  fatisfeitos  da  fua  grande  pru- 
dência ,  zelo  ,  e  refoluçaõ.  Chegou  a  Londres  ,  e  achou 
todos  os  negócios ,  que  havia  deixado  entregues  ao  Bii- 
po  D.  Ricardo  Rufsel ,  encaminhado  ao  fim  que  perten- 
dia  dos  foccorros  de  Portugal ;  e  de  Roma  teve  avizo  de 
D.;Francifco  Manoel ,  que  o  Pontífice  fe  moítrava  incli- 
nado ájuítiça  de  Portugal:  porém  como  Os  ameaços 
dos  Caftelhanos  crefciaõ  para  os  progreísos  da  futura 
Campanha  ,  todos  os  defejos  concJuhiaó  em  efperanças, 
apurando-íe  mais  a  conítancia  da  fe  Portugueza  nos  dis- 
favores ,  que  por  efpaço  de  vinte  e  quatro  annos  havia 
experimentado  na  Cúria  Romana. 

O  Governador  do  Eílado  da  índia  continuava  Anto- 


noticia  dagner-  nio  de  Mello  de  Caílro  ,  e  havendo  paísado  hum  anna 
ra  das  Coaqui-  daquella  atfiítencia,  teve  principio  o  titulo  de  Viíb-Rey, 
que  comeíla  claufula  fe  lhe  havia  difpenfado  ,  quando 
partio  de  Lisboa  j  e  como  os  Hollandezes  depois  de  to- 
marem  Cochim  ,  declararão,  que  eítavaõ  promptos  para 
ohfervar  a  paz  ,  que  os  Eitados  haviaô  ajuílado  com  o 
Conde  de  Miranda  ,  confirmada  por  EIRey  D.  Affonib. 
ficou  deíembaraçada  a  barra  de  Goa.  Mandou  na  mon- 
ção de  Janeiro  para  o  Reino  a  D.  Pedro  de  Alencaftrc 
na  náo.N.  Senhora  do  Populo,ea  Francifco  Rangel  Pin- 
to na  Cafabé  :  defpedio  para  o  Norte  huma  Armada  dá 
remo  á  ordem  de  Luiz  de  Miranda  Henriques  ,  por  ha- 
ver noticia,  que  o  Mogp.r  inquietava  aquelle  diítrictoi 
defpachou  para  a  China  o  Galeão  S.  Francifco  ,  e  livre- 
mente navegarão  os  navios  do  contrato  para  as  mais 
partes  da  Afia  ,  iem  haver  fuccefso  digno  de  memoria. 


HISTO- 


HISTORIA 


D  E 


PORTUGAL 

RESTAURADO. 

LIVRO     X. 


S  U  M  M  A  R  I  O. 

NTENTA  Alexandre  Fa^nefio  Ge-  Armo 
neral  da  Covallaria  extrangeira  do  jfâc 
exercito  de  Caflella  ,  inte* prender  a 
Praça  de  Valença  ,  e  rettra-fe  com 
mão  fuccejfn.  Compoem-fe  as  duvidas 
àos  Cabos  do  exercito  de  Alentejo  ,  e 
'ata-fe  das  prevenções  para  a  futura  Câpanha  cô 
y-ande  calor.  Elege  EIRey  D.  Filippe  por  General 
o  Exercito  de  Extremadura  ao  Marquez  de  Cara» 
>.na,e  retira-je  D.Joaí  de  AufiriaparaConfiegra. 
invoca  varias  tropas  natu^aes  ,  e  extrangeiras  ,  e 
aja  o  Marquez  de  Caraxna  de  Madrid  a  Bada* 

joz  i 


i88  PORTUGAL  RESTAURADO, 

'Ânrso  joz  '  \unta  com  aClwdade  ,  e  diligencia  hum  gran 

.//,  de  exercito  ,  com  que  Cabe  em  Campanha,  Panedt 

'  *  Lisboa  o  Marquez  de  Marialva  ,  e  previne  outn 

poder  o Jo  exercito  em  oppofiçao  do  de  Caflelía.  Mar 

chão  Marquez  de  Caracena  afitiar  Villa-Fi.çoja 

defende-} e  valorojamente  aCidadella.Sahe  de  E /ire 

moz  o  Marquez  de  Marialva  com  o  exercito  afoc 

ccr  relia '.  intenta  o  Marquez  de  Caracena  desbara 

tallo  na  marcha  :  da-fe  a  batalha  ,  e  ficaõ  venci 

dos  os  Caflelhanos.  Vartos  fucceffos  confeguidos  dt 

pois  de  ganhada  a  batalha.PajJa  o  Conde  de  Schom 

berg  por  ordem  d  EIRey  a  Entre  Douro ,  e  Mmh 

com  as  trepas  de  Alentejo  :  junta-fe  naquella  Pro 

wncta  hum  poderofo  exercito  ;  fahe  em  Campanh 

o  Conde  do  Prado  ,  entra  em  Galliza  \tm  oppofi 

çaô  ,  fitía  aVilla  da  Gurda  ,  ganha  efta  Praça 

e  deixa-a  prefidiada.  Retira-fe  o  exercito  ,  paffa 

Conde  de  S*  João  de  entre  Douro,  e  Minho  d  (u 

Provinda',  entra  varias  vezes  fios  Rey nos  confinan 

tes  com  felices  Juccejos.  Sitia  A 'ff onfo  Furtado 

Praça  da  Sarja  ,  eganha-a.  Varias  controverfta 

politicas.  Morre  EIRey  D.  Fdtppe  ,fica  entregue 

governo  da  Monarquia  de  Caftella  d  Rainha  Don 

Marianna  deAujlria*Naticia  dos  negócios  poli  icos 

que  fe  tratavaônas  Cortes  de  Eurcpu  >  e  da  guerr 

das  Conquijías. 

Ntrou  o  atino  de  feiscentos  e  fefsenta  e  cit 

co,  tempo,em  que  chegarão  ao  mais  alto  por 

toas  glorias  de  Portugal.  As  noticias  das  prt 

vençoens  de  Caftella  obrigarão  ao  Conde  d 

CafteJlo- Melhor  (de  quem  dependiaó  todos  < 

maiores  negócios  da  Monarquia  ,  procurando  augmei 

talla  com.inceísante  cuidado  )   a  folicitar  o  ajuílament 

das  duvidas -dos  Cabfos  da  Provinda  de  Alentejo  ame 

cada  do  erande  poder  de  Caftella  ,  como  a  mais.  deln 


■■ 


PARTE  11.  LWRO  X.         2  8o 

quente  nos  infortúnios  daquella  Coroa.  Continuada  o  AtlllO 
governo  das  Armas  em  Alentejo  o  Meitre  de  Campo  _  ,, 
General  Gil  Vaz  Lobo  ,  e  com  os  repetidos  aviíos  das  l°v)' 
prevenções  dos  Caítelhanos  naõ  permittio  as  entradas, 
que  a  Cavallaria  coílumava  a  fazer  nos  annos  antece- 
dentes  ,  parece ndo-llie  mais  preciíòfortaleccr-fe  com  o 
deícanço  ,  que  procurarem-fe  os  intereíses  das  prezas. 
A  vinte  de  Março  intentou  ganhar  Valença  por  inter- 
preza  o  Principe  de  Parma,General  da  Cavallaria  extran- 
geira  de  Caftelía  ,  com  dous  mil  Infantes  ,  e  três  mil  e 
quinhentos  cavallos.  Sahio  de  Albuquerque  na  confian- 
ça de  que  alguns  Caílelhanos ,  que  ficarão  dentro  de 
Valença  ,  lhe  haviaô  de  facilitar  a  entrada  da  Praça  : 
aprefsou  a  marcha  ,  porque  no  quarto  da  Alva  era  a  ho- 
ra deítinada  para  a  execução  da  interpreza  5  porém  che- 
gando á  viíta  da  Praça  ,  e  faltando-lhe  vários  finaes , 
que  havia  ajuílado  com  os  paizanos  ,  que  eílavaò  den- 
tro ,  teve  por  fufpeitofa  a  execução  ,  que  determinava; 
porém  rompendo  amanhãa  ,  e  naõ  fe  havendo  total- 
mente defenganado  ,  padeceo  o  dam  no  das  prevenções 
do  Meítre  de  Campo  Domingos  de  Matos  ,  que  gover- 
nava Valença  ;  porque  havendo-lhe  chegado  anticipa- 
cla  noticia  deite  perigo  ,  tinha  prevenida  a  artilharia  , 
e  guarnecida  a  muralha  com  toda  a  Infanteria  J  e  logo 
que  a  luz  do  dia  defcubrio  as  tropas  Caftelhanas  ,  fo- 
raõ  tantas  as  balas ,  que  cahiraõ  fobreellas  ,  que  o  Prin- 
cipe de  Parma  fe  retirou  com  muito  grande  perda  pa- 
ra Membrilho  J  e  Domingos  de  Matos  examinando  os 
Caítelhanos  ,  que  foraô  comprehendidos  naquellefuc- 
cefso  ,  fe  livrou  com  toda  a  diligencia  de  tão  arrifcado 
embaraço  Melhor  fortuna  confeguio  o  Tenente  Gene- 
ral D.  Luiz  da  Coita  ,  no  lugar  de  S.  Silve  ítre ,  algumas 
legoas  diítantede  Serpa  >  que  entrou  ,  e  faqueou  com 
grande  utilidade  dos  Soldados. 

Neíle  tempo  havendo  chegado  dos  Reys  de  Fran- 
ça ,  e  Inglaterra  varias  diítinçoens  fobre  o  dominio, 
que  o  Conde  de  Schomberg  devia  ter  nas  tropas  extran- 
geiras  ,  procurou  o  Conde  de  Caftello-Melhòr  ,  que  o 
Meílre  de  Campo  General  Gil  Vaz  Lobo  fe  accommo- 

T  dafse 


■ 


*9?    PORTUGAL  RESTAURADO, 

[AntlO  daíse  a0  exercício  do  feu  Poíto  fem  novas  duvidas;  por-< 
i66?    °*U-  °  Conde  cíe  Schomberg  dizia  eítar  prompto  ,  para 
I00)'   naõ  alterar  o  que  difpunhaõ  as  ordens  de  Inglaterra ,  e 
cotnpoem-re  as  frança:porérn  Gil  Vaz ;  nao  querendo  mudar  de  opinião, 
^«wí4í  áw     largou, o  Poíto  ,  e  paísou  ao  governo  de  Setuval ;  eo 
cabos  doexer-  Conde  de  Schomberg  ficou  com  o  exercido  de  Meítre 
eito  de  Aknte*  fe  Campo  General ,  e  o  titulo  de  Governador  das  Ar- 
i?í  mas.  Faltava  por  decidir  o  embaraço  ,  com  que  fe  acha- 

va o  General  da  Artilharia  D.  Luiz  de  Menezes ,  aífim 
pela  controvertia ,  que  ainda  durava  com  o  Marquez 
de  Marialva  ,  como  por  fe  achar  obrigado  á  palavra , 
que  havia  dado  a  feu  irmaõ  o  Conde  D.Fernando,  de 
fe  feparar  do  exe^dcio  da  guerra  ,  em  quanto  nao  che- 
gafse  de  Roma  a  difpenfaçaõ  do  Pontífice  ,  para  fe  ef- 
feituar  o  cafamento  aju  fiado  com  fua  fobrinha  Dona 
Joanna  de  Menezes;  e  entendendo-fe  que  era  necefsa- 
rio  alguma  efpecialidade  ,  para  fe  ajuítarem  eítas  difi- 
culdades, lhe  ordenou  EIRey  o  acompanhafse  na  jorna- 
da annual  da  caça  de  Salvaterra;  e  a  poucos  dias  de 
aíiiílencia  daquelle  fitiolhe  fallou  o  Marquez  de  Gou- 
vea  ,  Mordomo  mór  d'ElRey,  perfuadindo-o  a  nao  lar- 
gar o  feu  Poíto  em  occafiaõ  ,  que  as  Armas  de  Gaitei- 
la  ,  governadas  pelo  Marquez  de  Caracena,  ameaçavaõ 
com  formidável  poder  a  Província  de  Alentejo.  Ref- 
pondeo-lhe  D.  Luiz,  que  nao  tinha  mais  duvida  de  con- 
tinuar o  exercido  do  feu  Poíto  ,  que  a  palavra  ,  que 
havia  dado  a  feu  irmaõ  ,  que  era  indifsoluvel ,  fem  a 
fua  vontade  fe  accommodar  ao  defejo,que  elle  tinha  de 
continuar  a  guerra.  Levou  o  Marquez  eita  refpoíta  a 
EIRey ,  e  no  mefmo  dia  chamou  EIRey  a  D.  Luiz  de 
Menezes ,  e  lhe  encareceo  o  muito ,  que  eítimava  os 
ferviços  ,  que  lhe  havia  feito  na  guerra  ,  dizendo-lhe  7 
que  ou  lhe  havia  de  prometter  de  voltar  ao  exercido 
do  feu  Poíto,  ou  o  exercito  nao  havia  de  fahir  em  Cam- 
panha a  defender  o  Reino.  Reconhecendo  D.  Luiz  o 
;  muito  preço  deita  iingularidade ,  beijando  a  maô  a  EI- 
Rey ,  lhe  pedio  licença  para  dar  conta  a  íeu  irmaõ ; 
pejmittio-lha  ,  e  dando  promptamente  notícia  a  feu  ir- 
mão de  todo  o  referido ,  lherefpoiídeo  ,  que  havendo 

fempre 


PARTE  11  LIVRO  X. 

fempre  antepoíto  os  interefses  públicos  aos  particulares,  AílílO 
Lhe  ordenava,  que  obedecefse ,  e  voltafse  ao  exercido  ^, 
do  leu  Poítoj  porque  ao  grande  favor  d' EIRey  naõ  lou>» 
era  pomVel  dar-íe  outra  reípoíW  e  levando  D.  Luiz  ef- 
ta  a  EIRey,  moítrou  fazer  grande  eftimaçaõ  da  fua  obe- 
diência ,•  e  voltando  a  Lisboa  ,  como  faltava  ajuíhr-íe 
com  o  Marquez  de  Marialva  ,  dizendo-lhe  o  Conde  de 
Caílello- Melhor  ,  que  o  Marquez  defejava  a  fua  amiza- 
de ,  o  foi  bufcar  a  fua  cafa  ,  e  ficou  ajuítada  com  tan- 
tos, vínculos ,  que  naõ  houve  induíhia ,  que  pudefse 
deíatalos.  .  T  .    . 

As  prevençoens  do  exercito  'applicadas  pelo  Conde  pr'eJ?' 
áe  Caílello- Melhor  íe  adiantarão  com  muita  brevidade,  ra  a  futura  ' 
e  nos  últimos  de  Abril  pafsou  a  Alentejo  o  Marquez  de  campanha  a 
Marialva  ,  e  os  mais  Cabos,  eOíflciaes  do  exercito  ,' glande  calor. 
que  todos  annunciavaô  a  felicidade  futura,  fundando- 
fe  na  confiança  de  vencedores  na  certeza  dos  poucos 
cabedaes  da  Monarquia  deCaítella,  na  deíbrdem  do  feu 
governo  politico  ,  na  deftruiçaõ  dos  exércitos  ,  no  pou- 
co alento  dos  Soldados  ,  na  limitada  prevenção  das  Pra- 
ças ,  e  muitas  delias  perdidas  ,  fujeitando-fe  á  obediên- 
cia d<  EIRey  D.  Affonfo  os  lugares  abertos  ,  que  as  cir* 
cundavao  ,  os  Povos  impacientes  com  os  fubiidios  ,  os 
Cabos  ,  e  Gfficiaes  Maiores  ,  huns  mortos ,  outros  pri- 
íioneiros ,  e  em  defenfa  do  Reino  triunfantes  ,  e  nu- 
merofos  exércitos :  porém  ainda  queeíles  diícurfos  erao 
bem  fundados  ,  coníiderava-íè  por  outra  parte  ,  que  os 
damnos  padecidos ,  e  a  opinião  tantas  vezes  ultrajada 
havião  occafionado  no  animo  d'ElRey  D.  Filippe  infa- 
ciavel  defejo  de  vingança  ,*  applicando  por  eíles  refpei- 
tos  o  empenho  de  todas  as  fuás  attençoens  em  juntar 
)ium  poderofo  exercito  ,  animando-o,  para  o  confeguir, 
a  paz  ajufíada  com  EIRey  de  França  ,  e  a  que  proxi- 
mamente o  Imperador  havia  feito  com  o  Gram  Turco, 
que  lhe  facilitavaõ  engrofsar  os  exércitos  contra  Por-» 
tugal  com  as  tropas  de  Alemanha  ,  Itália  ,  e  Flandres; 
fomentando  os  feus  defignios  ,  e  a  fua  defconfiança 
hum  filho  amado  ,  e  hum  valido  poderofo ,  ambos  ven- 
cidos das  4rrr*as  Portuguezas  em  duas  infignes  batalhas. 

T  i  Com 


I 


191  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Áíino  Comeíla  refoluçaõ  mandou  felicitar  ,  que  marchafsen 
l66t    de  Alemanlla  tresmil  Soldados  velhos,  para  fervirem  n; 
vu>»  Cavallaria  ,  e  dous  mil  Infantes  ,  e  ordenou  ,  que  no; 
Cantões  dos  Efguizaros  ,  e  das  guarniçoens  de  Itália  ft 
conduzifsem  a  Cádis  dez  mil  homens,  e  todas  efeas  dif 
pofiçoens  fe  executarão  pontualmente ,  e  fe  alojárac 
todos  eítes  Extrangeiros  nos  Povos  de  Andaluzia,  e  Es- 
tremadura mais  abundantes.  Fizeraõ  novas  levas  de  Ef- 
panhóes ,  e  remontas  de  Cavallaria ,  e  foi  efeolhido  pa- 
ra GeneraJ  deite  exercito  o  Marquez  de  Caracena:acha- 
va-íe  em  Flandres  ,  ( como  referimos )  "é  chegando  lhe  a 
ordem  de  pafsar  a  Hefpánha ,  fazendo  a  jornada  poi 
França,  conítou  ,  que  aífíirmára  a  vários  Cabos  daquel- 
le  Reino  ,  que  lhe  dava  pouco  cuidado  a  conquiífo  de 
Portugal:  porque  todos  os  infortúnios,  que  Caítella  ha- 
via padecido  naquella  guerra ,  fe  originarão  mais  da  ig- 
norância dos  Cabos  ,  que  mandarão  aos  exércitos ,  que 
do  valor  dos  Portuguezes ;  porque  todos  fe  empenha- 
rão em  conquiítar  Praças  fronteiras  ,  havendo  de  fera 
principal ,  e  o  único  objedtq  a  em  preza  de  Lisboapor- 
que  fócoríando-fe  a  cabeça,  acabava  de  hum  golpe  ci 
corpo  de  hurna  Monarquia  :  que  D.  Luiz  de  Aro  fora 
desbaratado  febre  a  Praça  de  Elvas  ,  e  D.  João  de  Au- 
ítria  depois  de  haver  ganhado  Évora  5  e  que  fe  hum  , 
e  outro  fe  naõ  houveraõ  dilatado  neftas  emprezas  de 
1         poucas  confequencias  ,  e  marcharão  a  Lisboa  ,  lograrão 
o  íim  pertendido  ,  e  naõ  deraõ  lugar  á  uniaõ  das  for- 
ças Portuguezas,  ao  pafso  que  desbaratavaõ  as  próprias; 
que  Scipiaõ  fem  Carthago  naõ  triunfara  dos  Africanosj 
e  Cefar  fem  Roma  naõ  coníeguira  o  dominio  do  Im- 
pério ;  e  que  fendo  o  maior  perigo  dos  Conquiítado- 
res  perder  batalhas,  que  até  eíta  fortuna  dos  conquiíta- 
dos  os  deítruia  ;  porque  naõ  podendo  comprar  as  vi- 
storias fem  o  preço  de  muitas  vidas ,  fe  arruinavaõ  nas 
felicidades  j  e  por  conclufaõ  confiítia  a  conquilta  de 
Portugal  em  ganhar  Lisboa ,  ou  ao  menos  a  Villa  de 
Setuval ,  para  que  huma  fó  acçaõ  arraftafse  muitas  con- 
fequencias,  eosfoccorros  marítimos  pudefsem  fuíten- 
tar  hum  dos  dous  lugares ,  que  fecoaquiítafsenu 

Eíte 


PARTE  11  LIVRO  X.  aoj 

Eftemeímo  difcurío  ,  que  em  França  efpalhou  o  Annô 
Marquez  de  Caracena  ,  expoz  ,  chegando  a  Madrid,.a 
'IRev  D.  Filippe,  que  nafe  das  experiências  do  leu       ">k 
Tande  merecimento  approvou  com  aceitação  as  íuas 
Iropofiçoens,-  e  mandando  EIRey  cómunicallas  ao  Du- 
iue  de  Aveiro ,  as  approvou   com  declaração  ,  que  pa~ 
áíeconieguir  qualquer  das  emprezas  apontadas ,  era 
lecefsario  preparar-fe  humaArmada  muito  poderoía,pa- 
a  que  ao  mefmo  tempo   operafse   com  o  exercito  ,  e 
léíse  occafião  ,  a  que  dividido  o  poder  de  Portugal , 
mdefse  fer  mais  facilmente  desbaratado.  O  Marquez  de 
íaracena,dando-lhe  EIRey  noticia  deíle  parecer  do  Du- 
me  ,  o  julgou  por  muito  acertado  ,  aílim  pelas  razoes 
-undamentaes  delle ,  como  por  fer  em  manifeíto  bene- 
Icio  dos  feus  progrefsos  ,•  e  aconfelhou  a  EIRey ,  que 
izefse  ao  Duque  executor  da  fua  opinião  ,  nomeando-o 
Seneral  da  Armada  j  porque  com  eíla  eleição  conleguia 
muito  acertadas  politicas  ,  e  no  valor  ,  e  grande  quali- 
dade do  Duque  afsentava  de  molde  efte  grande  empre- 
go. EIRey  fem  dilação  alguma  ,  feguindo  eíte  parecei, 
chamou  o  Duque ,  e  lhe  ordenou  pafsafse  a  Cádis  com 
liuma  Patente ,  em  que  íe  lhe  fmalavaõ  ampliííimas  ju-     . 
rifdiçoens,para  fe  aparelharem  trinta  navios,  e  vinte  ga- 
lés ,  em  que  fe  haviaó  de  embarcar  oito  mil  Soldados , 
e  grande  numero  de  muniçoens ,  mantimentos ,  e  in- 
ftrumentos  de  expugnação.  Partio  o  Duque  para  Cádis, 
enaõ  achando  dinheiro  algum  para  preparar  a  Arma- 
da ,  por  fe  haver  dilatado  a  frota  das  Índias ,  cujos  ef- 
feitos  fe  lhe  haviaó  fignalado  para  taõ  largas  defpezas, 
foi  maior  a  dilação  ,  do  que  folicitava  o  feu  ardente 
efpirito  }  o  que  íentio  com  grande  extremo ,  naõ  que- 
rendo conhecer  ,  que  era  beneficio  da  fortuna  negarlhe 
es  meyos  de  fer  author  das  ofFenfas  da  fua  Pátria ,  par- 
ticipando o  Marquez  de  Caracena  do  feu  pezar ,  na  cer- 
teza ,  de  que  lhe  faltava  na  diverfaõ  da  Armada  hum 
dos  mais  proporcionados  inílrumentos  das  fuás  opera- 
çoens. 

As  noticias  das  grandes  prevençoens  dos  Caftelna- 
kos  ,  que  por  inítantes- fazia  mais  evidentes  a  entrada 

T  3  d* 


294    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Annõ  da  Primavera,  deíenganáraó  os  difcuribs  de  muitos  Sol 
l66s  dadoS  '  e  Gortezâos>  «ue  duvidavaô  da  fahida  em  Cam 
*u  ^anha  do  exercito  'de  Caílella  ,  defcobrindo  o  defejo  d< 
terem  menos  perigo  ,  e  menor  trabalho;  objecções  cort 
que  pertendião  fazer  provável  a  fua  opinião  j  prejudi 
eial  coílume ,  que  fe  não  havia  desbaratado  com  as  paí 
fadas  experiências.  Defvaneceraô-feeítas  mal  formadaí 
vozes  com  a  certeza  de  haver  chegado  o  Marquez  d( 
Caracena  a  Badajoz  no  principio  de  Mayo;  avizo  r  que 
applicou  as  preveuçoens ,  que  eítavão  difpoftas  pele 
incefsante  cuidado  do  Conde  de  Caílello-Melhor ,  de 
que  reíultou  coníeguir  o  Marquez  de  Marialva  juntai 
brevemente  hum  poderofo  exercito.  Logo  que  o  Mar- 
quez  de  Caracena  chegou  a  Bidajoz  ,  examinou  com 
acertada  ponderação  o  eftado  das  Praças  daquella  Pro^ 
yincia ,  a  qualidade  das  tropas,  e  a  quantidade  dos  man- 
timentos ,  que  opinião  corria  da  capacidade  dos  nofsos 
Cabos,  e  do  numero  ,  ediíeiplina  do  noíso  exercito. 
Todas  as  informaçoens ,  que  teve  ,  ( como  depois  ú 
averigou  )  diminuirão  muito  a  confiança  ,  com  que  paí'- 
fou  de  Flandres  á  conquifta  de  Portugal ;  porque  Lis- 
o  boa  eftava  diftante  ,  e  interpoíra  a  larga  corrente  do  ria 
Tejo  ,  as  Praças  da  fronteira  eraó  muitas  ,  e  bem  for- 
tificadas ,  o  exercito  difpofto  para  a  defenfa  do  Rei- 
no ,  grande ,  veterano  ,  e  vidoriofo  •,  os  Cabos  ornados 
de  experiências  ,  osOííkiaes  de  valor  ,  os  Soldados  de 
obediência  j  qualidades,  que  fe  eítendiaõ  avaticinios 
de  invencíveis.  A  Campanha  era  efteril  de  forragens  , 
os  lugares  abertos  eílavaõ  deftituidos  de  mantimentos, 
por  fe  haverem  recolhido  ás  Praças  fortes ,  com  que  era 
necefsario  conduzilos  em  earruagens,que  nãoerao  mui- 
tas. Todos  eftes  embaraços ,  e  a  noticia  de  fe  retardar 
a  Armada  ,  lhe  confundirão  o  difeurfo  ,  e  o  obrigarão  a 
fufpender  a  deliberação  da  empreza ,  a  que  havia  de  en- 
tregar-fe  ;  embaraço ,  de  que  fe  originou  fer  oceulta  ao 
Marquez  de  Marialva  ,  que  havia  pafsado  a  Alentejo  a 
exercitar  o  feu  Poíto ;  porque  os  fueceísos  das  Campa- 
nhas antecedentes  tinhaõ  moftrado  ,  que  não  fe  occul- 
tava  o  intento  dos  Caftelhanos  mais  ,  que  o  tempo  ,' 

que 


PAKTE  II.  LimO  X.         se,* 

aue  fe  dilatavaõ  em  refolver  a  empreza ,  que  haviaõ  àe  Anno 

eSUOtempo,  que  o  Marquez  de Caracena  gaitou  em  l6óís 
jnir  o  exercito  ,  e  tomar  reíbluçao ,  ganharão  osíoc- 
;orros  das  Provindas  para  chegarem  a  Alentejo.  Foi  o 
primeiro,  que  entrou  em  Eítremoz,  o  Conde  de  S.Joaó 
;om  oitocentos  cavallos  divididos  em  quatorze  Com- 
panhias ,  de  que  era  General  Pedro  Ceíar  de  Menezes, 
Tenente  General  Franciíco  de  Távora  ,  irmaõ  do  Con- 
de j  Commiísario  geral  Bernardino  de  Távora.  A  Infan- 
teria  conítavade  dous  mil  e  fetecentos  Infantes  ,  repar- 
tidos em  quatro  Terços  ,  de  que  eraó  Meítres  de  Cam- 
po Manoel  Pacheco  de  Mello  ,  Sebaítiaõ  da  Veiga  Ca- 
bral ,  Franciico  de  Moraes  Henriques  ,  e  Diogo  de  Cal- 
das Barbofa  ,  e  em  todo  eíte  corpo  igualmente  fe  pra- 
ticava a  ordem  ,  e  o  luzimento  >  porque  o  cuidado  ,  e 
adividade  do  Conde  de  S.  João  naõ  dava  lugar,  a  que 
tomaíse  forças  o  mais  pequeno  defcuido.Chegáraõ  quafi 
a  hum  mefmo  tempo  os  Terços,  e  Companhias  de  ca- 
vallos de  Lisboa  á  ordem  do  Governador  daCavallaria 
Simaó  de  Vafconcellos  de  Soufa.  Era  Tenente  General 
da  Cavallaria  Roque  da  Coita  Barreto  ,  Cõmifsarios  ge- 
raes  Luiz  Lobo  da  Silva ,  e  Diogo  Luiz  Ribeiro ;  e  Me- 
ítres  de  Campo  dos  três  Terços  da  Armada  ,  Lisboa  ,  e 
Cafcaes   Mathias  da  Cunha,  Goníalo  da  Coita  de  Me- 
nezes, e  Joíeph  de  Soufa  Sid.  Conítavaõ  os  Terços  de 
dous  mil  Infantes  ,e  compunha õ-fe  de  trezentos  asCò- 
panhias  de  cavallos.  Mathias  da  Cunha  ficou  alojado  % 

em  Beja  ,  e  os  dous  Meítres  de  Campo  ,  o  primeiro  em 
Monçaraz  ,  o  fegundo  em  Évora  ,  e  em  Peja  fez  alto  o 
Meítre  de  Campo  do  Terço  do  Algarve  Manoel  de  Sou- 
fa de  Caítro.  Governava  Beja  Francifco.  de  Brito  Freire, 
Évora  o  Conde  de  Vimiofo.  Naõ  foi  menos  numero- 
fo  o  foccorro  da  Beira ,  com  que  marchou  Pedro  Ja- 
ques  de  Magalhaens;  porque  conítava  de  quinhentos 
cavallos  ,  governados  pelo  Tenente  General  D.  António 
Maldonado  ,  e  de  mil  e  quinhentos  Infantes  repartidos 
em  três  Terços  ,  de  que  eraó  Meítres  de  Campo  Manoel 
Ferreira  Rebello ,  Balthafar  Lopes  Tavares ,  e  o  Terço 

T  4  de 


m  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Annó  de  Fernão  Cabral,que  governava  o  Sargento  Maioí  Ja- 
66      cmto  de  Figueiredo^  Affonib  Furtado   de  Mendoça  1 
7    cou  governando  ambos  os  Partidos  da  Beira  com  o  in- 
tento ,  que  em  leu  Jugar  referiremos.  Os  Terços  pa- 
gos da  Província  de  Alentejo,  e  os  de  Auxiliares  íe  re- 
partirão pelas  Praças  mais  importantes  ,•  três  de  Trás  os 
Montes  ficarão  em  Eftremoz,e  o  de  Franciíco  deMora^s 
paísou  a  Villa-Viçofa  ,  os  da  Beira  íicárao  também  em 
Eilremoz,  e  a  maior  parte  daCavaUaria  ,  que  íedivi- 
dio  em  Regimentos  ,  entregues  aosCómifsariosgeraes,' 
nova  diíciplina  ,  de  que  reíultoii  grande  utilidade.  Da 
mefma  forte  eítava  prevenido  em  Eilremoz  o  Trem  da 
artilharia,  e  juntas  as  carruagens,  efperando  o  Marquez 
de  Marialva  averiguar  a  certeza  do  intento  do  Marquez 
de  Caracena  ,  para  com  ella  mandar  encorporar  asguar- 
niçoens  das  Praças  ,  que  ficafsem  livres  do  receyo  de  le- 
rem fitiadas:  e  ao  mefmo  tempo  prevenio  a  Armada  o 
Conde  de  Caílello- Melhor  em  Lisboa ,  e  eftavão  guar- 
necidos todos  os  portos  do  mar ,  que  podião  ler  amea- 
çados, ecom  particular  attençaõ  a  Praça  de  Setuval 
governada   por  Gil  Vaz  Lobo,  que  adiantou  as  forti- 
ficaçoens  com  grande  cuidado  ,  aílifbido  do  Meítre  de 
Campo  FernaõMaícarenhas  com  oTerço  daquella  guar- 
nição ,   hum  de  Auxiliares  da  mefma  Comarca  ,  outro 
pago  ,  que  formou  em  Lisboa,  que  foi  entregue  ao  Ge- 
neral da  Artilharia  ad  hmorem  António  de  Almeida  Car- 
valhaes,-  dedicando-fe  juntamente  para  a  defenfa  de  Se- 
tuval a  gente  de  Lisboa,e  íeu  termo,  que  era  innumera- 
VeVe  a  governar  Cizimbra  paísou  Jorge  Furtado  deMê- 
doça.  No  Reino  do  Algarve  o  Conde  de  Avintes  eílava 
com  toda  a  prevenção  necefsaria  ,  e  não  era  o  dinricf  o, 
que  dava  menos  cuidado  pela  vizinhança  de  Cádis ,  em 
que  fe  prevenia  a  Armada  de  Caurella  ,•  e  para  que  a  vi* 
gilancia  correfpondefse  a  efte  cuidado  ,  nomeou  EIRey 
por  Meítre  de  Campo  General  do  Reino  do  Algarve 
a  Joaô  Vanichele  ,  que  havia  chegado  de  Roma  ,  onde 
tinha  exercitado  com  grande  aceitação  o  Poíto  de  Me£ 
tre  de  Campo  General  do  exercito,  que  o  Pontífice  Ale- 
xandre VII.  for mpu  para  refiítir  aos  ameaços  da  guer- 


ra 


PARTE  11.   LIVRO  IX.        to? 

ra  de  França,  originados  dos  motivos  acima  meneio-  Alino 
nados,  Algumas  pequenas  vantagens  anima  vão  os  no\~    66 
fos  Soldados,porque  fahiudo  de  Gampo-Mayor  o  Capi-       u~t* 
tio  decavaliosFilippe  de  Azevedo  com  oitenta  cavai- 
los  a  tomar  lingua  ,  derrotou  huma  partida  dos  imite* 
gos,  trazendo  muitos  prifioneiros :  e  fendo  mandado  da 
meíma  Praça  pelo  Cõmifsario  geral  D.  Manoel  Lobo  a 
fimilhante  diligencia  o  Tenente  Balthaíar  Fernandes 
com  quarenta  cavallos ,  encontrando  huma  partida  de 
igual  numero  ,  as  desbaratou  ,  aprifionando  a  maior 

parte.  « 

O  Marquez  de  Caracena  reconhecendo  o  prejuízo 
de  íahirem  em  Campanha  na  força  do  Veraò,  vencendo 
todas  as  difficuldades  ,  que  fe  lhe  offereciaõ  por  initan- 
tes ,  refolveo  pôr  em  marcha  o  exercito  a  vinte  e  dous 
de  Mayo,  e  para  o  regular  na  forma  conveniei  té  ,  fi- 
cou alojado  huma  legoa  de  Badajoz  entre  os  rio;.1  Xevo- 
ra  ,  e  Botova  ,  quartel  abundante  de  agua  ,  lenha  ,  e 
forragem:  porém  dilatando-fe  algumas  tropas  ,  que  fe 
haviao  aquartelado  em  lugares  diílantes ,   fe  dilatou 
nelie  quartel  quinze  dias;fufpenfaõ,que  esforçou  varias 
cpinioens,  que  afsentavaõ,  que  não  havião  osCaltelha- 
nos  entrarem  Portugal ,   fem  a  Armada  fahir  de  Cádis; 
cuidado  ,  que  deprefsa  fe  defvaneceo,  confiando  que  as 
prevençoens  da  Armada  hiaó  muito  vagaroías  a  pezar 
das  diligencias  do  Duque  de  Aveiro  ,  que  com  extraor- 
dinário fervor,  e  grande  deíinterefse,  admirado  dos  Ca- 
ítelhanos,  folicitava  fahir  de  Cádis  ,  antes  que  o  Mar* 
quez  de  Caracena  entraíse  em  Portugal ;  e  com  a  certe- 
za defta  noticia  entendeo  o  Marquez  de  Marialva,  e  to- 
dos os  mais  Cabos  do  exercito  ,  que  ViUa-Viçoía  era  a 
Praça  mais  arrifcada  pela  falta  de  fortificaçoens  ,  por 
fer  rodeada  de  padraftos  ,  e  não  ter  mais  defenfa  ,  que 
o  pequeno  Caftello  circundado  de  huma  Eftrella  ,que 
fó  como  prognoftico  felice  lhe  podia  fervi r  de  íegu- 
rança,  occu pando  tão  pouco  terreno  ,  que  nã  permit- 
ia a  numeroía  guarnição,  de  que  neceíhtaya  a  reíiften- 
cia  de  hum  exercito  tão  poderofo  ,  facilitando  (  fe  os 
Caílellianos  a  gaahaisern)  amárdia  'a  Setuval ,  e  po- 


vm 


AntiQ. 


■Marcha  o  Mar. 


Villa-Ftfoja, 


29%    PORTUGAL  RESTAURADO, 

oendo  lervir  com  a  vizinhança  de  Geromenha  de  aloja- 
mento as  tropas extrangeiras  em  grande  defcommodida- 
de  dos  lugares  abertos  de  toda  aquella  Província ,  e 
embaraço  dos  comboys  ,  que  paísavao  de  Líbremoz  a 
hlvas ,  e  Campo-Mayor. 

^O  primeiro  de  junho  fe  poz  em  marcha  o  exercito 
de  yaítella  ,  e  aviiando  o  Meltre  de  Campo  Francilc» 
quez.  de  cara  Pacheco  Mafcarenhas  ao  Marquez  de  Marialva,  que  fa- 
zia ponta  a  Portalegre ,  fe  engrofsou  a  guarnição  da- 
quella  Praça  ,  a  de  Vallença  ,  e  Caítello  de  Vide  ,  fem 
embargo  dele  entender  ,  que  era  mais  diveríaó  ,  que 
realidade;  o  que  logo  fe  verificou  ,  tornando  o  exerci- 
to aoccupar  o  primeiro  quartel ,  de  que  havia  fahido, 
onde  fe  deteve  cinco  dias;  e  a  féis  alojou  emCaya, 
aíete  paisou  eíle  rio  ,  e  feaqurtelou  na  Torre  dos 
Siqueiras  >  ecomo  fe  Ma  entendendo  mais  defcuberta- 
mente  ,  que  os  Caílelhanos  marchavao  a  íitiar  Villa-Vi- 
çola  ,  ao  pafso  deíle  receyo  fe  augmentaraó  as  preven- 
ções: achava-fe  governada  por  Chriítovaõ  de  Brito  Pe- 
reira^ ,  de  cujo  procedimento  fe  efperava  inteira  fatif- 
façao.  A  Cidadella  ,  que  era  lo  capaz  de  defenfa,  guar- 
necião  mil  e  quatrocentos  Infantes  dos  Terços  dos  Me- 
ílres  de  Campo  Manoel  Lobato  Pinto, Francifco  de  Mo- 
raes Henriques  ,  e  algumas  Companhias  de  Auxiliares , 
que  governava  o  Meftre  de  Campo  Thomás  de  Eftrada: 
jogavaò  nas  muralhas  onze  peças  de  artilharia,  e  ha- 
via nos  Armazaens  grande  numero  de  munições,e  man- 
timentos. 

Villa-Viçofa,  como  confia  de  tradições  antigas,  foi 
povoação  nobiliíiima  em  todos  os  íeculos  ,  e  fe  afflrma, 
que  antes  da  vinda  de  Chriílo  Senhor  Nofso  a  redemic 
o  mundo ,  fundou  nefte  território  Maharbal  Capitão 
Carthaginez  hum  mag.ítoíb  Templo  ao  Deos  Cupido, 
e  cento  e  cincoenta  annos  depois,  Lúcio  Munio  Pretor 
Romano  outro  a  Proferpina ,  onde  hoje  he  a  Igreja 
de  Santiago ,  voto  ,  que  lhe  pareceo  precifo  para  alcan- 
çar vi&oria  dos  Lufitanos  -y  fimulachro  tão  frequentado 
de  varias  Naçoens  ,  que  fe  formou  naquelle  lugar  hu- 
ma  Republica,deíh'uida  povoação  muitos  annos  depois 

pela 


PJRTE  //.  LIVKO  X.  »99 

pela  entrada  dos  Mouros  em  Hefpanha.  Recuperou-a  Anno 
EIRey  D.  Affouio.II.  de  Portugal  no  anno  de  mil  e  du-     *, 
zentos  e  dezaíete  ;  porem  com  a  continuação  das  guer-  ÍOo5 « 
ras  padeceo  total ,  e  miíeravel  mina  :  reedíficou-a  El- 
Rey  D.  Affoníb  III.  no  anno  de  mil  e  duzentos  e  íe- 
tenta,  concedendo-lhe  grandes  foros ,  e  privilégios.  Foi 
cabeça  de  Marquezado,  titulo  que  deu  EIRey  D.AíFofi- 
fo  V.  a  D.  Fernando  ,  filho  íegundo  do  primeiro  Daque 
de  Bragança,  Sereniílima  Cafa,  que  a  fublimou  a  maior 
grandeza  ,  efelicidade  ,  por  íer  glorioío  berço  d'El- 
Rey  D.  Joaõ  o  IV.  de  faudofa  memoria,heroico  Reítau- 
rador  da  liberdade  Portugueza,  e  invicto  Heroe  daHi- 
ftoria  ,  que  eícrevemos.  Diíta  Villa-Viçofa  oito  legoas 
de  Évora  ,  quatro  de  Elvas  ,  duas  deEítremoz  ;  eílá  fi- 
tuada  em  ameno  ,  alegre  ,  e  laudavel  terreno.  He  ador- 
nada do  íumptuofo  Paço  ,  a  que  le  une  huma  grande 
tapada  com  três  legoas  de circumferencia,   OCaífccllo 
foi  levantado  por  EIRey  D.  Dioniz  :  he  fertiliiiima  de 
paò  ,  vinho  ,  azeite  ,  frutas  ,  hortas  ,  caças  ,  e  gados. 
Afiirma-fe  que  teve  mineraes  de  prata,  e  pedras  ver- 
des ,  que  com  eílimação  forão  conduzidas  ao  Eícorial. 
Tem  voto  em  Cortes  ,  e  por  armas  três  Caftellos  em 
hum  Elcudo :  hahitão-na  pouco  mais  de  mil  fogos  di- 
vididos em  duas  Parochias :  tem  cinco  Conventos  de 
Frades  ,  três  de  Religioías  ,  e  quatro  fontes  tão  abun- 
dantes de  agua ,  que  fórmaõ  huma  grande  Ribeira. 

Com  o  intento  de  ganhar  eíla  Villa  íeguia  a  mar- 
cha o  exercito  de  Caftella  ,  e   na  fua  vanguarda  pafsou 
de  Elvas  a  Eftremoz  com  a  Cavallaria  daquella  guarni- 
ção o  Tenente  General  D.  Joaõ  da  Silva  ,  livre  dos  in- 
juítos  embaraços  ,  que  o  haviaô  moleftado  ,  deixan- 
do em  Elvas  ao  Commiísario  geral  Bernardo  de  Faria 
com  quatro  Companhias,  que  depois  le  encorporou 
com  o  exercito  ,  e  como  a  advertência  deO.joaò  co- 
íturaava  diipôr  anticipadamente  os  accidentes  futuros* 
derribou  na  marcha  o  tanque  da  fonte  dos  Sapateiros, 
rompeo-lhe  os  canos  ,  a  divertio-lhe  a  agua  ;  e  foi 
eita  diligencia  occaíiaô,  de  que  o  exercito  de  Caftella, 
que  havia  de  occupar  aquelle  alojamento  ,  neceísaria- 

mente 


I  WM 


IO 


?oo      PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnilO  mente  pa&alse  a  Alcaraviça  ,  duas  legoas  diítante.,  ort. 
de  íó  havia  agua  ,  ientindo  os  Extra  ngeiros  com  o  ca- 
lor a  marcha  de  forte  ,  que  muitos  ficara©  naeílrada 
mortos  ,  e  moribundos  ,  outros  impacientes  fugirão  pa- 
ra Elvas.  A  vizinhança  dos  inimigos  acerei centou  ao 
Marquez  de  Marialva  os  cuidados  i  porque  luppoíto  f 
que  a  Villa- Viçofa  fe  tinha  acodido  com  todas  as  pre- 
vê nçoens,  de  que  era  capaz  a  lua  fortificação ,  oCaftel- 
Io  ,  e  Eílrella  ,  que  era  fó  o  que  eftava  íu  tridente  pa- 
ra defender- fe  ,  erataõ  débil  receptáculo  ,  que  naófe 
podia  confiderar,  que  a  defenfa  permaneceise  muitos- 
dias  ,  e  pareceria  infallivel  o  íitio  de  Villa- Viçofa  ;  por- 
que Eftremoz  defendido  por  hum  exercito>naó  era  ima» 
gmavel ,  que  os  Caftelhanos  emprendefsem  tão  grande 
temeridade  ,  como  bufear  efta  em  preza.  A  manhãa  de 
nove  de  Junho  juítlficou  efta  opinião  ,  marchando  o  ex- 
ercito de  Caílella  para  Villa- Víçoíà  ,  e  oceupando  a 
vanguarda  a  Villa  de  Borba ,  que  eítava  fem  povoação:, 
porém  como  íó  diítava  meya  legoà  de  Villa- Viçofa , 
prefidiarao  a  Villa  três  Regimentos  de  Infanteria,e'hum 
troço  de  Cavallaria; 

Era  Capitão  General  do  exercito  de  Caítella  Dom 
Luiz  de  Benavides  Marquez  deCarace-na  ,  Meftre  de 
Campo  General  D.  Diogo  Ca vaíhero, General  da  Cavai- 
laria  D.  Diogo  Corrêa  ,  e  com  titulo  de  General  da  Ca- 
vallaria  extrangeira  Alexandre  Farneíío,  irmão  do  Prín- 
cipe de  Parma  ,  General  da  Artilharia  D.  Luiz  Ferrer , 
Sargentos  Mores  de  Batalha  D  Francifco  de  Alarcão,  ri- 
lho de  D.  Joaó  Soares  ,  D.  Manoel  Garrafa  ,  e  D.  Fran- 
cifco Roze  Italianos.  Conítava  o  exercito  de  quinze 
mil  Infantes  ,  fete  mil  e  feifeentos  cavallos,  quatorze 
peças  de  artilharia,  d ous  morteiros,  grande  numero  de 
muniçoens  ,e  inítrumentos  deexpugnaçaõ,  quantidade 
de  carruagens  carregadas  de  mantimentos.  Logo  que 
chegou  a  Badajoz  o  Marquez  deCaracena  ,  pafsou  para 
Madrid  o  Conde  Marfim,  que  naò  quizaccommodar-fe 
a  obedecer  ao  Marquez ;  e  D.  João  de  Auítria  ,  haven- 
do prevalecido  a  parcialidade  de  fèus  inimigos  ,  eftava 
retirado  em  Confuegra  s  e  toda  Europa  naquelle  tempo 

defoc- 


i66$. 


PARTE  II  LIVRO  X.  501 

Moccupada  de  outra  guerra  ,  íe  applicava  com  pro-AnilQ 
fâada  attençaò,  e  diverfas  politicas  aos  progreísos  deite 
-xercito.  O  Marquez  deCaracena  ,  quando  entrou  no 
território  de  Villa-Víçoía  ,  naõ  ficou  totalmente  fatif- 
feito  ,  por  ver  que  o  occupavaõ  moiites  aíperos  ,  que 
íuccedem  huns  a  outros  ,  todos  eminentes  á  Praça  , 
plantados  de  olivaes  ,  e  vinhas  ,  com  diverfaô  de  muros, 
i  vallados  ,  que  feparaó  as  propriedades  humasde  ou- 
tras ,  e  fazem  todos  aquelles  íitios  mais  úteis  ,  que  tra- 
táveis para  a  marcha  de  hum  exercito  ,  principalmente 
aparte  que  occupa  a  tapada  quaíi  impenetrável  pe- 
la efoefsura  dos  arvoredos  y  porém  eftas  diíHculdades 
tamhem  ferviaò  de  defenfa  aos  Caítelhanos  pelos  gran- 
des embaraços  ,  que  o  nofso  exercito  havia  de  encon- 
trar 110  intento  deíbccorrer  Villa-Viçofa. 

O  Governador  Chriítovao  de  Brito  deíprezando  to- 
dos os  perigos  ,  que  o  ameaçavão  ,  não  querendo  tra- 
tar fó  da  defenfa  daEíbrella  ,  e  Caítello  ,  mandau  oc- 
cupar  as  minas  do  Forte  de  S,  Bento  ,  que  dous  annos 
antes  fe  havia  demolido  ,  por  íe  julgar  inútil  confer- 
var-íeaquelle  íitlo  ,e  entregou  a  defenfa  das  minas  ao 
Meítre  de  Campo  TJiomás  de  Eítrada  ,  e  aos  Capitães 
António  de  Mefquita  ,  Jofeph  de  MagaUiaens  ,  e  Ma- 
noel António  do  Terço  de  Trás  os  Montes,  que  gover- 
navaõ  cento  e  cincoenta  mofqueteiros.O  Capitão  Fran- 
cifco  Carvalho  do  Terço  de  Manoel  Lobato  guarnecia 
a  porta  do  Nó  ,  e  o  Capitão  Braz  Torrado  do  mefmo 
Terço  eítava  dentro  do  Paço.  Com  pouca  aítenção  a 
eíta  defenfa  inveílio  a  vanguarda  dos  Caítelhanos  a 
hum  mefmo  tempo  todos  eítes  póítos;  porém  fendo 
Valorofamente  rechaçados  com  perda  de  trezentos  ho- 
mens, fe  retirarão  para  fe  lhe  encorporar  maior  foc- 
corro  ,  e  Chriítovao  de  Brito  ,  tanto  que  cerrou  a  noi- 
te ,  recolheo  eíta  gente  ao  Caítello  pela  certeza  de  per- 
della  ,  ou  na  mefma  noite,  ou  ao  amanhecer  ,  ficando 
mortos  noconflííto  o  Capitão  Jofeph  de  Magalhães  , 
e  quatro  Soldados.  Os  Meltres  de  Campo  Manoel  Lo- 
bato ,  e  Francifco  de  Moraes  guarnecerão  com  muito 
acerto  todos  ospófcos  conveniente  dentro  da  Eít  relia , 


i 


502     POTRUGJL  RESTAURADO, 

An.no  eoccu  pando  os  que  parecerão  necefsarios  na  Villa-Ve- 
.//-  lna>  por  dilatarem  o  mais  tempo,  que  foíse  poilivel , 
u)'  o  provimentoda  agua;  porque  dentro  das  fortificaçõeSj 
naõ  havia  mais  que  huma  ciflerna  no  Caítello  ,  nad 
muito  abundante,  Ao  amanhecer  acabou  de  chegar  to« 
do  o  exercito  ,  e  mandou  o  Marquez  de  Caracena  re- 
partillo  :  padecerão  os  paizanos  ,  que  ficarão  na  Villa, 
e  osReligioíos  extraordinárias  moleítias.EIegeo  o  Mar- 
quez o  Paço  para  feu  alojamento  ;  porém  a  artilharia 
do  Caítello  o  obrigou  a  mudar  de  opinião  bufcando  í| 
tio  menos  arriícado.  Ao  dia  feguinte  atacarão  alguns 
Terços  a  meya  lua  ,  que  cobria  a  porta  de  Noísa  Se- 
nhora dos  Remédios  ,  defendida  pelo  Capitão  Manoel 
Nogueira  do  Terço  de  Franciíco  de  Moraes,  e  achãdo-a 
impenetrável  ,  arrimarão  hum  petardo,  e  eícadas  á  mu* 
ralha  jfmas  foraõ  rebatidos,  e  defendida  a  Villa-Velha  , 
que  por  aquella  parte  eítava  mais  expofta  ao  perigo 
de  fer  entrada.  Aquartelou-fe  o  exercito  com  pouca 
regularidade  ,  porque  o  fitio  o  não  permittia  ,  e  foi  o 
maior  cuidado  do  Marquez  mandar  occupar  as  emi- 
nências ,  que  entendia  podiao  facilitar  o  foccorro  da 
Praça  ,  e  ao  mefmo  tempo  tiverao  principio  as  bate- 
rias ,  e  os  aproxes.  A  primeira  bateria ,  que  começou 
a  jogar ,  foi  a  do  outeiro  da  forca  ,  a  íegunda  no  ter- 
reiro dos  Padres  da  Companhia;  porém  comoeílavão 
diftantes  ,  não  era  grande  o  prejuizo  dos  litiados  ,  re-s 
cebendo-o  maior  da  artilharia  da  Cidadella  ,  que  com 
grande  diligencia  fazia  jogar  o  Cômiísario  Eítevaó  Ma- 
ná ,  de  que  o  General  da  Artilharia  fez  eleição  para 
aquelle  emprego  ,  por  fer  Soldado  de  conhecido  valor* 
e  experiência.  A  bateria  dos  morteiros  era  mais  preju* 
dicial  aosfitiados  pela  eítreiteza  do  terreno. 

Diípoítas  todas  eítas  preparaçoens  ,  começarão  a 
onze  de  junho  a  caminhar  os  aproxes,  eera  tão  pou- 
ca a  diítancia  ,  que  havia  das  caías  da  Villa  ,  do  Con- 
vento das  Religiofas  da  Efperança  ,  e  das  cafas  da  Ca* 
mera  ,  donde  começarão  ,  que  facilmente  pudera 6  che- 
gar os  três  remaes  á  eítrada  cuberta  ;  fe  o  valor  dos  íl» 
tiados  os  não  embaraçara  :  porque  aííiftidos  os  Solda- 
dos 


VARTE  IL  UfROX.  5°3 

los  do  Governador ,  e  Officiaes  ,  pelejavaõ  igual ,  e  ma-  Anno 
ravilhoíamente  em  todas  as  defenías.  O  Marquez  de 
3atrac8íia  deiejando  com  o  receyo  do  íoccorro  a  brevi-  lõ04« 
kde  da  empreza  ,  dava  calor  aosaproxes,  e  mandou 
ibrir  huma  mina  contra  a  muralha  da  Villa- Velha*  Du- 
■ou  dous  dias  o  trabalho  pela  dificuldade  do  terreno  , 
leu-íe-lhe  fogo  >  e  padecerão  os  fabricadores  o  caftigo 
[a  iníuíRciencia  ■,  porque  rebentou  contra  elles  ,  matan- 
lo  ,  e  ferindo  os  Officiaes  ,  e  Soldados  ,  que  íe  acharão 
nais  vizinhos.  Naquella  noite  entrou  na  Praça  o  Capi- 
aõ  Fraucifco  Carneiro  de  Moraes  ,  Capitão  reformado, 
;om  carta  do  Marquez  de  Marialva  para  o  Governador, 
:  do  Conde  de  S.  Joaõ  para  o  Meítre  de  Campo  Francif- 
:o  de  Moraes ,  em  que  os  exhortavão  á  defenía  da  Pra- 
;a  ,  e  feguravão  o  íoccorro  delia.  Pela  melma  parte , 
ior  onde  entrou  o  Capitão  ,  fahio  hum  Soldado  com  a 
■efpofta  das  cartas  ,  quecontinhaõ  efficazes  proteltos  da 
■eíbluçao  do  Governador ,  e  de  todo  o  prelidio.  Che- 
cou o  Soldado  a  Eftremoz  lem  perigo  ,•  de  que  o  Mar- 
quez de  Marialva  ,  viílo  o  quecontinhaõ  as  cartas  ,  re- 
ze grande  íatisfaçaó.  A  treze ,  e  quatorze  adiantarão 
3S  Caftelhanos  os  aproxes  ,  e  de  huma  brecha,  que 
íbrirão  na  nvu ralha  da  Villa- Velha,oftèndiaõ  os  litiados, 
jue  hiáo  bulcar  agua  ao  poço  ,  porém  naõ  lhe  evita- 
/ao  levala  ,*  e  vendo  o  Marquez  de  Caracena,  que  con- 
tra defenfores  tão  valorofos  erão  preciías  execuçoens 
nais  refolutas ,  mandou  á  meya  noite  dar  hum  furiofo 
ifsalto  á  eítrada  encuberta  ,  e  três  vezes  que  o  repeti- 
rão ,  forão  rebatidos  os  expugnadores  com  damno  con- 
siderável. Também  o  receberão  os  fitiados  ,  tão  ambi- 
:iofos  dos  perigos ,  que  as  mefmas  granadas  ,  que  os  nefende-fe  m 
Caftelhanos  lançavão  ,  lhes  tornavaô  a  reftituir  ,  antes  lZ°la?'nte  a 
le  rebentarem  ,  defprezando  as  experiências  de  muitos,  '  *  e' 
:aie  perderão  as  mãos  nefte  valo  rolo  exercício.  Antes 
Io  afsalto  entrou  na  Praça  o  Sargento  Maior  Joaó  Pe- 
reira do  Terço  do  Meítre  de  Campo  Franciíco  de  Mo- 
raes ,  que  chegando  de  Lisboa  a  Eftremoz ,  e  achando 
ofeuTerço  íitiado  ,  o  foi  bufcar  com  valoroío  exem- 
plo ,  e  moftrou  no  afsalto  a  grande  utilidade  da  íua 

peísoaj 


e  w 


I 


?o4     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ánno  -peísoa.  O  Governador,  e  os  dous  Meílres de  Campo 
(  (  ç  '  ^P0ÍS  c^e  ^verem  executado  no  confli&o  acçoens  mui 

I00>#  toíignaladas  ,  foraó  feridos;  porém  eftimãndo  ,  co 
mo  deviaõ  r  mais  que  a  vida  ,  a  honra  ,  naõ  quizerãc 
retirar-íe  até  o  fim  da  contanda  >  e  lendo  maiores  a: 
feridas  do  Governador  ,  e  Manoel  Lobato  5  fe  recóllie 
raõ  á  Praça  ,  e  ficou  Francifco  de  Moraes  aíiiílindon; 
eítrada  cuberta.  Ao  dia  feguinte  ,  que  fe  contavaõ  quin 
ze  de junho  ,  intentarão  os  Caftelhanos  queimar  a  efra 
cada  ;  porém  foraõ  rebatidos,  e  perderão  os  inftrumen 
tos  deita  operação.  Na  meíma  noite  mandou  o  Mar 
quez  -deCaracena  dar  dous  furiofos  afsaltos  á eílrada  cu 
berra  ,  e  depois  de  muitas  horas  de  porfiada  contenda 
nos  que  atacarão  pela  parte  do  aproxe  da  Camera ,  fi 
caraô  ganhando  dous  alojamentos  em  hum  angulo  d; 
eílrada  cuberta  ,  e  os  fitiados  em  hnma  cortadura  ,  qm 
havião  fabricado  ,  cuílando  a  valorola  defenfa  as  vida 
dos  Capitães  Manoel  da  Rocha,  e Manoel  Nòguein 
Valente  do  Terço  do  Meftre  de  Campo  Franciíco  d( 
Moraes  ,  e  ficando  trezentos  feridos  ,  e  entre  elles  ( 
Capitão  Jofeph  da  Silva  ,  e  o  Alferes  António  Gomes 
Recebeo  o  Marquez  de  Marialva  vários  avifos  do  Go 
vernador  do  eirado  ,  em  que  fe  achava  a  Praça ,  e  en 
tendeo  ,'  que  fe  havião  perdido  os  Capitães  Chriílovac 
Dornelas  de  Abreu  do  Terço  de  Francifco  da  Silva  d< 
Moura  ,  e  António  Gomes  do  Terço  de  Ayres  de  Salda 
nha  com  fefsen ta  Soldados  ,  que  havia  mandado  de  foc 
corro  á  Praça;  e  por  huma  ,  e outra  razão  reconhe 
ceo  com  os  mais  Cabos  ,  que  lhe  afiiítiaõ  ,  que  não  en 
poíTivel  dilatar-fe  o  foccorro  ;  porque  perdida  a  eítrad; 
cuberta  ,  ficava  aos  fitiados  pela  eílreiteza  das  fortifi 
caçoens  ,  muito  perigo ib  o  defendelas. 

No  meffno  dia  ,  que  os  Caftelhanos  marcharão  pa 
ra  Villa-Viçoía,  fahio  o  Marquez  de  Marialva  de  Eílre 
moz  a  reconhecer  o  exercito  com  todos  os  Cabos ,  < 
Officiaes.  Recolherão-fe  com  a  certeza  ,  de  que  era  Vil 
la-Viçoía  defempenho  das  idéas  do  Marquez  de  Cara 
cena.  Sem  dilação  chamou  o  Marquez  a  Confelho  o 
Cabos  do  exercito  ,  o  Conde  de  S,  Joaõ  ,  Pedro  Jaque 

d( 


PARTE  II  LIVRO  X.  30 j 

ae  Magalhães  ,os  Sargentos  mores  de  Batalha.  Propoz  AoilH 
d  Marquez  o  numero  do  exercito  deCaítella.,.  e  a  re*     .^ 
folucao  que  havia  tomado  o  Marquez  deCaracena  de  l°u)' 
atacar  Villa-Viçofa  ,    taó  pouco  defenfavel  ,  como  a 
todos  era  notório  ;  e  entrarão  os  do  Coníelho  a  diícur- 
far  ,  que  as  vi&orias  pafsadas  haviaõ  ;deixado  as  Armas 
de  Portugal  taõ  gloriofas ,  que  para  fe  acreditarem, naó 
dependiaõ  de  refoluçoens  arrojadas  ,  quando  as  caulas 
naõ  eraó  taõ  urgentes,  que  obrigafsem  o  exercito  a 
empenhar-fe  ,  por  evitar  maiores  perigos  t  que  os  fuc- 
cefsos  das  batalhas  eraõ  muito  contingentes,  e  as  con- 
sequências de  íe  perder  huma  ,  taõ  relevantes  ,  como 
em  todos  os  íeculos  as  maiores  Monarquias  haviaõ  ex- 
perimentado:que  a  Praça  de  Villa-Viçofa  naõ  era  a  mais 
importante  daquella  Província  ,  affim  por  ficar  entre 
Elvas  ,  e  Eítremoz  ,  como  por  fer  taõ  irregular  a  lua 
Situação  ,  que  era  quafi  impoííivel  fortiíicar-fe  de  forte, 
que  naõ  fofse  faciliífimo  recuperala:   porém  depois  de 
ventiladas  todas  eítas  razoens  ,  que  infallivel mente  fa- 
zia praticáveis  o  ufo  da  razaõ  ,  levados  todos  ,  os  que 
fe  acháraõ  os  Confelhos  ,  ou  da  generofidade  valoro  la, 
(  commua  á  Naçaô  Portugueza)  ou  de  eipirito  fupe- 
rior  ,  que  os  conduzia  á  ruina  dos  Caílelhanos  ,  concor- 
darão fem  contradição  alguma  ,  que  Villa-Viçofa  havia 
de  fer  foccorrida  a  todo  o  rifco  do  exercito  ,  fundan- 
do-fe  ,  em  que  ficava  duas  legoas  de  Eftremoz  ,  e  que 
©ccupada ,  feria  o  inimigo  arbitro  das  eftradas  de  El- 
vas ,  eCampo-Maior  ,  eficariaõ  aquellas  Praças  expo- 
itas  a  muito  grande  oppreísaõ  pela  difficuldade  dos  com- 
hoys  :  que  Borba  ,  Redondo,  Landroal ,  e  Terena,lu- 
gares  dos  mais  abundantes  da  Província  ,  e  mais  accom- 
modados  para  alojamento  de  hum  exercito,  ficariaõ  fem 
remédio  fu jeitos  á  guarnição  de  Villa-Viçofa  ,  eferiaõ 
commodo  quartel  das  tropas  extrangeiras ,  e  por  eíte 
xefpeito  ficaria  fácil  fuítentarem  os  Caftelhanos  a  Praça 
de  Setuval ,  naõ  fó  pelos  foccorros  marítimos  ,  fenaõ 
pelos  comboys ,  que  deites  lugares  fe  lhe  podiaõ  in- 
troduzir :  e  ultimamente  fendo  todas  eítas  razoens  taõ 
forçofas ,  era  a  mais  efsencial  venerar-fe  o  Paço  de  Vil- 
*  V  la-Vi- 


i66j. 


HL 


jo6     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  l^-Viçofa  ,  como  templo  coníagrado  á  memoria  do  Au< 
thor  da  noísa  liberdade. 

Tomada  eíla  reíbluçaõ  ,  que  o  Marquez  de  Marial 
vaagradeceo  a  todos  ,  os  que  aíliíliraõ  no  Coníelho  con 
taõ  alegre,  e  valorofo  femblante,que  era  verdadeiro  an 
núncio  de  plauíiveis  felicidades ,  deu  conta  a  EIRey 
individuando  todas  as  razoens  ,  que  fe  liaviaõ  ventilad( 
no  Coníelho.  Na  mefma  hora  ,  que  o  Corre yo  chegoi 
a  Lisboa,  mandou  EIRey  juntar  os  Confelheiros  de  Eí 
tado  ,  e  Guerra,  e  coníideradas  todas  as  razoens  da  car 
ta  do  Marquez  ,  myíleriofamente  fe  conformarão  com  ; 
opinião  dos  Cabos  do  exercito  ;  porque  fem  iníluencií 
•particular  encontrava  todos  os  fundamentos  da  pruden 
cia  chegar  ao  maior  empenho  de  huma  batalha  ,  fican 
do  em  contingência  a  confervaçaõ  do  Reino  pelo  íoc 
corro  de  hum  lugar,  que  perdido,  era  muito  mais  fa 
cil  reílauralo  ,  e  as  mais  coníideraçoens  referidas  fica 
vaô  taó  remotas  ,  que  deviaô  contar- fe  por  impoffiveis 
Approvou  EIRey  a  refoluçao  de  foccorrer  o  exercito 
Villa-Viçoía :  deípedio  o  Conde  de  Caílello-Melhor  ( 
Correyo  com  eíla  ordem  ,  e  cartas  d'ElRey  para  os  Ca 
bos  de  agradecimento  ,  por  fe  haverem  conformado  en 
opinião  taovaleroía,  que  prognoíticava  amaiorglo 
ria  ,  e  felicidade  da  Monarchia.  O  Marquez  ,  logo  qu< 
chegou  eíla  ordem  ,  defpedio  vários  avifos  a  todas  ai 
Praças,  onde  eílavaÕ  alojados  os  foccorros  das  Proviíi 
cias ,  e  guarniçoens  do  exercito  ,  entrando  a  gente 
que  aíTiíKa  em  Setuval ;  por  conítar  fem  duvida  ,  que ; 
Armada  de  Caítella  eílava  muito  dilatada  :  e  para  quí 
todos  os  accidentes  concorrefsem  favoráveis ,  chegárac 
de  França  em  féis  dias  mil  Soldados  Infantes ,  que  def 
embarcando  em  Lisboa  pafsáraó  logo  a  Alentejo  ,  e  cc 
eíla  nova  recluta  compoz  o  Conde  de  Scomberg  óí 
Terços  daquella  Naçaõ  ,  que  chegarão  ,  quando  toma- 
mos Évora* 
sabe  de  E/Ire-  Juntas  todas  as  tropas  ao  tempo  ,  que  chegou  o  avi« 
Te^MvZivl*'^0  ao  Marquez  de  Marialva  do  ultimo  afsalto  da  eílrada 
com  o"  "xeTáte  coberta  de  Villa-Viçofa  ,  onde  os  Callelhanos  ácárad 
afocwreiía.    alojados ,  naõ  querendo  expor-fe  ás  contingências  da 

íuccefsa 


TAKTE  II.  L1VKO  X.         507 

uccefsQ  de  Évora ,  deliberou  pôr  em  marcha  o  exerci-  AntlG 
o;  porém  naô era  fegurar  ofoccorro  tomar  efta  re(o-    ,, 
uçaõ  j porque  as  difficuldades  de  confeguir  aempreza  IP°>« 
premeditada  pareciaõ  quafi  infuperaveis  ,  confideran- 
lo-íe  aeftreiteza,  e  embaraço  do  terreno,  por  onde 
íavia  de  marchar  o  exercito  ,  occupado  de  tapadas ,  oli- 
raes,  e  vinhas,  defendidos  todos  eftes  paísos de  valo- 
oíos  inimigos  ,  fendo  necefsario  abater  os  vallados  pa- 
a  marchar  o  exercito  em  forma  de  pelejar  fem  total 
3erigo,e  ainda  depois  de  fuperada  efta  diífículdade,dous' 
coitos ,  de  que  parecia  mais  fácil  introduz  ir- fe  o  foc- 
:orro  ,  que  eraó  o  do  outeiro  da  Mina  ,  e  outro  chama- 
lo  de  Lavra  de  Noite  ,  o  primeiro  fuperior  ao  Forte  de 
5.  Bento  ,  o  fegundo  á  Villa  ,  haviaò  os  inimigos  oc- 
cupado com  dous  Fortes  ;  e  chamando-fe  os  práticos 
Jo  paiz  ,  ignorantemente  facilitarão  a  marcha  do  exer- 
cito ,  provando  a  fua  opinião  com  a  ignorância  de  di- 
zerem ,  que  fem  diíliculdade  coftumavaõ  andará  caça 
por  aquelles  fitios ;  como  fe  o  corpo  de  hum  exercito 
occupára  o  mefmo  terreno  ,  que  o  corpo  de  hum  ho- 
mem. O  Marquez  para  facilitar  todos  eíles  embaraços, 
chamou  a  Coníelho  ao  Conde  de  Schomberg  ,  ao  Con- 
de de  S.  João  ,  ao  General  da  Cavallaria  Diniz  de  Mel- 
lo ,  ao  General  da  Artilharia  D,  Luiz  de  Menezes ,  e 
a  Pedro  Jaques  de  Magalhães  ,  e  aos  Sargentos  Maiores 
de  Batalha-,  e  depois  de  ventiladas  ,  e  vencidas  todas  as 
referidas  difficuldades  na  melhor  forma  ,  quefoipoifi- 
vel ,  fe  afsentou  ,  que  o  exercito  fe  puzefseem  marcha, 
quarta  feira  dezafete  de  Junho  ,  com  ordem,  que  fe  to- 
ma fse  o  primeiro  alojamento  no  fitio  de  Montes-Cla- 
ros,  huma  legoa  diftante  de  Eftremoz  ,  outra  de  Vil- 
la-Viçofa ,  confiderando-fe,  que  nelle  fe  apartayaõ  dous 
caminhos  ,  que  hiaõ  demandar  ,  o  da  maõ  direita^ afer- 
ra de  Lavra  de  Noite  >  o  da  maó  efquerda  o  outeiro  da 
Mina  í  porque  com  efta  refoluçaó  obrigávamos  aos  Ca- 
ftelhanos ,  confufos  na  perplexidade  do  nofso  intento,a 
dividirem  o  exercito  em  defenfa  dos  dous  Fortes  ,  que 
Jiaviao  fabricado, *e  para  que  a  nofsa  marcha  ficafse me- 
nos perigofa ,  na  meíma  noite  de  quarta  feira  havia 

V  1  4i^ 


Anno 


308   PORTUGAL  RESTAURADO, 

deoccupar  hum  troço  do  exercito  a  Serra  da  Vigaira 
que  ficava  eminente  ao  outeiro  da  Mina  ,  e  conlegui 
do  eíle  intento ,  ganha r-fe  na  meíma  noite  a  Serra  d< 
Barradas  ,  diítante  da  Vigaira  hum  tiro  de  piítola  ,•  por 
que  occupados  eíles  dous  poíto  ,  naõ  parecia  diffícul 
toío  foccorrer  a  Praça  na  fuppofiçaõ  ,  de  que  osCaíte- 
lhanos  naõ  haviaõ  de  largar  o  alojamento,  que  tinhac 
tomado  ,  com  que  até  aquelles  poítos  íe  confeguirií 
fem  diííi  cu  Idade  a  marcha  do  exercito  ,•  e  como  delle; 
até  Villa-Viçofa  começava  a  fer  o  terreno  taõ  embara 
çado  ,  que  naô  cabiaõ  mais  ,  que  quatro  Terços  de  fren 
te  ,  o  meímo  terreno  eníinou  a  forma  da  marcha  ,  oc 
cupando-o  quatro  Terços  de  vanguarda, dando-lhe  calo: 
outros  quatro  batalhoens  de  Cavallaria ,  até  todos  f< 
apurarem  ,•  e  como  os  lados  eítavao  feguros  de  fererr 
atacados ,  e  éramos  íuperiores  aos  Caíírelhanos  no  cor 
po  da  Infanteria,  parecia  fa&ivel  todo  o  intento  pre- 
meditado :  e  como  o  alojamento  do  exercito  de  Caílei- 
la  todo  eftava  rodeado  de  montes  pouco  diílantes ,  fí 
enganados  da  confiança  do  feu  poder  naô  pleiteafserr 
a  dificuldade  da  marcha  do  nofso  exercito  ,  infallivel 
mente  ficariaõ  expoítos  com  damno  irremediável  ás  ba- 
terias da  nofsa  artilharia.  Porém  fuppoílas  todas  eítaj 
giperanças  da  felicidade  do  fucceiso  ,  naõ  fe  ignora- 
rão no  Confelho  os  diíferentes  effeitos  >  que  coíhimac 
a  ter  eítas  anticipadas  imaginaçoens ,  conhecendo-fe  I 
que  o  exercito  inimigo  era  muito  numerofo  ,  que  ú 
compunha  de excelleníes  Cabos,  de  Soldados  vetera- 
nos ,  e  valorofos  de  Naçoens  diverfas  ,  que  haviaõ  de 
premeditar  os  perigos  mais  evidentes,  eoccuparosli- 
tios  mais  ventajofos  ,•  mas  como  Vilía-Viçofa  ,  nem  ef- 
tava em  eítado  de  admittir  diverfaõ ,  nem  era  capaz 
de  outra  forma  defoccorro ,  com  a  difpofiçaõ  referida 
ficou  determinada  a  forma  ,  e  marcha  do  exercito. 

Dous  dias  antes  de  fahirmos  em  Campanha  ,  forad 
os  Condes  de  Schombérg?  eS.Joaõ  ,  eos  Generaesda 
Cavallaria ,  e  Artilharia ,  e  os  mais  OfKciaes  maiores  a 
reconhecer  a  Campanha  >  por  onde  havia  de  marchar  o 
exercito,*  e  como  os  fegurava  a  maior  parte  de  Cavai- 
*  lariaj 


PARTE *  II.  LIVRO  X         ^ 

lana    cArrecaraõ  os  batalhoens  das  guardas  dos  Cafte-  Armo 
Lhanos  até  dentro  de  Borba  ,  em  recompenfa  de  haver       , 
S    Marquez  de  Caracena  igual  reioluçaó   no  dia  W" 
antecedente  ;  ficando  na  difpoflçao  dos  Generaes  de  hu- 
rna  ,  e  outra  parte  a  eleição  dos  fitips  ,  que  fedeviao 
efcolher  ,  para  com  maiores  ventagens  melhorarem  o 
feu  partido,  O  dia  antecedente  ao  da  marcha  ooexerr 
cito  Te  lhe  pafsou  moilra  ,  e  fe  averiguou  \\  que  confia- 
va de -quinze  mil  Infantes  divididos  em  vinte  ,  e  oito 
eíquadroens  ,  nao  havendo  chegado  os  Terços  de  Setu- 
val,  e  Valença  í  que  aCavallaria  fe  compunha  de  cm- 
co  mil  e  quinhentos  cavallos  ,  repartida  aPortugueza 
da  Provinda  de  Alentejo  em  nove  troços  governados 
por  nove  Commiísariosi  a  Extrangeira  da  meíma  Fro- 
vincia  em  cinco  Regimentos  ,  quatro  de  Francezes  ,  e 
humdelnelezes;  e  a  todo  efte  corpo  deCavallana  te 
ajuntava  a  de  Trás  os  Montes ,  Beira  ,  e  Lisboa  ,  e  nel- 
leiecontavaô  oitenta  e  dous  batalhoens  deftros  ,  luzi- 
dos, e  bem  armados;  e  feita  pelo  Conde  de  Schomberg 
a  forma  da  batalha  ,  fe  compunha  a  primeira  linha  de 
Infanteria  de  doze  efquadroens.  Occupavao  lado  direi- 
to o  Meílre  de  Campo  Triftao  da  Cunha,ieguia-le  Fran- 
cifco  da  Silva  de  Moura ,  JoaÓ  Furtado  de  Mendoça , 
Pedro  Cefar  de  Menezes ,  Ayres  de  Saldanha  ,  Manoel 
de  Soufa  de  Caílro  ,  Jaques  Alexandre  Tolon  ,  Manoel 
Ferreira  Rebello,Diogo  de  Caldas,o  Regimento  deFra- 
cezes  do  Conde  de  Schomberg  dividido  em  dous  cor- 
pos ,  governados  pelo  Tenente  Coronel  Defugere  ,  cer- 
rando o  lado  efquerdo  o  outro  Regimento  de  Inglezes 
do  mefmo  Conde.  O  lado  direito  da  fegunda  linha  oc- 
cupavao Meílre  de  Campo  Gonfalo  da  Coita  de  Me- 
nezes ,  poi  naõ  haver  chegado  Fernão  Maicarenhas ,  a 
quem  tocava  ,•  feçuiaó-fe  Ayres  de  Soufa  ,  D.Francifco 
Henriques,  Martim  Corrêa  de  Sá,  Alexandre  de  Mou- 
ra Jacinto  de  Figueiredo  ,  Balthafar  Lopes  Tavares  ,  o 
Coronel  Xeveri  ^com  hum  Terço  de  Francezes  ,  e  cer- 
rava o  lado  efquerdo  defta  linha  Claran  com  o  feu  Re- 
gimento de  Alemães,e  Italianos.  Compunhanha-fe  a  re- 
ferva dos  Terços  de  Auxiliares  de  Manoel  de  Lemos 

V  3  Mou- 


. 


^ro   PORTUGAL  KES74UHJD0, 

AnnO  Mourão  ,  e  António  Velez  Caítello-Branco  ,  o  primei 
•  >  •      ro  da  Comarca  de  Évora  ,  o  fegundo  de  Avis  ,  e  ie  aca 
100;'íb  chegara  de  Valença  o  Meílre  de  Campo  Francifcc 
Mendes ,  eltiva  deítinado  para  aíliílir  neíle  ultimo  cor 
po.  Na  vanguarda  do  exercito  marchava  António  d( 
Saldanha  ,  Meftre  de  Campo  de  Auxiliares  da  Cornara 
■de  Thomar  ,  com  quinhentos  Infantes  de  todos  os  Ter< 
<;os  de  Auxiliares ,  que  levavão  ferramentas  ,  para  aba- 
terem os  vallados ,  e  facilitarem  os  pafsos  difficultoíos 
Os  quatro  Terços  àos  Maítres  de  Campo  Mathias  ds 
-Cunhai,  Joíeph  de  Soufa  ,  Manoel  Pacheco  de  Mello, 
e  Perfon  Inglez,  ordenou  o  Conde  de  Schomberg  íe  for-' 
mafsem  entre  as  linhas  da  Cavallariada  vanguarda, par- 
tindo-fe  cada  huma  delias  em  partes  iguaes j  no  lado 
direito  Mathias  da  Cunha  ,  Jofeph  de  Soufa  ,  no  ladq 
eíquerdo  Manoel  Pacheco  ,  e  Perfon. 

O  General  da  Cavallaria  Diniz  de  Mello  affiítia  no 
lado  direito  da  linha  da  Cavallaria  da  vanguarda  com 
dezoito  batalhoens  >  no  efquerdo  Simão  de  Vafconcel- 
los ,  Governador  da  Cavallaria  de  Lisboa  ,  e  com  Diniz 
de  Mello  ficou  o  Tenente  General  da  Cavallaria  Roque 
daCoíla  Barreto  ,  e  com  Simaõ  de  Vafconcellos  D  Joaó 
da  Silva.Os  Commifsarios  geraes  Joaó  do  Crato  da  Fon- 
feca,  Bernardo  de  Faria,  António  Coelho  de  Goes,Luia 
Lobo  da  Silva  ,  Diogo  Luiz  Ribeiro  ,  D.  Manoel  Lobo 
governa vaõ  os  troços  ,  que  lhes  tocavaô.  A  fegunda 
linha  mãdava  o  Tenente  General  D.  Luiz  da  Coita  com 
os  Cõmifsarios  Duarte  Fernandes ,  Bartholomeu  de  Bar- 
ros,  e  as  Companhias  do  quartel  de  Moura  governava 
©  Capitão  Luiz  de  Saneia. 

Alinha  do  lado  efquerdo  da  vanguarda  eftava  á 
ordem  do  General  da  Cavallaria  do  Minho  ,  e  Trás  o$ 
Montes  Pedro  Cefar  de  Menezes,  edo  Tenente  Gene- 
ral dâ  Cavallaria  Francifco  de  Távora.  Copunha-fe  das 
Companhias  da  guarda  do  Conde  de  Schomberg  ,  hum 
Regimento  de  Francezes  ,  outro  de  Inglezes  ,  o  do  Co- 
ronel Jovete  ,  e  féis  batalhoens  da  Província  de  Trás  os 
Montes ,  que  governava  o  Commifsario  geral  Bernardi- 
no de  Távora.  A  fegunda  linha  eftava  á  ordem  do  Te- 
nente 


lente  General  D.  António  Maldonado  >  e  formava-íe  do  Atino 
tronei  Briquimon,  doCommiísario  geral  Paulo  Ho-     .. 
mem  com  osbatalhoens  da  Beira.  A  reíerva  conftava  iyo>* 
ie  íeis  batalhoens  á  ordem  do  Gommifsano  geral  Anto- 
aio  de  Siqueira  Peítana.  #  . 

Compunha-fe  o  Trem  da  artilharia  de  vinte  peças , 
quinze  de  íete ,  íeis,  e  quatro  libras,  tresdedoze,  e 
duas  de  vinte  e  quatro  ,  com  todos  os  Officiaes  ,  e  pre- 
vençoens  precitas-  %  para  íe  moverem  íem  embaraço. 
Marchavaõ  as  féis  mais  ligeiras  na  vanguarda  da  lnran- 
teria  ,   as  quatorze  na  retaguarda  da  iegunda  linha  ,  a 
que  íuccediaõ  as  Védorias ,  e  bagagens  ;  e  o  hm  da  con- 
dução da  artilharia  grofsa  era  (  coroo  fica  referido  )  de 
occupar  qualquer  dos  montes  eminentes  a  Villa-Viçoia, 
entendendo-fe  que  o  exercito  de  Ca  ire  Ha  pelo  lítio  in- 
ferior ,  em  que  eftava  alojado  ,  lhe  naó  era  poííível  U* 
vrar-fe  do  grande  eílrago das  balas  da  artilharia. 

Ao  romper  da  manhãa  de  dezaíete  de  Junho  ,  di- 
ftribuidas  as  ordens  ,  efinalados  os  poílos  ,  fe  poz  em 
marcha  o  exercito,  e  foi  o  primeiro  prognoíhco  de  fe- 
licidade aattençaó  ,  com  que  todos  os  Cathohcos  bul- 
caraõ  nos  Sacramentos  das  Coníiçoens  ,  e  Communhoes 
oíocego  das  confciencias.  Repartio-feJhe  por  nome, 
para  ufarem  no  conflidca  coftumada  invocação  da  Co- 
ceiçaó  de  N.  Senhora  ,  cuja  devota  Caía  (  que  foi  a  pri- 
meira ,  que   feinítituhio  nefte  Reino)  eítava  fitiada     ,j 
em  Villa-Viçofa }  e  furwdando-fe  as  eiperanças  da  victo- 
ria  naquella  fé,  eneíra  confiança  ,  ficava  muito  duvi- 
dofa  a  infelicidade.  O  dia  antecedente  havia  dado  or- 
dem o  Conde  de  Schomberg  ao  Commifsario  geral  Bar- 
tholomeu  de  Barros  ,  que  aquella  noite  fahifse  com  íeis 
batalhoens,  e  occupafse  a  Serra  da  Vigaira  ,  e  outras 
quaefquer eminências  mais  vizinhas  ao  exercito,  que 
lhefofsepoífivel,  e  promptamente  fofsè  mandando  avi- 
fos  de  todos  os  movimentos ,  que  obfervaíse:  porém  a 
ordem  fe  diílribuhio  taô  confufamente  ,  que  Bartholo- 
meu  de  Barros  naõ  fahio  de  Eftremoz,  fenaõ  ao  ama- 
nhecer do  mefmo  dia  da  batalha  ,  e  puderafer  efteerro 
caufa  de  a  perdermosjpòrque  havendo-fe  difcuriado  to- 

•   y  4  dos 


3i2    PORTUGAL  RESTAUtABO, 

Annádososaccidentes,  que podiaò  aconteceu  entre  os  Cí 

l£Açhosáo exercito,  naõ  tinha  entrado  em  queftaô  havt 

>*  o  Marquez  de  Caraeena  de  atacar  a  batalha  no  prime 

ro- dia  da  marcha  ,  por  naõ  parecer  fuppòfieaó  raci 

nal ,  que  o  Marquez ,  depois  de  tantos  annos  de  expi 

neneias  militares ,  largai  se  a  ventagem  de  ocmpa  r  os  í 

tios  ,    por  onde  o  noíso  exercito  determinava  entra 

no  fegundo  dia  da  marcha ,  e  que  precipitadamente  e> 

puzeíseahum  fó  ponto  as  confequencias  dehumav 

dória  j  efó  na  tarde  antecedente  ao  dia  da  batalha 

achando-fe  o  Conde  de  S.  Joaõ  ,  eo  General  da-Àrt: 

Iharia  com  o  Conde" de  Schomberg  j  difseo  General  d 

•Artilharia  ,  quer  fe  o  Marquez  de  Caraeena  qutzeise  de 

a  batalha  em  Campanha  livre  )  havia  de  ler  no  primei 

ro  dia  da  marcha  ,*  porque  do  íeguinte  por  diante  tu 

doeraôfitios  impedidos  ,  e  em-braçados:  porém  eíl 

reflexão  foi  cafu  aí  mente  feita  ,  íem  fazer  aísen  to  nel 

la  nem  o  que  areferio,  nem  os  que  a  ouvirão;  Te 

Ve  principio  a  marcha  fahiudo  de  vanguarda  todo 

Corpo  da  Cavaílaria  ,•  porque  d  exercito  inimigo  -fica 

va  na  frente.  Segaiao-fe  íeis,  peças  de  artilharia,  e  < 

corpo  da  Infanteria  na  forma  já  referida,e  na  redaguar 

dada Infanteriaa  mais  artilharia ,  e  bagagens-,  e  qua 

renta  cargas  de  muniçòes,queí'e  ha viaõ  de  repartir  pro 

porciònaímente  pela  re&aguarda  de  cada hum  dos^  Fer 

f  %álèm  de  hum  arrátel  de  pólvora- ,  edoze-  balas  ,  qu< 

eítava  diitribuida  por  cada  rrama  das  bocas  de  fogo^Con 

o  primeiro  batalháõ  da  vãguarda  da  Cavaílaria  fe  adian 

tou  o  Conde  de  S»  João ,  e  o  General  da  Artilharia ,  le 

vadosdo  cuidado  de  fe  naõ  ouvirem  a  noite  antecedeu 

te  as  baterias  de  Prlla-Viçofa,  defejando  examinar  ,  f< 

poderia  fer_aeaufa'ovizinhoeíl;rondo  do  exercito  -p  r- 

que  feacaíohouvelsefuccedidoter  capitulado^  Gover 

nador  ,  depois  de  perdida  a  eílrada  coberta-,  o  que  fe 

naõ  podia  cuidar  do  feu  valor ,  totalmente  mudavac 

de  íubírancia  t  cías  as  dií pofiçoens  antecedentes  ,  e  era 

precilo  reformarem-fe  rodas' as  ordens ,  que  íèhaviac 

jpafsado  ao  exercito  :  porém  naõ  havendo  piza  do  mm 

to  teireno. ,.  e  tenda  occupado  huma  eminência ,  ouvi" 


PJRTE  11.  LIVRO  X.        w 

Tâ()diftinaamenteoseccos  da  artilharia  da  Praça  ,  que  Armo 
relas  coníequencias,  que  reíuitavão  da  lua  penitencia, 
íizeraõ  agradável  coníonancia.  Neíte  tempo  marchava  ^»>- 
avançado  do  exercito  o  Côniifsario  geral  Bartholomeu 
de  Barros  ,  levando  os  íeis  batalhoens  ,  com  que  devia 
fábir  a  noite  antecedente  ,  (como  fica  declarado  )  per- 
tendendo  obfervar  es  mo  vime  tos  dos  Caílelhanos  de  al- 
guma das  eminências  íuperiores  áquella  Campanha^  iem 
reparar  que  haviãò  oceupado  o  alto  da  Serra  de  Vigai- 
ra  as  Companhias  da  guarda  do  Marquez  deCaracena 
conhecidas  pelos  timbales  ,  eternos  de  trembetas  ,  em 
•que  fe  difierençavão  das  mais  do  exercito  j  novidade  , 
que  obíervada  pelo  Conde  de  S.  joão  ,  e  pelo  General 
da  Artilharia  ,  mandarão  a  Bartholomeu  de  Barros<qu.e 
íizeísealto  ,  por  não  íeex[ôr  íem  alguma  uíilMadea 
manifeílo  perigo.  Fizerãoavizo  ao  CeneraLçtaC avalia- 
ria dacaufa   demandarem  fuipender  a  £m.  ordem  ,  e 
avizáraôao  Conde  de  Schomberg  ,  c^diligentemen- 
oceupou  o  melmo  monte  ,  em  queçjjavão  os  dous  Ca-' 
bos  referidos  ,  afíiílido  dos  três  Sargentos  Maiores  de 
Batalha  Portuguezes  ,  e  Balaruiíim  ,  que  exercitava  eíle 
porto  entre  as  Naçoens  extrafogeiras  5  e  eíle  melmo  avU 
zo  obrigou  ao  Marquez4e?  Marialva  a  repartir  todos  os 
Officiaes  de  Ordens  ,  jp&raque  prom piamente  formai 
fem  o  exercito. 

Chegado  o  Gáode de  Schomberg  á  eminência,  que 
■oceu pavão  Conde  de  S.  João  ,  eo  General  da  Ai  til  ha- 
ria  ,  obíerváraò  r  que  osbatalheens  da  CavaUaria  ini- 
miga JfucceíH vãmente  vinhâo  iahhido  á  Campanha  ,  ha- 
vendo  eftado  cobertos  com  a  Serra  da  Vigaira  ,e  fe  for- 
mavao  com  tanta  prelsa,  que  manifeítaméte  deícobrião 
a  deliberação  de  pelejar  ,  íendo  o  Conde  de  Schomberg 
o  primeira  »  que  teve  por  infallivel  eíte  difeurfo.  e  com 
eíla  repentina  conlideraça  o  determinou  vencerem  hum 
inftante  na  compoíição  do  exercito ,  que  vinha  em  mar- 
cha ,  todo  o  tempo,  que  parecia  faltava  para  reme dear 
tão  manifefío  perigo  ♦,  e  valendc-fe  de  tocFas  as  expe- 
riências militares  ,  cie  CjUe  era  compofía  alua  capacida- 
de ,  ordenou  ao  General  da  CavaUaria  Pedro  Cefardè 

-  Mene- 


1*4    PORTUGAL  RESTAURADO, 

A  nnó  Menezes  >  que  fe  achava  íiaquelle  íitio  ,  que  com  a  rrva- 
*       ior diligencia  ,  que  lhe  foíse   pofíivel  ,  correfse  apií- 

Ipo/.  xar  pelas  duas  linhas  da  Cavaliaria  ,,  que  já  haviaõ  oc- 
osrpado  o  lado  efquerdo  do  exercito,  conforme  a  ordem 
da  batalha  ,  e  marchafse  com  ellas  a  formallas  no  lado 
direito  da  Infanteria ;  para  que  aquelle  corpo  fica  (se 
fortificado  comquatro  linhas,  e  pudeíse  refiftir  o  Ímpe- 
to de  toda  a  Cavaliaria  deCaftella  ,  que  moítrava  que- 
rello.  atacar  ;  e  reconhecendo  o  General  da  Artilharia  a 
utilidade  delia  ordem  do  Conde  deSchomberg  ,  difse  a 
Pedro  Cefar  ,  que  na  fua  diligencia  levava  a  íegurança 
do  exercito  >  e  ordenou  o  Conde  de  Schomberg ,  junta- 
mente a  Pedro  Cefar  deixafse  ficar  ao  Coronel  Jo vete 
com  cinco  batalhoens  no  lado  efquerdo  para  dar  ca- 
lor á  Infante  ria  ,  bailando  efte  corpo  para  rbrtificalla, 
por  fer  o  fitio  ,  em  que  íe  havia  de  formar  ,  taô  afpero, 
e  embaraçado ,  que  naõ  podia  temer  os  impulfos  da 
Cavaliaria  inimiga.  Pedro  Cefar  ,  e  o  Tenente  General 
da  Cavaliaria  Franciico  de  Távora  ,  ornados  do  valor,  e 
actividade,  executarão  efta  ordem  com  tanta  diligencia, 
que  naõ  lhe  fobrou  hum  inftante  de  tempo  ,  fucceden* 
do  inveílirem  osCaftelhanos,quando  acavabaô  de  com- 
por o  ultimo  batalhão.  No  mefmo  inftante  ,  em  que 
Pedro  Cefar  foi  defpedido  ,  íe  dividirão  os  mais  Cabos 
a  compor  o  exercito ,  para  que  na  fua  defordem  não 
lografsem  os  Caftelhanos  o  leu  intento. 

No  lado  direito  em  o  fim  da  várzea  ,  onde  a  fer- 
ra de  Ofsa  tem  principio  por  aquella  parté,fe  afiignalou 
poílo  ao  primeiro  batalhão  de  Cavaliaria  ,  e  era  o  ter- 
reno ,  que  corria  para  a  mão  direita  ,  taó  embaraçado 
de  fanjas ,  e  vallados ,  que  ficava  a  Cavaliaria  fegura  de 
fer  atacada  por  aquelle  nanco  ,  porém  alterada  a  forma, 
o.ccupou  inutilmente  efte  terreno.  Deite  íitio  para  o 
lado  efquerdo  continuava  a  Campanha  raza  ,  o  que  ba- 
ilava para  fe  formar  a  primeira  linha  de  Cavaliaria  ,  os 
'<àous  Terços  de  Infanteria  ,  que  fe  lhe  interpolavaó  ,  e 
-três  Terços  da  linhada  vanguarda  da  Infanteria  ,  e  no 
fim  do  ultimo  deftes  fe  hia  levantando  fuavemente  hu- 
líia .colliria ,  que  todos  os  mais  Terços  daquella  linha 

da 


P^ÍRTE  II.  L1PK0  X.  ?ij 

da  vanguarda  foraô  occupando.  Eíb  meíma*  formate  j^nno 

terreno  ^ntinuava  até  á  retaguarda,  e  não  permittia, 

que  o  lado  direito  ,  e  eíqueulo  hum  a  outro  fe  defquar-  1 66  J. 

tinaíse.  Havia  hum  caiai  com  huma  pequena  tapada 

Je  pedra  folta ,  que  ficava  immediato  ao  lado  direito 

la  vanguarda.  Efte  mandou  occupar  o  General  da  Ar- 

ilharia  com  duas  peças  ,  e  cem  moíqucteirosá  ordem 

io  Teneríte  General  Marcos  Rapofo  Figueira.  As  três 

inhas  de  Calvallariâ  ,  e  a  lègunda  linha  de  Infanteria 

braó  occupando  em  terreno  igual  ao  referido  os  cla- 

os  dos  batalhoens ,  e  Terços  da  vanguarda.  O  primei- 

0  Terço  do  lado  direito  era  o  de  Trilho  da  Cunha, 
èguia-fe  para  o  efquerdo  Francifco  da  Silva  ,  e  Joaó 
?urtado  formados' na  Campanha  raza.  OMeílre  deCa^ 
)o  Pedro  Cefar  ,  e  os  mais ,  queie  continuavaó  confor- 
ne  a  ordem  referida,  occuparaóa  collina  ,  tornando  a 
)aixalla  até  topar  com  as  vinhas  ,  que  bicava  õ  ao  lado 
ifquerdo  ,  e  no  alto  dt -fta  eminência  plantou  o  Gene- 
al  da  Artilharia  quatro  peças  ligeiras,  que  começando 

1  jogar  ,  logo  que  appareceraõ  os  primeiros  batalhoens 
Jaítelhanos  ,  ainda  que  a  diftancia  era  larga  ,  por  or- 
lem do  General  da  Artilharia  fe  confeguiraô  ao  meímo 
empo  dous  grandes  eflèitos :  o  primeiro,  que  ouvindo- 
e  em  todo  o  exercito  o  eítrondo  deita  militar  tormen- 
a  ,  todos  íe  applicáraõ  abuiear  os  póítos  ,  que  antici- 
Dadamente  íe  lhe  haviaó  íignalado,fem  dependerem  das 
►rdens  dos  Cifíeiaes  Maiores  ;  que  fora  impoííivel  di- 
tribuillas  ,  como  era  preciío  ,  em  tão  breve  tempo ;  o 
egundo  ,  iervia  de  alento  aos  Soldados  ,  que  não  po- 
iiaó  examinar  as  diltancias ,  entenderem  ,  que  os  Caíle- 
hanos  começaváo  a  receber  o  damno  da  artilharia ,acre- 
litada  em  todas  as  occaíioens  dos  annes  antecedentes. 
Is  mais  peças  ligeiras  fe  introduzirão  com  grande  bre* 
idade  nos  claros  dos  Terços  da  vanguarda ,  e  as  grot- 
as jogáraó  em  huma  collina ,  que  ficava  na  retaguarda 
lo  exercito  ,  e  dominava  toda  a  Campanha. 

O  breve  tempo  ,  que  fe  gaílou  neílas  dif  pofiçoens, 
iverão  os  Caftelhanos  de  formar  o  exercito ,  uccupan- 
io  toda  a  Infanteria  o  lado  direito  3  toda  Cavallaria 


i66; 


|tà    POKTUGAL  RESTJV&ADO, 

AtltlO'°  èfqtíe&Io'  í  formaia  a  Cavallaru  em  quatro  linhas,  a 
Infaiiteria  em  duas  ;  e  como  era  eftrêito  ^fitio  da 
Campanha  Livre,  reftrLigiraõ-fe  os batalhoens  da  Ca- 
vallaria  mais  da  que  era  útil  para  a  regularidade  da  di- 
viíaó  dos  claro?,  que  a  efbe  reíp^ito  fe  engrofsárao,  que 
foi  liuma  das  cautas  de  fer  mais  vigoro fo  o  impeto, 
com  que  inveítirão.  Alnfaateria  marchou  por  numas 
vinhas  daquelle  diftruto  ,  e  peio  embaraço  do  terreno, 
e  a  precifa  obrigaçã j  d^  vir  formacla  ,  foi  mais  vaga- 
roíb  o  jfeu  impulío.A  artilharia  jogou  com  pouco  dam- 
nò  nofso  de  liuma  eminência  ,  que  ficava  na  retaguar- 
da do  feu  exercito. 

Formados  os  dous  exércitos  ,  fe  dividirão  os  Gene- 
raes  pelos  póffcos  mais  importantes.O  Marquez  de  Ma- 
rialva acompanhado  dos  Tenentes  de  Meítre  de  Camr 
po  General,  dos  Meftres  de  Campo  de  Auxiliares  Antó- 
nio da  Silva  de  Almeida  ,  António  Ferreira  da  Came; 
ra  ,  e  D.  Pedro  Opeífinga,  General  da  Artilharia  do  Bra- 
íil,  occupou  a  vanguarda  da  fegunda  linha  da  Jnfante- 
ria  ,  depois  de  haver  corrido  todos  os  póftos  referidos, 
e  com  alegre  ,  e  valoroíb  femblante  na  brevidade  ,  quí 
deu  lugar  o  tempo,referio  eítas  palavras;,,  Segunda  vez 
Valorofos  Solda dos,por  Divina  permifsaõ  corre  por  mi- 
nha conta  exhortarvos  aconfeguirdes ,  rompendo  pe- 
los perigos  de  huma  batalha ,  as  conlequencias  de  hu- 
ma  viftoria;  e  fe  na  primeira  ,  na  occafiaõ  das  linha 
de  Elvas  ,  julgaíles  as  minhas  razoens  forçofas,  he  ago- 
ra  razaô  ,  que  as  avalieis  invencíveis ;  pois  fe  multipli- 
carão de  forte  as  experiências  do  vofso  valor  ,  e  d; 
vofsa  felicidade  ,  que  podeis  contar  eíla  vitoria  (  que 
fupponho  infallivelmente  alcançada )  como  tributo  in- 
difpeníavel  ,  que  vos  paga  afortuna.  Compunha-fec 
pequeno  exercito  ,  com  que  rompemos  as  linhas  de  El- 
vas ,  de  poucas  tropas  pagas,as  mais  Auxiliariares,  e  Or- 
denanças ;  e  com  eíte  inferior  partido  vencemos  hum 
exercito  fortificado  ,  numerofo  ,  e  veterano.  Seguirão- 
fe  a  efte  tão  multiplicados ,  e  gloriofos  fuccefsos ,  que, 
ainda  que  o  tempo  fora  mais  dilatado,  me  não  pude- 
ra dar  lugar  para  referillos ;  vai ha-fe  cada  hum  de  vós 


PARTE  11;  LIVRO  X.         517 

da  fua  memoria,  que  he  o  melhor  mappa,  em  que  co-  Anil  O 
íhimaô  debuxar-íeas  glorias,  lembrando-vos  porém  das    ,  , 
Campanhas  antecedentes,  porque  foraõ  muitas  as  cir-  loy)' 
cunítancias  maravilho fas  da  batalha  do  Canal  ,  da  re- 
cuperação de  Évora,  da  batalha  de  Caítello-Rodrigo,da 
tomada  de  Valença  ,  e  dos  progrefsos  das  Provindas  de 
Entre  Douro ,  e  Minho  ,  Beira  ,  e  Traz  os  Montes,  que 
naó  podendo  defenganar  a  arrogância  de  nolsos  inimi- 
gos, eíla  os  abriga  a  buícarnos  na  defordem  ,  tendo- 
nos  por  invencíveis  no  valor .-  porém  vencendo  as  nof- 
fas  experiências  atè  a  incontraítavel  ligeireza  do  tempo, 
temos  coníeguido  formar  o  exercito  em  perfeita  regu- 
laridade com  vantagem  fingular  no  íitio  ,  queoccupa- 
mos.  Efpero  ,  que  rebatemos  o  primeiro  impulio  dos 
Caítelhanos  na  certeza  ,  de  que  eíta  primeira  acçaõ  nos 
íegura  a  vióloria  j  porque  como  he  taõ  diítante  a  divi- 
faõ ,  que  fica  entre  o  corpo  da  Cavallaria  ,  e  Infanteria 
inimiga  ,  e  tão  embaraçado  o  terreno  ,  diíficultolamen- 
te  poderá  tomar  forma  o  exercito  de  Caítalla  ,  defva- 
necidoo  Ímpeto  do  primeiro  combate;  e  como  reco- 
nheço ,  que  lbis  todos  taõ  déítros  ,  que  não  dependeis 
de  mais  ordens  ,  que  das  vofsas  experiências  ,  executay 
o  que  vos  eníinarem  os  accidentes  deite  confli&o  ,  va- 
lendo-vos  da  doutrina  ,  que  aprendeftes  nos  iuccefsos 
pafsados,  e  confeguireis  infallivelmente  na  prefente  oc- 
cafiaõ  iuperior  vi&oria  a  todas  as  outras  ,  que  tendes 
alcançado. 

Naó  houve  Soldado  de  taó  humilde  efpirito  ,  que 
ouvindo  o  Marquez  ,  fe  nao  difpuzefse  a  executar  ac- 
ções maravilhofas  O  Conde  de  Schomberg  naõ  fez  elei- 
ção do  lugar  certo  ;  porque  entendeo  juílamente  ,  que 
em  todos  era  necefsaria  a  fua  pefsoa  ,  de  que  foi  infe- 
paravel  o  Sargento  Maior  de  Batalha  Miguel  Carlos  de 
Távora  ,  que  com  iníigne  valor  ,  e  excellente  ingenho 
foi  digniílimo  imitador  dos  íeus  acertos.  O  General  da 
Cavallaria  elegeo  o  lado  efquerdo  da  primeira  linha  da 
vanguarda  da  Cavallaria ;  porque  o  direito  pelos  emba- 
raços do  terreno  referidos  naõ  podia  fer  atacado.  O 
Conde  de  SJoaõ>e  o  General  da  Artilharia  occupáraô  o 

lado 


5lS    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  *ado  direito  da  ínfanteria.  Pedro  Jaques  de  Magalhães 
',  y    governava  o  lado  efquerdo  da  ínfanteria.  Os  Sargentos 
I00y  •  Maiores  de  Batalha  Diogo  Gomes  de  Figueiredo,e  Joaò 
da  Silva  de  Soufa  ,  além  da  obrigação  ,  que  tinhão  ,  pe- 
los íeus  póftos ,  de  acodirem  <x  todos  os  lugares  ,  que 
ameaçaíse  o  maior  perigo  ,  tinhão  á  fua  conta  o  gover- 
no da  fegunda  linha   de  ínfanteria ,  em  que  affiília  o 
intenta  o  Mar-  Marquez  de  Marialva. 

quez,  de  Cara-  Q  Marquez  de  Caracena  fem  mais  Confelho  ,  qus 

"a7onaâmlnh'a  °  feu elevado  efpirito  ,  e  natural refolução  ,  tanto  que 
teve  avizo  das  partidas  ,  que  eítavaó  avançadas  íbbre  o 
nofso  exercito  ,  que  começava  a  fahir  de  Eííremoz  ,  de- 
terminou inveftilo  na  marcha  ,  e  rompelo  nadefordem, 
e  para  efte  efleito  feparou  a  Cavallaria  da  ínfanteria  , 
entendendo  ,  que  como  era  mais  rápido  o  movimento 
daquelle  corpo  ,  feria  mais  efficaz  o  emprego  delle  ,  e 
que  evitando  tomar  forma  o  nofso  exercito  ,  daria  lu* 
gar,  a  que  a  ínfanteria,  que  mandou  avançar  pelo  la- 
do efquerdo  ,  acabaíse  de  rompelo ;  e  todo  entregue  ao 
calor  deíla  imaginação  ,  não  admitio  as  prudentes  pon- 
derações de  outros  Cabos,  e  Officiaes  (em  que  entra- 
va com  forçofos  argumentos  o  Sargento  Maior  de  Ba- 
talha D.  Manoel' Garrafa )  que  lhe  advertirão  ,  que  a 
maior  fegurança  do  exercito  era  naõ  largar  o  quartel 
tomado  ípbre  Villa-Viçofa  ,  óccupando  todos  os  póílos3 
que  podião  fer  favoráveis  á  nofsa  determinação  ,  e  de- 
fendendo os  paísos ,  que  os  embaraços  do  terreno  com 
pouca  guarnição  fazião  defenfaveis;  e  que  naó  quizef- 
íe  ,  feguindo  a  fua  opinião  ,  arrifcar-fe  á  contingência 
de  poder  reíiílir  o  exercito  de  Portugal  o  primeiro  im* 
pulfo  ;  porque  logrando  ,  como  era  poífivel ,  eíla  gran- 
de fortuna  ,  confeguiria  aquella  mefma  vantagem  ,  em 
que  o  Marquez  determinava  ferJhe  fuperior  ,  e  não  fe- 
ria poílivel  tornar  a  ordenar  hum  exercito  ,  a  quem  fe 
jnandava  ,  que  atacafsem  com  defordem.  Nãobaftárao 
eítas  bem  confideradas,  e  prudentes  advertências  a  obri- 
gar ao  Marquez  de  Caracena ,  a  que  retrocedefse  da 
opinião  permeditadaje  accreícentando-lhe  a  vaidade  do 
intento  nova  arrogância ,  o  tempo  que  gaitou  na  mar- 
cha 


PARTE  II.  LIVRO  X.  319 

:ha  de  Villa-Viçofa  ao  íitio  da  batalha  correndo  os  Ter- 
mos ,  ebatalhoens,  difpendeo  nefce  difcurfo. 

As  experiências  adquiridas  em  tão  dilatados  annos 
3e  guerra  ,  valoroííimos  Soldados  me  habilitarão  a  fer 
iícolhido  para  a  conquiíla  de  Portugal,  em  queconíl- 
feè  ,  fem  controverfia ,  não  fó  o  focego  ,  mas  o  aug- 
nento  da  Monarquia  deCaítella,  depois  de  fe  haver 
ixaminado  neíta  guerra  a  fciencia  de  todos  os  Cabos  de 
naior  valor ,  e  íuppoíição  ,  naturaes  ,  e  extrageiros  ,  e 
ultimamente  a  peísoado  fenhor  D.  João  de  Auílria  ,  a 
:ujas  virtudes  fe  acha  unida  a  grande  fortuna  ,  com 
3ue  ibcegou  Nápoles  ,  apazigou  Sicilia  ,  foccorreo  Va- 
iencianes,reftaurou  Barcelona,ganhou  Arronches,  con- 
}uiítou  Geromenha  ,  e  rendeo  Évora.  Em  todos  eíles 
Zabos  foraõ  difFerentes  os  fuccefsos  ,  e  em  quafi  todos 
ião  correfponderão  aos  difcurfos  ,  que  íizerão  anticipa- 
iamente  :  não  porque  faltafse  nos  Cabos  a  capacidade, 
nem  nos  Soldados  o  valor ,  fenão  porque  fe  defacertou 
o  modo  de  fe  lograr  o  intento  deita  conquiíla  ,  queren- 
do-fe  confeguir  com  hum  pleito  dilatado  ,  e  com  hum 
procefso  infinito  ,  o  que  devia  fer  feito  fumma rio.  He 
Portugal  muito  grande  Reino  para  fe  ganha  a  Praça,  e 
Praça  ,  e  muito  pequeno  para  refiftir  á  Perda  de  huma 
batalha, principalmente  não  podendo  fer  foccorrido  dos 
feus  aliados,fenão  pelas  incertezas  da  navegação, adian- 
do -fe  rodeado  de  todas  as  nofsas  fronteiras  j  e  conheci- 
do o  achaque  deite  débil ,  e  inimigo  enfermo  ,  fora  im- 
prudência não  lhe  appl içarmos  inítrumentos  á  morte. 
Temos  preíente  a  occafião  de  confeguir  eíte  tão  gran- 
de intento ;  porque  fe  ganharmos  eíta  batalha,  pode- 
mos fem  duvida  contar  Portugal  por  conquiítado  ;  e  ie 
a  perdermos,pouco  damno  faremos  á  Monarquia  deCa- 
ílella  5  e  onde  o  partido  he  tão  defigual  ,  fora  impru- 
dência não  abraçar  o  empenho,  principalmente  fendo 
infallivel  confequencia  da  viftoria  a  forma  ,  em  que  de- 
termino atacar  a  batalha  >  porque  quanto  temos  por 
mais  indubitável  entenderem  os  Portuguezes  ,  que  não 
pôde  fer  hoje,  (  como  fe  reconhece  na  marcha ,  que  tra- 
zem )  tanto  mais  devemos  animamos. ,  a  não  aguardar 

o  ern« 


A  mio 
1665. 


5 to    PORWGAL  RESTAURADO, 

AnriO  °  emprendella  para  a  manhãa,defvanecendo  o  dilcurfo. 
.      que  devem  ter  feito,  de  que  naõ  havemos  fahir  do  quat- 
1605  •  tel  de  Villa-Viçofa  ,  valendo-íe  das  vantagens  do  terre- 
no; e  neíla  fuppofíçaõ  parece,que  vem  preparados  coríi 
o  numero  ,  e  qualidade  de  Infanteria  ,  em  que  naó  íad 
inferiores,para  ganhar  qualquer  das  eminencias,que  ro- 
deão  o  quartel  de  Vi.lla-Viçofa,inte.ntando  deíalojarnoí 
com  a  Artilharia  grofsa,  que  trazem  prevenida,  pois  nãa 
pôde  haver  outro  intento  ,  que  os  origine  a  marchai 
comeíte  embaraço,o  que  heinfallivel  pela  confiísaõ  da: 
linguas  j  e  fendo  eíta  a  arte  dos  noísos  inimigos,  deve 
mos  defvanecella  com  refoluçaõ,por  menos  imaginada 
mais  erFecliva  ,  na  certeza  ,  de  que  o  exercito  não  pód< 
trazer  forma  proporcionada,  í afundo  do  quartel  de  Ef 
tremoz  fem  intento  de  pelejar  hoje  ,  e  não  podendo  a 
tropas  Eltrangeiras,e  íbccorros  das  Provincias^fendo  eí 
te  o  primeiro  dia,que  íe  juntão  ao  exercito)  conhecer  I 
por  ordens  vocaes  os  poftos  ,  que  lhe  eílaõ  fignalados 
porque  eíta  fciencia,em  que  coníiíte  a  certeza  das  vifto 
rias ,  aprendem-na  os  Soldados  pelos  olhos,  e  não  pelo 
ouvidos  j  e  os  dous  Cabos  maiores  ,  a  quem  toca  reme 
diar  eíte  manifeíto  perigo, ao  primeiro  ufano  com  as  vi 
dorias  paísadas,póde  faltar  a  prevenção,  porque  lhe  lo 
bra  a  confiança  ;  ao  fegundo  falta  a  fé  ,  porque  fenã< 
alimentou  do  fuave  leite  da  Religião  Catholicaí  epO 
eíles  reípeitos  ,  tendo  a  noíso  favor  a  Providencia  Divi 
na,  e  a  difpoíiçaó  humana  ,  quanto  maior  for  a  breyida 
de  ,  com  que  pelejarmos,  tanto  mais  deprefsa  confegui 
remos  a  fortuna  de  vencermos. 

Qiiaíi  nas  ultimas  claufulas  das  razoens  referidas  í 
vÃ*ie  a  bata-  acabau  de  dividir  a  Cavallaria  da  Infanteria ,  e  marcho 
Ihâ.lficaõveni  cada  hum  dos  corpos  feparadosa  atacar  a  batalha >  a  O 
,  údos  os  cafle.  vallaria  pelo  lado  efquerdo,a  Infanteria  pelo  lado  direi 
to  do  exercito  ,  e  o  Marquez  de  Garacena  fubio  ao  alt 
da  grande  Serra  da  Vigaira,  que  ficava  em  igual  diftar 
cia  de  hum,  e  outro  corpo  ,  a  obfervar  fem  rifco  algui 
peísoal ,  os  progreísos  da  fua  refoluçaõ.  OsmaisCabc 
íe  dividirão,  D.Diogo  Cavalhero  a  governar  a  Infaten 
com  os  Sargentos  Maiores  de  Batalha;Alexandre*arní 
0  íic 


lhanos . 


PAKTE  11  LIVKO  X.         %t\ 

[io  ,  e  D.  Diogo  Corrêa  â  mandar  a  Cavallaria :  fendo  a  AnnO 
primeira  vez  ,  que  os  Caileihanos  cederão  a  vanguarda     , ,  _ 
aos  Extrangeiros ;  porq  as  primeiras  du as  linhas  íe  com-   1UU>* 
puzeraõ  da  Cavallaria  das  Ndqoeas,  asíegundas  duas  da 

Caítelhana.  .     .  .     , 

Aviltado  hum  ,  e  outro  exercito,  deu  principio  a  ba- 
talha a  tempeftade  furioía  da  artilharia,que  das  baterias 
referidas  começou  a  jogar ,  dando  lugar  as  pauías  do  ef- 
trondo,ás  coníbnancias  dos  clarins,  e  caixas. Marchava  o 
exercito  de  Caftella  na  forma  declarada  com  igual,  e  zõ- 
poílo  pafso  a  bufcar  a  linha  da  vanguarda  do  lado  direi- 
to do  nofso  exercito  com  a  Cavallaria  ,  e  a  do  lado  ef- 
querdo  com  a  Infanteria,ficando  fó  livres  deite  primeiro 
encontro  todos  os  batalhoens,  q  da  bateria  das  duas  pe- 
ças de  artilharia  íe  eílenderaó  para  a  Serra  de  Gisa.Pade- 
ceraó  com  mais  vigor  o  primeiro  impulíb  os  Terços  de 
Triílaõ  da  Cunha,  Francifco  da  Silva  de  Moura,  e  Joaõ 
Furtado  de  Mendoça,que  occupavaó  o  plano  ,  e  os  bata- 
lhoens da  Cavallaria,que  eítavaõ  mais  vizinhos  ao  Ter- 
ço de  Triítaõ  da  Cunha  aiMidos  do  General  Diniz  de 
Mello:  e  o  Conde  de  S.  João,  e  o  General  da  Artilharia, 
que  occupavaó  o  claro  dos  Terços  de  Trilião  da  Cunha, 
e  Francifco  da  Silva  ,  deraõ  ordem  ,  que  as  peças  de  ar- 
tilharia ,  que  eftavaõ  carregadas  de  facos  de  balas  miú- 
das ,  naõ  defsem  a  primeira  carga,  fenaô  ao  tempo,  que 
os  inimigos  eítivefsem  na  diftancia  de  cincoenta  pafso^ 
e  foi  taó  paufada  ,  e  bem  compoíta  a  forma  ,  em  que  el- 
les  inveftiraõ,  que  deu  lugar ,  a  que  eíta  ordem  pontual- 
mente fe  obfervafsej  e  foi  taó  notável  o  damno,  que  pa- 
decerão ,  que  os  batalhoens  do  lado  direito  ,  obriga- 
dos do  receio,voltáraó  os  meios  corpos  dos  cavallos  com 
apparencia  de  quererem  fugir,  de  que  fe  originarão  ale- 
gres vozes  em  toda  a  nofsa  vanguardajrepetindo  os  Sol- 
dados ,  que  os  inimigos  fugiaó :  porém  elles  tornando 
a  compor- fe,e  obriga ndo-os  a  defordem  do  movimento, 
que  rlzeraó,  a  occupar  para  o  íeu  lado  efquerdo  os  com- 
pafsados  claros  ,  que  traziaó  ,  íicando-lhes  por  eíte  rel- 
peito  os  batalhoens  dobrados  ,  inveítiraó  valorofaménte 
o  corpo  da  Infanteriâ ,  e  Cavallaria  ,  que  lhe  ficava  oo- 

X  poíta| 


322    PORTUGAL  RESTAUKADO, 

Anno  P°fta,e  rompédo-o,chegáraõ  até  á  vanguarda  da  fegun- 
^,      da  linha  da  ínfãteria,e  da  terceira  da  Cavallaria.  Acodio 

I  õo  J.  D-ín[z  de  Mello  com  grande  promptidaõ  ,  e  valor  ao  re* 
médio  deite  damno,  reforçando  a  peleja  com  novos  ba» 
talhoens,  fem  perder  terreno,  nem  mudar  forma.  A  mef- 
roa  conítancia  tiveraõ  os  Terços  de  Triítaõ  da  Cunha , 
Francifco  da  Silva  ,  e  Joaõ  Furtado  :  porém  ainda  quç 
repetirão  inceísantes  cargas,entráraõ  mais  de  mil  cavai- 
los  pelo  claro  dos  Terços  de  Triílaõ  da  Cunha  ,  e  Fraur 
cifco  da  Silva  ,  onde  eítava  o  General  da  Artilharia  ,  § 
o  Conde  de  S.  Joaó  ,  e  atropellando  algumas  mangas  de 
guarnição  do  lado  direito  do  Terço  de  Franciíco  da  Sil- 
va, deixarão  ferido  ao  Meítre  de  Campo,  e  mortos  t riu-? 
ta  Officiaes  ,  e  Soldados ;  porém  o  Terço  ,  que  fe  havia 
avançado  inadvertidamente  a  efperar  o  choque ,  tornou 
com  grande  acordo  a  occupar  opoíto ,  de  que  havia  fa-* 
hido  e  o  Códe  de  S.  Joaô,depois  de  pelejar  largo  eípaçq, 
unido  ao  General  da  A  rtilharia,puxou  para  a  defenía  da- 
quelle  lugar  pelo  batalháô  de  Joaõ  Pinto ,  e  Francifco 
de  Le  dei  ma,  hum  dos  da  fua  Provinda;  e  á  mefma  parte 
acodio  o  Capitáõ  Joleph  Pafsanha  de  Caftro  ,  e  outras 
Çompanhias,que  do  lado  direito  tirou  o  General  da  Car 
valia  ria  para  aquelle  lugar:  porém  naõ  bailando  eíta  op- 
poíiçaó a  reliílir  á  fúria  dos  inimigos ,  chegarão  os  dous 
troços,  que  inveíliraõ,  a  íé  unir  na  vanguarda  da  fegun- 
da  linha  da  Infanteria  ,  onde  aífiítia  o  Marquez  de  Ma- 
rialva ,que  com  valorofo  acordo  animou  oslérços  á  pre-» 
cifa  conílancia  ,  e  a  que  com  vivo  fogo  fizefsem  pade- 
cer aos  inimigos  os  efFeitos  da  fua  temeridade ;  porém  o 
Terço  do  Meílre  de  Campo  Goníalo  da  Coíla  ,  que  fi-t 
cou  mais  vizinho  ao  perigo  ,  padeceo  o  maior  dam  no.  Q 
Conde  de  Schomberg  vendo  ,  que  nelta  parte  era  mais 
vigorofo  o  conflicto,  acodio  a  ella  com  tad  perigofa  re- 
foluçaõ ,  receando  mais  o  damno  publico  ,  que  o  rifeo 
particular ,  que  lhe  foi  precifo  romper  pelos  batalhoens 
inimigos  para  chegar  ao  poíto  ,  em  que  eítava  o  Mar- 
quez de  Marialva,  recebendo  o  cavallo,em  que  montava 
quantidade  de  feridas,de  que  ficou  taó  defangrado,quea 
na'õ  fer  foccorrido  de  feus  três  valprofos  iilhos  co  os  feus 

frata- 


PARTE  II.  LIVRO  X.  li) 

)atalhoens;  do  Conde  de  Roíaócorhâiua  Companhia,  ArtnO 
»  do  Conde  dê  Maré  com  o  feu  Regimento,  pudera  per-  . 
íer  a  vida,  ou  a  liberdade^  porém  todos  com  maravilho-  ruw7» 
foeífeito  derao  lugar,  â  que  o  Conde  deSchomberg 
nontafseem  outro  cavallo,e  chegafse  aos  Terços  da  vã- 
^uarda  da  fegunda  íinha.Os  inimigos  perplexos  na  refo- 
uçaô  ,  que  deviaó  tomar  ,  intentarão  romper  osbata- 
hoens ,  â  que  àíliítia  Pedro  Ceiar  ,  Franciíco  de  Távo- 
ra, e  Bernardino  de  Favora:  porém  achando-os  conftan- 
tes  ,  e  impenetráveis ,  voltarão  ,  perdida  a  refõlução  ,  e 
nortos  muitos  Officiaes  ,  e  Soldados,  pela  mefma  parte, 
por  onde  havião  inveííido  /entendendo  poderião  rom- 
per pela  retaguarda  os  três  Terços  ,  com  que  primeiro 
mcontrárão  :  porém  deívaneceo-lhe  efta  íuppoíiçao  o 
Conde  de  S.  Joio  ,  e  o  General  da  Artilharia  ,  por  have- 
rem dado  ordem  ás  ultimas  três  íileiras,que  voltafsem  as 
:aras  á  retaguarda, cal  lada  a  picaria,e  prevenidas  as  bo- 
:as  de  fogo  ;  o  que  proiíipta mente  executarão  ^  anima- 
dos dos  Meftres  de  Campo  ,  e  Officiaes,  comtãofelice 
ifíêito ,  que  obrigarão  aos  inimigos  a  voltarem  com  fu- 
•ioía  torrente  pelo  meímo  claro  ,  por  onde  haviao  m- 
ireíHdo,  com  evidente  perigo  dos  dous  Generaes,que  aí- 
íílião  naquelle  pofto,fuceedendo  levarem  ao  General  da 
\rtilharia  ,  embaraçado  da  multidão  ,  largo  eípaço  en- 
tre íi  os  inimigos ;  porém  felicemente  tornou  a  occupar 
:>  poíto ,  de  que  havia  fahido.  Efte  intervallo  deu  lu- 
gar ao  General  da  Ca  vallaria  ,  ajudado  do  Tenente  Ge- 
deral  Roque  da  Coíla,e  dos  Commifsarios  geraes  Diogo 
Luiz  Ribeiro  ,  e  Luiz  Lobo  da  Silva  ,  de  tornar  a  com- 
por os  batalhoens  desbaratados  5  fendo  o  que  recebeo 
1  maior  força  do  primeiro  ataque  o  de  D.  Miguel  da 
Silveira,  irmão  do  Conde  de  Sarzedas,  Capitão  de  Cou- 
raças das  guardas  do  Conde  de  S.  João  ,  que  eftava  for- 
mado em  o  lado  efquerdo  ,  e  rompeo  pelos  batalhoenS 
inimigos  ,  recebendo  D.Miguel  com  grande  valor  mui- 
tas feridas ;  e  tem  defunir  o  feu  batalhão  ,  ferio  com 
as  próprias  mãos  ao  Principe  de  Xale  ,  e  deu  grande  ca- 
lor a  eftes  batalhoens  o  Terço  de  Manoel  Pacheco  de 
Mello  formado  na  linha  da  vanguarda  j  porque  na  fua 

X  2  re&a- 


l66j, 


324  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  retaguarda  fe  tornavão  a  compor  o&  que  vinhão  carre- 
gados >  e  o  Meílre  de  Campo  fazia  fem  cefsar  labq. 
rar  as  bocas  de  fogo ,  de  que  os  inimigos  receberão 
grande  dam  no  ,  e  igual  prejuizo  do  Terço  do  Meílre  de 
Campo  Mathias  da  Cunha  formado  em  huma  horta 
donde  íe  flanqueava  a  maior  parte  dos  feus  batalhoens 
Ao  mefmo  tempo  ,  que  a  Cavallaria  inimiga  inveílio  o 
noiso  exercito ,  avançou  a  Infanteria  pelo  leu  lado  di- 
reito  com  tão  valoroia  reíoUição  ,  derribando  pedras, 
rompendo  tapadas,faltando  iànjas  ,  fuperando  vaJJados 
que  a  lerem  outros  os  defenibres  ,  pudera  fer  duvidoia 
avicloria.  Fizerão  os  Terços  da  vanguarda  retirar  algu- 
mas mangas  de  moíqueteifos  ,  que  por  ordem  do  Con- 
de de  Schomberg  eítavão  avançados  emhumfitio  van- 
tajoío  ,  e  veyo  juntamente  carregado  hum  Terço  de  In- 
glezes ,  que  fe  adiantou  iem  mais  ordem  ,  que  a  fua  re- 
iolução  ;  porém  acodindo  ao  remédio  deíle  accidente 
Pedro  Jaques  de  Magalhaens,e  os  Sargentos  Maiores  de 
Batalha  com  alguma  gente,  fizerão  alto  os  que  fe  retira- 
vao;e  reforça ndoos  inimigos  o  combate  com  mais  Ter- 
ços ,  degollárão  parte  da  Infanteria  íblta,  com  que  mar- 
chava o  Meílre  de  Campo  de  Auxiliares  António  de  Sal- 
danha na  vanguarda  do  exercito,  perdendo  elle  valoro- 
íamente  a  vida  ;  e  neíte  impulfo  obrigarão  a  perder  ter- 
reno a  alguns  dos  Terços  do  lado  esquerdo  ,  e  a  def- 
compor-íe  o  Regimento  Francez  de  Fugerè  ,  e  o  de  Xe- 
verí.  Acodio  João  da  Silva  de  Soufa  a  remediar  eíle  pe- 
rigo com  o  Terço  de  Auxiliares  de  Évora,  de  que  era 
Meílre  de  Campo  Manoel  de  Lemos  Mourão,  que  tam- 
bém foi  desbaratado  ,  e  o  Meílre  de  Campo  ferido  ,  e 
prifioneiro  j  e  o  primeiro  Terço  formado  ,  que  deteve  o 
ímpeto  dos  Caílelhanos ,  foi  o  do  Meílre  de  Campo  Se- 
baírião  da  Veiga  Cabral ,  porque  os  obrigou  a  fazer  al- 
to ,  e  ganhou  a  primeira  bandeira. O  Conde  de  Schom- 
berg ,  que  com  diligencia  inexplicável  acodia  aos  ma- 
iores confliitos,  acompanhado-  dos  Sargentos  Maiores 
de  Batalha  Miguel  Carlos  de-Tavora  ,  e  Diogo  Gomes 
de  Figueiredo  ,  puxou  pelos  Terços  de  Manoel  de  Sou- 
fa de  Caílro  ,  Alexandre  de  Moura: ',  Martim  Corrêa  de 

Sá; 


VARTE  11.  Ul/RO  X.  5x5 

5á ,  e  o  de  Tolon  ,  e  introduziudo-o  a  pelejar ,  obriga-  Armo 
rão  todos  os  Caítelhanos  a  perder  o  terreno  ,  que  ha-    ,. 
yião  canhado  >  e  ao  tempo  ,  que  o  Coronel  Xeverí  vi-  iUO>  • 
oha  retirando-íe  rechaçado  ,  obfervaado  o  General  da 
Artilharia  do  polto  ,  em  que  pelejava  ,  eíta  defordem, 
correo  á  íègunda  linha  ,  fez  marchar  o  Terço  de  Ayres 
deSoufa ,  que  com  valoroías  demonítraçoens  de  conten- 
tamento agradeceo  ao  General  eíte  emprego.  Subirão 
ao  monte,  que  defcia  Xeverí  desbaratado  ,  compuzerão- 
Iheo  Terço,  aggregou-fe  o  de  Ayres  de  Saldanha,  já  fe- 
rido em  hum  braço,defprezando  o  perigo  para  augmen- 
tar  a  gloriai  eeítes  ,  e  os  mais  Terços  nomeados,  rebate- 
rão de  forte  a  fúria  dos  Caítelhanos ,  que  perderão  não 
fó  o  terreno ,  quehavião  ganhado  ,  mas  todo  ,  o  que  era 
livre  do  embaraço  das  vinhas  ;  e  o  General  da  Artilharia 
deixando  feguro  eíte  fitio  ,  e  a  artilharia  laborando  da- 
quelle  lado  ,  que  havia  parado ,  por  haverem  chegado  a 
aelle  os  Caftelhanos}tqrnou  a  bufcar  o  Conde  de  SJoão, 
que  não  tinha  largado  o  primeiro  pofto ,  em  que  valo- 
rofamente  fubfijtia :  e  vendo,  que  começava  a  haver  fal- 
ta de  muniçoens ;  porque  as  cargas ,  que  vinhão  dividi- 
das pelos  Terços,  havião  fugido,  deípedio  tão  repetidas 
ordens  aEítremoz,  antes  de  íe conhecer  a  falta,  que 
chegarão  muitas  cargas  ,  que  mandou  Jogo  repartir  pe- 
los Terços  ;  e  no  tempo,  que  íe  dilatarão,  mandava  buí- 
calas  á  re&aguarda  do  exercito  aos  Officiaes ,  que  as  vi- 
nhão pedir ,  fem  dizer ,  que  faltavão  ,  para  que  eíta  di- 
lação entretivelse  o  tempo  ,  que  bailou  para  chegarem, 
as  que  vierão  de  Eftremoz, 

Os  inimigos  tornarão  a  pôr  em  ordem  os  batalhoens, 
que  primeiro  avançarão,  e  fegunda  vez  penetrarão  a 
nofsavanguirda  pelos  mefmos  pafsos  ,  que  a  primeira: 
porém  como  os  Terços  eítavão  com  maior  prevéção,  foi 
muito  maior  o  eftrago  ,  que  padecerão  :  e  Pedro  Cefar  , 
e  Francifco  de  Tavora,Bernardino  de  Távora,  e  os  mais 
Oílkiaes  daquella  parte ,  como  eílavaõ  deftros  com  a 
primeira  experiência  ,  continuarão  a  mefma  conírancia, 
e  os  inimigos  fe  retirarão  pelas  mefmas  pizadas  ,  e  rece- 
berão dos  Terços  da  vanguarda ,  quehavião  tornado  a 

X  y  fazei 


i66$. 


?i6  PORTUGAL  RESTAURADO. 

AnnQ  ^azer  duas  frentes ,  furioíiílimas  cargas :  e  pafsando  eíle 
corpo  de  mil  e  quinhentos  cavallps  ,  andou,  todas  as  ve- 
zes que  inveítiraõ  ,  entre  elles  o  Conde  de  S.  Joao  at- 
fiílido  de  alguns  Officiaes,  e  peisoas  particuJar-es  ,  que 
o  acompanhavaõ  com  taóiníigne  valor,  quefuccedeq 
varias  vezes  defcuidar-íe  o  General  da  Artilharia  do  pe- 
rigo próprio  ,.  por  admirar  as  heróicas  acçoens  deíle  in- 
fignevaraõ  \  e  vendo  os  dous  ,  que  os  Caítelhanos  de- 
pois da  íegunda  inveílida  fe  detiveraõ  largo  eípaço  iem 
operação  alguma  ,   prefumiraõ  ,  queefperava  a  Cavai- 
laria  Terços  de  Infanteria  para  esforçar  o  combate  cora 
mais  vigor  ,  e  melhor  efleito  i  e  formado  eíle  diicurlo: 
tendo-o  por  infallivel, correrão  os  Terços  da  vanguarda; 
e  louvando  com  multiplicados  encómios  aos  Officiaes  > 
e  Soldados,  o  valor, com  que  haviaó  pelejado  até  aque^- 
le  tempo  ,  osexhortáraõ  a  permanecer  na  conílancia  ; 
para  acabar  de  vencer  a  batalha.  Reíponderaó  todo* 
quafi  ao  meímo  tempo  ,  lançando  os  chapéos  para  o  ar, 
que  antes  morreriaó  feitos  em  pedâços,que  perder  hun 
palmo  de  terreno  ,  em  queeílavaó.  Com  alvoroço ,  í 
alegria  inexplicável  ouvirão,  e  agradecerão  os  dous  Ge- 
neraeseíle  militar  impulíb  ,ecom  fumma  brevidade  pu- 
xarão pelos  dous  batalhoens  dos  Capitães  Manoel  dí 
Serra  ,  e  Joao  de  Sanclá  ,  e  reforçarão  com  elles  o  clarc 
dos  Terços  de  Triílaõ  da  Cunha  ,   e  Francifco  da  Silva 
por  onde  os  inimigos  duas  vezes  haviaò  avançado?  ec 
General  da  Cavallaria ,  que  naõ  tinha  faltado  hum  pon< 
to  ,  com  valor  ,  e  fciencia  igualmente  grande  ,  ás  nota 
veis ,  e  repentinas  obrigaçoens  da  lua  occupaçaò  ,  fo 
engrofsando  com  outros  batalhoens  de  forte  o  lado  ef 
querdo  ,  que  arrojando-fe  os  inimigos  outras  vezes  a  in- 
veftir  ,  naó  pafsáraô  da  vanguarda  da  primeira  linha  ,  t 
naó  foraô  foccorridos  das  duas  ,  que  governava  D.Dio- 
go Corrêa  ;  porque  temerão  (ignorando  a  qualidade  de 
terreno  )  os  batalhoens  do  lado  direito  ,  quegovernaví 
Simaõ  de  Vafconcellos  ,  e  D.  Joao  da  Silva  ,  tendo  pai 
infallivel  ,  quehaviaõde  atacallosfem  refiílencia  pele 
coitado.  No  lado  efquerdo  da  Infanteria  ,  onde  aífiítis 
Pedro  Jaques  de  Magalhaens  com  iníigne  valor  ,  e  acf  i- 
'.  -  vidade; 


1665. 


PAKTE  II.  LfrKO  X.         327 

ridade ,  eílava  a  batalha  mais  vigoroía  ,  e  os  Meftres  de  &  nno 
"ampo  Manoel  Ferreira  Rebello  ,  e  Diogo  de  Caldas 
metido ,  que  os  Cailelhanos  intentavaõ  delalojar  humas 
nangas  de  mofqueteiros  ,  que  guarneciao  hiuis  parc- 
loens  ,  que  fe  contiuuavaó  pela  deícida  de  humaenu- 
lencia  ;  occupáraô  o  alto  delia  ,  e  á  cuíta  de  muito  íart- 
Tueacoaterváraõ  \  porém  nefte  tempo  achando-íe  uni- 
la  toda  a  Infantaria  inimiga  ,  intentou  romper  os  Ter- 
mos ,  que  íe  lhe  oppunhaô  ,  e  o  pudera  coníeguir,  a  naõ 
icodir  o  Marquez  de  Marialva  a  taõ  perigofo  accidente 
:om  valoroía  reíbluçaõ  :,  e  alegre  íemblante  ,  feguido  de 
luma  parte  dos  Terços  da  fegunda  linha  ,  com  que  fez 
'ufpendertodo  o  arrojamento  dos  Caftelhanos. 

Eraõ  três  horas  da  tarde  ,  havendo  pafsado  íete  de 
:urioíb  combate,  fem  que  no  decurfo  deite  tempo  hou- 
feíse  o  noíso  exercito  mudado  o  fitio  ,  em  que  íe  prin- 
:ipiou  abatalha,enefte  tempo  íe  começou  a  reconhecer, 
que  os  inimigos  cediaõ  a  vido  ria  ;  porque  a  artilharia, 
que  em  larga  -diftancia  havia  jogado  ,  fufpendeo  o iexer- 
:icio  ,  parou  o  impulfo  da  Cavallaria  ,  e  a  forma  da  In- 
fanteria começou  a  confundir-íe.  Eiras  demonftraçoens 
reconheceo  primeiro  ,  que  todos  os  do  exercito  ,  o  Te- 
nente General  D.  João  da  Silva  ,  tendo  em  todas  as  oc- 
cafioens  o  ingenho  prompto  para  íaber  ufar  da  fortuna: 
e  feita  efta  obierváçaõ  ,  correo  do  lado  direito  aoeí- 
querdo,  e  diíse  a  Diniz  de  Mello,  que  elle  tinha  por  m- 
fallivel ,  que  a  Cavallaria  inimiga  pertendia  retirar-ie 
porcontramafcha,  e  que  fe  o  confeguifse  da  Campanha, 
em  que  eftava  formada  ,  até  chegar  aos  Olivaes  de  Bor- 
ba ,  que  lhe  ficavaó  na  retaguarda ,  que  toda  iem  du- 
vida fe  havia  de  íalvar  em  Geromenha  :  que  lhe  pare- 
cia ,  que  o  General  aballafse  os  batalhoens ,  com  que 
aíTiíKa  ,  e  que  elle  voltava  a  fazer  o  meímo  com  os  do 
lado  direito  ,  defembaraçando-osdasfanjas  ,  ecortadu- 
ras  ,  que  lhe  ficavao  na  vanguarda;  e  que  eftava  ven- 
do a  Cavallaria  inimiga  com  movimento  tão  inconftan- 
te,  que  entendia  havia  de  bailar  o  primeiro  impulío 
da  nofsa  ,  para  a  obrigar  a  fugir  dèfordenada.^Approvou 
Diniz  de  Mello  eíla  opinião  ,  marchou  D.  João  a  execu- 

X  4  tala^ 


328     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  talaj  porém  vendo^ue  fe  dilatava  o  movimento  dos  ba- 
êtíÚH   talhoens  do  lado  eiquerdo(como  tinha  concertado  com 
*  0D7  *  t>  General  )  tornou  a  faber  a  caufa  ,  je  acliou  que  Diniz 
de  Mello  ,  depois  delle  haver  marchado  ,  acodira  a  exa- 
minar prudentemente  o  confii<5to  da  Infanteria  ,  eo  eí- 
tado  ,  em  que  fe  achava  ,  deixando  ordem  a  Roque  da 
Coita,  que  os  batalhoens  íè  naô  moveísem ,  fem  que 
elle  voltaise.  D.  Joaõ  vendo  ,  que  os  Caítelhanos  hiaô 
confeguindo  o  fim  ,  que  pertendiaó  ,  de  íe  retirar  ror 
eontramarcha  ,  diíse  a  Roque  da  Coita,  que  lhe  parecia» 
que  elle  devia  aballar  os  batalhoens  ,  comolhe  propu- 
nha; porque  íe  o  General  alli  eítivèra,  e  vira  a  occaíiaõ, 
que  fe  perdia  ,  fem  duvida  os  mandara  avançar  para  lo- 
gralía.  Roque  da  Coita,  que  necèiíitava  de  menos  eíti- 
mulos  para  acçoens  heroicas,e  proteííava  em  igual  gráo 
valor  ,  e  entendimento  ,  concordou  co  n  a  opinião  d« 
D.  Joaó  da  Silva  ,  que  cabalmente  fatisfeitó  deita  reío- 
luçaõ ,  voltou  para  o  lada  direito  ,  e  ao  mefmo  tempe 
chegou  Diniz  de  Mello,  e  approvando  o  partido,que  os 
dous  Tenentes  G^neraes  haviaô  tomado  ,  e  mandando 
três  linhas  de  Cavallaria,que  féguifsém  â  da  vanguarda, 
começou  à  aballar  todos  os  batalhoens  com  grande  or- 
dem ,  e  compoítura.  O  Conde  de  S.  joao  ,  e  o  General 
da  Artilharia  vendo  eite  movimento ,  íizeraõ  ao  meíme 
tempo  marchar  os  Terços  da  vanguarda  ,  parafegurai 
com  eite  reforço  o  empenho  da  Cavallaria ,  fe  acafo  oí 
Caítelhanos  ( como  fe  devia  iuppor )  tiveísem  a  perfif. 
tencia ,  a  que  eítavaõ  obrigados.  O  Conde  de  Sehom- 
berg  obfervando  toda  eíta  bem  regulada  deliberação 
ordenou  ultimamente  aos  Meítres  de  Campo  Manoel 
Ferreira  Rebello  ,  e  Diogo  de  Caldas  ,  que  marchafserc 
a  occupar  huma  collina ,  na  qual,  depois  de  ganhada,fli 
eavaõ  cortando  a  retirada  da  Cavallaria  inimiga  ,  que 
ainda  fuftentava  a  peleja  í  porém  taòfroxamente ,  que 
deu  lugar  ,  a  que  Pedro  Jaques  de  Magalhães  ,  tendo-é 
por  vencida  ,  puxaíse  pelos  cinco  batalhoens  ,  que  ha- 
viaô ficado  daquella  parte ,  e  obrado  infign  s  acçoens, 
governados  (  como  difsémos )  por  Jeremias  Jov  te*  e 
marchafse  a  esforçar  com  eiles  o  combate  da  Cavallaria 


P^RTE  II.  UVVí  O  X-         3^9 

Tá  nefte  tempo  havião  Simão  de  Vafconceljos  ,  e  D.  AnttO 
íoão^da  Silva  defembaraçado  do  terreno  ,  em  que  efta-    ,, 
vão  ,  os  batalhoens  do  lado  direito  ,  e  quaíi  todo  o  exer-    w   > 
cito  em  batalha  inveitio  a  Cavallaria  inimiga ,  que  nao 
podendo  refiftir  a  tão  furiofo  impulío  ,volt©u  as  coitas 
defordenada  ,  e  em  defcompoíra  fugida  ,  e  os  Ofhciaes, 
s  Soldados  vendo  perdida  a  opinião  ,  pertenderao  har 
as  vidas  ,  e  as  liberdades  da  ligeireza  dos  cavallos.  Fc- 
rão  íeguidos  da  noisa  Cavallaria  até  perto  de  Gerome- 
nha  -,  receptáculo,  que  a  muitos  iewio  de  reparo  aos 
golpes  ,  que  os  ameaçarão  :  ealgvmas  horas  antes  ha- 
via chegado  áquella  Praça  o  Marquez  de€aracena,que 
r.ão  baixandO!da  Serra  da  Vigaria  em  todo  o  fervor  da 
batalha  ,  não  tiverão  mais  exercício  as  luas  largas  expe- 
riências ,  que  reconhecer  tão  antecipadamente,  que  a 
perdia  ,  que  fe  retirou  com  menos  fobreialtos  ,  antes 
do3  3Cêrcito  eftar  totalmente  desbaratado  ,  feguido  do 
Duque  deOfsuna,  que  como  particular  havia  afliltido 
nefta  Campanha,  e  de  outros  Círiciaes,  e  peísoas  de 
grande  qualidade.  O  Marquez  de  Marialva  vendo,  que 
a  Iufanteria  ainda  períiília  em  pelejar,  marchou  comos 
Terços  da  fegunda  linha ,  e  rtlerva ,  e  inveíhndo  todos 
com  os  inimigos,  acabarão  totalmente  de  desbaratallos, 
retirando- fe  fomente  para  a  Serra  quatrol  erços  forma- 
dos ,  que  depois  ie  renderão :  e  reconhecendo  o  Mar- 
quez abatida  toda  a  oppofição  dos  Caltelhanos  ,  victo- 
riofo  ,  e  triunfante  marchou  com  o  exercito  para  Villa- 
Viçofa  ,  rendendo-íe,  antes  de  chegar  áquella  Praça, 
hum  grande  corpo  de  Infanteria  f  que  fe  havia  retirado 

a  Borba.  . 

Os  valorofos  fitiados  não  havião  eftado  ociofos  o 
tempo  ,  que  durou  a  batalha ;  porque  ficando  os  apro- 
xes  guarnecidos  com  mil  e  oitocentos  Infantes  á  ordem 
de  Nicoláo  de  Langres ,  que  ingratamente  havia  pafsa- 
do  a  França  aoierviço  d'ElRey  deCaftella  ,  eiqueei- 
do  dos  benefícios  ,  xrue  recebera  em  Portugal,  e  períua- 
dtndo-fe,  a  que  podia  coníeguir  a  gloria  de  render  a  Gi- 
dadella,  que  todo  o  exercito  não  pudera  avançar  y  man- 
dou fazer  huma  chamada,  eperluadir  ao  Governador 

.  Chriftu- 


il 


?3o      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Armo  Chriftovao  de  Brito  ,  que  fe  rendefse  ,  pornaõ  experi- 
mentar ,  vencida  a  batalha  ,  o  caítigo  da  íiia  contuma- 
'  cia  ,•  e  deícobrindo-íe  dos  aproxes  ,  para  infirmar  eíta 
perfuaçaõ-com  mais  efficacia  ,  lhe  proteítáráõ  da  mura- 
lha, que  fe  rettfalse,*  confelho,que  á  ma  euífca  naó  quiz 
tomar,*  eesforçaado-íe  afazer  novainítancia,  recebeo 
huma  bala  pelos  peitos,  que  ao  dia  ieguinte  lhetU 
rou  a  vída ,  e  nella  a  occaíiaõ  de  novos  defacertos  ,•  e  os 
fitiados  tauto  que  reconhecerão  no  embaraço  dos  inimi- 
gos ,  que  eítavaô  nos  aproxes  ,  as  evidencias  da  visto- 
ria, fizeraó  huma  fortida  todos  os  que  eftavaõ  capazes 
de  tomar  armas,e  a  pezar  da  porfiada  refiitencia  ganha- 
rão as  trincheiras  ,  degolláraõ  a  maior  parte  dos  inimi- 
gos ,  que  as  defendiaõ  ,  fizeraõ-fe  fenhores  da  artilha- 
ria grofsa  ,  e  de  hum  morteiro  ,  e  coroarão  com  eíta  ac- 
ção todas  ,  as  que  valoro famente  haviaõ  executado  na 
defenfa  da  Praça  ,  onde  fem  damno  chegarão  os  Capi- 
tães António  de  Abreu  ,  e  Chriílovaõ  Dornelías  ,  que 
o  Marquez  de  Marialva  havia  mandado  de  Extremoz  a 
íbccorrella  com  fefsenta  mofqueteiros  ,  como  referi- 
mos. 

Chegou  o  exercito  a  Villa-Viçofa ,  enaõ  havendo 
em  todos  aquelles  valles  ecco  ,  donde  naõ  retumbaisem 
ásfuavesconfonancias  da  vitoria  ,  ficou  taó  proítrada, 
e  abatida  a  vaidade  Gaftelhaaa  ,  que  nâo  fó  Portugal, 
mas  toda  a  Europa  triunfou  da  lua  dif graça.  Particula- 
rizar asacçoens  dos  Cabos,  e  Oííiciaes  ,  que  tiveraò 
parte  neíte  gloriofo  fuccefso  ,  fora  pertender  contraíhr 
hum  impoffivel  ,■  e  fica  fácil  conhecer-fe  em  todos  os  fe- 
culos  ,  que  qualquer  dos  nomeados  ,  ou  na  batalha,  ou 
na  forma  do  exercito,  e  aquelles  que  pela  eonfufaõ,  que 
oecafionava  á  hiítoria  ,  fe  nao  efp fcificaó  ,  procederão 
com  tanto  valor  ,  que  fe  conítituíraó  invencíveis  ,  e 
deixarão  no  tempo  da  Fama  eternamente  confagrada  a 
fua  memoria. 

Paísárao  de  quatro  mil  os  mortos  ,  que  ficarão  na 
Caminha  do  exercito  de  Caítella  ,•  e  de  íeis  mil  os  pri- 
íioneiros.Tomaraó-fe  três  mil  e  quinhentos  cavallos,que 
fé  dividirão  pelas  Companhias  ,  epelo  Reino.  Os  pri- 

fionei- 


VJRTE  11.  L1FK0  X.  351 

ioneiros  de  maior  fuppofição  foraó  o  General  da  Cavai-  Anno 
ária  D.  Diogo  Corrêa,  D.  Gaípar  de  Aro,  filho  do  Con-     "  , 
3e  de  Caíbilho  (naquelle  tempo  valido  d'ElRey  D.  Fi-  *°°>« 
lippe,genro  do  Marquez  de  Caracena,e  Capitão  das  fuás 
Guardas  )  que  morreo  em  Eítremoz  das  feridas,  que  re- 
:ebeo  na  batalha,  com  fouces  dias  de  prizão  ,•  e  a  mef- 
a*a  infelicidade  padecerão  os  Sargentos  Maiores  de  Ba~ 
:alha  D.  Manoel  Garrafa  ,  e  Nicoláo  de  Landres  ,  que 
rambem  ficarão  priíioneiros  :  D.Francifco  de  Alarcão, 
hhò  de  D,  João  Soares  ,  os  Tenentes  Generaes  da  Ca- 
irallaria  D.  Belchior  Porto  Carrero  ,  e  D.  Jofeph  da  la 
Reategui ,  os  Commiisarics  geraes  da  Cavallaria  D.  Jo- 
feph Roguera  ,  e  D.  Garcia  Sarmento,  o  Principe  deXe- 
te,Coronel  de  hum  Regimento  de  Cavallaria  Franceza, 
D^Franciico  Flanquet,  Coronel  de  hum  Regimento  de 
Infanteria  ,  o  Tenente  Coronel  lederico  Henrique  de 
Ganceut ,  os  Sargentos  Maiores  Cláudio  Cubim  ,  e  li- 
burt ,  o  Meftre  de  Campo  reformado  D.  António  Gin- 
daíte,o  Governador  das  Guardas  do  Marquez  de  Cara- 
cena  D.Gonfalo  de  Guerra,  o  Conde  de  S.  Martim,o  Ba- 
rão deEílubeque  ,  quatro  Capitães  de  cavallos  ,  trinta 
Capitães  de  Infanteria  vivos  ,  vinte  eíete  reformados, 
dezanove  Tenentes  de  Cavallaria,íeis  Ajudantes  da  Ca- 
vallaria, cinco  de  Infanteria;  íeísenta  e  dous  Alferes  vi- 
vos ,  dezaíete  reformados  ,  quatorze  í  orrieis  ,  ielsenta 
edous  Sargentos  ,  os  Adminiílradores  gerats  do  exer- 
cito ,  e  do  Holpital ,  quatorze  peças  de  artilharia  ,  dous 
morteiros  ,  quantidade  de  balas  ,  tedas  ?.s  ai  mas  da  In- 
fanteria ,•  porque  toda  ,  a  que  fe  achou  na  batalha  vficou 
em  Portugal :  oitenta  e  féis  bandeiras  de  Infanteria  , 
dezoito  de  Cavallaria  ,  os  timbales  do  Marquez  de  Ca- 
racena  ,  e  do  Principe  de  Parma,  todos  os  fornos  de  fer- 
ro ,   inílrumentosdeexpugnação  ,  e  ferramentas  ,  que 
trazia  o  exercito. 

A  perda  ,  que  tivemos  ,  não  pafsou  de  íetecentos 
mortos  ,•  entre  elles  os  Capitães  de  cavallos  João  Pinto, 
Baltha  lar  Freire  ,.Cuítodio  Soares,  Francifco  de  Cli- 
vares, Tenente  de  D.  Miguel  da  Silveira  ,  Bartholomeu 
Ferreira,  Jacinto  de  Sampayo ,  Tenente  da  Companhia 

da 


5 f%     POTRUGAL  RESTAURADO, 

An  no  ^°  Sargento  Maior  de  Batalha  Miguel  Carlos ,  os  Ca- 
* ,     pitães  de  lnfanteria  Franciíco  Velho  de  Avelar  ,  Jofeph 

*  005,  Fialho  ,  e  outros  Oíliciaes,  Os  feridos  paísarão  de  dous 
mil  ,•  os  de  maior  luppoíição  forão  D.Miguel  daSil» 
veira  com  quatro  feridas  recebidas  com  o  valor,  que  ha- 
vemos referido  ,  D.  Manoel  Luiz  de  Ataíde ,  que  havia 
deixado  o  poíto  de  Tenente  General  da  Cavallaria  ,  pe- 
lo haver  leu  pay  cafado ,  e  não  querendo  faltar  em 
occaíião  tão  fignalada,  acompanhou  na. batalha  a  D.Mi- 
guel da  Silveira,*  eordenando-lhe  no  conflito  o  Gene- 
ral da  Cavallaria,  que  introduzilse  alguns  Batalhoens  a 
pelejar ,  recebeo  cinco  grandes  feridas  ,•  mas  nem  elle, 
nem  D.  Miguel  quizeraó  retirar-fe,  fem  a  certeza  da  vi- 
ctoria.  Henrique  J  íques  de  Magalhães  ,  que  de  quinze 
annos  de  idade,'  e  que  já  fe  havia  achadojna  batalha  do 
-Canal ,  recebendo  hu ma  bala  pelo  r oito  ,  o  obrigarão, 
a  que  fe  retiraíse  ;  e  acompanhando-o  dous  Soldados  de 
cavallo  até  os  Eílremoz,  lhes  ordenou  do  caminho ,  que 
voltafsem  para  a  batalha  ,  dizendo-lhes ,  que  mais  fal- 
ta fariaõ  nella  ,  do  que  lhe  faziaõ  a  elle:  Manoel  de 
Siqueira  Perdigão  ,  Tenente  do  Meítre  de  Campo  Ge- 
neral ,  Duarte  Teixeira  Chaves  ,  que  exercitava  o  mef- 
mo  poíto  lia  Provinda  de  Trás  os  Montes  .  que  acer- 
tando-lhe  huma  bala ,  e  dando-lhe  duas  grandes  feri- 
das, fe  naõ  quiz  retirar  até  o  fim  da  batalha  com  peri- 
go evidente  ,  e  arrebatando  a  hum  Alferes  de  huma 
Companhia  de  Couraças  no  maior  fervor  da  batalha 
hum -Eífcaíidàrre  das  mãos  ,  o  preíéntou  valoroíamente 
ao  General  da  Artilharia:  o  Meítre  de  Campo  Franciíco 
da  Silva  de  Moura  ,  o  Meítre  de  Campo  Ayres  de  Sal- 
danha, que  também  com  louvável  valor  fe  não  quiz  re- 
tirar*, eítando  tão  mal  ferido  ;  que  ainda  depois  de  cura- 
do veyo  a  padecer  continuo  embaraço  :  o  Capitão  de 
cavallos  Franciíco  de  Albuquerque  deCaítro,  que  com 
ardor  implacável  recebeo  vinte e  duas  feridas:  o  Cam- 
,  taõ  de  lnfanteria  Manoel  de  Mello.  Dos  Oíficiaes  Fran- 
cezeso  Tenente  Coronel  Gheldox,  que  matáraó:o  Con- 
de eh  Mi  ré  ,  e  outros  de  póftos  inferiores?  porém  todos 
os  defta  Naçaõ  íizeraó  acçoens  memora veis,e  dignas  de 


.$$eí  tá  memoriai 


Logo 


pjrte  n.  un.o  j.      hí 

Logo  que  o  exercito  chegou  a  Villa-Viçoía  ,  en-  AnnO 
rou  o  Marquez  de  Marialva  na  CidadeHa  gloriofo,e  ,£•- 
riunfante  ,  não  íó  pela  grandeza  do  fuccefso  ,  fenão  l°0>» 
selo  valor  ,  e  acerto  ,  com  que  havia  procedido  ,  e  com 
)s  encómios ,  que  era  juílo  ,  louvou  ao  Governador 
Chriítovão  de  Brito  ,  aos  Meítres  de  Campo ,  emais 
Dfficiaes  fitiados  o  fingular  valor ,  com  que  tinhaô  pe- 
ejado  ,  e  deu  graças  a  todos  os  Cabos  ,  e  mais  Ofrkiaes 
io  exercito  ,  que  fe  acharão  p  relentes  :e  lembrando-fe 
ia  paisada  controverfia  ,  que  havia  tido  com  o  General 
la  Artilharia  ,  lhe  difre  abraçando-o  que  lhe  dava  fua 
palavra  de  nunca  mais  fe  deixar  enganar  de  alheyas  in- 
'ormsçoens;  premefsa  que  lullentou5em  quanto  lhe  du- 
rou a  vida  ,  com  demonílraçoens  muito  afieduofas  ;  e 
:om  poucas  horas  de  dilação  mandou  Simão  de  Vaicon- 
:ellos  a  Lisboa  com  a  nova  da  vicloria.Partio  diligente- 
nente  ,  e  chegou  á  Corte  ao  dia  leguinte  ás  fere  horas 
la  tarde.  Foi  a  alegria  igual  á  felicidade:  baixou  EIRey, 
;  o  Infante  á  Capella  a  dar  graças  a  De  os  por  beneíi- 
:io  taõ  fignalado.  Fez  huma  dilcreta  Oração  Fr.Domin- 
gos  deSantolhomás,  Meítre  ,  e  Pregador  de  grande 
ípiniaõ  ,  da  Ordem  de  S.  Domingos.  Da  Capella  íahio 
ÊlRey  até  á  Sé  acompanhando  o  SantiJli mo  Sacramento» 
evou-o  o  Bifpo  de  Targa,  (eleito  de  Lamego  ; )  e  vol- 
tou ao  Paço  acompanhado  da  Nobreza  ,  e  leguido  do 
Povo,  que  com  alegres  vozes  applaudia  na  vi&oria  con- 
feguida  o  remate  de  todos  os  trabalhos  padecido  em  taõ 
lilatada  guerra  na  cófideraçaõ  do  eltrago  das  forças  de 
Caítella  ,  e  na  debilidade  dos  annos  d'ElRey  D.  Filip- 
pe ,  que  era  fó  quem  íuítentava  as  difgráças  da  Monar- 
quia ,  por  não  ceder  ás  felicidades  de  Portugal.  Reco- 
lhido EIRey  ao  Paço  ,  deípachou  o  Conde  de  Caitello- 
Melhor  hum  correyo  ao  Marquez  de  Marialva  com  car- 
ta d' EIRey  de  agradecimento  do  valor ,  e  acerto  ;  com 
inie  havia  procedido )  e  outra  para  os  Cabos ,  e  OfEciaes 
Maiores  ,  e  ordem  *  que  continuafse  os  progrelsos  na  . 
Forma,  que  julgafse  mais  conveniente  ao  credito ,  e  uti- 
lidade das  fuás  Armas, 

Eíta  foi  a  ultima  das  féis  batalhas  >  que  os  Portu- 

suezes 


j}4    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  guez es  ganharão  aos  Gaítelhanos  depois  da  Acclamaçai 
/^^  venturofa  d'EIRey  D.  Joaõ  IV,  e  a  vigeíi  ma  primeira 

,00;«  contando  a  de  outros  feculos  ,  Como  confta  de  acredi 
tados ,  e  diferentes  Authores,  alem  dos  memoráveis  re 
co ntros  ,  efignaladas  funçoens ,  em  que  por  particula 
providencia  fempre  a  Naçaó  Portugueza  fahio  vi&ó 
riofa.  Poucas  Nações  houve  em  Europa  ,  q  fe  naõ  achai 
ièm  na  batalha  de  Montes  Claros  ,  te  ÍHm  unhando  nã< 
fó  o  valor  ,  mas  a.fciencia  ,  com  que  foi  confeguida  eí 
ta  íignalada  victoria  ,  naó  havendo  accidente  ,  a  que  o 
Cabos ,  e  Oiiiciaes  Maiores  não  acodifsem  de  partes  dif 
ferentes  com  tanta  promptidaõ,  e  deftreza,  como  fe  an 
tiçipadamente  houvefsem  conferido,  o  que  executavão 
e  todos  os  Terços  ,  e  batalhoens  de  Cavallaria  fouberã< 
ufar  do  beneficio  do  tempo  com  tanta  arte,  que  moítrá 
raô  os  Soldados  ,  que  não  dependiaõ  das  ordens  dos  fu 
periores  ,  eímaltando  eílas  virtudes  oluzimento  gera 
de  todo  o  exercito  ,  em  que  fe  defcobria  a  opulência  d< 
Reino.  O  defpojo  deita  batalha  foi  menor  ,  que  o  qu« 
fe  confeguio  na  do  Canal ;  porque  como  eílava  pouc* 
diítante  a  Praça  dê  Geromenha  ,  o  efpaço  de  oito  horas 
que  durou  o  confliélo  ,  tiverão  os  Caflelhanos  ,  que  fi 
icáraõ  nos  quartéis  ,  para  fe  retirarem  com  as  tendas ,  < 
bagagens  y  fó  fe  recolherão  as  armas,muniçoens,  e  man 
timentos ,  que  foraò  innumeraveis. 

O  Marquez  de  Marialva,tanto  que  recebeo  a  orden 
d<ElRey  de  intentar  a  empreza  ,  que  lhe  parecefse  mai 
conveniente  ,  chamou  a  Confelho  ,  e  propoz  os  inte 
refses  ,  é  inconvenientes  ,  que  podiaõ  feguir-fe  de  fe  in 
tentarem  novas  em  prezas,  Ventilou-feeíta  matéria  ,  < 
na  conferencia  houve  diíTerentes  pareceres.  Diziaõhun 
que  o  Sol  era  tão  intenfo,  que  não  podia  haver  em 
preza  ,  que  não  fofse  mais  cuftofa,  que  conveniente  pe- 
las enfermidades  ,  que  ós  Soldados  haviaó  de  padecei 
fem  remédio,  como  fe  tinha  experimentado  em  toda: 
as  Campanhas  antecedentes  :  que  os  mantimentos  erac 
poucos',  e  as  carruagens  ,  que  os  haviaõ '  dê  conduzir  I 
inferiores  áquellas,  de  que  neceíiitava  taó  grade  exerci- 
to; qne  neíba  coaíidóíaçaó  parecia  o  mais  prudente  con- 
felho 


PJRTE  77.  I7TRO  2.        ^y 

èlho  aquartelar-fe  o  exercito,para  fe  empregar  em  tem-  j^nrio 
)o  menos  perigofo.  Seguirão  diferente  opinião  o  Con- 
lede  Schomberg  ,  o  Conde  de  S,Joaô  ,  e  o  General  da  1$©J» 
artilharia  D.  Luiz  de  Menezes ,  e  o  Sargento  Maior  de 
^atalha  Miguel  CarJos  de  Távora  ,  dizendo,  que  naõ 
>odia  haver  razaõ  para  o  exercito  fufpê^ej>ofrprogre£- 
os  de  huma  viciaria  taô  íignalada,fem  haver  precedido 
rio  is  trabalho  aos  Soldados,  que  hum  dia  de  Campanha, 
?m  maior  perda  ,  que  a  deíetecentos  mortos,  e  dous 
nil  feridos ;  que  a  dilação  da  aííiítencia  da  Campanha, 
sm  Ter  muito  grande»  poderia  fer  muito  conveniente, 
com  muita  felicidade  íe  fuítentaria  o  exercito  fem  de- 
endencia  de  quantidade  de  mantimentos  ,  edemulti- 
ao  de  carruagens  i  que  a  Cidade  de  Merída  era  muito 
acil  de  ganhar  ,  fendo  celebre  ,  e  conhecida  pela  lua 
ntiguidade  ,  por  não  ter  mais  defenia,  que  huma  anti- 
;a  ,  e  desbaratada  muralha;  que  o  exercito  podia  mar- 
har  junto  a  Guadhna,até  chegar  a  Merída,  com  que  fe 
vitava  o  perigo  da  faíta  de  agua ;  e  que  a  Cavallaria 
>odia  fuítentar-fe  dos  trigos ,  e  cevadas  das  fementeiras 
[aquellas  dilatadiílimas  ,  e  férteis  Campanhas  ,  que  não 
ftavaó  recolhidas  :  que  de  fe  ganhar  Merída  fe  conie- 
,uia  a  grande  utilidade  de  fe  arrazar  aquella  Cidade  en\ 
,rande  prejuízo  da  confervação  de  Badajoz  j  é  que  por 
er  rica,  e  abundante  »  fervíria  aos  Soldados  de  fatisfa- 
ao,  e  premio  ao  valpr,  com  que  haviaõ  padecido:  além 
iefta  empreza  ,  naõ  feria  menos  faclivel  a  das  Cidades 
ieXerés  ,  ou  Brofsas  com  outros  muitos  lugares  íitua- 
los  naquelles  diílriclos ;  e  que  na  marcha  de  qualquer 
lellas  fe  encontrarião  iguaes  çômmodidades ,  ás  que  íe 
lavião  reprefentado  na  empreza  de  Merída  je  que  ulti~ 
namente  qualquer  intento  parecia  mais  decorofo ,  que 
quartelar-fehum  exercito  numerofo,  e  vencedor,  fem 
riais  trabalho ,  que  hum  dia  de  Campanha.  O  Marquez 
le  Marialva ;  fuppoflo  que  feguio  a  opinião  contraria» 
ião  quiz  tomar  a  ultima  refolução,  fem  dar  conta  a  El- 
&ey,  Def pedido  hum  correyo  com  efta  propofta ,  e  El- 
^ey  refolveo ,  que  o  exercito  fe  aquartelafse  j  delibe- 
ração, que  logo  feexcutom 

OMãr* 


HW 


"" 


■SM 


V6     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  O  .Marquez  de  Caracena  recolhendo  em  Badajoz  a 

poucas  tropas,que  efcapáraõ  da  batalha  ,tornando  a  com 

Iooj>.  polas  na  fórma,qnelhemanifeítavaoaperto,em  queí 

achava  ,  as  d^vidio  pelas  Praças  mais  importantes,  qu 

deviaò  temer  os  progrefsos  do  exercito  vi&oriofo  ,  ' 

promptamente  deu  conta  a  EIRey  D.  FUippe  da  infeli 

cidade  ,  que  havia  padecido  ,  dizendo  ,  que  obíérvandi 

os  preceitos  militares  ,  atacara  a  batalha  com  firmes  eí 

peranças  da  vi&oria :  que  a  pleiteara  com  grande  ardo 

todo  o  tempo  ,  que  lhe  fora  poíiivel  j  porém   que  de 

pois  de  pafsadas  muitas  horas  de  furioíb  combate  ,  fio 

ra  desbaratado  com  taô  coníideravel  perda  do  exercifr 

de  Portugal ,  que  brevemente  determinava  penetrar 

Provinda  de  Alentejo;refoluçaõ,de  que  efperava  a  con 

fequencia  de  felices  progrefsos,-  porém  que  para  execu 

tar  eíte  intento  neceííitava  de  foccorros  promptos ,  d 

gente  ,  e  dinheiro.  A  carta,  que  continha  eílas  razoei 

mandou  o  Marquez  por  hum  confidente  feu  com  order 

exprefsa  dea  entregar  nas  mãos  próprias  d^lRey.Che 

gou  a  Madrid  ,  e  achando  EIRey  no  Bom-retiro  ,  Ih 

entregou  a  carta  ,  e  publicou-fe,  que  lendo-a  até  o  por 

to  ,  em  que  o  Marquez  declarava ,  que  o  exercito  for 

desbaratado  ,  lhe  cahira  das  mãos  ,  dizendo  :  Parecei 

quiere  Dios ,  e  fem  dar  outra  reípoíta  ao  Oíticial,  que  Ih 

levou  a  carta;  fe  recolheo  com  moílras  de  excelíivo  fan 

timento.Confufamente  fe  divulgon  eíta  nova  pela  Cor 

te  ;  e  conforme  os  afFeétos  ,  e  os  interefses,  fe  deu  cre 

dito  ás  primeiras  noticias.  Brevemente  chegarão  do  ex 

ercito  muitas  ,  que  juíliricáraõ  a  verdade ,  e  fe  diílundi< 

por  toda  a  Monarquia  de  Caílella  o  intimo  pezar  de  tã< 

lamentável  perda  ,■  e  como  nas  difgraças  feexaminaó  a 

caufas  pelos  eífeitos,condemnavao  os  Soldados  ao  Mat 

quez  de  Caracena  a  mal  fundada  arrogância  de  atacar ; 

batalha  fem  forma  ,  Só  pelo  fundemento  imaginário 

e  incerto  ,  de  que  o  exercito  de  Portugal  a  naõ  poderi, 

tomar,  reconhecendo-fe ,  que  vinha  em  marcha  ,  per 

tendendo  com  huma  defordem  infalHvel  vencer  outr; 

defordem  duvidofa  ,  e  expondo-íe  ao  perigo  manifeírx 

de  naõ  poder  dar  remédio  ao  erro ,  que  fazia  ,  defvane 

cid< 


PJRTE  -///  LIVKO  X.  3?7 

-ido  o  intento  que  levava.  Os  Gortezâos  culpavaõ  a  j\rmo 
bonde  de  Caítrilho  í  porque  havia  encontrado  as  nego- 
-iaçoens,  que  antes  da  batallia  infinuavaó  accomrno- 
damento  entre  as  duas  Coroas.  Os  parciaes  de  D.  Joao 
de  Auílaa  eraó  os  que  menos  ientiaõ  a  perda  da  batalha 
pela  arande  antipatia,que  Djoaõ  tinha  com  o  Marquez; 
*afuadifgraça  fazia  menos  feníivel  a  que  D.  Joao  ti- 
nha padecido  na  batalha  do  Canal :  porém  como  ElRey 
naõ  achava  outro  Cabo  ,  que  julgalse  por  mais  capaz  , 
que  o  Marquez  ,  a  impoíTibilidade  o  obrigou  a  diMimu- 
lar  o  fentimento  daquelle  fuccefso,e  a  deixar  o  Marquez 
continuando  a  lua  occupaçaõ. 

Poucos  dias  depois  de  aqnartellado  o  exercito,  con- 
feguio  o  Marquez  de  Marialva  licença  para  pafsar  a  Lis- 
boa ,  onde  foi  recebido  com  o  merecido  applaufo  do 
ieufmalado  procedimento.  O  Conde  de  S.  Joao  ,  e  Pe- 
droJaques  de  Magalhães  voltarão  para  as  luas  Provin- 
das i  e  todo  o  tempo  ,  que  durou  o  Eítio  ,  ficou  o  Con- 
de deSchomberg  governando  as  Armas;  e  naô  houve 
acçaõ  digna  de  memoria, aílim  por  embaraçar  os  progref- 
fos  do  exercito  o  exceílivo  calor ,  como  pela  falta  de 
mantimentos  para  a  Cavallaria  pela  dei  ordem,  com  que 
ajunta  do  Commercio  tratou  efta  adminiílraçaÕ  ,  que 
tomou  por  íua  conta. 

Na  entrada  do  Outono  teve  noticia  o  Conde  de 
Schomberg  que  duas  léguas  de  Badajoz  ,  Ribeira  aci- 
ma do  Guadiana  ,  em  hum  íitio  chamado  as  Charcas 
baisavaõ  quantidade  de  mulas  do  Trem  da  artilharia  ,  e 
alguns  cavallos ;  e  entendendo  que  feria  faclivel  ,  man- 
dando pegar  neita  preza  por  huma  partida  ,  fahir  a  Ca- 
vallaria de  Badajoz  a  reítauralla  ,  na  fuppofiçaô  de  naô 
haver  mais  poder  ,  que  a  defendefse  ,  que  a  Cavallaria 
de  guarnição  de  Campo-Maior  ,  juntou  mil  e  duzentos 
cavallos,e  marchou  com  o  General  da  Cavallaria,  os  Sar- 
gentos Maiores  de  Batalha,  eOfficiaes  de  Ordens,  e 
fahindo  ao  anoitecer  de  Campo- Maior,fez  alto  nosma- 
Éos  deSagrajes  ,  fitio  capaz  deconfeguir  o  intento  pre- 
meditado. Succedeo  que  no  mefmo  dia  ,em  que  o  Con- 
de de  Schomberg  aguardava  cortar  a  Cavallaria  de  Ba- 

Y  dajoz , 


*W 


}}«     POTRUGAL  RESTAURADO, 

Aflno  dajoz,fahio  daquella  Praça  o  Principede  Parma  com  ol 
tA*e  tocentos  cavallos  a  armar  á  Cavallaria  da  guarnição  d< 
°/#  Elvas,  que  havendo  marchado  com  o  Conde ,  ficárat 
por  eíte  refpeito  recolhidos  os  gados ,  e  o  Príncipe  íeir 
effeito  correo  aquella  Campanha.  Governava  Elvas  Joac 
Leite  de  Oliveira  ,  e  logo  que  os  inimigos  fe  defcobri 
raõ,  mandou  difparar  quantidade  de  artilharia,  para  q.uc 
ouvindo-a  o  Conde  de  Sçhomberg  ,  entendelse  ,  que  oi 
inimigos  andava  >  naquella  Campanha  ,  e  com  eíla  no- 
ticia frzefse  eleição  do  partido  ,  que  julgafse  mais  con- 
veniente. O  Conde ,  tanto  que  ouvio  a  artilharia  de  El 
vas,  entendeo  a  razão  do  final,  o  que  verificou  hum  lie 
ligiofo  ,  que  tomou  a  partida  ,  que  foi  avançada  a  pega: 
nas  mulas  ,  efe  retirou  íem  elías  ,  por  não  haverem  la 
hido  naquelle  dia  ,  dizendo  ;  que  a  Cavallaria  de  Bada 
joz  marchara  para  Elvas :  porém  o  Religiofo  acerefeen 
tou  tanto  o  numero  de  Cavallaria  ,  com  que  diíse  fahi 
ra  o  Príncipe  de  Parma  ,  que  ahirmou  lerem  três  mi 
cavallos  ,  o  que  erão  íó  oitocentos.  O  Conde ,  e  o  Ge 
neral  da  Cavallaria  re  foi  verão  a  retirar-íea  Campo -Ma 
ior  ,  dando  credito  a  eíla  informação  ,  e  com  effeito  í< 
puzerão  em  marcha.  O  Príncipe  de  Parma  tomando  m 
Campanha  de  Elvas  alguns  priíioneiros  ,  foube ,  que  « 
Cavallaria  daquelle  alojamento  tinha  paísado  a  Campo 
Maior*  porém  não  teve  noticia, que  o  Conde  de  Schom 
berg  ,  e  o  General  da  Cavaliaria  havião  marchado  con 
tllaj  porque  os  paizanos  fó  pela  inferência  dos  gado) 
nlo  fahirem  da  Praça  affirmárão  ,  que  a  Cavallaria  eíla 
V  a  fora  delia.  Parecendo  ao  Príncipe  de  Parma  muite 
opportu  na  aquella  occafião  ,  entendendo,  que  entre  a 
Companhias  de  Elvas  ,  e  Campo-Maior  (  que  era  fó  a 
que  fuppunha,  que  tinhão  entrado)  não  pode rião  fa 
lur  á  Campanha  ,<  mais  que  fetecentos  Cavallos  ,  avizoi 
ao  Marquez  de.Caracena,  pedindo-lhe  ,  que  lhe  reme 
tefse  Infanteria ,  e  as  mais  Companhias  de  cavallos 
que  fe  achafsem  em  Badajoz.  O  Marquez  íem  dilaçãc 
mãdou  encorporar  com  o  Príncipe  íeiscentos  Infantes,  < 
trezentos  Cavallos ,  com  que  marchou  oRioXévorc 
ôcimacoín  tanta  diligencia ,  que  havendo  andado  pou- 


■r 


PARTE  II.  LIVRO  X.  339 

o  mais  de  huma  légua  ,  fe  encontrarão  os  batedores  de  ^ 
mm  ,  e  outro  troço,  e  o  Conde  de  Schomberg,  que 
■om  a  noticia  antecedente  marchava  com  grande  caute- 
a  ,  mandou  avançar  cinco  batalhoens  com  ordem ,  que 
:arregafsem  com  toda  a  fúria  todos  os  inimigos,  queen* 
:ontraísem  ,  o  que  fe  executou  com  tanta  actividade  , 
me  o  Príncipe  de  Parma  havendo  deicuberto  ,  que  o 
íofso  numero  de  batalhoens  era  maior  ,  do  que  fiippu- 
iha  ,  perplexo  na  reíòhiçaô  de  pelejar,  ou  retirar-ie,to- 
rtou  intempeftivamente  o  fegundo  partido ;  porque  a 
iiftancia  $  que  havia  entre  hum  ,  e  outro  troço  ,  era  taõ 
xmca  ,  que  ficava  o  rifco  da  retirada  luperior  ao  da  pe- 
leja i  principalmente  naô  fendo  tanta  a  deiigualdade  do 
lumero  da  Cavallaria  ,  que  a  naó  pudeísem  íupprir  os 
feifcentòs  Infantes.  Tomado  efte  infelice  partido  ,  e  re- 
:ohhecendo-o  o  Conde  de  Schomberg,  e  o  General  da 
Cavallaria  ,  aprefsáraó  a  marcha  ,  e  nella  o  receyo  aos 
inimigos ,  que  fe  augmentou  de  qualidade  ,  que  os  ba- 
talhoens defamparáraó  a  Infanteria  ,  que  fem  reíiftencia 
rendeu    as  armas,  dando   lugar,  a  que  a  maior  parte 
da  Cavallaria  avançafsem  aosCaitelhanos ;  porém  elles 
fugirão  com  tanta  brevidade ,  que  os  nofsos  Cabos,  fup- 
pondo  ,  que  era  maior  o  corpo  da  Cavallaria  ,  pela  no- 
ticia i  que  o  Religiofo  havia  dado  ,  mandarão  feguir  os 
inimigos  ,  fem  defcompôr  a  forma  ,  conhecendo  ,  que 
a  regra  da  prevenção  he  tanto  mais  fegnra  ,  quanto  vai 
da  prudência  de  cõfervar  o  próprio  á  fortuna  de  conqui- 
íhr  o  alheyo.  Os  Caftelhanos  correrão  até  Badajoz,  par- 
teem  que  fó  fe  derao  por  feguros,  e  o  Conde  de  Schom- 
berg^ o  General  da  Cavallaria  chegarão  a  aviftar  aquel- 
3a  Praça  ,  e  a  pefsoa  do  Marquez  de  Caracena  j  que  do 
alto  do  oiteiro  de  Santa  Engracia  obfervava  a  defgraça 
<laquelle  fuccefso;  e  experimentado  fuccefliva  mente  no- 
vos eftimulos  á  cofera  demaíiada  ,  de  que  era  compofto, 
foi  pouco  o  tempo,  que  íhe  durou  ávida,  tomando 
principio  defta  pena  a  enfermidade,  de  que  depois  mor- 
reo.  Perderão  os  Caftelhanos  no  alcance  quantidade  de 
cavallos ,  e  poucos  fe  retirarão  ,  fe  a  ordem  não  enfrea- 
ra a  refoluçaõ.  Voltarão  para.  Elvas  os  douS  Generaes ,  e 

Y  í  dentro 


\  --- 


-p 


340   PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ánnodei*tro  ^e  poucos  dias  mandou  EIRey  ao  Conde  < 

1 66  «    SchomberS  paísaíse  á  Provinda  de  Entre  Douro  ,  e  M 

1UU>1  nho  com  três  Regimentos  de  Infanteria  ,  hum"  de  Al 

»  ««  „  rw* mães  '  dous  de  InSIeZes  »  e  hum  de  Cavallaria  íranc 

âíschmkrg    za>  a  reforçar  o  exercito,  com  que  o  Conde  do  Prado  d 

por*râm#Ei*  terminava  fafrir  em  Campanha  a  confeguir  a  emprezs 

Rey  a  Enm     que  em  lugar  competente  referiremos.  - 

foTílropt         Ficou  gove"l_ando  a  Provinda  de  Alentejo  o  Gem 

de  AUnttj:      ral  da  Cavallaria  Diniz  de  Mello  de  Caftro  ,  a  quem  n< 

Vãmente  EIRey  tinha  mandado  Patente  de  Meftre  t 

Campo  General  da  Ca  valia  ria.  Chegou  ao  Marquez  i 

Caraceaa  noticia  que  o  Conde    de  Schomberg  hav 

paísado  á  Provinda  de  Entre  Douro ,  e  Minho  ,  e  nei 

'confiança  formou  hum  corpo  de  dous  mil  cavallos , 

dous  mil  Infantes  ,  comquepafsou  de  Badajoz  a  Cer» 

menha  ,  e  marchando  por  Alcaraviça,  chegou  á  Villa  c 

Veiros ,  que  duas  vezes  havia  íido  arruinada  ,  e  nao  e 

defendida  de  alguma  guarnição.  Queimou  as  poucas  c 

ias,  que  achou  habitadas  de  alguns  moradores  ,  e  co 

apreísada  marcha  paíbu  a  Fronteira  ,  onde  fez  o  mefir 

damno,  ecom  igual  celeridade ,  á  que  havia  trazida 

tomou  a  voltar  para  Badajoz.  Diniz  de  Mello  com 

primeiro  avizo  ,  que  teve  da  entrada  dos  Caítelhano; 

juntou  diligentemente  todas  as  guarnições  dos  quarte 

mais  vizinhos,  e  pondo-íe  em  marcha, foube  que  o  Ma 

quez  de  Caraeena  ,  D*  Diogo-  Cavalhero  ,  e  o  Princij 

de  Parma,  que  o  acompanharão,  fe  haviaô  retirado  co. 

pouco  eifeito  >  e  menos-  reputação  ,  por  ferem  fimilhai 

tes  entradas  fó  permittidas  aos  Officiaes  inferiores  , 

condemnadas  aos  Cabos  fupremos»  Ao  mefmo  temr. 

com  mais  aírofo  fuecefso  fahio  de  Moura  o  Tenente  G 

neral  da  Cavalíaria  D.  Luiz  da  Coita  *  e  entrou  em  Ca 

tellacom  feifcentos  cavallos,  e  outros  tantos  Infante 

Marchou  pela  parte  de  Gibraleao ,  e. chegou  ao  lugar  c 

S.  Bartholomeu  ,  <]ue  era  grande ,  e  rico   Determin 

raõ  os  moradores  defender-le  ,  e  naó  lhes  valendo  a  r 

ioluçao  -,  foi  entrado' o  lugar  ,  laqueado  ,  e  queimaji 

tefpeitando-fe  unicamente  as  Igrejas ,  e  tudo  o  que  t< 

cava  ao  culto  Divino  >  e  palsando  a  Caíltlejo .,  Villa  < 

íeifcei 


PARTE  II.  LIVRO  X.         341 

nfc-ntos  fogos,  teveomefmo  fucceí^o  j  e  eraô  eftes  Anno 
St  priores,  que  de! Sevilha  &  ^£  °  l*  l665. 
^ndio  delles  com  notável  confufao  daqueUa  grande,  e         t 
ffittcSade.  Retirou-fe  D.  Luiz  da  Coita,  trazça- 
ros  gados  daquelles  contornos  ,  e  os  Soldados  ricos  de 
K^Tcno  caminho  degollou  três  Companluas  d, 
Santeria,  que  marchava Ó  a  ioccorrer  Gibraleao. 

De  vama  ,  e  outra  parte  íealternavao  as  entradas 
:om  Gerentes  fuccefio/ todos  de  J^W^g» 
-entre  elles  houve  hum  fó  digno  de  memon  .  Sahu> 
eCampo-Maior  o  Alferes  Álvaro  Fernandes  (por  al- 
udia oVvrraõ)  a  tomar  lingua  com  vinte  cavall**, 
encontrou  hum  Tenente  Caftelhano  com  trinta  ,  que 
EevavaÕ  huma  preza     Xnveíliraõ-fe  as  duas^  partidas  x 
UnceraÔ  os  Caílelhanos,fugio  o  Alferes  ma  fendo  com 
doze  Soldados.  Vendo-íe  livre  do  perigo  ,  lhe  entrou  o 
fentimento  da  quebra  da  reputação,  eaffli&o  pedio  aos 
doze  Soldados  ,  que  o  ajudaísem  a  recuperalia  :  promet- 
teraõ-lhe  valorolamente  de  o  acompanharem  ,  ate  per- 
der as  vidas.  Voltarão  todos  ,  e  chegando  aos  Calteína- 
nos,  depois  de  haverem  paisado  os  lugares %  da  Raya  , 
fem  temor  de  malograram  o  fueceíso  ,  que  tinhao  con- 
ferido ,  inveíHo  o  Alferes  com  elles  ,  e  depois  de  por- 
fiada contenda  os  desbaratou  :  deíniontou  treze  ,  que. 
trouxe  prifioneiros  ,  fugirão  os  mais  ,  reigatou  a  preza, 
retirou-ie  para  Campo-Maior  com  taõ  penetrantes  ten- 
das ,  que  dentro  de  poucos  dias  acabou  a  valorola  vida 
çom  muito  glorioía  morte. 

O  Marquez  de  Caracena  defejava  moítrar  ao  munao 
o  defeio  ,  com  queeílava,de  emendar  o  máo  fueceíso  cia 
batalha  de  Montes  Claros:  por  eíle  ref peito ,  nao po- 
dendo coníeguir  maiores  progrefsos  ,  fazia  varias  entra- 
das em  lugares  abertos  ,  e  quafi  defpovoados  ,  e  conie- 
guia  referirem-fe  eftes  fuccefsos  nas  Gazetas  Caiteina- 
nas ,  dando-fe  titulos  de  Cidades  populofas  aos  lugares, 
em  que  entra vaôtporém  eílas  ficçoens  naõ  erao  mais  du- 
ráveis ,  que  o  tempo  que  fe  dilatava  defcobrir-fe  a  ver- 
dade ,  e  refultava  maior  prejuízo  aos  que  determina- 
vaõ  emendar  erros  com  falfidades.  Continuando  o  Mar- 

y  }  quez 


M 


341  VORTUGAL  RESTAURADO, 

AnnO  quez  de  Çaracena  ointento  referido  ,  mandou  entra* 
1&6  K  mil  cavaI]os  '  SUe  marcharão  junto  a  Elvas ,  e  chegarão 
/'ao  lugar  de  S.Eulalia,  e  achando-o  com  guarnição, rece* 
bendo  algumas  cargas  ,  paísaraõ  a  Barbacena,  e  queima* 
rao  âs  caías  do  pequeno  Arrabalde ,  que  naó  tiahaò  de* 
fenía.  Sem  mais  operação  voltarão  para  Badajoz  ,  eao 
meímo  tempo  entrarão  outros  mil  Ca vallos  por  Mo  n- 
carás,  íizeraó  huma  preza ,e  queimarão  algumas  Aldeãs, 
Quando  fe  retiravaó,encontrou  huma;partida  hum  Sol- 
dado de  cavallo  das  ordens  ,  que  Diniz  de  Mello  com  a 
noticia  deita  entrada  mandava  ao  Commiísario  geral 
Joaô  d  O  Crato  ,  ordenando4he  ,  que  marchaíse  com  to- 
da a  diligencia  a  fe  encorporar  com  eMe }  efuppondo  os 
Caítelhanos  comeíta  noticia,que  amefma  ordem  have- 
ria chegado  a  D.  Luiz  da  Coita  ,  Foitaõ  eiiicaz  o  incon- 
siderado receyo  ,  que  conceberão,  que  largarão  a  preza, 
e  fugirão  com  tanta  prclsa  ,  e  defordem  ,  como  feforaó 
desbaratados:que  eíteseííeitoscoítumaõ  produziras  Ar- 
mas vittorioías.Dentro  de  poucos  diasfahio  de  Badajoz 
o  General  da  Artilharia  D.  Luiz  Ferrer  com  três  mil  In- 
fantes ,  edous  mil  ca  vallos.  Chegou  a  Santa  Eulália, 
que  achou  lèm  moradores,nem  preíidió,  tirando-íe-lhe, 
por  na 6  eítar  a  fortificação  capaz  de  defenfa-,  e  haver 
Diniz  de  Mello  conhecido  ,  que  o  Marquez  de  Çara- 
cena fe  applicava  a  eítes  pequenos  empregos.  Naquelle 
iitio  fe  detiveraõ  os  Caítelhanos  huma  noite,  eao  dia 
feguinte  paísáraó  pelo  Forte  de  Barbacena,íem  ferefol- 
verem  a  atacaílo. 

As  aguas  do  Inferno  feparára©  as  entradas  de  thuma," 
e  outra  parte,  e  acabada  a  Campanha  do  Minho,  vol- 
tou o  Conde  de  Schomberg  para  a  Província  de  Alente- 
jo com  a  gente  que  havia  levado,e  com  grande  âttençao 
diípoz  os  progrefsos  da  Campanha  Futura  ,  entendendo 
dos  fuccefsos  antecedentes,  que  ou  o  aperto,  em  que  fe 
aehavaó  os  Caítelhanos,  os  havia  de  obrigar  a  pedirem 
a  Portugal  huma  paz  mui  vantajofa  ,  ou  a  íua  contumá- 
cia os  havia  de  chegar  i  ultima  ruinavporque  as  differen- 
ças  entre  aquella  Coroa,  e  a  de  França  crefciaõ  de  íorte, 
<  que  .ameaçava©  o  ultimo  rompimento. 


\...  ) 


PARTE  IL  LIVRO ri         m 

Os  progreísos  das  Campanhas  antecedentes-  haviaõ  AfttlO 
abatido  de  lorte  o  poder  de  Galliza  ,  que  nao.dava  ao     ^ 
Conde  do  Prado  tanto  cuidado  adefenía  da  Província .»»«>* 
de  entre  Douro  ,  e  Min  lio  ,  como  a  efcolha  da  conquif- 
ta  de  alguma  das  Praças  mais  importantes  dos  inimigos; 
porém  áCampanha  de  Alentejo  o  obrigou  a  deferir  os 
Ímis  intentos  para  o  Outono.  Nos  primeiro»  mezes  dei, 
te  anno  naõ  íuccedeo  encontro  digno  de  memoria,  bm 
o  mez  de  Abril  teve  o  Conde  avizo  de  António  Paes  de 
Sande  (  que  fervia  a  occupaçaõ  de  Corregedor  da  Praça, 
de  Monção  (que  determinava  palsar  a  eíle  Reino  com 
toda  a  fua  familia,  por  fer  nafcido  nelle  ,  e  ter  pafsado  a 
Caftella  no  anno  de  mil  feiscentos  ecinçpentae  cinco, 
com  fua  mulher ,  e  filhos ,  e  com  faculdade  d'hlRey  D. 
Joaõ  a  cobrar  fazendas ,  que  tmha  em  índias»  para  cujo 
efFeito  lhe  foi  precifo  fervir  aquella  Coroa  em  lugares 
de  letras.  Era  muito  diíHcultoío  o  efièito  da  fua  delibe- 
ração ,  por  fer  grande  a  vigilância  dos  Caílelhanos,  que 
prefidiavaõ  aquella  Praça:  porém  o  defejo  que  tinha  An- 
tónio Paes  de  voltar  para  a  fua  pátria,  lhe  facilitou  o  ca- 
minho deoconfeguir,  peque  depois  de  haver  ajuita- 
do  com  o  Conde  do  Prado  a  forma  de  pafsar  a  efte  Rei- 
no ,  publicou  ,  que  promettera  huma  Novena  a  huma 
Ermida  de  nofsa  Senhora,  que  eftava  pouco  diftante  de 
Monção  ,  e  com  eíte  pretexto  diffimulou  de  lorte  o  leu 
intento,  que  em  hum  dos  dias  da  Novena  mandou  o 
Conde  do  Prado  ao  Commifsario  geral  António  Gomes 
de  Abreu  com  quatrocentos  cavallos  a  emboícar-le  em 
hum  fitio  cuberto  ,  pouco  diftante  da  Ermida.  Chegou 
a  elle  com  a  fortuna  de  naõ  fer  fentido  ,  e  quando  lhe 
pareceo  hora  conveniente  ,  avançou  a  ganhar  a  porta 
da  Ermida  ,  onde  achou  prompto  António  Paes  com  lua 
mulher,e  filhos  para  a  execução  da  promeísa,quehaviao 
feito.  Montarão  todos  com  diligencia  nos  cavallos,  que 
o  Commifsario  geral  trazia  prevenidos  para  eíte  fim.bar. 
hioao  mefmo  tempo  da  Praça  toda  a  Cavallaria  ,  e_ In- 
fanteria  da  guarniçaõ:carregáraõ-na  os  nofsos  batalhões» 
e  fuftentáraõ  aefearamuça  todo  o  tempo  que  baftou,pa- 
ra  que  os  novos  hofpedes  chegafsem  alugar  feguro  ,  e 
a  *  y  ^  com 


1 


?44  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Armo  com  efta  certeza  fe  retirou  o  Commifsariô,  havendo  te* 
i66<    mad°  aosinimig°scinc°entacàvalÍos.  Recebeo  o  Cort- 
>*  de  do  Prado  António  Paes  com  a  honra  >  que  pedia  a 
noticia  do  feu  merecimento.  Remetteo-o  a  Lisboa,  onde 
conleguio  a  occupaçao  de  Provedor  dos  Armazéns  ,  de- 
pois de  haver  pâfsado  a  primeira  vez  á  índia  *  e  voltan- 
do fegunda  com  o  lugar  de  Confelheiro  Ultramarino,  e 
occupaçaó  de  Vedor  da  Fazenda  da  índia  ,  a  governou 
quatro  annos  por  morte  de  D.Pedro  de  Almeida  com 
muito  aceito. 
Junta  re   n*  Começou  neíte  tempo  a  haver  noticia  ,  que  os  Gal- 

PrrvmcU  de    %S0S  fe  Papara vaõ  para  íahirem  em  Campanha.  Fez  o 
Entre  Douro,  e  Conde do  Prado  a  mefma  diligencia  na  certeza  r  de  que 
Minho  bum  p0-  mmmto  dos  inimigos  era  divertir,  que  as  noisas  tropas 
e*<w'*Vp^aísem  a  Alentejo.  Neítas  preparações  Te  patsou  de. 
huma,  e  outra  parte  ate  o  mez  de  Outubro  ,  tempo  ,  em 
que  ElPvey  reíbíveo  ,  que  o  exercito  daquella  Provín- 
cia com  ofoccorro  de  outras  fahiíse  em  Campanha  j  e 
como  eíta  determinação  eílava  premeditada  de  muitos 
mezes  antes  ,  havia  o  Conde  do  Prado  feito  asprepara- 
çoens  para  a  guerra  offerííiva  com  tanto  fegredo  ,  que 
naôfeentendeo  fedifpunha  mais  ,que  para  a  defenfa 
da  Provincia^  Chegou  o  Conde  de  Schemberg  a  Entre 
Douro  ,  e  Minho  com  as  tropas  extrangeiras  r  que- refe- 
rimos, e  Pedro  Jaqu es  de  Magalhães  com  quinhentos  ca- 
vallos  ,  e  mil  e  quatrocentos  Infantes  da  Provincia  da 
Beira  r  do  Porto  o  Conde  de  Miranda  com  dous  Terços 
de  Infan teríà  ,    a  quem  acompanhava  feu  íilho  Dio- 
go Lopes  de  Soufa ;  e  como  particular  D.  Francifco  de 
'Sá  ,  Marquez  de  Fontes -r  fe  achou  no  exercito  ,  onde 
procede©  com  o  Valor ,  que  acreditava'  o  feu  nobre  fan- 
guej-  de  Lisboa  o  Conde  da  Torre  ,  Meífre  de  Campo 
General  da  Extremadura;eda  Provincia  deTrasos  Mon- 
tes tirou  o  Conde  de  S.  Joaô  três  mil  Infantes ,  e  oito- 
centos eavaílos  ,  e  unidos  os  referidos  foccorros  á  gente 
da  Província  ,  eonííaVa  o  exercito  de  doze  mil  Infantesr 
c  dous  mil  e  quinhentos  caValIos.  Era  Governador  das 
Armas  ©Conde  do  Prado ,  Meítres  de  Campo  Generaes 
o  Conde  de  S.  João ,  e  Dt  Franqfco  de  Azevedo ,  que 

gover» 


PARTE  11.  LIVRO  X.        345 

Êovernavaõ  cada  hum  íua  femana;  General  da  Cavai Ja*  ^nno 
ria  Pedro  Ceiar  de  Menezes  ,  General  da  Artilharia 
Ferna6deSoufaCoutinho,Sargento  Maior  de  Batalha  lOoj. 
Miguel  Carlos  de  Távora.  Eraõ  Meftres  de  Campo  os 
quatro  da  Provinda  de  Trás  os  Montes  ,  Sebaíhaoda 
Vei°a  Cabral  ,  Diogo  de  Caldas  ,  Francifco  de  Moraes 
Henriques  ,  Manoel  Pacheco  de  Mello.   Os  dous  1  ér- 
eos da  Beira  não  trouxe raõ  Meftres  de  Campo.  Gover- 
nava hum  delles  o  Sargento  Maior  Sebaíhão  de  Eivais , 
o  outro  o  Tenente  de  Meílre  deCampo  General  João 
Alvares  Cravo.  Os  Meftres  de  Campo  pagos  da  Provín- 
cia do  Minho  eraó  D.  António  Luiz  de  Soufa  ,  D.  Luiz 
Manoel  de  Távora  ,  Manoel  Nunes  Leitão  ,  e  o  Terço 
de  Fernão  de  Scuía  da  Silva  ,  governado  pelo  Sargento 
Maior  Manoel  Ferreira  da  Foníecajoão  Figueira  Gaio> 
João  Rebello  Leite.  Os  Tenentes  Generaesda  Cavalla- 
ria  erão  Francifco  de  Távora  da  Provinda  de  Trás  os- 
Montes,  D.  António  Maldonado  da  Provinda  da  Beira, 
e  Manoel  da  Cofta  Peísoa  da  Provinda  do  Minho.  Con- 
liava  o  Trem  de  quatorze  peças  de  artilharia,quantida- 
de  de  munições, e  de  inftrumentos  deexpugnaçaõ  ,  e  as 
carruagens  excediaõ  ás  queeraò  necefsarias» 

Foi  grande  a  difrerença,  que  houve  entre  os  Cabos 
fobre  a  empreza  ,  que  devia  õ  eícolher :  os  mais  práticos 
propuzeraõ  fitiar  a  Cidade  de  Tuy,  Praça  de  Armas  dos 
inimigos  ,  por  ferem  muito  grandes  as  confequencias, 
que  refultavao  de  fe  ganhar,e  por  Ter  pouco  fortificada, 
e  muito  fácil  de  atacar >  porém  prevalecerão  os  votos , 
que  entenderão  era  mais  fácil ,  e  o  mais  útil  faquear  o 
exercito  todo  aquelle  fertiliílimo  paiz  ,  deftruir  os  mui- 
tos lugares  íituâdos  nelle  ,  e  atacar  o  Forte  da  Guarda , 
porto  de  mar  ,  ainda  que  dos  mais  inferiores  de  toda 
aquella  Cofta,  A  vinte  e  oito  de  Outubro  fahio  o  ex-  $ahe  em  Caml 
çrcito  em  Campanha,  paísou  o  rio  Minho  junto  ao  ¥or- panha  c  condi 
te  de  Gayaõ :  deteve-fe  dous  dias  para  aperfeiçoar  a  fór-  do  Prads,  *«?. 
ma  da  marcha  I  pafsados  elles  ,  a  continuou  em  três  li-  trfea^m  cfu™ 
nhãs.  Compunha-fe  a  primeira  de  oito  Terços  de  Infan-    *  W'ííc' 
teria ,  e  dezafeis  batalhoens  de  Cavallaría ,  que  levavaó 
^ousTerços  formados  no  meio  de  cada  hum  dos  corpos. 

Afe- 


$■*<    PORWGAL  RESTAURADO, 

A  vmo  4  feSUilda  Unha  levava  fete  Terços ,  e  quatorze  bata- 
,s  lhoes:  a  referva  quatro,  de  Auxiliares  :,  e  três  batalhões, 
mOj.  q  primeiro  alojamento,que  o  exercito  occupou  em  Gal* 
liza,foi  em  Vai  de  Roial.Depois.de  faquear  todo  aqueí- 
le  diítridro ,  pafsou  aíperifíi  nas  ferras.  ,  e  deílruio  os 
valles  de  Minhos ,  e  Fragoio  ,  havendo  desbaratado  a 
Villa  de  Gondomar.  O  Conde  do  Prado,  defejando  con- 
ieguir  maior  empreza,  intentou  queimar  a  Villa  deBa- 
yona  ;  mas  foi  taó  excjfliva  a  tempeilade  de  vento  ,  e 
agua  ,  que  divertio  o  Sargento  Maior  de  Batalha  Mi- 
guel Carlos ,  que  era  Cabo  da  empreza,a  determinação, 
e  empregou  o  exercitou  em  laquear  a  Villa  de  Bouçes  , 
que  fica  fobre  o  mar  junto  a  Vigo.  Era  de  íètecentos  vi- 
zinhos, rica  ,  e  abundante  ,e  depois  de  laqueada,  fe  lhe 
poz  o  fogo, fendo  Cabo  da  empreza  o  Capitão  de  cavala 
loslgnacio  de  França.  Luiz  Poderico  Viío-Rey  de  Gal- 
liza  juntou  cinco  mil  Infantes,  e  oitocentos  cavallos, 
e  occupou  a  Portella  de  S.  Colmado,  li  tio  por  onde  o 
exercito  forço famente  Jiavia  de  pafsar  ,  querendo  con- 
tinuar a  marcha*  Âcompanhavaõ-no  todos  os  Cabes  ,  e 
Qifíciaes  do  exercito ,  e  períiíUraõ  na  refoluçaõ  de  con- 
fervarem  o  pofto  ,  que  havião  occupado  ,  em  quanto 
rtaõ  ap parecerão  os  primeiros  batalhoens  do  nofso  exer- 
cito. Logo  que  deraõ  viftst  delles  ,  marcharão  para  Re- 
dondella,epafsáraõ  da  outra  parte  da  ponte  de  Sãpayo, 
Occupou  o  nofso  exercito  o  fitio  de  S.  Colmado ,  e  foi 
ao  dia  feguinte  queimada  a  Villa  de  Porrinho,  e  nella  as 
fabricas  de  farinhas,  e  bilcoutos  ,  que  allimentava  o  ex- 
ercito inimigo.  De  todas  as  Villas  ,  e  Lugares,  de  ílru idos 
foiinnumeravel  o  defpojo  ,  ainda  que  o  Inverno  efta- 
va  taõ  entrado ,  que  fazia  as  marchas  muito  trabalhoías 
pela  afpereza  das  lerras,dirHv2Ís  de  vencer  em  tépo  mais 
fuave:  porém  fuperados.  todos  os  inconvenientes,  che- 
gou o  exercito  fobre  a  Villa  da  Guarda  ,  cuja  defcnfa 
coníiftia  em  hum  Forte  de  quatro  baluartes  com  dez  pe» 
sina  a^ma  da  ças  de  artilharia,  mile  feifcentos  Infantes,  de  guarnição 
G  '5  eduas  Companhias  de  cavallos.  Ganhou  a  Cava  liaria 
póííos  fobre  a  Villa:  defempararaõ-na  r  e  reduzirão-^ 
todos aó  recinto  do  Forte^  A  doze  de  Novembro  tomou 

aloja 


PARTE ril  LWROX.  347 

iTojameto  todo  o  exercito;  e  dividirao-fe  os  quarteis,le-  Annõ 
íaat árac-fe  as  plataformas  y  começáraõ-fe  os  aproxes  ,  e     ,  , 
os  Meít :•<  s  de  Campo  com  valoròía  cõpetencia  os  adian-  *  " 5 • 
tavaõ  deibrte ,  que  por  inítarfte le  introduzia  nos  íitia- 
iosa  deíconfiança  de  íe  defenderem  ,  tendo  juntamen- 
:e  por  infallivel ,  que   não  haviaô  de  fer  íoecorridos ; 
me  de  hum  dos  melhores  vaticinios  dos  fitíadoreSi  por- 
jue  lem  efperança  de.gloria  ,  difficil  mente  fe  relblvem 
>s  Soldados  a  arrifcar  as  vidas,  principalmente  não  ien- 
3o  de  grandes^confequencias  as  Praças  que  defendem» 

Oito  dias  durou  a  conílaneia  dos  íitiados  ,  naó  ai- 
nitrindo  varias  chamadas  ,  que  fe  lhes  fizera  o  ;  nelles 
íiarido  de  todos  os  meyos  de  defenfa,  íe  arrojarão  a  fa- 
ier  algumas  fortidas,  porém  todas  com  infelice  fueceí- 
b;  porqueosexpugnadores  eraõ  déftros,  ^valoroíbs, 
;  impacientes  da  dilação  chegarão  os  ataques^  eílrada 
:uberta  ,  e  na  mefma  noite  por  três  partes  lhe  deraõ  hu 
briolb  afsalto,em  que  o^Meílre  de  Campo  Joaó  Rebel- 
ão Leite  ,e  o  feu  Sargento  Maior  Clemente  Rodrigues 
klgado  ficarão  mil  feridos  ,  depois  de  procederem  com 
nuito  valor,  e  mortos  o  Capitão  de  Infanteria  JSento 
fieira  ,  e  oitenta  Soldados,  todos  do  Terço  de  Joaõ  Re- 
filo. Alojaraó-íè  os  Terços  na  eftrada  cuberta ,  eprin- 
:ipiaraó  a  picar  a  muralha  ,ultimodefengano,  que  obri- 
gou aos  fitiados-a  fazerem  chamada,  que  ielhesadmit- 
:io  }  e  começou  a  capitulação  em  Sabbado  vinte  de  No- 
vembro ,  dia  ,  em  que  o  Conde  àeS.  Joaõ,  conforme  o 
ijuítamento  nque  tinha  feito  com  D.  Francifc©  de  Aze- 
redo ,  havia  Jde largar  a  íemana ,  para  entrar  D.  Fran- 
:ifco  ao  governo  da  ieguiutej  porém  o  Conde,  queren- 
do lograr©  fruto  do  feu  valorofo  trabalho,  reprefentou 
ao  Conde  do'JPrado,  que  no  principio  daquellafemana, 
que  lhe  tocava  ^  havia  começado  o  íi  tio  daquelle  Forte, 
e  que  fora  efFeito  da  fua diligencia  difporem-fe  os  fitia- 
dos  a  fermderemjoo^e  nefta  confideraçac>naõ  parecia 
juílo,  que  abraça  íe  entre  gafse ,  fenaõ  aoM^iírede 
Campo  General ,  que  tinha  coe  pêra  do  na  emana  *ên* 
$ue  gc  vernava  os  aproxes ,  a  fe  renderem  osíitiados. 

Encontrava  D.  Francifco^e  Azevedo  «Ilapropoíl- 


548    PORTUGAL  RESrTAUKADO , 

Afino  Çao  >  dizendo  ,  que  nos  exercícios  militares  não  podiaS 
•  •  confentir-íe  diviíòens  ,  quaado  os  póítos  eraõ  Iguaes $ 
3  *  ,t?  alternativo  o  governo  delles ;  e  que  os  dias  das  fema- 
nas  não  fe  coutavaõ  pelas  emprezas  ,  fenão  pelas  horas, 
e  que  eífca  forma  do  contrato,que  entre  os  dous  fe  hayia 
feito  ,  naó  permittia  interpretaçoens.  O  Conde  do  Pra-» 
do  ornado  de  prudencia,e  fummadeífcreza,  não  refolveo 
eft.i  duvi-daypor  eíl'ar  já  celebrada  a  capitulação  por  par» 
te  do  Conde  de  S.  João ;  e  D.  Francifco  de  Azevedo  lar- 
gou o  Poífco  de  Meítre  de  Campo  General ,  e  fervio  co- 
mo particular  na  Companhia  de  feu  filho  D.Manoel  de 
Azevedo  ,  ( que  com  muito  valor  feguio  em  todas  as  oc- 
caíioens  o  exemplo  de  feu  pay  )  e  nao  tornou  a  exerci- 
tar o  Poíto,  até  que  EIRey  por  huma  carta  fua  ,  em  que 
juítamente  exprimia  as  fua  grandes  virtudes  ,  lhe  orde- 
nou >  que  o  tornafse a  aceitar,  fem  embargo  da  lua  quei- 
xa. O  Conde  de  S.  Joaõ  logrou  o  merecido  fruto  do  ap-* 
plaufo  militar  do  grande  rifco,  e  trabalho,  que  havia  ti- 
do na  aífiAencia  dosaproxes  ,  acompanhado  de  feu  lm 
mao  Miguel  Carlos  ,  que  nao  houve  inítante  ,  que  nad 
difpendefse  em  continuas  operaçoens  com  tanto  riíco,e 
acerto,  que  logrou  na  opinião  de  tpdo  q  exercito  mere- 
cido louvor. 

Ajuftadas  as  capitulaçoens,  fe  entregou  o  Forte,  e 
fahio  delle  o  Governador  chamado  Jorge  de  Madureira 
com  feif centos  Soldados  pagos  ,  e  quinhentos  Auxilia- 
res. Levava  cem  feridos,  e  morrerão  na  defenfa  oitenta 
á  curta  de  fefsenta  mortos  dos  expugnadores  ,  e  duzen- 
tos feridos.  Levou  o  Governador  por  capitulação  huma 
peça  de  artilharia.  Os  cavallos  ,  e  tudo  o  mais  que  efta- 
va  dentro  no  Forte,  fe  entregou  ao  General  da  Artilha- 
ria  Fernão  de  Soufa  Coutinho ,  que  tomou  pofse  delle. 
Foi  a  guarnição  comboyada  até  a  Praça  de  Tuy  ,  per- 
mittindo  o  Conde  do  Prado  aos  Soldados,  que  levaisem 
as  fuás  armas;  e  ficou  o  governo  do  Forte  entregue  ao 
Meítre  de  Campo  Balthazar  Fagundes,deixando-lhe  no- 
vecentos Infantes  de  guarnição  ;  e  retirou-fe  o  exercito* 
porque  o  rigor  do  Inverno  nao  dava  lugar  a  maioreí 
operações. Voltarão  os  foccorros  para  as  fuás  Províncias 


VARTE  11.  UISRO  X.  349 

e  foi  eíta  empreza  de  confequencia  ;  porque  fuppofto  , 
que  o  porto  domar  era  pequeno  ,  cobria  o  torte  da 
Conceição  ,  e  livrava  de  hoílil idades  o  porto  de  Cami- 
nha :  porém  parecia  fem  duvida,  que  fe  o  exercito  fitia- 
ra  Tuy ,  como  o  Conde  do  Prado  intentou  ,  mais  facil- 
mente confeguira  aquella  grande  empreza  ,  e  com  mui- 
to menos  trabalhoso  que  executou  a  do  Forte  ca  Guar- 
da. Luiz  Poderico  ,  e  os  mais  Cabos  do  exercito  de  Gah 
liza  ,  todos  fe  conformarão  em  deixar  perder  a  Guarda 
íem  oppoílçaó  ,  tendo  féis  mil  Infantes  pagos,  dous 
mil  cavallos  ,  e  grande  numero  de  Milicianos  ;  porque 
parece  ,  que  todos  os  ânimos  dos  Caftelhanoscançados 
detaô  repetidos  infortúnios  pendiaõ  mais  parao.loce- 
go  ,  que  para  a  guerra.  . 

AProvincia  de  Trás  os  Montes  pela  grande  activi- 
dade do  Conde  de  S.  Joaõ  fe  achava  taõ  abundante  de 
prevençoens ,  que  até  os  paizanos  moítravaó  elpiritos 
bcllicofos.  Em  aufencia  do  Conde  governava  as  Armas 
o  Meftre  de  Campo  General  Diogo  de  Brito  Coutinho. 
Nefte  tempo  intentavaò  os  inimigos  queimar  na  Raya 
o  lugar  de  Pitoens  j  atacou-o  huma  madrugada  o  Meí- 
tre  de  Campo  Dom  Jeronymo  deQuinones  com  hum 
grandetroço  de  Infanteria ,  e  Cavallaria,  Defenderao- 
fe  poucos  paizanos  com  tanta  perfiftencia  ,  que  os  ini- 
migos fe  retirarão  com  perda  confideravel.  Voltou  o 
Conde  para  a  Provinda ,  e  deu  ordem  a  Domingos  da 
Ponte  Gallego  entrafse  pela  parte  de  Bragança  nos  lu- 
gares 4e  Villa-Velba ,  Peredo,  e  Sedaes.  Queimou-os  , 
e  a  muita  neve  o  obrigou  a  fe  retirar.Igual  damno  occa- 
fionáraô  no  Valle  de  Salas  os  Capitães  de  cavallos  Duar-, 
te  Teixeira,e  Joaõ  Cardolb  Piçarroje  excogitando  o  Co- 
de  de  S.  Joaõ  todos  os  caminhos  <le  incommodar  os  ini- 
migos ,  tendo  noticia  ,  que  no  Valle  de  Salas  le  ajunta- 
va quantidade  de  paõ  para  fuílento  da  Cavallaria  ,  que 
liavi ,  crefci^o  em  rpprfiçaõ da  nofsa^ mandou  a  D. Mi- 
guel da  Silve  ira,  Capitão  de  Couraças  das  luas  guardas, 
examinaT  aos  mefmos  lugares.,  em  que  o  paõ  eíta va  re- 
colhido, a  verdade  defta  noticia.  Brevemente  fez  D.Mi- 
guel eíta  diligencia*  e  voltou  ainiòrmar  o  Conde  com 

tanta 


Anno 
1665. 


Pajfa  o  Conde 
de  6.  João  de 
tntre  Douro,  e 
Minho  á  fua 
Província ;  «»• 
tra  vftrias  ve~ 
zes  nos  Remos 
confinantes  to 
fdictsfHCceJfos, 


i665 


no   portugal  restaurado, 

Anno  tanta  individualidade,  que  no  mefmo  inftante  em  que 
recebeo  efle  avizo,  mandou  juntar  toda  a  Cavallaria,  e 
Infanteria  paga,  e  grande  numero  de  carruagens,  o  que 
íe  executou  com  tanto  íegredo  do  intento  premeditado, 
que  chegou  íèm  ler  íentido  aos  lugares  ,  em  que  opaõ 
eítava  depoíitado,  e  o  fez  conduzir  a  Chaves  íem  opoíi- 
ção  alguma,havendo  conhecido  os  inimigos,  que  qual- 
quer reíolução,  a  que  fe  arrojaísem,  fegurava  ao  Conde 
cie  S.  João  numa  nova  vi&oria. 

Pedro  Jaques  de  Magalhães  aíliítio  em  Almeida  nos 
primeiros  mezes  deíle  anno,onde  prevenio  os  foccorros 
com  que  marchou  para  a  Provinda  de  Alentejo.  Antes 
de  fazer  efta  jornada.aviílou  a  Ciudad-Rodrigo  có  dous 
mil  Infantes,  e  feifcentos  cavallos,  e  não  podendo  obri- 
gar aos  inimigos  a  fahirem  em  Campanha, havendo-lhes 
rebanhado  todo  o  gado  ,  <\uè  andava  nella  ,  á  viíla  da 
Cidade,faqueou  os  lugares  de  S.Ef pi  rito,  Moras- Verdes, 
e  Aldeya  de  AÍV3,  e  retirou-fe,  deixando  deftruida  toda 
aquella  Campanha,'e  como  a  maior  parte  deíle  anno  ef* 
teve  aufente  nas  Províncias  de  Alentejo  ,  e  Entre  Dou- 
ro ,  e  Minho  ,  exercitando  as  fignaladas  acções  ,  que  fí^ 
caõ  referidas,  não  houve  naquelle  Partido  occaíiaó,quê 
mereça  repetida,  porque  qsjíaílelha nos  não  tratavão  já 
naquelle  tempo  mais  que  da  guerra  defeníiva. 

Affbnfo  Furtado  de  Mendoça  trabalhava  com  incef- 
íante  cuidado  em  adiantar  os  progrefsos  do  íeu  Partido, 
Marchou  no  principio  deíle  anno  á  ferra  da  Gata  com 
quatrocentos  Infantes,  e  trezentos cavall 3S  ,  de  que e$a 
Cabo  feu  filho  mais  velho  Jorge  Furtado  de  Mendoça  , 
Commifsario  geral  da  Cavallaria,  que  fe  adiantou  com 
eft "  troço  ,  e  ficou  feu  pay  com  os  Infantes  feguran- 
do-lhe  o  porto  de  Santa  Maria.  Correo  Jorge  Furtado 
largamente  todo  aquelle  diílriulo,e  fazendo  numa  grof- 
fa  preza,  a  conduzio  ?  e  intentando  Os  Caíle lhanos  em- 
baraçar-lhê  a  marcha  em  hum  pafso  eílrêito  com  hurá 
troço  de  Infanteria ,  os  desbaratou  trazendo  a  preZa  ,  e 
feencorpurou  com  íeu  pay,  que  fe  retirou  fem  outra 
t>ppòuçáò  ,  èdéílé  tempo  ateomez  dé  Junho  não  fez 
biltra  entrada,  óceupando-fe  em  prevènif ,  pátefitiafa 

Villa 


PAKTB II.  LIVRO  X.         351 

Villa  de  Sarfa  ,  Praça  ,  de  que  todos  os  lugares  abertos  AnnO 
daquelle  Partido  recebiao  grande  dam  no.  A  quinze  de       « 
Junho  marchou  a  confeguir  eíla  empreza  com  cinco  mil  ,6oJ% 
Infantes ,  quinhentos  cavallos ,  féis  peças  de  artilharia, 
z  todas  as  muniçoens  ,  e  carruagens ,  que  lhe  parecerão 
convenientes.  Chegando  a  Sarfa  ,occupou  os  póílos  me- 
nos de  tiro  de  caravina  da  muralha.  Era  General  da  Ar- 
tilharia António  Soares  da  Coita:  Governava  a  Cavalla- 
ria  o  Tenente  General  Gomes  Freire  de  Andrade  .Coita- 
va a  Praça  de  mil  fogos  ,  e  algumas  fortificações  moder- 
nas haviao  emendado  os  erros,e  ruinas  das  muralhas  an- 
tigas. Era  governada  por  Maitim  Sanches  Pai  do  ,  Ge- 
neral da  Aitilharia  ad  honormi ,  e  confiava  a  guarnição 
k  duzentos  infantes  pagos  >  grande  numero  de  paiza- 
nos  ,  e  cem  tavallos, 

Affonío  Furtado  naõ  difpendeo  muito  tempo  nas 
fortificaçoens  da  Campanha  ,  por  entender,  que  os  Cai- 
telhanos  naõ  podiao  introduzir  icccorro  na  fraca  facil- 
mente. Com  brevidade  mandou  levantar  as  plataformas, 
ã  abatido  hum  lanço  da  muralha,  intentou  a  Infanteria 
entrar  pela  brecha.  Deféderaó-na  os  inimigosíporém  re- 
ceando o  vigor  do  fegundo  impulfo  ,  fizeraõ  chamada, 
i  tratarão  das  capitulaçoens  ,•  as  quaes  fez  o  1  enente 
General  Gomes  Freire  ,  por  chegar  António  Soares  de- 
pois da  Praça  fe  ter  rendido.  Concedeo-lhes  Aifonlo 
Furtado,  que  os  Soldados  fahilsem  com  armas,  e  os  pai- 
sanos com  a  roupa  de  leu  ufo  ,  que  pudefsem  levar  ás 
ío.ilas:  que  os  Soldados  de  cavallo  iahiraô  deímontado, 
mas  com  as  fuás  armas:  que  ao  Capitão  fe  cocediaô  dous 
cavallos  ,  e  hum  a  cada  hum  dos  outros  CfEciaes :  e  que 
fahiriaó  féis  rebuçados  ,  íem  ferem  conhecidos.-  e  ajuí- 
tada  neíla  forma  a  capitulação  ,  entrou  a  guarnição  na 
Praça  ,  e  iahindo  delia  os  Caílelhanos,  forão  comboya- 
dos  até  Alcântara,  e  depois  de  faqueada  a  Villa  em  gra- 
de utilidade  dos  Soldados  ,  pelos  muitos  defpojos ,  que 
havia  nella ,  mandou  Affonfo  Furtado  arruinar  as  mura-4 
3has ,  e  queimar  as  caías  com  particular  attenção,  a  que 
ficafse  a  Villa  totalmente  arrazada,  para  que  não  fofse 
jpoffivel  aps  Caítelhanos  tornar  a  povoalaj  o  que  foi  em 

,  •  ;,  grande* 


\y 


m 


?y2     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anr*G  Sraíl^e  benefício  de  todos  aquelles  Povos  pelo  grande 
.     damao  ,.  que  continuamente  recebiaõ  daquella  guarni- 

I  ou)»  çã0/í  Affonto Furtado  çoníeguio  eíta em preza  com  gra- 
de valor  ,e  acertada  difpofição  ,  eíigaalarão-fe  nella  o 
Tenente  General  Gomes  Freire  de  Andrade,  os  Meftreí 
de  Campo  Fernão  Cabral ,  Diogo  Dias  Preto  ,  Manoe] 
de  Soufa  de  Refoyos  ,  Eítevão  Paes  Eílaço,  o  Commif- 
íario  geral  Jorge  Furtado  ,  feu  irmão  João  Furtado,  Ca- 
pitão das  guardas  de  feu  pay ,  Francifco  de  Lemos  de 
Nápoles  ,  Capitão  mór  de  Viíeu,  António  Ferreira  Fer- 
rão, Governa  dor  de  Ca  ítelIo-Branco.  Morrerão  neíta  oc- 
caíião  Eftevão  Paes  Eftaço  ,  e  vinte  ,  e  dous  Soldados, 
Recolheo-fe  Arfbnfo  Furtado  a  Caftello-Brancoje  a  vin- 
te e  três-  de  Junho  mandou  a  Gomes  Freire  cora  cem  ca- 
vallos,  e  á  fua  ordem  o  Meítre  de  Campo  Fernão  Cabral 
com  íeifcentos  Infantes  a  queimar  aVilla  de  Ferreira, 
-domicilio  dos  maiores  pilhantes  daquella  Fronteira.  Pal- 
iou o  Tejo  ,  entrou  a  Vilía  ,  e  aprifionou  dentro  delia  a 
tropa  dos  pilhantes ,  e  queirnou-a  r  porém  não  rendeo  o 
Caílello  ,  porque  não  pôde  levar  artilharia.  Voltou  pa- 
ra Caftello-Brancoje  Aríjnfo  Furtado  continuou  as  en- 
tradas ,  queimando  muitos  lugares  ,  e  trazendo  groffif- 
fimas  prezas.  Foi  ofuccefso  de  maior  importância  mar- 
char com  dons  mil,  e  trezentos  Infantes,  e  íeifcentos 
cavallos  a  intêrprender  Vilhanel  ,  que  era  das  mais  ricas 
Villas  da  ferra  de  Gata;  o  que  cohfeguio  entrando  tam- 
bém Villa-Verde ,  e  deftruido  todo  aquelle  paiz  ,  fe 
retirou  fera  oppoíição.  Não  foi  tão  feliz  ofuccefso  do 
Meítre  de  Campo  Ruy  Pereira  da  Silva,  que  marchando 
com  o  feu  Terço  (  que  confiava  de  pouco  mais  de  qua- 
trocentos Infantes)  da  Villit  de  Proença  para  a  de  Pe- 
namacor ,  em  que  tinha  o  feu  quartel  ,  e  donde  havia 
fahido  a  guarnecer  as  Praças  de  Salvaterra,e  Secura  ,im- 
penfadamente  encontrou  mil  é  duzentos  ca  vallos  ,  que 
vinhão  a  fazerpreza  nos  campos  da  Idanha  aNova.For- 
mou-fe  ,  e  efperando  com  muito  valor  os  Ca -telha  nos , 
foi  rota,  e  degollada  a  maior  parte  da  gente  ,  perdendo 
os  inimigos  muitos  Soldados,  e  ficando  Ruy  Pereira  fe- 
rido ,  e  priíioneiro.  De  igual  perigo,  e  com  melhor  fuc- 

celso 


TJ&TE  II.  LW&O  X.         555 

»fso  livrou  a  Gomes  Freire  o  feu  valor,  efciencia  mi-  ^jlDO 
tarj  porque  governando  quatro  tropas  de  Idanhaa       . 
íova,  tocando-fearma  pela  parte  da  Ribeira,duas Com-  I0»)« 
►anhias,  que  eítavaõ  com  as  armas  na  maõ,íahirao  ao  re- 
ate ,  antes  de  poder  montar  a  Cavallaria.  Mandou  Go- 
les Freire  hum  Tenente  com  quarenta  cavallos  ,  que 
ofse  recolher  alnfanteria,  e  achando-a  deíbrdenada, 
larchou  com  oitenta  cavallos  a  incorporar-íe  com  o 
tenente. Os  Caftelhanos  com  fetecentos  cavallos  tinhao 
ahido  da  embofcada,e  derrotando-lhes  Gomes  Freire  os 
>rimeiros  batalhoens  ,  fez  marchar  a  Infantena  a  valer- 
e  de  hum  cafaráò  ,  e  tapada  >  e  fe  retirou  á  Praça  pe- 
eiando  fempre  com  os  inimigos  ,  matando-lhes  vinte  e 
eis  Soldados  ,  hum  Tenente  ,  e  outros  Officiaes,  ío  com 
>erdade  humCapitaÔ  de  Infanteria ,  e  onze  Soldados; 
endendo-fe  a  Infanteria  a  partido,  fem  bailar  toda  a  di- 
igencia  de  Germes' Freire,  que  a  deixou  em  íitio  capaz 
le  defender-(e. 

A  grande  fortuna  dos  fuccefsos  da  guerra  accreícen- 
:araõ  ao  Conde  de  Caftello. Melhor  a  eítimaçaô,e  o  po- 
ler ,  e  no  animo  d4È*Rey  multiplicava  o  delembaraço, 
>arafeguir  íem  reparo  os  feus  infelices  divertimentos. 
Síaõ  podia  o  Conde  de  Caftelio-Melhor  atalhallos,'  por- 
que a  arte  era  infruótifera  ,  a  força  perigoia, e  a  media- 
ua  entre  eftes  dous  extremos  naõa  diipeniava  a  irre- 
gularidade dos  afFe&os  d^ElRey.  Neíte  tempo  havia  o 
infante  D.Pedro  por  Divina  Providencia  feito  eleição 
dos  exercidos  mais  virtuofos  ,•  deíviando-fe  total  mente 
da  aíliflencia  d'ElRey  ,  que  eraó  os  mais  íeguros  paf- 
fos  da  perfiftencia  das  fuás  difpofiçoens.  Eíia  mudança 
no  Infante  incitou  em  EIRey  o  delabrimento  ,  e  nos  va- 
lidos a  defconíiança  ,  avaliando  por  arte  eníinada  o  que 
era  milagre  da  natureza  por  obra  daDivina  Providencia. 
Accrefcentou  a  controverfia  a  chegada  do  Marquez  de 
Sande  de  Inglaterra ,  depois  de  haver  voltado  de  França 
áquelle  Reino  na  forma  ,  que  referimos  ,•  e  porque  hum 
dos  pontos  da  fua  commifsaó  era  ajuítar-fe  o  cafamento 
de  MadamoyzelladeBulhon  com  o  Infantep.  Pedro,* 
pratica,  aquefe  havia  dado  principio  com  involunta- 

Z  rio 


354    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Armo  rio  confentimento  do  Infante ,  havendo  declarado,  que 
1 66  C  *"e  &fpendefse  o  tratado  por  razoens  particulares,que  fe 
/•  lhe  oflereceraõ  para  dilatar  a  refoluçaò  do  leu  cafamen- 
to;  a  qual  mudança  de  animo  deu  grande  fentimento 
k  ao  Conde  de  Caílello -Melhor ,  principalmente  depois 
dechegar  o  Marquez  de  Sande  ,  que  duvidava  voltar  a 
França  íem  o  cafamento  ajuílado  pelo  manifeíto  peri- 
go ,  em  que  cahia  no  defabrimento  do  Marichal  de  Tu- 
rena  ,  em  cuja  direcção  tinhaõ  fundamento  íbi ido  to- 
das as  conveniências  de  Portugal  ;  eporeíle  refpeito 
mandou  EIRey  rep.refen.tar  ao  Infante  o  muito  que  con- 
vinha á  coníervaçaõ  do  Reino  não  mudar  de  opinião  y 
porque  a  fua  repulfa  poderia  desbaratar  o  tratado  dofeu 
caíatíiento  ,  e  ficaria  dilatada  a  fuccefsão  do  Reino,  que 
por  tão  fundamentaes  razoens  convinha  abbreviar-fej  e 
que,  havendo  dado  a  fua  palavra  ,  e  aílinado  o  teu  con- 
ientimento  ,  não  erão  aquelles  os  laços ,  que  os  Prín- 
cipes coílumavão  a  defatar.  Refpondeo  o  Infante  a  EI- 
Rey ,  que  era  coílume  muito  ordinário  no  mundo  dif- 
£olverem-fe  os  defpoíorios ,  ainda  depois  de  ajuítedos 
com  mais  apertados  vínculos ,  não;jtó  entre  os  vafsallos, 
mas  entre  os  Principes  foberaftos  ;.  que  EIRey  D.  Ma- 
noel calara  com  a  Rainha  D.  Leonor  ,  havendo  eftado 
contratada  para  cafar  com  o  Principe  D.  João:  que  a  In* 
fanteD.  Beatriz,rilha  d'ElRey  D.  Fernando,  caiara  com 
EIRey  D.João  o  Primeiro  de  Caítella  ,  depois  de  jura- 
da com  D.  Fadrique  Duque  de  Benavente  ;  e  com  Duar- 
te filho  deAymon  Conde  deCambris,  e ultimamente 
capitulada  com  o  IrafantsD.  Fernando  filho  do  mefma 
D.  João  Rey  de  Caítella  j  e  outros  muitos  ,  de  que  as 
Hiílorias  fazião  memoria  :  que  em  quanto  a  fer  a  fua 
reloluçto embaraço  ao  cafamento  d.' EIRey  era  inverofi- 
mel ,  por  não  haver  circunftancia  alguma.,  que  o  infi- 
nuafse.  O  Conde  de  Caítello-Melhor,  conhecendo,que 
era  invencível  a  determinação  do  Infante  ,  recorreofa 
EIRey,  moítrando-Ihe  com  vivas  razoens  o  muito,  que 
eranecefsario  perfuadilo  com  os  meyos  mais  fuaves,que 
fofse  poffivel.  Não  duvidou  EIRey  de  feguir  efle  do- 
cumento. :  porém  perturbado  da  pouca  reflexão ,  quefa- 

®  aia 


i66j< 


PARTE  II.  LIVRO  X.  355 

zia  na  importância  dos  negócios  ,  efcolheo  o  eítylo  ,  e  Anil  O 
a  hora  mais  incompetente  ,  que  podia  achar-ie ,  para  o 
effeito ,  que  pertendia }  e  fallou  ao  Infante  na  Tribuna, 
Seita  feira  da  femana Santa  ,  ouvindo  a  conferencia  to- 
dos os  Títulos,  e  Officiaes  da  Caía  ,  queaffiíhaõ  na  Tri- 
buna; e  fem  mais  exórdio ,  ou  preparação  alguma  do  ef- 
tylo  fuave ,  que  pedia  o  intento  ,  a  que  caminhava  , 
difseao  Infante  ,  que  caufa  tinha  para  naõ  cafar,  como 
havia  promettido  ;  e  que  efta  refoluçao  era  ,  como  que- 
rer tirar-lhe  o  Reino  por  induilria  da  Rainha  lua  may. 
Alterou-fe  de  forte  com  taõ  repentina  ,  e  defigual  pro- 
poíla  o  valor ,  e  prudência  do  Infante  ,  que  lhe  foi  ne- 
cefsario  valerfe  de  todo  o  feu  acordo,para  naõ  expor  em 
publicas  vozes  os  eíFeitos  do  feu  fentimento :  porém 
compondo  maduramente  o  animo  ♦  difse  focegadamen- 
te  a  EIRey ,  que  Sua  Mageítade  como  Rey,  aíTifttdo  de 
duas  Angélicas  Intelligencias  ,  reconhecia  que  naõ  de- 
via enganar-fe;  porém  que  como  homem  informado  de 
efpiritos  revoltofos,  e  inquietos  fe  enganava  no  que  ha- 
via referido  j  porque  nem  da  doutrina  da  Rainha  fua 
mãy  ( huma  das  mais  virtuoias  ,  e  efclarecidas  Princezas 
de  todo  o  Univerfo)  nem  das  fuás  inclinaçoens  havia 
aprendido  acção,  que  naõ  fofse  igual  á  grandeza  do  feu 
nafcimento :  que  em  quanto  á  refoluçao  de  cafar,  o  nao 
poderia  obrigar  alguma  perfuafaõ  j  porque  nem  o  feu 
mefmo  entendimento  tinha  nefta  parte  império  para 
perfuadir  a  fua  vontade.  E  querendo  continuar  outras 
razoens  mais  forçofas  ,  o  atalhou  EIRey  dizendo  ,  que 
o  mandaria  meterem  huma  Torre.Refpondeo-lhe  o  In- 
fante ;  que  como  feu  Rey  naõ  tinha  duvida  a  poder 
prendello  ,  masque  como  Rey  juíto,  o  naõ  devia  cafti- 
gar  fem  culpa.  Acabou-fe  neíle  tempo  o  Officio  na  Ca- 
pella,  efeparou-fe  a  pratica  por  Providencia  Divina; 
porque  pelos  termos,  a  que  havia  chegado,poderia  creí- 
cer  pela  cólera  d' EIRey  a  maior  rompimento  ,  e  o  In- 
fante fe  recolheo  ao  feu  Quarto  com  implacável  fenti- 
mento de  taõ  defordenado  accidente. 

Ao  dia  feguinte  fahio  EIRey  da  Miísa ,  chamou  a 

fua  Camera  Sknaõ  de  Vafconcellos,e  D.Rodrigo  de  Me- 

■~^_  Z  t  se^es, 


m 


356     PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÀntlO  neZes  »e  o  Secretario  de  Eítado,  que  lhes  diise,  que  El- 
1 66 e  ^e^  ^eS  or^enava  re4uziíseni  o  Infante  a  aceitar  o  ca- 
IOoj*  farnento  ,  que  fe  lhe  havia  propoífco  j;  advertindolhes 
que,  fe  naõ  confeguifsem  ,  o  que  lhes  mandava  ,  ie  da- 
ria por  mal  fatisfcito  do  feu  procedimento.Reípõderaõ] 
que  as  fuás  diligencias  chegaria 6  aos  termos  poífiveis, 
com  que  íatisfaziaô  ,  ao  que  eraõ  obrigados :  e  referin- 
do ao  Infante ,  o  que  haviaõ"  paísado  com  EIRey  ,  fer- 

.  virão  eítes  imprudentes  eítimuios  de  o  exafperar  de  for- 
que refolutamente  mandou  a  EIRey  o  ultimo  dei 
engano,  de  que  íe  naô  havia  de  eíFeituar  ocaíameuíc 

.  propofto  ,♦  com  que  foi  precifo  voltar  o  Marquez  de 
Sande  a  França  com  o  cuidado  deite  íucceíso  ,  e  com  c 
receyo  das  queixas  do  Marichal  -de  Tu  rena,  fundadas  na 
razaõ  dever  defvanecida  aefperança,em  quejuítameu- 
te  havia  empenhado  todo  o  íeu  poder  ,•  e  naõ  era  me- 
nor a  pena  ,  com  que  partio  o  Marquez  >  dos  irremediá- 
veis excelsos  d' EIRey ,  e  das  noticias  ,  que  na  Corte  fe 
eípalhavao  ,  de  que  havia  de  fer  infelice ,  einfruduo- 
ío  o  matrimonio. 

Neíte  tempo  chegou  noticia  a  Lisboa  de  que  ers 
morto  EIRey  D.  Filippey  novidade  ,  que  accreícentou 
asefperanças  ,  de  que  a  Providencia  Divina  determina- 
va  defembaraçaroReino  de  Portugal  da  opprefsaõ  pade< 
cida  na  formidável  guerra  ,  que  tolerava.  Paisava  de  íeis 

-annos,  que  EIRey  D.  Filippe  eramoleílado  de  gravei 
enfermidades)  foraô  crefcendo  de  forte,  que,fem  lhe  va< 
ler  grandeza,  remédios ,  e  diligencias  humanas  , entre- 

„gou  ávida  ao  infallivel  arbitrio  da  morte  Quinta  ftirc 
fere  de  Setembro  deite  anno,que  efcrevemos,de  mil  e  fe« 
ifcentos  íeísenta  e  cinco, ás  quatro  horas  da  manhãa,ha- 
vendo  vivido  lefsenta  annos ,  cinco  mezes ,  e  nove  dias 
reinado  quarenta  e  quatro  annos  ,  cinco  mezes,  e  de- 
zaíete  dias  ,  e  governado  Portugal  dezanove  annos  j 
efete  mezes.  Compoz-fea  fua  Real  pefsoade  mais  par- 

,  tes  de  Cortezaõ ,  que  de  Rey  ,•  porque  era  difcreto,  af- 
favel ,  Cavallèiro  ,  tira  dor,  Poeta ,  e  no  governo  da  Mo- 

"narquia  foi  omifso ,  froxo  ,  defcuidado  ,  e  irrefoluto- 
Deixou  governar-fe  da  indiítria  do  Códè  Duque  de  Oli- 

vare& 


PARTE  11.  LWRO  X.  357 

•ares  ,  de  D.  Luiz  de  Aro  ,  e  ultimamente  do  Conde  de  AnnO 
;aítrilho.  Foi  filho  d'E!Rey  Filippe  III.  de  Caíteila  ,     „ 
:  da  Rainha  D,  Margarida  de  Auftria.  Gafou  a  primeira  lou5« 
rçg  com  a  Princeza  D.Iiabel  de  Borbon,  de  que  teve  oi- 

0  filhos  ,  o  Priruipe  D.  Balthaíar,  que  morreo  homem, 
Princeza  D.  Maria  Therefa  \  que  caiou  com  EIRey  de 

rrança  Luiz  XIV.  os  íeis  morrerão  mininos.  Caiou  le- 
;unda  vez  com  a  Princeza  D.  Marhnna  de  Auílria  ,  de 
[ue  teve  três  filhos  ,e  huma  filha,  que  foi  D.  Margarita 
le  Aultria  ,  primeira  mulher  do  Imperador  Leopolpo  I. 
í  de  que  ló  vive  EIRey  D.  Carlos  ,  que  hoje  reina.  Foi 

1  enterrarão  Eicorial ,  e  deixou  o  governo  da  Monar- 
quia entregue  á  Rainha,  Tiveraõ  principio  com  a  lua 
norte  muito  perigoías  diíseníoens  domeílicas  entre  a 
cUinha  ,  e  D.joaò  de  Auílria  ,  que  vieraÕ  a  tirar  á  Rai- 
iha  o  goveno  ,  e  a  D.Joaõ  de  Auílria  a  vida. 

Deixamos  no  fim  do  anno  antecedente  ao  Marquez 
ieSande  ,  depois  dos  embaraços,  que  padeceo  em  Fran- 
ja ,  reítituido  a  Londres ;  e  poucos  dias  depois  de  che- 
gado áquella  Corte ,  recebeo  avizos  d' EIRey  ,  e  cartas 
ão  Conde  de  Caílello^Melhor  em  refpoíla,  das  q  havia 
ítcrito  de  França  ,  em  que  íe  lhe  dava  permiisaõ  ,  para 
poder  tratar  o  caíamento  de  Madamoyzella  deAumalle, 
dando-íe  por  defvanecida  a  pratica  de  Madamoyzella  de 
Nomours  lua  irmãa  ,  por  íe  entender ,  que  infallivel- 
mente  íe  ajuílava  o  íeu  cafamento  com  o  Duque  de  Sa- 
boya.  Logo  que  recebeo  eíle  avizo  ,  deu  conta  a  EI- 
Rey ,  e  á  Rainha  de  Gram-Bretanha,  que  approvaraô  a 
eleição  d' EIRey  pela  noticia  ,  que  tinha©  das  íingulares 
partes  ,  e  excellentes  virtudes  daquella  Princeza,  e  fem 
interpor  dilação  alguma,mandou  humexpreiso  com  car- 
tas para  Madamoyzella  de  Aumalle  ,  e  para  o  Bilpo  Du- 
que de  Laon  ,  em  que  lhes  dava  noticia  das  ordens, que 
havia  recebido  d;  EIRey  ,  e  de  que  paísava  a  Lisboa  a  re- 
ceber as  com  que  volta ise  a  Pariz,  íígnificiado  á  Prince- 
za o  íeu  grande  contentamento,  e  o  muito  que  devia  ao 
empenho;que  o  Conde  de  Caílello-MeLhor  moílrava  na 
execução  do  caíamento. 

Tanto  que  entrou  a  Primavera  ,  pairou  o  Marquez 

Z  3  de 


?  j  8      PORTUGAL  RES  TAVRADO, 

ÀnnO  ^e  Londres  a  Portugal,  como  já  referimos,  edeixou  en- 
.,      tregues  os  negócios  de  Inglaterra  á  direcção  de  D.Fran- 

100).  clfco  ^e  Mello, merecedor  pela  íua grade  capacidade  da- 
quelle  emprego.  Chegou  a  Lisboa,e  padeceo  logo  a  pe- 
na da  refoluçaó,q  o  Infante  D.Pedro  tomou  de  naõ  que- 
rer cafar  com  Madamoyzella  de  Bovilhon,  pelo  grande 
fentimento  ,  que  lhe  conítava  havia  de  padecer  o  Mari- 
ehal  de  Turena  ,♦  (  como  acima  referimos)  recebendo  as 
ordens,e  poderes  para  ajuítar  o  cafamêto  de  Madamoy- 
zella de  Aumalle  -,  partio  de  Lisboa  nos  últimos  de  Ou- 
tubro em  huma  fragata  de  guerra  Franceza  em  compa- 
nhia de  outras  da  mefma  Naçaõ,  e  achando  ventos  con- 
trarios,encontrou  na  altura  do  Cabo  deFinis-Terras  cin- 
co fragatas  de  Argel,  que  pelejarão  com  os  navios  Fran- 
cezes  com  artilharia  ,  e  mofquetaria  muitas  horas,*  con- 
flicto  ,  a  que  o  Marquez  aíílílio  com  muita  conítancia,  e 
lelor.  Dei  enganados  os  Mouros  da  reíiílencia  dos  Fran- 
cezes  ,  os  deixarão  feguir  fua  viagem ,  e  chegando  á  vi- 
ila  da  Arrochella  lhes  deu  huma  tormenta  ,  que  os- obri- 
gou a  entrar  em  Bella-Ilha ,  onde  eíliveraõ  oito  dias 
com  outras  fragatas  de  fua  conferva  ,•  e  abonançando  o 
tempo  ,  tornarão  a  navegar  na  volta  da  Arrochella,*  po- 
rém padecerão  outra  tormenta  mais  rigorofa,  em  que  ef- 
tiveraô  çoçobradas  duas  fragatas  ,  e  o  Almirante  da  Ar- 
mada tornou  a  entrarem  Bella-Ilha:e  vendo  o  Marquez 
quanto  importava  a  brevidade  da  fua  jornada,fretouhu 
barco  ,em  que  levou  o  feu  fato ,  eempreílando-lhe  hum 
bergantim  o  Governador  de  Bella-Ilha,  paísou  á  Cidade 
de  Nantes  ,  que  diftava  oito  legoas  daquelle  porto.  Def- 
embarcou,*e  da  Arrochella  o  veyo  buícar  Ruy  Telles  de 
Menezes ,  que  tinha  chegado  áquella  Cidade  com  Pe- 
dro de  Almeida  de  Amaral  ,  e  lhe  deu  as  noticias  do  ef- 
tado  dos  negócios  de  França  ,  encarecendo  o  muito  que 
crefcia  o  valimento  do  Marichal  de  Turena  com  EIRey 
Chriílianiííimojnoticiajque  fora  mais  agradável  ao  Mar- 
quez ,  fe  o  naõ  moleira ra  o  cuidado  da  nova  ,  que  leva- 
va ,  da  refoluçaô  do  Infante.  De  Nantes  pafsou  o  Mar- 
quez a  Pariz  ,  padecendo  em  cento  e  fefsenta  legoas  de 
marcha  as  incommodidades,qiie  occafionao  rigor  do  In 

verno 


PJRTE  II  HVKO  X.  tfp 

rerno.Duas  legoas  de  Pariz  o  veyo  bufcar  o  Marquez  de  AnnO 
louvigni  ,  eoconduzio  iacogíiito  áquella  Cidade  por    ,s« 
>rdem  d'ElRey,por  fer  eíte  o  caminho  mais  fácil  de  aju-    õ0>  * 
lar  o  cafamento;efem  dilação  affiítido  do  me  imo  Rou- 
rigni ,  foi  vifitar  a  Princeza   de  Aumalle  ,  de  quem  foi 
ecebido  com  agradáveis  demonílraçoens  ,  fazendo-lhe 
meixa  da  ília  tardança,  que  lhe  tinha  dado  cuidado  pe- 
a  iuppofiçaõ  das  negociaçoens  dos  Caítelhanos,que  naô 
;raõ  occultas  naquelle  Reino ,  entendendo-fe,que  pode- 
■iaõ  côíeguir  com  a  fua  induílria,  o  que  nao  haviaõ  con- 
raílado  com  os  íeus  exercitaste  depois  de  fe  informar  da 
.aude  d'ElRey,e  do  eítado  da  Corte,fe  deípedio  o  Mar- 
quez ,  e  paisou  a  bufcar  o  Marichal  de  Tu  rena,  a  quem 
entregou  huma  carta  d'ElRey,e  outra  do  Conde  de  Caf- 
tello-Melhor,que  continhaõ  todas  aquellas  exprefsoens, 
>  remédios  ,  que  eraõ  necefsarios  para  íuavizar  o  fenti- 
mento  ,  que  o  Marichal  padecia  ,  de  ver  baldada  a  efpe- 
rança  docafamento  do  Infante  com  fua  lbbrinha  ,  que 
pelas  circunftancias  antecedentes  contava  como  pofse;  e 
depois  de  dizer  ao  Marquez  Embaixador  a  muita  eíti- 
maçaõ  ,  que  fazia  do  favor  d'ElRey  referido  naquella 
carta  ,  exagerou  a  dor  implacável ,  que  lhe  cuílava  en- 
tender ,  que  havendo  fido  até  aquelle  tempo  naquella 
Corte  objecto  da  inveja  pela  grande  fortuna  ,  que  havia 
grangeado  á  lua  Cafa,houvefse  de  fer  afsumpto  do  ludi- 
brio de  toda  a  Europa  ,  quando  conílafse  ,  que  fe  acha- 
vaõ  deívanecidas  efperanças  taõ  feguras.  O  Marquez 
havia  de  antemão  premeditado  todos  os  caminhos  de 
atalhar  a  queixa  do  Marichal,  empenhou  toda  fua  capa- 
cidade em  o  fatisfazer  ,  moítraudo-lhe  eítradas  ,  que  fe 
podiaõ  feguir ,  e  infmuaçoens,que  vaticinavaõ  remédios 
convenientes  ao  rim  que  pertendia ;  mas  fem  mais  pro- 
meísa,  que  as  propofiçoens  do  feu  difcurfo, porque  aíTim 
lho  declarava  a  fua  inftrucçaó.O  Marichal  como  era  pru- 
dentiíftmo  ,  e  cheyo  de  experiências,  moftrou  entender, 
que  a  mudança  do  Infante  fora  originada  das  negocia- 
çoens dos  Caílelhanos,  e  que  nefta  coníideraçaó  efpera- 
va  cortar  o  fio  ás  fuás  induítrias ,  moílrando  a  EIRey  > 
e  ao  Infante,que  nao  podiaõ  achar  outra  alguma  aliança 

Z  4  mais 


3^0    PORTUGAL  RESTAURADO, 

AllHO  ma^s  útil  á  defenfa ,  e  interefses  de  Portugal ,  que  á  de 
^  x  .    fua  Caía,  Valeo-fe  o  Marquez  Embaixador  deita  fuppo- 
r v    ■/'  liaõ  do  Marichal ,  e  naò  esforçou  muito  as  razoe  ris  de  o 
difsuadir  delia  ;  porque  ou  fingida  ,  ou  verdadeira,  jul- 
gava ,_  que  era  mais  conveniente  queixar-íe  o  Marichal 
da  politica  dos  Caítelhanos  ,  que  da  vontade  do  Infante; 
e  o  Marichal  para  dourar  o  feu  pezar  poderia  íucceder, 
que  abraçaíse  eíte  pretexto,  como  mais  decoroíb;  e  paf- 
fando  eíta  matéria  á  wmmua  da  uniaó  dos  Reynos  ,  dif- 
ie,  queElRey  Chriítianirlimo  havia  mandado  as  fuás 
tropas  em  foccorro  dos  Hollandezes  contra  o  Bifpo  de 
Muníler,e  que  pafsando  pelas  Praças  de  Flandres,lhe  re- 
ferirão vários  Oíficiaes  de  capacidade  as  grandes  difpo- 
fiçoens ,  que  achavaó  nos  Caítelhanos,  para  ajuítarem  a 
paz  de  Portugal;  e  que  aífím  eíperava  lhe  difsefse,fe  tra- 
zia alguma  inítrucçaó  fobre  eíta  materia.Reípondeo-lhe 
o  Marquez  ,  que  a  uniaõ  de  Portugal  com  aquella  Co- 
roa era  infeparavel,  e  que  proximamente  havia  juítifica- 
do  EIRey  a  fua  finceridade  ;  porque  mandando  o  Em- 
baixador de  Inglaterra  ,  D.  Ricardo  Fanfchon  ,  queaf- 
fiítia  em  Madrid,  ao  feu  Secretario  com  as  propofiçoens 
de  paz  ,  que  offereciaõ  os  Caftelhanos ,  EIRey  tinha 
mandado   pelo  Conde  de  Caílello- Melhor  dar  conta  a 
GravierMiniítro  d'ElRey  Chriílianiírimo,que  affiítia  em 
Lisboa  ,  de  tudo  o  que  continhaô  as  propofiçoens;  e  da 
reipoíta,  que  fe  lhe  dera  ;  porém  que  ainda  entendia; 
que  fe  o  contagio  da  peite  ,  que  padecia  Inglaterra  ,  ti- 
vera cefsado  ,  que  as  pazes  puderaõ  eítar  concluídas: 
que  eíta  noticia  lhe  dava  particularmente,  porque  os 
poderes  da  fua  commifsaô  fe  naó  eítendiaõ  a  mais  ,  que 
a  conduzir  a  Portugal  a  Princeza  de  Aumalle.  Com  eíte 
incentivo  moítrou  o  Marichal  entrarem  cuidado,  e  dif- 
fe  ao  Marquez  ,  que  EIRey  de  Portugal  devia  confide- 
rar  a  diflerença  ,  que  faziaô  as  alianças  de  França  ás  de 
Inglaterra  ,  e  pouca  duração  ;  que  fe  podia  eiperar  da 
paz  de  Caítella  ,  fem  haver  precedido  hum  conveniente 
tratado  com  França  ,  para  fe  feguir  a  firme  fegurança  da 
paz,eem  quanto  fe  dilata va,fe  poderia  remeter  daquel- 
leReyno  hum  prompto  ,  e  crefcido  foccorro  a  Portu- 
gal. 


PARTE  II.  LIVRO  X.  |S| 


poíiçaô  era  como  todas,  as  que  fé  formava õ  no  Seu  ele- 
vado entendimento  •-,  porem  que  para  ie  facilitarem,  era 
preâíb  ceSsarem  as  desconfianças  ,  que  havia  entre  os 
Eteys  de  França ,  e  Inglaterra  ,*  porque  eíta  deSuniaó  fó 
;ra  útil  aosCaítelhanos,e  do  ajuítaméto  das  duas  Coroas 
aeceSsariamente  havia  dereíultar  naôajuílar  Portugal 
i  paz  de  Caítella,  fem  beneplácito  de  França  ,  e  que  de 
Mitra  forte  feria  impraticável  feparar-fe  EIRey  de  con- 
:luir  a  paz  de  Caítella  da  mediação  de  feu  cunhado  EI- 
Rey de  Inglaterra.  Refpondeo  o  Marichal  aeíta  propo- 
fiçaó  ,  referindo  ao  Marquez  as  diligencias  ,  que  EIRey 
Chriilia  liílimo  havia  feito  ,  por  Satisfazer  aos  lnglezes 
3e  accidentes ,  que  não  tiahão  nome  ,  o  pouco  que  ef- 
perava  França  da  fé  dos  Hbllandezes  ,  e  o  cuidado  que 
lhe  dava,  rompendò-fé  com  Inglaterra  ,  entender ,  que 
ds  Ç^ítelhaaos  havião  de  enganar  aos  lnglezes  com  as 
sfperánças  da  paz  de  Portugal ,  e  que  neíte  intervallo 
poderiãj  faltar  a  Portugal  os  foccorros  de  França,  e  de 
Inglaterra  *,  íaiccefso  ,  de  que  os  Caítelhanos  poderiao 
gfcperar  melhor  fortuna  na  conquiíta  de  Portugal,  e  qae 
deite  grande  inconveniente  íp  poderia  fer  remédio  ajuí- 
tar-íe  numa  fó  liga  entre  Portugal,  Inglaterra  ,  e  Fran- 
ça. Concordou  o  Marquez coméfta  propofíçaô, e  a  fo- 
mentou ,  dizendo,  que  as  prevenções  de  Caítella,  ain- 
da que  ta  itas  vezes  rebatida,  e  com  a  ultima  derrota  da 
batalha  de  Montes-Claros ainda  mais  fufTocida  \  pode- 
riao ler  formidáveis  pelo  grande  poder  daquella Mo- 
narquia, por  cujo  réfpeitd  neceífitava  Portugal  promp- 
tamente  dos  foccorros ,  dinheiro  ,  e  munições.  Promet- 
teo  o  Marichal  de  fazer  preíentea  EIRey  ,  o  que  havia 
pafsado  naquella conferencia  ,  e  ao  dia  Seguinte  voltou 
a  bufcar  ao  Embaixador  com  o  Marquez  de  Rouvigni,  e 
na  fua  prefença  difse,  que  EIRey  queria  mandar  accom- 
modar  o  Embaixador  na  quinta  de  Lione  •,  porém  que 
a  PrincezadeAumalle  lhe  tinha  pedido  o  mandafsehof- 
dar  em  Pariz  •,  e  porque  havia  inconveniente  para  el- 


Anno 
1665. 


362     PORTVGJL  RSSTJVRADO, 

]e  íicar  em  cafa  do  Duque  de  Vandofme ,  ElRey  lhe 
pedia  quizefse  afiiítit  incógnito  naqueile  apoíento,  que 
tinha  tomado^  e  que  podia  eítar  certo,  que  o  caíamento 
fe  havia  de  concluir  com  a  brevidade  poíf  vel ,  eiperan- 
do  que  o  Marquez  foís  inftrumento  de  íe  ajuítar  a  liga 
de  Portugal  com  aquella  Coroa  ,  ea  de  Inglaterra  O 
Marquez  naõ  teve  duvida  a  ficar  em  Pariz  na  forni  a, que 
ElRey  pertendia  ,  e  que  ajuílado  o  cafamento  fe  offere- 
cia  a  pafsar  a  Inglaterraje  fe  o  contagio  o  não  impecíiíse, 
eílarianaquella  Gorte  em  beneficio  comum  das  três  Co- 
roas ,  em  quanto  as  prevençoens  da  jornada  da  futura 
Rainha  de  Portugal  fe  acabavaò  de  ajuílar :  que  efpera- 
ya  ,  que  ElRey  lhenomeafse  a  Armada,  que  havia  de 
conduzir  a  Princeza  ,  e  o  Cabo  ,  que  a  havia  de  gover- 
nar ;  eíperando  juntamente  fofsem  as  nomeações  com- 
petentes á  grande  função  ,  a  que  íe  deiHnavaõ.Naõ  poz 
o  Manchai  duvida  a  eílas  propofiçoens,  e  acerefeentou, 
que  fundava  a  fatisfaçaõ  da  fua  diligencia  na  interven- 
ção das  Rainhas  de  Inglaterra 5e  Portugal  com  o  Infan- 
te D.  Pedro  ,  para  que  fe  refolvefsé  a  não  deixar  balda* 
das  as  fuás  bê  fundadas  efperanças  no  cafamento  da  lua 
fobrinha,para  que  as  alianças  daquella  Coroa  com  Por- 
tugal ficaísem  de  todo  folidas,  e  firmes,tendo  por  infal- 
livel,  que  França  havia  de  romper  a  guerra  de  Caítellaj 
porque  tendo  a  Rainha  mãy  eícrito  da  parte  d' ElRey  á 
Rainha  Regente  de  Caftella  a  juíHça,que  ElRey  Chrif- 
tianiílimo  tinha  por  duas  heranças  no  Eítado  deFlãdres, 
ellalhe  havia  refpondidocom  foberania-,  dizendo,  que 
ElRey  feu  fenhor  lhe  havia  deixado  ordenado  no  feu  te- 
Itamento  ,  que  das  Coroas  de  feu  filho  ,  nem  amais  in- 
ferior parte  fe  défse  a  França*,e  que  depois  deita  refpo- 
íla  tinha  ElRey  dado  ordem  para  fe  lavantarem  vinte 
mil  Infantes  ,  e  dez  mil  cavallos  ,•  porém,  que  o  feu  in- 
tento era  não  romper  a  guerra  aCaítella  ,  fem  ajuílat 
a  liga  com  Portugal,e  Inglaterra»,  e  que  efsa  conjunctu- 
ra  era  tão  favorável  aos  interefses  de  Portugel,  que  pa- 
recia precifo  naõ  fe  perder  tão  opportuna  occafiaõ,-por- 
que  o  tempo  fugia  f,  fe  fe  deixavaõ  malograr  os  feus 
accidentes  O  Marquez  íefpondeo  com  huma  tão  efficaz 

gene- 


PARTE  II.  LIVRO  X.  5<5? 

generalidade,  que  nem  ficou  obrigado  neíh  matéria  a  Armo 
?A:mm  empenho  ,  nem  deixou  préfuadir  ao  Marichal ,  , 
e.  ao  Marquez  de  Rouvigni,  que  ficara  muito  penetrado  Ióò>  • 
o  feu  entendimento  de  propoíiçoens  taó  ajudadas,  e  foi 
continuado  diligentemente  com  a  negação  de  fe  ajuílar 
o  ca  (amento  j  eteve  com  Colbertequafi  fimilhantes  dif- 
:uríbs  ,  dos  que  havia  tido  na  conferencia  do  Marichal 
de  Turena ;  e  com  permifsaõ  d'ElRey  o  vieraõ  buícar  o 
Bifpo  de  Laans  ,  o  Duque  de  Vandofme  ,  e  o  Conde  de 
Trée  ,  a  quem  deu  as  cartas  ,  que  trazia  d'ElRey,  e  to- 
dos com  a  eftimaçaõ  de  taò  fingular  fortuna  difcorreraõ 
fobre  a  brevidade  da  jornada  da  Princeza ;  e  o  Marquez 
com  elles  lhe  foi  levar  a  primeira  carta  d'ElRey,  de  que 
fez  a  merecida  eftimaçaõ ,  e  a  mandou  moftrar  a  EIRey 
ChnílianiíTimo,para  que  de  todo  fedefvanecefsem  as  fa- 
bulas inventadas  pelos  Caftelhanos  ,  que  haviaô  eípa- 
lhado  em  França,  queajuítavaô  a  paz  com  Portugal  fem 
intervenção  daquella  Coroa  5  e  que  a  jornada  do  Mar- 
quez de  Sande  a  Pariz  era  fantaftica,  e  fó  a  fim  de  evitar 
as  negociaçoens  ,que  França  podia  fazer  na  conclufao 
da  paz  de  Portugal;  milagre  das  felicidades  confeguidas 
na  guerra,  trocarem  os  Caftelhanos  em  ciúmes  amiza- 
de de  Portugal  as  arrogantes  promeísas  ,  que  coftuma- 
vaõ  fazer  ao  mundo  da  fua  conquifta. 

O  Embaixador  de  Inglaterra,que  aíliítia  em  Paraz, 
bufcou  o  Marquez  ,  havendo  concordado  com  o  Mari- 
chal de  Turena fer  necefsaria  a  fua  communicaçaõ,e  de- 
pois de  difcorrerem  largamente  fobre  as  controverfias 
daquella  Coroa  ,  e  a  de  Inglaterra  moftroii  o  Embaixa- 
dor admirar-fe  da  confufao  com  q  D.Ricardo  Fanfchou 
conferia  em  Madrid  com  o  Marquez  deFuentes,íem  lia-» 
ver  conclufao  ,  de  que  fe  pudefse  efperar  o  ajuftamento 
da  paz  de  Portugal ,  e  Caftella  ,  que  fó  podia  ,  e  devia 
concluir-fe  com  a  intervenção  d'ElRey  de  Inglaterra: 
e  que  neíla  confideraçao  fuppunha  ,  que  o  Marquez  vi- 
nha a  Pariz  íó  a  tratar  do  caíamento  d<ElRey  ,•  eque 
fe  acafo  determinava  declarar-fe  Embaixador,  que  o  dia 
da  íua  entrada  fahiriaelle  de  Pariz  ,  c  partiria  para  In- 
glaterra. Suavifou  o  Marquez  eíla  defconfiança ,  fegu- 

rando 


Anno 
1665» 


364   PORTUGAL  REST^URyíDO, 

rando  ao  Embaixador  ,  que  a  vontade  d'E!Rey  era  fu- 
bordinada  á  de  íua  irfnãa  a  Rainha  de  Inglaterra ,e  con- 
lequenttmente  a  d'E!Rey;e  que  também  não  merecia  a 
attenção  ,  com  queellehavia  fervido  aambos  os  Fria- 
cipes  ,  preiumir-ie  ,  que  poderia  fer  inítrumento  de  ac- 
ção ,  que  os  dfcigoílaíse. 

Chegou  naquelle  tempo  a  noticia  a  Pariz  de  haver 
tomado  o  Conde  do  Frado  com  o  exercito  do  Minho  o 
Forte  da  Guarda  ,  e  foi  grande  o  contentamento,  que  o. 
Marichal  de  Tu  rena  recebeo  da  conclufao  deita  empre-' 
za  j  porque  delejavão  os  Francezes  fummamente,  que 
a  conquilta  de  Portugal  lè  eítendefie  por  aquella  parte 
das  Rias  de  Galliza  ,  para  lerem  mais  communicaveis  o& 
foccorros  de  França  ,  e  mais  íeniivel  a  guerra  a  Caítella, 
que  quaíi  ie  avaliava  por  indubitável  ,  caminhando  a  eji 
te  Hm  todas  as  diípohçoens  i  porque  logo  cKve  morrei 
EIRey  de  Caítella  ,  começou  EIRey  Chriítiániffimo  a 
diípôr  Icvantarem-ffe  cincoenta  mil  Infantes  ,  e  vintj 
mil  cavallos ,  que  unidos  ao  exercito  quélu$entâyà| 
faziaò  oitenta  mil  Infantes  ,  e  trinta  mil  cavallos  ,  de 
que  determinava  formar  quatro  exercitou, paraFlandres, 
Alemanha  ,  Catalunha,  e  Itália  ,•  porem  os  eiilitos  para 
íe  jfufte n tarem  tao  poderofos  exércitos  eraó  mmmamen- 
te  violentos*,  porque  íe  prendião  os  homens  de  negocio 
com  leys  novas  ,  de  que  fe  originava  grande  embaraço, 
e  extraordinária  confuíao  ;  e  o  preço  dos  officios  ,  que 
coítumavaõ  vender-fe  era  taó  exorbita  nte,què  hum  Fre^ 
íidente  ,  que  havia  comprado  eíta  occupaçao  por  qua- 
renta mil  cruzados,  que  era  a  taxa  ordinária,  lho  levan- 
tarão a  cento  e  cincoenta  mil  cruzados :  e  eítes  incon- 
venientes, e  os  ameaços  da  guerra  de  Inglaterra  ,  que 
os  Reys  não  querião  ,  e  os  Miniítros  delejavão,  fez  ftfíj 
pender  o  fervor ,  com  que  EIRey  Chriítiániffimo  per- 
tendia  romper  a  guerra  de  Ceílella :  e  de  todos  eítes  ac- 
cidentes  fabia  valeMe  o  Marquez  de  Sande  com  admirá- 
vel ,  e  zelofa  deítreza  em  grande  utilidade  dos  interef- 
íes  cie  Portugal  ,  e  os  mais  fuccefsos  da  fua  commiisão 
referiremos  no  anno  íeguinte.  Nos  de  Roma  ,  e  Hol- 
landa  não  houve  novidade  digna  de  memoria, 

Con- 


PJRTE  II.  L1VK0  iy      5^5 

Continuava  o  governo  da  índia  o  Viíb-Rey  Ante-  ^  nno 
nio  de  Mello  de  Caítro  ,  fazendo  grande  diligencia  por 
compor  o  melhor  ,  aue  erapoílivel  ,  csigraves  damnos,  l^°)' 
que  a  dilatada  guerra  dos  Hollandezes  ,  iuípenía  coma  Nothiad 
paz  ,  havia  occaíionado.  No  fim  de  Janeiro  delpedio  pa-  ra  daCcnqliifíít 
ra  o  Reino  a  náo   Nol&a  Senhora  de  Penha  de  França  da  índia, 
3or  conta  de  D.  Franciíco  de  Lima  ,  e  humPataxo. 
torneou  por  Capitão  morda  Coitado  Norte  a  feu  fi- 
lho Diniz  de  Mello  de  Caibro  ,  e  por  Capitão  mór  do 
Sul  a  D.  Manoel  Lobo  da  Silveira  ,  e  outra  Armada 
rleremo,  que  fabricou,  foi  entregue  a  Diogo  de  Frei- 
ras de  Macedo  ,  e  andou  íempre  unida  á  do  Noite , 
para  onde  mandou  Ignacio  Sarmento  de  Carvalho  com 
íitulo  de  General  daquellas  Fortalezas,  em  lua  com- 
panhia foi  o  Doutor  João  Alva rt's  ,  Chanceller  do  Eí- 
tado  ,  e  Luiz  Mendes  de  Vaíconcellos  Veador  da  Fa-    . 
zenda  ,  com  ordem  de  entregarem  Bombaim  ao  Gover- 
nador da  gente  Ingleza  ,  que  eftava  em  Engediva  , 
chamado  Honofre  Coque.  Chegáraoa  Bombaim  ,  e  fi- 
zeraô  entrega  da  Fortaleza V  e  porto  aos  Inglezes  ,  de- 
clarando-ie  nas  condiçoens  ,  que  íe  firma ràó  ,  que  le 
receberia  õ  naquelle  porto   as  noisas  embarcaçoens  da 
meíma  forte  ,  que  as  dos  Inglezes ,  nao  permittindo 
nelle  navios  inimigos  3  é  que  dos  moradores  da  Ilha 
naõ  tirariaõ  mais  contribuição  *  que  a  dos  foros  ,  que 
era  o  tributo ,  que  pagayaô  a  EIRey  dê  Portugal.  Lo- 
go  que  os  Inglezes  entrarão  de  pofse  da  Ilha  ,  alte- 
rarão quaíi  todo  o  capitulado  ,  fazendo-íe  íenhores 
delia,  deílituindo  os  Portuguezes  das  íuas  fazendas , 
e  outras  extorfoens  ,   que  faziaõ  lamentável  o  leu  do- 
minio;  pafsando  também  o  prejuízo  aos  moradores  de 
Baçaim  ,  que  com  efta  vizinhança  logravaõ  pouco  fo- 
cego.  Neíle  tempo  chegou  á  Barra  de  Goa  Dom  An- 
tónio Mafcarenhas ,  que  partio  de  Lisboa  em  a  náo 
Nofsa  Senhora   da  Guia   em  companhia,  do  Capitão 
mór  Bernardo  de  Miranda  Henriques  ,  que  arribou  ao 
Brafil  ,que  naquelle  tempo  governava  o  Conde  de  Óbi- 
dos j  e  tendo  noticia  ,  que  a  náo  ,  de  que  era  Capi- 
tão mór  IX  Fedro  de  Átocaltre  ^  havia  arribado  3 

Mo  cana* 


3 66  PORTUGAL  RESTAURADO; 

AnnO'  Moçambique,  lhe  mandou  hum  pataxo  com  marinhe 
*,      ros  ,  e  mantimentos  ,  que  lhe  facilitou  feguir  a  íu 
100  J.  viagem;  e  no  Eftado  da  índia  naõ  houve  eíbe  ann 
guerra  »  ou  íuccefso  capaz  de  referir. 


RESTAURADO. 

L  I  V  R  O    XL 


S  U  M  M  A  R  I  O. 

OVERNd  as  Armas  de  Alentejo  o  Armo 
Conde -de  Schotfiberg  :  fza  humo  en-  ,,, 
irada  r>o  Condado  de  Nubla ,  ganha  I£,í)6, 
a  Filia  de  Alçaria  de  la  Vuebl arquei* 
ma  a  Vil  la  ,  epaffa  à  de  Paymogo\ 
entregafe-lbe  ,  e  deixa-a  com  prefi- 
dio  :  i árias  entradas  vejle  tempo 
om  felicefuccejjovjabe  dePaymogo  S alam  ao  y  e 
:ahe  em  hum  a  tm bofe a da,  em  queperâeo  vai  oro  fo- 
mente a  vida.  Querem  es  Cafie lhanos yecupirar  efi> 
ta  Vtlla  i  he  foccerrida ,  e  retirarao-fe.  Sitia  o  Con- 
de de  Schomberg  S.  Lucar  de  Guadiana  :  ganha  a 

Filia, 


j*8    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ánno  Filia  ,  e  a  de  Gibraleaft,  pondo  em  contribuição 
sss   muitos  lugares  de  Andaluzia*  Diniz  de  Mello  {que 

16  '  tinha  jà  Patente  de  Meftre  de  Campo  General)  der- 
rota duzentos  e  cincoenta  cavai  los  Caftelhanos  >fã> 
zem  varias  entradas  mal  fabricadas.  Joaô  da  SiU 
va  de  Soufa  fe  retira  com  grande  perda  ,  efecafti-* 
gaõ  os  culpados  nefta  dsjordun.  Intenta  o  Conde  dt 
Schomberg  inter  prender  Geromenha  no  principio  do 
anno  de  1667.  Defvanece-fe  a  interpreza :  variai 
occafioens  defles  últimos  dous  annos ,  em  que  os  ini 
migos  tiver  ao  algum  a  s<  vantagens»  Governa  oCon- 
de  do  Prado  Entre  Douro  ,  e  Minho  ,  e  o  Conde fla^ 
bleGalliza  ,  que  f abe  em  Campanha  com  hum  grof 
fo  exercito.  Oppoefttfe-the  o  Conde  do  Prado  fempn 
com  felicesfuccejfos  :  retira-fe  o  Conde  ftabíe.  Suç; 
ceffos  dejla  Provinda  nos  dousannor  fèguintes  .Go 
verna  T>  as  os  Montes  em  aufen&ia  do  Conde  deS 
João  o  Me [tre  de  Campo  General  Diogo  de  Britt 
Coutinho.  Deftroem  os  Caftelhanos  muitos  lugares 
chega  àe  Lisboa  o  Conde  de  S.Joaõ  ,  e  ganha  Mi 
guel  Carlos  o  lugar  de  Mefquita:  desbarata  Pedrc 
Cefar,  e  D. Miguel  da  Silveira  aCavallaria  inwn 
ga.  Governa  Pedre  Jaqueso  Partido  de  Almeida 
ganha  Redondo  ,eUmbr ales  ,  tfaz  priftonetro  t 
General  da  Artilharia  D,  João  Salamanques:  t 
Partido  de  Penamacor  governa  nefie  tempo  o  Gene 
ral  da  Artilharia  António  Smres  da  Cofia  ,  entu 
aViUa  de  Ferreira ,  e  outras  VtUas.  SuccetJos  di 
índia  no  governo  de  António  de  Mello,  edo  Condi 
de$.  Vicente.  Negócios  mblicos  da  Corte  detran 
ca.  Camtmiento  d^ElRey  com  a  Princeza  de  Au 
malle.  Parte  a  Rainha  da  Arrochella  conduzia* 

pelo  Marquez  deSande. 

1  . 


..  :.        - 


OCond 


VAÈTE  11.  LirRO  XI 


369 


Conde  de  Schomberg  ,  que  deixamos  no  fim  ^ntlO 
do  anno  antecedente  continuado  o  governo       , , 
das  Armas  do  exercito  de  Alentejo,depois  de  I&01** 
haver  voltado  da  Provinda  de  Entre  Douro» 
e  Minho,  defejando  não  ter  ociofasas  nofsafr 
.rmas  vi&oriofas,  e  triunfantes  ,  e  accrefcentar  aos  Caf- 
ilhanos  o  temor  dos  nofsos  progrefsos  ,  para  que  che- 
afse  a  concluíaó  da  paz  defejada  de  ambas  as  Naçoens, 
larchou  com  dous  mil  cavallos  ,  e  dous  mil  Infantes  a 
afligar  a  ingratidão  dos  Povos  do  Condado  de  Niebla, 
ue  havendo  fido  prefervados  de  todas,  as  hoítilidades 
a  guerra  ,  refpeitando  a  eítreiteza  do  parenteico  ,  que 
inha  comElRey  o  Duque  de  Medina-Sidonia,  de  quem 
raóvafsallos  ,  e  as  moleítias  ,  que  havia  padecido  por 
íte  rei  peito  ,  fem  replica  alguma  tinhaõ  admittido  alo- 
amentos  de  Cavallaria,  de  que  aquella  fronteira  recebia 
onfideravel  damno  3  e  fendo  varias  vezes  amoeítados  , 
è  haviaõ  efcufado  com  frivolas  refpoítas.  A  vinte  e  hum 
le  Janeiro  íahio  o  Conde  de  Schomberg  de  Serpa  com  o 
>oder  referido  ,  e  marchou  nove  léguas  fem  fazer  alto. 
Chegou  á  Villa  de  Alçaria  de  la  Puebla  ,  e  fem  o  have- 
em  fentido  ,  atacou  hum  Forte  ,  que  lhe  fervia  defe- 
«•urança  >  que  rendeo  com  pouca  renitência  ;  e  haven- 
lo  a  Cavallaria  lançado  hum  cordão  ao  redor  da  Vil- 
a,  ficarão  dentro  quatro  Companhias  de  cavallos  de 
Uemães  do  Regime  vto  de  Rabat ,  que  de  novo  fe  ti- 
ihaó  remontado.  Foi  a  Villa  entrada  fem  renitência  , 
*  depois  de  faqueada  ^e  defmantelado  o  Forte  ,  pafsou 
á  Conde  de  Schomberg  á  Villa  de  Paymogo  rodeada  de 
levantadas  trincheiras,  e  defendida- de  hum  Forte  de 
quatro  baluartes,  tao  bem  fabricado  ,  que  entendeo  o 
Conde  de  Schomberg  ,  que  era  maior  a  empreza  ,  do 
que  fuppunha  :  porém  livrou-o  deite  cuidado  a  boa  cor- 
irefpõdencia  do  Governador,que  fem  querer  empenhar- 
fe  nos  perigos  doafsalto,  entregou  o  Forte,  ehuma 
Companhia  de  cavallos.  Pareceo-lhe  ao  Códe  de  Schom- 
berg deixalo  guarnecido  com  quatro  Companhias  de  In- 
fanteria ,  para  grangear  a  contribuição  de  muitos  luga- 

Aa  res, 


"  ■! 


iro    P0R7VGAL  RESTAURADO, 

res  abertos  ,  que  occupavaô  todo  aquelJe  diítriclo.  Voi 
tou  para  Serpa  com  os  Soldados  t ricos  de  delpojosj  fa- 
tisfaçaa,-  que  unindo-fe  ao  valor  ,  de  que  erao  dotados 
t£conítituia  invencíveis. 

Ao  mefmo  tempo,  que  o  Conde  de  Schomberg  mar» 
cl  ou  para  o  Condado,  quinze  batalhões  de  Cava  liaria 
de  Badajoz  carregarão  as  guardas,q  feguravaõ  a  Can  pa- 
nha  de  Cãpo-Maior,  com  intento  de  as  derrotar,  e  reba- 
nhar  os  gados;  mas  asguardas  fuíkntáraô  o  impfcífo  até 
a  eítrada  encuberta  deíta  Praça  cem  tãto  valor, que  an> 
parados  da  artilhariam  mofqueta ria, recolherão  osgatSJ 
perdendo  alguns  Soldados  Caftelhanos.  Pertendeo  li- 
cença Bernardo  de  Faria  ,  Commifsario  geral  da  Caval- 
laria ,  para  armar  á  de  Badajoz  ,  e  fahio  com  a  de  Elvas 
deCampo-Maiora  embofear-íe  no  Àrcornocali  antes  de 
o  confeguir  deicobrio  hum  corpo  de  Cava  Ha  ria  ,  e  íem 
examinar  o  leu  poder  ,  o  carregou  com  tanta  força, que 
fe  retirarão  confuíos   os  inimigos  ,  deixando  muito» 
mortos,  evinteedous  prifioneiros.  Algum  tempo  de- 
pois teve  avizo  o  General  da  Cavallaria  Diniz  de  Mello 
de  Caítro  de  hum  comboy  ,  que  intenta vaõ  os Caftelha- 
nos  meter  em  Geromenha  ;  mandou  ao  Capitão  de  cal 
vallos  Manoel  Travaços  com  duzentos  cavallos  ,  que 
na  eftrada  de  Olivença  ao  amanhecer  encontrou  a  Com- 
panhia da  guarda  delia  Praça:  inveftio-a,e  desbaratou~a,, 
e  o  comboy,  que  a  feguia  com  hum  batalhão  de  eícolta,. 
padeceo  a  meima  difgraça  ,  tomando  o  comboy,  e  o  Ca- 
bo ,  que  o  conduzia  com  feísenta  e  três  prifioneiros. 

Mandou  neíle  tempo  Diniz  de  Mello  a  Joaò  da  Sil- 
va e  Souia  a  Badajoz  com  huní  corpo  de  Cavallaria  a  di- 
vertir  aquella  guarnição  ,  que  confeguio  fem  mais  effei- 
to  ,  -que  a  preza  de  hum  comboy.  O  Marquez  de  Cara- 
cena  ,  defejando  contraprazereílas  hoílilidades  ,  man- 
dou á  VTilla  do  Landroal  mil  e  quinhentos  cavallos ,  e 
cem  Infantes.  Foraó  fentidos  antes  de  chegarem  ,  e  re- 
colheo-feao  Caftello,que  governava  André  MendesLo- 
bo ,  o  Capitão  de  cavallos  António  Botelho  com  a  fua 
Companhia. Em  quanto  durou  a  noite,faquearaõ  os  Ca- 
ílelliartos  as  caías  do  Arrabalde.  Logo  que  amanheceo  > 

fez 


PJRTE  11.  LlVKOmXL        )7i 

fe2  António  Botelho  huma  fortida  com  toda  a  gente  do  ^  nno 
Caftello  com  tão  bom  íucceíso  ,  que  degolláraõ  quan-        *, 
tidadedelafantes,  que  acháraó  nas  caías  divertidos  »o«v# 
com  os  roubos  das  alfaias  delias  ;  fizeraó  hum  Coronel, 
priíioneiro,  e  os  Caftelhanos  íe  retiraraó.Dava-lhes  gra- 
de cuidado  o  Forte  de  Paymogo  ,  que  governava  por 
ordem  do  Conde  de  Schomberg  o  Capitão  de  cavallos 
Salamaõ  ,  valo  roto  Francez:  porque  em  grande  dam  no 
dos  lugares  daquelle  diítrido  ,  que  não  havião  padeci- 
do ,  como  os  mais  ,  as  calamidades  da  guerra  ,  tinha  fei- 
to repetidas  entradas  fempre  comfelice  íuccefso.Mudou- 
fe-lhe  a  fortuna ,  por  fazer  maior  confiança,  do  que  era 
jufto  de  hum  Caftelhano,que  lhe  íegurou  conduzir  hu- 
ma grande  preza  dos  Montes  de  S.  Benedicto  ,  féis  lé- 
guas diftantes  de  Paymogo.  Com  efte  incerto  fundamé- 
to  fahio  do  Forte  com  cento  e  cincoenta   Infantes  ,  e 
vinte  e  cinco  cavallos.  Chegou  ao  lugar  da  preza,  con- 
duzio-a  muito  confideravel  fem  oppofiçaô  alguma;  po- 
rém voltando,  e  querendo  pafsar  Malagaõ,  achou  o  Ba- 
rão de  Santa  Chriílina  avizado  pela  efpia  ,  que  o  eftava 
efperandocom  quinhentos  Infantes  ,  e  duzentos  e  cin- 
coenta cavallos.  Vendo-fe  Salamaõ  perdido  ,  dourou  o 
deíacerto  da  fua  confiança  com  os  últimos  quilates  do 
íeu  valor  ;  porque  promptamente  deu  orclem  ao  feu  Al- 
feres ,  que  retirafse  os  vinte  e  cinco  cavallos  a  Paymo- 
go ,  e  que  fizefse  avizo  a  Moura  ,  que  com  toda  a  dili- 
gencia íe  acodifse  ao  Forte  í  porque  elle  ficava  pelejan- 
do com  a  Infateria  até  dar  a  vida  pelo  ferviço  d'ElRey. 
Retirou-ie  o  Alferes  ,  e  Salamaõ  deímontado  amparou 
a  Infanteria  de  huns  penedos  ,  e  pelejou  quatro  horas,q 
lhe  durarão  asmuniçoens,  que  trazia  ,  e  ao  tempo  que 
fe  lhe  acabavaõ  ,  cahio  moribundo  com  féis  feridas  , 
depois  de  haver  pelejado  com  admirável  reiduçaõ  ,  e 
perdido  a  maior  parte  dos  Officiaes ,  e Soldados  á  cu f- 
ta  de  muitas  vidas  dos  inimigos  j  e  faltando  defenfa  aos 
penedos  ,  foraõ  entrados ,  e  deraõ  os  Caítelhenos  quar- 
tel ,  aos  que  acharão  vivos;  querendo  urbanamente,  que 
fe  prefervafsem  de  morte  violenta  taõ  valorolos  Solda- 
dos. Retirarão  Salamaõ  ainda  vivo  ,'  mas  durou  poucas 
***"  "-*»  Aa  i  horas, 


572     PORTUGAL  REST AVRJDO, 

AnnofloraSi  rnerecendo  a  fua  memoria  eternos  elogios  ,  de 
•  ^i?  quea  Naçaô  Franeeza  fe fez  fempre dignana  guerra de 
Io66..portugai. 

x        Ô  Barão  de  Santa  Chriítina ,  querendo  executar  ,  o 
que  a  prudência  de  Salamaõ  (nunca  mais  merecedor  dei- 
te nome  )  havia  prevenido  ,  puxou  por  lnfanteria  dg 
todoaquelle  diftricto  ,  e  marchou  para  Paymogo  ;  po- 
rém quando  chegou  ,  achou  já  no  Forte  ao  Tenente  Ge- 
neral daCavallariaD.  Luiz  da  Coita  avizado  pelo  Al- 
feres, que  mandou  Salamaõ  ,  com  lnfanteria,  munições, 
e  mantimentos  ,  e  com  efta  noticia  fe  retirou  o  Baraõ  , 
e  D  Luiz  para  Moura,deixando  entregue  o  Forte  a  Ma- 
noel Rodrigues  Covas  ,  Capitão  do  Terço  de  Ayres  de 
-Soufa  <ie  Caftro.  Sentio  o  Conde  dcSchombefg  muito* 
-a  morte  de  Salamaõ ,  porque  juítamente  eftimava  o -íbi* 
valor  ,*  e  defejando  nao  dilatar  a  fatisfaçaó ,  diípoz  m- 
terprender  a  Praça  de  S,  Lucar  He  Guadína  ,  fituada  fo-' 
~bre  efte  Rio  ,  onde  defeníboca  no  Mar,  no  Reino  do 
Algarve  defronte  de  Alcoitim.Antes  de  intentar  o  Con- 
de eíla  empreza,  mandou  examinar  o  eftado  da  defenfa 
da  Praça  ,  e  recebendo  individual  noticia  da  facilidade? 
com  que  podia  gânhalla,  tendo  difpoftasiafenfivelmé- 
te  todas  as  prevençoens  convenientes ,  fahio  de  Eílre- 
fnoz  a  vinte  entres  de  Mayo.  Chegando  a  Beja  ,  achou 
todos  os  Terços ,  e  Companhias  de  cavallos  ,  que  tinha 
mandado  convocar  áquella  Cidade,  e  continuou  a  mar- 
cha para  S.  Lucar  com  três  mil  Infantes ,  e  mil  e  du- 
zentos cavallos.  Mandou  pramptamente  adiantar  hum 
Troço  de  Cavallaria  ,  e  lnfanteria  com  ordem  de  occu- 
parem  os  póítos fobre  a  Praça ,  para  evitar  os  foccorros* 
que  íe  lhe  podíaõ  introduzir,  tendo  os  Caftelhanos  no- 
tícia da  marcha.Confeguío-fe  efte  intento  taõ  facilmen- 
te ,  que  foi  entrado  o  Arrabalde  ,  em  que  íe  achou  con- 
iideravel  defpojo.  Recolheo-fe  a  gente  ao  Caftello,  que 
começou  a  difparar  a  artilharia  com  pouco  dano  dos  ex- 
pugnadores,  e  o  Governador  do  Caftello  levando  (qua- 
do  fe  recolhe  o)  das  cafas  da  Viíla  ,  hum  Soldado  prifio- 
neiro  ,  o  lançou  fora  com  hum  papel ,  em  que  dizia , 
<jue  eftimava  muito  darfe-lhe  occaíiaõ  de  ganhar  honra, 

na 


PARTE  11  LIVRO  XI.         }7? 

ia  defenfa  daquelle  Caítello.Tornou-lhe  a  refpoíta  por  AlMO 
íum  Gaftelhano  também  por  efcrito,  em  que  ie  lhe  ad-     ,  „ 
vertia,  que  tratafse  de  fe  entregar  logo  ,  fenaó  queria  10WV' 
norrer  enforcado ,  e  os  mais  que  eítavaõ  dentro  no  Ca* 
[tello.  Abateo-lhe  deíorte  o  ardor  eíle  ameaço ,  que 
nandou  hum  Official  com  ordem ,  que  examinafse  ,  fe 
:ra  o  Conde  de  Schomberg  Cabo  daquellas  tropas.  Fal- 
Lou-lhe  o  Conde ,  e  certificado  o  Governador  deita  ver- 
dade, í em  outra  inítancia  mandou  dizer,  que  queria 
render-fe.  Aceitou-lhe  o  Conde  a  offerta  ,  e  concedeo- 
ihes  fahir  com  a  guarnição  para  Ayamonte  ,  e  ao  dia  fe- 
juinte  ,  que  fe  contavaó  vinte  e  nove  de  Mayo  ,  entrou 
aoCaíteilo.  Os  dias,  que  fe  deteve  nelle  ,  vieraõdar 
abediencia  a  EIRey  muitos  lugares  circumvizinhos,  e  os 
moradores  deS.  Lucar  quafi  todos  ficarão  nas  fuás  ca- 
ías :  e  foi  grande  o  terror  ,  que  entrou  em  todos  os  Po- 
vos* de  Andaluzia ;  porque  naõ  eftavaõ  coítumados  a 
padecer  os  eftragos  da  guerra  ,  quefe  acere fentou  com 
huma  entrada  ,  que  fez  o  Tenente  General  D.  Luiz  da 
Coita  com  mil  cavallos  ,  e  cem  Infantes  para  o  diítriclio 
da  Villa  de  Gibraleaó,  Marchava  de  vanguarda  o  Baraò 
de  Schomberg  com  quatro  batalhões;  e  chegando  a  hum 
Rio  junto  da  Villa,  determinou  impedir-lhe  a  pafsagem 
o  Coronel  Rugemont  com  trezentos  cavallos ;  porém  o 
Barao,cujo  valor  não  fabia  conhecer  receyo,por  todas  as 
qualidades  digniílimo  filho  de  tão  excellente  pay,  arro- 
jando-fe  ao  Rio  pafsou  da  outra  parte ,  a  tempo  que  D. 
Luiz  da  Coita  chegava  com  o  reíto  da  gente.  Fugira  6 
os  inimigos ,  e  feguio-lhes  o  Barão  o  alcance  até  á  Vil1  a 
de  Frigueiras ,  e  entrarão  pelas  ruas  os  Caftelhanos  mif- 
turados  com  a  nofsa  gente,  e  defmontando  a  maior  par- 
te ,  faqueárão  a  Villa.  Voltarão  fobre  Gibraleão  ,  que 
ficava  quafi  três  léguas  pela  retaguarda  ,  e  não  achando 
refiítencia  ,  faqueárão  ,  e  queimarão  a  Villa  ,  e  foi  o  def- 
pojo  o  mais  rico  ,  que  fe  havia  trazido  de  Caítella  em 
todo  o  tempo  antecedente ;  e  executando  o  mefmo  dam- 
no  nos  lugares  de  Cartaya  ,  e  Lepe ,  fe  retirou  D.  Luiz 
da  Coita  ,  deixando  tão  amedrontados  todos  os  lugares 
daquellgdiílri&o  >  que  chegou  o  receyo  a  Sevilha ,  oiv- 
.  **•'  Aa  3  de 


:    .' 


374     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  de  íuccederaõ  perigo fas  alteraçoens.  Sahioemfím  no 

1-666  meZ  de  ^unho  de  Cadis  a  Armada  de  Caítella,goverria- 
•  da  pelo  Duque  de  Aveiro  ,  e  compoíta  de  quinze  na- 
vios :  reduzira ó-fe  os  íeus  progreísos  a  ganhar  na  Coita 
do.Algarve  hum  pequeno  Forte  chamado  a  Baieyeira, 
que  tinha  íó  três  peças  de  artilharia  J  e  querendo  inter- 
prender  a  importante  Fortaleza  de  Sagres,  que  domi- 
na o  famofo  Cabo  de  Saõ  Vicente  ,  foraò  rebatidos, 
os  que  le atreverão  a  chegar  nos  batéis,  pela  artilharia 
da  Praça,  que  governava  Simaõ  Rodrigues  Moreira: 
pafsou  a  Armada  á  pequena  Ilha  da  Berlenga  ,  que  rica 
três  léguas  da  Cofia  de  Peniche  ,  e  depois  de  lhes  reílítir 
dousdiasa  pequena  guarnição  de  trinta  Soldados  ,  que 
defendia  hum  Forte  de  pouca  importância,  o  renderão, 
edeímantelarao  ,  recolheraõ-fe  aos  feus  portos íem ou- 
tra operação»  O  Conde  de  Schomberg  antes  de  voltar 
para  Eftremoz  ,  fez  outra  entrada  no  Condado,  em  que 
deílruio  muitos  lugares  ,  e  com  poucos  dias  de  delcan- 
ço  pafsou  a  Arronches  a  dar  ordem  a  fe  fortificar ;  o 
que  difpoz  com  a  brevidade ,  e  acerto  ,  que  coílumava 
em  todas  as  acçoens  ,  que  emprendia :  fendo-lhe  Portu- 
gal devedor  de  eterno  agradecimento  ,  que  EIRey  def- 
empenhou  ,  dando-lhe  o  titulo  de  Conde  de  Mertola , 
e  dezoito  mil  cruzados  de  renda  ,  em  que  entravao  os 
dei "pachos  de  feus  filhos  >  conveniências,  que  todos  lo- 
grarão em  fua  vida.  A  Praça  de  S.Lucar  ficou  preíidia^ 
da  ,  e  pela  vizinhança  do  Algarve  era  fácil  o  foccorro, 
fe  os  Caítelhanos  intentafsem  reftauralla. 

Diniz  de  Mello ,  que  aíliftia  em  Vílla-Viçofa  ,  c 
que  já  governava  a  Cavallaria  com  titulo  de  Meftre  de 
Campo  General ,  teve  noticia  ,  que  entrarão  por  junto 
a  Tuiena,duzentos  e  cincoenta  ca  vai  los.  Marchou  a  buf- 
callos  com  pouco  mais  numero ;  e  encontrando-os  ,  foi 
o  mefmo  inveílilos,  que  desbaratallos.Seguio-lhes  o  al^ 
rance  até  Geromenha  o  Cómifsario  geral  João  do  Cra- 
.  todaFonfeca  ,  e  poucos  fe  recolherão  áquella  Praça. 
Defejava  o  Marquez  de  Caracena  tomar  fatisfoçaõ  de 
tantos,  e  tão  repetidos  infortúnios  ;  porém  todos  os  in- 
tentos fe  lhe  defvaneciaõ  ,  ou  porque  a  primeira  caufa 

era 


VARTE  II.  LWRO  XI.         w 

;ra  propicia  aosPortuguezes ,  ou  porque  as  fecundas  Arino 
otalmente  enfraquecidas  não  fabiaõ  atinar  com  os  acer-  ■'* ^ 
os.  Recorreo  o  Marquez  ao  foccorro  do  Duque  de^Me-  l°09* 
lina-Cceli ,  que  governava  Andaluzia  ,  e  ajuílaraõ  en- 
rarem  ao  mefmo  tempo  com  grofso  poder  nos  Reinos 
ie  Portugal  ,  e  Algarve.  Foi  grande  a  preparação  ,  e 
lilatadas  as  efpe ranças  ,  porém  o  eflèito  muito  inferior 
is  diípoíiçoens ;  porque  a  gente  do  Duque  parou  junto 
i  Deleite  ,  três  léguas  diftantes  a  Caftro-Marim  ,  e  com 
nenos  difculpa  ,  que  a  de  Annibal  em  Capua ,  por  não 
:orrefponder  ao  nome  o  fitio  do  lugar  ,  entrarão-no  du- 
zentos Infantes  ,  e  quarenta  cavallos  ,  e  quando  anda- 
rão mais  occu pados  no  defpojo,  acodiraõ  de  Caftro-Ma- 
rim os  Capitães  Balthafar  da  Coita  ,  Nicoláo  Monteiro, 
í  Francifco,  de  Oliveira  com  pouco   mais  de  duzentos 
Infantes ,  e  entrarão  pelo  lugar  ,  lem  ferem  fentidos 
iosCaftelhanos.  Obrigaraó-nos  a  fahirem  delle  ,  ema- 
rando,  e  ferindo  muitos,dos  que  andavaô  roubando  pe- 
las cafas  ,  guarnecerão  astrinceiras,  e  as  fizera õ  impe- 
netráveis ,  aos  que  eílavão  fora  ,•  e  baftou  efte  fuccef- 
fo,  para  fui  pender  a  refoluçaõ  do  Duque  de  Medina- 
~reli  ,  retirando-fe  os  Caílelhanos  fem  outro  effeito.  O 
Marquez  deCaracena  entrou  ao  mefmo  tempo  na  for- 
ma ,  que  havia  ajuftado  com  o  Duque  de  Medina-Cceli, 
:om  três  mil  Infantes  ,  e  dous  mil  e  quinhentos  cavai- 
los.  Chegou  á  Cabeça  de  Vide  ,  e  com  pouca  refiften- 
dafelhe  rendeo  o  pequeno  Caítellejo.  PafsouaAlter 
do  ChaÕ  ,  e  achando  o  Caítello  guarnecido  ,  o  comba- 
teo  dez  horas  ,  e  recebendo  avizo  ,  que  Diniz  de  Mel- 
lo íe  punha  em  marcha  para  íoccorrer  o  Caítell©  ,  deíl- 
ftio  daempreza  ,  e voltou  para  Badajoz. 

Dentro  de  breves  dias  fez  outra  entrada  ,  dividin- 
do a  Cavalla  ria  em  dous  troços.  Marchou  o  Marquez 
com  dous  mil  cavallos,  edous  mil  Infantes  por  Gero- 
menha ,  e  por  Monçarás  entrarão  mil  e  quinhentos  ca- 
vallos j  eftes  queimarão  o  lugar  de  Montouto  ,e  outras 
Aldeyas  ,  e  querendo  chegar  ao  Redondo  ondetinhao 
ordem  para  feencorporaremcomo  Marquez, receberão 
outra  para  fe  retirarem  -f  porque  ha vendo-lhe  confiado, 
'*■-*" -•  Aa  4  que 


37<5     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  cíue  ^ora  ^ent^°  ^e  partidas  nofsas ,  retrocedeo  do  em- 
i  6aa  Pen^°  começado  ,  e  os  mil  e  quinhentos  cavallos  fe  re- 
1 066 .  tirarão  com  tanta  prefsa  ,  que  morrerão  muitos  na  mar- 
cha ,  e  entrou  efte  poder  com  a  aíliftencia  de  todos  os 
Gabos  Maiores  a  caíligar  os  moradores  de  Alter  do 
Chão  ,  por  haverem  faltado  áentrega  de  quatro  mil  cru- 
zados, que  havião  prometido  ao  Marquez  deCaracena, 
por  fe  livrarem  de  ferem  faqueados  os  do  Arrabalde  na 
entrada  antecedente.  Tendo  noticia  deite  movimento  o 
Commifsario  geral  da  Ca  valia  ria  Franciíco  Cabral  Bar- 
reto ,  fahio  de  Portalegre  com  as  tropas  daquella  Praça, 
e  as  do  Conde  de  Maré,  encorporando-fe  comoCorn- 
mifsario  geral  António  de  Siqueira  Peítana.  Forão  fe- 
guindo  a  marcha  dos  Caítelhanos  ,  epara  embaraçar  as 
íiias  hoílilidades,  cobrirão  o  paiz  com  algumas  partidas. 
O  Príncipe  de  Parma ,  que  governava  a  Cavallaria  ,  te- 
mendo ,  anofsafejuntafse  /depois  de  fe  alojar  aquel- 
la  noite  em  Alter ,  voltou  para  Albuquerque :  obfervá- 
rao-lhe  a  marcha  as  nofsas  tropas;  mas  tendo  os Cafte- 
Iha  nos  avançado  diverfas  partidas,  huma  de  fefsenta  ca- 
vallos, que  tinha  tomado  Iingua  junto  a  Portalegre  , 
encontrou  com  os  nofso  batedores,  correrão  a  valer-fe 
dos  nofsos  batedores ,  imaginando  os  primeiros,  que 
era  maior  o  poder ,  com  demafiado  terror  cahirão  defor- 
denados  íobre  o  batalhão  da  retaguarda ,  que  governa- 
va o  Capitão  de  Cavallos  Bernardim  Freire  de  Andrade. 
Reprefentou-lhe  elle  com  vivas  razoens,quanto  era  in- 
tempeílivo  aquille  movimento  ,  e  com  as  fuás  vozes  de- 
teve o  feu  temor,acreditando  com  as  acções  as  palavrasj 
voltou  com  os  Oíflciaes,  e  recuperou  os  prifioneiros , 
que  nos  tinhão  feito  ,  trazendo  outros  ,  e  fazendo  reti- 
rar com  perda  os  contrários;  e  fuppondo  o  Marquez  , 
que  o  prefidio  de  Campo-Maior  fahiria  a  foceorrer  Al- 
ter y  mandou  três  mil  Infantes  para  Ouguella  com  or- 
dem ,  que  conftando4he ,  que  a  guarnição  de  Campo- 
Maior  era  fahida ,  marchafsem  com  toda  a  diligencia  a 
interprender  aquella  Praça  ,*  porém  defvaneeerão-fe to» 
dos  eítes  intentos  ,» porque  na  marcha ,  tendo  o  Mar- 
quez avizo,  que  Diniz  de  Mello,  que  governava  as  Ar- 
mas^ 


VJRTE II.  LIVRO  XI.       )77 

irias  >  Por  haver  paísado  o  Conde  de  Schomberg  a  Lis-  Anno 
boa  ,  juntava  gente  para  foccorrer  Alter  ,  ie  retirou  pa-     . . . 
ra  Badajoz  ,e  mandou  ordem  álnfanteria  de  Ouguella,  iooo. 
quevoltafse  para  aquella  Praça.  • 

Diniz  de  Mello  defejando  tirar  melhor  fruto  das 
fuás  emprezas,  do  que  confeguia  o  Marquez  de  Cara  ce- 
na ,  e  não  baldar  o 'trabalho  da  Cavallaría ,  que  havia 
mandado  fòhitf  dos  Seus  quartéis  ,  marchou  com  mií  e 
trezentos  cavallos  para  a  parte  deFreyxenal,  onde  fez 
hurha  coníideravel  preza  :  e  Joaô  da  Silva  de  Souia  no- 
vamente provido  no  poíto  de  General  da  Artilharia,  va- 
go pelas  razoens,  que  adiante  referiremos  ,  marchou 
com  mil  e  duzentos  cavallos  a  íe  emboícar  entre  Carn- 
po-Maior  ,  e  Badajoz,  avançando  com  cem  aos  Capitães 
Ignacio  Coelho,  e  Francifco  Galvão,  com  ordem  de  pe- 
garem em  alguns  boys,  que  anda vaõ  na  Campanha- 
Executáraõ-na  elles  com  boa  difpoíiçaõ  ,  porém  foraõ- 
carregados  de  cinco  batalhoens,  que  iahiraõ  de  Badajoz, 
Mandou  João  da  Silva  foccorrer  os  Capitães  com  parte 
da  Cavallaria  ,  que  levava  ,  e  unido  èfte  corpo ,  volta- 
rão os  Caílelhanos  as  coftas ,  e  perderão  cincoenta  ca- 
vallos. Nefte  tempo  appareceo  o  Príncipe  de  Parma 
com  mil ,  e  quinhentos  cavallos ,  divididos  em  duas  li- 
nhas em  diftancias  convenientes ,  e  claros  proporciona- 
dos. Fizeraõ  alto  os  no  fsos  batalhoens,  que  hião  avan- 
çados ,  e  chegou  João  da  Silva  a  foccorrellos  aífiftido 
dos  Commifsarios  geraes  António  de  Siqueira  Peitaria, 
Bernardo  de  Faria ,  João  de  Sanclá  f  XX  Manoel  Lobo  , 
e  Francifco  Cabral ,  do  Meftre  de  Campo ^Pedro  Cefar 
de  Menezes,  e  do  Tenente  de  Meftre  de  Campo  Gene- 
ral Manoel  de  Siqueira  Perdigão :  porém  como  a  chega- 
da do  Príncipe  de  Parma  com  maior  grofso  de  Cavalla- 
ria ,  do  que  João  da  Silva  iuppunha  ,  foi  repentina , 
não  teve  João  da  Silva  lugar  de  compor  os  batalhoens  r 
para  haverem  de  pelejar  na  forma  conveniente  ,  nem? 
de  tornar  a  encorporar  os  Soldados  efcolhidos  dos  féis 
batalhões,  que  hiaõ  na  retaguarda ,e  foraí  es  primeiros 
carregados  ,  os  quaes  eraõ  de  Ignacio  Coelho »  Francif- 
co Galvão  j  Pedro  de  Lima,  (  que  em  todas  as occafiôes- 


$7.8  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  nos  últimos  annos  da  guerra  procedeo  com  muito  va~ 
Í6á6    ]°l  '  fendo  em  num  recontro  particular  ferido,  e  prifio- 
uou'  neiro  )   Julião  de  Campos  ,  Bernardim  Freire  ,  e  Moa- 
íleurdeBuriene  ,  que  voltando  a  encorpo rar-ie  com  a 
íegunda  linha,  e  a  vanguarda,  as  acharão  em  defor- 
denada  fugida  ,  e  não  puderaò  refazer-fe ,  de  que  ie 
originou  ficarem  todos  os  batallioens  enfraquecidos  ,e 
pelejarem  os  melhores  Soldados  fora  da  obediência  dos 
ieus  Oífíàaes i  ,e  coim  o  temor  lie  infallivel  coafequeu- 
cia  da  confuíao  ,  foi  de  forte  ,  o  que  íè  diffundio  por 
tod  is  os  Soldados ,  que  a  ites  dos  Caftelhanos  invefti- 
rem  ,  voltarão  os  nolsos  batalhoens  as  cofias  tão  intem- 
peítivamen.te ,  que  todos  aquelles  Soldados  ,  tantas  ve-, 
dasull dlsô!  ztíSV^toriolbs'  e  ornados  de  valor,  e  diíciplina,  fiarão 
fl  com  grande  íó  as  vidas  da  Hg©*/é?íjí  dos  cavallos.  Seguirão  os  Caite- 
pird*.  lhanos  o  alcance  ate  Campo-Maior ,  e  fizeraó  priíioneí- 

ros  trezentos  e  cincoenta  Soldados  j  e  os  Ofiiciaes  ,  que 
entrarão  neíle  numero  $  forãoos  Capitães.  Ignacio  Coe- 
lho ,  Bâlthafar  Fernandes  ,  Manoel  Pacheco  com  huma 
ferida,  dequemorreo  em  Badajoz  dentro  em  poucos 
dias, Í3emardim  Freire  ,  aquém  matarão  o  cavai  lo  no 
primeiro  encontro  ,  e  com  huma  perigoía  eftocada  pa- 
deceo  dezafeis  mezes  de  peuoíiifima  prizão  5  Moníieur 
de  Buriene  também  ferido  ,  António  Cardoíb  ,  e  Manoel: 
da  Serra,  o  Ajudante  de  Tenente  deMeílrede  Campo 
General  Braz  Rodrigues,  o  Ajudante  da  Cavallaria  Gaf- 
par  da  Fonfeca.  Forão  feridos  o  Capitão  Francifco  Gal- 
vão ,  o  Ajudante  da  C avaliaria  Pedro  Go,mes  ,  Fernan- 
do Alvares  de  Toledo  ,  filho  natural  de  João  da  Silva 
deSoufa,  e  outros  Soldados.  O  Príncipe  de  Parma  íe 
retirou  a  Badajoz  com  a  floria  de  haver  vencido  com 
numero  pouco  íuperior  Soldados  ,  que  pelas  occaíioens 
antecedentes  parecjão  inveicivHs  ,  de  que  fe  deixa  co- 
nhecer ,  que  aordem  na  guerra  he  mais  poderoía  ,  que 
o  mefmo  valor. 
■<~~»-~  Co  nvpoz  Jo  ao  d  a.  Si  \v.\  a  gente  que  ficava,,  dividio, 
as  Companhias  pelos  feu-s  quartéis  ,  efoi  grande  o  í'qi\i 
timentoi,  que  Diniz  de  Mello  teve,  nao  fé  da  infelicUa- 
de  daquellâ  íueceíso. ,  mas  da  deiordem,  com  que  fe  pro-- 

\edcoi 


/ 


VARTE  II.  I/í>RO  XI.        379 

cedeo.  Deu  conta  aJÊlRey  individuando  todas  as  eir-^nrr0 
euníbancias,  que  haviaõ  luccedido  ,  e  vendo-ie  a  lua       .  , 
carta  no  Confelho  de  Guerra  ,  ibbiò  huma  ccniulta,que  Ictw. 
FIRey  logo  refolvèo  ,  dando-íe  ordem  ao  Conde  de 
Schomberg  ,  que  havia  voltado  para  Alentejo  ,  que  fe- 
veramente  procedeíse  contra  os  culpados  n<^uccefsor*/í'***/«w 
referido  ,  aíliftido  do  Meílre  de  Campo  Genial ,  e  ^fitilL 
Auditor  geral  Ignacio  de  Gutvara.  Os  Cfíiciaes  ,  que  fa- 
hiraõ  condemnados  ,  foraó  os  mel  imos  ,  que  em  outras 
oceaíioens  obrarão  com  tanta  fatisfaçaô  ,  que  nos  naó 
pareceo  juíto  deixar  a  fua  memoria  cflèndida  comhum 
accidente ,  em  que  poderiaó  naõ  íer  culpados  ;  e  dos 
primeiros  cinco  batalhoens ,  que  fugirão  ,  íè  fovtearrô ' 
os  Soldados  ,  para  íer  arcabuzeado  hum  de  cada  bata- 
lhão. Executou-fe  a  fentença  j  e  o  terror  ,  que  occaíio* 
nou  no  exercito  ,  foi  utiliilimo  exemplo  para  o  tempo 
futuro. 

Começou  o  anno  de  mil  feifcentos  e  feísenta  e  fe- 
te  ,  e  as  mais  oceaíioens  ,  que  houve  de  huma  ,  e  outra 
parte  ,  foraõ  de  taõ  pouca  coníideraçaõ  ,  que  naõ  mere- 
cem dividir-fe  pela  ordem  dosannos,  e  todas  aí! ."m  da 
Província  de  Alentejo  ,  como  das  mais ,  ainda  que  fuc- 
cederão  nos  dous  annos  futuros  ,  refle  as  referiremos, 
para  cxue  fem  embaraço  acabemos  eíta  obra  cem  a  cipe- 
ciíicaçaõ  dos  movimentos  politicos  ,  coroando-a  o  triun- 
fo eíclarecido  da  paz  ,  pertendido  fim  em  taõ  dilatados 
annos  de  guerra.  No  principio  deite  anno  mandou  o 
Conde  de  Schomberg  cinceenta  cavallos  ,  e  cem  Infan- 
tes ,  a  tomar  as  barcas  ,  que  no  Inverno  intrcdvziaõ  os 
foccorros  em  Geromenha.  Confeguiraõ-no  ,  e  nellas  en^- 
trou  a  nofsa  Infanteria  fem  refftencia  até  dentro  das 
obras  exteriores  daquella  Praça.  Tomáraõ-fe  junto  de 
Elvas  outras  barcas,  e  coníiderando  o  Conde  de  Schom- 
berg  a  falta  ,  que  fariaõ  em  Geromenha  ,  o  defeuido  da 
fua  guarnição  ,  e  ruinas  das  fertificaçoens  ,  quiz  com 
o  voto  dos  mais  Cabes  interprendella.Defvanecce-.fe  ef- 
ta  acçaõ,  porque  D.  Luiz  íerrer  ,  e  o  Príncipe  de  Par- 
ma meterão  na  Praça  ger<te,muniçoens,  e  mantiir-èntcsj 
prevenindo  a  nofsa  reíoluçaõ. 

^^^  O  Conde 


Mi 


380  PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÁntlO  O  Conde  de  Schomberg  fazendo  efpeculaçaô  da 
ASA  Parte>on^e  P°dia  dar  algum  exercido  aos  Soldados,  in- 

iOOO.  tentou  interprender  Albuquerque,  difcurfando,q  quan- 
do naó  conieguifse  ganhar  o  Caftello ,  poderia  deítruic 
o  Arrabalde ,  que  era  grande  ,  e  povoado  dos  morado- 
res de  outros  lugares  deba  ratados.  Marchou  aeíta  em- 
preza  com  quatro  mil  Infantes ,  e  três  mil  cavallos.  Foi 
fentido  antes  de  chegar  a  Albuquerque :  preveniraò-fe 
os  Caftelhanos ,  guarnecerão  o  Caftello  ,  e  o  Arrabalde» 
Chegou  a  nofsa  gente  ,  e  fem  embargo  da  oppoíiçaõ, 
foi  entrado  o  Arrabalde  ,  e  faqueada  a  Villa  ,  de  que 
os  Soldados  tiráraõ  grande  defpojojporém  a  grande  cul- 
to pela  morte  do  Marquez  já  Duque  de  Normontier  5 
Meílre  de  Campo  do  Terço  de  Caftello  da  Vide,  em 
quem  refplandeciaó  tantas  virtudes ,  tão  iníigne  valor, 
e  tão  grande  qualidade ,  que  o  conftituíão  merecedor  da 
affeição  de  todo  o  exercito.  Morrerão  também  na  Vil- 
la quantidade  de  Soldados ,  e  naó  intentou  o  Conde 
de  Schomberg  ganhar  o  Caftello,  porque  a  afperezado 
fitio  o  não  permittia  íèm  baterias,  e  inftrumentos  de  ex- 
pugnação.Os  Caftelhanos  fizerão  huma  entrada  cora  do* 
ze  batalhoens  de  Ca  valia  ria  ,  e  duzentos  Infantes :  che- 
garão aosOlivaes  deElvas,e  voltarão  fem  mais  emprego, 
q  voar  huma  atalaya.  Pouco  depois,íàbendo-fe,que  com 
toda  a  fuaCavallaria  faziaó  hum  movimento  para  a  par- 
te de  Valença  ,  fahio  o  Ajudante  da  Cavallaria  Pedro 
Vaz  Mendes  a  tomar  lingua  com  trinta  cavallos;  encon- 
trou hum  grande  comboy  guardado  por  igual  numero, 
derrotou  a  efcolta,  e  tomou  o  comboy.  Quiz  nefte  tem- 
po o  Governador  de  Elvas  joaó  Leite  deOlieira  tomar 
lingua  ,  mandou  o  Capitão  de  cavallos  António  Pereira 
da  Cunha  (  hoje  Secretario  de  Guerra,  e  que  nos  últimos 
annos  delia  fervio  com  mui  boa  opinião  )  com  huma 
partida  $  a  qual  íeguia  o  Commiísario  geral  Sanclá  com 
trinta  cavallos ,  e  Joaõ  Leite  lhes  dava  calor  com  oiten- 
ta. Tomou  lingua  António  Pereira  ,  e  fahio  a  refga- 
talla  a  Companhia  das  guardas  de  Badajoz:  fez-lhe  San- 
clá alguns  prifioneiros ;  mas  pafsando-fe  naquelle  dia 
moftra  á  Cavallaria  de  Badajoz  ,  fahiraõ  vinte  ,e  cinco 

bati 


PJRTE  II.  LIVRO  XL        3  Si 

satalhoens,  e  carregando  aos  nofsos ,  cederão  ao  nume-  ^nno 
o,  e  fem  ferem  rotos  na  retirada,  fe  falváraó  em  Elvas, 
evando  os  inimigos  quinze  prifioneiros,  entre  os  quaes  lOOO. 
~oi  António  Pereira  da  Cunha  ,  (a  quem  cahio  o  cavai- 
o  )  hum  Tenente  ,  e  hum  Alferes^  parece  que  queria  a 
ibrtuna  com  taó  pequenas  vantagens  confolar  aos  Caf- 
elhancsde  taó  grandes  -perdas;  e  como  a  paz  ellava  tao 
mmediata,intentou  moíbar  que' a  defejavaõ, ainda  quã* 
io  a  fua  natural  vaidade  Tem  razaó  os  appellidava  vi&o- 
ioíbs.Com  quinhentos  ca vallos  carregou  D.Carlos  Taf- 
o  ao  Tenente  General  Joaó  do  Crato  ,  que  com  as  tro- 
m  de  Villa-Viçoía  forrajeava  junto  ao  Forte  de  Ferra- 
gudo. Naõ  quiz  Joaõ  do  Crato  retirar-fe,fem  reconhecer 
>  numera  dos  inimigos,e  fendo  taó  fuperior,  o  naõ  po- 
lé fazer  fem  perda  de  quarenta  e  cinco  ca  vallos  ,  íican- 
lo  elle  priíioneiro  ,  e feu  irmaó  Damião  do  Crato;  e  fe- 
ia maior  a  perda  ,  íe  a  Campanha  naó  fofse  taó  cuber- 
a  ,  que  deixafse  ao  reíto  da  Cavallaria  ampavar-fe  em 
/illa-Viço-fa.  Quizeraõ  os  Caftelhanos  com  mil  caval- 
os interprender  a  Praça  de  Serpa ,  por  terem  avizo , 
nae  a  íua  guarnição  havia  marchado  paraEítremozimas 
ia  pouca  gente  ,  que  acháraõ  na  Praça,  encontrarão  taó 
ralorofa  refiítencia  ,  e  fe  jretirárao  rechaçados  ,  e  com 
nuitos  mortos ,  e  feridos.  Teve  nefte  tempo  noticia 
^ranciíco  Pacheco  Mafcarenhas  Governador  de  Campo- 
Vlaior  ,  que  de  Albuquerque  para  Badajoz  havia  de  fa- 
lir hum  grande  comboy  com  cincoenta  cavallos  ,  e  os 
noços  ,  que  conduziaõ  mais  de  quatrocentas  mulas,  ar- 
nados  de  bocas  de  fogo.Mandou  ao  Commifsario  geral 
D.  Manoel  Lobo ,  quê  correfse  a  tomallo  com  as  tropas 
le  Campo-Maior $  e  valeo-lhe  a  fua  diligencia  desbara- 
:ar  a  pezar  de  valorofa  defenfa  aguarda  do  comboy, re- 
;olhendo-o  todo,  e  voltado  com  muitos  priíioneiros,e  o 
Ienente,  que  governava  os  cincoéta  cavallos  muito  mal 
ferido  ,  fem  mais  perda ,  que  a  do  Tenente  D.  Manoel, 
}ue  ficou  morto ,  e  feridos  alguns  Soldados.  A  tropa 
3e  Geromenha  ,  que  conftava  de  trinta  e  cinco  cavallos, 
aprifionou  toda  o  Capitão  Santegriza  por  ordem  de  Di- 
yz  de  Mello. 


Anno 
1666 


}%z     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Pela  parte  4e  Aya-Monte  intentarão  os  Caftelhanoí 
ganhar  por  interpreza  aS.  Lutar  de  Guadiana  corh  mii^ 
duzentos  Infantes  ,  e  cem  cavallos.  RefiíHo-lhes  ,  e  re 
bateo-os  o  Governador  de  S.  Lucar  António  Tavares  d( 
fina.  falsarão  com  maior  esforço  a  fitiar  Paymogo 
q  induzindo-lhe  de  Serpa  foccorro  ,  defiltiraõ  de  am- 
bas as  emprezas.  Da  Praça  de  Moura,  de  que  era  Gover 
nadorAyres  de  Saldanha  de  Menezes,  fizeraõ  hua  entra 
da  emCaílelIa  os  Capitães  de  cavallosjoaõ  de  Saldanha 
e  António  Lobo  de  Saldanha  ,•  fendo  em  todos  os  deíh 
família  o  maior  abono  do  leu  valor  eíle  appellido.  Fize 
rão  huma  groísa  preza  ,  que  os  Caftelhanosrecupararac 
com  quatrocentos  cavallos ,  levado  prifioneiro  Joaõ  d» 
Saldanha:  ialvou-fe  a  Cavallaria  em  Mbura,  fazédo  alt( 
os  inimigos,  por  íahirem  daquella  Praia  hum  Terço  ,  1 
duas  tropas  a  receberé  as  noísas.Ayres  dg  Saldanha,  cuj 
a&ividade  não  podia  eítar  ociofa,  cõ  faculdade  do  Goa 
de  de  Schóberg  determinou  interprender  aVilla  de  C01 
tejana;  poz-fe  em  marcha  cõ  quinhentos  Infantes,  e  tre 
zentos  cavallos,»  os  guias  regularão  mal  o  tempo,  e  avi 
ítou  a  Villa  três  horas  depois  de  íahir  o  Sol.  Entrou 
com  alguma  reílítencia  dos  moradores,  que  fe-retirárã 
ao  Caítello  ,  que  deixou  de  atacar  ,  por  não  fer  capa 
de  confervar-fe.  Saqueou  a  Villa  ,  e  voltarão  os  Solda 
dos  ricos  de  defpojos.O  Conde  de  Charni  com  quinhen 
tos  cavallos  fahio  a  talar  a  Campanha  de  Monçarás,'ma 
tendo  avizo  de  Olivença, que  Diniz  de  Mello  o  bufeav 
com  igual  numeto,  abbreviou  a  retirada.  Com  duzento 
cavallos  fe  embofearão  os  Caílelhanos  junto  de  Arron 
ches  ,  etendo  fahido  o  Commifsario  geral  António  4 
Siqueira  Pèítana  o  dia  antecedente  a  armar  ás  tropas  d 
Arroyo  ,  acudirão  ao  rebate  as  Companhias  de  Niza  , 
Alpalhão, o  Tenente, e  Alferesda  ultima,  que  com cin 
co  Soldados  fetinhao  avançado  ácufta  das  liberdadef 
-defcobrirão  aemboícada  ajs  companheiros,  eco m  o  lei 
avizo  a  António  de  Siqueira.  Pafsados  poucos  dias,  fize 
rão  outra  entrada  os  Caílelhanos,  íem  mais  effeito,  qu 
arruinar, junto  a  Elvas  a  quinta  da  Torre  das  Arcas  d 
D.  Fernando  da  Silva,  que  fe  havia  prefefvadojdo  furo 

*=*  _mili 


PARTE  M  LIVRO  X/V        }g? 

militar  osa-nnos  ç  que  durou  a  guerra  mais  viva.  Reti-  A  Hl?  o 
Fou-íè  o  Conde  de  Sckomberg  do  Condado  de  Niebla  j  .*,, 
i  pafsados  alguns  mezes  ,  ajuftou-fe  com  Affoníb  Fur-    ®"*f 
'ado  atacarem  o  Caítello  deFerrèira,prefidio,de  que  to- 
jos os  Povos  daquelle  diílriéto  recebião  grande  prejuí- 
zo. Marchou  a  gente  de  huma  ,  e.  Outra  Província  nos 
iltimos  dias  de  Setembro  do  anno  de  íeifcenfcse  íefsen* 
:a  e  fete  ,  e -chegarão  a  ler; eira  os  dous  Governadores 
Ias  Armas  ,  e  formando  diligentemente  huma  bateria 
:ontra  o  Cairelo  ,  a  poucos  golpes  íe  renderão  es  Caí* 
:elhanos.  Deixou-o  preíidiado  õ  Conde  de  Schcmbevp-, 
\q  que  tiverão  grade  iàtisfação  te  dos  os  1  ovos  daqueÍFe 
HítrieTto.  Retirou-ie  o  Conde  ,  e  Aifonio  Hirtado  íem 
)ppofição  alguma  ,  que  os  en  baracaJse. 

O  Conde  do  Prado  continuava  o  governo  das  Ar- 
ras de  Entre  Douro  ,  e  Minho   com  tantas  vantagens 
uperior  ao  poder  contrario  ,  que  não  lhe  culrou  gran- 
!e  cuidado  a  noticia  de  ter  por  oppoíto  ao  CondeftabJe 
le  Caítella  D.Inhigo  Fernande  de  VaJaico  novamente 
movido  naoccupsção  de  Capitão  General  do  Reino  de 
jajliza  ?  e  iuggeridc  da  lua  grande  qualidade, econhe- 
idò  poder,  famentava  crefcer  de  forte  o  numero  do  ex- 
rcito  ,  que  pu  defse  reírau  raros  damnos  padecidos  nos 
nnos  antecedentes.  Sahio  com  grofso  exerciro  do  Forte 
e  Si.  Luiz  ,  e  intentou  pafsar  a  ponte  de  S.  Martinho? 
nas  achando-a  defendida  de  hum  corpo  de  Infanteria  y 
Cavallaria  ,  Jè  retirou  iem  outro  cífeito.  O  Conde  do 
rado  utilizando  melhor  as  íuas  emprezas ,  mandou fa- 
ir  do  Forte  da  Guarda  trezentos  cavallos  ,  e  duzentos 
nfantes  á  Ordem  de  João  da  Cunha  Sottr -Maior ,  os 
uaes  amanhecerão  junto  de  Bayona,'e  na  Freguezia  de 
raredo  ,  quediíteva  a  tiro  de  mofquete  daquella  Pra- 
a,  derrotarão  huma  Companhia  de  Cavallos,que  alo- 
»va  naquelles  lugares,  depois  de  alguma  oppoiiçaõ,qiie 
acilmentefoi  fuperada.  Era  já  nefte tempo  Sargento 
faior  de  Batalha  o  Conde  do  Prado  D.  António  Luiz 
e  Souí a ,  e  fuecedendo '  pafsar  de  Villa-Nova  para  Va- 
ínça  ,  teve  noticia  ,  que  os  CalteJhanos  intentava©  em- 
^raçar-l^eajorpada  y  íahindo-lhe  ao  encontro trezen- 

/   4*S  —tos 

/ 

Á 


! 


Atino 
1666. 


A 


> 


Oppoemfe-lhe  o 
Conde  da  Prado 
fempre  ctitm  fe- 
lues  jHtcejfis* 


384    PORTUGAL  RESTAVtADO; 

tos  cavallos ,  que  o  efperavaõ  no  Forte  de  S.  Luiz.  Pre- 
venioríe  contra  eíle  intento,puxãdo  pelas  Companhias* 
de  cavallos  de  Valença  j  e  mandou  ao  Capitão  la  Rocha 
com  cem  cavallos ,  com  ordem  ,  que  ao  tempo  ,  que  os 
Caílellianos  avançafsem  a  lhe  cortar  a  retirada,  como 
era  infallivel  haviao  de  intentar,fizefse  elle  a  mefma  di- 
ligencia ,  atalha ndo-lhes  o  retirarem-fe  ao  Forte  ;  ad- 
vertindo-lhe  ,  que  elle  com  as  mais   Companhias ,  que 
perfaziaõo  numero  de  quatrocentos  cavallos,  o  foccor- 
reria  íem  falta.  Correfpondeo  o  fuccefso  a  tao  bem  or- 
denada difpoíiçaõ ;  porque  os  Gallegos ,  logo  que  deraô 
viíla  do  primeiro  batalhão  do  Conde  (que  he  o  que  fup- 
punhaõ,que  fó  o  comboyava) laçarão  cem  cavallos  a  cor- 
tar-lhe  a  retirada  deValença,ela  Rocha  correo  no  mef- 
mo  ponto  a  impedir-lhes  a  de  S.  Luiz  com  taÕ  bom  íuc- 
cefso ,  que  duzentos  cavallos  ,  que  fe  haviaõ  apartado 
do  Forte  a  dar   calor  a  humas  mangas  de  Infan teria  j 
queoccuparão  hum  redudto  imperfeito  *  avançados  do 
Conde  ,  e  de  la  Rocha  ,  forão  desbaratados  ,  e  rendida 
a  Infanteria  ,  fendo  o  Conde  o  primeiro,  que  entrou  no 
perigo.  A  vizinhança  do  l^orte  de  S.Luiz  remediou  a 
defordem  dos  Gallegos  ,  de  que  fe  originou  ferem  os 
mortos  mais  ,  que  os  priíloneiros.  Continuou  o  Condi 
afua  jornada  ,  e  foi  o  primeiro  ,  que  chegou  a  dar  no- 
va  afeu  pay,  ju  {lamente  amante  das  fuás  acçoens  ,  ç 
que  fe  achava  naquelle  tempo  prevenindo  o  exercite 
para  fe  oppór  aoCondeítable  ,  que  com  incefsante  dili 
gencia  fe  preparava  para  fahir  em  Campanha,o  que  exe^ 
cutou  no  principio  do  mez  de  Junho  com  qnatorze  mi 
Infantes  ',  mil  e  fetecentos  cavallos  ,  artilharia  ,^e  toda 
as  mais  prevençoens  precifas  para  fe  alimentar  tão  gran 
de  corpo  ,  deixando  as  Praças  guarnecidas  com  grofso 
prefidios. 

Fez  o  fConde  do  Prado  oppofição  a  eíle  exercite 
com  quatro  mil  e  quinhentos  Infantes  ,  e  mil  e  cem  ca 
vailos.  Tomarão  os  inimigos  o  alojamento  de  Forcadel 
la,e  depois  de  alguns  dias  de  dilação  ,  e  de  haveren 
feito  vários  gyros  »  fem  confeguirem  íucceíso  de  conte 
quencia  pela  oopofição  do  Conde  do  Prado  ,  mudaraí 

~o_quar 


P^RTE  II.  L1VKO  XI.       3*5 

>  quartel  para  a  Tamugem,  deliberação,  que  fez  enten-  AnilO 
ler  ao  Conde  do  Prado  ,  que  o  Condeítable  intentava    ^^ 
itiar  o  Forte  da  Guarda  ,•  e  obrigado  defta  prudente 
:oníideraçaõ  mandou  com  toda  a  brevidade  lançar  hu- 
na  ponte  de  barcas  íobre  o  Rio  Minho,  paísou  da 
mtra  parte,  e  tomou  alojamento  junto  ao  Forte.  O Retha-fe oCon* 
Condeítable  vendo  com  efta  anticipada  prevenção  cfèf-  defiable. 
ranecido  o  feu  intento,  levantou  o  quartel ,  e  voltou 
:>ara  Forca  dela  ,  fitio  em  que  aíiiftio  até  quatro  de  Ju- 
no,  dia  em  que  paísou  a  alojar  junto  do  Forte  deCa- 
30te-Vermelho  ,   communicaudo-fe   com  o  Forte  de 
5.  Luiz.  Deteve-fe  cinco  dias  íem  operação  alguma  >•  e 
reconhecendo  o  Conde  dobrado  o  leu  receyo  ,  de  que 
3s  Povos  de  Galliza  publicamente  murmuravaó  ,  deter- 
tnimoua  cerei  centar-lhe  o  temor,  e  augmentar  a  murmu- 
ração ,  lançando  ponte  no  rio  Minh  •  o,epaísando  a 
Cavallaria  ao  Forte  da  Côceiçaò,onde  chegarão  os  Ter- 
ços da  guarnição  de  Villa-Nova  ,  e  fahindo  efte  corpo  á 
Campanha  com  a  guarnição  do  Forte  ,  bailou  efta  de- 
monftraçaõ  para  obrigar  ao  Condeítable  a  levantar  o 
quartel,  epaísar  aTuy  com  aprefsada  marcha;  e  de 
Tuy  fe  adiantou  a  Ponte-Nova,  que  era  o  primeiro  alo- 
jamento ,  que  havia  oceupado  quando  fahio  em  Cam- 
panhaDefte  quartel  defpedio  ao  Meítre  de  Campo  Ge- 
neral O. Balthazar  Pantoja  com  cinco  mil  Infantes,  e 
trezentos  cavaííos  ,  e  ordem  de  entrarporMoatalegre 
na  Provinda  de  Trás  os  Montes.Chegando  efte  avizo  ao 
Conde  do  Prado  ,  mandou  promptamente  marchar  para 
Trás  os  Montes  dous  Terços  ,  e  íeis  Companhias  de  ca- 
vallos  daquella  Provincia,e  da  Praça  da  Conceição  fahio 
com  toda  agente,que  lhe  fobrava  ,  a  bufear  os  inimigos 
no  quartel  da  Po  nte-Nova;  porém  achando  diíficultofa  a 
pafsagem  de  hum  rio,  tomou  quartel  entre  o  Forte  dos 
Medos,e  o  deCapote~Vermelho,e  Tuy,e  defte  alojamc- 
to  mandou  varias  partidas  a  deítruir  toda  acmella  Cam- 
panha.f  O  Condeítable  nem  querendo  pelejar ,  nem  fer 
teftimunha  de  tantos  damnos  ,  pafsou  com  o  exercito  a 
alojar  a  S.  Colmado ,  e  o  Conde  do  Prado  Gondomar ; 
os  Gaitemos  naó  fe  dando  por  feguros  no  quartel ,  de 
^T^^*  Bb  que 


}«<J     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ànno  ^ue  haviaó  feito  eleição  ,fe  retirarão  paraRedondela,e 
.///    Ponte  de  Sampayo  ,  receptáculo  ,  onde  ficou  íemeícru- 
1000.  puios  0  feu  receyo  .  e  0  Conde  do  Prado  depois  de  dei- 
baratar  todos  os  lugares  daquelles  fertiliffimos  valles, 
fem  achar  oppoíiçaõ  alguma  no  exercito  contrario , 
olhando  o  Condeítable  da  fegunda  Tarpeya  os  incen- 
dias ,  que  padeciaõ  os  miíeraveis  paizanos ,  fe  retirou 
com  os  Soldados  ricos ,  e  triunfantes,  efoi  recebido  dos 
Povos  da  fua  Provinda  com  grandes,e  merecidos  applau- 
fos. 
sucujfts  âejta        Depois  deite  fuccefso  naõ  houve  no  anno  de  fefsen- 
provinda   ms  ta  e  íeis  outro  de  importância.  No  feguinte  de  fe  isenta 
gZnsm0i '"  e  fete  tomou  a  Juntar  gente  o  Condeítable,e  a  oppôr-fe- 
lhe  o  Conde  do  Prado y  e  pertendendo  divertir  os  Gal- 
legos  em  beneficio  da  Provinda  de  Trás  os  Montes,  que 
aameaçáraõ  ,    entrou  em  Galliza  a  dezoito  de  Agoíto, 
fem  juntar  ,  por  naõ  íer  fentidos  ,  Terços  de  Auxiliares, 
nem  carruagens  :  porém  naõ  pode  coníeguir  eíle.  inten- 
to i  porque  o  Condeítable  teve  anticipada  noticia.  Alo- 
jou a  primeira  noite  em  Gondomar,  e  achando  defpo- 
yoados  os  lugares  abertos  ,  couheceo  ,  que  fora  notó- 
ria a  fua  determinação  ,.  antes  de  a  executar:,  o  que  fe 
juftiricou  ,  apparecendofete batalhoens  de  Cavallaria  , 
ehum  Terço  de  Infanteria  ,  que  pertenderaõ  embara- 
çar a  marcha  da  nofsa'  gente  ;  (  e  naõ  era  difficultofo 
pelaafpereza  do  terreno  )  porém  prevalecendo  a  con- 
fiança do  Conde  do  Prado  pela  eleição  doCaboj  que  no- 
meou para  defalojar  os  inimigos,  ordenou  a  leu  genro 
D.  Luiz  Manoel  de  Távora  ,  que  havia  trocado  o  exer- 
cido de  Meílre  de  Campo  pelo  de  Tenente  General  da 
Cavallaria  ,  que  com  oito  batalhoens  ,  e  quantidade  de 
mangas  de  mofqueteiros  inveítiíse  osGalkgos;  o  que 
executou  com  tantoí  valor ,  e  boa  diípoíiçaõ',  que  fez 
voltaras  caras  aos  batalhoens  ,  e  Infanteria  ,  que  a  naõ 
íer  favorecidos  da  noite,  que  encontrarão  emièufoc- 
eorro  ,  poucos  efcaparaÕ  do  perigo.  Rètirou-fe  D.  Luiz. 
Manoel,  e  o  Conde^determihan do  encaminhar  a  marcha 
á  Portela  de  Binços ,  teve  noticia  ,.  que  o  Condeítable 
Gceiípava  aquelle  íitio -eom  hum  grande  troço  die. exer-, 

•     -  ■ .,( 


VJRTE  II.  LlfKO  XI.         387 

■feito  ;  e  vendo  baldado  o  feu  defignio ,  paísou  a  aquar-  A.ntlO 
elar-ie  entre  a  Cidade  deTuy,  e  o  Forte  de  Capote-    ... 
Vermelho,  e chegando  avizo ,  que  o  Condeítable  oc-luuu' 
:upava  a  Portela  de  Santo  Antaô  ,  que  era  a  eítrada  , 
mel lie  facilitava  pafsara  Redondel*  i  defignio  ,  que  o 
mcaminhou  áquella  entrada  ,  e  que  naõ  largando  a  de 
Sinços,  mandara  lançar  ponte  por  Lapella,para  pafsar  o 
Rio  Minho  ,  voltou  para  a  fua  Provincia,ddxando  def- 
truidos  grande  numero  de  lugares  ,  e  o  Condeítable  des- 
fez promptamante  a  ponte:e  tiveraõ  remate  os  íuccefsos 
glorioíbs  daquella  Província  ,  onde  cada  hum  dos  Ge- 
neraes  foi  dignamente  merecedor  de  hum  triunfo  ,  e  os 
Soldados  de  multiplicadas  coroas  militares;  porque  fe 
na  Provinda  de  Alentejo  fe  pelejou  com  mais  força  ,  na 
de  Entre  Douro  ,  e  Minho  com  mais  arte  ;  fe  aquella 
Província  feguio  a  efcolha  de  Marcello,  eíta  a  de  Fabioj 
ficando  por  eíte  reípeito  illuítrada  a  Província  de  Alen- 
tejo em  vencer  batalhas ,  a  de  Entre  Douro  ,  e  Minho  , 
em  defender  terrenos  ,  e  todas  as  Províncias  do  Reyno, 
€  Conquiítas  gloriofas  por  acçoens  fmgulares. 

O  Conde  de  S.  Joaõ  naó  afliítio  eíte  anno  na  lua  Pro- 
víncia de  Trás  os  Montes  pelo  trazerem  a  Lisboa  os  ne- 
gócios políticos  ,  que  referiremos.  Governou  a  Provín- 
cia em  lua  aufencia  o  Meítre  de  Campo  General  Diogo 
de  Brito  Coutinho,  e  procurou  com  todo  o  cuidado  con- 
fervar  o  focego  dos  Povos  ,  e  tendo  noticia  ,  que  o  Con- 
deítable entrava  em  Entre  Douro  ,  e  Minho  ,  foccorreo 
ao  Conde  do  Prado  com  hum  Terço  pago  ,  e  trezentos 
.cavallos,  e  conftando-lhe,que  IXBalthaíar  Pantoja  mar- 
chava por  ordem  do  Condeítable  a  fe  encorporar  com  as 
tropas  de  Monte-Rey  ,  para  entrar  naquella  Província 
pela  parte  de  Montalegre,  deu  ordem,  que  fe  retiraísem 
os  gados  ,  e  fe  recolhefsem  os  paizanos  aos  lugares  inte- 
riores da  Província  Guarneceo  as  Praças  mais  importan- 
tes ,  e  juntou  em  Chaves  duzentos  cavallos.  A  onze  de 
Julho  entrou  D.  Balthaíar  por  Montelegre,e  deítruhio, 
*  queimou  todos  os  lugares  daquelle  diítridto,  naõ  per- 
doando ás  extorfoens  mais  cruéis.  A  treze  aviítou  Cha- 
mes, eJahindo  daquella  Praça  o  Capitão  GafparVaz 
**^y ^  Bb  %  Teixeira 


?88    PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÀnilO  Teixeira  por  Cabo  de  duzentos  câvallos  ,  e  trava ndo-fe 
1666    ílUma  bem  PeIe3ada  efcaranuiça,  carregarão  os  inimigos 
*  com  tanto  vigor  ao  Capitão  de  cavaUos  António  deSou- 
ía  Pereira,  que,  a  naõ  ler  foccorrido  do  Capitão  Manoel 
da  Coita  de  Oliveira  ,  ficara  morto ,  ou  fora  priíioneiroj 
porém  ambos  fe  defenderão  com  íignaladas  acçoens.Se- 
parou-fe  a  eicaramuça  ,  havendo  de  ambas  as  partes  al- 
guns Soldados  mortos.  Continuou  D.  Balthazar  a  mar- 
cha ,  e  ao  dia  feguinte  inveítio  os  lugares  de  Fayoens, 
e  Santo  Eílevaõ  ,  e  os  achou  defendidos  pelo  Sarmen- 
to Maior  de  Auxiliares  António  de  Azevedo  da  Rocha 
com  duas  Companhias  da  Ordenança  da  Comarca  deVil- 
la-Pveal,  de  que  era  õ  Capitães  Manoel  Pereira,  e  An- 
dré Corrêa;  porém, depois  da  reíiítencia  de  algumas  ho- 
ras, fora  o  os  lugares  entrados,  degollada  a  guarnição  ,  e 
os  Capitães  prifioneiros,  O  Sargento  Maior  com  alguns 
Soldados  ,  epaizanosfe  retirou  ao  Caílellejo  de  Santo 
£írevaõ,que  procu-rou  defender  o  tempo  ,  que  lhe  foi 
poílivel.  Ultimamente  le  rendeo  ,  capitulando  ficarem 
livres  as  vidas  dos  defenfores :  porém  quebrou-fe-lhes  a 
capitulação,  matando  os  inimigos  alguns  Soldados,  e 
ferindo  outros  ,  e  o  Sargento  Maior  recebeo  três  feri- 
das, queeimaltáraô  o  valor,  com  que  havia  pelejado. 
D.  Balthazar  foi  continuando  a  marcha ,  e  de  hur 
ma,e  outra  parte  do  rio  Tâmega  fez  grande  deílruiçaó 
.nos  lugares  de  todos  aquelles  contornos.  Recolheo-le  a 
Monte-Rey  ,  e  com  poucos  dias  de  dilação  tornou  a  en- 
trar por  Monforte  ,  havendo  feito  diveriaò  por  Barrofo 
com  quarenta  ca  vai  los  ,  a  que  acodio  o  Tenente  Ge- 
neral da  Cavallaria  Franciico  de  Távora  com  féis  Com- 
panhias. Correo  os  quarenta  cavaUos,  tomou  alguns, 
e  cetirou-fe  para  Chaves  a  tempo  ,  que  D.Balthazar  def- 
truindo  ,  e  queimando  todos  os  lugares  ,  que  encontra- 
va ,  havia  pafsado  a  Vinhaes,  nobre  Villa  dos  Condes  de 
Atouguia.  Com  eira  noticia  fahio  de  Chaves  o  Meítre 
de  Campo  General  Diogo  de  Brito  com  dous  Terços  pa- 
gos, dous  de  Auxiliares,  e  féis  Companhias  de  cavaUos, 
entrou  no  valle  de  Monte-Rey  ,  queimou  Villaça  ,  que 
era  Villa  grande ,  e  rica ,  e  doze  lugares.  Havia  U.  Ral- 

th&zar 


PARTE  11.  LIVRO  XI.        589 

tliazar  Pantoja  deixado  em  Monte-Rey  duzentos  e  cm-  Atino 
coenta  cavallos.Sahiraõ  ao  rebate  fora  de  Veam, forma-     >6£ 
do-íe  mais  diílantes  da  Praça  f  do  que  lhes  fora  conve- 
niente ,  na  confiança  de  ferem  poucas  as  nofsas  Compa- 
nhias, porém  Francifcô  de  Távora  ,que  media  asem- 
prezas  pelo  valor,  e  naò  pelo  numero ,  mveího  com 
as  féis  aos  inimigos  com  tanto  vigor,  que  os  desbaratou, 
e  voltando  as  coitas  fuçiraó  para  a  Praça.  Perderão  no 
alcance  quarenta  cavallos,eFranciíco  de  Távora  depois 
de  lhe  matarem  o  cavallo,  e  montar  em  outro  ,  tez  pe- 
las fuás  mãos  prifioneiro  com  cinco  feridas  ao  Capitão 
de  cavallos  D.  Luiz  Carrilho.  Retirou- íe  Diogo  de  Bri- 
to para  Chaves  ,  e  D.  Balthazar  Pantoja  chegou   a  Vi- 
nhaes  ,  que  governava  EítevaÕ  de  Mariz,  e  nao  íe  acha- 
va com  mais  Guarnição  ,  que  a  decincoenra  Auxiliares, 
e  de  alguns  paizanos  ,  e  moradores.  Inveíhraoos  Galle- 
eos  de  noite  a  Villajporém  reconhecendo,que  era  maior 
a  renitência  ,  do  que  fuppuzeraó  ,  pelejarão  ate  a  ma- 
drugada ,  e  confeguindo  levar  a  porta,  lhes  foi  a  en- 
trada defendida  com  tanto  valor  de  Eílevao  JeMariz, 
e  dos  mais  que  o  acompanhavaõ,  que  durou  o  combate 
todo  odiafeguinte*  e  julgando  D.  Balthaiar  aempre- 
za  impoíTivel  de  confeguir  ,  fe  retirou  de  noite  ao  lugar 
de  Mefquitâ  ,  havendo  queimado  na  marcha  algumas 

Aldeyas. 

No  mefmo  ponto,  em  que  chegou  a  Lisboa  ao  Con-  che%a  àe  L:s. 
de  de  S  João  a  noticia  dos  fucceísos  de  Trás  os  Mòh^  boa  o  conàt  àt 
tes  ,  pârtio  para  aquella  Província  \  e  promptamente  s^°^Ja' 
tratou  da  fatisfaçao  dos  damnos  antecedentemente  pa-  £*„  %olugar 
decidos  ;  vingança  ,  que  D.  Baltliaíar  Pantoja  naõ  qutz  de  Mtfomt*. 
cxperimentar,retirando-fe  para  Tuy,  e  o  Conde  juntan- 
do a  Cavallaria ,  e  Infanteria ,  foraô  tantas  ,  etaó  repe- 
tidas as  entradas  ,  que  fez  em  todos  os  lugares ,  naóió 
vizinhos  ás  fronteiras;  mas  naquelles,  que  por  muito  di- 
ftantes íe  julgavaõ  feguros  das  extorçoens  da  guerra  , 
que  confeguio  naquelles  Reinos  fer  admiração  dos  ho- 
mens ,  e  terror  dos  meninos ,  ameaça  ndo-os  os  pays  pa- 
ra a  obediência  com  o  nome  deConde  de  S.joao;  e 
foi taogrande  o  nume.ro  dos  lugares >  que  fe  fu  jeita- 
" v  \  Bb  ^  rao 


1 1 


: 


39°   POFTUGJL  REST4WRJD0, 

AnriO   ra°  á Tua  difpoílçao  ,  que  o  feu  íubfidio  alimentava  j 
l66ᣠ   no^a  Cavallaria.  Foi  entre  eílas  occaíioens  mais  digna 
*006,  de  memoria  a  entrada,  que  fez  Miguel  Ca  rJ  os  de  Tá- 
vora ,  General  da  Artilharia  de  Trás  os  Montes ,  com 
cinco  tropas  ,  e  o  Terço  de  Bragança  ,  de  que  era  Mef« 
tre  de  Campo  Duarte  Teixeira  ,  a  ganhar   o  lugar  de 
Meíquita ,  rico  ,  povoado  ,  e  forte ,  que  varias  vezes 
havia  reíiíUdo  a  maior  poder.  Aviltou  Miguel  Carlos 
o  lugar ,  e  depois  de  muitas  horas  de  refiftencia  ,  fazen- 
do voar  algumas  minas,  entrou  o  lugar,  perdendo  no 
afsalto  hum  Alferes  do  Meítre  de  Campo,  e  alguns  Sol- 
dados ;  queimou-o  ,  e  recolheo-íè  com  mais  de  quinheu-* 
tos  prifíoneiros  ,  e  os  Soldados  ricos  de  defpojos.  Che- 
gou naquelle  tempo  a  Monte-Rey  D.  Diogo  Gaíconha 
com  a  occupaçaõ  de  General  da  Cavallaria  ,  e  com  altas 
propdííções  da  própria  fantafia  de  emendar  os  erros  dos 
léus  antecefsores  ,  perfuadido  o  feu  deívanecimento  da 
ppiniaõ,que  havia  adquirido  nas  fronteiras  de' Flandres. 
Teve  efta  noticia  o  Conde  de  S.  joaõ  ,  e  determinou 
valer-fe  da  fua  arrogância  para  caítigar  a  fua  ouladia. 
Havia  D.Diogo  Gaíconha  mudado  o  quartel  ás  Com- 
panhias de  cavallo  ,  que  alojavaõ  diítantes  de  Monte- 
Rey  ,  mandando  aquartelallas  em  lugares  taõ  vizinhos 
áquélla Praça  ,  que  pudefsem  brevemente  unir-íè  ao  fi- 
nal de  numa  peça  de  artilharia.  Informado  o  Conde  de- 
ita diípoíiçaó  >  juntou  mil  infantes ,  e  oitocentos  cavai- 
los  ?  e  entrou  de  noite  no  valle  de  Laça,  que  era  o  dif- 
túíla  ,  em  que  as  Companhias  eftavaó  aquarteladas  i  e 
dividindo  em  dous  troços  agente,  que  levava»  entre- 
gou hum  ao  General  da  Cavallaria  Pedro  Ceíar  de  Me- 
nezes ,  o  outro  a  D.  Miguel  da  Silveira ,  que  já  naquel- 
le tempo  occupava  o  poíto  de  Tenente  General  da  Ca- 
vallaria ,  elevarão  os  dous  Cabos  ordem,  que  depois, 
dç  conduzirem:a  prezajque  lhes  fofse  poíTivel  rebanhar,. 
fe  Juntaísem  em  hum  monte,que  lhes  finalou;e  foi  o  fim 
deita  divifaõ  pertendero  Conde  fomentar  o  ardor  de  D, 
Diogo  Gafconha, para  que  obrigado  do  primeiro  avizo, 
de  que  havia  entrado  menos  poder  daquelle  ,  que  podia 
juntar,  fe  arrojafse  a  pelejar ,  e  viefse  afentir  o  met- 
ano i 


PARTE  II.  LIVRO  XI.         391 

to  damno  ,  que  feus  anteceisores  haviaô  padecido.       Anno 
Amanheceo  ,efpalharao  fe  as  partidas  por  todo  o    ggg 
-alie  de  Laça ,  e  D.Diogo  teve  brevemente  avizo  deita 
ntrada,  e  concorrendo  todos  os  accidentes  para  alua 
lifgraça ,  fe  achavaô  na  hora  do  rebate  em  Monte-Rey 
>âísãdo  moítra  dezanove  Companhias  de  cavallos.  Com 
'rãde  diligencia  fahio  com  ellas  o  General  á  Campanha 
'examinar  a  origem  do  rebate,  e  brevemente  encon- 
rou  a  occafiaó  da  mina  i  porque  acontecendo  nao  po- 
ler  defcobrir  mais  ,    que    as  ultimas  Companhias  da 
ectaguarda   do  troço  de  Pedro  Cefar-,  que  paísava 
lo  valle  de  Laça  para  o  valle  de  Limia,  fez  alto,  e  gal- 
ou grande  parte  do  dia  em  examinar  ,  íe  poderia  ter 
nais  inimigos  ?  que  aquelles  que  tinha  deicoberto;  e 
>or  efte  refpeito  havia  o  Conde  de  S.  JoaÕ  (  a  quem  as 
«períencias  defcobriaõ  os  fuccefsos  futuros  )  applica- 
ío  todas  as  attençoens  em  occultar  a  Infanteria  ,  e  o 
toco  ,  que  mandava  D.  Miguel  da  Silveira.  Enganado 
D  Diogo  Gafconha  deite  artificio  ,  fe  arrojou  a  inver- 
ir  o  troço  de  Pedro  Cefar.  Achou  oppoítos  cinco  ba- 
■alhoens  a  eíte  primeiro  impulfo  ,  osquaes  vieraõ  en- 
tretendo os  inimigos  até  os  alargar  de  humas  monta- 
nhas,que  íicavaò  vizinhas,  que  podiaô  fervir-lhes  de  re- 
ceptáculo. Havendo  confeguido  eíte  intento  ,  voltarão 
as  caras,  e  carregarão  taó  vigoroiamente,  que  romperão 
os  inimigos:  tomáraó-lhes  trezentos  e  vinte  e  lete  ca- 
vallos ,  e    a  noite.,  que  fobreveyo ,  foi  favorável  aos 
mais,  e  a  D.  Diogo  Gafconha  J  o  qual  emendado  com 
efta  doutrina  ,  naõ  tornou  a  perfiítir  nas  luas  arrogân- 
cias. Retirou-fe  o  Conde ,  e  efta  foi  a  ultima  acção  me- 
morável da  guerra  entre  as  duas  Coroas  ,  por  íucceder 
no  anno  de  fefsenta  e  fete  ,•  fendo  recompenfa  da  Pro- 
videncia Divina  premiar  as  fingulares  virtudes  do  Con- 
de de  S.  Joaõ  com  o  triunfo  de  claufular  o  feu  valor  (le- 
sundo  Hercules )  as  heróicas  acções  luccedidas  em  guer- 
ra taõ  formidável ,  e  dilatada  ,  devendo  aos  dous  Cabos 
deita  em  preza  grande  parte  da  fua  gloria. 

Pedro  Jaquesde  Magalhães  profeguia  com  grande 
fortuna  osprogrefsos  do  feu  partido.  Nos  princípios  de 
--  a  Bb  4  *eYe* 


lli 


f#      PORTUGAL  RESTAURADO, 

A  "no  Fevereiro  entrou  com  quinhentos  cavallos,  emilln- 
1 666   fantes  a  Pr°vocar  a  refoluçaô  do  Conde  dè  Fontana ,que 
governava  feisícentos  cavallos.  Naô  lhe  foi  poilivel  con- 
feguir  eíta  determinação ,  e  depois  degaftar  a  Campa- 
nha ,  fe  retirou  ,  e  tornou  a  entrar  dentro  de  breves  dias 
com  feifeentos  Infantes  ,  e  oitocentos  cavallos.  Saqueou 
a  Villa  de  Retortilho,  cinco  léguas  de  Ciudad-Rodrigo, 
onde  fez  alto  ,  e  mandou  queimar  doze  Villas  >  e  luga- 
res fituados  naquelle  diílriclxve  íèm  encontrar  o  menor 
obibeulo  ,  fe  retirou  com  grandes  prezas  ,  edeípo/os  a 
pezar  dos  defprezos ,  com  que  o  General  da  Artilharia 
DJoaô  Salamanques  (como  repetiao  vários  priíloneiros) 
tratava  em  Ciudad-Rodrigo  ao  valor  dos  Portuguezes. 
Na  entrada  do  mez  de  Março  mandou  Pedro  Jaques  ao 
Tenente  General  D.  António  Maldonado  baquear  a 
Villa  de  Delcarga-Maria  ^abundante ,  e  rica ;  o  que  exe- 
cutou fem  refiftencia  alguma  ,•  e  fuccelfivamente  depois 
de  retirado  D.  António -,  fahio  de  Almeida  Pedro  jaques 
com  íeiícentos  Infantes  pagos,  quatrocentos  Auxiliares, 
e quinhentos  cavallos,e  marchou  a  laquear  algunsluga- 
res  no  interior  do  Abadengo  ,  e  confeguindo-o  fem  re- 
liltencia,-le  retirou  com  vagaroía  marcha,deíejando  dar 
tempo  aosCaílelJianôs  a  ajuntarem  algúas  Companhias, 
de  cavallos*  quefabia  era  poder  inferior  ao  que  leva- 
Gank*  Red*»>  va'  Naó  faltou  oiueceíso  a  torrei ponder  ao  intento  ,• 
do  >eumhraku  Porque  aqueUa  noite,que  aquartelou,  cliegou  a  Umbra- 
les, Villa  de  íeiícentos  vizinhos,  e  bem  fortificada,©  Ge- 
neral da  Artilharia  D.  João  Salamanques  com  quatrocé- 
tos  cavallos  >e  quinhentos  Infantes  ,  refoJuto  a  pelejar 
com  Pedro  jaques.,  que  forçosamente  havia  depaísar 
por  aquelle  diftri&o.  Na  manhãa  do  dia  feguinte  com- 
pondo Pedro  Jaques  a  gente,  que  levava,,  marchou  jun- 
to de  Umbrales  com  afFè&ada  prefsà,  ib licitando  acerei- 
centar  aos  Caâelhanos  a  confiança  de  pelejarem.  Logo- 
que  fe  apartou  de  Umbrales  ,  oíèguira©  ©s  inimigos* 
Marchava  de  retaguarda  o  Meftrede  Campo  Manoel 
Ferreira  Rebello com  o  feu  Terço  ,  que  prudentemente 
deu  ordem  aos  Soldados ,  que  naô  difparafsem  as  bocas 
de  fogo,fem  que  elle  o  nmndafse,e  fó  voltando  as  caras,, 


N 


TABlTEII/LIVKOXL       m 

rodas  as  vezes  queps  Caftelhanos  chegaisem  com  as  par- 
idas avançadas,mettefsem  os  mofquetes  ao  roftoie  que  Anno 
e  os  Caftelhanos  fizefsem  alto,  continuarem  a  marcha, 
tté  vencer  a  fubida  de  hum  monte  pouco  k\ atado,  íitio,  aooo. 
}ue  Pedro  Jaques  hia  demandar- pára  formar  osòolda- 
ios  na  defcida  do  monte  da  parte  oppoíta  á  frente  ,  que 
levava  ,  íem  poder  fer  vifto  dos  Caftelhanos,  accreícen- 
tando  com  efta  induftria  o  engano,  com  que  marchavaó 

lo  feu  Peceyo.  fl  t    . 

O  General  da  Artilharia  ,  que  obfervou  a  preisa» 
;om  que  Pedro  Jaques  íe  retirava  ,  teve  por  inf  allivel 
i  fortuna  de  o  desbaratar ,  e  deu  promptamente  ordem 
is  partidas  avançadas,  a  que  davaò  calor  dous  batalhões, 
}ue  inveftifsem  o  Terço  de  Manoel  Ferreira  ;  porém  os 
Soldados  valoroíos  ,  e  obedientes  á  ordem  do  Meftre  de 
Clampo ,  ao  tempo  que  obfervavaõ  ,  que  os  Caftelhanos 
vinliaó  chegando  a  inveftillos,  voltavaó  as  caras  ,  e  met- 
tiaó  os  moiquetes  ao  rofto  ,  e  os  Caftelhanos  reípeitan- 
do-os  ,  faziaó  alto  ,  dando  lugar  a  que  o  Terço  conti-     3 
tiuaíse  a  marcha  •,  e  fuecedendo  varias  vezes  efta  opera- 
ção ,  coníeguio  Manoel  Ferreira  chegar  ao  monte,  on- 
de já  Pedro  jaques  eftava  formado  j  e  todas  as  vezes  que 
voltou  a  fazer  rofto  aos  Caftelhanhos,executaraó  o  mel- 
mo   dous  batalhoens ,  que  íeguravaõ  os  coitados  do 
Terço.  Pedro  Jaques,  antes  que  os  Caftelhanos  odef- 
cobrifsem  ,  fez  avançara  Cavallaria  tao  vigoroíamentej* 
que  íem  lhes  dar  tempo  a  Te  formarem  ,  os  desbaratou, 
e  carregando-os  ,  osíeguiraõ  até  o  lugar  da  Redonda, 
onde  intentarão  tornar  a  forrharTe;  e  fendo1  íeguda  vez 
derrotados ,  teve  a  meima  difgràça  a  Infanteria  ,  que  os 
hia  feguindo  ,  fem  fazer  a  menor  reliftencia,  D.  Joaõ 
Salamanques,  vendo-fe  perdido  ,  fe  recolheo  a  Umbra- 
les- O  Conde  de  Fontana  ,  e  alguns  QíRciaes  pafsáraõ  a 
Ciudad-Rodrigo  ,  e  todos  os  Soldados  ,  que  efeapáraõ 
do  alcance  ,  entrarão  em  Umbrales  com  o  General.  Pe- 
dro jaques  valorofo  ,  e  deftro  deliberou  ufar-db  benefi- . 
cio  da  fortuna,  fltiand  o  a:  Umbrales  ,  e  tornando  a  for- 
mara gente  ,  marchou  a  ©ecupar  os  pófíos  fobreaquel- 

Ja  Villaje  fez  avizo  a  Almeida  com  toda  a  diligencia  #a- 

M— x  P  ra 


594  PORTUGAL  RESTAURADO  ; 

AnriO  ra  <lue  íe  llie  remettefsem  mantimentos ,  e  a  mais  gente, 

i666  ^  fe  Pll^eís^Íuntar5om  brevidade.  DJoaõ  Salamanque* 

•  venda- íeíítiado  ,  iem  attender  aos  poucos  inítrumen- 

F*t  prlftoneiro  tos  deexpugnaçaõ  ,  com  que  Pedro  Jaques  determinava 

^^1  da     combater  a  Villa ,  e  a  muita  gQtitQ  ,  com  que  fe  achava 

jJ  èalLan^arã?ráQfcndQr^  naò  teve  mais  conítancia  ,  que  para 
2««.  repulíar  a  primeira  chamada  ,  que  fe  lhe  mandou  fazer, 

a  que  naò  reípondeo  :  e  Pedro  Jaques  com  grande  dili- 
gencia ,  e  actividade  difpoz  os  meyos  mais  proporcio- 
nados, quepodeconfeguir,  para  atacara  Villa  ;  e  ha- 
vendo gaitado  dous  dias  nefta-duvidoía  preparação, 
naõ  teve  o  General  da  Artilharia  foifrimento  para  ex- 
perimentar o  elieito  deites  ameaços  5  e  pela  parte  do 
Forte,  a  que  eítava arrimado  Manoel  Ferreira  Rebello 
com  o  feu  Terço  ,  mandou  fazer  chamada  ,  e  pedir  cef- 
íaò  de  armas.  Deu  Pedro  Jaques  ordem  ao  Meítre  de 
Campo  Manoel  Ferreira  que  entraíse  na  Villa  a  ajuítar 
a  capitulação  ,  que  elle  executou  fubindo  por  huma  eí- 
cada  ,  que  lhe  lançarão  da  muralha  :  e  ventiladas  bre- 
vemente algumas  duvidas  ,  fe  ajuítáraõas  capitulações, 
e  nellas  tratou  DJoaõ  de  falvar  a  fua  pefsoa, alguns  Of- 
íiciaes ,  e  cento  eíèfsenta  cavallosje  tudo  o  mais,que  ef- 
tava  naVilla,entregou  á  mercê  do  vencedor.Voltou  M  - 
noel  Ferreira  com  a  capitulação  affínadaje  Pedro  Jaques, 
que  aíTinando-a  também  entrou  na  Villa,  ufando  com  os 
moradores  de  tanta  piedade  ,  que  deixou  intacta  a  rou- 
pa ,  que  fe  havia  recolhido  á  Igreja  ,  que  era  o  mais  pre- 
ciofo  naô  fé  daquella  Villa  ,  fenao  de  outros  muitos 
lugares,  que  julgavaõ  aquelle  por  mais  feguro  :  e  Pedro 
Jaques  deu  ordem  ,  que  logo  o  General  marchafse  para 
Ciudad-Rodrigo ,  feguido  de  todos  os  privilegiados  na 
ca  pitu  laçai ,  ufando  com  elles,  e  com  D.  João  de  toda  a 
urbanidade  ,  e  cortezia  ,  que  coíhima  exaltar  a  gloria 
dos  vencedores,«e  retirou-fe  para  Almeida  com  o  appbu- 
fo  ,  que  merecia  taó  impenfado  ,  e  felicefuccefso  ,  fem 
lhe  haver  cuítado  o  confeguillo  mais  ,  queas  vidas  de 
fete  Soldados/e  com  poucos  dias  de  defcanço  cótinuou 
as.  entradas ,  fem  lhe  fazer  embaraço  chegar  por  Gover- 
nador das  Armas  de  Ciudad- Rodrigo  Dom  Joaõ  de  Li-: 


xvma( 


PARTE  li  LIVRO  XI.         m 

ma  .  Marquez  de  Tenório,  irmaó  mais  velho  do  Viicon-  Anno 
de  de  Villa-Nova  ,  que  havia  fervido  muitos  annos  em  ' 

Caítella  com  grande  opinião  >  porem  Pedro  faques  go-  1666. 
vernava  taõ  valorolos  Soldados;  e  experimentava  taó 
favorável  fortuna ,  que  varias  vezes  chegou  as  portas 
de  Ciudad-Rodrigo  ,  queimou  lugares  ,  e  trouxe  prezas, 
fem  receber,  prejuízo  algum  ,  deixando  pela  gloria,  que 
coníeguio  naquella  Provinda,  immortalizada  a  lua  opi- 
nião. 

Governava  neíte  tempo  o  Partido  de  Penamacor  o 
General  da  A  rtiJharia  António  Soares  da  Coita,  por  ha- 
ver palsado  a  Lisboa  ,  com  licença  d<ElRey  ,  Aftonío 
Purtado  de  Mendoça.  leve  avizo  o  General,  que  o  Cas- 
telhanos tornavaõa  reedificar  Ferreira  ,  e  prornptamen- 
te  mandou  marchar  a  Caltello-Branco  o  1  erço  de  Auxi- 
liares daquella  Comarca,  com  o  pretexto  de  lhe  paisar 
cnoílraj  e  tendo  prevenido  barcas  no  lejo,  ordenou, 
:rue  com  todo  o  iegredo  paisaise  o  lerço  da  outra  par- 
te do  rio  i  e  chegando  a  Perreira  lem  ier  fentido  ,  en- 
trou as  novas  trincheiras  j  degollou  ,  os  que  as  defen- 
são ,  edeímurou  todos  os  princípios  de  defenla  da- 
quelle  lugar,quetaõ  repetidos  damnos  havia  occafiona- 
3o  aos  paizanos  daquelle  diltriclo.  Retirou-le  o  1  erço,  • 
t  mandou  António  Soares  armar  á  Ca  valia  ria  de  Sacara- 
yim  ao  Capitão  António  Rodrigues  Pereira  com  leísen- 
tacavallos;  palsou  o  rio  Lagao  ,  e  derrotou  quarenta, 
:aval]os  dos  inimigos,de  que  lo  hum  le  livrou,  trazendo 
prifioneii  o  o  Capitão  de  cavai! os  D.Marcos  de  Rabanha- 
les  j  e  continuáraõ-íe  de  huma,e  outra  parte  entradas  de 
:onfequencias  pouco  relevantes.  Ultimamente  marchou 
António  Soares  com  mil  e  quatrocentos  Infantes ,  e  tre- 
zentos e  cincoenta  cavallos ,  paísou  o  lilge  ,  e  por  junto 
a  Trevilho  chegou  á  Serra  de  Gata.  Amanheceo  Pobre 
a;  Villa  de  Hojos  ,  que  concava  de  fetecentos  vizinhos, 
e  tinha  de  guarnição  huma  Companhia  de  Infanteria 
paga.Arrimou-fe  á  Villa  por  huma  parte  o  SargentoMór 
Sebaftiaõ  de  Elvas  Leitaõ  com  algumas  mangas  demof- 
queteiros,  dando-lhe  calor  o  feu  Meltre  de  Campo  Ruy 
Pereira  da  Silva ,  e  três  batalhoens ,  c^e  governava  o 
t^/^^N  ?erien- 


}9«    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Armo  Tenente  General  da  Cavallaria  Jorge  Furtado  de  Meti- 
1666  doÇa  ''  por  outra  parte  o  Sargento  mór  Joaò  Fernandes 

r  Magro  ,  e  o  Terço  de  Auxiliares  dè  Caílello-Branco  co- 
bertos  com  dous  batalhoens  ,  que  governava  o  Capitai 
D.Fernando  de  Chaves,  Arrimou-fe  hum  petardo  á  mu- 
ralha^ feita  a  brecha  r  entrou  porella  o  Terço  de  Ruj 
Pereira  ,  e  os  batalhoens  de  Jorge  Furtado  ,  e  facilitan- 
do-fe  a  entrada  aos  mais ,  chegarão  ao  Forte  ,  e  breve- 
mente  fe  rendeo :  faqueárao  ,  e  queimarão  a  Villa.  An- 
tónio Soares  fe  retirou  com  os  Soldados  ricos  de  muitos 
e  preciofos  defpojos ,  e  fem  achar  oppofiçaó ,  voltou 
para  Caftello-Branco.  Naõ  he  juíto  ,  que  fique  em  íilen- 
cio  a  entrada ,  que  fez  D.  Chriítovaò  Manoel  (  hoje 
Conde  de  Villa-Flor  )  Capitão  de  cavallos,  eimitadoí 
do  valor  de  íeu  pay  ,  quefahindo  de  Idanha  no  princi- 
pio do  anno  de  mil  e  feifcentqs  fefsenta  e  oito  c  am  cen- 
to e  fefsenta  ca vallos, tendo  noticia  de  huma  grofsa  par- 
tida ,  que  tinhaõ  oa  Caílelhanos  mandado  de  Alcântara 
afoibufcar,  es  derrotou,  tomando-lhe  vinte  ecincc 
cavallos  ,  e  deixando  os  outros  mortos  ,  e  feridos ,  e  en- 
tre  os  primeiros  a  hum  Tenente  Portuguez  ,  que  feti- 
nhâ  pafsado  a  Caftella  ,  e  feito  muito  damno  á  fua  mel 

-  ma  Pátria;  efperando  a  Providencia  Divina  até  o  ultimo 
dia  da  guerra  o  feu  arrependimento,  e  naõ  querendo, 
que  fe  acabafse  fem  o  feu  caítigó.  Pouco  depois  D.Chri- 
ftovaõ  fó  com  oito  cavallos  tirou  huma  preza  ,  que  os 
inimigos  haviaó  feito  ,  e  com  arrojo  difculpavel  nos 
feus  annos  feguio  a  partida  ,  que  a  tomara ,  mais  de  cin- 
co léguas  pela  terra  dentro.  AfFonfo  Furtado,  acabada  a 
licença  ,  que  teve  para  pafsar  a  Lisboa  s  fe  recolheo  aa 
feu  Partido  ,•  efem  maisoccaíiaó  digna  de  memoria, que 
a  da  empreza  de  Ferreira  ,  que  havemos  referido  ,  tive- 
raõ  remate  os  fucceísos  daquelle  Partido  ,  havendo  a 
prudência  ,  e  valor  de  AiTonfo  Furtado  vencido  os  obf- 
taculos  ,  e  diíKculdades  ,  (  de  que  dêmos  noticia )  naõ* 
fó  para  défenfa  do  feu  Partido  ,  fenaó  em  notório  dam- 
no dos  Caílelhanos  !  e  fuppoíto  que  as  acçoens  ante- 
cedentes de  todas  as  Provindas  fofsem  com  tanta  diíFe- 
rença  fuperiores  a  eílas  dos  últimos  anãos  da  guerra,nao 


PARTE  II  LTVRO  XI.        397 

mizemos  deixar  de  individuallas ,  por  nao  fahirmos  da  AtlHO 
írdem  deita  Hiítoria,  a  que  no  principio  delia  nos  obri-      ... 
raraos,  e  juntamente  parecendo  precito  nao  ficarem    LU  u* 
m  eíquecimento  ,  ainda  os  fuccefsos  mais  inferiores  de 
•aroens  taô  dignos  de  memoria.  sucujfos  ã*  i* 

O  Vice-Rey  da  índia  António  de  Mello  de  Gaftro,  ^  »« ^wr»j 
,ue  pacificamente  governava  aquelle  EíFado  ,  e  com  *  **,**  de 
■rande  prudência  remediava  os  damnos  padecidos  na  di-  ¥/£&££ 
atada  guerra  dos  Hollandezes  ,  defpedio  para  o  Reyno 
los  primeiros  de  Fevereiro  a  D.  António  Mafcarenhas 
m  a  nio  Nofsa  Senhora  da  Guia  ,  e  nomeou  por  Capi- 
aô  da  Armada  do  Norte  a  D.  Francifco  Lobo  ,  e  a  leu 
ilho  Jofeph  de  Mello  de  Caftro  mandou  com  duas 
ragatas  por  Capitão  Mór  deCanará  ,  que  comboyou  as 
afilas  de  baílimentos  para  Goa  ,  e  tomou  duas  embar- 
açoens  do  Samorí j  e  o  mefmo  fucceíso  teve  Domingas 
Jarreto  da  Silva-,  Almirante  de  D.  Francifco  Lobo  ,  em 
mm  navio  do  Samorí,  que  trouxe  a  Goa  com  hua  gran- 
[e  preza.No  mez  de  Março  chegou  áquella  Barra  a  náo 
!.  Pedro  de  Alcântara  ,  de  que  era  Capitão  Mór  D.Noi- 
el  de  Caftro,  que  morreo  na  viagem :  levou  eítanáo 
nitra  de  Mouros ,  que  tomou,  havendo  fahido  do  por- 
o  de  Miracula-PataÕ ;  e  fendo  muitos  os  cabedaes,  que 
e  acharão  nella,  foraó  tantos  os  defcaminhos,  que  avul- 
ou  pouco  a  preza.  Hia  por  Almirante  de  D.Noitel  Fran- 
ifco  Rangel  Pinto  na  náo  Cafavéjinvernou  em  Moçam- 
tique  ,  chegou  em  Mayo  a  G  *a ,  e  no  mez  de  Outubro 
oaõ  Nune*  da  Cunha  com  o  titulo  de  CÓde  de  S.Vicen- 
e,e  nomeado  por  Vice-Rey  da  índia,  tãto  em  benefício 
[aquelle  Eftado  pelas  fingulares  virtudes,  de  que  era 
ompoílo  ,  quanto  pelo  ciúme ,  que  caufava  aos  Minif- 
ros  a  aííiítencia  que  fazia  aoInfante,que  reconhecendo 
>  feu  merecimento  ,o  eftimava,  como  era  jufto.  Entrou 
m  Goa  com  as  náos  Nofsa  Senhora  da  Ajuda  ,  em  que 
mbarcou,*  Nofsa  Senhora  de  Penha  de  França  ,  de  que 
òi  por  Capitão  Francifco  Gomes  do  Lago^,  e  huraa 
íáo  caravela, que  governava  Manoal  Pereira  Coutinhoj 
.'  todas  éítas  embarcações  levavaô  quinhentos  Soldados. 
)eu  o  Cande^ principio  ao  feu  governo  com  prudantil- 


?98  PORTUGAL  RESTJUR ALO, 

Anno^im-3S:;^P°fi|Qens  ,  e  como  pelas  razoens  referidas  In 
i6M  Preciio  ficarrnos  defembaraçados  de  todos  osfuccefos 
%  ooo,  que  acontecerão  fora  do  Reino  ,  antes  de  entrarmos  na 
ultimas  acçoens  do  governo  politico  até  a  felice  eonclu 
faõ  da  paz,  daremos  noticia  de  tudo  o  que  acontecco  n< 
Eftado  da  índia  até  eíte  tempo.  Mandou  o  Vilo-Rey  lo 
go  que  entrou  no  governo  aparelhar  a  náo  S.  Pedr< 
de  Alcântara,  em  que  .embarcou  António  de  Mello  di 
Caítro  ,com  quem  teve  os  mezes  ,  que  aííiftio  em  Goa 
amigável  correspondência,  fem  alterar,  a  que  havia  pro 
fefsado  com  elle  nos  primeiros  annos  de  fua  idade.  Par 
tio  em  Fevereiro  >  e  para  o  Norte  huma  Armada  de  re 
mo  governada  por  D.  Ru y  Gomes  da  Silva ,  com  orden 
para  coduzir  a  Goa  das  fortalezas  daquelia  parte  a  pol 
vora,  que  lhe  fofse  poíhvel,  e  de  Baçaim,  e  Damão  os  íi 
dajgos,  que  fe  achai  sem  defob  fígados  até  idade  de  qua 
renta  annos.  Foi  o  intento  deita  diligencia  determina 
o  Vifo-Rey  prevenir  huma  Armada  de  alto  bordo  ,  en 
que  difpoz  embaraçarfe,e  navegar  nella  ao;Eftreito  a  fa 
zer  guerra  aos  Arábios  5  que  fe  achavaô  muito  podero 
íòst  Voltou  a  Armada  de  remo  ,  e  vieraõ  nella  cem  íi 
dalgos  ,  e  homens  nobres ,  que  com  grande  defpeza  ,  < 
luzimento  fe  difpuzeraó  aacompanharo  Vifo-Rey,  i 
na  viagem  morreo  Jorge  da  Silva  de  Menezes  de  hu 
ma  baila  de  hum  navio  de  Mouros  ,  com  que  pelejou 
O  Vifo-Rey  fe  entregou  com  todo  o  cuidado  ao  apreílc 
da  Armada  ,  que  confiava  da  Capitania  Nofsa  Senhor; 
da  Ajuda  ,em  que  o  Vifo-Rey  embarcou,  Noísa  Senhor; 
de  Penha  de  França,entregue  a  Francifco  Gomes  do  La 
go,  a  fragata  S.  Joaõ  da  Ribeira,  de  que  era  Capitão  D 
Francifco  Manoel  ,  ê  da  Fragata  S.  Paulo  Joaõ  Pereir; 
de  Vafconcellos.  Manoel  Pereira  Continho  hia  embar 
cado  na  náo  caravela,  em  que  havia  chegado  do  Reino 
e  em  hum  pataxo  D.  Vafco  Luiz  da  Gama.  Servia  de  Al' 
mirante  o  Capitão  mór  das  náos  D.  Jeronymo  Manoel 
e  efcolheo  para  embarcar  a  náo  Nofsa  Senhora  dos  Mi 
lagres.  Era  Capitão  da  Armada  de  remo  JoâodeSouf; 
Freire.  Sahio  o  Vifo-Rey  com  eíta  Armada  da  Barra  d< 
Goa  nos  primeiros  de  Abril,  e  levou  nella  vários  iníln 


lóée. 


PAUTE  H.  LIPKO  XI.        599 

lentos  de  expugnação  com  intéto  de  interpr&fer  Máf-  ^nr^0 
ate  ,  naõ  fe  deixando  vencer  das  opinioens  ,  que  o  en- 
ontravaõ  ,  na  confideraçao  de  fer  aíperiífuno  o  litio/erri 
ue  a  Fortaleza  era  fabricada ;  e  ajudado  da  Arte  com 
rande  attençao*fem  poder  penetrar  a  profunda  coníi- 
eraçaõ ,  com  que  difpoz  eíla  empreza  ,  naõ  fó  na  cer- 
iza  do  defcuido  dos  Arábios,  originado  do  focego  dos 
nnos  anteeedentes,que  occafionou  a  guerra  dosHollan- 
ezesj  fenão  da  intelligencia  ,  queconfeguio  na  com- 
vunicaçaÕ  de  Manoel  de  Andrade  Maqueteiro,  que  oc- 
ulto eíleve  em  Goa  ,  e  depois-  de  defvanecido  eíle  in- 
snto  ,  íe  retirou  de  Mafcate  ,  onde  vivia  com  fua  mãy, 
ue  naquella  Praça  o  criou  de  menino  ,  e  onde  os  Ara- 
ios  faziaó  grande  confiança  delle,e  fervio  o  Eílado  da 
udia  com  iummo  valor  ,  e  prudência,"  e  fuppoílo  que 
monção  era  opportuna  para  o  Eílreito  de  Ormuz,  lhe 
ao  foi  poifivel  chegar  mais ,  que  até  Angediva  ,  de- 
oito  léguas  de  Goa  ,  onde  arribou  r  trazendo  menos  a 
ragata  de  D.  Francifco  Manoel ,  que  havendo-fe  apar- 
ado Juima  noite  da  Armada  ,  pafsou  o  Eílreito. 

Veado  o  Viíò-Rey  malograda  a  primeira  empreza r 
tz  viagem  para  o  Norte  a  bufcar  por  aquella  parte  al- 
um  emprego  útil  j,  porém  tornou  a  arribar  depois  de 
lguns  dias  de  navegação  ,  havendo-íe  apartado  da  íua 
onferva  os  Capitães  Francifco  Gomes  do  Lago  ,  Ma- 
oel  Pereira  Coutinho  ,e  João  Pereira  de  Vaíconcellos, 
ue  unindo-fe  com  D.  Jeronymo  Manoel  inventarão 
rn  Baçaim  Os  primeiros  de  Agoíto  mandou  D.  Jero- 
ymo  duas  fragatas  á  Barra  de  Bombaim  a  efperar  ai-- 
;umas  prezas }  e  a  fragata  de  João  Pereira  de  Vafcon- 
ellos,  que  adoeceoventregou  a  Manoel  de  Saldanha, 
[lie  também  mandou  fahir  com  o  meí  mo  intento  ,  e  a 
loucos  dias  de  viagem  tomou  hnma  embarcação  do  Si- 
íe  de  Daada  ,  que  vi  nhade  Mafcate  com  carga  de  caval- 
os ,  e  outras  drogas  ricas.  Com  eíla  preza  voltou  Ma- 
io el  de  Saldanha  a  Bombaim,  onde  chegou  Manoel  Pi- 
eira Coutinho  com  outra  Preza  de  Mouros  ,  que  vinha 
ie  Maícate  ,  com  as  mefmas  drogas  ;  e  ao  Sidefe  tornou 
i  enttegar  p  cafco  da  fua  embarcarão ,  porliâver  capitui 


4oo     PORTUGAL  RESTAURADO, 

■  Atino  lac*°  &zer-fe  feudatario  a  EIRey  ,  e  D  Franciico  Mano- 

t  66A  e*  vo^tou  Para  Goa, aonde  chegou  a  vinte  e  fete  deAgof 

1 006  to  0  Galeão  S.  Bento  ,  que  havia  partido  do  Reyno  en 

Abril  ,  e  nelle  por  Capitão  Jeronymo  Carvalho  ,  qiu 

levava  cento  e  vinte  Soldados  luzidos. 

No  mez  de  Outubro  entrou  o  Sevagí  na  Ilha  de  Bar 
dez  rompendo  os  números  ,  que  a  defendem  pela  terr, 
firme,tomando  por  pretexto  haver  o  Vice-Rey  ampara 
do  Alcomocanto  humDefsavi  das  fuás  terras,  que  po 
levantado  vinha  feguindoj  porém  averiguou-fe,  que  fo 
ra  chamado  dos  Gentios  da  mefma  Ilha  ,  obrigado  da 
inftancias,-  que  o  Vice-Rey  lhes  mandara  fazer ,  para  1 
reduzirem  á  Fé  de  Chriílo;  porque  o  feu  zelo ,  o  feu  dei 
interefse  ,  e  a  fua  piedade  íó  efte  felice  cuidado  tinh 
por  objecFo.  Achava-fe  o  Vice-Rey  neíta  occaíiaõ  cor 
poucos  Soldados  em  Goa  j  porém  incitado  do  feu  va 
lor  ,  fahio  daquella  Cidade  a  bu  ícaros  inimigos  açora 
pari  liado  de  alguns  Fidalgos,  e  peísoas  particulares.  Avi 
ílou-os ;  e  por  ler  quaíi  noite  ,  os  naõ  inveíHo.  Antes  d 
madrugada  lhe  chegou  de  Goa  mais  gente  ,  que  dividi 
á  ordem  de  Manoel  de  Saldanha  de  Távora  ,  D.  Vafc 
Luiz  da  Gama  ,  e  Manoel  Furtado  de  Mendoça  ;  e  log 
que  fahio  o  Sol  }  marchou  a  bufcar  os  inimigos  ,  qu 
com  o  receyo  da  fua  refoluçaõ  haviaõ  pafsado  aquell 
noite  para  as  fuás  terras.  Com  eíleavizo  ordenou  a  Mc 
noel  de  Saldanha  de  Távora  ,  e  a  Martim  de  Soufa  ,  qu 
os  feguifsem  :  porém  reconhecendo  ,  que  era  a  empre 
za  perigofa ,  os  mandou  retirar.  Levarão  os  inimigos  a] 
guma  preza  ,  e  degolláraõ  três  Religiofos  ,  que  achara 
nas  fuás  Igrejas.  Voltou  o  Conde  para  Goa ,  e  dentr 
de  poucos  dias  lhe  mandou  o  Sevagí  hum  Embaixadc 
pedindo-lhe  paz  ,  que  *e  ajuítou  por  intervenção  do  Pê 
dre  Gonfalo  Martim  da  Companhia  de  Jefus  ,  reítituin 
do  o  Sevagí  os  priíioneiros ,  e  a  preza  que  havia  leva 
do. 

No  principio  do  anno  de  lefsenta  e  oito  partio  par 
o  Reino  a  náo  Nofsa  Senhora  da  Ajuda  ,  e  nella  o  Ca 
pitaô  Jeronymo  Carvalho  ,    e  o  Vice-Rey   tornou 
apreílar  a  fua  Armada ,  em  que  intentou  fegunda  ve, 

/*  ~     "Nàííibaí 


PAUTE  11  Lfr  RO  XI.       401 

mbarcarfe,  e  pafsar  o  Eftreito  ,  para  onde  havia  deipe-  AllilO 
tido  em  Setembro  do  anno  antecedente  a  Manoel  Men-     ,  ,  , 
les  Superintendente  da.Feitoria  de  Congo,  comboyado       v    • 
las  fragatas  Cafave,  e  S.  Thomé ,  de  que  eraõ  Capitães 
>edro  Carvalho  ,  e  D.  Garcia  Henriques ,  que  arribou  a 
íoa  por  lhe  faltar  Piloto/e  encontrando  hum  navio  de 
Mouros,  fem  embargo  de  trazer  paísaporte  ,  faltando 
l  fé  publica  }  lhe  tirou  a  fazenda ,  que  levava ,  experi- 
mentando melhor  paisagem  em  Pedro  Carvalho  ,  com 
mem  primeiro  encontrou  ,  que  obfervando4he  o  íeu 
srivilegio,  continuou  a  fua  viagem  ,•  e  chegando  a  Con- 
*o  o  Superintendente  ,  cobrou  -com  muito  acerto,  e  re- 
futação os  direitos  Reaes  de  todos  os  navios  mercan- 
tis ,  que  achou  naquelle  porto  ,  e  voltou  para  Goa  com 
fomma  confideravel  de  dinheiro  ,  que  o  Vice-Rey  dil- 
pendeo  na  prevenção  da  Armada  ,  que  poz  de  verga.de 
alto  com  todas  as  prevençoens ,  e  mantimentos  neceisa- 
píos  ;  porém  fahindo  da  Barra  nos  primeiros  de  Março, 
tornou  a  arribar.com  grande  fentimento  leu, porque  de- 
íejava  renovar  naquelle  Eftado  a  memoria  de  feus  afeen- 
dentes,  tendo  por  objecto  asacçoens  do  grande  Nuno 
da  Cunha.  Logo  que  defembarcou  ,  fe  fufpenderaô  os 
impulíbs  do  Sevagí ,  que  com  a  noticia  da  fua  auíencia 
intentou  rompera  guerra ,  e  defpedio  para  o  Eftreito  a 
D.  Jeronymo  Manoel  com  quatro  fragatas ,  e  titulo  de 
General.  Eraô  Capitães  das  fragatas  Pedro  Carvalho,D. 
Miguel  Henriques ,  João  Borges  dã  Silva  ,  e  Almirante 
jófeph  de  Mello  de  Caftro.  Chegando  efta  Armada  ao 
Cabo  Rofalgate  ,  encontrou  cinco  embarcaçoens  de  vá- 
rios portos ,  em  que  fez  preza  confideravel ,  que  íuavi- 
fou  aos  Soldados  o  grande  trabalho,  que  padeciao.  Che- 
gando a  Congo  cobrou    os  direitos  Reaes  ,    e  vol- 
tou para  Goa  com  trezentos  mil  xeraíins.  Com  eíle  íoc- 
corro  determinou  o  efpirito  invécivel  do  Vice- Re  y  apre- 
ítar  huma  poderofa  Armada  ,  em  que  intentava  terceira 
vez  embarcarfe  com  idéas,  que  naõ  quiz  fofsem  com- 
municaveis  ;  porém  atalhou-as  a  morte  ,  porque  nos  úl- 
timos dias  de  Outubro  lheíòbreveyo  hda  enfermidade, 


fúe  lhe  tirou  a  vida,  e  no  Eftado  da  índia  naquelle  tem- 

Cc  pp 


402   POKTVGAL  KES1 AVIADO, 

Anno  P°  a  cfferança  de  reítaurar  a  ília  ruiua,por  concorrerem 
y,,  em  JoaÕ  Nunes  da  Cunha  todas  as  virtudes ,  que  colhia 
006.  ma5  compor  hum  varão  perfeito;fendo  dotada  de  gran- 
de valor  >,  de  muito  entendimento  ,  de  iumma  activida- 
de ,  empregando  todas  eítas  partes  no  amor  da  Patria,e 
no  augmento  da  floria  Portugueza.Morreo  de  quarenta 
e  nove  annos ,»  iueeedeo-lhe  no  titulo  ,  ecafa  Miguel 
Gàrlos  de  Távora  ,,  hoje  Conde  de  S.  Vicente  ,  por  iia- 
ver  cafado(  como  referimos)  com  D.  Maria  Caietana  fua 
filha  mais  velha ,  e  fua  herdeira  ,  por  fallecer  depois  da 
fuamortefeu  filho  Manoel  da  Canha.  Foi  enterrado  na 
CafaProfefsa  dos  Padres  da  Companhia  com  grade  fen- 
timento  dè  todo  oEítado  da  índia  :  e  abertas  as  vias  ,  fe 
acháraó  nomeados  por  Governadores  António  de  Mello 
de  Caítro ,  Luiz  de  Miranda  Henriques,  e  Manoel  Cor- 
te-&eal  de  Sampayo.  Aehava-fe  Luiz  de  Miranda  em 
Baçaím,  havendo  acabado  o  governo  da  Fortaleza  de 
Dio.  Para  o  conduzir  a  Goa  ,  mandarão  os  dòus  Gover- 
nadores féis  navios  de  remo  á  ordem  de  Jofeph  Pereira 
de  Menezes  ,e  huma.  fragata,  de  que  eraCapitaõ  Antó- 
nio de Me fquita;  e  conhecendo,  que  D;  Manoel7  Maf- 
carenhasfe  achava  juítamente  queixo ío  de  nao  vir  no- 
meado nas  vias ,  o  mandarão  por  General  para  a  Ilha  de 
Salteie  ,  tendo  noticia ,  que  o.  Sevagí  intentava  entrallar 
e  D.  Manoel ,  que  antepunha  o  ferviço  d'ElRey  a  todas 
as  razoens  particulares; ,  pafsou  a  Salfete  com  a  melhor 
gente  de  Goa  ,  e  atalhou  todos  os  intentos  do  Sevagí; 

Chegou  a  Goa  a  vinte  e  oito  de  Dezembro  a  nova 
de  que  oaze^mbarcaçoens  dos  Arabios,governadas  pela< 
General  Alima&alu d, haviaõ  chegado  a  Dio,  e  fermreíif* 
tencia  lançado  gente  em  terra,  e  ganhado  aCidade,eí- 
calandb-a  valorofamente.  Defpedirao  os  Governadores- 
promptamente  a  Manoel  de  Saldanha/de  Tavora^a  quem 
tocava  o^govemo  daFottaleza  de  Dio, e  partioa  foccòr**' 
relia  com- duas  fragatas,  e  hum  navio  de  remo,  e  das  fra- 
gatas, era  6  Capitães  Francifco  Gomes  do  Lago  ^Antó- 
nio de  Caítro  de.Sande.  Levava  ordem  Manoel  de  Sal- 
danha para  feencorporar  com  huma  Armada  ,  que  em 
Bftçaím  havia  de  ter  prevenido  o  Governador  iMfe  da; 


~ 


; 


BÉRTE  TL  XJ^RO  jÉÈQ      40 f 

liranda  Henriques.  Chegou  a  Baçaím,  e  íèm  defembar-  AnnO 
ar,  mandou  dizer  a  Luiz  de  Miranda,  queelle  determi-    ^x* 
ava  partir  logo  a  foceorrer  Dio,  por  cujo  reípeito  naò  JOOO« 
efembarcava.  Luiz  de  Miranda  com  grande  diligencia 
:abou  de  aparelhar  a  Armada,nomeando  por  Gabo  del- 
1  a  feu  cunhado  Thomâs  Teixeira  de  Azevedo  ,  e  todos 
s  fidalgos,e  pefsoas  principaes  deliaçaím  o  acompanhá- 
lo  nefta  empreza. 

Havia  fahido  alguns  dias  antes  a  foceorrer  Dio  o  Ca- 
itaõ  Mor  Joíeph  Pereira  de  Menezes ;  o  que  naõ  exe- 
atou  chegando  á  Fortaleza ,  por  entender  ,  que  eíta- 
a  ganhada  pelos  Arábios  ,•  difeulpa  ,  que  ofíendeo 
luito  a  fua  opinião.  Teve  melhor  íuccefso  o  Capitão 
Aór  da  Armada  de  Dio  António  da  Motta  de  Oliveira,- 
orque  tendo  noticia  em  Damaõ  queos  Arahios haviaõ 
efembareado  em  Dio ,  partio  com  poucas  embarcações 

foceorrer  a  Fortaleza, e  com  valorofa  refoluçaõ  entrou 
>ela  Barra,  e  desprezando  o  perigo  da  Armada  inimiga, 

a  artilharia  dos  baluartes  da  Cidade  ,  que  jogava  em 
eu  damno  ,  faltou  em  terra,  e  introduzio  o  foceorro  na 
«ortaleza,que  os  Arábios  pudera  o"  ter  ganhado,  fe  a  in- 
eítiraõ  logo  que  entrarão  a  Cidade.  Governava  o  Caf- 
ello  João  de  Siqueira  de  Faria,  e  convocou  para  fua 
lefenfa  aos  Gafados  da  Cidade ,  e  aos  Religiofos  ,  que 
lella  aífiítiad  Os  Arábios  eftiveraõ  treze  dias  dentro  da 
Cidade  5  e  no  fim  delles  fe  retirarão  com  três  mil  priíio- 
leiros  Gentios ,  e  mais  de  dous  milhoens  de  preza  ,  e 
)ondo-lhe  o  fogo ,  a  deixarão  em  laílimofo  incêndio,' 
:  a  fer  teítimunha  deite  efpe&aculo  chegou  Manoel  de 
Jaldanha  depois  de  treze  dias  de  viagem  ,  ecomgran- 
[ezelo,  edifvello  tratou  de  reparar  taô  grande  ruina. 
/oltou  a  Armada  para  Goa  ,  e  os  Governadores  fe  dif- 
nizeraó  com  grande  cuidado  para  a  vingança  do  damno 
)adecido  em  Dio.  Nomearão  por  General  da  Armada  do 
iftreito  a  D.jeronymo  Manoel,  que  por  morte  do 
3onde  de  S.  Vicente  havia  feito  deixaçao  deite  poíto ; 
x>rém  naó  puderaõ  confeguir  aparelhar  mais  que  as 
|uatro  fragatas  S.  Bento  ,  S.  João  da  Ribeira  ,  a  náo . 
?aravela ,  eNofsa  Senhora  dos  Milagres,  3e  que  eraó 
'  N  Cci  Capi- 


404    PORTUGAL: RESTAURADO, 

ÀnnoCaPitãesManoel  deSoufa  Pereira,  António  de  Caitr< 
ió6V>  ^e  Sande,Pedr.o  Carvali>o,e  o  Almirante  Joíèph  de  Mel 
1000.  lo.deCaftro  ,-e  da  Armada de  remo,  que  levava  íb  qua 
tro  embarcaçoeus,  era  Capitão  Mar  João  Freire  da  Coí 
ta.  Chegou  D.  Jeronymo  á  Bahia  de  Maícate  ,  donde  o 
Arábios  não  quizerão  fahir  a  pelejar,  e  não  podendo  fa 
zer-Jhes  outro  damno,  fe  retirou  para  Congo,*  e  encon 
trando  na  viagem  cinco  fragatas  dos  Arábios ,  lhes  dei 
alcance  ,  e  ieguindo-as  até  á  Fortaleza  de  Soar ,  a  cuj( 
abrigo  fe  recolherão,  mandou  D» Jeronymo  lançar  o 
bateis  fora  governados  porManoel  de  Saldanha, Martin 
de  Sou  ia  deSampayo  ,  D.  Jofeph  da  Coita  ,e  João  An 
tunes  Portugal ,  que  com  valorofa  refolução  inveítirãc 
os  navios  ,  e  lhe  puzerão  fogo  ,  jogando  contra  elles  1 
artilharia  da  Fortaleza ,  e  incessantemente  a  mofqueta 
ria  das  trincheiras  da  praya  ,  de  que  os  Soldados  dos  ba 
teis  reeeberão  grande  damno  ,  por  não  levarem  algun 
reparo.  Recolheo-fe  D.  Jeronymo  para  Congo  com  éí 
te  bom  fuccefso  ,  e  tendo  avizo,  de  que  os  Arábios  c 
bufcavão  com  vinte  e  cinco  embarcaçoens,  de  q  era  Ge 
neral  Alirazute,  fahto  promptamenteapelejarcom  el- 
les, Qiiafi  noite  fe  aviílarão  as  eíquadras,  e  ambas  derãc 
fundo*  em  pouca  diílancia  numas  das  outras  ,  e  todos  os 
navios  aecenderão  de  noite  osfaróeSj  com  que  fe  nãc 
duvidava  da  batalha  no  dia  feguinte  ,•  porém  os  Arabioí 
pela  meya  noite  os  apagarão,  efazendo-fe  ávéía,  re- 
conlieceo  D;  Jeronymo  ao  amanhecer,  que havião fu- 
gido para  Maicate-  Recolheo-fe  a  Congo,  e  o  General 
dos  Arábios  reduzindo  os  vinte  e  cinco  navios  a  dezafe- 
íe,  todos  de  maior  porte,  que  a  nofsa  Capitania  ,  cheyoí 
de  gente  de  mar  ,  e  guerra  ,  e  Officiaes  Extrangeiros  , 
tornarão  a  bufcar  a  D.  Jeronymo  ,  que  tendo  eila  no- 
ticia ,  tirou  a  gente  dos  navios  de  remo  ,  com  que  ac- 
crefcentou  a  guarnição  ás  fragatas,  e  fahindo  corn  ellas, 
a  «poucas  horas  de  viagem  encontrou  os  inimigos  ;  e  de- 
pois de  haver  diftribuido  todas  as  ordens  necefsarias  ,  e 
lembrado  aos  Officiaes  ,  e  Soldados  asacçoens  defeus 
g  1  oriofos  progenitores,queem  ta ntos  feculos  havião  en- 
úybrecido  aaBetrla  5  entrou  a  pelejar  ,  e  fendo  a  Capita- 


'% 


PARTE  II.  LIVRO  XI.         4of 

nia,  e  nas  mais  embarcaçoens  furiofamente  atacadas  dos  AtlpO 
arábios  ,  fe  travou  dehgual,  e  valoroía  peleja ,  encheu-  ,,, 
Jo  a  artilharia  o  mar  de  eítrondo,  e  o  ar  de  fumo;  e  nao  1 00 
[b  a  mofquetaria ,  mas  todas  as  mais  armas  ,  e  inítru- 
iientos  do  eíirago  ,  laboravaõ  igualmente  em  todas  as 
partes;  porém  D.  Jeronymo  mandando,  e  pelejando 
[higularmente  ,  e  os  ruais  Capitães  ,  Officiaes  ,e  Solda- 
dos ,  obráraõ  naquelle  dia  tantas  maravilhas  ,  que  quaíi 
ífgotaraõ  os  termos  de  referillas ;  e  dividindo  a  noite 
a  contenda,  deícobrio  o  Sol  do  dia  feguinte  ,  que  os 
arábios  medro  íbs ,  e  deítroçados  fugirão  para  Mal  cate, 
2  D.  Jeronymo  fe  retirou  para  Congo.  Signalaraó-íè  ne- 
fta  occafiao  Martim  de  Soufa  de  Sampayo  embarcado  na 
fragata  S.  Joaõ  da  Ribeira  ,  e  prezo  nella  por  hum  de- 
fafio  ,  que  depois  de  pelejar  com  infigne  valor,  perdeo 
a  vida  de  huma  baila  :  Pedro  de  Magalhães  Coutinho  , 
que  havendo  recebido  huma  ferida  em  huma  perna,  tor- 
nou a  pelejar  ,  até  que  outras  lhe  tirarão  a  vida  ;  e  per- 
dendo-a  juntamente  com  memoráveis  acçoens  Francif- 
co  Paes  de  Sande  ,  rilho  de  António  Paes  de  Sande  ,  na- 
quelle tempo  Veador  da  Fazenda  da  índia,  que  recebeo 
do  rrincipe  D.  Pedro  huma  honrada  carta  >  em  que  lhe 
encarecia  o  íentimento  ,  que  tivera  de  perder  em  leu  ri- 
lho taõ  valorofo  vafsallo.Morreo  também  o  Capitão  Pe- 
dro Carvalho,e  grande  parte  da  guarnição  do  feu  navio: 
e  foraó  feridos  o  Capitão  Gracia  Rodrigues  de  Távora  , 
D-  Filippe  de  Souía  ,  Belchior  de  Amaral  de  Menezes  , 
D.  Vaíco  Luiz  Coutinho;  e  eítando  a  náo  caravella  ,  em 
que  pelejarão  ,  em  grande  aperto  ,  a  foccorreo  a  Almi- 
rante. A  Capitania  atracarão  três  navios  ,  e  pegando! e- 
lhe  o  fogo  no  tombadilho  ,  fe  queimarão  alguns  Solda- 
dos ,  e  D.  Jofeph  da  Coita  cahindo  ao  mar ,  achou  mais 
piedade  no  alimento  da  agua  ,  que  no  do  fogo;  porque 
fe  ialvou  com  tanto  acordo  ,  que  dentro  do  mar  diise* 
que  perdera  o  feu  habito  ,  oade  os  outros  vinhaõ  a  ga- 
nhalos.Singularizou-fe  nefta  occafiao  Manoel  de  Salda- 
nha ,  que  governava  a  artilharia,  e  achando- a defam- 
parada  dos  Soldados,  fe  arrimou  a  huma  peça  de  dezoi- 
to ,  para  a  fazer  jogar,  e  dando-lhe  fogo ,  rebentou  s 

Ce  £  ecaiuo 


' 


4o<5     PORTUGAL  RESTAl>%ADO, 

Ânno  e  cahio  morto.Todos  os  mais  Oifíciaes^oldadosje  gente 
1666  de  mar'e  Suerra  fizera õ  acções  muito  íinaladas,nao  ledo 
1000.  mais  q  trezétos,os  de  q  conílava  a  guarnição  dos  noísos 
navios,averiguando-fe,q  os  dos  Arábios  traziaó  féis  mil. 
Logo  que  D.  jeronvmo  chegou  a  Congo  ,  teve 
varias  embaixadas  dos  Perlas ,  e  foi  tratado  com  a^vene- 
raçaõ  ,  que  merecia  o  íeu  valor-,  e  èxcellente  procedi* 
mento :  pagarao-lhe  pontualmente  todo  o  tributo,  que 
fe  devia  dos  annos  antecedentes,  e  com  eíle  íoccorro\  e 
a  gloria  confeguida  naquella  vidtoria  voltou  para  Goa, 
onde  foi  recebido  dos  Governadores  com  grade  applau- 
io  ,  e  ialvas  de  artilharia ,  e  achou  ,  que  havia  chega- 
do áquelle  porto  a  náo  N.S.da  Ajuda,de  que  era  Capitão 
mor  Chriílovaõ  Ferrão  de  Caítello-Brauco  ,  e  a  náo  S. 
Goníalo  governada  por  Franciíco  Ferreira  Vai  de  Vezo, 
que  vinha  a  exercitar  a  occupaçaõ  de  Vedor  geral  da  Fa- 
zenda do  Eftado  da  índia  ,  e  trouxera  a  nova  de  haver 
tomado  poise  do  governo  do  Reino  o  Príncipe  D.  Pe- 
dro, eajuítado  gloriofa  ,  e  felicemente  a  paz  de  Caftel- 
la )  noticias,  que  dobrarão  o  contentamento  aos  Gover- 
nadores ,  e  a  todos  os  Portuguazes  ,  que  habitáoas  di- 
.  latadas  povoaçoens  do  Eílado  da  índia. 

cofdTcomáe        Deixamos  no  fim  do  armo  antecedente  ao  Marquez 
iranfa.  ^e  Sande  na  Gorte  de  Pariz  ,  negociando  naõ  íó  os  in- 

tereísesde  Portugal,e  França  na  concluíaó  do  cafamen- 
to  d^EIRey ,  fenaõ-os  de  Inglaterra  com  França,  e  Po-r- 
tugal ,  os  de  Roma ,  e  Hollanda  ,  e  ligados  com  eíles  os 
de  toda  a  Europa,difpondo  com  tanto  acordo,  prudên- 
cia ,  induílria ,  refoluçao  ,  e  zelo  taó  graves ,  e  impor- 
tantes matérias,  que  juílamente  deve  íer  contado  entre 
os  Miniilros  de  maior  fuppofiçao,de  que  fazem  memo- 
ria os  volumes  innumeraveis  ,  que  contém  noticias  po- 
liticas ,*  e  no  tempo  em  que  continuava  as  prevençoens 
para  a  jornada  da  futura  Rainha  de  Portugal ,  e  tratava 
com  grande  attença o  do  ajuítamento  dosReys  de  Ingla- 
terra ,  e  Frnnça  ,  chegou  a  Pariz  o  Cardial  Virgíneo  Ur- 
fino,e  tendo  noticia,  de  que  o  Marquez  eílava  incógni- 
to naquella  Corte,fallou  ao  Secretario  da  EmbaixadalPe- 
dro  de  Almeida  de  Amaral,  pedindo-lhe'  quizefse  facili- 
tar' 


\ 


PARTE  II.  LIVRO  XI.        407 

tar  poder  elle  communicar  ao  Marquez  negócios  de  cõ-  AnilO 
fideravel  importância.   Reípondeo-lhe  Pedro  de  Almei-  , 

da,   que  elle  reconhecia  no  Marquez  o  nieimo  defejo,  ">0O. 
depois  que  tivera  noticia  da  lua  chegada  ,•  porém  que 
naõ  podia  fallar-lhe  íèm  pçrmifsaõ  d'ElReyChriftianif- 
fimo ,  e  o  naõ  devia  fazer  de  outra  forte,- por  naõ  arrif- 
car  íem  neceíTidade  urgente  do  íerviço  d^ElRey  a  boa 
opinião  do  feu  retiro  ,  e  que  a  forma  em  que  eíta  comu- 
nicação íe  podia  facilitar,era  reprefentar  elle  a  Mõíieur 
de  Leone  ,  que  tendo  noticia  ,  de  que  o  Marquez  eíta- 
va  naquella  Corte  ,  defejava  fallar-lhe  em  matérias  mui- 
to importantes  ,  e  que  como  Prote&or  de  Portugal  naõ 
devia  negarfe-lhe  eíta  permifsaõ.Naõ  duvidou  o  Cardial 
de  fazer  efta  diligencia,  enaó  dificultou.  Leone  per- 
mittir-lhe  licença  ,  precedendo  fazer  avizo  ao  Marquez 
porMonfieur  de  Rouvignue  pedindo  o  Cardial  hora  pa- 
ra a  conferencia  ao  Marquez,  lhe  refpondeo,  que  o  naõ 
permittia  o  myfterio  da  lua  reioluçaõ,e  que  com  o  reca- 
to poffivel  iria  buícallo  ,  o  que  executou  acompanhado 
de  Ruy  Telles  de  Menezes  ,•  e  depois  de  apuradas  as  ce- 
remonias  ,  e  cumprimentos  ,  lhe  repreientou  o  Cardial, 
o  que  amava  os  interefses  d'ElRey  ,  a  forma  ,  em  que  o 
tinha  fervido,  os  avizos,  que  havia  dado,  e  as  reipoílas, 
^e  reíbluçoens ,  de  que  coníervâva  os  originaes,  que  mo-^ 
ítrou  ao'" Marquez  em  forma  de  diários  diftinclamente 
repartidos  em  hu  volume  ,  com  que  pertendia  fortificar 
as  circunítancias  das  fuás  propoiicoes.  Expoz  juntamen- 
te o  modo  ,  com  que  fempre  fe  houvera  ,  para  tempe- 
rar os  embaraços  do  Pontifice  ,  e  as  deft  rezas  dos  Cafte- 
Ihanos  ,  que  naquella  Corte  haviaõ  feito  varias  diligen- 
cias,porque  naõ  fofse  nelia admittido  d'ElRey  Chriítia- 
•niílimcpor  fer  emRoma  Mmiíbród'EJRey  dePortugal, 
e  Proteclor  de  feus  Reinos,  por  cujo  réípeito  havia  per- 
dido confideraveis  interefses  em  o  Reino  de  Nápoles  ,e 
que  efperava  dos  effeitos  da  fua  intervenção   ver  a  paz 
de  Caítella  ajuftada  ,  e  corrente  a  nomeação  dos  Bifpos, 
parecédo-lhe  paraefte  efleito  os  meyos  mais  proporcio- 
nados unir-fe  EIRey  com  a  Coroa  de  Frãça,fem  dar  cre- 
dito ás  apparentias  ingenliòfas  dos  Caítelhanos ,  que  fó 
<N  Ce  4  oppn- 


40?   POtTVGAL  RESTOU RJDO, 

AtltlO  oppnmidos  poderiaõ  ièí  reconciliáveis,  e  que  eíta  união 
,,      feria  mais  fegura  enlaçada  com  os  in  te  rei  ses  de  Ingla- 

166  6 .  ferra  f  e  que  e(te  mefmo  difcurfo  tinha  feito  com  o  Ma- 
nchai de  Turena  Tellier,  e  Leone  )  que  fervorofamente 
concordarão  neíta  opiniaõ:Que  huma  das  matérias  mais 
efsenciaes  era  naõ  alcançarem  os  Portuguezes.  benefícios 
Ecclefiaíticos  agenciados  pelo  Embaixador  de  Caíteila 
em  Rorna  ,'  porque  os  interefses,  que  coafeguiao  deitas 
diligencias  os  Caítelhanos ,  os  incitavaô  com  novos  eíti- 
mulos  a  períuadirem  ao  Pontífice  Alexandre  VIL  que 
Portugal  fe  naó  podia  confervar,  e  o  Pontífice  naó  fazia 
grande  diligencia  por  averiguar  a  verdade  deltas  noti- 
cias '•>  porque  defejava  achar  pretextos  para  dilatar  as 
refoluçoens  ,  que  com  tanta  juftiça  pertendia  EIRey  de 
Portugal :  e  que  o  remédio  deite  damno  era  ordenar  EI- 
Rey, que  nenhuma  pefsoa  pudefse  alcançarem  Roma 
Beneficio  ,  fem  fervor  intervenção  do  Proteítor  j  por- 
que eíte  era  o  eítylo  obfervado  de  todos  os  Príncipes  Ca- 
tholicos:  que  elle  antes  de  fahir  de  Roma,  havia  tallado 
ao  Papa  varias  vezes  na  nomeação  dos  Bifpos ,  e  que 
naõ  alcançara  outra  refpoíta  mais  que  dizer-lhe,que  eí- 
perav.'  por  huma  refoluçaó  da  junta  feita  íobre  o  Mo- 
to próprio ,  e  refpoíta  cathegorica  d' EIRey  :  e  que  per- 
guntando ao  Cardial,  íè  entendia  elle,que  ElPvey  aceita- 
ria eíte  partido  ,  que  lhe  refponderà  ,  que  tinha  por  in- 
dubitável naõ  fe  admittir  tal  pratica,principalmente  de- 
pois cie  tantas  victorias  alcançadas  ,  e  de  tantos  triunfos 
-gloriofos  confeguidos  daNaçaõ  Portugueza  contra  a 
Caítelhana  ,  ajudada  de  varias  Naçoens  da  Europa.  E 
que  o  Pontifue  devia  conliderar  profundamente  as  con- 
fequencias  da  opinião,  que  vulgarmente  corria  entre  os 
maiores  Letrados  ,  de  que  EIRey  de  Portugal  pela  tra- 
dição da  Igreja,  e  difpoíiçaõ  dos  Cânones  podia  ter  Bif- 
pos no  feu  Reino  fem  confirmação  do  Pontífice  ,  por 
ferem  muitos  os  exemplos  ,  que  o  facilitava"»  em  ca f os 
de  muito  inferior  juítiça  ,•  e  que  da  afpereza ,  com  que 
o  Pontífice  tomara  efta  fua  propofiçaô  ,  inferia  que  fó 
a  piz  havia  de  facilitar  a  concefsaó  dos  Bifpos  ,•  porque 
EIRey  u  fava  demais  íubmifsaô,  da  que  requeria  6  em 

Horna 

S 


" 


VJRTE  II  UFRO  XI.         409 

toma  os  negócios  políticos ,  e  que  tudo  o  referido  pe-  ArMO 
ia  ao  Marquez  fizefse  prefente  a  EIRey,  Refpondeo- 
he  o  Marquez  ,  que  ^elle  voluntariamente  tomava  ella  *ooa- 
ommiísaõ  por  lua  conta,  por  reconhecer  no  feu  grande 
iícurfo  as  fuás  intençoens ;  e  que  brevemente  eiperava 
er  os  negócios  de  Roma  ajuítadcs  na  certeza,de  que  os 
;afteHiaaos  haviaõ  deter,  os  que  rogafsem  com  a  paz 
EIRey  ,  e  aos  Fortuguezes  ,  taõ  repetidamente  vido- 
ioios  >  e  dillipadores  das  mais  robuítas  forças  de  Caftel- 

a. 

Recolheo-í  e  o  Marquez  ao  leu  retiro,  e  continuou 
om  brande  diligencia  os  negócios,  que  corriaò  por  fua 
onta  j  ecomo  era  o  principal  divertir  a  defconfiança  , 
[ue  por  inítantes  hia  crefcendo  entre  os  Reys  de  Fran- 
a ,  Inglaterra  ,  por  fer  a  abertura  da  guerra  entre  eítas 
nas  Coroas  o  maior  beneficio  dos  Caítelhanos,e  por  cc- 
equencia  o  mais  perigofo  embaraço  das  utilidades  de 
'ortugal ,  lhe  pareceo  precifo  eicrever  a  EIRey  de  In- 
;laterra  a  carta  feguinte : 

Sire.  Pariz  vinte  de Janeiro  de  666, 

CHeguei  a efla  Corte ,  e devo  fazer  prefente  aVoffa 
Mageftaâe  ,•  que  julguei  conveniente  afeu  ferviçofar 
ser  efia  jornada  ,  fem  chegar  aos^pésde  VJJa  Magejtade , 
lelasrazoens ,  que  brevemente  feraÕ  p>ref entes  a  Vqjja Ma- 
rejlade  ,*  e  parecendo  a  Milord  Cimceller ,  que  o  Bifpo  de 
Portalegre  D.  Ricardo  Rufei  paffaffe  logo  a  Inglaterra  con- 
rórme  as  ordens  df-ElRey  meuòlntor  ,  Ih  dei  todas  as  que 
ruppuz  convenientes  3  para  que  Vo  fa  Magejlade  entende f» 
re ,  e  tombem  de  JD.  Francifco  de  Mello  ,  que  EIRey  meu 
Senhor  em  minha  mfencia  lhe  ordena  faça  prefente  a  Votta 
Magejlade  as  fuás  intençoens  ,*  e  que  referirá  como  EIRey 
meu  Senhor  cordealmente  põem  todos  os  f  eus  inter effes  nat^ 
mãos  de  Fofa  Magejlade ;  e  como  eu  em  Lisboa  naò  faltei 
em  lhe  reprefentar  tudo  ,  o  que  Voffa  Mageftade  foi  fervi- 
do  encarfegar-me ,  de  fua  grande ,  e  muita  bondade  efpero, 
quefe  perfuadird  ,  queftmpre  que  Vcjía  Magefade  foi  fer- 
viâv  de  me  mandar  \  me  olervife ,  lhe  obedeci  com  verda- 
de 


4io     PORTUGAL  RESTAURADO; 

Áflfto  ^  '  %el°-> e  amor  defeu  ferviço ,  como  quem  conhece ,  que  \ 
verdadeiro  interejje  d^ElRsy  meu  Senhor  he  infeparavel 
•  das  conveniências  de  VoJJa  Magejiade,  e  impoJ/ível,em  quan 
to  me  durar  a  vida,  deixar  de  fer  de  VbJJa  magejiade  o  mai 
obrigado  ,  efiel  criado. 

Com  eíta  carta,  remeteo  o  Marquez  outra  para  a  Rai 
nha  da  Gram-Bretanha. ,  reprefentando-lhe  quanto  con 
Vinha,  que  ella  empenhafse  todo  o  feu  poder,  tanto  no 
interefse  de  Portugal,quanto  em  divertir  o  empenho  d 
guera  ,  que  fe  receava  entre  as  duas  Coroas  de  França 
e  Inglaterra;.  e  juntamente  efcreveo ao  Conde  de  Clari 
don,grande  Canceller  dê  Inglaterra,  fazendo-lhe  a  mel 
mainífcancia,  e  com  incefsante  difvello  trabalhava  < 
Marquez  por  unir  os  interefses  das  maiores  Coroas  d 
Europa  ás  utilidades  de  Portugal. 

Quando  os  negócios  de  França  fe  achavao  no  efta 
do  referido  ,  íuccedeo  a  vinte  de  janeiro  deíle  annc,qu 
efcrevemos  ,  de  feísenta  e  féis  T  a  morte  da  Rainha  C 
Anna  de  Auítria  ,  mãy  d'ElRey  Luiz  XIV.  Foi  a  cauf 
da  lua  doença  hum  catarro  ,  a  que  lhe  fobrevierão  excei 
fivas  dores,  de  que  lhe  refultou  abrir-le-lhe  hurna  gran 
de  chaga  fobíe  o  coração,  que  a  corrompeo  de  forte, qu 
lhe  vião  os  Cí?urgtoens  palpitar  o  coração  ,  e  era  a  cor 
rupção  tão  infojóortavel >  que  não  fe  podia  aííiíHr  na  ca 
fa  ,  em  que  eítava  doente ,  fendo  poucos  dias  antes  coí 
tumada  a  todas  as-áelicias  ,  de  que  fe  ferve  oolfato,pe 
la  grande  inclinação  ,  que  fempre  havia  tido  a  eítaef 
ficaz  atracção  da;  grandeza; porém  não  forão  poderofos 
nem  os  contrários  effeitos  que  fentio  ,  nem  as  dores  qu< 
padece  o ,  para  lhe  desbaratarem  a  conftancia  ,  e  fofri 
mento  ,  nem  a  Cathoíica  attenção  ,  com  que  fe  difpos 
para  acabar  a  vida  ,*  e  fazendo  cp-m  grande  acordo  o  fei 
teílamento,  primeiro  que  lho  âpprovafsem,  mandou  * 
Monfieúr  TelHer  ^  quenafiuaprefençao  leSse  aElRe} 
leu  filho  ,  para  que  emendafse  os  erros  que  tivefse ;  < 
EIRey  tomou  apenna  ,  e  o  aílinou  .  approvando-o,feir 
confenttr  que  fe  lef^e  r-  í  e  depois  de  feito  o  final  >  diíse  i 
Rainha,  que lhè  pedia  licença  para  o  lêr.  Lançou-lbeeí' 


PARTE  II  LIVRO  JL         m 

a  a  benção  ,  moítrando  grande  íatisfaçaõ  deita  fineza,  ;>nr: 
í  declarava  no  teltemento  a  EIRey  jj  e  ao  Duque  de  Gr-  ^tino 
iens  por  iguaes  herdeiros  ,  reiervando  hum  milhão  de 
ivras  para  fua  neta,  filha  do  Duque.  Efpirou  com  gran-  looo. 
.es  finaes  de  arrependimento.  Mandou  enterar  o  íeu  co- 
ação no  Convento  de  Valle  da  Graça  ,  que  havia  fun- 
lado ,  e  o  corpo  em  S.  Dioniz  iem  pompa  alguma* 

Poucos  dias  depois  da  morte  da  Rainha,  feinvale- 
em  as  diligencias ,  e  negociaçoens  ,  que  fe  haviaõ  fei- 

0  ,  mandou  EIRey  publicar  a  iom  de  trombetas,  e  com 
:ditaes  públicos  a  guerra  de  Inglaterra  ,  depois  de  ha- 
rer  eigotado  todos  os  meyos  de  ajuítamento  ,  fendo  iní- 
rumento  principal  o  Marquez  de  Sande  ,  que  EIRey 
miz  em  grade  authoridade  da  peisoa  do  Marquez,  e  da 
ua  prudência,  que  foíse  mediadortkfta  concórdia:  po- 
ém  EIRey  de  Inglaterra  pe  riu  adido  fde  feus  Miniílrcs,e 
le  toda  a  Nação,  iempre  oppoíia  á  Franceza,fereiolveo 

1  declarara  guerra  ,  lendo  os  pretextos  venderem  aos 
"rancezes  Duniquerque  ,  fobre  a  boa  fé  de  fazerem  hu- 
na  liga  ,  e  faltar  França  a  ella  ,  depois -de  terem  a  poise 
ia  Praça  i  e  naòfó  faltar  á  liga  ,  mas  no  meímo  tempo 
igar-fe  com  feus  inimigos  os  Hollandezes  j  dando-lhes 
'occorro  ,  e  livre  a  pei caria  dos  arenques ,  que  não  con- 
sentirão a  outra  alguma  Nação  em  as  luas  Coílasj  fendo 
iíla  garantia  taõ  pezada  a  Inglaterra  ,  q  nunca  os  Hol- 
andezes  a  puderaõ  confeguir,nem  no  governo  do  Car- 
nal de  Reiehellieu  ,  nem  no  de  Màfsarino  ,  naõ  obftan- 
:e  os  grandes  esforços  ,  que  çm  França  fizeraõ  pela  al- 
:ançar ,  queixando-fe  no  méfmo  tempo  aos  Reys  de  In- 
glaterra ,  e  França  pelos  feus  Miniítros ,  aflim  por  pala^ 
zra  ,  como  por  efcritoi  a  que  os  Francezes  refponderaõ, 
legando  a  garantia  -,  e  dizendo,  que  no  tratado  de  Hol- 
landa  naõ  havia  nada,que  fofse  contra  Inglaterra*  e  que 
havendo  entre  França ,  e  Inglaterra  hum  tratado  como 
nacional,  que  celebrarão  Luiz  XIII.  ejaques  Reyda 
Gram-Bretanha  noanno  defeifcentos  edez,  que  feus,, 
filhos  ratificarão  ,  e  Carlos  II.  o  tornou  a  ratificar  antes, 
êo  tratado  da  liga  de  França ,  e  Hollanda.  Refpondiaó 
os  Inglezes  a  egas  gueixas ,  que  EIRey  de  França?  fem 

S  faltar 


M 


m 


412  PORTUGAL  RESTAURADO  , 

Ànno  £altar  a  tua  palavra,  naò  podia  em  feu  prejuízo  celebra  | 
com  os  Hollandezes  novo  tratado  ,*  e  que  caio  negado 

í666>  qUe a  liga  de  França  foíse  juitamente  celebrada  ,  era  f< 

defeníiva  ,  e  com  declaração  ,  que  naõ  feria  EIRey  à 

França  obrigado  a  aíliítir  aos  Hollandezes  ,  íuccedendc 

lerem  invadidos  em  Europa  {•  e  que  na  preíente  occafiac 

foraó  os  Hollandezes  os  primeiros ,  que  romperão  cc.i| 

Inglaterra ,  fazendo  hoítilidades  ,  naó  fó  em  Europa, 

mas  em  todas  as  partes  do  Mundo  aos  navios  Inglezes 

e  que  fendo  eíla  verdade  infalliyel  ,  eftava  EIRey  d< 

França  defobrigado  de  lhes  affiftir,  e  q  EIRey  da  Grani 

Bretanha  havia  defejado  com  tanta  efficacia  a  amiza 

de  de  França  ,  que  experimentando  o  pouco  ,  que  o  fel 

Embaixador  negociava  em  Pariz  ,  e  o  muito  ,  que  o  em 

baraçava  em  Londres  o  Embaixador  de  Frãça  Monfieu 

deCominges,  defpachara  a  Milort  Fisharden,  feu  maio 

confidente  ,  e  a  França  com  huma  carta  da  fua  proprl 

maó  para  EIRey,  em  que  lhe  pedia,  que  pafsando  pe 

los  accidentes  fuccedidos,  ajuílafsem  hum  tratado,  com< 

reciprocamente  conviefse  aos  Eílados  de  ambos, para  cu 

)o  effeito  lhe  remetia  o  Miniílro  de  maior  cõíiança,coii 

permifsao  de  comunicar  aquelle  tad  importante  nego 

cio  com  o  Marquez  de  Sande  ,  de  quem  fiava  ,  reconhe 

cendo  a  fua  prudência  ,  que  havia  de  folicitar  a  amiza 

de  das  duas  Coroas  pelos  interefses,  q  refultavaó  a  Por 

tugal:  e  que  £em  embargo  ,  de  que  EIRey  de  Frane 

moítrava  fazer  grande  eítimaçaõ  deita  fineza,  e  lhe  rei 

pondera  da  fua  própria  maõ,  que  logo  que  volt  ira  par; 

Inglaterra  Milort  Fisharden  ,  e  o  Marquez  de  Sand 

pafsara  a  Portugal,  tornarão  os  negócios  a  ficar  comod 

antes ;  o  que  reconhecido  por  EIRey  de  Inglaterra,  in 

tentara  a  mediação  dehum  terceiro  ,  e  elegera  o  Mar 

quez  de  Sande  ;  a  quem  ordenara  efcreveíse  a  Colbert 

que  tinha aquelle  poder;  eque tomando  EIRey  Chril 

tianifiimo  refoluçaó  de  fe  li£ar  com  Inglaterra  ,  fe  obri 

garia  a  amftir-lhe  na  conquifta  de  Flandres,  com  condi 

ção,quelhenãoembaraçafse  abater  no  mar  o  poder  do 

Hollandezes  ,•  a  q  Colbert  refpondcfa  fém  outra  decla 

ração  ,  que  EIRey  lè  França  mandava  três  Embaixada 


P^RTE  II.  LIVRO  XI:       415 

es  a  Inglaterra  a  tratar  efta  ,  e  outras  matérias  muito  AnnO 

mportaites.  1666 

Eítaserão  as  razoens  dos  Inglezes  ,  e  fuccedendo  pai-  *  v^v 
arem  os  Embaixadores  de  França  a  Londres  ,  reco  íhe- 
ertdo  EIRey  da  Gram-Bretauha  ,  jme  a  pròpoíição,que 
tavia  feito  o  Marquez  deSande,não  proíeguia,e  as  fuás 
liligencias  vinhao  a  íer  mais  como  de  particular  ,  q  co- 
no  mediator ,  entendeo  ,  que  perdia  tempo ;  e  vendo 
untamente  quãto  oslnglezes  fentião  verem  os  feus  na- 
rios  embargados  em  todos  os  portos  de  França,  le  refol- 
reo  a  foccorrer  o  Bilpo  de  Muníter  com  grande  empe- 
iho  ,  e  difpeudio,  remetendo  os  íbccorros  por  Oftende, 
j  Amburgojdeliberação,  de  que  EIRey  de  França  fe  deu 
por  muito  íentido  ,  conítando-lhe  ,  que  o  exercito  da- 
juelle  Prelado  íe  compunha  mais  de  Caítelhanos  ,e  Im- 
periaes ,  que  de  outras  Naçoens ,  e  que  era  huma  refer- 
ia muito  vizinha  ,  com  que  os  Auftriacos  fe  preparavao 
para  a  defenfa  de  Flandres  ,•  conquiíta  ,  em  q  tinha  em- 
penhado todo  o  feu-affe&o,  e  por  efta  razão  fentia  ium- 
mamente  ver  as  forças  do  Bifpo  crefcidas  com  o  poder 
dos  Inglezes ,  álèm  das  publicas ,  e  fecretas ,  com  que 
o  Imperador ,  e  o  Marquez  de  Caftello-Rodrigo  lhe  af- 
fiftião;  epor  efta  razão  logo  que  o  Bifpo  iahio  em 
Campanha ,  e  entrou  nas  jurifdicçoens  das  Províncias 
unidas,  as  foccorreo  com  hum  corpo  de  féis  mil  homens; 
e  álèm  deites  motivos  havia  outro  muito  efsencial  para 
o  génio  d'ElRey  Chrifttaniflimo  ,  que  era  haver  feito 
huma  liga  com  os  Príncipes  do  Reino,  e  com  ella  imagi- 
nava ,  que  tinha  fechado  o  Imperador  da  outra  banda 
do  Rio  ,  e  fazia  particular  eftimaçaò  de  entender  ,  que 
tinha  tantos,  e  tao  grandes  Príncipes  ,  e  Eleitores  de- 
pendentes da  fua  direcção  %  e  fendo  hum  deites  o  Bifpo 
de  Munfter,  foi  grande  o  fentimanto  ,  que  teve  de  o 
ver  fahir  em  Campanha  contra  o  leu  goílo  5  e  tendo  eíta 
noticia  EIRey  da  Gram-Bretanha  ,  delejando  contrape- 
zarefta  politica ,  applicou  as  negociaçoens  do  feu  Em- 
baixador D.  Ricardo  Fanfchon  ,  para  fe  cõcluir  a  paz  de 
Portugal  psla  fua  mediação;  diligencia,  que  reconhecia 
íer  muito  fenfivel  a  EIRey  de  Franç.i :  o  qual  po-reftes. 
c  íi  *  reípel- 


PORTUGAL  RESTAVRÂDO, 

Âlino  reí peitos  continuou  defcobertaméte  hum  Tratado  com 
.  .  .    as  Províncias  unidas,  e  mandou  retirar  os  Embaixadores 

IO  06.  de  Inglaterra  ,  tomando  por  pretexto  o  pouco,que  a  íua 
mediação  tinha  aproveitado ,  e  o  que  era  obrigado  a  fa- 
zer ,  por  dar  inteiro  cumprimento  á  fua  palavra,naõ  ob- 
ftante  que  por  ella  perdefse  os  maiores  intereíses:  e  ne-. 
íte  mefmo  tempo  ,  ièm  noticia  dos  Francezes ,  fe  havia 
aberto  hum  Tratado  entre  Inglaterra  ,  eHollanda  5  e 
ElRey  Chriílianiííimo  ,  para  que  os  Hollandezs  naõ  ti- 
vefsem  pretexto  de  fe  feparar  de  França,aprefsou  a  reti- 
rada dos  feus  Embaixadores  ,  com  que  cefsou  a  pratica 
entre  Hollanda  ,  e  Inglaterra :  e  accrefcentou  o  defabri- 
mento  entre  as  duas  Coroas  a  pouca  correspondência* 
que  o  Chanceller  de  Inglaterra  teve  com  o  Embaixador 
de  França  Monfieur  deCominges,e  das  muitas  occaíiões 
de  difgoíto ,  que  padeceo  com  os  Miniílros  de  França 
Millord  Hollis,por  cujo  refpeito  os  inftrumentos  da  paz 
foraò  os  que  miniítraraõ  os  incentivos  da  guerraíe  veyo 
a  fer  tao  publica  a  contenda  entre  o  Chanceller,  e  Mon- 
fieur de  Cominges,  que  fe  declarou  parcial  do  Conde  de 
Briílol  ,  e  Bennet ,  inimigos  do  Chanceller ,  que  decla- 
rou também ,  que  naõ  queria ,  que  tratafsem  íenaõ  por 
efcrito :  e  o  Embaixador  de  França  ,  por  fazer  melhor 
partido  ao  Conde  de  Briílol ,  publicou,  que  por  fua  via* 
o  Chanceller  havia  negociado  a  protecção  d<ElRey  de 
França  j  de  que  o  Chanceller  recebeo  taõ  grande  fenti- 
mento,  que  pediocom  grande  inítancia  ao  Marquez  de 
Sande  negociafse  com  o  Mariehal  de  Turena  fizefse  re- 
tirar de  Inglaterra  a, Monfieur  de  Cominges:  e  naõ  po- 
dendo coníeguillo,e  juítamente  obrigado  de  fe  publicar 
em  Inglaterra,  q  Dunquerquefe  vendera  aos  Francezes 
porque  ElRey  ChriíHaniífímo  lho  comprara  a  ellejpara 
juítiíicar  afua  íinceridade,applicou  todas  as  negociações 
ao  rompimento  das  duas  Coroas;  coítumando  fer  a  ma- 
ior deítruiçaõ  das  Monarquias  embaraçarem-fe  na  fua 
confervaçaõ  os  interefses  dos  particulares ;  cahindo  em 
igual  defconcerto  Millord  de  Hollis,  naõ  querendo  tra- 
tar de  Excellencia  ao  Secretario  de  Eítedo  Monlieusde 
Leone,  que  âllegava  fer  eíte  o  eftylo ,  com  que  fempre 

fora 


PARTE  U.  LIVRO  XI.        w 

ora  tratado  ;  e  Millord  de  Hollis  dizi^  ,  que  nUnca  tal  Atino 
uçcedera  com  os  Embaixadores  de  Inglaterra  j  e  que  fe     l,A 
oíse  poílivel  ajuftar-fe  que  Monfieur  de  Cominges  déí-  lo°G» 
i  igual  tratamento  aos  Secretários  de  Eftado  d<E!Rey 
a  Gram-Bretanha,  queelle  naò  teria  duvida  em  fazer  o 
íefmo;  porém,  nao  íe  ajuítando eíla  propoíiçaõ  ,  ficou 
imbem  poreíle  refpeitocompo«cacorreípondeTicia,e 
jciedade  com  Tellier  ,  e  Colbert ,  de  que  fe  originou 
ao  poder  confeguir    a  que  intentava ,  e  retirar-fe  a 
iglaterracom ordem d'ElReyjporém  com  declaração, 
ue  naó  pediíse  audiência  ,  fenaõ  depois  de  lhe  conílai* 
ue  os  Embaixadores  de  França  haviaõ  fahido  de  Ingla- 
irra;  e  Millord  de  Hollis  conterio  com  o  Marquez  de 
ande  huma  larga  ,  e  bem  ponderada  oraçaÔ ,  que  fez  a 
IRey  Chriftianiflino  quando  fe  defpedio  delle,  de 
ae  foi  a  claufulaqueixar-fe  de  hum  aggravo  ,  que  fe 
avia  feito  aos  lacayos  ,  que  acompan havaoa  Embai- 
atriz  fua  mulher ,,  de  que  pedio  fatisfaçao ;  e  negan- 
3-lha  EIRey»  ferefolveo  a  nad  querer  aceitar  a  joya, 
ue  lhe  mandou  dar  de  defpedidaje  interpondo-íe  nefta 
tateria  a  diligencia  do  Marquez  de  Sande  com  o  Mari- 
ia!  de  Turena,e  Monfíeur  de  Rouvigni,  nao  puderao 
srfuadir  a  EIRey   a  que  lhe  mandafse  dar  fatisfaçao 
sm  com  a  politica  de  quehaveudo-fe  refirado  os  feus 
mbaixadores  de  Inglaterra,  e  tendo  aceitado  as  joyas, 
ueElRey  da  Gram-Bretanha  lhe  mandara  dar,  ficaria 
tdecenteenjeitalla  Millord  de  Hollis  :  o  qual  vendo  a 
fpulfa  ,  naõ  quiz  aceitar  hum  preciofo  diamante ,  que 
te  ,foi  levar  olntrodu&or  dos  Embaixadores  ,  que  ha- 
a  cuftado  três  mil  dobroens ,  e  EIRey  o  trouxe  alguns 
ias  no  dedo ,  entendendo-fe ,  que  fora  para  moflrar  o 
tlordelle:  oqualeílimulado  nao  fó  deite  fuccefso  , 
ias  da  noticia  de  que  EIRey  da  Gram-Bretanha  havia 
fiílido  a  huma  Comedia  r  que  fe  tinha  reprefèntado  em 
tfa  da  Condefsa  deCaftello-Mendo  ,  em  cujaidèaen- 
ava  com  indecencía  a  fua  pefsoa  ,  applicou  com  defejo 
articular  o  rompimento  da  guerra,  e  defiftio  do  inten- 
) ,  que  tinha  de  romper  com  Cafella- ,  refervando  pa- 
i  mellior  occafiaõ  o  poder  cantinuaUa  em  beneficio  de 

Portu- 


m  PORTUGAL  RE8TAV&ABO; 

Afino  Portugal,  e  por elU  vir  a  confeguirfer  abíoluto  media- 

1666  CÍor  da  PaZ  ^e^e  Rein£>  com  °  de  Caítella  ,  excluindo  , 
°0#  como  defejava,a  EIRey  de  Inglaterra  deita  negociação; 
eíperando  também  a  concluíaõ  das  propoliçoens  ,  que 
Monfieur  de  S.  Romeu  havia  feito  em  Portugal  ;e  que 
no  tempo  ,  quedurafse  a  guerra  de  Inglaterra  ,  fe  exa- 
mínariaó  as  negòciaçoens,  que  haviaõ  tido  principio  em 
Conftaiitinopla,  Alemanha,  e  Suécia,  e  entreteria  o  Im- 
perador ,  que  eftava  poderoío,  com  as  tropas,  com  que 
iòccorria  o  Bíípo  de  Muníterje  no  mefmojtempo  pode- 
ria faltar  o  Pontifice  Alexandre  VIL  que  eílava  velho , 
e  enfermo,  e  repugnava  dar  á  execução  o  Tratado  de  Pi- 
za ,  naó  querendo  reítituir  Caílro  ,  dizendo  o  Núncio, 
q  naó  eílava  obrigado  o  Pontifice  a  eíta  reílituiçaó;  por 
haver  confentido  naquelle  Tratado,  facrificãdo  a  fua  re- 
putação ao  aperto  ,  em  quefe  achava  naquelle  tempo  a 
.  Chriltande  de  Ungria  ,•  embaraço  ,  que  fe  podia  facili- 
tar na  eleição  de  outro  Principe  inclinado  á  Coroa  de 
França  :  que  na  guerra  de  Inglaterra  fe  exercita riaõ  as 
tropas  Francezas ,  ainda  que  excellentes  ,  compoftas  de 
muitos  Soldados  novos  ,•  que  coma  uniaõ  de  Hollanda 
abateria  a  prefumpçaõ ,  com  que  os  Inglezes  fe  queria  o 
fazer  fenhores  do  comercio  de  todos  os  mares,e  que  aos 
Hollandezes ,  que  afpiravaõ  ao  mefmo,  quebrantaria  as 
forças  de  forte ,  que  naõ  quizeísem  unir-fe  com  Caílel- 
lâ  ,  quando  elle  intentafse  fazer  guerra  a  Flandres:  que, 
porque  o  Bifpado  de  Muníterera  hufeminario  de  Solda- 
dos Auftriacos  ,  que  íe  depofitavaõ  nelle  para  defenia 
de  Flaadres,ficava  utiliíHmo  ajuílar-fe  EIRey  com  Hol- 
landa ,  e  fazer  quanto  lhe  fofse  poííivel ,  por  feajuítar 
liga  com  EIRey  de  Dinamarca ,  EIRey  de  Suécia  ,  e  o 
Marquez  de  Brandéburg,*porque  com  eíla  po!itica,ain- 
da  que  em  apparencia  ajudava  aos  Hollandezes, em  fub- 
ítancia  fazia  EIRey  ,  o  que  devia  áfua  palavra  ,•  enfra- 
quecia a  huns  ,  e  outros  inimigos  ,  e  com  o  beneficio  do 
tempo  fortificava  as  fuás  Praças  ,  para  com  mais  vigor ; 
e  acerto  intentar  a  guerra  a  Caftella. 

A*srazoens referidas,  para  EIRey  Chriílianiílirno 
romper  a  guerra  ,  fé  accreíeentou  ter  ayjzo  de  Hollan- 


PARTE  II.  LIVRO  XI.        4*7 

da  ,  que  a  diviiaõ  entre  as  parcialidades  do  Príncipe  de  Anile 
Orange,  e  Monfieur  de  VVhate  eítavaó  para  fe  declarar     ,,, 
em  publica  rotura  ,•  e  confideràndo  EIRey  ,  que  podia       ut^: 
fucceder  cahir  a  forte  a  favor  da  Cafa  de  Orange  ,  e  por 
confequencia  refultar  a  ventagem  a  Inglaterra, apreísou 
o  rompimento  com  aquella  Monarquia  para  fortificar  o 
partido  de  VVhate:porém  primeiro  que  o  fizefse  publi- 
co ,  difse  á  Rainha  mãy  de  Inglaterra ,  que  padecia  im- 
placável fentimento  de  haverem  fido  naquelle  negocio 
taõ  inúteis  os  remédios ,  que  ferviraõ  mais  de  aggravar, 
que  de  curar  o  mal ,  que  communicaraó  aos  dous  Rei- 
nos J  de  que  havia  refultado  fer-lhe  precifo  romper  a 
guerra  com  EIRey  da  Gram-Bretanha  feu  rilho  ,  e  que 
Jhe  pedia  quizefse  efcrever-lhe  guardafse  no  feu  peito 
a  boa  vontade  ,  que  elle  no  feu  coração  conlervava  pe- 
jo amor  ,  e  refpeito,  com  que  fempre  o  tratara,*  porque 
eleita  forte  entendia  feria  mais  fácil  de  vencer  a  conítel- 
laçaó  de  fe  tornarem  a  unir,  do  que  fora  a  fatalidade  de 
fefepararem  ,  epor  conclufaõ  fe  declarou  a  guerra:  e 
-foi  de  forte  ô  movimento  do  povo,  que  o  Embaixador 
de  Inglaterra  ,  receando  o  perigo  próprio  ,  fe  valeo  do 
jVíarquez  deSande,que  pafsou  a  fua  caía  com  a  gente  da 
fua  familia,  e  negociou  com  o  Marichal  de  Turena  a  fe- 
gu rança  do  Embaixador,  e  voltar  a  Inglaterra  fatisfeito 
da  fua  correfpondencia  ,  e  das  difpoíiçpens  ,  que  agen- 
ciara nos  ânimos  dos  Miniftros  da  Coroa  de  França  ,  pa- 
ra entenderem  ,  que  a  guerra  naõ  feria  muito  durável/ 
noticia  ,  que  chegando  aos  Hollandezes  ,  abaterão  o 
grande  goílo  ,  que  tiveraõ  da  uniaõ  de  França  ,  com  o 
temor  da  pouca  fegurança  daquella  liga,*  e  efta  incerte- 
za os  obrigou  a  aceitarem  de  boa  vontade  as  oíFertas  do 
Marquez  de  Caftello-Rodrigo,  que  lhes  moítrou  pode- 
res, para  fe  ajuírarem  com  EIRey  de  Inglaterra  fem  in- 
tervenção de  França  ,•  e  como  pela  incomparável  perl- 
picacia  d'ElRey  Chriítianiílimo  naó  podia  nos  outros 
Príncipes  haver  fegredo  permanente,  conftando-lhe  de- 
íla  negociação  ,  fe  lhe  acerefeentaraó  os  defejos ,  que 
tinha  de  romper  a  guerra  de  Caílella; 

O  Marquez  de  Sa,nde  a  hum  mefmo  tempo  tratava 

Dd  os 


m      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ánno  os  negócios  referidos  em  grande  utilidade  dos  interefses 
i66d  d'EIRey'  edifpunha  a  partida  da  Rainha  com  tanto 
1  uuu*  acerto  j  que  fervia  de  exemplar  aos  Miniílros  daquelle 
caíamfrod->si.ÍQmV°'  nao  fó  de  Portugal ,  mas  de  toda  a  Europa,  e 
ReycomaPan-àpplicàndo  o  maior  fervor  á  brevidade  da  jornada  da 
eeza  deAnmai-  Rainha ,  ê  a  £ e  livrar  do  cuidado  dos  embaraços ,  q  occa« 
h  fionava  a  guerra  de  Inglaterra,  e  França,-  e  conhecendo, 

que  eraõ  os  melhores  inílrumentos  os  mais  interefsa* 
dos  na  concluíao  docaíamento  d'ElRey  pelo  parçntef* 
co  da  Rainha  ,  fe  juntarão  na  fua  cafa  os  Duques  de 
Vandoíma,  deEílrée,  edeLaris,  Moníieur  deNauve 
Curador  da  Princeza,e  Monfieur  de  Martharela,para  af- 
finarem  o  contrato  do  cafamento  depois  de  ajuíladas  ai* 
gumas  duvidas  ,  que  fe  offereceraõ  entre  o  Duque  de 
Vandoíma,  o  Duque  de  Eítrée*  e  o  Bifpo  Duque  de  La- 
on,  defejando  cada  hum  delles  íer  fó  por  íi,  o  q  ajuílaf-» 
fe  o  cafamento  ,*  conhecendo  porém  o  Marquez ,  que  a 
inclinação  da  Princeza  pendia  para  o  Bifpo  de  Laon,  de 
quem  fiava  toda  a  direcção  dos  feus  negócios  ,  e  con- 
correndo ElRey  Chriítiamííimo  por  feus  Miniílros  em 
tudo  ,  o  que  era  beneficio  da  conclufao  do  cafamento,. 
com  attençaô  a  que  Portugal  naõ  a/uítafse  a  paz  de 
Caílella  por  outra  alguma  intervenção ,  que  naõ  fofse 
a^de  França,  e  íeguindo  eíta  mefma  intenção  ,  def- 
viou  os  embaraços  occafionados  pela  Duqueza  de  Sa* 
boya  nas  partilhas  ,  que  fe  haviaõ  de  fazer  nos  bens 
da  Cafa  de  Nemours,  de  que  fe  havia  de  formar  a  prin- 
cipal parte  do  dote  da  Princeza  >  e  ultimamente,  confe- 
guindo  o  Marquez  ,  que  o  Bifpo  de  Lans  acompanhai- 
fe  a  Princeza  (effeito  que  ella  íummamente  defejava  > 
e  que  ElRey ,  e  feus  Miniílros  muito  tempo  contradif- 
feraô)  veyo  aferafubílancia  de  todas  eíhis  propofi- 
çoeris  a  que  fe  inclue  itos  Capítulos  do  Tratado  feguhv 
te. 


/ 


Contrato 


-m 


PJRTE  11.  L1VK0  XI. 


Contrata  do  caj amento ,  dote,  e  arrhau  queje  ha  de 
celebrar  entre  o  Serem fflmo ,  e  Poder  o  fiffimo  Se- 
nhor D.Affonfo  VI.  por  graça  de  Deos  Rey  de 
Portugal,  e  dos  Algarves,  daauem,  e  dalém  ,  mar 
em  Africa,  Senhor  de  Guiné ,  e  daConquifta ,  na- 
vegação, e  commercio  da  Ethiopia ,  Arab.a,  Per- 
fia ,  da  índia,  &c  e  a  Sereniffima,  e  Excellentif- 
fima  Princeza  Maria  Francifca  Ifabel  de  Sa- 
boya ,  Duqueza  de  Nemours, e  de  Aumalle ,  tra- 
tado ,  e  concluído  pelo  excellente  Senhor  Francif- 
co  de  Mello  de  Torres,  Marquez  de  Sande  ,  Con% 
de  da  Ponte  ,  dos  Confelhos  de  E fiado ,  e  Guerra 
do  dito  Senhor  ,  efimo  Procurador  ,  c  Embaixa- 
dor extraoodinario  do  Serenifftmo ,  e  Poder  oftffi- 
vw  Senhor  Rey  de  Portugal,  e  pelos  excelkntes 
Senhores  Duque  de  E/írée,  Par,  e  primeiro  Ma- 
richal  de  França,  e  Ge  {ar  de  Eftrée,  Bifpo  Duque 
de  Laon>  Par  de  França ,  como  Procuradores  da 
Excellentiflima  Princeza  Maria  Francifca  Jfa- 
bel  de  Saboya  ;  £  outro  fim  dos  altos ,  epoderofos 
Príncipes  e  Senhores  Duque  deVandnjma,Mada- 
ma  deVandofma,Tto,e  Avó  eTutores  da  Ser eni [fi- 
ma Princeza  Maria  Francifca  Ijabel  de  Saboya. 


16660 


T)  Or  quanto , 


depois  de  coníideradas ,  e  deli- 
beradas todas  as  couías ,  fe  afsentou  mutua- 
mente entre  os  ditos  excellentes  Senhores  Francifco  de 
Mello  de  Torres ,  Marquez  de  Sande ,  Conde  da  Ponte, 
dos  Confelhos  de  Eftado ,  e  Guerra  de  Sua  Mageítade; 
o  Duque  de  Eftrée  ,  Par ,  e  primeiro  Manchai  de  Fran- 
ça ,  e  Bifpo  Duque  de  Laon  ,  Par  de  França  ,  cafar  o 
Sereriiffimo,  e  Poderoíiffimo  Senhor  D.Affonfo  VI.Rey 
de  Portugal  com  a  Sereniffima  ,  e  Excellentiífima  Prin- 
ceza Maria  Francifca  Ifabel  de  Saboya  Duqueza  de  Ne*' 
jmours ,  e  de  Aumalle »  com  a  maior  brevidade  ,  que  o 

Dd  2  negocio 


• 


4*0     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Armo  negocio  de  tanta  confideraçaô  ,  e  bem  da  Chriílandade 
1666  pede '  fe  conclulo> e  reí"olveo  ,  que  o  excellente  Senhor 
xuuo*Francifco  de  Mello  de  Torres,  Marquez  deSande,Con« 
de  da  Ponte,  em  virtude  dos  poderes  ,  e  procuraçoens 
efpeciaes  ,  que  tem  do  dito  Sereniíiimo  Rey  de  Portu- 
gal,  receberá  em  leu  nome  por  Efpofa  do  dito  Serenrf. 
ílmo  Rey  de  Portugal  a  Sereniífíma  Princeza  Maria  Frã- 
clfca  Ifabel  deSaboya,«e  eíte  a&o  de  caíamento  lerá  ce- 
lebrado com  aquella  pefsoa  ,  a  quem  a  SereniiTima  Pr  in- 
ceza  terá  dado  hum  íimilhante  poder,  e  procuração  eí- 
pecial,  para  receber  por  feu  marido  ao  dito  Sereniíiimo 
Key  ,  fegundo  a  forma,  e  ceremonias  da  Igreja  Catholi- 
ca  Apoítolica  Romana  ,  preferitas  pelos  fagrados  Câno- 
nes, e.pelo  Concilio  Tridentino,  e  fegundo  os  ados 
coílumados,  que  fe  ufao  nos  cafamentos  dos  Rçys  ,•  e  o 
dito  excellente  Senhor  Bifpo  Duque  de  Laon,  ou  a  pef- 
foa  que  celebrar  eftea&o  ,  dará  os  inítrumentos  ,  e  cer- 
tidoens  authenticos  ao  dito  excellente  Senhor  Marquez 
de  Sande,e  á  dita  Sereniííima  Princeza  Maria  Francifca 
Ifabel  de  Saboya ,  queaíTmaráò  nelles>  como  também 
as  teítlmunhas  necefsarias. 

t  Logo  que  eíte  aclo  for  celebrado ,  e  inílrumen- 
tos  dados  a  luima  ,  e  outra  parte ,  o  dito  excellente  Se- 
nhor Marquez  de  Sande  reconhecerá  a  dita  Serenulima 
Princeza  Maria  Francifca  Ifabel  de  Saboya  por  Rainha 
de  Portugal. 

\  Foi  convido ,  e  acordado  entre  os  exceílentes 
Senhores  Marquez  de  Sande ,  Duque  de  Eíirée ,  e  Bifpo 
Duque  de  Laon  ,  que  o  dote  da  dita  SereniiTima  P: 
ce2a  Maria  Francifca  Ifabel  de  Saboya  fera  de  feiicentos 
milefcudos,  moeda  de  França ,  prata  boa,  e  correntes 
que  fazem  hum  milha 5, e  oitocentas  mil  livras  tornezas: 
a  íaber  ,  quatrocentos  mil  efcudos,que  ferao  levados  eni 
efpecie  a  Lisboa  }  e  os  outros  cem  milefcudos  em  ef- 
feitos  ,  s  da  maneira ,  que  fera  declarado  no  artigo  fe- 
guinte. 

4  Foi  acordado  entre  os  ditos  Senhores  Marquez  de 
Sande  ,  Duque  de  Eílrée  ,  e  Bifpo  Duque  de  Laon,  que 
a  íim,de  q  toda  Europa^veja  pi  experiência  k  grande  ef- 

^      timaçaõ, 


PJRTE  77.  LIPKO  XI.        ^y 

dmacaõ,  e  differença  ,  que  as  Gafas  de  Nemours,  e  Van-  Anno 
Jofma  fazem  do  cafaméto  do  Sereniffimo  Rey  de  Portu-      .  . . 
sal  a  todos  os  oUtros,o  dote  da  SereniíTima  Pnnceza  fe-    1UUU* 
ria  maior  ,  que  todos  os  outros  ,  que  até  agora  fe  deraõ 
ásPrincezas,  que  eftas  Calas  dotarão  5  eaffim acorda- 
rão ,  que  o  dito  dote  feria  de  feifcentos  mil  efcudos , 
moeda  de  França ,  a  faber ,.  cem  mil  efcudos  ,  que  o  ex- 
cellente Senhor  Marquez  de  Sande  levou  o  anuo  paisa- 
ao  a  Lisboa  ,  de  que  o  excellente  Senhor  Conde  de  Ca- 
[tello-Melhordeu  já  recibo  a  Moníieur  Gravier,dedarã- 
3o  nelle  ,  que  os  recebia  por  conta,  e  por  parte  do  dito 
Jote  ;  e  os  outros  quinjientos  mil  efcudos ,  que  faltaó 
para  o  cumprimento  delle  ,  os  ditos  excellentes  Senho- 
res Duque  de  Eftrée,  e  Bifpo  Duque  de  Laon  íe  obngaõ 
na  dita  qualidade  de  Procuradores  a  ter  apparelhada  a 
fomma  de  quatrocentos  mil  efcudos  ,  moeda  de  Fran- 
ça ,  que  fazení  hum  milhão  ,  e  duzentas  mil  livras  tor- 
nezas,  prata  boa  ,  e  corrente,  no  porto  onde  a  dita 
SereniíTima  Princeza  fe  embarcará  para  paísar  a  Portu- 
gal ,  e  para  que  o  dito  dinheiro  fe  leve  nos  próprios  na- 
vios 5  e  o  dito  excellente  Senhor  Marquez  de  Sande 
em  "nome  d*ElRey  feu  Senhor  fera  obrigado  a  fegurar  a 
dita  SereniíTima  Princeza  de  todos  os  riícos,  que  feu  do- 
te poderá  correr  fobre  o  mar  defde  c  dia  que  vir  em- 
barcar a  íomma  delle  nos  navios,  em  que  a  dita  Serenií- 
Tima Princeza  fe  embarcar  para  pafsar  a  Portugal,  ate  o 
dia  da  fua  chegada  a  Lisboa  ,  ou  a  outro  qualquer  por- 
to de  Portugal,  onde  a  dita  SereniíTima  Princeza  deíem- 
barcar:  e  nefte  lugar  os  ditos  Senhores  Duque  de  Eítree, 
e  Bifpo  Duque  de  Laon  íe  obrigaó  a  fazer  remetera  di- 
ta fomma  de  quatrocentos  mil  efcudos,  moeda  de  Fran- 
ça ,  na  mefma  natureza,  e  no  mefmo  dinheiro  corrente, 
e  em  efpecie,  ás  mãos  dos  Miniílros  do  SeremffimoKey 
de  Portugal  ,•  que  forem  deputados  para  efte  effeito 
pelo  dito  Senhor  :  os  quaes  daraó  todas  as  quitações, 
edefcarcfas  necefsarias  aos  que  tiverem  poder  da  Sere- 
niflima  Princeza  ,  e  forem  por  ella  nomeados  para  eite 
effeito ,  e  pelos  ditos  excellentes  Senhores  Duque  de  bl- 
trée  ,  e  Bifpo  Duque  Je  Laon  :  e  outros  cem  mil  efcu- 


Dd  3 


dos 


422    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ànno  dos  reítantes  para  o  cumprimento,  e  perfeito  pagamen- 
1666  to  do  dit°  dote  '  osexciellentes  Senhores  Duque  deEf- 
•  trée  i  e  Bifpo  Duque  de  Laon  fe  obrigaõ  aos  fazer  pa- 
gar em  Lisboa  aos  Miniítros  de  Sua  Mageílade  em  tem- 
po de  quatro  annos  ,  ou  antes  d  Uso  ,  fea  difcufsaó  dos 
bens  puder  fer  feita  antes  ,  fegundo  a  forma  fobredita  j 
fobre  a  qual  fomma  de  hum  milhão  ,  e  duzentas  mil  li- 
vras tornezas  fe  tomará  a  íbmma  de  noventa  mil  livras, 
e  íe  porá  nas  rnáos  da  Sereniílima  Princeza.paré  os  gaf- 
tos  da  lua  viagem  ,  e  para  outras  coufas ,  que  lhe  feraó 
convenientes  ao  tempo  da  fua  partida  ,  íem  alguma  di- 
minuição da  dita  fomma  de  hum  milhão, e  duzentas  mil 
livras  tornezas  ,  a  refpeito  da  reílituiçaô  do  dote. 

5  ;  Sua  Mageítade  o  Serenlflimo  Re/  de  Portugal , 
deiejaddo  apaixonadamente  moílrar  a  todo  o  Mundo  a 
eítimaçaõ  ,  que  faz  das  grandes  qualidades ,  e  virtudes 
da  Sereniílima  ,  e  Excellentiíiima  Princeza  Maria  Fran- 
ciica  Ííabel  de  Saboya ,  quer  ,  que  iuccedendo  a  morte 
da  Sereniílima  Rainha  de  Portugal  fua  mãy  ,  e  Senhora, 
a  dita  Sereniilima  Princeza  tenha  depois  delia  a  Cidade 
de  Faro  ,  Alemquer  ,  Cintra  ,  e  outras  Villas  ,  governos, 
Caítellos,jurifdiçoens  ,  nomeaçoens,  e  difpoíicoens de 
Abbadias,  e  outros  Benefícios,  e  geralmente  todas  as  ter- 
ras i  que  a  dita  Sereniílima -Rainha  mãy  goza  ,  e  poísue 
de  preíente  ,  para  ferem  poísuidas  pela  dita  Sereniílima 
Princeza  Maria  Fiauciica  Ií^qI  de  Saboya  em  fua  vida, 
aiiimcomo  a  dita  Sereniííima  Rainha  mãy,e  todas  as  ou- 
tras Senhoras  Rainhas  de  Portugal  fempre  as  lograrão, 
e  poísuiraõ  :  os  quaes  Fitados  valem  oiteita,  ou  cem  mil 
cruzados  de  renda  em  cada  hum  anno-  ,  e  algumas  vezes 
mais.  ° 

a  t  °  Sereiiiílimo  ■  Rey  de  Portugal  formará  aCafa 
da  òeremffima  Rainha  fua  mulher  ,  hum  mez  depois  de 
lua  chegada  a  Lisboa,  com  a  mefma  grandeza,  e  ma- 
gnificência ,  que  fe  fez  ás  outras  Senhoras  Raiuhas,fuas 
d^Real   ^  * G  qUG  COnvém  a  feu  Efta<io, e  lua  dignida- 

■c  7  í  ta}??  ,que  a  dita  Sereniííima  Princeza  Maria 
Francifca  ííabel  de  Saboya  chegar  a  Lisboa,  gozará  de 

todos 


" 


i666< 


PARTE  II.  LIVRO  XI.         425 

todos  os  direitos  ,  privilégios  ,  e  faculdades  ,  de  que  as  Anno 
ditas  Sereniílimas  Senhoras  Rainhas  de  Portugal  goza- 
rão até  o  tempo  prefente  nas  Alfandegas  ,  Gafa  de  Con- 
quiílas  ,  e  em  todas  as  mais  partes  ,  onde  lhe  pertence- 
rem; 

8  E  em  quanto  a  dita  Sereniílima  Princeza  Maria 
Francifca  Ifabel  de  Saboya  naõ  entrar  na  pofse  dos  Ef- 
tados  mencionados  no  quarto  artigo  ,  o  Sereniílimo  Rey 
de  Portugal  lheaffinará  huma  renda  de  trinta  mil  cruza- 
dos em  cada  hum  anno  para  feus  gaílos. 

9  Em  cafo  ,  que  adita  Sereniílima  Princeza  Maria 
Franciíca  Ifabel  de  Saboya  vença  em  dias  a  Sereniííimi 
Rainha  de  Portugal,  ou  tendo  filhos  ,  ou  naõ  os  tendo, 
haverá  i  em  quanto  viver,  os  ditos  Efíados  das  Senho- 
ras Rainhas  de  Portugal }  para  os  gozar  ,  e  pofsuir  da 
mefma  maneira, que  as  outras  Senhoras  Rainhas  os  pof- 
fuiraõ  ,  e  gozáraõ  ,  e  como  a  Sereniílima  Rainha  mãy 
os  goza  de  prefente, 

ío  Eem  cafo  que  a  dita  Sereniílima  Princeza  Ma- 
ria Franciíca  Ifabel  de  Saboya  vença  em  dias  ao  Serenif- 
íimo  Rey  feu  Efpoío  ,  e  a  Sereniílima  Rainha  mãy  poí- 
fua  ainda  os  Eítados  mencionados  no  quinto  artigo  ,  e 
que  por  eíle  meyo  a  dita  Sereniílima  Princeza  os  ftaò 
pofsa  ainda  gozar  ,  o  Sereniílimo  Rey  de  Portugal  per- 
mitte  ,  e  fe  obriga  fegundo  fua  magnificência  ,  e  gene- 
rofidade  coftumada,  álèm  dos  trinta  mil  cruzados  acima 
mencionados  ,  de  lhe  aííinar  outros  eílabelecimentos,  e 
rendas  j  até  que  ella  goze  dos  Eílados  ,  e  em  lugar  del- 
les  ,  que  fejaõ  convenientes  ,  e  proporcionados  a  feu  Ef- 
tado  ,  e  á  fua  dignidade  Real,  e  iguaes  aos  ^tratamen- 
tos feitos  ás  outras  Rainhas,  que  a  precederão  ,e  a  eíles 
que  goza  de  prefente  a  Sereniílima  Prainha  mãy ;  porém 
de  tal  maneira  ,  que  os  trinta  mil  cruzados  ,  de  que  fe 
faz  meação  no  prefente  artigo  ,  faraó  parte  ,  e  entrarái 
na  conta  dos  ditos  eílabelecimentos  ,  rendas,  e  Eítados, 
que  fe  houverem  de  affinar  á  dita  Sereniílima  Princeza 
em  virtude  do  mefmo  artigo.  . 

ii  Em  cafo  que  a  dita  Sereniífima  Princeza  Mana 
Francifca  Ifabel  de  Saboya  vença  em  dias  a  ieu  marido  o 

Dd  4  Sere- 


p4   POUTVGAL  KESI  AUNADO, 

Anno  Sereniífimo  Rey  de  Portugal ,  e  que  iiaõ  tenha  filhos 
•  ,z  e  queira  íahir  do  Reyno  ,  fe  lhe  tornará  a  dar  o  feu  in< 
*G0O#teirodote  j  eálèmda  reíHtuiçaõ  do  dito  dote,  fe  lhe 
dará  também  a  fomma  de  quinhentas  mil  livras  torne 
zas  ,  que  faz  hum  terço  do  dote ,  a  qual  fomma  pode- 
rá levar  livre,  é  íeguramente  para  qualquer  lug3r,a  que 
fe  retirar ,  eda  mefma  maneira  os  feusanneis  ,  joyas, 
móveis ,  e  baixelas  >  e  afíim  os  que  houver  levado  eom- 
íigo  ,  como  aquelles  que  tiver  ,  ou  puder  ter  adquiri- 
do depois  ,  excepto  com  tudo  aquelles,  ou  aqueilas, 
quèconílarem  fer  da  Coroa  de  Portugal ;  e  na  mefma 
férma  poderá  difpôr ,  e  teftar  r  íegundo  fua  vontade,  e 
Intenção ,  de  tudo,  ò  que  houver  adquirido»  e  lhe  cou- 
ber por  fuccefsaõ  >  doação,  ou  por  outro  modo,  em  qual-» 
quer  maneira^que  poisa  ler,  até  o  a&ual  pagamento  das 
ditas  fommas  >  è  gozará  inteira  ,  e  livremente  ,  ou  fejá 
em  Portugal,  ou  em  qualquer  outra  parte,  dos  direitos, 
privilégios ,  prerogativas  ,  hAados,  e  rendimentos  per* 
tencentes  ás  Rainhas  de  Pòrtugal,e  mencionados  nos  ar* 
tigos  precedentes :  os  quaes  feraó  pagos  em  três  paga- 
mentos iguaes  em  tempo  de  três  a  nãos  confecuti  vãmen- 
te i  èá  proporção  r  em  que  os  ditos  pagamentos  íerao 
feitos ,  a  Sereniífíma  Princeza  dimittirá  de  li  os  ditos  di- 
reitos, privilégios ,  prerogativas ,  Eílados,  rendimentos 
abfoluta ,  e  inteiramente  depois  do  adual ,,  e  real  paga- 
mento das  ditas  fommas.  - 

i  *  Como  também  ã  dita  Sereniilima  Princeza  ten- 
do filhos  do  feu  Matrimonio  ,  e  vencendo  em  dias  ao 
Sereniilimo  Rey  de  Portugal  ,  emeafoque  ella  queira 
íahir  do  Reiao  ,  íe  lhe  tornará  íómente  a  terça  parte 
do  feu  dote  J  e  a  terça  parte  das  quinhentas  mil  livras 
tornezas  dadas  de  mais  do  dito  dote  ,  do  qual  ella  Sere- 
nifiima  Princeza  poderá  difpôr  da  mefma  maneira  ,  que 
dos  anneis  ,  joyas  ,  móveis ,  e  baixelas,  que  tiver  levada 
comíigo  ,  ou  que  tiver  adquirido ,  exceptos  com  tudo 
aquelles ,  que  forem  da  Coro^;  e  da  mefma  maneira  po- 
dera  difpôr ,  e  teítar  de  todas  as  eoufas ,  que  Ihecoube- 
rem  por  fuccefsaõ ,  doação,  ou  qualquer  maneira  qiíe 
leja,elevallascomfigo  para  qualquer  ^arte  a  que  fere- 

tirei 


PAKTE  11.  LIVRO  XL        4*5 

tire  i  eos  outros  dous  terços  do  dote  ,  e  do  terço  del-Anno 
fe  ,  que  monta  quinhentas  mil  livras  torne  zas ,  acorda- 
das  por  forma  de  augmentaçaó  do  dote  ,  fkaráõ  perten-  ^co. 
cendo  a  feus  filhos }  dos  quaes  a  SereniUima  Pnnceza  te- 
rá fomente  o  ufo,e  pofsefsaõ,dos  rendimentos,em  quan* 
te  viver  ,  que  lhe  ieraõ  levados  fegura ,  e  livremente  a 
qualquer  parte ,  onde  eftiver. 

1  *  E~fuccedendo  primeiro  a  morte  da  dita  Serenil- 
íimaPrinceza  Maria  Francifca  Ifabel  deSatoya,  hum 
terço  do  feu  dote ,  que  importa  a  fomma  de  quinhentas 
mil  livras  tornezas,ficará  por  forma  de  lucro  nupcial  ao 
Sereniflimo  Rey  de  Portugal,  eos  outros  dous  terços 
reítantes  com  íeus  anneis,  móveis ,  e  joyas ,  aflim  aquel- 
les  ,  que  tiver  levado  comfigo  ,  como  aquelles  ,  que  ti- 
ver adquirido  ,  ( tirado  com  tudo  os  que  pertencerem  a 
Coroa  de  Portugal  )  como  também  o  mais  ,  que  lhe  per- 
tencer ,  durante  o  Matrimonio  ,  por  iucceisaõ  ,  doação, 
ou  de  outro  modo  ,  e  maneira  ,  que  pofsa  ler ,  pertence- 
rão propriamente  a  íeus  filhos  5  e  faltando  elles,  pafsa- 
ràõ  a  feus  herdeiros  da  fua  parte ,  e  linhagem  j  fem  que 
com  tudo  ,  em  confequencia  deites  artigos  ,  lhefeja  ti- 
rado o  poder  ,  e  faculdade  de  teítar ,  e  difpôr  livremen- 
te ,  fegundo  fua  intenção,  e  vontade,  de  todos  os  bens, 
que  ella  tiver. 

14  O  dito  Sereniflimo  Rey  de  Portugal  dará  em  fa- 
vor do  Matrimonio  da  dita  Sereniilima  Senhora  Prince- 
za  D.  Maria  Francifca  Ifabel  de  Saboya  o  valor  de  qua- 
renta mil  efeudos  em  anneis ,  e  joyas  ,  que  feraõ  eftima- 
dos  ,  e  avaliados,  quando  íe  entregarem  á  SerenilEma 
Princeza  j  os  quaes  poderá  levar  também  comligo ,  fuc- 
cedendo,  que  vença  em  dias  ao  Sereniflimo  Senhor  Rey 
de  Portugal  ,  com  feu  dote  ,  e  o  mais  que  lhe  for  conce- 
dido por  eftes  prefentes  artigos. 

1.5  A  dita  Sereniilima  Senhora  Princeza  toma  pof 
fua  conta  os  gaílos  das  pefsoas  ,  que  a  acompanharem, 
depois  que  partir  de  Pariz  até  a  fua  chegada  a  Lisboa , 
ou  a  outro  qualquer  porto  do  Reyno  de  Portugal ,  on- 
de defembarcar. 

16    Foi   também  convido  j  c  acordado  ,  que  na 

fomma 


,     42Ó  PORTUGAL  RESTAURADO; 

Ann©  *MW  de  hum  milha  õ>  quinhentas  millivras  torneza? 

lóóií,  Prorjettidas  em  dote  ,  a  qual  íbmma  devem  contar,  s 
•  receber  os  Miniftros  do  Sereniífimo  Rey  de  Portugal" 
como  acima  fica  declarado  ,  nao  deve  entrar  o  valor  dos 
anneisye  joyas  da  dita  Sereniílima  Princeza  Maria  Fran, 
.pifca  lfabel  de  Saboya  ,  nem  os  outros  moveis,  que 
ella  poderá  levar  comfigo  ,  de  qualquer  qualidade  que 
lejao  ,  os  quaes  com  tudo  ferao  taes,  que  os  ditos  excel- 
lentes  Senhores  Duque  de  Eílrée  ,  e  Biípo  Duque  de 
JLaon  julguem  ler  próprios  ,  e  convenientes  á  grandeza 
de  huma  tal  Princeza. 

17     E  por  quanto  eftava  refoluto  ,  e  acordado  ,   que 
o  excellenti/Timo  Senhor  Eifpo  Duque  de  Laon  pafsafse 
a  Inglaterra,para  alli  concluir,e  ratificar  o  que  em  Fran- 
ça havia  ajuítado  com  o  excellente  Senhor  Francifco  de 
■Mello  de  Torres  Marquez  deSande,  o  que  fe  ajuftou 
por  intervenção  do  Marquez  de  Rouvigni  com  appro- 
vaçaõ  de  Suas  Mágeftades  Britanicas;e  porque  em  o  ar- 
tigo primeiro  defte  tratado  eftava  também  refoluto,  e 
acordado  ,  que  o  cafamento  do  Sereniílimo  ,  e  Podero- 
Mimo  Senhor  D.ÂíFonfo  VI.Rey  de  Portugal  com  a  Se- 
reniíTima  ,  e  Excellentifiima  Princeza  Maria  Francifca 
Iíabel  de  Saboya  fe  devia  celebrar  na  Corte  de  Inglater- 
ra ,  e  em  prefença  de  Suas  Mágeftades  Britânicas,  fendo 
a  Omnipotência  Divina  ,  a  que  permittio,  que  o  mal  de 
contagio  naquelle  Reyno  fofse  taõ  cruel ,  como  fe  ex- 
perimenta ,  e  o  Grande ,  e  Sereniílimo  Rey  de  Portugal 
pela  grande ,  e  fingular  eftimaçaõ.  que  faz  da  Pefsoa  da 
Sereniílima ,  e  ExcellentiíTtma  Princeza  Maria  Francifca 
lfabel  de  Saboya  ,  a  naô  quer  expor  a  hum  taô  grande 
perigo,  fendo  para  elle  huma  pefsoa  taó  fagrada  ,  orde- 
nou ,  que  o  dito  ca fa mento  fòfse  celebrado  na  forma 
declarada  no  primeiro  artigo  em  Arrochella,ou  na  par- 
te ,  onde  depois  com  o  decoro  devido  fe  deve  em- 
barcar adita  Sereniílima  Princeza,  e  com  magnificên- 
cia ,  e  apparato ,  que  convém  a  fimilhantes  Mágefta- 
des. ° 

18     Por  quanto  em  o  quarto  artigo  defte  tratado  fe 
ob  ngõ  osditos  excellentes  Senhores^Duque  de  Eílrée, 

eBifpo 


VJRTE  II.  IWRO  XI.         427 

?  Bifpo  Duque  de  Laon  ,  a  que  em  Lisboa  fe  dará  a  fom-  Áfíno 
na  de  quatrocentos  mil  eicudos  ,  que  fazem  hum  mi-    „    , 
hao  ,  e  dizentas  mil  livras  tornezas,  boas  de  receber,  l^60* 
í  do  valor  ,  e  para  o  feiviço  do  Sereniílimo  Rey  de  Por- 
:ugal  pôde  fernecefsa  rio  valer-íeda  parte  deite  dinhei- 
■o  ,  fera  dada  a  dita  quantia  ,  ou  quantias  por  huma,  ou 
luas  vezes ,  ou  as  mais  que  quizer ,  ao  Doutor  Pedro  è& 
.\lmeida  do  Amaral  ,  do  Delembargo  de  Sua  Mageíia- 
de na  Cafa  da  Relação  de  Porto,  Secretario  dcílaErm- 
Daixadâ,como  Thefoureiío  do  dote  da  Sereniílima  Prin- 
seza  ,  como  coníla  do  leu  poder.  E  todo  o  dinheiro  pe- 
lo dito  Pedro  de  Almeida  do  Amaral  recebido  ,  ferále- 
/ado  em  conta  ,  como  fe  realmente  o  dito  Sereniílimo 
&ey  de  Portnguai  o  houveles  recebido.. 

19  E  finalmente  os  Senhores  Duques  de  Ellrée,  o 
Biípo  Duque  de  Laon  íe  obrigaó  ,  e  promettem  ,  que  o 
lito  Senhor  Duque  de  Vandofma  ,  etoda  a  fuaCaía  ie 
empregará  affim  em  França  ,  como  em  qualquer  parte, 
mi  tudo  o  que  tocar  aos  interefses  do  Sereniíf  mo  Se- 
ihor  Rey  de  lortugal ,  e  os  trará  ,  e  procurará  como 
próprios  em  todas  as  cccaíioens  j  que  oflèrecerem }  e 
para  eíle  eíFeito  o  dito  Senhor  Rey  de  Portugal  poderá 
:er  em  França,  e  junto  á  pefsoa  do  Senho/buque  de 
yãdofma  a  pelsoa  ,  que  julgar  necefsariajcomo  também 
3  Senhor  Duque  poderá  ter  em  Portugal ,  a  que  lhe 
parecer  ,  junto  á  pefsca  de  Sua  Mageíiade ,  tudo  na 
meima  forma.  E  eu  Pedro  de  Almeida  do  Amaral  ,  Se- 
cretario de  Sua  Mageíiade  na  Embaixada  extraordinária 
iSua  Mageíiade  da  Gram -Bretanha  ,  oeícrevi  emeafa 
do  Excellentiílimo  Senhor  Embaixador  extraordinário 
Marquez  de  Sande ,  em  Pariz  aos  vinte  e  quatro  de  Fe- 
vereiro de  mil  feiícentos  fefsenta  e  leis. 

Firmados  os  capítulos,  continuou  o  Marquez  as 
diligencias  dafua  partida  \  porém  atalhou-as  hum  acci» 
dente ,  que  lhe  embaraçou  por  alguns  dias  a  faude ,  e 
reílaurando-a  no  mefmo  trabalho  ,  que  lhe  havia  occa- 
íionado  o  achaque  >  fe  foi  dif pondo  a  partida  da 
Princeza ,  e  nomeou  EIRey  por  Cabo  da  Armada  ,  que 
aiiaYia  de  acompanhar ,  e  Monííeur  de  Rouvigni ,  fu- 

geito 


•L'i. 


4iS    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  geito  de  que  fazia  merecida  eíUmaçaÓ.O  Biípo  de  Laon 
s/s   depois  áe  haver  confeguido (  como  referimos )  licença 

IOõõ.  d^lRev  para  acompanhar  a  Princesa  ,  compoz  luzi- 
damente a  familia ,  que  determinou  ,  qne  lhe  aífiítiíse  \ 
e  juntamente  dilpenlou  EIRey  aMonheur  de  la  Nauve, 
Confelheiro  do  Parlamenta  dePariz,  que  acompanhafse 
a  Princeza,  por  haver  íi do  feu  Curador,  e  Intendente,  e 
os  Capitães  de  oito  fragatas  de  guerra  ,  de  que  conílat 
va  a  Armada ,  todos  eraó  de.  grande  qualidade.  O  Mar- 
quez difpunha  com  grande  prudência  o  animo  da  Prin- 
ceza ,  para  que  a  nao.tom.afse  de  fobrefalto  ,  o  que  ti- 
^  nha  que  vencer  no  empenho  ,  a  que  fe  arrojava  no  Ef. 
poio  ,  que  elegia  ;  e  tratava  com  grande  effrcacia  de  a 
inítruir  no  muito,que  devia  ao  Conde  de  Caítello-Me- 
lhor,é  quanto  lhe  convinha. fazello  infeparavel  das  luas 
direcçoens:  e  todas  e/tas  noticias  dava  o  Marquez  ao 
Conde  muito  individualmente. 

Neíte  tempo  incitado  EIRey  ChriítianilTimo  do  de* 
fejo  ,  que  tinha  de  romper  a  guerra  a  Gaftella  ,  o  que 
naó  podia  feguir ,  fem  fe  ajuítar  com  Inglaterra  ,  man- 
dou dizer  ao  Marquez  de  Sande  ,  que  fazia  taõ  grande 
eítimaçaó  da  fua  prudência  ,  que  tinha  porinfalhvel, 
que  fó  elle  poderia  ajuítar  as  cõtroverfias  de  Inglaterra, 
e  França  ;  e  o  modo  de  le  confeguir ,  era  fazer  elle  avi- 
zo  a  EIRey  da  Gram-Bretanha,que  fe  acafo  quizeíse  en- 
trar em  huma  boa  paz,  e  Tratado,cqmo  convinha  3  hu, 
e  outro  Reino  ,  ea  feus  aliados  ,  devia  mandar  poderes 
a  Moníieur  Hollis  feu  Embaixador ,  que  fe  havia  deti- 
do naquella  Corte  mais  do  que  fe  fuppunha  ,  para  que 
juntando-fe  com  Moníieur  VVanig  ,  Miniítro  dos  Efta- 
dos  de  Hollanda,  em  caía  da  Rainha  mãy  de  Inglaterra, 
e  na  prefença  do  Marquez  de  Sande  ,  a  quem  nomeava 
por  mediador  deita  concórdia  ,  e  dava  poder  para  fazer 
as  propoíiçoens  de  huma  ,  e  outra  parte  ,  para  fe  poder 
ajuítar  o  accõmodamento  de  ambas  as  Coroas.  Naó  du- 
vidou o  Marquez  de  aceitar  taò  authorizada  eõmifsaõ, 
e  taó  utij^aos  interefses  de  Portugal ,  e  dando  a  EIRey 
as  devidas  graças  da  honra  ,  que  lhe  fazia  ,  efcreveo  a 
EIRey  de  Inglaterra  ,  e  o  mefmo  fez  á  Rainha  mãy  ,  e 

como 


PARTE  11.  L1PK0  XI.       4*9 

fomo  era  muito  importante  o  fegredo,  para  que  os  Caí-  AntlO 
■ellianos  naõ  penetrafsem  eíte  intento,  mãdou  com  eítas       „ 
;artas  a  Inglaterra  a  feu  ibbrinho  RuyTelles,e  partindo  I00°! 
:om  toda  a  diligencia  a  efta  taô  honrada  cômilsaò  ,  de 
íue  era  muito  capaz  pelo  feu  talento  ,  depois  'de  fazer 
2xadas  diligencias,  naõ  pode  confeguir  o  que  intenta* 
ia  ,•  porque  os  ânimos  dos  Inglezes  eítavaõ  totalmente 
reparados  da  concórdia  ,  achando  a  Rainha  mãy  menos 
àifpofiçoens  parao  ajuítar  ,do  que  imaginava,-  porque 
laquelle  tempo  naõ  eílava  cabalmente  iatisfeita  das  di- 
ligencias do  Marquez  de  Sa  nde,  tendo-o  porauthor 
Jo  cafamento  d<ElRey  com  a  Princeza  de  Nemours,que 
41a  naõ  havia  approvado,  havendo  preferido  ajuftar-fe 
\  beneplácito  de  Caílella  com  a  irmãa  do  Imperador,ou 
com  a  Princeza  deCaífella; 

Vendo  EIRey  Chriftianiííimo  deívanecída  efta  fua 
ldtéa,mãdou  dizer  ao  Marquez  deSande  pelo  Marichal 
de  Turena/quedefejava  fallar-lhe,-  porque  tinha  negó- 
cios de  grande  importância  ,  que  comunicar  com  elle» 
Refpondeo-lhe  o  Marquez,  que  como  particular  eftava 
prompto  para  lhe  obedecer,  pois  ao  titulo  de  Embala- 
dor naõ  fe  extendiaõ  os  feifs  poderes ,  e  f ó  á  função  de 
acompanhar  a  Princeza  felimitavaõ.  Recebida  eí>a  rei- 
pofta  d'ElRey,  mandou  a  Moníieur  de  Rouvigni  con- 
duzir a  vinte  de  Abril  ao  Marquez  de  S.  German  ,  que 
ointroduzio  á  prefeuça  d'ElRey  pela  porta  de  hum  jar- 
dim á  galaria  de  Caítello-Novo  ,  onde  EIRey  o  efpera- 
va  fó  ,'Tem  Capitão  da  Guarda  ,  nem  Gentil-homem  da 
Camera.  Recebeo-o  cõ  extraordinária  demonífcraçaõ  de 
fionrá,  e  pafsadas  as  primeira  ceremonias,  Uie  diise,que 
liavia  dado  ordem  ao  Arcebifpo  de  Ambrun  ,  que  aííií- 
tia  em  Madrid,  para  oíFerecer  a  Rainha  Regente  de  Cá- 
ítella  a  mediação  da  paz  de  Portugal,  que  conforme  os 
avizos  5  que  tinha  do  Arcebifpo  ,  ella  a  havia  aceitado; 
e  elle  refpondera  ao  Arcebifpo  ,  que  fendo  as  propofi-       ^ 
çons  capazes  de  admittir  ,  pafsaíse  a  Lisboa  a  ajuítar  a 
paz,-  e  que  fendo  precifo  dilatar-fe  ,  fizefseavizo  a  Mõ- 
íieur  de  S,  Romen  ,   para  que  comniunicando-o  aos  Mi-. 
niítros  dlElRey>  fe  naõ  perdefse  tempo  em  negocio  taõ 

impor3 


430     PORTUGAL  RESTAURADO, 

AnnO  importante,  tendo  por  infallivel  ajuílar-fe,peío  mife- 
1666  Tavel  eí*ado»  a  clue  eítava  aduzida  a  Monarquia  de  Ca 
*  Di  Aella  ,  e  felicidade  de  Portugal ,  obrigada  do  valor  do: 
Cabos  ,  e  Soldados ,  e  acerto  dos  Miniítros  ;  e  que  o  fei' 
defejo  era  ajuítar-fe  huma  paz  firme  ,  e  nunca  teria  poí 
acertada  huma  tregoa  duvidofa:e  que  por  concluía ó  po 
dia  o  Marquez-,  dizer  a  EIRey  de  Portugal  da  fua  partq 
que  para  a  paz  o  teria  por  garante,  (  foraò  palavras  fop 
mães  )  e  para  a  guerra  por  companheiro,  naó  fó  na  dei 
peza  ,  mas  na  Campanha. 

Deite  diícuríb  pafsou  á  guerra  de  Inglaterra,  fegurã. 
do  ao  Marquez, que  fe  achava  muito  da  parte  da  íua  opi, 
niao  ,  deíejando ,  que  fe  ajuítafse  huma  liga  entre  elle. 
e  o  Reino  de  Portugal ,  e  Inglaterra  ,  achando-íe  arre- 
pendido  do  empenho ,  que  havia  tomado  com  os  Hol- 
lande^es ,  de  q  fe  tinha  originado  a  defconfiança  d< EI- 
Rey de  Inglaterra,  tendo  pelo  remédio  mais  efficaz  de£ 
tes  accidentes  ,  querer  elle  tomar  o  trabalho  de  pafsara 
Inglaterra  j  porque  fiava  da  fua  prudência  ,  e  capacida- 
de inteirar  a  EIRey  de  Inglaterra  da  eílimaçaó  ,  que  fa- 
zia da  fuacorrefpondencia  -,  e  que  elle  tomava  por  fua 
conta  ordenar  ao  Embaixador  de  Hollanda  âzeise  toda 
a  diligencia  poffivel  por  obrigar  aos  Hollandezes  á  ref- 
tituiçaó  de  Cochim ,  e  Cananor ,  que  reconhecia  ufur- 
pavaõ  injuítamente  a  Portugal. 

O  Marquez,  depois  de  render  a  EIRey  ot>fequioía- 
mente  as  graças  da  fua  benevolência  ,  lhe  reprefentou  a 
verdadeiro  conhecimento  ,  em  que  Portugal  fe  achava, 
das  grandes  obrigaçoens  ,  que  devia  á  Coroa  de  França, 
e  o  muito  que  EIRey  defejava  gratificalas  em  beneficio 
dos  interefses  daquelle  Reino  ;  e  neíta  confideraçaõ  ti- 
nha por  fem  duvida,que  Sua  Mageítade  empenharia  to- 
do o  feu  poder  em  íe  conf eguir  a  paz  entre  a  Coroa 
pe  Portugal ,  e  Gaftella  com  as  vantagens  ,  e  feguran- 
^  ças ,  que  haviaô  grangeado  as  íinaladas  vicíorias  alcan- 
çadas em  Portugal  contra  as  Armas  de  Caítella  5  e  que 
em  quanto  a  pafsar  a  Inglaterra  ,  eílava  prompto  para 
obedecer  a  Sua  Mageítade  em  tudo  ,  o  que  naó  encon- 
trafse  as  fuás  inítrucçoens ,  reprefentando-lhe  o  muito, 

que 


' 


PARTE  II.  LITRO  XI.         4ii 

que  eílava  próxima  a  jornada  da  futura  Rainha  de  A  nn(a 
Portugal ,  e  quanto  elle  era  obrigado  pela  fua  com.- 
miísaõ  atalhar  que  a  partida  da  Armada  íe  naõ  dila-  1 666* 
tafse  de  forte  ,  que  viefse  a  encontrar  na  Coita  de 
Portugal  os  perigos  das  tormentas  do  Inverno.  Que 
*m  quanto  á  liga  ,  que  a  Sua  Mageítade  confiava  das 
grandes  diligencias ,  que  Portugal  havia  feito  por  fe 
ijuílar ,  e  o  muito  que  fe  repulfara  no  anno  ,  em  que 
fe  tratara  a  paz  dos  Pyreneos  ,  fendo  certo ,  fe  fe  ajulla- 
ca  naquelle  tempo  ,  tivera  confeguido  a  paz  de  Caílel- 
la ,  e  que  os  Hollandezes  naõ  tiveraõ  violado  as  leys 
Japaz  firmada ,  podendo  por  eíte  caminho  lograr  toda 
Europa  a  felicidade  de  huma  paz  íegura.  Aeíta  propo- 
íiçaõ  acodio  EIRey  dizendo,  que  Ihenaõdéfseamo- 
leltia  de  fallar  na  paz  dos  Pyreneos  -,  porque  o  magoava 
cerrada  politica  daquelleajuftamento,  originada  de  in- 
terefses  alheyos,  porém  que,  fe  faltara  a  Portugal  na  eí- 
fencia  ,  lhe  acodira  com  as  circunílancias  ,  concorrendo 
:om  os  esforços  para  a  fua  confervaçaõ  ,  de  que  o  Mar- 
quez era  teílimunha,pois  lhe  haviaõ  corrido  pelas  mãos 
todas  as  fuás  boas  intençoens.  Sahio  o- Marquez  da  pre- 
fénça  d* EIRey  ,  naõ  havendo  demonílraçaô,  que  naõ 
lografse  da  fua  grandeza  ,  e  incomparável  urbanidade; 
e  o  Marichal  de  Turena  ,  e  Colbert  esforçarão  ,  quanto 
lhes  foi  poffivel,  as  propofiçoens  d'ElReyj  a  que  o  Mar- 
quez fatisfez  com  generalidade  ,  por  lhe  parecer  juíla- 
ttiente  impraticável  pafsara  Inglaterra  pelas  obrigações 
da  fua  cõmifsaõ  ;  e  tornando  o  Marichal  de  Turena  a 
inflar  fobre  o  cafamanto  do  Infante  com  fua  iobrinha, 
lherefpondeo  o  Marquez  por  termos  taõ  agradáveis , 
eprudentes,  e  com  efpe ranças  taõ  geraes ,  eaccõmo- 
dadas  aos  negócios ,  que  tratava  ,  que  deixou  ao  Ma- 
richal, fe  naõ  fatisfeito  ,  perfuadido  a  que  com  a  che- 
gada da  Rainha  poderia  ter  conclufaõ  afortuna  ,  que 
tanto  appetecia. 

Defejava  fummamente  o  Marquez  abbreviar  a  par- 
tida da  Princeza>e  fazia  muito  por  vencer  os  muitos  em- 
baraços ,  que  occafionava  o  rompimento  de  França  com 
Inglaterra  \  eparecendo-lhe  que,  partindo  a  Rainha  pa4» 

ra 


4?2  PORTUGAL  RESTAURADO  ,' 

Anno  ra  Arrochella  ,  onde  determinava  embarcar  ,  mandaria 
1 66  C  EIRey  fílzer  Promptas  as  prevençoens  da  Armada ,  qiig 
°h*  eítavaoporajuílar,  perfuadio  áPrinceza  a  que  man- 
dafse  ,  que  íe  expedifsem  as  difpoíições  da  fua  jornada] 
e  havendo-fe  ajuítado,  fe  defpedio  d'ElRey  o  primeiro 
de  Mayo ,  que  lhs  deu  taó  obfequiofo  tratamento  ,  que 
manifeítamente  publicou  quanto  defejava  a  felicidade 
de  Portugal ,  e  a  fua  união.  E  a  Rainha  de  França  >  co- 
nhecendo a  võtade  d'ElRey,  moílrou  á  Princeza  o  mef- 
mo  agrado  ;  ê  pafsando  a  fe  defpedir  da  Rainha  mãy  de 
Inglaterra,do  Duque,  e  Duqueza  de  Orliens,foraõ  inex- 
plicáveis as  domonílraçoens  do  carinho  ,  que  em  todos 
achou  ,  conhecendo-fe  claramente  no  Duque  partícula! 
afreóro  a  Portugal  em  todas  as  occaíioens ,  que  fe  havia 
tratado  dos  interefses  deíle  Reino.  Os  mais  Príncipes j 
e  Princezas  da  Corte  ,  havendo-lhes  EIRey  participado 
o  cafamento  da  Princeza ,  a  foraõ  vilitar ,  e  eftando  fi- 
nalado  o  dia  quinze  de  Mayo  para  a  íua  partida  ^en- 
tendendo o  Marquez,  que  Ruy  Telles  de  Menezes  nad 
poderia  dilatar-fe  com  os  pafsaportes  d« EIRey  de  Ingla- 
terra ,  que  havia  hido  bufcar  ,  e  juntamente  o  fato  ,  e 
família  do  Embaixador  ,  lhe  chegou  avizo  »  que  hum 
navio  Francez  fizera  priíioneiro  a  Ruy  Telles  ,  e  o  ha- 
via levado  ao  porto  de  Flecing  em  Zelanda ;  noticia  , 
que  lhe  occaíionou  grande  cuidado  pela  forçofà  dila- 
ção ,  a  que  o  obrigava  cite  accidente  :  porém  foraõ" 
taó  apertadas  as  diligencias  ,  que  fez  pela  reftituiçao 
de  Ruy  Telles ,  e  da  fua  família ,  e  fato  ,  que  o  veyo 
aconfeguir  ,  e  com  eíte  defembaraço  partioa  Princezai 
níTdeTrro-  de  Pariz  Sabbado  vinte  e  nove  de  Mayo  ,  viíitando 
cheiu  conduzi',  com  grande  carinho  na  ultima  defpedida  as  Religiofas 
da  pelo  Mar*  do  Convento  de  Santa  Maria  de  Carmelitas  Defcalças* 
quest)de  sande.  retiro  a  que  havia  paísado  depois  da  morte  da  Duqueza 
fua  mãy. 

Acompanharão  a  Princeza  até  Arrochella  fua  Avó 
materna  a  Duqueza  de  Vandofma,  viuva  de  poucos  me- 
zes  ,  e  feu  filho  o  Duque  novamente  herdado.  Fora  de 
Pariz  ,  pouca  diítancia  ,  a  eíperava  o  Marquez  de  San- 
de  com  muito  luzido  acompanhamento  ,  e  o  Duque  de 

Eftrée, 


PARTE  II.  LIVRO  XI.        45 ) 

Eftrée  ,  Marichal  de  França  ,  aíiiítido  de  íeus  filhos  o  Atino 
Marquez  de  Coeuvres,  eoBiípo  Duque  de  Laon  Par  ... 
de  França,e  Monfieur  de  laNauve  Coafelheiro  d4ElRey  luuo* 
no  Parlamento  de  Pariz  \  Curador  da  Rainha  ,  Superin- 
tendente da  lua  Gafa ,  (  como  difsemos)  e  outras  peísoas 
principaes  ornadas  de  viftofo  luzimento.  Continuou-íe 
a  jornada  para  Arrochella,  diítante  cento  e  vinte  léguas 
de  Pariz,  e  em  vinte  edous  dias  chegarão  áquelle  porto. 
Em  todas  as  Cidades  J  e  Villas  ,  por  onde  a  Princeza  paf- 
fou  ,  lhe  fizerao  por  ordem  d'ElRey  Chriftianiffimo 
muitos  folemnes  recebimentos.  Fora  de  Arrochella  a  eí- 
peravaoDuquedeNayvalles,  Par  de  França,  e  Gover- 
nador daquella  C  idade  com  a  Infanteria  ,  eCayallaria 
da  fua  guarnição  ,  e  todas  as  maisceremonias  militares, 
e  politicas  fe  obfervarão  fem  difFerença  alguma  ás  que 
fe  coftumavão  fazer  na  entrada  dos  Reys  de  França.Ef- 
tava  Drevenido  hum  fumptuofo  Palácio  para  a  affiíten- 
cia  da'  Rainha;  e  depois  de  defcançar  do  trabalho  da  jor- 
nada ,  deu  audiência  ao  Marquez  deSande,  Domingo 
á  tarde  vinte  e  fete  de  Junho.  Acompanhavaõ-o  três 
carroças  ,  cada  huma  de  féis  cavallos  ,  aífiítidas  de  de- 
fafeis  lacaios  veíHdos  de  panno  verde  ,  cobertos  de  páf- 
famanes  de  ouro.  Hiaó  nas  carroças  oito  Gentis-homens 
com  varias,  cuílolas  ,  e  diffèrentes  galas  ,  e  oito  pagens 
veftidos  de  veludo  verde,  guarnecidos  de  pafsamanes  de 
ouro,  e  forradas  as  capas  de  tela  branca.  Fazia  mais 
luzido  o  acompanhamento  o  Conde  de  Maré  ,  que  com 
licença  d£E!Rey  havia  paísado  a  cafàr-fe  a  França,  e 
trazia  cem  Soldados  de  cavallo  ,  que  fe  haviaõ  de  mon- 
tar nefte  Reino  ,  com  ca  facas  de  panno  verde  ,  guarne- 
cidas de  pafsamanes  de  prata,  cincoenta  com  partazanas, 
e  outros  cincoenta  com  ca  ravinas.  Chegou  o  Marquez 
ao  Paço,  em  que  a  Rainha  eítava  com  a  Duqueza  de 
Vandofma  ,  e  em  audiência  publica  ,  a  que  aíTiítiraõ  as 
Damas  principaes  da  Arrochella,  lhe  deu  acarta  de  cren- 
ça ,  que  levava  d'ElRey.  Logo  baixou  á  Capella,  onde 
eftava  o  Bifpo  Duque  de  Laon,  o  Bifpo  deXaintes, 
o  Bifpo  de  Luçon  ,  o  Vigário  geral  do  Bifpo  de  Arro- 
chella ,   o  Pároco  da  Freguezia ,  (  que  era  da  invocação 

Ee  de 


434     PORTUGAL  RESTAL%ADO , 

Anno  de  S.  Barthoíomeu )  o  Duque  de  Vandoíma ,  o  Duque 
t/66  ^e  Nayvalles  > e  outras  muitas  pefsoas  principaes,  e  Da- 
1000.  maS  ^  qUÇ  concorreraõ  das  Cidades  vizinhas  a  efta  cele- 
bridade. Leo-fe  a  procuração  d'ElRey ,  que  o  Marquez 
levava  ,  e  a  da  Rainha  ,  que  deu  ao  Duque  de  Vandof- 
ma  ,  e  em  virtude  delia  celebrou  o  cafamento  o  Bifpo 
Duque  de  Laon  na  forma  ordenada  pela  Igreja  Romana. 
Acabada  eíta  função ,  íbbiraõ  todos,  os  que  fe  acha- 
rão nella  ,  a  huma  gíande  fala  ,  em  que  a  Rainha  eiva- 
va tentada  debaixo  de  hum  docel  collocado  fobre  huma 
taríma  de  quatro  degráos.  Eftava  fentado  no  fegundo, 
em  hum  tamborete  ,  o  Duque  de  Vandofma  ,  que  era  o 
lugar,que  lhe  era  permittido  diante  da  Rainha  de  Fran- 
ça» O  Marquez  deSande  com  as  ceremonias  coftumadas 
em  Portugal  chegou  aos  pés  da  Rainha,  e  depois  de  hu- 
ma larga  ,  e  bem  compoíla  Oração  ,  deu  á  Rainha  hu- 
ma carta  d* EIRey,  que  trazia  prevenida  para  aquelle 
acto :  bejou-llie  a  maó  ,  e  as  mais  pefsoas ,  que  o  acom- 
panhavaó  f  e  muitos  Gentis-homens  Francezes ,  que  ur- 
banamente lèguiraô  efte  exemplo.  Apartou-fe  o  Mar- 
quez ,  tomando  o  lugar  ,  que  lhe  tocava  ,  e  entrou  o 
Duque  de  Nayvalles  com  titulo  de  Embaixador  d'ElRey 
Chriílianiilimo  a  dar  o  parabém  á  Rainha.  Seguio-a 
kum  Gentil-homem  d'ElRey  de  Inglaterra  com  huma 
carta  lua  para  efte  mefmo  rim  ,  e  hum  Inviado  do  Du- 
que de  Saboya.  Ultimamente  chegou  a  dar  o  parabém  á 
Rainha  o  Senado  ,  e  Governo  daArrocellai  e  acabado* 
eíte  ado  ,  fe  recolheo  a  Rainha ,  ordenando }  que  eíli- 
veíse  prompta  a  Armada  ,  para  fe  haver  de  embarcará 
Quarta  feira;  íeguin te  ,  em  que  íecontavaò  trinta  de 
ju  nho.  No  dia  finalado  fahio  do  Paço  em  huma  cadeira, 
de  tela  verde,  acompanhando-a  em  outra  a  Duquezavde 
Vandofma.Hia  a  cadeira  daRainha  debaixo  do  hum  pai- 
lio  ,  cujas  varas  levavaõ  os  Magiftrados  da  Cidade ,  e 
de  huma ,  e  outra  parte  toda  a  Cavallaria  ,  e  Infanteria 
da  guarnição,  rodeando  a  cadeira  a  pé  toda  a  mais  Cor- 
te. Chegou  a  Rainha  ao  bergantim  ,  onde  fe  defpedio 
da  Duqueza  fua  Avó  com  as  lagrimas ,  e  faudades » a  que 
a  obrigavaõ  a  eífreiteza  do  fatigue >  e  amor  da  criaçaõj 

effeitos> 


FARTE  II.  LIVRO  XI        457 

effeitos ,  de  que  nao  podem  iíentar-íe  as  Mageítades.  O 
Duque  de  Nayvalles  acompanhou  a  Rainha  até  o  bordo  Atino 
da  Capitania,  e  toda  a  Armada  íblemnizou  a  íua  chega-     ,  ,  , 
da  com  repetidas  ialvas.  Conítava  ella  de  dez  navios  de  **>00. 
guerra ,  cinco  de  fogo  ,  de  que  era  General  o  Marquez 
de  Rouvigni.  Era  Capitania  o  navio  chamado  S.  Coi- 
me ,  que  jogava  oitenta  peças  de  artilharia  de  bronze, 
e  tinha  de  guarnição  fejtecentos  homens ,;  adereçada  ex- 
cellentemente  a  camera,  em  que  a  Rainha  veyo;  e  a  ref- 
peito  da  guerra  declarada  entre  França,  e  Inglaterra, 
deu  ElRey  da  Gram-Bretanha  falvo  condu&o  j  porque 
nao  hou vefse  encontro  ,  ou  embaraço  ,   que  moleítaíse 
a  Rainha  j  logrando  omefmo  indulto  os  navios  mer- 
cantes ,  que  foraõ  naquella  conferva  ,   íei  vindo  a  íegu- 
rança,  nao  fó  para  a  paisagem  deita  A>rmada  a  Portugal, 
íenaõ  para  a  volta  delia  até  Arrochella.  Fez-fe  á  vela 
Domingo  quatro  de  Julho,  nao  lhe  dando  o  tempo  con- 
trario lugar  de  fahir  com  mais  brevidade;  e  o  que  a  Rai- 
nha gaitou  na  navegação  ,  tomaremos  para  dar  noticia 
dosiucceisos  da  Corte  no  livro  feguinte  ,  que  he  o  ulti- 
mo ,  com  que  remata  o  fegundo  volume  deita  Hiítoria. 


Ee  t 


HISTO- 


HISTORIA 


DE 


RESTAURADO. 

LIVRO    XII. 


S  u  M  M  A  R  I  O. 

ASSA  ElRey  da  Cofie  a  Salvater* 
ra:  chega  dquella  VIU  a  o  Embaixa- 
dor de  Inglaterra,  que  affiflia  na 
Corte  de  Madrid,  com  propofíçoeus' 
de  paz ,  que  fe  lhe  nao  admittem  :  e 
de  França  ordem  remetidapelo  AbS 
Ba  de  de  S,Romen,  para  fe  njuftar  a 
liga  entre  a?  duas  Coroas,  que  fe  cm  jegue*  Morte  da 
Rainha  mãy  ,  que  obriga  a  E/Rey  voltar  de  Salva- 
terra para  Lisfoa.Varias  dijfenfoem  polticas,Che* 
ga  a  Rainha  a  Lisboa  ,  referem^fe  asfeftas  ,  quefe 
celebrara®-  Sabe  o  infante  da  Corte  para  a  quinta 

de 


" 


VAKTE  II.  LIPK0-X1Í.       4J7 

de  Queluz ,  volta  d  Corte-Real  com  a  per  mi  jf ao  de  Atino 
nomear  Gentis-homens  da  Camera.  Renovciõ-Je  de]-  l$fá, 
confianças  entre  os  dom  Príncipes, arma-Je  o  Faço^ 
fem  fe  participar  ao  Infante:  queixafe  a  ElRey>  nao 
fe  lhe  defere.  Tomaõ  armas  as  tropas  da  Corte ,  di^ 
vide-fe  a  Nobreza  ,  affligem-fe  os  Fovor  ifomentaó 
es  Caftelbanos  a  guerra  Civil  com  diligencias  occul- 
tas.jujlifica  o  Infante  a  igualdade  das  fuás  acções 
com  vários  Mantfefios.  Sabe  da  Corte  o  Conde  de 
Ca '[iello- Melhor :  pertende  o  Infante  congraçar-fe 
com  EIRey  refem  efeito.  Retira-fe  a  Rainha  para 
4?  Convento  das  Religiofos  da  Efperança.Expoem  fe 
em  juizo  as  caufas  de  divorcio  dd-fejentença  a  [eu 
favor  ;  confirma-a  o  Pontífice.  Continuados  exceffos 
^ElRey.  Toma  o  Infante  pdffe  do  governo.  Chama 
d  Cortes  \  aju/la-fe  o  /eu  caj amento  com  a  Rainha^ 
em  virtude  da  feparaçao  do  Matrimonio.  Soliataô 
os  Caflelhanos  por  varias  diligencias  a  paz  :  conje" 
guem-a  com  memorável  gloria  de  Portugal» 


M  quanto  os  fuccefsos  da  guerra  concorriaõ  fe- 
licementeaimmortalizar  a  gloria  de  Portugal, 
tiverão  principio  novas  contendas  politicas, 
taõ  embaraçadas  ,  e  perigo fas ,  que  puzerão  em 
contingência  a  fua  coníèrvaçaõ  ;  e  como  eíla 
matéria  feja  a  mais  alta  de  todas,  as  que  contém  efta 
Hiftoria  ,  e  foi  o  principal  motivo  ,  que  nos  perfuadio 
a  abraçar  a  difficultofa  empreza  de  efcrevella ,  deixamos 
de  parte  todos  os  outros  fuccefsos  ,  para  naõ  interrom- 
permos o  fio  de  negocio  tão  grave,  e  de  tão  importan- 
tes confequencias  }  efperando  com  fegura  confiança,que 
a  niefma  verdade  pura  ,  e  folida  ,  que  fazia  parecer  dif- 
ficultoío  individuar  accidentes  tão  revoltofos ,  nos  firva 
de  fundamento  ,  para  fahirmos  fem  cenfura  ,  nem  quei- 
xa, de  empenho  tão  coníideravel ,  e  relevante. 

No  principio  do  anno  de  feiícentos  fefsenta  e  féis 

Ee  3  paísou 


4*S    POKTVGAL  'RESJJUnAbO, 

Atino  Pa^sou  EIRey  a  Salvaterra  na  forma,  que  coftumavajpo- 
.  .  .  rèm  com  mais  luzido  acompanhamento.  Fez  o  Infãte  D; 
1  ooo,  peciro  a  mefma  JQmada,achándo-fe  naquelle  tempo  def- 
tituido  da  aiiiítentcia  da  Nobreza  ,  feparada  delia  obri- 
gação pelo  receyo  da  cólera  d<  EIRey  ,  que  pertendião 
todos  não  excitar  fem  occaíião  juílificada.  Erão  os  Gen- 
tis-homens  da  Camera  ,  que  o  lervião  unicamente ,  Si- 
mão de  Vai concellos  ,  eChriílovão  de  Almada ,  pouco 
tempo  antes  provido  neíta  occupação ,  e  D.  Rodrigo  de 
Menezes ,  que  aííiítia  ao  Infante  ,  como  feu  Eítribeira 
mór  ,  que  fempre  alliítio  ao  Infante  com  fummo  zelo , 
e  attenção  ;  e  todos  es  mais  Gentis-homens  da  Camera 
fetinhão  apartado  de  feu  ferviço  pelas  razoens,  que 
lição  referidas.  Poucos  dias  depois  de  haver  EIRey  en- 
trado em  Salvaterra  ,  teve  avizo  o  Conde  de  Caftello-» 
Alelhor  de  que  chegava  áquella  Villa  (havendo  partida 
da  Corte  de  Madrid;  D.  Ricardo  Fanfchon  ,  do  Confe» 
Uio  de  Eirado  d' EIRey  de  Inglaterra ,  e  feu  Embaixa* 
dor  ordinário  a  EIRey  Catbolico,e  D.Roberto  Sõthuel,' 
hum  dos  Secretários  do  feu  Confelho  de  Eílado,  a  pro«* 
porem  a  EIRey  meyos  de  ajuítamento  entre  as  duas  Co- 
roas de  Pertugal,  e  CaítellaJ  porque  EIRey  de  Inglater- 
ra perfuadido  das  inílancias  da  Rainha  fua  mulher  >  das 
diligencias  do  Marquez  de  Sande  (  como  referimos  )  e 
de  vários,  e  importantes interefses  políticos ,  deíejava  a 
paz  ajuítada í  e  para  confeguir  eíle  intento  ,  havia  man- 
dado ordem  a  Madrid  ao  feu  Embaixador,para  que  ten- 
tafse  os  ânimos  dos  maiores  Miniftros  daquella  Monar- 
quia: e  fazendo  o  Embaixador  com  grande  attenção  ef- 
ta  diligencia  ,  achando-os  difpoílos  a  fe  abrir  o  Trata- 
do, deu  conta  a  EIRey,  que  lhe  ordenou  pafsafse  a*Por« 
tugal  com  as  propoíieoens ,  que  os  Caltelhanos  fizeí-* 
fem. 

Chegados  eíles  Miriijbos  a  Salvaterra  ,  forão  hof- 
pedados  na  Villa  de  Benavente  ,  que  fica  pouco  diílan- 
te,  com  grande  magnificência  ;  e  como  a  Providencia 
Bivina  declarada  pelas  íinaladas  vidtorias,  pouco  tempo* 
antes  confeguidas  >  dif punha  o  íbcego  gloriofo  do  Rei- 
tú$  de  Portugal;  atite*  dos  Mirçj&ro&cíe.  Inglaterra  decla- 
rarem 


PARTE  K  LIVRO  X/L        439 

rarem  as  propofiçoens  dos  Gaítelhanos  ,chegou  de  Fran- 
ça Melchior  de  Harod,  Abbade  deS.  Romen  ,  com  hu- 
ma  carta  do  Marichal  de  Turena  para  oGóde  deCaílel- 
lo-Melhor.em  que  lhe  dizia  da  parte  d<ElReyChriítia- 
niffirno,  que  défse  inteiro  credito  a  tudo  quanto  o  Ab- 
bade lhe  referifse^e  parecendo  conveniente  lerem  ouvi- 
das as  fuás  propofiçôes  primeiro,  que  as  do  Embaixador 
de  Inglaterra  ,  áiíse,  que  EIRey  Chriítianiíiimo  mãdava 
difsefse  á  EIRey  D»  Afibnfo  ,  que  tendo  noticia  do  de- 
íejo ,  que  os  Caítelhanos  tinhão  de  ajuítar  a  paz  de  Por- 
tugal,  era  de  parecer  que  ,fendo  honorifica,  e  vantajoia, 
aaceitafse  ;  porque elie  com  fíncero  coração  a  approva- 
va ,  e  tinha  por  precifa  ;  porém  que  fe  acafo  as  propo- 
ílçoens  dos  Gaítelhanos  não  fofsem  convenientes ,  efta- 
va  promptoparaaíTiítir  á  guerra  de  Portugal  com  tro- 
pas ,  Armadas,  e  dinheiro  á  lua  eleição,  e  á  medida  dos 
Íeusin4*srefses.  Foi  eíte  accidente  digno  de  grande  ef- 
timação;  porque  deixava  os  ânimos  dos  Miniítros  d' EI- 
Rey deíembaraçados  para  eleger  o  mais  feguro,  ehon- 
*ofo  partida  em  occurrencia  tão  relevante  ,  e  com  eíta 
áefembaraçada  confiança  forão  ouvidas  as  propoíições 
dos  Miniítros  de  Inglaterra :  e  como  no  íobreícrito  tra- 
zião  a  repulfa,  e  o  defengano,  pouco  durou  a  conferen- 
cia •,  porque  difserão  ,  que  os  Caítelhanos  eítavao  prom- 
ptos  para  abrir  o  Tratado  da  paz  ,  com  declaração ,  que 
havia  fer  de  Reino  a  Reino  ,  e  não  de  Rey  a  Rey  :  e 
penmntando-lheoConde  de  Caílello-Melhor  (  depois 
5e  dar  conta  ao  Confelho  deEítado)  fe  trazia  alguma 
inftrucção  fecreta  ,  que  derogafse  aquelle  temerário  des- 
vanecimento dos  Gaítelhanos ,  e  reípondendo  ,  que  nao 
trazia  ordem  para  abrir  de  outra  forte  o  tratado  da  paz, 
foi  defpedido  por  opinião  conforme  de  todos  os  Con- 
feiteiros de  Eítado  com  muitas  joyas  ,  e  regalos  ;  e  íup- 
poftoque  defejava  confeguir  o  que  havia  intentado, 
eonheceo  a  juítificada  razão,com  que  era  dei  pedido,  bm 
breves  jornadas  voltou  para  Madrid,  e  achou  nos  Mi- 
niftros daquela  Corte  fentimento  de  lhe  não  haverem 
dado  mais  amplas  inítrucções ;  porque  a  grande  contu- 
faõ,  e  aperto  daquella  Monarquia,  padecido  pelaguer- 

Ee4  ™ 


Anno 
i6660 


Ànno 
i666> 


PORTUGAL  RESTAURADO, 

ra  de  Portugal,  os  obrigavaa  reconhecer  que  fó  na  pazí 
das  fuás  Coroas  coníiíUa  o  feu  defafogo. 

Continuou  EIRey  alguns  dias  a-  aíFiítencia  de  Sal- 
vaterra com  a  maior  parte  da  Nobreza  da- Corte,  que  fa- 
zia  viftofa  a  Campanha ,  havendo  EIRey  dado  orôem* 
q  á  fua  imitação  veíHisem  todos  cafacasde  panno  azul 
com  palsamanes  de  prata.  Partidos  os  Embaixadores  a 
vinte  edous  de  Fevereiro  ,  voltarão  os  Confelheiros  de 
Eílado  para  Lisboa,  que  acharão  com  prognoílicos  me- 
nos aprazíveis,  por  fe aggravarem  naquelle  tempo  as 
enfermidades  da  Rainha  D.  Luiza  ,  çue  padecia  muitos 
mezes  antes,  e  tolerava  com  tanta  paciência ,  eíbíFri- 
mento  ,  que  promettia  o  feu  agradável  trato  mais  dila- 
tada vida  :  porém  Quarta  feira  vinte  e  quatro  de  Fevei 
reiro  começou  a  Rainha  a  fentir,  que  o  mal  fe  augmen* 
tava  de  forte  ,  que  requeria  remédios  mais  vigorofosi 
-Deu  conta  aos  Médicos,  e  reconhecendo  elles  ,  qfe  con- 
firmava a  hydropifía  ,  que  havia  tempos  receavaõ,  e  que 
conhecidamête  a  difficu Idade  da  refpiraçaõ  Iheprogno- 
íticava  poucas  horas  de  vida  ,  fe  refolveraó  ,  e  iníinuar-, 
lho:  ecomo  aquelle  elevado  entendimento  ,  eantici- 
pada  reíígnaçaõ  nao  neceffitava  de  muitos  incétivos  pa- 
ra a  conformidade  na  vontade  Divina ,  fe  confefsou  ,  e 
recebeo  o  Santiífimo  Sacramento  do  feu  Oratório  ,  re- 
ceando a  dilação  pela  diftancia  da  Freguezia.  Fez  teíla- 
mento  por  mao  do  feu  Secretario  Belchior  do  Rego  de 
Andrade,*  approvou-o  ,  e  foraô  teítimunhas  o  Marquez 
de  Marialva,  o  Marquez  de  Niza  ,  o  Conde  de  Arcos  f 
Ruy  de  Moura  Telles, António  de  Mendoça,  Arcebifpa 
eleito  de  Lisboa, o  Bífpo  de  Targa,  eleito  de  Lamego,D.' 
Lucas  de  Portugal,  e  Gafpar  de  Faria  Severimj  e  aífínado 
o  teftamento-,  efcreveo  três  cartas  a  feus  fil-hostduas  mã- 
dou  remeter  logo  a  Salvaterra  ,  a  terceira  a  Inglaterra*' 
Ao  dia  feguinte  teve  mais  algum  focego.  Tornou  a  có- 
fefsar-fe  geralmente ;  e  ao  Sabbado  comungou  por  Via- 
tico  da  Freguezia,e  recebeo  a  Unçaó  com  a&os  taõ  fer- 
vorofos ,  e  confiantes  ,  que  claramente  moílravaõ  a  pu- 
reza do  efpirito.  E  com  o  Bifpo  de  Targa  ,  que  lhe  deu 
a  Conirniinhao,  fez  íolemne  proteítaçaõ  da  Fé,e  em  voz 

clara; 


w-  -w 


Vst&TElI.LlVKOXlI.       44i 

Èm  ,  e  intelligivel  pedio  perdão  a  íeus  criados  do  tra-  Anno 
balho  ,  que  lhes  havia'  dado  ,  e  nas  copioías  lagrimas,        f  . 
que  todos  derramarão  ,  reconheceo  o  ientimento ,  que  1000* 
padeciaõ  ,  exprefsado  pelofeu  Mordomo  maior  o  Con- 
de de  Santa  Cruz.  % 

Chegou  a  Salvaterra  efta  noticia  ,  que  as  cartas  da 
Rainha  em  breve  efpaço  confirmarão ,  e  lida  a  queef- 
creveo  a  EIRey  ,  pelo  Conde  de  Caftello-Melhor  na  ília 
prefença  ,  acharão,  que  continha  asdifcretas  ,  e  pruden- 
tes razoens  íeguintes ;  Filho .,  fico  em  tal  eftaào ,  que  du- 
hiidio  os  Médicos  da  minha  vida  ,  e  eu  com  elles  entendo  , 
que  niopoffb  durar  muito*  Refolvime  afazer  a  Voffa  Ma- 
veftade  efte  aviso  ,•  porque  não  feife  o  tempo  dará  lugar  a 
mtr a  prevenção.  No  aperto  de  fia  horajó  lembra  o  remédio 
úaalma  ,  eachando-me  impojjihilitada  para  o  dej cargo  deU 
la  ,  fó  de  vos  ,  como  meu  filho  ,  pojfo  fazer  ejla  confiança. 
Tudo  vos  digo ,  lembrando-vos ,  que  fou  voffa  mdy  ,  e  tudo 
efpero  de  vos ,  quando  reconheçais  as  obrigaçoens ,  com 
que  naceftes.  Aqui  efpero  a  morte  entre  as  lagrimas  daquela 
les  a  que  falto  ,  fendo  o  meu  maior fentimento  o  f eu  dej  am- 
paro. Peço-vos  ,  que  depois  de  fazerdes  o  que  deveis  pela 
minha  alma,pagueis  por  mim  o  muito  que  eu  devo  aos  que  me 
ticompanharaõ  ,*  e  juntamente  ,  que  nas  minhas  fundaçoens 
acabeis  de  fazer  o  que  eu  naõ  pude  ,   pois  Deos  ajjimo 
quer  ,♦  efe  elle  permittir  ,  que  eu  acabe  ,  f em  que  vos  veja, 
fó  a  minha  benção  vos  deixo  ,  porque  f d  efta  tenho  que  dei- 
mrvos  ,•  advertindo-vos  ,  que  me  nío  ha  Deos  de  pedir  con- 
ta de  nâo  tratar  fempre  a  Voffa  Mageftade  ,  como  filhoy 
que  efpero  guarde  ,  e  defenda  a  Voffa  Mageftade]  largos  ,  e 
felices  annos.  Xabregas  ,  vinte  e  féis  de  Fevereiro  de  mil  e 
fei f centos  Jefienta  ejeis* 

RAINHA. 


No  mefmo  tempo,  emqueouvio  EIRey  ler  efta 
carta ,  lêo  o  Infante  a  que  a  Rainha  lhe  eícreveo  ,  que 
exprefsava  as  palavras  íeguintes:  Filho  ,  o  tempo,  que 
me  pôde  durar  a  vida ,  he  ta&  pouco  ,  que  por  inftan- 

tes  me  vejo  aeaban  Sou  vojfa  mdy  j  e  eftando  de  cami- 

—  .  —  - ^0 


— 


V 


44»    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  ^  paraafepultura,  .não  vos  quero  deixar f em  arminhe 
1Ú66  m^'  £m  ella  vos  encomendo  o  temor  de  Deos  9  eaobedi- 
*y  '  mcia4$mffo  irmio  ,  m  #»*  w^w  éb^s  a  felicidade  ,•  é 
ultimamente ,  que  depois  de  minha  morte  vos  lembreis  da 
minha  alma  ,  que  tudo  deveis  ao  meu  amor.  Deos  vos  guar- 
de felkes  ,  e  dilatados  annos,  Xabregas  ,  vinte  e  féis  de  Fe- 
vereiro de  mil  efeif centos  fefjent a  efeis. 

RAINHA. 

Forão  diíferentes  os  eíFeitos  \  que  produzirão  eíhs 
cartas  da  Rainha  nos  ânimos  d<  EIRey,  e  do  Infante  ,• 
porque  EIRey  fez  gala  de  não  fentir  a  fua  morte ,  e  o 
infante  lu&o  do  fentimento  ,  accrefcentando>lhe  a  pe- 
na ,  que  padecia ,  zombar  EIRey  das  muitas  lagrimas, 
que  juílamente  derramava  ,  depois  de  lhe  negar  licen- 
ça ,  para  partir  no  mefmo  iníiante  a  tomar  a  benção 
a  Rainha  ,  valendo-fe  EIRey  do  pretexto  ,  de  que  fazia> 
a  mefma  jornada.  Ambos  refponderaÕ  ás  cartas  da  Rai-* 
»ha.  Partioalevar  ad<ElRey  o  Marquez  deGouvea* 
leu  Mordomo  maior ,  e  a  do  Infante  Simaó  de  Vafcon^ 
cellos.Sabbado  ás  dez  horas  chegarão  a  aprefentar-lhas. 
Deu  ordem  ,  que  entrafsem :  beijarão-lhe  a  maõ,  e  aber* 
tas  pelo  Secretario,  dizia  ad'£lRey:  Com  odifgojlo* 
que  merece  e fia  nova  ,  que  por  carta  de  Voffa  Mageflade  re- 
cebo ,  fico  de  caminho  com  toda  a  prefja ,  pedindo  a  Deos  > 
que  permitia  tenha  eu  a  confolacâo  de  bei)ar  a  mío  a  Vojpt 
Mageflade :  epara  que  feja  a  Voffa  Mageflade  prefetite  ef- 
tammharefulaçdo  ,  de f pacho  ao  Marquez  de  Gouvea  ,  meu 
Mordomo  maior ,  orãenanda-lhe  „  que  com  a  maior  brevi- 
dade chegue  aos  pés  de  Voffa  Mageflade  ,•  e  acontecendo,  que 
a  dif graça  de  todos  feja  de  maneira,  que  eu  o  níofaca  a  tem- 
po de  o  dizer  a Voffa  Mageflade ,  as  obrigaçoens  de  filho  de 
Voffa  Magefiade  ,  com  que  nafci ,  me  mio  efquecerdõ  nunca, 
e  conforme  i fio  experimentará  as  peffbas  ,  eme  fervem  a  Vof- 
fa Mageflade ,  que  mais ,  que  fe  a  mim  fora  ,  efiimo  eu  os, 
ferviços ,  que  a  Voffa  Mageflade  tem  feito  ,•  e  que  as  fundai 
ç&efis  de  Voffa  Mageflade  ajudarei  com  todo  o  calor ,  como 
por  efia.cana.Gfnço.,eef pêro  em  Deos, que ha  de  dar  aVoffa 

MageJ- 


PJRTE  II.  LIVRO  XII.       445 

Mageflade  muita  vida ,  para  que  nella  experimente  Voffa  Armo 
Mageflade  ifto  ,  que  refiro.  Guarde  Deos  a  Real  peffoa  de     ... 
Voffa  Mageflade,  como  defejo,e  hei  miflew  Salvaterra,  vinte  I(í0  ò* 
e  íeis  de  fevereiro  de  mil  e  feif centos  feffent  a  efes.  Beija  as 
mios  de  Voffa  Mageflade  feu  muito  obediente  filho. 
J  R  E  Y. 

•  Bem  íe  deixa  reconhecer  nos  termos  deita  carta  a  pou- 
ca regularidade  das  acçoens  d*  EIRey ;  e  como  a  verdade 
da  hiíloria  naó  permitte  mudar  a  iubftaneia  de  matérias 
taò  graves,  e  he  tirada  do  original,  naõ  era  poílivel  dif- 
penfar-fe  mudarem-fe  os  termos  exprefsos  delia. 

A  carta  do  Infante  continha  as  razoens ,  que  fe  fe- 
guem :  Minha  mãy,  e  Senhora  :fe  em  taÕ poucas  regras  pu- 
dera explicar  as  anciãs  ,  com  que  fica  o  meu  coração  ,  depois 
de  haver  recebido  a  carta  ,  queVofja  Mageflade  me  fez  mer- 
cê efcrever  ,  conhecera  Voffa  Mageflade  o  como  corre fpon- 
dem  as  lagrimas  exteriores  aofentimento  ,  que  a  alma  pade- 
sena  confideraçâo  da  falta  de  huma  tão  grande  mãy  ,  como 
VbJJa  Mageflade  5  ede  hum  tão  obediente  filho  ,  como  eu 
fou  ije  pode  crer,  que  pela  doutrina  de  Voffa  Mageflade  naô 
faltarei  nunca  no  temor  de  Deos  ,  e  na  obediência  d-ElRey 
meu  Senhor.  Fio  da  Mifericordia  Divina  ,  que  me  não  cafli~ 
gue  tão  rigor ojamente ,  e  que  ha  de  dilatar  a  Voffa  Magef- 
tade  por  muitos  annosa  vida ,  que  hei  mifler.  A  Real  peffoa 
de  Voffa  Mageflade  guarde  Deos ,  como  eu  mais,  que  todos, 
defep.  Salvaterra ,  vinte  e  féis  de  Fevereiro  de  mil  cjeif- 
centos  fejfentae  féis.  Filho  mais  obediente  de  Vojfa  Magef- 

tade» 

O  INFANTE. 

Ouvio  a  Rainha  lêr  eftas  cartas  com  grande  ternuras 
e  moftrava  notável  anciã  de  ver  feus  filhos  antes  de  ex- 
pirar. Levantou-fe  neíle  tempo  hum  rumor  na  cafa  de 
que  chegava  EIRey:  chamou  a  Rainha  ao  Conde  de 
Santa  Cruz ,  e  lhe  ordenou  ,  que  fofse  recebello:  porém,  Mme  u  BaU 
defvanecendo-fe  eíla  noticia  >  porque  EIRey  navegava  „t,amMy  ■  q!i& 
com  menos  prefsa,  do  que  pedia  taó  relevante  sauia  ,'*t>tig*  a  EiRey 
Sabbado  ás  cinco  horas  da  tarde  foi  a  Rainha  entrando  «^  J^h*. 
ii^ultimoparocirmove  correndo  fegunda  voz  ?dequeèí(<j4  ' 
"i     -  ElRey~ 


444  PORTUGAL  RESTAURADO  ; 

Ànno  EJReychegcWa  ,  ainda  a  percebeo  J  porém  vendo  que 
1666* tardava  » levantou  a  maõ,  e  lançou  a  benção  para  a  por- 
*WJ  ta  por  onde  léus  filhos  havia  õ  de  entrar  j  e  conhecen- 
do 4  quefe  hia  defatando  da  uniaõ  do  corpo  aquelle  in- 
vencível ,  e  incomparável  efpirito ,  proteílou  com  voa 
intelligivel ,  que  nunca  tivera  ódio  a  pefsoa  alguma  ,  e 
repetio  os  acTxjs  de  amor  de  Deos  com  fervor  taõ  efiicaz; 
que  vaticinava  o  premio  da  verdadeira  refígnaçaó  ,  que 
a  efperava  em  melhor  vida  $  e  crefcendo  o  accidente  , 
foraô  m  ultimas  palavras  ,  que  pronunciou  ,  pedir  a  to- 
iodos  ,  os  que  eítavaõ  prefentes ,  que  lhe  perdoafsem,fe 
alguma  oflènfa  fua  haviaõ  tido  ,  ecom  eâa  ultima  ex- 
prefsaó  lhe  faltou  a  voz  ,  e  neíte  tempo  dando  oito  ho- 
ras ,  entrou  EIRey,  e  o  Infante  á  lua  prefença,  acompa- 
nhados do  Conde  de  Caítello-Melhor ,  e  de  Simão  de 
Vafconcellos  :  puzeraõ-fe  de  joelhos  ,  e  pedirão  a  fua 
mãy  ,  que  lhes  défse  a  benção  ,  e  não  podendo  ella  ref- 
ponder-lhes  mais ,  que  com  a  ternura  dos  olhos  ,  lhe  ti-, 
rou  a  mão,  que  eííava  coberta,  D.  Ifabel  de  Caftro,  que 
com  grande  fíneza,e  conílacia  havia  affiítido  até  aquel- 
le ponto.  Seus  filhos  lhe  beijarão  a  maõ  ,  e  feita  eíla  ce- 
remonia  ,  deixando  o  Infante  copiofas  lagrimas  por  inV 
dicio  da  fua  dor,  voltarão  para  o  Paço,  e  a  Rainha,  paf-, 
fando  pouco  mais  de  três  horas  ,  expirou,  Sabbado  vin- 
te e  fete  de  Fevereiro  ,  ás  nove  horas  da  noite.  Ao  ama- 
nhecer fe  juntou  na  mefma  quinta  o  Confelho  deEíta- 
do,onde  entrou  o  Secretario  da  Rainha  Belchior  do  Re- 
go de  Andrade  com  o  teíla mento  ,  que  havia  feito  ,  e 
entregando-fe  ao  Doutor  António  Lobo  de  Torneyo 
Corregedor  do  Civel  da  Corte  ,  que  eítava  prefente  V 
o  abrio  ,  e  conforme  as  difpoílçoens  delle  ,  fe  tratou  do 
feii  enterro  ,  feguindo-fe  o  meímo,  que  fe  havia  execu- 
tado no  enterro  d'ElRey  feu  marido  ;  e  ordenando-fe  ,' 
que  os  feus  criados  fizefsem  naque-lie  acto  as  funçoens 
de  íeus  oíficios,e  a  0ccupaça5  de  Camereira  mayor  exer- 
citafse  D.  Luiza  de  Menezes ,  que  havia  fido  Guarda 
mayor,*  e  que  a  Condefsa  de  Santa  Cruz  ,  mulher  do 
Mordomo  mayor,  efcrevefse  a  todas  as  fenhoras  viuvas, 
para  que  viéfsem  aífiítir  ao  corpo  d.a  Rainha  :  que  as  ca- 
\,       ■-■  ias 


V ARTE  11  LIPKO  XII.       44$ 

ias  fe  adereçafsem  com  grandeza  funeral ,  e  o-corpo  fe  Ànno 
puzefse  em  hum  leito  de  borcado  roxo:  que  a  liteira  fbf-  , 
íe  de  veludo  negro  com  franjas  de  ouro,  forrada  de  bor-  *  oco. 
cado  negro  :  e  que  o  corpo  fe  depofitafse  no  Hofpicio 
dos  Carmelitas  Defcalços  da  rua  dos  Torneiros,  como 
a  Rainha  ordenava  ,  naCapellamor  da  parte  doEvaii- 
gelho:que  a  Miísa  de  Pontifical  difseise  o  Bifpo  de  Tar- 
ga  ,  os  Refponfos  o  Arcebiípo  eleito  de  Braga  ,  os  Bií- 
pos  eleitos  de  Leiria  ,  o  do  Porto  Efmoler  mór ,  e  o  Bif- 
po Confefsor  ,•  e  para  levarem  o  caixão  ,  forão  nomea- 
dos o  Marquez  de  "Marialva  ,  o  Marquez  de  Niza,  os 
Condes  de  Miranda  ,  Ericeira  ,  S.  João  ,  Arcos ,  Santa 
Cruz  ,  Villa-Verde ,  Unhaõ  ,  e  Ruy  Fernandes  de  Al- 
mada. Avizou-fe  o  Provedor  da  Miferkordia  ,  para  que 
efperafse  com  a  Irmandade  no  terreiro  de  S.  Nicoláo  ,  e 
daquelle  fitio  levafsem  ò  corpo  os  Irmãos  até  a  Igreja, 
quebrando  primeiro  os  Officiaes  da  Caia  as  iníignias  dos 
feus  oíficios  ;  que  pofto  o  corpo  no  lugar  do  depofito  , 
fe  abrifse  o  caixão  pelo  Conde  Mordomo  mor ,  e  íe 
havia  de  fazer  a  entrega  delle  pelo  Secretario  daRai- 
nho  com  auto  aííignado. 

Ajuftadas  todas  eftas  difpofiçoens ,  mudarão  o  cor- 
po da  Rainha  da  cafa  ,  em  que  morreo  ,  para  a  que  ef- 
tava  preparada  com  os  Altares  ,  e  leito  os  feus  Officiaes 
da  Cafa,  efoi  accommodado  nelle  com  a  veneração  , 
e  decência  devida  por  D.  Luiza  de  Menezes,  metendo-a 
no  caixão  ,  e  cerrado  ,  entregou  a  chave  ao  Conde  de 
Santa  Cruz  ,*  e  dita  a  Mifsa  ,  e  os  Refponfos  logo  que 
cerrou  a  noite  ,  íajiio  ElFvey ,  e  o  Infante  de  nu  ma  ca- 
ía ,  em  cmeeílavão  recolhidos  ,  a  deitar  agua  benta  á 
Rainha  íua  mãy  ,  e  na  prefença  dos  feus  Principes  pe- 
garão no  caixão  as  pefsoas  nomeadas  ,  e  EIRey ,  e  o  In- 
fante acompanharão  o  corpo  até  fe  pôr  nos  varacs,  e 
fahir  á  rua  ,  elogo  fe  recolherão  ao  Paço  ,  onde  eftive- 
rão  occultos  nove  dias ,  e  o  def pacho  dos  Tribunaes  fe 
fuípendeo  por  quatro ,  veftindo-fe  a  Corte ,  e  Reino 
de  igu  ai  lucto ,  ao  que  fe  havia  trazido  na  morte  d'El- 
Rey  D.  João. 

Sahida  a  liteira  da  quinta ,  caminhou  para  o  Campo 

de 


\ 


Ànno 
1666, 


446   POrrVGAL  KESTJUKADO; 

de  Santa  Ciará ,  entrou  pela  portada  Cruz], fahio  á  Ri- 
beira ,  pela  Rua  nova  ,  e  rua  dos  Ourives  dó  ouro ,  che- 
gou ao  terreiro  de  S,  Nicoláo:  foraõ  diante  a  cavallo  os 
Porteiros  da  Gana:  feguirao-fe  os  dous  Corregedores  do 
Crime  da  Corte,e  em  duas  alas  os  Titulos  á  maõ  direita, 
os  Oificiaes  da  Cafa  á  eíquerda,e  os  Capellães  da  Capei- 
la  com  fobrepellizes  ,  e  tochas  entre  as  duas  alas  ,  e  no 
fim  delias  o  coche  de  refpeito  diante  da  liteira,  que 
acompanhava©  os  moços  da  Camera  com  tochas:  detraz 
delia  o  Eítribeiro  mór  ?  e  os  Proficientes,  Fidalgos  ,  e 
Confelheiros  tomáraó  os  lugares,que  lhes  pertêciaónos 
acompanhamentos  ordinários  dos  Príncipes  ;e  ultima- 
mente hiaõ  os  Capitães  ,  e  Tenentes  das  Guardas  com 
os  Soldados  delias  na  forma  coítumada.Chegando  o  cor- 
po á  Igreja  ,  e  feitas  as  ceremonias  referidas  ,  fe  fechou 
no  breve  depofito  de  hum  cofre  a  refpeitada  cinza  da 
Rainha  D.  Luiza  Franciíca  de  Gufmaõ  ,  que  logrou 
todo  o  tempo  ,  que  lhe  durou  a  vida  ,  as  virtudes  mais 
heróicas  ,  que  devem  ornar  a  Princeza  mais excel lente. 
Caftellalhedeu  o  ler  ,  Portugal  a  Coroa:  foraõ  feus 
pays  D.  Manoel  de  Gufmaõ  ,  e  D.  Joanna  do  Sandóval 
Duques  de  Medina-Sidonia.  Nafceoem  S.  Lucar  ,  Do- 
mingo treze  de  Outubro  do  anno  de  mil  feiicentos  e 
treze.  Concertaraó-a  feus  pays  para  caiar  com  ElRey 
D.  João  ,  lendo  Duque  de  Bragança.»  recebeo-fe  a  onze 
de  Janeiro  no  anno  de  mil  feiicentos  trinta  e  três.  O 
tempo  que  aíTiílio  em  Villa-Viçofa  diípendeo  taõ  vir. 
tuofa  ,  e  prudentemente ,  que  era  venerada  como  orá- 
culo ,  e  de  forte  refpeitada  do  Duque  feu  marido  ,  que 
fiou  a  decifaõ  dos  empenhos  de  Caftella  >  forjados  na 
induftria  do  Conde  Duque  ,  da- fuá  prudência  ,  de  que 
fe  valeo  na  duvida  de  aceitar  a  Coroa  ,  e  de  que  o  livrou 
com  a  opinião  generofa ,  de  que  era  mais  conveniente 
perigar  Rey  ,  que  vafsátlo.  Sentada  no  throno  ,  pare- 
ceo  ,  qiíe  nao  fe  criara  fora  delle  ,  logrando1  táò  natu- 
ral aMageílde,que  fora  difcredito  da  fortuna  rtaò  triun- 
far coroada.  Em  quinto  viveo  ElRey, lhe  comunicou  os 
negócios  mais  árduos  da  Monarquiase  íédo  muitas  vezes 
as'  refoluçoens  acreditadas  com  o  fuccefso,  nunca  fez  ja- 
ctância 


VÃRTE  D.  L1FR0  XI.         447 

aãcia  de  fe  deverem  ao  feu  difcurfo,  avaliando  adquirir  Anno 
louvores  a  EIRey  pela  maior  gloria  j  porque  o  amava     ,,  , 
taõ  affecluofamente  ,  que,  fe  as  illufoens  dos  ciúmes  ,1000« 
;om  eíHmulo  mais  poderoib  ,  que  o  do  amor ,  lhe  per- 
turba vaõ  a  conílancia ,  naó  livrava  na  queixa  o  deiafo- 
50  ,  e  fó  atttendia  a  divertir  os  inítrumentos  da  fua  ma- 
>oa;  prudência,  com  que  desbaratava  os  feusreceyos. 
feorre  EIRey  j  nem  teve  o  leu  íentimento  igualdade, 
lema  fua  fortaleza  fimiíhançaj  porque  o  mefmo  co- 
ação, que  era  feminil  nas  lagrimai,  foi  varonil  nas 
lifpoíiçpens ,  com  que  fe  introduzio  no  governo  do 
^eino;  que  acertadamente  continuou  a  pezar  dos  em- 
>araços ,  que  lhe  occafionáraÔ  contender  com  hum  ti- 
no íem  difcurfo  ,  e  huns  Miniítros  fem  concórdia , 
:onciliando  de  forte  os  ânimos  de  todos  ,  que  aaju- 
íaraô  refiftir  á  formidável  guerra  de  Caílella  ,  e  a  tirar 
ias  reliquias  de  hum  exercito  deítruido  do  contagio 
outro  vicio riofo,e  triunfante«Applicou  ás  defattençces 
i'ElRey  feu  rilho  remédios  taõ  proporcionados ,  que 
iem  receyos  de  perigofas  novidades  apartou  da  fua  com- 
panhia os  principaes  incentivos  dos  feus  defconcertos. 
Confeguio  o  caiamento  de  lua  filha  a  Rainha  de  Ingla- 
terra, tanto  com  õfim  da  authoridade  do  Reino,  quan- 
to com  a  politica  de  fegurar  a  íua  defenfa ,  defeítiman- 
do  de  forte  o  Império  ,  que  era  o  feu  maior  difvelo  o 
intento  de  deixallo,  de  que  a  divertirão  muito  tempo  os 
preceitos  dos  feus  Confefsoi es  pelos  efcru pulos  do  ri£- 
co ,  a  que  expunha  a  Monarquia,  determinação,  que  fe 
juftificou  quando  entregou  a  ÉlRey  o  governo,  no,  pa- 
pel ,  que  fe  achou  na  Secretaria  de  Eílado  eícrito  da  le- 
tra da  Rainha  de  Inglaterra.  Viveo  no  Paço  algum  tem- 
po ,  fem  governar  .  com  igual  Mageítadeaquella,  que 
tuílentou  quando  imperava >  e  no  dia  que  pafsou  para 
a  reclufao  do  Convento  ,  ondemorreo,  fe  elevou  ao 
maior  auge  a  fua  prudência  j  porque  triunfou  de  toã& 
a  mortalidade  v  e  reduzida  a  fua  grandeza  a  huma  breve 
dauíura,  dilatarão  de  forte  a  memoria  os  feus  virtuofcs 
exercicios  ,  que  parece  penetrarão  a  eeleíHal  Esfera  * 
onde  piedofamentefe  pode  prefumir  logrará  etername- 

"  te 


■& 


448  POKTUGJL  RESTAURADO, 

i  Aíino te  °  gl°ri°^°  ptemio  de  feus  fuperiores  merecimentos 
V  X/C/S  ^oarou  °  íeculo,  em  que  viveo  ,-com  a  verdadeira  def 
l6Ó0.íinrçaQ  <fa  formofura  j  porque  fe  admirava  no  feu  Rea, 
fembiante  huma  compofiçaõ  chea  de  fuaviade ,  e  era 
todas  as  fua  acçoans  publicas ,  e  domefticas  fe  venera. 
rao  taô  reíplandecentes  circunítancias,que  bailara  qual. 
quer  delias  aimnortalizar  a  Princeza  no  mundo  mais 
admirável.  Morreo  decincoentae  três  annos  ,  evivirá 
por  gloria  em  toda  a  eternidade. 

A  morte  da  Rainha  cerrou  de  todo  os  olhos  d4  El- 
Rey  feu  filho  j  porque,fuppoílo  que  defprezava  os  feus 
documentos,  de  alguma  forte  fe  moderava  com  a  fua 
doutrina  j  ecrefceraõ  tanto  os  feus  excefsos  ,  que  apu- 
rarão os  termos  defe  poderem  explicar,  fendo  eíte  fó 
o  beneficio,  a  que  ficou  devedora  a  liberdade  da  lua 
vida  :  e  a  oppoíiçao  ,  que  tinha  á  Rainha  fua  mãy  ,  em- 
pregou no  Infante  feu  irmaõ,»e  finalmente  entregue  aos 
feus  indecentes  dívertimeitos.era  fem  contradicçaõ  ab- 
foluto  o  governo  do  Conde  de  Caílello-Meihor.  Quaíi 
no  mefmo  tempo  acabou  a  vida  o  Conde  de  Atouguia 
de  huma  febre  maligna  ,  occafio nada  das  íemrazoens, 
que  experimentou  no  governo  d'ElRey ;  e  os  repetidos 
defenganos  introduzirão  de  forte  no  feu  efpirito  o  def- 
prezo  domundo,como  moílráraõ  as  virtuofas  attençóes 
do  fea  teftamento  ,  e  acabara  no  feu  generofo  efpirito 
o  exemplar  dasauisexcellentes  virtudes,  fe  a  morte 
tivera  o  poder  de  triunfar  da  memoria  pofthuma. 

Morto  o  Conde  de  Atouguia  ,  mandou  ElRey  para 
ó  Caftello  da  Feira  a  Sebaíliao  Cefar  ,  e  ficou  defemba- 
raçsdo  de  toda  a  controverfia  o  abíoluto  domínio  do 
Conde  de  Ca  ítello- Melhor,1  porque  o  Infante,  que  com 
fuperior  efpirito  ,  excellente  difcriçaS,  e  fuave  trato 
crefciaem virtudes,  que  lhe  podia  dar  cuidado  ,  fup- 
punha  ,  que  o  fegumva\Com  a  afiiítencia  de  íeu  irmão 
Simão  deVafconcellos:  porém  brevemente  defcobrioo 
tempo  o  engano  deite  difcurío  ,*  porque  crefcíndo  no 
Infante  com  os  annos  as  attençoens  ,  que  devia  appl?- 
car  ao  feu  refpetto,  e  quanto  fe  achava  diminuída  a  fua 
aíliítencia  por  falta  dos    Gentis-homens  da  Camera , 

que 


VARTE  II  UmO  XI L        449 


EIRey 

Cunha ,  coníiderando  a  próxima  chegada  da  Rainha , 
pedio  licença  a  EIRey  para  nomear  quatro  Gentis-ho- 
mensdaGamera  ,  que  fem  duvida  alguma  lhe  conce- 
-deo  ;  e  em  virtude  defta  permifsaó  nomeou  o  Infante  a 
D.  Luiz  da  Silveira,  Conde  de  Sarzedas,  a  Miguel  Car- 
los de  Távora  ,  General  da  Artilharia  da  Província  de 
Trás  os  Montes ,  a  D.  Vafco  Lobo  ,  Barão  de  Alvito  , 
e  Conde  de  Oriola  ,  e  a  D.  Lourenço  de  Alencaftro.  Pu- 
blicou-fe  efta  nomeação  do  Infante  j  e  entrando  na  Ca- 
mera.  d4 EIRey  a  agradecer-lha  ,  lhe  reípondeo  ,  que  ti- 
nha razoensparadilatalla,concedendo-lhea  nomeação 
dos  dons  últimos  ,  que  o  Infante  náó  quiz  admittir  , 
fem  fe  lhe  concederem  os  dous  primeiros.  Sentio  o  In- 
fante fummammenteeíta  intempeíliva  novidade;porém 
fahio  da  prefença  d'ElR ;:y,fem  moftrar  perturbação  al- 
guma :  e  fuccedendo  chegar  noticia  aó  dia  íeguinte  de 
que  a  Rainha  havia  partido  de  Pariz  ,  com  efte  novo 
motivo  tornou  afazer  a  EIRey  fegunda  inftancia  ,  e 
refpondeo-lhe  com  tanto  defabrimento,que  lhe  foi  fbr- 
çoíb  feparar-fe  (fora  das  Funçoens  publicas)  totalmen- 
te da  fua  aíTiftenciaj  edefte  feu  retiro  fe  tornou  a  le- 
vantar novo  receyo  ,  efpalhando-fe  no  Povo  ,  que  per- 
tendia  acreditar-íe  com  a  modeftia,.  e  aifabilidade,  para 
ganhar  os  ânimos  dos  mal  fatisfeitos  da  condição  d'El-. 
Rey ,  eexcefsos  do  feu  governo  ;  eefte  temor  veyo  a 
fera  primeira  difpoíiçaó  ,  que  tiverão  os  efpi  ritos  dos 
varoens  efclarecidos ,  e  prudentes  a  livrarem  o  Reyno 
do  precipício  ,  a  que  caminhava. 

Nefte  tempo  chegou  a  nova  de  que  a  Rainha  ,  que 
deixamos  embarcada  na  Armada,  de  França  do  Porto 
da  Arrochella ,  chegava  á  Coita  de  Portugal ,  depois  de 
trinta  dias  de  viagem  i  enfadofa  navegação  ,  de  que  fe 
originou  defencontraraquella  Armada  outra  de  quaren- 
ta navios ,  que  governava  o  Duque  de  Beanfor  ,  grande 
Almirante  de  França,  a  quem  EIRey  Chriílianiílimo  ha- 
via ordenado  efperafse  a  Rainha  na  Goíta  de  Portugal, 

Ff  para 


Chega    a  Rai' 
nha  a  Lisboa. 


Anno 
1666, 


4?o     PORTUGAL  RESTAURADO, 

para  fegurança  de  qualquer  intento  ;  que  os  CãftelJia- 
nos  pudeísemter,  de  embaraçar  a  íua  viagem  ;e  .a  falta 
de  mantimentos  obrigou  ao  Duque  a  voltar  á  Coita  de 
França  ,  tendo  primeiro  entrado  em  Lisboa  ,  e  fallado  a 
EIRey,  que  como  tio  da  Rainha  o  recebeo  com  mui- 
to agrado,  e  deípedio  com  joyas  de  grande  preço.  A 
trinta  e  hum  de  Julho  chegou  d  :i  altu  ra  da  Berlenga  car- 
ta  a  EIRey  da  Rainha  ,  e  do  Marquez  deSánde  ,  e  logo 
mandou  coma  repofta  em  hum  barco  do  alto  a  Joaõ  da 
Cafran'heira,Contador  mór  dos  Contos.  Dentro  de  pou- 
cas horas  chegou  com  íegunda  carta  Domingos  Ferreira 
Laboraó  ,  moço  da  Guarda-roupa  d' EIRey  ,  que  havia 
paísado  a  França,que  logo  voltou  com  a  refpoíla,e  hum 
grande  refreíco  ,  naó  faltando  EIRey  ás  corre lponden- 
eias  ,  que  correrão  por  conta  do  cuidado  alheyo. 

A  dous  de  Agoílo  ,  dia  da  Porciuncula,  ao  meyo  dia 
entrou  pelo  Rio  de  Lisboa  aArmadn  Franceza  , ;  e  deu 
fundo   defronte  da  praya  da  Junqueira.    ForaÓ  mui- 
to repetidas  as  falvas  dos  navios ,  e  torres  ,  e  no  mef- 
mo  inítante  chegou  abordo  da  Capitania  o  Conde  de 
■Caftello-Melhor,  e  a  Marqueza  fua  mãy,a  quem  EIRey 
havia  nomeado  Camereira   mór  da  Rainha»  Era  a  falua 
bern  dourada ,  e  três  que  a  íeguiaó  com  luítroíà  familia 
do  Conde  ,  veftidos  os  remeiros  de  efcariata  com  pafsa- 
manes  de  prata.  Foraõ  a  Marqueza  i  e  o  Conde  recebi- 
dos da. Rainha  com  grandes  demonílraçoens  de  benevo- 
lência^ agrado:  ficou  a  Marqueza  afiiítindo-lhe,e  oCó- 
de  voltou  a  bufcar  a  EIRey ,e  naó  pode  lograr,  fem  gra- 
de defconto,  ©alvoroço  de  taô  alegre  função  ;  porque 
achou  EIRey  ta 6  alheyo  das  obrigaçoens  ;  em  que  o  pu- 
nhão  as  forçofas  demonftraçoens  daquelle  dia  ,  que  não 
havião  fido  poderofas  exquifitasdiligencias,  que  havia 
feito  com  elle  Henrique  Henriques  ,  para  o  perluadirem 
a  fe embarcar ,  e  ir  buíear  a  Rainha  :  e  vendo  Henrique 
Henriques,  quefegaítavaõ  as  horrás inutilmente ,   por 
evitara  murmuração  de  toda  a  Corte  ,  que  com  luzidas 
galas  efperava  a  EIRey  ,  o  levou  déftramente  em  huma 
liteira  a  Santo  António  dos  Capuchos  com  fingido  pre- 
texto deganharojubileo  da  Porciuncula ,  procurando 

artili- 


"* 


PARTE  U.  LIVRO  XII.       45* 

irtificiofaraente  defmentir  a  repugnância  d'ElRey  orí- 
nnada  do  conhecimento  próprio.  Hia-íe  acabando  o  AntlO 
lia  ,  e  creícendo  em  toda  a  Corte  o  efpanto  da  dilação, 
Voltou  EIRey  para  o  Paço,  e  applicou  o  Conde  de  *™<>« 
Caftello-Melhor  ,  e  Henrique  Henriques  tao  eftcazes 
diligencias  ,  que  vencerão  o  perigo  ímmmente  ,  em  que 
fe  achavao  ,  de  fe  manifeítar  ao  Mundo  a  incapaciaade 
d' EIRey.  Sahio  do  Paço  ás  íeis  horas  da  tarde  cuítoia- 
mente  veítido ,  acompanhado  do  Infante  ,  em  quem  ref- 
plandeciaó  as  galas  ,  como  efmaltes  da  galhardia,  em- 
barcarão na  Ribeira  das  náos  em  hum  bergantim  enta- 
lhado ,  e  dourado  com  toldo  ,  cortinas  ,  ealmoradas  de 
borcado  carmezim  com  ramos  ,  e  franjas  de  ouro,  e  pra- 
ta ,  e  trinta  remeiros  com  veiados  de  damaíco  carme- 
zim guarnecidos  depaísamanes  de  ouro  ,  e  prata.  En- 
trarão no  bergantim  com  EIRey  o  Infante  ,  e  os  Con  te- 
lheiros de  Eííado.  Era  hum  dclles  o  Marquez  deJMza, 
Veador  da  Fazenda  da  repartição  dos  Armazéns,  eln* 
dia  ,  que  exercitou  no  mar  ,  precedendo  a  todos  os  (Jr- 
frciaes  da  Caía  as  grandes  preeminências  da  lua  occui 
paçaõ   Seguia  ao  bergantim  d'E!Rey  outro  do  In  ta  ate 
naò  inferior  no  adereço,  a  falua  do  Veador  da  Fazenda 
muito  luzida,  a  do  Provedor  dos  Armazéns ',  e  outras 
dez  ,  as  mais  delias  com  trombetas ,  qu  ■  fazião  agradá- 
vel confonancia.  Embarcárão-fe  n  lias  alguns  Fidalgos, 
mais  por  curloíidade,  que  por  ordem  j  porque  a  todos 
aquelFs,  que  naó  forão  chamados  p  lo  Secretario  de 
Eltado  ,  forão  as  luas  carroças  efperar  em  numa  ponte, 
que  te  fabricou   na  praya  da  Junqueira,  para  a  Rainha 
d jíembarcar ,  e  em  igual  parallelo  deleitava  aos  olhos  o 
Rio  ,  e  eftrada  ,  navegando  os  bergantins  ,  e  cami- 
nhando os  coches  a  hum  meímo  tempo,  e  concorren- 
do innumeravel  povo  em  falúas,e  na  praya,  alternando- 
felucceílivimente  falvas,  e  inítmmentos  ,  erepreíen- 
tando-fetodoeítecuílofo,  e  luzido  efpedaculo  no  lí- 
tio de  Belém  ,  o  mais  excellente  ,  e  admirável  theatio, 
que  conhece  o  Univerfo ;  que  logra  efta  propriedade  , 
por  reencontrarem  nelle  as  aguas  do  no  Tejo  com  aj 
do  mar  Oceano  no  clina  mais  benigno  ,   que  doara 

H  1  o  PU- 


452  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Aílno  °  Ha  neta  ,  que  he  Príncipe  de  todos. 
1 666      t,  91? Sou  °  '^rgantini  d<  EIRey  á  Capitania  ,  em  que 
*wuu*  a  Rainha  vmha  embarcada,  queeílava,  e  os  mais  na- 
vios da  Armada  Franceza  com  toldos  viíloíos  ,  e  orna- 
dos de  flâmulas  ,  e  galhardetes  de  difFerentes  corts.Aba- 
.   teo  a  Capitania  a  bandeira  ,  diíparou  toda  a  artilharia  i 
eo  meímo  íizeraõ  os  navios  da  lua  coníerva.  Deíceoo 
Marquez  de  Sande  a  beijar  a  mão  a  EIRey  ,  e  ao  infai> 
te.  Seguio-ie  o  Biípo  de  Laans  a  fignifkar  a  honra ,  que 
a  íua  caía  recebia  naqueJla  função  ,  e  ambos  recebeo 
ElKey  com  benevolência  ,•  e  logo  ibbio  ao  navio  ,  e  o 
Intante  por  huma  eícada  larga  >  e  no  primeiro  degrúo 
delia  eftava  o  Marquez  de  Rouvigni  Geaeral  da  Arma- 
da ,  aquém  EIRey  agradeceo  (íendo  interprete  o  Mar- 
quez de  Sande  )  as  finezas ,  que  havia  executado  ,  aíiim 
em  íe  ajuítar  o  caíameato  , .  como  naquelia  jornada.  A 
Infaiiteria  Franceza  ejftaVa forma dá'.nj  couves,  e  em  ala 
a  Companhia  do  Conde  de  Maré  do  portalóate  a  porta 
da  Carne ra  ,.  emque  eftava  a  Rainha  >  onde  EIRey  ,  e  a 
infante  entrarão, *e  ná  primeira  vilia.moítrárão  os  Reys 
no  íobreíaito  ,  quemanifeílarão  nos  íemblautes,  os  fu- 
neltos  infortúnios  daqueUas  apparencias  de  Matrimo* 
nio  ,*  e  não  foi  poderofo  todo  o  iuzimento  daquelle  dia 
a  divertir  a  mágoa,  q  padecerão  os  cortezãos  de  verem 
entregue  aos  deícon  certos  da  vida  d*  EIRey  huma  das 
mais  exçeilentes  Princezas  da  Europa  na  virtude,  na 
prudência,  no  agrado,  nadiícriçaô,  e  na  formoiura» 
A  ■  porta  daCamera  veyo  a  receber  a  EIRey,  que  lhe 
íallou  poucas ,  e  eíludadas  palavras  ,  explicadas  pelo 
Marquez  de  Sande ,  e  também  asrazoens ,  que  ella  dii- 
cretamente  lhe  reípondeo.  Chegou  o  Infante  a  bei jar- 
IhQ  amao  r  e  não  confentio  r  que  fe  puzeíse  de  joelhos» 
âegutrao-ie  todos  ,  os  que  acompanharão  a  EIRey,  que 
iahio  logo  da  Camera  com  a>  Rainha  ,  e  deícerão  ao  ber- 
gantim ,'  em  que  entrou  a.Marqueza  Camereira  mór  ,  e 
Madama  de  Puy  ,  que  veyo  de  França  com  eíla  occupa- 
çao.  Para  o  Biípo  de  Laans  eítava  prevenido  hum  ber- 
gantim ,    em  que  o  havia  de  conduzir  o  Conde  da  Tor- 
re ,  mas  a  reípeito  de  huma  indifpofiçao  naõ  defembar, 

cou, 


PARTE  II  LIVRO  Xlí.       45$ 

cou  ,  fénaÕ  ao  dia  ieguinte.  Separado  da  Capitania  ô  AntlO 
bergantim  d'ElRey  ,  dií  parou  ella  toda  a  artilharia ;  o      ,  -  , 
meimo  fizeraõ  o  navio  da  Armada  Fraceza,  os  de  guer-     u      • 
ra  da  Coroa  ,  mercantis  ,  e  as  Torres.  Chegou  o  bergan- 
tim á  ponte  ,  que  eílava  levantada  com  viílofos  adere- 
ços na  prava  da  Junqueira  ,  e  nella  toda  a  Nobreza  com 
luzidiílimas  galas.  Deiembarcaraõ  os  Reys,  entrarão  em 
huma  carroça  com  o  Infante,  eem  outra  a  Marqueza 
Camereira  mór  ,  e  feguidos  de  toda  a  Corte,  íe  apearão 
ia  de  noite  na  Igreja  das  Religiolas  Flamengas  Reco- 
letas  da  Ordem  de  S.  Franciíco  -9  Convento  ,  que  fica 
unido  a  quinta  d'E!Rey  ,  que  eílava  prevenida  para  a 
fua  affiílencia ,  os  dias  que  fofsem  necefsanos  para  ie 
preparar  a  fua  entrada  em  Lisboa.  Elperavaõ  na  Igreja 
as  Damas  ,  meninas  ,  Guarda  maior,  e  Donas  de  Honor, 
que  haviaõ  de  affiílir  á  Rainha  ,  e  entre  as  luzes  ,   flo- 
res ,  perfumes  ,  e  adornos  ,  lançou  as  bênçãos  acs  del- 
pofados  o  Bifpo  de  Targa  ,  eleito  da  Lamego  ,  e  Capel- 
laó  mór.  Acabada  eíla  ceremonia  ,  tornarão  os  Reys  a 
entrar  nas  carroças,paísaraõ  o  breve  tranfito,que  fica  da 
Igreja  á  porta  da  quinta,que  eílava  magnificamete  ade- 
reçada. Acompanhou  o  Infante  aos  Reys  até    a  porta 
da  íeguda  antecamera,recolheo-fe  para  a  quinta  de  Luiz 
Cefar  de  Menezes  ,  que  íe  lhe  havia  prevenido  ,  por  n- 
car  pouco  diílante  da  d<ElRey  :  e  nao  houve  quem  na  o 
admirafse  em  todas  as  acçoens  daquelle  actoodeiem- 
baraço  ,  e  galhardia  do  Infante  ,  e  a  prudência  ,  com 
que  diífimulava  os  aggravos  que  padecia.  EIRey  depois 
dedifpender  poucas  palavras  ,  deixou  a  Rainha  no  leu 
quarto  ,  e  pafsou  a  outro  ,  em  eue  o  eiperavao  os  íeus 
contínuos   aíhílentes  ,  e  com  elles  defafogou  a  oppreí- 
fao  ,  e  anciã  ,  que  havia  padecido  o  tempo  ,  que  durou 
a  função  daquelle  dia  j  e  chegadas  as  horas  ,  em  que  de- 
via voltar  para  o  quarto  da  Rainha,  naõ"  houve  diligen- 
cia  ,  nem  perfuafaò  alguma,  que  o  obrigafse,  tomando 
vários  pretextos  de  indiípofiçoens  ,  que  acabarão  de 
deftruir  todas  as  efperanças  mal  fundadas,  que  a  fua  ra- 
milia  domeftica  podia  ter  da  fua  fuccefsaó  ,  que  de  to- 
do naô  eílava  introduzida  na  defconflanca  univerfalpe- 

Ff  $  las 


454     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  Jas  repetidas  acçoens ,  com  que  EIRey  as  diílimulava. 

l666    EÍÍ:aS  <JeíattenÇ°ens  ,  ou  elles  defeitos  pertendia  EIRey 
•  encobrir  com  galanteyos  ,emuficas  j  porém  aomeímo 
tempo  oHendia  as  apparencias  de  finezas  com  tantas  im- 
prudências ,  e  deíbrdens  ,  que  por  inftafr-tes  crefciaó  na 
Rainha  o   pezar  ,  e  fentimento  da  infelicidade  ,  que 
tolerava  ;  havendo  achado  na  Coroa  ;  em  que  havia  en- 
tendido fegurava  a  fua  fortuna  ,  laítiraofcs  tffeitos  da 
lua  mconftancia.  Para  individuar  as  circunftancias  deites 
'fucceisos,  era  neceísario  ,  quefofsem  os  objedtos  menos 
iuperiores  s  porque  foraó  tantos  ,  e  taõ  diveríos  os  ca* 
los  í  que  fucceííivamente  fe  enlaçarão  huns  com  outros, 
*que  naõpóde  difpeafar  individualidades  nem  a  gran- 
deza daspeisoas  ,  nem  a  gravidade  da  Hiítoria. 

Poucos  dias  depois  de  chegar  a  Rainha  deu  EIRey 
audiência  ao  Biípo  Duque  de  Laon  ,  que  foi  conduzi- 
ao  pelo  Conde  da  Torre  ,  e  fucceffi vãmente  ao  General» 
Marquez  áeRouvigni, -que  acompanhou  D.  Lucas  de 
Portugal ,  MeítreSala  d'£lRey  ,  elpgo  a  hum  ínvia- 
do  do  Duque  de  Saboya  >  que  veyo  dar-lhe  o  parabém» 
por  ler  o  Prmcips-maisintèrefsadonaqueUe  caiàmento* 
aííim  pela  eítreiteza  doparentefco  ,  como  pelo  muito, 
que  a  Rainha  amava  a  ília  irraãa  a  Duqueza  de  Saboya. 
1  oucos  dias  depois  partiò  a  Armada  de  França ,  e  nel- 
la  o  Biípo  ,  o  laviado  da  Madama  de  Puy ,  e  a  toda 
dos  mandou  EIRey  dar  joyas  de  grande  preço  ,  e  aos 
Capitães  de  navios  outras  inferiores.  Partida  a'Armada» 
e  acabados  os  arcos  triunfantes,entrou  EIRey  em  Lisboa 
a  vinte  e  nove  de  Agofto.  Sahio  da  quinta  de  Alcântara. 
ao  meyo  dia  ,  e  deraò  principio  ao  acompanhamento  os 
dous  Procuradores  do  Senado  feguidos  dos  MíniAros, 
em  que  elle  tem  juriídicçaô, todos  luzidaméte  veíHdos* 
com  as  librés  dos  lacayos  viítofas  ,  e  os  cavai-los   bem 
adereçados  i  feguiaõ-fe  féis  Porteiros  d<ElRey  com  as 
maças  aos  hombros  ,  logo  os  Reys  de  Armas  ,  Arautos, 
e  Pafsavantes  com  cotas  de  armas  ,  ecadêas  de  ouro;  a 
eftesos  Corregedores  do  Crime  da  Corte  com  asgarna- 
Ciias  forradas  de  tela  branca,  os  Juizes  do  Crime,  e  mais 
Juítiças;  procurando  cada  hum  exceder  no  luzimento  a 

léus 


Ksferem  fe  a* 
fefias^  attefe 


P^RTE  Ih  LlfKO  XII.       45J 

feuscabedaes.  Continuavaó  as  carroças  ,  e  liteiras  dou-  Anno 
radas,  e guarnecidas á  competência  do  primor  ,ecapn-     ^^ 
cho     obiervando-íe  o  meimo  nas  libres.  Os  litulos , 
e  mais  Nobreza,  queasoccupavao  ,  levavao  tao  excel- 
lentes  vertidos,  e  tantas  joyas,  que  naõ  podia  o  mzi- 
mentofubir  aponto  mais  alto.  Não  havia  nos  coches 
precedência  ate  chegar  o  do  Eftribeiro  mor  d«ElRey, 
a  que  feguiao  os  de  reípeito  do  Infante  ,  da  Rainha  ,e 
d'ElRey°  A  carroça  dos  Príncipes  era  a  ultima  ,•  lua  El- 
Rev  fentado  á  mão  direita  da  Rainha  ,  o  Infante  na  ca- 
deira de  diante ,  enoeílribo  da  mão  eiquerda  a  Mar- 
queza  Gameleira  mór.  Não  levava  acochetegadiLio  , 
e  reparava  o  Sol  hum  chapeo  de  aamafco  carmezim 
guarnecido  de  ouro,  que  em  hum  varão  dourado  leva- 
ÇahummeçodaCamera,  com  que  de  todas  asjanellas 
•das  ruas  ,  por  onde  pafsou  o  acompanhamento,  101  vil- 
ta  a  Rainha  com  admiração  ,  e  laftima  ,  por  ler  já  notó- 
rio em  toda  a  Corte  os  edyples  ,  que  padecia  a  lua  tor- 
moíura.  Caminhava  a  carroça  leguida  dos  Capitães  da 
Guarda ,  Tenentes  ,  e  Soldados  ,  e  rodeada  dos  moços 
da  eítribeira  luzidamente  vertidos.  Era  a  libré  das  guar- 
das Reaes  de  panno  verde  j  guarnecida  de  paísamanes 
verdes  ,  e  prata.  Immediatas  a  carroça  d'E!Rey  hiao  as 
carroças  das  Damas  ,  Meninas  ,  e  Donas  de  rfonor,ien- 
doabelleza  das  Damas,  e  a  riqueza  das  galas  objecto 
dos  olhos  de  toda  a  Corte.  Varias  danças,  que  vierao 
de  todo  o  Reino  ,  occu pavão  as  ruas  ,  ea  multidão  do 
povo  as  guarnecia  ,  e  ornadas  as  janellas  (queoccupa- 
vão  as  Damas  da  Corte  )  com  o  mais  precioío  da  índia, 

€  Europa. 

Erão  dezafeis  os  arcos  fabricados  a  dtítancias  pro- 
porcionadas.Dava  principio  o  primeiro  na  porta  de  San- 
ta CatharinaJevantado.  pelos  Italianos ,  os  outros  pelos 
francezes,  Alemães,  Inglezes  ,  Flamengos  ,  eMiíte- 
res  dos  officios  de  Lilboa.  A'  competência  íe  adereça- 
rão,  e  enriquecerão  de  ouro,  prata,  pedras  preciotas, 
de  emblemas  ,  e  infcripçoens.  Pouca  diíbmcia  deite  pri- 
meiro arco  eílava  levantado  hum  theatro,  que  occu- 
pava  ©Preíidente  do  Senado  daCamera,  Vereadores, 
f  pf  a  e  mais 


456     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Annoemais  Mmiílros  daquelle   Tribunal.  Era  Chriílovao 

%666  Soaresnde  Ah/QU  Vereador  mais  antigo  ,  e  tocando-lhe 

u'por  eíte  refpeito  a  Oração  coítumada  em  fimilhantes 

funçoens,  parando  a  carroça  dos  Príncipes  ,  referioas 

razoens  feguintes. 

i 

MTJit  o  altos  ,  e  poder  of os  Reys  ,  Senhores  no  fios  ck~ 
mentifitmosi  Afempre  nobre,  efempre  leal  Cida- 
de de  Ltsboa,  Corte  de  Fo[fas  Magefiades,  Princeza  das  Ci- 
dades ,  Metrópole  do  Reino,  vifio  Empório  do  Mundo , 
theatro  das  Ntçoens  ,  jugo  ,  e  naõ  tributo  do   Oceano , 
acompanhada  de  Illufires  ,  de  Nobres   Cidadaons ,  do  in- 
fignepovo,  edefeur  homens  bons  ,  com  ajfeãos  de  amor, 
e  de  alegria ,  comfelices  aufpicios  ,  com  jefiiyos  applau- 
[os  ,  com  arcos  triunfaes  ,  pirâmides,  e obelifcos ,  {Índi- 
ces das  viãorias  pa [fadas  ,  e  annnnclòs  das  futuras  )  com  o 
devido  acatamento  da  reverencia  prjfunda  entrega  a  Vof- 
fas  Magzfiades  nas  chaves  das  fuás  portas  as  de  feus  co- 
raçoens  ,   repetindo  recíprocos  parabéns  gratulatorios  de 
tao  altas  bodas,  e  dando  a  Vofiá  Magejlade  em  particu- 
lar as  graças  de  haver  efcolhido  com  tanto  acerto  huma 
Princeza  digna  do  Império ,  para  conforte  Jua  ,  e  Senhora 
de  feus  Reinos ,  e  Vaffallos  ,  Fénix  das  Rainhas ,  que  na 
fragrância  das  fuás  virtudes  renova  em  fio  nome  das  mais 
ef clareadas ,  e  excellentes  ,  que  encherão  o  Mundo  de  ref- 
plandor,  e  admiraçoens ,  onde  o  amor  com  armonia  fuave 
cantará  o  epithalamio ,  e  invocará  o  Rymeneo  Real  com 
as  teas  ardentes  das  chanimas  amorozas  ,  por  ferem  fem 
numero  as  glorias  ,  que  encerra  efle  tao  grande  dia ,  auefe 
contara  com  pedra  de  diamante,  e  a  fua  memoria  efcrtta  em 
por  fido ,  e  trasladada  em  bronzes  apo fiará  duraçoens  com 
ã  eternidade, 

Vofj a  Magejlade,  Senhor,  como  Sol  da  esfera  Por- 
tuguesa, Monarca  de  hum,  e  outro  emisferio ,  de  lugar 
no  Solto  excelfo  ao  novo  Afiro,  que  amanhece  em  no/fos  ho- 
rizontes ,  que  veneramos  Vénus  celefiial  >  e  Lyrio  Francez 
emulação  da  purpiimnte  Rofa  ,  queemafpeão  benigno  com 
influencias  fecundas  vem  promettendo  faufios  ,  eprofpe- 

roí 


~ 


PARTE  II  LIVRO  XII.         457 

tos  fucce [[os  a  e fia  Monarquia  j  e  quem  pe de  duvidar  ,  que  Anno 
detab  elevada  conjuficçaõ ,  e  do  con for  cio  de  tanta  luz  ,  e  1^^ 
tanta  fiorha)aÕ  defer  em  o  numero }  enahlleza  osfru-  * 

ãos  efirellasc  Ho)e  o  terno  das  Graças  concorde  com  o  das 
Mufas    alegres,  e propicias  compõem  as  nmficas  para  as 
cantilenas  do  berço  gravado  de  trcpheos  ,  onde  os  Infantes 
na  tenra  idade  matarão  Jerpentes  ,  e  naproveãa  vencerão 
monfiros  ,  e  JucceJJores  das  virtudes ,  e  dotes  dor  Pays  ,  ef- 
maltaraode  zelo  a  Fe,  a  Jufiiça  ,  e  a  clemência  de  magna-' 
nimidaâe  do  valor ,  daformofurà,  da  prudência ,  da  dijcri- 
çaõ ,  da  liberalidade  ,  da  valentia  ,  e  das  mais  artes  do  li- 
vro' de  reinar  ,  que  enfinaõ  os  Príncipes  a  vencer  primeiro  a 
â  me  fmos  ,  perdoando  aos  humildes ,  e  debcllando  aosfu- 
berbos;  e  na  Jua  longa,  e  r obu fia  pofieridade  gozará  Portu- 
gal a  idadeide  ouro,e  em  repe tidos, e  douradas [eculos  a  glo- 
ria dos  Hugos  y  dos  Robertos  dos  Affcnfos ,  dos  Luízes, 
dos  inviãos  Condes  de  Moriana  ,  dos  ieitsbertos  ,  e  Car- 
los de  Saboya  ,  do  liberal  Lioniz  ,  do  grande  Manoel ,  do 
Henrique  o  Grande  ,  de  hum  Joaõ  o  Primeiro  ,  ede  outro 
Quarto  ,  renovando  alianças,  infinuando  os  Impérios.  De 
tantas  felicidades  participa  o  ínclito \  e  Ser enij/i  mo  In  jan- 
te ,  o  irmaÕ  único  de  Vofja  Magefiade  ,  em  que  fe  cijruo 
todas  as  virtudes  ,  e  todas  as  e [per ancas  ,  que  [u[peudem 
es  difcurjos  ,  e  deleitáo  os  coraçoens ;  e  digne-Je  a  grandeza 
de  Vofja  Magejlade  de  at tender  aejfes  rayos  vibrados  da 
ffiêfmã  es j era ,  pendentes  de  hum  aceno  ,  para  executarem 
prodígios  no  valor  ,  c  acertos  na  obediência  j  illujirifiimos 
heroes  filhos  de  Marte  ,  que  vinculando  as  acçoens  próprias, 
e  proezas  raras  ás  obngaçoens  do  nafchncnio ,  e  ao  antiga 
tronco  de f eus  maiores  ,  Jaó  os  Acates  fiéis,  os  Numas 
Religiofos ,  prudentes  nos  confelhos ,  nos  governos ,  enos 
Tribunaes,  ena  Campanha  hércules  valor oj os,  e intrépi- 
dos Viriato  s.  Digão-o  tantas  batalhas  efirondofas ,  tanto 
tropel  de  rendidos ,  tanto  militar  triunfo.  Quieta  algum 
dia  a  Pátria  ,  ejocegada  a  poder  de  viãorias ,  dilata  fiko 
fem  duvida  a  Fé  ,  eo  Império  ,  collocanâo  as  Quinas  San- 
tas ,    e  Âeaes  além  do  Nilo ,  do  Ganges  ,  e  do  Eufra- 
tes ,  para  que  o  docel  da  Monarquia  Lujitana  penda ^  de 
hum  Polo  a  outro  Polo ,  e  fe  verifique  uquetta  admira* 

vel 


íí;l/, 


4J*    PR07UGAL  RESTAURADO, 

Anil  O  wt  conclufaÕ  do  Príncipe  dos  Poetas  ; 

E  julgareis  qual  he  mais  excellente , 
Se  íer  do  Mundo  Rey ,  fe  de  tal  gentí 


E  tu  feliz  argumentofa  abelha ,  fe  humilde  ,  fe  fimpler 
borboleta  ,  a  quem  por  tanta  dita  coube  a  honra  def- 
ta  acçaõ ,  abr azada  em  glorio Jo  incêndio  entre  abyfe 
mos  de  luzes ,  e  labyrinthos  de  flores,  liba  o  neãar  ce- 
lejte  ,  <?  livra  nas  azas  ,  e  nos  clarins  da  fama  tudo ,  ao 
que  nao  pode  chegar  o  teu  vâo  ,  nem  a  tua  rethoricay 
alternando  com  o  coro  dosdfnes  a  ultima  voz  ,  que  du- 
rará nos  glorwfos  ,  e  immortaes  eccos+  Vivao  ,  vivaõ 
Ajfonfo,  e  Maria  Reys  ,  e  Senhores  no  (Tos  clementifii- 
mos. 

Acabada  a  Oração  r  entregou  o  Preíidente  da  Carne- 
ra  Ruy  Fernandes  de  Almada  as  chaves  da  Cidade  a  El- 
Rey  ,  que  ordenou  as  déíse  á  Rainha  >  e  ella  aeeitan- 
do-as,  lhas  tornou  a  reílituir  ,  e  andando  a  carroça  d'El- 
Key  poucos  pafsos ,  encontrou  a  cavallo  o  Marquez  de 
Marialva  ,  Governador  das  Armas  de  Lisboa  ,  e  Provín- 
cia de  Extremadura,o  Conde  da  Torre,Meftre  de  Cam- 
po General ,  e  todos  os  mais  Oiíiciaes  de  Ordens  com 
grande  luzimento  de  veítidos ,  e  librés  ;  e  entrando  pe- 
la porta  de  Santa-  Gatharina  ,  tinha  principio  a  ala  de 
Infanteria,  que  continuava  até  a  Sé,  baixando  pela 
rua  Nova  do  Almada,  e  voltando  da  Sé  até  o  terreiro  da 
Paço  ,  ondeeítavao  formados  os  Terços,  que  fobravaõ, 
eaCavallaria.    Entrarão  os  Reys  na  Sé,  que  acharão 
magnificamente  armada.  Cantou-fe    o  Te  Deum  lauda- 
mus:  voltarão  para  o  Paçi ,  que  eítava  ornado  com  grã* 
ae£a,  e  mageílide.  A  Rainha  moítrou  juntamente  nota» 
vel  íatisfação  do  applaufo,  e  magnificencia,com  que  foi 
recebida  na  Corte, da  formofura  da  Cidade,  do  luzimen- 
to da  Nobreza  ,  da  gloria  antiga  ,  e  novamente  adqui- 
ria pelos  Portuguezesj    efendo-lhe  por  concluído  tudo 

agrada-* 


VJRTE  II.  UVKO  XI!.         459 

agradável,  fó  na- pefsoa  d<  EIRey  achava  todos  os  moti*  Atino 
vos  de  fentimento,  que  fe  augmentavão,  parecendo-lhe 
totalmente  irremediável  afua  infelicidade.  Ka  Corte,  IOOO* 
onde  não  erao  notórias  taõ  aggra  vantes  circUnítancias, 
logra  vaó-fe  feíHvalnéte  os  apparatos  daqueJla  função  , 
e  as  eíperanças  das  feitas ,  que  -citava  õ  \ revenidas  :  po- 
rém perturbou  todoeíle  alvoroço  a  relbluçaõ  ,  que  o 
Infante  tomou  o  dia  íeguinte  ao  da  entrada  d'ElRey, 
■tíeíahir  da  Corte  coma  íua Caía  a  aíFítir  na ;  quinta  de 
Queluz,  diítante  duas  kgoas  da  Cidade.  1  oi  a rcauia 
entender,  que  naó  era  conveniente  alua  opinião- di> 
latar  mais  tempo  tomar  efte  partido  j  porque  além  das 
razoens  do  íeu  jufto  enfado,  que  licaõ  referidas  ,  iobre- 
-veyo  outra  ,  que  acabou  de  confirmar  a  lua  queixa. 

Antes  que  partiise   o  Marquez  de  Rouvigni  Gene- 
Ta!  da  Armada  de  França  ,  mandou  pedir  licença  ao 
Infante  ,  para  lhe  fallar  ,  e  deipedir-ie.  Achava-le  a  lua 
Caía  íem  mais  criados  ,  que  D.  Rodrigo  de  Menezes  , 
por  adoecerem  naquelle  tempo  Simaô  de  Vakoncellos, 
e  Chriítovaõ  de  Almada  j  por  cujo  refpeito  mandou 
EIRey  ,  que  aíliíliísem  alguns  litulos  na   caía,  em 
que  o  Infante  deu  audiência  ao  Embaixador.  Acabada 
•ella  ,  ordenou  o  Infante  ao  leu  Secretario  João  de  Ro- 
xas de  Azevedo  difsefse  ao  Conde  de  Caltello-Melhor 
repreíentaise  a  EIRey ,que  era  juílo  permittir-lhe  licen- 
ça de  poderem  afíiítir  aofeuferviço  os  Gentis-homens 
da  Camera  ,  que  havia  nomeado ;  porque  íe  achavaõ  na 
Corte  muitos  Miniítros,e  Gentii>-homens  Extrangeiros, 
que  haviaõ  de  querer  fallar-lhej  e  que  naô  era  poíli- 
vel ,  que  faltafsem  na  fua  Caía  criados  actuaes,  que  lhe  j 
aííiítiisem,por  naõ  ficar  dependente  dos  que  o  naõ  eraõ. 
Defcuidou-íe  o  Conde  defta  diligencia ,  de  que  o  Infan- 
te fe  deu  por  mal  fatisfeito ,  e  quando  chegou  a  fazei- 
la  ,  foi  taõ  inutilmente  ,  que  encontrande-íe  o  Infante 
com  EIRey  na  praya  da  Junqueira  ,  íem  preceder  ante- 
cedência alguma  ,  Ihedifse  EIRey  ,  que  pois  tinha  da^. 
do  em  fer  teimoío  ,  que  elle  eítava  reíoluto  também  em 
querer  teimar.  Refpondeo-lhe  o  Infante,  que  como  naô 
£  avia  dado  cauía  alguma  áquella  proponçaó }  que  en- 
tendia 


4áo   PO  Uva  AL  R  B.S7 'J\J%ÁDO , 

Ánoo  tendia  devia  originar-íe  da  inftancia  ,  que  fazia  de  fe 
ióóó  P0vier  ^ervir  dos  criados  ,  que  tinha  nomeado  ,  que  era 
lõoa*tao  juíh  ,  como  em  Sua  Mageftade  fatisfazer  á  palavra, 
que  líie  dera  de  lhe  íer  permittido  nomear  os  criados  , 
que  lhe  pareceíse  ,  e  que  havendo-a  alterado  lem  caula 
alguma,  que  folse  manifeíta  ,  vinha  a  entender  ,  que 
unicamente  ,  porque  Sua  Mageftade  queria  moleftallo, 
privava  a  lua  aíliíteacia   de  Fidalgos  taõ  beneméritos, 
como  havia  efcolhido  para  a  continuarem;  por  cuja  cau- 
la ,  viíío  naõ  poder  eftar  na  Corte  coma  decência,  que 
era  juíto,  pedia  a  Sua  Mageftade   licença  para  íafiir 
delia.  Relpondeo-lhe  EIRey ,  que  elle  o  naõ  mandava 
iahir  da  Corte ,  mas  que  iè  quizefse ,  o  podia  fazer. 
Beijou-lhe  o  Infante  a  mao, determinando  íahir  da  Cor- 
te para  a  lua  quinta  de  Qaéluzo  dia  depois  da  entrada 
c^ElRey  ,  a  que  lhe  pareceo  prudentemente  naõ  devia 
faltar $  e  nos  dias  que  íe  dilatou  ,  continuando  afliftir 
a  EIRey  o  tempo  ,   que  efteve  em  Alcântara  ,  lhe  difse 
EIRey  varias  vezes  ,  como  motejando  a  fua  refoluçaõ, 
que  razaõ  tivera   para  íe  naõ  partir  j  eem  todas  lhe 
refpondeo  o  Infante  com  fumma  prudência  ,  que  a  cau- 
ia  que  havia  tido  ,  era  naõ  querer  faltar  á  obriga- 
ção de  acompanhar  a  Sua  Mageftade  o  dia  ,  que  en- 
traíse  em  Lisboa ;  e  não  pezando  EIRey  as  graves  con- 
lequencias  defta  matéria  ,  oífendia  ao  Infante  na  for- 
ma, com  que  o  tratava  na  lua  refpofta  ,  taõ  interior* 
mente  ,  que  bufcava  todas  as  occafioens  de  deíafogar  o 
feu  fentimento.  Foi  a  primeira  que  encontrou  ,  íuc~ 
ceder  ,  que  pafsando  da  quinta,  em  que  eftava  ,  para  a 
dcE!Rey  em  huma  carroça  ,  e  nos  eftribos  delia  Simaõ 
de  Vaíconcellos ,  e  D.  Rodrigo  de  Menezes  ,  difse  ,  que 
eftava  perfuadido  ,  a  que  na  moleftia ,  que  EIRey  lhe 
dava,  eracomprehendido  o  Conde  de  CafteUo- Melhor; 
porque  os  affedtos  naturaes  d'  EIRey  todos  reconhecia 
a  feu  favor,  e as  refoluçoens  communicadas  todas  fuc# 
cediaõem  feu  damno  ,  e  que  folgaria  muito  ,  que  Si- 
maõ de  Vafconcellos  difsefse  a  íeu  irmaõ  ,  que  puzefse 
grande  cuidado  na  emenda  deftes  defacertos ;  porque  o 
naõ  neceCitafse  a  tomar  outra  refoluçaõ?  Simaõ  de  Vaf- 

concel-» 


PARTE  II.  LIVRO  XII.       4^ 

toncellos  ,  cujo  natural  era  jummamente  arrebatado  ,  Anno 
devendo  fuavizar  a  paixaÕ  do  Infante,  ror  atalhar  es  ^x 
graves  inconvenientes  ,   que  podiaõ  fobrevir  ,  lhe  rei- 
pondeo  i  que  viílo  Sua  Alteza  fazer  aquelle  conceito 
de  feu  irmaõ  ,  que  elle  le  achava  obrigado  a  ie  dei  pe- 
dir de  feu  ferviço.  Reít  onde c-lhe  o  Infante  locegada- 
rnente,  que  lhe  advertia  naõ  tornaise  a  fallar  por  aquel- 
les  termos.   Replicou  dizendo  ,  que  efiava  himenare- 
íoluçaó  referida.  Difse-lhe  o  Infante,  que  confideraí- 
fe  bem  ,  no  que  dizia  ,  e  que  lhe  dava  de  termo  o  tem- 
po ,  que  fe  detivelse  no  Faço  -t  e  que  tivefse  entendido, 
que,  íe  o  naô  achate  modelado  ,  a.n,o  eipeiaya  ,  que 
a  porta  ,  que  tantas  vezes  achara  alerta  ,  havia  de  ex- 
perimentar para  itmpre  cerrada. 

Naõ  bailou  elta  prudentiílima  admceílaçaõ  do  In- 
fante, para  moderar  a  cólera  de  Simaõ  de  VaiconcUlos, 
elevado  delia  ,  nao  eíperou,que  o  Infante  vcltaíse,  pa- 
ra o  acompanhar  atéa  carioca.  Chegou  dt  pois  de  haver 
entiado  nelia  :  ordene  u-lhe  ,  que  tomate  o  leu .lugar. 
Eículou-íe  de  lhe  obedecer :  inflou  :  naô  íe  periuaciio : 
•e  vendo  o  Infante  efla  imprudência  ,  mane  ou  ,  que  an- 
da fse  a  carroça  ,  com  reioluçSc  tão  fume  de  naõ  tor- 
nar admittir  a  feu  leiviço  Simão  ce  Valconcellcs  ,  que 
não  forao  baílantes  as  exquifitas  diligencias,  que  deptis 
le  fizeraõ,para  oobrigarem  a  mudar  de  refolucão,  com 
grande  fentimento  do  Conde  ce  Caftello-Nelhcr  ,  que 
reconheceo  neíle  accidente  ,  que  a  eclera  de  feu  irmão 
tinha  dado  armas  contra  a"  lua  fortuna  j  tendo  rorin- 
fallivel  ,  que  o  Infante  naõ  huvia  de  deípedir  ce  leu 
íerviço  a  Simão  de  Vafconcelksíem  cauía  muito  rele- 
vante >  e  em  quanto  ellecontinuafse  a  feá  aílllercia, 
e  o  tempo  que  ella  permanecefse  ,  poucas  peltcss  hí  ve- 
ria ,  que  fe  relolveísem  a  tratar  cem  o  Infante  r  eí  ecio 
algum  ,  que  não  fofse  em  benefeio  do  Conde  :  o  qual 
nefta  confideração ,  vendo  apuradas  todas  as  diligen- 
cias ,  que  fez  por  moderar  o  Infante  ,  tomou  a  relol li- 
ção de  lhe  fallar  >  e  fem  a  ccmmunicar  a  outra  pefsoa, 
buícando  o  pretexto  de  participar  ao  Infante  vários  ne- 
gócios políticos ,  foi  huma  tarde  á  quinta  >  em  que  af-, 


45a      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  fiftia.Deufe-lhe  recado,  e  fahio  a  fallar-lhe.  Fez-lhe  o 
..     Conde  huma  larga  oração,  em  que  refe  rio  os  grandes 
IqOj.  ferviços,  que  havia  feito  ao  Reiuo  ,  e  os  que  particu- 
larmente fizera  a  Sua  Alteza ,  e  ultimamente  lhe  pe- 
dio  foíse  lervido  de  conhecer  a  íua  jultiíicaçaò  ,  e  ad- 
rnittillo  á  lua  graça  ,  e  a  Simaõ  de  Vafconcellos  a  feu 
ferviço.  Refpondeo-lhe  o  Infante  ,  que  as  repetidas 
fem-razoens  ,  que  tinha  experimentado  em  EIRey  ,  o 
havia  ó  obrigado  a  elcandaJo  tao  juílo  i  que  confelsava 
que,  íe acafo  conhecera  o  author  daquellazizanu  ,  pa- 
gara com  a  vida  os  deíconcertos  da  íua  maldade  :  que 
íe  o  Conde  queria  juftifkar  o  quel  e  havia  referido  ,  q 
na  íua  maõ  eftava  efte  remédio  ,  modeaindo  as  acço ens 
d« EIRey ,conhecidamente  governadas  pela  íua  di/ecçió, 
e  que  fe  confeguifse  eíta  experiência  ,  daquelle  po  ntp 
por  diante  íe  elqueceria  de  todos  os  íucceísos  pafsados, 
e  o  teria  por  diículpado  i  e  que  para  efta  occafiaó  reíer- 
vava  reiponder-lhe  á  inílancia,  que  lhe  fazia,  fobre 
tornar  a  admittir  Simaõ  de  Vafconcellos    a  feu  ler- 
viço. 

Deípedio-fe  o  Conde,  e  nao  experimentou  o  Infan- 
te  mudança  no  trrati  d<ElRey;  defattençaõ,  que  lhe  ac- 
crefcentou  o  efcandalo,  e  dobrou  o  fentimento  e  o  Con- 
de,naõ  tendo  por  giãde  inconveniente,que o  Infante  fa- 
hifse  da  Corte  ,  muito  contra  o  que  convinha  á  iua  con- 
fervaçao,  o  deixou  executar  efte  intento  ,  unicamente 
feguido  no  dia  ,  que  fahio  da  Corte-Real ,  de  D.   Ro- 
drigo de  Menezes,  edafamilia  inferior   da  fua  caía; 
porque  Chriftovaõ  de  Almada  eílava  mal  convaleci- 
do  da  doença  ,  que  padecera  ,e  Simão  de  Vafcon- 
cellos totalmente  feparajo  do  exercício  deGeutil-ho- 
mem  da  Camerai  porém  tanto  que  fe  divulgou  a  noti* 
cia  da  refoluçaó  do  Infante,  pafsárao  a  Queluz  aquellas 
peísoas  principaes ,  que  fem   attençoens  a  dependên- 
cias co fumava ó  a Ííiftir-Ihe  na  Corte-Real ,  e  eaufou  ef- 
ta novidade  em  todo  o  Reino   notável  perturbação  ,  e 
nos  Cafbelhanos  ■>  que  eftivao  prifioneir  os  ,  alegre  con- 
fiança de  que  poderia  >  na  guerra  civil  coafeguir  com 
aa  mãos  dos  Portuguezes  o  que  não  puierãoJalcançar 

co  n 


FJRTE  II  LIVRO  X\\.         fà 

com  as  fuás  armas.  Reconhecendo  o  Conde  de  Csítello»  Anno 
Melhor  efte  perigcío  efeito  da  deliberação  do  Infante,  . 

entrou  juíta mente  em  veherr.ente  cuidado  ,  tendo  por  10lu» 
infallivel,  que  a  incapacidade  d'E4Rey,  lo  ccnieguin- 
do  afortuna  de  naõ  ter  opfciiçaõ  ,  podia  ler  tolerada, 
principalmente  tendo  por  oppoflasas  fin  guiares  virtu- 
des do  Infante,  que  o  faziaõ  tão  amado  dos  povos, 
como  aborrecido  de  lies  os  deíccnceirosd<ElRey  je  en- 
trando o  Conde  nelta  conilderação  ,  procurou  por  to- 
dos os  caminhos  periiiadir  ao  Infante  a  que  voltaíse 
para  a  Corte.  Miniítrou  o  fucceíso  opportuna  occafiao 
de  fe  ccnfeguir  eíte  íeu  defejo  >  porque  ,  padecendo  a 
faude  da  Rainha  os efleitos  da  grande  pena  ,  que  inte- 
riormente tolerava  ,  e  cuírando-lhe  huma  grande  febre 
algumas  fangrias  ,  entendeo  o  Infante  ,  que  era  obri- 
gado a  naõ  faltar  naqueJla  occaíiaô  na  aífítencia  do  Pa- 
ço i  e  varias  vezes  pafsou  da  quinta  de  Queluz  á  Cor- 
te afaber  da  Rainha  ,  tornando  á  noite  a  recolher-fe 
para  Queluz.  A  Rainha  períuadida  das  diligencias  do 
Conde  deCaílello-Melhor  ,  diiseao  Infante  ,  que  por 
naõ  padecer  a  moleítia  de  andar  tantas  vezes  taõ  largo 
caminho  ,  quizefse  ficar  na  Corte-Rtalcs  dias ,  queou- 
raíse  a  íua  doença.  Pareceo-lhe  ao  Infante,  que  naõ  po- 
dia deixar  de  obedecer  á  períuaíac  da  Rainha  ,  e  ficou 
na  Corte-Real.  Os  dias,  que  ie  deteve  ,  crefceraó  as  ne- 
gociaçoens  ;  e  depois  de  varias  prcpc  ílas  ,  cue  íe  lhe  íi- 
zeraô  da  parte  d<ElF  ey,  ie  ajuírcu  c^e  ,  para  fe  íeparar 
a  original  defconfiança  da  falta,  cem  que  ieachava 
nos  Gentis-homens  da  Camera ,  que  contentando-le  de 
nomear  quatro  ,  em  que  naõ  entrafsem  o  Conde  de  Sar- 
zedas  ,  e  Miguel  Carlos  ,  EJReylhe  naõ  faria  embara- 
ço. Ao  Infante  faziafe-lhedifficultofo  concordar  nefbe 
ajuítamento  ;  porque  entendia  ,  que  a  primeira  obri- 
gação ,  que  corria  por  fua  conta  ,  era  naõ  faltar  á  pala- 
vra ,  que  havia  dado  aos  primeiros  dous  Gentis-homens 
da  Camera  ,  que  nomeara ,  por  ferem  dignos  pelas  fuás 
partes ,  e  grande  qualidade,  de  todas  as  attençoens.  Po- 
rém reconhecendo  ,  que  as  confequencias  daquellafe- 
jparaçaõ  ,  em  que  eiiava  com  EIRey  >  hiaõ  crefeend© 


464   PORTUGAL  &ESTJVKADO; 

Anno  em  damito  da  Monarquia  ,  por  conítar  ,  que  a  indu  feria 
r66   doS  Caltelhaaos  procurava  vivamente  fomentalas;  e en- 
1D   "•  tendendo,  que  a  variedade  das  relõluçoens  d'L!Rey 
naó  ofíendia  a  opinião  daquelles  ,  que  aggravava  ,  por 
ier  manifelta  a  lua  incapacidade,  tendo  juntamente  pre- 
fumido  ,  que  os  dous  Gentis-homens  daCamera,  que 
havia  nomeado  zeloía  ,.  e  prudentemente  ,  fe  accom- 
modavaó  ■  á.  reiòluçaõ  ,  que  foise  mais  útil  ao  bem  do 
Reino  ,  e  íocego  do  Infante  ,  cedeu  do  feu  intento  , 
e  nomeou  por- léus  Gentis-homens  daCamera  a  Luiz  Al- 
vares de  Távora  Conde  de  S.Joaô  ,  a  D.  Joaõ  Masca- 
renhas Conde  da  Torre  ,  a  Luiz  da  Silva  Teílo  Conde 
de  Aveiras  ,  Regedor  da  Juftiça  ,  e  a. Manoel  Telles  da 
Silva  Conde  de  Villar-Mayor.  Feita  cita  eleição  ;   naó 
foi  a  noticia  delia  agradável  a  EIRey ,  nem  aos  Minif- 
tros  ,  que  familiarmente  lhe  aíiiíHaõ  J  porém  parecendo, 
que  feria  totalmente  perigofo  fegundo  embaraço  ,  fi- 
cou appjovada  por  EIRey,  e  tornou  o  Infante  com 
grande  fatisfaçaõ  da  Corte  ,  e  do  Reino  para  a  affiften- 
cia  da  Gorte-Real  ,  dando  ordem  ,  queie  íufpendefsem 
as  prevençoens  ,  que  havia  mandado  fazer  na  Viila  de 
Almada  ,  íitio  onde  tinha  determinado  paísar  o  Inver- 
no futuro.  O  dia  íeguinte  ao  que  tomáraó  pofse  os 
novos  Gentis-homens  da  Camera  ,  fe  defpedio  do  fer- 
viço  do  Infante  Ghriftovaõ  de  Almada  com  pretextos 
tao  decoro fos,  que  os  louvou  o  Infante,  confeísandoo 
muito  ,  que  iempre  fe  dera  por  fatisfeito  da  fua  aílií- 
tencia ,  pelo  amor,  zelo,  e  acerto,  com  que  o  ier- 
vira. 

Socegados  eítes  perigofos  accidentes ,  e  havendo  a 
Rainha  melhorado  do  achaque  ,  que  padecera  ,  conti- 
nuarão com  grande  alvoroço  as  prevençoens  das  feitas, 
que  tiveraó  principio  a  quinze  de  Outubro.  Fabricou- 
fea  Praça ,  cortando-fe  a  do  terreiro  do  Paço  a  diílan- 
cia  ,  que  baftou  para  ficar  quadrada.  Os  dous  lados, 
que  occupavao  os  palanques ,  fe  levantarão  em  três  or- 
dens com  igual  arquite&ura  ,  a  primeira  de  degráos  , 
a  fegutida  ,  e  terceira  de  varandas ,  que  fe  dividiaó  em 
arcos  com  balcões  de  grades  to  meadas,  pintadas  de  azul, 

e  ouro, 


V ARTE  1L  LIVRO  Hl.         #y 

é  ouro  ,  e  na  parte  fuperior  eíeudos  das  Armas  Reaes,  e  Anno 
Esferas  do  Reino  ,  e  no  alto  dos  palanquesem  diítan-     ,,, 
cias  convenientes  faróes grandes  dourados  com  vidra-  ÍV%JU* 
ças  ,  para  eítarem  acceios  nas  feitas ,  que  fe  celebraísem 
de  noite.  Armárão-fe  os  palanques  por  dentro  de  telas, 
e fedas,  e  repartirão-fe (  como  he  coílume  nas  feitas 
Reaes)  pelos  Tribunaes  ,  eConfeihos  ,  e  os  mais  pe- 
la Nobreza  ,  para  verem  as  fuás  famílias  ,  íinalando-fe 
ao  povo   os  lugares  ,  que  íicavão  iguaes  com^a  terra. 
Os  outros  dous  lados  do  terreiro,  que  occupavao  as  ja- 
nellas  do  Paço ,  fe  vião  armados  com  muito  cuítoíos 
adereços  ,  e  as  varandas  ,  que  fe  levantarão  até  o  prin- 
cipio das  janellas  ,  todas  fe  formarão  de  arcos ,  que  cor- 
refpondião  á  fabrica  dos  palanques.  A  noite  anteceden- 
te á  feita  das  Canas ,  que  foi  a  primeira  ,  em  que  tive- 
arão  principio,houve  no  terreiro  vários  fogos.  No  meyo 
#elle  fe  formou  huma  torre,  donde  fahio  huma  fer- 
mente a  contender  com  hum  leão  ,  e  gaítárão-fe  algu- 
imas  horas  em  diíFe rentes  artifícios.  Ao  dia  feguinte,  á 
huma  hora  da  tarde ,  fahio  EIRey  ,  e  a  Rainha  á  janel- 
la  ,  que  eítava  prevenida  ,  para  verem  as  feitas ,  e  mag- 
nificamente adereçada  ,  e  outra  para  o  Infante  ,  que 
lhe  ficava  immediata  :  as  mais  para  o  lado  efquerdp  cc- 
cupárão  as  Damas  ,  Donas  de  Honor  ,  e  mais  família  do 
Paço ;  as  do  lado  direito  os  Officiaes  da  Gafa ,  e  Mi-. 
niítros  Extrangeiros\  Occupava  os  palanaues  o  mais  lu- 
zido da  Corte ,  a  Praça  quantidade  de  danças  veítkias 
de  varias  fedas  ,  e  grande  numero  de  Povo.  Logo  que 
EIRey  appareceo  na  janella  ,  fe  começou  a  regara  Pra- 
ça ,  e  livre  com  eíte  remédio  |da  oítenía  do  pó^  entrou 
P.Francifco  de  Soufa,Capitão  da  Guarda  Alemãa,a  dei- 
embaraçalla  da  multidão  do  povo  com  grande  luzimen- 
to  ,  e  as  ceremonias  coítumadas  ;  e  no  mefmo  inítan- 
te  ,  em  que  fahio  da  Praça  ,  entrarão  nella  o  Conde  de 
Miranda  ,  e  o  Vifconde  de  Villa-Nova  ,  ambos  Confe- 
Iheiros  deEítada,  o  primeiro  Governador  das  Armas, 
eRelação  do  Porto,  o  íegundo  Eftribeiro  mórd'El- 
Rey  ,  e  Prefidente  da  Junta  do  Commercio  ,  que  forão 
nomeados,  para  íerem  padrinhos  das  Canas ,  .e  depois 

'    Gg  àe 


Anno 
1666, 


466    PORTUGAL  REST ALIADO , 

de  fazerem  a  primeira  função  de  pedir  a  EJRey  licença 
com  muito  airoío  deiembaraço ,  luzimento  ,  e  often- 
taçao  ,  tornarão  a  fahir  da  Praça  ,  e  immedia  ta  mente 
voitarao  aella  ,  feguidos  cada  hum  de  quatro  quadri- 
lhas. Eraõ  os  quadrilheiros  oito  ,  o  Marquez  de  Gou- 
vea ,  Mordomo  maior  d<ElRey  ,  e  do  Coníelho  de  E{- 
tado  ,  a  quem  fahio  nas  fortes  das  cores  ,  quefe  tirarão 
na  Secretaria  de  Eftado  ,  a  de  pardo  ,  e  ouro :  o  Conde 
de  Caílello^Melhor ,  do  Coníelho  de  Eítado,  Efcrivao 
da  Puridade  ,  de  azul  ,  e  ouro  :  o  Marquez  de  Marial- 
va ,  do  Coníelho  de  Eirado  ,  Veador  da  Fazenda  ,  Ca- 
pitão General  da  Provinda  de  Alentejo ,  Governador 
das  Armas  de  Lisboa,  e  Provinda  da  Extremadura  ,  no-J 
gueirado  ,  e  prata  :  o  Conde  de  Aveiras  Gentil-homem> 
daCamera  do  Infante,  e  Regedor  das  Juíliças,  bran- 
co ,  eouro:  o  Conde  da  Torre,  Gentil-homem  da  Ca-, 
mera  do  Infante ,  do  Confelho  de  Guerra  ,  Meítre  de- 
Campo  General  da  Corte  ,  e  da  Província  de  Extrema-i 
dura  ,  acamuçado  >  e  prata :  o  Conde  de  Sabugal ,  Mei- 
rinho mór  do  Reino  ,  e  do  Confelho  de  Guerra  ,  en- 
carnado ,  e  prata  r  o  Conde  de  Villa-Flor ,  do  Confelho 
de  Guerra  ,  laranjado  ,   e  prata.   A  oitava  quadrilha 
(porque'todas  as  nomeadas  vaó  pela  ordem,  queti- 
verao  no  lugar  das  Canas)  era  do  Conde  de  S.  JoaÕ  , 
GentiUiomem  da  Càmera  do  Infante ,  do  Coníelho  de 
Guerra  ,  Governador  das  Armas  da  Provinda  de  Trás  os 
Montes  ,  Meílre  de  Campo  General  de  Entre  Douro , 
e  Minho  ,  que  fahio  de  verde  ,  eouro.  Cada  hum  dos 
quadrilheiros  nomeou  cinco  Fidalgos  feus  parentes ,  e 
ão  feu  appellido  ,  com  que  todas  as  quadrilhas  fe  vi- 
nhaõ  a  compdr  de  quarenta  e  oito.  Deu  EIRey  ordem, 
que  nao  pudeíse  exceder  cada  hum,dos  que  entrarão  nas 
canas  ,  o  numere*  de  dous  lacayos,  nem  os  padrinhos  de 
vinte  e  quatro.  As  marlotas ,  jaezes  ,  e  librés  forao  tão 
luzidas ,  e  cuítoias ,  que  nem  o  difpendio  ,  nem  a  arte 
ppdiaio  exceder-fe. 

No  mefmo  inítante  ,  em  que  os  padrinhos  fahirao 
da  Praça,  tornárafí  a  entrar  nella  ,  íeguidos  das  qua- 
drilhas, desfiladas  em  vinte  e quatro  parelhas,  ederaô 

princi- 


" 


PARTE  II.  LIVRO  XII.      467 

princípio  ahuma  efcaramuça  de  hum  fó  rio.  Apoucas  Antlt) 
voltas  fe  dividirão  em  dous :  travaraó-íe  varias  vezes,  e     •  r  s 
depois  de  darem  a  toda  a  Praça  hum  viítofo,  e  alegre  eL-  I0D0* 
paço ,  tornarão  a  fahir  delia ,  correndo  cada  parelha  de 
per  íi  da  janella  d'ElRey  até  á  porta.  Fora  da  Praça  mu- 
darão cavallos  fem  dilação:  compuzeraõ-íe  as  quadri- 
lhas ,  e  tornarão  a  entrar  nella  pela  ordem  referida  ,  e 
forão  occupando  os  quatro  cantos  da  Praça  ,  e  os  dous 
lados  delia  ,  fazendo  com  viítofa  ordem  íahidas  a  feus 
tempos,  carregando  cada  numa  das  quadrilhas  a  que  lhe 
ficava  oppofta,alternando-íe  mais  fucceífivamente  com 
tanta  ordem  ,  e  tanta  deítreza ,  que  por  todas  as  cirum- 
jtancias  foi  eíta  feita  geralmente  applaudidaie  depois  de 
fe  gaitar  a  tarde  nefte  alegre  exercício,  leparárão  os  pa- 
drinhos a  contenda ,  e  íahirão  todos  da  Praça  na  forma, 
que  havião  entrado  nella. 

Em  a  noite  do  diafeguinte  fe  gaitarão  algumas  ho- 
tas  em  vários  fogos  diíFerentes  dos  da  primeira  ,  e  a  tar- 
>de  fucceíliva  foi  o  primeiro  dia  de  touros,    que  ^to- 
cou ao  Conde  da  Torre ,  o  fegundo  a  D.  JoaÓ  de  Caf- 
tro  ,  o  terceiro  ao  Conde  de  SJoão,  e  a  feu  irmão  Fran- 
cilco  de  Távora.  As  librés  forao  tão  cuítofas ,  que  o 
Conde  da  Torre  guarneceo  os  veítidos  de  doze  lacayos 
de  alamares  de  ouro  ao  martelo.  D.  João  de  Caftro  le- 
vou  cento  e  fefsenta  corri  trages  de  varias  Naçoens, 
veítidos  de  diferentes  ;fedas  ,  guarnecidos  de  paísama- 
nes  de  ouro ,  e  prata.  O  Conde  de  S.  João  ,  e  Francif* 
co  de  Távora  veítirão  trezentos  homens  de  diverfas  te- 
las, e  chamelotes  de  prata  com  guarniçoens  de  pafsa ma- 
nes de  prata ,  e  ouro.  Todos  fizerâo  excellentes  fortes, 
e  igualou  o  acerto  delias  o  cuíto,  e  luzimento  das  librés 
dos  lacayos ,  jaezes ,  e  cimas  dos  cavallos.  As  mais  fei- 
tas, que  eítavão  preparadas,  em  que  entravaó  numas; 
Juítas  ,  de  que  era  mantenedor  Francifco  de  Távora, 
desbaratou  o  rigor,  com  que  entrarão  as  tormentas  dó 

Inverno. 

Acabadas  as  feitas  alegres,  fe  tornarão  a  renovat 
os  accidentes  triítes;  porque ,  crefcendo  em  EIRey  o 
çdio,  e inveja f  que  tinha  ao  Infante,  enão  haven* 

Gg  *  do 


468  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ársno^0  °  cuidado>  que  erajufto  em  fe  atalhar  taô  perigo 
i6£K  Í0  emPen3lo>  nâo  havia  dia,  que  fenãofofsem  au 
iDOD.gmeatando  os  defconcertos,  Succedeo  levantar-íe  hu- 
ma  contenda  entre  a  Marqueza  de  Caítello-Melhor 
Carne  reiramór  da  Rainha  ,  e  o  Conde  de  Santa  Crua 
leu  Mordomo  mór  ,  fobre  preeminências  das  fuás  oc- 
cupaçoens.  Alterou-fe  a  duvida  entre  EIRey ,  e  a  Rai- 
nha  na  prefença  do  Infante.  Difse  EIRey  ,  que  deter- 
minava ajuítaila  ,  e  juntamente  tomar  por  fua  conta  o 
governo  da  fua  cafa.  Approvou  o  Infante  prudente- 
mente eíla  propofição  ,  e  accrefcentou  ,.  que  não  fó  de- 
via governar  a  fua  cafa  ,  fenão  também  ofeu  Reino  , 
paradefvanecer  as  queixas  de  feus  vafsallos  opprimidos 
de  multas  íem-razoens  ,  quepadecião.  Perfuadio-íe  Eh 
Rey,   que"  o  Infante  lhe  fazia  eíla  advertência  com  o 
fim  de  favorecer  a  pertenção  do  Conde  de  Santa  Cruz 
contra  a  Marqueza- Camereira  mór  ,  e  levado  deita  pre- 
funçao  ,  defcompondo  a  ira  imprudente  todas  as attert- 
çcens,  aqueo.obrigavão  a  prefença  da  Rainha  ,  eau- 
thondade  do  Infante,  foltou  deíconcertadas palavras» 
epaísou  atao  perigofas  demonílraçoeas ,  que  foi  ne- 
ceísario  interpor-fe  a  Rainha  comgenerofa  jeíoluçâo, 
para  fe  atalhar  o  excefso  ,  com  que  EIRey  determinava 
provocara  paciência  do  Infante  taõ  mo deíla mente  va- 
loro fo  5  que  não  '-fe  difbingufa  na  íeu  efpirito  em  qual 
das  duas  virtudes-era  mais  fuperior.  Confeguio  a  Rai- 
nha fe  parar  os  dous  Príncipes  do  perigo ,  aqueeltive- 
rãoexpoftos:  porém  as  occaíioens  era ó  tão  continuas, 
que  quafi  parecia  impoffivel  que  o  foffrimento  do  In- 
fante pudeíse  tolerar  os  aggravos  d*  EIRey.  Succedeo 
naquelle  tempo  a  morte  de  D.  Rodrigo  da  Cunha  de 
Saldanha,  Sumilher  da  cortina  do  Infante,que  nomeou 
para  eíla  occupação  a  D.  Veriííirno  de  Alencaílre  ,  do 
Conlelho  geral  do  Santo  Qfficio  ,  depois  Arcebifpo  dç 
Braga  ,  e  Inquiridor  geral ,  hoje  Cardial  da  Igreja  ,  por 
íer  contado  pelas  fuás  virtudes,  e  grande  qualidade, 
por  hum  dos  íujeitós  Ecclefiaílicos  de  maior  eílima- 
ção.  Dando-fe  conta  a  EIRey,  negou  ao  Infante  a  per- 
■íiuísao  ,  que  lhe  .pedia ,  e  nomeou  a  l>.  Veríílimopor 


r 


leu 


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.jf* 


PARTE  11  LIPKO  WM       469 

fcu-Sumilnerda  cortina,  e  feguio-íe  a  eíte  defabri*Ani10 
snento  apartar  da  affiftencia  do  Infante  ,  com  o  pretex-    v£> 
to  de  o  nomear  Cónego  da  Collegiada  de  Ourem,  a  Jo-    UUUe 
feph  ia  Fonfeca ,  Capellaó  da  Capella  Real ,  que  affif- 
tia  ao  Infante  com  grande  amor  ,  e  zelo  defeu  ferviços 
refoluçaõ  ,  de  que  o  Infante  teve  grande  pena  >  porém 
recatou-a  com  o  foffrimento  ,  e  prudência  ,  que  repeti- 
damente havia  exercitado  ,•  e  coníiderando*  que  por  to- 
dos os  caminhos  fe  lhe  apuravão  os  termos  da  paciên- 
cia ,  elegeo  generofo  meyo  de  atalhar  os  perigos ,  a  que 
eftava  expoíto  ,  ereprefentou  aElRey  em  hum  largo, 
e  bem  ponderado  papel ,  que  em  virtude  de  o  haver 
11  orneado  a  Rainha  fua  mãy  Capitão  General  do  Reino, 
e  como  Conde  ftable  delle,  lhe  tocava  paisar  á  Provin- 
da de  Alentejo  ,  levando  em  fua  companhia  ao  Mar- 
quez de  Marialva,  a  quem  a  Rainha  havia  nomeado 
também  feu  Tenente  General ,  a  tratar  não  fó  da  de- 
•fenfa  do  Reino,  mas  de  lheextender  o  dominio  com 
«ovas  conquiftas ,  porque  era  tempo  de  íegurarafua 
opinião,  moftrando  ao  Mundo  a  fua  capacidade. 

Efta  propoíta  occafionou  grande  coafuíaò  em  to* 
dos ,  os  que  aíliítião  a  EIRey  ,•  porque  quanto  a  confi- 
deravão  mais  juíliíicada  ,  tanto  a  íuppunhão  mais  pe- 
dgofa  /pois conceder  ao  Infante  a  occupaçãoj,  que  pe- 
dia ,  era  accrefcentar-lhe  o  poder ,  que  receavão,-  e  ne- 
garlha  feria  manifeítarao  Mundo  a  injuftiça  ,  com  que 
EIRey  procedia  no  trato  de  hum  irmaõ  tão  benemé- 
rito ,  que  fó  fe  lembrava  de  acodir  á  defenfa  do  Reino, 
de  que  era  immediafo  fuccefsor ,  deliberando  expor  a 
vida  aos  incertos  ,  e  perigofos  accidentes  da  guerra ;  e 
parecendo  a  EIRep  grandes  os  inconvenientes  de  qual- 
quer das  deliberaçoens ,  elegeo ,  por  confelho  dos  quô 
lheaíliftiaõ,  naó  refponder  ao  papel  do  Infante ;  poli- 
tica ,  que  deve  fer  contada  pela  mais  injufta  ,  e  mais 
efcandalofa  dos  Principes  j  porque  logo  que  chega ô  aõ 
Throno  ,  fe  conftituem  oráculos  viventes  ,    e  devem 
medir  as  refpoftas  pelas  perguntas  |  e  as  reioluçoens  pe- 
las propoítas,  e  em  qualquer  outra  eítrada ,  que  fe-- 
guem ,  manifeítão  defeitos  reprehenfiveis,  e  deícobrem». 
I    ,  Gg  3  errosi 


47$    PORTUGAL  RESTMJRÃDO, 

erros  irremediáveis.  Foi  grande  o  fentimento  do  Infá^ 
Annp  . te  i  e  vendo  offencitdo  o  leu  -refpeitò  em  fe  lhe  rtao 
1666  re*Ponder;>f  lidadas  as  fuás  mais  appetecidas  efpe- 
•  ranças ,  perfuadindò-jfe  ,  que  lhe  podia  faltar  camooi 
em  que  defcobrifse  os  realces  do  feu  efpirito,  e  os  alen- 
tos do  íeu  valor ,  cahio  a deliberação  da  propofta  dtf 
Infante  parada  fufpeita  de  que  o  Conde  deS.Joao  ,  e 
o  Conde  da  forre  haviaõ  fido  inílrumentos  da  fua  re* 
ioluçao,  eíem  mais  outro  exame,  que  efte  difcurfo , 
mandou  EIRey  ordem  aoGonde  deS.Joao,  que  pai- 
laíse  a  continuar  o  governo  das  Armas  da  Província  de 
Trás  os  Montes ,  e  ao  Conde  da  Torre ,  que  partifse  a 
levantar  gente  na  Comarca  de  Extremadura.NaÕ  quiz  a 
Infante  prudentemente  oppôr-fe  a  eíta  deliberação ,  co* 
rvhecendoohm,  a  que  caminhava,  e  mandou  dizer  a 
o  yiv3r  ^uyuando  os  feus  criados  acertafsem  a  fervir 
a  Sua  Mageítade ,  os  julgaria  por  mais  beneméritos  em 
íeu  íerviço.  Partirão  os  dous  ,  e  EIRey  mandou ,  que 
ie  preveruíse^apreílo  da  jornada  de  Salvaterra.  Deíe« 
jou  o  Infante  levar,  álèm  dos  feus  criados ,  alguns  Fi* 
dalgos,  queoacompanhafsem,daquelles,  que  EIRey 
aao  nomeafse,  para  lhe  affiítirem  neita  jornadl,  e  de  to- 
dos, os  que  eícolheo  ,  depois  de  grande  contradi- 
çao,  lhe  foi  fo  concedido  o  Conde  de  Sarzedas  ,  qué 
era  hum  ,  dos  que  o  Infante  com  mais  efficacia  havia 
deíejadojuftamente  que;  o  acompanhafse  ,  por  achari 
queconcornao  naluapefsoa  todas  as  qualidades  dignas 
da  lua  eítimaçaõ.  ° 

,;í??m  d°s  q«e  E1^e7  naõdifpenfou  ao  Infante, 
ioiU.Lmz  de  Meneses,  aquém  nos  annos  antece- 
dentes havia  levado  a  Salvaterra ,  fingularizando-o  com 

finf  íCOffa?re8:'  que  caufár*>  cuidado  aos  que 
íundavao  a  íua  fortuna  na  perfiílencia  da  valia.  Culti- 
S ]jP.  ^w  com  efficaz  attenção  ,  e  zeloio  affeflo* 
tendo  fo  por  objecto  no  bom  governo  d<ElRey ,  e  no 

22Í  tS  /S  aCÇ°.enS  a  co,lferva^õ  do  Reyno,  e  com 
!t?í%°  fím  contrlnaou  a  aííiírencia  do  Infante ,  piot 
S, à°™QrecQi  °  f?u  ge"erofo  agrado  ,  que  com  aíFe* 
auofa  geração  reijpatava.  Teve  EIRey  eíta  noticia , 

efes 


PARTE  II.  LIVRO  XII.        471 

•fez  tão  publicas  ,  e  extraordinárias  demótifiraçoens .^nilO' 
do  feu  enfado  ,  que  atalhaó  totalmente  a  confiança  de    ,  ,, 
referillasie  por  ultimo  remate  mandou  ordem  a  D.Lui-z,  J&*&* 
que  foíse  huma  noite  ao  Paço ,  lingulariZando-lhe  nu- 
ma cala  interior  ,  onde  eíieve  muitas  horas  fechado. 
No  fim  delias  lhe  mandou  hum  papel ,  que  dizia eftás 
palavras :  Sua  Magejiade  manda    dizer  a  Voffa  Senho- 
ria ,    que   lhe  confia ,  que  Vúffa  Senhoria  fora  Quarta 
feira  á  Corte-Real ,   e  que  Sua  Alteza  o  levara  á  fua 
eafa  de  armas ,  e  que  lhas  oferecera  \  è  quer  Sua  Ma-. 
geftade ,  que  Fojfa  Senhoria  declare  ao  pé  âifte  papel  o 
partido  ,  que  determina  feguir ,  fe  ode  Sua  Magejiade* 
fe  o  de  Sua  Alteza ;  e  que  prazerá  a  Deos  ,  que  defja 
parte  lhe  venhaõ  as  fortunas.  Achando-íe  D.  Luiz  na 
çonfufaõ  de  fever  conítrangido  arefponde-r  a  tão  ex- 
traordinária propoíla  na  forma  da  ordem  d'ElRey , 
lefpondeo  ao  pé  delia  as  palavras  feguintes :  He  verda- 
de ,  que  Sua  Alteza  me  fez  mercê  dememoflrar  Qiiarta 
feira  na  Corte-Real  a  fua  cafa  de  armeis ,  fem  mais  atten- 
fdo ,  que  a  fua  Real  género  f idade  \  deliberei  continuar  a  af- 
fiftsncia  de  Sua  Alteza ,  entendendo ,  que  era  o  maior  fer- 
viço,  que  podia  fazer  a  Sua  Magejiade  \  porque  Jendo 
Sua  Alteza  ,  como  o  mais  obrigado  ,  o  mais  attento  a  dar 
gofto  a  Sua  Magejiade ,  e  á  confervaçâo  do  Reyno  ,  ndo 
he  )ufio  ,  que  os  vaffallos  de  Sua  Magejiade  fe  feparem  da 
communicaçdo  de  Sua  Alteza ,  afflm  para  fonientar  tâo 
jpreeija ,  como  louvável  união ,  como  para  participação  das 
fuás  fobrenaturaes  virtudes  ;  efe  acafo  fuecede  ,  que 
ha\a  alguma  pejfoa,  que  perjuada  a  Sua  Magejiade  a  opi- 


jufiamente   merece   Jevéro    cafiijM  , 
encontra  a  confervaçâo  defle  Rey^ 


wao  contraria 
forque    totalmente 
no. 

V  Efta  refpofta  ,  como  fe  fora  grande  delicio,  indignou 
de  forte  o  animo  d'ElRey ,  quenaquella  mefma  noite 
teiolveo  mandar  tirar  a  vida  a  D.  Luiz ,  e  pafsou  ordem 
a  três  dos  chamadol  valentes,  para  ferem  executores 
defte  intento.Hum  delles  reconhecendo  aquella  fem-ra- 
zaõ,  bufeou  o  Padre  Jorge  da  Coita  da  Companhia  de 


47%  POKIUGVÍL  REm^U&ADO, 

ÀOKO  Jefus  ,.e  Ihedifse  ,  que  ffZefse  avizo  a  D.  Luiz  ,  que  Te 
1 666   recatafse  >  porq-ue  intentavão  #  rar-lhe  a  vida  J  e  a  mef- 
•  ma  diligencia  fez  com  hum  Padre  Dominico  ,  Saerif- 
tão  dos-Hyb.errie.os.  Quafi  ao  mefmo  tempo  fizerão  am- 
bos efte  avizo ,' e  reconhecendo  D.  Luiz  evidentemen- 
te a  poderofa  mão  ,  que  lhe  procurava  a  morte,  conti- 
nuou muitos  mea.es.  a  prevenção  ,  e  o  recato :  porém 
partindo  EIRçy  para  Salvaterra,  entendeo ,  queeíiava 
deívanecido  efte  intento ,  e  recolhendo-fe  do  Paço  fem 
prevenção  em  huma  carroça  com  fua  mulher  ,  e  feu  ir- 
raaoa  Conde  D.  Fernando  deMenezes ,  íahirão  dos  uU 
tjmos_arcos  da  Praça  do  Rocio  pela  parte  do  Mofteiro 
4eb.  Domingos  tre&homens  a  cavallo  ,  e  difparárão  na 
carroça,  que  hia  fechada  a  refpeito  de  huma  grade  tem- 
ppftade  ,.  três  bacamartes  ,  e  fugirão  a  toda  a  fúria  dos 
cavallos.,  deixando  feridas  duas  mulas  das  que  tiravão 
acarroça,  fenx  fazer  outro  damno.  Aprefsa*.com  que  os 
aísaiíinosfeaufentárão,  nãodeu  lugar  aos  ofFendidos 
mais.que  a  defafogar  o  fentirnento  do  aggrefsor  com  o 
iX)ítrimento  da  innocencia,achandorfe  menos  prejudica* 
áos^  no  rilco  da  vida  ,  que  no  fobrefaíto ,  quepadecea 
lAJaanna  de  Menezes,não  chegando  a  dezafeis  annos, 
expoíèa  a  tao  defuíàdo  ,  e  ma nifeAo^ perigo;  e  vencen- 
do heroicamente  todo  o  horror  que  fentio,  forão  as  úni- 
cas palavras,,  que  pronunciou,,  quando  os  bacamartes 
fe  diíparárão;  que  fofse  fó  a  fua  vida  emprego  daquelles 
golpes  ,,  e.  detida  a  fúria  das  mulas  feridas ,  faltarão, 
os  dous^carroça ;  ecomo  pela  fugida  dos  afsaílinos 
nao  puderao  fatisfazer-  a  concebida  cólera  ,.  recolhei 
do  a  pouca  família,  que  os  acompanhava,  fe  retira- 
rão a  lua  cafa  com  tão  intolerável  dor  ,.  e fentirnento^ 
como  explica  o  mefmo  fuceefso  j  pois  as  circumítancias 
delle ,-  ainda  que  pudera  exprimillas  a  magoa  ,  iaô  me- 
lhor explicadas  peio  entendimento,  que  pela  rheto- 
rica*  :  > 

Chegou  a  Salvaterra  a  noticia  deite  fuceefso,  eo 

Infaí-íte  encareceo  com; tantas  circumítancias  a-EX  Luiz 

o  leu  .íenttnrento  ,  e  lhe  oífereceo  com  tanta  eilicaciaa 

protecção,  da  fua  grandeza,  qu~fá elle  alivio  pôde  fa- 

■  l  j-       '  z.er 


•r 


' 


P^BLTEIÍ,  L1VKO  X/f.      m 

ícr  tolerável  o  infortúnio  padecido.  O  Conde  de  Caf-  Armo 
tello-Meihor ,  chegándo-lhe  o  avizo  deite  fuceeíso,  fez 
publica  demonítraçaô  da  pena  ,  quellie  caufara ,  dizen-  IO07. 
do  ,  que  com  o  próprio  fangUe  comprara  naô  ter  acon- 
tecido. Pafsados  alguns  dias ,  determinou  EIRey  paísar 
para  Lisboa.  Mandou  ordem  a  D.  Luiz  ,  que  fem  dila- 
ção fahiíse  da  Corte  a  levantar  géte  ao  Condado  da  Fei- 
ta ,  como  lhe  havia  ordenado ,  antes  que  partifsé  para 
SaWaterra,  com  circumftanciastaõ  myíleriofas  ,que  pu- 
deraò  dar  cuidado  a  coração  menos  innoeente.  Orde- 
nou-lhe  o  Infante ,  que  partifsefem  réplica  ,  e  obede- 
cendo ,  continuou  a  jornada  ,  e  chegando  ao  Porto,  re- 
cebeo  avizo  ,  que  EIRey  mandava  íeis  homensáquella 
Cidade  a  executar ,  o  que  os  outros  naô  puderaõ  confe- 
guir  j  porém  as  prevençoens  do  Conde  de  Miranda  Go- 
vernador do  Porto  ,  em  cuja  cafa  eftava  D.  Luiz  poufa* 
do ,  desbaratou  toios  eftes  intentos,  j  e  acabada  a  com* 
stiifsaó  ,  voltou  D.  Luiz  para  Santarém  >  onde  íéu  irmão 
tom  toda  a  fua  familia  aiTiíHa,  havendo  pafsado  de  Lis- 
boa para  aquella  Villa,  logo  que  D.  Luiz  fahio  da  Cor- 
te ,  parecendo-lhe  com  grande  prudência  indecente  a 
âífiftenci,*  delia  r  e  a  ordem  ,  que  D.Luiz  teve  d' EI- 
Rey para  fe  poder  retirar  ,  foi  com  declaração ,  que  não 
^ahiria  de  Santarém  fem  ordem  fua  ,  ficandb-lhe  o  dei- 
te rro  por  premio  do  ferviço  ,  que  havia  feito  á  lua  cuf- 
ta;  porque  naó  fó>  lhe  tirarão  o  foldo  de  General  da  Ar- 
tilharia ,  que  le  lhe  devia  dar  dobrado  todo  o  tempo  > 
que  durafse  a  fua  commifsaô ,  fenaÔ  huma  coruluaçao 
íie  mil  cruzados  ,  que  fe  lhe  finalou  no  Porto ;  e  quei- 
xando-fe  de  fem-razoens  taô  manifeítas.  r  recebeo  hum 
efcrito  do  Secretario'  de  Eftado  António  de  Soufa  de 
Macedo  ,  em  que  lhe  dizia  ,  que  EIRey  lhe  naó  deferia* 
porque  juítiça  fazia  a  todos ,  e  favores  a  que  tinha 
vontade..  Elias  matérias  íe  fubítanciarao  o-mais  que  foi 
j>oíTivel»porque  fe  fe  referirão  as  relevantes  circumítan- 
cias,  e  vários  cafo&,  que  a  gravidade-  delles  occulta, ..pu- 
$eraó=  fer  afsumpto  de  volume  féparado.. 

Todo  o  tempo  ,.  que  EIRey  aMio-em*  Salvaterra, 
erefceo.  de  forte  a^deiigualdí^ ,  com  que  tratava  a  Rai-* 
c  ^ha,j 


#74  PCM.TUGÀL  KESTAVRADO, 

Anno  nha  ,  que  era  aquella  faberana ,;  e  innocente  Princez» 

l6ó6,0^e^odacoramiferâção  univerfal;  porque  as  grandes 
virtudes  ,  que  neila  refplandecião  ,  rendiaó  juítamente 
os  coraçoens  de  todos  feus  vafsailos ,  que  fem  rebuço  fe 
fbcferavão  parciaes  da  fua  razão,  e  do  feu  merecimento. 
Voltou  EIRey  para  Lisboa  ,  e  reconhecendo  os  Minif- 
tros  de  maior  fuppofíçaò  ,  que  não  fó  fe  dilatavão  as 
efperanças  de  dar  ao  Reino  fuccefsores ,  fenaõ  que  fe 
avaliava  eíta  felicidade  por  impoífivel ,  apertarão ,  quê 
fe  tratafse  com  todo  o  cuidado  do  cafamento  do  Infan- 
te ,  fendo  os  M  arquezes  de  Niza ,  e  Sande  os  que  mais 
applicavão  a  brevidade  deita  deliberação. Reconhecendo 
EIRey ,  que,  não  era  poíTivel  encontralla  fem  efcan-, 
dalo  rnanifeíto ,  mãdou  dizer  ao  Infante  pelo  íeu  Con- 
fefsor  ,  que  era  tempo  de  fe  tratar  do  feu  cafamento  ,  e 
cfperava  v  que  lhe  finalafse  as  Princezas  da  Europa ,  a 
que  mais  fe  inclinava.  Agradeceo  o  Infãte  a  EIRey  a  re. 
ferida  propoíição :  pedio-lhe  licença  ,  para  que  antes 
delle  declarar  a  fua  vontade  ,  cómunicafse  eíta. matéria 
a  fua  irmâa  a  Rainha  de  Inglaterra,e  a  EIRey  da  Gram- 
B retenha  *  porque  defejava  ,  que  a  negocio  tão  grave 
precedeíse  a  approvação  daquelles  Principes,e  para  que 
eíta  diligencia  não  foi  se  infru&uofa,  efperava  da  gran- 
deza de  S.  Mageítade  lhe  finalafse  rendas  competentes 
para  fuítentar  a  familia ,  e  efplendor  ,  que  era  juíto  ti- 
veíse  com  o  novo  eítado  ,  que  tomava ;  e  para  eíte  ef- 
feito  nomeava  ao  feu  Secretario  João  de  Roxas  de  Aze- 
vedo ,  para  que  fe  ajuítafse  com  o  Miniítro ,  que  Sua 
Mageítade  foíse  fervido  finalar-lhe.  Approvou  EIRey 
eíta  propofição  do  Infante  ,  e  deu  ordem  ao  Secretario 
de  Eítado ,  que  conferifse  com  João  de  Roxas ,  para  fe 

ajuítaremasconfinaçoens,  que  fehavião  deíinalarao 
Infante. 

No  dia  deítinado  para  eíte  negocio  o  interrom- 
peo  hum  novo  accidente  originado  da  imprudência  do 
Secretario  de  Eítado.  Havia-lhe  encommendado  a  Rai- 
nha com  efficacia  a  direcção  de  vários  negócios  de  feu 
iervlçr,  econítando-lhe,  ql]e  fe  defcuidava  de  osappli- 
car,.  fuccedeo  kvar-lhe  o  Secretario  hu ma  carta  do  Ser 

nado 


;  PJKTE  11.  L1VK0  IIL       47 f 

liado  da  Camera  da  Cidade  de  S.  Paulo  do&eino  de  An-  Armo 
gola,  e  entregando-lha  na  antecâmera  em  audiência  pu-    6 (& 
blica,  lhe  perguntou  a  Rainha  em  que  eirado  èftavaò  *uw^* 
os  negócios  ,  que  lhe  havia  encommendado*  Refpon- 
deo-Ihe  com  pouca  advertência ,  que  outros  cuidados 
o  tinhaò  divertido  de  os  ap plica r :  que  devia  advertir 
a  Sua  Mageftade,  que  íe  queria  confeguillos  ,  fevalefse* 
do  Conde  de  Caftello- Melhor.  A  Rainha  eílimulada  da 
defacordo  deita  indecencia ,  lhe  refpondeo  >  que  nao 
viera  a  Portugal  para  depender  mais  que  da  vontade 
d<  EIRey ,  e  que  naõ  era  aquella  a  primeira  yez,que  ex- 
perimentava poucas  attençoensao  leu  reípeito :  de  que 
juftamente  eftava  offendida.Repl içou  António  deSou- 
ía  de  Macedo  com  tao  deíòrdenadas  razoens  ,  e  def- 
concertadas  vozes^  encarecendo  os  merecimentos  do 
Conde  >  ©a  fem-razaõ  da  Rainha ,  que  lhe  ordenou  el- 
k  y  que  ou  failafse  baixo  ,  ou  fe  folse  da  fua  presença» 
Levantou  elle  mais  a  voz  ,  dizendo  ,   que  pertendia 
queoouviíse  todo  o  mundo;  e  foi  continuando  com 
tanta  demafia  r*l  que  a  Rainha  por  atalhar  elta  impru- 
dência íe  levantou  ,  pertendendo  fahir  da  antecâmera: 
eo  Secretario,para  confirmar  o  feu  defacordo  com  o  ul- 
timo extremo ,  quando  ^  Rainha  voltava  as  coitas  ,  lhe 
pegou  na  roupa  para  a  deter.  Voltou  a  Rainha  com  tão 
íoberana  cólera,  que  o  fez  defiítir  daquelle  facrilego 
áeíacato  ,  gritando  furiofamente  ,  que  a  Rainha  o  tra- 
tava com  os  defprezos ,  que  naõ  merecião  os  lerviços  > 
que  havia  feito  a  EIRey  ,  e  que  toda  a  culpa  era  dos 
traidores,  que  a  aconfelhavão.  Retirou-fe  a  Rainha,  e  de 
forte  irritados  todos  os  Officiaes  da  Caía  ,  que  a  acom- 
panhavão  ,  que  fe  a  Rainha  lhes  não  mandara  fevera- 
mente ,  que  andafsem  fem  fazer  cafo  daquelle  delírio, 
pudera  o  Secretario  experimentar  no  lugar  daouladia 
O  caítigo  delia.  Com  diligencia  foi  eíle  dar  conta  a 
EIRey ,  antes  que  a  Rainha  referífse  o  feu  excefso,  ten« 
do  por  mais  erHcazes  os  efFeitos  das  primeiras  informa- 
çoens.  Queixou-fe  a  Rainha  a  EIRey  r  que  lhe  promet- 
teo  caftigar  ao  Secretario:  porém  dilatando  a  execução» 
fentio  ella  de  forte  eíte  defcuido  >  que  haverfcdo-ie  da* 

do 


I 


476  PORTUGAL  RESTAURADO , 

ÀntlQ  do  principio  á  feíla  de  Santo  António ,  que  celebrou  ét 
1-66.7  penado  da  Camera  com  hum  dia  de  touros  ,  naõ  quiz 
°  /  *  ella  affiítir  >ao  iegundo  ,  por  cuja  caufa,  tomando-íe  ou-  • 
tros  pretextos ,  fe  íufpenderaõ ,;  e  reconhecendo  o  Con- 
de de  Caílello-Melhor  a  conítancia  dofentimento  da. 
Rainha,  e  quanto  era  precifo  dar-fe  fatisfaçaõ  ao  efcan- 
dalo  publico  do  excelso  do  Secretario  ,  de  que  podiaõ 
rcfultar  cóíequencias  perigofas,  perfuadio  a  EIRey  cha- 
mafse  a  Confelho  de  Eílado,  e  fe  referifse  nelle  a  culpa, 
edefeza  de  António  de  Soufa.  Teve  execução  efteinv 
tento;  e  depois  de  dilatada  conferencia  ,  ficou  refolu- 
to,  que  EIRey  mandafse  fahir  da  Corte  ao  Secretario, 
e  que  pafsados  alguns  dias  de  aufencia  ,  lhe  tornafse  a 
re&ituirafua  occupaçaõ.  Publicou-fe  eíta  refoluçaõ,  e 
crefceo  com  ella  de  forte  b  efcãdalo  univerfal,que  eíli-> 
imilado  o  Infante  deíle  excefso ,  e  de  todos  os  antece- 
dentes ,  que  fe  havia  d  executado  contra  o  feu  refpeito, 
reconhecendo  o  rifco ,  a  que  eftava  expofta  entre  tan- 
tas deíbrdens  a  confervaçaõ  do  Reino ,  gloriofamente 
defendido  do  poder  d' EIRey  de  Caítella  ,  ajudado  das 
Nàçoens  mais  bellicofas  de  Europa,valorofamente  deli- 
berou fer  fegundo  Athlante  da  Monarquia  Portugueza, 
luzido  retrato  da  Esfera  Celefte,  e  communicando  a  re- 
foluçaõ ,  que  havia  tomado  com  os  feus  Gentis-homens 
da  Camera  ,  com  feu  Meílre  Francifco  Corrêa  ,  e  o  feu 
Secretario  Joaõ  de  Roxas  de  Azevedo ,  fe  ajuftou ,  que 
participafse  eíte  intento  ao  Marquez  de  Marialva,  ao 
Conde  de  Villa-Flor  ,  ao  Conde  de  Sarzedas ,  a  Miguel 
Carlos  de  Távora,  a  Luiz  de  Mendoça  Furtado,  a  Fran- 
cifco Corrêa  da  Silva ,  a  D.  Joaõ  da  Silva  ,  e  a  eítes  fe- 
guiaõ  outros  parentes ,  e  amigos  feus  ,  infeparaveis  das 
luas  difpoíiçoens  j  eno  mefmo  tempo  avizou  a  D.  Luiz 
de  Menezes,  que  viefse  a  Lisboa  de  Santarém  (onde  ef- 
tava deílerrado)  occulto  acafade  D.  Joaõ  da  Silva,  e 
na  mefma  noite*  que  chegou, conferio  o  Infante  com  el- 
le  a  fua  heróica  determinação  ,  de  que  também  na  mef-> 
ma  noite  deu  noticia  ao  Duque  do  Cadaval ,  que  pou-> 
cos  dias  antes  tinha  chegado  a  Lisboa  ,  levantando-lhe 
EIRey  o  de-fterro ,  que  injuíhmente.havia  padecido  na 
1  h  alíiílea- 


PARTE  11.  LIVRO  X1L       477 

aíiiíleticiaNda  Praça  de  Almekla,   e  todos  os  referidos  ,  AnilQ 
e  outros  muitos,  que  fe  faraó  unindo  ájuíta  reíoluçaõ     ,, 
do  Infante, começarão  a  difpôr  a  forma  de  fe  executar,e         /  • 
quaíi  todas  as  diligencias  mais  efficazes  para  eíla  virtuo- 
fe  uniaõ  applicou  o  Infante  som  tanta  actividade ,  pru- 
dência ,  e  riíco  ,  que  muitas  vezes  iahia  de  noite  fem 
peísoa  alguma  a  conferir  a  importância  de  matéria  tao 
grave  com  muitos  ,  dps  que  eítavaó  difpoítos  á  lua  obe- 
diência ,*  porém  naõ  puderaó  eítas  difpofiçoens  íer  tao 
occultas ,  que  naó  tiveíse  o  Conde  de  Caítello-Me~ 
lhor  noticia  confufa  deite  movimento  ,'  e  perfuadido 
de  que  o  íeu  poder  feria  alvo  dos  difcurfos  de  confe- 
rentes  tao  poderofos  ,  fe  refolveo  ,  contra  o  pare- 
cer da  prudência  de  muitos  de  feus  amigos  ,  a  armar  o 
Paço  com  todas  as  chamadas  patrulhas  d' EIRey,  de  do- 
brar as  guardas  ,  e  ter  prevenida  a  Cavallaria  nos  quar- 
téis, í 

Seita  feira  ,  que  fe  contavaò  dons  de  setembro  , 
amanheceo  ria  Corte  eíta  intempaítiva,e  perigo  la  novi- 
dade. Chegando  ao  Infante  a  noticia  de  tão  publica  de- 
monílraçaõ  ,  eoíTendido  juítamente  de  fe  lhe  não  dar 
conta  da  caufa  daquelle  movimento,  de  que  forço  fa- 
•mente  fe  havia  de  ieguir  entender  o  mundo,  que  era 
elle  o  objecto  de  tao  manifeíla  perturbação,-  e  jutamen- 
»te  ,  que  não  podia  achar  recurfo  na  incapacidade  d'El- 
Rey,  reprefentaudo-lhe  pefsoalmente  a  razaõ  da  fua 
gueixa  no  perigo  da  fua  opinião,  antes  de  eleger  aquel- 
de  partido,  feria  arrifcar  a  fua  authoridade  na  cólera  , 
.com  que  EIRey  fem  alguma  temperança  coítumava  tra- 
-tallo  ,  fazendo  avizo  aos  Fidalgos  nomeados  ,  e  demais 
ao  Conde  de  Villa- Verde  ,  achando-lé  todos  na  Corte- 
,Real  ,  refolveo  fazer  por  efcrito  huma  larga  propoíta  a 
EIRey,  cuja  fubítancia  era  a  feguinte  :  Que  a  noticia 
defe  armar  o  Paço  ,  novidade  atè  aquelle  tempo  nun- 
■  ca  acontecida  em  Portugal ,  por  íer  o  reípeito  *  amor  ,  e 
.fidelidade  dos  Portuguezes  ,  a  mais  fegura  defenfa  dos 
.feus  Principes  ,  e  a  extranha  refoluçaó  de  fe  lhe  naô  dar 
parte  da  caufa.  original  daquelle  efhondoío  moviméta, 
-o  deixara  tao  confuíò,  e  tao  admirado ,  que  nem  acer- 
tava 


47?   POUTVGAL  R.ES74UHAD0, 

Anno tava  a  expor  a  Sua  Mageftade  o  leu  fentimeuto  j  porém 
*,*  que  recorredo  aos  excefsos  antecedétes  executados  çon- 

1  óoõ,  traa  ceu  reipeito  ,  e  entendendo  não  haverem  nafcido 
dé  refoluçoens  de  Sua  Mageftade,  vinha  a  conhecer  cla- 
ramente ,  que  o  preíente  arrojamento  havia  íido  fabri- 
cado na  mefma  oíficina ,  em  que  fe  forjarão  osinftru- 
mentos  anteriores  ,  por  cujo  refpeito  havendo  defpre- 
zado  até  aquelle  tempo  varias  advertências  ,  que  fe  lhe 
fizerao ,  tiara  fe  refguardar  dos  perigos  ,  que  lhe  amea- 
çavão  a  vida ,  o  preíente  excefso  lhe  fervia  de  cautella, 
reconhecendo,  que  aquelíes,  que  o  deviaõ  refpeitar,  co- 
mo o  primeiro  defeníof  da  immunidade  do  Paço  ,  re- 
folvendo-fe  a  armallo  íem  lhe  dar  conta  ,  o  publicavaò 
por  inimigo  da  confervação  da  Monarquia ;  exorbitân- 
cia ,  de  que  íe  achava  tão  offeadido  ,  que  proftrado  aos 
pés  de  Sua  Mageftade  ,  a  quem  venerava  como  Rey ,  e 
amava  como  irmão  ,  lhe  pedia  quizeíse  apartar  da  íua 
aíliftencia  ao  Conde  de  Caftello-Melhor ,  a  quem  como 
primeiro  Miniftro  fe  devia  attriburr  movimêto  taó  def* 
tifado  ,  e  executar  nelle  tão  exemplar  caftigo  ,  que  íi« 
eafse  fatisfeita  a  grande  culpa  commettida  contra  o  feu 
rei  peito  >  e  que,  fuccedendo  (  o  que  não  efperava)  na© 
deferir  S.Mageftade  á  íuajufta  pertençaó  ,lhe  feria  pre- 
cifo  tomar  a  refoluçaõ  de  pafsar  a  Reinos  extranhos  a 
bufcar  na  diftancia  da  fua  Pátria  o  deíafogo  do  feu  fen- 
timento; 

Efte  papel  levou  a  EIRey  o  Secretario  Joaó  de  Ro« 
xas*,  e  EIRey  fem  penetrar  ,  nem  examinar  a  gravidade 
da  matéria,  que  continha  ,  o  entregou  ao  Conde  de  Ca- 
ftello-Melhor: o  qual  juftamente  eonfufo  comacciden- 
te  taò  perigofo ,  recorreo  prudentemente  ao  caminho 
mais  próprio  deentregar  a  propofiçaõ  do  Infante  ao 
exame  do  Confelho  de  Eftadoj  e  fem  embargo  de  ferem 
nove  horas  da  noite ,  fe  convocou  o  Confelho ,  nao 
fe  participando  èfta  refoluçaõ  a  Joaõ  de  Roxas ,  que 
fem  refpofta  alguma  d' EIRey ,  voltou  para  a  Corte-» 
Realj  e  o  Infante  entendendo,  que  nao  havia  novi- 
dade ,  que  merecefse  cautella ,  defpedio  nao  fó  aos 
Gentis-homensdaCamera,  e  mais  Fidalgos,  que  cof- 

tuma- 


PARTE  II.  LIVRO  X/l.       479 

tumavaò  aíliítir-lhe  ,  fenaõ  também  todos  os  criados  da  44rino 
família  inferior  ,  ficando  unicamente  acompanhado  do 
Conde  de  Villar-Maíor  ,  queeftava  de  Semana  ,  de  cu-  l666. 
fa  prudência  ,  e  capacidade   fiava  juítamente  o  acerto 
das  melhores  direcçoens. 

Junto  oConlelho  de  Eftado ,  em  que  aíliítio  EI- 
Rey,  e  a  Rainha  ,  lido  ,e  examinado  o  papel  do  Infan- 
te ,  fe  poz  na  balança  da  juítiça  o  pezo  deíigual  de  fa- 
h-ir  o  Infante  do  Reino  ,  ou  o  Conde  de  Caitello-Me- 
Uiordo  Paço  5  e  depois  de  dilatada  conferencia  ,  ficou 
efcolhido  pelo  meyo  mais  proporcionado  ,  que  na  ma- 
nhãa  feguinte  diiseise  o  Marquez  de  Marialva  ao  In- 
fante da  parte  d'ElRey  ,  que  por  juítas  razoens  ,  e  cau- 
tas relevantes  mandara  armar  o  Paço  ,  e  dobrar  as  guar- 
das ;  eque  o  Marquez  procuraíse  entender  do  Infante 
fe  admittiria  o  obíequio  de  ir  o  Conde  de  Caítello-Me- 
íhor  beija r-lhe  a  mão  ,  e  deitar-fe  a  feus  pés ;  porque 
confiando  ao  mundo  eíta  demonítraçaõ  ,  ficafse  mais 
defembaraçada  a  queixa  do  Infante  ,  e  mais  juítiflcado 
d  procedimento  do  Conde.  Aceitou  o  Marquez  a  com- 
miísaó  ,  naô  ignorando  as  dificuldades  ,  que  continha. 
Na  manhãa  íeguinte  fallou  ao  Infante  ,  que  ouvindo  a 
propoíta  ,  foi  nova  a  matéria  ,  que  accendeo  o  ardente, 
e  generofo  efpirito  ,  que  o  illuílrava  ,  coníiderando  of- 
fendi  da  alua  grandeza  no  pouco  cuidado,  que  tinha 
dado  a  EIRey  ,  e  a  feus  Miniítros  a  grave  propoííçaõ  , 
que  havia  feito  >  e  que  ,  tendo  poíro  em  publico  o  íeu 
enfado  ,  devia  moftrar  ao  mundo  ,  que  naó  havia  entra- 
do ligeiramente  em  taõ  grade  empenho  fem  fundamen- 
tos manifeítos ,  que  o  conítrangiaõ  a  embaraçar  o  foce- 
go  publico  ;  e  que  neíta  coníideraçaõ  era  já  fem  remé- 
dio ,  que  univerfalmente  fe  conhecefse,  que  quando  fe 
lhe  faltava  á  juítiça  ,  negando-fe-lhe  os  meyos  da  pró- 
pria fegurança  ,  tinha  refoluçaõ  para  fefazer  refpeitar, 
caítigando  todos  aquelles ,  que  achafse  haviaò  delin- 
quidò  contra  a  fua  grandeza^  e  tendo  conferido  eíte  dif- 
curfo  com  todos,  os  que  lhe  aíuíliaõ  ,  o  approvaraó 
com  os  encómios,  que  merecia  taõ  prudente  refoluçaõ, 
e  reconhecendo-a,  refpondeo  ao  Marquez  de  Marialva, 

que 


4?o     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ánno  <llie  a  propoíta  ,  que  fizera  a  EIRey ,  fora  fundada  em 
razoe  ns  taõ  íuperiores,  que  pediaõ  outro  género  de  fa- 

I667.  tisfaçaô  daquelJa  ,  que  fe  lhe  inílnuava ;  e  que  quanto 
mais  experimentava  ,  que  fe  fazia  eítudo  de  fe  lhe  en- 
cobrir  a  caúia  de  fe  armar  o  Paço,  tanto  maior  era  a  fuai 
defconfiança  j  porque  fó  aprefunçaõ  ,  que  EIRey  de- 
via ter  de  ler  elíe  authorde  novidades  ,  poderia  íer  a 
razaõ  defe  lhe  naõ  dar  parte  de  taõ  efcandalofo  movi«? 
mento  }  e  que  augmentando-fe  taõ  forçofos  requifitos , 
íe  achava  de  novo  obrigado  a  pedir  a  EIRey  refpofta  ca- 
thegorica  do  papel ,  que  lhe  tinha  remettidoj  e  que  ne* 
gandofe-lhe  ,  lhe  leria  precifo  tomar  a  refoluçaõ  ,  que 
nelle  havia  fegurado  j  entendendo  porém  ,  que  naõ  ba- 
ilaria a  fem-razaó  a  perturbara  razaõ  d'E!Rey  a  lhe  de^ 
ferir  na  forma  ,  que  propozura. 

Levou  o  Marquez  de  Marialva  efta  propoíta  ,  e  a 
conftancia  inflexivel  do  Infante  accrefcentou  em  EIRy 
o  receyo  ,  e  no  Conde  de  Caítello-Melhor  o  cuidado: 
e  depois  de  varias  Conferencias  ,  que  fe  fizeraõ,  em  que 
fe  ventilarão  os  meyos  defe  atalharem  tantos  perigos, 
apontando-fe  igualmente  os  fuaves ,  e  os  violentos  ,  to- 
dos fe  lulpenderaõ;  porque  os  fuaves  pareciaõ  inúteis, 
e  os  violentos  arrifcados  :  e  naõ  fe  tomando  conclufaõ 
alguma,  fe  continuou  com  mais  vigor  o  eílrondo  das 
armas  ,  que  naõ  íervindo  de  terror  ao  Infante,  nem  aos 
que  lhe  aííiftiaõ  ,  eníinados  nas  largas  experiências  da 
guerra  a  defprezar  perigos ,  e  desbaratar  difiiculdades, 
era  o  occafiaó  de  fe  alterar  o  animo  do  povo  ,  e  de  o  fa- 
zer parcial  da  juíliça  do  Infante  5  obíervando-fe  ,  que, 
todos  eítes  ameaços  perturbava©  tão  pouco  o  feu  eípi- 
rito  valorolo  ,  e  invencível  ,  que  abertas  de  dia  ,  e  de 
noite  as  portas  da  Corte-Real  ,  naõ  conduzia  para  a  fua 
ailiítencia  mais  refguardo  ,  que  a  companhia  dos  feus 
Gentis-honiens  da  Camera  ,  feu  Meítre  ,  e  as  pefsoas  da 
iua  familia  dedicadas  ao  ferviço  interior  da  fua  guarda- 
roupa  ;  e  os  poucos  Fidalgos,  que  o  leguiaõ.  A  refpo- 
fta do  Infante  ,  que 'levou  o  Marquez  de  Marialva  ,  naõ 
obrigou  a  EIRey  a  mudara  refoluçaõ,  que  havia  toma- 
do de  o  perjiiadir  á  deíiílencia  do  feu  intento,  e  por  çf- 

ta 


PJRT£  11.  "LIFRO  111.        481 

ta  caufa  ordenou  ao  Marquez  voltafse  a  dizer  ao  Infãte,  AtlllO 
que  devia  aceitar  a  propoíta-,  que  lhe  fizera,  podendo  I(*£7# 
entrar  na  eíperança  ,  de  que  todas  as  duvida?  ia  haviaó         £" 
de  accomodar ,  pedindo-lhe  quizefse  ir  velo  ,  porque 
o  deíejav*  muito.  O  Infante  vendo  ,  que  não  havia  no- 
vidade ,  que  o  obrigafse  a  mudar  de  refoluçaô ,  reípon- 
deo  por  eícrito  ,  que  eílava  refoluto  a  naò  ir  aos  pés  de 
Sua  Mageftade ,  íem  fe  lhe  dar  fatisfaçaô  ao  publico  ag- 
gravo  ,  que  íe  lhe  íizera  de  ie  armar  o  Paço ,  íem  fe  lhe 
manifeftar  a  caufa  de  taõ  grande  movimento ;  e  que  pa- 
ra o  exame  deite  excelso  ,  ou  Sua  Mageftade  havia  de 
mãdar  fahir  do  Paço  ao  Conde  de  Caíiello-Melhor,com 
a  fegurança  de  aaò  prejudicar  á  fua  pefsoa  o  feu  retiro, 
ouelle  havia  fahir  fora  do  Reino  a  bufcar  em  outra 
qualquer  parte  do  mundo  mais  feguro  domicilio.  Vol- 
tou o  Marquez  com  a  refpofta  a  ElRey ,  e  reconhecen- 
do-fe  aconítancia  do  Infante  ,  crefceraooscuidados,em 
todos  ,  os  que  lhe  aíTiíHaó  ,  vendo  ,  que  por  efta  caufa 
fe  achava  a  Corte  alterada  ,  e  confuía  ,  admirando  to- 
dos os  zelofos  da  confervaçaõ  do  Reino  o  excelso  de 
eítarem  os  Terços  de  Infanteria  arrimados  no  terreiro 
do  Paço,  dobradas  as  guardas  >  multiplicadas  as  rondas, 
prevenida  a  Cavallaria,  e  os  Caftelhanos  prezos  no  Caf- 
tello,  e  cadêas  da  Corte,  vigilantes  ,  e  induítriofos  ,  pa- 
ra fufcitarem  com  diligencias  ,  e  cabedaes  os  empenhos 
da  guerra  civil ,  fendo  eftes  fó  os  effeitos  perigolbs  dek 
tas  eftrondofas  preparaçoens  \  porque  como  fefaziaô 
ièm  fim  particular  ,  íerviaõ  fó  de  irritarem  ao  valorofo 
efpirito  do  Infante  ,  havendo  entrado  na  jufta  defcon- 
íiança  de  fe  defender  a  immunidade  do  Paço  ,  moftran- 
do-fe  ao  mundo  ,  que  era  o  receyo  da  fua  peísoa ;  e  era 
taõ  pouca  a  diligencia  ,  que  fazia  de  fe  defender  de  taõ 
perigofas  armas  ,  que  naô  íe  achava  naqueile  tempo 
com  mais  aíTiftencia,  que  a  das  pefsoas  nomeadas ,  a  que 
ie  unirão  o  Conde  de  Villa-Verde  ,  D.  Fernando  Maf-  Divide  fb 
carenhas  ,  o  Conde  de  Palma  Meirinho  mór  ,  D.  Efte-  Núnz*. 
vaõ  de  Menezes  ,  que  achando-fe  fora  da  Corte  ,  vieraõ 
aíTiftir  ao  Infante  ,  e  no  dia  que  chegarão  ,  forao  ao  Pa- 
ço, e  com  elles  D,  Luiz  de  Menezes,  pertendetido  mof- 

Hh  trar, 


%    PRQWGAL  RESTAURADO, 

AílllO  t-rar  »  ^ue  íam^em  viera  naquelle  dia  ,  porém  uío>u-fe 
com  ellé  diíFerenté  demonitraçàó  ,  da  que  EIRey  teve 

10 07,  com  Qg  tres  nomeados  j-  porque  permittindo-lhes  ,  que 
pudeísem continuar  aaíFiílencia  do  Paço,  ordenou  a 
D.  Luiz  ,  que  antes  da  meya  noite  partiíse  para  Santa- 
rem.Refpondeo-fhe,  que  os  feus  íerviços  naõ  merecião 
aquêlle  trato  ^  e  outras  razoens  ardentes ,  e  forçpfas , 
que  juftificavão  o  feu  fentimento  ,•  porém  não  obriga- 
rão a  EIRey ,  a  que  defiítifse  da  ordem  ,  que  lhe  dera,  e 
pafsando  immedíatamente  a  dar  conta  ao  Infante,  do 
que  lhe  havia  fuecedido  ,  reíblveo  ,  que  lago  partifse 
para  Santarém  ,  onde  alliíHfse  dous  dias ,  para  juítificar 
a  fua  obediência ,  equevoltafse  oceulto  para  Lisboa, 
como  executou  ,  "fem  fazer  reparo  em  vários ,  e  mani- 
feílos  perigos  ,com  que  depois  foi  ameaçado.  Unirão- 
fe  a  eíles  Fidalgos  na  aííiftêcia  do  Infante  D.  Miguel  de 
Menezes ,  Pedro  Jaques  de  Magalhães ,  Gil  Vaz  Lobo, 
Franciíco  de  Brito  Freire,  Pedro  Fernandes  Monteiro, 
éfeu  fiJho  Roque  Monteiro  ,  Pedro  Vieira  da  Silva, 
e  Jofepkda  Fonfeca ,  que  da  aííiítencia  de  Ourem  lia  via 
pafsado  oceulto  a  Lisboa  ,  e  com  zelo  ,  e  utilidade  em 
negócios ,  que  fe  tratavaõ  ,  aíliítia  ao  Infante.  OCon- 
de  da  Ericeira  ,e  Joaõ  de  Saldanha  ,  que  ie  achavão  e.n 
Santarém  ,  foraô  chamados  do  Infante,  e  á  fua  obediên- 
cia eftavaõ  no  Porto  o  Conde  de  Miranda  ,  e  feu  irmãã 
Luiz  de  Soufa ,  e  na  Província  de  Trás  os  Montes  o= 
Conde  de  S.  Joaó  ,  feu  irmaõ  Francifco  de  Távora,  fea 
cunhado  D.  Miguel  da  Silveira  ,  e  todos  os  mais  Offí- 
ciaes  ,  e  Soldados  entregues  voluntárias ,  e  inseparavel- 
mente á  direcção  do  Conde,  e  á  juíliça  do  Infante  ,  que 
livrava  o  reparo  de  qualquer  infortúnio  em  ter  i  lua  de- 
voção Trás  os  Montes  ,  e  a  Cidade  do  Porto  ,  luece- 
dendo  obrigallo  a  violência  d'E!Rey  a  fahir  da  Corte. 

Neíle  tempo  teve  noticia  ,  que  a  notória  razaõ  Jo 
feu  íentimeuto  naóera  a  todos  manifeila  ,  e  para  obviar 
eíte  inconveniente  ,  deliberou  dar  conta  aos  Tribunaes, 
ao  Senado  da  Camera ,  e  á  Caía  dos  vinte  e  quatro  ,  das 
razoens  juílificadas  da  fua  queixa,  e  de  tudo  quanto  tifa 
Via  repintado  a  EIRey:  eao  meímo   dia  ,  em  que 

fora® 


:  PARTE  II.  LIVRO  X/í.        4B3 

ibraõ  eítes  papeis  ,  mandou  recado  aos  Co n telheiros  de  Armo 
Eftado  ,  e  ajais  Nobreza  da  Corte  ,  que  viefsera  fallar-       , 
|íie  ,,  e  a  todos  os  que  chegarão  á  fua  prefença  ,  infor-    ow/' 
mou  com  vivas  razoens ,   e  .agradável  eloquência  indi- 
vidualmente de  todos  os  accidentes ,  e  circumílancias, 
que  haviaõ  acontecido  na  controversa  ,  que  a  todos  era 
Notória  ,  e  que  tanto  embaraçava  a  boa  direcção  do  go- 
verno ,  e  o  conveniente  focego  publico.  Naõ  houve  al- 
f  um  ,  ainda  dos  mais  dependentes  dos  favores  d'E!Rey, 
que  naó  conhecefse  a  jiiílificada  razaò  do  Infante,  prin- 
cipalmente chegando  ao  ponto  de  expor  o  fentimento, 
com  que  fe  achava,  de  fe  armar  o  Paço  ,  de  fe  verem 
formadas  as  tropas  da  Corte  ,  fem  íe  lhe  participar  a 
cauía  detao  defufado  movimento jexçefsp  »  que  enca* 
recia  com  taõ  arrezoada  dor,que  atHrmava  o  havia  obri- 
gado aquella  afíiicçaõ  a  def prezar  totalmente  os  repeti- 
dos avizos  ,  que  fe  lhe  haviaõ  feito  ,  para  refguardar  a 
-jua  peísoa  do  perigo  de  hum  veneno ;  porque  eíhma- 
,va  muito  mais  a  immortalidade  da  opiniao,que  a  da  vida 
temporal,  e  caduca.Chegou  a  EIRey  avizo  do  caminho, 
que  o  Infante  utilmente  havia  tomado  para  fatisfazer 
cabalmente  a  toda  a  Corte,  e  por  confequencia  a  todo  o 
Reino  da  juftiricaçaõ  do  feu  procedimento  ,  e  a  conle- 
Ihado  dos  que  mais  familiarmente  lhe  aííiíliaõ,  ordenou 
ao  Marquez  de  Marialva-,  ao  Marquez  de  San  de  ,  ea 
■Ruy.de  Moura  Telles  foísem  dizer  ao  Infante  da  lua 
.parte,  que  fem  dilação  alguma  lhe  manifeítafsea  pel- 
foa  ,  de  quem  foubera  ,  que  fe  confpirava  contra  a  Jua 
vida,  para  fer  juridicamente  examinada  ,  e  que  íem  du- 
vida alguma  mandaria  caftigar  ao  dilinquenre  conven- 
cido, ou  ao  delator  falfario,  e  que  era  razão,  que  enten- 
defse,quanto  convinha  á  confervação  do  Reino  a  focie- 
-dade  de  ambos*  Ouvio  o  Infante  eíla  propofta  com  im- 
paciência ,  entendendo  ,  que  todas  as  fatisfaçoens  ,  que 
fe  pertendiaõ  dar  á  fua  queixa  ,  eraõ  cobertas  de  dinV 
muladas  politicas  ,  pois  fe  lhe  não  deferia  aofentimen- 
to  principal  de  fe  armar  o  Paço  ,  íem  fe  lhe  dar  conta, 
e  fe  lhe  ordenava,  que  defcobrifse  a  pefsoa  ,  que  aman- 
te dalua  vida  ,  fe  havia  fiado  da  palavra  Real-,  quelhç 

Hh  1  dera, 


4«4  PORTUGAL  RESTAURADO , 

Atino  dera  ,  de  co»fervar o  fegredo  ,  em  que  confiília  a  fegu- 
1667 . ran<*a  do  delator  y  Pois  ?  ou  fenda  falfa  ,  cu  verdadeira 
''  *a  noticia,  que  dera,  fendo  defcoberta,  íempre  eíhva  èi£ 
pofto  a  padecer  a  ultima  mina  »  e  por  todas  eítas  con- 
fideracoens  refpondeo  o  Infante  a  EÍRey ,  que  por  va- 
rias vezes  havia  reprelentado  a  Sua  Mageílade  a  razão 
do  leu  fentimento  ,  e  difficuldade  de  fe  tratarem  maté- 
rias taõ  graves,  fubfiítindo  o  Conde  de  Caílello-Melhor 
no  lugar,  queoccupava  j  porque  como  era  já  notório 
ha ver-fe  feito  parte  por  repetidos  aãos  em  todos  aquel- 
les  fuccefsos,  naõ  era  poffivel  fem  defigualdade  da  juíti- 
ça  averiguarem-lè  na  fua  prefença ,  achando-fe  com  po- 
der abtoluto  de  primeiro  Miniftro-,©  dependentes  do  íèu  I 
favor ,  ou  da  fua  paixão-  todos  os  queliouvefsem  de  fee 
Juizes  de  matérias  tao  graves; 

Voltarão  os  tres  Miniítros  com  eíta  refpoíta  r  e  en~ 
tendendo-ie,  que  era  ineontraftavel  a  eoníhmcia  do  In- 
fante pelas  diligencias ,  que  havião  efcolhido  por  me- 
dianeiras daquella  contenda,  depois  de  vários  difcurfos, 
e differeites  pareceres,  feelegeo  arefoluçao  deman- 
dar EIRey  chamar  a  hum  eongreíso  os  Canielheiros  de 
Eítado  ,  o  Chancelíer  mor ,  os  Defembarga dores  do  Pa- 
ço ,  e  os  dos  Aggravos  ,  os  Juizes  da  Coroa ,  o  Procu- 
rador delia  ,  e  o  da  Fazenda  *  e  dous  Miniftros  de  cada 
hum  dos  Tribunaes,  e  que  a  todos  íe  lefse  em  publi- 
co a  propofiçao  do  Infante ,  eque  livremente  votaísem 
a  forma  ,  em  que  EÍRey  havia  de  proceder  em  nego- 
cio de  confequencias  tão  importantes.  Julgou-fse  por 
precifa ,  e  prudente  a  refolução  ,  que  o  Conde  deCaí- 
telio-Melhor  tomou  de  feguir  eíta  eítrada,entendendo, 
que  íe  juftiíicava  com  o  mundo,  moítrando-lhe,que  não 
queria  fer  occafíaô  de  inquietaçoens  publicas ,  nem  va- 
ler-ie  da  vozd'ElRey,para  ufarde  meyos  violentos  con- 
tra a  Real  pefsoa  do  Infante  ,  em  que  eíta  vão  livradas 
todas  as  efperanças  da  fucceísaõ  do  Reino  ,  que  o  Con- 
de com  muito  reíra  intenção  defejava  coníervar ;  unin- 
do-fe  Juntamente  aeíte  difcurfo»  prefumir,  que  não  po- 
deria haver  Mtniítro  na  Junta  ,  que  não  votafse  a  favor 
dos  feus  intentos,  e  que  relultando  eíle  efFeito  daquel- 

te 


P ARTE  II.  LtFRO  XII.     ?  *|f 

le  conerefso  ,  ficaria  livre  da  cenfura  em  qualquer  par-  Anno 
tido  ,  que  tomais  -t  e  como  de  fe  naõ  deivanecer  eíle    ,, 
peníamento,  imaginava,  que  havia  de  reíultar  a  lua  con-         /  * 
lervaçaõ,  naõ  perdoou  a  diligencia  alguma  para  o  faci- 
litar ,  chegando  ao  ultimo  ponto  de  fallar  publicamen- 
te a  todos  os  Miniítros,  que  entrava õ  na  Junta,  pedin- 
do-lhe  ,  que  attendefsem  á  fua  juftiça,e  que  aconlelhaf- 
íem  a  EIRey,  em  cuja  prefença  haviaò  de  votar  ,  o  que 
convieíse  áconfervaçaõ  do  Reino.  Juntos  os  Miniítros, 
lèo  o  Secretario  de  fíílado  hum  papel  feito  pelo  Conde, 
cujo  traslado  he  o  feguinte  : 

Com  aoccafiao^e  Sua  Mageftade  mandar  dobrar 
íu  mar  das  do  Paço  por  razoem ,  que  para  tjjo  teve  ,  ejcre- 
veo  o  Senhor  Infante  a  Sua  Mageftade  huma  carta ,  fa- 
zendo-lhe  prefente  o  fentimento  ,  com  que  fe  achava  ,  da- 
quella  demonfiraçaõ ,  e  pedindo-lhe ,  que  pela  culpa  delia , 
e  porque  o  Conde  de  Caftello -Melhor  havia  maquinado 
contra  afmvida  ,  Sua  Mageftade  o  excluijfe  de  f eu  fer- 
iai ço» 

Em  refpofta  defta  carta  mandou  Sua  Mageftade  de- 
clarar ao  Senhor  Infante ,  que  as  prevençoens ,  de  que  fa- 
zàa  a  primeira  queixa  ,  e  de  que  formava  culpa  ao  Conde  , 
fe  haviaò  feito  por  mandado  de  Sua  Mageftade  \  e  quanto 
á  fegunda  ,  e fiava  Sua  Mageftade  prompto  para  mandar 
caftigar  a  pejfoa  do  Conde  ,  como  merecia  tao  grave ,  e 
deteftavel  crime,  ainda  imaginado ;  porém  que  para  o  fazer 
comjuftiça,  era  nece [fario  preceder  prova,  e  que  para  efte 
efeito  lhe  nomeaffe  a  pejfoa ,  que  lhe  dera  aquella  noticia; 
efuppofto  ,  que  fe  entendeo  por  efta  ,  e  outras  diligencias, 
que  a  queixa  do  Senhor  Infante  e flava  moderada  ,  de  novo 
torna  a  inflar  -,   que  precifamente   he   neceffano  fer  o 
Conde   depofto  das  fuás  occupaçoens  ,   e  do  grande  po- 
der ,    com  que  as  exercita  ,  fahindo  da  Corte  aquellas 
léguas ,  que  parecer  conveniente  para  fe  fazer  efte  exa- 
me ,'    e  que  afjim  deve  Sua  Mageftade  mandar ,  para 
que  os  mimos   dos  homens  fiquem  com  a  liberdade  ne- 
cejffaria,  para  entrarem  f em  receyo  em  tao  grande  nego- 

-  Hh  3  Suppofi 


4Í6    PORTUGAL  RESTAWDO, 

ÀnnO  Stippojlo  o  referido  ,  quer  Sua  Magejlade  ,  que  Je 

i6fv   ^ diga i  fe  conforme  a  direito ,  fó  pela  dita  queixa, p* 
1  °°7*  dêrã)ujlamen.te  proceder  adefierrado  Conde  ,  efujpenfao 
do  e^cer cicio  do  feu  lugar  ,   confiderando  por  huma  par- 
te ajatisfaçío  honejla  ,  e  decente  ,^mte  convirá  dar  ao  Se- 
nhor Infante  em  matéria  dejla  qualidade  \    e  por  outra 
fe  he  ver  o f  mil  o  delião  arguido  ,  ponderando-fe  a  fide- 
Iklade  ,  fervkos ,  e  zela  do  Conde  ,  e  a  ojfenja  do  credito 
dajuapejfoa,  e  família,  no  que  também  Vai  intereffàda  a 
jujliça  ,  e  providencia  i  com  que  Sua  Magejlade  deve  pro* 
ceder  em  fimilhante  matéria ,  para  que  depois  Jenaõ  ache, 
que  obrou  f em  baftante  fundamento.  E  confiderando  ou- 
tro-fim  o  damno  dos  negócios  publkos ,  decoro  da  authori-  { 
dadei^eal ,  confequencias  *  que  pUderao  refultar  dejla  no* 
vidade  com  as  Naçoens  Estrangeiras ,  e  muito  principal* 
mente  com  os  inimigos  dejla  Coroa.  E  fe  o  receyo  ,  que 
fe  aponta,  da  ajjijlencia  do  Conde  ,  para  que  as  tejlimunhas 
deixem  de  )urar  livremente  ,  fe  evita ,  fendo  ellas  exami-* 
nàâas  na  prefença  de  Sua  Magejlade.   Que  ef per  a  do  zelo 
dos  Mmijlros ,  que  votarem  nejla  matéria  ,  o  faceio  com  a 
attençdo  ,  que  devem  a  feu  ferviço  ,  ao  bem ,  efocego  pu- 
blico t  á  adminijlraçio  da  )ujliça ,  e  d  reputação  da  Co- 
roa. 

A  forma  deita  propoíta .,  em  que  não  hia  incluída  a 
fubítãcia  das  queixas  do  Infante  com  a  individua l^dãdei 
que  elle  as  havia  expofto  a  EIRey ,  foi  caufa  ,  que  a 
maior  parte  dòs  Miniítros ,  que  íe  acharão  na  Junta  , 
votafsem  a  favor  4a  juftificação  do  Conde  de  Caílello- 
Melhor  ,  que  com  grande  ardor  havia  procurado  mof- 
trar  ao  Mundo  a  lua  innocencia,que  em  crime  tão  atroz 
nunca  foi  culpado :  e  difserão  ,  que  o  Infante  não  era 
Príncipe  íu premo ,  por  cuja  caufa  não  fazia  a  lua  afser- 
ção  plenária  prova,-  e  qwe  o  retífo,  e  fufpenfaõ  do  Con- 
de de  Caírello -Melhor ,  não  lo  era  caítigo ,  mas  caítigo 
áf rtfntõío  para  elle  ,  e  para  feus  parentes  ,•  e  que,  vilto 
(pç  a  culpa  fe  não  provava ,  fe  não  devia  executar  íimi- 
^ã$te  caítigo  ,-e  fem  prova  legal  não  feria  razão  ,  que 
fe  díisefse  no  Mundo,  que  o  primeiro  Miniftro  do  Rei- 
no 


parte  ii.  ãima  xu.     487 

no  confpiravacontfa  a  peísoa  do  Infante,  único  fuçcef-  AnilO 
for  delle ,  de  que  necessariamente  fe  havia  de  feguir  aí-     ,  ,  „ 
fim  o  contentamento  dos  inimigos  do  Reino,   vendo-o  *0a/ » 
perturbado  ,  como  a  duvida  dos  aliados  da  Coroa  ,  re- 
conhecendo contra  os  íeus  intereíses  divididos  os  Vai- 
íallos  delia :  e  que  EIRey  devia  pefsoalmente  averiguar 
aquelle  caio  ,  e  fegundo  o  que  reíultaíse  do  exame  , 
que  fe  fizefse,  feria  o  procedimento,  que  íe  tivefse  com 

o  Conde. 

SepararaÔ-fe  do  concurfo  deites  votos  Martim  Af- 
fonfo  de  Mello  ,  Deputado  do  Santo  Orneio  ,  e  da 
Meia  da  Confciencia  ,  depois  Biípo  da  Guarda  ,  João 
de  Roxas  de  Azevedo  ,  e  Fedro  Fernandes  Monteiro  , 
dizendo  ,  que  EIRey  devia  mandarão  Conde  ,  que  íe 
aufentaiseda  Corte  ,*  porque  eílando  nella  com  abíblu- 
to  poder  ,  íe  não  poderia  livremente  tirar  a  devaç.i  do 
íeu  procedimento  }  e  que,  íe  acaío  ie  averiguaíse  a  culpa 
arguida,  íe  procedeíse  ao  caíligo  ,  de  que  cila  foise  me- 
recedora ;  e  ie  conítalse  (como  íe  devia  tuppór )  que  eí- 
tava  innocente  ,  foise  reftituido  aos  íeus  lugares  com 
prémios  equivalentes  ao  Teu  merecimento.  Conformou- 
íe  EIRey  com  a  opinião  ,  que  íeguiraó  os  mais  votoá  ,  e 
lançando-fe  a  reíoluçaõ,que  fevenceo,ordenou,  que  to- 
dos a  aííinafsem;  porém  eximi raó-íe  deite  preceito  ,  e 
deraóos  íeus  votos  íe  parados  Pantaleão  Rodrigues  Pa- 
checo, Franciíco  de  Miranda  Henriques,  Pedro  Fernan- 
des Monteiro  ,  Martim  Aííbnío  de  Mello,  Joaõ  de  Ro- 
xas de  Azevedo  ,  Mattheus  Mouzinho  Procurador  da 
Coroa,  Joíephde  Souia  de  Caílcllo-B ranço, Duarte  Vaz 
de  Orta  ,  e  Domingos  Antunes  Portugal,  e  todos  decla- 
rarão ,  que  aquelle  negocio  era  taõ  relevante  ,  que  ne- 
ceffitava  de  maior  exame  ,  e  de  averiguação  mais  exa- 
cta ,  para  íe  tomar  nellQ  a  ultima  reíoluçaõ  5  e  os  três, 
que  fe  haviaõ  íe  parado  no  congreíso  ,  lançarão  os  íeus 
pareceres  na  forma  ,  que  haviaõ*  votado  :  porém  como 
era  maior  o  numero  dos  votos  a  favor   da  juíliíicação 
•do  Co  nd  e,baítiraô  para  EIRey  approvar  a  lua  opinião, 
por  cujo  reípeito   mandou  dizer  ao  Infante  pelos  três 
Confelheirosde  Eítacjo  acirua  referidos, que  conforme 

Hh  4  a  re- 


Anno 
1667. 


Tomao  armas 
as  tropas  da 
Certe. 


4S8.  POKTVGÃL  •Bí.ESlJVtADO, 

a  refoluçao ,  que  eftava  afsentada,  devia  entender,  que 
as  fuás  queixas  naõ  tinhaó  vigor,  para  que  dejiiítiça 
feparafse  da  fua  aíTiítécia  ao  Conde  de  Caftello-Melhor: 
e  ao  mefmo  tempo  ,  que  foieíle  recado  ao  Infante, 
mandou  EIRey  chamar  aos  feus  Gentis-homens  da  Ca- 
mera  ,  a  toda  a  Nobreza  ,  e  Prelados  das  Religioens  ,  e 
lhes  difse ,  que  eílava  aconfethado  pelos  Miniftrosde 
maior  íuppoíiçao  deEílado,  e letras,  que  não  devia 
feparar  da  fua  aíiiítencia  ao  Conde  de  Caílello-Melhor 
pelas  queixas  do  Infante,  e  que  por  juftas  coníiderações 
declarava  ,  que  aquelle  pleito  era  feu  ,  e  não  do  Con- 
de ,  e  a  muitos  dos  Fidalgos  ,  a  que  EIRey  fallou  ,  pro- 
hibio  a  aíliftencia  do  Infante ;  e  havendo  alguns  daquel-  ^ 
les  ,  a  quem  difse ,  que  a  caufa  era  fua  ,  que  com  enge^ 
nhoía  liberdade  lhe  refponderaõ,  que  não  podiaõ  duvi» 
dar  ,  de  qué  aquella  caufa  ,  fendo  do  Senhor  Infaute  * 
era  de  Sua  Mageílade  >  replicou  ,  advertindo-lhes ,  que 
não  era  aquella  a  razão ,  porque  lhes  fazia  aquella  lem- 
brança ;  e  recolhendo-fe  com  excelíiva  cólera  ,  mandou 
chamarão  Juiz,  e  Efcrivão  do  Povo,e  depois  de  eftron- 
.  dofos  ameaços ,  lhes  notificou  o  que  havia  refoluto :  e 
no  mefmo  tempo  ,  em  que  fuccederaõ  eílas  admoeíta- 
çoens  ,  fe  defpacháraõ  Próprios  a  todos  os  Governado- 
res das  Armas  ,  efcrevendo-lhes  EIRey  ,  e  declarando- 
Ihes  a  refoluçao ,  que  havia  tomado,  e  com  efpeciali- 
dade  ordenou  ao  Conde  deS.Joaõ,  que  não  fahiíse 
da  fua  Província  ,  nem  deixafse  fahir  delia  peisoa  algu- 
ma ,  fem  exprefsa  ordem  fua.  E  fuccedendo  andar  a  Ar- 
mada correndo  a  Coita,  mandou  EIRey,  que  logo  fe  re- 
colhefse  ,  e  que  eítivefse  no  Rio  apparelhada ,  íem  deí- 
embarcar  a  gente  de  Mar ,  e  Guerra ,  de  que  conítava  a 
fua  guarnição  ,  até  fegunda  ordem. 

O  Infante  fem  mais  prevenção  r  que  a  da  fua  juítir- 
ça  ,  nem  mais  interefse  >  que  a  confervação  do  Reino, 
conferindo  a  refoluçao  ,  que  EIRey  lhe  havia  mandado 
intimar ,  com  todos  os  que  mais  familiarmente  lhe  affif- 
tiao  ,  concordarão  ,  não  podia  haver  perigo  ,  nem  acci- 
dente  algum  ,  que  o  obrigafse  a  retroceder  do  intento 
com  tão  forçofas  confideraçoens  premeditado  \  pois  EI- 
Rey 


PARTE  11  LIVRO  XII         4*9. 

Rey  por  disgraça  univerfal  obrava  íem  difcurfo  ,  e  os  Anno 
ieus  preceitos  naquella  matéria ;  encontrava*  as  utilida-     .  '_ 
des  do  Reino,  expondo-o a  perder  rra  pefsoa  do  Infan-  luu/' 
te  a  única  efperança  da  lua  coníervaçaõ  ;  e  approvando 
o  Infante  efte  parecer  cora  valor  invencível ,  e  juízo  in- 
comparável, refpondeo  a  EIRey  ,  o  que  contem  o  fe- 
guinte  papel ; 

Senhor*  Pelos  Confelheiros  de  EJlado  ,  o  Marquez 
ãe  Marialva]  o  Marquez  de  Sonde  ,  e  Buy  de  Moura 
rpllrr  foi  Voffa  Maeejlade  fervido  mandar-me  dizer  ,  que 
SZ  ^  o  Conde  de  Cafiello-Melhor  não  fa- 
hiíTe  delia  Corte ,  vara  o  fim  de  apurar  a  verdade  das  mk 

^íasqul^  ZXnCcu 

res  dos  Letrados  ,  que  foi  fervido  mandar  confultar,  cu- 
ias votos  me  trouxerao  ,   dizendo-me    juntamente  ,   que 
Voffa  Maeefiade  me  ordenava  ,  que  me  refolvefje  arej-     ^ 
vonder  loto,  por  quanto  o  Reino  nío  podia  efiar na  per- 
Zb^ofemWfe  achava,    e  rec;fecjndo^uefm 
ohrimdo  a  me  accommoâar  com  a  refoluçao  de  Voffa  Ma- 
geflade,  como  fiz  em  todas  as 'minhas  accoens,  Pfffi>.JP 
femwe  me  fica  [alva  a  liberdade  ,  para  pedir  a  Voffa  Ma- 
Lflade  cm  todas  as  veras  fe)a  fervido  tornar  a  mandar 
tezar  efia  matéria-,  pois  fendo  licito  em  negocio  de  menor 
Importância  ,  quanto  mais  o  fera  nefle  ,  cu)as  confeqnen- 
ciaslevão  infalivelmente  a  perder  hum  imico  Infante  ,  ir- 
mão %  fiÂjJimo  vaffallo  %  Voffa  Magefiaàe*  E  mjh 
ro  deftarefolucao,  que  o  intento,  a  que  fe  encaminha , 
le  averimar-fe  a  minha  queixa  com  mao  armada ,  que- 
rendo-fe  com  a  violência  amedrontar  os  ammos,  e  dijpu- 
tar-fe  huma  matéria  civil ,  em  que  fe  entrou  a  votar 
comexquifitas  diligencias  antecedentes  ajom  de  tambores, 
e  trombetas  ,  vendo-fe  no  Congreffo  a  minha  propoficao  too 
aprefjadamente  ,  que  alguns  dos  que  votarão  ,   amo 
Iràerdo  ,  como  fe  vè  das  declaracoens,  fe/epois 
fizer  ao  ,'   e  os  que  votarão  a  favor  do  Conde  de Laj- 
tello-Melhor ,   tomarão  fundamentos  contra  a  verdade  , 
do  que  eu  pedia  ,  e  contra  o  effeito ,  que  de  o  confe- 
rir rujultavas  porque  nem  eu  pedia  ,    que  o  Conde 


:  '  Wn 


49o     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno/^  àefterraffe  ,  nem  de  Je  acartar  por  alguns  dias  da  af- 
1667  fiflen?a  **  V°Ba  Mageflade  %  como  eu  procurava \\  fe 
V*lhe  fegwa  perigo  na  honra  ,   e  nefie  fentido  ficava  fa- 
ttsfeipa  a  pifliça  }  porque  fe  acafo  fe  provajfe  a  fua 
culpa  ,  jujhera  ,  que  perde  fe  honra ,  e  vida,-  e  quan- 
do fe  não  avenguaffe  ,    tornaria  para  o  feu  lugar  mui 
to  mais  acreditado  ,   do  que  fe  apartara  delle.    O  que 
fuppoflo  ,    parece  ,    que  com  preffa  ,   e  perturbação  fe 
tonfideraráo    os  fundamentos   de  tdo  grave  negocw  ,•  e 
deve-Je    inferir  ,    que   melhor  o  penetrarão   os  Douto- 
resMar  um  Affonjo  de  Mello ,  Jodo  de  Roxas  de  Aze- 
vedo ,    e  Pedro  Fernandes    Monteiro  ,    mofirando  ejls 
ultimo  com  a  pratica  de  vinte  e  fete  annos  ,    que  tra- 
tou    o  crime  da  Mageflade  ofendida  ,    o  exemplo  de 
Francifco  de  Lucena  ,    que  bafidrdo  as  queixas  de  al- 
guns Fidalgos  particulares  ,  para  fer  poflo  em  cufto- 
dm  em  huma  prizaõ)  e  refolve-fe  agora  ,  que  naõ  baf- 
ta  a  minha    queixa  ,   para  que  o  Conde  fe  retire  das 
fuás  occupacoent  por   alguns  dias  ,    deixando  por  de- 
fenfor  da  fua   innocencia  ,   naõ  menos  ,   que  o  favor  > 
e  grandeza  de  Voffa  Mageflade,  e  a  feus  Reaes  lados 
feus  parentes  *    confidentes,    e  feituras  ,  cujo   numero 
accrefcentou    nefie  mefmo   tempo  a  perturbação   publi- 
ca ,   achando  ,    que  era  melhor  ficar  com  a  nota  ,    de 
que  fe  dejviava  da  averiguado  ,   que  por-fe  em  hum 
perigo   da  prova  ;   e  confeguw ,    que  Voffa   Malfade 
aeclarajfe  fer  a  fua  caufa  particular ,    própria  de  Vofja 
Mageflade  ,  fendo  eu  o   contendor  queixofo  ;    mojiran- 
do Voffa  Mageflade  nefla  refoluçaõ  ,  que  faõ   os  inte- 
rejjes   do  Conde  infeparaveis  da  Coroa  ,  ainda  a  ref- 
peito  meu  ,   único  Infante  ,    e  ho)e  immediato  fuccef- 
for  de  Vofja    Mageflade  em  quanto  d  fuccejjaõ  ,   que 
efpero   ha  Vojfa  Mageflade  de  confeguir  o  náo  alterar  ■> 
e  crefcendo  de  forte  o  favor  ,    que  Vofja  Mageflade  líoe 
faz  ,    quefobw  a  prohibir  Voffa  Mageflade  ,   que  mio 
-viefem  ajfifiirme    aquelles  Fidalgos  ,    que  o  cofiuma- 
vao  jazer  ,  armando-fe  com  nota  da  minha  peffoa  ,  e 
de  toda  a  Nobreza  ,  o  Paço  ,   e  a  Corte  com  Cavai  la* 
na ,  e  Lnfanterm ,'  jufiificando-fe   agora   aquella  minha 

primeira 


PARTE  II.  LIVRO  XII.      49* 

primara    queixa,  que  pofio    que\Voj]a   Magejlade  er>  Armo 
tende ffe  fora  outra  a  canja  ^verifica  o  fuccefjo  ,    que        . 
aquelle  jeria  o  pretexto,  com  que  Vojja  Magejlade  fo-  10  07. 
ra  perfuadido  ,'  pois  com  evidencia  fe  alcança  ,  que  fao 
contra  mim  as  armas ,  que  fe  preparaõ ,'  porque ,  ou  eufou 
author  ,  e  caufa  de  motim  ,  ou  entro  no  perigo  dclle  >  Se 
o  primeiro  \  contra  mim  fe  tomaõ  as  armas :  fe  ofegun- 
do ;  eu  fou  huma  das  peffoas  Reaes  ,  a  quem  fe  havia 
de  defender,  por  cuja  caufa  devia  Vojfa  Magejlade  man* 
dar-me  chamar,  para  me  advertir,  que  me feguraffe  do 
perigo,  que  nos  ameaçava,  e  para  me  mandar,  quefqf* 
fe  a  primeiro  ,  cfue  ajfijliffe  á  defenfa  da  Cafa  Real ,  e 
aefte  pajjòfe  me  devia  dar  parte  ,  de  que  por  cr ef cero 
receyo,fe  acere  fcentaõ  as  prevençoens no  augmento  das  ar- 
mas. Ecomo  todo  o  procedimento  de  fie  fuccefjo  tem  fido 
taõ  contrario  ,    venho  claramente  a  conhecer  ,    que  todo 
efie  ruidofo  efirondo  das  armas  ke  contra  mim  ,  e  que  por 
minha  caufa  á  vi  fia  da  Nobreza  ,  e  povo  de  fie  Reynofe^ 
atemoriza ,  e  perturba  o  ej£do  politico  ,  para  que  fe  naÕ 
obre  com  o  yuizo  livre  em  huma  caufa  ,  em  que  he  parte 
bum  irmão  de  Vofja  Magejlade.  Porém  ,  Senhor ,  a  for- 
tuna de  fie  titulo  ,  e  o  alento  de  fie  fatigue  me  fazem  dej- 
prezar  as  armas,  que  ameaçio ,  e  fendo  táo  efiimavel , 
rafgara  as  veas  para  o  efgotar  ,  fe  não  corre j ponde ffe  ás 
obrigaesens  ,    com  que  nafei ,  para  imitar  os  Reys  pro- 
genitores de  Vojfa  Magejlade.     E  por  conclusão    torno 
com  todo  o  devido  rei  peito  a  fegurar   a  Vojfa   Magef- 
tade,-  que  fe  Vofja  Magpfiade  for  fervido  rdfobver  ,  que 
fe  me  negue  o  que  tenho   propoflo  ,    ftín'  falta  algu- 
ma buf corei  em  domicilio  atheyo  a  igualdade  da  )ufiiça9 
que   me  falta   na  Pátria  própria  ,   onde    ao  menos  te- 
rei fegura  a  minha  vida ,  a  dos  meus  criadas,  e  a  das 
mais  pejjoas  ,  que  género famente  pertendem  acompmhar- 
me ,  e  terei  por  premio  defembaraçar  o  Reino  ,  e  Vaf- 
fallos  de  Vofja  Magejlade  da  perturbação  ,    que  pade* 
cem. 

Logo  que  o  Infante  remetteo  a  EIRey  o  papel  re- 
ferido, tendo  reibluto  perfiílir  na  Gorte-Real,coníide- 

rando 


4pi     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ànno  ran^°  as  dificuldades  de  confeguir,  o  que  tinha  intenta- 
,,      do  ,  com  o  voto  do  Conde  de  Sarzedas  tomou  a  ultima 

I  Oõ/.  reíòluçaõ  de  mandar  dizer  a  EIRey,  que  fe  não  feparaí- 
le  o  Gonde  de  Caítello-Melhor  ,  íe  íahtria  da  Corte  r  e 
foraõ  as  razoens  ,  em  q  íe  fundou  o  Conde  de  Sarzedas, 
•que  depois  de  ir  o  primeiro  papel ,  em  que  elle  não  ti- 
nha votado  ,  aflim  por  entender,  queeraõ  poucasarmas 
as  de  hum  papel  para  tão  grande  empenho  ,  como  por- 
que Sua  Alteza  arriícava  o  feu  refpeito  ,  fe  naõ  execu- 
tava o  que  nelle  propunha,  eítava  Sua  Alteza  já  obriga- 
do  ,  a  que  fe  EIRey  não  feparafse  de  fi  o  Conde  de  Caí- 
tello-Melhor,devia  de  partir-ie  da  Corte  para  a  Provin- 
da de  Trás  os  Montes ,  entendendo  ,  que  o  Conde  d© 
Caítello-Melhor  era  tão  zelofo  do  bem  publico  ,  que 
não  havia  deixar,  que  chegafse  a  guerra  civil  a  elle  rom- 
pimento. Os  Condes  da  Torre ,  e  Villar-Mayor  fegui- 
raõ  o  mefmo  parecer ,  reconhecendo,  que  quando  o  In- 
fante chegafse  a  partir  para  a  Província  de  Trás  os  Mo- 
tes ,  podia  nella  com  mais  focego  tratar  ,  do  que  inten- 
tava executar  na  fua  partida  para  fora  do  Reino ,  jul- 
gando o  receptáculo  daquella  Província  pelo  mais  con- 
veniente ,  e  pelo  maisfeguro  ,•  porque  no  Conde  de  S. 
]oão  ,  a  queaíliftiaõ  feus  dous  irmãos  Miguel  Carlos  ,  e 
7rancifco  de  Távora,  e  feu  cunhado  D.  Miguel  da  Sil- 
veira com  os  póílos  mais  fuperiores ,  concorriaõ  todos 
os  requefitos  relevantes  para  osintétos  decorofos  do  In- 
fante ,  e  todas  as  pefsoas  nomeadas  ,  que  lhe  aíliíliaò  , 
fe  4ilpuzerão  a  acompanhallo  até  os  últimos  perigos  da 
vida,  e  a  mefma  oíferta  lhe  fizerao  o  Conde  de  Mirada, 
e  feu  irmão  Luiz  de  Soufa  ,  que  feachavaõ  na  Cidade 
do  Porto,  pedindo-lhe  o  Conde  licença  para  fe  defobri- 
gar  da  homenagem ,  que  tinha  dado  a  EIRey  daquelle 
governo. 

Foi  manifefta  na  Corte  a  refoluçaõ  do  Infante  >  e 
de  forte  fe  introduzio  nos  ânimos  da  Nobreza  ,}  e  povo 
o  ardor  ,  e  zelo  de  fe  atalhar  eíta  ultima  calamidade  do 
Reino  i  que  chegou  a  fer  jufto  o  receyo  de  fe  declara- 
rem eftes  aíFectos  em  périgofo  rompimento:  noticia, que 
obrigou  a  EIRey,  pafsados  dous  dias,  aefcrever  hu- 
■  - '  ma 


TAKTE II.  LIVRO  XII.      495 

ma  carta  ao  Infante   com  exprefsoens  muito  carinhofasj  Alino 
porém  fem  lhe  orTerecer  partido  algum,   que  fuavi-  -  >, 
zafse  a  refoluçaò  ,  que  eítava  afsentada  ,  demonítraçaõ,  * VQ/* 
que  de  novo  fez  conhecerão  Infante  ,  que  todas  as  dili- 
gencias eraò  excufadas ,  por  cujo  reipeito  refpondeo  a 
ElRey  com  o  ultimo  defengano  da  fua  partida. 

Nefta  grande  confufaò  íè  achava  a  Corte  ,  e  neíte  Fomentai  &s 
embaraço  toda  a  Monarquia ,  fendo  diverfos  oseffeitos,  Gj/Mj™ a 
que  produziaõ eftas  perigofas  controverfias  ,  (como he g^^'- 
coítume  em  todos  os  negócios  grandes  do  Mundo .-;  Cltltas% 
porque  os  intereisados  avaliavaõ  as  acçoens  a  medida 
das  fuás  conveniências,  os  independentes  a  favor  dos 
interefses  públicos  y  e  os  inimigos  prezos  noCaftello, 
Limoeiro  ,  e  mais  cadcas  do  Reino  ,  fundavaõ  na  guer- 
ra civil  naô  fó  a  íua  liberdade ,  fenaõ  o  novo  cativei- 
ro de  Portugal  a  Caftella ,  e  fomentavaô  com  exquifitas 
diligencias  as  difsenfoens  dos  dous  Príncipes,  e  a  dei- 
uniaô  da  Nobreza  }  fendo  o  veneno  taõ  mortífero,  e  pe- 
rigofo  ,  que  por  intentes  fe  receavão  inevitáveis  ruínas 
com  profunda  mágoa  daquelles  ,  que  havendo  fido  tao 
pouco  tempo  antes    não  fó  gloriofos  defenfores  da  li- 
berdade da  Pátria ,  fenão  diífipadores  das  maisrobultas 
forças  de  Caftella,  vião  desbaratar  tantos  triunfos  he- 
róicos dos  golpes  de  emulaçoens  intempefhvas,  e  de  am- 
biçpensdefordenadas;  e  crefcer  de  forte  as  efperanças, 
que  entrarão  nos  primeiros  Miniftros  da  Rainha  de  Cai- 
têlla  da  guerra  civil  de  Portugal,  que  fuípenderaõ  a 
abertura  da  paz,  que  haviaõ  dado  entre  as  duas  Coroas, 
que  defejavaõ  como  ultima  faude  daquella  Monarquia. 
Porém  quando  o  aperto  parecia  mais  irremediável ,  e  o 
perigo  mais  infaMivel ,  acodio  a  Providencia  Divina 
íempre  propicia  nos  últimos  parocifmos,por  íeusoccul- 
tos  ,  e  impenetráveis  juizos  ao  Reino  de  Portugal ,  ínl- 
pirando  no  Conde  de  Caftello-Melhor  refoluçao,louya- 
vela  todas  as. luzes  ,  de  ceder  ás  propofiçoens  do  Infan- 
te^ perfuadido  de  negoeiaçoens  prudentiílimas  da  Rai- 
nnà*  porque  havendo  conhecido  aquela ,  em  todos  os 
feculosvirtuofiirima,  e  difcreta  Princeza,  as  coniequen- 
das,  que  podiâo  refultar  daaufencia  do  Infante  (de- 

■'  PQ.1& 


49*      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Amo  Pois  <&  ter  P°r  iafallivel  a  diípofiçaõ  do  animo  do  Con- 
\Áúv   1e  *  mandou  dizer  ao  Infante  pelo  feu  Confefsor  o  Pa- 
*LJ/' dreFrancifco  de  Ville  da  Companhia  de  Jefus,  feper- 
mittiria,  antes  de  porem  execução  a  fua  jornada  ,  que 
ella  interpuzefse  a  fua  mediação  ,  para  ficarem  fatisfei- 
tas  as  juílas  queixas  ,  que  publicava,  O  Infante  conhe- 
cendo,  que  nem  podia  faltar  á  obediência,  e  veneração, 
qm  devia  á  Rainha ,  e  penetrando  ,  que  a  Rainha  (que 
avaliava  por  prudente  na)  não  havia  tomado  aquella 
i-eloluçaôfem  fundamentos  folidos,  que  a  deíerabara- 
çAísem  de  tão  grande  empenho,  refpondeo  ,  queelle 
eíiava  prompto  para  obedecer  ao  preceito  de  Sua  Ma- 
geftade,  à  íufpendia  a  deliberação  da  fua  jornada  até  íe- 
gundo  avizoíeu,  proteftando  obfequiofamente  a  íua 
obrigação  ,  e  o  feu  agradecimento.  Voltou  o  Confeísor 
com  eíta  refpoíla  ,  e  a  Rainha  confiadamente  entrou  no 
ajuítamento  ,  que  pertendia  ,  por  haver  tido  anticipada 
noticia  ,  de  que  o  Conde  de  Ca  ftello- Melhor  reconhe- 
cendo»,  que  a  deliberação  do  Infante  fahir  da  Corte  era 
infallivel ,  e  penetrando  ,  que  o  povo  opprimido  dos 
defacertos  irremediáveis  d<ElRey,e  defenganado  de  ha- 
ver de  dar  ao  Reino  fuccefsores,amava  de  forte  as  gran- 
des partes  do  Infante  ,  que  havia  de  romper  em  furio- 
íos^excefsos ,  fe  vifse  aufentallo  da  Corte;  e  juntamente 
naó  querendo  desbaratar  a  gloria ,  que  tinha  adquirido 
na  defenfa  do  Reyno  ,  em  que  havia  tido  muito  prin- 
cipal parte  ,  fervindo  de  inftrumento  da  fua  ruina  ,  pe- 
los quaes  fundamentos  fe  refolvia  a  deixar  aborte ,  e  o 
officio  de  Efcrivaõ  da  Puridade.  Com  eíia  noticia  orde- 
nou a  Rainha  a  Pedro  Fernandes  íMonteiro  diísefse  ao 
Infante  ,  que  ella  lhe  agradecia  aceitar  a  fua  mediação, 
e  fufpender  a  fua  jornada  ;  e  que  fuppoíto  haver  fido 
o  Conde  de  Caftello- Melhor  principal  obje&o  da  fua 
gueixa  ,  íeacafo  elle  tomafse  a  refoluçaó  de  fahir  da 
Corte  i  e  ElRey  o  permittifse  ,  em  que  forma  queria  o 
Infante,  que  fofse:  para  que  lugar,  e  como  fe  havia 
defegurar  a  fua  pe&oa:  e  que  viíto  dizer  o  Infante, 
que  retkando-fe  o  Conde  de  Caítello-M&lhor ,  deixava 
aarbitrio  da  Rainha,  o  ajuítamento  final  daquella  con- 
trovertia, 


PJRTE  II.  L1FKO  XII.       49y 

troverfia  ,  queria  entender  ate  onde  poderia  chegar  o  AllliO 
efieito  da  fua  mediação.  ,  ,_ 

A  efte  recado*  que  Pedro  Fernandes  trouxe  por  ef-  I007 • 
crito  ao  Infante  ,  reípondeo  elle  na  mefma  forma  ,  di- 
zendo ,  que  reconhecia ,  que  a  Rainha  com  a  fua  Real 
authoridade  poderia  fer  fó  quem  reduzifse  a  termos  pra* 
ticos,  e  iodáveis  os  embaraços,  e  irrefoluçoens ,  em 
que  fe  achava  a  confervaçEÕ  publica  •,  e  que  neíta  cer- 
teza deixava  á  fua  eleição  declarar  o  lugar  ,  que  fedei-- 
tinafse  para  a  aliiítencia  do  Conde ,  o  tempo ,  que  du- 
rafse  a  fua  auíencia ,  com  attençaô  a  fer  a  diftancia  ,  a 
que  fe  coftumava  arbitrar  em  fimilhantes  caíos }  e  que 
elle  citava  prompto  para  executar ,  o  que  Sua  Magelta* 
deíhe  ordenafse  para  a  legurança  da  peisoa  do  Conde, 
e  que  logo  que  elle  fahiise  da  Corte  ,  na  eleição'  de 
Sua  Mageitade  deixava  tudo  ,  quanto  Sua  Mageftade 
difpuzeíse  em  ordem  á  confervaçaõ  do  Reino  ,  e  íoce- 
go  publico.  Recebeo  a  Rainha  eíta  refpolta  do  Infante, 
e  conhecendo,  que  naõ  convinha  em  os  negócios  de  taõ 
grandes  coníequencias  enfraquecerem-fe  as  forças  das 
negociaçoens  com  os  perigos  das  demoras-,  no  melmo 
ponto  ,  que  recebeo  a  refpoíta  do  Infante ,  a  mandou 
communicar  ao  Conde  deCaftello-Melhorj  e  tendo  por 
indubitável  a  fua  refoluçaó  ,  tornou  a  mandar  por  eleri- 
to  dizer  ao  Infante  ,  que  agradecia  á  deliberação  ,  que 
havia  tomado  de  íe  conformar  com  as  fuás  difpoíiçoens, 
lhe  pedia  quizefse  declarar  debaixo  da  fua  firma  Real , 
que  depois  da  fahida  do  Conde  da  Corte  feguraVa  a 
lua  pefsoa  ,  e  honra  >e  que  na  matéria ,  e fundamento 
da  queixa  do  Infante  fe  naõ  fallaria  mais  em  tempo  al- 
gum ,  e  que  remettendo-lhe  a  carta  na  forma  propoíta, 
fahiria  o  Conde  infalivelmente  da  Corte  >  porque  ava- 
liava pela  maior  fortuna  do  mundo  confeguir  a  fua 
fraca,  e  que  para  o  fazer  mais  dèfembáraçadamente , 
efiítia  do  oíiicio  de  Efcrivaõ  dà:Punidade  ,  e  afim  lho 
mandava  exprefsamente  declarar. 

Refolveo  o  Infante  a  naõ  alterar  a  refoluçaó  ,  Cjue 
havia  tomado  ,  de  feguir  ,  o  que  a  Rainha  difpuzeíse 
aaquellè  negocio,  fem  lhe  íervir  de  embaraço  a  certè* 


49$   PORTUGAL  REST  JURADO, 

A  nno  za  s  de  q  EIRey  eítivera  deliberado  a  faliir  da.  Corte  in- 
1667  C05a[t.°  com  °  Conie  de  Caílello-Melhor,e  os  mais  que 
/•  lhe  aíliílião  ,  determinando  pafsar  á  Provinda  de  Alen- 
tejo i  porém  que  na  hora  ,  em  que  fe  havia  de  executar 
efte  intento,  fe  arrependera,  dizendo»  que  poderião  fal- 
tar-lhe  aquelles  divertimentos ,  de  que  era  razão  que 
fugifse.E  pafsando  o  Infante  com  geaerofidade  ,  e  con- 
ítancia  por  todos  eíles  intempsítivos  accidentes,  refpon- 
deo  á  Rainha,  que  reverentemente  proítrado  aos  pés  de 
Sua  Mageftade  lhe  agradecia  a  grande  honra  ,  e  mercê, 
que  lhe  tinha  feito  em  querer ,  que  com  a  fua  autho- 
ridadeRealfeajuftafse  taõ  importante  negocio  ,  eque 
na  forma  da  ordem  de  Sua  Mageftade  remetia  a  car- 
ta para  a  fegurança  do  Conde  de  Caftello-Melhor ;  e 
que  no  mais  que  ficava  por  executar,eftava  diípofto  para 
leguir,  oquefoíse  conveniente  ao  ferviço  d'ElRey , 
coníervaçaò  do  Reino  ,  bem  ,  e  quietação  dos  vafsaU 
los. 

Dizia  a  carta  ,  que  foi  junta  ao  recado  porefcrito: 
Lego  que  Voffa  Mageftade  houve  por  bem  querer  entrar 
«efte.  negocio  ,  mepoz  na  obrigação  âe  haver  de  obedecer  a 
Voffa  Mageftade •-,  como  Voffa  Mageftade  foffe  fervida  ,•  e 
Satisfazendo  áquella  parte  ,  que  Voffa  Mageftade  me  man- 
da ,  dequefegureapeffoa,  e  honra  do  Conde  deCaftello- 
Melhor,  prometto  a  Voffa  Mageftade  debaixo  da  minha  fé, 
de  naÕ  intentar  contra  ellas  cowJa>  que  asoffenda.  E  em 
ordem  a  efte  fim,  e  que  elle  Conde  conheça  quam  poderofa 
foi  a  mediação  de  Voffa  Mageftade  ,  quero  ,  que  na  minha 
queixa  je  ponha  perpetuo  filencio  ,  cmio  feanaõ  houveffe 
intentado.  Deos  guarde  a  Real  pejfoa  de  Voffa  Mageftade 
largos ,  efeVices  annos* 

Eraõ  onze  horas  da  noite  quando  chegou  á  Rainha 
a  carta  do  Infante .,  e  no  mefmo  ponto ,  que  a  recebeo, 
a  mandou  ao  Conde  de  Caftello-Melhor  ;  o  qual  tendo 
por  infalíivel  que  o  Infanta  niô  havia  de  pôr  duvida 
a  mandalla  ,  eftava  prevenido  para  íahir  da  Corte  ,  e  no 
ineímo  tempo,  que  a  carta  lhe  chegou,  foi  áprefen- 
çad<  EIRey  a  lhe  dar  noticia  dos  motivos  da  fua  refolu- 

Çaõ; 


PARTE  II  LIVRO  AU         497 

çao  -j  e  explicando-lhos  com  todo  o  acerto,  e  pruden-^riilo 
cia  ,  reconheceo  nas  fuás  defattençoens  tao  ponco  ien-     ,, 
timento  da  Tua  aufencia  ,  como  fe  naõ  tivera  memoria  I"ô7* 
dos  grandes  fer  viços ,  que  havia  feito  ao  Reino ,  e  do 
grande  affeclo,  de  que  particularmente  lhe  era  de  vedo  rj 
porque  o  havia  introduzido  no  governo  do  Reino  fem 
capacidade  para  o  governar  ,  fuítentando-lhe  a  Coroa 
contra  o  formidável  poder  de  Caftella,  fem  intervenção 
do  feu  alvedrio  ,  e  tendo  poucas  efperanças  de  dar  ao 
Reino  fuccefsotes ,  valendo-íe  das  remotas,  que  po- 
dia confeguir ,  lhe  agenciou  o  leu  cafamento  $  e  álèm 
deites  grandes  benefícios ,  haver-lhe  feito  outros  fervi- 
dos domefticos  ,  taõ  relevantes,  que  mereciaõ  diffe- 
rente  fatisfação.  Experimentando  o  Conde  de  Caítello- 
Melhor  efte  penetrante  golpe  da  fortuna  inconftante, 
fahio  da  prefença  d'ElRey ,  dizendo  ,  que  elle  fe  au-  s*f? 
fentava  da  Corte  ,  e  immediatamente  fe  poz  a  cavallo  °tJ0 
fem  mais  companhia  ,  que  a  de  alguns  criados ,  e  com- 
boyado  da  Gavallaria  fez  alto  no  Convento  dos  Reli- 
giofos  Arrabidos  de  Nofsa  Senhora  dos  Anjos  ,  fete  lé- 
guas diftante  da  Corte.  Deite  lugar  defpedio  a  Cavalla- 
ria  ,  e  naquelle  dia  teve  fim  o  feu  grande  valimento  , 
e  principio  a  fua  grande  peregrinação  ,•  porque  depois 
de  andar  algum  tempo  incógnito  em  Portugal ,  pafsou 
incógnito  por  Caftella  a  França  ,  de  França  a  Saboya,  e 
de  Saboya  a  Inglaterra ;  e  em  dezoito  annos ,  que  efte- 
ve  aufente  da  fua  Pátria ,  naõ  fez  acçaõ ,  que  naõ  fofse 
encaminhada  aos  interefses,  e gloria  do  Reino  /prin- 
cipalmente na  aíliítencia  da  Rainha  de  Inglaterra,quan- 
do  a  fúria  dos  Hereges  fe  conjurou  contra  a  fua  irino- 
cencia  ,  e  incomparáveis  virtudes.  Acreditarão  a  igual- 
dade do  feu  procedimento  varias  cartas  dos  Príncipes, 
em  cujas  Cortes  aífiítio,  como  fejuítifica  sm  huma  da 
Duqueza  de  Saboya  para  a  Princeza  fua  irmãa  de  dea 
de  Outubro  de  1675.  na  ^^  louva  °  feu  grande  zelo, 
e  attenção  aos  interefses  de  Portugal ,  e  pede  com  inf- 
tancia  ,  que  lhe  feja  permittido  o  defcanço  de  fua  cafa. 
O  meímo  acredita  com  maiores  exprefsoens  EIRey  Car- 
los I.  de  Inglaterra,  em  huma  carta  de  maó  própria, que 

li  efcre- 


498  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Annaeícreveo  ao  Conde  a  vi  ate  de  Ma  70  de  1677.  na  qua! 
1667   J]le  aíseSura  cora  o  tratamento   de  Primo,  e  outraí 

S  '  •  particulares  honras  a  eítimaçao  ,  que  faz  da  permiísaó, 
que  o  Conde  teve  do  Príncipe  D.  Pedro  para  poder  ir 
vivera  Inglaterra.  E  em  outra  carta  para  o  meímo  Prin- 
cipe de  vinte  e  quatro  de  Janeiro  de  1678.  faz  huma  lar- 
ga narração  dos  grandes  ferviços,  que  o  Conde  fez  á 
Seremílima  Rainha  da  Gram-Bretanha  ,  e  pedefe-lhe 
permitta  o  deicanço  da  fua  Pátria.  Da  mefma  fubftancia 
iaõ  as  cartas  de  Monfieur  de  Lione  ,  Secretario  de  Eíta- 
do  d'ElRey  de  França  Luiz  XIV.  e  em  todas  ie  confir- 
ma a  grande  eítimaçao,  que  fe  fez  em  todo  o  Mundo  da 
pefsoa  do  Conde,  e  da  grande  adividade,  e  definterefse, 
com  que  concorreo  para  a  defenía  do  Reino  no  tempo 
da  fua  fortuna,  e  fumma  moderação,  com  que  tolerou  a 
lua  diígraça. 

Paísados  alguns  aanos  ,  havendo  o  Conde  de  Caíld- 
lo-Melhor  lolicitado^  por  varias  vezes  voltar  para  o  ío- 
cego  da  lua  caía,  lhe  concedeo  EIRey  D.  Pedro  ,  que 
pudefse  pafsar  a  viver  na  Ilha  da  Madeira  com  toda  a  lua 
família  \  e  teve  ordem  o  Conde  da  Ericeira  ,  Author  dei- 
ta Hiítoria  ,  que  fervia  a  occupaçaó  de  Veador  da  Fa- 
zenda da  Repartição  da  índia  ,  e  Armadas,  (e que  cora 
grande  calor  íolkitava  o  alivio  do  Conde  na  reítituiçao 
da  íua  Patna  )  para  prevenir  huma  fragata  de  guerra  , 
em  que  o.  Conde  vindo  de  Londres  para  o  Algarve,  paf- 
faíse  á  Ilha  unido  com  a  fua  familia  :  porém  q\\q  naò 
aceitou  eíta  commodidade  ,  e  infulindo  no  leu  reque- 
rimento ,aju dado  da  intervenção  da  Rainha  de  Inglater- 
ra ,  alcançou  licença  d<E!Rey  no  anno  de  feiscentos  oi- 
tenta1  e  féis  para  voltar  para  eíte  Reino,  eafliítir  na 
kia  Villa  de  Pombal  com  a  fua  familia  ,  logrando  EI- 
Rey neíta  deliberação  a  aceitação  commua ;  porque  os 
Imalados  ferviços,  que  o  Conde  de  Gaftello-Melhor  ha- 
via feito  á  fua  Pátria ,  eraó  merecedores  fde  naó  acabar 
a  vida  fora  delia  ,  e  pouco  depois  U\q  foi  permittido  o 
viver  em  Lisboa. 

^  Aufentedaaífiftencía  d<ElRey  o  Conde  de  Caítello- 
Melhor ,  çateadeo  o  lufaste ,  e  todos  os  que  ljieatfif- 

tiâ&» 


PARTE  11.  LWRO  XII.       499 

tiaõ  ,  que  fem  duvida  cefsariaõ  os  movimentos  ,  que  tra-  Anno 
ziaõconfufo,  e  perturbado  o  governo  da  Monarquia;  •  • 
porq  introduzindo-fe  o  Infante  na  íociedade  d'ElRey  i007« 
feu  irmaô  ,  poderia  tomar  poríua  conta  a  direcção  dos 
negócios  ,  deixando  a  EIRey  toda  a  iuperficial  authori- 
dade  ;  e  acodindo  ao  perigo,  em  que  íe  achava  o  Reino, 
continuaria  o  governo  delle, Hvrando-o  da  incapacidade 
d<ElRey  taõ  manifeíla  ,  que  naõ  formava  difcurfo  cer- 
to em  algum  negocio  ,  naõ  fabia  ler  hum  papel ,  nem 
fazer  hum  final ;  e  com  eíle  virtuofo  fim  ,  fem  pafsar  o 
Infante ,  nem  as  peísoas  que  lhe  amftiaó ,  a  outro  al- 
gum intento  ,  folicitou  por  todos,  quantos  caminhos Penenâe  «  /»; 
fe  puderao  deícobrir  ,  congraçar-fe  com  EIRey,  e  apar-/-«^-f*r; 
tar-lhe  do  animo  todo  o  receyo  ,e  deíconriança,  que  mi^mepit0t 
lhe  tivefse  introduzido  :  porém  por  mais  apertadas  ,  e 
exqui fitas  ,  que  foraõ  as  diligencias ,  que  o  Infante  fez, 
todas  fahiraõ  baldadas  ;  porque  EIRey  alterado  de  va- 
rias infpiraçoens ,  concebeo  contra  o  Infante  em  taõ 
luramo  gráo  os  dous  maiores  oppoílos  á  iociedade  ,  te- 
mor ,  e  ódio  ,  que  nem  o  dilcuriò  lhe  deixarão  livre  pa- 
ra a  dilfimiilaçaõj  e  fuccedendo  pafsar  o  Infante  da  Cor- 
te-Realao  Paço  ,  e  pondo- fe  de  joelhos  diante  d* EIRey 
para  lhe  beijar  a  maô  ,  dizendo-lhe  o  gofto  ,  com  que 
vinha  lançar-fe  a  feus  pés  ,  e  ailiíHr-lhe  com  o  carinho, 
a  que  o  inclinava  o  feu  aíTecro  ,  EIRey  naõ  lhe  refpon- 
deo  palavra  alguma  ,  e  lo  pedindo-lhe  o  Infante  licen- 
ça para  fallar  á  Rainha ,  abaixando  a  cabeça  ,  moftrou, 
que  lha  concedia.  Levantou-fe  o  Infante  ,e  vendo  ,  que 
a  fua  aíTiftencia  fervia  a  EIRey  de  embaraço,  emolef- 
tia  ,  pafsou  ao  quarto  da  Rainha  a  fallar-lhe  ,  e  agrade- 
cer-lhe  os  eíFeitos  da  lua  intervenção  ,  e  achou  na  lua 
refpofta  difcreta  correfpondencia,  fegurando-lhe  conti- 
nuar todas  as  diligencias  ,  que  fofsem  úteis ,  para  fe 
confeguir  b  focego  publico.  Voltou  o  Infante  para  a 
Gorte-Real,  e  defejando  naõ  faltar  á  aíTiftencia  d<ElRey 
com  o  fim  de  ir  temperando  a  fua  defconíiança  ,  teve 
pvízo  da  Rainha  ,  que  Jfe  abftivefse  de  ir  ao  Paço ,  em 
quanto  durava  a  nova  cólera  ,  que  reconhecia  em  EI- 
Rey ,  incitada  de  todos  aquelles  homens  de  vil  nafci- 

li  i  isento» 


:;í. 


joo    PROTUGAL  RES1AURJDÔ, 

Anti  O  mento-,  que  temiaõ  na  mudança  do  governo  o  caítfgo 
1667  *  **? feu5  8randes  <íeK<aos.A«Íèm  deíh  advertência  da  Rai- 
'  n«a ,  fe  manifeítáraó  da  parte  d<ElRey  outras  demon- 
Itraçoens,  dequele  inferio  ,  que  fe  alterava  o  asdifpo- 
íiçoens  do  íocego  perteadido  ,  dos  que  defejavaõ  a  con- 
íervaçaõ  do  Reino  *  porque  nos  Terços ,  que  eítavaõ  ar- 
rimados ,  efperando-fe ,  que  tivefsem  ordem  d<ElRey 
para  fe  recolherem  aos  íeus  quartéis ,  fe  dobrou  o  refor- 
ço ,  e  a  cautela  ,  e  das  patrulhas  fahião  indecentes  amea- 
ços contra  osoppoítGS  aos  malefícios.  Foi  intenfiííimo 
o  fentimento  ,  que  o  Infante  ,  e  todos  os  que  lhe  affi- 
lhao  ttveraõ  deíle  contratempos  porque  haviaõ  perfu- 
rmdo  (comodifsemos)  que  com  aaufencia  do  Conde 
de  Caítello-Melhor  ficava  totalmente  cefsando  toda 

a-queÍÍ-COnt:,roverlia  *  e  °  Infarlte  tem  embaraço  pode-  ' 
na  aífiíhr  ,  e  aliviar  a  EMej  do  peso  do  governo,con- 
íervando-lhe  a  veneração  da  Coroa  ,  que  naô  pertendia 
liíurpar-lhe  ,  abraçando  eíta  opinião  com  tal  efficacia, 
eomo  depois  infalivelmente  acreditarão  as  experiên- 
cias» 

Adoeceo  neita  occaáao  Henrique  Henriques  de  Mi- 
randa, ©moítrou  EIRey  grande  lèntimento  dafua  en- 
fermidade ,  que  naõ  foi  prejudicial  aos  negócios  públi- 
cos pela  pouca  fatisfação  >  que  o  Infante  tinha  das 
luas  diligencias ,  e  ficiraô  confervando  o  maior  agra- 
do d'ElRey  o  Secretario,  de  Eítado  António  de  Soufa  de; 
Macedo  ,,  e  Manoel  Antunes  ,  moço  da  Camera ,  de  hu- 
milde nafcimento  ,  natural  de  Villa-Viçefa , déílro  ,  ca- 
vilofo ,  e  apto  para  fuícitar  defafocegos  r  e  perturba- 
çoens:  porém  como  a  capacidade  dosdous  fe  não  exten- 
dia  a  tratarem  com  prudência  as  elevadas  matérias ,  que 
perturbava©  o  governo  da  Monarquia ,  crefcia  de  forte 
a  confufao  ,.  que  todo  o  Paço,  eralabyrintho  dedefor- 
dens  .- porém  naõ  obííante  toda  a  aversão  j  que  EIRey 
tinha  ao  infante  r  chegando-lhe  noticia,  de  que  era  eí- 
candalo    univerfal  a  feparaçao  ,  em  que  eftava  com  el- 
le ,  por  atalhar  o  perigo  deíle  rumor ,  períuadio  a  Rai- 
nha ,  a  que  mandafse  dizer  ao  Infante  quizeíseachar-íe 
em  num  Coníelho  deEítado,  queiejuntava*  para  fe 

xonfe- 


— ■ 


\66j. 


PARTE  LL  LIVRO  XII.       joi 

conferirem  negócios  de  grande  importanciás.Elegeo  pa-  Anno 
ràeftacommiísaõ  ao  Conde  de  Santa  Cruz,  Mordomo 
mor  da  Rainha  ,  e  chegando  a  dar  o  recado  ao  Infante, 
ouvindo-o  ;  ponderou  com  útil  coníideração  a  deíigual- 
dade  ,  que  havia  deite  recado  da  Rainha  ao  avizo  ,  que 
antecedentemente  lhe  havia  feito  ;  e  fui  peitando  ,  que 
poderia  haver  naquella  novidade  mais  myfterio,  do  que 
defcobria  na  íuperíicie  ,  refpondeo  por  efcrito  na  for- 
ma feguinte;  Que  por  ordem  da  Rainha  fua  Senhora 
trazia  pelo  Conde  de  Santa  Cruz  a  vinte  e  dous  do  mez 
de  Setembro  ,  que  corria ,  ratificada  ,  e  aífignada  pelo 
meímo  Conde ,  fora  Sua  Mageftade  fervida  mandar- 
Ihe  dizer  quizefse  abíter-fe  de  ir  ao  Paço;  porque  íenti- 
ria  que  entre  elle,  e  ElRey  pudefse  haver  accidente, 
que  os  defgoftafse",  e  porque  íuppunha  ,  que  ao  recado 
da  Rainha  íua  Senhora  teria  ElRey  dado  cofentimento, 
fentiriacomo  era  juíto  ,  que  ElRey  feu  Senhor  ,  depois 
de  lhe  haver   concedido  a  honra  de  ir  a  feus  pés  ,  fem 
accrefcer  caufa  nova,queo  íizefse  indigno  della,lhe  pro- 
hibiíse  a  felicidade  de  poder  aífíftir  todas  as  horas  ,  ea 
todo  o  tempo  aos  pés  de  feu  irmão  ^  feu  pay,  e  feu  Rey; 
pena,  que  excedia  a  toda  a  culpa,  não  havendo  commet- 
tido  outra  alguma  mais  ,  que  o  cuidado  incerto  ,  com 
que  andava  ,  não  do  modo  ,  com  que  havia  de  agradar 
a  Sua  Mageftade ,  mas  de  forma  ,  com  c\ue  Sua  Magef- 
tade fe  daria  por  bem  fervido  do  feu  afiè&o ;  e  que  nef- 
tes  termos  pedia  á  Rainha  fua  Senhora,  quizeísepon- 
derar,que  fubfiftia  aquella  anterior  coníideração  de  Sua 
Mageftade   do  perigo  de  não  fervir  de  agrado  a  ElRey 
a  fua  aíTiílencia,  nem  o  recado  prefente  dava  por  levan- 
tada aquella  prohibiçaõ  geral,  nem  individuava  ter  cei- 
fado a  caufa  delia,  e unicamente  era  chamado  como 
Confelheiro  de  Eftado  ;  o  que  iuppofto  parecia  naõ  ef- 
tava  capaz  de  aconfelhar  a  ElRey  quem   padecia  a  dif- 
graça  da  fua  indignação  ,  ou  folse  com  caufa,  ou  fem 
ella :  e  que  fuppofto  ,  que  fe  achava  prompto  para  obe- 
decer a  todas  as  ordens  da  Rainha  fua  Senhora  ,  enten- 
dia ,  pondo  em  igual  balança  o  primeiro  ,  e  o  fegundo 
recado,que  Sua  Mageftade  havia*  de  approvar  a  íua  opi- 

Ii  z  nião, 


502    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Armo  nia°  '  em  °iuailt(>  naó  reconhecia  no  agrado  d<ElRey 
1 66 7   ^eU  ^enílor  a )uíta  íatisfaçao  ,  que  devia  ao  muito  ,  que 
1 007«  o  amava  ,  e  ao  deíejo  ,  que  tinha  de  eílar  continuamen- 
te aos  pés  .de  Suas  Mageílades. 

O  tempo  ,  que  íè  dilatou  eíla  refpofta  do  Infante,  fo- 
raô  á  Corte-Real  repetidos  recados  por  moços  da  Ca  me- 
ra ,  dizendo  ,  que  o  Confelho  de  Eílado  eíperava  pelo 
Infante :  porém  naó  querendo  elle  ouvir  a  tão  indecen- 
tes embaixadores  ,  e  conílrangido  EIRey  do  empenho, 
em  que  eítava  ,  mandou  efcrever  huma  carta  ao  Infan- 
te ,  que  lhe  levou  António  de  Mendoça  ,  Coníelheiro 
de  Eílado  ,  Prefidente  da  Mefa  da  Confciencia  ,  Com- 
mifsario  da  Bulia  da  Cruzada  ,  eleito  Arcebiipo  de  Bra- 
ga^ ,  ultimamente  Arcebiípo  de  Lisboa  ,  que  com  grande 
e/ficaeia  defejava  evitar  a  controverfia  d'ElRey,e  do  In- 
fante ,  não  fó  pelo  focego  publico  ,  fenaô  porque  EI- 
Rey havia  chamado  ,  para  lhe  affiftir ,  ao  Conde  de  Vai 
de  Reys  ,  que  com  igualdade ,  e  prudência  defejava  me- 
dir as  íiíasacçoens  pelos  regulados  paísos  do  acerto  ;  e 
lhe  aíHília  também  o  Conde  de  Santiago,  e  D.  Pedro 
de  Almeida,  que  facilmente ie  ajuítáraõ  com  o  Infante. 
Dizia  a  carta  : 

Minto  honrado  Infante  ,  e  multo  amado  ,  e  prezado  ir- 
mão ■  Eu  El  Rey  vos  envio  a  f andar  ,  como  aquelle  ,  a  que 
muito  amo ,  e  prezo.  Pareceo-me  ordenarvos  por  ejía  car- 
ta ,  que  venhais  hoje  fallar-me  ,  e  e filmarei ,  que  feja  lo- 
go ,  porque  vos  quero  mofirar ,  e  que  todos  entendaõ  ,  como 
he  ramo  ,  a  efihnaçáo  ,.  que  faço  da  vojja  pe/Joa  ,  conforme 
as  obrigaçoens ,  em  que  me  põem  ofer  vojfo  Rey  ,  e  vojfo 
ir  ma''*  ,e  ter  vos  emíugar  âe  filho,  Defia  maneira  Ireis  con- 
tinuando na  forma  ,  que  me  reprefentou  da  vofia parte  a 
Rainha,  minha  febre  todas  muito  canada,  e  prezada  mu- 
lher. 

Recebida  eíla  carta  ,  entendco  o  Infante  ,  que  naô 
ppdia  negar-fe  á  obediência  d;E!Rey  ,  iuppofto  ,  que 
conhecia  ,  queaquella  demonílraçaõera  períuadida  ,  e 
naó  voluntária  ;  porque  os  in linimentos  ,  queopude- 
raõ  fer  da  conformidade  ,  todo?  eílavaõ  de  (temperados, 
ediisonantes,  e  EIRey  combatido   dereceyo,  e  cdio 

naó 


t 


PARTE  IL  LWRO  XÍI.         yo5 

não  fe  deixava  penetrar  de  terceiro  affedo,  que  cora  in-  AtltlO 
fiuencias  mais  benévolas  desbaratafse  os furio los im pui-  x*{i7  ■ 
fos  de  coiítrarios  taô  tormeutofos  ,  e  o  leu  delatado  dif-       °7* 
curíb  ,  qual  baixel  fem  Piloto  naufragante,   perigava 
era  qualquer  tempeftade.Promptamente  pafsou  o  lufan- 
te  da  Corte-Real  ao  Paço  com  particular  eitudo  de  per- 
iuadir  a  EIRey  a  conformidade  ,  de  que  tanto  dependia 
o  focego  do  Reino.  Não  achou  no  ieuagazalho  ,  nem 
ainda  o  artificio  de  mudar  de  trato  ,  ou  de  iemblante>: 
porém  caminhando  pelas  pizadas  da  prudência  ,  não  íe 
abíleve  de  continuar  a  ailiítencia  d« EIRey  o  tempo,que 
íe  interpoz  ao  dia  ,  em  que  fe  delcobrio  novo  acciden- 
te  ,  que  deílruio  todas  as  concebidas  efperanças  de  con- 
córdia. 

Continuava  a  fuípensão  de  António  de  Sou  la  de 
Macedo  no  exercido  de  Secretario  de  Eílado,  pelo  fuc- 
ceíso  acima  referido  ,  e  todos  aquelles ,  que  aíliíliaõ  a 
EIRey ,  e  que  temião  o  poder  do  Infante  ,  bufcavao 
com  intemperanças  de  prejudiciaes  aíTecTros  meyos  pa- 
ra fuílentarem  a  lua  fortuna  j  e  como  António  de  Sou- 
ía  era  avaliado  por  totalmente  oppofto  ás  dispoíiçoens 
da  Rainha  ,  e  do  Infante  ,  introduzirão  no  animo  d'El- 
Rey  ,  queoreílituiíse  á  lua  occupaçao   pelo  caminho 
de  períuadir-á  Rainha  ,  que  lhe  perdoa Ise  ,  e  que  fenão 
convenceise  a  lua  paixão  com  inílancias  ,   lhe  declaraf- 
fe,  que  não  devia  cahir  naíem-juítiça  de  extender  ao 
Secretario  o  prazo  da  lua  aulencia   mais  tempo  ,  do 
que  explicava  o  aísento  do  Coníelho  de  Eftado  ,  que 
o  delterrara.  Satisfeito  EIRey  defte  parecer  ,  fallou  va- 
rias vezes  á  Rainha  ,  que  tomando  o  jufto  pretexto  da 
confervaçaó  da  lua  authoridade  ,  fe  negou  á  permiisaó, 
que  EIRey  pertendia ,  e  com  Real  conílancia  fe  naó 
deixou  convencer  das  fuás  exceffivas  perfuaçoens. Vendo 
EIRey  ,  que  era  invencivel  o  leu  intento  com  efta  di* 
ligencia ,  por  juftiíicara  fua  reíblução,  mandou  moftrar 
á  Rainha  o  afsento  do  Confelho  de  Eftado ,  que  conti- 
nha as  feguintes  razoens :   Propondo-fe  aos  Miivjlros 
abaixo  afjignados  a  pratica  ,   que  o  Secretario    de  E  (li- 
do  António    de   Souja  de   Macedo   teve  com  a  Ré- 

li  4  nha 


5o4    VOKWGAL  HES7JV1MD0; 

Anno  nha  nojfa  Senhora  ,  que  confia  do  papel ,  que  o  dito  Secre- 
1667  tm°  the  °ffereceo  1  ecomo  adita  Senhora  affirma ,  que  o 
Secretario  lheperdeo  o  ref peito ,  pareceo  ,  que  nao  obftan- 
te)ujt'ficar-fe  o  Secretario,  com  que  feria  mal  entendido 
da  Rainha  mfja  Senhora  >  pois  fó  ofeu  zelo  o  efiimulara  a 
pertender  difjuadir  a  Sua  Megefiade ,  de  que  a  Naçio  Por* 
tugueza  procurava  rej peitar ,  e  venerar  a  Sua  Mageâade, 
enaô  encontrar  a  fita  grandeza,  como  refere  o  papel,  que 
expiem  efte  fuccejjb.  Por  vários  ref  peitos  deve  Sua  Ma- 
gefiade  mandar  ,  que  o  Secretario  de  E fiado  Je  retire  fora 
da  Corte  por  efpaço  de  dez ,  ou  doze  dias ,  e  que  nelles  ve~ 
nha  fervir  ofeu  oficio  António  Cabide  j  e  que  ElRey  no  (To 
Senhor  deve  fazer  prefente  d  Rainha  nofja  Senhora,  que 
executa  efia  demonfiraçdo  fó  por  lhe  dar  gofio ,  e  que  em 
fimilhantes  occafioens  fenío  empenhe,  pelas  ruins  confe- 
quencias  y  que  do  contrario  podem  refultar  á  boa  direc* 
ç.io  do  governo  ,  afiim  de  prefente  ,  como  de  futuro.  Us- 
boa  trinta  e  hum  de  Agofto  denúl  ef eif centos  feffent a  e 
Jete.  "  * M 

^  Chegando  efte  papel  as  mãos  da  Rainha  ,  o  lêo  com 
tao  exceílivo  pezar  ,  que  naó  foi  poffivel  a  toda  a  fua 
prudência  confeguir  recatallo ;  porque  coníiderava,  que 
a  fua  queixa  fora  ao  Cõfelho  de  Eftado  taó  mal  enten- 
dida ,  ou  tao  defprezada  ,  que  fe  caftigara  ao  Secreta- 
rio com  a  leve  auíencia  de  dez  dias ,  e  a  ella  com  huma 
fevéra  reprehenfao ,  não  fó  para  o  tempo  prefente ,  fe 
naõ  para  o  futuro }  e  parecendo-lhe ,  que  não  convinha 
aofeu  decoro  focegar-fe  com  aquella  refoluçaõ ,  fez 
hum  papel  ,  que  continha  o  feu  grande  fentimento  , 
procedido  tanto  do  excelso  do  Secretario  ,  como  do  af- 
lento  do  Confelho  de  Eítado,  por  cujas  relevantes  cau- 
faspediaaEllleydejuftiça,  qu.e António  deSoufáde 
Macedo  fofse  julga do,e  caftigado  conforme  as  Leys  ef- 
tabelecidas  contra  os  criminofos  de  lefa  Mageftade. 

Entrogou-fe  a  ElRey  efte  papel ,  e  conferindo-o 
com  os  parciaes  de  António  de  Soufa  ,  afsentarao  ,  que 
El-Rey  o  recolhefse ,  e  nao  tivefse  delle  noticia  o  Con- 
felho de  Eftado,  e  que  logo  mãdaíse  vir  o  Secretario  pa- 
'  ra 


w 


PARTE  11.  LIVRO  Xfí.       505 

ía  o  Paço  a  exercitar  o  feu  orficio.  Teve  a  Rainha  prom-  Atino 
pta  noticia  deita  reíoiuçaõ ,  e  levada  da  pena  ,  que  lhe     .  , 
cuítou  ,  tomou  por  expediente  rçtirar-fe  a  hum  apofen-  1UU/* 
to  interior,  fem  admittir  mais  communicaçaô  ,  que  a  de 
algumas  Francezas  ,•  porque  além  deite  motivo  ,  e  dos 
que  ficaõ  referidos   ,    fe  multiplicarão  taõ  indecentes 
ameaços  d<  EIRey  ,  q  íizeraõ  preciia  a  refoluçao  da  Rai- 
nha, para  fegurança  da  fua  authoridade.  Accrefceo  a  ef- 
ta  taõ  perigoía  novidade  manifeítar-fe  o  Secretario  de 
Eítado  na  caía  >  onde  coítumava  exercitar  a  fua  occu- 
paçaõ,  aííiítido  de  numerola  familia  armada  depiítolas, 
e  caravinas ,  e  renovarem-fe  com  tanto  myíterio  as  or- 
dens aos  Terços  ,  e  Companhias  de  cavallos  ,  para  que 
eítiveísem  todos  promptos  ao  primeiro  avizo,  que  ten- 
do o  Infante  eíta  noticia  ,  e  fazendo  diligencia  por  ex- 
pecular  a  caufa  ,  lhe  conítou  ,  que  EIRey  determinava 
feparar-fe  com  violência  do  enfado  ,  e  opprefsaõ  ,  em 
que  fe  achava  ,  que  lhe  faziaõ  parecer  mais  horrorofa 
aquelles,queo  defejavaô  unicamente  dominado  das  dif-. 
pofiçoens  dos  feus  interefses.  Confiderando  o  Infante 
os  perigos  deita  reíoiuçaõ  ,  e  juntamente  as  grandes  op- 
prefsoens,  que  a  Rainha  padecia,  reconhecendo  ler-lhe 
devedor,  poucos  dias  antes  do  defembaraço  das  diffi- 
culdades,  e  empenhos  ,  em  que  eítivera,  deliberou  com 
generofo  impulib  lançar  fora  do  Paço  António  de  Sou- 
fa  de  Macedo  ,  entendendo  ,  que  naõ  eraõ  os  motivos 
prefentes inferiores,  aos  que  haviaó  obrigado  a  Rainha 
iiia  mãy  a  apartar  com  heróica  refoluçao  a  António  de 
Contes  da  aíiiítencia  d'ElRey  ,  e  communicando  eíte 
jfeu  intento  a  todos  os  que  lheaíliítiaõ  ,  uniformemen- 
te o  approvaraõ,e  como  para  naõ  mal-lograraqueliâ  re- 
foluçao ,  era  neceísario  naõ  a  deferir  ,•  porque  fe  não 
^nticipafsem  as  prevençoens  d' EIRey  ,  fahio  da  Corte- 
Keal ,  Quarta  feira  pela  manhãa  ,  cinco  de  Outubro  do 
tmno  ,  que  efcrevemos  de  mil  e  íeifcentos  feísenta  e 
fete  ,  íeguido  da  maior  parte  da  Nobreza  ,  e  de  muita 
■gente  do  povo  ,  queconcorreo  áquella  novidade.  En- 
trou no  Paço  ,  e  achando  ,  que  EIRey  eítava  recolhido, 
-efperou  ,  que  fe  abrifse  a  porta  da  Camera.  Tanto  que 


joá     PORTUGJL  RESTAURADO, 

Ânno  eíleve  aberta  ,  entrou  ,  e  íocegando  a  perturbação,  que 
1 6Ó7   recou!leCeo  era  E1Rey,  com  deraonftraçóes  obíeqmoías, 
/  -c  reverentes     depois  de  lhe  parecer,  que  o  havia  coníe-. 
gmdo,  laefallounaiubftancia  feguinte : 


^snãcfaens  »  $enhor,  que  tem  par  objeão  os  intentos 
dejinterejjaâas ,  e  virtuofos  ,  cofiumxo   a  introduzir  nos 
mmor ,  dos  que  as  emprendem  tão  fegura  confiança  ,  que- 
de] prezando  a  iniquidade  dos  f alfas  rumor  es\  bufe  ão  fá 
nos  acertos  o  premio  dos  feus  intentos.  Levado  dejie  ph« 
piujo  deliberei    vir  aos  pés  de  Vo[fa  Mogejlade  a  foliei* 
tar  na  luz  da  razdo  a  claridade  ,  de  que  necefjitào  as  tre- 
vas,    em  que  fe  precipita  o  governo  de  fia   Monarquia , 
conjuja  ,  e  de j ordenada  pela  infelicidade  de  chegara  am-< 
btçao  dos  homens ,  que  fe  introduzirão  no  governo  politu 
co ,   cegos   da  profperidade ,    a  preferir  as  conveniências 
particulares  aos  intereffes  públicos  ,  ordinariamente  caiifa 
total  da  defrmçío  dos  Impérios.  Nao  duvido  eu  ,  que  as 
foberanas  intençoens  de  Fofa  Magejlade  concorre [Tem  fem- 
pre  para  os  maiores  acertos ,  mas  também  conheço  ,    que 
os  aãos  virtuofos  ,   nío  fe  lhe  feguindo  execuçoens  con- 
venientes ,  qual  fé  Jem  obras  ,  fe  exhalao  nos  difeur- 
J 'os  , como  luzes  de  relâmpagos  noãurnos ,    que  mofirão 
os  ejlragos    das  t  empe  fades,   deixande-as  mais  horror  o- 
Jas,  Exaltou  a  Providencia  Divina  as  Armas  de  fie  Rei- 
no   a  gloria  tão  Juperior ,  que  efquecidas  as  viãorias  em 
todos  os  feculos  celebradas  ,  venera  o  Mundo  -,   como  as 
mais  fubhmes  ,  as  valor of as  acçoens  dos  Vaffallos  gene* 
rofos  de  Vojja  Magejlade ,  que  venturofamente  temeon* 
fegutâo  conhecer  todo  o  Unherfo  ,  que  a  paz  ,  ou  a  guer- 
ra, dfa  Coroa  depende  da  deliberação  de  Vojfa  Magef- 
tade.  Sendo  pois,  Senhor  ,  infallhel 'efe  difeurfo,  como 
poae  fer  razão ,  que  imprudências  fem  freyo  ,  e  refolu- 
çoens  fem  ordem  ,  foçobre    no  porto  feguro   da  fortu- 
na o  Baixel  deflroçado  da  Monarquia',  e  como  fera  )iif- 
to  ,    que  vaffallos   tão   merecedores  de  prémios  ,   e  de 
triunfos    padeção   violências  ,    e  ca  figos    pelas   intem- 
peranças   do    governo    politico  l     Efia   grande    calami- 
dade intentei  atalhar  ,    logo  que  a   comecei  a    conhe- 

ceri 


w*~ 


PAR.TE  77.  LIPRO  J1L        jo7 

ter  ,  fem  outro  algum  fim  mais,  que  o  ob)ecwfias  obriga*  AntlO 
çoens  ,  e>n  queme  pozoReal  Jangue  de  JroJ]ã  Magefiade,  , , 
de  que  a  minha  vida  felice  mente  Je  alimenta^  propofiçio  l()^7* 
tao  verdadeira  ,  como  )ufificxo  ,  náojo  os  fuccejfos  paf- 
fados  i  fenio  o  cafo  prejente  \  e  ni9  dej merece  quem  tan- 
tas vezes  tem  expofio  aos  últimos  perigos  a  própria  Jegí.- 
rança  ,  por  exaltar  a  gloria  de  Voffa  Magejiade ,  que  dan- 
do Voffa  Magejiade  credito  áfynceridade ,  com  que  proce- 
do ,  fie  accommoâe  alguma  vez  com  o  meu  parecer ,  e  na  ef- 
per  anca  de  que  hei  de  alcançar  de  Vofij a  Magefiade  e fie  ,  e 
outros  favores  ,  me  animo  de  pedir  ajeus  pésjeja  fervi- 
do per  nvtt.r  •>  que  António  de  Soufa  de  Macedo ,  que  in- 
dignamente exercitou  cecupaçao  de  Secretario  de  Efiado  na 
çccafiáo  ,  em  que  a  Rainha  minha  Senhora  )ufiamente  fe 
ofende  o  dos  f eus  exeeffos  ,  fahindo  fora  de  fia  Corte  ,  fe 
retire  dos  olhos  de  todos  os  que  yjfiamente  fe  irritaõ  da 
efeandaloja  afiifiencia  ,  que  nefie  Faço  continua.  Com  efia 
dcmonfiraçio  a  todas  as  luzes  preeijas  fatisfard  Vojfa 
Magefiade  á  \ufi ficada  queixa  da  Rainha  minha  Scnijc- 
ra,  e  aplacará  o  feu  arrezoado  fentimento  ,  Jocegar- 
fe-kw  os  ânimos  de  feus  Vdfjallos  coléricos  de  tao  pe- 
rigo] os  dejeoncertos  , .  tomarão  forma  os  negócios  pú- 
blicos ,  ter  do  direcçio  as  dfpofiçoens  militares  ,  e  to- 
dos com  amor ,  e  zelo  ajfifiiremos  a  Vc[fa  Magefiade  , 
para  que  fem  a  menor  occafiáo  de  pena  ,  nao  jó  logre , 
mas  dilate  a  gloria  ,  que  tdo  airofa  ,  e  fcíiccwente  lhe 
tem  adquirido  as  heróicas  acçoens  de  feus  valorofos  Vaf- 
fallos. 

Eftas  razoens  que  o  Infante  proferio  taõ  fe rvo ro- 
la ,  ecadnhoíamente  ,  que  pude raõ  domeíticar  a  mais 
indómita  ferocidade,  produzirão  em  ElRey  tao  contra- 
rio eííeito  > que  oceu  pado  de  cólera  implacável,  pedio 
aeípada,  que  não  havia  poíío  na  cinta  ,  com  taõ  deí- 
ordenadas  vozes,  que  fe  ouvirão  nas  mais  exteriores  an- 
tecameras.  O  Infante  qne  havia  por  Divina  influen- 
cia ligado  os  incentivos  do  valor  aos  documctosda  pru- 
dência ,  atalhou  eíce  excelso  com  impuliò  heróico  ,  ti- 
rando a  efpada  da  bainha ,  e  ofFerecendo-a  egregiame.n- 


■jo8      PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anho  te  a  EIRey  ,  , lhe  diíse  :  „  Senhor  ,  íe  Vofsa  Mageftade; 
1667   "neceíIita  da  efpadapara  fatisfaçaõ  de  alguma  inad- 
/  *  „  vertencia  da  minha  iynceridade  ,  aqui  tem  eíla  pa-, 
„  ra  deíafogo  da  lua  paixão .-  fe  determina  empregalía 
„  no  caftigo  de  alheyos  deIiétos,eu  ferei  o  melhorexe- 
7,  cutor  dos  feus  preceitos.  Refpondeo  EIRey  a  taó  de-' 
coroiosf  obfequios  com  palavras  taõ  indecentes,  e  impla- 
caveis,que  as  naô  puderaô  atalhar  as  inítancias  dos  que 
eítavao  prefentes,que  pertenderaõ  moderalasje  de  iorte 
creíceo  o  ruido  ,  eaconfufaõ,  que  chegando  noticia 
a  Rainha  da  perturbação  ,  qUe  havia  no  quarto  d 'EI- 
Rey, determinou  varonilmente  remedialla  ,  e  com 
eíte  intento  paisou  do  feu  quarto  á  Camcra  ,  onde  EI- 
Rey ,  e  o  Infante  eílavaõ  ;   e  empenhando  todo  o  feu 
elevado  diicurfo  em  expender  prudentiííímas  razoens, 
na5  podeconfeguir,  que  EIRey  íemoderafsej  porque 
havia  imaginado  ,  que  o  Secretario  de  Eirado  era  mor- 
to ,  repetindo  muitas  vezes  ,  que  todos  os  comprehen- 
didos  naquelle  delido  haviaõ  de  pagar  o  excelso  do  ho- 
micídio, Desfez  eíte  engano  o  Duque  do  Cadaval ,  que 
eítava  prefente,-  porque  entendendo  que  era  necefsario, 
para  aplacara  ira  d'ElRey,  trazer  á  fua  prefença  Antó- 
nio de  Soufa  de  Macedo ,  fahio  a  bufcallo  ,  e  achando, 
que  obrigado  do  temor  de  perder  a  vida,eítava  fechada 
em  huma  cafa,bateo  á  porta.  Duvidou  António  de  Sou- 
fa abnlla  :  porém  tirando-lhe  o  Duque  com  a  fegu rança 
da  fua  palavra  o  receyo  ,  que  tinha  de  perder  a  vida  ,  a 
fe  manifeítou  com  a  eípada  na  cinta  ,  e  hum  Chrifto  na 
mao.  Períuadido  do  Duque  ,  fahio  com  elle  para  o  con- 
duzir á  Camera  d'ElRey  por  entre  o  cocurfo  da  Nobre- 
za ,  e  Povo,  que  eílava  ho  Paço  ,•  porém  alteraraô-fe  de 
forte  os  ânimos  ,  dos  que  julgavaó  ao  Secretario  cau- 
fa  de  tão  perigofa  perturbação,  que  reconhecendo  o 
Duque  a  occafião  deftearrifcado  rumor,  levantou  a  voz 
com  valoro fa  authoridade,e  difse  :  António  de  Soufa  vai 
comigo  ;e  bailou  eira  acertada  advertência ,  para  atalhar 
todo  aquelle  impulíb  ,  e  entrando  com  o  Secretario  na 
Camera  d'ElRey ,  o  deíenganou ,  de  que  naó  era  mor- 
to y  mas  não  lhe  aplacou  a  paixão  ,  porque  continuou 

com 


V ARTE  11.  UVRO  XII.        fo9 

com  o  mefmo  excefso  ,*  e  entendendo  a  Rainha ,  e  o  In-  Afino 
fante  ,  que  era  o  remédio  mais  próprio ,  para  defafoga-     ., 
rem  a  cólera  d'ElRey  ,  deixarem-no  fó  com  o  Secreta-         '  * 
tio ,  prefumindo  juntamente,  que  o  Secretario  penetra- 
do do  perigo  ,  a  que  eftava  expofto  ,  pede  na  a  EIRey 
licença ,  para  íe  retirar  a  fitio  mais  feguro  ,  íahiraõ  da 
prefença  d' EIRey  para  a  antecamera  immediata ,  e  a 
Rainha  íe  recolheo  ao  feu  quarto.  Paisado  algum  eipa- 
ço  ,  íe  levantou  huma  voz  incerta  entre  todo  aquelle 
concurfo  de  que  eltava  focegada  aquella  contenda  ,  e 
de  forte  crefceo  o  rumor ,  que  voltou  a  Rainha  ao  qnar- 
to  d* EIRey  a  tempo  ,  que  elle  íahia  da  fua  Camera 
com  o  Secretario  ,  e  poríuadido  do  feu  confelho ,  levou 
para  huma  das  janellas ,  que  cahem  para  o  terreiro  do 
Paço  ,  a  Rainha  ,  e  o  Infante  ,  com  intento  de  per- 
fuadir  ao  Povo ,  que  eftava  no  terreiro  ,  que  nao  havia 
defuniaõ  alguma  em  damno  da  coníervaçaõ  do  Reino. 
Applaudiraó  as  vozes  populares  efta  demonftraçaõ  ,  e 
recolheraõ-íe  osPrincipes  dajanella  ,•  porém  como  to- 
dos eftes  remédios  eraò  iem  fim  determinado  ,  aggrava- 
vaõ  por  inftantes  os  males,que  recrefciaõ,fendo  da  mel- 
ma  natureza  huma  voz,  qusfoou,   repetindo,  que  EI- 
Rey perdoava  a  todos.  Foi  o  Conde  de  Sabugal  o  pri- 
meiro ,  que  fe  offendeo  deite  intempeftivo  indulto  ,  e 
com  valorofa ,  e  illuftre  refoluçaô  replicou  diante  d'El- 
Rey  ,  dizendo  :  Perdoo  naõ  ,*  mercê  ,fimt  Refpondeo-lhe 
EIRey  ,  que  perdão ,  e  mercê  ,•  e  naõ  tolerando  o  Con- 
de efte  compofto ,  tornou  a  repetir ,  que  fó  queria  fim- 
pks  mercê. 

Recolheo-fe  EIRey  para  o  apofento  ,•  de  que  havia 
íahido  ,  e  quando  os  ânimos  de  todos  osqueficavaõ  e.C- 
perando  o  defenleyo  de  tantos  embaraços,fe  occnpavaô 
com  maior  elficacia  noreceyo,  de  que  EIRey  acompa- 
nhado da  muita  gente  armada,  que  lhe  aíiifíia  ,rompef- 
íe  em  algum  notável  excelso  ,•  nem  EIRey  conheceo  o 
perigo  em  que  eftava  ,  nem  os  que  o  feguiaò ,  fe  atreve- 
rão a  livrallo  delle.  Vendo  por  conclnfaõ  o  lnfante,que 
EIRey  femadmittir  confelho  fe  obíHnava  na-  perfiften- 
«ia  de  António  deSoufade  Macedo  na  fua  oecupaçaõ* 

pubUr 


,1 


yio     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Afino  publicamente  difse  ,  que  eítava  no  Paço  ,  e  que  não  de- 
\f&-?  tsrníimavaíaa*rdeIIe  *  ^em  executar  o  que  juítamen- 
1007*  te  h^ia  emprendido.  Ghegou  eíta  noticia  a  António  de 
Soufa,  e  concebendo  penetrante  temor  daíua  contu- 
mácia ,  mandou  dizer  ao  Infante  ,  que  logo  iahira  do 
Paço  ,  fe'nto  receara  a  ira  do  Povo  i  mas  que  lhe  íegu- 
rava  ,  que  em  cerrando  a  noite  ,  fe  aufentaria  para  parte 
tão  occulta  ,  que  o  naó  achafsem  as  ordens  d'ElRey , 
íè  tornafse  a  intentar  trazello  para  o  Paço  ,  dando  por 
fiador  deita  promefsa  a  Lourenço  de  Soufa  Conde  de  Sã- 
tiago,e  a  D.Pedro  de  Almeida  irmão  do  Conde  de  Avin- 
tes ,  que  fervorofamente  continuavaó  a  aífiítencia  d'El- 
Rey.  Aceitou  o  Infante  eíta  promefsa  T  e  acompanhado 
de  toda  a  Nobreza  com  acclamaçoens  do  Povo  ,  íe  reco- 
Ihéo  para  a  Corte-Real.Naquella  noite  lhe  mandou  Ma- 
noel Antunes  pedir  licença  ,  para  fe  auíentar  da  Corte, 
edo  Reino  ,  com  fegurança  do  perigo  ,  que  podia  cor- 
rer. Concedéo-lha  o  Infante  ,  tendo  por  muito  conve- 
niente apartar  d<  ElRey  a  preverfa  malícia  dos  feus  con- 
felhosS 

Amanheceo  o  dia  fucceífivo  ,  e  conítando  a  ElRey, 
que  António  de  Soufa,  e  Manoel  Antunes  fe  haviaõ  au- 
fentado,  forao  exce/Tivas  as  fuás  demonítraçoens,e  gran- 
des as  diligencias  ,  que  mandou  fazer  ,  para  defcobrir  a 
parte  ,  em  queeítavaó  retirados.Recommendou-as  com 
particularidade  aos  Meítres  de  Campo  Gonfalo  daCof- 
ta  de  Menezes  ,  e  Jofeph  de  Soufa  Sid  ,  e  ao  Tenente 
General  da  Cavallaria  Diogo  Luiz  Ribeiro ,  ordenando 
aos  dous  correfsem  os  lugares  ,  e  Conventos  vifmhos  a 
Lisboa  ,  e  a  Diogo  Luiz  pafsafse  á  Província  de  Alente- 
jo ;  e  voltando  todos  fem  noticia  alguma  dos  aufentes, 
defafogou  ElRey  eíte  pezar,  affirmando,  que  fe  não  ha- 
viaõ de  corrrer  huns  touros  ,  que  eítavaó  no  terreiro  do 
Paço  com  tantos  dias  de  demora  (  que  íerviaõ  de  zom- 
baria aos  que  obfervavaõ  eíta  irregularidade  )  em  quan- 
to naõ  apparecefsem  António  de  Soufa  ,  e  Manoel  An- 
tunes ;  e  accrefcentando-fe  eíte  motivo  aos  mais  ,  que 
provocavaó  a  fua  paixão  contra  o  Infante  ,  rompeo  em 
ameaçostão  públicos  ,  e  furiofos  ,  que  tendo  o  In- 
fante 


H 


PARTE  II.  LIVRO  XII.        511 

fante  efta  noticia  ,  prudentemente  fe  abíteve  de  ir  ao  Anno 
Paço  ,  e  de  iorte  foi  crefcendo  a  confufaõ  ,  e  o  emba- 
raço  do  governo»  que  totalmente  faltava  forma  nos  ne-  lo©  7. 
gocios,e  recurío  ás  partesjporque  nem  EIRey  governa- 
va o  Reino  ,  nem  deixava  governar-fe  de  peísoa  al- 
guma ,  fendo  invencível  o  feu  animo  aos  rogos  da  Rai- 
nha ,  ás  advertências  do  Infante ,  ás  perfuafoens  da  No- 
breza ,  ás  inítancias  dosEccleiiaílicos,  e  aos  clamores 

do  Povo. 

Confideradas  taõ  importantes  difliculdades  por  to- 
dos os  que  zelavaõ  a  confervacaó  da  Monarquia  ,  pare- 
ceo  o  remédio  mais  faudavel  convocarem-le  Cortes,  pa- 
ra que  com  a  uniaõ  dos  Três  Eftados  fe  defse  forma  ao 
governo  do  Reino  ,  e  fe  pudefsem  atalhar  novidades  ef- 
caudalofas.  Approvou  o  Infante  efta  opinião  ;  porque 
fó  attendia  ao  publico  íbcego  ,  eáíegurança  mais  li r- 
medo  Império:  porém  como  a  união  das  Cortes  depen- 
dia da  vontade  d'ElRey,totalmenteoppofta  aeíte  Con- 
grefso,  por  eftar  períuadido  de  informaçoens  contrarias 
ao  pertendido  íbcego  >  que  a  união  das  Cortes  era  indu- 
ítria  do  Infante  ,  e  que  havia  de  fer  a  fua  total  ruí- 
na »nãQ  era  poffivel  affeiçoallo  a  coníentir  em  fe  chama- 
rem Cortes.  Para  fe  facilitar  efte  grande  inconveniente, 
lhe  fez  o  Senado  da  Camera  de  Lisboa  huma  larga  con- 
fulta  ,  em  que  reprefentava  as  muitas  ,  e  grandes  ma- 
térias ,  que  preciíamente  pediaó  a  uniaõ  dos  Três  Eífca- 
dos  do  Reyno  ,  por  naó  fer  poílivel  determinarem-fe  , 
fem  eítarem  juntos.  Cuvio  EIRey  referir,  o  que  a  Cou- 
fulta  continha ,  e  tomou  por  expediente  não  rei ponder 
ao  Senado,não  bailando  a  obrigallo  repetidas  inítancias, 
quefe  lhe  fizerão.  E  parecendo  ao  Senado,  que  era  pre- 
cifo  confeguir  o  feu  intento  ,  efcreveo  aos  Cabidos  ,  e 
Cameras  de  todo  o  Reino  »  dando-lhes    conta  do  que 
havia  executado  ,  e  pedindo-lhes  esforçafsem  a  fua  di- 
ligencia ,  efcrevendo  a  EIRey  o  muito  ,  que  convinha 
áconfervação  defeus  valsados  convocarem-fe  Cortes. 
Mas  EIRey  infiílio  em  não  coníentir ,  que  fe  eonvocaf- 
efm  Cortes  ,  havendo-o  períuadido.  fervorofamente  to- 
dos osCoafelhwiosde Eilado.Nefta perplexidade  hou- 
ve 


jt»    PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ánno  ve  varias  opinioens»  quepuzeraô  em  pratica  entregar- 
,  •      íe  o  governo  á  Rainha,  e  ao  Infante,  ficando  em  EIRey 

í&í>7*  a  authoridade  Real  fèm  outra  operação  alguma;  Foi  o 
Marquez  de  Sande  o  primeiro,  que  propoz  eíta  matéria 
em  hum  largo  ,  e  prudente  papel ,  queléo  no  Confelho 
de  Eftado  ,  em  que  expoz  taó  efficazes  razoens  ,  que 
foi  uniformemente  approvado  por  todos  os  Confelhei- 
ros  ;  porém  não  confeguio  outrp  fruto  do  feu  louvável 
zelo  ,  mais  que  hum  grande  ódio  d* EIRey.  Naô  fe  ab- 
ileve  o  Marquez  de  Sande  ,  tendo  eíle  noticia  das  di- 
ligencias ,  que  lhe  parecerão  úteis  á  coníervaçaó  do 
Reino  ,  e  ajudado  dos  mais ,  que  feguindo  as  direcções 
<fo  Infante  concorriaõ  a  eíte  fim ,  acháraõ  meyos  de 
reduzirem  a  EIRey  em  confentir  ,  que  íe  chamefsem 
Cortes ;  porém  com  declaração  ,  que  não  haviaô  deter 
principio  ,  fenão  depois  de  voltar  da  jornada  de  Salva- 
terra  ,  para  onde  determinava  partir ,  como  fempre  cof- 
tumava,  a  dezanove  de  Janeiro  doanno  feguinte.  E 
como  eíta  claufula  offendia  na  dilação  os  eâèitos  prin- 
cipaes  ,para  que  as  Cortes  fe  convocavão ,  fendo  hum 
delles  as  prevençoens  da  futura  Campanha  ,  fe  fizerão 
com  EIRey  novas  inítancias,  e  obrigado  delias  ,  e  de 
outros  eftimulos  interiores ,  tornou  a  intentar  fahir  da  j 
Corte  i  excefso  ,  de  que  o  Infante  promptarnente  teve  ' 
avizo  ,  e  o  atalhou  com  prudentes  negociaçoens  j  mas 
naó  bailarão  todas,  para  perfuadirem  a  EIRey  aaíii- 
nar  as  cartas ,  em  que  havia  de  mandar  ,  que  os  Procu- 
radores de  Cortes  eftivefsem  em  Lisboa  o  primeiro  dia 
de  Janeiro.  Quãdo  eíta  negociação  mais  fervorofamen- 
teíe  aplicava,  íòbreveyo  novo ,  e  relevante  accidente , 
que  multiplicou  as  confuiòens ,  e  augmentou  os  emba- 
raços ,  deíatando-fe  furiofamente  os  effeitos  de  todas 
as  conftellaçoens  infelices  em  funeítos  vaticínios  da  ul- 
tima calamidade  d4 EIRey  a  pezar  das  generofas  diligé- 
cias ,  que  o  Infante  applicava  ,  para  lhe  fuftentar  a  Co- 
roa na  cabeça,  de  que  a  facodia  a  defordem  dos  feus  ex- 
cefsos  ,  e  precipitava  a  variedade  dos  feus  intentos. 

Achava-fe  a  Rainha  reduzida  a  taó  grande  afflicçaõ, 
que  naó  lhe  era  poílivel  encontrar  exemplar  ,  que  pu- 

defse 


w 


PARTE  IL  LIVRO  XII.       p  \ 

deíse  fervir-lhe  de  alivioj  porém  fendo  muito  exceíhvas  ^nno 
as  indecencias ■•   que  tolerava,  era  taofupenor  a  regula- 
ridade  das  fuás  virtudes,  que  fem  deiatogo  entregara  100.7- 
o  leu  heróico  efpirito  á  clauíura  do  fotfnmento  ,  íenao 
paísárao  as  luas  infelicidades  do  rigor  das  penas  de  mal- 
tratada aosdefaíocegos  da  coníciencia  ofendida  ^por- 
que as  afnicçoens  da  vida  pôde,  edeve  iopportalla»  a 
temperança  do  animo  generoíoiPorem  os  eícrupulos  da 
alma  ,  nem  deve  ,  nem  pód,e  recatallos  huma  vida  timo- 
rata  ,  evirtuofa  ,  que  afpira  a  merecer  pela  pureza  da 
coníciencia  a  immortalidade  da  gloria.  Perfu  adida  deite 
verdadeiro  conhecimento  fe  diípoz  a  Rainha  atropelan- 
do por  todos  os  inconvenientes,  que  lelhe  reprefen- 
táraô  ,  e  vencendo  todas  as  difhculdades ,  que  fe  lhe  of- 
ferecerâo  ,  a  feparar-fe  da  companhia  d<ElRey  ,  conhe- 
cendo ,  que  a  vigoroía  força  dos  males  ,  que  na  menor 
idade  tinha  padecido,  o  haviaÕ  incapacitado  a  fer  valido 
o  Matrimonio,  fem  fe  poderem  delatar  os  laços  defte 
vinculo.Depois  de  vários  difcurfos,  e  efpintuaes  confe- 
rencias ,elegeo  o  Convento  da  Efperança  de  Religioías 
deS.Francifco  para  receptáculo  da  lua  reíolucao ,  af- 
fim  pela  Religião  exemplar ,  que  nelle  le  protetea  ,  co- 
mo por  ferem  as  Religiofas  da  Nobreza  principal  do 
Reino.  Teve   efTeito    cfte  virtuoio  intento  Segunda 
feira  vinte  ehum  de  Novembro  do  anno  que  eícreve- 
mos  ,•  e  havendo  a  Rainha  fahido  do  Paço  pelas  três  ho- 
ras da  tarde ,  aíTiítida  da  familia  ,  qne  coílumava  acom- 
panhalla  ,  entrou  na  Efperança,elogo  entregou  ao  leu 
Mordomo  maior  o  Conde  de  Santa  Cruz  huma  carta  ,• 
que  levava  efcrita,  para  EIRey ,  que  continha  as  fegum- 
tes  razoens;  Deixei  a  Pátria ,  a  cafa  ,  os  parentes,  e  ven- 
di minha  fazenda  ,  por  vir  acompanhar  a  Vojja  Nagejta-. 
de  com  defe)o   de  o  fazer  d  fua  fatisfação  ,    e^temoo 
fentido   muito   a  dif graça    de    o  nío    poder  conjegmr, 
por  mais  ,  que  o  procurei,'  e  obrigada  da  mmha  conj- 
ciência   me  refolvi  em    tornar   para  França   nos  mvios 
de  guerra  ,   que  aqui  chegarão.    Peço  a  Vojfe    Mageh 
t ode  me  faça  mercê    de  dorme   licença  para  iffo  ,    ed,e 
me  mandar  entregar  o  meu  dote  .,  pois  que  Vojja  Ma- 

Kk  geftade 


ji4-  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Annò  taâefabe  muito  bem  ,  que  nao  ejlou  cafaâa  com  elle  •  c  efpe- 

%6Ó7*  r°  da  ^ran^em  de  Voffa  Magejlade  me  mande  fazer ,  a  (fim 

'  entrega  do  meu  dote  ,  como  também  o  favor  ,  que  merece 

humaPrmcezaextrangeim  ,  e  def amparada  nefles  Reinos 

eque  veyo  a  bufcar  a  Foja  Magejlade  de  parte  taõdiflan- 

te* 

Tanto  que  a  Rainha  remetteo  a  carta  a  EIRey,  cha- 
mou as  Donas  de  Honorbe  as  Damas,que  a  acompanha- 
rão ,  ecom  manifeflo  fentimento  lhesdifse  ,  que  as  ra- 
zoens  ,  que  a  havia©  obrigado  a  íe  retirar  áquelle  Con- 
vento ,  feparando-fe  d'E!Rey ,  l|ie  moítravao,  <w  na5 
devia  períuadillas  a  continuarem  a  affiítencia  ,  que  lhe 
haviaõ  feito  até  áquelle  tempo;  porque  o  efcru  pulo  , 
que  á  obrigam  a  depor  a  Coroa  ,  lhe  prohibia  as  cere- 
mornas  ,  e  obíequios  ,  que  eoílumavaõ  dedicar  ás  Rai^ 
nhãs  de  Portugal  í  fegurando-lhes  ,  que  em  quanto  a  vi- 
da íe  lhe  dilatafse ,  lhe  duraria  a  lembrança  do  affe&o 
que  lhes  devia.  Foi  grande  a  confuíad  de  todas  as  que 
ouvirão  a  Rainha,pelas  tomar  de  improvifo  aquella  no- 
vidade ,  cuítando-lhes  grandes  pezar  a  infelicidade  da 
Rainha  ,  e  as  confequencias  da  refoluçaõ  ,  que  tomara; 
conhecendo  porém  da  fua virtude,  e fingular  entendi- 
mento, que  fem  infallivel  encargo  da  lua  confciencia  fe 
nao  relolvera  a  arrojar-fe  a  taó  perigofa  deliberação 
iem  fundamentos  muito  juítificadosje  formado  eíle  bre- 
ve diícu  rio  ,  refponderaõ  á  Rainha  com  a  muda  rhetori- 
ca  da  tníteza  dos  femblantes ,  e  a  eloquente  língua  das 
lagrimas;  e  determinando  todas  continuarem  a  fua  aííif- 
tencia  ,  ie  renderão  ao  embaraço  da  claulura  ,  e  ficarão 
unicamente  D.  Antónia  da  SiIva,D.de Honor,  mulher,q 
havia  fido  de  Triítão  da  Cunhaje  do  numero  das  Damas 
D.  Antónia Mauricia  da  Silva,  eD.  Ifabel  Francifcada 
Silva ,  a  primeira  filha  de  Martim  Corrêa  da  Silva  ,  a  fe- 
gunda  de  D.  Luiz  de  Almada. 

Chegou  neíte  tempo  ao  Paço  o  Conde  de  Santa 
Cruz  ,  e  achou  ,  que  EIRey  havia  mandado  prevenir 
carroças,  que  o  aguardavão  para  fahir  ao  campo.  En- 
trou a  fallar-lhe,  entregou-lhe  a  carta,  que  mandou  lêr, 
e  das  razoens ,  que  ella  continha  ,  concebeo  tão  defor- 

denada 


■ 


PARTE  11  LIVRO  XII.       jiy 

flenada  paixão,  que  fem  conferir  aquella  ,  por  todos  AnnÒ 
os  requiíitps  gravilíima  matéria,  com  Jtfiniífcro  ,  ou  pai-  (££- 
foa alguma,  ppr entender,  que  íeria  o  íeu  maior  op-         /* 
probrio  publicar-íe  a  ília  incapacidade  para  a  íucceísaõ 
do  Reino,entrou  em  huma  carroça  íeguido  ,  dos  queei- 
tavaô  detonados  para  o  acompanharem,ecom  eílrondo- 
fa  celeridade  paísou  ao  Convento  da  Efperança,  e  acha- 
do as  portas  cerradas  por  ordem  da  Rainha ,  mandou 
com  furiofas  vozes  ,  que  lhe  troxefsem  machados  para 
fe  quebrarem  i  porém  foi  a  tempo  ,  que  o  Infante  o 
divertio  deita  reíbluçaõ  ;  porque  chegando-lhe  avizo  á 
Corte-Real  daquelle  naõ  efperado  accidente,  iahio  a 
íemediallo  com  a  poíTivel  diligencia  ,  feguido  dos  que 
lhe  aíliíiiaô  ,  e  veyo  concorrendo  parte  da  Corte  á  aflil- 
tencia  de  ambos  os  Principes  ,  e  temperou  a  ira  d'ElRey 
fallando-lhe  íbcegada ,  e  prudentemente  com  a  adver- 
tência de  que  a  refp.lujaô  ,  que  a  Rainha  havia  tomado, 
não  era  poíllvel  atalhar-fe  com  violência  ,  por  fe  achar 
defendida  das  immuriidades  da  claufura  ,  e  das  atten- 
çoens  ,  que  fe  deviaõ  aofeu  refpsito  ,  pelas  quaes  ra- 
zoe ris  era  precifo  recplherem-íe  ao  Paço  ,  para  fe  tratar 
matéria  tão  grave  com  acircumfpecçaõ  ,  que  merecia. 
Perfuadio-fe  EIRey  de  propofiçoens  tão  bem  fundadas, 
e  voltou  para  o  Paço  acompanhado  do  Infante  ,  e  de 
toda  a  Nobreza  \.  e  dentro  de  poucas  horas  moítrou,que 
totalmente  fe  efquecia  do  fuccefso  antecedente  ,  entre- 
gando-íe  aos  melmos  divertimentos ,  a  que  inutilmente 
coítumava   applicar-fe. 

Na  manhãa  do  dia  feguinte  mandou  a  Rainha  pea 
dirão  Infante  quizefse  ir  fallar-lheá  grade  da  Igreja  d- 
Efperança.  Antes  que  elle  lhe  obedecefse ,  deu  conta  a 
EIRey  ,  pedindo-lhe  licença  ;  concedeo-lha  ,  e  chega  ti- 
po  a  fallar  á  Rainha  com  o  mefmo  obfequio  ,  reveren- 
cia ,  e  íubmifsão,  que  fempre  coítumara  ,  lhe  re  ferio  el- 
la  com  eloquentes  razoens  acaufa  ,  que  tivera,  para  fe 
feparar  d'ElRey  ,  fem  mais  attenção  ,  que  ado  encar- 
go da  fua  confciencia  ,  e  que  para  oconíeguir  ,  evol- 
tar  a  França  coma  íentença  da  feparação  do  Matrimo- 
nio ,  e  reítituição  do  dote  ,  que  trouxera  ,  implorava  o 

Kk  x  íeu. 


m\w. 


■I  \ 


jid     PORTUGAL  RESTJOnADO, 

ÀntlO  feu  favor,  Refpondeo-lhe  o  Infante,  que  elle  eftava 
1667   PTQmPto  Para  Jlle  obedecer  coma  efficacià  ,  em  que  o 
*uu/'  empenhava  a  fua  obrigação  ,  falva  a  authoridade ,  e  re- 
putação do  Reino.  Voltou  para  o  Paço  j  e  dando  a  El- 
Rey  conta  ,  do  que  a  Rainha  lhe  havia  referido  ,  lhe 
refpoudeo  com  termos  taò  indecentes,pertertdendo  dií- 
fimular  a  fua  manifeíta  impoffibilidade  ,  que  o  Infante 
uaõ  querendo  altercar  razoens  em  matéria  taõ  impor- 
tante, ferecolheo  para  aCorte-Real;  e  a  Rainha  fez 
comos  Coníelheiros  deEítado  ,  e  Títulos  a  melma  di- 
ligencia ,  que  havia  feito  com  o  Infante  ,  declarando 
a  todos  ,  que  a  fua  pertençaõ  era  juítificar  em  Juí- 
zo ,    que  o  Matrimonio  eílava  inválido  i  e  informada 
a  Rainha  ,  de  que  ao  Cabido  da  Sé  de  Lisboa  tocava  fer 
Juiz  da  caufa  do  divorcio ,  lhe  efcreveo  liuma  carta,  que 
continha  as  razoens  íeguintes  1 

Hxtaemhem  Apartei~me  âa  companhia  de  Sua  Magejlade  ,  que   , 

'^Z^caTfac  Deos  guwde  ,  por 'mo  haver  tido  ej) 'eito  o  Matrimonio  ,em 
que  nos  concertámos  ,  epornaÕ  poder  fojfrermais  tempo  os 
efcrupulos  ~de  minha  conj ciência  ,   que  me  fez  dijjimular 
até  gora  o  amor ,  que  tenho  ,  e  me  merecem  efies  Remos.  EJ- 
pero  rque  Sua  Magejlade ,  como  melhor  tefiimunha  da  mi- 
nha razão  ,  a  declare  ,  para  me  recolher  brevemente  a 
França  fem  embaraço  a  minha  pejjba  ;  e  rogo  ao  Cabi- 
do da  Santa  Sé'  âejla  Cidade  ,  a  quem  porfeus  Minif- 
tros  toca  jer  Juiz  defia  cauja  ,  a  queiraõ  mand,ar  abbre- 
jviar  i  quanto  for  poffivel ,  favorecendo  em  tudo  o  que  for 
)uJioahuma  Estrangeira  magoada  da  di) graça  demo  po-* 
der  viver  na  terra ,  que  vejo  de  t do  longe  bufcar  com  tan-  . 
tò  gojlo  f  epóâx  muito  confiadamente  entender  de  mim  o 
Cabido  ,  que  em  taâa  a  parte  ,  em  que'  ajjiflir  ,.  faberei 
reconhecer-,  e  agradecer  a  corte  fia,  comque  me  tratar ío. 
Lisboa  vinte  edous  de  Novembro  de  mil  efeifcentos fejfenta 
efete. 

Maria  Francifcaljabel  de  Saboya, 

■   Juntou-feo  Cabido  ,  e  lida  neffe  a  carta  referida,  ref« 
pondeo  a  ella  na  fornia;  r  que  iè.  legue ;  Leo-fe  nefle 

Çabi- 


w 


PJRTE  11.  L1VKO  111.       517 

Cabido  com  grande  Jenúmento  acartadeVofJa  Magejlade,  Atino 
efcrita  em  vinte  e  dom  do  corrente  ,  por  ficarmos  entende*  {66 
do  a  refolucaó  ,  que  VoJJa  Magejlade  havia  tomado  de  fe 
recolher  nefíe  Convento,  com  determinação  de  fe  voltar  a 
França,  de  f amparando  a  Portugal ,  onde  het do  amada  ,  e 
venerada,  e  de  procurar  fe  annulle  no  jmzoda  Igreja  o 
Matrimonio  contrahido  entre  Elliey  nojfo  Senhor  ,  e  Vofja 

agej  ãQs'temos  ^  SenjJ0ra  .  ordinarios  da  )ujliça ,  que 
fepermittem  a  qualquer  pejjoa  particular .,  mal  Je  podem 
negar  a  Voffa  Magejlade ,  quando  as  matenas  cheguem  ae^ 
te  e  fiado ;  porém  concorrem  nefte  negocio  tantas  circunjkm- 
áasdlmas  de  ponderação ,  que  pedimos  a  VoJJa  Magejlade 
licença,  para  que  antes  de  entrar  nelle  ,  o  encommendemos, 
e  façamos  encommendar  a  Deos  ,  ejperands  dafuamfer;- 
çordia  fe)a  fervido    de  o  encaminhar  a  f eu  Janto  inten- 
te,  bemuniverfal  dejle  Reino  ,   e  confervaçáo  de  VoJ- 
ja  Magejlade  ,  a  quem  o  mejmo  Senhor  guarde  por  feli- 
ces,  e  largos  annos ,  como  todos  lhe  pedimos,  e  deje)a- 
mos* 

Tanto  que  a  Rainha  recebeo  a  referida  carta  do 
Cabido,  conhecendo  ,  que  era  neceisarioapplicar  todas 
as  poííiveis  diligencias  a  hum  negocio  ,  de  que  e.tavao 
dependentes  confequencias  tao  relevantes,  relolveo 
mandar  a  França  a  Luiz  de  Verju  ,  que  aíliftia  em  Lis- 
boa com  titulo  delnviado  dos  Duques  de  Vaiidoima, 
informando-o  dasjuílificadas  acçoens  do  leu  proceu  - 
mento  ,  e  da  certeza  infallivel ,  com  que  íe  achava  ,  de 
íahir  a  í"eu  favor  a  fentença  do  divorcio  ,   por  lerem  tao 
folidos  os  fundamentos  da  fua  juíHça,que  antes  de  pro- 
cefsada  a  caufa,a  julgavao  contra  EIRey  todos  íeus  val- 
lallos  informados  por  aftos  repetidos  ,  e  notórios  da  m- 
habilidade,  que  padecia  para  a  iucceísao  do  Remo, 
originada  da  leíaõ  ,  com  que  ficara  na  enfermidade,  que 
padecera  nos  feus  primeiros  annos.  D,    .    , 

Trabalho  inútil  he  ularmos  dos  termos  da  Kneto- 
rica,  nem  valermonos  das  vozes  da  eloquência,  para  que 
reconheçaõ ,  os  que  lerem  efe  Hiítoria  ,  a  grande  con- 


5i 8  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Ànno  fu%o  ,  e  imminentc  perigo  ,  em  que  fe  achava  a  confer- 
I&6^.Va(*a°  da  ^oroa  de  Portugal ;  porque  a  variedade  ,  e 
/    grandeza  dos  extraordinários  fuccefsos  ,  que  temos  re- 
ferido ,  iiicukão  a  certeza  defta  propofição  ,  por  cujo 
tefpeito  opprimidos,  eduvídofos  todos,  os  que  zelavao 
á  coniervaçao  da  Monarquia,  procuravao  achar  meyos 
f»roporcionados,para  reduzirem  a  ÈlRey  a  entregar  íem 
eítrondo  ,  nem  defafocego  o  governo  do  Reino  ao  In- 
fante ,  reíeryando  para  quietação  da  fua  vida  os  dous 
poios eítimados  dos  venturofos  de  defcanço ,  eautho- 
i-idade  >  porque  ajuílando-fe  amigavelmente  eíte  útil 
partido,  nem  ficava  á  reputação  do  Reino  ,  que  defe- 
lar ,  nem  á  malícia  dos  homens  *  que  arguir:  porém  to- 
das as  diligencias  ,  que  fe  applicavao  para  fe  conferir 
efte  intento  ,  eraõ  inúteis  ,  e todas  as  negociaçoensm- 
fruCtuoias  ;  porque  fe  achavaó  oppoftos  ânimos  contu- 
mazes ,  e  invencíveis  á  razaóve  prudência  ,  e  dependia 
da  vontade  d<E!Rey,  e  dos  que  lhe  aíTiftião ,  ofelice 
hm  deite  aditamento ;  í\aÔ  podendo  ElRejr,  opprimido 
de  temor,  eodio,  íoíírer  a  companhia  do  Infante,nem 
os  delinquentes,  efacinorofos ,  a  que  dava   credito, 
ameaçados  das  fuás  culpas,  e atemorizados  do  caíK- 
gojufto,  quemerecião,  querião  aceitar  mais  partido, 
que  o  deíaíocego  ,  nem  mais  razão  ,  que  a  violência  , 
conhecendo  ,  que  fó  podia  fer  durável  o  tempo,  que 
fclKey  permaneceíseno governo  do  Revno. Efta  infeli- 
cidade foiacauíatotaldariima^EIRev,  naÓ  poden- 
do veneelio  »4  períuaíoens  do  Infante,  as  advertências 
dos  ^omehieiros  de  Eirado ,  os  rogos  dos  doutos ,  e  vir- 


'.      „  -.  wwy.âwa     W.UÍUCIUUW5,     qUeOCOlll- 

tiangiaoaotàtal  precipício,  que  por  ínítantes  o  amea- 
çava. Reconhecendo  ?0is  eila  in vencível  contumácia 
os  Coiifelhenos  de  Êíbdo  ,  e  a  Nobreza  ,  e  Povo  de 
Lisboa  ,  determinarão  acodir  ao  perigo  manifeíto  da 
Monarquia,  ^  que  íludtuava  na  ultima  defefperação  de 
taltar  ao  Remo  governo,  e  a  EIRey  fuccefsores ,  o 
yiaa  todos  concordarão,  em  fe  entregar  á  direcção  do 

Infan- 


FARTE  Ih  UnkOKU.       519 

Infante  por  im mediato  fuccefsor  d'ElRey ,  epordef-  AilflO 
cobrirem  dezanove  annos  de  idade  muito  angulares  ycà" 
partjes ,  que  eraò  os  requifitos,  e  remedios,de  que  necef-      -    /  * 
íltaváo  os  males  publicos,por  muitas  circunftancias  mais, 
perigoíos ,  que  os  que  fe  havião  experimentado  ,  quan- 
do foráo  chamados  ao  governo  do  Reino  os  dous  In- 
fantes D.  Aff^níb  ,  e  Ç>.  Pedro ,  o  primeiro  peia  incapa- 
cidade d'E!Rey  D.  Sancho  Capelo  ,  o  iegundo  pela  m& 
noridaded'£lReyP.  AffoníoV, 

Gonítou  ao  Infante,  quehia  tomando  torça  elta 
voz  commua,e  deíejando  atalhar  com  effiçaz  affecfo  fa- 
zer-íe  preciío  o  luccefso  de  fe  chegar  com  EIRey  a  vipr 
leneia,  e  concorrendo  nefta  digna  urbanidade  todas  as 
peísoas  ,  que  familiarmente  lheaíliítião  ,   le esforçarão 
com  todo  o  calor  as  diligencias  ,  para  que  EIRey  qui- 
zeise  eoníentir  e-m  rica r  logrando  a  authondade  Real ,  e 
o  Infante  exercitando  o  poder  abfoluto.  E  apuradas  to- 
das as  diligencias,  que  parecerão  mais  precitas  ,  foi  a  ul- 
tima juntarem-íe  osGonfelheiros  deEítado  ,  (  que  va- 
rias vezes  temos  nomeado  )  e  entravem  na  Camera  d'El- 
Reya  periuadillo  ,  econvencellona  fua  repugnancia;e 
nomefmo  dia,  em  que  íeafsento.u  efta  reíoluçaõ  ,  f al- 
iarão ao  Infante  os  Miniftros  do  Senado  da  Camera  ,  e 
a  CaCa  dos  vinte  e  quatro  do  Povo  ,  e  com  ardente  ,  e 
zeloíb  aperto  lhe  pedirão  quizeíse  entrega r-fe  do  g  - 
verno  do  Reino. Re fpondeo-lhes  em  palavras  geraes  be- 
névolos agradecimentos, e  diíse-lhes,  que  ao  dia  íeguin- 
te  eítiveísem  juntos,  porque  delejava  ,  que  o  íeu  inten- 
to le  a juftafse  muito  á  íatisfaçaõ  d<ElRey  ,  que  era  o 
que  todos  feus  Vafsallos  deviaõ  pertender.  Efta  genero- 
fa  modeília  do  Infante  fundada  na  diligencia  ,  que  ha- 
vião de  fazer  com  EIRey  os  Con telheiros  de  Eitado  , 
que  julgava  effecfiva  ,  inflammou  mais  os  ânimos  ,dos 
"   que  defejavaõ  coroallo:porêm  obedecerão  ao  feu  precei- 
to, e  no  dia  feguinte  deftinado  para  os  Çonfelheiros  de 
Eftado  fallarem  a  EIRey  ,  foi  o  primeiro  ,  queentrou  no 
Paço  o  Marquez  de  Cafcaes,  anticipando-fe  com  zeloío, 
e  prudente  eíludo  á  hora  dedicada  para  o  intento  ,  que 
eftava  premeditado,  pelejando  ardentemente,por  maior 


fU    PORTUGAL  RESTAURADO , 

Anno  <lue  todos  nos  annós  ,  e  naô  inferior  a  algum  na  autho- 
16*67  í1(?ack>  reduzir  a  EÍRey  particularmente  a  tomara  re^ 
4  wv/  •  ioluçaõ  ,  que  mais  convinha  ao  feu  decoro  Real ,  e 
que  mais  importava  á  confervaçaõ  da  Monarquia  Com 
efte  intento  chegou  á  antecamera  immediata  á  caía,  em 
que  eftava  EIRey ,  e  eonftando-lhe ,  que  dormia  ,  bateo 
taó  vigorofamente  á  porta  ,  que  o  acordou  ,  e  mandou, 
que  lhe  abrifsem.  Entrou  o  Marquez ,  e  chegando  á  ca- 
ma d<  EIRey  com  liberdade  reverente  ,  e  zelo  em  todos 
os  ieculos  louvável ,  lhe  difse ,  que  naò  era  tempo  de 
dormir  com  tanto  deícançoj  porque  o  ameaçava  ine- 
vitável ruinare  infallivel  precipício;  porém  que  fe  açor. 
daíse  do  letargo  ?>  em  que  eítava^  como  dofomnoque 
dormia  ,  que  com  a  meíma  facilidade,  que  acordara,  fa- 
hina  do  nico  ,  a  que  eítava  expoíto-;  e  que  pois  a  na  tu»   1 
reza  lhe  negara  por  impenetrável  Providencia  Divina 
asacçoens  da  prudência  para  o  governo  r  e  da  fecun- 
didade para  a  geração  ,  que  fe  naò  negafse  pela  fua  con- 
tumácia, ao  que  léus  Vafsallos  eítavaõ  promptos  para 
lhe  permittir ,  que  era  eonfervallo  na  authoridade  Real 
em  íua  fegura  liberdade,  e  obedecer  todos  á  direcção  do 
Infante  no  governo  do  Reino/e  que  o  infante  era  quem 
emcazmente  pertendia  eíta  forma  fociavel  de  ainítamé- 
to  ,  de  queerafeguro  fiador  o  feu  modele©  ,  e  tempe- 
rado animo  ,  taó  igual ,  e  definterefsado  ,  que  feeicu- 
lava  de  tomar  a  Coroa  ,  que  o  Reino  lhe  offerecia  ,  fó 
por  lhe  confervar  a  authoridade ,  lendo  infallivel  certe- 
za ,  que  naõ  lhe  tiraria  depois  com  engano  „  o  que  de 
uroanidade  l.He  deixava :  que  os  Príncipes  aliados  o  tra- 
taria©, como  Rey  ,  e  os  Vafsallos  ,  como  Senhor:  que  as 
rencidades  do  Reino  feriaô  contadas  como  fuás ,  as  dif- 
graçascomoalheyas:  que  naó haveria  divertimento  li- 
cito ,  quenaolograíse,.  nem.cabedal  abundante  ,  que 
nao-  tivefse  í  e  que  finalmente  ,  ie  fe  refojyefse  a  tomar 
ó  leu  confelho  ,  alcançaria  tudo  quanto  odifeurfo  lhs 
podia  propor  para  íeuíocego,  edefeançoje  pelo  contra^ 
no  íe  quizefse  deíviar-fe  das  juítas  propoficões ,  q  com 
tanto  amor  lhe  apontava,  padece  ri  a  todos  quantos  traba- 
lhos pesares  a  fua  enganada  imaginação. naõ  checava 
a  comprehender.,  A  eíta 


PARTE  IM  LIPKO  xn.       m 

A  eíta  prudente  porpoíta  do  Marquez  de  Caícaes  Anno 
'xefpondeo  EIRey  com  tao  defconcertadas  palavras ,  e     „ 
defordenada  itoptóteocte^**  depois  de  repetidas  ,  e  / 

inúteis  admoeítaçoens,  reconhecendo,  quenao  era  pol- 
fivel  convencelo  ,  òqu  lugar  ás  inftancias  dos  mais  Con- 
felheiros  deEftado,  que  já  eftavao  juntos,  que  entrarão 
á  prefença  d'ElRey  :  porém  cançando-fe  largo  tempo 
em  bufcarem  eíRcaz  ,  e  fervo  rola  mente  todos  os  cami- 
nhos de  o  reduzirem  ,  vendo-le  EIRey  apertado  ,  lhe 
creíceo  de  forte  a  defefperaçaõ,  ea  ira,  que  deiengana- 
dos,  de  que  era  irremediável  a  íua  diígraça,  reíolveraõ, 
que  o  Duque  do  Cadaval  fofse  dar  conta  ao  Infante  do 
pouco  efeito  ,  que  havia  refult?do  da  fua  diligencia. 
Pafsou  o  Duque  á  Corte-Real  ,  e  achou  o  Infante  acom- 
panhado de  todos  ,  os  que  havemos  nomeado  ,  que  fa- 
miliarmente lhe  aflifíiaõ,  e  dando-lhe  conta  do  delabri- 
mento^  em  que  fe  achava  EIRey,  e  da  pouca  efperança, 
que  ficava  de  fe  reduzir  á  pèrtendida  fociedade  ,  foi  in- 
explicável a  affiicção  ,  em  que  o  Infante  entrou  ,  reco- 
nhecendo binipòffivel  de  acodir  ao  aperto  do  Reyno, 
fem  pafsar  pela  pena  de  o  haver  de  executar  pelo  cami- 
nho de  concorrer  na difgraça  da  rec tufão  d'ELRey  ,  lem 
a  qual,confideíáda'a  íua  contumacia,fe  não  podia  livrar 
deeítragos  infalliveis  ,  e  de  perigos  inevitáveis;  po- 
rém levado  dó  defejo  de  apurar  todos  os  remédios  ,  pa- 
ra atalhar  o  inconveniente  da  cenfura  maliciofa  dos  ho- 
mens ,-que  depois  havião  de  julgaras  luas  accoens,  per- 
guntou a  todos  ,  os  que  fe  achavão  prefentes ,  ié  deico- 
briaé  algum;meyo  entre  os  dous  extremos  ,  a  que  eíra- 
va  reduzido  ,  que  Vencefse  a  íua  perplexidade,  e  depois 
de  vários,  e  prudentiffimos  difcurios,todos  concordarão, 
que  confiderada a  inluffi ciência  d4E!Rey ,  a  impoffibíli- 
dade  de  ter  fuccefsao ,  asinjuftas  operacoens  ,  que  ha- 
via executado,  a  opprefsaó  dos  Povos,a  recluíaó  da  Rai- 
nha ,  as  negociaçoeiís  dos  Caírelhanos,  e  a .  conftifaõ 
do  governo  do  Reino  ,  que  o  Infante  naõ  fó  podia -,  mas 
era  obrigado  no  foro  da  confcieneia  *  como  Í:umediato! 
íu  ccefsor  d4  El  R  ey  ,  a  to  mar  pêísú  do  governo  da  Mo- 
narquia por  qualquer  caminho,  que  fofee  fãdUve-1,.  viífo 
x  teir 


522   PORTUGAL  RESTAURADO 

Annoter  apurado  todas  as  diligencias  para  reduzir  a  EíRev 

fi **  Pf 3  eíte  fi™  com  fervoroío  mio  to  Jos,os  qu~ 
eílavaoPreíentes,eosmais,  quefe  achavaó  prompU 
ife bcediencia'  e  q^e defte  parecer  eraõ  os;  maiores 

*PSSSSfS?!!f      â  coafultado  eíle  taó  s«i 

2*w*  oinfan-  :_   Convencido  o  Infante  de  razoens  tao  funqamen- 

í/,í  *  g°'   81  iff° rPd*  fu*  fepttgnaocia  ,  e  refolho  á  imita- 
ção d<ElRey  leu  pay  ]lbertar  a  glorioía  patria  da  e^ 

r.a^°PSre  faÕAqUe  padecia-  CQm  eíle  intento  fahio  da 
t.oite-Keal  ,  Quarta  feira  vinte  e  três  de  Novembro  do 

annodemil  eieifcentosíefseuta  eíete  pelas  três  horas 

m  tarde    acompanhado  da  maior  parte  da  Nobreza  de 

^oa  ,,  do  Senado  da  Camera ,   e  Cafa  dos  vinte,   e 

quatro  ,  e  de  innumeravel  gente  do  Povo,  havendo  to- 

do§  concorrido,  tanto  que,íè.ittvulgou,  que  o-Confelho 

deLícado  entrara  na  Camera  d<ElRey  iem  ordem  fua. 

&jWtk  o  Infante  de  hua  carroça  no  pátio  da  Capella; 

^m^ÍCãll°  °S  «WA««wU  de Eítado  ,iobio  ao 
qiuito  d'ElRey  com  tao  íèvèra  ,  e  deiembaraçada  refo- 
luçao,  que  ate  aquelles,  que  a  temerão  ,  a  applaudiaõ, 
iornarao  a  entrar  os  Confeiteiros  de  Eítado  'fazendo 
a .  blKey  novas  mítan cias,  e  como.  o  Infante  vio,que  to, 
^as  erao  inúteis  ,  chegou  aporta  da  Camera  ,  em  que 
E.Rey  etfava  ja  veítido,  e  cerrou-a  pela  parte  de  fora, 
£  ordenando  a  íegurança  dele  naó  poder  abrir,  fizerão 
yanaspeísoas  a  meíma  diligencia  nas  mais  portas,  que 
ie  commumcavaô..  pela  parte  interior  com  a  caía  ,  em 
que  EIRey  eftava.    Huma  delias ,  que  rka  imraediata  á 
e  cada  docorredor  da  íala-dos  Todeícos ,  arrombarão 
alguns  dos  moços,  da  Camera,  e  patrulhas  d'ElRey, 
que  acodirao  ao  rumor  pela  parte  do  eirado.  Obriga, 
rao-nos  ,  a  que  íe  retiraísem,  e  medroíos  do  caíligo  dos 
leusdehaos^deíarnpararaó  o  Paço  ,  cuja  circunferência 
ie  occupou  de  fentinellas,e  rondas  dos  Terços  da  guar- 
nição da  Corte  ,  eriçou  EIRey  acompanhado  das  pel- 
icas ,  que  parecerão  precifas .,  para  afliítirem  a  leu  fer- 
viço,  e  tao  laítimolamente  allieyo  do  excelso  da  lua 

'  difgra-     , 


Tym.TE  II.  L 1VKO  X  U.      5i  5 

drfgraça  ,  que  continuou  fem  memoria  do  leu  infortu- 
nio  todos  aquelles  extravagantes  exercidos  domefticos, 
que  haviaô  íido  init.ru mentos  da  íua  mina»  moílrando  ' 
ter  delles  a  meíma  fatisfaçaõ,quemanifeítava  no  tempo 
da  íua  liberdade.  Foi  António  Cabide  (  que  fervia  a  El- 
Rey  de  Secretario  de  Eílado)hu  dos  que  o  Infante  man- 
dou entrar  na  íuacamera,'  e  havendo  tido  com  ellehu- 
ma  larga  conferencia^  por  íiia  intervenção  alunou  El- 
Rev  o  papel  ieguinte  eícrito  da  letra  de  António  Ca- 
bide. 

EIRey  nojfo  Senhor  tendo  rej peito  ao  ejlado  ,  em 
•que. o  Reino  fe  acha  \  %  ao  que  ^e  reprefentou  o  Confelho 
de  E fiado ,  e  a  outras  muitas  caufas ,  e  razoens ,  que  a 
ijfo  o  obrigarão ,  de  feu  moto  próprio,  poder  Real  ,  eab- 
fòluto  ha  portem  fazer  iefifiencia  de  fie  sf eus  Reinos ,  a f 
fim  ,  eda  maneira  ,  que  os  pqffue  ,  de  hoje  em  diante  pa- 
ra todbfempre  ,  em  apefiba  do  Senhor 'Infante  D.  Pedro 
feuirmaÕ*,  e  em  f eus  legítimos  defcendentes  9  com  decla- 
ração \  que  do  melhor  pafado  das  rendas  delles  referva  cem 
mil  cruzados  de  renda  em  cada  hum  anno ,  dos  quaes  pode- 
rá tejlar  por  tempo  de  dez  annos ;  e  outro  fim  referva  a 
Cafa  de  Bragança  com  todas  fias  pertenças \  Eemfé  ,  e 
verdade  de  Sua  Magefiade  afim  o  mandar  cumprir  ,  e 
guardar,  me  mandou  fazer  efte  ,  e  o firmou.  António  Ca- 
bide o  fez  em  Lisboa  a  vinte  e  três  de  Novembro  de  mil  e 
feil centos  felfenta  e  fete. 
J  RE  Y. 

Achava-feo  Infante  no  Coníelho  de  Eirado,  quan- 
do António  Cabide  ,  pedindo-lhe  licença  para  entrar  a 
fali  ar- lhe,  lhe  entregou  o  papel  referido.  Agradeceo- 
]he  \  como  era  )uír.o ,  taõ  importante  diligencia  ,  e 
mandou  ler  o  papel  peio  Doutor  Pedro  Vieira  da -Silva, 
a  quem  havia  reítituido  a  oceupaçaò  de  Secretario  de 
Eftado,  aílim  pela  injuítiça  ,  com  que  fe  lhe  tirara,  co- 
mo pela  íua  grande  capacidade  exercitada  dilatado  tem- 
po com  geral  íatisfaçaõ.  Lido  o  papel ,  depois  de  larga 
conferencia  ,  refoluto  o  Infante  a  aceitar  o  governo,  ô 
naõ  a  Coroa ,  mandou  pafsar  os  defpachos,  que  .era a  ne- 

ceísa- 


J*4  .    PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÁnnO  cefsanos  y  para  quefe  feparaísem  os  eífeitos,  que  EIRey 
mandava  relervarpara  feu  IMento  ,  e  confedado-ie  no 
Coníelha  de  Eítado  a  parte,  onde  EIRey  havia  de  aflií- 
tir  ,  fe  afsentou  ,  que  foíse  mo  mefmo  quarto,  em  aue 
eítava  ,  nomeando-íe-lhe  para  o  fervirem  as  pefsoas ,"de 
que  mais  íe  agradeíse :  e  manda ndo-lhe  o  Infante  per- 
guntar, quaeséra  fervido  efcolher ,  apontou  unicamen- 
te hum  moço ,  que  tratava  do  fuítento  dos  cães  da  caça; 
deílernperauça  dedilcurío  ,   que  mereceo  género fas la- 
grimas do  Infante,  quando  lho  referirão,  parecendo-Ihe 
por  todos  os  requifitos. ler  EIRey  o  exemplar  mais  pró- 
prio, do  defenganodo  Mundo  j  porque  chegando  a  lo- 
grar a  maior  veneração  paio  nafcimento  ,  e.pela  gran- 
deza ,  veyo  a  padecer  a  mais  feníivel  infelicidade  pelos 
achaques,  e  pelo  deía certos.  Aquella  noite  dormio  o 
Infante  no  Paço  aíIííHdo  de  íeus  criados  ,  do  Duque  do 
Cadaval ,  o  Conde  de  Sarzedas ,  MigueLCarlos  ,  e  algu- 
mas outras  pelsoas,e ao  dia  feguinte  le  def  paeháraó  Pró- 
prios a  todo  o  Reino  com  cartas  em  nome  d^lRey  af- 
choma  a  Cor»  iignadas  pelo  Infante  ,  era  que  ordenava  ,  que  no  pri- 
meiro dia  do  mez  de  Janeiro  do  anno  feguinte  eílivef- 
feiTLem  Lisboa  os  Procuradores  de  Cortes  das  Cidades, 
e  Villas,  que  coítumao  máhdallos  a  fimiihantes  congref- 
íós.  E  paísados  alguns  dias  ,  divulgando-fe  a  renuncia, 
que  EIRey  havia  feito  do  Reino  no  Infante,  foi  de 
qualidade  a  eríicacia  ,  com  que  abraçou  toda  a  Corte  a 
opinião  ,  de  que  o  Infante  tomafse  a  Coroa ,  aceitando 
a  renuncia,  que  le  achou  elle  obrigado  a  pafsar  o  fe- 
guinte decreto  ,  para  que  viíto  pelas  pefsoas  nelle  no- 
^meadas  ,  íelhe  confultafse  ,  o  que  entendefsem  ,  que 
-era  mais  juíto  ,  e  mais  conveniente  á  confervaçaõ  do 
Reino  :    D,  Rodrigo   de   Menezes  ,   Gentil-homem  da 
minha  Camera  ,    e  meu  Eflribeiro  mor  ,   avize  da  mi- 
nha  parte   aos    Doutores  Pedro    Fernandes    Monteiro , 
do •  Confelho  d1- EIRey  meu  Senhor  ,    e  feu  Def  embarga- 
■dor  do  Faço  ,   Martim   AffonÇo  de  Mello  ,   Deputado 
da  Mefa  da  Confáencia  ,   e  Ordens  ,    Jofeph  Pinheiro , 
do  Confelho  da  Fazenda  ,    Luiz    Fernandes    Teixeira  , 
Juiz  dos  feitos  da  Coroa  ,  João ,  Lamprèa   de  Vargas , 

Corre* 


tti% 


PARTE  II.  LIVftO  Xlí.        fij- 

Corregedor  do  Crime  da  Corte ,  "joio  ds  Roxas  e  -dzeve-  Anuo 
do  ,   meu  Secretaria  ,  e  Defembargador  dos  Aggravos     *s 
da  Caía  da  Supplicaçío  ,  para  que  Je  achem  na  cajá  ,  que         * 
o  dito  D.  Rodrigo  occupa  no  Paço  )  e  me  digío  com  a  con- 
fideraçxo ,  que  a  matéria  pede ,  fe  conforme  ao  ejiado , 
em  qlip  je  acha  a  pefla  dlElRey  meu  Senhor  ,  e  efies 
feus  Remos  ,    hei  de  continuar  nas  Cortes  ,  e  paffadas 
ellas  ,  o  governo  com  o  titulo  de  Curador  de  Sua  Ma-- 
aeflade  f  e  Governador  defles  Reinos  ,  que  he  o  de  que. 
ateara  ufei ,-  ou  fe  devo  confentir ,  que  me  dem  o  titu- 
lo *e  mais  qualidades  deRey  >•  e  fe  devo  ujardarenun- 


r  ;  que  Sua  Mageftade  me  fez  ,  do  direito  de  fia 
Coroa,  pouco  depois  deejlar  reclujo ,  ou  do  que  o  direito 
àfpoem  para  as  pejjoas  incapazes  ,  por  qualquer  titulo  , 
Vara  governar  feus  bens  :  advertindo  ,  que  quando  to- 
mei o* governo  defles  Reinos,  nio  foi  com  cobiça  ,  ambi- 
ção ,  ou  outro  fim  meu  particular  ,  fendo  fo  por  acodir 
d  faude  publica ,  e  ao  remédio  ,  e  confervaçâo  do  Reino , 
livrando  os  vafallos  das  molejlias  y  que  lhes  via  pade- 
cer ,  e  por  dar  fatisfaçxo  ás  infandas  ,  que  continua- 
mente me  faziáo  ,.-  e  me  dirão  por  efcrito  ,  o  que  lhes 
parecer  Cem  diflwçdo  de  votos  ,  declarando  fo  ,  o  que 
pela  maior  parte  fe  vencer.  Em  Lisboa  a  dez  de  Dezem- 
bro de  mil  feijcentosjeffenta  ef£pJNTE 

Juntos  os  Miniítros  ,  depois  de  ventilarem  larga- 
mente as  grades  circumítancias,  e  relevantes  confequen- 
eias  das  propofiçoens  do  decreto  ,  pedirão  tempo  ,  para 
coníiderarem  matérias  taõ  graves,Paísados  alguns  dias, 
entregarão  os  feus  votos  ao  Infante  ,  que  ordenou  fe 
leisem  na  prefença  dos  Gentis-homens  da  Camera  ,  (em 
que  \k  entrava  o  Conde  de  S.  João  ,  que  havia  chegado 
da  Provinda  de  Trás  os  Montes)  e  de  outros  Mililitros, 
Forao  diverfos  os  pareceres  de  todos  ,  os  que  fe  coniul- 
•táráo;  diziãohuns,  que  o  Infante  tinha  plenamente 
moílrado  ao  mundo  em  todo  o  progreíso  das  luas  he- 
róicas acçoens,  que  lo  obrigado  do  perigo  publico,  íem 
attencão  alguma  a  utilidade  particular ,  tratara  de  pie- 


yitf    PORTUGAL  KES74V1LAT>0, 

Altno^n.ir  remédios  adequados  aos  males,  que  a  Monarquia 

l6.67íInaír°íameI1J:fDt0lSrara:  qUe  emreP^^  occafioens 
'^/•períuadiraaElRey,  que  moderafse  os  feus  excefsos  , 
que  governafse  o  Reino  com  o  acerto  ,  a  que  era  obri- 
gado ;  e  que  deitas  advertências  nao  tirara  interefse  al- 
gu,  antes  o  expuzerao  a  manifeítos  rifcos,  occafionados 
da  cólera  detordenada  d<ElRey  ,  que  nunca  pudera  ex- 
tmguir  alua  paciência  ;  e  que  era  infalJivel  conhece- 
rem ,  os  que  difcuFÍafsem  com  fynceridade  eítes  fuecef- 
íos ,  que,  íe  o  Infante  appetecera  o  governo  do  Reino, 
que  ornais  próprio  caminho  de  o  confeguir  era  deixar 
engolfar  EIRey  no  perigo  dos  feus  erros  ,  para  que  íe 
precipitafse  na  lua  meíma  imprudência:  que  a  todos 
era  notório  o  aperto  ,  que  em  varias  occafioens  fe  ti- 
nha feito  ao  Infante  para  aceitar  a  Coroa  ,  e  a  modeítia, 
com  que  procurara  iuítentar  a  EIRey  na  authoridade 
Real  i  íociavel  ajuftamento  ,  que  EIRey  nunca  quizera 
admittir;que  era  infallivel  fer  mais  prompta  a  obediên- 
cia dos  valsallos,  reconhecendo  ao  Infante  por  feu  Rey 
que  nomeando-o  por  feu  Governador;porque  neíla  for- 
ma haviaó  de  ter  por  mais  certa  a  liberdade  dos  feus  pri- 
vilégios :  que  os  indultos  deite  Meítre  das  Ordens  Mili- 
tares melhor  feajuítavaónosReys,  que  nos  Governa- 
dores: que  os  Príncipes  da  Europa  poderiaõ  ter  duvida 
na  igualdade  da  corrrefpondencia,  e  no  tratamento  dos 
Embaixadores:  que  por  conclufaõ  a  defiítencia,  que  EI- 
Rey fizera  do  governo  do  Reino  ,  renunciando-o  no 
Infante  ,  desfazia  qualquer  embaraço  ,  que  difficultaíse 
tomar  a  precifa  refoluçaô  de  fe  coroar. 

Expunhaó  os  que  íuítentavaõ  contrario  parecer , 
que  as  acçoens  dos  Príncipes  naõ  fó  deviaõ  íer  juf- 
tas  no  foro  interior  da  coníciencia ,  fe  naõ  também  no 
exterior  da  opinião;  que  fuppoíto  fer  infallivel ,  que 
o  Infante  naõ  attendera  na  refoluçaô,  que  tomara,  mais 
que  no  perigo  da  confervaçaõ  do  Reino  ,  que  qual  bai- 
xel fem  Piloto  experto  naufragava  na  torméta  dos  dei- 
acertos  ,  ficaria  duvidofa  na  malicia  dos  homens  eira  re- 
cta intenção  ,  fe  o  Infante  ao  mefmo  tempo,  que  tiraf- 
le  a  EIRey  a  liberdade  ,  lheufurpafse  a  Coroa;  porque 

eíta 


PARTE  II.  LIVRO  XII.         ;27 

eftaacçaó  não  era  necefsaria  para  governar  o  Reino  ,  Anno 
em  quanto  EIRey  foíse  vivo  ,  e  f ó  depois,  de  morto  íi-  , >„ 
cava  precita  ,  e  obrigatória ;  porque  os  Povos  conheceu-  *  &  o  5. 
do  a  indubitável  incapacidade  d'E!Rey  ,  mais  affecluo- 
famente  fe  havia  de  lugeitar  a  obedecer  ao  Infante ,  co- 
mo tutor  da  infuffi ciência  de  leu  irmaô,  que  como  Rey, 
que  lhe  tirava  naõ  íb  a  liberdade  ,  fenaô  a  Coroa  ;  que 
em  quanto  aos  Embaixadores ,  maudando-os  o  In* 
fante  em  nome  d'ElRey ,  tiravaò  a  duvida  ,  que  fe  ava- 
liava por  muito  difficil  de  ajuílar  ;  e  que  neíta  mefma 
forma  feria  corrente  o  tratamento  das  cartas  do  Reys 
amigos  :  que  os  privilégios  de  Meftre  ficavão  a  EIRey, 
pois  o  não  privavão  da  Coroa,  com  que  ceísava  o  efcru- 
pulo  deita  matéria ,  que  devendo  íuppôr-fe  pela  ordem 
geral  da  natureza  ,  e  pelos  achaques  d'ElRey  ,  que  o 
Infante  lhe  excederia  nos  annos  da  vida  ,  neíte  cafo 
lograria  o  Infante  airofaméte  coroar-fe  fem  receyo  dos 
diícurfos  do  feculo  prefente  ,  e  fem  temor  dos  juízos 
dos  futuros;  pois  como  immediato  fuccefsor  d' EIRey, 
naturalmente  viria  a  confeguir  o  que  naquelle  tempo 
íe  lhe  podia  extranhar. 

Approvou  o  Infante  eíle  parecer  com  grande  con- 
tentamento; porque  era  a  fua  maior  opprefsaó  fazerle- 
Ihe  precifo  ,  como  repetidamente  havemos  referido  ,  to- 
mar a  Coroa  em  vida  d'E]Rey. 

Néfte  tempo  tinhaõ  chegado  a  Lisboa  os  Procura- 
dores de  Cortes  ,  e  juntos  na  Sala  dos  Tudeícos  a  vinte 
e  fete  de  Janeiro  de  mil  e  feifcentos  fefsenta  e  oito  os 
TresEíhdos  do  Reyno  ,  foi  o  Infante  jurado  Prínci- 
pe na  feguinte  forma }  havendo  referido  D,  Manoel  de 
Noronha  (poucos  mezes  depois  Bifpo  de  Coimbra)  hu- 
ma  larga  ,  e  bem  compofta  Òraçad  ,  em  que  moílrou  as 
juílas  cauías  ,  com  que  o  Infante  íe  introduzira  no  go- 
verno do  Reino  ,  obrigado  das  inítancias  de  léus  vafsal- 
los ,  que  pertenderão  politicamente  coníervallo ,  co- 
mo militarmente  com  heróicas  acçoens  havião  confe- 
guido. 

furamos  aos  Santos  Evangelhos   corporalmente 
com  mijas  mios  tocados  ,   e  declaramos,   que  reconhe- 
cemos y 


|lí  PORTUGAL  RESTAURADO , 

AlIOO^w^    ?    *  recebem  as  por  nojfo  verdadeiro  A   e  natural 
l<$5g   Príncipe  ,    e.  Senhor  ,   ao  muito  Alto,  e  muito  Excel- 

*  lente  Príncipe  D.  Pedro  ,  J?/iw  legitimo  âlElRey  D, 
■Joaô  o  IK  e  âa  Rainha  D.  Luiza  fua  mulher  ,  e  IrmM 
do  muito  Alto  ,  e  muito  Poderofo  Rey  D.  Affonfo  VL 
ncffo  Senhor  ,  feu  verdadeiro  »  e  natural  fuccejjor  na 
Coroa,  àefies  Reinos  ,  e  como  feus  verdadeiros  ,  e  na- 
turaes  fubditos  ,  e  vajjallos  ,  que  fomos  ,  lhe  fazemos 
pleito ,  e  homenagem ;  e  promettemos  ,  que  depois  dos 
dias  de  Sua  Mageflade ,  fallecendo  fem  filhos  legítimos, 
o  reconheceremos  ,  e  receberemos  por  nvjjò  verdadeiro , 
e  natural  Rey  ,  e  Senhor  defies  Reinos  de  Portugal, 
e  dos  Algarves  ,  daquem  ,  e  dalém  mar  ,  em  Africa , 
Senhor  de  Cuiné  ,  e  daConquifia  ,  Navegação  ,  Com* 
merçio  da  Ethiopia  ,  Arábia  ,  Per  fia,  e  índia  ,  &c. 
e  lhe  obedeceremos  em  tudo ,  e  por  tudo  ,  e  a  Jeus  man~ 
dados  ,  e  juízos  no  alto  ,  e  no  baixo  ,  e  faremos  por 
elle  <«  guerra  ,  e  manteremos  paz  a  quem  nos  mandar , 
e  naÕ  obedeceremos  ,  nem  reconheceremos  outro  algum 
Rey  ,  Jalvo  a  elle  t  e  tudo  o  fobredito  )uramos  a  beos, 
e  a  efta  Cruz  ,  e  aos  Santos  Evangelhos ,  em  que  cor- 
poralmente pomos  noffas  mãos  ,  de  ajfim  em  tudo  ,  e 
por  tudo  guardar  ,  e  em  final  de  fugeiçaõ  ,  obediên- 
cia ,  e  reconhecimento  do  dito  Senhorio  Real  beijamos 
a  mao  a  Sua  Alteza ,  que  efid  prefente. 

Celebrado  o  juramento  do  Príncipe,  tiveraõ  princi- 
pio  os  congrefsos  de  cada  hum  dos  Três  Eftados  do  Reir 
no:  o  da  Nobreza  na  Caía  Profefsa  de  S.  Roque  da  Co* 
panhia  dejeíusi  o  dos  Povos  emS.  Franciíco  da  Cida- 
de da  Obfervancia  j  o  dos  Eccleíiafticos  no  de  S.  Domin- 
gos da  Ordem  dos  Pregadores  ;  e  no  primeiro  dia  ,  que 
■ie  juntarão,  fe  lêo  em  todos  os  três  braços  o  decreto  ,  e 
papel  feguinte  ,  que  o  Príncipe  mandou  a  elles:  ^]  Ve- 

•  ja-ie  naEítado  dos  Povos,  o  papel,  quefe  me  oífereceo, 
e  lerá  incluío  neíle  decreto  ,  que  he  feito  com  relação 
verdadeira  ,.  do  que  pafsou  na  occaíiaò  ,  em  que  tomei 
o  governo ,  das  caufas  ,  que  tive  para  ifso  ,  e  titulo  de 
Curador  da  pefsoa  d'ElRey  meu  Senhor ,  e  Governador 

de 


PARTE  II  LIVRO  X\L  jf$$ 

Je  feus  Reinos ,  com  que  recolhia  fua  Realf  peísoa  5  AnnO 
porque  huma,e  outra  cauta  fejuílificabem  nas  razoens    **a 
do  papel  incluíb,  recommendo  muito lê  approvem  ,  e  I00** 
fe  .declarem ,fe  hey  de  continuar  o  governo  com  aqueJle 
titulo .,  e  íe  parece ,  que  feja  com  outro ,  e  qual ,  e  con- 
forma ndo-fe  cada  hum  dos  braços  com  os  outros, no  que 
reíolverem  >  como  efpero  ,  feito  ,  e  tomado  aísentq  da 
refoluçaô,  em  que  concordarem, jurarei  os  foros,  e  iien- 
çoens  deites  Reinos  na  forma  coílumada  ■,  e-elles  me  ju- 
raráo  lealdade,  e  obediência  ,  em  quanto  me  durar  o 
governo. 

Dizia  o  papel :  %  Pofto  quefaõtaò  patentes  as  ra- 
zoens ,,  que  Sua  Alteza  ,  e  o  principal  defte  Reino  teve5 
para  remover  do  governo  a  EIRey  D.ArTonfo  noíso  Se- 
nhor, he  conveniente  manifeítallas  por  eíte  papel  ao 
mefmo  Reino  ,e  ao  Mundo  $  porque  de  numa  coufataõ 
publica ,  e  taò  grande  ,  he  preciíb  fe  publiquem  os  fun- 
damentos. E  como  raras  vezes  ha  refoluçaô  ,  que  ou  da 
malícia,  ou  da  ignorância  naõ  padeça  controverfias,com 
*fta  publica  noticia  íe  atalhará  aos  mal  intencionados  , 
efe  dará  luz  aos  menos  noticiofos. 

Os  defacertos  de  hum  Rey  mancebo  mal  aconfe- 
lhado(cujos  Miniftros.e  Vaísallos  podendo  atalhar  a  fua 
ruína  ,  o  naõ  íizeraõ  )  nos  reduzirão  de  conquiftadores 
r  conquiftados,  de  receber  a  pagar  tributo  ,  de  fenhores 
do  Mundo  a  efcravos  de  Caítella,e  aos  que  pelas  glorias 
de  tantos  triunfos  adquiridos  na  terra  ,  e  no  mar  pare- 
cia, que  dominávamos  afortuna,  dameima  fortuna 
nos  íizeraõ  trágico  ludibrio.  Porque  com  a  perda  d'El- 
Rey  D.  Sebaftiaõ  .  governado  fó  pelo  feu  valor  impru- 
dente ,  e  por  pefsóas,  que  lhe  falia vao  á  vontade,  a  Na- 
çaõ  Portugueza)    aquella  que  naõ  cabendo  nos  dous 
Reinos  ,  que  occupa  na  Europa  ,  tinha  pafsado  a  con- 
quiftar  o  melhor  da  Africa  ,  da  Afia ,  e  da  America  ,  fa- 
zendo mais  dilatada   a  fua  Monarquia,  do  que  foi  a 
dos  Gregos,  e  a  dos  Romanos  ,  competindo  com  o  Sol 
íia  jurifdiçaõ,  com  que  dominava  as  terras,  èm  que  naí- 
ce  *  e  as  em  que  morre:  aquella  que  fe  naõ  contentou 
fomaconcuiíla.daterra,  mas  também  adquirio  ofe- 
^  t&-       ■'.''  ~      nhono. 


ÍÍV 


*mmm 


m    PORTUGAL  RESTAURADO, 

AtiftO  ahorio  do  mar  na  mais  larga ,  na  mais  nova,  e  na  mafo 
è44Í  Pen§oía  navegação,  que  os  homens  emprenderãò:  a 
^»¥#»  que tez-ao  íeu  Príncipe  verdadeiro  Monarqua,-  avafsal- 
lando-lhe  tantos  Reys  poderoíos  ,  que  lhe  pagavão  tri- 
buto :  (  prerogati va  fingular  de  Portugal  entre  todos  os 
Inneipes^eeulares  de  Europa)  a  que  levou  abandei- 
ra  ée  Uirilto  as  Naçoens  mais  barbaras  do  univerfo,en- 
ím*ndo-as  a  conhecer  ,  e  adorar  a  verdade ;  a  que  pude-: 
2* magoar-íe  (não  como  Alexandre  de  haver  conquiíla- 
do  tao  pequena  parte  do  Mundo ,  mas  de  não  ter  outro 
Mundo,  que  conquiílar)   vio  com  feus olhos eclipfa- 
*»  tantas  glorias ,  e  adormecidos  tantos  alentos,  equafi 
lepultados  no  eíquecimento  tantos  brios  porefpaço  de 
íelsenta  annos  ;  o  duro  cativeiro  de  Caítella ,  em  que  a- 
metteo  o  precipício  cego  (pofto  que  valorofo)  daquelle 
&ey  mal  logrado»  u 

•  Mas  no  primeiro  dia  do  ultimo  mez  daquelles  annos, 
quando  a  Igreja  nos  manda  acordar  do  íbmno  >  para  eí- 
perar  o- Verdadeiro  Rey  ,.  fe  levantou  defperta  ,  facu- 
dmdo  asemzasdasbrazas  de  feu  antigo  valor  ,  a  buí-' 
car  o  fen  Rey  natural,  e  o  trouxe  tão  ditofamente, 
que  ío  com  a  voz  de  fuás  trombetas  (  como  os  muros  de 
Jericó  }  rendeo  a  íeus  pés  tanto  Mundo  ,.  e  em  quanto 
viveo,  tnunfoudeíeus  inimigos  nas  fronteiras  ,  e  nas 
conqmltas,  ate  que  deixando-nos  aquel la  antiga  liber- 
dade ,  que  tínhamos  perdido  ,  e  tao  gloriofamente  nos 
reltanrou.  com  obrigação  muito  particular  a  cada  hum 
cleno^ea  todos  em  commum,  de  anão  tornarmos  a 
perder,,  em  quanto  nao perdermos  a  vida ,  fe  foi  áíè- 
,  pultura.com-  tantos  louros ,  como  lagrimas  ,  @  perpetuas-  . 
áaudades,  dos  que  lograrão  feu  governo,  que  tendo  tan- 
to de  ferro  >  pareceo  de  ouro. 

Perdermos  em  fim  eíte  Monarqua,  poílò  que  ia  em 
annos  maduros ,.  ainda  floridos ,  eíte  vaticinado,  e  dele-. 
jado  de  tantos  v  verdadeiro  cultor  da  ju/Hca  ,  amorofo 
pay  da  Pátria  ,.  tao  alheyo  de  vaidades .,  mie  declarou 
nas  ultimas  horas,  que  o  nao  obrigarão  a  recuperar ,  e 
sweifer  a  Coroa  as  utilidades  próprias  v  as  ventagens  de 
aríulia,  o  e^léndor  de  íua  afamais  illuftre,  e 

máà 


PJRTE  //.  LIPRO  XII,       yji 

roais  rica  ,  que  todas  asde  Hefpanha ,  fenaõ  o  duro  ca-  AilOO 
tiveiro  j  que  via  padecer  á  íua  Naçaõ ,  e  o  deíejo  ,  e    x/ff 
obrigação,  de  lhe  procurar  liberdade,  ainda  quefofsecõ  ^áo* 
evidente  riíco  leu  ,  e  dos  feus.  E  bem  tinha  provado  a 
experiência  eíta  lua  verdade  ,  pois  aapplicaçaõ  conti- 
nua ,  com  que  fempre  fe  cccupava  ,  e  trabalhava  no  go- 
verno de  feus  Reynos ,  moílrava  ,  que  naõ  tratava  tan- 
to de  viver  para  íi ,  quanto  para  feus  vaísallos. 

Confolou-nos  eíta  dor  (  que  lerá  eterna  em  nofsas 
memorias)  a  mais  defconfolada,e  prejudicada  nefta  pei- 
da ,  a  Sereniffima  Raina  D.  Luiza  ,  digna  conforte  de 
taõ  grande  Príncipe.  Tomou  o  leme,  com  ifenta  das 
fragilidades  ,  do  fexo  ,  e  governou  a  barca  nas  grandes 
tormentas  ,  que  contra  ella  então  fe  levantarão  ;  porque 
recolhida  em  numa  caía,  de  que  naõ  falua,  acodio  a  tu- 
do ,  como  fefora  p relente  a  tudo  ,  pafsando  ,  quando 
o  pediaó  as  occafioens  ,  as  noites  inteiras  fem  ctefcan- 
^o  ,  e  os  dias  em  continuo  trabalho.  Defendeo-nos , 
em  fim  ,  fazendo  taõ  cuítofa  mente  tantos  exércitos, 
taó  bem  providos,  e  fuílentado  todo  oVeraô,  lem 
mais  moleftia  dos  vafsallos  ,  que  a  ordinária  da  guerra. 
Acodio  ás Conquiílas,  naõ  fe  perdendo  nellasemfeu 
tempo  ,  nem  huma  pequena  Praça.  Aparentou-nos  com 
alianças,  e  amigos  poderofos.  Foi  commumente  tida 
por  huma  das  maiores  matronas.E  coítumava  dizer  del- 
ia hum  grande  Principe;  quê  pudera  o  capello  da  Rai- 
nha de  Portugal,  o  que  naõ  podia  todo  Portugal.E  dif- 
fe  delia  EIRey  feu  marido  no  teítamento,  com  que  fal- 
leceo  ,  que  ;  porque  a  conhecia  muito  bem  ,  lhe  deixa- 
va entregues  a  feus  filhos  ,  nomeando-a  por  fna  única 
Guradora  ;  os  Reinos  ,  e  Senhorios  ,  nomeando-a  por 
fua  única  Governadora  ;  e  a  fua  alma  ,  nomeando-a  por 
fua  única  teítementeira* 

Toda-via ,  como  era  humana  fpoíto  que  o  naõ  pa- 
recia) fe  foi  rendendo  aquelíe  grande  valor  ,  aquela 
altiveza  dojuizo,  aquella  rara  igualdade  de  animo  , 
naõ  ao  trabalho  ,  mas  a  defprezos  ,  e  ingratidoens  .  que 
fempre  foraõ  inimigos  defcobertos  da  virtude  ,  e  foraõ 
■á  Rainha  mais  íenfiveis  ,  porque  o  faõ  as  injurias ,  «tos 

LI  2  que 


fr 


>j*    TOKTVGAL JELÊ9IAV%dÉO,. 

ÁftttO  °iue  mãls  &  amaõ  ,  e  erao  muitas ,  as  que  recebia  ,  dos 
ifiso   que  mais  as  deviaõ  amar.  Quiz  pois  largar  o  governo, 
*¥¥$*  e  recolher-fe  a  vida  particular,  e  bem  particular.  As  cau- 
ías  ,  que  para  ifso  teve  »  fera  atrevimento  referillas  por 
outra  lingua \  quando  fe  achaô  declaradas  pela  fua  em 
hum  papel ,  queella  diclou  ,  eeícreveo  á  Serenimma 
Rainha  de  Inglaterra  da  fua  maó.  Eífcá  com  huma  cu- 
berta  ,  enella  hum  fobrefcrito  de  letra  da  Rainha  ,  que 
diz:  Papel  de  mirefolucion.  E  porque  pela  peísoa  ;  que  O 
Ciciou  ,  e  pela  que  o  eícreveo  ,  por  fe  moílrar  por  ef- 
te  breve  rayo,  qual  era  a  luz  do  Juizo  j  dç  que  fahio, 
e  contem  algumas  couías,  que  conduzem  para  o  preíen- 
te  fuccefso ,  fe  traslada  aqui  fielmente.  E  nós  o  naõ  re- 
petimos ,  por  ficar  referido  em.  lugar  competente.  E  o 
papel  propoílo  continuava  dizendo  com  verdadeiras,  e 
clariííimas  exprefsoens  tudo  ,.  quanto  havemos  referido 
do  governo  da  Rainha  ,  e  dos  excefsosd' EIRey:  Narra- 
va o  papel,  que  fe  lêv  na  prefençad*  EIRey  na  expulíaô 
de  António  de  Contes,  exagerava  as  indignidades,  ein- 
desorofas  politicas  ,,c.ora  que  a  Rainha  fora  tirada  do 
governo ,  e  recolhida  naclaufura>  em  que  acabara  a  vi- 
da ,  encarecendo  as  fuás  grandes  virtudes ,  moílrava  as 
exorbitâncias,  etyrannias,  com  que  EIRey  tratara  a  feus 
vafsalios  o  tempo  ,,  que  os  governara  ,  por  direcçoens 
alheyas ,.  declarando  as  notórias  evidencias  da  fua  inca- 
pacidade,  por  cujo  refpeito  a  Nobreza*  e  Povos  haviaõ 
perfuadido  ao  Infante,  que^tomafse  o  governo  j  propo- 
ílçaõ,  que  nunca  quizera  aceitar  com  oflènfa  d<  EIRey. 
Individuava  todos  os  caminhos  ,  que  o  Infante  ,  e  os 
que  feguiraóa  fuo  opiniaó,.bufcaraõ  ,  para  que  EIRey 
confentifse  ,  emque  o. Infante  governafse  o  Reino  em 
feu  nome,  deixando-lhe  livre  a  authoridade  Real  V  e 
toda  a  grandeza  ,  e  commodidades,.  que  devia  appe* 
. tecer  ,.  outro  qualquer  Principe  digno  de  Império.  Re- 
feria  a  deíiítencia,  que  EIRey  fizera  por  efe  rito  no  mef- 
mo  dia  da  fua  reclufao ;  e  ultimamente  juítificava  eíta 
acçaõ  do  Infante  ,  e  provava  a  razaõ ,  com  que  fe  intro- 
duzia no  governo  ,   com  asrazoe.ns  ieguintes, 

Aprimeira,  a  incapacidade.  d^lRey ,  para  o  gover- 
y  no 


P^RTE  II.  L1VK0  X1L      j  j* 

no  da  Monarquia!  a  fegunda,  o  abufo  do  governo,  com  AnnO 
que  em  muitas  acçoens  degenerara  em  tyrannico:  a  ter-     ,,g 
ceira ,  a  diifipaçao  dos  bens ,  e  fazenda  Real. 

Suppoem-fe  ,  (dizia)  para  fe  proceder  com  clare- 
za, e  brevidade,  por  matéria  fem  duvida  ,  que  o  Rei- 
no pôde  juftamente  privar  o  feu  Principe,ainda  que  íeja 
legitimo  ,  quando  no  exèrcicio  hè  tyranno  j  eno  Reino 
de  Portugal  naô  padece  duvida  efta  propoíiçaó  ,  como 
verificarão  as  razoens  de  hum  livro,  em  que  fe  moftrou,' 
que  os  Reys  de  Caftella  ,  dado  ,  e  naó  concedido  ,  que 
iuccedefsem  legitimamente  na  Coroa  de  Portugal ,  pelo 
leu  governo  tyrannico  podiaõ  fer  legitimamente  ex- 
pulfados.  E  prova-fe  eíle  permifso  taõdouta,e  plenaria- 
mente ,  que  naó  ficou  novidade,  que  fe  pudefse  accref- 
centar,nem  que  com  íblido  fundamento  entralse  em  du- 
vida ;  e  juntamente  fe  provou ,  que  a  incapacidade  do 
Rey  era  principio  ,  ou  origem  da  tyrannia. 

Naõ  fe  duvida ,  que  EIRey  D.AfTonfo  ,  quanto  ao 
titulo  ,  e  dominio  do  Reino ,  he  nofsoRey  ,  e  Senhor 
natural  j  aífim  o  confefsamos ,  e  reconhecemos,  e  da 
mefma  forte  efta  mos  promptos  para  defender  a  Coroa, 
que  lhe  tocou  por  morte  d* EIRey  nofso  Senhor  D.  João 
o  IV,  de  faudofa  memoria}  porém  quanto  ao  exercício 
do  governo  faõ  taõ  notórias  as  três  caufas  capitães  ,  que 
íicaõ  apontadas  ,  que  ninguém  tratou  a  Sua  Mageftade, 
ninguém  fabe  o  eftado  ,  em  que  achou  ,  e  em  que  dei- 
xou eftes  Reinos  :  ninguém  tem  noticia  da  prodigalida- 
de ,  com  que  deítruio  totalmente  os  bens  da  Coroa  ,  e 
as  contribuiçoens  dos  Vafsallos,  que  palpavelmente  nao 
veja  a  verdade  do  referido.  E  fuppofto  a  notoridade  de 
fado ,  he  confequencia  também  fem  duvida  ,  que  para 
efta  depoíiçaõ  do  exèrcicio  do  governo  naõ  era  neceí- 
fario  citar  a  Sua  Mageftade  *  porque  nas  coufas  notó- 
rias ,  em  que  manifeftamente  confta  nao  haver  efcufa, 
nem  defefa  ,  naõ  fe  requere  citação  ;  e  o  que  mais  he, 
que  quando  fora  necefsario ,  bem  fe  tinha  fatisféito  a 
ella ,  não  fó como  papel  ,  que felèo  a  Sua  Mageftade, 
•que  he  ,  o  que  fica  trasladado  ,  quando  fuccedeo  a  ex- 
culfaõ  de  António  de  Contes;  mas  também  com  as  re- 
r  LI  3  petidas* 


ft  4     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  Pefcidasíiipplicas,  requerimentos,  admoeílaçoens ,  e  ad- 

IÓ6  8  ZTf CIas'  ^e  a£ai.a>  fua  mã>>  o  Coafelho  de 
£ltacl°  >  e  outros  Mlniftrôs,  e  Grande  do  Reino  lhe 
ilzerao  ,  pedindo-Ihe  com  incefsantes  rogos  ,  quizefse 
emendar  o  feu  modo  de  vida  ,  e  do  governo   Nem  pa^ 

\t  Cleãu  ã  •  y  havia  feSuro  accefs(> >  pois:  ninguém 
lne  rallana  direitamente  nefta  matéria  ,  que  naõ  fofse 

com  marufeílo  perigo  da  vida,-  porque  nas  matérias1, 
que  o  deígoítavaõ  ,  naõ  coítumava  remeter  o  cafttgo  do 
leu  enfado  aos  Minillros  dejuftiça,-  porque  elle  o  da- 
va,  ou  pelas  fuás  próprias  mãos  ,  ou  pelas  dosfacino^ 
rolos  ,  que  lhe  aíiiítiaõ  ,  a  que  dava  titulo  de  valen- 
tes ,  e  eíte  perigo  notório  também  faz  eí  cu  lar  a  cita- 
ção. 

Com  e-ftas  fuppoíiçoens  pafsaremos  a  tratar  dos  três 
pontos  principaes  ,  a  que  temos  reduzido  eíta  matéria. 
He  a  primeira  cauía  da  depofiçaõ  d'ElRey  nofso  Senhor 
áo  governo  a  fíua  incapacidade  ,  que  teve  principio 
em  huma  doença  ,  que  padeceo  na  fua  infância ,  tad 
grave  .t  que  as  lagrimas,  e  oraçoens  da  Rainha  fua  mã y, 
que  eítá  em  gloria  ,  parece ,  que  alcançarão  de  Deos 
alua  vida  no  ultimo  perigo  delia;  mas  por  feusjuítos 
)uizos  naõ  quiz  Deos  Nofso  Senhor  dará  Sua  Magef- 
tade  a  faude  inteira  ,•  ou  para  que  os  achaques,com  que 
íicou,  lhe  lembraísem  a  mercê,  que Hie fizera  emoli- 
vrar  da  morte  j  ou  para  caíligar  com  elles  noisos  pecca- 
dos  porque  no  cor^o  iicou  Mo  no  braço ,  e  perna  direi- 
ta ,  e  no  entendimento  com  tanta  debilidade,  comoíe 
tem  apontado  por  todos  osaitos,  queíicaõ  referidos; 
porem  ate  eíte  ponto  naõ  era  o  achaque  culpa  d*EI- 
Rey,era  ruína  do  Reino; porque  juntando  a  todos  osde- 
reitosj?  inadvertencia,com  que  favoreceo  tanto  na  pue- 
rícia, como  naadoleícencia  a  homens  indignos  potnaf- 
cimonto,  eliíongeiros  por  arte,  que  fó  tratarão  de 
o  agradar,  mfinuando-lhetudo  quanto  era  mais  contra- 
rio a :  aúthoridade ,  e  eftado  Real  ,  e  ao  governo  de  feus 
Kemos  ,  por  cuja  cauía  era  força  o  governar-fe  fem 
eleição^  nem  refoluçaõ  própria  ,■  difgraça  tao  notória, 
que  nao  lo  fe  chorou  em  Portugal,  mas  chegou  aos 

Reinos 


PARTE  11  LIVKO  Xil.        jjí 

Reinos  eft  ranhos  ,  e  por  quantas  línguas  ie  falia 6  em  ^nno 
Europa  ,  fe  manifeftou  a  Infelicidade , .  que  neíla.  parte  ,^  ^ 
padecemos. 

O  que  íuppoíto  ,  nâõ  tendo  EIRey  capacidade  pa- 
ta adminiílrar  feus  bens ,  ie  as  leys  mandão  acodir  com 
Curador  a  qualquer  pefsoa  particular  ,  que  fGr  incapaz, 
naó  fearriicando  na  fuaadnúniítraçaõ  mais,que  o  pou- 
co ,  que  cada  hum  pofsue  ,•  quanto  mais  fe  deveacodir 
com  efte  remédio  a  hum  Rei  ,  em  quem  periga  o  efta- 
cfeí  de  feus  Reinos  ,  e  a  eonfervaçaó  de  feus  Vaisallos  i 
Efte  remédio  ,  com  que  fe  acode  aos  Reis  negligentes, 
incapazes ,  ou  imiteis  (  como  lhe  chama  o  Direito )  pa- 
ra governar  feus  Reinos  ,  eítá  canonizado  por  repeti- 
das refoluçoens  dos  Summos  Pontífices,  e  praticado  pe- 
lo exemplo  de  muitos  Príncipes  ,  a  quem  fe  tirou  a  ad- 
núniftraçaõ  dos  liei  nos  pelas  ditas  cauías. 

Seja  o  primeiro  do  nolso  Reino  de  Portugal.  Era  EI- 
Rey D.Sancho  o  fegundo  ,  Príncipe  bom,  ejuftoem 
fuapefsoa.  Deu  na  falta  de  fe  fervir  de  homeas  de  má 
vida,  que  á  fua  fombra  faziaó  aggravos ,  e  moleílias 
aos,  Vaisallos ■",  fem  que  os  atalhalse  ,  ou  reprimi í se  a 
natural  ré mifsaõ  da quelle  Rey.  Faltarão  ao  Reino  me- 
ios féguros  , com  que  o  poder  tirar,  do  governo  lem 
perigo  ,  de  que  a  repugnância  dos  léus  Vaísallo  occafio- 
nafse  algumas alteraçoens.  Recorreo-fea  Roma,  pedin- 
<3o-fe  favor  ao  Pontiíice  Innocencio  IV.  o  qual  appro- 
vou  -a  privação  d' EIRey  do  governo  ,  e a  entrega  ,  que 
delle  íe  fez  ao  Cqnde  de  Bolonha  feti  irmaõ,que  depois 
foi  EIRey  D.  Afibnfo  III.  e  deita  refoluçaò  do  Pontí- 
fice lefez  hum  texto  de  Direito  Canónico  ,•  celebre  de- 
cifaõpara  fimilhantes  cafos. 

Segundo  exemplo ,  e  fegunda  decifao  ,  fe  acha  dos 
Grandes  ,  e  Povo  de  França,  os  quaes  pelo  feu  Rey  Chi- 
derico  fer  inepto  no  governo  do  Reino  ,  e  na  adminif- 
traçaõ  da  juftiça  ,  o  removerão  ,  e  puzeraõ  em  feu  lu- 
gar a  Pipino  ,  filho  de  Carlos  Martelo,  a  qual  remoção 
foi  também  approvada  ,  e  delia  procedeo  outro  texto 
de  Direito  Canónico ,  cuja  glofa  fuppoem  ,  que  já  em 
tempo  de  outro  Pontífice  havia  fuccedido  cafo  fimi-  , 

Li  4  lhante/ 


51<J    PRÕ7VGAL  RES7AVRJD0, 

Armo  Ihante  ;  porque  affim  fe  colhe  do  mefmo  texto. 
166%        O  terceiro  exemplo  he  d'ElRey  de  França  Filippe  } 
lW0*  chamado  Formofo  ,  a  quem  o  Papa  Bonifácio'  VIII.  pri- 
vou do  Reino  por  caufa ,  afiada  que  naõ  em  tudo  íimi- 
lha  ates  ás  noísas. 

O  quarto  temos  em  EIRey  Duarte  III.  que  por  admi- 
niílrar  mal  o  Reino  de  Inglaterra ,  foi  depoíto  delle ,  e 
prezo  em  Gloceítria  no  Convento  deS.  Pedro  ,  onde 
falleceo. 

O  quinto  fe  refere  de  Theodorico  L  do  nome  ,  filho 
de  Clodoveo  II.  Rey  de  França  •,  o  qual  por  naõ  fazer 
acçaô  digna  de  hum  Rey,  e  deixar  a  léus  v,  li  dos  todo  o 
governo  do  Reino ,  naõ  tratando  mais  ,  que  de  appeti- 
tes*e  fenfualidades ,  foi  depoíto  da  Coroa  pelos  feus  Po- 
vos juntos  em  Cortes,  e  acclamado  Rey  feu  irmão  ChiU 
derico  no  anno  de  feifcentos  íetenta  e  cinco  ,  e  o  depof- 
to  Rey  Theodorico  lè  metteo  Frade  no  Convento  da 
Abbadia  deS  Dionyílo. 

O  Sexto  íè  yioem  Carlos  o  Gordo ,  filho  de  Luiz 
Rey  de  Germânia ,  o  qual  depois  de  fer  eleito  Impera* 
dor  por  morte  de  fralbo ,  pelos  achaques  que  tinha ,  af- 
fim nov  corpo,como  no  animo,  foi  depoíto  do  Reino  por 
feus  Valsai  los ,  e  eleito  feu  fobritiho  Ârnulfo ,  dando-fe 
ao  dito  Carlos  alguns  lugares,  de  cuja  remia  feíuíten- 
tou  em  quarvto  viveo,  efoi  eíte  fuccelso  no  anno  de 
oitocentos  e  oitenta. 

O  fetimo  exemplo  experimentou  Duarte  II.  chamai 
do  de  Cavernao  ,  Kcj  de  Inglaterra,  que  depois  de  mui- 
tas guerras  ,  que  teve'  £om  feus  Vafsa&osv  e  pelai  defor- 
denada  afeição,  que  tin/u*  a  fe&  valido,  e  compadre  Pe- 
dro Ganefcu,  que  femprw*  o  havia  inclinado  a  feguir 
toda  a  forte  de  vicios,  foi  prezo  r  e  defamparadò  de 
fua  mulher  Ifabel ,  Filha  d'ÊIRcy  4e França  Filippe  o> 
Formofo  ,  no  anno  de  mil  trezentos  e  quatro. 

Outros  muitos  exemplos  feachúiõ  nas  Hiftorias  ;, 
que  fe  naõ  repeterrt ,  por  naõ  fazer  mais;  largoeíte  dif- 
carfo  ,  è  matéria  taõ  indubitável  j  mas  petos  referidos, 
e  por  todos  os  mais  fe  vê ,  que  he  coítume  geral ,  e  di- 
reito das  gentes  privar  dos  Reinos,  ou  pelo  meios  dia; 

adninii- 


PARTE  II  tlVRO  XIL        fr? 

adminiítraçaõ  delles  aos  Réys  incapazes  de  os  governar,  Anno 
pois  univedalmente fe  ufa íubítituir-lhe  outros ,  que  os     ~  * 
governem  >  eeíle  he  o  geral  coílume  das  Naçoens  ,  e 
o  que  fe  chama  direito  das  gentes. 

E  naõ  pôde  fazer  duvida  intervir  em  alguns  dos  di- 
tos exempíos  a  authoridade  do  Summo  Pontiíice  ,  para 
ie  imaginar,  que  também  nós  neceífi  ta  vamos  delia.  Por- 
que fe  deve  advertir  ,  que  nos  cafos,  em  que  interveyo 
a  dita  authoridade  acerca  dos  Reys ,  que  naõ  conhecem 
fuperior  ,  foi  porque  os  Povos  naotinhaõ  forças  baf- 
tantes  para  expulfar  a  violência  dos  validos  ,  e  por  eíle 
reípeito  implorarão  o  favor  do  Papa  i  lendo  certo ,  que 
do  meimo  modo ,  que  fe  valerão  das  armas  Ecclefiaíti- 
ças  ,'  por  fer  remédio  mais  íuave  ,  fe  puderõ  valer  de 
qualquer  Princip  efecular ,  onde  efse  remédio  poieria 
lermais  violento  -,   o  que  fe  confirma  efpecialmente  pe- 
lo nofso  exemplo  d<ElRey  D.  Sancho  II.  do  qual  refe- 
rem as  Hiftorias ,  que  eraô  muito  poderofos  os  validos, 
que  violentamente  queriaõdefender  a  adminiítraçaõ  do 
Reino  na  fua  pefsoa  ,  por  cuja  caufa  fe  recorreo  ao  po- 
der do  Pontífice.  Nem  podia  haver  outra  raziõ,  porque 
he  certo,  conforme  a  doutriaa  dos  Efcritores  ,  a/Tm 
Theologos  ,  como  Juriílas ,  que  o  Papa  naõ  difpoen 
couta  alguma  nas  matérias  temporaes  fobre  os  Principjs 
foberanos ,  que  não  reconhecem  fuperior.  E  como  o 
.nofso  Reino  de  Portugal  pelas  mefmas  caufas  ,  que  o 
cie  Caftella  ,  he  foberano  ,  e  independente  ,  claro  eftá, 
que  naquellaoccafiaõ  d'E!Rey  D.  Sancho  II.  era  necef- 
fario  por  via  dejurifdicçaó  temporal  valer- fe  da  autho- 
ridade do  Papa,nemtambemagora  neíla  privação  d<El- 
Key  D.  Affonfo  VXfenenecefTttava  do  feu  confentimen- 
to  :  o  que  procede  mais  fem  duvida  na  occaíiaõ  piefea- 
tej  porque  Sua  Alteza  ,  e  os  Grandes  da  Corte  tinhao 
tanto  poder  ,  poreítar  da  fua  parte  o  concurfo  da  No- 
breza, e de  todo  o  Povo,  que  lhe  naõ  era  neceísario 
pedir  foccorros  de  fora.  Maiormente ,  que  dado  ,  nia? 
naõ  concedido,  que  neceffitaísem  da  authoridade  do  Sd  - 
mo  Pontífice  (  o  que  naõ  neceíTitaviõ  ,  como  fica  mof- 
trado)  ainda  nefsecafo  por  -hora  fe  podia  obrar  fem  el- 

la 


um 


5?»  POKTUGÀL  kESTAURADO, 

Atino  h  por  muitas  razoens.  Primeira ,  porque  Sua  Santidade 
*66tAtFtkn*?  nar  ouvf  ^^PpHcas  deita  Coroa  ,  nem 
dd-ere  a  ellas :  fegunda  5  porque  a  neceffidade  precifa 
de le  acodir  promptaraente a  taó  graves  damnos  naõ  co- 
le fltia  retardar-fe  o  remédio:  terceira}  porque  com  a  di- 
lação JiáVia  manifefto  perigo  de  fe  armarem  os  dilin- 
quentes  ,  e  fui  citarem  algum  rumor  prejudicial  ao  Po- 
vo. .jNem  íe  pôde  duvidar ,  que  o  governo,  eadminif- 
traçap  do  Remo  nos  termos ,  em  que  eítamos  ,  perten- 
ça direitamente  ao  Sereniífimo  Infante  D.Pedro,  por 
ler  o  parente  mais  chegado  deSua  MageAade  ,  aquém 
toca  imediatamente  a  legitima  fuccefsao  do  Reino  , 
taiiecendo  LIRey  íem  filhos  legítimos,-  pois  eíte  foi 
num.  dos  fundamentos,  com  que  o  Pontifica  Innocen- 
cio  IV.  approvou  a  pefsoa  do  Conde  de  Bolonha  D.  Af- 
ronto para  Curador  d'E!Rey  D.  Sancho  feu  irmaõ. 

a  c  [?Zaõ  de  fer  Sua  AIteza  °  mais  próximo  aguado 
de  bua  Mageftade ,  a  quem  pertence  a  fuccefsao  do  Rei- 
no ,  convence  ,  que  pela  incapacidade  d'ElRey  lhe  toca 
o  leu  gorveno  (  que  he  menos  ,• }  donde  fe  infere  ,  que 
bua  Alteza  podia  por  fua  próprio  authoridade  tomar  a 
poise  do  dito  governo.  E  também  porque  em  Sua  Alte- 
za concorrem  todas  as  Rea es  virtudes  ,  que  fe  podem 
confiderar  no  Principe  mais  perfeito,-  porque  íoube  jun- 
tar a  madureza  do  juizo  com  o  verdor  dos  annos,  a  juf- 
tiça  com  a  clemência  ,  a  liberalidade  com  a  parfimonia* 
íummo  amor  ,  e  temor  de  Deos  ,  hum  pio  refpeito  á 
Igreja  ,  enaõ  menos  mifericordía  para  os  miferaveis  , 
grande  atteiçaô,  e  nenhum  temor  dos  homens  ,  ler  mui- 
to reípeitado,  e amado  pelo  grave,  e pelo  agradável 
de  feu  femblante  ,  humano  no  trato  ,  e  em  todas  as  ac- 
çoens  excellente  ,  deixando  de  referir  muitas  ,  que  fo- 
bre  perfeito  Principe ,  o  fazem  também  perfeito  Cavai- 
leiro  ,  e  logra  em  gráo  taõ  fupremo  o  definterefse  ,  que 
iabendo  ,  que  muitas  pefsoas  nas  Cortes  lhe  queriaõ  dar 
o  titulo  deRey ,  encontrou  efta  pratica  ,  afíirmandoás 
peísoas  de  fua  confiança  ,  que  em  quanto  feu  irmão  for 
vivo.,  o  naõ  ha  de  aceitar ,  nem  fazer  defpeza  alguma  á 
Coroa,  íuítentando  a  fua  cafa  fó  com  as  fuás  próprias 

fendas, 


■ 


PJRTE  11.  LIVRO  Xlt.       f⧠

relidas  ,  ecom  eítas  grandes  qualidades  ,  e  o  direito  que  Atino 
fica  referido . ,  ninguém  poderá  duvidar  ,  que  legitima-     ^o 
mente  fe  devia  a  Sua  Alteza  oferCtirador  d<EJReyfeu  l°°°4 
irmaõ  ,  e  pelo  coiiíeguinte  o  governo  deites   Reinos, 
viíto  fer  Sua  Mageítade  incapaz  para  a  adminiílraçao 
delles. 

Segunda  caufa  de  privação  de  Sua  Magejlade ,  que  con- 
fifie  em  o  Jeu  governo  fer  tyramko, 

SEa  remifsao ,  e  deícuido  dos  Reys  ,  como  temos 
moftrado  ,  he  baílante  ,  para  fe  lhes  tirar  o  governo 
de  feus  Reinos  ,  naõ  he  muito  com  igual ,  e  maior  ra- 
zão o  feja  a  tyrannia  i  porque  com  o  meímo  nome  de 
Rey  feja  temerofo  ,  e  horrível  para  os  Povos  ,  como  fe 
vê  nos  Romanos  ,  que  por  hum  Rey  foberbo  ,  que  ti- 
veraõ  ,  íacudiraõ  de  (i  para  fempre  o  jugo  deite  titulo, 
e  em  outras  muitas  Naçoens  ,  que  governando-fe  por 
outros  modos ,  o  naõ  quizeraõ  experimentar  ,  he  necef- 
fario,  que  os  Príncipes  o  adocem  muito  com  o  exercício 
da  juítiça  ,  temperado  com  o  da  maníidaõ  ,  ufando  bem 
daquelle  feu  abfoluto  poderíleal,para  ferem  igualmen- 
te amados  ,  e  temidos  de  feus  Vafsallos  com  o  affedo,  e 
com  o  refpeito  ,  que  convém  aos  Príncipes  foberanos. 
Os  Portuguezes  logramos  quafi  fempre  eíta  ventu- 
ra ,  que  os  nofsos  Reis  pela  maior  parte  amarão  a  feus 
Vaísallos  como  pays ,  e  os  Vafsallos  fempre  lhes  tiveraò 
no  amor  refpeito  de  filhos  ,  e  quanto  maior  foi  fempre 
efte  favor  dos  nofsos  Reys  ,  de  que  e (lavamos  de  po íse, 
tanto  mais  extranhamos  as  experiências  contrarias.  Bem 
fe  pôde  crer  ,  que  Sua  Mageítade  naõ  entendia  o  mal, 
que  obrava  ,  e  confentia  íe  obrafse  j  mas  o  certo  he,  que 
a  fua  ignorância  naõefcolava  de  tyrannicasas  acçoens 
do  feu  governo,  e  as  que  executavaõ  muitos  homens  fa- 
cinorofos,  queeílavaó  á  fua  iombra. 

Chriílerno  Rey  de  Dinamarca  ,  Noroega  ,e  VVan- 
dália,  por  fer  muito  cruel,  foi  privado  do  Reino  por 
Federico  Duque  de  Slevins  feu  tio.  Duarte  V.  Rey  de 
Inglaterra  no  armo  de  mil  e  quatroceoto$  oitenta  e  três, 

por 


mmm 


$$  TOVIVGAL  REST^UR^rO; 

Ánnopor  íèrtyranno,  e  cruel,  foi  privado  do  Reino  pela 
1668  ^T°^reza  c5elle*  Carlos  Rey  de  Napolos  ,e  Sicília,  poc 
*  fer  infolente  ,  e  governar  com  tyrannia ,  o  privarão  feus 
vafsallos  do  Reino  ,  donde  teve  origem  ,  pelo  que  toca- 
J  va  a  Sicilia  ,  aquelle  provérbio  dasvefperas  Sicilianas. 
D.  Pedro  chamado  Cruel,  Rey  de  Caílella  ,  fendo  mor- 
to por  feu  irmaõ  D.  Henrique  ,  approvou  todo  o  Rei- 
no lua  morte  ,  e  fem  embargo  de  naõ  fer  legitimo  D: 
Henrique ,  o  acclamou  aquelle  Rein©  por  feu  Rey ,  pe- 
las virtudes ,  de  que  era  dotado.  £  eílaõ  as  Hiílorias 
cheyas  de fimilhantes  exemplos,  que  os Doutores  re- 
ferem, e  ninguém  pôde  negar,  que  Sua  Mageílade  exei> 
citou  muitas  acçoens  tyrannas ;  como  foi  a  defobedien- 
cia  á  Rainha  lua  mãy  ,  ea  irreverência  ,  com  que  a  tra- 
tou, Delterrar  as  pelsoas  grandes ,  e  eminentes  do  Rei- 
no ,  fendo  os  mefmos ,  de  que  EIRey  feu  pay  fazia  a 
maior  confiança  ,  e  que  pela  defenía  da  Reino  haviao 
derramado  muitas  vezes  o  fangue-,  bufcand©  para  a  fua 
domeílica  aííiítécia  os  homens  mais  facinorolos  da  Re* 
publica  ,  em  que  fe  verifica  ,  e  manifeílamente  fe  pro- 
va ,  que  o  feu  governo  era  tyrannico.  Levantar ,  e  ad- 
mittir  a  honras  ;  e  dignidades  homens  indignos ,  faci- 
norofos ,  e  cruéis ,  e  darlhes  confiança  ,  e  oufadia  para 
continuarem  íeus  máos  coítumes  á  fombra  do  feu  vali- 
mento: venderem-fe  as  horas ,  e  officios  públicos,  que 
faõ  o  thefouro  da  Republica  ,  com  o  qual  fem  fe  em- 
pobrecer o  património  Real  ,  fe  remuneraõ  os  benemé- 
ritos; e  pelo  contrario  vem  aquellas  honras  a  perdera 
fua  eíUmaçaõ  ,  quando  fe  experimenta  ,  que  fe  alcança 
com  o  dinheiro ,  e  naô  com  o  merecimento  pefsoal  de 
cada  hum.  r 

Eílas  acçoens  tão  repetidamente  exercitadas,  ac* 
crefcentando-fe  a  ellas  a  crueldade ,  com  que  EIRey 
maltratava  ,  e  a  violência  ,  com  que  confentia  maltra- 
tar todos  feus  vafsallos,  de  modo  ,  que  parecia  andavao 
em  competência  os  mefmos  vafsalios  a  querer  dar  a  vida 
em  feu  ferviço  ,  e  EIRey  a  oíFendellos  ,  e  afiontallos, 
moílraô  concludentemente,  que  o  governo  d' EIRey  era 
tyrannico  ,  e  em  confequencia,  que  Sua  Alteza,  e  a  No- 
breza do  Paço  lho  podiaô  tirar.  Ter* 


P ARTE  Ih  hWRQ  ML        54Í 

Antio 

Terceira  caufa   da  privação  do  governo  de  Sua  Magef- tffâ^ 
tade ,  que  cwfifte  na  diffipaçaõ  dos  bens  da  Co- 
roa ,  e  do  k&no. 


;-iB$' 


Tinha  efte  Reino  orçado  os  rendimentos  da  Coroa, 
e-ascoRtribuiçoeiís  dosVaísallos  com  taõ  aditado 
computo  para  as  defpezas  da  paz  ,  e  da  guerra,  que  ien-, 
do  tantas  as  occafioens  degaílo  nos  exercites  ,  que  ta  o 
repetidamente  íe  puzerao  em  Campanha  nos  annoç  an- 
tecedentes ao  governo  de  Sua  Mageílade ,  iuílentan- 
dô-ie  Veroens  inteiros,  e  provendo-íe  com  toda  a  abun- 
dância, nunca  houve  faltas,  que  obrigalsem  a  empenhar 
os  rendimentos  futuros,  nem  a  deixar  de  acodir  a  ou- 
tras grandes  deipezas ,  em  que  entrou  a  do  dote  de  m- 

glatenai  „  « 

Tomou  Sua  Mageílade  pófse  do  governo  J  e  poíto 
que  naõ  achaíse  fobras  ,  por  andar  ajuílada  a  receita 
com  a  defpeza  ,  também  naõ  achou  dividas  de  gran- 
de confideraçaõ.  Nosannos,  que  durou  o  leu  gover- 
no ,  creíceo  a  Fazenda  Real  com  o  dote  da  Kainlia , 
com  os  foccorros  extrangeiros  ,  com  o  novo  cunho  da 
moeda  ,  e  com  outros  meyos  ,  que  fe  buicáraõ  para  a 
accreícentar  ;  e  diminuiraõ-fe  as  defpezas  pelos  poucos 
dias,  que  os  exércitos  períiítiraõ  na  Campanha  ,  dimi- 
nuindo-fe  o  tempo  coma  felicidade  das  vitorias ,  que 
os  Soldados  valoro famente  alcançarão,,  negando-lhes  os 
pagamentos,  que  lhes  eraõ  devidos,  e  achando-íe  asfor- 
tificaçoens  iem  melhora  alguma  ,e  faltando  todas  eftas 
defpezas ,  naõ  fó  fé  confumiraÔ  todas  as  rendas ,  e  effei- 
tos  ordinários  ,e  extraordinários ,  queaccreíeeraê,mas 
ainda  felizeraÕ' empenhos  adiantados  para  muitos  an-^ 

nos.  r 

Eíie  he  o  eílado  ,  em  que  Sua  Mageílade  achou  el- 
te  Reino,  eeíle  he  o  eílado,  em  que  o  leu  governo 
o  deixou  ,  diilipondo-fe  tudo  com  tanto  defperdiço  ,  « 
taõ  fora  do  que  pedia  o  bem  ccmmum  ,  a  queeílava 
applicado ,  que  poucos  dias  mais ,  que  durafse  a  ína-àd*- 
i  *L  t  ■  ir.iníílra^. 


*F 


|*|    POWUGAL  RESTJUULADO,     I 

Anno  miniftraçao  ,  fe  experimentaria©  irremediáveis  os  dam- 
1662   nos,.da  ^orurquia-  Eí^s  deípezas  fem  ordem  ,  e  as\m- 
•  módicas !  doacoens  ,  e  mercês  de  tenças  ,  de  mezadas  ,  de 
ajudas  de  culto  ,  que  fem  caufa  ,  e  íem  neceffidade  fe  fa- 
ziao  ,  era  numa  manifeíta  diffipaçao  dos  bens  da  Coroa- 
a  qual  os  Reys  nao  podem  exercitar;  porque  naó  fó 
iao  obrigados  aos  nao  diminuir  fem  precita  neceffidade 
mas  ainda  a  acrefcentallos.  E  neíte  tempo  eraeítadifl 
oíipaçao  muito  mais  prejudicial  pelo  evidente  perieo, 
em  que  nos  punha  de  nos  perdermos  ,  exhauftos  todos 
os  meyos  da  nofsa  defenía.  E  fe  quando  o-diffipador  de 
qualquer  morgado  defrauda  os"  bens  delle,  deve  ler  pri- 
vado da  adminiílração .,  e  reítituilla  *o  feu  fuccefsor 
com  muito  mais  razão  o  pofsuidor  de  hum  Reino' 
lendo  diffipador  dos  bens  da  Coroa  ,    fe  deve  privar 
do  governo  delle,  reítitumdo-íe  ao  fuccefsor im medi. 
to  ;  porque  no  morgado  fe  não  arrifca  mais  ,  que  a  fa- 
zenda de  huma  peísoa  particular ,  e  no  Reyno  ie  põem 
a  pengo  a  confervaçao  univerfal  de  toda  a  MonaVquia 
De  que  fe :fegue,que  licita,  e  injuítamente  fe  tirou  a  ad- 

miniílraçao  deíles  Reynos  aSua  Mageftade,-porque  dif. 
Upava  íem  moderação  alguma  os  bens  delles,e  íe  entre- 
gou ao  Sereniffimo  Infante  D.  Pedro  feu  immediato  e 
legitimo  fuccefsor  ,  a  quem  direitamente  pertencia  não 
ie  aiiíi parem  *  nem  perderem. 

Eílas  fao  as  caufas  principaes ,  que  teve  o  Serenií- 
fimo  Infante  D.  Pedro  affiítido  da  Nobreza,  e  Povo  pa- 
ra remover  do  governo  do  Reino  a  EIRey  D.  AíFonfo 
VI.  noíso  Senhor,  e  deixão  de  fe  referir  algumas  circun- 
Itancias  muito  aggravantes  ,  porque  como  confefsamos 
a  bua  Mageítade  por  nofso  Rey ,  não  confente  o  refpei- 
to ,  que  lhe  temos  ,  referir  mais  ,  que  aquilío ,  que  pre- 
cilamente  he  necefsario  para  juftificar  eira  privação,  e 
informar  ao  Reino  da  razão  forçofa  ,  com  quefe  che- 
gou a  efte  extremo  com  taõ  conforme  uaião  ,  e  afsen- 
to  geral  de  todos,  que  não  houve  contradição  ateuma 
em  executalla.E  finalmente  he  de  notar  a  grande  van- 
tagem, que  nefta  ocçafião  fe  fez  a  outras ,  em  que  os 
&eys  forao  privados  do  governo/pois  fuecedédo  a  mui- 
tos 


P^RTE  II.  LIVRO  XII.      |45 

fos  haverem  padecido  ofíênfas  inexplicáveis  no  gòver-  Annd 
rio  d'ElRey,naõ  houve  neíta  mudança  quem  procurafse  ^x© 
1  fatisfaçao  >  antes  Sua  Mageftade  foi  tratado  com  to-  I"Oo^ 
da  a  veneração  devida  á  fua  Real  pefsoa  ,  e  os  que  in- 
dignamente lhe  alliítião  ,  não  padecerão  a  menor  def- 
compoíiçaÕ ,  moítrando  quem  obrava  neftas  matérias, 
que  íómente  ie  tratava  de  acodir  ao  damno  ,  e  periga 
commum  ,  mas  de  nenhum  modo  de  procurar  vinganças 
particulares }  e  deixão  de  referir-fe  os  excefses  ,  que  fe 
ufarão  com  a  Serenilfima  Rainha  D»  Maria  ,  por  lerem 
taô  notórios  ,  que  le  impoífibilitão  es  termos  de  fe  ex- 
plicarem j  fendo  eíle  hum  dos  maiores  motivos  de  fe 
verificarem  na  pefsoa  d'ElRey  para  incapacidade  do  go- 
verno as  três  propoiiçoens ,  queficaõ  referidas  ,  e  todas 
as  deíie  papel  erão  elegantemente  authorizadas  com  al« 
legaçoens  de  Direito  ,  e  exemplas  da  Hiítoria  j  e  fó  na 
terceira  caufa  da  depoíição  d<EJRey  era  mais  difficil  a 
prova,*  porque  o  gaito  dos  exércitos  forão  exceiTivos , 
e  a  limpeza  do  Conde  de  Caftellc-Melhor  juíHficada  ,  e 
fó  fe  deve  entender  eíla  propofição  rio  muito ,  que  El- 
Rey  difpendia  com  os  íeus  divertimentos.  Foi  em  to- 
dos os  três  Eílados  uniforme  o  applaufo  da  juílificação 
do  Príncipe  explicada  no  papel  referido,  reconhecendo 
a  igualdade,  epuro  intento  de  todas  asíuasacçoens, 
'e  unicamente  difeordarão  na  propofição  defe  haver  de 
coroar  ,  ou  confervar  o  titulo  de  Governador ,-'  porque 
o  Príncipe  ainda  que,  como  referimos ■',  eítava  refolu- 
to  a  não  tomar  a  Coroa  ,  crefeerão  de  forte  os  rumores 
dos  Povos  fobre  eíle  particular  ,  que  entende©  era  obri- 
gado a  mandar  propor  nas  Cortes  matéria  tão  importan- 
te ao  governo  do  Reino. 

No  eftado  dos  Povos ,  lido  o  Decreto  ,  e  papel",  & 
que  fe  referia  ,  votarão  todos  os  Procuradores ■,  que  o> 
Príncipe  devia  coroa r-fer  porque  todos  os  inconvenien- 
tes ojppoítòs.  a  eíta  refolução  erão  inferiores  ás  razoensy 
q  preciíamente  pediâo  empenhar  o  Sceptro  para  maior 
authoridade  do. Reino  ,  e  çonfervação  dos  Vafsallòs.  Os 
EccleâaílicoSj,  e  Nòb-reza  refervárãò  â  deliberação,  pa— 
aa;fe^indb3'congrdso  \\  e  no  dia  que: fe.  celebrou-,.,  lhes. 

manda» 


■»■ 


,.        f  44     PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÂrtUO  iftâudárao  os  Povos  dar  conta  pelo  Marquez  de  Marial- 
ssq  va  ,  e  pelo  Doutor  Pedro  Fernandes  Monteiro  ,  Procu- 

loóô»  raíJores  de  Lisboa ,  da  deliberação  ,  que  havtaõ  tomado, 
de  que  faziaó  confulta  ao  Príncipe.  Conferirão  os  dous 
'braços  tudo  quãtofe  podia  ventilarem  negocio  taõ  im- 
portante ,  e  depois  de  largos  difcurfos  ,  de  que  hum  a 
(OUtrò  fe  derao  conta, afsentou  o  EftadoEccleíiaftico,que 
jurafsem  o  Príncipe  Governador ,  por  fer  caminho  mais 
proprio,e  mais  decente  de  manifeftar  ao  Mundo  as  fuás 
generoías  intençoens.  O  Eftado  da  Nobreza  afsentau 
fazer  prefente  ao  Príncipe  ,  que  antes  de  íe  tomar  reío- 
luçaõtao  importante,  devia  mandar  communicalla  aos 
Letrados,  Theologos  ,  e  Juriftas  ,  que  fofsem  avalia- 
dos por  mais  doutos  ,  por  feraquella  matéria  tanto  de 
eftado,  quanto  de  confciencia  ,  e  de  Direito  ,  e  deita  de- 
liberação foi  dar  conta  o  Duque  do  Cadaval  ,eo  Con- 
de do  Prado  ao  Eftado  Eccleftaftico  ,  e  ao  dos  Povos. 
OsEccleíiafticos  naó  quizeraó  admittir  efta  propofta  % 
por  Harém  mais  das  fuás  letras ,  que  das  alheyas.  No- 
dos  Povos  houve  maior  perturbação  ,  porque  fem  ad- 
mittirem  votar-fe  na  propofta  ,  acclamáraô  o  Príncipe 
Rey:  porém  chegando  ao  Príncipe  efta  noticia  ,  ea$ 
confultas,  fe  conformou  com  a  da  Nobreza,  e  foraò  no- 
meados para  fatisfaçaô  ,  do  que  ella  propunha  ,  o  Padre 
Nuno  da  Cunha,  da  Companhia  dejefus  ,  dotado  das 
virtudes,  de  que  havemos  dado  noticia  ,  o  Padre  Frey 
Valério  de  S.  Raymúndo ,  Religiofo  da  Ordem  dos  Pre- 
gadores, Prior  do  Convento  de  S.  Domingos  de  Lisboa, 
Deputado  do  Santo  Ofíicio  .(  depois  Bifpo  de  Elvas  )  o 
Padre  Frey  Fernando  Soeiro  da  mefma  Religião  ,  Me- 
ftre  de  Theologla  ,  e  Pregador  d'ElRey  ,  Frey  Joaõ  de 
Mello  ,  da  Ordem  dos  Eremitas  de  Santo  Agoftinho , 
Definidor,  Viíitador,  Commifsario  Apoftolico,e Pro- 
vincial da  fua  Ordem,  e  Meftre  de  Theologia  ,  os  Dou- 
tores Joaô  Velho  Barreto  ,  Chanceller  mór  do  Reino, 
Manoel  Delgado  de  Mattos  ,  Lente  de  Leys  ,  e  Chan- 
celler da  Caía  da  Supplicaçaó,  Luiz  Gomes  deBafto, 
Confelheiro  da  Fazenda,  Duarte  Vaz  Dor  ta  Oforio, 
Lente  da  mefma  faculdade  >  Confelheiro  da  Fazenda, 

Cluifto- 


" 


PJRTE  11.  LIVKO  XII,       y4y 

Chriítovaõ  Pinto  de  Paiva ,  Deputado  da  Mefa  da  Con-  Atino 
fciencia,  e  Ordens  j  e  no  dia  que  fe  convocou  eílaju  n-     ,.* 
ta  ,'antes  devotarem  os  que  fe  acharão  nelia  ,  lhe  mau-  luua« 
dou  dizer  o  Príncipe  por  leu  Meílre  Frãcifco  Corrêa  de 
Lacerda  ,  que  tivessem  entendido  ,  que  o  intento,  com 
que  fe  introduzia  no  governo  do  Reino  ,  fora  unica- 
mente pelo  livrar  do  perigo  ,  a  que  eftivera  expoílo,  li- 
vre de  toda  a  imaginação  de  querer  uíurpar  a  íeu  irmaó. 
a  Coroa  ,  e  que  para  eíle  fim  o  titulo  de  Governador 
<lo  Reiao  bailava  ,  para  fe  confeguir  o  bem  publico  : 
que  naô  lhes  mandara  fazer  eíta  advertência  ,  por  duvi- 
dar ,  que  votariaõ  conforme  as  letras ,  que  profefsavaó, 
pondo  diante  o  temor  deDeos,  porque  osefcolhera, 
reconhecendo  o  íeu  merecimento  j  lenaõ  para  que  en- 
trarem a  votar  em  taõ  grave  matéria ,  tendo  entendido 
a  fmceridade  do  leu  animo. 

A  todos  fatisfez  ,  como  era  razão ,  eíta  advertên- 
cia do  Príncipe  ,  e  alguns  a  celebrarão  com  lagrimas  ,  e 
entrando  na  conferencia,  que  durou  muitas  horas,  pon- 
dcradis  largamente  as  razoens  dehuma  ,  e outra  opi- 
nião ,  concordarão,  que  o  Príncipe  devia  de  tomar  o  ti- 
tulo de  Governador ,  e  unicamente  votou  o  contrario 
João  Velho  Barreto  ,  deixando  de  aífiílir  na  junta  por 
doentes  Duarte  Vaz,  e  Manoel  Delgado.  Affiaada  a  con- 
fulta  ,  fe  remetteo  ao  Príncipe  ,  que  com  grande  iatts- 
façaõ  do  que  eila  continha  a  mandou  aos  três  Eílados: 
e  examinada  ,  e  difeutida  nelles  a  ponderação,  com  que 
fora  lançada,  fevenceo  nos  Ecclefiaílicos  ,  e  Nobreza 
que  o  Príncipe  tomafse~  o  titulo  de  Governador ,  em 
quanto  durafse  a  vida  d<ElRey  ,  e  os  Povos  firmemente 
perfiítiraò  ,  em  que  devia  coroar-fe  ,e  o  Príncipe  gene- 
roíamente  declarou  ,  que  fe  conformava  com  os  Eccle- 
fiaílicos ,  e  Nobreza ,  agradecendo  aos  Povos  o  aííeclo , 
e  zelo ,  com  que  haviaó  votado ;  porém  elles  mal  fatis- 
feitos  de  naõ  confeguirem  o  feu  intento  ,  pertenderão 
acclamar  o  Príncipe  o  primeiro  dia  ,  que  fmifse  em  pu- 
blico 5  mas  chegando-lhe  eíla  noticia,  atalhou  com  pru- 
dentes diligencias  aquelle  empenho  ,  e  coníervou  o  ti- 
tulo de  Priacipe ,  e  Governador  até  a  morte  d'ElRey, 

Mm  que 


54*     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  <Iue  íuccedeo  no  Palácio  de  Cintra  a  doze  de  Setembro 
1668  cí°  anno  ^e  mil  e  fei^centos  oitenta  e  três ,  e  foi  íepul- 
'  tado  no  Convento  Real  de  Belém,  fendo  em  todo  o 
tempo  r  que  lhe  durou  ávida  ,  fervido  ,  e  refpeitado, 
como  era  juílo  ,  e  com  taõ  finas  attençoens  do  cuidado 
do  Frincipe,  que  he  difficii  poderem-fe  exprimir,  e  por. 
ferem  uniyerialmente  notórias  ,  deixamos  de  exorei- 
íalas.  * 

No  tempo,que  fe  gaitou  em  fe  tomarem  as  refolu- 
çoens  referidas  (  fendo  a  mais  alta  ,  e  de  maiores  con- 
sequências a  paz  de  Caífcella ,  de  que  daremos  conta  em 
lugar  mais  próprio,  por  fer  preciíb,  havendo  dado  prin- 
cipio a  eíta  obra  com  a  guerra,rematalla  com  a  paz)  cor- 
ria a  caufa  da  nullidadedo  Matrimonio  da  Rainha  (ten- 
do eleito  por  feu  Procurador  ao  Duque  do  Cadaval, 
que  em  aceitar  eíta  commifsaõ  deu  o  primeiro  teítimu- 
nho  de  juíliça  da  Rainha;  porque  a  naó  tomara  por  fua 
conta,  fe  a  tivera  por  duvidofa)  procefsando-a  D.  Fran- 
ciíco  Sotto-Mayor ,  Bifpo  de  Targa  ,  Coadjutor,  e  Pro- 
viíor  do  Arcebifpado  da  Sé  Metropolitana  de  Lisboa,  os 
Doutores  Valentim  Feyada  Morta  ,  Cónego  da  mefma 
Sé  ,  e  Vigário  Geral  do  mefmo  Arcebifpado  ,  Pantaleaõ 
Rodrigues  Pacheco,  do  Confelho  d'El-Rey ,  do  Geral 
do  Santo  Officio  ,  eleito  Bifpo  de  Elvas  ;  e  falecendo 
antes  da  fentença  ,  entrou  em  leu  lugar  Antaõ  de  Faria 
da  Silva,   Cónego  da  mefma  Sé ,  Deputado  do  Santo 
Officio,  e  da  Mefa  da  Confciencia  ,  e  Ordens  ,  efcre- 
vendo  na  CaulaSebaítiaõ  Diniz  Velho,  Defembargador 
■da  Relação  Ecclefiaítica  ,  Prior  na  Igreja  de  Santa  Ma- 
rinha :  e  obíervados  todos  os  termos  leeaes  ,  concluíb  a 
final  o  procefso  relatado  pelo  Bifpo  Coadjutor  ,  votan- 
do ,  além  dos  que  o  actuarão,  Manoel  de  Saldanha,  Su- 
milher  da  cortina  d'ElRey,  depois  Bifpo  de  Viieo,Fran- 
ciico  Barreto  ,  do  Conielhod<glRey ,  do  Geral  do  San- 
to Officio ,  depois  Bilpo  do  Algarve  ,  Nuno  da  Cunha 
Defsa  ,  que  com  louvável  exemplo  não  aceitou  o  Bif- 
-pado  de  Miranda  ,  Pedro  de  Ataide  de  Caítro  ,  Inquiíi- 
dor  aa  Inqmfição  de  Coimbra,  todos  Cónegos  da  Sé  de 
Lisboa,  *  .os  Defembargadores  da  Relação  Ecclefiaítica, 

os 


1 


P ARTE  11.  limo  XII.       J47 

os  Doutores  Gonfalo  Peixoto  da  Silva  ,  Cónego  na  mel-  \x\XlO 
ma  Sé  i  Gafpar  Barata  de  Mendoça,  Prior  da  Igreja  de  *    ,- 
Santa  Engracia,  Joaõ  dePafsosde  Magalhães  ,  da  de  S.  looo» 
Juliaõ  ,  Joaó  Serrão  ,  da  de  S.  Thomé  ,  todos  Juizes  no- 
meados pelo  Cabido.  E  na  Cafa  delle  em  preiença  dos 
Capitulares  examinado  o  procefso  por  cada  hu  dos  Jui- 
zes com  diligente  inquirição  ,  e  coníideração  madura, 
Sabbado  vinte  e  quatro  de  Março  do  anno  de  mil  e  fêi£ 
centos  feísenta  e  oito  ,  fuecedendo  fer  vefpera  de  Ra- 
mos ,  que  foi  o  meímo  dia  ,  em  que  a  Rainha  D.  Luíza 
fe  retirou  para  o  Convento  ,  em  que  faleceo ,  padecen- 
do os  pezares  ,  que  havemos  referido  ,  occaíionados  por 
íeu  filho  ,  fe  proferio  a  feguinte  fentença. 

AcordaÕ  em  Relaçxo  feita  emprefença  do  Cabido ,      rerentãii 
efiando  pref entes ,  além  dos  Miniflros  ordinários  delia ,  os  a  *eifav0r,  ' 
Juizes  nomeados  pelo  Cabido,  por  votar  na  caufa-,  &c. 
Que  viftos  eftes  autos  ,  libello  da  Rainha  noffa  Senhora 
Maria  Franci/ca  Ifabel  de  Saboya  ,  que  lhe  foi  recebido  , 
xontejlaçaõ  por  negação  do  Promotor  em  defeito  da  parte 
...  na  forma  do  eftylo  ,  prova  dada:  Mojlra-fe  ,  que  a  dita 
^Senhora  contrabio  Matrimonio  de  prefente  m  facie  Ec- 
-clefiae  com  o  SereniJJimo  Senhor  D.  AJfonfo  FL  Rcy  de 
Portugal    em  vinte  e  fete  de  Junho   do  anno  de  mil  e 
feifeentos  fejfenta  e  féis  na  Cidade  da  Rochella  ,  Reino  de 
França  ,   donde  a  dita  Senhora  veyo  a  ejla  Cidade ,  e 
nella   no  Palácio  Real  os  ditos  Senhores  viver aÕ  por  ef- 
paço  de  dezafeis  mezes  ,  fazendo  nefte  tempo  vida  mari- 
tal. Moftra-fe  ,   que  no  efpaço  deíles  ,  intentando  ambos 
confummar  o  dito  Matrimonio  ,   o  nio  puder aô  fazer , 
jipplicando  a  diligencia  moral ,  que  fomente  de  direito  fe 
requere ,  por  caufa  da  impotência  do  dito  Senhor ,  pro- 
cedida da  enfermidade  ,  que  teve  ,  fendo  menino  ,  na  dita 
idade  incurável  ,  e  )ã  agora  irremovivel  por  arte  huma- 
na; o  que  tudo  fe  prova  fuperabundant emente ;  pelos  me- 
yos  approvados  por  Direito  ,  com  os  quaes  o  dito  impedi- 
mento fica  em  termos  de  certeza,  ao  menos  moral)  nos 
quaes  termos  fe  não  requere  infpecçdo  ,    nem   experiên- 
cia triennal ,  ou  de  outro  tempo  arbitrario%  0  que  tudo 

Mm  i  v*M 


548     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno^í^  com  ornais  dos  autos  ,  edfpoficao  de  direito,  )uT- 

1668    ^  °  ^t0  Matrimonio  contrahido entre  os  ditos  Sereníffi- 

«  u      •  mos  Senhores,  por contrahido  defaão  ,  e  naõ  de  Direito, 

e  o  de  ciar  io  por  nullo  ,  e  que  os  ditos  Senhores  poderão 

fazer  de  fi  o  que  bem   lhes  parecer  ,    e  que  haja  divi- 

zio  de  bens  ,  na  forma  de  feus  contratos. 

Publicou-fe  a  fentença  referida  ,  e  fabendo  a  Rai- 
nha ,  que  eftava  defobrigada  dos  laços  do  Matrimonio, 
mandou  declarar  a  cada  hum  dos  três  Eítados  ,  que  em 
virtude  da  feu tença  dada  a  feu  favor ,  determinava  fem 
dilação  voltar-fe  para  França ,  o  que  naó  podia  conjfe- 
guir  fem  a  reílituiçaô  do  feu  dote;  e  que  reconhecen- 
do a  inteireza  das  ÍQys,  e  a  verdade  dos  ânimos  dos  Por- 
tuguezes,  eíperava  ,  que  fem  embaraço  ,  nem  demora 
ie  lhe  entregafse  o  feu  dote :  e  no  mefmo  tempo ,  que 
executou  eíta  diligencia,  fez  avizo  pela  poíta  a  Luiz  de 
.Varju  Inviado  dos  Duques  de  Vandofma  ,  que  aíliítia 
.em  Lisboa  ,  e  a  Rainha  havia  mandado  a  Pariz  ,  (  como 
já  referimos )  o  dia  feguinte  ao  em  que  fe  recolheo  no 
Convento  da  Eíperança  ,  a  dar  conta  a  EIRey  ,  e  a  feus 
parentes  dos  juítiflcados  motivos  da  fua  refoluçaó;  e  de 
que  muito  tempo  antes  de  a  tomar  ,  fendo  manifeíta  a 
Incapacidade  d'ElRey,era  voz  commua,que  feria  a  ma- 
ior utilidade  do  Reino  celebrar-fe  o  feu  cafamento  com 
o  Principe  D.  Pedro :  o  qual  por  todas  as  acçoens  an- 
tecedentes ie  entendia  ,  que  naõ  havia  de  defviar-íe  de 
executar  tudo,quanto  feus  vafsallos  reco  nhecefsem, que 
era  utilidade  do  Reino. 

Lêo-fe  em  cada  hum  dos  três  Eítados  o  papel ,  que 
a  Rainha  remetteo  ,  e  a  cópia  da  fentença  dada  a  íeu  fa- 
vor na  feparaçaõ  do  Matrimonio  ,  e  uniformemente  fe 
entendeo  ,  que  convinha  á  coníervaçaõ  do  Reino  ajuí- 
tar-fe  ocalamento  da  Rainha  com  o  Principe  D.Pedro, 
'jijuja  fe  o  ca~  aílim  pelas  grandes  partes  ,  e  fmgulares  virtudes  ,  e  que 
(amèto  doprin-  era  dotada  ,  como  por  fe  confeguir  a  brevidade,  que  re- 
7h*ZJin»de  ^ueria  °  caíaméto  do  Principe,  por  fe  confervarem  uni- 
daieparaçat     carnente  na  íua  pefsoa  as  efperanças  da  fucçefaó  do  Rei- 
do  .Matrimonia  no ,  é  juntamente  pela  dilHcuIdade ,  que  fe  coníiderava 


em 


V ARTE  II.  LIVRO  XII.       m 

em  fe  haver  de  reftituir  com  brevidade  á  Rainha  o  íeu  Anna 
dote  »  que  fe  tinha  deípendido  nas  guerras  antecedentes    i/o 
com  todos  os  maisefíeitos  ,  de  que  podia  fahir  ette  dei-  looo. 
era  bolço  $  e  por  todas  eftas  prudentes  confideraçoens  , 
depois  de  dilatadas  conferencias,  fez  cada  hum  dos  três 
braços  confulta  ao  Príncipe  ,  em  que  largamente  fe  lhe 
moitrava  os  motivos  das  íuas  coniideraçoens  ,  pedindo- 
lhe  com  a  ultima  eíficacia  quizeíse  accommodar-le  ao 
commum  coníentimento  ,  e  utilidade  do  Reino  ,  e  ao 
rneímo  tempo  fez  igual  diligencia  o  Senado  da  Camera; 
Vio  o  Principe  as  coníultas ,  e  lêo  a  fentença ,  e  primei- 
ro que  fe  deliberafse  -,  mandou  naõ  fó  em  Lisboa  ,  mas 
em  outras  partes  do  Reino  encommendar  fervorofa- 
mente  a  Deos  pelas  pefsoas  devida  mais  exemplar  o 
acerto  daquella   refoluçaõ  ,  ecomeíle  faudavel  princi- 
pio ,o  parecer  dos  Letrados  mais  doutos,  dos  Miniítros 
mais  empenhados  nos  feus  acertos,e  do  Confelho  de  Ef- 
lado  refpondeo ,  queelle  eítava  prompto  para  executar, 
.o  que  fofse  mais  ferviço  de  Deos  ,   e  intereíse  da  Mo- 
narquia precedendo  a  vontade  da  Rainha.Oqrn  a  repol- 
ta  do  Principe  reprefentáraõ  á  Rainha  o  detejo  univer- 
sal de  todo  o  Reino  \  de  naõ  perder  a  fortuna  de  a  ter 
-por  Senhora,e  lhe  pedirão  aíFedtuolàmente  naõ  quizeíse 
jnal-lograr  taõ  bem  fundadas  propofíçoens  com  a  íua 
repugnância,  confentindo  aconclufaõ  deíeajuílar  o 
feu  def poio  rio  com  o  Principe  D.  Pedroi 

A  Rainha  depois  de  haver  ponderado  largamente 
todos  os  fucceísos  palsados,  e  todas  as  circunftancias 
prefentes ,  e  tratado  com  Deos  (  refignando-fe  na  fua 
vontade)  matéria  taõ  importante  ,  refpondeo,  que  obri- 
gada do  aíTe&o ,  que  devia  aos  Portuguezes  ,  e  das  ra- 
zoens  politicas-,  que  fe  lhe  haviaõ  reprefentado  conve- 
nientes áconfervaçaõ  do  Reino  ,   feajuftaria,  ao  que 
parecefse,  que  era  mais  juftificado  ,  e  mais  útil  ao  bem 
commum.  Conformes  as  vontades  de  ambos  os  Príncipes 
com  geral  contentamento  de  todos  os  vafsallos  ,  foraõ 
nomeados,  para  ajuílarem  os  contratos,  por  Procurado- 
res do  Principe  o  Marquez  de  Niza,  e  D. Rodrigo  de 
Menezesje  da  Rainha  o  Duque  do  Cadaval,e  o  Marquez 

Mm  3  de 


"5jo  PORTUGAL  RESTAURADO , 

Anno  de  Marialva,que  diligentemente  ajuftáraó  todas  as  pro- 
íbo 8   Poíi9oens?  que  parecerão  mais  adequadas  ao  fim  perten- 
dido. 

O  tempo,  que  fe  gaitou  nas  diligencias  referidas,  te- 
ve Luiz  de  Verju,  (avizando-o  repetidamente  a  Rainha 
da  vontade  do  Reino   na  concluía õ  do  feu  cafamentò  ) 
para  negociar  em  França  com  grande  prudência,  e  acti- 
vidade ,  o  caminho  de  fe  naõ  dilatar;  porque  fucceden- 
do  achar-fe  o  Cardial  Luiz  Duque  de  Vandofma ,  Lega- 
do á  latere  ,  com  poderes  amplilíimos  ,  que  lhe  havia 
dado  o  Pontífice  Clemente  IX. ,  em  virtude  delles ,  e  á 
Inftancia  de  Luiz  de  Verju  ,  pafsou  hum  Breve,  em  que 
diípenfava ,  pelos  fundamentos  da  íentença  dada  a  fa- 
vor da  Rainha  na  feparaçaô  do  Matrimonio  ,  no  impe- 
dimento de  publica  honeítidade ,  para  fe  poder  tratar  o 
caiamento  entre  os  Príncipes  D.Pedro  de  Portugal ,  e 
Maria  Frãcifca  Iíabel  de  Saboya  com  as  rneímas  razões, 
com  que  fe  difpenfara  aos  Reys  de  Polónia  Segifmundo, 
e  Joaõ  Cafimiro  „  que  ambos  cafaraõ  com  Luiza  Maria 
Gonzaga,  Princesa  de  Nemours,  fuccedendo  ofegun- 
do  irmaõ  ao  primeiro  no  Reinado,  e  no  Matrimonio. 

Nomefmo  inftante ,  em  que  Luiz  de  Verju  alcan- 
çou o  Breve  ,  recebendo  cartas  d'£lRey ,  e  de  todos  os 
parentes  da  Rainha,  em  que  applaudiraô  o  acerto  da  re- 
ioluçaó  do  cafamentò  do  Príncipe ,  partio  pela  pofta, 
e  chegou  em  breves  dias  a  Lisboa  ,  onde  foi  recebido 
çom  univerfal  contentamento;  porém  a  Rainha  queren- 
do  neítaacçaó  ,  como  era  todas *  a  maior  juítifieaçaõ, 
e  a  melhor  feg u rança  da  coníciencia  ,  mandou  a  Roma 
ao. feu  Confefsor  o  Padre  Francifco  de  Villes,da  Compa- 
nhia de  Jefus,a  impetrar  Breve  efpecial  do  Summo  Pon- 
tífice, que  declarafse  tudo  ,  quanto  fofse  conveniente  , 
para  naõ  haverem  matéria  taõ  grave  o  menor  efcrupu- 
loje  o  Príncipe  ordenou,  que  o  Confefsor  fofse  aíliítido 
com  tudo ,  o  que  era  preciíb  para  conféguir  a  brevidade 
da  fua)ornada,queem  pouco  tempo  fel icemen te  execu- 
tou ,  e  voltou  a  Lisboa  ,  havendo  alcançado  do  Pontífi- 
ce o  Breve  ,  que  fe  fegue. 

Aos 


P^RTE  II.  LIVRO  XII.       jyr 


1 


Atino 


Aos  amados  filhos  Diogo  de  Souja  primeiro  Inquifi*  j^g 
dor  no  O  flicto  da  lnquifiçaõ  contra  os  Hereges 
vos  Reinos  de  Portugal,  e  dos  Algarves,  António 
de  MendoçaCommtffario  geral  da  Bulia  da  Cru- 
zada, e  Deputado  no  mefmoOfficio  dahiqutfiçaÕ, 
Luiz  de  Souja,  Deão  da  Igreja  do  Porto  ,  e  Ma* 
noel  de  Magalbaens  de  Menezes ,  Arcediago  da 
Igreja  de  Évora, 

CLEMENTE  PAPA  IX. 

AMados  filhos ,  faude ,  e  Apoítolica  bençaõ.Pe-  cen/irmaoP*»* 
de  o  cargo  do  Officio  Paftoral ,  que  Deos  nos  «M 
tem  dado,  que  por  quanto  nos  he  concedido 
do  Ceo  ,  fegundo  as  leysda  juítiça,  e  da  pru- 
dência ,  procuremos  de  prover  no  eítado  ,  e 
quietação  de  todos  os  Fiéis  de  Chriíto,  e  principalmente 
das  pefsoas  altas.E  porque  o  conteúdo  de  huma  petição, 
que  nos  foi  dada  ha  pouco  tempo  por  parte  do  muito 
amado  filho  ,  Varaó  Nobre*  Pedro  Príncipe  de  Portugal, 
eda  muito  amada  em. Chriíto  rilha,  Mulher  Nobre, 
Maria  Iíabel  deSaboya  ,  Princeza  de  Nemours ,  que  a 
dita  Maria  Ifabel  Princeza,  depois  de  haver  contrahido 
o  caiamento  por  palavras  de  prefente  com  o  muito  ca- 
ro em. Chriíto  rilho  nofsoAttòníb  Rey  de  Portugal ,  e 
dosAlgarves,  e  viver  com  ella  por  eipaço  de  dezaíeis 
mezes  em  forma  de  caiados ,  havendo  experimentado 
a  impotência    delle    para  confummar   o  Matrimonio 
çom  copula  carnal ,  e  havendo  julgado  ,  que  a  dita  im- 
potência era  perpetua,  foi  adita  Princeza  neceflitada 
de  fua  coíciencia .  a  intentar  juizo  fobre  a  invalidade  do 
dito  caf  mento  diante  dos  amados  filhos  o  Vigário  Ca- 
pitular da  Igreja  de  Lisboa  ,  deputado  legitimamente 
naquella  Sé  Ar quiepil copal  vagante  ,  e  diante  do  Ca- 
pitulo ,  e  Cónegos  da  meíma  Sé  de  Lisboa  ,  que  por 
razaô  da  dita  Séifcr  vaga  tinhao  a  jurifdicçaõ  ordina- 

Mm  S  úz> 


tf*    PR07UGAL  RESTAURADO, 

Ânno  l°ia  »  e  diante  de  outros  Juizes  deputados  pelo  mefmo 
I<5Ó8  9apítuío  '  cCQn?g°s  juntamente  com  o  dito  Vigário 
*  Capitular ,  por  melhor  conhecimento  do  negocio,e  por 
mais  madura  determinação  da  caufa  ,  fahio  delles  hu- 
ma  íentença  declaratória  danullidade  do  dito  Matrimo- 
nio por  cauía  da  lbbredita  impotência ;  a  qual  íenten- 
ça fendo  lida  ,  e  manifeítada  ,  ao  dito  Rey  Affbnfo , 
foi  por  elle  Rey  em  voz  ,    e  em  efcrito  aceita.    De 
mais  que  querendo  ,  e  confentindo  a  meíma  Maria  Ifa- 
beiPrinceza,  eodito  Pedro  Príncipe  ,  irmã  õ  do  dito 
Rey  AíTonfo  corttrahir  Matrimonio   entre  fi  a  rogo 
das  Cortes  do  Reino  ,    que  entaó  eftavaõ  juntas  na 
Cidade  de  Lisboa  ,  para  procurar  por  eíle  meyo  a  quie- 
tação ,  e  tranquillidade  do  mefmo  Reino  ;    e  haven- 
do duvidado  os  ditos  Príncipes  ,  que  queriâõ  contra- 
hir,  fe  do  primeiro  Matrimonio  podia  refultar  entre 
elles  algum  impedimento  de  publica  honeílidade ,  de 
juitiça  recorrerão  ao  amado  Filho  nofso  Luiz  de  Van- 
doíma  Cardial  da  Santa  Romana  Igreja ,  que  entaõ  era 
Legado  á  latere  nofso  ,  e  da  Sé  Apoitolica  ao  muito 
charo  em  Chriílo  filho  noiso  Luiz  Rey  ChriiHaniífi- 
mo  de  França  :  o  qual  Cardial   Legado  havendo  con- 
cedido o  Breve  da  difpenfaçaó  ,  que  felhe  pedia  fobre 
o  impedimento  da  publica  honeftidade  ,  de  juitiça  di- 
rigido ao  dito  Vigário  Capitular  ,  eao  OíSekl  de  Lis- 
boa ,    e  a  cada  hum  delles  in  fatiium ,  foi  diípenfado 
por  hum  delles  fobre  o  mefmo  impedimento  da  pu- 
blica honeíHdade  de  juitiça  com  os  ditos  Pedro  Prín- 
cipe ,  e  Maria  Princeza ;  os  quaes  depois  contrahirao 
com  boa  fé  o  Matrimonio  entre  fi  na  face  da  Igreja, 
e  na  forma  do  Sagrado  Concilio  Tridentino,  eocon- 
iuminaraó  com  copula  carnal  com  próxima  efperança 
•de^futura-fuccefsaõ  ;  mas  porque  (como  a  mefma  peti- 
ção dizia)  os  ditos  Pedro  Príncipe,  e  Maria  Ifabel 
Princeza ,    como  muito  obfequiofos  ,  e  muito  devo- 
tos filhos  nofsos,  e da  Sé  Apoítolica,defejao  lummamen- 
te,  que  por  nós  le  dê  alguma  provífâô  em  tudo,  o 
que   nos  fizeraõ   expor    para    a  feguridade   da  con- 
lcienc\a  dtites ,  e  juntamente  pela  tranquillidade  do 

dito 


PARTE  II  LIVRO  XIL        jjj 

dito  Reino :  Nós  havendo  .primeiramente  coníultadó  XfiriO 
com  grande  madureza  tudo  ifto  com  alguns  dos  vene-     ,,„ 
raveis  irmãos  ,  nofsos  Cardiaes  da  mefma  Santa  Roma-  *  00 *  . 
na  Igreja  ,  e  com  outros  Varoens  graviíiimos ,  e  emi- 
nentes na  doutrina  dos  fagrados  Cânones,  eTheolo- 
gia  ,  na  fabedoria  ,  e  prudência  ,  e  negócios  muito  ver- 
iados  ,  e  querendo  por  quanto  podemos  em  Deos  >  fa~ 
vorecer  benignamente  os  ditos  Pedro  Principe ,  e  Ma- 
ria Iíabel  Princeza ,  abfolvemos,  e  por  abíol vidas  jul- 
gamos em  virtude  deitas  letras  ambas  as  pefsoas  dos  di- 
tos Principes  de  todas  as  excommunhóes  ,  íufpenfoens , 
interditos ,  e  de  todas  as  mais  Eccleíiaíticas  ienten- 
ças  ,  ceníuras  ,  e  penas  d )ure  vel  ab  homine  ,  que  eriiT 
qualquer  occaíiaô  ,  ou  por  qualquer  caufa  fofsem  en- 
corados (  fe  em  alguma  maneira  puderaõ  encorrer)  pa- 
ra que  poísaó  fomente  confeguir  oseffeitos  deitas  nof- 
fas  letras. 

E  havendo  nós  por  bem  confentir  ás  petiçoenv 
que  em  nome  delles  nos  foraó  humildemente  repre- 
fentadas  ,  e  confirmadas,  e  confiando  muito  em  Deos  da 
vofsa  fé  ,  doutrina  ,  prudência  ,  e  inteireza  ,  para  com- 
nofco,  com  a  mefma  Sé  Apoítolica,e  não  tendo  Nós  no- 
ticia certa  de  tudo  o  acima  dito  ,  que  em  nome  dos 
mefmos  Principes  nos  foi  reprefentado ;  ordenamos, 
e  mandamos  á  vofsa  difcripçaõ  ,i  em  virtude  das prefen- 
tes  letras  ,  que  vós  todos  juntos  ,  ou  ao  menos  três 
de  vós  ,  fe  algum  for  legitimamente  impedido  ,  e  nao 
poisa  aíliftir  ,  tomeis  do  que  fe  me  tem  reprefentado 
diligente  inquirição,  eexá&a  informação  ;  e  fe  pela 
dita  inquirição  ,  e  informação  vos  confiar  da  verdade 
domefmo  ,  que  fe  nos  repreíentou  ,  e  particularmen- 
te ,.  que  o  dito  primeiro  caía  mento  entre  o  dito  Affon-' 
fo  Rey,  e  a  dita  Maria  Iíabel  Princeza,  como  fe  diz- 
contrahido  ,  nunca  foi  confummado  com  copula  car- 
nal,íobreo  que  encarregamos  grayemente  a  confciencia 
de  cada  hum  de  vós  ,  com  authoridade  nofsa  Apoftoli- 
ca  \  em  quanto  for  necefsario  ,  rafgueis  d ifso lavais , 
rompais,  eannulleis,  ainda  contra  a  vontade  do  dito  \ 
Aíibnfo.  Rey ,  o  vinculado  primeiro  $*b  Matrimoniai 

contra- 


n 


1 


fU  POVfVGAL  RESTAURADO, 

A-nnOCOIltrahicío>  c°mo  íe  diz  ,  entre  adita  Maria  Ifabel 
éfâáê  ppirtõeza,  eomeimo  Affonio  Rey,  depois  declarado 
'nullo,  nem   confummadó  nunca  com  copula  carnal, 
e  também  em  caio  ,  que  confiou  no  principio  ,  e  de 
prefente  coníta ,  ou  em  algum  tempo  pofsa  parecer , 
que  conftcu  ,  e  coníle  ,  que  fo ise  ,-  e  ièja  valido.  E  vos 
mandamos  também  ,  que  com  a  mfma  noísa  authori- 
dade  difpenfeis  os  ditos  Pedro  Principe ,  e  Maria  Ifa<- 
bel  Princeza  nefte  impedimento  de  publica  honeftida- 
de  ,  de  juítiça  ,  em  tal  maneira  ,  que  pofsaô  livre  ,  e 
licitameute  continuar  no  ditoiegundo  cafamento  ,nao 
obíbante  o  meímo  impedimento,  etudo  ornais  refe- 
íidp  acima  ,  e  quaefquer  outros  impedimentos  ,  oue 
j>ude£sem  haver  em  qualquer  maneira  ,  ou  que  pufk"- 
fem  reiultar,  e  apparecer  em  algum  tempo;  naó  ob- 
ítaiite  também  quaefquer  ConíHtuições  Apoítolicas  de 
Concilios  Geraes  ,  Provinciaes  ,  e  Synodaes  ,  e  qual- 
quer outra  mais  eípecial ,  ou  geral ,  que  íeja.  Quere- 
mos também ,  que  vós  determineis  com  a  nolsa  mer- 
ina aufhoridade  >  que  tudo  o  acima  dito,  que  haveis 
de  fazer  ,  e  conceder  em  virtude  das  prelentes  letras, 
aproveite  ,  e  valha  em  tudo ;  e  por  tudo  aos  ditos  Pe- 
dro Principe ,  e  Maria  Iíabei  Princeza  ,  do  dia  ,  que  fe 
contrahió  o  dito  íegundo  Matrimonio  j  e  como.feef- 
tas  prefentes  letras  foraõ  concedidas  antes  do  contra- 
to delle ;  e  executada  por  vós  na  forma ,  e  conteúdo 
nellas  ,  declarando,  pronunciando,  e  determinando  por 
legitima  a  fuccefsaõ  concebida  ,  ou  nafcida  ,  e  também 
a  de  conceber-fe:,  ounaícerdo  ditofegundo  Matrimo- 
nio contrahido  (como  lediz  )  com  boa  fé.,-  e  na  face  da 
Igreja ;  porque  Nós  com  todo  o  poder  Apoílolico  vos 
damos,  e  concedemos  em  virtude  deitas  letras  facul- 
dade para  fazer  todas  ,   e  cada  huma  das  coufas  acima 
referidas.  Decretamos  mais ,  que  ainda'  que  o  dito  Af- 
fonfo  Rey  ,  ou  outras  quaefquer  pefsoas  dignas  de  fer 
exprefas ,  e  nomeadas  efpecifica  ,  e  individualmente , 
portarem  as  ditas  coufas  algum  intereíse  ,  ou  quepof- 
iaõ  em  qualquer  maneira  pertender  de  havello  ,  nem 
hajaõ  confentido.,  nem  fejaõ  eirado  chamados  ,  cita- 
dos, 


PARTE  II.  LWRO  X/7.       )fà 

dos ,  e  ouvidos,  e  ainda,  que  as  caufas,  pelas  quaes  foraó  Anno 
dadas  eitas  letras  ,  naò  fejaò  fufficientemente  verifi-         ~ 
cadas,  e  juftificadas,  ou  par  outra  qualquer  caufa  le-  *«P* 
gitima  ,  juridica  ,  e  privilegiada  ;  ou  por  qualquer  côr, 
e  pretexto  tirado  ainda  do  Direito  ,  eítas  prefeates  le- 
tras ;  etudo  o  conteúdo  nellas  ,  nunca  ,  e  em  nenhum 
tempo  poísaó  fer  notadas  ,  retratadas ,  ou  violadas  com 
algum  pretexto  de  fubrepçaó  ,  obrepçaõ  ,  ou  nullida- 
de,  nem  qualquer  defeito  da  nofsa  intenção,  ou  do 
confenfo  ,  dos  que  tem  ,  ou  podem  ter  interefse  ,  ou 
por  qualquer  outro  defeito  por  grande  ,  e  fubítancial, 
quefeja,  e  que  requeira  huma  particular  ,'e  indivi- 
dual declaração  ,  nem  contra  ellas  qualquer  pefeoa  pof- 
fa  intentar,  ou  impetrar  nenhum  remédio  de  Direito 
de  fado  ,  ou  de  graça  ,  nem  valer-fe  ,  e  aproveitar-íe 
delle,  feja  impetrado,  feja  concedido  de  moto  pró- 
prio, e  com  total  poder  de  authoridade  Apoítolicaj  mas 
queremos,  e  decretamos,  que  eítas  me  imas  letras  fi- 
quem para  fempre  firmes ,  e  valiofas  ,  e  tenhaõ  feu  in- 
teiro efFeito  ,  eque  valhaò  em  tudo,  e  por  tudo  fem 
limitação,  ao  dito  Pedro  Principe,  e  Maria  Iiabel  Prin- 
ceza  ,  e  a  todos  os  mais  ,  que  de  prefente ,  e  em  qual- 
quer outro  tempo  pôde  pertencer.  E  aílim  ,  e  neíte 
i ó  ,  e  naó  em  algum  outro  modo ,  queremos.,  que  fe 
julgue  ,  e.  determine  fobre  o  acima  referido  ,  por  to- 
dos os  Juizes  ordinários  ,  e  delegados  ,  fejaõ  Audito- 
res das  cautas  do  Palácio  Apoítolico  ,  fejaó  Cardiaes  da 
Santa  Romana  Igreja  ,  ainda  Delegados  delatere/ou 
Núncios  da  Sé  Apoílolica,  ou  quaefquer  outros,  que  te- 
nhaó  ,  ou  fpofsaõ  ter  qualquer  preeminência^  e  poder: 
aos  quaes,  e  a  cada  qual  delles  tiramos  toda  a  facul- 
dade ,  e  authoridade  de  julgar  ,  e  determinar  em  ou- 
tra maneira.  E  declaramos  vaô  ,  e  nullo  tudo,  o  que  fe 
attentará  fobre  eítas  coufas  por  qualquer  pefsoa;  com 
qualquer  authoridade fciente,  ou  ignorantemente  >na4 
òbítatite  todas  as  caufas  acima  ditas  ,  e  a  regra  da  nofsa 
Chancellaria  Apo itálica  de  jure  quzfito  non  tollendo  da 
bemaventurada  memoria  de  Bonifácio  Papa  VIII.  nol- 
fo  predecefsor  por  huma  parte  da, dita  regra  do  Conci- 
lio 


556  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Armo  lio  GeraI ♦ :  por  duas  partes ,  e  todas  as  mais  Conítitui-. 
çoens  ,  e  Ordenaçoens  Apoítolicas  feitas  nos  Coníeliios 
Geraes,  Provinciaes,.,  e  Synodaes,  e  qua/íqtier  outras 
çoufas  em  contrario.  Dada  em  Roma  perto  de  Santa 
Maria  Maior  debaixo  do  annel  pifcatorio  ,  aos  dez  dias 
cie  Dezembro  de  mil  e  íèiícentos  feísenta  e  oito  ,  e  do 
nofso  Pontificado  o  anno  fegundo. 

Depois  de  recebido  o  Breve  relatado  ,  e  admittido 
o  Príncipe  ao  reconhecimento  da  Sé  Apoílolica,  haven- 
do paísado  vinte  e  fete  annosde  conítantes  ,  e  Ca  th  ©li- 
ças diligencias  ,  (como  largamente  havamos  referido 
neíla  ,  e  na  primeir  a  parte  deita  Hiíloria)  deu  o  Prin- 
.cipe  as  graças  ao  Pontífice  da  concefsaò  do  Breve ,  e  re* 
çebeo  a  relpoíta  feguinte. 

Ao  muito  Alto^  ao  muito  amado  noflo  filho  em  Chrii 

Jto  o  Pr it) cipe  D.Pedro  ,  trmaÕd'ElReyde 

Portugal ,  e  dos  Algarves 

CLEMENTE  PAPA  IX, 


•Uito  amado  Filho  nofso  em  Chriíto,  íaude, 
e  Àpoítolica  benção.  Certameteobrámos  em 
vofsa  prefente  caufa  com  todo  aquelle  favor 
que  os  fagrados  Cânones  permittenij  e  íabé- 
do  agora  por  vofsa  carta  ojnuito  ,  q  agrade- 
cefteseíle  Pontifical  beneficio  ,  recebemos  deita  fignifi* 
caçaõdevofso  animo  grãdiííimocontentamento.Porém 
as  graças,  que  não  menos  pia,  queafFe&uofamente  nos 
dias,  que  o  mefmo  negocio  requere  ,eNós  juntamente 
volo  pedimos  as  queirais  principalmente  dever  á  benig- 
nidade deita  Santa  Sé,  e  reconhecer  delia  o  beneficio 
recebido  ,  o  que  cumprireis  perfeitamente  ,  femoítrar- 
dè^como  verdadeiramentefazeis  ,  terçada  vez  maior 
cuidado  ,  e  afíeiçaõ  para  com  as  coufas  pertencentes 
i  mefma  Santa  Sé  ,  e  á  Religião  Catholica  ,  imitando 
nifto  a  antiga  devoção"  dos  Príncipes  de  Portugal,  ea 

gloria, 


PARTE  II.  LIPKO  Xll.       tf? 

gloria  ,  que  puzeraõ  em  obedecer  á  mefma  Sé,  Porque  AnilO 
■iè  foi  em  algum  tempo  necefsario  procurar  de  reíHtuir  ss» 
ascouías  tocantes  á  igreja,  e  ao  culto  Divino  ao  feu  uo* 
primeiro  efplendor  ,  hoje  particularmente  o  requerem 
a  muita  falta  de  Paílores  ,  e  os  tempos  de  huma  guer- 
ra taó  prolongada.  Mas  confiamos  ,  que  brevemente 
fe  repararão  todoseftes  detrimentos  com  o  fingular  ze- 
lo ,  e  prudência ,  com  que  haveis  de  ajudar  nolsos  cui- 
dados .,  e  a  applicaçaõ  dos  Bifpos.  No  tocante  á  mifsao 
de  hum  Embaixador  de  obediência  ,  de  que  efcreveis, 
quando  chegar ,  o  receberemos  com  boa  vontade,  e  ho- 
norificamente ,  como  hc  juífco.  Entre  tanto,  muito  ama- 
do filho  ,  vos  damos  com  o  mais  fyncero  affè^lo  ,  que 
podemos  ,  a  Apoftolica  benção.  Efcrito  em  Roma  jun- 
to a  S.  Pedro  íbb  o  aunei  do  Pefcador  aosdous  dias  de 
Abril,  oanno  do  Senhor  de  mil  e  feifcentos  fefsenta  e 
.nove  ,  o  íegundo  do  noíso  Pontificado. 

Juftificadas  as  premiísas  do  Breve  de  Sua  Santidade, 
de  que  foraó  Juizes  Diogo  de  Souía,  ( depois  Arcebifpo 
de  Evçra  )  António  de  Mendoça  ,  e  Luiz  de  Soula  ,  que 
também  foraó  depois  Arcebiipos  de  Lisboa ,  Martim 
Affonfo  de  Mello,  depois  Bifpo  da  Guarda ,  e  Manoel 
de  Magalhães  de  Menezes,  foi  porelles  dada  a  feguinté 
Tenrença. 


Chrifti  ttomme  ínvocato. 

Vlftoseítes  autos,  Breve  de  Sua  Santidade ,  pelo 
qual  nos  commette  a  difpoíiçaõ  do  impedimen- 
to publica  honeflatis  ,  de  que  nelle  fe  faz  menção  ,  arti- 
gos juftiíicativos ,  e  prova  a  elíes  dada,  documentos 
juntos ,  e  mais  certidoens  juntas :  Moílra-fe  que ,  fen- 
do ca  fado  o  Sereniííimo  Senhor  Rey  D.  Affònfo  VL  de 
Portugal ,  e  dos  Algarves  ,  com  a  Serenifíima  Senhora 
•  Princeza  de  Nemours  Maria  Frãcifca  Ifabel  de  Saboya, 
a  dita  Senhora  obrigada  de  fua  confciencia  propoz  em 
juízo  a  nullidade  do  dito  Matrimonio,  que  de  fado 
havia  contrahido  com  o  dito  Senhor  Rey  D.  Afibnfo 

por 


55$  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anuo  Por  cau&  da  impotência  perpetua  ,  que  nelle  havia, 
1668  Para  Poder  coiífunimar  o  dito  Matrimonio  ,  como  em 
V{JÕ*  effeito  naõ  havia  coníiimmado  em  difcurfo  de  dezaièis 
mezes  ,  que  viverão  ,  como  marido  ,  e  mulher ;  a  qual 
cauía  correo  diante  do  Vigário  Geral  deite  Aicebiipa- 
$o  de  Lisboa  ,  e  dos  Juizes  nomeados  pelo  Cabido  Se- 
de vacante  ,  a  quem  pertencia  o  conhecimento  delia 
conforme  a  Direito.  Moítra-íe  ,  que  na  dita  caufa  fe 
procedeo  até  final  fentença  ,  na  qual  fe  julgou  ,  e  de- 
clarou por  nullo  o  dito  Matrimonio  contraindo  entre 
os  ditos  Senhores ,  por  cauía  da  dita  impotência  per- 
petua do  dito  Senhor  Rey  D.  AfFonfo  ,  para  poder  con- 
fumar  o  dito  Matrimonio  com  a  dita  SereniíTima  Senho- 
ra Princeza  Maria  Francifca  Ifabel  deSaboya.  Moftra- 
fe  ,  que  eíta  fentença  foi  publicada ,  e  notificada  judi- 
cialmente ao  dito  Senhor  Rey  D.  Affonfo  ,  o  qual  de-* 
clarou  por  termo  feito  pelo  EfcrivaÕ  dos  autos ,  e  af- 
fignadd  pelo  mefmo  Senhor  ,  que  queria  ,  que  fe  cum- 
prifse  ,  nem  queria  appellár  da  dita  fentença.  Moítra- 
fe  ,  que  os  três  Eítados  do  Reyno  de  Portugal  ,  e  dos 
Algarves  ,  queeítavaô  no  dito  tempo  juntos  em  Cor- 
tes, pedirão»  e requererão  ao  SereniUimo  Senhor  D. 
Pedro  Príncipe  de  Portugal ,  e  Regente  do  Reino  qui* 
zefse  cafar  com  a  Sereniffima  Senhora  Princeza  Maria 
Francifca  Ifabel  de  Saboya  >  para  quietação  do  Reino, 
e  fegurança  de  fua  Real  iiiccelsaõ  j  e  o  mefmo  requeri- 
mento ,  e  petição  fizeraõ  á  dita  Sereniffima  Princeza.1 
Moítra^fe,  que  em  razaõ  do  impedimento  publica  hs* 
nefiatis  ,  que  havia  pata  o  dito  Sereniííimo  Senhor  Prín- 
cipe D.  Pedro  contrahir  efte  Matrimonio  com  a  dita 
Senhora  Princeza  ,  íe  recorreo  ao  Eminentiííimo  Se- 
nhor Cardial  de  Vandofma ,  Legado  álatere  de  Sua 
Santidade,  e  da  Santa  Sé  Apoítolica  ,  ao  muito  Chriítia- 
niíTimo  Senhor  Rey  de  França  Luiz  XIV.  para  que  dif- 
penfafse  nefte  impedimento  publica  honeftatis.  Moítra- 
íe  que  ,  vindo  o  Breve  da  difpeníaçaô  do  dito  Senhor 
Eminentiífimo  Cardial  commettido  ao  Vigário,  pupffi- 
tial  do  Arcebifpado  de  Lisboa  ,  íeapréfentou  ao  Bifpo 
cie  Targa ,  que  no  dito  tempo  fervia  de  Provifor  do  di- 
to 


PARTE  II.  LIVRO  XII.       ys9 

to  Arcebiípado  ,  o  qual  conforme  aos  poderes ,  que  lhe  Ànnp 
erao  comraettidos  ,  e  fazendo  as  diligencias  coítuma-  ..^ 
das  difpenfou  no  dito  impedimento  piihhcahcmejlatis  *uvw 
com  os  ditos  Senhores  Principes.  Moílra-ie,  que  em 
virtude  deíla  diípeníaçaô  ,  e  com,  boa  fe  delia  ,  fe^ra-  • 
ceb-o  oSereniffimo  Senhor  Príncipe  D.  Pedro  na  for- 
ma do  fagrado  Concilio  Tridentino  com  a dita  Serenif- 
íima  Senhora  Princeza  Mana  Franciica Ifabel  de  Sa- 
boya  \  e  confummáraò  Matrimonio.  Moítra-íe  ,  que  el- 
tando  os  ditos  Senhores.  Principes  em  boaie  caiados , 
e  recebidos  em  face  de  Igreja  ,  fazendo  vida  marital , 
para  maior  fegurança  de  fuás  confciencias  ,  ele  livra- 
rem d&eicru pulos ,  e  quietação  do  Reino  ,  recorrerão 
a  Sua  Santidade  ,  para  que  approvafse  ,  confirmai  se  ,  e 
ratiflcafse  o  dito  Matrimonio,  tirando-lhes  todos^os 
efcrupulos  ,  que  delle  poderiaõ  reíultar  ,  o  que  Sua 
Santidade  lhes  fez  graça  conceder  pelo  Breve  junto, 
commettendo  eira  caufa  aos  Juizes  delle  nomeados,  e 
para  que  achando  que  foi  verdadeira  a  fupplica  dos 
ditos  Senhores  Principes  impetrantes,  e  fazendo  as  di- 
ligencias, e  informaçpens  neceísarias  para  fe  informa- 
rem da  verdade  delia,  pudefsem  diipeniar  no  dito  im* 
-pedimento  publica  honefiaús  com  os  ditos  Senhores  Prin- 
cipes ,  e  outros  quaeíquer  impedimentos  ,  que  reíul- 
taísem  ,  extinguindo  ,  e  declarando  por  nullo  o  vinculo 
"do  primeiro  Matrimonio  ,  coatrahido  entre  o  Sereniíh- 
■mo  Senhor .  Rey  DiAífbnlb,  e  a  Sereniíiima  Senhora 
Princeza  Maria  Francifca  líabel  de  Saboya.  O  que  tu- 
do viílo  ,  e  coníiderado  ,  e  o  mais  ,  que  dos  autos ,  e  do 
ôppenfo  a  elles  junto  coníta  ,  au&orirate  Apoítolica 
a  nós  commettida  ,  havemos  a  narrativa  da  íup- 
plica  dos  ditos  Sereniílimos  Senhores  Principes  ^im- 
petrantes por  verdadeira  ,  e  as  premifsas  por  juítirica- 
-das  ;  e  na  forma  do  dito  Breve  difpenfamos  com  os  di- 
tos Sereniílimos  Senhores  Principes  ,  para  que  pofsaó 
-ratificar ,  continuar  ,  permanecer  no  Matrimonio  ,  que 
tem  contraindo  válida  ,  e  licitamente  ,  fem  embargo 
•do  dito  impedimento  publica  honeftatis ,  que  refultou  do 
t  rimeiro  Matrimonio  nullo  ,•  e  declaramos  por  legiti- 

í  ma 


ma. 


i668. 


56o     PORTUGAL  RESTA0I{AD0 , 

Atino  ma  >  e.naícida  de  legitimo  Matrimonio  a  Senhora  Ia-, 
fanta  D.  Iiabel ,  que  Deos  Noíso  Senhor  foi  fervido  , 
que  nafcefse  deíle  fegundo  Matrimonio  ,  e  por  legíti- 
mos ,  e  de  legitimo  Matrimonio  nafcidos  todos  os  mais 
filhos,  que  delles  naícerem  daqui  por  diante  ,  lera 
embargo  de  quaefquer  Ordenaçoens ,  e  Conítituiçoens 
Apoílolicas  em  contrario.  Lisboa  ,  dezoito  de  Feve- 
reiro de  mil  e  íeifcentos  íèfsenta  e  nove.  Diogo  de 
Soufa.  António  de  Mendoça.  Luiz  deSouía.  Martim 
AfTonfo  de  Mello.  Manoel  de  Magalhaens  de  Mene- 
zes. 

Tanto  que  chegou  de  França  Luiz  de  Verju  com  o 
Breve  do  Gardial  de  Vandofma  ,  íe  difpoz  a  forma  da 
celebridade  do  cafamento  do  Principe  ;  e  naõ  querendo 
elle  folemnidade ,  ou  ceremonia  alguma  mais  ,  que  as 
indiípenfaveis  ,  íinalou  para  fe  receber  a  primeira  oita- 
va da  Pafcoa  ,  em  que  fe  contavaõ  dous  do  mez  de  Abril 
defte  ultimo  anno  ,  que  efcrevemos,  de  mil  feifcen* 
tos  fefsenta  e  oito  j  e  nomeando-fe  por  Procuradores  q 
Marquez  de  Marialva  do  Principe  >  e  o  Duque  do  Cada- 
val da  Rainha  ,  osrecebeo  no  Paço  o  Bifpode  Targa  , 
aíliílindo  a  eíte  adio  unicamente  os  Gentis-homens  da 
Camera  do  Principe.  No  dia  linalado  pela  manhãa  ,  ás 
três  horas  da  tarde  fahio  o  Principe  do  Paço  acompanha- 
do de  toda  a  Corte :  chegou  ao  Convento  da  Efperança, 
apeou-fe ,  e  achou  a  Princeza  (  que  depoz  pela  feguran- 
^a  da  confciencia  a  vaidade  da  Coroa  ,  fujeitando-fe 
iem  repugnância  á  vontade ,  e  refoluçaõ  do  Principe)  na 
Portaria  do  Convento.  Sahindo  delia  ,  entrarão  ambos 
os  Principes  na  carroça  ,  paísaraó  á  quinta  de  Alcântara, 
Chegando  a  ella ,  entrarão  no  Oratório  ,  em  que  eítava 
o  Bifpo  de  Targa  ,  e  receberão  delle  as  bênçãos  matri- 
moniaes  taõ  felices  ,  que  pafsado  pouco  tempo  ,  ti  verão 
principio  asefperanças  da  defejada  fucceísaó  do  Princi- 
pe; e  refultou  delias  inflammarem-fe  de  novo  os  ânimos 
dos  Povos  na  pertençaõ  de  coroallo,  renovando  exquiíi- 
tas  diligencias  pelo  confeguir;porém  o  Principe  confian- 
te na  refoluçaõ  ,  que  afsentara ,  pafsou  hum  Decreto, 
para  que  os  três  Eítados  fejuntafsem  a  nove  de  Junho 
.  na 


^ 


PARTE  II.  LIVRO  XII.       jói 

ffà  fala  dos  Tu  dei  cos  ,  para  ler  jurado  Governador  do^nno 
Reino,  e  jurar  os  foros,  e  privilégios  ,  que  era  obri-    ,.~ 
gado  a  conceder  a  íeus  vafsallos.  No  dia  fmalado  fe  ce- 1 0o  8# 
lebrou  o  juramento  feguinte  com  as  ceremonias  cof- 
tumadas  em  fimilhantes  aftos  ,  e  com  univeríal  ap- 

plaufo. 

Juro  ,  eprometto  com  a  graça  de  Deos  regervos, 
e  govemarvos  bem  ,  e  direitamente  ,  e  adminifirarvos 
inteiramente  jufiiça  ,  quanto  a  humana  fraqueza  per- 
mitte ,  e  de  vos  guardar  vojjbs  bons  coftumes  ,  privi- 
légios ,  graças  ,  mercês  ,  liberdades  ,  e  franquezas, 
que  pelos  Reys  meus  predecejfores  vos  faraó  dados ,  ou- 
torgados, e  confirmados.  '_,     ~      *i 

EostresEílados  do  Reino  fizerao  a  Sua  Alteza  o 
feguinte  juramento. 

Juramos  aos  Santos  Evangelhos    corporalmente 
com  nojfag  mãos  tacados  ,  que  reconhecemos  ,  e  recebe- 
mos por  nojfo  Governador  ,    e  Regente   de  fies  Remos r, 
pelo  impedimento  perpetuo  de  Sua  Mageftade  ,  na  for- 
ma que-  o  temos  julgado  ,    ao  muito  Alto  ,    e  muito 
Excellente  Príncipe  D.  Pedro  ,  filho  legitimo  d'ElRey 
Z>.  João   o  IV.  >   e  da  Rainha  D.Luiza  fua  mulher , 
irmaõ  ,   e  Curador  do  muito   Alto  ,  e  muito  Podervfo 
Rey  D.  Afonfo  yl.  feu  verdadeiro  ,  e  natural  /ucceffòr 
na  Coroa  de  fies  Reinos  i  e  como  verdadeiros ,  *  naturaes 
fubditos  ,  que  fomos  de  Sua  Alteza  ,  lhe  fazemos  pleito, 
e  homenagem  ajfim  ,  e  da  maneira  ,  que  o  fizemos  aEl- 
Rey  D.  JoaÕ  o  IV  feu  pay ,  e  a  EIRey  D.  Apnfofeu 
irmaõ ,  que  agora  por  f eus  impedimennos  privamos  do  go- 
verno ,  e  coma  mefma  )urifdicçaõ ,  poder  ,  e authorida- 
de ,  com  que  fempre  fe  )uraraõ  os  Reys ,  e  Senhores  de  fi- 
ta Coroa  ,  e  obedeceremos  em  tudo  ,  e  por  tudo  a  jeus 
mandados ,  e  pizos  no  alto  ,  e  no  baixo  ,  e  faremos  por 
elle  guerra  ,  e  manteremos  paz  ,  a  quem  nos  mandar ," 
e  naõ  obedeceremos  ,  nem  reconheceremos   outro  _  algum 
Rey  ,  e  Senhor ,  falvo  a  elle.  E  tudo  ofobredito  )uramos 
a  Deos ,  e  a  efta  Cruz ,  e  aos  Santos  Evangelhos ,  em 
que  corporalmente  pomos  noffas  mãos  ,   e  éífftm  em  tu- 


e  por  tudo  o 


e  em  final  dafu)eiçaÕ  ,  ohe* 


JSÍn 


jòi     PORTUGAL  RESTAIKADO, 

Ârmodencia  ,  e  reconhecimento   do  dito  Senhorio,  e)urifàic~ 
668    $aS  ^ea^  ^ÍamoJ  ama*  a  Sm  alteza  ,  que  eftá  pre- 

Feitos  os  juramentos  ,  fe  pafsaraõ  em  nome  do  Prin- 
eipe  ,  como  Governador,  e  Regente  do  Reino  pelo  per- 
petuo impedimento  d'ElRey,  todas  as  ordens  ,  e  def- 
pachos  námefmg  forma,  que  fe  expediaó  quando  o  In- 
fante D.  Affonfo  Conde  de  Bolonha  pela  incapacidade 
d'EÍRey  D.Sancho  feu  irmaó  governou  o  Reino,  e  com 
o  poder  a&ual,  que  os  três  Eítados,  reparando  a  deítrui- 
çaó  da  Republica  ,  e  folicitando  o  feu  ellabelecimento, 
a  entregarão  ao  Príncipe  ,  ficou  elle  abfoluto  ,  e  pacifi- 
co  Governador  ,  eRey  em  todos  os  Reinos ,  e  Senho- 
rios de  Portugal  íem  contradicçaõ  alguma,  fendo  reco- 
nhecido por  eíta  forma  do  Pontífice ,  dos  Reys  de  Fran- 
ça ,  Caftella  ,  e  Inglaterra ,  que  receberão  feus  Embai- 
xadores ,  e  Inviados  na  mefma  forma  ,  e  com  as  mefmas 
preeminências ,  que  aceitavaõ  a  todos  ,  os  que  lhe  eraó 
mandados  pelos  mais  Reys  da  Europa;  merecida  fatis- 
façaõda  igual,  e prudente juíliça  do  Príncipe  ,juftifi- 
cada  em  todos  os  aclos ,  que  exercitou ,  principalmente 
na  igualdade,com  que  procedeo  no  trato  de  feus  vafsal- 
los  i  porque  entre  os  que  juramente  alfiíliraõ  a  EIRey, 
até  o  dia  da  fua  reclufaõ ,  e  os  que  dignamente  o  acom- 
panharão na  juíla  empreza  da  confervaçaõ  do  Reino, 
que  infalivelmente  durando  o  governo  d'E!Rey  pade- 
ceria a  ultima  ruina ,  naôfez  ,  nemno  trato  ,  nem  nas 
occupaçoens,  nem  nas  mercês  diíFerença  alguma ,  fa- 
zendo as  repartiçoens  iguaes  aos  merecimentos ,  conhe- 
cendo ,  que  todos  ,  ainda  que  por  diverfos  caminhos, 
concorrerão  nas  guerras ,  e  nas  politicas ,  para  a  defen- 
ia ,  e  fegurança  da  Monarquia. 

No  tempo  que  fe  ventilarão  nas  Cortes  as  matérias 
referidas ,  e  outras  não  menos  relevantes  ,  fe  ajuítou  o 
mais  importante  negocio,  de  que  eftava  dependente  a 
firmeza  ímmortal  da  gloria  das  Armas  Portuguezasjpor- 
queos  íuccefsos  contingentes  da  guerra  naõ  íe  podem 
chamar  felices  fem  9s  fegu ranças  infalliveis  da  paz,que 
desbarata  os  receyos  das  inconílancias  da  fortuna.  Con- 
tinuava 


^ 


PARTE  II  LIVRO  XII.        $6> 

tinuava  a  prizaó  do  Marquez  de  Elche  no  Caftello  de  AnflQ 
Lisboa  ,  onde  também  fe  achava õ  ,  como  havemos  re-    ^g 
ferido  ,  os  prifioneiros  de  maior  fuppofiçaó  das  bata-  l°09' 
lhas  do  Canal ,  e  Montes  Claros ,  que  eraó  em  grande 
numero  5  e  como  na  prizaò  lograva  toda  a  licita  liber- 
dade ,  naõ  lhe  eraô  occultos  os  fegredos  do  governo, 
e  com  as  noticias  ,  que  alcançava  ,  havia  defcoberto  o 
grande  defejo ,  que  os  Povos  em  Cortes  por  feus  Pro- 
curadores moftravão  de  fe  verem  livres  das  oppofiçoens, 
que  dá  a  guerra,  ainda  aos  vencedores^  e  por  outra  par- 
te reconhecia  o  grande  a  perto,em  que  eftava  a  Monar- 
quia deCaftella  ,  tanto  pelas  defordens  do  feu  governo, 
quanto  pela  pertendida  acção,  que  EIRey  de  França 
Luiz  XIV.  moílrava  ter  aos  Eítados  de  Flandres ,  rom- 
pendo a  guerra ,  por  avaliar  invalida  a  deíiílencia  da 
Rainha  fua  mulher  ,  quando  na  prefença  d'ElRey  D. 
Filippe  IV.fe  ajuítou  em  S.  Joaõ  da  Luz  o  feu  cafamen- 
to  ,  e  a  paz  entre  as  duas  Coroas.  Com  eftas  confidera- 
çoens ,  e  fer  a  paz  o  caminho  da  fua  liberdade  ,  inten- 
tou ,  e  confeguio  o  Marquez  de  Elche  ajudado  de  feus 
parentes  ,  e  de  todos  aquelles  ,  queeraõ  apparentados 
com  os  mais  prifioneiros  da  primeira  condição  ,  que  os 
Miniftros  de  Caílella ,  com  quem  a  Rainha  Regente  ie 
aconfelhava ,  lhe  íizefsem  entender ,  que  era  impoffivel 
confervar-fe  aquella  Monarquia  no  eílado  ,  ara  queíe 
achava  ,  fe  foise  obrigada  a  fuítentar  a  hum  mefmo 
tempo  as  formidáveis  guerras  de  Portugal,  e  França.  E 
como  a  neceífidade  extrema  deítroe  todos  os  impoííiveis, 
e  desbarata  todas  as  vaidades,depoíta  aquellas  tantas  ve- 
zes efpalhada  arrogância  dos  Caílelhanos  ,  e  aquelles 
tão  reperidos  ameaços  á  Coroa  de  Portugal ,  que  tmhao 
todo  o  mundo  por  teítimunha,ufando  do  coníelho  íau- 
davel ,  e  cedendo  ás  inftancias  dos  mefmos  authoresdos 
males  pafsados ,  deliberou  a  Rainha  Regente  conceder 
poderes  ao  Marquez  de  Elche  ,  para  negociar  que  o 
Príncipe  de  Portugal  admittifse  Tratado  de  paz  de  Rey 
a  Rey  ,  decorofa  ,  e  útil  á  fua  Coroa,  e  promptamente  ™«»9spgr   • 
fe  lhe  pafsarão  todas  as  ordens,  e  poderes  neceisanos  varias  diligen: 
para  confeguir  eíle  intento.  Recebe-as  o  Marquez  de  (us*^, 
r  Nn  *  biche 


5^4  PORTUGAL  RESTAURADO, 

Anno  Elche  com  o  contentamento  fundado  nas  efperanças  da 
l66S  ÍUa  libeFdade  >  e  no  remédio  da  fua  Pátria  j  e  a  primeira 
•  diligencia  ,  que  executou,  e  teve  por  mais  conveniente, 
foi  o  publicar  em  Lisboa ,  e  em  todo  o  Reino  por  todos 
os  caminhos ,  que  lhe  foi  poilivel ,  que  tinha  poderes  da 
Rainha  de  Caítella ,  para  tratar  da  paz  com  todos  os  in- 
terefses  ,  que  Portugal  quizefse. 

Os  plaufiveis  eccos  deitas  fuaves  vozes  foarão  com 
agradável  conionancia  nos  coraçoens  dos  Povos  ,  e  to- 
marão nelles  forças  tão  vigorofas,que  deíejando  o  Prín- 
cipe atalhallas  ,  por  felhe  oíferecerem  razoens  muito 
forçofas,  para  entrar  em  outras  coníideraçoens,  lhe  não 
foipoifivel  confeguillo,  porfer  maior  o  Poder  Divi- 
no., que  confundia  as  fuás  diligencias»  A  caufa  mais  po- 
de roía  y  que  obrigava  ao  Príncipe  a  não  querer  admit- 
tir  a  paz  de  Caítella  ,  era  o  Tratado  da  liga  offeníiva ,  e 
defenfiva ,  que  EIRey  D.  Aíibnfo  havia  ajuítado  com 
EIRey  de  França  pelo Àbbade  de  S.  Romem  ,  que  veyo 
a  eíte  Reyno  fó  a  coníe&uir  eíta  negociação ,  como  aci- 
ma referimos  r  e  mereceo  por  ella  o  titulo  de  Embaixa- 
dor ,  e  juntamente  pelas  muitas  partes,  de  q.ueera  dota-* 
do*  Tanto  que  o  Abbade  teve  noticia  da  anciã  implacá- 
vel ,  com  que  os  Caífcelhanos  folicitavão  a-paz ,  deter* 
minou  atalhar  as  diligencias  do  Marquez  de  Eliche ,  e 
embaraçar  o  prejuízo,  que  no  ajuítamento  da  paz  pade- 
cia a  Coroa  de  França;  e  obrigado  deitas  confidera- 
çoens  ,  reprefentou  com  prudente  ardor  ao  Príncipe  > 
a  todos  feus  Miniítros,  e  aos  Procuradores  das  Cortes  as* 
grandes  re forçofas  razoens  ,  que  o  Príncipe  tinha  ,  pa- 
ra não  quebrar  a  liga  r  e  conféquentemente  não  ajuítar 
a  pazcom  osCaítelhanos,  não  fópela  obrigação  de  fuí- 
tentar  o  Tratado,que  EIRey  feu  irmão  havia  feito  com 
EIRey  de  França  j  pois  tomara  com  o  Reyno  as  obri- 
gaçoens  da  Coroa  ,  fenão  pelas  attençoens  ,  e  benefí- 
cios ,  que  Portugal  devia  a  EIRey  Chriítianiiíimo ,  pois 
feempenhara  íempre  com  innumeraveisdemonítraçôes, 
e  difpezas  de  fazenda  ,  efangue  de  feus  vaflallos ,  pela 
fuadefenfaj  e  juntamente  por  naõ  fer  poínVel  confe- 
g^ir-fé  ,  quea  paz  d^  Caítella  fe  ajuítafse  com  feguras 

vanta- 


r" 


VA&TE  II  LIPKO  XII.       56? 

vantagens  a  Portugal  na  forma  ,  que  fe  propunha;  pois  &mo 
faltava  a  intervenção  d^lRey  de  França ,  em  quem  ío  g 

confiftia  a  certeza  de  fe  nao  quebrantarem  a  prometo ,  *00  P« 
econdiçoensdo  tratado  da  paz  i  porque  os  Caftelna- 
nos  receofos   dos  exércitos  de  França  ,  e  Portugal  acei- 
taria*) a  paz  com  todas  as  propoíiçoens  ,  que  o  Prín- 
cipe, e  como  vencedor,  quizefse  impor-lhes ,  ate  que 
com  o  beneficio  do  tempo  pudefsem  reftaurar  osaper- 
tos,  que  padeciao;  que  poucos  dias  de  dilação  nao 
eraÕ  perder  a  conjuntura  ,  fendo  tao  pouca  a  àiMwm 
de  Portugal  a  França,que  avizafse  o  Príncipe  a  LlKey , 
remettendo-lhe  a  cópia  das  propoítas  dos  Caílelhanos, 
eque  com  a  fua  refpoíla  deliberafse  o  que  entendefse, 
<gue  era  mais  conveniete  á  confervaçao  de  feus  vafsallosj 
confiderando,  que  os  Caílelhanos  fó  attentos,  fem  outra 
dependência,  aos  próprios  interefses,  naõ  fuftentariao  o 
tratado  da  paz  ,   como  em  repetidas  occafioens  haviao 
feito  ,  mais  que  o  tempo  ,  que  lhe  duraíse  a  ímpoíhbi- 
lidade  de  continuar  a  guerra  5  multiplicando-lhes  o  ódio 
antizo  ,  e  entranhavel ,  que  fem  pre  tivera  o  aos  Por- 
tucuezes ,  as  próximas  infelicidades  ,  de  que  os  léus  va- 
lorofos  braços  haviaõ  fido  inílrumentos  ;  por  cujo  rei- 
peito  em  todos  osfeculos  futuros  procuranao  ou  por 
força  ,  ou  por  arte  ,  ou  por  alianças  unir  outra  vez  a 
Coroa  de  Portugal  á  Coroa  de  Caítella  ,  para  coniegui- 
rem  vingança  taõcruel ,   que  íicafse  memoria  da  No- 
breza ,  efpalhando  por  todo  o  mundo  os  que  elcapal- 
i>m  dos  tormentos,  e  venenos;  nem  nos  Povos  cabe- 
daes,  com  que  pudefsem  outras  vez  confeguir  íacodirem 
©  feu  tyranno  ,  e  pezado  jugo» 

No  mefmo  ponto  ,  que  chegou  eíta  propoíta  as 
mãos  do  Marquez  de  Eliehe  *  que  foi  poucas  horas  de- 
pois de  a  oíferecer  ao  Principeo  Abbade  de  S.  Romem , 
confeguindo  as  inteíligêcias  do  Marquez  nao  fe  lhe  di- 
latar eíte  avizo  ,  fez  hum  papel ,  em  que  contradizia  as 
propoíiçoens  do  Abbade ,  que  efpalhou  naõ  fó  pela 
Corte,  mas  por  todo  o  Reino,  cuja  fubílancia  era  i 
que  os  artifícios  de  França ,  para  augmentar  o  feu  po- 
der ,  diminuindo  «forças  alheyas,  eraõ  taô  notórios 

Nn  3  PP 


iM 


I 

HH 


$66  PORTUGAL  RESTAURADO , 

Anno  no  mundo.,  que  faó   graades  encarecimentos  os  caíbs 
l662.osrzlao  matufeít°s,  eque  neíte fentido  era  íbm  du- 
vida ,  nem  controverfia  alguma  ,  que  os  f occorros ,  que 
osFrancezes  haviaodado  a  Portugal  no  tempo,  em  que 
durara  a  guerra  ,  foraõ  íó  com  ointento  deabater  com 
as  mãos  alheyas  o  formidável  poder  de  Caítella  ,  para 
que  com  eíta  politica  pudefsem  ficar  poderoíbs  contra 
ambos  os  Príncipes.;  e  que  naõ  podia  haver  prova  mais 
certa  delta  verdade  ,  nem  demonítraçaõ  mais  clara  da- 
quella  lafallivel  propofiçaõ  ,  que  a  paz  celebrada  em 
à.  João  da  Luz  ,  onde  EIRey  de  França  havia  promet- 
tido  pefsoalmente  a  EIRey  D.  Filippe  IV.  e  firmado  nas 
capitulaçoens  do  cafamento,  que  confeguio  com  a  Prin- 
ceza  fua  filha  ,  que  naõ  ajudaria  a  Portugal  a  fe  defen- 
der das  Armas  de  Caítella ,  e  que  ao  meímo  tempo  , 
íem  pretexto  algum  juítificado  ,  o  foccorrera  com  di- 
nheiro, Cabos,  Offíciaes,  e  Soldados,  e  tendo  com 
aquella  promeísa  confeguido  a  grande  fortuna  do  cafa- 
mento da  Princeza  ,  e  juntamente  declarado ,(  para  o 
facilitar  com  todas  quantas   claufulas  podiaõ  feguir-fe 
em  direito  )  com  horrendos  juramentos ,  que  em  ne- 
nhum tempo  nem  elle,  nem  feus  fuccefsores  ,  teriaõ 
^cçaõ  alguma  á  herança  dos  Reinos,  e Senhorios  de 
Caítella  ,  rompera  a  guerra  áquella  Monarquia;  faltan- 
do ás  promefsas ,  e  tratado  ,  e  fe  arrojava  a  procurar, 
que  Portugal  naofizefse  a  paz  ,  para  que  diílipadas  as 
forças  de  Caítella  ,  e  acontecendo  ,  por  falta  de  fuccef- 
íbres  poder-íe  introduzir  por  forças  nos  Senhorios  da- 
quelles  Reinos  ,  pudéfse  com  a  mefma  fem  juítica  con- 
quiítar  Portugal,  ufando  do  pretexto  ,  que  tomara  para 
romper  a  guerra  a  Caítella,  de  naõ  poder  defraudar  feus 
herdeiros  da  herança  de  taõ  dilatado  Senhorio ;  poden- 
do juntar  a  eíta  lem-razaõa  de  querer  conquiítar  os 
Reinos  de  Portugal  pelo  direito  ,  que  a  elles  perten- 
cera ter  EIRey  D.  Filippe,  que  naquella  occaíiaô  en- 
contrava :  que  o  Príncipe  naô  fora  ,  o  que  fizera  a  li- 
ga de:Fraiiça,que  a  ajuítáraõ  politicas intrinfecas,  como 
era  notório,  íem  confentimento  "dos Povos  ,  eque  fe 
EIRey  de  França;  rompera  a  guerra  a  Caítella  com  o 
•    '  pretex- 


"" 


PJRTE  11.  TJV&O  111.       0f 

pretexto  de  naõ  tirar  a  feus  herdeiros  a  íuccefsaõ  do  AnnO 
qup  podia  pertencerlhes  j  quebrando  por  eíierefpeito     ,,* 
as  capitulaçoens  ,  o  Príncipe   com  maisforçofas  cauías  louo' 
naõ  devia  tirar  aos  feus Povos  a  felicidade  da  paz,íendo 
decorofa  ,  e  conveniente  ,  depois  de  vinte  e  iete  annos 
de  furioía  guerra  ,  e  o  único  tim  ,  porque  íe  continuara 
tempo  taó  dilatado  :  e  que  fe  a  guerra  pafsada  pela  de- 
fenía  natural  fe  podia  chamar  juíta  \  a  futura  íem  mais 
fim,  que  a  conquiíta  de  Reinos  alheyos,  que  nem  a  Por- 
tugal ,  nem  a  França  pertenciaõj  feria  mjuíla,  e  deiagra- 
davel  a  Deos,  e  por  confequencia  infeliceje  que  por  con- 
clufaõ ,  que  os  feus  poderes  eraõ  reftridós  a  dias  limita- 
dos ,  porque  a  Primavera  entrava  ,  e  a  Rainha  Regente 
-determinava  repartir  os  feus  exércitos  com  regularidade 
conveniente,  e  nefta  confideraçaõ,  pedia,  que  ou  o  Prín- 
cipe lhe  finalafse  conferentes  para  tratar  da  paz  ,  ou  íe 
dava  por  defobrigado  daquella  commiisao  ,  ficando  ío- 
breaconfciencia  do  Principe  oseítragos  da  guerra,  e  os 
"damnos,  emoleítia  de  grande  numero  de  pníioneiros, 
que  occupavaó  as  cadêas. 

As  circumítancias  deita  matéria  erao  tantas  ,  e  tao 
grandes  ,  que  juítamente  entrou  o  Principe  ,  e  os  Mini- 
ftros  ,  que  lhe  alliíliaõ  ,  em  profundas  confideraçoens 
do  partido  mais  útil  ao  Reino  ,  que  íe  devia  eícolher; 
porque  as  razoens  do  Abbade  de  S.  Romem  erao  muito 
fuíliricadas  ,  e  apontavaõ  offertas  muito  convenientes, 
tanto  para  a  melhora  dos  partidos  da  paz ,  quanto  para 
afegurança  delia  >  e  as  do  Marquez  de  Elichefenao  o 
ponto  mais  efsencial  da  íegurança  da  Monarquia  ,  e  pe- 
netravaõ  de  forte  os  ânimos  dos  Povos ,  que  parecia  m- 
contraítavel  o  defejo  ,  que  tinhaó  de  confeguir  a  paz  ., 
fendo  decorofa ,  e  útil ,  de  que  íe  naó  duvidava  pelo 
manifeíto  aperto  ,  emqueeílavaó  os  Caftelhanos ,  nao 
fó  por  falta  de  gente  ,  e  dinheiro  ,  fenaõ  pela  contu- 
faõ  do  governo  ,  que  he  a  ultima  defolaçaõ  dos  Impé- 
rios. O  Principe  defejava  fervo rofa mente  a  guerra  ,  por 
manifeílar  ao  Mundo  os  fubidos  realces  do  feu  valor  , 
,e  os  relevantes  quilates  do  feu  entendimento  ;  porém 
reprimia  heroicamente  eft.es  fervorofos  aífeclos  na  con- 
r  Nn  4  fidera- 


Í6%     PORTUGAL  RESTAURADO, 

ÁntlO  fideraçaõ  do  amor ,  e  finezas  ,  que  devia  a  feus  Vafsal- 

l66%  ' los'  e  no  e^cruPul°  de  líies  impedir  os  intereíses  ,  cora 
#-q«e  pertendiaõ  a  paz  ,  deixando-os  expóftos  aos  damnos 
irreparáveis  da  guerra  ,  que  fe  podia  ter  porinjuíh,  ce- 
dendo EIRey  de  Caílella  do  pertendido  direito,  que 
imaginava  tinha  á  Coroa  de  Portugal. 

Os  Miaiítros  militares,  e  todos  os  Cabos ,  eOíH- 
ciaes  dos  exércitos,  aíiignados  do  valor  dos  Soldados  ia* 
flammados  ,  e  glorioíòs  com  as  repetidas,  e  memoráveis 
victorias  ,  que  proximamente  haviao  alcançado,  clama- 
vaò  pela  fubfiílencia  da  guerra,  publicando,  que  era  ju- 
lto  ,  que  fe  continuafse  até  o  tempo  ,  em  que  na  con^' 
quiíla  dos  Reinos  vizinhos  nos  fatisfizefsemos  dos  innu- 
meraveis  cabedaes ,  que  os  Caftelhanos  haviao  ufurpa- 
do  aos  Reinos,  e  Senhorios  de  Portugal  em  feísenta 
annos  da  injulla  pofse  ,  com  que  o  dominarão  $  delido, 
que  já  confefsavaõ  na  paz  ,  que  pediaõ. 

Os  Miniftros  politico*  ,  os  Cortezãos*  e  os  Eccle- 
fiafticos ,  inííavaõ  pela  paz  ,  encarecendo  os  efcrupulos 
de  fe  continuar  a  guerra;  porque  appeteciao  a  quietação 
do  Reino ,  e  defejavaô  o  augmento  das  fazendas  ,  que 
muitos  tinhaò  nas  Rayas ,  e  o  commercio  de  Caílella* 
<jue  a  todos  era  conveniente* 

No  tempo  ,  em  que  eftavaõ  mais  vivas ,  e  fe  expen- 
dias mais  vigorofas  as  razoens  de  nua ,  e  outra  õpiniaô, 
«entrou  em  Lisboa ,  fem  haver  precedido  avizo  anticipa- 
do  ,  o  Conde  de  Sanduick  Duarte  Montegu  Embaixa- 
dor extraordinário  d^ElRey  da  Gram-Bretanha  na  Corte 
de  Madrid ,  obrigando-o  a  efta  jornada  as  inítancias  da 
Rainha  Regente  ^  porque  logo  que  todos  feus  Minif- 
tros  lhs  declararão  a  fern-juftiça ,  com  que  EIRey  feu 
marido  fizera  guerra  a  Portugal,  e  ella  a  continuara  no 
tempo  de  feu  governo  com  pofse  de  má  fé,  por  fe  livrar 
ia  íi ,  e  a  alma  d*  EIRey  de  efcrupulos  tao  perigofos*  vir- 
tuofamente  timorata  folicítou  todos  os  caminhos  mais 
próprios  de  coníeguir  a  £>az  de  Portugal  $  e  entendendo 
feria  mais  certa  intervenção  a  do  Embaixador  de  Ingla- 
terra pelo  empenha  ,  que  EIRey  iem pre  moítrara  de 
concordar  as  duvidas  das  Cordas ,  ^erfuadio  ao  Em- 
baixador; 


PARTE  lã  LIVRO  XIL         569 

-baixador ,  a  que  paisaíse  a  Portugal ,  encobrindo  o  in-  AnilO 
•tento  da  fua  .^nada  ,  quanto  foísepoffivel ,  equenaó     m 
perdoando  a  diligencia  alguma ,  unido  com  o  Mai quez 
íe  Eliche,  folicitafse  aconclufao  da  paz.  Q  Erobafca- 
dor  uíando  das  ordens ,  que  tinha  *ElRey  de  Inglater- 
ra ,  para  esforçar  a  mediação  por  todos  os  caminhos , 
,que  a  lua  induftria  pudeíse  defcobnr ,  nao  dilatou  obe- 
decer ao  preceito  da  Rainha.  Com  a  fua  chegada  rece- 
beo  o  Marquez  de  Eliche  grande  contentamento  j  por- 
que fuppofto  ,  que  levado  de  natural  fummamente  am- 
biciofo  de  gloria  ,  defejava  ,  que  a  fua  Patna  lhe  devef- 
■  fe  a  fortunado  focego,  e  o  beneficio  da  paz ,  .conhecia 
que  erao  em  Portugal  tantas,  e  tao  poderofas  as  opiniões 
dos  que  a  defprezavaÕ  ,  etao  forçoias  as  diligencias. do 
Embaixador  de  França,  que  aao  fiava  fo  da  lua  indus- 
tria a  conclufaõ  da  grande  empreza  ,  a  que  fe  animava. 
•Checando  o  Embaixador ,  teve  audiência  do  Príncipe, 
-e  fallou  aos  Confellieiros  de  Eftado  ,  e  de  íorte  fe  appli- 
cou  a  naô  perder  inítante  de  diligencia  ,  nem  hora  de 
negociação .,  unindo-fe  a  eíle  fim  em  hum  mefmo  tem- 
poas  diligencias  do  Marquez  de  Eliche,  que  vierao  a 
-confeguir  fazerem-fe  parciaes  .do  feu  intento  a  maior 
parte  dos  três  Eílados  unidos  em  Cortes ,  e  a  opinião 
do  Povo ;  e  levados  deite  impulfo  ,  precedendo  bene- 
plácito do  Principe,  a  quem  amantes  ,e  obedientes  íu- 
jeitavaõ  nos  alvedrios  naô  fó  as  vontades  ,  fenaõ  os  en- 
tendimentos ,  fubiraõ  quatro  confusas  ás  mãos  do  Prín- 
cipe ,  três  do  Congreíso  das  Cortes,  e  numa  do  Senado 
daCamera  ,  que  continhaõ  varias  ,  eforçolas  razoens, 
para  fe  ajtiftar  a  paz  ,  e  moílravaô  ,  que  o  Principe  nao 
podia  negalla  afeus  Vafsailos  depois  de  vinte  e  fete  an- 
nos  de  furiofa  ,  e  langui nolenta  guerra .,  que  íuftenta- 
raõ  com  o  jufto  fim  da  feparaçaõ  das  duas  Coroas,  tan- 
to por  fe  entregarem  á  obediência  dos  feus  Príncipes  na- 
turaes,  e  Senhores  verdadeiros  ,  quanto  por  fe  Jivrareni 
■do  ju-go  mfupportavel  5  que  os  Portuguezes  padecerão 
xom  o  domínio  dos  Ca ftelha nos  ,  por  ferem  de  féculas 
immemoravek  taõ  oppoílos  os  ânimos  ,  e-tao  diveríos 
<ús  mteatos.de  huma  ?e  outra  Nação,  qus  eraimpoíli- 


57o     PORTUGAL  RESTAURADO, 

A  OílO  vel  umrem-íe  em  tempo  algum  íem  total  mina  da  Na- 
1 66%  çaó  Foi"tugueza  >  iuppondo-fe  ;  que  a  paz  ,  que  os  Caf- 
tellianos  pertendiao  ,  fe  havia  de  iegurar ,  capitulando- 
ie  de  Rey  a  Rey  ,  defiítiudo  a  Rainha  Regente  do  di- 
reito ,  que  EIRey  D.  Filippe  pertendera  ter  á  Coroa  de 
Portugal ;  por  íer  uíurpada  contra  juítica  ,  e  direito, por 
força  ,  e  negociação  á  Duqueza  D.Catharina,  a  quem  a 
íuccefsaõ  do  Reino  pertencia  por  filha  do  Infante  D. 
Duarte  ;  porém  que  e  ra  conveniente  ,  que  a  paz  fe  ajuf- 
tafse  fem  oífenía  algua  da  Coroa  de  França,  cuja  corres- 
pondência ,  e  amizade  devia  íer  infeparavel ,  attenden- 
do-ie  aos  benefícios  recebidos  em  todo  o  tempo,que  ha- 
via durado  a  guerra. 

-Eiras  coníultas ,  as  propoítas  do  Marquez  de  El- 
che,  e  do  Embaixador  de  Inglaterra,  mandou  o  Prínci- 
pe ver  no  Coníelho  de  Eítado  ,  e  juntos  todos  os  Con- 
felheiros,  depois  de  larguiffimas  conferencias ,  examina- 
das todas  as  razoens  politicas,  votáraõ  uniformemen- 
te ,  que  o  Príncipe  devia  fem  duvida  alguma  nomear 
conferentes,  para  tratarem  das  condiçoens  da  paz  com 
o  Marquez  de  Elche  ,  e  o  Embaixador  de  Inglaterra  j 
e  que  ao  meímo  tempo  mandafse  manifeítar  ao  Embai- 
xador de  França  o  fentimento  ,  com  que  fe  achava  ,  de 
lhe  nao  fer  poílivel  pelas  forçofas  razoens  ,  que  lhe  erao 
notórias,  fazer  avizo  a  EIRey  Chriítianiffimo  do  eíta- 
do daquella  matéria ,  nem  dilatar  o  Tratado  da  paz  com 
Gaitei!  a  ,  pelas  incontraítaveis  inítancias  ,  com  que  os 
três  Eftados  do  Reino  juntos  em  Cortes  lhe  pediaõ  a 
concluíaõ  delia  ,  fendo  os  mefmos  Vafsallos ,  aquém 
devia  livremente  o  Reino  taõ  pouco  tempo  arttes  dos  pe- 
rigos ,  a  que  eítivera  expoíto  nas  guerras  externas  ,  e 
nas  difseníòens  domeíticas ;  fegurando-lhe  porém,  que 
reconhecia  de  forte  as  obrigaçoens  ,  que  o  Reino  devia 
a  EIRey  Chriítianiííimo  ,  que  nao  haveria  interefse  al- 
gum ,  que  pude  {se  obrigallo  a  ofFenderos  refpeitos  da 
fua  amizade  ,  nao  fó  nas  condiçoens  da  paz  ,  fénaoem 
todas  as  occafioens  f  que  fobreviefsem  nos  tempos  futu- 
ros, 

Conformou-fe  o  Priucipecom  o  parecer  do  Confe- 

lho 


.     PARTE  II  LIVRO  XII.        frt 

lho  deEítado  ,  e  mandou  fazer  avizo  ao  Embaixador  Anno 
de  França,  na  forma  referida  ;  o  qual  prudentemente  jggft 
rendeo  á  razaõ  manifeíta  do  Príncipe  todas  as  fuás  dili-  i0°  * 
geftciasj  temperança  ,  que  lhe  naõextranhou  a  incom- 
parável ponderação  d'ELRey  ChriítianiJlimo  ,  conhe- 
cendo claramente  os  obítaculos,  e  impotíibilidades,  que 
o  Príncipe  teve  para  tomar  a  relbluçaõ  de  tratar  a  paz, 
fèm  lhecommunicar  os  motivos  deite  empenho  ,  pelo 
aperto  dos  Povos  ,  e  eílreiteza  dos  poderes  do  Marquez. 

de  Eliche. 

Ajuíladaefta  grande  diífículdade  ,  nomeou  o  Prín- 
cipe ao  Duque  do  Cadaval  ,  aos  Marquezes  de  Marial- 
va ,  Niza  ,  e  Gouvea  ,  e  ao  Conde  de  Miranda  (  hoje 
Marquez  de  Arronches)  por  Plenipotenciários  ,  para 
tratarem  da  paz  ,  aíTiílindo  ás  Conferencias  ,  que  fe  ce- 
lebrarão no  Convento  de  Santo  Eloy  ,  o  Secretario  de 
Eítado  Pedro  Vieira  da  Silva ,  que  promptamente  tive- 
raõ  principio  ,  e  depois  de  varias  difHculdades,  que  os 
Plenipotenciários ,  e  o  Marquez  de  Eliche  ofTerecerao, 
e  que  concordou^  diligencia,  e  mediação  do  Embaixa- 
dor de  Inglaterra  ,  fe  deraõ  por  ajuítidos  os  capítulos  da 
paz^fegumtes ,  a  dez  de  Fevereiro  do  anno  de  mil  feif- 
centosfe isenta  e  oito. 

D.  AfTonfo  ,  por  graça  de  Deos  Rey  de  Portu- 
gal ,  e  dos  Algarves  ,  da  quem  ,  e  dalém  ,  Mar  em  Afri- 
ca ,  Senhor  de  Guiné  ,  e  da  Conquiíla  ,  Navegação  , 
Commercio  da  Ethiopia  ,  Arábia  ,  Períia  ,  e  da  índia,  . 
&c.  Faço  faber  a  todos  ,  os  que  eíta  minha  carta  paten- 
te de  approvaçaó  ,  ratificação  ,  e  confirmação  virem, 
que  neíla  Cidade  de  Lisboa  ,  no  Convento  de  Santo 
Eloy ,  em  os  treze  dias  do  mez  de  Fevereiro  deite  an- 
no prefente  de  mil  feiícentos  fefsenta  e  oito  ,  fe  ajuf- 
tou  ,  concluio,  e  affinou  hum  tratado  de  paz  entre  mim, 
e  meus  fuccefsores  ,  e  meus  Reinos  ,  e  o  meu  Alto  ,  e 
Sereniffimo  Príncipe  D.  Carlos  II.  Pvey  Catholico  das 
Hefpanhas,  e  feus  fuccefsores,  e  feus  Reinos  com  D. 
Gafpar  de  Haro  ,  Gufmaò,  e  Aragão,  Marquez  dei  Car- 
pio  ,  Commifsario  deputado  para  efte  efTeito  em  yirtu 
de  do  poder ,  e  procuração  da  muito  Alta,  e  Sereniííima 

Rainha 


IH 


$7%    TOWTVGAL  VLÊS7^V<nJ*D0, 

Anno  Ramna  D.Maria  Ao  na  de  Auítria,como  Tutora  da  ReaT 
6f  o    Peí*oa  d'ElRey  Catholico  íeu  filho ,  e  Governadora  de 

10004  todos  os  feus  Reinos  ,  e  Senhorios  de  huma  parte ,  e  da 
outra  os  Cõmifsarios  deputados  por  mim  abaixo  decla- 
rados ;  intervindo  também  como  mediador  ,  e  fiador  do 
dito  tratado  em  nome  do  muito  AIto,e  Sereniílimo  Prin* 
cipe  Carlos  II.  Rey  da  Gram-Bretanha,meu  bom  irmão, 
o  Conde  de  Sanduik  feu  Embaixador  extraordinária 
com  poder»  que  para  o  dito  efeito  aprefentou  ,  do  qual 
dito  tratado  reduzido  a  treze  artigos ,  e  poderes,  o  teor 
lie  o  que  fe  fegue. 

Artigos  de  paz  entre  o  muito  Alto  ,  e  SeremíTima 
PrincipeD.  Carlos  II.  Rey  Catholico  ,  feus  fuçcefsores, 
e  feus  Reinos  ,  e  o  muito  Alto ,  e  Sereniílimo  Príncipe 
0.  Affonfo  VI.  Rey  de  Portugal,  feus  fuccefsores,e  feus 
Reinos  ,  á  mediação  do  muito  Alto,  e  Sereniílimo  Prin- 
cipe Carlos  II.  Rey  da  Grarri-Brefanha  ,  irmão  de  hum, 
e  aliado  muito  antigo  de  ambos  ,  ajuítados  por  D.  Gaf- 
par  de  Haro ,  Gufmaô  ,  e  Aragão,  Marquez  dei  Carpio, 
como  Plenipotenciário  de  Sua  Mageítade  Catholica ,  e 
D.  Nuno  Alvares  Pereira  ,  Duque  do  Cadaval ,  D.Vaf- 
co  Luiz  da  Gama  ,  Marquez  de  Niza  ,  D.  Joaõ  da  Silva, 
Marquez  de  Gouvea  ,  D.  António  Luiz  de  Menezes  , 
Marquez  de  Marialva  ,  Henrique  de  Soufa  Tavares  da 
Silva  ,  Conde  de  Miranda  ,  e  Pedro  Vieira  da  Silva  ,  co- 
mo Plenipotenciário  de  Sua  Mageítade  de  Portugal ,  e 
.  Duarte  Conde.de  Sanduick  ,  Plenipotenciário  de  Sua 
Mageítade  da  Gram-Bretanha,  mediador,e  fiador  da  di- 
ta paz  ,  em  virtude  dos  poderes  íeguintes. 

D.  Carlos  II.  por  la  gracia  de  Dias  Rey  de  las  He  f- 
paiiis,  de  las  dos  Sicilias ,  de  Hieru falem,  de  las  índias, 
&c.  Archi-Duque  de  Auítria  ,  Duque  de  Borgofía  ,  de 
Miranda,  Conde  de  Afpurg,  y  deTyrol,  &c,  y  la  Reyna 
D.  Maria  Anna  de  Auítria  fu  Madre  ,  Tutora  ,  y  Cura- 
dora  de  fu  Real  perfona  ,  y  Governadora  de  todos  fus 
Reynos ,  y  Senorios.  Por  quanto  el  Sereniílimo  Princi- 
pe Carlos II.  Rey  dela  Gran-Bretana  movido  dei  zelo 
de!  bien,  y  repofo  comun  de  la  Chriítiandad,y  defeo  de 
que  íe  termlnen  Jas  diferencias  entre  eíta  Corona,  y& 

de 


PARTE  11.  LIVRO  XII       575 

de  Portugal ,  ha  interpuefto  en  diferentes  tiempos  repe-  Annõ 
tidas  inftaucias  ,ofreciendofu  mediacion  ,  y  amigablès    6*o 
officios  ai  fin  referidos  ,  y  ultimamente  embiado  aeftalu 
Corte  a  Eduardo  Conde  de  Sanduick  ,  y  Biíconde  de 
Hirtchinbrooch  ,  Baron  Montegu  de  San-Neote  ,  Vice- 
Almirante  de  Inglaterra,  Maeítro  de  la  Gran-Guardaro- 
pa,delosGonfejosfecretos,yGavaliero  de  laOrden  de 
lajarretea  por  fu  Embaxador  extraordinário  para  tratar 
algun  ajuítamento  de  reciproca  fatisfacion   entre  ambas 
Coronas  com  los  poderes  necefsarios  para  elloiy  havien- 
dome  infinuádo  el  dicho  Conde  de  Sanduick  ,  que  po- 
dria  íer  ei  mejor  médio  para  confeguir  efte  intento  ,  el 
deunabuena  paz  con  elhermano  de  fu  Rey  D.  Alon- 
ío  VI.  Rey  de  Portugal ,  fe  han  fuperado  las  difficulta- 
des  ,  que  han  occurrido;  y  finalmente  por  lo  mucho  que 
defeo  complacer  ai  dicho  Sereniílimo  Rey  de  la  Gran- 
Bretafia,  fe  han  ajuílado  los  treze  capitulos  de  paz,  que 
van  pueftos  enun  proje&o  a  parte,para  cuya  mas  prom- 
pta  execucion  fe  ha  ofrecido  el  dicho  CÓde  de  Sanduick 
a  hir  en  perfona  a  Lisboa  a  participar  ai  dicho  D.  Alon- 
fo  VI.  Rey  de  Portugal  todo  lo  difpueílo ,  y  tratado 
por  fu  mediacion  ,  y  a  procurar  en  nombre  defuRey  , 
que  fe  llegue  a  la  conclufiott :  y  porque  para  que  fe  con- 
figa  con  la  brevedad,  que  fe  requiere,  es  necefsario,que 
haya  en  aqaellaCiudad  perfona  de  authoridad,calidad, 
prudência  ,  y  zelo  ,  que  tenga  poder  mio  ,  para  ajuítar 
en  forma  devida  los  dichos  articulos  de  paz  ,  por  tanto 
concurriendo  ( como  concorren  las  dichas  ,  y  otras  bue- 
nas  partes ,  y  calidades  en  vos  D.  Gafpar  de  Haro,  Guf- 
man  ,  y  Aragon,  Marquez  dei  Carpio ,  Duque  de  Mon- 
toro  ,  Conde  Duque  de  Olivares  ,  Conde  de  Moronte, 
Marquez  de  Eliche  ,  Seíior  dei  Eílado  de  Sorbas ,  y  de 
la  Villa  de  Lueches  ,  Alcaide  perpetuo  de  los  Alcáceres, 
de  la  Ciudad  de  Córdoba  ,  y  Cavalleriço  Mayor  de  fus 
Reales  Cavallariças ,  Alguazil  mayor  perpetuo  de  la 
ínifma  Ciudad  ,  y  de  la  Santa  Inquificion  delia  ,  Alcai- 
de perpetuo  de  los  Reales  Alcáceres ,  y  Taraçanas  de 
Sevilla,  Gran  Chanceller  de  las  índias,  Comendador 
maior  de  la  Orden  de  Alcântara ,  Gentil-hombre  de  la 

Carne- 


574    PR07UGAL  RES1AURAD0, 

A  mia  Camçra,  Montero  Mayor,  y  Alcaide  de  los  Reales  íítios 
16-68  •  Pardo  <  Balíain  j  y  Zarzuela  )  os  doy ,  y  concedo  eti 
•  virtud  de  la  preíente  tan  cumplido  ,  y  baílante  poder, 
CòmiíTion  i  y  facultad  ,  como  es  necefsario ,  y  fe  riquie- 
re,  para  qiie  por  elSereniflímo  Rey,  mimuy  charo, 
y  muy  amado  hijo  ,  y  en  íu  Real  nombre ,  y  en  el  mio 
podais  tratar  ,  ajuílar  ,  capitular ,  y  concluir  con  el  De- 
putado ,  y  Commifsario ,  ó  los  Deputados,  ó  Commif- 
iarios  deliobredkho  D,  AJonfo  VI.  Rey  de  Portugal  en 
vxrtud  dei  poder ,  que  prefentaren  del  dicho  Rey  Lufi- 
tano,  una  paz  perpetua  conforme  ai  tenor  de  dichos  ca- 
pitulos ,  ó  en  la  forma  que  mas  bien  pareciere ,  y  obli- 
gar  ai  Rey  mi  hijo,y  a  mi  ai  cumplimiento  de  lo  que  an- 
il ajuítareis,  e  firmareis^Y  declaro,y  dey  mi  palabra  Re- 
al ,  que  todo  lo  que  fuere  hecho,  tratado ,  y  concertado 
por  vós  el  dicho  Marquez  dei  Carpio ,  defde  aora  para 
entonces  lo  conííento  ,  y  apruebo  ,  y  lo  tendre  fiempré 
por  firme  ,  y  valedero  ,  y  pafsarè  por  ello  ,  como  por 
cofa  liecha  en  nombre  del  Rey  mi  hijo ,  y  mio ,  y  por 
mi  voluntad,yauthoridadiy  alfi  mifmo  ratificaré,y  apro- 
baré  en  efpecial ,  y  conveniente  forma  con  todas  las 
fuerças  ,  y  demás  requiíitos  necefsarios,  que  en  femejan- 
tes  cafos  ie  acoítumbra  J  todo  lo  que  en  razon  deito 
concluireis  ,  afsentáreis ,  y  firmareis ,  para  que  todo  ello 
fea  firme  ,  valido ,  y  eítable  con  precifa  condicion  ,  que 
fe  haya  de  fenecer,y  firmar  dichoTratado  de  paz  dentro 
de  quarenta  dias,  defde  el  dia  de  la  fecha  deite  poder; 
de  manera  ,  que  fe  eíte  plazo  fe  pafsare,  fui  quedar  con- 
cluido>  y  firmado  dicho  tratado,  doy  defde  aora  para 
entonces  por  nulo  eíte  poder,  y  todas  las  claufulas, 
que  en  el  fe  çontienen  ,  y  quanto  en  fu  virtude  huviera 
propueíio  „  ó  començado  a  tratar  ,  en  cuya  declaracion 
he  mandado  defpzchar  la  prefente  firmada  de  mi  mano, 
fellada  con  el  fello  fecreto,  y  ref rendada  de  mi  infra  ef- 
crito  Secretario  de  Eítado.  Dada  en  Madrid  a  cinco  de 
Enero  de  mil  y  feiícentos  iefsenta  y  ocho, 

YO  LA  REYNA. 
Don  Pedro  Fernandes  del  Campo  ,  y  Angulo* 

D.  Affonfo 


mmmm  livro  xjj.    575 

.  D.  Aflbnfo  por  graça  de  Deos  Rey  de  Portugal ,  e  Anno 
dos  Algarves,  daque ,  e  dalém  Mar,  em  Africa  Se-  ,•« 
nhor  de  Guiné  ,  e  daCoíiquifta  ,  Navegação  ,  Commer-  100  «• 
cio  de  Ethiopia ,  Arábia  ,  Perfia ,  e  da  índia  ,  &c.  Pela 
prefente  dou  todo  o  poder ,  e  faculdade  a  D.  Nuno  Ak 
vares  Pereira ,  Duque  do  Cadaval ,  Marquez  de  Ferrei- 
ra ,  Conde  de  Tentúgal ,  fenhor  das  Villas  de  Povoa  de 
Santa  Chriílina ,  Villa-Nova  de  Anços  ,  Rabaçal  ,  Arè- 
ga  ,  Alvayazere ,  Buarcos ,  Anobra  ,Carapito  ,  Mortá- 
gua, Pena-Çova,  Villa-Ruiva  ,  Albergaria,  Agua  de 
Peixes ,  Operai ,  Avermelha ,  Cercal ,  Commendador 
da  Crandala  da  Ordem  de  Santiago, do  meu  Confelho  de 
Eftado  ,  e  meu  muito  amado  ,  e  prezado  fobrinho :  a 
D.  Vafco  Luiz  da  Gama  ,  Marquez  de  Niza  ,  Conde  da 
Vidigueira,  Almirante  da  Índia,  fenhor  das  Villas  de 
brades  ,  e  Trovo ens ,  Commendador  da  Commenda  de 
Santiago  de  Beja,  da  Ordem  de  Chrifto,  do  meu  Confe- 
lho de  Eítado  ,  e  Veador  de  minha  Fazenda!  a  D.  Joaò 
da  Silva  ,  Marquez  de  Gouvea  ,  Conde  de  Portalegre , 
fenhor  *das  Villas  de  Selorico ,  S.  Romaõ ,  Muymenta  , 
Vallezim  ,  Villa-Nova  ,  Neipereira  ,  Naboínhos  ,  Rio 
Torto  ,  Villa-Cova  ,  Acoelheira  ,  e  das  Ilhas  de  S.  Ni- 
coláo  ,  e  S.  Vicente  ,  Commendador  da  Commenda  de 
Santa  Maria  de  Almada,da  Ordem  de  Santiago,  do  meu 
Confelho  de  Eftado  ,  Preftdente  da  Mefa  do  Defembar- 
go  do  Paço  ,  meu  Mordomo  Mayor ,  e  meu  muito  pre- 
zado fobrinho  :  a  D.  António  Luiz  de  Menezes  ,  Mar- 
quez de  Marialva  ,  Conde  de  Cantanhede  ,  fenhor  das 
Villas  de  Meltes ,  Mondin  ,  Cerva,  Atem,  Ermelho, 
Bilho  ,  Villar  de  Ferreiras,  Avelhans  do  Caminho,  Leo- 
mil  ,  Penella ,  Povoa ,  e  Val-Longo  ,  fenhor  do  Mor- 
gado de  Medello  ,  e  S.  Silveftre ,  Commendador  da 
Commenda  de  Santa  Maria  de  Almonda ,  da  Ordem  de 
Chrifto,  do  meu  Confelho  de  Eftado,  Veador  de  minha 
Fazenda,  Governador  das  Armas  de  Lisboa,  da  Praça  de 
Caícaes,e  daProvincia  da  Extremadura,e  Capitão  Gene- 
ral do  exercito,  e  Provinda  de  Alentejo :  a  Henrique  de 
Soufa  Tavares  da  Silva ,  Conde  de  Miranda^jfenhor 
das  Villas  de  Podentes  ,  Vouga ,  Fo/lgozinhos ,  Olivei- 
ra 


l\\ 


Itá   POWTUGAL  REST^UR JDO ,. 

A-HHO  ra  db  Bairro. ,  Germelho,  Soza,  Arrancada  ,  Alcaide  mór 
•  •o   de  Arronches  ,  e  Alpalhaô  ,  GómendadordasCornmen- 

I0°õ*  das  de  Alvalade ,  Villa-Nova  de  Alvito  ,  Proenfa  ,  Al- 
palhaô ,'das  Ilhas  Terceira  ,  S,  Miguel ,  e  Madeira,  do 
meu  Confelho  de  Eítado  ,  Governador  da  Relação  ,  e 
Caía  do  Porto  ,  e  das  Armas  da  mefma  Cidade  ,  e  leu  di- 
ítriclio  :  e  a  Pedro  Vieira  da  Silva  ,  do  meu  Confelho , 
e  meu  Secretario  de  Eítado  ,  para  por  mim  ,  eem  meu 
nome  tratarem ,  conferirem ,  e  ajuílarem  numa  paz  per-, 
petua  entre  mim ,  meus  fuccefsores ,  e  meus  Reinos , 
e  a  muito  Alta,  eSereniílima  Rainha  D.  Maria  Anna 
de  Auítria,  como  Tutora  da  Real  pelsoa  do  muito  Alto, 
e  Sereniffimo  Príncipe  D.  Carlos  II.  íeu  filho ,  Rey  Ca- 
tholico  das  Hefpanhas  ,  das  duas  Sicilias ,  de  Jeru- 
falem  ,  e  das  índias  Occidentaes ,  Archi-Duque  de  Bor- 
gonha ,  e  deMilaò ,  Conde  de  Afpurg  ,  e  de  Tirol ,  e 
Governadora  de  íeus  Reinos  ,  e  Senhorios,  e  entre  feus 
iuccefsores ,  e  Reinos  ,  por  meyo  de  D.  Gaípar  de  Haro, 
Gufmaõ,  e Aragão,  Marquez  delCarpio,  Duque  de 
Montoro,  Conde  Duque  de  Olivares,  Conde  de  Moren- 
te ,  Marquez  de  Eliche  ,  fenhor  do  Eítado  de  Sorbas, 
da  Villa  de  Lueches ,  Alcaide  perpetuo  dos  Alcaçares 
da  Cidade  de  Cordova,Cavalhariço  de  fuás  Reaes  Cava- 
lhariças  ,  Alguazil  Mayor  perpetuo  da  mefma  Cidade» 
c  da  Santa  Inquifição  delia,  Alcaide  perpetuo  dos  Reaes 
Alcaçares  ,  e  Atarazanas  de  Sevilha ,  Gram-Chanceller 
das  índias,  Commendador  Mayor  da  Ordem  de  Alcânta- 
ra ,:  Gentil-homem  da  Camera,  Monteiro  mór  ,  e  Alcai- 
de dos  Reaes  íitios  do  Pardo  ,  Balçaim  ,  e  Zarzuela  ,  co- 
mo Plenipotenciário  deputado  para  eftecafo  pelo  dito 
Sereniffimo  Príncipe  D.  Carlos,  e  com  intervenção, 
mediação  ,e  fegurança  de  Duarte  ,  Conde  deSanduick, 
Bifcònde  deHinchingrooch  ,  Baião  de  Montegu  deS; 
Neote,Vice-Almirãte  de  Inglaterra,  dos  Confelhos  mais 
iecretos  do  muito  Alto  ,  e  Sereniffimo  Príncipe  Carlos 
II.  Pvey  da  Gram-Bretanha ,  meu  bom  irmaõ  ,  emfeu 
nome  ,  e  como  íeu  Embaixador  extraordinário  deílina- 
do  para  eíte  mefmo  negocio  ,  tudo  na  forma  ,  e  com  as 
condiçoens ,  declara çoens  ,  e  claufulas ,  que  lhes  pare- 

./  cerem 


■ 


PARTE  11.  LIVRO  Xll        577 

cerem  convenientes  ao  íbcego,bem  cominam,  amlzades  AnftO 
e  uniaõ  entre  ambas  as  Coroas  ,  e  Vaísallos  delias ;  e  o  ,  _ 
por  elles feito  ,  eajuítado  nefta  parte,  me  obrigo  em  l»6 o» 
meu  nome ,  e  no  de  meus  íucceísores  ,  e  meus  Reinos, 
ao  cumprir ,  manter  ,  e  guardar  debaixo  da  fé  ,  e  pala- 
vra de  Principe  ,  e  o  haverei  por  bom  ,  firme,  e  valio- 
fo  ,  como  íe  por  mim  fora  feito ,  e  acordado  ,  e  iílo  íem 
embargo  de  quaeíquer  leys ,  direitos  ,  capitulos  de  Cor- 
tes ,  e  coítumes ,  que  haja  em  contrario  >  porque  todos 
hei  por  derogados  para  efíe  calo  ,  como  fe  delíes  fize- 
ra aqui  particular  ,  e  exprefsa  menção,  tudo  de  meu  mo- 
to próprio  ,  certa  fciencia  ,  poder  Real ,  e  ablòluto  no 
melhor  modo ,  e  forma,  que  de  Direito  poiso  ,e  devo.  E 
por  firmeza  de  tudo,que  dito  he,  mandei  pafsar  eíta  car- 
ta por  mim  aííignada  ,  e  íellada  com  o  fello  grande  de 
minhas  Armas.  Dada  nefta  Cidade  de  Lisboa,aos  quatro 
dias  do  mez  de  Fevereiro.  Luiz  Teixeira  de  Carvalho  a 
fez,  anno  do  Nafcimento  de  Nofso  Senhor  Jefu  Chrifto 
de  mil  e  ieifcentos  fefsenta  e  oito.  Pedro  Vieira  da  Silva 
a  liz  efcrever. 

O  PRÍNCIPE. 


Carolus  Secundus  Dei  gratia  magnas  Britaniíe  , 
Francis  ,  &  Hybemiac  Rex  ,  Hdei  Defenibr ,   &c.  Om- 
níbus,  &  fmgulis  hafce  literas  infpeííuris  íalutem.  Cum 
nihil  raagis  regium,autChriít.ianum  fit,quàm  compone- 
rediffidia  ,  inimicitias  confopire,&  inveteratas  odiorum 
radices  ita  penitús  evellere ,  ut,  armis  depoíitis,  &  pace 
redintegrata,  populis  tranquillitas,commercio  íecuritas, 
legibus  authoritas  reftituatur,  Principibus  denique  iub- 
ditorum  fuorum  plaufus ,  &  apprecationes  undique  be- 
nedicant:  Nosquidem,qui  regnaHifpanias,ac  Portugal- 
liae  eodem  fmu,'&  affettu  comple£tirnur,bellum  illud  in- 
ter continguas.nationes  totannis  geftum  ,  tot  funeribus 
maculatum,  non  fine  ineflabili  dolore  ihtueri  potuimus, 
optantes  ideiitidem  ,  ut  ficut  illuítria  f o rtitu d inis  ex- 
empla inaliis  regionibus    adveríus  alios  hoíles  ede- 
rentur:  tandem  curnpropitium  Numen  itavotis,  & 

Oo  gemU 


i  - 


p%     PORTUGAL  RESTAURADO, 

Atino  geaíi-ttibus  noítris  refponderit  ,  ut  Príncipes  utriufque 
IÓ68  Partls  ac*  para  ta   coafilia  quaíi  fponteíua  flecti  videan- 
OÕ'tur,  iuceptum  tam  pium  ,  &optabiIe  nobis  ornai  ífcir- 
ciio  fovendum ,  &  animorum  utrinque  non  modo  re- 
conciliationem  \   fed  conjunctionem  etiam  mediatio- 
ne  npítra    ítabiliendam    eíse  ceníuimus,    Quod  opus 
ut  felicius  ineatur ,  &  expeditius  ad  finem   perduca- 
tur ,  legatum  noítrum  extraordinarium  ad  Príncipes 
utriufque  partis  milimus  ,  virum  è  nobilitate  noítra 
primarium ,  utrique  Corona?  asque  addidtum ,  eòque 
aufpicatius  ,  apud  utruirique  legatione    hac  pacifica 
deftm&urum  ,  pradileélum  ,  ÒV  per  quàm  fidelem  con- 
fanguineum  noítrum  Eduardum  Comitem  de  Sanduick, 
Vice-Comitem  de  Hinchingrooch  ,  Baronem  Monta- 
cutinm  de  Saneio  Neote,  Anglise  Vice-Admirallum  > 
magna?  Garderobse  noítra  Magiítrum  ,  nobis  à  íecre* 
tioribiis  confiliis  antiquiííimi  ,  nobiliíiirrnque  Grdinis 
Perifcelibisequitem.   Sciatis  igitur  ,    quòd  nos.fide, 
induftria,  judicio  ,  ac  prudentia  di&i  Comitis  de  San- 
duick Legati  noítri  extraordinarii  plurimum  confifí- , 
ípfum  veru-m  ,  &  indubitatum  Commifsarium  ,  ac  Pro- 
cura to  rera  noítrum  fecimus  ,  ordinavimus  ,  &  deputa- 
vimus,  acperpraefentes  facimús ,  ordinamus  ,  &  de- 
puçarnus,  dantes  eidem  ,  &  committentes pleuara  ,  & 
omnimodam  poteftafem  ,  atque  authoritatem  pariter , 
6c  mandatum   generale  »   &  fpeciale  nomlne  noítro 
cu-m-  praefa tis  Principibus  utriu%e  partis,  vel  ipío- 
nimMmiftris.congrediendi,  ac  fermones  habendi  ,  & 
cu.rn i  ípforum  Commifsariis ,    Deputatis  ,  &  Procura- 
tonbus  ad    hoc    íufficientem   poteítatem  habentibus 
C°fJlr1u-  m  '    vel  íeParath™  *n  confiniis  Regnorum, 
vel  alibi,  ubi  commodius  vifuni  fuerit,  de  &  fuper  pa- 
v    Perpetua  inter  Coronas  ,  &  Regna  Hifpaai*  ,  & 
Aortugalliae ,  vel  de  &  fuper  muítorum  annorum  in- 
Quciis  nter  eafdem  ,  eademque  utiliffimis  ,  &  maxi- 
me  convenientibus  articulis  ,    &  conditionibus  ítabi- 
íienda,  vel  ítabíliendis  f  méméh  de  &  fuper  triplici 
tffiiere  ,    ac  coníbeiatione  internos  >  didtofqtie  Prin- 
cipás  uttiuíque  partis  prpcoaiiBuai,  ac  mutua  regno- 
rum 


PJRTE  //.  ZTVKO.  XII.       ^79  Atoo 

rum  noítrorum  defeníione  communicandi ,  tradaudi ,  i66S* 
cqnveniendi ,  &  concludeadi  ,   casteraque  pmn.ia  %- 
cieadi  ,  qúas  adpraedidos  fines,  vel  quoslibet  eorum 
faciant,  &  conducant ,  atqúe  iiiper  iis  artículos  ,  literas, 
&  inítrumenta  neceísaria  conficiendi ,  &  ab  alteris  par- 
tibus  conjundim  ,  vel  feparatim  petendi ,  &  recipiendi. 
Denique  omnia  ea  ,  quse  ad  praemifsa  ,  vel  circa  eadem 
quovis  modo  erunt  neceísaria  ,  &  oportuna  expedien- 
4i.  Promittentes  bona  fide,&  in  verbo  régio  nos  omnia, 
&  íingula,qua;  inter  Príncipes  utriuíque  partis,eorumve 
Procuratores  ,   Deputatos  ,  aut  Commíisarios ,  atque 
prsenominatum    Legatum    noítrum    extraordinaríum 
conjundim,  vel  íeparatim  in  prsemiílis  ,  leu  pnemiíso- 
rum  aliquo  erunt  fada,  pada  ,  &  concluía,  rata  ,  grata, 
&:  firma  habituros  ,  nec  unquam  contra  ipiorum  ali- 
quid  ,  aut  aliqua  contra  venturosi  quin  potius  quidquid 
nomine  noílro  promiísum  ,  aut  in  quovis  prsemiísorum 
conçluíum  fuerit ,  non  íolúm  ex  parte  noftra  fandè , 
&  inviolabiliter  obíervaturos ,    íe.d  fide  juísuros  ,  & 
íponíores  futuros ,  idem  ab  alteris  quoque  partibus , 
&  earum  alterutra  fandè ,  &  inviolabiliter  oblerva- 
tumiri;  in  cujus  rei  teftimonium  haíce  literas  fieri , 
manuque  noílra  fignatas  magno  Anglias  figillo  commu- 
niri  fecimus  :  quse  dabantur  apud  Palatium  noítrum 
VVeímonaílerii ,    íexto  decimo'  die  meníis  Februarii, 
armo  Domini  millefimo  fexcenteftmo  fexagefimo  quin- 
to ,  Regni  noílri  decimo  odavo. 


CAROLUS  REX% 


n 


Anno 


•5Í0     PORTUGAL  RESTAURADO, 


1 66$.  Em  nome  da  Santljjima  Trindade ,  Padre ,  Fi. 
lho ,  e  Ejpirito  Santo,  três  Pejjoas  9  e hum 
Jò  Deos  verdadeiro. 


p 


ARTIGO  I.  T^  Rimeiramente  declarag  os  Se^ 
nhores  Reys  Catholicps ,  e  de 
Portugal, que  pelo  prefente  Tra- 
tado fazem,  e  eftabelecem  em  feus  nomes,  de  fuás 
Coroas ,  e  de  feus  Vafsallos  huma  paz  perpetua  ,  fir- 
me, e  inviolável,  que  começará  do  dia  da  pubicaçao 
deite  Tratado,que  fe  fará  em  termo  de  quinze  diasj  cef- 
fando  defde  logo  todos  os  actos  de  hoftilidade ,  de  qual- 
quer maneira  que  fejaõ  ,  entre  fuás  Coroas  ,  por  terra  ,  e 
por  mar  em  todos  feus  Reinos  ,  Senhorios ,  e  Vafsallos 
de  qualquer  qualidade  ,  e  condição  ,  que  fejaõ,  fem  ex- 
cepção de  lugares,nem  de  pefsoas;  e  fe  declara,  que  haõ 
de  fer  quinze  dias  para  ratificar  o  Tratado  ,  e  quinze 
para  fe  publicar. 

ARTIGO  II.    E  porque  a  boa  fé,  com  que  fefaz 
eíle Tratado  de  paz  perpetua,  riaõ  permitte  cuidar-fe 
em  guerra  para  o  futuro,  nem  em  querer  cada  huma 
das  partes  achar-fe   para  eíte  caío  em  melhor  partido  » 
íe  acordou  em  fe  reítituirem  a  Portugal  as  Praças ,  que, 
durando  a  guerra  ,    lhe  tomarão  as  Armas  d<ElRey 
Catholico ;  e  a  EIRey  Catholico ,  as  que  durando  a 
guerra  ,  lhe  tomarão  as  Armas  de  Portugal ,  com  todos 
feus  termos  ,  aífím ,  e da  maneira,  que  pelos  limites, 
e  confrbntaçoens ,  que  tinhaó  antes  da  guerra  j  e  todas 
as  fazendas  de  raiz  fe  reílituiráó  a  feus  antigos  pof- 
íuidores  ,  ou  a  feus  herdeiros ,  pagando  elles  as  bem- 
feitorias  úteis  ,  e  necefsarias  ,  e  nem  porifso  fe  pode- 
rão pedir  as  damnificaçoens ,  que  fe  attribuem  á  guer- 
ra ,  e  ficará  nas  Praças  a  artilharia  ,  que  tinhaó    quan- 
do  fe  occuparaõ ;   e  os  moradores  ,  que  naô  quize- 
rem  ficar ,  poderio  levar  todo  o  movei ,   e  venceriõ  os 
frutos  do  que  tiverem  iemeado  ao  tempo  da  publica- 
ção 


" 


PARTE.  II  LIPRO  XII.       5?i 

çaõ  da  paz^e  efta  reftituiçaõ  das  Praças  fe  fará  em  termo  Ajií*o> 
de  dots  mezes  ,  que  começarão  do  dia  da  publicação  da    '     ' 
paz^  Declarão  porém  ,  que  íuíla  reíbtuição  das  £r;çaá  ■  *>***■* 
não  entra  a  Cidade  de  Ceuta  ,  que  ha  de  ficar  em  poder 
d'ElRey  Catholico  peías  razoens .,  que  para  ifso  íe  con- 
fiderão.  Efe  declara  ,  que  as  fazendas,  queíe  polsuifem 
com  outro  titulo,  que  não  íeja  o  da  guerra,poderáo  dif- 
pôr  delias  feus  donos  livremente. 

ARTIGO  III.  Os  Vaísallos ,.  e  moradores  das  terras 
pofsuidas  de  hum>  e  de  outro  Rey,  teraõ  toda  a  boa  cor- 
refpondencia  ,  e  amizide,  km  moftrar  ientimento  das 
oíFenfas,  e  dam  nos  pafsados ,  e  poderáõ  communicar,en«« 
trar  ,  e  frequentar  os  limites  de  hum  ,  e  de  outro,  e  ufar* 
e  exercitar  commercio  com  toda  a  íegu  rança  por  terra,  e 
por  mar ,  aflim  ,  e  da  maneira  ,  que  fe  ufava  em  tempo 
d«ElReyD.Sebaftiâo. 

ARTIGO  IV.  Os  ditos  Vaísallos  ,  e  moradores  de 
huma ,  e  outra  parte,  teraõ  reciprocamente  a  mefma  fe- 
gurança,  liberdades  ,  e  privilégios ,  que  eítaõ  acordados 
com  os  fubditos  do  Sereniílimo  Rey  da  Gram-Bretanha, 
pelo  Tratado  de  vinte  e  três  de  Mayo  do  anno  de  feif- 
centos  fefsenta  e  fete  ,  e  de  outro  anno  de  feifcentos  e 
trinta ,  no  em  que  eíle  Tratado  eítá  ainda  em  pé  ,  aflim, 
e  da  maneira ,  como  fe  todos  aquelles  Artigos  em  razão 
do  commercio,e  immunidades  tocantes  a  elle  foraõ  aqui 
expreísaméte  declarados  fem  excepção  deArtigo  algum, 
mudando  fomente  o  nome  em  favor  de  Portugal;  e  dei- 
tes mefmos  privilégios  ufará  a  Nação  Portugueza  nos 
Reinos  de  Sua  Mageílade  Catholica  ,  aííim ,  e  da  manei- 
ra, que  o  ufarão  em  tempo  do  dito  Rey  D.Sebaftião. 

ARTIGO  Vj  E  porque  he  necefsario  hum  largo 
tempo  para  poder  publicar  eíle  Tratado  nas  partes  mui 
diítantes  dos  Senhorios  de  hum ,  e  outro  Rey ,  para  cei- 
farem entre  elles  todos  os  aclos  de  hoítilidade ,  íe  acor- 
dou ,  que  eíta  paz  começará  nas  ditas  partes  da  publi-  > 
cação ,  que  delia  fe  fizer  em  Hefpanha  ,  a  hum  anno  fe- 
guinte  >  mas  fe  O  avizo  da  paz  puder  chegar  antes  aquel- 
les lugares ,  cefsaráó  defde  então  todos  os  aclos  de  hof- 
tilidadeí  eíeVpaisado  o  dito  anno ,  fe  commetter  por 

Ç/o  j  qual. 


$1     PORTUGAL  KESTJVRJDO, 

A,000  qualquer  das  partesràlguni  aão  de  hoírilidáde ■',  fe  fatis- 

srq    fará  todo  o  damno  >   que  âelle  naícer. 
100  5.       ARTIGO  VI.   •  Todos  os  priíioneiros  da  guerra > 
ou  em  ódio  delia  ,  de  qualquer  Naçaô  quefejaõ  ,  Tem 
idilaeaõ  ,  ou  embarga  algum  feraõ  poítos  em  fua  liber- 
dade,  aJlim  dehuma,  como  de  outra  parte ,  lem  excep- 
ção de  peísoa  alguma  ,  e  de  razão  ,  ou  pretexto  ,  que  fe 
queira  tomar  em  contrario  ,•  e  eíia  liberdade  começará 
do  dia  da  publicação  em  diante. 

ARTIGO  VIL  E  para  que  eíla  paz  feja  melhor  guar- 
dada ,  promettem  reípediva  mente  os  ditos  Reys  Ca- 
tholico  ,  e  de  Portugal  de  dar  livre.,  e  fegura  paisagem 
por  mar  >  ou  rios  navegáveis  contra  a  invafaó  de  quaef- 
quer  Piratas  ,  ou  outros  inimigos ,  que  procura  õ  tomar, 
e caítigar  com  rigor,  dando  toda  a  liberdade  ao  com- 
mercio. 

ARTIGO  VIII.    Todas  as  privaçoens  de  heranças  , 
e  difpoíiçQçns  feitas  com  ódio  da  guerra,  faõ  declaradas 
por  nenhumas,  e  como  naó  acontecidas;  e  os  dous  Re/s 
perdoaõa  culpa  a  huus,  e  a  outros  Vafsallos  em  virtu- 
de deite  Tratado,  havendo-fe  de  reítituir  as  fazendas  , 
que  eíli verem  no  Fiíco  ,  e  Coroa  ,  ás  pelsoas ,  ás  quaés 
Jem  intervenção  deita  guerra  haviaò  de  tocar  ,  ou  per- 
tencer, para  poderem  livremente  ufar  delias  j  mas  ús 
frutos  ,e  rendimentos  dos  ditos  bens  até  o  dia  da  pu- 
blicação da  paz  ficaráõ*  aos  que  es  tem  pofsuidb  ,  du- 
rante a  guerra  ;  e  porque  fe  podem  offerecer  fobre  iíto 
algumas  demandas  ,  que  convém  abbreviar  para  o  fo- 
cego  da  Republica,  fera  obrigado  cada  hum  dos  perten- 
dentes a  intentaras  demandas  dentro  dehumartno,e  fe 
determinarão  breve,  e  íummaria mente  dentro  de  outro; 
ARTIGO  IX.    E  fe  contra  o  difpoílo  nefte  Trata- 
do alguns  moradores  fem  ordem  ,  e  mandado  dos  Reys 
rei  peclivamente  fizerem  algum  damno,  fe  reparará,  e 
caíligará  o  damno  ,  que  fizerem ,  fendo  tomados  os  de- 
linquentes; mas  naó  fera  licito  poreftacaúfa  tomaras 
armas ,  e  romper  a  paz.  E  em  caio  de  fénao  faáer  juí- 
tiça,  fe  poderáò  dar  cartas  de  marca,-  ou  repre  ia  lias  con- 
tra os delinquentesfia  fórmi,  que  fe  coita  ma. 

ARTI- 


PARTE  II  LIVRO  X\í.         ?8j 

ARTIGO  X.  A  Coroa  de  Portugal  pelos  iate reíses,  AnnO 

que  reciproca  ,  e  infeparavel mente  tem  com  á  de  Ingla-  ^ 
terra  ,  poderá  entrar  á  parte  de  qualquer  liga  ,  ou  ligas,  l»«** 
ofíenfiva  ,  e  defeníiva  ,  que  as  duas  Coroas  de  IugJatei> 
ra ,.  e  Cathúlica  fizerem  entre  Ti  ,  juntamente  com  qua- 
efquer  confederados  íeysj  e  as  condiçoens,  e  obrigações" 
recíprocas  ,  que  em  tal  caio  íe  aju iterem  ,  ou  íe  accref- 
ceutarem  ao  diante  ,  íe  terão  ,  e  guardarão  inviolável- 
menteem  virtude  deite  li  ratado  ,  aílim  ,  e  da  maneira  , 
como  fe  eítiveraõ  particularmente  exprefsadas  nelle  ,  e 
eítiveraõ  já  nomeados  os  coligados. 

ARTIGO  XI.  Promettemos  os  fobreditos  Reys  Ca- 
tholico  ,  e  de  Portugal  de  na  õ  fazer  uadacontra  ,  eem 
prejuízo  deita  paz  ,  nem  coníentir  íe  faç \  direcla  ,  ou 
indirectamente  ,•  eíeacafo  íe  fizer  ,  de  o  reparar  fem 
nenhuma  dilação.  E  para  obfervancia  de  tudo  o  acima 
conteúdo  ,  íe  obrigaó  com  o  Sereniílimo  Rey  da  Gram- 
Bretanha  ,  como  mediador  ,  e  fiador  deita  paz  ,•  e  para 
firmeza  de  tudo  renunciaõ  todas  as  leys  ,  coitumes  ,  ou 
coufa  ,  que  faça  em  contrario. 

ARTIGO  XII.  Eíta  paz  feri  publicada  por  todas 
as  partes  ,  onde  convier ,  o  mais  brevemente  ,  que  íer 
poisa  ,  depois  da  ratificação  deites  Artigos  pelos  fenho- 
res  ReysCatholico,  e  de  Portugal,  e  entregues  recipro- 
camente na  forma  coílumeda. 

ARTIGO  XIII,  Finalmente  ferao  os  prcfente.?  Ar- 
tigos \  e  paz  nelles  conteúda  ratificados  também,  e  reco- 
nhecidos pelo  Sereniílimo  Rey  da  Gram-Bretanha  ^co- 
mo mediador .,  e  fiador  delia  por  cada  huma  das  partes, 
dentro  de  quatro  mezes  depois  da  íua  ratificação. 

Todas  as  quaes  coufas  neítes  Artigos  referidas  fo- 
raõ  acordadas  ,  eítabelecidas  ,  e  concluidas  por  nós  D. 
Gafpar  de  Haro  ,  Gufmaô,  e  Aragão,  Marquez  dei  Car- 
pio  ,  Duarte  Conde  de  Sanduick",  D.  Nuno  Alvares  Pe- 
reira ,  Duque  do  Cadaval,  D.Vafco  Luiz  da  Gama, 
Marquez  de  Niza,  D.  João  da  Silva  Marquez  de  Gou- 
vea  ,  D.  António  Luiz  de  Menezes  ,  Marquez  de  Ma- 
rialva ,  Henrique  de  Soufa  Tavares  da  Silva  ,  Conde 
de  Miranda  \  e  Pedto  Vieira  da  Silva  ,  Commiísarios  de- 

Oo  4  putados  > 


J§4    PORTUGAL  RESTAURADO 

Atino  Peados  para  eíle  eríèito  j  em  virtude  das  Plenipóten- 
IÓ68  ;;l;1V^UerCao  ^^âaseai  nómade  Suas Mageíta- 
des  Catnolicas  ,  da  Gram-Bretanha  ,  e  de  Portueal ,  em 
cuja  fe  ,  hvmza  ,  e  teítimunho  de  verdade  fizemos  eíle 
premente  i  ratado  firmado  de  nofsas  maos,e  íeJlado  com 
aíedo  de  rioísas  Armas.  Em  Lisboa  no  Convento  de 
fcanto  fclpi-  aos  treze  de  Fevereiro  de  mil  feifcentos  fef- 
lentaeoito.  D.  Gaipar  de  Haro  ,  Guímaó,  e  Aragaõ 
O  Conde  de&mduick.  O  Duque  Marquez  de  S£ 
Aiarquez  de  Niza,Almirante  da  India.JVíarquez  de  Goul 
vea,  Mordomo  maior.  Marquez  de  Marialva.  Conde 
de  Miranda.  Pedro  Vieira  da  Silva. 

Havendo  eu  viíto  o  dito  Tratado  de  paz  perpetua  , 
depois  de  confiderado,  e  examinado  com  toda  aatten- 
çao  ,  hei  por  bem  aceitallo  ,  approvalJo,  ratificalío  ,  e 
connrmallo  ,  como  em  effeito  poreíta  minha  carta  pa- 
tente  o  aceito  ,  approvo,  ratifico ,  e  confirmo  ,  promet- 
tendo  eni  meu  nome ,  no  dos  meus  fuccefsores ,  e  meus; 
nemos  de  obíervar,  guardar,  e  cumprir  inviolavelmen- 
te  todas  as  coufasnelleconteúdas,  fem  admittir,  que 
por  modo  algum  ,  que  haja,  ou  poisa  haver  r  direáa, 
ou  indirectamente  ie  contradiga  ,  ou  vá.  contra  elle  ;  e 
íq  ie  houver  feito  ,  ou  fe  fizer  em  alguma  maneira  ani- 
la em  contrario,  de  o  mandar  reparar  fem  dificuldade» 
ou  dilação  alguma  -y  eaíligar  ,  e  mandar  caftigar  os  que 
forem  niíso  complices ,  com  todo  o  rigor ;  e  tudo  o  re- 
ferido prometto ,  eme  obrigo  guardar  debaixo  da  fé ,  e 
palavra  de  Rey  em  meu  nome  ,  no  de  meus  fuccefsores, 
e  Reinos,  e  da  hypoteca ,  e  obrigação  de  todos  os  bens, 
rendas  geraes  T  e  eípeciaes  ,  prefentes ,  e  futuras  delles. 
Eemfe  ,  e  firmeza  de  tudo  mandei  pafsar  a  prefente 
carta  por  mim  affinada ,  e  fellada  com  o  fello  grande  de 
minhas  Armas,  Dada  na  Cidade  de  Lisboa  aos  três  dras 
do  mez  de  Março.  Luiz  Teixeira  de  Carvalho  a  fez,an- 
no  do  Naftimento  de  nofso Senhor  Jelu  Chrífto  de  mit 
e  feifcentos  fefsenta  e  oito.  Pedro  Vieira  da  Silva  o  fiz 

^  ,    TT       t  O  príncipe. 

D.  Carlos II.  por  la  gracia  de  Dios  Rey  de  las  Hef- 
^^^^ÈS^J^Wg^^j  d?  las  índias , 

&c. 


VARTE  II.  UP^O  711.       585 v 

&c;  Archi-Duque  de  Auítria  ,  Duque  de  Borgona  ,  de  AlttlC 
Milan  ,  Conde  de  Afpurg  ,  y  de  Tirol ,  &c.  y  la  Reyna  j  fá& 
Dona  Maria  Anna  de  Auítria  fu  Madre,  Tutora  ,  y  Cu-? 
radora  de  fu  Real  perlona ,  y  Governadora  de  todos  fus 
Reinos  ,  e  Sefloíios.  Por  quanto  D.  Gafpar  de  Haro  , 
Gufman  ,  y  Aragon  ,  Marquez  dei  Carr io,  &c.  en  vir- 
tud  dei  poder  ,  que  le  concedi ,  ha  ajuíiado  ,concluido, 
y  firmado  en  treze  dei  prefente  mz  un  Tratado  de  paz 
con  los  Miniílros  Commifsarios  infra  efcritos  deputados 
para  eíte  eflecto  por  el  muy  Alto  ,*  y  Sereniííimo  Prín- 
cipe D.  Alonfo  VI.  Rey  de  Portugal ,  &c.  intervenien- 
do  tanbien  ,  como  mediador  ,  y  fiador  en  nombre  dei 
muy  Alto,  y  Sereniííimo  Príncipe  Carlos  II.  Rey  dela 
Gran-Bretafia  ,  &c.  el  Conde  de  Sanduick  fu  Embaxa- 
dor  extraordinário  con  poder ,  que  para  ello  tuvo  íuyo, 
el  qualdicho  Tratado  vá  aqui  infierto  reduzido  a  treze 
artículos  ,  cuyo  tenor  traduzido  de  lengua  Portugueza 
en  Caftellana  ,  es  como  ie  fiegue. 

Artículos  de  paz  entre  el  muy  Alto  ,  y  Sereniííimo 
Principe  D.  Carlos  II.  Rey  Catholico  ,  fus  fuccefsores, 
yfusReynos,  y  el  muy  Alto,  y  Sereniííimo  Principe 
D.  Alonfo  VI.  Rey  de  Portugal,  k\s  fuccefsores,  y 
fus  Reynos  ,  por  mediacion  dei  muy  Alto  ,ySereniífi- 
mo  Principe  Carlos  II.  Rey  de  laGran-Bretafia:  her- 
mano  dei  uno  ,  e  aliado  muy  antigo  de  ambos  ,  avu- 
ltados por  D.  Gafpar  de  Haro ,  Guiman  ,  y  Aragon  , 
Marquez  dei  Carpio,  como  Plenipotenciário  de  Su  Ma- 
seítad  Catholica  ,  y  D.  Nuno  Alvares  Pereira  ,  Duque 
de  Cadaval f  D.  Vafco  Luiz  da  Gama  ,  Marquez  de  Ni- 
za,  D.  Luiz  da  Silva  Marquez  de  Gouveá  ,  D.  António 
Luiz  de  Menezes  ,  Marquez  de  Marialva,  Henrique  de 
Soufa  Tavares  da  Silva  ,  Conde  de  Miranda  ,  y  Pedro 
iVieira  da  Silva  ,  como  Plenipotenciário  de  Su  Magef- 
tad  de  Portugal >  y  Duarte  Conde  de  Sanduick  ,  Ple- 
nipotenciário de  SuMageítad  de  la  Gran-Bretafla  media- 
neiro ,  y  fiador  dela  dicha  paz  en  virtud  de  los  poderes 
ièguientes. 


D 


fH    PORTUGAL  KES7AUH4D0, 

RATIFICACION, 
*-  p^r  tanto  havienioviílo  ,  confíderado  ,  yexamina- 
X:   doea  miConfejo  maduramente  dic  ho  Tratado  yo 
por  mi ,  y  por  el  muy  Alto  ,  ySereniifimo  Príncipe  Car- 
los II.  Rey  de  las  Hefpaíías ,  &c.  nueílro  muy  charo, 
y  muy  amado  hijo  ,  hemos  reíuelto  aprovarle ,  y  ratifi- 
carie,  como  en  general,  ecada  punto  en  particular  le 
aprovamos,  y  rati.<icamos  por  nós,  y  nueílroj  herederos, 
y  iuccefsores ,  comoaífi  mifmo  por  los  vafsaílos ,  fu-bdí-""' 
tos ,  y  habitantes  de  tod  js  nueítros  Reynos  ,  Paizes     y 
Senonos,  aíHm  en  Europa,  como  fuera  delia  ,  fm  exce- 
ptuar ninguno  ,recebieudoel  dicho  Tratado,  y  todo  lo 
quecontiene,  y  cada  punto  dei  en  particular  en  todas 
lus  partes  porbueno,  firme  ,ey  valedero  ,  prometien- 
do  en  fé  ,  y  palabra  Real  p  k  nós  ,   y  nueílros  íucc  iso- 
res  Reyes  ,  Príncipes  ,  y  herederos  fyacera mente,  y  con 
bueaa  fé  feguir,  obfervar,  y  cumprile  inviolable,  y  pon- 
tualmente legun  íu  forma  ,  y  tenor ,  y  hazerle  feguir 
obíervar ,  y  cuniplir  de  la  mifmi  manera,  como  fi  le  hu- 
vieramos  tratado  por  nu eílra  própria  perfoua  ,fm  hazer, 
ni  permitir, que  en  ninguna  manera  fe  haga  cofa  en  con- 
trario direita,  ni indirectamente  en  qualquier  modo, 
que  fer  pueda :  y  fi  fe  huviere  hecho,  o  fi  fe  hiziere  con- 
travencion  en  alguna  manera,  hazerla  reparar  fin  diffí- 
cultad ,  ni  dilacion  alguna ,  ca  (ligar,  y  mandar  caítigar  a 
losquehuvieren  coitravenido  con  to  ío  o  rigor,lin  gra- 
da ,  ni  perdon  ,  obligan  Jo  para  el  efe<£l )  de  lo  íufodi- 
cho  todos  ,   y  cada  uno  de  nueílros  Rey  ios  ,  Paizes  ,  y 
Seííoi'ios,como  tambien  todos  nueílros  o.ros bien^spre- 
fentes,y  venideros  fm  exceptaar  nadie,y  para  la  firmeza 
defta  obligacion  ,  renunciamos  todas  las  leyes,  coflum- 
bres  ,  y  todas  otras  cofas.  contrarias  a  ello.  Enfé  d    lo 
qual  man  Íamos  defpachar  la  prefente  firmada  de  mi  ma- 
no, fellada  con  nueílro  fello  fecreto,  y  refrenada  dei  in- 
fra efcrlto  Secretario  de  Eíla  Jo.  Dada  en  Madrid  a  vinte 
e  três  de  Febrero  de  mil  feifcientos  fefsenta  y  ocho  afios, 

YO  Lã  REYJA. 
Doa  Pedro  Fernandes  dd  Qamp  ,  y  Angulo. 

Dilatou- 


" 


PARTE  II.  LIVRO  XJ7.       587 

Dilatou-fe  vinte  e  oito  dias  levarem-íe  a  Madrid  as  ArillO 
condiçoens  da  paz  nos  capitules  referidos*  e  firmados    *sa 
pela  Rainha  Regente  de  Caftella  D.  Maria  Anna  de  Au-  *  0O°* 
tfria,e  pelo  Principe  D.  Pedro  de  Portugal ,  íe  publicou 
a  dez  de  Março  folemnemente  em  Lisboa,  e  em  Madrid 
com  inexplicável  alegria  dos  Povos  de  huma  ,  e  outra 
Coroa  ,  iendo  os  motivos  diffèrentes  ;  porque  os  Portu- 
guezes  celebravaó  a  gloria  da  liberdade,  que  cõíeguiaó, 
e  das  memoráveis  vi&orias  ,  que  haviaõ  alcançado  i  e  os 
Caílelhanos  eíHmavaõ  a  fortuna  de  fe  verem  livres  dos 
grandes  damnos,queos  ameaçavaõ;  excedendo  aos  mais 
no  contentamento  pelo  próprio  prejuízo  os  moradores, 
nao  fó  dos  lugares  da  Raya,fenaõ  dos  que  habitavaõ  em  s 
outros  vinte ,  e  vinte  cinco  léguas  pelo  interior  dos  Rei- 
nos circumvizinhos:  e  entregues  de  huma,  e  outra  parte 
as  Praças  promettidas  nas  capitulaçoens  ;  reformados  os 
exércitos,  que  conítavaõ  de  quarenta  mil  Infantes,  e  dez 
mil  cavallos,  reíervando-íe  corpos  competentes  para  de- 
fenfa,e  fegurança  do  Reino,deipedidas  as  tropas  extran- 
geiras,  fatisfeitas  de  íe  lhes  ajuítarem  as  contas  dos  feus 
foldos,  entregando-íe-lhes  pontualmente  tudo,  o  que  fe 
lhes  devia  ,  finaladas  confi  nações  certas  aos  Aisentiílas, 
para  ie  embolfarem  dos  cabedaes  dei  pendidos  nos  con- 
tratos das  muniçoens,  e  mantimentos,  e  ajultados  os  ne- 
gócios referidos  ?  e  outros  naõ  menos  confideraveis,  def- 
pedio  o  Principe  D.Pedro  as  Cortes,e  em  todo  o  Mundo 
foaraõ  pela  confonancia  do  clarim  da  fama  harmónicos 
applaufos  da  fua  grande  prudência ,  por  haver  fido  au- 
thor  ,  na  paz  ajultada  com  a  Coroa  de  Caítella,  da  clau- 
fula  immortal  da  gloria  da  Naçaõ  Portugueza ,  que  de- 
pois de  porfiada  ,  efanguinolenta  guerra  collocou  no 
throno  do  Império  a  feus  legitimes  ,  e  foberanos  Prínci- 
pes, confefsando  na  paz  capitulada  a  fua  juítiça  os  mef- 
mos,que  fefsenta  annos  de  injuíta  pófse  ,  e  vinte  efete 
de  furiofa  guerra  a  ufurparaõ  ,  e  contradifseraõ, 

LAUS    D  E  O, 


PROa 


V 


5$9 


m&mfssf±fM^mm^m 


m, 


'lS£85f&&Í» 


ÍNDICE 

DAS  P  E  S  S  O  A  S  ,  E  COUSAS  MAIS 

notáveis ,  que  Te  contém  nos  féis  livros 
deita  fecunda  Parte ,  e  Tomo  IV. 

A 

AEibade  deS.  Romen  ,  Inviado  d'E!Rey  de 
França  ,  propõem  a  EIRey  D.  Affonfo  a 
approvaçaõ  das  pazes  de  Portugal   com 
Caftella  ,  que  as  íufpirava ;  e  que  naó  fen- 
do mui  honorificas  á  Coroa  Portugueza, 
EIRey  de  França  eftava  prompto  para  to- 
do o  auxilio  de  fe  profeguir  a  guerra  ,  Pag.  459.  Pro- 
cura tenazmente  eftorvar  a  paz  entre  Portugal,e  Cal- 
5    tella  ,  que  anciofamente  a  defeja  ,    ^64. 
Abfurdo  do  Marquez  deCaracena  em  largar  o  quartel 

no  fitio  de  Villa-ViçoCa ,  318.  ^ 
Acção  intrépida  do  Soldado  Simão  da  Cofta  ,  i$. 
Acção  gloriofa  do  Tenente  André  Gonfalves,  29. 
D.  Affbnfo  o  VI.  Rey  de  Portugal  reíblvè-fe  a  tomar 
o  governo  ,  68.  Entrado  nelle  ,  extermina  as  pefsoas, 
que  intervierad  na  refoluçaõ  de  lhe  apartarem:  Anto- 
r-  mo 


11 


(!) 


».|í  índice 

niò  de  Conte  ,  e  provê  çs  officios  da  Cajfa.  8  r .  Cheça- 
lhe  a  .nova  da  vitoria  do  Ameixial,  baixa  a  Capella 
com  o  Infante  a  dar  graças  j  e  piamente  advertido  do 
Conde  de  Caítello-Meíhor  ,  manda  oífèrecer  muitos 
fuífragios  pelos  que  morrerão  na  batalha,  r?$.  Com 
a  recluíaó  da  Rainha  ília  mãy,  que  lhe  dimittio  o  go- 
verno ,  crefcem  as  dei  ordens  ,  a  que  o  incitava  a  vi- 
leza da  peble  faoinoroia  ,  qne'0  acompanhava  ,192, 
Ajuíta-fe  em  França  o  leu  c  afamento  com  a  Princeza 
deAumalle,  413.  Primeiras  villas  d' El Rey,  e  Rai- 
nha chegada  a  Lisboa  ,  45 1.  Concebe  defconfianças 
contra  o  Infante ,  e  arma-le  o  Paço  ,  476,  e  477.  Di- 
vide-ie  a  Nobreza  ,  48 1.  Propõem  em  grave  Junta  o 
deíterro  do  Conde  ,  485.  e  feg."  Larga  o  governo  ao 
Infante  ,  e  he  recluiò  ,713.  Sua  morte ,  J46. 

Aftonío  Furtado ,  vai,  fítiar  a  Praça  da  Sarça  de  mil  fo* 
gos,a  qual  íe  rende,e  he  arrazada,  deixando  deíafom- 
brados  osnofsos  confins,  que  delia  recebiaô  graves 
damnos.  35:1:.  Manda  queimar  a  Villa  de  Ferreira,  co- 
vil dos  maiores  pilhantes  daquella  Fronteira  ,  aos 
quaes  fez  prifíoneiros,}  j*.  Interprende  Vilhanel,hu- 
ma  das  mais  ricas  Villas  da  Serra  da  Gata,  deftroe  to- 
do aquellePaiz  ,  e  fem  oppofiçaõ  fe  retira.  Ibid. 

Albuquerque,  Villa  opulenta  de  Caitella ,  he  por  in- 
ter preza  entrada  ,  e  faqueada  pelo  Conde  de  Schom- 
berg  ,  380. 

Alexandre  Farneíio  ,  General  da  Cavailaria  extrangeira 
inimiga,  Príncipe  de  Parma  ,  determina  interprender 
Valença  de  Alcântara  .por  trato  de  priíioneirbs  Cafte- 
Ihanos;  e  baldada  eíta  a ílucía  ,  com  grande  damno.ie 
retira,  189. 

Almeida,he  invadida  de  grande  poder,com  que  o  Duque 
de  Oisuna  lhe  dá  hum  furioíò  ,  e  repentino  afsalto  $ 
mas  defendida  com  o  valor  ,  a  deílrezii  de  Diogo  (Jó- 
mes  Js-Figueiredo,  faò  rechaçados  os  inimigos,e  bal- 
dada a  confiança  do  Duque,  181.  até  184. 

D.  AnfelodeGuímaô  ,  Meftrede  Campo,  filho  do  Du- 
7que  de  Medina  de  las  Torres,fica  prifioneiro  na  bata- 
lha do  Ameixial?    15*0. 

D.An- 


ÍNDICE.  f9i 

D  António  Luiz  de  Menezes  Conde  de  Cantanhede  ,  e 
Marquez,  de  Marialva,  confegue  licença  para  voltar  á 
Corce  í  fica  o  governo  ao  Conde  de  Schomberg  ,  que 

i     pouco  depois  paísa  a  Lisboa  ,   y.  Solicita  o  íõccorro 

i\  para  recuperar  Évora,  i f  4  Conleguida  a  emprseza, 
volta  a  Lisboa,  e  licenceão-le  as  tropas  ,165".  He  ou- 
tra vez  -Eleito  com  titulo  de  Capitão  General  doAlem- 
tejo  ,  i\  t.  Sahe  em  campanha  ,  forma  o  exercito  na 
frente  de  Badajoz,  onde  aíliftia  D.Joaõ  deAuftria 
com  o  exercito  de  Caílella  y  2 1 7.  Sitia,  e  expugna  Va- 
lença ,  que  fe  lhe  entrega  ,  e  a  deixa  fortificada,  1 1 9. 

.  até  i$t.  Parte  a  Alemte)o  a  prevenir  outro  poderolo 
exercito  em  oppofiçao  do  de  Caítella,e  promptamen- 
te  lhe  chegio  os  foecorros  das  Provindas  para  o  exer- 
cito ,  294.  Sahe  de  Extremoz  com  o  exercito  a  foccor- 
rer  Villa-Viçofa  fitiada  ,  $06.  Exhorta  os  Soldados  á 
batalha  ,  316  Conleguida  felizmente  a  vidoria  ,  en- 
tra triunfante  na  Praça  ,  ecom  urbana  gratulaçaõ 
louva  os  Cabos  ,  eOfflciaes  ,  $33.  He  nomeado  por 
Plenipotenciário  das  pazes  entre  Portugal ,  e  Caílel- 
la,  575-. 

António  de  Conte,he  prezo,e  deportado  com  feu  irmão 
para  o  Btafil  ,60. 

Armada  de  Inglaterra  chega  a  Lisboa  para  conduzir  a 
Rainha ,  49. 

Arronches  ,  accidentalmente  voa  parte  de  feu  Caírello 
com  muita  perda  dos  Caftelhanos  ,  166.  Reconhecem 
os  Caftelhanos  difícil  a  confervaçaôi  edefmantelada 
a  deíamparaó   ,  238, 

Ayres  de  Saldanha  ,  Meftre  de  Campo  ,  milita  valoroía- 
mente  na  batalha  de  Montes  Claros,  na  qual  perfeve- 
ra  até  ao  fim  da  vidoria,  fem  fe  querer  retirar  grave- 
mente ferido  ,   $32. 


B 


D 


0m  Balthazar  de  Roxas  Pantoja>governa  hum  po- 
deroío  exercito  de  Caílella  ,  que  entra  na  Provín- 
cia 


59*  ÍNDICE. 

cia  do  Minho,  13.614.  Depois  defruftrada  a  fua  con- 
fiança ,  e  diligencia ,  íe  retira  com  o  exercito  quaíi 
desbaratado,  23  Edifica  o  Forte  dos  Medos ,  moítran- 
do  o  que  tinha  das  entradas  ,  com  que  o  Conde  do 
Prado  infeítava  aquelle  diífrido  ,  178.  Em  aufencia 
do  Conde  de  S.Joaó  entra  na  Província  de  Trás  os 
Montes,  onde  deílroe  muitos  lugares  ,  387. 

Batalha  do  Ameixial ,  1 39.  e  feg. 

Batalha^deCaílello-Rodrigo  ,  em  que  he  desbaratado  o 
exercito  do  Duque  de  Oísuna  >  *£4«  e  feg. 

Batalha  de  Montes  Claros  ,  3  20. 

Bizarria  militar  ,  com  que  D.  Joaõ  de  Auílria  pafsa  fem 
oíFender  Alegrete,  agradado  do  bom  humor,  com  que 
lhe  reíponde  íèu  Governador  la  Coité  ,  para  fe  nao 
render ,  f.  A  com  que  refponde  D.  Luiz  de  Menezes 
ao  arrogante,  e  gracioío  recado  do  meímo  D.joaõ* 
109.  A  com  que  Pedro  Jaques  de  Magalhaens  aviza  ao 
Duque  de  Oísuna,  que  íe  prepare ,  e  acautele,  1 8  5. 


c 


CApitulaçoens  ,  com  que  fe  entrega  Évora  ao  noísa 
exercito,    164. 

Carlos  II.Rey  de  Inglaterra,  moílra-íe  defcobertamente 
benigno  aos  Catholicos  ,  effeitos  íubminiftrados  pelo 
religioío  zelo  da  Rainha  D.  Catharina ,  1 98. 

Carta  da  Rainha  Regente  a  EIRey  íeu  filho,  perfuadin- 
do-o  a  tornar  para  o  Paço,de  que  inconíideredo  íe  au- 
fentara\  69.  Sua  reípoíla ,  71 .  Segunda  carta  íobre  o 
meímo  ,  7  2,  Terceira  carta ,  fegurando-lhe  a  entrega 
do  governo  ,  yy% 

.Carta  para  EIRey  íeu  filho  ,  deíenganada  que  morria  ; 
441.  Outra  para  o  Infante  D.  Pedro  ,  que  com  EIRey 
íeu  irmaó  íe  achavaõ  em  Salvaterra.  Ibid. 

C^tas  da  Rainha  Franceza,em  que  expõem  o  eícrupu- 
lo  da  nu llidade  de  íeu  Matrimonio»  implora  a  decifao 
deHe  com  reílituiçaõ  do  íeu  dote,para  voltar  a  Fran- 
ça, 513.  e  yrtf.Reípoílas  de,huma,  e  outra _para_a  Rai- 

-    nhav  Ibidí  e  5 17.  I 

D.Chrif- 


índice,  m 

D.  Chriítovaõ  Manoel ,  filho  do  Conáede  Villa-Flor, 
Capitão  de  Cavallos,  derrota  humagroísa  partida' do 
inimigo  ,  396.  Com  oito  cavallos  recupera  numa  pre- 
za, que  levao  os  Caílelhanos  ,e  com  temerário  arro- 
jo, diículpavel  nos  poucos  annos,  legue, a  partida  ini- 
miga mais  de  cinco  léguas  pela  terra  dentro.  Ibid. 
Conde  deS.  Joaó  ,  junta  poder  ,  fahe  de  Chaves  ,  entra 
nas  terras  inimigas  ,  devaíta  cento  e  cincoenta  Villas, 
e  lugares,e  felizmente  fe  recolhe  com  os  Soldados  ri- 
cos ,  174.  Torna  a  entrar  nos  Reinos  de  Gallizá  ,  Ca- 
ítella  ,  e  Leaõ  com  grave  damno  do  inimigo,  utilida- 
de dos  invaíores ,  e  credito  do  Conde,  108.  Entra 
nas  terras  inimigas  ,  toma  a  Villa  de  Bós  ,  que  pade- 
ce fatal  eílrago  pela  reíiítencia  obítinada  de  leu  Gaí- 
tello;  ecomriquiílimo  defpojofe  recolhe,  146.  Su- 
ieita  muitos  lugares  á  obediência  d<ElRey  de  Portu- 
gal. Ibid-  Faz  entrada  no  Valle  de  Salas  ,  queima  leis 
lugares  populofos ,  com  cujos  defpojos  fuftentaíuas 
tropas ,  147.  Adquire  grande.parte  do  triunto  na  vi- 
toria de  Montes  Claros  ,317.  Soceorre  o  exercito  do 
Minho  ;  volta  áfua  Provinda  ,  e  dahi  faz  varias  en- 
tradas nos  Reinos  confinantes  profperamente  ,  *4?« 
Voltando  de  Lisboa  á  fua  Provinda  infeftada  do  ini- 
migo ,  toma  latisfaçaõ  do  damno  recebido ,  389. 
Conde  de  Miranda ,  o  Príncipe  o  nomea  Plenipotenciá- 
rio para  concordar  a  paz  entre  Portugal ,  c  GaiteUa  , 

Conde  do  Prado ,  junta  o  exercito,  e  fahe  em  campa- 
nha primeiro,  que  o  de  Caftella,  que  brevemente  en- 
tra na  Província  de  Entre  Douro ,  e  Minho  ,  13.  In- 
tenta ganhar  Gayaõ  ,  174-  Confegue-o  proípera- 
mente,  e  fortifica-fe  ,  ajudado  das  diverfoens  do  Con- 
de de  S.  João  ,  e  de  ambas  as  Províncias  ,  1 77.  Recu- 
pera Lindozo,  179.  Difpoem  entrada  em  Galhza  por 
Chaõ  deCaílro ;  e  faqueados  muitos  lugares  ,  ie  re- 
colhe anofsa  partida  fem  oppofiçaò,  180.  Ajunta 
poderofo  exercito  J  entra  em  Galliza  fem  refiítencia, 
^44.  e  feg.  Devaíta  as  Villas  ,  e  lugares  daquelle  par- 
tido j  chega  á  Villa  da  Guarda  ,  que  fitia  3  e  rendida  a 

Pp  deixa 


594  ÍNDICE. 

deixa  preíídiada ,  346. ,  efeg.  Junta  exercito  para  fe 
oppôrao  do  Condeítablé  deCaítella,  383.  Impede- 
Ihe  todos  os  progrefsos ,  fenhoreando  a  campanha, 
com  que  atemoriza  aos  Gallegos ,  e  obriga  a  que  fe 
retirem,  386. 
Coade  de  Sanduick,  Embaixador  de  Inglaterra  na  Corte 
de  Madrid,pafsa  a  Lisboa  com  poderes  de  feu  Rey,co- 
mo  mediador ,  e  fiador  da  paz  entre  Portugal ,  e  Caf- 
tella  ,  e  com  elle  fe  ajuíla ,  578. 
Conde  de  Scomberg,  marcha  no  exercito  r  que  vai  foc- 
correr  Évora,  114.  Deítreza  militar,com  que  difpoem 
o  exercito  no  rio  Degébe  ,   1 22.  Eítrago  no  exercito 
inimigo  pela  boa  difciplina  do  Conde  ,1 27.  Fica  go- 
vernando o  Alemtejo  s  intenta  ganhar  Aya-Monte,e 
ElRey  lhe  fufpende  a  empreza  ,   16*9.  Viíita  as  Pra- 
çâs ,  manda jfaquearFerreguela  ,  donde  fe  recoflíem 
os  Soldados  com  boa  preza ,  170*  Compoem-fe  as  du- 
vidas entre  o  Conde,  e  Gabos  do  exercito  de  Alem- 
tejo ,  290.  Moítra  fua  deítreza ,  e  vigilância  na  bata- 
lha de  Montes  Claros  ,  317.  Pafsa  a  Entre  Douro  ,  e 
Minho  com  as  tropas  de  Alemtejo  ,  340.  Governa  as 
Armas  de  Alemtejo,  entra  no  Condado  de  Nieblâ,ga- 
nha  ,  e  faquêa  a  Villa  de  Alçaria  de  la  Puebla  ,  pafsa 
a  Paymogo,  que  etitregue  íica  com  prefidio ,  36  9. Faz 
varias  entradas  prosperamente,  370,  Sitia  S.  Lu  ca  r 
de  Guadiana  t  e  ganhada  a  Villa  com  a  de  GibraléaõV 
põem  em  contribuição  muitos  lugares  de  Andaluzia,, 
372.  Faz  outra  entrada  no  Condado,  aísola  muitos 
lugares  r  fortifica  Arronches;  he  remunerado  com  o 
titulo  de  Condéde  Mertola  r  e  dezoito  mil  cruzados 
de  foTdo  em  quanto  viver  ,   374.  Caftiga  os  culpados; 
na  retirada ,  a  que  os  obrigou  o  Príncipe  de  Parma , 

379- 

Condeítablé  de  Caítella,  entre  a  governar  as  Armas  de 
Galliza,  e  cóm  poderofo  exercito  difpoem  fazer  guer- 
ra no  Minho  ,,  385.  Sem  confeguir  empreza  alguma 
atemorizado  fe  retira,  385.  efeg. 

Conde  déCátfello- Melhor.  Veja-fe  Luiz  de  Souía  de 
Vaícdncèllós. 

Conde 


índice. 

Conde  da  Ericeira.  Veja-íe  D.  Luiz  de  Menezes. 

Conde  de  Miíquitella.  Veja-feD.  Rodrigo  de  Caibro. 

Conde  deSoure.  Veja-feD.  Joaó  da  Coita. 

Conde  da  Torre.  Veja^fe  D.  JòaÒ  Mafcarenhas. 

Conde  de  Villa-Flor.  Veja-feD.  Sancho  Manoel. 

Contrato  do  cafamento  d'ElRey  D.  Arlonlo  VI.  com  a 
Princeza  de  Aumaíle  Duqueza  de  Nemours  ,  41 9. 

Crato,  intenta  reííítir  ao  exercito  de  D.  Joaò  de  Auitna, 
que  irritado  (por  fer  lugar  aberto  )  condemna  a  mor- 
te o  Governador,  e  manda  arcabuzear  ao  Sargento 
maior,  c.  O  Governador  efcapa  da  morte  por  ínter- 
cefsoens,  e  o  Sargento  maior  varonil ,  e  cathoiica- 
mente  padece  a  morte  arcabuzeado.  lbid, 


D 


Diniz  de  Mello  de  Caílro,fica  governando  as  Armas 
noAlemtejoem  aufencia  do  Marquez  de  Marialva, 
e  Conde  de  Schomberg  ,  8.  Torna  ao  governo  em  fal- 
ta  do  Conde  de  Miíquitella,  11.  He  nomeado  Gene- 
ral da  Cavallaria  ,101.  Marcha  no  exercito í 1  loccor- 
rer  Évora  1  ix.  Governa  em  auíencia  dos  Condes  de 
Villa-Flor,  eScomberg,  169.  Marcha  no  exercito , 
que  foccorre  Villa-Viçoía,  310.  Feito  Meftre  de  Cam- 
po General  derrota  duzentos  e  cincoenta  cavaUos 
Caílelhanos ,  que  fazem  varias  entradas  mal  fuccedi- 

D^iogo^Correa,  General  da  Cavallaria  Caftelhana , 
por  mandado  de  D.  Joaô  de  Auítria  vai  i ocorrer  |a- 
lença  de  Alcântara  fitiada  do  nofso  exercito  ,  ca  viita 
delia  perde  a  efperança  de  lograr  o  effeito ,  e  ie  reti- 
ra,! 14.  Fica  prifioneiro  na  batalha  de  Montes  Claros, 

Diolo  Gomes  de  Figueiredo,  acode  folicitamente  a  pife. 
venir  a  defenfa  de  Almeida,  q  o  Duque,  de  Olsuna  in- 
tenta conquiítar,i  8  2.  Renite  com  hum  porfiado  com- 
bate, e  com  grande  eftrago  dos  inimigos  faz  que_úQ- 
liítao  da  empreza,e  que  o  Duque  retroceda  Pa™^ 


í96  ÍNDICE. 

dad-Rodrigo  com  perda  de  quatrocentos  Infantes  ,' 
li  84.  Milita  felizmente  na  batalha  de  Montes  Claros, 
318. 
Duque  de  Aveiro ,  he  nomeado  General  de  huma  Arma- 
da ,  para  vir  contra  Portugal ,  e  pafsa  a  Cádis  fem  ef- 
feito ,  193;  Com  outra  Armada  de  quinze  navios  vai 
ao  Algarve ,  ganha  hum  pequeno  Forte,  intenta  ren- 
der  a  Fortaleza  de  Sagres  ,  donde  he  rebatido ;  palsa 
á  pequena  Ilha  da  Berlenga  guarnecida  de  trinta  Sol- 
dados,   rende  feu  limitado  Forte ,  e  fem  mais  opera- 
_Çaõfe retira,  374. 

Duque  do  Cadaval ,  na  oceafiaõ  de  feu  oftracifmo  acha* 
fe  na  expugnaçaó  da  Villa  de  Serralvo  ,  fete  léguas 
dentro  de  Caftella  a 'Velha,  onde  dá  evidente  prova 
de  feu  valor ,  1  j7.  He  defignado  Plenipotenciário  pa- 
ra  concordara  paz  entre  Portugal ,  eCaítella  ,  £75-. 
Duque  de  Ofsuna,  entra  /com  novo  exercito  nos  dous 
partidos  da  Beira  ,  46.  Intenta  ganhar  Almeida  por 
mterpreza ,  dá-lhe  afsalto ,  e  retira-fe  com  grande 
perda,  i8í.  até  183.  Irritado  das  que  lhe  caufaõas 
_  diligencias  de  Pedro  Jaques  de  Magalhães,  entra  com 
grande  eítrondo  nas  terras  confínantes,e  põem  o  fogo 
impiamente  ás  fearas  ,  e  fem  maior  facção  íe  recolhe, 
JP-Jai  fobre  Caítello-Rodrígo ,  que  animofamente 
le  defende  até  chegar  Pedro  Jaques  de  Magalhães ,  o 
qual  com  mui  deíigual  poder  derrota  o  exercito  con- 
trario ;  foge  o  Duque  ,  e  lograó  os  nofsos  o  defpojo 
da  campanha,  i5$.  Na  batalha  de  Montes  Claros  com 
©  Marquez  de  Caracena  conhece  a  derrota  do  feu  ex- 
ercito, e  antes  de  lhe  ver  o  ultimo  íim  fe  põem  em 
laivo,  329.  r 


E 


EMbaixador  de  Inglaterra  aElRey  de  Caftella  par- 
te  de  Madrid  a  Portugal  com  propofta  de  paz  ,  que 
íelhe  naô  admitte  ,  438. 
EfcalhaÕ, Forte,  que  o  Duque  de  Ofsuna  começara, 

he 


IXDICE.  597 

he  recuperado  por  D.  Sancho  Manoel,  que  o  guar- 
nece ,  46  Recobra-o  o  Duque  por  trato  de  hum  vil 
Alferes  ,  que  fe  deixa  corromper.  Ibid.  Torna  a  ga- 
nhalo  o  Conde  de  Villa  Flor  mais  decorofamente  com 
batarias  ,  eaproxes,  47. 

Évora  he  prefidiada  ,  por  fe  conje&urar  ,  que  a  ella  ie 
dirigia  o  exercito  Caítelhano  ,  icó.  He  íitiada  pelo 
exercito  de  D.  Joaó  de  Aultria  ,  109.  Rende-íe  com 
débil  rehítencia,  1 1 1.  Altera-fe  o  Povo  informado  da 
perda  dos  Caftellianos  norioDegébe,  129.  A  fim 
de  a  recuperar,  chegaõ  os  nofsos  Generaes  a  reconhe- 
cella,  15  f.  Refolve-fe  o  fitio  ,  forma  do  quartel  ,e 
aproxes  ,  1 56.  Entrega-fe  ao  noíso exercito  ,164. 

Exercito  no  Minho  ,  com  que  o  Conde  do  Prado  íe  op- 
poem  ao  deGalliza  ,  numero  dos  Cabos,  gente  ,  e  pe- 
trechos de  ambos  ,  1 3.  e  1 4.  O  do  inimigo  ameaça  fi- 
tiar  Valença;  o  nofso  lho  impede  ,  e  todos  os  progrei- 
fos,  pelejando  quafi  todos  os  dias ,   18. 

Exercito,  com  que  fahe  D.  JoaÕ  de  Auílria  dirigido  a 
Évora  ,  io<.  Difpofiçaó  da  lua  marcha,  106. 

Exercito  ,  com  que  D.  Sancho  Manoel  intenta  íoccorrer 
Évora  ,  fua  marcha  ,  e  certeza  de  efíar  rendida  ,  11 1. 
Vai  aquartelar-íe  ao  Landroal ,  e  torna  a  paísar  o  rio 
Degébe,  izt.e  m  Ocontrario  intenta  paísar  eite 
rio  ,  e  fem  o  coníeguir  ,  padece  mui  coníideravel  el- 
trago  ,  125.  O  nolso  fe  aquartela  á  viíla  dos  Caste- 
lhanos ,  127.  Paísaô  ambos  os  exércitos  o  no  Terá, 

Exercito  que  governa  o  Marquez  de  Marialva  ,  fe  def- 
creve  ,  21  3.  e  feg.  Vai  íbbre  Valença  de  Alcântara  , 
que  depois  de  porfiada  refiftencia  fe  entrega  ,  11 9.  ate 
jii,      ■ 

Exercito  inimigo  ,  com  que  o  Marquez  deCaracena  vai 
íitiar  Villa-Viçofa,  Cabos,  e  Officiaes,  numero  de  gen- 
te ,  e  petrechos  bellicos  ,  ;oo.  Defcreve*fe  o  nolso, 
quevaifocçorreraPraça,  309. 

Exercito  numerofo  ,  que  no  Minho  .forma  o  Conde  elo 
Prado,  344< 


?P3 


Per- 


f9t 


ÍNDICE. 


F 


FErreira,Viíla  de  Caítella,  queinfeilava  muito  nof- 
fos  lugares  ,  he  rendida,  e  fica  com  preiidio  Portu- 
guez ,  e  alleviado  aquelle  diftri&o ,  383. 
D.  Filippe  Rey  de  Caítella  ,  empenha-fe  em  vingar  os 
damnos  recebidos  ,  e  opinião  perdida  nas  duas  bata- 
lhas de  Elvas  ,  e  Ameixial ,  191,  Elege  por  General 
do  exercito  da  Extremadura  ao  Marquez  de  Garacena, 
.quelheafsegura  fácil  eonquiíta ,  292.  Sua  morte. 

D.  Francifco  de  Alarcão  ,  filho  de  D.  Joaô  Soares,  mili- 
ta contra  íua  Pátria  na  batalha  de  Montes  Claros  , 
na  qual  he  rendido  ,  e  fica  priíioneiro  >  $$1. 

Franciico;  de  Mello  r  Conde  da  Ponte ,  chega  a  Lisboa 
com  a  Armada  Ingieza  para  conduzir  a  Rainha ,  com 
titulo  de  Marquez  de  Sande  ,  49. 


G 


GAlantaria  donofa  de  hum  Meftre  de  Campo  Caf- 
telhano ,  que  íe  rendera  no  meímo  dia  de  S.  Joaõ 
antecedentes  pedio  ao  General  da  Artilharia  D.Luiz 
de  Menezes  ,  lhe  apontafse  o  lugar  feguro  de  o  dela- 
lojarem  cada  S.  Joaõ  ,  porque  naquelle  dia  corria  a 
melma  fortuna,  23». 

D.  Galparde  Aro  ,  filho  do  Conde  de  Caftrilho  ,  genro 
do  Marquez  de  Garacena  ,  e  Capitão  de  fuás  Guardas, 
nca  pnfioneiro  na  batalha  de  Montes  Claros ,  i  *». 

Ui  Vaz  Lobo,feito  Meílre  de  Campo  General,  fica  go- 
vernando as  Armas  no  Alemtejo,  ^.Intenta  a  inter- 
preza  de  Freixenal ,  que  fedefvanece*  mas  o  poder 
empe,  ihado  nella  desbarata  ao  General  da  Cavallaria 
Caíteihana  D.  Diogo,  Corrêa  com  grande  triunfo  da 
milícia  Portugueza  ,  que  íe  recolhe  com  alguns  OíK- 
ciaesprifioneiros,  e  boa  preza,  239,  eieg. 

Henri- 


H Enrique  Jaques  de  Magalhaens,  em  idade  de  quin- 
ze annos  imita  o  raro  valor  de  feu  pay,  achando- 
fe  na  batalha  do  Ameixial  e  na  de  Montes  Claros; 
he  ferido  de  numa  bala,  3$2« 


DOmJoao  deAuítria  reforça  o  exercito,  renova  a 
fortificação  de  Geromenha  rendida ,  e  marcha  a 
Veiros ,  z.  Entra  no  lugar  aberto  ,  voa  o  Caftello, 
pafsa  a  Monforte  ,  que  fe  lhe  entrega,  42/a1  a  Alter- 
Poderofo,  manda  voar  o  Caítello;  rende-le-lhe  o  Ai- 
fumar ,  e  Ouguella ,  5*.  Retira-fe  a  Badajoz  íem  op- 
pofiçró,  6.  Sahe  em  campanha  com  mais  groíso  exer- 
cito ,  feu  numero  ,  e  apparato,  10?.  Sitia  Évora,  que 
fe  rende  i  entrega  feu  governo  ao  Conde  de  ^tirana, 
e  delibera-íe  a  retirar  o  feu  exercito  ,  1 18.  Perde  a  ba- 
talha do  Amexial  i  e  delia  le  retira  ,  14*-  intenta  in- 
terprender  Elvas  de  balde  »  167. 
D.  Joaõ  da  Coita ,  Conde  de  Soure  ,  elogio  da  íua  vida, 

Toa2Ó  do  Crato  da  Fonfeca,  Commifsario  geral  da  Caval- 
laria,  com  féis  companhias  toma  hum  comboy  con- 
duzido de  cento  e  vinte  cavallos  ,  que  põem  em  tugi- 

D  "joaõ  Mafcarenhas ,  Conde  da  Torre  ,  marcha  no  ex- 
ercito ,  que  vai  foccorrer  Évora  ,114. 

D  Joaõ  da  Silva  marcha  no  exercito  para  decorrer  Evo 
ra,i  1  *.Na  batalha  de  Montes  Claros  exercita  fua  pru- 
dente diícipHna  ,  5  IO.  n    . 

JoaÔ  da  Silva  de  Souia,  com  hum  troço  de  Cavallaria , 
e duzentos  Infantes,  vai  faquear  olugar  de  lerri- 
gnella,  recolhendo-fe  com  rico  deípojo  ,_ #W^ 
legado,  170.  Logra  igual  fehce  luccelso  ,  desbara- 

rJt  T" 


6oo  ÍNDICE. 

tando  ao  Meftre  de  Campo  da  Cavallaria  inimiga  D 
Diogo  Corrêa ,  240.  e  feg.  Participa  do  triunfo  na  bá-' 
talha  de  Montes  Claros ,  318. 


Llndozp  rendido  ao  inimigo  ,  è  melhorado  de  forti- 
ficação ,  he  «pugnado  ,  e  reílituido  aos  nofsos, 
170.  eíeg.  ' 

D.  Luiz  da  Coita  no  poílo  de  Tenente  General  afs&lta; 
e  íaquea  olugar  de  S  Silveítre ,  280.  Faz  outra  en- 
trada, toma  por  afsalto  o  lugar  de  S.  Bartholomeu, 
que  íaquea  ,  refervando  as  Igrejas  ,  e  entrega  o  lugar 
ao  W  O  mefmo  eítrago  fente  a  Villa  de  Caítellijo 
de  íeiicentosvifinhos,e  recolhendo-fe  rico  de  defpo- 
jos  ,  egado,  dególla  no  caminho  três  companhias 
340.  Entra  com  grande  eítrago  em  Andaluzia,  27i[ 
D.  Luiz  de  Menezes  fobe  a  General  da  Artilharia,  |  rei 
cebe  hum  recado  gracioío  de  D.  João  de  Auítria ,  a 
que  reiponde  com  igual  defenfado ,  lembrando-lhe  as 
torças  caudinas,  109.  Loboriofa  promptidaó  ,  com 
quedilpoem  asoperaçoens  da  artilharia  no  confliélo 
do  no  Degebe  com  fatal  eítrago  do  exercito  cotrario, 
À> ? ? u  ?  ?L,   fundado  »  com  que  perfuade  ,  que  fé 
•    erc^oS  do  Amexial,  ,3^  pVuU  ir  o  noíso  eX? 
ercito  íobie  Valença ;  he  aprovado  efte  voto  ,  e  tem  a 
empreza  feJice  effeito  ,  tÍ9.  Na  batalha  de  kontâ 
C  aros  exercita  o  leu  Poíto  com  o  coítumado  valor,  e 
militar  íciencia  ,317.  Iajuítas  defconfianças,  quecon- 

má    C°Tbe  EJRe^  D- Affonfo  >  e  Produzem  abo- 
mináveis  effeitos ,  47o.  e  ^g. 

iZr  altunha  íahe  a  imPedir  huma  preza  levada  pe- 
7l  OS' aos  ^uaes  P°eni  em  fugida,  e  cobrada 

niS^f3'  entra  nolu§ardeArouche,  que  deixa  fa- 

Ll!^efouía  de  Vaíconcellos ,  Conde  de  Caílello-Me- 
írl «  J°grâ  ?'  lcn*r*&6  de  P«meiro  Miniítro,  e  diri- 
ge o  &0\ei  no  do  «Reino  j  attande  ao  provimento  das 

fron- 


ÍNDICE.  601 

fronteiras  ,  e  portos  marinos ,  8o.  Concebe  o  Infan- 
te defconfianças  Xontra  a  fua  fidelidade  ,  eoGoade 
cede  ás  inftancias  do  Infante,fahindo  da  Gorte,  495. 
e  49^.Sua  peregrinação,  e  lealdade. Ibid.  He  reftitui- 
do  ao  Reino ,  e  acreditado  leu  re&o  procedimento , 
498. 


M 


MAnoel  Freire  de  Andrade  acode  ao  exercito  de 
Alemtejo  em  foccorro  de  Évora  ,113.  Marcha  no 
nofso  exercito  á  viíla  do  contrario,e  ataca  huma  gra- 
ve efcaramuça  ,133.  Ardor  impaciente  ,  com  que  in- 
verte ao  inimigo,  e  ferido  de  huma  bala  o  retiraõ  mo- 
ribundo ,141» 

Marquez  de  Caracena  entra  na  Provincia  do  Minho  com 
mui  poderofo  exercito  ,  1 4.  Pafsa  de  Flandes  a  Gene- 
ral dasArmas  na  Extremadura,em  Badajoz  junta  mais 
poderofo  exercito  ,  e  afloxa  a  confiança  ,  com  que  fa- 
cilitava a  conquiíta  de  Portugal,  294.  Marcha  a  fitiar 
Villa-Viçofa,  298.  Intenta  desbaratar  o  nofso  exerci- 
to na  marcha  ,318.  Reconhece  a  batalha  perdida  ,  e 
fem  efperar  o  fim  delia,  defampara  o  exercito,  e  fe  re- 
tira com  o  Duque  de  Ofsuna  ,  319. 

Marquez  deEliche  ,  cinco  vezes  Grande  deHefpanha, 
fica  prifioneiro  na  batalha  do  Amexial ,  1 50.  Rece- 
be ordens  da  Rainha  de  Caítella  para  tratar  a  paz  de 
Rey  a  Rey  ,563.  Recebe  poderes  da  mefma  Rainha 
para  ajuítar  a  paz  com  Portugal  ,  e  tem  effeito,, 

Marquez  de  Gouvea  he  hum  dos  Plenipotenciários  pa- 
ra o  ajuíle  da  paz  entre  Portugal ,  e  Caítella ,  575. 

Marquez  de  Marialva,  veja-fe  D.  António  Luiz  de  Me- 
nezes. 

Marquez  de  Niza  he  pelo  Príncipe  deítinado  Plenipo- 
tenciário dã  paz  entre  Portugal ,  e  Caítella  ,   57  5"- 

Marquez  de  Sande  ,  veja-fe  Francifco  de  Mello, 

Miguel  Caries  de  Távora  exercita  o  pofto  de  Sarmento 
maior  de  Batalha  na  de  Montes  Claros  com  infigne 

,  valor, 


6oi  ÍNDICE. 

valor  ,  e  militar  diíciplina  ,  3 17.  No  pcfto  de  Gene- 
ral da  Artilharia  de  Iras  os  iMontes  ganha  o  lagar  de 
Meíquita  rico ,  povoado  ,  e  forte ,  390. 

D.Miguel  da  Silveira  Tenente  General  da  Ca  valia  ria  de 
Trasos  Montes  ,  derrota  a  do  inimigo,  391. 

Monforte  Villa  aberta  rechaça  a  entrada  do  exercito 
Caílelhano  ,  a  quem  fe  oppoem  íeu  Governador  An- 
tónio Álvaro  Vellez  da  Silveira;  mas  prezo  pelos  pai- 
zanos ,  he  entregue  com  a  Villa  ao  inimigo ,    4. 


N 


NEgociospoliticos  da  Gorte  de  França  no  anno  de 
1666.  ,  conducentes  a  Portugal ,  406. 

Nicoláo  de  Langres  ,  Ingenheiro  Francez  ,  que  muitos 
annos  íervira  em  favor  de  nolsas  Armas ,  e  infielmen- 
te ie  pafsara  ás  de  Caítella  ,  vem  no  feu  exercito  fitiar 
Villa- Viçofa ,  onde  numa  bala  lhe  tira  a  vida ,  ecafti- 
ga  íua  vil  ingratidão  ,   329.  e  feg. 

Nobreza ,  e  Fidalguia  da  Corte  Portugueza  pafsa  com 
o  foccorro  para  recuperar  Évora  ,  1 54. 

Noticias  da  conquiíla  de  Tangere  no  anno  de  i66t„9$l 
Da  guerra  da  índia.  Ibid«,  e  96.  Dos  negócios  extran- 
geiros  110  anno  de  16630196.D0  eítado  das  Embaixa- 
das no  anno  de  16640*68.  Dos  negócios  políticos  nas 
Cortes  deEuropa  no  anno  de  1665:  >3f7«Da  guerra  da 
índia  ,  365".  Do  partido  de  Penamacor  no  anno  de 
1666.  39J. 


O 


Fíiciaes ,  e  Cabos  do  nofso  exercito ,  que  anciofa- 
mente  deíejaô  dar  a  batalha  do  Amexial  ,  com  ra- 
ro valor  ihvefterh  as  tropas  inimigas  ,  e  accendem  o 
combate  ,  n8.e  139. 
Oração  ,  que  fez  o  Vereador  mais  antigo  do  Senado  na 

entrada  da  Rainha  Franceza  ,  45'6« 
Ouguella  fe  rende  ao  exercito  inimigo  fem  a  devida  re- 

fiftencia? 


" 


IN  Dl  CE.  6o) 

íiftencia  >  e  o  Capitão  ,  que  a  governava  ,  com  outro 
de  Infante  ria  ,  e  hum  Ajudante  ,  íaó  punidos  com 
morte  vil  de  forca  ,  f .  e  6. 


PApel ,  que  fe  lêo  a  EIRey  £>•  Aifonfo ,  juílificando 
a  prizaõ   de  António  de  Conte  ,  leu  irmaô  ,  e  ou* 
tros  ,  que  o  diftrahiaò  ,  6  o.  e  feg. 

Paymogo  i  Villa  no  Condado  de  Niebla  ,  fe  rende  ao 
Conde  de  Schomberg  ,  que  a  deixa  prefidiada  ,  369. 
Querem  os  Caftelhanos  recuperar  efta  Villa  j  heioc- 
corrida,  e  retiraõ-ie ,   372. 

Pazes  ,  que  ofièrece  Caftella  a  Portugal  de  Reino  a  Rei- 
no, iaõ  generofamente  repudiadas  ,  439.  OsCafte- 
lhanos  prifioneiros  asíolicitaõ  ,  563.  Empenho ,  com 
que  por  parte  de  França  a  eftorvaó  ,  564.  Por  Caftella 
iaó  anciolamente  folicitadas,  e  confeguidas,  fóf.Paf- 
fa  a  Lisboa  o  embaixador  de  Inglaterra  em  Madrid, 
e  com  a  mediação  de  feu  Rey  fe  ajuftaó,  $?wté  581 . 

Pedro  Ceiar  de  Menezes,  no  pofto  de  General  da  Caval- 
laria  ,   desbarata  a  inimiga  ,  391. 

Pedro  Jaques  de  Magalhães,acha-ie  na  batalha  do  Ame- 
xial,  147.  Reftituido  a  Almeida,  manda  defenfadada- 
. mente  hum  recado  ao  Duque  de  Oisuna,  e  interpren- 
de  a  Villa  de  Guinaldo  ,  que  íe  ganha  por  atealto ,  e 
delia  fe  tira  riquiílimo  deipojo,  185.  Faz  luima  en- 
trada para  provocar  ao  Duque  j  eavizado  que  o  ini- 
migo vinha  roubar  o  gado  de  Almeida  ,  acode  logo, 
põem  em  fugida  quatrocentos  cavallos,  que  defampa- 
raõ trezentos  Infantes,  e  a  maior  parte  perece  Dc{- 
pict-fe  da  impiedade,  com  que  o  Duque  queima  as 
íearas  ,  vai  a  Sobradilho  ,  que  entrega  ao  fogo,  251. 
e  feg.Soccorre  a  toda  a  prefsa  Caftello-Rodrigo  íitia- 
do  pelo  Duque,  q  acceleradamente  foge  desbaratado 
-de  mui  inferior  poder,  25-3.  e  feg.  Em  outra  entrada 
faquêa  ,  e  queima  Serrai vo  ,  157.  Interprende  Freixe- 
neda ,  que  obftiaada  refifte  i  e  rendida ;  lie  laqueada, 


604  ÍNDICE. 

2 58. Dilata  feus  triunfos  na  batalha  de  Montes  Claros, 
318.  A'  viíta  de  Ciudad-Rodrigo  faquêa  três  lugares, 
e  com  muito  gado, e  a  campanha  deílruida  fe  recolhe, 
3  5" a.  Saquêa  Retortilho  ,  manda  queimar  doze  Villas, 
e  lugares ,  e  em  falvo  retira  fua  gente  rica  de ■delpo- 
jos  ,391.   Com  valor ,  e  deítreza  ganha  Redondo ,  e 
Umb rales  í  exercitando  generofa  clemência  cora  os 
rendidos.  Ibid. 
D.  Pedro  Infante  ,  e  depois  Rey  de  Portugal ,  trata  a 
Rainha  íuamãy  dar-lhe  caía  ,  porfenaõ  inficionai: 
com  os  indecentes  exercícios  d'ElRey  feu  irmaô,  £2. 
Reíentido  dos  defabrimentos ,  que  no  irmaõ  acha,  fe 
lhe  queixa  ,  e  pede  licença  para  fe  retirar  da  Corte , 
46x5ahe  da  Corte  para  a  quinta  de  Queluz, 46  2.V0I- 
ta  á  Corte-Real  com  a  permifsaõ  de  nomear  Gentis- 
homens  da  Camera,que  lhe  aífiítaõ,463.Fomentaõ  os 
Caílelhanos  prifioneiros  as  defconíianças  do  Infante 
com  EIRey ,  464.  Crefce  a  averfaõ  d' EIRey  para  com 
o  Infante,e  com  rara  prudência  a  dilíimula  ,  468.Re- 
noyaõ-íeas  defconíianças,  refolve-fe  o  Infante  a  ata- 
lhar a  difsoluçaõ  d'ElRey ,  o  que  participa  ás  pefsoas 
mais  qualificadas  da  Corte,  476.  Sabendo,  que  o  Paço 
fe  armava  fem  lhe  dar  conta ,  queixa-fe  a  EIRey  pe- 
dindo-lhe  ,  que  a  parte  de  íi  o  valido  ,  como  inítru- 
mento  delia  myíleriofa  novidade,  477.  Divide-fea 
Nobreza  fegundo  a  inclinação  a  cada  qual  dos  Prínci- 
pes ,  481.  Procura  congraçar-fe  com  EIRey  (auíen- 
tado  o  Conde  valido  )  fem  effeito  ,  499.  Perturbações 
da  Corte,  508.  Toma  poise  do  governo,  522.  Heju. 
rado  em  Cortes  por  Príncipe  ,  e Governador,  ^27- 
Nellas  fejuítificaõ  as  caufas  da  depofiçaõ  d^lRey; 
5i9.Ajuíla-fe  o  cafamentodo  Príncipe  com  a  Rainha, 
invalidado  por  fentença  o  primeiro  Matrimonio, 548. 
Vem  difperifaçaõ  do  Lagado  do  Papa  em  França  na 
impedimento  de  publica  honeítidade,  e  depois  a  con- 
firma o  Papa  ,  ^5*0.  efeg.  Celebra-fe  o  cafamento, 
560.  Juramento  ,  que  faz  como  Príncipe  ,  e  Gover- 
nador do  Reino  ,   561.  Admitte  a  paz  ,  queCaítella 
âhe  offerece,na  qual  he  mediador  EIRey  de  Inglater- 


ra, 


ÍNDICE.  6o? 

ra  ,  $70.  Norriea  Plenipotenciários  para  o  Tratado  de 
paz  ,  57 1 .  Ajufta-fe  r  e  publica-íe  a  paz  entre  Portu- 
gal ,  eCaftálla  com  geral  applaufo  de  ambas  as  Co- 
roas. Ibid.  até  5  86- 
Principe  de  Parma  ,  General  da  Cavallaria  extrangeira 
inimiga,  defifte  da  interpreza  de  Valença  de  Alcânta- 
ra com  perda  coníideravel  pela  boa  vigilância  de  feu 
prefidio,i89.  Sahe  de  Badajoz  em  oppoíiçaõ  de  huma 
entrada,  e  preza  confeguida  dos  nofsos ,  que  deforde- 
nada ,  e  conf  ufamente  mal  lograó  a  empreza  ,  pade- 
cendo total  derrota ,  377.  e  ieg. 


Q 


QUeixas  do  Infante  D.  Pedro  a  EIRey ,  com  que  fe 
recolhe  a  Queluz  ,  460.  e  489 
Queixas  do  Meílre  de  Campo  General  Gil  Vaz  Lo- 
bo ,  com  que  juíUfica  as  defavenças  com  o  Conde  de 
Sehomberg  ,  e  por  efte  bem  diículpadas ,  141.  e  feg. 
Queixas  da  Rainha  Regente,  com  que  exprime  a  mágoa 
dos  defabrimentos  padecidos ,  189. 


R 


RAinha  de  Inglaterra  Dona  Catharina,  fua  deípedi- 
da  da  Rainha  mãy  ,  e  mageftofa  difpofiçaõ  ,  com 
que  fe  embarca,49.  e  feg.Defembarca  em  Porftmouth 
.  cõduzida  a  terra  pelo  Duque  de  York  com  geral  agra- 
do ,  86  e  feg.  Entra  em  Londres  ,  onde  he  recebida 
com  magnifico  apparato  ,  9  x  Manda  feu  Inviado  a 
Roma,implorando  a  benignidade  do  Papa  a  favor  da- 
quelle  Reino  ,  e  de  Portugal ,  196. 
Rainha  D.  Luiza  viuva  d4 EIRey  D.  João  o  IV.  dá  cafa, 
enomea  Oííiciaes  ao  Infante,  51.  e  53.  Determina  en- 
tregar o  governo  a  EIRey  feu  filhoje  vários  difcurfos 
íobreeftarefoluçao,54.e  55  Manda  préder  a  António 
de  Conte,»  íeu  irmaõ,e  a  outras  pefsoas  indignas,que 

perver- 


w 


606  ÍNDICE. 

pervertião  a  EIRey,  58.  Entrega  osáejlos  í  e  governo 
a  EIRey  ,  78.  contir-a  eíiaie  deíènfjféaa  averíaõ,  e  in- 
iolencia  da  vil  plebe  ,  que  achava  afylo  nos  indecoro- 
fos  divertimentos  d'ElRey,  a  eite  çompaíso  delentoa 
a  veneração  ,  que  devia  'hum. filho  a  tão  benemérita 
mãy ,  82.  Retira-fe  ao  Convento  de  Agoítinhas  Def- 
calças,queedificara,i86-  e  íeg.  Aggraya-íe-lhe  mortal 
doença  ,  efcreve  aos  Jilhos  a  Salvaterra  ,  e  com  herói- 
cos ac~tos.de  piedade  Chriítãa  morre  no  íeu  Convento, 
44*.  e  feg.  Difpofição  do  funeral ,  444.  Elogio  de  fua 
vida ,   44a. 

Rainha  D.  Maria  Francifca  Ifabel  de  Saboya  fe  embarca 
na  Arrochella  para  Portugal,  432.  Chega  a  Lisboa, 
he  recebida  com  geral  applaufo  da  Corte,  e  pouco  al- 
voroço d'ElRey,449-e  leg.  Feítas,com  cjue  íe  celebra 
a  entrada,  45:4.  Continuaõ-fe  fumptudías  feitas  ap- 
plaudindo  o  caíamento  ,  464,  Novo  accidente  ,  que 
exafpéra  a  prudência  da  Rainha  ,  475.  Retira-fe  ao 
Convento  da  Efperança  ,  5*13.  Expoem-fe  emjuizo 
as  caufasdo  divorcio,  fi6»  Dá-fe  fentença,julgando- 
fe  o  Matrimonio  por  nullo,  5" 47.  Inítaõ  os  três  braços 
das  Cortes  pelo  eafamento  com  o  Príncipe  D.  Pedro, 
para  o  qual  he  impetrada  difpenfaçaó  Apoítolica,  548 
e  feg.  Celebra-fe  o  Matrimonio  ,  5*60 

Repofta  com  donayre  dela  Coité, valorofo  Francez,que 
governava  Alegrete  ,  a  D.  Jpaó  de  Auítria  íobre  não 
entregara  Villa  ,  que  fica  fem  offenfa ,  ç. 

Rey  de  França,convida  ao  de  Portugal  com  a  liga  deitas 
duas  Coroas,  e  promettetodo  o  auxilio  para  cótinuar- 
mos  guerra  cõtra  os  Caítelhanos,e  firma-fe  a  ligado.' 

D.  Rodrigo  de  Ca  ítro,  Conde  de  Mifquitella,  paísa  a 
Alemtejo  com  o  titulo  de  Governador  das  Armas ,  9* 
Volta  a  Lisboa  ,  onde  fallece ,  ir. 


Qm  Sancho  Manoel ,  (aheem  campanha  contra  o 
exercito  do  Duque  de  Ofsuna,  e  obriga-o  a  retirar- 


- 


ÍNDICE.  6o7 

fe  ,  46.  Aperfeiçoa  ,  e  guarnece  o  Forte  de  ÊfcaUiao, 
que  o  Duque  começara.  Ibid.  E  fendo  entregue  por 
trato  vil  aos  Gaítelnanos,  torna  a  ganhallo  com  bate- 
rias, e  aproxes ,  47. He  nomeado  Governador  das  Ar- 
mas de Alemtejo,.  101.   Parte  para  Eítremoz  a  pre- 
venir o  exercito  ,  102.  Marcha  afoccorrer  Evora,que 
acha  rendida  com  debii  reíiítencia  >  1 1 2.  Intenta  ga- 
nhar Olivença,  1  i9.0ccurrencias,que  defvanecem  eíla 
empreza,  iie.  Approva  o  parecer  de  íe  dar  a  batalha 
do  Amexial,  140.  Exhorta  o  exercito  com  prudentes 
razoes,  14 2. Logra  os  applaufosda  vidtoria,  gratulan- 
do  aõs Cabos,  eOíficiaes  o  valor  da  difcipHna ,  com 
que  íe  confeguio  aquelle  triunfo,  149.  Difooem  ao 
exercito  para  recuparar  Evora,e  marcha  para  cita  Pra- 
ça,  1  $  £.  Tendo-a  fitiado ,  fe  lhe  entrega  ,  1Í4. 
Simáõ  de  Vafconcellos,  Governador  daCavallaria  de 
Lisboa,  marcha  no  exercito,  que  vaifoccorrer  Villa. 

Viçofa  ,  310.  , 

Soccorros  de  Infantería ,  e  Cavallaria  de  Inglaterra  cie- 
gaô  a  Lisboa,  7. 

Soccorro  deLisboa  chega  a  incorporar-le.com 
to  ,  que  fe  difpoem  para  recuperar  Évora  , 

Souzel,  Villa  no  Alemtejo,  intentaõ  osCafteU 
interpreza  ,  e  faó  valorofamente  rebatidos 

Succeísos  das  Embaixadas  no  anno  de  1 66  2. , 
na  Provinda  deTras  os  Montes  no  anno  de 
Vários  do  anno  de  166+ no  Minho,  24  j.Varbs  defte 
anno  em  Trás  os  Montes  ,  245:.  Vários  depanno  na 
Beira,  147? Vários  confeguidos  depois  d/ganhada  a 
batalha  de  Montes  Claros  no  anno  de  réW-»  l$7  •  ®s 
da  Província  de  Entre  Douro  ,  e  Minho  és  ânuos  de 
%66?.Q  1668 -^86.0s  da  índia  no  anno  4  1^6., i97 


execi- 

inos  Tua 

Vários 
.3,184 


T 


TÀngere ,  Praça  de  Armas  em  Africa  Je  entrega  aos 
ínglezes  em  cumprimento  do  Tratai  fobre  o  cala- 
mento  da  Infanta  D.  Caiharioa  comE^Uy  da  Gram- 
Bretanha  ,  $$• 


■f 


Três  Eftados  do  Reino  juraõ  ao  Príncipe  pôr  Governa- 
e  Curador  d*  EIRey  ièu  irmaõ ,  yór. 


60% 


índice. 


dor 


Tunittlto  no  Povo  de  Lisboa,  alterado  com  a  nova  defe 
tênder  Évora,  110. 


V 


VAI  de  la  mula,  he  afsaltado  pelo  Meítre  de  Campo 
Manoel  Ferreira  Rebello,que valorofamente  entra 
na  Praça  ,  e  a  íaquéa  ,  e  queima,  retirando-fe  com  ri- 
co deítfojo,e  preza  de  gado  fem  oppoíiçaójiSj.  e  feg*! 

Valença/ie  Alcântara ,  he  íitiada  pelo  exercito  do  Mar- 
quez de  Marialva,  expugnada,  e  rendida,  2 1  ç.Perten* 
de  r^cobralla  por  interpreza  Alexandre  Farnezio  Ge- 
iieral  da  Cavallaria  extrangeira  inimiga  ,  eretira-íe 
<pm  máo  fuccefso ,  289. 

Veros,  lugar  aberto,he  entrado  do  exercito  de  D.  João 
■Jp  Auftria  ,  4. 

Vila- Viçofa, pátrio  folar  da  Sereniífíma  Cafa  de  Bragan- 
d ,  reítauradora  da  Mageftade  Portuguezajdefcreve- 
f^ívu  fundação  ,  e  excellencias ,  298.  He  íitiada  pelo 
nameofo  exercito  deCaílella,  299.  Defende-fe  valo-; 
rofarrpnteaGidadella,30}.Sahe  de  Eftremoz  o  Mar- 
quez b Marialva  como  exercito  aloccorrella  ,  30& 
Dá-fi  batalha  ,  eficaô  vencidos  os  Caítelhanos  em 
Monii  Claros,  $ 1&.  Morrem  mais  de  quatro  mil  ini- 
migoaeficaõ  mais  de  féis  mil  priíioneiros,  e  três  mil  e 
quinhètos  cavallos  j  contaõ-fe  os  Cabos,  e  Officiaes 
mortos\í  o  grande  defpojo  do  exercito ,  3  $o.e  feg. 

F  I  M 

DEíTE  QUARTO  TOMO. 


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V.4